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UNESP
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“Júlio de Mesquita Filho”
Instituto de Artes
Programa de Pós-Graduação em Artes
Mestrado
O DOENTE IMAGINÁRIO, DE MOLIÈRE, ENCENADO PELO TEATRO
DO ORNITORRINCO (1989)
ANDRÉA ANGOTTI FERREIRA
São Paulo
2008
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UNESP
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“Júlio de Mesquita Filho”
Instituto de Artes
Programa de Pós-Graduação em Artes
Mestrado
O DOENTE IMAGINÁRIO, DE MOLIÈRE, ENCENADO PELO TEATRO
DO ORNITORRINCO (1989)
ANDRÉA ANGOTTI FERREIRA
Dissertação submetida à UNESP como requisito
parcial exigido pelo Programa de Pós-Graduação
em Artes, área de concentração em Artes Cênicas,
linha de pesquisa Teoria, Prática, História e
Ensino, sob a orientação do prof. Dr. Mario
Fernando Bolognesi, para a obtenção do título de
Mestre em Artes.
São Paulo
2008
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FICHA CATALOGRÁFICA
FERREIRA, Andréa Angotti.
O doente imaginário, de Molière, encenado pelo Teatro do O
rnitorrinco
(1989).
São Paulo, 2008 – 246 folhas.
Dissertação – Mestrado. Instituto de Artes da Univers
idade Estadual Paulista
UNESP.
Orientador: Prof. Dr. Mario Fernando Bolognesi
Palavras-Chave: 1. Teatro do Ornitorrinco, 2. Teatro Brasileiro,
3.
Comicidade e 4. Riso
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________________
Prof. Dr. Mario Fernando Bolognesi (Orientador)
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Reynuncio Napoleão de Lima (membro)
______________________________________________________________________
Profª. Drª. Neyde Veneziano (membro)
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, pela oportunidade de concretizar um sonho e por manter a
minha total sanidade. À minha mãe, Mirian, meu pai Cláudio, meu irmão Marco Aurélio e a
minha irmã Ariadne, pelo amor, apoio, incentivo e compreensão em todos os momentos da
minha vida. Ao meu namorado, Rafael, pelos momentos de risos e companheirismo. Aos
meus grandes, verdadeiros e impagáveis amigos: Patrícia Oliani, Carla Oliveira, Thaís
Accorsi, Roseli Refulia, Leslye Revely, Ivanildo Piccoli, Annibal Montaldi, Paulo Cavalcante
e Ailton de Alcântara pela força, gargalhadas, respeito, companheirismo, inspiração e infinitas
e preciosas ajudas. À eterna Mestra, Eleusa Molinari, pelos meus primeiros livros de teatro e
pelas aulas divertidas, repletas de poesia e sabedoria. Ao estimado Prof. Dr. Reynuncio
Napoleão de Lima pelos riquíssimos ensinamentos e por ter acreditado no meu potencial. À
Profa. Dra. Berenice Albuquerque Raulino de Oliveira pela contribuição na qualificação e
pelos preciosos contatos que foram imprescindíveis para a realização deste trabalho. Aos
funcionários do Instituto de Artes da Unesp. Aos artistas entrevistados que, por meio de seus
preciosos e importantes relatos, contribuíram para a concretização deste trabalho. Àqueles não
tão dispostos a compartilhar seus conhecimentos e experiências profissionais, e que
colaboraram para que eu batalhasse, ainda mais, pelos meus ideais. Ao meu orientador, Mario
Fernando Bolognesi, pela oportunidade do crescimento profissional.
Muito obrigada.
“Quando os deuses se encontraram e
riram pela primeira vez, eles criaram os
planetas, as águas, o dia e a noite.
Quando riram pela segunda vez, criaram
as plantas, os bichos e os homens.
Quando gargalharam pela última vez,
eles criaram a alma”.
(de um papiro egípcio)
RESUMO
Este trabalho aborda a maneira como o Teatro do Ornitorrinco utilizou a linguagem
cômica em suas produções, tendo como enfoque a montagem de O doente imaginário, de
Molière, realizada pelo grupo em 1989. Fundado no final da década de 1970, este grupo
paulistano propunha a reteatralização.
No primeiro momento, esta pesquisa refaz, de maneira cronológica, a trajetória do
Ornitorrinco ao abordar as encenações realizadas pelo grupo ao longo de seus trinta e um
anos. Para isso utiliza documentos oficiais, matérias jornalísticas (reportagens e críticas), e
entrevistas semi-estruturadas com os artistas que participaram do Teatro do Ornitorrinco.
Em seguida (Capítulos 2 e 3), procura-se compreender a forma como o Ornitorrinco
adaptou o texto O doente imaginário e o transpôs para a cena, de acordo com as propostas e
os objetivos iniciais trazidos pelo grupo, desde a sua formação. As Considerações Finais
enfatizam as contribuições trazidas pelo Teatro do Ornitorrinco para o teatro brasileiro.
Palavras-Chave: Teatro do Ornitorrinco; teatro brasileiro; comicidade; riso.
ABSTRACT
This work approaches the way as the Teatro do Ornitorrinco used the comic language
in its productions, having as approach the assembly of The imaginary sick, of Molière, carried
through for group 1989. Established in the end of the decade of 1970, this paulistano group
considered the re-teatralization.
At the first moment, this research remakes, in chronological way, the Ornitorrinco’s
trajectory when approaching the stages carried through for the group througlout its thirty-one
years. For this, it uses official documents, journalistic substances (critical news and articles)
and interviews haf-structuralized with the artists who had participated of the Teatro do
Ornitorrinco.
After (chapters 2 and 3) try to understand the form as the Ornitorrinco adapted the text
The imaginary sick and he transposed it to the scene in accordance with the proposals and the
initial objectives brought by the group, since its formation. The Final Consideration
emphasize the contributions brought for the Teatro do Ornitorrinco for the brazilian theater.
Key-Words: Teatro do Ornitorrinco; brazilian theater; comicity; laugh.
SUMÁRIO
Introdução.......................................................................................................................
14
Capítulo I - O Teatro do Ornitorrinco: história e percurso.......................................
22
Capítulo II - A comicidade das palavras na adaptação do texto O doente
imaginário.............................................................................................
74
Capítulo III – A comicidade na encenação: gestos e situações...................................
88
Considerações Finais......................................................................................................
121
Referências Bibliográficas..............................................................................................
126
Anexos
Anexo A – Entrevistas...........................................................................................
135
Anexo B – Fichas técnicas dos espetáculos...........................................................
198
Anexo C – Premiações..........................................................................................
221
Anexo D
Programas e materiais de peças encenadas pelo Teatro do
Ornitorrinco..................................................................................
223
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Fotos
Foto 1
Primeira foto do grupo em 1997 ..................................................................... 22
Foto 2
Peça Os mais fortes (O pária) .................................................
.......................
28
Foto 3
Peça Os mais fortes (Simun) ........................................................................... 30
Foto 4
Peça Os mais fortes (A mais forte) ................................................................. 31
Foto 5
Peça Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill .........................................
32
Foto 6
Peça Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill .........................................
32
Foto 7
Peça Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill .........................................
33
Foto 8
Elenco da peça Mahagonny songspiel (1ª versão) ..........................................
35
Foto 9
Elenco da peça Mahagonny songspiel (2ª versão) ..........................................
35
Foto 10
Elenco da peça Mahagonny songspiel (3ª versão) ..........................................
35
Foto 11
Peça Mahagonny songspiel .............................................................................
36
Foto 12
Peça Mahagonny songspiel .............................................................................
36
Foto 13
Peça Mahagonny songspiel .............................................................................
37
Foto 14
Peça O belo indiferente ...................................................................................
38
Foto 15
Elenco da peça Ubu, folias physicas, pataphisicas e musicaes (1985;
versão) .............................................................................................................
39
Foto 16
Peça Ubu, folias physicas, pataphisicas e musicaes .......................................
39
Foto 17
Peça Ubu, folias physicas, pataphisicas e musicaes .......................................
39
Foto 18
Peça Ubu, folias physicas, pataphisicas e musicaes .......................................
40
Foto 19
Peça Ubu, folias physicas, pataphisicas e musicaes .......................................
40
Foto 20
Peça Ubu, folias physicas, pataphisicas e musicaes .......................................
41
Foto 21
Peça Ubu, folias physicas, pataphisicas e musicaes .......................................
42
Foto 22
Peça Ubu, folias physicas, pataphisicas e musicaes .......................................
43
Foto 23
Peça Teledeum ................................................................................................ 44
Foto 24
Peça Teledeum ................................................................................................ 45
Foto 25
José Celso Martinez Corrêa em apoio ao Ornitorrinco contra a censura da
peça Teledeum ................................................................................................
45
Foto 26
Adesão do público contra a censura da peça Teledeum ..................................
46
Foto 27
Peça A velha dama indigna .............................................................................
48
Foto 28
Elenco e equipe técnica da peça O doente imaginário ................................... 49
Foto 29
Peça O doente imaginário .............................................................................. 49
Foto 30
Peça O doente imaginário .............................................................................. 49
Foto 31
Peça O doente imaginário .............................................................................. 50
Foto 32
Elenco da peça O doente imaginário em frente ao Teatro Municipal de São
Paulo ...............................................................................................................
52
Foto 33
Peça Sonhos de uma noite de verão ................................................................
53
Foto 34
Peça Sonhos de uma noite de verão ................................................................
53
Foto 35
Peça Sonhos de uma noite de verão ................................................................
54
Foto 36
Peça Sonhos de uma noite de verão ................................................................
55
Foto 37
Peça Sonhos de uma noite de verão ................................................................
56
Foto 38
Elenco e equipe técnica do espetáculo Amor de Dom Perlimplim com
Belissa em seu jardim .....................................................................................
57
Foto 39
Peça Amor de Dom Perlimplim com Belissa em seu jardim .......................... 57
Foto 40
The comedy of errorsDelacorte Theatre – agosto de 1992 ………........... 59
Foto 41
Elenco e equipe técnica da peça A comédia dos erros ................................... 59
Foto 42
Peça A comédia dos erros ...............................................................................
59
Foto 43
Elenco da peça Ubu, folias physicas, pataphisicas e musicaes (1996;
versão) .............................................................................................................
62
Foto 44
Elenco da peça O avarento ............................................................................. 63
Foto 45
Peça O avarento ..............................................................................................
63
Foto 46
Elenco e equipe técnica da peça Scapino ....................................................... 64
Foto 47
Peça Scapino ................................................................................................... 65
Foto 48
Elenco e equipe técnica da peça O marido vai à caça! .................................. 66
Foto 49
Peça O marido vai à caça! ..............................................................................
67
Foto 50
Peça O marido vai à caça! ..............................................................................
67
Foto 51
Peça A megera domada .................................................................................. 70
Foto 52
Peça A megera domada .................................................................................. 71
Foto 53
Peça O doente imaginário, momento que antecede o início do espetáculo ....
89
Foto 54
Peça O doente imaginário. Prólogo ................................................................
89
Foto 55
Peça O doente imaginário. Prólogo ................................................................
90
Foto 56
Peça O doente imaginário. Prólogo ................................................................
90
Foto 57
Peça O doente imaginário. Prólogo ................................................................
90
Foto 58
Peça O doente imaginário. Cena do carnaval .................................................
91
Foto 59
Peça O doente imaginário. Cena V ................................................................ 94
Foto 60
Peça O doente imaginário. Cena V ................................................................ 95
Foto 61
Peça O doente imaginário. Cena V ................................................................ 95
Foto 62
Peça O doente imaginário. Cena VI ............................................................... 96
Foto 63
Peça O doente imaginário. Cena VII ..............................................................
97
Foto 64
Peça O doente imaginário. Cena VII ..............................................................
97
Foto 65
Peça O doente imaginário. Cena VII ..............................................................
97
Foto 66
Peça O doente imaginário. Cena do primeiro intermezzo .............................. 99
Foto 67
Peça O doente imaginário. Cena do primeiro intermezzo .............................. 99
Foto 68
Peça O doente imaginário. Cena do primeiro intermezzo .............................. 99
Foto 69
Peça O doente imaginário. Cena do primeiro intermezzo .............................. 99
Foto 70
Peça O doente imaginário. Cena do primeiro intermezzo .............................. 99
Foto 71
Peça O doente imaginário. Cena do primeiro intermezzo .............................. 99
Foto 72
Peça O doente imaginário. Cena do primeiro intermezzo .............................. 100
Foto 73
Peça O doente imaginário. Cena do primeiro intermezzo .............................. 100
Foto 74
Peça O doente imaginário. Cena IX ............................................................... 100
Foto 75
Peça O doente imaginário. Cena XIII ............................................................ 101
Foto 76
Peça O doente imaginário. Cena XIII ............................................................ 102
Foto 77
Peça O doente imaginário. Cena XIV ............................................................ 102
Foto 78
Peça O doente imaginário. Cena XIII ............................................................ 103
Foto 79
Peça O doente imaginário. Cena XVII ...........................................................
106
Foto 80
Peça O doente imaginário. Cena do segundo intermezzo ...............................
107
Foto 81
Peça O doente imaginário. Cena do segundo intermezzo ...............................
107
Foto 82
Peça O doente imaginário. Cena do segundo intermezzo ...............................
107
Foto 83
Peça O doente imaginário. Cena do segundo intermezzo ...............................
107
Foto 84
Peça O doente imaginário. Cena do segundo intermezzo ...............................
107
Foto 85
Peça O doente imaginário. Cena do segundo intermezzo ...............................
107
Foto 86
Peça O doente imaginário. Cena do segundo intermezzo ...............................
108
Foto 87
Peça O doente imaginário. Cena XXIV ......................................................... 111
Foto 88
Peça O doente imaginário. Cena XXIV ......................................................... 111
Foto 89
Peça O doente imaginário. Cena XXVII ........................................................ 112
Foto 90
Peça O doente imaginário. Cena da platéia ....................................................
113
Foto 91
Peça O doente imaginário. Cena da platéia ....................................................
113
Foto 92
Peça O doente imaginário. Cena XXIX ......................................................... 114
Foto 93
Peça O doente imaginário. Cena XXXI ......................................................... 114
Foto 94
Peça O doente imaginário. Cena do terceiro intermezzo ................................
116
Foto 95
Peça O doente imaginário. Cena do terceiro intermezzo ................................
116
Foto 96
Peça O doente imaginário. Cena do terceiro intermezzo ................................
117
Foto 97
Peça O doente imaginário. Cena do terceiro intermezzo ................................
117
Foto 98
Peça O doente imaginário. Cena do terceiro intermezzo ................................
118
Foto 99
Cacá Rosset .....................................................................................................
135
Foto 100
José de Anchieta ............................................................................................. 145
Foto 101
Cássia Venturelli .............................................................................................
148
Foto 102
Victor Nosek ................................................................................................... 150
Foto 103
Christiane Tricerri ...........................................................................................
154
Foto 104
Mônica Monteiro ............................................................................................ 156
Foto 105
José Rubens Chachá ....................................................................................... 159
Foto 106
Rubens Caribé .................................................................................................
164
Foto 107
Rosi Campos ................................................................................................... 167
Foto 108
Tereza Freire ................................................................................................... 170
Foto 109
Eduardo Silva ..................................................................................................
173
Foto 110
Guto Vasconcelos ........................................................................................... 176
Foto 111
Maria Alice Vergueiro .................................................................................... 179
Foto 112
Augusto Pompeo .............................................................................................
182
Foto 113
Mário Cesar Camargo .....................................................................................
184
Foto 114
Paulo Contier .................................................................................................. 187
Foto 115
André Caldas .................................................................................................. 189
Foto 116
Guy Corrêa ......................................................................................................
193
Foto 117
Ana Eliza Colomar ......................................................................................... 195
Imagens
Imagem 1
Maquete do cenário da peça O marido vai à caça! .................................. 67
Imagem 2
Programa da peça O marido vai à caça! .................................................. 68
Imagem 3
Programa da peça Os mais fortes (1977) .................................................. 223
Imagem 4
Primeiro programa da peça Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill
(1977) ........................................................................................................
223
Imagem 5
Programa da peça Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill (1978) .. 224
Imagem 6
Programa da peça Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill, no Rio
de Janeiro/RJ .............................................................................................
224
Imagem 7
Programa da peça Mahagonny songspiel (1982) ......................................
225
Imagem 8
Parte externa do primeiro programa da peça Mahagonny songspiel
(1982) ........................................................................................................
225
Imagem 9
Parte interna do primeiro programa da peça Mahagonny songspiel
(1982) ........................................................................................................
225
Imagem 10
Parte externa do programa da peça O belo indiferente (1983) ................. 226
Imagem 11
Parte interna do programa da peça O belo indiferente (1983) ..................
226
Imagem 12
Programa da peça O belo indiferente encenado no MASP (1984) ........... 227
Imagem 13
Convite da peça O belo indiferente encenado no MASP (1984) ..............
227
Imagem 14
Programa da peça O belo indiferente encenado no Teatro SENAC, Rio
de Janeiro/RJ .............................................................................................
227
Imagem 15
Programa da peça Ubu, folias physicas, pataphysicas e musicaes (1985)
228
Imagem 16
Programa da peça Ubu, folias physicas, pataphysicas e musicaes (1996)
228
Imagem 17
Convites da peça Ubu, folias physicas, pataphysicas e musicaes ............ 228
Imagem 18
Programa da peça Teledeum (1987) ......................................................... 229
Imagem 19
Programa da peça A velha dama indigna (1988) ......................................
229
Imagem 20
Programa da peça O doente imaginário (1989) ........................................
230
Imagem 21
Convite da peça O doente imaginário (1989) ...........................................
230
Imagem 22
Parte externa da programação cultural do Teatro Municipal de Santo
André/SP. Peça O doente imaginário (1990)............................................
230
Imagem 23
Parte interna da programação cultural do Teatro Municipal de Santo
André/SP. Peça O doente imaginário (1990)............................................
230
Imagem 24
Parte externa do panfleto de divulgação das atividades realizadas pelo
Teatro do Ornitorrinco na Oficina Cultural Três Rios, referente à peça
O doente imaginário .................................................................................
231
Imagem 25
Parte interna do panfleto de divulgação das atividades realizadas pelo
Teatro do Ornitorrinco na Oficina Cultural Três Rios, referente à peça
O doente imaginário .................................................................................
231
Imagem 26
Programa da peça Sonho de uma noite de verão (1992) .......................... 232
Imagem 27
Convite para a festa de comemoração da 500ª apresentação da peça
Sonho de uma noite de verão (1993) ........................................................
232
Imagem 28
Programa da peça A comédia dos erros (1994) ........................................ 232
Imagem 29
Programa da peça O avarento (1998) ....................................................... 233
Imagem 30
Programa da peça Scapino (2000) ............................................................ 233
Imagem 31
Programa da peça O marido vai à caça! (2006) .......................................
234
Imagem 32
Programa da peça A megera domada (2008) ............................................
234
Imagem 33
Programa da peça A pororoca (1984) .......................................................
235
Imagem 34
Programa do SESC que contém informações sobre a peça Medéa (1990)
236
Imagem 35
Programa da peça Medéa (1990) .............................................................. 236
Imagem 36
Programa da peça Amor de Dom Perlimplim com Belissa em seu jardim
(1992) ........................................................................................................
237
Imagem 37
Programa da peça La Chunga (1995) ....................................................... 237
Imagem 38
Programa da peça Quíntuplos (1996) ....................................................... 238
Imagem 39
Participação no Festival Latino de Nova Iorque, com a peça
Mahagonny (1994) ....................................................................................
238
Imagem 40
Participação no VII Festival Internacional de Manizales, com a peça
Ubu, folias physicas, pataphysicas e musicaes (1985) .............................
239
Imagem 41
Participação no Encontro com o Brasil, na Alemanha, com a peça Ubu,
folias physicas, pataphysicas e musicaes (1988) ......................................
239
Imagem 42
Participação no Encontro com o Brasil, na Alemanha, com a peça Ubu,
folias physicas, pataphysicas e musicaes (1988) ......................................
239
Imagem 43
Participação no Festival Internacional de Teatro de La Laguna, com a
peça Ubu, folias physicas, pataphysicas e musicaes ................................
240
Imagem 44
Participação no Festival Internacional de Teatro de Cadiz, com a peça
Ubu, folias physicas, pataphysicas e musicaes ........................................
240
Imagem 45
Participação no Festival Internacional de Teatro da Cidade do México,
com a peça O doente imaginário (1989) ..................................................
241
Imagem 46
Participação no Festival Internacional de San Jose por La Paz, com a
peça O doente imaginário (1989) .............................................................
241
Imagem 47
Participação no Festival Latino de Nova Iorque, com a peça O doente
imaginário (1990) .....................................................................................
242
Imagem 48
Participação no Festival Latino de Nova Iorque, com a peça O doente
imaginário (1990) .....................................................................................
242
Imagem 49
Participação no Festival Iberoamericano de Teatro de Cadiz, com a
peça O doente imaginário (1990) .............................................................
242
Imagem 50
Participação no New York Shakespeare Festival, com a peça Sonho de
uma noite de verão ....................................................................................
243
Imagem 51
Participação no New York Shakespeare Festival, com a peça Sonho de
uma noite de verão ....................................................................................
243
Imagem 52
Apresentação da peça A comédia dos erros no Delacorte Theatre de
New York
,
com o elenco norte-americano (1992) .....................................
243
Imagem 53
Participação no VII Festival Internacional de Teatro Hispano de Miami,
com a peça Dom Perlimplim com Belissa em seu jardim (1992) .............
244
Imagem 54
Participação no VII Festival Internacional de Teatro Hispano de Miami,
com a peça Dom Perlimplim com Belissa em seu jardim (1992) .............
244
Imagem 55
Participação no V Festival Iberoamericano de Teatro, com a peça Dom
Perlimplim com Belissa em seu jardim (1993) .........................................
245
Imagem 56
Participação no V Festival Iberoamericano de Teatro, com a peça Dom
Perlimplim com Belissa em seu jardim (1993) .........................................
245
Imagem 57
Participação no XVIII Festival Internacional de Teatro de Vitória
-
Gasteiz, com a peça Dom Perlimplim com Belissa em seu jardim (1993)
245
Imagem 58
Participação no X Festival Internacional de Teatro Hispano, com a peça
La Chunga (1995) .....................................................................................
246
14
Introdução
Esta pesquisa surgiu de uma necessidade profissional de investigar o sentido artístico a
que se propõe a comicidade.
Ao utilizar a linguagem cômica em inúmeros trabalhos, percebi a riqueza contida
nesse gênero, capaz de instigar o pensamento crítico a respeito de uma sociedade acostumada
a não refletir e a não contextualizar seu cotidiano.
Capaz de oscilar entre as mais sublimes e harmoniosas das sensações até as mais
terríveis das humilhações, o riso sempre despertou a curiosidade e o interesse de inúmeros
estudiosos de diversas áreas do conhecimento humano, seja no campo da Sociologia, da
Filosofia, das Artes, da Antropologia, dentre outras.
A escolha pelo Teatro do Ornitorrinco como objeto de estudo decorreu da forte
presença do gênero cômico utilizado em suas produções, seja por meio do repertório
selecionado, bem como pela diversidade dos elementos pertinentes à comicidade contidos nas
suas encenações. O circo, o teatro de revista, o clown, a commedia dell’arte, a farsa francesa e
a comédia latina são exemplos do uso de procedimentos cômicos nas montagens do grupo.
A maneira como o Ornitorrinco se apropriou da linguagem cômica em seus trabalhos
suscitou inúmeras controvérsias e discussões que, quando retomadas, ainda é motivo de muita
polêmica. Portanto, tais apontamentos merecem um olhar investigativo sobre o assunto.
Compreender se os escassos registros, estudos e investigações a respeito do Teatro do
Ornitorrinco decorreram da maneira como esse grupo utilizou a linguagem cômica e se essa
forma de apropriação contribuiu para que esse gênero seja visto e entendido como uma arte
vulgar e de efeitos fáceis, são questões que busquei esclarecer no decorrer desta pesquisa.
15
Posto isso, o objetivo deste trabalho é propiciar ao meio acadêmico e à comunidade
artística em geral a oportunidade de ampliar o repertório em relação ao gênero cômico e
contribuir para a realização de novos estudos e procedimentos artísticos acerca desse tema.
Pretendi refletir, também, sobre a função a que se propõe a comicidade ao tomar como
referência uma das montagens realizadas pelo grupo Ornitorrinco, O doente imaginário, de
Molière, relacionando o texto dramático e a encenação dessa peça com os recursos cômicos
apontados por dois estudiosos do gênero: Vladimir Propp e Henri Bergson.
O estudo de Propp
1
a ser utilizado no desenvolvimento desta pesquisa está contido em
sua obra Comicidade e riso (1992). O autor estabelece uma tipologia do cômico ao tomar
como referência a literatura e a cultura popular, sem atribuir uma atenção especial à categoria
do cômico enquanto linguagem filosófica e estética. As principais fontes literárias e culturais
são de origem russa, mas há, ao mesmo tempo, uma abordagem sistematizada de fontes
alemãs.
Para a elaboração de seus estudos em torno da comicidade, Vladimir Propp levou em
consideração não apenas as obras estritamente literárias, como também o circo, o teatro de
variedades, a comédia cinematográfica e as conversas ouvidas em diferentes lugares.
no início do trabalho, ele menciona a necessidade da teoria em qualquer campo do
conhecimento humano e a necessidade de se fazer um estudo sério e imparcial dos fatos, a
partir de elementos concretos, e não de abstrações, como fizeram, segundo ele, outros teóricos
(como Bergson). Assim, ele afirma a importância decisiva que o método pode ter em uma
pesquisa.
1
Vladimir Iákovlevitch Propp (29/4/1895 22/8/1970), filósofo e etnólogo russo, trabalhou como professor de
alemão e folclore na Universidade de Leningrado, de 1938 até 1970, ano em que faleceu. No decorrer de sua
vida acadêmica, dedicou-se a resgatar os valores da tradição oral e do folclore na literatura.
16
O teórico tece uma crítica em relação à maioria das ciências contemporâneas que se
constroem apenas com base nas formulações de hipóteses, característica presente na maioria
das estéticas do século XIX e início do século XX. Para ele, são os exemplos que mostram
quais são “os fatos” e quais “categorias de fatos” levam a uma determinada conclusão. Propp
afirma que o método dedutivo parte de hipóteses e colhe os exemplos capazes de ilustrar e
demonstrar a veracidade dessas. Tal método se justifica quando os fatos são insuficientes,
quando não podem ser observados diretamente e/ou quando não são passíveis de explicação
por outro caminho.
Ele opta, portanto, por utilizar o método indutivo, pois acredita que somente assim
permitirá um estabelecimento confiável de verdades ao evitar a abstração e suas
conseqüências, por não partir de teses apriorísticas, mas sim de um cuidadoso estudo
comparativo e de uma análise dos fatos para chegar a uma conclusão.
Na análise do cômico, além de recusar qualquer definição abstrata, como citado
anteriormente, rejeita o enquadramento do gênero como problema estético ou filosófico.
Os objetivos almejados por Propp em Comicidade e riso são os de revelar a natureza
da comicidade em sua especificidade, em suas diversas manifestações. O autor se propõe a
investigar os diferentes aspectos da comicidade que levam aos diversos tipos de riso, tais
como o riso alegre, o riso cínico, o riso de zombaria, dentre outros.
Ele aponta que uma das questões mais difíceis e controversas da estética é o caráter
estético e extra-estético da comicidade. Relata que o extra-estético seria qualquer tipo de riso
que não se origina de obras de arte, e que as formas “baixas” do cômico também não são
habitualmente consideradas pertencentes ao domínio da estética.
17
O autor deixa claro que, ao investigar o cômico, a psicologia do riso e suas formas de
percepção, não levará em consideração a teoria dos dois aspectos da comicidade. Essa teoria
refere-se à comicidade de ordem “superior”, “alta” ou “fina” e à comicidade de ordem
“inferior”, “baixa” ou “vulgar”, oriunda no século XIX, pautada em uma estética burguesa.
Essa diferenciação entre “alta” e “baixa” ocorre também no campo social, em que o aspecto
superior da comicidade se faz presente nas pessoas cultas, nos aristocratas de espírito e de
origem, enquanto que o aspecto inferior está reservado à plebe, ao vulgo e à multidão. Além
disso, discorda da contraposição do cômico em relação ao trágico e sublime, defendida por
Aristóteles.
O fato de desconsiderar a teoria dos dois aspectos da comicidade e de se posicionar
contra a concepção aristotélica do cômico em contraposição ao trágico, reforça o conceito
segundo o qual esse gênero possui a sua particularidade e, portanto, deve ser pensado e
investigado levando em consideração a sua especificidade.
Para Propp, os conceitos atribuídos ao cômico pelos filósofos idealistas como Hegel,
Vischer e Schopenhauer, dentre outros, são exclusivamente negativos e depreciativos, pois
discorrem sobre o cômico como algo baixo, insignificante, oposto ao sublime, ao elevado, ao
ideal, ao espiritual, ao belo, além de ressaltar a incapacidade intelectual daqueles que fazem
uso dessa linguagem.
Do estudo realizado por Propp, utilizei em minha pesquisa a definição dos diferentes
aspectos da comicidade e a sistematização dos diversos tipos de risos para, assim, refletir e
compreender o texto O doente imaginário, de Molière, adaptado e encenado por Cacá Rosset.
Na pesquisa, procurei apontar em que momento e de que maneira esses elementos estão
presentes, bem como a sua finalidade cênica.
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Outra obra utilizada como referencial teórico para o desenvolvimento desta pesquisa é
O riso (2004), de Henri Bergson
2
. A obra é a reunião de três artigos publicados em 1900, na
Revue de Paris, e no mesmo ano editada em livro. A publicação da primeira edição
portuguesa ocorreu somente em 1960.
O essencial do pensamento desse filósofo consiste na idéia de que o riso tem uma
função social ao visar ao aperfeiçoamento do homem e, por essa razão, o seu meio natural é a
sociedade. Lembra ainda que o objetivo da comicidade não seria apenas o de condenar, mas
igualmente reformar, segundo a antiga fórmula latina do ridendo castigat mores
3
.
Embora Bergson afirme não se preocupar com a definição do cômico, o faz em sua
análise com freqüência. As noções do movimento, da rigidez, do automatismo, do mecânico,
da distração e da insociabilidade dão a tônica de seu pensamento e da sua filosofia.
Em um conceito mais amplo, o Autor aborda em seus estudos o cômico em seus
diversos aspectos: a comicidade da forma, dos movimentos, de situação, de palavras e de
caráter.
A teoria bergsoniana torna-se importante e decisiva para o desenvolvimento desta
pesquisa justamente por apresentar a idéia do cômico nos moldes ideológicos do século XVII,
época em que o texto de Molière foi escrito. Permitirá, portanto, que a pesquisadora
estabeleça um paralelo entre o tempo e as implicações em que o texto foi redigido e a
encenação realizada pelo Teatro do Ornitorrinco, no final da década de 80.
Ao utilizar como referência a visão de Bergson acerca da comicidade, em que as
noções do movimento, da rigidez, do automatismo, do mecânico, da distração e da
2
De família judaica, o filósofo Henri Bergson nasceu em Paris no ano de 1859 e faleceu em 1941. Recebeu o
Prêmio Nobel de Literatura em 1927, com o livro A evolução criadora, mas não pôde ir buscá-lo, devido a
problemas de paralisias em seu corpo.
3
“Rindo se castigam - ou criticam - os costumes”.
19
insociabilidade são instrumentos desencadeadores do riso, possibilitará refletir e compreender
a comicidade presente no texto e na encenação de O doente imaginário, segundo a concepção
do Ornitorrinco.
São muitas as semelhanças e as divergências entre as teorias desenvolvidas por
Bergson e Propp a respeito do gênero cômico. Para maior elucidação, tomei como exemplo a
visão de ambos relativamente à função do riso. Se, para Bergson, o riso possui uma finalidade
social, de correção de hábitos e costumes, para Propp a possibilidade da existência de um
humor tout court
4
. Essas possíveis divergências servirão para somar e contribuir em torno da
investigação a ser realizada acerca do objeto de estudo aqui proposto.
Ao fazer um breve histórico do Teatro do Ornitorrinco, abordei a visão que o grupo
possui a respeito da comicidade, bem como a sua finalidade e o seu propósito acerca dessa
linguagem artística.
Contribuir para mostrar a importância do gênero cômico não só como forma de
expressão artística, mas como valor histórico, social e político, sempre pautado na visão do
Ornitorrinco, foi a mola propulsora que permeou o decorrer de todo este trabalho.
Com base nos dados mencionados, optei por utilizar o método qualitativo para que
pudesse observar, descrever e compreender meu objeto de estudo, efetuando um estudo de
caso.
Como não tive a oportunidade de acompanhar a todos os espetáculos realizados pelo
Ornitorrinco
5
, recorri, para esse estudo de caso, primeiramente, ao material iconográfico e
4
Sem mais; isto; sem haver nada a acrescentar; simplesmente; somente. Dicionário da Língua Portuguesa.
Porto Editora, 2003.
Tipo de humor que se encerra em si, simplesmente festivo e alegre. O oposto daquele
defendido por Bergson, que possui “a função de reprimir as tendências separatistas” (2004, p. 132).
5
Exceto as montagens de O marido vai à caça! (2006) e A megera domada (2008).
20
documental produzido pelo próprio grupo e pela Equipe Técnica de Artes Cênicas da Divisão
de Pesquisas do Centro Cultural São Paulo.
Utilizei, também, registros fotográficos e fonográficos, artigos de jornais, textos
dramáticos, roteiros, programas, cartazes, releases para, posteriormente, concretizar as
entrevistas semi-estruturadas com os profissionais que, de certa maneira, estiveram ou ainda
estão envolvidos nas diversas montagens realizadas pelo grupo Ornitorrinco.
A dissertação está distribuída em três capítulos. No primeiro, procurei investigar as
possíveis razões que levaram o Ornitorrinco a utilizar, predominantemente, a linguagem
cômica em suas encenações. Para isso, foi necessário descrever o percurso do grupo, bem
como compreender a proposta trazida por ele frente ao teatro paulista do final da década de 70
(a fundação do grupo é de 1977) até os anos da década de 80. A importância de contextualizar
o Ornitorrinco no período em que surgiu se tornou necessária para não discorrer a respeito do
grupo sem levar em consideração as possíveis implicações de pertencer a uma determinada
época, bem como na influência que essa acarretou na formação artística e intelectual de seus
fundadores. Ao investigar o contexto em que o Ornitorrinco surgiu, pude compreender as
propostas e as idéias trazidas por ele frente ao panorama teatral brasileiro.
No segundo capítulo, busquei relacionar o texto dramático de Molière, adaptado por
Cacá Rosset, com as teorias desenvolvidas por Henri Bergson e por Vladimir Propp acerca da
comicidade. O capítulo se volta à análise da dramaturgia, ou seja, na forma como o cômico
foi trabalhado na comédia de Molière, especificamente no texto de O doente imaginário, cujo
objetivo foi o de refletir sobre a comicidade, intelectual, enfim, literária, das palavras.
21
Por fim, o terceiro e último capítulo consiste em apontar e descrever a comicidade dos
gestos, da situação, da ação e do movimento, ou seja, os elementos cômicos presentes na
encenação de O doente imaginário.
22
Capítulo I
O Teatro do Ornitorrinco: história e percurso
A formação do Ornitorrinco inicia-se no ano de 1977. Fundado por Luiz Roberto
Galízia
6
, Maria Alice Vergueiro
7
e Carlos Eduardo Rosset
8
, o grupo trouxe para a cena teatral
uma boa dose de humor, de irreverência e de criatividade. Sobre a fundação do grupo, Maria
Alice comenta:
Quando o Ornitorrinco nasceu, que foi em vinte dias, fizemo-lo s três, por um
entusiasmo. Tínhamos um texto de Strindberg que, na verdade, eram três peças: A
mais forte, O pária e Simun e a sensibilidade do Galízia em juntá-las em uma única
peça de três atos, o que resultou na montagem de Os mais fortes. Também tínhamos
um espaço e a nossa afinidade. (...) Nós nos juntamos também, não foi por acaso.
Eu e o Cacá tínhamos tido uma relação, eu como professora dele. É um
fenômeno de encontro. O Galízia, na faculdade, estava fazendo Ionesco, e eu e o
Cacá estávamos fazendo Brecht. Eles eram considerados os melhores alunos e eu
era professora de lá. Deu uma química, tanto é que, em vinte dias, estávamos
fazendo as coisas para ver se dava e deu. (VERGUEIRO, 2008, ver anexo).
Foto 1 Maria Alice Vergueiro, Cacá Rosset e Luiz Roberto Galízia. Primeira foto do grupo. Fonte: O Estado
de S. Paulo. Caderno 2, 12 de abril de 1997, p. D4.
6
Galízia era graduado em direção teatral pela ECA. O mestrado e o doutorado em Berkeley, Califórnia,
versaram sobre o norte-americano Robert Wilson. Galícia faleceu no ano de 1984.
7
Maria Alice Monteiro de Campos Vergueiro foi professora de Cacá Rosset desde os tempos em que ela
lecionava no Colégio Aplicação. Também ministrou aulas de teatro-educação na ECA e participou de inúmeros
trabalhos com o Oficina. Recentemente, popularizou-se com o vídeo intitulado “Tapa na Pantera”.
8
Carlos Eduardo Zilberlicht Rosset começou a fazer teatro no fim da década de 70. Formado em direção, atuava
e dirigia peças na graduação. Com o Ornitorrinco, participou de várias turnês e festivais internacionais de teatro
na Europa, Estados Unidos e América Latina e recebeu inúmeros prêmios (Prêmios recebidos, ver anexo).
23
Nos anos 70, quando ainda se vivia no Brasil sob o regime ditatorial, houve a
retomada do teatro de grupo
9
. Naquela década, destacaram-se o Pod Minoga, o Asbrúbal
Trouxe o Trombone, o Ventoforte, o Mambembe e o Ornitorrinco.
No início, as atividades teatrais aconteciam por meio de produções isoladas, sem
maiores predisposições para que ocorresse um trabalho em grupo, cujo enfoque pudesse se
pautar na pesquisa teatral ou mesmo na experimentação cênica. Somente a partir de meados
dos anos 70 é que ocorre uma mudança, à medida que as companhias teatrais começam a se
organizar como cooperativas de produção.
Ao refletir sobre o teatro desse período, Cacá Rosset declara considerar a sua geração
“um pouco órfãdevido ao esfacelamento das principais companhias teatrais em decorrência
do período da ditadura militar:
(...) Quando comecei, a palavra de ordem era “O teatro morreu”. O teatro tinha se
transformado numa experiência de vida. Era o tempo do Living [Theater]. Ao
mesmo tempo, minha geração não teve contato com o teatro anterior a esse. Os
grandes grupos estavam desfeitos, muita gente estava exilada. Assim, não houve
uma passagem natural. Houve um truncamento. E s tivemos de começar tudo de
novo. (GIOBBI, 1985, p. 14).
Conforme a pesquisadora Sílvia Fernandes Telesi (1987, p. 6), os grupos teatrais que
surgiram neste período podem ser divididos em duas categorias. A primeira é intitulada, por
eles mesmos, como independentes, por apresentarem em seus trabalhos um teor político além
de um afastamento do circuito comercial de produção e veiculação do teatro. Buscavam
desenvolver uma linguagem popular, conjugada a uma motivação política. Alguns grupos que
seguiam essa filosofia eram: o União e Olho Vivo e o Truques, Traquejos e Teatro.
9
Os anos 60 foram marcados pelo trabalho de inúmeros grupos teatrais como o Arena, o Oficina e o Opinião e
que acabaram por se desfazer mediante as dificuldades e as impossibilidades geradas pelo regime militar. A
retomada do trabalho em grupo se deu de maneira lenta, mas progressiva, a partir da década de 70, quando
surgiram novas companhias de teatro.
24
A segunda categoria buscava uma pesquisa de linguagem ao abordar o teatro enquanto
manifestação artística, mas distante de expressar uma vinculação política. Faziam parte dessa
vertente os grupos Ventoforte, o Pod Minoga, o Mambembe, o Asdrúbal e o Ornitorrinco.
Embora o Ornitorrinco se enquadrasse na segunda divisão, ele apresentou, desde o
início de sua formação, características diferenciadas e peculiares que se contrapuseram às
propostas dos demais grupos pertencentes à mesma categoria. Tais diferenciações foram
observadas por Telesi (1987, p. 11), ao afirmar que o Ornitorrinco segue o caminho inverso
do Asdrúbal.
No grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, o processo criativo é baseado em
improvisações e está ancorado na experiência pessoal dos criadores, prescindindo do amparo
de uma técnica tradicional ao desenhar um percurso de aquisição de linguagem em que o ator
é o elemento central do processo, cabendo à direção efetuar anotações a partir das idéias e
estímulos improvisados pelo grupo, de onde surgem, conjuntamente, texto, cenário, figurinos
e interpretação. o Ornitorrinco ancora-se em pressupostos teóricos, estéticos e
metodológicos decorrentes da visão, da experiência e do repertório particular de cada um de
seus criadores:
Para o Ornitorrinco (...) o trabalho é experiência que deve basear-se em
conhecimento e pesquisa de métodos e teorias. O ponto de partida para seus
espetáculos é sempre um projeto estruturado, uma proposta fundamentada no
conhecimento anterior da obra de um dramaturgo ou diretor.
A pesquisa exaustiva de Brecht que precedeu e acompanhou as montagens do
Ornitorrinco é um exemplo dessa postura, que se ampara em minucioso e elaborado
estudo de mesa, onde se desenvolve, em última instância, não apenas um projeto de
encenação, mas as diretrizes básicas que nortearão até mesmo o trabalho do ator.
Do mesmo modo, as investigações sobre Strindberg ou as discussões e o ciclo de
conferências que envolveram a montagem de Ubu, servem como amostragem da
pesquisa científica que subsidia as encenações. (TELESI, 1987, pp. 400-401).
25
A irreverência do Ornitorrinco pode ser constatada logo de início pela escolha do
nome do grupo. Proposto por Cacá Rosset, o nome surgiu em decorrência de discussões sobre
darwinismo
10
, durante a preparação do espetáculo teatral Os mais fortes.
O ornitorrinco, segundo Cacá Rosset (2006, ver anexo), é uma espécie de terceira via
na escala evolutiva. Quando foi descoberto, os cientistas encontraram dificuldades para
classificá-lo devido às suas características atípicas. Animal brido de mamífero e ave, que
bota ovo, de esporões venenosos, com estranhos hábitos noturnos, de visão aguçada e eficaz,
quando dirigida para longe e para o alto, fadado à extinção e que, apesar das adversidades,
consegue sobreviver
11
. Ao mesmo tempo esquisito e engraçado, que parece composto por
partes de outros bichos, assim como o grupo criado por Rosset, Galízia e Maria Alice:
engraçado e até esquisito, já que pouco se enquadrava dentro daquilo que se via no teatro
brasileiro.
10
Discussões realizadas para a montagem do primeiro espetáculo do grupo Os mais fortes.
11
Nome Científico: Ornithorhynchus anatinus; Filo: Chordata; Classe: Mammalia; Ordem: Monotrêmata;
Família: Ornithorhynchidae. Caracterírsticas: Período de incubação: 10 dias; Ovos: 2 ou 3 de cada vez;
Maturidade: 1 ano; Tempo de Vida: 15 anos. “O ornitorrinco é um mamífero, endêmico, existente na Austrália,
Nova Zelândia e na Tasmânia. De tamanho médio e gênero masculino (...). Em diferença das aves, o bico do
Ornitorrinco está coberto por uma membrana dotada de eletroreceptores tão sensíveis que servem para
locomoção e percepção do alimento. O bico é constituído de um filtro que permite ao ornitorrinco separar a água
das substâncias comestíveis e ir acumulando-as em suas bolsas maxilares que se estendem ao lado da cabeça,
quando mergulha mantêm os olhos, orelhas e fossas nasais fechados, sendo então o bico seu principal órgão
sensor.
Constrói seus abrigos nas margens dos rios em forma de toca, de duas maneiras, um usual e outro destinado à
reprodução. Na primeira vive tanto o macho como a fêmea, e na segunda a fêmea. Ambas se encontram
totalmente fora da água, incluindo a entrada, que é escavada nas partes baixas e bordas, a entrada é coberta em
caso de inundações.
É um animal semi-aquático e noturno que habita rios e cursos de água. Alimenta-se de girinos, crustáceos,
vermes e peixes. Embora seja um mamífero, o ornitorrinco, em vez de dar à luz, põe ovos que são parcialmente
chocados no interior do corpo.
Apesar de se alimentarem de leite, os filhotes não mamam, pois as fêmeas do ornitorrinco não possuem tetas. O
leite escorre das glândulas mamárias que ficam no peito da fêmea, e os filhotes o lambem ao se acumular nos
pêlos do peito da mãe.
A pata do ornitorrinco é constituída de cinco unhas, sendo que nas detrás uma sexta, uma espécie de garra
venenosa que serve de autodefesa podendo ferir algum animal que o ataque, enfiando o esporão no opositor.
Os cientistas supõem que se originou há cerca de 150 milhões de anos, perto da extinção dos dinossauros.
Disponível em: http://www.museu.ucdb.br/index.php?menu=noticia&cod_not=106. Micael C. Andrejzwski.
Ornitorrinco: O animal que tem quatro patas e um bico, 28 outubro de 2005 - 14:25 – Webmaster
26
Para Maria Alice Vergueiro, a escolha do nome do grupo não poderia ser mais
apropriada e adequada em se tratando de uma companhia teatral brasileira. Segundo a atriz,
“(...) o Brasil é uma terra das minorias (...) é a terra onde se dá toda a miscigenação. E depois,
como o ornitorrinco, o teatro sempre esteve sob ameaça de extinção e não morreu até hoje”.
(FILHO, 1997, p. D4).
As características excêntricas desse animal fizeram com que o diretor e ator Cacá
Rosset estabelecesse um paralelo com o nome do grupo ao considerar o Teatro do
Ornitorrinco também como uma espécie de terceira via dentro do teatro brasileiro.
(...) o quadro cultural da época, e eu acho que até hoje, não no teatro, mas na
cultura em geral, era uma coisa meio que maniqueísta. Ou você tinha o teatrão, o
teatro comercial, o teatro televisivo ou você tinha um teatro alternativo que
começava a surgir, mas que ainda era confinado em certos guetos culturais, que era
uma coisa muito fechada. A gente tinha uma perspectiva de configurar uma terceira
posição dentro disso, de poder fazer do nosso jeito, com a nossa cara, com o nosso
humor, com as nossas idéias, mas que a gente pudesse ampliar essas platéias, quer
dizer, eu achava que poderia ter um ponto, uma terceira via realmente. Não é
possível que não tivesse espectadores interessados em ver outro tipo de coisa que
não essa coisa de televisão no teatro, uma coisa mais interessante, mais radical,
mais provocativa (ROSSET, 2006, ver anexo).
O Teatro do Ornitorrinco propunha para o cenário teatral um teatro não-psicológico,
não-aristotélico, antinaturalista e longe de se pautar na estética televisiva. Segundo Cacá
Rosset (2006, ver anexo), no teatro dos anos 70, predominava uma linguagem novelística, que
ia desde o cenário ao estilo de representação dos atores
12
.
Atualmente, ao pensarmos no nome que foi atribuído ao grupo, conseguimos
estabelecer uma bem sucedida alusão às inúmeras dificuldades enfrentadas por um grupo
teatral, diante da política cultural brasileira. Tais paralelos foram estabelecidos ao longo do
tempo e, com mais maturidade, o grupo passou a detectar as possíveis metáforas existentes no
nome do grupo (Rosset, 2006, ver anexo).
12
Convém ressaltar que muitos grupos atuantes na década de 70, não se enquadravam no perfil de teatro
televisivo e naturalista descrito por Cacá Rosset como, por exemplo, o Ventoforte, o Asdrúbal, o Mambembe e o
Pod Minoga.
27
Podemos notar, também, a presença da versatilidade do grupo quanto à seleção de
textos de autores consagrados, de várias épocas (Molière, Shakespeare, Alfred Jarry, Bertolt
Brecht), com liberdade e irreverência, mas sem alterar as idéias essenciais de cada
dramaturgo, usando procedimentos interdisciplinares e intertextuais. Não como deixar de
observar que os trabalhos realizados pelo grupo pautaram-se na encenação de textos e autores
reconhecidos e que carregam um forte traço de comicidade. Cacá declara:
(...) Eu, pessoalmente, gosto de fazer rir, eu gosto da comédia, eu gosto de fazer as
pessoas rirem no teatro. Acho que sou um clown, um bufão. Tanto como ator, como
diretor, como idealizador eu sempre tive uma predileção, talvez até mais talento
para fazer comédia. certas peças que me interessam como espectador, mas que
não têm nada a ver comigo e que, dificilmente, eu faria ou, talvez, não fizesse bem.
(ROSSET, 2006, ver anexo).
A escolha do repertório não tinha razões explícitas ou objetivas. A decisão sempre
partiu muito mais de um gosto pessoal e da vontade de dialogar com as idéias do autor do que
de algum motivo apriorístico, de um tema específico a ser discutido. Portanto, a escolha dos
textos recaía mais na paixão do que na razão.
O Ornitorrinco, desde seu primeiro trabalho, Os mais fortes, realizava estudos
minuciosos por meio de pesquisas e discussões teóricas em torno de seus autores e de suas
obras. Procurava, também, aproveitar o repertório de cada integrante para somar e acrescentar
as experiências e visões muitas vezes diferenciadas em seus espetáculos. Isso foi
possível mediante a permanência de uma equipe, favorecendo não somente a experimentação,
como o desenvolvimento de uma linguagem própria.
Outra característica marcante desse grupo encontra-se na metodologia de trabalho.
Como mencionado, o foco principal não estava nos ensaios tradicionais e nos exercícios de
improvisação, mas sim na pesquisa teórica e nas discussões sobre as idéias do autor. De
maneira democrática, os integrantes do grupo compunham e repensavam os espetáculos na
busca de melhores soluções cênicas, tornando-se, a certa altura, co-autores.
28
Para Telesi (1987, p. 395), o Ornitorrinco apresenta quatro pontos de partida como
procedimento de trabalho. Seriam eles: a roteirização, a essencialização, o teatro em progresso
e o ator como performer. Segundo a autora, a roteirização permitiria atualizar o texto e criar, a
partir dele e dos ensaios, cenas-chave para o desenvolvimento do espetáculo. A peça se
desenvolveria a partir do roteiro. A essencialização consistiria no respeito à idéia original do
autor. As obras sofrem um processo de enxugamento, mas sempre visando conservar a idéia
original dos autores. Os atores, por sua vez, tinham a oportunidade de demonstrar e utilizar
suas potencialidades particulares não de maneira exibicionista, mas sim com o intuito de
enriquecer o espetáculo.
Os mais fortes, primeiro trabalho do Teatro do Ornitorrinco, foi um projeto idealizado
por Galízia (ROSSET, 2006, ver anexo) e resultou de uma compilação de três obras do
dramaturgo sueco August Strindberg: A mais forte, O pária e Simun. A estréia ocorreu no dia
21 de maio de 1977, no porão do Teatro Oficina. Nesse local funcionava o bar do teatro, que
não era apropriado para a realização de uma montagem teatral devido à sua dimensão. Sobre o
espaço físico, Cacá Rosset (2006, ver anexo) declara: “(...) era um barato, porque era um local
que cabiam vinte, trinta pessoas, mas tinha dia que havia cento e vinte pessoas, nem sei
como”.
Foto 2 – Os mais fortes (O pária). Fonte: Acervo pessoal de Victor Nosek. Foto de Victor Nosek.
29
O fato de ser um local pequeno colaborou para que houvesse um contato maior entre
os atores e a platéia. Essa integração é outro elemento muito presente e constante nos
trabalhos desenvolvidos pelo grupo Ornitorrinco:
(...) então, você tinha uma proximidade física que, de certa maneira, foi também
moldando a linguagem do grupo, sempre de uma coisa escancarada, muito jogada
para o espectador. O espectador não apenas como um voyeur, olhando pelo buraco
da fechadura, uma quarta parede de um teatro naturalista, de um teatro psicológico,
mas de um teatro mais brechtiano em que o público é colocado como um
personagem, quase que um co-participante da obra, mas não apenas a participação
pela participação, o lúdico pelo lúdico, mas sim colocado dentro do jogo simbólico
da representação. Nesse sentido, é uma coisa diferente, que tinha na participação
dos anos 60 que, na minha opinião, era uma coisa mais autoritária. Se você não
participasse, você era um “careta”, um reacionário, enfim, um “filho da puta”. A
nossa aproximação com o público, a participação, que a gente sempre estabeleceu
nos nossos espetáculos, sempre foi uma coisa mais lúdica mesmo, e não havia
constrangimento do espectador (...). (ROSSET, 2006, ver anexo).
Outro motivo que impossibilitou o grupo de fazer uma divulgação da peça de maneira
efetiva, ou seja, nos moldes tradicionais, decorreu do fato do Ornitorrinco não estar
constituído como firma. Optaram, então, pelo recurso “boca a boca”
13
.
Na época em que Strindberg escreveu a peça A mais forte, Darwin apresentava a teoria
da evolução, por intermédio de sua obra A origem das espécies. Strindberg resolveu trabalhar
com essa idéia como uma metáfora, transportando-a em termos sociais.
Neste espetáculo, Cacá Rosset interpretava Strindberg e discutia o mais forte do ponto
de vista darwiniano, social e intelectual. A concepção do espetáculo pode ser compreendida
segundo declarações de Galízia:
Não nos preocupamos com um cenário realista, como seria de se esperar no caso de
Strindberg, nem demos importância ao fato de os personagens terem de ser feitos
por atores bem mais velhos do que nós. Colocamos na superfície da montagem as
idéias, a compreensão que nhamos do autor e isso passou a ser mais importante.
(LANDO, 1982, p. 21).
13
O fato de ser em um porão espaço teatral não convencional e ilegal de ser feito sem as vias burocráticas
normais de qualquer produção, de se fazer uma divulgação amadorística, de ser cobrado via “chapéu”, de ser
realizado em horários atípicos, determinaram a própria estética do espetáculo.
30
Os recursos financeiros para a concretização dessa montagem foram mínimos para não
dizer inexistentes, fator que não impediu a realização de um espetáculo de qualidade, uma
preocupação constante dos fundadores do grupo. De acordo com Maria Alice Vergueiro,
(...) surgiu um trabalho barato. Nós mesmos fizemos as luzes no Porão do Oficina,
não tínhamos dinheiro, mas não ficou aquela coisa pobrezinha, que demonstra que
você fez um esforço suado. Era amador, porque tínhamos amor, não era comercial
(...) havia um rigor de texto, um rigor de figurino e de encenação. Não havia aquela
coisa de que estamos pobrezinhos e vamos aceitar qualquer coisa. Muito pelo
contrário! (...)
.
(VERGUEIRO, 2008, ver anexo).
Foto 3 Os mais fortes (Simun). Fonte: Acervo pessoal de Victor Nosek. Foto de Victor Nosek.
Outro fator característico do trabalho do Ornitorrinco é a ausência de hierarquia
empresarial ou artística na equipe. Segundo Telesi (2000, p. 115), “Apesar de a concepção do
espetáculo pertencer à Galízia, não existiu na criação uma direção tradicional. Os três atores
trabalharam igualmente na preparação e produção da montagem (...)”. Aos poucos é que Cacá
Rosset se incumbe de traduzir e de adaptar os textos, bem como de atuar e de dirigir as
montagens.
Embora esse espetáculo não fosse uma comédia, o grupo resolveu inserir o acerto
cômico mostrando, desde o início de suas montagens, uma predisposição em trabalhar com a
linguagem cômica nas suas encenações. Segundo Cacá Rosset,
(...) resolvemos inventar, no final de tudo, o avesso do que acontece na tragédia.
Na tragédia, você tem sempre a falha trágica que leva o herói trágico à derrocada
(...) como estávamos montando três dramas do Strindberg, no final, dávamos uma
31
quebrada nisso com o acerto cômico (...) era uma gag (...). (ROSSET, 2006, ver
anexo).
O acerto cômico ocorre no momento em que a Senhora X, interpretada por Maria
Alice Vergueiro, “conversa” com a Senhora Y, representada por Galízia, e entra o garçom,
interpretado por Cacá Rosset, que diz uma piada imprópria para o momento de grande tensão
entre as personagens. De acordo com Victor Nosek (2008, ver anexo), “era um non-sense
reforçado no final com a entrada do Cacá vestido de garçom. Ele falava alguma coisa típica de
garçom. Isso era engraçado”.
Foto 4 Os mais fortes (A mais forte). Momento em que ocorre o acerto mico. Fonte: Acervo pessoal de
Victor Nosek. Foto de Victor Nosek.
Ainda em julho de 1977, o grupo apresentou o show musical, também intitulado por
Cacá Rosset como um Show Cabaré, Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill, com
tradução e adaptação de letras e canções de várias peças de Bertolt Brecht, tais como A ópera
de três vinténs e Happy end, além de algumas canções da fase americana de Kurt Weill. Ao
todo, o grupo realizou três versões desse trabalho
14
.
14
Ver Anexo B: Fichas técnicas dos espetáculos.
32
Foto 5 Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill. Fonte: Arquivo da Folha de S. Paulo/banco de dados, 20
de novembro de 1983. Foto de Sandra Adams.
Foto 6 - Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto cedida por Victor
Nosek.
Esse espetáculo era encenado à meia-noite, no mesmo porão do Teatro Oficina. O
grupo, então, mantinha a divulgação “boca a boca” e o espírito de estar na “ilegalidade”, ao
mesmo tempo em que acrescentava mais um elemento inusitado para os padrões teatrais
existentes na década de 70: um teatro feito à meia-noite. Tudo isso despertou o interesse, a
curiosidade e cativou um público diferenciado, adepto de uma linguagem nada convencional.
Para Maria Alice Vergueiro,
(...) Quando você se apresenta ao público numa explosão, numa cumplicidade não-
comercial, ele está numa torcida a favor, porque é um blico de “boca a boca”,
que conhece você de uma outra maneira. Não tem aquela imparcialidade de alguém
que compra e entra para ver um espetáculo e compara com a novela das oito (...).
(VERGUEIRO, 2008, ver anexo).
33
Convidada a participar da montagem, Cida Moreira
15
reuniu-se ao elenco para tocar
piano e cantar. A estrutura cênica era extremamente simples. Contava somente com a
presença de um piano, uma lua vermelha de papel e os atores em cena.
Foto 7 Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill. Fonte: Arquivo da Folha de S. Paulo/banco de dados, 18
de novembro de 1987. Foto de Sandra Adams.
Desde a época em que cursava a faculdade, Cacá Rosset dedicava-se a estudar e a
montar textos de Brecht. O humor do dramaturgo alemão sempre despertou grande interesse
no diretor. Segundo Cacá, na encenação de Teatro do
Ornitorrinco canta Brecht e Weill,
havia piadas brechtianas acerca do próprio Brecht, o que, em sua visão, possibilitou que a
encenação fosse dialética com o próprio autor. Essas canções, além de serem muito teatrais,
eram carregadas de erotismo, de humor e ironia, condizentes com a proposta e os objetivos
trazidos pelo grupo.
O Ornitorrinco se firmava como uma companhia de teatro que permaneceu em cartaz,
logo no primeiro ano, com dois espetáculos: Os mais fortes, realizado às segundas e terças-
feiras; e Teatro do
Ornitorrinco canta Brecht e Weill, aos sábados.
15
Maria Aparecida Guimarães Campiolo nasceu em São Paulo/SP em 12 de novembro de 1951. Cantora,
pianista e atriz, começou sua carreira na cada de 70 trabalhando em teatro e musicais. O primeiro disco,
"Summertime", independente e ao vivo, foi lançado em 1981 com clássicos do blues e do jazz norte-americano,
além da versão censurada de "Geni", de Chico Buarque. Desde então gravou outros LPs e CDs, alguns dedicados
a compositores, como "Cida Moreira Interpreta Brecht" e "Cida Canta Chico".
34
Com o segundo espetáculo, o Ornitorrinco viajou para diversos lugares do país e para
o México. Após sucesso de dois anos, o grupo entra em recesso no dia 17 de março de 1979
(LANDO, 1982, p. 21). Galízia volta aos Estados Unidos para concluir sua tese de doutorado,
Maria Alice Vergueiro viaja para Paris
16
e Cida Moreira segue carreira como cantora.
Na ausência dos outros integrante-fundadores do grupo, Cacá Rosset viu-se sozinho na
empreitada de manter o Ornitorrinco no cenário teatral. Resolveu, então, dar início a mais um
projeto, Mahagonny songspiel. O mérito da permanência e da existência do Teatro do
Ornitorrinco deveu-se à coragem e à perseverança de Rosset
17
. Sobre o episódio, Maria Alice
declara:
(...) O Galízia foi fazer um comercial no Japão e eu peguei meu prêmio Molière,
que era uma viagem para Paris, e o Cacá segurou o Ornitorrinco. O Galízia
estava doente. Ele tinha uma urgência nas coisas... Então, quando o Cacá segurou o
Ornitorrinco, a primeira coisa que ele fez foi montar Mahagonny. Ele até nem
contou comigo, porque eu estava fora do país. Mas, veja, ele tocou o Ornitorrinco!
O Galízia já estava fazendo tese de doutoramento em Berkeley (...). (VERGUEIRO,
2008, ver anexo).
A estréia ocorreu no dia 28 de maio de 1982, no Teatro Célia Helena. O espetáculo era
uma continuação de um trabalho que se centrava na utilização do teatro e da música. Assim
como na montagem de Teatro do
Ornitorrinco canta Brecht e Weill, ele também contou com
três versões. Na última versão eliminaram-se as insinuações eróticas. O que era top-less virou
nu frontal, o que sugeria consumo de bebidas tornou-se a ingestão real de conhaque. Rosset
pretendia trazer para cena teatral brasileira “um Brecht mais anárquico e debochado, diferente
do Brecht mais chato e militante que era montado no Brasil na década de 70”. (FILHO, 1997,
p. D4).
16
Viagem decorrente ao prêmio Molière que ganhara como melhor atriz, com o espetáculo Os mais fortes.
17
A boa condição financeira do artista também o ajudou a levar adiante o projeto.
35
Foto 8 Elenco da peça Mahagonny songspiel (1ª versão). Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto cedida por
Victor Nosek.
Foto 9 Elenco da peça Mahagonny songspiel (2ª versão). Fonte: Arquivo da Folha de S. Paulo/banco de
dados. Foto de Sandra Adams.
Foto 10 – Elenco da peça Mahagonny songspiel (3ª versão). Fonte: Programa do espetáculo.
36
Fotos 11 e 12 Mahagonny songspiel. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Fotos cedidas por Victor Nosek.
Ao encenar Mahagonny, na abertura do Festival Latino de Nova York, o
Ornitorrinco gerou muita polêmica. O crítico Blase Michael Feingold, conhecido em seu país
como “o amargo”, não poupou ataques ao grupo, embora não tenha chegado a assistir a todo o
musical, tamanha indignação ocasionada pelos nus femininos. O crítico classificou a
montagem como “espetáculo de colegiais feitos para chocar professores de Iowa”, uma cidade
nos “fundilhos” dos Estados Unidos. (FILHO, 1984, p. 41). Alegava que o Teatro do
Ornitorrinco tinha corrompido o texto e o público e tratou de providenciar, junto à Fundação
Kurt Weill, a proibição da peça. Sobre o episódio, Cacá Rosset comenta:
(...) toda a crítica anglo-americana baixou o maior cacete, dizendo que era um
espetáculo vulgar, pornográfico. A Fundação Weill chegou a proibir o espetáculo
(...) Nossa visão do Brecht é totalmente diversa da visão européia ou americana,
que importância ao ponto de vista acadêmico, universitário. O próprio Brecht
viveu 15 anos nos Estados Unidos e sempre foi mal sucedido. e na Europa é
sempre muito difícil ser brechtiano com o próprio Brecht. Nosso Mahagonny era
antropofágico, tropical (...). Mas acho que hoje em dia existem dois caminhos
para se montar Brecht: ou como guardião de museu ou você o utiliza como
inspiração. Na concepção do Ornitorrinco, somos todos viajantes animados pelo
signo que Brecht propõe. No teatro, as pessoas ainda ficam girando em torno de
terras imóveis, estéticas, a ideologia dos autores, quando elas é que deveriam estar
girando em torno dos homens. Essa a perspectiva que o Ornitorrinco teve em
relação a Brecht.
18
Nesse espetáculo, havia uma integração constante com o espectador. As moças que
interpretavam as prostitutas da cidade serviam conhaque para o público. Segundo Rosset,
muitos da platéia ficavam embriagados, motivo que levou a Fundação Kurt Weill a concordar
com a visão do crítico Blase Michael, que dizia que o grupo havia corrompido o público.
18
O Estado de S. Paulo. Caderno 2, 11 de maio de 1986, p. 07.
37
Foto 13 Mahagonny songspiel. Edith Siqueira (Prostituta) distribuindo bebida ao público. Fonte: Arquivo do
Ornitorrinco. Foto cedida por Victor Nosek.
A proibição da peça e a polêmica gerada em torno dela tornam-se questionáveis na
medida em que Mahagonny é a cidade dos prazeres, onde tudo é permitido, cujas leis são
comer, beber, trepar” e lutar, sendo que o único pecado capital é não ter capital. Portanto, a
compreensão da obra por parte do Teatro do Ornitorrinco se fez presente de maneira
despudorada e irreverente. Já não se poderia dizer o mesmo em relação à Fundação Kurt
Weill, pois, ao proibir essa peça, demonstrou a falta de compreensão do significado contido
na obra de Brecht e Weill; assumiu uma postura moralista em um texto amoral.
No Brasil, a encenação de Mahagonny recebeu inúmeros elogios da crítica. Segundo
Jefferson Del Rios,
Estamos falando em primeiro lugar de um dos mais bonitos espetáculos teatrais
da cidade, “Mahagonny Songspiel”. Em segundo lugar, estamos registrando que no
mar de criações insossas, desvitalizadas, que tomam o tempo dos espectadores
(irritando-os), a presente montagem traz de volta a ilusão, a verdade/mentira
inteligente e (simultaneamente) a seriedade do teatro. (RIOS, 1982, p. 33).
Carlos Ernesto de Godoy resume a encenação ao afirmar que:
(...) Num cenário de extrema economia de elementos, Cacá Rosset consegue
construir uma cidade fantástica, com seus tipos e esgares, com seus vícios e
prazeres expressos em gestos de uma concisão providencial. Estabelece, ainda, um
38
relacionamento inteiramente brechtiano com o público, ao provocá-lo com as falas
e convocá-lo muitas vezes a fazer parte do jogo. (GODOY, 1982, p. 8).
De regresso a São Paulo, o Ornitorrinco realizou a sua quarta produção, o monólogo O
belo indiferente, de Jean Cocteau. A estréia ocorreu em de julho de 1983, na Sala Paulo
Emílio Salles Gomes, do Centro Cultural São Paulo, com Cacá Rosset no papel-título e Maria
Alice Vergueiro.
Com O belo indiferente, escrito em 1940, Maria Alice buscou resgatar a discussão
sobre o papel da mulher na sociedade. Segundo ela, “o texto é apenas uma metáfora para
mostrar velhos conceitos, como as relações de opressão entre marido/mulher, ator/diretor,
patrão/empregado etc. Enfim, a velha concepção da mulher na sociedade cristã”. (BRUST,
1985, s. p.).
Foto 14 O belo indiferente. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto cedida por Victor Nosek.
Para o crítico Jefferson Del Rios,
O Belo Indiferente mostra a dificuldade de Maria Alice Vergueiro em manter a
interiorização e sustentar a alma do papel. Na simples tentativa de mostrar cansaço,
respiração difícil, etc., a artificialidade fica evidente. A representação cresce
quando a atriz faz irreverências, mas já não é mais Cocteau, é pastiche. Uma
gozação em cima do próprio público. Não fica nada belo. Se a intérprete não
acredita no que faz, quem acreditará? (RIOS, 1984, p. 49).
A mesma impressão não é compartilhada pelo crítico Clóvis Garcia:
(...) o papel exige uma atriz de grande força expressiva, capaz de acompanhar as
variações de sentimentos da personagem. Naturalmente, Maria Alice Vergueiro era
a atriz indicada para esse tipo, com sua belíssima voz (...). Entregando-se, como
sempre, ao papel, Maria Alice Vergueiro mantém o público preso a seu trabalho.
39
Cacá Rosset dirigiu sem pudor o espetáculo e comparece no silencioso amante.
(GARCIA, 1984, p. 37).
O próximo espetáculo do grupo, Ubu, folias physicas, pataphisicas e musicaes, foi
baseado no “Ciclo Ubude Alfred Jarry: Ubu Rei, Ubu Acorrentado, Ubu Cornudo, Ubu
sobre a Colina e Archéoptérix e, ainda os Almanaques Ubu. Estreou no dia 25 de maio de
1985 e atraiu os jovens para o Teatro do Ornitorrinco em decorrência das linguagens
diversificadas (teatro, música ao vivo, dança e circo). De acordo com Cacá Rosset, “(...)
Nestes 20 anos, o Ornitorrinco formou uma platéia aqui em São Paulo e resgatou um público
jovem que não ia ao teatro porque achava careta e chato (...)”. (OLIVEIRA, 1997, s. p.).
Foto 15 Elenco da peça Ubu, folias physicas, pataphisicas e musicaes (1985; versão). Fonte: Programa do
espetáculo.
Fotos 16 e 17 Ubu, folias physicas, pataphisicas e musicaes. Fonte: Acervo pessoal da atriz Cássia Venturelli.
Fotos de Ary Brandi.
O autor desenhou em sua personagem central o Pai Ubu com uma aspiral na barriga, o
símbolo da ciência criada por ele, a Patafísica, responsável por tratar das soluções imaginárias
40
atribuídas às exceções do Universo. A peça aproxima essa personagem dos políticos corruptos
e paternalistas. Com cenários e figurinos assinados pela arquiteta Lina Bo Bardi, a peça foi
assistida por mais de 350.000 pessoas, com sessões lotadas por mais de dois anos
19
. Segundo
Sílvia Fernandes:
(...) o processo de criação de Ubu foi repartido em três áreas distintas: o trabalho
propriamente teatral, o circense e o musical, feito pela Banda Patafísica. (...) A
divisão por setores específicos não se manteve durante o espetáculo. Teatro, circo e
música acabaram permutando especialidades, pois os músicos interpretavam, os
atores cantavam e tocavam instrumentos, os artistas de circo representavam, todos
atuando como performers na exibição de suas habilidades. (FERNANDES, 2000, p.
123).
Foto 18 Ubu, folias physicas, pataphysicas e musicaes. Fonte: Acervo pessoal do circense André Caldas. Foto
de Roberto Setton.
Foto 19 Ubu, folias physicas, pataphysicas e musicaes. Fonte: Acervo pessoal do circense André Caldas. Foto
de Roberto Setton.
19
Dados obtidos por meio do programa do espetáculo O marido vai à caça!.
41
De acordo com Berenice Raulino (2006, pp. 87-93), Cacá Rosset se inspirou na
concepção de encenadores e dramaturgos russos do início do século XX, particularmente, em
Maiakóvski, Eisenstein e Meyerhold. Para as vanguardas russas, os espetáculos eram
pautados pela idéia da montagem de atrações, que consiste na mistura de diversas linguagens
artísticas, muitas delas até então consideradas menores ou menos importantes, tais como o
circo, o cabaré, o teatro de variedades, o teatro de rua e as projeções visuais.
O Ornitorrinco mantinha o objetivo principal de realizar um teatro oposto ao
naturalismo de Stanislávski. A idéia de realizar um “espetáculo total” fascinou Rosset, que
buscava constantemente retomar a concepção da reteatralização e da quebra da quarta parede.
Ubu foi inspirado na montagem de atrações. Por intermédio da reteatralização, da constante
busca do lado espetacular do teatro, que o grupo conseguiria manter o interesse constante da
platéia e a lucidez em relação à crítica contida no texto dramatúrgico.
Poderíamos considerar que na montagem de Ubu, Folias Physicas, Pataphysicas e
Musicaes os recursos circenses extrapolam o mero caráter ilustrativo; além de dar o
tom geral do espetáculo, eles pontuam de modo significativo o desenvolvimento da
trama. Os estados de espírito dos personagens eram várias vezes explicitados por
meio de atrações circenses. A narrativa ali consubstanciada acentuava o caráter
lúdico da ação e, ao mesmo tempo, sinalizava um certo sarcasmo. A livre
associação entre os números circenses e circunstâncias objetivas potencializava a
virtual reflexão sobre a realidade. (RAULINO, 2006, p. 93).
Foto 20 Ubu, folias physicas, pataphysicas e musicaes. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de Ary Brandi.
42
À medida que o Teatro do Ornitorrinco reafirma, com a encenação de Ubu, o objetivo
de resgatar a especificidade da linguagem teatral corrompida pela estética televisiva,
possibilita ao público “encontrar o teatro no teatro”
20
. Para o ator José Rubens Chachá,
O público hoje está de saco cheio. Assiste sempre às mesmas propostas de
espetáculo. O Ubu é uma peça com uma estética subvertida. Os atores se mostram
mais inteligentes que os personagens. E, em contrapartida, a peça não tem nada de
inédito; são antigos truques teatrais, nada mais. Na verdade, Ubu apenas subverte a
lógica do teatro convencional. (FILIAGE, 1987, p. 27).
A proposta da quebra da quarta parede se intensificou com a montagem de Ubu. O
jogo com o público era estabelecido antes mesmo de iniciar o espetáculo. Do lado de fora, na
bilheteria, Chachá, vestido de general, fazia um número de improvisação com o público. No
decorrer da peça, muitos eram os números na platéia. A dança do ventre realizada por
Christiane Tricerri, a distribuição de moedas de chocolates, feitas por CaRosset, e a cena
das espirais da mãe Ubu. Segundo a atriz Rosi Campos,
Eu tinha uns espirais desenhados no rosto e, quando o cara vinha para beijar, eu
levantava a roupa e apareciam os espirais na “bunda” e eles adoravam, o público
adorava! Eles beijavam e ganhavam moedinhas. Brincávamos de agarrar os caras,
era uma farra! Acontecia de um ou outro não querer, a gente ia para a platéia e
escolhia outro e fazia aquela farra. O Ubu era todo divertido. (CAMPOS, 2008, ver
anexo).
Foto 21 Ubu, folias physicas, pataphysicas e musicaes. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de Ary Brandi.
20
Expressão usada por Cacá Rosset para se referir à volta da especificidade da linguagem teatral nos palcos do
teatro paulista da época (década de 80, especificamente).
43
Maria Thereza Vargas (2000), ao refletir sobre a encenação de Ubu, relata:
À teoria desenvolvida nesses anos todos, à criação lenta e objetiva acrescentou-se a
idéia de um espetáculo mágico, valendo-se dos velhos truques pirotécnicos,
utilização da caixa cênica em toda sua totalidade, acrobacias e efeitos-surpresa das
antigas mágicas. (VARGAS, 2000, p. 10).
Foto 22 Ubu, folias physicas, pataphysicas e musicaes. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de Ary Brandi.
Embora cada linguagem artística tenha a sua especificidade, o circo, a dança e a
música foram trabalhadas de maneira integrada no espetáculo e não isoladamente. Cumpriram
o papel de colaboradoras, para um teatro que almejava ser divertido e ao mesmo tempo
enriquecedor. Segundo o relato da atriz Cássia Venturelli,
(...) os tempos de cena e até os tempos de coxia acabavam tendo como fio condutor
a música; porque a bateria, que o Toninho Batera fazia, ela comentava sons,
barulhos, tempos dentro de cena e fora. As trocas eram muito rápidas e a gente
também tinha referência da bateria e da música para conseguir trocar de roupa e
entrar no tempo certo e ficava uma coisa já impregnada. Eu entrava em cena,
meu trabalho era todo na base da mímica e da pantomima e era em cima da bateria
que a gente se guiava, ela era um fio condutor. (VENTURELLI, 2007, ver anexo).
O Ornitorrinco sempre esteve atento às questões políticas e sociais do país. Ao lançar
a personagem Ubu como candidato ao governo do Estado de São Paulo, cujo slogan era
“horror por horror, Ubu governador”, o grupo angariou muitos desafetos. Rosset pretendia
fazer um teatro fora do teatro. Dizia que na política há uma usurpação da linguagem teatral na
medida em que os candidatos se maquiam, decoram frases de efeito, simulam brigas, ensaiam
44
e que, se a realidade usurpou o teatro, por que não o teatro usurpar a realidade? Após a
encenação de Ubu, o Ornitorrinco passa a ser visado pela censura.
Em 1987, às vésperas da estréia de Teledeum, de Albert Boadella, no governo do
presidente José Sarney, o grupo a peça ser censurada pelo Serviço de Censura e Diversões
Públicas da Polícia Federal de São Paulo
21
, por considerá-la ofensiva à religião.
Foto 23 Teledeum. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto cedida por Victor Nosek.
A peça apresenta uma crítica corrosiva à Igreja Católica. Em uma das cenas, o grupo
apresentava o “Ketchup Christ”, uma espécie de substituto para a hóstia cristã. A resposta
para a alegação de que era um espetáculo ofensivo à religião surge com a justificativa de Cacá
Rosset ao dizer que:
Teledeum não é uma peça ofensiva nem anticlerical. Teledeum discute o papel do
rito na sociedade contemporânea e também como este é degradado após ser
manipulado pelos meios de comunicação. Teledeum não é um manifesto nem uma
heresia, é apenas uma comédia de batinas. Afirmar que Teledeum é uma peça que
ofende a religião é tão absurdo quanto afirmar que O Doente Imaginário, de
Molière, ofende a medicina.
Quando fui chamado pelo Departamento de Censura Federal de São Paulo, me
informaram que a peça havia sido censurada por ser “polêmica”. Ora, polêmica é o
mínimo que uma obra interessante deve ser (...).
22
21
Quem ocupava o cargo de diretor da Divisão de Censura e Diversões Públicas do Departamento da Policia
Federal era Coriolano Fagundes, responsável pela proibição desse espetáculo.
22
Folha de S. Paulo. Censura proíbe “Teledeum”. 14 de março de 1987, p. A 25.
45
Foto 24 Teledeum. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto cedida por Victor Nosek.
Ao
ser informado da censura de sua peça no Brasil, o autor catalão Albert Boadella
comenta: “Eu pensava que o trabalho da polícia era prender delinqüentes. Não sabia que ela
entendia de teatro. Acho interessante a polícia brasileira. Vou buscar alguns desses policiais
para trabalharem em minha companhia teatral”. (SERVA, 1987, p. A 25).
Contra a proibição de Teledeum e o pedido do fim da censura, o Ornitorrinco realizou,
em 31 de março de 1987, no Teatro Ruth Escobar, um ato público que contou com a presença
de vários artistas. Com liderança de Cacá Rosset, é lançada a campanha das "trinta mil
assinaturas" em apoio ao anteprojeto de abolição total da censura
23
, fazendo com que a peça
permanecesse em cartaz por dezoito meses.
Foto 25 José Celso Martinez Corrêa (Zé Celso) em apoio ao Ornitorrinco contra a censura da peça Teledeum.
Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto cedida por Victor Nosek.
23
Fonte: Enciclopédia de teatro do Itaú Cultural (on-line). Acesso em: 6 de fevereiro de 2007.
46
Foto 26 – Adesão do público contra a censura da peça Teledeum. Fonte: Programa do espetáculo Teledeum.
O grupo Ornitorrinco contou com o apoio não da classe artística, mas também de
políticos, da secretária estadual da cultura, na época, Bete Mendes, do público em geral, e dos
meios de comunicações. O jornal Folha de S. Paulo promoveu, no dia 19 de março de 1987,
uma leitura dramática da peça. Após a leitura, alguns deram a sua opinião em relação ao texto
e à proibição de sua encenação. Segundo Roberto Muylaert
24
, “Texto ótimo, não é ofensivo à
igreja. a contraposição entre a burrice da Censura e a inteligência da peça”. Para Alex
Periscinoto
25
, “Do jeito que a Censura age, se ela fosse bombeiro apagaria incêndio com
gasolina. A censura está praticamente fazendo a campanha de lançamento dessa peça, e bem
feita”
26
.
As dificuldades e os percalços com a montagem de Teledeum não se limitaram ao
Brasil. Em Bogotá, o grupo enfrentou a fúria da Tradição, Família e Propriedade (TFP) contra
a atitudes debochadas e irreverentes do grupo, protagonizada pelo ator Mário Cesar Camargo.
(...) Quando descemos em Bogotá, terra da cocaína, as emissoras de televisão
estavam nos esperando, porque elas estavam cobrindo o Festival. Eu desci como se
fosse o Papa. A minha primeira atitude foi beijar o solo colombiano. Mas, na
verdade, disfarçadamente, eu estava dando uma cheirada no solo colombiano. Essa
foto saiu no New York Time e na imprensa do mundo inteiro. Foi uma loucura! A
partir daí, despertou-se a ira da TFP (Tradição, Família e Propriedade) da Colômbia
(...) Mas isso estava dentro do nosso mote principal que era o humor, a irreverência
e o deboche. Acabamos sendo perseguidos pela TFP que ficava fotografando a
gente (...). (CAMARGO, 2008, ver anexo).
24
Na época, diretor-presidente da Fundação Padre Anchieta.
25
Na época, publicitário e colaborador do jornal Folha de S. Paulo.
26
Folha de S. Paulo. “Público ri e aplaude Teledeum”. 20 de março de 1987, p. A 42. Fonte: programa do
espetáculo Teledeum.
47
Cacá relata que: “(...) Em Bogotá, os protestos eram tantos que chegamos a usar
coletes a prova de balas com medo das ameaças”. Sobre o episódio de uma bomba lançada na
Colômbia, que destruiu o banheiro e o escritório do teatro onde o grupo faria a sua
apresentação, Rosset declara:
Temos amor à arte e, mais ainda à pele. Saímos correndo de (...). Na verdade o
escândalo está na sociedade, não está no teatro. Sem querer, fomos o pivô de uma
grande discussão na Colômbia, onde o Estado ainda é laico, tem ligações fortes
com a religião (sic)
27
.
Outra polêmica que envolveu Teledeum girou em torno da suspeita de o espetáculo ter
sido uma cópia da versão catalunha, já que Rosset haveria encontrado Boadella e assistido à
encenação realizada por ele. Segundo Victor Nosek,
(...) foi uma montagem muito diferente e pode até ser considerado um descanso.
Estávamos na Espanha com Ubu e fomos encontrar o Boadella
.
O Cacá trouxe o
Teledeum praticamente pronto. Ele seguiu as indicações de direção e cenário. Era
uma reprodução de lá, veio tudo importado, numa boa, sem crise nenhuma e foi
mais uma opção de montar aquela palhaçada deliciosa que antecedeu toda essa
palhaçada de religião que está aí hoje (...). (NOSEK, 2008, ver anexo).
Porém, para Rosi Campos e Mário Cesar Camargo, que atuaram no espetáculo, o
diretor imprimiu na encenação a sua característica peculiar de fazer teatro, acentuando a
malícia, o deboche e o humor tipicamente brasileiros.
Mário Cesar Camargo (2008, ver anexo) menciona que, “(...) Apesar das marcações
serem fidedignas às do Boadella, a encenação era bem brasileira, muito personal (...)”. Rosi
Campos, afirma:
(...) Teledeum tinha um grande elenco. A Roseli Silva, o Chachá, o Ary França que
dava um show jogando futebol de batina! Um dia, o Ary estava batendo bola em
um cantinho e o Cacá viu e falou: “Vamos colocar isso em cena”. O Cacá tem essa
27
É provável que o redator do jornal tenha se equivocado ao transcrever este trecho da entrevista concedida por
Cacá Rosset ou que o próprio diretor tenha se equivocado ao dizer que “o Estado ainda é laico, tem ligações
fortes ligações com a religião”. Se o Estado ainda é laico, não tem ligações fortes com a igreja. O Estado de S.
Paulo. “Teledeum: depois de São Paulo, URSS”. Caderno 2, 15 de abril de 1988, p. D 3.
48
vantagem, tudo o que você faz e que é bom, ele põe em cena. A Roseli cantava uma
música, que na época fazia muito sucesso. (cantando) Dominique, nique, nique
(risos). (CAMPOS, 2008, ver anexo).
Em 1988, o Teatro do Ornitorrinco encenou A velha dama indigna, adaptação e
direção de Cacá Rosset, que contou com a atriz Maria Alice Vergueiro no elenco, Guilherme
Vergueiro no piano, Cláudio Guimarães na guitarra e Ricardo do Canto no contrabaixo.
Nesse espetáculo, Maria Alice cantou e recitou alguns poemas de Brecht, citou
provérbios e se propôs a estabelecer um diálogo com o público, interação que ocupa uma
importância dentro da encenação, que a platéia é um “personagem” indispensável ao jogo
brechtiano. Sobre a temática da montagem, Vergueiro declarou:
Tenho a idade de todas as damas indignas, a idade de querer renascer a cada projeto
(...) Indignação pode conduzir para dois sentidos. Um deles é o sentido de revolta,
desprezo. É quando a pessoa se sente indignada. Outro sentido é daquela pessoa
que não é aceita, que sai dos trilhos e não merece, portanto, ser vista com
dignidade. Existe, portanto, um desequilíbrio entre o desejo realizado e a reputação.
(SANTANA, 1999, p. 8).
Foto 27 A velha dama indigna. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto cedida por Victor Nosek.
Em 1989, o Teatro do Ornitorrinco montou um de seus maiores sucessos: O doente
imaginário, comédia-balé de Molière que, após sua pré-estréia em Sertãozinho, cidade do
49
interior de São Paulo, viajou pela América e Europa, encerrando uma temporada de dois anos
em São Paulo, aclamada por mais de 150.000 pessoas.
28
Foto 28 – Elenco e equipe técnica da peça. O doente imaginário. Fonte: Programa do espetáculo.
Foto 29 O doente imaginário. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto cedida por Victor Nosek.
Foto 30 O doente imaginário. Fonte: Acervo pessoal do circense André Caldas. Foto de Roberto Setton.
28
Dados obtidos por meio do programa do espetáculo O marido vai à caça!.
50
Foto 31 O doente imaginário. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de Ary Brandi.
Para a encenação de O doente imaginário, Cacá Rosset contou com uma verba da
Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. O valor destinado a essa montagem foi alvo de
questionamentos por parte da classe artística que alegava ser um valor muito alto a ser
fornecido a uma única companhia teatral. A verba incluía não só a produção desse espetáculo,
mas também oficinas gratuitas promovidas pelos artistas do Ornitorrinco, que seriam
realizadas na Oficina Cultural Três Rios – hoje, Oswald de Andrade – espaço que era
destinado aos ensaios da peça. (LAGE, 1989, s. p.).
Esse trabalho contou com um estudo minucioso por meio de oficinas de cenografia,
dança, circo, máscaras da commedia dell’arte, artes gráficas, estudos de mesa e ensaios
abertos precedidos de um ciclo de conferências sobre a vida e a obra de Molière, envolvendo
mais de duzentas pessoas nesse projeto. Sobre o processo de trabalho realizado pelo
Ornitorrinco, Tereza Freire declara:
(...) Ensaiamos, durante seis meses (...) a nossa obrigação era fazer oficinas para as
pessoas que lá freqüentavam. Então, tudo foi feito ali, naquele espaço. Ensaiávamos
ali, o cenário foi construído ali, tinha aulas de circo... Era nova essa idéia de usar
circo no teatro. O processo de leitura de mesa foi muito longo, no mínimo, um mês
lendo todas as obras de Molìere, estudando o contexto histórico, no qual Molìere
havia escrito suas peças, os parceiros de música, ou seja, as pessoas que
compunham para Molìere, porque tudo isso era muito importante para o espetáculo.
Foi um trabalho muito sério de mesa. Aí, em seguida, começaram os trabalhos de
composição das personagens. Havia os grupos que faziam os intermezzos, aqueles
que não tinham personagens fixos, os bailarinos, os cantores, os acrobatas. Tivemos
que aprender vários elementos da linguagem circense como perna-de-pau,
acrobacias, fogo. Depois disso, houve o trabalho de junção entre as personagens, os
intermezzos e as músicas, enfim, tudo o que compunha o espetáculo. O processo foi
51
todo muito intenso, visto que intenso também era esse teatro com dança, com circo,
com música, com tudo ao mesmo tempo (...). (FREIRE, 2008, ver anexo).
José Rubens Chachá (2008, ver anexo) afirma que: “O doente imaginário foi a peça
que mais deu trabalho para montar”. Efetuaram um estudo profundo de época, inclusive sobre
tapeçaria e porcelanato francês. O circense André Caldas relata que os ensaios eram muito
puxados, sempre visando à qualidade do resultado final.
(...) Eu lembro até hoje que, depois de tantas horas em pé, chegava um momento
em que eu não agüentava mais ficar em pé. O Cacá podia ficar quatro horas
ensaiando a mesma cena com os atores em pé, sem sair do palco para nada. Ele era
muito exigente com tudo, principalmente com o horário (...). (CALDAS, 2008, ver
anexo).
Sobre o sucesso que o Ornitorrinco alcançou com a encenação de O doente
imaginário, a bailarina Mônica Monteiro declara:
(...) A pesquisa que o Anchieta fez para fazer o cenário e os figurinos foi fantástica,
riquíssima! As coreografias foram estudadas, os gestos da época. As músicas foram
todas as partituras originais. Era um espetáculo muito rico de detalhes, de
qualidade. Então, não foi à toa que houve tanto sucesso, foi decorrente de muito
trabalho, de muita pesquisa (...). (MONTEIRO, 2008, ver anexo).
Porém, a polêmica em torno da montagem de O doente imaginário não se limitou à
verba liberada pelo órgão público. O espaço pretendido para a estréia da peça, o Teatro
Municipal de São Paulo, foi motivo de muita discussão. Cacá pleiteava uma temporada mais
extensa no Municipal, alegando que a produção era grande demais e se tornaria inviável
permanecer por pouco tempo no espaço, devido à complexidade que envolvia a montagem.
Emilio Kalil
29
indeferiu o pedido sob a alegação de que o Teatro não poderia ser cedido para a
realização de uma temporada tão longa. (FILHO, 1989, p. E12).
Para piorar a negociação, Rosset declarou pretender colocar durante as apresentações a
inusitada figura de um elefante! Sobre isso, Jacy Lage (1989, s. p.) declara: “Em todo esse
29
Na época, responsável pela administração do Teatro Municipal de São Paulo.
52
drama, em que o grande prejudicado é o público, pode-se concluir que se um elefante
incomoda muita gente, um ornitorrinco incomoda muito mais”.
Marilena Chauí
30
formalizou, por meio de uma carta, a negação do Municipal
para o
grupo. O documento pautou-se na decisão do Conselho Consultivo do Municipal, alegando
que “o teatro de prosa teria suas atividades restritas ao período de férias dos corpos estáveis
(música e dança) do município”. Sobre a secretária Marilena Chauí, Rosset parafraseia
Oswald de Andrade ao dizer que: “Ela tem uma visão ‘universitária’ de cultura” e
complementa:
(...) a medida é claramente discriminatória, uma vez que o Ornitorrinco já se
apresentou em vários teatros municipais da Europa e América Latina, como
Bogotá, México, Cádiz e Nuremberg, além do Brasil, do Oiapoque ao Chuí. não
emplacou a Chauí. (LAGE, 1989, s. p.).
Foto 32 Elenco da peça O doente imaginário em frente ao Teatro Municipal de São Paulo. Fonte: Arquivo da
Folha de S. Paulo/banco de dados.
Em janeiro de 1991, o Ornitorrinco é convidado pelo produtor americano Joseph Papp
para encenar uma peça no consagrado New York Shakespeare Festival (NYSF). Em julho
daquele ano, Cacá Rosset apresentou Sonho de uma noite de verão, de William Shakespeare,
no Delacorte Theatre do Central Park de New York, montagem que envolveu mais de 40
30
Na época, Secretária de Cultura do Município de São Paulo.
53
pessoas entre atores, bailarinos, músicos e técnicos e conseguiu lotar os 2.000 lugares do
teatro, durante duas semanas.
31
Foto 33 Sonhos de uma noite de verão. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto cedida por Victor Nosek.
Como não poderia deixar de faltar em um espetáculo realizado pelo Teatro do
Ornitorrinco, Sonho de uma noite de verão não escapou de mais uma polêmica e dos debates
calorosos ocasionados pelos corpos seminus das Fadinhas e dos Elfos. O nu em cena sempre
gerou muita discussão: seria imprescindível dentro de uma determinada encenação ou não
passaria de um apelo para a divulgação do espetáculo e venda de ingressos? O Ornitorrinco
não estaria imune a esse tipo de questionamento, além do mais quando o nu é colocado em
um clássico shakesperiano, em pleno Central Park.
Foto 34 Sonhos de uma noite de verão. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto cedida por Victor Nosek.
31
Dados obtidos por meio do programa do espetáculo O marido vai à caça!.
54
Na concepção do diretor Cacá Rosset, Sonho de uma noite de verão é uma peça erótica
em que se discute a sexualidade:
Essa é a peça mais erótica do Shakespeare. Ela tem um lado quase hardcore.
uma cena em que a Titânia, que é a rainha das fadas, se apaixona e transa com um
asno (...) Sonho de uma noite de verão é uma discussão da sexualidade (...) O que
aconteceu é que, neste século, nós nos acostumamos a ver as fadas pela ótica do
Walt Disney, aquelas coisinhas angelicais, de asas e eu quis recuperar o erotismo e
a sensualidade que elas passavam na época de Shakespeare. Talvez por isso tenha
chocado
32
.
Foto 35 Sonhos de uma noite de verão (O banho de Titânia). Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto cedida por
Victor Nosek.
A imprensa norte-americana chegou a fazer pesquisas de opinião pública sobre a
nudez presente em um clássico shakesperiano. Muitos defendiam a idéia de que o
Ornitorrinco estava deturpando e diminuindo a obra do dramaturgo inglês ao colocar as
Fadinhas com os seios nus. Segundo Chachá,
(...) As fadinhas de seios nus, fazendo Shakespeare, em um teatro tradicional de
Nova Iorque, com dinheiro do Estado norte-americano, gerou uma polêmica muito
grande, porque existe um lado muito careta americano (...), mas as pessoas, que
ousaram assistir, gostaram muito. A receptividade foi muito grande. Viram que não
tinha a menor intenção de ser uma coisa que diminuísse a obra, muito pelo
contrário, mostrava até a sensualidade da mulher brasileira e do homem brasileiro
também, porque os rapazes trabalhavam seminus. Era muito bonito de se ver
aqueles corpos fazendo fadas e elfos. Acho que foi uma novidade para o público
americano (...). (CHACHÁ, 2008, ver anexo).
32
Entrevista concedida à revista Playboy em novembro de 1991, s. p. Fonte: programa do espetáculo.
55
Foto 36 Sonhos de uma noite de verão. Fonte: Acervo pessoal do circense André Caldas. Foto de Roberto
Setton.
O ator Mário Cesar Camargo, que participou de todo o processo de montagem,
defende a concepção do diretor Cacá Rosset ao fazer menção aos elementos contidos na
própria obra:
(...) Esse espetáculo coloca em cena a Grécia Antiga, em que os ideais da estética
estavam fervilhando. Então, o corpo era uma coisa magnífica. A concepção do
Cacá em colocar as fadas sem roupas foi absolutamente acertada e, ao mesmo
tempo, atraente para a platéia (...). (CAMARGO, 2008, ver anexo).
Mônica Monteiro declara:
(...) era um balé clássico. Pintávamos o corpo inteiro de pancake branco, o corpo
ficava como se fosse uma louça. A coreografia era muito suave. Em Nova Iorque,
eles elogiaram muito, diziam que era um quadro de Cézanne. Era de uma beleza
que não dava para considerar vulgar, pelo gesto que tinha. Era um trabalho sério e
foi um espetáculo muito elogiado, de uma beleza estética que nunca chegou perto
do vulgar. Era muito bonito, um nível muito bom (...) (MONTEIRO, 2008, ver
anexo).
De uma maneira bem humorada e debochada, sobre as características típicas dos
artistas que se envolvem com as produções realizadas pelo Ornitorrinco, André Caldas
comenta:
(...) Era para chamar público. Obviamente o nu tinha um fundo para ajudar a vender
os ingressos, mas não era um nu vulgar. É olhar as fotos, era maravilhoso, lindo!
Os homens também usavam tapa-sexo. A gente era trapezista e tínhamos um corpo
esculpido, um físico bonito. Então ele punha mesmo! Vai pôr o quê? A roupa do
Peter Pan nos Elfos? (...). (CALDAS, 2008, ver anexo).
56
A estréia no Brasil aconteceu em janeiro de 1992, no Teatro Municipal de Santo
André. Em março, com essa montagem, o Ornitorrinco inaugurou o Teatro Ópera de Arame,
de Curitiba. A peça estreou na cidade de São Paulo em abril e permaneceu em cartaz por
aproximadamente dois anos.
Mário Cesar Camargo recorda:
(...) A grande excelência do espetáculo eram os números de circo, as cenas do
trapézio com os Elfos e tudo mais (...) Era ao ar livre! No cenário tinha coisas reais,
o castelinho do fundo, as árvores iluminadas. Era realmente um sonho, era
magnífico. Incorporou a natureza do Central Park com a natureza da peça. Os Elfos
voando no trapézio entre as árvores! Uma coisa deslumbrante!
(CAMARGO, 2008,
ver anexo).
Victor Nosek relata:
(...) No Sonho de uma noite de verão, o “bicho pegou”. Eu acho que o circo
alcançou uma coisa que tinha no Mahagonny, uma metáfora cênica na cena dos
Elfos no trapézio. Aquela cena assumia uma poesia muito grande. Toda vez eu
chorava, chorava de emoção. Eu não choro de tristeza, choro, quando vejo uma
obra bem solucionada. E, no Sonho de uma noite de verão, aquela cena era “de
fuder” de linda! Os Elfos voando, e era só uma cena de trapézio, mas ali foi longe...
(...). (NOSEK, 2008, ver anexo).
Foto 37 Sonhos de uma noite de verão. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto cedida por Victor Nosek.
57
Nesse mesmo ano, no mês de junho, o Ornitorrinco realizou a primeira montagem do
recentemente criado Núcleo 2, dirigido por Maria Alice Vergueiro: Amor de Dom Perlimplim
com Belisa em seu jardim, aleluia erótica de Federico García Lorca.
Foto 38 Elenco e equipe técnica do espetáculo O amor de Dom Perlimplim com Belisa em seu jardim. Fonte:
Programa do espetáculo. Foto de Ana Albuquerque.
Foto 39 Amor de Dom Perlimplim com Belisa em seu jardim. Fonte: Programa do espetáculo A comédia dos
erros.
A concepção do espetáculo pautou-se por uma extrema fidelidade ao texto. Conforme
Maria Alice: “Eu segui todas as rubricas do autor, como se ele estivesse ao meu lado”. Para
Vergueiro, a peça fala de temas como amor, vida e morte através de um lirismo grotesco
33
.
Falar sobre o Núcleo 2 torna-se uma tarefa difícil, na medida em que ocorrem
divergências entre Cacá Rosset e Maria Alice Vergueiro acerca do propósito e sobre os
33
Diário Popular/Revista. “Maria Alice Vergueiro estréia como diretora”, 28 de setembro de 1992, p. 8.
58
espetáculos pertencentes a esse Núcleo
34
. A própria existência do Núcleo 2 chegou a ser
questionada pela atriz Christiane Tricerri:
Eu, por exemplo, discuto a existência do Núcleo 2. Por que Núcleo 2? Eu acho
horrível essa denominação. Ornitorrinco é Ornitorrinco, é se transformar! Uma hora
é pato, outra ora é peixe... Então, por que Núcleo 2? Eu acho que essa foi uma linha
divisória inexistente, que não deveria existir. (TRICERRI, 2008, ver anexo).
Para Cacá Rosset, “o Núcleo 2 surgiu como alternativa para a montagem de
espetáculos menores, mais intimistas” (FILHO, 1997, p. D4). Mas, na visão de Maria Alice
Vergueiro (2008, ver anexo), o Núcleo 2 “não era somente isso”:
O Núcleo 2 foi criado por causa dos festivais menores. Porque existiam festivais
que queriam Ornitorrinco devido ao sucesso fora, mas não tinham estrutura para
levar quarenta pessoas. O cleo 2 passou a ser, para mim, uma possibilidade de
conhecer outros autores, de dirigir espetáculos e fazer um pouco do que eu achava.
Então, eu comecei a experimentar outros diretores também. Eu queria fazer do
Núcleo 2 uma possibilidade de discutir as relações de trabalho. Eu, até hoje, tenho a
esperança que isso aconteça, de você ter um time onde todos participem e não se
diluam na coletividade, mas que também tenham autoridade, o que é uma utopia
(...) O Núcleo 2 seria uma possibilidade futura de um teatro experimental, o que
significava resgatar a idéia e a relação de trabalho inicial do Ornitorrinco. Tem
muito a ver com você ser dona do trabalho. Você entra numa outra ética. Tem uma
força muito grande, porque todo mundo se sente pertencente ao trabalho. Eu não
estou querendo dizer se esse é melhor ou não. Esse era o Núcleo 2. (VERGUEIRO,
2008, ver anexo).
A comédia dos erros, dirigida por CaRosset, com cenários e figurinos de José de
Anchieta, estreou, primeiramente, no Delacorte Theatre de New York, em agosto de 1992,
com elenco e técnicos americanos. Construído ao ar livre e com capacidade para duas mil
pessoas, foi erguida uma cidade cenográfica, com torres de treze metros de altura.
34
Para Maria Alice fazem parte do Núcleo 2, O belo indiferente, A velha dama indigna, A pororoca, Medéa,
Amor de Dom Perlimplim com Belisa em seu jardim, Tudodeumavez, La chunga e os Quíntuplos. Segundo, Cacá
Rosset, os espetáculos O belo indiferente e A velha dama indigna, compõem o Núcleo 1.
59
Foto 40 The comedy of errorsDelacorte Theatreagosto de 1992. Fonte: Programa do Espetáculo. Fotos de
Martha Swope – NYSF
Na versão brasileira, que ocorreu dois anos depois, em maio de 1994, na cidade de
São Paulo, permanecendo em cartaz durante dois anos, as torres que antes possuíam tamanha
dimensão foram substituídas por telões pintados.
Foto 41 – Elenco e equipe técnica da peça. A comédia dos erros. Fonte: Programa da peça. Foto de Ana Iwanow.
Foto 42 A comédia dos erros. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto cedida por Victor Nosek.
A partir dessa montagem, Rosset assume uma postura diferente. As viagens
internacionais diminuem significativamente. Segundo Chachá (2008, ver anexo), “(...) Foi
uma peça que não viajou, estávamos num período mais caseiro do grupo. O Cacá estava
60
cansado de tantas viagens e para mim foi perdendo um pouco o encanto (...)”. Também, não
havia mais um estudo coletivo, um trabalho de mesa e de pesquisa aprofundado em torno das
peças como ocorreu, por exemplo, na primeira versão de Ubu e na montagem de O doente
imaginário. Cacá passou a optar por soluções cênicas experimentadas em que o efeito final
tornava-se previamente conhecido, tanto pelo diretor como pelos atores que participaram das
montagens anteriores e pelo público que acompanhava a trajetória do grupo.
Sobre o processo de montagem, o ator Eduardo Silva comenta:
Foi aquela “pauleira”, como é no Ornitorrinco. “Duzentas” horas de ensaio por dia!
(...) No início, eu estranhei o trabalho com o Cacá, porque ele é muito gido nas
marcas (...). Ele sabe muito bem como tirar riso do público, como fazer as pessoas
darem risadas. Se ele fala para você colocar a mão aqui, é aqui. Não é ali e nem lá e
o pessoal vai dar risada. Ele faz isso muito bem, com uma maestria sem fim (...) O
trabalho de mesa foi bem rápido. Ele parte mais para a marcação. (SILVA, 2008,
ver anexo).
De acordo com
Augusto Pompeo:
(...) Na Comédia dos erros, o equívoco e a maestria! O espetáculo era todo
pontuado, como uma grande coreografia. Novamente, uma grande equipe. Eu acho
que o Cacá prima pelo trabalho em equipe. Ele começa, ele o tom, e todos vão
fazendo parte daquele acorde e, de repente, quando se vê, ele envolveu todo mundo
(...). (POMPEO, 2008, ver anexo).
Cacá Rosset acrescentou ao espetáculo um clima farsesco, o escracho das chanchadas
da Atlântida e buscou referências nos filmes de Os Três Patetas e o Gordo e o Magro,
percebidas por meio das interpretações de Luciano Chirolli e Eduardo Silva. Ao ser
questionado pela crítica sobre a falta de fidelidade em relação à maneira como encena os
clássicos, o diretor argumentou:
Eu tenho uma preocupação de fidelidade, mas através de uma via da infidelidade
(...) as pessoas não conseguem mais distinguir o que é essa tradição e o que
realmente a essência da obra. É como se você tivesse uma mesa que se vai
acumulando o pó dos séculos. A certa altura você já não distingue o que é mesa e o
que é pó. (...) Cada época o Shakespeare à sua maneira. O Shakespeare montado
no século XVI é diferente do montado no século XVII e assim sucessivamente.
Certos aspectos da obra vão sendo colocados em primeiro plano dependendo da
6
1
sensibilidade, da cultura e do local. A obra de Shakespeare é generosa, permite
essas releituras. (...) O que tenho horror é da ditadura dos doutores em Shakespeare
(...) (SANTOS, 1994, p. 69).
Segundo o crítico Nelson de Sá
,
A comédia dos erros é a resposta que Cacá Rosset estava devendo. Não é circense,
embora seja uma palhaçada e tenha, com alguma distância, ecos de um humor
ingênuo, próprio de um país antigo, que, pelo interior, confundia realmente teatro
com circo. Mas o humor de Cacá Rosset volta um pouco mais no tempo. Não é
apenas ligado à Commedia dell’arte ou aos esquecidos palhaços do Brasil. Volta
mesmo a Plauto (...). É um humor no qual, lembrou o próprio Cacá Rosset,
tempo atrás, nada é respeitoso (...). Uma sátira que já surge de cara, com mui
respeitável Shakespeare escrevendo, na lousa: “A Comédia dos Erros”. Uma
comédia clássica, mas levada na gozação, por mais que respeite e realce o texto, o
que, aliás, faz como poucas vezes se viu por aqui. Um espetáculo próprio de Cacá
Rosset, um comediante maior. E original, tanto quanto Plauto, seu ídolo do século 3
a.C. (SÁ, 1994, p. 54).
Na visão de Bárbara Heliodora, a encenação de A comédia dos erros é confusa e
apelativa.
A direção de Cacá Rosset optou, ao contrário, por uma linha de chanchada,
onde tudo e todos gritam e viram exageros e caricaturas totalmente destituídos de
sentido (...) tudo vai para o mesmo ramo da caricatura e do desmando, e nada é
buscado além de um possível riso imediato (que nem sempre é alcançado).
(HELIODORA, 1994, s. p.).
Guy Corrêa, espectador do Teatro do Ornitorrinco e redator do livro sobre o grupo
(que será publicado neste ano de 2008), assistiu à A comédia dos erros três vezes e fala sobre
a encenação:
Eu tinha vontade de ser ator e, quando eu fui assistir A comédia dos erros e vi a
atuação do Chachá e do Eduardo Silva eu desisti completamente! Eu vi que eu não
tinha condições, que não dava, que era uma coisa muito forte. Eu acho que eles têm
uma coisa que é da essência do artista... Eles m voz, presença cênica, são
brechtianos. A persona aparece ali, antes da personagem. E essa peça, como
falei, eu vi três vezes e, todas às vezes, foi diferente. O Eduardo Silva com o
Pompeo! Chegava uma hora que você não sabia mais quem era quem. Era muito
“louco” aquilo! (CORRÊA, 2008, ver anexo).
Em março de 1996, o Ornitorrinco reapresenta Ubu, folias physicas, pataphysicas e
musicaes, de Alfred Jarry. Essa montagem foi acompanhada da exposição Ubu, a Patafísica
nos Trópicos e contou com a participação de mais de sessenta artistas plásticos. A peça
62
permaneceu um ano em cartaz, encerrando sua carreira no Teatro João Caetano, o mesmo
local onde estreara em 1985.
Foto 43 Elenco da peça Ubu, folias physicas, pataphisicas e musicaes (1996; versão). Fonte: Programa do
espetáculo. Foto de Gal Oppido.
A opção de Cacá Rosset por remontar Ubu da mesma maneira de onze anos atrás
ocasionou muitos questionamentos. O único diferencial foi a ausência da banda ao vivo,
elemento rico e importante que deveria ter sido mantido. Ao fazer essa escolha, Rosset
assumiu uma postura contraditória em relação à proposta inicial do grupo constante ao longo
de sua trajetória: a irreverência. Segundo Eduardo Silva:
Ele fez igual. Se eu fosse ele teria criado uma outra coisa para surpreender as
pessoas, porque aquela ficou datada. Na primeira montagem, foi tão retumbante a
surpresa e, na segunda, não, era igual. As mesmas coisas, as mesmas piadas. Não
tinha nada de diferente (...) Ele tem capacidade para isso, para fazer algo que
surpreendesse novamente as pessoas, mas ele optou por fazer igual. (SILVA, 2008,
ver anexo).
O Ornitorrinco estréia no dia 09 de março de 1998, em São Paulo, a comédia O
avarento, de Molière, no Teatro Popular do Sesi. Foram ao todo 250 apresentações para um
público estimado em mais de 130.000 pessoas.
35
35
Dados obtidos por meio do programa do espetáculo O marido vai à caça!.
63
Foto 44 – Elenco da peça O avarento. Fonte: programa do espetáculo. Foto de Mário Castello.
Foto 45 O avarento. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto cedida por Victor Nosek.
Ao fazer a adaptação da peça, Cacá Rosset procurou preservar ao máximo o texto ao
manter os cinco atos e fazer poucos cortes.
Fiz a tradução e a adaptação, mas não mexi muito no texto. A única alteração
importante é que aproximei O Avarento, uma comédia em prosa, das comédias-balé
que ele desenvolveu depois, para espetáculos na corte de Luís XIV. Assim,
aproximamos a obra do teatro de revista, do teatro burlesco e do vaudeville judeu
de Nova York (...). (GUZIK, 1998, s. p.).
A modificação ocorreu pelo acréscimo de seis números musicais, compostos pelo
americano Mark Benett e coreografados por Vivien Buckup. A preparação corporal dos atores
foi realizada por um especialista americano em lutas marciais.
Em uma entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo, Cacá afirma: “Fiz uma
comédia que tem uma conexão íntima com a nossa era, considerando que o mundo, hoje, é
regido pelo índice das bolsas de valores” (FILHO, 1998, p. D3).
64
Paradoxalmente, a montagem nada teve de sovinice. Financiada pelo SESI, foi
incluída pela entidade no calendário das comemorações de seus 35 anos. Com esse trabalho, o
Teatro do Ornitorrinco celebrou os 21 anos de existência do grupo. Ao todo, a peça contou
com 60 figurinos luxuosos desenhados pelo também cenógrafo José de Anchieta, que
elaborou três ambientes: o jardim, o interior da casa de Harpagão e o local onde ele seus
fantasmas.
Em 2000, o Teatro do Ornitorrinco comemorou 23 anos de sua fundação com a
montagem do espetáculo Scapino, uma comédia farsesca escrita em 1671, por Molière. A
estréia ocorreu no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, e contou com a presença de 24
atores, músicos, bailarinos e de dois personagens (o anão e o peso pesado), selecionados por
meio de testes realizados pelo grupo. Posteriormente, passa a ser encenada no Teatro Maria
Della Costa, onde permaneceu em cartaz até o final de 2000.
Foto 46 – Elenco e equipe técnica da peça Scapino. Fonte: Programa do espetáculo. Foto de Gal Oppido.
Cacá Rosset presta a sua homenagem aos imigrantes italianos ao aproveitar-se da
atemporalidade do texto e do fato de estar em um teatro situado no Bexiga, antigo reduto de
imigrantes italianos na cidade de São Paulo. Cacá faz uma paródia do restaurante italiano O
Gato Que Ri, localizado no Largo do Arouche, e coloca em cena a cantina Ornitorrinco Que
Ri.
65
Foto 47 Scapino. Fonte: Programa do espetáculo. Foto de Gal Oppido.
A dupla de garçons dessa cantina foi batizada como Franco e Zampari, numa
simpática alusão ao fundador do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), o italiano Franco
Zampari.
Scapino é um dos tipos da commedia dell’arte, na linha de Arlequim e Brighella,
embora menos ilustre. Essa personagem cômica sofreu, ao longo do tempo, inúmeras
modificações ao passar de um criado poético e amoroso da commedia dell’arte, a um tipo
mais “malandro”. É um personagem sábio, cínico, amante da vida e que sente prazer em
praticar trapaças, a serviço de boas causas como a união dos jovens por amor e não por
interesses. Ele “encarna” a união do novo contra o velho.
Constatando a preferência do grupo em fazer um trabalho no qual prevaleça a idéia de
um espetáculo múltiplo e surpreendente, a montagem fez uso das mais variadas linguagens
artísticas: teatro, música, dança e circo. Cacá Rosset imprime o conceito de extravaganzza
teatral
36
, no sentido da busca pela almejada reteatralização.
36
O diretor emprega esse termo referindo-se ao uso das mais diversas linguagens artísticas em um espetáculo
teatral (ver anexo).
66
A montagem utiliza várias linguagens teatro, dança, música e circo e, a exemplo
dos trabalhos do Ornitorrinco, utiliza-se de inúmeros e conhecidos truques,
brincadeiras e jogos cênicos. O espírito da peça evoca a irreverência de seu
fundador. “Sou um bufão, gosto de fazer rir”, diz Cacá (...). (SALOMÃO, 2000, p.
D25).
O cenário elaborado por José de Anchieta pautou-se no realismo alegórico. Mais uma
vez, o Ornitorrinco optou pela comédia escrachada e pelo deboche. Essa opção pela comédia
rasgada, contida em Ubu, acentuou-se nas últimas montagens do grupo e tornou-se uma
espécie de marca registrada do Ornitorrinco.
A empatia do grupo Ornitorrinco com o público é notória e inegável e se realiza por
intermédio do humor irreverente, debochado, desprovido de sutilezas e refinamento. Porém, é
justamente esse riso alegre e “descompromissado” o alvo da crítica que o define como vulgar
e incompatível em relação às comédias molierescas, refinadas e inteligentes. Segundo o
crítico Aguinaldo Ribeiro da Cunha,
A exemplo do ocorrido em O Avarento, em Scapino a empatia com o público é
visível, mas sente-se uma atmosfera de programa de auditório (comentário feito,
aliás, na crítica àquele espetáculo) em meio a uma vulgaridade proposital
desnecessária em se tratando de uma comédia clássica, refinada e inteligente, como
são os textos de Molière. (CUNHA, 1998, s. p.).
Após cinco anos de “reclusão”, o grupo volta aos palcos para encenar no Tuca, em São
Paulo, a peça O marido vai à caça! um vaudeville em três atos, escrita em 1892 pelo francês
Georges Feydeau.
Foto 48 Elenco e equipe técnica da peça. O marido vai à caça! Fonte: Programa do espetáculo. Foto de Gal
Oppido.
67
Foto 49 O Marido vai à caça! Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de André Stefano.
Foto 50 O Marido vai à caça! Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de André Stefano.
A tradução é de Rosset, que também dirige, atua e co-produz a montagem com
Christiane Tricerri, atriz que retorna ao Ornitorrinco após dez anos. Já o cenário de José de
Anchieta reproduz, bem ao estilo do século XIX, a sala da residência do casal Leontina e
Chandel.
Imagem 1 – Maquete do cenário da peça O marido vai à caça! Material cedido pelo cenógrafo José de Anchieta.
68
Na peça, Chandel, o tal marido que vai à caça, vivido por Cacá Rosset, tem um cão
chamado Maciste que seria, a princípio, “interpretado” por um cachorro de verdade. Crost, um
buldogue, cuja imagem está em destaque no programa, no entanto, não aparece no espetáculo.
A idéia foi descartada após os três primeiros ensaios abertos, quando o grupo percebeu que o
animal não provocara o efeito desejado no público.
Imagem 2 – Programa do espetáculo.
Quem conhece o estilo irreverente do Ornitorrinco pode até estranhar a escolha de
uma peça que exige muita precisão e abre pouco espaço para o improviso. Mesmo pouco
crítico, O marido vai à caça! traz o deboche típico do Ornitorrinco. Cacá explica sua escolha
do texto:
O que é extremamente interessante nesta peça é o humor matemático, mas que
deriva em delírio cênico, em pesadelo mico, tal a sucessão de situações (...). A
graça de Feydeau está na trama, não é um humor de gags, mas está na forma
magistral como ele embaralha e desembalhara as situações. É um mecanismo de
precisão, a assim chamada peça de relojoaria (...). Obviamente, não estamos
pesquisando linguagem. Pelo contrário, estamos trabalhando com velhas
linguagens, basta olhar nossa cenografia, feita em madeira, coisa antiga mesmo.
Mas, paradoxalmente, pelo desuso, acaba surpreendendo, provocando efeito
inverso. (NÉSPOLI, 2006, p. D3).
Posteriormente, em outra entrevista, admite que não se tratava de um dos seus autores
preferidos: “O Feydeau tem elementos farsescos, como Molière, mas reina em outro gênero, o
69
vaudeville. O que me fascina é o qüiproquó e suas guinadas, sua lógica infernal, uma espécie
de pesadelo cômico. Quando você acha que chegou ao auge da complicação, vem mais
alguma coisa”. (SANTOS, 2006, p. E3).
Alberto Guzik faz ressalvas a respeito da encenação de O marido vai à caça!:
Cacá não deveria mais colocar sob o logo do Ornitorrinco a essa sua nova
produção. Ele está detonando a memória de sua principal contribuição à história do
teatro brasileiro. O homem de frases ferinas que se tornou pode tentar se convencer
que isso não tem a menor importância. Mas o artista que ele é sabe que, se pensar
assim, estará apenas iludindo a si mesmo. O artista não pode perder a coerência, ou
perde aquilo que tem de mais importante. (GUZIK, 2006, on-line).
O “retorno” do Ornitorrinco, após esses anos de espera, gerou expectativas em torno
do espetáculo. O Ornitorrinco “voltaria” com força total? Traria com essa nova montagem
aquele espírito irreverente e ousado? Voltaríamos a ver em cena a riqueza da mistura de
linguagens artísticas, o circo, a dança, a música ao vivo e o teatro? Nesse sentido, o público de
O marido vai à caça! não presenciou nenhuma dessas características presentes nas
encenações do grupo, diversas vezes elogiadas e que acabaram por ajudar a perpetuar o nome
do Teatro do Ornitorrinco no cenário teatral brasileiro. Ainda que, em alguns momentos,
foram notados o deboche em cena e a idéia inicial do grupo de trabalhar a quebra da quarta
parede ao propor uma interatividade com o público. O que foi visto foi uma peça de gabinete,
com um elenco reduzido – o oposto das últimas produções realizadas por Cacá Rosset.
Segundo o crítico Sérgio Sálvia Coelho (2006, p. E6), “(...) A esperada volta do
Ornitorrinco, com um vaudeville de Feydeau, decepciona e constrange o nome do grupo.
Nada de errado com Feydeau (...) O problema é que muito luxo e pretensão para uma
leitura rasa até o pueril”.
70
Em 2008, o Teatro do Ornitorrinco trabalha em mais um projeto, novamente um
clássico: A megera domada, de Shakespeare. A encenação dessa peça estava prevista para
ocorrer em 2007, ano em que o grupo completaria exatos trinta anos de existência. Aprovado
pela Lei Rouanet, o projeto orçado em R$ 1,5 milhão encontrou problemas para captação de
recursos, fato que impediu o grupo de concretizar a encenação.
Superada a barreira em busca de patrocinadores, a peça estreou no dia 30 de maio de
2008, no Teatro Sérgio Cardoso, e contou com a presença de alguns atores que haviam
trabalhado em outras encenações realizadas pelo Teatro do Ornitorrinco, como Eduardo Silva,
Rubens Caribé e William Amaral.
Foto 51 A megera domada. Fonte: Foto Acervo pessoal do fotógrafo Ary Brandi. Foto de Ary Brandi
.
Sobre o processo de montagem, Rubens Caribé, assina também a coreografia,
comenta:
(...) A comédia, de que o Cacá gosta, é uma comédia física. Ele gosta dos Três
Patetas, do Buster Keaton. Aquela coisa de “pá, pummm, pééé”. Ele adora e tem
que ter um corpo bem preparado para fazer isso (...) O Cacá gosta de destacar que o
ator não é a personagem (...) Na Megera domada, ele fala assim: “Você é o Caribé
fingindo ser um ator medieval, que finge ser Lucêncio, que finge ser Trânio, que
finge ser o professor de latim”. E tudo isso está revelado para o público. Ele faz
com que o espectador se lembre disso (...) Ele se apropria do Shakespeare, mas ele
coloca a compreensão dele que é brechtiana, meio circense, meio clownesca, meio
anárquica, embora ele seja altamente rigoroso ao contar a estória (...). (CARIBÉ,
2008, ver anexo).
71
Com a encenação de A megera domada, o Ornitorrinco volta aos palcos trazendo todos
os elementos que imprimiram ao grupo uma característica peculiar: a reteatralização. Estão
presentes nessa montagem: o circo, a dança, a música ao vivo, a presença de mulheres
seminuas, as piadas contemporâneas e a comunicação direta com o espectador.
Foto 52 A megera domada. Fonte: Foto Acervo pessoal do fotógrafo Ary Brandi. Foto de Ary Brandi
.
São vinte e um artistas no palco, incluindo quatro músicos que fazem sonoplastias e a
música das canções cujas letras estão inseridas no texto original. O figurino é de época,
exuberante, mas não pomposo. José de Anchieta optou por brincar com cores vibrantes,
contribuindo para o espírito alegre e irreverente do grupo.
A tradução do texto reforça a maneira como Cacá Rosset tem trabalhado com os
clássicos ao longo dos anos ao optar por “uma infidelidade fiel”. Os diálogos fluem aos
ouvidos de um público contemporâneo. inserções de canções e referências
contemporâneas, tornando o texto mais próximo do espectador do século XXI. O Ornitorrinco
brinca ao fazer autocitações, possibilitando, ao público que acompanha a trajetória do grupo,
rememorar as montagens anteriores.
O jogo da platéia como co-participante da obra ocorre quando Petrúquio, interpretado
por Cacá Rosset, pergunta se alguém teria alguma sugestão para um homem não ser domado
72
por uma megera. Na estréia da peça, ouve-se uma voz infantil, que de imediato responde: “É
só não ser pateta!”. “Eis o futuro do Brasil!”, diz Cacá Rosset.
Não seria Ornitorrinco se essa montagem escapasse de algum qüiproquó. Faltando uns
dois meses para a estréia da peça, um ator, que faria a personagem principal, o Petrúquio,
“desaparece” sem dar qualquer satisfação ao elenco. Cacá, que interpretaria somente o Sly,
assume a personagem.
Ao expor a trajetória do Ornitorrinco, pudemos observar a forte presença do gênero
cômico em seus trabalhos, o que torna evidente a predileção do grupo em relação a essa
linguagem artística. Por muitas vezes, deparamo-nos com a concepção de que o cômico é uma
arte menor, inferior e de efeitos fáceis, quando comparado ao drama. Quanto a essa filosofia,
Cacá Rosset rebate:
O que é crasso ou ignorância. Até porque a comédia, em geral, independentemente
dos subgêneros de comédia que você faça, é uma coisa altamente complicada. Até
contar piada em uma festinha é uma coisa complicada. Nada mais constrangedor do
que uma pessoa que não sabe contar uma piada e quer contar (...) O cômico sempre
funciona como uma espécie de espelho deformante e deformado da realidade, seja
ela uma situação política, seja a relação entre os sexos, enfim, independentemente
dos temas que eventualmente estejam sendo abordados. Ao refletir de uma forma
deformada e deformante, esse espelho, de
certa maneira,
tem a função de tentar
colocar a realidade no lugar. Coloca o mundo de ponta cabeça para colocá-lo dentro
de uma perspectiva... Então, eu acho que o cômico opera nesse registro. O cômico
passa necessariamente pelo raciocínio, pela inteligência, pela
reflexão (...).
(
Rosset,
2006, ver anexo)
.
A maneira como o grupo Ornitorrinco se apropriou do gênero cômico em suas
montagens suscitou inúmeras controvérsias, tornando-o objeto de diversas críticas ao longo de
seus trinta anos de trabalho. Tomemos como exemplo a análise do espetáculo O avarento,
realizada por Mariângela Alves de Lima:
A encenação de Cacá Rosset não se limita a destacar da comédia os componentes
farsescos. Destrói o texto. O espetáculo é uma sucessão de desencontros expressos
por gritos nos quais desaparecem a sintaxe e o significado dos vocábulos (...)
momentos elaborados, que o espetáculo define como ápices cômicos, nos quais são
introduzidas representações de excreções, palavras obscenas e gestos licenciosos.
73
Trata-se, em resumo, de estimular o riso por meio de arsenal farsesco, e nunca pela
reflexão e pelos duplos sentidos que o próprio texto indica (...) a idéia de
comunicação que apóia este espetáculo é das mais infelizes. Para dialogar com o
público o Teatro do Ornitorrinco propõe o mau gosto visual, o infantilismo da
pancadaria, o abuso das substâncias gosmentas e, como contrapartida, a absoluta
suspensão do espírito crítico. De uma companhia estável, entretanto na maioridade
simbólica, esperava-se mais. Uma certa maturidade que lhe permita confiar na
inteligência do público. (LIMA, 1998, p. D22).
Mas, na mesma medida em que o grupo era alvo de duras críticas, recebia o
reconhecimento pelo seu trabalho, muitas vezes, partindo daqueles que, em algum momento,
foram implacáveis em suas análise, como no caso de Mariângela Alves de Lima:
Irreverente (...) o Ornitorrinco conquistou um imenso e entusiasta público jovem. E
a esse público tem oferecido as obras-primas da comédia ocidental. Com uma
aparente falta de cerimônia, fez entrar em cena Alfred Jarry, Molière e
Shakespeare, sempre com muito sucesso (...). Podem ser intérpretes originais,
exuberantes e provocativos porque desdenham a pequena dimensão de uma tela de
tevê. (LIMA, 1997, p. D8).
O grupo também foi acusado de ser repetitivo em seus trabalhos. Viviane Kulczynski
(1998, p. 58) lamenta pelo público por “enfrentar filas homéricas para assistir à mesmice do
Ornitorrinco nos últimos anos (...) é um festival repetitivo de piadinhas sem graças, gags
desnecessárias e constrangedoras participações involuntárias da platéia”.
Rosset questiona a acusação da mesmice em seus espetáculos ao discutir o conceito de
novo no âmbito teatral.
Esse conceito de novo, de original, como um valor em si, é moderno, apareceu no
século XIX. Antes disso ele não existia. Se a gente pensar nos gregos, eles iam ao
teatro para ver o mesmo tema contado por diferentes dramaturgos (...) Na
commedia dell’arte, os atores mantinham sempre a mesma máscara, usavam o
mesmo tipo de humor, só mudavam a fábula contada de peça para peça. Por que um
grupo moderno não pode fazer a mesma coisa? Aliás, essa cobrança não é do
público, é da imprensa, da mídia. O público gosta do trabalho do Ornitorrinco.
(GUZIK, 1997, p. 10C).
No terceiro capítulo deste trabalho, buscaremos pontuar tais aspectos negativos
mencionados pela crítica, contrapondo-os à proposta do grupo em O doente imaginário.
74
Capítulo II
A comicidade das palavras na adaptação do texto O doente imaginário
Molière é um clássico da dramaturgia mundial e um dos maiores comediógrafos de
todos os tempos. Sua originalidade e a sua modernidade são algumas das razões que levaram
o Ornitorrinco a encená-lo.
O doente imaginário, escrito mais de 300 anos, permite estabelecer um paralelo
com a sociedade atual e, por esse motivo, não foi difícil a adaptação realizada por Cacá
Rosset. A obra integra a música, a dança e o teatro, riqueza cênica que despertou o interesse
do Ornitorrinco. Vejamos:
(...) acho que seguramente o é um exagero meu falar que Molière é um grande
gênio da comédia ocidental (...) porque ele pega elementos antigos do teatro como a
commedia dell´arte ou até de coisas mais antigas como de Plauto que é século IV
d.C. e coloca numa perspectiva muito interessante. Até pelo fato de além de
dramaturgo, ter sido ator e diretor, eu acho que ele tem uma noção do efeito
cômico, da teatralidade. A obra do Molière sempre me inspirou (...) é uma comédia
balé em que ele coloca os entreatos que são realmente umas extravaganzza teatrais,
uma mistura de linguagens de dança, de acrobacias, de músicas e que sempre
quando eram montados aqui no Brasil ou, até mesmo fora do Brasil, se cortavam
isso e eu vi nisso tudo uma riqueza extraordinária, um material muito estimulante
para o teatro que eu gostava de fazer, que eu estava querendo fazer, um teatro
exatamente de uma integração de linguagens do circo, do teatro, da música ao
vivo, da platéia [o grifo é nosso]. Então, foi um material que me interessou muito
(...) é o triunfo da teatralidade. É a época em que na Europa vêm a pirotecnia, os
fogos de artifícios da China, era época do Palácio de Versailles, das fontes, da
música, era uma grande festa a corte de Luís XIV, era tudo teatralizado. Então, eu
quis fazer exatamente dessa forma, essa coisa do teatro total. (ROSSET, 2006, ver
anexo).
O teatro de Molière possui a sofisticação intelectual e os elementos farsescos da
commedia dell’arte, mostrando que essas características não são excludentes. Segundo
Carmelinda Guimarães,
É esta aproximação de Molière com o teatro popular da commedia dell’arte que
identifica sua obra com o trabalho de Cacá Rosset. Como Molière, Cacá Rosset
também é ator e diretor simultaneamente, e se ele não escreve seus textos, busca
75
autores próximos à sua visão anárquica do mundo e à sua interpretação debochada,
que beira a tradição da chanchada brasileira. (GUIMARÃES, 1989, p. 23).
As obras de Molière ultrapassaram a comédia de costumes para mesclar
entretenimento e reflexão. Em suas comédias afiadas, criticava os burgueses, os nobres, o
poder político e as regras da sociedade em geral. A crítica à afetação e o apelo ao bom senso
caracterizam toda a sua dramaturgia.
Em O doente imaginário, Molière critica, com sarcasmo e humor, a classe médica,
com seus palavrórios, escritos e fórmulas ininteligíveis. Discute a medicina e seus valores, seu
poder e suas mazelas. Também aborda as intrigas que sempre envolvem a falsidade, o
egocentrismo e a falta de escrúpulos.
Os médicos são os grandes alvos da crítica molieresca, por aproveitarem de sua
posição para exercer o poder. O poder sobre o homem e sobre si mesmo. está a loucura do
nosso personagem central, Argan, que se deixa dominar pelos “doutores da medicina”, que
não se importam com os valores humanos e sociais.
Usando o texto como metáfora, pode-se ir a qualquer outro lugar, a qualquer outra
esfera, para ver a dominação dos doutores da economia, da política, da religião, da mídia, com
seus mandos, desmandos, que a todos envolvem em suas tramas e, muitas vezes, fazendo-os
reféns de suas idéias.
Nas obras de Molière, a personagem central é sempre alguém que perturba a ordem. A
diferença se resume na patologia apresentada por elas: a hipocondria de Argan, no caso de O
doente imaginário, e a avareza de Harpagão, em O avarento, por exemplo.
76
Argan é carente, sovina, solitário e deixa-se levar por caminhos tortuosos e
mesquinhos. Alguns tentam manter sua lucidez, mas a possibilidade de acordar para a
realidade o ameaça e o assusta, pois se manter na ilusão o faz senhor dos seus movimentos.
O velho hipocondríaco, todos os dias, testa novos tratamentos e remédios para suas
doenças imaginárias, incentivado por seu médico e seu farmacêutico, que vivem quase que
exclusivamente às suas custas. Toinette, a criada da casa, tenta convencê-lo de que é saudável,
mas Argan insiste que é um inválido. A suposição de que é um doente incurável é reforçada
por Beline, segunda esposa de Argan, uma interesseira que finge amá-lo para, em breve,
tomar posse da fortuna de seu marido.
Em decorrência de sua hipocondria, Argan é egoísta e cheio de manias. Tudo gira em
torno de seu próprio beneficio, nem que, para isso, tenha de sacrificar a felicidade de sua filha
Angélica e obter as vantagens almejadas. Ele diz:
A razão é que, estando doente, enfermo como estou, quero ter um genro médico e
parente de médicos para me tratarem da doença, para ter na minha família os
remédios que me são necessários, as consultas e as receitas (...) E uma filha
bondosa deve ficar contente em se casar com o que é útil à saúde de seu pai. (O
doente imaginário, p. 12).
O tema central da peça é o jogo de interesses e não importam quais serão os caminhos
para poderem ser alcançados os objetivos traçados. Argan quer casar sua filha com um
médico para ter os remédios e a assistência necessária para “suas doenças”, sem falar no
prestígio social e na situação financeira do pretendente. Por seu lado, o médico em seu
futuro sogro uma ótima oportunidade de sempre ganhar dinheiro.
Angélica, por sua vez, desesperada com a imposição, pois ama um jovem chamado
Cleanto, pede ajuda a Toinette. Desejando ajudar Angélica, a criada finge apoiar o patrão em
seus planos. O irmão de Argan, Beraldo, toma o partido da sobrinha e ambos decidem
77
enganar o hipocondríaco. Convencem Argan de colocar o amor de Beline à prova e, para a
sua surpresa, constata a falsidade da esposa. Argan, então, resolve permitir que sua filha se
case com Cleanto, desde que o rapaz concorde em estudar medicina. Beraldo apresenta uma
idéia melhor. Argan pode se tornar, ele próprio, um médico, passando a cuidar de si mesmo.
O velho hipocondríaco adora a idéia e abençoa o enlace da filha com seu verdadeiro amor.
A farsa, de três atos em prosa, inclui o canto, a música e a dança. O espetáculo é
precedido de um prólogo e de intermezzo entre cada ato. Essa comédia-balé foi valorizada
pela música composta por Marc-Antoine Charpentier
37
e pelas danças coreografadas de Pierre
de Beauchamps
38
.
Segundo Patrice Pavis, comédia-balé é aquela “em que balés interferem no curso da
ação da peça ou como intermédios autônomos entre cenas e atos” (2003, p. 54). Ao todo, são
dezoito tipos diferentes de comédias, definidas com certa precisão pelo autor. Segundo ele,
encontramos a comédia de caráter, que “descreve personagens esboçadas com muita precisão
em suas propriedades psicológicas e morais”; a comédia de costumes, que aborda um estudo
do comportamento do homem em sociedade, das diferenças de classe, meio e caráter”; a
comédia satírica, como aquela que “põe em cena e critica uma prática social ou política ou um
vício humano” e a comédia de situação, “que se caracteriza mais pelo ritmo rápido da ação e
pelo imbróglio da intriga que pela profundidade dos caracteres esboçados”, dentre outras.
(2003, pp. 54-57).
37
Marc-Antoine Charpentier (1643-1704), nascido em Paris, adquiriu sua formação musical superior em Roma
até 1670. Seu nome figura como um dos maiores compositores franceses apesar de ter sido tardiamente
reconhecido como um dos grandes compositores de seu tempo. Suas obras são em grande parte religiosas.
Compôs missas, óperas, musicou várias comédias de Molière.
38
Charles-Louis Pierre de Beauchamps (1639-1705) foi responsável pela evolução técnica da dança clássica.
Considerado como o principal coreógrafo francês. Quase todas as produções tiveram um toque seu,
principalmente as da corte. Colocou em prática um “sistema de dança” que, de acordo com os ideais de Luís
XIV, tendia à beleza das formas, à rigidez, ao virtuosismo que valorizava a estética do corpo. Estabeleceu cinco
posições básicas para os pés na técnica do balé clássico, cuja intenção era descobrir uma maneira certa para que
o corpo do bailarino encontrasse o seu eixo e o equilíbrio, estando ele dançando ou parado.
78
Embora denominada pelo próprio autor como uma comédia-balé, notamos, em O
doente imaginário, a presença dos mais diversos elementos pertencentes a outros tipos de
comédias, pois além de retratar um vício humano, como a hipocondria, característica de uma
comédia satírica, aborda também com muita precisão as questões psicológicas e morais das
personagens.
Para analisar a comicidade da peça, tem-se como ponto de partida as teorias
desenvolvidas por Vladimir Propp (1992) e Henri Bergson (2004) e suas interpretações a
respeito do riso e sua significação cômica. Vejamos:
(...) a comicidade da linguagem deve corresponder, tintim por tintim, à comicidade
das ações e das situações, e que, se nos for permitido exprimir-nos assim, ela não
passa de sua projeção no plano das palavras. (...). Consideremos os principais
procedimentos por meio dos quais ela é obtida. Apliquemos esses procedimentos à
escolha das palavras e à construção das frases. Teremos assim as formas diversas da
comicidade de palavras (...). (BERGSON, 2004, p. 82).
A língua não é mica por si só, mas porque reflete alguns traços da vida espiritual
de quem fala, a imperfeição de seu raciocínio. (PROPP, 1992, p. 119).
Apesar da análise dos elementos cômicos contidos no texto O doente imaginário
pautar-se na adaptação da peça, é necessário ressaltar que houve pouca alteração em relação
ao texto original. Cacá Rosset procurou substituir as palavras usuais no século XVII por
expressões e linguajares mais próximos e, portanto, mais naturais e condizentes aos ouvidos e
ao entendimento de um público do final do século XX.
Na primeira cena, na versão original
39
encontramos:
“(...) Ce qui me plaît de Monsieur Fleurant, mon apothicaire, c'est que ses parties
sont toujours fort civiles: “les entrailles de Monsieur, trente sols”. Oui, mais,
Monsieur Fleurente, ce n’est pas tout que d’être civil, il faut être aussi raisonnable,
et ne pas écorcher les malades” [os grifos são nossos].
Cacá Rosset adaptou essa passagem da seguinte forma:
39
Texto retirado do site www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 15 de fevereiro de 2007.
79
“(...) O que me agrada no senhor Fleurant, o meu farmacêutico, é que as suas
receitas são sempre muito educadas: “as entranhas do excelentíssimo senhor, trinta
soldos”. Ah! Mas, senhor Fleurant, não basta ser educado, é preciso também não
explorar os doentes (...)” [os grifos são nossos].
Molière atribuiu aos doze personagens perfis humanos, prevalecendo a generalização e
não mais a individualização.
A tipificação é uma forte característica do gênero cômico. Bergson menciona que,
“(...) A personagem mica é um tipo (...). Pintar caracteres, ou seja, tipos gerais, é então
objeto da alta comédia (...). Porque a comédia não só apresenta tipos gerais como também, em
nossa opinião, é a única arte que visa ao geral (...)” (2004, pp. 111-112).
Argan é hipocondríaco, egoísta e rabugento. Béline, esposa de Argan, é astuta, fingida,
calculista e interesseira. Angélica, filha de Argan, o nome sugere, é angelical, obediente,
romântica e sonhadora. Cleanto, apaixonado por Angélica, é romântico, educado e de boa
índole. Angélica e Cleanto são os enamorados da commedia dell’arte. Toinette, a criada de
Argan, é astuta, esperta, consciente de toda a situação e irá desmascarar Béline e ajudar
Angélica a se livrar de um casamento arranjado e indesejado.
De acordo com a teoria bergsoniana, essas personagens são cômicas por o
provocarem a comoção, ou seja, a identificação emotiva com o leitor ou espectador (2004, p.
3); por não possuírem a consciência de sua comicidade, ignorando-se com tal, fato esse
mencionado por Bergson ao afirmar que “uma personagem é cômica na exata medida em que
ela se ignora. O cômico é inconsciente” (2004, p. 12) e por se tratar de tipos ao fazer
referências às situações sociais e não ao indivíduo (2004, p. 111).
80
O título da peça é tipicamente cômico: afinal, qualquer um poderia ser esse doente.
Segundo Bergson, a generalização é inerente à comicidade, ao contrário do drama, vinculado
ao indivíduo:
Um drama, mesmo quando retrata paixões ou vícios que têm nome, incorpora-os
tão bem na personagem que esses nomes são esquecidos, que suas características
gerais se apagam, e que não pensamos mais neles, mas sim na pessoa que
absorve; por isso é que o título de um drama quase não pode deixar de ser um nome
próprio. Ao contrário, muitas comédias têm como nome um substantivo comum: O
avarento, O jogador etc. (BERGSON, 2004, p. 11).
O primeiro ato é composto por oito cenas. Logo na primeira cena é dada a
circunstância da peça. Em uma situação cômica, quase patética, a personagem central faz a
contabilidade de seus gastos com as receitas médicas:
Três mais dois são cinco, mais cinco são dez e mais dez são vinte. Setecentos e
sessenta e três soldos e quarenta centavos de modo que este mês eu tomei um, dois,
três, quatro, cinco, seis, sete e oito remédios e um, dois, três, quatro, cinco, seis,
sete, oito, nove, dez, onze e doze lavagens; e no mês passado foram doze remédios
e vinte lavagens. Não é de estranhar que eu não passe tão bem este mês quanto no
outro. Vou falar com o Doutor Purgon, para que ele um jeito nisso (...). (O
doente imaginário, p. 5).
Nesta cena, notamos a presença de diversos elementos desencadeadores do riso. A
hipocondria de Argan é um deles. Segundo Propp, “o hipocondríaco é o homem que se sente
bem somente quando se sente mal” (1992, p. 124). Trata-se de um paradoxo e por isso torna-
se risível. Bergson aponta para o fato de que o riso tem uma função social ao corrigir o que
se poderia chamar de “enrijecimento para a vida social” (2004, p. 100). Mais adiante,
complementa seu raciocínio:
Podemos, portanto, admitir que, em regra geral, são exatamente os defeitos alheios
que nos fazem rir desde que acrescentemos, é verdade, que esses defeitos nos
fazem rir em razão da sua insociabilidade, e não da sua imoralidade (...).
(BERGSON, 2004, p. 104).
81
Outro elemento desencadeador do riso se faz presente nos nomes dos remédios e as
nas suas aplicações funcionais que nos remetem a imagens escatológicas: “(...) um pequeno
clister insinuativo, preparativo e emoliente para amolecer, umedecer e refrescar as entranhas
do excelentíssimo senhor (...)” (O doente imaginário, p. 4)
40
.
A falta de consciência do problema, ou seja, da situação, faz de Argan uma figura
risível. Ao dizer: “o que me agrada no senhor Fleurant, o meu farmacêutico, é que as suas
receitas são sempre muito bem educadas. ‘As entranhas do excelentíssimo senhor’ (...). Ah!
Senhor Fleurant, não basta ser bem-educado, é preciso também não explorar os doentes (...)
Se o senhor continuar assim, ninguém mais vai querer ficar doente” [o grifo é nosso] (O
doente imaginário, pp. 4-5), podemos observar que a personagem se ignora como cômica, não
tem consciência de seus absurdos.
A comicidade também está contida nos nomes das personagens. Não menos risível é o
nome do médico de Argan, Dr. Purgon. Propp já apontava que os nomes cômicos são
utilizados como procedimentos estilísticos auxiliares, com a função de reforçar o efeito
cômico da situação, do caráter ou da trama: “São engraçados apenas os nomes dos tipos
negativos porque assim seus defeitos são reforçados (...)” (1992, p. 131).
Na cena V, os diálogos entre Argan e Toinette conduzem o leitor ao riso pela rigidez
de caráter dele, que insiste em casar a filha com um médico, sem que ela o ame, para tirar
proveito próprio da situação, e pela petulância da criada ao enfrentar o patrão e satirizar as
suas justificativas para que ocorra o casamento. Argan acha Tomás Diafoirus um partido
vantajoso por ser o único herdeiro de seu pai. Toinette responde, ironicamente, que ele deve
ter matado muita gente para ficar tão rico.
40
As citações da obra de Molière advêm da tradução e adaptação de Cacá Rosset.
82
Nesta cena, Argan, em um ataque de fúria, corre atrás de Toinette e revela uma
vitalidade que não condiz com o seu estado “doentio”, incoerência e distração que acabam por
desmascará-lo e conduzem-nos ao riso.
Bergson afirma que “dizer o que não se queria dizer ou fazer o que não se queria fazer
(...) é uma das grandes fontes da comicidade. Por isso, a distração é extremamente risível
(...)”. (2004, p. 82).
Nas cenas VI e VII, a comicidade se por meio do diálogo entre Argan e sua esposa
Béline. É evidente o falso amor e o interesse dela em relação ao marido, percebidos por todos,
menos por ele:
Argan: - É preciso fazer o testamento da maneira que recomenda o senhor Boafé,
mas por precaução, eu vou te dar vinte mil francos em ouro que tenho escondidos
na parte da minha alcova e duas promissórias pagáveis ao portador.
Béline: - Não, não, não, não! Não quero nada disso! Quanto você disse que tem na
alcova?
Argan: - Vinte mil francos, meu amor.
Béline: - Oh, não! Não me fale em dinheiro, por favor... De quanto são as
promissórias?
Argan: - Uma de quatro mil francos e outra de seis mil.
Béline: - Todo o ouro do mundo não é nada comparado a você, meu amor! (O
doente imaginário, p. 21).
Argan é manipulado o tempo todo e, por ser enganado, é alvo de riso. Bergson
considera tal situação como uma espécie de “fantoche e seus cordões” no momento em que “a
personagem acredita que está falando e agindo livremente, mas não passa de um joguete nas
mãos de outra” (2004, p. 57). Essa situação se repete inúmeras vezes, ora Argan é manipulado
pelo seu médico, ora por sua esposa, como também pela sua criada Toinette.
Na cena VII, Argan continua sendo um fantoche na mão de sua esposa, que passa a
contar com a ajuda de um Tabelião, o senhor Boafé. Observemos a comicidade presente nos
nomes, só que desta vez por contraste. Propp menciona que “A comicidade do contraste surge
83
quando uma personagem negativa tem um nome que, ao contrário, exprime alguma qualidade
positiva”. (1992, p. 130) O tabelião Boafé possui um caráter extremamente duvidoso, sendo
cúmplice de Béline nas armações para roubar o dinheiro de Argan.
A comicidade ganha força quando Argan tece elogios à honestidade do Tabelião.
Avisado por ele de que não poderia fazer um testamento beneficiando somente sua esposa,
por possuir filhos, Argan sugere consultar um advogado. Boafé responde:
Não é com advogado que é bom falar, pois eles são em geral severos e imaginam
que é crime fraudar a lei. É gente que cria dificuldades e ignora os desvios da
consciência (...) é preciso facilitar as coisas; de outra maneira não chegaríamos a
nada e a nossa profissão não valeria um tostão furado.
Argan completa o diálogo: “A minha mulher bem me havia dito que o senhor era um
homem muito hábil e muito honesto (...)”. (O doente imaginário, p. 19). É o que Bergson
intitula de “comicidade da transposição”:
(...) a transposição do solene para o trivial, do melhor para o pior, é cômica, a
transposição inversa pode ser ainda mais cômica (...) A transposição do baixo para
cima que se aplica ao valor das coisas, e não a sua grandeza. Exprimir
honestamente uma idéia desonesta, tomar uma situação escabrosa, um ofício
humilde ou um mau comportamento e descrevê-los em termos de estrita
respectability, tudo isso geralmente é cômico. [o grifo é nosso]. (BERGSON,
2004, pp. 93-94).
Durante a cena, ocorre a comicidade de palavras: o tabelião é chamado de Boafé, cujo
nome contradiz as suas ações e pensamentos. Além disso, ocorre o que Bergson viria a
chamar de “comicidade profissional”: as maneiras de raciocinar e agir em certos ambientes, e
que são verdadeiras para aquele ambiente, tornam-se falsas e impróprias para o restante do
mundo.
De acordo com Bergson, “As palavras profundamente cômicas são as palavras
ingênuas nas quais o cio se mostra nu (...)” (2004, p. 110). Na cena X, Argan diz: “O
84
Doutor Purgon me recomendou passear pela manhã pelo meu quarto doze vezes para lá e doze
vezes para cá, mas eu me esqueci de perguntar se é na largura ou no comprimento”. (O doente
imaginário, p. 24). É essa ingenuidade de Argan somada ao seu automatismo que despertam o
riso.
Na cena XIII, ocorre, mais uma vez, a comicidade profissional: Molière faz as suas
críticas não aos médicos, mas à medicina em geral, uma obsessão do autor, que satiriza a
ignorância e a pretensão desses profissionais. Equipara os médicos aos grandes charlatães.
Os doutores de Molière não são apenas pedantes, pretensiosos, prolíferos em absurdos,
sempre ridículos, com suas roupas, poses e formas de expressão, frases repletas de latinismos
macarrônicos que fazem confirmar a inferioridade intelectual, mas, sobretudo, ineficientes.
Veja-se o discurso do doutor Diafoirus sobre “as qualidades” de seu filho, Tomás Diafoirus,
pretendente à mão de Angélica:
Meu caro, senhor, não é por ser o pai, mas posso dizer que estou contente com ele
(...) Ele nunca teve a imaginação muito viva, nem este espírito fogoso que se
percebe em alguns, mas é por aí que sempre muito esperei de seu bom senso,
qualidade necessária ao exercício de nossa arte. Quando ele era pequeno, ele nunca
foi esperto e malicioso. Sempre doce, calmo, taciturno, nunca dizendo uma palavra,
nem brincando destes joguinhos que chamamos de infantis. Tivemos muita s
dificuldades para ensiná-lo a ler, e com treze anos de idade ainda não conhecia todo
o alfabeto (...) Mas, acima de tudo o que mais aprecio nele, e nisso ele segue o meu
exemplo, é que acata cegamente a opinião dos antigos, e que nunca quis entender,
nem ouvir as razões e as experiências das pretensas descobertas de nosso século,
como a circulação do sangue e outras besteiras do mesmo gabarito. (O doente
imaginário, p. 32).
Segundo Berretini, o autor:
(...) coloca o Dr. Diafoirus pai, enfatuado e imbecil, ao seu lado põe o filho, seu
digno descendente; nada os separa, e se admiram reciprocamente. O filho é a
réplica do pai, embora jovem, prometendo talvez, com o tempo, ultrapassá-lo em
fatuidade e imbecilidade; e o pai, ao olhá-lo, vê-se refletido no seu rebento, donde o
superlativo “ótimo” que emprega para qualificar as ridículas palavras do rapaz
pronunciadas diante da noiva, Angélica, e do futuro sogro, Argan (...). tolo de
nascimento, tornou-se ainda pior graças à educação recebida, a mesma do seu pai, e
que está fundada na autoridade dos Antigos (...). (BERRETINI, 1979, pp. 115-116).
85
Molière apresenta uma medicina desprovida de curiosidade intelectual, incapaz de
progredir
41
. Naturalmente, os Diafoirus, pai e filho, são anticirculacionistas e não passam de
fantoches mecanizados, cuja rigidez de caráter leva ao risível.
É a criada Toinette quem acentua o caráter cômico da trama, por meio da ironia e do
deboche, ao fazer o contraponto entre o bom-senso e a lucidez e as sandices proferidas, ora
pelo patrão, ora pelos médicos:
Diafoirus: - Para falar francamente, a nossa profissão junto aos nobres nunca me
pareceu agradável, eu sempre preferi viver do público. O público é mais cômodo. O
senhor não tem que responder pelos seus atos e, contanto que siga as regras da arte,
não somos responsáveis pelo que acontece. O que é aborrecido com os nobres é que
quando ficam doentes, querem a todo custo que os seus médicos os curem.
Toinette: - Que descaradamento! Eles são bem impertinentes querendo que os
senhores curem. Os senhores não estão aí para isso; estão para receber o dinheiro da
consulta e receitar remédios; eles que se curem, se conseguirem! (O doente
imaginário, p. 33).
Segundo Propp, a ironia é um dos recursos pertencentes à comicidade das palavras:
Em palavras diz-se algo positivo, pretendendo, ao contrário, expressar algo
negativo, oposto ao que foi dito. A ironia revela assim alegoricamente os defeitos
daquele (ou daquilo) de que se fala. Ela constitui um dos aspectos da zombaria e
nisto está sua comicidade. (PROPP, 1992, p. 125).
De acordo com Bergson, a comicidade dos médicos de Molière está na maneira como
tratam o doente, “como se este tivesse sido criado para o médico, e a própria natureza como se
ela fosse um apêndice da medicina” (2004, p. 133). O autor apontava para o fato de que as
impertinências da sociedade replicam com o riso, que é uma impertinência maior ainda (2004,
p. 144). O riso, portanto, nada tem de benevolente. Ao contrário, pagaria o mal com o mal.
41
A medicina do século XVII passou por descobertas polêmicas. A descoberta de Harvey (1615) sobre a
circulação do sangue gerou inúmeros protestos, incluindo uma tese, sustentada em Paris, contra os
“circulacionistas”. Boileau, auxiliado por Racine e por Bernier, compôs em 1671, um julgamento humorístico
com o propósito de ridicularizar os “anticirculacionistas”: O Arrêt burlesque, que “proíbe o sangue de continuar
vagabundeando, de errar e circular pelo corpo, sob pena de ser totalmente libertado e entregue à Faculdade de
Medicina”.
86
Na cena XXII, o Doutor Purgon, enfurecido, lança inúmeras novas “doenças” contra
Argan que, desesperado, tenta lhe explicar o engano, sem sucesso. A cada ameaça, Argan
repete a mesma exclamação: “Doutor Purgon!” Como já apontava Bergson, a constante
repetição não é natural, é mecânica, portanto, risível (2004, p. 53).
A repetição está presente em outros momentos na peça, como na cena XXVII, quando
Toinette, disfarçada de médico, sugere a Argan que corte um braço e arranque um olho,
alegando que, por causa desses membros, o outro lado do corpo fica sem se nutrir, pois
puxam para si toda a alimentação. Esse tipo de absurdo é risível quando é levado ao
exagero. Segundo Bergson, “a exageração e a degradação não passam de certa forma de
comicidade” (2004, p. 94).
Na última cena, tudo acaba se resolvendo, graças às interferências de Toinette e à
colaboração do irmão de Argan: Beraldo colocará em dúvida o amor de Béline, ao passo que a
criada induzio protagonista a testar a solidez de suas relações familiares fingindo-se de
morto. Argan, confiante, aceita, embora a neurose permaneça no receio em fingir-se de morto:
“Será que não nenhum perigo em fingir de morto?(O doente imaginário, p. 67). Argan
constata a falsidade de sua esposa e o amor puro e incondicional de sua filha e resolve
consentir na união de Angélica com Cleanto.
Molière não abre mão da vitória amorosa dos pares românticos e revela, ao mesmo
tempo, seu inconformismo e seu espírito revolucionário quanto à situação predominante de
sua época, em que os filhos deviam obediência total e irrestrita aos pais.
A peça termina com um cerimonial burlesco que a Argan o título de médico. A
formatura é realizada no terceiro intermezzo, momento em que o latinismo macarrônico
impera durante toda a celebração:
87
(...) Donque il est nostrae sapientiae
Boni sensus atque prudentiae
De fortement travaillare
Anos bene conservare
In tali credito, voga et honoré
Et prandere gardam à non recevere
In nostro docto corpore
Quam personas capabiles
Et totas dignas remplire
Hás placas honorabiles (...). (O doente imaginário, p. 73).
Para Propp, “O discurso desprovido de sentido, constituído apenas de sons, partículas
ou palavras desarticuladas” (1992, p. 126) é risível, pois, por detrás dele, esconde-se a
ignorância de quem o produz. E complementa:
Os estudiosos que reparam apenas no sentido das palavras não notam o som delas.
Em compensação, todos os outros que não entendem seu sentido reparam apenas no
som. Com isso as palavras tornam-se ridículas. Também os erros de língua podem
ser cômicos, se eles desnudam um defeito do pensamento (...) outros erros são
cômicos quando expõem a grosseria e a falta de cultura de quem fala. (PROPP,
1992, p. 129).
Enfim, uma grande farsa que colabora com a mente fantasiosa de Argan. Enganado,
mas feliz: está garantida a conservação das suas manias: “(...) nenhum controle e posse
nenhuma serão mais seguros que aqueles em que o desejo e a fonte de sua satisfação
coincidem na mesma pessoa: que o próprio Argan se torne médico (...)”. (D’ANGELI e
PADUANO, 2007, p. 243).
88
Capítulo III
A comicidade na encenação: gestos e situações
O doente imaginário foi escrita em 1673 e encenada pela primeira vez no teatro da
sala do Palais-Royal, em 10 de fevereiro do mesmo ano, pela Troupe du Roi. A princípio, fora
concebida para diversão do rei. Molière pretendia encená-la para a Corte durante o carnaval, o
que não ocorreu. A peça teve outro destino e o rei Luís XIV nunca viu Molière no papel de
Argan
42
.
A pré-estréia do espetáculo O doente imaginário, do Teatro do Ornitorrinco, ocorreu
no Teatro Municipal de Sertãozinho, São Paulo, nos dias onze, doze e treze de agosto de
1989
43
. Depois, o elenco seguiu viagem para o México e retornou ao Brasil, permanecendo
dois anos em cartaz
44
.
Para efetuar esse estudo de caso, foram utilizados a gravação sonora do espetáculo,
realizada pelo IDART
45
; a gravação em vídeo, feita por Lúcia Lopes, em 10 de janeiro de
1990, no Teatro Arthur Rubinstein (Teatro Hebraica), São Paulo, e de alguns registros visuais
dos intermezzos, realizados no TUCA, São Paulo, por Lilian Marques
46
.
42
A modificação deveu-se à ruptura de Molière com Lully, que trabalhou oito anos com ele compondo músicas
para as suas comédias. Lully aproveitando-se da credibilidade que tinha com o rei estabeleceu em seu
proveito o monopólio da música e do balé. Em tais condições, se Lully tivesse feito a música para esse
espetáculo teria se tornado o único proprietário dos versos, das palavras, de toda peça. Ao ser conferida essa
exclusividade, Lully possuiria, então, o poder de impedir que a estréia da peça fosse na corte. Molière resolveu
procurar outro profissional que compusesse as músicas para a peça.
43
Informações retiradas de uma reportagem local. “‘O doente imaginário’: Estréia Nacional em Sertãozinho”, 11
de agosto de 1989, p. 8.
44
O grupo realizou diversas turnês internacionais e, no Brasil, permaneceu em cartaz em vários teatros. Ver
anexos (fichas técnicas dos espetáculos).
45
Departamento de Informação e Documentação Artística, criado em 1975 pela Secretaria Municipal de Cultura
com o objetivo de preservar e estudar registros das manifestações artísticas brasileiras produzidas ou veiculadas
na cidade de São Paulo. Em 1982, o IDART foi incorporado ao Centro Cultural São Paulo e passou a ser
denominado Divisão de Pesquisas, mantendo os mesmos objetivos de memória e reflexão.
46
As gravações do TUCA foram realizadas em datas diferentes. registro de uma gravação realizada em 07 de
janeiro de 1990 e outras que constam somente o ano, 1991.
89
Ao entrar na sala de espetáculo, o público encontra as cortinas abertas. No palco, um
telão pintado com o retrato do doente imaginário e candelabros com as velas acesas. A luz da
platéia está apagada. Um sino de mão, trazido por um dos personagens interpretados por Ary
França, faz o papel da campainha ao anunciar para o público que o espetáculo começará.
Foto 53 O doente imaginário, momento que antecede o início do espetáculo. Fonte: Programa do espetáculo.
Foto de Miguel Paladino.
Tem início o Prólogo, intitulado A pastoral. O retrato é substituído por outro,
representativo de um bosque. Os músicos estão em cena e assim permanecerão no decorrer de
toda a encenação. Bailarinas executam a coreografia clássica ao som do quarteto de cordas.
Faunos e pastores compõem o visual exibindo saltos e acrobacias circenses, contrapondo-se à
leveza do balé. Surge, então, sobre um pássaro suspenso, um fauno interpretado por Edson
Cordeiro
47
.
Foto 54 O doente imaginário, Prólogo. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de Ary Brandi
47
Substituído depois por Rubens Caribé. Ver Anexo B: Fichas técnicas dos espetáculos.
90
Fotos 55 e 56 O doente imaginário, Prólogo. Fonte: Acervo pessoal do circense do André Caldas. Fotos de
Ary Brandi.
Em meio a essa festividade, uma pastora entoa sua cantiga de pesar. Faunos e pastores
consolam sua tristeza e dão vida ao espetáculo.
Foto 57 O doente imaginário, Prólogo. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de Ary Brandi.
Após o prólogo, o telão de um bosque é substituído pela pintura do doente imaginário.
Ao som do rufar dos tambores, surge José Rubens Chachá, no papel do Mestre de Cerimônias
e diz:
Senhoras e senhores, boa noite! O Teatro do Ornitorrinco orgulhosamente apresenta
esta noite, para vosso prazer, para o vosso deleite e para vossa diversão, de Jean-
Baptiste Poquelin, o popular Molière, O doente imaginário! (Sons de pratos).
Senhoras e senhores, o espetáculo vai começar. A ação da peça passa-se em Paris,
no ano de 1673, durante o carnaval. (O doente imaginário).
91
São recursos do universo do circo “tradicional”
48
: O Mestre de Cerimônias abre o
espetáculo e anuncia o que por vir, e os instrumentos de percussão como o tambor e os
pratos utilizados para aumentar o clima de suspense e emoção, instigam a curiosidade do
espectador.
Na cena do carnaval, muda-se o cenário. É noite. Ao fundo, estrelas e uma enorme lua
cheia compõem o clima festivo dos foliões mascarados que carregam estandartes e chocalhos,
ao mesmo tempo em que realizam uma coreografia desfeita aparentemente por gritos de
alegria e danças individuais, remetendo a imagens das brincadeiras carnavalescas. Argan, o
doente imaginário é carregado pelos foliões em uma cadeira, percorre a cena como se
estivesse participando da cerimônia, até ser colocado no centro do palco, momento em que se
finaliza a festividade dando início ao primeiro dos três atos da peça.
Foto 58 O doente imaginário, Cena do carnaval. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de Ary Brandi.
Ao fundo uma enorme porta de madeira representa o interior da casa de Argan.
Sentado em sua cadeira, cercado de papéis e com uma enorme pena na mão, ele faz contas e
confere as despesas ocasionadas pelas receitas dos inúmeros remédios que consome. Após
finalizar a sua tarefa, o hipocondríaco dá uma cuspida no chão e toma o seu “xarope purgativo
48
No chamado Circo “Novo”, a figura do mestre de cerimônias, ou apresentador, muitas vezes está ausente,
como no caso do Cirque du Soleil. Os espetáculos circenses adquirem, então, outra relação com o público. O
contato direto que era estabelecido com o espectador, principal característica do Circo “Tradicional”, cede
espaço para uma relação quase que de passividade entre os artistas e o público.
92
e fortificante”. A sonoplastia de um ronco de barriga, simulando uma possível diarréia, assim
como a cuspida, remete a imagens escatológicas, provocando o riso.
Segundo Propp “A comicidade não está apenas no corpo humano enquanto tal, mas
também em certas ações e funções corporais” (1992, p. 49). Seria o caso da comicidade da
comida, da bebida e das funções fisiológicas involuntárias do corpo humano. O ato de comer
nada tem de cômico em si. O risível se dá na medida em que a comida nos fornece dados em
relação ao modo de vida e o lado espiritual de quem ingere os alimentos. Referindo-se à
comicidade da bebida, o autor declara: “A embriaguez que chega ao cio nunca pode ser
ridícula” (PROPP, 1992, p. 50), ou seja, só são cômicos os “altos”, não os bêbados. Quanto às
funções fisiológicas, o pesquisador alerta para o fato de que,
(...) os fenômenos negativos nunca são descritos com todos os detalhes e até o fim,
pois isso não seria mais cômico (...) A presença desse limite é característica da
literatura principalmente dos séculos XIX e XX, enquanto isso não ocorre com a
literatura dos séculos precedentes (Rabelais) e do folclore. (PROPP, 1992, p. 52).
De acordo com a concepção de Bergson, o drama é considerado como arte, pois parte
de uma observação interna do sujeito ao procurar a realidade profunda de cada indivíduo,
escondida nas necessidades da vida cotidiana. Quanto à comédia, essa se por caminhos
distintos ao partir de uma observação exterior, pois se apropria dos aspectos ridículos da
natureza humana. O autor coloca que “(...) O herói de tragédia é uma individualidade única
em seu gênero. Poderá ser imitado, mas quem o fizer passará, conscientemente ou não, do
trágico ao cômico (...)” (BERGSON, 2004, p. 123). Nesse sentido, o cômico já não pertence à
vida, que é natural, porque ele é mecânico e também não pertence à arte, que é espiritual,
que ele é pura corporalidade e faltam-lhe os atributos da alma.
Argan goza de perfeitas condições físicas, mas sua hipocondria o torna excêntrico e
inapto à sociedade. Por tanto temer a morte, não abre mão de sempre ter alguém ao seu redor
93
e se apavora com a idéia de permanecer sozinho em um ambiente. Quando se em tal
situação, entra em desespero e balança freneticamente um sino, ao mesmo tempo, aos berros e
xingamentos, clama pela presença de sua criada Toinette, interpretada por Maria Alice
Vergueiro: “(...) Ninguém! Não adianta falar, sempre me deixam sozinho (...). Toinette,
cachorra, desgraçada!” (Cenas I e II, p. 5).
A rigidez mecânica, seja essa referente ao corpo (deformidades, doenças), ao espírito
(pobrezas psicológicas, variedades da loucura) ou ao caráter (inadaptações à vida social),
provoca o riso quando se distancia daquilo que é natural, normal do ser humano. É o
mecânico sobreposto ao vivo o que ocasionará o enrijecimento para a vida social. Conforme
observamos, o inflexível é sempre risível:
Toda rigidez do caráter, do espírito e mesmo do corpo será então suspeita para a
sociedade, por ser o possível sinal de uma atividade que se isola, que tende a
afastar-se do centro comum em torno do qual a sociedade gravita, de uma
excentricidade enfim. E no entanto a sociedade não pode intervir nisso por meio de
alguma repressão material, pois ela não está sendo materialmente afetada. Ela está
em presença de algo que a preocupa, mas somente como sintoma apenas uma
ameaça, no máximo um gesto. Será, portanto, com um simples gesto que ela
responderá. O riso deve ser alguma coisa desse tipo, uma espécie de gesto social.
Pelo medo que inspira, o riso reprime as excentricidades (...). (BERGSON, 2004, p.
15).
A insociabilidade se na medida em que ocorre a inadaptação particular de uma
pessoa na sociedade, seja devido a uma virtude (honestidade exagerada, por exemplo) ou
algum defeito, ocasionando o isolamento do indivíduo. Quem quer que se isole, expõe-se ao
ridículo, porque a comicidade é feita, em grande parte, desse isolamento. Tanto a distração, a
rigidez e o automatismo provocam a insociabilidade do indivíduo na sociedade, que procurará
corrigi-la por meio do riso.
Durante o diálogo, as falas do patrão são interrompidas pelo falso choro da criada que
finge ter batido a cabeça na porta, na pressa em atender ao chamado de Argan, deixando-o
ainda mais irritado: O quê! Ainda por cima eu não posso nem ter o prazer de ter um ataque?
94
(...) Você me impede, cachorra, interrompendo-me a toda hora!” (Cena II, p. 6). Toinette
rebate: “Se o senhor gosta de ter ataques, eu gosto de chorar. Cada um na sua. Ah!” (Cena II,
p. 7). Nessa hora, a criada torce um pano molhado, fazendo uma alusão às lágrimas
derramadas, recurso esse muito utilizado pelos palhaços circenses. A incoerência do choro
falso com a água contida no pano provoca o riso.
Na mesma cena Argan dá a Toinette – que pega a contragosto – um penico contendo o
resultado de suas freqüentes lavagens intestinais e solicita à criada que chame por sua filha
Angélica, interpretada por Loren Daé. Toinette, ironicamente, diz: “Ei-la que surge, parece
que sentiu o aroma (cheira o penico) de seus pensamentos!” (Cena II, p. 7). Ao cheirar o
penico, a atriz se dirige a platéia e faz uso do recurso interpretativo da triangulação, técnica
clownesca que faz do espectador um co-participante da ação, envolvendo-o num jogo de
cumplicidade.
Na Cena V, Toinette e Argan travam uma discussão por causa do casamento imposto a
Angélica com a patética e clownesca figura de Tomás Diafoirus, interpretado por Ary França.
Na disputa, a filha de Argan é puxada de um lado pelo pai e do outro pela criada e
“arremessada” para fora de cena, na coxia, onde ocorre a sonoplastia de queda. Ouvem-se
gritos, ruídos de panelas e animais (ovelhas e cachorros).
Foto 59 O doente imaginário, Cena V. Fonte: Veja São Paulo. Fotograma de J. Rosenberg.
95
A discussão cessa por um instante, mas logo é retomada. Argan mostra-se distraído,
pois, ao correr atrás de Toinette, com o penico da mão, apresenta uma vitalidade incompatível
ao “estado doentio” que insiste em manter sob a constante afirmação: “Eu não estou doente,
eu sou doente!” (Cena V, p. 12). A criada foge pela platéia e o patrão tenta alcançá-la,
arremessando o conteúdo do penico, para desespero e posterior alívio da platéia, que nada
sofreu, pois ele estava vazio.
Fotos 60 e 61 O doente imaginário, Cena V. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Fotos de Ary Brandi.
Segundo Bergson (2004, p. 9) a distração é “uma das grandes vertentes naturais do
riso”. Afirma também que “toda a distração é cômica e quanto mais profunda é a distração,
mais elevada é a comédia” (2004, p. 109), ou seja, quanto mais natural for a causa dessa
distração, mais risível e eficaz ela será.
Na Cena VI, a comicidade se faz presente logo na entrada de Béline, a interesseira
esposa de Argan (Christiane Tricerri) que em sua empregada uma aliada. Argan, ingênuo,
queixa-se da petulância da criada em desafiá-lo, ao passo que Béline tenta contornar a
situação com argumentos carregados de preconceitos e absurdos:
Por Deus, filhinho! Não empregada sem defeitos. É preciso às vezes agüentar
suas más qualidades por causa das boas. A Toinette é limpinha, cuidadosa, diligente
e, sobretudo fiel; e você sabe que hoje em dia é preciso tomar muito cuidado para
escolher uma empregada. (O doente imaginário, p. 18).
96
O diálogo entre Argan e line remete ao universo infantil. Cacá acrescenta uma cena
em que diz: “Neném qué memédinho”. E a esposa responde: “Toma remédinho, meu
neném!”. Nesse momento, desabotoa uma parte do vestido e com um dos seios de mamar
ao marido. A naturalidade com que é feita a ação leva a crer que seria uma prática corriqueira
e comum entre o casal, fato causador do riso de zombaria por parte do público.
Foto 62 O doente imaginário, Cena VI. Fonte: Foto cedida pelo fotógrafo Ary Brandi. Fotos de Ary Brandi.
Segundo Propp, apenas o riso de zombaria está permanentemente ligado à esfera do
cômico. Todo o vasto campo da sátira baseia-se nesse tipo de riso, freqüentemente encontrado
na vida. Para se elaborar uma comédia, faz-se necessário utilizar e se espelhar no material
oferecido pela vida, ou seja, a fonte primária de toda comicidade está contida na própria vida
e quanto maior a naturalidade e a verossimilhança mais eficaz será o texto cômico.
O riso apresenta gradações que vão desde o sorriso fraco até uma risada desenfreada.
A maneira como rimos, até certo ponto, sofre influências das estéticas predominantes em cada
época. Hoje, por sermos herdeiros da estética burguesa, o riso desenfreado, descomedido e
sem limites é classificado entre os mais baixos”. Contudo, trata-se de um riso saudável, alto
e pleno de satisfação. É o riso das praças, dos bufões, das festas e diversões populares.
Na Cena VII, a comicidade da situação é reforçada pelas expressões gestuais, faciais e
tonalidades vocais das personagens. Argan está prestes a fazer o seu testamento. Por pensar
97
que sua esposa o ama incondicionalmente, deixará todos os bens para a amada. Béline não
esconde as más intenções em relação ao marido. Somente Argan não é capaz de perceber a
real intenção de sua esposa, que o faz objeto de escárnio. Por sua vez, o Tabelião Boafé,
interpretado por José Rubens Chachá, reforça ainda mais a idéia de que Argan não passa de
uma marionete nas mãos de Béline.
Fotos 63 e 64 O doente imaginário, Cena VII. Fonte: Acervo pessoal do ator José Rubens Chachá. Fotos de
Ary Brandi.
Foto 65 O doente imaginário, Cena VII. Fonte: Acervo pessoal do ator José Rubens Chachá. Foto de Ary
Brandi.
Nas palavras de Bergson, “(...) Ora, o riso tem justamente a função de reprimir
tendências separatistas. Seu papel é corrigir a rigidez, transformando-a em flexibilidade,
readaptar cada um a todos, enfim, aparar arestas” (BERGSON, 2004, p. 132). Para ele, o riso
possui o intuito principal de corrigir e punir os defeitos existentes, que entende que as
impertinências da sociedade devam replicar com o riso que é uma impertinência ainda maior.
98
Para ele, o riso nada tem de benevolente. Ao contrário, pagaria o mal com o mal, cuja função
é a de intimidar e humilhar aquele que é objeto de escárnio.
Nesse contexto, o riso passa a ser compreendido como uma manifestação de um
estágio de superioridade. Ao rirmos, não vemos a pessoa, mas a coisa que nos faz rir. Rimos
quando reconhecemos em alguém um vício que queremos evitar. Portanto, é uma espécie de
ação de superioridade que detecta um defeito que irá se corrigir.
No decorrer da cena, Boafé estabelece um contato com a platéia. Logo após discursar
sobre a necessidade de “(...) deslizar suavemente por cima da lei e tornar justo o que não é
permitido (...)” (Cena VII, p. 19), o ator traz a situação para o Brasil ao perguntar para um
espectador como seria em São Paulo, se aqui também se “soltava algum” para conseguir algo.
O primeiro ato termina com a promessa feita por Toinette a Angélica de impedir que a
vontade de Argan de casá-la com Tomás Diafoirus se realize. Para isso resolve entregar uma
carta a Cleanto por intermédio de um fã, o apaixonado Polichinello.
Em seguida, temos a apresentação do primeiro intermezzo. Satimbancos, mascaradas,
músicos, Pierrete, Arlequim e o Polichinello incorporam o clima de festividade
desempenhando danças e números circenses como acrobacias, pirofagia e corda marinha.
99
Fotos 66, 67 e 68 O doente imaginário, cenas do primeiro intermezzo. Fonte: Acervo pessoal do circense do
André Caldas. Fotos de Roberto Setton.
Fotos 69, 70 e 71 O doente imaginário, cenas do primeiro intermezzo. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Fotos
de Ary Brandi.
100
A comicidade nesse intermezzo fica a cargo de Polichinello, que faz uma serenata para
a sua amada. A criada, por sua vez, entrega-lhe uma carta. Acreditando que a correspondência
seja endereçada a ele, Polichinello demonstra por meio da dança a imensa alegria e atira-se
nos braços da criada. Ao perceber que a carta está destinada a Cleanto, joga-se
melodramaticamente no chão, como se estivesse desfalecido. O intermezzo termina com
Polichinello sendo carregado pelas mascaradas.
Fotos 72 e 73 O doente imaginário, cenas do primeiro intermezzo. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Fotos de
Ary Brandi.
O Segundo Ato inicia-se com o encontro entre Toinette e Cleanto, que finge ser o
novo professor de música de Angélica. assim, poderá enganar Argan e manter-se próximo
de sua amada.
Foto 74 O doente imaginário, Cena IX. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de Ary Brandi.
Na cena XIII, a criada Toinette anuncia aos presentes Argan, Cleanto e Angélica a
chegada do pretendente: “(...) estão o senhor Diafoirus pai e Diafoirus filho que vêm
101
visitá-lo. Que beleza de genro! O senhor verá o mais belo rapaz do mundo. E o mais
espirituoso! Ele disse duas palavras, que me encantaram e a sua filha vai ficar apaixonada
por ele!” (O doente imaginário, p. 27).
Nessa cena, a comicidade é impulsionada pelas palavras, apontadas. A situação é
risível, pois Argan se mostra feliz e satisfeito com a escolha do genro, mesmo diante os
absurdos proferidos pelo Senhor Diafoirus e seu filho, o que demonstra o quão ingênuo é o
hipocondríaco. De acordo com Bergson (2004, p. 97), “(...) a comicidade de palavras segue de
perto a comicidade de situação e acaba por desaguar, com este último tipo de comicidade, na
comicidade de caráter (...)”.
Foto 75 O doente imaginário, Cena XIII. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de Ary Brandi.
Ao entrar em cena, Tomás Diafoirus provoca o riso imediato. A maquiagem, o
figurino e a imensa peruca fazem dele uma figura patética e já desnuda sua imbecilidade, para
desespero de Angélica. As composições visuais das personagens favorecem o humor das
interpretações. Para isso, foram amplamente estudadas pelo cenógrafo e figurinista José de
Anchieta. Sobre o seu processo de criação artística, declara:
(...) quando penso em comédia, todas as referências acima estão presentes também,
e, por ser comédia, penso com a alma livre de imposições da reserva cultural, ou
seja, na comédia, fico livre das amarras da vida social, casamento, filhos, dinheiro,
trabalho, tragédias etc. É na comédia que posso subverter todas estas reservas, a
ponto de “escrachar” e poder rir delas. (...) estudei muito a época proposta por
Cacá, o período em que viveu Molière: 1622-1675. Molière morreu na última
apresentação deste espetáculo, morreu de hemoptise; na cena final, começou a
102
esvair-se em sangue e o público achou que aquilo era um efeito especial proposto
por Molière. Assim é o teatro, tudo faz parte de um ideário criado pelo espectador.
Descobri, em minhas pesquisas sobre a época de Luiz XIV, o Rei Sol, que ele
adorava dar festas; todo dia tinha festa em seu palácio em Versailles. Fato notório
era que, tradicionalmente, todas as noites, o Rei Sol se escondia atrás da grande sala
dos espelhos, onde aconteciam as festas, e, dali, sem que ninguém o visse, escolhia
uma dama para lhe fazer companhia durante a noite. Paris inteira se movimentava
naquela época. As mulheres passavam o dia em uma verdadeira maratona para se
embelezar, por exemplo: os cabelos ganhavam os cuidados dos maiores artistas,
que criavam verdadeiras esculturas, como passarinhos vivos batendo asas, moinhos
com roda d’água e água de verdade escorrendo, tudo para chamar a atenção do Rei
e poder dormir com ele. A personagem Béline, interpretada por Christiane Tricerri,
entrava em cena com uma peruca que era um barco enorme. A entrada dela fazia o
público rolar de rir, assim como as perucas de Monsieur Diafoirus e seu filho,
Chachá e Ary França respectivamente. Nesse trabalho, busquei muito um estudo de
cabeça, por exemplo: o Monsieur Argan (Cacá Rosset) usava na cabeça uma bolsa
de água quente na cabeça, toda colorida, que mais parecia um grande laço de
cabeça, coisa que não existia na época. O cenário era muito despojado. Procurei
trazer de volta uma tradição do teatro antigo, a pintura de telão e, por que não dizer,
o mesmo telão com aquele cheiro inconfundível de tinta que vi e senti no
seminário. Neste espetáculo, pude resgatar muitas coisas das minhas lembranças
de
adolescente. (ANCHIETA, 2007, ver anexo).
Foto 76 O doente imaginário, Cena XIII. Fonte: Acervo pessoal do ator José Rubens Chachá. Foto de L.
Baron.
Foto 77 O doente imaginário, Cena XIV. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de Ary Brandi.
103
Angélica e Cleanto fazem um dueto de amor perante Argan, Toinette e os Diafoirus,
retrato musical do desespero do casal. A comicidade aparece no momento em que o doutor
Diafoirus cai em sono, tombando a sua cabeça com a enorme peruca. Tomás Diafoirus,
sentado em um imenso cadeirão de bebê, alusão à maneira infantilóide com que é tratado pelo
pai, começa a se empanturrar de comida, “roubando a cena” de maneira magistral. Sobre essa
passagem, Caribé relata:
(...) No Doente, a gente cantava um dueto de amor e o Ary França, de Tomás
Diafoirus, sentado atrás, em um cadeirão de bebê, tirava uma banana e a
descascava. Eu “ficava loucocom ele. Eu falava: Ary, descasca a banana! E
com o tempo, ele tirava um pepino, um guardanapo, um saleiro e punha sal no
pepino... Era tão bom e engraçado que ninguém olhava para mim na cena! (risos).
(CARIBÉ, 2008, ver anexo).
Ao final do dueto, doutor Diafoirus acorda. Chachá, aproveitando-se da “deixa”,
insere o improviso ao imitar o apresentador e animador de auditório, lvio Santos: “Quanto
vale o show, Tomás, meu filho?”. Este, com uma buzina na mão, responde: “Eu achei essa
música uma porcaria, além do mais esse gringo tem um sotaque muito do fajuto. Isso não vale
nada!”
49
.
Foto 78 O doente imaginário, Cena XIII. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de Ary Brandi.
O improviso também é realizado pelo diretor e ator Cacá Rosset. Argan, desgostoso e
desconfiado com a letra da canção, interrompe a apresentação e questiona Cleanto:
49
Essa improvisação era feita por Ary França e José Rubens Chachá, quando a personagem Cleanto era
interpretada pelo músico e ator norte-americano Marshall Netherland.
104
Argan: - Não, não! chega. Esta comédia é um péssimo exemplo. O pastor Tircis
é um impertinente e a pastora Phillis, uma impudica falando desta maneira na frente
do pai. Deixe-me ver esse papel. Ah! Ah! Onde está a letra que vocantou? Aqui
só tem a música!
Cleanto: - Ora, o senhor não sabe que foi inventado há pouco tempo, uma maneira
de escrever as palavras com as próprias notas? (O doente imaginário, p. 36).
Nesse momento, Cacá pergunta ao músico Mario Sérgio Zaidan: “Escuta aqui, Mario
Sérgio. Você que é músico muito tempo, isso é verdade?”. Com a afirmativa, Cacá retorna
ao personagem e dá seqüência a peça.
Diafoirus e seu filho se despedem de todos e saem de mãos dadas, em coreografia
patética e hilariante. Porém, antes de se retirarem atendem à solicitação de Argan que pede
para verificarem seu estado de saúde. O pai de Tomás pede para que o filho faça o diagnóstico
pelo pulso do paciente. Quando vemos, Tomás está ajoelhado aos pés do “doente” pegando
em sua canela. O engano é rapidamente corrigido pelo pai, que coloca a mão do filho no lugar
correto. Diagnostica-se, então, que o problema está no baço. Argan estranha o parecer, pois o
doutor Purgon havia detectado problemas em um outro órgão, no caso, no fígado. Ao serem
avisados pelo doente, o doutor Diafoirus tenta corrigir:
Diafoirus: - Pois é! Quem diz parênquima, diz um e outro, devido à estreita
simpatia que m um conjunto por meio do “vaso breve”, do piloro e muitas vezes
dos meatos biliares. Ele lhe manda, sem dúvida, comer assados.
Argan: - Não, só cozidos.
Diafoirus: - Pois é! Assado, cozido, é tudo a mesma coisa. Ele lhe dá ótimas
receitas. O senhor não poderia estar em melhores mãos.
Argan: - Doutor, quantos grãos de sal se deve colocar num ovo?
Diafoirus: - Seis, oito, dez, nos dias pares, assim como nos remédios, números
ímpares. (O doente imaginário, p. 41).
Tal situação não poderia ser mais cômica, já que decorrem vários absurdos. A começar
pela maneira que se realiza o diagnóstico, passando pela justificativa e reparação do
“equívoco”, pois é preciso manter o mesmo diagnóstico para que a farsa continue e,
conseqüentemente, o lucro e, por fim, a hilariante dosagem do sal em um ovo.
105
Quando tudo parece finalizado, Tomás Diafoirus retorna à casa de Argan,
transtornado. Aos berros diz: “Meu pai se foi, mas eu voltei! Ah, eu voltei! E desta vez eu
sairei desta maldita casa, depois de levar comigo aquilo que me pertence”. Pega a buzina e sai
de cena tocando aos pulinhos. O cômico está na interferência de série e na maneira exagerada
de se expressar. Tomás não volta à casa para levar Angélica e sim para pegar o objeto que
havia esquecido: a buzina.
Na cena XVII, Beraldo, também interpretado por José Rubens Chachá, tenta conversar
sobre a situação de sua sobrinha Angélica. Antes, pergunta ao irmão como tem passado.
Argan não hesita em responder: “Ah, meu irmão. Eu não estou legal... Sei lá, mil coisas...”. O
riso e os aplausos do público são imediatos, pois reconhecem o famoso bordão que Cacá
Rosset utilizava em um dos seus mais emblemáticos personagens: o pai Ubu. Para acentuar a
comicidade, José Rubens Chachá, complementa: “Puxa vida, Argan, você sempre volta aos
mesmos assuntos!”.
Argan está prestes a tomar mais uma das inúmeras lavagens aplicadas pelo seu
farmacêutico, o senhor Fleurant (Edson Cordeiro). Argan sobe em sua cadeira e se posiciona
de costas para o público. Nesse momento vemos um coração vermelho desenhado em sua
ceroula. Argan abre a roupa íntima, deixando somente a região das nádegas à vista. Contudo,
é seu irmão Beraldo quem irá impedi-lo de receber mais um clister, expulsando o
farmacêutico, que se retira indignado. Tal atitude ocasionará a revolta de Argan: “Volte aqui,
senhor Fleurant! (Ao irmão) Você vai causar uma desgraça aqui nesta casa, meu irmão!”.
Como Beraldo não conseguiu conversar com seu irmão sobre o casamento imposto a
Angélica e nem propor um outro partido para a sobrinha, decide acalmar e aliviar a tensão de
seu irmão, trazendo-lhe um divertimento: egípcios vestidos de mouros. Inicia-se o segundo
intermezzo.
106
Foto 79 O doente imaginário, Cena XVII. Fonte: Acervo pessoal do ator José Rubens Chachá. Foto de Patrícia
Alegria.
O cenário é a própria casa de Argan. Ele, Beraldo e Toinette assistem ao espetáculo.
Os números são todos desenhados cenicamente. A coreografia realizada pelos egípcios
vestidos de mouros segue o ritmo forte e denso da canção La Marshe, de Charpentier. O
gestual faz referências ao universo egípcio e às serpentes existentes nos desertos. Os
movimentos são feitos, estancados e alterados. A música muda para a entrada dos números de
pirofagia, danças e pirâmides humanas. Em uma coreografia hilariante, surge o músico
Marshall Netherland, trajando um terno branco, óculos escuros e tocando saxofone
50
. Argan é
entretido pelas egípcias. Ao som de uma flauta, entra a atriz Christiane Tricerri dançando com
uma enorme serpente de pano. A chanchada e o Teatro de Revista estão presentes na
coreografia ritmada das bailarinas e do próprio doente imaginário que, por empolgação,
acompanha as meninas. Ao som de chicotes e gritos, o som fica mais acelerado. Acrobacias e
números com cordas compõem o visual.
50
Substituído depois pela musicista Ana Eliza Colomar que entra com os seios de fora, trajando o mesmo
figurino das bailarinas.
107
Fotos 80 e 81 O doente imaginário, cenas do segundo intermezzo. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de
Ary Brandi.
Fotos 82, 83, 84 e 85 O doente imaginário, cenas do segundo intermezzo. Fonte: Acervo pessoal do circense
André Caldas. Fotos de Roberto Setton.
O Teatro do Ornitorrinco mostra o espírito ousado e irreverente ao colocar um elefante
em cena nas apresentações realizadas no Festival da Cidade do México. Sobre a turnê no
México, Mônica Monteiro comenta:
108
(...) foi um arraso. Além de chegar à cidade e ver toda a imprensa esperando a
gente, resolvemos sair fantasiados pelas ruas, na Plaza Mayor, fazendo aquela festa
para divulgar a peça e o povo vinha atrás. Lá, nós conseguimos o elefante. Fomos
ao zoológico e escolhemos o elefante e o pusemos no palco. Foi a realização do
Cacá, era o sonho dele e, em São Paulo, não havíamos conseguido. (MONTEIRO,
2008, ver anexo).
Foto 86 O doente imaginário, cena do segundo intermezzo. Fonte: Programa do espetáculo. Foto de Miguel
Paladino
No Terceiro e último Ato, Argan é amaldiçoado pelo doutor Purgon, por não ter
tomado a sua lavagem. Inúmeras doenças são lançadas contra o hipocondríaco, que se
desespera de maneira crescente a cada nova “praga” lançada por seu médico. O desespero
termina quando não há mais o que prever a não ser a morte de seu paciente. Vejamos:
Purgon: - Desprezar o meu clister!
Argan: - Foi ele...
Purgon: - É uma ação exorbitante!
Toinette: - É verdade!
Purgon: - Um atentado contra a medicina
Argan: - Ele é a causa...
Purgon: - Um crime lesa-faculdade que não se pode perdoar!
Toinette: - O senhor está certo!
Purgon: - Declaro que as nossas relações estão cortadas!
Argan: - Foi meu irmão...
Purgon: - E que não há mais nenhuma aliança entre nós!
Toinette: - Faz muito bem! (...)
Purgon: - Já que o senhor nega a obediência devida ao seu médico...
Toinette: - Isso pede vingança!
Purgon: Já que o senhor se declarou rebelde às minhas receitas...
Argan: - De jeito nenhum!
109
Purgon: - Devo dizer que vos abandono à vossa constituição, à intempérie das
vossas entranhas, à corrupção do vosso sangue, à acidez da vossa bílis e à
feculência dos vossos humores!
Toinette: - Bem feito!
Argan: - Meu Deus!
Purgon: - E digo que antes de quatro dias o senhor ficará num estado incurável!
Argan: - Ah! Misericórdia!
Purgon: - Que cairá na bradipepsia.
Argan: - Doutor Purgon!
Purgon: - Da bradipepsia na dispepsia.
Argan: - Doutor Purgon!
Purgon: Da dispepsia na apepsia.
Argan: - Doutor Purgon!
Purgon: - Da apepsia na lienteria.
Argan: - Doutor Purgon!
Purgon: - Da lienteria na disenteria.
Argan: - Doutor Purgon!
Purgon: Da disenteria na hidropisia
Argan: - Doutor Purgon!
Purgon: - E da hidropisia na privação da vida, eis aonde lhe terá levado a vossa
loucura! (O doente imaginário, pp. 57- 58).
De acordo com Bergson (2004, p. 53), um dos procedimentos usuais da comédia
clássica é a repetição. A cada ameaça, Argan exclama: “Doutor Purgon!”. O doutor, por sua
vez, remete-nos a lembrança de uma mola, presente nas caixinhas de surpresas: quando
empurrado para baixo, o brinquedo logo saltará para fora, e assim sucessivamente, dando a
imagem de um arranjo mecânico e, portanto, o natural. É o que acontece nessa passagem
cênica e o que a faz ser tão risível. Temos, então, a presença de dois elementos
desencadeadores do riso: a repetição e o arranjo mecânico. Como constata Bergson:
A medicina ofendida despeja sobre Argan, através da boca de Purgon, a ameaça de
todas as doenças. E, cada vez que Argan se levanta da poltrona, como para tapar a
boca de Purgon, vemos que este se eclipsa por um instante, como se fosse enfiado
nos bastidores, para depois, como se movido por uma mola, reaparecer em cena
com uma nova maldição. Uma mesma exclamação repetida incessantemente
Monsier Purgon!” escande os momentos dessa pequena comédia. (BERGSON,
2004, pp. 52- 53).
O efeito cômico também é acentuado pela criada Toinette ao assumir o papel de
“escada”, aproveitando-se do momento para colaborar com o término da ligação entre o “falso
doente e aquilo que para Molière é igualmente um falso médico”. (D’ANGELI e PADUADO,
2007, p. 241).
110
Argan, temeroso e impressionado com os dizeres de seu médico, acaba por ter uma
visão sombria do futuro. Para Bergson (2004, p. 141), tudo isso não passa de “(...) obsessões
cômicas que se aproximam muito, ao que parece, de obsessões oníricas (...)”. Na cena do
delírio de Argan, as luzes são apagadas para dar o efeito desejado de sonho, acesa está apenas
uma vela no canto. Eis a personificação da morte, fruto da imaginação e da mente fantasiosa
do hipocondríaco. No ar, duas caveiras fosforescentes, representadas pelos circenses André
Caldas e Guto Vasconcelos, fazem o passeio aéreo, representando o pesadelo de Argan em
relação à morte. Não mais risível é a expressão de terror estampada em Argan. Sobre essa
passagem, Rosset comenta:
(...)
na grande comédia, você tem sempre essa luta da vida e da morte, da doença e
da saúde, do real e do imaginário e nada melhor do que essa peça, até pela situação
real do Molière que acaba se tornando uma metáfora, ele, doente, rindo, de si
próprio, o carnaval como pano de fundo... Tanto que eu introduzi, num determinado
momento, uma espécie de fantasmagoria que era como se fosse uma coisa de trem
fantasma, um número de circo chamado passeio aéreo, em que os atores andam de
ponta cabeça. O Edson Cordeiro, que ainda não era cantor, era só ator, cantava uma
música e era como se aquelas caveiras andando no teto fossem um delírio de Argan
vendo a morte. Elas trocavam as máscaras no ar, uma cena linda! (...). (ROSSET,
2006, ver anexo).
Toinette e Beraldo se unem na tentativa de contornar a situação e livrar Angélica do
casamento indesejado. Toinette, com uma máscara e um cabo de vassoura com a figura de um
enorme urubu empalhado, se disfarça de médico. O disfarce é um recurso cômico quando
deixa transparecer sua artificialidade. Para Bergson (2004, p. 31), (...) Um homem que se
fantasia é cômico. Um homem que aparece fantasiado é cômico também. Por extensão, todo
disfarce será cômico, não só o do homem, mas também o da sociedade, e até o da natureza”.
111
Fotos 87 e 88 O doente imaginário, Cena XXIV. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Fotos de Ary Brandi.
A interpretação não naturalista dos atores e a dimensão exagerada das vestimentas e
dos acessórios das personagens colaboram para que a comicidade aconteça, pois o figurino
remete ao uso de fantasias. Não a intenção de provocar nos espectadores o ilusionismo do
teatro naturalista e psicológico. A proposta do Ornitorrinco é justamente o oposto: é o resgate
da reteatralização. Bergson afirma que:
“(...) é fácil que um traje se torne ridículo (...) suponhamos um originalão que se
vista hoje de acordo com a moda de antigamente: nossa atenção recai sobre o traje,
nós os distinguimos absolutamente da pessoa, dizemos que a pessoa está fantasiada
(como se toda roupa não fosse uma fantasia), e o lado risível da moda passa da
sombra à luz”. (BERGSON, 2004, pp. 28- 29).
O mesmo procedimento cômico da repetição surge na cena XXVII em que Toinette se
disfarça de médico. A criada faz uso freqüente da repetição da palavra pulmão ao atribuir a
esse órgão a responsabilidade de todas as dores e males sofridos por Argan.
Toinette: - (...) É do pulmão que o senhor está doente.
Argan: - Do pulmão?
Tointette: - Sim. O que é que o senhor sente?
Argan: - Sinto às vezes dores de cabeça.
Toinette: - Justamente, é o pulmão.
Argan: - Parece que às vezes tenho um véu diante dos olhos.
Toinette: - É o pulmão.
Argan: - Algumas vezes sofro de enjôo.
Toinette: - É o pulmão.
Argan: - Sinto de vez empoando cansaço em todo o corpo.
Toinette: - É o pulmão.
Argan: E às vezes tenho dores de estômago, como se fossem cólicas.
Toinette: - É o pulmão. Tem apetite quando come?
Argan: - Sim, senhor.
Toinette: - É o pulmão. Gosta de tomar um pouco de vinho?
Argan: - Sim, senhor.
112
Toinette: - É o pulmão. (O doente imaginário, pp. 62- 63).
A inserção de elementos contemporâneos pode ser percebida em vários momentos da
encenação. Maria Alice Vergueiro faz uma referência ao candomblé quando Toinette,
travestida de médico, rodopia e diz: “Ai meu Deus, saravá meu pai! Este seu braço!” (cena
XXVI, p. 64). A comicidade da situação aumenta quando Toinette com um serrote enorme em
mãos sugere a Argan que se livre de um de seus braços, alegando que ele puxa para si toda a
alimentação, impedindo o outro lado de se nutrir. O exagero é um recurso cômico e, segundo
Propp, o grau mais elevado do exagero é o grotesco, por atingir uma dimensão descomedida,
passando para o domínio do monstruoso. Extrapola, portanto, os limites da realidade para
alcançar o domínio do fantástico.
Foto 89 O doente imaginário, Cena XXVII. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de Ary Brandi.
Toinette vai mais longe ao propor a Argan que arranque seu olho esquerdo, alegando
que esse atrapalha o funcionamento do outro olho, além de lhe roubar toda a alimentação.
Nesse momento, o diretor inclui a cena com a platéia. Ao fingir perder o olho, Argan se dirige
a platéia e vasculha as bolsas das espectadoras. Além da quebra da quarta parede, ocorre nessa
passagem a “quebra da encenação”, na medida em que os atores deixam seus personagens e se
assumem enquanto intérpretes. Não é mais a figura de Argan que está em cena, mas a de Cacá
Rosset, que declara: “Acabou o espetáculo. Acendam as luzes que enquanto eu não achar o
olho não tem como continuar a peça”. Os atores saem da coxia e dos camarins e ficam à beira
113
do palco à espera da solução do “problema”. O foco passa a ser a improvisação de Cacá com
o público. Sobre a participação da platéia, José Rubens Chachá declara:
As cenas da platéia do Ornitorrinco nunca deixaram ninguém constrangido e se
havia, era um que reclamava e oitocentos que se regozijavam. No doente, em que as
mulheres tinham as suas bolsas remexidas, vimos de tudo: pênis artificial,
dentadura... As cenas não eram gratuitas. O público via que eram aqueles
personagens meio malucos. Quando eles desciam para a platéia, as pessoas já
entendiam, viam que era meio conseqüência do que estava acontecendo no palco. O
Ornitorrinco não tem um humor agressivo, era um humor muito especial.
(CHACHÁ, 2008, ver anexo).
Fotos 90 e 91 O doente imaginário, cena da platéia. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Fotos de Ary Brandi.
Não menos cômica, absurda e, portanto, risível, é a maneira como o falso médico se
despede de Argan, ao alegar que fará uma grande consulta para um homem que morreu ontem
para ver o que deveria ter sido feito para curá-lo.
Na cena XXVII, Beraldo insiste, em vão, em alertar o irmão sobre os falsos
sentimentos de sua esposa. Toinette, esperta e atenta a tudo o que acontece ao seu redor, pede
a Argan que lhe conceda a oportunidade para provar a seu irmão Beraldo o engano cometido
por desconfiar da boa intenção e do amor que Béline nutre pelo patrão. A criada sugere que
Argan finga-se de morto. Finalmente, Béline é desmascarada, pois ao receber a notícia não
consegue disfarçar a imensa alegria e o alívio com a “morte” de seu marido. Risível é o susto
de Béline quando a farsa é revelada. Eis o momento de pôr à prova os sentimentos de
Angélica que, ao receber a notícia, revela imenso pesar e sofrimento. Enfim, Argan constata o
114
sincero amor de sua filha e resolve atender aos apelos de Angélica, consentindo que se case
com Cleanto.
O momento “sério” da peça, quando a trama é revelada, é quebrado pela figura
clownesca de Argan. Com uma das mãos, Argan segura uma vela acesa e com a outra segura
a mão de sua filha. Cleanto, após perceber que o pai de sua amada está vivo, corre em sua
direção, oferecendo-lhe a mão. Argan, sem saber o que fazer, opta, sem titubear, em colocar a
vela com a chama acesa voltada para o interior da boca para, assim, poder segurar a mão de
seu futuro genro. A atitude de Argan remete ao universo clownesco, com a subversão da
lógica.
Foto 92 O doente imaginário, Cena XXIX. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de Ary Brandi.
Foto 93 O doente imaginário, Cena XXXI Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de Ary Brandi.
Sobre o espetáculo e o estilo de representação de Cacá Rosset, Antonio Gonçalves
Filho declara:
115
Cacá Rosset faz um Argan de circo, patético mas engraçado como um “clown” (...)
o espetáculo tem o humor ingênuo das caretas circenses com a sofisticação da
crítica social de Molière (...) Há, sim, a estética de parques de diversões, reforçada
pelos telões e gigantescas perucas desenhados pelo cenógrafo José de Anchieta. A
coreografia de Lala Deheinzelin é quase uma paródia de Twyla Tharp revisitando
Nijinsky. Tudo é uma grande mentira. Ou melhor, uma grande fantasia (...) Com ‘O
doente imaginário o Ornitorrinco chega, enfim, depois de Strindberg, Brecht e
Jarry, ao puro teatro dos saltimbancos. Exótico, alegre e iconoclasta. (FILHO,
1989, p. F14).
Na cena XXXI, é o momento em que Molière sintetiza o charlatanismo médico por
meio da proposta de Beraldo:
Beraldo: - Meu irmão, acabo de ter uma idéia genial! Vire médico você mesmo!
Claro! Assim terá a maior comodidade. Você será ao mesmo tempo doente e
doutor!
Argan: - Você está me gozando, meu irmão. Estou lá em idade de estudar?
Beraldo: - Mas que estudar! Você sabe tudo! muitos médicos que não sabem
nem metade da medicina que você sabe.
Argan: - Mas é preciso saber latim, conhecer as doenças, os remédios...
Beraldo: - Que nada! Com a roupa e chapéu de médico você aprende tudo isso. E
será mais hábil do que imagina!
Argan: - Quer dizer então que basta vestir as roupas de médico para se entender de
doenças?
Beraldo: - Claro. Com roupa e chapéu de médico qualquer discurso se torna
científico e qualquer bobagem se torna razão (...). (O doente imaginário, p. 71).
Preocupada com a zombaria em torno de seu pai, Angélica chega a questionar o seu tio
sobre a necessidade disso tudo. Beraldo, sabiamente, argumenta: “Não, minha sobrinha, não é
zombar, mas sim participar de suas fantasias. Podemos cada um representar uma personagem,
e assim, oferecer essa comédia uns aos outros. O carnaval permite isso (...)”. (O doente
imaginário, p. 72).
No terceiro intermezzo, Argan se transforma em médico. A colação de grau se fará na
própria casa do doente imaginário, por meio de uma cerimônia burlesca repleta de latins
macarrônicos. Os médicos dançam e realizam números acrobáticos em pernas-de-pau,
segurando enormes clisteres. A comicidade desse intermezzo decorre das perguntas
elaboradas pelos “médicos” envoltas pelo latinismo macarrônico e que se acentua pelas
116
respostas sempre iguais de Argan: Clisterium donare, postea seignare e ensuitta purgare”.
(O doente imaginário, terceiro intermezzo).
Há também o canto e a dança em comemoração às sábias respostas de Argan, por meio
do coro proferido pelos “médicos”:
Bene, bene, bene, bene respondere
Dignus, dignus est entrare
In nostro docto corpore
Bene, bene, respondere (O doente imaginário, terceiro intermezzo)
Foto 94 O doente imaginário, cena do terceiro intermezzo. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de Ary
Brandi.
Foto 95 O doente imaginário,cena do terceiro intermezzo. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de Ary Brandi
Para o crítico Antonio Gonçalves Filho,
A forjada colação de grau como médico, afinal, não torna Argan no mais feliz
dos médicos incompetentes como o reabilita para a sociedade. A propósito, é uma
117
colação festejada num simulacro de latim e com gigantescos picaretas armados de
seringas. Molière era mesmo um visionário. Parece até que teve uma antevisão do
sistema previdenciário no Brasil. (FILHO, 1989, p. F6).
Foto 96 O doente imaginário, cena do terceiro intermezzo. Fonte: Acervo pessoal do circense André Caldas.
Foto de Ary Brandi.
Foto 97 O doente imaginário, cena do terceiro intermezzo. Fonte: Acervo pessoal do ator José Rubens Chachá.
Foto de L. Baron.
118
Foto 98 O doente imaginário, cena do terceiro intermezzo. Fonte: Arquivo do Ornitorrinco. Foto de Ary
Brandi.
O doente imaginário do Ornitorrinco recebeu, dentro e fora do país, ao longo da
temporada de dois anos, inúmeros elogios da crítica especializada. A maneira como os
figurinos, os cenários, os números circenses, as coreografias, a execução da música ao vivo,
inclusive com o resgate das partituras originais, e a desenvoltura dos atores em cena
contribuíram para que o espetáculo fosse visto como um todo. O intuito era unir o que havia
de melhor nessas diferentes linguagens artísticas, em prol de um espetáculo harmonioso e
uníssono. De acordo com José de Anchieta,
(...) a melhor peça de teatro é aquela em você não vê ator, nem cenário, nem
figurino, não ouve música, o sente a luz, nem percebe a direção... A melhor peça
de teatro é aquela em que nada te chama à atenção, há apenas o espetáculo. Quando
o público sai do teatro dizendo: Que belo cenário ou que belo figurino ou que
interpretação maravilhosa, pode ter a certeza de que aquele espetáculo fracassou.
Agora, quando o público sai falando: “Que beleza de espetáculo”, sim o sucesso
será inevitável. (ANCHIETA, 2007, ver anexo).
A unanimidade da crítica especializada se fez presente na forma com que o
Ornitorrinco trabalhou um clássico da dramaturgia mundial, transpondo-o com eficácia para a
cena contemporânea, conforme aponta Carlos Hee:
O diretor e ator Cacá Rosset deixou de lado qualquer afetação histórica, varreu
vestígios de bolor e levou para o palco uma montagem vigorosa, moderna e
divertida (...) A primeira impressão que se tem é que Cacá Rosset e sua trupe
colocaram Molière de cabeça para baixo (...) A irreverência, contudo, não se traduz
por uma postura demolidora ou que deturpe o texto original (...) ele transforma o
espetáculo numa grande festa que se estende até a platéia, produzindo alguns dos
melhores momentos da peça (...) A montagem do Ornitorrinco é uma lição de como
modernizar Molière sendo fiel ao texto do autor. (HEE, 1989, p. 125).
119
Alberto Guzik comenta:
no Doente imaginário a mistura do circo, da pantomima, teatro, música (...).
Paira no ar o mesmo humor, o mesmo espírito de irreverência que individualizavam
o Ornitorrinco desde sua fundação (...) Rosset não sublinha o que há de clássico no
texto de Molière; salienta, ao contrário, suas raízes populares, sua vinculação com a
commedia dell’arte. (GUZIK, 1989, p. 4-A).
Nas apresentações no exterior, a montagem de O doente imaginário também teve uma
repercussão positiva. Na época, o então e atual presidente da Costa Rica, Oscar Arias
Sánchez, afirmou estar surpreso com a encenação, pois “esperava uma montagem clássica de
Molière e vi uma irreverente e revolucionária encenação”. (FILHO, 1989, p. F3).
Na Espanha, Margot Molina, do jornal El País intitulou a encenação como “uma
versão carnavalesca”. Segundo a crítica, “o carnaval, as acrobacias, a coreografia e a música
são elementos que Cacá Rosset, diretor do grupo, utilizou para criar um espetáculo colorido e
divertido que se assemelha ao circo”. (MOLINA, 1990, s. p., tradução minha). Outro crítico,
redator do mesmo jornal, Tecglen, (1990, p. 27, tradução minha) relata que: “(...) A farsa
triunfa. O público estava literalmente feliz. As gargalhadas eram sonoras, como os aplausos
em várias cenas e ao final do espetáculo”.
De acordo com uma crítica norte-americana, realizada por Stephen Holden,
Na produção, dirigida por Cacá Rosset, que também encena Argan, as personagens
de Molière são aristocratas e palhaços de circo, caricaturas híbridas do século XVII
(...) A noção de tratar ‘O doente imaginário’ como um circo musical não é tão
artificial, já que a peça é uma das duas farsas de Moliére que foram concebidas
como comédia balé (...). (HOLDEN, 1990, p. C20, tradução de Débora Mariana
Ribeiro).
O crítico mexicano Eduardo Mendoza relata:
Com o Ornitorrinco se desperta a magia (...) aparentemente a estrutura é trabalhada
de maneira formal com os quatro intermezzos inclusos e que são quase sempre
omitidos na montagem da obra mas tão somente para dinamitá-la, para r em
jogo tudo o que Molière tem de provocador, de contrário à ordem estabelecida. E,
para isso se vale de tudo: do trabalho acrobático dos atores, das máscaras, da
120
maquiagem, das pernas-de-pau, de uma capacidade assombrosa para transformar o
cenário, do balé no qual também se entrecruzam formalidade e liberdade do
canto, de um pequeno elefante posto em cena e do contínuo diálogo com o público
(...) A proposta do Ornitorrinco é de trabalhar múltiplas emoções e técnicas, mas
deixa bem claro que para enfrentar o colonialismo não é necessário nem a aceitação
da tradição de uma escola e nem a invenção de aparentes novas formas, é
necessário um simples ato de canibalismo e, na cena tudo se transforma. É Molière,
mas também é América. (MENDOZA, pp. 1-3, tradução minha).
Argan se torna médico, tão incompetente e inapto a exercer a profissão quanto
aqueles que o enganaram a vida inteira. Estão perpetuadas e consagradas as suas manias.
Embora a encenação desse clássico tenha suscitado diferentes tipos de riso, como o de
zombaria, de Propp, e o de correção, de Bergson, o riso que se fez presente durante toda a
peça foi um riso alegre, tout court. Um riso que provém de pessoas alegres por natureza, boas
e dispostas ao humorismo e que possui a capacidade de impossibilitar qualquer emoção
negativa. Ele apaga a cólera e a ira, vence a perturbação e eleva as forças vitais, o desejo de
viver bem, encarando a vida positivamente.
Cumpre-se, assim, um dos objetivos do Ornitorrinco: o de proporcionar alegria e
diversão a seus espectadores, por intermédio de um riso alegre e festivo, permitindo que o
grupo não caísse, segundo a visão de Cacá Rosset, no pior dos defeitos que uma encenação
pode conter: o marasmo. “O trabalho do Ornitorrinco tem antes de mais nada a perspectiva de
fazer um teatro vivo, em sintonia com a nossa época. O único pecado do teatro é ser chato.
Ele pode ser qualquer coisa, menos chato (...)”. (OLIVEIRA, 1997, s. p).
121
Considerações Finais
O Teatro do Ornitorrinco é uma das mais polêmicas e consagradas companhias teatrais
do país. A sua maneira irreverente e despudorada de fazer teatro fez com que se tornasse
protagonista de inúmeros “qüiproquós”. Em Nova Iorque, a encenação de Mahagonny acabou
proibida sob a alegação da Fundação Kurt Weill de que o grupo havia corrompido o texto e o
público. Teledeum causou contratempos dentro e fora do país: a peça foi censurada no Brasil
sob a acusação de ser ofensiva à religião. Em Bogotá, Cacá Rosset e seu elenco sofreram
protestos da TFP (Tradição, Família e Propriedade) e foram ameaçados por bombas. O que
dizer de Sonho de uma noite de verão e a polêmica ocasionada pela presença de corpos
seminus e do nu frontal em um clássico shakesperiano? Objeto de polêmica também foi a
montagem de O doente imaginário, alvo de discussões calorosas devido ao valor da verba
liberada para a realização do projeto e pela negação do espaço solicitado pelo grupo para a
estréia, o Teatro Municipal de São Paulo.
Os percalços enfrentados pelo Ornitorrinco ao longo de sua trajetória não o impediram
de trilhar uma história de sucesso. Ao contrário, todas as dificuldades foram trabalhadas e
revertidas a favor do grupo que fez de cada polêmica uma verdadeira aliada para a divulgação
de seus espetáculos e do nome do grupo dentro e fora do país.
Ao longo de seus trinta e um anos de experiência, angariou inúmeros prêmios
51
, fez
história dentro do cenário teatral brasileiro e imprimiu a sua marca peculiar: o humor e a
irreverência. Desde seu primeiro trabalho, Os mais fortes, em 1977, até o presente momento,
2008, com a encenação de A megera domada, o grupo assumiu o compromisso estético com a
51
Ver Anexo C: Premiações.
122
modernidade, sintonizado com as discussões, as formas de interpretação e encenação do nosso
tempo.
Como se pode constatar ao longo deste trabalho, o Ornitorrinco se caracterizou pela
forte utilização do gênero cômico em suas montagens, o que torna evidente a sua predileção
em relação a esse gênero. Outra particularidade desse grupo foi a de fazer um trabalho no qual
prevalecesse a idéia de um espetáculo múltiplo, pelo uso das mais variadas linguagens
artísticas – o teatro, a música, a dança e o circo – no incessante exercício da reteatralização.
Tomei como exemplo a encenação de O doente imaginário, realizada pelo grupo em
1989, objeto de estudo desta pesquisa. Não obstante o texto ter sido escrito mais de 300
anos, Rosset adaptou a obra de maneira ímpar ao realizar, junto com os artistas envolvidos
nessa montagem, um trabalho minucioso de pesquisa em torno Molière da época em que
viveu o autor e de suas obras preservando as partituras originais e os intermezzos, os quais,
na maioria das vezes, são omitidos na encenação desse clássico da dramaturgia mundial.
Rosset opta por aquilo que denomina ser “uma infidelidade fiel” ao inserir canções, piadas e
referências atuais, de modo que os diálogos entre as personagens fluam aos ouvidos de um
público contemporâneo e faz com que a adaptação desse texto esteja mais próxima desse
espectador do século XX. Não a menor intenção do diretor em sublinhar o que de
clássico no texto de Molière, mas sim salientar suas raízes populares, sua vinculação com a
commedia dell’ arte.
Todos esses elementos reforçam os objetivos iniciais que acompanham o diretor desde
a fundação do Ornitorrinco: devolver ao teatro a sua essência, nem que para isso tenha que se
valer de tudo do trabalho acrobático dos atores, dos figurinos, da maquiagem, da música ao
vivo, da participação da platéia no jogo teatral, do balé, do teatro de revista e do nudismo em
cena.
123
Na encenação de O doente imaginário, Rosset deixa claro ao público e a quem
interessar que o jogo teatral está presente. A fusão de linguagens, o estilo brechtiano presente
nas interpretações dos atores, a máscara utilizada por eles com seus rostos pintados de branco,
as perucas e os figurinos, os quais, embora remetam à época de Molière, para o público
contemporâneo, adquirem um outro significado: o da farsa e as freqüentes “quebras” na
estrutura cênica. Isso permitiu ao público assumir o papel de ator coadjuvante da obra,
tornando esse espetáculo um “triunfo à teatralidade”.
A maneira despretensiosa e ao mesmo tempo consciente com que o Ornitorrinco
trabalhou a linguagem cômica na montagem de O doente imaginário resultou em um
espetáculo atrativo e inteligente decorrente do humor espirituoso e debochado, característico
do Ornitorrinco.
O Teatro do Ornitorrinco de ontem não é o mesmo de hoje, e estranho seria desejar
que assim o fosse. Uma espécie de saudosismo impede a alguns ver que o Ornitorrinco é fruto
de seu tempo. A sociedade da cada de 70 não é a mesma das subseqüentes.
características que ainda prevalecem no Ornitorrinco, como a fusão das linguagens artísticas,
a reteatralização, a qualidade do repertório, o humor escrachado e outras que já não se
reconhecem nos primórdios do grupo como, por exemplo, a presença dos espetáculos mais
intimistas que acabaram por ceder lugar a produções de grande porte.
Para que um grupo teatral tenha longevidade, é preciso acompanhar e se adaptar às
mudanças do passar dos anos. O dinamismo da sociedade atual impede os atores e a equipe
técnica de se empenharem com exclusividade, por meses, a uma montagem. Com raríssimas
exceções, é praticamente impossível aos artistas viver de teatro. O blico, por sua vez,
também mudou. As pessoas freqüentavam mais o teatro e lotavam as sessões que aconteciam
de quarta a domingo. Hoje, o lazer se resume aos fast-foods e ao controle remoto. Não
124
mais condições de “investir” em espetáculos com o objetivo de permanecer anos em cartaz.
Estamos em plena globalização, em que tudo é efêmero.
Atualmente, o Teatro do Ornitorrinco não é mais um grupo de teatro. O Ornitorrinco
se concentra na figura de Cacá Rosset, desde a seleção do elenco e da equipe cnica às
pesquisas em torno das montagens. Segundo o próprio diretor, o “Ornitorrinco é mais um
estado de espírito do que um grupo” (SANTOS, 2008, p. E1).
Porém, analisar as mudanças ocorridas dentro do Teatro do Ornitorrinco ao longo
desses trinta e um anos de existência não foi o objetivo dessa pesquisa, mas sim o de refletir
acerca da maneira como o Ornitorrinco utilizou a linguagem cômica na encenação de O
doente imaginário.
Com este trabalho, podemos observar as contribuições e a importância do Teatro do
Ornitorrinco para o teatro brasileiro ao projetar jovens artistas que trilharam seus próprios
caminhos e contribuíram, como no caso de André Caldas e da sua bem-sucedida Companhia
Acrobáticos Fratelli
52
, para a formação de novos artistas.
O Ornitorrinco formou e ampliou o público de teatro, esse público, por sua vez, é fiel e
heterogêneo. Seus espetáculos foram vistos, indistintamente, por crianças, adolescentes,
adultos e idosos recuperando a idéia do teatro como rito social compartilhado por atores e
pelo público. Tornou-se um fenômeno de comunicação decorrente da maneira como o diretor
do grupo concebe e realiza um espetáculo, um teatro em que o espectador não necessita de
pré-requisitos.
52
A Companhia Acrobáticos Fratelli foi fundada por André Caldas e Guto Vasconcelos. Atualmente, André
Caldas é responsável pela parte técnica da Companhia; e seu irmão, Kiko Caldas, pela parte artística.
125
Um bom espetáculo teatral tem de ser, precipuamente, vivo e em sintonia com o seu
tempo. Cacá Rosset procura, em suas montagens, devolver ao teatro o prazer! Para isso, o
Teatro do Ornitorrinco tem trabalhado com a idéia de que o teatro tem de reencontrar a
especificidade de sua linguagem para que assim possa cumprir com a sua verdadeira função:
divertir, emocionar e “conscientizar” a platéia por meio do riso. A empatia do Teatro do
Ornitorrinco com o público se realiza por intermédio da linguagem popular, do humor
irreverente, debochado, desprovido de sutilezas e refinamento, um riso tout court.
O Ornitorrinco faz jus ao nome que carrega. Assim como o animal que
simbolicamente o representa, está sempre ameaçado de extinção, mas, apesar de toda a
adversidade, consegue sobreviver. O tempo passou, e o Ornitorrinco soube se adaptar às
mudanças sociais, políticas e culturais do Brasil, assim como muitos “heróis” resistentes do
teatro brasileiro. Mostrou que aprendeu e aplicou sabiamente a teoria darwiniana sobre a
evolução da espécie, estudada para a realização de seu primeiro trabalho: Os mais fortes.
Vence quem melhor se adapta ao meio.
126
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GUZIK, Alberto. O Ornitorrinco. UOL Blog, 11 de junho de 2006, as 18h29. Acesso
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www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 15 fevereiro de 2007.
www.vozesdobrasil.com.br. Acesso em: 20 agosto de 2007.
Outros
ANUÁRIOS de Artes Cênicas – 1977, 1978, 1979, 1980, 1981, 1982, 1983. São
Paulo, Divisão de Pesquisas do Centro Cultural São Paulo.
Arquivo da Folha de S. Paulo/banco de dados. Sem data e créditos das fotos
mencionados.
134
Arquivo da Folha de S. Paulo/banco de dados, 18 de novembro de 1987. Foto de
Sandra Adams.
Arquivo da Folha de S. Paulo/banco de dados, 20 de novembro de 1983. Foto de
Sandra Adams.
135
ANEXOS
ANEXO A – Entrevistas
ROSSET, Cacá. Entrevista. Gravada na sua residência, São Paulo (SP), 03 de novembro
de 2006.
Foto 99 – Cacá Rosset. Foto cedida pelo artista
Quando pensamos no teatro dos anos sessenta, vem, em nossa mente, um teatro
de militância. Se você pudesse sintetizar as décadas de setenta e oitenta, como você
faria?
Olha, eu não sei... Eu, na verdade, comecei a fazer teatro a partir da segunda metade
da cada de 70, foi quando eu saí da ECA (Escola de Comunicação e Artes), foi quando
fundamos o Ornitorrinco em 77. Enfim, eu como não sou historiador; a perspectiva que eu
tenho é muito pessoal e subjetiva. Eu não sou um analista geral da década de 70. O que eu
posso falar é o que, de certa maneira, eu vivi, quais foram os meus interesses e o que eu fiz
naquele momento. Eu acho que, na década de 70, basicamente, você teve uma espécie de
retomada do trabalho de grupos porque, durante os anos 60 exatamente, você teve um
trabalho muito forte de grupos como o Arena, como o Oficina, como o Opinião, no Rio. Todo
o período da ditadura, fim da década de 60, boa parte da década de 70, de certa maneira, essas
companhias se esfacelaram. Então, quer dizer, a minha geração, quando começou a fazer
teatro, mais para o fim da década de 70, foi uma geração que começou a se reorganizar em
grupos ou em cooperativas, que era uma coisa que estava esfacelada naquele momento. Então,
uma série de grupos surgiram nessa época como o Ornitorrinco, como o pessoal do Vitor, do
Paulo Betti que tiveram uns trabalhos muito bacanas, como o Pod Minoga, do Naum Alves,
do Carlos Moreno, como o Hamir Haad, como... (pensativo)
O Asdrúbal...
Exatamente, o Asdrúbal, no Rio. Então, o Ornitorrinco começou nessa década. Ainda
se vivia a ditadura, ainda existia a censura e uma série de problemas no sentido da liberdade
de expressão na época; mas essa geração que começou a fazer teatro, nessa época, no final
dos anos 70, que é o meu caso, é uma geração que de uma certa maneira foi, vamos dizer,
órfã, não teve uma continuidade em relação às coisas, não teve uma passagem natural, como
teve em outras épocas, exatamente porque era um momento de trevas não só no teatro, mas na
cultura brasileira, em todo período, principalmente, sei lá, no final dos anos 60 com o AI5.
Até o final dos anos 70, temos uma década muito complicada de repressão, censura, enfim...
Então foi esse, o momento histórico e político, em que eu comecei a fazer teatro e que alguns
outros grupos começaram a fazer teatro.
136
Quando vocês fundaram o Ornitorrinco, que proposta vocês traziam? Qual era o
objetivo do grupo?
O grupo foi formado por três pessoas: por mim, pela Maria Alice Vergueiro e pelo
Galízia, que é um ator que morreu. Todos nós estávamos de alguma maneira ligados à
ECA, à USP (Universidade de São Paulo). Eu era aluno da ECA, de Artes Cênicas, o Galízia
era aluno também e a Maria Alice Vergueiro era professora de Teatro Aplicado de Educação
da ECA, Teatro Pedagógico. Eu conhecia a Maria Alice Vergueiro desde os meus onze
anos de idade. Ela tinha sido minha professora no Colégio onde estudei, chamava-se Colégio
Aplicação e era um colégio muito bacana, muito avançado na época. Tínhamos curso de
teatro e a Maria Alice foi minha professora. Então, eu conheci a Maria Alice, quando eu tinha
onze anos de idade. Comecei a fazer teatro com ela e, enfim, a minha ligação com o teatro, o
meu gosto pelo teatro surgiu, quando eu fiz teatro no colégio, porque a Maria Alice não só
dava aulas de teatro como fazia montagens. Aliás, a primeira montagem que eu fiz na minha
vida como ator, aos meus doze ou treze anos de idade, foi uma peça de Molière dirigida pela
Maria Alice: As preciosas ridículas. Foi minha primeira experiência como ator. Ela fez quatro
montagens, uma para cada série do ginásio. Naquela época era ginásio, série, série,
série, 4ª série ginasial. Eu acho que eu era da 2ª série. Bom, enfim, o fato é que a minha classe
montou As preciosas ridículas e eu fiz o papel do marquês, que era aquele falso marquês,
pedante, o Mascarille que os nobres colocam criados travestidos de marquês e era muito legal,
as perucas de algodão... e, então, eu estreei amadorísticamente no teatro com uma peça de
Molière e é uma coisa gozada eu ter feito com Maria Alice, “trocentos” anos depois, uma
peça de Molière. No Avarento, ela participou também, no Scapino, não como atriz, mas como
assistente de direção. O Galízia não era da minha turma na época; acho que ele era duas
turmas na frente, mas, enfim, éramos contemporâneos e a Maria Alice estava lá. A gente
então se reuniu e o primeiro trabalho que nós fizemos foram três peças do Strindberg, um
dramaturgo sueco. Começamos a apresentar no porão do Teatro Oficina (hoje em dia nem
existe mais, depois que teve a reforma do mesmo). Na época, o Zé Celso estava em Portugal
com o grupo, fazendo teatro e, quem estava cuidando do teatro Oficina, era o irmão dele, o
Luis Antônio Martinez Corrêa que morreu também e era um diretor de teatro e, aliás, era
ótimo, bem mais jovem que o Zé Celso. Ele morreu assassinado, no Rio de Janeiro, em 87 e o
Luis estava coordenando o Oficina nos cedeu o porão, que era um espaço minúsculo, uma
coisa mínima. No porão, começamos a apresentar esse espetáculo do Strindberg, que se
chamava Os mais fortes; eram três peças em um ato: A mais forte, O pária e Simun. Era um
espaço que não podia funcionar como teatro, era um porão, era onde, antigamente, funcionava
o bar do Teatro do Oficina. Entãosó podíamos fazer uma propaganda “boca a boca”. Era um
porão mesmo, era literalmente underground e o espetáculo começou a pegar, virou um cult.
Passávamos o chapéu no final, quer dizer, às vezes, as pessoas não não davam dinheiro,
como levavam o nosso chapéu embora (risos). Daí, nesse mesmo ano de 77, que foi o ano da
fundação do grupo, fizemos um segundo espetáculo baseado em canções do Brecht e do Kurt
Weill, de várias peças da Ópera de Três Vinténs, do Happy End, do Mahagonny, algumas
canções da fase americana do Kurt Weill...
Como se fosse um show cabaré?
Exatamente. Chamava-se O Ornitorrinco canta Brecht e Weill e quem tocava piano e
cantava era a Cida Moreira. Fomos incorporados o Galízia, a Maria Alice e eu. Era um
espetáculo fantástico, um espetáculo de cabaré maravilhoso e que depois remontamos várias
vezes.
Teve três versões?
Teve; teve três versões e a gente viajou para o Rio de Janeiro um tempo, daí a Elba
Ramalho fazia...
Ela participou das três?
137
Não, não, ela participou da versão do Rio.
E a Cida participou das três?
A Cida participou das três. Era um espetáculo lindo, um espetáculo sem nada.
Tínhamos um piano, uma lua vermelha de papel e nós. Mas, era um espetáculo mágico, muito
legal. E depois, fomos para o México com esse espetáculo e alguns anos depois a gente
remontou. Mas, basicamente, nesse ano, ficamos com esses dois espetáculos. Fazíamos às
segundas-feiras, dia em que não havia espetáculo no palco principal, estava alugado, nem
lembro pra quem que era. Então, era o dia em que não tinha espetáculo e fazíamos às
segundas e às terças o espetáculo do Strindberg e depois, alguns meses depois, montamos o
espetáculo de canções, aos sábados, à meia-noite, que era depois que acabavam as coisas da
frente, porque tinha que atravessar o palco pra chegar nesse porão e não havia entrada
independente.
Os mais fortes também era à meia-noite?
Era à meia-noite? Os mais fortes...? Acho que não. Como era na segunda-feira, eu
tenho a impressão de que não era à meia-noite, não. Tenho a impressão de que era às nove,
dez, sei lá. Será que era à meia-noite? Eu não me lembro... Também, enfim, se vão trinta
anos! Com certeza o show de canções era à meia-noite. Fazíamos sábado à meia-noite e era
um “barato” porque era um local em que só cabiam vinte, trinta pessoas, mas tinha dia em que
havia cento e vinte pessoas, eu não sei como! Era “boca a boca”, não podíamos divulgar;
que foi crescendo, foi virando um cult, as pessoas iam e não podiam divulgar, porque era uma
coisa quase que “ilegal”. Ali não podia funcionar como teatro pela própria dimensão física,
quer dizer, tinha uma proximidade com o espectador a meio metro, às vezes, até menos;
então, você tinha uma proximidade física que, de uma certa maneira, foi também moldando a
linguagem do grupo sempre de uma coisa escancarada, muito jogada para o espectador. O
espectador não apenas como um voyeur, olhando pelo buraco da fechadura, uma quarta
parede de um teatro naturalista, de um teatro psicológico, mas de um teatro mais brechtiano,
em que o público é colocado como um personagem, quase que como um co-participante da
obra, mas não apenas a participação pela participação, o lúdico pelo lúdico, mas sim colocado
dentro do jogo simbólico da representação. Nesse sentido, é uma coisa diferente, que tinha na
participação dos anos 60 que, na minha opinião, era uma coisa mais autoritária. Se você não
participasse, você era um “careta”, um reacionário, enfim, um “filho da puta”. A nossa
aproximação com o público, a participação, que a gente sempre estabeleceu nos nossos
espetáculos, sempre foi uma coisa mais lúdica mesmo, e não havia um constrangimento do
espectador. Mesmo, agora, essa que você viu (referindo-se a encenação de O marido vai à
caça!). o sei se o dia em que você foi, o cara chegou a tirar as calças; tirou no dia em que
você viu?
Não, não.
Mas teve um dia em que tirou, chegou a tirar! Enfim, essa coisa com o espectador...
No Doente tinha uma grande participação do espectador. A semente vem desde o início e
nesse espetáculo, sobretudo de canções do Brecht e do Kurt Weill, tinha uma participação
grande da platéia. Essa sempre foi uma das premissas iniciais que se mantiveram ao longo dos
anos no trabalho do grupo. Primeiro, a idéia de um teatro não-psicológico, não-naturalista,
não-aristotélico. Na época inclusive, agora eu estou lembrando, o teatro que era feito nos anos
70, era um teatro mais estabelecido, mais teatrão, era o teatro muito pautado e isso tem muito
ainda até hoje, um teatro muito pautado numa estética televisiva. O que se estava fazendo
predominantemente no teatro, era uma televisão no teatro, era uma linguagem de novela, uma
linguagem que ia, desde o cenário até o estilo de representação dos atores, uma coisa de
televisão, mais naturalista, mais psicológica. Eu acho que o nosso trabalho sempre teve uma
perspectiva da idéia de uma reteatralização, o teatro voltando à especificidade de sua
linguagem, dinamitando a quarta parede, o pseudo-naturalismo que braçava no teatro dos anos
138
70 na época. O quadro cultural da época e, eu acho que até hoje, não no teatro, mas na
cultura em geral, era uma coisa meio que maniqueísta. Ou vo tinha o teatrão, o teatro
comercial, o teatro televisivo ou você tinha um teatro alternativo que começava a surgir, mas
que era ainda confinado em certos guetos culturais, uma coisa muito fechada. A gente tinha
uma perspectiva de configurar uma terceira posição dentro disso, de poder fazer do nosso
jeito, com a nossa cara, com o nosso humor, com as nossas idéias, mas que a gente pudesse
ampliar essas platéias, quer dizer, eu achava que poderia ter um ponto, uma terceira via
realmente. Não é possível que não tenha espectadores interessados em ver um outro tipo de
coisa que não essa coisa de televisão no teatro, uma coisa mais interessante, mais radical e
mais provocativa.
E você teria um nome para essa terceira via?
O nome foi Ornitorrinco que é um animal na escala evolutiva que é uma espécie de
terceira via, porque ele é um mamífero que bota ovo, um híbrido. Quando formamos o grupo
e estávamos procurando um nome, eu lembrei desse animal. Fui eu quem sugeriu. No começo
do século XIX, quando biólogos, zoólogos ingleses levaram os primeiros ornitorrincos da
Austrália para a Inglaterra, para o museu britânico, as pessoas achavam que era uma fraude,
que era um corpo de macaco à qual costuraram uma cabeça de pato. Achavam que não era
possível um animal tão estapafúrdio e tão esdrúxulo como o ornitorrinco. Acharam que era
uma fraude no início e, depois, viram que não era, que se tratava realmente de um animal
estranho, um animal que tem bico de pato, que bota ovo, que tem pêlo, hábitos noturnos,
esporões venenosos. Depois eu li, isso faz tempo, que até a CIA estava fazendo
experiências com o ornitorrinco. Descobriram (não sei se é verdade isso, eu li uma vez e
depois não li mais) que o bico do ornitorrinco detectava campos magnéticos; então, a CIA,
estava fazendo experiências com o ornitorrinco para descobrir bombas (risos). Se non è vero,
è ben trovato! O Umberto Eco escreveu um livro Kant e o ornitorrinco em que ele não fala
propriamente do ornitorrinco, mas ele usa, como metáfora, o ornitorrinco, imaginando como é
que teria sido se o Kant, o grande filósofo Kant, tivesse conhecido o ornitorrinco. Na época,
século VIII, não se conhecia o animal ornitorrinco. Então, ele faz algumas elucubrações de
como teria sido. Eu confesso que não li o livro inteiro, achei meio “chatosalguns pedaços,
mas eu dei algumas folheadas, a idéia é interessante. Além de ser um nome sonoro, apesar de
que, no começo do grupo, hoje o grupo é conhecido, mas no começo eles ligavam e
perguntavam: “Aí é que é do teatro do Otorrino?(risos). que eu estou querendo mudar
o nome de Teatro do Ornitorrinco para Teatro do eu não tô rico! (risos).
E foi você quem levou essa sugestão?
Estávamos numa reunião até na minha casa. Eu morava aqui perto... Antes de estrear
no porão, fizemos algumas representações na sala da minha casa para alguns amigos, para
alguns convidados.
Os mais fortes?
É, Os mais fortes. Fizemos com alguns convidados, perdemos muitos desses amigos
depois dessa apresentação (risos) e foi que surgiu. É claro que não pensamos tudo
priorísticamente, depois é que fomos descobrindo. É sempre mais fácil falar
retrospectivamente que surgiu e surgiu com toda essa carga, isso de certa maneira vai sendo
acopladas ao longo dos anos, todas essas metáforas. Surgiu exatamente de uma discussão da
teoria da evolução do Darwin. Discutíamos a teoria da evolução do Darwin, não por que
sejamos grandes especialistas na teoria da evolução, mas porque era uma coisa que tinha a ver
com os textos de Strindberg. Quando ele escreveu A mais forte, foi exatamente na época em
que tinha surgido a teoria das espécies do Darwin e foi uma revolução na Europa, no final do
século XIX. O Strindberg leu e ficou muito impressionado com aquilo e, de certa maneira, ele
tentou “transpor para termos sociais, para termos teatrais” as idéias de Darwin, a idéia do mais
forte sendo o mais adaptável e, dentro dessa discussão ligada ao Strindberg, ao trabalho que
139
ele estava fazendo; foi assim que pintou o nome de Ornitorrinco. Logo no primeiro
espetáculo, que não era exatamente uma comédia, resolvemos inventar, no final de tudo, o
avesso do que acontece na tragédia. Na tragédia, você tem sempre a falha trágica que leva o
herói trágico à derrocada, à morte, à cegueira, como o Édipo. Então resolvemos colocar o
acerto cômico, ao contrário da falha trágica. Como estávamos montando três dramas do
Strindberg, no final, dávamos uma quebrada nisso com o acerto cômico. É uma longa história,
depois eu conto. Era uma gag praticamente que fazíamos no final. Era um espetáculo que não
era uma comédia, mas, no final, havia o acerto cômico. Daí as canções de Brecht serem
recheadas de gags, de coisas com a platéia. Eu, nessa época, na faculdade, tinha feito muitas
coisas de Brecht, eu estudava as obras de Brecht. Eu gostava, como gosto até hoje, mas, na
época, eu era obcecado por Brecht, gostava muito do jovem Brecht na sua fase mais
anárquica, uma fase mais maluca, a fase pré-marxista dele, pré-militante, a fase de Na selva
das cidades, do Mahagonny, do Baal, Tambores da noite, a própria Ópera dos três vinténs.
Mas, o humor de Brecht sempre foi uma coisa de que eu gostei muito. Havia muitas piadas
brechtianas em cima do próprio Brecht. Nesse espetáculo a gente foi dialético com o próprio
Brecht.
Porque vocês investiram no gênero cômico, enquanto o que predominava era o
drama?
Acho que por nenhuma razão muito metafísica, esotérica. Eu, pessoalmente, gosto de
fazer rir, eu gosto da comédia, eu gosto de fazer as pessoas rirem no teatro. Acho que sou um
clown, um bufão. Tanto como ator, como diretor, como idealizador eu sempre tive uma
predileção, talvez até mais talento para fazer comédia. certas peças que me interessam
como espectador, mas que não têm nada a ver comigo e que, dificilmente, eu faria ou, talvez,
não fizesse bem.
E como se dava a escolha dos textos?
Olha, era um processo também muito subjetivo, de gostar de certas coisas. Por
exemplo, esse primeiro projeto do Strindberg foi uma proposta do Galízia. Eu conhecia A
mais forte, ele é quem conhecia essas outras duas O Pária e Simun. Então, era um projeto
dele. o projeto de canções era uma idéia minha. Eu estava trabalhando em algumas
produções de canções, eu tinha algumas coisas traduzidas e eu queria fazer um espetáculo
de teatro cabaré com esse material que é um material..., não sei se você conhece as músicas do
Kurt Weill... É um negócio maravilhoso! É uma coisa teatral, as canções são quase como mini
peças. Elas têm toda uma estrutura narrativa, uma coisa de humor, uma coisa erotizada, uma
coisa sacana, engraçada e são muito teatrais. Tem toda uma influência do cabaré dos anos 20,
alemão, é muito bacana, um material muito legal.
O Ornitorrinco montou três obras de Molière, por quê? Qual é a ligação do
Ornitorrinco com Molière?
O Molière é talvez o grande gênio da comédia ocidental, do teatro ocidental. Eu não
gosto muito de falar assim de coisas absolutas, é difícil falar isso, mas acho que seguramente
não é um exagero meu falar que Molière é um grande gênio da comédia ocidental. De certa
maneira, o que Shakespeare é para a tragédia, enfim são séculos diferentes, o Shakespeare é
do século XVI, o Molière é do século XVII, apesar de que o Shakespeare têm comédias
maravilhosas; nós fizemos duas inclusive A comédia dos erros e Sonhos de uma noite de
verão. Mas, Molière é o grande gênio da comédia, porque ele pega elementos antigos do
teatro como a commedia dell´arte ou até de coisas mais antigas como de Plauto, que é século
IV d.c. e coloca numa perspectiva muito interessante. Até pelo fato de, além de dramaturgo,
ter sido ator e diretor, eu acho que ele tem uma noção do efeito cômico, da teatralidade. A
obra de Molière sempre me inspirou. Eu tive um contato amadorístico, quando eu tinha doze
anos, fazendo As preciosas ridículas, mas depois eu fui ler, fui estudar muitos anos mais tarde
a obra de Molière e fiquei encantado quando descobri, no caso, por exemplo, do Doente
140
imaginário, as comédias balé do Molière, porque, no Doente imaginário e, aqui no Brasil,
nunca tinha sido montado uma peça como tal. É uma comédia balé, o que Molière chama de
comedie ballet (fala em francês) e Molière tem cinco ou seis, o Burguês fidalgo é uma
comédia balé em que ele coloca os entreatos que são realmente umas extravaganzza (fala em
italiano) teatrais em que ele fazia uma mistura de linguagens de dança, de acrobacias, de
músicas e que sempre, quando eram montadas aqui no Brasil ou, até mesmo fora do Brasil, se
cortava isso. E eu vi nisso tudo uma riqueza extraordinária, um material muito estimulante
para o teatro de que eu gostava de fazer, que eu estava querendo fazer. Um teatro exatamente
de uma integração de linguagens do circo, do teatro, da música ao vivo, da platéia. Então, foi
um material que me interessou muito. Eu fiquei maluco, quando eu descobri. Daí eu encontrei
a música original do Charpentier, no caso de O doente imaginário e que a gente fez inclusive
com as partituras originais. Claro que colocamos também outras coisas, tinha umas coisas
contemporâneas, uma mistura, mas, como fio condutor, a gente usou a música original do
Charpentier, mas tinha alguns momentos em que enlouquecíamos, entrava uma musicista
tocando saxofone. Não sei se você chegou a ver. Na verdade, é mais uma descrição dos
entreatos, não tem muito declarado, mas era uma loucura, é uma coisa “sem pé, nem cabeça”,
egípicios vestidos de mouros! É um pretexto, na verdade, para o Molière fazer um
divertissement (falando em francês), um divertimento para o rei, era um teatro feito para a
corte de Versailles. O rei Luis XIV gostava muito de balé. Era quase que um teatro de revista
da época, quer dizer, mal comparando. Era o que hoje chamamos de extravaganzza (falando
em italiano). Era como se fosse um divertissement (falando em francês). Não têm,
diretamente, a ver com a peça a tal ponto que 98% das vezes que são montadas, esses
entreatos são cortados; mas, ao mesmo tempo, tem a ver porque é uma época, e no Molière
você tem isso, é o triunfo da teatralidade. É a época em que para a Europa vêm a pirotecnia,
os fogos de artifícios da China. Era época do Palácio de Versailles, das fontes, da música; era
uma grande festa a corte de Luis XIV, era tudo teatralizado. Então, eu quis fazer exatamente
dessa forma, essa coisa do teatro total.
Nessa adaptação o que ficou de comum com o texto original?
Praticamente tudo do texto original. É claro que houve alguns cortes. Nesses entreatos
eu coloquei algumas coisas, o elefante, por exemplo.
O elefante entrava quando?
Entrava no segundo entreato, nos entreatos dos egípcios vestidos de mouros que vem
fazer uma dança para o doente imaginário, para animá-lo. É uma coisa mais operística, entrar
um elefante em cena. Na Aida, de Verdi há a entrada de um elefante em cena, mas é uma
ópera gigantesca. Entrar um elefante em cena é uma coisa histórica.
E o processo de trabalho do grupo? Por que tinha muita pesquisa, era uma
espécie de co-autoria?
Muita coisa, idéias, soluções de cena ou piadas os atores traziam e eram incorporadas
nos espetáculos. Muita coisa surgia da improvisação. Tinha uma cena, por exemplo, no
Doente imaginário em que eu procurava o meu olho, eu arrancava o meu olho. Era uma fala
que nem era uma coisa tão importante, uma bobagem que virou uma cena engraçadíssima e
que funcionava muito bem. Toinette e o irmão Beraldo arrancavam supostamente o meu olho
e aí eu ia procurá-lo na platéia.
Mas, isso foi você quem colocou?
É, tinha uma coisa na peça que citava e daí eu ia procurar o olho. (Interpretando) Cadê
meu olho? Me dá meu olho! Eu procurava nas bolsas das mulheres na platéia, abria as bolsas!
Não sei como é que eu não apanhei, porque eu abria e jogava tudo no chão. Na época, eu não
tinha feito ainda tratamento psiquiátrico, então... (risos) porque a coisa mais íntima de uma
mulher é a bolsa. É menos evasivo você “arrancar a calcinha” de uma mulher numa peça de
teatro, do que mexer na bolsa. A mulher se sente mais violada, se você abrir a bolsa e começar
141
a mexer e eu abria a bolsa, procurando o raio do olho e, bolsa de mulher, independentemente
de idade, de classe social, de crédulo, de qualquer outra coisa é um mundo, tem de tudo! Eu
achei, imagina ao longo da temporada, as coisas mais estapafúrdias: revólver, calcinha, cueca,
maconha, cogumelo (risos) e ia mostrando e tirando, até dentadura uma vez eu achei,
procurando o tal do meu olho. (Interpretando) Cadê o meu olho? Me meu olho! Mas, isso
na verdade, esse tipo de coisa, tem a ver com Molière, porque isso, na commedia dell´arte é
chamado de lazzi. Lazzi eram pequenos esquetes, pequenos números cômicos que eram quase
que uma marca registrada de determinados atores da commedia dell´arte que desenvolviam
um número, uma forma de falar, que era um número cômico. Os atores da commedia dell´arte
quase que não falavam, até porque eles viajavam muito, eles usavam poucas palavras. Tinha
um roteiro mais ou menos esboçado na commedia dell´arte, personagens fixos, por exemplo o
Pantaleão, a Colombina, que são tipos. É o velho avarento que quer comer” a menina... O
texto é muito mais de sons, mais de grunhidos, de algumas palavras chaves. Isso porque,
contando é uma bobagem, mas virava realmente uma cena, um lazzi de commedia dell´arte.
Então, isso tem a ver com a idéia, as origens de Molière e com a essência da obra. Eu estou
lhe contando isso para dizer que, em alguns momentos, havia uma recriação ou uma
intromissão, uma colocação de coisas que o são, mas que são! Havia uma certa
infidelidade-fiel, era uma forma de você ser fiel a essas idéias, a esses textos, a esse humor,
mas numa perspectiva contemporânea e isso também pautou o trabalho do Ornitorrinco ao
montar clássicos, ao visitar ou revisitar clássicos; uma perspectiva dessa fidelidade-fiel ou
dessa infidelidade-fiel. É quase uma recriação dentro de uma perspectiva da própria força
motriz original dessas obras, nas suas épocas, para os seus espectadores. Se você vai fazer
isso trezentos anos depois, você tem que ter a perspectiva de que você está fazendo isso para
uma platéia contemporânea, uma platéia da época, século XX, hoje, século XXI.
Que público vocês visavam atingir?
Todos. A gente queria todos os públicos como tivemos sempre. Tivemos platéias
bastante heterogêneas do ponto de vista de idade, de classe social, até cultural, porque
viajamos muito. Fizemos espetáculos em vários países da América Latina, da América do
Norte, da Europa. Muitas vezes, você tinha a barreira da língua, fazíamos em português, mas
sempre conseguíamos uma comunicação muito forte, mesmo fora do Brasil. Na Alemanha, na
França, na Espanha... na Espanha menos, porque a língua não tem uma barreira tão grande,
nos Estados Unidos e funcionava. Sempre os espetáculos funcionavam muito bem fora do
Brasil, por vários motivos. Primeiro, eu acho que por essa mistura de linguagens, essa coisa
espetacular que os espetáculos possuíam. Essa coisa com o espectador, essa coisa jogada para
o espectador, essa participação. Quando viajávamos, por exemplo, nos números de platéia,
ensaiávamos algumas coisas na língua ou certas coisas procurávamos pegar na língua local
que seria introduzida, alguma gag, uma piada, tentava descobrir uma referência local. Nossos
grandes informantes eram os garçons de hotel e o chofer de táxi. aprendíamos, digamos,
nem que fosse uma música. Como é que se fala num sei o que em alemão”? Perguntava em
inglês e a gente colocava. Sempre viajamos muito em festivais; houve um período que
viajamos muito, em bastante festivais internacionais, turnês e isso é um processo interessante,
porque a barreira da língua acabava sendo um incentivo, um estímulo intenso para
depurarmos outras coisas e que depois acabavam sendo incorporadas ao espetáculo, quando
voltávamos. Essa própria eventual barreira de comunicação acabava sendo um estímulo
diferente para incorporarmos outras coisas.
Como você o cômico e o preconceito que ainda existe em relação a esse gênero
como arte menor, de efeito fácil ou vulgar?
O que é crasso ou ignorância. Até porque a comédia, em geral, independentemente
dos subgêneros de comédia que você faça, é uma coisa altamente complicada. Até contar
142
piada em uma festinha é uma coisa complicada. Nada mais constrangedor do que uma pessoa
que não sabe contar uma piada e quer contar.
O que não deixa de ser engraçado!
Mas, depende. Às vezes é uma tortura! (risos). O cômico sempre funciona como uma
espécie de um espelho deformante e deformado da realidade, seja ela uma situação política,
seja a relação entre os sexos, enfim, independentemente dos temas que eventualmente estejam
sendo abordados. Ao refletir de uma forma deformada e deformante, esse espelho, de certa
maneira, tem a função de tentar colocar a realidade no lugar. Coloca o mundo de ponta cabeça
para colocá-lo dentro de uma perspectiva... Então, eu acho que o cômico opera nesse registro.
O cômico passa necessariamente pelo raciocínio, pela inteligência, pela reflexão.
Necessariamente! Por isso que o ser humano é o único animal que ri, conscientemente. A
hiena ri não de uma piada, mas de qualquer coisa.
Com a volta do Ornitorrinco, existe uma diferença deste Ornitorrinco para
aquele?
A diferença existe sempre, não tem como não ter. Até mesmo pela longevidade do
grupo. São trinta anos, quer dizer, não tem como não ter, o mundo mudou, nós mudamos,
quer dizer, claro que tem. A diferença não é agora, a diferença é diária, é até de um espetáculo
para o outro, porque o teatro, por ser uma arte feita ao vivo, não consegue congelar e não deve
congelar, você o consegue cristalizar. Então, é óbvio, é claro! Eu não sou a mesma pessoa
de trinta anos atrás, eu mudei. (Brincando) Eu sou um cara muito mais bonito, mais
simpático, mais inteligente do que eu era trinta anos atrás. As pessoas mudam, o mundo
muda, mas eu acho que todos os espetáculos, que nós fizemos, não têm nenhum de que eu,
lembrando ou pensando retrospectivamente, não goste. É claro que você fala “puta” aquilo...
Aquela coisa que se faz em determinado momento e depois... Eu pensando sobre esses
espetáculos, são espetáculos de que eu gosto até hoje, de que eu gosto das idéias, das gags, da
textura deles, enfim, do tratamento deles. Eu sinto que isso acontece com o público também.
pessoas que vêm falar comigo, que viram coisas vinte anos atrás e que vêm comentar
comigo, mas não comentar: “Ah, eu vi tal peça”, mas que vêm falar de detalhes que até nem
eu me lembro. “Ah, aquela cena que eu não sei o que lá...” Então, eu percebo, para minha
alegria, que foram espetáculos que tiveram um efeito individual na memória afetiva dos
espectadores. Essa coisa que eu lhe contei do olho, do cadê o meu olho, há uns seis anos atrás,
quando a gente estava começando a montagem do Marido, a gente conversou com uma
menina que ia fazer a produção e sabe o que ela falou? “O meu marido mandou eu te
perguntar, cadê o meu olho?Ela não tinha assistido, o marido é quem tinha visto. Aí, eu
contei a história para ela e, então, se vão dezesseis anos e o cara lembrava e falou para ela
perguntar, relacionou-se com essa lembrança.
O belo indiferente era a Maria Alice que fazia?
E eu, que fazia o papel título, o Belo indiferente.
Eram os dois em cena?
Eram só que eu não falava nada. Eu era o papel título e metade do título poderia ser
creditado a mim, o Belo! (risos) porque indiferente eu não sou! (risos). Eu brincava: “Pô
Maria Alice tudo bem, só você fala, mas eu sou o título da peça!”.
No Ubu foram vários elementos micos utilizados. Fale um pouquinho do
processo de trabalho do Ubu. Esse espetáculo foi uma prévia do Doente?
Não. Eu não diria que foi uma prévia do Doente, mas eu diria que estão no mesmo
link, vai. Com o Ubu, até mesmo antes do Ubu, eu tinha trabalhado com música ao vivo, no
teatro... Mahagonny, por exemplo. No Ubu eu comecei a trabalhar com essa idéia dos
encenadores soviéticos do início do século Maiakóvski, Eisenstein e Meyerhold, a chamada
montagem de atrações que é exatamente essa idéia de mistura de linguagens, época em que os
jovens encenadores Meyerhold, tinham essa perspectiva “contra” o teatro naturalista do
143
Stanislávsk, contra o Teatro Artístico de Moscou, do teatro psicológico, do teatro de 4ª
parede, o teatro de olho de fechadura. Então, é um teatro que começa a se desenvolver depois
da Revolução Russa, depois da revolução do século XVII. É o movimento de reteatralização e
que, para isso, eles se valem de certas formas até, então, consideradas menores, ou amenos
importantes, como o circo, o cabaré, a revista, o teatro de variedades, o teatro de rua, para
exatamente criar esse espetáculo total. Eu estudei essas idéias, esses encenadores e que me
inspiraram no sentido disso, que eles chamavam de montagem de atrações. O Ubu eu fiz
muito com essa inspiração, quer dizer, um espetáculo que seria uma montagem de atrações;
mas, O doente tem isso no seu próprio texto, esses entreatos, essas coisas peéricas,
rocambolescas, exageradas, acrobáticas da commedia dell´arte, a dança, a música, isso está
tudo lá, esses elementos estão contidos na obra. É claro que eu estabeleci um diálogo com
isso, mas essas coisas estão contidas na obra original do Molière. No Ubu, não. Não
diretamente no texto (pausa). É exatamente, por estarem no mesmo link, que, quando eu
estava fazendo o Ubu, eu tinha o projeto do Doente imaginário. Era um projeto antigo que
a gente tinha tentado montar em 84 e acabou não dando certo por problemas de produção, por
falta de grana”, tínhamos começado a ensaiar e daí abortamos o projeto naquela época e
remontamos o Mahagonny para viajar para os Estados Unidos e depois ficamos uma
temporada aqui.
Teve três versões?
É. Três.
Na última versão, vocês só fizeram uma apresentação?
Não. A última versão a gente fez no Teatro da Aliança Francesa, aqui em São Paulo,
durante alguns meses, e fomos para Nova Iorque e ela foi proibida pela fundação Kurt
Weill e não pudemos mais fazer aqui, no Brasil. Eles disseram que a gente corrompeu, com
montagem, a obra e o público. Eu achei uma maravilha, por que o Mahagonny, eu não sei se
você conhece a obra, é a cidade dos prazeres de Sodoma e Gomorra, é a cidade onde tudo é
permitido. As quatro leis de Mahagonny são: comer, beber, “trepar” e lutar. A única coisa que
não é permitida em Mahagonny é não ter dinheiro. É uma parábola de Brecht sobre o
capitalismo. Em Mahagonny o único pecado é não ter capital. Então, é uma cidade fundada
por dois gângsters no meio do deserto e que resolveram fazer a cidade dos prazeres, onde
tudo é permitido. No Mahagonny, havia uma coisa muito epidérmica com o espectador.
Servíamos bebida para o público, muita gente se embriagava. Tinha dia que a gente terminava
a peça e havia “nego” caído no chão (risos). Conseguimos um patrocínio, se é que se pode
chamar de patrocínio, de um conhaque “vagabundo”, “puta!” era horrível o conhaque, nem
lembro que marca era, um conhaque “de quinta!”. As meninas que faziam as “putinhas” de
Mahagonny, quando o público entrava, serviam a bebida para o público. eu pensei:
“Puta, o povo vendo essa garrafa ninguém vai tomar”. Aí, fomos ao supermercado comprar
umas garrafas bonitas e, então, a gente trocou. Era um veneno aquilo, a gente tomava
também. E quando fomos a Nova Iorque, a primeira vez que fomos aos Estados Unidos com o
espetáculo, a Fundação Kurt Weill, que detém os direitos da obra, achou que havíamos
corrompido a obra e o público. Eu tenho uma cópia da carta que eles mandaram para o
representante dos direitos autorais daqui. estava escrito: “Isso mostra a forma como a peça
e o público foram corrompidos” (fala em inglês e depois traduz). E isso foi uma loucura, por
que tínhamos feito antes aqui, uma temporada muito legal. Antes havíamos feito coisas mais
curtas, mais alternativas, que tiveram um certo sucesso de público e fomos a Nova Iorque,
tiveram todo o “buxixo” e, quando voltamos, não podíamos mais montar a peça. Então,
ficamos com “uma mão na frente, outra atrás”. Ficamos um tempo assim, meio à deriva, meio
perdidos e dfizemos o Ubu. Foi uma loucura, “puta!”, foi um negócio impressionante!
(pausa). Mas, O doente também, O doente fez um “puta” sucesso, nossa! Viajou muito para a
Europa, para os Estados Unidos e aqui, ficamos mais de dois anos em cartaz, em teatros
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grandes, sempre lotados. Era muito bom o espetáculo! O doente era muito bom! A peça é
muito boa e a montagem era muito legal. Com a minha beleza e o talento do elefante... (risos).
A gente falou assim, rapidamente, sobre o cômico, sobre a comédia, mas a grande comédia e,
quando eu falo da grande comédia, eu estou falando evidentemente de Molière, entre outras
coisas, a grande comédia sempre tem uma componente trágica, da mesma forma, que,
inversamente, a grande tragédia tem sempre um elemento cômico. Você pega as tragédias
mais “cabeludas” de Shakespeare, invariavelmente depois que você tem uma cena, sei lá, de
carnificina, por exemplo, você tem a entrada de um clown que é quase que uma certa
respiração, é quase que um alívio até físico, fisiológico, que votem que dar ao espectador
para preparar as próximas coisas e, inversamente, na comédia, na grande comédia, tem
sempre uma componente trágica. Se você pegar o próprio personagem do Doente imaginário,
o Argan, o hipocondríaco explorado pelos médicos, pela mulher interesseira, ele é um
personagem cômico, mas ele tem uma componente trágica, como o Harpagão do Avarento. A
coisa da avareza tem uma componente trágica, mas isso eu estou dizendo por quê? Porque, de
certa maneira, a comédia é exatamente a possibilidade do homem, do ser humano rir da
morte, porque, na comédia, você tem a possibilidade de momentaneamente congelar a idéia
da morte. Na tragédia, você tem sempre a inexorabilidade da morte, ela sempre termina na
morte ou na cegueira; enfim, na tragédia, você sabe de cara, você sabe antecipadamente.
Você tem sempre a inexorabilidade da morte, na comédia, não. Na comédia, você tem a
possibilidade momentânea de rir da idéia da morte, de brincar com a idéia da morte e, no
Doente imaginário, você tem muito isso, até por que Molière morreu em cena, fazendo o
papel do Doente imaginário, na quarta apresentação, sabia disso? Molière estava muito
doente, com tuberculose em uma época em que a tuberculose não tinha cura, numa fase
terminal. É a ultima peça dele escrita, em 1673; que os inimigos, os detratores de Molière,
diziam que ele era hipocondríaco, ele tinha fama de ser hipocondríaco, de ser um doente
imaginário e ele faz uma peça rindo da própria doença e o mais louco e interessante é que,
descrições disso, que na quarta apresentação, no final da peça, na última cena, quando ele é
transformado em médico, ou seja, o doente é transformado em médico, ele começou a tossir,
teve uma hemoptiace, como chama, começou a escarrar sangue e o público ria e aplaudia e
achava que aquilo era um efeito teatral. Quer dizer, Molière, um doente de verdade rindo de si
mesmo e do público, fazendo o papel de um doente imaginário, morrendo verdadeiramente,
escarrando sangue verdadeiramente e o blico achando que aquilo era um efeito, era uma
tinta que ele estava cuspindo e ao mesmo tempo, o pano de fundo da peça é o carnaval. É uma
anotação pequena que se tem. A peça se passa em Paris, no ano de 1673, durante o carnaval.
O carnaval é o pano de fundo, é como se todas aquelas personagens que entrassem nesses
entreatos fossem personagens do carnaval, como se fossem mascaradas entrando. Então, você
tem a carnavalização da morte, no carnaval votem muito isso. O próprio dia de finados
ontem foi dia de finados no México, onde inclusive fizemos essa peça, no México, o dia de
finados é um carnaval, é uma festa, eles não fazem uma coisa triste. Sai todo mundo vestido
de caveira e é uma festa, as crianças ganham doces. O dia dos mortos aqui, ao contrário dos
outros países, é uma coisa triste. As pessoas levam flores ao cemitério, choram, há
congestionamento, o preço do buquê de rosas quintuplica. No México é uma “puta festa” no
dia dos mortos, tem exatamente a carnavalização da morte. Então, de certa maneira, na
comédia, na grande comédia, você tem sempre essa luta da vida e da morte, da doença e da
saúde, do real e do imaginário e nada melhor do que essa peça, até pela situação real do
Molière que acaba se tornando uma metáfora, ele, doente, rindo de si próprio, o carnaval
como pano de fundo... Tanto que eu introduzi, num determinado momento, uma espécie de
fantasmagoria que era como se fosse uma coisa de trem fantasma, um número de circo
chamado passeio aéreo, em que os atores andam de ponta cabeça. O Edson Cordeiro, que
também não era cantor, era ator, cantava uma música e era como se aquelas caveiras
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andando no teto fossem um delírio de Argan vendo a morte. Elas trocavam as máscaras no ar,
uma cena linda! Todas essas coisas! Então, esse eu acho que é um elemento muito importante
no cômico. Essa idéia de momentaneamente rir da idéia da morte (pausa). É isso, né? Se não
for isso, é quase isso! (risos).
ANCHIETA, José de. Entrevista concedida via e-mail, São Paulo (SP). Enviada no dia
11 de fevereiro de 2007 e respondida no dia 13 de fevereiro de 2007.
Foto 100 – José de Anchieta. Foto cedida pelo artista
Como e quando nasceu o interesse pela criação de cenários e figurinos?
Entrei para o seminário por deliberação de minha mãe, pois ela pretendia me formar
padre, que, aliás, fora também uma decisão de meu avô Holandês (Lembro que nasci em
Caruaru, na fazenda desse meu avô, chamada “Fulorina”), que teve quarenta e cinco filhos
com três mulheres e, a cada neto que nascia, ele predestinava a vocação: “Esse vai ser
médico”, dizia ele, olhando para o recém nascido nos braços da parteira. Esse será militar” e
nomeava meu primo como Duque de Caxias e por vai. Tenho primos Hermes da Fonseca,
Rui Barbosa e eu acabei virando José de Anchieta por obr
a e graça deste meu querido avô.
Enfim, vivi quatro anos no Seminário Menor Metropolitano de São Roque em São Paulo de
1958 a 1962. Era uma vida muito rígida, voltada para as orações e, sobretudo, para o estudo,
tínhamos quatro aulas pela manhã e quatro aulas à tarde. A cada semestre, era montada uma
peça de teatro no pequeno auditório daquele colégio. Eu era muito “ferrabrás”, a ponto de ter
sido expulso do seminário ao cabo de quatro anos de reinações. Um dia, o padre professor de
português, Padre Bosco, no meio da aula, me convidou a sair da sala. Saí e o acompanhei
pelos longos e lúgubres corredores, convicto de que ia levar um tremendo sermão na sala do
reitor; ele ia à frente e eu atrás imitando-lhe os passos. Ele era manco e usava um estranho
sapato ortopédico que rangia a cada passo. De repente, eu me vi no meio do palco do
seminário, onde alguns padres e alunos pintavam um grande telão. O cheiro daquela tinta
invadiu o meu cérebro e nunca mais deixei de procurar aquele cheiro inebriante. Em nosso
único diálogo, Padre Bosco me disse: “Entre naquela sala para provar um figurino, você fará
um papel neste nosso espetáculo”. Fiz o papel do filho de um pachá na peça de teatro: A vida
e a obra edificante de São Francisco Xavier. Acredito ter sido aí o nascedouro de tudo. Fiquei
absolutamente tomado e apaixonado por aquele universo maravilhoso de atores, cenário
figurino e luz. Fui expulso, para desespero de minha mãe, no dia 11 de Junho de 1962. Três
dias depois, e depois de muito procurar, encontrei o endereço da TV Cultura (Não a estatal
que conhecemos hoje, mas uma TV Cultura uma empresa particular). Ali procurei Lúcia
Lambertini e, no ato, fui contratado para trabalhar como ator em programas como: Contando
e Imaginando e Teatro da Fé.
Quais foram as influências que colaboraram para a sua formação profissional?
Ao mesmo tempo em que fazia televisão, minha ambição era fazer teatro, por isso
passei noites a fio rondando o Teatro Leopoldo Fróes na Rua Major Sertório (hoje não existe
146
mais este teatro, foi demolido na década de 70). O Teatro Popular do SESI atuava ali, eram
espetáculos gratuitos e acho que assisti Noites brancas de Dostoievski quase o ano inteiro a
ponto de saber o texto de cor. Meu pai, muito amargurado comigo por ter abandonado o
chamado de Cristo, logo me arranjou um emprego de verdade. Fui ser office boy de Luiz
Eulálio Vidigal, um mega empresário da época, cuja empresa funcionava no prédio do
Banespa, ali na Praça Antonio Prado, centro da cidade. O fato curioso é que eu tinha um
grupo de amigos, alguns boys e outros em profissões como vendedores de livros e
balconistas. Esses meus amigos eram: Antonio Fagundes (o ator da TV Globo) o Carlos
Augusto Strazzer e o Semi Lutfi, os dois últimos falecidos. Tínhamos em comum o sonho
do Teatro e, assim, procuramos o Teatro de Arena que, na época, era considerado o grupo
mais contemporâneo do teatro nacional. Passamos nos testes e entramos na montagem de
Travessuras de Escapino de Moliére. Meses mais tarde, fui convidado por Gianfrancesco
Guarnieri e Augusto Boal para criar o cenário de O círculo caucasiano, de Bertold Brecht; foi
a glória este meu primeiro trabalho profissional! Entrei no Teatro de Arena como ator e, aos
poucos, fui me voltando para a cenografia e figurino, pelo fato de gostar muito de desenho.
Todos diziam que eu desenhava bem e aceitei de, bom grado, a alternativa, porque, no fundo
no fundo, eu tinha consciência da minha precariedade como ator. Sem dúvida, tive como
primeira escola o Teatro de Arena e essa influência carrego comigo desde aqueles tempos na
década de 60.
Como surgiu a proposta para trabalhar com o Teatro do Ornitorrinco?
Na década de 80, fui Diretor de Operações de um grande grupo empresarial de
comunicações: a Miksom. Eles produziam muitos programas para a TV Manchete e, com
eles, criei e dirigi um programa chamado Cadeira de Barbeiro, ao qual convidei o nosso
querido amigo Cacá Rosset para interpretar o personagem título, o barbeiro Otelo. No
programa atuavam ainda Lucinha Lins e Eduardo Silva. Esse projeto fez algum sucesso no
Rio e, após trinta e cinco programas, suspendemos a produção porque a Manchete não nos
pagava. Foi quando Cacá me convidou para criar os cenários de O doente imaginário de
Molière.
De que maneira a cenografia e o figurino adequaram-se à proposta do diretor?
O humor. Por incrível que possa parecer, o humor foi o elemento catalisador entre nós,
em primeiro lugar; em segundo lugar, um profundo senso de profissionalismo; eu sabia muito
bem o que queria e o Cacá também, não me lembro de divergências mais sérias entre nós
nestes trinta anos de parceria. A cada nova montagem, nós a encarávamos como um novo
início de tudo; a minha sensação era ser aquele o meu primeiro trabalho de cenografia e
figurino, tamanha a entrega na fase de pesquisa, desenhos, ensaios e conclusão de toda a
encenação. Um dado muito importante é a extrema confiança que tínhamos e que temos um
no outro; acredito que, sem este dado, não haveria qualquer adequação à proposta de direção.
Quais os recursos cênicos que contribuíram para a exploração cômica das
montagens?
Na verdade, a cenografia não carece de tais recursos, por que ela trás embutida na
sua ontogênese, os elementos necessários ao drama, à tragédia e à comédia. O que importa
mesmo é com que densidade você encara um projeto de comédia ou drama. Tenho para mim
que a melhor peça de teatro é aquela em que você não vê ator, nem cenário, nem figurino, não
ouve música, não sente a luz, nem percebe a direção...A melhor peça de teatro é aquela em
que nada te chama à atenção, há apenas o espetáculo. Quando o público sai do teatro dizendo:
Que belo cenário ou que belo figurino ou que interpretação maravilhosa, pode ter a certeza de
que aquele espetáculo fracassou. Agora, quando o público sai falando: “Que beleza de
espetáculo”, aí sim o sucesso será inevitável.
De que forma você elabora uma cenografia para um espetáculo cômico?
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Leio muito, muito, muito, pesquiso muito, muito, muito, de desenho animado a filmes
e todo o universo de comédias, principalmente aquelas que ficaram cristalizadas no meu
mundinho de criança, na minha memória afetiva.
Na sua visão, existe diferenças entre a comédia e o drama ao se pensar o espaço
cênico?
Absolutamente não, quando penso o espaço cênico para drama, utilizo cores, linhas,
profundidade, horizontalidade e verticalidade do palco inerente às carências do drama, penso
com a razão. Quando penso em comédia, todas as referências acima estão presentes também
e, por ser comédia, penso com a alma livre de imposições da reserva cultural, ou seja, na
comédia, fico livre das amarras da vida social, casamento, filhos, dinheiro, trabalho, tragédias
etc. É na comédia que posso subverter todas estas reservas, a ponto de “escrachar” e poder rir
delas. É perigoso rotular comédia, drama, ópera, porque tudo faz parte da grande “arte” da
vida. Não gostaria de ser rotulado como cenógrafo de comédia, porque sei fazer cenografia
para drama, tragédia, romance e ópera. “Tudo vale a pena se alma não é pequena!”, como
dizia Fernando Pessoa.
Fale um pouco sobre como se desenvolveu o processo de trabalho no espetáculo O
doente imaginário.
Como disse acima, estudei muito a época proposta por Cacá, o período em que viveu
Molière: 1622-1675. Molière morreu na última apresentação deste espetáculo, morreu de
hemoptise; na cena final, começou a esvair-se em sangue e o público achou que aquilo era um
efeito especial proposto por Molière. Assim é o teatro, tudo faz parte de um ideário criado
pelo espectador. Descobri, em minhas pesquisas sobre a época de Luiz XIV, o Rei Sol, que
ele adorava dar festas; todo dia tinha festa em seu palácio em Versailles. Fato notório era que,
tradicionalmente, todas as noites, o Rei Sol se escondia atrás da grande sala dos espelhos,
onde aconteciam as festas e, dali, sem que ninguém o visse, escolhia uma dama para lhe fazer
companhia durante a noite. Paris inteira se movimentava naquela época. As mulheres
passavam o dia em uma verdadeira maratona para se embelezar, por exemplo: os cabelos
ganhavam os cuidados dos maiores artistas, que criavam verdadeiras esculturas, como
passarinhos vivos batendo asas, moinhos com roda d’água e água de verdade escorrendo, tudo
para chamar a atenção do Rei e poder dormir com ele. A personagem Béline, interpretada por
Christiane Tricerri, entrava em cena com uma peruca que era um barco enorme. A entrada
dela fazia o público rolar de rir, assim como as perucas de Monsieur Diafoirus e seu filho,
Chachá e Ary França respectivamente. Nesse trabalho, busquei muito um estudo de cabeça,
por exemplo: o Monsieur Argan (Cacá Rosset) usava uma bolsa de água quente na cabeça,
coisa que o existia na época, toda colorida, que mais parecia um grande laço de cabeça. O
cenário era muito despojado. Procurei trazer de volta uma tradição do teatro antigo, a pintura
de telão e, por que não dizer, o mesmo telão com aquele cheiro inconfundível de tinta que vi e
senti no seminário. Neste espetáculo, pude resgatar muitas coisas das minhas lembranças de
adolescente.
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VENTURELLI, Cássia. Entrevista. Gravada na sua residência, São Paulo (SP), 02 de
setembro de 2007.
Foto 101Cássia Venturelli. Foto cedida pela atriz.
Fale um pouco sobre o processo de trabalho do Ornitorrinco na encenação do
Ubu.
A montagem do Ubu em que eu participei, começava normal, como começa com todos
os espetáculos, fazendo as leituras de texto. Então, para fazer o Ubu, que foi tirado desses
cinco outros Ubus, que é O Ubu cornudo, O Ubu sobre a colina... primeiro, nós lemos todos
os textos, para depois chegar ao resumo, que o Cacá tinha feito que era de dez páginas, que
era o roteiro do Ubu. que nós passamos a estudar os artistas do momento, do momento
da vida do Jarry, naquela época. O Picasso, o Lautrec, os bares que eles freqüentavam, o
absinto, o que era, o efeito que dava... Era o momento em que o Surrealismo estava aflorando
e, no teatro, ainda não tinha sido feito uma coisa, que rompesse até o momento em que o Jarry
escreveu e montou o Ubu. Então, todo o processo de mesa era de leitura. Nós lemos coisas em
francês e tal. Todo o material que conseguíamos reunir, era feito assim, um trabalho profundo
de mesa. A gente tinha que entender aquele momento, o porquê que aquilo foi feito naquele
momento e, até para conseguir entender o porquê de tanta atualidade, a gente precisava
compreender o que acontecia naquela época. Então, tinha o processo de leitura de mesa e, no
Ubu, havia três momentos distintos que eram: o circo, a música e o teatro. Então, nós fomos
para a escola de circo treinar, aprender a fazer tudo aquilo que na época de mesa a gente
sugeriu. Eu e o Gil fomos os primeiros a chegar no circo e, nas leituras, a gente ia sugerindo:
“Ah, pode ser trapézio aqui, corda indiana ali, monociclo lá, pirofagia aqui, bicicleta de cinco
lugares, monociclo alto...” Tudo isso que, na hora de sugerir foi fácil, depois nós tivemos que
ir aprender a executar. Havia o processo do circo, de aprender, treinar, pegar resistência
física e conseguir fazer, com destreza e com leveza em cena, que era a parte mais difícil.
Tinha a parte do verbo, que a gente ensaiava na parte da tarde; o circo de manhã e, na parte da
tarde, a gente começava a trabalhar as cenas. E, depois, chegou a música e a música, então,
foi incorporar, foi ali costurando o trabalho.
Como que era a presença da banda Patafisica em cena e a relação com os atores
durante o espetáculo?
Ah, era maravilhoso! Porque os tempos de cena e até os tempos de coxia acabavam
tendo como fio condutor a música; porque a bateria, que o Toninho batera fazia, ela
comentava sons, barulhos, tempos dentro de cena e fora. As trocas eram muito rápidas e a
gente também tinha uma referência da bateria e da música para conseguir trocar de roupa e
entrar no tempo certo e ficava uma coisa impregnada. Eu entrava em cena, meu trabalho
era todo na base da mímica e da pantomima e era em cima da bateria que a gente se guiava,
ela era um fio condutor.
No Ubu como era a comunicação entre os atores e a platéia?
O estilo do Ornitorrinco, esse estilo do Cacá Rosset era sempre a triangulação. Não
tem aquele teatro que acontece só lá dentro do palco. Você sempre se comunica com a platéia,
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triangula e tem a platéia como cúmplice o tempo todo e havia cenas que realmente eram cenas
depois dos espectros, da corda indiana que fechavam a cortina e o pai Ubu entrava pela platéia
com a mãe Ubu, distribuindo moedas de chocolates para a platéia, simbolizando o “pão e
circo”. Ele dava o pão que era o dinheiro, as moedas de chocolate e o circo, explicitamente na
hora em que abriam as cortinas, tinha dois trapézios e uma dançarina e depois entrava a
acrobacia e, em seguida, a pirofagia, inclusive tinha a participação da platéia, porque a mãe
Ubu subia no palco e mostrava umas espirais que é o símbolo da Patafísica, que ela tinha na
bochecha. Então, o pai Ubu pegava um “pobre coitado”, na platéia, e ele era escalado...
(corrigindo) Não, eram dois! Um em cada lateral da platéia, para ir correndo para ver quem
chegava primeiro, para ver quem beijava o espiral que a mãe Ubu mostrava na bochecha e
então os carinhas iam correndo e, para o que subia primeiro, ela virava o traseiro e mostrava o
espiral desenhado na “bunda”. O cara não sabia se podia ou não beijar o espiral (risos) e
acabava que a Rosi (referindo-se a mãe Ubu) “forçava” o cara a beijar o espiral da mãe Ubu;
então o povo ria que se matava (risos). E, a Chris (referindo-se à atriz Christiane Tricerri)
fazia a dança do ventre e ela ia para a platéia e sentava no colo de alguém. Então, o público
era como se fosse o súdito daquele rei, eles também faziam parte da brincadeira.
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NOSEK, Victor. Entrevista. Gravada na sua residência, São Paulo (SP), 15 de janeiro de
2008.
Foto 102Victor Nosek. Foto de Andréa Angotti
Fale um pouco de sua formação e de como ocorreu o encontro com o Teatro do
Ornitorrinco.
Eu sempre gostei de desenhar. Na verdade, eu deveria ter sido artista plástico, mas o
que aconteceu foi que meu pai me desestimulou, dizendo que eu iria morrer de fome! (risos).
Ele queria que eu fizesse arquitetura. Então, fui fazer administração de empresas, à noite, para
poder fazer, de dia, iniciação ao desenho e pintura na FAAP (Fundação Armando Álvares
Penteado). Eu devia ter uns quinze anos. Depois, comecei a fazer cursinho para arquitetura, só
que eu não tinha “saco”. Iniciava o ano, fazia um mês e largava, ia fazer outras coisas. Nessas,
trabalhei na Vera Cruz, reformei uma moto inglesa Vincent HRD 1000 cc ano 1948, fiz o
curso de fotografia da Enfoco, trabalhei no Jornal da Tarde, como fotógrafo e, no escritório de
arquitetura do Rino Levi, como estagiário. Aí aconteceu que eu caí da moto, quebrei o braço e
fui, mesmo assim, fazer pela primeira vez o vestibular da FAUUSP (Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade de São Paulo) e acabei passando na prova. Eram três dias de
prova de aptidão artística, linguagem de arquitetura, e eu, com o braço engessado até o
cotovelo. Então, fiz um ano de arquitetura e minha cabeça já estava mais para cinema, e fui
embora para a Itália. Fiquei dois anos em Roma. Tinha um cine clube pequenininho ao lado
de casa e, no fim do filme, sempre tinha um debate com o dono do cinema que era nada mais
nada menos que o Guido Aristarco, um dos principais teóricos do cinema italiano. Lá, eu
cheguei a fazer umas coisinhas de cinema e, quando voltei, fui ajudar a Mônica Oliva a fazer
a tese dela na FAU, era um filme sobre espaços cênicos: a montagem e a desmontagem do
Circo Rico-Rico, circo-teatro mambembe, e Sai de mim, tinhoso, no Teatro Oficina, direção
do Luis Antônio Martinez Corrêa. Eram três peças do jovem Brecht. A Mônica era muito
amiga do Luis Antônio e tinha trabalhado com ele. No elenco tinha a Denise Stoklos, o
Renato Dobal, a Vera Buono, o anão Dilim, o Fernades além do próprio Luis Antonio. A
luz era do Iacov Hillel e a direção musical do Paulo Herculano. Era um barato, era Brecht e
Weill. Era uma bandinha desafinada, com músicos “da boca”, bem cabaré, num cenário
expressionista do Flávio del Carlo. O Cacá fazia assistência de direção, isso era 1975.
Ficamos “super” amigos e ele me convidou para fotografar Os mais fortes. Era o começo do
grupo. O Beto Mendes Gonçalves tinha feito o primeiro logotipo do Ornitorrinco, um desenho
em bico-de-pena. Eu comecei a fotografar e a fazer também os programas das peças, tudo sem
dinheiro algum, era tudo muito “mixuruca”. Os espetáculos eram às segundas-feiras à meia-
noite. A platéia lotava com quarenta, sessenta pessoas. No programa dos Mais fortes
xerocopiei as fotos bem contrastadas e datilografei o texto nas partes brancas, depois passei
óleo para tudo ficar mais transparente para gravar diretamente a chapa e, assim, economizar o
fotolito. O programa das Canções de Brecht e Weill era a duas cores, uma era impressa em
off-set no mesmo sistema do programa anterior e a outra cor era feita manualmente com spray
e máscara, um a um. A Maria Alice Vergueiro ganhou o prêmio Molière com a encenação dos
Mais fortes. Nas Canções de Brecht e Weill tinha uma pequena ação que introduzia as
151
músicas. Era tipo uma gag que situava você para aquela música. Eu acho que essa montagem
foi muito feliz. A Maria Alice tem uma dicção, uma maneira de dar o texto que é
impressionante. Ela também surpreende por parecer uma senhora respeitável, “quatrocentona”
e, de repente, ela faz algo inesperado, completamente “desbundado”. Isso é uma delícia!
Como era trabalhar com o Ornitorrinco?
Era, em primeiro lugar, um “puta prazer”. A magia teatral era muito poderosa. O Cacá
iniciava as peças com a batida de Molière que, além de silenciar o público, “faz baixar todas
as entidades teatrais”! O teatro bom, quando acontece, é um negócio muito impressionante.
Num palco italiano, mesmo com a platéia em silêncio, você a sente reagindo. É conversa entre
palco e platéia. No começo, o Cacá era muito duro para improvisar. Ele começou com os
números de platéia. Os improvisos aconteciam e, depois, eles eram incorporados e repetidos
como se fossem improvisados. Ele sempre foi um cara que maquinou de uma maneira absurda
todas as marcações, toda a direção. Ele marca milimetricamente. É um relógio que funciona
inexoravelmente. O Galízia começou a fazer outras coisas fora, dirigiu algumas coisas na
EAD (Escola de Artes Dramáticas), a própria tese dele sobre o Bob Wilson. Nesse período
que eu estive com o Ornitorrinco, foi fundamentalmente Brecht. Fora do Ornitorrinco,
fizemos mais duas peças do Brecht: O elefantinho, um entreato de Um homem é um homem,
formatura do Cacá na ECA, realizada na sala preta da EAD, e Terror e miséria do Terceiro
Reich, formatura de alunos da EAD, no Circo do Sindicato dos Bancários. Nessas duas
montagens fiz a cenografia e os figurinos. O elefantinho tinha um proscênio de um metro de
largura com lampadinhas coloridas na ribalta. Com a cortina fechada, era um espaço mínimo
onde acontecia uma coreografia dos quatro personagens principais, extremamente sofisticada.
No elenco do Elefantinho tinha: no palco, o Cacá Rosset que fazia o importante e difícil papel
da bananeira (o juiz da selva); o Alcides Nogueira, o promotor; o Alain Fresnot, o elefantinho,
que era acusado de ter matado a própria mãe; o Flávio da Fau, a mãe do elefantinho; a Cida
Moreyra, a pianista (viúva Begbick), dona do bar onde acontecia a peça. Na platéia, os
soldados, interpretados por Nuno, Mancha, Morales, Penington, o Anormal e eu, todos da
FAU. Eram peças que não levavam o nome do Ornitorrinco, mas que, para mim, são
importantes, pois com a “briga do Mahagonnyem Nova Iorque, quando a família do Kurt
Weill exigiu um preço altíssimo de direito autoral inviabilizando a continuação, o Cacá nunca
mais montou Brecht. Eles ficaram escandalizados com a montagem de Mahagonny, uma
questão moralista, que é um absurdo porque Mahagonny é uma “cidade-puteiro”, onde tudo é
permitido "menas" não ter dinheiro e nós não tínhamos! (risos). Acho que a família o
entendeu a obra do Kurt Weill. Assim, como muita gente não entendeu a obra do Brecht, pois
começaram a fazer montagens sofisticadas, em grandes teatros, com orquestra sinfônica e
tudo mais. O que era uma bandinha de cabaré enfumaçado, uma coisa que tem um sabor, um
veneno, vai para um teatro onde não se pode fumar, todo mundo tem que ir bem vestido.
Virou um luxo! É outra platéia, virou um sucesso para pessoas que se encheram de grana, que
gostam das peças porque elas são realmente boas, e não tem como não apreciar.
Você mencionou uma característica peculiar do Cacá que era a minuciosidade; e
qual seria a característica predominante do Galízia e da Maria Alice Vergueiro?
O Galízia era um cara estupidamente tranqüilo e inteligente. Ele não suava em cena,
ele era um ator à vontade, no sentido brechtiano em que você sente a pessoa. Você que ele
está tranqüilo e atento ao mesmo tempo. O Galízia era muito mais disponível para o
improviso que o Cacá. O Cacá foi adquirindo a capacidade de improvisação com o tempo,
mas, ali, pelo Ubu, começava a provocar o público que respondia e assim foi desenvolvendo a
capacidade de improvisar. A questão de ele ir para a comédia, eu "saquei” logo entre Os mais
fortes e as Canções. Eu falei: “Teu negócio é comédia!” Ele tinha um dentinho quebrado na
frente que reforçava isso, fora que ele era gorducho quando moleque. Então, tinha esse
agravante. Ele era bem gorducho mesmo, aqueles gordinhos aprontões que caem e quebram o
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dente (risos). Acho que isso aí “dá a bandeira!” E você via, estava na cara que o lance dele era
comédia.
Qual era a visão que os críticos e o público tinham acerca dos trabalhos do
Ornitorrinco?
A crítica sempre elogiou. Você vê que a quantidade de prêmios é progressiva. O
apogeu foi com o Ubu; é a peça que mais ficou em cartaz e mais recebeu críticas boas, mais
prêmios. A gente tem coletado toneladas de críticas! O Ubu foi expecional em termos de
acontecimento. Mas, eu nunca dei bola para isso, por que a platéia é o que interessa e a sua
consciência com aquilo que você faz. O Sábato Magaldi, o Guzik, poucos tinham uma crítica
mais construtiva que punha em debate, não aquela coisa destrutiva da Folha. Por exemplo, a
crítica detonou o espetáculo Sai de mim, tinhoso. Na época, uma crítica negativa “detonava”,
tirava a peça de cartaz. Acho que, naquele momento, os críticos pensaram: “Como é que pode
o irmão do Zé Celso querer fazer teatro!”. Recusaram-se a aceitar e não sacaram a beleza do
espetáculo que o Luis Antônio fez. A montagem dele do Percevejo era demais! E todo o resto.
O que o motivou a trabalhar no livro sobre o Ornitorrinco? Para você, qual é a
importância desse grupo para o teatro brasileiro?
Esse é meu trabalho, sou designer gráfico especializado em livros. Livros legais ficam,
você não está pela grana. No livro do Ornitorrinco tem muita coisa que eu saco, muita
coisa que eu fiz. É um “puta prazer”. O Ornitorrinco sempre lotou a platéia a que se propôs e
ele se propôs cada vez platéias maiores. Se você tem muito público, você é considerado um
teatro comercial, o que nem sempre é verdade. As montagens do Ornitorrinco são importantes
porque não são chatas, a começar pelas traduções que são feitas para a boca do ator.
Shakespeare não pode ser traduzido, levando em conta o inglês arcaico, porque na época era
fluente e popular. O Ornitorrinco não é de jeito nenhum teatro experimental. Todos sempre
tiveram em mente o máximo de poesia para o máximo de público.
No final da encenação de Os mais fortes havia o que o Cacá Rosset intitulou de
acerto cômico. O que seria esse acerto?
A Maria Alice era a Senhora X e o Galízia era a Senhora Y, que não abria a boca,
usava uma máscara de tela de arame meio mole e que tinha a expressão pintada. Acho que era
do carnaval carioca, uma máscara de Clóvis. Esse personagem é do carnaval de Niterói; creio
que o Galízia pegou de lá. Era um monólogo da Maria Alice bem dramático. Quanto ao acerto
cômico, era um non-sense reforçado no final com a entrada do Cacá vestido de garçom. Ele
falava alguma coisa típica de garçom. Isso era engraçado!
E a encenação de O doente imaginário? Qual a sua impressão enquanto público
em relação a essa montagem?
Veio depois de Teledeum, que foi uma montagem muito diferente e pode a ser
considerado um descanso. Estávamos na Espanha com Ubu e fomos encontrar o Boadella. O
Cacá trouxe o Teledeum praticamente pronto. Ele seguiu as indicações de direção e de
cenário. Era uma reprodução de lá, veio tudo importado, numa boa, sem crise nenhuma e foi
mais uma opção de montar aquela palhaçada deliciosa que antecedeu toda essa palhaçada de
religião que está hoje. E, depois, O doente imaginário, eu “tirava o sarro”: Ubu ente
imaginário. Tinha a continuidade do circo que, no Ubu, tinha dado muito certo. Eu assistia
aos ensaios do Ubu com as mãos na cabeça. Os soldados fazendo a centopéia eu pensava:
“Puta”, esse negócio não vai emplacar, é muito idiota! A gente conversava muito, eu falava
para o Cacá: O Ubu tem sentimentos, ele tem alma, ele é humano (risos). O engraçado do
Cacá é a mania de ficar repetindo. Fica muito saboroso quando a pessoa expõe seu lado
pessoal, o lado idiota, com radicalismo. No Sonho de uma noite de verão, o “bicho pegou”.
Eu acho que o circo alcançou uma coisa que tinha no Mahagonny, uma metáfora cênica na
cena dos Elfos no trapézio. Aquela cena assumia uma poesia muito grande. Toda vez eu
chorava, chorava de emoção. Eu não choro de tristeza, choro, quando vejo uma obra bem
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solucionada. E, no Sonho de uma noite de verão, aquela cena era “de fuder” de linda! Os elfos
voando, e era uma cena de trapézio, mas ali foi longe... No Mahagonny tinha muita coisa
assim.
Como você vê o Ornitorrinco de hoje? A proposta continua a mesma?
Eu sinto muito o Cacá não montar mais Brecht. Quando a família do Kurt Weill
proibiu, eu disse: Não faz mal, a gente continua com o Makarronny, ao invés de Mahagonny,
mas não vamos deixar de montar Brecht. Eu sinto muita falta do Brecht, da inteligência mais
contemporânea do Brecht. Ele tem um arsenal de peças diferentes. Cada peça é uma pesquisa
diferente. Tem peça radiofônica, didática, épica, de cabaré... O elefantinho, por exemplo, eu
acho que é uma viagem de ópio do Brecht. Autores teatrais bons são uma raridade. Acho que
para hoje a inteligência de Brecht é mais contundente. A grande dificuldade de todos os
grupos teatrais é achar bons textos. Então, tem sempre que ficar recorrendo aos clássicos ou
aos comerciais que fizeram sucesso lá fora ou ao teatro experimental, que é um “puta barato”,
mas que, nunca, vai ter um grande público. O teatro experimental é uma doação que o artista
faz para a classe artística, que vai aproveitar um monte dessas experiências radicais e vai usar
de alguma maneira. O panorama teatral, agora, está muito esquisito. Cumprem com o número
de espetáculos compromissados com o patrocinador ou governo e, mesmo que estiver com
bastante público, enterram a peça e partem para outra. Teatro não é sempre que acontece.
Muito pelo contrário, o teatro acontece de vez em quando. Essa é que é a verdade.
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TRICERRI, Christiane. Entrevista. Gravada na sua residência, São Paulo (SP), 13 de
fevereiro de 2008.
Foto 103Christiane Tricerri. Foto cedida pela atriz.
Fale um pouco de sua formação e de como ocorreu o encontro com o Teatro do
Ornitorrinco.
Bom, eu nasci atriz. Segundo o meu pai, desde pequena, eu falava isso. Com seis anos
eu fazia aqueles autos de natal. Pegava meus primos menores e fazia. O menorzinho era
sempre o menino Jesus. Então, tinha essa coisa de fazer teatro para a família. Depois, fui fazer
teatro na escola, no colégio de freiras. Com quinze anos, fui fazer Teatro Escola Macunaíma,
na época do Silvio Zilber. Fiquei uns três anos na preparação de ator-adolescente e não podia
passar de estágio, porque não tinha idade suficiente. Até que abriram uma exceção e, com
dezessete anos, me deixaram ir para a preparação de ator. Com dezesseis anos, eu havia
feito um espetáculo em que eu ficava nua. Foi um espetáculo que fez muito sucesso, ficando
oito meses em cartaz. Era O ecos, do Peter Shaif. Nunca fiz aquele teatro chamado comercial.
Sempre fiz trabalhos de que eu estivesse muito afim. Eu disse muitos “nãos”. Acho que a
carreira de ator se mais pelos “nãos”, do que pelos “sins”. Dizer não, significa “limpar a
área”, para se chegar aonde se quer e é muito difícil. Então, eu entrei na ECA com dezessete
para dezoito anos. Fiz Artes Cênicas, optando por direção. Dirigi alguns espetáculos e fui
fazer O mal secreto, com Roberto Lage. Foi o meu primeiro espetáculo profissional e foi bem
legal. Depois fiz Bella ciau, direção do Roberto Vinhati, com a Rosi Campos, com o Calixto...
Era o grupo Arte Vida, uma dissidência do grupo Mambembe. Era um espetáculo sobre
italianos e foi um sucesso. Ganhamos todos os prêmios do ano! Resolveram dar o prêmio por
unanimidade em todas as categorias. Então, comecei a minha carreira com vinte anos e eu
estava num espetáculo que era o mais premiado do ano! Depois, com esse mesmo grupo,
montamos o Santo e a porca, do Suassuna e fomos fazer teatro nas escolas. Eu virei uma
operária do teatro durante um ano da minha vida. Isso me deu um traquejo muito bom, porque
era teatro na escola e não para escola. Aí, resolvi sair do Brasil, porque tudo o que eu via, não
“rolava”. Estava me preparando para ir ao Instituto de Pesquisa Teatral Goldoni na
Venezuela. Eu não tinha a menor idéia de que iria trabalhar com o Ornitorrinco porque, nessa
fase, eles estavam fazendo Mahagonny e era um espetáculo musical; todos cantavam
maravilhosamente bem. Tinha músicos e eu nunca me via ali. que antes de viajar, resolvi
tirar umas férias de quinze dias em Ubatuba, na casa da família. Quando cheguei, minha avó
me falou: “Olha, ligou um tal de Cacá Rosset”. Liguei de volta e recebi um convite dele para
fazer o Ubu. Eu não conhecia o Alfred Jarry e achei muito legal, excitante. Não fui mais
viajar. Passei o final de semana na praia e, na segunda, eu estava na casa do Cacá com o
restante do elenco e um texto de dezesseis páginas na mão. o processo foi todo
deslumbrante, um “tesão”. Tínhamos música ao vivo, era um rock pauleira que “rolava”, um
som da pesada, um deslumbre! O Cacá dava espaço para cada um acontecer. Ele descobria
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uma coisa em você e lhe dava força para isso. Eu ia fazer uma dança com cobra e resolvi ir até
o Butantã. Quando a cobra colocou a língua para fora, resolvi fazer a dança-do-ventre. O Ubu
foi um sucesso estrondoso e a experiência e a vivência também. Era um jeito de se fazer teatro
que eu nunca tinha feito. Descobri que sou uma atriz vedete, foi onde eu me encontrei. Existe
também a persona. Não sou aquela atriz que fica atrás da personagem. Eu posso, eu sei ficar,
mas o gostoso é ficar à frente da personagem e a minha personalidade imperar, também, na
personagem. eu poder fazer daquele jeito! Então, a partir daí, eu “ornintorrinquei”.
Descobri que eu era uma atriz tragicômica porque, quanto mais dramático eu fazia, mais o
público ria. Com o Ubu e as ubuzetes fizemos também teatro na rua! O teatro feito pelo
Ornitorrinco não para ser taxado e colocado em uma prateleira. O Ornitorrinco não tem
rótulo. Fazemos teatro para nos divertir. Agora, que eu retornei ao grupo, estou trabalhando
como atriz e produtora e muito feliz. A Maria Alice consegue falar de tudo de uma maneira
que mostra que ela compreendeu várias coisas. Eu, talvez, não tenho ainda essa compreensão
toda. Eu, por exemplo, discuto a existência do Núcleo 2. Por que cleo 2? Eu acho horrível
essa denominação. Ornitorrinco é Ornitorrinco, é se transformar! Uma hora é pato, outra ora é
peixe... Então, por que Núcleo 2? Eu acho que essa foi uma linha divisória inexistente, que
não deveria existir.
Como é trabalhar com o Ornitorrinco?
Hoje em dia, trabalhar com o Ornitorrinco é trabalhar comigo. É diferente do que
aconteceu atrás em que existia um grupo formado. Hoje, sou eu que formo
conjuntamente com o Cacá o grupo. Tem pessoas que já trabalharam com a gente, mas,
também, tem “sangue novo”. Estamos sempre descobrindo gente. As pessoas saem e voltam.
No meu caso, fiquei dez anos afastada e voltei completamente renovada. Acho que o Cacá
está completamente renovado e eu estou novamente apaixonada por ele. É um novo
Ornitorrinco. É uma continuidade, mas, ao mesmo tempo, é um nascer e morrer. O teatro é
isso e, se não for isso, é uma água parada. É como um casamento. Responder essa pergunta
para mim, agora, é complicado, porque, no meu caso, seria: Como é ser Ornitorrinco? Mas,
ter trabalhado com o Ornitorrinco foi um abrir todas as possibilidades de extrair o que eu
tenho como atriz, sob qualquer ângulo, sob qualquer aspecto e, mais, poder ficar no palco
porque, naquela época, a gente ficava em cartaz dois, três anos.
Como surgiu a idéia de fazer um livro sobre o Teatro do Ornitorrinco?
Eu estava em uma festa e um colega meu da Imprensa Oficial estava tocando aquele
projeto da Coleção Aplausos. Aí, ele me falou: “Por que você o faz um livro do
Ornitorrinco para a Coleção Aplausos?” Eu achei legal a idéia, mas não dava para eu escrever,
não queria falar bem de mim mesma! (risos). Depois de um tempo eu decidi quem poderia
escrever: um jornalista, amigo meu. Então, eu fui atrás disso e, no final das contas, o livro
acabou saindo do formato da Coleção Aplausos.
Qual a importância do Teatro do Ornitorrinco para o teatro brasileiro?
O que eu acho mais importante é o fato de ser um teatro popular, que alcança qualquer
tipo de público, desde crianças até os velhinhos. Desde um analfabeto até um pós-graduado.
Isso é realmente um fenômeno, você conseguir esse tipo de entrada, de profundidade social,
cultural e artística. Você não discrimina o público, não o trata como um imbecil ou como um
expert em Shakespeare ou Molière. Você faz um teatro para todos. Tanto que o lema dessa
nova montagem, A megera domada é: “Shakespeare para todos!” Isso de abranger o grande
público foi um dos motivos que fez com que eu quisesse voltar a fazer esse tipo de teatro.
Fazemos um teatro que certo, que agrada e que faz sucesso. Somos uma trupe com espírito
da commedia dell’arte. Como artista, somos da plebe. Não fazemos teatro para “a corte”, nós
transitamos por ela.
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MONTEIRO, Mônica. Entrevista. Gravada na sua residência, São Paulo (SP), 19 de
fevereiro de 2008.
Foto 104Mônica Monteiro. Foto de Andréa Angotti
Fale um pouco de sua formação e de como ocorreu o encontro com o Teatro do
Ornitorrinco.
Eu sou bailarina de formação. Comecei a trabalhar com dança moderna, clássica e
passei a me interessar muito por dança-teatro. Trabalhei com Maurice Vaneau, que faleceu.
Tínhamos um grupo de teatro-dança em São Paulo e fazíamos turnês internacionais. E aí, eu
estava trabalhando com a Lala Deinzelein, fazendo os Píncaros da Glória, que era um
musical, no Teatro Ruth Escobar e o Ubu estava embaixo. O Cacá conheceu a Lala e a
convidou para coreografar O doente imaginário e me chamou para dançar, porque era um
espetáculo que tinha muitos intermezzos, muita dança. que não era aquele balé clássico e
de dança moderna que eu conhecia. Eu ia ter que aprender a andar na perna-de-pau, a cuspir
fogo, a andar na corda-indiana, a cantar; então, foi muito interessante porque, para a bailarina,
isso foi uma experiência “super” diferente, muito legal. Tanto que a primeira vez que eu fui
cuspir fogo, eu queimei todos os meus cílios e minhas sobrancelhas (risos). Eu pensei: Nossa,
vai ser difícil! E a gente foi aprendendo. Eu lembro que eu falava para o pessoal do circo:
mas, como é que eu vou fazer isso? eles me disseram: “Olha, o circo tem uma tática. Você
precisa ter coragem, o resto você aprende. Então, você fecha os olhos e vai!”. E foi “bárbaro”,
porque isso abriu portas para minha carreira, para minha profissão, para todas as áreas.
Aprendi muitos tipos de danças, entrei em corais, fiz muita coreografia, cantei muito, foi
muito legal. No Doente imaginário, viramos uma família, pensávamos e falávamos nisso.
O Cacá me ligava às três horas da manhã, era a vida da gente, era uma coisa muito intensa.
Fizemos várias turnês internacionais, viajamos muito. Chegávamos em São Paulo, fazíamos
as malas e viajávamos, não ficávamos na cidade. Quando estávamos aqui, eram três, cinco
meses em cartaz. Então, vivenciar essa vida com os atores, diariamente, foi “bárbaro”, uma
experiência que eu não sei se, hoje em dia, é tão corriqueiro, porque as peças são curtas, ficam
pouco tempo em cartaz. Éramos uma família! Eu lembro de ficar muito mais com o grupo do
que com a minha própria família; as viagens internacionais, essa intensidade de estarmos
juntos, um apoiando-se no outro, divulgando o nome do grupo. Eu lembro que houve muitos
acidentes. A Christiane Tricerri queimou a perna ensaiando. O Chachá jogou uma bombinha
que grudou no vestido da Chris e pegou fogo e o vestido acabou grudando na pele dela. Eu
quebrei o dente em cena, fazendo malabarismo, mas ninguém queria saber, não existia
substituição. Era tanto amor àquilo tudo que você fazia mesmo assim. A gente falava: “Tudo
pelo teatro!” Era como uma religião. Depois veio o Sonho de uma noite de verão e o Cacá
começou a fazer testes para bailarinas e para atores. Eu queria fazer o Sonho de qualquer jeito.
Na época, eu estava muito magra, estava com anorexia e o Cacá me falou: “Ah, você precisa
engordar um pouco”. Ele fazia que nem a estória de João e Maria, que pegava no dedinho
para ver se havia engordado. Fui melhorando e sarei da doença, porque eu queria muito fazer
o Sonho. Então, ele me chamou um dia e disse “Agora está bom, pode fazer a fadinha”. Tudo
157
para você ver o grau de importância que isso tinha na vida da gente! Dedicávamos-nos muito,
em tempo integral e era um prazer. Chegávamos na porta do Teatro Sérgio Cardoso e víamos
aquela fila enorme, de dobrar quarteirão, era um sucesso o Doente imaginário! Com essa peça
fomos ao México e foi um arraso. Além de chegar à cidade e ver toda a imprensa esperando a
gente, resolvemos sair fantasiados pelas ruas, na Plaza Mayor, fazendo aquela festa para
divulgar a peça e o povo vinha atrás. Lá, nós conseguimos o elefante. Fomos ao zoológico e
escolhemos o elefante e o pusemos no palco. Foi a realização do Cacá, era o sonho dele e, em
São Paulo, não havíamos conseguido. Depois, fomos para Cádiz, para a Europa, para a Costa
Rica, no Teatro Municipal de que é maravilhoso; um teatro lindo e o presidente da Costa
Rica estava na estréia. Nós éramos muito esperados, chegávamos nas cidades e tinha gente
nos esperando com jantares, flores, festas, era um sucesso total. O público também ficava
“louco”, adorava! Isso era em todos os lugares! Mesmo na Europa, nos Estados Unidos, no
México, na Costa Rica, mesmo, quando não tinha tradução simultânea, as pessoas gostavam
muito; elas conheciam a peça, acompanhavam o texto mesmo sem tradução. Em Nova Iorque,
tivemos tradução simultânea, mas, nos outros lugares, não. E todo mundo entendia, dava
risada. Mesmo nas cenas que descíamos na platéia, que era improvisação, que tinha aquele
jogo com a platéia, as pessoas morriam de rir e a adoravam. Acho que é um teatro que o
abraça tanto, que você fica intimo daquilo, daquele jeito de atuar e isso é muito legal nas
montagens do Cacá, as pessoas adoravam. Eu lembro que, no TUCA, tinha motorista de
caminhão assistindo Molière, o pipoqueiro adorava e levou a família inteira para ver. Era um
publico que estava assistindo Molière e que nunca tinha tido acesso a esse tipo de peça. Então,
isso que o Cacá faz é muito legal! Fazer com que esse tipo de público assista à peça, goste e
volte. É dar acesso a todos e com texto de peso, consagrado pela história. Com Shakespeare,
foi a mesma coisa, as pessoas adoravam, gente que nunca tinha ido ao teatro, ia e voltava. Não
sei, tem uma coisa do Teatro do Ornitorrinco que era essa facilidade de comunicar; fazer com
que se entendesse a peça, fazer com que as pessoas rissem e se divirtissem. Elas morriam de
rir e se identificavam com tudo aquilo. Era tudo tão intenso que o publico ficava ali, presente
o tempo inteiro. O Doente fez mais sucesso que o Sonho, no Brasil. Ficamos mais tempo em
cartaz e tivemos que aumentar as sessões e sempre o teatro lotava. Vivíamos só com a
bilheteria do teatro e vivíamos bem, ganhávamos um salário digno. Hoje em dia, se você não
tiver um patrocínio... Tínhamos muita propaganda, era no rádio, no jornal, na televisão, na
revista, o tempo inteiro, sem falar no “boca a boca”, porque as pessoas iam, gostavam e
divulgavam. Você o que é um teatro de qualidade. A pesquisa que o Anchieta fez para
fazer o cenário e os figurinos foi fantástica, riquíssima! As coreografias foram estudadas, os
gestos da época. As músicas foram todas as partituras originais. Era um espetáculo muito rico
de detalhes, de qualidade. Então, não foi à toa que houve tanto sucesso, foi decorrente de
muito trabalho, de muita pesquisa. O Cacá fazia aquelas leituras de mesa. Nos ensaios, ele se
preocupava, ficava “em cima” de cada ator, escutava cada um cantar. Ele é um diretor “super”
sério, rígido no perfeccionísmo, na marcação. Tudo era marcadinho, os gestos, as falas,
incrível! Se a pessoa colocava um “i” a mais ele perguntava o porquê que colocou. Ele
comprava todas as revistas e jornais e ia para o quarto do hotel e ficava lendo o tempo inteiro,
ele ficava ligado no trabalho, em cima de tudo o que estava acontecendo. Eu lembro que, uma
vez, passamos o ensaio corrido às cinco horas da manhã com tudo, figurinos, maquiagens,
com fogos, tudo! Porque o Cacá falava que não estava bom e eu acho que esse perfeccionismo
é que dá a qualidade. As idéias das cenas eram muito do Cacá. A Maria Alice Vergueiro tinha
muita influência, ela dava as opiniões e ele escutava, era bem “o braço direito” dele. E a
Christiane também. O Cacá sempre dava abertura: se a idéia fosse boa, tudo bem! Na parte da
comédia, o Chachá e o Ary França. Eles improvisavam e perguntavam para o Cacá se podia
ser daquele jeito e o Caaceitava, mas a última palavra era sempre dele. Outra coisa que
fazíamos era uma roda com todo o elenco de mãos dadas. O Cacá falava algumas palavras,
158
comentava alguma coisa do dia anterior e nós contávamos até três e falávamos: Alê, hup!
Pulávamos e batíamos palmas. Sempre existiu essa roda. Era um ritual.
E como você a questão do nu, presente nas encenações do Ornitorrinco e a
maneira como a linguagem cômica foi trabalhada?
Eu nunca consegui ver o nu presente nas montagens do Ornitorrinco como uma coisa
pesada. Desde O doente imaginário havia pesquisas, víamos nos livros as egípcias. Eram
bailarinos bons, sendo coreografados; era uma coisa muito bonita esteticamente. No Sonho
mais ainda, por que era um balé clássico. Pintávamos o corpo inteiro de pancake branco, o
corpo ficava como se fosse uma louça. A coreografia era muito suave. Em Nova Iorque, eles
elogiaram muito, diziam que era um quadro de Cézanne. Era de uma beleza que não dava para
considerar vulgar, pelo gesto que tinha. Era um trabalho sério e foi um espetáculo muito
elogiado, de uma beleza estética que nunca chegou perto do vulgar. Era muito bonito, um
nível muito bom. Em relação à parte cômica, no Doente imaginário, juntou um elenco de
ouro. O Chachá, o Ary, a Maria Alice, o Cacá. Ficávamos assistindo, da coxia, aos atores. Era
uma aula de interpretação, era muito rico. Eles tinham muito talento para improvisação,
tiravam “de letra”, era sempre muito inusitado. Era um humor que pegava as pessoas por ser
singelo, muito natural e espontâneo, todo mundo ria muito.
Qual a importância do Teatro do Ornitorrinco para o teatro brasileiro?
Além de serem todos os espetáculos de muita qualidade, de ter esse rigor, essa
preocupação conseguiu levar o público brasileiro de todas as classes sociais ao teatro. Esse é o
maior ganho do Ornitorrinco; fazer com que o público brasileiro gostasse de Shakespeare e de
Molière, acho muito bacana isso! De repente, um motorista de ônibus falar que adorou assistir
a Molière... É você não achar que isso é coisa para a elite. É fazer com que as pessoas vejam
que o teatro é para todos! É dar acesso para que essas pessoas vejam teatro de qualidade, que
assistam, gostem e entendam. Fazer com que não se sintam ignorantes por não conseguirem
entender nada do que viram. O Ornitorrinco tem uma linguagem acessível e eu acho isso
maravilhoso, admirável! Essa alegria toda... O Teatro do Ornitorrinco sempre foi um teatro
muito alegre. A pessoa entra e sai diferente, esfuziante, pra cima. Acho que mexe com as
pessoas. Elas entram e saem diferentes e isso eu acho que o teatro tem que fazer. As pessoas
não podem entrar e sair iguais.
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CHACHÁ, José Rubens. Entrevista. Gravada no Teatro Folha, São Paulo (SP), 22 de
fevereiro de 2008.
Foto 105José Rubens Chachá. Foto de Andréa Angotti
Fale um pouco de sua formação e de como ocorreu o encontro com o Teatro do
Ornitorrinco.
Eu tinha uma relação muito próxima com o Chiquinho Brandão. Chegamos até a
morar juntos: eu, ele e o Félix Wagner. O Chiquinho entrou para o Ornitorrinco, mas, antes
disso, fazia algumas peças comigo e com o Sérvulo Augusto. Éramos um trio, cantávamos
músicas engraçadas que eu e o Sérvulo fazíamos. O Chiquinho sempre quis me trazer para o
Ornitorrinco. Ele fazia Ornitorrinco canta Brecht e Weill e eu morria de inveja, porque era o
tipo de coisa de que eu gostaria de fazer. Eu escrevi uma peça com o Sérvulo Augusto
chamada O fogo paulista e, depois de uns cinco meses de temporada, houve umas
substituições no elenco e entraram, exatamente, o Chiquinho Brandão e o Cacá Rosset. O
engraçado é que o Cacá foi ator de uma peça minha. Foi nesse momento, que eu conheci o
Chiquinho e o Cacá e nos tornamos amigos. O Chiquinho fazia várias peças minhas, chegou a
fazer três: O fogo paulista, A lenda do Piuí e Rádio Bixiga. Depois da Rádio Bixiga, o
Chiquinho começou a “vender o meu peixe” para o Cacá, falando mil maravilhas; que eu era
um cara talhado para entrar para o Ornitorrinco, porque eu cantava, improvisava e tinha
humor. Dizia que o grupo tinha características muito parecidas com as minhas. Então, fui
chamado, exatamente, para fazer O doente imaginário, mas não essa versão. Em 1982, a
primeira coisa que eu fiz, no Ornitorrinco, foi ensaiar O doente imaginário que acabou não
saindo pelo seguinte motivo: estávamos já ensaiando, mas, quando surgiu o convite para ir ao
Festival Latino, em Nova Iorque, vimos que não íamos ter tempo hábil para montar a peça. Eu
sugeri a remontagem de Mahagonny. fui estrear em 1983, com Mahagonny.
Desenterramos o Teatro Aliança Francesa que estava abandonado, “jogado às traças” e
ficamos uns quatro meses em cartaz. Em 1984, apresentamos em Nova Iorque. Se você me
perguntar qual peça que eu gostaria de fazer de novo seria Mahagonny. Teve um encontro de
idéias, momento em que o Ornitorrinco “vestiu mais a camisa”. Era uma peça anárquica, não
tinha grandes cenários e figurinos. Contava apenas com o talento e o histrionismo dos atores.
Passamos a fazer oficinas para o público, a manter essa relação aberta com o público de
quebrar a quarta parede, trazendo as pessoas para a cena. Tinha uma cena que era muito
engraçada. Depois das meninas terem servido conhaque para a platéia, elas pegavam um
rapaz, levavam-no para a coxia, pediam para que abaixasse as calças e entravam no palco com
ele, como se houvesse rolado alguma coisa “mais quente” na coxia. Era muito engraçado!
Tinha um clima de festa, as pessoas meio bêbadas e todo mundo convidando a gente para sair.
A peça não terminava ali. Acho que o Ubu é um pouco filho do Mahagonny, porque não
tínhamos “um puto” para montar a peça e um texto de dezesseis páginas que na verdade era,
um “pre-texto”. Havia muito improviso, muita criação. Aquela coisa de fazer do nosso jeito!
Foi uma peça que acabou virando a cara do grupo, que ficou mais tempo em cartaz. Ao
mesmo tempo, foi a peça mais despretensiosa, não achamos que ia ter esse retorno todo.
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Viajamos o mundo inteiro com ela e ganhamos prêmios fora do Brasil. Teve aquela passagem
terrível do terremoto no México, em 1985, que foi muito marcante na história do grupo, até
por que o tornou mais conhecido na mídia. Chegamos como sobreviventes da tragédia.
Fizemos espetáculos para angariar fundos para ajudar as timas no México. Depois que nós
ganhamos o prêmio Ollantay, o mais importante do Teatro Latino-americano, como melhor
espetáculo de 1985, parece que “colou” uma certa linguagem que a gente havia desenvolvido
desde a época do Porão do Teatro Oficina. Ali que “colou” o underground com o sucesso,
casou legal.
Você falou sobre uma linguagem underground. O que você considera como
underground?
É um teatro que você faz com poucos recursos ou sem recurso algum e que busca
públicos alternativos. O Ubu foi feito sem recurso nenhum. Pegamos emprestadas as roupas
do Teatro Municipal e, quando entrou o Jânio Quadros, ele pediu de volta (risos). Agora, O
doente imaginário foi a realização, a cereja em cima do bolo, chegamos onde queríamos. O
doente imaginário veio depois do Ubu e do Teledeum. No Teledeum, por sorte ou azar,
também houve problemas. Desta vez, com a censura, causando um certo prejuízo financeiro.
Mas, ao mesmo tempo, aquilo impulsionou a montagem e acabamos sendo bem recebidos
dentro e fora do país. Ficamos como vítimas da censura e pudemos contar com a
solidariedade da classe artística, da mídia nacional e estrangeira. Recebemos telegramas do
Dário Fo, do sindicato da Itália e dos Estados Unidos. A peça “vingou” de uma maneira muito
legal e, até hoje, eu desconheço um texto teatral tão engraçado como este. É muito engraçado
mesmo! O Boadella é um gênio da comédia, um catalão que é vivo até hoje e que tem um
grupo teatral em Barcelona. Encontramos com ele em Nova Iorque, quando fomos com
Mahagonny. Vimos essa peça lá, ficamos apaixonados e resolvemos montar aqui. Foi um
grande sucesso! Depois montamos O doente imaginário, que foi um salto qualitativo dentro
do grupo. Começou a entrar dinheiro, verba, coisa que até então não tínhamos. Formalizamo-
nos enquanto grupo, como firma; antes era uma coisa mais informal. Ganhamos formalidade e
o Cacá passou a ser o dono do grupo. Mudamos um pouco o perfil do nosso público que era
essencialmente jovem para um pessoal de teatro, que estava acostumado a ver espetáculos
fora do Brasil, grandes montagens, grandes produções. Mas, tudo isso sem perder a
irreverência, a característica de um grupo anárquico, de um humor irreverente. É claro que
notamos que tinha “um filão” muito bom, que era o de trabalhar com os clássicos. O Cacá
sempre gostou de estudar os clássicos. O doente imaginário foi a peça que mais nos deu
trabalho para montar. Partimos de uma pesquisa profunda de época, de máscara da commedia
dell’arte. Eu dei Simpósio sobre a época do Luís XIV. Estudamos tapeçaria, porcelanato
francês. você me pergunta: “Mas o que isso tem a ver com a peça?É, realmente, não tem
muito a ver. Mas, se você quiser fazer e levar a fundo para lhe propiciar um bom improviso é
importante, sim. Até porque pensamos que o improviso é uma coisa que fazemos e que vem
do nada, mas não é. Você tem que se embasar, estudar, para na hora “H” você ter um universo
mais amplo, jogar as piadas, inventar estórias e tudo mais. Então, O doente imaginário teve
esse cuidado. Ali houve um trabalho bem profundo de quase quatro meses de ensaio e que
resultou num belíssimo espetáculo. Em termos de acabamento, talvez tenha sido o melhor
espetáculo que o Ornitorrinco fez. Depois fomos convidados a fazer Sonho de uma noite de
verão. Como tínhamos ido com O doente imaginário para Nova Iorque, no Festival Latino,
fez um grande sucesso e agradou muito a forma irreverente, o jeito de tratar o clássico, o
Molière. Ao mesmo tempo ter respeitado o texto, a montagem com os balés e tudo mais.
Pintou, então, esse convite para voltarmos no ano seguinte com um espetáculo produzido
por eles que era Sonho de uma noite de verão e foi muito legal. Estreamos em Nova Iorque
com tudo o que podia ter de mídia, de produção. Ficamos muito bem hospedados e isso trouxe
um bem estar para o elenco, deixando-nos seguros com a temporada, pois íamos falar para um
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público estrangeiro no Central Park, um teatro ao ar livre. Foi uma loucura! Nos últimos dias
da temporada, as pessoas chegavam, às seis da manhã, para conseguir ingresso para entrar, às
seis da tarde e ficavam na fila. Às vezes estávamos passeando por e víamos aquela fila.
Tinha gente com criança, com cesta de piquenique. Então, pudemos ver a dimensão do
sucesso com Sonho de uma noite de verão, um sucesso mundial! Quando houve a polêmica da
fadinha de seios nus, fazendo Shakespeare em um teatro tradicional de Nova Iorque, com
dinheiro do Estado norte-americano, gerou uma polêmica muito grande, porque existe um
lado muito careta americano. Tinha programas de televisão com enquetes que perguntava:
“Você gostaria de assistir à peça de Shakespeare com mulheres de seios de fora?” Muita gente
falou que não queria ver, mas, as pessoas, que ousaram assistir, gostaram muito. A
receptividade foi muito grande. Viram que não tinha a menor intenção de ser uma coisa que
diminuísse a peça; muito pelo contrário, mostrava até a sensualidade da mulher brasileira e do
homem brasileiro também, porque os rapazes trabalhavam seminus. Era muito bonito de se
ver aqueles corpos fazendo fadas e elfos. Acho que foi uma novidade para o público
americano. Depois disso, o Cacá foi convidado para montar uma peça lá, com elenco norte-
americano. Tinha inclusive a participação da Marisa Thomei, na Comédia dos erros. Depois
ganhamos essa produção. Vieram para cá, os figurinos, parte do cenário e dos adereços e
montamos aqui, no Brasil, com o pessoal do Ornitorrinco. Foi uma peça que não viajou,
estávamos num período mais caseiro do grupo. O Cacá estava cansado de tantas viagens e,
para mim, foi perdendo um pouco o encanto... Eu tinha feito essa opção de vida, de viajar, de
me divertir. O teatro para mim sempre foi um grande prazer e eu optei, na época, ao invés de
fazer novelas na Globo ou em outra emissora, pelo Ornitorrinco, por viajar. Isso para mim era
um grande fascínio, fazer teatro fora do Brasil. Era um aspecto até muito romântico da minha
cabeça, de trocar informações, aprender mais com a cultura e o teatro de outros países, de
poder mostrar um pouco do nosso jeito brasileiro de fazer teatro, que é muito especial. A
gente via nos festivais internacionais que tínhamos realmente um diferencial em relação aos
outros grupos, principalmente em relação aos grupos latinos. Claro que também tinha muita
coisa boa; os espanhóis, os italianos... Mas, nós éramos vistos de maneira especial, porque
tínhamos uma irreverência. Não era a gente, A Denise Stoklos também apresentou seu
trabalho por e também fez muito sucesso; tinha um caráter mais underground. Eu,
particularmente, sentia que estava no caminho certo de vida que era conhecer o mundo
fazendo teatro. Ainda espero fazer isso, porque foi tão prazeroso nesses quinze anos que eu
estive com o Ornitorrinco, de lotar teatros enormes. Quando surgiam convites internacionais,
a gente largava tudo e ia, não tinha aquele compromisso de fazer temporadas, de cumprir
tabela, porque o patrocinador estava pagando. Não, tínhamos total liberdade de abandonar o
teatro à hora que quiséssemos e viajar com o espetáculo e isso era muito prazeroso para mim.
Depois que eu saí do Ornitorrinco e que eu senti a falta da televisão e vi quanto o Ornitorrinco
não tinha atores famosos, globais e que, independentemente disso, faziam sucesso, até mais
que os atores globais. Havia reconhecimento e uma respeitabilidade muito grande, não no
Brasil como fora dele. Quando eu fui fazer outras montagens fora do Ornitorrinco, com outros
grupos, eu vi que precisava da televisão e foi que eu fui fazer as coisas
maquiavelicamente pensando em um retorno para o teatro.
Você acha que O doente imaginário foi uma reprodução do Ubu?
O Cacá é um ator que tem um determinado jeitão; ele tem um histrionismo que o leva
a misturar a personalidade dele com a personalidade da personagem. Ele calca muito em cima
de si próprio, porque ele tem um humor muito especial. Ele é uma pessoa acima da média.
Então, realmente, o Ubu e o Argan são as personagens da vida dele. Eu ia ter que substituí-lo
no Ubu porque ele faria uma viagem. Dei graças a Deus que não rolou essa viagem, porque eu
achava que aquele humor era muito específico dele. Eu ainda vou fazer um estudo em cima
dessa forma do Ornitorrinco de interpretar, em que o ator, muitas vezes, fica à frente da
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personagem, Geralmente, os atores se escondem atrás do personagem, têm a máscara, o
figurino. Você está protegido pelo personagem. No Ornitorrinco não, vopassava na frente
do personagem. Às vezes o público via mais o ator em cena do que a personagem. Isso é
legal, porque o Ornitorrinco tinha atores com muita personalidade, com discursos próprios.
Isso é interessante de se ver; as pessoas que tinham inteligência, que faziam teatro além do
teatro. Como que é isso? Colocar-se na frente da personagem sem pudores. As pessoas viam
que era o Chachá, a Christiane, o Chiquinho, que eram pessoas que estavam fazendo graça
com a personagem, não era a personagem. Todos tinham esse despudor para se mostrarem.
Eu, que me considero uma pessoa tímida fora de cena, ali eu tinha a oportunidade de mostrar
o Chachá. Agora, eu não concordo que O doente seja uma repetição do Ubu. Os dois tinham
coisas tão diferentes! O Ubu tinha toda uma mística em cima da Patafísica e que a Lina Bo
Bardi fez questão de trazer. Ela queria que tivesse pretos-velhos na platéia, e, como era mês
do preto-velho, ninguém quis emprestar um preto-velho para a gente, nem preta-velha! (risos)
o Miguel Paladino, que era o nosso produtor da época, argentino, não sacava nada de
umbanda e disse: “Ah, eu trouxe um índio”, que era maravilhoso e tinha que se colocar umas
comidinhas e umas velas verdes para ele. Aquilo bastou para a gente, porque a luz de uma
vela verde é que ilumina a Patafísica, que era a ciência que o Jarry inventou. Então,
começamos a reverenciar aquele índio, que nos acompanhou nas viagens. Inclusive, no dia do
terremoto, era o índio que estava do meu lado e até hoje eu tenho uma fotografia dele na
carteira. Não vou viajar, não saio de casa, sem meu índio! O público deixava o dinheiro para o
índio, o Ubiratan, e era dele, ninguém pegava. no Doente imaginário a gente lidava com
uma coisa mais científica, lidava com um clássico. O Jarry não é um clássico, mas Molière,
sim. Brincar com o humor irreverente em cima de um clássico é uma coisa muito saborosa.
Eu acho que o público poucas vezes, teve a oportunidade de ver uma comédia clássica tão
gozada.
Como era a participação do público no Doente imaginário?
As cenas da platéia do Ornitorrinco nunca deixaram ninguém constrangido e se havia,
era um que reclamava e oitocentos que se regozijavam. No doente, em que as mulheres
tinham as suas bolsas remexidas, vimos de tudo: pênis artificial, dentadura... As cenas não
eram gratuitas. O público via que eram aqueles personagens meio malucos. Quando eles
desciam para a platéia, as pessoas já entendiam, viam que era meio conseqüência do que
estava acontecendo no palco. O Ornitorrinco o tem um humor agressivo, era um humor
muito especial. O doente tinha um aspecto interessante. Fazíamos uma seqüência de piadas!
Uma vez, cheguei a achar que um cara ia morrer na platéia de tanto rir, juro por Deus! Ele ria
tanto, que não conseguia se levantar. Ele caiu no chão, na escada, e começou a subir a escada
de quatro, rindo e chorando ao mesmo tempo! Abriu a porta do teatro assim, de quatro, e saiu.
Imagina o cara rir ao ponto de não conseguir se levantar, isso é muito especial! Eu acho que
só gente muito mal-humorada mesmo, para não gostar. No Teledeum, talvez, as pessoas muito
religiosas demorassem a rir. Mas, bastava você comprar a idéia da peça, a idéia do deboche
que o riso logo vinha. Se houve alguma crítica negativa, tenha sido em relação à remontagem
do Ubu, que, na minha opinião, nunca deveria ter acontecido. As pessoas esperavam algo de
novo, o que não ocorreu. Mas, eu acho que eu não teria essa visão que tenho do teatro hoje, se
eu não tivesse vivido essa experiência com o Ornitorrinco. Depois que eu saí do grupo,
cheguei a assistir uma peça e não senti vontade de estar lá. Agora, parece-me que eles estão
montando Shakespeare. Acho que vai ser uma grande retomada do Ornitorrinco.
Qual a importância do Teatro do Ornitorrinco para o teatro brasileiro?
Assim como o TBC, o Arena, o Oficina ficaram na história do teatro brasileiro, o
Ornitorrinco é um capítulo muito importante no teatro brasileiro porque foi o grupo que mais
teve sucesso durante quinze anos. Na década de 80 e 90 não houve nenhum outro grupo que
teve o público que nós tivemos, que teve esse sucesso com repercussão nacional e
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internacional, prêmios, um elenco, que era uma verdadeira seleção brasileira de atores de
primeiríssima linha. Eu acho que o Ornitorrinco gerou filhotes, influenciou muita gente.
Novos grupos surgiram, diretores e atores com características próprias. Volta e meia eu
encontro atores que dizem: “Puxa, comecei a fazer teatro depois de assisti vocês”. Pessoas
que vinham de longe para assistir a gente. O Ornitorrinco possui uma importância
fundamental, porque foi, realmente, um grupo que veio do underground mesmo, do porão do
Teatro Oficina e não perdeu a sua característica. Foi ganhando espaço, uma linguagem própria
e montando sucessos um após o outro. Sempre ouço palavras de muito carinho e admiração de
pessoas, que assistiram e que citam um espetáculo ou outro, como o melhor espetáculo que
viram na vida!
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CARIBÉ, Rubens. Entrevista. Gravada na sua residência, São Paulo (SP), 27 de
fevereiro de 2008.
Foto 106Rubens Caribé. Foto cedida pelo ator.
Fale um pouco de sua formação e de como ocorreu o encontro com o Teatro do
Ornitorrinco.
Eu tive o meu primeiro contato com o teatro, em 1984, em Porto alegre. Eu e uns
amigos abrimos um bar. Morávamos nos fundos, uma experiência meio hippie. Começamos a
ensaiar um espetáculo chamado A família Brasil, em cima das tiras do Luis Fernando
Veríssimo. Mas, eu ensaiei, ensaiei e não estreei. Resolvi voltar para São Paulo. Fiz aulas de
canto, um curso de radialista no SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e
fui fazer um teste para o espetáculo Hair, direção do Abujamra. Isso em janeiro de 1987, no
Teatro Jardel Filho. Em seguida, engatei, também, por meio de teste, um outro espetáculo: A
bela adormecida, com a Mirian Rios, direção de Celso Frateschi. A Mirian veio do Rio com
esse espetáculo e montou um elenco paulista. Aí fiz Cabaret, um musical do Jorge Tacla, com
Diogo Vilela, Beth Goulart, no Procópio Ferreira em 1989. E, em 1990, fiz um teste para o
Cacá para substituir o Marshall Netherland, que era maestro e também fazia o Amoroso, o
Cleanto. O teste foi cantar o dueto de amor, musicado inclusive pelo Marshall e pela Loren
Daé, que fazia a Angélica. Esse foi meu ingresso no que era, na época, uma das maiores
companhias de teatro. Eu tive uma sorte incrível de entrar. Eu, moleque, entrei de substituição
e fui para a Europa, logo de cara. Nunca tinha saído do país, foi fantástico! Na Espanha nós
fizemos Cádiz; depois, nos estendemos até Madri e foi ótimo. Apresentamos em português,
mas me lembro de uma passagem engraçada, em que tivemos que fazer um trecho da peça em
espanhol para uma emissora de lá, que estava registrando as peças do Festival. A Maria Alice
falando “portunhol”! (risos). Quando voltamos, fomos para o TUCA e já começamos a
ensaiar Sonho de uma noite de verão. Passamos um tempo encenando O doente e ensaiando o
Sonho. Era uma maratona maravilhosa! Entravamos no teatro ao meio-dia, ensaiávamos até às
20 horas. Parávamos, comíamos e fazíamos a peça, às 21 horas, e saíamos do teatro à meia-
noite. O doente foi um desafio fantástico. Eu entrei substituindo o Marshall e, quando
voltamos da Espanha, o Edinho (referindo-se ao Edson Cordeiro) saiu e eu acabei
substituindo-o também. Por fim, tive que aprender a fazer a pirâmide humana. Eu cantava,
mas eu era péssimo com o corpo. Nunca tinha dançado, nem feito nada com o corpo, era uma
“droga” (risos). A comédia de que o Cacá gosta, é uma comédia física. Ele gosta dos Três
Patetas, do Buster Keaton. Aquela coisa de “pá, pummm, pééé”. Ele adora! E tem que ter um
corpo bem preparado para fazer isso. muitos atores dramáticos que não têm essa conexão
intuitiva com o corpo. Você percebe isso em muitos atores de televisão. Fica só a cabeça, tudo
muito na interiorização e, na hora em que você os em cena, o corpo não está junto, está
morto. uma organicidade que tem que estar presente e que é reconhecida pela platéia
instintivamente. A platéia reconhece quando o corpo esta íntegro, em contato com o chão,
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com seu peso, ciente de sua estrutura. É estar conectado com a sua idéia, expressão e
sensação. Eu estou fazendo o trabalho de preparação corporal na Megera domada e você vê,
às vezes, as pessoas se imbuindo de uma intenção dramática, que está correto, mas se você
estiver em cena, compreendendo a situação, consciente de seu corpo, de como está sua
respiração, a planta do seu pé, a bacia... Liga-se na estrutura é um certo esvaziar e isso nada
tem de místico, de zen, talvez. Se você se encher de intenção, não estará receptível para
alguma coisa que pode ser surpreendente, que pode ser uma intenção diferente que venha do
seu parceiro de cena. Por exemplo, eu era tão mais ingênuo fazendo o amoroso, o Lisandro,
no Sonho de uma noite de verão, onde, obviamente, o jogo de comicidade estava na quebra
abrupta e mecânica entre os objetos de amores. Mas, de qualquer maneira, você não precisa
ser a personagem e, quando somos jovem, achamos que tem que haver uma certa fusão, um se
perder naquele sentimento da personagem. E vonão tem que se perder coisa nenhuma.
Você tem que compreender, mas você não se perde! Eu acredito que o Cacá valoriza isso
como cômico, como brechtiano. O Cacá gosta de destacar que o ator não é a personagem. O
Cacá é brechtiano, enquanto cômico, quando ele ilustra e sublinha uma ação de uma maneira
didática, colocando como se fosse uma coisa extra-óbvia, mesmo que não seja ou fazendo uso
de marcas anti-naturalistas, que ele adora e que quebram a ação. Agora, independentemente
da natureza “infantil” do jogo cômico que ele propõe, da piadinha, ele está quebrando a
narrativa. Ele está despertando o espectador e trazendo-o para uma realidade imediata, de que
eles estão de frente para atores, em um palco e que tudo isso é uma convenção. Se por ventura
o espectador quiser se perder na narrativa e sofrer com a personagem, o Cacá faz com que o
público desperte. No Doente imaginário, tinha um número de platéia, a do olho, que tinha
uma marca em que os atores iam entrando fumando, de ceroulas e sentavam na beira do palco.
Tudo isso para desnudar o jogo. Na Megera domada ele fala assim: “Você é o Caribé fingindo
ser um ator medieval, que finge ser Lucêncio, que finge ser Trânio, que finge ser o professor
de latim” E tudo isso está revelado para o público. Ele faz com que o espectador se lembre
disso. No Doente, a gente cantava um dueto de amor e o Ary França, de Tomás Diafoirus,
sentado atrás, em um cadeirão de bebê, tirava uma banana e a descascava. Eu “ficava louco”
com ele. Eu falava: Ary, descasca a banana! E com o tempo, ele tirava um pepino, um
guardanapo, um saleiro e punha sal no pepino... Era tão bom e engraçado que ninguém olhava
para mim na cena! (risos). Na Megera, tem um soneto que eu comecei a fazer meio
romântico, porque é uma música renascentista e o Cacá disse: “Não, não. Vamos fazer mais
brecthiano. Vem para a frente, comece a olhar para a platéia. Fale para ela o quê que é”. Mas,
enfim, agora ele está tendo “uma sacada” maravilhosa. A Megera começa com Sly, que é um
bêbado que foi jogado para fora de uma Taverna e adormece na sarjeta. Então, aparece um
nobre que diz: “Olha que animal. A que ponto chegamos! Vamos pregar-lhe uma peça.
Vamos colocá-lo num rico quarto, com lençóis de cetim, dar-lhe um bom banho e, quando ele
acordar, vamos dizer que ele é um nobre e que, por quinze anos, esteve fora de si, pensando
que era um louco bêbado.” Quando Sly acorda, começa A megera domada. Então, A megera
domada é um metateatro. Na versão que se popularizou, o Sly some, ele não volta à ação,
mas o Cacá pesquisou e descobriu que existem outras versões. O título original de A megera
domada é The Taming of the Shrew, mas o Cacá achou uma versão em que aparece The
Taming of a Shrew. Parece-me que essa segunda versão, o Sly não volta no final, como
também tem algumas intervenções no decorrer da peça e volta no final. Ao final da peça, ele
adormece depois de ter tomado vinho durante toda a peça toda e aparece o nobre dizendo:
“Agora, vamos jogá-lo na sarjeta de novo”. Assim o fazem e, quando ele acorda, a taverneira
está jogando um balde de água nele, mandando-o dormir em outro lugar. Ele acorda e diz:
“Eu tive um sonho e agora sei como domar uma megera” E vai embora feliz. Na nossa versão,
vai ter isso, porque o Cacá considera ser exato e faz sentido. Ele teve uma sacada que foi
colocar o próprio Petrucchio, interpretado pelo Hélio Barbosa, de Sly. Então, ele acrescentou
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ao metateatro um nível onírico, de sonho, porque o Sly, de certa forma, pensa que acordou de
um sonho, em que é rico e que está vendo uma peça na qual ele mesmo doma uma megera.
Daí cortou-se as intervenções do Sly no decorrer da peça. Ele aparecerá no começo e no
fim. Quando o Cacá coloca o Petrucchio como Sly, ele faz uma interferência poética, embora
Shakespeare não mencione isso. Ele se apropria de Shakespeare, mas ele coloca a
compreensão dele que é brechtiana, meio circense, meio clownesca, meio anárquica, embora
ele seja altamente rigoroso ao contar a estória. Já houve piadas e tudo mais que ele disse:
“Olha, isso é uma excelente gag, mas que não está ajudando a contar a estória agora. Então,
não vamos colocar”. Eu acho que ele está em um momento felicíssimo como diretor.
Inteligente, bem humorado, engraçado... Eu acho que ele tem um excelente material na mão.
O Cacá vai fazer o nobre. Eu acho legal ele estar em cena. É emblemático!
E qual era a reação do público nas cenas de platéia?
O público embarcava. Até o lance de jogar as coisas das bolsas das mulheres. Foi uma
época de ouro do Ornitorrinco. O Cacá mesmo fala que o teatro virou uma arte para
diletantes. Puxa, quando eu entrei para o Ornitorrinco eu vivia de porcentagens. Isso acabou.
Hoje em dia, não existe mais isso. A Chris (referindo-se a Christiane Tricerri) é que está
produzindo A megera domada e o Cacá se programa até quando tem o patrocínio. Ela está
batalhando para a manutenção da peça. A gente nem conta mais com a bilheteria. Mas, enfim,
não somos mais um grupo cooperativado. Hoje em dia, nós somos contratados.
Qual a importância do Teatro do Ornitorrinco para o teatro brasileiro?
Eu acho que o cunho anárquico, questionador, sempre irônico. Por exemplo, com o Pai
Ubu. Ele criou um personagem que caricaturava, ridicularizava essa figura gananciosa e
denunciava a corrupção. Eles foram para o Congresso! Ele saiu candidato! Um espetáculo
teatral conseguir uma atuação na sociedade, que tenha eco, que bate no inconsciente coletivo
é fantástico! Isso é brechtiano. O Cacá é um comunicador.
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CAMPOS, Rosi. Entrevista. Gravada no Shopping Frei Caneca, São Paulo (SP), 09 de
março de 2008.
Foto 107Rosi Campos. Foto de Andréa Angotti
Fale um pouco de sua formação e de como aconteceu o encontro com o Teatro do
Ornitorrinco.
Na verdade, eu não fiz Artes Cênicas. Sou formada em jornalismo, de 74 a 78, na
ECA. Lá eu comecei a fazer umas peças com o grupo GETECA sobre tortura, arte de
resistência. Chegamos a ter que mudar o nome, porque era da Consuelo de Castro, coisas da
época da ditadura, em que não se podia fazer nada muito explícito. Eu fiz duas peças com esse
grupo de teatro da ECA. Um dia, o Mambembe precisou de uma substituição e o Douglas
Salgado me indicou. O Rubens Britto havia indicado a Roseli Silva, que eu cheguei antes
do que ela para fazer o teste. O espetáculo era Dom Quixote, muito lindo, feito no SESC em
praça pública. Então, eu substituí a Mirtes Mesquita e foi muito legal. A partir daí eu fiquei no
Mambembe por cinco anos e fiz tudo: O diletante, A farsa de Inês Perreira, A noite dos
assassinos. Ganhei o prêmio de revelação, em 1979, com o espetáculo Vem buscar-me que
ainda sou teu, primeira montagem do Soffredine. Foi o Chiquinho Brandão, que namorava a
Enierre Raquel, que fazia esse espetáculo comigo, e quem me indicou para o Cacá Rosset para
fazer a e Ubu. Ensaiamos muito para fazermos o Ubu, uns cinco meses. Foi um grande
sucesso na época. Já era o Jarry que era um autor maravilhoso, tinha a Lina Bo Bardi... Então,
foi uma função muito feliz do Cacá com aquela maneira dele de ver o mundo. Muita coisa de
circo que naquela época que se existia. Quer dizer, haviaa, mas era um outro tipo de circo. O
Cacá fez um circo dentro do teatro, muito bacana. O Ubu foi um escândalo! Lotamos quarta,
quinta, sexta, as duas apresentações no sábado e no domingo durante anos! Fomos para o
México, Alemanha, Cádiz, Ilhas Canárias. Fizemos várias viagens e sempre foi um espetáculo
muito bonito, inclusive, lá, em Kassel, na Alemanha. Fizemos em um circo em plena praça.
Foi um momento da vida da gente, em que todo mundo era jovem, uma moçada muito afim,
todo mundo muito dedicado. Eu nunca havia visto uma dedicação tão grande por parte dos
atores e circenses como naquela época! Aí, resultou nesse fenômeno que foi esse espetáculo.
Uma peça obrigatória, o Brasil inteiro assistiu! O Cacá recebeu muitos convites para dirigir
um monte de gente, mas ele era um cara do grupo e não queria dirigir ninguém, somente
realizar os outros projetos do Ornitorrinco, com essa marca que ele tem: a irreverência! Essa
marca da coisa moderna, arrojada que ele tem até hoje. Eu acho o Cacá um dos grandes
diretores que se tem aqui no Brasil. “Super” profissional e que falava para a gente: “Olha,
aqui não tem problema, não é terapia. Não quero saber o que aconteceu. Chegou aqui é
trabalho, é profissionalismo”. E isso é muito bacana, é maravilhoso quando se trabalha, como
ele trabalhava, com grandes grupos por que cada um vinha com uma desculpa. ele falava:
“Aqui não tem desculpas, não quero nem saber”. Então, foi uma época bem legal. Eu gostei
muito de trabalhar com ele. Foi um salto de profissionalismo dentro da minha carreira. É claro
que muita coisa dele eu só fui entender depois, quando eu comecei a produzir. Aí, você vê que
“o buraco é mais embaixo”. Ator é uma coisa, produtor é outra. Quando você está como ator,
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convidado, você não quer nem saber do que acontece, dos problemas. Depois, montamos
Teledeum que foi aquela “piração”, porque juntou com a coisa da censura. Era um culto
ecumênico e as pessoas confundiam, achavam que era uma peça católica. Em Madri tinha
havido um atentado. Em Bogotá, por exemplo, íamos ao teatro no carro dos bombeiros, com
cachorros que revistavam a platéia. O Cacá estava ameaçado de morte e a Fanny Mikey, que
era organizadora do Festival, uma espécie de Ruth Escobar da Colômbia, falou que não
poderia garantir a nossa segurança, lá, depois do Festival. Pensávamos em ir para Caracas e
voltar para Bogotá, mas não deu, porque não havia segurança; íamos correr risco lá, pois a
peça falava da igreja católica em um lugar que é extremamente católico, como a Colômbia.
Não para brincar como se brinca aqui no Brasil. Os colombianos são maravilhosos,
informadíssimos. Um povo que vai ao teatro “pra caramba”. havia dez teatros enormes,
sempre lotados. O povo lá vai ao teatro, não é como aqui. existe trinta grupos estáveis e
com sede. Adoramos Bogotá, uma cidade linda, mas que tem esses fenômenos políticos.
Depois do Teledeum, iríamos voltar com o Ubu, no Teatro Cultura Artística, mas não deu
certo. Eu não sei direito o que aconteceu, sei que o Cahavia reservado esse teatro...
Não lembro o que foi, sei que foi “muito rolo”, não foi uma coisa só. Viajávamos muito e
não ganhávamos muito dinheiro, nem aqui, porque não estávamos em cartaz, nem lá.
Você assistiu a segunda montagem de Ubu? O que achou?
Assisti. Mas era outra época. Quando ele foi encenado pela primeira vez atingiu
as pessoas de forma diferente, porque o público também era diferente, um público mais
interessado, mais interessante. O público de hoje é aquele que vem de televisão e não de
teatro.A moçada ia muito, tinha gente jovem. Havia fã clube, virou “uma febre”. Hoje há
espetáculos bons, mas, no geral, o teatro está muito chato. Fala-se muito de família, de
relacionamentos. Antigamente, ninguém ia ao teatro para se ver no palco. Tinha os
clássicos e as loucuras, os espetáculos completamente enlouquecidos, sem falar nas
montagens que vinham de fora, trazidas pela Ruth Escobar que eram deslumbrantes, lindas,
modernas e que, hoje em dia, não chegam nem perto. Antes você saia transformado do teatro,
hoje é uma coisa mais digestiva.
Por que você acha que a linguagem cômica predominou nas encenações do Teatro
do Ornitorrinco?
É a linha do Cacá. Ele tem esse “pé” na comédia, na ironia e que eu adoro e acho
maravilhoso! O circo, o grande espetáculo. É uma coisa de que ele gosta. Ele é um grande
encenador. Ele é cínico, ele é Brecht, ele é dessa linha de teatro que é uma coisa muito
requintada. Tem gente que acha que não é, mas é. Ele retoma a tradição do vaudeville, da
comédia alta que é dificílimo fazer. Fora a questão de mexer com a platéia, que ele adora e
que também é muito difícil fazer.
Falando em mexer com a platéia, como era a cena do espiral da mãe Ubu? Como
o público reagia?
Era ótima! Eu tinha uns espirais desenhados no rosto e, quando o cara vinha para
beijar, eu levantava a roupa e apareciam os espirais na “bunda” e eles adoravam, o público
adorava! Eles beijavam e ganhavam moedinhas. Brincávamos de agarrar os caras, era uma
farra! Acontecia de um ou outro não querer, aí a gente ia para a platéia e escolhia outro e fazia
aquela farra. O Ubu era todo divertido. O Cacá, um dia, inventou, no meio da apresentação,
que ia parar a peça e eu acreditei! Aí, virou um show a parte que ele fazia dentro do Ubu. Ele
dizia: “Eu vou parar, não sei... Eu não estou legal... Sei lá, mil coisas...”. Já o Teledeum era
mais fechadão. O que acontecia e que era muito engraçado é que, no final da peça, o Ricardo
Blat falava que ia ler a bíblia toda e começava: “Então fez-se a luz....” e era tão bom o que ele
fazia que o público não ia embora, porque era um show que ele dava. A gente saía, tomava
banho, se arrumava, ia para o restaurante e ele (risos), as pessoas não iam embora! O
Teledeum tinha um grande elenco. A Roseli Silva, o Chachá, o Ary França que dava um show
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jogando futebol de batina! Um dia, o Ary estava batendo bola em um cantinho e o Cacá viu e
falou: “Vamos colocar isso na cena”. O Cacá tem essa vantagem, tudo o que você faz e que é
bom, ele põe em cena. A Roseli cantava uma música, que na época fazia muito sucesso.
(Cantando) Dominique, nique, nique (risos). No final da peça, todos se desvendavam e se
apresentavam como atores, tipo: “eu não sou o representante da igreja anglicana. Eu sou
fulano de tal...” Deixávamos claro isso e isso estava no próprio texto do Boadella. Essa peça
também fez muito sucesso.
quem diga que o Teledeum foi uma reprodução da encenação feita pelo
Boadella.
Eu não sei não. Ele aproveitou o mesmo cenário. Tinha uma pomba de que eu tinha
que cuidar, levar para casa (risos). Na Colômbia, foi engraçado, porque eles nos deram um
pombão de rua, bem sujo. A nossa era linda, toda branquinha e adestrada. Ela tinha que ir para
as mãos do Chachá no final da peça. O pombão da Colômbia parecia um frangão! (risos). E
era péssimo, porque ele ficava em cima do cenário, defecando! (risos). Outro dia, a gente
estava no Teatro Igreja e passou uma ratazana enorme que pulou para a platéia. Ainda bem
que ninguém viu, são coisas que acontecem no teatro. O Cacá é legal, porque ele nunca
cancela nada. Uma vez, o Mario César ficou preso na gravação de uma novela e o Cacá falou
para o Paulo Ivo fazer. Nesse dia foi o Cacá que fez a voz do diretor. Era tudo pelo
espetáculo. Tem público? Então, tem espetáculo! O Cacá tem isso.
Qual a contribuição que o Teatro do Ornitorrinco deixa para o teatro brasileiro?
Deixa uma marca, uma marca bem forte que é a da irreverência. A valorização da
comédia. O Ornitorrinco tem uma qualidade de produção muito legal porque, naquela época,
não havia organização, nem patrocínio nenhum. O Ornitorrinco é uma grande chancela do
teatro nacional, pois deixa essa marca de irreverente, a começar pelo próprio nome do grupo,
que é ótimo! Depois, pelo universo muito interessante em que ele transita, do cabaré, de
Brecht, das músicas ao vivo. Então, é muito legal!
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FREIRE, Tereza. Entrevista. Gravada na sua residência, São Paulo (SP), 10 de março
de 2008.
Foto 108Tereza Freire. Foto de Andréa Angotti
Como surgiu a oportunidade de trabalhar com o Ornitorrinco?
A minha experiência com o Ornitorrinco começou quando eu assisti, pela primeira
vez, o Ubu no Teatro Ruth Escobar. Fiquei encantada com o grupo e com aquela maneira de
se fazer teatro. A música em cena, o circo e tudo o que aquilo representava. Ali, eu pensei: Eu
quero fazer teatro com essas pessoas! Eu não tinha vontade de fazer teatro antes desse
encontro. Então, foi o Ornitorrinco o responsável por isso. Eu tinha que fazer teatro com esse
grupo. Eu também tinha alguns amigos em comum e foi assim que eu conheci o Chachá e o
Cacá. Um dia soube que estava tendo um teste para O doente imaginário e eu era bailarina e
resolvi fazer esse teste e entrei na Companhia. Ensaiamos, durante seis meses,
aproximadamente. Estreamos no México e acabei casando com o Cacá. O doente imaginário
foi minha primeira experiência com o Ornitorrinco. Fizemos um trabalho muito longo de
leitura de mesa. Tivemos um patrocínio da Oficina Cultural Oswald de Andrade Três Rios e a
nossa obrigação era fazer oficinas para as pessoas que freqüentavam. Então, tudo foi feito
ali, naquele espaço. Ensaiávamos ali, o cenário foi construído ali, tinha aulas de circo... Era
nova essa idéia de usar circo no teatro. O processo de leitura de mesa foi muito longo, no
mínimo, um mês lendo todas as obras de Molière, estudando o contexto histórico, no qual
Molière havia escrito suas peças, os parceiros de música, ou seja, as pessoas que compunham
para Molière, porque tudo isso era muito importante para o espetáculo. Foi um trabalho muito
sério de mesa. Aí, em seguida, começaram os trabalhos de composição das personagens.
Havia os grupos que faziam os intermezzos, aqueles que não tinham personagens fixos, os
bailarinos, os cantores, os acrobatas. Tivemos que aprender vários elementos da linguagem
circense como perna-de-pau, acrobacias, fogo. Depois disso, houve o trabalho de junção entre
as personagens, os intermezzos e as músicas, enfim, tudo o que compunha o espetáculo. Foi
muito tempo de preparação, no mínimo uns quatro meses até levantar o espetáculo. O
processo foi todo muito intenso, visto que intenso também era esse fazer teatro com dança,
com circo, com música, com tudo ao mesmo tempo. Eu lembro que estreamos no México e o
espetáculo foi super bem recebido, as casas sempre lotadas. Foi uma turnê que nos divertimos
muito. Trabalhar com o Ornitorrinco significava casas lotadas! Naquela época, se fazia teatro
de quarta à domingo, com duas sessões no sábado e no domingo, sem falar nas viagens. Para
o ator, um dos maiores presentes em termos de teatro, era fazer parte dessa Companhia.
No Doente imaginário havia um número com a platéia. Como era?
Eu acho que o Cacá para conseguir fazer uma cena daquela e não ser espancado
pelo público. Para nós era uma pausa deliciosa. Entrávamos todos em cena. O Cacá, em
algum momento da peça, perdia o olho dele e descia na platéia para procurar o olho. Ele
mexia em tudo, na bolsa das pessoas. Revirava, jogava tudo para fora e a gente ficava
assistindo. Era muito engraçado! o carisma dele, a coragem e a cara-de-pau para fazer
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aquilo. Ele abria, mexia, revirava, comentava, inventava... Era uma cena que, dependendo do
humor do Cacá, poderia durar cinco ou vinte minutos. Era bem legal.
Você assistiu à primeira montagem do Ubu e participou da montagem do Doente
imaginário. Você acha que existe alguma semelhança entre essas montagens? O Doente
seria uma repetição do Ubu?
Eu acho que não. É uma verticalização de linguagem. Era muito claro que o Cacá
queria esse teatro Meyehold. O Cacá sempre falava que a função do teatro é divertir, porque
as pessoas têm uma vida muito complicada. Eu estou aqui para fazer as pessoas, através do
riso, pensar. Eu acho que tinha essa coisa do Bufão na pesquisa de linguagem do Cacá. Eu
adoraria ter participado da montagem do Ubu, mas acho que O doente imaginário tem as suas
especificidades. Tem a música do Lully que é erudita e o Ubu era uma coisa mais rock and
roll. No Doente, estamos falando do século XVII, tinha toda uma linguagem pastoral. Era
bem diferente da do Ubu. Mas, é claro que essa forma bufona de fazer teatro do Cacá
permanece. A personalidade dele é muito forte e o teatro que ele faz é sim um trabalho de
autor. Você fica vendo muito a cara dele, a voz dele o tempo inteiro. O Ubu e O doente, feitos
por outro diretor, teria completamente outra cara. Depois, você vai ver que, no Sonho de uma
noite de verão, por mais lírico e clássico que seja esse texto e, portanto, quase que intocável, o
Cacá imprime fortemente a sua marca cômica, esse viés através do qual ele o mundo,
tirando um sarro de alguma maneira. Então, acho que são parecidos por serem filhos do
mesmo diretor, frutos da mesma pessoa. Porém, acho que possuem “pegadas” completamente
diferentes um do outro.
Que contribuição você acha que o Teatro do Ornitorrinco deixa para o teatro
brasileiro?
Uma fusão de linguagens e espetáculos de grande porte. Esse aspecto do bufão, de
tirar sarro pelo viés do patético. O personagem do Cacá, no Doente imaginário, era patético.
Outra característica é que o Cacá sempre apostou em atores independentes, autogestores. É
notável que ele não tem muita paciência para dirigir atores. Ele gosta de conceber o
espetáculo como um todo. O ator tem que se virar ali. Quando ele escolhe os atores, ele
opta por pessoas com esses elementos, que saibam se movimentar em cena, que têm uma
noção de dança, de canto, de teatro. Ele espaço para o ator mostrar a sua força como um
Ary França, um Chachá. Ele é generoso nesse ponto de deixar o ator mostrar todas as suas
qualidades e potencial. Ele não impõe um tipo de representação em cima do ator. O Teatro do
Ornitorrinco é muito autoral. Você olha e sabe que é do Cacá, que não poderia ter sido feito
por nenhum outro diretor.
Você acha que existe diferença daquele Ornitorrinco para esse de hoje em dia?
Acho que sim. Mas, penso que tudo é fruto de seu tempo. Temos que tomar cuidado
com saudosismos e com uma certa nostalgia, porque cada coisa está inserida no seu contexto,
no seu tempo. Senão, corremos o risco de ficarmos anacrônicos, buscando um passado
idealizado. Eu acho que, naquele momento, anos 80, anos 90, cabia aquele teatro de grupo
com tanta gente. As pessoas iam mais ao teatro que era de quarta à domingo! Dava para
fomentar esse monte de atores. Cabia para aquele tempo. Hoje em dia, creio que o Cacá deve
ter ficado cansado de ter que gerir tradução, direção, produção e trabalhar como ator e acabou
caindo em um teatro mais comercial. Começou a trabalhar com prazos mais curtos, com
fórmulas já meio prontas, com atores mais disponíveis do que aquela explosão de criatividade
que eram os atores daquela época e que, portanto, requeriam mais tempo. Eu acho que aquele
Ornitorrinco era fruto dos anos 80 e 90 e esse, de agora, é um Ornitorrinco do novo milênio,
da globalização. Eu brinco com o Ary e com o Chachá, dizendo que a gente era feliz e sabia!
Era uma época que dava para se viver de teatro, não precisava fazer televisão. Fazia-se para
ter “um a mais”, publicidade, divulgação. Antes, havia menos espetáculos em cartaz... Hoje,
as opções são inúmeras e isso também é um produto desse tempo. Hoje, as coisas são mais
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rápidas, diversificadas. Você pega um controle remoto e tem oitenta canais. Naquela época,
tinha dez! E isso também aconteceu com o teatro. Mas isso não quer dizer que o Cacá não
possa voltar a fazer um trabalho de pesquisa como foi feito no Ubu, no Doente, no Sonho. Na
verdade, não se deixou de ter essa pesquisa, é que talvez ela tenha sido menos do grupo, tenha
ficado só no diretor, cenógrafo e, quem sabe, alguém da música e, a partir daí, passado para as
outras pessoas, para os atores que vão e realizam. Antes, era uma coisa orgânica, que se ia
montando a partir de improvisações, estudo em conjunto. Todo mundo passava mais tempo à
disposição, que era quase que total. Quando começamos a ensaiar o Sonho de uma noite de
verão, estávamos em cartaz no TUCA, com O doente imaginário. Brincávamos ao dizer que
morávamos na rua Monte Alegre, porque chegávamos às duas da tarde e íamos embora à
meia-noite! Dava para criar filho e viver de teatro, pois o processo era muito dinâmico.
Você estava em cartaz com uma peça e estava ensaiando para outra. Acabava um
espetáculo e nhamos outro. Eu lembro que, durante cinco anos, eu tive folga na semana
santa e no carnaval. Eu tenho boas lembranças do doente imaginário e do Teatro do
Ornitorrinco. Um grupo coeso e muito talentoso. Era um prazer enorme. Depois que saí do
grupo para montar o grupo Aerodianas, com atrizes que também tinham sido do Ornitorrinco,
dei ainda mais valor ao Cacá, pela capacidade de gerir tantas coisas ao mesmo tempo e ainda
conseguir entrar em cena como ator. Só mesmo por muito amor ao teatro!
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SILVA, Eduardo. Entrevista. Gravada na sua residência, São Paulo (SP), 16 de março
de 2008.
Foto 109Eduardo Silva. Foto de Andréa Angotti
Fale um pouco sobre sua formação e como ocorreu o convite para trabalhar com
o Ornitorrinco.
Eu estou na estrada faz trinta anos. Comecei com quatorze anos e hoje estou com
quarenta e quatro anos. Iniciei fazendo televisão, novela. Depois, fui para o teatro e, com a
primeira peça que fiz, um infantil, ganhei o Prêmio Mambembe de ator revelação. Fiz
trabalho na Tupi, na Bandeirantes e, quando eu estava com cinco anos de carreira como ator,
eu percebi que não adiantava ter curso de Artes Cênicas, que isso não garante nada,
estabilidade nenhuma. Aliás, nem tempo de trabalho, nem qualidade no trabalho garante
alguma coisa. Então, resolvi prestar vestibular para biologia, porque, além de gostar da área,
eu poderia dar aula e fazer teatro, televisão. Eu fiquei dando aula dezesseis anos. Parei de dar
aula em 2001 e, desde então, estou me virando sozinho como ator. Fui fazer um trabalho na
Manchete que se chamava Cadeira do Barbeiro e o Cacá estava lá, fazendo o protagonista, o
barbeiro. Eu fazia o engraxate da barbearia. Era eu, o Cacá Rosset, a Lucinha Lins, que fazia a
manicura e a Iara Jamra. A Iara saiu e entrou a Cristina Mutarelli no lugar dela. Era um
programa de entrevista, as pessoas iam na barbearia e eram entrevistadas. Foram lá o Paulo
Autran, o Franco Montoro, o Dirceu, a Elke Maravilha... Ficamos no ar uns seis meses.
Foi assim que conheci o Cacá. Antes, só havia assistido às suas peças. Acho que ele gostou do
meu trabalho e de mim. Quando ele montou Sonho de uma noite de verão, ele me chamou
para participar, só que eu já tinha assinado com a Manchete para fazer a novela Ana Raio e Zé
Trovão e eu não pude fazer a peça. Foi, nesse ano, que eu parei de dar aula, porque
viajávamos pelo Brasil inteiro. eu pensei: Caramba, ele não vai me chamar nunca mais
para trabalhar. O Cacá chamou, então, o Pompeo para fazer, no meu lugar, e a peça foi um
sucesso. Depois, quando ele resolveu montar A comédia dos erros, ele precisou de dois atores
com biotipos parecidos, porque era a estória de dois pares de gêmeos. Aí, ele chamou o
Pompeo de novo e me chamou também. Eu fiquei “super” feliz por ele ter me chamado de
novo, por ter lembrado de mim! E essa peça também foi um sucesso. Ficamos dois anos em
cartaz.
Conte um pouco sobre o processo de montagem desse espetáculo.
Foi aquela “pauleira”, como é no Ornitorrinco. “Duzentas” horas de ensaio por dia!
Agora, estamos ensaiando A megera domada. São seis horas de ensaio por dia, com folga uma
vez por semana, aos domingos. No início, eu estranhei o trabalho com o Cacá, porque ele é
muito rígido nas marcas. Ele quer que você faça do jeito que ele fala para você fazer e aí, se
você fizer do jeito que ele quer, ele fica contente. Se você der verdade, organicidade para
aquilo, melhor para voenquanto ator, senão você vira uma marionete na mão dele e acaba
por dar certo! Ele sabe muito bem como tirar riso do público, como fazer as pessoas darem
risadas. Se ele fala para você colocar a mão aqui, é aqui. Não é ali, nem e o pessoal vai dar
risada. Ele faz isso muito bem, com uma maestria sem fim. Então, eu estranhei a princípio
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porque eu nunca tinha trabalhado com um diretor tão gido nas marcações. Eu e o Luti
(referindo-se ao ator Luciano Chirolli), depois, íamos justificar essas marcas, fazendo como se
fossem brincadeiras que tínhamos desde crianças. Os tapas, as gags, as graças, os tropeções,
os socos, para dar uma organicidade, uma verdade para aquilo. E era uma “pauleira”!
Trabalho de corpo, de luta... Veio um norte-americano dar luta cênica para a gente. O trabalho
de mesa foi bem rápido. Ele parte mais para a marcação. Na Megera, tivemos três dias de
trabalho de mesa, dois dias vendo filmes e partimos logo para a marcação. Ele é muito prático
nesse sentido.
Com a montagem do Avarento e do Scapino o processo foi o mesmo?
A mesma coisa.
Como é trabalhar no Teatro do Ornitorrinco?
É vitrine, porque é um grupo famoso. É bom estar num grupo famoso, que é badalado.
Se você monta peças legais e põe em cartaz, ninguém vai ver. Qualquer coisa que o
Ornitorrinco monta é público garantido. O Ornitorrinco tem uma certeza de público que eles
conquistaram ao longo desses anos todos. O Ubu foi o maior sucesso deles. Antes, tiveram
outras peças também bem sucedidas como Mahagonny, mas acho que não foi tão badalada
como o Ubu. Acho que o Ubu foi o auge, porque eles romperam com tudo o que vinha sido
feito até então. Quebraram totalmente a quarta parede e começaram a por circo, mulher
pelada, música ao vivo. Foi uma inovação. O Cacá descobriu essa fórmula e vem repetindo-a
sempre. Dizem até que já está velha, que todo mundo, que vai ver o Ornitorrinco, sempre
encontra as mesmas coisas. Mas, continua dando certo essa fórmula. Então, estar no
Ornitorrinco é uma vitrine muito boa, porque as pessoas vão nos ver. Há colegas meus, que eu
convidava para ir ver minhas peças e nunca iam. Estou no Ornitorrinco e eles agora vão e
falavam para mim: “Eu vim te ver!”. E eu respondo: Você não veio me ver, você veio ver o
Ornitorrinco! As peças do Cacá têm um público certo e atinge todas as idades e isso também é
muito legal. Agora, o Cavai voltar em grande estilo! A última montagem O marido vai à
caça! não tinha a cara do Ornitorrinco. É uma peça de gabinete, com pouca gente, elenco
pequeno. Todavia, com A megera domada vai voltar em grande estilo, com bailarinas,
circenses, figurantes, música ao vivo, vinte e poucas pessoas em cena. Vai ser grandioso
como sempre foi, como as pessoas estão acostumadas a ver.
Você assistiu à primeira versão do Ubu e participou da segunda. Você acha que
elas são diferentes?
Ele fez igual. Se eu fosse ele, teria criado uma outra coisa para surpreender as pessoas,
porque aquela ficou datada. Na primeira montagem, foi tão retumbante a surpresa e, na
segunda, não, era igual. As mesmas coisas, as mesmas piadas. Não tinha nada de diferente.
Ele descobriu uma fórmula que está durando faz vinte anos, uma fórmula irreverente de
fazer teatro. Quando você vai remontar uma montagem que deu origem à série, teria que se
criar uma outra coisa. Ele tem capacidade para isso, para fazer algo que surpreendesse
novamente as pessoas, mas ele optou por fazer igual.
Você falou da linguagem irreverente do Ornitorrinco. Qual seria a linguagem do
Ornitorrinco?
Essa coisa de quebrar a quarta parede é uma das primeiras coisas legais que tem.
Antigamente, na década de oitenta, era super” difícil você ver um teatro em que se quebrava
a quarta parede. O público ia assistir e não tinha comunicação entre elenco e público. Isso era
uma coisa que assustava. Hoje, não assusta mais, porque muitos outros grupos agora fazem,
começaram a imitar. Colocar circo no teatro também foi uma coisa “super” inovadora, perna-
de-pau, malabarismo, contorcionismo, acrobacia. È uma coisa que enche os olhos, que
enriquece e o legal é que tem a ver com o contexto da peça. Tem gente que acha que pára para
se fazer circo, mas não é. Tem sempre a ver com o contexto da peça. Por exemplo, na cena do
banquete do Ubu, enquanto está se montando a mesa, eles estão fazendo acrobacias e
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malabarismos. Então, tem sempre a ver com o espetáculo. Pôr mulher nua em cena também já
é uma coisa que enche os olhos. Nas peças do Cacá, sempre tem mulher pelada ou pelo menos
com seios de fora.
Você acha que essas mulheres nuas aparecem só para chamar público ou também
estão inseridas num contexto?
Ah, o Cacá dá um jeito de colocar. É uma forma de chamar público, sim. Mas também
acaba ficando inserido na peça, porque, quando você as cenas, você fala: “Por que não?”.
Então, quando você mistura tudo isso e põe no liquidificador, acaba dando a cara do
Ornitorrinco. É circo, é mulher pelada, é a quebra da quarta parede, é deboche total e acaba
virando uma fórmula que é mágica.
Como você acha que o Ornitorrinco trabalha com a linguagem cômica em suas
encenações?
Eu acho que tem várias formas de fazer as pessoas rirem. Fazendo uma
conscientização, uma crítica, por meio do lúdico, ou simplesmente fazer rir por rir. No Ubu
aquela irreverência toda era uma crítica, um “tapa na cara” do governo. Um rei usurpador que
matava todo mundo e saía impune. Era uma crítica à política da época. O Teledeum era uma
crítica absurda à hipocrisia que rola por trás das religiões. Depois, o Cacá começou a
embarcar numa fase de fazer comédia mais para distração do que para conscientização, de
beleza plástica, visual. Fazer as pessoas rirem para se distraírem. O doente imaginário e
Sonho de uma noite de verão eram lindas plasticamente. A comédia dos erros era uma
comédia “super” inteligente, de uma carpintaria teatral maravilhosa. O Scapino também, mas
era só para rir. Acho que ele perdeu essa coisa de crítica, apesar de que, do jeito que o mundo
está indo, pouca coisa você tem para usar como surpresa, porque está tudo tão escancarado
que não tem mais como você surpreender através de uma crítica teatral. A risada é uma coisa
de que ele gosta, o Cagosta de fazer as pessoas rirem, ele gosta de trabalhar com isso. É
uma forma de você atrair o público, porque as pessoas não querem ver dramas. Elas já passam
por tantos problemas, é tudo tão difícil na vida delas, que elas querem sair para se distrair e
para se divertir.
Qual é a contribuição que o teatro do Ornitorrinco deixa para o teatro
brasileiro?
Acho que a inovação, a irreverência, a criatividade, a união de artes diferentes, o
deboche, a popularização de textos clássicos porque Shakespeare e Molière eram “super”
populares na época deles e, agora, com o passar do tempo, eles ficaram difíceis de entender.
As traduções são “super” duras, difíceis. Já as traduções que o Cacá faz são populares e isso é
uma coisa que o Ornitorrinco faz e sempre fez muito bem.
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VASCONCELOS, Guto. Entrevista. Gravada na residência da pesquisadora, São Paulo
(SP), 27 de março de 2008.
Foto 110Guto Vasconcelos. Foto de Andréa Angotti
Fale um pouco de sua formação e de como aconteceu o encontro com o Teatro do
Ornitorrinco.
Eu tive o primeiro contato como grupo, quando eu assisti ao Ubu onde eu me encantei
com aquela coisa do teatro físico, da mistura das linguagens: o teatro, o circo, a dança, a
música, que o Teatro do Ornitorrinco fazia muito bem. Depois, acabei conhecendo o Circo
Escola Picadeiro. Eu tinha acabado de me formar na faculdade de Educação Física e o André
Caldas, que era meu amigo de faculdade, já estava na escola de circo. Eu acabei indo para lá e
começamos a treinar técnicas circenses. E, através do André que tinha trabalhado no Ubu, em
uma substituição, surgiu uma oportunidade de fazer uma audição, um teste para o Teatro do
Ornitorrinco. Era para uma viagem que eles iriam fazer com o Ubu, para a Alemanha, e um
dos atores não poderia viajar. Passei no teste, mas, no fim, o ator pode viajar e eu acabei não
indo, mas foi bom, porque foi assim que eu acabei conhecendo o Cacá. No ano seguinte, em
1989, ou final de 1988, começou a produção e a montagem de O doente imaginário e o Cacá
me convidou para fazer parte e integrar ao elenco do espetáculo.
E como foi o processo de trabalho do Doente imaginário?
A gente ensaiou na Oficina Cultural Três Rios. Hoje se chama Oswald de Andrade
Nós ensaiávamos, às tardes e eu me lembro que, no começo, era o ensaio de mesa.
Discutíamos e líamos o texto, as pessoas faziam pesquisas e apresentavam. Eu tinha vinte e
dois anos, era muito jovem, cheio de energia. Era difícil ficar sentado, fazer a parte teórica, o
estudo de mesa. Era complicado! passou essa fase e nós começamos a ensaiar e a criar.
Éramos responsáveis (referindo-se a ele e ao André Caldas) pela parte circense, todos os
números e os intermezzos. A gente tinha um aparelho que se chamava “Passeio aéreo”, que
era um aparelho em que a gente andava de cabeça para baixo, no teto do teatro. Os circenses
eram somente eu e o André. Havia as bailarinas que acabamos incorporando em algumas
cenas. Na cena de commedia dell’arte que tinha muita acrobacia, o Arlequino, as máscaras da
commedia dell’arte e, no meio e no final do espetáculo, tinha um número com pernas de pau.
Quase todas as bailarinas faziam essas cenas conjuntamente comigo e com o André. Tinha um
coral, a gente cantava em cena também. Era a cena da formatura do Argan, como médico. Na
verdade, existia um intercâmbio. Dávamos aula mais por uma questão de integração entre o
elenco. Mas, os atores não faziam nada circense. Os atores eram atores e nós fazíamos a parte
mais física, a circense. Não tínhamos texto. Os bailarinos, até pela própria natureza do
trabalho, tinham mais habilidade e facilidade para aprender as técnicas de circo. Então,
ensinamos o que deu para ensinar. A gente meio que costurava o espetáculo com os
intermezzos. Promovemos oficinas de cnicas circenses para quem havia se inscrito, pessoas
interessadas. Os outros atores também fizeram oficinas. No Doente imaginário, tinha
pirofagia, aliás, era eu quem cuspia fogo. Eu me lembro que aconteceram várias coisas
inusitadas. Uma delas foi que, no dia antes da estréia do espetáculo, na Cidade do México,
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fomos à rua. Os atores maquiados, com figurinos, os músicos tocando e eu e o André de
perna-de-pau, divulgando o espetáculo. Eu acabei caindo da perna-de-pau e fraturei um
ossinho da mão. Isso um dia antes da estréia! Então, eu tive que engessar a mão e tivemos que
mudar um monte de coisas no espetáculo, tudo um dia antes, horas antes, na verdade! E deu
tudo certo. Fomos muito elogiados.
Como foi trabalhar com o Ornitorrinco?
As lembranças, que tenho, são muito boas, muito positivas. Um grupo altamente
profissional e renomado. Eu estava começando a minha carreira artística e, de repente, eu
estava num grupo de repercussão nacional e internacional, que estava sempre na mídia, com
casas sempre lotadas, o blico sempre presente, filas enormes! Viajava-se muito pelo
exterior e isso era muito interessante, esse intercâmbio. Era um privilégio, uma honra
trabalhar para o Teatro do Ornitorrinco. Eu adorava! Era uma coisa muito legal, que dava
orgulho. Uma coisa relevante, importante para o seu currículo. Foi um grande impulso para a
minha carreira. Foi, através do Teatro do Ornitorrinco, que eu vislumbrei a possibilidade de
uma carreira que podia ter futuro, me dar frutos. Formamos a Companhia Acrobáticos
Fratelli, de que eu participei por dez anos e que está até hoje! Depois do Acrobáticos
Fratelli acabei indo trabalhar fora do Brasil. Fui trabalhar no Cirque du Soleil. O Ornitorrinco
foi o meu primeiro trabalho de peso, de responsabilidade, que teve repercussão nacional e
internacional na minha carreira. Era um grande barato, muito prazeroso, muito legal! As
pessoas eram extremamente talentosas e tinham um humor, uma alegria... Era um teatro feito
com paixão, com vontade. Havia um “tesão” em fazer o espetáculo! Tinha uma harmonia
muito grande e eu acho que, por isso, as peças ficavam tanto tempo em cartaz. Isso se refletia
em cena. Era coisa que contagiava. Tinha uma energia de banda de rock. O público estava na
mesma vibração que o grupo. Era bem diferente de um grupo convencional de teatro. Tinha
uma levada de trupe.
Como que era a linguagem cênica do Ornitorrinco?
Acho que, em primeiro lugar, o que é muito perceptível é a mistura de linguagens.
Aquela coisa de teatro total e que eu vi pela primeira vez com o Ornitorrinco. Você não se
prende a uma única coisa e isso é muito interessante. Essa é uma característica bem forte do
Teatro do Ornitorrinco. Eu imagino que a “veia cômica” presente no Ornitorrinco vem junto
com as pessoas que fazem parte da história desse grupo. Essa coisa cômica era muito forte. As
pessoas riam muito. Era gostoso ver como o público se divertia com aquilo que viam. Os
atores ficavam com a parte do humor mais “escrachado” e nós, com a parte mais sublime e
poética da encenação.
Como era a cena com o público?
Tinha um momento em que o Argan perdia o olho e saia para a platéia para procurá-lo:
“Cadê, meu olho?” E ele ficava nessa um tempão. Aí ele falava: “Parou o espetáculo,
ascendam as luzes, porque enquanto eu não achar meu olho, o espetáculo não continuaAté,
ele saia do personagem. A gente sai da coxia se trocando, numa situação mais informal. Era
muito interessante. A gente sentava na beira do palco e esperava-o, que agora não era mais o
Argan, era o próprio Cacá, tentando achar o seu olho. E aí retomávamos a peça, como se nada
tivesse acontecido. Ele vasculhava as bolsas, jogava tudo no chão. O público tem aquela coisa
de sadismo. Era um riso nervoso, do tipo: “Ainda bem que não é comigo!”.
quem diga que O doente imaginário seria O ubuente imaginário, pela
semelhança presente na encenação dessas duas peças. Você que assistiu ao Ubu e
participou do Doente, concorda com essa visão?
Não. É o mesmo grupo, com as mesmas idéias, com as mesmas ideologias Inclusive a
maioria das pessoas que estava no Ubu estava no elenco de O doente. E outra, são as
características do grupo que vão passando de um espetáculo para o outro. Era o mesmo
diretor. Claro que tinha semelhanças, o circo, os bailarinos, a música ao vivo. Mas, não cabe
178
falar que era uma cópia, porque era um outro texto de épocas distintas. Um era Jarry e o outro,
Molière! Em um, era uma banda de rock, no outro era música erudita! Realidades diferentes.
Esse trocadilho é algo exagerado.
Existe uma diferença entre aquele Ornitorrinco, do qual você fez parte para o
Ornitorrinco de hoje?
Na verdade, o é uma diferença que eu noto, é uma não diferença! Há uma repetição
da fórmula, que não tem nada de errado nisso. Mas, para mim, enquanto espectador é
previsível. Eu vejo as mesmas piadas, o mesmo estilo, a mesma levada, a mesma entonação...
Talvez, isso também ocorra, porque eu já estive lá. Por outro lado, é bom, porque eu posso
reviver momentos felizes. Eu acho que é uma questão de escolha. Depende também do ponto
de vista de quem vai fazer a crítica, que pode ser a do espectador ou a da história teatral do
grupo. A minha opinião é comprometida, porque eu fiz parte. Para as pessoas que têm vinte
anos, hoje, é tudo novo.
Qual a contribuição que o teatro do Ornitorrinco deixa para o teatro brasileiro?
Eu acho que o Teatro do Ornitorrinco foi um marco, um representante muito forte.
Acho que por mostrar que o teatro é viável. Eu não sei como é que o teatro está hoje, aqui no
Brasil, mas podia se viver de teatro. O teatro pode ser um negócio, comercial. A visão que eu
tenho é que há muitos teatros acontecendo, mas as pessoas não vão mais ao teatro. Aí, me faz
pensar se isso é decorrente das produções que estão acontecendo ou de uma falta de uma
política cultural e educacional de incentivo ao teatro, de formação de público, da importância
que o teatro tem na formação do cidadão, do indivíduo. Agora, quando me refiro ao teatro
comercial, não é com relação a estética. O que eu me refiro é ao comercial, enquanto
viabilização. É como promover e estabelecer uma relação de marketing, de produto que pode
ser altamente cultural, informativo e que tenha um papel importante dentro da cultura. Eu
acho que é uma questão mais de postura do que dizer que isso tem “uma cara comercial”.
Existe certo paternalismo dentro do teatro, de que ele tem que ser subsidiado. Tem que ter
sim, mecanismos para se viabilizar o teatro. Aliás, a cultura é como a saúde, é como o
transporte público. Tem que haver uma política cultural, governamental para o circo, a dança,
o teatro, a música... Mas, eu acho que aqui, no Brasil, se tem aquela coisa de querer fazer tudo
subsidiado, em que o ator, o diretor, os artistas são sempre aqueles caras que pedem, que estão
“duros”, sempre sem grana. Parece que faz parte da profissão ter essa relação com o dinheiro
e eu acho isso um absurdo! É também uma questão de conscientização da classe que trabalha
com isso. Eu acho que você tem que criar seus próprios meios também.
179
VERGUEIRO, Maria Alice. Entrevista. Gravada em sua residência, São Paulo, (SP), 29
de março de 2008.
Foto 111Maria Alice Vergueiro. Foto de Victor Nosek.
Quando o Ornitorrinco nasceu, que foi em vinte dias, fizemo-lo nós três, por um
entusiasmo. Tínhamos um texto de Strindberg que, na verdade, eram três peças: A mais forte,
O pária e Simun e a sensibilidade do Galízia em juntá-las em uma única peça de três atos, o
que resultou na montagem de Os mais fortes. Também tínhamos um espaço e a nossa
afinidade.
Então, surgiu um trabalho barato. Nós mesmos fizemos as luzes no Porão do
Oficina, não nhamos dinheiro, mas não ficou aquela coisa pobrezinha, que demonstra que
você fez um esforço suado. Era amador, porque tínhamos amor, não era comercial. A gente
fazia às segundas-feiras, à noite, e aos sábados à meia-noite. Lotava. Ninguém avisava, era
“boca a boca”. Depois, nós fizemos O Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill, mas, com
esse espírito coletivo, esse espírito entusiasmado, que eu nunca mais perdi. Quando você se
apresenta ao público numa explosão, numa cumplicidade não-comercial, ele está na torcida
a favor, porque é um público de “boca a boca”, que conhece você de uma outra maneira. o
tem aquela imparcialidade de alguém que compra e entra para ver um espetáculo e compara
com a novela das oito. É muito maniqueísta a situação cultural no Brasil, se você não é uma
coisa, você é outra e nós estávamos querendo ser uma terceira opção, porque havia um rigor
de texto, um rigor de figurino e de encenação. Não havia aquela coisa de que estamos
pobrezinhos e vamos aceitar qualquer coisa. Muito pelo contrário! Nós nos juntamos também,
não foi por acaso. Eu e o Cacá já tínhamos tido uma relação, eu como professora dele. É um
fenômeno de encontro. O Galízia, na faculdade, estava fazendo Ionesco e eu e o Cacá
estávamos fazendo Brecht. Eles eram considerados os melhores alunos e eu era professora de
lá. Deu uma química, tanto é que, em vinte dias, estávamos fazendo as coisas para ver se dava
e deu. Nós tínhamos aberto uma firma juntos, mas essa firma não estava dando a que veio,
porque a firma indicava que nós iríamos nos profissionalizar para entrar no mercado cultural.
Seria, naturalmente, a próxima etapa de relação de trabalho e exigiria uma dedicação integral
e daí, nós nos separamos. O Galízia foi fazer um comercial no Japão, eu peguei meu prêmio
Molière, que era uma viagem para Paris, e o Cacá segurou o Ornitorrinco. O Galízia estava
doente. Ele tinha uma urgência nas coisas... Então, quando o Cacá segurou o Ornitorrinco, a
primeira coisa que ele fez foi montar Mahagonny. Ele até nem contou comigo, porque eu
estava fora do país. Mas, veja, ele tocou o Ornitorrinco! O Galízia estava fazendo tese de
doutoramento em Berkeley. Mas, sempre ficou entre mim e o Cacá, uma vontade de
reencontro. Como não deu certo Mahagonny com a Denise Dell’ Vecchio, ele me convidou
outra vez. Eu estava voltando da Europa e o Galízia também se reencontrou com o
Ornitorrinco. Então, eu não voltei para o Ornitorrinco, eu fui para o Ornitorrinco. Já tinha um
certo esquema. Ele estava com o teatro marcado, porque o Cacá é pragmático. Muitas
coisas eu não realizo, porque eu não tenho esse espírito prático que ele tem. Aliás, é uma
grande qualidade dele e defeito meu. Eu volto da Europa e encontro uma estrutura. Nem
precisei estudar muito. Coloquei meu conhecimento que tinha sobre Brecht e cantei. Foi uma
180
loucura! Eu estreei no Guarujá. Em três dias, eu peguei o papel. Do Guarujá eu estava indo
para Caracas, na Venezuela, que tinha um “puta” teatro. O Galízia ainda estava no grupo. Ele
se desprendeu, quando s fomos convidados para o Festival de Guanajuato, no México,
quando ele não quis ir, porque já estava querendo se desligar do Ornitorrinco. Era o
Mahagonny que tinha sido convidado, mas como eram muitas passagens eu falei para o Cacá:
Vamos levar O Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill, sem Galízia! Foi o Chiquinho
Brandão, o Felix Wagner, a Edith Siqueira, eu e o Cacá. Quando voltamos, nós íamos
começar a montar O doente imaginário, mas fomos convidados para ir à Nova Iorque e o
Chachá deu a idéia: “Vamos com Mahagonny para Nova Iorque! A gente faz O doente
imaginário depois”. Os festivais ajudaram a gente a arraigar essa história de “thurma”.
Porque, quando a gente viajava, não tinha cachê para todo mundo. Era aquele espírito de
escoteiro, misturado com hippie. Era uma delícia viajar! À medida que a gente foi tendo um
reconhecimento até fora do Brasil, de qualidade, de irreverência, o Cacá assumiu uma
liderança empresarial. Isso garantia ao grupo a participação nos festivais mais complicados
em que se levavam trinta, quarenta pessoas, como no Doente imaginário e no Sonho de uma
noite de verão. Mas, antes da montagem de O doente imaginário, teve o grande sucesso do
Ubu. Eu não estive no Ubu. Eu estava fazendo outras coisas. Mas o Ubu foi o ápice de um
trabalho de grupo. Foi um divisor de águas, porque ainda tentou ter esse espírito anárquico.
Eu chamo de anarquia, porque eu sou anarca. Anarca não é um não-governo, é um auto-
governo.
O que seria o Núcleo 2?
O Núcleo 2 foi criado por causa dos festivais menores. Porque existiam festivais que
queriam Ornitorrinco devido ao sucesso fora, mas não tinham estrutura para levar quarenta
pessoas. O Núcleo 2 passou a ser, para mim, uma possibilidade de conhecer outros autores, de
dirigir espetáculos e fazer um pouco do que eu achava. Então, eu comecei a experimentar
outros diretores também. Eu queria fazer do Núcleo 2 uma possibilidade de discutir as
relações de trabalho. Eu, até hoje, tenho a esperança que isso aconteça, de você ter um time
onde todos participem e não se diluam na coletividade, mas que também tenham autoridade, o
que é uma utopia. Eu vejo, agora, que o grande momento da transformação é você começar a
viver utopias em grupos, porque, senão, é tudo muito chato. Eu não agüento mais ser
contratada para um elenco, aonde eu chego e uma competiçãozinha entre os atores. Para
quê? Para ganhar dinheiro com o teatro? Não se ganha dinheiro com teatro, pelo menos quem
não é global. O Núcleo 2 seria uma possibilidade futura de um teatro experimental, o que
significava resgatar a idéia e a relação de trabalho inicial do Ornitorrinco. Tem muito a ver
com você ser dona do trabalho. Você entra numa outra ética. Tem uma força muito grande,
porque todo mundo se sente pertencente ao trabalho. Eu não estou querendo dizer se esse é
melhor ou não. Esse era o Núcleo 2. Eu e o Canão tivemos um rompimento, mas nos
afastamos. Esse tipo de relação de trabalho pega muito no afetivo também. O Cacá diz que
são Núcleo 2 as produções menores, mas não era somente isso. Eu escolhia peças fortes, boas
e adaptava para os festivais menores.
As montagens do Núcleo 2 tinham um caráter de pesquisa, de estudo?
Eu era quem estava pesquisando. Não dava tempo de virar um grupo. Alguns
queriam ir para Nova Iorque. Eu estava querendo montar, por exemplo, o Lorca e tinha que
estar pronto em dois meses para o festival em Miami. Não dava tempo para você criar aquela
empatia e, numa hora dessas, era mais oportuno um ator aventureiro que quer ir para Miami e
então vai, do que um ator global para esse tipo de montagem. Eu perguntava: Você canta? E
respondiam: “Canto!” E não cantavam nada! Mas tinham tanta vontade que até ficava bom
(risos). Isso é que era importante, esse espírito! Eu sou aventureira! Esses festivais menores
eram muito mais gostosos, porque eram mais íntimos. A gente foi para Pereira, na Colômbia,
lugar que nem existe mais porque o vulcão “comeu” (risos). Eu não tinha que dar cachê
181
nem nada. Eu estava convidando para ir ao festival e muitos topavam e nem voltavam,
aproveitavam e iam para Nova Iorque. O Cacá começou a ir sozinho. Ele assistiu La Chunga,
do Llosa e ficou tão encantado que começou a namorar a Andréia Pozzi. O processo de
trabalho dentro do Núcleo 2 era, antes de qualquer coisa, uma tentativa de relacionamento
diferente. A idéia do espetáculo A pororoca surgiu no Festival latino-americano de Nova
Iorque, em 1984, quando o organizador do evento solicitou que cada grupo também levasse
um tipo de discussão sobre qual seria o papel da mulher no teatro. A pororoca aconteceu por
conta desta questão. Resolvemos fazer um confronto entre o estereótipo da prima donna e o
da vedete, assim como o fenômeno da pororoca que acontece no Brasil. (Citando Brecht)
“Por que são consideradas violentas as águas do rio que transbordam e não as margens que as
detêm?”. Foi o Galízia quem deu a idéia e dirigiu esse espetáculo. Nós estudamos muito a
mulher ancestral e a transgressora. Era um gancho para você desenvolver um confronto.
Então, você vai pegando todos os contrastes. Criamos uma performance. A Magaly Biff
ficava pelada, mas não bastava isso. Era necessário que a atriz se vestisse de nu e ela o fazia
muito bem! Era uma época em que estava em discussão a mulher como objeto. Então,
começaram a discutir se essa peça era política ou se entregávamos os pontos por colocar uma
mulher nua para e para tomando banho. Usamos o ícone, o fetiche e o tabu da mulher
pelada, mas que não fosse, por causa disso, escrava. Nesse tipo de trabalho, a base era igual,
mas o resto mudava a cada encenação. Em cada lugar, era de um jeito. Viajamos muito com
as montagens do Núcleo 2. Fomos com Medéa para Cádiz e com Dom Perlimplim para os
Estados Unidos, para a Colômbia (onde apresentamos para mulheres), para a Costa Rica;
fizemos turnês em Portugal e Espanha, inclusive na cidade do Lorca, Granada. Mesmo
afastada do Ornitorrinco, eu continuo com essa idéia da possibilidade de risco e experimento.
182
POMPEO, Augusto. Entrevista. Gravada no SESC Consolação, São Paulo (SP), 02 de
abril de 2008.
Foto 112Augusto Pompeo. Foto de Andréa Angotti
Fale um pouco sobre o que você fazia antes de trabalhar com o Ornitorrinco e
como ocorreu o convite para trabalhar com esse grupo.
Eu estava fazendo dança. Eu tinha um grupo de pesquisa e fazia muita dança, dança
pesada, jazz. Eu tinha feito anteriormente a Ópera do malandro, com o Chachá e a Tereza
Freire. Na Comédia dos erros, quem ia fazer o Puck era o Eduardinho, mas ele tinha um
contrato com a Manchete, estava fazendo novela. lembraram de mim para fazer esse
personagem. Eu não tinha a mesma faixa de idade do Eduardinho, mas eu tinha condições de
fazer o duende, aquele garoto travesso.
Como foi a encenação de Sonho de uma noite de verão?
Cada encenação é um desafio para nós atores. As pesquisas, a gênese das personagens,
os ensaios vão construindo um novo ser. É nesta busca que provamos para nós mesmos que
existimos e participamos do criar. É depois do terceiro sinal, com o confronto com a platéia
que nos realizamos! Vencemos o medo, a expectativa, e estamos plenos, prontos para
trocar. Quando fiz o Puck, no Sonho de uma noite de verão, senti-me travesso e brincalhão. A
tônica era a magia, o amor e traquinagens. Eu lembro de uma cena que terminava (cantando):
Tchu, tchu, tchu, ruru, ou yeah! (risos). Uma direção fascinante e uma equipe deslumbrante.
Eu acho que fazer comédia é um desafio nesse mundo em que a gente vive onde a tendência é
o dramalhão, até pela nossa própria situação. Então, por isso acho que, nessa situação, o mais
difícil é fazer comédia e carnavalizar. Eu lembro que, no Sonho de uma noite de verão, o
agradecimento era Maracangalha!
Na sua opinião, por que o Ornitorrinco preferiu trabalhar com a linguagem
cômica em suas encenações?
Eu acho que essa visão do Cacá de grande espetáculo fica muito mais comunicativa,
quando se trabalha com a comédia, com o engraçado. Na Comédia dos erros, o equívoco e a
maestria! O espetáculo era todo pontuado, como uma grande coreografia. Novamente, uma
grande equipe. Eu acho que o Cacá prima pelo trabalho em equipe. Ele começa, ele dá o tom e
todos vão fazendo parte daquele acorde e, de repente, quando se vê, ele envolveu todo mundo.
Como se realizava o processo de trabalho dentro do grupo?
Tanto no Sonho de uma noite de verão, como na Comédia dos erros havia um estudo
de mesa. Era um trabalho de mesa parecido com um outro tipo de teatro? Não. Era um
trabalho de mesa menor, pensando no espetáculo, na cena. O Sonho de uma noite de verão
foi elaborado, aqui, no Brasil, para fazer uma estréia em Nova Iorque. Foi criado aqui, para
ser apresentado lá. No caso da Comédia dos erros foi o oposto. Foi criado nos Estados Unidos
e, a partir da criatividade de lá, foi encenado no Brasil. Os figurinos, os cenários, o coreógrafo
das lutas, o diretor musical vieram de lá. Deu uma sensação que foi um espetáculo de que
foi adaptado para cá. Chegando aqui, ele já sabia como conseguir o efeito final.
Como era a participação do público nessas duas encenações?
183
Eu vi O doente imaginário. Participei de um workshop da Lala e, no Doente
imaginário, de que eu estava como espectador, tinha a participação da platéia. Na cena do
Cacá que se dirigia até a platéia para procurar o olho, era mais do que engraçado, era
instigante! Tinha o elemento surpresa. O teatro sai de e vai até o blico, mas de uma
maneira gostosa. Ninguém era agredido. Era muito risível! O Sonho de uma noite de verão e
A comédia dos erros são espetáculos que não propuseram interatividade com o público. Mas,
ao mesmo tempo em que eles não se propuseram a isso, você percebe que a platéia está ali, na
sua frente. Então, de certa forma, ela está dentro do espetáculo.
Você acha que o Ubu e O doente imaginário eram parecidos?
Eu acho que eles tinham uma carpintaria teatral parecida, a questão do circo e tudo
mais. Mas, os textos são completamente diferentes! O doente foi maior, no sentido de
produção.
Qual é a contribuição que o Teatro do Ornitorrinco deixa para o teatro
brasileiro?
O resgate de uma linguagem popular, fácil. É difícil assistir a uma peça do
Ornitorrinco e não se sensibilizar, não ter uma troca, uma empatia pela forma, pelo jeito de se
comunicar. Eu acho que a contribuição é essa. Ele não faz um teatro agressivo. É um teatro de
empatia mesmo. As vivências com o grupo do Ornitorrinco foram surpreendentes e
prazerosas, acima de tudo. Foram alguns anos e pareceram apenas minutos. Saímos do Brasil
e parece que foi ali e ontem mesmo. Vivências inesquecíveis! Conheço o Ornitorrinco a partir
do Ubu. A primeira vez que eu vi esse espetáculo, eu tive vontade de participar daquela
história. E, quando eu recebi o convite para fazer parte desse grupo, eu não quis nem saber,
nem pensar! Eu aceitei na hora. Eu nunca consegui viver só de teatro, mas, na época do
Ornitorrinco, sim! Fazer Shakespeare com o grupo do Ornitorrinco é realização total.
Agradeço a oportunidade.
184
CAMARGO, Mário Cesar. Entrevista. Gravada no SESC Consolação, São Paulo (SP),
02 de abril de 2008.
Foto 113Mário Cesar Camargo. Foto de Andréa Angotti
Fale um pouco de sua formação e de como ocorreu o encontro com o Teatro do
Ornitorrinco.
Minha formação vem do teatro estudantil, do teatro universitário, dos Centros de
Cultura Popular. Eu tinha feito um espetáculo chamado Bella, Ciao!, que fez muito sucesso
na época E, desde o início, o Cacá ficou meu fã, gostava muito do meu trabalho e logo me
convidou para trabalhar com ele, na primeira oportunidade, que foi no Teledeum que, por
sinal, tinha um padre italiano. Eu era especialista em fazer papéis italianos. Eu ficava
fascinado com o Ubu. Adorava! Assisti muitas e muitas vezes. Eu não participei do Ubu, mas,
a partir do Teledeum, eu fiz quase todas as montagens do Ornitorrinco. Teledeum era uma
“piração”. Era muito divertido dentro daquele espírito de contestação, que corria solto naquela
época. E foi uma aventura emocionante. Viajamos muito, fizemos festivais internacionais,
tivemos até problemas, porque era um espetáculo muito contestador. Fomos a Bogotá com o
Teledeum e decidimos viajar vestidos com os figurinos, a caráter. Foi aquela “farra”, uma
festa! No vôo, sentei-me ao lado do Gerson de Abreu, um grande ator e cantor, hoje falecido.
Ele tinha um tique insuportável que era o de ficar balançando os joelhos. Em uma hora de
vôo, eu estava passando mal, não estava agüentando! Levantei-me e fui procurar um outro
lugar para sentar. No meio do caminho, uma senhora me chamou, achando que eu era
realmente um bispo, um sacerdote e começou a me contar detalhes do casamento dela, suas
intimidades e me pediu um aconselhamento religioso. Ela estava querendo se separar e queria
saber se iria ser perdoada pela igreja. Enfim, eu a aconselhei da melhor maneira que pude.
Mandei rezar não sei quantas ave-marias e pai-nossos e disse que não era pecado, não, porque
o marido não a tratava bem e tinha uma amante. O Cacá se divertiu muito, porque eu estava
atendendo espiritualmente a senhora! Quando descemos em Bogotá, terra da cocaína, as
emissoras de televisão estavam nos esperando, porque elas estavam cobrindo o Festival. Eu
desci como se fosse o Papa. A minha primeira atitude foi beijar o solo colombiano. Mas, na
verdade, disfarçadamente, eu estava dando uma cheirada no solo colombiano. Essa foto saiu
no New York Times e na imprensa do mundo inteiro. Foi uma loucura! A partir daí, despertou-
se a ira da TFP (Tradição, Família e Propriedade), da Colômbia. “Como é que um cara vem
aqui e protagoniza uma cena ultrajante dessa?”. Mas, isso estava dentro do nosso mote
principal que era o humor, a irreverência e o deboche. Acabamos sendo perseguidos pela TFP
que ficava fotografando a gente. Com esse espetáculo, fomos também ao México e à
Venezuela. A grande cena do Teledeum era o final. A peça não acabava. O Ricardo Blat
falava: “Agora, vamos ler a blia inteira. Então, vamos começar pela gênese. No
principio...”. Não tinha aplausos e as pessoas ficavam ali até o tempo em que agüentavam, até
o último resistente! Cada pessoa tinha uma reação. Uns levantam, batiam palmas e iam
embora, outros saiam em bloco, outros ficavam... É uma forma irreverente de terminar um
185
espetáculo. A entrada do Ary França, sem fala, só pelo jeito dele, causava dois minutos de
risos! Apesar das marcações serem fidedignas às do Boadella, a encenação era bem brasileira,
muito personal. Depois, eu fiz outros espetáculos. No Doente imaginário eu substituí o
Chachá por um certo tempo. O Sonho de uma noite de verão foi muito gostoso de fazer.
Fizemos um grande sucesso aqui, temporada no México, em Nova Iorque e foi muito bom.
Foi muito gostoso e divertido todos esses anos com o Ornitorrinco. Meu último trabalho com
eles foi A comédia dos erros. Sempre foi uma aventura deliciosa e divertida. Vivi momentos
muito legais ali, com o grupo. O Cacá, como diretor, tem uma visão artística fantástica, muito
interessante. No Ornitorrinco, eu ganhei o apelido de Lontra. Foi o Cacá Rosset quem me
batizou devido à minha personalidade escorregadia. Muito espertinho para chegar atrasado e
sair mais cedo sem ser notado. Quem me conhece daquela época, ainda me chama de Lontra.
Isso ficou marcado na minha carreira. Um dia vou mudar meu nome artístico para Mário
Lontra em homenagem ao Cacá Rosset (risos). A minha saída do Ornitorrinco tem a ver com
problemas que tive com drogas e alcoolismo, uma fase péssima da minha carreira. Depois eu
me mudei de Estado, fui para Belo Horizonte, morar em Minas Gerais. A gente se separou um
pouco, mas também, ao mesmo tempo, a produção do Ornitorrinco ficou mais espaçada.
Por que você acha que o Ornitorrinco trabalhou predominantemente com a
linguagem cômica em suas encenações?
Eu acho que o Cacá poderá responder-lhe melhor, mas acredito que seja porque dentro
da comédia é possível você fazer crítica social com mais contundência do que no drama.
Começaram a descobrir a fenda da comédia, como ponto alto da crítica social e foi por aí que
as coisas foram acontecendo. Depois, pegaram o próprio Shakespeare e fizeram trabalhos
absolutamente antropofágicos. Fizeram uma visão brasileira do Shakespeare e que era, ao
mesmo tempo, um “puta” deboche em relação ao que se fazia com Shakespeare no teatro.
Todo mundo montava, pensando que estavam fazendo uma coisa inglesa.
O que você pensa sobre o tipo de humor feito pelo Teatro do Ornitorrinco?
Foi um caminho que descobrimos, expressando coisas sérias e, ao mesmo tempo,
irreverentes e contestadoras principalmente. Porque o teatro, naquela época, tinha a função de
contestar e, na linguagem cômica o Ornitorrinco, soube melhor se expressar. Eu acho que o
grande trunfo do Ornitorrinco foi não ter limites, barreiras, de ter sido uma coisa totalmente
despudorada e excepcionalmente atraente, principalmente em relação à juventude.
E sobre a maneira com que o Ornitorrinco trabalhou o nu em cena?
Eu não vou poder falar das outras montagens, mas, no Sonho de uma noite de verão,
eu posso, porque eu acompanhei todo o processo. Esse espetáculo coloca em cena a Grécia
Antiga, em que os ideais da estética estavam fervilhando. Então, o corpo era uma coisa
magnífica. A concepção do Cacá em colocar as fadas sem roupas foi absolutamente acertada
e, ao mesmo tempo, atraente para a platéia. Nunca houve, na história do Shakespeare Festival,
tantos repórteres. Tinha gente do Havaí, do Japão porque causou uma polêmica imensa isso.
Queriam dizer que estávamos deturpando. A Oprah Winfrey
colocou uma perua o dia inteiro,
fazendo pesquisas de opinião pública no Central Park, para ver o que as pessoas achavam.
Vinha gente do mundo inteiro para fazer a cobertura do festival, por conta dessa polêmica do
nu. Na verdade, era uma coisa linda, maravilhosa! A grande excelência do espetáculo eram os
números de circo, as cenas do trapézio com os Elfos e tudo mais. O espetáculo começava e
estava dia ainda. A gente tinha a luz da natureza e na hora que tinha cena, à noite, estava noite
mesmo. Era ao ar livre! No cenário tinha coisas reais, o castelinho do fundo, as árvores
iluminadas. Era realmente um sonho, era magnífico. Incorporou a natureza do Central Park
com a natureza da peça. Os Elfos voando no trapézio entre as árvores! Uma coisa
deslumbrante!
Qual a importância que o Teatro do Ornitorrinco deixa para o teatro brasileiro?
186
A irreverência e a responsabilidade de falar sempre coisas importantes, sempre com
muito humor. Teria a importância, no teatro, como tem tido O casseta e planeta e O pânico,
na televisão. No Ubu, o Chachá fora, na fila, ficava com a sua roupa de general e fazia
seu número de platéia. Para cada pessoa ele tinha uma piada. Ele é muito talentoso! Não é
fácil fazer isso ali na rua, cara a cara, improvisando com as pessoas que estavam para
comprar ingressos. É por isso que eu disse que o Ornitorrinco tinha algum ponto de contato
com o Pânico, porque acontece desde fora, na rua, no improviso com as pessoas. São coisas
que mobilizam pela irreverência e eu acho que a gente fez isso na nossa época, no teatro.
Quando o Teledeum foi censurado, mobilizamos a intelectualidade da época, o Celso, o
senador Suplicy... Houve uma mobilização nacional em torno do teatro contra a censura
oficial. Então, o Ornitorrinco criava esse tipo de movimento que é muito importante. Eu acho
também que o marco fundamental foi na época do Galizia, que eles a Maria Alice Vergueiro,
o Chachá, o Cacá que, como eu já disse, é um espetacular comediante, fizeram grandes
montagens. E o ápice mesmo foi no Ubu que era um fenômeno de massa em São Paulo.
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CONTIER, Paulo. Entrevista. Gravada na sua residência, São Paulo (SP), 03 de abril de
2008.
Foto 114Paulo Contier. Foto de Andréa Angotti
Fale um pouco de sua formação e de como ocorreu o encontro com o Teatro do
Ornitorrinco.
Eu era bailarino. Tinha ido estudar composição coreográfica, nos Estados Unidos, por
um ano. tinha feito teatro amador e tinha uma carreira de bailarino. Estava no Balé da
Cidade, quando me machuquei, parei de dançar e recomecei fazendo uma dança mais
alternativa. Fui assistente do Klauss Vianna e fazia também preparação corporal para atores.
A criação do Doente Imaginário estava acontecendo, os ensaios e tudo mais, e a Lala
Deinzelein me chamou para ajudar como assistente. Eu era amigo da Lala e tinha feito
alguns trabalhos com ela. Estava apenas como assistente de coreografia até a Marina
Mesquita se machucar perto da estréia e eu ter que entrar. acabei ficando até o fim. Fiz
todas as viagens internacionais, que foram muito legais. Engraçado que o humor “escrachado”
do Ornitorrinco, o trabalho do Cacá, do Chachá e do Ary França até me ajudaram a chegar no
tom que o Fernando Meireles queria para o meu personagem Máscara, que eu estava gravando
para a TV Cultura no Rá-Tim-Bum. Imagine, o personagem que veio dos quadrinhos do Will
Eisner (O Spirit) e do expressionismo, sendo influenciado pela commedia dell’arte até chegar
na forma televisiva-educativa que é o Rá-Tim Bum!
O que você acha da maneira como o Ornitorrinco coloca em cena a linguagem
cômica?
O Cacá tinha essa coisa de querer se comunicar com o público e fazer rir para valer.
Então ele apelava mesmo e era o que as pessoas queriam, porque voltavam para ver a peça
inúmeras vezes. Era um sucesso total. Era meio polêmico, porque tinha a questão do exagero
e do apelativo. Tudo pelo sucesso, e isso é uma coisa dele. Mas o resultado final era
interessante, porque você tinha o texto clássico, onde cabiam todas as linguagens que ele
queria pôr. O circo, a música ao vivo, a dança, tudo cabia! Por que não fazer uma coisa que
extrapolava? Uma superprodução, nesse sentido de teatro completo. Outras produções mais
antigas também tinham esse exagero, pois registros, visuais pelo menos. Os intermezzos,
por exemplo, estão no texto original e o Anchieta pesquisou tudo isso para fazer os figurinos.
E como era a participação da platéia?
Tinha a cena em que o Cacá parava a peça para procurar o próprio olho de vidro, na
platéia. Ele simplesmente revirava as bolsas das senhoras, quando não jogava tudo no chão
mesmo (risos). O público adorava e todo mundo entrava na brincadeira. Era um momento
esperado. Os atores saiam das coxias, sem o figurino “para ver o que estava acontecendo”.
ele falava a famosa frase: “Eu não legal, sei ... mil coisas...” as pessoas esperavam esse
momento e “rachavam o bico de rir”. Talvez por isso algumas pessoas achem que era “cópia”
do Ubu, o que não tem nada a ver, porque era só uma frase!
Qual era o público que ia assistir às montagens do Ornitorrinco?
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Ah, eram vários. Não era só o pessoal que gosta de comédia. Ele abrangeu muito mais
por causa de tudo o que havia no espetáculo. Era um show! Então, não era um público de
teatro... Era um público que show, que comédia, que vê dança, e também teatro, que é o
que era de verdade.
Qual é a contribuição que o Teatro do Ornitorrinco deixa para o teatro
brasileiro?
Foram muitas as produções e têm uma coerência de linguagem... Toda uma história
dentro do teatro brasileiro que é única, que tem uma cara que só o Cacá para fazer... Esse tipo
de comédia, os musicais-cabarés de Brecht e Weill, tudo sempre muito provocativo. Foram
produções marcantes. Tem uma especificidade. Muita gente mesmo, assistiu e gostou. por
isso já tem o seu mérito. E esse seu trabalho também é importante nesse sentido de registrar e
de valorizar aqueles trabalhos.
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CALDAS, André. Entrevista. Gravada na residência da pesquisadora, São Paulo (SP),
16 de abril de 2008.
Foto 115André Caldas. Foto de Andréa Angotti
Fale um pouco de sua formação e de como aconteceu o encontro com o Teatro do
Ornitorrinco.
Eu sou formado em Educação Física. Eu era ginasta, fazia saltos ornamentais,
atletismo... Eu era atleta. Quando entrei para o circo, eu tive uma facilidade de aprender,
porque eu fazia treinamento em ginástica olímpica. O Ornitorrinco estava com viagem
marcada para a Espanha, com o Ubu. O Luis Ramalho estava com o joelho recém operado e
me convidaram para entrar no lugar dele para fazer trapézio e acrobacia. Aí, eu não fui por
que estava no segundo ano da faculdade e, em época de prova, não queria perder o ano.
Quando eles voltaram, o cara que entrou no meu lugar, o Nel, que era um cara de circo, saiu e
aí eu fiquei dividindo os personagens com o Luis Ramalho. Eu, na verdade, não sabia
representar. Eu só sabia fazer acrobacias. o Cacá s o Gil e o Luis Ramalho para treinar
as coreografias. Minhas perguntas: Para onde eu olho? A resposta: “Para frente”. Então, no
primeiro dia de espetáculo, a Marina Mesquita caiu no alçapão e torceu o e me puseram no
meio do espetáculo para fazer a cena dela. Eu nunca tinha feito teatro na vida! Era uma cena
de briga, de luta, que eles me ensinaram no meio do espetáculo, na coxia, e eu fiquei tão
perdido no palco que eu dei “porrada” em todo mundo. Eu não lembrava a seqüência direito
do que eu tinha que fazer e a hora que eu olhei, estava todo mundo caído no chão e eu ainda
estava procurando em quem bater (risos). Essa foi minha estréia no Ornitorrinco. Estava
começando a escola de circo e eu aprendi a fazer o número de trapézio em cinco dias.
Naquela época, estranhamente e não sei o porquê, não se usava cinto de segurança e eu fiz
umas quatrocentas apresentações sem cinto de segurança e nunca caí, graças a Deus. Eu era
muito novo, tinha uns dezenove anos e, com uma força total, muita vontade de aprender a
fazer tudo. Eu dava aula de educação física por oitocentos reais por mês. Comecei, então, a
ganhar onze mil reais por mês, com o Ornitorrinco. Era quase o preço de uma moto, um
“super” salário! Eu acho que o pessoal estava meio cansado de fazer o Ubu; não agüentava
mais e eu cheguei com uma “super” vontade e o Chachá me falou um dia: “Porra meu, foi
legal você ter vindo. Você está animando a gente e dando um “gás”. Você faz com uma
vontade as coisas, está sempre tão animado, que eu me animo também!” Esse foi o meu
primeiro elogio que tive ali e fui ficando, o pessoal foi gostando. Em questão de três ou quatro
meses, eu trocava de roupa dezessete vezes, por sessão. Peguei um monte de papéis. Eu era “o
tapa buraco”! Todo mundo que saia, eu pegava o papel. Eu adorei, estava eufórico! Era à
noite; de manhã eu fazia faculdade. Antes disso, eu trabalhava cinqüenta e duas horas por
semana dando aulas de educação física. No Ornitorrinco, eu ganhava quinze vezes mais e
trabalhava de noite, quartas, quintas, sextas e duas sessões aos sábados e domingos. Sem
falar naquele glamour de teatro, sempre lotado. Era uma coisa nova na minha vida. no
outro espetáculo, O doente imaginário eu era da equipe técnica também. A gente ia para a
Espanha e ajudava a liberar a carga, arrumava caminhão... Íamos sempre uma semana antes e
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demorávamos três dias só para montar. Tinha muitos telões, cortinas que subiam e desciam,
um pássaro que o Edson Cordeiro descia “voando”, equipamentos de circo... Todos os objetos
eram desmontáveis. Desmontava-se cada perninha dos candelabros. Tinha um italiano da
Ópera de Milão, o Sandro Lória, que fez todas as máscaras e adereços do espetáculo, fez
também a parte de contrapeso. O cara era um fenômeno! Ele era muito bom mesmo e a gente
estava lá, aprendendo com ele. Ele era o chefe da montagem e nós os ajudantes. Ai, me
apaixonei pela técnica. O Ornitorrinco foi uma escola de aprendizagem, tanto de atuação
como de técnica teatral de montagem. Também foi uma escola de administração de
espetáculos. Aprendi como é que paga, quem é que recebe, o que é patrocinador,
reciprocidade, como é que faz divulgação... Então, a gente aprendeu muito disso tudo
também.
E como é que foi o processo de montagem de O doente imaginário?
Fizemos várias oficinas. Eu dei oficinas de circo. Foi mais de um mês de oficinas e
acabou com a gente fazendo uma quadrilha acrobática, com uma música do Jean Luc Ponti,
que era um country. O Sandro Lória deu oficina de máscaras e alguns dos alunos, que
participaram dessa oficina, foram escolhidos para ajudar a fazer os adereços para o
espetáculo. Cada um deu uma oficina lá. A Lala, o Anchieta... Ficamos ensaiando uns seis
meses na Oficina Três Rios. Era muito puxado! Eu lembro até hoje que, depois de tantas
horas em pé, chegava um momento em que eu não agüentava mais ficar em pé. O Cacá podia
ficar quatro horas ensaiando a mesma cena, com os atores em pé, sem sair do palco para nada.
Ele era muito exigente com tudo, principalmente com o horário. Foram bem puxados, muito
duros esses ensaios. que depois, os espetáculos ficavam com uma qualidade muito grande.
Às vezes, a gente ensaiava muitas coisas que acabavam sendo cortadas do espetáculo. Eu
estava indo para a França, com a passagem comprada. Na época, eu era professor da
UNICAMP. Iria fazer uma turnê pela França, dando aula de trapézio e eu tive que cancelar
para fazer O doente imaginário. Eu tinha gostado tanto de fazer o Ubu, era tão bom trabalhar
com o Cacá, pela grana e mais ainda pelo prazer que era. Foi sem sombra de dúvida, a melhor
época da minha vida. Era muito bom mesmo. Depois veio Sonho de uma noite de verão, que
estreou em Nova Iorque. Uma produção muito grande. Foi tudo muito bom. Trabalhar no
Ornitorrinco já era sempre muito bom.
Em sua opinião, O doente imaginário foi uma espécie de “cópia” do Ubu?
quem diga que a semelhança na montagem desses dois espetáculos era tão grande que O
doente imaginário seria O ubuente imaginário.
Eu discordo completamente. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. O Ubu é do
Alfred Jarry, outra época. Uma peça completamente maluca, non-sense. O doente é um
clássico, é Molière. O que pode ser que o pessoal fala é a mesma fórmula, porque tinha ator,
comédia, circo, bailarinos. Agora, não tinha absolutamente nada a ver uma coisa com a outra.
Os figurinos e cenários eram completamente diferentes. Outra coisa, é que os atores eram
praticamente os mesmos, o Chachá, o Cacá, eu, a Chris... Fiquei trabalhando oito anos com o
Ornitorrinco. Pela minha conta, eu fiz mais ou menos mil e setecentos espetáculos nesses oito
anos. No Ubu, como era um rock pesado, era mais fácil fazer as cenas do circo. Agora, no
Doente, era bem mais difícil, porque era música erudita, lenta e os números de acrobacias
eram muito difíceis. Então, antes de entrar em cena, eu, o Guto e a Tereza combinávamos de
dar um tapa na cara um do outro. Era uma “porrada” mesmo! Todo dia! Não dava para fazer
aquela cena sem tomar esse tapa na cara. Eu lembro que a energia da música era bem baixa e
que dava um frio de nervoso na barriga. A música não ajudava a empolgar. A minha
característica física, como acrobata, era a velocidade e a potência muscular e com a música
lenta, para eu fazer o número, era muito difícil. Eu lembro também de ter feito o espetáculo
do Doente com trinta e nove e meio de febre durante quatro dias seguidos. Por incrível que
pareça, eu acabava o espetáculo até melhor, porque acho que movimentava muito o corpo.
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Não tinha como me substituir. Eu fazia passeio aéreo e, no Brasil, não tinha dez pessoas que
faziam esse número. Fazia perna-de-pau, acrobacias, malabares, corda marinha que poucas
pessoas sabiam fazer. Eu também fazia o papel do Arlequino. Havia muitos personagens da
commedia dell’arte.
E como eram as turnês internacionais?
A gente apelidou o Cacá de vovó Stela, aquela que leva a gente para a Disney. A gente
falava: “Agora, vovó Stela, para onde nós vamos?”. “A gente vai para a Espanha, para a
Alemanha, para as Ilhas Canárias...” A gente adorava. Ganhávamos em dólar! Íamos para a
Europa e voltávamos com o bolso cheio. Só com o Cacá, mesmo! Eu lembro que, naquela
época, eu chegava a tirar uma faixa de cinco mil dólares por mês. Isso para um molecão,
nossa! Com esse dinheiro eu montei Os Acrobáticos Fratelli. Comprei colchão, cama elástica,
trampolim... Fiz minha vida. Tudo o que eu tenho hoje, foi graças a esse dinheiro.
E como você via o nu presente no Ornitorrinco?
No Ubu, tinha uma cena, que todo mundo caia no alçapão e eu passava nu. O Cacá
sempre colocava. No Sonho de uma noite de verão, a questão do nu em cena fez muita
divulgação. No New York Shakespeare Festival, o mais importante e tradicional festival de
Shakespeare do mundo, fazer um espetáculo com mulheres semi-nuas em cena, saiu em todos
os jornais. Todo mundo queria ver. A fila no Central Park era gigantesca para a retirada do
ingresso, que era de graça. O Ornitorrinco sempre esteve lotado. Se estivesse ruim é porque
faltavam cinqüenta lugares em um teatro de mil lugares! Era para chamar público.
Obviamente o nu tinha um fundo para ajudar a vender os ingressos, mas não era um nu
vulgar. É olhar as fotos, era maravilhoso, lindo! Os homens também usavam só um tapa
sexo. A gente era trapezista e tínhamos um corpo esculpido, um físico bonito. Então, ele
punha mesmo! Vai por o quê? A roupa do Peter Pan nos Elfos? A gente pintava o corpo
inteiro de branco, todos os dias, além de pintar o cabelo de amarelo. A gente tinha que
descolorir o cabelo para jogar o tal do Blondor. Era horrível, doía “pra caramba”, fazia feridas
na cabeça porque o produto, naquela época, era muito ruim. O Cacá não abria mão de nada.
Se ele queria uma coisa, tinha que ser. Não tinha essa de falar que não ia dar tempo para
trocar o figurino, tinha que dar! Ele era exigente demais com roupa e adereços e, se você
esquecesse de colocar, ele dava um jeito de lhe dar bronca durante a cena. Os atores
entendiam o recado. Uma vez, o Cacá cancelou uma apresentação do Doente imaginário com
a casa lotada, porque uma das atrizes chegou um pouco atrasada para a reunião que fazíamos
antes do espetáculo. Ele ficou furioso! A gente mal pode acreditar que isso estava
acontecendo com a casa lotada!
Como era a cena da participação da platéia no Doente imaginário?
O Cacá é muito cara-de-pau. Ele fingia que perdia o olho que era uma bolinha pintada
de olho e revirava a bolsa das mulheres. Se ele achava uma camisinha dentro da bolsa da
mulher, pronto! A cena demorava mais dez minutos. Ele falava aquela frase do Ubu: “Sei
mil, coisas...” Mas era diferente, porque, no Ubu, ele ficava repetindo isso mil vezes e, no
Doente, não. O Chachá que tinha umas coisas engraçadas com o público... Se chegava alguém
atrasado, ele esperava a pessoa sentar e falava: sentou?” E a pessoa respondia: “Já, já.” E
ele: “E gostou?” (risos). Ele soltava cada piada! O Chachá, o Ary França podiam improvisar à
vontade. Agora, se a gente que era meio que “figurantes” fosse improvisar, o Cacá dava umas
olhadas meio tortas (risos). O Ary ficava dez minutos tentando enfiar uma banana na boca. O
público morria de rir. O personagem dele era ridículo!
Qual a contribuição que você acha que o Teatro do Ornitorrinco deixa para o
teatro brasileiro?
Eu acho que ninguém fez sucesso como o Ornitorrinco. É um grupo que fez muito
sucesso. Para mim, ele contribuiu muito. Ganhei muito dinheiro, me ensinou muito. É a base
do meu trabalho hoje. Me ajudou a montar a minha companhia Acrobáticos Fratelli. Eu dei
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aula para mais de mil artistas! Acho que é uma reação em cadeia. Se eu não tivesse trabalhado
no Ornitorrinco, provavelmente eu estaria dando aulas de educação física até hoje e não teria
dado tantas aulas de circo e acrobacias para tantos artistas. Então, quer dizer, uma coisa puxa
a outra. Eu acho que a contribuição foi essa. Mexeu-se e fez-se um movimento e esse
movimento foi gerando outros movimentos que foram crescendo e tomando forma. Eu acho
que muitos grupos de circo que por aí, hoje em dia, tipo: Circo Mínimo, o Zanni, Linhas
Aéreas, Parlapatões, Nau de Icaros..., esses grupos foram alunos nossos, do Fratelli que não
existiria se não fosse por causa do Ornitorrinco. Porque foi com o dinheiro e o conhecimento
que adquirimos no Ornitorrinco que nós montamos o Fratelli. Inclusive, a gente abriu o
Fratelli, a empresa, porque o Ornitorrinco queria que a gente desse nota fiscal para ele. Eu
considero que o Fratelli existe por causa do Ornitorrinco. Se o Fratelli não existisse, será que
existiriam esses grupos também? É tudo uma reação em cadeia. Estou falando do meu
caso. Agora, se você pegar o caso de outros atores, cada um vai contar uma história. Acho que
também teve uma importância grande por ter envolvido o teatro e o circo, aqui no Brasil,
porque o circo, nessa época, o tradicional, estava acabando, ao mesmo tempo, em que
estavam nascendo as escolas de circo na Europa. Muitas pessoas de diferentes áreas se
envolveram com circo. No meu caso, por ser ginasta, eu tinha uma noção de movimento que
as pessoas estavam fazendo errado. Existiam artistas plásticos, músicos, engenheiros para
fazer aula de circo. Teve uma renovação do circo. Eu acho que, aqui, no Brasil, o Teatro do
Ornitorrinco foi importante para o circo, porque ajudou a modernizá-lo. Foi muito legal a
fórmula do Cacá de pôr o circo de uma forma teatral, que não fossem números gratuitos.
Tinha tudo a ver com o espetáculo. Ele achou uma nova fórmula de reutilizar o circo. É tipo
um dominó... Uma pessoa vai ensinando a outra e assim por diante. Outra coisa, o brasileiro
não tem costume de ir ao teatro. Para quem conhece a Cidade do México, a cidade de Nova
Iorque, os espetáculos lotam, o público vai mesmo ao teatro. Eu acho que, na época do Teatro
do Ornitorrinco, o teatro era muito chato, as pessoas dormiam. De vez enquando é que
aparecia alguma coisa legal. Aliás, o teatro brasileiro é chato. Não tem grana, não tem verba,
não para ter luxo, cenários, contratar bailarinas... A contribuição foi que o Cacá
possibilitou a volta do público para o teatro, ao mostrar que o teatro pode ser legal. Talvez,
essa seja a maior contribuição para o teatro brasileiro... Ter levado milhares de pessoas ao
teatro. O doente imaginário fez umas seiscentas apresentações, se eu o me engano. Uma
média de mil pessoas por espetáculo! O Sonho de uma noite de verão foram quinhentos
espetáculos... são um milhão de pessoas! O Ubu teve umas mil apresentações... O
Teatro Ruth Escobar era pequeno, mas, olha, quantas centenas de pessoas assistiram! Então,
eu acho que a maior contribuição é essa, fazer o público gostar de teatro e se divertir.
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CORRÊA, Guy. Entrevista. Gravada no Fran’s Café de Higienópolis, São Paulo (SP), 14
de maio de 2008.
Foto 116Guy Corrêa. Foto de Andréa Angotti
Como surgiu a idéia de fazer o livro sobre o Ornitorrinco?
Eu sou jornalista de turismo e de negócios. Também sou escritor. Eu conheci a
Christiane Tricerri porque ela se casou com o meu editor. Mas, isso foi uma coincidência,
porque eu comecei a acompanhar o Ornitorrinco desde os meus dezesseis anos, quando assisti
ao O belo indiferente, no Centro Cultural São Paulo. Eu não entendi muito bem, mas achei
que aquilo era diferente de qualquer coisa que eu tinha visto. Depois, quando eu estava com
dezoito anos, assisti ao Ubu e “pirei” com esse espetáculo, assim como muita gente! Esse
espetáculo foi, para mim, tão impactante que, em 1986, saiu um livro sobre o Jarry que tinha
um prefácio escrito pelo Cacá e eu comprei para estudar a obra desse autor. Aí, eu comecei a
acompanhar o Ornitorrinco. Eu não vio Ubu mais de uma vez. Eu vi outras peças também.
A comédia dos erros eu vi três vezes. Eu gostava de descobrir os “cacos” e as coisas novas,
cada vez que eu ia ver. Eu tinha um prazer imenso com isso. Sempre saíam coisas novas da
boca do Chachá. Eu virei espectador de teatro por causa do Ornitorrinco! Quando estava
morando fora do Brasil, na Inglaterra, eu conheci uma garota que estava envolvida com teatro
e eu falei do Ornitorrinco e ela disse: “Ah, é o grupo que fez sucesso no Central Park!” Eu
fiquei embasbacado! Quando voltei para o Brasil, estava acompanhando a Coleção Aplauso e
surgiu a idéia de fazer o livro. A Christiane pensou em fazer o livro, mas ela não poderia
fazer, porque teria que falar dela mesma e ia ficar estranho. Então, ela me convidou porque
seria uma coisa “ornintorrínquica” que eu era e tinha acompanhado, como espectador as
montagens do grupo, além de ser jornalista. E eu topei. Desde setembro de 2005 eu comecei a
trabalhar no livro.
Quais foram os espetáculos a que você assistiu?
Assisti O belo indiferente, ao Ubu. Eu não fui ver Teledeum, porque eu não consegui,
eu tinha uma formação católica. Foi uma coisa mal resolvida na minha cabeça. Depois, eu
assisti ao Doente imaginário, Sonho de uma noite de verão, A comédia dos erros. Eu não vi O
avarento porque eu estava morando fora do país e também não assisti ao Scapino. O marido
vai à caça! eu vi cinco vezes. E, no meio dessa história, teve o Núcleo 2 e eu assisti ao Dom
Perlimplim com Belissa em seu jardim que eu também vi duas vezes. Eu não quis ver o
segundo Ubu. Eu soube que não tinha a banda.
O que você achou da montagem do Doente imaginário?
O que mais ficou para mim, no Doente, foi a atuação do Ary França vestido daquele
jeito... Com aquelas roupas e cara que ele fazia não precisava nem abrir a boca! Quando o
Cacá montou lá, em Nova Iorque, ele sentou no colo do Mel Gussow, um crítico “super”
temido e conceituado do New York Times. Mas, ele fez isso sem saber e o crítico acabou
fazendo uma crítica maravilhosa sobre o espetáculo. Anos depois, o José de Anchieta ganhou
a Triga de Ouro, em Praga e recebeu o prêmio das mãos de Gussow. Na ocasião, ele lembrou
da história e perguntou do Cacá, ou seja, ele não esqueceu. Mas, essa cena do olho, da platéia,
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era fantástica! E essa relação com o público e, você vai ver os artistas falando disso no livro, é
diferente e isso vem desde o começo.
E das outras montagens, o que você achou?
Eu tinha vontade de ser ator e, quando eu fui assistir A comédia dos erros e vi a
atuação do Chachá e do Eduardo Silva eu desisti completamente! Eu vi que eu não tinha
condições, que não dava, que era uma coisa muito forte. Eu acho que eles têm uma coisa que
é da essência do artista... Eles têm voz, presença cênica, são brechtianos. A persona aparece
ali, antes da personagem. E essa peça, como falei, eu vi três vezes e, todas às vezes, foi
diferente. O Eduardo Silva com o Pompeo! Chegava uma hora que você não sabia mais quem
era quem. Era muito “louco” aquilo! E eles colocavam uns “cacos” muito engraçados. Tinham
umas músicas de mal gosto, tocando nas rádios, e eles colocavam. (Cantando) vem o
negão, cheio de paixão, ti catar, ti catar... (risos). Eu não sou uma pessoa de teatro, um
estudioso e crítico de teatro, mas eu tenho senso estético e o que eu noto é que eles só
montaram bons espetáculos, muito bem cuidados. Eles têm “tesão” em fazer teatro. Os atores
são escolhidos a dedo, os cenários e figurinos são excelentes.
Qual é a contribuição do Teatro do Ornitorrinco para o teatro brasileiro?
São três. Eles deram um tratamento espetacular à comédia. A maneira como eles
utilizaram a comédia para montar os textos, foi fantástica. Eles deram uma dignidade maior à
comédia! Eu acho que eles deixaram os críticos, que não gostam de comédia, “de calças
curtas”. Os espetáculos foram impecáveis. Outra coisa é que o Teatro do Ornitorrinco é um
grupo paulistano e que tem a cara da cidade de São Paulo, tem algo Oswaldiano. Eles
pegaram uma cultura genuinamente paulistana, mas antropofágica. O Ornitorrinco poderia
ter existido aqui mesmo. E, por último, é a sobrevivência do grupo em um país tão caótico.
Sobreviveu à ditadura. Sobreviveu a economia caótica dos anos 80. Sobreviveu ao
rebaixamento cultural dos anos 90. Os artistas do Ornitorrinco também tinham atitude.
Abriram mão de fazer novelinhas, sem querer ser pejorativo, para viajar e fazer teatro.
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COLOMAR, Ana Eliza. Entrevista. Gravada na residência da pesquisadora, São Paulo
(SP), 15 de maio de 2008.
Foto 117Ana Eliza Colomar. Foto cedida pela musicista
Fale um pouco de sua formação e de como aconteceu o encontro com o Teatro do
Ornitorrinco.
Eu tocava violoncelo em orquestra jovem e estava começando a minha carreira de
música. Comecei na música tardiamente, com dezenove, vinte anos. Estava indo por um
caminho que seria o de me tornar uma instrumentista de orquestra. Eu já era espectadora do
Teatro do Ornitorrinco. Eu vi um anúncio do Ornitorrinco, um tijolinho no jornal, convocando
para audições e eu já tinha aquele vínculo de gostar e o interesse por teatro. Sempre fui muito
curiosa com todas as formas de arte. Fiz o teste e fui aprovada para tocar violoncelo. A
música do Doente imaginário era a música original escrita por Charpentier, o Cacá queria um
quarteto de cordas e fui eu! Depois eu acabei tocando outros instrumentos também. Eu
tocava um pouco de flauta, que estava esquecida na gaveta. Devo a essa experiência a
aproximação com esse instrumento que hoje em dia é um instrumento que eu toco bastante. O
Cacá é aquele que pergunta o que você sabe fazer e aproveita tudo. Posteriormente, cheguei a
tocar saxofone no lugar do Marshall. Inclusive, o Cacá me convenceu a fazer também uma
outra coisa (risos). Tinha uma cena dos egípcios vestidos de mouros e ele me colocou lá,
tocando saxofone. Eu saia dos meus trajes do século XVIII, com aquele vestido “super”
fechado, com aquela peruca de cachinhos, entrava no camarim e trocava rápido de roupa.
Colocava uma tanga e ficava com os seios de fora como as outras bailarinas e ia lá, tocar o
saxofone. Isso me rendeu uma série de cenas engraçadas e constrangedoras com meus colegas
de orquestra. Eu fiquei um pouco famosa no meio erudito (risos).
Quais foram as montagens de que você participou?
Participei do Doente e do Sonho de uma noite de verão. Fiquei trabalhando com o
grupo durante quatro anos. Viajei para todos os lugares.
Como foi o processo de trabalho nesses dois espetáculos?
O processo de montagem foi mais ou menos o mesmo. Tínhamos um diretor musical
e, durante um tempo, trabalhamos à parte, lendo as partituras. No Doente imaginário, havia a
partitura original do Charpentier e algumas adaptações tiveram que ser feitas. Foi colocado
um teclado para fazer o papel do cravo. que a gente não trabalhou com essa música.
Foram inseridos muitos efeitos de sonoplastia que é uma característica do Ornitorrinco,
sempre o som acompanhando a cena e teve também algumas canções por fora. No Sonho, a
música era o Sonho de Uma Noite de Verão do Mendelssohn, que é um compositor do
romantismo que compôs essa peça inspirada na obra de Shakespeare, mas que não,
necessariamente, está vinculada à encenação da peça. É uma música de concerto e, pelo
período ao qual pertence, era mais elaborada. O Cacá optou por executar essa trilha do
Mendelssohn que é uma obra orquestral, arranjada para a formação que tinha no grupo.
Manteve-se o quarteto e alguns músicos foram trocados. Tínhamos também teclado, trompete
e percussão, além das cordas e da flauta e do sax que eu tocava. Então, era sempre assim.
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Trabalhávamos separadamente e, depois de um período, era requisitada a nossa presença de
maneira mais intensiva, durante os ensaios, executando a música junto com as cenas,
sincronizando tudo. O teatro tem isso... Para nós, músicos, essa é uma maneira diferente de
trabalhar..., não temos essa exigência de tantas horas de convívio no processo criativo, de
muitas horas de trabalho... Músico não trabalha muito assim. O processo criativo de um
músico tende a ser uma coisa muito particular, solitária. Os ensaios, em grupo, existem para
acabamento e jamais de modo tão extenso. Por isso, não é todo músico que se presta a
trabalhar com o teatro. O tempo no teatro é outro. A questão da repetição que, para o ator tem
um significado, para o músico é muito diferente, é muito mais massacrante. Eu acho que hoje
até existe uma categoria de músicos que são os músicos de teatro. Porque para nós, músicos,
se você não encontra uma graça especial, se não compreende esse processo, tudo tende a ficar
chato, pois você não é aquele que está em evidência. Você está a serviço de uma cena. Mas,
eu sempre gostei muito e depois fiz aoutras coisas com música e teatro. O Cacá tinha essa
coisa de colocar o músico para fazer piada, se soubesse fazer. Havia cenas, às vezes,
improvisadas em que os músicos eram abordados para dar uma opinião ou eram provocados
pelo elenco. Acho que anessa interação ficava em evidência a própria relação da música
com o teatro como metáfora da relação que havia na época de Molière do artista a serviço de
seus senhorios. No espetáculo, nós representávamos uma orquestra a serviço da cena, da
comédia balé, mas por que não também os artistas serviçais que entretinham uma família
burguesa? A peça tratava-se, na verdade, de uma imensa crítica de costumes e creio que, sob
esse ponto de vista, esse aspecto ficava em evidência.
Você também participava dos intermezzos no Doente imaginário?
No Doente imaginário, eram três intermezzos e eu fazia parte de dois. No primeiro,
que era o da commedia dell’arte, eu tocava flauta, numa cena de rua, no segundo, o dos
egípcios vestidos de mouros, que era o Marshall quem, primeiramente, fazia de terno branco e
óculos escuros. Quando o Marshall ficou nos Estados Unidos, entrei no lugar dele. Nas
apresentações, os músicos ficavam em cena o tempo inteiro, na lateral do palco, então víamos
todos os espetáculos e todos os imprevistos. No Doente, tinha sempre bastante improviso por
que o elenco era muito criativo. No México, aconteceu uma coisa engraçada comigo. Eles
ficaram de arrumar um violoncelo e, quando eu fui buscar, vi que tinham providenciado um
instrumento de tamanho para crianças, ou seja, parecia um violino! E eu tive que tocar,
porque não tinha outro e foi uma cena bastante ridícula. Outro dia, eu e o Edson Cordeiro
estávamos relembrando isso e rimos muito. Eu lembro que era tudo muito intenso. Era uma
época muito divertida, de muita amizade e bastante trabalho. Os camarins tinham nomes: os
Xiitas que era o camarim do Ary França, do Chachá, da Teresa Freire, que viviam aprontando
e “sacaneando” os outros; o fosso da orquestra era dos músicos e tinha a “Associação Cristã
de moços” que era o camarim dos “bonzinhos”, do Edinho, Moniquinha e Loren. Havia o
camarim do pessoal do circo. A Chris tinha um dela e da Maria Alice, se não me engano.
o Sonho foi um espetáculo muito lírico, além de engraçado. Apresentamos ao ar livre em,
Nova Iorque, e foi muito polêmico também por causa do nu da Christiane Tricerri no parque.
Como era a cena da platéia no Doente imaginário?
Tinha de tudo. Eu sentia que havia um certo constrangimento por parte de quem tinha
a bolsa revirada e um alivio por parte das outras pessoas. Aquele riso de “Puxa, ainda bem
que não é comigo!” Era uma coisa bem polêmica isso. Tinha gente que ria muito e outros que
achavam um absurdo.
Como você vê o nu presente nas encenações do Ornitorrinco?
Não me lembro de pensar e ver como uma “forçação de barra”. Nunca me incomodou.
E, depois, até mesmo eu, uma musicista de orquestra, fiquei com os seios de fora em cena! Eu
nunca tinha passado por isso! O Cacá conseguiu mexer alguma coisa em mim e eu fui lá e fiz.
197
Eu acho que, quando um contexto, é bonito e estético. Ele usa tudo o que pode para fazer
com que seus espetáculos sejam divertidos, democráticos, leves e lúdicos.
Quais foram os espetáculos que você assistiu do Ornitorrinco e o que você achou?
Eu tinha dezenove anos, quando assistiu ao Ubu. Fiquei muito encantada! Uma
montagem que, para mim, foi bem arrebatadora, surpreendente. Toda aquela festa, aquele
circo, a música ao vivo, a graça. Era uma coisa muito envolvente e que me marcou. Depois vi
o Teledeum que era engraçadíssimo, completamente iconoclasta. Eu lembro que, na época em
que eu fui fazer o teste para O doente imaginário, era o grupo de teatro que mais me chamava
a atenção. Assisti também A comédia dos erros e o Marido vai à caça! Gostei mais do
Marido do que da Comédia dos erros. Talvez, porque era muito recente a minha saída do
grupo, então, não era tanta novidade para mim, como público e como alguém que viveu
tudo aquilo intensamente. Achei meio repetitivo, parecido com O doente, não tinha aquele
mais aquele brilho. Ver O marido foi voltar a ver uma coisa que eu não via um tempão.
Achei muito bom. Um Vaudeville bem feito e eficiente, um Ornitorrinco mais enxuto. Não
tinha todos aqueles elementos.
Como foi trabalhar com o Ornitorrinco?
Eu ganhava legal para a idade que eu tinha, uma “grana” que eu não iria ganhar em
lugar nenhum, naquela época, com um trabalho artístico! Era tudo porcentagem. Mas,
trabalhava-se muito também. Conheci pessoas diferentes, de outras áreas. Com certeza o
Ornitorrinco teve um papel muito importante na minha vida, porque abriu possibilidades que
eu ainda não havia vislumbrado para mim. Fiz publicidade e fui chamada para fazer vários
trabalhos em função de estar, ali, no Ornitorrinco. Cheguei até a atuar, coisa que eu nunca
havia pensado na minha vida em fazer. No teatro, as pessoas são mais livres e aprendi a ter
mais liberdade para experimentar e me expressar. Eu pude acompanhar o processo de
montagem dos espetáculos e, com isso, aprendi muito sobre teatro. Eu abri para outros tipos
de música, exerci minha sociabilidade. Depois disso, trabalhei com o XPTO, toquei com um
grupo de teatro que veio de Moscou, trabalhei recentemente numa montagem de O Retrato de
Dorian Gray no SESI, participei das Aerodianas, conjuntamente com a Tereza Freire e a
Marina Mesquita; um trabalho de teatro físico com música ao vivo, muito bonito. Acabei
fazendo muita coisa que envolvia música e cena, até musicais da Brodway. Agora estou no
Mawaca, um grupo de pesquisa sobre músicas do mundo, onde também há pesquisa cênica.
Qual a contribuição do Teatro do Ornitorrinco para o teatro brasileiro?
Eu, como espectadora, confesso que, cada vez menos, eu vou ao teatro porque as
peças, muitas vezes, são ruins, chatas e pesadas. É claro que há exceções. Acho que o
Ornitorrinco é justamente o contrário disso. É alegria, é diversão e entretenimento, mas um
entretenimento de qualidade. O diretor e os atores têm muita consciência do que estão
fazendo, mesmo quando fazem as adaptações necessárias para tornar as peças algo acessível
ao grande público. Eu não acho que é apelativo. Dentro daquilo que se propõe, que é o lúdico,
eu acho que é um teatro bem feito. Sempre houve uma preocupação com a qualidade, com a
pesquisa e com o respeito aos autores. Quando algo é adaptado, é pra tornar a crítica mais
contundente ou mais palatável ao olhar contemporâneo. No meu entender, a função de se
montar um “clássico”, é através dele, revelar o que há de universal no ser humano, seja o belo
ou o ridículo. Toda grande obra sempre traz esses elementos. A contribuição do Ornitorrinco
é essa... É ser entretenimento, é ser lúdico, leve e crítico ao mesmo tempo, em que está
vinculado às tradições do riso.
198
ANEXO B – Fichas técnicas dos espetáculos.
Peça: Os mais fortes
Autor: August Strindberg
Locais: Porão do Teatro Oficina
Teatro Experimental Eugênio Kusnet
Ano de estréia: 1977
Elenco
Cacá Rosset: garçom, senhor X (arqueólogo) e Youssef (companheiro de Biskra)
Luiz Roberto Galízia: senhora Y (atriz solteira), Senhor Y (um visitante da
América) e Guimard (tenente francês)
Maria Alice Vergueiro: senhora X (atriz casada) e Biskra
Ficha Técnica
Direção coletiva do grupo
Cenários, figurinos, iluminação e sonoplastia: criação coletiva do grupo
Cartaz, programa e fotos: Victor Nosek
Produção: Teatro do Ornitorrinco
Peça: Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill
Autores: Bertolt Brecht e Kurt Weill
Locais: Porão do Teatro Oficina
Teatro Experimental Eugênio Kusnet
Museu de Arte de São Paulo (Auditório do MASP)
Ano de estréia: 1977
Elenco
Cacá Rosset
Cida Moreyra: piano
Isa Copelman (atuou somente no Porão do Teatro Oficina)
Luiz Roberto Galízia
Maria Alice Vergueiro
Ficha Técnica
Coordenação geral: Cacá Rosset
Tradução: Paulo Herculano, Luiz Roberto Galízia e Cacá Rosset
Colaboração: Celuta Machado
Design Gráfico e fotos: Victor Nosek.
Produção: Teatro do Ornitorrinco
Peça: Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill
Autores: Bertolt Brecht e Kurt Weill
199
Locais: Museu de Arte de São Paulo (MASP)
Centro Cultural São Paulo
Teatro Tablado, no Rio de Janeiro
Ano de estréia: 1982
Elenco
Cacá Rosset
Luiz Roberto Galízia (depois substituído por Luis Antônio Martinez Corrêa)
Maria Alice Vergueiro (depois substituída por Elba Ramalho na apresentação no
MASP)
Elba Ramalho
Cida Moreyra: piano
Ficha Técnica
Tradução: Paulo Herculano, Luiz Roberto Galízia e Cacá Rosset
Coordenação geral: Cacá Rosset
Design Gráfico e fotos: Victor Nosek
Produção: Teatro do Ornitorrinco
No Teatro Tablado:
Administração integrada: Vicente Barcellos
Colaboração visual: João Maurício Sette
Programa: Maurício Arraes
Camareira: Sônia (Luzia)
Peça: Mahagonny songspiel
Autores: Bertolt Brecht e Kurt Weill
Locais: Teatro Célia Helena
Centro Cultural São Paulo
Teatro Experimental Eugênio Kusnet
Ano de estréia: 1982
Elenco
Ana Maria Braga (depois substituída por Dadá Cyrino): Jenny Smith
Antonio Carlos Brunet (Dunga) (depois substituído por Chiquinho Brandão):
Alaska-Wolf-Joe
Cacá Rosset: Jimmy Mahoney
Cida Moreyra: piano
Denise Del Vecchio: viúva Begbick
Kátia Suman: prostituta
Luiz Galízia: Trinity Moses e Jacof Schmidt
Zeca Lennert: baterista
Ficha Técnica
200
Tradução, adaptação e direção geral: Cacá Rosset
Direção musical: Cida Moreyra
Cenografia: Luiz Galízia e Victor Nosek
Figurinos: Domingos Fuschinni
Iluminação: Pedro Farkas
Coreografia: Ana Motta
Sapateado: André Bruno
Orientação pugilística: Sidney Ubeda Campos
Produção executiva e divulgação: Cyra Gomes Moreira e Valéria Mendonça
Administração: Patrícia Mattar Oliva
Programação visual: Victor Nosek
Fotos: Bob Wolfenson e Joel La Laina Seine
Costureira: Diva Ribeiro Rodrigues
Luz: Yara Leite
Peça: O belo indiferente
Autor: Jean Cocteau
Locais: Centro Cultural São Paulo – Sala Paulo Emílio Salles Gomes
Museu de Arte de São Paulo (pequeno auditório do MASP)
Teatro SENAC, Rio de Janeiro
VI Festival Internacional Teatro de Manizales (e nas cidades de Medellin,
Pereira, Armênia e Bogotá, no Teatro Popular de Bogotá, Colômbia)
Ano de estréia: 1983
Elenco
Maria Alice Vergueiro: A cantora
Cacá Rosset: Emílio - O belo indiferente; O cafetão (depois substituído por
Camilo Bevilaqua, no Rio de Janeiro)
Ficha Técnica
Direção: Cacá Rosset
Tradução: Maria Alice Vergueiro
Produção executiva: Suzana Villas Boas
Colaboração: Edith Siqueira
Fotos: Victor Nosek, Edith Siqueira e João Caldas
Produção: Teatro do Ornitorrinco e Cooperativa Paulista de Teatro
No Teatro SENAC:
Direção e Tradução: Maria Alice Vergueiro
Supervisão: Marco Nanini
Visual: Marcio Colaferro
Iluminação: Fred Pinheiro
Administração/Divulgação: Miguel Verro
Fotografia: Xico Lima
Pesquisa filmes: Wagner Correa de Araújo
Execução de figurinos: Ligia Medeiros e Salvador Verro
201
Operador de luz e som: Fred Pinheiro
Maquiagem: Magaly Biff
Peça: Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill (2ª versão)
Autores: Bertolt Brecht e Kurt Weill
Locais: Sesc Pompéia (no evento 14 Noites de Performance, no dia 14 de
agosto)
Festival Internacional de Teatro de Cervantino (México)
Festival Internacional das Artes de Monterrey (México)
Festival Internacional de Guanajuato (México)
Ano de estréia: 1983
Elenco
Cacá Rosset
Maria Alice Vergueiro
Chiquinho Brandão
Tânia Alves (depois substituída por Edith Siqueira nos Festivais Internacionais
de Cervantino, Monterrey e Guanajuato)
Félix Wagner: piano
Ficha Técnica
Direção: Cacá Rosset
Design gráfico e fotos: Victor Nosek.
Peça: Mahagonny songspiel (2ª versão)
Autores: Bertolt Brecht e Kurt Weill
Locais: Teatro Municipal do Guarujá
VI Festival Internacional de Teatro de Caracas (Venezuela)
Ano de estréia: 1983
Elenco
Cacá Rosset: Jimmy Mahoney
Maria Alice Vergueiro: viúva Begbick
Dadá Cyrino: Jenny Smith
Chiquinho Brandão: Alaska-Wolf-Joe
Luiz Roberto Galízia: Trinity Moses e Jacof Schmidt
Félix Wagner: piano
Zeca Lennert: baterista
Edith Siqueira: prostituta
Ficha Técnica
Direção: Cacá Rosset
Cenografia: Luiz Roberto Galízia e Victor Nosek
Direção musical: Felix Wagner
202
Design gráfico e fotos: Victor Nosek
Peça: Mahagonny songspiel (3ª versão)
Autores: Bertolt Brecht e Kurt Weill
Locais: Teatro da Aliança Francesa
Festival Latino de New York
Ano de estréia: 1984
Elenco
Cacá Rosset: Jimmy Mahoney
Maria Alice Vergueiro: viúva Begbick
Dadá Cyrino: Jenny Smith
Chiquinho Brandão: Alaska-Wolf-Joe
José Rubens Chachá: Trinity Moses e Jacof Schmidt
Paulo Ivo: mestre de cerimônias
Denise Araceli: prostituta
Felix Wagner: piano
Zeca Lennert: baterista
Magaly Biff: prostituta
Ficha Técnica
Tradução, adaptação e direção: Cacá Rosset
Direção musical: Félix Wagner
Iluminação: Pedro Farkas
Produção executiva: Bel Lamadrid
Divulgação: Silvana de Oliveira
Administração: Sônia Regina
Fotos: Bob Wolfenson
Laboratório: Maria Elisa dos Santos
Peça: Ubu, folias physicas, pataphysicas e musicaes
Autor: Alfred Jarry
Locais: Teatro João Caetano
Teatro Ruth Escobar - Sala Gil Vicente
VII Festival Internacional de Teatro de Manizales (Colômbia)
Festival Internacional de Teatro do México
Festival Internacional de Teatro de Cádiz (Espanha)
Festival Internacional de Teatro nas Ilhas Canárias (nas cidades de
Las Palmas, Tenerife e La Laguna)
Begegnung mit Brasilien (Encontro com o Brasil, na Alemanha, nas
cidades de Niirnberg, Fiirth, Erlangen e Kassel)
Ano de estréia: 1985
Elenco
Cacá Rosset: pai Ubu
203
Rosi Campos: mãe Ubu
José Rubens Chachá: Edileusa (a Lanterninha), capitão Bordadura e general
Lascy
Chiquinho Brandão (depois substituído pelo Gerson de Abreu): apresentador,
serrotista, Bugrelau, czar Alexis e Palhadino Girão
Christiane Tricerri: consciência, rainha Rosamunda, Nejmetcharquie (dança do
ventre), condessa de Vitepsk, czarete do exército russo e outros
Gilberto Caetano: rei Venceslau, urso, duque de Gurlandia, mestre-cuca, juiz,
soldado polonês, cavalo-das-finanças (cabeça), trapezista, malabarista,
pirofagista, acrobata, monociclista e outros
Regina Lopes (depois substituída por Malu Moreno, na Alemanha): Alfred
Jarry, mestre-cuca, espectros (corda indiana), juiz, financista, malabarista,
pirofagista, acrobata, soldado polonês e outros
Luis Ramalho (depois dividiu os personagens com André Caldas): mestre-cuca,
conspirador, grão-duque de Posen, juiz, mensageiro, soldado polonês (macaco,
homem tocha), trapezista, acrobata, pirofagista e monociclista
José Wilson Moura Leite: mestre-cuca, conspirador, príncipe da Podólia, juiz,
soldado polonês, cavalo-das-finanças (parte traseira), malabarista, acrobata,
monociclista e outros
Beli Leal (depois substituída por Marina Mesquita e, nas Ilhas Canárias, por
Cláudia Moras): mestre-cuca, conspiradora, espectros (corda indiana), juiz,
financista, czarete do exército russo, acrobata, malabarista, monociclista e outros
Cássia Venturelli (depois substituída por Angela Dip, na Alemanha e por Ana
Maria Surani Mora, nas Ilhas Canárias): mestre-cuca, conspiradora, espectros
(corda indiana), juiz, financista, soldado polonês, domadora, pirofagista e
monociclista
Músicos: Banda Pataphísica
Júlio Vicente (depois substituído por Sérvulo Augusto e, Nas Ilhas Canárias, por
Geraldo Vieira): teclados DX - 7
Português (depois substituído por Skowa, na viagem para Alemanha e por
Geraldo Vieira, nas Ilhas Canárias): contrabaixo
Pedrinho Batera (depois substituído por AC Dal Farra, nas Ilhas Canárias):
bateria
Jean Trad: guitarra
Ficha Técnica
Tradução, roteiro e direção geral: Cacá Rosset
Cenários e figurinos: Lina Bo Bardi
Assistente de realização: Victor Nosek
Assistente de direção: José Rubens Chachá
Assistente de cenografia: Miguel Angel Paladino
Luz: Pedro Farkas
Música: Pedrinho Batera e Jean Trad
Coreografia: José Augusto Pompeo
Técnicas circences: José Wilson Leite
Figurinos circenses: Maria Elisa Costa
Figurinos históricos: guarda-roupa do Teatro Municipal
Cenotécnico: Henrique de Pace
204
Marceneiro: Oswaldo Lisboa
Execução de figurinos: Eunice Simões Alves
Execução de figurinos circenses: Nina de Cássia
Adereços: Alejandro Ferrari, Alessandro Loria e Márcia Maria Benevento
Operador de Luz: Pedro P. Geraldo e João Donda
Projeto gráfico: CPV
Fotos: Ary Brandi e Bob Wolfenson
Laboratório: Maria Elisa dos Santos
Exposição Alfred Jarry: Miguel Angel Paladino e Victor Nosek
Direção de produção: Riwka Tauba Schware
Assistente de produção: Rosa Casalli
Divulgação: Rosi Campos e Bri Fiocca
Produção executiva: Maria Paula Salgado Brandão
Peça: Teledeum
Autor: Albert Boadella
Locais: Teatro Ruth Escobar - Sala Gil Vicente
Teatro Cultura Artística – Sala Rubens Sverner
Centro Cultura São Paulo – Sala Jardel Filho
Teatro Igreja
Festival Internacional de Teatro de Bogotá (Colômbia)
Festival Internacional de Teatro de Caracas (Venezuela)
Ano de estréia: 1987
Elenco
Ary França: Philip du Berger (testemunha de Jeová)
Gerson de Abreu: Pierre Lachèsse (calvinista e bombeiro)
José Rubens Chachá: William Ryan (anglicano)
Mário Cesar Camargo: Angelo-Marcello Lucciani (católico apostólico)
Norival Rizzo (depois substituído, em algumas apresentações, por Cacá Rosset):
José de Anchieta Junior (jesuíta e guarda do vaticano)
Ricardo Blat (depois substituído por Paulo Ivo): Hans Christian Von Muller
mórmon
Roney Facchini: Richard Clayton (evangelista, ortodoxo e bobby inglês)
Roseli Silva: Mary Anne McMurfy (católica separada)
Rosi Campos: Vicenta Maria de Los Desamparados (católica Paulina e mãe de
mórmon assassinado)
Paulo Ivo (depois substituído por Cacá Rosset, Márcio Ribeiro da Costa e
Sérvulo Augusto): voz diretor
Ficha Técnica
Tradução e direção: Cacá Rosset
Coreografia e assistência de direção: Lala Deheinzelin
Cenários, figurinos e programação visual: Miguel Paladino
Direção e produção musical: Sérvulo Augusto
Iluminação: Abel Kopanski
Técnicos: Dagô Marcelino e Leno José
205
Operador de luz: Ney Piedade
Operador de som: Dante Savi e Jackson Silva
Maquiagem: Westerley Dorneles
Camareira: Dirlene Emílio
Luz: Bonfante
Sonorização: Tapeson (Ailton D’Angelo)
Trilha sonora gravada em oito canais no Ensaio Estúdio
Jean Trad: guitarra
Loren Daé: voz
Paulo: técnico
Pedrinho batera: bateria
Sérvulo Augusto: arranjos e teclados
Zé Português: contrabaixo
Execução de figurinos: Ziria Oliveira da Rosa
Cenotécnica e montagem: Os Hunos (Baró e Sanaro)
Efeitos especiais: RR (Batman e Rick)
Produção executiva: Ciça Moraes
Fotos: Ary Brandi e Djalma Limongi Batista
Foto do cartaz: Bob Wolfenson
Divulgação: Rosi Campos
Administração: Léo Brito
Produção: Teatro do Ornitorrinco e Cooperativa Paulista de Teatro
Peça: A velha dama indigna
Autores: Bertolt Brecht e Kurt Weill
Locais: Centro Cultural São Paulo –
Theatro XVIII (Pelourinho, Bahia)
Festival Internacional de Teatro de Manizales (Colômbia)
Ano de estréia: 1988
Elenco
Maria Alice Vergueiro: a dama indigna
As indignetes: Angela Dip, Annette Rammershoven, Edith Siqueira e Luciane
André
Músicos:
Guilherme Vergueiro: piano
Cláudio Guimarães: guitarra
Ricardo do Canto: contrabaixo
No Theatro XVIII (Músicos):
Graça Ferreira: piano (também colaboradora na seleção musical)
Helena Rodrigues: flauta
Ficha Técnica
Direção geral: Cacá Rosset
206
Traduções: Cacá Rosset, Luiz Antônio Martinez Corrêa, Luiz Roberto Galízia e
Tatiana Belinki
Direção musical: Guilherme Vergueiro
Assistência de direção e programação visual: Miguel Paladino
Iluminação: Abel Kopanski
Fotografias: Bob Wolfenson
Peça: O doente imaginário
Autores: Molière
Locais: Teatro Municipal de Sertãozinho (pré-estréia)
Teatro Municipal de São Carlos
Teatro Municipal de Santos
Primer Grand Festival Ciudad de Mexico
Teatro Arthur Rubinstein
Teatro Sérgio Cardoso
Teatro da Universidade Católica de São Paulo (TUCA)
Festival Internacional de Teatro de San Jose por La Paz (Costa Rica)
Festival Latino de New York
V Festival de Teatro Iberoamericano de Cádiz (Espanha)
Temporada em Madri, no Teatro Olímpia (Espanha)
Ano de estréia: 1989
Elenco
Cacá Rosset (depois substituído temporariamente por Chachá): Argan
Maria Alice Vergueiro: Toinette
José Rubens Chachá (depois substituído por Mauro de Almeida, Mário Cesar
Camargo e Tácito Rocha): apresentador, tabelião Boafé, Dr. Diafoirus e Beraldo
Christiane Tricerri: Beline, ninfa, egípcia, mascarada e médico
Ary França: Tomás, Dr. Purgon, valete e médico
Loren Daé: Angélica, pastora e médico
Marshall Netherland (depois substituído por Rubens Caribé): Cleanto, pastor e
médico
Edson Cordeiro (depois substituído por Rubens Caribé): fauno, polichinello, Sr.
Fleurant, egípcio e médico
Lala Deheinzelin (depois substituída por Marina Mesquita e por Paulo Contier):
ninfa, valete, egípcia, mascarada e médico (perna-de-pau)
Paulo Contier (depois substituído por Rubens Caribé): zéfiro, valete, egípicio,
mascarado e médico (perna-de-pau)
Tereza Freire: fauno, ninfa, valete, pierrete, egípcia, mascarada e médico (perna-
de-pau)
Mônica Monteiro: ninfa, valete, egípcia, mascarada e médico (perna-de-pau)
André Caldas: zéfiro, arlequim, valete, egípcio, caveira (passeio aéreo) e médico
(perna-de-pau)
Guto Vasconcelos: zéfiro, Pierrot, valete, egípcio, caveira (passeio aéreo e
médico (perna-de-pau)
Músicos:
Hector Gonzalez: regência
207
Marcelo Borges: 1º violino
Mario Sergio Zaidan: 2º violino
Fábio Tagliaferri: viola
Ana Eliza Colomar: cello e flauta
Marshall Netherland (depois substituído por Gil Reyes): teclados e sax
Jorge Peña: percussão
Ficha Técnica
Tradução, adaptação e direção geral: Cacá Rosset
Cenários e figurinos: José de Anchieta
Coreografia: Lala Deheinzelin
Direção musical: Hector Gonzalez
Iluminação: Abel Kopanski
Direção de produção: Renato Hellmeister Caldas
Assessoria cultural: Miguel Paladino
Técnicas circences: André Caldas e Guto Vasconcelos
Assistência de direção: Lala Deheinzelin e José Rubens Chachá
Assistência de coreografia: Paulo Contier
Assistência de figurinos: Carmem Arnoso
Assistência de produção: Ana Sandra Credidio e Angélica Del Nero
Coordenação da oficina de cenografia: Alessandro Loria
Execução de cenários e adereços: André Motta, Antonio Marciano, Maria
Angélica Rocha, Rogério Marciano, Luciene. G. Ferreira, Renata Wilner,
Euridis F. Silva e Celina Yamauchi
Execução de figurinos: Martha Betti e Ziria Oliveira da Rosa
Chapéus: Conceição de Alencar
Preparação para perna-de-pau: Ligia Veiga
Preparação vocal: Marcelo Borges e Marshall Netherland
Perucas: Jô Dias e Wagner dos Santos
Cabeleireiro: Itamar Oliveira
Coordenação da oficina de pesquisas iconográfica e programação visual: Miguel
Paladino
Oficina de pesquisa iconográfica e programação visual: Berenice Fernandes
Calandriello, Bernadete Alves, César Augusto Sartorelli, Liorne Cristina
Fransolin e Vera Maria Pereira Theodozio
Fotografias: Ary Brandi (A.B.), Augusto R. Coelho (A.C.), João Caldas,
Marlene Maalouli (M.M.), Rogério Voltan Almeida (R.V.A.) e Valdir Peyceré
(V.P.)
Camareira: Fátima Domingos
Maquinista: Amaro Silva, André Mota e Clóvis Loureiro
Divulgação: Bicoa Kubrusly e Ligia Sanches
Administração: Fernanda Signorini e Norma Lyds
Peça: Sonho de uma noite de verão
Autor: William Shakespeare
Locais: Delacorte Theatre de New York
Teatro Municipal de Santo André
Teatro Ópera de Arame (Curitiba)
208
Teatro da Universidade Católica de São Paulo (TUCA)
Teatro Sérgio Cardoso
Extensão do Festival New York Shakespeare, no México (na Ciudad de
Mexico, no Teatro Miguel Covarrubias)
Anos de estréias: 1991 (EUA) e 1992 (Brasil)
Elenco
Cacá Rosset (depois substituído por Adenor Simões Coelho): Nick Bottom e
Píramo
Christiane Tricerri: Hipólita e Titânia
José Rubens Chachá: Teseu e Oberon
Augusto Pompeo: Puck
Ary França: Francis Flute e Tisbe
Mário Cesar Camargo: Egeu, Tom Snout e o muro
Tácito Rocha: Peter Quince
Gerson Steves: Snug e o leão
Anton Chaves: apresentador, Filóstrato, Robin Starveling e o luar
Amorosos: Carolina Ribeiro (Helena) (depois substituída por Élida Marques),
Elaine Garcia (Hérmia), Rubens Caribé (Lisandro) (depois substituído por
Edinaldo Eiras) e Ricardo Homuth (Demétrio)
Elfos: André Caldas, Felipe Matsumoto, Guto Vasconcelos, Kiko Belluci, Kiko
Caldas (atuou somente nas temporadas realizadas nos Estados Unidos e no
México) e José Wilson Leite (Ali Cerce)
Fadas: Daniela de Carli (Falena), Débora Pacioni Zambon, Meire Flório (dança-
do-ventre), Mônica Monteiro (amazona e flor-de-ervilha), Norma Gabriel (grão-
de-mostarda), Regina Oliveira (first fairy) e Tereza Freire (amazona e teia-de-
aranha)
Stand-by: Adenor Simões Coelho e Élida Marques
Músicos:
Adonai Ribeiro: 2º violino
Ana Eliza Colomar: cello, flauta e sax
Cíntia Zanco: 1º violino
Duca França: teclado e trumpete
Jorge Peña: percussão
Paulo Furquim: viola e violão
Ficha Técnica
Tradução, adaptação e direção geral: Cacá Rosset
Cenários e figurinos: José de Anchieta
Coreografia: Val Folly
Direção musical: Duca França
Iluminação: Abel Kopanski, Clóvis Cardoso (SP) e Peter Kaczorowski (NY)
Direção de produção e administração: Fernanda Signorini
209
Assistente de direção: Maria Alice Vergueiro
Cartaz e programa: Miguel Paladino
Técnicas circences: José Wilson Moura Leite
Técnicas de ginástica rítmica: Regina Oliveira
Técnica de esgrima: Erwin Leibl e Peter Gidali
Técnicas de patinação: Luciano M. Coutinho
Adereços: “Homem de Seda” Jesus Seda, Cristina Homem, Fernandinho Gomes,
Conceição de Alencar (chapéus), Juvenal Irene, Ana Maria da Silva (barbas e
bigodes postiços), Lázaro Donadio (botas), Juan Carlos Raé (marcenaria),
Antonio Marciano (criação de máscaras), Rogério Marciano e Paula Coelho
(execução)
Execução de figurinos: Ziria Oliveira da Rosa (coordenação). Francisca Martins,
Nélida Arnoso e Raimunda Belo
Assistente de figurinos: Carmem Arnoso
Direção de palco e assistente de produção: Antonio Marciano
Cabeleireiro: “Lazinhos’s” Jonas Vieira dos Santos
Contra-regras: Clóvis Cardoso e Márcio Marciano
Divulgação: “Texto e Traço” Lígia Sanches
Fotos: João Caldas
Peça: A comédia dos erros
Autor: William Shakespeare
Locais: Delacorte Theatre de New York
Teatro da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP)
Anos de estréias: 1992 (EUA) e 1994 (Brasil)
Elenco
Mário Cesar Camargo (depois substituído por Ricardo Castro): William
Shakespeare e Egeu
Adilson Azevedo: Duque Solinus e oficial
Paulo Vasconcelos: 1º e 2º mercador
Luciano Chirolli (depois substituído por Cacá Rosset): Antífolo de Siracusa
Eduardo Silva: Dromio de Siracusa
Augusto Pompeo: Dromio de Éfeso
Christiane Tricerri: Adriana
Fernanda D’Umbra: Luciana
José Rubens Chachá: Antífolo de Éfeso
Ricardo Castro: Ângelo
Yvette Matos: Nell
Lúcia Barroso (depois substituída durante uma semana por Cacá Rosset): cortesã
Jocelyn Maroccolo: Dr. Pinch
Maria Alice Vergueiro (depois substituída por Lúcia Barroso): Abadessa
Tadeu Tosta: cidadão de Éfeso
Músico:
Sergio Chica: percussão
Ficha Técnica
210
Tradução,adaptação e direção geral: Cacá Rosset
Cenários e figurinos: José de Anchieta
Direção musical: Mark Bennett
Iluminação: Peter Kaczorowski
Direção de lutas e movimentos: Linwood Harcum
Direção de produção e administração: Fernanda Signorini
Dramaturgia: Jim Lewis
Programação visual: Miguel Angel Paladino
Direção de palco: Tadeu Tosta
Assistência musical: Gil Reyes
Preparação corporal: Augusto Pompeo
Execução de cenários: Atelier Damiranda
Detalhamento e coordenação: Miguel Paladino e Roberval Layus
Assistência: Zita Baptista
Cenotécnicos: Alvaro Egas, Clemindo Pinto da Rocha, Marcelo Santos da
Rocha e Sandro Torquetti
Ajudantes: Americo Venancio (Neto), Paulo Rosa, Pedro Layus e Jurema de
Oliveira
Assistência de produção: Márcia Salgado
Assessoria de imprensa: Nanete Neves
Adereços: Acadia Scenic, Inc. (NY)
Execução de figurinos: Barbara Matera (NY)
Adereços complementares: Americo Venancio (Neto) e Simone Martins.
Figurinos complementares: Alice Correa
Perucas: Estoril
Sapatos: Zeppelin e Lázaro Donattio
Operador de som: Marcos Frade
Operador de luz: Fran Barros
Estúdios City Sound Productions NY (onde foi gravada a música original,
composta por Mark Bennett)
Engenheiro de som: Bob Hirschner
Violino: Regina Bellantese
Clarineta: Steven Silverstein
Produção: Teatro do Ornitorrinco
Peça: Ubu, folias physicas, pataphysicas e musicaes
Autor: Alfred Jarry
Locais: Teatro da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP)
Teatro João Caetano
Ano de estréia: 1996
Elenco
Cacá Rosset: pai Ubu
Lucia Barroso: mãe Ubu
José Rubens Chachá: mestre de cerimônias, capitão Bordadura e general Lascy
Eduardo Silva: apresentador, serrotista, Girão, Bugrelau, czar Alexis
Andrea Pozzi: Consciência, dança do ventre, czarete, financista, e condessa de
Vitepsk
211
Norma Gabriel: anfitriã, mestre-cuca, soldado, acrobata, czarete, pirofagista e
espectro (corda indiana)
Fernanda D’Umbra: anfitriã, rainha Rosamunda, mestre-cuca, financista e Grão
Duque de Posen
Regina Lopes: Jarry, soldado, pirofagista, mestre-cuca, acrobata, espectro (corda
indiana) e juiz
Mônica Alla (depois substituída por Helena Cerantola): soldado, pirofagista,
domadora, mestre-cuca, acrobata, espectro (corda indiana) e juiz
André Caldas: soldado, trapezista, pirofagista, mestre-cuca, cavalo das
phynanças (parte dianteira), príncipe da Podólia e acrobata
Marcelo Castro: rei Venceslau, soldado, pirofagista, mestre-cuca, Grão Duque
da Curlândia, acrobata, cavalo das phynanças (parte traseira) e urso Cezar Rossi:
trapezista, soldado, pirofagista, mestre-cuca e acrobata
Tadeu Tosta: marujo polonês
Músico:
Sérgio Chica: percussão
Ficha Técnica
Tradução, adaptação e direção geral: Cacá Rosset
Cenários e figurinos originais: Lina Bo Bardi
Direção de arte: Miguel Paladino
Iluminação: Wagner Freire
Assistente de direção: José Rubens Chachá
Técnicas circenses: André Caldas
Produção e administração: Fernanda Signorini
Arranjos e produção musical: Sílvio Piesco e Teresa Moranduzzo
Vocais: Graça Cunha, Talma de Freitas e Rubens Caribé
Figurinos circenses: Paola Biganti
Alfaiate: Domingos de Lello
Figurinos dos nobres: d’après José de Anchieta
Costureira: Ziria Oliveira da Rosa
Adereços: Jesus Seda.
Polochon: Álvaro Egas e Márcia Benevento
Navio: Alessandro Loria
Cenotécnicos: Clemildo Pinto da Rocha e Marcelo S. da Rocha
Perucas: Estoril Perucas
Cabeleireiro: Charles Veiga (Jacques Janine)
Sapatos: Fernando Pires
Estúdio Gráfico: Luciano Pessoa
Assistente de iluminação e operador de luz: Arinagô
Operador de som: Marcos Frade
Diretor de cena e assistente de produção: Tadeu Tosta
Contra-regra: Marcos Bulica (Marcão)
Assistentes de montagem: Adriano Tosta, Cristina Lunardi e Glaucia de Faria
Assessoria de imprensa: Morente Forte Comunicações
Fotografias de divulgação: Gal Oppido
Realização: Teatro do Ornitorrinco
212
Peça: O avarento
Autor: Molière
Local: Teatro Popular do Sesi
Ano: 1998
Elenco
William Amaral: apresentador e Flecha
Eduardo Silva: mestre de cerimônias e Jacques
Fernanda D’Umbra: Elisa
Washigton Luiz Gonzales: Valério
Romis Ferreira: Cleanto
Cacá Rosset: Harpagão
Javert Monteiro: Simão e Anselmo
Igor Cotrim: Simãozinho, comissário e Harpagão alegórico
Maria Alice Vergueiro: Frosina
Andrea Pozzi: Mariana
Adriana Benetti Fortes: Mitsubishi Toyota
Bailarinas: Carol Mariottini, Glaucia Fonseca, Katia Alves e Mônica Acioli
Musicista:
Cintia Nacarato: violinista
Ficha Técnica
Tradução, adaptação e direção geral: Cacá Rosset
Música, direção musical e projeto de sonorização: Mark Bennett
Cenografia e figurinos: José de Anchieta
Coreografia: Vivien Buckup
Lutas cênicas: Linwood Harcum
Iluminação: Wagner Freire
Direção de produção: Rosa Casalli
Direção de cena: Adriana Benetti Fortes
Assistência de direção musical: Denise Machado
Técnicas circences: André Caldas
Arranjos musicais: Simon Deacon
Clarinete: Andrew Rathbun
Cello: Robert Een
Trompete: Taylor Haskans
Violino: Regina Bellantese
Assistência de direção: Vivian Roizman
Execução de figurinos: Ziria Oliveira da Rosa
Execução de cenários e adereços: Antonio Marciano
Maquiagem: Cabral
Voz Off: José Rubens Chachá
Cantores: Marcio Martins, Margareth Cristina Loureiro, Monica Martins, e
Rubens Medina
Assessoria de imprensa: Escritório de Comunicação
Projeto gráfico: Elisabeth Peão Trickett e Regina Knoll
213
Fotos de divulgação e programa: Mário Castello
Peça: Scapino
Autor: Molière
Locais: Teatro Sérgio Cardoso
Maria Della Costa
Ano de estréia: 2000
Elenco
Eduardo Silva: Scapino
Cacá Rosset: Garibaldi
William Amaral: Silvestre
Maíra Leme: Jacinta, moça que engole a mão e dançarina turca
Elaine Garcia: Zerbinetta, marinheiro e dançarina turca
Javert Monteiro: Argante
Guilherme Freitas: Geronte e mulher barbada
Romis Ferreira: Leandro e homem da mala
Fábio Saltini: Otávio
Ana Saguia: Nerina
Alexandre Marques: Franco e açougueiro
Caio Stolai: Zampari
Tadeu Tosta: San Genaro e maquinista
Povo de Nápoles:
Érika Peres: irmã siamesa e sadomasoquista
Glaucia Balbachan: irmã siamesa e dançarina turca
Heloísa de Palma: freira e sadomasoquista
Paula Ferreira: mensageiro
Ronaldo Santos: noivo, turco e açougueiro
Talita Helena: turista e dançarina turca
Tathiana Souza (depois substituída por Luciana Garcia): noiva grávida e
sadomasoquista
Yael Pecarovich: cantora e sadomasoquista (Stand by de Jacinta e Zerbinetta)
Músicos:
Cintia Nacarato: violino
Egno do Acordeon: acordeon e piano
Fábio Bartoloni: violão e bandolin
João Condy: percussão
Ficha Técnica
Tradução e direção: Cacá Rosset
Cenários e figurinos: José de Anchieta
Direção musical e música original: Miguel Briamonte
Coreografia: J.C. Violla
Construção de cenários e adereços: Diw Rossetti, Fernando Brettas e Zero Um
Studio
214
Assistência de direção: Luciana Garcia e Maria Alice Vergueiro
Iluminação: Wagner Freire
Direção de produção: Rosa Casalli
Preparação corporal e coreografia de lutas: Ariela Goldmann
Coordenação de números circences: Gilberto Caetano
Direção de cena: Tadeu Tosta
Edição e desenho gráfico: Miguel Paladino
Assessoria em geral: Wagner Sugamele
Assistência de coreografia: Nelly Guedes
Assistência de figurinos: Carola Ekizian Costa
Assistência de direção musical: Cintia Nacarato
Assistência de cenografia: Diogo Costa
Assistência de produção: Fábio Tucci
Trilha sonora gravada, mixada e masterizada no Estúdio Zabumba por Marcos
Nogueira e Miguel Briamonte. Vozes: Abel Rocha, José Luiz Ribalta, Samantha
Cara e Silvia Handroo. Violino: Cintia Nacarato. Violão: Fábio Bartolini.
Acordeon: Egno do Acordeon. Bateria: Luciano Lobato. Percussão: Guello
Site Scapino: Eduardo Castelo Branco
Fotos: Gal Oppido
Divulgação: Nanete Neves
Alfaiate: Lello
Costureiras: Chica Martins, Joelma Jacobs e Zíria Oliveira da Rosa
Camareiras: Marlene Colle e Verah
Maquiagem e cabelos: Cabral
Assistente: Luciano França
Perucas: Velani (Aroldo)
Operador de som: Vadinho
Sonorização: Pramix
Operador de luz: Adriano Tosta
Operador de canhão: Marcelo Almeida
Contra-regra: André Santos
Peça: O marido vai`a caça!
Autor: Georges Feydeau
Local: Teatro da Universidade Católica de São Paulo (TUCA)
Ano de estréia: 2006
Elenco
Ariel Moshe: Moricet
Christiane Tricerri: Leontina
Cacá Rosset: Chandel
Claudete Pereira Jorge: Latour
Anderson Faganello: Alain
Octávio Mendes: Cassagne e policial
Javert Monteiro: Inspetor
Luciana Garcia: Babete
Tadeu Tosta: policial
215
Ficha Técnica
Tradução e direção: Cacá Rosset
Cenografia e figurinos: José de Anchieta
Iluminação: Wagner Freire
Trilha sonora composta: Miguel Briamonte
Diretora assistente: Luciana Garcia
Diretor de cena: Tadeu Tosta
Produção executiva: Elisete Jeremias
Assistência de produção: César Holanda
Preparação corporal: Mara Guerrero
Assessoria de imprensa: Anna Pires
Fotos: Gal Oppido e André Stefano
Direção de produção e administração: Henrique Mariano
Construção de cenário: Fernando Bretas e Diw Rossetti
Zero Um Studio: Marcelo Novaes Viana, José Ronaldo Boro dos Santos,
Vincent Guilmoto, Aécio Luiz Ferreira dos Santos, Fernando Alves Batista e
José Mauro da Silva
Cortinas: Dares
Adereços (Leontina): Eddy Tricerri (designer) e Joana (artesã)
Costureira (vestidos femininos): Judite de Lima
Alfaiataria: Maison de Lello.
Sapateiro: David. C. Reis
Chapéus (Leontina, Latour, Chandel, Allain e Inspetor): Daisy & Ruth Cabeças
de animais: Gilverx
Visagismo: Raphael Cardoso
Contra-regra: César Holanda
Camareira: Ana Cordeiro
Maquinista: Leopoldo Wopp Pereira dos Santos
Peça: A megera domada
Autor: William Shakespeare
Local: Teatro Sérgio Cardoso
Ano de estréia: 2008
Elenco
Christiane Tricerri: Catarina
Cacá Rosset: Cristopher Sly e Petrúquio
Rubens Caribé: Lucêncio e nobre
Maureen Miranda: bailarina, Bianca e Nataniel
Eduardo Silva: apresentador, Grúmio e bispo do casamento
Anderson Faganello: Bartolomeu, esposa de Sly e Hortêncio
William Amaral: criado do nobre, costureiro, Trãnio e primeiro caçador
Gerson Steves: criado do nobre e Batista
Ronaldinho Malachias: Biondello, odalisca e coroinha
Hugo Nápoli: criado do nobre e Grêmio
Guilherme Freitas: segundo caçador, criado do nobre, Curtis e Vincêncio
Paulo Vasconcelos: terceiro caçador, criado do nobre José e professor
216
Chiris Gomes: taverneira, viúva, bailarina e cantora
Gabriela Fontana: bailarina, pin-up e vendedora
Rafaella Caetano: Felipe, bailarina, pin-up e cortesã
Danuza Cordeiro: bailarina, pin-up e cortesã
Carola Costa: bailarina, pin-up acrobata e cidadã de Pádua
Músicos:
Betinho Sodré: percussão
Amílcar Rodrigues: trompete
Itamar Vidal: clarinete e claron
Pedro Paulo Bogossian: teclado
Ficha Técnica
Tradução e direção: Cacá Rosset
Cenografia e figurinos: José de Anchieta
Iluminação: Wagner Freire
Assistente de direção: Luciana Garcia
Projeto gráfico – Programa visual: Carolina de Carvalho
Desenho de capa- Cartaz: Angeli
Fotografia: Ary Brandi
Assessoria de imprensa: Érika balbino – Baobá Comunição
Coreografia: Rubens Caribé
Preparador de luta cênica: Paulo Vasconcelos
Diretor de cena: Alexandre Torres
Assistência e consultoria circense: Gilberto Caetano
Visagismo: Westerley Dornellas e Emi Sato
Construção de cenários: Fernado Brettas e Diw Rossetti
Ono Zone Estúdio: Marcelo Novaes Viana, Celina Viana, Boro dos Santos,
Vicent Guilmoto, Aécio Luiz Ferreira dos Santos, José Mauro da Silva e Luiz
Eduardo Brettas
Operador de áudio: Vadinho
Operador de luz: Luciano Aparecido Paes
Camareiras: Ana Cordeiro e Marlene Colle
Contra-regra – Camareiro: Victor Gimenes
Maquinista: Sobrinho Batista
Aderecistas: Eddy Tricerri, Rafael Ghiradello e Gilverx
Tratamento de figurino: Telume Hellen
Chapéus: Dayse & Ruth
Costureira: Lande Figurinos e Bene Calistro
Costureiras assistentes: Dilma Tibiriçá, Judith Rosa, Anita Yamazuami
Cabelereiro: Aroldo Campos
Alexandre Rodrigues e Robson Sanglard vestem Christiane Tricerri
Assesoria jurídica: Andréa Francez
Contabilidade: Hitoshi Nizhimoto
Administração: Luana Kavanji
Secretariado: Odara Carvalho
Assitente pessoal: Laura di Marc
Produção executiva: Clarissa Mastro
Assistente de produção: Mariana Trench Bastos e Luciane André
217
Direção de produção: Elisete Jeremias
Realização: Ornitorrinco Produções Artísticas
Produções realizadas pelo Núcleo 2
Peça: A pororoca (performances)
Autores: Luis Roberto Galízia, Magaly Biff e Maria Alice Vergueiro
Locais: Teatro Aliança Francesa
Madame Satã
Festival Latino de New York
Festival Internacional de Teatro de Manizales (Colômbia)
Ano de estréia: 1984
Elenco
Maria Alice Vergueiro: ancestral
Magaly Biff: transgressora
Luis Roberto Galízia: poeta enjaulado
Hector Gonzalez: músico
Graciela Gonzales: musicista
Nota: A apresentação no Festival Latino de New York não contou com a
participação de Luis Roberto Galízia. Porém contou com a atuação de José
Rubens Chachá, Paulo Ivo e Zeca Lennert: música incidental.
Ficha Técnica
Direção: Luis Roberto Galízia
Peça: Medéa (baseada na tragédia Medéia)
Autores: Sêneca e Eurípedes
Locais: Teatro SESC Anchieta (Jornada SESC de Teatro Experimental)
Festival de Teatro Iberiamericano de Cádiz (Espanha)
Ano de estréia: 1990
Elenco
Cacá Amaral: Jasão
Christiane Tricerri: Creúsa
Maria Alice Vergueiro: Medéia
Músico (Só no SESC Anchieta):
Victor Trindade: percursionista acústico
Látex Coral Cínico: coro
218
Ficha Técnica
Adaptação: Maria Alice Vergueiro e Christiane Tricerri
Direção: Christiane Tricerri
Cenário: Airton Filipelli
Figurinos: Daniela Thomas
Adereços: André Canadas
Iluminação: Mário Martini
Composição musical: Beatriz Azevedo e Brian Castelli
Trilha Sonora: Tunica
Direção cênica do coro: Beatriz Azevedo
Direção musical: Brian Castelli
Assistente de sonoplastia: Aline Meyer
Peça: Amor de Dom Perlimplim com Belisa em seu jardim
Autor: Federico Garcia Lorca
Locais: Centro Cultural São Paulo – Sala Jardel Filho
VII Festival Internacional de Teatro Hispano de Miami
Festival Internacional de Teatro de Manizales (Colômbia)
Festival Internacional de Teatro de San Jose por La Paz (Costa Rica)
Turnês pela Espanha e Portugal (Festival Ibero-americano de Teatro nas
cidades de Granada, Cádiz e Lisboa)
Ano de estréia: 1992
Elenco
Rosana Seligmann (depois substituída por Mariana Lima): Belisa
Maria Alice Vergueiro: Marcolfa e mãe
Luciano Chirolli: Dom Perlimplim
Ricardo Castro (depois substituído por Sidnei Caria): Duende I
Wanderley Piras (depois substituído por Marcio Dallas): Duende II
Ficha Técnica
Tradução e Direção: Maria Alice Vergueiro
Canto inicial de Belisa e Fita Amarela de Noel Rosa: Maria Alice Vergueiro
Serenata: Luciano Chirolli
Direção de cena: Marcelo Dalla
Música e direção musical: Marcus Vinícius
Cenários: Renato Salgado
Figurinos: Marco Lima
Execução de figurinos: Alice Corrêa
Iluminação: Cibele Forjaz
Assistente de iluminação: Simone Donatelli
Caracterização: Gerson Steves
Cenotécnico: Clóvis Ulisses
Projeto Gráfico: Alonso Alvarez
Fotos: Vânia Toledo
Divulgação: Lígia Sanches
219
Adereços e pintura de arte: Faro Produções Artísticas (Luís Rossi, Fábio Brando,
Antonio Ribeiro e Ivan Ciscatti) e Marcos Pedrozo
Produção executiva e administração: Norma-Lyds
Produção: Campos Vergueiro Produções Artísticas Ltda.
Peça: Tudodeumavez (baseada no O belo indiferente: remontagem)
Autor: Jean Cocteau
Local: VIII Festival de Internacional de Teatro Hispano de Miami
Ano de estréia: 1993
Elenco
Luciano Chirolli: Emílio - O belo indiferente; O cafetão
Maria Alice Vergueiro: A cantora
Ficha Técnica
Tradução: Maria Alice Vergueiro
Direção: Cacá Rosset
Produção executiva: Miguel Angel Paladino
Peça: La Chunga
Autor: Mário Vargas Llosa
Local: X Festival Internacional de Teatro Hispânico de Miami
Ano de estréia: 1995
Elenco
Maria Alice Vergueiro: Chunga
Andrea Pozzi: Meche
Angelo Brandini: José
Fernando Neves: Mono
Lui Strasburger: Josefino
Mario Martini: Lituma
Ficha Técnica
Direção, cenário, figurinos e trilha sonora: William Pereira
Tradução: Bella Josef
Iluminação: Abel Kopansky e Mário Martini
Cenotécnico: Abel Kopansky
Música original: José Rubens Chachá
Preparação corporal: Isa Seppi
Produção: Marcos Moraes
Peça: Quíntuplos
Autor: Luis Rafael Sánches
220
Locais: Festival de Teatro de Curitiba
Teatro Hilton
Turnês pelo interior de São Paulo (12 cidades)
Teatro Insnard de Azevedo (Florianópolis)
Ano de estréia: 1996
Elenco
Christiane Tricerri: Bianca Morrison, Carlota Morrison e Daphene Morrison
Luciano Chirolli: Baby Morrison, Mandrake Morrison e Papai Morrison
Ficha Técnica
Tradução: Bella Josef
Direção: Maria Alice Vergueiro
Revisão de texto: Antonio Palma Filho
Cenário e Figurinos: Patrício Bisso
Assistência de cenário e figurinos: Luciane André e Paula Valéria
Iluminação: Platão Filho
Trilha sonora: Cláudio Olivotto
Projeto Gráfico: Alonso Alvarez
Fotos: Gal Oppido
Acessória de imprensa: Nanete Alves
Produção executiva: Andréa Galasso
221
ANEXO C – Os prêmios do Teatro do Ornitorrinco.
Em três décadas foram trinta e sete prêmios nacionais e internacionais.
Ano: 1977
Peça: Os mais fortes, de August Strindberg
Molière: melhor atriz (Maria Alice Vergueiro).
MEC-SNT: melhor espetáculo.
Peça: Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill, de Bertolt Brecht e Kurt Weill
Governador do Estado: melhor diretor (Cacá Rosset).
Ano: 1982
Peça: Mahagonny songspiel, de Bertolt Brecht
INACEN (Instituto Nacional de Artes Cênicas): melhor espetáculo.
Governador do Estado: melhor espetáculo e melhor diretor (Cacá Rosset).
Ano: 1985
Peça: Ubu, folias physicas, pataphysicas e musicaes, de Alfred Jarry.
Prêmio Internacional da Crítica do Festival de Manizales (Colômbia).
ACCT do México: melhor espetáculo estrangeiro.
Molière: melhor diretor (Cacá Rosset).
Mambembe: melhor diretor (Cacá Rosset) e melhor figurinista (Lina Bo Bardi).
APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte): melhor atriz (Rosi Campos), melhor
diretor (Cacá Rosset) e melhor espetáculo.
APETESP (Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São
Paulo): melhor espetáculo, melhor atriz (Rosi Campos) e melhor diretor (Cacá
Rosset).
INACEN (Instituto Nacional de Artes Cênicas): melhor espetáculo.
Picadeiro: melhores do circo.
Governador do Estado: melhor espetáculo e melhor cenografia.
Prêmio 19 de Setembro outorgado pelo Presidente do México.
Prêmio Ollantay - CELCIT 1986 / Espanha.
Ano:1988
Peça: Teledeum, de Albert Boadella
222
Prêmio CELCIT Colômbia: melhor espetáculo estrangeiro.
Ano:1989
Peça: O doente imaginário, de Molière
INACEN (Instituto Nacional de Artes Cênicas): melhor espetáculo.
APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte): melhor figurino (José de Anchieta).
Ano: 1991
Peça: Amor de Dom Perlimplim com Belisa em seu jardim, de Frederico Garcia Lorca
Associação de críticos teatrais de Miami: melhor espetáculo estrangeiro.
Ano: 1992
Peça: Sonho de uma noite de verão, de William Shakespeare
APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte): melhor ator coadjuvante (Ary
França), melhor figurino (José de Anchieta), melhor produção teatral e divulgação do
teatro brasileiro no exterior.
Mambembe: melhor figurino (José de Anchieta).
Peça: Tudodeumavez, (remontagem de O belo indiferente).
Prêmio Carbonell: melhor atriz (Maria Alice Vergueiro).
Ano: 1994
Peça: A comédia dos erros, de William Shakespeare
Molière, Shell, Mambembe e APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte):
melhor ator (Eduardo Silva).
Mambembe: melhor figurino (José de Anchieta).
223
ANEXO D – Programas e materiais de peças encenadas pelo grupo Ornitorrinco.
Imagem 3. Programa da peça Os mais fortes (1977).
Imagem 4. Primeiro programa da peça Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill (1977).
224
Imagem 5. Programa da peça Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill (1978).
Imagem 6. Programa da peça Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill, no Rio de Janeiro/ RJ.
225
Imagem 7. Programa da peça Mahagonny songspiel (1982).
Imagens 8 e 9. Parte externa e interna do primeiro programa da peça Mahagonny songspiel (1982).
226
Imagens 10 e 11. Parte externa e interna do programa da peça O belo indiferente (1983).
227
Imagem 12. Programa da peça O belo indiferente encenado no MASP (1984).
Imagem 13. Convite da peça O belo indiferente encenado no MASP (1984).
Imagem 14. Programa da peça O belo indiferente encenado no Teatro SENAC, Rio de Janeiro/RJ.
228
Imagem 15. Programa da peça Ubu, folias physicas, pataphysicas e musicaes (1985).
Imagem 16. Programa da peça Ubu, folias physicas, pataphysica e musicaes (1996).
Imagem 17. Convites da peça Ubu, folias physicas, pataphysica e musicaes.
229
Imagem 18. Programa da peça Teledum (1987).
Imagem 19. Programa da peça A velha dama indigna (1988).
230
Imagem 20. Programa da peça O doente imaginário (1989).
Imagem 21. Convite da peça O doente imaginário (1989).
Imagens 22 e 23. Parte externa e interna da programação cultural do Teatro Municipal de Santo André/ SP. Peça
O doente imaginário (1990).
231
Imagens 24 e 25. Parte externa e interna do panfleto de divulgação das atividades realizadas pelo Teatro do
Ornitorrinco na Oficina Cultural Três Rios, referente à peça O doente imaginário.
232
Imagem 26. Programa da peça Sonhos de uma noite de verão (1992).
Imagem 27. Convite para a festa de comemoração da 50apresentação da peça Sonho de uma noite de verão
(1993).
Imagem 28. Programa da peça A Comédia dos erros (1994).
233
Imagem 29. Programa da peça O avarento (1998).
Imagem 30. Programa da peça Scapino (2000).
234
Imagem 31. Programa da peça O marido vai à caça! (2006).
Imagem 32. Programa da peça A megera domada (2008).
235
Espetáculos realizados pelo Núcleo 2 do Teatro do Ornitorrinco
Imagem 33. Programa da peça A pororoca (1984).
236
Imagem 34. Programa do SESC que contém informações sobre a peça Medéa (1990).
Imagem 35. Programa da peça Medéa (1990).
237
Imagem 36. Programa da peça Amor de Dom Perlimplim com Belisa em seu jardim (1992).
Imagem 37. Programa da peça La Chunga (1995).
238
Imagem 38. Programa da peça Quíntuplos (1996).
Espetáculos apresentados em turnês internacionais realizadas pelo Teatro do
Ornitorrinco
Imagem 39. Participação no Festival Latino de Nova Iorque com a peça Mahagonny (1994).
239
Imagem 40. Participação no VII Festival Internacional de Manizales com a peça Ubu, folias phyficas,
pataphisicas e musicaes (1985).
Imagens 41 e 42. Participação no Encontro com o Brasil, na Alemanha, com a peça Ubu, folias phyficas,
pataphisicas e musicaes (1988).
240
Imagem 43. Participação no Festival Internacional de Teatro de La laguna, com a peça Ubu, folias phyficas,
pataphisicas e musicaes .
Imagem 44. Participação no Festival Internacional de Teatro de Cadiz, com a peça Ubu, folias phyficas,
pataphisicas e musicaes .
241
Imagem 45. Participação no Festival Internacional de Teatro da Cidade do México, com a peça O doente
imaginário (1989).
Imagem 46. Participação no Festival Internacional de Teatro de San Jose Por La Paz, com a peça O doente
imaginário (1989).
242
Imagens 47 e 48. Participação no Festival Latino de Nova Iorque, com a peça O doente imaginário (1990).
Imagem 49. Participação no Festival Iberoamericano de Teatro de Cadiz, com a peça O doente imaginário
(1990).
243
Imagens 50 e 51. Participação no New York Shakespeare Festival, com a peça Sonho de uma noite de verão.
Imagem 52. Apresentação da peça A comédia dos erros no Delacorte Theatre de New York, com o elenco
norte-americano (1992).
244
Imagens 53 e 54. Participação no VII Festival Internacional de Teatro Hispano de Miami, com a peça Dom
Perlimplim com Belissa em seu jardim (1992).
245
Imagens 55 e 56. Participação no V Festival Iberoamericano de Teatro, com a peça
Amor de Dom Perlimplim
com Belissa em seu jardim (1993).
Imagem 57. Participação no XVIII Festival Internacional de Teatro de Vitória-Gasteiz, com a peça
Amor de
Dom Perlimplim com Belissa em seu jardim (1993).
246
Imagem 58. Participação no X Festival Internacional de Teatro Hispano, com a peça
La Chunga (1995).
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