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UFF UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
INSTITUTO DE LETRAS
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS DE LINGUAGEM
SUBÁREA: LÍNGUA PORTUGUESA
LUIZETE ADELAIDE DA PENA DE SOUSA
SUPLEMENTOS INFANTIS DE JORNAIS:
UMA ANÁLISE SEMIÓTICA
DO GÊNERO REPORTAGEM
ORIENTADORA:
PROFª DRª LUCIA TEIXEIRA
NITERÓI
2009
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1
LUIZETE ADELAIDE DA PENA DE SOUSA
SUPLEMENTOS INFANTIS DE JORNAIS:
UMA ANÁLISE SEMIÓTICA
DO GÊNERO REPORTAGEM
Dissertação
Apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Letras da Universidade Federal Fluminense, com
vistas à obtenção do Grau de Mestre em Letras.
Área de Concentração: Estudos de Linguagem.
Orientadora: PROFª DRª LUCIA TEIXEIRA
Niterói
2009
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2
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá
S725 Sousa, Luizete Adelaide da Pena de.
Suplementos infantis de jornais: uma análise semiótica do gênero
reportagem / Luizete Adelaide da Pena de Sousa. 2009.
135 f.
Orientador: Lucia Teixeira.
Dissertação (Mestrado)
Universidade Federal Fluminense
Instituto de Letras, 2009.
Bibliografia: f. 107-112.
1, Jornal - Brasil. 2. Discurso jornalístico. 3. Jornal brasileiro
3
LUIZETE ADELAIDE DA PENA DE SOUSA
SUPLEMENTOS INFANTIS DE JORNAIS:
UMA ANÁLISE SEMIÓTICA
DO GÊNERO REPORTAGEM
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal
Fluminense, com vistas à obtenção do Grau de
Mestre em Letras. Área de Concentração: Estudos
de Linguagem.
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª REGINA SOUZA GOMES
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Prof. Dr. GUILHERME NERY ATEM
Universidade Federal Fluminense
Profª. Drª LUCIA TEIXEIRA Orientadora
Universidade Federal Fluminense
Niterói
2009
4
Às crianças,
que, como eu, adoram as coisas simples da vida.
5
AGRADECIMENTOS
À Universidade Federal Fluminense, em particular ao Programa de Pós-Graduação em
Letras, por aceitar meu projeto com o maior respeito e por me emocionar ao me trazer de
volta a Niterói após tantos anos da graduação em jornalismo, pela mesma universidade.
À Lucia Teixeira, por ter me apresentado o belo mundo da Semiótica Francesa, por ter
me estimulado a fazer a pesquisa nessa linha teórica, por ter tido a paciência de me
acompanhar em todas as etapas da pesquisa e por ter me preparado para uma nova fase da
vida, pois, como ela mesmo diz: “ninguém é mais ingênuo depois que conhece a Semiótica”.
À Maria Noemi, por não me deixar desistir da idéia do Mestrado, sugerindo um projeto
voltado para o meu lado infantil, uma eterna fonte de inspiração.
À banca examinadora desta dissertação, por levar a sério o sentido do que é ser mestre.
À Regina Souza Gomes, da UFRJ, e à Rosane Monnerat, da UFF, pelo incentivo e pelas
importantes dicas no Exame de Qualificação.
Aos amigos do trabalho, em especial à Aline Porto, pela compreensão, apoio e incentivo
até mesmo nos momentos mais difíceis.
Às crianças de uma van especial, que me trazem alegria ao dia-a-dia e não me deixam
esquecer o que é infância.
Às amigas de sempre Marilena Moraes, Nemoara Mathias e Therezinha Ely, parceiras
de lutas e glórias.
Ao meu pai, Luiz, por me encantar com seu interminável amor pelas letras e pela
natureza.
À minha mãe, Thereza, de quem herdei coragem e determinação.
A toda a minha família, uma torcida pra lá de organizada, e, em especial, ao meu marido
Paulo, minhas filhas Mariana e Camila e minha irmã Fátima, companheiros de todas as horas.
6
RESUMO
Este trabalho apresenta análise do gênero reportagem em sua variação publicada em
suplementos infantis de jornais brasileiros tomando por base a Semiótica Francesa. O objetivo
principal é contribuir para a caracterização do gênero reportagem, tal como se apresenta nos
jornais destinados às crianças. Analisa-se o gênero na modalidade discursiva particular de sua
realização e considerando-se a qualidade sincrética dos textos. Foram examinadas
recorrências e reiterações que permitem a construção de uma estrutura invariante nos
suplementos infantis, cujo percurso de sentido se procurou desvendar através da observação
de temas e seus preenchimentos figurativos, do plano da expressão e das marcas deixadas no
discurso que identificam pessoas, tempo e espaço. Com base nessa estrutura invariante, foi
possível concluir que o gênero reportagem encontrado nos cadernos infantis de jornais
apresenta forte relação com os discursos da escola e da brincadeira, fazendo com que o
discurso jornalístico se apresente de forma menos rígida em relação ao padrão do gênero
oferecido aos adultos, tanto na organização visual da página quanto no texto escrito. Os
resultados da pesquisa confirmam que, para identificar e classificar um gênero, é preciso
considerar o texto a partir do sentido que a Semiótica dá a ele: a junção do plano do conteúdo
com o plano da expressão.
PALAVRAS-CHAVE: suplemento infantil de jornal, caderno infantil de jornal, jornal
infantil, reportagem, Semiótica Francesa, Semiótica, gênero textual, gênero, discurso
jornalístico, discurso.
7
ABSTRACT
Having the French Semiotic as a basis, this paper presents an analysis of “reports”
published in children’s supplements of Brazilian newspapers. The main objective is to
contribute to the characterization of the report as a gender, as presented in newspapers aimed
at children. This study analyzes the gender in the particular discursive modality of its
implementation and considering the syncretic quality of the texts. Recurrences and
reiterations examined allow to construct an invariant structure in children’s supplements,
which route sought to discover through the observation of themes and their figurative
fulfillments, the plan of expression and the marks left in the speech that identify people, time
and space. Based on this invariant structure, it was possible to conclude that the gender report
found in children's newspapers shows a strong relationship with the discourses of school and
recreation, making the journalistic discourse less rigid than the pattern offered to adults in the
visual organization of the page and in the written text. The survey results confirm that to
identify and classify a gender, the text should be considered from the sense that Semiotic
considers it: as the junction of the plan of the content and the plan of the expression.
KEYWORDS: children’s supplement of newspaper, child newspaper, report, French
Semiotic, Semiotic, textual gender, gender, journalistic discourse, discourse.
8
SUMÁRIO
Página
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 9
1. SINTAXE DISCURSIVA ................................................................................ 17
1.1 Sintaxe discursiva nas reportagens de jornais infantis ............................. 20
1.1.1 Actorialização ................................................................................. 21
1.1.2 Espacialização ................................................................................ 29
1.1.3 Temporalização ............................................................................... 40
2. SEMÂNTICA DISCURSIVA .......................................................................... 49
2.1 Semântica discursiva nas reportagens de jornais infantis ......................... 57
2.2 Discurso e argumentação nas reportagens de jornais infantis .................. 64
3. PLANO DA EXPRESSÃO .............................................................................. 67
3.1 Relações entre plano do conteúdo e plano da expressão ........................... 71
3.2 Plano da expressão nas reportagens de jornais infantis ............................ 73
3.2.1 Categoria topológica ....................................................................... 76
3.2.2 Categoria cromática ........................................................................ 79
3.2.3 Categoria eidética ............................................................................ 82
4. GÊNERO TEXTUAL ....................................................................................... 86
4.1 Tipos de textos .......................................................................................... 88
4.2 Os gêneros ................................................................................................ 92
4.3 O gênero reportagem nos jornais infantis .................................................. 100
CONCLUSÃO ...................................................................................................... 103
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 107
ANEXO 1 .............................................................................................................. 113
Lista e cópias das reportagens analisadas ......................................................... 114
9
INTRODUÇÃO
Entrar no mundo da Semiótica pela porta aberta por crianças tem gosto de aventura. Os
desafios são grandes, mas o interesse em descobrir novos caminhos impulsiona o pesquisador,
que não desiste enquanto não alcança um objetivo, mesmo se, no percurso, “quebrar o nariz”.
E, uma vez alcançado o objetivo, busca outros e outros, numa brincadeira séria que jamais
termina. É essa busca permanente que o faz se sentir sempre novo, novo como uma criança.
Com esse sentimento de constante inovação, apresento nesta dissertação um estudo
sobre o gênero reportagem publicado em suplementos infantis de jornais brasileiros tendo por
fundamentação teórica a Semiótica Francesa ou Semiótica Discursiva, iniciada por Algirdas
Julien Greimas e, por isso, também denominada Semiótica Greimasiana. Antes de conhecer a
teoria proposta por Greimas, os textos publicados nos suplementos infantis me intrigavam
pelo simples fato de eu não conseguir enxergar neles um público-alvo definido, um discurso
afinado com o mundo real das crianças com as quais eu convivia. De certa forma, esse
sentimento foi confirmado por pesquisadores em relatório publicado pela ANDI Agência de
Notícias dos Direitos da Infância:
A análise da forma e da linguagem dos suplementos infantis mostra uma certa
indefinição dos veículos sobre o conceito do que é “ser criança”. Sabe-se que a
maior parte das publicações fixa o público-alvo na faixa dos sete aos 12 anos de
idade, que apresenta realidades muito diversas. Se a compreensão de uma criança de
sete anos é diferente de outra de 12 anos, é preciso atenção no momento de produzir
matérias. O ideal seria enfocar os temas com discursos dirigidos aos leitores dos
dois extremos etários. Ao tentar alcançar ambos, os veículos correm o risco de
“falar” para ninguém. (ANDI, 2002, p.36)
Enquanto não têm foguetes
para ir à Lua
os meninos deslizam de patinete
pelas calçadas da rua.
Vão cegos de velocidade:
mesmo que quebrem o nariz,
que grande felicidade!
Ser veloz é ser feliz.
Ah! se pudessem ser anjos
de longas asas!
Mas são apenas marmanjos.
(MEIRELES, 1987)
10
O contato com diversos estudos me fez observar os cadernos infantis por outros
ângulos. O olhar continua crítico, mas muito mais focado no que pulsa nas veias do próprio
texto, a partir de critérios que consideram os mecanismos textuais internos de produção de
sentido. A idéia é desvendar, nas palavras, nas imagens e na combinação de palavra escrita
com imagem, os mecanismos de organização sintática e semântica. Para fazer análise dos
suplementos foi, então, preciso considerar duas necessidades mais abrangentes: a de
selecionar determinado gênero do discurso jornalístico e a de analisar a especificidade
discursiva de um jornal voltado para crianças.
Escolhi a reportagem por ser um gênero presente em todos os suplementos infantis, no
qual o relato de fatos é mais detalhado e o imediatismo não é tão importante quanto na
notícia, características adequadas a publicações que não circulam diariamente:
A notícia expõe um fato ou seqüência de fatos: caiu um avião na mata, é notícia;
resgatam-se passageiros e tripulantes dias depois, outra notícia: divulga-se o
relatório técnico sobre o desastre, uma terceira notícia apoiada na recapitulação das
duas anteriores.
Já o relato detalhado, com base em testemunhos, do sofrimento daqueles dias
passados na selva, entre feridos, mortos, medo, incerteza e crises de desespero isso
daria uma excelente reportagem.
(LAGE, 2005, p. 139)
O estudo se restringiu a reportagens de capa, ou seja
matérias de maior destaque na primeira página, cujo assunto é
reiterado por foto ou ilustração principal ou única da capa. O
gênero é tão representativo do discurso jornalístico destinado a
crianças que, sem ele, o suplemento não teria razão de existir.
Através da análise das recorrências de elementos nas
edições selecionadas e da observação de diversos outros
exemplares dos suplementos Diarinho, do Diário de
Pernambuco, Estadinho, do jornal O Estado de S. Paulo, Folhinha, da Folha de S. Paulo,
Globinho, do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, e Super!, do Correio Braziliense, entre 2005
e 2008, o estudo apresentado a seguir indica, do ponto de vista da Semiótica Francesa, as
estratégias mais utilizadas com o objetivo de levar informação à criança leitora.
O corpus (ver tabela 1) é constituído de 20 reportagens publicadas em maio de 2007,
cujas cópias reduzidas encontram-se no Anexo I. Optei pelo período de um mês, considerando
que a observação mais detalhada de quatro edições consecutivas de cada jornal (todos são
semanais) seria suficiente para as análises. Maio de 2007 foi o período escolhido pelo simples
11
fato de esse ter sido o último mês em que recebi com regularidade as edições de todos os
suplementos em estudo, pois, a partir de então, ora não chegava às minhas mãos (no Rio de
Janeiro) o suplemento de Brasília, ora o de Pernambuco. Ou seja, qualquer outro mês poderia
ser alvo do estudo, apenas optei pelo período mais recente com edições dos cinco jornais. O
corpus, portanto, não é fechado nem exaustivo, mas representativo do gênero reportagem
publicado nos jornais destinados às crianças.
TABELA 1
REPORTAGENS ANALISADAS MAIO/2007
JORNAL TEXTO DIA TÍTULO AUTOR
Diarinho
T1
T2
T3
T4
05
12
19
26
Quem sabe você não será um grande empresário?
Nascer da barriga não é o mais importante
Êpa, nem todo gêmeo é igual
Magia que atravessa gerações
Alice Jatobá
Lúcia Guimarães
Alice Jatobá e Lúcia Guimarães
Alice Jatobá
Estadinho
T5
T6
T7
T8
05
12
19
26
A pintura cantada de Vieira da Silva
Só no ensaio para o Pan que vem aí
A grande viagem de descoberta de Darwin
Embarque nesses acordes
Julia Contier
Paulo G. Holland
Julia Contier
Paulo G. Holland
Folhinha T9
T10
T11
T12
05
12
19
26
E aí, quer experimentar?
Conversas para colecionar
Soltando a voz
Quando eu era criança
Gabriela Romeu e Clarice Cardoso
Gabriela Romeu
Clarice Cardoso
Gabriela Romeu
Globinho T13
T14
T15
T16
05
12
19
26
Truques que saem da panela
De outro planeta
A imagem do medo
Um museu que parece do futuro
Josy Fischberg
Josy Fischberg
Josy Fischberg
Josy Fischberg
Super! T17
T18
T19
T20
05
12
19
26
Um irmão para a Terra
Minha mãe é diferente. E daí?
Uma viagem inesquecível
Eles cuidam do planeta!
Ana Paula Corradini
-----
Mariana Albernaz,
Annie Groth e Camila Veloso
-----
Como o texto é concebido como uma estrutura que faz dele um todo de sentido, a
Semiótica me pareceu uma teoria importante não só para classificar o gênero textual objeto
deste trabalho mas também para discutir a noção de gênero e analisar as reportagens em seu
12
aspecto discursivo e em sua qualidade sincrética. Essa teoria estabelece três condições para
satisfazer o estudo da significação, discriminadas no Dicionário de Semiótica (GREIMAS &
COURTÉS, 2008, p. 433 e 434):
a) ser gerativa “concebida sob a forma de investimentos de conteúdo progressivos,
dispostos em patamares sucessivos, que vão dos investimentos mais abstratos aos
mais concretos e figurativos, de tal maneira que cada patamar possa receber uma
representação metalingüística explícita”;
b) ser sintagmática “dar conta não de unidades lexicais particulares, mas da
produção e da apreensão dos discursos”;
c) ser geral ter como postulado “a unicidade do sentido e reconhecer que ele pode
ser manifestado por diferentes semióticas ou por várias semióticas ao mesmo
tempo” (diferentes planos da expressão ou por vários planos de expressão ao
mesmo tempo, como acontece nas matérias jornalísticas, nas quais o conteúdo se
manifesta por palavras e imagens).
A Semiótica, então, visa a descrever não só o que o texto diz, mas como ele diz o que
diz. As estruturas sintáticas de uma língua natural não organizam o discurso em sua
totalidade, mas em seus segmentos, o que significa que o discurso possui uma estruturação
própria: “ele não é uma grande frase, nem uma sucessão de frases, mas possui uma
organização específica”. Essa estruturação comprova que o texto é, ao mesmo tempo, um todo
de sentido e uma manifestação de singularidades, só apreensível na identificação das
invariantes e variabilidades que o instituem como unidade semântica. Para Fiorin, o texto é
“lugar de regularidades que subjazem à variabilidade” (FIORIN, 2008b, p.18).
No estudo aqui apresentado, buscou-se analisar as regularidades e mostrar, a partir
delas, a construção das especificidades do gênero reportagem encontrado no discurso dos
suplementos infantis de jornais. Para isso, tanto o gênero como o discurso foram observados
como totalidades marcadas por características próprias, entendendo discurso, neste caso,
como esfera de sentido em que são criados os textos (discurso religioso, jurídico, feminista,
jornalístico, pedagógico, literário etc.):
Nessa acepção, o discurso reúne temas e figuras que sofrem um mesmo sistema de
restrições, ao construir o mundo de um modo e não de outro. Ao escolher os gêneros
compatíveis com sua especificidade comunicativa, o discurso permite que a própria
comunicação se dê como interação entre sujeitos considerados não como casas
vazias, mas como atores que perpetuam contratos de confiança estabelecidos entre
enunciador e enunciatário. Esses contratos podem ser mantidos ou rompidos. O
enunciador, por meio do enunciado, propõe a partilha de valores com o leitor-
enunciatário, entendidos os valores como os anseios e crenças das sociedades que
congregam os homens ao longo do tempo. (DISCINI & TEIXEIRA, 2008, p. 8)
13
As matérias selecionadas formam um conjunto representativo de estilos e escolhas. Em
todas as edições, foram encontradas recorrências e reiterações que permitem a construção de
uma estrutura invariante nos suplementos infantis, cujo percurso de sentido se pretende
desvendar. Para isso, foi necessário identificar temas e seus preenchimentos figurativos,
observar o plano da expressão e, por meio das marcas deixadas no discurso, identificar o leitor
previsto. Com base nesse levantamento, pôde-se constatar que um gênero produz expectativas
do que será dito e de um modo próprio de dizer, contribuindo tanto para o encaminhamento
dado ao sentido dos textos como para a economia de leitura. Assim, quando começa a ver um
jogo pela tv, por exemplo, o enunciatário espera ouvir do locutor uma espécie de saudação, a
escalação dos times e comentários sobre as equipes que vão se apresentar. Essa expectativa já
demonstra que o enunciatário conhece o gênero do discurso com o qual está se deparando; ou
seja, conhece as características desse gênero e, caso não as reconheça, a comunicação não se
completa, não é compreendida ou provoca o riso (no caso de programas humorísticos).
Antes de relatar o que foi encontrado na pesquisa, vale ressaltar que, além dos sentidos
previstos por outras teorias um ligado à esfera de circulação (discurso do suplemento
infantil, dos jovens etc.) e um ligado à ideologia (discurso de esquerda, do campesinato...) , a
Semiótica prevê outro sentido para o termo discurso, que o diferencia do conceito de texto: o
de nível mais superficial do percurso gerativo e, ao mesmo tempo, mais rico semanticamente
entre os níveis de um texto (mais detalhes adiante). Já o texto, foco principal dos estudos
semióticos, é a união do plano do conteúdo com o plano da expressão, constituindo uma
unidade de sentido, e tem duas finalidades que se complementam: a) ser objeto de
significação que diz respeito à organização ou estruturação que o faz um todo de sentido; b)
ser objeto de comunicação que se estabelece entre destinador e destinatário. As histórias de
Harry Potter (ROWLING, 2000), por exemplo, formam um conteúdo (plano do conteúdo)
independente da maneira como são expressas, se por livro ou filme (plano da expressão).
Com o intuito de “explicar ‘o que o texto diz’ e ‘como o diz’, a Semiótica trata, assim,
de examinar os procedimentos da organização textual e, ao mesmo tempo, os mecanismos
enunciativos de produção e de recepção do texto” (BARROS, 2005, p. 8).
Atualmente, a Semiótica vem refinando as noções de tipo textual, gênero e discurso a
partir de articulações teóricas com conceitos desenvolvidos pela filosofia da linguagem de
Bakhtin, a análise do discurso e a lingüística textual. O trabalho aqui desenvolvido visa a
incorporar tais conceitos e contribuir, com a análise dos suplementos infantis, para a expansão
da formulação teórica das noções de gênero e de discurso incluindo a análise do plano da
14
expressão. Afinal, como já se disse, um texto se forma pela articulação entre um plano do
conteúdo e um plano da expressão:
O sentido dos textos pode ser buscado para além da aparência. Para isso, contribui a
Semiótica que, examinando os textos na relação de aparência (plano da expressão),
com a imanência (plano do conteúdo), observa o sentido como construção e
processo e, ao fazê-lo, também considera o dito, o enunciado, em relação com a
enunciação, instância sempre pressuposta. (DISCINI, 2005, p. 200)
Como o percurso gerativo do conteúdo independe do tipo de manifestação, é comum
iniciar a análise por esse ângulo. Além de ser um aspecto teórico mais bem desenvolvido, a
hierarquização do plano do conteúdo em níveis representa uma das grandes formulações
metodológicas da Semiótica, constituindo uma noção fundamental para a teoria. Simulacro
das abstrações que o leitor faz ao ler o texto, esse percurso vai do mais simples e abstrato ao
mais complexo e concreto, mas o sentido se dá pela relação entre as três etapas:
Nível fundamental ou das estruturas fundamentais mais simples e abstrato, nele
surge a significação como oposição semântica mínima;
Nível narrativo ou das estruturas narrativas narrativa organizada do ponto de
vista de um sujeito; relação desse sujeito com um objeto; contratos entre um
destinador e um destinatário; para a Semiótica, cada texto é uma encenação, com
uma ou mais histórias;
Nível discursivo ou das estruturas discursivas narrativa enriquecida pela projeção
de tempo, pessoa, espaço, temas e figuras: “as formas abstratas do nível narrativo
são revestidas de termos que lhe dão concretude” (FIORIN, 2005a, p.41).
As estruturas fundamentais convertem-se em estruturas narrativas, e estas se tornam
discurso. Assim, o plano do conteúdo se junta ao da expressão formando o texto, que, por sua
vez, “dialoga com muitos outros textos, e essa conversa o situa na sociedade e na história”
(BARROS, 2005, p. 79):
SOCIEDADE
HISTÓRIA
Plano do C
onteúdo
E
strutura
Fundamental
E
strutura
Narrativa
E
strutura
Discursiva
Plano da Expressão
+
TEXTO
TEXTO
TEXTO
TEXTO
TEXTO
15
No plano do conteúdo, cada um dos níveis do percurso gerativo do sentido tem uma
sintaxe e uma semântica. Em Semiótica, a sintaxe é o conjunto de mecanismos que ordena os
conteúdos, e a semântica se constitui dos conteúdos investidos nos arranjos sintáticos.
Fazendo analogia com camadas geológicas do
planeta Terra, a ilustração ao lado ajuda a esclarecer o
percurso gerativo: o nível fundamental parece mais abstrato
justamente por ser um terreno mais distante do nível bem
concreto do dia-a-dia, que seria o discursivo. Embora
abstrata, a camada fundamental sustenta as demais, mas
todos os níveis são importantes para a construção do
sentido, do mais profundo ao mais superficial:
a inter-relação necessária que se estabelece entre os níveis não permite
que se ignore qualquer dos patamares da construção do sentido, sem o
que se comprometerá a compreensão dos elementos a serem estudados
e a própria coerência da análise. (GOMES, 2008, p. 49)
Bertrand, ao citar a metáfora das camadas geológicas, explica que a estratificação em
níveis não é uma simples superposição cumulativa, mas “uma rede hierarquizada de
dependências em que cada um dos níveis mais profundos converte seus dados semânticos e
sintáxicos, articulando-os no momento de sua passagem ao grau superior” (BERTRAND,
2003, p. 47). Nesse percurso, a enunciação aparece como a instância de mediação e de
conversão crucial entre estruturas profundas e superficiais:
Por meio da operação de “discursivização”, ela [a enunciação] organiza a passagem
das estruturas elementares e semionarrativas virtuais, consideradas aquém da
enunciação, como um estoque de formas disponíveis (uma gramática), para as
estruturas discursivas (temáticas e figurativas), que as atualizam e especificam, em
cada ocorrência, no interior do discurso que se realiza. (BERTRAND, 2003, p.84)
A Semiótica, portanto, não é uma teoria do enunciado. Pretende, na verdade, integrar
enunciação e enunciado numa teoria geral. O percurso gerativo é composto de níveis de
invariância crescente, uma vez que um patamar pode ser concretizado pelo patamar
imediatamente superior de diferentes maneiras:
o nível fundamental é invariante e pode ser concretizado variavelmente no nível
narrativo. Este, por sua vez, é invariável em relação ao nível discursivo, que realiza
variavelmente as estruturas narrativas. Isso significa que o nível discursivo é, de um
lado, o nível de realização do conteúdo manifestado pelo texto; de outro, é
responsável pela singularidade dos conteúdos expressos, já que ele não é invariante
de outro conteúdo variável. (FIORIN, 2008b, p. 23).
16
Nesse modelo de análise, as generalizações sócio-históricas e as estruturas sêmio-
narrativas são as invariantes e as especificidades de cada texto, as variantes. Por esta razão,
numa tentativa de contribuir para os estudos semióticos, procuro mostrar nesta dissertação que
o nível discursivo também apresenta invariantes, justamente os elementos que permitem
definir o discurso do jornalismo dos suplementos infantis.
Para dar conta de tais aspectos, a pesquisa, então, se constituiu de três etapas, que
consideraram a sintaxe discursiva, a semântica discursiva e o plano da expressão,
desenvolvidas nos três primeiros capítulos. As questões observadas no nível discursivo e na
relação entre plano do conteúdo e plano da expressão conduziram a uma reflexão sobre
gênero, sistematizada no quarto capítulo.
17
1. SINTAXE DISCURSIVA
Para contar uma história, o sujeito da enunciação faz uma série de escolhas: de pessoa,
de tempo, de espaço e de figuras. As três primeiras são analisadas observando-se a sintaxe
discursiva, enquanto as figuras são consideradas sob o ponto de vista da semântica discursiva,
assunto do próximo capítulo. O trecho de Maria Clara Machado destacado acima serve para
demonstrar o que a Semiótica denomina de projeções actoriais, espaciais e temporais, bem
como temas e figuras. Pelo que se depreende do texto, a autora conhece bem os hábitos de seu
público-leitor, principalmente quando diz que o rei “estava com preguiça de tomar banho”,
um sentimento tão comum entre crianças. O sujeito da enunciação é marcado, então, por essa
forte relação entre enunciador e enunciatário. Os demais actantes aparecem como personagens
da “história meio ao contrário” (título do livro), nos papéis de rei, rainha, súditos e criado,
identificados por esses termos e por outros, como “majestade”, “dona rainha”, “real banho”,
“real banheira” e “real água”. O tempo vem marcado pelas expressões “um belo dia” (um
tempo indefinido, comum em histórias infantis), “tarde maravilhosa”, “ficar mais um tempo”,
“daí a pouco” e “fim da tarde”, além dos tempos verbais (predominância de pretéritos na
narração e de presente nos diálogos entre os personagens). O espaço é percebido em
expressões do tipo “alto das muralhas do castelo”, “lá embaixo”, “de flor em flor”, “lá de
dentro” e “no céu”.
Um belo dia, o Rei estava tranqüilamente passeando
pelo alto das muralhas do castelo, contemplando lá
embaixo a aldeia e os campos dos seus súditos,
pensando:
- Que dia lindo! Está mesmo uma tarde maravilhosa,
com um sol tão bonito... Acho que hoje vou ficar mais
tempo aqui fora vendo o dia.
E foi ficando, ouvindo o canto dos pássaros, seguindo
com os olhos o vôo das borboletas de flor em flor...
Daí a pouco, um criado veio lá de dentro:
- Majestade, Dona Rainha está chamando. Disse
para Vossa Majestade vir logo tomar seu real banho,
que a real banheira já está cheia e a real água vai
acabar esfriando.
O Rei olhou para ele, olhou para o sol tão bonito se
pondo no céu, sentiu a brisa gostosa do fim da tarde e
descobriu que estava com preguiça de tomar banho.
(MACHADO, 1991, p. 8)
18
É, portanto, projetando pessoas, tempo e espaço que um sujeito da enunciação
transforma estruturas narrativas em estruturas discursivas. No nível mais superficial do
percurso gerativo do sentido, sujeitos, seus percursos e suas relações com objetos de valor
ganham concretude e variedade. As relações entre sujeitos deixam de ser entre destinador e
destinatário (do nível narrativo) e passam a ser um diálogo entre enunciador e enunciatário
autor e leitor, respectivamente. O detalhe é que autor e leitor não são pessoas de carne e osso,
mas sim autor e leitor implícitos, uma imagem do autor e do leitor construída pelo texto.
O enunciador é identificado com a produção, enquanto o enunciatário é normalmente
relacionado à interpretação. As duas instâncias se conjugam formando um sujeito único que
tem a responsabilidade de construção do enunciado, o sujeito da enunciação. Único porque o
enunciador, ao mesmo tempo em que persuade o enunciatário a crer na verdade de seu
discurso, direcionando a interpretação, submete-se ao enunciatário, subordinando suas
escolhas à representação que dele constrói no texto: as relações que se estabelecem entre
essas duas instâncias da enunciação tornam-se possíveis por meio da instauração de um
contrato de veridicção, determinado por um conjunto de referências contextuais e situacionais
necessariamente inscritas no discurso (GOMES, 2008, p. 54).
A relação eu/outro constitui qualquer texto. É por isso que Bakhtin diz que todo texto é
dialógico, sempre embute uma resposta ao outro:
o enunciado se constrói levando em conta as atitudes responsivas, em prol das quais
ele, em essência é criado. O papel dos outros, para quem se constrói o enunciado, é
excepcionalmente grande [...] esses outros [...] não são ouvintes passivos mas
participantes ativos da comunicação discursiva. Desde o início o falante aguarda a
resposta deles, espera uma ativa compreensão responsiva. É como se todo o
enunciado se construísse ao encontro dessa resposta. (BAKHTIN, 2006, p. 301)
A enunciação é a instância que povoa o enunciado de pessoas, tempos e espaços,
funcionando como mediação entre o sistema social da língua e sua assunção por uma pessoa
individual na relação com o outro. Instaurado no ato de dizer, o eu é quem diz eu. A pessoa a
quem o eu se dirige surge como tu. O eu e o tu representam os actantes, os participantes da
cena enunciativa que, juntos, formam o sujeito da enunciação:
O eu realiza o ato de dizer num determinado tempo e num dado espaço. Aqui é o
espaço do eu, a partir do qual todos os espaços são ordenados (aí, lá, etc.); agora é o
momento em que o eu toma a palavra e, a partir dele, toda a temporalidade
lingüística é organizada. (FIORIN, 2004a, p. 117)
Para instaurar pessoas, tempos e espaços nos textos emprega-se o que se denomina
debreagem. Esse mecanismo se divide em dois tipos: a) debreagem enunciativa evidencia
ou deixa marcas no enunciado do eu-aqui-agora da enunciação; com isso, produz efeito de
19
sentido de subjetividade; b) debreagem enunciva constrói-se com o ele-alhures-então; ou
seja, ocultam-se os actantes, espaços e tempos da enunciação, gerando um efeito de
objetividade, caminho almejado pelo discurso jornalístico.
Com base nesses dois conceitos, podem-se distinguir nos textos: a) enunciação
enunciada conjunto de elementos lingüísticos que indica as pessoas, os espaços e os tempos
da enunciação e, ainda, as avaliações, julgamentos e pontos de vista de responsabilidade do
eu, revelados por adjetivos, substantivos, verbos e outros; b) enunciado enunciado produto
da enunciação despido das marcas enunciativas.
Quando se projeta um eu no enunciado, há ainda uma instância pressuposta. Então, é
necessário distinguir duas instâncias: o eu pressuposto e o eu projetado no interior do
enunciado. A primeira é a do enunciador e a segunda diz respeito ao narrador. Tendo em
vista que a cada eu corresponde um tu, há um tu pressuposto, o enunciatário, e um tu
projetado no interior do enunciado, o narratário. Em algum momento, também, o narrador
pode dar a palavra a personagens, que falam em discurso direto, instaurando-se então como eu
e estabelecendo aqueles que com eles falam como tu. Nesse nível, surgem o interlocutor e o
interlocutário (FIORIN, 2004a, p. 119).
Outro conceito relativo à enunciação levado em consideração pelos estudos semióticos
é o de embreagem. Ela ocorre quando há suspensão das oposições de pessoa, tempo ou de
espaço. Quando, por exemplo, projeta no enunciado uma pessoa como se não fosse ela
própria, o enunciador provoca uma embreagem. Uma frase desse tipo ficou famosa na boca de
Pelé: "Existe uma diferenca entre eu (Edson) e o Pelé! Eu não sou imortal, ele (Pelé) é"
(YAHOO, 2006). A projeção de um significando um produz uma embreagem de espaço,
como no exemplo que Fiorin cita: “Você , que é que está fazendo no meu quintal?”
(FIORIN, 2008b, p.27). O tem, nesta frase, um valor de , espaço do enunciatário. O uso
do em substituição ao impõe, então, uma distância entre os actantes da enunciação: a
pessoa a quem o enunciador se dirige estaria fora do espaço da cena enunciativa. Já uma
embreagem de tempo acontece, por exemplo, nos versos da música João e Maria
(BUARQUE & SIVUCA, 1976), em que o letrista Chico Buarque usa agora, marco do
presente, com o verbo no passado, neutralizando a oposição temporal: “agora eu era herói [...]
agora eu era o rei”.
No domínio discursivo do jornalismo, privilegia-se a debreagem enunciva, considerada
pelos que atuam na área como indispensável para produzir o sentido de neutralidade e
objetividade. Também é comum haver debreagens internas, quando, em meio ao texto,
registram-se vozes de outros sujeitos, como nas citações. Esse procedimento visa a instaurar
20
os efeitos de imparcialidade e realidade perante o leitor através da apresentação da fala de
outros. O jornalista estaria apenas dando publicidade a essas falas.
A suposta imparcialidade, entretanto, não se concretiza, pois até mesmo a escolha de
um título e de trechos de falas já demonstra parcialidade, como na matéria do Estadinho cujo
título é A grande viagem de descoberta de Darwin (T7). A
palavra grande, neste caso, não se refere somente à duração da
viagem do cientista Charles Darwin na qual ele fez descobertas
interessantes, mas também à enorme importância que essas
descobertas representaram para a humanidade. Há intenção de fazer o leitor reconhecer essa
importância a partir do início da matéria, como se fosse um convite para uma bela viagem. O
termo viagem, inclusive, é destaque no título. No meio do texto, há uma citação que reforça
outras habilidades de Darwin, como no trecho da fala de um dos meninos presentes à
exposição: Caramba, além do cara ser um gênio, ele ainda desenhava superbem’, comentou
Gabriel, que adora desenhar, ao ver os desenhos de Darwin (T7). A escolha dessa fala
reforça a opinião do enunciador em relação aos trabalhos expostos e, principalmente, à
genialidade do cientista, pois amplia a importância da capacidade de Darwin, realçando uma
das atividades de que tanto as crianças gostam: desenhar. Ao reproduzir a fala em que o
menino demonstra surpresa diante dos desenhos do cientista, o enunciador aguça o interesse
do leitor em comparecer à exposição para também conhecer a genialidade do autor de uma
obra que o enunciador considera fantástica.
1.1 Sintaxe discursiva nas reportagens de jornais infantis
A relação entre enunciador e enunciatário tem papel fundamental na análise da
enunciação. É assim numa simples carta que precisa ser enviada a um amigo e é assim em
qualquer gênero textual: o sujeito que enuncia se projeta no discurso e instala nesse discurso
aquele para quem enuncia. Mesmo quando não sabe exatamente para quem está sendo
enviada a mensagem, o enunciador imagina um enunciatário, um leitor, um espectador, um
internauta. Esse tu pressuposto e um pouco de si o enunciador deixa marcados no enunciado.
Entre enunciador e enunciatário, há algo mais do que uma simples fala, há todo um
contexto em que se definem papéis e uma estratégia argumentativa que marca a finalidade do
discurso, respeitadas as regras impostas pelo gênero escolhido. No caso de jornais, essa
estratégia argumentativa começa logo pela organização - diagramação - da página (mais
21
detalhes no capítulo sobre o plano da expressão) e pelo título escolhido pelo enunciador para
persuadir o enunciatário, provocando nele um efeito de sentido.
De acordo com estudos greimasianos, na enunciação exerce-se a “competência
semiótica de um sujeito, que atualiza as virtualidades das estruturas sêmio-narrativas em
enunciados que, ao lado de construírem o próprio sujeito [...], instalam no discurso os actantes
e as coordenadas de espaço e tempo” (TEIXEIRA, 1996, p. 92).
A pesquisa relatada nesta dissertação procurou identificar uma sintaxe discursiva
presente no gênero reportagem dos suplementos infantis de jornais, classificando os
elementos encontrados nas matérias selecionadas pelo tipo projetado no texto em relação a
pessoa, tempo e espaço. Sendo assim, as classificações levaram em conta as projeções de:
a) ACTORIALIZAÇÃO ENUNCIADOR instância de produção;
ENUNCIATÁRIO instância de destinação do discurso;
OUTROS demais actantes, outras vozes;
b) ESPACIALIZAÇÃOENUNCIATIVA espaços, lugares de ação do eu (aqui);
ENUNCIVA lugares de ação de proximidade da 3ª pessoa (lá);
c) TEMPORALIZAÇÃO ENUNCIATIVA o momento da enunciação como referência;
ENUNCIVA momento de referência não coincide com o da
enunciação.
Essas projeções constituem um dos procedimentos argumentativos utilizados pelo
enunciador para persuadir o enunciatário a crer na verdade de seu discurso, direcionando a
interpretação, e refletem o contexto no qual o texto se encontra inserido, um contexto que
dinamiza a relação entre enunciador e enunciatário e caracteriza a enunciação como lugar da
discursivização e cruzamento de seqüências narrativas.
1.1.1 Actorialização
Como dizem as crianças, “nem é tão complicado” entender o que são os actantes da
enunciação. No texto de Ziraldo acima, por exemplo, o enunciador dá o ar de sua graça em
comentários entre parênteses e frases exclamativas, que se dirigem a um tu, o enunciatário,
Era uma vez um menino maluquinho
Ele tinha o olho maior do que a barriga
tinha fogo no rabo
tinha vento nos pés
umas pernas enormes
(que davam para abraçar o mundo)
e macaquinhos no sótão
(embora nem soubesse o que
significava macaquinho no sótão).
Ele era um menino impossível!
(PINTO, 1980, p. 7
-
13)
22
associado figurativamente a palavras e expressões como “menino”, “fogo no rabo” e “vento
nos pés”, além do uso de diminutivo em palavras como “maluquinho” e “macaquinhos”.
No jornal infantil, os actantes aparecem de uma forma não muito diferente disso. O
suplemento dedicado às crianças funciona como um microcosmo do jornal “adulto”. Nesse
microcosmo, o discurso jornalístico recebe um tratamento que o aproxima do discurso da
escola. Na busca de aproximação com o público, o enunciador faz uso de diminutivos e de
diversas ilustrações, além de um diálogo direto com o leitor, perguntas e um tom bem
didático. O discurso misto de jornalismo e escola fica evidente quando se tenta listar os
assuntos abordados. A tabela 2 apresenta os principais assuntos de cada reportagem em estudo
e já os classifica segundo um conceito fundamental para a Semiótica, o de isotopia, a ser
desenvolvido no capítulo sobre semântica discursiva.
TABELA 2 ASSUNTOS POR JORNAL MAIO/2007
JORNAL TEXTO ASSUNTO ISOTOPIAS
(*)
Diarinho T1
T2
T3
T4
empreendedorismo
adoção (amor de mãe)
gêmeos
artista de circo - aprendiz
comportamento (aprendizagem)
cotidiano (vida em família) e comportamento (família
fora do padrão)
cotidiano (vida em família) e comportamento (como os
outros vêem os gêmeos)
comportamento (aprendizagem)
Estadinho T5
T6
T7
T8
exposição Vieira da Silva e trilha
sonora
PAN Jogos Pan-Americanos
viagem de Darwin: exposição
música clássica: democratização
atualidades (exposição) e cultura (a pintora e seu
trabalho e música)
atualidades (PAN) e comportamento (vida de atleta)
atualidades (exposição) e ciência (descobertas de
Darwin)
atualidades (apresentação da orquestra) e cultura (a
música clássica)
Folhinha T9
T10
T11
T12
alimentação (frutas)
coleção de palavras, diálogos,
frases de crianças
cantar em público
atletas na infância (PAN)
cotidiano (alimentação saudável)
comportamento (hábito de colecionar) e cotidiano (vida
em família)
Comportamento (cantar em público, timidez)
atualidades (PAN) e comportamento (vida de atleta)
Globinho T13
T14
T15
T16
mágicas do Menino Maluquinho
vida fora da Terra
ilustrações sobre o medo
Museu das Telecomunicações
atualidades (oficinas para o público infantil)
ciência (sistema planetário)
atualidades (exposição) e comportamento (o medo)
atualidades (museu moderno)
Super! T17
T18
T19
T20
novo planeta
mães diferentes
projeto Tamar
cuidados com o planeta
ciência (sistema planetário)
comportamento (família fora do padrão) e cotidiano
(vida em família)
ciência (meio ambiente)
ciência (meio ambiente) e comportamento (alimentação e
água)
(*)
Isotopia é um conceito desenvolvido no capítulo sobre semântica discursiva.
Isotopias são as reiterações de elementos que, em determinados contextos,
compartilham um mesmo campo semântico. Constituem eixos semânticos de sustentação das
23
figuras, garantem a coerência do discurso e fundam uma homogeneidade de leitura (DISCINI,
2005, p.275). Nos suplementos infantis, além de reforçar a combinação do discurso do
jornalismo com o da escola, as isotopias permitem identificar o papel que o enunciador
assume perante o enunciatário, de orientação quanto a valores aceitos pela sociedade e de
facilitação de acesso a um mundo até então desconhecido.
Nas isotopias de comportamento e cotidiano, por exemplo, o enunciador assume um
papel mais parecido com o de professor, fazendo recomendações. Nas de atualidades e
cultura, prevalece o tom jornalístico, e na de ciência, os dois papéis se equilibram. Entretanto,
vale ressaltar que em todas se mantém a posição hierárquica de um enunciador detentor de um
saber perante um enunciatário ávido por esse saber.
As isotopias servem, portanto, para definir os principais actantes das reportagens e
seus respectivos papéis. Isto quer dizer que, através da análise do próprio enunciado, é
possível construir, pouco a pouco, cada um dos actantes envolvidos. Nos suplementos infantis
de jornais, não é tão difícil encontrar essas marcas. Embora mantenham traços do jornalismo
em geral, de busca permanente pela objetividade, os cadernos infantis apresentam pontos
evidentes de subjetividade na construção dos actantes, a começar pelos assuntos abordados
(tabela 2), que também dão uma idéia de que público cada veículo pretende alcançar.
Os dados colhidos na pesquisa confirmam o interesse em demonstrar objetividade na
reportagem, como no jornalismo em geral, ao se usar, por exemplo, a terceira pessoa para
relatar os fatos. Em contrapartida, fica evidente uma diferença entre as publicações: de acordo
com o público-alvo, a objetividade aumenta ou diminui. Em jornais como o Estadinho, nos
quais se projeta um leitor mais refinado e interessado em questões de cultura e ciência, além
do cotidiano, os textos são mais objetivos, mais próximos do que se estabelece como padrão
para os jornais destinados a adultos:
O maestro Henrique Lian preparou uma trilha sonora para a exposição Vieira da
Silva no Brasil, em cartaz no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) até o
dia 3 de junho. Ele selecionou algumas músicas que a artista ouvia enquanto pintava,
como Villa-Lobos e J. S. Bach.
A exposição começa com desenho do período em que a artista esteve no Brasil e
produziu desenhos mais figurativos, ou seja, que representam figuras. A paisagem
do Rio e amigos dela estão retratados nos desenhos de nanquim. (T5)
Observe-se que, além da preferência por verbos na terceira pessoa, o enunciador toma
como conhecidos de seu público termos como “trilha sonora” e “desenhos de nanquim”,
explica rapidamente o que são desenhos figurativos e cita o famoso compositor de música
clássica Johann Sebastian Bach apenas pelas iniciais: “J. S. Bach”. Outro detalhe é que ele
considera tão conhecidos das crianças os nomes dos dois compositores (Villa-Lobos e J. S.
24
Bach), que sequer explica quem foram. Além disso, quando menciona a cidade do Rio de
Janeiro, diz apenas “Rio”.
Já em jornais nos quais o enunciador projeta um enunciatário com interesses mais
simples, a subjetividade transparece mais. O Diarinho é o que se poderia considerar como
caso oposto ao que se constatou no Estadinho. O suplemento infantil de Pernambuco usa
expressões com forte grau de afetividade ou próprias da fala, numa tentativa de aproximação
com o leitor, como na frase: “Mas, claro, que tem sempre uma coisinha diferente” (T3). Neste
exemplo, registram-se um sinal de oralidade (“claro”) para produzir um efeito de
descontração e um diminutivo que supostamente facilita o contato com criança (“coisinha”).
Em qualquer circunstância, no entanto, prevalece a coerção genérica da busca de
objetividade no momento de transmitir informação via reportagem. O enunciador usa como
estratégia transferir para outras vozes o discurso de autoridade, para confirmar a verdade que
pretende enunciar. Os sujeitos dessas vozes aparecem em citações diretas, entre aspas ou com
travessão, em pronomes, verbos ou outros termos e expressões. Por conta, então, da tentativa
de dar uma aparência de objetividade ao texto, os suplementos infantis de jornais registraram
bem mais ocorrências de termos relacionados a outros actantes (pessoas entrevistadas,
autoridades no assunto e terceiros) do que a enunciador e enunciatário (tabela 3):
Conforme demonstra a tabela 3, o jornal Super! de Brasília foi o que mais publicou
termos que identificam um eu enunciado: um pronome, uma forma verbal ou outro termo que
“instala a ilusão de presença do sujeito enunciador no texto, da mesma forma que um ‘nós’
sugere a comunhão enunciador/enunciatário” (TEIXEIRA, 1996, p. 108). No jornalismo, esse
eu, às vezes, vem camuflado de terceira pessoa, quando, por exemplo, os autores se referem a
si mesmos pelo nome do jornal, produzindo uma embreagem actancial enunciva: “O Diarinho
TABELA 3 - PROJEÇÕES DE ACTORIALIZAÇÃO
JORNAL ENUNCIADOR
(1)
ENUNCIATÁRIO
(2)
OUTROS
(3)
Diarinho 92 97 223
Estadinho 49 40 258
Folhinha 84 134 188
Globinho 43 31 89
Super! 153 85 346
TOTAL 421 387 1104
(1)
Nome do jornal, pergunta retórica, pronomes pessoais, adjetivos,verbos no imperativo etc.
(2)
Diminutivo, verbos no imperativo, gírias e expressões do mundo infantil...
(3)
Não necessariamente seres humanos, falas de entrevistados e pensamentos de terceiros
25
caiu em campo” (T2), “O Estadinho foi conferir” (T8), “Globinho convidou” (T15) e “A
Folhinha foi à feira” (T9).
Dentre as estratégias argumentativas mais curiosas que evidenciam projeção do
enunciador, pode-se citar o emprego do ponto de exclamação no título de uma das matérias do
suplemento infantil brasiliense: Eles cuidam do PLANETA! (T20). Na verdade, para
entendimento do título o ponto de exclamação não seria tão essencial, mas, para registrar a
presença também no título, o enunciador deixa sua marca através do ponto de exclamação que
remete ao nome do jornal.
Outra forte razão para o jornal Super! aparecer como o que computou maior índice de
marcas do enunciador diz respeito ao fato de uma das reportagens ter sido escrita por crianças,
que ainda não conhecem o compromisso com a objetividade prevista para o gênero
reportagem do discurso jornalístico. Eis o trecho inicial da matéria Uma viagem inesquecível:
Nós, alunos da 5ª série da Escola Americana de Brasília, fizemos em abril uma
viagem para conhecer o Projeto Tamar. Fomos a lugares super legais. Sabe por que
fomos para tão longe? Bem, a 5ª série estava estudando sobre a extinção das
tartarugas e fomos conhecer de perto o programa que existe na Bahia. (T19)
Observe-se que, no trecho em destaque, os autores mirins se incluem no enunciado
com o emprego do pronome nós e formas verbais da primeira pessoa do plural (“fizemos” e
fomos”), falam diretamente ao enunciatário através de uma pergunta retórica (Sabe por que
fomos para tão longe?”) e, em seguida, respondem utilizando a terceira pessoa (“a 5ª série
estava estudando”), num discurso mais parecido com o do jornalismo tradicional, e voltam
para a primeira pessoa do plural (“fomos conhecer de perto”).
O campeão de referências diretas ao enunciatário foi a Folhinha, do jornal Folha de S.
Paulo. Até mesmo em título deixou essa marca: “E aí, quer experimentar?” (T9), exemplo que
ilustra bem o padrão adotado no jornal. Nessa simples pergunta, há muito que observar: a
Folhinha usa expressões de fala do cotidiano de crianças, como o “E aí”, toca num assunto
recorrente no mundo de quem está iniciando a vida a necessidade de experimentar novas
idéias, novos sabores , mas ainda tem dificuldades de sair de determinados padrões ou
hábitos, além de fazer uma pergunta direta a quem está lendo a reportagem: “quer
experimentar?”. Quem quer experimentar? Você, claro, o leitor, o enunciatário. Esse jornal
também publica expressões corriqueiras entre crianças como na frase “fizeram cara de eca” da
mesma reportagem, publicada no dia 05/05/2007. Além disso, nessa edição, admite alguns
conceitos pré-existentes, como o apreço por determinados sabores, realçando a frase com um
ponto de exclamação, um sinal de pontuação não muito presente em cadernos mais sisudos
dos adultos: “cacau é aquele fruto usado para fazer chocolate!”. Neste caso, o enunciador
26
projeta o enunciatário ao realçar a palavra chocolate acrescentando a ela um ponto de
exclamação, pois sabe que esse produto é bastante apreciado por crianças.
Ainda em referência ao enunciatário, convém destacar o uso de diminutivos, que se
imagina bem marcante para evidenciar o público-alvo dos cadernos infantis. Embora não mais
usado em grande quantidade pela maioria dos suplementos, os diminutivos continuam sendo
adotados. Foram registrados 70 casos com o sufixo inho nesta pesquisa, que tanto se referem
ao próprio nome do jornal, citado diversas vezes no corpo das matérias, quanto a palavras
com emprego afetivo:
A tabela 4 revela que o suplemento Diarinho foi o que mais publicou diminutivos (29
no total) e o que mais fez questão de registrar seu nome em matérias (13 ocorrências). O
Super! registrou maior incidência de diminutivos em uma única reportagem, Um irmão para a
Terra, com 16 registros (T17).
Como diminutivo em excesso tem sido associado a fator de empobrecimento do texto,
a tendência é reduzir esse tipo de construção nas publicações:
Jornalisticamente, o diminutivo em inho e zinho deve ser evitado ou usado com
muita moderação, preferindo-se, na maior parte dos casos, a forma pé pequeno, em
vez de pezinho, nariz pequeno, em vez de narizinho, etc. Em matérias de caráter
coloquial, eles poderão ter livre emprego. Lembre-se, porém, de que o abuso desse
recurso empobrece o texto, tornando-o quase composição escolar. (MARTINS
FILHO, 1997, p. 97)
Em todo caso, é preciso reconhecer que o diminutivo constitui um recurso que produz
efeito de afetividade e proximidade com o público infantil. Talvez por esta razão, ele ainda
esteja presente em nomes de suplementos dedicados a crianças, como o Diarinho, o
Estadinho, a Folhinha e o Globinho, analisados para este trabalho. Assim apresentado, o
diminutivo serve não só para indicar o público que se pretende atingir como para identificá-lo
com o jornal no qual vem encartado, como se fosse um filhote. Somente o suplemento de
TABELA 4 DIMINUTIVOS COM SUFIXO INHO(A)(S)
JORNAL
NO NOME
DO JORNAL
EM OUTROS
TERMOS
TOTAL
Diarinho 13 16 29
Estadinho 2 2 4
Folhinha 1 11 12
Globinho 5 2 7
Super! -- 18 18
TOTAL 21 49 70
27
Brasília foge à regra, mas, em compensação, traz em seu nome algo que lembra o universo
infantil, que tende a considerar tudo grande, super, ou mesmo uma alusão aos super-heróis,
com o prefixo super elevado ao patamar de adjetivo acrescido de ponto de exclamação, sinal
de pontuação que costuma aparecer em histórias para crianças, especialmente em quadrinhos,
transformando-o numa interjeição, que significa algo bom: Super!. Esse nome também pode
ter sido escolhido por falta de uma forma no diminutivo que vinculasse o suplemento infantil
ao nome do jornal principal, o Correio Braziliense. “Correiinho” ou “Brazilinho”, por
exemplo, dificilmente teriam boa aceitação junto ao público-leitor.
Os resultados comprovam o que diz a Semiótica em relação às marcas actoriais
deixadas no enunciado. Para a teoria francesa, a neutralidade que o discurso jornalístico tem
como meta é praticamente impossível, pois o enunciador sempre deixa sua marca e ainda
evidencia seu enunciatário no próprio discurso. Além desses actantes, uma categoria costuma
ser mencionada pelo enunciador para convencer seu enunciatário quanto à verdade que
enuncia. No atual trabalho, os demais actantes entrevistados e autoridades no assunto, por
exemplo são classificados como “outros” (tabela 3).
O registro de outros actantes no discurso da reportagem para o público infantil
confirma o que já se conhece em relação a jornais para adultos: nas matérias, sempre se faz
referência a terceiros, seja através do relato do que ocorreu seja na menção direta da fala de
uma autoridade ou um entrevistado. Em todos os suplementos analisados, essa é uma marca
bastante comum que o enunciador deixa no enunciado com o objetivo de reforçar o que tem a
dizer, através da voz do outro.
Na pesquisa, foram encontradas mais de mil menções a outros actantes (tabela 3). O
Super! registrou a maior incidência, mas não foi o suplemento que mais publicou citações
diretas da fala de outros. Nesse aspecto, a Folhinha se destacou, com 33 ocorrências, seguida
de perto pelo Diarinho, com 31 de um total de 120 dos cinco jornais.
As falas apareceram nas formas mais simples, como no Estadinho: “Mateus dá uma
lição de gente grande: ‘Pra vencer é preciso dar algo mais’” (T6). Nenhuma criança gosta de
dizer que é pequena. Dizer para ela que algo é próprio de gente grande funciona como um
estímulo, pois ela também quer ser grande. Dar uma resposta “de gente grande” é sinal de
maturidade. Já a palavra “lição” entra como o ensinamento a ser seguido por quem quer
vencer, atingir algum objetivo. Além disso, a fala do menino que responde como gente grande
reforça a determinação como importante componente para quem quer vencer obstáculos,
desafios, como nas competições esportivas, assunto da matéria analisada.
28
Constituem mais um exemplo de projeção de outros actantes nos enunciados as
citações acompanhadas da explicitação do nome do entrevistado logo a seguir, como esta do
Globinho: “ Tem um lobo com forma de homem neste livro, com desenhos feitos a lápis! É o
pior disse Lucas” (T15). A reprodução da fala de outros é corriqueira no jornalismo, uma
estratégia pela qual o enunciador se coloca numa posição de mero transmissor do que foi dito
por outro, numa tentativa de dar ao texto um tom mais objetivo.
Com aspas ou travessões, cada suplemento escolhe seu estilo, mas todos registram de
forma direta a fala do outro. Na ausência desses sinais gráficos, citam os outros actantes
principalmente por nome ou pronome e indicação de idade, mas qualquer item lexical pode
identificá-los no texto, até mesmo numerais, como no exemplo do Estadinho: “A Orquestra de
Cordas Laetare ou de Arcos reúne um time de 20 músicos, sendo três crianças e um rapaz de
18 anos” (T8). Neste caso, o enunciador projeta um outro a orquestra classificando-a
como um time, termo mais próximo do universo infantil, e ressaltando a composição dessa
orquestra pela referência à quantidade de crianças e jovens entre os músicos.
Enunciador, enunciatário e outros actantes funcionam como atores de uma cena, a
cena da enunciação. Mas para que essa cena tenha sentido, é preciso que se definam o
momento e o local nos quais ela acontece. Na tentativa de classificar o gênero reportagem, em
seu formato de reportagem de capa de suplementos infantis de jornais, o estudo aqui relatado
fez uso de classificações de Maingueneau a respeito da cena da enunciação. Para esse analista
do discurso, a cena da enunciação deve ser vista sob três aspectos: a) cena englobante a do
domínio discursivo a que pertence o texto (jornalístico, religioso, jurídico etc.); b) cena
genérica definida pelos gêneros de discurso, cada gênero implica uma cena específica:
“papéis para seus parceiros, circunstâncias (em particular um modo de inscrição no espaço e
no tempo), um suporte material, um modo de circulação, uma finalidade etc.”; c) cenografia
instituída pelo próprio discurso, tem por função “fazer passar a cena englobante e a cena
genérica para um segundo plano” (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2004, p.96). Além
da figura do enunciador, a cenografia implica uma cronografia (um momento) e uma
topografia (um lugar).
A Semiótica amplia esses conceitos quando entende que o enunciador incorpora
características do enunciatário e com ele divide a responsabilidade de construção do
enunciado, pois o leva em consideração no momento da enunciação. Além disso, indica que
na composição da cena também é preciso identificar os outros atores (actantes), que
funcionam como coadjuvantes. No domínio discursivo do jornalismo, esses actantes não são
29
meros coadjuvantes; ao contrário, assumem papel relevante, pois é com a indicação deles que
se tenta dar um tom mais objetivo, imparcial às matérias.
Como nenhuma cena teria sentido só com a simples presença dos atores, a Semiótica
concorda com Maingueneau quando diz que a cenografia implica também uma cronografia e
uma topografia. Concorda e aproveita para mais uma vez ampliar idéias: projeções de espaço
e de tempo no enunciado revelam muito mais do que o espaço e o tempo da enunciação
propriamente dita. E é isto que se aborda nos dois próximos itens deste capítulo.
1.1.2 Espacialização
Para as análises das projeções de espacialização encontradas nas reportagens dos
suplementos infantis de jornais serviram de base estudos nos quais Fiorin afirma que as
línguas conceptualizam dois tipos de espaço: lingüístico e tópico, ambos simétricos e
reversíveis, considerando-se a localização dos corpos:
O espaço lingüístico ordena-se a partir do hic, ou seja, do lugar do ego. Todos os
objetos são assim localizados, sem que tenha importância seu lugar no mundo, pois
aquele que os situa se coloca como centro e ponto de referência da localização.
O espaço tópico conceptualizado nas línguas marca a emergência da
descontinuidade na continuidade. As línguas estabelecem esse espaço seja como
uma posição fixa em relação a um ponto de referência, seja como um movimento em
relação a uma referência. (FIORIN, 2008a, p. 262)
O aqui é o fundamento das oposições espaciais da língua, é o lugar de onde alguém
fala, e esse lugar pode ser à direita, à esquerda, em cima, embaixo ou dentro de algo. Por isso,
para saber onde é o aqui, é preciso saber onde se dá a enunciação. O próprio advérbio aqui
auxilia no entendimento:
a) mostras realizadas pela artista no período em que aqui viveu (T5);
b) o mágico, que mostra, aqui no Globinho, uma dessas brincadeiras (T13);
c) um gás que aqui na Terra é produzido por bactérias (T17).
No primeiro item acima, observado o restante da reportagem, o aqui se refere ao
Brasil, pois se trata de matéria sobre exposição da pintora portuguesa Vieira da Silva, que,
durante um período, viveu neste país. A letra b registra o próprio espaço do jornal como o
lugar de onde se fala. No destaque c, esse lugar de onde se fala vem também explicitado, com
Ele criou um lugar especial e pôs lá uma avó
sabichona, uma cozinheira cheia de histórias,
uma menina meiga, um menino corajoso, um
sabugo de milho erudito, um porco comilão e
uma boneca de pano muito da tagarela
(SANDRONI, 2007)
30
a Terra sendo usada como ponto de referência para os comentários sobre os demais planetas já
descobertos pelos cientistas. Em todos esses casos, o aqui continua sendo o lugar de onde
alguém fala, com diferenças em relação à extensão desse espaço: ora refere-se a algo restrito,
como a página do jornal, ora a um espaço bem mais amplo, um planeta inteiro por exemplo.
Há situações, porém, em que a enunciação não é partilhada, como no momento de elaboração
de uma carta; o aqui, então, precisa ser especificado, e é por isso que se inicia uma carta
indicando o local de onde se está escrevendo (a cidade, geralmente).
O espaço lingüístico não é um espaço físico e não remete a posições ou movimentos
como o espaço tópico, mas funciona como um fator de intersubjetividade, é o lugar do eu,
que, quando fala, o interlocutor aceita como seu:
Ele [o Painel de Azulejos] foi encomendado para decorar o refeitório da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e fica até hoje (T5)
Neste trecho do Estadinho, como o enunciador assume como seu espaço o estado de
São Paulo, o Rio de Janeiro representa um lá, um lugar fora da cena da enunciação. O leitor
identifica o espaço do enunciador e o aceita como seu e entende perfeitamente o que
representa o lá destacado no exemplo, mesmo que não seja o enunciatário inicialmente
imaginado para a publicação (criança que mora também em São Paulo). Ou seja, como o
leitor já sabe que o jornal é de São Paulo, transporta-se mentalmente para aquele estado
brasileiro e aceita a representação de outros espaços no discurso a partir desse ponto de
referência.
No espaço lingüístico, não se estabelecem posições determinadas nem movimento,
apenas o espaço dos actantes da enunciação em relação ao enunciado. Já no espaço tópico, os
corpos são dispostos em relação a um ponto de referência que leva em consideração
determinado ponto de vista, uma categoria espacial. Neste caso, posição e movimento são
conceitos básicos, afinal a espacialidade pode ser estática ou cinética.
Fiorin afirma que são duas as categorias fundamentais do espaço tópico: a)
direcionalidade, que toma por base um modelo antropológico que reproduz o corpo humano,
delimitada principalmente pelo olhar a partir de determinada posição e relacionada às três
dimensões de espaço altura, largura e comprimento; b) englobamento, que considera o
espaço em sua bi ou tridimensionalidade. As pessoas costumam articular a direcionalidade em
termos de verticalidade e horizontalidade e, a partir desta última, o par lateralidade versus
perspectividade. Quanto à segunda categoria, o espaço é visto pela oposição englobante
versus englobado (FIORIN, 2008a, p. 263-264).
31
Uma simples caminhada em volta do Maracanã, no Rio de
Janeiro, pode ajudar a entender as categorias espaciais básicas. Para
citar alguém que está na frente da estátua do Bellini (Hideraldo Luís
Bellini, famoso zagueiro, capitão da seleção brasileira de futebol na
primeira conquista do Brasil em Copa do Mundo, em 1958) e, em
seguida, vai entrar no estádio, dependendo do ponto de vista do
observador, essa pessoa pode estar, em termos de
direcionalidade/horizontalidade, à sua direita, à sua esquerda, na frente da estátua, atrás da
estátua etc. Se o observador considera a posição em termos de verticalidade, pode dizer, por
exemplo, que a pessoa está embaixo da estátua. Uma vez dentro do estádio, o observador
pode se referir ao espaço considerando a categoria de englobamento. A estrutura do Maracanã
funciona como englobante e o interior do estádio, como espaço englobado. Assim, tem-se
torcedor dentro e fora do estádio, gente caminhando ao redor etc.
Tudo isso para dizer que, com base nas dimensões de espaço, é possível estabelecer a
posição de um corpo ou a direcionalidade de seu movimento, um movimento que tanto pode
ser de expansão quanto de condensação.
Todos esses conceitos podem ser esquematizados da seguinte maneira:
Fonte: FIORIN, 2008a, p. 264
Em termos de direcionalidade, o movimento simples é o que se entende por distância,
efeito da combinação de movimento direcional com relação direcional. Expansão, neste caso,
é representada pelo afastamento, e condensação funciona como aproximação. Assim,
DIRECIONALIDADE
ENGLOBAMENTO
MOV. COMPLEXO MOV. SIMPLES MOV. SIMPLES
mov. direcional
+
rel. direcional
mov. englobante
+
dir. englobante
mov. direcional
+
rel. englobante
mov. englobante
+
rel. direcional
TRANSPOSIÇÃO DIFUSÃO
condensação expansão
condensação
expansão
condensação
expansão
condensação
expansão
APROXI
-
MAÇÃO
AFASTA
-
MENTO
ENTRADA SAÍDA
REUNIÃO
DISPER
-
SÃO
CONCEN
-
TRAÇÃO
EXTEN
-
SÃO
DISTÂNCIA
OCUPAÇÃO
32
considerada a distância de um objeto a partir do ponto de vista de um observador, pode-se ter
algo próximo ou mais afastado. Ao dizer “crianças visitam o moderno Museu das
Telecomunicações e vêem de perto os primeiros celulares do Brasil” (T16), o enunciador
adota uma expressão (de perto) que identifica algo bem próximo. Por outro lado, quando
pergunta “sabe por que fomos tão longe?” (T19), utiliza um termo que indica afastamento do
local de onde se está falando.
O movimento simples de englobamento se chama ocupação, efeito da combinação de
movimento englobante com direção englobante. Tomando por base esse efeito, a expansão é,
na verdade, uma extensão, e a condensação, uma concentração. Um exemplo de extensão
pode ser observado na frase “As iguanas são lagartos que habitam desde o sul dos Estados
Unidos até as regiões mais quentes da América do Sul” (T7). O espaço compreendido entre os
dois pontos forma a extensão de terra onde vivem as iguanas. Já a visão concentrativa a que
mais aparece nos suplementos infantis é revelada em frases do tipo “As conversas da
publicitária [...] com a filha [...] foram até parar num blog” (T10). As conversas, neste caso,
foram registradas em um único local, num blog, o diário na internet.
Quando se combinam entre si as duas categorias básicas de espaço, diz-se que o
movimento é complexo. O efeito de movimento direcional com relação englobante é a
transposição. Neste caso, saída funciona como expansão e entrada, como condensação. Ao
citar “uma viagem ao espaço” (T17), o enunciador marca a expansão espacial usando a
preposição a, que aponta um movimento de saída para um outro lugar, e ao afirmar que “antes
eu cantava baixo, para dentro” (T11), indica o que seria um movimento rumo ao interior do
corpo. Já a combinação de movimento englobante com relação direcional produz a difusão, na
qual a dispersão representa a expansão, e a reunião, a condensação. E aí se pode utilizar o
Maracanã mais uma vez como referência: quando os torcedores se juntam dentro do estádio se
concentram nas arquibancadas ou cadeiras, estão, na verdade, reunidos para assistir ao jogo.
Quando, ao final da partida, saem do Maracanã se dispersam pelas ruas próximas e, mais
ainda, em direção a outros lugares.
Sobre as categorias espaciais, a língua aplica uma escala segundo Fiorin, uma
escala de avaliação homogênea –, que pode ser medida pelo movimento (longínquo,
próximo...) ou pode representar um ponto numa perspectiva espacial (superior, inferior...).
Para o estudioso, essa escala tem mais a ver com aspectualização do que com espacialização,
ou seja, a seu ver, o espaço tópico funcionaria, na verdade, como especificador do espaço
lingüístico:
33
o que é mais propriamente espacial neste espaço é o ponto de referência: enunciativo
(o enunciador ou o enunciatário) ou enuncivo (ponto de referência inscrito no
enunciado). Isso significa que ele [(o espaço tópico)] funciona como um
especificador do espaço lingüístico, estará ele sempre precisando de um espaço
lingüístico explicitamente manifestado ou não (FIORIN, 2008a, p. 265)
Com essa abordagem, Fiorin observa, então, que o conceito de debreagem só se aplica
ao espaço lingüístico: enunciativa quando o ponto de referência é o espaço de enunciador e
enunciva quando a referência é um outro lugar instalado no enunciado. Na frase “ele fica a
190 trilhões de quilômetros daqui e, por causa da gravidade, qualquer um que fosse morar
teria que possuir pernas robustas” (T14), o enunciador toma como ponto de referência o local
onde ele mesmo se encontra. É por isso que diz daqui quando cita a distância de um planeta
em relação a seu planeta, a Terra, e lá para apontar o outro planeta, um lá que representa algo
distante de si, fora da cena da enunciação, mas ainda usando seu local como referência. Isso
também acontece quando indica o lugar do enunciatário a partir de seu próprio ponto de vista,
como no comando “Anote ” (T4), um aí que significa o local onde se encontra o leitor, mas
do ponto de vista de quem escreve a reportagem. Enunciva, então, é debreagem que se
observa em frases do tipo “os alunos e alunas da Escolinha de Circo se apresentam na praça
em frente à Escola” (T4) . A referência, neste caso, é a escola, um lugar instalado no
enunciado, e não o local onde se encontra o enunciador.
As projeções espaciais nos enunciados são, na verdade, lugares de ação. Pronomes
demonstrativos, advérbios de lugar, preposições e locuções prepositivas são os principais
marcadores de espaço encontrados nos enunciados. Nos suplementos infantis de jornais
pesquisados, observou-se que as preposições imperaram entre esses tipos de marcadores,
especialmente a palavra em e suas combinações com outros elementos (no, na, nele, neste,
naquele...). Os resultados vêm expressos no gráfico a seguir:
0
10
20
30
40
50
60
70
80
PRON. DEM. ADV.LUGAR PREPOS. LOCUÇÃO OUTROS
Diarinho
Estadinho
Folhinha
Globinho
Super!
MARCADORES DE
ESPAÇO
34
Como o gráfico demonstra, todos os cadernos infantis de jornais analisados deram
preferência às preposições ao projetar espaços nas reportagens. Uma explicação possível para
o resultado talvez esteja relacionada ao uso corriqueiro dessa forma útil para especificar local.
Em foi a preposição mais encontrada nos suplementos:
Na natação a gente usa calção de cores diferentes (T3);
Era muito raro ver jovem nos concertos (T8);
A falta de fruta na lancheira também resultou em um projeto no Colégio (T9);
Dá para fazer a maioria deles com o que se tem em casa mesmo (T13).
Junto com o artigo ou sem ele, a preposição em tem por finalidade marcar, numa visão
concentrativa, a posição que coincide com determinado lugar, um ponto específico, o que
pode ser considerado também um elemento que facilita a delimitação de espaço em fala de
crianças ou em discurso destinado a elas. Quando diz “na natação”, a criança indica o local
exato onde ele e seu irmão gêmeo precisam usar calções de cores diferentes para não serem
confundidos. Cada um dos outros exemplos também indica um ponto específico: “nos
concertos”, “na lancheira”, “no Colégio” e “em casa”.
Os pronomes demonstrativos funcionam como marcadores de espaço quando
especificam os seres a que o enunciador se refere (função dêitica) ou quando apontam algo
mencionado anteriormente (função anafórica) ou a ser explicitado a seguir (função
catafórica).
Para marcar o espaço do enunciador, usa-se este(s)/esta(s) na função dêitica, como na
frase - Tem um lobo com forma de homem neste livro” (T15). Para o espaço do
enunciatário, emprega-se esse(s)/essa(s), como em expressões como as que se ouvem em
programas de televisão em que o apresentador se refere ao telespectador dizendo algo do tipo
“você que está aí nesse sofá assistindo a gente, não desligue não que a gente já volta”. Essa
comunicação direta com o enunciatário por meio do demonstrativo não foi encontrada nos
suplementos infantis analisados. Entretanto, observou-se o que já vem sendo registrado em
diversas regiões do Brasil com relação ao uso tanto do este quanto do esse para identificar o
espaço da enunciação, como em: a) “Depois de puxar os fios, ficará parecendo que existem
dois barbantes. Truque: segure os fios neste ponto e mostre para todos, dizendo que são dois
(T13); b) - Mãe, pra que esse buraco? (T10, reprodução da fala de um menino apontando
para a cueca).
Para indicar espaço fora da cena enunciativa, adota-se aquele(s)/aquela(s), como na
frase “para o Sol, que ilumina aquele pedaço e faz com que seja dia por lá (T17). Outro uso
aponta para um espaço praticamente indeterminado, como nesta recomendação: “Se abusar da
voz na festa do amigo ou naquele jogo de futebol, dê um descanso para a garganta nos
35
próximos dias” (T11). O jogo de futebol a que se refere o enunciador não é um jogo
específico, mas sim um jogo que teria acontecido (ou poderá vir a acontecer) em momento e
espaço fora da enunciação.
Na função anafórica, este e esse também já estão sendo usados indistintamente para
indicar o que acabou de ser dito, como nos exemplos: a) “Cada planta leva um certo tempo
para dar frutos. Esse processo pode ser acelerado (T9); b) “Tem lobo colorido, em preto-e-
branco (este sim, muito assustador)” (T15). A tradição indica o item b como a forma mais
apropriada, mas o uso de construções como a da letra a vem-se tornando cada vez mais
freqüente.
Também na função anafórica, aquele marca o que foi dito há algum tempo (mais
distante do que está dizendo o enunciador) e noutro contexto. Nos suplementos infantis
analisados, este caso não foi encontrado, talvez por exigir um conhecimento lingüístico que a
criança ainda não possui. Pode-se, entretanto, citar uma frase criada apenas para servir de
exemplo: “São Paulo e Rio de Janeiro são cidades que possuem sambódromos. Nesta, os
desfiles das grandes escolas acontece no sábado e domingo de carnaval, naquela o desfile de
maior destaque é realizado antes, na sexta-feira”.
Pelo padrão tradicional de coesão textual, utiliza-se o este na função catafórica, ou seja
na tarefa de anunciar o que será dito a seguir. Entretanto, o que se percebe na linguagem
simples do dia-a-dia é que mais uma vez há uma tendência a substituí-lo pelo esse em muitas
situações. Nos jornais analisados, um título chamou a atenção:
“Embarque nesses acordes” (T8). Como um título anuncia o que
vem escrito a seguir, pela regra, nestes seria o demonstrativo
apropriado. Entretanto, os acordes referidos nos títulos não são acordes do enunciador e sim
acordes de uma orquestra que está sendo apresentada na matéria. Ou seja, ao mesmo tempo
em que convida o enunciatário a embarcar nos acordes, o enunciador ressalta que tais acordes
não são seus, mas sim de um terceiro e, portanto, não destes mas sim desses, desses outros
especificados ali embaixo, na reportagem que se vai ler.
Para se referir a todo um segmento de texto ou a uma situação complexa é comum
fazer uso de isto/isso/aquilo, como no trecho a seguir: “Saber como a relação produção,
funcionário e lucro pode e deve dar certo [...] A idéia é despertar com cautela um pouquinho
deste mundo [...] aprender sobre produção [...] controle de qualidade [...] Mas o que é
exatamente isso tudo?”. Para não ter que repetir tudo o que foi dito anteriormente, o
enunciador resume todo o segmento com o uso de isso, marcando um espaço relativamente
próximo ao do momento da enunciação.
36
Os advérbios de lugar que têm como referência a enunciação são enunciativos. Os que
têm como referência outros espaços distantes do enunciador são considerados enuncivos.
Duas séries compõem o quadro dos advérbios enunciativos: a) Aqui, e ali os dois
primeiros marcam a própria cena enunciativa, aqui se refere ao espaço do eu e , ao do tu; já
o ali assinala o espaço fora da cena; b) , e acolá o primeiro registra o espaço da
enunciação e os dois últimos estabelecem os espaços de fora, um opondo-se ao outro,
distinguindo dois lugares fora da enunciação. Cabe ressaltar que o também pode ser usado
para apontar um lugar além do ali. Dentre os advérbios de lugar enunciativos, só foram
encontrados nas reportagens para crianças os mais comuns na fala de brasileiros: aqui, aí, ali e
lá, conforme exemplos citados anteriormente.
Pelo lado dos enuncivos (os mais distantes do ponto de vista do enunciador), citam-se
os advérbios algures, alhures e nenhures hoje mais utilizados como adjuntos adverbiais: em
algum lugar, em outro lugar e em nenhum lugar, respectivamente. Além desses, , ali, e
naquele lugar, quando, em função anafórica, também são considerados enuncivos, pois
retomam espaços inscritos no enunciado. A primeira série de enuncivos não foi encontrada
nas reportagens em estudo, mas foi possível registrar alguns poucos casos da segunda, como
nos seguintes trechos: “em um projeto no Colégio Dom Barreto, de Campinas (SP). Ali,
banana, melancia e abacate, por exemplo, passaram por experiências” (T9) e “Nessa
cidadezinha, no alto do morro, está a Escola Municipal Rural A Caminho da Luz. os mais
de 700 alunos passam o dia inteiro e fazem quase todas as refeições” (T20). Nos dois
exemplos, o advérbio é usado para retomar um lugar que acabava de ser citado na reportagem.
Portanto, aponta para o espaço de fora, o lá onde os fatos ocorrem.
A combinação de ali, ou acolá com aqui acaba estabelecendo um espaço enuncivo
indeterminado. Quando alguém diz, por exemplo, que algo aconteceu “aqui, ali, acolá”, está,
na verdade, fazendo referência a vários lugares ao mesmo tempo e não a um lugar específico;
a combinação desses advérbios, portanto, toma o sentido de um espaço enuncivo e
indeterminado. Isso também acontece quando se junta a preposição por com o advérbio :
por aí pode ser qualquer lugar. A primeira combinação não foi encontrada nos suplementos
infantis, mas a segunda, por ser mais comum na fala, apareceu em diversas matérias, até
mesmo em título. Em todas, o sentido é o mesmo, o de indeterminar um
espaço: “Se encontrar gêmeos por aí é difícil, imagine quadrigêmeos!”
(T3); “Confira notas de outros violinos por aí” (título de box de T8);
“Jaqueline Alves da Silva joga melhor do que muito homem por aí” (T18); “esterco é, isso
mesmo, aquela coisa malcheirosa que as vacas fazem por aí” (T20).
37
Além de marcar os tipos de espaços já elencados, os advérbios servem para indicar
posições no interior do texto ou retomar algo que foi dito. Neste caso, vale como referência a
proximidade com o que diz o enunciador. Nos jornais dedicados às crianças, identificam-se
esses marcadores de espacialização enunciativa de projeção interna, com o enunciador
indicando espaços que caracterizam o aqui concreto da página do jornal:
a) Veja materinha ao lado (T1);
b) leia mais sobre restauração ao lado (T5);
c) leia, a seguir, conversas (T10);
d) se até aqui pareceu que só existem coisas antigas (T16);
e) Descubra mais aqui (T17).
Os exemplos a, b e c apresentam as expressões ao lado e a seguir com noção de
espaço vinculada às posições em que se encontram os elementos na página impressa. No
exemplo d, o enunciador delimita um espaço entre o início da matéria até determinado
instante do discurso ao empregar a expressão até aqui. Já o advérbio aqui do item e projeta
espacialização enunciativa para produzir um efeito de sentido que indica o jornal
propriamente dito, ou seja: o enunciador diz para o enunciatário que ele não descobre em
qualquer lugar, mas aqui (neste jornal ou, mais especificamente, nesta página).
Uma variação de espacialização enunciativa de projeção interna foi encontrada numa
das reportagens em estudo. Agora, que originalmente marca tempo, aparece com o sentido de
aqui, advérbio de lugar, em referência a um ponto do texto: “Mesmo não tendo sido citado até
agora, é sempre bom lembrar que ainda vivemos no país do futebol” (T6).
Com preposições, diversos advérbios compõem locuções de sentido equivalente ao
original: fora/fora de, além/além de etc. Se o ponto de referência está implícito, emprega-se o
advérbio. Se vem explicitado, adota-se a locução. Quando, numa competição, o locutor diz
algo do tipo “O time não entrou com todas as suas estrelas, Ronaldo está fora”, o espaço onde
ocorre o jogo está implícito e, aí, basta o advérbio. Este é um uso de marcador espacial não
encontrado no corpus. O da locução prepositiva, porém, foi registrado em frases como “Não é
só nascendo dentro do circo que se aprende a ser um circense” (T4) e “Leva a mochila, a
boneca dentro do casaco e mais brinquedo entre nós” (T18). Nestes dois exemplos, a locução
toma como referência o espaço explicitado imediatamente após.
Como já se disse, posição e movimento são fundamentais para assinalar espaços nos
enunciados. As posições são marcadas a partir da visão de um sujeito observador e podem ser
de diversos tipos: concentrativa, extensiva, de orientação horizontal ou vertical, proximidade
etc. Os movimentos são registrados considerando-se, por exemplo, a direção (aproximação,
afastamento e direcionalidade), a transposição do espaço ou sua dispersão. Para marcar
38
espaços, então, o ser humano utiliza noções de posições (de acordo com seu ponto de vista ou
tomando por base um ponto de referência) ou de movimentos dos objetos (ver tabelas 5 e 6).
TABELA 5 - PROJEÇÕES DE ESPACIALIZAÇÃO, CONFORME POSIÇÃO
(*)
POSIÇÃO
ADVÉRBIO/
PREPOSIÇÃO
/ LOCUÇÃO
EXEMPLO
TEXTO
COMENTÁRIO
Concentração
em Cláudia exibe diversos troféus em sua oficina
logo foi colada na parede da sala
T18
T8
posição coincide com um
lugar tido como ponto
Extensão
dentro de
por dentro
para dentro
dentro do local, onde cada um recebe um
fone de ouvido
Por dentro, a pitomba lembra “olho de cabra”
“Antes eu cantava baixo, ‘para dentro’[...]”
T16
T9
T11
um lugar englobado de um
espaço tridimensional
entre - Você escolhe a estrela [...], o planeta [...].
Por último, define a distância entre eles.
T14 posição delimitada por dois
ou mais pontos de
referência
ao redor de
em volta de
em torno de
em seu redor
A viagem ao redor do mundo
orbita em volta de uma estrela anã
dar a volta em torno de seu solzinho
tem vários anéis em seu redor
T7
T14
T17
T17
espaço englobante em
relação a um ponto de
referência tomado como
englobado
fora de um bom lugar para humanos fora da Terra
exoplaneta porque fica fora do nosso Sistema
T14
T17
espaço situado no exterior
de um ponto de referência
tomado como interioridade
Orientação
horizontal
à frente
na frente
na frente de
diante de
suas carapaças têm uma elevação à frente
cueca com abertura na frente
não preciso ficar pelado na frente da menina
“fica louca” diante da platéia
T7
T10
T10
T11
no eixo da perspectividade,
a partir de um ponto onde
está ou se supõe estar o
olhar do observador
ao longo de Ao longo da exposição todas as dúvidas
foram respondidas
O restante da viagem ao longo do Pacífico
T7
T7
acompanha o eixo da
perspectividade
ao lado veja materinha ao lado
bem ao lado há uma casa de tecelãs
T1
T19
no eixo da lateralidade a
partir de um ponto de
referência onde está ou se
supõe estar o observador
Orientação
vertical
em cima de
abaixo
embaixo de
o acrobata corre e pula em cima do mini
trumpling
leia mais sobre essas frutas diferentes abaixo
embaixo da pele, os ossos dos membros
anteriores desses animais são
surpreendentemente semelhantes
T4
T9
T7
Posição superativa em
relação a um ponto de
referência (objeto tem
contato com o ponto)
inferativa em relação a um
ponto de referência
inferativa em relação a um
ponto de referência
Proximidade
/afastamento
a Chegamos agora à parte de que os visitantes
mais gostam
leva a escolas públicas o concerto
T7
T8
contigüidade entre o objeto
e o ponto de referência
perto de
de perto
O segundo planeta mais pertinho do Sol
conhecer mais de perto a vida do grupo
vêem de perto os primeiro celulares do Brasil
T17
T4
T16
proximidade sem qualquer
contato
proximidade entre objeto e
ponto de referência, mas a
direção é daquele para este
longe
longe de
Sabe por que fomos para tão longe?
O planeta nº 7 fica bem longe do sol
T 19
T17
grande distância entre
objeto e ponto de referência
(*) A partir da visão de um sujeito observador
Fonte: FIORIN, 2008, p. 272 a 279.
39
As tabelas 5 e 6 contêm exemplos de marcadores espaciais encontrados nas
reportagens analisadas, considerando-se as categorias básicas de posição e movimento. Pelo
que se pôde observar, o espaço projetado nas reportagens dos suplementos infantis de jornais
prima pela simplicidade. A posição é tomada como referência principal, muito embora o
movimento seja algo sempre presente no mundo infantil. Preposição é a classe gramatical que
domina a marcação de espaço nesse tipo de publicação. Além de sozinha em alguns
enunciados, ela se mostra forte nas locuções, mudando o sentido do que está sendo enunciado.
Simples ou não, a projeção de espaço não é aleatória. Cada termo ou expressão e sua
posição no enunciado têm uma razão de ser. Para dar sentido ao que diz, o enunciador lança
mão da noção de espaço das relações do dia-a-dia, uma noção que imagina compartilhada
com o enunciatário, que, por sua vez, entende que o que está sendo exposto é resultado da
orientação espacial de um sujeito observador. Assim, quando, por exemplo, o enunciador diz
que uma pessoa está à frente de uma escola quer representar algo diferente do que quando
afirma que essa pessoa está na frente da escola. Na primeira situação, pelo que se depreende
do enunciado, a pessoa está dirigindo, comandando a escola, e na segunda, ela está
fisicamente na frente de uma escola. O sentido, portanto, é diferente. E o que provoca essa
diferença é um simples item lexical, um marcador espacial que auxilia o enunciador na missão
de informar, comunicar.
TABELA 6 - PROJEÇÕES DE ESPACIALIZAÇÃO,
CONFORME MOVIMENTO
MOVIMENTO
ADVÉRBIO/
PREPOSIÇÃO
/ LOCUÇÃO
EXEMPLO
TEXTO
COMENTÁRIO
Afastamento
de
é preciso sair do País para aprimorar
T6
ponto de partida de um
movimento (objeto esteve
em contato com esse ponto)
Direcionalidade
por o público pode acessá-la pela internet
T5
passagem, num movimento
unidirecional, de um ponto
a outro da referência
abaixo Remamos abaixo no Rio Sauípe
T19
movimento em direção
inferativa no eixo da
verticalidade
Transposição
por passa por um tubo T11 transposição do limite
considerado em sua
unidimensionalidade
Dispersão por outros painéis de azulejo de outros artistas
espalhados pela cidade
T5 expansão em diferentes
direções
Fonte: FIORIN, 2008, p. 279 a 283.
40
As diferenças de sentido, porém, não ocorrem apenas por conta da localização ou
movimento espacial. Com atores (actantes) e espaços definidos, resta observar como o tempo
é projetado nos enunciados. É o que se pretende analisar no próximo item deste capítulo.
1.1.3 Temporalização
Assim como nas projeções de pessoas e espaços, a enunciação funciona como eixo
fundamental para marcar o tempo no enunciado. Isto porque é com base no momento da
enunciação que se ordena todo o tempo lingüístico. No exercício da fala ou da escrita,
naturalmente se considera esse momento para exposição de idéias. Uma das primeiras noções
levadas em conta diz respeito à concomitância ou não concomitância com esse momento. A
concomitância é o agora. A não concomitância pode representar algo já acontecido ou a
acontecer. Um esquema de Fiorin (FIORIN, 2005a, p. 59) simplifica essa categoria:
concomitância versus não concomitância
anterioridade versus não anterioridade
Há, então, três momentos de referência: concomitante, anterior e posterior. Quando o
momento de referência é concomitante ao da enunciação, o sistema temporal é enunciativo,
pois tudo está relacionado à enunciação. Se é anterior ou posterior, diz-se que o sistema é
enuncivo. No primeiro sistema, raramente se explicita o momento de referência (como nas
cartas, por exemplo, em que a recepção não é simultânea). O segundo, por outro lado, deve
estar sempre explicitado, a fim de que o discurso faça sentido. São do presente os tempos do
sistema enunciativo, do pretérito os anteriores e do futuro os posteriores.
Intuitivamente, as pessoas ordenam o momento dos acontecimentos (estados e
transformações das narrativas) relacionando-os aos momentos de referência. A estes, aplica-se
mais uma vez a categoria topológica concomitância vs não concomitância (anterioridade vs
posterioridade).
O tempo perguntou pro tempo
quanto tempo o tempo tem.
O tempo respondeu pro tempo
que o tempo tem tanto tempo
quanto tempo o tempo tem.
(AUTOR DESCONHECIDO)
41
Na constituição do sistema temporal, portanto, são três os momentos relevantes: ME
momento da enunciação; MR momento da referência e MA momento do acontecimento
(FIORIN, 2008a, p. 146):
No presente, há coincidência dos três momentos, mas não é muito simples demonstrar
o que é essa coincidência, pois “o momento da enunciação é difícil de delimitar, na medida
em que foge sem cessar” (FIORIN, 2008a, p. 149). O tempo não sabe “quanto tempo o tempo
tem”, como na brincadeira de trava-línguas que as crianças tanto gostam de recitar. Por isso, a
parcela de tempo do momento de referência que está relacionada ao momento da enunciação
pode variar em extensão. Pode se referir a um momento pontual, único, ou a um tempo bem
mais longo, como exemplificam os trechos retirados das reportagens dos suplementos infantis
de jornais em análise:
a) Tarsila confessa que não sabe ainda se quer ser empresária um dia (T1);
b) Crianças visitam o moderno Museu das Telecomunicações e vêem de perto os
primeiros celulares do Brasil (T16);
c) Chegamos agora à parte de que os visitantes mais gostam (T7);
d) Todos os anos, os alunos e alunas da Escolinha de Circo se apresentam na praça (T4);
e) até hoje persiste como a Teoria da Seleção Natural das espécies (T7);
f) Hoje, os pequenos aparelhos vêm com câmeras, despertador, internet (T16);
g) Nos tempos competitivos em que estamos vivendo, é interessante você entender (T1);
h) Conheça os hábitos e situações que fazem mal para a voz (T11).
Os tempos verbais expressos nas letras a e b constituem exemplos do que se chama
presente pontual, pois nele existe coincidência entre o momento de referência, o momento do
acontecimento e o momento da enunciação. O item c apresenta dois tipos de tempo presente:
o primeiro (Chegamos) é pontual, como os das letras a e b, mas o segundo (gostam) é
42
durativo, uma vez que indica um momento de referência mais longo do que o momento da
enunciação (os visitantes que passam em outros momentos também gostam). A duração é
variável, tanto pode ser pequena como bem longa, e pode ser contínua (presente de
continuidade) ou descontínua (presente iterativo). Na letra d, encontra-se um caso de presente
iterativo: o espetáculo circense acontece na praça pelo menos uma vez por ano, pelo que se
depreende da frase; portanto, descontínuo. O presente contido no item e diz respeito a um
momento de referência que começou num determinado instante e se prolonga até o momento
da enunciação; é, pois, durativo de continuidade. Do mesmo tipo é o presente que aparece na
letra f, sendo que o advérbio hoje marca um hoje mais amplo que o único dia da enunciação,
refere-se a hoje em dia. O primeiro tempo verbal do item g, muito usado em linguagem oral, é
denominado presente progressivo (presente do indicativo do auxiliar estar com verbo
principal no gerúndio: estamos vivendo), e o segundo é um presente pontual, pois o momento
de referência coincide com o da enunciação. O último exemplo (letra h) apresenta um caso de
presente omnitemporal ou gnômico, que acontece quando o momento de referência e o
momento do acontecimento são ilimitados.
Fiorin esclarece que não se pode confundir valores temporais com formas usadas para
expressá-los. Segundo ele, existem três sistemas temporais: presente, passado e futuro. Para
cada um haveria uma concomitância, uma anterioridade e uma posterioridade, conforme se
explicita na tabela 7 com exemplos retirados das reportagens dos cadernos infantis em estudo:
TABELA 7 - SISTEMAS TEMPORAIS
SISTEMA TEMPOS
EXEMPLO TEXTO
ENUNCIATIVO
TEMPOS DO PRESENTE:
presente
concomitância em relação ao agora
As batalhas que ninguém T6
pretérito perfeito 1
anterioridade em relação ao agora
Ele mostrou para nossas repórteres [...] o
bio-simulador do Museu do Universo
T14
futuro do presente
posterioridade em relação ao agora
O Disney Channel diz que ele faltará
“devido a compromissos anteriores”
T11
ENUNCIVO
TEMPOS DO PRETÉRITO:
pretérito perfeito 2
concomitância em relação a marco
temporal pretérito, indica ação
acabada
período em que a artista esteve no Brasil
e produziu desenhos mais figurativos
T5
pretérito imperfeito
concomitância em relação a marco
temporal pretérito, indica ação
inacabada
“Eu ouvia meu pai falar sobre
empreendedorismo, mas não tinha idéia
do que era
T1
43
pretérito mais-que-perfeito
anterioridade em relação a um marco
temporal pretérito
até por influência do pai, que já
praticara o mesmo esporte, fizeram uma
escolha
nunca tinha experimentado caju
T6
T9
futuro do pretérito
posterioridade em relação a um
marco temporal pretérito
o guia, Bruno, nos avisou que nós
sentiríamos o cheiro de esgoto ao entrar
T19
TEMPOS DO FUTURO:
presente do futuro
concomitância em relação a um
momento de referência futuro
jeito de curtir a natureza sem esquecer
que, no futuro, nós vamos precisar dela
T20
futuro anterior
anterioridade a momento de
referência futuro
“Se souber usar, não vai faltar” T20
futuro do futuro
posterioridade a momento de
referência futuro
Depois de puxar os fios, ficará
parecendo que existem dois barbantes
T13
Fonte: FIORIN, 2005a, p. 60-61 e 2008a, p. 148-162.
As observações de Fiorin fazem sentido quando se observam atentamente as
reportagens publicadas nos suplementos infantis com base no mecanismo de debreagem:
Temos uma debreagem temporal enunciativa quando se projetam no enunciado os
tempos do sistema enunciativo. A debreagem será enunciva quando se estabelecem
no enunciado os tempos do sistema enuncivo.
Assim como no caso da categoria de pessoa, a debreagem será de primeiro ou de
segundo graus. O primeiro caso ocorrerá quando os tempos estiverem relacionados à
voz do narrador; o segundo, quando resultarem de uma delegação de voz operada
pelo narrador e, assim, estiverem vinculados ao eu interlocutor.
(FIORIN, 2008a, p. 147)
Como nos jornais infantis a linguagem tem que ser o mais simples possível, a
debreagem enunciativa imperou. Afinal, é mais fácil entender algo relacionado ao presente,
ou melhor, ao momento da enunciação, do que algo distante do momento atual. Além disso, a
linguagem jornalística tem a função de ancorar no presente os fatos narrados e apresentar
falas de terceiros como se a entrevista estivesse ocorrendo no momento da publicação:
Pedro Paulo Sales, 48, coordenador do laboratório de educação musical da Escola da
Música da USP, explica que cantar é uma forma de expressar alegria.
Mas por que é tão legal cantar no chuveiro? “Os ladrilhos do banheiro afetam o som,
transformando o local numa câmara de ecos. Assim a voz parece mais bonita e mais
harmônica”. (T11)
Como construções desse tipo são comuns no jornalismo, para a avaliação do corpus
com base nos estudos de Fiorin (tabela 8, a seguir), foi necessário organizar os resultados
considerando a debreagem temporal como sendo de primeiro ou segundo grau. De primeiro,
seriam as marcas que dependem da fala do enunciador propriamente dito (o repórter, redator
44
ou editor do jornal), e as de segundo grau seriam as marcas centradas num eu instaurado pelo
enunciador no enunciado, isto é, as falas dos entrevistados ou referências a outros actantes.
Esse desmembramento foi considerado relevante tendo em vista a grande quantidade de
registros de outros actantes nos textos analisados (ver tabela 3 no item sobre actorialização).
No exemplo acima, todos os verbos estão no presente, pois tomam como referência o
momento da enunciação. Há, porém, pequenas diferenças de sentido entre eles, pois em cada
um o agora se refere a um tempo diferente, restrito a um momento específico ou referente a
um período bem mais amplo. Para indicar as orientações do músico, o enunciador na voz do
narrador emprega o verbo explicar no presente pontual, pois faz referência a um momento
específico, que é o da entrevista. O verbo ser aparece duas vezes, também no presente, com
momento de referência e momento do acontecimento ilimitados: em ambos, então, o presente
é omnitemporal ou gnômico, pois, quando diz que “cantar é uma forma de expressar alegria”
e pergunta “por que é tão legal cantar no chuveiro?”, o enunciador dá um sentido de verdades
eternas às duas afirmações de que cantar é expressar alegria e é legal. A fala do coordenador
vem entre aspas e nela os verbos também aparecem no presente. Em sua explicação, o
especialista diz que os ladrilhos afetam o som e que a voz parece mais bonita quando se está
no banho por conta da proximidade dos ladrilhos: mais dois casos de presente omnitemporal.
TABELA 8 - PROJEÇÕES DE TEMPORALIZAÇÃO
(1)
ENUNCIATIVA
(2)
ENUNCIVA
(3)
1º GRAU
(4)
2º GRAU
(5)
1º GRAU
(4)
2º GRAU
(5)
JORNAL
PRES PRET FUT PRES PRET FUT PRET FUT PRET FUT
Diarinho 276 23 7 90 21 3 18 1 3 -
Estadinho 144 20 4 36 10 - 108 4 17 -
Folhinha 204 20 6 86 11 4 94 1 32 -
Globinho 62 20 7 19 - - 15 2 1 -
Super! 337 71 7 30 4 - 73 9 1 -
TOTAL 1023 154 31 261 46 7 308 17 54 -
(1)
Foram computadas as ocorrências: cada registro de um verbo, mesmo repetido, foi considerado como uma unidade
(2)
Na enunciativa, tempos do presente: PRES=presente, PRET=pretérito perfeito1 e FUT=futuro do presente
(3)
Na enunciva: PRET = todos os tempos do pretérito; FUT=todos os tempos do futuro
(4)
1º grau marcas da fala do narrador/enunciador
(5)
2º grau marcas de um eu (outros actantes) instaurado no discurso
Nos dois exemplos seguintes, o enunciador também aplica o mecanismo de debreagem
enunciativa, ou seja, toma o momento da enunciação como referência. Entretanto, não
45
emprega somente o presente, usa verbos no pretérito perfeito (1, segundo Fiorin) e no futuro
do presente, que produzem sentido de anterioridade e posterioridade em relação ao agora:
Os alunos visitaram as salas dos pequeninos, ensinando como lavar as mãos. Pedro
Henrique Guimarães, 9 anos, conta o que ensinou:
- Primeiro, você deve pegar o sabonete, põe na mão e esfrega. Depois, você aperta
a torneira só uma vez e lava as mãos. Você pega um papel só, seca uma mão e
depois a outra.
Os alunos até perderam alguns recreios para ficar nos banheiros fazendo plantão e
não deixar ninguém usar a água em excesso. (T20)
O projeto O Aprendiz de Maestro mistura teatro e música clássica sob medida para o
público infantil. No próximo sábado, 2/06, às 11h, na Sala São Paulo, será a vez do
espetáculo Quem tem Medo de Ópera?. Os personagens vão mostrar o que os
cantores fazem para deixar a voz bonita, qual a função de um maestro, como são
divididas as personagens e como é montado o cenário de uma ópera. (T8)
No primeiro caso, há projeção de temporalização enunciativa
tanto de 1º quanto de 2º grau, ou seja, na voz do narrador (repórter) e
na do interlocutor (menino entrevistado). A fala deste é marcada por
verbos no presente, reproduzindo ações expressas no momento da
enunciação (deve, esfrega, aperta, lava, pega, seca). Já a do narrador registra mais verbos no
pretérito perfeito 1 (visitaram, ensinou, perderam), pois os fatos tidos como acabados são
narrados como passado recente, tomando-se por base o momento da enunciação. Ainda na
fala do narrador, há um verbo no presente (conta), marcando o momento da enunciação.
O segundo exemplo só diz respeito às projeções de temporalização de 1º grau. O
narrador faz uso do presente para apresentar o projeto e, com marco temporal indicando a
proximidade do dia da realização do espetáculo (no próximo sábado), emprega o futuro do
presente (será, vão mostrar). Retoma o tempo presente para indicar o que contém o
espetáculo: “o que os cantores fazem para deixar a voz bonita”, “como são divididas as
personagens” e “como é montado o cenário” são ações contínuas dos artistas e não dizem
respeito a um momento único, são presente durativo de continuidade.
Da força de um título até as minúcias de uma legenda de foto ou outra ilustração, os
verbos contidos nas matérias principais dos suplementos infantis foram analisados com
cuidado. A diferenciação que Fiorin faz entre os sistemas enunciativo e enuncivo ao
enquadrar neles os tempos verbais de acordo com o sentido que recebem no texto foi decisiva
para esclarecer alguns pontos, principalmente os relacionados ao pretérito perfeito, que se
imaginava ser de apenas um tipo, enuncivo.
Não foram computados na tabela 8 os verbos no imperativo, embora apareçam em
número considerável nos cadernos infantis. Uma das razões para esse uso bastante recorrente
talvez seja a posição hierárquica que o enunciador impõe a si mesmo em relação ao público
46
aí veio
Darwin e
provou
leitor. Ao se revestir de um saber que a criança ainda não possui, o enunciador procura,
sempre que possível, dar recomendações ou dicas. Como essas orientações são dadas em
função de um agora, um presente, o momento da enunciação, as expressões que as verbalizam
os verbos no imperativo também poderiam ser consideradas enunciativas:
Embarque nesses acordes (T8);
Fuja de ambientes em que as pessoas estejam fumando (T11);
Entenda o mundo do circo (T4);
Leia mais sobre restauração (T5);
Nem pense em perder (T13);
Saiba como comemorar o Dia Mundial do Meio Ambiente (T20).
Além dos verbos, os advérbios apontam para o tempo da enunciação como ponto de
referência para um agora em relação ao qual se distribuem um antes e um depois, tidos como
posições temporais, não correspondentes a uma temporalidade real: “supondo-se um presente
no qual se produz uma fala, deve-se identificar, nessa fala, a recriação de uma temporalidade
cuja referência é a suposição inicial e cuja característica é a representação de um tempo
existente apenas como palavra” (TEIXEIRA, 1996, p. 147).
Os advérbios de tempo, ao se referirem ao presente, são incluídos num sistema
enunciativo. Se estiverem relacionados a um momento de referência pretérito ou futuro,
encontram-se num sistema enuncivo. Ontem, hoje e amanhã indicam o dia anterior ao dia em
que se fala, o dia em que se faz a enunciação e o dia posterior ao dia da produção do discurso;
isto os faz serem classificados como advérbios enunciativos:
Chegamos agora à parte de que os visitantes mais gostam (T7);
Amanhã é o segundo domingo do mês de maio (T2);
o Diarinho traz hoje exemplos parecidos com esses (T2).
Em compensação, na véspera, no mesmo dia e no dia seguinte são advérbios
enuncivos por se referirem, respectivamente, ao dia anterior a um momento de referência
pretérito ou futuro, o dia do momento de referência pretérito ou futuro e o dia posterior a um
momento de referência pretérito ou futuro (FIORIN, 2005a, p. 62).
Há casos de advérbios que, embora originariamente não signifiquem tempo, no
discurso surgem como marco temporal, como o , em: “Antes todo mundo achava que Deus
tinha colocado os homens da mesma forma na Terra. Mas veio Darwin e provou que a
gente foi evoluindo com o tempo” (T7). Este é um marco de tempo comum em fala de criança
(principalmente ao contar histórias), que dá ao o sentido de depois: antes
havia algo tido como verdade que Darwin depois provou ser diferente. Como
o momento de referência é pretérito (época de descobertas de Darwin, no
século XIX), o aí, neste caso, funciona como advérbio de tempo enuncivo.
Mas não é só com verbos e advérbios que se marca o tempo. Observe-se a tabela 9:
47
TABELA 9 PROJEÇÕES TEMPORAIS COM TERMOS DIVERSOS
EXEMPLO
TEXTO
SISTEMA
(*)
COMENTÁRIO
Na época do preto-e-branco
T10
enuncivo
Ao usar o substantivo época acrescido da expressão
preto-e-branco, o enunciador dá ao título de uma das
notas da reportagem o sentido de passado bem
distante da realidade colorida das crianças de hoje
naquela época, não havia celulares,
computadores, impressoras,
máquinas fotográficas e televisões
coloridas
T10 enunciativo
Assim como em relação a espaço, o pronome
demonstrativo aquela aponta uma distância em
relação ao momento da enunciação, equivalente ao
pretérito perfeito 1 dos tempos verbais, e reforça a
noção de passado do substantivo época;
A enumeração de aparelhos modernos marca o tempo
presente, o momento da enunciação.
fruta tão antiga que foi até encontrada
em sarcófagos dos incas, no Peru
T9 enuncivo Tanto o adjetivo antiga quanto os substantivos
sarcófagos e incas apontam para um momento de
referência pretérito.
Antiga já representa algo do passado; sarcófago,
segundo o Dicionário Aurélio, é “túmulo calcário
onde os antigos punham os cadáveres que não
desejavam queimar”, e incas, povo que existiu no
Peru antes da invasão de espanhóis, ou seja,
civilização que não existe mais.
já era usada no século 16, quando
Montezuma, lendário imperador
asteca, ofereceu aos espanhóis
T9 enuncivo os destaques apontam para um momento pretérito:
século 16 é período bem distante do atual; lendário é
adjetivo que invoca algo de história, do imaginário
do povo, portanto, algo bastante conhecido, e asteca
diz respeito a um povo que viveu principalmente no
México antes da descoberta da América.
O tênis, que na era Guga, apontou
para uma explosão nacional
T6 enuncivo
Era significa época histórica, passada. Guga é um
tenista brasileiro que fez muito sucesso, mas hoje já
deixou as grandes disputas.
quinta e sábado, das 10h ao meio-
dia; quarta e sexta, das 13h às 15h
T13 enunciativo Dias e horários de eventos que estão ocorrendo
tomam por referência o momento da enunciação.
Crianças visitam o moderno Museu
das Telecomunicações e vêem de
perto os primeiros celulares do Brasil
T16 enunciativo Moderno é um adjetivo que coincide com o momento
da enunciação; já o ordinal primeiros toma o sentido
de algo que se refere a um momento de referência
passado que toma por base o momento da
enunciação, equivale ao tempo pretérito perfeito 1.
entraram em uma cabine telefônica do
século passado. Conferiram telefones
públicos antiqüíssimos e viram o
primeiro telefone do Brasil, usado por
D. Pedro II, no século XIX. Mas se
espantaram mesmo com o tamanho
dos primeiros celulares
T16 enuncivo Todos os itens assinalados apontam para um
momento de referência passado, com destaque para o
adjetivo antiqüíssimos, que realça a noção de antigo,
ou seja, mais passado ainda.
Hoje, os pequenos aparelhos vêm
com câmeras, despertador, internet...
Veja a evolução
T16 enunciativo A enumeração de aparelhos modernos aponta a
concomitância com o momento da enunciação, e o
substantivo evolução indica um momento de
referência que se iniciou num instante passado,
mantém-se nos dias atuais e aponta para adiante.
Noite e dia eternos: os astrônomos
acham que o GL 581c não tem
movimento de rotação
T17 enunciativo Os termos em destaque marcam um tempo ilimitado.
(*)
Aplicação do que diz Fiorin para outras classes gramaticais: no enunciativo entram as palavras ou expressões que têm como referência
a enunciação; e no enuncivo as que levam em consideração um momento não concomitante com o da enunciação, passado ou futuro.
48
Como se pode depreender dos dados da tabela 9, projeta-se tempo no enunciado por
meio de qualquer classe gramatical: numerais, substantivos, pronomes e até mesmo adjetivos.
O sentido que transmitem é que importa. As reportagens de capa em estudo registram uma
série desses itens.
Na busca do sentido para o que se diz, um detalhe marcante foi observado nos
suplementos infantis de jornais: as reportagens apontam o predomínio dos mecanismos
enunciativos. Esse resultado é surpreendente, uma vez que, até então, tinha-se uma idéia de
que em notícias e reportagens houvesse predominância de mecanismos enuncivos. Para esse
resultado, muito contribuíram os estudos de Fiorin, que trouxeram mais luz para as análises,
considerando três momentos para a classificação: da enunciação, do acontecimento e de
referência. Duas razões para o resultado surpreendente podem ser mais simples do que se
imagina: o enunciatário e o gênero textual. Para tornar mais fácil o entendimento do que tem a
dizer, o enunciador lança mão de termos que tomam por base o momento e o espaço da
enunciação, noções mais próximas da realidade da criança, de seu dia-a-dia. Além disso, o
gênero reportagem também tem a atualidade como âncora para retratar os fatos.
Ancorado no tempo e no espaço do sistema enunciativo, o enunciador do jornal
dedicado a crianças busca, então, dar objetividade a seu discurso lançando mão de
depoimentos de terceiros para confirmar a veracidade do que diz. Sob esse aspecto, o
suplemento infantil mantém a tradição do jornalismo, uma vez que publica trechos de outras
vozes, dos entrevistados ou especialistas no assunto abordado na matéria. Ao mesmo tempo,
porém, a tentativa de objetividade é contrabalançada pelas evidentes marcas de um
enunciador que transmite um saber a um enunciatário em busca de um querer-saber, uma
informação, um conhecimento.
Os resultados dessa pesquisa, portanto, confirmam o que prevê a Semiótica em relação
à combinação entre uma sintaxe e uma semântica para se obter um sentido. Basta observar as
figuras que concretizam os dados temporais, espaciais e actoriais. Elementos da sintaxe
(verbos, advérbios etc.) são escolhidos para um enunciado tomando-se por base a semântica, o
sentido que se pretende dar ao texto. Ou seja, ao produzir um texto, o enunciador considera
termos de um mesmo campo semântico, coerentes com o significado que pretende dar ao
expor suas idéias. Com isso, ora um substantivo se mostra mais adequado, ora até mesmo um
pronome dá conta do que pretende relatar. Essa idéia pode ser complementada com o que se
expõe, a seguir, no capítulo sobre semântica discursiva.
49
2. SEMÂNTICA DISCURSIVA
A discursivização se guia por regras sintáticas, como as que foram vistas no capítulo
anterior (projeções de actorialização, espacialização e temporalização no enunciado) e por
regras semânticas, cujo alvo são os discursos figurativos e temáticos, a serem esclarecidos
neste capítulo. Para se ter idéia do que se pretende expor, convém observar os exemplos que
reproduzem os parágrafos iniciais de duas reportagens de cadernos infantis de jornais
analisados, o primeiro do Diarinho, de Pernambuco, e o segundo da Folhinha, de São Paulo:
Ter o seu próprio negócio não é mais só sonho, idéias ou assunto de adulto. Nos
tempos competitivos em que estamos vivendo, é interessante você entender que
muita gente grande prefere ganhar dinheiro montando seu próprio negócio. E saiba
que isso não é fácil, exige conhecimento, e muita determinação. É claro que, sendo
criança, a sua única preocupação deve ser brincar e estudar, mas pensar no futuro e
criar fantasias com ele também é legal. (T1)
Frasco de xampu, pente, chuveirinho ou escova de dentes. Vale qualquer coisa para
usar como microfone na hora de dar aquele show dentro do banheiro.
Daniela Cabaritti, 12, já é quase profissional: leva até um rádio para o banho.
“Imagino várias ‘pessoazinhas’ me assistindo”, conta.
Essa é uma ótima opção para quem sente um friozinho na barriga só de pensar em
cantar em público. (T11)
Nem é preciso saber Semiótica para perceber que o primeiro trecho parece mais
abstrato que o segundo, embora nos dois se possam identificar tanto termos abstratos como
concretos. Na teoria de Greimas, os termos mais concretos como frasco de xampu,
microfone e rádio, da reportagem da Folhinha são chamados de figuras, e os mais abstratos
como idéias, conhecimento e determinação, da matéria do Diarinho são classificados
como temas.
Você sabe melhor do que ninguém, sábio
Kublai, que jamais se deve confundir uma
cidade com o discurso que a descreve.
Contudo, existe uma ligação entre eles. Se
descrevo Olívia, cidade rica de mercadorias e
de lucros, o único modo de representar a sua
prosperidade é falar dos palácios de
filigranas com almofadas franjadas nos
parapeitos dos bífores; uma girândola d’água
num pátio protegido por uma grade rega o
gramado em que um pavão branco abre a
cauda em leque. (CALVINO, 2003, p. 61)
50
Para entender como funcionam as figuras num texto, é preciso, antes de mais nada,
observar as palavras exatamente como se encontram no léxico de uma língua. Cada palavra
possui um núcleo significativo, a partir do qual pode assumir vários sentidos. Ou seja, as
possibilidades significativas são múltiplas, mas não infinitas: “ao contrário, elas são bem
delimitadas, porque todos esses sentidos virtuais estão, de alguma maneira, relacionados ao
chamado núcleo estável de significação” (FIORIN, 2005a, p. 97). Um item lexical constitui
uma organização virtual de sentido que se realiza em diferentes contextos, como a palavra
mundo encontrada em reportagens de suplementos infantis de jornais em análise:
a) É que o mundo comemora o Dia do Meio Ambiente (T20)
b) Antes todo mundo achava que Deus tinha colocado os homens da mesma
forma na Terra (T7)
c) circo, afinal, é uma das artes mais antigas do mundo (T4)
d) uma viagem interativa, dinâmica e divertida pelo mundo da música de
concerto (T8)
e) Nenhum adulto mostra tão bem o mundo quanto um filho (T10)
Esses exemplos comprovam que palavras não andam sozinhas por aí, elas só ganham
sentido quando inseridas num texto. Com o auxílio do Dicionário Aurélio Eletrônico
(FERREIRA, 2004), pode-se distinguir os sentidos da palavra mundo nas frases acima. Em
todas, o termo mantém um núcleo estável de significação que o vincula ao sentido mais
comum de representar um conjunto, um todo, o planeta Terra. Nas letras a e b, observa-se
mundo no sentido de “a maioria dos homens; a humanidade; as pessoas”; no item c, mundo
significa “a Terra e os astros considerados como um todo organizado; o Universo”; no
destaque d, a mesma palavra já representa um “conjunto de pessoas ligadas por um interesse
comum” e na letra e, é entendida como “a vida no século, na sociedade”.
A partir dos núcleos de significação de cada item lexical, o texto vai sendo estruturado
pelo sentido que se pretende dar a ele, ou seja, com as figuras que o enunciador utiliza para
representar o que tem a dizer. Como em Semiótica texto é sempre visto como um tecido
portanto composto por um entrelace de fios, a análise textual deve estar atenta às relações que
as figuras estabelecem entre si, formando uma rede. No texto verbal, a rede de figuras que as
palavras compõem representa um percurso figurativo. Esse percurso concretiza um tema a ele
subjacente. Isto quer dizer que “ler um percurso figurativo é descobrir o tema que subjaz a
ele” (FIORIN, 2005a, p. 97). Um encadeamento de temas recebe o nome de percurso
temático e só ocorre em textos temáticos. Tanto o percurso figurativo quanto o percurso
temático devem manter uma coerência interna, pois quando não há essa coerência o texto fica
contraditório. Não teria cabimento, por exemplo, evocar as belezas do Rio de Janeiro falando
de elementos que lembrem a violência urbana.
51
Na formação discursiva, os temas escolhidos pelo enunciador reproduzem conceitos
transmitidos por meio de categorizações; já as figuras representam elementos do mundo
natural. No trecho que serve de epígrafe a este capítulo, Italo Calvino faz uso de figuras como
palácio, almofadas franjadas, girândola e pavão branco para explicar como descreveria a
prosperidade de uma cidade. Tais elementos mantêm uma coerência e remetem a um mundo
natural. Mas, para a Semiótica, esse mundo natural não precisa ser apenas o mundo real,
existente, esse mundo coerente pode simplesmente ser um mundo natural construído no texto.
Como o universo infantil é rico em ficção, as histórias de Harry Potter (ROWLING, 2000)
servem mais uma vez de exemplo, pois nelas se admitem como pertencentes ao mundo natural
cachorros com três cabeças, vassouras que voam e corujas que funcionam como correio.
É interessante observar, portanto, que as figuras são os elementos da superfície do
texto com os quais o leitor estabelece um processo de identificação imediata, e os temas são
as idéias que sustentam as figuras. Estas concretizam os temas por meio da representação de
seres, coisas e acontecimentos do mundo, o mundo natural construído no texto. Na rede de
relações que compõe um texto, um tema pode ser figurativizado de diversas maneiras, e uma
mesma figura pode concretizar vários temas:
Um tema como o poder totalitário pode ser figurativizado da seguinte forma:
censura aos meios de comunicação, inexistência de eleições diretas, prisões
arbitrárias, coerção física e psicológica, etc.
Por outro lado, uma mesma figura pode veicular diversos temas. A figura da censura
aos meios de comunicação pode tematizar totalitarismo, mas também algo como
medida de segurança, por exemplo. (HENRIQUE, 2002, p. 17)
Os temas apresentam-se como conceitos que recortam simbolicamente a realidade, são
investidos, pela enunciação, de valor eufórico (positivo) ou disfórico (negativo), consolidando
visões de mundo. As figuras, por outro lado, são unidades semânticas que acionam a
percepção tátil, auditiva, olfativa e visual do sujeito. Há discursos predominantemente
temáticos, como as definições filosóficas, e há outros predominantemente figurativos, como
as charges. As prosopopéias, por outro lado, combinam percursos temáticos e figurativos,
juntando duas isotopias: a humana e a dos animais ou das coisas.
Isotopia é um conceito fundamental para a análise semiótica. Refere-se à reiteração de
elementos que, ao se relacionarem sintagmaticamente em determinados contextos,
compartilham um mesmo campo semântico: “por exemplo, num texto podemos ter a isotopia
da ‘violência’, digamos, criada pela recorrência de elementos que apontem para esse campo
semântico como ladrão, assalto, revólver, combate, tiros etc.” (GOMES & MANCINI,
2007, p. 13).
52
Quando há mais de uma isotopia (textos plurisotópicos), alguns elementos se mostram
comuns às isotopias traçadas: são os chamados conectores de isotopias. É o caso da palavra
corpo nos quadrinhos de Miguel Paiva publicados pelo Globinho (PAIVA, 2006):
No primeiro quadro, o leitor é levado a identificar o termo corpo no contexto de aula
de Ciências, pois a personagem em destaque assume um discurso próprio de professora dando
início a uma aula: “Hoje vamos falar do corpo humano”. Em seguida, no mesmo quadro, usa
um verbo no imperativo (fale) para determinar que uma aluna se pronuncie a respeito do
assunto: “Chiquinha, fale do seu corpo”. Em contexto de sala de aula, era de se esperar que a
menina respondesse definindo fisicamente as partes de seu corpo. Como se trata de história
em quadrinhos, e a personagem é conhecida como gaiata, a resposta vem em tom de chiste:
“sou dona do meu nariz, tenho o olho maior do que a barriga...”, na qual elenca uma série de
ditos populares bem conhecidos do público infantil. No último quadro, há um close na
personagem principal, que confessa a brincadeira em tom confidencial, com olhar dirigido ao
leitor como se estivesse falando baixinho: “e cara-de-pau”. A graça está exatamente na
função de conector de isotopias que o enunciador proporciona à palavra corpo nos
quadrinhos. Como se depreende do texto, a menina não estudou o suficiente para dar a
resposta que a professora esperava, aproveita o “gancho” da palavra e começa a citar várias
partes do corpo, só que com expressões que nada têm a ver com aula de Ciências. A primeira
isotopia, a que manteria o discurso na linha do que se imagina que a professora queria, foi
interrompida por uma segunda, conectada à primeira pelo significado da palavra corpo. A
conexão fica evidente não pelo uso da mesma palavra (que sequer aparece de forma direta no
quadro principal), mas sim quando, na piada, a menina relaciona termos semanticamente
relacionados ao corpo humano: nariz, olho, barriga, pés, boca, cabeça e língua (linguaruda).
Por outro lado, quando um elemento, que não se integra facilmente em uma linha
isotópica já reconhecida, leva à descoberta de novas leituras recebe o nome de desencadeador
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de isotopias (BARROS, 2005, p. 76), como os elementos inscritos na placa do último
quadrinho da história de MZK publicada na Folhinha (MZK, 2007):
Num texto rico em intertextualidade, o enunciador recorre ao conto de fadas João e o
Pé de Feijão (JOÃO, 1994), para marcar os dois mundos nos quais vive a criança, o da
fantasia e o da realidade. Logo no primeiro quadro, ao se deparar com uma enorme árvore, o
personagem Banzo, com ar de espanto (marcado por pequenos traços próximos à cabeça), diz:
“um pé de feijão mágico!”. Imediatamente, o outro personagem, Benito, demonstra conhecer
a história e seus encantos, pois logo pergunta: “vamos subir!?”, e o primeiro, prontamente,
responde que sim. A fala inicial de Banzo instala no enunciado a referência ao conto infantil,
e é a partir dela que o leitor é levado a identificar os elementos do quadro seguinte. Neste,
durante a subida, Benito, reforçando a idéia de que conhecia a história (mecanismo que o
enunciador utiliza para reavivá-la na memória do enunciatário), vai enumerando tudo o que
imagina encontrar de magia na parte superior da tal árvore (“gigante, harpa mágica, galinha
dos ovos de ouro...”), com o que o outro concorda. Ao chegarem ao topo, no entanto, a
surpresa: tudo o que os personagens imaginaram na subida seria possível sim, mas mediante
pagamento de ingresso no valor de R$ 10, conforme indica a placa logo na entrada,
exatamente como a maioria das crianças vivencia nos parques onde costuma se divertir. Na
história original, um menino pobre troca a única vaca que ele e a mãe possuem por um
punhado de feijões mágicos, que a mãe, chateada com a troca, atira pela janela. Os tais feijões
crescem tanto e com tamanha rapidez que o menino resolve subir na enorme árvore para ver o
que há no topo. Lá, descobre um castelo onde mora um gigante rico, muito mau. Com sua
esperteza, o menino consegue tirar do gigante alguns sacos de moedas de ouro, uma galinha
que bota ovos de ouro e uma harpa mágica. Além de ele e a mãe ficarem ricos, o menino
ainda consegue destruir o monstro derrubando a árvore. É a lembrança do conto clássico que
faz com que os dois personagens se sintam atraídos pela árvore. No entanto, ao invés de
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encontrarem os bens listados na história (a isotopia da riqueza fácil), os dois se deparam com
uma placa indicando que é preciso pagar para entrar. Essa placa muda o rumo da história,
produzindo uma nova leitura, pois quem esperava só receber benefícios se vê diante de um
obstáculo que, além de tudo, tem por objetivo tirar dinheiro de quem ali chega. Ou seja, ao
invés de conseguirem uma fortuna, os dois precisariam pagar para entrar no local. Banzo,
então, reage novamente com espanto: “essa não!”, e Benito também aparece com cara de
espanto sinalizada pelos pequenos traços em volta do rosto. A partir daí, a continuação fica
por conta da cabeça do leitor: ou o gigante ficou esperto e começou a cobrar ingresso pelo
acesso a seu castelo, ou alguém mais esperto que ele se apropriou da história e resolveu
cobrar, ou o que mais se puder depreender da placa no final dos quadrinhos. De qualquer
forma, a continuação da história já não seria como a que existe no conto clássico. Por isso, a
placa que indica o valor do ingresso faz a ruptura no discurso e provoca graça. Isto é, funciona
como desencadeador de uma isotopia diferente da que se esperava inicialmente. Esses
quadrinhos de MZK funcionam como ponte entre a magia do mundo de gigante, harpa
mágica, moedas e ovos de ouro com a realidade em que vive a criança. A nova isotopia
aponta para a realidade do mundo atual, no qual é possível encontrar espaços de fantasia em
enormes parques de diversões, como os da Disney, nos Estados Unidos, por exemplo.
Convém, assim, registrar que existem dois tipos de isotopia: temática e figurativa. A
primeira é a que se registra pela repetição de unidades semânticas abstratas em um mesmo
percurso temático. O leitor geralmente identifica um tema que une as partes do texto, ou seja,
a isotopia temática. Já a isotopia figurativa é revelada pela redundância de traços figurativos,
pela associação que se faz entre figuras de maneira que sejam reconhecidas como de uma
mesma família, um mesmo campo semântico. A recorrência dessas figuras dá uma aparência
organizada ao discurso, aproximando-o da realidade. As isotopias temáticas e figurativas
garantem a coerência semântica do discurso.
A figurativização, entretanto, não pode ser apreendida simplesmente como um
procedimento de revestimento concreto de temas, criando efeito de realidade. Regina Souza
Gomes esclarece que esse procedimento tem um papel mais complexo na geração da
produção do sentido, pois possibilita, por intermédio das relações temas/figuras, de maneira
privilegiada, a organização e a percepção de uma determinada visão de mundo, de uma
ideologia (GOMES, 2008, p. 59). Norma Discini confirma o que diz Regina Souza Gomes
ao declarar que os temas e figuras, observados como componentes da semântica discursiva,
reproduzem nos textos o imaginário social:
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Os diferentes modos de pensar o mundo, fundamentados em categorizações
classificatórias e resultantes da percepção humana, constroem conceitualmente o
próprio mundo. [...] Tal construção de mundo remete então a uma rede conceitual de
relações imanentes, a uma estrutura conceitual, a que se dá o nome de formação
ideológica. A formação ideológica dita, ao aprendiz social, o que pensar, ao se
materializar por meio de formações discursivas, estas que reúnem temas e figuras
encadeados nos textos. (DISCINI, 2005, p. 283)
De acordo com esse pensamento, para descrever mecanismos imanentes na construção
do sentido, não basta identificar temas e figuras, é preciso também “examinar o modo próprio
de tratar temas e figuras, fundante de um modo próprio de presença no mundo, para o sujeito,
o que confirma o ethos”. Discini esclarece que descrever o ethos é examinar moralizações
transmitidas via discurso: “é recuperar o sujeito no exame da relação do enunciado com a
enunciação; é dar atenção a um sujeito não construído previamente ao discurso, mas dado
pelo modo de dizer”. Uma vez descrito o ethos, então, é possível identificar temas e figuras do
discurso pela importância que se dá a valores presentes em determinadas formações sociais
que “orientam o modo de presença do sujeito no mundo” (DISCINI, 2005, p. 284), o que pode
ser comprovado até mesmo pelo conteúdo de histórias em quadrinhos (HQ), como a de
Maurício de Sousa, publicada no Estadinho (SOUSA, 2008):
Na história de Maurício de Sousa acima reproduzida, identifica-se a importância que o
enunciador dá ao tema educação, que não aparece nesses quadrinhos por acaso: a data de
publicação (02/02/2008) é motivo de sobra para tratá-lo; afinal, era início de ano letivo nas
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escolas do Brasil, e as crianças precisavam reconhecer a importância dos estudos para sair da
sombra i água fresca” das férias. O caráter moralizante da HQ, então, constitui o ethos do
enunciador.
Há, ainda, o discurso do senso comum, que reforça tematizações e figurativizações que
fazem parecer universal uma verdade construída. Essa verdade, se reforçada ao longo de anos,
pode servir até mesmo como manipulação inconsciente. Temas e figuras cristalizados servem
tanto a sistemas conceituais quanto a preconceitos, “um capital simbólico da própria língua,
posto em xeque no discurso, que mobiliza o significado em função da ideologia” (DISCINI,
2005, p. 284-285). Como a sociedade está sempre em transformação, determinados
preconceitos podem diminuir ou aumentar conforme vão sendo expostos. Cada veículo de
comunicação, de acordo com seu perfil, reforça tais preconceitos ou tenta minimizá-los. A
Folhinha, conhecedora de seu público, dá sinais de que é possível tratar temas polêmicos com
a leveza de uma história contada por uma entrevistada em pleno dia das mães:
Casal rosa
Outro dia, a mãe comentava com a filha, Alice, uma história ocorrida entre uma
colega e a namorada dela. A Alice estranhou:
- Ué, namorada? Ela não é menina?
A mãe explicou:
- É, mas tem meninas que preferem namorar outras meninas. A Elisa namora a Mirna.
A menina pensou um pouquinho e decretou:
- Tem uma vantagem, né, mãe, de namorar outra menina...
- Qual?
- Elas podem pintar a casa toda de rosa!
(T10)
A partir do senso comum de que rosa é uma cor relacionada ao universo feminino, a
Folhinha seleciona esse diálogo e o publica em meio a outros colecionados por mães em
conversas com seus filhos. O homossexualismo é tratado de modo irreverente, numa
linguagem simples e natural, em sintonia com o público que imagina ter como enunciatário.
Ao mesmo tempo em que, ideologicamente, projeta no enunciado as mudanças exigidas por
uma sociedade esclarecida e moderna, reforça o conceito de que toda mulher gosta de rosa,
principalmente quando se é criança, pois à menina sempre são oferecidos objetos e roupas
nessa cor, mesmo que ela tenha preferência por outra.
Muito menos polêmicos, mas importantes exemplos de discurso de senso comum no
mundo ocidental, os temas relacionados a dinheiro, de tempos em tempos, aparecem nos
suplementos de jornais destinados a crianças e adolescentes. Inconscientemente ou não, o
destaque que o enunciador dá ao tema é refletido constantemente na mídia. A idéia parece ser
a de realçar, desde cedo, a importância que o dinheiro tem na atualidade. Nos jornais infantis
ou infanto-juvenis, as orientações de como e quando poupar ou gastar são encontradas em
57
diversas matérias. Nelas, o enunciador costuma figurativizar o tema com termos que lembram
situações do dia-a-dia, como demonstram os próprios títulos de matérias (que não integram o
corpus), publicadas em 2007:
Moedinhas que podem se transformar num dinheirão (JATOBÁ, 2007c);
De pouquinho em pouquinho, o porquinho fica gordinho (BRITO, 2007);
De moeda em moeda (FISCHBERG, 2007e);
Por onde andam as moedas do Planeta? (ROCHA JR, 2007).
Portanto, tematizações e figurativizações podem ser úteis na identificação de
características de um gênero textual. E é isso que se pretende demonstrar com a análise das
reportagens dos suplementos infantis, exposta a seguir.
2.1 Semântica discursiva nas reportagens de jornais infantis
Entre os mais diversos estudos, é praticamente unânime a noção de que classificar
gêneros não é tarefa muito simples. Como os critérios são sócio-históricos e variáveis,
Marcuschi afirma que as diferenças entre um gênero e outro não são predominantemente
lingüísticas mas sim funcionais. É por esta razão que os estudiosos de hoje não se preocupam
tanto em criar ou discutir tipologias e sim explicar como os gêneros se constituem e circulam
socialmente (MARCUSCHI, 2008, p. 159). É nesta linha de raciocínio que se pode fazer uso
da análise da semântica discursiva, um conceito previsto pela Semiótica Francesa que tem por
princípio observar os elementos que constroem os efeitos de verdade e de realidade do
discurso, tão relevantes para os estudos lingüísticos.
Para fazer a análise de reportagens dos cadernos infantis de jornais pelo critério
semântico, buscou-se identificar os temas e figuras mais recorrentes. Observou-se não só o
que se diz, mas principalmente como se diz, que recursos o enunciador usa para persuadir o
leitor. Afinal, o enunciador coletivo do suplemento (repórter, redator, editor, dono do jornal...)
tem como um de seus principais objetivos conquistar um leitor que, num futuro bem próximo,
poderá se tornar fiel à publicação do mesmo órgão de imprensa destinada aos adultos.
No jogo da conquista, o enunciador costuma reforçar valores da sociedade onde o
jornal circula. Sua estratégia consiste em publicar textos que falam do mundo, através das
figuras, e o categorizam, por meio dos temas. Temas e figuras, portanto, são importantes para
a classificação de um gênero textual, pois o modo de associá-los revela diferentes modos de
dizer. A observação dos níveis de concretização do sentido possibilita definir aspectos do
mundo encontrado nas reportagens, ou melhor, apontar que mundo é revelado pela superfície
do texto. E, a partir daí, definir o gênero, pois “são os discursos que escolhem os gêneros em
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função das coerções semânticas” (DISCINI, 2005, p. 313). Ou seja, de acordo com o que tem
a dizer, o enunciador escolhe o gênero que considera mais apropriado. Quando precisa enviar
mensagem simples e rápida, por exemplo, dá um telefonema, escreve um bilhete, email ou
algo similar; se quer se apresentar para um emprego, opta por carta, e assim por diante.
Enfim, de acordo com o sentido e a funcionalidade que pretende dar ao texto, escolhe o
gênero pelo qual vai transmitir sua idéia ou informação.
Um suplemento infantil apresenta diversos gêneros. Além do noticiário, há artigos,
jogos, quadrinhos e cartas de leitores. Em todos, observa-se a preocupação em atender um
leitor em fase de crescimento. Na reportagem, essa preocupação se traduz num discurso misto
de jornalismo, escola e brincadeira. O do jornalismo é identificado pela linguagem e
organização típicas de notícias e pela maneira de apresentar temas relacionados ao dia-a-dia,
como descobertas científicas, cuidados com o planeta, higiene e saúde; o da escola, por temas
como superação, determinação e disciplina; e o da brincadeira, por temas como diversão e
curiosidade:
Há pouco mais de duas semanas pesquisadores anunciaram: foi encontrado um bom
lugar para humanos fora da Terra. Mas ele fica a 190 trilhões de quilômetros daqui
e, por causa da gravidade, qualquer um que fosse morar lá teria que possuir pernas
robustas e ossos mais densos. (T14)
Na Bahia não foi só moleza, não! Além desta reportagem, elaboramos uma apostila
e estudamos muito. Vai até ter prova sobre o assunto. [...] Lá fizemos trilhas até o
manguezal, carregando remos nas mãos. Quando estávamos a 10 metros do começo
da água lamacenta e das árvores de raízes enormes, o guia, Bruno, nos avisou que
nós sentiríamos o cheiro de esgoto ao entrar. Foi a mais pura verdade. (T19)
Sabe aquela pelada que adoramos jogar depois da aula? E um jogo de basquete com
os amigos? Para algumas pessoas, toda essa brincadeira é levada muito a sério. A
dois meses do Pan 2007, no Rio, o Estadinho foi conhecer uma galera que treina
feito gente grande e que pode, quem sabe um dia, se entusiasmar para competir nos
Pans da vida. (T6)
Quem ainda não foi conferir o Festival de Circo do Brasil que está com a lona
armada no Recife até amanhã, vale a pena conferir. A reportagem do Diarinho
aproveitou e foi conhecer os bastidores do circo, afinal, é uma das artes mais antigas
do mundo, com muitas estórias fascinantes e que sempre tem muita criança. (T4)
Frasco de xampu, pente, chuveirinho ou escova de dentes. Vale qualquer coisa para
usar como microfone na hora de dar aquele show dentro do banheiro.
Daniella Cabaritti, 12, já é quase profissional: leva até um rádio para o banho.
“Imagino várias ‘pessoazinhas’ me assistindo”, conta. (T11)
O primeiro exemplo acima (T14) é parágrafo inicial da reportagem do Globinho sobre
a descoberta de um novo planeta. Nesse parágrafo, há elementos típicos do jornalismo
tradicional, como as respostas a perguntas básicas recomendadas para elaboração de um lead:
quem (“pesquisadores”), quando (“há pouco mais de duas semanas”), o que (descoberta de
um “bom lugar para humanos fora da Terra”) e onde (“a 190 trilhões de quilômetros daqui”).
O padrão jornalístico, porém, de vez em quando, é contrabalançado por expressões e
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perguntas mais identificadas com a linguagem oral e com elementos conhecidos da criança,
como a que aparece iniciando um box dessa mesma matéria do Globinho: “Homenzinhos
verdes? Nada”.
O trecho do T19 (do Super!) foi escrito por alunos de uma escola de Brasília em
excursão na Bahia e, por isso, não há tanta rigidez na forma de apresentar a reportagem. O
texto das crianças apresenta figuras diretamente relacionadas à esfera escolar, como “apostila”
e “prova”, para demonstrar determinação e disciplina, além de realçar a superação de
obstáculos ao longo da viagem, que, para muitos, poderia ser considerada apenas de lazer:
“não foi só moleza, não!”, “fizemos trilha até o manguezal, carregando remos nas mãos”,
“água lamacenta”, “árvores de raízes enormes” e “cheiro de esgoto”.
O lead do T6, do Estadinho, destacado acima, começa com perguntas retóricas,
recurso bem explorado no jornalismo na tentativa de aproximação com o leitor. Nessa
estratégia de aproximação, o enunciador projeta no enunciado figuras que concretizam temas
vinculados a jogos e entretenimento: “pelada depois da aula”, “basquete com os amigos”,
“brincadeira”, “galera” e “competir”, para trazer, logo em seguida, um tema relacionado ao
discurso escolar, o da determinação: “treina feito gente grande”.
O trecho da reportagem T4, do Diarinho, aproveita o gancho do que deve ter sido
notícia no jornal principal (a realização de um Festival de Circo na cidade) para expressar um
tema da esfera lúdica que representa um ingrediente importante para o aprendizado escolar: a
curiosidade. Esse tema vem estimulado por meio de figuras como “vale a pena conferir”,
“conhecer os bastidores do circo”, “artes mais antigas do mundo” e “estórias fascinantes”.
o parágrafo inicial do T11, da Folhinha, além de apresentar um discurso jornalístico
contaminado pelo discurso pedagógico (dicas são apresentadas em forma de reportagem),
enumera figuras logo identificadas como pertencentes ao discurso da brincadeira: “frasco de
xampu, pente, chuveirinho ou escova de dentes”; “vale qualquer coisa para usar como
microfone”; aquele show dentro do banheiro” e ‘pessoazinhas’ me assistindo”.
Bastante recorrentes nos suplementos infantis são os temas da superação,
determinação e disciplina, típicos do discurso da escola, que o enunciador combina com o
tema do prazer da conquista, identificado em figuras relacionadas a jogos e competições,
projetando o sentido de que o sacrifício compensa:
E a maioria também compartilha uma dificuldade: derrota em competição. O nadador
César Cielo, 20, que começou a treinar duro com dez anos, afirma que sempre foi
“difícil perder”.
Mas o “esporte é feito de vitórias e derrotas”, explica o iatista Robert Scheidt, 34,
tricampeão do Pan, que, quando menino, ficou em dúvida entre o tênis e o iatismo.
Escolheu o segundo, para sorte do país. (T12)
60
Só ressaltando: o Guilherme e o Rafael treinam
três vezes por semana e a Tatyana e o Mateus,
seis vezes! Mas como eles agüentam e de onde
eles tiram tempo para isso?!
Tatyana é muito regrada: tem o dia todo
cronometrado. [...]
“No começo era complicado, mas depois me
acostumei”, explica Rafael, que complementa: “Na verdade eu gosto muito disso”.
Também é difícil ter de recusar os convites de festas por causa dos treinos. [...]
Mateus dá uma lição de gente grande: “Para vencer é preciso dar algo mais”. (T6)
Nos dois trechos acima, o esporte serve de exemplo para expor a necessidade de
superar obstáculos na vida. Para compensar termos e expressões identificados com os
entraves, como “dificuldade”, “derrota”, “difícil perder”, “dúvida”, “agüentam”,
“complicado” e “difícil ter de recusar os convites”, são projetadas no enunciado figuras como
“a maioria também compartilha” (cujo efeito seria algo do tipo “você não é o único”),
“tricampeão do Pan” (vencedor), “sorte do país” (reconhecimento de outros), “regrada”, “dia
todo cronometrado” e “treinos” (disciplina), “gosto muito disso” (prazer), “gente grande”
(amadurecimento), “vencer” (sucesso) e “algo mais” (esforço).
O discurso da escola embutido no gênero reportagem também costuma aparecer em
trechos onde se destaca, com o auxílio de elementos relacionados a lazer, a importância da
aprendizagem (aquisição do conhecimento), identificada como a forma mais simples de
descomplicar o que parece difícil ou inatingível ou de despertar novos talentos e prazeres:
Não é só nascendo dentro do circo que se aprende a ser circense, pois a Escola
Pernambucana de Circo, no Recife, ensina muito bem aos seus alunos e alunas tudo o
que é necessário para fazer um grande espetáculo. (T4)
As crianças não só assistem às mágicas, mas também aprendem alguns truques. Dá
para fazer a maioria deles com o que se tem em casa mesmo conta o mágico, que
mostra, aqui no Globinho, uma dessas brincadeiras (veja quadro ao lado). (T13)
De “a” a “z”, escolha sua fruta preferida. Tem acerola, carambola, figo, graviola,
lichia, mangaba, pitanga, umbu... Ou seja, tem fruta para colorir todo o alfabeto. (T9)
A escola aparece figurativizada em “aprende a ser circense”, “Escola Pernambucana
de Circo”, “ensina muito bem” “alunos e alunas” no trecho do T4 destacado acima; em
“assistem” e “aprendem”, no do T13; e “de ‘a’ a ‘z’”, “colorir” e “alfabeto” das frases do T9.
Mais uma vez, o universo lúdico entra como auxiliar, com termos como “grande espetáculo”
(T4); “mágicas”, “truques”, “mágico”, “brincadeiras” (T13); “fruta preferida” e “fruta para
colorir” (T9). A lista de frutas seguida de reticências do último trecho também pode ser
relacionada ao lúdico, pois lembra a fala descontraída de vendedores de frutas ou brincadeira
61
em que é preciso dizer nome de fruta, efeito reforçado com a expressão que vem logo a
seguir: “fruta para colorir todo o alfabeto”.
A simplificação representa, pois, uma das fortes características do discurso do gênero
reportagem de cadernos infantis de jornais. Em todas as matérias analisadas, um mundo
menos complicado é projetado em temas como aquisição do conhecimento e superação de
limites. Os exemplos da tabela 10, a seguir, apontam essa projeção em matérias que abordam
temas relacionados a dificuldade, medo, falta de hábito, desinteresse, timidez, vergonha e
incapacidade, ou seja, obstáculos a serem vencidos, principalmente na infância. Na mesma
tabela, há ainda um exemplo de tempo e memória, tema que aparece nos suplementos com o
intuito de realçar a importância de espaços como museus, exposições e espetáculos diversos.
TABELA 10 SIMPLIFICAÇÃO
TEXTO
ASSUNTO TEMAS FIGURAS
T1
Empreende-
dorismo
dificuldade
aquisição do
conhecimento
ter o seu próprio negócio
crescer e ter sua própria empresa
não é só sonho, idéias ou assunto de adulto
um curso bem diferente
aulas a crianças sobre negócios
aprender sobre lucro, produção, exportação era importante para meu conhecimento
aprender sobre o mundo dos negócios nos leva a ver a vida de um modo diferente
T8
cultura erudita
medo, falta de
hábito ou
desinteresse
aquisição do
conhecimento
embarque nesses acordes (duplo sentido: acordes de música mesmo e do verbo
acordar, pois, em seguida, o enunciador diz “gente que acorda para ver música
clássica”)
‘Quem Tem Medo de Música Clássica?’
gente que acorda para ver música clássica
projeto chamado ‘Quem Tem Medo[...] clássica?’
popularizar o estilo musical
série de apresentações em quatro escolas públicas
platéia era composta de moradores da região
a turma foi chegando e se animando
fez uma breve explanação sobre quem foi Mozart, além de mostrar uma grande
cartolina com sua imagem, que logo foi colada na parede da sala
T11
Cantar
em público
timidez,
vergonha
incapacidade
superação de
limites
aquisição do
conhecimento
friozinho na barriga
não botava fé no gogó
Vale qualquer coisa para usar como microfone na hora de dar aquele show dentro do
banheiro
ótima opção para quem sente um friozinho
minha voz é bonita e afiada
o garoto, que tem uma banda
cantar é uma forma de expressar alegria
tão legal cantar no chuveiro
nada de susto se sua voz começar a desafinar
aula de música
62
T16
Museu
tempo, memória
aquisição do
conhecimento
moderno Museu das Telecomunicações
em uma cabine telefônica do século passado
conferiram telefones públicos antiqüíssimos
viram o primeiro telefone do Brasil
sala cheia de espelhos
entrar no museu parece uma viagem ao futuro
um aviso: entrar no museu parece uma viagem
vídeos com explicações sobre a história da TV, do rádio, dos computadores
vídeos [...] podem ser vistos, por exemplo, em uma esfera
T20
cuidados com o
Planeta Terra
e Dia Mundial
do Meio
Ambiente
destruição
comportamento
aquisição do
conhecimento
superação de
limites
aquecimento global, efeito estufa, poluição, falta de água e queimadas
Algumas crianças dão bons exemplos de como cuidar do nosso Planeta
existe um jeito de curtir a natureza sem esquecer que, no futuro, nós vamos precisar
dela
voluntário na escola
construiu uma horta e as crianças comem tudo o que plantam
quase tudo o que eles comem é plantado por eles mesmos
você e sua escola prepararem atividades para preservar o meio ambiente
projeto do Ministério da Educação chamado ‘Horta escolar’
trabalhar a questão ecológica com os alunos
passeio com lanche e banho de piscina
O prêmio pareceu estimular todo mundo
Além de tentar “simplificar” o mundo para seu enunciatário, o enunciador dos
cadernos infantis projeta fortemente no enunciado a idéia da superação como instrumento
fundamental para combater as dificuldades, a timidez ou a incapacidade diante dos
obstáculos:
“Aqui você aprende de tudo e pode ficar apto para um dia se apresentar em um
grande espetáculo. Mas precisa de anos de treinos”. (T4)
Mas seu comprometimento é de gente grande. “Faço aula às quintas, mas treino
todos os dias”, explica. Não é à toa que ele recebe elogios de sua regente: “O Lucas
é um menino fantástico, super esforçado”. (T8)
No tênis de mesa, um garotinho se destacou desde cedo. Hugo Hoyama, 38,
descobriu o esporte aos sete anos. E logo treinava cinco horas por dia. O técnico era
durão: “Levei broncas e castigo, mas eram merecidos. Fiquei disciplinado”.
Começou cedo demais? “Não sei, mas ter começado cedo foi importante para que
hoje eu estivesse defendendo o Brasil”, explica. (T12)
“quem tem medo do lobo mau, lobo mau, lobo mau?”. Nós descobrimos: muita
gente. Tanto é que essa figura está presente em muitos dos desenhos que vão fazer
parte de uma mostra chamada “A imagem do medo na ilustração de livros infantis
brasileiros”. [...]
E ainda há pássaros gigantes, caveiras, dragões, monstros e fantasmas [...] Prato
cheio para quem gosta de se assustar. (T15)
As crianças falam que, depois da horta, começaram a valorizar mais o que comem.
Eles fazem tudo. Plantam, colhem e mexem até no adubo. Fazem com prazer e
contam que nem ficam com nojo das minhocas e do esterco. (T20)
63
Os trechos acima servem para exemplificar como são recorrentes nos suplementos
infantis os temas que projetam de forma positiva (eufórica) a superação dos obstáculos da
vida: esforço, determinação, disciplina, comprometimento e coragem. Também sob esse
aspecto, é possível identificar pelo texto um enunciador que se coloca na posição de quem
está ali para orientar, “preparar” a criança para o mundo que a cerca.
Na verdade, simplificação da realidade e superação de limites são características
temáticas marcantes de um discurso que oscila entre os termos do par semântico prazer/dever.
Tal oscilação temática corresponde à concretização de modalidades que, no nível narrativo,
configuram o sujeito e suas ações. O sujeito modalizado pelo querer corresponderá ao ator
discursivo que age movido pelo prazer e que aparece nos aspectos lúdicos do discurso. Já o
sujeito modalizado pelo dever transforma-se no ator que tem
obrigações e precisa cumpri-las.
No caso dos suplementos infantis, figuras que concretizam o
entusiasmo e a alegria, por exemplo, são bastante significativas da
modalização pelo querer:
Mayara Marimar de Sena, 13 anos, é outra que tem
verdadeira paixão pelo circo. “Eu vou quase todos os dias para a escolinha, há três
anos, e todo mundo diz que eu sou muito boa. Já fui até chamada para fazer
ginástica olímpica e estou pensando em me especializar nisso”, comenta Mayara.
(T4)
A festa com o banho de piscina foi uma grande diversão. Mas parece que os alunos
nem trabalharam só por causa do prêmio. (T20)
“Fiz equitação para ter contato com animais, vela para aprender a respeitar a
natureza, judô para ter disciplina, futsal para desenvolver o espírito coletivo e surfe
por hobby mesmo”, lista a atleta carioca, que também praticou natação e ginástica
olímpica. Ufa! (T12)
Embora o sujeito modalizado pelo dever seja normalmente mais tenso, nos
suplementos infantis esse tipo de modalização transparece em temas e figuras que lembram
mais uma recomendação do que uma necessidade ou obrigação:
Agora, eles sabem mesmo o que deve ser feito para cuidar do nosso planeta. (T20)
Esqueça, então, palavrinhas que toda criança conhece bem, como correr, falar alto...
Afinal, nada deve tirar o brilho do espetáculo, e ainda atrapalhar a concentração dos
pais” (T4)
Mas seu comprometimento é de gente grande. “Faço aula às quintas, mas treino
todos os dias”, explica. Não é à toa que ele recebe elogios de sua regente: “O Lucas
é um menino fantástico, super esforçado.” (T8)
Larissa dos Santos Izabel, 7, investigou os nutrientes da manga. “Ela é gostosa e tem
vitamina na casca”, diz a menina, que, assim como outras crianças, precisa comer de
três a cinco porções de frutas todos os dias. (T9)
64
2.2 Discurso e argumentação nas reportagens de jornais infantis
O mecanismo de argumentação é tratado pela Semiótica como um programa de
manipulação, de modo a identificar os meios que o enunciador utiliza para conquistar a
adesão de um enunciatário:
Impulsionados por tentações e provocações, seduções e intimidações, vamos
aceitando ou recusando os contratos que definem nosso caminho e nossas ações,
moldam nossas vontades e dirigem nossos gostos, ainda que precisemos da ilusão de
que mantemos a vida sob controle. [...] Oscilamos entre manipulações de diferentes
ordens, e nossa luta não é entre o bem e o mal, o certo e o errado, como escolhas
possíveis e objetivas, mas é a luta de estar imerso em linguagem e viver no
entrechoque de redes discursivas. (TEIXEIRA, 2006, p. 150-151)
Seguindo essa linha de raciocínio, convém analisar como se dá o contrato em que o
sujeito da enunciação, desdobrado em enunciador e enunciatário, estabelece o jogo de
manipulação em que há um fazer persuasivo do primeiro e um fazer interpretativo do
segundo, ou seja, de que modo o leitor dos suplementos infantis é manipulado, considerando a
relação entre querer e dever e os investimentos semânticos do discurso.
A reportagem do Estadinho sobre maneiras de popularizar a música erudita e facilitar
o acesso a ela, por exemplo, manipula o leitor no sentido de fazê-lo entrar em conjunção com
o conhecimento, a cultura. Para isso, o enunciador o estimula pelo querer, pelo sentir prazer
na relação com a música clássica:
É exatamente essa interação uma das armas para desmistificação da música erudita,
tida como espinhosa. Além da explicação, Mariel também abre o espaço para dúvidas
da platéia: “Alguém gostaria de perguntar algo?”
Talvez seja por isso que Mateus Henrique da Silva, 13, tenha deixado de acordar mais
tarde ou algo diferente. “Eu vim jogar bola hoje, mas, como me chamaram para a
ópera, resolvi assistir”, confessa o menino.
Weverton Borges dos Santos, de 12, segue a mesma linha: “Achei legal ter vindo. É
bom porque é algo que te dá mais cultura”. (T8)
Como a reportagem mostra a relação com a música clássica como uma forma de
prazer, uma coisa lúdica, ela não apenas narra uma história, mas também manipula pelo
querer esse sujeito-leitor. Não é só a história que está sendo contada, das crianças que passam
a agir diferentemente em relação à música clássica, é também a atitude do leitor que o
enunciador quer alterar, manipular. E isso acontece com as mais diversas reportagens: é o
pensamento em relação a museus, tido como depósito de coisas velhas e inúteis, que precisa
ser alterado; o hábito de consumir vegetais com mais freqüência, que deve ser incentivado; a
leitura de livros que deve ser estimulada... Em todos os casos, a argumentação é construída
com elementos dos três discursos encontrados nas reportagens: jornalístico, pedagógico e
lúdico.
65
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4
Atualidades
Ciência
Cotidiano
Comportamento
Cultura
Super!
Globinho
Folhinha
Estadinho
Diarinho
Essa mistura de pedagogia e diversão que se ajusta ao gênero reportagem e à esfera de
circulação do jornalismo dirigido a crianças também pode ser confirmada ao se retomarem as
isotopias apresentadas na tabela 2 do capítulo sobre sintaxe discursiva no momento em que se
definiram os actantes da enunciação. Tais isotopias revelam um modo próprio de tratar temas
e figuras, um modo próprio de dizer, que tem por objetivo “orientar” a criança sobre o que
pensar a respeito do que acontece a seu redor:
Os dados da tabela 2 representados no gráfico acima confirmam a idéia de que um
gênero é formado pelas recorrências de elementos. No corpus, os suplementos Diarinho e
Folhinha apresentam mais matérias sobre comportamento, Estadinho e Globinho dão
preferência a atualidades, e Super! destaca assuntos relacionados à ciência. O recorte permite
algumas considerações a respeito do leitor previsto por cada um dos jornais e do mundo que a
ele é oferecido através das reportagens. Tal configuração do mundo, preenchida por temas e
figuras que garantam a adesão do leitor, é fator importante para o sucesso da argumentação.
Observou-se, nos exemplos, uma gradação de foco entre os suplementos: dos que se
limitam apenas a um mundo mais restrito às coisas do dia-a-dia e ao círculo familiar e escolar,
revelado pelas reportagens sobre cotidiano e comportamento, aos que ampliam os horizontes,
publicando assuntos ligados à cultura e à ciência. No meio disso tudo, há os que, de uma
forma ou de outra, colocam em discussão temas até certo ponto polêmicos, em sintonia com
seu público-alvo, e os que ressaltam a preocupação com a natureza e a economia.
Novamente, o nível de leitura (ou maturidade) do enunciatário previsto serve de
parâmetro. Ao considerar um leitor menos afinado com a leitura ou uma criança bem
pequena, o jornal apresenta mais matérias sobre cotidiano e comportamento e, ao contrário,
quando imagina um leitor maior ou com padrão de leitura mais avançado, publica mais
ISOTOPIAS
66
reportagens sobre atualidades e, a partir delas, amplia conceitos sobre comportamento, cultura
e ciência. Há os que, embora apresentem as atualidades, se limitam a isso sem aprofundar os
assuntos. Os resultados comprovam que o Diarinho se encaixa no primeiro caso, o Estadinho
no segundo e o Globinho no terceiro. Já a Folhinha e o Super! ficam mais ou menos no meio
da escala, com o primeiro mais voltado para assuntos sobre comportamento, com linguagem
mais solta e ilustrações irreverentes, e o segundo demonstrando mais preocupação com temas
da ciência e meio ambiente, complementados por um visual mais artístico.
Cada suplemento projeta para a criança um mundo segundo um ponto de vista, uns
mais restritos outros mais amplos, mas todos com a intenção de reforçar valores da sociedade
em que estão inseridos. No jornal mais voltado para o circuito familiar, como o Diarinho,
percebe-se a necessidade de realçar valores como respeito e amizade, com algumas pitadas
sobre caminhos alternativos para futuras profissões. Já o que projeta um mundo mais
complexo, como o Estadinho, tenta reforçar posições bem marcadas por um estilo de vida,
que, no seu caso, está mais voltado para o de uma parcela da sociedade mais conservadora,
com gosto refinado e erudito. A irreverência do público da Folhinha é refletida nas
reportagens, que chegam a tocar em assuntos polêmicos porque se destinam a famílias mais
liberais. Esse suplemento projeta um mundo disposto a discutir antigas idéias, mas evita ferir
suscetibilidades. O Globinho apresenta um perfil que não tem a preocupação de ampliar o
conteúdo expresso, preferindo dar pinceladas em temas da atualidade com textos quase
telegráficos muitas vezes acompanhados de imagens que ocupam quase toda a página e
oferecendo dicas rápidas, provavelmente imaginando um público mais afinado com a tv. Já o
leitor que o Super! projeta parece bem engajado nas questões de meio ambiente, economia e
ciência, além de demonstrar certa abertura em termos de relacionamento humano.
Assim, por sobre a variação temático-figurativa e os recursos sintáticos que criam os
efeitos de aproximação e afastamento entre enunciador e leitor, apresenta-se um esquema
invariante de argumentação, que se mantém em todos os suplementos analisados, no formato
de um programa de manipulação. Variam os recursos sintáticos (menos ou mais diminutivos,
menos ou mais interpelações diretas...), variam os preenchimentos figurativos (Mozart, cantar
no chuveiro, aula de música etc.), mas o esquema argumentativo é aquele de um enunciador
que, em tom entre lúdico e didático, quer convencer o enunciatário leitor a entrar em
conjunção com determinados valores. Tais valores estarão sempre associados à manutenção
da ordem institucional, do lazer permitido, da conquista pessoal.
Os suplementos infantis, sem surpresas ou rupturas, corroboram os valores e
princípios dos jornais em que se inscrevem.
67
3. PLANO DA EXPRESSÃO
Nos dois capítulos anteriores, esta pesquisa tratou de aspectos da camada mais
superficial do plano do conteúdo, o nível discursivo. O modelo teórico proposto pela
Semiótica Francesa, entretanto, aponta que: “não há conteúdo lingüístico sem expressão
lingüística, pois o plano de conteúdo precisa ser veiculado por um plano da expressão, que
pode ser de diferentes naturezas: verbal, gestual, pictórico, etc.” (FIORIN, 2005a, p. 44).
Observadas suas características expressivas, as reportagens são consideradas textos
sincréticos, por terem conteúdos expressos por uma combinação de diferentes linguagens,
como palavras escritas, fotografias, desenhos e gráficos. A organização dos elementos nas
páginas de jornais constitui-se num dos primeiros procedimentos argumentativos de que lança
mão o enunciador para atrair o público leitor. Os títulos, subtítulos, leads, legendas, fotos e
outras ilustrações prenunciam os dados e conteúdos reiterados e desenvolvidos no corpo da
matéria:
A seleção, organização e interpretação dos elementos, assim, ganham força de
argumento, ao tentar, de um lado, identificar um enunciador que, conhecendo o
enunciatário, mistura os apelos da generalização e da especialização que possam
conquistar a primeira forma de adesão, a leitura do texto; de outro lado, a força
argumentativa da concepção visual reconhece um enunciatário pronto a ceder aos
estímulos de uma paginação apelativa, e o enunciador parece abrir mão de sua
superioridade para reconhecer sua dependência da adesão do enunciatário, que
precisa ser cortejado para se ver envolvido. (TEIXEIRA, 1996, p. 173)
Os comentários de Lucia Teixeira destacados acima se referem à análise de textos de
crítica de arte publicados em revistas, mas se encaixam perfeitamente aos objetos em estudo,
reportagens impressas nas quais o enunciador também assume uma posição hierárquica
Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo...
Corro o lápis em torno
Da mão e me dou uma luva
E se faço chover
Com dois riscos
Tenho um guarda-chuva...
Se um pinguinho de tinta
Cai num pedacinho
Azul do papel
Num instante imagino
Uma linda gaivota
A voar no céu...
(TOQUINHO et alii,
1983)
68
superior à do enunciatário: assim como o crítico de arte se coloca num patamar mais elevado
que o de seu leitor, porque supostamente conhece mais as obras de arte, o enunciador dos
cadernos infantis se posiciona como portador de saberes que a criança ainda não possui:
O papel do suplemento infantil é o de interlocutor privilegiado, capaz de
diagnosticar necessidades das crianças, de orientá-las interativamente e de criar
situações favoráveis ao crescimento e à reflexão sobre a linguagem, a leitura, o
conhecimento e a cena social. (ANDI, 2002, p. 30)
Por outro lado, ao mesmo tempo em que se coloca nessa relativa posição de
superioridade, o enunciador demonstra se submeter ao enunciatário tanto no momento de
preparar a matéria, ao selecionar os termos que melhor convêm ao que pretende dizer, como
na hora de organizá-la na página, tornando-a a mais agradável possível, pois um suplemento
se torna atraente quando utiliza os recursos gráficos em afinidade com as necessidades do
público leitor. Tamanho da letra, cor, divisão de seções, apresentação de imagens, tudo isso
interfere no momento da leitura” (ANDI, 2002, p. 40).
Na produção de um impresso, a diagramação do projeto gráfico é o primeiro passo.
Dela depende a qualidade final do produto. No caso do impresso tipo tablóide (o formato do
jornal infantil), simplicidade é a palavra-chave. Antes de mais nada, o enunciador leva em
conta o que biologicamente a vista humana tende a perceber nesse tipo de publicação:
Ao juntar imagens e palavras de uma forma harmoniosa, o designer estará criando
uma estrutura para que as pessoas possam usar a informação. Se queremos que
nossos leitores sigam uma ordem, é necessário guiá-los e estar conscientes de que
eles nem sempre seguirão nossos conselhos (RADFAHRER, 2003, p. 37)
Em um tablóide, a exemplo do jornal comum, classifica-se o lado
superior esquerdo da página (nº 1 da figura à esquerda) como ZOP
zona óptica primária e, conseqüentemente, a descida na diagonal
as áreas de maior percepção visual. As outras áreas são consideradas
de menor foco visual e, por isso,
“exigem do projetista um estudo profundo para sua
valorização” (COLLARO, 2000, p. 143).
Há um consenso de que para o tablóide é conveniente que
se dividam os espaços em módulos verticais ou horizontais na
distribuição das matérias na página (figura da direita),
provocando um impacto visual que facilita a leitura: “a vida de
uma página está sempre relacionada com o número de elementos
limitados que a ela pertencem” (COLLARO, 2000, p. 142), e
esses elementos ora ficam melhor organizados no sentido vertical ora no horizontal.
Imagem: COLLARO, 2000, p. 143.
Imagem: COLLARO, 2000, p. 144.
69
A ordem em que se apresentam as manchetes, a diagramação em colunas, o tamanho e
desenho das letras, sua uniformidade ou variedade, a existência ou não de espaços em branco
e o equilíbrio estético entre eles, o tamanho e a natureza das ilustrações já indicam o tipo e
abrangência de público do jornal. Como diz Nilson Lage, as notícias são organizadas
considerando-se uma série de fatores que envolvem jornalistas e leitores:
A organização estrutural da notícia e os princípios que a norteiam não são
autônomos nem arbitrários. Na verdade, são condicionados por várias imposições
de produção e uso, em respeito a condições sociais, culturais e cognitivas. Por um
lado, os jornalistas deles se utilizam para facilitar a produção das notícias. Por
outro, os leitores aprenderam, pelo hábito de leitura de jornais, a encontrar no
esquema os sinais de que precisam para uma cognição rápida e eficiente do relato.
(LAGE, 2002, p. 190)
Como um conteúdo pode ser veiculado de diversas maneiras, ou seja, por meio de
distintos planos da expressão, vale dizer que esse conteúdo sofre alterações por dois fatores
básicos, os efeitos estilísticos da expressão e as coerções do material:
No plano da expressão verbal, esses efeitos estilísticos são, entre outros, o ritmo, a
aliteração, a assonância, as figuras retóricas de construção, etc. Quando o plano da
expressão não apenas veicula um conteúdo (como acontece nos textos informativos),
mas recria-o (como ocorre nos textos poéticos), novos sentidos são agregados pela
expressão ao conteúdo. (FIORIN, 2005a, p. 45)
As reflexões de Fiorin dizem respeito a textos poéticos, mas algumas de suas idéias
podem ser aplicadas ao gênero reportagem na especificidade de suplemento infantil, pois, ao
brincar com as palavras, aplicar cores, aumentar letras e publicar um título em posição
totalmente inesperada, por exemplo, o enunciador recria o conteúdo, produzindo novos
sentidos.
Quanto às coerções de material, vale lembrar que, no caso do jornalismo impresso, o
papel acinzentado e flexível é que serve de suporte para os textos. Como o jornal tem um
limite de espaço e textura específicos, já se tem uma idéia de que o suporte não é neutro
pois impõe uma organização e tipos de tinta, por exemplo e que o gênero não fica
indiferente a ele, pois é obrigado a se adequar às especificidades do suporte.
Os estudiosos ainda não chegaram a uma conclusão se é o suporte que determina o
gênero ou se o gênero é que exige determinado suporte. Em todo caso, Marcuschi ousa definir
o suporte de um gênero, e sua definição parece bem adequada ao presente estudo porque
comporta três aspectos (MARCUSCHI, 2008, p. 175):
a) suporte é um lugar (físico ou virtual);
b) suporte tem formato específico;
c) suporte serve para fixar e mostrar o texto.
70
Distinguir suporte e gênero não é tão simples quanto se imagina, mas Marcuschi cita
um exemplo esclarecedor:
Veja-se que o jornalismo é um domínio discursivo, ao passo que o jornal é
seguramente um suporte e que a ideologia capitalista norte-americana se oferece
como uma esfera de formação discursiva bastante nítida, sendo a reportagem
jornalística o gênero textual em questão e as seqüências narrativas internas seriam o
tipo textual dominante no caso de uma reportagem sobre a Guerra no Iraque
publicada no New York Times. (MARCUSCHI, 2008, p. 176)
Toda superfície física pode servir de suporte a um texto, como
uma árvore, uma placa ou um muro, por exemplo. Por isso, Marcuschi
(2008, p. 177) classifica dois tipos de suporte: a) convencional o que
tradicionalmente serve para portar ou fixar textos; b) incidental em
termos convencionais, não seria um suporte, mas no uso funciona como tal, como as janelas
de ônibus, nas quais se fixam cartazes, e a parte externa de vagões de metrô do Rio de Janeiro,
onde se imprimem propagandas de diversos produtos.
Dentre os suportes convencionais, Marcuschi inclui o jornal. Assim, da mesma
maneira que o jornal é suporte com qualidades físicas particulares e quando significa
jornalismo constitui um domínio discursivo, o suplemento infantil é também suporte e
discurso. É suporte porque serve para fixar textos, apresentados nos mais diversos gêneros:
notícias, reportagens, quadrinhos, dicas, cartas e desenhos de
leitores, jogos, passatempos e outros; o jornal é, então, a superfície
material em que estão publicados tais textos. Além disso, tem um
formato específico: tablóide, que, em geral, mede 38cm x 30cm,
após a dobradura de uma folha de jornal tradicional. Por outro lado,
é discurso por ser um objeto cultural que fala do mundo e o
classifica a partir de certas condicionantes históricas, em relação
dialógica com outros textos.
Nessa dupla condição, o suplemento infantil também guarda semelhanças com a
revista e a tv. Em relação à primeira, tem em comum o fato de funcionar como suporte para
publicação de informações com intervalos de tempo maiores que o do jornal. A periodicidade
semanal proporciona maior tempo para criação e montagem das páginas e permite mais
flexibilidade na criação de títulos e manchetes. A semelhança com a tv fica por conta da
abundância de imagens e cores e do uso de uma linguagem mais próxima da fala.
71
3.1 Relações entre plano do conteúdo e plano da expressão
Como em Semiótica texto é a junção do plano do conteúdo com o plano da expressão,
convém conferir como se dá essa relação, em que se produzem três tipos de sistemas:
a) sistemas simbólicos “linguagens cujos dois planos estão em conformidade total: a cada
elemento da expressão corresponde um e somente um elemento do conteúdo” (FLOCH,
2001, p. 28), como os sinais de trânsito das grandes cidades; b) sistemas semióticos
linguagens que não comportam a correspondência termo a termo, como as línguas naturais e
as linguagens não-verbais; c) sistemas semi-simbólicos sistemas significantes que se
caracterizam não pela conformidade entre unidades dos dois planos e sim pela correlação
entre categorias; extremamente produtivos no texto poético.
Para o sistema semi-simbólico, é clássico um exemplo de Greimas: o da gestualidade
do ser humano que balança a cabeça para significar afirmação e concordância ou negação e
discordância, considerado o paradigma ocidental:
Plano da Expressão (PE) Plano do Conteúdo (PC)
Movimento de cima para baixo Afirmação
Movimento da esquerda para a direita Negação
Fonte: TEIXEIRA, 2008a
Pesquisas sobre o sistema semi-simbólico foram motivadas pela observação do que os
pintores classificam como contrastes plásticos co-presença, numa mesma superfície, de dois
termos contrários de uma categoria. Esses contrastes seriam avaliados por simples oposição
binária ou por combinações e superposições.
O estudo do sistema semi-simbólico é interessante para as análises de páginas de
jornais na medida em que se tenta observar que categorias do plano da expressão podem ser
relacionadas às categorias do plano do conteúdo para que se produza o sentido esperado pelo
enunciador. Para esse estudo, devem-se levar em conta as particularidades de cada plano da
linguagem e descobrir as possíveis homologações:
Partindo da observação dos elementos significantes, é necessário encontrar, no
tratamento e arranjo das formas, cores, texturas e suas disposições topológicas, os
elementos pertinentes, suas oposições e contrastes, suas relações sintagmáticas que
permitam uma segmentação, tornando possível a análise. É certo que nem todo texto
plástico atualiza todos os elementos e possibilidades combinatórias das categorias
plásticas, mas cada texto indicará, a partir de seus elementos concretos, dos
contrastes que ressaltam, o que deve ser considerado no momento da análise.
(GOMES, 2008, p. 60-61)
72
A análise do plano da expressão de textos visuais, como pintura, fotografia ou página
de jornal, promove a descrição de seus componentes, considerando categorias específicas que
se organizam em hierarquias cujas combinações levam a numerosos efeitos plásticos:
Topológica organização espacial do texto por meio de relações de dimensão (como
grande/pequeno), posição (alto/baixo...) e orientação (frente/trás etc.);
Cromática combinação de cores que leva em conta subcategorias como tom e
luminosidade: claro/escuro, quente/frio e brilhante/opaco entre outros;
Eidética relações entre formas, do tipo: retilíneo/curvilíneo, angular/arredondado;
Matérica aspectos materiais, como tipo de suporte, emprego de tinta etc.
Os termos opositivos (unidades mínimas) dessas categorias podem relacionar-se entre
si. As relações constituem o nível superficial do plano da expressão: paradigmaticamente,
pela co-presença nos textos, formando contrastes plásticos, ou sintagmaticamente, pelas
combinações de termos das categorias, dando origem às figuras de expressão.
Uma página de jornal se apresenta como unidade formal e íntegra, submetida a um
código próprio de ocupação do espaço a ela destinado. Tida como texto sincrético, uma vez
que nela o sentido se forma pela composição de elementos de mais de uma linguagem, a
página impressa contém palavras com letras de diferentes tipos e tamanhos, fotos, cores,
formas e desenhos organizados de maneira a atrair e/ou manter a fidelidade do público leitor,
um leitor, na verdade, idealizado pelos que publicam as matérias.
Na análise de um objeto sincrético, como as páginas dos cadernos infantis de jornais,
é fundamental considerar a estratégia enunciativa que sincretiza as diferentes linguagens
numa totalidade significante. Esse sincretismo pode ser feito de modo contratual ou polêmico:
Numa página de jornal, por exemplo, a diagramação que põe em relação um
editorial, cartas dos leitores e uma charge pode justamente estar mostrando um
choque de pontos de vista; numa página em que fotografias, legendas, títulos e
reportagens narram um acontecimento, pode-se estar reiterando um sentido factual
qualquer. Nos dois casos, uma enunciação única confere ao arranjo das partes e às
múltiplas manifestações de linguagem um caráter de unidade. Rejeita-se,
preliminarmente, a idéia de que, num texto sincrético, haveria uma enunciação para
cada sistema envolvido; o que se considera é a estratégia global de comunicação
sincrética que gera o discurso manifestado. (TEIXEIRA, 2004a grifos nossos)
Objetos sincréticos são, portanto, aqueles em que o plano de expressão apresenta “uma
pluralidade de substâncias mobilizadas por uma única enunciação cuja competência de
textualizar supõe o domínio de várias linguagens para a formalização de uma outra que as
organize num todo de significação” (TEIXEIRA, 2004a). É o caso da associação da
linguagem verbal com a linguagem visual dos suplementos infantis de jornais.
73
Charlie Chaplin e Jackie Coogan
no filme “O Garoto”, de 1921.
http://pt.wikipedia.org/wiki
/Ficheiro:Chaplin_The_Kid.jpg.
3.2 Plano da expressão nas reportagens de jornais infantis
Não é muito simples agradar a um público acostumado a sentir de perto as coisas
simples da vida, a ver (ou, pelo menos, desejar ver) um mundo colorido e dinâmico. Em dois
tempos, tudo vira uma brincadeira, um sol, um castelo, como na música famosa que embala o
início deste capítulo. Aos poucos, as crianças vão crescendo, e o mundo vai descolorindo, vai
perdendo as cores, como na música e na vida, se não continuarem observando as coisas
simples que as cercam e que trazem beleza ao dia-a-dia. Mas quem disse que beleza está só
nas cores? Chaplin que o diga...
Mas é hora de voltar à pesquisa e mostrar como se manifesta o conteúdo em
reportagens dos suplementos infantis de jornais brasileiros. Nelas, procurou-se observar o
plano da expressão considerando três das categorias normalmente utilizadas em análises de
textos visuais: topológica, cromática e eidética.
A quarta categoria, a matérica, na verdade, não precisou ser analisada separadamente,
tendo em vista que o material de todos os suplementos é o mesmo, o papel jornal, que serve
de suporte para imprimir texto escrito e imagens. Portanto, quanto a esse aspecto, todos os
suplementos infantis apresentaram as mesmas características: papel resistente e maleável,
meio poroso, sem relevo e acinzentado, que, mesmo com toda a tecnologia dos dias atuais,
funciona como uma coerção no momento em que é preciso selecionar imagens e tinta a serem
nele aplicadas, tendo em vista a baixa resolução obtida.
Para compor a definição do gênero textual, o plano da expressão das reportagens dos
cadernos infantis foi observado tomando por base conceitos das análises semióticas de textos
visuais, tendo em vista a impressão que se tem diante de uma página de jornal, cuja
composição se assemelha a uma imagem, embora com certos padrões predefinidos, como já
se observou. Convém lembrar, porém, que, apesar de essa análise do plano da expressão vir
em separado, “somente a articulação com o plano do conteúdo poderá dar conta do semi-
simbolismo, dos efeitos de sentido, da práxis enunciativa que inscreve historicamente o
discurso” (TEIXEIRA, 2008a).
Levando-se em conta o público-alvo, os suplementos
infantis, em geral, não usam ilustrações que se contraponham ao que
se diz no texto escrito. Elas servem para reiterar o que se apresenta
com palavras:
Muita gente acredita que o Universo é grande demais para estarmos sozinhos, e
que pode existir vida em outros planetas. Mas, na semana passada, astrônomos
europeus descobriram um planeta que tem tudo para ter vida de verdade, pois tem
74
todo o jeitão da Terra! O exoplaneta GL581c foi encontrado pela equipe do
Observatório de Geneva em Versolix, na Suíça, com a ajuda de um telescópio
poderoso, o Harps, que fica instalado em La Silla, no Chile. Ele tem cinco vezes a
massa do nosso planeta e é por isso que já ganhou o apelido de Superterra (T17)
Há pouco mais de duas semanas pesquisadores anunciaram: foi encontrado um bom
lugar para humanos fora da Terra.
Mas ele fica a 190 trilhões de
quilômetros daqui [...]
O planeta fica fora do nosso
Sistema Solar e orbita em
volta de uma estrela anã
vermelha, que é um pouco
diferente do Sol ela é
menor e mais fria. (T14)
A descoberta de um novo planeta fora do Sistema Solar com características
semelhantes às da Terra foi alvo de matérias no Super! (T17) e no Globinho (T14). Nas duas
(imagens reduzidas e trechos acima), é evidente a reiteração do plano da expressão quanto ao
que se diz no plano do conteúdo. Em termos de diagramação da página, a reiteração que
transparece logo ao abrir a página diz respeito ao efeito de grandiosidade que se pretendeu dar
à importância da notícia: o Super! optou pela publicação na vertical para apresentar toda a
“família” do planeta Terra, que recebe o novo membro, o “irmão” como se diz no título. Já o
Globinho preferiu mostrar a grandiosidade colocando em primeiro plano e à esquerda a foto
de parte do novo planeta simulada em observatório. Ambos optaram pela cor preta no fundo
para o leitor identificar o espaço sideral e a distância entre os planetas. As fotos de pessoas,
nas duas matérias, também reiteram o que diz o texto escrito: a do Super! apresenta os
cientistas que descobriram o planeta, e a do Globinho mostra meninas escaladas como
repórteres para usar o bio-simulador do Museu do Universo, no Planetário do Rio de Janeiro,
recebendo instruções de um astrônomo, também mencionado na reportagem. No jornal
carioca, também há uma foto de um lago de gelo descoberto em Marte para reiterar o que está
escrito no box que acompanha a matéria principal, “Água em Marte”.
Essas duas matérias servem para exemplificar o que se verificou na maioria dos
jornais analisados: as ilustrações reiteram o conteúdo verbal. Embora se observe esforço dos
órgãos de imprensa em evitar um uso inadequado, há casos em que ilustrações e fotos ainda
funcionam como meros apêndices dos textos escritos, o que é reprovado por especialistas:
[as ilustrações] não estão lá para tornar ‘mais leve’ o suplemento! Na verdade, são
elementos de comunicação. O ideal seria ter ilustrações ou fotos realmente
provocativas do espírito crítico, conectadas aos textos, ao invés de páginas, hoje
freqüentes em vários suplementos, com verdadeiros mosaicos de fotos de crianças
na verdade, o espaço de vaidade dos pais e das crianças. (ANDI, 2002, p. 35)
75
Dentre os jornais pesquisados, o Diarinho e o Globinho são os que mais publicam os
“mosaicos de fotos de crianças” no “espaço de vaidade dos pais e das crianças”, perdendo a
oportunidade de estimular o “espírito crítico” que se espera de um leitor de jornal:
É evidente a intenção dos dois jornais de publicar fotos de crianças entrevistadas. Em
todas as matérias, ambos procuram dar grande destaque a elas, mesmo que, para isso, tenham
que reduzir o conteúdo, o que, no suplemento carioca, parece ser ainda mais crítico.
Em jornal impresso, legenda complementa o significado da foto, acompanhando-a,
disposta abaixo ou nas laterais, com caracteres diferentes do utilizado no texto principal. Não
vale repetir na legenda o que é óbvio na foto, e sim complementar o sentido, mas isso nem
sempre é seguido. Outra orientação de especialistas diz respeito ao cuidado que se deve ter ao
preparar legenda. Observe-se o exemplo que acompanha a foto de uma menina em close no
Diarinho: “Júlia Nery, 12 anos, ouvia o pai falando de coisas de ‘negócios’: ‘agora entendo
bem. Quero ter o meu negócio quando crescer’” (T1). Como a matéria é sobre
empreendedorismo, era de se esperar que a palavra “negócio” aparecesse, mas “coisas de
negócios” é uma expressão inadequada, porque redundante. Além disso, sobrenome e idade
da menina não são itens essenciais na legenda; como já constam do corpo da matéria, não
complementam a reportagem.
Além de foto, ilustrações diversas fazem parte do contexto de um
tablóide, principalmente quando se tem crianças como público. Uma
ilustração a traço, por exemplo, pode trazer leveza à página. O bom
gosto e o posicionamento correto de uma ilustração na página facilitam
bastante a leitura.
Enfim, a diagramação de um tablóide leva em consideração itens importantes para
qualquer tipo de jornal: “o aproveitamento do texto, o destaque, a atração, a forma, a estética,
conjugando o conteúdo com a apresentação gráfica” (COLLARO, 2000, p. 160).
76
3.2.1 Categoria topológica
A posição dos elementos na página constitui um dos aspectos pelos quais os
suplementos infantis de jornais tentam, de vez em quando, deixar a tradição de lado. Embora
a maioria continue publicando títulos no alto da página, como a do exemplo do Super! abaixo
à esquerda (T18), alguns já ousam posicioná-lo de diversas maneiras, principalmente a
Folhinha, que, a cada semana, tenta inovar, como no exemplo da direita (T11):
A irreverência da Folhinha é reflexo do tipo de público que o órgão pretende atingir,
representado por filhos de enunciatários “descolados” (como Fiorin classifica artistas,
professores universitários e outros), com interesses variados, consumidores de todas as
manifestações culturais, entre elas as alternativas, que não se informam apenas pelos jornais e,
por isso, não dedicam muito tempo a sua leitura, pluralistas para quem o mundo é objeto de
contemplação (FIORIN, 2008b, p.156, e 2004b).
Em cima, embaixo, no meio, onde quer que esteja, o título tem sempre jeito de título,
qualquer leitor o identifica. Esse elemento que prepara, facilita e desperta interesse para a
leitura do texto completo, o enunciatário o percebe pelo destaque na página, marcado
principalmente pelo tamanho das letras, que é maior que o da fonte adotada para os subtítulos
e maior ainda que o do texto escrito comum.
A posição e a orientação das formas e do movimento no espaço foram aspectos
observados durante a pesquisa. Nos suplementos infantis de jornais, consideraram-se os
seguintes pares relativos à categoria topológica: alto vs baixo, central vs periférico, superior vs
inferior, esquerda vs direita, chapado vs profundo, englobante vs englobado e dinamicidade vs
estaticidade. Esta última subcategoria é tensiva na comparação com as demais, feitas de
pontos fixos. É ela que dá ritmo à organização espacial.
A análise topológica dos suplementos infantis permitiu comprovar o conceito de que
gêneros são tipos de enunciados relativamente estáveis (FIORIN, 2006, p. 61), pois os pares
superior vs inferior e esquerda vs direita, além do central vs periférico foram os mais
77
encontrados, confirmando o padrão definido para publicação de reportagem. A tradição foi
especialmente tensionada pelo par dinamicidade vs estaticidade, registrado principalmente na
Folhinha, que, a cada edição, procura inovar posicionando elementos em diversos pontos da
página, como já se viu em relação ao título.
As classificações superior vs inferior e esquerda vs direita, combinadas, confirmam a
orientação ocidental de leitura, que parte de cima, da esquerda para a direita até chegar
embaixo. Os títulos, em sua maioria, ainda ficam em cima, iniciando na esquerda, como nos
jornais de adultos. Na Folhinha e no Estadinho, há, na margem superior, um sobretítulo
diferente a cada edição (uma palavra-chave), enquanto no Globinho esse item se refere ao
nome da seção (“capa”, no caso do tipo de reportagem em estudo, pois diz respeito à matéria
com manchete principal na capa); os demais não publicam esse elemento.
Os subtítulos vêm logo depois do título, e o corpo da matéria
segue em colunas partindo da esquerda, de cima para baixo, como
manda a tradição jornalística. O texto principal, às vezes, é
entrecortado por trecho pinçado do próprio corpo da matéria, o que,
no jornalismo, é chamado de “olho” para dar destaque a algo a ser
veiculado. Este recurso é mais utilizado pelo Estadinho, que projeta
um enunciatário mais habituado à leitura.
No centro da página, predominam as imagens, ou seja, o mais comum, por se tratar de
página dupla, é publicar a imagem principal na região central e textos escritos na periferia
(central vs periférico), como a do Estadinho abaixo à esquerda (T8), embora em alguns casos
tenha ocorrido o contrário, como a do Diarinho (T4), à direita:
A matéria do Estadinho é o exemplo de diagramação mais comum para reportagens de
destaque dos suplementos infantis: a imagem central reitera com veemência o plano do
conteúdo, mas é o texto escrito que abre a página. A palavra “acordes” do título é confirmada
pelo movimento dos braços da maestrina, pelas notas musicais desenhadas no alto da página,
pelas partituras e pelo movimento dos músicos tocando violino. Os complementos vêm em
78
blocos de textos à direita e no pequeno box que “invade” o espaço da ilustração do meio. Já a
diagramação da página do Diarinho que serve de exemplo é menos comum em jornais
infantis: o texto principal fica no meio da página dupla enquanto os outros elementos são
distribuídos ao redor. Mesmo sendo diferente, essa composição também tem por objetivo
reiterar o tema do plano do conteúdo. O astral de um circo vem reforçado no traço do desenho
da ilustração principal em tons bem alegres, nas fotografias das crianças em movimento e na
inclinação dos blocos do texto escrito ao centro.
Um caso curioso relacionado à
categoria topológica ocorre em uma das
reportagens do Globinho (T16, imagem
reduzida ao lado). Embora ainda
organizada na horizontal, como a maioria
das matérias em análise, a página sobre o
Museu das Telecomunicações ganha ar
futurista ao apresentar os elementos em
posições nada convencionais: as ilustrações iniciam com a foto principal vinculada a um
enorme desenho de um fone à esquerda por um símbolo, bem comum em histórias em
quadrinhos, que lembra a fala num balão com o texto correspondente. Supõe-se, então, uma
leitura a partir da foto em destaque e dali para a esquerda e, depois subindo, como se estivesse
girando. Seguindo uma linha imaginária para cima e da esquerda para direita, há uma
seqüência de fotos e legendas unidas por um fio até a margem direita da página, de onde se
desce na vertical por uma série de fotos de celulares ligadas, na ponta à esquerda, a um box da
margem inferior. A ordem das ilustrações e legendas funciona, então, como um disco antigo
de telefone, no sentido horário. Já o texto principal aparece no meio da página, como se
estivesse dentro do disco, e com uma diagramação em bloco de colunas também futurista,
tombando para a esquerda, acompanhando a foto principal, título e subtítulo. Vale dizer que
toda essa organização diferente vem reiterar o tema principal observado no plano do
conteúdo, no qual se destaca a modernidade das instalações do museu, local normalmente
vinculado a coisas antigas.
Na comparação entre todos os jornais selecionados, o Estadinho pareceu ser o mais
conservador em termos de apresentação topológica, um reflexo da imagem que o enunciador
tem do enunciatário que pretende conquistar, de uma classe social mais tradicional e
habituada à leitura. Neste caso, a organização das páginas infantis segue o padrão do
jornalismo impresso para adultos, com recursos mais discretos que os dos demais veículos.
79
3.2.2 Categoria cromática
Cores, muitas cores... Se há algo que evidencia os cadernos infantis em comparação
com os demais suplementos encartados em jornais são os componentes da categoria
cromática. As cores constituem recurso valioso quando se trata de conquistar o leitor mirim:
As cores também são grandes aliadas na formatação de suplementos para crianças. É
importante que um caderno tenha riqueza de cor. Entretanto, as escolhas e a
utilização devem seguir uma linha harmoniosa que não dificulte a leitura. O uso de
cores muito fortes ou a mistura de muitas cores pode ser desagradável, “cansar” a
leitura. (ANDI, 2002, p. 40)
Há cores para todos os gostos, em fotos, ilustrações, fonte de títulos e subtítulos, fios
que dividem pequenas matérias, boxes etc. Mas uma variação já pode ser considerada padrão
no jornalismo infantil, a cor que destaca as palavras-chave no título:
O destaque com cor nas palavras-chave funciona como grande auxiliar da leitura, pois
evidencia o assunto principal da matéria, facilitando a compreensão do que vem a seguir.
Trata-se de um elemento bem característico do gênero reportagem do discurso de jornais
infantis recomendado por especialistas (ANDI, 2002, p. 41).
A avaliação da categoria cromática dos suplementos levou em consideração as
combinações entre cores, classificando-as segundo pares comuns em análise de textos visuais:
claro vs escuro, preto-e-branco vs colorido, monocromático vs colorido, brilhante vs opaco,
contraste vs sem contraste e saturado vs não-saturado.
Provavelmente pela coerção exercida pelos padrões jornalísticos, o par preto-e-branco
vs colorido foi o que mais se registrou como oposição cromática. Esse tipo de veículo
impresso, em geral, se aproveita do bom contraste que o preto provoca em contato com a
superfície do papel branco acinzentado do jornal. Na maioria dos textos analisados, o preto-e-
branco predomina na área destinada ao texto da matéria em si e o colorido fica por conta de
títulos e subtítulos, quando se leva em conta apenas a parte escrita. Quanto às ilustrações, o
predomínio é, sem dúvida, do colorido.
80
Há casos em que, mesmo a página tendo fundo colorido, o enunciador publica blocos
de fundo branco nos quais inclui o corpo da matéria com letras pretas, como no exemplo do
Diarinho a seguir, à esquerda (T1). Em geral, porém, as reportagens dos suplementos infantis
mantêm para o texto principal o fundo branco ou de cor clara e as letras pretas, como a do
Estadinho no exemplo do meio (T6). Também se utiliza a oposição preto-e-branco vs colorido
quando o fundo tem papel significativo na matéria, como no texto do Super! sobre o planeta
recém-descoberto, no qual se intenciona apresentar o espaço sideral com a cor preta,
provocando um efeito de sentido de profundidade ou distância; neste caso, ocorre o contraste
oposto ao habitual, com as letras na cor branca sobre fundo preto, deixando o colorido apenas
para as ilustrações, conforme exemplo da direita (T17):
Quando se considera a página como um todo significante, o par claro vs escuro
também funciona como importante elemento de contraste. Os espaços vazios são
representados pela ausência de tinta, mantendo como fundo a própria cor do papel jornal, ou
cores bem claras ou o contrário, cor bem escura de fundo com elementos mais claros na
frente. Como nada é aleatório, utiliza-se o contraste para produzir os mais diversos efeitos de
sentidos. Entre um bloco de texto e outro ou entre ilustrações e texto escrito, os vazios
também significam algo logo evidenciado, como o espaço dos planetas na matéria do Super!
citada acima, ou servem para dar maior leveza à página. Por apresentar um conteúdo escrito
bem menor que o dos demais, o Globinho foi o suplemento que mais trabalhou com os vazios:
81
No exemplo da esquerda, o corpo da matéria, box e ilustrações estão projetados em
fundo que mantém a cor original do papel jornal. Os espaços em branco têm o propósito de
compor um disco imaginário na página, como já explicitado no item anterior. Já o exemplo da
direita faz o contraste de elementos nas cores branco e vermelho sobre um fundo preto que
ocupa todo o espaço vazio da página. Esse espaço não é aleatório, tem um significado: o de
representar a imensidão do universo onde o planeta Terra se encontra.
As cores também são usadas com o objetivo de reiterar o que se estabelece no plano
do conteúdo. Duas matérias sobre um mesmo assunto, os Jogos Pan-Americanos 2007,
servem de exemplo para identificar o enunciatário que cada jornal projeta nas reportagens:
O clássico preto-e-branco da matéria do Estadinho (T6), à esquerda, é quebrado
apenas por alguns tons vermelhos no título e detalhes de fotos. Até as roupas brancas que as
crianças entrevistadas usam mantêm o tom sóbrio da página, o que revela a intenção de
manter um público mais tradicional como leitor, um enunciatário que aprecia esportes menos
populares, como esgrima e tênis. Já a reportagem da Folhinha (T12), à direita, projeta um
enunciatário bem diferente, marcado não só pelos desenhos espalhados pela página, mas
também pela variedade de cores em título, subtítulo, entretítulos, boxes e ilustrações. As
cores, mais uma vez, reforçam o conteúdo da matéria, que se refere a atividades de atletas
quando crianças, mas num tom de brincadeira.
82
3.2.3 Categoria eidética
Alguns periódicos, muitas vezes, utilizam um elemento único
na capa. Este é o caso da maioria dos cadernos infantis de jornais
brasileiros, que exibem na primeira página um elemento que
sintetiza todos ou, pelo menos, o assunto considerado mais
importante da edição. Fotos ou ilustrações são os recursos mais
comuns nesse tipo de apresentação, com manchetes e leads
correspondentes.
A diagramação de páginas internas sofre influência das
formas das capas. Os editores, geralmente, utilizam três colunas
na primeira e na última página e quatro nas páginas internas ou vice-versa. Para alcançar
efeitos interessantes, o enunciador dá tratamento especial às páginas centrais, alvo deste
trabalho: “essas páginas são tratadas em dupla, e não como páginas individuais” (COLLARO,
2000, p. 151).
Nas páginas do meio do tablóide, o diagramador solta a
criatividade, mesmo com as limitações de formato e técnica.
Essas páginas são as que exibem a principal matéria da edição.
Assim como a organização e as cores, as formas dos elementos
de uma página também constituem recursos para destacar os
temas escolhidos e seduzir o leitor. Este, assim que pega o
jornal, logo identifica um par da categoria eidética bem comum
no dia-a-dia, vertical vs horizontal: a página simples
normalmente é montada na vertical, enquanto a página dupla é
diagramada como se fosse uma única e, por isso, na maioria das
vezes, na horizontal. Dentre os suplementos infantis analisados,
o Super!, de
Brasília, parece ser o mais ousado ao
considerar a página dupla como um todo
significante, ora publica a reportagem na
horizontal, ora em formato vertical, mas
quase sempre como um objeto artístico.
No exemplo da esquerda (T17)
acima, o formato vertical é contrastado com os blocos horizontais de texto escrito e a única
83
foto, também na horizontal. A organização da página na vertical foi a forma encontrada pelo
enunciador para listar os mais diversos astros conhecidos do Universo, ordenados de acordo
com a proximidade do sol. Outras formas saltam aos olhos nesse primeiro exemplo de
categoria eidética: as formas arredondadas dos astros sobre a página retangular. Tal contraste
produz o efeito de projetar para frente as imagens dos planetas, que ainda são exibidos
conforme outro par opositivo, maior vs menor, pois as imagens foram publicadas com
tamanhos proporcionais aos do mundo real.
O segundo exemplo, também do Super! (T20), diz respeito a uma página dupla
diagramada em padrões tradicionais, na horizontal. Para dar um toque artístico à impressão,
foram utilizadas ilustrações que lembram folhagens para emoldurar a página, como se fosse
um quadro. Também são horizontais: a faixa do subtítulo, abaixo do título, o bloco que
contém o lead da reportagem, logo após o subtítulo, e a foto da direita. A horizontalidade é
contrastada por alguns elementos na vertical, proporcionando equilíbrio ao “ecossistema” da
página: uma enorme figura de folha à esquerda (levemente inclinada), uma fotografia no
centro e o formato dos blocos de texto em colunas onde se encontra o corpo da matéria.
O sentido de leitura (da esquerda para a direita, de cima para baixo) é sempre levado
em consideração, para não comprometer o entendimento da mensagem veiculada, já que o
público-alvo é composto de crianças, ou seja pessoas que estão iniciando o hábito de leitura.
As fotos também costumam ser apresentadas na vertical ou na horizontal, de acordo com os
propósitos do enunciador (efeitos estilísticos) ou recorte que precisa ser feito para que caiba
na página (coerções do material). A ação a ser destacada pela foto é que costuma orientar a
forma pela qual ela deve ser publicada. Na reportagem sobre os planetas, por exemplo, a foto
do início está na horizontal porque, além de fazer contraste com o formato da página, precisa
apresentar os dois cientistas que seguram uma imagem na horizontal. Já na reportagem sobre
os cuidados com o planeta, à direita, a primeira foto vem na vertical, pois pretende apresentar
ferramentas que crianças usam na horta escolar, além de exibir tanto a criança que está
agachada na frente quanto as que estão em pé atrás. A verticalidade desta foto também indica
um movimento das ferramentas de cima para baixo, em direção à terra a ser tratada. A foto da
direita é marcada pela horizontalidade com o intuito de exibir o movimento de lavagem das
mãos da menina, mas registra a verticalidade da água que cai da torneira, para onde se voltam
os olhares das outras crianças que aparecem em segundo plano.
Nas reportagens em estudo, maior vs menor representa o par mais marcante da
categoria eidética. Não se sabe se isso reflete o fato de a criança estar sempre se comparando
com alguém ou algo, ou seja, ora se achando grande ora pequena. O certo é que os
84
suplementos infantis de jornais gostam de “brincar” de maior ou menor. Na verdade, as
reportagens seguem padrão estabelecido para destaques: letras e imagens maiores representam
os elementos que o enunciador considerou mais importantes no momento em que preparou a
matéria, sempre com o objetivo de convencer o enunciatário sobre a verdade que enuncia.
Na reportagem sobre o Pan 2007 (T6), o
Estadinho realça as palavras-chave do título
com letras cuja fonte é maior que a do restante
da matéria. Além disso, dá destaque, pelas
fotografias, a esportes não muito populares,
principal assunto da reportagem. Na
comparação das fotos entre si, as duas de lutadores de esgrima foram editadas em tamanho
maior que o das demais, o que reflete a importância que se deu a essa modalidade esportiva
no corpo da matéria, projetando um público de gosto mais refinado.
Outro par da categoria eidética que
sobressai nas reportagens, reiterando o
conteúdo, é o curvilíneo vs retilíneo, que foi
encontrado em todos os jornais em estudo. As
duas formas foram empregadas de diversas
maneiras, mas em algumas matérias deram um
ar lúdico à página.
Para confirmar a tendência de misturar o discurso jornalístico com o da escola e o da
brincadeira, no exemplo acima, a Folhinha aborda o assunto do Pan 2007 (T12) de um jeito
mais leve que o do Estadinho. E essa leveza pode ser constatada não só pelo texto escrito,
que traz depoimentos de atletas contando como eles eram na infância e o que os levou a seguir
o esporte como profissão, mas também pelas formas curvilíneas e retilíneas. Ambas estão
distribuídas por diversos pontos da página, mas no desenho da esquerda as duas parecem mais
marcantes: um enorme círculo, figura que sempre lembra bola (um dos brinquedos preferidos
da garotada), um sol ou o mundo a girar, serve de fundo para uma criança de pernas para o ar
dando voltas num trepa-trepa, brinquedo comum em pequenos parques, praças ou play-
ground, composto de vários tubos retos que, montados, lembram quadrados sobrepostos.
Por outro lado, quando há intenção de dar um tom mais sério à página, a preferência
recai na forma retilínea. É o que se pôde observar, por exemplo, na matéria que conta detalhes
sobre a exposição, a vida e as descobertas de Darwin, publicada pelo Estadinho (T7), cuja
imagem reduzida encontra-se reproduzida a seguir.
85
Confirmando sua tendência de publicar
matérias para crianças num padrão mais próximo
do jornalismo para adultos, o Estadinho apresenta
a reportagem sobre Darwin no formato
horizontal, considerando-se a página como um
todo. Concentrando um pouco mais o olhar,
observam-se as partes e conclui-se que blocos horizontais e verticais de texto escrito
entremeados de fotografias também na horizontal ou vertical lembram um quebra-cabeça ou
álbum de figurinhas. A seqüência de quadrados e retângulos indica que a linha reta foi a
forma escolhida para expressar a seriedade das descobertas de Darwin na viagem que
revolucionou os estudos sobre a evolução das espécies.
Efeitos interessantes também são obtidos
quando se encaixa uma matéria inteira no par
côncavo vs convexo. Na reportagem do Super!
sobre o Projeto Tamar (T19, imagem reduzida ao
lado), por exemplo, a ilustração de uma tartaruga
gigante toma toda a página dupla. Fora da
tartaruga (convexo), no mar que serve de fundo, à esquerda encontram-se o título, o subtítulo
e os parágrafos introdutórios, e à direita, o texto que funciona como um box tradicional do
jornalismo. Dentro do corpo da tartaruga (côncavo), expõe-se a parte principal da matéria e as
respectivas fotos.
Outros pares da categoria eidética chegaram a ser enumerados durante a pesquisa:
horizontal vs diagonal, vertical vs diagonal, arredondado vs pontiagudo, retangular vs
redondo, aberto vs fechado, homogêneo vs heterogêneo, uniforme vs multiforme. Os
resultados, porém, não se mostraram significativos para este trabalho.
Em todo caso, pelo que se pôde depreender das análises sobre o plano da expressão, a
Semiótica Francesa tem muito a contribuir para os estudos sobre gênero textual, sintetizados
no próximo capítulo.
86
4. GÊNERO TEXTUAL
Além da observação do eu e do tu que constituem o sujeito, do tempo e do espaço da
enunciação, do sentido que isso tudo ganha no discurso e do exame da organização expressiva
do enunciado, outro elemento impõe coerções à maneira de se transmitirem informações: o
próprio gênero escolhido. Essa escolha, que não é aleatória, contribui não só para a definição
dos sujeitos envolvidos mas também para a produção dos sentidos veiculados. Isto porque
“quando dominamos um gênero textual, não dominamos uma forma lingüística e sim uma
forma de realizar lingüisticamente objetivos específicos em situações sociais particulares”
(MARCUSCHI, 2008, p. 154).
As situações sociais particulares a que Marcuschi faz referência dizem respeito ao que
Bakhtin classifica como esferas de atividades através das quais os seres humanos se
relacionam: as da escola, igreja, trabalho, amizade etc. Em cada uma dessas esferas, as
pessoas utilizam modos de dizer diferentes na forma de enunciados, determinados pelas
condições e finalidades específicas. Diz Fiorin que “cada esfera de utilização da língua
elabora tipos relativamente estáveis de enunciados” e que “os gêneros são, pois, tipos de
enunciados relativamente estáveis” (FIORIN, 2006, p. 61).
Textos de todos os gêneros são constituídos de seqüências classificadas segundo um
modo de organização estrutural, um tipo de texto. E um texto pode conter seqüências
narrativas, descritivas ou outras.
- Trago a carta dum ilustre marquês. Ei-la.
Narizinho tomou a carta e leu:
Pesso-vos-lhe perdão da minha kovardia. Tom
Mix stá aqui amolando a fhaca pra me matar.
Tenha ddó deste infeliz, que se assina, com
perdão da palavra, criado brigado
RABICO.
-O estilo, a letra, a ortografia e a gramática é
tudo dele! Este bilhete corresponde a um
perfeito retrato de Rabicó ou Rabico, sem
acento, como ele se assina. Grandíssimo patife!
(LOBATO, 1931, p. 43)
87
Entre os teóricos mais recentes, não há divergência quanto à denominação gênero
textual, mas o mesmo não se pode dizer a respeito das outras classificações. De qualquer
forma, para chegar à classificação dos gêneros, convém entender os demais conceitos. Após
analisar idéias de estudiosos como Patrick Charaudeau, Bakhtin e Marcuschi, Helênio
Oliveira chegou à conclusão de que a tipologia textual necessita de pelo menos dois critérios:
a) um estritamente textual referente à estrutura do texto: descritivo, narrativo, argumentativo
e outros; b) um situacional associado à situação comunicativa em que é produzido e
interpretado, dentro de um ramo da atividade humana, uma das esferas mencionadas por
Bakhtin: jornalística, jurídica, literária, empresarial etc.; mas, em seus estudos, ainda destaca
um terceiro critério, considerado um detalhamento do segundo, que trata o texto como: c) um
produto cultural classificação na qual se encaixariam os gêneros, como a reportagem em sua
variação para suplemento infantil, que representa um produto da esfera jornalística.
No primeiro critério, incluem-se os que Charaudeau chama de modos de organização
do discurso e Marcuschi, de tipos de textos, mas Oliveira prefere a denominação modos de
organização do texto. No segundo, encaixam-se os que Charadeau classifica como tipos de
textos, e Marcuschi e Oliveira, de domínios discursivos. Para o terceiro critério, os três
pesquisadores adotaram, para o que Bakhtin chama de gêneros discursivos, uma mesma
nomenclatura: gêneros textuais (tabela 11).
TABELA 11
CLASSIFICAÇÃO DE TEXTOS
CHARAUDEAU (1992)
Adaptado por OLIVEIRA (2003)
MARCUSCHI (2002) OLIVEIRA (2004)
Modos de organização do discurso:
descritivo
narrativo
argumentativo
enunciativo
Tipos de textos:
descritivo
narrativo
argumentativo
expositivo
injuntivo
Modos de organização do texto:
descritivo
narrativo
argumentativo
expositivo
enunciativo
injuntivo
Tipos de textos:
jornalístico
literário
publicitário etc.
Domínios discursivos:
jornalístico
literário
publicitário etc.
Domínios discursivos:
jornalístico
literário
publicitário etc.
Gêneros textuais:
Cada tipo tem seus gêneros
Gêneros textuais:
Cada domínio discursivo
tem seus gêneros
Gêneros textuais:
Cada domínio discursivo
tem seus gêneros
Fonte: OLIVEIRA, 2004, p. 188
88
Cada gênero pode se desdobrar em subgêneros: “as várias categorias de notícias são
subgêneros do gênero notícia, o mesmo se podendo dizer das diversas variedades de contos,
romances, poemas, relatórios, piadas, receitas culinárias etc.” (OLIVEIRA, 2004, p. 184).
Essas classificações representam uma fase significativa dos estudos lingüísticos, mas,
hoje em dia, os pesquisadores não estão mais tão preocupados com as denominações
propriamente ditas, pois elas estão praticamente sedimentadas. Atualmente, a preocupação se
volta para a tarefa de explicar como os gêneros se constituem e circulam socialmente
(MARCUSCHI, 2008, p. 159). Em todo caso, para este trabalho, optou-se pelas
denominações sugeridas por Marcuschi (coluna em realce na tabela 11).
Assim como Oliveira diz que os modos de organização do discurso (tipos de textos,
para Marcuschi), na verdade, são classificações de textos com predominância de um ou outro
modo (tipo), pode-se dizer que os gêneros também recebem determinada denominação por
apresentarem predominância de características de um ou outro discurso identificadas no texto
e/ou pelo texto. Nessa linha, a Semiótica Francesa pode ajudar a esclarecer alguns pontos, a
começar pelo fato de fazer distinção entre texto e discurso: como já se demonstrou nos itens
anteriores, texto é a junção de um plano do conteúdo com um plano da expressão, e discurso
diz respeito à camada mais superficial do plano do conteúdo. Por esta razão, a denominação
“gênero textual” (e não gênero discursivo, como previa Bakhtin) parece mais adequada.
Como os gêneros estão intrinsecamente relacionados à manifestação lingüística, para esta
pesquisa foi considerado o nível discursivo do plano do conteúdo, mas se procurou
complementar o estudo com a observação do plano da expressão.
4.1 Tipos de textos
Os tipos refletem os modos como os textos são organizados. Um texto nunca é
puramente narrativo ou descritivo, por exemplo. Na verdade, um texto escrito é constituído de
seqüências, que podem ser narrativas, descritivas ou outras. Um texto é considerado narrativo
quando apresenta predominância de seqüências narrativas e não exclusividade desse tipo.
Vale ressaltar que o tipo dominante, num gênero, faz parte de sua estrutura composicional. É
possível também um tipo ser usado a serviço de outro: uma descrição, por exemplo, pode ser
inserida para enriquecer a narração ou a argumentação, sempre dentro dos limites do gênero:
A começar pela entrada, uma sala cheia de espelhos. Já dentro do local, onde cada
um recebe um fone de ouvido, os visitantes encontram vídeos com explicações sobre
a história da TV, do rádio, dos computadores, entre outros. Mas estes vídeos nem
sempre são projetados em telas. Eles podem ser vistos, por exemplo, em uma esfera,
como a que está na capa deste Globinho. (T16)
89
Para convencer o leitor de que o Museu das Telecomunicações é um local interessante,
o enunciador faz uso de uma seqüência descritiva, com detalhes sobre o que é possível
encontrar no espaço das exposições. O texto completo é predominantemente narrativo, mas
tanto a narração quanto a descrição são usadas como instrumentos de persuasão.
Assim como a matéria do Globinho sobre o Museu, a maioria (quase totalidade) das
reportagens publicadas nos suplementos infantis são textos predominantemente narrativos,
como era de se esperar por ser um gênero muito parecido com a notícia, cujo principal
objetivo é narrar acontecimentos.
Segundo Fiorin, o texto narrativo tem as seguintes características: a) é figurativo (ou
seja, há predominância de figuras); b) mostra transformações de estado; c) apresenta
concomitância, anterioridade e posterioridade entre os episódios relatados. Ele também
ressalta que as relações temporais são essenciais, nesse tipo de texto, pois, para compreender,
o leitor precisa reconstituí-la, precisa saber o que aconteceu antes, ao mesmo tempo e depois
(FIORIN, 1991, p. 37):
dois anos foi implantada uma horta na escola. Alface, couve, mandioca,
rabanete, berinjela, quase tudo o que eles comem é plantado por eles mesmos.
Muitos, como Anderson Santos, 12 anos, nem gostavam de verduras e legumes. O
menino conta que, antes da horta, não comia nada disso. Mas, depois que começou a
plantar esses alimentos, passou a gostar deles. Hoje não dispensa nada e até levou
para casa o hábito. (T20) grifos nossos
O trecho da matéria do Super! tenta estimular as crianças a terem comportamento
responsável em relação ao meio ambiente e criarem o hábito de se alimentar com produtos
naturais. Os termos destacados registram as relações temporais tão importantes para a
narração. Por esses termos, é possível traçar uma linha do tempo e, a partir dela, observar a
transformação por que passam as crianças mencionadas na reportagem, que antes não tinham
hábito de comer determinados legumes e que, depois de cultivarem a horta, passaram a comer
de tudo. O texto é também figurativo, pois para tratar o tema da mudança de hábitos são
utilizados diversos termos concretos, como horta, escola, alface, couve, mandioca, rabanete,
berinjela, Anderson Santos, verduras, legumes, menino, alimentos e casa.
No caso dos suplementos infantis, os textos narrativos, na verdade, quase sempre estão
a serviço de uma argumentação, pois se procura passar algum ensinamento, uma moral. Há,
porém, textos predominantemente argumentativos, como o da reportagem do Diarinho sobre
filhos adotivos, em que a narração só aparece para reforçar a tese contida no trecho inicial:
Amanhã é o segundo domingo do mês de maio, quando comemoramos o Dia das
Mães. Mas, para você, o que significa a palavrinha MÃE? Se for até um dicionário
mais novo, verá que significa “fêmea que pariu” ou “uma pessoa cheia de gentileza”.
90
Qual é a melhor definição, então? O Diarinho caiu em campo e foi conferir. Depois
de ouvir mais de 10 mães e crianças, escolhemos a segunda opção, porque o que
vale mesmo é o amor que uma mãe sente pelo seu filho ou filha, e não saber se saiu
ou não da barriga. Afinal, você já deve ter visto vários filminhos que contam a
estória de uma criança ou animal que perdeu a mãe biológica e foi criado com muito
amor por outra família. (T2)
A reportagem sobre o Dia das Mães apresenta características típicas de um texto
argumentativo, no qual o enunciador busca a adesão do leitor com a preocupação de parecer
objetivo e lógico para persuadir. A declaração inicial (primeira frase do parágrafo) serve de
ponto de partida para que o enunciador dê suas explicações a respeito do que é ser mãe. Com
uma interrogação, procura estimular o leitor a participar da discussão, e, em seguida, enumera
as razões para comprovar sua tese de que ser mãe é muito mais do que gerar filhos. Para
comprovar o que diz, recorre a várias figuras: dicionário, fêmea, pessoa, mãe, filho, filha,
barriga, filminhos, estória, criança, animal, mãe biológica e família. Essa argumentação é
tida como demonstrativa.
Além desse tipo, a análise dos suplementos permitiu observar matérias com a forma
mais comum de argumentar, pela retórica:
Ter o seu próprio negócio não é mais sonho, idéias ou assunto de adulto. Nos
tempos competitivos em que estamos vivendo, é interessante você entender que
muita gente grande prefere ganhar dinheiro montando seu próprio negócio. E saiba
que isso não é fácil, exige conhecimento, e muita determinação. É claro que, sendo
criança, a sua única preocupação deve ser brincar e estudar, mas pensar no futuro e
criar fantasias com ele também é legal. (T1) grifos nossos
Para mostrar que ter o próprio negócio é interessante, o enunciador do Diarinho inicia
a reportagem com um trecho recheado de termos abstratos, como os assinalados acima. Esses
termos compõem a tese a ser defendida com os argumentos na continuação do próprio
parágrafo inicial e no restante da matéria.
Mas não é só nos textos argumentativos que o enunciador expõe suas idéias. Em
qualquer tipo de texto estão presentes os pontos de vista de quem o elabora. Diz Fiorin que
diferente em cada tipo de texto é o modo como o produtor apresenta suas perspectivas:
Na descrição, o ponto de vista é manifestado, entre outros, pelos aspectos
selecionados para serem descritos e pelos termos escolhidos. Nela, o produtor
transmite, por exemplo, uma visão positiva ou negativa do que está sendo descrito.
Ao descrever uma grande cidade, pode apontar as oportunidades de crescimento
profissional e cultural que ela oferece [...] Na narração, um dos meios eficientes de
manifestar uma posição é a contraposição das ações das personagens. Dessa forma,
o narrador mostra quem é o vilão e quem é o herói, que ações ele condena e que
ações considera elogiáveis [...] No texto expositivo, o autor manifesta seu ponto de
vista ao considerar como válida uma explicação e não outra. Uma coisa é explicar as
características de um indivíduo pela posição dos astros no momento de seu
nascimento [...] outra ainda é fazê-lo pelo ambiente em que foi educado. (FIORIN,
2005b)
91
O texto expositivo (ou seqüência expositiva, considerando que um texto se compõe de
várias seqüências, ora de um tipo ora de outro) serve para transmitir e construir um saber
sobre determinado tema. Normalmente, esse tipo aparece em gêneros da esfera da ciência, da
filosofia, da escola e outros quando o enunciador identifica um problema, estabelece uma
ligação de causalidade entre fenômenos e, assim, explica o problema identificado. Não é de se
estranhar, portanto, que os suplementos infantis apresentem esse tipo de texto em seqüência
que lembre o discurso da escola, que é apontado como um dos componentes do gênero
reportagem desses jornais. Observe-se o que foi publicado num box da matéria da Folhinha
que aborda o tema da timidez ao cantar em público:
Nada de susto se a sua voz começar a desafinar de repente. É que durante a puberdade
(normalmente dos 12 aos 15 anos) acontece uma mudança vocal, principalmente nos
meninos. Até essa fase, não há muita diferença entre a voz do menino e da menina, mas, a
partir daí, a voz dos garotos pode começar a ficar estranha. Isso ocorre por causa do
crescimento da laringe e do alongamento das pregas vocais, que acompanham o
desenvolvimento do corpo. Aos poucos, a voz dos meninos fica mais grave. Já a das
meninas fica mais aguda. (T11)
Mudança vocal é o “problema” por que passam os meninos na adolescência. Uma vez
identificado o problema, o enunciador aponta as causas da transformação na voz “por causa
do crescimento da laringe e do alongamento das pregas vocais” e explica que isso é natural,
pois o tal crescimento acompanha o desenvolvimento do corpo e que “aos poucos, a voz dos
meninos fica mais grave. Já a das meninas fica mais aguda”.
Outro tipo textual classificado por Marcuschi é o injuntivo, que tem por objetivo
transmitir um saber sobre como realizar alguma coisa e expor um plano de ação para atingir
um objetivo. Explicitam, por exemplo, como preparar um prato, tomar um remédio na
dosagem adequada e como se tornar um expert em algum assunto. Nos jornais em análise,
esse tipo de texto geralmente aparece na forma de dicas e até de receitas, como as encontradas
em matérias da Folhinha:
Dicas para pequenos esportistas
Antes de começar qualquer atividade física, vá ao médico para se certificar de que
está tudo bem com sua saúde.
Procure um bom profissional de educação física para orientar sua prática esportiva e
acompanhar seu desenvolvimento. (T12)
Creme de sol
A Chef de cozinha do Madame Aubergine, Cristine Maccarone, preparou um creme
feito com uma fruta chamada canistel, que tem gosto de abacate, mas é amarela. Mas
você pode experimentar outras misturas e cores: é só trocar a fruta. Confira!
Ingredientes [...]
Preparo
Bata tudo no liquidificador. Coloque a mistura numa taça e salpique com castanha-
do-pará. Rende duas porções. (T9)
92
As características que Fiorin (2005b) aponta para esse tipo de texto aparecem nos dois
trechos acima:
a) exposição do objetivo da ação no primeiro, os cuidados que a criança deve ter
ao iniciar alguma atividade física regular; e no segundo, a orientação sobre como
preparar um alimento simples e gostoso; geralmente, o objetivo aparece no título
(1º caso) ou numa breve introdução (2º caso);
b) apresentação de seqüências de ações a realizar para atingir o objetivo “Antes
de começar qualquer atividade física, vá ao médico” e “procure um bom
profissional” no primeiro exemplo; lista de ingredientes seguida de instruções do
tipo “bata tudo”, “coloque a mistura numa taça e salpique” no segundo; essas
ações são apresentadas no imperativo (como nos dois exemplos) ou em forma
verbal com valor de imperativo;
c) justificativa da ação uma característica opcional que aparece no primeiro
trecho em dois momentos: “para se certificar de que está tudo bem com sua
saúde” e para orientar sua prática esportiva e acompanhar seu desenvolvimento”.
Para distinguir os tipos textuais, portanto, os critérios seriam lingüísticos e estruturais.
Já as diferenças entre um gênero e outro não seriam predominantemente lingüísticas mas sim
funcionais. É por isso que Marcuschi diz que os tipos textuais são designações teóricas e os
gêneros, designações sociorretóricas (MARCUSCHI, 2008, p. 159).
4.2 Os gêneros
Nos suplementos analisados, o gênero reportagem apresenta características específicas
que o diferenciam de outros gêneros publicados no próprio jornal infantil, como quadrinhos,
carta do leitor, passatempo etc. Esta pesquisa visa a demonstrar que as reportagens de
destaque dessas publicações reúnem características próprias de três discursos conhecidos: do
jornalismo, da escola e da brincadeira. E aí vale repetir Marcuschi: “os gêneros não são
entidades formais, mas sim entidades comunicativas em que predominam os aspectos
relativos a funções, propósitos, ações e conteúdos” (MARCUSCHI, 2008, p. 159). Segundo
ele, a tipicidade de um gênero vem de suas características funcionais e organização retórica.
De acordo com o raciocínio de Marcuschi, identifica-se a reportagem como um gênero
do domínio discursivo jornalístico por sua funcionalidade, ou seja, pela função que o
enunciador pretende dar ao texto na comunicação com o enunciatário. Isto quer dizer que,
93
CORREIO BRAZILIENSE, 1808
www.passeiweb.com/saiba_mais/fatos_historicos/
brasil_america/a_imprensa_no_brasil
apesar de reunir características dos três domínios discursivos, a reportagem cuja variação se
publica no suplemento infantil é incluída no discurso do jornalismo por suas características
funcionais (informar o leitor) e pela organização retórica, pela maneira como apresenta a
informação, seguindo critérios jornalísticos. Também se pode confirmar que esse gênero
pertence ao discurso jornalístico aplicando o critério de predominância consagrado para os
tipos de textos. Neste caso, a reportagem dos cadernos infantis apresenta aspectos que a
identificam com o discurso da escola e o da brincadeira, mas seus traços mais marcantes a
levam a ser classificada como pertencente ao discurso do jornalismo.
Toda essa discussão comprova, portanto, a instabilidade do gênero textual. O gênero
reportagem, sedimentado em suas características, sofre variações de acordo com os formatos
em que circula. Tais formatos revista, suplemento infantil, suplemento turístico, suplemento
de economia etc. são determinados por públicos específicos e objetivos particulares de
comunicação.
Além dessa instabilidade determinada por públicos e objetivos específicos, os gêneros,
mesmo mantendo características que imediatamente o identificam, também mudam com o
passar dos anos. Essas mudanças são consideradas normais por especialistas, e é justamente
por isso que se diz que o gênero une estabilidade e instabilidade, permanência e mudança:
De um lado, reconhecem-se propriedades comuns em conjuntos
de texto; de outro, essas propriedades alteram-se continuamente.
Isso ocorre porque as atividades humanas [...] não são nem
totalmente determinadas nem aleatórias. A reiteração possibilita-
nos entender as ações e, por conseguinte, agir; a instabilidade
permite adaptar as formas a novas circunstâncias.
O gênero somente ganha sentido quando se percebe a correlação
entre formas e atividades. (FIORIN, 2006, p. 69)
Com o tempo, é comum os gêneros se
modificarem; afinal, as relações humanas estão
sempre em mudança. Fiorin cita a comparação entre
uma notícia bem antiga (como a da figura ao lado, de
1808) e uma de um jornal de hoje para exemplificar
como o gênero notícia mudou radicalmente. Mas não
é só o gênero que muda, o repertório também, pois, “à
medida que as esferas de atividade se desenvolvem e
ficam mais complexas, gêneros desaparecem ou
aparecem, gêneros diferenciam-se, gêneros ganham
um novo sentido” (FIORIN, 2006, p. 65). Para
94
constatar isso, basta observar a internet: nela, novos gêneros surgem a todo instante, como
chat (bate-papo), blog (abreviação de web log, uma espécie de diário, agora público), scrap
(mensagem de sites de relacionamentos, tipo Orkut) e email (correio eletrônico: a carta ou
bilhete na web).
É inegável que os estudos sobre gêneros textuais sempre os relacionam às atividades
humanas, com especial atenção para o funcionamento da língua e para as atividades culturais
e sociais. Com estrutura dinâmica, os gêneros têm uma identidade e são “entidades poderosas
que, na produção textual, nos condicionam a escolhas que não podem ser totalmente livres
nem aleatórias, seja sob o ponto de vista do léxico, grau de formalidade ou natureza dos
temas”. Por esta razão, os gêneros tendem a limitar a ação na enunciação, impondo restrições
e padronizações, mas, por outro lado, funcionam como um “convite a escolhas, estilos,
criatividade e variação” (MARCUSCHI, 2008, p. 156).
Entre a limitação e a liberdade, os seres humanos continuam buscando alternativas
para transmitir suas idéias e se comunicar. Se essas alternativas fossem totalmente livres, o
enunciador correria o risco de não ser entendido. Quando vai escrever uma carta, por
exemplo, uma pessoa pode usar o melhor de sua criatividade no momento de escrever, mas
conhece as limitações do gênero carta e a forma de apresentação, e isso fica claro até em
textos mais livres, literários, como o de Monteiro Lobato na epígrafe deste capítulo, que
proporciona um ar irônico ao que está sendo relatado. Para alguém de seu círculo familiar, o
enunciador escreve de um jeito, para um colega de trabalho, de outro. Se a carta for de
reclamação, os termos serão completamente diferentes. Enfim, mesmo com todas essas
diferenças, esses escritos seriam considerados cartas, pois todos seguiriam o padrão do gênero
carta: data na parte superior, vocativo antes de começar o texto propriamente dito, texto
informal para os mais íntimos, menos formal para alguns, mais formal para outros etc. As
reportagens também apresentam invariâncias, como, por exemplo, o lead, o trecho inicial que
contém elementos essenciais que introduzem o assunto abordado na matéria.
Bakhtin esclarece que, até mesmo a escolha de palavras no processo de construção do
enunciado é determinada pelo gênero:
Costumamos tirá-las de outros enunciados e antes de tudo de enunciados congêneres
com o nosso, isto é, pelo tema, pela composição, pelo estilo; conseqüentemente,
selecionamos as palavras segundo a sua especificação de gênero. O gênero do
discurso não é uma forma da língua mas uma forma típica do enunciado; como tal
forma, o gênero inclui certa expressão típica a ele inerente. No gênero a palavra
ganha certa expressão típica. (BAKHTIN, 2006, p. 293)
A organização relativamente estável de cada gênero é definida por regras que, de
acordo com Norma Discini, recuperando Bakhtin, se enfeixam segundo três fatores: a)
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composição modo de apresentação do texto (como é composto); b) temática esfera de
sentido de que trata o gênero; c) estilomodo próprio de dizer, que remete a um modo de ser
do sujeito da enunciação (DISCINI, 2006, p. 1546).
Fiorin também destaca esses fatores, mas com uma pequena diferença em relação ao
conceito de estilo: “temática não é o assunto de que trata o texto, mas é a esfera de sentido de
que trata o gênero [...] forma composicional é a estrutura do texto [...] estilo é o conjunto de
marcas lingüísticas exigidas por um gênero” (FIORIN, 2005b).
Marcuschi diz que cada gênero textual tem propósito claro que o determina e o
insere numa esfera de circulação. Para ele, “todos os gêneros têm uma forma e uma função,
bem como um estilo e um conteúdo, mas sua determinação se dá basicamente pela função e
não pela forma” (MARCUSCHI, 2008, p. 150).
O ser humano fala e escreve por meio de gêneros, ou seja, gêneros não são enunciados
apenas da língua escrita. Bakhtin divide os gêneros em primários (simples) e secundários
(complexos). Predominantemente orais, os primários são os da vida cotidiana, os “que se
formaram nas condições da comunicação discursiva imediata”. Incluem-se, por exemplo,
nessa categoria a conversa pelo telefone, o email e o bilhete. Já os secundários são
predominantemente escritos e “surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo
e relativamente muito desenvolvido e organizado”, como os das esferas jornalística, jurídica,
política e religiosa (BAKHTIN, 2006, p. 263). A reportagem se encaixa na segunda categoria,
pois pertence ao discurso jornalístico, no qual se registram várias vozes, a do enunciador
coletivo (repórter, fotógrafo, diagramador, editor, dono do jornal...), a do enunciatário, que é
depreendido pela maneira como o enunciador a ele se dirige, e de outros actantes que
aparecem nas figuras de pessoas entrevistadas e autoridades mencionadas no texto:
da justaposição das vozes muito heterogêneas que se entremesclam no interior de
qualquer jornal, emana finalmente, ainda que de forma misteriosa, a produção de um
tom, um estilo, um efeito de sentido global, de que cada órgão tira sua identidade
própria. (LANDOWSKI, 1992, p. 124)
Os gêneros secundários, portanto, absorvem e digerem os primários, transformando-
os. As conversas de crianças com suas mães cujos conteúdos foram publicados pela Folhinha,
por exemplo, têm a significação desse tipo de comunicação na vida cotidiana, mas sua forma
(oral) foi adaptada para a escrita a fim de que pudessem ser publicadas como parte da matéria
em homenagem ao Dia das Mães:
Certo dia, a Livian estava pintando um quadro bem grande em casa. Ela copiava
uma pintura de Pablo Picasso. Quando a mãe viu, comentou:
- Filha, nós não devemos copiar outro quadro, devemos criar o nosso próprio.
- Mamãe, eu não estou copiando, estou prestando uma homenagem a Pablo Picasso.
Conversa entre Livian Aragão, 7, e Lilian Aragão, 39, há algumas semanas. (T10)
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Na adaptação para a escrita, o enunciador faz uma introdução para explicar a situação
em que se deu o diálogo entre mãe e filha. Para que o leitor identifique as frases seguintes
como diálogo, o enunciador inclui o travessão, sinal convencional para marcar turnos de fala.
Para finalizar, identifica as actantes do diálogo, com indicação de idade inclusive, e informa o
tempo (aproximado) da enunciação. Observe-se, então, que, para adaptar a conversa para um
texto a ser impresso, foi necessário fazer uso de alguns recursos ortográficos e estilísticos.
Casos como o da Folhinha comprovam que há interdependência dos gêneros. Assim
como os secundários se valem dos primários, há situações em que os primários são
influenciados pelos secundários, como o de uma conversa entre amigos que acaba adquirindo
a forma de discurso político.
Como às vezes acontece em reportagens, os gêneros podem hibridizar-se, ou seja,
podem cruzar-se, como diz Fiorin: “um gênero secundário pode valer-se de outro secundário
no seu interior ou pode imitá-lo em sua estrutura composicional, sua temática e seu estilo”
(FIORIN, 2006, p. 70). O início de uma matéria da Folhinha sobre Monteiro Lobato, que não
faz parte do corpus, serve de exemplo:
Ele criou um lugar especial e pôs lá uma avó sabichona, uma cozinheira
cheia de histórias, uma menina meiga, um menino corajoso, um sabugo
de milho erudito, um porco comilão e uma boneca de pano muito da
tagarela (SANDRONI, 2007)
O trecho, que serviu de epígrafe ao item espacialização do capítulo sobre sintaxe
discursiva desta dissertação, poderia ser classificado como parte de uma obra literária, não só
porque lembra personagens do Sítio do Picapau Amarelo do famoso escritor brasileiro, mas
principalmente porque revela uma intensa carga afetiva por meio do uso de diversos adjetivos,
sufixos e expressões. O trecho também contém elementos que lembram o gênero receita
culinária ao indicar os “ingredientes” de sucesso da obra de Lobato. A autora das frases, na
verdade, fez uso de figuras que concretizam o ambiente do Sítio adotando como estilo a
organização semelhante à de uma receita com pitadas de literatura. Todos os gêneros
identificados nesse pequeno trecho estão, na verdade, embutidos no gênero predominante, que
é a reportagem sobre a data em que o escritor completaria 125 anos.
Textos híbridos, como o de Luciana Sandroni, não são tão comuns, mas dão um toque
especial ao conteúdo, pois o inesperado provoca uma sensação de prazer no leitor. Mas se o
hibridismo fosse rotineiro, muitas informações se perderiam antes mesmo de chegar ao
destinatário, o que confirma o que se disse anteriormente: os gêneros textuais são
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relativamente estáveis. A invariância de certos elementos garante a identificação do que é
uma receita, uma notícia, uma carta etc.
Um texto pode passar de um gênero para outro quando for colocado em outro
contexto, em outra esfera de atividade:
Dicionário
Aulas: período de interrupção das férias.
Berro: o som produzido pelo martelo quando bate no dedo da gente.
Caveira: a cara da gente quando a gente não for mais gente.
Dedo: parte do corpo que não deve ter muita intimidade com o nariz.
Excelente: lente muito boa.
Forro: o lado de fora do lado de dentro.
Girafa: bicho que, quando tem dor de garganta, é um deus-nos-acuda.
Hoje: o ontem de amanhã ou o amanhã de ontem.
Isca: cavalo de Tróia para peixe.
Janela: porta de ladrão.
Luz: coisa que se apaga, mas não com borracha.
Minhoca: cobra no jardim-de-infância.
Nuvem: algodão que chove.
Ovo: filho da galinha que foi mãe dela.
Pulo: esporte inventado pelos buracos.
Queixo: parte do corpo que depois de um soco vira queixa.
Rei: cara que ganhou coroa.
Sopapo: o que acontece quando só papo não adianta.
Tombo: o que acontece entre o escorregão e o palavrão.
Urgente: gente com pressa.
Vagalume: besouro guarda-noturno.
Xará: o outro que sou eu.
Zebra: bicho que tomou sol atrás das grades.
(PAES, 1990)
A tirar pela forma habitual de apresentar um termo e, em seguida, o seu significado, o
texto acima seria classificado como um glossário ou, como diz o título, um “dicionário”.
Entretanto, ao ser publicado num livro cujo título é Poemas para brincar, o enunciatário logo
o percebe como obra literária, principalmente ao se deparar com definições em linguagem
bem diferente da encontrada em dicionários tradicionais. O poema de José Paulo Paes se vale
da forma de um gênero conhecido da criança, o dicionário, para dali apresentar a ela outro
gênero, o da poesia, indicando que palavras podem ser alvo de muitas brincadeiras.
Segundo Bakhtin, há gêneros mais flexíveis e outros mais estereotipados. Fiorin
esclarece:
entre os mais criativos estão os da intimidade familiar ou da amizade e os da esfera
da literatura. Entre os mais estereotipados estão certos textos da vida cotidiana (as
saudações, por exemplo) e da vida prática (uma bula de remédio, por exemplo).
Cabe notar que mesmo nos gêneros os enunciados podem adquirir um novo sentido,
quando se lhes dá, por exemplo, uma nova entonação (ao repetir ironicamente, um
cumprimento, dá-se a ele um novo sentido) ou quando se os transfere para outra
esfera de atividade (por exemplo, dizer “sim senhor, meu general” a um amigo que
tenha o hábito de organizar tudo).
(FIORIN, 2006, p. 74)
98
É nos gêneros mais maleáveis que aparece o estilo individual, mas isso não quer dizer
que esse estilo seja absolutamente livre do gênero. O propósito comunicativo do enunciador é
que o faz selecionar um gênero, considerando-se a especificidade da esfera de troca
comunicativa. Para isso, ele não precisa deixar de lado sua individualidade, basta se adaptar
ao gênero escolhido. Ao dar uma entonação própria ao enunciado, o enunciador imprime sua
marca, seu estilo individual, que tanto pode aparecer numa obra literária, na qual esse estilo é
mais evidente, como numa simples matéria jornalística:
Frasco de xampu, pente, chuveirinho ou escova de dentes. Vale qualquer coisa para
usar como microfone na hora de dar aquele show dentro do banheiro. (T11)
De “a” a “z”, escolha sua fruta preferida. Tem acerola, carambola, figo, graviola,
lichia, mangaba, pitanga, umbu... Ou seja, tem fruta para colorir todo o alfabeto. (T9)
Sábado, 10h30 da manhã. O que você costuma fazer nesse horário? Jogar bola,
estudar, esticar o sono... Mas tem gente que acorda para ver música clássica. (T8)
Sabe aquela pelada que adoramos jogar depois da aula? E um bom jogo de basquete
com os amigos? (T6)
Enumeração de figuras, como nos dois primeiros exemplos, e perguntas retóricas, nos
dois outros, são alguns recursos pelos quais o enunciador deixa a marca de seu estilo
individual em reportagens de suplementos infantis. Esses recursos revelam um discurso
afinado com o público infantil, que curte brincadeiras nas quais é preciso listar nomes de
objetos, frutas e animais ou jogos de pergunta e resposta. Outra marca registrada do estilo
individual do enunciador aparece na forma de palavras, expressões e frases do tipo “dar
aquele show” “colorir todo o alfabeto” e “gente que acorda para ver música clássica” (grifos
nossos), que intensificam, valorizam o tema da matéria pelo uso de pronome demonstrativo
(aquele) e verbos (colorir e ver), mas qualquer item lexical poderia aparecer com essa função.
Quanto a esse aspecto, a Semiótica também tem algo mais a dizer, pois o estilo individual não
aparece apenas no modo de escrever, pode também ser revelado pelo plano da expressão,
como no caso das páginas do Super! que lembram molduras ou um quadro propriamente dito:
Para transmitir a informação e fazer com que o enunciatário leia a matéria, o
enunciador lança mão de elementos que tomam por base categorias especificadas em estudos
99
sobre textos visuais: topológicas, cromáticas, eidéticas e matéricas. Ou seja, o papel, o
formato, as cores e a disposição dos elementos na página também revelam o estilo do gênero.
Outra observação importante a fazer em termos de gênero diz respeito à mudança:
quando se altera um gênero, os significados dos elementos do texto também se alteram.
Palavras, imagens e gestos, por exemplo, mudam de significado dependendo do gênero em
que são manifestados:
ROBLES, 2007
Nos quadrinhos acima, o enunciador emprega termos usados entre jogadores de
futebol, radialistas ou mesmo entre torcedores. Os verbos, entretanto, não são bem entendidos
pelo personagem Rafa, que percebe tudo no sentido literal, conforme mostram os desenhos.
Pelo percurso do texto escrito, o primeiro personagem, durante o jogo, grita para o amigo:
lança! A palavra, neste caso, tem o sentido de lançar, mandar a bola diagonalmente no campo.
No entanto, no quadro seguinte, o desenho aponta o sentido diferente dado pelo segundo
personagem: Rafa segura uma lança; ou seja, o que era verbo para um virou substantivo para
outro. O mesmo acontece nos demais quadros. Quando o primeiro se esforça e pede: cruza!, o
segundo aparece tricotando com novelo; no último lance, o primeiro, já visivelmente irritado,
diz: passa!, o outro surge com tábua e ferro de passar roupa.
Portanto, em gêneros que têm o futebol como assunto principal, como a narração de
jogo pelo rádio, ou mesmo falas durante uma partida no estádio, os termos usados nos
quadrinhos pelo jogador que solicita a participação do companheiro de time se enquadram
perfeitamente. Já a interpretação dada pelo segundo personagem não teria o menor cabimento,
pois se baseia na esfera doméstica. A dupla interpretação provoca graça, e isso tem tudo a ver
com o gênero no qual ela foi inserida. Nos cadernos infantis, os quadrinhos são destinados a
um público que está iniciando no mundo da leitura e começando a entender que as palavras só
adquirem sentido quando de acordo com os contextos e com os gêneros onde estão inseridas.
100
4.3 O gênero reportagem nos jornais infantis
Com base nas reflexões sobre tipos e gêneros textuais e na teoria da Semiótica
Francesa, a observação de diversos jornais e a análise do corpus permitiram identificar
elementos que podem ser classificados como característicos da variação do gênero reportagem
publicada nos suplementos infantis de jornais. Vale dizer que, para essa classificação, foi
considerada apenas a reportagem principal (ou única) de cada edição, um recorte que serve de
amostra do que é possível encontrar nesse tipo de publicação.
Como o gênero é formado de uma temática, uma composição e um estilo, procurou-se
encontrar nos jornais infantis elementos que representam cada um desses fatores. A temática
tem mais a ver com a semântica discursiva (capítulo 2 desta dissertação), e a composição é
principalmente revelada pelo plano da expressão (capítulo 3); já o estilo é significativo em
todos os níveis de análise, pois representa as escolhas enunciativas, que, como se observou na
pesquisa, são identificadas tanto dos pontos de vista sintático e semântico quanto do do plano
da expressão. Sendo assim, expõe-se, a seguir, o que se pôde depreender dos textos dos
suplementos na tentativa de contribuir com os estudos sobre gêneros textuais.
Os temas abordados pelos suplementos infantis têm forte relação com os discursos da
escola e da brincadeira. O discurso jornalístico dá forma a esses dois discursos por meio de
reportagens que visam a simplificar e/ou explicar o mundo em tom didático, ameno ou de
brincadeira. O jornalismo aparece na linguagem e organização típicas de notícias e na
apresentação de temas relacionados ao dia-a-dia; o da escola, em temas como superação,
determinação e disciplina; e o da brincadeira em temas como diversão e curiosidade. Todos
esses temas oscilam entre termos do par semântico prazer/dever, o que corresponderia à
representação de dois tipos de modalização do sujeito: pelo querer, quando se abordam temas
ligados ao lúdico, e pelo dever, no caso dos trechos mais didáticos. No nível discursivo, a
modalização se aplica na argumentação e, pelo que se depreende do conjunto de reportagens
analisado, nos suplementos infantis há um esquema argumentativo invariante que pode ser
concebido como um programa de manipulação no qual a criança leitora é estimulada a entrar
em conjunção com o objeto-valor conhecimento, informação:
Como seria o seu desenho se você estivesse ouvindo uma música? Será que ele seria
diferente se você o desenhasse em silêncio? A artista portuguesa Vieira da Silva
sempre pintava seus quadros ouvindo músicas clássicas.
Pensando nisso, o maestro Henrique Lian preparou uma trilha sonora para a
exposição Vieira da Silva no Brasil, em cartaz no Museu de Arte Moderna de São
Paulo (MAM), até o dia 3 de junho. Ele selecionou algumas músicas que a artista
ouvia enquanto pintava, como Villa-Lobos e J.S. Bach. (T5)
101
Para que a criança tenha interesse em ir à exposição em cartaz na cidade (o objeto-
valor conhecimento), o enunciador inicia a matéria (trecho acima) com elementos que o
público infantil conhece bem: desenho e música. Trazendo para a realidade infantil uma
exposição que, em princípio, só poderia interessar a adultos, o autor conta, em seguida, o que
há de mais interessante no evento (objeto-valor informação).
Nessa linha de raciocínio, o modo como a reportagem trata o objeto
conhecimento/informação já é uma maneira de argumentar. E aí entra o segundo fator que
identifica um gênero: o da composição, que nos suplementos infantis vem marcada por um
tipo de texto narrativo, ou seja, predominantemente narrativo, e na forma de organização da
página dupla (duas páginas abertas no meio do jornal). O tipo de texto narrativo é citado por
Sodré e Ferrari como uma das principais características de uma reportagem: a) predominância
da forma narrativa; b) humanização do relato; c) texto de natureza impressionista; d)
objetividade dos fatos narrados (SODRÉ & FERRARI, 1978, p. 15). Já a organização das
páginas dos cadernos infantis embora ainda guarde alguma semelhança com a do jornal para
adultos, como no caso da apresentação em seqüência de títulos, subtítulos e corpo da matéria,
identificados principalmente pelo tamanho das letras e no da diagramação em colunas
demonstra certa liberdade em tratar os temas abordados com cores diversas e em apresentar
diagramação ligeiramente diferente do padrão jornalístico, como já explicitado no item sobre
plano da expressão.
O estilo, por sua vez, funciona como marca registrada do enunciador; por isso, é
facilmente identificado em qualquer nível de análise, pois as projeções de pessoa, tempo e
espaço e os temas e figuras não vêm só sob a forma de texto escrito. Eles são reforçados pela
diagramação da página e pelas ilustrações escolhidas. Ou seja, o estilo aparece tanto no plano
do conteúdo quanto no da expressão.
No discurso dos suplementos infantis, para corroborar a verdade dos fatos enunciados
e alcançar a objetividade almejada pelo discurso jornalístico, é grande a projeção de vozes de
terceiros, como normalmente acontece em textos noticiosos. Entretanto, é comum haver
evidentes marcas expressivas de projeção da voz do enunciador e do enunciatário, tendo em
vista a posição hierárquica em que o enunciador se coloca em relação ao enunciatário, nos
moldes do discurso da escola, no de saber/conhecer melhor o assunto publicado. A grande
surpresa, em se tratando de texto jornalístico no qual se tenta um distanciamento em busca de
objetividade, fica por conta do tempo projetado, que aparece com predominância do sistema
enunciativo, aquele que toma por referência o momento da enunciação. Tal predominância
revela uma tentativa de maior aproximação com o público infantil, que identifica mais
102
facilmente os tempos do presente (ver item sobre temporalização no capítulo sobre sintaxe
discursiva). Ainda considerando a criança leitora, o espaço projetado nas reportagens prima
pela simplicidade, na qual também predomina o sistema enunciativo, tomando a posição
como referência principal, muito embora o movimento seja algo sempre presente no mundo
infantil. Talvez por conta dessa simplicidade, a preposição surge como a classe gramatical
mais usada na marcação de espaço.
É importante ressaltar que as escolhas enunciativas reveladas pelo estudo da sintaxe
discursiva são características marcantes da reportagem em sua variação publicada no
suplemento infantil. Tais escolhas, na verdade, acontecem por conta do tratamento que se dá à
criança através desse gênero, um tratamento “tatibitati”, do “mamãe falou”, do uso de
diminutivos, da entonação mais dengosa... Mas esse predomínio do enunciativo não se
registra apenas em termos de sintaxe, aparece também nas escolhas temáticas e figurativas e
na apresentação do plano da expressão, comprovando que há interferência de todos os
elementos dos dois planos (do conteúdo e da expressão) na constituição de um gênero.
A pesquisa evidencia, então, que há elementos que não variam nas reportagens em
estudo e que esses elementos são fundamentais para a definição e caracterização desse gênero.
Cada veículo tem sua individualidade, mas todos projetam um enunciador detentor de um
saber transmitido pela página na qual o texto é publicado a um enunciatário em busca de um
querer-saber, uma informação, um conhecimento. Na tentativa de demonstrar certa
imparcialidade e objetividade, o enunciador projeta outras vozes no enunciado, as vozes de
outros actantes (entrevistados ou especialistas no assunto). Para transmitir o saber, orienta-se
pelo tempo e espaço da própria enunciação. Por isso, seu ponto de vista está sempre
relacionado ao presente e ao local de onde está sendo publicado o suplemento. Além disso,
idéias e conceitos vigentes na sociedade estão refletidos nos jornais destinados a crianças. Isto
fica bem claro nos temas normalmente associados aos discursos da escola e da brincadeira
inseridos nas reportagens por meio de figuras, elementos concretos com os quais as crianças
melhor se identificam. Todas essas características transparecem também na organização da
página, nas cores, fotos e ilustrações. Ou seja, para identificar e classificar um gênero, a
Semiótica aponta um caminho: não basta observar o conteúdo expresso por palavras, é preciso
analisar o texto em sua totalidade significante, observando também outros elementos (visuais,
composicionais...) que ajudam a construir o sentido. Afinal, um texto é a junção do plano do
conteúdo com o plano da expressão.
103
CONCLUSÃO
Limitação e liberdade. Desde pequeno, o ser humano é acostumado a viver entre esses
dois sentimentos. E com esses dois sentimentos vive buscando alternativas para transmitir
suas idéias e se comunicar por meio de textos. Reunidos em gêneros, os textos se apresentam
como enunciados relativamente estáveis, marcados por uma temática, uma forma de
composição e um estilo, no conceito de Bakhtin. A temática, segundo os especialistas, se
refere à esfera de sentido, o que, na Semiótica Francesa, se analisa mais profundamente no
âmbito da semântica discursiva, que observa a maneira pela qual se combinam temas e seus
preenchimentos figurativos. A composição (estrutura) pode ser analisada com mais detalhes
pela Semiótica a partir da observação do plano da expressão, por conta da maneira pela qual
se organiza o texto num suporte. Já o estilo tem um conceito mais amplo: pode ser observado
de qualquer ângulo, tanto no nível discursivo do plano do conteúdo quanto no plano da
expressão, pois o estilo de um gênero não se limita ao campo da sintaxe, está presente nas
palavras, mas também nas ilustrações, na organização da página, enfim em qualquer
elemento.
Diz-se que o gênero une estabilidade e instabilidade: é estável porque a reiteração de
elementos nos possibilita entender as ações e também agir, e é instável porque vive mudando
para se adaptar a novas circunstâncias. Uma notícia do início do século passado, por exemplo,
era publicada de maneira completamente diferente da que vemos nos jornais de hoje. Além
disso, os termos empregados e os temas abordados naquela época se distanciam do que se
veicula atualmente. Entretanto, certas características que a identificam como notícia
continuam intactas.
O gênero reportagem, sedimentado em suas características, sofre variações de acordo
com os formatos em que circula. Tais formatos (revista, suplemento infantil, suplemento
turístico, suplemento de economia etc.) são determinados por públicos específicos e objetivos
particulares de comunicação.
104
O trabalho aqui relatado procurou expandir os conceitos já conhecidos da filosofia da
linguagem de Bakhtin, da análise do discurso e da lingüística textual, colocando em pauta
uma análise de reportagens dos suplementos infantis de jornais brasileiros Diarinho,
Estadinho, Folhinha, Globinho e Super! sob o ponto de vista da Semiótica Francesa. Além do
nível discursivo do plano do conteúdo, deu-se atenção ao plano da expressão buscando auxílio
nos estudos sobre textos visuais.
Os resultados confirmam que o enunciador procura demonstrar objetividade ao relatar
os fatos, seguindo a tradição do jornalismo para adultos. Por outro lado, os suplementos
infantis evidenciam uma diferença entre si: de acordo com o público-alvo, a objetividade
aumenta ou diminui. Como numa escala, do mais subjetivo ao mais objetivo, os jornais
infantis destinados a um público de crianças menores ou menos exigente em termos de leitura
publicam textos com mais marcas de subjetividade (tentativa do enunciador em se mostrar
mais íntimo do enunciatário), enquanto os que se dedicam a crianças maiores ou com hábito
de leitura mais bem sedimentado apresentam textos mais objetivos (ou menos subjetivos),
mais parecidos com os jornais para adultos.
A neutralidade que o jornalismo tem como meta é considerada praticamente
impossível para a Semiótica. Esta pesquisa comprova que o enunciador sempre deixa sua
marca e ainda evidencia seu enunciatário no próprio discurso. O enunciador usa como
estratégia transferir para outras vozes o discurso de autoridade com o intuito de confirmar a
verdade que pretende enunciar. A exceção fica por conta de matérias produzidas por
repórteres-mirins, que, por não dominarem a técnica da objetividade do jornalismo, escrevem
com termos que os identificam a todo instante, como pronome pessoal (eu ou nós) e verbos na
primeira pessoa do singular ou plural. Seguindo o padrão jornalístico, então, registrou-se
maior número de ocorrências de termos relacionados a outros actantes em comparação com os
dados que apontam um enunciador e um enunciatário. Apesar dessa preocupação, nos
suplementos infantis é fácil encontrar termos que identificam o enunciador coletivo do jornal
(repórter, redator, editor, diagramador, dono do jornal...), mesmo camuflado de terceira
pessoa, como ocorre quando se publica o próprio nome do veículo, como na frase “o Diarinho
caiu em campo”.
Quanto à identificação de um leitor previsto, há referências de comunicação direta
com o enunciatário até mesmo em título, como o da Folhinha: “E aí, quer experimentar?”
(T9). Além disso, é muito comum o enunciador utilizar termos e expressões próprios do
mundo infantil. A aproximação com o público leitor ainda é percebida pelo uso do
105
diminutivo, inclusive nos nomes da maioria das publicações analisadas: Diarinho, Estadinho,
Folhinha e Globinho.
Cada veículo tem sua individualidade, mas todos projetam um enunciador detentor de
um saber transmitido pela página na qual o texto é publicado a um enunciatário em busca de
um querer-saber, uma informação, um conhecimento. Essa idéia de que o enunciador assume
uma postura de detentor de um conhecimento que a criança ainda não possui é reforçada pelos
temas das reportagens e suas figurativizações. Diversas matérias sobre educação alimentar e
ambiental, ciências e comportamento, por exemplo, demonstram o quanto estão impregnadas
do discurso da escola as reportagens dos suplementos infantis. Esse discurso misto de
jornalismo e escola é realçado pelo discurso da brincadeira, também marcante nas matérias,
pois a simplificação da realidade e a superação de obstáculos, características mais aparentes,
são apresentadas da forma mais lúdica e prazerosa possível.
A avaliação do corpus com base em estudos de Fiorin sobre projeções de tempo e
espaço apontou que nas reportagens para público infantil predomina o sistema enunciativo, o
sistema que leva em conta o momento e o local da enunciação, o aqui e o agora. Uma das
razões para essa novidade para o gênero reportagem (visto, em sua forma tradicional, como
predominantemente enuncivo) pode ser a de que para a criança precisa ser reforçado o laço de
aproximação com o jornal, bem como precisam ser mais simples as interações propostas.
O predomínio do enunciativo aparece também nas escolhas temáticas e figurativas e
na organização das páginas do jornal, o que leva a concluir que há interferência de todos os
elementos tanto do plano do conteúdo quanto do plano da expressão para construir um
gênero. Aliás, vale dizer também que o gênero reportagem é escolhido para veicular temas
que o sujeito da enunciação determina. Ou seja, nem a escolha do gênero é aleatória.
Em jornais para adultos, às vezes, publicam-se páginas com elementos que se
contradizem a fim de produzir um efeito de sentido diferente do habitual (uma charge que
contradiz uma notícia para gerar graça, por exemplo). Nos suplementos infantis, entretanto,
isso não ocorre: o plano da expressão das reportagens desses jornais sempre reitera os
elementos do plano do conteúdo. Desde a organização das páginas até as mais simples
ilustrações, todos os recursos visuais se identificam claramente com o conteúdo expresso por
palavras. Mais uma vez, o grau de habilidade em leitura (ou maturidade) se mostrou fator
determinante da apresentação das matérias nas páginas: os jornais destinados a crianças
menores ou menos habituadas à leitura optam por ilustrações maiores e menos texto escrito,
enquanto os que projetam um leitor mais afinado com as letras ficam um pouco mais
parecidos com o jornal dos adultos.
106
Embora a apresentação ainda seja com predominância da cor preta do texto escrito
combinada com um fundo claro (na maioria das vezes a cor acinzentada do próprio papel
jornal) e em colunas, nos suplementos infantis, o compromisso com os padrões jornalísticos é
menor: há vários casos de diagramação mais ousada e até títulos em lugares completamente
diferentes do habitual. Há ainda páginas que mais parecem quadros quando observadas como
um todo de significação.
As análises dos cadernos infantis, portanto, seguiram a tradição semiótica que diz que
para entender melhor como o texto diz o que diz, é preciso fragmentá-lo para, depois, reunir
todas as peças do quebra-cabeça a fim de extrair do próprio texto o seu sentido, a sua função,
a sua razão de existir. No caso dos suplementos infantis de jornais, procurou-se aqui observar
o nível mais superficial do plano do conteúdo, o discursivo, e o plano da expressão. Como no
plano do conteúdo cada nível é composto de uma sintaxe e uma semântica, analisou-se cada
uma delas em separado. Em seguida, foram observados os elementos do plano da expressão e
as noções teóricas sobre gênero textual. Cada pedaço desse quebra-cabeça pode ser explicado
pelo sentido que se dá ao texto das reportagens dos jornais infantis. É esse sentido que
justifica todas as estratégias discursivas relatadas nesta dissertação, pois é por conta dele que
o texto das reportagens se insere na sociedade, no mundo, na história.
Com um tipo de texto predominantemente narrativo (afinal narra acontecimentos), as
reportagens dos suplementos infantis de jornais apresentam um esquema argumentativo
invariante, que se realiza como um programa de manipulação no qual um sujeito (a criança
leitora) é estimulado a entrar em conjunção com um objeto-valor (conhecimento, informação).
Cada suplemento projeta para sua criança leitora um mundo segundo um ponto de vista. Uns
projetam um mundo mais restrito, quase limitado à esfera familiar. Outros, pelo contrário,
projetam um universo mais amplo, com acesso a mais informações sobre cultura e ciência.
Todos, porém, têm algo em comum: reforçar valores da sociedade em que a criança vive.
107
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Disponível em: http://www.toquinho.com.br/pagina.php. Acesso em 19 jan. 2009.
YAHOO respostas. Alguém sabe pq o Pelé fala "o Pelé" e não "Eu", qndo fala dele mesmo?!?
Disponível em http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20061020050633AAiPRT6.
2006. Acesso em 27 dez. 2008.
113
Anexo I
Suplementos Infantis de Jornais
Textos analisados
114
REPORTAGENS ANALISADAS MAIO/2007
JORNAL
TEXTO
DIA TÍTULO AUTOR
Diarinho
T1
T2
T3
T4
05
12
19
26
Quem sabe você não será um grande
empresário?
Nascer da barriga não é o mais importante
Êpa, nem todo gêmeo é igual
Magia que atravessa gerações
Alice Jatobá
Lúcia Guimarães
Alice Jatobá
e Lúcia Guimarães
Alice Jatobá
Estadinho
T5
T6
T7
T8
05
12
19
26
A pintura cantada de Vieira da Silva
Só no ensaio para o Pan que vem aí
A grande viagem de descoberta de Darwin
Embarque nesses acordes
Julia Contier
Paulo G. Holland
Julia Contier
Paulo G. Holland
Folhinha T9
T10
T11
T12
05
12
19
26
E aí, quer experimentar?
Conversas para colecionar
Soltando a voz
Quando eu era criança
Gabriela Romeu
e Clarice Cardoso
Gabriela Romeu
Clarice Cardoso
Gabriela Romeu
Globinho T13
T14
T15
T16
05
12
19
26
Truques que saem da panela
De outro planeta
A imagem do medo
Um museu que parece do futuro
Josy Fischberg
Josy Fischberg
Josy Fischberg
Josy Fischberg
Super! T17
T18
T19
T20
05
12
19
26
Um irmão para a Terra
Minha mãe é diferente. E daí?
Uma viagem inesquecível
Eles cuidam do planeta!
Ana Paula Corradini
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Mariana Albernaz,
Annie Groth e Camila Veloso
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