103
oráculo pronunciado por um apilu
54
da parte do deus Hadad e endereçada ao rei.
Uma vez que o oráculo foi dirigido ao rei, o escritor se sentiu na obrigação de enviá-
lo, ainda que aparentemente o apilu não tivesse necessariamente a intenção de
entregá-lo dessa maneira (WOOD, 1983, p. 27). Os paralelismos entre as cartas
encontradas nos arquivos reais de Mari,
55
na época de Hamurabi, e a profecia do
Antigo Testamento são inegáveis (FOHRER, 1982, p. 277-279). Para uma melhor
comparação entre os textos de Mari e o profetismo em Israel citaremos a seguir, a
título de exemplo, o conteúdo narrativo de fragmento de uma tabuinha de Mari:
... Meu senhor diante dos reis e [ ] ordenou que sejam entregues os
(animais) machos, nesses termos: ‘Que, no futuro, ninguém se revolte
contra mim!’ Eu lhe impus testemunhas. Que meu senhor o saiba! Por
oráculo, Adad, o senhor de Kallassu, falou nestes termos: ‘Não fui eu, Adad,
o senhor de Kallassu, que o ergui em meus joelhos e que o reconduzi ao
trono da casa do seu pai? Depois que o reconduzi ao trono da casa do seu
pai, dei-lhe também uma residência. Agora, como eu o reconduzi ao trono
da casa de seu pai, posso retomar Nihlatum de sua mão. Se ele não fizer a
entrega, eu sou o senhor do trono, do território (?) sobre territórios (?),
cidades sobre cidades, e o país, do leste ao oeste, eu lhe darei’. Eis o que
disseram os “defensores”; ora, eles (?) permanecem continuamente nos
oráculos. Agora, na verdade, o “defensor” de Adad, o senhor de Kallassu,
vigia a região de Nihlatum. Que meu senhor o saiba! Antes, quando eu
residia em Mari, eu enviava ao meu senhor tudo o que diziam o “defensor” e
a “defensora”... (apud AMSLER et al., 1992, p. 33-34).
O texto acima pode ser comparado com a narrativa das palavras do profeta
Natã, dirigidas ao rei Davi em nome de Yahweh:
Mas, naquela mesma noite, a palavra de Deus foi dirigida a Natã nestes
termos: “Vai dizer a Davi, meu servo: [...] Assim fala Iahweh dos exércitos.
Fui eu quem te tirou do pastoreio, de detrás das ovelhas, para seres chefe
do meu povo Israel. Estive contigo por toda parte aonde ias, exterminei
diante de ti todos os teus inimigos. Dar-te-ei um renome igual ao dos mais
ilustres da terra. [...] Eu te anuncio que Iahweh te fará uma casa e quando
se completar o tempo de te reunires a teus pais manterei depois de ti a tua
posteridade: vai ser um de seus filhos, cujo reinado firmarei. Ele me
construirá uma casa e eu firmarei seu trono para sempre (1Cr 7,3-4;7-8;10-
12, BJ).
Os paralelismos encontrados nessas, e em outras ‘profecias’, têm levado
muitos estudiosos a defender a idéia de que finalmente encontraram as origens do
profetismo israelita. De acordo com os exemplos acima referidos, os pontos de
semelhança nas mensagens das cartas de Mari quando confrontadas com a profecia
54
‘respondente’, termo designativo para ‘profeta’ no referido texto. Para maiores esclarecimentos
sobre o significado e a função social do apilu em Mari, veja Wilson (2006, p. 129-133).
55
Os arquivos do palácio de Mari, às margens do Eufrates, destruído por volta de 1750 a.C., nos dão
a conhecer a civilização e a atividade dos amoritas, semitas do oeste, que precederam aos israelitas
(cf. Ez 16,13; Gn 15,16). Trata-se de peças administrativas e de cartas trocadas com príncipes
estrangeiros e oficiais do reino. Informam-nos sobre os movimentos das tribos nômades e semi-
nômades que gravitam ao redor das pequenas capitais (Haneus, Sutu, Hapiru) (Cazelles, 1986, p.
36).