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UNESP
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – CAMPUS SÃO PAULO
“ Júlio de Mesquita Filho “
INSTITUTO DE ARTES
Programa de Pós-Graduação em Artes
Mestrado
PAULISTINHAS:
IMAGENS SACRAS, SINGELAS E SINGULARES
Ailton S. de Alcântara
SÃO PAULO
2008
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UNESP
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – CAMPUS SÃO PAULO
“ Júlio de Mesquita Filho “
INSTITUTO DE ARTES
Programa de Pós-Graduação em Artes
Mestrado
PAULISTINHAS:
IMAGENS SACRAS, SINGELAS E SINGULARES
AILTON S. DE ALCÂNTARA
Dissertação submetida à UNESP como
requisito parcial exigido pelo programa de
Pós-Graduação em Artes, área de
concentração em Artes Visuais, linha de
pesquisa Abordagens teóricas, históricas
e culturais da arte, sob orientação do Prof.
Dr. Percival Tirapeli para a obtenção do
título de Mestre em Artes.
SÃO PAULO
2008
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FICHA CATALOGRÁFICA
ALCANTARA, Ailton S. de.
Paulistinhas: Imagens sacras, singelas e singulares -
São Paulo,
2008 – 133 p.: il. color.
Dissertação (Mestrado) Un
iversidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Instituto de Artes.
Orientador: Percival Tirapeli
Palavras-chave: imagem sacra; barroco; Paulistinha; singular
PAULISTINHAS:
IMAGENS SACRAS, SINGELAS E SINGULARES
DEDICATÓRIA
Aos meus pais: Benjamim e Maria Francisca
e aos meus padrinhos: Francisco de Assis e
Maria de Lurdes, a eles todo o meu carinho,
respeito e gratidão.
AGRADECIMENTOS
Começo agradecendo ao meu orientador, Prof. Dr. Percival Tirapeli pela transmissão
de conhecimento prático acadêmico, nas muitas viagens com o grupo de pesquisas
“BARROCO MEMÓRIA VIVA”, prestimosas oportunidades de conviver com a
excelência de seus conhecimentos.
Aos Profs. Drs. do IA-UNESP, pelas contribuições relevantes.
A todos os colegas de jornada, responsáveis pela animação necessária.
Seria inadmissível não mencionar as maneiras peculiares como cada um dos amigos
cooperou para a realização deste estudo. Desse modo, limito-me a citar o nome de
alguns entre tantos outros, aos quais dedico minha inteira gratidão: Janice Vaqueiro,
Cristina Bordim, Leônidas Gomes, Jussara F. Paim, Tânia Reis, Karen Cristina
Montija, Juan Borges, Valceli Carvalho, Aline Cândido e Ana Beatriz Katinsky.
Aos membros da Comissão Julgadora de Qualificação e Defesa, pelas contribuições
fundamentais no encaminhamento deste estudo.
Aos Diretores dos respectivos museus: Museu das Igrejas do Carmo (M.I.C) frei
Tinus Zan Balen e Museu de Antropologia do Vale (M.A.V) - Wagner Bornal.
Aos funcionários de todas as bibliotecas e museus onde pesquisei I.A -UNESP,
USP, MIC e MAV.
Ao jovem colecionador Rafael SchunK pela generosa colaboração.
Ao Prof. Dr. José Eduardo G. S Martins por relatar-me as experiências vividas com
seu mestre Eduardo Etzel, que enriqueceram a elaboração final do trabalho.
A Deus..., como uma forma muito particular de agradecer pela vida.
Abrimos uma vacilante picada para que outros
implantem a estrada, no mesmo curso ou para
direção que for julgada mais verdadeira.
Eduardo Etzel
RESUMO
A produção de imagens sacras no Brasil teve uma importante função didática para
difusão do evangelho, uma ação educativa realizada pelas ordens religiosas que
foram se instalando em várias partes do país. Em virtude disto, o sucesso da missão
propiciou a edificação de muitas igrejas que continham em seus altares belas
imagens sacras de cunho erudito para o culto coletivo, envoltas em um contexto
místico, nas quais o fiel buscava conforto espiritual, por meio da contemplação.
Aliadas aos sucessivos ciclos econômicos, passaram, ao longo da história, por
adequações de material, estilo e dimensão, que acabaram por levá-las para o
interior das casas e permaneceram fazendo parte do cotidiano. Posta assim a
questão, no estado de São Paulo, em meados do século XIX, na região que hoje
chamamos de Vale do Paraíba, houve uma grande demanda de imagens para o
culto doméstico, que possuem vários pontos de tangência com as eruditas barrocas,
encontradas nas igrejas locais. Denominadas Paulistinhas, estas imagens foram
produzidas, exclusivamente no estado de São Paulo, para suprir as necessidades
devocionais de um número significativo de pessoas que migraram para o vale,
motivadas pelo cultivo do café, o então chamado ouro-verde. Imagens de devoção
confeccionadas, por mais de um século por muitos santeiros, sendo na sua maioria
anônimos, os quais, por meio da criatividade, fizeram surgir uma simplificação formal
demasiada e muito singular para estas imagens que representavam os santos
católicos e que, atualmente, se revelam preciosas não pela devoção que elas
suscitavam, mas também por marcar uma distinta escola de imagem sacra, imbuída
do espírito barroco.
Palavras-chave: imagem sacra; barroco; Paulistinha; singular
ABSTRACT
The manufacturing of sacred statues had an important educational role in the
spreading of the Gospels in Brazil. Such confection was conduced by the religious
orders which settled down in various regions of the country. The successful mission
led to the construction of many churches whose altars had beautiful baroque statues
surrounded by a mystic context, which the churchgoers sought for spiritual comfort
through contemplation. Attached to the successive economic cycle, these baroque
statues suffered, through history, many adaptations of material, style and dimension,
taking them to the follower houses, where they stayed composing the daily life. In
São Paulo State, by the middle of the 19
th
century, in the region called Vale do
Paraíba (Paraíba Valey) there was a great search of such statues intended for
domestic praying. These domestic versions had much in common with the original
ones from the local churches. Such statues, dubbed Paulistinhas, were exclusively
made in São Paulo State, responding to a demand for the devotional necessity of a
significant number of people who migrated to the area, drawn by the coffee growing,
then called “Green-gold”. Devotional statues manufactured, for more than a century,
by anonymous sculptors who by means of creativity made a particular and
exaggerated formal simplification for the statues which represented the Catholics
saints which are, currently, not only important for their devotional values, but also for
indicating a different school of sacred statues which are plenty of the baroque spirit.
Key words: Sacred Statue; baroque; Paulistinha; particular
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................11
CAPÍTULO 1 A CONFECÇÃO DA IMAGINÁRIA, SOB O SIGNO BARROCO..23
1.1 O espírito barroco e suas reverberações no Brasil.....................................23
1.2 Desdobramentos em São Paulo.................................................................32
CAPÍTULO 2 ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS E RELIGIOSOS NA
PROVÍNCIA DE SÃO PAULO..............................................................................47
2.1 Relevantes mudanças durante o Século XIX..............................................47
2.1.1 Aspectos políticos e econômicos.........................................................47
2.1.2 A sociedade.........................................................................................51
2.1.3 Religião................................................................................................53
2.1.4 Características do Segundo Reinado..................................................54
2.2 A pluralidade devocional e o surgimento do santeiro..................................59
CAPÍTULO 3 UMA NOVA CONCEPÇÃO DE IMAGEM SACRA: AS
PAULISTINHAS....................................................................................................75
3.1 As Paulistinhas de Dito Pituba ................................................................88
3.2 Análise formal de nove imagens Paulistinhas do acervo do MAV
(fotos do autor) .......................................................................................100
3.2.1 São Bento..........................................................................................101
3.2.2 São Roque.........................................................................................104
3.2.3 São João Batista................................................................................106
3.2.4 Santa Gertrudes ................................................................................108
3.2.5 São Francisco de Assis .....................................................................110
3.2.6 São Benedito.....................................................................................112
3.2.7 Nossa Senhora da Conceição...........................................................114
3.2.8 São Pedro Apóstolo...........................................................................117
3.2.9 Fuga para o Egito (grupo)..................................................................120
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................122
BIBLIOGRAFIA..................................................................................................128
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 - Nossa Senhora da Conceição, século XVI..........................................36
Ilustração 2 - Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, século XVII..........................40
Ilustração 3 - Nossa Senhora do Rosário, século XVII..............................................40
Ilustração 4 – Nossa Senhora da Conceição Aparecida, século XVII.......................41
Ilustração 5 - Nossa Senhora do Ó, século XVII.......................................................42
Ilustração 6 - Santa Gertrudes, século XVII ..............................................................43
Ilustração 7 - Nossa Senhora da Piedade século XVIII.............................................44
Ilustração 8 - Sant’Anna Mestra século XVIII............................................................45
Ilustração 9 – Capela de santa-cruz e interior da capela ..........................................61
Ilustração 10 - São Gonçalo padre, século XIX .......................................................65
Ilustração 11 – N. Srª do Rosario, século XIX...........................................................65
Ilustração 12 – Santa Edwiges, século XIX...............................................................66
Ilustração 13 – São José de Botas, século XIX.........................................................67
Ilustração 14 – Nossa Senhora das Dores, século XIX............................................67
Ilustração 15 – São Gonçalo padre, século XIX........................................................67
Ilustração 16 – Oratório doméstico, século XIX.........................................................68
Ilustração 17 – Oratório doméstico com Paulistinhas – século XIX..........................71
Ilustração 18 – Oratório doméstico, século XIX.........................................................73
Ilustração 19 – Bom Jesus, século XIX.....................................................................74
Ilustração 20 – Santo Bispo – século XIX .................................................................78
Ilustração 21 – Santa Luzia - século XIX..................................................................78
Ilustração 22 – Nossa Senhora da Conceição – século XIX .....................................78
Ilustração 23 – Sagrado coração de Jesus, século XIX pormenor da mesma peça
com douramento...............................................................................80
Ilustração 24 – São Sebastião, século XIX ..............................................................82
Ilustração 25 - São Benedito, século XIX..................................................................86
Ilustração 26 – Santo de Batina, século XIX .............................................................87
Ilustração 27 – Anjo da Guarda, século XIX..............................................................87
Ilustração 28 – São João Batista, século XIX............................................................90
Ilustração 29 – São Gonçalo padre, século XIX.......................................................91
Ilustração 30 – São Gonçalo padre, século XIX.......................................................91
Ilustração 31 - Santo Antonio, século XIX.................................................................92
Ilustração 32 – Nossa Senhora Conceição Aparecida, século XIX...........................93
Ilustração 33 – Sagrado Coração de Jesus, século XIX ...........................................93
Ilustração 34 – São Gonçalo padre, século XIX........................................................93
Ilustração 35 – Nossa Senhora, século XIX..............................................................93
Ilustração 36 - Santa Gertrudes, século XIX ............................................................96
Ilustração 37 - São Gonçalo padre, século XIX.........................................................96
Ilustração 38 - São Miguel Arcanjo, século XIX.........................................................99
Ilustração 39 - São Pedro Apóstolo, século XIX........................................................99
Ilustração 40 – Nossa Senhora do Rosário, século XIX............................................99
Ilustração 41 – São Bento.......................................................................................100
Ilustração 42 – São Roque......................................................................................103
Ilustração 43 – São João Batista.............................................................................105
Ilustração 44 – Santa Gertrudes..............................................................................107
Ilustração 45 – São Francisco de Assis ..................................................................109
Ilustração 46 – São Benedito ..................................................................................111
Ilustração 47 – Nossa Senhora da Conceição ........................................................113
Ilustração 48 – São Pedro Apóstolo........................................................................116
Ilustração 49 – Fuga para o Egito (grupo)...............................................................119
Ilustração 50 – Cartaz da Exposição Dito Pituba realizada em 1977......................124
Ilustração 51 - Capa do catálogo da exposição realizada em 1999/2000...............125
Ilustração 52 - imagem de divulgação da exposição realizada em 2007/08 ...........125
Ilustração 53 – imagens de Divinos Espíritos Santos..............................................127
Ilustração 54 – imagem de Anjos da Guarda ..........................................................127
Ilustração 55 – imagem de São Lourenço...............................................................127
Ilustração 56 – imagem de São José ......................................................................127
11
INTRODUÇÃO
A produção de imagens sacras no Brasil sofreu nítidas influências das demais
feitas em Portugal e na Espanha. Foram aqui introduzidas no século XVI, como
recurso didático de evangelização, assim como os autos-de-fé, pelos membros da
Companhia de Jesus. Movidos pelo processo de renovação doutrinária, inicialmente
as importavam e, posteriormente, com a chegada de outras ordens religiosas, que
tinham o mesmo compromisso de evangelizar, começaram também a produzi-las em
oficinas monásticas.
Com a expansão do catolicismo, muitas igrejas foram edificadas com recursos
de ordens terceiras ou associações de irmandades e, para suprir as muitas
encomendas dessas instituições, as imagens passaram a ser confeccionadas em
ateliês laicos.
Com o aumento da população gerado pelos sucessivos ciclos econômicos,
escravos e colonos iriam encontrar no culto doméstico o entusiasmo necessário para
suportar as atribulações. Houve assim a necessidade de se produzir um número
maior de imagens sacras, que fossem semelhantes as que eram encontradas nos
altares das igrejas e expostas à veneração dos fiéis. Com este propósito, foram
produzidas imagens para os oratórios domésticos, com estatura menor e feitas com
materiais que as tornavam bem mais acessíveis, como o barro de várzea ou o cedro,
madeira comum em nossa flora.
Por meio dos estudos para a realização de uma monografia, exigência do
curso de especialização em Cultura e Arte Barroca da Universidade Federal de Ouro
Preto - UFOP, a qual versava sobre as imagens sacras provenientes do estado de
São Paulo, presentes atualmente no acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo
(M.A.S.), confeccionadas sob a influência da cultura barroca nos séculos XVII e
XVIII, tradição religiosa profusa, neste recorte cronológico. Fora deste período
fecundo das imaginárias, constatamos a existência de uma expressiva produção de
imagens sacras imbuídas deste espírito barroco de outrora, as quais abarcavam um
dos temas principais dessa cultura, a contemplação e, por conseguinte, a devoção.
12
Estas pequenas imagens foram confeccionadas somente no estado de São
Paulo, com grande demanda centrada na região do Vale do Paraíba do Sul, com
maior relevância durante o século XIX, e cuja denominação é Paulistinha.
Com a implantação da lavoura cafeeira, o chamado ouro-verde favoreceu o
aumento da população na então província de São Paulo, provocando um surto
econômico que representou, nessa época, 65% do valor das exportações do país.
Este fator atraiu um número significativo de pessoas, que migraram para a região,
havendo também o deslocamento de inúmeros negros escravos que, com o declínio
da mineração e do comércio dela resultante, passaram a trabalhar no plantio, na
colheita, no ensacamento do café e em trabalhos domésticos para os seus
senhores.
A formação das primeiras vilas e povoados vale-paraibanos teve, na produção
do café, elementos essenciais para a consolidação das cidades com pessoas que
eram, em sua grande maioria, católicas e cultivavam afinidades devocionais, o que
estimulou a confecção de inúmeras imagens sacras de cunho popular. Essas
imagens possuíam pequena estatura para serem colocadas em oratórios
domésticos, ou seja, para o culto da vida privada. Imagens estas que hoje se
revelam preciosas não pela singularidade das formas, mas também pela
religiosidade que inspiravam.
Delimitamos o culo XIX como um período fértil da produção deste tipo de
imagem sacra e faremos um percurso que contempla a região do Vale do Paraíba do
Sul do estado de São Paulo, por ser reconhecido pelo pesquisador Eduardo Etzel
como o local onde essa produção, tão peculiar, se deu efetivamente.
Os santeiros, um perfil de artífices que se emanciparam da subordinação das
oficinas convencionais e não conheciam os cânones de perspectiva de
representação clássica, mas possuíam um olhar perspicaz, estavam empenhados na
tarefa da moldagem e, posteriormente, da modelagem destas imagens para atender
as solicitações dos devotos.
Mesmo sem a orientação de um mestre, mas partindo de um protótipo ou
simplesmente inspirados pelas imagens que contemplavam nos altares das igrejas,
o que concerne em uma base importante para os procedimentos de execução,
alcançaram uma autonomia formal bastante criativa e singular.
13
Por sua vez, criaram verdadeiros acervos que estimulavam a crença e
geravam um mercado significativo, como se há de verificar, mantendo estreita
tradição vernacular com as imagens sacras produzidas nos séculos XVII e XVIII, por
sua temática, materiais e função.
As Paulistinhas estabeleceram uma relação sensorial direta com o devoto,
relações as quais acreditamos irem além dos questionamentos temporais e
estilísticos, nos quais a e a cnica, por vezes um tanto rudimentar, se
completavam numa poética admirável, procedente de habilidades cognitivas que
revelam a ordem estipulada para a configuração das coisas, ou seja, dar forma a
partir da percepção que elas suscitam, fundadas no princípio da pregnância da
forma, abordagem que receberá maior atenção no transcurso da dissertação.
Muitos dos santeiros que produziram estas pequenas imagens sacras se
encontram no anonimato, por não estarem vinculados a uma oficina de convento ou
mesmo por não deixarem uma marca identificável; em contrapartida, neste estudo
analisaremos a obra de Dito Pituba que curiosamente assinou e datou algumas
peças e outras foram reconhecidas por conterem suas características autorais,
porque normalmente existia apenas um santeiro que supria a necessidade de culto
no meio em que vivia.
A forma das Paulistinhas causou tanta empatia, a ponto de os fiéis ignorarem
seu aspecto simplificado tão singular, o que nos leva a supor que as percebiam mais
pelo valor simbólico, pois continuaram a estimular a fé, independente da sua
aparência formal singela. As características gerais desta imaginária são:
o caráter predominante da configuração é o da frontalidade e o hieratismo;
rigidez na postura dos braços e das pernas, geralmente cobertas;
tratamento pictórico bastante limitado tanto na qualidade, como na cor;
imagens sobre uma peanha alta, com base redonda ou facetada;
podem ser encontradas em barro cru ou cozido;
um orifício cônico, no interior das de barro, que vai da base à metade da peça.
Sendo o estado de São Paulo claramente identificado como grande produtor
de imagens sacras feitas de barro desde o século XVI, com cunho erudito e de
14
tamanho considerável, denominadas retabulares, modeladas por artistas vinculados
às oficinas das ordens religiosas e sujeitas aos paradoxos formais das imagens
lusitanas, levando em conta tudo o que foi observado, acreditamos que uma imagem
é comunicável, dentro de um segmento social, se contiver elementos
iconográficos bem articulados para a empatia dos devotos mais fervorosos,
subsídios que as convertiam em símbolos religiosos.
Acerca do tema em apreço, acreditamos que as Paulistinhas, a princípio
confeccionadas para satisfazer a prática contemplativa dos devotos mais humildes
que as colocavam nos oratórios domésticos, podem revelar dados muito além da
identidade sagrada, ou seja, de uma escola de imagem sacra singular.
Sem deixar de respeitar as devidas considerações religiosas, iremos
submetê-las a uma análise Gestaltita, na qual refletiremos sobre seu aspecto formal
e estilístico e, desse modo, justificaremos sua tangência com as exuberantes
imagens eruditas barrocas dos séculos XVII e XVIII.
Cumpre verificar que nas Paulistinhas o panejamento, característica que
elevava a confecção erudita, porque o efeito do drapeado em movimento exigia um
grande domínio de técnica, nas peças em estudo, é feito de maneira contida,
somente alguns exemplares possuem um discreto movimento, baseado nas imagens
de referência supracitadas, as quais, conforme aduzido anteriormente, estavam
restritas à tradição compositiva européia e vinculadas aos elaborados retábulos das
igrejas e capelas rurais para compor o teatro sacro.
Assim sendo, estas imagens sacras populares, feitas para despertar a fé,
revelam uma forma de expressão artística peculiar. Em síntese, uma maneira
particular de representar os santos da igreja católica de forma inovadora, seguindo
uma linguagem pessoal, decorrente de experiências sensoriais que perpassam as
gerações e a cultura de quem as fez, motivadas pelas diversas circunstâncias e
acessíveis para a preferência do mercado vigente, centrado na pessoa do devoto.
Por todos estes argumentos, permitimo-nos formular as seguintes
indagações:
Sobre quais aspectos as imagens sacras Paulistinhas podem ser consideradas
singelas e singulares?
15
Estas imagens sacras com características peculiares podem marcar a
existência de uma distinta escola de imaginária barroca em São Paulo?
Com o intuito de justificar as nossas indagações, expomos a dificuldade de
encontrar registros, fontes primárias, sobre as Paulistinhas. Diante deste quadro,
acreditamos na relevância desta pesquisa, nesta aludida pretensão de documentar
de maneira científica a importância desta imaginária que testemunha aspectos
significativos da vida social e política na província de São Paulo.
Ao continuar no percurso de meus estudos sobre as imagens sacras
produzidas no Brasil, a partir de 2001 participamos de trabalhos realizados junto ao
grupo de estudos da Universidade Estadual Paulista - UNESP “Barroco Memória
Viva”, liderado pelo Prof. Dr. Percival Tirapeli, por meio dos quais constatamos que
pouca investigação sobre a produção de arte sacra colonial no estado de o
Paulo, sobretudo no seu desdobramento, o que nos fez reverenciar, nesta
dissertação, as pesquisas realizadas por Eduardo Etzel pela sua relevância neste
segmento.
Em razão disso, o fato de haver poucas pesquisas a respeito, estimulou-nos o
interesse e a vontade de estudá-las, que acreditamos estarem ligadas
profundamente ao espírito barroco que suscitou a produção de inúmeras imagens
sacras pelo Brasil colonial e imperial.
As relações estéticas entre as imagens de devoção não se podem restringir
somente ao tempo, mas também às condições sociais e culturais de um povo que
buscava compreender, por meio da fé, uma série de questionamentos sobre a vida e
a morte, o espírito e a matéria, o sagrado e o profano.
Dessa forma, ficou-nos bastante evidente a necessidade de elaborar um
estudo sistemático com o intuito de refletir sobre o funcionamento dessa produção
tão singular, e de compreender quais os interesses e poderes locais que as
sustentavam. Nessa perspectiva, um ponto fundamental seria observar a dinâmica
social e política da então província de São Paulo no século XIX, o seu processo
econômico e a fé vinculada à religião católica que permeava todo este contexto.
Frente a este panorama, acreditamos que seja importante ressaltar a
produção de imagens tão singelas na sua composição, contemplar as instituições
16
que integravam essa área, ampliar a opinião dos especialistas no assunto em
questão sobre a importância deste tipo de imagens para oratórios domésticos, como
esculturas religiosas produzidas de cunho popular, imbuídas do espírito barroco, ou
seja, configuradas para a propagação da cristã, e desse modo considerá-las rica
fonte de pesquisas, incorporando, assim, mais um capítulo à história das produções
artísticas e culturais do estado de São Paulo.
Buscaremos legitimar a relevância e a complexidade das Paulistinhas por
acreditar que seja fundamental para nosso conhecimento, pois é incontestável a
importância da arte sacra na formação da nossa cultura. Convém evidenciar que
estas pequenas imagens sacras possuem um apelo emocional capaz de persuadir o
devoto e complementar a ideologia religiosa ligada à tradição européia.
Levando em conta essas observações, pensamos que seja necessário insistir
no fato de que os procedimentos utilizados para sua feitura eram bastante rústicos e
isto só vem legitimar a idéia de que elas representavam uma nova abordagem, o que
as tornou mais acessíveis, para uma nova função, a veneração restrita, em
detrimento das então elaboradas e exuberantes barrocas produzidas para o culto
coletivo nos retábulos, nas procissões ou mesmo as monumentais encontradas nos
adros das igrejas.
Sendo assim, temos como relevantes os seguintes objetivos: observar e
descrever o aspecto formal e a tipologia das Paulistinhas e a partir drefletir sobre
sua singularidade e provável ascendência com as eruditas barrocas, em particular
produzidas pela ordem beneditina ou oficinas que difundiram sua técnica, sem deixar
de relacioná-las com o seu próprio tempo e as condições nas quais foram criadas.
Convém, por oportuno, ressaltar que não pretendemos compará-las e sim
aproximá-las por pontos de tangência presentes em sua temática, iconografia, estilo,
material e função, sugerida por uma perspectiva do desdobramento entre a imagem
barroca de culto coletivo e a pequena imagem de culto doméstico.
Essas fontes de informações serão fundamentais para a compreensão da
proposta, na medida em que enaltecerão a relevância do objeto estudado.
Com a finalidade de salientar a produção da imaginária sacra feita de barro
confeccionada no estado de São Paulo, ressaltamos que será estudado o período
que se inicia no século XVI, por perceber que, a partir daí, as imagens foram se
17
tornando cada vez mais estruturadas (eruditas) e compostas de realismo, seguindo
os cânones Tridentinos, que asseguravam a unidade da fé, até chegar ao século XIX
que permaneceu com esse preceito, em uma perspectiva evolutiva.
Em desígnio do tema em apreço, ver as esculturas religiosas eruditas
colocadas em retábulos nas igrejas, para o culto coletivo, é constatar a preocupação
que se desprendia em harmonizar o espaço, nas quais elas representaram as
virtudes morais, o que tornava mais impactante e encantadora a sua contemplação e
ao mesmo tempo emblemática, capaz de persuadir até os mais céticos.
Contudo, vale destacar que a produção de imagens de soluções simplificadas
continuou a seguir estes princípios de persuasão da cultura barroca e desempenhou
de forma plenamente satisfatória sua função de imagem símbolo na prática
devocional doméstica, o desempenhado na privacidade do lar.
Assim, tendo em vista que as Paulistinhas mantêm uma relação estreita com
a tradição vernacular paulista de imaginária de barro dos séculos XVII e XVIII,
mesmo que elas apresentem outras dimensões e formas simplificadas, não
deixaram de possuir o mesmo vigor e empatia das imagens confeccionadas por
artífices habilidosos.
Para esta pesquisa, escolhemos abordar, primeiramente, as diversas
perspectivas sobre a arte sacra produzida no estado de São Paulo, levando em
conta que é a abrangência dos conceitos que permitirá responder as questões
propostas para discussão nesta pesquisa. Dessa forma, salientamos, para a
fundamentação teórica, dentre outros pesquisadores que surgirão no decorrer das
investigações, alguns autores específicos que possuem relevantes estudos sobre a
temática, como o pesquisador anteriormente citado Eduardo Etzel, e os o menos
importantes Carlos A. C. Lemos e Percival Tirapeli que possuem investigações que
enriquecerão esta dissertação.
O primeiro autor aborda a temática, pela produção de época cronológica e
pela sua tipologia, realizando uma pesquisa de apreciação histórica e descritiva que
busca conhecer as diversas situações e relações que ocorrem na vida social,
política, econômica e estética do país.
Desse modo, vislumbra-se que a imaginária Paulistinha é composta por
imagens de cunho popular para o culto doméstico, em sua maioria de autoria
18
anônima, de barro cozido, às vezes cru e policromado, imagens de pequenas
dimensões, procedentes do Vale do Paraíba. Etzel reconhece que elas exerceram
grande influência no mercado de imagens sacras domésticas em São Paulo por
mais de um século. Afirmações encontradas nos livros: O Barroco no Brasil (1974);
Imagens Religiosas de São Paulo (1971); Arte Sacra Popular Brasileira (1975) ; e
Arte Sacra Berço da Arte Brasileira (1984); Nossa Senhora da Expectação ou do Ó
(1985) e Divino simbolismo no folclore e na arte popular (1995).
O segundo autor trata o tema partindo de alguns dados levantados pelo
primeiro e fez um estudo exploratório sobre a imagem sacra. Ele formulou alguns
problemas e hipóteses a respeito da produção de imagens sacras Paulistinhas e
sobre os santeiros populares. Convém afirmar que o pesquisador Carlos A. C.
Lemos concorda que houve produção em grande escala das referidas imagens
sacras, as quais, segundo ele, tinham aspecto estereotipado, semelhantes entre si
quanto à tipologia, e que também houve produção dessas imagens tanto na bacia do
Paraíba como na do Tietê e até mesmo fora delas. Por seus argumentos
apresentados, ele defende que a produção destas não foi baseada em correntes
artísticas da época, mas condicionada à “maneira” do artista, às condições do
material e aos possíveis modelos vistos nos altares das igrejas locais,
esclarecimentos encontrados nos respectivos livros: Escultura colonial brasileira
(1979); A Imaginária Paulista (1999); e Arte no Brasil (1980).
Da leitura do terceiro autor, depreendem-se ainda hoje pesquisas sobre a arte
sacra colonial brasileira e manifestações religiosas, com enfoque nos ornatos das
igrejas paulistas e em seus artífices, os quais trabalharam fazendo ornamentações
internas e mobilizando as corporações artísticas dos períodos. Ele realiza um vasto
estudo de caso, examinando aspectos variados e aplicando conhecimentos
específicos para a análise do objeto em estudo, como pode ser verificado nos
seguintes livros: Arte sacra colonial Barroco Memória viva (2001); Igrejas paulistas
barroco e rococó (2003); e Festas de Fé: Brasil (2003), e na dissertação A
Construção Religiosa no Contexto Urbano do Vale do Paraíba Estado de São
Paulo (1983).
Impende mencionar que, para fundamentar a expressão “época barroca”,
empregada como subsídio conceitual, cumpre-se verificar os esclarecimentos do
historiador José Antonio Maravall, cuja opinião nos dá uma noção referente ao
19
conceito do barroco e seu imaginário de persuasão articulado com a sociedade, por
meio da religiosidade e da política, conferidas na arte, na poética e na retórica, com
forte apelo às emoções e aos instintos, sem traçar uma delimitação cronológica.
Em busca de uma percepção maior do nosso objeto de estudo e do seu
simbolismo mais abrangente, algumas vezes recorremos à interpretação apriorística,
permitida em uma abordagem qualitativa apoiada na Psicologia da Gestalt.
Em português, esse termo denomina estudos sobre a forma e sua estrutura,
que passou a ser utilizado para abarcar a teoria da percepção visual baseada na
psicologia da forma. Em virtude destes estudos, foi possível pesquisar a forma a
partir dos seus elementos, ou seja, perceber uma imagem por meio de suas partes
componentes, compreendendo-as por associações de experiências passadas;
segundo este preceito, ter o conhecimento das partes por meio do todo.
Posta assim a questão, empregaremos a lei básica da percepção visual da
Gestalt que é denominada pregnância da forma, que vai nos permitir e favorecer a
articulação analítica e interpretativa sobre a imagem. Inicialmente será revelada a
biografia da santidade personificada, em seguida descreveremos o tipo de material
utilizado e faremos uma análise formal propriamente dita. Para tal separaremos em
unidades o objeto observado, tudo feito da forma mais simples possível e, a partir
daí, teremos uma interpretação conclusiva que será desvendada nas considerações
finais.
Ao lançar mão desta abordagem, observaremos e descreveremos as
Paulistinhas somando as partes por meio dos processos perceptivos supracitados
privilegiando, portanto, as experiências vividas nesta percepção, para finalmente
refletir sobre a singularidade da imaginária em foco.
A inspiração que os santeiros acreditavam ser divina e que os mobilizava para
sua produção de imagens sacras, quando fundamentada no princípio da pregnância
da forma, leva em conta o quanto as condições da percepção do objeto foram
permitidas, esta relação sujeito-objeto que é captada resulta da interação das forças
externas (subjetivas) com as forças internas (objetivas) e, a partir daí, pode-se
organizar sua configuração.
Seguindo esse preceito, aproveitarei essa contribuição teórica, a qual
fundamentará as indagações estabelecidas e daremos a devida importância à
20
percepção subjetiva por acreditar ser ela a grande responsável pelo ensejo desta
reflexão, que visa atingir os possíveis vários leitores apreciadores do assunto.
Com o propósito de maior esclarecimento, distribuiremos o enfoque desta
pesquisa em três partes.
No capítulo 1 - A CONFECÇÃO DA IMAGINÁRIA, SOB O SIGNO
BARROCO, para o levantamento de dados, partiremos da capitania de São Vicente,
iniciando no culo XVI, período mais remoto de que se tem notícia da produção de
imagem sacra e que tem por autoria o português João Gonçalo Fernandes.
Serão mencionadas ainda outras imagens, que foram produzidas por autores
conhecidos e ligados a oficinas conventuais das ordens monásticas, sobretudo os
beneditinos que eram artífices extremamente talentosos e que estavam submetidos
à orientação do Concílio de Trento e aos padrões estéticos e iconográficos daquele
período. Tal período tem, na representação visual, o emprego de alegorias que
estimulam diversas percepções, estabelecendo um código retórico, o que lhe
confere um caráter de signo. Serão também verificadas suas reverberações no
Brasil e em São Paulo.
Estas imagens retabulares de devoção e contemplação, encontradas nas
igrejas com proporções monumentais e posturas hieráticas, vão aos poucos obtendo
agitação barroca e expressão fisionômica repleta de significação, aa proliferação
da pequena imagem sacra popular Paulistinha para o culto doméstico. Estas
imagens sacras possuem tanta relevância que, acreditamos, possam chegar a se
converter em uma das principais características da arte sacra de cunho popular
produzida dentro de uma cultura barroca, que preza pelo agente emblemático, capaz
de extrapolar os limites cronológicos, por estimularem o sentido de apreciação ao
sagrado e possuírem padrão estético singular.
No capítulo 2 - ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS E RELIGIOSOS NA
PROVÍNCIA DE SÃO PAULO, tratará do Império e os seus conflitos pelo poder, sua
articulação com a religião, visando à construção de uma identidade brasileira, que
para isso apelava para os instintos emotivos. Além desses fatores, uma questão é
determinante neste período, a ascensão econômica que alavancou o progresso da
pobre província, cuja população era constituída por pessoas de pouca instrução, as
quais se apresentavam crédulas na intervenção divina, portadoras de uma fé
21
avassaladora, à qual atribuíam muita importância para as devoções particulares e,
em sua glória, solicitavam novenas e trezenas difundidas por tradição oral.
Nesse período, o conhecimento dos fatos bíblicos era transmitido por meio da
catequese e da estampa de gravuras, realizavam-se as procissões, romarias e as
festas do Divino. Os lares, agora com seu santo protetor, graças ao advento das
Paulistinhas, possuíam pequenos oratórios como aparato para a veneração
particular.
As igrejas católicas e as capelas rurais foram responsáveis pela difusão da
estética barroca, que permitia as celebrações em massa, em seus adros
manifestações de que perpassavam uma vida inteira, do nascimento ao além-
túmulo, também solicitavam a multiplicidade de evocações e realizavam simpatias,
festejos simbólicos todos passíveis de serem decodificados neste imaginário da
corte celestial.
Buscaremos, nesse capítulo, refletir sobre as mudanças sociais e econômicas
ocorridas durante o século XIX, a pluralidade devocional e o surgimento dos
santeiros. Questões estas importantes para entender a formação de um segmento
social que é atraído e persuadido pelos instintos.
Finalmente, no capítulo 3 - UMA NOVA CONCEPÇÃO DE IMAGENS
SACRAS: AS PAULISTINHAS; a produção destas pequenas imagens, cujos
santeiros se basearam numa temática existente, em busca de mitificar a vida dos
santos como exemplos de virtudes morais; sem se dar conta, adaptaram em síntese
os pormenores da pujança das esculturas religiosas barrocas, configuradas para a
contemplação nos altares, imagens santificadas que decoravam os retábulos, com
seus símbolos consagrados.
O aspecto simplificado das Paulistinhas veio a caracterizar uma forma de
representação bastante singular, por resultar de uma pregnância formal, argumento
fundamentado na metodologia, da qual se extraiu o escólio, os objetos são
percebidos pela parte mais bem reconhecida. Para melhor esclarecimento acerca do
tema em apreço, não negligenciaremos a necessidade do devoto, que requeria
essas pequenas imagens sacras para munir suas necessidades devocionais.
Desta forma, procuraremos trazer subsídios para uma perspectiva abrangente
que aponte as semelhanças de aspecto, de iconografia, de material e função, entre
22
as imagens sacras eruditas para o culto coletivo e as de cunho popular Paulistinhas
considerando-as um desdobramento do aspecto formal das demais, citadas e, por
esta razão, observaremos e descreveremos sua tipologia e faremos uma análise
formal.
Feitas as considerações, poderemos legitimar a pretensão de levar os leitores
deste trabalho à reflexão sobre o quão singelas e singulares são as Paulistinhas.
A bibliografia que dará subsídio para a formulação desta reflexão a respeito
da simplicidade da forma e da sua singularidade será composta de obras referentes
à imaginária sacra feita no estado de São Paulo, em especial sobre as imagens
sacras Paulistinhas e todas as outras a que elas se assemelham, por algum quesito;
referimo-nos aos autores Germain Bazin, Eduardo Etzel e Carlos A. C. Lemos.
Também será dada atenção especial aos historiadores que tratam sobre a
vida social e a cultura remanescente de forma circunspecta, o mesmo se aplica para
a abordagem metodológica, alicerçando-nos nos conhecimentos de autores como
Alfredo Bosi, Sérgio Buarque de Holanda, José Antônio Maravall, Carlos E. M. de
Moura, entre outros.
23
CAPÍTULO 1
A CONFECÇÃO DA IMAGINÁRIA, SOB O SIGNO BARROCO
1.1 O espírito barroco e suas reverberações no Brasil
Conforme assevera o historiador Arnold Hauser, mudanças religiosas
ocorreram no século XVI, como a reforma protestante de Lutero que, em 1517,
gerou polêmicas doutrinárias que questionavam a autoridade do papa, abalando
dessa forma toda a estrutura da Igreja Católica.
Diante dos avanços do protestantismo, a partir do pontificado de Paulo III
(1534), e dos demais papas que o sucederam, houve a preocupação de reformar a
instituição; a essa reação deu-se o nome de Contra-Reforma.
Para reafirmar e elucidar todos os dogmas católicos, foi necessário então um
Concílio (1545-1563), o qual teve três fases e levou dezoito anos para definir quais
seriam os instrumentos de renovação que objetivamente assegurariam a unidade da
fé, tais como: a disciplina eclesiástica, o índice de livros proibidos Index Librorum
Prohitorum e a reorganização da Inquisição. Esta passa a ter o nome de Santo
Ofício e, desta vez, em parceria com o estado absolutista que, no século XVIII, atuou
intensamente na Espanha e Portugal e, por extensão, no Brasil. A Igreja teve assim
confirmadas suas crenças, na tentativa de impedir a expansão da doutrina
protestante. Destacamos, para maiores esclarecimentos e por ser pertinente a esta
pesquisa, o culto aos santos e a veneração das imagens, para a instrução dos fiéis,
como também a crença no Purgatório.
Em Roma, onde a sede da Igreja Católica estava instalada no começo do
século XVII, esta se apresentava triunfante diante da Contra-Reforma, disposta a
patrocinar numerosas encomendas de cunho artístico religioso, pois a Igreja se
convertera em um espaço cênico, um teatro sacrum, onde eram apresentados os
dramas litúrgicos, a exemplo da Igreja del Gesù, em Roma, dos arquitetos Vignola e
Giacomo della Porta, a respeito da qual ressalta E.H. Gombrich:
24
[...] quando erigiram em Roma, em 1575, o primeiro edifício neste estilo, sua
construção tinha aspectos verdadeiramente revolucionários. Não se tratava
apenas de mais uma igreja em Roma, onde são tantas. Era a igreja da
recém-fundada Companhia de Jesus, uma Ordem na qual se depositaram
grandes esperanças para combater a Reforma na Europa. (GOMBRICH,
1995, p. 388).
As mudanças se estenderam até os palácios, o que justifica seu refinamento,
e aos seus arredores. A sociedade, nesta época, estava organizada em três classes:
o clero, a nobreza e os burgueses, que estavam em ascensão e começavam a
participar das decisões políticas do estado absolutista, no qual o poder estava nas
mãos do rei considerado um representante de Deus na terra.
Os artistas do Norte da Itália, como Annibale Carracci (1560-1609) e
Miguelangelo Caravaggio (1573-1610), que era de um vilarejo nos arredores de
Milão, e Guido Reni (1575-1642), de Bolonha, vão para Roma em busca de aprender
com os modelos clássicos de outrora e desenvolver o rebuscamento característico
do estilo vigente.
De outros países também houve artistas interessados em estudar em Roma
neste período: da França - Nicolas Poussim (1594-1665) e Claude Lorrain (1600-
1682) e, vindo dos Países Baixos, o flamengo Peter Paul Rubens (1577-1640), que
passaram algum tempo realizando estudos e depois retornaram para seus países de
origem.
Em todas as manifestações artísticas da época, apresenta-se o culto
exagerado das formas, sobrecarregado de realismo dramático e atribuindo um apelo
emocional com o intuito de persuadir o fiel.
A busca por transmitir um estado de espírito conflituoso a respeito de
assuntos tais como o pecado e o perdão, o espírito e a matéria, a vida e a morte, a
dualidade estava sempre presente em um jogo de poder e sensualidade entre o
divino e o humano.
Toda esta criatividade decorativa nas manifestações artísticas foi denominada
por críticos como barroco
1
. Portanto, as figuras alegóricas no interior dos recintos, os
objetos de devoção, a música que passa a caracterizar-se por pormenores e
contrastes complexos, todas essas manifestações artísticas articuladas com este
1
Termo usado para designar uma pérola de esfericidade irregular e imperfeita, ou seja, uma jóia
falsa.
25
sentido cultural e estético de apelo emocional transitavam entre a corte e a igreja.
Por oportuno, depreendem-se os ensinamentos de José A. Maravall:
[...] é barroco todo esse conjunto de recursos ideológicos, artísticos e
sociais que foram cultivados em especial para manter psicologicamente sob
a autoridade tantas vontades que eram temidas por potencialmente estar
em condições de se opor a ela. (MARAVALL, 1997, p. 105)
O reconhecimento da qualidade estética barroca se deu ao final do século
XIX, pelo historiador e esteta alemão Heinrich Wolfflin. Mas o sentido que mobilizava
tal estilo foi tão avassalador que transpôs o tempo e o espaço, encontrando em
outras terras novos elementos que iriam enriquecer e diversificar seu aspecto,
quebrando a homogeneidade inicial, sem perder suas formas sinuosas nos espaços
ricamente decorados com ornatos que preenchiam os vazios em um jogo de luz e
sombra, como visto no espetáculo teatral.
Dessa forma, permitia-se aos artistas imprimirem seu estilo próprio e
características culturais. Cumpre-se verificar os ensinamentos de Heinrich Wolfflin:
Ninguém poderá afirmar que “os olhos” passam por processos evolutivos
por sua própria conta. Condicionados e condicionando, eles sempre
adentram outras esferas espirituais. Certamente não existe um esquema
visual que, partindo de suas próprias premissas, possa ser imposto ao
mundo como um modelo inalterável. Contudo, embora os homens em todas
as épocas tenham visto aquilo que desejaram ver, isto não exclui a
possibilidade de que uma lei permaneça operando em todas as
transformações. (WOLFFLIN, 2000, p. 23).
A Espanha, que era um foco irradiador deste movimento artístico, chega à
máxima exaltação do barroco católico, com suas imagens sacras em madeira da
escola castelhana, extremamente dramáticas feitas por Gregório Fernandez.
Em 1580, consolida-se a unificação da Península Ibérica, o que fará com que
o estilo seja difundido no recém-conquistado continente americano; é neste período
que se propaga a estética barroca no denominado Novo Mundo. Esta união das
coroas se mantém até 1640, quando Portugal recupera sua autonomia.
A Igreja Católica Apostólica Romana estava associada a esta grande ação
colonizadora das coroas ibéricas, num período de conquistas de novos territórios e
26
com o apoio das ordens religiosas, que acompanhavam os colonizadores para
propagar a fé cristã.
No propósito de evangelizar os aborígines, em busca da eficácia do
ensinamento, utilizaram como recurso didático as imagens de devoção que foram
trazidas, inicialmente, para inspirar a proteção divina e que, posteriormente,
passaram a ilustrar a conduta cristã; outras imagens foram confeccionadas, que
entre seus adeptos havia muitos dotados de talentos artísticos, que iniciaram uma
nova produção, com materiais acessíveis, reproduzindo exemplares que até hoje
podem ser encontrados.
Inspirados nos preceitos difundidos da Contra-Reforma, que prezava pela
visualidade e apelo aos instintos, em Terras de Santa Cruz, confeccionaram com
demasiada originalidade imagens um tanto arcaicas na feitura, mas com forte apelo
emocional, assim como foram construídas capelas e igrejas, com fachadas e plantas
retilíneas, tendo em seu interior poucos elementos ornamentais e algumas imagens
de devoção aos santos padroeiros. De acordo com os ensinamentos de Germain
Bazin:
Até 1760, o Brasil não conhecia senão duas formas de escultura: a talha,
realizada em madeira, termo que designa a feitura de retábulos e de lambris
decorativos das igrejas, e a escultura das imagens de santos, executada na
madeira, ou, às vezes, modeladas em terracota. [...]
Sob forma de “imagens”, o Brasil conserva um grande número de estátuas,
que se sucedem do século XVII ao XIX. Algumas são importadas de
Portugal; outras são de todas as qualidades, desde a imitação bastante boa
do que se fazia no Reino, até a forma grosseira e popular, passando pela
interpretação arcaizante, forma específica e que deterá mais especialmente
nossa atenção. [...] (BAZIN, 1971, p.31).
São manifestações artísticas que legitimaram a produção deste estilo, com
sobriedade e muita originalidade em um país em formação sociocultural. A
exploração das novas terras fez-se sob a proteção de um calendário litúrgico, do
qual o santo do dia era o padroeiro local. As ordens religiosas foram se espalhando
ao longo da costa e levando seus princípios cristãos, mobilizando, por conseguinte,
o principal tema das expressões artísticas produzidas nas novas terras. Conforme
sustenta Alfredo Bosi a respeito:
27
No caso luso-brasileiro, a ponte entre a vida simbólica dos tupis e o
cristianismo acabou-se fazendo graças ao caráter mais sensível, mais dúctil
e mais terrenal do catolicismo português se comparando com o puritanismo
inglês ou holandês dominante nas colônias da Nova Inglaterra. A devoção
popular ibérica não dispensava o recurso às imagens: antes, multiplicava-
as. Por outro lado, valia-se muitíssimo das figuras medianeiras entre o fiel e
a divindade, como os anjos bons e os santos, os quais afinal são almas de
mortos que intercedem pelos vivos.
Nessa linha de mediações tangíveis, a catequese no Brasil valorizou,
quanto pôde, a prática dos sacramentos, sinais corpóreos da relação entre
os homens e Deus. (BOSI, 1992, p.72).
No século XVII, com as ordens estabelecidas em vários lugares, criaram
suas oficinas conventuais, as quais foram montadas para a produção de arte sacra
sob a influência da colônia portuguesa. Sempre com o intuito de evangelizar,
seguiam um padrão iconográfico
2
específico, ou seja, santos padroeiros da
respectiva ordem produtora.
O material freqüentemente usado era o barro, pela sua disponibilidade, mas
presença de imagens de grande porte esculpidas em madeira pelas oficinas
jesuíticas, sobretudo na denominada escultura Missioneira dos Sete Povos das
Missões, no Rio Grande do Sul. Talvez pelo caráter missionário com que
adentravam a selva percorrendo caminhos tortuosos, encontraram boa madeira e,
compreendendo o modo de ser dos aborígines, ensinaram-lhes o evangelho e os
orientaram na confecção de imagens, que curiosamente possuem feições étnicas
indígenas do povo guarani.
Entre os beneditinos que possuem uma importante produção com essa
temática, destacamos o frei Agostinho da Piedade, que nasceu em Portugal no final
do século XVI e morreu em Salvador em 1661, veio para o Brasil muito jovem e se
instalou no Mosteiro de São Bento em Salvador, onde produziu imagens-relicários e
esculturas.
quatro belos exemplares assinados, três presentes nos mosteiros de
Salvador e Olinda e um nas mãos de um colecionador, com características
renascentistas, corpos estruturados em cânones
3
clássicos, mas que expressam
tamanha contemplação - são elas: Nossa Senhora de Montesserrate de 1636 e
Santana Mestra de 1642, ambas se encontram no acervo do Museu de Arte Sacra
2
Diz respeito à escrita da imagem e sua significação no grupo temático.
3
O cânone equivale à proporção da medida da cabeça em relação à altura do corpo.
28
da Universidade Federal da Bahia. No mosteiro de Olinda, o Menino Jesus; a
Santa Catarina, como antes citado, em coleção particular.
Dedicaremos um estudo mais bem detalhado à produção do carioca frei
Agostinho de Jesus, que nasceu, não se sabe ao certo, entre 1600-1610 no Rio de
Janeiro e morreu na mesma cidade em 1661, e que atuou brilhantemente na Vila de
São Paulo por volta de 1650, tema este a ser exclusivamente dissertado nas
próximas páginas do estudo.
Fora o registro do pesquisador D. Clemente Maria Silva-Nigra, nada mais se
conhece. Já as imagens sacras, algumas foram identificadas, pelo menos vinte
delas, com suas características, destaque para a belíssima imagem do Patriarca São
Bento, no Mosteiro do Rio de Janeiro que, entre os anos de 1633-1691, investe em
decoração interna, e onde se pode encontrar uma talha barroca dourada em
madeira.
Frei Domingos da Conceição da Silva nasceu em Portugal em 1643 e morreu
no Rio de Janeiro em 1718, se instalou no mesmo Mosteiro de o Bento, onde
produziu trabalhos de talha dos três portais da igreja, em 1671, no frontão do altar-
mor, no arcaz da sacristia e nos arcos da capela de Nossa Senhora da Conceição,
entre outros trabalhos. É classificado como de suma importância o conjunto da
Virgem de Montesserrate, todo o conjunto é confeccionado com qualidade erudita,
característica freqüente na produção sacra dessa ordem monástica.
Os franciscanos criaram algumas oficinas para seus entalhadores e pintores,
que produziram suntuosos templos e foram muito eloqüentes nas suas pregações,
deram assistências espirituais aos enfermos e construíram conventos na faixa
litorânea de Cabo Frio e Angra dos Reis, ambas no Rio de Janeiro, também em
Salvador-BA até João Pessoa-PB, todos com o mesmo padrão arquitetônico em que
o claustro tinha a função de convívio.
inúmeros santos canonizados, ligados à ordem franciscana, que
inspiraram uma rica imaginária, sendo alguns cultuados no Brasil, em etnias distintas
e suas miscigenações. Citando algumas dessas pessoas, consideradas benditas,
que os fiéis acreditavam intermediar uma graça divina: São Francisco de Assis na
devoção dos brancos; Santo Antônio para os pardos e São Benedito para os pretos.
29
Todos foram cultuados principalmente pelas ordens terceiras
4
e irmandades
que foram patrocinadoras de muitas igrejas ricamente decoradas, como a chamada
Capela Dourada ou Capela dos Noviços.
Durante o apogeu da cana-de-açúcar, o ciclo econômico alimentou muitas
dessas produções sacras, decoradas com rica talha e belas imagens importadas de
Portugal de cunho erudito com películas de ouro.
O Nordeste do país encontra êxito neste ciclo econômico e passa a sediar a
capital do Brasil, em Salvador-BA, dentro de um sistema de governo-geral. O
interesse por aquelas terras produtivas trouxe a invasão de holandeses que
permaneceram durante os anos de 1630 até 1654.
Os mais relevantes sermões do Padre Antônio Vieira se dão neste período.
Valendo-se do púlpito, propagava suas idéias políticas por meio da catequese em
defesa do índio e da colônia. Em comentário a essa questão, Sérgio Buarque de
Holanda ressalta:
Pensamento cujas raízes parecem mergulhar no velho naturalismo
português. A comparação entre o pregar e o semear, Vieira teria tomado
diretamente às Escrituras, elaborando-a conforme seu argumento. O
mesmo não cabe dizer de sua imagem do céu estrelado, que se ajusta a
concepções correntes da época e não apenas a Portugal. (HOLANDA,
1995, p. 137).
Na ocasião da invasão holandesa, importantes construções foram destruídas.
Também espalhados pela faixa litorânea, em um percurso similar ao dos
franciscanos, os carmelitas se estabeleceram primeiramente em Olinda-PE, onde
fundaram escola e curso de teologia, posteriormente em Salvador-BA e Santos-SP.
Responsáveis pela devoção mariana, alcançam grande popularidade
devocional com a Virgem da Conceição e do Carmo. Esta última possuía um
escapulário que materializava a convicção do afiliado de viver consagrado à Virgem
Maria e sob sua proteção. Seus seguidores acreditavam que portadores de seu
escapulário seriam salvos do fogo do inferno. Os santos mais populares ligados a
esta ordem são: São Simão Stock, São Elizeu e Santo Elias.
4
Associação de leigos católicos, associados a uma das ordens religiosas, que se reúnem para
devoção de um santo da igreja católica.
30
Ao citarmos as primeiras edificações das respectivas ordens religiosas,
queremos prestigiar a importância dessas instituições no conhecimento, produção e
difusão de arte sacra barroca.
Após a proliferação de produtivas oficinas convencionais, no século XVIII,
teremos os artífices leigos, provenientes de oficinas laicas - são eles: Francisco
Xavier de Brito, Joaquim José da Silva, Valentim de Fonseca e Silva e Antônio
Francisco Lisboa, que atuavam em escolas autônomas regionais, espalhadas por
todo o território brasileiro.
Significativas mudanças ocorrem na região Sudeste: o Rio de Janeiro passou
a ser a capital da colônia em 1763; em Minas Gerais se inicia um importante ciclo
econômico aurífero, neste período é produzido o que alguns especialistas afirmam
ser a maior expressão do barroco no interior brasileiro.
As irmandades elitistas da então Vila Rica promoveram, em 1733, o chamado
Triunfo Eucarístico que pode ser visto em dois blocos, um de alegorias profanas e
outro de figuras sacras, uma festa litúrgica de caráter alegórico barroco.
As construções monumentais foram substituídas por igrejas com forma
elíptica e equilíbrio nas decorações internas, espaços com maior harmonia, sob uma
influência do estilo rococó, mas com o mesmo arrebatamento espiritual barroco de
outrora, ou seja, sem abandonar a temática religiosa e sua dramaticidade.
Artífices executarão as encomendas das muitas ordens terceiras citadas
(confrarias e irmandades), dos diversos segmentos da sociedade colonial brasileira,
em detrimento às ordens religiosas que enfraqueceram, por não contarem mais com
o apoio do rei, que chegou a banir os jesuítas da Colônia, em 1759.
Os arquitetos fazem projetos de igrejas que passam a ter plantas elípticas e
fachadas decoradas com pedra-sabão, como também decorações internas,
elaboradas pinturas coloridas ilusionistas, esculturas monumentais, talhas e imagens
com maior eloqüência gestual para os retábulos e obras públicas.
Começa a ser usual o termo “mestre”, título que qualificaartífices que se
dedicam ao aprendizado e depois ao ensinamento de atividades artísticas,
procedentes dos segmentos mais simples da sociedade, nascidos nas Minas Gerais.
Teremos três destaques: Antônio Francisco Lisboa (1730-1814), o mestre
Aleijadinho, grande expoente desse período com sua arquitetura peculiar e seus
31
belos Profetas em Congonhas do Campo; Valentim da Fonseca e Silva (1745-1813),
o mestre Valentim, que irá atuar brilhantemente nas igrejas e no urbanismo do Rio
de Janeiro; e Manoel da Costa Atayde (1762-1830), o mestre Atayde, e sua pintura
na igreja da ordem Terceira de São Francisco; ele pintou muitas obras do mestre
Aleijadinho em Ouro Preto e Congonhas. De acordo com as pesquisas de Germain
Bazin, podemos verificar que a
[...] arquitetura ornamentística saberá resolver em uma sinfonia mozartiana
as aparentes dissonâncias das curvas e contra-curvas. O mestre desta arte
será Aleijadinho um mestiço – cujos retábulos e fachadas de igrejas têm o
envolvimento lírico de certos santuários suábios [...] o escultor exorciza a
angústia de um agonizante. No despontar do século XIX os profetas de
Congonhas do Campo lançarão ao Universo um aviso que não será ouvido.
(BAZIN, In: ÁVILA, A., 1997, p. 21-22).
A exploração aurífera em Goiás teve uma breve duração, mas deu suporte
para poucas e significativas construções, valendo ressaltar a imaginária produzida
pelo santeiro José Joaquim da Veiga Valle (1806-1874), membro da irmandade do
Santíssimo Sacramento e que esculpiu expressivas imagens, no século XIX, de
cunho erudito, fundamentadas em cânones clássicos, supondo-se tratar de um
santeiro que estudou em escolas especializadas. Segundo a autora Heliana Angotti
Salgueiro, entende-se que:
A escultura veigavalliana singulariza-se por não lhe serem bem conhecidos
os predecessores e contemporâneos artísticos e por seu isolamento em
província estagnada economicamente, com pouca representatividade
política e com uma cultura fragmentada. (SALGUEIRO, 1983, p. 27).
Com toda a elegância gestual e movimentação do auge do rococó europeu,
confeccionou belas imagens com muito equilíbrio, dramaticidade e expressão
angelical, utilizando uma técnica própria e singular de douramento sobre a madeira,
sendo seu trabalho classificado, segundo especialistas, como barroco tardio.
Diante desse quadro, finaliza-se uma era na qual a temática religiosa é
apresentada de forma emblemática e ao mesmo tempo didática, sem perder seu
vínculo com a realidade corrente, retribuindo aos seus expectadores a reflexão e a
compaixão. Essa interlocução introduz, em um estilo vindo de fora, os elementos
tropicais resultando em uma nova visualidade, gerados pela mentalidade barroca,
32
que tinha o propósito de consolidação de elementos socioculturais susceptíveis, que
imprimiram fortes marcas na arte brasileira identificáveis até os nossos dias.
1.2 Desdobramentos em São Paulo
Por meio de vários estudos, tem-se no entendimento do historiador Sérgio
Buarque de Holanda que a história da colonização deste país é complexa, fascinante
e algumas vezes contraditória. Quando os portugueses para cá vieram, em busca de
expandir seu império ultramarino, o navegador Pedro Álvares Cabral, em sua nau,
trouxe uma imagem de Nossa Senhora da Boa Esperança, uma imagem feita em
mármore Alzã de 1,10cm de altura, que hoje se encontra na Quinta do Belmonte, em
Portugal. Estava ele cumprindo mais que um hábito catolicista o de viajar com
imagens de santos de devoção para a proteção contra as turbulências da viagem,
estava ele imprimindo uma doutrina religiosa a ser seguida.
As imagens que foram trazidas nas demais expedições, em sua maioria, eram
de grande dimensão com boa qualidade na feitura e de material diversificado e
policromado, possuíam tamanha sobriedade fisionômica e marcaram uma
característica exclusivamente lusitana, como enfatiza Myrian Andrade Ribeiro de
Oliveira:
Com os primeiros colonizadores aportam no Brasil as primeiras imagens
religiosas. Não poderia ter sido de outra forma, tendo-se em vista o
profundo fervor religioso dos portugueses, cujas raízes medievais se
confundem com a própria nacionalidade do país. (OLIVEIRA, 2000, p.47).
Ao chegarem, logo procuraram por metais preciosos e, não os encontrando,
não tiveram muito interesse por estas terras, a princípio batizadas de Ilha de Vera
Cruz e, algum tempo depois, Terra de Santa Cruz.
Observando os costumes dos índios, perceberam que um tipo de tinta
vermelha era extraída do cerne de uma árvore, que possuía madeira muito pesada,
dura e muito resistente. Conhecendo o mercado europeu que utilizava este tipo de
tinta para tingir tecidos, começaram a explorá-la. Esta árvore era a caesalpinia
echinata, mais conhecida como pau-brasil, que originou a primeira atividade
33
econômica de que se tem notícia. No período de 1503 a 1535, a extração desse
material gerou uma economia um tanto expressiva. Os franceses por não
reconhecer a legitimidade do tratado de Tordesilhas, extraíram a madeira sem pagar
os tributos exigidos pela coroa portuguesa, desse modo foram também
responsáveis pela difusão comercial desse produto que influenciou em definitivo na
denominação das novas terras, como Brasil.
Dessa forma, houve maior interesse e também imensas dificuldades para a
implantação de outros sistemas econômicos como, por exemplo, a agricultura e
diversas atividades extrativas no período denominado Brasil Colônia. Persuadidos
pela necessidade de ocupação das terras brasileiras, os portugueses dividiram-na
em extensas áreas, denominadas capitanias hereditárias, com o propósito de iniciar
uma grande produção agrícola e para convencer os futuros colonos de que deveriam
exceder as dificuldades da zona tropical.
Para estimular esses colonos, o reino oferecia grandes propriedades de terra
destinadas à produção, pelo sistema de Sesmarias, em que os colonos cultivavam a
terra, ficavam com o produto gerado, mas não tinham direitos legais sobre ela.
As capitanias hereditárias eram uma forma de administração do Império
Português que, no século XVI, delegou aos nobres portugueses a exploração
territorial das terras brasileiras, com vistas a acelerar a colonização, gerar recursos
próprios e defender as terras de ataques de outras nações européias. No dizer
sempre expressivo do pesquisador Sérgio B. de Holanda:
Os privilégios hereditários, que, a bem dizer, jamais tiveram influência muito
decisiva nos países de estirpe ibérica, pelo menos tão decisiva e intensa
como nas terras onde criou fundas raízes o feudalismo, não precisaram ser
abolidos neles para que se firmasse o princípio das competições individuais.
À frouxidão da estrutura social, à falta de hierarquia organizada devem-se
alguns dos episódios mais singulares da história das nações hispânicas,
incluindo-se nelas Portugal e Brasil. (HOLANDA, 1995, p. 32-33).
Uma das capitanias hereditárias que mais recebeu incentivo foi a capitania de
São Vicente, doada por D. João III, o então Rei de Portugal, para Martin Afonso de
Souza, em 1532. A colonização da capitania de São Vicente não foi próspera, o solo
era impróprio para o cultivo, mas, mesmo assim, o plantio de cana-de-açúcar
estimulou a construção, em 1533, do Engenho dos Erasmos, à base de energia
34
hidráulica e considerado o ponto de partida para a indústria açucareira no Brasil.
Depois houve interesse em deslocar esse cultivo para o Nordeste para a capitania
de Pernambuco sob o governo do donatário Duarte Coelho Pereira, em Olinda.
Neste contexto é que aparecem os primeiros religiosos na capitania de São
Vicente, cuja missão era converter os aborígines e, para isso, era necessário o uso
de imagens com temáticas religiosas, algumas trazidas por eles e outras produzidas
com barro. Deste modo, surgem as primeiras imagens sacras com características
maneiristas, em terras de o Paulo, que exaltavam as personalidades
consagradas.
A esse respeito cabe, por oportuno, destacar a lição de Bazin:
Infelizmente é raro que as imagens mais antigas, as do século XVII, tenham
ficado no estado desejado pelo escultor e pelo pintor. Na maior parte das
vezes, as camadas de pintura formaram uma pasta e amoleceram as
formas. Hoje em dia, tem-se “embelezado” o aspecto, julgado muito
primário, desses velhos santos, com fiorituras ornamentais e uma grosseira
encarnação, que fizeram dessas infelizes estátuas vestígios veneráveis da
primeira produção brasileira, verdadeiras caricaturas. (BAZIN, 1971, p.32).
Em virtude destas informações, cumpre também verificar os esclarecimentos
de Eduardo Etzel (1984) sobre as três versões que cercam a produção das primeiras
imagens sacras com autoria reconhecida, de que se tem notícia por tradição oral,
registradas posteriormente e feitas supostamente na capitania de São Vicente pelo
artífice português João Gonçalo Fernandes por volta de 1560. Partindo-se de um
estudo comparativo no qual o aspecto formal, a técnica de modelagem e a própria
matéria-prima, o barro e suas propriedades, são considerados, despertam-se
dúvidas sobre a real autoria destas imagens e sua provável procedência.
Na versão do pintor e pesquisador Benedito Calixto, houve uma encomenda
de duas imagens vindas de Portugal. Seriam elas: Nossa Senhora do Amparo, para
a capitania de São Vicente, que atualmente se encontra em um convento
franciscano, e Nossa Senhora da Conceição para uma ermida construída no alto de
um grande morro, na então vila de Itanhaém, que se encontra atualmente no Museu
de Arte Sacra de Santos. Houve, na ocasião, uma troca das caixas onde estavam as
tais imagens e, talvez por desconhecerem seus atributos, a imagem de Nossa
Senhora do Amparo foi venerada como Nossa Senhora da Conceição.
35
Na versão de um pesquisador franciscano, cujo nome é Basílio Rower,
verificou-se, no livro do tombo da mesma ordem, que o artífice João Gonçalo
Fernandes teria sido preso em São Vicente, por acusação de um crime, e teria
pedido para que lhe trouxessem uma quantidade de barro para a feitura de uma
imagem em louvor à Virgem Maria. Como a quantidade permitiu, ele fez duas
invocações à Virgem, sendo elas: Nossa Senhora da Assunção e Nossa Senhora
dos Anjos, posteriormente, sem citar o motivo, convertida em Nossa Senhora da
Conceição, e ainda um Santo Antônio. Pouco tempo depois da entrega destas
imagens, teria João Gonçalo Fernandes alcançado a graça de ser absolvido da
grave acusação que o condenaria à morte.
Em uma última versão, frei Agostinho de Santa Maria afirma a construção de
uma nova igreja, na parte plana, onde se pretendia colocar uma nova imagem de
Nossa Senhora da Conceição, com semelhança a que existia, na ermida no alto
do morro. Esta imagem de barro foi modelada em Portugal e era bastante venerada
no Brasil, em especial pelo padre jesuíta Anchieta, tanto que chegou a ser conhecida
como Virgem de Anchieta.
A imagem de Nossa Senhora da Conceição foi feita sob encomenda por um
talentoso morador da vila de São Vicente que respondia a um processo criminal, no
qual teria sido condenado. Por uma graça alcançada, teria sido o escultor absolvido,
logo depois que terminou a encomenda e pôde entregá-la para a veneração dos
fiéis. Esta não seria a única encomenda de imagem sacra ao então condenado, ele
também atendia à encomenda de uma Nossa Senhora do Rosário e de um Santo
Antônio.
Na ocasião da retirada da imagem, os fiéis, com certa urgência de colocá-la
no seu altar, devido às festividades da padroeira, fizeram, talvez inconscientemente,
uma troca de imagens e, por conseqüência, também de invocações, sendo a Nossa
Senhora da Conceição venerada como Nossa Senhora da Assunção.
36
Ilustração 1 - Nossa Senhora da Conceição, século XVI – MASS (SP)
João Gonçalo Fernandes – barro cozido, 110 cm
Todas as versões aqui apresentadas estimulam o mito sobre a confecção das
primeiras imagens feitas no Brasil, que apresentavam uma característica de
arcaísmo vigente em Portugal, como a postura hierática, rostos roliços, sem
expressão fisionômica, panejamento pesado colado ao corpo e sem peanha.
Levando-se em conta tudo o que foi observado por estes pesquisadores e
procurando refletir sobre a tipologia destas imagens, Eduardo Etzel faz as seguintes
observações:
[...] Nossa Senhora com o menino nos braços, conhecida como a N. S. da
Conceição de Itanhaém. Peça de construção curiosa sem peanha, com 110
cm de altura feita de terracota, completamente oca e com pouca espessura
de barro, apenas 02 a 03 cm. Está fortemente repintada e o aspecto é de
uma imagem popular com uma construção grosseira, bem afastada de um
tratamento erudito. A cabeça é grande, com o cânon 06,3 quando o normal
clássico seria de 07 a 08 alturas da cabeça para o total da altura do corpo.
O exame da face posterior da imagem é particularmente instrutivo. Vê-se
que é completamente oca e tem quatro orifícios; um deles na altura superior
do tórax e outro maior próximo à base, onde se quebrou parte da imagem.
Ao alto e ao lado do orifício superior, dois outros menores atrás dos braços
também ocos, cujo vazio não esem comunicação com a câmara interior
do corpo da imagem. Esta superfície interna estoda pintada em azul [...]
Raspando-se a superfície interna e as bordas dos orifícios, verifica-se uma
terracota muito dura, que resistiu à ação do canivete, o que indica uma
queima a alta temperatura [...] o barro é esbranquiçado e granuloso, com
muita areia, que se poderia classificar como barro de qualidade [...]
(ETZEL, 1984, p. 23-24).
37
Com essa idéia, o autor busca legitimar a verdadeira origem desta peça,
porque o barro esbranquiçado existia em abundância nesta região e em outras áreas
do estado de São Paulo, sem os elementos férricos, que lhe acentuariam a cor
avermelhada. O barro de várzea paulista, depois da queima, pode variar entre a cor
palha e o marrom-claro; a temperatura e a presença de ar durante a queima podem
influenciar também na cor da peça; a boa temperatura para a queima seria por volta
de 900ºC.
A respeito da outra invocação da Virgem, poderia ter sido importada de
Portugal, juntamente com a de santo Antônio, porque ambas possuem o tipo de
barro vermelho, muito comum nas peças portuguesas vindas da região de Alcobaça,
exportadas para a veneração, assim como a imagem de Nossa Senhora Menina
encontrada em Bertioga.
Tendo feito uma observação comparativa das formas fundamentais da
composição entre as três imagens em questão, Etzel (1984) acredita na existência
de pelo menos dois artistas: um que teria feito as invocações à Virgem e outro que
teria feito o Santo Antônio, não pela diferença do barro, como também pelos
orifícios existentes para ser ocada, ou seja, a retirada de barro interno, que pode
chegar à altura do tórax da imagem. Isso é feito para melhor queima, pois, em um
bloco maciço, a secagem é irregular e, se fosse para a queima com as partes ainda
úmidas, poderia sofrer uma fratura e não teria uma boa queima.
Para o estudo proposto, usaremos estas imagens como referências iniciais,
por terem sido, sem dúvida alguma, modelos de inspiração para muitas outras feitas
na capitania de São Vicente e que permitirão uma reflexão sobre o aspecto formal e
estético da imaginária feita de barro, até o advento das Paulistinhas.
No decorrer da colonização com os sucessivos agrupamentos de cristãos,
logo estes passaram a se organizar em irmandades, orientadas pelas ordens que
iam se instalando e criando oficinas artísticas conventuais, legitimando, assim, a
religiosidade de um povo e, em virtude disso, estimulando a construção de capelas
para o santo padroeiro que era confeccionado seguindo os modelos lusitanos, uma
personificação da fé arrebatadora.
A participação das ordens monásticas é de grande importância na confecção
de imagens. Os jesuítas em 1553, chegaram em São Vicente e, dentre os
38
missionários, estavam José de Anchieta e Manoel da Nóbrega. Eles tinham por
princípio a missão de desbravar as novas terras educando e difundindo o
cristianismo. Dos ensinamentos do pesquisador Alfredo Bosi, extraiu-se a salutar
explicação:
Falando para nativos ou para colonos Anchieta parece ter feito um pacto
com as expressões mais hieráticas da cultura arcaico-popular: aquelas
crenças e aqueles ritos em que não reponta, porque não pode determinar-
se com clareza, a consciência da pessoa moral livre. Nas entranhas da
condição colonial concebia-se uma retórica para as massas que poderia
assumir em grandes esquemas alegóricos os conteúdos doutrinários que o
agente aculturador se propusera incutir.
A alegoria exerce um poder singular de persuasão, não raro terrível pela
simplicidade de suas imagens e pela uniformidade da leitura coletiva. Daí o
seu uso como ferramenta de aculturação, daí a sua presença desde a
primeira hora da nossa vida espiritual, plantada na Contra-Reforma que unia
as pontas do último Medievo e do primeiro Barroco. (BOSI, 1992, p. 81).
Subiram a Serra do Mar, chegando ao Planalto de Piratininga; gostaram da
localização topográfica dessas terras, pois se situavam em uma colina alta e plana
que, acreditavam, facilitaria a defesa contra possíveis ataques de índios mais
selvagens. Fundaram então um colégio em 25 de janeiro de 1554; a respeito Afonso
de E. Taunay deixou assentado que:
Passaram-se as festas do Natal e raiou, finalmente, a madrugada de 25 de
Janeiro de 1554, quando treze soldados de Cristo alicerçaram os
fundamentos da atual cidade de São Paulo. O primeiro ato dos missionários
foi a homenagem a Deus, através do seu culto: a celebração do santo
sacrifício da missa. A benção do altíssimo caiu sobre o campo de Piratininga
[...] (TAUNAY, [s.d], p.43).
Pouco depois, muitas casas de taipa foram construídas ao redor, gerando um
pequeno povoado e, passados alguns anos, em 1560, este foi elevado à vila de São
Paulo de Piratininga. Os carmelitas chegaram nesta capitania em 1589, chefiados
por frei Pedro Viana. José Adorno e sua mulher doaram a frei Pedro Viana a capela
de Nossa Senhora das Graças. Brás Cubas lhe ofereceu um terreno para a
fundação de um convento (o que ocorreu em 1599), no qual ainda hoje se encontra
o atual convento, em Santos.
39
os beneditinos tiveram, como responsável pela edificação da igreja de São
Bento em 1598, frei Mauro Teixeira que a ergueu no lugar considerado mais ilustre
da Vila de São Paulo de Piratininga. Desse modo, vislumbra-se a confecção de
imagens da ordem beneditina, que se apresentam com extrema relevância e
marcaram a produção de imagens sacras no século XVII. Dois beneditinos, frei
Agostinho da Piedade, sobre cuja importância neste contexto dissertamos
anteriormente, e frei Agostinho de Jesus nos legaram algumas marcas que
identificam com precisão as suas peças.
Nas imagens de barro, a datação é feita antes da queima da peça,
descartando qualquer possibilidade de falsificação o fato de estas marcas
existirem é bastante curioso, que, como na tradição medieval, os monges
executavam as imagens a serviço de Deus.
Os franciscanos obtiveram autorização para a edificação do seu mosteiro em
1624; uma segunda construção mais bem edificada foi erguida em 1644, feita de
taipa, tipo de construção tradicional no princípio da urbanização, mas infelizmente
deixaram poucos registros sobre a sua produção de imagens sacras. Indícios nos
levam a um número expressivo de imagens sacras, procedentes de uma escola
franciscana, da qual se podem encontrar imagens retabulares no convento de São
Sebastião e na região de Taubaté e Mogi das Cruzes, Itu e também nos conventos
de São Francisco, da Luz e na ordem terceira da Penitência, todos em São Paulo.
É sobretudo importante salientar, dentre a produção de oficinas conventuais,
o significativo trabalho do beneditino frei Agostinho de Jesus em o Paulo. Cabe,
por oportuno, destacar a observação da pesquisadora Myriam Andrade Ribeiro de
Oliveira sobre os artífices:
Há diferenças bastante nítidas no estilo dos dois artistas. Na obra do monge
carioca são menos visíveis os arcaísmos que caracterizam a do mestre
português. Suas imagens são mais movimentadas, as atitudes mais naturais
e graciosas e uma certa expressão brejeira aparece nas fisionomias [...]
(OLIVEIRA, In: ÁVILA, A., 1997, p. 268)
Frei Agostinho de Jesus, durante alguns anos, se dedicou a produzir imagens
em Santos e Santana do Parnaíba. aproximadamente vinte imagens em que são
reconhecidas suas características de modelagem e outras aguardando confirmação
40
de sua atribuição; as formas fundamentais da composição apresentam um volume
anatomicamente adequado, ou seja, os cânones clássicos, a simetria, a verticalidade
e a estaticidade estão sempre presentes nestas imagens que marcam o período: os
cabelos com mechas onduladas que caem sobre os ombros e vão até o meio das
costas; na expressão fisionômica um leve sorriso que sugere serenidade; a túnica
longa que cobre os pés com acentuadas dobras; manto com bordas largas que
cobre parcialmente o corpo e formando acentuadas dobras; peanha com querubins e
volutas como nuvens.
Ilustração 2 - Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, século XVII – col. part.
Frei Agostinho de Jesus – barro cozido, 29 cm
Ilustração 3 - Nossa Senhora do Rosário, século XVII
Frei Agostinho de Jesus – barro cozido, 42 cm
41
Destaques para as imagens: Nossa Senhora do Rosário de Pompéia com 29
cm de altura e Nossa Senhora do Rosário com 42 cm, as duas são provenientes da
matriz de Santana do Parnaíba, porém podemos encontrá-las no acervo do Museu
de Arte Sacra de São Paulo (M.A.S.). A respeito dessa produção, depreendemos os
ensinamentos do pesquisador Eduardo Etzel, em especial para as obras de Frei
Agostinho de Jesus:
[...] teve início em São Paulo uma atividade escultórica, encabeçada por Frei
Agostinho de Jesus, que teve seus discípulos e seguidores, os quais
adotaram sua técnica e estilo, adquirindo personalidade e produzindo as
imagens conhecidas e diversificadas (ETZEL, 1984, p. 87).
Ao frei Agostinho de Jesus também é atribuído, por especialistas como Dom
Clemente da Silva-Nigra e Dom Paulo Lachenmayerbeiro, partindo de um estudo
comparativo, a autoria da imagem de terracota, de 40 cm de altura, encontrada no
rio Paraíba em meados de 1717, sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição,
que possui características estilísticas das demais atribuídas a ele: o tipo do barro,
que é da região de Santana do Parnaíba, na grande São Paulo, local onde este
artífice tinha sua oficina e produziu inúmeras peças de boa feitura.
Ilustração 4 – Nossa Senhora da Conceição Aparecida, século XVII – SNA (SP)
Atrib. Frei Agostinho de Jesus – barro cozido, 40 cm
42
Existem algumas peças seiscentistas que são rústicas, outras de tão boa
qualidade tais quais as eruditas portuguesas, que infelizmente não possuem
atribuição autoral; algumas peças que começam a apresentar uma criatividade
peculiar, sobretudo as representações da Virgem que permitiam uma maior
autonomia na confecção e, curiosamente, são elas que nos revelam uma evolução
estética na confecção das imagens sacras.
Nesta época é que se difundem as primeiras imagens da Nossa Senhora do
Ó ou da expectação, como também é conhecida, que representam a Virgem Maria
com o ventre crescido e com as mãos sobre o escapulário, indicando o fim da
gravidez, algumas chegam a apresentar um domínio bastante aprimorado na sua
modelagem, levando-nos a concluir fazerem parte das oficinas conventuais da
ordem beneditina que deu origem a outras oficinas, então laicas, das regiões de Itu,
Tietê, Sorocaba, Itapecerica da Serra e da capital.
Ilustração 5 - Nossa Senhora do Ó, século XVII – col. part.
Frei Agostinho de Jesus – barro cozido, 50 cm
A produção de imagens setecentistas paulistas é limitada. Devido ao seu
isolamento econômico, as poucas imagens que nos restam são, em sua grande
43
maioria, de feitura popular, ou seja, feitas por santeiros habilidosos que não
deixaram registros de sua autoria, mas iniciaram uma significativa produção com
características regionais.
Ilustração 6 - Santa Gertrudes, século XVII – MAS (SP)
Sem atrib. – barro cozido, 38 cm
Estas imagens de feitura popular têm como característica a espontaneidade,
uma criatividade para solucionar pequenos detalhes que nos surpreendem,
demonstrando assim uma expansão do seu universo particular e, mesmo sem uma
formação sistemática, seguem uma tradição de estilo, perpetuando o costume de um
povo por expressar os valores das comunidades aos quais estão ligados; imagens
deste cunho chegaram a ser denominadas imaginária bandeirante.
Em outras regiões do Brasil, as imagens sacras alcançaram seu apogeu e o
material mais utilizado passou a ser a madeira ou a pedra-sabão. A madeira foi
pouca utilizada em São Paulo. Muitos conflitos marcam este período: houve uma
grande evasão na província de São Paulo de pessoas que foram para Minas Gerais,
em busca do ouro, ordens religiosas regulares que estimulavam e até orientavam na
produção de arte religiosa não puderam edificar seus conventos nesta nova região
aurífera, foram proibidas na capitania das Minas Gerais e também nos caminhos que
levavam a ela.
44
Foram muitos os conflitos entre os poderes do governo português e as ordens
religiosas que acabaram por originar outras formas de organização religiosa, as
irmandades, para efeitos de natureza espiritual, que representavam grupos de uma
sociedade caracterizada pela mestiçagem. As ordens terceiras, que congregavam
somente os brancos ricos que passaram a ser os principais patrocinadores das
construções de igrejas, das imagens dos padroeiros e das festas e procissões
sagradas.
Os colonos se organizavam em irmandades e foram, aos poucos,
responsáveis pelo consumo de imagens de santos de devoção, na sua maioria de
barro, com boa feitura, para os altares laterais das igrejas locais.
Nas imagens de barro confeccionadas em São Paulo neste período se
observa maior expressão fisionômica, movimentação do panejamento e
interpretações peculiares da imaginária que agora passa a ser produzida, em sua
grande maioria, pelas mãos dos santeiros que irão perpetuar esta tradição da
imagem feita de barro como característica da produção de imagem sacra feita em
São Paulo.
Ilustração 7 - Nossa Senhora da Piedade século XVIII – col. part.
Sem atrib., , barro cozido, 30 cm
45
Um santeiro anônimo que produziu inúmeras imagens de boa feitura tinha
uma habilidade surpreendente quanto à modelagem, e atuou nas regiões dos Vales
do Paraíba e do alto Tietê. Conhecido como mestre Bolo de Noiva possuía como
características: as imagens centrais quase que se perdem em meio a tantos
elementos decorativos; a cor é muito vibrante; muitas volutas; anjos e atlantes se
misturam harmoniosamente. Segundo Carlos Lemos (1999), o apelido foi dado a um
santeiro conhecido como Bernardo, escultor ativo, de criatividade inigualável, sem
oficina fixa, com produções que podem ser encontradas em cidades como
Guaratinguetá, Jacareí, e também nas cidades de Itu e Sorocaba. Recentemente foi
constatada uma imagem com suas características, datada de 1753.
Ilustração 8 - Sant’Anna Mestra século XVIII – col. part.
Mestre Bolo de Noiva barro cozido, 52,5 cm
Em concordância com a lição sempre precisa do pesquisador Carlos Lemos,
podemos refletir:
A imaginária paulista foi exclusivamente ibérica em sua origem, e decorrente
de processos de “aclimatação” e da reinterpretação de modelos, como
também observamos. Aqui coabitaram ecos da arte goticizante,
manifestações renascentistas, a amostragem maneirista e variações
infinitas do barroco. (LEMOS, 1999, p. 123).
46
O rebuscamento barroco está muito bem representado nestas imagens que
se encontram, em sua maioria, fazendo parte de coleções particulares, por pessoas
que são amantes destas produções artísticas e que passam a conservá-las,
permitindo a sua exposição em restritas ocasiões, para a contemplação dos
especialistas que anseiam por maiores informações a respeito desta imaginária;
outras estão no Museu de Arte Sacra de São Paulo (M.A.S.)
5
, onde podemos
apreciá-las, com lugar reservado e luz direcionada, o passado preservado mantendo
as características de um período no qual elas fizeram parte da vida cotidiana.
Ao considerarmos as várias imagens aqui apresentadas como relevantes
exemplares de uma cultura barroca que contribuiu para a construção cultural de um
país em busca de uma identidade, constatamos uma arbitrariedade em não valorizá-
las como referências fundamentais para a produção de imaginária no Brasil.
O estado de São Paulo pode não ter a exuberância de imagens sacras
barrocas do século XVIII, como as que foram feitas em Pernambuco, Bahia, Rio de
Janeiro e Minas Gerais, mas a importância do seu caráter, nas condições em que
foram confeccionadas no século XVII, faz-se presente, constituindo uma espécie de
contexto para as futuras produções de esculturas religiosas que, no seu
desdobramento formal, chegaram a concepções tão originais como as Paulistinhas.
O que fica aqui registrado é a maneira criativa como se utilizou o material
disponível, o barro de várzea, e o contexto sociocultural no qual as imagens sacras
estão inseridas.
Em suma, houve uma sugestão de temas para as manifestações artístico-
religiosas voltada para a coletividade que agradava aos poderes vigentes e abria um
caminho para os habilidosos artífices que, alheios à estratégia persuasiva do poder
manipulador absolutista, conceberam imagens para a exposição em retábulos onde
se incita o espetáculo glorioso, ou para o uso em procissões, nas quais os fiéis com
os olhos contemplativos se comoviam, um incitamento para a sensibilidade
permeada pela fé, materializada no barro que, após conquistar a confiança dos
devotos, adentraram aos lares e para onde convergiram toda sorte de pedidos.
5
Museu de Arte Sacra de São Paulo, sito à Av. Tiradentes, 676, nas proximidades da Estação da Luz
do Metrô.
47
CAPÍTULO 2
ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS E RELIGIOSOS NA PROVÍNCIA
DE SÃO PAULO
2.1 Relevantes mudanças durante o Século XIX
Neste tópico, trataremos das mudanças ocorridas no Brasil durante o Século
XIX, com o intuito de fundamentar e explicitar as turbulências sociais em meio às
quais viviam pessoas alheias a essas questões e que se voltavam a suas devoções,
o que virá a mobilizar a produção das imagens Paulistinhas.
2.1.1 Aspectos políticos e econômicos
Seguindo os esclarecimentos do historiador Nelson Werneck Sodré, a
capitania de São Paulo, desde o final do século XVIII, passou por significativas
mudanças, depois de um período de dezessete anos de extinção, em que foi
anexada como distrito da capitania do Rio de Janeiro no período de 1748 a 1765,
quando houve a nomeação de D. Luís Antônio de Souza Botelho e Mourão, o
Morgado de Mateus. A este nobre foi dado o título de nobiliárquico português,
atribuído pelo respectivo instituidor o Marquês de Pombal, primeiro-ministro do rei D.
José I. Por meio deste sistema governamental, concedeu um território ao sul do país
para ser protegido dos espanhóis e expandir suas fronteiras, como também para ser
desenvolvido social e economicamente.
A partir desta nomeação a capitania sofreu um processo de reestruturação.
Assim sendo o Morgado de Mateus passou a ser um interventor da capitania,
procurava consolidar a ocupação desta seguindo três ações estratégicas: articulação
de estradas com a grande bacia hidrográfica do rio Paraná, fundação de freguesias,
vilas e cidades ordenadamente colocadas no eixo dessas estradas e o incentivo da
48
agricultura de exportação de cana-de-açúcar, uma tática da Coroa para receber
recursos e usá-los na reconstrução de Lisboa, que fora destruída por um grande
terremoto em 1755.
De acordo com as afirmações dos pesquisadores Janice Theodoro e Rafael
Ruiz:
É a partir desse momento que a vida da antiga Vila, agora Cidade de São
Paulo, passou a ter uma nova configuração, processada de forma bastante
lenta. O Morgado de Mateus, seguindo as orientações pombalinas,
pretendia como primeira medida que os paulistas se afastassem da vida
“atrás do mato virgem” para se aproximar cada vez mais da “sociedade
civil”. (In: PORTA, 2004, p. 111).
Para incentivar a ocupação da região, que teria sido evadida em face da
busca de enriquecimento nas Minas Gerais, foi necessário um fortalecimento
patriarcal e grandes esforços na promoção das atividades agrícolas exportadoras,
em detrimento à atividade extrativista de pedras e metais preciosos, que mobilizou o
interesse econômico dos colonos.
As primeiras sementes de café foram trazidas por Francisco de Melo Palheta
6
,
em 1727. Sendo considerado inicialmente como planta exótica, fora cultivado em
hortas e pomares nas regiões do Nordeste, algum tempo depois foi plantado em
outros lugares principalmente nas cidades litorâneas como na floresta da Tijuca no
Rio de Janeiro, onde não chegou a prosperar, pois o clima o favorecia o cultivo.
Todo o lado fluminense do Vale do Paraíba e a região ao Leste paulista
apresentavam melhores condições para o cultivo na área em que já havia sido
cultivada, com relativo sucesso, a cana-de-açúcar e também as lavouras de
subsistência como o feijão, a mandioca e o milho. Conforme sustenta o pesquisador
Carlos E. M. de Moura:
Café começou aos poucos, antes de 1800. Antes não era o quebra-jejum.
Nos engenhos os donos e hóspedes se dirigiam à casa do estanque, onde
se guardavam pipas e barris e aguardente e, tal como na metrópole se fazia
com um copázio de vinho tinto ou mesmo verde, matavam o bicho com um
copinho ou cálix de vidro colorido, coisa rara. (MOURA, 1999, p. 25).
6
Militar, capitão-tenente da guarda-costa e desbravador brasileiro, trouxe uma porção de grãos de
café ofertados por um francês; a exportação comercial dos grãos era proibida na França.
49
Localizado entre as serras do Mar e a serra da Mantiqueira, o Vale do Paraíba
do Sul tem um rio com o mesmo nome, que nasce na serra da Bocaina, no estado
de São Paulo e segue até a cidade de Campos, no estado do Rio de Janeiro. Em
busca de uma política econômica auto-sustentável impulsionada pela fabricação do
açúcar, a capitania inicia, nos engenhos do referido Vale, uma organização de
ordem social, econômica e política capaz de reconstruir seus valores, suas idéias e
suas crenças, chegando a alcançar considerada importância, com a exportação do
açúcar, uma economia estimulada até o final da primeira metade dos Oitocentos e
superada apenas pelo ouro-verde, o café.
Isto ocorreu por algumas razões fundamentais como uma melhor cotação no
mercado internacional, devido à suspensão do seu principal fornecedor o Haiti
7
; os
baixos investimentos para o cultivo; a longevidade do cafeeiro, que poderia chegar a
vinte anos; e o transporte dos grãos, mais seguro, mesmo sendo feito por tropas de
mulas, por serem mais resistentes, ou seja, ocorriam menos perdas do produto.
Como o mercado se encontrava em expansão, o ouro verde promoveu a formação
de hierarquias sociais delimitadas que apoiavam o regime monárquico e dele tinham
proteção. Em comentário a essa questão, o autor Nelson W. Sodré aduz:
O regime que se inaugura em 1840 apanha, justamente, as conseqüências
do empobrecimento proporcionado pela decadência da mineração, coincide
com uma das maiores crises da lavoura canavieira, da qual ela não mais
ressurgiu para novo esplendor, e assiste ao início do período do café. É por
isso que a primeira década de predomínio de D. Pedro II é ainda
pertencente à fase principal e culminate da entrada do elemento africano.
Porque era necessário o braço do negro escravo para suprir a mão-de-obra,
na lavoura cafeeira que se desenvolvia com extraordinária rapidez.
(SODRÉ, 1998, p.63).
Levando-se em conta o que foi observado, a capitania de São Paulo
estabelece, no século XIX, um caráter monocultor na lavoura em um período de
grandes mudanças para o país, desde a chegada da família real ao Brasil, em 1808.
7
Devido ao levante promovido pelos escravos em 1791, seguido da revolução que tornou o país
independente da França em 1804.
50
Houve então a abertura dos portos e, por conseguinte, uma estrutura
administrativa foi criada para legitimar os sistemas de economia: agrária,
exportadora e escravocrata, que prosperava rapidamente.
A elite teve seu desenvolvimento cultural garantido, em 1815 o país foi
elevado à categoria de Reino Unido, tendo como referências culturais a França e a
Inglaterra, pois Portugal se mostrava decadente diante dessas outras nações. Com a
vinda da Missão Francesa em 1816, artistas de gabarito chegaram para a
construção de uma corte, tal qual viviam na metrópole.
Os reflexos da Revolução Industrial, do pensamento liberal, da expansão do
capitalismo e a independência de outros países foram paulatinamente influenciando
e preparando o campo para a emancipação política do Brasil que aconteceu no dia
07 de setembro de 1822, às margens do riacho do Ipiranga, por D. Pedro I, na ainda
capitania de São Paulo, que passaria a ser província a partir da carta de Lei de 25
de março de 1824, cujo teor do Título 1º. e seus respectivos artigos mais pertinentes
a este estudo é o seguinte:
Título 1º- Do Império do Brasil, seu território, Governo, Dinastia e Religião:
[...]
ARTIGO - O seu território é dividido em províncias, na forma em que
atualmente se acha, as quais poderão ser subdivididas, como pedir o bem
do Estado.
[...]
ARTIGO 5º - A religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a
religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu
culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma
alguma exterior de templo.
Apesar da mudança governamental para o sistema monárquico, poucas foram
as alterações estabelecidas, o conjunto de interesses como a economia vinculada ao
predomínio do latifúndio, a monocultura, o trabalho escravo, em conseqüência há um
sistema econômico voltado para a exportação e a religião oficial continuou a ser a
católica, atribuindo-se a São Pedro de Alcântara o título de padroeiro do Brasil, uma
evocação da ordem franciscana, do qual D. Pedro era devoto. O Imperador chegou a
51
receber o Grau de Mestre Maçom
8
e, como um dos preceitos da instituição é o
respeito a todas as religiões, nada impediu que continuasse sua articulação com o
clero e o estímulo das devoções para a reverência ao sagrado.
2.1.2 A sociedade
A sociedade nesta época passa a ser totalmente patriarcal. As mulheres da
elite permaneciam em suas casas confeccionando seus bordados, enquanto as
tarefas da casa e cuidados com os filhos eram delegados às escravas negras que,
com a devida permissão, podiam ter as suas crianças brincando com os filhos dos
senhores da casa grande, mas que eram separados, na fase adulta, que estes
seriam os seus futuros donos, a quem deveriam total obediência. No dizer sempre
expressivo do pesquisador Carlos E. M. de Moura:
Levantavam-se muito cedo tanto a família como os escravos. Era numeroso
o pessoal de serviço. Havia dez ou doze raparigas de quarto, mucamas,
serventes, engomadeiras, costureiras. No pavimento térreo habitavam três
ou quatro mulheres casadas, que se ocupavam da lavagem da roupa e
outros serviços [...] (MOURA, 1999, p.97).
Tal sistema passou a se restringir a partir de 1850. Em um período
denominado Segundo Reinado, o Parlamento aprovou a Lei Eusébio de Queiroz que
acabou com o tráfico negreiro. Em 1871 foi aprovada a Lei do Ventre Livre; em
virtude disso, em 1885, a Lei dos Sexagenários e, diante deste quadro, finalmente
em 1888, a promulgação da Lei Áurea. Sendo a mão-de-obra escrava fundamental
para o cultivo e para a colheita, por não ter criado uma infra-estrutura, a economia
cafeeira enfraqueceu com a abolição da escravatura.
Para melhor entendimento deste importante empreendimento comercial, se
faz necessário um aprofundamento. Algum tempo depois da independência política,
por volta de 1830, o Brasil teve no cultivo do café uma prosperidade econômica, de
grande relevância, chegando a ocupar o primeiro lugar nas estatísticas das
8
Uma instituição essencialmente filosófica, filantrópica, educativa e progressista. Disponível em:
<www.livrariamaconica.com.br>.
52
exportações, superando os demais cultivos. O chamado ouro-verde expandia suas
lavouras largamente, porque o plantio de café requeria vastas extensões de terras, o
que favoreceu o aumento da população para o seu cultivo.
Na então província de São Paulo, este fator atraiu um número significativo de
pessoas que migraram para a região, pessoas que, até então, se concentravam nas
regiões portuárias ou mesmo vindas das Minas Gerais. Tinham o intuito de trabalhar
no comércio local, como artesãos, e até mesmo nas lavouras, como trabalhadores
livres e, dessa forma, conquistar seu pedaço de terra em cidades como
Guaratinguetá, Bananal, Lorena e Pindamonhangaba que enviavam as sacas de
café para o porto do Rio de Janeiro.
Assim sendo, o vale enriquece-se rapidamente, sobretudo na cidade de
Bananal que chega, em 1854, a ser a primeira produtora de café do Brasil, porém o
restante da província continuava dependente da cana-de-açúcar cultivada
abundantemente na região do Oeste paulista.
Na cidade, o comércio prosperava, para uma população que paulatinamente
se compunha de empregados públicos, militares reformados, alguns artesãos que
produziam para o consumo local e uma classe acadêmica, que ia se estabelecendo
em São Paulo.
Com a fundação da Academia de Direito em 1827 buscava-se instituir um dos
pilares de construção de uma nova nação, formando novos governantes e
administradores públicos, visando estruturar o país recém-emancipado. A respeito,
vejamos os seguintes esclarecimentos da pesquisadora Alzira L. de A. Campos:
Com a instalação da Academia de Direito, a vida social centralizou-se em
torno de cerca de mil estudantes, abrigados em pensões ou repúblicas
espalhadas pela Cidade. Configurou-se o “burgo de estudantes” [...] Nas
últimas três décadas, a presença maciça de imigrantes e o desenvolvimento
urbano trazido pela economia agroindustrial do café modificaram o perfil de
São Paulo. (In: PORTA, 2004, p.16).
Uma expressiva vida cultural nascia com os estudantes do Largo São
Francisco, alguns destes se tornaram ilustres, participando ativamente neste
processo de construção de uma identidade cultural legítima, como os poetas Álvares
de Azevedo, Castro Alves e Fagundes Varella.
53
2.1.3 Religião
Nos mosteiros das ordens religiosas, os membros do clero atravessaram um
período de crises que iriam abalar as relações com a monarquia. Uma delas era a
crise moral referente ao celibato e afinidades com o ideário liberal de propriedade e
liberdade, preceitos da Maçonaria, devido ao convívio estreito com as mais
importantes personalidades do Império, que faziam parte desta instituição e, por sua
vez, estimulavam este comportamento, o que gerou alguns problemas entre o
Imperador e a Igreja Católica. Como ressalta o pesquisador Nelson W. Sodré:
[...] o clero achava-se integrado numa sociedade assim. Comungava com
todas as suas peculiaridades. Adaptava-se aos costumes frouxos, tanto
mais que era composto de homens, e de homens saídos a esse
caldeamento acelerado. Padres possuírem filhos e casas, manterem
mulheres, entregarem-se à devassidão devia ser o panorama comum e
vulgar, público e notório. (SODRÉ, 1998, p. 115).
Não podendo impedir o catolicismo de ser a religião oficial do Estado, foi
decretado o rompimento com os superiores das ordens religiosas instalados em
Portugal, sendo assim, a partir de 1830, considerado crime contra o Império
qualquer comunicação com superiores eclesiásticos além mar e, por conseguinte, o
sistema de padroado, união do Estado com a Igreja Católica Apostólica Romana,
que vigorava desde que o domínio português e se instalara nestas terras, passou, no
então período monárquico, a se submeter ao Beneplácito que aprovava as bulas
papais antes de serem seguidas pelo clero.
Levando em conta o que foi observado, a independência política não agradou
a algumas ordens religiosas, sobretudo a dos carmelitas que possuíam alguns
frades lusófilos.
A vida contemplativa dos freis e a simpatia por membros da Maçonaria
começou a abalar as relações na própria comunidade eclesiástica. Com isso, o
Império perdia uma relevante sustentação ideológica de controle da plebe, que
estava, a essa altura, totalmente envolvida pelo imaginário místico da corte celestial,
54
que abrandava os ânimos mais exaltados por uma expectativa de justiça e inspirava,
devido à crença na eternidade, esperança para os mais humildes.
Diante desse quadro, a corte começava a se preocupar seriamente com estas
determinações e buscar reformulação em princípios iluministas
9
para uma
revitalização da em detrimento ao aparecimento de missionários evangélicos e
dos seguidores do espiritismo de Allan Kardec. Trazemos à colocação as
observações de Augustin Wernet:
Em teoria, e também na prática, o profano e o sagrado, política, religião e
economia caminhavam juntos. A sociedade luso-brasileira compartilhava
uma mesma cosmovisão, uma mesma mentalidade religiosa. Os monarcas
portugueses foram os chefes efetivos da Igreja, mais do que os bispos e,
por vezes, mais do que o papa. (In: PORTA, 2004, p.192).
2.1.4 Características do Segundo Reinado
Com a declaração da maioridade de D. Pedro ll, decretada pelo Senado, em
1840 quando ele tinha apenas 14 anos, com o objetivo de encerrar os confrontos
regenciais, os conservadores procuraram restabelecer velhos protocolos e pompas
reais como o beija-mão (acreditavam ser uma saudação de extremo respeito ao
Imperador curvar-se e beijar-lhe a mão).
Na província de São Paulo, houve uma oposição a esta legislação
conservadora que, com o passar do tempo, evoluiu, tendo a adesão de populares e,
em 1842, se tornava uma rebelião armada denominada Revolução Liberal, liderada
por Rafael Tobias de Aguiar, conhecido como Brigadeiro Tobias de Aguiar.
O brigadeiro tinha sido presidente da província de São Paulo por dois
mandatos, de 1831 a 1835 e de 1840 a 1841 e com esta coluna libertadora declarou
Sorocaba capital provisória da província, contando com o importante apoio do Padre
Diogo Antonio Feijó, que era maçom e teve vários cargos blicos. Conforme
Augustin Wernet:
9
Valorização do questionamento, da investigação e da experiência como forma de conhecimento
tanto da natureza como da sociedade. Disponível em <www.historiaviva.com.br>.
55
Figura representativa do clero paulista e de sua cultura foi o Padre Diogo
Antonio Feijó (1784-1843), um entusiasta da filosofia de Kant, que foi
deputado às Cortes de Lisboa, senador do Império, ministro da Justiça e
regente do Império. [...] Desde 1827, passara a se empenhar na campanha
contra o celibato para o clero secular, mas o projeto de lei original o foi
aprovado, ficou incubado por sete anos, voltou sob a nova forma, como
Representação do Conselho Geral de São Paulo. (In: PORTA, 2004, p.211).
Sendo ele considerado um dos fundadores do Partido Liberal, abraçou a
causa convocando pessoas das vilas de Itapetinga, Itu, Porto Feliz e Capivari
chegando ao número de 1500 homens para invadir a cidade de São Paulo, onde se
encontrava a sede da Assembléia Legislativa Provincial e o gabinete do então
presidente da província, o Barão de Monte Alegre, mas foram derrotados pelo
exército.
Neste período, o país atinge um relevante avanço cultural e industrial, devido
ao crescimento e consolidação da nação brasileira, e chega a ser um importante
membro entre as nações da América. No porto de Santos, na segunda metade dos
Oitocentos, registra-se o crescimento constante do número de imigrantes europeus
que vêm para o Brasil para executar o trabalho agrário e com eles se inicia o
trabalho assalariado, em detrimento à economia cafeeira, porque os fazendeiros não
podiam mais comprar escravos.
Tendo como base o sistema capitalista que consolidava a distribuição de
títulos de nobreza atribuídos aos mais abastados como “Barões do Café” - estes
geraram uma verdadeira oligarquia rural, ou seja, o favorecimento em benefício
próprio, amparados na riqueza pecuniária.
Eles não contavam com o fim da vida útil de um cafezal. Em cerca de vinte
anos, as terras do Vale, que foram exaustivamente cultivadas, se tornaram
enfraquecidas para continuar produzindo. Além do mais, o plantio era feito em
terreno acidentado, nas encostas do Vale, de modo descontínuo, o que limitava em
quantidade o cultivo e, em decorrência, a colheita.
O desgaste do solo levou quase todo o Vale à decadência, o que mobilizou,
em 1870 a transferência do cultivo para outra região da província, o Oeste paulista,
pois de Campinas a Ribeirão Preto foi encontrada uma terra vermelha bastante fértil.
56
A decomposição das rochas vulcânicas e também a regularidade desse solo
garantiu a qualidade e quantidade superior de grãos de café, que em pouco tempo
superaram as áreas do Vale do Paraíba do Sul.
A construção da estrada de ferro São Paulo Railway, em 1860, estimulou a
urbanização. Inicialmente ligava Santos a São Paulo e, posteriormente, esta
província a Jundiaí, com o intuito de facilitar o escoamento dos grãos de café vindos
da região Oeste e reduzir o custo do transporte para os novos proprietários das
novas lavouras.
Teve como um importante empreendedor o visionário Irineu Evangelista de
Souza condecorado com o título de Barão de Mauá que, em visita à Europa, ficou
entusiasmado com os recursos tecnológicos da Inglaterra que fora o palco da
Revolução Industrial no século XVIII.
O Barão impulsionou um conjunto de mudanças com profundo impacto no
processo produtivo e nos respectivos segmentos econômico e social, convencido de
que o Brasil deveria trilhar o caminho da industrialização. A província começa a
receber técnicos e funcionários britânicos, marcando um período de revitalização
para a cidade e, conseqüentemente, para todo o território nacional. Cada vez mais
se recorria à mão-de-obra estrangeira em substituição à mão-de-obra escrava nas
lavouras de café, preocupados em expandir uma economia em ascensão. Conforme
Maria A. R. Ribeiro:
Em 1884, a assembléia da Província de São Paulo aprovava a concessão
de passagens gratuitas aos imigrantes que se destinassem à agricultura
paulista. A imigração subvencionada cumpria o objetivo específico de
resolver o problema do trabalho para a grande lavoura cafeeira, substituindo
escravos por mão-de-obra livre e liberando os fazendeiros do ônus de
adiantar o pagamento de passagens para os imigrantes. A grande
imigração, no entanto, repercutiu na Cidade de São Paulo [...] (In: PORTA,
2004, p.330).
Uma série de embates, a partir de 1884, entre os oficiais do exército e a
monarquia iria desembocar em uma questão militar que levaria o governo a enfrentar
sérias conseqüências. Por outro lado, nas décadas de 70 e 80 dos Oitocentos, a
capital viu surgir a urbanização da cidade com chafarizes e largos como o do
57
Rosário, onde havia uma irmandade de homens pretos, em louvor a Nossa Senhora
que celebravam as tradicionais Congadas
10
. No início do século XX, essa irmandade
foi desapropriada e removida para o Largo do Paissandu, restringindo dessa forma
suas celebrações no adro da igreja.
A província, por não possuir uma escola de Belas Artes, tinha um centro de
formação utilitária de profissionais artesãos para a capacitação dos futuros operários
das indústrias paulistanas. Era o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo (LAOSP),
que foi criado em 1873, por um grupo de aristocratas pertencentes à elite cafeeira e
que aspirava formar mão-de-obra especializada para uma futura industrialização,
baseados em um movimento que acontecia na Europa e que pregava a valorização
do trabalho manual, partindo de princípios de ordem positivista
11
, que faziam parte
da construção de identidade que a monarquia se propunha realizar, ou seja, a
dignificação do homem por meio do seu trabalho.
A partir de 1890, o Liceu passou por uma expressiva mudança curricular e
administrativa. Em 1897, é apresentado um projeto criado pelo escritório de
engenharia de Ramos de Azevedo
12
para uma nova sede na Praça da Luz que seria
dividida entre o LAOSP e a Pinacoteca do Estado.
Este mesmo escritório foi responsável pela reconstrução da cidade de São
Paulo com inúmeras obras de arquitetura eclética, a inauguração da Avenida
Paulista e seus palacetes e as mudanças no Vale do Anhangabaú. A respeito,
verificamos os ensinamentos de Sérgio B. de Holanda:
A urbanização contínua, progressiva, avassaladora, fênomeno social de que
instituições republicanas deviam representar a forma exterior complementar,
destruiu esse esteio rural, que fazia a força do regime decaído sem lograr
substituí-lo, até agora, por nada de novo. (HOLANDA, 1995, p.176).
10
Celebrações de ordem folclórico-religiosa, reminiscências africanas, que foram assimiladas pela
Igreja Católica em várias regiões do Brasil. CASCUDO, Luís da Câmara Dicionário do Folclore
Brasileiro (2001).
11
Corrente sociológica decorrente do Iluminismo, cujo precursor foi o francês Auguste Comte (1798-
1857).
12
Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851-1928) foi arquiteto, educador e Diretor do Liceu de
Artes e Ofícios de São Paulo.
58
Quanto à religião, em 1868, a Princesa Isabel Cristina Leopoldina Augusta,
herdeira do trono imperial, visitou a capela consagrada à imagem de Conceição
Aparecida e constatou uma grande manifestação de fé. O culto mariano nesta época
estava se propagando pelo mundo, anteriormente, em 1858, era divulgada a
aparição da Virgem de Lourdes na França. Pouco tempo se passou para que a
devoção popular fosse transformada em festa de devoção, com o acompanhamento
da Igreja Católica Apostólica Romana. Na segunda visita, em 1888, a Princesa
Isabel ofertou à imagem uma coroa de ouro cravejada de diamantes e rubis,
juntamente com um manto azul.
Devido ao grande número de peregrinações à velha Basílica de Aparecida,
em 1894, chegam os Missionários Redentoristas alemães, para evangelizar e
organizar o culto a Maria, porque esta manifestação fazia parte da identidade
coletiva, um sentimento puramente nacional, para o qual convergiam os interesses
eclesiásticos e políticos.
Nesta mesma época, na cidade de São Paulo do final do século XIX, teve
início uma série de desmanches de igrejas coloniais, que eram feitas em taipa de
pilão e que resistiam ao tempo. O ecletismo com sua modernidade se apossava da
cidade, com sua arquitetura que misturava os estilos, resultando em uma síntese
harmoniosa, revisitando um passado remoto, agora com tijolos e soluções arrojadas,
com a denominação neo-românica, como a Igreja de São Bento, e a neo-gótica,
como a Catedral da Sé.
Muitas igrejas que possuíam elementos decorativos barrocos foram pintadas
de branco ou estes elementos foram trasladados para outras igrejas no interior.
Conforme sustenta Percival Tirapeli:
O novo gosto pautado em linhas despojadas, claridade de formas e cores
substitui as linhas curvas por retas e o dourado pelo branco. [...] Mesmo
assim, não tiveram como não preservar e abrigar partes de retábulos, que
aqui passamos a denominar retábulos peregrinos. [...] Provavelmente
oriundo da Sé, parte de um retábulo lateral encontra-se na capela do
Santíssimo no Santuário de Bom Jesus dos Perdões. (TIRAPELI, 2003a,
p.50, 52).
59
As transformações sofridas na sociedade, as inovações tecnológicas, as
descobertas científicas e a quantidade de pessoas que chegavam ao Brasil,
sobretudo a São Paulo, foram aos poucos formando uma população heterogênea
com os mais diversos interesses e todos imprimiram suas culturas, diversificando a
já existente.
A camada mais popular tinha, na figura do Imperador, um rei benevolente e
justo, mas a estrutura do Império não conseguia acompanhar e conduzir esta
sociedade e seus anseios de industrialização. As camadas médias urbanas,
formadas por abolicionistas e cafeicultores do Oeste paulista aspiravam a outro
regime político mais adaptado aos problemas da época e, por meio dele, adquirir
efetivos poderes políticos, pois já possuíam o econômico.
Comandada pelo Marechal Deodoro da Fonseca
13
e outros militares
juntamente com a elite agrária tramaram a queda da monarquia, não havendo
participação popular. Pelos motivos supracitados, todas estas questões foram
fundamentais para a Proclamação da República Federativa em 15 de novembro de
1889.
2.2 A pluralidade devocional e o surgimento do santeiro
No século XIX, a camada mais popular da sociedade era, em sua maioria,
rural, alheia a todas as disputas pelo poder entre os partidos liberal e conservador,
que tornavam o governo imperial bastante agitado, sempre voltado a consolidar seu
domínio sobre a aristocracia rural, visando ao controle da expansão da elite, para
mantê-la como uma minoria privilegiada.
Em vista dessa despreocupação com os mais humildes, estes, personificados
em camponeses, encontravam, por meio da fé, uma grande confiança na proteção
divina e, em virtude disso, conseguiam suportar as dificuldades que eram
constantes.
Ter uma crença ou uma religião se fazia necessário, porque acalmava e até
resignava os mais revoltados contra o sistema vigente. Por estas e outras razões, a
13
Manuel Deodoro da Fonseca (1827-1892) militar, político e primeiro presidente do Brasil.
60
busca por locais sagrados e objetos inanimados que se referissem às divindades,
prováveis intermediários de milagres, cresceu muito, tanto que inadequado seria não
mencionar que estas devoções promoveram diversas manifestações, exaltações de
uma mentalidade barroca ainda em vigor, aspectos culturais de caráter religioso
como festas, procissões e novenas, que levavam os mais fervorosos a uma catarse,
por reverenciar as coisas que julgavam ser sagradas, benditas e santificadas. A
respeito, depreendemos os ensinamentos de Sérgio B. de Holanda:
A exaltação dos valores cordiais e das formas concretas e sensíveis da
religião que no catolicismo tridentino parecem representar uma exigência do
esforço de reconquista espiritual e da propaganda da fé perante a ofensiva
da Reforma, encontraram entre nós um terreno de eleição e acomodaram-
se bem a outros aspectos típicos de nosso comportamento social.
(HOLANDA, 1995, p. 151).
As graças alcançadas pelos fiéis, que se tornaram constantes, eram
comprovadas por membros da comunidade ou arredores, o que legitimava a
santidade e, por conseguinte, a veneração pública, originando alguns santuários e
elevando algumas imagens de padroeiros ao culto coletivo.
No decorrer do ano ocorriam várias celebrações sacras em toda a província
de São Paulo, em especial no Vale do Paraíba, devido ao número expressivo de
romarias vindas de todos os lugares do país à antiga Basílica de Nossa Senhora
Conceição Aparecida, a maioria homenageando a padroeira e muitas outras festas
celebrando as muitas outras invocações à Virgem Maria, representações de Jesus
Cristo, Santos Mártires ou ligados a ordens monásticas, seguindo o calendário
litúrgico da Igreja Católica.
Cabe, por oportuno, destacar a lição de Percival Tirapeli:
[...] as manifestações comunitárias populares no Brasil, essencialmente não
têm dono. Pertencem ao coletivo, sejam elas de cunho religioso, como a
Páscoa nas cidades históricas, sejam mesmo celebrações sacroprofanas,
como Congadas e as Festas Juninas. A um calendário de fundo
eminentemente religioso somam-se outras festas [...]. (TIRAPELI, 2003b,
p.17)
61
As antigas tradições praticadas por devotos remanescentes, nas quais as
manifestações populares e a fé se confundiam e que sempre estiveram presentes no
cotidiano das pessoas desta época, fossem elas humildes ou mesmo aristocratas,
justificam as edificações de muitas capelas, onde se realizavam os rituais católicos,
algumas destas nas fazendas, fazendo parte do interior da casa grande ou mesmo
próximas à sede, onde o culto era acompanhado pelos senhores do engenho e seus
escravos. Embaixo delas localizavam-se os cemitérios das famílias. No
entendimento de Eduardo Etzel:
Por ser a capela interna de uso restrito aos moradores, deve ter sido
construída depois da outra, próxima, onde o culto católico era assistido por
todos, senhores e escravos, servindo o chão, em baixo da capela, de
cemitério da família. [...]
[...] A fundação de capelas continua até nossos tempos. Pode-se observar
na zona rural do Vale do Paraíba inúmeras capelinhas tôscas [...] (ETZEL,
1971, p. 48-49).
A construção de capelas marcando a fundação de um vilarejo foi comum na
maioria das cidades do Vale do Paraíba e surgiram sob a proteção de santos
padroeiros, de modo que as santas-cruzes, como são denominadas as capelinhas
de beira de estrada, apareceram na seqüência. Nelas eram colocadas imagens
quebradas, pois acreditava-se não ser de bom presságio possuí-las dentro de casa
ou simplesmente jogá-las.
Ilustração 9 – Capela de santa-cruz e interior da capela
próximo a Guararema – V. do Paraíba - SP
62
Por tais razões, muitas destas manifestações, oriundas da Península Ibérica,
revelam as influências culturais que possuímos da colonização européia, como
citado anteriormente, imbuídas deste espírito barroco que prezava pelas ações do
instinto e pelo temor aos presságios impostos pelo catolicismo por meio de seus
dogmas, e que irá encontrar, na miscigenação dos povos que aqui viviam e outros
que foram trazidos para trabalhos forçados, elementos que irão enriquecer os rituais
promovidos em louvor dos seres sagrados, fazendo associações com as diversas
divindades provenientes das outras religiões, que eram cultivadas por estas outras
etnias, constituindo o denominado sincretismo religioso.
Assim sendo, promoveram um sincretismo rico em rituais, com um intuito -
obter proteção. Novamente cumpre verificar as lições de Percival Tirapeli:
As festas de origem católica giram sempre em torno da celebração da vida,
morte e ressurreição de Cristo; da Virgem Maria e dos santos milagrosos.
Apesar da predominância de valores de origem européia, o calendário das
festas populares no Brasil está repleto e entrelaçado de forte influência
africana. também marcantes heranças de origem indígena em algumas
manifestações [...] (TIRAPELI, 2003b, p.17).
Dessa forma, buscavam preencher de sentido seu cotidiano, celebrar de
maneira simbólica os sacramentos da Igreja Católica, renovando o exercício da fé,
dando continuidade, por diversas gerações de devotos, às mais diversas festas,
como o ciclo do Natal, os folguedos populares, as ladainhas e novenas, que passam
a assumir uma peculiaridade regional, cada qual com sua bandeira votiva.
Queremos destacar, neste estudo, as celebrações para a terceira pessoa da
Santíssima Trindade, ou seja, o Divino Espírito Santo, uma herança do colonizador
português, portanto um culto luso-brasileiro, uma festa muito suntuosa sacroprofana,
realizada desde os tempos em que o país era apenas uma colônia de Portugal e que
chegou ao século XIX sendo celebrada em quase todo o Vale.
Comemora-se, nesta manifestação, a visita do Espírito Santo aos apóstolos
de Jesus Cristo, que ocorre 50 dias depois da Páscoa no domingo de Pentecostes.
Um fenômeno sociodevocional, no qual o devoto, que tinha uma ênfase no
imaginário e na fantasia, crê na materialização do Espírito Santo em uma pomba. O
devoto possui um potencial para interpretar símbolos, o que irá elevar a ave ao
63
patamar de consagrada, isto ocorre desde os tempos mais remotos, entre os
assírios, egípcios e hebreus, a pomba representando a idéia de pureza. A respeito, o
pesquisador Eduardo Etzel esclarece:
À medida que se evoluiu para o progresso e urbanização, foi
desaparecendo o incentivo para as festas. A razão de ser desta dos
interioranos é o Espírito Santo, mas especialmente o Espírito, sinônimo de
alma e sabedoria, o guia, o leme da vida. Para o crente supersticioso e
inculto, o Divino representou a chave do mistério da vida e da morte, o
espírito misterioso e inexplicável e ao mesmo tempo o fio condutor da vida.
O fato do Divino ser considerado imagem presente nos oratórios desse
povo, é indicação do como ele era tido entre os devotos. Não se
reverenciava nele Deus como pessoa da Santíssima Trindade mas
simplesmente o Espírito, o elemento místico e incompreensível que intriga a
humanidade [...] (ETZEL, 1995, p. 60).
Dando prosseguimento a esta atitude contemplativa por seres celestiais e
seus poderes de interceder uma graça, é que o culto católico realizado na região do
Vale do Paraíba, repleto de manifestações fervorosas, se estenderá a outras
devoções também muito celebradas, as quais foram materializadas nas imagens
para o culto doméstico, as Paulistinhas, às quais o estudo se dirige.
À guisa de exemplo, podemos citar: Nossa Senhora da Conceição e diversas
evocações à Virgem Maria, o Benedito, São José, Santo Antônio, São João, São
Roque, São Miguel Arcanjo, São Pedro, entre muitas outras evocações decorrentes
das indigências sofridas.
As novas atividades econômicas, após o declínio do cultivo do café devido ao
desgaste do solo nas áreas rurais do Vale, passaram a ser as pastagens e, só algum
tempo depois, estabeleceu-se a implantação de colônias agrícolas.
A população que havia se formado nas vilas próximas às fazendas cafeeiras
vai se adaptando a um novo sistema econômico, buscando se estruturar em uma
sociedade na qual o comércio e, posteriormente, a indústria passam a estabelecer
profundas mudanças sociais, mas que continuou a estimular a religiosa e, desse
modo, este segmento mais humilde da sociedade se conformava com as eventuais
dificuldades.
64
Nesse vértice, a proliferação de devotos, nesta região para onde várias
peregrinações seguiam, tornou mais acessível a aquisição de imagens sacras,
graças à aparição de muitos santeiros que produziam pequenas imagens de barro
ou madeira para o culto doméstico e barganhavam o produto, oferecendo-o de porta
em porta, expondo-o nas feiras livres ou atendendo a uma encomenda.
Como já foi citado, em São Paulo, durante os séculos XVI, XVII e XVIII muitas
das imagens sacras existentes para o exercício da cristã eram, em sua maioria,
de madeira, importadas da Europa ou de outras regiões do país, e eram
denominadas eruditas por seguirem padrões canônicos clássicos, tendo sido
confeccionadas com tal domínio técnico, capaz de retratar uma expressão
fisionômica de sofrimento e resignação, com o intento de interpelar o fiel.
Vale lembrar que estas imagens estimulavam a fé coletiva e, em virtude disso,
realizavam-se as ladainhas
14
nos locais onde eram regularmente encontradas, isto
é, nas igrejas ou nas capelas rurais.
Ao crescimento da devoção dos inúmeros santos da Igreja Católica soma-se a
procura por muitas imagens que personificavam os seres benditos, por vezes
aparentemente iguais, diferenciados por atributos encontrados na história da vida do
santo ou no momento em que se deu seu testemunho de . Não se pode perder de
vista que é neste contexto que humildes, porém habilidosos homens, valendo-se da
perspectiva formal que apreendiam por meio da pregnância, orientados apenas por
tradição oral e pelo exercício de repetição, vão ser identificados no meio em que
viviam como os fazedores de santos e diversos outros objetos de devoção.
Conforme assevera Carlos Lemos:
Estes primeiros artistas regionais, intérpretes do barroco, com o aumento da
população impulsionado pelo dinheiro das tropas e do açúcar, vieram a
constituir a ponte entre a escultura erudita e a escultura verdadeiramente
popular que se definiu nos primeiros dias do século XIX. Daí em diante
temos notícias da produção em massa de pequenas imagens de barro, hoje
apelidadas de paulistinhas”. [...] Pequenas imagens que vieram habitar os
oratórios do povo, de gente rica ou pobre, nas cidades e nas roças ermas.
(LEMOS, 1999, p.79).
14
Orações constituídas por uma série de invocações à Virgem Maria ou aos santos consagrados pela
Igreja Católica.
65
Cumprindo as muitas solicitações de uma fervorosa sociedade, ávidos por
alcançar uma graça, na qual eles também estavam inseridos, devotos
remanescentes deste espírito barroco que estimulava esta relação de interação do
devoto com a imagem para a realização do teatro sacro, nutriam a atitude de venerar
seus padroeiros, até então restritos aos locais sagrados, e passam a produzir sua
versão singela nas formas em barro ou madeira, permitindo, a partir de então, que o
devoto, por mais humilde que fosse, tivesse seu santo protetor dentro de casa, para
ser solicitado a qualquer hora ou ocasião.
Ilustração 10 - São Gonçalo padre, século XIX Ilustração 11 – N. Srª do Rosario, século XIX
Sem atrib. , barro cozido - 18,5 cm – MAV (SP) Sem atrib. , barro cozido – 18 cmcol. part.
Convém ponderar o surgimento de vários santeiros no Vale do Paraíba e
adjacências que, movidos por este mercado da em ascensão desde o final do
século XVIII, atuaram brilhantemente durante o século XIX e nas primeiras cadas
do século XX, sucedendo outras gerações que também produziram uma pequena
imagem de barro, com uma estrutura singular para os padrões vigentes, mas que
influíram de maneira expressiva no comércio da imaginária doméstica, os quais
usavam o termo a “troca” dos santinhos, pois acreditavam não ser correto vender,
propriamente dizendo, a imagem de um santo. A respeito, aduz Eduardo Etzel:
66
Como na roça, até hoje, santos não se vendem e, na sutil terminologia
cabocla, apenas são trocados ainda que por dinheiro, cremos que o respeito
à religião, que era oficial no Império impediu que se cobrassem tributos de
quem o fazia para uma população totalmente católica. Uma questão de
respeito religioso, provavelmente. Como as imagens eram “trocadas”,
provavelmente a Câmara não tinha como “trocar” impostos com o santeiro,
ainda que fosse por dinheiro. (ETZEL, 1975, p. 52).
O Vale do Paraíba e região revelaram-se um importante centro de confecção
de pequenas imagens de cunho popular, constatada por pesquisadores como
produção exclusivamente paulista e, talvez por isso, designadas no comércio de
antiguidades como Paulistinhas.
As produzidas na primeira metade dos Oitocentos apresentam padrão que
nos remete ao uso de fôrmas que resulta no protótipo e os detalhes eram moldados
a critério e habilidade do santeiro. No exercício de reprodução e liberdade de
confecção, vai produzi-las com soluções e materiais diversificados.
Ilustração 12 – Santa Edwiges, século XIX – MIC (SP)
Sem atrib., barro cozido - 17 cm
Como se há de verificar com mais aprofundamento no capítulo seguinte,
alguns chegaram a deixar marcas ou mesmo assinaturas que nos permitem atribuir
autorias para muitas das encontradas atualmente em acervos de museus
67
especializados ou coleções particulares. Em concordância à pesquisa realizada por
Eduardo Etzel:
[...] a misteriosa indústria dos paulistinhas vicejou até o quartel do século
XIX. A demanda garantiu o progresso do empreendimento, e estão os
milhares de paulistinhas em mãos de colecionadores e ainda nas casas dos
humildes caboclos da região de Mogi das Cruzes e do Vale do Paraíba.
Trata-se de arte popular com boa orientação artística, pela qualidade do
material empregado que chegou mesmo às folhas de ouro. (ETZEL, 1975,
p.127).
Em virtude do que foi mencionado, destacamos, neste estudo, alguns
santeiros e as cidades onde viviam, e que se dedicaram à criação peculiar dessa
imaginária e delas proveram seu sustento.
Em Arujá, Benedito Luzia; em Santa Isabel, Benedito Amaro de Oliveira; em
Piedade, Juca Angélico; e, em Guararema, José Benedito da Cruz, todos deixaram
registros que comprovam o exercício do ofício e sua importância no meio em que
viviam, uma sociedade permeada pelos valores morais e religiosos regidos pela
Igreja Católica, premissas de uma época barroca.
Ilustração 13 – São José de Botas, século XIX – col. part.
Sem atrib., barro cozido - 14,5 cm
Ilustração 14 – Nossa Senhora das Dores, século XIX – MAV (SP)
Sem atrib., barro cozido – 15 cm
Ilustração 15 – São Gonçalo padre, século XIX – col. part.
Sem atrib., barro cozido – 15 cm
68
Convém notar, outrossim, que a produção de imagens sacras do santeiro
Benedito Amaro de Oliveira, além de ser a mais numerosa e acessível, demonstra
um aprimoramento da técnica, aplicada com muita criatividade, levando-se em conta
a utilização de moldes que davam vulto à imagem, utilizada nas suas primeiras
produções, suas Paulistinhas, as quais servirão de referência para as análises
formais e terão maiores aprofundamentos no próximo capítulo.
Conforme afirmado, foi numerosa a produção de sua lavra, o que nos levou a
despender maior atenção para sua imaginária. Ficou conhecido popularmente como
Dito Pituba, nasceu e passou grande parte de sua vida em Santa Isabel (1848/1926)
e dedicou cerca de 50 anos de sua vida ao exercício da fé. De família muito católica,
foi um rezador muito solicitado na vizinhança e, posteriormente, passou a produzir
objetos de devoção, como grandes imagens de roca para as procissões religiosas e
pequenas imagens de barro cru ou queimado denominadas Paulistinhas, para o
culto doméstico.
Confeccionava também pequenos oratórios, onde as imagens Paulistinhas
eram colocadas e pintava com apreço, em seus frontões, delicados ramos de flores.
Produziu, seguindo nesta temática, muitos artefatos usados como ex-votos,
considerados testemunhos máximos da expressão de de um povo agradecido por
uma graça alcançada, como também produziu muitas bandeiras de festas votivas.
Ilustração 16 – Oratório doméstico, século XIX – MAV (SP)
Sem atrib., madeira policromada – 86 cm
69
Voltando à produção das imagens sacras e do respectivo santeiro, é
sobretudo relevante salientar a importância do barro utilizado pelo santeiro. Esta
matéria-prima usada para a produção das Paulistinhas é curiosamente bastante
diversificada. Ao que parece, ele não tinha uma preocupação prévia em relação à
qualidade do barro para a modelagem, apenas um cuidado comum – o de apanhar a
argila encontrada nas camadas mais profundas do solo, porque estas apresentam
maior grau de pureza.
Cumpre-nos elucidar que as imagens Paulistinhas que foram analisadas por
especialistas confirmam uma variedade qualitativa de barro, assim sendo a maioria
que se conhece é feita de barro branco, algumas de barro vermelho e poucas de
barro preto.
Estas colorações resultam da variação do grau de calor da queima da peça,
submetendo-a, em média, a 900 graus, por um tempo determinado, visando queimar
a peça uniformemente. O ar que está circulando no espaço onde acontece a queima
também irá influenciar em todo este processo. Vale lembrar que o barro branco
encontrado nas margens dos ribeirões, ou seja, de várzea, sofreu mudanças que
determinaram a ausência de compostos férricos e material orgânico, o qual lhe
confere a cor avermelhada e respectivamente preta. Em comentário a esta questão,
Maria O.M. Dutzmann aponta que:
Chamado de barro paulista” a argila porosa, de cor clara (depois da
queima), variando do palha ao marrom-claro, o barro usado pelos santeiros
sempre foi o de aluvião, ou seja, o barro encontrado às margens dos rios e
represas (o mesmo barro usado pelos índios). Exceção feita a algumas
imagens de grande porte como as produzidas em 1650 [...] (DUTZMANN,
1998, p.39).
O processo sofrido denominado lixiviação retira todas estas composições e
ocorre de maneira natural, com o fluxo de água que percorre as margens dos rios,
pelo qual todos estes elementos são levados.
Tendo-se em conta o que foi observado, a qualidade do barro origina-se das
condições geológicas, possíveis onde quer que seja, ocorridas no decorrer do tempo
70
em junção aos sedimentos mais variados que, de forma peculiar, passam a fazer
parte da composição desta argila que será modelada. Este fenômeno irá torná-la
única, como um código de DNA, a tal ponto que poderíamos delimitar a região de
onde foi retirada, se a queima não destruísse grande parte destes elementos.
Ainda de acordo com as pequisas de Maria O.M. Dutzmann:
Na verdade o que confere maior liga à argila não é a sua cor, mas o
diâmetro das partículas (o conceito de granulometria) que, quanto menores,
tanto mais se aglutinam. Obtendo-se um barro queimado de textura mais
fina e de maior consistência e resistência. (DUTZMANN, 1998, p.44).
Conforme aduzido anteriormente, as Paulistinhas, imagens sacras
confeccionadas para o culto doméstico, desempenham uma função de imagem
símbolo neste processo de internalização da devoção familiar e, para tanto, usavam-
se pequenos nichos para colocá-las, como simulacros, uma representação do altar
em síntese, onde os devotos estavam acostumados a ver as grandes e elaboradas
imagens de seus padroeiros. Quando estas se encontravam restritas em igrejas ou
capelas, o devoto se dirigia a estes locais e prostrava-se diante delas dedicando-
lhes orações de agradecimento ou renovando os pedidos de diversas ordens, em
relação ao aludido pressuposto. O oratório enaltece esta presença sagrada dentro
dos lares e estabelece um recinto conveniente para tal.
71
Ilustração 17 – Oratório doméstico com Paulistinhas – século XIX – MAV (SP)
Sem atrib., madeira policromada – 70 cm
A respeito, Cristina Ávila deixou assentado que:
A religiosidade popular também se revela no desejo de posse de relíquias e
outros objetos de piedade. Proliferam, assim, imagens pintadas, esculpidas
ou xilogravadas dos santos protetores. Muitas vezes eram guardadas em
pequenos altares, com o objetivo de criar um ambiente adequado às
reflexões e orações onde a relação de intimidade entre o fiel e a divindade
pudesse se estreitar [...] (ÁVILA, 1999, p.14).
Desde a Idade Média registra-se a presença de pequenos nichos como
objetos de que, ao longo da história e da necessidade, vão adquirindo formas de
acordo com a habilidade e criatividade de seus produtores, que as criavam para
serem colocadas em ermidas ou para o interior dos lares e, dessa forma, nutrir
carências devocionais.
Nesta difusão da católica, desde a sua chegada por estas terras,
emissários propagandistas introduzem estes objetos junto às imagens de temática
religiosa para melhor evangelizar e estimular a fé.
Nós, descendentes predispostos desse religiosismo, herdamos o hábito
lusitano de possuir estes instrumentos devocionais, que vão sofrendo adaptações
em sua dimensão e tipo de ornamentos aplicados, tanto que, no século XVIII,
72
chegam a ser ricamente adornados com aplicação de douramento, produzidos por
artistas renomados como: Antônio Francisco Lisboa (o Aleijadinho), Francisco Vieira
Servas, Francisco Xavier dos Santos. Estes objetos de fé se propagaram a ponto de
fazerem parte do requintado mobiliário brasileiro, para, então, no século XIX,
adquirirem uma versão mais popular.
Dado o exposto, as Paulistinhas, que possuíam elementos constitutivos
sintéticos e totêmicos, inseridos de maneira a elaborar reflexões com apelo ao
emocional, quando encontradas em grupo em seus oratórios, vão ganhar dimensões
simbólicas surpreendentes no que diz respeito à função prática votiva, sujeitas aos
sentidos perceptuais afetivos provenientes do devoto, regidos por uma dinâmica
estrutural que as caracteriza como singulares. Assinala ainda Cristina Ávila que:
Os templos barrocos são uma leitura visual da palava divina em suas
variantes bíblicas, teológicas ou hagiológicas. A devoção cotidiana passa,
assim, a ser compreendida como veículo de múltiplas possibilidades
artísticas, que esaberta a diferentes manifestações e revela um apego
fantasioso entre os fiéis, sua imaginação e o objeto artístico piedoso.
(ÁVILA, 1999, p.25).
Para os santeiros que se propunham a fazer reinterpretações do modelo mais
erudito de oratório, reproduziram ingenuamente exemplares mais íntimos e, em
virtude disso, mais sensível e também mais acessível em seu valor comercial,
muitas vezes se limitaram a um padrão formal muito singelo de composição
retangular, tendo um frontão recortado e policromado, na parte interna das portas
com pinturas ingênuas, geralmente enfeites florais que enaltecem as poéticas
visuais.
73
Ilustração 18 – Oratório doméstico, século XIX – MAS (SP)
Dito Pituba, madeira policromada, 124 cm
Dado o exposto, os santeiros tinham a liberdade ao expressar as suas
interferências criativas decorativas para causar maior empatia entre os devotos,
especialmente quando se tratava de artefatos para o melhor desempenho da vida
religiosa que, neste caso, se estendia para o convívio familiar e, conseqüentemente,
o social, um objeto que centralizava o exercício da e legitimava o caráter
devocional de um olhar angustiado piedoso. Neste universo místico, o oratório era
usado como um veículo de conexão imediata com os santos de devoção.
Feitas todas essas considerações, acreditamos ser esta a fonte de inspiração
que nutriu os tantos santeiros da região do Vale do Paraíba, estimulando um
processo criativo que reproduziu, em síntese, o prolongamento de uma época
barroca, que nada mais era do que a expressão de uma sociedade em conflito com
as questões políticas e religiosas que geraram relações complexas e dialéticas de
persuasão e propaganda, convertidas em uma estética que prezava pela
emotividade.
Tomamos neste estudo, como exemplo, a produção de Dito Pituba, homem
do povo, que teve uma trajetória comprometida em manter viva a chama da fé e que,
com convicção religiosa, retratava a corte celestial por meio de seus santinhos,
reconhecidos como representações benditas, e que foram levados para o interior
dos lares das famílias mais humildes, constantemente celebrados pelos piedosos, os
74
quais eram arrebatados não pela que alimentava a alma, mas também pela
transformação da matéria inanimada compreendida como representação sagrada.
Este santeiro desempenhou um papel extremamente importante neste
segmento da sociedade, que clamava por milagres para a solução dos problemas.
Dito Pituba não foi um simples copista, ele aperfeiçoou o acabamento final de
suas imagens Paulistinhas, empenhou-se também em fazer oratórios populares para
colocá-las, estabelecendo um apuro estético que as diferenciou do seu segmento.
As imagens Paulistinhas marcam uma tradição de imagens sacras feitas de
barro em São Paulo. Sendo únicas em sua concepção, passam a ser produzidas
para atender à solicitação dos piedosos aflitos em ter sua devoção na privacidade do
lar.
Sem se dar conta do fenômeno, estimularam sua confecção e por
conseqüência o aprendizado que passou de geração em geração, constituindo-se
em uma criação bastante original e, ao mesmo tempo em que representavam os
santos católicos, fortaleciam uma que alimentava o inconsciente de uma
população carente.
Ilustração 19 – Bom Jesus, século XIX – MIC (SP)
Dito Pituba, barro cozido, 13 cm
75
CAPÍTULO 3
UMA NOVA CONCEPÇÃO DE IMAGEM SACRA: AS PAULISTINHAS
Em contrapartida à vasta gama produtiva de imagens sacras no Brasil desde
o século XVI, representações intimamente relacionadas às crenças relativas aos
mistérios cristãos e, dessa forma, corroborando com as reminiscências alegóricas
tão valorizadas em nossa cultura, podemos ponderar as muitas questões que
levaram à diversidade da produção de esculturas devocionais no país, que tiveram
um importante papel na difusão das manifestações religiosas, vinculadas a uma rede
de intercâmbio doutrinária estreita com as circunstâncias sociais e políticas,
designadas a convencer, por meio da fé católica.
Sendo elas muito eficazes para a proliferação do conceito divino dos dogmas
cristãos, evidenciavam uma enorme capacidade de comunicação por meio
imagético, inspiradas em pessoas consideradas benditas, santificadas, consagradas
a Deus, pelo seu testemunho de fé.
Além do mais, materializavam os arquétipos de virtudes e, a partir de
determinada característica, atribuía-se uma alcunha ao então santo. Portanto, eram
exercidas todas as petições com referências ao seu campo de domínio, um
direcionamento de graças a serem alcançadas, cumprindo a função de persuadir,
para as quais estas imagens foram configuradas.
Isto nos levou a refletir sobre sua trajetória, até chegar ao século XIX. Por
conseguinte, almejamos neste capítulo evidenciar a produção de imagens sacras
Paulistinhas em particular, pela sua simplicidade, singularidade e solicitação, de
provável inspiração portuguesa, proveniente da cidade de Estremoz
15
, origem da
maioria das imagens sacras de cunho erudito para o culto coletivo.
Estas foram apenas mais um tipo de representação neste segmento sacro,
dentre outras que foram confeccionadas neste ínterim com materiais diversificados,
15
Cidade portuguesa, no Distrito de Évora na região do Alentejo.
76
como as artesanais em de pinho
16
e as industriais feitas de gesso, todas
imprimindo seus sentimentos religiosos, sociais e políticos.
Acreditamos serem as Paulistinhas o fruto da transformação, ou seja, um
desdobramento que a imagem sacra, feita de barro, sofreu desde que foram
modeladas as primeiras imagens para o culto católico, na capitania de São Vicente.
A simplificação da forma e a pequena dimensão expressavam em síntese os
pormenores das exuberantes encontradas nos altares das igrejas, sem submergir
sua essência mais íntima, ou seja, o caráter divino e, por isso, queremos aproximá-
las das imagens confeccionadas nas oficinas dos mosteiros, sobretudo dos
beneditinos, pois, em 1670, estes monges se instalaram em uma fazenda na
cabeceira do rio Parateí, na então freguesia de SAna das Cruzes de Mogy. Como
ressalta o pesquisador Eduardo Etzel:
Os beneditinos vieram logo depois dos jesuítas, por volta de 1589,
estabelecendo-se em Santos e São Paulo. Com o correr dos anos,
ampliaram muito suas posses, radicando-se em Parnaíba, Sorocaba e
Jundiaí. Em 1670 compraram terras na Villa de Sant’Ana das Cruzes de
Mogy, hoje Mogi das cruzes, a fazenda Paratiy [...]
Nela havia uma imagem de Nossa Senhora do Rosário, feita por Frei
Agostinho de Jesus, justamente no último quartel do século XVII. É
sugestiva a presença abundante de paulistinhas na região onde se
radicaram os beneditinos. (ETZEL,1971, p. 64-65)
Estes se destacaram por produzir uma imaginária de relevância, muito
conhecida e admirada, cujas invocações mais difundidas foram São Bento e Santa
Gertrudes, como também diversas invocações a Virgem Maria e Sant’Ana. Todas
estas solicitações foram reinterpretadas, sobretudo em seus atributos, nas imagens
Paulistinhas que foram perfilhadas pelos devotos, à procura de uma equivalência,
mobilizados por uma compaixão religiosa e que, por meio destas representações
eloqüentes, buscavam munir suas necessidades devocionais.
Dessa forma, estimularam a produção de um número significativo de
Paulistinhas, por mais de um culo, que foram encontradas estas pequenas
16
Araucária angustifólia, conhecida como pinheiro, possui os respectivos nós resinosos de madeira
duríssima equivalente ao ébano africano, das quais foram produzidas como imagens-amuletos ou
para os oratórios. (ETZEL, 1979).
77
imagens desde a segunda metade do século XVIII, em pequeno mero, sendo o
século XIX um período fértil de sua produção e difusão, até chegar às duas primeiras
décadas do século XX, com maior originalidade, impelidas mais pelo simbolismo do
que pelo seu aspecto formal.
Estas pequenas imagens deram prosseguimento a uma técnica típica no
estado de São Paulo de imagens modeladas em barro, como foi mencionado
anteriormente, em específico na obra de Frei Beneditino Agostinho de Jesus, um
expressivo ceramista sacro do período seiscentista.
Foram encontradas muitas Paulistinhas que privilegiavam as invocações
cultuadas em especial pelos beneditinos, sobretudo as imagens de São Bento e
Santa Gertrudes e invocações à Virgem Maria, estabelecendo uma estreita ligação
com imagens de cunho erudito produzidas em barro cozido na região e dando
seqüência ao exercício da confecção individual de imagens sacras, para participar
da festividade litúrgica. Também nos deparamos com invocações de outra natureza
surgidas conforme as necessidades ou por sincretismo cultural. Em assonância com
a lição sempre precisa de Eduardo Etzel:
Presumimos que frei Agostinho de Jesus não trabalhou tantos anos
isoladamente, tendo deixado discípulos que também criaram peças em
barro e talvez mais tarde, por seus descendentes, tivessem tido influência
na confecção dos paulistinhas. Somente uma tradição ou educação artística
com conhecimentos da técnica de pintura da terracota explica a alta
qualidade dessas imagens que poderíamos, sem exageros, chamar de
tânagras paulistas. (ETZEL, 1971, p. 65).
78
Ilustração 20 – Santo Bispo – século XIX – col. part.
Sem atrib., barro cozido – 15 cm
Ilustração 21 – Santa Luzia - século XIX – MAV (SP)
Sem atrib., barro cozido – 15 cm
Ilustração 22 – Nossa Senhora da Conceição – século XIX – MAV (SP)
Sem atrib., barro cozido – 15 cm
Acerca do tema em apreço, ao nos voltarmos para o culto de imagens sacras
no decorrer da história do Brasil, constatamos por meio deste estudo o quanto os
religiosos missionários foram empenhados em uma educação doutrinária, como
também em celebrar a memória dos santos, que pereceram em testemunho de fé,
voltados para a contemplação da sua espiritualidade, incitaram cada vez mais a
confecção de imagens, feitas de barro ou madeira com padrão estético tão
sofisticado quanto as que vinham importadas da metrópole, tanto que podemos
estabelecer uma hierarquia de produção, a título de função e relevância:
Primeiro as imagens sacras se destacaram junto ao culto oficial das igrejas
católicas, elevadas aos seus retábulos ricamente decorados para compor o
cenário desse imaginário celestial, nas quais foram veneradas e creditadas como
intermediadoras de graças alcançadas;
Depois as imagens sacras foram participar das cerimônias públicas, como
imagens processionais de roca para serem vestidas, que os fiéis seguiam,
carregando-as em andores enfeitados, com elementos da natureza envoltas em
tecidos, com cores simbólicas, cabelos naturais e atributos reais, muito
reverenciadas, fascinavam os fiéis que verbalizavam ladainhas em sua glória;
79
As imagens monumentais foram confeccionadas para compor o teatro sacro,
infelizmente em menor número, mas não em menor importância, conjuntos
escultóricos requeriam um investimento econômico maior e equipe especializada,
o que não teve continuidade devido à transitoriedade dos ciclos econômicos.
Em virtude do que foi mencionado, no decorrer dos tempos, o aumento de
pessoas leais a estes princípios cristãos, praticantes dessas manifestações
religiosas, crédulas neste memorial de salvação, demandaram um número
significativo da produção de imagens sacras, desta vez de menor porte, requerendo
a presença de um santeiro que, apreensivo por atender a esse novo mercado em
expansão, confeccionou imagens sacras cada vez mais singelas e acessíveis que
adentraram os lares dos crédulos mais fervorosos, que as colocavam em acanhados
oratórios de madeira, para o culto doméstico, podendo assim enaltecê-las de
maneira mais restrita, na privacidade do lar. Como enfatiza o pesquisador Eduardo
Etzel:
O que para mim não padece dúvida é que nos séculos XVI e XVII todo culto
era exterior, em local público como igrejas e capelas. Nos inventários
paulistas dos séculos XVI e XVII verifiquei a extrema raridade dos oratórios
domésticos. Não havia o costume do santo dentro de casa, que só foi
crescendo e se ampliando a partir de meados do século XVIII, chegando
aos oratórios generalizados em todas as casas, ricas e pobres, do século
XIX. (ETZEL, 1984, p. 67).
Esta pequena imagem de devoção de cunho popular para oratórios nos
permite estabelecer pontos de tangência com as esculturas religiosas eruditas, que
foram modeladas ou esculpidas seguindo os preceitos dos cânones clássicos que
prezavam pela harmonia anatômica, pelos aspectos formais, estilísticos e
iconográficos da invocação retratada.
Para elucidar tais relações, vamos refletir sobre alguns aspectos no
tratamento final das imagens eruditas. Aplicava-se a cnica do estofamento, antes
da pintura, uma camada de gesso, para cobrir as imperfeições da superfície da
escultura e, sobre esta, era feito o douramento, uma aplicação de finíssimas folhas
80
de ouro, para depois sobrepor a policromia e, por fim, esgrafitava-se
17
a peça, por
meio de incisões, criando elementos decorativos florais ou geométricos, estética
difundida pelos povos ibéricos.
Essa ascendência pode ser verificada em algumas imagens sacras
Paulistinhas, que apresentam soluções similares em seu panejamento, por imitar os
elementos decorativos e a aplicação de douramento que, neste caso, é restrito ao
barrado, sempre com o intuito de atender ao apelo devocional, sem negligenciar a
estética barroca. De acordo com Eduardo Etzel:
Dessa atividade barrista inicial, que posso afirmar ser o berço original da
arte paulista, emana a tradição local de imagens de barro. Ela se manteve
pelos séculos seguintes até o fim do século XIX, com os percalços naturais
da evolução socioeconômica de São Paulo, mas seguida e mantida pelos
santeiros, depositários inconscientes dos usos e costumes de seus
ancestrais. (ETZEL, 1984, p. 88-89).
Ilustração 23 – Sagrado coração de Jesus, século XIX – MAV (SP)
pormenor da mesma peça com douramento
Sem atrib., barro cozido – 17 cm
Convém, por oportuno, ressaltar que no transcurso da sua confecção, em
particular na produção do santeiro Dito Pituba, a modelagem das Paulistinhas era
17
Ação feita quando se aplica uma cor ao fundo da peça e sobrepõe a ela uma outra cor, que é
retirada depois com um objeto de ponta afiada, para formar efeitos nela.
81
feita por ação parcialmente hipotética, tanto na sua estrutura como na aplicação da
policromia, sendo ambos produto da tentativa do acerto, com a mesma matéria-
prima, seja ela barro ou madeira, temática e iconografia idêntica, e objetivamente a
mesma acepção simbólica.
Acreditamos que os santeiros, talvez por apreensão sensorial, na busca da
confecção de um número expressivo de imagens, sem terem noção dessa nova
concepção do aspecto formal, passaram a incorporar motivos de inspiração
abstratizante, no aspecto formal, na postura e nos atributos, sem deixar de se
submeter às premissas da liturgia católica, à qual os religiosos tinham tamanha
afeição.
A policromia que era ricamente variada nas imagens eruditas, já citadas,
passa a ser limitada nas Paulistinhas, isso se aplica também nas dobras dos mantos
e das túnicas. Posto que é por meio destes pormenores que os santeiros interpretam
a pujança barroca, o movimento dos drapeados, ou seja, a sua dramaticidade,
verificados nas representações desta pequena imagem, em poucas e discretas
dobras, por limitação da destreza, ou seja, os percalços encontrados levaram os
santeiros a esquematizações, constatadas por especialistas como soluções criativas,
pelas quais, afirmam eles, concepções originais conferidas às Paulistinhas, que
permaneceram a abarcar toda a religiosidade, encetada pelas imagens sacras
eruditas dos altares das igrejas, sem se esquivar da persuasão, que é peculiar às
esculturas religiosas.
82
Ilustração 24 – São Sebastião, século XIX – MIC (SP)
Sem atribuição, barro cozido – 15 cm
Conforme mencionado alhures, o aspecto formal destas imagens foi apurado
pela capacidade criadora dos santeiros e foram convertidas, sacralizadas e
veneradas pelos devotos que possuíam a convicção de que a fé transcendia todas
as formas, ignorava os invólucros materiais das representações e ao mesmo tempo
tinham primazia por possuí-las para meditação contemplativa.
Por meio das percepções sensoriais, estas pequenas imagens de devoção se
tornaram um elemento catalisador de sentimentos, presentes nos lares de uma
região rural carente, despojados de vaidade e prepotência, traço típico das pessoas
humildes consumidoras destas imagens sacras, cuja fé católica permeava o destino.
Feitas essas considerações, acreditamos serem, as Paulistinhas, uma
complementaridade desta cultura barroca propagandista, que esteve essencialmente
presente nos séculos XVII e XVIII no Brasil, prolongando-se também pelo culo
XIX, como foi observado na pesquisa realizada sobre a obra de Veiga Valle no
estado de Goiás, desdobrado também no estado de São Paulo, a respeito do que
aduz a pesquisadora:
[...] é o que propõe Mário de Andrade ao estudar a Capela de Santo
Antônio, em São Roque. Destacando o valor documental da obra, ainda a
analisa construtivamente. A capitania de São Paulo, no século XVII, está tão
estagnada quanto a Província de Goiás, no século XIX. A obra de Veiga
83
Valle não pode prescindir da análise estilística, mas deve ser considerada
em sua especificidade cultural. (SALGUEIRO, 1983, p. 27).
De acordo com o aludido no capítulo anterior, depois de um período de
reclusão, por não possuir fontes para exploração econômica significativa, o estado
de São Paulo experimentaria em pouco tempo um período de ascensão econômica,
iniciada na região do Vale do Paraíba, com o cultivo do café e, em razão disso, o
aumento da população humilde e católica, que se alojou nesta região.
Para este local, muitas romarias dirigiam-se incitadas por uma fomentação
religiosa, gerada pela aparição e, como se de verificar, a veneração de uma
imagem feita de barro, consagrada pelos fiéis como intermediadora de inúmeras
graças alcançadas, identificada como evocação a Nossa Senhora da Conceição,
que passou a ter o sufixo Aparecida.
Devido à constante exposição ao picumã das chamas das velas e dos
candeeiros, deu-se o escurecimento dessa peça, o que foi interpretado pelos
devotos como alusão a cor da sua pele, passando a ser cultuada como santa de
etnia africana. Foi proclamada a “Rainha do Brasil”
18
e sua padroeira oficial.
Feitas essas considerações, os moradores do Vale do Paraíba se tornaram os
maiores consumidores de imagens sacras, conseqüentemente das Paulistinhas.
Estes devotos mobilizaram um mercado, no qual, como portadores de uma
avassaladora, se tornaram os principais apreciadores de artefatos religiosos,
destacando a cidade de Mogi das Cruzes no Baixo Tietê, próxima ao Vale do
Paraíba, o local onde acreditamos ter surgido o maior número destas
representações sacras singulares.
Acerca do tema em apreço, e parafraseando o autor José Antonio Maravall,
que traça os seguintes esclarecimentos a respeito, acreditamos poder legitimar esta
reflexão sobre a complementaridade de um espírito barroco, atemporal atuante,
vigoroso e animador da numerosa produção das referidas imagens de culto
doméstico. O barroco não é um conceito de estilo, mas um conceito de época que se
estende a todas as manifestações integradas, uma cultura fideísta, mergulhada
em superstições, no qual a vida religiosa tem papel de destaque.
Neste contexto as Paulistinhas encontraram espaço para serem
confeccionadas, adquiridas e veneradas, sejam elas moldadas a partir de fôrmas ou
18
A partir de 1904, foi coroada como a Rainha do Brasil.
84
modeladas imprecisamente, sua confecção resultou em um aspecto formal
absolutamente singelo, mas capaz de suscitar reações, até então provocadas pelas
exuberantes imagens barrocas expostas ao culto coletivo.
Estas imagens se encontram atualmente apreciadas no mercado de arte,
tanto que alguns colecionadores possuem armários apinhados, por serem singulares
nesta obliqüidade. No que diz respeito a sua temática, tais características formais as
diferem das demais imagens sacras eruditas, às quais acreditamos estarem
intimamente ligadas por tradição vernacular e propagandista de conduta moral. Em
virtude do que foi mencionado, acreditamos que estas pequenas imagens, com
tamanha singeleza e considerada singularidade levaram amiúde a função do culto.
Tem-se no entendimento do pesquisador Carlos Lemos:
Julgamos mesmo que tais oficinas aceitavam encomendas especiais, mais
caras, portanto; isso porque tivemos a ocasião de ver peças únicas
dentro do enorme repertório que examinamos desde as coleções muito
grandes como a do Museu de Arte Sacra, até outras de séries de
propriedade de colecionadores conhecidos pela grandeza de seus
guardados.
[...] Dessacralizadas, viraram documentos participantes de uma cultura
material desaparecida. (LEMOS, 1999, p. 102).
Estas imagens sacras primam por uma padronização estrutural e, no seu
interior, um cone, geralmente com ranhuras residuais circulares, que revelam a
utilização de um instrumento para a retirada de barro até próximo ao pescoço,
deixando as paredes bem finas, para melhor queima da peça. Possuem uma
tipologia análoga às demais barrocas importadas ou produzidas em outras regiões
do Brasil, o que nos leva a acreditar ser uma escola de imaginária barroca paulista,
conforme aduzido anteriormente, sob a perspectiva reflexiva de época, com as
seguintes características estruturais e tipológicas:
Características estruturais
Cânon 6,5 em média;
Anatomia parcialmente encoberta, marcada por baixo relevo;
85
Possuem uma penha alta facetada ou circular, ligada ao corpo da imagem;
Base furada em seu interior, em forma de cone que vai até pouco mais da
metade da peça;
Aspecto formal simplificado quase geométrico e postura hierática na qual
predomina a frontalidade.
Características tipológicas
Cabeça estática e geralmente proporcional, poucas apresentam microcefalia;
Rostos alongados;
Sobrancelhas arqueadas;
Olhos marcados com pinceladas precisas;
Nariz reto e afilado;
Boca pequena com pouca projeção de lábios;
Braços marcados por breves talhos e pernas paralelas, o que nos leva a
acreditar, no uso de rmas para sua confecção genérica, identificadas em
particular nas produções da primeira metade do século XIX;
Os atributos para o reconhecimento da invocação e as dobras com discreto
movimento da vestimenta, modelados posteriormente e sujeitos às habilidades
do santeiro;
Podemos encontrar muitas imagens solitárias, mas também há grupos;
Na sua maioria, feitas de barro, porém também encontramos algumas em
madeira;
Dimensão mais comum varia entre cinco e dezessete centímetros, podemos
encontrar maiores com trinta ou a setenta centímetros, denominadas
Paulistinhas de capela ou simplesmente Paulistões;
86
Decorações na túnica, com os seguintes elementos: rosáceas; flores; folhagens e
algumas apresentam douramento nas bordas.
A propósito dos procedimentos usados para pintura, a aplicação da tinta nas
imagens de barro era feita depois do cozimento, com a peça seca e ainda quente
para maior absorção da tinta. As cores que predominam no panejamento destas
pequenas imagens sacras eram o azul e o vermelho; o rosa para a carnação das
invocações de santos brancos; para a invocação de o Benedito, o preto que
também era aplicado nos cabelos e barbas.
Ilustração 25 - São Benedito, século XIX – MAV (SP)
Sem atrib., barro cozido – 19,5 cm
Quando presentes, os elementos decorativos são mais comuns nas túnicas e
o douramento nos mantos, sendo verificados em poucas peças, porque se tratava de
um acabamento considerado de pompa, feito por um conhecedor da técnica de
pintura sobre o barro cozido, que nos remete novamente à produção de imaginária
beneditina. Podemos verificar nos ensinamentos de Eduardo Etzel:
Nas restaurações em que temos retirado até seis camadas superpostas de
pintura das famigeradas reformas das imagens, a pintura original, firme, não
é atingida pelo removedor, senão após uma exposição muito demorada. Tal
fato é conseqüência da impregnação da peça recém-queimada, bem seca,
pela tinta que embebe sua superfície e, penetrando-a, se fixa de forma
indelével.
87
[...] Queremos assinalar a simplicidade e a beleza desta decoração original
e peculiar a este tipo de imagens. Tudo indica que as primeiras imagens
tiveram a presidir-lhes as confecções, artistas com conhecimento da
confecção em terracotas, possivelmente mestres beneditinos [...] (ETZEL,
1971, p. 128, 130).
Quanto à iconografia sagrada, que consiste em um elemento de descrição
representado visualmente, nos leva a reconhecer e classificar tais invocações como
santos mártires, apóstolos de Cristo, ordens monásticas, evocações à Virgem Maria,
seja pela indumentária ou pormenores denominados atributos, objetos que se
referem à passagem da vida do santo, em que se deu o testemunho de fé, e na qual
foi inspirada sua personificação, decodificada como símbolo e transformada em
predicado pessoal ou de coletividade quando ligado a uma ordem monástica.
Ilustração 26 – Santo de Batina, século XIX – col. part.
Sem atrib., barro cozido – 15 cm
Ilustração 27 – Anjo da Guarda, século XIX – MAV (SP)
Sem atrib., barro cozido – 15 cm
Geralmente o santeiro se baseava nas iconografias das imagens retabulares
encontradas nas igrejas católicas da região do Vale do Paraíba, muitas delas foram
edificadas em louvor a Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora do Rosário, a
Sant’Ana e a São Benedito, todas personificações divinas muito populares, que
88
serviram de referências para a produção de pequenos similares, para o culto
doméstico. Outras solicitações surgiram, copiando modelos da ordem beneditina,
conforme trazido à baila, seguindo a tradição oral, ou movidas pelas celebrações
religiosas, como as festas do Divino Espírito Santo, promessas, romarias ou mesmo
nas minúcias litúrgicas da própria Bíblia. Como assinala Eduardo Etzel:
É curioso que a maioria, se não a totalidade, destas imagens esteja
presente também na série de barro, conhecida como paulistinha, como
Sant’Ana, Nossa Senhora da Piedade, Nossa Senhora do Rosário, Santa
Gertrudes, São Gonçalo e São Bento. Esta comprovação parece indicar a
influência beneditina senão na feitura dos paulistinhas pelo menos na
sugestão de fazê-los. (ETZEL, 1971, p. 65).
Vale lembrar que a relação entre o devoto e o santo é feita de forma subjetiva
e, por decorrência, na maioria dos lares os oratórios possuíam vários
compartimentos para serem colocadas diversas evocações que recebiam cuidados
afetivos de todos os membros da família, movidos pelo conforto da fé católica,
adquiriam as Paulistinhas por acreditarem na proteção divina que elas exerciam e,
não obstante, supriam suas inquietações religiosas na comodidade do lar.
3.1 As Paulistinhas de Dito Pituba
Depois de refletir sobre a relevância destas imagens e estabelecer uma linha
de tradição fecunda, que garantiu a sobrevivência da produção individual de
imagens sacras por mais de um século, tendo o século XIX como o ponto máximo de
confecção e elaboração, esta cultura devocional propiciou o surgimento de um
número expressivo de santeiros que ultrapassou gerações, os quais se dedicaram à
feitura de imagens sacras para oratórios, que hoje se apresenta em sua maioria
anônima. Não há registros documentais, por se tratar de imaginária doméstica; o seu
comércio não exigia recibo da fatura ou qualquer tipo de apontamento, o que nos
deixa dúvida sobre algumas autorias.
Na tentativa de cumprir a solicitação das mais diversas evocações, foi
necessário além do barro usar a madeira para confeccionar imagens, cujas
características fundamentais da composição permaneceram semelhantes às das
89
Paulistinhas, como a peanha alta e o aspecto formal simplificado, elementos
constitutivos, que nos levam a refletir que uma definição tipológica, no que diz
respeito à sua dimensão e também à sua natureza religiosa. Em deferência, colhe-
se o escólio de Eduardo Etzel:
paulistinhas dos mais variados tipos de confecção. O tipo padrão, que
deve ter sido o primitivo, confeccionado sob a direção de um conhecimento
técnico apurado, é o que poderíamos chamar propriamente de paulistinhas,
mas com o correr do tempo estas imagens caindo no gosto dos antigos, se
foram repetindo e generalizando, pela sucessão de santeiros, que as foram
fazendo, até comprovadamente o último decênio do século XIX. É natural
que, durante aproximadamente 130 anos, tenha havido uma variação na
técnica, com mudanças segundo a habilidade e imaginação de quem a
executou. Daí se poder observar entre nossos 347 paulistinhas uma grande
variedade de tipos que fogem muitas vezes ao padrão inicial, mas que
guardam sempre uma certa semelhança no aspecto total da imagem [...]
(ETZEL, 1971, p. 105-106).
Dessa forma, se voltarmos a atenção para suas funções de culto doméstico,
dentro de um segmento social, não foram verificadas resistências, por parte dos
fiéis, para a aquisição desse tipo de imagens com material diferenciado, pelo
contrário, elas permaneceram, mesmo com as modificações supracitadas, a
intensificar a vida espiritual, por transpor subsídios que perpetuaram um ímpeto de
fé, impressos na matéria e decodificados na dissimulação, que perduram nas
diversas interpretações dos recursos pertinentes à arte barroca.
Cabe aqui, uma atenção para as Paulistinhas de Dito Pituba, que tem um
papel de destaque nesta pesquisa, nelas se revela a condição indispensável para
uma compreensão da proposta reflexiva desta tipologia, correndo o risco de se
particularizar em momentos compassivos, porém sem perder de vista a relação
específica no que diz respeito ao conceito de época barroca e de produção
diferenciada quanto ao seu aspecto formal.
90
Ilustração 28 – São João Batista, século XIX – col. part.
Dito Pituba, barro cozido – 15 cm
O estudo nos leva a reconhecer que há uma autonomia na feitura das
imagens sacras deste referido santeiro, que se libertou da dependência de moldes,
procedimento pelo qual, acreditamos por evidências, muitas Paulistinhas foram
moldadas. Seu zelo pela ocupação nos levou a concluir, ao perpassar a metodologia
escolhida, que houve uma compreensão e assimilação estrutural, ou seja, a partir da
sua percepção do objeto, houve uma pregnância da sua forma e por meio desta
percepção mais aguçada, por se tratar de um hábil artífice, buscou a melhor maneira
de dar sentido à representação, assim sendo pôde então exercer sua capacidade
criadora e neste sentido combinou materiais e incorporou elementos até então
inusitados, legitimando ao máximo sua singularidade.
[...] acreditamos que no início Pituba, tendo sentido as dificuldades do
trabalho em madeira, preferiu a escultura em barro. Copiou paulistinhas com
moldes (1881) como já fizera ao imitá-lo com o trabalho em madeira (1874).
Ao mesmo tempo esculpiu livremente magníficas peças [...] a escultura em
barro devia tomar-lhe maior tempo, exigindo o complicado processo de
queima e pintura, coisa que só fez quando morava na roça.
Mudando-se para a cidade e descobrindo o providencial prego, dedicou-se
às imagens de madeira presas sempre à base com pregos de grande
tamanho. (ETZEL, 1975, p. 76).
91
Ilustração 29 – São Gonçalo padre, século XIX – col. part.
Dito Pituba, barro cozido – 16 cm
Ilustração 30 – São Gonçalo padre, século XIX – col. part.
Dito Pituba, madeira policromada – 17 cm
A esse empreendimento, chamamos de inventivas soluções estéticas, para
uma produção acelerada e profusa, que levou o santeiro a ganhar sua vida,
atendendo às solicitações que cresciam, mediante a busca de graças que,
acreditavam os devotos, estas pequenas imagens podiam intermediar, percepções
de um homem religioso, na qual o sentido da devoção estava no seu cotidiano.
No entanto, para o deleite dos pesquisadores, o santeiro Dito Pituba deixou
algumas imagens sacras Paulistinhas modeladas com datas gravadas e assinadas
com as iniciais do seu nome, atitude semelhante à do santeiro
19
precedente
beneditino em imagens eruditas feitas de barro. Podemos encontrar as letras B A O
(Benedicto Amaro de Oliveira) e freqüentemente a letra P, referente à sua alcunha
(Pituba), e também afirmações de alguns informantes, herdeiros de imagens deste
tipo, dos seus antepassados que testemunharam tê-las encomendado ou que
“trocaram” diretamente com o próprio santeiro. Estes dados foram usados para o
confronto com as imagens Paulistinhas que não possuem tais registros.
19
Cabe aqui o registro que frei Agostinho da Piedade, possível mestre de frei Agostinho de Jesus,
assinou seu nome em quatro imagens de barro cozido: N. S. do Monte Serrate, Sant’Ana mestra,
Santa Catarina e no Menino Jesus de Olinda.
92
Ilustração 31 - Santo Antonio, século XIX – col. part.
Dito Pituba, barro cozido - 15 cm
A partir da confirmação de sua lavra, houve também a constatação de outras
características que apontam sua autoria, denominadas como cacoetes do santeiro.
Identificamos, em particular, nas suas Paulistinhas, na parte que compreende a
peanha, no lado interno ou até mesmo externo, uma curiosidade, a letra S. Quando
feita por ele é ligeiramente inclinada, um tanto peculiar, que chega a ser um dentre
vários outros cacoetes do santeiro; isso também se aplica ao feitio dos números do
ano de produção.
Nas suas imagens em madeira quando não confeccionadas em única peça,
utilizava os pregos industriais, conforme citado anteriormente por Etzel, para a
fixação da base ao corpo da imagem; as representações da Virgem Maria foram
modeladas em sua maioria descalças, em outras evocações, por ele produzidas,
podemos observar que as mãos e os pés foram modelados anatomicamente
desproporcionais.
93
Ilustração 32 – Nossa Senhora Conceição Aparecida, século XIX – MAV (SP)
Dito Pituba, madeira policromada - 25 cm
Ilustração 33 – Sagrado Coração de Jesus, século XIX – MAV (SP)
Dito Pituba, madeira policromada – 16 cm
Ilustração 34 – São Gonçalo padre, século XIX – MAV (SP)
Dito Pituba, madeira policromada – 16 cm
Ilustração 35 – Nossa Senhora, século XIX – col. part.
Dito Pituba, madeira policromada – 14 cm
No aproveitamento da policromia, preparava suas tintas e misturava com um
pigmento denominado alvaiade, que constituía uma massa colorida sem nuanças,
que encobria as imperfeições da superfície das suas esculturas em madeira,
tornando-a um tanto abrasiva, o que nos remete a um desdobramento, em relação
ao aspecto formal das imagens sacras Paulistinhas, produzidas na primeira metade
do século XIX, comofoi enfatizado, que apresentam um respeitável apuro técnico.
Conforme assevera Eduardo Etzel:
[...] o santeiro em algumas imagens, escrevia na peanha o nome do santo
com um S inclinado que lhe é característico. Dirão: mas como soube disso?
Porque numa imagem de São Brás, assinada e datada em 1891, havia as
iniciais do santo escritas na peanha e lá estava o S inclinado.
[...] a pintura é um dos elementos de maior valor para a especificação de
suas peças. Partindo sempre das peças assinadas ou datadas, e
generalizando, observamos que a técnica da pintura e o tom da tinta se
repetem, o que garante a origem única. (ETZEL, 1975, p. 64-65).
Sobre a composição ingênua das imagens do Divino Espírito Santo, Dito
Pituba esculpia liberto da convenção de ser uma pomba, entidade procedente de
uma configuração não humana para a terceira pessoa da Santíssima Trindade,
instituída pelos Doutores da Igreja Católica no aperfeiçoamento dos dogmas
94
cristãos, o terceiro membro da Divindade que se manifestou sobre os apóstolos de
Jesus Cristo.
Mesmo não sendo estimado como um santo padroeiro, sua celebração
religiosa ganhou força na região do Vale do Paraíba, promovendo inúmeras
solicitações de produção para compor o conjunto de seres celestiais que habitavam
os oratórios dos casebres.
Em relação ao mencionado pressuposto, Dito Pituba, exercendo sua
admirável criatividade, realizou, em madeira, vários pássaros estáticos de asas
fechadas, na maioria pousada sobre uma peanha alta, com aspectos formais
simplificados, tão singelos quanto as suas Paulistinhas, que nos permitem enquadrá-
las neste estudo tipológico. Dos preceitos do pesquisador Eduardo Etzel, extraiu-se
a explicação:
Todo animal voador exceção à noturna coruja ou ao morcego, sinônimo
do demo – é passível do interpretar descritivo. Poder-se-ia dizer que o
santeiro popular realiza, na essência, a comunhão intensa com a natureza.
Interpreta, nesse olhar voltado à semana festiva, o pássaro-Deus em
posições que o cotidiano lhe apresenta: pré-vôo, repouso e ainda na
inclinação de cabeça que leva ao alimento. (ETZEL, 1995, p. 10).
O aludido santeiro, ao produzir suas esculturas religiosas, interpretava a
iconografia sagrada. Não acreditamos que agia de , por não distinguir o perfil
hagiográfico e voltado em atender as solicitações dos piedosos, confeccionava os
atributos por tradição oral ou segundo a sua inspiração, levando-se em conta o que
foi observado, muitas invocações sofreram venerações equivocadas.
No interior dos lares, o culto era realizado diante dos oratórios contendo
várias imagens de santos que eram celebrados por meio de terços, novenas ou
simplesmente orações individuais, ao amanhecer ou cair da tarde, quando aflitos os
devotos se ajoelhavam suplicando fortalecimento. De acordo com a graça
alcançada, se referia à evocação de forma afetiva; quando o era atendido,
atribuía-lhe pequenas penalidades.
Em relação ao aludido pressuposto, acreditamos que os devotos ignoravam
as formas plásticas da imagem e estavam totalmente vulneráveis ao vigor
psicológico e moral que ela exercia, a qual influenciava sobre seu comportamento,
95
independente de uma padronização formal ou de material, o que justifica a produção
do tipo Paulistinhas em grande escala.
Imagens sacras, muitas vezes toscas, foram confeccionadas visando acalmar
os ímpetos, e para isso tinham apenas, como critério, que figurar os dramas e as
paixões, jazidos nas imagens dos mártires, sobrepujadas na representação deles,
por meio de um conteúdo simbólico capaz de suscitar questionamentos sobre o
quanto sua fé suportaria as dificuldades inerentes à sua existência.
Uma visão restrita de mundo, no qual ele é suscetível de ser ferido e,
portanto, perecível e a intervenção divina poderia protegê-lo. Isso nos remete às
potencialidades de um pensamento imaginativo, contidas em uma leitura subjetiva
que é inerente ao ser humano.
As imagens sacras Paulistinhas, sobretudo as do santeiro Dito Pituba, de que
se trata no referido estudo, se distinguem pela sua composição formal peculiar, sem
deixar de cumprir sua finalidade de mobilizar os afetos, nas quais se manteve
intrínseca a persuasão para a construção de uma identidade doutrinária e, em vista
disso, tinham a empatia do sistema político vigente. Em anuência aos argumentos
apresentados, postura que convergia para uma convivência social salutar. Cabe
aqui, por adequar-se ao assunto, o seguinte preceito do pesquisador José Antonio
Maravall:
Ao ter de se perguntar, com mais dramatismo que em outros momentos,
sobre o entorno de sua existência, na medida em que a sente criticamente
ameaçada o homem do barroco adquire seu saber do mundo, sua
experiência dolorosa, pessimista, acerca do que o mundo é, mas também
constata com simultaneidade tragicômica que, aprendendo as manipulações
de um jogo hábil, pode favorecer resultados positivos. Da noção dessa
polivalente mistura do mundo, retira os elementos para construir sua própria
figura (embora estejamos mais inclinados a pensar que, no fundo da
questão, seja sua dolorosa e variada experiência pessoal, dos demais
homens e de si mesmo que o levou a construir a visão de mundo diante da
qual se instala).
Parece fácil reconhecer uma conexão imediata e direta entre o caráter
conflitivo da época barroca e o pessimismo acerca do mundo e acerca do
homem em sociedade que naquela visão se expressa a todo momento.
(MARAVALL, 1997, p. 260).
Dessa forma, o santeiro Dito Pituba, seguindo os paradigmas de sua crença
religiosa, por meio da imaginação ou mesmo da pura emoção, privilegiou a
96
vulnerabilidade contemplativa e soube imprimir sua personalidade na produção de
sua imaginária.
Convém evidenciar que o referido santeiro confeccionou imagens de barro e
posteriormente em madeira em tamanho maior que as convencionais conhecidas
para o culto doméstico. Essas de maior dimensão apresentam as mesmas
características formais das imagens Paulistinhas, às quais o estudo se refere por
serem conhecidas no Vale como Paulistinhas de capela ou, como os colecionadores
denominam, Paulistões, atendendo aos requerimentos do culto coletivo. Eram
colocadas nas capelas de santa-cruz, pequenos santuários edificados ao longo das
estradas, muito comuns no Vale do Paraíba.
Ilustração 36 - Santa Gertrudes, século XIX – MIC (SP)
Sem atrib., barro cozido – 35 cm (dito de capela)
Ilustração 37 - São Gonçalo padre, século XIX – MIC (SP)
Sem atrib., barro cozido – 39 cm (dito de capela)
Oportuno se torna dizer que não se pode negligenciar e sim reverenciar a
percepção afetiva dos religiosos mais fervorosos, por gerar um despertar de diversas
reações, presentes no imaginário fantástico de cada um de nós.
Dito Pituba foi um fazedor de objetos sacros, que atuou por mais de 50 anos,
tendo seus melhores trabalhos realizados na juventude e na meia idade, pois,
97
quando mais idoso, suas imagens se tornaram mais concisas, de qualidade
questionável.
Convém ponderar a possibilidade de querer produzir em maior quantidade,
para atender uma clientela aflita por adquirir seu santo de devoção, ou mesmo
visando maior estipêndio, gerado pela veemência de trocas. Mais uma vez, a
respeito, depreendem-se os ensinamentos de Eduardo Etzel:
No último quartel de sua vida declina o vigor físico, vai-se tornando o velho
santeiro que é parte do panorama de Santa Isabel; sua católica acentua-
se e, com ela, o misticismo na comunicação com os santos que faz brotar
do lenho macio trabalhado com desenvoltura e rapidez.
[...] desvinculado das cogitações terrenas, do amor carnal, vira-se aos
poucos para o transcendental, para o espiritual e o imaterial. Com a
católica, as preocupações com o além predominam, e com elas a segurança
de seu bom entendimento com Deus e a corte celeste com a qual vem
imitando de longa data. Teria tal evolução emocional influenciado sua obra?
A pergunta é logo respondida pela observação das imagens da última fase,
as peças de madeira do século XX, em que o peso rude do trabalho da
lavoura foi aos poucos se transformando no imaterial do trabalho artístico.
(ETZEL, 1975, p. 87).
Concomitantemente à sua produção de imagens sacras, outras foram
confeccionadas, com diferentes materiais, em uma época na qual as relações
sensoriais ansiavam pelo que parece ser das representações sacras e
paulatinamente uma distinta manifestação doutrinária principiava e, desse modo,
também estimulava sua produção votiva, por meio da transitoriedade da forma
material que fazia emergir sua confiança.
Dado o exposto, verificamos que as imagens-amuleto de de pinho, feitas
pelos escravos no século XIX, disseminaram um sincretismo religioso e, para não
afrontar os preceitos catolicistas, pois se tratava da doutrina oficial e para garantir
seu culto de procedência, criaram analogias, na qual Santo Antônio correspondia a
Ogum e a Virgem Maria a Iemanjá. Imagens confeccionadas com aspecto formal
que nos remetem às esculturas africanas ritualísticas, que tinham seus adeptos e
consumidores, e merecem maiores estudos a respeito.
Soma-se a esse fato a produção de imagens feitas inicialmente de gesso oco
que, em detrimento das artesanais, foram ganhando espaço e chegaram a dominar
todo o mercado no culo XX. Eram produzidas primeiramente por meio de moldes,
98
através da técnica de barbotina sem a necessidade da queima e depois se
espalharam por todo o país como imagens de gesso maciço fabricadas em várias
dimensões, sem qualidades artísticas peculiares.
Porém mais acessíveis em seu valor de custo, superaram em pouco tempo as
artesanais com produção limitada. Pela maior diversidade de evocações, aspecto
realístico e colorido vibrante, estas feitas de gesso também abarcavam uma
demonstração argumentativa simbólica das virtudes fideístas, porém sem a
criatividade aplicada às Paulistinhas.
Ao fazer referência a esse pressuposto, refletimos sobre as possibilidades
que o barro e a madeira ofereciam para o exercício da capacidade criadora,
materiais receptores de vários estilos que o santeiro manipulou e sublinhou por meio
de representações divinais perfiladas para um imaginário de natureza valorativa,
influente no particular, que converge para uma identidade coletiva, de uma época de
alegorias articuladas por fortes emoções.
Em análise última, ao apreciar estas imagens de cunho popular, em museus
ou coleções particulares, podemos contemplá-las sem nos darmos conta da sua
relevância cultural por sintetizar tantas características, aqui verificadas, que possam
exprimir conceitos até então outorgados somente às exuberantes imagens de cunho
erudito. Restritas aos lares, elas preservaram o passado, no qual a espiritualidade
fazia parte do cotidiano, ou seja, se renovava a cada dia e que hoje, tratada como
fenômeno, nos permite formular teorias, tendo como suporte uma metodologia capaz
de fundamentá-las.
99
Ilustração 38 - São Miguel Arcanjo, século XIX – MAV (SP)
Sem atrib., barro cozido – 15 cm
Ilustração 39 - São Pedro Apóstolo, século XIX – col. part.
Sem atrib., barro cozido – 12 cm
Ilustração 40 – Nossa Senhora do Rosário, século XIX – col. part.
Sem atrib., barro cozido – 10 cm
100
3.2 Análise formal de nove imagens Paulistinhas do acervo do MAV (fotos do
autor)
Ilustração 41 – São Bento
101
3.2.1 São Bento
Biografia nascido na Itália na cidade de Núrcia, se refugiou nas montanhas do
Subiaco e viveu como um eremita. Suportou grandes tentações, mais tarde foi para
o Monte Cassino, onde construiu o mosteiro da ordem beneditina, estabeleceu as
seguintes regras aos monges: estabilidade à sua abadia, dedicação ao trabalho, ao
ofício divino e à contemplação, é representado vestindo cogula negra, em uma das
mãos tem um báculo abacial e, na outra, um livro. Como atributos é comum ver uma
peneira quebrada ou um corvo, que tem em seu bico um pão envenenado. duas
datas em que são celebradas suas festas, 21 de março ou 11 de julho.
Obs. na representação das Paulistinhas esta evocação traz em seu corpo uma
serpente enrolada, uma alusão ao veneno da serpente de que muitos devotos,
moradores da zona rural, eram vítimas e, para a cura, contavam com a intervenção
divina.
Proveniente do MAV - 0328
Material / técnica - barro cozido policromado.
Dimensões - 15,9 cm.
Autoria - Dito Pituba (Benedito Amaro de Oliveira).
Época - 2ª metade do século XIX
Formas fundamentais da composição - a imagem possui anatomia com volume,
as formas esboçadas com boa simetria, a verticalidade e estaticidade estão
presentes nesta peça, sugeridas pelo capuz pontiagudo sobre a cabeça o
panejamento adequado à estrutura, com dobras marcadas com incisões e pés
calçados com sapatos fechados.
Expressão fisionômica – Não há expressão fisionômica.
Panejamento cogula beneditina longa e com escapulário todo preto, cobre
parcialmente os pés, uma serpente vermelha contorna toda a cogula bem próxima
da barra, de mangas compridas e arremate nos punhos, o panejamento lhe
firmeza a peanha.
Policromia predomina o preto para a cogula, o rosa para a carnação e o branco
para os cabelos e a barba grisalha.
102
Peanha alta facetada, desgaste da cor cinza, corresponde a mais de 1/4 da altura
total da peça, escavamento interno até meia-altura dela.
Atributos iconográficos – estão ausentes.
Intervenções – não foram observadas.
Estado de conservação razoável.
103
Ilustração 42 – São Roque
104
3.2.2 São Roque
Biografia evocação pertencente à ordem franciscana, nascido em Montpellier, na
França, foi nômade e protetor contra as pestes. Nascido com uma cruz vermelha
estampada no peito e que, durante as epidemias de peste, curava os doentes,
fazendo o sinal da cruz na fronte. Quando esteve doente foi acudido por um cão, que
lhe trazia o pão como sustento, como atributo é comum um cajado, botas de
peregrino e um cachorro com pão na boca. Sua festa é celebrada em 17 de agosto.
Proveniente do MAV - 0314
Material / técnica – barro cozido policromado com pouca douração.
Dimensões – 19,4 cm.
Autoria – Dito Pituba (Benedito Amaro de Oliveira).
Época – 2ª metade do século XIX.
Formas fundamentais da composição - a imagem possui anatomia com
volumetria, suas formas revelam baixos relevos, com boa simetria, a dobra da túnica
presa em uma das mãos, sugere uma ação, o panejamento adequado à estrutura,
com incisões que marcam a cintura, um coberto parcialmente e o outro mostra
uma bota cano longo, com uma chaga próxima ao joelho.
Expressão fisionômica – remete-nos à serenidade.
Panejamento – hábito franciscano azul, franzido na cintura, a parte avessa da dobra
revela um tom de vermelho alaranjado, mangas até os cotovelos, sobre os ombros,
fechada na frente, uma capa curta que cobre o hábito, alaranjado com listras
douradas.
Policromia bem diversificada, o azul e o laranja para a vestimenta com detalhes
em dourado, rosa para a carnação, marrom para cabelos e barba, branco para o cão
e preto para as botas.
Peanha alta facetada com desgaste de pintura marmorizada em tom marrom, o
escavamento interno é raso, com barro escuro por má queima.
Atributos iconográficos – um cantil de peregrino pendurado e o cão.
Intervenções – não há intervenções.
Estado de conservação em bom estado, apenas o desgaste da peanha.
105
Ilustração 43 – São João Batista
106
3.2.3 São João Batista
Biografia antecessor de Jesus Cristo, seu primo. Seus pais Isabel e Zacarias o
tiveram em idade avançada, batizava os que acreditavam em um único Deus,
metaforicamente estava arrebanhando os cordeiros e preparou a vinda de Jesus,
retirou-se para viver no deserto, alimentando-se de mel e gafanhotos, daí sua
vestimenta rústica e um cajado, foi martirizado e morto. Cortaram-lhe a cabeça e
colocaram em uma bandeja. Sua festa é celebrada a 24 de junho.
Proveniente do MAV - 0268
Material / técnica – barro cozido policromado.
Dimensões – 16,4 cm.
Autoria – Dito Pituba (Benedito Amaro de Oliveira).
Época – 2ª metade do século XIX.
Formas fundamentais da composição a imagem possui anatomia com
volumetria, as formas revelam baixos relevos, com boa simetria, o panejamento
adequado à estrutura, com um corte frontal que nos permite ver as pernas, pés
descalços e disformes.
Expressão fisionômica – nos remete à melancolia.
Panejamento uma túnica curta na frente, tecido rústico, como pele de animal, azul
escuro com a parte interna vermelho-alaranjada em forma triangular, com decote em
“v”,mangas até a metade do braço com contorno da mesma cor da parte interna,
atrás cobre todo o corpo até a base.
Policromia predomina o azul escuro e o vermelho-laranjado, o rosa da carnação,
o preto do cabelo e da barba e o branco do carneirinho.
Peanha alta facetada, irregular, com pintura vermelho-alaranjada, alcança 1/4 da
altura total da peça.
Atributos iconográficos – Agnus Dei (cordeirinho).
Intervenções – não há.
Estado de conservação muito bom.
107
Ilustração 44 – Santa Gertrudes
108
3.2.4 Santa Gertrudes
Biografia desde os cinco anos viveu em um mosteiro beneditino, foi levada pelos
pais, mais tarde exerceu funções de abadessa em Rodels Dorf, na Saxônia,
tornando-se uma monja notável por suas revelações místicas, foi uma mestra na
vida contemplativa. Sua festa é celebrada no dia 15 de novembro.
Proveniente do MAV - 0565
Material / técnica – barro cozido e policromado.
Dimensão – 11,4 cm.
Autoria – desconhecida.
Época – 2ª metade do século XIX.
Formas fundamentais da composição a imagem possui anatomia com volume,
as formas revelam baixos relevos e boa simetria, na cabeça, com ligeira inclinação
para a direita, toda coberta por um véu e sob ele um barbete que cobre também o
pescoço e parte do colo. O panejamento adequado à estrutura que, na parte de trás,
liga a imagem à peanha dando maior firmeza à peça, os pés calçados parcialmente
cobertos.
Expressão fisionômica – nos remete ao compadecimento.
Panejamento na cabeça um véu preto e sob ele um barbete branco, o hábito
longo com incisões que sugerem um drapeado na parte superior, mangas compridas
de punhos largos caídos mostrando seu interior, um cordão largo na cintura.
Policromia predomínio da cor preta, um pouco de branco e vermelho para o
atributo.
Peanha alta facetada regular, de cor alaranjada, porém escurecida, alcança 1/4 de
altura da peça, a escavação interna é profunda, com vestígios de policromia.
Atributos iconográficos – um coração flamejante.
Intervenções – na policromia
Estado de conservação regular, há pontos de desgaste na face e no véu.
109
Ilustração 45 – São Francisco de Assis
110
3.2.5 São Francisco de Assis
Biografia nascido na Itália em Assis na Úmbria, filho de abastado comerciante.
Francisco sonhava em ser militar, depois de convertido ao cristianismo distribuiu seu
patrimônio entre os mais carentes, em seguida refugiou-se nas ruínas da Igreja de
São Damião e passou a reconstruí-la. Dedicou-se à caridade e à humildade,
admirado conquistou seguidores, a ponto de se tornar uma ordem religiosa. Ao
meditar no Monte Alverne recebeu os estigmas (chagas) de Cristo. Sua festa é
celebrada no dia 04 de outubro.
Proveniente do MAV - 0568
Material / técnica – barro cozido e policromado.
Dimensões – 14,9 cm.
Autoria – desconhecida.
Época – 2ª metade do século XIX.
Formas fundamentais da composição a imagem possui anatomia com volume,
as formas revelam baixos relevos e boa simetria, a cabeça ligeiramente baixa para
frente; na parte posterior, nas costas um capuz sobre os ombros e o hábito
franciscano longo com pequenas dobras verticais regulares na parte da frente, cobre
parcialmente os pés e, na parte de trás, o hábito liga-se à peanha e mais firmeza
a peça.
Expressão fisionômica – remete-nos à subordinação.
Panejamento hábito longo marrom com um cordão pendente na cintura com três
nós, mangas compridas justas ao braço até os punhos.
Policromia predomina a cor escura do hábito, preto para os cabelos e barba,
seguida pelo rosado da carnação e marrom claro do cordão.
Peanha alta facetada e regular, de cor azulada, escurecida pelo tempo, alcança
1/3 da peça, a escavação em cone profundo próximo ao pescoço, com boa queima.
Atributos iconográficos – as chagas nas mãos.
Intervenções – na cabeça e próximo à cintura.
Estado de conservação bom.
111
Ilustração 46 – São Benedito
112
3.2.6 São Benedito
Biografia nasceu na Sicília, porém era de ascendência africana, de negros
etíopes, foi eremita e passou a fazer parte da ordem franciscana como irmão leigo
em um convento em Palermo, no qual foi cozinheiro. Sua festa é celebrada dia 03 de
abril, há também celebrações no dia 13 de maio.
Obs. – algumas imagens possuem o menino Jesus removível.
Proveniente do MAV - 0596
Material / técnica – barro cozido policromado.
Dimensão -18,9 cm.
Autoria – desconhecida.
Época – 1ª metade do século XIX.
Formas fundamentais da composição a imagem possui anatomia com volume,
as formas revelam baixo relevo e boa simetria, um capuz sobre os ombros na
parte de trás, o hábito preto e longo cobre parcialmente os pés descalços. Na parte
de trás, estrias regulares que vão até a peanha, dando firmeza à peça, nas mãos
segura uma almofada e sobre ela o menino Jesus nu, com a cabeça sobre um
pequeno travesseiro.
Expressão fisionômica – não há expressão.
Panejamento hábito longo escuro, com dobras verticais sulcadas, suspensa à
direita revelando a sotaina sob o hábito, um grosso cordão com três s e um
pingente suspenso na parte frontal marrom.
Policromia predomina a cor escura do bito e o preto da tez da imagem, o
marrom do cordão, o branco da tez do menino Jesus, o azul escuro na parte interna
do cone e o vermelho do travesseiro, resquícios de douramento.
Peanha alta facetada com cantos côncavos escuros, alcança 1/3 da peça,
escavada profundamente, o cone é pintado de azul escuro.
Atributos iconográficos – o menino Jesus nos braços.
Intervenções – não há.
Estado de conservação regular, há perda de douramento.
113
Ilustração 47 – Nossa Senhora da Conceição
114
3.2.7 Nossa Senhora da Conceição
Biografia a Igreja Católica definiu o dogma da Imaculada Conceição, baseando-se
nas expressões das sagradas escrituras “Cheia de Graça”. É Maria Santíssima, o
receptáculo dos dons do Espírito Santo, a virgem toda radiante de luz da lua
calcando a serpente lembra-nos a sua glória. O símbolo da lua provém da ladainha
“Pulchia Ut Luna(Pura como a Lua). Sobre a cabeça possui uma coroa ou auréola
de doze estrelas (representando os doze apóstolos). Sua festa é celebrada no dia 08
de dezembro.
Proveniente do MAV - 0605
Material / técnica – barro cozido e policromado.
Dimensões – 18,8 cm.
Autoria – desconhecida.
Época – 1ª metade do século XIX.
Formas fundamentais da composição a imagem possui anatomia com volume,
as formas revelam baixo relevo com dinamismo, um pouco assimétrica, a cabeça
totalmente coberta por um véu que, na parte de trás, seqüência ao manto que
cobre a túnica até base redonda (o globo), com pontas lua (quarto crescente), perna
direita ligeiramente refletida, mãos postas em oração.
Expressão fisionômica – remete-nos à compaixão.
Panejamento túnica longa azul clara, decorada com flores estilizadas, na parte
superior, um franzido vertical e, abrindo-se em direção à barra, mangas compridas
com os punhos virados; sobre este paramento, um manto azul escuro com forro
vermelho tem estrias regulares que vão até a base, cobre desde o ombro esquerdo e
desce formando uma ponta angulada, e chega à barra formando uma diagonal, um
discreto movimento que revela o forro acompanha o movimento do braço e tem a
ponta presa à cintura, sem cobrir a parte frontal da túnica.
Policromia a cor azul escuro predomina sobre o manto e a lua, o azul claro na
túnica, o vermelho do forro, o rosa do véu e o rosado da carnação, o branco da lua
crescente.
115
Peanha alta facetada de cor alaranjada com detalhes nas arestas e sulcos em X
em faces alternadas e alcança 1/3 da peça.
Atributos iconográficos as mãos juntas sobre o peito e a lua crescente aos seus
pés.
Intervenções – retirada da pintura anterior deixando a original.
Estado de conservação bom.
116
Ilustração 48 – São Pedro Apóstolo
117
3.2.8 São Pedro Apóstolo
Biografia nasceu em Betsaida, à beira do mar da Galiléia, foi o primeiro Papa da
Igreja Católica, recebeu de Cristo a denominação de Kephas (Petrus), que simboliza
a pedra angular da igreja, daí a origem de sua alcunha Pedro. Ainda como Simão
esteve presente nos grandes acontecimentos da vida de Jesus; em Pentecostes foi
o primeiro a manifestar-se, também foi martirizado em Roma e crucificado de cabeça
para baixo. Sua festa é celebrada no dia 29 de junho.
Proveniente do MAV - 0528
Material / técnica – barro cozido e policromado.
Dimensões – 21,5 cm.
Autoria – desconhecida.
Época – 1ª metade do século XIX.
Formas fundamentais da composição a imagem possui anatomia com volume,
as formas reveladas em baixo relevo com dinamismo, um pouco assimétrico, a
cabeça descoberta revelando os cabelos que caem sobre os ombros, veste uma
túnica que vai até a altura dos joelhos, sendo um deles levemente flexionado; o
manto longo atrás vai até a peanha e firmeza à peça, na frente cobre um
parcialmente, o outro está revelado mostrando uma bota.
Expressão fisionômica – nos remete ao meditativo.
Panejamento - túnica decorada com motivo de flores estilizadas, com golas largas
com listras, um manto longo, com forro e sobre as costas cobrindo o braço
esquerdo, no qual se abre formando uma ponta e desce até a base em diagonal
mostrando seu forro, no lado direito sobrepõe o braço e cobre parte da túnica
formando uma sinuosidade, com incisões que lembram dobras.
Policromia a cor azul escuro predomina no manto; azul claro para a peanha e
para a túnica e com decorações de rosáceas, o verde da gola, o marrom do cabelo e
da barba, o rosado da carnação, o preto das botas e das chaves, o branco do livro.
118
Peanha alta facetada com arestas côncavas e dois frisos superiores com motivo
decorativo em relevo, pintura marmorizada em azul, cinza e vermelho e alcança 1/4
da peça, escavação do cone é profunda.
Atribuições iconográficas – as chaves do céu.
Intervenções – não há.
Estado de conservação bom.
119
Ilustração 49 – Fuga para o Egito (grupo)
120
3.2.9 Fuga para o Egito (grupo)
Biografia o rei da Judéia, Herodes Agripa I, sabendo que seu reinado e poder
estavam ameaçados pelo Messias que acabara de nascer, ordenou que todos os
meninos recém-nascidos fossem mortos. Maria e José, para salvar a vida do
pequeno Jesus, decidiram fugir para o Egito.
Proveniente do MAV - 0598
Material / técnica – barro cozido e policromado.
Dimensões – 13,8 cm.
Autoria – desconhecida.
Época – 1ª metade do século XIX.
Formas fundamentais da composição o grupo apresenta características formais
de evocações individuais analisadas, anatomia com volume, as formas revelam
baixo relevo com dinamismo, o panejamento sugere movimentação pela sinuosidade
aplicada, os mantos cobrem dos ombros até a peanha, dando firmeza à peça; na
frente os pés de José, um parcialmente coberto, o outro mostra a bota, Jesus
parcialmente à vista, Maria os pés totalmente encobertos.
Expressão fisionômica – remete-nos à serenidade.
Panejamento Maria usa túnica comprida, decorados com rosáceas, seu manto
está preso por um ponto sobre a túnica, mas não a cobre com forro à mostra, e
possui um véu sobre a cabeça. José veste túnica até a altura dos joelhos e manto
que cobre toda às costas, preso na frente por um ponto, cobrindo parcialmente a
túnica e, conseqüentemente, a perna esquerda com discreto movimento e a perna
direita está descoberta e mostra a bota no pé. Jesus tem túnica longa reta com
pequenas incisões na barra que cobre parcialmente seus pés.
Policromia a cor azul escuro prevalece nos mantos, em seguida as túnicas azuis
claras, o vermelho desbotado da túnica de José e do véu de Maria, o vermelho
intenso do forro dos mantos, o rosado da carnação, o marrom dos cabelos e da
barba, o preto dos sapatos.
121
Peanha alta facetada chanfrada nas laterais, na face frontal decoração de flor
estilizada em um entrecruzamento de diagonais, alcança 1/5 da peça, a escavação é
individual para cada figura, exceto no Menino Jesus.
Atributos iconográficos – o Menino Jesus com o globo terrestre na mão direita.
Intervenções – não há.
Estado de conservação muito bom.
122
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Empreendemos aqui o trabalho de trazer à baila a relevância da imaginária
Paulistinha. Compreender esta perspectiva, diferentemente de alguns especialistas
que segregam estas imagens tão peculiares e renegam a designação delas como
imagens sacras populares. Por isso permanecessem ocultas do panorama das
numerosas pesquisas científicas realizadas sobre a imaginária sacra no Brasil.
Verificamos, por meio de nossas investigações, que havia interesses locais
que estimulavam sua produção por ser uma imagem que animava os sentidos e que,
independente da dimensão e de seu aspecto formal, apresentavam indícios de
inúmeros fatores psicológicos, dessa forma revelando-se passíveis de ser
decodificadas, pois continham elementos que estão presentes no inconsciente
coletivo do povo daquela região.
A cultura visual da época, que continuava com os preceitos barrocos, das
deliberações tomadas pelo Concílio de Trento (1545-1563) para o avivamento da
católica, sobretudo na camada mais humilde da população, sublinhava as produções
artísticas que se dirigiam à religiosidade, articuladas por interesses políticos vigentes
para a consolidação desta e, por conseguinte, participava da vida privada e
socioeconômica que valorizava as reminiscências alegóricas.
Sobre a aludida probabilidade, o papel propagandista em conformidade ao
fideísta continuava a ser cumprido por encontrar raízes nas comunidades em que
foram produzidas. Dado o exposto, os conceitos determinados pela ancestralidade
altamente religiosa regida pela óptica da desprezavam as coisas consideradas
fugazes e sem valor do mundo material e vislumbravam a espiritualidade, o que
remetia os devotos a uma sensibilidade mais genuína, a condição do paradigma.
É nesta vigência que os protótipos das pequenas imagens Paulistinhas foram
confeccionados, para a reprodução de um consumo amplificado, portanto surgiu a
necessidade de simplificar seu aspecto, submetê-las a uma abstração formal, torná-
las mais singelas para o espaço onde elas iriam habitar e, desse modo, exercer sua
123
função de catalisadoras de sentimentos e de levar amiúde a ação do culto sem
transgredir os preceitos religiosos.
As Paulistinhas foram mais um recurso de veneração de ação massiva, que
atuava no particular, no espaço da vida, e que articulava conexões sensoriais que
davam mérito ao simbólico e enfatizavam a subjetividade, com o intuito de cumprir o
efeito doutrinário para o qual foram configuradas.
Em contrapartida, sua produção suplantou as imagens eruditas no século XIX,
por serem confeccionadas para o convívio restrito com o devoto, por avocar um tom
confessional. Embora sua tangência com as imagens de culto coletivo tenha
favorecido sua aceitação no mercado, como uma herança barroca. As imagens
sacras Paulistinhas revelam uma reinterpretação formal que se apropriou dos
atributos dessas evocações eruditas que simbolizavam a misericórdia celestial,
capaz de exercer interdições morais que o piedoso poderia vir a padecer.
Pelas reflexões por nós feitas a respeito do seu aspecto formal singelo, por
incorporar elementos abstratizantes e a pequena dimensão, permitiram estabelecer
uma intensa cumplicidade reservada, ao plano da sensibilidade, do privado e do
sigiloso. Assim o devoto podia ter a preponderância sobre sua evocação de
preferência, por conseguinte sua área de domínio de intervenção, direcionando
exclusivamente a sua autoridade, sem gerar o menor conflito com as repreensões
difundidas pelo catolicismo. O piedoso conseguia venerar seus santinhos
desassociado de juízo moral, por serem as Paulistinhas confeccionadas com
material vulgar sem pompa, configuradas de forma simples, destacando somente o
paramento e o atributo para melhor atingir seu desígnio de instrução das virtudes
morais.
A estrutura das Paulistinhas marca, principalmente, por conter uma peanha
alta que no seu interior funcionava como abertura para um cone escavado, que
permitia melhor queima da peça. Pode ser interpretada como uma maneira de elevar
a figura sacra ao patamar espiritual, verificado nas designadas eruditas, por volutas
e cabeças de anjo que nos remetem à mesma finalidade. Sua anatomia encoberta,
marcada por baixos relevos, pode ser percebida pelos devotos acostumados às
convenções de semelhança e identidade, e ignoram seu hieratismo por admirar sua
frontalidade exposta. Este paradoxo estabelece uma congruência entre o icônico e o
124
simbólico que irá estender a sua tipologia e que nos permite afirmar ser uma
singularidade neste segmento.
Por fim, em virtude de tudo que foi afirmado, a confluência desses fatores
verificados nesta obliqüidade da pregnância formal legitima a idéia de serem as
imagens sacras Paulistinhas uma distinta e atemporal escola de imaginária,
proveniente do desdobramento barroco em São Paulo. Dessa forma, abarcam todo
dinamismo destinado à contemplação, à transmissão de conhecimento litúrgico,
levando em conta as condições a que foi submetida sua produção, que permitiu a
continuidade de um ofício, a do santeiro que, até as primeiras décadas do culo
XX, confeccionava uma produção contínua. Esta produção sucedeu gerações e
chegou a quase se extinguir no mesmo século, devido à proliferação da imagem
sacra feita de gesso, superado pelo plástico, atualmente encontrado em resina com
tomadas para serem plugadas e avocar efeitos luminosos, todas em escala
industrial.
Contudo, no final de novembro de 1977, foi realizado, com o apoio do
Professor Pietro Maria Bardi, uma exposição no MASP com obras de Dito Pituba,
imagens recolhidas nas cidades do Vale do Paraíba e restauradas por Eduardo Etzel
e seu “discípulo” José Eduardo Martins
20
.
Ilustração 50 – Cartaz da Exposição Dito Pituba realizada em 1977
20
Mais informações disponíveis em <http://blog.joseeduardomartins.com/>. Acesso em 2008.
125
Houve também na Pinacoteca
21
do Estado de São Paulo, de 15 de dezembro
de 1999 a 13 de fevereiro de 2000, sob a curadoria de Carlos Lemos a exposição “A
Imaginária Paulista” com peças provenientes do M.A.S e de coleções particulares,
na qual as Paulistinhas tiveram algum destaque.
Ilustração 51 - Capa do catálogo da exposição realizada em 1999/2000
Alguns anos depois, a exposição realizada no museu Afro Brasil
22
“A Divina
Inspiração Sagrada e Religiosa” de 24 de novembro de 2007 a trinta de março de
2008, sob a curadoria de Carlos Lemos e Vagner Gonçalves da Silva, mostrou as
imagens sacras da religião católica e dos cultos de origem africana, as Paulistinhas
estavam presentes, mas sem a relevância merecida.
Ilustração 52 - imagem de divulgação da exposição realizada em 2007/08
21
Mais informações disponíveis em <www.pinacoteca.org.br/>. Acesso em 2008.
22
Mais informações disponíveis em <www.museuafrobrasil.com.br/>. Acesso em 2008.
126
Atualmente ainda é possível encontrar Paulistinhas em velhas capelas de
santa-cruzes ou adquiri-las de pessoas na região do Vale do Paraíba, que se
converteram a outras doutrinas religiosas e se desfazem das peças, quando não as
destroem. olhares atentos como os do antiquário Jorge Willman Mendes, que
continua na atividade de “coletar” estas imagens, atividade esta que aprendeu com
sua mãe, Dona Lila, muito conhecida em Caçapava e região, por ser “coletora” de
imagens e ornamentos sacros dos séculos XVII, XVIII e XIX, atividade que exerceu
desde a cada de setenta por mais de vinte anos, e que mantinha contato com
vários colecionadores e lojas de antiquários em São Paulo.
Além disso, o M.A.V. (Museu de Antropologia do Vale) em Jacareí possui um
grande acervo em parte vendido e doado pelo pesquisador Eduardo Etzel; o M.I.C.
(Museu das Igrejas do Carmo) em Mogi das Cruzes possui cerca de vinte peças,
estes espaços gentilmente colaboraram para o cumprimento desta pesquisa.
Em Pirapora do Bom Jesus, no estado de São Paulo, existe uma escola de
Arte Sacra e Ofícios, onde os jovens aprendem a confecção de imagens de santos
em argila, sob a orientação do artista plástico Murilo de Sá Toledo, que também atua
como santeiro para atender as solicitações de devotos e admiradores do trabalho do
frei Agostinho de Jesus, ávidos por possuir réplicas para seus oratórios em meio à
sala de jantar, ressonâncias de uma estética barroca conectada à modernidade.
Ao ensejo de conclusão desta pesquisa, esperamos que possa servir de
apoio para futuros estudos deste gênero. Mantemos a expectativa por novas
investigações a respeito destas imagens sacras, que disseminem resultados para o
compartilhamento de sua relevância. De qualquer forma, acreditamos ter contribuído
com mais um capítulo para a história das produções artísticas do estado de São
Paulo.
127
Imagens Sacras expostas no Museu de Antropologia do Vale (MAV)
Ilustração 53 – imagens de Divinos Espíritos Santos – madeira, século XIX
Ilustração 54 – imagem de Anjo da Guarda – barro cozido, 12 cm, século XIX
Ilustração 55 – imagem de São Lourenço – barro cozido, 40 cm, século XIX
Ilustração 56 – imagem de São José – madeira, 15 cm, século XIX
128
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