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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões
Mestrado em Ciências das Religiões
Maria de Fátima Moreira de Carvalho
AS REPRESENTAÇÕES DE MARIA MADALENA,
NA PERSPECTIVA BÍBLICA E CONTEMPORÂNEA
João Pessoa
2009
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Maria de Fátima Moreira de Carvalho
AS REPRESENTAÇÕES DE MARIA MADALENA,
NA PERSPECTIVA BÍBLICA E CONTEMPORÂNEA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Ciências das Religiões como requisito para obtenção do titulo de
Mestre em Ciências das Religiões por Maria de Fátima Moreira de
Carvalho. Orientador Prof. Dr. Severino Celestino da Silva.
João Pessoa
2009
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C331r Carvalho, Maria de Fátima Moreira de
As Representações de Maria Madalena, na perspectiva
bíblica e contemporânea / Maria de Fátima Moreira de
Carvalho. – João Pessoa, 2009.
144 p.: il.
Orientador: Severino Celestino da Silva
Dissertação (Mestrado) – UFPB/ CE
1. Cristianismo. 2. Gnosticismo (conhecimento). 3. Maria
Madalena – Perspectiva bíblica.
Maria de Fátima Moreira de Carvalho
AS REPRESENTAÇÕES DE MARIA MADALENA,
NA PERSPECTIVA BÍBLICA E CONTEMPORÂNEA
Aprovada em 11 de Março de 2009
_________________________________________________
Profº. Dr. Severino Celestino da Silva
(Orientador – PPGRC/UFPB)
_________________________________________________
Profº. Dr. José Antonio Novaes da Silva
(membro - PPGCR/UFPB)
_________________________________________________
Profº. Dr. Luiz Carlos Luz Marques
(membro externo/PPGCR/UNICAP)
DEDICATÓRIA
Para Deus, razão maior da minha busca pelo conhecimento.
In memorian de meus queridos pais, José Francisco de
Carvalho e Raquel Moreira de Carvalho, por cada ação em
meu benefício.
À minha amada filha Elaine Cristina, amiga e companheira de
todos os dias e em todas as circunstâncias.
AGRADECIMENTOS
À professora Dra. Neide Miele, pelo rico cabedal de instruções que nos legou e,
sobretudo, pelo esforço conjunto para implantação do campo disciplinar Ciências
das Religiões na UFPB, sem o qual este trabalho não teria sido possível.
Ao professor Dr. Severino Celestino da Silva, pelo notável conhecimento, dedicação
e orientação.
Aos Professores: Carlos André Cavalcanti, Fabrício Possebon, Maria Otília Telles
Storni, Maristela Andrade, e Simone Maldonado, pelos conselhos e por seus
próprios exemplos de vida pessoal e profissional, que muito me serviram de
estímulo.
A todos os demais mestres, que direta ou indiretamente, ao longo do curso,
incentivaram-me com exemplos de sabedoria.
Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões, pelo
zelo e amabilidade evidenciados.
A todos os colegas pela solidariedade e carinho demonstrados em sala de aula.
E finalmente, à minha querida família: irmãos e irmãs, respectivos cônjuges, e todos
os meus sobrinhos, porque acreditaram no meu esforço e muito me incentivaram ao
longo dos anos.
[Entremos] “no novo milênio garimpando nosso passado para
recolher de cada um dos seus três períodos o ouro que ele
contém e deixar que o resíduo se sedimente nas areias da
história”.
(SMITH, 2001, p. 29)
CARVALHO, Maria de Fátima Moreira de. AS REPRESENTAÇÕES DE MARIA
MADALENA, NA PERSPECTIVA BÍBLICA E CONTEMPORÂNEA. 2009 – 144p.
Dissertação (Mestrado em Ciências das Religiões) Universidade Federal da Paraíba.
RESUMO
Esta Dissertação é o resultado da pesquisa sobre As Representações de Maria
Madalena, na perspectiva bíblica e contemporânea. Para sua realização definiu-se
como objetivo geral analisar as representações textuais e imagéticas da
personagem, nos seus aspectos simbólicos e mitológicos, segundo as
interpretações da Bíblia, dos registros gnósticos e da hagiografia cristã, e como
objetivos específicos, examinar e comparar os registros canônicos, gnósticos e
hagiográficos sobre Maria Madalena; detectar as representações evidenciadas no
período do Renascimento e analisar os seus reflexos na atualidade. A
fundamentação teórica do estudo abordou as variadas hipóteses apresentadas por
autores cristãos, gnósticos, e estudiosos do tema nas diversas áreas das Ciências
Humanas, no que diz respeito às representações simbólicas e mitológicas atribuídas
à personagem pelo catolicismo e pelo gnosticismo. O desenvolvimento do tema
seguiu a ordem cronológica dos acontecimentos bíblicos e históricos do cristianismo
e do gnosticismo, naquilo que influenciaram a evolução e consolidação das
representações de Maria Madalena. O estudo foi compreendido como uma pesquisa
bibliográfica e documental, e a metodologia qualitativa. Foi utilizada como
instrumento de pesquisa a contribuição de autores especializados, mediante
consulta a livros, jornais, revistas, filmes, internet, entre outros, obedecendo aos
seguintes aspectos: pesquisa bibliográfica comparada; e abordagem histórico-
filosófica, compreensiva e interpretativa. O universo temporal da pesquisa se
centraliza nos primeiros séculos do cristianismo e no período do Renascimento. E
por fim, nas considerações finais, a pesquisadora apresenta o entendimento a que
chegou como resultado de sua pesquisa.
Palavras-Chave: Maria Madalena; Cristianismo; Gnosticismo
CARVALHO, Maria de Fátima Moreira de. LES REPRÉSENTATIONS DE MARIE
MADELEINE, SOUS LA PERSPECTIVE BIBLIQUE ET CONTEMPORAINE. 2009 -
144p. Mémoire (Mastaire en Sciences de la religion) Université fédérale de Paraiba.
RÉSUMÉ
Ce mémoire est le résultat d’une recherche sur « Les représentations de Marie
Madeleine, sous la perspective biblique et contemporaine ». En vue de sa
réalisation, nous avons établi, comme objectif général, l’analyse des représentations
textuelles-imagetiques du personnage, sous les aspects symboliques et
mythologiques, selon les interprétations de la Bible, des registres gnostiques et de
l’hagiographie chrétienne. Nous avons également défini, comme objectifs
spécifiques, l’étude et la comparaison des registres canoniques, gnostiques et
hagiographiques sur Marie Madeleine ; la détection des représentations existantes
sur ce personnage pendant la Renaissance ; et l’analyse de leurs influences dans
l’actualité. Les bases théoriques de cette étude comportent les plusieurs hypothèses
présentées par des auteurs chrétiens et gnostiques, et des chercheurs de ce sujet
dans le domaine des Sciences Humaines, en ce qui concerne les représentations
symboliques et mythologiques attribuées au personnage par le catholicisme et le
gnosticisme. Le développement du sujet a suivi l’ordre chronologique des
événements bibliques et des événements historiques du christianisme et du
gnosticisme, dans ce qu’ils ont d’important pour l’évolution et la consolidation des
représentations de Marie Madeleine. Cette étude comprend une recherche
bibliographique et documentaire, à partir d’une méthodologie qualitative. Nous avons
pu compter sur la contribution d’auteurs spécialisés dans le domaine, à travers la
consultation de livres, journaux, magazines, films et internet, entre autres, en utilisant
les procédures suivantes : recherche bibliographique comparée ; et abordage
historique-philosophique, compréhensive et interprétative. Nous avons concentré
notre étude sur les premiers siècles du christianisme et la Renaissance. Enfin, dans
la conclusion, nous présentons la compréhension obtenue à l’issue de notre étude.
Mots-clés : Marie-Madeleine ; Christianisme ; Gnosticisme.
LISTA DE QUADROS E DIAGRAMAS
QUADROS
Quadro 1 – Síntese das citações bíblicas sobre Maria Madalena.............................48
Quadro 2 - Mulheres da Galiléia que seguiram Jesus, assistem sua crucificação e
morte .......................................................................................................50
Quadro 3 - Maria Madalena assiste ao sepultamento e compra especiarias para
ungir o corpo ...........................................................................................52
Quadro 4 - No Domingo de manhã, Maria Madalena e outras mulheres vão ao
sepulcro ...................................................................................................53
Quadro 5 - Maria Madalena e outras mulheres constatam que a pedra do sepulcro
foi removida .............................................................................................54
Quadro 6 – Maria Madalena e as outras mulheres vêem anjos sentados na pedra do
sepulcro ............................................................................................ 55
Quadro 7 – Os Anjos anunciam a ressurreição. Jesus fala primeiramente com Maria
Madalena .................................................................................................57
Quadro 8 – As mulheres são enviadas a anunciar aos apóstolos que Jesus
ressuscitou ....................................................................................... 58
Quadro 9 – Todas as aparições de Jesus às mulheres e aos apóstolos após a
ressurreição ...................................................................................... 59-60
Quadro 10 - Demonstrativo dos relatos contidos nos evangelhos canônicos sobre
ocorrências das mulheres que ungiram Jesus ................................. 68
Quadro 11 – Doutrinas Paulinas sobre o casamento ........................................ 81
Quadro 12 - Doutrinas paulinas sobre as mulheres .......................................... 83
DIAGRAMAS
Diagrama 1 - Síntese do trabalho .............................................................................26
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Conversão de Maria Madalena ............................................................... 36
Figura 2 – Maria Madalena na Casa de Simão, o Fariseu .......................................36
Figura 3 – A Penitente Madalena .............................................................................37
Figura 4 – Cristo e a mulher flagrada em adultério ..................................................37
Figura 5 – Ressurreição – Noli me tangere ..............................................................39
Figura 6 – Ressurreição – Noli me tangere ..............................................................40
Figura 7 – Madalena lendo .......................................................................................40
Figura 8 – Santa Maria Madalena .............................................................................41
Figura 9 – Maria Madalena em Penitência ...............................................................41
Figura 10 – Maria Madalena arrependida [grávida]...................................................42
Figura 11 –A Madalena arrependida [grávida] .........................................................42
Figura 12 – Santa Maria Madalena ..........................................................................43
Figura 13 – Senhora retratada como Maria Madalena ............................................ 43
Figura 14 – As três Madalenas ............................................................................... 45
Figura 15 – Madalena ............................................................................................103
Figura 16 – Santa Maria Madalena ........................................................................103
Figura 17 – Madalena [grávida] ..............................................................................111
Figura 18 – Madalena [grávida]...............................................................................111
Figura 19 – Santa Madalena ..................................................................................115
Figura 20 – Santa Maria Madalena e Santa Catarina de Alexandria ......................115
Figura 21 – Maria Madalena viajando para Marselha .............................................116
Figura 22 – O hermitão Zósimus levando vestes para Madalena ...........................116
Figura 23 – Maria Madalena e o Cardeal Pontano..................................................117
Figura 24 – Maria Madalena falando com os Anjos ................................................118
Figura 25 – Santa Maria Madalena [a eremita em andrajos]...................................120
Figura 26 – Maria Madalena [a eremita despida] ....................................................120
Figura 27 – Um Anjo Traz a Comunhão Santa a Maria Madalena..........................121
Figura 28 – Santa Maria Madalena: Êxtase ............................................................121
Figura 29 – Santa Maria Madalena Penitente .........................................................122
Figura 30 – Maria Madalena Penitente ...................................................................122
Figura 31 – Maria Madalena Penitente ..................................................................122
Figura 32 – A Penitente Madalena..........................................................................122
Figura 33 – Maria Madalena....................................................................................123
Figura 34 – Santa Maria Madalena .........................................................................124
Figura 35 – Maria Madalena Penitente ...................................................................124
Figura 36 – A Penitente Madalena .........................................................................124
Figura 37 – A Madalena Penitente ..........................................................................125
Figura 38 – Maria Madalena na Caverna ................................................................125
LISTA DE ABREVIATURAS
1 Co 1 Coríntios
1 Cr Crônicas
1 Jo 1 João
1 Pe 1 Pedro
1 Rs 1 Reis
1 Sm 1 Samuel
1 Tm 1 Timóteo
1 Ts 1 Tessalonicenses
2 Co 2 Coríntios
2 Cr 2 Crônicas
2 Jo 2 João
2 Pe 2 Pedro
2 Rs 2 Reis
2 Sm 2 Samuel
2 Tm 2 Timóteo
2 Ts 2 Tessalonicenses
3 Jo 3 João
Ag Ageu
Am Amós
Ap Apocalipse
At Atos
Cl Colossenses
Ct Cantares
Dt Deuteronômio
Ec Eclesiastes
Ed Esdras
Ef Efésios
Et Ester
Êx Êxodo
Fm Filemon
Fp Filipenses
Gl Gálatas
Gn Gênesis
Hb Hebreus
Hc Habacuque
Is Isaías
J Jeremias
Jd Judas
Jl Joel
Jn Jonas
Jo João
Jó Jó
Js Josué
Jz Juízes
Lc Lucas
Lm Lamentações
Lv Levítico
Mc Marcos
Ml Malaquias
Mq Miquéias
Mt Mateus
Na Naum
Ne Neemias
Nm Números
Ob Obadias
Os Oséias
Pv Provérbios
Rm Romanos
Rt Rute
Sf Sofonias
Sl Salmos
Tg Tiago
Tt Tito
Zc Zacarias
NT Novo Testamento
WEB World Wide Web
SUMÁRIO
PÁG.
LISTA DE QUADROS E DIAGRAMA
LISTA DE ABREVIATURAS
RESUMO
RÉSUMÉ
INTRODUÇÃO .........................................................................................................17
CAPÍTULO 1 – OS CAMINHOS CIENTIFICOS DA PESQUISA .............................27
CAPÍTULO 2 – SÍNTESE HISTORIOGRÁFICA DAS REPRESENTAÇÕES
SOBRE A PERSONAGEM BÍBLICA MARIA MADALENA ................................36
CAPÍTULO 3 – ANÁLISE LITERÁRIA DOS RELATOS BÍBLICOS SOBRE
MARIA MADALENA ................................................................................................47
3.1 – Maria Madalena testemunha a crucificação e o sepultamento e Jesus ..........49
3.2 – Maria Madalena, a primeira testemunha da ressurreição de Jesus ................53
3.3 – Identificando as outras mulheres vindas da Galiléia para melhor
compreender o papel de Maria Madalena junto a Jesus .................................60
3.4 – Quem era o discípulo amado do IV Evangelho? João ou Maria Madalena? ...62
3.5 – Outras personagens bíblicas confundidas com Maria Madalena ....................67
CAPITULO 4 – OS ANTECEDENTES HISTÓRICO-FILOSÓFICOS QUE
CONTRIBUIRAM PARA A FORMAÇÃO DO SÍMBOLO DA EVA REDIMIDA ......72
4.1 – Os modelos patriarcais de repressão à mulher................................................72
4.2 - A quebra dos paradigmas patriarcais pelos princípios de igualdade
introduzidos por Jesus .....................................................................................74
4.3 - O papel da mulher na formação do cristianismo primitivo ................................78
4.4 – As doutrinas paulinas sobre a mulher .............................................................79
4.5 - A formação do cânon do Novo Testamento .....................................................84
4.6 - O óbice para o exercício de liderança feminina na Igreja Católica ...................90
4.7 - O símbolo da Eva redimida ..............................................................................94
CAPÍTULO 5 – AS CONSTRUÇÕES MITOLÓGICAS ACERCA DE MARIA
MADALENA .........................................................................................................97
5.1 - Os gnósticos. ....................................................................................................97
5.2 – A Masculinidade de Deus segundo o gnosticismo..........................................105
5.3 – Os Cátaros..................................................................................................... 106
5.4 – A Legenda Áurea e as Representações iconográficas de Maria Madalena ..112
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................128
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ......................................................................135
INTRODUÇÃO
Este trabalho de pesquisa se propõe a expor e analisar as Representações
de Maria Madalena na perspectiva bíblica e contemporânea, nos mais importantes
aspectos simbólicos e mitológicos a ela atribuídos, tanto nos séculos iniciais do
cristianismo, quanto no período histórico do Renascimento e suas proximidades,
quando foram publicadas importantes obras, com polêmicos textos e imagens que
provocaram controvertidas questões sobre a personagem.
Trata-se, Maria Madalena, de personagem chave do Novo Testamento, por
ter acompanhado Jesus em suas viagens, assistido a sua crucificação, e ter sido a
primeira pessoa a testemunhar e anunciar a sua ressurreição. De berço judaico-
cristão, a sua história remonta aos primórdios do cristianismo, e está registrada nos
Evangelhos canônicos.
Dentre as citações bíblicas que registram o seu nome, as narradas por
Lucas e por João se tornaram alvo das mais conflitantes interpretações, por parte
dos clérigos cristãos na determinação da sua identidade e do seu papel no
cristianismo, e por parte de judeus, gnósticos e pagãos, que lançando dúvidas sobre
a veracidade das narrativas cristãs da ressurreição, apresentaram interpretações
alternativas sobre Jesus e Maria Madalena, resultando tudo isto, em múltiplas
facetas da personagem, expressas em diferentes símbolos e mitos antagônicos.
Na interpretação do texto sagrado do cristianismo, o presbítero Tertuliano de
Cartago (150-222) foi o primeiro a associar Maria Madalena a uma pecadora
anônima que ungiu Jesus (Lc 7.36-50) e a quem identificou como uma prostituta – o
que é compreendido pelos cristãos, como uma das heranças malignas que as
mulheres herdaram pela culpa de Eva no pecado original. Sabendo, porém, que a
personagem era a mais importante testemunha da ressurreição, Hipólito de Roma
(170 – 235 d.C.) estabeleceu uma tipologia entre ela e a noiva descrita no livro
bíblico de Cantares (Ct 2.1-4) – que representa para os cristãos o símbolo da união
entre o Deus de Israel e a humanidade redimida pelo Cristo (CHAMPLIN, 1982).
A vinculação do nome de Maria Madalena à tipologia da noiva, associada à
sua identificação como prostituta, investiu a personagem no papel de pecadora que
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
18
recebeu o perdão pela remissão dos pecados, sintetizado no símbolo que configurou
a sua memória no catolicismo ocidental: Eva redimida.
Os gnósticos, em refutação à narrativa da ressurreição, escreveram a sua
própria interpretação para o fenômeno, através do Evangelho alternativo de Maria,
entre outros, deixando nas entrelinhas dos seus escritos, insinuações sugestivas de
que havia existido um relacionamento erótico entre Jesus e Maria Madalena. E para
reafirmar esse entendimento, atribuíram à personagem a posição de líder do
cristianismo, e a relacionaram com o mito egípcio do princípio feminino.
Mas, logo foram rechaçados, silenciados, e em 367 d.C., tiveram seus
escritos queimados por ordem do bispo Atanásio de Alexandria (FARIA, 2004).
Entretanto, no final da Idade Média ressurgiram em diversos pontos da Europa em
forma de variadas seitas, das quais os cátaros se tornaram os mais conhecidos por
terem sido os que mais afrontaram os dogmas do catolicismo, conforme afirmou
Eliade:
Os Padres desencandearam uma luta sem tréguas contra o
acosmismo e o esoterismo da Gnose (...). Mas, a despeito das
perseguições, o gnosticismo jamais foi radicalmente extirpado, e
alguns mitos gnósticos, mais ou menos camuflados, ressurgiram nas
literaturas orais e escritas da Idade Média (ELIADE, 2006, p. 147).
Para combatê-los, o catolicismo, através do dominicano Jacopo de Varazze
(1226-1298) elaborou um livro hagiográfico intitulado Legenda Áurea, em que faz
narrativas sobre cerca de 170 santos católicos, incluindo a história de Maria
Madalena, de quem narra acontecimentos, virtudes e poderes não registrados no
Novo Testamento, e que serviriam de modelo comportamental para justificar a
discriminação à mulher e a +aversão à sexualidade impostas pelo clero, ao mesmo
tempo em que se destinavam a refutar as doutrinas cátaras sobre a personagem.
Estas principais representações textuais multifacetaram a memória de Maria
Madalena em contraditórias construções simbólicas e mitológicas, que foram
perpetuadas pela sua iconografia, e transformaram a personagem histórica em lenda
ou a envolveram – como é divulgado na atualidade –, numa trama de conflitos de
gêneros na busca política do poder, da liberdade de sexo e da emancipação da
mulher.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
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Nesta pesquisa, pretendemos focalizar as representações textuais e
imagéticas de Maria Madalena, segundo as interpretações cristãs e gnósticas,
delimitadas ao recorte das narrativas bíblicas que se encontram em Lucas 8:1-3 e
João 20:1-18, por ser nestes contextos que as facetas polêmicas da personagem
apresentaram maior visibilidade. Delimitamos, ainda, o foco do nosso trabalho, no
que diz respeito às representações imagéticas, às produções iconográficas do
período histórico renascentista e adjacentes, tanto pela elaboração de maior número
de importantes imagens sobre a personagem, como pela sua influência para a
formação de opiniões do imaginário, cujas reflexões sobre Maria Madalena refletiram
na atualidade diferentes interpretações de modelos comportamentais.
Tema: AS REPRESENTAÇÕES DE MARIA MADALENA, NA PERSPECTIVA
BÍBLICA E CONTEMPORÂNEA.
Linha de Pesquisa: Religião, Cultura e Produções Simbólicas.
Justificativa
A escolha do tema As Representações de Maria Madalena, na perspectiva
bíblica e contemporânea, deveu-se à sua relevância, tendo em vista referir-se a uma
personagem cuja memória exerceu grande influência na história eclesiástica do
ocidente, e cuja narrativa, ainda não atingiu um consenso de interpretação, face à
escassez de dados no relato Bíblico, e às muitas e conflitantes informações literárias
cristãs e não cristãs existentes sobre ela.
Trata-se de um tema muito polêmico, que desde os primórdios da Igreja tem
provocado querelas e divisões entre o clero, os teólogos e os adversários do
cristianismo, tendo inclusive, contribuído para a formação da desastrosa Cruzada
Albigense que resultou no aniquilamento cátaro por parte da Igreja católica, no final
da Idade Média.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
20
Mas, a tentativa da Igreja em calar os albigenses, mostrou-se infrutífera para
conter a curiosidade de se descobrir os fatos silenciados nas páginas dos
evangelhos canônicos. Surpreendentes descobertas arqueológicas inauguraram um
novo período de incessantes pesquisas sobre Maria Madalena.
Eram os importantes achados, ocorridos em 1945, em Nag Hammadi, no
Egito, vasos que haviam sido enterrados há mais de mil anos e que ocultavam no
seu interior antigos manuscritos coptas elaborados em papiros, correspondentes a
cópias de textos originados do gnosticismo, entre os quais, o já citado Evangelho
gnóstico de Maria, que contém relatos alternativos sobre a personagem.
Pretende-se com esta Dissertação oferecer aos estudiosos novos elementos
que contribuam para um maior conhecimento sobre Maria Madalena, e sobre as
interpretações da sua imagem relativas à sua participação na história e na
ressurreição de Jesus, bem como sobre os símbolos e mitos a ela atribuídos.
Este estudo é importante, porque deverá mostrar novas imagens e oferecer
novos elementos para a construção de modelos de comportamentos sociais
baseados na personagem.
Como mulher, temos uma grande identificação com as atitudes corajosas
que ela teve e que a caracterizaram como modelo de uma nova práxis feminina,
atuante na quebra de preconceitos e paradigmas patriarcais e de exclusão social,
mediante a transformação no seu ser implantada pelo amor, e ancorada na
consciência de liberdade.
A contribuição do nosso trabalho será a de questionar dogmas religiosos
consagrados, e de mostrar a personagem com facetas de mulher ousada e
moderna, numa cultura e época em que se discriminava e desvalorizava as
mulheres.
Metodologia
Considerando-se que o tema da pesquisa é de abordagem interdisciplinar,
nas coletas de dados, análise e/ou interpretação dos textos, serão aplicados os
vários Métodos disponíveis para as investigações das áreas de Ciências Humanas,
observando-se os parâmetros acadêmicos requeridos para cada assunto abordado,
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
21
segundo os ensinamentos de Miller Jr. (1991), Ricoeur (2006), e de conformidade
com o documento intitulado A Interpretação da Bíblia na Igreja, elaborado pela
Pontifícia Comissão Bíblica (1993):
¾ O Método Histórico-Crítico, no seu aspecto histórico, crítico e analítico,
quando a abordagem tratar de análise literária da busca do sentido dos textos
bíblicos e dos textos antigos, com a finalidade de explicar as convergências e
divergências, verificar a coerência interna, as divergências irreconciliáveis e de
outros indícios, e detectar a formação da história essencialmente diacrônica da
personagem (RICOEUR, 2006).
¾ O Método Compreensivo e Interpretativo, de caráter estrutural quando as
abordagens tratarem da busca de conhecimento sócio antropológico sobre o sentido
das ações humanas, das práticas, dos comportamentos, das instituições sociais e
políticas, dos sentimentos, ou das transformações históricas, no contexto da
temática fenomenológica da pesquisa (PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA, 1993).
¾ O Método Comparativo quando se tratar de divergências detectadas entre
as várias fontes consultadas – Evangelhos canônicos; Evangelhos alternativos de
origem gnóstica; Hagiografia católica (MILLER JR.,1991).
¾ O Método Analógico no que diz respeito a princípios etnográficos e
comportamentais (MILLER JR.,1991).
¾ O Método de abordagem sociológica e antropológica para
compreenderem-se os aspectos institucionais da existência humana, e detectar a
posição e o papel da mulher cristã no movimento de Jesus, na doutrina paulina, e na
sociedade judaica no período do cristianismo primitivo, bem como as práticas e
origens do patriarcalismo e androcentrismo (PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA,
1993).
Nas abordagens diacrônicas, os assuntos tratados serão expostos
obedecendo à ordem cronológica aproximada dos acontecimentos vinculados ao
desenvolvimento histórico do cristianismo.
As abordagens míticas atenderão as regras da sincronicidade (RICOEUR,
2006).
Problema
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
22
Listaremos a seguir, os temas que geraram a problemática da nossa
pesquisa:
¾ As discussões na Igreja primitiva acerca das abordagens bíblicas sobre
Maria Madalena, no que se refere à sua história e ao seu testemunho da
crucificação, morte, sepultamento e ressurreição de Jesus.
¾ As acusações polêmicas por parte de estudiosos que desde os primórdios
do cristianismo, têm disseminado desconfiança nas informações bíblicas que
registram os acontecimentos ocorridos da crucificação à ressurreição, mediante
afirmativas de que nestes contextos os quatro Evangelhos apresentam “relatos
divergentes” entre si (EHRMAN, 2008, p. 274).
¾ A vinculação do nome de Maria Madalena a personagens bíblicas
anônimas ou de nomes diferentes, e o significado da presença de mulheres no
movimento de Jesus e na formação do cristianismo, em paralelo ao patriarcalismo
judaico.
¾ O silêncio das Epístolas do Novo Testamento sobre Maria Madalena, a
omissão ao seu nome na citação paulina sobre as testemunhas da ressurreição (1
Co 15.1-8), e a formação do símbolo da Eva redimida.
¾ As conflitantes interpretações textuais sobre a personagem, por parte dos
Evangelhos gnósticos e das doutrinas cátaras, e a refutação cristã a estes discursos
através da hagiografia católica denominada Legenda Áurea.
Toda esta temática resultou nas manifestações de diferentes e polêmicas
representações iconográficas sobre Maria Madalena, elaboradas durante o
Renascimento e períodos vizinhos, constituindo a sua problemática que
abordaremos nas seguintes questões:
a) Quais as principais representações textuais e imagéticas criadas sobre a
personagem bíblica Maria Madalena?
b) Quais os relatos dos Evangelhos canônicos sobre Maria Madalena que
apresentam divergências entre si?
c) Quais foram os antecedentes histórico-filosóficos que contribuíram para
a formação do símbolo da Eva redimida?
d) Quais foram as contribuições simbólicas e mitológicas de Maria
Madalena entre os gnósticos, os cátaros e na Legenda Áurea?
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
23
e) Que analogias podem ser identificadas entre as imagens iconográficas
de Maria Madalena feitas no período renascentista e adjacentes, e as
representações textuais da personagem oriundas do cristianismo e do gnosticismo?
Objetivos da Pesquisa
Objetivo Geral
Analisar as representações textuais e iconográficas sobre Maria
Madalena, correspondentes às narrativas bíblicas, aos Evangelhos gnósticos, às
doutrinas cátaras, à hagiografia cristã Legenda Áurea, e os seus reflexos na
atualidade.
Objetivos Específicos
a) Verificar quais foram as representações textuais e imagéticas criadas sobre a
personagem bíblica Maria Madalena.
b) Examinar quais foram os relatos bíblicos escritos sobre Maria Madalena.
c) Analisar quais foram os antecedentes histórico-filosóficos que contribuíram para
a formação do símbolo da Eva redimida.
d) Sintetizar quais foram as contribuições simbólicas e mitológicas de Maria
Madalena entre os gnósticos, os cátaros e na Legenda Áurea.
e) Detectar as analogias entre as representações textuais de Maria Madalena e as
suas representações iconográficas do período renascentista.
Caracterização do estudo
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
24
O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica e
documental, de caráter exploratório, desenvolvida através de contribuições dos
diversos autores, mediante consulta a livros, jornais, revistas, internet, filmes, entre
outros, obedecendo aos seguintes aspectos:
I – Pesquisa Bibliográfica comparada;
II – Abordagem Histórico-Filosófica.
Universo temporal da pesquisa
Estudo da personagem bíblica Maria Madalena, e as alterações de suas
representações manifestas no Renascimento e períodos adjacentes.
Estrutura do trabalho
Para melhor compreensão do trabalho, as informações serão organizadas
em capítulos assim distribuídos:
¾ Na Introdução está relacionada: Justificativa; metodologia; problema;
objetivos; caracterização do estudo; universo temporal da pesquisa; e estrutura do
trabalho.
¾ O primeiro capítulo relatará os caminhos científicos da pesquisa, numa
abordagem sobre os principais acontecimentos histórico-filosóficos que
influenciaram as obras dos pintores citados no trabalho; as origens dos textos objeto
da pesquisa; o pensamento dos filósofos e teóricos do imaginário no que diz respeito
aos raciocínios aplicados no desenvolvimento do tema; os fundamentos das
representações sociais; as motivações da escolha; os procedimentos para coletas
de dados; os instrumentos criados para dar consistência à análise; e os textos
básicos de consulta.
¾ O segundo capítulo trará uma síntese historiográfica das
representações sobre a personagem bíblica Maria Madalena nas interpretações
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dos cristãos primitivos e dos seus contemporâneos não cristãos, relacionados com
as perícopes de Lucas 8:1-3 e João 20:1-18.
¾ O terceiro capítulo tratará de uma análise literária dos relatos bíblicos
sobre Maria Madalena mediante estudos sistemáticos e paralelos dos textos que a
mencionam, e dos textos que não mencionam o seu nome, mas que os intérpretes a
identificam como a personagem da narrativa. Abordagem sobre a identidade de
cada mulher presente nas cenas da crucificação e da ressurreição, as identidades
das mulheres que ungiram Jesus, e a identidade do discípulo amado citado no
quarto Evangelho, pelo mesmo motivo de também serem confundidos por alguns
intérpretes como sendo a personagem objeto da nossa pesquisa.
¾ O quarto capítulo falará sobre os antecedentes histórico-filosóficos
que contribuíram para a formação do símbolo da Eva redimida, mediante
abordagens sobre a presença de mulheres no movimento de Jesus; os modelos
patriarcais de repressão à mulher; a quebra dos paradigmas patriarcais pelos
princípios de igualdade introduzidos por Jesus; o papel da mulher na formação do
cristianismo primitivo; as doutrinas paulinas sobre a mulher; a formação do cânon do
Novo Testamento; o óbice para o exercício de liderança feminina na Igreja católica;
o símbolo da Eva Redimida.
¾ O quinto capítulo tratará das construções mitológicas acerca de Maria
Madalena, mediante um relato sobre os gnósticos e as raízes do gnosticismo; as
querelas ocorridas entre os gnósticos e a Igreja cristã dos primeiros séculos; as
crenças gnósticas, os Evangelhos, suas práticas, visões de mundo e interpretações
sobre a Crucificação e a Ressurreição de Jesus e sobre a representação de Maria
Madalena na cena da ressurreição; análise comparativa entre o discurso gnóstico e
o discurso bíblico nas questões análogas; a masculinidade de Deus segundo o
gnosticismo; os cátaros e a Inquisição; a Legenda Áurea e as representações
iconográficas de Maria Madalena, mediante análise do texto, verificação da
influência de sua narrativa nas representações iconográficas renascentistas e
adjacentes, análise e comparação entre os ícones renascentistas e as
representações medievais da Santa; abordagem sobre a consolidação imagética do
Mito da Prostituta e sua repercussão na atualidade.
¾ Por fim, as Considerações Finais que exporão as análises resultantes
da pesquisa, e as Referências Bibliográficas.
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Síntese do trabalho
Diagrama 1 - Síntese do trabalho
1. Textos Bíblicos:
1.1 – Evangelhos Canônicos:
(Mateus, Marcos, Lucas, João)
CAPITULO 1
OS CAMINHOS CIENTÍFICOS DA PESQUISA
Por se tratar de relevante testemunha da história da salvação no contexto
cristão, desde os primórdios, Maria Madalena tem provocado acirrados debates
entre os doutores do cristianismo e os seus oponentes, tendo sido uma das causas
que motivou a repressão ao gnosticismo por parte da Igreja e, também, do
extermínio dos gnósticos cátaros, pela Inquisição.
Mas, a tentativa da Igreja em calar os gnósticos e seus seguidores cátaros,
mostrou-se infrutífera para conter a curiosidade de se descobrir os fatos que não
estão registrados nas páginas dos Evangelhos canônicos, que são os textos
fundantes sobre a personagem, e onde as poucas menções ao seu nome estão
sempre associadas a algum acontecimento relacionado com Jesus.
As descobertas arqueológicas, em 1945, no Egito, de fragmentos de
manuscritos gnósticos, reascenderam a questão sobre o gnosticismo e o que eles
dizem a respeito de Maria Madalena, uma vez que seus conteúdos conflitam com os
ensinamentos da Igreja, despertando pesquisadores em todo o mundo para um
reexame da matéria, nos relatos históricos, e nos escritos canônicos e apócrifos.
O recente interesse pela averiguação dos textos sagrados tem lançado no
mercado polêmicas obras literárias, de renomados escritores, que se debruçando na
busca do conhecimento sobre a personagem, têm amalgamado o real e o simbólico,
não a deixando restrita ao campo do sagrado, onde ela fez nome, mas trazendo-a,
também, para o profano, a fim de que realize a função social de modelo
comportamental, segundo a visão de mundo dos seus autores.
Assim, a investigação do conhecimento sobre Maria Madalena, ultrapassou
as fronteiras da teologia, na construção de uma abordagem interdisciplinar das suas
representações, nos aspectos antropológicos, sociológicos, psicológicos e das
disciplinas afins, que buscam explicação para a fundamentação da multiplicidade de
facetas que revestem a personagem, e que contribuem como modelo
comportamental no contexto sociocultural da relação indivíduo-sociedade.
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Observa-se, entretanto, que apesar de toda esta incessante busca
contemporânea, é na investigação das obras textuais sobre Maria Madalena que
circulavam nos meios culturais renascentistas, como também na iconografia da
Santa produzida naquele período compreendido historicamente entre os fins do
século XII e meados do século XVII, que se encontrarão as explicações para as
suas múltiplas representações imagéticas. O próprio desenvolvimento histórico
daquela época é a chave para o nosso entendimento.
É sabido que as profundas mudanças vivenciadas pela cultura renascentista,
na Filosofia, na Religião, na Ciência e na Arte, ganharam impulso a partir da criação
da tipografia por Gutenberg (c.1398-1468).
A invenção do prelo móvel tornou possível a produção de livros em larga
escala, a começar com a impressão da Bíblia em 1442, e outros livros cristãos,
seguida dos clássicos da antiguidade. Platão, Aristóteles, Heródoto, Virgílio, Sêneca
e outros autores greco-romanos da filosofia e da mitologia passaram a ser
traduzidos e rapidamente difundidos.
Giovanni Boccaccio (1313-1375), em sua obra a Genealogia dos deuses,
havia realizado um vasto trabalho enciclopédico sobre os mitos, com explicações
ecléticas em que dava ao mesmo mito, interpretações literais, moral-simbólico e
alegóricas. Patai afirma que a preocupação de Boccaccio “era mostrar as lições
edificantes da moral cristã sob a capa dos mitos pagãos.” (PATAI, 1972, p. 23).
A releitura dos clássicos greco-romanos e da sua mitologia criou um novo
capítulo na história da interpretação dos mitos, e conduziu à rejeição da até então
dominante filosofia escolástica medieval, dando lugar à filosofia humanista cuja
doutrina afirma “ser o homem [e não Deus] o criador dos valores morais, que se
definem a partir das exigências concretas, psicológicas, históricas, econômicas e
sociais que condicionam a vida humana” (DICIONÁRIO AURÉLIO).
A filosofia humanista abriu a porta para as novas e importantes reflexões
filosóficas posteriores. A impressão da Bíblia estimulou a Reforma Protestante. A
teoria do heliocentrismo gerou novos horizontes, que impulsionaram as pesquisas
científicas. Todo conhecimento advindo àquele período, aliado ao desejo incontido
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da liberdade de pensamento, até então reprimido pelo clero, conscientizou o homem
a fazer uso do seu direito inalienável de reflexão, conduzindo a uma sucessão de
importantes descobertas científicas iniciadas por Galileu (1564-1642) e que
possibilitaram o desenvolvimento da Ciência.
Todos esses importantes acontecimentos ocorreram durante o
Renascimento. E toda essa explosão de conhecimento cultural foi absorvida pelos
artistas da época e, subentende-se, retratada nas suas obras naquilo que concernia
ao objeto da sua arte (BEER, 2007).
Uma aclamada obra literária no período renascentista, que levou
conhecimento sobre Maria Madalena foi a Legenda Áurea, uma obra hagiográfica
escrita entre 1253 e 1270, por Jacopo de Varazze (1226-1298), com a finalidade de
combater os cátaros e justificar a discriminação à mulher e a aversão à sexualidade
impostas pelo catolicismo, mas que também se tornou a obra literária mais utilizada
nas representações artísticas dos santos católicos, servindo, assim, como fonte de
inspiração para famosos pintores renascentistas, importantes formadores da opinião
pública.
Observa-se que toda historiografia e imaginação sobre Maria Madalena está
dividida em antagônicas interpretações, expressando cada uma delas, as doutrinas
e visões de mundo exclusiva da fonte em que se fundamentam, seja ela, os
Evangelhos canônicos, ou os Evangelhos gnósticos, ou mesmo a Legenda Áurea.
Entretanto, as narrativas dos Evangelhos canônicos, constituem os textos fundantes
sobre ela, por serem os mais antigos – datam do Século I –, sendo, portanto, os
registros históricos oficiais sobre a personagem. Segundo os estudiosos, o
Evangelho gnóstico de Maria, data do Século II (LELOUP, 2005).
Estas três obras – os Evangelhos canônicos, os Evangelhos gnósticos, e a
Legenda Áurea –, têm sido fundamentais na formação das multifacetadas
representações de Maria Madalena. Mas, com especialidade a Legenda Áurea,
porque, para ela convergem as evidências de ter sido a maior fonte de consulta na
produção artística de obras religiosas do período renascentista. As lendas narradas
naquela hagiografia foram transformadas em ícones que consolidaram e
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perpetuaram as representações dos Santos e das Santas do catolicismo, através
das pinturas e esculturas de famosos artistas.
Os estudos acadêmicos sobre as representações sociais – categoria a que
pertencem às crenças representadas nos ícones –, demonstram que elas se
manifestam através de símbolos que os homens expressam, da forma como
pensam, ou percebem o objeto da representação. E decorrem de mensagens
mediadas pela linguagem, construídas socialmente, e ancoradas no âmbito da
situação real e concreta dos indivíduos que as emitem (FRANCO, 2004). A
linguagem é a chave para a construção da representação, e constitui o homem, seu
receptor, sujeito do conhecimento. É, portanto, a representação um ato humano de
conhecimento, em que o sujeito cognoscente, incorpora a sua identidade (MORIN,
1996).
Sabemos que o Renascimento é considerado um dos períodos históricos em
que ocorreu um grande número de consagradas produções artísticas. Entretanto,
quando entendemos, academicamente, que o pintor ou escultor, no exercício da sua
atividade criadora de representação, é sujeito cognoscente, podemos compreender,
também, que grande parte do que está projetado no objeto do seu trabalho, isto é,
na sua pintura, na sua escultura é produto da sua imaginação, reflete o
entendimento do sujeito do conhecimento, ou seja, da sua própria consciência,
qualquer que seja o tema em lavor.
À luz da Filosofia, é através da consciência que o ser humano é capacitado
a conhecer, saber que conhece e saber o que sabe que conhece. É a consciência
que faz a reflexão do conhecimento, realiza a análise e síntese, cria representação e
significação para explicar, descrever e interpretar a realidade da vida consciente,
sendo, portanto o sujeito do conhecimento (CHAUI, 2001). “O conhecimento não
vem das coisas para a consciência, mas vem das idéias da consciência para as
coisas”. (Idem, p. 235). Segundo Descartes: “Nada pode haver em mim, ou seja, em
minha mente, de que eu não tenha consciência.” (apud MOSER, 2004). É, portanto,
consensual no entendimento acadêmico que as representações sociais manifestam
a reflexão do sujeito do conhecimento.
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Numa análise sobre o pensamento de Moscovici – criador da teoria das
Representações Sociais – acerca do processo social da produção do conhecimento
em torno das representações sociais, Mazzotti afirma que:
“Ao formar sua representação de um objeto, o sujeito, de certa forma,
o constitui, o reconstrói em seu sistema cognitivo, de modo a
adequá-lo ao seu sistema de valores, o qual, por sua vez, depende
de sua história e do contexto social e ideológico no qual está
inserido”. (apud FRANCO, 2004, p.171).
Assim, independe se a origem do conhecimento adquirido pelo artista estava
no seu próprio imaginário, no seu pensamento, ou num acontecimento real,
histórico, religioso, social. Ou ainda em outras obras de arte, e até mesmo em
informações literárias, como acreditamos fosse o caso dos artistas renascentistas,
nos quais as obras de arte proliferavam rapidamente representando os personagens
aflorados dos livros filosóficos e mitológicos, que abundantemente circulavam
naquele período sob as benesses da invenção do prelo, e ao sabor da novidade
trazida pela descoberta humana daquele engenhoso e promissor invento.
Assevera Morin (1996) que o conhecimento não pode refletir diretamente o
real, só pode traduzi-lo numa outra realidade, através de signos, símbolos, idéias,
representações, teorias.
Por todos estes raciocínios, entendemos que as imagens de Maria Madalena
produzidas durante o Renascimento, através das obras de arte, não traduzem a
realidade histórica da personagem, mas são representações que consolidaram os
símbolos e mitos a ela atribuídos nos primeiros séculos do cristianismo, e retratados
segundo as interpretações e juízos de valores dos artistas renascentistas, sendo,
portanto, relevantes para a nossa pesquisa, porque as imagens consolidadas nos
ícones, por eles produzidos, refletem as representações simbólicas e mitológicas da
personagem, e disseminam conhecimento para a atualidade sobre o imaginário que,
a envolve e a projeta em diversos modelos de comportamento.
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Detectamos esta propriedade que têm os mitos de representar diversidade
de modelos, quando consultamos os mitógrafos. Para Eliade, por exemplo, o
pensamento simbólico é consubstancial ao ser humano. As imagens, os símbolos e
os mitos “respondem a uma necessidade e preenchem uma função: revelar as mais
secretas modalidades do ser.” (ELIADE, 2002, p. 8-9). Para Malinowski, a função do
mito, “consiste em fortalecer a tradição e dotá-la de um valor e prestígio ainda
maiores ao retroagi-la a uma realidade mais elevada, melhor e mais sobrenatural, de
eventos iniciais.(apud BARRIO, 2005. p. 170). Segundo Luccioni, o mito tem uma
função restauradora, e que é por isto que eles são tão explorados pelos regimes
políticos e pelas sociedades quando buscam se estabelecer, se legitimar
(LUCCIONI, 1977). E, finalmente, Rubenstein afirma que a função do mito e do
símbolo “é dar profunda expressão aos nossos sentimentos nos momentos decisivos
e nas crises da vida.” (apud PATAI, 1972, p. 157).
Em Monografia apresentada à UFPB, em 2006, para aquisição do título de
Especialista em Ciências das Religiões, fizemos uma abordagem sobre Maria
Madalena no que diz respeito à análise da diversidade de status – prostituta, esposa
ou serva de Jesus – que lhe foram conferidos pelas teorias do imaginário, segundo
as interpretações do clero, da cultura popular e da mídia, referindo-nos apenas ao
período compreendido entre a fundação da Igreja e o final da Idade Média.
Nesta Dissertação, estamos analisando as Representações de Maria
Madalena na perspectiva bíblica e contemporânea. Pretendemos com esta pesquisa
compreender os modelos comportamentais da personagem e sua influência na
sociedade hodierna, ou seja, compreender as crenças das vertentes formadoras de
suas representações, no intuito de detectar os modelos de comportamento delas
extraídos.
Fundamental para a decisão da nossa escolha referente ao objeto da
pesquisa foi o nosso interesse acadêmico pelos estudos de gênero no âmbito
Interdisciplinar das Ciências das Religiões. Em se tratando das representações de
Maria Madalena, uma construção, sobretudo, do cristianismo, religião que –
somadas todas as suas denominações, segundo a última pesquisa a que tivemos
acesso (MARTINEZ, 2009) –, ainda detém o maior número de adeptos no mundo, o
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foco de sua abordagem na realização desta pesquisa contribuirá para uma melhor
compreensão da sociedade contemporânea.
Perfazendo um recorte, no relato bíblico, pretendemos com esta pesquisa,
gfazer uma análise comparativa com os evangelhos gnósticos e a hagiografia
Legenda Áurea, para detectarmos as convergências e divergências entre eles e
evidenciar as decorrentes representações imagéticas da personagem, com foco no
período renascentista, e adjacente, pelas razões já expostas. Esclarecemos,
todavia, que, embora o foco da nossa pesquisa esteja delimitado ao período
renascentista, não é o nosso objetivo analisar o estilo das obras de arte abordadas.
A nossa intenção é mostrar as imagens da personagem objeto da nossa
investigação, produzidas durante o Renascimento, para compará-las com as
produções artísticas sobre a mesma, de períodos imediatamente anteriores e
posteriores, a fim de evidenciar que a multiplicidade de suas representações
ocorridas no Renascimento é fruto de diferentes e conflitantes interpretações cristãs
e gnósticas, notórias, principalmente, nas mudanças de suas vestes. Esclarecemos,
igualmente, não ser a nossa pretensão esgotar a complexidade envolvida na
discussão do tema proposto, nem resgatar a biografia da Santa, visto que isto seria
de todo impossível, pela própria escassez de informações históricas sobre ela.
Para aprofundar o nosso conhecimento no texto fundante, seguimos o
modelo de pesquisa ensinado por Ehrman aos seus alunos: “Abram o Novo
Testamento e procurem os relatos da ressurreição de Jesus, comparando-os
detalhadamente” (EHRMAN, 2008, p.274).
Para suprir nossa impossibilidade de acesso aos manuscritos da língua
original, tivemos o cuidado de consultar várias traduções da Bíblia – conforme
relacionado nas Referências Bibliográficas –, incluindo a Bíblia de Jerusalém e a
coleção O Novo Testamento interpretado versículo por versículo, de autoria de
Russel N. Champlin (1982), que traz o texto bilíngüe em grego e português, e
contém o mais amplo comentário textual de todas as traduções existentes no Brasil.
Todos os textos bíblicos em citação direta no presente trabalho foram reproduzidos
desta coleção.
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No procedimento de pesquisa da narrativa bíblica, fizemos uma análise
comparativa dos Evangelhos canônicos, garimpando suas páginas numa
perspectiva detetivesca, na tentativa de enxergar claramente, minuciosamente, se
possível, os passos de Maria Madalena e suas companheiras, sobretudo no
alvorecer do domingo da ressurreição de Jesus.
Nesta investigação desprezamos os dogmas e assumimos o nosso papel de
sujeito cognoscente na interpretação do texto, revestido, porém, da neutralidade
acadêmica necessária, e aplicando os critérios científicos de análise hermenêutica.
Neste intento, montamos primeiro, um único relato a partir da univocidade nas
narrativas paralelamente expostas. Em seguida, depois de examinarmos
cuidadosamente a divergência irreconciliável e de outros indícios, colocamos as
informações isoladas, observando a coerência interna do texto.
Para o registro dos resultados desta análise exegética, e com a finalidade de
detectar a evolução histórica dos textos e esclarecer as divergências, criamos uma
harmonia dos Evangelhos canônicos, através da elaboração de quadros paralelos
que exibem simultaneamente os relatos dos quatro autores e nos dão uma visão
mais ampla do ocorrido, possibilitando uma melhor análise e interpretação, como
será apreciado no terceiro Capítulo.
O conteúdo da nossa investigação atrela-se às interpretações dadas às
narrativas bíblicas que se encontram nos recortes de Lucas 8:1-3 e João 20:1-18,
definidos como foco da pesquisa. Neste estudo, abordaremos uma breve
historiografia do cristianismo primitivo, do gnosticismo e dos cátaros, incluindo seus
discursos, seus cânones, suas crenças, práticas, visões de mundo e seus
posicionamentos sobre Maria Madalena, bem como a construção da imagem mítica
da personagem, e dos significados dos mitos, símbolos e representações a ela
associados. Analisaremos a formação da hagiografia de Maria Madalena elaborada
por Varazze (2003) e detectaremos os símbolos e mitos consolidados através do
seu relato. Faremos análise comparativa entre os Evangelhos canônicos, os
gnósticos e a Legenda Áurea no que diz respeito aos relatos sobre a personagem.
Faremos ainda abordagens sobre o papel da mulher no judaísmo, no
cristianismo primitivo e na Igreja Católica. Examinaremos as questões sobre o
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patriarcalismo judaico-cristão, e a masculinidade de Deus segundo a visão gnóstica.
Ilustraremos algumas abordagens com quadros analíticos e figuras representativas
dos ícones da personagem expressos em obras de arte.
Serão priorizados como texto básico de consulta, a Bíblia Sagrada (Velho e
Novo Testamento), os Evangelhos gnósticos, e a hagiografia Legenda Áurea, bem
como reconhecidos autores antigos e contemporâneos de importantes obras
especializadas nas diversas áreas da pesquisa, que enfatizam a personagem ou são
relevantes para o seu conhecimento, conforme relacionados na bibliografia.
Entretanto, pela complexidade do tema e vastidão de obras atuais, que discursam
sobre ele, muitas das quais indispensáveis pelas ricas informações que trazem para
o conhecimento das diversas matérias abordadas – Maria Madalena, mitologia,
manuscritos apócrifos, comentários bíblicos, hermenêutica, questões de gênero,
iconografia, história do cristianismo, do gnosticismo e dos cátaros –, entre outros,
fizemos uma seleção, pelo enfoque central do assunto abordado por cada teórico,
sem que isto signifique que apenas estes serão consultados:
História da Igreja Cristã, do escritor Williston Walker, que versa sobre a
história do Cristianismo;
Imagens e sombras de santa Maria Madalena na literatura e arte
portuguesas – a construção de uma personagem: simbolismos e
metamorfoses. Tese de autoria de Helena Barbas, defendida em novembro
de 1998, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade
Nova de Lisboa. Trata-se de uma profunda pesquisa sobre os múltiplos temas
que envolvem a personagem Maria Madalena;
Maria Madalena: de personagem do Evangelho a mito de pecadora
redimida. Da escritora Lilia Sebastiani, que traz uma narrativa da evolução
histórica e mitológica da personagem;
Maria Madalena: o feminino na luz e na sombra. Da escritora Anna Patrícia
Chagas Bogado, que trata sobre o mito do princípio feminino;
O Evangelho de Maria: Míriam de Mágdala. Do escritor Jean-Yves Leloup,
que traz uma tradução e comentários sobre o Evangelho gnóstico de Maria
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Madalena, e faz uma abordagem sobre os mitos e os símbolos a ela
atribuídos.
Pedro, Paulo e Maria Madalena: A verdade e a lenda sobre os seguidores
de Jesus, do escritor Bart D. Ehrman, que faz uma análise histórico crítica
sobre o relato bíblico, os Evangelhos gnósticos e a personagem.
CAPÍTULO 2
SÍNTESE HISTORIOGRÁFICA DAS REPRESENTAÇÕES SOBRE A
PERSONAGEM BÍBLICA MARIA MADALENA
É na formação do cristianismo que tem origem a história de Maria Madalena.
Dentre as perícopes bíblicas que a mencionam, duas se tornaram alvo das mais
diversas e conflitantes interpretações exegéticas, que fragmentaram a memória da
personagem em múltiplos símbolos e mitos criados mediante antagônicas
interpretações às narrativas fundantes.
A primeira perícope bíblica utilizada como fundamento para interpretações
contraditórias sobre Maria Madalena encontra-se no Evangelho de Lucas, e afirma
que ela fora curada de sete demônios (figura 1), e que seguia Jesus em suas
viagens e o servia com os seus bens, juntamente com outras mulheres que
igualmente o acompanhavam e o serviam (Lc 8.1-3). Porém, o relato que antecede
este registro, trata da história de uma mulher anônima, que tem sido interpretada
como uma prostituta, uma vez que, segundo a narrativa de Lucas, era uma pecadora
arrependida que ungira Jesus na casa de Simão, o Fariseu (figura 2).
Figura 1 – Conversão de Maria Madalena.
Paolo VERONESE (1547).
Figura 2- Maria Madalena na
Casa de Simão, o Fariseu
(1656) Philippe de CAMPAIGNE
A proximidade entre essas duas narrativas (Lc 7.36-50 e 8.1-3) gerou um
impasse na história de Maria Madalena, obstruindo o consenso sobre a sua real
identificação. Tertuliano (150-222) foi o primeiro teólogo, de que se tem
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
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conhecimento, a afirmar que a pecadora inominada, interpretada como tendo sido
uma prostituta arrependida, era a própria Madalena. Entretanto, apesar do assunto
ter sido objeto de discussão por parte de muitos estudiosos, como Irineu (c. 130-202
d.C.), Orígenes (185-254 d.C.), Jerônimo (340-420), Santo Agostinho (354- 430) e
Crisóstomo (c. 349-407 d.C.), até o Século VI, não havia um consenso entre os
doutores da Igreja sobre esse entendimento (CHAMPLIN, 1982).
O documento mais citado que estabeleceu a identidade entre Maria
Madalena e a pecadora anônima, trata-se de um sermão pronunciado na Páscoa de
591, na Igreja de Latrão, em Roma, pelo Papa Gregório I (590-604 d.C.), no qual ele
não apenas identificou como sendo uma só as duas mulheres citadas por Lucas,
como também incluiu a mulher adúltera de Jo 8:1-11 (figura 3), e Maria de Betânia,
irmã de Marta e de Lázaro (Jo 12:1-3), asseverando que todas elas se tratavam de
uma mesma pessoa (STARBIRD, 2004). Essa declaração papal deu “autoridade e
aceitação” à figura de Maria Madalena como a prostituta que se arrependeu e se
converteu a Jesus (CHAMPLIN, 1982, vol. 2, p. 78), estimulando o imaginário de
famosos pintores como Guercino (1591-1666), Tiziano (? – 1532), Carracci (1557-
1602), e muitos outros que acrescentaram à iconografia da personagem a
representação da prostituta através do ícone Madalena Penitente (figura 4):
Figura 3 – Cristo e a mulher flagrada em
adultério. Giuseppe NUVOLONE (1619-1703).
Figura 4 – A Madalena Penitente
Agostino CARRACCI (1557- 1602).
Desta maneira, apesar de atualmente ser reconhecido não haver “qualquer
evidência de qualidade em apoio à identificação [de Maria Madalena] com a mulher
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
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pecadora do sétimo capítulo do Evangelho de Lucas, e nem com Maria de Betânia
(CHAMPLIN, 1982, vol. 2, p.460), a personagem passou a ser identificada no
imaginário do cristianismo ocidental como a pecadora penitente, ou a prostituta
arrependida, como é mais conhecida popularmente.
A segunda perícope do Novo Testamento que tem gerado polêmica sobre a
personagem, encontra-se no quarto Evangelho e se constitui no relato bíblico de
maior relevância sobre ela, como também para os cristãos, porque se refere à
declaração da Ressurreição de Jesus.
Segundo João, Maria Madalena foi a primeira pessoa a ver, falar, e tocar em
Jesus Ressuscitado (Jo 20.11-18). O testemunho da personagem tornou-se alvo de
toda discussão sobre o acontecimento, pela própria singularidade do fenômeno,
como também pelo fato de ter sido especificamente uma mulher, sua primeira
testemunha, numa época em que, por proibição remanescente da lei mosaica as
mulheres eram impedidas de serem testemunhas em processos penais, exceto
quando o fim era altruístico (BRAGA, 2002). Neste sentido pondera Bock:
Maria Madalena foi testemunha da solução do maior mistério de
todos os tempos. Testemunhou a ressurreição de Jesus.
Testemunhou a vida de Jesus. [...] Quando investigamos a vida de
Maria Madalena, verificamos o quão seria historicamente
contraditório que a Igreja inventasse que as mulheres foram as
primeiras a verem Jesus. Culturalmente, no século I, elas não teriam
nenhuma credibilidade como testemunhas. Em outras palavras,
aquele evento único gerou o testemunho (BOCK, 2004, p. 176).
A perícope tornou-se conhecida de todos os povos que tomaram
conhecimento do querigma cristão (crucificação, morte e ressurreição de Jesus).
Mas as opiniões se divergem quanto ao que representa a presença da mulher na
cena da ressurreição.
A interpretação dada por alguns autores medievais, tais como Hipólito, bispo
de Roma (170-235 d.C.), é que Maria Madalena representava a Igreja e estava
associada à noiva descrita em Cantares de Salomão 1:5. Seria assim, arquétipo de
Eva, mas num sentido oposto. Eva foi causadora da queda do homem. Maria
Madalena, que se encontrara com Jesus ressuscitado e fora testemunha de sua
efetiva assunção como Divindade, como o Cristo, tornou-se a anunciadora que
legitimou a mensagem de salvação aos descendentes de Eva e de Adão. Segundo
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
40
Barbas (2006, p. web), Hipólito de Roma foi o primeiro a chamar ‘apóstolas dos
apóstolos’ ao grupo das Santas mulheres que foram ao sepulcro, e que depois do
testemunho de Maria Madalena, também viram a Jesus ressurreto (figura 5):
Figura 5 - Ressurreição – Noli me tangere (1304-06)
GIOTTO di Bondone (1266-1337).
Esse entendimento encontrou opositores no judaísmo rabínico, que tem
interpretado a mulher de Cantares como sendo a própria Israel, por ser ela a nação
citada na Bíblia que será o alvo do cumprimento de toda Escatologia.
Tendo o clero, pelo já mencionado motivo dos registros lucanos, identificado
Maria Madalena como a prostituta arrependida ou a pecadora penitente, mas,
sabendo, contudo, da maior importância do seu testemunho no que diz respeito à
ressurreição, que a associa à tipologia da noiva de Cantares, atribuiu-se à
personagem, no contexto do cristianismo, o símbolo teológico da Eva Redimida.
Essa dupla imagem da Eva redimida e da Pecadora Penitente, se fundiram e
figuraram a memória de Maria Madalena, dando, a partir do Renascimento,
diversidade à sua iconografia, em múltiplas representações de cenas supostamente
vividas pela personagem.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
41
Porém, nesta diversidade de representações, observa-se sensível mudança
nas vestes da Santa, entre as obras de arte que foram pintadas às vésperas do
Renascimento e as posteriores. As obras do primeiro período, a exibem sempre
coberta desde a cabeça até os pés, por um longo manto, enquanto que a partir do
Renascimento, Maria Madalena passou a ser retratada quase sempre, despida ou
seminua, num provável resultado da influência da hagiografia que Varazze (2003)
escreveu para combater os cátaros.
Desde então, apenas nos quadros intitulados Noli me tangere, que
representam a cena do testemunho da Ressurreição (figura 6), e alguns que a
representam como uma dama (figura 7), a personagem é retratada, invariavelmente
bem vestida:
Figura 6 – Ressurreição Noli me
tangere - Fra ANGÉLICO (c. 1400-55)
Figura 7 - Madalena lendo (c. 1445)
Rogier van der WEYDEN (1400-1464)
Entretanto, na maioria das pinturas que representam o símbolo da Eva
Redimida, e que são denominadas Madalena penitente, ou simplesmente Madalena,
a personagem é exibida nua ou seminua, evidenciando, quase sempre, as
características de Prostituta, como se vê nas figuras 8 e 9:
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
42
Figura 8 - Santa Maria Madalena (1532)
Vecellio TIZIANO (1490-1576)
Figura 9 - Maria Madalena em Penitência
(1576) EL GRECO (1541-1614)
Os gnósticos contestaram a interpretação cristã da ressurreição de Jesus,
assegurando que Maria Madalena não o vira no seu corpo físico, mas numa visão
aparente, porque se tratava da discípula mais amada por Ele. E justificavam a cena
do seu encontro com Jesus, afirmando esotericamente que ela representava o
retorno à busca do princípio feminino, era a representante do princípio feminino, que
procurava o seu Mestre em busca da sua metade masculina. Ela era a discípula
amada que retornava do pleroma, ou seja, do reino do espírito, para buscar o seu
princípio masculino, a fim de unir-se a ele e voltar ao estágio primeiro de ser
assexuado. Neste entendimento afirma Bogado (2005, p. 157):
Madalena e Jesus também representam o par Feminino-Masculino, e
neste sentido Madalena também é importante para Jesus, para os
seus discípulos, para o cristianismo, uma vez que ela resgata a
humanidade de Jesus, e através da transformação que se dá, com
eles e a partir deles, resgata a sexualidade para o cristianismo. É ela
quem introduz o perfume, o vaso-corpo e o corpo-vaso, os beijos nos
pés do Mestre, as lágrimas, os cabelos... a sua história inicia-se de
onde todos iniciamos: da nossa natureza corpórea, terrena, humana.
A proposição de que Maria Madalena teria sido esposa de Jesus, surgiu entre
os gnósticos para fundamentar a negação da ressurreição, e a afirmativa de que o
fenômeno não passou de uma farsa. Na Idade Média, entretanto, esta hipótese
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
43
ganhou uma nova dimensão, através dos cátaros, os quais, não só defendiam o
relacionamento conjugal entre Jesus e Maria Madalena, como também passaram a
afirmar que dessa união nascera uma filha. O pressuposto foi representado por
vários pintores, como Giampietrino (1495-1549) e La Tour (1593-1652) conforme se
vê nas figuras 10 e 11, que representam Maria Madalena com evidência de
gravidez:
Figura 10 – Maria Madalena arrependida
[Grávida] GIAMPIETRINO (Gian Pietro Rizzi)
(1495-1549)
Figura 11 – A Madalena arrependida
[Grávida] (1638-43) Georges de LA TOUR
(1593-1652)
Esta vertente do pensamento gnóstico, pregada pelos cátaros, da insinuação
do nascimento de uma filha, fruto do relacionamento erótico entre Jesus e Maria
Madalena foi um dos motivos da grande perseguição promovida contra eles por
parte do catolicismo. A partir desta história contada pelos seguidores do catarismo, e
em representação a esta interpretação alternativa elaborada pelos cátaros, sobre a
presença de Maria Madalena no movimento de Jesus, especificamente na cena da
ressurreição, começaram a ser pintadas imagens iconográficas da personagem
como uma castelã (figuras 12 e 13), numa simbologia de esposa de Jesus.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
44
Figura 12 – Santa Maria Madalena (1490)
Piero di COSIMO (1462-1521)
Figura 13 – Senhora retratada como Maria
Madalena -
Jan GOSSAERT (1478-1533)
Surgiram, igualmente, interpretações contrárias às doutrinas do querigma
cristão – divindade de Jesus, crucificação, morte e ressurreição –, por parte do
paganismo, cujos seguidores entendem que Maria Madalena representa a busca
pela comunhão mística com o arquétipo da grande deusa doadora de vida na
tentativa de fazer viver o seu amado morto.
Muito se discute sobre suposto paralelismo existente entre o cristianismo e
as crenças de ressurreição dos deuses dos cultos de mistérios, e os ritos secretos
de iniciação, que os seus seguidores praticavam, na esperança de entrar em
comunhão mística com tais divindades, como lavagens cerimoniais, aspersão de
sangue, refeições sacramentais, intoxicação alcoólica, dentre outras práticas. Afirma
Dias (2006), que a busca de Maria Madalena pelo corpo de Jesus, e o seu encontro
com ele ressurreto, guarda profunda analogia com a busca de Ísis pelo corpo de
Osíris e a ressurreição deste:
(...) Ora, esta centralidade de uma figura feminina na morte e
ressurreição do Deus feito Homem não é minimamente nova no
espaço e nas culturas da região. Talvez a situação mais conhecida
seja a da deusa Ísis, esposa de Osíris (...). O primeiro ponto de
contacto com o mundo de Maria Madalena reside no facto de,
também Osíris, ser morto após um banquete (...). Tal como
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
45
Madalena, Ísis não desiste após a morte do seu amado. Ísis enceta
uma longa e penosa jornada em busca do seu esposo, então
retalhado pelo seu irmão (...). Toda a relação entre Ísis e a morte de
Osíris é profundamente apelativa quando olhamos para a forma
como Maria Madalena foi a primeira personagem a ir ao encontro do
seu defunto companheiro e, mais que isso, foi ela que o descobriu,
afinal, com vida (DIAS, 2006, p. web).
Conforme argumenta Gundry (1981), tais crenças se revestiam de um
caráter simbólico. Não se acreditava na ressurreição do corpo no mesmo sentido em
que foi pregada pelo cristianismo:
Prometendo purificação e a imortalidade do indivíduo,
freqüentemente esses cultos giravam em torno de mitos sobre uma
deusa cujo amante ou filho fora arrebatado dela, usualmente através
da morte, para ser subseqüentemente restaurado. (...) As próprias
idéias de morte por crucificação e de ressurreição física pareciam
abomináveis aos povos antigos, os quais sabiam que a crucificação
estava reservada aos criminosos e que concebiam o corpo como
uma prisão da alma e como sede do mal. (GUNDRY, 1981, p. 40-
41).
Portanto, a partir do Renascimento as produções imagéticas sobre Maria
Madalena se multiplicaram em diferentes representações, que se dividiam entre a
visão do cristianismo primitivo na interpretação do catolicismo, a visão gnóstica, ou a
visão do catolicismo romano renascentista, exibindo cada obra elaborada, o
pensamento do segmento que o artista executor desejava expor.
O pintor italiano Andrea Sachi (1599-1661), em sua obra intitulada as três
Madalenas (figura 14), gravou o registro do seu conhecimento sobre essa
ambigüidade. O quadro retrata três mulheres, estando uma delas caracterizada de
religiosa, outra de castelã, e outra de prostituta, numa simbologia das basilares
reproduções textuais sobre Maria Madalena – os Evangelhos canônicos, os
Evangelhos gnósticos e a Legenda Áurea –, representando a religiosa, a
interpretação do catolicismo aos Evangelhos canônicos; a castelã, a interpretação
gnóstica; e a prostituta, a interpretação do clero medieval, ratificada nas páginas da
Legenda Áurea. Observa-se, na pintura em comento, que a gravura da prostituta se
encontra na posição central e mais elevada que as outras, num significativo de ser a
imagem firmada como principal representação da personagem.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
46
Figura 14 – As três Madalenas (1634)
SACCHI, Andrea (1599-1661)
O amálgama de tantas interpretações gerou, na atualidade, uma nova
vertente de pensamento que coloca dúvida na autoria do Evangelho de João,
afirmando-se que Maria Madalena teria sido a autora daquele texto sagrado, e que
isto foi ocultado por questões de gênero, uma vez que a Igreja católica, que é
detentora da guarda dos principais documentos que registram a história do
cristianismo, não admite a liderança de mulheres.
A busca do conhecimento sobre Maria Madalena, no que diz respeito ao
testemunho da ressurreição, se inclina, atualmente, a investigar as causas que lhe
deram origem, no âmbito da política e da cultura social.
Ao examinarmos o efeito prático, paradoxal, no movimento cristão,
podemos ver como a doutrina da ressurreição do corpo também
serve a uma função política essencial: legitima a autoridade de certos
homens que reivindicam o exercício exclusivo da liderança sobre as
Igrejas como sucessores do apóstolo Pedro. Desde o século II, a
doutrina serviu para validar a sucessão apostólica dos bispos; base,
até hoje, da autoridade papal. (PAGELS, 2006, p.5).
O estudioso alemão Hans von Campenhausen (apud Pagels, idem, p.7) diz
que, como “Pedro fora o primeiro para quem Jesus aparecera (...) tornara-se o
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
47
primeiro líder da comunidade cristã. (...). Marcos e João nomeiam ambos Maria
Madalena, e não Pedro, como a primeira testemunha da ressurreição”. Ainda de
acordo com Pagels (idem, p.14),
Os gnósticos reconhecem que sua teoria, como a dos ortodoxos, tem
implicações políticas. Sugere que quem quer que veja o Senhor por
meio de uma aparição íntima pode reivindicar que sua autoridade se
iguala ou ultrapassa a dos 12 – e seus sucessores.
Todo este relato superficial do que se tem falado sobre a personagem, teve
a finalidade de mostrar numa síntese a complexidade que envolve o tema, sendo
que neste estudo iremos abordar os objetivos que nos propusemos a investigar, na
busca do conhecimento sobre a problemática da pesquisa, a partir de uma análise
literária do recorte bíblico relacionado com a personagem, e que será discutido no
próximo capítulo.
CAPÍTULO 3
ANÁLISE LITERÁRIA DOS RELATOS BÍBLICOS SOBRE MARIA MADALENA
Maria Madalena é, acima de tudo, uma personagem bíblica, envolvida no
contexto da história da salvação pregada pelo cristianismo e anunciada nos
Evangelhos Canônicos. O seu nome só é mencionado pelos quatro evangelistas em
relatos sobre Jesus, especificamente, em sete circunstâncias por ela vividas na
qualidade de discípula.
O Evangelho de Lucas registra os seus primeiros passos como seguidora de
Jesus, ao declarar que os apóstolos o acompanhavam de cidade em cidade, e de
aldeia em aldeia, e que ela havia sido liberta de sete demônios, e juntamente com
outras mulheres, seguiam e serviam Jesus com os seus bens (Lc 8:1-3):
Logo depois disso, andava Jesus de cidade em cidade, e de aldeia
em aldeia, pregando e anunciando o evangelho do reino de Deus; e
iam com ele os doze, bem como algumas mulheres que haviam sido
curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada
Madalena, da qual tinham saído sete demônios. Joana, mulher de
Cuza, procurador de Herodes, Susana, e muitas outras que os
serviam com os seus bens. (Lc 8:1-3).
O papel discreto e silencioso de Maria Madalena nos Evangelhos, e as
palavras-chave dita ao seu respeito, que servia ao Senhor com os seus bens,
conduzem ao entendimento de que ela era uma dedicada serva que seguia o seu
Mestre para servi-lo.
Afora o referido registro em Lucas, o nome Maria Madalena, como tal, só é
mencionado pelos quatro evangelistas como uma das testemunhas da crucificação e
ressurreição de Jesus, acrescentando os evangelhos sinópticos que ela também
teria testemunhado o sepultamento, após isto, juntamente com outras
companheiras, comprou as especiarias para ungir o corpo de Jesus no alvorecer do
domingo, tendo-se tornado, neste afã,
a primeira pessoa a vê-lo ressuscitado.
É, pois, a partir destes relatos da libertação do jugo maligno e do testemunho
da crucificação, sepultamento e ressurreição de Jesus que se desenvolveu em torno
do nome de Maria Madalena, o símbolo da Eva redimida e o mito da Prostituta por
parte dos cristãos, bem como o mito da representante do princípio feminino narrado
nos Evangelhos gnósticos.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
49
Assim, em apenas, sete momentos, dentre todos os registros
neotestamentários sobre Jesus, o nome Maria Madalena é citado, conforme
enumerado no quadro 1:
ORDEM
CRONO-
LÓGICA
OCORRÊNCIA
CITAÇÃO
BÍBLICA
01
Jesus, na sua segunda viagem pela Galiléia, no início do seu
ministério é acompanhado pelos doze discípulos e por algumas
mulheres que os serviam com os seus bens, dentre elas, Maria
Madalena, Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes, Susana,
e muitas outras.
Lc 8:1-3.
02
Nas primeiras horas da crucificação de Jesus, estava junto à cruz,
sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria de Cleofas e Maria Madalena
Jo 19:25.
03
No momento em que Jesus expirou, estavam olhando de longe, as
mulheres que o seguiram desde a Galiléia para servi-lo, como Maria
Madalena, Maria de Cleofas, e Salomé, a irmã da mãe de Jesus,
além de muitas outras mulheres que também o seguiram.
Mt 27:55-56;
Mc 15:40-41;
Lc 23:49.
04
No momento do sepultamento realizado por José de Arimatéia e
Nicodemos, Maria Madalena e Maria de Cleofas, estavam diante do
sepulcro para observar onde depositaram o corpo.
Mt 27:61;
Mc 15:47;
Lc 23:55.
05
As mulheres velaram o sepulcro sábado à tardinha e, terminado o
sábado judaico (isto é, depois das 6 horas), Maria Madalena, Maria
de Cleofas, e Salomé, foram comprar aromas para irem ungi-lo.
Mc 16:1;
Lc 23:56.
06
No primeiro dia da semana, Maria Madalena, Maria de Cleofas,
Salomé, e Joana, foram ao sepulcro muito cedo, e viram que a
pedra estava removida e que o corpo não se encontrava mais no
túmulo. Encontraram um Anjo que lhes falou da ressurreição e
enviou-as para anunciarem aos discípulos. Elas foram e contaram o
que viram, mas eles não creram e foram pessoalmente ao sepulcro
para verificar o ocorrido, e após constatarem que o corpo
desapareceu, sem compreenderem o que havia acontecido, voltam
para casa.
Mt 28:1-8;
Mc 16:2-8;
Lc 24:1-12;
Jo 20:1;
07
As mulheres voltam ao sepulcro. Maria Madalena permanece em pé
do lado de fora, e Jesus, ressurreto, aparece primeiramente a ela, e
em seguida às outras mulheres.
Jo 20:11-18;
Mt 28:9-10;
Mc 16:9.
Quadro 1 – Síntese das citações bíblicas sobre Maria Madalena
A fim de detectarmos as convergências e divergências existentes nos
Evangelhos canônicos, com relação às informações sobre a personagem objeto da
nossa investigação, façamos agora uma análise sistemática destas narrativas, não
só do ponto de vista sinóptico, mas num confronto paralelo entre os quatro
evangelistas, no que diz respeito à presença das mulheres na história querigmática
do Cristo – Crucificação, Morte, e Ressurreição –, e que constitui o núcleo da
mensagem do Cristianismo. Segundo Eliade, “só existe uma maneira de abordar a
religião: atentar para os fatos religiosos. Antes de fazer a história de alguma coisa, é
muito importante compreender bem essa coisa, em si mesma e por si mesma”
(ELIADE, 2002, p. 25).
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
50
Neste empenho não nos deteremos em profundidades teológicas, porque
não é este o nosso objetivo, mas faremos uma análise literária de caráter sócio
antropológico, de metodologia histórico-crítica, mas também compreensiva e
interpretativa, dos textos, no intuito de apresentarmos proposta de solução para as
aparentes divergências.
Isto se faz necessário, pois estes relatos têm sido alvo de muitas discussões
acadêmicas pelas diferenças nas narrativas, influenciando as representações de
Maria Madalena, como pretendemos demonstrar no decorrer deste estudo.
3.1 – Maria Madalena testemunha a crucificação e o sepultamento de Jesus
Encontramos no Evangelho de João, que num dado momento da
crucificação de Jesus, já próximo à sua morte, sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria
de Cleofas e Maria Madalena se aproximam da cruz. Os Evangelhos sinópticos,
também, informam sobre elas, quando descrevem o momento da morte do Cristo.
Nesta ocasião, a mãe de Jesus já havia se retirado, conforme fica subentendido em
Jo 19.27, e as outras estavam olhando-o de longe.
Os nomes dados por Mateus, Marcos e João – com algumas variantes
ligadas a parentesco, como analisaremos mais adiante –, revelam tratar-se das
mesmas mulheres. Mateus e Marcos, além dos nomes, também, mencionam que
elas haviam seguido Jesus desde a Galiléia. Lucas não cita os nomes, mas fala
sobre a presença das mulheres e concorda com Mateus e Marcos, quanto à
procedência delas.
Em se tratando de Lucas, quando ele fala das mulheres que seguiram Jesus
desde a Galiléia, podemos supor, por inferência ao texto de Lucas 8.2-3, que, na
menor das hipóteses, ele esteja se referindo a Maria Madalena. Porém, a forma
plural do seu relato, pressupõe a presença de mais de uma mulher, e que estas
seriam as mesmas mencionadas pelos outros evangelistas, uma vez que ele não
contesta.
Portanto, os quatro relatos convergem para o mesmo entendimento: Maria
Madalena e as outras mulheres, que acompanharam Jesus desde a Galiléia
assistiram a sua crucificação e morte:
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
51
Quadro 2 - Mulheres da Galiléia que seguiram Jesus assistem sua crucificação e morte
Os passos seguintes das mulheres são mencionados na cena do
sepultamento. Nenhum dos Apóstolos presenciou o episódio, apenas as mulheres,
que seguiram Jesus desde a Galiléia, e os autores do sepultamento – José de
Arimatéia e Nicodemos –. Subentende-se que o medo dominava os discípulos,
naquela ocasião, pela probabilidade de, também, serem condenados, o que é
dedutível pela negação de Pedro durante a prisão de Jesus na casa do Sumo
Sacerdote (Lc 22.54-62), e pelo fato dos seus conhecidos ficarem distantes na cena
da crucificação (Lc 23.49). O único que não demonstrou medo foi o Apóstolo João,
visto que entrou com Jesus na sala do sumo sacerdote, introduziu Pedro no recinto
(Jo 18.15-16), aproximou-se da cruz e recebeu instruções de Jesus, assumindo
publicamente a responsabilidade de cuidar da sua mãe.
É neste último discurso de Jesus, dirigido a João, que encontramos a
explicação para a ausência do evangelista no local do sepultamento. A perícope diz
que “desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa” (Jo 19.27). Isto conduz
ao pressuposto de que ele teria se retirado do local da execução para levar Maria, a
mãe de Jesus para casa, depois que este a entregou aos seus cuidados. Neste
raciocínio, encontramos as pressuposições que explicam o fato de João não
registrar a presença das mulheres durante o enterro. Ele simplesmente silencia o
ocorrido. Sua narrativa limita-se apenas às ações dos autores do sepultamento (Jo
MATEUS MARCOS LUCAS JOÃO
[27:55] Também
estavam ali, olhando
de longe, muitas
mulheres que
tinham seguido
Jesus desde a
Galiléia para o servir;
[27:56] Entre as quais
se achavam Maria
Madalena,
Maria, mãe de Tiago
e de José, e a mãe
dos filhos de
Zebedeu.
[15:40] Também ali
estavam algumas
mulheres olhando de
longe, entre elas Maria
Madalena, Maria, mãe
de Tiago, o Menor e
de José, e Salomé;
[15:41] as quais o
seguiam e o serviam
quando ele estava na
Galiléia; e muitas
outras que tinham
subido com ele a
Jerusalém.
[23:49] Entretanto,
todos os conhecidos
de Jesus, e as
mulheres que o
haviam seguido
desde a Galiléia,
estavam de longe
vendo estas coisas.
[19:25] Estavam em
pé, junto à cruz de
Jesus, sua mãe, e a
irmã de sua mãe, e
Maria, mulher de
Clopas, e Maria
Madalena.
* todos os grifos presentes no quadro são da autora.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
52
19.38-42). – Mais adiante, faremos uma abordagem sobre as possíveis razões que o
levaram a omitir-se de falar sobre a presença das mulheres neste contexto –.
Compreende-se no confronto entre as narrativas de Mateus e Marcos que as
mulheres a marcarem presença no sepultamento foram duas: Maria Madalena e
Maria, mãe de José e de Tiago. Lucas continua sem citar nomes, apenas, registra
que no local se encontravam mulheres vindas com Jesus da Galiléia. Não diz
quantas, nem quais.
Mas, seguindo o mesmo raciocínio exposto na análise anterior, entendemos
que, no caso em comento, ele estava ratificando os relatos de Marcos e Mateus,
portanto, estava referindo-se a Maria Madalena e Maria, mãe de José. Entretanto,
na análise comparativa deste contexto, nos relatos dos Evangelhos sinópticos,
detectamos uma divergência entre Marcos e o registro lucano, no que diz respeito à
compra das especiarias.
O primeiro dá a entender que ela foi realizada após o término do sábado,
enquanto Lucas informa que foi antes de começar o sábado. Marcos acrescenta o
nome de Salomé na perícope da compra das especiarias, conduzindo, assim, a duas
possibilidades de explicação que justifiquem a presença da terceira mulher: ou a
compra realmente se realizou no término do sábado, ou seja, no dia seguinte ao
sepultamento – o que conflita com o texto lucano –, ou então, após saírem do
sepultamento, elas se juntaram a Salomé e foram realizá-la – o que entra em conflito
com o que diz o próprio Marcos –. As várias tentativas de explicação por parte dos
eruditos não têm solucionado a questão, se a compra foi realizada antes ou depois
do sábado.
Porém, a existência do conflito não guarda a menor importância para o
querigma cristão, porque não altera em nada a essência da sua mensagem. Além
disto, depõe em favor da credibilidade do Evangelho, pelo indício da preservação do
texto, uma vez que a divergência nas duas narrativas encontra-se nos manuscritos
primitivos e também nas traduções. E depõe ainda a favor da fidelidade histórica do
texto bíblico, pelas convergências detectadas.
Para Champlin (1982, p. 629), tais divergências constituem prova de
autenticidade dos fatos narrados, e “elimina de vez a idéia que os cristãos
conluiaram para fabricar uma história tendente a convencer um mundo incrédulo e
duvidoso”. As convergências detectadas nestes relatos são: A primeira, que Maria
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
53
Madalena e Maria, mãe de José estavam presentes no sepultamento; a segunda, é
que houve compra de especiarias para unção, ou seja, Maria Madalena pretendia
ungir o corpo de Jesus:
MATEUS MARCOS LUCAS JOÃO
[27:61] Mas achavam-
se ali Maria Madalena
e a outra Maria,
sentadas defronte do
sepulcro.
[15:47] E Maria Madalena
e Maria, mãe de José,
observavam onde fora
posto.
[16:1] Ora, passado o
sábado, Maria Madalena,
Maria, mãe de Tiago, e
Salomé, compraram
aromas para irem ungi-lo.
[23:55] E as mulheres
que tinham vindo,
com ele da Galiléia,
seguindo a José,
viram o sepulcro, e
como o corpo foi ali
depositado.
[:56] Então voltaram e
prepararam
especiarias e
ungüentos. E no
sábado repousaram,
conforme o
mandamento.
* Todos os grifos presentes no quadro são da autora.
Quadro 3 - Maria Madalena assiste ao sepultamento e compra especiarias para ungir o corpo
Em prosseguimento, no domingo de madrugada, segundo os Evangelhos
sinópticos, as mesmas mulheres – Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José,
e Salomé – e também Joana, cujo nome aparece no relato de Lucas, vão ao
sepulcro para realizar o seu intento de ungir o corpo de Jesus. Neste contexto,
Lucas finalmente se pronuncia quanto à identidade de, pelo menos, três das
mulheres que foram ao sepulcro – Maria Madalena, Joana, e Maria, mãe de Tiago –,
e afirma que outras também estavam presentes.
O Evangelho de João narra este fato, mencionando apenas, Maria
Madalena, não menciona as outras mulheres, mas também não nega a presença
delas no acontecimento. João certamente, conhecia as narrativas dos Evangelhos
sinópticos, uma vez que foram escritos bem antes que o seu, e suas cópias
circulavam nas congregações cristãs. Talvez, por isso, tenha a sua narração
centralizado o acontecimento na pessoa de Maria Madalena.
Entretanto, veremos no seu relato isolado, um indicativo de que Maria
Madalena não estava só. E, ainda que João só mencione uma mulher e os demais
mencionem também outras, a convergência no texto está nas afirmativas dos
evangelistas de que mulheres foram ao sepulcro, e a unanimidade entre eles, é de
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
54
que isto ocorreu no primeiro dia da semana, e de que Maria Madalena,
indiscutivelmente, se fazia presente:
MATEUS MARCOS LUCAS JOÃO
[28:1] No fim do
sábado, quando já
despontava o primeiro
dia da semana, Maria
Madalena e a outra
Maria foram ver o
sepulcro.
[16:2] E, no primeiro
dia da semana, foram
ao sepulcro muito
cedo, ao levantar do
sol.
[24:1] Mas já no
primeiro dia da
semana, bem de
madrugada, foram elas
ao sepulcro, levando
as especiarias que
tinham preparado.
[:10] E eram Maria
Madalena, e Joana, e
Maria, mãe de Tiago;
também as outras que
estavam com elas
relataram estas coisas
aos apóstolos.
[20:1] No primeiro dia
da semana Maria
Madalena foi ao
sepulcro de
madrugada, sendo
ainda escuro, (...)
* todos os grifos presentes no quadro são da autora.
Quadro 4 - No Domingo de manhã, Maria Madalena e outras mulheres vão ao sepulcro
3.2 – Maria Madalena, a primeira testemunha da ressurreição de Jesus
A partir daqui, abordaremos a narrativa que constitui a essência de toda a
mensagem do Cristianismo: a Ressurreição de Jesus. Os críticos acusam estes
textos de discrepantes. Estes constituem o ponto crucial dos Evangelhos, em que
concentram as maiores discussões da crítica. Fizemos uma análise mais cuidadosa
ainda para detectar tais discrepâncias. Apesar de João fazer uma narrativa isolada,
valemo-nos das analogias para tentar compreender a narrativa como um todo.
Entendemos pelo relato de Marcos que, quando as mulheres se aproximaram do
sepulcro se preocuparam com quem iria remover a pedra. Elas sabiam que não
tinham forças para fazê-lo, mas constataram surpresas que a pedra estava
removida. Os quatro Evangelistas testemunham isto. A pedra fora
sobrenaturalmente, removida.
Numa abordagem da discussão, ainda, sobre as mulheres testemunhas da
Ressurreição, o texto em João fala, apenas, em Maria Madalena, mas, o versículo
seguinte (Jo 20.2) afirma que Maria Madalena, após verificar que a pedra do
sepulcro fora removida e o corpo não estava lá, correu para contar a Pedro e ao
outro discípulo – que entendemos se tratar do próprio João, pelas muitas razões que
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
55
exporemos adiante –. E ao contar-lhes que o corpo desaparecera, ela usa a
expressão “não sabemos onde o puseram” (Idem), deixando subentender que ela
não estava sozinha, que outras mulheres a acompanhavam, como registram os
sinópticos.
Mateus, que se serviu de Marcos como fonte para escrever o seu
Evangelho, dispensou o detalhe da preocupação das mulheres contado em Marcos
e já inicia seu relato, falando da ocorrência sobrenatural. Foi o único que falou que a
pedra foi removida por um terremoto provocado por um Anjo. Mas, a convergência
deste texto por unanimidade nos quatro Evangelhos, está na afirmação de que as
mulheres constataram que a pedra do sepulcro estava removida:
MATEUS MARCOS LUCAS JOÃO
[28:2] E eis que
houvera um grande
terremoto; pois um
anjo do Senhor
descera do céu e,
chegando-se,
removera a pedra e
estava sentado sobre
ela.
[16:3] E diziam uma às
outras: Quem nos
revolverá a pedra da
porta do sepulcro?
[:4] Mas, levantando os
olhos, notaram que a
pedra, que era muito
grande, já estava
revolvida;
[24:2] E acharam a
pedra revolvida do
sepulcro.
[20:1] (...) E viu que a
pedra fora removida
do sepulcro.
[:2] Correu, pois, e foi
ter com Simão Pedro,
e o outro discípulo, a
quem Jesus amava, e
disse-lhes: Tiraram do
sepulcro o Senhor, e
não sabemos onde o
puseram.
* todos os grifos presentes no quadro são da autora.
Quadro 5 - Maria Madalena e outras mulheres constatam que a pedra do sepulcro foi removida
Os quatro relatos falam da presença de seres sobrenaturais, ou seja, de
Anjos, mas divergem quanto ao número. Mateus fala especificamente do Anjo que
removeu a pedra, cujo poder estava representado no seu próprio aspecto por ele
descrito, como um relâmpago, e trajava vestes brancas como a neve. E o seu poder
era tanto que os guardas ficaram como mortos diante do que viram. Marcos fala de
um moço vestido de alvo manto. Entretanto, Lucas e João fazem referência a dois
Anjos, isso tem sido ponto de grandes discussões entre os críticos. Mas não altera o
fato da presença de Anjos no sepulcro onde Jesus fora sepultado. A convergência
do texto está em que os quatro evangelistas afirmam a presença de seres
sobrenaturais na cena da ressurreição:
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
56
MATEUS MARCOS LUCAS JOÃO
[28:3] o seu aspecto
era como um
relâmpago, e as
suas vestes brancas
como a neve.
[:4] E de medo dele
tremeram os guardas,
e ficaram como
mortos.
[16:5] e entrando no
sepulcro, viram um
moço sentado à
direita, vestido de
alvo manto; e ficaram
atemorizadas.
[24:4] E, estando elas
perplexas a esse
respeito, eis que lhes
apareceram dois
varões em vestes
resplandecentes;
[20.11] Maria, porém,
estava em pé, diante
do sepulcro, a chorar.
Enquanto chorava,
abaixou-se a olhar
para dentro do
sepulcro,
[.12] E viu dois anjos
vestidos de branco
sentados onde jazera o
corpo de Jesus, um à
cabeceira e outro aos
pés.
* todos os grifos presentes no quadro são da autora.
Quadro 6 – Maria Madalena e as outras mulheres vêem anjos sentados na pedra do sepulcro
Os Anjos presentes no sepulcro anunciaram às mulheres, a Ressurreição de
Jesus. E levaram-nas a constatar que o corpo havia desaparecido, que o túmulo
estava vazio. Na narrativa do quarto Evangelho, João afirma que Maria Madalena
viu dois Anjos assentados onde jazera o corpo de Jesus. E diz, também, que eles
falaram com ela, e que ela voltou-se e viu Jesus, mas não sabia que era Jesus.
A partir daí a narrativa não mais menciona os Anjos, mas passa a contar do
diálogo ocorrido entre Jesus e a personagem.
Subentendemos pela construção do texto que um dos seres sobrenaturais
que os discípulos chamaram de Anjo, era o próprio Jesus, e que o mesmo se aplica
a um dos Anjos mencionados em Lucas.
Encontramos ocorrências análogas em outras passagens bíblicas, como por
exemplo, quando Deus resolveu dar um filho a Abraão e a Sara, então ele visitou o
Patriarca com mais dois Anjos, estando os três em aparência humana. Só que um
deles representava uma teofania do próprio Deus, enquanto os outros dois eram
Anjos.
Esta distinção fica perceptível no capítulo seguinte em que narrada a
destruição de Sodoma e Gomorra, e para onde se dirigiram os seres que visitaram
Abraão.
Só que, em Sodoma e Gomorra eles se apresentaram em número de dois e
não de três, confirmando-se aí, que um deles era uma teofania de Deus, e não se
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
57
fez presente em Sodoma e Gomorra enviando, apenas, os seus Anjos para
cumprirem o seu desígnio de destruir aquelas cidades (Gn 18.-33; 19.1-29).
Há relatos na Bíblia em seres sobrenaturais, também, são confundidos com
homens (Js 5.13-15; Jz 6.11-22), e outras situações em que Anjos ficam invisíveis e
visíveis, quando querem (Nm 22.21-35).
Portanto, a conciliação nas narrativas dos quatro Evangelhos com relação
ao número de Anjos vistos, pode ter este significado: Um seria o Anjo, e o outro
seria o próprio Jesus ressuscitado. Até porque o cerne do episódio era a
constatação da Ressurreição de Jesus. E os Evangelhos anunciam que as outras
mulheres o viram. Mas o encontro de Jesus com Madalena, só encontramos no
quarto Evangelho.
O relato solitário em João tinha a finalidade de colocar em evidência o
acontecimento. Mas ele não nega que outras mulheres estivessem presentes,
apenas, não menciona no seu relatório. E não havia necessidade de fazê-lo porque
os outros evangelistas já o haviam feitos.
Nenhum dos evangelistas sinóticos percebera a importância do peso de
informar para a humanidade o diálogo ocorrido entre o que estava morto e reviveu, e
a mortal que havia testemunhado-lhe a morte e ali estava a testemunhar da inédita
vitória sobre a morte pela ressurreição.
A convergência dos textos por unanimidade nos quatro Evangelhos, e de
vital importância para a mensagem cristã, está na afirmação de que as mulheres
constataram que o corpo havia desaparecido. O túmulo estava vazio.
O diálogo narrado por João, ocorrido entre Jesus e Maria Madalena explicou
a ausência do corpo no sepulcro gerou o testemunho da Ressurreição:
MATEUS MARCOS LUCAS JOÃO
[28:5] Mas o anjo disse
às mulheres: Não
temais vós; pois eu sei
que buscais a Jesus,
que foi crucificado.
[:6] Não está aqui,
porque ressurgiu,
como ele disse. Vinde,
vede o lugar onde
jazia;
[16:6] Ele, porém lhes
disse: Não vos
atemorizeis; buscais a
Jesus, o nazareno, que
foi crucificado; ele
ressurgiu; não está
aqui; eis o lugar onde o
puseram.
[24:3] Entrando,
porém, não acharam o
corpo do Senhor
Jesus.
[:5] e ficando elas
atemorizadas e
abaixando o rosto para
o chão, eles lhes
disseram: Por que
buscais entre os
mortos aquele que
vive?
[:6] Ele não está aqui,
mas ressurgiu.
[20.13] E perguntaram-
lhe eles: Mulher, por
que choras?
Respondeu-lhes:
Porque tiraram o meu
Senhor, e não sei onde
o puseram.
[.14] Ao dizer isso,
voltou-se para trás, e
viu a Jesus ali em pé,
mas não sabia que era
Jesus.
[.15] Perguntou-lhe
Jesus: Mulher, por que
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
58
choras? A quem
procuras? Ela,
julgando que fosse o
jardineiro, respondeu-
lhe: Senhor, se tu o
levaste, dize-me onde
o puseste, e eu o
levarei.
[.16] Disse-lhe Jesus:
Maria! Ela, virando-se,
disse-lhe em hebraico:
Raboni! – que quer
dizer, Mestre.
Quadro 7 – Os Anjos anunciam a ressurreição. Jesus fala primeiramente com Maria Madalena
Em matéria divulgada pela ChristianAnswers.Net, é afirmado que os críticos
do Novo Testamento costumam dizer que os Evangelhos são diferentes em
detalhes, do ponto de vista de cada evangelista, e que usam estes argumentos para
alegarem que deve ter ocorrido alguma invenção na confecção dos mesmos.
Defende a matéria que essa interpretação não é requerida em relatos
paralelos sobre uma mesma ocorrência. “Repórteres de qualquer evento (secular ou
religioso), seguindo todos os padrões de acurácia e integridade, irão editar suas
histórias diferentemente com base no que é relevante para os seus leitores”
(CHRISTIANANSWERS, 2008, p. web). A matéria considera arbitrárias e artificiais
as intransigências dos críticos ao requerem que todos os Evangelhos devam ser
exatamente iguais, e transcreve o texto do Dr. Sayers, que declara:
As pessoas ficariam surpresas ao descobrir como muitas aparentes
contradições [no registro evangélico da ressurreição] acabam se
mostrando não contraditórias no final, mas meramente
suplementares. Essas divergências parecem enormes quando vistas
pela primeira vez ... Mas permanece o fato de que todos [os registros
da ressurreição], sem exceção, podem se encaixar em uma única
narrativa ordenada e coerente, sem a menor contradição ou
dificuldade e sem supressões, invenções ou manipulações. A única
dificuldade real é o esforço de imaginar o comportamento natural de
um bando de pessoas espantadas correndo ao amanhecer entre
Jerusalém e o jardim (apud CHRISTIANANSWERS, 2008, p. web).
Por fim, as mulheres perplexas, saem do local e partem para divulgar a
notícia para os discípulos relatando o que viram.
MATEUS MARCOS LUCAS JOÃO
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
59
[28:7] e ide depressa,
e dizei aos seus
discípulos que
ressurgiu dos mortos;
e eis que vai adiante
de vós para a Galiléia;
ali o vereis. Eis que vo-
lo tenho dito.
[.8] E, partindo elas
pressurosamente do
sepulcro, com temor e
grande alegria,
correram a anunciá-lo
aos seus discípulos.
[.9] E eis que Jesus
lhes sai ao encontro,
dizendo: Salve. E elas,
aproximando-se,
abraçaram-lhe os pés,
e o adoraram.
[.10] Então lhes disse
Jesus: Não temais; ide
dizer a meus irmãos
que vão para a
Galiléia; ali me verão.
[16:7] Mas ide, dizei
a seus discípulos,
e a Pedro, que ele
vai adiante de vós
para a Galiléia; ali o
vereis, como ele vos
disse.
[.8] E, saindo elas,
fugiram do sepulcro,
porque estavam
possuídas de medo
e assombro; e não
disseram nada a
ninguém, porque
temiam.
[.9] Ora, havendo
Jesus ressurgido
cedo no primeiro
dia da semana,
apareceu
primeiramente a
Maria Madalena, da
qual tinha expulsado
sete demônios.
.[10] Foi ela
anunciá-lo aos que
haviam andado com
ele, os quais
estavam tristes e
chorando.
[24:6] ... Lembrai-vos de
como vos falou, estando
ainda na Galiléia,
[:7] dizendo: Importa que
o Filho do homem seja
entregue nas mãos de
homens pecadores, e
seja crucificado, e ao
terceiro dia ressurja.
[:8]Lembraram-se, então,
das suas palavras;
[20.17] Disse-lhe
Jesus: Deixa de me
tocar, porque ainda
não subi ao Pai; mas
vai a meus irmãos e
dize-lhes que eu subo
para meu Pai e vosso
Pai, meu Deus e vosso
Deus.
[.18] E foi Maria
Madalena anunciar aos
discípulos: Vi ao
Senhor! – e que ele lhe
dissera estas coisas.
Quadro 8 – As mulheres são enviadas a anunciar aos apóstolos que Jesus ressuscitou
Conforme pondera Bock o fato de João ter mencionado o testemunho
solitário de Maria Madalena, deve-se à singularidade e excepcionalidade do
acontecimento. Era importante que o depoimento isolado de uma testemunha
claramente identificada fosse citado:
Maria Madalena foi testemunha da solução do maior mistério de
todos os tempos. Testemunhou a ressurreição de Jesus. Nas muitas
formas em que os quatro Evangelhos apresentam a história de Jesus
e nos muitos enfoques diferentes, existe um ponto-chave em comum:
Jesus revela e está no centro do que Deus fez e faz pela
humanidade. No centro desta história está a morte de Jesus e
finalmente sua ressurreição. A ressurreição, que descreve o
ressurgimento da vida depois da morte, é o verdadeiro código que
devemos entender (BOCK, 2004, p. 175-176).
O anúncio da Ressurreição de Jesus, feito por Maria Madalena, de início
gerou desconfiança, até mesmo entre os discípulos, como está escrito em Marcos
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
60
16.11 e Lucas 24.11. Mas Jesus lhes apareceu, de maneira que nenhuma dúvida
restou entre eles. As autoridades envolvidas na crucificação, também, cuidaram de
divulgar o boato de que o corpo havia sido roubado pelos discípulos (Mateus 27:62-
66 e 28:1-15). Isto porém foi de nenhum proveito, uma vez que o testemunho não
ficou restrito às mulheres. Depois de Maria Madalena, as testemunhas da
ressurreição se multiplicaram a cada dia, conforme os registros do Novo
Testamento, que relacionamos no quadro 9:
SEQÜÊNCIA
DAS
APARIÇÕES
QUANDO
OCORREU
LOCAL PESSOAS QUE O VIRAM
CITAÇÕES
BÍBLICAS
01
Manhã do dia 1º
da ressurreição
No Horto em
Jerusalém.
Maria Madalena Mc 16.9;
Jo 20.11-18.
02
Idem Idem Maria,mãe de Tiago,e Joana Mt 28:1; 8-10.
03
Idem à tarde A caminho de
Emaús
Cleofas e outro discípulo que
juntos, iam para o campo
Mc 16:12;
Lc 24:13-33.
04
Idem Jerusalém Pedro Lc 24 34.35;
1 Co 15.5.
05
Idem, no final do
dia
No cenáculo
em Jerusalém
Os doze Apóstolos, e os dois
discípulos de Emaús.
Lc 24.33-45;
Jo 20.19-24.
06
No oitavo dia da
ressurreição
Idem Os discípulos e Tomé, o qual
não assistira a 1ª aparição e
não acreditara quando os
discípulos lhe contaram
Jo 20.24-29.
07
Após a volta dos
Discípulos para a
Galiléia
Um monte na
Galiléia
Os discípulos. Jesus lhes
apareceu para dar-lhes
instruções sobre a Igreja
Mt 28.16-20.
08
Idem Mar de
Tiberíades, na
Galiléia
Sete discípulos que estavam
pescando, inclusive Pedro,
Tiago e João
Jo 21.24-29.
09
- - Segundo Paulo, foi visto uma
vez por mais de quinhentos
irmãos
1 Co 15.6.
10
- - Tiago, seu irmão, o qual
tornou-se o líder da Igreja em
Jerusalém
1 Co 15.7
11
No dia da
Ascensão (40
dias após a
ressurreição)
Betânia Os Apóstolos. Jesus os
conduziu até Betânia, e ali,
diante de todos, foi elevado ao
céu.
Lc 24.50;
At 1.9.
12
Depois da
Ascensão
A caminho de
Damasco
Saulo de Tarso, ou Apóstolo
Paulo
At 9.3-8;
1 Co 15.8.
Quadro 9 – Todas as aparições de Jesus às mulheres e aos apóstolos após a ressurreição
Entretanto, apesar do testemunho de Maria Madalena e das muitas
aparições de Jesus, o anúncio do fenômeno nunca deixou de ser polêmico porque é
uma questão metafísica, não se explica pela razão, e apresenta como certa e segura
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
61
a solução para por fim ao maior problema existencial da humanidade: a própria
morte.
Os registros do Novo Testamento apresentam depoimentos denotando que
todas as aparições de Jesus foram reais e não, apenas, algo espiritual ou místico,
sendo afirmado que o seu corpo era de carne e osso (Lc 24:39); que ele pôde comer
e beber com os discípulos (Lc 24.41-43; Jo 21.9-15; At 10.40,41); que os discípulos
podiam tocar-lhe (Mt 28.9: Jo 20.27); e que nos seus pés e nas suas mãos estavam
os sinais dos cravos, e no seu lado estava a marca da perfuração da lança (Lc
24.39,40; Jo 20.24-29).
3.3 – Identificando as outras mulheres vindas da Galiléia para melhor
compreender o papel de Maria Madalena junto a Jesus
Outro fator de discussão acadêmica sobre o papel de Maria Madalena junto
a Jesus, encontra-se no relato de Jo 19.25 que menciona a presença junto à cruz,
da mãe de Jesus, a irmã de sua mãe, Maria de Cleofas e Maria Madalena. Este
episódio é narrado, apenas, no Evangelho de João e a discussão, sobre ele, gira em
torno da identificação das mulheres presentes naquele ato e tem sido usado para
teorizar um suposto casamento entre Jesus e Maria Madalena e assim fortalecer o
argumento gnóstico de que Maria Madalena representava o princípio feminino.
O versículo citado, por si só, tem trazido certa dificuldade de interpretação,
devido à própria construção da frase, que deixa dúvida se a irmã de Maria, a mãe de
Jesus, seria Maria de Cleofas, ou se seria outra pessoa cujo nome não está
mencionado no texto. Ou seja, além da mãe de Jesus, quantas mulheres estavam
aos pés da cruz? Duas ou três? O estudo sistemático do texto revela o vínculo
familiar entre João evangelista e Jesus e o papel de Maria Madalena no seu
relacionamento com o crucificado.
Apesar de alguns eruditos entenderem que a irmã da mãe de Jesus e Maria
de Cleofas, mencionadas por João, seria a mesma pessoa, Mateus e Marcos citam
três mulheres, e não há razão para não se crer que as três se juntaram à mãe de
Jesus e tenham se aproximado da cruz juntamente com João. E como apenas os
nomes de duas mulheres, as duas Marias, aparecem no texto joanino, enquanto que
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
62
o nome de Salomé não é ali citado, pode-se deduzir, por este raciocínio, que
Salomé, a mãe dos filhos de Zebedeu é a irmã da mãe de Jesus.
E se Salomé é a irmã da mãe de Jesus, então os seus filhos, os filhos de
Zebedeu, que são os apóstolos Tiago e João (Mt 10.2), são primos de Jesus. E foi
exatamente por causa do vínculo familiar, que Jesus, na qualidade de primogênito, e
como tal, cabeça da família pela ausência do pai, entregou ao seu primo João a
responsabilidade de cuidar de Maria, sua mãe, após a sua morte, uma vez que os
seus irmãos ainda não criam nele (Jo 7.5), muito embora, após a sua ressurreição
passaram a crer e se integraram na obra de evangelização (At 1.14).
Pela mesma razão do parentesco, Salomé, e seus filhos Tiago e João
acharam-se no direito de pedir a Jesus que os dois se sentassem um à direita e
outro à esquerda do seu trono, no reino (Mt 20.20-28; Mc 10.35-45). Tal pedido
deixou os demais apóstolos indignados contra Tiago e João, e Jesus respondeu-
lhes, entre outras coisas, que dentre eles, o que quisesse ser o primeiro, seria servo
de todos (Mc 10.41-44). Esta discussão foi lembrada na celebração da última
Páscoa, conforme relato em Lucas 22:27, e foi captada por Leonardo da Vinci e
muito bem reproduzida na sua famosa tela a Última Ceia:
E houve também entre eles contenda, sobre qual deles parecia ser o
maior. E ele lhes disse: Os reis dos gentios dominam sobre eles, e os
que têm autoridade sobre eles são chamados benfeitores. Mas não
sereis vós assim; antes o maior entre vós seja como o menor; e
quem governa como quem serve. Pois qual é maior: quem está à
mesa, ou quem serve? Porventura não é quem está à mesa? Eu,
porém, entre vós sou como aquele que serve (Lc 22:24-27).
Ainda falando sobre Maria de Cleofas, na busca da identificação de seus
filhos Tiago o Menor e de José, verificou-se que entre os apóstolos existem dois
Tiago, sendo um deles, o irmão de João e filho de Zebedeu, e o outro, o filho de
Alfeu (Mt 10:2,3). Como no paralelo feito entre Mateus e Marcos, o filho da outra
Maria é Tiago o menor, e não o filho de Zebedeu, pode-se deduzir que ele seria o
filho de Alfeu. Resulta daí que Maria, mãe de Tiago o menor, e de José, é a esposa
de Alfeu, que no Evangelho segundo João, recebe o nome de Maria de Cleofas.
Alguns eruditos imaginam que os nomes Alfeu e Cleofas, são apelativos do mesmo
nome, ou seja, são a mesma pessoa; enquanto outros imaginam que Cleofas seria o
sogro de Alfeu, isto é, o pai de Maria, mãe de Tiago o menor e de José.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
63
De qualquer forma, pode-se afirmar que a Maria de Cleofas citada em Jo
19.25, é a outra Maria, a mãe de Tiago, o menor, e de José, esposa de Alfeu,
também chamado Cleofas, ou então, esposa de Alfeu e filha de Cleofas. Embora
não se atente para isto, a forma como Maria de Cleofas é mencionada nos
Evangelhos indica que se tratava de uma personagem muito importante no meio
cristão. Em Jo 19:25, o seu nome é mencionado antes do nome de Maria Madalena.
Mateus afirma que Jesus também lhe apareceu e à Salomé, depois que apareceu a
Maria Madalena. E Lucas afirma que Cleofas (o seu parente), juntamente, com outro
companheiro vieram e falaram com Jesus na tarde daquele dia, quando se dirigiam
a Emaús. (Lc 24:18).
3.4 – Quem era o discípulo amado do IV Evangelho? João ou Maria Madalena?
Muitas dessas polêmicas iniciam-se justamente na comparação entre o
quarto Evangelho e os demais sinóticos. Sustenta Arias (2006:50), “que o quarto
Evangelho, o de João, foi considerado como um texto muito influenciado pela
doutrina gnóstica e, inspirado pela própria Madalena”.
Walker (1980), já negava, terminantemente tal pensamento ao afirmar que a
resposta típica da Igreja católica fundamenta-se na argumentação de Irineu de Lião,
que escreveu contra o gnosticismo por volta de 185. Ele afirmava que “os apóstolos
não haviam pregado até terem adquirido ‘conhecimento perfeito’ do Evangelho”
(idem, p.87). O que eles registravam posteriormente nos Evangelhos; afirma, ainda,
que “Mateus e João foram escritos pelos próprios apóstolos. Marcos reproduzia a
mensagem de Pedro; Lucas, a de Paulo” (idem, p.87). Esses relatos, não possuem
elementos de gnosticismo. Em resposta ao argumento gnóstico de que seriam
herdeiros da instrução oral, contra argumentava que “se tivesse havido tal
doutrinação privada, os apóstolos a teriam confiado àqueles que, dentre todos os
outros, eles haviam escolhido como sucessores seus no governo das Igrejas”
(ibdem, p.87). Conclui dizendo a esse respeito estimulando a todos:
“Ide, portanto, a Roma – diria Irineu – ou a Esmirna, ou a Éfeso, e
procurai saber o que lá é ensinado, e vereis que nada há que se
assemelhe ao gnosticismo”. Todas as Igrejas devem concordar com
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
64
a de Roma, pois nesta a tradição apostólica foi fielmente preservada,
tal como as outras Igrejas apostólicas (WALKER, 1980, p.87).
Aprofundando mais ainda o seu imaginário, Arias através de vários
argumentos, manifesta a hipótese de que o discípulo amado citado no IV Evangelho,
não seria João, mas sim, Maria Madalena, pois, as minúcias registradas só poderiam
ser narradas por alguém que houvesse vivenciado a cena e não apenas tivesse
ouvido de terceiros. E questiona-se: “Quem poderia ser senão a própria Madalena?”
Nos Chama atenção o fato do evangelista chegar inclusive a situar o momento exato
do acontecimento, como sendo ao alvorecer e que “ainda estava escuro. Quem
pôde contar a João um detalhe tão mínimo?” (ARIAS, 2008, p. 50). E conclui:
O “IV Evangelho” sempre esteve rodeado de um halo de mistério e
polêmica. Foi dito que podia ser devido à mão de um personagem
anônimo, talvez o célebre “discípulo amado” de Jesus, um
personagem sempre sem nome nos Evangelhos, sempre misterioso.
Tão misterioso que hoje se suspeita que poderia tratar-se da
mesmíssima Maria Madalena (ARIAS, 2006, p.98).
Os argumentos de Arias se despojam de qualquer apoio nas narrativas do
Novo Testamento. A hipótese de Maria Madalena ser João implicaria a inexistência
do Apóstolo, o que está totalmente fora de cogitação, uma vez que o nome dele e o
seu trabalho para Jesus é amplamente declarado nos Evangelhos Sinópticos, no
livro de Atos e nas Epístolas Paulinas.
Serão apresentadas a seguir, afirmativas e questões que demonstram o
argumento da impossibilidade de João e Madalena serem uma única pessoa:
1) O fato de o nome de João não constar do IV Evangelho, não significa sua
inexistência, mas tão somente sua humildade pelo desejo incontido de mostrar a
Glória do Seu Mestre Jesus, à semelhança do sentimento que envolveu João
Batista, conforme citado naquele mesmo Evangelho: “É necessário que ele cresça e
que eu diminua.” (Jo 3:30). Não é só o nome de João que está omitido no IV
Evangelho, mas também o nome dos seus parentes mais chegados, ou seja, do seu
irmão Tiago, de sua mãe, Salomé, e da própria Maria, sua tia e mãe de Jesus, numa
demonstração de que ele só objetivava a glória do Mestre.
2) Na cena da crucificação, quando Jesus entregava sua mãe aos cuidados
do discípulo amado, a própria expressão de gênero que ele usou, indica que o
discípulo amado era um homem, e não uma mulher, como se vê em João 19. 26:
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
65
“Ora Jesús, vendo ali sua mãe, e que o discípulo a quem ele amava, estava
presente, disse a sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho”.
3) Em Jo 20:1-2, como já vimos, está escrito que tendo ido Maria Madalena
ao sepulcro de madrugada, e verificando lá que a pedra havia sido removida,
“correu, pois, e foi a Simão Pedro, e ao outro discípulo, a quem Jesus amava, e
disse-lhes: Levaram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde puseram.” Embora
o registro joanino sobre aquele momento se restrinja às palavras de Maria
Madalena, é elementar, porém, que os discípulos a tenham interrogado para
compreender exatamente o que havia acontecido, e que ela lhes tenha respondido
prestando um relatório dos seus próprios passos desde a saída de sua casa até a
constatação do sepulcro vazio. Esta, a provável razão por que o autor do IV
Evangelho detalha o ocorrido, ele ouviu da própria Maria Madalena;
4) Neste episódio, e em alguns outros citados no IV Evangelho, o
personagem anônimo é identificado como outro discípulo (Jo.18:15-16; 19:27;
20:3,4,8,10; 21:2), ou então, o discípulo que Jesus amava (Jo.13:23; 19:26; 20:2;
21:7), só é mencionado nos relatos da última ceia e posteriores, e todos são bem
detalhados. No capítulo 20 de João, que narra a ressurreição, está escrito que Maria
Madalena foi avisar a Pedro e ao outro discípulo – que nós entendemos tratar-se de
João –, que estes foram ao sepulcro, constataram o túmulo vazio e voltaram para
casa perplexos. O texto diz literalmente “Tornaram pois os discípulos para casa”. E o
versículo seguinte diz: “E Maria estava chorando fora, junto ao sepulcro” (Jo 20.10-
11). Donde se pode, mais uma vez, concluir que o discípulo anônimo não pode ser
Maria Madalena, já que ele voltou para casa e ela permaneceu no sepulcro.
5) Num destes relatos, o da prisão e apresentação de Jesus ao antigo sumo
sacerdote Anás, o autor menciona o outro discípulo, e afirma que o mesmo era
conhecido do sumo sacerdote, seguiu Jesus, entrou com ele na sala daquela
autoridade máxima e, introduziu ali, também, Pedro. E tudo isto está mencionado,
apenas, no IV Evangelho, e de maneira tão detalhada que sua autoria só pode ser
atribuída a quem vivenciou a cena (Jo 18:13-15). Poderia ter sido uma mulher? Teria
uma mulher, naquela época, numa sociedade sob a égide patriarcal do Judaísmo ter
livre acesso à sala do sumo sacerdote? E num momento de tão perturbada
audiência? Obviamente não! Então, quem era aquele discípulo, e de onde o
conhecimento com o sumo sacerdote? Associando o fato de que João era primo de
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
66
Jesus, e que a mãe de Jesus era parente de Isabel, que por sua vez pertencia à
família sacerdotal é presumível que o apóstolo João, a exemplo de João Batista,
fosse também um parente conhecido do sumo sacerdote, e por isto tivera acesso á
sala de audiência e, conseqüentemente, pôde narrar detalhadamente o ocorrido no
Evangelho de sua autoria;
6) Por analogia ao raciocínio do argumento anterior, agora, em sentido
contrário, a presença das mulheres durante o sepultamento é mencionada, apenas,
nos Evangelhos sinóticos (Mt 27.61; Mc 15.47; Lc 23.55). João as omite, entretanto
Maria Madalena estava presente e assistiu tudo. Pergunta-se: fossem João e Maria
Madalena uma mesma pessoa, por que ele não descreveu a sua presença numa
cena que foi de tão grande importância para ela, uma vez que queria saber
exatamente onde o corpo seria sepultado porque pretendia ungi-lo, depois que
cumprisse o preceito da guarda do sábado? Propomos três argumentos que vêm ao
encontro da solução deste problema: O primeiro, é que João não estava presente na
cena, pelo motivo já explicado, de que havia se retirado para levar a mãe de Jesus
para casa (Jo 19.27). O segundo, é que por não ter vivenciado a cena e, também,
por não poder deixar de registrá-la em razão da ressurreição, sua narrativa se
resume às ocorrências legais e oficiais, como o cumprimento dos ritos judaicos para
o sepultamento (Jo 19.38-42), e a autorização de Pilatos para entrega do corpo. É
provável que ele tenha escutado de Nicodemos e José de Arimatéia, e até que tenha
tido acesso ao documento oficial da liberação do corpo. A seleção feita por João
para os fatos registrados sobre o sepultamento corrobora o seu zelo pela
autenticidade da narrativa – O que ele não viu ou não pôde comprovar, não falou! –.
E o terceiro argumento é: sendo verdadeira a hipótese da ausência de João, na
cena do sepultamento, implica a impossibilidade dele ser Maria Madalena, porque
ela estava presente. E, ainda, sendo verdadeira a hipótese da decisão de somente
registrar os fatos oficiais ou legais, implica a mesma incoerência, uma vez que é
impossível imaginar uma mulher naquela época e naquela sociedade, se preocupar
com as formalidades legais do Estado.
7) No último capítulo do IV Evangelho está escrito que alguns discípulos,
inclusive Tiago e João, ali denominados filhos de Zebedeu, estavam pescando no
mar de Tiberíades, sem nada colher, quando Jesus apresentou-se na praia e operou
o milagre da grande pesca, sendo então reconhecido pelo discípulo amado que
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
67
estava naquele barco, o qual avisou a Pedro que era Jesus que estava na praia. E o
relato bíblico afirma que “Simão Pedro ouviu que era o Senhor, cingiu-se com a
túnica (porque estava nu) e lançou-se ao mar” (Jo 21:1-8). Este relato é suficiente
para entender que o discípulo amado não era Maria Madalena, mas sim, João, o
filho de Zebedeu, autor do IV Evangelho. Estaria Maria Madalena pescando com os
discípulos? Ficaria Pedro nu na presença de Maria Madalena?
8) No relato da ressurreição, no IV Evangelho, está escrito que Maria
Madalena correu, “e foi a Simão Pedro, e ao outro discípulo, a quem Jesus amava, e
disse-lhes: Levaram o Senhor do Sepulcro e não sabemos onde puseram.” (Jo
20:2). Ora, este versículo, por si só esclarece que Maria Madalena e o discípulo
amado eram duas pessoas diferentes.
A maior evidência da autoria joanina para o IV Evangelho está no primeiro
capítulo, quando ao autor afirma: “E o verbo se fez carne, e habitou entre nós, e
vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade.”
(Jo 1:14). Nesta declaração o autor traz à lembrança o momento da transfiguração
de Jesus, que foi contemplada exclusivamente por Pedro, Tiago e João, quando
Jesus ficou resplandecente como o Sol, e apareceu-lhes Elias e Moisés, e eles
ouviram “uma voz que dizia: Este é o meu amado Filho; a ele ouvi.” E foi a riqueza
desta visão, que deu a João a segurança de afirmar naquele mesmo capítulo: “A Lei
foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo.” (Jo 1:17). Pedro,
também, faz menção àquela visão quando afirma:
Porque não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso Senhor
Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente compostas; mas nós
mesmos vimos a sua majestade. Porquanto ele recebeu de Deus Pai
honra e glória, quando da magnífica glória lhe foi dirigida a seguinte
voz: Este é o meu Filho amado, em quem me tenho comprazido. E
ouvimos esta voz dirigida do céu, estando nós com ele no monte
santo. (2 Pe 1:16-18).
Até o momento foram analisadas as citações bíblicas que dizem respeito,
nominalmente, à Maria Madalena. A partir daqui, serão avaliadas as citações de
mulheres que ungiram Jesus e que posteriormente foram identificadas, confundidas
ou fundidas com Maria Madalena, da forma semelhante como Arias confundiu-a com
João.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
68
3.5 – Outras personagens bíblicas confundidas com Maria Madalena
Todos os Evangelhos falam de uma mulher ungindo Jesus, mas nenhum
menciona Maria Madalena. Num confronto entre os relatos, com perguntas objetivas,
identificando os detalhes apresentados por cada um deles, verificar-se-á que a
mulher citada por Lucas não é a mesma mencionada por Mateus, Marcos e João,
conforme quadro e análise a seguir:
QUESTÕES
FORMULADAS
MATEUS
(MT 26.2-19)
MARCOS
(MC 14.1-9)
LUCAS
(LC 7.36-50)
JOÃO
(JO 12.1-8)
Quando ocorreu? Próximo à
crucificação de
Jesus (dois dias
antes da páscoa)
Próximo à
crucificação de
Jesus (dois dias
antes da páscoa)
No início das
atividades
públicas de Jesus
(Quando João
Batista estava
preso)
Próximo à
crucificação de
Jesus (seis dias
antes da páscoa)
Em que cidade ou
região ocorreu?
Betânia da Judéia Betânia da Judéia Galiléia Betânia da Judéia
Onde se
encontrava
Jesus?
Na casa de
Simão (o leproso)
Na casa de
Simão (o leproso)
Na casa de
Simão (o fariseu)
Na casa de Marta
Quem foi a autora
da unção?
Uma mulher não
identificada
Uma mulher não
identificada
Uma pecadora
não identificada
Maria de Betânia
(irmã de Marta e
Lázaro)
Como foi ungido? Derramou
ungüento sobre a
cabeça de Jesus.
Derramou
ungüento sobre a
cabeça de Jesus.
Regava os pés de
Jesus com as
suas lágrimas,
enxugava com os
seus cabelos,
beijava-os e ungia
com ungüento.
Ungiu os pés de
Jesus e os
enxugou com os
seus cabelos.
Qual a finalidade
da unção?
Ungir o corpo de
Jesus para a
sepultura.
Ungir o corpo de
Jesus para a
sepultura.
Adquirir o perdão
dos pecados.
Ungir o corpo de
Jesus para a
sepultura.
Quem protestou? Os discípulos. Alguns dos
presentes.
O dono da casa Judas Iscariotes.
Que recompensa
Jesus deu à
mulher?
Prometeu que o
seu feito seria
registrado nos
evangelhos para
memória do seu
nome.
Prometeu que o
seu feito seria
registrado nos
evangelhos para
memória do seu
nome.
Perdoou os seus
pecados.
Não existe relato
Que aconteceu
em seguida?
Judas Iscariotes
vendeu Jesus aos
principais dos
sacerdotes, por
trinta moedas.
Judas Iscariotes
saiu para vender
Jesus aos
principais dos
sacerdotes.
Maria Madalena e
outras mulheres
passaram a
acompanhar
Jesus, de cidade
em cidade
Os principais dos
sacerdotes
tomaram
deliberação para
matar Jesus e a
Lázaro.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
69
Quadro 10 - Demonstrativo dos relatos contidos nos evangelhos canônicos sobre ocorrências das
mulheres que ungiram Jesus
Analisando as questões e informações paralelas contidas neste quadro,
constata-se, que:
1) O período do acontecimento em Lucas ocorreu no início do Ministério de
Jesus, estando João Batista ainda vivo. Nos demais Evangelhos, o acontecimento
se deu no fim do ministério de Jesus, bem próximo de sua morte.
2) O local do acontecimento em Lucas foi a Galiléia. Nos demais
Evangelhos, Betânia da Judéia.
3) A casa onde Jesus se encontrava, em Lucas foi a de Simão, o fariseu. Em
Mateus e Marcos, a de Simão, o leproso. E em João, a casa de Marta.
4) A autora da unção, em Lucas foi uma pecadora não identificada. Em
Mateus e Marcos, uma mulher, também não identificada. Em João, Maria de
Betânia, irmã de Marta e Lázaro.
5) A forma como ela ungiu: segundo Lucas, “Regava os pés de Jesus com
as suas lágrimas, enxugava com os seus cabelos, beijava-os e ungia com
ungüento”. Segundo Mateus e Marcos: “derramou ungüento sobre a cabeça de
Jesus”. E segundo João: “ungiu os pés de Jesus e os enxugou com os seus
cabelos”.
6) A finalidade da unção, segundo Lucas, foi adquirir o perdão dos pecados.
Em Mateus, Marcos e João, era ungir o corpo de Jesus para a sepultura.
7) Alguém protestou. Segundo Lucas, o autor do protesto foi o dono da casa.
Segundo Mateus e Marcos, alguns dentre os discípulos. E em João, o discípulo
Judas Iscariotes.
8) A recompensa concedida por Jesus à mulher: segundo Lucas, conceder-
lhe o perdão dos pecados. Segundo Mateus e Marcos, que o feito seria registrado
nos evangelhos para memória dela. (João silencia).
9) A continuidade do relato, em Lucas, é que Maria Madalena e outras
mulheres passaram a acompanhar Jesus, de cidade em cidade. Em Mateus e
Marcos, que Judas Iscariotes saiu para vender Jesus aos principais sacerdotes. E
em João, que os principais sacerdotes deliberaram matar Jesus e a Lázaro.
Deste confronto, observa-se que Mateus, Marcos e João estão se referindo
ao mesmo evento, à mesma pessoa, sendo que, o relato de João supre as
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
70
indefinições dos dois primeiros, o que é perfeitamente compreensível, uma vez que
ele foi escrito depois. Mas o evento narrado por Lucas não tem paralelo.
A mulher mencionada por Lucas não tem sua identidade revelada, mas é
declarada uma pecadora. O nome Maria Madalena surge após o relato sobre a
pecadora, mas não estabelece um vínculo entre elas. Entretanto, com relação aos
demais evangelistas, não há dúvida de que falavam da mesma pessoa, cujo nome
João revela: Maria de Betânia.
Há um aparente conflito entre os relatos de João, Mateus e Marcos, quando
afirma o primeiro que Maria de Betânia ungiu os pés, enquanto os outros dois
afirmam que ela derramou ungüento sobre a cabeça de Jesus. Claro que cada um
narrou o que tinha guardado na memória! Entretanto, a soma dos relatos mostra que
a unção foi dada nas extremidades do corpo, porque a finalidade era prepará-lo para
o iminente sepultamento.
Deduz-se que Maria de Betânia ungiu Jesus na cabeça e nos pés,
preparando para a sepultura, porque já corriam fortes rumores de que o Sinédrio
queria matar Jesus e Lázaro, o irmão de Maria e de Marta, em virtude do grande
milagre da ressurreição de Lázaro, após quatro dias de enterrado, como está
registrado em João, 12:10-11: “E os principais dos sacerdotes tomaram deliberação
para matar também a Lázaro. Porque muitos dos judeus, por causa dele, iam e
criam em Jesus”. Tais rumores, com muita probabilidade, chegaram ao
conhecimento de Lázaro e suas irmãs.
É neste mesmo raciocínio, interligando os fatos, entre si, que João, ao narrar
a ressurreição de Lázaro, ocorrida antes da unção de Jesus por Maria de Betânia,
insere no texto a identificação de Maria, como sendo aquela que ungiu Jesus,
embora soubesse que cronologicamente a unção veio depois e como conseqüência
da grande proporção que a fama de Jesus havia alcançado após aquela ocorrência.
Maria de Betânia ungiu Jesus antes de sua morte, porque presumia que não
poderia fazê-lo depois, em virtude da perseguição, o que provavelmente levou-a
juntamente com sua família a planejar uma fuga para livrar a Lázaro da morte. Isto
explica porque nenhum deles (Lázaro, Maria de Betânia e Marta) é mencionado no
relato da crucificação e posteriores.
Além de não ter o seu nome mencionado posteriormente, outra forte
evidência de que Maria de Betânia não estava junto à cruz, é que Marta também não
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
71
estava lá. E como as duas sempre são mencionadas juntas, entende-se que se
Marta não estava, Maria, sua irmã, também não estava.
E se a unção ministrada por Maria de Betânia, antes da morte de Jesus,
destinava-se exatamente ao seu sepultamento, por que ela haveria de se preocupar
em fazê-lo depois, como se preocupou Maria Madalena? Considerando ainda o fato
de que os nomes Madalena e Betânia eram topônimos, e se referiam a lugares
diferentes, pode-se afirmar certamente: Maria de Betânia e Maria Madalena não são
a mesma pessoa.
Além dessas narrativas, encontra-se ainda em Jo 8:1-11 o caso de uma
mulher flagrada em adultério, a qual foi levada à presença de Jesus para
julgamento, pois a Lei mandava que fosse apedrejada. E a sentença pronunciada
por Jesus foi: “aquele que dentre vós está sem pecado seja o primeiro que atire
pedra contra ela.” (Jo 8:7). Esta personagem também é identificada por muitos
críticos e comentaristas bíblicos, como sendo Maria Madalena.
Mas esse amálgama de identificações preconceituosas encontra amparo
numa cultura essencialmente androcêntrica como pretendemos demonstrar a seguir.
CAPITULO 4
OS ANTECEDENTES HISTÓRICO-FILOSÓFICOS QUE CONTRIBUIRAM PARA A
FORMAÇÃO DO SÍMBOLO DA EVA REDIMIDA
A presença de Maria Madalena e de outras mulheres no movimento de
Jesus é incontestável do ponto de vista dos Evangelhos canônicos. Elas são
mencionadas desde o começo do seu ministério na Galiléia (Mc 15.40; Lc 8.2),
sendo apresentadas como o seguindo e o servindo, significando isto, do ponto de
vista da linguagem bíblica, que elas eram discípulas, em toda a extensão que este
termo requer – seguiam, serviam e anunciavam aos outros o que viam e ouviam da
parte de Jesus – (Mc 10.42-45; 15.49; Lc 22.25-27, Jo 4.39). E isto não só ocorria
com Maria Madalena, mas com as muitas mulheres que são mencionadas tanto nos
Evangelhos como nas epístolas paulinas.
Com Jesus elas vivem a experiência de serem curadas, de se tornarem
seres humanos saudáveis e participantes, começam a vivenciar uma experiência de
plenitude de vida até então reprimida pelo patriarcalismo filosófico e judaico
(TEPEDINO, 2008).
Mas, só poderemos compreender o prazer de Maria Madalena e das outras
mulheres em dedicar a sua vida e os seus bens a serviço de Jesus, se entendermos
o que representava para a mulher judia o peso da repressão androcêntrica,
sedimentada nos preceitos e na tradição do judaísmo, e compararmos com os feitos
de Jesus visando à quebra destes modelos:
4.1 – Os modelos patriarcais de repressão à mulher
No tempo de Jesus, as mulheres judias viviam em uma situação de grande
privação. Gozavam do direito à sucessão, mas os herdeiros masculinos tinham a
precedência. Os bens herdados pela mulher passavam a ser de usufruto do marido.
“Elas não tinham nenhum direito à propriedade nem podiam divorciar-se; os
maridos, sim, podiam fazê-lo até por motivos banais, como o da esposa deixar
queimar a refeição, por exemplo,” (BRAGA, 2002, p. 98). Mas este era o modelo que
prevalecia nas culturas da antiguidade, quando as mulheres eram subordinadas ao
pai e depois ao marido.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
73
Demóstenes sintetizou bem este pensamento androcêntrico, nas seguintes
palavras: “Conservemos as amantes para a busca do prazer; as concubinas para os
cuidados cotidianos de nossa pessoa; as esposas para carregar os filhos legítimos e
serem as fiéis guardiãs da casa” (apud BRAGA, 2002, p. 98). O concubinato da
época dizia respeito às relações amorosas com escravas ou com estrangeiras, as
quais, pela própria condição social estavam excluídas de contrair matrimônio
(BRAGA, 2002). – E se estavam proibidas de casar, mas mantinham relações
sexuais com um homem casado, estavam inevitavelmente se colocando na posição
ou de prostituta ou de adúltera.
E em qualquer das hipóteses, segundo a Lei mosaica, as adúlteras e as
prostitutas deveriam morrer por apedrejamento (Lv 20.2, 10). Havia proibições legais
impostas à mulher judia durante o período menstrual, que eram muito
discriminatórias.
A mulher menstruada era considerada impura e separada do convívio social.
Não podia tocar em qualquer pessoa – ou mesmo coisa – sob pena de torná-la
impura; tinha que manter separação de corpos com o marido; não podia participar
das assembléias religiosas; e tinha que prestar sacrifícios rituais ao término de cada
ciclo, que variava em valor, dependendo da razão e duração do fluxo – se
decorrente do ciclo mensal, doença, ou de parto, sendo que neste caso , quando o
filho nascido fosse do sexo feminino, dobrava-se o período das proibições – (Lv
12.1-8; 15.18-33).
Segundo Braga, em razão de suas regras periódicas, assimiladas à
impureza, a mulher hebraica não podia proclamar a Torá, nem ser testemunha
(BRAGA, 2002). Conforme Champlin, não era permitido à mulher alguma frequentar
escolas de ensinamento da lei, porque os rabinos afirmavam: “É preferível queimar a
lei do que ensiná-la a uma mulher!” (CHAMPLIN, 1982, vol. 4, p.230).
De acordo com Adam Clarke, os rabinos ensinavam que “uma mulher não
deve saber outra coisa senão como usar os seus utensílios caseiros” (apud
CHAMPLIN, idem, p.231).
4.2 A quebra dos paradigmas patriarcais pelos princípios de igualdade
introduzidos por Jesus
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
74
Uma leitura mais atenta do Novo Testamento mostra o menosprezo de
Jesus pelos preceitos androcêntricos do judaísmo, e o quanto ele ensinou para
quebrar os paradigmas das repressões impostas contra a mulher:
¾ O paradigma das desigualdades no matrimônio foi quebrado mediante a
introdução no casamento, pelo cristianismo, de vários princípios extraídos dos
ensinamentos de Jesus e encontrados nas epístolas do Novo Testamento, incluindo:
“a liberdade de escolha dos cônjuges, seu consentimento pessoal, a monogamia, a
indissolubilidade e o casamento como o único local de exercício da sexualidade
lícita” (BRAGA, 2002, p.99). Com relação à forma unilateralmente machista do
divórcio, Jesus veio em defesa da mulher, reivindicando a sua proscrição:
Então chegaram ao pé dele os fariseus, tentando-o, e dizendo-lhe: É
lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer motivo? Ele,
porém, respondendo, disse-lhes: Não tendes lido que aquele que os
fez no princípio macho e fêmea os fez, e disse: Portanto deixará o
homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só
carne? Assim, não são mais dois, mas uma só carne. Portanto o que
Deus ajuntou não o separe o homem. Disseram-lhe eles: Então por
que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio, e repudiá-la? Disse-
lhes ele: Moisés por causa da dureza dos vossos corações vos
permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim.
Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não
sendo por causa da prostituição, e casar com outra, comete
adultério; (Mt 19.3-9).
¾ O paradigma da exclusão matrimonial das mulheres escravas e
estrangeiras, e da morte por apedrejamento às adúlteras e às prostitutas foram
quebrados pelos ensinamentos de Jesus que trouxeram sensíveis mudanças
igualitárias, tanto em prol da dignidade da mulher, como também dos escravos e dos
estrangeiros – chamados na Bíblia de gentios –. Um exemplo disto está no relato
joanino sobre o encontro entre Jesus e a mulher samaritana, a qual, por ser de
Samaria, era por Israel considerada estrangeira, e ainda, pelo diálogo ocorrido entre
ela e Jesus, deduz-se que se tratava de uma prostituta. Entretanto, Jesus conversou
com ela, anunciou-lhe que era o Messias e ainda permitiu que ela proclamasse isto
a outros samaritanos, os quais vieram também ouvi-lo, por causa das palavras da
mulher (Jo 4.3-42). O Novo Testamento defende fortemente o princípio da
igualdade, da isonomia entre as pessoas. Paulo escrevendo aos Coríntios mostra
este princípio quando afirma: “Pois todos nós fomos batizados em um só Espírito
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
75
formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres” (1 Co 12.13).
Inda falando sobre os preceitos patriarcais contra as adúlteras e as prostitutas,
lemos em Oséias, no Antigo Testamento, uma profecia que registra a indignação do
Deus de Israel para com os homens da nação, no seu tratamento discriminatório
para com as mulheres: “Eu não castigarei vossas filhas, que se prostituem, nem
vossas noras, quando adulteram; porque eles mesmos com as prostitutas se
desviam, e com as meretrizes sacrificam” (Os 4.14). Jesus tornou realidade esse
vaticínio, ao impedir a execução de uma mulher que fora flagrada em adultério, e
que foi trazida à sua presença para que ele a julgasse. João relata que ele inclinou-
se a escrever na terra, e ao ser novamente interrogado sobre o que fazer com a
mulher adúltera, disse: “Aquele que dentre vós está sem pecado seja o primeiro que
atire pedra contra ela” (Jo 8.7). E João disse que todos se retiraram, ficando
somente a mulher e Jesus e que este lhe ensinou: “Vai, e de agora em diante não
peques mais” (Jo 8.11). Com esta atitude Jesus estava revogando uma lei que vinha
de um tempo até mesmo anterior a Moisés (BRAGA, 2002).
¾ Os paradigmas das proibições à mulher durante o período menstrual
foram quebrados por Jesus de várias maneiras: A proibição feminina de anunciar a
Torá, e de ser testemunha, foi quebrada quando Jesus acolheu mulheres no seu
próprio grupo de discípulos – Maria Madalena, Joana, Suzana e muitas outras –,
para o seguirem, servirem e proclamarem as mensagens por ele anunciadas –, o
que, subentende-se, incluía também as referências messiânicas da Torá –. Além
disto, elegeu Maria Madalena para ser a primeira e mais importante testemunha da
sua ressurreição, aparecendo também em seguida às outras mulheres. Relevante
para o entendimento do quanto era repressiva, a lei judaica contra a mulher durante
o período menstrual, e como as mensagens de Jesus também objetivavam quebrar
este paradigma, encontramos nos Evangelhos sinópticos, a narrativa sobre uma
mulher que sofria de hemorragia durante doze anos, e que, sabendo das curas que
Jesus estava operando, decidiu se aproximar dele e tocar-lhe, na esperança de ser
curada, mesmo sabendo que pela Lei ela era considerada imunda por causa da sua
enfermidade e não podia tocar em ninguém, não podia nem sequer estar no meio do
povo. Mas, o desejo de ser curada foi maior que o rigor da lei, e, ela rompeu a
multidão que acompanhava Jesus e tocou na orla das suas vestes, recebendo no
mesmo momento – segundo aqueles relatos – a cura tão desejada. Entretanto,
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
76
apenas neste episódio, é dito que Jesus fez que a mulher contasse diante de todos,
qual era a sua enfermidade, numa provável demonstração do seu propósito e da sua
autoridade em quebrar as leis de repressão à mulher, e criar um novo paradigma de
libertação feminina (Mt 9.20-22, Mc 5.25-34; Lc 8.43-48). Ele não só se deixou tocar
pela mulher considerada impura, como também, não cumpriu as determinações
legais para a sua própria purificação, por ter sido tocado por ela. A Lei mandava que
se um homem tocasse, mesmo que involuntariamente, numa mulher menstruada ele
teria que ficar separado e, cumprido o período da separação, se submeter a um
ritual purificador (Lv 15.13,14,24). “Jesus revoga na prática esse costume atrasado e
discriminatório ao não se submeter a nenhum ritual ao ser tocado por aquela mulher”
(BRAGA, 2002, p. 98).
Assim, com Jesus as mulheres experimentaram em suas vidas esse poder
libertador e por isto não só o seguiram, mas, algumas dedicaram a ele também os
seus bens, e suas vidas, como o fizeram Maria Madalena e suas companheiras (Lc
8.8), de maneira que o acompanharam desde o seu ministério na Galiléia, até o final
em Jerusalém (Mt 27.55-56; Mc 15.41; Lc 23.55; Jo 19.25). Elas permaneceram fiéis
a Jesus, mesmo na hora em que ele estava entregue à morte por exigência e sob os
olhares atentos das autoridades judaicas. Elas não temeram, não fugiram, se
fizeram testemunhas oculares de sua morte e sepultamento. Foram as primeiras a
irem ao túmulo, mesmo correndo perigo de vida.
Onde encontraram tanta coragem se viviam sob um regime de total
repressão à mulher e se não tinham mais esperanças porque sabiam que ele havia
morrido? Encontramos explicação para estas questões, no entendimento de que
Maria Madalena e as outras mulheres que seguiram Jesus absorveram e se
apropriaram da ética por ele ensinada, que não faz acepção de pessoas, não
estabelece diferença de gênero, nem de origem, nem de condição social, como
disse Paulo: “... não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho
nem fêmea; porque todos sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.28; Ef 6.9). Entenderam
assim, que eram livres para decidir por si mesmas, e agir segundo suas decisões,
segundo o seu próprio etos, com a coragem de assumir as implicações dos seus
atos, quer fossem de recompensa ou de punição.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
77
Segundo Ricoeur (2006, p. 206), “a função principal do discurso religioso (...)
é estabelecer, graças ao Evangelho, uma vida vivida para os outros, e (...) antecipar,
ética e politicamente, uma humanidade libertada”.
Ensina Foucault (2006), que a prática adotada na própria atividade do sujeito
transforma em etos, o discurso moral, filosófico e religioso, que ele considera como
verdadeiro. E este etos é uma escolha pessoal que implica necessariamente em
liberdade para formar e reforçar a coragem, na “resistência aos acontecimentos
exteriores, na capacidade de suportá-los sem sofrer, sem sucumbir, sem se deixar
vencer por eles; resistência aos acontecimentos exteriores, aos infortúnios, a todos
os rigores do mundo.” (FOUCAULT, 2006, p. 517).
Ensina Chaui que a ética possui uma dimensão valorativa e normativa que
se exercita nas paixões, nos desejos, nas ações e nos princípios. Na qualidade de
sujeitos éticos, tanto interiorizamos os valores e normas existentes por definição e
imposição da cultura e da sociedade, como também, somos capazes de criar novos
valores e normas. E continua:
Minha liberdade [...], é o poder fundamental que tenho de ser o
sujeito de todas as minhas experiências. Por atos de liberdade,
interpretamos nossa situação – valores, normas, princípios – e dessa
interpretação nasce em nós a aceitação ou a recusa, a interiorização
ou a transgressão, a continuação ou a criação (CHAI, 2001, p. 367).
Assim, do aprendizado com Jesus, as mulheres começaram a construir
novas regras de comportamento na busca do reconhecimento do seu papel
igualitário no contexto social. Os atos de Maria Madalena, narrados nos Evangelhos,
traduzem posicionamentos subjetivos de valores que caracterizam a consciência da
liberdade, no decidir, agir e assumir as sanções subseqüentes. Foucault argumenta
que a subjetividade diz respeito à vida, à maneira pela qual vemos o mundo através
da nossa própria experiência, quando nos descobrimos, nos revelamos a nós
mesmos, e nos transformamos, caminhando “em direção a uma meta ou uma
salvação, ao encontro de nossa própria perfeição” (FOUCAULT, 2006, p. 590). Para
ele, o moderno conceito de subjetividade apóia-se arqueologicamente na idéia cristã
de interioridade (apud PRADO Fº, 2007). A
colocação da subjetividade como objeto
para um discurso científico socialmente autorizado a enunciar verdades a respeito
de instâncias psicológicas, passa para os domínios da psicologia ganhando um
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
78
tratamento histórico, social e político no final do século XX. desde 1940, as
realidades psíquicas, a cognição, a mente, a consciência, mas também, as
percepções, as interpretações, e certa dimensão intrapsíquica, das emoções, do
desejo, do inconsciente, do comportamento, da personalidade, da individualidade,
constituem o "reino da subjetividade", passando a serem pensados cientificamente
como alternativa a uma problematização da identidade (PRADO Fº, 2007, p. 2-6).
4.3 O papel da mulher na formação do cristianismo primitivo
A declaração de Pedro que constitui a pedra basilar do reconhecimento pelo
catolicismo, de sua liderança no cristianismo – “E Simão Pedro, respondendo, disse:
Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo” (Mt 16.16) –, encontra ressonância em
declaração idêntica feita por Marta quando da morte de Lázaro, seu irmão: “Disse-
lhe ela [Marta]: Sim, Senhor, creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de
vir ao mundo” (Jo 11.27).
Na oração conhecida teologicamente como oração sacerdotal, Jesus roga
pela unidade da Igreja e declara que está enviando seus discípulos ao mundo para
proclamarem a sua palavra (Jo 17.18-20). E quando ressuscita, o primeiro discípulo
que ele envia é Maria Madalena, que é mandada aos Apóstolos para anunciar a
ressurreição (Jo 20. 17-18). – Esta comissão de Jesus para Maria Madalena é dada
na ocasião em que acontece o testemunho da ressurreição, e que famosos pintores
transportam para suas telas sob o título Noli me tangere –.
Admite Braga, que “o reconhecimento da igualdade das mulheres por Jesus
abriu caminho para que elas assumissem uma posição de liderança na Igreja
primitiva. As Epístolas de Paulo e os Atos dos Apóstolos são prova disso”. Na
formação da Igreja primitiva, as mulheres continuaram presentes e atuantes nas
comunidades como diaconisas, líderes, profetisas. Paulo as apresenta como
lutadoras pela divulgação do Evangelho: Evódia e Sintique (Fl 4, 2-3); Febe, Trifena,
Trifosa e Perside (Rm 16.1-2, 12), todas trabalharam arduamente na formação do
cristianismo, cedendo suas casas para servirem de templo, hospedando os
discípulos, proclamando a palavra. A Igreja em Filipe foi criada por uma comerciante
chamada Lídia, após sua conversão por Paulo (At 16.14-40). Os casais missionários
Áquila e Priscila, Andrônico e Júnia, eram cristãos antes de Paulo e figuras
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
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conhecidas entre os apóstolos. Priscila é citada em primeiro lugar, o que indica
proeminência e liderança (At 18.18, 26; Rm 16.3). Júnia foi presa com seu marido e
com Paulo e é chamada por este de apóstola – foi a única mulher a receber este
titulo no Novo Testamento (Rm 16.7).
Mas, apesar de Paulo fazer menção a muitas mulheres que o ajudaram na
evangelização dos gentios, contudo há em seus escritos alguns discursos
doutrinários sobre as mulheres, que tem provocado polêmicas no meio cristão, como
veremos a seguir.
4.4 – As doutrinas paulinas sobre a mulher
Tem sido motivo de discussão entre os eruditos, o fato de Paulo não
mencionar o nome de Maria Madalena e das outras mulheres, mas iniciar com o
nome de Pedro, o seu relato sobre as testemunhas da ressurreição de Jesus (1 Co
15.5), omitindo aquelas.
Pelo raciocínio que demonstraremos a seguir, provavelmente, havia em
Paulo idéias androcêntricas herdadas do judaísmo, incluindo o preceito legal que
proibia as mulheres de serem testemunhas.
Conforme Watson (1996), Paulo tinha dupla cidadania judaica e romana. Era
fariseu, e como tal, profundo conhecedor do cânon hebraico. Também conhecia a
literatura pagã e os cultos mitológicos que eram praticados na sua cidade natal,
Tarso, capital e principal cidade da Cilícia, localizada na atual Turquia (NOVETTI,
2008). Tendo sido o primeiro missionário a ser enviado às nações estrangeiras (At
13.1-4), a ele coube a missão de explicar filosoficamente, aos gentios, o fenômeno
da ressurreição e o significado da salvação proclamada por Jesus, em todos os seus
aspectos – metafísico, antropológico e sociológico –, como também ensinar as
regras morais e sociais que deveriam ser adotadas por aqueles que se
convertessem ao cristianismo, as quais, viriam a compor posteriormente –
juntamente com as epístolas de Pedro e de João –, os fundamentos doutrinários a
serem seguidos pelos cristãos.
Justifica-se a necessidade da construção de um corpo de textos doutrinários
para o cristianismo, tendo em vista que para ele convergiam pessoas oriundas das
mais diferentes culturas, algumas das quais alicerçadas em costumes contrários à
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
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moral cristã em formação – como se vê em 1 Co 5.1: “Geralmente se ouve que há
entre vós fornicação, e fornicação tal, qual nem ainda entre os gentios, como é haver
quem abuse da mulher de seu pai” –, e outras trazendo discussões filosóficas que
combatiam os ensinamentos de Paulo, conforme deixa entender na sua epístola aos
colossenses: “Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de
filosofias e vãs subtilezas, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo”
(Cl 2.8). Provavelmente, foram razões como estas, que motivaram Paulo a elaborar
os primeiros textos do Novo Testamento.
Entretanto, observa-se nos seus escritos que Paulo teve o cuidado de
identificar nas doutrinas que ensinava como modelo de comportamento a ser
seguido pelos cristãos, o que era mandamento que ele recebera por revelação de
Deus, o que era pensamento pessoal dele, e o que era imposição da lei.
A forma de linguagem que ele aplicava para mostrar que a doutrina que
estava sendo ensinada era procedente de revelação divina é encontrada, por
exemplo, no modo como ele começa a instrução sobre a ceia que os cristãos devem
celebrar em memória da morte de Cristo: “Porque eu recebi do Senhor o que
também vos ensinei” (1 Co 11.23); ou nos seus ensinamentos sobre o cerne da
mensagem cristã: “Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que
Cristo morreu por nosso pecados, segundo as Escrituras” (1 Co 15.3).
A forma de linguagem por ele usada para demonstrar que a doutrina que
estava sendo ensinada representava o seu entendimento pessoal, a sua própria
opinião, portanto, oriundos da sua cultura são encontrados em frases onde existem
expressões como: “digo eu”, “ordeno”, “dou o meu parecer”, “segundo o meu
parecer”, e até mesmo “digo eu, não o Senhor”, como se vê em 1 Co 7.1-17, 25, que
registra as doutrinas de Paulo com respeito ao casamento, conforme evidenciamos
no quadro a seguir:
LIVRO PERÍCOPE DOUTRINAS PAULINAS SOBRE O CASAMENTO
1 Coríntios 7.1-5 Ora, quanto às coisas, que me escrevestes, bom seria que o
homem não tocasse em mulher; Mas, por causa da prostituição,
cada um tenha a sua própria mulher, e cada uma tenha o seu
próprio marido. A mulher não tem poder sobre o seu próprio corpo,
mas tem-no o marido; e também da mesma maneira o marido não
tem poder sobre o seu próprio corpo, mas tem-no a mulher. Não
vos defraudeis um ao outro, senão por consentimento mútuo por
algum tempo, para vos aplicardes à oração; e depois ajuntai-vos
outra vez, para que Satanaz vos não tente pela vossa
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incontinência.
Idem 7.6-7 Digo, porém, isto como que por permissão e não por
mandamento. Porque quereria que todos os homens fossem como
eu mesmo; mas cada um tem de Deus o seu próprio dom; um
duma maneira e outro doutra.
Idem 7.8-9 Digo, porém, aos solteiros e às viúvas, que lhes é bom se ficarem
como eu. Mas, se não podem conter-se, casem-se. Porque é
melhor casar do que abrasar-se.
Idem 7.10-11 Todavia, aos casados, mando, não eu mas o Senhor, que a
mulher se não aparte do marido. Se, porém, se apartar, que fique
sem casar, ou que se reconcilie com o marido, e que o marido não
deixe a mulher.
Idem 7.12-14 Mas aos outros digo eu, não o Senhor: Se algum irmão tem
mulher descrente, e ela consente em habitar com ele, não a deixe.
E se alguma mulher tem marido descrente, e ele consente em
habitar com ela, não o deixe. Porque o marido descrente é
santificado pela mulher; e a mulher descrente é santificada pelo
marido; doutra sorte os vossos filhos seriam imundos; mas agora
são santos.
Idem 7.15-17 Mas, se o descrente se apartar, aparte-se; porque neste caso o
irmão, ou irmã, não está sujeito à servidão; mas Deus chamou-nos
para a paz. Porque, donde sabes, ó mulher, se salvarás teu
marido? ou, donde sabes, ó marido, se salvarás tua mulher? E
assim cada um ande como Deus lhe repartiu, cada um como o
Senhor o chamou. É o que ordeno em todas as Igrejas.
Idem 7.25 Ora, quanto às virgens, não tenho mandamento do Senhor; dou,
porém, o meu parecer, como quem tem alcançado misericórdia do
Senhor para ser fiel.
* todos os grifos presentes no quadro são da autora.
Quadro 11 - Doutrinas Paulinas sobre o casamento
Além destas formas de linguagem que Paulo aplicou para distinguir entre
ensinamentos revelados e ensinamentos resultantes do seu conhecimento cultural,
encontramos em apenas uma perícope paulina, uma construção diferenciada, onde
fica claro que a doutrina que estava sendo ensinada, não se tratava de revelação
divina dada para os cristãos, nem do pensamento pessoal de Paulo, mas procedia
de um preceito da lei. Vejamos: “As mulheres estejam caladas nas Igrejas; porque
lhes não é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei” (1 Co
14.34).
Esta perícope tem sido uma chave usada pelo clero eclesiástico para
impedir o desempenho de atividades de liderança por parte de mulheres no âmbito
do cristianismo. Entende Champlin (1982), que com esta declaração, Paulo estava
simplesmente transferindo para a Igreja cristã, algumas idéias que trouxe do
judaísmo, no que diz respeito à mulher.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
82
Mas, antes de prosseguirmos esta discussão, precisamos abrir um
parêntese para um importante esclarecimento que, entendemos, ajudará a elucidar a
matéria:
Desde o início do seu trabalho de evangelização aos gentios, Paulo sofreu
reprimendas por parte de alguns judeus que exigiam que todos que se
convertessem ao cristianismo deveriam cumprir a lei mosaica. Paulo decidiu levar o
problema para discussão em Jerusalém, onde foi realizado o primeiro concílio do
cristianismo, estando presentes todos os líderes cristãos – apóstolos e anciãos,
entre os quais, Paulo, Pedro, Barnabé, e Tiago, irmão de Jesus –, tendo sido
decidido por unanimidade, que os gentios não deveriam cumprir a lei, mas abster-se
dos ídolos, da prostituição e dos animais sacrificados aos ídolos (At 15.1-31). E
coube ao próprio Paulo levar a carta assinada pelos Apóstolos contendo a decisão
do concílio, para as Igrejas que estavam sendo formadas nas nações gentílicas.
Quando este concílio foi realizado, Paulo ainda não tinha visitado a cidade
de Coríntios, localizada na Grécia meridional, a 64 km ao sudoeste de Atenas
(Watson, 1993). Então perguntamos: se já estava decidido pelo Concílio que os
gentios não deveriam cumprir a lei, porque as imposições da lei judaica, relativas às
mulheres deveriam ser cumpridas pelas mulheres gentias de Coríntios? Não seria
isto uma evidência de que Paulo ainda se deixava influenciar pela cultura
androcêntrica do judaísmo?
A partir desta evidência, procedemos a uma análise mais detalhada nas
perícopes doutrinárias de Paulo sobre os comportamentos que deveriam ser
adotados pelas mulheres, e verificamos que elas guardam analogia com as
doutrinas patriarcais do judaísmo, bem manifestas em expressões tais como: “a
mulher não fale na Igreja”, “não ensine”, “esteja sujeita ao marido”, “reverencie o
marido”, como se pode constatar nas próprias perícopes expostas no seguinte
quadro:
LIVRO PERÍCOPE DOUTRINAS PAULINAS SOBRE AS MULHERES
1 Coríntios 14.34-35 As mulheres estejam caladas nas Igrejas; porque lhes não é
permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei.
E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus
próprios maridos; porque é indecente que as mulheres falem na
Igreja.
1 Timóteo 2.9 – 15 Que do mesmo modo as mulheres se ataviem em traje honesto, com
pudor e modéstia, não com tranças, ou com ouro, ou pérolas, ou
vestidos preciosos, Mas (como convém a mulheres que fazem
profissão de servir a Deus) com boas obras. A mulher aprenda em
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
83
silêncio, com toda a sujeição. Não permito, porém, que a mulher
ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em
silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não
foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão
Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer com modéstia
na fé, na caridade e na santificação.
Colossenses 3.18 Vós mulheres, estai sujeitas a vossos próprios maridos, como
convém no Senhor. Vós maridos, amai a vossas mulheres, e não vos
irriteis contra elas.
Efésios 5.22-24 Vós, mulheres sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor;
Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a
cabeça da Igreja; sendo ele próprio o salvador do corpo. De sorte
que, assim como a Igreja está sujeita a Cristo, assim também as
mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos.
Efésios 5.33 Assim também vós cada um em particular ame a sua própria mulher
como a si mesmo, e a mulher reverencie o marido.
Tito 2.3-5 As mulheres idosas, semelhantemente, que sejam serias no seu
viver, como convém a santas, não caluniadoras, não dadas a muito
vinho, mestras no bem; Para que ensinem as mulheres novas a
serem prudentes, a amarem seus maridos, a amarem seus filhos, A
serem moderadas, castas, boas donas de casa, sujeita a seus
maridos, afim de que a palavra de Deus não seja blasfemada.
* todos os grifos presentes no quadro são da autora.
Quadro 12 - Doutrinas paulinas sobre as mulheres
A partir do pressuposto de ser verdadeiro este juízo, de que Paulo trouxera
para o cristianismo, os conceitos androcêntricos do judaísmo, é possível
compreender que dificilmente aquele apóstolo iria mencionar Maria Madalena como
testemunha da ressurreição de Jesus. Mesmo sabendo que foi Maria Madalena
quem anunciou aos apóstolos o fenômeno da ressurreição, a cultura androcêntrica
que trazia dentro de si, resultante dos muitos anos a serviço do judaísmo o
impediam de declarar uma mulher como testemunha do fenômeno que constituiu a
razão de toda esperança de Paulo, conforme podemos entender nesta perícope: “Se
esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens.
Mas agora Cristo ressuscitou dos mortos, e foi feito as primícias dos que dormem” (1
Co 15.19,20).
É provável que tenha sido o silêncio paulino sobre o testemunho de Maria
Madalena, que levou João a registrar no quarto Evangelho, décadas depois de
Paulo, todo o detalhamento de como se deu o encontro entre Maria Madalena e
Jesus após a ressurreição.
4.5 A formação do cânon do Novo Testamento
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
84
A crença na ressurreição de Jesus, da qual Maria Madalena se constituiu a
primeira testemunha, foi dogma sempre aceito pela Igreja cristã. Entretanto, a
história registra que desde o princípio do cristianismo, surgiram movimentos
contrários a este entendimento, que apresentaram diferentes interpretações para o
fenômeno, no que diz respeito às naturezas divina e humana de Jesus, e as
manifestações sobrenaturais que marcaram a sua existência. Conforme Eliade, “A
partir do século II, a teologia cristã teve de defender a historicidade de Jesus
simultaneamente contra os docetistas e os gnósticos, bem como contra os filósofos
pagãos” (ELIADE, 2006, p.141). Em 137, Marcion, de Sinope, na Ásia Menor,
fundador de uma escola gnóstica rival da Igreja, negou a encarnação de Jesus,
declarou sua rejeição ao Deus do Velho Testamento, recusou os escritos do Novo
Testamento, e aceitou somente a versão por ele modificada do Evangelho de Lucas,
bem como os escritos de Paulo, a quem identificou como o único e verdadeiro
apóstolo de Cristo (MARTINEZ, 2007, p. 1). “Marcião foi o primeiro cristão (...) a ter
produzido um ‘cânon’ real das Escrituras – ou seja, uma seleção de livros que,
segundo ele, constituíam a lista do texto sagrado da fé” (EHRMAN, 2006, p. 44).
Além destes, e até o III século, outros grupos gnósticos se levantaram, mas
sempre apresentando polêmicas sobre a natureza humana e divina de Jesus: os
Docetistas no século II e os Maniqueus no século III negaram a realidade do seu
corpo humano (FERREIRA, 2003, p.110). Entende Walker que “essas opiniões
primitivas provinham mais da tentativa de explicar a aparente contradição entre o
Jesus da história e o Cristo da fé” (WALKER, 1980, p. 80). E explica: “Tão grande
era o contraste entre a vida terrena de humilhação e a preexistência e pós-existência
em glória, que a solução mais simples para o problema cristológico poderia ter sido
a negação total da realidade da vida terrena do Cristo” (WALKER, Idem). Tais
controvérsias “fizeram pressão para que fossem identificados não apenas as
crenças teológicas centrais dos cristãos, mas também seus documentos
fundamentais” (BOCK, 2004, p. 124), conduzindo assim à formação do cânon do
Novo Testamento, e gerando sólidas bases para a divulgação da doutrina herdada
da Igreja primitiva:
Segundo o fragmento Muratoriano, por volta do ano 200, o
cristianismo ocidental dispunha de um cânon do Novo Testamento,
que compreendia: Mateus, Marcos, Lucas, João, Atos, I e II
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
85
Coríntios, Efésios, Filipenses, Colossenses, Gálatas, I e II
Tessalonicenses, Romanos, Filemon, Tito, I e II Timóteo, Judas, I e II
João, Apocalipse e o assim chamado Apocalipse de Pedro. No
Oriente, o desenvolvimento do Cânon não foi tão rápido. Alguns
livros, como Hebreus e Apocalipse, foram centro de discussão.
(WALKER, 1980, p. 89).
Portanto, no ano 200, a Igreja localizada no ocidente, já dispunha de uma
coleção autorizada de livros do Novo Testamento, em linhas gerais igual à nossa, à
qual podia recorrer. A formação do cânon consistiu num processo de seleção entre
os muitos documentos que compunham um grande conjunto de literatura cristã.
Afirma Walker que esta primeira seleção não foi realizada por um concílio, mas sim
pela força da opinião cristã. O critério para a escolha consistiu no pressuposto de
que os livros reconhecidos fossem considerados escritos por um apóstolo, ou por
um discípulo imediato de um apóstolo, representando, assim, ensino apostólico
(Idem, p. 89).
Em sua obra Quebrando o Código Da Vinci, no capítulo que versa sobre a
escolha dos quatro Evangelhos: raízes apostólicas como base para a verdade, o uso
difundido e a ameaça de falso ensinamento, ensina Bock que em todas as citações
dos documentos dos séculos II e III, já prevalecia à posição privilegiada dos quatro
Evangelhos escolhidos. A existência de visões contraditórias da fé foi muito
importante porque motivou a formação do cânon. Os trabalhos dos teólogos do
século II, como Irineu, e do século II, como Tertuliano, mostram claramente que a
existência de grupos liderados por Marcion (140 d.C.), Montanus (170) e Valentinus
(c.a. 100-175 d.C.), pressionaram “para que fossem identificados não apenas as
crenças teológicas centrais dos cristãos, mas também seus documentos
fundamentais”. As listas dos livros recebidos pela Igreja datam deste período, e
trazem escrito o reconhecimento de quais livros eram aceitos pela Igreja e quais
eram lidos em serviços religiosos. Até o advento da imprensa, estes livros eram lidos
em serviços religiosos. Dentre estas listas se encontra, o denominado Cânone
Muratoriano, que é uma obra latina descoberta pelo historiador Ludovico Antonio
Muratori no ano de 1740: “A lista possui 85 linhas e contêm fraturas no início, as
lacunas típicas encontradas em textos antigos” (autor, ano e página). O manuscrito
encontrado, cópia do documento original, parece datar do VIII século. O documento
faz referência à criação do Pastor de Hermes, e ao fato de que Pio I havia se
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
86
tornado bispo (157 d.C.), numa provável indicação de que a lista original foi
elaborada no final do século II. (BOCK, 2004, p. 124-125).
Através da realização de Concílios ecumênicos, todos os movimentos rivais
foram considerados heréticos, e fortemente rechaçados pela Igreja, com a
excomunhão dos seus líderes. Da luta contra as heresias combatidas no século II,
formou-se a Igreja Católica, com seus dogmas e sua forte organização episcopal.
Diferia em muito da Igreja apostólica, mas conseguiu preservar o cristianismo
histórico e atravessar a tremenda crise. No entendimento de Walker, “difícil é supor
que uma organização menos rígida do que a que se desenvolveu no século II
pudesse ter obtido tal sucesso” (WALKER, 1980, p. 89). Segundo o Dicionário
Encarta (2001),
Por volta do século III, o gnosticismo começou a ocultar-se
diante da oposição e perseguição cristãs. Além disto, conforme
a teologia e o dogma iam se desenvolvendo, os ensinamentos
gnósticos começaram a parecer estranhos e muitos seguidores
converteram-se às crenças ortodoxas (ENCARTA, 2001).
Além do gnosticismo e outras correntes que foram rechaçadas e
classificadas de heréticas, a Igreja também enfrentou um problema mais grave que
era o da sua relação com o Estado, principalmente porque os cristãos se recusavam
a adorar o Imperador, prestar serviço militar e desempenhar funções públicas. As
ferozes perseguições promovidas pelo Império foram muitas, e intermitentes. Mas, a
cada uma delas a Igreja saía mais fortalecida e rigidamente organizada.
No final do III século o Império estava ameaçado de ruir pelas invasões
bárbaras e lutas intestinas. Os adoradores dos deuses pagãos atribuíam aos
cristãos os conflitos que sobrevieram a Roma, por entenderem que os deuses
deixaram de proteger os romanos por estarem insatisfeitos ao verem que uma parte
da população – os cristãos – não os adoravam. Em 303 d.C., três grandes editos de
perseguição promulgados por Diocleciano, ordenavam a destruição das Igrejas, o
confisco dos livros sagrados e o aprisionamento do clero, que era forçado a oferecer
sacrifícios mediante torturas. Em 304, um novo edito estendia a todos os cristãos a
obrigação de oferecer sacrifícios aos deuses. Cresceu o número de mártires, como
também de apóstatas. Entretanto, em 311, após o afastamento voluntário de
Diocleciano, Galério, Constantino e Licínio promulgaram um edito de tolerância para
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
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com os cristãos impondo a condição de que não houvessem práticas abusivas
contrárias à disciplina.
Em seguida, Roma se viu diante de quatro concorrentes ao trono imperial,
sendo Constantino um deles, o qual, desejando reunificar o Império aliou-se aos
cristãos, mandando pintar o símbolo de Cristo no seu elmo e nos escudos de todos
os soldados. E assim foi à guerra e venceu. A partir de então, a Igreja passou a
gozar dos privilégios oferecidos pelo Estado. Depois de muitas tentativas violentas e
inúteis de destruir os cristãos, em 313, reconhecendo o Império Romano que o
cristianismo constituía uma poderosa organização lhe concede a igualdade de direito
outorgada a todas as outras religiões, e, no final do IV século o transforma na
religião oficial do Estado. E logo em seguida, o Império se divide em duas partes:
Império Romano do Ocidente e Império Romano do Oriente.
Em 451, realizou-se em Bitínia, na Ásia Menor, o Concílio de Calcedônia,
que tentou dar um ponto final a todas as controvérsias heréticas, elaborando o credo
onde é declarada oficialmente a crença cristã na dualidade humana e divina de
Jesus (WALKER, 1980, p. 200).
Em 476 d.C. o Império Romano do Ocidente sucumbiu sob os Germanos.
Durante toda a Idade Média, a partir da conversão dos bárbaros ao catolicismo, e
desde 476, quando deixou de existir autoridade imperial no ocidente, a Igreja
Católica tornou-se a Instituição mais importante de toda a Europa, e considerada a
legítima representante de Deus na Terra. Unificou a religião européia sob a sua
denominação, tornando-se a guardiã dos valores espirituais e morais da cristandade,
bem como, mediadora e disciplinadora das normas de vida. Para divulgar o
cristianismo, fundou escolas e administrou-as. E para dar consistência lógica à
doutrina cristã na luta contra as heresias, os padres da Igreja tentaram conciliar a
revelação bíblica com a Filosofia. Assim, do século II ao século VIII, o pensamento
filosófico esteve sob a influência judaico-cristã da Filosofia Patrística (conhecimento
transmitido pelos padres). E do século IX ao XVI, fundaram-se as Universidades e o
ensino passou à influência da Filosofia Escolástica. Dessa forma, por mais de um
milênio a Igreja católica manteve no ocidente a hegemonia e monopólio do
conhecimento, da cultura, da ordem moral, da política e da economia.
Entretanto, ao final do século XI, surgiu na França, sob o nome de
catarismo, do grego katharos, que significa puro, um novo movimento formado por
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
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um sincretismo cristão, gnóstico e maniqueísta, manifestado em extremo ascetismo,
e que foi considerado herético pela Igreja. Para combatê-lo a Igreja promoveu a
Cruzada Albigense que os aniquilou completamente. Este novo movimento herético
fez surgir no catolicismo instrumentos oficiais de combate às heresias, como a
Inquisição e o livro hagiográfico A Legenda Áurea, que é um dos textos abordados
em nossa pesquisa.
Em artigo publicado na Internet, intitulado A Canonicidade do Novo
Testamento, Pickering (2006 p. web), divulga uma lista dos argumentos históricos
mais relevantes que asseguram a confiabilidade dos Livros do Novo Testamento.
Consta a lista de 18 itens e inicia-se enunciando que os autores humanos do texto
bíblico tinham consciência de que estavam escrevendo a Bíblia ou um texto de
grande autoridade. Assim como seus contemporâneos também o sabiam. Os líderes
do cristianismo desde os séculos I e II, como dos seguintes, “utilizaram e citaram
material neotestamentário lado a lado com material do A.T. como sendo Palavra de
Deus”. Sendo assim, tomaram para si a tarefa de zelar por esse conhecimento e de
vigiar seu processo de transmissão. Chega a afirmar textualmente que “dispomos de
declarações cabais dessa preocupação a partir do próprio N.T. (Apoc. 22:18-19)”. A
existência de cópias se fazia necessário porque “era costume nas congregações
cristãs, quer na cidade quer no campo, ler tanto o N.T. como o A.T. cada domingo.
Como o processo da cópia manuscrita pode gerar equívocos involuntários, no início,
a tarefa da conferência seria possível, comparando-se a cópia com o Autógrafo.
Estes, ao que tudo indica, se encontravam em números que variavam entre, não
menos que 18 e talvez até 24 dos 27 Autógrafos (2/3 a 8/9) que se encontravam na
Grécia e Ásia Menor, conhecida como região Egéia. Região esta, onde a Igreja mais
prosperou, e "se tornou o eixo da Igreja até o 4º século (pelo menos)”. Vale recordar
que o saque à Jerusalém se deu em 70 d.C. Significando que os originais que
provavelmente lá existissem teriam sido levados para a Antioquia, ou locais mais
distantes. Lembra-nos ainda o autor que “foi também nessa área que a língua Grega
foi mais usada, e durante mais tempo”. Pois era língua oficial do império bizantino.
E, que a Ásia Menor foi caracterizada também “por uma mentalidade conservadora
quanto ao Texto Sagrado; na Antioquia surgiu uma escola de interpretação
literalista (por formação um literalista é obrigado a se preocupar com a exata
redação do texto, pois sua interpretação se prende a ela)”.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
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Resulta daí que até o ano 300 havia um fluxo de cópias cada vez maior,
consideradas de boa qualidade, e fidedignas pois provinham da região Egéia para
serem distribuídas para o mundo cristão. Foi então que Diocleciano iniciou sua
campanha em 303 objetivando
“...destruir os MSS do N.T. Sendo que a perseguição
mais
ferrenha se deu exatamente na região Egéia, teria sido uma
oportunidade perfeita para os tipos de texto existentes no Egito
e na Itália conquistarem espaço maior no fluxo da transmissão
do Texto, fossem considerados aceitáveis ou viáveis. Mas não
aconteceu; os grandes pergaminhos , B e D não têm "filhos"
— ninguém quis copiar semelhante texto”.
Essa campanha, acabou ter um efeito purificador na transmissão. Sendo os
MSS menos preciosos e menos respeitados os primeiros a serem entregues à
destruição, restariam os exemplares mais cotados e respeitados. Estes seriam
conservados e protegidos para suprir a Igreja de cópias confiáveis: “O movimento
Donatista girou em torno da punição merecida pelas pessoas que entregaram seus
MSS (entre outras coisas)”. A exemplo de outras passagens históricas, muitos
foram os que não quiseram entregar, e outros tantos o fizeram mas sofreram
discriminação.
Conclui dizendo que o fluxo de transmissão de texto que dominou o à partir
do século IV foi o tipo Bizantino. Até os nossos dias, as Igrejas Ortodoxas do Oriente
utilizam esse tipo de texto. Somente em meados do século IX é que aconteceu um
"movimento" (parece que foi mais ou menos espontâneo) no sentido de mudar o
estilo de grafia de letras maiúsculas (unciais) para cursivas (minúsculas)”. E que,
“Dos MSS gregos existentes hoje (do N.T.), uns 95% trazem o
texto "Bizantino" e os outros 5% são um tanto heterogêneos (o
erudito Frederic Wisse fez uma comparação minuciosa de
1.386 MSS gregos nos capítulos 1, 10 e 20 de Lucas e chegou
à conclusão de que apenas oito deles representavam o tipo de
texto egípcio, geralmente chamado "Alexandrino" em nossos
dias—oito contra 1.375!!!)”.
Em 1453, após 1000 anos de sobrevivência do Império Romano do Oriente,
sua capital Constantinopla é tomada pelos turcos otomanos, terminando assim o
antigo Império. Urgia a necessidade de se descobrir um novo caminho para as
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
90
Índias, e neste empenho chegou-se às Américas. A história da humanidade
começou a tomar novo rumo, que se refletiu também na história da religião
dominante, a partir das mudanças surgidas no período do Renascimento.
Este foi um breve relato de como se formou o cânon do Novo Testamento e
como foi instituída a Igreja Católica. A partir de agora iremos investigar como foi
obstruído o exercício de liderança feminina na Igreja, e como se desenvolveu o mito
da Eva redimida no âmbito do catolicismo, como representação de Maria Madalena.
4.6 - O óbice para o exercício de liderança feminina na Igreja católica
Na fase de sua formação, o cristianismo não podia ocupar o espaço público
porque era uma religião perseguida, proibida pelo Estado. As suas reuniões
aconteciam em lugares reservados, nos interiores das casas ou em catacumbas.
Segundo Biserra, o espaço privado “pertencia às mulheres, logo, elas foram
fundamentais para o novo grupo. Como patronas, fundadoras de comunidades,
diaconisas, presbíteras, apóstolas, profetizas” (BISERRA, 2008, p. web).
Em sua Dissertação, afirma o autor, que no cubiculum de Velatia, nas
catacumbas de Santa Pricila, em Roma, foram encontrados indícios da importância
do trabalho das mulheres no crescimento da Igreja primitiva, através de uma pintura
que data do III século, de uma mulher com véu rezando com as mãos levantadas e
usando uma estola sacerdotal, e que está identificada como “Theodora Episcopa”,
forma feminina da palavra latina episcopus – bispo (BISERRA, 2008, p. web). O
autor faz ainda referência a outros afrescos de mulheres presidindo reuniões cristãs,
e afirma que a mãe do Imperador Constantino foi um exemplo da importância do
trabalho das mulheres nos primeiros séculos do cristianismo, uma vez que foi
através dela que o seu filho veio a se “converter” (Idem).
Em 323 d.C. Constantino se torna o único Imperador de Roma, e a Igreja
adquire a liberdade de culto, iniciando o seu processo de estatização, sob as
benesses do Imperador. Mas, à medida que a Igreja foi se estatizando, tornando-se
pública, o discurso oficial com relação às mulheres foi se tornando cada vez mais
excludente e misógino. De acordo com Braga, “o patriarcalismo do mundo greco-
romano constituiu, no entanto, um óbice para a afirmação da liderança feminina na
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91
Igreja cristã primitiva. Nos dois mil anos seguintes, o ideal de Jesus de incluir as
mulheres foi postergado”. (BRAGA, 2007, p. web). Segundo Shuster,
Com a assistência do império romano, a liderança da Igreja tornou-se
uma hierarquia, a qual se afastou de suas origens familiares, caindo
na mentalidade romana de uma classe governante que estava acima
do povo na rua. (...) A Igreja adotou a prática romana de permitir que
somente os homens mantivessem a autoridade institucional
(SHUSTER, 2008, p. web).
Esta concepção discriminatória da mulher, assegurada pelo cristianismo,
permitiu a manutenção dos homens no poder, porque “fornecia uma segurança
baseada na distância ao clero celibatário, legitimou a submissão feminina e sufocou
qualquer tentativa de subversão da ordem estabelecida pelos homens”
(CARVALHO, 2008, p. web). A partir daí, doutrinas paulinas de repressão à mulher
no que diz respeito ao trabalho eclesiástico começaram a ser observadas.
Neste contexto, os clérigos passaram a tomar medidas para obrigar as
mulheres, que haviam sido tão importantes no estabelecimento do cristianismo, a
voltarem ao seu espaço doméstico (BISERRA, 2008). E uma das vias encontradas
para efetivar o seu afastamento do espaço clerical, foi se espelhar nas restrições da
Lei para as mulheres durante o ciclo menstrual, ainda que de forma mais sutil e mais
moderada.
Segundo Ranke~Heinemann (1996), a doutrina católica da proibição da
mulher de participar da comunhão estando menstruada, teve início em Alexandria no
III século. O Patriarca Dionísio de Alexandria (248 e 265), afirmou que a mulher
devota, pia, que estivesse menstruada, nunca pensaria se aproximar do altar nem
participar da comunhão. Em alguns casos a comunhão era proibida para mulheres
menstruadas, em outros era permitida.
O Papa Gregório Magno (590-604), não impedia as mulheres de irem à
Igreja ou de receberem a comunhão, mas elogiava as que se abstinham da
Eucaristia nesse período. A exigência era maior para as mulheres de parto, porque
tinham que se purificar antes de ter acesso ao templo, ou seja, tinham que se postar
ou se ajoelhar do lado de fora da porta da Igreja, e só depois da purificação solene
com água-benta e com a oração do padre poderia ser introduzida no templo. Há o
registro de que no povoado de Deckenpfronn, em Floresta Negra, as mulheres
menstruadas eram mesmo proibidas de entrar na Igreja, ficando do lado de fora do
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
92
templo, postadas como criminosas, junto ao pelourinho. E ainda, que as diaconisas
ordenadas pela Igreja eram expulsas do seu lugar na liturgia e que não têm mais
acesso ao altar. (RANKE~HEINEMANN, 1996).
Escrevendo sobre a desigualdade reservada ao sexo feminino, afirma
Ribeiro que ela remonta muito além dos primeiros cristãos, “que o próprio contexto
sociocultural terá influenciado, e continuará decerto a influenciar, boa parte do
discurso oficial da Igreja, e das interpretações do mesmo, no que diz respeito ao
feminino” (RIBEIRO, 2008, p. web)
O androcentrismo introduzido no cristianismo pela doutrina paulina
encontrou fortalecimento nas filosofias platônica, aristotélica, estóica, pitagórica e
gnóstica, onde a desconfiança sobre a carne estava intrinsecamente ligada à figura
feminina e ao prazer sexual, sendo o gnosticismo considerado por
Ranke~Heinemann, o mais perigoso para o cristianismo, porque viam o corpo
humano como um “cadáver com sentidos, o túmulo que carregamos conosco. O
mundo não vem das mãos de um Deus bom, mas de demônios. A alma (...) é
capturada pelos poderes demoníacos e banida para este mundo de trevas”
(RANKE~HEINEMANN, 1996, p. 27). Este entendimento gnóstico de que o corpo e
a alma eram endemonizados consistia num protesto veemente contra a idéia de que
a vida é boa, e não tinha correspondente em nenhuma outra filosofia, era exclusivo
do gnosticismo. Mas conseguiu influenciar o neoplatonismo na sua exigência de
uma vida de abstinência para os seus seguidores, alcançando por esse ramo
filosófico o cristianismo agostiniano no início do Século V (Idem).
O ideal da castidade pela supressão do ato sexual foi implantado pela Igreja
Católica através do livro apócrifo de Tobias, inserido na tradução latina da Bíblia,
denominada Vulgata, elaborada no Século IV por Jerônimo, onde foi inserida uma
oração em que o personagem Tobias pede permissão a Deus para ter relações
sexuais com sua esposa, justificando seu pedido no fato de desejar ter filhos, ou
seja, desejava fazer sexo apenas para fins de procriação, não para ter prazer
(Idem).
Em conformidade com Shuster, a abstinência sexual praticada pelos
romanos antes de uma batalha ou de eventos esportivos foi igualmente adotada
pelos padres antes das celebrações litúrgicas. E, numa atitude contra a mulher, a
sexualidade e a instituição da família, o Papa Damásio (366-383) proibiu os padres
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
93
casados de se relacionar sexualmente com suas esposas. O Papa Sirício (384-399)
abandonou a própria esposa e os filhos, e decretou que nenhum dos padres poderia
continuar casado; Santo Agostinho, em 401, escreveu que nada teria mais poder de
neutralizar as forças de um homem, do que a carícia de uma mulher (SHUSTER,
2008, p. web). Estava assim reconhecida e sedimentada a misoginia católica.
Entretanto, a palavra de maior peso para consagrar o celibato no clero
romano em discriminação à mulher, veio do Papa Gregório Magno (590 a 604),
através da sua sentença máxima: “O prazer nunca se dá sem pecado”
(RANKE~HEINEMANN, 1996, p. 194).
Foi este mesmo Papa que estigmatizou Maria Madalena como prostituta, ao
confundi-la com várias mulheres, inclusive a mulher pecadora mencionada no sétimo
capítulo do Evangelho de Lucas, e que serviu de pressuposto, no âmbito do
catolicismo, para o desenvolvimento do símbolo da Eva redimida como
representação de Maria Madalena conforme relataremos a seguir:
4.7 - O símbolo da Eva redimida
Das muitas mulheres mencionadas no Novo Testamento, Maria Madalena é
a única, que se imagina, teria sido totalmente independente, dona de si mesma. As
citações nas Escrituras sobre outras mulheres, sempre as associam a algum
homem, seja o pai, o marido ou mesmo um filho. Maria Madalena, não! Segundo
Sebastiani, o não pertencer a nenhum homem constituiu o elemento básico para se
estabelecer o enigma em torno do seu nome. O completo silêncio bíblico a respeito
de sua vida particular, associado às revelações de que Jesus expulsou dela sete
demônios, e que ela o viu ressuscitado, vinculou para sempre os seus nomes e fez
surgir para o culto e a memória da personagem, múltiplas representações míticas,
imagéticas, simbólicas e arquetípicas.
...um dos elementos básicos do enigma de Madalena consiste
precisamente no fato de não pertencer a nenhum homem; não pode
ser posta em relação com nenhum homem a não ser com Jesus. Daí
vieram intuições e especulações sem fim, antigas e modernas,
teológicas e romanescas, [...]. A singularidade, em todo caso, deve
ser revelada, até porque, no curso dos séculos, o mito da pecadora
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
94
se apoiou em outro sobre esta ausência de laços familiares
garantidos. (SEBASTIANI, 1995, p. 39).
O primeiro nome da personagem vem sempre seguido do seu segundo
nome para diferenciá-la das demais mulheres citadas nos Evangelhos canônicos e
que também se chamavam Maria, como a mãe de Jesus, a mãe de Tiago, e Maria
de Betânia, entre outras. O seu segundo nome, Madalena, ou Magdalini em grego,
tratava-se de um topônimo, significando que ela era natural de Magdala, ou Mejdel.
Segundo descobertas arqueológicas, e narrações que se encontram nos escritos de
Flavius Josefus e outros, o local é descrito como tendo sido uma rica cidade
comercial, que tinha a pesca como sua principal fonte de renda, e que mantinha
contactos comerciais com o mundo helênico. Estava situada no lado noroeste do
lago da Galiléia. (VALTER, 2006, p.web).
Esta lacuna na identificação de Maria Madalena tornou a personagem alvo
de especulações sobre o seu papel junto ao sepulcro na cena da ressurreição,
assim como foi alvo de discussões clericais a definição teológica sobre o papel da
Virgem Maria no contexto da história da salvação:
¾ Em 150 d.C., Tertuliano de Cartago (150-222), através do tratado De
Pudicitia, identificou Maria Madalena, Maria de Betânia e a pecadora do capítulo
sétimo de Lucas como uma mesma pessoa (CHAMPLIN, 1982). Dele procede a
afirmativa de que Maria, a mãe de Jesus, era perpetuamente virgem (WALKER,
1980).
¾ Em 185 d.C., Irineu de Lion distingue em seus escritos as três mulheres –
Maria Madalena, Maria de Betânia e a pecadora de Lucas (CHAMPLIN, 1982);
¾ Hipólito de Roma (170-235 d.C.) compara Maria Madalena à noiva de
Cantares e a intitula Apóstola dos Apóstolos. Escrevendo sobre o livro de Cantares,
ressalta o amor espiritual da personagem por Cristo, “comparando a busca da
Amada pelo Amado no poema de Salomão com a busca de Madalena por Jesus no
sepulcro e no Jardim.” (ARAÚJO, 2007).
¾ No início do III século, Orígenes de Alexandria (185-254) discutiu a
possibilidade das três personagens – Maria Madalena, Maria de Betânia e a
pecadora de Lucas 7 – serem a mesma mulher, mas rejeitou essa identificação
(STEFANO, 2008).
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
95
¾ Em 431 é realizado o Concílio de Éfeso, na Ásia Menor, para combater o
nestorianismo, sendo Maria, a mãe de Jesus, declarada mãe de Deus – Teotokos.
Desde então a Virgem Maria é elevada à categoria de primeira entre os seres
criados e a principal entre todos os santos, passando em seguida a “ocupar o lugar
de seu Filho como mediadora entre Deus e o homem.” (WALKER, 1980, p.223).
A declaração clerical da Virgem Maria como mãe de Deus, associada à
argumentação de Paulo a Timóteo, de que primeiro foi formado Adão, e depois Eva,
e que ela é que foi enganada, não Adão, ela é que caiu em transgressão, não o
homem, e que a salvação para a mulher estaria em ter filhos e permanecer em
modéstia, caridade e santificação (1 Tm 3.13-15), levou as autoridades eclesiásticas
a construírem uma visão da mulher, em que apresentavam Eva como a culpada pelo
pecado original, a tentadora; a Virgem Maria como a mulher que deu ao mundo o
Salvador e redentor dos pecados, e Maria Madalena, como a pecadora resgatada,
símbolo da Eva redimida.
Como já mencionamos, o símbolo da Eva redimida conferido à Maria
Madalena surgiu como resultado da fusão de sua identificação como Prostituta e da
sua tipologia com a noiva descrita em Cantares. Na qualidade de prostituta, Maria
Madalena representou todas as mulheres, herdeiras da culpa de Eva pelo pecado
original. Na representação da Noiva descrita em Cantares, Maria Madalena
simbolizou a união entre o Deus de Israel e os seres humanos, através do perdão
dos pecados.
Essa dupla imagem de prostituta e noiva, que resultou no símbolo da Eva
redimida, inspirou famosos pintores a partir do Renascimento, gerando uma
multiplicidade de representações da personagem, algumas reproduzindo a cena da
ressurreição através das telas denominadas Nolo me tangere, em que ela
representa a tipologia da Noiva de Cantares e é retratada coberta por longas vestes,
outras, em pinturas como a pecadora penitente, onde ela aparece geralmente
vestida, mas ostentando sensualidade, e algumas outras, igualmente denominadas
a pecadora arrependida, Madalena penitente, ou simplesmente Madalena, retratam
a personagem nua ou seminua, pondo em evidência as características de Prostituta,
apesar do completo silêncio que faz a Bíblia sobre a vida particular da personagem,
sendo, portanto, criações do imaginário.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
96
No próximo capítulo abordaremos sobre as doutrinas gnósticas, o catarismo,
a Legenda Áurea e as obras dos pintores que imortalizaram nas telas as
representações de Maria Madalena.
CAPÍTULO 5
AS CONSTRUÇÕES MITOLÓGICAS ACERCA DE MARIA MADALENA
5.1 Os gnósticos
Trata-se o gnosticismo de uma corrente religiosa e filosófica que busca o
conhecimento (gnose) da vida interior do homem, dos arroubos místicos da alma e
da luta entre o bem e o mal, no interior do homem e da sociedade. Afirmando-se
cristãos, desde o princípio se revelaram fortes opositores do cristianismo e do
judaísmo, por julgarem as suas doutrinas como meios de opressões exteriores. Com
raízes encontradas nos cultos de mistérios egípcios, helênicos e orientais, a sua
visão de mundo defendia que sempre existiu a matéria, ao lado do espírito, o mal ao
lado do bem. Neste aspecto, e contrariando o dogma judaico-cristão do pecado
original, entendiam que o mal sempre existiu, quer como uma força passiva, quer
como uma força em luta contra o bem. Assim, a sua busca de conhecimento estava
ligada essencialmente à tentativa de explicar este conflito entre o bem e o mal, e, de
onde e como o mal veio ao mundo (BEER, 2007, p. 136). Desta maneira, podemos
compreender que a busca pela gnose significa a busca de conhecimento através de
revelação mística e extática, sobre Deus, o universo e a finalidade da vida humana.
“Buscavam a sabedoria como meio de alcançar Deus. Para eles, Deus não se dá a
conhecer aos pobres e sofredores” (FARIA, 2004, p. 14). Pregavam a inutilidade e
inferioridade de tudo o que existe no mundo, e “a abstinência do casamento, da
carne e do vinho” (RANKE-HEINEMANN, 1996, p. 27). O sexo era aceito apenas
para procriação. As mulheres eram discriminadas nas entrelinhas das proibições ao
casamento e aos prazeres (Idem).
O Evangelho de Tomé expõe com clareza o caráter misógino das doutrinas
gnósticas, ao transcrever um suposto diálogo ocorrido entre Jesus e os discípulos,
no qual Pedro solicita que Maria Madalena seja excluída do grupo de discípulos
“porque as mulheres não são dignas da vida”. Como resposta, Jesus teria declarado
que iria “guiá-la para fazer dela um homem” para torná-la “um espírito vivo”,
semelhante aos homens (TOMÉ 114, apud ROBINSON, 2006, p.125).
A organização de toda espiritualidade dos gnósticos, toda prática, todo
exercício da vida gnóstica, “tudo o que podia ser ascese em torno do conhecimento
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
98
(da gnose) era voltada para a busca do conhecimento do sagrado, e tinha o objetivo
único de reconhecer a si mesmo como elemento divino” (FOUCAULT, 2006, p.510).
Nisto provavelmente estão à explicação dos gnósticos se considerarem os perfeitos.
Provavelmente por esta razão nada se sabe a respeito deles, nem mesmo através
dos textos que deixaram enterrados em Nag Hammadi.
Os gnósticos não tiveram sua origem no cristianismo. Quando o cristianismo
surgiu, eles já existiam e já tinham sua própria visão de mundo a que se mantiveram
sempre fiéis. Dentre os teólogos gnósticos que se converteram ao cristianismo,
alguns negaram os pilares da pregação cristã que se fundamenta na ressurreição de
Jesus, como Marcião, Valentim e Basilides.
De caráter sincrético, o gnosticismo tinha raízes nos cultos de mistérios
egípcios, helênicos e orientais. Suas teses eram fundamentadas nas mais diversas
seitas e religiões. Afirmando-se cristãos, desde o princípio se revelaram fortes
opositores do cristianismo e do judaísmo, por não aceitarem os pilares de suas
doutrinas, como o Deus do Antigo Testamento ser o único Deus, e o fenômeno da
Ressurreição de Jesus ter sido real, assim como por julgarem a organização
eclesiástica um meio de opressões exteriores. Paulo contestou o gnosticismo em
sua primeira epístola a Timóteo, onde fala sobre a improcedência do seu desprezo
pela existência: “Ó Timóteo evita as conversas frívolas de coisas vãs e as
contradições da falsa ciência (gnosis) proibindo o casamento, e a abstinência de
manjares que Deus criou para os fiéis, (...) por que toda criatura de Deus é boa” (1
Tm 4:1-5). As principais doutrinas gnósticas sobre Jesus e Maria Madalena, estão
registradas nos Evangelhos gnósticos, em que estão formuladas as hipóteses que
contrariam as narrativas bíblicas nos seguintes aspectos:
¾ Negação do fenômeno da ressurreição de Jesus;
¾ Afirmação de que Maria Madalena era sua esposa e teria negociado a
conivência dos guardas do sepulcro a respeito do desaparecimento do
corpo;
¾ Entendimento de que Jesus aparecera a Maria Madalena, não no seu
corpo material, mas numa visão espiritual, porque ela se tratava da
discípula mais amada por Ele.
¾ Interpretação mitológica de que Maria Madalena era a representante do
princípio feminino que procurava no Mestre a sua metade masculina,
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
99
porque segundo o Evangelho de Tomé, para a mulher entrar no Reino
dos Céus tem que se tornar homem (TOMÉ 114, apud FARIA, 2004,
p.121), porque só os homens têm a mente iluminada pela luz do
conhecimento perfeito.
Dentre os muitos discursos gnósticos rotulados de hereges, estava a
oposição à declaração joanina de que Maria Madalena foi a primeira pessoa a
testemunhar a ressurreição de Jesus. Ainda que uma crescente multidão tenha
acreditado na pregação dos Apóstolos, e contribuído para a formação e avanço da
Igreja, no Oriente e no Ocidente, entretanto, os testemunhos dos discípulos não
foram aceitos pelos céticos, de maneira que hipóteses alternativas foram levantadas
para negar a ressurreição, afirmando algumas delas, em síntese, que tudo não
passou de uma farsa, que Maria Madalena, teria sido esposa de Jesus, e que neste
status teria negociado a conivência dos guardas. Afirma Baigent (2006, p. 31), que
“a idéia de uma crucificação arranjada não é nova; até o Corão fala disso”.
Explicando melhor, a crucificação teria sido uma farsa porque Jesus Cristo não teria
morrido na cruz, e, portanto, não teria ressuscitado.
Conforme notícia divulgada no portal da Globo, a lenda do caso de amor
entre Jesus e Maria Madalena surgiu em textos, provavelmente “compostos no ano
200 da nossa era, ou até mais tarde, e compartilham uma mesma teologia, a do
gnosticismo” (LOPES, 2008, p. web). Explica este autor, que todos os textos que
fazem referência a uma ligação amorosa entre Jesus e Maria Madalena, são mais
recentes, no mínimo 100 anos da época em que Jesus viveu, e foram “escritos por
pessoas que queriam justamente desafiar as visões mais ortodoxas do cristianismo,
as quais começavam a se firmar.” (Idem).
As hipóteses que negavam a ressurreição e apontavam a união
conjugal entre Jesus e Maria Madalena como o fundamento da suposta
negociação de apoio da guarda do sepulcro, se baseavam em escritos do
paganismo, ou nas doutrinas dos evangelhos gnósticos, os quais foram
severamente refutados e proibidos pela Igreja primitiva, mas cujas cópias
coptas datadas do Século IV, como já foi mencionado, foram deixadas
escondidas em cavernas em Nag Hammadi, no Egito, tendo sido encontradas
em 1945.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
100
Segundo Frei Jacir, os textos gnósticos originais foram queimados por
ordem do bispo Atanásio de Alexandria, em 367 d.C., por se tratar de
literatura que foi considerada herética pelo Concílio de Nicéia, que fora
realizado em 325 d.C. Mas, essa ordem não foi cumprida pelos monges de
Nag Hammadi, “os quais esconderam preciosidades apócrifas gnósticas ao pé
do rochedo alto e íngreme chamado Djebel-el-Târif.” (FARIA, 2004, p. 25).
O importante achado, composto de “trinta papiros encadernados em
couro” (PAGELS, 2006, p. xiii), contêm textos gnósticos com os seguintes
títulos: “Evangelho de Tomás, Evangelho de Filipe, Evangelho de Maria, Atos
de João, Testemunho da Verdade, Pistis Sofia, Sabedoria de Jesus Cristo, e
muitos outros” (BOCK, 2004, p.78). Encontra-se no Evangelho de Filipe
(63.32-64.5), o seguinte texto que é interpretado pelos críticos como uma
evidência de que Maria Madalena era casada com Jesus:
“(...) a companheira do [Salvador é] Maria Madalena. [Mas
Cristo a amava] mais que a [todos] os discípulos, e costumava
beijá-la [com freqüência] na [boca]. O restante dos [discípulos
ficava ofendido] (...) Eles lhe disseram: “Por que você a ama
mais que a todos nós?” O Salvador respondeu: “Por que eu não
amo vocês como a [amo]?”(apud PAGELS, 2006, p. xvi).
Embora reconheça ser esta passagem a principal responsável pela
sugestão de que Jesus e Maria Madalena tenham sido casados, tal hipótese é
refutada por Bock (2004, p. 35-37), tendo em vista que o manuscrito não
explicita esta afirmativa, além de conter palavras coptas que foram tomadas
por empréstimo do grego, e estar corrompido, podendo a tradução que lhe foi
dada não corresponder com o que estava escrito originalmente. Afirma o autor
que o texto foi elaborado no final do século III, já passados cerca de 200 anos
da época de Jesus. Descreve Maria como sendo “companheira” de Jesus.
Entretanto, o texto se apresenta fragmentado em 63:33-36 e diz: “E a
companheira de [...] Maria Madalena. [...amou] a ela mais que a [todos] os
discípulos e [costumava] beijá-la [sempre] na [...]” (apud Bock, 2004, p.35).
Continuando, Bock afirma que as palavras entre colchetes indicam as lacunas
existentes no texto, e que as palavras sugeridas são interpretações incertas,
porque não é possível a leitura em razão dos estragos no manuscrito. A
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
101
leitura é sugerida em função do tamanho da lacuna e do contexto.
Especialistas deduzem qual palavra específica se encaixa nas lacunas pelo
número de letras ausentes e traduzem o resultado. Sendo, portanto, uma
tradução duvidosa (BOCK, 2004).
Analisando o referido texto compreendemos que a chave para o
esclarecimento da questão encontra-se na própria pergunta dos discípulos ao
Salvador, e na resposta formulada por este: – Eles lhe disseram: “Por que
você a ama mais que a todos nós?” O Salvador respondeu: “Por que eu não
amo vocês como a [amo]?”.
Se os discípulos soubessem que ela era amante ou esposa do
Salvador, qual seria o sentido desta pergunta? Como questionar alguém que
ama a sua esposa mais que a qualquer outra pessoa? Isto não seria o obvio?
Não seria o normal? Se eles assim perguntaram é porque o Salvador não
tinha esposa ou amante. Em sua volta estava apenas um grupo de discípulos
formado por homens e mulheres. A própria resposta do Salvador leva a este
entendimento: “Por que eu não amo vocês como a [amo]?”.
Além deste argumento baseado no texto gnóstico, os autores que
sustentam a hipótese de um casamento entre Jesus e Maria Madalena
procuram fortalecer o seu entendimento assegurando que nos Evangelhos
canônicos Maria Madalena é citada em primeiro lugar nas seis perícopes que
fazem referência ao seu nome quando mencionado ao lado de outras
companheiras, como afirma Gardner: “Em seis delas, Maria Madalena é o
primeiro nome” (GARDNER, 2006, p. 19). Mas, uma análise compreensiva na
narrativa de João, torna ineficaz este discurso:
Conforme citado anteriormente, em Jo 19.35, está escrito que aos pés da
cruz, se encontrava a mãe de Jesus, a irmã de sua mãe [Salomé], Maria de Cleofas
e Maria Madalena. Esta é a ordem em que são mencionadas as mulheres presentes
naquele instante da crucificação: primeiramente a família (mãe e tia), depois as
discípulas (Maria de Cleofas e Maria Madalena). Observa-se que o nome Maria
Madalena vem por último, depois até, que o nome de Maria de Cleofas.
Se Maria Madalena fosse esposa de Jesus, ainda que em oculto, não
deveria o seu nome ser mencionado ao lado da menção à mãe de Jesus? Não seria
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
102
o óbvio, os nomes das duas mulheres mais íntimas – mãe e esposa –, figurarem
solidariamente, lado a lado, naquele instante final do amado? Não deveria o nome
Maria Madalena, caso fosse esposa, ser anterior à citação da irmã da mãe de
Jesus?
Além disto, ainda que se ultimando, naquele instante Jesus estava tratando
de um assunto familiar: confiava a guarda de sua mãe ao primo e discípulo amado.
A partir dali, o domicílio de sua mãe, passaria a ser o domicílio de sua irmã, Salomé,
a mãe do discípulo amado.
Se Maria Madalena fosse esposa de Jesus, porque ele confiaria a guarda de
sua mãe ao discípulo amado? Não deveriam as duas mulheres mais importantes de
sua vida, prosseguirem juntas? Possivelmente ele seria guiado pelo exemplo de
suas ancestrais Noemi e Rute, protagonistas da belíssima história de duas viúvas
que entre si eram sogra e nora, e que permaneceram juntas apesar de todas as
dificuldades, mas foram por fim recompensadas pelas bênçãos de um novo
casamento para Rute, de onde surgiu a linhagem sagrada de Davi (Rt 1.14-22; 4.10-
22).
Se Maria Madalena fosse esposa de Jesus provavelmente que ele não
separaria as duas, antes descansaria na confiança de que elas se ajudariam
mutuamente. O seu nome seria mencionado ao lado do nome de Maria, a mãe. Ou,
no mínimo, antecederia o nome da outra discípula Maria de Cleofas. Mas não! O que
se percebe é que na presença da família, Maria Madalena não se inclui no rol da
parentela.
Mas não se pode dizer o mesmo quando o assunto em evidência recai sobre
o serviço ao Mestre: Maria, a mãe de Jesus, não é mencionada no seu sepultamento
e ressurreição. Em Jo 19:27, percebe-se que o discípulo, tão logo recebeu a
incumbência de cuidar da mãe de Jesus, levou-a para sua casa, antes mesmo de
Jesus expirar. E não podia ser diferente. Certamente que a sua mãe estava tomada
de um cansaço extremo, agravado pela dor profunda de assistir impotente a cruenta
agonia do seu amado filho. Precisava urgentemente se recolher com a sua dor.
Seria diferente o sentimento de uma esposa diante do trágico quadro? Mas
não é o que demonstra Maria Madalena. Antes, tornou-se incansável, à semelhança
de uma dedicada serva. Juntamente com Maria de Cleofas, foi a última a se retirar.
Só o fez depois de assistir o seu sepultamento e comprar as especiarias e o
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
103
ungüento para a unção do corpo do seu Mestre. E passado o sábado, na madrugada
do primeiro dia, já estava a caminho do sepulcro para cumprir sua missão: Ungir o
corpo do seu Senhor. Os artistas captaram seu gesto e a retratam sempre com um
vaso nas mãos, transportando o azeite para unção, que é trabalho de serva!
Figura 15 – Madalena (c. 1450)
Rogier van der WEYDEN (1400-1464)
Figura 16 – Santa Maria Madalena
Quentin MASSYS (1465/66-1530)
Vimos em Malinowski (apud BARRIO, 2005), que a narrativa mítica retroage
aos eventos iniciais, mais elevados, mais sobrenaturais, porque tem a função, o
propósito de fortalecer ou restaurar a tradição, torná-la forte. Neste entendimento,
podemos intuir que ao associarem Maria Madalena ao mito do princípio feminino, os
gnósticos foram movidos pelo desejo de “fortalecer” ou “restaurar” a tradição
mitológica ocidental. Sim, porque se eles não acreditavam na revelação bíblica da
ressurreição, e, ao mesmo tempo, se deparavam com a realidade de uma nova
religião – o Cristianismo –, que, mesmo sendo perseguida, principalmente pelo
Estado, estava solapando as crenças mitológicas ocidentais, urgia então a
necessidade de negarem-se as narrativas cristãs. E claro, com argumentos
buscados no mito que representasse o cerne da visão de mundo do gnosticismo,
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
104
para que desse uma interpretação alternativa sobre os principais personagens
envolvidos na cena da ressurreição, principalmente Maria Madalena que foi a
primeira testemunha a declarar a constatação do fenômeno, segundo o Evangelho
joanino.
Considera Ehrman, que Maria Madalena mudou o curso da história da
humanidade, porque encontrou o túmulo de Jesus vazio. E afirma que “alguns
cristãos reconheceram a importância da personagem e inventaram histórias sobre
ela”, de que Jesus lhe teria aparecido após a sua morte e revelado conhecimentos
secretos. Esclarece, todavia, que tais revelações ocorrem nos “Evangelhos fora do
Novo Testamento”, ou seja, nos Evangelhos gnósticos. E assegura que tais
revelações “incorporam as crenças, as preocupações e os pontos de vista dos
narradores que originalmente as imaginaram. (...) não são aquilo que Jesus
realmente disse a ela, mas o que os narradores queriam que ele tivesse dito.”
(EHRMAN, 2008, p. 336).
Analisando as expressões contidas nos diálogos registrados nos Evangelhos
gnósticos e atribuídos à revelação de Jesus a Maria Madalena, ou a outros
discípulos, percebe-se a construção de uma linguagem dirigida no sentido de
fortalecer a visão de mundo do gnosticismo. Expressões como destruir a mulher, ou,
destruir as obras da mulher, ou ainda, transformar a mulher em homem etc., são
eivadas de discriminação contra a mulher, denotam misoginia, preconceito.
Verificam-se nos Evangelhos gnósticos declarações que sugerem que
Pedro não suportava Maria Madalena e que ela era a líder do cristianismo. Este
último aspecto é bastante claro nos textos de origem gnóstica. Mas, não tem o
menor indício de apoio bíblico. Uma análise comparativa entre o Evangelho
gnóstico de Maria e o Evangelho canônico de João mostra uma total discrepância
neste entendimento. Enquanto o primeiro afirma que o Mestre revelou a Maria,
segredos desconhecidos dos Apóstolos, o segundo afirma o contrário como se vê
no discurso de Jesus da última Ceia, registrado em João 15:15: “Já não vos
chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor, mas chamei-vos
amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos dei a conhecer”. E também na
resposta de Jesus dirigida ao Sumo-Sacerdote, quando este lhe interrogava a
respeito dos seus discípulos e da sua doutrina, como consta em João 18:20-21: “Eu
tenho falado abertamente ao mundo; eu sempre ensinei nas sinagogas e no templo,
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
105
onde todos os judeus se congregam, e nada falei em oculto. Por que perguntas a
mim? pergunta aos que me ouviram o que é que lhes falei; eis que eles sabem o
que eu disse”. Observe-se que estes versículos encontram-se no Evangelho de
João, e como já mencionamos, exatamente o Evangelho que alguns pretendem
atribuir à autoria de Maria Madalena. No entendimento de Bock,
“Nag Hamadi tem muito a nos ensinar sobre o Cristianismo primitivo,
mas seu valor reside no que seus textos nos informam sobre o
século I, mais do que nos conteúdos que trazem. (...). Um olhar
sobre os evangelhos perdidos e o ensinamento gnóstico não faz
deles uma luz para o século XXI” (BOCK, 2007, P. 254).
5.2 A masculinidade de Deus segundo o gnosticismo
Encontra-se no Evangelho de Tomé, a doutrina de que para a mulher entrar
no Reino dos Céus tem que se tornar homem porque só os homens têm “a mente
iluminada pela luz do conhecimento perfeito” (TOMÉ 114, apud FARIA, 2004, p.121).
Falando sobre a visão que eles tinham acerca de Deus e da ressurreição de
Jesus, afirma Arias (2006, p.62):
Para os gnósticos, [...], Deus não era só masculino, mas também
feminino, não só pai, mas também mãe. [...]. Ao mesmo tempo, os
gnósticos utilizam o simbolismo sexual para descrever Deus, [...];
alguns deles chegaram a considerar que a única forma de
“experiência” da divindade é através do orgasmo sexual.
No entendimento de Leloup (2005, p. 14),
Se Yeshua, considerado como o Messias, como o Cristo (...), não
assume a sexualidade, esta não é salva. Ele não é mais Salvador no
sentido pleno do termo, e é uma lógica mais de morte que de vida a
que se instalará no cristianismo – particularmente no cristianismo
romano-ocidental:
O Cristo não assumiu sua sexualidade,
Portanto a sexualidade não “salva”,
Portanto a sexualidade é má, portanto assumir sua sexualidade pode
ser degradante
E pode então nos tornar “culpados”.
Afirma Pagels (2006, p.19) que “a insinuação de um relacionamento erótico
entre Maria Madalena e [Jesus] pode indicar uma reivindicação de comunhão
mística; em toda a história, os místicos de muitas tradições escolheram metáforas
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
106
sexuais para descrever suas experiências”. Mas este pensamento não foi
comungado pela Igreja primitiva. Segundo Chauí, os cristãos esperavam a volta
iminente de Jesus e por isto passaram a dispensar as relações sexuais, por
entenderem não haver mais necessidade de se perpetuar a espécie humana, por
acreditarem que o seu retorno significaria a reconquista da imortalidade (CHAUÍ,
1991). Provavelmente que este entendimento se espelhava nas atitudes do próprio
Jesus, como ele mesmo falou para Marta: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê
em mim, ainda que esteja morto viverá; e todo aquele que vive e crê em mim, nunca
morrerá” (Jo 11.26-26).
Acreditam os gnósticos, que o Criador é uma divindade andrógina, cujo
princípio feminino, chamado de grande-mãe, requer adoração independente da que
é devotada ao Ente a que chamamos Deus, uma vez que entendem ser esta
nomenclatura apenas uma representação do seu lado masculino. Esta crença foi
igualmente seguida pelos cátaros. A declaração gnóstica de que “Deus é a mãe
universal, (...) de modo claro revela uma forte inspiração dos cátaros” (PICKNETT,
2000, p. 96).
5.3 Os cátaros
Os cátaros ou albigenses foram seguidores de um Cristianismo heterodoxo.
A origem da palavra já traduz a forma como eles mesmos se percebiam: kátharos é
uma palavra grega que pode ser traduzida como puro. Tiveram várias denominações
de acordo com a língua da região em que habitavam. Mas denominavam-se em
geral de bons cristãos ou bons homens.
O catarismo Floresceu ao sul da França, na região do Languedoc, nas
cidades de Toulouse, Narbonne, Agen e Carcassonne. A região ficou conhecida
como o País Cátaro e era uma área política. O Languedoc só foi anexado a França
no ano de 1229 (O’SHEA, 2005). Além desse país, existiam cátaros na Alemanha,
na Catalunha, na Itália e, ao que tudo indica, na Inglaterra, denunciando a influência
crescente do movimento já no início do século XI. Segundo O’Shea, o Languedoc,
era formado pelo “grande arco de terra que se estendia dos Pireneus até a Provence
e que incluía cidades como Toulouse, Albi, Carcassonne, Narboe, Béziers e
Montpellier” (O’SHEA, 2005, p. 20). Esclarece Starbird (2004), que a Provença,
muitos séculos antes das Cruzadas, já era uma área de relativos conhecimentos e
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
107
progresso, um lugar onde existia um vivo interesse pela arte, pela literatura e pelas
religiões islâmica e judaica.
Manifestavam um ascetismo extremado e sua organização não era
centralizada, não possuindo líderes máximos a exemplo de um Papa. Não existindo
uma hierarquia eclesiástica, davam origem a uma variedade muito grande de formas
de culto. Embora formado por uma espécie de sincretismo de elementos cristãos,
maniqueístas e gnósticos, existia, contudo, um eixo comum de crenças: as fontes
eclesiásticas, mesmo que também as interpretações entre os vários agrupamentos
se dessem de modos diferentes. Outros pontos em comum eram a essência dualista
e a interpretação dos ensinamentos de Jesus ao modo gnóstico (RIBEIRO, 2009,
p.web). A heresia cátara, “cresceu em importância em meados do assim chamado
Renascimento do século XII, momento em que a Europa sacudiu o torpor intelectual
que a tinha afligido por centenas de anos” (O’SHEA, 2005, p. 22).
Criam em duas formas opostas, dois grandes princípios que seriam a
essência mesma de todo o Universo: o Bem e o Mal. Faziam a ligação entre a
matéria – representada pelo corpo – e o mal enquanto que o bem unia-se à
imaterialidade, ao espírito. A criação do mundo, também material, dentro dessa linha
de pensamento, foi atribuída não a Deus, mas a uma entidade chamada de “Rex
Mundi”, o Rei do Mundo, que, ignorando a existência de um Deus verdadeiro, era o
representante do Mal e se intitulou o único deus. E para eles esta entidade era o
Deus do Antigo Testamento. Segundo O’Shea,
Para os cátaros, o mundo não foi criado por um deus bom. Era todo
ele uma criação de um força das trevas, imanente a todas as coisas.
A matéria era corrupta e, em todo caso, irrelevante para a salvação.
(...) A autoridade terrena era uma fraude, e autoridade terrena
baseada em alguma sanção divina, tal como defendia a Igreja
Católica, era total hipocrisia. (O’SHEA, 2005, p. 25).
A forma gnóstica de conceber a religião por si só já se diferencia do
Cristianismo Ortodoxo. Nesse último, os dogmas religiosos têm que ser ensinados
pelos sacerdotes que funcionam como intermediários entre os fiéis e a divindade,
enquanto que nos primeiros, o aprendizado é livre e se dá através dos estados
alterados de consciência, da experiência que traz conhecimento. Algumas
diferenças são mesmo marcantes como é o exemplo da crença na reencarnação –
que faziam com que não temessem a morte, mesmo nos campos de batalha – e a
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
108
admissão de um princípio feminino na religião (RIBEIRO, 2009, p.web). Entretanto,
como seguidores das crenças gnósticas, “os cátaros eram visceralmente contra o
sexo e até mesmo contra o matrimônio” (PICKNETT, 2000, p. 95).
Acolher a presença de um princípio feminino em seus cultos e, neste
aspecto, perceber homens e mulheres como iguais fez com que se tornasse
possível o culto à Maria Madalena e a construção de uma Igreja que foi, em 1059,
consagrada a ela (BAIGENT, 1993). Situada na aldeia francesa de Rennes-le-
Château, na França e sua história é cercada de mistérios. Muitos outros mistérios e
lendas e segredos existem na região onde está situada a construção. Nela, foram
encontradas inscrições aparentemente inadequadas para uma Igreja como a do
pórtico de entrada: “terribilis est lócus iste” – este lugar é terrível. Além de tudo, a
Igreja é guardada pela estátua do demônio Asmodeu, conhecido como aquele que
guarda os tesouros escondidos. Que tesouros misteriosos estaria Asmodeu
guardando na Igreja de Maria Madalena? (MOTTA, 2001, p. web).
Esses dois últimos pontos, juntamente com a rejeição dos sacramentos
católicos, iam frontalmente de encontro ao Cristianismo Ortodoxo, tornando os
Cátaros antipáticos ao credo oficial. Aconteceu paulatinamente, um distanciamento
crescente entre a Igreja Católica mais ao norte e os Cátaros, habitantes do sul. No
século XII, a situação ficou insustentável, iniciando-se as repreensões e
perseguições aos Cátaros. Na mesma região, conviviam além dos já citados cátaros
e católicos, pagãos e judeus, dentre outros.
A origem da Inquisição remonta a 1183, e foi criada para combater as
heresias. A partir da fundação da Ordem Dominicana (1216), sua administração foi
entregue aos religiosos desta Ordem, a fim de combaterem os Cátaros, em virtude
de serem suas doutrinas consideradas hereges, uma vez que os seus pilares se
fundamentavam nas doutrinas gnósticas, que eram contrárias aos ensinamentos do
catolicismo dominante. Conforme Prophet, em 1208, o papa Inocêncio III promoveu
uma cruzada contra os cátaros, exterminando cerca de 15.000 seguidores do
catarismo, na cidade de Béziers (PROPHET, 2007).
Mesmo assim, foram condenados no ano de 1215 pelo 4º Concílio
Lateranense. O então Papa Inocêncio III assinou a condenação e foi responsável
pelo aniquilamento de mais de 60.000 pessoas em cruzadas contra os cátaros e
posteriormente através de Inquisição. A instalação da inquisição não foi tarefa fácil
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
109
mesmo para uma organização como a Igreja católica, pois a população local era,
pelo motivo já citado, hostil ao seu trabalho, criando obstáculos a sua instauração.
Durante o período em que se deram as perseguições, seus cultos eram feitos
camuflados nas residências dos adeptos, nas florestas e cavernas dos arredores.
Essas práticas criaram uma aura de mistério ao redor de seus cultos antes simples
(RIBEIRO, 2009, p.web).
Seguidores do dualismo, os cátaros entendiam que Jesus, o Cristo, teria
sido um enviado do Bem à Terra para dar conhecimento aos seus habitantes dos
referidos princípios opostos entre o Bem e do Mal. Por esse último motivo, não
aceitavam a encarnação, a materialidade do corpo do Cristo, pois, sendo perfeito e
representante do Bem, jamais poderia ter habitado um corpo, símbolo do Mal. Como
não eram unânimes, alguns ainda aceitavam a possibilidade de Jesus ter
encarnado, mas jamais aceitaram a crucificação nem idolatravam a via crucis
(RIBEIRO, 2009, p.web). Esta fé contrária aos ensinamentos bíblicos sobre Jesus,
os obrigou “a inventar esse ‘outro’ Jesus”, para “reinterpretar os eventos bíblicos a
fim de ajustá-los às suas próprias crenças” (PICKNETT, 2000, p. 97).
Conforme Prophet, em 1229 a Igreja Católica proclamou no Concílio de
Narbonne, uma proibição às pessoas que não pertencessem ao clero, de possuir
qualquer parte das Escrituras canônicas, exceto os Salmos, porque havia
descoberto que os cátaros estavam fazendo as suas próprias traduções da Bíblia. E
acrescenta que “desde essa época até os dias de hoje (talvez isso tenha se
modificado nos últimos anos) os católicos jamais foram grandes leitores da Bíblia”
(PROPHET, 2007, p.180). Afirma O’Shea, que, por volta de meados do século XIV,
“a Inquisição apagou da paisagem da cristandade qualquer traço residual da heresia
albigense, e os cátaros do Languedoc desapareceram” (O’SHEA, 2005, p. 21).
Escreve Starbird, que os cavaleiros Templários mantinham um bom relacionamento
com os cátaros e comungavam da mesma fé que eles:
Acreditavam que Jesus era completamente humano, que havia se
casado, que seu sangue real ainda fluía nas veias das famílias
nobres de Provença e que as promessas messiânicas das Escrituras
hebraicas um dia seriam cumpridas por um descendente dele
(STARBIRD, 2004, p. 83).
A doutrina gnóstica da insinuação do relacionamento erótico entre Jesus e
Maria Madalena foi igualmente pregada pelos cátaros, como também a idéia que a
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
110
ressurreição não passou de uma farsa, que Maria Madalena teria sido esposa de
Jesus, e que neste status teria negociado a conivência dos guardas. Porém, no afã
de lançar descrédito sobre a doutrina bíblica da ressurreição, os cátaros excederam
as interpretações gnósticas, e declararam que Maria Madalena tivera em segredo
uma filha de Jesus. Segundo Picknett, “o culto no sul da França a Madalena
preservou essas antigas idéias gnósticas”, mas a crença nas paixões
surpreendentes, nos mistérios, nos segredos que formaram as heresias cátaras, e
que encerravam o entendimento de que Maria Madalena tivera uma filha de Jesus,
teve sua origem e prevalência no Languedoc, na própria França, era exclusiva dos
cátaros (PICKNETT, 2000, p. 95-97).
Na busca de instrumentos que viessem fortalecer sua doutrina herética, os
cátaros reinterpretaram a lenda do Graal, o cálice que teria sido supostamente
usado pelo Cristo para se servir do vinho na Última Ceia e que segundo a lenda,
teria sido utilizado para recolher o seu sangue quando pregado na cruz. Sendo uma
das mais famosas lendas ocidentais, desde a sua criação em 1180, a nova vertente
cátara revestiu-a de simbolismo herético, mediante associação à figura de Maria
Madalena, através da explicação de que o Graal não se tratava de utensílio, mas da
representação simbólica do útero de Maria Madalena que havia sido o repositório do
sangue que gerou a filha de Jesus. Segundo Motta (2001, p. web), era muito comum
entre os séculos XII e XIII, a existência de romances acerca do tema onde
apareciam misturados os conceitos cristãos ortodoxos com os dos cátaros. Os
cenários eram muitas vezes as regiões de onde advieram justamente as heresias
cátaras, sendo alguns personagens baseados em figuras da época e ligados ao
movimento (MOTTA, 2001, p. web).
Foi a partir da interpretação dos cátaros à lenda do Graal que começaram a
surgir ilustrações imagéticas de Maria Madalena em estado de gravidez, embora,
dentro do universo iconográfico da personagem, sejam raríssimas as pinturas que
assim a representem. No rol dos pouquíssimos renomados artistas que elaboraram
ícones de Maria Madalena grávida, encontram-se nomes como Giampietrino (1495-
1549) e La Tour (1593-1652), conforme demonstramos nas figuras 10 e 11, bem
como, Crivelli (143?-1494) e Caravaggio (1573-1610), como se constata pelas
figuras 17 e 18;
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
111
Figura 17 - Madalena [grávida] (c.1491-94)
De: Carlo CRIVELLI (143?-1494)
Figura 18 – Madalena [grávida] (1596-98)
De: CARAVAGGIO (1573-1610)
Em matéria divulgada pelo portal Globo de notícias, intitulada Lenda do
Santo Graal é mera invenção da Idade Média, afirma Lopes que “até o século 12, o
cálice da Santa Ceia não era famoso; poetas deram início à saga. Trama de ‘Código
da Vinci’ envolvendo Graal mistura fraudes e erros históricos” (LOPES, 2008, p.
web). Segundo o autor desta matéria jornalística, a lenda do Graal foi criada pelo
poeta francês Chrétien de Troyes, em 1180, e se referia a uma espécie de prato
usada para servir peixes ou carnes, não a um cálice.
Como já foi explicado, para combater as heresias dos cátaros foi criada a
Ordem Dominicana, também chamada Ordem dos Pregadores, ou Ordem dos
Mendicantes, da qual fazia parte o autor da Legenda Áurea, como descreveremos a
seguir.
5.4 A Legenda Áurea e as representações iconográficas de
Maria Madalena
Em Tese defendida em novembro de 1998, na Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, afirma Helena Barbas, que a
obra mais lida durante o Renascimento, principalmente a partir do invento da
tipografia em 1450, por Gutemberg, foi a Legenda Áurea, a hagiografia escrita pelo
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
112
dominicano Jacopo de Varazze (1229-1298), Arcebispo de Gênova (BARBAS,
1998).
Pertenciam os dominicanos a uma Ordem formada por religiosos católicos
mendicantes, fundada por São Domingo de Gusmão em 1216, com o objetivo inicial
de combater, pela pregação do Evangelho, as doutrinas gnósticas pregadas pelos
Cátaros do Sul da França e Norte da Itália.
Desde o Século XII, remanescentes seguidores do gnosticismo perturbavam
os cânones católicos, tendo sido a causa da criação da Inquisição em 1183, pelo
Papa Lúcio III (1181-1185), e da Cruzada promovida contra os albigenses (hereges
do sul da França), em 1198, que resultou em execuções em massa, sob a liderança
do Papa Inocêncio III (1198-1216).
Segundo Franco Júnior, tradutor da edição brasileira da Legenda Áurea
(2003), “a Igreja entregara aos dominicanos a recém-criada Inquisição [com todo o
seu poder de repressão] para extirpar de vez o perigoso catarismo do Sul francês e
Norte italiano” (FRANCO JÚNIOR, apud VARAZZE, 2003, p. 13).
Entretanto, o poder coercitivo da Inquisição não conseguia impedir que a
população indouta se inebriasse com as pregações dos cátaros. Os dominicanos
perceberam então a necessidade de se comunicarem de forma mais acessível com
a população em geral, a fim de apresentarem os santos católicos como heróis, ou
modelos de perfeição.
E foi sob esta ótica que foi escrita a Legenda Áurea. Cerca de 1100
manuscritos foram compilados e distribuídos pela Europa, na segunda metade do
Século XIII. “Jacopo naturalmente utilizou rica literatura hagiográfica preexistente,
mas não se limitou a compilá-la” (FRANCO JÚNIOR, apud VARAZZE, 2003, p. 13).
Segundo Barbas, a obra alcançou “tal popularidade que, duzentos anos
depois, chegou a ter mais edições que a Bíblia (...) e criou uma fecunda tradição de
livros, ritos e imagens que ajudam a contar a história da arte e da religião no
ocidente” (BARBAS, 1998, p. web).
Afirma ainda, que na escassez de informações biográficas, os hagiógrafos
lançaram mão de pormenores da vida de outros santos ou mesmo inventaram
episódios pretensamente históricos, para que os santos fossem investidos de poder
sobrenatural e apresentados como um exemplo de piedade e santidade (Idem).
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
113
Sabendo-se pelos registros históricos, da guerra travada na época de
Varazze (1226-1298), entre o catolicismo e os gnósticos cátaros, podemos entender
porque, na hagiografia que fez da Santa e que está narrada na Legenda Áurea, o
autor insiste em atribuir poderes e virtudes sobrenaturais à personagem, incluindo o
relato de suas idas diárias ao céu, transportada pelos anjos, assim como fazendo
menção à liderança de Pedro no cristianismo europeu e ao reconhecimento disto por
parte de Maria Madalena, bem como do relacionamento fraterno que ainda os unia,
mesmo estando Pedro em Roma e Madalena na França, segundo o autor.
Sendo o objetivo desta lenda, refutar o gnosticismo pregado pelos cátaros
(VARAZZE, 2003), entendemos que ela já foi construída no sentido de contrariar os
fundamentos gnósticos. Nisto está a chave para a compreensão de suas sutilezas
detectadas nos vários e curiosos episódios que são narrados na hagiografia da
Santa, e que conduzem ao entendimento de que o autor estava pretendendo
desconstruir seus conceitos misóginos e os registros gnósticos de que Pedro não
suportava Maria Madalena e que ela era a líder do cristianismo.
Para combater a doutrina misógina de que a mulher só entra nos céus se for
transformada em homem, a Lenda narra, num episódio, que Maria Madalena entrava
nos céus diariamente. Num outro episódio, conta que a Santa pediu a um sacerdote
que lhe desse “roupa para que pudesse ir à igreja” (VARAZZE, 2003, p. 551),
sugerindo, portanto, que ela vivia despida.
E com esta sugestão, estava conduzindo o imaginário popular ao
entendimento de que era despida que Maria Madalena entrava nos céus, ou seja,
era despida mesmo que ela atravessava os umbrais celestes nos seus traslados
diários feitos pelos Anjos. Com isto Varazze queria afirmar que a mulher também
entra nos céus. E como mulher, no seu corpo de mulher. Em forma nua de mulher!
Para negar as afirmações gnósticas de que Maria Madalena era a líder do
Cristianismo e que Pedro não a suportava, numa passagem, a lenda conta que
Pedro recomendou Maria Madalena ao beato Maximino (Idem, p. 545), significando
dizer que Pedro se preocupava com o bem estar dela.
Noutra passagem, é narrado que o governador da província de Marselha, ao
questionar se Maria Madalena podia provar a sua fé, obteve como resposta:
“Certamente, pois é confirmada pelos milagres cotidianos e pela pregação de meu
mestre Pedro, em Roma” (Idem, p. 546). Portanto, no entendimento de Varazze
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
114
(2003), Pedro era o líder do cristianismo na Europa, e tinha o reconhecimento disto
por parte de Maria Madalena.
É na Legenda Áurea que vamos encontrar o registro da informação de que
Maria Madalena teria se mudado para Marselha, na Gália, após a ressurreição de
Jesus, em companhia de Lázaro e Marta, e que lá viveu durante trinta anos, após
um período de pregação, em que se recolheu como eremita em uma caverna perto
de Arles, onde era sustentada pelos Anjos que a transladavam diariamente para o
céu até o dia da sua morte (Varazze, 2003).
Afirma Champlin que a lenda de origem ocidental que fala de sua viagem
para Marselha, na Gália, é posterior. “A forma oriental dessa lenda afirma que ela
teria ido para Éfeso, em companhia de Maria, mãe de Jesus, e do apóstolo João,
onde teria falecido (CHAMPLIN, 1982, p.460).
Como já mencionamos, observa-se uma mudança radical nas vestes da
Santa, entre as obras de arte que foram pintadas até o fim da Idade Média e início
do Renascimento, e as posteriores.
As obras do primeiro período exibem a personagem sempre coberta desde a
cabeça até os pés, por um longo manto (figuras 19 e 20):
Figura 19 – Santa Madalena
De: SEGNA DI BUONAVENTURE
(1298-1331)
Figura 20 – Santa Maria Madalena (1317)
e Santa Catarina de Alexandria
De: SIMONE MARTINI (c. 1280-1344)
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
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São atribuídos ao consagrado pintor italiano medieval Giotto di Bondone
(1266 - 1337), os afrescos que decoram a Capela de Santa Maria Madalena,
localizada na parte baixa da Igreja de São Francisco de Assis, na Itália, pertencente
aos dominicanos.
Inspirado em Varazze (2003), o artista, com a sua equipe de trabalho,
retratou naquelas obras diversas cenas que foram relatadas na Legenda Áurea
sobre a vida de Maria Madalena, tendo espelhado com fidelidade as minúcias do
texto hagiográfico expostas em diversos quadros, tais como: o Noli me Tangere – já
mostrado através da figura 5; a viagem para Marselha (figura 21); a imagem de um
sacerdote lhe entregando vestes, na caverna em Arles, onde ela vivia como eremita
(figura 22); sua ida à igreja do cardeal Pontano (figura 23); sua ascensão diária aos
céus levada pelos Anjos (figura 24), entre outras, conforme demonstraremos a
seguir:
Figura 21:
Maria Madalena viajando
para Marselha (1320).
GIOTTO DI BONDONE
(1266 - 1337)
Na imagem de Maria Madalena como eremita, pintada por Giotto, o artista
retrata a personagem dentro de uma caverna, recebendo roupa para que pudesse ir
à igreja, e que lhe está sendo entregue por um sacerdote, mas oculta a sua nudez
pela abundância de cabelos que a cobre.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
116
Figura 22:
O hermitão Zósimus levando
vestes para Madalena (1320)
GIOTTO DI BONDONE
(1267-1337)
A única restrição que se observa, à fidelidade de Giotto na reprodução
iconográfica da hagiografia de Maria Madalena está patente no quadro que
representa a sua ida à igreja do cardeal Pontano. Neste ícone a Santa é retratada
em tamanho gigante, em contraste ao diminuto tamanho do cardeal (figura 23), o
que conduz a uma interpretação dúbia, de demonstração da santidade da
personagem, ou da sua liderança política sobre a hierarquia sacerdotal, como
entendiam os gnósticos. E neste último aspecto, a imagem contraria a narrativa
hagiográfica que registra a liderança de Pedro na Igreja, em combate às chamadas
heresias cátaras.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
117
Figura 23:
Maria Madalena e o Cardeal Pontano
(1320)
GIOTTO DI BONDONE (1266-1337)
Giotto foi o primeiro a pintar Maria Madalena subindo aos céus levada pelos
Anjos, em mais uma alegoria que representa o relato hagiográfico.
A cena retrata a personagem dentro da caverna com evidência de que está
despida. Contudo, o artista encobriu-a com abundante cabeleira, o que tem sido
comumente utilizado como um dos símbolos de representação da personagem (ver
figura 22). E por esta razão a sua nudez no afresco não é notada, pois a parte
exposta do seu corpo encontra-se coberta pelos cabelos (figura 24).
Figura 24:
Maria Madalena falando
com os Anjos
(1320)
GIOTTO DI BONDONE
(1267-1337)
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
118
Como constatamos, algumas das representações de Maria Madalena
elaboradas por Giotto, e inspiradas na Legenda Áurea (figuras 22 e 24) exibem a
personagem sem vestes, mas não despida porque os seus cabelos cobrem a sua
nudez. Entretanto, a partir do Renascimento, a personagem passa a ser retratada
quase sempre, despida ou seminua.
O que influenciou essa mudança tão radical em suas vestes?
Analisando os ícones da renascença, em tese que apresentou em 1991,
sobre o Renascimento e a sobrevivência (Nachleben) da Antiguidade, Warburg
compreendeu que as imagens renascentistas são dotadas de uma enorme
permeabilidade às sedimentações históricas e antropológicas e, portanto inseridas
num processo de transmissão da cultura (GUERREIRO, 2009, p.web). Existe, “uma
desconfiança em relação aos nexos entre obras de arte e a situação histórica em
que nascem, uma vez que o estilo artístico é um índice problemático das
transformações sociais ou culturais” (GOMBRICH, 2007, p. web).
Dentre as diversas características que dá à Maria Madalena (p.543-553), e
numa época em que, incluir questões de sexualidade no cristianismo, era tabu,
Varazze (2003) fez afirmações que se tornaram relevantes para multifacetar a
personagem em mitos e símbolos de piedade e sensualidade, como se vê nas
muitas obras de arte que foram elaboradas a partir do Renascimento.
Para os hagiógrafos, os traços biográficos eram de pouca importância,
interessavam mais a ideologia oculta que iria dar multiplicidade de simbolismo na
imagem final. Sob este aspecto, afirma o tradutor da edição brasileira da Legenda
Áurea:
Para Jacopo de Varazze, “verdadeiro” não era a correspondência
com a realidade externa, objetiva e concreta, e sim com tudo aquilo
que escapa à esfera humana, que revelava o magnífico destino do
santo simbolicamente anunciado por seu nome. “De fato, para toda a
Idade Média, examinar uma palavra era levantar um véu que
permitiria alcançar a essência última da pessoa ou da coisa.” [...]
devemos considerar o simbolismo presente por toda Legenda Áurea.
Isto é, a cosmovisão pela qual cada fato, objeto ou pessoa, mais do
que uma realidade em si, é uma representação, uma imagem, uma
figuração de algo superior, transcendente, com o qual o ser humano
não poderia ter contato direto e que nem poderia compreender, não
fosse a intermediação do símbolo. Na linguagem (...) fundamental
para a Idade Média, símbolo é o espelho que permite entrever algo,
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
119
ainda que de maneira deformada, antes de se poder vê-lo no além.
(VARAZE, 2003, p. 16-17).
Ratificando o sermão pronunciado pelo Papa Gregório em 591, Varazze
identifica Maria Madalena como sendo Maria de Betânia e a confunde com a
pecadora que lavou os pés de Jesus com as suas lágrimas e enxugou com os seus
cabelos. Afirma que a personagem era muito rica, mas que “submergia o corpo na
volúpia, de modo que logo deixou de ser chamada pelo nome, e sim por a pecadora
(VARAZZE, 2003, p. 544).
A despeito do completo silêncio que faz a Bíblia sobre a vida particular da
personagem, o fato dela não estar vinculada a nenhum homem; de ter sido
identificada pelo clero como uma mulher pecadora que fora curada de sete
demônios e que seguia Jesus e o servia com os seus bens (Lc 8.2); e a insinuação
de Varazze de que ela vivia despida, materializaram nas telas renascentistas a
representação imagética de Maria Madalena como uma mulher seminua ou
totalmente nua, representando visualmente uma prostituta desnuda.
A vida asceta de Maria Madalena como eremita em Arles, na França, foi
memorizada através de escultura em madeira feita por Donatello, que mostra a
personagem em andrajos (figura 25), e noutra escultura elaborada por Gregor Erhart
em que ela é representada como uma eremita completamente despida (figura 26).
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
120
Figura 25 – Santa Maria Madalena
[a eremita em andrajos] (c. 1457)
DONATELLO (1386-1466)
Figura 26 - Maria Madalena
[a eremita despida] (c. 1500)
ERHART, Gregor (1460-1540)
Depois que Giotto decorou a Igreja de São Francisco, com as imagens sobre
a viagem de Maria Madalena para Marselha, vários pintores elaboraram obras com a
mesma cena, principalmente a dos Anjos levando a Santa para os céus. Entretanto,
não há mais o cuidado de retratá-la coberta pelos cabelos, como fez Giotto. O que
se vê é uma profusão de imagens onde a personagem aparece cada vez menos
vestida.
Em 1510, Lorenzo Di Credi (1459-1537), pintor Italiano da Escola de
Florença, numa visão humanista, pinta a cena de Maria Madalena sendo levada aos
céus pelos Anjos, numa representação seminua da personagem.
A imagem recebeu o título de An Angel Brings the Holy Communion to Mary
Magdalen e se encontra no Christian Museum, Esztergom. Outra representação
mais ousada da mesma cena foi Jan van Dornicke em 1518, e compõe o Tríptico da
Abadia de Dielegem, que se encontra no Museu de Arte Antiga de Bruxelas.
Nela, Maria Madalena é pintada completamente nua, numa evidência de que
o autor leu a Hagiografia de Varazze e detectou a mensagem que ele passou
quando insinuou que a Santa subia aos céus completamente despida:
Figura 27 – Um Anjo Traz a Comunhão Santa a
Maria Madalena (1510)
Lorenzo DI CREDI(1459-1537)
Figura 28 – Maria Madalena – Êxtase
(séc. XVI)
Jan van DORNICKE? (1518)
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
121
Assim, encontramos quatro formas de representações de Maria Madalena
na interpretação do catolicismo. Uma em que ela aparece completamente vestida,
aos pés de Jesus, como nos ícones que representam o Noli me Tangere; outra em
que é exposta completamente despida e semblante de contrição, representando a
eremita na caverna; e duas outras como o símbolo da Eva redimida, em que a
personagem é representada, ora por uma mulher em vestes sensuais, ora,
completamente despida ostentando sensualidade, representando ambas a prostituta
perdoada.
As imagens de Maria Madalena firmaram-se com símbolos próprios, os seus
longos cabelos soltos, descobertos, desalinhados, relacionando-a com a livre
sexualidade e insubordinação aos preceitos morais (figura 29), uma vez que na
sociedade judaica da época, era desonroso a mulher deixar seus cabelos à mostra,
e considerado um insulto, uma espécie de traição a seu marido.
Figura, também, como símbolo de Maria Madalena, o vaso contendo
perfume ou óleo, que ela segura sempre em suas imagens iconográficas (figura 30),
numa referência às cenas de unção ligadas a Jesus, e que segundo Lelluop (apud
Bogado, 2005), não representa somente o vaso exterior mas, sobretudo o vaso do
coração que transborda de amor por seu Senhor.
Figura 29 – Santa Maria Madalena Peni-
tente (1615) Domenico FETI (1589-1623)
Figura 30Maria Madalena
Ambrosius, BENSON (c. 1484-1550)
E numa alusão à sabedoria que se remete como o mito Sophia atribuído à
Maria Madalena, e também à morte que é segundo a Bíblia, o salário do pecado e o
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
122
fim de todos os homens, e a ressurreição que antagonicamente, representa a vitória
sobre a morte e a certeza de vida eterna para todos os que crêem, os ícones de
Marida Madalena também contém um livro, e uma caveira (figuras 31 e 32).
Figura 31 – Maria Madalena Penitente (1560)
Vecellio TIZIANO (1490-1576)
Figura 32 – A Penitente Madalena (1650-55)
Bartolomeu Esteban MURILO (c. 1620-1715)
A seguinte pintura renascentista, intitulada “Maria Madalena”, data
provavelmente de 1515, e mostra a personagem em vestes vermelhas com os seios
nus e segurando um véu transparente sobre seu ventre (figura 33):
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
123
Figura 33 - Maria Madalena
Giampietrino/Leonardo Da Vinci (1515)
Conforme notícia veiculada na web, pela Reuters, em 22/09/2005, esta obra
é atribuída ao artista Giampietrino, mas, segundo intuição do historiador de arte
Carlos Pedretti, então diretor do Centro Armand Hammer de Estudos de Leonardo
da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), ela teria sido elaborada em
parceria com Leonardo Da Vinci, em 1515, quatro anos antes da morte deste grande
Mestre. Está, portanto, entre as primeiras obras renascentistas que representam a
nudez da personagem.
Esta forma de representação de Maria Madalena não ficou restrita ao
período renascentista, denotando que não se trata apenas de um estilo de época.
Como bem demonstrou o pintor Sacchi (1599-1661), em sua obra intitulada As três
Madalenas, exposta na figura 14 do presente trabalho (p. 45), nos séculos
posteriores surgiram novas imagens despidas como representações da
personagem, num triunfo ao símbolo da prostituta, em detrimento à busca do
conhecimento do seu verdadeiro papel no cristianismo, como bem o mostram as
figuras 34 à 39, referentes obras semelhantes, realizadas entre os Séculos XVI à
XX:
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
124
Figura 34:
Santa Maria Madalena,
(1590)
Francisco VENEGAS
Século XVI
Figura 35
Maria Madalena Penitente
(ca.1621-23)
Orazio Lomi GENTILESCHI
(1563 - 1639)
Século XVII
Figura 36
A Penitente Madalena
(1752)
MENGS, Anton Raphael
(1728-1779)
Século XVIII
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
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Figura 37
A Madalena Penitente
Francesco Hayez
(1791-1882)
Século XIX
Figura 38
Maria Madalena na
Caverna
Jules Lefebvre
(1836 - 1911)
(Século XX)
Portanto, demonstrado está que a figura da prostituta tem prevalecido na
formação das representações de Maria Madalena, desde a fusão da sua identidade
com a pecadora que ungiu Jesus (Lc 7.36-50), em razão da declaração do Papa
Gregório I (591 d.C.), no Século VI.
A preservação de uma imagem memória permite sua fixação no
tempo e no espaço, relembrar e reviver, como também transmitir
conhecimento às gerações posteriores, introduzindo principalmente
uma dimensão comparativa entre sociedades e culturas
(GONÇALVES, 1999, p.11).
O catolicismo, embora tardiamente, se retratou negando que a personagem
tenha sido uma prostituta. Encontramos o seguinte comentário registrado na Bíblia
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
126
de Jerusalém, sobre a pecadora do capítulo sete do Evangelho de Lucas: “A
pecadora desse episódio não deve ser identificada nem com Maria de Betânia, irmã
de Marta (10,39; cf. Jo 11, 1s; 12,2s), nem tampouco com Maria Madalena (8,2)”.
(BÍBLIA DE JERUSALÉM, p. 1943).
Entretanto, as pinturas continuam silenciosamente afirmando isto através da
exibição de sua nudez. Como interpretar tais imagens? Que representam uma
Santa? A Eva redimida? Ou simplesmente uma prostituta? Segundo Barbas
(2003),
Partilhando dos campos do sagrado e do profano, [Maria
Madalena] preocupa eclesiásticos e filósofos, interessa poetas,
pintores, escultores, e transmuta-se, ao longo dos tempos, num
tema artístico digno de relevo. [...] As múltiplas interpretações
de uma estória que tem os seus primeiros registros em textos
religiosos, se liberta do espaço hagiográfico e invade o campo
não só da literatura, mas das outras artes (BARBAS, 2003, p.
web).
Ensina Barbas (Idem) que há diferença entre a personagem e a pessoa que
ela representa, uma vez que a personagem faz parte de um mundo imaginário,
enquanto que a pessoa, como ser vivo, faz parte de um mundo real:
[..] as personagens são sempre diferentes das pessoas – seja
no sentido comum de seres humanos, seja no sentido
gramatical –, embora pelo uso do discurso os seres humanos
se transformem em pessoas na sua enunciação. No campo das
personagens, estas assumem vários graus de proximidade à
pessoa humana, que decorrem dos modos como se marca a
subjectividade e a personalidade, ou a sua ausência, no
discurso das personagens no interior de um enunciado
narrativo. Nesta perspectiva, a leitura revela-se como um
choque de subjectividades – e personalidades – um confronto
entre dois mundos, o imaginário e o real, nos textos e na vida.
Considera ainda, que
“Maria Madalena é uma personagem que pertence já à
categoria do mítico, dado que ultrapassa qualquer narrativa em
que seja inserida, embora tenha sido a partir de narrativas que
se foi construindo a sua lenda (...), misto de história e poesia,
em parte verídica, e em parte fruto do imaginário do seu autor,
resultante da compilação de elementos exteriores”. (BARBAS,
2003).
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
127
Segundo Patai (1972, p.72), quando um evento histórico se converte em
mito perde muito em precisão e minúcias, aformoseando-se no correr do processo
pela adição de traços fantásticos (...). Os mitos apresentam os acontecimentos
históricos deformados.”
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
128
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo da nossa pesquisa foi esquadrinhar e fundamentar na trajetória
histórica, simbólica e mitológica, as múltiplas facetas que revestiram Maria
Madalena, e que, ao longo dos séculos, despojaram suas vestimentas primevas do
Novo Testamento, culminando na atualidade, com a sua representação social como
personagem de uma trama de conflitos de gêneros na busca política do poder, da
liberdade de sexo e da emancipação da mulher, e que é utilizada como ancoragem
para modelo de comportamento feminino.
A relevância da personagem está na sua contribuição histórica para a
formação do cristianismo primitivo mediante o importante papel que desempenhou
no anúncio da ressurreição de Jesus, mas também porque se insinua como
protótipo em diversas visões de mundo, cada vez que a representam quer por um
símbolo, um arquétipo, um mito.
As Escrituras cristãs silenciam sobre os dados biográficos da personagem.
Igualmente os escritos coptas de Nag Hammadi. O que foi feito dela, depois da
ressurreição de Jesus, a Bíblia não revela. Sobre os apóstolos encontramos relatos
no livro de Atos e nos escritos de Paulo. Mas quanto a Maria Madalena, o silêncio
é total. Qual o seu destino? As tradições se conflitam: Segundo a Igreja ortodoxa,
ela foi para Éfeso. Segundo Varazze (2003), ela foi para a França. Não há dados
concretos que confirmem este ou aquele relato. Mas a história bíblica da
personagem ainda continua relevante, apesar das intensificadas investigações nos
muitos textos paralelos, tais como, os já citados evangelhos gnósticos e as
hagiografias católicas. Estes também beberam na fonte do Novo Testamento, ainda
que alguns tenham sido escritos, provavelmente, para refutar seus ensinamentos,
como é dito dos manuscritos gnósticos, enquanto outros, como a Legenda Áurea,
para dar à personagem uma aura de poderes e virtudes que não constam do relato
fundante, e cuja intenção era combater as doutrinas gnósticas dos cátaros.
Percebem-se nos textos gnósticos a construção de uma linguagem dirigida
no sentido de fortalecer a visão de mundo do gnosticismo, bem manifesta nos
diálogos atribuídos à revelação da gnose por Jesus a Maria Madalena, no chamado
Evangelho de Maria. Expressões como destruir a mulher, ou, destruir as obras da
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
129
mulher, ou ainda, transformar a mulher em homem etc., são eivadas de
discriminação contra a mulher, denotam misoginia, preconceito.
Por outro lado, é notória a estratégia do autor da Legenda Áurea para
combater, num aspecto, a doutrina misógina dos cátaros, e noutro, os registros
gnósticos de que Pedro não suportava Maria Madalena e que ela era a líder do
cristianismo. Mas, esta declaração gnóstica não tem respaldo bíblico. A análise
comparativa que fizemos, entre o Evangelho gnóstico de Maria e o Evangelho
canônico de João mostrou uma total discrepância nesta hipótese (Cap. 5, p. 104-
105).
No que diz respeito à identificação de imagens iconográficas que
apresentam analogia com os textos gnósticos, com o texto da Legenda Áurea, ou
com os Evangelhos canônicos, chegamos ao seguinte entendimento:
I. As imagens iconográficas renascentistas que retratam Maria Madalena
como uma castelã, apresentam analogia com a interpretação gnóstica que afirma
ter sido a personagem esposa ou amante de Jesus – tanto os gnósticos primitivos
como os cátaros. E as imagens que a retratam grávida, apontam para a
interpretação cátara de que ela teria tido uma filha. Trata-se, em ambos os casos,
de figuras alegóricas que apontam a personagem como modelo mitológico da
representante do princípio feminino, apresentada pelos gnósticos como proposta
alternativa para a negação da ressurreição.
II. As imagens iconográficas que retratam Maria Madalena como a
penitente pecadora ou outros títulos correlatos, despida ou com vestes sensuais,
exibindo farta e longa cabeleira, ou ainda aquelas que a exibem em castas vestes,
mas que, além do vaso, evidenciam outros símbolos que a caracterizam – como o
livro, a caveira, o ovo –, apresentam analogia com a personagem na interpretação
do catolicismo. Apontam para o modelo simbólico da Eva redimida, no sentido de
evidenciar a inferioridade da mulher na qualidade de detentora de todos os pecados
de Eva, e mostram uma nova maneira de viver em submissão ao patriarcalismo,
segundo a interpretação clerical do androcentrismo judaico-cristão.
III. As imagens iconográficas intituladas Noli me tangere, que retratam o
encontro de Jesus e Maria Madalena junto ao sepulcro, apresentam analogia com a
narrativa bíblica da ressurreição, na mesma simbologia da Eva redimida, porém,
diferentemente da interpretação essencialmente católica, este símbolo tem para o
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
130
cristianismo, o significativo, não só de gênero, mas, sobretudo, de uma libertação e
conseqüente transformação interior, tornada visível em mudanças
comportamentais, por quem antes era um ser humano oprimido, socialmente
excluído pelas repressões, preconceitos e imposições da sociedade no seu
contexto histórico, cultural, econômico, político e social. Assim, na visão conjunta de
todos os seus passos desde a crucificação até o desfecho no seu encontro com o
ressurreto, a simbologia da Eva redimida, denota que Maria Madalena, pela
libertação, se constituiu o modelo para o fim da exclusão social, e,
simultaneamente, pela transformação interior manifesta numa nova forma de agir,
se constituiu modelo para o fim do patriarcalismo judaico.
Portanto, o simbolismo bíblico da Eva Redimida representa para o
cristianismo, o duplo significado de modelo comportamental, refletido nas anulações
dos efeitos opressores interiorizados pela exclusão social, e na quebra do
paradigma patriarcal, inaugurada esta última nas ações voluntárias de Maria
Madalena em obediência ao seu próprio etos, espelhada nos atos de coragem e
ousadia demonstrados por Jesus.
Pelos argumentos filosóficos apresentados neste trabalho (capítulo 4, p.
77), quem exercita o etos é necessariamente livre para escolher resistir aos
acontecimentos exteriores, aos infortúnios, e para tomar a decisão de enfrentar os
reveses sem sucumbir, sem se deixar vencer por eles. Dessa escolha assoma o
sujeito ético que tanto interioriza os valores e normas existentes por definição e
imposição da cultura e da sociedade, como pode criar novos valores e normas,
decorrentes da decisão pessoal de aceitar ou recusar, interiorizar ou transgredir,
continuar o modelo existente ou criar um novo modelo de comportamento para
seguir. É este conhecimento fenomenológico que busca a investigação
antropológica, sociológica e psicológica do ser.
Maria Madalena nos mostrou sua apropriação desta liberdade inata de
escolha. Os registros do Novo Testamento sobre a personagem colocam em
evidência a mudança comportamental. Os passos de Maria Madalena constituem o
exemplo, não só pelos atos de solidariedade e serviços que prestou, mas,
sobretudo, pela coragem revelada nos desafios que serviram de âncora para a
quebra dos paradigmas patriarcais, como acompanhar o Mestre em suas viagens,
expor-se na cena da crucificação, buscar o seu corpo na madrugada, e anunciar
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
131
aos discípulos o testemunho da ressurreição, mesmo sabendo que tudo isto
poderia lhe custar o sacrifício da própria vida. Esta foi uma escolha pessoal,
realizada com a certeza das conseqüências, manifesta em ato de coragem, ousadia
e determinação.
Portanto, no relato bíblico Maria Madalena se expõe, sobretudo, como
imagem ética, uma vez que toda dinâmica dos seus passos ali registrados, refletem
atitudes comportamentais resultantes da consciência de quem, tendo sofrido as
agruras de um provável isolamento no convívio social decorrente da possessão,
recebeu a cura, encontrou um libertador, e, desde então, o sentimento de gratidão
manifestou-se em mudança de atitudes concretizadas no servir, cuidar, ouvir,
seguir, honrar, para sempre, quem lhe deu liberdade, e transformou sua visão de
mundo.
Ainda que Jesus tenha anunciado durante o seu ministério terrestre que ele
haveria de ressuscitar, nenhum dos seus discípulos entendia o significado disto,
nem também Maria Madalena. A realidade que ela se deparava antes do
testemunho é de que o Mestre havia morrido. Mas isso não a impediu de servi-lo,
mesmo depois de morto e embora indo ao encontro das normas sociais vigentes, e
se expondo às sanções. O sentimento da gratidão pelo reconhecimento do
inestimável benefício recebido na libertação do jugo demoníaco constituía para si
mesma a justificativa de que estava agindo corretamente. Nesta atitude a
personagem estava inconscientemente inaugurando o movimento da quebra do
paradigma patriarcal que num longínquo dia iria crescer em prol do movimento de
libertação da mulher. E assim Maria Madalena constituiu o modelo.
Foram estes juízos de valores que tornaram a personagem discípula do
Cristo, e motivaram as ações que eternizaram a sua memória e a tornaram a
representação do comportamento ético que tem sido exemplo para os cristãos de
todas as épocas e em todas as sociedades. E não estamos, com isto, nos referindo
à multiplicidade de regras adotadas no cristianismo a partir do IV século, as quais
são difíceis de serem cumpridas, porque têm características coercitivas, vêem de
fora para dentro, não transformam. A nossa referência é a um modelo interior que
jorra de dentro do ser humano, fruto de uma transformação consciente, resultante
do amor a Deus, ao próximo e a si mesmo, manifesto na personagem, através de
ações responsáveis e virtuosas em gestos de solidariedade, trabalho voluntário, e
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
132
outras práticas que norteiam positivamente a existência, e enobrecem o sentido da
vida. Este é o exemplo que nos passa Maria Madalena, e que a torna modelo de
comportamento.
O resultado da nossa pesquisa no que diz respeito às divergências e
convergências existentes nos Evangelhos canônicos, resultou, como já vimos, nos
seguintes achados:
I. A única divergência detectada foi encontrada no confronto entre o relato
de Marcos e o de Lucas (Mc 16.1; Lc 23.56), e diz respeito apenas ao momento em
que ocorreu a compra de especiarias para a unção do corpo de Jesus. Porém, o
conflito não altera a essência da mensagem cristã, mas, fornece indício da
preservação do texto, uma vez que sendo visível a diferença de informação entre os
dois relatos, o fato de não ter sido corrigido constitui um indicativo de que o texto
não sofreu adulteração.
II. A convergência detectada que se encontra narrada por unanimidade nos
quatro Evangelhos foi:
¾ Maria Madalena e as outras mulheres que acompanharam Jesus desde
a Galiléia assistiram a sua crucificação e morte.
III. As convergências detectadas que se encontram narradas apenas nos
Evangelhos sinóticos, e que depõem pela possibilidade de que Jesus tinha morrido,
foram:
¾ Maria Madalena e Maria, mãe de José foram testemunhas oculares do
sepultamento do corpo de Jesus.
¾ Houve compra de especiarias para unção, ou seja, Maria Madalena e
suas companheiras pretendiam ungir o corpo de Jesus na sepultura.
O registro deste fato, aparentemente insignificante, depõe a favor da
fidelidade histórica do Evangelho, porque conduz ao pressuposto de
que as mulheres presentes ao sepultamento constataram que Jesus
realmente havia morrido.
IV. As convergências detectadas que se encontram narradas por
unanimidade nos quatro Evangelhos – com diferença apenas no que diz respeito à
quantidade de mulheres, visto que os sinópticos mencionam várias mulheres,
enquanto que João refere-se apenas a Maria Madalena – foram:
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
133
¾ No amanhecer do domingo, as mulheres se dirigiram ao sepulcro e
constataram que a pedra do túmulo estava removida.
¾ Havia a presença de seres sobrenaturais no sepulcro, os quais
anunciaram às mulheres que Jesus havia ressuscitado.
¾ As mulheres constataram que o corpo de Jesus havia desaparecido da
sepultura. O túmulo estava vazio.
V. As convergências detectadas entre os relatos de Mateus, Marcos e João,
é que Maria Madalena viu e falou com Jesus ressuscitado. Mas, o diálogo narrado
por João, ocorrido entre Jesus e Maria Madalena justificou a ausência do corpo no
sepulcro gerou o testemunho da Ressurreição.
Do ponto de vista do cristianismo, este foi o grande legado deixado por
Maria Madalena, contido na mínima participação da personagem nas Escrituras,
representando para os cristãos o relato de maior relevância sobre ela, porque a
inseriu na economia da salvação.
Porém, nem toda representação da personagem faz referência a esse
legado, porque muitos são os que discordam deste entendimento. O relato lucano da
sua libertação, antecedido do relato da pecadora anônima que ungiu Jesus, abriu
um leque de especulações que incluiu todo e qualquer pecado, sobretudo aqueles
relacionados com o sexo. As pinturas renascentistas de interpretação cristã
passaram a representá-la como uma mulher despida ou seminua, num tributo ao
simbolismo da prostituição que lhe foi equivocadamente atribuída.
O catolicismo, embora tardiamente, se retratou negando que ela tenha sido
uma prostituta. Entretanto, as pinturas continuam silenciosamente afirmando isto
através da exibição de sua nudez. Perde-se então em conhecimento acerca daquilo
que ela representou na formação do cristianismo.
Em se constituindo a relevância maior na história da personagem, o fato de
ter anunciado a vitória sobre a morte, mediante a sua declaração de que viu e falou
com Jesus ressuscitado, o seu nome está inseparavelmente ligado à história bíblica
da salvação, e como tal, permanecerá no imaginário da humanidade, quer para
investigar o que representa para cada um, o significado da ressurreição de Jesus
testemunhado pela personagem, quer para refutar e criar novos símbolos e mitos
que expliquem o fenômeno ou o testemunho, segundo a visão de mundo de cada
autor.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
134
Mas, apesar da multiplicidade de representações que ela possa continuar
inspirando, os dois milênios passados de contínuo interesse por Maria Madalena, e
as abordagens atuais na agregação do seu nome ao medieval mito do Graal, são
indícios seguros de que o carisma da Santa permanecerá ascendente. Continuarão
a se multiplicar as obras literárias trazendo novas nuances para sua história, e
também novos mitos e símbolos.
Este é o resultado a que chegou a nossa pesquisa. Esperamos com este
trabalho estar contribuindo para um aprofundamento no conhecimento sobre esta
importante personagem bíblica que ao longo destes dois milênios tem exercido
fascínio sobre estudiosos nos mais diferentes campos das ciências humanas e
sociais.
CARVALHO, M. F. M. PPGCR-UFPB 2009
135
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