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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIAS DA
RELIGIÃO
JUSTIÇA E REALIDADE SOCIAL NO LIVRO DE HABACUC:
A FIDELIDADE DO JUSTO FRENTE À INJUSTIÇA SOCIAL
JEOVÁ RODRIGUES DOS SANTOS
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
do Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Religião, da Universidade Católica de Goiás,
como requisito parcial para obtenção do grau de
mestre.
Orientador: Prof. Dr. Haroldo Reimer.
GOIÂNIA
2009
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Dedico este trabalho à minha querida esposa Edirajane pela
paciência e lealdade demonstradas a mim durante minhas
longas ausências.
Aos meus filhos, Jeová Filho e Jeziel, fontes perenes de
inspiração.
4
Agradeço a Deus pela graça a mim concedida para finalizar
com êxito este meu árduo labor.
À Universidade Católica de Goiás por proporcionar-me um
ambiente adequado para o desenvolvimento de minha
pesquisa.
Ao corpo docente do Mestrado em Ciências da Religião por
apontar-me caminhos possíveis de serem percorridos para a
concretização deste trabalho.
Ao meu orientador Prof. Dr. Haroldo Reimer pela leitura
paciente de meus ‘rabiscos’ e pelas ricas sugestões que
viabilizaram a construção e a consolidação desta dissertação.
À secretária do Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Religião, Geyza Pereira pela excelência no desempenho de
sua função.
Aos colegas do Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Religião pela graça de suas respectivas companhias.
5
Porque a figueira não dará fruto, e não haverá frutos nas
vinhas. Decepcionará o produto da oliveira, e os campos não
darão de comer, as ovelhas desaparecerão do aprisco e não
haverá gado nos estábulos. Eu, porém, me alegrarei em
Iahweh, exultarei no Deus de minha salvação! Iahweh, meu
Senhor, é a minha força, torna os meus pés semelhantes aos
das gazelas, e faz-me caminhar nas alturas.
(Habacuc 3,17-19)
6
RESUMO
SANTOS, Jeová Rodrigues dos. Justiça e realidade social em Habacuc: a fidelidade
do justo frente à injustiça social. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião)
Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2009.
Esta dissertação objetiva apresentar o resultado de uma pesquisa no Antigo
Testamento, tendo o livro do profeta Habacuc como foco central da pesquisa. Este
trabalho busca compreender os conceitos de justiça e injustiça social e os papéis de
Yahweh e do ‘justo’ na implementação da justiça social no contexto de Habacuc. A
dissertação está estruturada em três capítulos e fundamenta-se primariamente numa
leitura histórico-gramatical do livro de Habacuc. O primeiro capítulo apresenta uma
análise histórico-crítica do livro de Habacuc. Para isso utiliza alguns instrumentos do
método histórico-crítico. O segundo capítulo consiste de um histórico do texto e
contexto de Habacuc, apresentando informações sobre a autoria do livro, o período
da escrita e o destinatário da mensagem profética, e de uma exposição da
mensagem do profeta Habacuc. Essa exposição utiliza como referencial o texto final
do livro que leva seu nome, conforme estruturado na Bíblia de Jerusalém (BJ), que
também serviu de padrão para todas as citações bíblicas mencionadas nesta
pesquisa. Essa exposição se dá numa perspectiva histórico-gramatical, social e
teológica. O terceiro capítulo, busca descrever os conceitos de justiça e injustiça
social em Israel. Discute a maneira como esses conceitos foram tratados entre os
povos do Oriente Antigo e em Israel desde sua gênese até a época da
desintegração da monarquia, e o ‘como’ e o ‘porquê’ do surgimento do Profetismo
em Israel. Essa leitura é feita numa perspectiva histórico-social. A conclusão aponta
algumas implicações que podem ser inferidas a partir da análise do livro do profeta
Habacuc, conforme a compreensão dos conceitos de justiça e injustiça social e de
parceria entre Yahweh e o ‘justo’ na promoção da justiça social.
Palavras-chave: injustiça social, justiça social, fidelidade do justo, Habacuc.
7
ABSTRACT
SANTOS, Jeová Rodrigues dos. Justice and social reality in Habakkuk: the fidelilty of
the righteous front to social injustice. Dissertation (Master in Sciences of Religion) -
Catholic University of Goiás, Goiânia, 2009.
This dissertation aims to present the results of a survey in the Old Testament, and
the book of the prophet Habakkuk as the central focus of research. This paper seeks
to understand the concepts of justice and social injustice and the roles of Yahweh
and 'righteous' in the implementation of social justice in the context of Habakkuk. The
dissertation is structured into three chapters and is based primarily on a historical-
grammatical reading of the book of Habakkuk. The first chapter presents a historical-
critical analysis of the book of Habakkuk. For that uses some tools of historical-critical
method. The second chapter consists of a historical text and context of Habakkuk,
presenting information on the authorship of the book, the period of writing and
recipient of the prophetic message, and an explanation of the message of the
prophet Habakkuk. This exhibition uses as reference the final text of the book that
bears his name, as structured in the Portuguese Jerusalem Bible (BJ), who also
served as the standard for all Biblical quotations cited in this research. This exhibition
takes a historical-grammatical, social and theological. The third chapter seeks to
describe the concepts of justice and social injustice in Israel. Discusses how these
concepts were treated between the peoples of the Ancient Near East and in Israel
since its genesis to the time of the disintegration of the monarchy, and 'how' 'why'
and the emergence of the prophet in Israel. This reading is done on a social-historical
perspective. The conclusion points out some implications that can be inferred from
the analysis of the Prophet Habakkuk, as understanding the concepts of justice and
injustice and social partnership between Yahweh and 'righteous' in promoting social
justice.
Keywords: social injustice, social justice, fidelity of the righteous, Habakkuk.
8
SUMÁRIO
RESUMO 6
ABSTRACT 7
1 INTRODUÇÃO 11
2 ANÁLISE HISTÓRICO-CRÍTICA DO LIVRO DE HABACUC 14
2.1 CRÍTICA DAS FONTES E CRÍTICA DA REDAÇÃO 16
2.2 CRÍTICA DO GÊNERO LITERÁRIO 20
2.3 ANÁLISE GRAMATICAL E CRÍTICA TEXTUAL DE HABACUC 2,1-4 22
2.3.1 Análise Gramatical de Habacuc 2,1 24
2.3.2 Crítica Textual de Habacuc 2,1 28
2.3.3 Análise Gramatical de Habacuc 2,2 28
2.3.4 Crítica Textual de Habacuc 2,2 32
2.3.5 Análise Gramatical de Habacuc 2,3 32
2.3.6 Crítica Textual de Habacuc 2,3 36
2.3.7 Análise Gramatical de Habacuc 2,4 37
2.3.8 Crítica Textual de Habacuc 2,4 39
3 JUSTIÇA E INJUSTIÇA SOCIAL NO LIVRO DE HABACUC 42
3.1 AUTORIA, TEXTO E CONTEXTO DE HABACUC 43
9
3.2 A MENSAGEM DE HABACUC 47
3.2.1 Título (1,1) 49
3.2.2 O Diálogo entre Deus e o Profeta (1,2-2,4) 51
3.2.2.1 Primeira lamentação do profeta: a derrota do justo (1,2-4) 51
3.2.2.2 Primeiro oráculo: os caldeus flagelo de Deus (1,5-11) 53
3.2.2.3 Segunda lamentação do profeta: as extorsões do opressor(1,12-17) 58
3.2.2.4 Segundo oráculo: o justo viverá por sua fidelidade (2,1-4) 59
3.2.3 Maldições contra o Opressor (2,5-20) 63
3.2.3.1 Prelúdio (2,5-6a) 63
3.2.3.2 As cinco imprecações (6b-20) 64
3.2.3.2.1 a primeira imprecação (2,6b-8) 64
3.2.3.2.2 a segunda imprecação (2,9-11) 65
3.2.3.2.3 a terceira imprecação (2,12-14) 66
3.2.3.2.4 a quarta imprecação (2,15-17) 68
3.2.3.2.5 a quinta imprecação (2,18-20) 69
3.2.4 Apelo à Intervenção de Iahweh (3,1-19) 71
3.2.4.1 Título. Prelúdio. Súplica (3,1-2) 71
3.2.4.2 Teofania. A chegada de Iahweh (3,3-7) 73
3.2.4.3 O combate de Iahweh (3,8-15) 74
3.2.4.4 Conclusão: temor humano e fé em Deus (3,16-19) 75
4 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE JUSTIÇA E INJUSTIÇA
SOCIAL EM ISRAEL E SEUS REFLEXOS NO LIVRO DE HABACUC 77
4.1 JUSTIÇA E INJUSTIÇA SOCIAL NO ORIENTE ANTIGO 78
4.1.1 Justiça e Injustiça Social no Egito 78
4.1.2 Justiça e Injustiça Social na Mesopotâmia 82
4.2 JUSTIÇA E INJUSTIÇA SOCIAL EM ISRAEL 85
4.2.1 Justiça e Injustiça Social da Época dos Patriarcas ao Êxodo 86
10
4.2.2 Justiça e Injustiça Social na Época dos Juízes 90
4.2.3 Justiça e Injustiça Social na Época da Monarquia 92
4.2.3.1 O governo monárquico de Saul a Davi 94
4.2.3.2 O governo monárquico de Salomão 97
4.3 JUSTIÇA E INJUSTIÇA SOCIAL E O PROFETISMO EM ISRAEL 100
4.3.1 Primórdios do Profetismo em Israel 100
4.3.2 O Profetismo e o Estado Monárquico em Israel 105
4.4 JUSTIÇA E INJUSTIÇA SOCIAL: HABACUC E O PROFETISMO 110
5 CONCLUSÃO: JUSTIÇA E INJUSTIÇA SOCIAL, PARCERIA ENTRE YAHWEH
E O ‘JUSTO’ NO LIVRO DE HABACUC E SUAS IMPLICAÇÕES 122
REFERÊNCIAS 130
ANEXOS 136
11
1 INTRODUÇÃO
Preocupações com a justiça e o problema da injustiça social sempre se
fizeram presentes no mundo. Constantemente levaram pessoas, religiosas ou não, a
questionarem a existência, a bondade e a justiça de Deus.
Esta dissertação objetiva apresentar o resultado de uma pesquisa sobre os
conceitos de justiça e injustiça social e o papel de
Yahweh e do ‘justo’ na
implantação da justiça social no contexto do Antigo Testamento, tendo o livro do
profeta Habacuc como foco central da pesquisa. Habacuc não foi o primeiro nem o
único profeta a desenvolver esses conceitos. Antes dele, profetas tais como Isaías e
Jeremias denunciavam a injustiça social e conclamavam o povo à prática da
justiça, sob pena de serem punidos por Yahweh por meio da intervenção de povos
estrangeiros (assírios ou caldeus).
O que possivelmente diferencia Habacuc dos demais profetas do Antigo
Testamento é o fato de que ele não se conforma com o meio divino utilizado para a
solução do problema da injustiça em seu tempo: a ação de povos estrangeiros, dos
caldeus. Sua insatisfação leva-o a questionar o todo divino. Desse
questionamento surge uma nova perspectiva. Habacuc, um profeta que
provavelmente viveu e atuou no final do século VII a.C., enfrentou o dilema da
presença marcante da injustiça social em seu tempo e apontou para a “fidelidade do
justo” como mediação a partir da qual Yahweh e o ‘justo’ promoveriam mudanças
radicais na sociedade de sua época.
A pergunta fundamental que norteia essa pesquisa é a seguinte: Qual a
proposta apresentada no livro de Habacuc para a solução do problema da injustiça
social no contexto de sua época, e qual a ação de Yahweh e do justo para a solução
deste problema, segundo o fragmento textual de Hc 2,1-4, analisado em sua relação
com a totalidade da obra?
O problema da injustiça social foi abordado, no livro de Habacuc, a partir da
perspectiva de que Yahweh não irá resolvê-lo sozinho, através de um milagre ou por
meio de uma intervenção sobrenatural. Ao contrário, a solução ocorrerá por meio de
uma parceria entre ele e o ‘justo’. O papel do justo nesse empreendimento se
constitui na proclamação da denúncia profética e na prática da justiça proposta em
12
seu respectivo discurso profético. Essa é a hipótese central estruturante desta
pesquisa.
A dissertação está estruturada em três capítulos e fundamenta-se
primariamente numa leitura histórico-gramatical do livro de Habacuc. O primeiro
capítulo apresenta uma análise histórico-crítica de Habacuc. Iniciaremos esta etapa
do trabalho com a Crítica do Gênero Literário com a finalidade de identificar o gênero
do texto de Habacuc, o que exigirá o exame de sua forma, levando em conta sua
estrutura ou configuração, conteúdo narrativo, estilo e vocabulário. O próximo passo
consistirá da Análise da Crítica das Fontes e da Crítica da Redação.
Apresentaremos as duas análises num único bloco porque elas são complementares
e estão inter-relacionadas. Então, apresentaremos a análise gramatical e a crítica
textual de Habacuc 2,1-4, considerada por vários pesquisadores do Antigo
Testamento a parte central do livro. Mencionaremos as principais variantes que
ocorrem no aparato crítico do texto hebraico, de acordo com o editor da Bíblia
Hebraica Sttutgartensia (BHS).
O segundo capítulo consistirá de um histórico do contexto e do texto de
Habacuc, apresentando informações sobre a autoria do livro, o período da escrita e
o destinatário da mensagem profética. A seguir, faremos a exposição da mensagem
do profeta Habacuc, tomando como referencial o texto final do livro que leva seu
nome, conforme estruturado na tradução da Bíblia de Jerusalém (BJ), que também
servirá de fonte primária para todas as citações bíblicas mencionadas nesta
pesquisa.
Nesta fase, analisaremos os conceitos de justiça e injustiça social no tempo
do profeta procurando identificar quais foram as ações de Yahweh e do ‘justonesse
contexto que serviram de instrumentos de mudança na sociedade da sua época,
sociedade esta, marcada por toda sorte de injustiças nas esferas social, política,
econômica e religiosa. Essa exposição se dará numa perspectiva histórica, social e
teológica.
No terceiro capítulo, buscaremos descrever a gênese e o desenvolvimento
histórico dos conceitos de justiça e injustiça social no Antigo Testamento,
predominantes em Israel na época de Habacuc. A fim de alcançarmos tal intento,
abordaremos a maneira como a questão da justiça e o problema da injustiça social
foram tratados entre os Povos do Oriente Antigo e em Israel desde sua gênese, e o
‘como’ e o ‘porquê’ do surgimento do Profetismo em Israel.
13
A perspectiva veterotestamentária sobre justiça e injustiça social será descrita
a partir da análise das várias etapas do desenvolvimento cio-econômico da nação
de Israel passando por suas origens com os patriarcas, sua permanência no Egito, o
Êxodo e a conquista de Canaã, até a instituição e a desintegração do Estado
monárquico, através de uma leitura histórico-social.
A partir da análise global do processo de desenvolvimento sócio-econômico
de Israel, situaremos o movimento de denúncia profética de Israel, conhecido como
Profetismo, procurando compreender as razões do surgimento desse movimento e
sua função no processo de afirmação da justiça e de denúncia da injustiça social, a
fim de inserirmos nesse contexto a mensagem do profeta Habacuc. Mesmo sabendo
não ser possível descrever com clareza e exatidão cada etapa do desenvolvimento
histórico de Israel (qualquer tentativa nesse sentido pode induzir a erros graves),
preferimos, por questões didáticas, apresentar essa visão panorâmica da
constituição da História de Israel.
À guisa de conclusão, apontaremos algumas implicações que podem ser
inferidas como resultado da análise do livro do profeta Habacuc a partir da
compreensão dos conceitos de justiça e injustiça social e de parceria entre Yahweh
e o ‘justo’ na promoção da justiça social e as aplicaremos à nossa realidade
brasileira que sucumbe diante da injustiça em todas as esferas da sociedade.
14
2 ANÁLISE HISTÓRICO-CRÍTICA DO LIVRO DE HABACUC
A fim de compreendermos os conceitos de justiça e injustiça social e a
respectiva esfera de ação de Yahweh e do ‘justoconforme esboçado no livro do
profeta Habacuc (e intenção de análise dessa pesquisa) iniciaremos este trabalho
utilizando alguns instrumentos do Método Histórico-Crítico para uma melhor
compreensão deste livro e de sua mensagem.
O surgimento do Método Histórico-Crítico de abordagem da Bíblia está
vinculado a uma série de mudanças ocorridas nos séculos XVII e XVIII, mudanças
essas relacionadas à forma de pensar de pessoas no Ocidente. Com o advento do
iluminismo nessa época, a razão torna-se o único instrumento legítimo capaz de
libertar o ser humano do erro e da ignorância. A ignorância era considerada pelos
‘iluminados’ a causa única dos males do gênero humano. O otimismo que os
iluministas alimentaram em relação aos poderes ilimitados da razão humana parece
ter sido legitimado “pelas conquistas da ciência e da técnica, que no século XVIII
puseram o homem em condição de tornar-se senhor da Natureza e da História”
(MONDIN, 1980, p. 14).
As novas descobertas criaram nas pessoas o sentimento de liberdade das
cadeias da religião ou das forças desregradas da natureza, que o ser humano agora
aprende a controlar e a usar para proveito próprio.
As descobertas do homem, cuja mente não cabia mais na prisão de dogmas
eclesiásticos, levam à revolução na cosmovisão e a uma sempre maior
autonomia do pensamento humano capaz de desenvolver mais a ciência e
levar a novas descobertas. Com isso, a compreensão da natureza e da
história não mais está determinada pela Bíblia, mas é o resultado da
pesquisa autônoma. A racionalidade humana passa a ser a força motriz que
explica tudo à qual tudo está submisso (VOLKMANN et al., 1992, p. 26-27).
Essa mudança de perspectiva no pensamento Ocidental trouxe
conseqüências na produção teológica, na maneira de compreender a e na
maneira de interpretar a Bíblia. Desse modo, o Método Histórico-Crítico foi a maneira
encontrada de tornar a interpretação bíblica compatível com o mundo e o modelo
científico da época” (VOLKMANN et al., 1992, p. 26).
Para compreendermos melhor o Método Histórico-Crítico é necessário
conceituar cada um dos termos dessa nomenclatura.
“Método” designa um conjunto de procedimentos que permitem acesso mais
objetivo a um objeto de pesquisa. Deve ser transmissível, é preciso que
15
possa ser ensinado e aprendido. [...] O termo “histórico” implica reconhecer
que os textos bíblicos foram concebidos e compostos em tempos idos, que
se desenvolveram num processo histórico e que, por conseguinte, a relação
com aquele tempo tem provavelmente algo a dizer sobre o sentido de tais
textos, embora possam ter ainda vida e sentido atuais. A palavra “crítico”, tal
como se costuma interpretar, significa estabelecer distinções e com base
nelas poder julgar os diversos aspectos do texto ligados à história: o
processo de constituição do texto, a identidade do autor, o tempo da
composição, a relação com outros textos contemporâneos, e a referência do
conteúdo do texto à realidade extratextual (por exemplo, a história política,
social e religiosa que o texto subtende) (SIMIAN-YOFRE, 2000, p. 74).
A escolha e aplicação do Método Histórico-Crítico nesse trabalho se justifica
pelo fato de estarmos lidando com um texto profético milenar do Antigo Testamento.
Sobre o processo histórico de transmissão e preservação desses textos antigos já se
afirmou que,
O texto do Antigo Testamento transmitiu-se ao longo dos séculos sob a
forma de manuscritos. É natural, portanto, que durante esse longo período
de transmissão tenham-se introduzido erros de transcrição. O texto também
foi objeto, antes do séc. I de nossa era, de mudanças e acréscimos que
espelhavam diversas tradições. Sua fluidez sugere que a preocupação de
conservar o texto numa única forma pura passou a ser valorizada somente
por volta do séc. I (PISANO, 2000, p. 39).
Diante do desafio da abordagem de um texto tão antigo e ao mesmo tempo
tão complexo, como é o caso do livro de Habacuc, lançaremos mão de vários
instrumentos do Método Histórico-Crítico, a saber: Análise das Fontes e Crítica da
Redação, Crítica do nero Literário, e Análise Gramatical e Crítica Textual de
Habacuc 2,1-4.
Iniciaremos essa fase do desenvolvimento da dissertação com as Análises da
Crítica das Fontes e da Crítica da Redação.
1
Apresentaremos as duas análises num
único bloco porque elas são complementares e estão inter-relacionadas
(MAINVILLE, 1999, p. 69). A Crítica das Fontes tem como finalidade verificar se um
determinado texto estudado é fruto do trabalho de um autor, ou se possui uma ou
várias unidades preexistentes. Sua função é detectar e identificar essas fontes e
reconstituí-las de modo que elas se aproximem ao máximo possível do original. No
caso em particular, o texto a ser analisado será o livro de Habacuc.
A Crítica da Redação é um passo complementar na Análise das Fontes, pois,
enquanto esta tem como propósito fragmentar o texto e identificar suas partes, a
1
A análise histórica do texto e contexto do livro de Habacuc, elemento fundamental do método
histórico-crítico, com informações e questionamentos sobre o contexto vital em que o discurso
profético foi constituído (autoria do livro, período da escrita e destinatário, e conteúdo geral da
mensagem profética) encontra-se no próximo capítulo e acompanha a análise da mensagem do livro
do profeta.
16
Crítica da Redação tem como finalidade última, abordar a forma final do texto, ou
seja, avaliar o texto como uma unidade, motivo pelo qual ela é considerada como
continuidade da análise da Crítica das Fontes.
2.1 CRÍTICA DAS FONTES E CRÍTICA DA REDAÇÃO
A prática da Crítica das Fontes tem suas raízes históricas em meados do
século XV. Contudo, veio a tornar-se método científico de investigação no século
XIX. No caso do Antigo Testamento, J. Welhausen (1844-1918) é o principal
expoente e o grande responsável pela elaboração da hipótese documental aplicada
ao Pentateuco que segundo ele, “teria sido constituído a partir de quatro fontes
distintas: J, ou javista, dos culos X e IX; E, ou eloísta, do século IX; D, ou
deuteronomista, do século VII; e P, ou sacerdotal, do período do exílio” (MAINVILLE,
1999, p. 66-67). Esta hipótese vem sendo severamente questionada pela
comunidade científica nas últimas décadas, devido à simplicidade com que trata os
estratos literários. A grande preocupação dos cientistas na atualidade é alcançar
uma datação mais exata possível de tais estratos literários.
A Crítica das Fontes tem como finalidade verificar se um determinado texto
estudado é fruto do trabalho de um autor, ou se possui uma ou várias unidades
preexistentes. Desse modo, este método científico “procura identificar as unidades
literárias que existiram, ou podem ter existido, fora do seu presente conjunto
contextual” (MAINVILLE, 1999, p. 69), tais como passagens repetidas, narrativas
paralelas ou repetições de uma mesma narrativa, que constituem per si indícios de
que os autores sagrados fizeram uso de várias fontes na elaboração de seus
respectivos textos. Em suma, o papel da Crítica das Fontes é detectar essas fontes
e reconstituí-las de modo que elas se aproximem ao máximo possível do original.
A Crítica da Redação, por sua vez, desenvolveu-se de forma sistemática e
científica em meados do culo XIX. Nesse tempo, aqueles que faziam uso do
Método Histórico-Crítico eram duramente criticados por fragmentarem
excessivamente os textos na tentativa de localizar nestes, fontes, tradições e formas,
a ponto de perderem de vista a configuração final deles, e “por reduzirem o
hagiógrafo a um simples compilador de tradições” (MAINVILLE, 1999, p. 130).
Portanto, a crítica da redação surgiu para preencher as lacunas deixadas pela
Crítica das Fontes, haja vista, sua finalidade última que é abordar a forma final do
17
texto. Geralmente, essa etapa do Método Histórico-Crítico é considerada como
continuidade da análise da Crítica das Fontes.
Ao aplicarmos esses instrumentos ao texto hebraico do livro de Habacuc
constatamos que o mesmo encontra-se em estado deficiente. Várias passagens
sofreram alterações, transposições e glosas. Apesar disso, o profeta se expressa de
forma elegante. Ele expressa seus pensamentos fazendo uso de imagens tomadas
da natureza e da história se servindo para isso do paralelismo. No capítulo 3, em
especial, ele se mostra um grande poeta. Com freqüência utiliza palavras hapax
legómena, ou seja, aquelas que são raramente utilizadas no Antigo Testamento, e
palavras difíceis (Hc 2,4). Freqüentemente, Habacuc emprega certas expressões
suas, a saber, “justoe “ímpio”, “violência” e “rapina”, entre outras. Outro detalhe
importante é que o vocabulário de Habacuc coincide, com muita freqüência, com o
dos profetas do final do século VII a.C., o que pode ser usado como evidência
interna de que ele desenvolveu seu ministério no último quarto deste século (BUCK,
1971, p. 350-351).
Em se tratando da Análise da Crítica das Fontes e da forma final em que o
texto hebraico se encontra, as opiniões dos pesquisadores são divergentes. Alguns
estudiosos, a saber, Stade, Cornill e Ward negam a autenticidade do trecho de 2,9-
20 porque, segundo eles, sua mensagem não se aplica aos babilônios. Outros,
como Stephens, Irwin, Zolli, Cassuto, Gaster e Albright não admitem que o capítulo 3
pertença à obra original e, conseqüentemente, negam sua autenticidade. Segundo
eles, tal negação se justifica pelo uso de elementos mitológicos, associados aos
babilônios, egípcios ou cananeus, que aparecem no conteúdo do referido capítulo
(SCHÖKEL e DIAZ, 1987b, p. 1093).
Alguns pesquisadores defendem que o conteúdo dos capítulos 1 e 2 de
Habacuc teria sido composto por um redator posterior, ainda que o Habacuc pré-
exílico pudesse ter sido o autor de todas as partes. Porém, em relação ao capítulo 3,
tais pesquisadores são unânimes em duvidar de sua autoria, alegando que o mesmo
constitui-se de um Salmo e não de um oráculo profético (ARCHER JR, 1984, p. 296).
Selin e Fohrer asseveram que a tradição de Habacuc segue o seguinte
esquema: no capítulo 1 temos um cântico de lamentação individual a respeito de um
ímpio violento, referindo-se à calamidade em que o povo se encontra; um oráculo
salvífico de
Yahweh; um novo cântico de lamentação profundamente marcado por
questionamentos e afirmações; resposta de Yahweh e ordem para registrar o
18
oráculo de salvação e exortação a esperar com confiança o cumprimento do referido
oráculo; O capítulo 2 é marcado por uma série de cinco ‘ais’ “censurando ao violento
salteador seus crimes e anunciando-lhe os castigos correspondentes” (SELIN e
FOHRER, 1977, p. 682).
Como afirmamos anteriormente, e vale a pena nos determos um pouco mais
nessa particularidade, muitos comentaristas defendem a opinião de que o capítulo 3
de Habacuc, escrito em forma de Salmo, não pertence à obra original. Sua
resistência em aceitar este capítulo como parte integrante da mensagem profética do
livro fundamenta-se nos argumentos de que neste capítulo encontramos indicações
litúrgicas, não encontramos referências históricas, o gênero literário é diferente
daquele que foi utilizado na elaboração dos capítulos 1-2, e, uma alusão ao
‘ungido’ em 3,13 que parece não se aplicar ao contexto dos capítulos 1-2.
Apesar de serem inegáveis, essas constatações não são provas
incontestáveis contra a originalidade do capítulo 3 de Habacuc, “porque o salmo faz
perfeito sentido dentro da obra, trata do mesmo problema e culmina em uma
afirmação capital (3,16b) relacionada com a temática dos dois primeiros capítulos”
(SCHÖKEL e DIAZ, 1987b, p. 1093, tradução própria).
Ainda em relação ao capítulo 3, muitos críticos consideram-no como
acréscimo posterior ao livro de Habacuc pelo fato deste capítulo não constar no
comentário de Habacuc,
2
encontrado em uma das cavernas de Qumran (1QpHab)
3
na primavera de 1947. O autor do referido comentário de Habacuc dispensa o
sentido literal do livro profético e aplica sua mensagem a fatos e pessoas de seu
tempo.
Os caldeus são os kittim, que provavelmente se identificam com os
romanos. O malvado, o caldeu, é a figura do sacerdote ímpio, que
geralmente se identifica com Jonatas ou Simão Macabeo; o termo alude
também aos últimos sacerdotes ímpios, ou seja, aos asmoneus. O justo é o
Mestre da justiça, que com os seus vive no desterro. O sacerdote ímpio”
2
Acerca desse precioso achado arqueológico temos a seguinte informação: “O comentário de
Habacuc esem melhor estado, embora a parte inferior das colunas tenha sido corroída, restando
apenas algumas palavras do final das linhas da primeira coluna. O rolo, relativamente pequeno, é
constituído por duas tiras de pele costuradas uma à outra, e mede, em seu estado atual, cerca de
1,60 metro de comprimento por 13 centímetros de largura. Abrange treze colunas que deviam ter
dezessete linhas de texto, à exceção da última, que não possui mais que quatro linhas de escrita
seguidas por um espaço em branco. Por conseguinte, o manuscrito devia realmente terminar depois
dessas quatro linhas, que correspondem ao final do capítulo 2 do livro bíblico de Habacuc
(Laperrousaz, 1961, p. 40).
3
Do ponto de vista exegético esse comentário possui pouco valor. Contudo, por ser um texto pré-
massorético, esse manuscrito tem uma grande importância para a história do texto bíblico, pois o
mesmo confirma que o nosso texto massorético está bem conservado e possui, relativamente, uma
boa qualidade (Buck, 1971, p. 351).
19
persegue o “Mestre da justiça” e aos seus partidários, porém, finalmente,
será castigado (BUCK, 1971, p. 351, tradução própria).
O fato do comentário de Habacuc se encerrar com o capítulo 2, pode ser
explicado de diferentes formas. Pode significar “que os sectários do Qumran
considerassem o material dos caps. 1-2 mais útil aos seus propósitos, de forma que
nenhum comentário tenha sido escrito sobre o cap. 3” (DILLARD e LONGMAN,
2006, p. 393), ou ainda, que o comentarista não utilizou este último capítulo por não
se sentir plenamente habilitado para sua interpretação espiritual (BUCK, 1971, p.
352).
Além disso, o fato do referido comentário não conter esse salmo não é
argumento cabal contra sua autenticidade, uma vez que todos os manuscritos
completos da Septuaginta, que certamente foram feitos sobre um texto hebraico
mais antigo que o de Qumran, o incluem em seus respectivos textos (SCHÖKEL e
DIAZ, 1987b, p. 1093; DILLARD e LONGMAN, 2006, p. 393). Em relação à
autenticidade e harmonia do capítulo 3 com o restante da obra de Habacuc, pode-se
afirmar que:
várias razões para sustentar que o c. 3 deve atribuir-se ao profeta. O
tema do salmo é idêntico aos cc. 1s: o término da opressão. A linguagem é
a mesma. O opressor é chamado de ímpio em 1,4.13 e em 3,13. Em 3.2
ocorre uma referência a 2,1-4. A estrutura harmônica do opúsculo e o nexo
das partes estão a favor da autenticidade (VIRGULIN e SPINETOLI, 1978,
p. 116).
A opinião do autor dessa dissertação em relação à autenticidade dos trechos
supostamente não genuínos e do capítulo 3 do livro de Habacuc é que apesar de
poderem ter sido produzidos em épocas diferentes, estes acréscimos posteriores se
constituíram em desdobramentos da mensagem original que possivelmente girou em
torno de 2,1-4. À luz da crítica da redação pode-se inferir que o conjunto da profecia
de Habacuc não se constitui uma unidade literária, nem tampouco, uma simples
coleção de oráculos, mas trata-se de uma liturgia profética. Mais precisamente:
[...] deve-se dizer que 1-2 constituem a imitação profética de uma liturgia
cultual, tendo Habacuc como seu único porta-voz. Da mesma forma que nas
lamentações e nas orações ele utiliza do vocabulário da lírica cultual, assim
também ele usa certos gêneros literários cultuais (cântico de lamentação e
hino) e aparece como porta-voz da comunidade na oração do templo onde
provoca uma experiência extático-visionária e registra o seu oráculo por
escrito. [...] Seguramente, em 3,2-16 encontra-se a descrição da visão que
foi concedida a Habacuc (2,1ss). Esta visão foi escrita independentemente
da liturgia profética, tendo-lhe sido acrescentada como conclusão
complementar e conclusiva. Ao mesmo tempo ela explica porque é que o
profeta se por satisfeito com o segundo oráculo de Javé, embora este
oráculo não traga nada de novo com relação ao primeiro, e por que é que
ele coloca em seguida a série de “ais” como “certeza de atendimento”: é
20
porque ficou plenamente convencido depois da visão (SELIN e FOHRER,
1977, p. 684-686).
A seguir, procederemos a Crítica do Gênero Literário procurando identificar o
gênero do texto de Habacuc, o que exigirá o exame de sua forma final, levando em
conta sua estrutura ou configuração, conteúdo narrativo, estilo e vocabulário, a fim
de identificar o contexto ou ambiente vital de Habacuc.
2.2 CRÍTICA DO GÊNERO LITERÁRIO
A Crítica do Gênero Literário teve seu ponto alto no começo do século XX, por
causa da influência de M. Dibelius e R. Bultmann. Estes eruditos desenvolveram
vastos trabalhos acerca dos evangelhos sinóticos, e denominaram seu todo de
análise de Formgeschichte crítica das formas. Todavia, a liderança em matéria da
crítica do gênero literário pertenceu a H. Günkel.
Günkel, no seu esforço em aprofundar-se na Crítica das Fontes, “acabou
sendo levado a buscar, por trás das fontes identificadas no livro de Gênesis, as
situações, a utilização e as intenções – ou seja, o ambiente vital, ou o contexto – que
lhe deram origem(MAINVILLE, 1999, p. 90). Ele denominou sua metodologia de
trabalho Gattungsforschung – pesquisa do gênero.
O Gênero Literário pode ser definido como sendo “a expressão que permite
designar as unidades de textos ou das obras que têm uma forma comum”
(MAINVILLE, 1999, p. 90). Nesse caso, o método de análise de uma unidade literária
tem como objetivos identificar a forma que permita determinar seu gênero como
escrito, e o contexto ou ambiente vital Sitz im Leben, do referido escrito
(MAINVILLE, 1999, p. 91).
A crítica do gênero de um texto exige o exame de sua forma, levando-se em
conta sua estrutura ou configuração, conteúdo narrativo, estilo e vocabulário. Em
seguida, deve-se localizar outros textos que apresentem formas semelhantes. Nesse
caso, o autor do texto em foco ou outros autores devem ser levados em
consideração. Ao examinar a forma de um texto e compará-la com outros textos de
semelhantes formas, torna-se possível estabelecer um esquema comum a partir dos
seguintes aspectos:
- estrutura ou configuração: mesmo quadro, mesma realização, mesmo tipo
de personagens, mesma dinâmica, mesmo resultado, mesma conclusão.
- sujeito: similaridade de cenários e conteúdos.
21
- vocabulário e estilo: terminologia comum, mesmas figuras de estilo,
mesmos procedimentos literários, e emprego quase obrigatório das mesmas
fórmulas (MAINVILLE, 1999, p. 92).
Na identificação do ambiente vital de um texto bíblico, o foco central é a busca
do tipo de situação ou experiência que deu origem a um gênero literário em
particular, ou que motivou sua utilização. Algumas questões que orientam a busca
do ambiente vital são: Quem toma a iniciativa? A iniciativa é tomada visando a
quem? E em que situação? De que maneira (palavras ou gestos)? Qual é a
conseqüência? Qual é intenção do hagiógrafo? A quem o texto pode servir (grupo ou
indivíduo)? Em que contexto o escrito analisado pôde ser composto e transmitido?
Qual a função que o texto pode ter no seio do grupo que o utiliza? (MAINVILLE,
1999, p. 92-93). Existem várias estilos de gêneros literários para o Antigo
Testamento entre os quais podemos citar: a prosa, os ditos ou palavras, os oráculos
e os cânticos.
O livro de Habacuc é único em sua forma entre os livros proféticos. Em lugar
de apresentar uma série de afirmações proféticas ou de mensagens para admoestar
o povo sobre o pecado e o castigo, Habacuc apresenta seus dois primeiros capítulos
em forma de diálogo com Yahweh, onde ele questiona sua aparente impassibilidade
diante da injustiça reinante em sua época. Após uma rie de esclarecimentos
divinos, Habacuc eleva a Yahweh uma oração (cap. 3) onde registra sua
inabalável em Deus, e sua confiança de que se ele, Yahweh, está no controle da
situação, então tudo terminará bem (WOOD, 1983, p. 336-337).
Na pequena obra de Habacuc podemos encontrar vários gêneros literários
tais como: lamentações individuais, pelas desgraças da comunidade (1,2-4; 12-17);
oráculos divinos como resposta às queixas do profeta (1,5-11; 2,1-5); oráculos
proféticos indicando maldição e anunciando castigo ao culpado; e, uma fervente
oração (3,1-19) que pede e espera uma intervenção salvífica de Yahweh na história
(BUCK, 1971, p. 350).
Sendo o gênero literário “lamentação individual” freqüente no livro dos
Salmos, muitos autores quiseram fazer de Habacuc um profeta cultual. Nele
a resposta à súplica é dada muitas vezes por oráculo. Em seu ministério
Habacuc se inspira largamente nessas orações para expor a Deus a
situação do povo e pedir sua intervenção. Principalmente a primeira queixa
(1,2-4) mistura o gênero lamentação com elementos tipicamente proféticos,
com o jogo de interpretações nos vv. 2-3 (lamentação) e de constatações no
v. 4 (elemento profético). As imprecações de 2,6-20 se situam bem no
quadro da atividade profética. Seu meio de origem seria o da sabedoria e
dos ritos fúnebres. O livro de Isaías usa muitas vezes esse gênero literário.
O livro se encerra com uma prece, assim designada no começo do capítulo
22
3 (Tefillah). O diálogo dos dois primeiros capítulos termina aqui com a
afirmação da confiança do profeta em seu Deus; ele espera apesar de tudo.
As ligações de vocabulário e de pensamento com os dois primeiros
capítulos falam em favor de sua autenticidade. As indicações musicais
mostram que o salmo foi usado muito cedo na liturgia ou que lhe foi
adaptado pelo profeta. A originalidade e o valor mais típicos do livro de
Habacuc estão, do ponto de vista literário, em sua arquitetura geral. Bom
número de termos que ele usa não se encontram em outros lugares. [...] O
texto hebraico de Habacuc se encontra em muito mau estado. Se a isso
juntarmos a falta de dados concretos do livro, compreenderemos que ele
tenha dado motivo a múltiplas interpretações (AMSLER et al., 1992, p. 175-
176, o itálico pertence ao texto original).
De acordo com a descrição acima, o gênero literário do livro de Habacuc
constitui-se numa mescla de lamentação e dito profético. Desse modo, a estrutura
do livro apresenta, por um lado, traços de originalidade, e por outro, uma série de
empecilhos que dificultam muito o trabalho de interpretação do mesmo.
A próxima discussão apresentará a Análise Gramatical e a Crítica Textual da
perícope de Habacuc 2,1-4, considerada por muitos estudiosos do Antigo
Testamento, a parte central do livro de Habacuc (VIRGULIN e SPINETOLI, 1978, p.
122-126). Mencionaremos as principais variantes que ocorrem no aparato crítico do
texto hebraico, de acordo com o editor da Bíblia Hebraica Stuttgartensia (BHS).
2.3 ANÁLISE GRAMATICAL E CRÍTICA TEXTUAL DE HABACUC 2,1-4
A transmissão do texto bíblico no período anterior à invenção da imprensa
ocorria por meio de cópias manuscritas. Como não possuímos nenhuma cópia do
texto original, ou seja, do denominado texto autógrafo, e as cópias que possuímos
atualmente apresentam muitas variantes, nossa tarefa inicial “consiste em
estabelecer, com a maior fidelidade possível, o teor original desse texto [...] para
tanto, é à ciência da crítica textual que se deve recorrer, pois ela tem como objetivo
propiciar o acesso ao texto que mais se aproxime do seu estado primitivo”
(MAINVILLE, 1999, p. 39, os itálicos pertencem ao texto original).
A principal tarefa da Crítica Textual é constatar as diferenças entre os vários
manuscritos que contêm cópias do texto a ser analisado, e avaliar qual das variantes
encontradas no referido texto estaria mais próxima da intenção original do autor do
texto bíblico (WEGNER, 1998, p. 39). Como o texto que pretendemos analisar está
inserido no Antigo Testamento, poderíamos validar, em síntese, o uso da Crítica
Textual a partir da seguinte afirmação:
23
Dois fatos originam e justificam o estudo da história e da crítica textual do
AT. O primeiro é a perda dos autógrafos ou “originais” dos autores bíblicos.
O segundo é a presença de variantes, lacunas, glosas e erros na cópia dos
manuscritos ao longo dos séculos. Deve-se levar em conta, além disso, o
fato de que os grandes códices hebraicos procederem do período medieval
e distarem mais de um milênio dos originais. [...] A crítica textual tem dois
objetivos. O primeiro responde ao problema da multiplicidade de variantes
existentes na tradição manuscrita e consiste na reconstrução da história de
transmissão do texto bíblico desde o momento do seu nascimento até
nossos dias. O segundo é determinado pela perda dos autógrafos e
consiste na restauração do texto em seu estado original ou na forma mais
próxima possível à dos autógrafos (TREBOLLE BARRERA, 1995, p. 527, os
itálicos pertencem ao texto original).
Literariamente, o livro de Habacuc apresenta numerosos problemas de crítica
textual que complicam enormemente sua interpretação. O texto hebraico de
Habacuc parece às vezes corrompido, e de difícil compreensão porque contém
numerosos termos que não são usados noutro lugar, o que dificulta a compreensão
do verdadeiro significado do texto, ou seja, “o seu significado exato escapa ou fica
ambíguo” (BONORA, 1993, p. 120). Como a principal tarefa da Crítica Textual é
constatar as diferenças entre os vários manuscritos que contêm cópias de um texto
a ser analisado, e avaliar qual das variantes encontradas no referido texto estaria
mais próxima da intenção original do autor do texto bíblico, cremos que esse
instrumento oferece maior possibilidade de compreensão da mensagem de
Habacuc devido à complexidade estrutural de seu texto.
Portanto, apontaremos a seguir, as principais considerações de K. Elliger,
editor do aparato crítico da Bíblia Hebraica Stuttgartensia (BHS), sobre o estado em
que se encontra o texto hebraico da perícope de Habacuc 2,1-4 e suas possíveis
leituras e variantes. Antes, porém, de procedermos à Crítica Textual desta perícope,
que, como afirmamos anteriormente, é considerada por muitos como parte central do
livro de Habacuc, apresentaremos uma Análise Gramatical dos termos hebraicos
que compõem cada um dos versículos deste texto.
4
4
Para a busca de significados das palavras hebraicas aqui apresentadas recorremos a: KIRST et al.,
1996 e HATZAMRI e MORE- HATZAMRI, 2000. A presente análise gramatical (preposições,
substantivos, waw conjuntivo, artigos, tempos verbais, etc.) foi extraída de: DAVIDSON, 1993; BIBLE
WORKS FOR WINDOWS, 2006. As fontes de consulta dos elementos gramaticais que aparecem na
perícope serão mencionadas nas notas explicativas correspondentes aos respectivos termos. Para
efeitos de simplificação, os elementos gramaticais que estruturam a língua hebraica serão analisados
uma única vez. Quando o mesmo termo aparecer outra vez, favor recorrer à nota explicativa anterior
onde o referido termo apareceu pela primeira vez.
24
2.3.1 Análise Gramatical de Habacuc 2,1
rAc=m'
rAc=m'rAc=m'
rAc=m'-
--
-l[; hb'ÞC.y:t.a,(w> hd"moê[/a, yTiär>m;v.mi
l[; hb'ÞC.y:t.a,(w> hd"moê[/a, yTiär>m;v.mil[; hb'ÞC.y:t.a,(w> hd"moê[/a, yTiär>m;v.mi
l[; hb'ÞC.y:t.a,(w> hd"moê[/a, yTiär>m;v.mi-
--
-l[;
l[;l[;
l[;
2:1
`yTi(x.k;AT
`yTi(x.k;AT`yTi(x.k;AT
`yTi(x.k;AT-
--
-l[; byviÞa' hm'îW yBiê
l[; byviÞa' hm'îW yBiêl[; byviÞa' hm'îW yBiê
l[; byviÞa' hm'îW yBiê-
--
-rB,d:y>
rB,d:y>rB,d:y>
rB,d:y>-
--
-hm; ‘tAar>li hP,ªc;a]w:
hm; ‘tAar>li hP,ªc;a]w:hm; ‘tAar>li hP,ªc;a]w:
hm; ‘tAar>li hP,ªc;a]w:
Proposta de tradução: “Sobre minha guarda me colocarei, me posicionarei sobre a
cidade fortificada e esperarei atentamente até ter a visão: aquilo que ele dirá a mim;
e aquilo que responderei por causa do meu protesto”.
yTiär>m;v.mi
yTiär>m;v.miyTiär>m;v.mi
yTiär>m;v.mi-
--
-l[;
l[;l[;
l[;
1.
l[;
l[;l[;
l[;
(‘al) Preposição separável
5
: “sobre, acima de, em cima de; diante de; por
causa de, por; em vistas a; concernente a”.
2.
yTiär>m;v.mi
yTiär>m;v.miyTiär>m;v.mi
yTiär>m;v.mi
(mishmarthi) Substantivo
6
feminino, singular, construto
7
, com sufixo
pronominal
8
da 1a pessoa comum, singular: “minha guarda”.
2.1 Substantivo
tr,m,v.mi
tr,m,v.mitr,m,v.mi
tr,m,v.mi
(mishmereth): “o que deve ser guardado / preservado;
guarda, custódia; guarda, sentinela; obrigação, dever, compromisso;
dever, serviço, tarefa, incumbência”.
2.2 Derivado da raiz verbal
rm
rmrm
rmv
vv
v
(shmr): “guardar, proteger; cuidar, observar,
conservar, manter; vigiar; reter; reverenciar”.
3. Tradução: “Sobre minha guarda”.
5
“As preposições hebraicas são de dois tipos: inseparáveis e separáveis. Preposições inseparáveis
ou prefixadas são aquelas que vêm sempre conectadas à palavra (prefixadas). [...] Preposições
separáveis são aquelas que vêm no meio da frase, sem estarem prefixadas às palavras” (Vita e Akil,
2004, p. 41-42).
6
“Em hebraico, os substantivos são classificados por gênero (masculino e feminino) e por número
(singular, plural e dual). [...] Dual é aquilo que aparece aos pares na natureza (ex. pés, mãos, olhos,
etc.)” (Vita e Akil, 2004, p. 53).
7
“Em hebraico, quando queremos denotar posse, fazemos uso do construto (relação genitiva). O
hebraico bíblico não utiliza de (indicando posse), apenas coloca lado a lado dois substantivos,
modificando a terminação do substantivo possuído” (Vita e Akil, 2004, p. 57).
8
“Sufixos pronominais são pronomes pessoais abreviados que aparecem sempre ligados a uma
palavra, quer substantivo, adjetivo, preposição, partícula ou verbo. [...] eles podem ter formas
variadas dependendo do gênero e do número das palavras às quais estão ligadas, e normalmente
indicam posse” (Gusso, 2005, p. 93).
25
hd"moê[/a,
hd"moê[/a,hd"moê[/a,
hd"moê[/a,
1.
hd"moê[/a,
hd"moê[/a,hd"moê[/a,
hd"moê[/a,
(’e‘emôdâ) Verbo Qal
9
, Imperfeito
10
, 1a pessoa comum, singular,
coortativo
11
: “eu colocarei”.
1.1 Derivado da raiz verbal
dm[
dm[dm[
dm[
(’md): “pôr em pé, fazer parar, colocar, firmar,
manter, estabelecer, constituir”.
2. Tradução: “colocarei”.
hb'ÞC.y:t.a,(w>
hb'ÞC.y:t.a,(w>hb'ÞC.y:t.a,(w>
hb'ÞC.y:t.a,(w>
1.
w>
w>w>
w>
(we) Waw conjuntivo
12
: “e; mas; (e) então”.
2.
hb'ÞC.y:t.a,(
hb'ÞC.y:t.a,(hb'ÞC.y:t.a,(
hb'ÞC.y:t.a,(
(’ethyatsbha) Verbo Hitp‘ael
13
, Imperfeito, 1a pessoa comum,
singular, coortativo: “eu me posicionarei”.
2.1 Derivado da raiz verbal
bcy
bcybcy
bcy
(ytsb): “posicionar-se, permanecer firme;
aparecer; surgir; resistir”.
3. Tradução: “e me posicionarei”.
rAc=m'
rAc=m'rAc=m'
rAc=m'-
--
-l[;
l[;l[;
l[;
1.
l[;
l[;l[;
l[;
(‘al) Preposição separável: “sobre, acima de, em cima de; diante de; por
causa de, por; em vistas a; concernente a”.
2.
rAcm
rAcmrAcm
rAcm
'
(matsôr) Substantivo comum, masculino, singular: “fortificação, cidade
fortificada”.
3. Tradução: “sobre a cidade fortificada”.
9
Os sete troncos dos verbos em Hebraico são Qal, Nif‘al, Pi‘el, Pu‘al, Hitpa‘el, Hif‘il e Hof‘al. Qal (
lq;
)
vem da raiz verbal
ll;q'
, “ele foi/é leve (não pesado)”. Como o nome indica, é o tronco simples na voz
ativa” (Kelley, 1998, p. 138).
10
“Os verbos hebraicos têm duas categorias de flexões que englobam todas as variações possíveis
de pessoa, gênero e número. São conhecidas como a flexão do perfeito e a flexão do imperfeito.
Estes termos são usados para refletir a natureza da ão das formas verbais, e não o seu tempo. As
formas verbais no perfeito refletem uma ação concluída e as formas verbais no imperfeito refletem
uma ação incompleta” (Kelley, 1998, p. 113).
11
O Coortativo pode ser entendido como expressão de um pedido ou de uma resolução (Ross, 2005,
p. 156). No caso de Habacuc preferimos entendê-lo como uma resolução.
12
“A conjunção “e” não é uma palavra independente em hebraico, mas vem prefixada à palavra
seguinte” (Kelley, 1998, p. 54).
13
As formas do Hitpa‘el normalmente expressam uma ão reflexiva, isto é, uma ação que o sujeito
pratica, e ao mesmo tempo, sofre” (Kelley, 1998, p. 141).
26
hP,ªc;a]
hP,ªc;a]hP,ªc;a]
hP,ªc;a]w
ww
w>
1.
w>
w>w>
w>
(we) Waw conjuntivo: “e; mas; (e) então”.
2.
hP,ªc;a
hP,ªc;ahP,ªc;a
hP,ªc;a
]
]]
]
(’atsapeh) Verbo Pi‘el
14
, Imperfeito, 1a pessoa comum, singular,
coortativo: “eu esperarei” .
2.1 Derivado do verbo
hpc
hpchpc
hpc
(tsph): “esperar com expectativa, atentamente”.
3. Tradução: “e esperarei atentamente”.
tAar>l
tAar>ltAar>l
tAar>li
1.
li
lili
li
(li) Preposição inseparável: (em sentido local) para, a, em direção a, junto
a; (em sentido temporal) até, em torno de, por volta de, quando de, ao, depois
de, no espaço de”.
2.
tAar>
tAar>tAar>
tAar>
(re’ôth) Verbo Qal, Infinitivo
15
, Construto: “ter a visão”.
2.1 Derivado da raiz verbal
har
harhar
har
(r’h): “ver, olhar, observar; ter a visão;
perceber; conhecer; prover”.
3. Tradução: “até ter a visão”.
yBiê
yBiêyBiê
yBiê-
--
-rB,d:y>
rB,d:y>rB,d:y>
rB,d:y>-
--
-hm
hmhm
hm'
1.
hm'
hm'hm'
hm'
(mâ) Pronome interrogativo
16
: “que? o que; após verbos relacionados com
falar, ver, perguntar, examinar, etc. o que, aquilo que”.
2.
rB,d:y>
rB,d:y>rB,d:y>
rB,d:y>
(yedaber) verbo Pi‘el, Imperfeito, 3a pessoa masculino singular: “ele
dirá” .
2.1 Derivado da raiz verbal
rbd
rbdrbd
rbd
(dbr): “falar, dizer; mandar; ameaçar;
prometer”.
3.
yB
yByB
yB
iê.
iê.iê.
iê.
(bî) Preposição inseparável com sufixo pronominal da 1a pessoa comum,
singular: “em companhia de mim; a mim”.
14
“O uso mais comum do Pi‘el é como o intensivo do Qal” (Kelley, 1998, p. 139).
15
“O infinitivo hebraico é usado em duas formas chamadas absoluto e construto. O infinitivo absoluto
nunca é acompanhado por preposições, e descreve, inicialmente o mesmo que o infinitivo em
português, ou seja, o nome do verbo como: matar, andar, nadar, comer etc. Em algumas ocasiões
eles são utilizados como o gerúndio (matando, andando, nadando, comendo), em outros como um
imperativo e, em outras servem para enfatizar uma idéia” (Gusso, 2005, p. 191).
16
Esta forma do pronome é utilizada para indagar sobre coisas e sobre as funções das pessoas, tais
como, posição social, lugar de origem, profissão, etc. (Freitas, 2006, p. 113-114).
27
3.1 Derivado da preposição inseparável
Biê.
Biê.Biê.
Biê.
(be): “em, dentro de; em meio de,
entre; como (na qualidade de, na condição de); em companhia de; junto
com; por meio de”.
4. Tradução: “aquilo que ele dirá a mim”.
hm'îW
hm'îWhm'îW
hm'îW
1.
W
WW
W
(û) Waw conjuntivo: “e; mas; (e) então”.
2.
hm
hmhm
hm'
(mâ) Pronome interrogativo: “que? o que; após verbos relacionados com
falar, ver, perguntar, examinar, etc. o que, aquilo que”.
3. Tradução: “e aquilo que”.
byviÞa
byviÞabyviÞa
byviÞa'
1.
byviÞa
byviÞabyviÞa
byviÞa
(ashîbh) Verbo Hif‘il
17
, Imperfeito, 1a pessoa comum, singular: “eu
responderei”.
1.1Derivado da raiz verbal
bwv
bwvbwv
bwv
(shubh): “trazer de volta, conduzir de volta,
levar de volta; deixar / fazer voltar, volver; deixar / fazer retornar; fazer
recuar, afugentar; fazer voltar, aplacar, amainar; fazer voltar atrás, retirar,
impedir, cancelar, sustar, anular, revogar, desviar, desfazer; dar de volta,
devolver, restituir; restaurar, restabelecer; retribuir, recompensar, vingar-
se, fazer cair (sobre); fazer voltar a palavra, responder, informar”.
2. Tradução: “responderei”.
`yTi(x.k;AT
`yTi(x.k;AT`yTi(x.k;AT
`yTi(x.k;AT-
--
-l[;
l[;l[;
l[;
1.
l[
l[l[
l[;
(‘al) Preposição separável: “sobre, acima de, em cima de; diante de; por
causa de, por; em vistas a; concernente a”.
2.
`yTi(x.k;AT
`yTi(x.k;AT`yTi(x.k;AT
`yTi(x.k;AT
(tokhahtî) Substantivo comum, feminino, singular, construto, com
sufixo pronominal da 1a pessoa comum, singular: “meu protesto”.
17
“Os verbos no Hif‘il normalmente são o causativo do Qal” (Kelley, 1998, p. 142).
28
2.1 Substantivo
tx;k;AT
tx;k;ATtx;k;AT
tx;k;AT
(tôkhachath): “reprimenda, protesto, objeção,
recriminação, réplica, censura”.
2.2 Derivado da raiz verbal
xky
xkyxky
xky
(ychh): “argumentar (judicialmente); ser
justificado”.
3. Tradução: “por causa do meu protesto”.
2.3.2 Crítica Textual de Habacuc 2,1
No primeiro versículo, Elliger apresenta uma proposta de substituição para o
substantivo masculino
rAc=m'
rAc=m'rAc=m'
rAc=m'
(matsor) “fortificação, cidade fortificada”. Sua sugestão
é no sentido de que esse termo seja substituído pela variante
yrIAc=m'
yrIAc=m'yrIAc=m'
yrIAc=m'
(matsori) “minha
fortificação, minha cidade fortificada”. A proposta de substituição do termo da BHS
pela variante fundamenta-se na descoberta de um manuscrito do pesher
18
de
Habacuc da 1ª gruta de Hirbet Qumran
19
(1QpHab) (BHS, 1990, p. 1050).
A segunda consideração no primeiro versículo feita por Elliger, diz respeito à
forma verbal no Piel Imperfeito
hP,ªc;a]w
hP,ªc;a]whP,ªc;a]w
hP,ªc;a]w
:
::
:
(wa’atsapeh) “montar guarda, vigiar,
observar atentamente, espreitar” que aparece na BHS. Elliger levanta a hipótese de
que esse verbo seja uma possível adição posterior ao texto de Habacuc (BHS, 1990,
p. 1050). É provável que essa suposição seja levantada pelo fato de que, a presença
ou ausência deste verbo não compromete em absolutamente nada a estrutura do
texto hebraico em questão, nem a mensagem do mesmo.
2.3.3 Análise Gramatical de Habacuc 2,2
![;m;îl. tAx+Luh;
![;m;îl. tAx+Luh;![;m;îl. tAx+Luh;
![;m;îl. tAx+Luh;-
--
-l[; raEßb'W !Azëx' b
l[; raEßb'W !Azëx' bl[; raEßb'W !Azëx' b
l[; raEßb'W !Azëx' bAtåK. rm,aYOëw: ‘hw"hy> ynInEÜ[]Y:w
AtåK. rm,aYOëw: ‘hw"hy> ynInEÜ[]Y:wAtåK. rm,aYOëw: ‘hw"hy> ynInEÜ[]Y:w
AtåK. rm,aYOëw: ‘hw"hy> ynInEÜ[]Y:w
:
::
:
2
`Ab* arEAqï #Wrßy"
`Ab* arEAqï #Wrßy"`Ab* arEAqï #Wrßy"
`Ab* arEAqï #Wrßy"
18
Pesher: comentário.
19
“Entre o inverno e a primavera de 1947, Jum‘a Muhammed e Muhammed ahmed el-Hamed,, dois
beduínos árabes da tribo Ta‘amireh, acidentalmente encontraram na região de Hibert [ruína] Qumran,
a 12 km ao sul de Jericó, na região noroeste do Mar Morto, uma gruta contendo pergaminhos bíblicos
muito antigos, entre os quais um rolo completo e outro em estado fragmentário do livro de Isaías, um
comentário ao livro de Habacuque e um texto sobre regras de uma determinada comunidade”
(Francisco, 2005, p. 338).
29
Proposta de tradução: “Então replicou Yahweh e disse: Escreve uma visão e anota
de maneira clara sobre as tábuas a fim de que até aquele que corre possa lê-la”.
ynInEÜ[]Y:w:
ynInEÜ[]Y:w:ynInEÜ[]Y:w:
ynInEÜ[]Y:w:
1.
w:
w:w:
w:
(wa) Waw conjuntivo: “e; mas; (e) então”.
2.
ynInEÜ[]Y:
ynInEÜ[]Y:ynInEÜ[]Y:
ynInEÜ[]Y:
(ya‘anênî) Verbo Qal, Waw consecutivo
20
, Imperfeito, 3a pessoa,
masculino, singular, com sufixo pronominal da 1a pessoa comum, singular:
“ele replicou”.
2.1Derivado da raiz verbal
hn
hnhn
hn[
[ [
[
(‘nh): “responder, replicar, atender; dar a
entender; testificar”.
3. Tradução: “então replicou”.
hw"hy>
hw"hy>hw"hy>
hw"hy>
1.
hw"hy>
hw"hy>hw"hy>
hw"hy>
(K:
21
YHWH; Q:
22
’adonay; o nome de Deus) Substantivo próprio: “Javé,
Yahweh, Iahweh, SENHOR, YHWH
23
”.
1.1 Derivado da raiz verba
hy
hyhy
hyh
hh
h
(
(hyh): “tornar-se, acontecer, ocorrer, ser,
haver, ter”.
2. Tradução: “Yahweh”.
20
“Waw consecutivo ou Conversivo é uma modalidade hebraica de expressão de pensamento.
Quando um verbo conjugado no passado é precedido por um Waw consecutivo, ele normalmente é
traduzido no futuro. Ou seja, apesar de lermos o verbo no passado, ao traduzirmos, deveremos
colocá-lo no futuro. Já quando um verbo conjugado no futuro é precedido por um Waw consecutivo,
ele é normalmente traduzido no passado” (Vita e Akil, 2004, p. 72).
21
K (Ketibh): “a forma escrita”.
22
Q (qerê): “o que se lê”.
23
“O tetragrama (quatro letras)
hwhy
forma o nome pessoal de Deus. Em Êxodo 3.14 foi explicado a
Moisés como “EU SOU O QUE SOU” [...]. A partir do cativeiro babilônico (talvez antes), os judeus têm
considerado este nome sagrado demais para ser pronunciado. Por conseqüência, depois do exílio, o
nome propriamente dito o era lido em voz alta, a não ser em algumas formas abreviadas. Em vez
disso, os leitores pronunciavam a palavra ’adonay (Senhor). Quando os pontos vocálicos eram
acrescentados ao texto hebraico, as vogais da palavra
yn{“'doa]
eram escritas sob as quatro letras
hwhy
a
fim de lembrar como a leitura devia ser feita. Isso resultou na forma
hwhy
geralmente escrita sem
holem e com sheva simples em vez de sheva composto sob a letra forte y, o que resultou em
hw’'’hy>
. A
falta de compreensão dessa forma híbrida levou as traduções antigas a empregar “Jeová” (yehowâ).
A maioria das traduções, no entanto, emprega a forma que é lida [...] “SENHOR” [...]. A pronúncia
correta das quatro letras escritas no texto tem sido assunto de muitos debates. O consenso dos
especialistas a respeito da vocalização correta desse nome é Yahweh (pronuncia-se Yavé)” (Ross,
2005, p. 64). Dentre as várias possibilidades, optamos por utilizar a forma Yahweh na tradução deste
versículo e no corpo do texto em geral. Nos casos em que citamos outras fontes bibliográficas,
mantivemos a grafia das referidas fontes citadas.
30
rm,aYOëw:
rm,aYOëw:rm,aYOëw:
rm,aYOëw:
1.
w:
w:w:
w:
(wa) Waw conjuntivo: “e; mas; (e) então”.
2.
rm,aYOë
rm,aYOërm,aYOë
rm,aYOë
(yô’mer) Verbo Qal, Waw consecutivo, Imperfeito, 3a pessoa,
masculino, singular: “ele disse”.
2.1 Derivado da raiz verbal
rma
rmarma
rma
(’mr): “dizer, exprimir através da fala, falar”.
3. Tradução: “e disse”.
bAtåK.
bAtåK.bAtåK.
bAtåK.
1.
bAtåK
bAtåKbAtåK
bAtåK
(kethobh) Verbo Qal, Imperativo
24
, masculino, singular: “ escreve (tu)”.
1.1 Derivado da raiz verbal
btk
btkbtk
btk
(kthbh): “escrever, registrar, anotar; assinar;
gravar”.
2. Tradução: “escreve”.
!Azëx'
!Azëx'!Azëx'
!Azëx'
1.
!Azëx'
!Azëx'!Azëx'
!Azëx'
(châzôn) Substantivo comum, masculino, singular: “visão; revelação”.
2. Tradução: “visão”.
raEßb'W
raEßb'WraEßb'W
raEßb'W
1.
W
WW
W
(û) Waw conjuntivo: “e; mas; (e) então”.
2.
raEßb
raEßbraEßb
raEßb
'
''
'
(bâ’êr) Verbo Pi‘el, Imperativo, masculino, singular: “anota de maneira
clara! (tu)”.
2.1Derivado da raiz verbal
raB
raBraB
raB
(b’r): “explicar, (anotar) de maneira clara”.
3. Tradução: “e anota de maneira clara”.
24
“Os imperativos no hebraico ocorrem somente nas formas da segunda pessoa (masculino e
feminino, singular e plural). São usados somente para expressar ordens positivas, nunca para
expressar proibições. Os imperativos nunca aparecem no Pu‘al e no Hof‘al, pois estes são troncos
que sempre expressam o sentido passivo. Os imperativos no Qal podem ser descritos como formas
reduzidas do imperfeito Qal. A redução se através da supressão dos performativos das formas da
segunda pessoa do imperfeito (masculino e feminino, singular e plural)” (Kelley, 1998, p. 198).
31
tAx+Luh;
tAx+Luh;tAx+Luh;
tAx+Luh;-
--
-l[
l[l[
l[;
;;
;
1.
l[
l[l[
l[;
(’al) Preposição separável: “sobre, acima de, em cima de; diante de; por
causa de, por; em vistas a; concernente a”.
2.
h;
h;h;
h;
(ha) Artigo definido
25
: “o, a, os, as”.
3.
tAx+Lu
tAx+LutAx+Lu
tAx+Lu
(luchôth) Substantivo comum, masculino, plural: “tábuas”.
3.1 Derivado do substantivo
x;Wl
x;Wlx;Wl
x;Wl
(lûach): “tábua, prancha; lousa, chapa ou
lâmina de pedra”.
4. Tradução: “em cima das tábuas”.
![;m;îl.
![;m;îl.![;m;îl.
![;m;îl.
1.
![;m;l.
![;m;l.![;m;l.
![;m;l.
(lema’an) Partícula conjuntiva: “para, para que, afim de; por causa de,
porque”.
2. Tradução: “porque”.
#Wrßy"
#Wrßy"#Wrßy"
#Wrßy"
1.
#Wrßy"
#Wrßy"#Wrßy"
#Wrßy"
(yarûts) Verbo Qal, Imperfeito, 3a pessoa, masculino, singular: “ele
correrá”.
1.1Derivado da raiz verbal
#wr
#wr#wr
#wr
(rwts): “correr; apressar-se”.
2. Tradução: “correrá”.
arEAqï
arEAqïarEAqï
arEAqï
1.
arEAq
arEAqarEAq
arEAq
ï
ïï
ï
(qôrê’) Verbo Qal, Particípio
26
, masculino, singular : “proclamando; o
que lê”.
25
“O artigo definido Hebraico é representado pela letra
h
e pelo dagesh na primeira consoante: (.)
h;
.
Sua tradução varia com o contexto, podendo ser “o, a, os, as”. A língua hebraica não possui o artigo
indefinido” (Vita e Akil, 2004, p. 39).
26
“Em hebraico, o particípio [...] não indica a pessoa, mas, como no português, somente o gênero e o
número. Em outras palavras, ele pode ser masculino ou feminino, singular ou plural. No hebraico, o
particípio pode estar na voz ativa ou na voz passiva, dependendo do tronco no qual está sendo
conjugado. Somente no tronco do Qal é que se tem ambas as formas, um particípio ativo e outro
passivo” (Kelley, 1998, p. 228).
32
1.1Derivado da raiz verbal
arq
arqarq
arq
(qr’): “chamar; clamar, berrar; denominar;
invocar; convocar; proclamar; apelar; convidar; recitar; ditar, ler”.
2. Tradução: “o que lê fluentemente”.
`Ab*
`Ab*`Ab*
`Ab*
1.
`Ab
`Ab`Ab
`Ab
* (bô) Preposição inseparável, com sufixo pronominal da 3a pessoa,
masculino, singular: “junto com ele”.
1.1 Derivado da preposição
Biê.
Biê.Biê.
Biê.
(be): “em, dentro de; em meio de, entre; como
(na qualidade de, na condição de); em companhia de; junto com; por meio
de”.
2. Tradução: “junto com ele”.
2.3.4 Crítica Textual de Habacuc 2,2
No v. 2, o aparato crítico apresenta apenas uma variante para a forma verbal
Qal Particípio
arEAq
arEAqarEAq
arEAq
(qôrê’) “chamar, invocar” que aparece na BHS. A variante
referida no aparato crítico como possibilidade de substituição é a forma verbal
acrescida do artigo definido
aryqh
aryqharyqh
aryqh
(hqyr’) de acordo com manuscrito do pesher de
Habacuc da 1ª gruta de Hirbet Qumram (1QpHab) (BHS, 1990, p.1051).
2.3.5 Análise Gramatical de Habacuc 2,3
‘Hm'h.m;t.yI
‘Hm'h.m;t.yI‘Hm'h.m;t.yI
‘Hm'h.m;t.yI-
--
-~ai
~ai ~ai
~ai bZE+k;y> al{åw> #QEßl; x;peîy"w> d[eêAMl; ‘!Azx' dA[Ü yK
bZE+k;y> al{åw> #QEßl; x;peîy"w> d[eêAMl; ‘!Azx' dA[Ü yKbZE+k;y> al{åw> #QEßl; x;peîy"w> d[eêAMl; ‘!Azx' dA[Ü yK
bZE+k;y> al{åw> #QEßl; x;peîy"w> d[eêAMl; ‘!Azx' dA[Ü yK
iäiä
3
`rxE)a;y> al{ï aboßy" aboï
`rxE)a;y> al{ï aboßy" aboï`rxE)a;y> al{ï aboßy" aboï
`rxE)a;y> al{ï aboßy" aboï-
--
-yKi( Alê
yKi( AlêyKi( Alê
yKi( Alê-
--
-hKex;
hKex;hKex;
hKex;
Proposta de tradução: “Porque ainda é uma visão até o tempo marcado; e proferirá a
respeito do fim e não mentirá; não se demorará; espera até ela porque sobrevirá não
tardará”.
33
yKi
yKiyKi
yKi
1.
yK
yKyK
yK
(ki)
27
Conjunção: “porque, pois, que, quando, se, caso, apesar de”.
2. Tradução: “porque”.
dA[Ü
dA[ÜdA[Ü
dA[Ü
1.
dA[
dA[dA[
dA[
(‘ôdh) Advérbio: “continuamente, novamente, constantemente, mais uma
vez, ainda assim, além disso, ainda”.
2. Tradução: “ainda”.
‘!Azx'
‘!Azx'‘!Azx'
‘!Azx'
1.
!Az
!Az!Az
!Azx'
x'x'
x'
(châzôn) Substantivo comum, masculino, singular: “visão; revelação”.
2. Tradução: “uma visão”.
d[eêAMl;
d[eêAMl;d[eêAMl;
d[eêAMl;
1.
l
ll
l
; (la) Preposição inseparável: (em sentido local) para, a, em direção a, junto
a; (em sentido temporal) até, em torno de, por volta de, quando de, ao, depois
de, no espaço de”.
2.
h
hh
h;
(ha) Artigo definido: “o, a, os, as”.
3.
d[eAm
d[eAmd[eAm
d[eAm
(mô‘êd) Substantivo comum, masculino, singular: “ponto de encontro,
lugar de assembléia, lugar de reunião; encontro, reunião, assembléia;
momento combinado, tempo marcado, data, época, estação, prazo”.
3.1 Derivado da raiz verbal
[dy
[dy[dy
[dy
(yd‘): “notar, observar, perceber, descobrir,
interessar-se, saber, conhecer; coabitar, selecionar, escolher,
compreender”.
4. Tradução: “até o tempo marcado”.
x;peîy"w>
x;peîy"w>x;peîy"w>
x;peîy"w>
1.
w>
w>w>
w>
(we) Waw conjuntivo: “e; mas; (e) então”.
27
Esta partícula introduz orações casuais, temporais, substantivas, ou adversativas” (Ross, 2005, p.
335).
34
2.
x;peîy
x;peîyx;peîy
x;peîy
"
""
"
(yâphêach) Verbo Hif‘il, Imperfeito, 3a pessoa, masculino, singular,
jussivo
28
na forma e não no significado: “ele proferirá (algo)”.
2.1Derivado da raiz verbal
xwP
xwPxwP
xwP
(pwch): “assoprar, desafiar; produzir, proferir”.
3. Tradução: “e proferirá”.
#QEßl;
#QEßl;#QEßl;
#QEßl;
1.
l;
l;l;
l;
(la) Preposição inseparável: (em sentido local) para, a, em direção a, junto
a; (em sentido temporal) até, em torno de, por volta de, quando de, ao, depois
de, no espaço de”.
2.
h
hh
h
; (ha) Artigo definido: “o, a, os, as”.
3.
#q
#q#q
#q
e (qets) Substantivo comum, masculino, singular: “fim, final (em sentido
local e temporal); extremidade, limite”.
4. Tradução: “até o fim”.
al{åw>
al{åw>al{åw>
al{åw>
1.
w>
w>w>
w>
(we) Waw conjuntivo: “e; mas; (e) então”.
2.
al
alal
al
{ (lô’) Partícula de negação: “não; sem, nenhum”.
3. Tradução: “e não”.
bZE+k;y>
bZE+k;y>bZE+k;y>
bZE+k;y>
1.
bZE+k;y>
bZE+k;y>bZE+k;y>
bZE+k;y>
(yekhazebh) Verbo Pi‘el, Imperfeito, 3a pessoa, masculino, singular: “ele
mentirá”.
1.1Derivado da raiz hebraica
bzk
bzkbzk
bzk
(khzbh): “mentir, enganar, iludir”.
2. Tradução: “mentirá”.
28
“O modo volitivo na terceira pessoa, e muitas vezes na segunda pessoa nas frases que recebem o
negativo. Os jussivos [...] expressam vontade, desejo ou pedido [...] um mandamento ou uma ordem
(Ross, 2005, p. 155-156).
35
‘Hm'h.m;t.yI
‘Hm'h.m;t.yI‘Hm'h.m;t.yI
‘Hm'h.m;t.yI-
--
-~ai
~ai~ai
~ai
1.
~a
~a~a
~a
i (’îm)
29
partícula conjuntiva: “se (indicando condição); ó se...! (expressando
desejo); se (em juramentos, expressando imprecação condicional; geralmente
a oração condicional subseqüente é omitida, de modo que
~a
~a~a
~a
i
ii
i
= não e
al{
al{ al{
al{
~ai
~ai~ai
~ai
= certamente); quando”.
2.
Hm'h.m;t.yIi
Hm'h.m;t.yIiHm'h.m;t.yIi
Hm'h.m;t.yIi
(yîthmahmâh) Verbo Hitpalp‘el
30
, Imperfeito, 3a pessoa, masculino,
singular: “ele se demorará”.
2.1 Derivado da raiz hebraica
h
hh
hhm
hmhm
hm
(mhh): “hesitar, tardar, demorar, demorar-
se”.
3. Tradução: “não se demorará”.
Alê
AlêAlê
Alê-
--
-hKex
hKexhKex
hKex
1.
hKex
hKexhKex
hKex
(hakêh) Verbo Piel, Imperativo, masculino, singular: “espera! (tu)”.
1.1Derivado da raiz hebraica
hkx
hkxhkx
hkx
(chkhh): “esperar, aguardar; ter paciência;
vacilar”.
2.
Al
AlAl
Alê
(lô) Preposição inseparável, com sufixo pronominal da 3a pessoa,
masculino, singular: “até ele”.
2.1 Derivado da preposição
l
ll
l.ê
(le): (em sentido local) para, a, em direção a,
junto a; (em sentido temporal) até, em torno de, por volta de, quando de,
ao, depois de, no espaço de”.
3. Tradução: “espera até ele”.
aboï
aboïaboï
aboï-
--
-yKi
yKiyKi
yKi
1.
yKi
yKiyKi
yKi
(kî) Partícula conjuntiva: “porque, pois, que, quando, se, caso, apesar de”.
2.
ab
abab
ab
(bô’) Verbo Qal, Infinitivo: “suceder”.
29
Esta partícula é utilizada para introduzir um juramento de negação (Ross, 2005, p. 364).
30
O Hitpalp‘el pertence a um grupo de formas verbais que não se conformam com os temas
padronizados. Essas formas verbais aparecem com pouca freqüência no Antigo Testamento a ponto
de não possuírem um paradigma completo (Ross, 2005, p. 302). No Hitpalp‘el “a primeira consoante e
a terceira são repetidas. Esses temas são provavelmente verbos ocos duplicados, embora alguns
talvez sejam geminados” (Ross, 2005, p. 303).
36
2.1 Derivado da raiz hebraica
aw
awaw
awb
bb
b
(bw): “entrar; chegar, vir; coabitar; sobrevir;
cumprir-se, suceder; relacionar-se; seguir”.
3. Tradução: “porque sobrevir”.
aboßy"
aboßy"aboßy"
aboßy"
1.
aboßy"
aboßy"aboßy"
aboßy"
(yâbhô’) Verbo Qal, Imperfeito 3a pessoa, masculino, singular: “ele
sobrevirá”.
1.1 Derivado da raiz hebraica
awb
awbawb
awb
(bw’): “entrar; chegar, vir; coabitar; sobrevir;
cumprir-se, suceder; relacionar-se; seguir”.
2. Tradução: “sobrevirá”.
al{
al{al{
al{
1.
al
alal
al{ï
(lô’) Partícula de negação: “não; sem, nenhum”.
2. Tradução: “não”.
`rxE)a;y>
`rxE)a;y>`rxE)a;y>
`rxE)a;y>
1.
`rx
`rx`rx
`rxE)a;y>
E)a;y>E)a;y>
E)a;y>
(ye’achêr) Verbo Pi‘el, Imperfeito, 3a pessoa, masculino, singular: “ele
tardará”.
1.1Derivado da raiz hebraica
rxa
rxarxa
rxa
(’chr): “vacilar, hesitar, tardar; permanecer,
demorar-se; reter algo, adiar; deter alguém”.
2. Tradução: “tardará”.
2.3.6 Crítica Textual de Habacuc 2,3
No v. 3, o editor menciona duas variantes. A primeira é a forma verbal Hif‘il
Imperfeito Jussivo
x;peîy"w
x;peîy"wx;peîy"w
x;peîy"w
>
>>
>
, (weyapheah) que no manuscrito do pesher de Habacuc da
gruta de Hirbet Qumram (1QpHab) aparece com a forma
xypy
xypyxypy
xypy
e que, segundo
Elliger, provavelmente deve ser lido como
x
xx
x;
;;
;yp
ypyp
ypi
ii
iyw
ywyw
yw
(wyphyach) “e tenderá”. Outra
variante possível seria:
xy:p>yi
(
w
ww
w
>
>>
>) ((we)yephyah) “e brota, brotará”. Outra possibilidade
37
ainda é mencionada por Elliger a partir da Septuaginta
31
:
xt;peW
xt;peWxt;peW
xt;peW
(ûphetach) “e
abertura” (BHS, 1990, p.1051; SILVA, 1999, p. 78).
Outra sugestão de substituição de termo variante é mencionada para a
partícula de negação
al
alal
al
(l’) “não”, que aparece no v. 3. O editor propõe como
possibilidade de leitura, a partícula de negação acompanhada de waw conjuntivo.
Ele justifica sua proposta a partir do manuscrito do pesher de Habacuc da gruta
de Hirbet Qumram (1QpHab) e de muitos outros manuscritos como a Septuaginta, a
Peshita, a Guenizá do Cairo
32
, e a Vulgata Latina
33
que também apresentam a forma
alw
alwalw
alw
>
>>
>
(we l’) “e não” (BHS, 1990, p. 1051).
2.3.7 Análise Gramatical de Habacuc 2,4
`hy<)x.yI Atðn"Wma/B, qyDIÞc;w> AB= Avßp.n:
`hy<)x.yI Atðn"Wma/B, qyDIÞc;w> AB= Avßp.n:`hy<)x.yI Atðn"Wma/B, qyDIÞc;w> AB= Avßp.n:
`hy<)x.yI Atðn"Wma/B, qyDIÞc;w> AB= Avßp.n:
hr"îv.y"
hr"îv.y"hr"îv.y"
hr"îv.y"-
--
-al{ hl'êP.[u hNEåhi
al{ hl'êP.[u hNEåhial{ hl'êP.[u hNEåhi
al{ hl'êP.[u hNEåhi
4
Proposta de tradução: “Eis que foi corrompida não foi reta a alma dele dentro dele.
Mas o justo por meio de sua fidelidade permanecerá em vida.”
hNEåh
hNEåhhNEåh
hNEåh
1.
hNEåh
(hinnêh)
34
Interjeição: “eis!, eis que; se (diante de cláusula condicional)”.
2. Tradução: “eis que”.
hl'êP.[u
hl'êP.[uhl'êP.[u
hl'êP.[u
1.
hl'êP.[u
hl'êP.[uhl'êP.[u
hl'êP.[u
(‘upilâ) Verbo Pu‘al
35
, Perfeito, 3a pessoa, feminino, singular: “ela foi
corrompida”.
31
“A Septuaginta é provavelmente a tradução mais importante da Bíblia hebraica. A tradução original
do Pentateuco na primeira metade do século II a.C. qual a tradição aplica o nome Septuaginta, do
latim que significa “setenta [tradutores]”, d a abreviatura comum LXX) é uma tradução
razoavelmente boa, à parte das passagens poética e formas difíceis” (Ross, 2005, p. 319).
32
Os fragmentos em hebraico achados em uma sala de armazenamento para os manuscritos velhos
ou defeituosos (i.e., Guenizá) do Cairo datam do século V d.C. Esses fragmentos úteis fornecem
informações importantes no tocante ao desenvolvimento da obra massorética” (Ross, 2005, p. 319).
33
“A Vulgata é a tradução em latim por Jerônimo, começada em fins do século IV e fortemente
influenciada pela Septuaginta” (Ross, 2005, p. 319).
34
Esta partícula “introduz as orações subordinadas que são fundamentais para alguma declaração ou
mandamento que se segue; pode, também, servir para indicar que alguma coisa existe ou está
presente” (Ross, 2005, p. 335).
38
1.1 Derivado da raiz hebraica
lp[
lp[lp[
lp[
(‘phl): “ser atrevido / corrupto”.
2. Tradução: “foi corrompida”.
hr"îv.y"
hr"îv.y"hr"îv.y"
hr"îv.y"-
--
-al{
al{al{
al{
1.
al{{
al{{al{{
al{{
(lô’) Partícula de negação: “não; sem, nenhum”.
2.
hr"îv.y"
hr"îv.y"hr"îv.y"
hr"îv.y"
(yashrâ) Verbo Qal, Perfeito, 3a pessoa, feminino, singular: “ela foi
reta”.
2.1 Derivado da raiz hebraica
rvy
rvyrvy
rvy
(yshr): “ser direito / reto / plano; seguir reto,
agradar”.
3. Tradução: “não foi reta”.
Avßp.n:
Avßp.n:Avßp.n:
Avßp.n:
1.
Avßp.n:
Avßp.n:Avßp.n:
Avßp.n:
(naphshô) Substantivo comum, feminino, singular, construto, com sufixo
pronominal da 3a pessoa, masculino, singular: “sua garganta (dele), sua alma
(dele)”.
1.1 Substantivo
vp,n<
vp,n<vp,n<
vp,n<
(nefesh): “garganta; respiração, fôlego; ser, pessoa(s),
gente; personalidade, individualidade; vida; alma, desejo, estado de
ânimo, sentimento, vontade; pessoa morta, cadáver”.
1.2 Derivado da raiz verbal
vp
vpvp
vpn
nn
n
(nphsh): “tomar fôlego”.
2. Tradução: “a alma dele”.
AB=
AB=AB=
AB=
1.
AB
ABAB
AB
=
==
=
(bô) Preposição inseparável, com sufixo pronominal da 3a pessoa,
masculino, singular: “dentro dele”.
1.1Derivado da preposição
Biê.
Biê.Biê.
Biê.
(be): “em, dentro de; em meio de, entre; como
(na qualidade de, na condição de); em companhia de; junto com; por meio
de”.
2. Tradução: “dentro dele”.
35
“O Pu‘al é o passivo do Pi‘el [...] o seu significado é mais uniforme e previsível do que os
significados dos outros troncos” (Kelley, 1998, p. 140).
39
qyDIÞc;w>
qyDIÞc;w>qyDIÞc;w>
qyDIÞc;w>
1.
w
ww
w>
(we) Waw conjuntivo: “e; mas; (e) então”.
2.
qyDIc
qyDIcqyDIc
qyDIc
;
;;
;
(tsaddiq) Adjetivo
36
, masculino, singular: “certo, correto; inocente, não
culpado; justo”.
3. Tradução: “mas (o) justo”.
Atðn"Wma/B,
Atðn"Wma/B,Atðn"Wma/B,
Atðn"Wma/B,
1.
B
BB
B,
(be) Preposição inseparável: “em, dentro de; em meio de, entre; como (na
qualidade de, na condição de); em companhia de; junto com; por meio de”.
2.
Atðn"Wma
Atðn"WmaAtðn"Wma
Atðn"Wma
/, (’emûnâtô) substantivo comum, feminino, singular, construto, com
sufixo pronominal da 3a pessoa, masculino, singular: “sua fidelidade (dele).
2.1 Substantivo
hn"Wma
hn"Wmahn"Wma
hn"Wma/
(’emûna): “firmeza, constância; fidelidade, lealdade;
honestidade; segurança; cargo, função”.
2.2 Derivado da raiz verbal
!
!!
!ma
mama
ma
(’mn): “confirmar, sustentar; estabelecer-se,
ser fiel; estar certo, crer em”
3. Tradução: “por meio de sua fidelidade”.
`hy<)x.yI
`hy<)x.yI`hy<)x.yI
`hy<)x.yI
1.
`hy<)x.yI
`hy<)x.yI`hy<)x.yI
`hy<)x.yI
(yichyeh) Verbo Qal, Imperfeito, 3a pessoa, masculino, singular: “ele
permanecerá em vida”.
1.1Derivado da raiz hebraica
hyx
hyxhyx
hyx
(chyh): “estar com vida, permanecer em
vida, viver, reviver, recuperar a saúde, tornar a viver”.
2. Tradução: “permanecerá em vida”.
2.3.8 Crítica Textual de Habacuc 2,4
O v. 4 desta perícope apresenta o maior número de variantes. A primeira
variante mencionada por Elliger relaciona-se à forma verbal Pu‘al Perfeito
hl'êP.[u
hl'êP.[uhl'êP.[u
hl'êP.[u
36
“O adjetivo é uma palavra que qualifica ou modifica, de forma geral, o substantivo. Concorda em
gênero e número com o substantivo e é normalmente utilizado nas funções atributiva (ou seja:
qualifica o sujeito atribuindo-lhe qualidade) e predicativa, também chamada completiva” (Gusso,
2005, p. 81).
40
(‘upelah) “ser atrevido, corrupto”, para a qual ele propõe
lP'[u
lP'[ulP'[u
lP'[u
((‘upal) ou
lP'[;
lP'[;lP'[;
lP'[;
(‘apal),
como a melhor possibilidade de leitura (BHS, 1990, p. 1051).
Silva sugere manter o perfeito pual massorético e traduzi-lo por “se
decompôs”. Segundo ele, “O substantivo árabe correspondente significa tumor na
vulva ou no ânus; o assírio uplu parece significar tumor. Daí que sugiro, para a raiz
hebraica em questão, decompor-se, inflamar, inchar” (SILVA, 1999, p. 78).
A próxima variante refere-se à forma verbal Qal Perfeito
hr"îv.y'
hr"îv.y'hr"îv.y'
hr"îv.y'
(yashirah) “ser
direito/reto; seguir reto, agradar” que a Septuaginta (nesse caso, a Peshita
37
concorda com a LXX) traduz como
euvdokei
./
(eudokei) “agradou”. Nessa linha de
raciocínio, o termo provavelmente deve ser lido, segundo Elliger, como
ht'c.r
ht'c.rht'c.r
ht'c.r
"
""
"
“(ratsta) agradou”. Em lugar da forma verbal que aparece na BHS, o manuscrito do
pesher de Habacuc da gruta de Hirbet Qumram (1QpHab) traz a forma
hrîvwy
hrîvwyhrîvwy
hrîvwy
(ywshrh) (BHS, 1990, p. 1051).
Outra variante que Elliger menciona no aparato crítico é o substantivo
Avßp.n
Avßp.nAvßp.n
Avßp.n
:
::
:
“(naphshô) alma dele”, que na Septuaginta e na versão de Áquila
38
é pressuposto
como sendo
yvipn
yvipn yvipn
yvipn
(nphshî - minha alma).
A última observação de Elliger aponta que o texto grego original da
Septuaginta (séc. III/I a.C) traduz o substantivo
Atðn"Wma/B,
Atðn"Wma/B,Atðn"Wma/B,
Atðn"Wma/B,
(be’emûna) “na dele”
ou “pela dele”, por
evk pi,stew,j mou
(ek pisteôs mou) “a partir da minha (BHS,
1990, p. 1051).
Como pudemos observar, a tarefa de elaboração de um aparato crítico exige
tempo, paciência e habilidade por parte do perito. Elliger demonstrou seu profundo
conhecimento e sua habilidade em apontar as principais variantes da perícope aqui
esboçada.
Após examinar as observações e sugestões apresentadas por Elliger,
optamos por utilizar o texto hebraico na forma final em que se encontra (referimo-nos
a BHS). Entendemos que na condição de pesquisadores nosso papel é analisar,
37
A Peshita é a tradução da bíblia hebraica para o siríaco, resultado de um processo aparentemente
longo e complicado iniciado no século I e fortemente influenciada pela Septuaginta(Ross, 2005, p.
319).
38
Entre 125 e 130, na época do imperador Adriano (117-138), Áquila fez sua tradução para o grego
baseando-se em texto hebraico muito próximo ao TM. A sua versão é caracterizada por ser
extremamente literal em comparação com todas as existentes nessa época” (Francisco, 2005, p.
394).
41
criticar e, se necessário, reformular aquilo que dedicados peritos do Antigo
Testamento têm produzido em décadas de paciente e árduo trabalho.
Contudo, reconhecemos que qualquer tentativa nessa direção tende a
dificultar e complicar mais ainda, aquilo que por natureza é complexo, ou seja, o
trabalho de recensão dos textos bíblicos e a elaboração da forma final, que
supostamente seria o que nós temos de mais próximo em relação ao texto original.
A BHS tem como fonte o Códice L., também conhecido como Códex
Leningradensis, que foi produzido por Samuel ben Jacó em 1008 ou 1009 no Cairo.
Seu autor afirmou ter extraído esse códice a partir de exemplares pertencentes à
tradição de Aarão ben Asher. “Este códice é o mais antigo manuscrito massorético
que contém a totalidade do texto da Bíblia Hebraica” (FRANCISCO, 2005, p. 284).
A edição da BHS apresenta várias inovações em relação à sua antecessora,
a Bíblia Hebraica 3 – BHK, entre as quais vale mencionar: “um aparato crítico
renovado e atualizado, a Massorá revisada e refeita, além de uma melhor fidelidade
e precisão em reproduzir o texto do mencionado códice” (FRANCISCO, 2005, p.
321).
Sendo assim, mesmo cientes das possibilidades de variação de determinadas
formas verbais e outras estruturas gramaticais a partir do manuscrito pesher de
Habacuc, encontrado em Qumran, e de outros manuscritos antigos, conforme lista
apresentada por Elliger, preferimos nos ater à forma tradicional da BHS para a
leitura e interpretação da perícope aqui esboçada, por compreendermos que a
mesma é adequada e suficiente, e que, portanto, atende às necessidades deste
trabalho.
Uma vez consolidada a análise estrutural do livro de Habucuc em suas
múltiplas facetas, apresentaremos, a seguir, o contexto vital e a mensagem deste
profeta em sua totalidade, a fim de melhor compreendermos o significado de justiça
e injustiça social em sua época e suas expectativas quanto à possibilidade de
mudanças concretas a partir da atuação de Yahweh e do ‘justo’ neste contexto.
42
3 JUSTIÇA E INJUSTIÇA SOCIAL NO LIVRO DE HABACUC
Uma vez introduzida a análise do livro de Habacuc a partir do Método
Histórico-Crítico, iniciaremos este capítulo da dissertação com um histórico do
contexto do livro de Habacuc, apresentando algumas informações e
questionamentos sobre o ambiente vital em que o discurso profético foi proclamado.
Abordaremos questões vinculadas à autoria do livro, ao período da escrita e ao
destinatário, e ao conteúdo geral da mensagem profética.
O discurso profético que se encontra articulado na forma final do livro de
Habacuc como ele se apresenta hoje na BHS e na BJ é bastante límpido e
ordenado.
39
Sua mensagem aparece de forma bem organizada. As interrogações e
as súplicas do profeta são sempre acompanhadas de respostas divinas. Essas
respostas divinas são as fontes geradoras da esperança profética. Elas asseveram
que, por piores que sejam as circunstâncias históricas presentes, Yahweh virá em
socorro de seu povo e trará livramento a ele. Sobre a maneira na qual a mensagem
total do livro de Habacuc se encontra estruturada, pode-se inicialmente afirmar o
seguinte:
A primeira parte é constituída por diálogo dramático entre o profeta e Deus:
o profeta interroga e suplica (1,2-4 e 1,12-17) e Deus resposta a cada
uma das dúvidas tormentosas do profeta (1,5-11 e 2,1-20). A segunda parte
é constituída pela segunda resposta de Deus, com a sucessão terrificante
de cinco implacáveis Ais! (2,6b-19). A terceira parte compreende um salmo,
que é intercessão do profeta Habacuc pelos pecados de inadvertência”
(3,1); assim o rolo profético conclui-se suplicando e louvando o Senhor,
único salvador (cap. 3) (BONORA, 1993, p. 120, os itálicos pertencem ao
texto original).
Nas etapas a seguir, apresentaremos o contexto vital do livro de Habacuc e,
em seguida, uma análise pormenorizada do conteúdo da mensagem do profeta
conforme esboçada no livro que leva seu nome buscando extrair os conceitos de
justiça e injustiça social, presentes na mensagem profética, e compreender os
papéis de Yahweh e do ‘justo’ no processo de implantação da justiça social em sua
época.
39
Discussões mais amplas sobre o processo de formação do texto de Habacuc foram apresentadas
no capitulo anterior.
43
3.1 AUTORIA, TEXTO E CONTEXTO DE HABACUC
Em se tratando da autoria do livro de Habacuc, não muito o que dizer
sobre o homem Habacuc. Ele é simplesmente um profeta com uma mensagem. Não
sabemos quem foram seus pais ou quem foi o rei de Judá na época em que ele
atuou. Seu nome é um enigma. Alguns entendem que seu nome vem do vocábulo
acadiano hambakuku, que é a denominação de uma planta; outros defendem a
origem do nome a partir do verbo hebraico traduzido por “abraçar” que aparece na
história da mulher sunamita em 2 Reis 4,16. Essa perspectiva identifica Habacuc
como filho desta mulher. Contudo, essa associação é muito tênue. Outra tentativa de
identificá-lo, associa o profeta com a legendária história de Bel e o Dragão, adição
apócrifa da história de Daniel, Dn 14,31-39, onde Daniel após ser lançado na cova
dos leões, é assistido ali pelo profeta Habacuc (KAISER, 1992, p. 143). O texto
adicional de Daniel apresenta a seguinte narrativa:
Eles o atiraram na cova dos leões, onde esteve durante seis dias. Ora,
havia na cova sete leões, aos quais se davam diariamente dois corpos e
duas ovelhas. Então, porém, não lhes deu nada, a fim de que devorassem a
Daniel. Entretanto, o profeta Habacuc estava na Judéia. Ele havia acabado
de cozinhar um caldo e de colocar pães em pedaços numa cesta, e se
dispunha a ir ao campo a fim de os levar aos ceifeiros. Disse então o anjo
do Senhor a Habacuc: “Leva a refeição que tens até a Babilônia, à cova dos
leões, para Daniel”. Retrucou Habacuc: “Senhor, nunca vi Babilônia e não
conheço essa cova!” Mas o anjo do Senhor, segurando-o pelo alto da
cabeça, transportou-o pelos cabelos até Babilônia, à beira da cova, na
impetuosidade do seu espírito. Gritou então Habacuc, dizendo: “Daniel,
Daniel, toma a refeição que Deus te enviou!” E Daniel disse: “Tu te
recordaste de mim, ó Deus, e não abandonaste os que te amam”. Depois,
levantando-se, Daniel comeu. Entretanto, o anjo do Senhor imediatamente
reconduziu Habacuc ao seu lugar (Dn 14,31-39, BJ).
Como podemos observar a partir da leitura desse relato, este acréscimo ao
livro de Daniel não oferece nenhuma ajuda na identificação do profeta. Não se sabe
o que deu origem a essa curiosa lenda, nem que relação essa lenda tem com o
conteúdo das narrativas encontradas no livro de Habacuc (SCHÖKEL e DIAZ,
1987b, p. 1091).
Outra teoria defende que Habacuc seria descendente da família real de Judá,
talvez filho ou neto de Manassés, e que ele teria sido deportado para Nínive quando
ainda era criança. Durante sua permanência ali, ao observar os ataques ineficazes
dos caldeus contra Nínive, reconheceu um sinal de salvação. Ao afirmar em 3,13
que Yahweh sairia para salvar o seu povo, o seu “ungido”, Habacuc estaria se
referindo a si mesmo como o ungido. A suposta confirmação de que Habacuc tenha
44
vivido no exílio estaria fundamentada em 3,16
40
onde se lê: “espero tranqüilo o dia
da angústia que se levantará contra o povo que nos assalta”. Essa teoria, porém,
tem sido contestada e considerada sem fundamento e altamente fantasiosa (BUCK,
1971, p. 349).
Por fim, encontramos na Septuaginta, no título do texto grego que foi
acrescentado ao livro de Daniel (Bel e o Dragão), a menção de que a referida
história foi tirada da profecia de “Ambakum, filho de Jesus, da tribo de Levi”.
41
Nesse
caso, é possível que a identificação de Habacuc ocorra pela associação do profeta
com a música, especialmente o Sl 3, aspecto da adoração característico dos levitas.
À luz dessa argumentação, muitos chegaram à conclusão de que Habacuc teria sido
um profeta do culto. No livro, é notável o uso do gênero do lamento, forma literária
comumente utilizada no templo (BAKER et al., 2001, p. 324).
Contudo, o termo ‘profeta do culto’ é ambíguo. Ele pode significar um
funcionário do culto que recebe o seu sustento das receitas do templo e que
desempenha o ministério profético como parte do ofício do culto. Nesse caso, não
existem dados suficientes para associar Habacuc com o templo de sua época. A
expressão ‘profeta do culto’ pode significar também um profeta que no desempenho
do ministério se encontra com muita freqüência nas imediações do templo. Essa
seria uma possibilidade plausível de associação de Habacuc com o templo. Todavia,
apesar de podermos afirmar que grande parte do material em Habacuc “possa ter
surgido numa situação litúrgica, os elementos autobiográficos no livro (Hc 2.1;
3.2,16-19) mostram, em vez disso, que não se deveria atribuí-lo, na sua forma atual,
à influência do culto” (DILLARD e LONGMAN, 2006, p. 392).
Desse modo, pode-se afirmar que os argumentos a favor de um ministério
profético diretamente relacionado ao templo também carecem de maior
fundamentação teórica. Dito de outro modo, “a familiaridade com os salmos usados
no culto é uma coisa; ser “profeta cultual” é outra. O termo nabi’ não significa
necessariamente funcionário cultual, e o livro não oferece elementos suficientemente
precisos em apoio dessa hipótese” (AMSLER et al., 1992, p. 172). Como podemos
notar, o apenas o nome, mas também o personagem Habacuc, permanece um
enigma.
40
Na Septuaginta, a última parte desse versículo, se eij lao.n paroiki,aj mou(sobre o povo entre o
qual eu vivo) (SEPTUAGINTA, 1979, p. 537).
41
O texto de Daniel 13,1 na Septuaginta, diz o seguinte: Ek profhtei,aj Ambakoum uiou/ Ihsou/ ek th,j
fulh,j Leui
(SEPTUAGINTA, 1979, p. 936).
45
Todavia, o mistério que envolve o personagem Habacuc se dissipa diante do
fato de que o profeta é filho do seu tempo. Passou o tempo em que o papel do
profeta se restringia a receber e compartilhar a palavra de Yahweh. Agora, Habacuc
assume uma nova postura: toma a iniciativa, questiona a Deus, busca uma resposta.
Sua profecia se transforma em diálogo entre Yahweh e seu enviado, diálogo a partir
do qual sairá o ensino para a geração de sua época e para as futuras gerações.
Esse diálogo constante entre o profeta e Yahweh justifica a afirmação de que o “livro
de Habacuc está organizado em torno das orações do profeta e das respostas do
Senhor” (HILL e WALTON, 2000, p. 518, tradução própria) a essas persistentes
orações.
Assim surgiu o livro de Habacuc. Surgiu como fruto de muito tempo de
reflexão e oração. Apesar de estar inserido num tempo histórico, Habacuc é
reconhecido também como um símbolo, “porque este homem, superando seu
momento histórico, se submergirá no problema da história enquanto tal e da ação de
Deus nela” (SCHÖKEL e DIAZ, 1987b, p. 1091, tradução própria).
O livro de Habacuc é um dos livros mais discutidos e mais difíceis de se
interpretar do Antigo Testamento. O problema básico do livro poderia ser resumido
da seguinte maneira: em vários momentos o autor contrapõe as atitudes e o destino
do ‘justo’ e do ‘ímpio’ sem, contudo, identificar com clareza quem seriam esses
personagens. Devido a essa incógnita, os pesquisadores do Antigo Testamento têm
diferentes opiniões sobre quem seriam eles. Alguns defendem a idéia de que o
conflito descrito no livro entre o ‘justo’ e o ‘ímpio’ refere-se a conflitos de ordem
interna entre os diversos grupos de judeus. Outros defendem a opinião de que se
trata de conflitos externos entre Judá e alguma, ou várias, potências estrangeiras de
diferentes épocas. Outros, ainda, apostam numa síntese entre as duas posições.
Nesse caso, a mensagem profética anunciaria o juízo de Yahweh contra as classes
dominantes e opressoras de Judá (conflitos internos) e contra a potência estrangeira
que será o instrumento de correção nas mãos de Yahweh (conflitos externos)
(SCHÖKEL e DIAZ, 1987b, p. 1091-1093).
A determinação da época de exercício do ministério profético de Habacuc
pode ser levada a bom termo com base nas evidências internas que o livro oferece.
O autor não menciona o reinado de nenhum monarca. “A evidência de que dispomos
aponta para o reinado de Jeoaquim (609-538 a.C.) como o período em que seu livro
foi escrito” (WOOD, 1983, p. 333, tradução própria).
46
Alguns pesquisadores da área bíblica defendem a idéia de que uma das
evidências claras para datar o livro de Habacuc encontra-se em 1,6, onde
encontramos uma menção aos ‘caldeus’. Calcula-se que o profeta Habacuc quase
foi contemporâneo de Naum no período em que a Babilônia estava se apoderando
do Antigo Oriente Médio. Os caldeus começaram sua verdadeira ascensão política a
partir de 626.
A referência à Babilônia em 1,6 é a única pista para datar o livro. A
descrição de Habacuc sobre o domínio de Babilônia faz deste império um
instrumento de Deus para castigo de seu povo (1, 6-11). Seu entendimento
teológico sobre a soberania de Deus pressupõe que Deus, inclusive, pode
usar os povos inimigos, como Babilônia, para castigar e levar a cabo seus
planos; ao mesmo tempo, ele crê que Deus é livre para castigar a Babilônia
por sua maldade (1,11; 2,2-5) (MUÑOZ, 2003, p. 82, tradução própria).
Este novo poder mundial, a Babilônia, destruiu Nínive, a capital da Assíria, em
612 a.C, e em 605 a.C., obteve uma decisiva vitória contra o Faraó Neco na batalha
de Carquêmis (KAISER, 1992, p. 144), impondo-se, desde então, como a maior
potência da região e subjugando efetivamente a Palestina. Como a obra de Habacuc
não faz alusão à primeira tomada de Jerusalém em 597, “os textos que supõem a
opressão babilônica (1,14-17; 2,6-20) datam provavelmente do tempo em que Judá
pagou tributo aos babilônios, isto é, entre 605 e 602/601(AMSLER et al., 1992, p.
172).
Embora as evidências internas do livro pareçam apontar com segurança o
final do culo VII como pano-de-fundo para o desenvolvimento do ministério
profético de Habacuc (HARRISON, 2004, p. 931), os críticos nem sempre se
satisfazem com esses dados.
42
Os pesquisadores de Habacuc “têm atribuído ao livro
datas que vão desde o começo do séc. VII até o começo do séc. II a.C.” (DILLARD e
LONGMAN, 2006, p. 393). Alguns estudiosos apontam que o texto pode fazer
referência aos assírios, babilônios ou aos persas. Outros, a exemplo de Porath
(2003, p. 281), apontam em direção às conquistas de Alexandre Magno (336-324
a.C.). Outros, ainda, indicam a época de Antíoco Epifanes (175-164 a.C.) (BUCK,
1971, p. 352-353).
Deduzimos a partir de evidências internas, que a grave situação social que
caracteriza a mensagem de Habacuc pode ser postulada o mais provavelmente para
o final do século VII, em torno do ano 600 a.C, em Jerusalém (SCHWANTES, 2007,
p. 48).
42
Para uma avaliação mais detalhada sobre as várias possibilidades de datar a profecia de Habacuc
sugerimos a leitura de Harrisson (2004, p. 932-937).
47
Após uma visão panorâmica do contexto vital em que provavelmente o livro
foi escrito, nosso próximo passo será a leitura analítica da mensagem contida em
todo o livro de Habacuc. No último capítulo deste trabalho, centraremos nossa
atenção em 2,1-4 para uma análise mais aprofundada sobre os conceitos de justiça
e injustiça social e os respectivos papéis de Yahweh e do ‘justo’ na implantação da
justiça.
3.2 A MENSAGEM DE HABACUC
A seguir, procederemos uma exposição geral da mensagem de Habacuc
buscando ressaltar os aspectos relacionados com a justiça e injustiça social vigente
em seu tempo, e ao mesmo tempo, apontar as estratégias que o profeta e a
comunidade oprimida, personificada no papel do ‘justo’, utilizaram para enfrentar tal
realidade.
Nessa exposição utilizaremos a seguinte ordem e estrutura textual, com seus
respectivos subtítulos, conforme aparecem na Bíblia de Jerusalém (BJ).
43
Título (1,1)
I. Diálogo entre o profeta e o seu Deus
i. Primeira lamentação do profeta: a derrota da justiça (1,2-4)
ii. Primeiro oráculo: os caldeus flagelo de Deus (1,5-11)
iii. Segunda lamentação do profeta: as extorsões do opressor (1,12-17)
iv. Segundo oráculo: o justo viverá por sua fidelidade (2,1-4)
II. Maldições contra o opressor
i. Prelúdio (2,5-6a)
ii. As cinco imprecações (6b-20)
III. Apelo à intervenção de Iahweh
i. Título (3,1)
ii. Prelúdio. Súplica (3,2)
iii. Teofania. A chegada de Iahweh (3,3-7)
iv. O combate de Iahweh (3,8-15)
v. Conclusão: Temor humano e fé em Deus (3,16-19)
43
A opção pela estrutura aqui mencionada, seguindo a BJ, visa unicamente facilitar a leitura e
exposição do conteúdo do livro de Habacuc.
48
A partir da estrutura acima proposta, podemos observar a lógica na qual o
autor, ou editor final do livro de Habacuc, estrutura sua mensagem. O capítulo 1,1
traz o título do livro. Os capítulos 1,2 a 2,4 apresentam a seguinte ordem: queixa do
profeta (1,2-4), resposta divina (1º anúncio 1,5-11), nova queixa do profeta
(argumentação 1,12-17), indicação do procedimento e resposta divina (2,1-4),
tendo como ápice o contraste entre o ímpio e o justo e a conseqüente revelação de
que em tempos de crise “o justo viverá por sua fidelidade” (2,4).
O capítulo 2,5-20 que propaga uma série de imprecações foi construído a
partir de estruturas concêntricas. Tais estruturas “se caracterizam por apresentar
vários elementos eqüidistantes de um centro comum” (WEGNER, 2001, p. 92).
Nesse trecho do livro de Habacuc podemos perceber a relação de eqüidistância dos
versículos em referência a um centro comum (2,5-6a: introdução2,20: conclusão;
a a’, bb’ e c: centro comum)
Poderíamos representar as estruturas concêntricas que foram descrita acima
da seguinte forma:
2,5-6a: introdução: advertências para discernimento
a- (1) 2,6b-8: economia
b- (2) 2,9-11: tributos
c- (3) 2, 12-14: trabalho forçado
b’- (4) 2, 15-17: consumo excessivo da elite
a’- (5) 2,18-19: religião/idolatria
2,20: conclusão: temor a Yahweh no templo
O capítulo 3 apresenta continuidade do tema central do livro, que é “a
libertação-salvação do justo (3,2-19)” (SILVA, 1999, p. 23, os itálicos pertencem ao
texto original) a partir de uma confissão e súplica (3,2), da memória do êxodo (3,3-7),
da descrição de uma transformação universal (3,8-15), e de uma espera confiante na
intervenção de Yahweh (3,16-19). Os v. 1 e 19b contêm uma introdução e conclusão
formal.
Após a descrição sumária do conteúdo geral do livro de Habacuc acima
proposta, iniciaremos a análise do conteúdo de sua mensagem (bloco por bloco) de
acordo com a estrutura geral encontrada na BJ.
49
3.2.1 TÍTULO (1,1)
O primeiro bloco, composto de um único versículo, introduz a mensagem
profética. Essa mensagem é descrita como sendo um oráculo, uma mensagem
ameaçadora que o profeta recebeu e que ele está prestes a compartilhar.
1,1 – Oráculo que o profeta Habacuc recebeu em visão.
A primeira questão relevante na abordagem da mensagem de Habacuc é o
fato de alguns pesquisadores, a exemplo de Silva (1999), considerarem este
versículo, juntamente com 2,20 e 3,1, como acréscimos, ou seja, adições
posteriores, feitas ao texto pré-existente. Eles argumentam que nos casos de 1,1 e
3,1, por exemplo, a designação de profeta (nabi’):
Enquanto definitório de função específica no meio e a favor do povo eleito,
evidenciaria essa procedência tardia, ou seja, exílica ou mesmo pós-exílica.
O mesmo se poderia dizer do emprego de oráculo [...] igualmente em sobre-
título e sem indicação de povo a que se destina. O tocante a 2,20, a
inserção tardia desse versículo confere, de fato, ao conjunto do texto
profético, oportuna transição dos ais! (2,6b-19) para o capítulo três (SILVA,
1999, p. 24, os itálicos pertencem ao texto original).
É curioso o fato de que, mesmo defendendo a teoria de adição posterior
destes versículos ao texto de Habacuc, o próprio Silva aponte argumentos em favor
de sua autenticidade ao mencionar, por exemplo, as duas grandes edições do texto
hebraico conhecidas como a Bíblia Hebraica de Rudolph Kittel (BHK) e a Bíblia
Hebraica Stuttgartensia (BHS), que em seus respectivos aparatos críticos não fazem
nenhuma menção a esses versos o que, segundo Silva, subtende, que para os
editores, estes versículos são literariamente autênticos. Silva menciona ainda que o
silêncio de grande parte dos estudiosos de Habacuc deixa a impressão de que eles
têm a mesma opinião dos editores do texto hebraico (SILVA, 1999, p. 23-24). Para
efeitos da análise que procederemos doravante, partiremos do pressuposto da
autenticidade literária destes versículos.
O primeiro termo que aparece na mensagem profética é massa (
aF'm;
)
, e é
traduzido como oráculo. Esse termo parece fazer alusão às porções de 1,2-2,5 do
livro de Habacuc, uma vez que a partir de 2,6 pode-se identificar um novo gênero, e,
outro gênero ainda pode ser identificado em 3,1. A visão oracular é um tipo de
narrativa curta, “dominada pelo diálogo pergunta-e-resposta, em que a imagem
50
visionária se revela simples e unidimensional, fornecendo a ocasião para o oráculo,
uma sugestão um tanto fortuita para a proclamação divina na forma de anúncio
profético” (LONG, 1985, p. 50).
O gênero oracular “aponta para uma palavra profética de caráter ameaçador
ou intimidatório. A palavra [oráculo] aparece 27 vezes, apenas em contextos
proféticos, com as exceções de Provérbios 30.1; 31.1” (KAISER, 1998, p. 1005). O
contexto dos oráculos é marcado por ameaças e, normalmente, essas ameaças são
endereçadas a alguma nação em especial. O termo massa (
aF'm;
)
é empregado
várias vezes como título nos oráculos contra as nações, todavia, no profetismo
tardio, nos períodos de exercício do ministério profético de Zacarias e Malaquias, por
exemplo, aparece muitas vezes fazendo alusão à nação de Israel; são os famosos
oráculos contra Israel (AMSLER et al., 1992, p. 173). Uma particularidade em
relação à mensagem de Habacuc é que o objeto desse oráculo não é descrito no v.
1, todavia, ele é subtendido no decorrer do texto.
Outra particularidade que encontramos no livro, como discutimos
anteriormente, é a dificuldade de identificar o homem Habacuc, pois não temos, no
livro que leva seu nome, nem informações de ordem genealógica, nem de ordem
histórica a respeito dele ou de seu tempo (HILL e WALTON, 2000, p. 514). O livro
não oferece nenhum dado biográfico ou contextual sobre o profeta. Não sabemos
quem foram seus pais ou quem foi o rei de Judá na época em que ele ministrou. Ele
é apresentado simplesmente como nabi’ (
aybin"))
), o profeta, com uma mensagem.
Somente três profetas, Habacuc, Ageu e Zacarias, recebem este título explícito no
início de suas respectivas obras (BULLOUGH, 1956, p. 756).
A partir de uma abordagem panorâmica da etimologia do termo profeta, Silva
afirma que o vocábulo nabi’ (
aybin"
) “significa aquele que anuncia ou aquele que
proclama a mensagem de outrem. O profeta, no sentido bíblico original, é, portanto,
um arauto, um porta-voz de alguém que lhe confia uma mensagem, que autoriza sua
comunicação e garante sua veracidade” (SILVA, 1998, p. 12).
Uma última observação poderia ser feita em relação ao termo visão. O
trabalho de construção do livro de Habacuc não esconde a tensão dramática da
obra. Um dos aspectos desse drama é o jogo de ‘ver’ e ‘escutar’ que aparece com
freqüência em seu escrito. A aparente impassibilidade de Deus diante da injustiça e
do mal que assola a sociedade (1,2) desafia o profeta a buscar respostas.
51
O profeta é convidado a ver, não sendo o bastante inteirar-se de ouvido
(1,5). A “visão” profética (1,1; 2,3; que pode ser termo convencional) se
traduz em ver e experimentar acontecimentos históricos. não são as
visões de Amós, nem as visões de Zacarias. O profeta é forçado a ver e
experimentar (1,3) uma situação histórica; como resposta ao seu problema,
recebe ordens de olhar e obsevar a cena histórica internacional (1,5);
vendo, terá que entender (SCHÖKEL e DIAZ, 1987b, p. 1096, tradução
própria).
Sua busca por respostas inicia-se a partir de um diálogo entre Yahweh e o
profeta.
3.2.2 DIÁLOGO ENTRE DEUS E O PROFETA (1,2-2,4)
O segundo bloco inicia-se com um diálogo entre Yahweh e Habacuc. A
primeira parte desse diálogo contém em forma de lamentação toda a tristeza e pesar
do profeta por ‘ver’ o mal triunfado em sua época.
3.2.2.1 Primeira Lamentação do Profeta: A Derrota da Justiça (1,2-4)
1,2 Até quando, Iahweh, pedirei socorro e não ouvirás, gritarei a ti:
“Violência!” e não salvarás?
1,3 – Por que me fazes ver a iniqüidade e contemplas a opressão? Rapina e
violência estão diante de mim, há disputa, levantam-se contendas!
1,4 Por isso a lei se enfraquece, e o direito jamais aparece! Sim, o ímpio
cerca o justo, por isso o direito aparece torcido!
Mesmo não sendo possível identificar a pessoa do profeta, percebe-se que
ele se identifica claramente com o seu tempo. Habacuc, provavelmente, viveu
durante os últimos dias de Judá. Apesar do notável avivamento que ocorreu na
época do rei Josias em 621 a.C. (provavelmente não mais que doze anos depois
este livro foi escrito), a sociedade estava uma vez mais atraída por toda sorte de
injustiça social e violência (Jr 7,3-6; 22,13-17). Habacuc usa seis diferentes palavras
para descrever essa trágica situação: violência, iniqüidade, opressão, rapina,
disputas e contendas. Foi nesse contexto sombrio que o profeta elevou
continuamente suas orações a Yahweh a fim de que alguma coisa pudesse ser feita
acerca do grande número insuportável de erros que eram presenciados naquela
sociedade (KAISER, 1993, p. 152-153).
A profecia de Habacuc caracteriza-se, como afirmamos, por diálogos entre
Yahweh e o profeta. Não o meros diálogos ou variações de gênero literário. Mais
52
do que isso, são diálogos marcados por forte tensão entre os interlocutores até que
se encontre uma solução plausível para o problema que assola o profeta. Esse é
outro aspecto importante do drama que circunda o livro de Habacuc (SCHÖKEL e
DIAZ, 1987b, p. 1096).
Este bloco (1,2-4) começa com um grito impaciente do profeta questionando a
atitude de aparente impassibilidade de Yahweh diante do mal latente. O profeta é
forçado a ‘ver’. O Senhor confronta seu mensageiro com uma situação real. Faz com
que ele vivencie e reaja diante dessa situação. “Gritos e interrogações indicam que
ele já está vendo como Deus quer. Tudo se torna oracular: nem sonhos, nem visões,
mas a dura realidade com seu sentido a decifrar” (SCHÖKEL e DIAZ, 1987b, p.
1098, tradução própria).
De onde vêm os gritos de socorro que o profeta articula como oração-
protesto? Das ruas da capital de Jerusalém? Quem é responsável por tamanha dor?
São grupos dominantes de Judá ou a injustiça gritante é praticada por uma potência
estrangeira? Essas são perguntas difíceis de serem respondidas.
No v. 2, o profeta inicia sua queixa clamando contra a ‘violência’ (
sm'Þx'
-
hamas). Esse termo hebraico, que aparece também em outras passagens do livro
(1,3;9; 2,8;17) sintetiza a situação conflituosa na qual o profeta se encontra. Esta
expressão serve para designar uma situação onde imperam a injúria, o dano e a
opressão. Neste contexto, “o termo, provavelmente, inclui também o uso da força
(BUCK, 1971, p. 357, tradução própria).
Os termos que Habacuc utiliza em 1,3, para caracterizar a situação reinante,
em especial, o binômio ‘rapina e violência’ (
sm'Þx'w> dvoï
shod wehamas),
caracterizam uma relação de desigualdade, onde pessoas e grupos poderosos
dominam e exploram outros. ‘Rapina e violência’ o expressões que podem indicar
as conseqüências da invasão militar de um povo estrangeiro. Esses termos também
podem aludir ao jugo, à exploração, à opressão interna, que as classes dominantes
do povo de Judá impunham sobre os mais pobres da nação. Esse segundo sentido
parece ser o contexto primário que a mensagem de Habacuc descreve (SILVA,
1999, p. 34-35).
Outros autores concordam com a assertiva de que a condição de ‘rapina e
violência’ deve ser compreendida de modo concreto como estando mais relacionada
53
à opressão jurídica e econômica em Judá do que à opressão externa de alguma
grande potência mundial (SCHMIDT, 1999, p. 282; AMSLER et al., 1992, p. 173).
Outro binômio importante que caracteriza a mensagem de Habacuc aparece
em 1,4. Ali temos como protagonistas o ‘ímpio’ e o ‘justo’ (
qyDIêC;
/
[v'r"
-
rasha‘/tsaddiq), com seus respectivos papéis sociais. Quem seria o ímpio? quem
seria o justo? E o que fazer nesse contexto de ‘rapina e violência’(?) em que “a
realidade é o domínio da injustiça, o atropelo do ‘direito’, que a ‘lei’ devia garantir. Na
eterna contenda entre ‘injusto e inocente’ o culpado triunfa, o ‘honrado’ e seu ‘direito’
saem derrotados” (SCHÖKEL e DIAZ, 1987b, p. 1098, tradução própria).
A torah, que para Habacuc é principalmente deuteronômica, ficou
paralisada, bloqueada (1,4). Habacuc é deuteronomista desiludido, que teve
esperança na reforma de Josias, mas agora a sua falência. A torah e a
mispat são, no tempo de Habacuc, idênticas ao livro do Deuteronômio,
expressão da vontade e promessa de Deus. Agora, a torah está paralisada
(o verbo g significa provavelmente a paralisia dos movimentos e a perda
de força), tornada inerte e ineficaz como também o é o ‘direito’ (mispat).
(BONORA, 1993, p. 124, os itálicos pertencem ao texto original).
Habacuc sente-se turbado pelos males que assolam e prevalecem em sua
geração. Sua época é marcada pela injustiça, violência e destruição contínua. A lei
(
hr"êAT
- torah) é ignorada, o que leva o profeta a questionar impacientemente a Deus
sem que, todavia, nenhuma mudança ocorra. “Por quanto tempo Deus ignorará sua
oração e toleratais condições?” (SCHULTZ, 1976, p. 389, tradução própria). A
primeira lamentação é seguida de resposta divina que se torna o primeiro oráculo.
3.2.2.2 Primeiro Oráculo: Os Caldeus Flagelo de Deus (1,5-11)
1,5 Olhai entre os povos e contemplai, espantai-vos, admirai-vos! Porque
realizo, em vossos dias, uma obra, vós não acreditaríeis, se fosse contada.
1,6 Sim, eis que suscitarei os caldeus, esse povo cruel e impetuoso, que
percorre vastas extensões da terra para conquistar habitações que não lhe
pertencem.
1,7- Ele é terrível e temível, dele procede seu direito e sua grandeza!
1,8 Seus cavalos são mais rápidos do que panteras, mais ferozes do que
lobos da tarde. Os seus cavaleiros galopam, seus cavaleiros chegam de
longe, eles voam como a águia que se precipita para devorar.
1,9 Acorrem todos para a violência, sua face ardente é como um vento do
oriente; eles amontoam prisioneiros como areia!
1,10 – Ele zomba dos reis, príncipes são para ele motivo de riso. Ele se ri de
toda fortaleza; ele amontoa terra e a toma!
1,11 Então o vento virou e passou... É culpado aquele cuja força é seu
deus!
54
Neste bloco de versículos, observa-se as primeiras respostas divinas dadas
ao seu interlocutor. Nelas, encontramos uma breve introdução e a descrição de um
povo e de suas campanhas militares, povo esse, que se tornará, por intervenção de
Yahweh, o protagonista do cenário histórico no qual Habacuc encontra-se inserido.
A resposta inicia com um convite de Yahweh ao profeta para que ele estenda
sua visão para além dos limites locais. Dito de outro modo, “o profeta não deve ficar
apenas numa análise da situação dentro do seu próprio país. Deve abrir-se para o
cenário internacional e aí ver como Javé intervém na história, servindo-se das
nações” (BALANCIN e STORNIOLO, 1991, p. 16).
O convite em 1,5 para “olhar... contemplar... espantar... e admirar” não foi
dirigido somente ao profeta, pois, os imperativos e os pronomes pessoais
encontram-se na segunda pessoa do plural. Toda aquela geração, e aparentemente
cada geração subseqüente, é convidada a olhar cuidadosamente os acontecimentos
internacionais e observar a maneira chocante de intervenção divina (KAISER, 1992,
p. 150-151).
O desafio agora é estender o seu olhar para o panorama internacional. À
primeira pergunta: “até quando...”, Yahweh responde que, “em vossos dias”, vai
fazer uma obra extraordinária! Comumente, o uso da expressão ‘obra’ em relação a
alguma ação de Javé descreve intervenções sobrenaturais. Essa expressão é
utilizada para referir-se aos seus atos na criação, na história, e especialmente
durante o êxodo (BUCK, 1971, p. 359).
Yahweh vai trazer castigo ao seu povo servindo-se dos babilônios, uma nação
terrivelmente cruel. Os caldeus estão se aproximando. Rápidos em seu avanço, eles
espalham o terror, capturam novas terras, destroem fortalezas e destronam reis.
Deus está permitindo a esses ferozes conquistadores levarem a justiça a Judá
(SCHULTZ, 1976, p. 389).
Na relação império e povos subjugados, a violência, a falta de ‘estado de
direito’, a impotência diante do todo-poderoso invasor são uma constante. E com
uma agravante: Yahweh se diz Senhor dessa história. É a obra de Yahweh que está
sendo arquitetada pelo poder imperialista, por incrível que pareça (v.5).
Acima o profeta se dirigia a Deus em lamento, questionando com perguntas
inquietantes a sorte do injustiçado, a prepotência do soberbo, a desgraça e maldade
em marcha triunfal. O que se esperaria suceder após o lamento deveria ser uma
55
petição pela intervenção divina em seu socorro, ou que Yahweh pusesse fim ao
estado deplorável em que as coisas se encontravam na sua época.
Ao invés disso, porém, uma voz profética se faz ouvir. Como se não bastasse
o que ‘via’ e ‘observava’ ao seu redor, ele é convidado (ou será que o autor está
convidando seus leitores/as?) a integrar no seu olhar o mundo dos povos. O olhar
deve alcançar horizontes mais amplos (por exemplo, os verbos ‘ver’ e ‘enxergar’ no
v. 3 e 5). A pergunta que torturava o profeta, “até quando?”, ganha novas
dimensões. Como é esta questão no mundo dos povos? Este é um tema dos
círculos proféticos e de sua literatura.
44
Ao contrário do que se sente na oração inicial de Habacuc, de que Yahweh é
Deus passivo e indiferente frente às inquietantes injustiças, do meio profético vem a
certeza de Yahweh como Deus atuante no palco da história. Na perspectiva dos
profetas clássicos, Yahweh “é o soberano da história e usa as nações como
instrumentos para a realização do seu governo. A meta deste é o exercício da
justiça, e sempre que ela é violada Javé se serve desta ou daquela nação para punir
os culpados”. (BALANCIN e STORNIOLO, 1991, p. 18). Essa maneira de
interpretação profética da ação histórica de Yahweh, usando as nações como seu
instrumento particular de justiça pode ser constatada, por exemplo, nas palavras de
Isaías:
Ai da Assíria, vara da minha ira; ela é o bastão do meu furor posto nas suas
mãos. Contra uma nação ímpia a enviei; a respeito de um povo contra o
qual eu estava enfurecido lhe dei ordens, para que o saqueasse e o
despojasse, para que o pisasse como a lama das ruas. Mas ela não tinha
essa intenção; seu coração não se ateve a esse plano. Antes, o que estava
em seu propósito era exterminar e destruir grande número de nações. Com
efeito ela dizia: Porventura não são reis todos os meus chefes? Não
sucedeu a Calame o mesmo que a Carquemis, a Emat o mesmo que a
Arfad, à Samaria o mesmo que a Damasco? Ora, se a minha mão alcançou
os reinos dos falsos deuses, com imagens mais numerosas do que as de
Jerusalém e de Samaria, não hei de fazer a Jerusalém e às suas imagens
como fiz a Samaria e aos seus falsos deuses?” Pois bem, quando o Senhor
concluir toda a sua obra no monte Sião, e em Jerusalém, ele dará ao rei da
Assíria os castigos do fruto do seu coração arrogante e da soberba dos
seus olhos altivos. Pois disse: “Com a força das minhas mãos o fiz e com
minha sabedoria, pois agi com inteligência. Pus de lado as fronteiras dos
povos; saqueei os seus tesouros; como um forte submeti seus habitantes.
Minha mão, como em um ninho apanhou as riquezas dos povos, como se
colhem ovos abandonados, assim colhi a terra inteira: não houve ninguém
que batesse as asas, ninguém que desse um pio.” Por acaso se gloria o
machado contra aquele que o empunha? Por acaso exalta-se a serra contra
aquele que a maneja? Como se a vara pudesse manejar aquele que o
ergue, como se o bastão pudesse erguer aquilo que não é madeira! Eis por
44
Para maiores esclarecimentos sobre a relação entre os profetas e a política internacional de Israel,
veja Seubert (1992, p. 76-88).
56
que o Senhor Iahweh dos Exércitos enviará magreza à sua gordura; em
lugar da sua glória lavrará um incêndio como o incêndio provocado por fogo
(Is 10,5-16, BJ).
Como podemos observar no conteúdo da narrativa acima mencionada, o
profeta Isaías via a invasão da Assíria como uma ão dirigida por Yahweh em seu
tempo contra a política dos reinos de Israel e Judá, que mantinha a injustiça em
todos os níveis. A atuação de Yahweh na história é um agir-‘obra’ que causa
espanto. O profeta Isaías falava do agir histórico de Deus como ‘obra’, e que por
sinal não era levada a sério.
Seus banquetes se reduzem a cítaras e harpas, tamborins e flautas, e vinho
para as suas bebedeiras. Mas para os feitos de Iahweh não têm um olhar
sequer, eles não vêem a obra das suas mãos. Ai dos que se apegam à
iniqüidade, arrastando-a com as cordas da mentira, e o pecado com os
tirantes de um carro; dos que dizem: “Avie-se a ele, faça depressa a sua
obra, para que a vejamos; apareça, realize-se o conselho do Santo de
Israel, para que o conheçamos (Is 5, 12,19, BJ).
Outra vez, Isaías parece duvidar de que Yahweh pudesse interferir, porque é
um ‘agir estranho’, de um Deus que se volta contra o seu povo. “Certamente, Iahweh
se erguerá como no monte Farasim, inflamar-se-á como no vale de Gabaon, a fim de
realizar a sua obra, a sua obra estranha, a fim de executar a sua tarefa insólita” (Is
28,21, BJ). Também o agir anunciado em Habacuc 1,6-11 não deverá despertar a
pronta aceitação. Deus está por detrás do poder destruidor desse povo amargo
chamado de ‘os caldeus’. Eles foram suscitados por Deus, mas com que objetivo?
Em anúncios similares, o alvo das incursões encomendadas por Yahweh a
alguma nação estrangeira sempre é explicitado. Por exemplo, em Amós 6,14, a
“casa de Israel” deverá ser atingida; em Isaías 13,17, os medos são chamados para
destruir os babilônios.
Ao menos nos v. 5-7 de Habacuc, nada se dos destinatários desta ação
dos caldeus. O interesse é destacar o desempenho bélico dos invasores e denunciar
os excessos por eles praticados. A terra em sua extensão é tomada (v. 6).
Isaías falava dos exércitos assírios que tomariam a extensão da terra de Judá
(Is 8,8 – os verbos estão no futuro!). Os profetas, portanto,
[...] articulavam uma análise da situação nacional dentro de um esquema
mais amplo, onde a conjuntura internacional tinha grande influência,
provocando transformações profundas. É o que podemos ver no texto de
Habacuc. Ele está refletindo a concepção profética tradicional sobre a
história e os movimentos das nações. Essa concepção incluía também a
idéia de julgamento para as nações que serviam de instrumento para Deus
corrigir o seu povo: se essas nações ultrapassassem o seu papel de
instrumento, também elas seriam objeto de castigo, o qual seria executado
por uma outra nação. É o que poderíamos chamar de dialética entre justiça
57
versus injustiça, articulando o governo de Javé (BALANCIN e STORNIOLO,
1991, p. 18).
Em Habacuc, os babilônios são apresentados com uma ambição maior,
quando comparada à ambição dos assírios: seu alvo é o mundo todo (v. 6b).
A cavalaria do invasor é descrita em sua eficiência (v. 8a) para tomar de
surpresa novos alvos. A avidez dos babilônios é destacada através da figura da
águia que se precipita sobre sua presa para devorá-la (v. 8b). Esta comparação “não
somente descreve a velocidade dos caldeus como, também, a avidez com que se
precipitam sobre suas vítimas para despojá-las” (BUCK, 1971, p. 360, tradução
própria).
Ironicamente, o invasor, chamado por Yahweh, justamente vem para praticar
a mesma violência inaceitável (v. 9a), conforme o lamento introdutório (v. 2-4). Seu
caráter de opressor insaciável, “reunindo prisioneiros como areia” (v. 9b), faz parte
de seu perfil. “Reis e príncipes”, merecedores de respeito em todo o Antigo Oriente,
são tratados com desprezível arrogância (v. 10). O invasor não recua diante de
nada. Nem mesmo cidades fortificadas poderão detê-lo (v. 10b). Qual furacão, assim
é o efeito que o invasor deixa por onde passa.
Depois da conquista os caldeus, como antes os assírios, estabelecem um
governo local seu, no qual se obriga a pagar tributos; logo se viram e vão
tão repentinamente como o vento muda de direção. Por causa de seus
êxitos, o caldeu se orgulha e crê que sua força é também sua única e
suprema norma, isto é, seu deus (BUCK, 1971, p. 360, tradução própria).
O tom acusador que aparecera nas entrelinhas está condensado na
denúncia final: “É culpado aquele cuja força é seu deus” (v.11). Estas palavras
marcam o ponto alto dessa descrição. Ao afirmar que o deus deles é a sua força,
Habacuc descreve a concepção dessa potência imperialista que se autodiviniza e
cultua à sua própria força, tornando-se absoluta, fechando-se em si mesma e
fechando tudo o mais sob a sua garra violenta (BALANCIN e STORNILO, 1991, p.
17). Todavia, o julgamento divino foi realizado e a sentença foi promulgada: “É
culpado...”
Habacuc não se cala diante da revelação de juízo decretada por Yahweh
contra o seu povo. Ao contrário, essa revelação suscita uma nova lamentação do
profeta.
58
3.2.2.3 Segunda Lamentação do Profeta: As Extorsões do Opressor (1,12-17)
1,12 Não és tu, Iahweh, desde o início o meu Deus, o meu santo que não
morre? Iahweh, tu o estabeleceste para exercer o direito, ó Rochedo, tu o
constituíste para castigar!
1,13 Teus olhos são puros demais para ver o mal, tu não podes
contemplar a opressão. Por que contemplas os traidores, silencias quando
um ímpio devora alguém mais justo do que ele?
1,14 Tu tratas o homem como os peixes do mar, como répteis que não
têm chefe!
1,15 – Ele os tira a todos com o anzol, puxa-os com a sua rede e os recolhe
em sua nassa; por isso ele ri e se alegra!
1,16 Por isso ele oferece sacrifícios à sua rede, incenso à sua nassa; pois
por causa delas a sua porção foi abundante e o seu alimento copioso.
1,17 Esvaziará ele, sem cessar, a sua rede, massacrando os povos sem
piedade?
As primeiras respostas divinas dadas ao profeta Habacuc suscitam nele
novos questionamentos. O v. 2 começa com um brado de Habacuc: “Não és tu,
Iahweh, desde o início o meu Deus, o meu santo que não morre?” No hebraico, a
partícula interrogativa que inicia o v. 2 está relacionada com os lamentos nos v. 2 e 3
“ Aquando... ? Por que...?”. Nesses versos Habacuc expressou impaciência. Aqui,
ele manifesta alguma perplexidade por causa da súbita mudança dos eventos.
Todavia, em todos os seus lamentos seu ponto de partida nos momentos de
desespero é clamar pelo nome e caráter de Yahweh. Ele sempre existiu e sempre
teve o tempo e o espaço sob seu controle porque ele criou a ambos. É reconfortante
saber que Yahweh tem controle absoluto da história. Sendo assim, Habacuc
continua sua confissão pessoal de nele. O profeta repetidamente chama Yahweh
de “o meu Deus, o meu Santo” (KAISER, 1992, p. 156-157).
Contudo, sua confiança em Yahweh o impede que novos questionamentos
surjam. Como pode um Deus justo e santo permitir que um povo mais ímpio que seu
povo seja instrumento de justiça contra Judá? Em outras palavras, onde ficam a
justiça e a santidade de Deus? O silêncio de Deus que era incompreensível num
primeiro momento, em que o ímpio oprimia o justo em Judá, agora se torna
escandaloso para Habacuc. O impasse permanece e acentua-se mais ainda, depois
das primeiras respostas. “A situação se concentra de novo em seu teorema básico: a
relação entre o culpado e o inocente, injusto e justo” (SCHÖKEL e DIAZ, 1987b, p.
1101, tradução própria).
A imagem da pesca é utilizada, nos v. 14-16, para aludir à soberania e à
providência de Yahweh que sujeita a si todas as coisas e todos os acontecimentos
59
relacionados à história da humanidade. Os profetas usam a imagem da pesca em
paralelismo com a imagem da caça com laço para indicar castigo. Os termos e as
imagens usadas por Habacuc na narrativa descrevem com traços vigorosos a
invasão dos caldeus que ‘pesca’ os povos como peixes indefesos. “Como o
pescador, assim o caldeu se alegra por seus êxitos: subjuga as nações, se apodera
de tudo sem escrúpulo; apenas encontra resistência e tem plena liberdade para a
pilhagem” (BUCK, 1971, p. 362, tradução própria).
Habacuc não compreende o modus operandi divino, que inflige a Israel um
castigo, certamente bem merecido, mas usando um povo ainda mais ímpio do que
ele. Isso seria indicação de que Yahweh é incapaz de encontrar um instrumento que
se adapte aos seus desígnios? Se esse princípio se estabelece como um novo
paradigma:
Chega-se a uma cadeia sem fim, na qual um novo culpado poderá ser
castigado por alguém mais ímpio do que ele. O impasse permanece. Apesar
do jogo das perguntas e respostas, apesar da pressão do profeta sobre
Deus para obter alguma luz, nenhuma solução aparece. O texto de
Habacuc não traz nenhuma resposta (AMSLER et al., 1992, p. 178).
A partir da resposta escandalosa de Yahweh aos dilemas apresentados pelo
profeta na primeira lamentação, e mediante a declaração de e os novos
questionamentos que Habacuc lança perante a face de Yahweh, a próxima atitude
de Habacuc é esperar uma resposta da parte do Senhor, resposta que não vem a
ele de imediato.
É preciso ficar atento, aguardar ansiosamente para ver o que Yahweh dirá e
como responderá às queixas do profeta. O primeiro bloco de queixas que Habacuc
lançou diante do Senhor foi imediatamente acompanhado de uma resposta divina (v.
1-5). O segundo bloco, ao contrário, foi seguido por uma pausa (2,1), que ocasionou
o segundo oráculo.
3.2.2.4 Segundo Oráculo: O Justo Viverá por sua Fidelidade (2,1-4)
2,1 Ficarei de em meu posto de guarda, me colocarei sobre minha
muralha e espreitar para ver o que ele me dirá e o que responderá à minha
queixa.
2,2 Então Iahweh respondeu-me, dizendo: “Escreve a visão, grava-a
claramente sobre tábuas, para que se possa ler facilmente.
2,3 Porque é ainda visão para tempo determinado; ela aspira por seu
tempo e não engana; se ela tarda, espera-a, porque certamente virá, não
falhará!
2,4 Eis inflada de orgulho aquele cuja alma não é reta, mas o justo viverá
por sua fidelidade”.
60
O próximo passo dado pelo profeta depois da enigmática resposta divina é
colocar-se na condição de sentinela e aguardar uma nova resposta à sua segunda
leva de questionamentos. O profeta não tem dúvidas de que Yahweh escutou sua
lamentação. A longa espera por resposta à sua oração, em forma de queixa, foi
coroada por êxito. A resposta de Yahweh veio de forma surpreendente através de
uma visão. Esta mensagem abrirá uma nova etapa de expectação e esperança. A
resposta divina deverá ser registrada. O cumprimento da visão ocorrerá não de
forma imediata, mas no tempo determinado. “Escrever o oráculo terá valor jurídico
(compare com Is 18,4ss). A escritura deve ser clara e duradoura, a fim de que não
haja dificuldades para decifrá-la” (SCHÖKEL e DIAZ, 1987b, p. 1101, tradução
própria).
A ordem que Habacuc recebeu para escrever em tabuinhas de pedra ou
madeira a visão recebida da parte de Yahweh foi dada também a outros profetas no
Antigo Testamento. Em Isaías 8,1 (BJ) temos a seguinte narrativa: “Iahweh me
disse: Toma uma tabuinha de bom tamanho e nela escreve com estilete comum:
para Maer-Salal Has-Baz”. Em Ezequiel 37,16 (BJ) encontramos o seguinte relato:
“E tu, filho do homem, toma uma acha de lenha e escreve nela: “Judá e os israelitas
que estão com ele”. Em seguida tomarás outra acha de lenha e escreverás sobre
ela: “José (acha de Efraim) e toda a casa de Israel que está com ele””. A visão que
deve ser registrada em tabuinhas, no contexto do profeta Habacuc, compreende “o
decretado por Deus e contemplado pelo profeta” (BUCK, 1971, p. 363, tradução
própria).
A ordem para registrar a visão em tabuinhas é uma demonstração do
empenho de Yahweh no sentido de realizar a obra ali descrita. Elas deverão servir
de testemunho e ao mesmo tempo deverão apelar à calma, à paciência e à
confiança no Senhor que vela pela sua palavra para cumpri-la (AMSLER et al., 1992,
p. 174).
A visão não se realizará imediatamente. Ao contrário, seu cumprimento se
dará num tempo futuro fixado e conhecido apenas por Yahweh. O documento
escrito, comprometendo a fidelidade de Yahweh, servirá de sustento para aqueles
que esperam o cumprimento da promessa divina (BUCK, 1971, p. 364).
61
O segundo oráculo enuncia o princípio a partir do qual o justo
45
é desafiado a
viver por sua fidelidade. A forma em que se encontra estruturado o v. 4 é enigmática
e sua tradução é uma das tarefas mais difíceis encontradas no livro de Habacuc.
Uma proposta de tradução desse verso seria: “Inchada, não reta é nele sua
garganta/alma, enquanto que o justo por sua fidelidade viverá” (SCHÖKEL e DIAZ,
1987b, p. 1101, tradução própria).
No v. 4 de Habacuc, podemos notar que a resposta de Yahweh é uma
sentença de julgamento que traz, respectivamente, a condenação e a salvação. Na
primeira parte da resposta:
Ele condena o injusto, que Habacuc constatava ser o sujeito histórico mais
importante e mais influente, tanto na situação interna, como externa. Era o
injusto que determinava a forma da sociedade e dirigia os rumos da história,
segundo seus caprichos e interesses, a ponto de determinar o que era certo
ou errado, mesmo que as coisas fossem o contrário. Nesse mundo
governado pelo injusto não havia qualquer modo com que o povo pudesse
fazer valer seus direitos ou interesses. A resposta de Deus a Habacuc “vira
a mesa”. O injusto vai perecer vitimado por suas próprias manobras [...]
(BALANCIN e STORNIOLO, 1991, p. 24).
Diferente da primeira parte, a segunda parte do v. 4 é clara e sem problemas
quanto ao entendimento. O texto hebraico afirma que “o justo viverá por sua
fidelidade”.
46
Analiticamente, o sufixo “sua” ou “dele” na palavra ’emunah (
hn"Wma/
)
refere-se ao justo. É um conteúdo positivo em relação ao justo. Sua ação concreta é
ressaltada. Espera-se do justo um ‘agir’, um comportamento que esteja de acordo
com a justiça delineada na lei de Yahweh (PORATH, 2003, p. 286).
O texto grego da Septuaginta apresenta uma variação interessante.
47
De
acordo com essa variante, o texto deveria ser lido: “o justo viverá a partir da em
mim”. Nesse caso, o sufixo grego “minha” não se refere mais ao justo, mas a Deus.
Há uma sensível mudança de perspectiva. A vida prometida, nesse caso, não estaria
vinculada primariamente ao agir do justo, mas à graça de Deus através da fé nele.
48
Como, todavia, o texto hebraico é claro em si mesmo, e o apresenta
problemas nesse particular, preferimos reter o conteúdo básico extraído a partir da
45
Para uma discussão aprofundada sobre o perfil e papel do justo, ver o item 4.4 – Justiça e Injustiça
Social : Habacuc e o Profetismo, no próximo capítulo.
46
Em hebraico:
Atðn"Wma/B
,
(be’emûnatô) “na fé dele”.
47
A Septuaginta traduz o substantivo
Atðn"Wma/B
,
(be’emûnatô) “na fé dele ou pela dele”, por
evk
pi,stew,j mou
(ek pisteôs mou)a partir da minha fé” (BHS, 1990, p. 1051).
48
Uma análise crítica profunda dessa linha de interpretação pode ser encontrada em Moura (2001).
62
leitura do texto hebraico, ou seja, a mensagem de que “o justo viverá por sua
fidelidade”.
Após a análise semântica da estrutura do v. 4 e a comparação deste com o
seu respectivo contexto, Schökel e Diaz (1987b, p. 1102) chegaram à seguinte
paráfrase textual: “Há um homem movido pela cobiça e ambição, que se incha com
sua arrogância e com seus resultados ou com seus êxitos; todavia, não triunfará
que não é reto. um homem oposto ao anterior, justo e inocente, que não recorre
à força porque confia em Deus, e por isso ele salvará a sua vida” (tradução própria).
Segundo esses autores, a maneira na qual o restante do texto se encontra
estruturado (os ais! que apontam para a derrocada do arrogante e o hino final que
expressa a confiança na providência de Yahweh), amplia e estende esse princípio.
Bonora também está de acordo com a conclusão proposta por Schökel e
Diaz. A esse respeito, ele afirma que:
Nos cinco terríveis ‘ais’ (2,6b-19) é anunciada a ruína do arrogante; no
salmo final, ao contrário, é cantada a vitória do justo. O profeta está
convencido de que, mesmo que na história um opressor se livre de outro
impondo em seguida seu jugo opressor, no fim os justos que confiam em
Deus terão vitória. Deus, efetivamente, é aquele que, no fim, imporá a sua
suprema justiça, exercitará a sua insondável salvação na história humana
(BONORA, 1993, p. 127).
De modo concreto, o princípio que reza que “o justo viverá por sua fidelidade”
é de aplicação ambígua e pouco funcional. O autor não aponta claramente quais são
as ações concretas que demonstram a fidelidade do justo. Como fizemos alusão
anteriormente, o termo emunah (
hn"Wma/
), fidelidade, pode ser traduzido também,
por firmeza e constância, e quase sempre é empregado nas Escrituras em relação a
Deus, apontando a dependência que todas as coisas têm dele, ou descrevendo um
de seus atributos, ou suas obras divinas e suas palavras. Todavia, o vocábulo é
utilizado também para referir-se àqueles com quem Deus se relaciona, e de quem
ele espera fidelidade. ’Emunah (
hn"Wma/
), “compreende a aceitação das afirmações
divinas junto com a segurança que emana delas e a fiel perseverança no
cumprimento das divinas exigências. Parece preferível, por isso, o termo hebraico,
não por “fé”, ao contrário, seria melhor traduzi-lo por “fidelidade”” (BUCK, 1971, p.
365, tradução própria).
A partir das possibilidades de aplicação do substantivo
emunah (
hn"Wma/
), no
Antigo Testamento, pode-se extrair daí “o conceito de se confiar uma
63
responsabilidade a um fiel que se torna encarregado (HARRIS, 1998, p. 86) de
desempenhar de forma concreta a obra a ele confiada. No caso de Habacuc, ao
justo é confiada a responsabilidade de esperar e, ao mesmo tempo, promover a
justiça divina através da denúncia profética.
Não encontramos nas respostas divinas uma explicação clara para o
paradoxo entre a justiça divina e sua aparente impassibilidade diante das injustiças
humanas, mas podemos notar, a partir da atitude assumida por Habacuc no capítulo
3, uma disposição de confiança na justiça e intervenção de Yahweh mesmo que
humanamente falando, suas ações sejam incompreensíveis. Todavia, antes dessa
declaração de na intervenção de Yahweh, o profeta anuncia uma série de
maldições contra o opressor.
3.2.3 MALDIÇÕES CONTRA O OPRESSOR
Como desdobramento da nova revelação de que o ímpio está condenado
por causa de suas más ações, o profeta anuncia uma série de maldições que
advirão sobre ele.
3.2.3.1 Prelúdio (2,5-6a)
2,5 Verdadeiramente a riqueza engana! Um homem arrogante não
permanecerá, ainda que escancare suas fauces como o Xeol, e, como a
morte seja insaciável; ainda que reúna para si todas as nações e congregue
ao seu redor todos os povos!
2,6a Não entoarão, todos eles, uma sátira contra ele? Não dirigirão
epigramas a ele?
Neste novo bloco, encontramos em continuidade ao v. 4, a descrição da
condição em que se encontra o arrogante, possivelmente uma alusão direta à
babilônia, mas que de forma implícita pode ser aplicada à nação como um todo. É
bom lembrar que o ponto de partida de toda narrativa profética é a situação de
violência interna descrita em 1,2-4. A proposta divina de usar os caldeus como
instrumento de disciplina para Judá o passa, na perspectiva do profeta, de uma
nova manifestação da injustiça (v. 9). Sendo assim, pode-se afirmar que, na prática,
existem:
Duas violências, e não mais apenas aquela intestina e inicial, das quais o
profeta busca propor como safar-se. E a solução reside fundamentalmente
na própria fraqueza do ímpio (2,4a-5), e de modo igualmente relevante e
64
decisivo, na força que ainda se-lhe é somada, o justo oprimido mediante sua
constância, fidelidade (2,4b). Desse modo, Habacuc verbera toda violência
seja a promovida pelo agente interno seja a que provém do externo (SILVA,
1999, p. 113, o itálico pertence ao texto original).
O opressor, enganado por sua cobiça insaciável, não pode dominar sua
sede de poder, de novas conquistas. Ainda que aparentemente o ímpio prospere em
seus feitos, sua ruína é certa. Sua desgraça trará gozo e alegria àqueles que foram
oprimidos e explorados por ele. O tirano insaciável não pode durar. Ao contrário, sua
postura opressiva prepara sua própria destruição. O profeta declara que quando
chegar a hora da revanche, “os povos oprimidos se levantarão contra ele entoando
sátiras e zombarias” (BUCK, 1971, p. 365, tradução própria).
Imediatamente o autor narra uma série de ‘ais’ que denunciam as práticas
violentas do opressor, e as conseqüências que advirão a ele. Sobre esse gênero de
escrita utilizado pelo profeta vale enfatizar que:
O ai! É um gênero literário, cujo Sitz im Leben natural e primeiro, é o
ambiente fúnebre. Serve, por definição, para se chorar um morto. [...] O ai!,
porém, geralmente é usado numa perspectiva que o desloca de seu
contexto vital natural e primeiro. De fato, também Habacuc os profere contra
um morto-vivo, contra o ímpio, alguém vivo e atuante, e até em plena
vitalidade. Mas diante do destino iminente que o aguarda, para o profeta, e
que assim seja igualmente para seus ouvintes ou leitores, já não passa de
morto. Alguém que, em contraposição ao justo que viverá”, já “se
decompôs”, alguém que não terá sobrevivência (SILVA, 1999, p. 110-111,
os itálicos pertencem ao texto original).
3.2.3.2 As Cinco Imprecações (2,6b-20)
Os cinco ais! a seguir, descrevem de forma vívida o destino final que Yahweh
reservou para o ímpio.
3.2.3.2.1 A primeira imprecação (2,6b-8)
2,6b – Eles dirão: Ai daquele que acumula o que não é seu, (até quando?) e
se encarrega de penhores!
2,7 Não se levantarão, de repente, os teus credores, não despertarão os
teus exatores? Tu serás a sua presa.
2,8 Porque saqueaste numerosas nações, tudo o que resta dos povos te
saqueará, por causa do sangue humano, pela violência feita à terra, à
cidade e a todos os seus habitantes!
O primeiro ‘ai’, anunciado pelo profeta, faz alusão ao crime da apropriação
indevida de bens alheios e à pesada penhora sobre esses referidos bens. Os
caldeus e, com toda segurança, os judaítas são os protagonistas desta cena
(SCHWANTES, 2007, p. 48). O verbo acumular, em 6b, descreve a cobiça insaciável
65
dos caldeus. O v. 7 afirma que haverá uma reversão na situação existente. Os
caldeus, os que até agora haviam se apoderado dos bens dos outros povos, se
transformarão em seus devedores e “os povos espoliados se levantarão como
credores, exigindo restituição total” (BUCK, 1971, p. 366, tradução própria).
No v. 8 temos novamente uma alusão à “violência (
sm'Þx
- hamas) contra a
terra, a cidade e todos os moradores dela”. Esse termo descreve uma situação onde
imperam a injúria, o dano, a opressão e inclui também o uso da força para subjugar
o outro (BUCK, 1971, p. 357).
O juízo de Yahweh virá sobre essas grandes nações opressoras, a Babilônia
e Judá. O modo como ele retribuirá aos caldeus por suas maldades, é paradigmático
para a compreensão da maneira pela qual ele julgará e retribuirá seu povo. Uma vez
que caldeus e judaítas “se equiparam nas ações, cabe então a ambos os ímpios o
mesmo destino: merecem, em igual medida, os ais!(SILVA, 1999, p. 113, o itálico
pertence ao texto original). Em suma, a leitura do primeiro “ai!” leva-nos inferir a
seguinte assertiva:
O justo denuncia os crimes mais fundamentais do injusto: roubo dos bens
para acumular riquezas, extorsão para ajuntar penhores e, em nível
internacional, o saque que as grandes potências praticam sobre as outras
nações e, como crime mais grave, a violência sanguinária contra as vidas
humanas. Em poucas palavras, o justo descobre e põe às claras a sede de
poder e riquezas que domina os poderosos, que não temem fazer vítimas, a
fim de satisfazer sua cobiça e ambição. Como se processará esse
julgamento? Habacuc dá uma pista: os credores e cobradores e o que
restou dos povos saqueados voltarão contra o opressor devolvendo-lhe
exatamente o que fizera (BALANCIN e STORNIOLO, 1991, p. 31).
O próximo ai! denunciará crimes vinculados a ganhos injustos e sua
respectiva condenação.
3.2.3.2.2 A segunda imprecação (2,9-11)
2,9 Ai daqueles que ajunta ganhos injustos para a sua casa, para colocar
bem alto o seu ninho, para escapar à mão da desgraça!
2,10 Decidiste a vergonha para a tua casa: destruindo muitas nações,
pecaste contra ti mesmo.
2,11 Sim, da parede a pedra gritará, e do madeiramento as vigas
responderão.
No segundo ‘ai’, o profeta denuncia a prática ilícita dos “ganhos injustos” e
aponta as conseqüências de tal prática, a saber, destruição dos bens e ruína da
66
família do ímpio. É necessário atentarmos para a dupla aplicação (Judá-Babilônia)
dessa palavra profética. Nesta maldição, os acusados são os poderosos de
Jerusalém, que exploram os mais fracos. A palavra hebraica que traduz “ganhos
injustos” aponta para a prática de extorsão dos governantes ou da elite da cidade
contra as populações campesinas (Jr 22,13; Ez 22,27). É saque, despojo, é tributo
que se arranca de pessoas que não têm condições de resistir.
Aqui, na denúncia profética “condena-se a busca de interesse perverso, e
mediante violência, em próprio favor (“para sua casa”), visando com isso proteger-se
exatamente contra o mal (v.9)” (SILVA, 1999, p. 116, o itálico pertence ao texto
original). A casa, isto é, todo o império caldeu, também foi edificado com meios
desonestos e injustos. A destruição proferida contra esse império é apresentada
como conseqüência de sua atividade política. Como os assírios, também os caldeus
foram destinados para serem instrumentos do juízo divino, contudo, eles foram além
daquilo que lhes havia sido ordenado, por isso, Yahweh haveria de destruí-los
(BUCK, 1971, p. 367).
[...] esse clamar-responder das partes (“pedra de parede” e trave de
vigamento”) entendo-os como sendo o ruir da casa ou ninho do ímpio sobre
ele mesmo. O clamor de uma das partes (“pedra de parede”) e a resposta
ou correspondência da outra (“trave de vigamento”) são o desabar da casa.
Todo o esforço (“avidez”) do ímpio, de construir para si uma casa ou ninho
que lhe garanta segurança, resulta em vão. Pois reside no ímpio, no que ele
faz, o princípio de sua auto-corrosão ou aniquilamento (cf. 2,4a) (SILVA,
1999, p. 118, os itálicos pertencem ao texto original).
A tentativa de praticar o mal para livrar-se da ‘desgraça’, isto é, fiar-se na
prática da injustiça como refúgio seguro, acarretaria a vergonha e a destruição do
ímpio. O próximo ai! será uma denúncia aberta contra a violência.
3.2.3.2.3 A terceira imprecação (2,12-14)
2,12 Ai daquele que constrói uma cidade com sangue e funda uma capital
na injustiça!
2,13 Isto não vem de Iahweh dos Exércitos; que os povos trabalhem para
o fogo e que as nações se esgotem para o nada;
2,14 porque a terra ficará repleta do conhecimento da glória de Iahweh,
como as águas recobrem o mar!
Esta terceira imprecação é dirigida contra o uso da violência. Há vários textos
paralelos na literatura profética, o que tem levado alguns pesquisadores a
defenderem a idéia de que “um escriba posterior, que compilava textos
67
conhecidos, acrescentou esta parte” (BUCK, 1971, p. 368, tradução própria) à
mensagem profética de Habacuc.
A denúncia profética é direcionada às cidades, em especial, à capital. Por
terem sido construídas com sangue e crime, elas serão destruídas. As acusações
contra a cidade devem ser compreendidas a partir do conflito entre a cidade e o
campo, onde “a cidade explora e, ao mesmo tempo, oprime os camponeses”
(BALANCIN e STORNIOLO, 1991, p. 32).
A crítica básica é direcionada contra a fortificação da capital Jerusalém
através do desumano recurso da prática da corvéia. No livro do profeta Jeremias,
encontramos o seguinte paralelismo com a mensagem de Habacuc: “Assim disse
Iahweh dos Exércitos: a larga muralha da Babilônia será completamente arrasada e
atearão fogo em suas altas portas. Assim em vão penam os povos e as nações se
cansam para o fogo” (Jr 51,58, BJ). A reinterpretação e o uso que Habacuc faz, nos
v. 13-14, do texto citado, Jr 51,58, inclui também os babilônios nesse ai!.
O profeta Miquéias, também, falou sobre a situação interna de Judá e
vaticinou:
Ouvi, pois, isto, chefes da casa de Jacó e dirigentes da casa de Israel, vós
que execrais a justiça, que torceis o que é direito, vós que edificais Sião
com sangue e Jerusalém com injustiça! Seus chefes julgam por suborno,
seus sacerdotes decidem por salário e seus profetas vaticinam por dinheiro.
E eles se apóiam em Iahweh dizendo: Não está Iahweh em nosso meio?
Não virá sobre nós a desgraça”. Por isso, por culpa vossa, Sião será arada
como um campo, Jerusalém se tornará lugar de ruínas, e a montanha do
Templo, cerro de brenhas (Mq 3,9-12, BJ).
O terceiro ‘ai’, no conjunto deles, ocupa posição central. O crime denunciado
neste bloco alude à política de construções a preço de sangue e de injustiças, “às
custas da vida de súditos ou subjugados” (SILVA, 1999, p. 120). A denúncia
profética é contra toda ‘exploração e usurpação da força de trabalho’ que as classes
dominantes impõem sobre seus súditos.
E não menos significativo é ainda o fato de aqui, na centralidade dos ais! se
verberar exatamente um crime que, pelo testemunho da própria história, tem
sido facilmente constatável por toda a parte. Numa análise crítica, é
considerado comum e central, ou mesmo, como distintivo de todo poder que
se fundamenta na força bruta e na violenta. Ou seja, sob múltiplos matizes,
a exploração ou usurpação da força de trabalho caracterizam as ações
daqueles que se sobrepõem à força sobre seus semelhantes (SILVA, 1999,
p. 123, os itálicos pertencem ao texto original).
O triunfo de Yahweh sobre essa situação caótica é descrito de forma
magistral usando quase que literalmente as palavras do profeta Isaías, que
vaticinou: “Ninguém fará o mal nem destruição nenhuma em todo o meu santo
68
monte, porque a terra ficará cheia do conhecimento de Iahweh, como as águas
recobrem o mar” (Is 11,9, BJ). Para a vida do justo, isso significa um discernimento
de que a busca da segurança pelo poder e pela fortaleza e às custas da injustiça,
em termos de tempo maior, é esforço em vão. É trabalhar para o fogo.
O próximo ai! denunciará, entre outras coisas, a prática do consumo
excessivo das elites em contraste claro com a exploração da grande maioria
desprivilegiada.
3.2.3.2.4 A quarta imprecação (2,15-17)
2,15 Ai daquele que faz beber seu vizinho! Tu misturas seu veneno até
embriagá-lo, para ver a sua nudez!
2,16 – Tu te saciaste de ignomínia e não de glória! Bebe pois, tu também, e
mostra o teu prepúcio! Volta-se contra ti a taça da direita de Iahweh, e a
infâmia cobrirá a tua glória!
2,17 – Porque a violência contra o Líbano te cobrirá, e a matança de
animais te causará terror, por causa do sangue humano, pela violência feita
à terra, à cidade e a todos os seus habitantes!
À primeira vista, é difícil determinar do que trata o quarto ‘ai’. Na denúncia
principal, a questão em foco é o fazer “beber” seu vizinho. A questão do “beber”
foi, por inúmeras vezes, objeto de apreciação profética. “Beber” é símbolo para
consumo excessivo, o que pode ser notado numa palavra de Amós contra as “vacas
de Basã”, quando estas damas da alta sociedade dizem ao seu senhor: “Faze entrar
a fim de que nós bebamos” (Am 4,1; 6,4-6, BJ). O consumo excessivo é lascívia às
custas de outrem. Assim a Bíblia costuma julgar a questão.
Aqui, na mensagem profética de Habacuc, o tema do consumo excessivo vem
à tona. A denúncia muito provavelmente enfoca a elite governante da cidade. Mas o
problema vai mais longe. Além do consumo em si, a acusação de que o “vizinho”
está sendo seduzido a tornar-se cúmplice de tal prática com a finalidade induzi-lo à
alienação através do consumo, para aí tê-lo em sua mão, para “ver suas vergonhas”.
Isso pode significar despojar o próximo, ou o povo, de seus valores e de sua
dignidade. O ímpio tem prazer na humilhação dos povos conquistados. O termo
hebraico usado para referir-se à nudez pode significar humilhação ou dura privação.
Uma das armas mais terríveis do opressor consiste nos mecanismos de
alienação, que mantêm o povo “embriagado” e “fora de si”. Isso se verifica a
nível de grupo humano, onde a classe privilegiada impõe seus interesses e
valores como absolutos, despojando o povo de seus valores e dignidade
(“nudez”). Também é observável no nível internacional, onde as grandes
potências ditam as normas político-econômicas, que dirigem todo o modo
de viver das nações por elas submetidas (BALANCIN e STORNIOLO, 1991,
p. 32-33).
69
Os caldeus se vêem não mais como instrumentos do juízo divino, mas, como
divindade que “dispõe das nações e pode decretar sua ruína e desaparição” (BUCK,
1971, p. 369, tradução própria). Os caldeus ao verem os demais povos humilhados e
reduzidos a total impotência se gloriam. Porém, o profeta certo de que o ímpio
será destruído por sua perversidade, declara a sentença final como se estivesse
cumprida: “Volta-se contra ti a taça da direita de Iahweh, e a infâmia cobrirá a tua
glória!” (v.16c).
O caldeu tem que beber da “taça do Senhor”, isto é, será castigado por
Deus e reduzido a um estado de nudez, um estado especialmente
humilhante para os caldeus incircuncisos. Assim, a glória, ou seja, o
orgulho, a fama e a distinção dos caldeus, se converterá em infâmia, ou
seja, degradação, vergonha e ignomínia (BUCK, 1971, p. 369, tradução
própria).
A violência contra o Líbano e contra os animais (v. 17) pode ser uma alusão
às práticas dos babilônios por ocasião da queda de Jerusalém em 598 e 587 a.C.
Era prática entre os invasores mesopotâmios, tanto os assírios quanto os babilônios,
devastar a agricultura dos povos dominados (especialmente plantações de oliveiras
e vinhedos), matar os animais, e desmatar os bosques a fim de usá-los em suas
próprias construções (Is 37,24;14,8).
O último ai! denuncia a prática da idolatria como pecado grave, e aponta para
o triunfo de Yahweh sobre todos os ídolos.
3.2.3.2.5 A quinta imprecação (2,18-20)
2,19 Ai daquele que diz à madeira: “Desperta!” à pedra silenciosa:
“Acorda!Ei-lo revestido de ouro e prata, mas não sopro de vida em seu
seio. [sic.]
2,18 De que serve uma escultura para que seu artista a esculpe? Um
ídolo de metal, um mestre de mentira, para que nele confie o seu artista,
construindo ídolos mudos?
2,20 Mas Iahweh está em seu Santuário sagrado: Silêncio em sua
presença, terra inteira!
No quinto ‘ai’, o profeta Habacuc discorre sobre o problema da idolatria.
Idolatria pode ser definida como sendo:
Tudo aquilo o que o homem produz e que é apresentado como absoluto,
mas produz escravidão e morte. Isso porque os ídolos escondem atrás
de si pessoas que se servem deles para manipular as outras, sugando-lhes
a liberdade e a vida, ao passo que o verdadeiro Deus produz e promove a
liberdade e a vida (BALANCIN e STORNIOLO, 1991, p. 33).
70
Da forma como o texto se apresenta, o v. 18 não inicia bem um ‘ai’. Vários
autores crêem que a ordem desses versos está deslocada por causa da maneira
com que os outros protestos foram estruturados. Segundo eles, a ordem deveria ser
v. 19-18 (como aparece no exemplo acima da BJ). Essa idéia está fundamentada na
constatação de que todos os protestos anteriormente vaticinados, começaram com
um desalentador “ai”. Apesar disso, o Texto Massorético, a Septuaginta e o
comentário de Habacuc encontrado em Qunram conservam a ordem numérica dos
versículos (v.18-19) (BUCK, 1971, p. 370).
A problemática da idolatria, isto é, a prática de adorar imagens e esculturas e
nelas depositar a sua e confiança acompanha a história do povo de Israel desde
suas origens (Ex 32; 20,4-5; Dt 5,8-9). Vários profetas denunciaram essa prática
religiosa da elite e do povo em geral.
O profeta Jeremias condenou os príncipes, sacerdotes e profetas que diziam
“ao pau: “Tu és meu pai!”. E à pedra: “Tu me geraste”” (2,27, BJ). Contra a prática
popular da idolatria, Jeremias também protestou:
Sim, os costumes dos povos são vaidade, apenas madeira cortada da
floresta, obra da mão de um artista com um cinzel. Eles a enfeitam com
prata e ouro. Com pregos e com martelos a firmam, para que não balance.
São espantalho em campo de pepinos. Não podem falar; devem ser
carregados, porque não podem caminhar! Não tenhais medo deles, porque
não podem fazer o mal e nem o bem tampoco. Prata batida, importada de
Társis e ouro de Ofir, a obra de escultor e das mãos de ourives; sua veste é
púrpura violeta e escarlate tudo obra de mestres (Jr 10,3-5.9, BJ).
As denúncias de Jeremias mostram que os sacerdotes e também os profetas
do templo incentivavam a idolatria e que o povo se deixava levar por seus maus
exemplos. Como os ídolos não exigem justiça, e assistem mudos ou se prestam ao
jogo da mentira e da dominação, eles são usados como instrumentos de legitimação
da opressão vigente, porque justificam e consagram o poder injusto de seus devotos
e dão cobertura para os poderosos, aqueles que manipulam o povo.
O protesto contra os ídolos está fundamentado no fato de que os ídolos não
podem se relacionar efetivamente com seus adoradores (v. 19). O ídolo não
conhece nem pode satisfazer as necessidades de seu artista ou de seus
adoradores. Ele é apenas madeira e pedra. Por mais que gritem os caldeus, ou que
clamem por socorro, seus ídolos não se despertarão, pois não passam de um
pedaço de madeira ou de pedra sem vida (v.18).
Os cinco ‘ais’ estão na seqüência litúrgica profética. Vistos no seu todo, essas
imprecações apresentam uma estrutura interessante. No centro, v. 2, 3 e 4, os ‘ais’
71
enfocam práticas relacionadas ao Estado e à elite dominante. Os v. 1 e 5 apontam
relações e práticas mais generalizadas entre o povo. Por um lado as relações de
empréstimo por juro e hipoteca e, por outro, a prática da idolatria. É importante
perceber essa dinâmica do texto pois ela indica que o mal não está incorporado
apenas no Estado e na elite dominante, mas também toma forma entre o povo.
Através dos ‘ais’, o profeta Habacuc expressou quais eram as práticas
sociais, econômicas e religiosas que estavam em oposição ao projeto ou à vontade
de Yahweh. O ‘ai’, como discutimos anteriormente, antecipa a morte do
denunciado. Tais pessoas o terão futuro. Diferente se com os justos, que
viverão por sua perseverança e confiança em Yahweh.
Assim, pelos indícios que o próprio livro de Habacuc fornece, ser justo é não
se deixar levar por práticas opostas à vontade de Yahweh. O ímpio, ao contrário, é
quem adere a elas. Yahweh empenhou sua palavra: para o justo que perseverar em
não compactuar com as práticas abomináveis aos seus olhos, haverá vida e futuro.
Finalmente, o v. 20 contrasta a impotência dos ídolos mudos e mortos com a
majestade e transcendência de Yahweh. Diante de sua grandeza toda terra deve
ficar em silêncio absoluto. “Javé habita em seu santo templo, em Jerusalém; todavia,
mais ainda, em sua morada no céu. O profeta pede silêncio, um silêncio de
reverência e de pasmo, porque Javé está para descer” (BUCK, 1971, p. 370-371,
tradução própria) e intervir poderosamente na história do seu povo.
Os conteúdos e os objetivos que incitaram Habacuc à denúncia profética,
através dos ‘ais’, abrem caminho para a terceira e última parte da profecia.
3.2.4 APELO À INTEVENÇÃO DE IAHWEH
O capítulo 3, que pode ser subdividida da seguinte maneira: a prece do
profeta (v. 2); a teofania (v. 3-12); e a intervenção salvadora de Javé (v. 13-19), que
desde o início tem sido buscada e esperada pelo profeta (1,2-4).
3.2.4.1 Título. Prelúdio. Súplica (3,1-2)
3,1 – Uma oração do profeta Habacuc no tom das lamentações.
3,2 Iahweh, ouvi a tua fama, temi, Iahweh, a tua obra! Em nosso tempo
faze-a reviver, em nosso tempo manifesta-a, na cólera lembra-te de ter
compaixão!
72
O capítulo 3, no estilo de um salmo, começa com uma confissão. Habacuc
confessa conhecer a fama de Deus, pois ouviu acerca da sua obra. Essa breve
confissão, que se desdobrará nos v. 3-7, é seguida de uma súplica. O profeta pede
que Yahweh faça atualizar, faça acontecer de novo no seu tempo presente a obra do
passado. Portanto, A oração ou súplica aplica-se exclusivamente ao v. 2. Todo
restante do capítulo constitui-se de louvores a ele.
Não existem vidas de que Yahweh é quem salvará seu povo. Todavia,
desde o princípio, a mensagem profética deixa claro que o “justo” tem participação
efetiva nesse processo de libertação através da sua “fidelidade” (2,4b). É
providencial o fato de que o desfecho da proposta profética, a efetivação da
definitiva resposta divina aos lamentos de Habacuc, inicie-se com uma prece de
reconhecimento do poder salvador de Yahweh, “ouvi a tua fama... temi... a tua obra”,
e ao mesmo tempo, uma súplica por libertação, “em nosso tempo faze-a reviver...
manifesta-a”.
Quando observamos a obra salvadora de Yahweh no transcurso da História
de Israel fica perfeitamente clara a dinâmica de conceder vida para os oprimidos e
castigo para os opressores.
Assim, aqui em Habacuc, a “compaixão”, ou seja, libertação e vida para o
oprimido, virá em “furor”, na ação raivosa, vingativa e destruidora de Ja
contra o malfeitor. [...] Essa súplica abre espaço para a tão esperada
intervenção divino-libertadora. No entanto, esta não irrompe simplesmente.
Pois é muito grandiosa, constitui-se na cartada única e total em que o
profeta está apostando tudo, em que está penhorando a sua própria fé. Ela
é de tal monta que ele continua investindo na sua preparação e
ambientação. O oprimido, isto é, o seu auditório, necessita estar plenamente
pronto a acolher essa intervenção, com todas as conseqüências que daí lhe
advenham. O profeta sente como seu ônus indispensável, fazer de tudo a
fim de passar a seu auditório, essa sua certeza de libertação, essa sua fé no
seu Javé libertador. Para tanto, recorre ele agora à teofania, a este novo
gênero literário que, inclusive, confere à experiência a certeza de
atendimento (SILVA, 1999, p. 139-140).
Cólera e compaixão são as duas facetas da ação divina e é por intermédio
delas que Yahweh faz justiça. Se ele agisse apenas com cólera ou somente com
compaixão, seu julgamento seria injusto, pois, um julgamento justo implica em cólera
contra a injustiça e compaixão “para com aqueles que não o são responsáveis
pela injustiça, mas são as suas vitimas” (BALANCIN e STORNIOLO, 1991, p. 39). A
intervenção de Yahweh é descrita, a seguir, em linguagem teofânica.
73
3.2.4.2 Teofania. A Chegada de Iahweh (3,3-7)
3,3 Eloá vem de Temã, e o Santo do monte Farã. A sua majestade cobre
os céus, e a terra está cheia de seu louvor.
3,4 Seu brilho é como a luz, raios saem de sua mão, lá está o segredo de
sua força.
3,5 – Diante dele caminha a peste, e a febre segue os seus passos.
3,6 – Ele pára e faz tremer a terra, olha e faz vacilar as nações. As
montanhas eternas são destroçadas, desfazem-se as colinas antigas, seus
caminhos de sempre.
3,7 – Vi em aflição as tendas de Cusã, estão agitadas as terras de Madiã.
Nos v. 3-7, Habacuc reconta, em forma de hino, alguns feitos de Yahweh no
tempo do êxodo. Nomes como “Temã” ou “Farã”, “Cusã” e “Madiã” apontam lugares
onde o povo peregrinou na jornada do êxodo. “O distrito de Temã e o monte Farã
ficavam no sudeste de Canaã por onde passou o grupo de Moisés depois da
libertação do Egito” (BALANCIN e STORNIOLO, 1991, p. 40). O v. 5 relembra as
pragas do Egito e outros feitos milagrosos que Yahweh realizou à frente do seu povo
escolhido.
Eloá, termo usado quase sempre como nome próprio do único Deus
verdadeiro, vem ao encontro do seu povo para salvá-lo da opressão e castigar os
culpados. Uma vez que Yahweh sai para aplicar o juízo, para o combate, “vem
escoltado de dois poderes formidáveis: a peste e a febre, que personificados como
espíritos malignos, formam, respectivamente, vanguarda e retaguarda de Deus”
(BUCK, 1971, p. 373, tradução própria).
Os v. 6-7 parecem fazer alusão à conquista da terra “quando o grupo de
Moisés e os grupos oprimidos de Canaã se uniram contra as cidades-Estado, que
exploravam o povo” (BALANCIN e STORNIOLO, 1991, p. 40). A intervenção
histórica de Yahweh no passado era a garantia de que ele interviria no tempo
presente combatendo a favor do profeta e da comunidade oprimida.
3.2.4.3 O Combate de Iahweh (3,8-15)
3,8 – Será contra os rios, Iahweh, que a tua cólera se inflama, ou o teu furor
contra o mar para que montes em teus cavalos, em teus cavalos vitoriosos?
3,9 Tu desnudas o teu arco, sacias de flechas o Amorreu. Cavas o solo
com torrentes.
3,10 Ao ver-te as montanhas tremem; uma tromba d’água passa, o
abismo faz ouvir a sua voz, lá em cima,
3,11 – o sol retirou suas mãos, a lua permaneceu em sua morada, diante da
luz de tuas flechas que partem, diante do brilho do relâmpago de tua lança.
3,12 – Com cólera percorres a terra, com ira pisas as nações.
74
3,13 Tu saíste para salvar o teu povo, para salvar o teu ungido,
destroçaste o teto da casa do ímpio, desnudando os fundamentos até a
rocha.
3,14 – Traspassaste com seus dardos o chefe de seus guerreiros que
escoiceavam para nos dispersar, gabando-se de devorar o pobre em
segredo.
3,15 – Pisaste o mar com teus cavalos, o turbilhão das grandes águas!
Os v. 8-15 têm um estilo teofânico. Por que o profeta Habacuc faz uso da
teofania como instrumento de confirmação da fé dos oprimidos? Um dos
pressupostos básicos relacionados à experiência dos israelitas com Yahweh no
Antigo Testamento é o da inacessibilidade do adorador para com ele. Todavia, uma
exceção a essa regra ocorre toda vez que ocorre uma teofania, ou seja, uma
manifestação visível de Yahweh.
A teofania é o lugar, por excelência, das intervenções de Yahweh na história
do seu povo. Na trajetória histórica de Israel, enquanto povo eleito, a teofania do
Sinai tornou-se uma espécie de protótipo ou paradigma para futuras intervenções na
história desse povo. Habacuc, então, ao fazer uso da linguagem teofânica dentro do
conjunto de sua profecia, mostra o valor que a intervenção divina tem, para o justo
oprimido, na experiência de libertação (SILVA, 1999, p. 140-141).
Na descrição teofânica da manifestação de Javé nos v. 8-15, são usados
elementos da natureza (rios, mar, montanhas, sol, lua, relâmpagos, raios, etc.)
misturados a elementos licos (cavalos, arco e flechas, dardos, guerreiros). Dentre
esses versículos, o os v. 13-14 que descrevem claramente o objetivo histórico da
manifestação teofânica de Yahweh. Ele vem para salvar o seu povo e destruir o
ímpio.
O objetivo da ação de Yahweh na história é criar a sua justiça. Na expectativa
de Habacuc, Deus intervém para salvar o seu povo, libertar aquele que ele escolheu.
A referência ao “ungido” aqui, termo originalmente aplicado ao rei, faz alusão nesse
contexto ao povo de Judá. Essa ação de Yahweh trará desgraça para o ímpio,
“destroçara o teto da casa do ímpio”. Aqui somos lembrados das práticas sociais
injustas denunciadas na série de “ais” (2,6-20), a saber, exploração econômico-
financeira, lucro ilícito, trabalho forçado, etc. nada disso sobreviverá à ação da
justiça divina. O ímpio e sua casa serão destruídos até o alicerce. A ação de Yahweh
a favor do seu povo gera no profeta um misto de temor humano e fé em Deus.
75
3.2.4.4 Conclusão: Temor Humano e Fé em Deus (3,16-19)
3,16 – Eu ouvi! Minhas entranhas tremeram. A esse ruído meus lábios
estremeceram, a cárie penetra em meus ossos, e os meus passos
tropeçam. Espero tranqüilo o dia da angústia que se levantará contra o povo
que nos assalta!
3,17 (Porque a figueira não dará fruto, e não haverá frutos nas vinhas.
Decepcionará o produto da oliveira, e os campos não darão de comer, as
ovelhas desaparecerão do aprisco e não haverá gado nos estábulos).
3,18 Eu, porém, me alegrarei em Iahweh, exultarei no Deus de minha
salvação!
3,19 Iahweh, meu Senhor, é a minha força, torna os meus pés
semelhantes aos das gazelas, e faz-me caminhar nas alturas. Ao mestre de
canto. Para instrumentos de corda.
Após a proclamação dos ‘ais’ e a descrição teofânica da intervenção de
Yahweh na natureza e na história de Israel, o contexto encontra-se preparado para o
grande momento da profecia. A parte final do salmo de Habacuc faz referência às
palavras de Yahweh ditas anteriormente ao profeta e que deveriam ser escritas: “A
visão pode demorar, mas não falhará” (2,3). Essa é a palavra empenhada pelo
próprio Deus.
O v. 16 parece referir-se novamente à situação existencial de Habacuc como
profeta. Ele recebeu a mensagem de Yahweh e estremeceu. Sentiu-se como se a
podridão invadisse seus ossos. Isso parece indicar que até mesmo o justo
estremece diante do julgamento e condenação que virá sobre os opressores. A
intervenção de Yahweh virá, e é necessário esperar o “dia da angústia”. Esse dia
certamente trará angústia para os opressores, mas os justos se alegrarão nele.
Os v. 17-19 descrevem uma situação de desesperança. Nesse contexto, o
justo é desafiado a esperar contra todo sinal de desesperança. Dito de outra
maneira, “ainda que toda realidade seja contrária e não haja qualquer sinal de
transformação, o justo vive na certeza da ação de Deus, que se realiza através do
projeto de justiça, com o qual os justos se comprometem” (BALANCIN e
STRONIOLO, 1991, p. 42).
Apesar da situação caótica e desanimadora em que se encontra o ambiente
vital do profeta, ainda assim, a esperança é o último tom do grandioso salmo de
Habacuc: “Eu, porém, me alegrarei em Iahweh, exultarei no Deus de minha
salvação! Iahweh, meu Senhor, é a minha força, torna os meus pés semelhantes aos
das gazelas, e faz-me caminhar nas alturas” (v. 18-19).
76
A mensagem de Habacuc se constitui claramente num protesto contra a
injustiça social e um permanente apelo em direção à prática da justiça fundamentada
na obediência à vontade de Yahweh. Como o profeta ou a comunidade profética que
ele representa estão inseridos num determinado contexto histórico-social temporal,
precisamos, então, investigar como esses conceitos de injustiça e justiça social
foram construídos historicamente pelo povo de Israel em seus diferentes momentos
históricos de constituição, a culminar no ato de denúncia profética presente na
mensagem de Habacuc. Essa investigação constitui o tema do próximo, e último
capítulo.
77
4 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE JUSTIÇA E INJUSTIÇA
SOCIAL ENTRE O POVO DE ISRAEL E SEUS REFLEXOS NO LIVRO DE
HABACUC
O problema da injustiça social vem sendo abordado pelos seres humanos
desde os povos mais antigos que se têm notícia. Muitos culos antes de Israel
tornar-se uma nação e de seus profetas condenarem a prática da injustiça social em
suas comunidades locais, outros povos do Oriente Antigo percebiam essa
problemática e procuravam dar-lhe uma solução adequada (EPSZTEIN, 1990, p.
132-133).
Talvez, como assevera Sicre, a grande diferença na abordagem sobre a
injustiça social feita pelos povos antigos e pelos profetas de Israel não esteja
relacionada ao conteúdo das mensagens de ambos, ou seja, à descrição da
situação de injustiça reinante entre eles, mas, “ao compromisso pessoal [dos
profetas], que converte as belas palavras em frases contundentes, denúncias
capazes de custar-lhes a vida” (SICRE, 1990, p. 50).
A seguir, apontaremos algumas evidências de que a discussão sobre a
injustiça social é bem anterior ao profeta Habacuc e ao próprio Profetismo em Israel.
Como afirmamos anteriormente, vários povos mais antigos que Israel
levantaram questionamentos sobre a justiça social e suas implicações para o bem-
estar do ser humano. Apresentaremos alguns indícios dessa premissa ao mencionar
fragmentos de documentos antigos de diversas civilizações do Oriente Antigo.
Uma boa justificativa para um estudo preliminar sobre a perspectiva das
civilizações antigas e sua relação com o assunto em pauta, antes de abordarmos
propriamente o processo de constituição do povo de Israel e sua visão sobre justiça
e injustiça social, é o fato de que “a história de Israel se desenrola na sombra do
desdobramento dos povos do Egito e da Mesopotâmia. A História de Israel é
dependente da história dos impérios do Antigo Oriente, tanto de seus avanços
quanto de seus recuos” (SCHWANTES, 2008b, p. 26).
Após a descrição panorâmica da perspectiva sobre justiça e injustiça social
entre os povos do Oriente Antigo, centraremos nossa atenção em Israel analisando
as várias fases de constituição dessa nação, que se inicia com os patriarcas e se
consolidada com a instituição e desestruturação da Monarquia. É no período da
78
monarquia que o ministério profético encontrará seu auge através de protestos
contra toda sorte de injustiça social. É nesse contexto que, posteriormente,
analisaremos a mensagem de Habacuc.
4.1 JUSTIÇA E INJUSTIÇA SOCIAL NO ORIENTE ANTIGO
A presente abordagem não tem como finalidade apresentar a história do
desenvolvimento religioso dos povos que aqui serão mencionados e, sim, apontar
alguns textos antigos que deixaram pistas para a possibilidade de compreendermos
essas culturas, em especial, no aspecto da justiça e injustiça social.
José Luis Sicre (1990) elaborou uma boa síntese sobre a perspectiva de
justiça social existente entre vários povos do Oriente Antigo, a saber, o Egito, a
Mesopotâmia, Canaã, Fenícia e Império Hitita. É principalmente fundamentado
nessa síntese que nos reportaremos para o desenvolvimento dessa temática.
4.1.1 JUSTIÇA E INJUSTIÇA SOCIAL NO EGITO
Iniciaremos nossa busca histórica pelo Egito. As acusações de injustiça social
são muito comuns na literatura da sabedoria egípcia. Os escritores procuravam
confrontar a liderança nacional com parâmetros muito elevados, e consideravam que
o essencial para a sobrevivência cultural era a exposição e o combate à corrupção
por parte dos poderosos (WALTON et al., 2004, p. 903).
Os textos relacionados ao povo egípcio estão distribuídos de acordo com os
Impérios e suas respectivas dinastias. Mencionemos, por exemplo, o Império Antigo
(c. 2654-2190 a.C.) marcado pela 3ª-6ª dinastias. Esse período histórico ficou
conhecido como “a época das grandes construções faraônicas, realizadas na base
de impostos elevados e do trabalho, dos mais pobres” (SICRE, 1990, p. 14). A
implantação de altos impostos e o uso do trabalho escravo contribuíram
significativamente para o surgimento de uma consciência social durante a 5ª dinastia
(EPSZTEIN, 1990, p. 35-38). Entre os textos que aparecem nesse período, Sicre
menciona três deles, a saber: A autobiografia de Herkhuf, Palavra de um nobre e
Ensinamento de Ptahotep.
79
Os dois primeiros textos mencionados pertencem ao gênero biográfico e
contam os feitos e boas obras dos protagonistas que aparentemente são
apresentados como modelos para a sociedade de sua época. Entre os feitos de
Herkhuf encontramos as seguintes menções:
Dei o ao faminto, vesti o nu, transportei quem não tinha barca (...) Eu era
um dos que dizem coisas boas e dos que só repetem coisas amáveis.
Nunca disse a poderoso nada de mal contra ninguém. [sic] porque desejava
sentir-me bem na presença do grande Deus (apud SICRE, 1990, p. 14).
O segundo texto biográfico registra as palavras de um nobre que se vangloria
de ter construído para si um túmulo sem roubar os seus operários:
Fiz esse túmulo com toda a justiça. Não aconteceu de ter tirado nada de
alguém. A todas as pessoas que trabalharam para mim eu lhes paguei, e
com isso louvaram muito a Deus por minha causa. Construíram o túmulo em
troca de pão, cerveja, roupas, azeite, grande quantidade de trigo. Nunca fiz
nada oprimindo outra pessoa (apud SICRE, 1990, p. 15).
É interessante observarmos o paralelo que entre os ‘atos de misericórdia
e a convicção religiosa desses protagonistas. Aparentemente, a consciência de
justiça social está intimamente ligada à consciência religiosa de cada um deles, o
que estabelece um importante paralelo com a mensagem dos profetas de Israel e do
profeta Habacuc em particular.
O terceiro texto mencionado, Ensinamento de Ptahotep, “constitui o primeiro
passo da literatura sapiencial egípcia” (SICRE, 1990, p.15). Nele, se observa os
conselhos de um vizir dados a um faraó da 5ª dinastia:
Se és chefe, que estás à frente de grande número de pessoas, procura para
ti toda espécie de benefícios, mas sem fazer nada de mal. A justiça é
grande, excelente e duradoura; não mudou desde o tempo de quem a fez,
enquanto é castigado quem infringe suas leis (...) A maldade nunca acaba
triunfando. Pode ser que a fraude produza riquezas, mas no decorrer do
tempo se impõe a força da justiça (...) Se és homem de posição depois de
ter passado desapercebido, podendo fazer coisas após ter sido indigente na
cidade que conheces, em contraste com o que foi tua sorte anterior, não
sejas tacanho com tua riqueza: ela te foi aumentada como dom de Deus
(apud SICRE, 1990, p. 15-16).
Apesar da conotação fortemente utilitarista desses conselhos, onde a prática
da justiça está estreitamente vinculada à busca de “toda espécie de benefícios”
pessoais, ninguém pode negar a forte ênfase dada à justiça como algo “grande,
excelente e duradouro”, ou seja, que não poderá ser vencida pelo mal.
O que pode ser observado durante a constituição dos próximos Impérios
(Médio e Novo) no Egito sobre a justiça social não varia muito em relação aos
exemplos acima apresentados. No período do Império Médio (2050-1800) foi escrita
80
uma obra intitulada “Polêmica sobre o suicídio” que expunha os males sociais que
quase destruíram a sociedade egípcia durante o final do primeiro período
intermediário (2258-2050). De acordo com essa obra, o homem que buscava aliviar
seus males através do suicídio se queixava freqüentemente da sociedade de sua
época acusando seus contemporâneos de vários delitos. Nas denúncias, o suicida
declarava que todos os cidadãos de sua época eram ladrões, que todos eles tinham
o coração dominado pela cobiça, e que as injustiças sociais e a criminalidade não
incomodavam a ninguém (WALTON et al., 2004, p. 903).
Um texto importante a ser mencionado, datado da época do Império Novo (c.
1542-1069 a.C.), período em que se instauraram as 18ª-20ª dinastias, é uma parte
do capítulo 125 do chamado ‘Livro dos Mortos’, pertencente aos denominados
Textos das Pirâmides, uma das descobertas mais antigas desse período. De acordo
com esses escritos, as qualidades exigidas para que alguém (um defunto) pudesse
ser admitido no reino do deus sol eram a pureza física, a magia e a demonstração
de que o defunto havia vivido uma vida de justiça (SICRE, 1990, p. 24). Algumas
afirmações do capítulo 125 do ‘Livro dos Mortos’ demonstram a justiça do defunto:
Não cometi mal contra os homens.
Não fiz violência ao pobre.
Não difamei escravo diante de seu superior.
Não aumentei nem diminuí a medida de grão.
Não acrescentei nada ao peso da balança.
Não adulterei o fiel das básculas.
Não tirei o leite da boca das crianças.
Não retive a água em sua estação
(evitando que outros se beneficiassem dela).
Não edifiquei dique contra a água que corre.
Não roubei. Não fui cobiçoso.
Não pratiquei a usura. Não roubei a ração de pão.
Não fui irresponsável em matéria de justiça.
Dei pão ao faminto, água ao sedento, roupa ao nu.
Arrumei bote ao abandonado na costa (apud SICRE, 1990, 24-25).
Apesar de alguns estudiosos considerarem estas afirmações como simples
parte de “uma fórmula mágica que permite ao morto evitar as conseqüências do
julgamento” (EPSZTEIN, 1990, p. 55), e por esse motivo, sem valor prático para
descrever a concepção de justiça social desse período (SICRE, 1990, p. 25), é
inegável o fato de que nelas são citadas atitudes reconhecidas como boas pelos
egípcios, atitudes estreitamente vinculadas à prática da justiça social e dignas de
serem imitadas.
Outra obra datada da época da 20ª ou 21ª dinastia, e que merece ser
mencionada, é conhecida como A sabedoria de Amenemope. Sua relevância
81
encontra-se na proximidade de seu conteúdo com os Provérbios do Antigo
Testamento. Se levarmos em consideração o fato de que nesse período, século XI
aproximadamente, as tribos de Israel estavam se constituindo em nação, essa
semelhança de conteúdos pode ser prova indiscutível das relações que o Egito e
Israel mantinham nessa época (EPSZTEIN, 1990, p. 52-53).
A seguir citaremos algumas passagens que apontam o paralelo entre A
sabedoria de Amenemope e os Provérbios. As citações abaixo relacionam essas
duas obras, salientado as semelhanças entre elas. Em primeiro lugar aparece um
trecho da sabedoria de Amenemope, em seguida, um verso do livro de Provérbios.
“Inclina teu ouvido ao que é dito, aplica teu coração a conhecê-los; convém
guardá-los em teu coração...” (I, 5) [sabedoria de Amenemope]. “Inclina o
teu ouvido e ouve as minhas palavras, aplica teu coração ao meu saber;
terás alegria em guardá-las dentro de ti...” (Pr 22,17-18) [Provérbios].
“Procura não despojar um miserável e ser forte contra o fraco...” (IV, 4-5)
[sabedoria de Amenemope]. “Não despojes o fraco, por ser fraco, nem
oprimas o pobre no julgamento...” (Pr 22,22) [Provérbios]. “Não afastes o
limite do campo e não mudes a posição dos marcos” (VII, 12-13) [sabedoria
de Amenemope]. “Não desloques os marcos antigos que teus pais
colocaram(Pr 22,28) [Provérbios]. “Não cobices um palmo de terra, nem
desmarques os limites de uma viúva” (VII, 14-15) [sabedoria de
Amenemope]. Não desloques o marco da viúva e o penetres no campo
dos órfãos” (Pr 23,10) [Provérbios]. “Não entristeças ninguém para ganhar
mais (quando) possuis intato o que te é necessário. Se tuas riquezas
chegarem a ti através de pilhagens, elas não permanecerão uma noite em
tua casa...” (IX, 14) [sabedoria de Amenemope]. “A riqueza desaparecerá de
tua casa. Se nela pousam teus olhos, ela não existe mais” (Pr 23,4)
[Provérbios]. “Não falseies a balança e não alteres os pesos” (XVII, 17-18)
[sabedoria de Amenemope]. “Balança falsa é abominação para Javé, mas o
peso justo é o seu desejo” (Pr 11,1) [Provérbios] (apud EPSZTEIN, 1990, p.
53).
A partir das breves menções feitas acima, fica clara a impressão de que para
os antigos egípcios a justiça era uma questão de fundamental importância, inclusive
com implicações morais e éticas vinculadas à religião. Ela deveria caracterizar a
conduta do faraó, de seus conselheiros, de seus governantes e de todos os seus
súditos. É notória, também, a preocupação com os desfavorecidos socialmente:
Também se nota especial interesse pelos mais fracos e necessitados. [...]
com o faminto, com o nu, com quem não tem barca. A essa série se
juntarão viúvas e órfãos, pobres e indigentes, estrangeiros, gente humilde
que acorre ao tribunal mal trajada e sem protetor. Todos eles merecem
respeito, atenção, palavra compreensiva e benévola. Porque, como observa
o ensinamento de Amenemope, “deus prefere que se respeite o pobre a que
se honre o nobre” (SICRE, 1990, p. 30).
Deixando de lado o Egito Antigo, centraremos nossa atenção na
Mesopotâmia.
82
4.1.2 JUSTIÇA E INJUSTIÇA SOCIAL NA MESOPOTÂMIA
A Mesopotâmia é uma região situada entre os rios Tigre e Eufrates, e é
fortemente marcada pelo surgimento de raças e culturas diferentes que foram se
sucedendo “interrompidas por períodos mais ou menos extensos de obscurantismo e
decadência [...] Encontramo-nos diante de raças e línguas diversas, épocas de
esplendor e de decadência, diferenças éticas, religiosas e políticas” (SICRE, 1990, p.
32-33).
Diante de tamanha diversidade e pluralidade cultural, Sicre assevera que,
aparentemente, a melhor saída para avaliar os escritos produzidos nessa região do
Mundo Antigo seria suprimir o adjetivo ‘mesopotâmico’, para referir-se aos textos
produzidos nessa região, e agrupá-los de acordo com suas respectivas civilizações,
a saber, suméria, acádia, babilônia e assíria. Todavia, para evitar uma série de
problemas de ordem histórica e cronológica, ele agrupa os textos em três grandes
blocos, a saber: reais, sapienciais e religiosos (SICRE, 1990, p. 33), todos eles
fazendo alusão à importância da prática da justiça.
Citaremos, a seguir, alguns trechos do ‘Hino a Samas’, considerado o mais
famoso texto religioso da Mesopotâmia, e um dos mais extensos e belos da literatura
cuneiforme. Nele, Samas é apresentado como deus criador do universo e
sustentador de todas as criaturas, que revela seus segredos e se preocupa com os
necessitados. As desonestidades nos negócios e a injustiça praticada contra os
desfavorecidos são consideradas pecados graves contra Samas. Parte deste Hino
apresenta a seguinte mensagem:
A quem trama algo abominável, tu o destróis (...), ao juiz iníquo o fazes ver
os grilhões, a quem aceita presente e o é justo, envias-lhe o castigo.
Quem não aceita dinheiro e protege o fraco, agrada a Samas, prolonga sua
vida. O juiz prudente que dá sentenças justas, controla o palácio, sua
morada é morada de príncipes (...) Quem adultera a balança comete fraude,
quem altera os pesos, reduz (...) não sairá ganhando, arruinará seu capital
(...) Quem empresta com a medida média, mas obriga que devolvam com a
grande, a maldição das pessoas o alcançará antes do tempo (...) O credor
honesto, que trigo com a medida grande, multiplica o bem, agrada a
Samas, prolonga a vida, amplia sua família, adquire riquezas. Como água
de fonte perene perdura a descendência de quem presta ajuda generosa e
não conhece falsidade (...) Tu escutas, escrutas, reconheces a causa de
quem pede justiça, todos e cada um estão em tuas mãos (...) Do mais
profundo o pobre te invoca, o fraco, o bil, o oprimido, o pequeno; a mãe
do cativo recorre sempre a ti (...) (apud SICRE, 1990, p. 45-46).
Outro documento importante encontrado por arqueólogos franceses entre
1901 e 1902, em meio a ruínas de construções abandonadas no final do segundo
83
milênio a.C., na antiga cidade de Susã, na Pérsia oriental, é a ‘Estela de Hamurábi’,
da Babilônia, que traz inscritas as leis do rei Hamurábi. A ‘Estela de Hamurábi’ é
uma coluna negra com 2,25 metros de altura e um relevo de 60 centímetros no alto
(ANEXO A). centenas de linhas em estilo cuneiforme gravadas cuidadosamente
no restante da pedra. Um ano após a descoberta, foram publicados detalhes desse
achado arqueológico com sua respectiva tradução, e assim, o mundo veio a
conhecer o famoso ‘Código de Hamurábi’
49
(MILLARD, 1999, p. 81).
Fazemos menção a essa famosa descoberta de início do culo XX, porque
seu conteúdo parece demonstrar uma grande preocupação deste monarca pela
implantação da justiça social em sua época. Hamurábi, rei de Babilônia por volta de
1792-1750 a.C., fez desta cidade “a capital política, religiosa, econômica e
intelectual da Ásia Menor” (EPSZTEIN, 1990, p. 18).
Além disso, o ‘Código de Hamurábi’ apresenta impressionantes semelhanças
e diferenças em comparação com as ‘leis de Moisés’, o que é relevante, se nos
lembrarmos que Moisés viveu vários séculos depois de Hamurábi. As semelhanças
são explicadas a partir do estilo de vida parecido entre babilônios e israelitas. Como
ambos os povos foram, em sua maioria, agropecuaristas que viveram em pequenas
cidades, possivelmente, os crimes praticados eram os mesmos, e daí, a forte
influência que as leis de Hamurábi devem ter exercido sobre as leis hebréias. As
diferenças relacionam-se com a maneira de aplicação das leis. Por exemplo, entre
os babilônios, a propriedade e os bens são tão importantes quanto as pessoas.
Crimes praticados contra pessoas ou bens materiais recebiam as mesmas
penalidades. Entre os israelitas, apenas os crimes praticados contra pessoas
implicavam em penalidades físicas. Os delitos praticados contra bens materiais
recebiam penalidades em dinheiro ou bens. Outro exemplo: as leis de Hamurábi
condenam à morte o ladrão que não puder restituir o bem roubado. As leis dos
hebreus, ao contrário, mandam que ele seja vendido como escravo, o que confere
maior valor à vida humana (MILLARD, 1999, p. 83).
49
Esse código é considerado o mais célebre da Mesopotâmia. Sua fama é explicada, “não somente
pelo fato de ter sido descoberto relativamente muito cedo e, por assim dizer, quase em sua totalidade,
mas também pelo que representa por si mesmo. [...] Sabemos agora que Hamurábi não foi o primeiro
a ter a idéia de uma relação sistemática da lei, mas iria mais longe do que seus predecessores. Seu
código continua sendo o monumento mais importante do direito babilônico pelo número de
disposições que contém, assim como pela extensão e o alcance do prólogo e do epílogo que
constituem verdadeiro tratado de direito público” (Epsztein, 1990, p. 18).
84
Abaixo reproduzimos alguns parágrafos do ‘Código de Hamurábi’ que
estabelecem alguns princípios que deveriam garantir a ordem e a justiça social no
seu reino:
Se um filho bater no pai, deve ter a mão cortada. (n. 195)
Se um cidadão roubar o filho de outro, deve ser morto. (n. 14)
Se um cidadão atingir outro numa briga e o ferir, esse cidadão deve jurar:
‘Eu não o feri intencionalmente’, pagando o tratamento médico. (n. 206)
Se um cidadão machucar a filha de outro, e ela vier a abortar, ele deve
pagar dez ciclos de prata pelo aborto. Se a mulher acabar morrendo, a filha
do cidadão deve morrer. (n. 209-210).
Se um cidadão roubar um boi, ou uma ovelha, ou um jumento, ou um porco,
ou uma cabra, se o animal for propriedade do templo ou da coroa, ele deve
devolver trinta vezes o valor; mas, se for propriedade de um servo, deve
devolver dez vezes o valor. Se o ladrão não tiver como repor o valor, deve
ser morto. Se um cidadão cometer roubo e for pego, deve ser morto. (n.
8,22) (apud MILLARD, 1999, p. 81-82).
Outros povos antigos que viveram em Canaã, na Fenícia, e no Império Hitita
também fizeram alusão à importância da prática da justiça e da defesa dos
desfavorecidos. Entre os Hititas, dois textos interessantes que compõem o ‘Hino
ao deus Telepino’, e que ilustram claramente nossa assertiva:
Do oprimido e do humilde (...) tu és pai e mãe; a causa do humilde , do
oprimido, tu, Telepino, levas a peito. [...] Não julgarás a favor de seu
superior, não decidirá a favor do seu irmão, de sua esposa ou de seu
amigo. Ninguém gozará de favor particular. Boa causa não a considerará
má, nem causa a considerará justa; fará o que é justo (apud SICRE,
1990, p. 49-50).
Apesar da constatação de que a preocupação com a questão da injustiça
social praticada contra o pobre, a viúva, o órfão, o estrangeiro, o assalariado, e o
escravo é tão antiga quanto a própria humanidade (EPSZTEIN, 1990, p. 133-151),
não se pode negar, à luz dos estudos feitos em documentos de diferentes épocas,
vinculados aos povos do Oriente Antigo, o fato de que, a ‘denúncia social’ ou o
estabelecimento de princípios de justiça (p. ex. Código de Hamurábi) entre esses
povos, não ocupava um papel relevante. Dito de outro modo, sua influência talvez se
baseasse mais em princípios do que na prática. Essa afirmativa se justifica pela
escassez de registros de ações sociais efetivas a favor dos pobres, necessitados e
injustiçados.
Na verdade, seria mais justo denominar essa tendência ao reconhecimento
da prática da injustiça social de ‘exortação social’ (SICRE, 1990, p. 50). Entre os
egípcios, mesopotâmios, canaanitas, fenícios e hititas, as pessoas não são
desafiadas a promover mudança radical no contexto social em que vivem (isso, sim,
85
seria denúncia profética), e sim, são exortadas a não viverem como os opressores e
maus.
Outro dado importante que pode ser deduzido a partir da leitura dos textos
acima referidos é que eles ‘pintam’ um retrato claro da sociedade da época,
profundamente marcada pela injustiça e a desigualdade social.
Uma vez delineada a perspectiva dos povos do Oriente Antigo acerca do
significado de justiça e injustiça social procuraremos, doravante, inserir Israel nesse
contexto e buscar elementos de semelhanças e diferenças entre Israel e esses
povos na busca pela promoção da justiça social, para finalmente aplicar esses
princípios ao contexto do profeta Habacuc.
4.2 JUSTIÇA E INJUSTIÇA SOCIAL EM ISRAEL
Para compreendermos a gênese dos conceitos de justiça e injustiça social em
Israel, faz-se necessário o estabelecimento de um ponto de partida. Um caminho a
ser percorrido, que apresenta grandes possibilidades de sucesso é o recurso ao
método sociológico fundamentado num conceito dinâmico de um fenômeno global,
ou melhor, um “exame de todos os aspectos do fenômeno em questão como um
bloco, onde tudo se concilia, tudo se interpenetra” (EPSZTEIN, 1990, p. 105).
No nosso caso, em particular, o ‘fenômeno global’ que elegemos foi a
evolução socioeconômica de Israel a partir da divisão da história desse povo
conforme o relato da tradição dos livros do Antigo Testamento. Aqui procuraremos
situar a história do desenvolvimento dos conceitos de justiça e injustiça social em
Israel e sua relação com o aparecimento do profetismo nessa nação. Vinculamos o
histórico do desenvolvimento dos conceitos de justiça e injustiça social com o
profetismo por ser esse o contexto vital no qual a mensagem do profeta Habacuc
está inserida.
Sicre (1990, p. 53) concorda que uma abordagem direta do processo de
evolução socioeconômica de Israel a partir da divisão de sua história é uma boa
estratégia para a compreensão dos conceitos de injustiça e justiça social em Israel.
Desse modo, ele sugere a análise da história desse povo em três períodos: 1) das
origens à aparição da monarquia; 2) durante a monarquia unida: Saul, Davi e
86
Salomão; 3) depois da divisão do reino. Nossa abordagem segue, em linhas gerais,
essa tríplice divisão.
4.2.1 JUSTIÇA E INJUSTIÇA SOCIAL DA ÉPOCA DOS PATRIARCAS AO ÊXODO
O início da história de Israel está vinculado à época dos patriarcas. O único
documento literário que preservou tradições referentes ao referido período é Gênesis
12-35. Os registros aqui contidos não se constituem num “quadro de uma época dos
patriarcas como parte da história de Israel ou até do Oriente Antigo. O Gênesis narra
nada mais do que a história de uma família ao longo de três gerações num horizonte
muito restrito, quase sem efeitos para fora e a partir de fora” (DONNER, 1997a, p.
83-84).
A Bíblia fornece grande quantidade de material informativo sobre o período
patriarcal. Além do livro de Gênesis, alguns registros em Êxodo, Números,
Deuteronômio, Josué e Juízes oferecem também algumas informações sobre a
referida época. Contudo, como esses livros foram sistematizados numa perspectiva
teológica, mais do que histórica, a aceitação dos dados ali contidos deve sujeitar-se
à análise crítica. Uma boa síntese sobre as origens de Israel afirma que:
Israel tem sua origem nas migrações de arameus que a partir do século
XVIII aC, desceram do norte para se estabelecerem na Palestina. O
Gênesis nos fala concretamente de Abraão, primeiro patriarca, que sai com
sua família de Ur, passando por Harã. Com ele começa o período patriarcal,
que abrange os séculos XVIII a XIII aproximadamente. Nesta época não
podemos ainda falar de um “povo”, muito menos de nação. São grupos
seminômades, que se deslocam com seus rebanhos de gado menor
(ovelhas e cabras), procurando pastos apropriados e mantendo relativo
contato com as cidades por que passam, mas sem chegar a se estabelecer
nelas (SICRE, 1995, p. 309).
A estrutura social mais antiga nesse período era a família que abrangia pai,
mãe ou mães, concubinas, filhos e escravos. Apesar das discussões levantadas por
vários etnólogos sobre o tipo de constituição da família nos primórdios da história de
Israel,
50
a família israelita é claramente patriarcal desde nossos documentos mais
antigos” (DE VAUX, 2003, p. 42, o itálico pertence ao texto original). O termo
corrente utilizado para designar a família nesse período é ‘casa paterna’, e as
genealogias, salvo raras exceções, sempre são dadas a partir da linhagem do pai.
50
Alguns etnólogos sugerem que a estrutura familiar dos primórdios da história de Israel seria o
fratriarcado ou o matriarcado. Para maiores esclarecimentos, veja de Vaux (2003, p. 41-42).
87
No tipo normal de casamento israelita, o marido é o senhor, o ba‘al de sua
esposa. O pai tem sobre os filhos, inclusive os casados, se vivem com ele, e
sobre suas mulheres, uma autoridade total, que antigamente chegava até o
direito de vida ou morte: Judá condena sua nora Tamar, acusada de
imoralidade, Gn 38.24. A família compõe-se daqueles elementos unidos ao
mesmo tempo pela comunidade de sangue e pela comunidade de
habitação. [...] À família pertencem também os servos, os residentes
estrangeiros ou gerîm, os apátridas, as viúvas e órfãos, que vivem sobre a
proteção do chefe de família (DE VAUX, 2003, p.42, os itálicos pertencem
ao texto original).
A família constituía-se no fundamento sico de toda organização social.
Normalmente, era composta por um grupo de 50-100 pessoas, unidas por vínculos
de parentesco, vizinhança ou questões comuns. À medida que essa estrutura social
primária começava a se tornar mais complexa, surgia o clã ou a associação de
famílias. Essa nova estrutura era constituída por cerca de dez comunidades-famílias
vizinhas, e tinha como finalidade promover ajuda mutua e proteção, especialmente,
para as comunidades mais carentes. Finalmente, com a união de vários clãs, surgirá
posteriormente a tribo. Com a união celebrada entre várias tribos surgirá no futuro a
confederação das tribos que “representava um pacto de solidariedade e ajuda
recíproca, sobretudo nos momentos de agressões externas (Jz 6,35; 1Sm 10,20-21)”
(MOSCONI, 1998, p. 23).
Uma observação importante que é possível ser feita à luz da constituição da
família israelita é a clara distinção social que existia nessa família desde suas
origens através das ‘classes’ de servos, viúvas e órfãos. Outro elemento importante,
referente ao período patriarcal, que deve ser levado em consideração é o fato de
que nessas comunidades antigas denominadas famílias, havia numerosos
conflitos provocados, muitas vezes, por questões de ordem econômica. Exemplos
dessa assertiva podem ser constatados nos relatos sobre os conflitos entre Abraão e
(Gn 13,5-9), Ismael e Isaque (Gn 21,9s) e Jae Labão (Gn 30,25-43). O desejo
de ter o melhor ou de possuir o essencial para a vida provocou todas essas tensões.
Observemos, a título de exemplo, o famoso conflito entre Abraão e seu sobrinho
conforme a narrativa do Gênesis:
que acompanhava Abrão, tinha igualmente ovelhas, bois e tendas. A
terra não era suficiente para sua instalação comum: tinham posses imensas
para poderem habitar juntos. Houve uma disputa entre os pastores dos
rebanhos de Abrão e os dos rebanhos de Ló (nesse tempo os cananeus e
os ferezeus habitavam essa terra). Abrão disse a Ló: “Que não haja
discórdia entre mim e ti, entre meus pastores e os teus, pois somos irmãos!
Toda a terra não está diante de ti? Peço-te que te apartes de mim. Se
tomares a esquerda, irei para a direita; se tomares a direita, irei para a
esquerda” (Gn 13,5-9, BJ).
88
Além da importância da história da gênese da família israelita para a
compreensão dos conceitos de injustiça e justiça social nos primórdios da História de
Israel, outro elemento essencial para ampliar essa compreensão é o significado do
Egito, do Êxodo e da conquista de Canaã para esse povo.
Os relatos das peregrinações de Abraão, Isaque e Jacó, na terra de Canaã
apontam freqüentes contatos que esses patriarcas tiveram com o Egito, até que,
finalmente numa época de grande seca em Canaã, sendo José filho de Jacó
governante do Egito, Jacó e sua família desceram ao Egito para ali viverem. O autor
do livro de Gênesis apresenta o seguinte relato:
Israel partiu com tudo o que possuía. Chegando a Bersabéia, ofereceu
sacrifícios ao Deus de seu pai Isaac, e Deus disse a Israel, numa visão
noturna: “Jacó! Jacó!” E ele respondeu: “Eis-me aqui.” Deus retomou: “Eu
sou El, o Deus de teu pai. Não tenhas medo de descer ao Egito, porque
eu farei de ti uma grande nação. Eu descerei contigo ao Egito, eu te farei
voltar a subir, e José te fechará os olhos.” Jacó partiu de Bersabéia, e os
filhos de Israel fizeram seu pai Jacó, seus netos e suas mulheres subir nos
carros que o Faraó enviara para levá-los. Eles tomaram seus rebanhos e
tudo o que tinham adquirido na terra de Canaã e vieram para o Egito, Jacó
e todos os seus descendentes com ele: seus filhos e os filhos de seus filhos,
suas filhas e as filhas de seus filhos; todos os seus descendentes ele os
levou consigo para o Egito (Gn 46,1-7, BJ).
Pelos anos de 1500-1200 a.C., “os faraós do Egito dominaram a terra de
Canaã, explorando, deportando populações e impondo trabalhos forçados”
(MOSCONI, 1998, p. 21). É nesse ambiente de dura servidão que se situa a
seguinte narrativa de opressão que recai sobre os hebreus:
Portanto impuseram a Israel inspetores de obras para tornar-lhe dura a vida
com os trabalhos que lhe exigiam. Foi assim que ele construiu para Faraó
as cidades-armazéns de Pitom e de Ramsés. Mas quanto mais os
oprimiam, tanto mais se multiplicavam e cresciam, o que fez temer os
israelitas. Os egípcios obrigavam os israelitas ao trabalho forçado, e
tornavam-lhes amarga a vida com duros trabalhos: a preparação de argila, a
fabricação de tijolos, vários trabalhos nos campos, e toda espécie de
trabalhos aos quais os obrigavam (Ex 1,11-14, BJ).
Todavia, enquanto crescia a opressão, aumentava também entre o povo o
clamor e o anseio pela vida e pela liberdade: “Muito tempo depois morreu o rei do
Egito, e os israelitas, gemendo sob o peso da servidão, gritaram; e do fundo da
servidão o seu clamor subiu até Deus” (Ex 2,23, BJ). Nesse contexto histórico,
Yahweh se revela como aquele que vê, ouve e conhece o clamor dos oprimidos e
toma partido a favor deles:
Iahweh disse: Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi
seu grito por causa dos seus opressores: pois eu conheço as suas
angústias. Por isso desci a fim de libertá-lo da mão dos egípcios, e para
fazê-lo subir desta terra para uma terra boa e vasta, terra que mana leite e
89
mel, o lugar dos cananeus, dos heteus, dos amorreus, dos ferezeus, dos
heveus e dos jebuseus. Agora, o grito dos israelitas chegou a mim, e
também vejo a opressão com que os egípcios os estão oprimindo. Vai, pois,
e eu te enviarei a Faraó, para fazer sair do Egito o meu povo, os israelitas
(Ex 3, 7-10, BJ, negritos meus).
Pixley (1999, p. 18-19) afirma que uma comparação entre algumas passagens
do relato do Êxodo (1,9 “filhos de Israel”; 1,15 “hebreus”; 12,38 “[...] gente de
todas as classes”) oferece indícios de que os que saíram da escravidão no Egito não
eram oriundos de uma única grande família. Ao contrário, constituíam uma parcela
significativa da sociedade egípcia, ou seja, eram os camponeses que se rebelaram
contra o governo de Ramsés II, por causa da imposição de trabalhos forçados na
construção de suntuosas cidades e monumentos egípcios.
Sua saída da servidão realizou-se sob a direção de Moisés, profeta de Javé,
o Deus que tomava partido com os oprimidos em vista da sua libertação.
Provavelmente estes camponeses não teriam tido a coragem de enfrentar
uma migração revolucionária sem uma religião deste tipo. A revolução
converteu-se num ato religioso. A luta contra o rei transformou-se numa luta
entre os deuses: de um lado, o Faraó com direitos sobre a vida de todos os
egípcios; e de outro, Ja que escutava o clamor dos oprimidos. A
fidelidade ao movimento revolucionário exigia lealdade exclusiva a Javé.
Qualquer outro deus podia representar um retrocesso à escravidão
enquanto que Javé era o Deus que os libertava (PIXLEY, 1999, p. 19).
A experiência de libertação que culminou com o Êxodo, deixou marcas tão
profundas na História de Israel que acabou “tornado-se referencial permanente,
fonte geradora de novas energias e esperanças, sobretudo nos momentos mais
críticos” (MOSCONI, 1998, p. 22), da trajetória histórica desse povo.
Subseqüente ao Êxodo, encontramos as narrativas vinculadas à conquista de
Canaã. A maneira como ocorreu a apropriação da terra de Canaã pode ser
explicada a partir de diferentes perspectivas.
51
São os chamados modelos de
tomada da terra, entre os quais podemos citar: o modelo da conquista, o modelo da
imigração e o modelo da revolta (GOTTWALD, 1986, p. 201).
De acordo com o modelo da conquista, Israel teria conquistado a terra de
Canaã através de um grande empreendimento militar unificado. No modelo da
imigração, Canaã teria sido conquistada por meio de uma infiltração pacífica, através
de pactos entre diferentes povos e pelo crescimento populacional natural. O modelo
da revolta, também chamado de revolução social, defende que Israel era composto
em grande parte de cananeus nativos que se revoltaram contra seus senhores
feudais e que uniram forças a um grupo de revoltosos vindo do deserto (MELO
51
Para uma discussão mais ampla sobre o processo de conquista e apropriação da terra de Cane
seus respectivos modelos interpretativos consultar Donner (1997a, p. 142- 151).
90
JÚNIOR, 2003, p. 26-27). O modelo da revolta poderia, em síntese, ser descrito nas
seguintes palavras:
O Israel desta época foi uma entidade sociocultural que surgiu em reação e
em interação com as formas dominantes de civilização no Oriente Próximo,
particularmente com o feudalismo cananeu e o imperialismo egípcio. [...]
Também existiam outros grupos oprimidos. [...] Israel somou-se a esses
grupos oprimidos trazendo uma contribuição decisiva: [...] Os cananeus
oprimidos pelo sistema feudo-imperial foram atraídos fortemente pelo
javismo, pois este celebrava a libertação de uma servidão sociopolítica e
prometia libertação contínua em caso de ameaça. O resultado, portanto, foi
uma combinação de forças que dilacerou por dentro o sistema dominante
[...] Onde estes grupos unidos como Israel se tornaram fortes (nas regiões
altas), expulsavam seus senhores e formavam um novo governo tribal de
anciãos rejeitando o governo central de reis feudo-imperiais. Por
conseguinte, eram abolidos os impostos e os trabalhos forçados onde quer
que Israel prevalecesse (ARANGO, 1996, p. 9).
A escravidão dos filhos de Israel no Egito estava vinculada ao trabalho duro
(Ex 1,11-14) e a freqüentes maltratos (Ex 2,11s; 5,14) que geraram um profundo
anseio por libertação.
A saída de Israel aparece, cada vez com maior clareza como uma
“salvação” ou libertação realizada por Deus. Assim se exprime
constantemente o Senhor (Ex 3.8: propriamente “arrebatar”), e este sentido
se fixa na consciência de Israel. Trata-se de uma libertação: como o escravo
hebreu que, segundo as disposições do livro da Aliança, no sétimo ano
deve ir-se embora (propriamente sair”) livre (Ex 21.2), assim também Israel
é libertado da escravidão do Egito. Impõe-se ainda um outro paralelismo.
Segundo a redação deuteronomística tardia da referida prescrição, o
escravo israelita, que recobra a liberdade, não deve ser despedido “de
mãos vazias”, mas “dar-lhe-ás presentes generosos do teu rebanho, da tua
eira, do teu lagar...” (Dt 15.14). Também no caso do êxodo não há perigo de
escassez e miséria: “Eu farei este povo encontrar graça junto aos egípcios,
do que se seguirá que, ao sairdes, não ireis com as mãos vazias” (Ex 3.21)
(SCHREINER, 2004, p. 78).
Independente da maneira com que os vários estudiosos interpretam o relato
da permanência e saída de Israel do Egito, o relato da conquista de Canaã, e o seu
processo de constituição numa nação, “as diversas tradições interpretaram os fatos
partindo da consciência de que Deus escuta o clamor dos oprimidos” (SICRE, 1990,
p. 56), frente aos seus exatores. A conquista, ou apropriação da terra de Canaã,
estabelece um novo marco na história do povo de Israel, o surgimento dos juízes e
juízas.
4.2.2 JUSTIÇA E INJUSTIÇA SOCIAL NA ÉPOCA DOS JUÍZES
A época dos Juízes, período “no qual acontecem as primeiras grandes
diferenças sociais e econômicas, é também testemunha dos primeiros esforços por
91
ajudar os necessitados” (SICRE, 1996, p. 357). O chamado ‘Código da Aliança’ (Ex
21,22-23,19) que um bom número de autores datam dessa época, enquanto outros,
admitem ter sido redigido em data posterior, reflete em muitas de suas normas os
problemas e desafios vivenciados nesse período histórico, em particular, a
preocupação pelos mais fracos (viúvas, órfãos, pobres e escravos), e a preocupação
pela correta administração da justiça (SICRE, 1996, p. 358).
Os autores bíblicos dão como certo que, ao sair do Egito, o povo estava
organizado em núcleos mais amplos que tradicionalmente o denominados clãs e
tribos. Da condição de mades ou seminômades o povo, agora, dividido em tribos,
precisa se adaptar a um novo estilo de vida e se adaptar “à vida sedentária, à
agricultura, à submissão às estações, aos trabalhos do campo, à criação de novos
animais” (SICRE, 1990, p. 59).
De todas as mudanças e adaptações que o povo experimentou no processo
de conquista da terra de Canaã, a mais significativa foi a da ocupação com a
agricultura, haja vista que esta esfera de ação estava estreitamente relacionada com
o problema da repartição das terras.
Os livros de Josué e Juízes têm como centro o tema da terra. Josué
apresenta a libertação da terra (Josué 1-12) e logo, sua distribuição (Josué
13-19). Em Juízes temos histórias de lutas populares organizadas a partir
de líderes carismáticos para manter livre a terra, livre dos cananeus (Juízes
4-5) e de outros invasores (SCHWANTES, 2008a, p. 15).
Após a ocupação da terra de Canãa, “atribuiu-se a cada tribo israelita sua
área territorial, e fica claro por Js 13-19 que a terra foi atribuída de forma que cada
tribo recebesse a porção correspondente à sua necessidade” (DAVIES, 1995, p. 44).
O critério utilizado no processo de divisão das terras foi o sorteio “diante do Senhor”
(Js 18,10), o que deixou claro que para eles, Yahweh era o dono da terra e o grande
responsável por partilhá-la entre as tribos de Israel.
Essas tradições sobre a ocupação e partilha de Canaã são importantes
porque consolidam a crença entre os israelitas de que o direito de posse da terra por
cada tribo era uma prerrogativa garantida por Yahweh. Ao mesmo tempo, reforçam a
crença de que as terras, por serem dadas pelo Senhor, deveriam ser divididas de
forma equitativa, de modo que todas as tribos recebessem sua parcela, de acordo
com suas reais necessidades (DAVIES, 1995, p. 44).
Mesmo nesse contexto onde imperaram, pelo menos conceitualmente, a
prática da justiça e da eqüidade é possível verificarmos a presença da injustiça
92
social em suas várias facetas, como por exemplo, a existência de diferenças
econômicas e sociais.
As diferenças de ordem econômica e social podem ser confirmadas através
da arqueologia, das tradições de Juízes e Samuel que, por exemplo, indicam a
existência de ‘desocupados e aventureiros’ que serviram a Abimelec, a Jefté e a
Davi, e da legislação da época contida no “Livro da Aliança” (Ex 20, 22-23,19) que
menciona grupos distintos com possibilidades econômicas variadas. É o caso dos
chefes, dos poderosos, dos escravos e escravas, dos assalariados, dos emigrantes,
e dos pobres (SICRE, 1990, p. 62-67).
Se, é fato que a época dos Juízes foi marcada por diferenças econômicas e
sociais, também se pode afirmar que os primeiros esforços para ajudar os
desfavorecidos surgem também nesse contexto. A preocupação pelos mais fracos
pode ser notada em Ex 22,20-21, onde o redator proíbe oprimir e afligir o emigrante,
e proíbe também humilhar viúvas e órfãos. A preocupação pela justa administração
da justiça é notada em Ex 23,1-9. A formulação da legislação que controlava a
prática de empréstimos e penhores é narrada em Ex 22,24, e tem como finalidade
evitar a exploração dos israelitas mais pobres (SICRE, 1990, p. 67-71). A próxima
etapa da história de Israel é a constituição do povo israelita em Estado monárquico.
4.2.3 JUSTIÇA E INJUSTIÇA SOCIAL NA ÉPOCA DA MONARQUIA
A Monarquia era um sistema de governo comum entre os povos do Oriente
Antigo. Um reino monárquico do Oriente Antigo consistia num:
Estado, por mais rudimentares que sejam ainda as suas instituições e
serviços públicos. É bem certo que o chefe de Estado é ainda o chefe de
uma espécie de grande família patriarcal, em escala de um agrupamento de
tribos. Mas o reino tem capital, exército e administração. A monarquia
oriental se situa no encontro de uma ideologia segundo a qual o rei é o pai
de seu povo, encarregado por Deus de garantir-lhe uma vida boa e o
suprimento das necessidades de uma organização estatal que supõe uma
técnica, uma cultura, “uma sabedoria”, como então se dizia (CAZELLES,
1986, p. 121).
No Oriente Antigo, o rei ocupava um papel decisivo na religião e a ele cabia a
função de mediação entre deus e os seres humanos. Na condição de mediador, ele
representava a divindade na terra, e ao mesmo tempo representava seus súditos
diante da divindade. Contudo, mesmo diante de evidências que apontam para o fato
de que a existência da realeza sempre esteve vinculada à ordem divina, no contexto
93
do Oriente Antigo, o rei de modo algum ocupa sempre e em toda a parte a mesma
posição, ao contrário, “a relação entre Deus e o rei é definida de forma diversa. Até
na mesma região esta relação pode modificar-se no decurso da história” (SCHMIDT,
2004, p. 273).
No Egito Antigo, por exemplo, a distinção entre a natureza divina e humana
de Faraó era vista a partir da distinção entre pessoa e cargo. A condição de
divindade de Faraó estava vinculada ao seu cargo e não à sua pessoa. É no
momento da entronização que ele recebe o caráter divino. Somente após a morte o
Faraó era reconhecido um deus. Enquanto está vivo, ele possui um caráter humano
e divino. no contexto mesopotâmico, apesar da diversidade cultural manifestada
nessa região do Oriente, as evidências apontam para uma concepção de que a
realeza era instituída pela divindade, sendo que a entronização era reconhecida
como sinal de escolha e graça divina sem indícios de uma crença no caráter divino
dos reis mesopotâmicos (SCHMIDT, 2004, p. 273-274). É a partir desse contexto
histórico que nascerá a monarquia em Israel.
O rei israelita recebe de seu Deus as virtudes de direito e de justiça, mishpat
e çedaqah (Sl 72,1), assim como o faraó recebia de Rê o deus supremo
Maât, a justiça ou a verdade; o rei babilônio recebia de Marduk kittu e
mêsharu e o rei fenício possuía a retidão e a justiça divinizadas (mshr e
çdq). A exemplo de outros soberanos no antigo Oriente Médio é conferido
ao rei israelita o dever de proteger os fracos e os pobres, as viúvas e os
órfãos. Mas, em Israel, o rei não é Deus, como o faraó, nem seu suplente
como o príncipe babilônico. A submissão do rei à vontade de Ja
permanecia regra constante; instrumento e servo de Deus, deve agir
segundo a vontade divina (CAZELLES apud EPSZTEIN, 1990, p. 129, os
itálicos pertencem ao texto original).
várias opiniões sobre os verdadeiros motivos que geraram uma mudança
radical na estrutura política, social e econômica do povo de Israel, com tradições que
ora apontam a instituição da monarquia como sendo a vontade de Deus, I Sm 9,1-
10,16; 11,1-11 e 15, ora como sendo um ato de rebeldia da nação contra Deus, I Sm
8,1-22; 10,18-25.
Uma das explicações plausíveis, de ordem externa, para a organização das
tribos em um Estado monárquico seria a grave ameaça do poderio militar dos
filisteus que colocava em perigo a soberania das tribos de Israel (DE VAUX, 2003, p.
120). Outras explicações, de ordem interna, giram em torno de questões
relacionadas à corrupção e ao enfraquecimento do sistema tribal e às diferenças
entre as tribos nas esferas de ordem política e econômica (MELO JUNIOR, 2003, p.
28).
94
A ganância e a sede de poder foram envenenando a estrutura interna do
sistema tribal de tal maneira que acabaram provocando sua completa ruptura e o
surgimento do Estado monárquico tendo Saul e Davi como os dois primeiros e
principais representantes desse novo momento histórico da constituição do povo de
Israel.
4.2.3.1 O GOVERNO MONÁRQUICO DE SAUL E DAVI
A monarquia nascida com Saul é concebida em função da guerra. O propósito
desse novo regime de governo é a unificação do povo para defender-se de seus
muitos adversários, em particular, os filisteus (DONNER, 1997a, p. 209). Esse
período histórico marca o início de um “processo de unificação que desembocará em
centralização; de militarização, que desembocará em militarismo; de acumulação de
poder que desembocará em ditadura” (SICRE, 1990, p. 75), nas épocas de Davi e
de Salomão.
Inicialmente o modelo monárquico estabelecido por Saul não se distanciou
muito da ordem anteriormente estabelecida, na qual Javé estabelecia juízes
para libertar seu povo das ameaças estrangeiras. Saul se apresentava
muito mais como um chefe de guerra do que propriamente como um rei.
Seu reino não possui capital, nem corte. A principal mudança instituída por
Saul foi a criação de um exército permanente e uma aristocracia militar
(MELO JUNIOR, 2003, p. 29).
Apesar de Israel ter se espelhado, de algum modo, no sistema monárquico
dos povos vizinhos, um traço característico, como mencionamos anteriormente,
distingue a monarquia implantada em Israel das monarquias estruturadas por outros
povos. Diferente de outros reinos que concebiam o rei como um descendente direto
de deus (Egito), ou como um mero homem agraciado por uma divindade qualquer
(Mesopotâmia), em Israel, o soberano é considerado adotado por Yahweh, como
podemos notar no caso de Davi e de seus descendentes que entraram em filiação
com ele através de um ato de adoção: “Publicarei o decreto de Iahweh: Ele me
disse: “Tu és meu filho, eu hoje te gerei” (Sl 2,7, BJ). Nessa perspectiva:
O rei não é um soberano, mas tão somente o lugar-tenente de Javé. Desta
forma, Javé continuaria reinando sobre o seu povo. E ao rei caberia, como
representante de Javé, defender seu povo e estabelecer a justiça.
Entretanto, quase todos os reis tanto do Norte quanto do Sul não foram
capazes de se manter fiéis a Javé, o que acabava por levar também o povo
ao afastamento de Javé. Isto teve como conseqüência final a destruição de
ambos os reinos (MELO JUNIOR, 2003, p. 29).
95
Mudanças significativas surgiram na esfera política, econômica e religiosa
com a ascensão de Davi, e posteriormente, de Salomão. A Idade de Ouro de Davi e
Salomão jamais se repetiu em outras épocas no Antigo Testamento. A expansão
territorial e de ideais religiosos, como foi imaginada por Moisés, foi realizada nessa
época em toda plenitude, de modo jamais igualado outra vez. Os esforços políticos
de Davi foram coroados de êxito. Em menos de uma década após a morte de Saul,
todo o Israel aclamou a Davi como rei. Mediante êxitos militares e numerosas
alianças, rapidamente controlou o território existente entre o rio do Egito e o golfo de
Ácaba a a costa fenícia e a terra de Hamat. O respeito internacional e o
reconhecimento que Davi obteve para Israel não foi desafiado por nenhuma nação
da época, até o fim do reinado de Salomão. Quando, séculos depois, surgiu o
profetismo ‘clássico’, as esperanças proféticas de restauração nacional fizeram
referência sempre ao reino de Davi como ideal supremo a ser buscado pela nação
(SCHULTZ, 1976, p. 127).
Davi não só unificou em sua pessoa as tribos do Norte e do Sul como também
incorporou em Israel as tribos cananéias independentes. Subjugou com seu exército
permanente, os povos vizinhos, tais como os filisteus ao oeste, os maobitas e
amonitas ao leste e os arameus ao norte formando no espaço siro-palestino um
grande reino que exigiu a criação de uma complexa organização por parte dele e de
seus sucessores para mantê-lo. O passo seguinte que consolidaria a implantação da
monarquia em Israel foi a conquista de Jebus, cidade cananéia situada em um
território de certo modo neutro, entre os reinos do norte e do sul. A cidade passou a
ser chamada Jerusalém e tornou-se residência oficial de Davi, e com o traslado da
Arca da Aliança para , tornou-se o centro cultual da fé javista (SCHMIDT, 1999, p.
36-37).
Na gestão de Davi, a organização e a administração do Estado se tornaram
mais complexas. O Primeiro livro dos Reis capítulo 1 afirma que existiam grupos de
pessoas poderosas diante do rei capazes influenciar no andamento da nação, sinal
claro de que estavam sendo lançadas as bases para o estabelecimento da
burocracia administrativa e para o surgimento de classes dirigentes.
Essa complexidade administrativa vem acompanhada de maior luxo na
corte. Nela existem cantores e cantoras (2Sm 19,36) e se considera
privilégio viver junto com o rei. [...] Surge também o primeiro harém de
Israel. Saul só tivera uma esposa, Aquinoam (1Sm 14,50). Davi conta com
oito esposas e dez concubinas. É provável que a receita para manter essa
numerosa família e essa corte procedesse dos tributos impostos a países
96
estrangeiros e dos terrenos particulares de Davi; quando a corte aumentar
seus gastos, o que vai ocorrer com Salomão, será preciso sobrecarregar de
impostos os israelitas. Por outro lado, o período de Davi o é tudo
maravilha. Constatam-se tensões, provocadas em grande parte pela forma
(suspeita para alguns) como chegou ao trono e por sua conduta posterior
(adultério com Betsabéia, assassínio de Urias, fraqueza com seus filhos). A
acusação porém mais grave e de maiores repercussões é a que lhe faz
Absalão: desinteressar-se pela administração da justiça [...] (SICRE, 1990,
p. 77).
Com a consolidação do Estado monárquico na época de Davi, é estabelecida
a oposição entre a cidade e o campo a partir do recolhimento do excedente da
produção camponesa para sustentar as estruturas administrativas, militares,
comerciais e religiosas. Pouco a pouco, esse excedente começa a ser monopolizado
por uma ‘elite’ que vai se tornando cada vez mais poderosa. Como resultado desse
processo, “os camponeses foram se empobrecendo, chegando a perder as suas
terras de herança, seus meios de sobrevivência e até sua liberdade. O
enfraquecimento dos laços familiares e tribais era irreversível” (SILVA, 1998, p. 26).
Na monarquia o papel da religião era muito importante. O Estado tributário era
fundado e legitimado por Yahweh. A narrativa de 1 Sm 8 estabelece o direito divino
que o rei tem sobre o povo.
Samuel expôs todas as palavras de Iahweh ao povo, que lhe pedia um rei.
Ele disse: “Este será o direito do rei que reinará sobre vós: Ele convocará os
vossos filhos e os encarregará dos seus carros de guerra e de sua cavalaria
e os fará correr à frente do seu carro; e os nomeará chefes de mil e chefes
de cinqüenta, e os fará lavrar a terra dele e ceifar a sua seara, fabricar as
suas armas de guerra e as peças de seus carros. Ele tomará as vossas
filhas para perfumistas, cozinheiras e padeiras. Tomará os vossos campos,
as vossas vinhas e os vossos melhores olivais, e os dará aos seus servos.
Das vossas sementes e das vossas vinhas ele cobrará o zimo, que
destinará aos seus eunucos e aos seus servos. Os melhores dentre vossos
servos e vossas servas, e de vossos adolescentes, bem como vossos
jumentos, ele os tomará para o seu serviço. Exigirá o dízimo dos vossos
rebanhos, e vós mesmos vos tornareis servos (1Sm 8, 10-17, BJ).
Conforme essa narrativa, o rei poderia convocar os filhos do povo para
compor o seu exército, e também, poderia tomá-los como servos e servas para
desempenhar funções as mais diferentes. Além disso, o rei poderia confiscar parte
das terras e da produção dos camponeses e doá-las aos seus oficiais. E, finalmente,
haveria a instituição de impostos.
A administração da justiça, que outrora estava sob a responsabilidade dos
anciãos em suas respectivas tribos, agora é reformulada. Cabe ao rei e a seus
ministros o exercício da justiça. Nesse contexto, “o rigor ético do javismo vai sendo
afrouxado para permitir a exploração, o desmando, a injustiça” (SILVA, 1998, p. 27).
97
Com o afrouxamento da ética javista ocorre a proliferação da idolatria e do
sincretismo religioso. Como os cultos aos deuses cananeus estavam diretamente
vinculados à celebração dos ciclos da natureza e à fertilidade do campo, eles
passaram a ser tolerados e ignorados. Para a ‘elite’, a manutenção dessa condição
era muito conveniente, pois “quanto mais o camponês cultuar os deuses protetores
da natureza e da terra cultivada, tentando garantir e aumentar sua produção, tanto
mais o tributo cresce” (SILVA, 1998, p. 27). No governo de Davi, portanto, temos a
consolidação do Estado monárquico que viverá seu apogeu na época de filho
Salomão.
4.2.3.2 O GOVERNO MONÁRQUICO DE SALOMÃO
No governo de Salomão, ademais dos aspectos positivos bem conhecidos de
sua gestão, tais como paz, segurança, cultura e construções magníficas,
encontramos também aspectos sombrios. O final do reinado de Davi é marcado por
muitas lutas pela sucessão ao trono. Estas lutas são marcadas claramente por
grupos ligados ao campo que se levantam contra outros, ligados à cidade. Na hora
da escolha do sucessor ao trono davídico, “estes dois partidos se opõem numa
disputa de vida ou morte. Salomão vence contra Adonias. Salomão representa a
cidade de Jerusalém, Adonias, o campo, Judá. Salomão é o governo das elites da
cidade, do comércio” (SCHWANTES, 2008a, p. 24-25).
Durante o reinado de Salomão um aumento do aparato administrativo. Os
cargos blicos se multiplicam e são passados, como herança, de pais para filhos.
Israel é dividido em dois distritos, com um governador à frente de cada um deles, o
que pressupõe que cada um deve ter organizado uma pequena burocracia
administrativa. O extraordinário harém de Salomão (700 esposas e 300 concubinas,
conforme 1Rs 11,3) exigia o emprego de vários mordomos para cuidar da corte.
Além disso, Salomão esbanjava luxuosidade. “Seu palácio, as iguarias de sua mesa,
as librés dos camareiros, as bebidas, madeira de sândalo, pedras preciosas, ouro
em quantidade, o trono de marfim recoberto de ouro puro” (SICRE, 1990, p. 78), são
indicativos da vida de luxo cultivada por ele na corte. Acrescente-se a isso, os gastos
com o templo e com o palácio real, com outros edifícios públicos e com fortalezas
espalhadas pelo país, e teremos uma dimensão das despesas para manutenção de
seu governo.
98
Como podemos notar, a necessidade de manter esse padrão elevado de vida
e cobrir todos os gastos levou Salomão a estruturar uma complexa rede de impostos
cobrados de países que foram subjugados, de caravanas, comerciantes e
mercadorias em circulação, e do comércio exterior caracterizado principalmente pela
compra e venda de cavalos e por uma frota de navios que traziam “ouro, madeira de
sândalo, pedras preciosas, prata, marfim e pavões reais” (SICRE, 1990, p. 79).
Como o recolhimento desses impostos ainda era insuficiente para manter o
elevado padrão de vida de Salomão e de seu séquito, o rei impôs tributo ao povo. E,
como se o bastasse, diante do elevado número de construções em sua gestão,
Salomão impôs sobre o povo de Israel (leia-se tribos do Norte) o trabalho forçado, o
que comprometeu mais ainda sua administração política e acentuou grandemente a
crise de injustiça social vigente em sua gestão (ARANGO, 1996, p. 12).
A exploração das tribos do Norte foi a maior injustiça do período de Salomão
“principalmente levando-se em conta que o trabalho e os tributos beneficiavam
especialmente os do Sul” (SICRE, 1990, p. 80). Avaliando a situação das tribos do
Norte nesta perspectiva fica fácil compreender a tentativa de rebelião de Jeroboão
(1Rs 11, 26-40) e a posterior independência das tribos do Norte (1Rs 12).
A perversão da monarquia agravou-se com a subida de Salomão ao trono
no ano de 970 a.C. e perdurou até a queda de Jerusalém em 587 a.C., sob
os duros golpes do exército babilônico. Foram 383 anos de vida sofrida, de
opressão. Somente três reis conquistaram alguma simpatia junto ao povo:
Davi, Ezequias e Josias. Os outros foram abominados, conforme avaliação
feita pelos levitas ao escreverem a história da monarquia de Israel e Judá
(MOSCONI, 1998, p. 25-26).
Após a morte de Salomão, Israel, que estava fortemente marcado pela
injustiça social, dividiu-se em dois, reino do Norte e reino do Sul, agora denominados
respectivamente Israel e Judá. Essa divisão territorial, as guerras entre si e a
ameaça dos países vizinhos, repercutiu negativamente para a economia de ambos
os reinos. O abismo entre ricos e pobres aumentou, abismo esse que se
manifestava de forma clara no século IX a.C. e que “alcança dimensões alarmantes
no século VIII” (SICRE, 1990, p. 92).
A desigualdade na distribuição de riqueza será o principal problema
enfrentado pela monarquia. Outros problemas que surgem nesse período são: o
latifundismo, vinculado ao desejo desenfreado da classe alta de possuir mais terras;
a falha na administração da justiça; o comércio que se torna uma verdadeira fonte de
injustiças, em particular para os pequenos camponeses e para os pobres; e, a
99
defesa dos direitos dos pobres, que se torna cada vez mais deficitária (SICRE, 1990,
p. 93-99). Outros problemas concretos denunciados mais tarde pelos profetas
vinculavam-se à escravidão, salário, tributos e impostos, roubo, assassinato,
garantias e empréstimos e luxo (SICRE, 1996, p. 369-372).
Entre as mudanças significativas que ocorrem nesse período poderíamos citar
o processo de aquisição de bens da coroa e de sua administração. Antes da
instauração da monarquia os territórios eram comunitários ou particulares. Com o
seu estabelecimento, “aparecem agora as propriedades da coroa, indispensáveis
para pagar os empregados da corte, os militares, e para as heranças aos filhos do
rei” (SICRE, 1990, p. 85).
O processo de aquisição do patrimônio da coroa estava vinculado a três
procedimentos: à compra de terrenos; à apropriação dos bens da coroa no caso de
mudança de dinastia, quando não houvesse herdeiros; e, ao confisco das
propriedades dos condenados por motivos políticos e dos emigrados e fugitivos.
É provável que os bens da coroa não tenham provocado grandes injustiças.
Os profetas não denunciam os reis como os principais culpados do
latifundismo. [...] Talvez a maior culpa da monarquia, especialmente com
Davi e Salomão, tenha sido propor ideal de vida no qual o luxo e a riqueza
ocupam posição importante. Criou cargos, aos quais se pode aspirar, pelos
quais se luta e se conspira. A ascensão de Salomão ao trono é triste
exemplo dessas intrigas de palácio e de ambições mal dissimuladas
(SICRE, 1990, p. 86).
Apesar dos contratempos surgidos no processo de institucionalização da
Monarquia em Israel, não se pode negar que esse foi um período de grandes êxitos
e progresso material. Todavia, tal progresso veio acompanhado de injustiças e
opressões.
Não há dúvida de que este passo em direção à modernização trouxe
prosperidade ao país. Surgiram grandes cidades com seu comércio e houve
um bom movimento de produtos. Estabeleceram-se tribunais de leis para
proteger os bens de todos e resolver contendas. Fortificaram as cidades
com muros, compraram armas e organizaram exército numeroso para
defender-se. O resultado foi a paz, a segurança e a prosperidade de todos.
[...] Quando o país começou a caminhar bem com bons negócios e bom
exército, alguns adiantaram-se mais do que os outros; os mais fortes do
povo começaram a aproveitar-se dos pequenos, dos fracos, dos pobres.
Esqueceram o sistema de leis que dava proteção a todos. Houve problemas
econômicos e de justiça. Levantaram-se então profetas para enfrentar isso
(SEUBERT, 1992, p. 11-12).
Os mesmos fatores, que levaram Israel ao êxito e ao progresso material,
cooperaram também para o estabelecimento dos graves problemas sociais
manifestados em meados do século VIII e século VII. É esse contexto caótico, o
100
ponto alto para o surgimento do Profetismo em Israel com suas denúncias contra a
injustiça social e seu apelo ao retorno à prática da justiça.
4.3 JUSTIÇA E INJUSTIÇA SOCIAL E O PROFETISMO EM ISRAEL
A História das Religiões e muitas descobertas arqueológicas têm confirmado
que a figura do profeta é tão antiga no Oriente Antigo quanto a figura do sacerdote.
Exceção feita ao Egito, devido ao desacordo de estudiosos em interpretar os textos
até agora conhecidos (SCHÖKEL e DIAZ, 1987a, p. 31), a presença dos profetas é
atestada entre os hititas, na Síria, na Palestina e na Mesopotâmia (SELLIN e
FOHRER, 1977, p. 512-513).
A literatura dita profética aparece no Egito, nos períodos de decadência e
convulsões sociais, mas o gênero “lamentação” o prosperou entre este
povo feliz. Na Mesopotâmia, naquelas regiões assoladas por grandes
cataclismos fluviais e propagação das invasões”, onde, acima de tudo,
procuram-se conjurar o medo, o desespero e a guerra, os oráculos
procuram especialmente, premunir o homem contra a angústia e a
preocupação. A correspondência dos reis de Mari (por volta do século XVIII
a.C.) refere-se a profetas ou profetisas, denominados “respondentes” ou
“extáticos”. Em Canaã, a estela do rei Zaquir de Hamá mostra-nos que os
reis consultavam seus deuses através dos profetas; havia também os
videntes e os extáticos. Mas pouco sabemos acerca deste profetismo
semítico ocidental (EPSZTEIN, 1990, p. 111-112).
Dados concretos indicam que a evidência da presença de profetas nas
religiões e culturas do Oriente Antigo é escassa. Todavia, uma explicação plausível
para a escassez de informações a respeito deles pode estar vinculada “ao fato de
que os profetas proclamavam suas mensagens oralmente, e comumente não foram
registradas por escrito [...]” (FOHRER, 1982, p. 274). Nossa ênfase doravante se
concentrará no surgimento do movimento profético em Israel, também denominado
Profetismo, e na relação desse movimento com outros do Oriente Antigo.
4.3.1 PRIMÓRDIOS DO PROFETISMO EM ISRAEL
Acerca das possíveis raízes do movimento profético em Israel, encontramos
no Oriente Antigo duas formas de profecia correspondentes a dois tipos de
contextos religiosos, a saber, a religião nômade e a religião da área cultivada.
101
A forma de profecia relacionada à religião nômade estava vinculada ao
mundo nômade. Nela encontramos ‘o vidente’ ou ‘visionário (ro’eh ou hozeh)
52
, um
personagem que não estava necessariamente vinculado a um santuário. Conforme o
próprio nome sugere, a visão era o mecanismo primário de contato do vidente com o
outro mundo mais elevado; a audição representava um papel menor. “Comumente,
os oráculos eram baseados naquilo que chegava à visão e naquilo que o vidente
observava. Isso é verdadeiro acerca de Balaão que tinha que ver os israelitas antes
que ele pudesse amaldiçoá-los” (FOHRER, 1982, p. 275). Partindo do pressuposto
que os israelitas levaram uma vida made ou seminômade antes de conquistarem
a terra de Canaã parece haver alguma vinculação desse tipo de profecia com Israel.
A outra forma de profecia estava vinculada à área cultivada do Oriente Antigo,
e, está “relacionada com a estimulante vegetação e com os cultos da fertilidade”
(FOHRER, 1982, p. 275). Aqui se encontram os profetas extáticos, geralmente, em
santuários ou cortes reais.
No antigo Israel encontram-se sociologicamente condicionadas as duas
formas de profetismo: a figura do extático, que se acha ligado aos cultos
excitantes da fecundidade dos países de cultura, ou seja, a figura do nabi
(nabî’, “aquele que foi chamado”), e a figura do vidente (ro’eh, hozeh),
associado ao âmbito da vida nômade. Evidentemente, o profetismo vidente
bem cedo desapareceu, do mesmo modo que a herança nômade. Um de
seus últimos representantes foi Natan. [...] O profetismo extático ocupa mais
o primeiro plano, onde o êxtase se faz sentir de maneira muito acentuada e
persistente [...]. Os videntes e os nebiim aos quais alude 1Sm 9,9, fundiram-
se no profetismo israelita propriamente dito sob o influxo da fé javista
(SELLIN e FOHRER, 1977, p. 515-516).
Apesar da constatação de que o profetismo é um fenômeno anterior ao
surgimento da nação de Israel, o fato notório é que em Israel encontramos “um
fenômeno único, um movimento religioso novo e distinto e uma abordagem de vida
que foi de imensa importância para a história do javismo” (FOHRER, 1982, p. 273-
274).
O termo ‘nabi’
53
é a expressão hebraica comumente utilizada para referir-se a
profeta no contexto do Antigo Testamento. A origem desse vocábulo é incerta. Entre
as várias possibilidades de explicação para o surgimento de ‘nabi’ a que é
considerada mais simples e mais plausível, vincula esse vocábulo “ao acádico nabu,
que oferece desde os meados do 3º século até aos meados do 1º, o sentido de
52
Uma boa análise crítica a respeito desses termos hebraicos pode ser encontrada em Wilson (2006,
p. 173-174).
53
Para uma análise crítica mais aprofundada a respeito desse termo consultar Wilson (2006, p. 170-
173).
102
“chamar”. O nabi seria pois “o chamado (por Deus)” (ROBERT e FEUILLET, 1967, p.
3).
Segundo Fohrer, uma leitura de 1Sm 9,9 parece indicar a fusão das
designações ‘vidente’ e ‘nabi’, culminando na figura do profeta clássico de Israel.
Todavia, a profecia do Antigo Testamento não se constitui na simples mistura e
continuidade das formas anteriores, pelo contrário, “ela transformou aquilo que
tomou por empréstimo e preservou em si algo de único e diferente” (FOHRER, 1982,
p. 280).
Existem muitas dúvidas entre os estudiosos do Antigo Testamento quanto a
situar exatamente o surgimento do Profetismo em Israel. Alguns estudiosos vinculam
esse evento com a época de Samuel. Segundo as fontes mais antigas sobre a
história de Samuel, ele, Samuel, é apresentado como “o sustentáculo do puro
javismo e o fundador da teocracia real. Ele inaugura a linha dos grandes profetas”
(ROBERT e FEUILLET, 1967, p. 7).
Outros estudiosos consideram inapropriado confundir a questão da idade e da
origem do profetismo, com a idade e origem do movimento extático. Um confronto
entre essas duas instâncias levou Gerhard von Rad à seguinte conclusão:
Nem mesmo um estudo mais profundo dos documentos literários que se
referem a este problema conseguiria caracterizar o “profetismo” mais antigo
como um fenômeno histórico de contorno com definição mais ou menos
clara. As fontes o fornecem dados suficientes para aquilo que buscamos
com tanta urgência. De fato, motivos para pensar que um movimento
divinatório e extático tenha surgido na Síria e na Palestina no século XI, e
que este movimento, cuja origem provavelmente nem deve ser buscada
entre os semitas, se tenha propagado também em Israel. Mas certamente
não é exato pretender que “o” profetismo israelita tenha surgido no
momento em que esta faísca se alastrou no âmbito da fé javista. [...]; por
outra parte, não é certo partir da informação de 1 Sm 9.9, cujo sentido não é
claro, e fundamentar nela a tese de que o nabiísmo teria substituído a
instituição dos videntes do antigo Israel (VON RAD, 2006, p. 456).
As observações feitas por von Rad apontam para o cuidado que o
pesquisador do profetismo no Antigo Testamento precisa ter ao buscar compreender
as origens deste movimento. A tentativa de relacionar fenômenos extáticos de povos
do Oriente Antigo com o profetismo em Israel, com a finalidade de buscar as origens
deste último movimento pode levar a conclusões falaciosas.
Um exemplo disso pode ser encontrado na similaridade entre a profecia
hebraica e o registro de um texto mesopotâmico procedente do reino de Mari, no
Eufrates Médio. O texto foi escrito por uma pessoa que tinha conhecimento de um
103
oráculo pronunciado por um apilu
54
da parte do deus Hadad e endereçada ao rei.
Uma vez que o oráculo foi dirigido ao rei, o escritor se sentiu na obrigação de enviá-
lo, ainda que aparentemente o apilu não tivesse necessariamente a intenção de
entregá-lo dessa maneira (WOOD, 1983, p. 27). Os paralelismos entre as cartas
encontradas nos arquivos reais de Mari,
55
na época de Hamurabi, e a profecia do
Antigo Testamento são inegáveis (FOHRER, 1982, p. 277-279). Para uma melhor
comparação entre os textos de Mari e o profetismo em Israel citaremos a seguir, a
título de exemplo, o conteúdo narrativo de fragmento de uma tabuinha de Mari:
... Meu senhor diante dos reis e [ ] ordenou que sejam entregues os
(animais) machos, nesses termos: ‘Que, no futuro, ninguém se revolte
contra mim!’ Eu lhe impus testemunhas. Que meu senhor o saiba! Por
oráculo, Adad, o senhor de Kallassu, falou nestes termos: ‘Não fui eu, Adad,
o senhor de Kallassu, que o ergui em meus joelhos e que o reconduzi ao
trono da casa do seu pai? Depois que o reconduzi ao trono da casa do seu
pai, dei-lhe também uma residência. Agora, como eu o reconduzi ao trono
da casa de seu pai, posso retomar Nihlatum de sua mão. Se ele não fizer a
entrega, eu sou o senhor do trono, do território (?) sobre territórios (?),
cidades sobre cidades, e o país, do leste ao oeste, eu lhe darei’. Eis o que
disseram os “defensores”; ora, eles (?) permanecem continuamente nos
oráculos. Agora, na verdade, o “defensor” de Adad, o senhor de Kallassu,
vigia a região de Nihlatum. Que meu senhor o saiba! Antes, quando eu
residia em Mari, eu enviava ao meu senhor tudo o que diziam o “defensor” e
a “defensora”... (apud AMSLER et al., 1992, p. 33-34).
O texto acima pode ser comparado com a narrativa das palavras do profeta
Natã, dirigidas ao rei Davi em nome de Yahweh:
Mas, naquela mesma noite, a palavra de Deus foi dirigida a Natã nestes
termos: Vai dizer a Davi, meu servo: [...] Assim fala Iahweh dos exércitos.
Fui eu quem te tirou do pastoreio, de detrás das ovelhas, para seres chefe
do meu povo Israel. Estive contigo por toda parte aonde ias, exterminei
diante de ti todos os teus inimigos. Dar-te-ei um renome igual ao dos mais
ilustres da terra. [...] Eu te anuncio que Iahweh te fará uma casa e quando
se completar o tempo de te reunires a teus pais manterei depois de ti a tua
posteridade: vai ser um de seus filhos, cujo reinado firmarei. Ele me
construirá uma casa e eu firmarei seu trono para sempre (1Cr 7,3-4;7-8;10-
12, BJ).
Os paralelismos encontrados nessas, e em outras ‘profecias’, têm levado
muitos estudiosos a defender a idéia de que finalmente encontraram as origens do
profetismo israelita. De acordo com os exemplos acima referidos, os pontos de
semelhança nas mensagens das cartas de Mari quando confrontadas com a profecia
54
‘respondente’, termo designativo para ‘profeta’ no referido texto. Para maiores esclarecimentos
sobre o significado e a função social do apilu em Mari, veja Wilson (2006, p. 129-133).
55
Os arquivos do palácio de Mari, às margens do Eufrates, destruído por volta de 1750 a.C., nos dão
a conhecer a civilização e a atividade dos amoritas, semitas do oeste, que precederam aos israelitas
(cf. Ez 16,13; Gn 15,16). Trata-se de peças administrativas e de cartas trocadas com príncipes
estrangeiros e oficiais do reino. Informam-nos sobre os movimentos das tribos nômades e semi-
nômades que gravitam ao redor das pequenas capitais (Haneus, Sutu, Hapiru) (Cazelles, 1986, p.
36).
104
veterotestamentária são os seguintes: ambas contam com homens e mulheres
56
como mensageiros; esses mensageiros têm plena consciência de haverem recebido
uma missão, ou seja, são pessoas enviadas; são pessoas que se apresentam diante
de um rei com uma mensagem oral; elas transmitem suas mensagens em períodos
de crises; e, as mensagens apelam para que se tenha um compromisso com a
divindade, compromisso esse que está vinculado, não somente ao âmbito religioso,
como também a todas as esferas da vida (SCHÖKEL e DIAZ, 1987a, p. 32).
Todavia, apesar dos pontos de semelhança entre essas duas esferas, é
necessário mencionar as diferenças entre elas que, diga-se de passagem, são
gritantes. A diferença radical entre Mari e Israel se encontra no conteúdo das
mensagens. Existe uma enorme distância entre a mensagem dos profetas israelitas
em comparação com as dos mensageiros de Mari. O teor do anúncio profético de
juízo incondicional aponta uma característica singular da mensagem profética de
Israel. Outras diferenças podem ser encontradas no fato de que o profeta do Antigo
Testamento desafia não apenas o rei, mas a todo o povo para um concerto com
Yahweh. Esse concerto não se restringe apenas a formalidades externas. Exige
transformação interior. Não se restringe somente à prática do culto, mas desafia as
pessoas a praticarem a justiça em favor dos necessitados. A denúncia profética é
dirigida ao rei e ao povo indistintamente chamando-os ao arrependimento e à
conversão, e ao mesmo tempo semeando a esperança entre eles. Todo o teor da
palavra profética é declarado em nome de um único Deus soberano, sem ceder em
absolutamente nada ao politeísmo (SCHÖKEL e DIAZ, 1987a, p. 33-34). Dito de
outro modo, “um dos aspectos mais célebres e importantes da mensagem profética
é constituído pela denúncia dos problemas sociais e pelo seu esforço em prol de
uma sociedade mais justa” (SICRE, 1996, p. 357).
Possivelmente, a postura mais sensata em relação a esse tema controvertido
é afirmar que um dos fatores mais importantes relacionados à origem do movimento
profético em Israel é o fato de que o profetismo surge com a instituição da
monarquia e desaparece pouco a pouco com o fim desse sistema de governo.
(SILVA, 1998, p.17; SCHÖKEL e DIAZ, 1987a, p. 34). Não estamos afirmando com
isso, que não surgiram profetas em épocas anteriores à Monarquia. O que estamos
56
No fragmento acima citado temos “defensores e defensoras” como os paralelos diretos de “profeta
e profetisa” israelita.
105
apontando é o fato de que o movimento do Profetismo em Israel será consolidado no
Estado monárquico.
4.3.2 O PROFETISMO E O ESTADO MONÁRQUICO EM ISRAEL
Cervantes (1998, p. 140-141) elabora dois quadros (ANEXOS B e C)
descrevendo a primeira fase de desenvolvimento do profetismo entre os israelitas,
isto é, o período dos profetas sem escritos. Ali, ele aborda a época de exercício do
ministério profético, identifica o profeta, o lugar onde ele desenvolveu seu ministério,
a situação política da época, a problemática vigente e a intervenção profética.
Parece ter sido propósito divino, na instituição do sistema monárquico, impor
ao lado do rei a figura de seu porta-voz, o profeta, “com a missão de pôr obstáculos
a uma política arbitrária e tendente ao absolutismo (AMSLER et al., 1992, p. 21). Os
conflitos entre monarcas e profetas se manifestaram bem cedo no Israel monárquico
e prosseguiram até o fim do reino de Judá. Basta mencionar os relatos de conflitos
entre Saul e Samuel (1Sm 13,15), entre Davi e Na (2Sm 12) no início da
monarquia, e as oposições entre Isaías e Acaz (Is 7-8), e entre Jeremias e Jeoaquim
(Jr 36) no fim do reino de Judá.
Poderíamos traçar, em linhas gerais, as principais tendências do Profetismo
em Israel em três etapas distintas. A primeira etapa caracteriza-se pela proximidade
física e distanciamento crítico do profeta em relação ao monarca. Natã é um bom
exemplo disso. Como profeta da corte acompanhou a Davi em três momentos
decisivos de sua vida: no projeto de construção do templo (2Sm 7), no caso do
adultério acompanhado de homicídio (2Sm 12) e na entronização de Salomão como
o novo rei de Israel (1Rs 1,11-48). Mesmo na condição de profeta da corte, Natã
sempre assumiu uma posição crítica em relação à realeza, isto é, nunca se vendeu
ao rei (SICRE, 1995, p. 226).
A segunda etapa é marcada por um distanciamento físico cada vez maior
entre o profeta e o monarca. Aías de Silo é um exemplo desse momento histórico.
Por duas vezes, mesmo não sendo profeta da corte, ele se dirigiu ao rei Jeroboão I
de Israel. A primeira vez com a promessa de entronização no trono de Israel; a
segunda, com uma mensagem de condenação por sua conduta (1Rs 11,29-39;
14,1-8) (SICRE, 1995, p. 227).
106
A terceira etapa “concilia o afastamento progressivo da corte com a
aproximação cada vez maior do povo” (SICRE, 1995, p. 227). O profeta Elias é um
dos grandes expoentes desse momento histórico de Israel. Registraremos,
posteriormente, algumas informações sobre a época e o ministério de Elias. Por ora,
basta asseverar que nessa etapa:
Os profetas se dirigirão predominantemente ao povo. Não deixam de falar
ao rei, que este ocupa um lugar fundamental na sociedade e na religião
de Israel, e de sua conduta dependem numerosas questões. Mas foi
estabelecido um ponto de contacto [sic] entre o movimento profético e o
povo, e ambos irão estreitando os seus laços cada vez mais (SICRE, 1995,
p. 228).
Sem ignorar o fato de que existem várias narrativas acerca de grupos de
profetas que se reuniam junto aos santuários de Yahweh, com organização
elementar e função cultual (ROBERT e FEUILLET, 1967, p. 6), e que outros profetas
atuaram individualmente no período de consolidação da monarquia (FOHRER, 1982,
p. 280-281), é ponto pacífico entre os pesquisadores o fato de que a denúncia
profética, como caracterizada pelos profetas do Antigo Testamento, começou a
levantar a sua voz no século IX com Elias e Eliseu, considerados historicamente
como profetas pré-clássicos (FOHRER, 1982, p. 281-285).
Para compreender um profeta é necessário conhecê-lo a partir de sua
realidade. É preciso entender o contexto onde ele atuou, como ele construiu sua
personalidade, como fez suas denúncias e quais foram as propostas de solução
encontradas para os problemas detectados em seu tempo, e, finalmente, como ele
esperou um novo tempo, ou seja, o que serviu para sustentá-lo na sua caminhada.
Seguindo o esquema: profeta, denúncia, solução e esperança, Faria (2000, p. 28-30)
elabora algumas tabelas que apresentam, numa visão panorâmica, a realidade na
qual estavam inseridos vários profetas, entre os quais se encontra o profeta Elias.
Nos relatos acerca de Elias, por exemplo, pouca coisa se escreve sobre as
circunstâncias de sua vida pessoal, seu meio social e religioso e suas origens. O
que se sabe sobre este profeta é que ele era originário de Gileade, região que ficava
ao oriente do Jordão, e que, essa região, não foi uma terra de antiga civilização
cananéia. Possivelmente, por ter sido colonizada por israelitas, a exclusiva em
Yahweh tenha se mantido mais pura nessa região do que no ocidente, onde Israel
tinha freqüentes contatos com o culto a Baal, o que possibilitava uma grande mistura
de religiões e, conseqüentemente, o surgimento do sincretismo religioso (VON RAD,
2006, p. 458).
107
Esse sincretismo religioso começou a se manifestar bem cedo na história de
Israel, e remonta à época da conquista de Canaã. Contudo, tal sincretismo começa a
assumir grandes proporções no reinado de Davi, quando vastos territórios de Canaã
foram anexados ao reino de Israel.
[...] Através desse aumento populacional o elemento cananeu no seio de
Israel se tornou um fator de ameaça. [...] É que a desagregação das antigas
idéias sobre Javé, sobre o caráter específico da sua adoração e sobre a sua
vontade jurídica, era sorrateira e bem poucos se apercebiam dela. É
provável que externamente quase tudo tenha ficado no mesmo. Os altares
fumegavam, as orações eram ditas, a linguagem e os conceitos religiosos
que serviam para atualizar a revelação e as obras de Javé talvez nem
tenham sofrido mudanças profundas. Mas será que aquele que era cultuado
ainda era Javé? Será que as intenções não iam em direção a Baal que se
caracterizava pelas bênçãos naturais e ao qual simplesmente se havia
transferido o nome de Javé? Ou será que se tratava de uma terceira
entidade, que de forma indefinida se situava entre Javé e Baal? (VON RAD,
2006, p. 458).
Desde a época de Davi, essa situação permaneceu camuflada por cerca de
150 anos, a assumir proporções gigantescas nos reinados de Onri e Acabe,
quando o culto de Yahweh se viu gravemente ameaçado pelo culto a Baal. É nesse
contexto que surgiu Elias. Aparentemente, o sincretismo religioso havia se
instaurado em Israel de modo tão eficaz, que na narrativa do Carmelo, 1 Rs 18,17-
40, quando Elias desafia o povo a fazer uma escolha entre Yahweh e Baal, ele
obtém, como resposta, o silêncio da multidão.
Ninguém, na época, percebia, como Elias, a incompatibilidade entre o culto
de Baal e as antigas tradições javistas de Israel. Portanto, o podemos
pressupor que para os ouvintes em princípio a alternativa “Baal ou Javé”
fosse imediatamente familiar. [...] Esse silêncio exprime mais a
incompreensão pela questão levantada do que um sentimento de culpa (v.
21) (VON RAD, 2006, p. 460).
Elias, após a experiência do Carmelo, passa por uma profunda crise
ministerial a ponto de desejar a morte (1Rs 19,1-5). Aparentemente, seu zelo pelo
javismo e seus esforços pela re-implantação do culto de Yahweh em Israel haviam
fracassado. Mas, no monte Horebe, Elias é assistido por Yahweh. Ali, Yahweh
revela-se a Elias e afirma que o profeta não está sozinho em seu esforço. sete
mil que não se prostraram diante de Baal, ou seja, existe um ‘resto’, um
remanescente, que será poupado da destruição (1Rs 19,9-15). Em anexo,
Apresentamos uma tabela que resume de forma magistral a realidade do profeta
Elias: seu contexto vital, suas denúncias, as soluções apresentadas para a crise da
época e a esperança de que o povo poderia restaurar sua fé em Yahweh, através do
re-estabelecimento do culto e da ética javista (ANEXO D).
108
A época dos profetas ditos ‘clássicos’ se inicia cerca de cem anos após Elias,
e, é marcada pelo aparecimento dos profetas Amós, Oséias, Isaías e Miquéias, no
século VIII a.C. Nessa nova etapa da história de Israel, as narrativas são relegadas a
segundo plano e, em seu lugar, aparece a coleção de ditos proféticos reunidos de
modo desordenado, sem a preocupação em organizá-los de acordo com a ordem
cronológica dos eventos (VON RAD, 2006,
p. 474).
O emprego lingüístico corrente, que recua até alguns séculos antes de
Cristo, entende ordinariamente por profetas” os homens de Deus que,
sobretudo entre os séculos VIII e VI, desenvolveram sua atividade em Israel.
Sua pregação nos foi conservada em livros bíblicos que trazem os seus
nomes (RENCKENS, 1969, p. 184).
Estes profetas são também denominados ‘profetas escritores’. Não que eles
originalmente tivessem a intenção de ser ‘escritores’, ao contrário, eles eram
primariamente homens da palavra. A mensagem, a respeito da qual eles haviam
sido enviados como porta-vozes, foi primeiro ouvida, antes de ser lida e lhes foi
confiada para ser proclamada. O surgimento da mensagem profética escrita e o
processo de transmissão da referida mensagem pelos discípulos dos profetas
ocorreu pela necessidade que o profeta sentia de ver preservadas as suas palavras
e deixá-las como testemunhas, uma vez que tais mensagens normalmente não eram
aceitas por seus contemporâneos (AMSLER et al., 1992, p. 17-18).
Naturalmente, o trabalho de registro e coleção desses ‘ditos’ proféticos foi um
processo longo e solidário.
Nenhuma coleção desses escritos foi obra de um só homem, nem foi escrita
de uma vez como um livro que sai hoje para as livrarias, mas foi o fruto
da colaboração da testemunha enviada por Iahweh a Israel numa
determinada fase de sua história, e da comunidade que recebeu sua
mensagem e continuou seu trabalho. Disso resultou o texto atual em sua
forma canônica que participa, em sua integralidade, da revelação bíblica
(AMSLER et al., 1992, p. 19).
Coube aos discípulos dos profetas manterem vivos seus ideais após sua
morte. Sobre eles pesou a responsabilidade de preservar os ensinamentos de seus
mestres. Preservar o que os próprios profetas haviam escrito ou rememorar os ditos
proféticos e escrevê-los ou transmiti-los oralmente. Assim, teve início o moroso
processo de reunir, organizar e comentar a palavra dos profetas que resultou nos
ditos livros proféticos, mais ou menos como chegaram até nós na atualidade
(SEUBERT, 1992, p. 40).
A intervenção social dos profetas ocorre a partir de uma tomada de
consciência das falhas na vida do povo de Israel. A acusação é grave: a base da
109
convivência desapareceu. roubos, maldições, assassinatos, escravidão, sangue
inocente derramado, luxo e exploração. A Lei tornou-se ineficaz para conter a ruína
social. Desse modo:
Os profetas protestam com violência, ameaçando com a iminente catástrofe
do juízo. O Deus de Israel é um Deus de justiça; o Deus que ouviu o clamor
do povo escravizado no Egito deve intervir de novo salvando o oprimido,
descarregando sua lera contra os novos opressores. [...] O juízo
anunciado pelos profetas é juízo decidido, irrevogável, que torna inútil
todo esforço humano de conversão. São muitas as admoestações
proféticas. Deus é o único que renova o interior do homem depois de fazê-lo
beber o lice do seu juízo (SCHÖKEL e DIAZ, 1987a, p. 58, tradução
própria).
O fim do período do Profetismo em Israel ocorre, concomitantemente, com o
fim da instituição da monarquia. Em suma, pode-se afirmar que:
No século VIII a.C., os dois reinos hebraicos (Israel e Judá), com suas
capitais Samaria e Jerusalém, passaram da prosperidade para a catástrofe.
Perto do fim do século, a máquina militar do vasto império assírio esmagou
a Samaria e reduziu terrivelmente Jerusalém. Mas das ruínas foram
preservadas palavras de quatro profetas radicais Amós, Oséias, Isaías e
Miquéias. Nada parecido com eles foi conhecido em tempos anteriores. A
profundidade da crise parece ter evocado uma extraordinária profundidade
de ministério. Seu trabalho deve ter sido preservado precisamente porque
revelava significado nas trevas da destruição e deportação. [...] Outros
ministérios proféticos deixaram depósitos menores, mas notáveis na
coleção de livros proféticos, entre eles, Sofonias, Naum e Habacuc, no
século VI, e Ageu, Zacarias e Malaquias do século VI ao V. Mas as grandes
séries de vozes morreram com a mudança das condições. O fim do Estado
real independente, a ascensão de uma classe sacerdotal governante, a
construção de uma escritura volumosa, o pano de fundo do império persa e,
depois, grego, tudo isso pode ter contribuído para o fim da grande
seqüência profética. Mas, na forma de livros, as palavras radicais
sobreviveram. Nessa forma perdurável, eles ainda tinham o poder de
acelerar impulsos e movimentos religiosos (EATON, 2000, p. 19-20).
Como podemos observar, os profetas surgem em momentos de crise em
Israel. Normalmente, junto com a crise religiosa encontramos a injustiça social como
reflexo das rápidas e drásticas mudanças experimentadas na sociedade israelita.
Alguns profetas (Elias, Amós e Miquéias) foram camponeses. Outros (Isaías, Oséias
e Habacuc) viveram nas capitais. Outros ainda (Jeremias e Ezequiel) foram
sacerdotes e outros leigos.
Contudo, mesmo diante dessa diversidade de contextos e experiências, suas
respectivas mensagens são caracterizadas pela denúncia profética contra toda sorte
de injustiça social. Seus respectivos discursos são dirigidos àqueles que exercem o
poder e que constituem o próprio Estado e aos israelitas em geral. Duras críticas são
dirigidas a essas instâncias, denunciando o abandono e a ruptura das relações da
aliança de Yahweh, causa primária do estabelecimento e permanência de um
110
ambiente injusto em todas as esferas sociais. Ao remanescente, os profetas
anunciam a intervenção de Yahweh, trazendo juízo e punição para os ímpios e
recompensa aos justos por sua fidelidade (SILVA, 1998, p. 29). Esse foi o grande
tema desenvolvido no livro do profeta Habacuc.
4.4 JUSTIÇA E INJUSTIÇA SOCIAL: HABACUC E O PROFETISMO
No início do século VII, e por aproximadamente 40 anos, reinou em Judá o
sanguinário Manassés (687-642). A morte de Manassés, no ano de 642, abriu um
período de crise na história de Judá. Esse déspota governou durante 55 anos,
seguindo à risca a política assíria. Depois dele, o seu filho Amon subiu ao trono e
reinou por um ano, sendo logo deposto por um grupo de revoltosos da corte. Esse
período marca a fase de declínio do poderio assírio como potência hegemônica na
Palestina (GOTTWALD, 1988, p. 349-350).
2 Reis 21 e 22 trazem o relato da intervenção do “povo da terra” em relação
àqueles que usurparam o poder davídico, e a narrativa da entronização do menino
Josias (640-609) como rei de Judá.
Amon tinha vinte e dois anos quando começou a reinar e reinou dois anos
em Jerusalém; sua mãe chamava-se Mesalemet; era filha de Harus e
natural de Jeteba. Ele fez o mal aos olhos de Iahweh, como havia feito seu
pai Manassés. Seguiu em tudo a conduta de seu pai, prestou culto aos
ídolos que ele havia servido e prostrou-se diante deles. Abandonou Iahweh,
Deus de seus pais, e não seguiu o caminho de Iahweh. Os servos de Amon
conspiraram contra ele e mataram o rei no seu palácio. Mas o povo da terra
matou todos os que haviam conspirado contra o rei Amon e proclamou rei
em seu lugar seu filho Josias. [...] Josias tinha oito anos quando começou a
reinar e reinou trinta e um anos em Jerusalém; sua mãe chamava-se Idida,
era filha de Hadaia e natural de Besecat. Fez o que é agradável aos olhos
de Iahweh e imitou em tudo a conduta de seu antepassado Davi, sem se
desviar para a direita nem para a esquerda (2Rs 21,19-24; 22,1-2, BJ).
O “povo da terra”, um grupo da população difícil de ser identificado,
57
intervém
ativamente no desenrolar dos fatos (SCHÖKEL e DIAZ, 1987a, p. 399-400).
Independente de como identificamos esse grupo, é provável que essa expressão
indique o conjunto de cidadãos de Judá, “homens livres que usufruem de direitos
cívicos” (DE VAUX, 2003, p. 95),
pois, ao que parece, esse grupo de pessoas
57
Alguns estudiosos consideram que essa seria uma referência aos camponeses pobres, outros, que
seria uma alusão a sacerdotes de segunda ordem, e outros ainda, que seria uma menção a
proprietários rurais. Uma discussão mais ampla do assunto pode ser encontrada em de Vaux (2003,p.
95-96).
111
exerceu o governo até que, o menino rei Josias, que foi educado por um conselho
de ancião-sábios e que foi instruído na Lei de
Yahweh, tivesse idade suficiente para
assumir o comando da nação.
Assim que Josias assumiu o poder, ele colocou em prática ampla reforma.
Essa reforma empunhava uma bandeira fortemente religiosa, na medida em que
propunha uma centralização do culto ao Deus único em Jerusalém. Essa reforma
cultual expressava uma concepção política global, dentro da qual a pureza do culto
era somente uma faceta entre várias outras. Essa assertiva pode ser constatada
quando se classifica e se distingue as medidas reformadoras de Josias em termos
locais e territoriais. Sua esfera de ação tem início em Jerusalém, na área do templo
e na área urbana da cidade, e se estende aos arredores de Jerusalém, até chegar
às longínquas cidades de Judá (DONNER, 1997b, p. 394-397). Dito de outra
maneira, todo o reino de Josias foi contemplado pela reforma. Sua intenção era
“refazer a unidade das doze tribos ao redor da dinastia de Davi, de sua capital e de
seu Templo” (CAZELLES, 1986, p. 184).
Esta reforma parece ter dois aspectos. Por um lado, estabiliza, valida e
sanciona as conquistas da revolução de 640. Implanta maior justiça social.
Afasta os últimos resquícios de idolatria. Mas, por outro lado, concentra a
sociedade em Jerusalém. Transforma o templo da capital em único
santuário. Somente em seu altar podem ser realizados sacrifícios. Os
demais templos de cidades menores e aldeias são desativados. E isto
significa que o campo judaíta perde a força. Portanto, a reforma josiânica
é ambígua. Confirma certas conquistas populares. Mas também concentra a
sociedade judaíta em torno dos interesses de Jerusalém (SCHWANTES,
2007, p. 19).
A reforma promovida por Josias teve também amplas repercussões sociais e
econômicas. É consenso na pesquisa bíblica que uma parte significativa do livro de
Deuteronômio
58
, provavelmente os capítulos 12-26 e algumas outras partes
(SCHÖKEL e DIAZ, 1987a, p. 400), tenha sido a constituição, que buscava
regulamentar as relações sociais na época desse monarca (DONNER, 1997b, p.
399-400).
A ação política desencadeada por Josias conseguiu estabelecer certo
equilíbrio nas relações de poder extremamente desiguais deixadas como herança
pelo seu antecessor. É neste sentido que o profeta Jeremias, contemporâneo de
Habacuc (LASOR et al., 2002, p. 339), pôde afirmar acerca de Josias: “[...] Ele
58
“O Código Deuteronômico que data da época real, redigido, ao que tudo indica, na segunda
metade do século VIII, foi descoberto provavelmente em 622, na cidade de Jerusalém, mas contém
textos provenientes de um dos santuários do reino do Norte (Siquém ou Betel). Neles, o rei Josias se
inspirou para sua reforma” (Epsztein, 1990, p. 136).
112
praticou o direito e a justiça! E corria tudo bem para ele! Ele julgou a causa do pobre
e do indigente. Então tudo corria bem. Não é isto conhecer-me? – oráculo de
Iahweh” (Jr 22,15-16, BJ). Este trecho do livro de Jeremias é, talvez, a única
passagem em que um profeta crítico ou radical fez elogios a um rei. Isso, sem
dúvida, se deve a todo o processo social por trás da reforma promovida por Josias.
Jeremias vivenciou a administração de cinco reis, e falou bem de um
deles, Josias (SCHÖKEL e DIAZ, 1987a, p. 405). Durante seu longo ministério,
Jeremias fez uma série de denúncias. Ele protestou contra: os tribunais com juízes
corruptos que não tinham interesse pelas causas dos órfãos e das viúvas; os
comerciantes que se enriqueciam às custas dos pobres; os sacerdotes que usavam
a religião em proveito próprio e que colaboravam com a injustiça; a escravidão
daqueles que se venderam; o salário não pago dos trabalhadores; o roubo, o
assassinato, o luxo, e a riqueza; a ânsia de se enriquecer; os príncipes, os ministros
do rei, os eunucos, o rei, os falsos profetas e os grandes (ANEXO E).
Em todo o caso, o processo de reforma engendrado por Josias sofreu uma
violenta interrupção com sua morte, em 609 a.C. Josias morreu numa batalha contra
os egípcios, que buscavam reassumir posição de hegemonia na região siro-
palestinense (2 Reis 23,28-30). Após a morte de Josias, Joacaz, seu filho, assumiu o
governo, reinou por três meses e foi deposto pelo faraó egípcio, que colocou em seu
lugar Eliaquim, outro filho de Josias, que reinou no período de aproximadamente
609-597 a.C (VON RAD, 2006, p. 613). Eliaquim era um rei vassalo do Egito. Isso
pode ser notado, p. ex., no fato do faraó egípcio mudar o seu nome (2 Reis 23, 33-
35).
Para evidenciar sua submissão aos egípcios, estes o ‘rebatizaram’.
Fizeram-no um Jeoaquim. Para manter-se no trono, teve que pagar pesados
tributos aos seus superiores. Cobrou-os justamente de “o povo da terra”.
Podemos imaginar que estes camponeses consideravam-no seu adversário.
Para impor-se teve que recorrer à repressão. A vida de Jeremias é um
testemunho desta violência promovida por Jeoaquim. De alguma maneira
voltava-se aos dias de Manassés (SCHWANTES, 2007, p. 20).
A política implantada por Jeoaquim reforçava a hierarquia social e os
privilégios da elite, motivos de freqüentes denúncias do profeta Jeremias.
Se excetuarmos o elogio que faz de Josias (depois de morto), o profeta não
tem nada de positivo a dizer a propósito dos monarcas contemporâneos. A
Joacaz, deportado para o Egito depois de apenas três meses de reinado,
assegura que não voltará a ver sua terra natal (22,10-12). Joaquim é por ele
enfrentado com maior dureza. [...] O confronto atinge o seu ponto
culminante em dezembro de 605/604, quando Joaquim queima o volume
ditado por Jeremias a Baruc (cap. 36) e em seguida manda prender o
113
profeta e seu secretário. Neste contexto encontramos um oráculo que
condena Joaquim e a sua descendência de forma definitiva [...] (36,30-31)
(SICRE, 1996, p. 464-465).
O profeta Jeremias denunciou os desmandos sociais, econômicos e políticos
vigentes no tempo de Jeoaquim nos seguintes termos:
Ai daquele que constrói a sua casa sem justiça e seus aposentos sem
direito, que faz o seu próximo trabalhar de graça e não lhe seu salário,
que diz: “construirei para mim uma casa espaçosa com vastos aposentos”, e
lhes abre janelas, recobre-a com cedro e pinta-a de vermelho. Pensas reinar
porque competes pelo cedro? Teu pai, porventura, não comeu e bebeu?
Mas ele praticou o direito e a justiça! E corria tudo bem para ele! Ele julgou
a causa do pobre e do indigente. Então tudo corria bem. Não é isto
conhecer-me? oráculo de Iahweh. Mas tu o tens olhos nem coração
senão para o teu lucro, para o sangue inocente a derramar, para a opressão
e para a violência a praticar. Por isso assim diz Iahweh a respeito de
Joaquim, filho de Josias, rei de Judá. Não o lamentarão: Ai meu irmão! Ai
minha irmã!” Não o lamentarão: “Ai Senhor! Ai majestade” será sepultado
como jumento! Será arrastado e lançado para fora das portas de Jerusalém
(Jr 22,13-19, BJ).
Como podemos observar na narrativa acima, o período do reinado de
Jeoaquim é caracterizado por uma instabilidade na condição política de Judá. É
provavelmente nesse tempo, entre 605 e 597, que devemos situar a época da
atuação profética de Habacuc (VON RAD, 2006, p. 613), época essa, marcada por
tempos difíceis para o povo de Judá, como o profeta Jeremias, seu contemporâneo,
já havia denunciado (SCHWANTES, 2007, p. 48).
Desde o início de sua profecia, Habacuc lamenta-se da opressão do fraco
pelo forte, da violação do direito. Diante dele só vê iniqüidades, violência,
disputas e contendas, uma situação onde a lei se enfraquece e o direito
nunca aparece (Hab 1,3-4). [...] mesmo quando Habacuc volta-se contra os
conquistadores, sua condenação assume a forma de prédica social
(EPSZTEIN, 1990, p. 121).
O conteúdo da mensagem de Habacuc revela com bastante clareza a
afirmação acima (ANEXO F). Em Habacuc 1,3, p. ex., o profeta apresenta uma
síntese da situação reinante em seu tempo. Criminalidade, injustiça, opressão e
violência estão em todo lugar. Como afirmamos anteriormente, os termos que
Habacuc utiliza aqui para caracterizar a situação reinante, em especial o binômio
“rapina e violência” (
sm'Þx'w> dvoï>
- shod wehamas)
59
apontam para essa realidade.
Estes termos descrevem uma situação marcada por relações desiguais, onde
pessoas e grupos poderosos dominam e exploram, e freqüentemente o usados
59
O substantivo shod aparece na maioria das vezes nos livros proféticos (20 dentre 25 vezes). Seu
uso ocorre com freqüência associado a outros substantivos. Aqui em Hc 1,3 shod aparece
acompanhado de hamas binômio que pode se referir à injustiça pessoal ou social. Para maiores
informações pode-se recorrer a Harris (1998, p. 485-486, 1528).
114
juntos para descrever uma situação marcada por profunda injustiça e violência de
ordem social (BUCK, 1971, p. 358). Dito de outro modo, “rapina e violência” são
expressões que podem indicar as conseqüências da invasão militar de um povo
estrangeiro ou podem aludir ao jugo, à exploração, à opressão interna, que as
classes dominantes do povo de Judá impunham sobre os mais pobres da nação. O
segundo caso parece ser o contexto primário que a mensagem de Habacuc
descreve (SILVA, 1999, p. 34-35).
A mensagem teológica de Habacuc, dirigida a Judá e a Jerusalém durante o
último papel que esse reino desempenhou no palco da história, narrava a corrupção
predominante no interior do reino e a conseqüente destruição que adviria a eles,
através do poder ascendente dos ímpios babilônios. Aos olhos do profeta, Yahweh
parecia impassível diante de tamanha violência e crueldade.
Muitos têm comparado as queixas de Habacuque sobre a prosperidade do
ímpio e o sofrimento do justo ao livro de Jó. O profeta aprendeu, do mesmo
modo de Jó, que apesar de tudo indicar o contrário, e não importa quanto as
condições possam se tornar difíceis, ele deve continuar acreditando,
continuar confiando nas promessas de Deus e ter esperança de que o
Senhor de toda a terra fará justiça (3.16-19). Habacuque estava aprendendo
a viver pela (2.4). Em face da calamidade, o profeta aprendeu a louvar o
seu redentor e Senhor (DILLARD e LONGMAN, 2006, p. 395).
Dentro desse quadro tão difícil para o povo de Deus, Habacuc pergunta pelo
que fazer. Após um período de ‘direito e justiça’ na época do governo de Josias,
agora, na política interna, imperam novamente ‘violência e opressão’. Em relação à
política externa, uma nova constelação se avizinha, a Babilônia. Na região da
Mesopotâmia, as forças sociais reorganizam o poder (LASOR et al., 2002, p. 324). E
agora? Como lidar com essa nova realidade?
Para encontrarmos respostas para esse dilema é necessário retomar outro
binômio que, como discutimos anteriormente, também aparece no discurso do
profeta em 1,4. Ali temos como protagonistas o ‘ímpio’ e o ‘justo’ (
qyDIc
qyDIcqyDIc
qyDIc
;
;;
;
[v'r"
rasha‘
tsaddiq), com seus respectivos papéis sociais. Quem seria o ímpio? quem seria o
justo? E o que fazer nesse contexto de ‘rapina e violência’?
O termo hebraico rasha‘ (
[v'r"
)
60
, ímpio, além de ser um substantivo
masculino, tem também função adjetiva e serve para designar de modo concreto as
ações e a conduta de uma determinada pessoa. Às vezes o contexto em que o
60
Esse termo é um substantivo masculino. É encontrado 266 vezes no Antigo Testamento
principalmente em Jó, Salmos, Provérbios e Ezequiel. Seu emprego ocorre em paralelo com quase
todas as palavras hebraicas designativas de pecado, mal e iniqüidade
(Livingston, 1998, p. 1458).
115
termo está inserido pode salientar a atitude e a intenção das pessoas, mas seu uso
comum aponta basicamente para um fato objetivo ao invés de um fenômeno
subjetivo. O rasha‘ é descrito tomando como referência o caráter e a atitude do
próprio Deus.
Pessoas ímpias ou perversas eram culpadas da violação dos direitos sociais
de outros, pois foram violentas, opressoras, avarentas, envolvidas em
tramar contra os pobres e apanhá-los em armadilhas, e com grande
disposição de até mesmo assassinar a fim de atingir seus objetivos. Em
suma, ameaçavam a comunidade. Eram desonestas nos negócios e nos
tribunais. Freqüentemente (80 vezes, metade delas no livro de Provérbios)
rasha‘ aparece em paralelismo antitético com tsedeq, justiça”, e é a partir
desse contraste que se tem a mais clara descrição das pessoas do tipo
rasha‘. A vida intima dos perversos corresponde a suas ações. São
maldosos, altivos, traiçoeiros, torpes, sujos e instáveis (LIVINGSTON, 1998,
p. 1458-1459).
O vocábulo que se contrapõe a rasha‘, (
[v'r"
) na ngua hebraica é o termo
tsaddiq, (
qyDIc
qyDIcqyDIc
qyDIc
;
;;
;
) ‘justo’, derivado da raiz hebraica tsdq, ‘ser retilíneo’. Tsedeq e
tsedaqah, justiça e retidão, são também vocábulos derivados da mesma raiz
hebraica (STIGERS, 1998, p. 1262).
Para uma melhor compreensão do sentido de injustiça e justiça social no
contexto de Antigo Testamento e do que significa ser justo, é necessário
analisarmos esses três vocábulos e relacioná-los entre si.
O vocábulo tsaddiq,
significa originalmente “ser retilíneo” e implica na existência de uma norma. Os
outros dois termos oriundos dessa raiz, tsedeq e tsedaqah, ambos traduzidos como
justiça e retidão, têm como sentido básico ‘não se desviar do padrão’.
Çedeq, geralmente traduzido por justiça, significa muito mais do que a
eqüidade no julgamento e o sentido do vocabulário é muito difícil de se
traduzir em nossas categorias modernas. Alguns biblistas (A. Jepsen, O.
Procksch, J.J. Scullion) fazem distinção entre çedeq e a forma feminina
çedaqah: no primeiro caso, ressaltam o princípio, a ordem justa; no
segundo, o comportamento reto. Çedeq parece mais antigo, mas çedaqah
ganhará no vocabulário blico certa preponderância (118 çedeq para 158
çedaqah). Pouco importam, porém, estas distinções; todos os comentadores
estão de acordo em admitir que çedeq/çedaqah representa, com vigor, o
mais importante conceito ético relacionado com a vida social e legal do povo
de Deus. Conforme tendências que se manifestam desde algum tempo
nas pesquisas veterotestamentárias, o termo çedeq/çedaqah em vez de
continuar a ser tratado como conceito de natureza essencialmente religiosa
sinônimo de graça, de fidelidade à aliança, de salvação ou jurídica -
conforme uma norma, ou implicando atitude punitiva será cada vez mais
abordado também como fenômeno social, concernente às relações entre
duas partes. [...] çedeq/çedaqah é conceito de “relação real entre dois seres
e não entre uma idéia e um objeto submetidos a julgamento de valor”
(EPSZTEIN, 1990, p. 62-63, os itálicos pertencem ao texto original).
116
O justo, portanto, é aquele que pratica a justiça ou a retidão. O termo retidão,
ou justiça “descreve três aspectos de relacionamentos pessoais: ético, forense e
teocrático” (STIGERS, 1998, p. 1262). O aspecto ético envolve a conduta de uns
para com os outros. O forense aplica-se à igualdade de todos, ricos e pobres,
perante a lei. E, o teocrático envolve a obediência que a nação de Israel deve à Lei,
haja vista que o governo da nação está centrado em Yahweh seu Deus e em suas
ordenanças.
No contexto do Antigo Testamento, ser justo significa andar em retidão, o que
implica o enquadramento pessoal nesses três aspectos, ou seja, a religião está
imbricada na prática da justiça social e vice-versa, haja vista que esses três
aspectos fazem alusão ao relacionamento do povo de Israel com Yahweh, num
contexto social específico. Em síntese:
O homem que é reto procura preservar a paz e a prosperidade da
comunidade cumprindo os mandamentos divinos acerca do próximo. [...]
Especificamente, à semelhança de Jó, ele livra o pobre e o orfão, ajuda o
cego em seu caminho, sustenta o fraco e é um pai (provedor) para os
necessitados (Jó 29.12-16). Essa era a “a roupa da justiça” da vida de Jó.
Devolver, antes do pôr-do-sol, a capa que o pobre empenhou para que lhe
sirva de abrigo à noite é retidão (Dt 24.13), sendo que neste caso o objetivo
é o bem-estar da pessoa. Mas a “retidão” consistia na obediência à lei de
Deus e na conformidade à natureza divina, tendo misericórdia dos
necessitados e desamparados (STIGERS, 1998, p. 1262).
Justiça social no contexto do Antigo Testamento, portanto, poderia ser
definida como a atitude de garantir a cada pessoa aquilo que lhe é devido por lei (no
caso do Antigo Testamento, os direitos que a Torah confere aos israelitas, tais como:
direito à propriedade, à liberdade, etc.), velando em particular pelos fracos, ou seja,
por aqueles que não têm voz ativa. O que contraria esse princípio é caracterizado
como injustiça social.
Diante das descrições anteriores e definições previamente estabelecidas
sobre os conceitos de injustiça e justiça social e de ímpio e justo, à luz do Antigo
Testamento, poderíamos perguntar quem seria o justo na perspectiva de Habacuc.
Certamente, não se trata de uma pessoa isenta de falhas e que jamais comete erros.
Todos cometem falhas, o que implica em dizer que o profeta não alude à perfeição
moral. Diferente disso:
O justo é aquele que ajusta a sua vida de acordo com o projeto de Deus.
Esse projeto não é alguma coisa secreta e misteriosa. Ao contrário, é aquilo
que aflora por dentro de todos e em cada um. Todas as pessoas têm um
anseio por espaços de vida e caminhos de realização. Todos aspiram
descobrir a própria originalidade e poder expressá-la no mundo, de modo a
imprimir a marca de seus pés no caminho da história. A aspiração de todos,
117
portanto, é por vida e liberdade. Mas isso é para todos e, portanto, a
realização desse ideal só pode ser atingida dentro de um clima de
fraternidade e partilha. Esse é o projeto de Deus, e é isso que norteia a vida
do justo. Na concepção de vida do justo, a economia se transforma em meio
de partilha dos bens, e a política em meio de criar e promover a
fraternidade, e não mais meios de opressão e exploração (BALANCIN e
STORNIOLO, 1991, p. 25, os itálicos pertencem ao texto original).
De acordo com o segundo oráculo divino revelado ao profeta Habacuc em
2,4, a intervenção de Yahweh nessa sociedade marcada pela “rapina e violência”
deveria ser acompanhada da fidelidade do justo: “o justo (tsaddiq) viverá por sua
fidelidade (’emunah)” (Hc 2,4).
O termo hebraico fidelidade, emunah (
hn"Wma/
), pode ser traduzido também
por firmeza e constância. Este substantivo é usado nas Escrituras em, pelo menos,
dez categorias distintas. A primeira ocorrência desse vocábulo na Torah (Ex 17,12)
expressa o sentido geral de ‘mãos firmes’. A partir desse sentido mais amplo,
’emunah quase sempre é empregado nas Escrituras em relação a Deus, apontando
a dependência que todas as coisas têm dele, ou descrevendo um de seus atributos,
ou suas obras divinas e suas palavras. O termo é utilizado também para referir-se
àqueles com quem Deus se relaciona, e de quem ele espera fidelidade. Através das
possibilidades de aplicação do substantivo ’emunah “podemos ver o conceito de se
confiar uma responsabilidade a um fiel que se torna encarregado” (HARRIS, 1998, p.
86) por desempenhar um determinado trabalho a ele confiado. No caso de Habacuc,
ao justo é confiada a responsabilidade de esperar/promover a justiça divina através
da denúncia profética.
O justo vive mediante a (2,4b). Em outras palavras, o povo de Judá
permanecerá na prosperidade e na segurança, desde que persevere na
fidelidade ao Deus da aliança. Esta fidelidade compreende o
reconhecimento da supremacia de Deus, da sua santidade e justiça, a
convicção de que, apesar de todas as vicissitudes humanas e todos os
atrasos, o plano divino de salvação para Israel e de punição para os ímpios
será realizado. Em tal contexto o termo ’emuna (fé) sintetiza a atitude
correta do povo de Judá oprimido por uma potência pecadora. A doutrina da
fé em Javé que dirige a história é o coração da profecia de Habacuc. São os
temas clássicos do profetismo e do Deuteronômio: soberania universal e
santidade de Deus, punição justa do pecado, antítese entre Deus e o poder
humano, como princípio essencial da vida religiosa (VIRGULIN e
SPINETOLI, 1978, p. 120-121, o itálico pertence ao texto original).
A fidelidade do justo, portanto:
Não é apenas o cultivo de uma religião entre outras coisas na vida. Ao
contrário, essa fidelidade é um compromisso que faz ver, compreender e
viver a vida conforme a justiça que Deus quer. Em vez de ficar
passivamente esperando que Deus realize milagrosamente um mundo
novo, o justo coloca mãos e pés em movimento, assumindo a sua função de
118
instrumento, para que Deus realize a justiça que todos esperam (BALANCIN
e STORNIOLO, 1991, p. 25-26, os itálicos pertencem ao texto original).
Ao examinarmos detidamente a mensagem do livro de Habacuc percebemos
com clareza que a fidelidade do ‘justo’ é o remédio para uma sociedade marcada
pela corrupção. Como deveria ser de forma concreta a ação do ‘justo’ dentro da
história, não ficou evidenciado na denúncia profética de Habacuc. É possível que a
ausência dessa informação esteja vinculada ao fato de que, o papel social do justo
fosse algo claro para a comunidade oprimida de seu tempo. Mesmo assim, à luz da
exposição da mensagem de Habacuc podemos identificar alguns aspectos
importantes que delinearam sua forma textual final, e que servem para uma melhor
compreensão de seu conteúdo.
Em primeiro lugar, nota-se que o texto de Habacuc é marcado por duas
tensões. Uma delas centra-se na busca do motivo para a aparente impassibilidade
de Deus diante do mal social que assola Judá: “Até quando, Iahweh, pedirei socorro
e não ouvirás, gritarei a ti: “Violência!” e não salvarás?” (1,2). Essas palavras deixam
transparecer uma profunda crise de ordem social na época da profecia.
Outra tensão importante, e talvez a mais importante que aparece registrada
na obra, e que se constitui numa batalha milenar que sempre incomodou os seres
humanos em todos os tempos, é retomada e seriamente questionada por Habacuc:
O conflito entre o ‘justo e o ímpio’, e o aparente sucesso do ímpio nesse
empreendimento (1,3-4). Essa situação conflituosa parece levar o profeta a
questionar a própria justiça e santidade divina (1,12-13). Suas indagações não
partem de um coração incrédulo, e sim, de alguém que, mesmo não
compreendendo, espera ansiosamente da parte de Yahweh uma resposta à altura
de seus dilemas.
Em segundo lugar, percebe-se que a mensagem de Habacuc deixa
transparecer a situação econômica de Judá. A classe dominante, composta pela
monarquia e pela elite, espolia o pobre e oprime as massas carentes da população.
Como já mencionamos anteriormente, os próprios termos utilizados para descrever a
situação presente ‘rapina e violência’, são fortes indícios que apontam para uma
situação de jugo, de exploração e de opressão interna, das classes dominantes do
povo de Judá sobre os mais pobres da nação. A sociedade dessa época é
caracteristicamente agrária, pois esse é o contexto sócio-econômico que começou a
ser instaurado na nação de Israel a partir da Conquista da terra de Canaã e que se
119
consolidou definitivamente com o surgimento e a consolidação do regime
monárquico.
Outra particularidade do texto de Habacuc encontra-se no fato de que, apesar
dele não apresentar de forma explícita o Sitz im Leben a partir do qual o profeta faz
suas denúncias, alguns indícios históricos e internos apontam para uma política
caracterizada pela vassalagem. Jeoaquim é, provavelmente, o rei de Judá na época,
e está a serviço do Faraó egípcio. Com o colapso do império assírio, o Egito passa a
exercer, temporariamente, influência política e econômica sobre Judá. No cenário
mundial uma nova potência está em eminência: a babilônica (1,6). O contexto
reflete, em primeiro lugar, uma situação provinciana. O problema da violência e da
criminalidade é, primariamente, o reflexo de uma administração preocupada com a
elite em detrimento da massa oprimida. No processo de combate à injustiça social
em Judá, e de modo secundário, aparecem como instrumento divino de justiça os
caldeus.
Outro aspecto relevante é que o texto de Habacuc está marcado por
contradições de ordem social. O binômio ‘justo e ímpio’ e os conflitos que cercam a
ambos demonstram essa assertiva. Uma vez que ser ‘justo’ ou ‘ímpio’ implica em
viver de acordo, ou em desacordo, com padrões de justiça estabelecidos pelo
próprio Yahweh, e uma vez que esses padrões estão estreitamente vinculados a
questões de ordem social (cuidado com órfãos e viúvas, fazer justiça ao pobre, não
oprimir o estrangeiro), os freqüentes gritos de socorro do profeta evidenciam essas
contradições: “Por que me fazes ver a iniqüidade e contemplas a opressão? Rapina
e violência estão diante de mim, há disputa, levantam-se contendas! Por isso a lei se
enfraquece, e o direito jamais aparece! Sim, o ímpio cerca o justo, por isso o direito
aparece torcido!” (1,4-5).
A presença distinta de uma classe dominadora e de outra classe dos
dominados pode ser notada, p. ex., em 2,5-19, onde o profeta registra uma série de
‘ais’ contra os dominadores. Mesmo partindo do pressuposto de que esses ‘ais’ são
direcionados aos caldeus, é possível inferir a partir deles, uma situação de corrupção
interna em Judá, haja vista que, a denúncia profética contra a economia corrupta, os
tributos abusivos, o trabalho forçado, o consumo excessivo da elite, e a falsa
religiosidade representada pela idolatria, sempre acompanhou o regime monárquico
durante sua existência. Para constatamos esse fato, basta recordarmos os protestos
do profeta Jeremias contra os desmandos sociais, econômicos e políticos e contra a
120
política de Jeoaquim que reforçava a hierarquia social e os privilégios da elite (JR
22,13-19, BJ).
Podemos mencionar ainda que a alusão que no texto de Habacuc aos
‘caldeus’ (1,6) pode ser um indício do contexto cultural da época. Como referido
anteriormente, os ‘ais’ o parte do conteúdo da denúncia profética contra a elite
opressora. É perfeitamente aceitável a afirmação de que os protestos de Habacuc
demonstram, ainda que de forma indireta, a situação de insatisfação geral em que se
encontram os oprimidos na sociedade de sua época. O texto de Habacuc faz clara
alusão à repressão jurídica. O ‘direito e a justiça’ que deveriam estar disponíveis a
todo o povo, encontram-se a serviço da classe dominante, ou seja, da monarquia e
da elite ligada ao palácio. O direito é torcido a favor do ímpio. O sistema jurídico, que
deveria garantir a igualdade de direitos a todos indistintamente, está carcomido pela
corrupção: “Por isso a lei se enfraquece, e o direito jamais aparece! Sim, o ímpio
cerca o justo, por isso o direito aparece torcido!” (1,4). O profeta, diante desse
contexto, torna-se a ‘voz do povo oprimido’ diante de Yahweh. Os oprimidos
reclamam a aplicação do ‘direito e da justiça’ a seu favor. Chega de injustiça,
violência e exploração! É necessário fazer ‘valer a justiça’.
Existem também forças ideológicas que se manifestam no livro de Habacuc. A
ideologia manifestada no texto do profeta traz esperança e força para os oprimidos e
injustiçados que são desafiados a confiar na intervenção de Yahweh para o
estabelecimento da justiça, apesar de sua aparente impassibilidade diante da
injustiça social.
Os interesses defendidos na mensagem de Habacuc referem-se à busca do
direito do exercício da justiça social em favor dos pobres e marginalizados. A
fidelidade do ‘justo’ é apresentada como o principal mecanismo de estabelecimento
da justiça por Yahweh. Como afirmamos anteriormente, apesar de não estar clara na
mensagem de Habacuc a forma concreta de atuação do ‘justo’, sabe-se que é
através da perseverança deste e da confiança na intervenção salvífica de Yahweh
que as transformações sociais ocorrerão.
O livro de Habacuc descreve ainda, a maneira como o povo compreendeu a
Palavra de Yahweh em seu próprio contexto e a maneira pela qual a Palavra
dinamizou aquela comunidade. A mensagem divina, ou seja, o oráculo que o profeta
recebe de Yahweh em forma de visão, e que ele registra como testemunho de que a
palavra do Senhor se cumprirá fielmente (cf. Hc 2,1-4), é apresentada por ele como
121
sendo a garantia de que toda injustiça social, política, econômica, cultural, ideológica
ou religiosa será devidamente julgada e punida por Deus.
A comunidade oprimida é identificada como o ‘justo’ que viverá pela sua
perseverança. A confiança que Deus cumprirá sua Palavra e julgará o ímpio aparece
de forma quase poética no capítulo 3 onde, a partir de uma linguagem teofânica,
Yahweh é apresentado como soberano e interventor absoluto na natureza e na
história humana. Essa reafirmação da intervenção salvífica de Yahweh em outros
tempos serviu de consolo e de esperança para uma comunidade cansada de
clamar pelo direito e pela justiça e de não ser atendida. Mesmo diante da aparente
demora no cumprimento do oráculo profético, o justo é desafiado a permanecer fiel e
confiante no Deus vivo que vela pela justiça.
Eu ouvi! Minhas entranhas tremeram. A esse ruído meus lábios
estremeceram, a cárie penetra em meus ossos, e os meus passos
tropeçam. Espero tranqüilo o dia da angústia que se levantará contra o povo
que nos assalta! (Porque a figueira não dará fruto, e não haverá frutos nas
vinhas. Decepcionará o produto da oliveira, e os campos não darão de
comer, as ovelhas desaparecerão do aprisco e não haverá gado nos
estábulos). Eu, porém, me alegrarei em Iahweh, exultarei no Deus de minha
salvação! Iahweh, meu Senhor, é a minha força, torna os meus pés
semelhantes aos das gazelas, e faz-me caminhar nas alturas. (Hc 3, 16-19,
BJ).
Finalmente, poderíamos pensar em como relacionar os vários conflitos que
são descritos no texto de Habacuc. O conflito central da mensagem profética trata da
injustiça social caracterizada pela opressão que o ‘ímpio’, a classe dominante a
monarquia e a elite , inflige sobre o ‘justo’, a grande maioria oprimida do povo de
Judá e da promessa de uma intervenção decisiva de Yahweh através da
perseverança do ‘justo’. Os conflitos secundários podem ser vistos a partir dos
mecanismos de opressão usados pela elite dominante tais como a cobrança de
tributos abusivos e o trabalho forçado. Yahweh está do lado do ‘justo’ que neste
contexto é o pobre, o oprimido, o injustiçado, o espoliado. É com a classe oprimida
que Yahweh se identifica, e é para ela e, a partir dela, que Ele manifestará seu amor
e implantará sua justiça.
122
5 CONCLUSÃO: JUSTIÇA E INJUSTIÇA SOCIAL, PARCERIA ENTRE YAHWEH
E O ‘JUSTO’ NO LIVRO DE HABACUC E SUAS IMPLICAÇÕES
Ao finalizarmos nossa análise sobre a questão da justiça e injustiça social em
Habacuc e os respectivos papéis de Yahweh e do ‘justo’ no processo de
implantação da justiça social no seu respectivo contexto, gostaríamos de retomar
brevemente alguns conceitos-chave que foram discutidos ao longo deste texto a fim
de que seja possível ouvir ‘ecos’ da mensagem desse profeta que apontem para a
possibilidade de mudanças no contexto hodierno de injustiça social observado na
sociedade brasileira. Mesmo cientes de que não é esse o propósito primário deste
trabalho acadêmico, cremos ser indispensável atualizar a mensagem profética
contida no livro de Habacuc e contextualizá-la devido à relevância e atualidade
dessa mensagem. Antes disso, porém, retomaremos brevemente as temáticas
abordadas no corpo deste trabalho e suas respectivas contribuições.
A partir de um víeis histórico-gramatical, a primeira abordagem com ênfase
histórico-crítica serviu-nos de chave de leitura inicial para uma boa compreensão de
certas dificuldades que circundam a história da construção do texto do livro de
Habacuc. Os instrumentos que o Método Histórico-Crítico colocou à nossa
disposição permitiram-nos uma compreensão equilibrada do texto de Habacuc em
suas múltiplas facetas, a saber, a identificação do gênero do texto de Habacuc, a
partir da análise da estrutura ou configuração, conteúdo narrativo, estilo e
vocabulário do texto; a Análise da Crítica das Fontes e da Crítica da Redação; e, a
Análise Gramatical e a Crítica Textual de Habacuc 2,1-4.
O segundo capítulo descreveu o contexto histórico de Habacuc, e apresentou
informações sobre a autoria do livro, o período da escrita e o destinatário da
mensagem profética. Após essa descrição prévia, procedemos à exposição da
mensagem do profeta Habacuc, por blocos de versículos conforme estruturado na
Bíblia de Jerusalém (BJ).
Nesta fase, analisamos, numa perspectiva histórica, social e teológica os
conceitos de justiça e injustiça social no tempo do profeta procurando identificar
quais foram as ações de Deus e do ‘justo’ nesse contexto que serviram de
instrumentos de mudança na sociedade da sua época, marcada por toda sorte de
injustiças nas esferas social, política, econômica e religiosa. A partir dessas análises
123
foi possível identificar previamente os conceitos de justiça e injustiça social vigente
na época do profeta. Essa identificação proporcionou a possibilidade de inferir as
esferas de ação e o papel de Yahweh e do ‘justo’ na época do profeta Habacuc, num
contexto social marcado pela opressão, violência e injustiças de toda sorte.
No terceiro capítulo, buscamos descrever a gênese e o desenvolvimento
histórico dos conceitos de justiça e injustiça social em Israel no Antigo Testamento,
vinculando tais conceitos às cosmovisões de povos do Antigo Oriente, a fim de
relacioná-los com a realidade social descrita no livro de Habacuc. Um elemento
chave que marcou essa etapa do trabalho foi a (re)descoberta de que a
preocupação com a justiça e injustiça social não nasceu com a nese da nação de
Israel, nem com o processo de instituição das leis de Yahweh entre esse povo. Ao
contrário, povos que viveram há milênios antes de Israel já se referiam a essa
temática. Esse dado foi importante, pois demonstrou que o anseio por justiça e o
repúdio à injustiça, em todas as esferas sociais, foi um sentimento universal que
caracterizou indistintamente os povos do passado independente de seus contextos
históricos.
A análise dos conceitos de justiça e injustiça social em Israel foi feita a partir
do processo de desenvolvimento sócio-econômico de Israel, situando a mensagem
de Habacuc no contexto do movimento de denúncia profética, ou seja, no
Profetismo. O surgimento do Profetismo em Israel trouxe para a situação concreta
do dia-a-dia a necessidade de uma tomada de atitude radical em relação à situação
de injustiça social vigente em cada período histórico do povo de Israel. Suas
denúncias proféticas o foram meros ideais a serem propagados. Ao contrário,
consistiram nas palavras de Yahweh, o Deus de Israel, Deus justo e fonte primária
de toda justiça. A partir dessas denúncias, as pessoas foram não apenas exortadas
a praticar a justiça, mas também foram desafiadas a promover mudanças radicais
nos contextos sociais em que elas viveram. A partir dessa constatação, fizemos uma
re-leitura do livro de Habacuc procurando identificar elementos-chave capazes de
permitir uma compreensão global dos conflitos vivenciados pelo profeta e pela
comunidade de seu tempo, e inferimos algumas possibilidades de atuação do ‘justo’
em parceria com Yahweh para a implantação da justiça social em Judá.
Todavia, a conclusão da análise sobre a abordagem que o autor do livro de
Habacuc trouxe acerca do problema da injustiça e justiça social, suas denúncias e
as soluções apresentadas para o problema, sua esperança de que Yahweh
124
definitivamente faria triunfar a justiça, e o confronto dessa realidade com a nossa
época, leva-nos a inquirir sobre o real valor da denúncia profética e sua verdadeira
caracterização para aquele tempo e para nosso tempo.
As perguntas sobre o real valor da denúncia profética surgem a partir da
constatação que se faz de que desde a época dos profetas, e em particular, de
Habacuc, os problemas de injustiça não foram solucionados de forma eficaz. Em
outras palavras, o ‘justo’ continuou, no transcurso da história, e ainda continua,
sendo alvo de opressão, injustiça e espoliação. Será que vale a pena dedicarmos a
vida e envidarmos esforços no sentido de promover a justiça social em nosso
contexto atual?
Aparentemente, a influência dos profetas alcançou um remanescente do povo
de Israel, mas não provocou mudanças maciças entre todo povo. Daí, uma primeira
pergunta: a denúncia profética, à luz dos resultados até aqui constatados, tem algum
valor de fato? Se pudermos responder positivamente a esse questionamento, surge,
então, uma segunda pergunta: O que deve caracterizar a denúncia profética em
nosso tempo? Ou seja, qual é a esfera de ação de Deus e do ‘justo’ na luta contra a
injustiça social?
Ao buscarmos respostas para esses questionamentos, vamos partir do
pressuposto de que a denúncia profética não foi uma atividade vã. Mesmo diante do
aparente fracasso dos profetas em mudar radicalmente o contexto religioso, social,
político e econômico de suas diferentes épocas, eles lançaram preciosas sementes
que, posteriormente, foram registradas através dos logia proféticos, e que no
transcurso da história têm inspirado homens e mulheres a assumirem a mesma
postura diante de contextos de injustiça social gritantes.
A título de exemplo, é bastante mencionar o apreço que a Teologia da
Libertação
61
, que surgiu na cada de 60 do século passado, na América Latina,
tem pelos profetas. Os teólogos da libertação atualizaram a mensagem social da
Bíblia, ao despertar a voz de profetas do Antigo Testamento, tais como, Jeremias,
Amós, Miquéias e outros (MONROY, 1991, p. 66). Na perspectiva dos teólogos da
libertação, os profetas foram vistos como instrumentos humanos que Deus usou
61
“A Teologia da Libertação é um movimento teológico que quer mostrar aos cristãos que a fé deve
ser vivida numa práxis libertadora e que ela pode contribuir para tornar esta práxis mais
autenticamente libertadora” (Mondin, 1980, p. 25).
125
para denunciar e combater os poderes políticos e tomar partido em favor das classes
marginalizadas.
Poderíamos, então, afirmar que a grande atualidade da mensagem social dos
profetas encontra-se no fato de que essa mensagem realizou, no passado, e
continua realizando no presente (essa dissertação é fruto dessa influência), uma
revolução nas idéias.
Apesar de não ser exclusivo dos profetas, o papel de ‘revolucionar idéias’,
(outros veículos desempenham também esse papel na atualidade como, por
exemplo: partidos políticos, ONG’s, revistas, a mídia em geral, etc), é inegável a
contribuição que suas denúncias proféticas deixaram no sentido de promover a
justiça em todas as esferas da sociedade, principalmente por partirem do
pressuposto de que Deus está do lado dos explorados e não dos exploradores.
Uma vez que podemos estabelecer como premissa básica a validade da
denúncia profética no nosso tempo, diga-se de passagem, tempo marcado por
constantes denúncias contra toda sorte de injustiças em todas as esferas da
sociedade brasileira, a pergunta que se segue é: o que deve caracterizar ou
diferenciar a denúncia profética cristã na atualidade de outras denúncias, que
freqüentemente são feitas em nossa sociedade e que, indubitavelmente, têm o seu
valor? O que deve caracterizar a denúncia profética do ‘justo’ hoje?
Ao examinarmos detidamente a mensagem do livro de Habacuc, percebemos
com clareza que a fidelidade do ‘justo’ é o remédio para uma sociedade marcada
pela corrupção mesmo o estando clara a maneira de atuação desse ‘justo’. Na
atualidade, poderíamos afirmar que o ‘justo’ pode ser identificado como qualquer
homem ou mulher que assuma uma postura de denúncia profética e que vivencie na
prática o conteúdo de sua prédica, ou seja, a fidelidade no cotidiano. Esse termo não
tem que aplicar-se necessariamente aos cristãos ou religiosos. Todavia, como o
recorte dessa pesquisa buscou respostas a partir da análise de Habacuc (literatura
sagrada judaico-cristã), apontaremos a seguir, as contribuições que cristãos e cristãs
podem dar ao processo de implantação da justiça social no contexto brasileiro em
que estamos inseridos. As características e a esfera de ação do ‘justo’ em nosso
país, que serão apresentadas em seguida, têm o intuito de esclarecer o lugar
concreto do cristão e da cristã na história e seu papel de agente ativo no processo
126
de transformação da sociedade atual em parceria com Deus. É a partir desse
referencial, desse ponto de partida, que teceremos os comentários a seguir.
62
O primeiro traço característico da denúncia profética e vivência cristã em
nossos dias a ser listado é o amor às pessoas oprimidas e exploradas. É necessário
enxergar nessas pessoas, filhos e filhas de Deus, homens e mulheres que
necessitam encontrar sua condição de dignidade diante de Deus e da sociedade. Se
“o amor ao próximo como a si mesmo” não for a força motriz que estimula homens e
mulheres a praticar a denúncia profética e a vivenciar sua prédica, todo o trabalho
realizado, por mais árduo que seja, será inútil. Para esclarecer melhor essa
premissa, basta recordar as palavras do apóstolo Paulo:
Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e as dos anjos, se eu não
tivesse a caridade, seria como bronze que soa ou como címbalo que tine.
Ainda que tivesse o dom da profecia, o conhecimento de todos os mistérios
e de toda a ciência, ainda que tivesse toda a fé, a ponto de transportar
montanhas, se não tivesse a caridade, nada seria. Ainda que distribuísse
todos os meus bens aos famintos, ainda que entregasse meu corpo às
chamas, se não tivesse caridade, isso nada me adiantaria (1Co 13,1-3, BJ).
O segundo traço característico da denúncia profética e vivência cristã é a
demonstração de especial preocupação pelos mais necessitados. Em Israel, num
primeiro momento de sua história, se tratava dos órfãos e das viúvas.
Posteriormente, a lista foi se estendendo e incluindo o pobre e o estrangeiro. Não
basta apenas defender o direito dos necessitados. É necessário priorizar entre
esses, os mais necessitados. Jesus é um bom modelo disso. Apesar de estar
constantemente rodeado pela classe dos explorados, ele dava especial atenção aos
mais necessitados. Um trecho do Evangelho segundo Mateus deixa explícita essa
premissa:
Ao descer da montanha, seguiam-no multidões numerosas, quando de
repente um leproso se aproximou e se prostrou diante dele, dizendo:
“Senhor, se queres, tens poder para purificar-me”. Ele estendeu a mão e,
tocando-o disse: Eu quero, sê purificado”. E imediatamente ficou livre da
sua lepra. Ao entrar em Cafarnaum, chegou-se a ele um centurião que o
implorava e dizia: “Senhor, meu criado está deitado em casa paralítico,
sofrendo dores atrozes”. Jesus lhe disse: “Eu irei curá-lo”. Mas o
centurião respondeu-lhe: “Senhor, não sou digno de receber-te sob o meu
teto; basta que digas uma palavra e meu criado ficará são”. Em seguida
disse ao centurião: “Vai! Como creste, assim te seja feito!” Naquela
mesma hora o criado ficou são. Entrando Jesus na casa de Pedro, viu a
sogra dele, que estava de cama e com febre. Logo tocou-lhe a mão e a
febre a deixou. Ao entardecer, trouxeram-lhe muitos endemoninhados e
ele, com uma palavra, expulsou os espíritos e curou todos os que
estavam enfermos, a fim de se cumprir o que foi dito pelo profeta Isaías:
62
As idéias aqui defendidas sobre atitudes concretas do ‘justoem sua parceria com Deus para a
implantação da justiça social na realidade brasileira foram inspiradas em Sicre (1990, p. 619-621).
127
Tomou nossas enfermidades e carregou nossas doenças (Mt 8,1-3; 5-8; 13-
17, BJ, grifos meus).
Outra característica indispensável para diferenciar a denúncia profética e
vivência cristã de outras modalidades de denúncia é a vinculação da exigência da
justiça com a vontade de Deus. O culto a Deus e a prática da justiça caminham
sempre de mãos dadas. A vida e o exemplo de dão testemunho permanente
dessa verdade. “Havia na terra de Hus um homem chamado Jó. Era um homem
íntegro e reto, que temia a Deus e se afastava do mal” (Jó 1,1). Essa declaração
descreve sua atitude para com Deus. Ele “temia a Deus e se afastava do mal”.
Contudo, seu culto a Deus era consolidado através da prática da justiça. Ele “era um
homem íntegro e reto”. A conclusão a que se chega, a partir dessa narrativa acerca
de Jó, é que, para ele, a prática da justiça era conseqüência natural de um
relacionamento saudável com Deus.
Porque eu livrava o pobre que pedia socorro e o órfão que não tinha auxílio.
A nção do moribundo pousava sobre mim, e eu alegrava o coração da
viúva. A justiça eu vestia como túnica, o direito era meu manto e meu
turbante. Eu era olhos para o cego, era pés para o coxo. Era o pai dos
pobres e examinava a causa de um desconhecido (Jó 29,12-16, BJ).
A próxima característica que marca o limite entre a denúncia profética e
vivência cristã das demais modalidades de denúncias é não se limitar a buscar
mudanças apenas na ordem estrutural da sociedade, mas também almejar a
‘conversão do coração’, a transformação do ‘ser interior’ como única saída, que
aponta para a possibilidade do surgimento de novas estruturas sociais menos
injustas e menos opressoras. Na perspectiva profética do Antigo Testamento,
qualquer mudança externa que não viesse acompanhada de uma mudança interior
seria ineficaz, e acabaria fazendo da ‘nova estrutura vigente’ um ‘novo’ instrumento
de opressão e injustiças.
Jeremias conclamava o povo ao arrependimento e à conversão a Yahweh,
como sendo uma parte integrante da solução para os problemas de injustiça
reinantes em sua época.
Se te converteres, Israel oráculo de Iahweh –, se te converteres a mim,
se afastares teus horrores de minha presença e não vagares mais, se
jurares pela vida de Iahweh na verdade, no direito e na justiça, então se
abençoarão nele as nações e nele se glorificarão! Porque assim disse
Iahweh aos homens de Judá e Jerusalém: Arroteai para vós um campo
novo e não semeeis entre espinhos. Circuncidai-vos para Iahweh e tirai o
prepúcio de vosso coração, homens de Judá e habitantes de Jerusalém,
para que a minha cólera não irrompa como fogo, queime e não haja
ninguém para apagar por causa da maldade de vossas obras (Jr 1,1-4, BJ,
grifos meus).
128
Outro cuidado necessário para que a denúncia profética e a vivência cristã
sejam eficazes é compreender que o fenômeno da injustiça social é multifacetado e
se manifesta nas esferas política, social, econômica e religiosa. O maior desafio de
Jesus em sua época foi o de libertar as pessoas do fardo pesado da religião. Os
escribas e fariseus eram ‘mestres’ em impor sobre os outros fardos insuportáveis. As
narrativas de Mateus colocam Jesus em constante conflito com eles:
Jesus então dirigiu-se às multidões e aos seus discípulos: “Os escribas e os
fariseus estão sentados na cadeira de Moisés. Portanto, fazei e observai
tudo quanto vos disserem. Mas o imiteis suas ações, pois dizem mas não
fazem. Amarram fardos pesados e os põem sobre os ombros dos homens,
mas eles mesmos nem com um dedo se dispõem a movê-los. Praticam
todas as suas ações com o fim de serem vistos pelos homens. Com efeito
usam largos filactérios e longas franjas. Gostam do lugar de honra nos
banquetes, dos primeiros assentos nas sinagogas, de receber as
saudações nas praças públicas e de que os homens lhes chamem ‘Rabi’.
Quanto a vós, não permitais que vos chamem ‘Rabi’, pois um é o vosso
Mestre e todos vós sois irmãos. A ninguém na terra chameis ‘Pai’, pois
tendes o Pai Celeste. Nem permitais que vos chamem ‘Guias’, pois um é
o vosso guia ‘Cristo’. Antes, o maior dentre vós será aquele que vos serve.
Aquele que se exaltar será humilhado, e aquele que se humilhar será
exaltado (Mt 23,1-12, BJ).
As conseqüências trágicas que sobrevieram a Jesus (rejeição, traição e
morte) por causa de suas denúncias proféticas contra um sistema religioso opressor
demonstram de forma cristalina que o âmbito da religião, é, possivelmente, a esfera
onde os maiores desafios e as maiores resistências serão encontrados. Essa
afirmação se justifica pelo fato de que a religião tem sido, (e continua sendo?!)
utilizada como um dos instrumentos de legitimação mais poderosos das classes
dominantes para manterem seu status quo.
Se após assumir todas essas atitudes concretas, nenhuma mudança radical
for percebida, o ‘justo’ deverá manter uma atitude de confiança e esperança em
Deus ainda que tal esperança se constitua, em determinados momentos históricos
críticos numa mera utopia. O ‘justo’ (o cristão e a cristã) jamais deve abandonar seu
compromisso concreto de continuar com a denúncia profética e vivenciar em seu
cotidiano o conteúdo dessa denúncia. É dessa maneira que Deus e o ‘justo’ agiram
no passado, agem no presente tempo, e agirão no futuro. Em parceria na luta contra
a injustiça social em todas as esferas da sociedade e na implantação do reino de
justiça em nossa sociedade brasileira carcomida pela opressão, corrupção e
injustiça.
Como a questão da injustiça social está estreitamente vinculada às
desigualdades de ordem econômica, social, política e religiosa é necessário
129
compreender que quaisquer mudanças em nosso contexto social, por mínimas que
sejam, ocorrerão com a parceria ativa entre Deus e o ‘justo’. Somente quando o
‘justo’ compreender seu papel de agente ativo no processo histórico de implantação
de justiça no mundo sepossível sonhar, ainda que de modo utópico, com uma
sociedade onde imperem a lei e a justiça de modo igualitário.
Por piores que sejam as circunstâncias presentes, é a fidelidade do ‘justo’
que, em última instância, despertará e alimentará nos oprimidos e explorados a
esperança de que eles não estão sozinhos e de que dias melhores virão. Deus está
do lado deles, e um dia, aquele que é o juiz de toda terra virá em seu auxílio.
Habacuc creu nisso e chegou a fazer a seguinte declaração: “Eu, porém, me
alegrarei em Iahweh, exultarei no Deus de minha salvação. Iahweh, meu Senhor, é a
minha força, torna meus pés semelhantes as das gazelas, e faz-me caminhar nas
alturas” (Hc 3,18-19). Sim, o justo juiz, finalmente, fará triunfar a justiça!
130
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SEPTUAGINTA. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1979. (LXX).
SICRE, José L. A justiça social nos profetas. Tradução de Carlos Felício da Silveira.
São Paulo: Paulinas, 1990.
_____. Introdução ao Antigo Testamento. Tradução de Wagner de Oliveira Brandão.
Petrópolis: Vozes, 1995.
_____. Profetismo em Israel: o profeta, os profetas, a mensagem. Tradução de João
Luis Baraúna. Petrópolis: Vozes, 1996.
SILVA, Airton José da. A voz necessária: encontro com os profetas do século VIII
a.C. São Paulo: Paulus, 1998.
SILVA, Domingos Sávio da. Habacuc e a resistência dos pobres: tradução crítica do
profeta Habacuc. Aparecida: Santuário, 1999.
SIMIAN-YOFRE, Horácio. Diacronia: os métodos histórico-críticos. In: SIMIAN-
YOFRE, Horácio (org.). Metodologia do Antigo Testamento. Tradução de João
Rezende Costa. São Paulo: Loyola, 2000.
STIGERS, Harold G. Tsadeq, ser justo, ser reto. In: HARRIS, R. Laird (Org.).
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento. Tradução de Márcio L.
Redondo; Luiz A. T. Sayão; Carlos Osvaldo C. Pinto. São Paulo: Vida Nova, 1998.
TREBOLLE BARRERA, Julio. A bíblia judaica e a bíblia cristã: introdução à história
da bíblia. Tradução de Ramiro Mincato. Petrópolis: Vozes, 1995.
VIRGULIN, Stefano; SPINETOLI, Ortensio. Introdução à Bíblia com antologia
exegética: os dozes profetas e Daniel. Tradução de Oswaldo Antonio Furlan.
Petrópolis: Vozes, 1978.
VITA, Rosemary; AKIL, Teresa. Noções de hebraico bíblico para ler e traduzir. o
Paulo: Hagnos, 2004.
VOLKMANN, Martin et al. Método histórico-crítico. São Paulo: CEDI, 1992.
VON RAD, Gerhard. Teologia do Antigo Testamento. Tradução de Francisco Catão.
2. ed. São Paulo: Aste/Targumim, 2006.
WALTON, John H et al. Comentário del contexto cultural de la Bíblia: Antiguo
Testamento. Texas: Editorial Mundo Hispano, 2004.
135
WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia. 2. ed. São
Leopoldo: Sinodal: São Paulo: Paulus, 2001.
WILSON, Robert R. Profecia e sociedade no antigo Israel. 2. ed. rev. Tradução de
João Rezende Costa. São Paulo: Targumim; Paulus, 2006.
WOOD, Leon J. Los profetas de Israel. Grand Rapids: Editorial Portavoz, 1983.
136
ANEXOS
137
ANEXO A
ESTELA DE HAMURÁBI
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia
138
ANEXO B
O PROFETISMO EM ISRAEL – PRIMEIRA ETAPA
A PROFETISMO EM ISRAEL (profetas sem escritos)
ETAPA PROFETA LUGAR SIT. POLÍTICA PROBLEMÁTICA INTERV. PROFÉTICA
Início do
séc. XII - XI
Débora
Israel-Efraim Governo de
Débora
Despotismo
cananeu de Jabin?
Luta e vitória sobre Jabin.
Samuel
Telam Saul, rei Guerra contra
amalecitas
Condena Saul, o rei
Betel-Guilgal Saul, rei Ameaça filistéia.
Impaciência real
Condena Saul, o rei
Monárquia
séc. X – IX
a)
Proximidade
física da corte.
Distanciament
o crítico.
Gad
MOAB,
Odolam
Saul, rei Fuga de Davi Aconselha a volta de Davi
Israel e Judá Saul, rei O recenseamento
do povo
Anuncia castigo
Natã
Jerusalém
corte real
Davi, rei Construção do
templo
Promessa de dinastia
davídica
Jerusalém
corte real
Davi, rei Betsabéia, a mulher
de Urias
Acusa o rei Davi
Jerusalém
corte real
Davi Salomão Disputa pela
sucessão
Anuncia Salomão como
herdeiro
b)
Distanciament
o progressivo
da corte
Aías de
Silo
Silo Salomão, rei Rebelião de
Joroboão contra
Salomão
Anuncia o trono de Israel
(Norte) para Jeroboão
Silo Jeroboão Enfermidade de
Abdias, o filho do rei
Anuncia a morte de
Abdias como castigo
Miquéias
bem-
Jemla
Reino do
Norte
Acab, rei do
Norte (Israel)
Josafá, rei do
Sul (Judá)
Israel e Judá contra
a Assíria.
Acab quer garantias
de êxito
Anuncia a ruína de Acab
c)
Distanciament
o da corte.
Aproximação
do povo.
Elias
(874-852
Reino do
Norte:
Samaria
Acab, rei de
Israel
Sincretismo
religioso: culto a
Baal
Reivindicação da fé
JAVISTA.
Anuncia seca e chuva
Jezrael Acab, rei de
Israel
Acab assassina
Nabot e rouba sua
vinha
Anuncia castigo sobre a
família real
Reino do
Norte:
Samaria
Ocozias, rei de
Israel
Consulta ao deus
Baal Zebul
Anúncio de castigo
Eliseu
Reino do
Norte:
Samaria
Jorão, rei Corrupção político-
religiosa
Unção de Jeú como rei,
destituindo Jorão
Extraído de: Cervantes (1998, p. 140).
139
ANEXO C
O PROFETISMO EM ISRAEL – PRIMEIRA ETAPA
B PROFETISMO EM ISRAEL (profetas sem escritos)
ETAPA PROFETA CITAÇÃO SIT. POLÍTICA PROBLEMÁTICA INTERV. PROFÉTICA
Início do
séc. XII - XI
Débora
Jz 4,4-5 4,1-3 4,3 4,6-24
Samuel
1Sm 13,2-5 13,1 13,3-9 13,10-14
1Sm 15,4 15,1-3 15,4-9 15,10-35
Monárquia
séc. X – IX
a)
Proximidade
física da corte.
Distanciament
o crítico.
Gad
1Sm 22,1.3 22,6 22,4 22,5
2Sm 24,1 24,2 24,2-10 24,11-25
Natã
2Sm 7,1 7,1 7,2 7,4-16
2Sm 11,1-2 11,1 11,3-25 12,1-18
1Rs 1,1ss 1,1-8 1,9-10 1,11-53
b)
Distanciament
o progressivo
da corte
Aías de
Silo
1Rs 11,29 11,26-28 11,26-28 11,31-39
1Rs 14,1-2 13,33-34 14,2-6 14,6-20
Miquéias
bem-
Jemla
1Rs 22,1-2 22,2 22,3-9 22,9-40
c)
Distanciament
o da corte.
Aproximação
do povo.
Elias
(874-852
1Rs 16,29-
30
16,29-30 16,30-33 17,1-24; 18,1-46
1Rs 21,1-2 16,29-30 21,1-16 21,17-29
2Rs 1,1 1,1-2 1,2-12 1,13-18
Eliseu
2Rs 3,1-2 3,1-3 3,1-3 9,1-37
Extraído de: Cervantes (1998, p. 141).
140
ANEXO D
ELIAS E A REALIDADE DO SEU TEMPO
ELIAS
(Javé é Deus)
DENÚNCIA SOLUÇÃO ESPERANÇA
Época: 874 a 853 aC.
Dinastias nórdicas de Acab
e de seu filho, Ocozias.
Características: Profeta
intinerante, sem vínculo
com santuário, sua
biografia tem aspectos
legendários e milagreiros
(1Rs 17-19; 21, 17-28; 2Rs
1,3-4.12). a tradição o fez
parecer-se com Moisés:
fuga, refúgio em país
estrangeiro, faz sinais e
prodígios, recebe a
manifestação de Deus. O
povo guardou na memória
a idéia de que “Elias vai
voltar” (Ml 3,1; Eclo 48, 10-
12; Mt 16,14). Elias era
visto como sendo o
precursor de Deus, no
juízo, e do messias.
- Confisco de terras feito
pelo Rei, que mandou
matar Nabot para, desse
modo, apoderar-se de
suas terras (1Rs 21). O
desejo denunciado é o de
querer tornar-se
latifundiário;
- Idolatria (1Rs 18, 16-
18);
- Os filhos de Israel por
terem abandonado a
Aliança feita com Deus,
derrubado os altares de
Deus e matado os
verdadeiros profetas;
- Profetas de Baal
- Membros da instituição
religiosa da corte (1Rs 18,
16-40).
- Manter a fé em
Javé;
- Escolher entre
Javé e Baal (1Rs
18,19);
- Seguindo a Lei
deuteronomística
(Dt 13, 1-5; 18,
19-22), degolar
os falsos
profetas de Baal
que ele vencera
na disputa do
Carmelo.
- Na época de
Elias, o povo,
devido às
alianças dos reis
Amri e Acab com
Tiro, prestava
culto a Javé e a
Baal. Elias, indo
ao encontro do
povo, foi
incansável na
denúncia desse
sincretismo
religioso. Ele
acreditou na
purificação do
javismo. Isso foi
a sua bandeira
de luta. “Javé é o
Deus de Israel” e
nele deveria
estar a
esperança do
povo, do menor
ao maior, de
governantes e
governados.
Para que isso se
tornasse
realidade, Elias
denunciou os
abusos da
monarquia, fez
milagres,
devolvendo a
vida e esperança
para o seu povo.
Extraído de: Faria (2000, p. 29).
141
ANEXO E
JEREMIAS E A REALIDADE DO SEU TEMPO
JEREMIAS
(Javé exalta, faz
nascer, é sublime)
DENÚNCIA SOLUÇÃO ESPERANÇA
Época: 626 a 587
aC. Profetizou em
Jerusalém. Babilônia
invade e destrói
Jerusalém.
Características:
Piedoso, sensível,
não se casou, o
homem da crise.
Jeremias foi
considerado traidor
de Judá por colocar-
se ao lado dos
Babilônios.
- Tribunais com
juízes corruptos que
não têm interesse
pela causa do órfão
e do pobre (5,28);
- Comerciantes que
se enriquecem às
custas dos pobres
(5,27);
- Sacerdotes que
usam a religião em
seus proveitos
(5,31), colaboram
com a injustiça (8,4-
9,25);
- Escravidão
daqueles que se
venderam (34,8-22);
- Salário não pago
aos trabalhadores
(22,13-19);
- Roubo (7,9) e
assassinato (2,34;
7,9);
- Luxo e riqueza
(5,25-28; 17,11);
- Ânsia de se
enriquecer (6,13;
8,10; 22,17);
- Príncipes
(34,10,19);
- Ministros do rei
(22,2);
- Eunucos (34, 19);
- Rei (22,13-19);
- Falsos profetas
(23,9);
- Grandes (5,28).
- Conversão do povo
(3);
- Javé vai suscitar um
novo rei que imporá o
direito e a justiça (23,5-
8);
- Javé vai fazer uma
“nova aliança” com os
ser humano, escreverá
a Lei no seu coração,
perdoará a sua culpa e
não mais se lembrará
da sua culpa (31,31-34);
Pensando assim,
Jeremias une as
soluções apresentadas
por Isaías e Sofonias;
- Justiça nos tribunais
(7,5; 21,12; 22,1-5);
- Libertar o escravo no
final de 7 anos. Deus vai
intervir e agir duramente
contra os que
desobedecem a Lei
referente à liberdade do
escravo (34, 13-22);
- Virá o “dia de Javé”
como dia da angústia
(30,5-7);
- Não ao projeto de
resistência militar ao
império babilônico,
representado por
Sedecias. Jeremias
apóia Godolias,
governador nomeado
pelo rei da Babilônia, e
com isso rejeita a casa
de Davi .
- Jeremias acredita
que a salvação do
povo e da monarquia
depende da
conversão. Por outro
lado ele não alimenta
muitas esperanças
nessa possibilidade.
- Ao colocar suas
esperanças em
Godolias, Jeremias
acredita em uma
saída possível para
manter o projeto do
Senhor. Ele percebe
que o projeto
histórico está longe
da sua realidade, por
isso apresenta uma
mediação possível.
Com Godolias
(Império babilônico)
Deus nos castigará.
Chegará o tempo de
nos libertar deles,
sonha o profeta.
Parece-nos uma
esperança pobre,
não realista.
Extraído de: FARIA, 2000, p. 32.
142
ANEXO F
HABACUC E A REALIDADE DO SEU TEMPO
HABACUC
(Javé abraça)
DENÚNCIA SOLUÇÃO ESPERANÇA
Época provável: final
do século VII a.C,
em torno do ano 600
a.C, em Jerusalém,
durante o reinado de
Jeoaquim. A
sociedade da época
é fortemente
marcada pela prática
da injustiça social.
Características: o
livro que leva o seu
nome não apresenta
informações de
ordem genealógica,
ou histórica acerca
de Habacuc ou do
tempo em que ele
viveu. Habacuc é
apresentado
simplesmente como
o profeta (nabi‘) com
uma mensagem de
juízo contra o ímpio
e uma palavra de
vida e esperança a
favor do justo.
- Contra a injustiça
social descrita pelo
binômio “rapina e
violência” (1,2-4);
- Contra o crime da
apropriação indevida
de bens alheios e
penhora (2,6b-8);
- Contra a prática
ilícita dos ganhos
injustos (2,9-11);
- Contra o uso da
violência. Contra a
política de
construções a preço
de sangue e de
injustiças. Contra
toda exploração e
usurpação da força
de trabalho que as
classes dominantes
impõem sobre seus
súditos (2,12-14);
- Contra o consumo
excessivo, a lascívia
às custas de outrem
(2,15-17);
- Contra a idolatria. A
idolatria pode ser
definida como sendo
tudo aquilo que o
homem produz e que
é apresentado como
absoluto, mas só
produz escravidão e
morte. Isso porque
os ídolos escondem
atrás de si pessoas
que se servem deles
para manipular as
outras sugando-lhes
a liberdade e a vida,
ao passo que o
verdadeiro Deus
produz e promove a
liberdade e a vida.
Daí o protesto do
profeta contra toda
sorte de idolatrias
(2,18-20).
- Não um programa
claramente descrito
para a solução dos
problemas de injustiça
social vigentes na época
do profeta;
- A grande revelação
dada a Habacuc alude à
intervenção deYahweh
trazendo juízo contra o
ímpio, e livramento a
favor do seu povo.
Todavia, essa
intervenção ocorrerá
através de uma parceria
entre Yahweh e o ‘justo’
que deverá permanecer
em fidelidade (2,1-4).
- Habacuc acredita
que a salvação do
‘justo’, da
comunidade
oprimida de seu
tempo, e a
restauração da
justiça social em
Judá dependem de
uma intervenção
direta de Yahweh.
Por outro lado ele
reconhece que essa
intervenção
ocorrerá através da
fidelidade do justo
(2,4);
- Tal fidelidade
pressupõe a
denúncia profética,
ou seja, o protesto
contra toda sorte de
injustiças na
sociedade e a
vivência na prática
do referido discurso
profético. Tal
discurso e prática
devem estar
fundamentados na
esperança paciente
de que Yahweh
certamente livrará o
seu povo;
- Habucuc encerra
seu livro com uma
fervente oração e
descreve em
linguagem teofânica
a manifestação
salvadora de
Yahweh e sua
confiança
incondicional na
intervenção salvífica
de Yahweh a favor
do seu povo (3,1-19).
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