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Suzana Schineider
O PROJETO-PILOTO DE ALFABETIZAÇÃO
DO RIO GRANDE DO SUL:
Um olhar de estranhamento sobre seus materiais didáticos
Porto Alegre
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Suzana Schineider
O PROJETO-PILOTO DE ALFABETIZAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL:
Um olhar de estranhamento sobre seus materiais didáticos
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da
Faculdade de Educação da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Iole Maria Faviero
Trindade
Porto Alegre
2009
Suzana Schineider
O PROJETO-PILOTO DE ALFABETIZAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL:
UM OLHAR DE ESTRANHAMENTO SOBRE SEUS MATERIAIS DIDÁTICOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Educação.
Aprovada em 03 de abril de 2009.
__________________________________________________
Profª. Drª. Iole Maria Faviero Trindade – Orientadora
__________________________________________________
Profª. Drª. Maria Luisa Merino Xavier – PPGEdu/UFRGS
__________________________________________________
Profª. Drª. Leni Vieira Dornelles – PPGEdu/UFRGS
__________________________________________________
Profª. Drª. Eliane Teresinha Peres – PPGE/FaE/UFPel
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
AGRADECIMENTOS
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha família, responsável por todo o apoio, a confiança e o afeto
primordiais em todos os caminhos que me trouxeram até mais esta conquista. Em especial,
agradeço à minha mãe, Lúcia, que, sempre confiante, sensata e carinhosa em suas palavras e
atitudes, nunca deixou a acomodação e as contrariedades prevalecerem sobre a vontade de
fazer melhor, de ser melhor. Ao meu pai, Ernesto, por todos os anos de preocupação e
dedicação à família. Aos irmãos Airton, Silvana e Tatiana, e em especial ao meu irmão Alderi
que, além de exemplo de luta, de superação, é certamente o responsável por todo o início de
minha caminhada nesta Universidade, com seus conselhos e em seu apoio incondicional às
minhas escolhas.
À minha orientadora, Profª. Drª. Iole Maria Faviero Trindade, por todos os anos de
parceria e aprendizagem, e que desde os primeiros semestres do curso de Pedagogia vem
acompanhando minha caminhada. Passando pelas bolsas de extensão, de iniciação científica,
e inúmeros outros trabalhos, até chegar à conclusão desta dissertação, aprendi não a
pesquisar, mas a ouvir e valorizar os detalhes, a entender e me fazer entender, a escrever e
reescrever, a ter cautela e ousar, a olhar diferente para o mesmo, pensando e (re)criando:
aprendizagens importantes e que não se restringiram à parceria acadêmica, mas que se
somaram a respeito, afeto, zelo, confiança o que me faz não ter uma orientadora, mas
uma amiga. Agradeço, orientadora, por todos esses anos de paciência, confiança e carinho.
A esta Universidade, da qual me orgulho de fazer parte muitos anos, em especial à
Faculdade de Educação e seus professores e funcionários. À Secretaria do Programa de Pós-
Graduação e seus funcionários, sempre atenciosos e dedicados. À linha de pesquisa Estudos
Culturais em Educação, e ao Núcleo de Estudos sobre Currículo, Cultura e Sociedade
(Neccso), onde muito aprendi.
Ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) que, através da bolsa de pesquisa
fornecida a mim, apoiou e permitiu que pudesse me dedicar exclusivamente a este estudo,
além de possibilitar a realização do estágio de docência em ensino superior em 2008/2.
Agradeço à turma B, da disciplina de Linguagem e Educação I, do curso de Pedagogia, onde
realizei esse estágio, e especialmente à Profª Luciana Picoli por toda a disponibilidade, pelo
acompanhamento e por suas intervenções sempre muito oportunas e competentes. Agradeço
ainda ao Departamento de Ensino e Currículo, que oportunizou esta importante experiência
em docência.
Às colegas do grupo de orientação: Rochele, Daniela, Thaíse, Darlize, Sandra,
Patrícia, Ivone e Letícia, pelas sugestões, contribuições, leituras, discussões, e pelas parcerias
em eventos, pelos almoços, lanches, cafés e tantos outros períodos de convivência que fazem
desse grupo o Alfaneccso, um grupo de aprendizagens acadêmicas e pessoais. Obrigada a
todas por partilharem não idéias, mas angústias, dúvidas, alegrias, enfim, parte de suas
vidas, ao fazerem desse grupo de orientação um grupo especial.
Às professoras Drª. Maria Luisa Merino Xavier, Drª. Leni Vieira Dornelles e Drª.
Eliane Teresinha Peres, pela valorosa contribuição ao meu estudo, fazendo com que o período
de conclusão fosse limitado para tantas ideias e possibilidades que surgiram após suas
observações e sugestões, mas que, acredito, tenha alcançado o objetivo primordial de desejar
saber, buscar, pesquisar mais e mais...
A todos os amigos e a todas as amigas que souberam compreender minhas ausências
nos eventos sociais, mas souberam como me manter, mais do que nunca, em suas vidas
através de apoio, carinho, compreensão, e amizade amorosa nos momentos mais importantes
da vida. Em especial à Juliane e à Michele, amigas muito queridas.
Agradeço, enfim, a todos os que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a
conclusão desta dissertação.
RESUMO
Esta dissertação de Mestrado examina três programas do Projeto-Piloto para Alfabetização de
Crianças com Seis Anos do Estado do Rio Grande do Sul que foram implementados a partir
do ano de 2007 em algumas escolas públicas, em função da ampliação do Ensino
Fundamental de oito para nove anos de duração. São eles: “Circuito Campeão”, do Instituto
Ayrton Senna; “Alfa e Beto”, do Instituto Alfa e Beto, e “Alfabetização Pós-Construtivista”,
do Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Ensino e Ação (GEEMPA). Contando
com o aporte dos Estudos Culturais, que se propõem a discutir a invenção de conhecimentos,
este estudo deteve-se na análise de materiais didáticos usados neste Projeto-Piloto como
produtores de “novas culturas de alfabetização”, dando ênfase à análise do material do
Programa “Alfabetização Pós-Construtivista” do GEEMPA. Conta também com os
referenciais pós-estruturalistas, a partir de autores como Michael Foucault, Jorge Ramos do Ó
e Gilles Deleuze, reconhecendo este Projeto-Piloto como uma política pública, vinculada a
uma racionalidade política voltada à produção de sujeitos mais eficazes para o mercado e a
lógica neoliberal. Na análise textual da pesquisa são visibilizados os discursos presentes nos
materiais didáticos desses três Programas, tais como o pós-construtivista, o do letramento e o
dos métodos fônicos, fazendo um breve histórico da trajetória desses discursos nas últimas
décadas. Problematiza o embate entre diferentes propostas de alfabetização presentes em tais
Programas, além de questionar o estabelecimento de um padrão de alfabetização a ser
alcançado pelos alunos do primeiro ano do Ensino Fundamental de nove anos, mediante
avaliações que definem a correspondente matriz de competências e habilidades cognitivas,
discutindo também a participação de Organizações não-governamentais no processo de
formação docente a partir de convite do Estado, considerando tais Programas como
fornecedores de “pacotes educacionais”.
Palavras-chave: Alfabetização. Alfabetismo. Pós-Construtivismo. Materiais Didáticos.
Política Pública. Ensino Fundamental de Nove Anos.
ABSTRACT
This master’s degree dissertation examines three Programs of the Pilot Project for the
Teaching of Literacy to Six-year-old Children in the state of Rio Grande do Sul. This project
is carried out since 2007 in some public schools due to the stretching of Primary Education
from an eight-year to a nine-year duration. They are: “Circuito Campeão” (“Champion
Circuit”), from the Ayrton Senna Institute; "Alfa and Beto", from the Alfa and Beto Institute
and "Alfabetização Pós-Construtivista" ("Post-constructivist Literacy Teaching"), from the
Study Group on Education, Teaching Methodology and Action (GEEMPA). Counting with
the assistance of Cultural Studies, that discuss the invention of knowledges, this work is
focused on the analysis of teaching materials used in this Pilot Project as generators of “new
literacy teaching cultures”, giving emphasis to the analysis of GEEMPA’s "Post-constructivist
Literacy Teaching" Program material. Also taken into account are the post-structuralist
referentials, from authors such as Michael Foucault, Jorge Ramos do Ó and Gilles Deleuze,
acknowledging this Pilot Project, as a public policy, linked to a political rationality dedicated
to the production of more efficient individuals for the market and the neoliberal logic. The
textual analysis of the research provides visibility to the discourses present in the didactic
material of the three Programs, such as the post-constructivist, the reading/writing skills and
the phonic methods, providing a brief history of the paths followed by these discourses in the
last decades. This work problematizes the different literacy proposals present in the Programs
and questions the establishment of a literacy standard to be reached by first-grade students in
the nine-year Primary Education, through evaluations that define the corresponding matrix of
cognitive competences and abilities. Furthermore, it also discusses the participation of NGOs,
invited by the State, in the formation of teachers, regarding such Programs as providers of
“educational packages”.
Keywords: Literacy teaching. Literacy. Post-Constructivism. Didactical Materials. Public
Policy. Nine-year Primary School.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Ficha de Acompanhamento.......................................................................................67
Figura 2: Ficha de Acompanhamento.......................................................................................68
Figura 3: Ficha de Acompanhamento.......................................................................................69
Figura 4: Lendo e Formando Leitores.......................................................................................70
Figura 5: Lendo e Formando Leitores.......................................................................................72
Figura 6: Atividade do Livro 1.................................................................................................75
Figura 7: Atividade do Livro 1.................................................................................................75
Figura 8: Aula 13 do Livro 2....................................................................................................76
Figura 9: Texto do Livro 3........................................................................................................78
Figura 10: Capas dos três volumes...........................................................................................88
Figura 11: Exercício..................................................................................................................90
Figura 12: Exercício..................................................................................................................90
Figura 13: Exercício..................................................................................................................92
Figura 14: Exercício..................................................................................................................93
Figura 15: Texto do Livro 3......................................................................................................98
Figura 16: Capa do Caderno de Atividades............................................................................105
Figura 17: Capa do Caderno de Atividades............................................................................108
Figura 18: Capa do Caderno de Atividades............................................................................110
Figura 19: Capa do Caderno de Atividades............................................................................113
Figura 20: Capa do Caderno de Atividades............................................................................113
Figura 21: Mapa ilustrativo.....................................................................................................122
Figura 22: Mapa ilustrativo.....................................................................................................123
Figura 23: Mapa ilustrativo.....................................................................................................124
Figura 24: Relatório de visita..................................................................................................126
Figura 25: Capa da aula-entrevista..........................................................................................129
Figura 26: Gráfico em forma de escada .................................................................................132
Figura 27: Imagem da “Nave da Zona Proximal das Aprendizagens”...................................134
Tabela 1: Quadro ilustrativo dos resultados da avaliação.......................................................118
Tabela 2: Quadro comparativo................................................................................................130
SUMÁRIO
1 APRESENTAÇÃO................................................................................................................11
1.1 O PAPEL DA CULTURA.............................................................................................14
1.2 INQUIETAÇÕES...........................................................................................................17
1.3 ARTEFATOS CULTURAIS: DAS CARTILHAS AOS LIVROS DIDÁTICOS.........23
1.4 O PROJETO-PILOTO DE ALFABETIZAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL ..........25
1.5 APRESENTANDO OS PROGRAMAS........................................................................28
1.5.1 Programa “Circuito Campeão”...............................................................................28
1.5.2 Programa Alfa e Beto.............................................................................................30
1.5.3 Programa Alfabetização Pós-construtivista............................................................31
2 A QUESTÃO DOS MÉTODOS E AS ONGS .....................................................................34
2.1 NOVO CURRÍCULO VERSUS MÉTODOS................................................................34
2.2 O TERCEIRO SETOR NOS PROJETOS GOVERNAMENTAIS...............................37
2.3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS NA EDUCAÇÃO...........................................................45
3 ALGUNS CAMINHOS DA ALFABETIZAÇÃO................................................................49
3.1 BREVE HISTÓRICO.....................................................................................................49
3.2 A GUERRA DOS MÉTODOS......................................................................................54
3.3 OS MATERIAIS PARA ANÁLISE..............................................................................61
3.3.1 Os materiais do Instituto Ayrton Senna..................................................................61
3.3.2 Os materiais do Instituto Alfa e Beto.....................................................................62
3.3.3 Os materiais do GEEMPA......................................................................................63
3.4 ALGUMAS CATEGORIAS DE ANÁLISE EM FOCO...............................................64
3.4.1 O letramento no programa Circuito Campeão........................................................65
3.4.2 O Método fônico no Programa Alfa e Beto ...........................................................73
3.4.3 O pós-construtivismo do GEEMPA ......................................................................79
3.4.3.1 A instituição....................................................................................................81
3.4.3.2 Metodologias da proposta pós-construtivista .................................................85
3.4.3.3 Analisando os materiais didáticos do GEEMPA............................................87
3.5 A PEDAGOGIZAÇÃO DO LETRAMENTO ..............................................................94
3.6 A PEDAGOGIZAÇÃO DA LITERATURA ................................................................99
4 AS AVALIAÇÕES .............................................................................................................117
4.1 AS AVALIAÇÕES EXTERNAS ...............................................................................118
4.2 AS AVALIAÇÕES INTERNAS .................................................................................125
4.2.1 A aula-entrevista...................................................................................................127
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................141
REFERÊNCIAS......................................................................................................................144
11
1 APRESENTAÇÃO
Esta Dissertação de Mestrado faz parte de um estudo que não considero ser “inicial”,
no sentido de vê-lo imbricado em outras histórias de pesquisa que não podem ser ignoradas, e
sendo constituído por esses caminhos que, parecendo semelhantes ou não com este estudo,
direcionaram-no até aqui e não cessarão de contribuir de forma imprevisível.
Tendo como formação o curso de Pedagogia pela Faculdade de Educação da UFRGS,
e tendo sido, por alguns anos, bolsista de extensão e de Iniciação Científica na área da
alfabetização, tenho por foco olhar para os materiais didáticos dos três programas
participantes do “Projeto-Piloto para Alfabetização de Crianças aos Seis Anos”, do Estado do
Rio Grande do Sul, que foi implementado a partir do ano de 2007 em algumas escolas da rede
pública de ensino, atingindo cerca de 600 turmas de alfabetização nesse período.
Esse projeto-piloto foi criado em função da ampliação do Ensino Fundamental de oito
para nove anos de duração, com o ingresso das crianças aos seis anos de idade nas classes de
alfabetização. Com essa mudança, a Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul
(Seduc/RS)
1
visava o estabelecimento de uma “matriz de habilidades de competências” na
área da alfabetização para orientar o trabalho pedagógico nessas classes de alfabetização.
As instituições executoras do projeto-piloto, além da Seduc/RS, são a União Nacional
de Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), e a Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
2
Essas instituições elegeram os seguintes
programas para atuar no projeto-piloto: “Programa Circuito Campeão”, do Instituto Ayrton
Senna; “Programa Alfa e Beto”, do Instituto Alfa e Beto, e “Alfabetização Pós-
-Construtivista”, do Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação
(GEEMPA). É importante ressaltar que, ao longo desta dissertação, o termo “programa”
1
As instituições citadas ao longo do texto serão referidas de acordo com suas siglas, explicitadas em suas
primeiras aparições neste trabalho.
2
Segundo informações buscadas no site da Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul:
<www.educacao.rs.gov.br>. Acesso em: 01 jun. 2007.
12
refere-se a cada uma das ações das instituições escolhidas pela Seduc/RS (Instituto Ayrton
Senna, Instituto Alfa e Beto e GEEMPA). o termo “projeto-piloto” é usado para abarcar a
iniciativa mais ampla da Seduc/RS, UNDIME e UNESCO, instituições que elegeram tais
programas para participarem deste projeto.
Frente a tantos materiais, a tantas possibilidades, e devido ao tempo escasso de dois
anos destinados a este estudo, recortes foram necessários para uma análise de melhor
qualidade. Baseando-me nas dificuldades em conseguir alguns materiais e algumas
informações, e devido ao fato de uma das instituições analisadas ser gaúcha e ter uma ampla
história que pode ser cruzada a todo o momento com o contexto de nossas escolas, com
políticas públicas implementadas, minhas análises têm um foco maior no “Programa
Alfabetização Pós-Construtivista do GEEMPA”. Mesmo direcionando meu estudo para o
programa do GEEMPA, algumas análises dos outros programas atravessam toda a dissertação
permitindo, assim, que se possa olhar para a chamada nova cultura da alfabetização de forma
contextualizada. É importante ressaltar que apesar de o projeto-piloto ainda estar em vigor,
esta pesquisa foca-se à sua aplicação no ano de 2007.
O interessante em lançar o olhar para esses materiais é visibilizar alguns dos discursos
que os constituem, e problematizar como estão circulando os novos discursos em
alfabetização que constituem professores e alunos, através dos materiais destas propostas de
alfabetização produzidos tanto recentemente quanto os utilizados muitos anos. Nesse
sentido, o que víamos alguns anos na graduação como sendo “tradicional”, ou o próprio
discurso construtivista (criticado pelos estudos pós-estruturalistas), pode estar mais presente
do que pensávamos nas políticas públicas, mesmo que passando por um movimento de
adaptações que não imaginávamos possíveis.
Neste primeiro capítulo, discuto o papel da cultura na análise de materiais didáticos, a
partir do campo dos Estudos Culturais, que subjetivam meu olhar desde minhas formações
iniciais como pesquisadora. Retomo as inquietações que me levaram a este estudo, além de
identificar as ferramentas das quais faço uso em minhas análises, como as de inspiração
foucaultiana vinculadas às análises textuais com base nos Estudos Culturais. Finalizando este
capítulo, apresento o “Projeto-Piloto de Alfabetização” e, posteriormente, cada uma das
instituições participantes dele.
13
No segundo capítulo, discuto a questão da mudança curricular no Ensino
Fundamental, problematizando a participação de setores privados na educação pública, e
como as políticas públicas, como o projeto-piloto em questão, fazem parte de diferentes
formas de financiamento da educação em prol da produção de um sujeito que corresponda às
necessidades do atual mercado de trabalho.
O terceiro capítulo é destinado a fazer as análises dos materiais didáticos de
alfabetização de cada um dos programas que participam do projeto-piloto. Sendo o capítulo
central, torna-se extenso ao discutir as questões da alfabetização, ao mesmo tempo em que
traz informações sobre cada um dos programas e é “costurado” pelas análises dos materiais
em questão. Inicio esse capítulo com um breve histórico sobre a alfabetização nas últimas
décadas, dando margem para, na seção seguinte, problematizar a suposta “guerra” entre os
métodos de alfabetização. Logo após, apresento quais os materiais de cada programa me
foram disponibilizados para a pesquisa, para, então, na próxima seção, estabelecer as
categorias de análise que me permitem discutir cada uma das propostas de alfabetização do
projeto-piloto. Observo, mais uma vez, que apresento mais detalhadamente o GEEMPA como
instituição e suas metodologias, para contextualizar as análises de seus materiais. Após
culminar na análise dos materiais geempianos, ainda lanço um olhar para a pedagogização do
letramento e da literatura presentes nos três programas de alfabetização.
O quarto capítulo é dedicado a problematizar as avaliações que chamo de externas e
internas. Reconheço como externas aquelas que são relativas à avaliação geral feita sobre o
projeto-piloto pela Fundação Cesgranrio, divulgando o desempenho de cada proposta, e como
internas as que são relativas às formas de avaliar de cada um dos programas participantes,
dando, novamente, destaque para as avaliações feitas pelo GEEMPA com seus alunos.
No quinto e último capítulo, faço algumas considerações finais, ainda que provisórias,
a respeito deste estudo, ressaltando seu caráter subjetivo, de certa forma “inacabado”, por
estar o projeto-piloto ainda em vigor e em processo de mudanças – inclusive com perspectivas
de se adaptar a políticas públicas federais para a educação. Portanto, considero essa temática
de extrema importância para a alfabetização, não no Rio Grande do Sul, mas no Brasil,
merecendo mais investimentos em sua pesquisa.
14
1.1 O PAPEL DA CULTURA
Ao longo do século XX, a cultura tem enorme expansão como constitutiva de todos os
aspectos da vida da sociedade. Por esse viés, os Estudos Culturais surgem ao contrapor os
cânones culturais tidos, até então, como produtos singulares de refinamento e expressividade
destinados a grupos de elite. A ideia de cultura, nessa perspectiva, não está apoiada nos
padrões modernos que vigoraram por muito tempo, nos dizendo que cultura era um privilégio
de elites, ao representar um alto grau de refinamento nos costumes e nas vivências para quem
tinha acesso “à Cultura”.
Até meados do século XX, a modernidade fixou padrões sociais e políticos centrados
na ideia de progresso, valorizando a razão, a ciência e a racionalidade. Regido por esses
padrões, o sujeito da modernidade torna-se um sujeito individual, o centro de suas ações,
autônomo e democrático. Com vistas a esse ideal de sociedade racional e progressiva, criam-
-se sistemas e instituições que, visando a ordem e o controle, buscam explicações para todos
os questionamentos humanos, gerando assim suas verdades”, ou as “grandes narrativas”
modernas. Tomando as estruturas da modernidade como produções de uma época, a pós-
modernidade surge questionando seus pontos fundamentais, como a ideia de progresso, a
autonomia do sujeito, as metanarrativas e suas instituições.
Importantes campos de conhecimento foram essenciais para o surgimento dos Estudos
Culturais, como a crítica marxista, ou o pensamento pós-moderno, em sua vertente estética
que, no século XIX, se inicia com o movimento modernista, criticando e questionando os
cânones da literatura e das artes. Os estudos de autores britânicos, desde a década de 1950,
foram os impulsionadores do reconhecimento institucional dos Estudos Culturais, que surgem
mais tarde, na década de 1960, academicamente, com o intuito de também pôr em xeque o
pensamento elitista em torno da cultura. Autores como Hoggart, Williams e Thompson põem
em questão, por exemplo, a importância do estudo da influência da “nova” cultura industrial
capitalista do período pós-guerra sobre as classes populares da Grã-Bretanha.
(MATTELART; NEVEU, 2004). Outras questões foram sendo agregadas a esses estudos,
como as relações de raça e gênero a partir da década de 1970 (COSTA; SILVEIRA;
SOMMER, 2003). Como podemos constatar, a partir da disseminação dos Estudos Culturais
15
britânicos, atualmente seria complexo por demais definir os Estudos Culturais em um caráter
único, como uma disciplina, ou uma prática definida. Sua capacidade de se identificar com os
mais variados contextos não lhe permite uma definição simples, pois esses contextos são tão
extensos e diversificados quanto seu principal locus: a cultura.
Os Estudos Culturais permitem, a partir de sua inserção nas questões do cotidiano,
problematizar aquilo a que estamos acostumados a lançar um olhar naturalizado, como o
conceito de cultura, que se amplia ao compreendê-la como todo o modo de vida dos grupos
sociais (HALL, 1997), permitindo movimentos de (re)significação do mundo no qual
vivemos, a partir do uso de outras lentes. A cultura passa a ser vista como estando presente
nos mais diversos grupos sociais, no momento em que esses partilham de significados por
meio de uma rede de representações e de relações de poder (SILVA, 1999).
Por muito tempo, padrões estéticos, literários, científicos, artísticos foram tomados
como a cultura e, consequentemente, como marcadores de exclusão, ou seja, o poderio dos
grupos ditos “cultos” excluía a grande massa “sem cultura” ou de “baixa cultura”. O
surgimento dos Estudos Culturais, na Grã-Bretanha, ao se contrapor à elite cultural, não se
deu sem resistências, pois a cultura popular, a cultura de massas, intensificada pela
industrialização, era tida como uma ameaça, um “declínio cultural” (MATTELART; NEVEU,
2004). Esse cenário de embates, em que se distinguiam, pelos grupos minoritários
dominantes, a baixa cultura” e a “alta cultura”, visibilidade à esfera essencialmente
política e dinâmica da cultura na constituição da sociedade. Sendo assim, rediscutindo seu
conceito a fim de articular, principalmente na esfera política, a pluralidade da cultura, a
popularidade desses estudos é alcançada quando estes passam a significar um campo de
constantes lutas simbólicas, com diz Hall:
Não deve nos surpreender, então, que as lutas pelo poder sejam, crescentemente,
simbólicas e discursivas, ao invés de tomar, simplesmente, uma forma física e
compulsiva, e que as próprias políticas assumam progressivamente a feição de uma
“política cultural”. (1997, p. 20)
Ao acabar com o elitismo das culturas consideradas legítimas, geralmente pertencentes
16
a minorias privilegiadas, e extinguindo a marginalização das diversas práticas culturais
populares, sem querer torná-las apenas toleráveis, mas incluídas, os Estudos Culturais
abordam a cultura de forma mais profunda e desafiadora, propondo a análise do que constitui
os sujeitos no seu modo próprio de vida, nas suas vivências cotidianas.
Como sabemos, a escola é uma instituição tipicamente moderna, pois, como afirma
Silva, a mesma se ocupa “[...] em transmitir o conhecimento científico, em formar um ser
humano supostamente racional e autônomo e em moldar o cidadão e a cidadã da moderna
democracia representativa” (SILVA, 1999, p. 111). A possibilidade de lançar um olhar de
estranhamento para as práticas escolares permite enxergar como as representações presentes
em materiais didáticos direcionados a esse sujeito o constituem, ao considerarmos que a
representação é um processo fundamental na formação da identidade cultural e social.
Para as análises deste estudo sobre materiais didáticos que estão presentes na formação
de alunos, partilho da ideia sobre representação de Woodward (2000), para quem:
A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio
dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como sujeito. É por
meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa
experiência e àquilo que somos. (WOODWARD, 2000, p. 17)
Assim, novos estudos vêm explorando cada vez mais o importante papel da cultura na
constituição dos sujeitos e, consequentemente, da sociedade.
Nesta dissertação, tendo os Estudos Culturais como embasamento teórico, uma vez
que esses buscam discutir a invenção de conhecimentos, é indispensável também a
compreensão do papel da linguagem como produtora de verdades a partir da chamada virada
linguística. A linguagem, sob essa perspectiva, não apenas relata o mundo, mas o constitui.
Sendo assim, expande-se a compreensão em torno das representações presentes na linguagem,
fazendo parte da chamada “virada cultural”, pois o caráter produtivo da linguagem é inerente
à constituição de discursos dentro de tal ou tal cultura, como afirma Hall (1997, p. 29):
17
A “virada cultural” está intimamente ligada a esta nova atitude em relação a
linguagem, pois a cultura não é nada mais do que a soma de diferentes sistemas de
classificação e diferentes formações discursivas aos quais a língua recorre a fim de
dar significado às coisas. O próprio termo “discurso” refere-se a uma série de
afirmações, em qualquer domínio, que fornece uma linguagem para se poder falar
sobre um assunto e uma forma de produzir um tipo particular de conhecimento.
Portanto, desnaturalizando e contextualizando os objetos socialmente construídos por
meio da linguagem, é possível analisar com outras lentes os discursos circulantes. Nesse caso,
a partir da implementação do Ensino Fundamental de nove anos em nosso país, por meio das
propostas do projeto-piloto de alfabetização implementado no Estado do Rio Grande do Sul a
partir de 2007, é possível pensar como a cultura participa das políticas de escolarização de
crianças através dos discursos que constituem o material didático usado na implementação de
determinadas propostas didáticas em nossa rede pública de ensino.
1.2 INQUIETAÇÕES
Mesmo não pesquisando em sala de aula como se deu a implementação do ano do
Ensino Fundamental de Nove Anos (EFNA), não fiquei alheia às controvérsias que
aconteciam nas escolas, pois o caráter que surpreendeu os educadores referia-se às práticas
pedagógicas nessas “novas” turmas que, como questionavam os professores, seriam de
educação infantil ou de ensino fundamental? Seria para alfabetizar crianças aos seis anos de
idade?
Para esses questionamentos, na numerosa diversidade sociocultural das escolas de
nosso país, poderíamos encontrar variadas estratégias locais para acomodar essas mudanças;
porém, é em uma estratégia governamental do Estado, o Projeto-Piloto de Alfabetização como
18
uma política pública, que deterei o olhar para como essa formação discursiva constitui essas
práticas do ano. Essas estratégias vão ao encontro, por vezes como se fossem uma
“resposta”, dos anseios gerados nos professores em torno do EFNA, como se verifica neste
relato no Caderno HISALES
3
sobre experiências de implementação do ano em alguns
municípios gaúchos:
Entendemos também que a mudança do Ensino Fundamental para nove anos poderá
ocasionar uma “desestabilização” em relação a práticas “cristalizadas”, pois esse
ano não se caracteriza como Educação Infantil, tampouco como série, e nessa
incerteza do que realmente seja o ano várias questões são levantadas pelas
professoras e colocadas em debate, principalmente em relação aos aspectos do
cotidiano de sala de aula. Nesse sentido, vários projetos poderão estar em “disputa”
na construção de uma nova cultura escolar, em especial de uma nova cultura de
alfabetização.” (HISALES, 2007, p. 40)
E é justamente sobre o que constitui a “nova cultura de alfabetização” que debrucei
meus interesses, por ser a alfabetização a temática central de minha trajetória como
pesquisadora.
Considerando como se daria o processo de alfabetização, a partir dos três programas
participantes do projeto-piloto, implementado em nosso Estado, focando nos materiais
didáticos que cada um deles adotou, muitas questões direcionaram minha pesquisa, sendo
elas: que discursos e representações circulam nos materiais didáticos usados no Projeto-Piloto
de Alfabetização dessa rede pública de ensino? Que discursos são constituidores das
instituições que participam desse projeto? Que concepções acerca do que é
alfabetização/letramento podemos enxergar nesses materiais?
Apesar de ter direcionado minha pesquisa para a análise dos materiais do GEEMPA
no projeto da dissertação, as inquietações em relação aos outros dois programas não cessaram,
fazendo com que esta dissertação aborde novamente a todos eles. Por um lado, seria um
“alívio” fazer um grande recorte nas análises me detendo somente em um programa; mas, ao
longo do estudo, mesmo questões mais direcionadas à proposta pós-construtivista envolviam
3
O Caderno HISALES é um periódico semestral publicado pelo grupo HISALES (História da Alfabetização,
Leitura, Escrita e dos Livros Escolares) da Faculdade de Educação, Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande
do Sul.
19
os outros dois programas, pois citar a metodologia de um deles inevitavelmente remetia à
comparação com as demais metodologias, principalmente após os resultados da primeira
avaliação do projeto-piloto, divulgadas em 2008.
Outra abordagem do trabalho, da qual também não foi possível distanciar-me, foi a
análise do projeto-piloto como uma das políticas públicas do atual governo de Estado que
suscitava muitas “polêmicas”. Após a primeira avaliação do projeto, realizada ao final do ano
de 2007, seus resultados geraram novas inquietações em relação aos três programas, ou seja, a
busca por uma resposta (a qual não ouso dar, mas ouso colocar em discussão aqui) ecoava em
muitas outras vozes: porque tal programa foi o “melhor”? O que é o “melhor” nessas
avaliações? O que o resultado dessas avaliações acarreta para a alfabetização em nossas
escolas públicas? Incluo nessas “vozes” questionamentos e relatos de professoras que, tendo
contato com algum desses programas, traziam de forma inquietante suas experiências, sempre
contribuindo com minha pesquisa, e enriquecendo as discussões em eventos em que
apresentava trabalhos sobre a mesma.
Não deixo de fazer, no entanto, neste momento, uma análise mais aprofundada dos
materiais do GEEMPA, como me propunha originalmente, visto que esses materiais foram os
mais acessíveis, assim como o contato com essa instituição. Os materiais didáticos do
GEEMPA são basicamente os mesmos usados muitos anos por quem trabalha com essa
proposta, sendo seu diferencial o contexto em que esses materiais se encaixam. Tratando-se
de discursos sujeitos a novas interpretações, sua materialidade é a mesma, mas sua leitura não,
a começar pela singularidade do olhar desta dissertação e, como bem coloca Foucault, O
novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta.” (2008, p. 26). Outro fator
importante é que justamente a não-mudança desses materiais, dessa metodologia, foi um dos
critérios pelos quais a Seduc/RS elegeu a proposta de Alfabetização Pós-Construtivista por
ser concisa, por ter uma fundamentação teórico-metodológica.
4
Além de, através dos materiais
do GEEMPA, ilustrar mais detalhadamente umas das escolhas metodológicas em
alfabetização feitas pela Seduc/RS, o “cruzamento” de várias avaliações envolvidas nesse
projeto-piloto abriram outras possibilidade para questionar que pressupostos constituíam as
formas de avaliar as turmas participantes, lançando um olhar para os possíveis
(des)compassos do que se espera da alfabetização em nossas escolas. É nesse contexto, como
participante de um projeto-piloto que está sendo avaliado, e inevitavelmente comparado, que
4
Informações dadas pela própria Seduc/RS em uma das visitas que fiz.
20
olharei mais detalhadamente para a proposta geempiana.
Foram muitos os possíveis caminhos desta dissertação, tendo em vista a amplitude da
temática do Ensino Fundamental de Nove Anos, da dinâmica das discussões em torno do
projeto-piloto, e dos numerosos materiais didáticos desse projeto que estavam em minhas
mãos. A “cozinha” da pesquisa é formada pelos caminhos que levaram esse estudo até aqui,
sendo assim, poderia descrever sua produção começando pelo que chamei de “descaminhos”,
ou seja, as mudanças que me fizeram chegar a esta pesquisa.
Foi justamente por uma falta de receita” pronta que este estudo começou,
pretendendo questionar como seria a implementação do EFNA na escolas públicas estaduais,
analisando as práticas e as narrativas de alfabetizadoras que receberiam em suas turmas o
Projeto-Piloto de Alfabetização. Com os questionamentos em torno de como deveria ser a
prática pedagógica no 1º ano, sem respostas imediatas por parte de Secretarias de Educação, o
anseio de muitas professoras
5
por uma “receita”, e a escassez de orientações sobre o trabalho
no 1º ano foram muito debatidos na academia, nas secretarias de educação, nas escolas, etc.
Na busca por essas “respostas”, ou seja, ao fazer os primeiros contatos com a
Seduc/RS para apresentar minha proposta de pesquisa e ser autorizada a realizar observações
e entrevistas junto às escolas e às professoras que participariam do projeto-piloto, foi-me
negado o acesso. Foram tardes de longas esperas e tentativas de negociação na Secretaria, que
resultaram nessa negativa, justificada pelo receio que se tinha às críticas da academia a um
projeto-piloto que ainda estava em fase de experimentação.
É preciso contar com os imprevistos ao longo da produção, e para tão vasta temática,
ingredientes não faltariam. Ao longo do processo de negociação com a Seduc/RS conheci
alguns materiais que seriam utilizados pelos programas escolhidos para o projeto-piloto. Foi
então que optei por analisar os materiais didáticos desses programas, e que me foram
concedidos pela Seduc/RS.
6
De posse desses materiais, esses se transformavam diante do meu olhar ao longo do
período desta pesquisa, pois cada vez que me debruçava sobre eles, percebia novas
possibilidades de análise: de seus textos literários, das suas imagens, das orientações ao
professor, das suas propostas didáticas, entre outros aspectos, e que nunca cessarão de se
5
Refiro-me no gênero feminino por ser maioria no Magistério.
6
Materiais que serão descritos em capítulo posterior.
21
transformar – mas que, para os limites desta dissertação, passaram por alguns recortes.
Embora “harmonia” não seja um adjetivo coerente com os estudos pós-estruturalistas,
uma vez que os mesmos se propõem a desequilibrar, desnaturalizar nossos pressupostos
modernos, que tendem a dicotomias como “bom” e “ruim”, “certo” ou “errado”, foram
necessárias buscas teóricas constantes para possibilitar nem tanto um “sabor agradável das
respostas” nem tanto a “amargura” das dúvidas geradas na pesquisa, mas outros sabores que
somente cada leitor pode sentir. Nessa alquimia metodológica que os Estudos Culturais
possibilitam, muitos teóricos foram revisitados, e outros me foram “apresentados”. Porém, a
partir das contribuições da banca examinadora de meu Projeto de Dissertação é que foram
traçados novos desafios, que me acompanharam, decidindo novos rumos. Na ocasião da
defesa da Proposta, tinha feito uma apresentação dos programas do projeto-piloto, porém,
havia escolhido somente um deles para analisar mais profundamente nesta dissertação. E nos
meses subsequentes à defesa do meu Projeto, considerando a questão do tempo muito
importante para os rumos da pesquisa, muitas questões, ao invés de serem descartadas, foram
intensificadas, maturadas, como veremos nos capítulos sequentes. As razões por tais escolhas
são expostas ao longo da escrita, em um exercício de “costura” que perpassa pela experiência
dos acontecimentos e a subjetividade das reflexões o diferencial que a perspectiva pós-
-estruturalista nos permite.
Valendo-me da possibilidade de usar uma bricolagem de metodologias, faço uso da
análise textual, que amplia as leituras que se possa fazer desses materiais, ao considerar texto
como “qualquer exemplo de linguagem escrita e falada que tenha coerência e significados
codificados” (LUKE, 1996, p. 10). Além de permitir essa visibilização de determinados
discursos e suas representações nos textos desses programas de alfabetização, é possível olhar
e analisar grupos de discursos e as “verdades” que neles vigoram, não com o intuito de tentar
retratar uma “realidade”, mas com o de problematizar como tais discursos podem constituir
“novas” histórias da alfabetização que, sendo locais, singulares, constituem também a história
da educação em nosso Estado.
Para examinar como tais discursos produzem determinados significados, valho-me,
também, da análise do discurso foucaultiana, abordando o caráter construtivo da linguagem,
uma vez que os discursos “formam sistematicamente os objetos aos quais se referem”
(FOUCAULT, 2008, p. 49). As “verdades” presentes nos discursos não ficam estagnadas no
22
contexto de uma enunciação única, a dos “textos primeiros” que Foucault descreve como os
“discursos que estão na origem de um certo número de novos actos de fala, actos que os
retomam, os transformam ou falam deles” (2008, p. 22), mas são ressignificadas com os usos
que se fazem deles, como os textos secundários, ou seja, os discursos que “repetem, glosam e
comentam” (2008, p. 22). Assim, os discursos não são apenas produtos de um determinado
contexto sócio-histórico, mas também produzem e são produzidos constantemente nas
sociedades em que se fazem presentes. Essas distinções entre discursos estão imbricadas em
relações de poder, ao pensarmos, por exemplo, como alguns grupos impuseram “verdades
fundamentais” como alicerces da sociedade moderna, privilegiando-se e marginalizando as
demais “verdades”. Além disso, a partir da perspectiva pós-estruturalista, não são
questionados os “discursos fundamentais”, colocando-os como invenções, como é ressaltada
sua instabilidade à medida em que “há muitos textos maiores que se dispersam e
desaparecem, e comentários que por vezes vêm ocupar o lugar primordial” (FOUCAULT,
2008, p. 23). A própria dinâmica de análise de textos escolares desta pesquisa está imbricada
em relações de poder pelo fato de dar visibilidade a determinados discursos, comentando-os a
partir de um olhar subjetivo e dando margens para novas (re)interpretações. Questionar
“verdades” não é estar isento de lutas sociais, pois a própria análise do discurso torna-se um
ato político ao considerar que a sociedade é composta por invenções discursivas que são
reguladas por relações de poder, pois o discurso “não é simplesmente aquilo que traduz as
lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo qual se luta, o poder do qual
queremos nos apoderar” (FOUCAULT, 2008, p. 10).
Ao analisar o material didático usado na alfabetização de crianças, tomo seus
conteúdos como enunciados que produzem significados e, ao analisar tais enunciados,
considero-os pertencentes a uma ordem discursiva que não é autônoma numa intenção
comunicativa, mas que está sujeita a controle, seleção e exclusão que (re)produzem
significados, como bem observa Sommer (2006, p. 2), ao analisar discursos escolares a partir
do conceito foucaultiano de ordem do discurso:
Quer dizer, certas regras, certos princípios de controle que operam sobre a
produção de significados que, por sua vez posicionam professores, alunos e
educação escolar e, em certo sentido, define seus campos de atuação, na medida em
que instituem um certo regime de operação das práticas pedagógicas na educação
fundamental.
23
As ferramentas metodológicas que podemos utilizar nos Estudos Culturais nos dão
uma melhor dimensão de como são posicionados os sujeitos nos textos. Olhar como se dão
esses discursos, e seus usos em sistemas de poder, podem nos levar a pensar de quem são,
para que e como estão sendo ressignificadas as práticas discursivas das instituições envolvidas
na produção de materiais didáticos para a alfabetização.
As aproximações de estudos foucaultianos com os Estudos Culturais são consideradas
por mim um grande desafio, mas que têm a enriquecer ainda mais esta pesquisa, pois, como
pondera Veiga-Neto:
[...] as investigações que os Estudos Culturais têm realizado acerca das relações
entre multiculturalismo e escolarização (...) teriam a ganhar ao incorporar elementos
da arqueologia e da genealogia foucaultianas. Indo no mesmo sentido, as
investigações acerca dos mecanismos discursivos pelos quais determinados saberes
inventados por um grupo social hegemônico passam a ser vistos como saberes
universais –, têm a ganhar quando se combinam elementos foucaultianos e os
insights dos Estudos Culturais.” (2004, p. 49)
1.3 ARTEFATOS CULTURAIS: DAS CARTILHAS AOS LIVROS DIDÁTICOS
Ao ingressar como bolsista no projeto de extensão “Memória da Cartilha”,
7
no ano de
2001, tive contato com diversas cartilhas de alfabetização usadas no Rio Grande do Sul desde
o início do século XX. O acervo de cartilhas ficava em uma pequena sala, próxima à
biblioteca, onde eu trabalhava basicamente organizando o acervo para sua disponibilização
virtual.
7
Projeto de extensão coordenado pela Profª. Drª. Iole Trindade e vinculado à Biblioteca Setorial de Educação,
que se constitui em um acervo de cartilhas e outros materiais referentes à alfabetização. Disponível em:
<www.ufrgs.br/faced/extensao/memoria>. Acesso em: 22 jan. 2009. Minha participação como bolsista de
extensão nesse projeto foi no ano de 2001.
24
Por tantas vezes manuseava livros e cartilhas, cautelosamente, devido ao estado de
conservação de alguns materiais, lendo seus textos e suas imagens, mesmo sem ter ainda um
entendimento mais amplo sobre os métodos de alfabetização que guiaram sua produção, mas
com um olhar de valorização sobre esses materiais que um dia fizeram e ainda fazem história
olhar que se intensificou quando ingressei como bolsista de pesquisa no projeto
“Identidades Alfabetizandas”
8
no ano de 2002, ao me deparar com as narrativas de
professoras sobre suas práticas, retomando, assim, muitos dos materiais que “passaram as
tardes” comigo no acervo do “Memória da Cartilha”, no ano anterior.
Após a reforma da Biblioteca Setorial da Educação, as cartilhas passaram a ficar em
uma sala no interior da biblioteca, junto a um acervo histórico. Meu encargo como “guardiã”
das cartilhas deixou em mim uma preocupação com o destino desses materiais, não tanto
quanto à sua conservação, pois estariam bem cuidados na biblioteca, mas quanto ao seu
acesso, quanto à visibilidade desses materiais usados na didática da alfabetização.
Relatar essa caminhada como bolsista é também descrever como foi se constituindo
minha identidade como pesquisadora na área da alfabetização. Os discursos que atravessam
este texto não seguem uma ordem temporal como foram se dando minhas experiências de
aluna-pesquisadora, mas muitos deles retornam às experiências desses primeiros contatos com
pesquisa, porém com olhares diferenciados. Sendo assim, destaco como, em meus primeiros
contatos com as cartilhas, foi-se produzindo um entendimento delas como sendo artefatos
culturais “[...] por ser resultado de um processo de construção social” (SILVA, 1999, p. 134).
Ao analisar os materiais didáticos de alfabetização, partilho do pressuposto de Trindade,
quando a autora discute as posições das cartilhas como artefatos culturais e suas “relações em
uma cadeia de produção cultural, na medida em que os artefatos culturais não interessam por
si mesmos, mas pelo sentido que recebem nas práticas culturais e ao constituir outras mais”.
(TRINDADE, 2001, p. 12).
Os materiais didáticos para a alfabetização, referindo-me tanto aos mais antigos
quanto aos que hoje estão sendo produzidos, cristalizam discursos e suas representações. A
própria denominação “cartilha” refere-se a um determinado período e a certas propostas de
alfabetização. o termo “material didático” vem a ser utilizado para abarcar outros
pressupostos, mas seus usos não serão necessariamente muito diferenciados dos usos que se
8
Projeto de pesquisa coordenado pela Profª. Drª. Iole Maria Faviero Trindade. Minha participação nesse projeto
como bolsista Pibic/CNPq deu-se no período de 2002 a 2004.
25
faziam das cartilhas de alfabetização. A diferença entre estes termos é marcante na história da
alfabetização, pois constituem sistemas de significação indissociáveis de relações de poder, na
medida em que, em determinado momento, um discurso se sobressai em relação a outro.
Neste momento, porém, lanço meu olhar para os discursos presentes no projeto-piloto
do atual governo do nosso estado, buscando examinar como esses materiais podem constituir
práticas que, mesmo com a roupagem de um discurso que se pretende inovador, se mostra por
vezes “cíclico”, uma vez que enxergamos neles diversas práticas pedagógicas já conhecidas.
Não tenho como intuito fazer a crítica pela crítica a tais materiais, mas sim refletir como e por
que eles estão presentes nesse projeto, sendo produzidos e produtores de que concepções
acerca da alfabetização.
1.4 O PROJETO-PILOTO DE ALFABETIZAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL
Embora a implementação do EFNA tenha surpreendido a alguns educadores, esse
debate “data do final da década de 80, ainda durante a discussão da LDB promulgada em
1996. Durante toda a década de 90 essa questão ocupou, por vezes, as discussões
educacionais” (HISALES, 2007). Em sua Dissertação de Mestrado,
9
Santaiana (2008) faz um
breve histórico da legislação dos últimos anos sobre a ampliação do Ensino Fundamental no
Brasil, que culmina na Lei nº 11.274, de 06 de fevereiro de 2006, ampliando para nove anos
de duração, com matrícula obrigatória aos seis anos de idade, e estipula o prazo até o ano de
2010 para que todas as redes se adaptem a essa nova situação. Nesse estudo, a autora analisa
como nos materiais do Ministério da Educação (publicações, relatórios, orientações
pedagógicas, divulgação em site) constituem-se discursos sobre uma necessidade do EFNA,
9
SANTAINA, Rochele da Silva. + 1 Ano é Fundamental: práticas de governamento dos sujeitos infantis nos
discursos do Ensino Fundamental de Nove Anos. Porto Alegre: UFRGS, 2008. 100 f. Dissertação (Mestrado em
Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.
26
associando essa maior escolarização à uma diminuição do risco social (SANTAIANA, 2008).
O Ensino Fundamental com duração de nove anos é uma realidade em vários países do
mundo. Vale dizer que na maior parte dos países da América Latina pode-se vislumbrar a
adoção desse sistema. Em nosso país, muitas redes de ensino já aderiram espontaneamente ao
ensino de nove anos, principalmente a rede privada. Um dos motivos apontados para a adoção
desse sistema é atender as crianças de seis anos das classes populares, pois a oferta de
educação infantil pública ainda é muito pequena em relação à demanda, e acredita-se que a
inclusão dessas crianças poderá permitir maiores oportunidades de aprender (SANTAIANA,
2008).
A partir dessa ampliação, estudos surgiram abordando questões variadas sobre as
mudanças para o ensino fundamental de nove anos, mas é a questão da alfabetização que me
instigou: deve-se alfabetizar a criança no primeiro ano ou não?
10
Segundo o Ministério da
Educação (MEC), a criança, por viver em uma sociedade letrada, fazendo uso das mais
variadas linguagens, deve usufruir de um ambiente alfabetizador, utilizando a leitura e a
escrita em situações significativas para ela (BRASIL, 2004). Porém, a alfabetização não seria
obrigatória e nem pré-requisito para a criança seguir para o segundo ano; aliás, não
repetência no primeiro ano e a avaliação deve ser feita através de parecer descritivo. Todas
essas orientações, entretanto, foram sendo adaptadas por cada contexto, e hoje, em muitos
casos, diferem do posicionamento do MEC.
Frente às grandes dúvidas geradas sobre como deveria ser a prática docente no
primeiro ano do Ensino Fundamental, a Seduc/RS apresenta a proposta de implementação do
Projeto-Piloto para Alfabetização de Crianças aos Seis Anos na rede estadual de ensino
11
para
ter início em 2007. A implementação desse projeto ocorreu ao longo do ano letivo de 2007,
pretendendo constituir três grupos de 200 turmas cada, sendo que cada grupo seria
alfabetizado por uma proposta didático-pedagógica própria de cada programa, além de um
grupo denominado turmas de controle”, que não receberiam intervenção específica mas que
seriam igualmente avaliadas com vistas a comparar resultados. Ou seja, o projeto-piloto seria
responsável pela alfabetização de 600 turmas em todo o Estado. Ao concluírem o primeiro
10
Essa pergunta não é respondida neste estudo, mas foi uma das questões que me levaram até a presente pesquisa.
11
Refiro-me à “rede estadual” pois a maioria das escolas participantes do projeto-piloto são dessa rede, porém, há
algumas escolas de redes municipais que também participam desse projeto.
27
ano, os alunos passariam por uma avaliação realizada pela Fundação Cesgranrio.
12
Com base
em tal avaliação, seria determinado um nível de leitura e escrita dos alunos de cada programa,
tomando o grupo mais bem qualificado como padrão a ser cobrado das escolas públicas
gaúchas.
13
Com a implementação dos três programas selecionados, a Secretaria de Educação teria
por objetivo avaliar o efeito da adoção de programas de alfabetização distintos para
estabelecer parâmetros possíveis na aquisição das habilidades de leitura, escrita e matemática,
a serem alcançados por alunos de seis
anos de idade.
Conforme informações que constam no projeto, o cadastramento dos alunos
participantes de cada programa permitiria a criação de um banco de dados que seria
disponibilizado à Coordenação Geral do Projeto na Seduc/RS. No começo do projeto (no mês
de abril de 2007) houve uma avaliação inicial com os alunos participantes.
14
Depois da avaliação dos três programas, uma questão recorrente é se esses programas
teriam continuidade na rede estadual (e em redes municipais), ou mesmo se algum deles ou
todos seriam adotados nas escolas estaduais gaúchas. Até o final de 2007, em minhas visitas à
Seduc/RS, essa dúvida não tinha sido esclarecida, pois a própria Secretaria não tinha certeza
de previsão para a continuidade ou não dos programas.
Durante o ano de 2008, porém, o projeto-piloto teve continuidade, sendo estendido a
novas turmas de ano e tendo continuidade nas turmas que em 2008 seriam de ano.
Houve nova avaliação dos três programas em dezembro de 2008, até o momento não
divulgada. Além disso, o projeto-piloto passou a receber apoio financeiro do MEC para sua
manutenção.
12
A Fundação Cesgranrio tem sido a responsável por avaliações nacionais de larga escala como SAEB, ENEM,
Exame Nacional de Cursos (Provão) e o Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos
(ENCCEJA). Disponível em: <http://www.cesgranrio.org.br/institucional/apresentacao.html.>.
13
As informações quanto à avaliação dos programas foram retiradas do site da Secretaria da Educação
(www.educacao.rs.gov.br), de reportagem do jornal Zero Hora, do dia 28/02/07, p. 28, assim como de
documentos da própria Fundação Cesgranrio.
14
Em capítulo posterior, essas avaliações serão mais bem detalhadas e analisadas.
28
1.5 APRESENTANDO OS PROGRAMAS
Ao tomar conhecimento de quais programas participariam do Projeto-Piloto de
Alfabetização, busquei informações em jornais, sites e na própria Seduc/RS. Para contemplar
tais informações de forma mais ampla, apresento cada um dos programas, destacando
aspectos como seus pontos comuns, objetivos, metodologia, material didático, formação de
professores, custos e resultados.
1.5.1 Programa “Circuito Campeão”
O Instituto Ayrton Senna, fundado em 1994, promove atualmente vários projetos
sociais, entre eles o programa Circuito Campeão”, que tem como objetivo alfabetizar
crianças com distorção idade-série, assim como também propõe mudanças na gestão escolar,
com vistas a torná-la “‘eficaz’, por ser focada em resultados”.
15
Tal programa tem, como
pressuposto, a adaptação do método de alfabetização Dom Bosco. Esse método, usado para a
alfabetização de adultos em nosso país, desde a década de 1960, foi adaptado para atender a
crianças. Esse método foi reconhecido como um método eclético, ao trabalhar as sílabas das
palavras-chave apresentadas por meio de ilustrações e envolvendo ações concretas que
mantenham a ligação permanente com a vida do aluno. No ano de 2006, a média de
alfabetização dos alunos participantes do programa foi de 93%, segundo dados do próprio
Instituto.
16
Quanto aos objetivos, o programa “Circuito Campeão”, do Instituto Ayrton Senna, tem
como objetivo garantir um processo de alfabetização eficaz e eficiente, que possibilite sucesso
de alunos e professores na relação ensino-aprendizagem em leitura, escrita e matemática. Visa
estabelecer uma política de alfabetização aos alunos ingressantes na série do Ensino
15
Termos constantemente usados para designar as características de vários programas desse instituto.
16
Segundo informações contidas em <www.senna.com.br>. Acesso em: 14 jun. 2007 e em 15 nov. 2008.
29
Fundamental. Estabelece a preparação de professores alfabetizadores, dando destaque para a
criação de equipes técnicas ditas competentes para o gerenciamento do processo de
alfabetização, para o trabalho com resultados de sucesso.
A metodologia do programa “Circuito Campeão” conta com recursos didáticos;
recursos humanos locais (um coordenador na secretaria de educação, um auxiliar técnico
administrativo, um supervisor para cada grupo de até oito classes, e um professor para cada
classe de no mínimo 25 alunos); recursos humanos externos (um técnico de agência técnica
credenciada pelo instituto, um gerente no instituto e uma agência externa de avaliação); e
recursos gerenciais, como a Sistemática de Acompanhamento e dos Instrumentos de
Acompanhamento dos Indicadores de Sucesso (SIASI), do Sistema Instituto Ayrton Senna.
Sobre o material didático, o programa “Circuito Campeão” dispõe de livros do aluno e
caderno de atividades, orientações para o professor, caixa de literatura com 30 títulos
diferentes para cada turma, kits de alfabeto móvel e material dourado.
Para a formação de professores, o programa “Circuito Campeão” propõe o
envolvimento de outros profissionais, como coordenadores, supervisores, etc., que devem ser
capacitados com um curso inicial de 40 horas. Nesse programa, uma equipe de
supervisores que fazem visitas sistemáticas às turmas, além de reuniões com os professores e
coordenadores para avaliação do programa.
17
Em relação aos resultados, o programa “Circuito Campeão”, desde sua
implementação, em 2001, atendeu a 296.721 alunos em 527 municípios de cinco Estados
brasileiros: Goiás, Pernambuco, Tocantins, Paraíba e Sergipe. Em 2006, a média de
alfabetização dos alunos dos Estados parceiros foi de 93%. Em Goiás, onde o programa es
sendo implementado sete anos, o índice, em 2006, foi de 99,8%. Em Tocantins, onde o
programa foi implementado quatro anos, a alfabetização em 2006 foi de 99%. Cabe
destacar que todas as crianças alfabetizadas pelo programa foram aprovadas, segundo dados
do Instituto, que não fornece maiores informações quanto ao percentual de evasões.
Atualmente, segundo os dados de 2008, o Instituto tem parcerias em 22 estados da federação,
atendendo 515.401 alunos no “Circuito Campeão”. O Rio Grande do Sul é o Estado que tem o
maior número de municípios participantes.
17
Quanto aos custos estimados para a aplicação do programa “Circuito Campeão”, o Instituto Ayrton Senna não
traz informações gerais, mas segundo documento da Seduc, no Rio Grande do Sul, a aplicação do programa terá
um custo de R$ 100,00 (cem reais) por aluno, totalizando um custo de R$500.000,00 (quinhentos mil reais).
30
1.5.2 Programa Alfa e Beto
O Instituto Alfa e Beto é uma Organização Não-Governamental (ONG) criada em
2006. A prioridade do Instituto é promover o que reconhece como efetiva alfabetização das
crianças, propondo políticas de alfabetização baseadas em “evidências”. Essas evidências
referem-se a bases científicas, reconhecidas pela ciência universal, ou grupos de especialistas
específicos e reconhecidos internacionalmente.
18
O programa “Alfa e Beto” começou a ser
implementado no Brasil no ano de 2003, tendo atingido mais de 100 mil crianças em mais
de duas dezenas de municípios e redes estaduais e municipais de ensino. Esse instituto tem
como Diretor-Presidente o professor João Batista Araújo e Oliveira.
19
Bastante apoiado em seu material didático, o objetivo do Instituto Alfa e Beto é a
promoção da alfabetização. Pretende, em um ano letivo, utilizar as unidades I e II do
programa completo, no caso das crianças de sete anos, e, em dois anos letivos, utilizar uma
unidade a cada ano letivo, no caso das crianças de seis e sete anos. Seu foco é a introdução do
aluno ao mundo das letras e dos livros e o desenvolvimento de vocabulário e competências de
compreensão de texto e de expressão oral. A meta específica do programa é que o aluno leia
de 60 a 80 palavras com fluência e reproduza, em condições de ditado, palavras e frases,
respeitando a ortografia, associando pelo menos um grafema para cada fonema, sendo que o
ideal seria o aluno ser capaz de escrever uma ou mais frases que expressem uma ideia, sendo
a frase legível e inteligível.
18
Disponível em: <http://www.alfaebeto.org.br/educacao_baseada_em_evidencias.php?cod=evidencias>. Acesso
em: 15 nov. 2008.
19
João Batista Araújo e Oliveira é doutor em Educação pela Florida State University. Autor de vários livros e
artigos na área da Educação, também foi consultor de ONGs, inclusive do Instituto Ayrton Senna. Todos os
materiais didáticos do Programa Alfa e Beto são produzidos pelo próprio instituto, sendo muito utilizados para
orientar seus trabalhos. Grande parte das obras de referência dessa proposta são de autoria de João Batista
Araújo e Oliveira. As informações relativas a esse instituto estão disponíveis em: <www.alfaebeto.com.br>.
Acesso em: 14 jun. 2007.
31
O Instituto Alfa e Beto tem com metodologia o uso de atividades relativas ao processo
de alfabetização contidas em seu material de apoio, dividido em Unidades I e II. A unidade I
do livro para os alunos trabalha a familiaridade com textos impressos, consciência fonológica,
metalinguagem, consciência fonêmica, princípio alfabético, caligrafia, complementada com
conteúdos básicos da aritmética (números, formas, sequências numéricas, etc); a unidade II
trabalha a decodificação, fluência, consciência sintática, vocabulário, compreensão de textos,
caligrafia, complementada com ensino de matemática e princípios básicos de ciências.
Conta também com materiais para os professores (voltados para o desenvolvimento de
competências metalinguísticas e de metacognição dos alunos, vídeos para a capacitação dos
professores, instrumentos para gerenciamento, e manuais de orientação), para a escola e para
a secretaria de educação, com vistas a acompanhamento, controle e avaliação do programa,
bem como à capacitação e à assistência técnica dos seus coordenadores nas redes de ensino,
diretores e professores. A formação de professores no programa Alfa e Beto ocorre através de
duas capacitações a cada ano, sendo uma antes do início do ano letivo e outra antes do início
da Unidade II, além do desenvolvimento de reuniões semanais ou quinzenais de
planejamento. Não um maior detalhamento, nos dados disponibilizados pelo Instituto, de
que redes e municípios no Brasil foram atingidos pelas ações do programa desde sua
implementação.
20
1.5.3 Programa Alfabetização Pós-construtivista
O GEEMPA (Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação)
21
é
uma sociedade civil sem fins lucrativos, registrada como pessoa jurídica em Porto Alegre, RS,
e declarada de utilidade pública, conforme decreto municipal de 13 de dezembro de 1984.
Desenvolve, desde sua fundação, atividades de pesquisa na área de educação. As finalidades
20
Para a aplicação do programa “Alfa e Beto” em nosso Estado, o custo é de R$ 100,00 (cem reais) por aluno,
incluindo os materiais, a capacitação e a assistência técnica. Totalizando também R$ 500.000,00 (quinhentos mil
reais) para atender às 200 turmas participantes desse programa.
21
A maior parte das informações sobre sobre a estrutura do GEEMPA pode ser acessada em:
<www.geempa.org.br>. Acesso em: 14 dez. 2007.
32
da instituição são o estudo e a pesquisa com vistas à realização de ações efetivas visando a
melhoria da qualidade do ensino junto a professores e técnicos que atuam na área educacional,
assim como junto a autoridades responsáveis pelo planejamento e pela execução da política
educacional e a formação e a orientação de professores, técnicos e profissionais ligados à
educação.
O objetivo explicitado pelo GEEMPA para o desenvolvimento de seu programa no
Projeto-Piloto de Alfabetização consiste na “promoção da alfabetização das crianças de seis
anos em um ano letivo nas escolas públicas brasileiras”. Vale ressaltar que a meta de
alfabetização desse projeto é desenvolver a competência de ler e escrever um texto simples, a
partir de habilidades de associar no mínimo 18 sons a grafias.
O GEEMPA desenvolve suas atividades de pesquisa com base no pensamento
construtivista de Jean Piaget, nas descobertas de Emília Ferreiro e na antropologia pedagógica
de Paulo Freire. Além disso, o “pós-construtivismo” abrange obras de Henri Wallon, L. S.
Vigotsky, Sara Pain. Para a implementação da proposta, a instituição conta com publicações
diversas que orientam o trabalho docente, dentre as quais três volumes intitulados Didática do
Nível Pré-Silábico, Didática do Nível Silábico e Didática do Nível Alfabético, de autoria de
Grossi (1990), formando a trilogia “Didática da Alfabetização”, publicada pela Editora Paz e
Terra.
Os professores que participam do programa do GEEMPA contam com uma formação
para a dita “alfabetização pós-construtivista”, que se inicia em um curso com duração de
cinco dias e, após o curso, os professores são organizados em grupos de estudos. Há, também,
duas avaliações, uma no início e uma no penúltimo dia dos encontros de formação. O curso
inicial deve contar com, no mínimo, 70% de professores alfabetizadores, sendo os outros 30%
de profissionais que ocupam outras funções de suporte na escola, como diretores e
coordenadores. Além da presença plena nesse curso, os professores devem participar do grupo
de estudos semanal com mais quatro colegas alfabetizadores, e recebem assessorias a cada
dois meses na sede do GEEMPA.
22
O GEEMPA traz, como referência, mais de 36 anos de pesquisa e estudo, inclusive
inserido em comunidades científicas internacionais, sob um paradigma pós-construtivista em
22
Dependendo do município onde se encontram alguns professores, e pelas dificuldades de deslocamento,
integrantes do GEEMPA vão até eles para prestar a assessoria.
33
educação popular visando reverter o quadro de desigualdades sociais. Conta com resultados
satisfatórios, sendo a evasão próxima de zero e a aprendizagem, próxima dos 100%,
23
segundo
a Instituição. A proposta de trabalho com a “alfabetização pós-construtivista”, segundo o
próprio GEEMPA, diferencia-se hoje do construtivismo que embasou e direcionou o trabalho
inicial do GEEMPA.
23
O custo para implementação do GEEMPA é de R$ 96,85 (noventa e seis reais e oitenta e cinco centavos) por
aluno/ano, incluindo capacitação, material didático-pedagógico, supervisão, despesas de transporte, hospedagem
e alimentação dos professores e participantes, no período de capacitação. Para atender às turmas participantes do
programa do GEEMPA, o estado terá um custo total de R$ 484.550,00 (quatrocentos e oitenta e quatro mil e
quinhentos e cinquenta reais), conforme documento da Seduc/RS (RIO GRANDE DO SUL, 2007).
34
2 A QUESTÃO DOS MÉTODOS E AS ONGS
Neste capítulo, problematizo a participação de setores privados na educação pública, e
como as políticas públicas, como o projeto-piloto em questão, fazem parte de diferentes
formas de financiamento da educação em prol da produção de um sujeito que corresponda às
necessidades do mercado de trabalho.
2.1 NOVO CURRÍCULO VERSUS MÉTODOS
As orientações iniciais do MEC em relação à prática pedagógica no ano do EFNA,
seguidas pela Seduc/RS, propõem que os professores e as escolas possuam “autonomia” na
construção de um novo currículo, e, por um lado, me fizeram pensar, inicialmente, que isso
era um indicativo de que haveria mudanças na estrutura da instituição escolar. Por outro lado,
imaginei que essa falta de orientação mais específica (sobre quais os conteúdos que devem
orientar o trabalho no ano) poderia ser uma forma de “valorizar” as práticas mais locais,
construindo o professor um novo currículo a partir do contexto dos alunos, de sua cultura.
Isso seria extremamente desafiador para nossos professores, e iria ao encontro de muitos
discursos que circulam, principalmente na academia, sobre a importância de educar as
crianças de forma mais contextualizada, sem massificar suas aprendizagens.
Deparo-me, então, com discursos da área da alfabetização que começam a (re)surgir,
35
provocando embates, comparações e questionamentos. Discursos estes que ganham força nas
formações dos primeiros grupos de professores do projeto-piloto, e se materializam nos livros
didáticos, manuais, materiais para as turmas participantes. Discursos que se valem da
Psicogênese da Língua Escrita, passando pelos estudos sobre letramento, até aqueles que
ressurgem, como o do método fônico, aparentemente com nova roupagem, ao se
denominarem como tendo uma abordagem metafônica. Ao considerar as diferenças que essas
abordagens trazem em suas propostas, estas chegam a parecer antagônicas, mas esses
discursos não restringem as práticas locais, nem impossibilitam, inclusive, conexões entre
essas diferentes propostas. Para compreender um pouco mais como se o papel da cultura
nessas possíveis (re)adaptações, cito Canclini (2005, p. 41):
A cultura apresenta-se como processos sociais, e parte da dificuldade de falar dela
deriva do fato de que se produz, circula e se consome na história social. Não é algo
que apareça sempre da mesma maneira. Daí a importância que adquiriram os
estudos sobre recepção e apropriação de bens e mensagens nas sociedades
contemporâneas. Mostram como um mesmo objeto pode transformar-se através dos
usos e reapropriações sociais.
Quanto aos discursos que ressurgem para alfabetizar crianças, não entrarei no mérito
de analisá-los neste momento, e independentemente dos usos que farão os professores em sala
de aula, cabe questionar o porquê da adoção desses três sistemas homogeneizadores, se a
“idealização” do MEC era justamente a construção de um novo currículo. Os resultados na
qualidade da educação estão sendo buscados em programas altamente controlados, que
regulam e avaliam de forma “macro” o desempenho dos mais diferentes contextos escolares.
Questiono ainda mais:
[...] por que sempre estamos procurando critérios que funcionem como
denominadores comuns, chãos comuns, que nos permitam dizer que isso é idêntico
àquilo ou, pelo menos, semelhante àquilo. No que concerne às práticas sociais e
mais especificamente no campo dos saberes e práticas pedagógicas penso que
perguntas tais como “que vontade é essa de agrupar?”, “que poderes e correlatos
saberes são ativados por essa vontade de agrupar?” e “que efeitos advêm dessa
vontade de agrupar? (VEIGA-NETO, 2004, p. 143)
36
A própria Seduc/RS propõe uma reestruturação da proposta pedagógica do Ensino
Fundamental, direcionando para os alunos do ano atividades predominantemente lúdicas
para desenvolver a socialização, a linguagem oral e escrita e outras linguagens como
integrantes do processo de alfabetização. Mas, ao buscar uma maior eficácia para a aquisição
desse processo de alfabetização, agora aos seis anos de idade, estaria a Seduc/RS propondo
uma mudança tão alternativa nos currículos do Ensino Fundamental?
A pedagogia, segundo Marzolla (2003), adquiriu uma base científica com a introdução
da psicologia, no final do século XIX, para sustentar teorias educacionais da aprendizagem.
Essa noção de progresso fez com que a busca por um método cada vez mais eficiente e
“cientificamente comprovado” se tornasse uma obsessão entre os educadores e especialistas.
Como bem coloca a autora:
O modismo, com a supervalorização da “última novidade” em matéria de método e
com os constantes revivals, que dão novas roupagens ao antigo, instituiu-se como
uma prática habitual, reguladora de expectativas e esperanças. Assim, a expectativa
por um método de alfabetização que resolva definitivamente os problemas ligados à
aprendizagem da leitura e da escrita que, ademais, alcance os resultados esperados
da ação alfabetizadora, sejam estes a aquisição da “tecnologia” do ler e escrever ou
os usos sociais da leitura e da escrita, cria e define um lugar de busca permanente
por novos métodos (MARZOLLA, 2003, p. 210-211).
Essa visão de que a “última novidade” é a melhor torna-se relativa quando nos
deparamos com a adoção de diversas propostas para a efetivação da alfabetização, no
momento em que encontramos os discursos tanto do construtivismo, que não se autodenomina
um método (embora haja os que dizem o contrário disso), quanto os da consciência
fonológica, que surge como uma novidade (mas da qual podemos encontrar a origem nas
abordagens fonológicas das antigas cartilhas), e um discurso também aparentemente “novo”,
o do letramento (e que tambémfoi reconhecido antes como “alfabetismo funcional”, na sua
face positiva, ou “analfabetismo funcional”, em sua face negativa), e que se desvincula do da
alfabetização ao receber tal denominação, quando passamos a distinguir aquisição da leitura e
da escrita de usos da leitura e da escrita.
37
2.2 O TERCEIRO SETOR NOS PROJETOS GOVERNAMENTAIS
Este capítulo consiste em uma análise do projeto-piloto como uma das políticas
públicas em educação, empreendidas na gestão desta Secretaria de Educação do Estado.
24
O
projeto-piloto é uma das iniciativas que visam o alcance de metas acordadas no compromisso
nacional “Todos pela Educação”. Esse compromisso visa uma educação básica de qualidade a
todos os brasileiros até o ano de 2022, ano do bicentenário da Independência do País. Para
isso, foram estabelecidas cinco metas a serem alcançadas, quais sejam: 1) Toda criança e
jovem de quatro a 17 anos na escola; 2) Toda criança plenamente alfabetizada até os oito
anos; 3) Todo aluno com aprendizado adequado a sua série; 4) Todo jovem com o Ensino
Médio concluído até os 19 anos; 5) Investimento em Educação ampliado e bem gerido.
O “Todos pela Educação” envolve vários setores da sociedade para que também se
responsabilizem pelo alcance desses objetivos, como representantes da sociedade civil, da
iniciativa privada, organizações sociais, educadores e gestores públicos de Educação.
25
O projeto-piloto está diretamente relacionado à meta 2 do “Todos pela Educação”,
ou seja, a alfabetização plena aos oito anos de idade. Além de fontes do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) do ano de 2000, que estima em 1,4% a taxa de analfabetismo
entre crianças de 10 a 14 anos de idade no Rio Grande do Sul, outras iniciativas estão sendo
tomadas para avaliar os níveis em alfabetização no país, como por exemplo, a “Provinha
Brasil”.
26
o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é um indicador
nacional, mas que toma como objetivo, pelo menos, o alcance das médias educacionais de
24
Vale explicitar a que gestão me refiro. Yeda Crusius, numa coligação entre os partidos PSDB, PFL e PPS foi
eleita em 2006 como governadora do Estado (RS). Assumiu o governo em 2007, e nomeou Mariza Abreu como
secretária de Educação. Antes de tomar posse do cargo, Mariza Abreu atuava como secretária de Educação de
Caxias do Sul. Mariza Abreu tem pós-graduação em História, foi professora estadual por quatro anos, atuou no
CPERS e no Ministério da Educação. Informações retiradas de: <http://pmdb-rs.org.br> Acesso em: 16 nov.
2008.
25
Disponível em: <http://www.todospelaeducacao.org.br>. Acesso em: 16 nov. 2008.
26
A Provinha Brasil é uma iniciativa do MEC e consiste em um instrumento para avaliar a alfabetização no
Ensino Fundamental, elaborada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep). Pode ser aplicada pelo próprio professor e visa, além de avaliar o índice de alfabetização, diagnosticar
dificuldades em leitura e escrita. Disponível em: <http://www.provinhabrasil.inep.gov.br>. Acesso em: 03 jan.
2009.
38
países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
27
Os dados
do Ideb são tomados como os índices que orientam o “Todos pela Educação”.
Sendo a educação alvo de tantas iniciativas públicas e privadas, de diversos setores
sociais, é importante questionarmos que grupos são estes envolvidos, que concepções de
educação estão imbricadas, e quais seus objetivos em tais compromissos, programas,
projetos, etc.
Ao selecionar os Programas que fariam parte do projeto-piloto responsável pela
alfabetização de 600 turmas de ano, foram escolhidas três instituições, sendo que elas se
intitulam Organizações Não-Governamentais (ONGs). Isso nos instiga a pensar no grande
alastramento do chamado terceiro setor em várias instâncias sociais. E, agora, sendo
participante ativo e “colaborador” do Estado, ainda poderíamos chamá-lo de “não-
-governamental”? Mesmo não participando oficialmente de nenhum dos três poderes do
Estado, as ONGs estão tendo cada vez mais um curioso papel dentro das instituições estatais.
Receber verbas da iniciativa privada e do Estado, ser regidas por estatutos próprios, ter como
base o voluntariado, serem criadas por iniciativas privadas para, de certa forma, suprir
algumas lacunas de cunho social nas comunidades, fazem parte de alguns movimentos
importantes que nos levam a desconfiar de um suposto “não-governo”, à medida que nosso
entendimento de governo se expande para além do Estado, ao entender que a arte de governar
implica em guiar a conduta alheia. Foucault, em sua investigação histórica, localiza três tipos
de práticas de governo que consistem no “governo de si mesmo, que diz respeito à moral; a
arte de governar adequadamente uma família, que diz respeito à economia; a ciência de bem
governar o Estado, que diz respeito à política.” (FOUCAULT, 1979, p. 280). O processo de
governamentalização do Estado, ou seja, racionalizar ações através de instituições para bem
governar o Estado, foi uma das formas mais produtivas de poder, mas que, apesar de governo
e Estado estarem intimamente relacionados pelo impacto desse processo na modernidade, não
podem ser tomados como sinônimos. Governar é prática do Estado, assim como de
instituições que se dizem “não-governamentais” na medida em que articulam estratégias de
controle, vigilância e poder sobre uma população. As parcerias entre estas instituições nos
27
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Essa organização internacional, criada em
1961, tem como princípios a democracia representativa e a economia de livre mercado. É composta por 30 países
que, juntos, produzem mais da metade da riqueza do mundo, sendo conhecida também como “grupo dos ricos”.
Um de seus objetivos é ajudar desenvolvimento econômico e social de países em desenvolvimento. Disponível
em: <http://pt.wikipedia.org>. Acesso em: 20 ago. 2008.
39
levam a desestabilizar as fronteiras que pensávamos existir entre elas, pois a arte de governar
de uma delas se em espaços comuns à outra, em relações estreitas, instáveis e não
rigidamente definíveis, pois:
São as táticas de governo que permitem definir a cada instante o que deve ou não
competir ao Estado, o que é público ou privado, o que é ou não estatal, etc.;
portanto, o Estado, em sua sobrevivência e seus limites, deve ser compreendido a
partir de táticas gerais de governamentalidade.” (FOUCAULT, 1979, p. 292)
Sendo assim, a disseminação das ONGs e sua crescente atuação social não podem ser
ignoradas como uma forma de governamento fato que desperta o interesse do Estado,
quando agrega essas organizações em suas políticas educativas.
O governamento das ONGs parece, em princípio, um jogo de palavras, mas merece
especial atenção na medida em que esses movimentos políticos se inserem no campo da
educação, instaurando discursos e verdades para gerir uma determinada população. Tais
discursos pertencem a uma racionalidade que pretende, segundo Santaina (2008), diminuir o
risco social sobre o EFNA, escolarizando os sujeitos para “Minimizar o risco que uma
população pobre, analfabeta, sem acesso à educação e à saúde podem gerar no coletivo de um
país” (p. 43).
A iniciativa de ampliação do Ensino Fundamental tem como um dos objetivos,
segundo o MEC, atender a um maior número da população infantil, dispondo de escolas para,
consequentemente, propiciar uma maior escolarização dessa infância.
A grande motivação de instituições que fazem parcerias e promovem essas iniciativas
na educação pública não é apenas querer um sujeito em sala de aula, mas formar um
determinado sujeito que corresponda a uma lógica de mercado. A educação e, mais
especificamente, a escola, torna-se alvo, assim, de uma preocupação que diz respeito a uma
população que deve ser universalmente escolarizada. Essa frente em prol da educação, de uma
maior escolarização dos sujeitos, é hoje uma preocupação de muitos organismos de cunho
social e econômico, que veem na escola uma importante (para não dizer essencial) gestora de
relações de poder que se estendem por todos os âmbitos da sociedade. Esse poder se refere às
40
relações entre indivíduos, mas não quaisquer relações e de qualquer forma, como pondera o
próprio Foucault. Segundo o autor (2006, p. 19), essas relações
[...] nada têm a ver com a troca, a produção e a comunicação, mesmo que lhes
estejam associadas. O traço distintivo do poder é o de determinados homens
poderem determinar, mais ou menos inteiramente, a conduta de outros homens
mas jamais de modo exaustivo e coercitivo.
O tom “benéfico” dessas ações, como os discursos “salvacionistas” através da
educação, elucida o que Foucault nos alerta quanto à importância de racionalizar as relações
de poder, isto é, como estabelecê-las da forma mais produtiva:
Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não,
você acredita que seria obedecido? O que faz com que o poder se mantenha e que
seja aceito é simplesmente que ele não pesa como uma força que diz não, mas
que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz
discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo
social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir
(FOUCAULT, 1979, p. 8).
A saber, a escola é importante como produtora de subjetividades, e vem sendo cada
vez mais alvo da ação direta de outros poderes que não são exclusivamente estatais, mas
envolvem a complexa rede globalizada de diversas instituições que clamam por um sujeito
também globalizado, eficiente, intimamente visível, consumista, enfim, que corresponda ao
que o mercado necessita.
tempos a educação é um setor fundamental para reformas sociais. Neto e
Rodriguez (2007) em estudo sobre o Projeto Principal de Educação (PPE) como uma reforma
da educação na América-Latina e Caribe, criado no início da década de 1980, analisam todas
as políticas e programas decorrentes desse projeto nas décadas seguintes. Já, desde o PPE,
observa-se em seus objetivos uma mudança nos modelos de gestão da educação, tendendo
para um enfraquecimento do papel do Estado, adotando novas alianças com outros setores da
41
sociedade.
Os autores ainda verificam que na América Latina, a partir da década de 1990, o novo
modelo de gestão se inspira nas ideias de “gerencialismo” ao expressar:
[...] uma tendência de incorporação dos princípios da gerência empresarial na área
educacional. Tal modelo representa um movimento que busca imprimir uma lógica
diferente à organização e ao funcionamento do sistema educacional, assim como
promover modificações na organização da escola. (...) essa tendência de gestão
revela-se na neotaylorização do trabalho docente e se expressa na separação entre os
setores que concebem (e decidem) e aqueles que executam (NETO; RODRIGUEZ,
2007, p. 38).
Esse modelo neoliberal de reforma na gestão, analisado de forma “macro” em grandes
compromissos firmados, geralmente por países desenvolvidos e direcionando iniciativas a
países em desenvolvimento, permite discutir os projetos e programas em andamento
atualmente no Brasil e, de maneiramicro”, como essas ações se materializam localmente em
nossas escolas. O projeto-piloto, como política pública, ao estabelecer parcerias com
entidades privadas, não corresponderia aos não tão novos modelos de gestão neoliberal,
como possibilitaria a compra de propostas educacionais amplas, pois incluem, além de
material didático, a formação de professores (treinados a partir dos princípios de cada
programa), novas formas de regular os espaços e os tempos escolares que estariam na ordem
da maior eficiência para a competitividade sendo tais ações essenciais na preparação para o
mercado globalizado.
As estratégias de supervisão e avaliação que acompanhariam também estes “pacotes
educacionais” ilustram o que Deleuze denomina de “sociedade de controle”. Diferentemente
das sociedades disciplinares de Foucault, produzidas nas instituições de confinamento
(escolas, quartéis, hospitais, fábrica, etc.), as sociedades de controle “não funcionam mais por
confinamento, mas por controle contínuo e comunicação instantânea.” (DELEUZE, 1992, p.
216). Mesmo não sendo comparados oficialmente, os três programas, para comprovar a
eficiência de suas metodologias, acabariam por entrar na lógica da competitividade e,
consequentemente, acarretariam a produção de mecanismos de controle sobre o desempenho
de suas turmas. Exemplificando: em uma das minhas últimas visitas ao GEEMPA, conheci o
42
“Prêmio Alfabetização 100%” que pretende, no final de 2008, premiar a professora pós-
-construtivista que alfabetizou todos os seus alunos. O prêmio é de R$50,00 (cinquenta reais)
por aluno alfabetizado. Como bem coloca Deleuze:
O princípio modulador do salário por mérito tenta a própria Educação nacional: com
efeito, assim como a empresa substitui a fábrica, a formação permanente tende a
substituir a escola, e o controle contínuo substitui o exame. Este é o meio mais
garantido de entregar a escola à empresa (DELEUZE, 1992, p. 221).
Além disso, a própria Seduc/RS propõe mudanças estruturais significativas na
educação como a alteração do plano de carreira do magistério público estadual. Tal mudança
tem gerado grandes embates entre governo e o Centro dos Professores do Estado do Rio
Grande do Sul (CPERS/Sindicato),
28
pois ao alterar o plano de carreira a Seduc/RS pretende
reduzir de seis para três os níveis em que os professores são divididos, ou seja, diminuindo a
distância entre as classes de carreira. Essa medida contraria o CPERS/Sindicato, que defende
o atual plano de carreira, criado em 1974, como uma conquista do magistério gaúcho, sendo
um modelo de plano para o restante do país. Para Mariza Abreu, secretária de educação do
Estado, critérios como tempo de serviço, assiduidade e pontualidade não poderiam garantir
progressão de classe e nem aumento de salário dos professores, uma vez que essa progressão
deveria começar a ser vinculada a metas de desempenho alcançadas pelos professores,
incluindo os índices de aprovação de seus alunos (ZERO HORA, 2009).
Outras iniciativas previstas para a atual gestão estadual é um plano que estimula a
municipalização do Ensino Fundamental e os prêmios por desempenho, em que a Secretaria
pretende premiar os professores que tiverem maior “produtividade”, segundo o alcance de
metas estabelecidas e avaliadas pela própria Seduc/RS. O CPERS/Sindicato argumenta que
essas iniciativas da atual gestão fazem parte da mercantilização da educação e são condizentes
com as exigências do Banco Mundial frente a um empréstimo previsto para o Rio Grande do
Sul no valor de US$ 1 bilhão (um bilhão de dólares) a partir de 2009 (ZERO HORA, 2009).
28
O Cpers surgiu em 1945 como movimento sindical e, atualmente, junto com o Sindicato dos Trabalhadores em
Educação, é o maior do Rio Grande do Sul com cerca de 120 mil trabalhadores na base, entre professores,
funcionários e especialistas, sendo mais de 85 mil associados.
43
Estaremos diante da escola-empresa a que se refere Deleuze, onde temos metas a
serem alcançadas para obter financiamentos, treinamento de pessoal (professores), gerentes
que supervisionam o andamento do trabalho, resultados de avaliações disponibilizadas em
rede mundial, indicadores internacionais de desempenho como parâmetros?
Os mecanismos competitivos que adentram a educação nos remetem a questionar
amplamente o que rege nossos projetos de sociedade em meio à chamada “globalização”. Não
se pode, também, a partir do pensamento moderno dicotômico, adjetivar a “escola-empresa”
como sendo um mal em nossa sociedade, mas a sua eficácia corresponde aos nossos modos de
vida, que não corrompem” a escola, mas fazem dela parte integrante de uma rede de
produção de significados e que está sendo (re)formulada e também formando a mesma
sociedade que a redesenha. Porém, nesta dinâmica é preciso atentar para o importante fato de
que, como alertam Neto e Rodriguez:
Trata-se [...] de transferir a educação da esfera da política para a esfera do mercado,
negando sua condição de direito social e transformando-a em uma possibilidade de
consumo individual, variável segundo o mérito e a capacidade dos consumidores
(2007, p. 45). [grifo meu]
A escola como lugar de grande produção e circulação de significados, tem na cultura
seu principal “objeto de consumo”. Modos de ser e de viver são produzidos simbolicamente
no cotidiano escolar em todas as relações possíveis na escola, e também nas vozes de outras
instituições que atravessam as práticas escolares e ampliam a necessidade de se pensar a
cultura como principal articuladora de saberes. Como afirma Hall:
[...] não é que “tudo é cultura”, mas que toda prática social depende e tem relação
com o significado, e consequentemente, que a cultura é uma das condições
constitutivas de existência dessa prática, que toda prática social tem uma dimensão
cultural.
44
Sendo assim, para toda formação, ou transformação, é necessário que se promovam
mudanças nas práticas discursivas no interior das instituições sociais envolvidas em tais
transformações. Não basta olhar globalmente para as grandes políticas educacionais que
transferem do poder público para o privado a função de educar, é preciso olhar para como
essas forças regulam as práticas pedagógicas em nossas escolas, e, como esclarece Hall:
O “econômico”, por assim dizer, não poderia funcionar nem teria efeitos reais sem a
“cultura” ou fora dos significados e dos discursos. A cultura é, portanto, nesses
exemplos, uma parte construtiva do “político” e do “econômico”, da mesma forma
que o “político” e o “econômico” são, por sua vez, parte constitutiva da cultura e a
ela impõe limites. Eles se constituem mutuamente o que é outra maneira de dizer
que se articulam um ao outro. (HALL, 1997, p. 34).
A lógica de mercado não tem uma atuação única e não é um poder estagnado que vem
de “cima pra baixo”: os macro e micropoderes atuam e criam constantemente discursos e
subjetividades em cada local de maneiras diferentes. Sendo assim, a cultura é um dos campos
de maiores embates e (re)significações em que podemos ancorar nossos estudos, articulando
como são pensadas políticas públicas para a educação e como se efetivam essas políticas em
culturas escolares locais. Para Hall (2003), há dois processos funcionando simultaneamente na
globalização, que parecem contraditórios mas se complementam. Esses processos, segundo o
autor, representam
[...] as forças dominantes da homogeneização cultural, pelas quais, por causa de sua
ascendência no mercado cultural e de seu domínio capital, dos “fluxos” cultural e
tecnológico, a cultura ocidental, mais especificamente, a cultura americana, ameaça
subjugar todas as que aparecem, impondo uma mesmice homogeneizante o que
tem sido chamado de “McDonald-ização”, ou “Nike-zação” de tudo. (...) Mas bem
junto a isso estão os processos que vagarosa e sutilmente estão descentrando os
modelos ocidentais, levando a uma disseminação da diferença cultural em todo o
globo. Essas “outras” tendências não tem (ainda) o poder de confrontar e repelir as
anteriores. Mas tem a capacidade, em todo lugar, de subverter e “traduzir”, negociar
e fazer com que se assimile o assalto cultural global sobre as culturas mais fracas
(HALL, 2003, p. 45).
45
Por isso, seria pretensioso e complexo por demais analisar, neste momento, os efeitos
dessas políticas educacionais de maneira generalizada, sendo necessária uma análise
cautelosa, tomando a cultura como fator-chave na configuração desse contexto, sem “cair” em
binarismos que oponham as ações “globais” às “locais”. Porém, é necessário estabelecer
relações entre estudos mais específicos e sua ligação com uma série de acontecimentos
históricos.
2.3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS NA EDUCAÇÃO
É importante colocar em xeque também o papel das avaliações feitas com os alunos
brasileiros, pois o Brasil, conforme critérios utilizados nessas avaliações, não tem alcançado
bons índices nos rankings internacionais no que concerne à educação.
29
Mas, além de
questionar os parâmetros avaliativos, examinando se contemplam a diversidade da cultura
brasileira, é importante pôr em questão a participação de organismos multilaterais (UNESCO,
UNICEF, OCDE, Banco Mundial), e como associar essas iniciativas a políticas neoliberais
que costumam promover-se como agentes de uma melhoria na qualidade da educação, assim
como um suposto maior desenvolvimento social e econômico.
Juntamente com as políticas de globalização e novos modelos de gestão na educação,
destacam-se, nas últimas décadas, políticas para descentralização do financiamento da
educação por parte do Estado, como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF),
30
redistribuindo encargos
29
CAPOVILLA, Fernando C. (Org.). Os novos caminhos da alfabetização infantil. 2. ed. São Paulo: Memnon,
2005. p. 109.
30
O FUNDEF foi instituído pela Emenda Constitucional n.º 14, de setembro de 1996, e regulamentado pela Lei
n.º 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano, e pelo Decreto nº 2.264, de junho de 1997. Foi implantado,
nacionalmente, em 1º de janeiro de 1998, quando passou a vigorar a nova sistemática de redistribuição dos
recursos destinados ao Ensino Fundamental. A maior inovação do FUNDEF consiste na mudança da estrutura de
financiamento do Ensino Fundamental no País (1ª a 8ª séries do antigo 1º grau), ao subvincular a esse nível de
ensino uma parcela dos recursos constitucionalmente destinados à Educação. Disponível em:
<www.mec.gov.br>. Acesso em: 01 mar. 2008.
46
educacionais (e financeiros) ao âmbito dos estados e municípios. Tal política
[...] se insere numa estratégia de financiamento da educação (orientada por agentes
internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional) e
imprime uma racionalidade técnica que reduz a participação do Estado no que
concerne ao aporte de recursos para a educação. Sob influência desses agentes, o
princípio da descentralização apresenta-se como solução viável para os intentos de
redução de gastos na área social, particularmente a educacional (MORAIS, 2007, p.
200).
Em contrapartida à diminuição de recursos para a educação, uma das principais formas
de distribuição de recursos para estados e municípios está atrelada a um valor anual
dependendo do total de matrículas efetuadas no Ensino Fundamental nessas redes. Sendo
assim, os recursos para a área da educação, que aparentemente são poucos ou, talvez,
realmente mal administrados, estão relacionados a iniciativas que ampliariam o número de
alunos matriculados e, consequentemente, à exigência por parte dos governos estaduais e
municipais de maiores recursos para supostamente atender a essa maior demanda. Extraindo
um trecho da justificativa do documento oficial do Estado sobre implementação do Projeto-
Piloto de Alfabetização do Estado, destaco literalmente a afirmação:
A implantação do FUNDEF
no País a partir de 1998 constituiu-se em
estímulo significativo para que os gestores da educação pública,
notadamente no âmbito dos Municípios, tomassem a iniciativa de
ampliação do ensino fundamental para nove anos, pois, na medida em
que recursos daquele Fundo são redistribuídos entre os governos
estaduais e as Prefeituras Municipais, com base na matricula em suas
respectivas redes de ensino fundamental, mais um ano letivo implica
mais alunos na construção do coeficiente de redistribuição dos recursos
do FUNDEF no interior de cada Estado (2007, p. 4). [Grifo meu]
No ano de 2008, a Faculdade de Educação da UFRGS articulou vários debates em
47
torno de políticas públicas em educação, por meio da VI Escola de Inverno”.
31
Tendo como
temática “Educação e sua vinculação com as políticas públicas”, esse evento propôs um
espaço de reflexão sobre as políticas públicas adotadas em vários níveis da educação pública
no país. Na ocasião, tive oportunidade de participar da mesa temática intitulada “Educação
Infantil, Alfabetização e Séries Iniciais do Ensino Fundamental”.
Meu relato nessa mesa apresentou dados referentes ao projeto-piloto que, em suma,
apresentavam os programas participantes, questionando pontos como o valor dos
investimentos, as metodologias empregadas, a avaliação e seus resultados. Esse espaço para
debates não só divulgou minha pesquisa, mas oportunizou conhecer outras pesquisas feitas na
própria Faculdade de Educação, bem como futuras trocas de informações com colegas com
temáticas afins.
Logo após minha participação na Escola de Inverno, fui encaminhada por minha
orientadora a um repórter de um periódico regional de grande circulação no sul do Brasil, que
pretendia consultar esta Universidade a respeito do projeto-piloto para a publicação de uma
matéria em seu jornal. Após longa conversa com esse repórter, falando sobre as características
da metodologia de cada um dos programas participantes e, mesmo que claramente
expressando algumas contrariedades em relação ao projeto-piloto do Estado, principalmente
em relação a sua avaliação, eis que no dia 07 de setembro de 2008 a matéria foi publicada
relatando uma experiência extremamente positiva nas escolas gaúchas, elevando “em até 25%
a média de desempenho dos estudantes” (GONZATTO, 2008, p. 34). Apesar de reconhecer
muitas informações comuns à conversa tida com tal repórter, não houve nenhuma citação em
31
Essa edição da Escola de Inverno realizou-se de 14 a 18 de julho de 2008, na sala 101 da Faculdade de
Educação. Sua programação foi: Mesa Temática I – “Políticas Públicas e Relação Público x Privado” Profª Drª.
Carmem Craidy e Profª Drª. Vera Peroni; Mesa Temática II – “PDE e PAR – Plano Desenvolvimento Educação
e Plano de Ações Articuladas (Educação Compromisso de Todos)”, Profª Drª. Maria Beatriz Luce e Profª Dda.
Maria Goreti Farias Machado; Mesa Temática III – “Financiamento, Gestão e Avaliação Institucional”. Profª
Me. Maria C. Bortolini e Profª Dda. Josiane Amaral; Profª Dda. Rosa Mosna; Profª Drª Denise Leite; Mesa
Temática IV – “Educação Infantil, Alfabetização e Séries Iniciais do Ensino Fundamental” Profª Drª Maria
Carmen Barbosa, Profª Drª. Iole Maria Faviero Trindade, Me. Dda. Darlize Teixeira de Mello, Mda. Suzana
Schineider, Mda. Rochele Santaiana; Mesa Temática V – “Ensino Médio e Educação Profissional”, Profª Drª
Clarice Traversini, Profª Dr. Samuel Edmundo López Bello, Profª Drª Flávia Maria Teixeira dos Santos, Profª
Drª Naira Franzoi e Profª Drª Simone Valdete dos Santos; Mesa Temática VI – “EJA, Educação Social e
Educação em prisões” Profª Drª Denise Maria Comerlato, Profª Drª Laura Souza Fonseca e Profª Drª Carmem
Maria Craidy; Mesa Temática VII – “Inclusão, Educação Indígena e Educação no Campo.” Profª Drª Adriana
Thoma; Profª Drª Maria Aparecida Bergamaschi; Profª Drª Marlene Ribeiro e Prof. Ddo. Nelton Luis Dresch;
Mesa Redonda – “Observadores Qualificados”; Mesa Temática VIII – “Ensino Superior, Formação Professores e
Pedagogia a Distância” Profª Drª Merion Bordas; Profª Drª Elizabeth Krahe; Profª Drª Marie Jane Soares
Carvalho; PLENARIA FACED – “sistematização das demandas”; Mesa Temática IX – “Painel Sinóptico –
entrega e apreciação do documento consolidado aos /às gestores/as SMED, Seduc/RS e MEC.”
48
relação ao posicionamento da Universidade sobre o projeto-piloto, talvez por esse
posicionamento não coincidir com os relatos e percentuais que ovacionam tal projeto em duas
páginas inteiras de reportagem.
32
Seria o receio às críticas da Universidade que a exclui da
participação em iniciativas governamentais, ao mesmo tempo que anularia sua opinião na
mídia? Essa experiência não retratou especificamente de que forma o projeto-piloto é
divulgado na mídia, mas como se travam as lutas simbólicas entre as verdades que
produzimos academicamente e as verdades circulantes nos meios de comunicação.
Para finalizar esta reflexão, deixo como provocação outras questões: o que métodos ou
metodologias de alfabetização têm a ver com isso tudo? Por que ONGs se ocupam da
escolarização e da alfabetização das crianças? Por que assumem uma tarefa que era, desde a
modernidade, do Estado? Por que o Estado passa a compartilhar com essas organizações uma
tarefa que assumira para si, quando as escolas deixaram de ser de improviso e passaram a ser
preferencialmente do Estado?
32
GONZATTO, Marcelo. Três testes para alfabetização. Zero Hora, Porto Alegre, p. 34, 07 set. 2008.
49
3 ALGUNS CAMINHOS DA ALFABETIZAÇÃO
Este extenso capítulo começa por abordar algumas perspectivas sobre a alfabetização
circulantes no cenário brasileiro nas últimas décadas, para contextualizar os aportes teóricos
de cada programa participante do projeto-piloto. Abordo também recentes estudos na área da
alfabetização para pensar sobre as diferenças e semelhanças entre essas propostas. Feito isto, e
analisando brevemente a cada uma dessas propostas, culmino na análise dos materiais
didáticos do GEEMPA, o foco principal deste trabalho.
3.1 BREVE HISTÓRICO
Principalmente nos séculos XIX e XX, os discursos em torno da alfabetização se
diferenciaram em algumas categorias básicas do pensamento pedagógico, sendo importante
ressaltar que, com a universalização da escolarização, o estado moderno criou estratégias para
educar as massas num mesmo tempo e espaço. A racionalidade e a eficácia do mundo
moderno deixavam, assim, seu legado à escola, que precisa educar a população, civilizá-la,
sendo a alfabetização o instrumento primordial para tais finalidades.
A educação de massas nos séculos XIX e XX exigia um esforço na regulação da
população para evitar ameaças e estabelecer sua conformação às condições da força de
trabalho capitalista. As muitas mudanças pelas quais a escola passou no século XX são
50
características de todas as transformações da sociedade moderna. A escola moderna, vista
como responsável” por transmitir os conhecimentos, tratava de se adaptar ao dinamismo
dessa sociedade, incorporando fatores que visam o progresso social e individual, revendo
constantemente suas práticas.
Certamente, a história da alfabetização passa por mais uma fase importante em que
medidas são tomadas em prol de um suposto progresso social e econômico. Para tanto, grupos
de especialistas” (como linguistas, fonoaudiólogos, psicólogos etc.) debatem e criam
estratégias para o sucesso da alfabetização, precisando, para tanto, conhecer não somente
como se esse processo, mas conhecer o sujeito a quem se destina essa aprendizagem.
Compartilho da ideia de Rose (1998) em relação à administração desse sujeito, esse eu”
contemporâneo, e das subjetividades, quando reconhece que as vozes de especialistas, cada
vez em número maior e de forma mais diversificada, têm surgido e se multiplicado em novos
grupos de profissionais que se autorizam a classificar o sujeito. Assim, acontece na
alfabetização de crianças atualmente, uma vez que tais vozes posicionam o sujeito conforme
suas habilidades de uso da leitura e da escrita, antes, durante e após a aquisição do código
escrito.
Segundo Mortatti (2000), foram quatro os momentos em torno dos métodos de
alfabetização marcados por disputas entre os defensores de diversos desses métodos entre o
final do século XIX e o início do século XX. A autora ilustra tal trajetória a partir da província
e, posteriormente, estado de São Paulo. Tomaremos o estudo de Mortatti apenas para salientar
algumas “categorias” que identifiquem alguns fenômenos em torno da alfabetização, não
querendo seguir à risca a cronologia desse estudo paulista, visto que estudos de
pesquisadores/as gaúchos/as voltados/as para a história da alfabetização em nosso Estado.
33
Inicialmente, a preocupação em como ensinar os alunos é o que orienta a didática
desses métodos. Em um primeiro momento, ainda no período do Império no Brasil, podemos
exemplificar o destacado método João de Deus”,
34
embasado na palavração, que se
33
Refiro-me principalmente à pesquisa da Profª. Drª. Iole Maria Faviero Trindade, que originou sua tese de
Doutorado intitulada “A invenção de uma nova ordem para as cartilhas: ser maternal, nacional e mestra. Queres
ler?”. Nesse trabalho, a autora traça a trajetória da alfabetização no Rio Grande do Sul através da análise de
cartilhas e documentos no período entre o final do século XIX e primeiras décadas do século XX. Assim, com
este trabalho, tomo ciência de que existem outras pesquisas direcionadas para a história da alfabetização em
nosso Estado, e que precisam ser mais bem exploradas.
34
João de Deus de Nogueira Ramos (1830-1896) foi o poeta português autor da Cartilha Maternal, publicada em
1876. A cartilha foi rapidamente difundida em Portugal, onde até hoje continua a ser editada. No Brasil, no final
da década de 1870, já era conhecida e, a partir daí, também muito difundida. (TRINDADE, 2001)
51
contrapunha àqueles métodos que, na época, seriam reconhecidos como “tradicionais” e que
seriam posicionados como os métodos sintéticos, ao terem como ponto de partida a letra, a
sílaba e o fonema. Em um segundo momento, ainda os “tradicionais” defensores do método
sintético se deparariam com os partidários do “novo” método analítico, que teria como ponto
de partida a palavra, a sentença ou a “historieta”/conto.
A partir da década de 1920, em um terceiro momento, destaca-se o método misto que,
ao combinar as duas ordens, sintética e analítica, pretenderia condensar tais métodos. O
quarto momento caracteriza-se por uma desmetodização” da alfabetização, pois surgiria, no
final da década de 1970, o que seria reconhecido como uma “revolução conceitual”, o
construtivismo pedagógico que, baseado nas pesquisas de Emília Ferreiro e Ana Teberosky,
mudaria o foco do “como se ensina” para o “como se aprende”, no que se refere à área
específica da aquisição da leitura e da escrita. Embasadas no método clínico de investigação
com crianças, de Jean Piaget, e nas reformulações e revisões por quais passaram no Brasil,
como as contribuições das teorias de Vigotsky e Luria (SILVA, 1993) tais pesquisas
influenciariam fortemente a educação brasileira, ao considerar a criança como um sujeito
cognoscente que “constrói seu conhecimento na interação com o objeto do conhecimento e de
acordo com uma sequência psicogeneticamente ordenada” (MORTATTI, 2000, p. 267) na
interação com outros sujeitos e pela interação destes com a professora.
Além desses quatro momentos da alfabetização referidos por Mortatti, aliamos mais
um momento que, a partir da década de 1980, surge no Brasil e começa a ser utilizado por
pesquisadores na área da Educação e da Linguística, representado pelos estudos sobre
letramento. Nesses últimos anos, a questão da alfabetização foi ampliada para os seus usos, ou
seja, se o sujeito é capaz de utilizar o conhecimento em leitura e escrita em suas necessidades
sociais cotidianas e como o faz. Assim se refere Mortatti ao letramento:
Embora a alfabetização não seja pré-requisito para letramento, este está relacionado
com a aquisição, utilização e funções da leitura e escrita em sociedades letradas,
como habilidades e conhecimentos que precisam ser ensinados e aprendidos,
estando relacionado também com a escolarização e a educação, abrangendo
processos educativos que ocorrem em situações tanto escolares quanto não-escolares
(2004, p. 11).
52
O termo letramento é usado no Brasil para representar a palavra literacy, que na língua
inglesa significa o estado ou a condição daquele que aprende a ler e escrever, estando
implícita a ideia dos usos efetivos dessas habilidades, ou seja, as consequências sociais,
culturais, políticas, econômicas e cognitivas que a condição de alfabetizado pode acarretar.
No Brasil, especialmente na Linha de Pesquisa Estudos Culturais em Educação do Programa
de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ao qual se
integra este estudo, discute-se a distinção entre os termos alfabetização e letramento, assim
como a invenção e a produtividade desses termos, tanto para quem produz (academia), quanto
para quem consome (professores) esses discursos (TRINDADE, 2004, 2005). Embora haja a
possibilidade dessas distinções, o uso do termo alfabetização é bastante recorrente para
referir-se a todos esses significados inclusive nesta dissertação, ao analisar a chamada nova
cultura da alfabetização, que inclui tanto as práticas de alfabetização quanto as de letramento.
Essa preocupação com os usos sociais da escrita traz à escola desafios como o de
contemplar as demandas sociais e culturais que um indivíduo enfrenta em uma sociedade
amplamente “letrada”. Explorar todos os contextos escritos possíveis do cotidiano social é
uma tarefa que atenta para novas didáticas, que devem ser incorporadas ao
ensino/aprendizagem da língua, passando a constituir o sujeito que nãoconhece os códigos
da escrita, mas que é “funcionalmente” capaz de administrá-los. Tais discursos em torno da
funcionalidade da leitura e da escrita fazem com que a escolarização se torne sinônimo de
eficácia frente ao sistema social vigente, sendo preciso combater o analfabetismo funcional
com uma maior escolarização, como supõe a própria Seduc/RS em documento oficial do seu
Projeto-Piloto de Alfabetização:
[...] a ampliação do atendimento escolar, de fato, teve forte impacto no
processo de desaceleração do analfabetismo, sobretudo nas faixas
etárias mais jovens. Os dados do referido Mapa mostram que a melhor
política para combater o analfabetismo é assegurar escola de qualidade
para todos na idade correta. Se não priorizarmos a alfabetização das
crianças no início da escolarização, ou seja, aos 6 e 7 anos de idade,
continuaremos a produzir o analfabeto funcional, mesmo mantendo as
crianças no ensino fundamental (2007, p. 02).
53
Os primeiros anos da escolarização são o foco inicial do que se chama de “sucesso
escolar” e, de certa forma, são tomados como um “termômetro” para a trajetória escolar dos
alunos. Investir em uma “boa” alfabetização na idade correta pressupõe fazer com que a
criança tenha um aproveitamento maior no ensino fundamental, tornando-se um aluno cada
vez mais “letrado”. Sendo assim, o termo “letramento”, como veremos posteriormente, torna-
-se cada vez mais visível nas justificativas de implementação de políticas voltadas à
alfabetização. Em relação ao letramento, Soares (1999 apud BONAMINO; COSCARELLI;
FRANCO, 2002, p. 95) faz uma importante observação sobre o conceito:
Mas essa definição de letramento e a forma de avaliá-lo são diferentes em cada país
e podem variar mesmo entre escolas do mesmo estado. [...] Neste sentido, são
freqüentes os casos em que indivíduos são “capazes de comportamentos escolares de
letramento, mas são incapazes de lidar com os usos cotidianos da leitura e da escrita
em contextos não escolares.
A partir dos estudos de Brian Street e Adam Lefstein (2007), pode-se ampliar ainda
mais a definição sobre letramento. Street faz um compilado de textos sobre esse conceito,
35
apresentando também perguntas e idéias para que o leitor faça suas próprias investigações
sobre o tema, diante das diferentes perspectivas que a obra apresenta. Exemplificando, Street
(2007) apresenta de forma crítica alguns estudos que relacionam o letramento como
consequência direta da aquisição da língua, ocorrendo paralelamente ao desenvolvimento
cognitivo do sujeito que aprende. Em outras palavras, a alfabetização desenvolveria processos
de raciocínio superiores nos alfabetizados em relação ao não-alfabetizados, relacionando a
escrita às formas de pensamento abstrato, sendo que a logicidade estaria no texto ao mesmo
tempo em que o texto estaria na escola (STREET; LEFSTEIN, 2007, p. 38), desconsiderando
os textos não-escolares.
outros estudos citados pelo autor considerariam as práticas de letramento conforme
seu contexto social, tanto nos processos de aprendizagem escolar quanto nos seus variados
usos sociais, incorporando a bagagem cultural do sujeito e os textos de seu cotidiano, sem
impor um padrão de gêneros textuais. Essa abordagem se aproximaria mais das definições de
35
Como o autor utiliza o termo literacy para referir-se tanto ao letramento quanto à alfabetização, ao abordar a
perspectiva de Street, posso atribuir qualquer um desses dois sentidos nessa tradução de sua obra.
54
letramento que encontramos nos estudos brasileiros na área da alfabetização e nas propostas
didáticas que incorporam uma numerosa variedade de textos para se alfabetizar.
Há ainda uma outra tradição apresentada por Street (2007) que ampliaria o conceito de
letramento para além do texto, ao considerar os modos globais de comunicação como sendo
letramento, incluindo, então, os modos visuais e gestuais, isto é, os chamados
“multiletramentos” ou multimodalidade” (STREET; LEFSTEIN, 2007, p. 35). Essas
peculiaridades de interpretações sobre o letramento nos permitem localizar tanto nas
pesquisas sobre alfabetização (como nos referenciais teóricos sobre o tema produzidos no
Brasil), quanto em materiais didáticos para alfabetização, o que está sendo considerando
como letramento. Não é possível nesta pesquisa fazer tamanha e merecida discussão, mas, no
momento, pode-se focar os materiais analisados e mapear alguns indícios de como o discurso
do letramento surge como uma nova proposta didática, passando desde o método fônico até o
pós-construtivismo.
Sendo assim, é indispensável tomar os termos letramento/alfabetismo e alfabetização
não somente a partir do referencial teórico que conhecemos academicamente, mas enxergar
como esses conceitos são utilizados nos materiais didáticos e de formação produzidos pelas
políticas educacionais.
3.2 A GUERRA DOS MÉTODOS
Um dos principais debates no campo da alfabetização no Brasil remete a um certo
antagonismo entre os chamados métodos fônicos e as propostas construtivistas. Essa suposta
“oposição” entre o construtivismo e o método fônico é instigante, ao analisar o que está sendo
produzido em nossa rede estadual de ensino, ao incorporar duas instituições, o Instituto Alfa e
Beto e o GEEMPA, representantes desses métodos/propostas, com o mesmo intuito de
alfabetizar crianças e, de certa forma, comparar resultados.
55
Mas esses debates não são exclusivos da alfabetização no Brasil, uma vez que o como
alfabetizar crianças vem sendo debatido algumas décadas em outros contextos, e no caso
que exemplifico, em países como os Estados Unidos, causando ressonâncias nas discussões
agora travadas em nosso país. Um exemplo disso é a justificativa de Fernando Capovilla à
adesão ao fônico, tomando parâmetros internacionais como ideais em contrapartida aos
parâmetros de alfabetização brasileiros que, segundo esse autor, foram muito influenciados
pelo construtivismo. Capovilla justifica que quanto ao fônico, “O Observatório Nacional da
Leitura da França e o Painel Nacional de Leitura dos EUA afirmam sua clara superioridade
mas o MEC nunca deu à criança a chance de aprender com o fônico e colher seus frutos.”
(CAPOVILLA, 2006, p. 12). Considerando que a seleção e o uso que fazemos de discursos
estão imbricadas nas relações de poder, cabe questionar o quanto os defensores do fônico
tomam o cientificismo de países “desenvolvidos” como constituidores de verdades quase que
inquestionáveis, através de suas “evidências”. Nesse sentido, observa Street:
Hoje em alguns países exigem-se abordagens de “base científica” que dêem
evidência sólida de quais métodos e abordagens são superiores e que sejam capazes
de “refutar salutarmente” algumas hipóteses contrárias (STREET; LEFSTEIN, 2007,
p. 35).
Para ressaltar o caráter produtivo e dinâmico dos discursos, percebemos, através dos
estudos de Street, que mesmo as afirmações sobre a “superioridade” do fônico não se deram
de forma tranquila e não são predominantes no contexto norte-americano. Street analisa
autores que defendem diferentes posições em torno da aquisição do letramento/alfabetização,
caracterizando-as como reading wars”, ou seja, “guerras pela leitura”. Nesse embate,
defensores da abordagem fônica se contrapõem à chamada língua integral” (whole
language).
A língua integral é descrita em uma passagem de Goodman, seu grande defensor,
conforme aponta Street, como resistente aos processos de decodificação fonética isolados,
fora de um contexto. Essa abordagem considera as experiências de fora da escola (o que as
crianças sabem, seu contexto social) para as aprendizagens do aluno. Nessa perspectiva,
segundo Goodman, na citação de Street, “Os professores de língua integral adquiriram o
56
controle do conhecimento sobre como funciona a leitura e a redação e construíram sua própria
pedagogia com base nesse conhecimento sua teoria e prática de ensino.” (STREET;
LEFSTEIN, 2007, p. 74). Goodman ainda recorre aos trabalhos de Vigotsky, Piaget e do
linguista anglo-autraliano Michael Halliday, para construir os argumentos em prol da língua
integral. A proposta didática desta abordagem sugere que as crianças desenvolvam estratégias
frente a diversos textos, construindo seus significados (STREET; LEFSTEIN, 2007). Ainda
mais especificamente, no excerto de Goodman:
Elas [as crianças] precisam aprender a selecionar, prever e inferir e elas mesmas se
corrigirem quando necessário, tudo segundo um enfoque na compreensão do texto
escrito. E enquanto desenvolverem tais estratégias, precisam acreditar que suas
jogadas de adivinhação chegam ao significado com um mínimo de esforço e
compenetração. Por outro lado, precisam ser cautelosas o bastante para monitorar
suas boas adivinhações e terem certeza que estejam adequadas ao texto em
desenvolvimento. Achar o equilíbrio entre a confiança e o experimentalismo é
essencial ao desenvolvimento da leitura (GOODMAN apud STREET; LEFSTEIN,
2007, p. 77).
Esses trechos sobre a língua integral foram selecionados por serem coerentes com a
abordagem construtivista adotada no Brasil e que, como no debate norte-americano, se
contrapõem ao fônico. Street relata:
[...] nos anos 70 e 80 a língua integral passou a ser vista como a “sabedoria
convencional” da educação de idiomas nas instituições educacionais dos EUA e
Reino Unido. Nos anos 90 perdeu a primazia, por um lado, devido a uma série de
relatos de pesquisa sobre fônica [...] e, por outro lado, devido a desenvolvimentos
políticos e de políticas (STREET; LEFSTEIN, 2007, p. 73).
As políticas que instauram o discurso da fônica como superior aos outros são,
conforme Griffin, baseadas em uma necessidade de apresentar dados negativos em relação ao
desempenho de alunos em avaliações sobre alfabetização. Conforme Street, essa autora, uma
das mencionadas em seu estudo, questiona “porque os políticos constantemente falam em
57
‘crise da leitura’ e exigem mais fônica e testes nas escola de ensino fundamental.” (GRIFFIN
apud STREET; LEFSTEIN, 2007, p. 6) Ao perguntar “quem lucra” com essa estratégia, a
autora responsabiliza editoras, conforme seu próprio texto:
[Os] editores comerciais, apoiados pelos formuladores das políticas federais lucram
muito. Materiais, programas, avaliações de fônica representam um negócio lucrativo
para os editores de livros didáticos. A aquisição da fônica é fácil de “quantificar”
através de testes antes e após a instrução, desovando escores de estudos quase
experimentais que provam o tratamento dos trabalhos de fônica. Editores e cientistas
ficam ricos, políticos são eleitos e estudantes e professores são importunados até não
suportarem mais (GRIFFIN apud STREET; LEFSTEIN, 2007, p. 6).
Frente ao debate público gerado na década de 1990 nos Estados Unidos, muito
instigado pelos baixos rendimentos dos alunos apontados pelas avaliações (STREET;
LEFSTEIN, 2007), Catherine Snow coordenou um relatório realizado por um comitê que
discutiu os problemas em relação à leitura nesse país. Street, ao citar trechos desse relatório,
aponta para uma forte tendência de Snow para a “defesa” da fônica e de políticas reguladoras
mais rigorosas. Ainda cita outras críticas a esse relatório, pelo fato de ele ser produzido para
atender a interesses políticos específicos. Fatos semelhantes que ocorreram com esse
movimento nos Estados Unidos (assim com na França e na Inglaterra) ocorrem no Brasil,
tanto a partir dos “alarmantes” baixos índices de alfabetização divulgados pelas avaliações
nos últimos anos, quanto também por produção de relatórios que debatem e propõem
mudanças na estruturação de metodologias, como a revisão dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), produzidos na década de 1990 no Brasil com uma forte influência
construtivista, como podemos visibilizar na crítica do linguista e educador Claudemir
Belintane:
No Brasil, em 2003, a Comissão de Educação da Câmara Federal do Deputados
“criou um grupo de trabalho integrado por eminentes especialistas internacionais e
convidados estrangeiros para apresentar ao Brasil uma visão atualizada sobre as
teorias e práticas de alfabetização como base para uma análise da situação
brasileira” (Relatório final do grupo de trabalho “Alfabetização infantil, os novos
caminhos”). Os eminentes especialistas não vieram aqui sob os auspícios da
neutralidade científica para evidenciar criteriosamente as causas do mau
desempenho do ensino brasileiro e oferecer sugestões neutras e eficientes ao Estado
58
brasileiro. Vieram, sim, como defensores do “método fônico”, com o claro objetivo
de desalojar a influência construtivista dos documentos oficiais e de alguma possível
posição estratégica na realidade escolar brasileira. (...) por estranha coincidência, os
especialistas são organizadores do movimento fônico nesses países, onde erigiram e
aparelharam organizações específicas com o objetivo de influenciar politicamente e
intervir nos ministérios da educação de seus países (BELINTANE, 2005, p. 64).
Essas estratégias, como aquela a que se refere Belintane, são de uma racionalidade
política que, como bem explica Jorge Ramos do Ó,
36
fazem parte da produção de verdades
que constituíram as instituições modernas e que ainda são responsáveis por uma economia
desses sistemas.
Para Ramos do Ó, assim como para outros autores de inspiração foucaultiana como
Rose (1998), é preciso primeiramente que se conheça a população, para que o sujeito possa
ser descrito, calculável, pensável. Este conhecer pode envolver relatórios, gráficos, números e
outras estratégias que deram origem à estatística ciência do estado, a partir do século XVII
(ROSE, 1998). Conhecer a população é fundamental na formação do Estado e na sua
manutenção, para saber como atuar de forma mais produtiva.
A arte de governar, característica da razão de Estado, está intimamente ligada ao
desenvolvimento do que denominamos estatística ou aritmética política, ou seja, ao
conhecimento das forças respectivas dos diferentes Estados. Um tal conhecimento
era indispensável ao bom governo (FOUCAULT, 2006, p. 376).
Mas, para que dados produzidos pelas estatísticas sejam tidos como verdades, é
preciso legitimá-los. Para tanto, o discurso científico moderno tem o papel de comprovar”
esses dados em uma determinada racionalidade, classificando os sujeitos, instituindo
categorias com um poder indiscutível, sendo o discurso científico tomado como sinônimo da
“verdade”, como ocorre na Modernidade.
A aplicabilidade social da produção desses saberes legitimados depende das
36
Segundo anotações do Seminário Especial ministrado por Jorge Ramos do Ó, intitulado “Escritas do
contemporâneo e a pesquisa em educação: os desafios de Barthes, Deleuze, Derrida e Foucault.”, que ocorreu em
dezembro de 2008 na Universidade Luterana do Brasil.
59
instituições que, na modernidade, surgiram para governar essa população, calculada,
conhecível pela estatística e subjetivada pela ciência (RAMOS DO Ó, 2008). A escola é,
assim, uma dessas instituições e, como podemos perceber, as justificativas das propostas de
alfabetização baseiam-se muito nas “evidências científicas” para instaurar determinados
saberes. A racionalidade moderna constitui os currículos escolares séculos, e mesmo que
nas escolas tenha havido movimentos que questionaram até sua própria existência, no
discurso neoliberal a escola torna-se tão reguladora quanto aliás, autorreguladora, por seus
mecanismos não serem de repressão física, de clausura, mas de constante vigilância mútua,
produzindo assim, uma economia de controle.
Todo esse movimento – conhecer, subjetivar/normatizar, prescrever e (auto)regularé
visível em políticas que são sistematicamente criadas em prol de uma determinada população.
No caso das políticas analisadas estes são seus movimentos: avaliar e conhecer os índices de
alfabetização e a população infantil atendida; buscar metodologias que tenham o aval
científico, tomadas como metodologias “infalíveis”; instaurar programas educacionais nas
escolas; e responsabilizar sujeitos alunos e professores por sua eficácia, isto é, pela tradução
fiel aos discursos instaurados.
Na análise de Belintane (2005), na década de 1980, quando o construtivismo surgiu
ganhando força nas políticas educacionais brasileiras, as avaliações também apontavam
baixos índices de alfabetização no país, culpabilizando a metodologia vigente, na época os
chamados “métodos tradicionais”. O que aconteceria atualmente seria semelhante a esse
movimento, que agora desqualificando o construtivismo em prol de mudanças e da adesão
a outra metodologia revolucionária” (o método fônico), fazendo com que, segundo ainda
Belintane, se “maquiem as reais problemáticas da escola, que não seriam exclusivas de um
método ineficiente, mas de toda a estrutura escolar.
Nesses dois polos acerca de metodologias, as críticas contundentes ao construtivismo
“denunciam” sua ineficácia para ensinar ao sujeito as habilidades básicas de codificação e
decodificação da língua, para que, assim, tendo bem estruturadas essas habilidades, tal sujeito
esteja preparado para os novos domínios necessários em uma “economia cada vez mais
competitiva” (SNOW apud STREET; LEFSTEIN, 2007, p. 81). Ou seja, o código alfabético é
essencial para que também novas tecnologias entrem na pauta da escolarização (inclusive
esses processos de alfabetização com os discursos sobre os múltiplos letramentos”), não
60
deixando de ser a escola uma parte da engrenagem da produção de um sujeito histórico-
-social, culturalmente constituído sendo que, atualmente, é esse sujeito múltiplo da
globalização que necessita primordialmente ser alfabetizado, assim como precisa dominar
outras novas tecnologias.
Os defensores do método fônico tomam como exemplos os baixos índices de
alfabetização na perspectiva construtivista, criticando o não-aprendizado do aluno pela
postura do professor em encarar a aprendizagem como “espontaneísmo” ou “adivinhações”,
não interferindo devidamente, não ensinando e esperando que seus alunos aprendam “em um
clique”. Essa ineficiência seria uma tradução incorreta dos professores sobre a formulação de
hipóteses pelas crianças, assim como outros problemas apontados por Belintane (2005, p. 65):
[...] encontramos inúmeros problemas, que vão desde a dispersão curricular
(dificuldade de controlar programas), passando pela improvisação de materiais
(mistura improvisada de páginas de cartilhas com livro didático construtivista), até o
uso equivocado da teoria como justificativa para uma prática mal enjambrada (por
exemplo, transpor a idéia de que a instabilidade em uma das fases leva a hipótese do
aluno a uma contradição e suscita, quase espontaneamente, uma mudança de fase,
para a atitude passiva que consiste em esperar o “clique” do aluno, expressão com a
qual professores indicavam a irrupção espontânea da fase alfabética).
Apesar das críticas apontadas, os construtivistas consideram um retrocesso o
ressurgimento do método fônico como solução à alfabetização. O trabalho do fônico, como o
material e os textos a serem usados na alfabetização, se centraria apenas na decodificação
mecânica, não atentando para a compreensão do texto, e assim reproduzindo textos que
privilegiariam a relação fonema/grafema, mas que não fariam sentido para a criança,
desconsiderando os saberes que os alunos trazem quando ingressam na escola. Enquanto o
construtivismo consideraria as capacidades de leitura e escrita da criança para a
aprendizagem, ou seja, colocaria o sujeito no centro do processo de aprendizagem, o método
fônico argumentaria que, para que se a compreensão de texto, é preciso ter primeiro uma
capacidade para decodificar o texto, o que implica, necessariamente, o ensino das relações
fonema/grafema anteriormente à produção do texto e sua leitura.
Na breve análise dos materiais do projeto-piloto, identificam-se esses dois polos, e
61
como se mais adiante, a forma de divulgar a atuação de cada uma dessas metodologias
estão constituindo discursos sobre o fônico e o construtivismo atualmente no Brasil. Cabe
ressaltar mais uma vez que não é intuito desta dissertação avaliar ou julgar essas diferentes
metodologias, mas, ao identificá-las, compreendê-las como parte de uma trajetória de
produção acadêmica na área da alfabetização.
3.3 OS MATERIAIS PARA ANÁLISE
A partir desta seção e das seções seguintes, neste capítulo, faço a análise dos materiais
(disponibilizados pela Seduc/RS ou adquiridos por mim), conforme os discursos sobre
alfabetização apresentados e já problematizados, confrontando-os.
3.3.1 Os materiais do Instituto Ayrton Senna
Os materiais do Instituto Ayrton Senna dos quais disponho para análise são os
volumes 1 e 2 do Lendo e formando leitores: orientações para o trabalho com a literatura
infantil”, que são distribuídos a cada professor que trabalha com essa metodologia.
também as “fichas” de acompanhamento, como: “Matriz de Habilidades – Língua
Portuguesa”; “Perfil de Atendimento” (a ser preenchido pela escola); “Relatório Mensal do
Coordenador Pedagógico A”; “Relatório de Visita do Coordenador Pedagógico”; “Agenda
para Reunião Pedagógica com Professores”; “Relatório Mensal do Diretor de Escola I”;
“Acompanhamento de Leitura”; “Acompanhamento Mensal II”; “Perfil da Turma II; Ficha de
Leitura, Escrita e Língua Oral I e II”; “Matriz de Habilidades – Matemática”.
62
Como apresentado, o Instituto Ayrton Senna disponibiliza para professores, direção e
coordenação pedagógica “fichas” que avaliam e acompanham as aprendizagens dos alunos no
decorrer do ano. Além das fichas de acompanhamento, que devem ser preenchidos, e dos
livros, que servem de orientação para o trabalho dos professores, cada turma recebe duas
caixas, ao longo do ano, contendo livros de literatura infantil a serem trabalhados como bases
do processo de alfabetização da turma. Conforme observado na publicação “Lendo e
formando leitores” e em um breve contato que tive com uma dessas caixas de livros, estes são
títulos atuais, coloridos e interessantes, representando o que de mais indicado na literatura
infantil no país, de autores nacionais e estrangeiros.
3.3.2 Os materiais do Instituto Alfa e Beto
Os materiais do Instituto Alfa e Beto são em grande quantidade. Destaco aqueles
utilizados pelos alunos, que eu possuo, sendo eles: Minilivros;
37
Saquinho com letras do
alfabeto (em E.V.A); Livro 1 Letras e formas: letras de fôrma” vol. 1; Livro 1 Letras e
formas: letras cursivas” vol. 2; “Livro 2 Letras e sons”; “Livro 3 Todas as letras”;
“Coletânea” (reúne diversos tipos de textos); “Chão de Estrelas” (livro de histórias).ainda
uma gama de materiais que o Instituto publica, destinada aos professores, às escolas e às
secretarias de educação, e que estão disponíveis para venda aos interessados.
A consciência fonológica é aparentemente uma novidade para se alfabetizar crianças, e
o Instituto Alfa e Beto, ao usar o termo “metafônico” (a ideia de pensar sobre os fonemas e
sua relação com os grafemas) talvez possa diferenciá-lo na sua proposta de alfabetização do
chamado “método fônico” e da própria consciência fonêmica que, como esclarece Capovilla,
“refere-se ao entendimento de que cada palavra é constituída de uma série de fonemas” (2005,
p. 36), ou, ainda, da consciência fonológica, que envolveria a consciência sintética, silábica e
fonêmica. Ao generalizar a questão dos métodos que fizeram essa ligação fala-escrita para
basear suas práticas e seus materiais, percebe-se que já, muito tempo, no Brasil, podemos
37
Disponho de 120 minilivros, porém, em seu programa de alfabetização há 143 minilivros, segundo dados do
Instituto Alfa e Beto. Além disto, há outras publicações das quais não disponho, como o livro 4 do aluno e
manuais do professor.
63
constatar sua utilização, por um longo período e na produção de muitas metodologias na área
da alfabetização. No entanto, Fernando Capovilla, professor da Universidade de São Paulo,
tido atualmente como um dos defensores” do método fônico, argumenta em entrevista ao
jornal Folha de São Paulo que:
O método que o Brasil empregava antes dos anos 80 não era o fônico, mas o
alfabético-silábico, baseado no ensino repetitivo de sílabas. Não tem nada a ver com
o fônico, que é baseado no ensino dinâmico do código alfabético, ou seja, das
relações entre grafemas e fonemas em meio a atividades lúdicas planejadas para
levar as crianças a aprender a codificar a fala em escrita, e, de volta, a decodificar a
escrita no fluxo da fala e do pensamento. O método fônico é inteligente, lúdico e
nada mecânico. (CAPOVILLA, 2006, p. A 12)
É vasta a possibilidade de análise que encontramos nos materiais do Instituto Alfa e
Beto, principalmente ao aprofundar em como se assemelham ou se diferenciam os discursos
acerca dos métodos relacionados ao fônico, como os das cartilhas. Essas comparações podem
ser vislumbradas por meio desses materiais didáticos, porém, os limites desta dissertação não
oportunizam tais aprofundamentos.
3.3.3 Os materiais do GEEMPA
Junto ao GEEMPA, reuni diversos fôlderes em relação ao trabalho dessa ONG, assim
como livros comercializados por ela. A Secretaria da Educação também forneceu-me alguns
livros desse programa. Reunindo esse material, disponho dos seguintes: Caderno de
atividades, a partir do livro “Choco encontra uma mamãe”; Caderno de atividades, a partir do
livro “Dinomir, o gigante”; Caderno de atividades, a partir do livro “O elefantinho no poço”;
Caderno de atividades, a partir do livro “As bruxas”. Caderno de atividades a partir do livro
“Uma escola assim, eu quero pra mim”.
38
38
No final do ano de 2008, o GEEMPA produziu mais um caderno de atividades intitulado “Do gozo da
ignorância ao prazer de aprender”. Este caderno de atividades segue o padrão dos demais aqui Cont. na p.64
64
Fora esse material, que é usado diretamente com os alunos, os professores dispõem da
tríade Didática da Alfabetização (GROSSI, 1990) e de outros livros que embasam a
metodologia do GEEMPA, como: “Grupos áulicos: a interação social na sala de aula”;
“Agressividade: qual o teu papel na aprendizagem?”; Família e escola: diferenças
necessárias” e a Aula-entrevista. Esse material e várias revistas estão disponíveis para venda
na sede do GEEMPA.
3.4 ALGUMAS CATEGORIAS DE ANÁLISE EM FOCO
Frente aos referenciais teóricos sobre alfabetização consultados para esta dissertação,
criei três categorias para analisar os materiais desta pesquisa. Passando pelos citados
“momentos da alfabetização”, referidos por Mortatti (2000), e pelos estudos sobre letramento
de Street (além de outros referenciais), alio à categoria Método Fônico os materiais do
programa “Alfa e Beto”, não desconsiderando as novas terminologias desta proposta, como
sendo “metafônica”, ou o uso daconsciência fonológica” mas buscando abarcar de forma
geral seus pressupostos que surgem da fônica.
À categoria Construtivismo, relaciono o programa “Alfabetização Pós-Construtivista”,
do GEEMPA. É importante esclarecer que o termo “construtivismo”, usado para nomear essa
categoria, não pretende assim denominar esse programa, que é “pós-construtivista”, mas
caracterizar todo um momento da alfabetização pelo qual passou a educação brasileira. Há
diferenças, atualmente, do “construtivismo” para o “pós-construtivismo” do GEEMPA, e a
categoria de análise pretende, de forma ampla, abordar os pressupostos construtivistas,
tomando esse programa como uma das propostas advindas dessa importante “fase” da
alfabetização no Brasil. Na terceira categoria denominada Letramento, associo as propostas
didáticas do programa “Circuito Campeão”, por seu intenso trabalho com literatura.
Cont. da p.63 analisados, mas não o incluo nesta análise por não ter sido usado no ano de 2007, período focado
nesta dissertação.
65
É importante frisar que essas categorias foram criadas para visualizar melhor o
embasamento principal de cada programa, mas isso não significa que não possamos encontrar
em qualquer um desses programas propostas que se afinariam a características de qualquer
uma destas três categorias, possibilitando, assim, seus cruzamentos. Sendo assim, os termos
aqui usados não pretendem ser padrões, nem servir para rotulagens, mas, de forma ampla e
simplificada, identificar os principais discursos sobre alfabetização circulantes nos materiais
analisados.
3.4.1 O letramento no programa Circuito Campeão
No Programa Circuito Campeão, além da gestão, um outro eixo voltado para a leitura
e a escrita refere-se ao desenvolvimento do prazer pela leitura. O que se percebe nos materiais
de orientação aos professores é uma valorização da formação de leitores, propiciando o
contato dos alunos com diversos textos, principalmente com os de literatura infantil. Pode-se
verificar, nas Figuras 1, 2 e 3, quais os aspectos o professor deve avaliar e preencher
constantemente com cada aluno de sua turma.
Na Figura 1, a ficha de acompanhamento de leitura, escrita e língua oral, aborda tanto
aspectos da alfabetização (aquisição do código escrito) quanto do letramento (compreensão e
usos do código escrito, nesse caso, das histórias de literatura infantil). Quanto à alfabetização,
a análise de itens da ficha, como a capacidade de o aluno relacionar letras e sons
(grafema/fonema) e de sua leitura de palavras ou frases, corresponde a atividades específicas
no ensino da leitura e da escrita que são as bases dos métodos de alfabetização. No entanto, a
maioria dos itens avalia leitura, escrita e oralidade a partir das obras de literatura infantil
utilizadas, baseando-se na compreensão dos textos (ilustrada também pela leitura de imagens
e da oralidade) por parte da criança, assim como nas suas produções a partir dessa
compreensão. Sendo assim, um alargamento do conceito de alfabetização, ao abranger o
letramento e não ao se utilizar de diferentes portadores de textos em sala de aula, como os
livros infantis, mas ao se trabalhar com os alunos a interpretação dos textos através da escrita
e da oralidade, ou seja, os seus usos, como no item “reconte a história ouvida ou lida” (Figura
66
1). As fichas seguintes (Figuras 2 e 3) também trazem aspectos que correspondem tanto a
práticas de alfabetização quanto a de letramento, o que permite identificar o quanto os
discursos sobre letramento estão presentes intensamente nessas propostas de alfabetização,
principalmente as mais recentes.
Ao analisar representações de alfabetizadoras em obras de literatura infantil, Trindade
(2002) localiza algumas oposições entre metodologias “modernas” ouinovadoras” e as ditas
“tradicionais”, através das representações de professoras alfabetizadoras e suas práticas.
Mediante essas representações a autora considera:
[...] a aquisição das habilidades de ler e escrever é representada com parte da
formação inicial de um/a leitor/a iniciante que aprende letras e sílabas, se a formação
da alfabetizadora for condizente com a orientação dos “tradicionais” métodos de
alfabetização; por outro lado, tal aquisição é representada através da criação do
gosto pela leitura, de oralização e escrita de textos, se a formação da alfabetizadora
for orientada pelo uso de “novas” metodologias que propiciem a motivação para a
recepção do texto, sua leitura e exploração, permeada de atividades ditas criativas,
visando o envolvimento do/a leitor/a infanto-juvenil e a sua formação como um/a
produtor/a de histórias. (TRINDADE, 2002, p. 131)
Partilho da consideração de Trindade ao identificar nos materiais do Instituto Ayrton
Senna as práticas de valorização do sujeito leitor/escritor através da literatura, o que constitui
uma nova cultura da alfabetização em que práticas de letramento são tão ou mais presentes
quanto as de alfabetização, e são tomadas como ponto de partida para essas recentes
propostas, antes mesmo do domínio do código alfabético pelos alunos. Há, nos materiais de
avaliação de leitura, escrita e oralidade, um hibridismo de práticas que poderíamos opor entre
“tradicionais” e “inovadoras”, como Trindade (2002) localiza em representações contidas em
obras de literatura infantil. Porém, fazendo parte de uma mesmo proposta de alfabetização,
que visa abranger vários aspectos no ensino de língua materna, devemos lançar novos olhares
para uma suposta oposição”, e atentar para como essas propostas conciliam suas práticas na
formação de alfabetizandos. Sendo assim, práticas de alfabetização e letramento podem ser
distinguíveis em um olhar mais específico, mas em muitas propostas não são secundárias
umas as outras, estão presentes de forma equivalente a compor essa nova cultura da
alfabetização.
67
Figura 1: Ficha de Acompanhamento: leitura, escrita e língua oral I, do Instituto Ayrton Senna.
68
Figura 2: Ficha de Acompanhamento: Matriz de Habilidade – Língua Portuguesa, p. 1, do Instituto
Ayrton Senna.
69
Figura 3: Ficha de Acompanhamento: Matriz de Habilidade – Língua Portuguesa, p. 2, do Instituto
Ayrton Senna.
70
Para cada obra do acervo bibliográfico do programa, após a identificação do livro,
através de sua capa e do resumo da história, instruções de como explorá-lo, diferenciadas
para “série inicial”, “nível 1” e “nível 2”, estruturadas da seguinte forma: apresentação do
livro; preparação para a leitura; leitura conjunta do texto/imagem (para a série inicial).
Temas relativos; atividades preparatórias; recomendações para leitura em voz alta pelo
professor; leitura das imagens; leitura individual do aluno; atividades para compartilhar a
experiência, para o enriquecimento da leitura e para o desenvolvimento da linguagem (para
os níveis 1 e 2). Cada um desses tópicos é seguido por sugestões de atividades, como se pode
observar nas Figuras 4 e 5:
Figura 4: Lendo e Formando Leitores: orientações para o trabalho com literatura infantil, Série Inicial,
de Walda de Andrade Antunes (2007, p. 57), Programa Circuito Campeão.
71
Nos exercícios da Figura 4, nota-se uma ênfase maior em atividades que privilegiam o
letramento da leitura e da oralidade, não sendo muito recorrentes atividades de produção
escrita pelos alunos. Nesse exemplo, as atividades são para a série inicial, ou seja, para alunos
que estão iniciando o processo de alfabetização. Apesar de se trabalhar a leitura dos livros e
sua compreensão oralmente, não é muito presente uma valorização da produção escrita dos
alunos, mesmo que ainda não estejam alfabetizados, e nem propostas para a sistematização
das aprendizagens através de registros feitos por eles. Esse é um exemplo dos muitos
exercícios desta proposta, onde se pode visualizar uma outra forma de explorar textos focando
em sua intenção comunicativa, sua interpretação, mas restringindo a escrita da criança.
Como se pode constatar, essa proposta de trabalho privilegia a literatura infantil,
sugerindo o trabalho com imagens, uma valorização à leitura em voz alta”, assim como
atividades paralelas a partir das histórias dos livros (Figura 5), dando grande ênfase à
oralidade e a atividades paralelas, mas não apontando em todas as sugestões de trabalho uma
forma concisa de produção escrita a respeito da temática trabalhada. A proposta enfatiza
também, nas orientações ao professor, que as diversas leituras do mundo devem ser
valorizadas, estendendo para todos os âmbitos sociais da cultura da leitura.
72
Figura 5: Lendo e Formando Leitores: orientações para o trabalho com literatura infantil, Nível 1, de
Walda de Andrade Antunes (2007, p. 87), Programa Circuito Campeão.
73
Tal proposta de trabalho vem ao encontro daquelas que investem na valorização do
uso de diversos portadores de texto na escola, isto é, no “discurso renovador da leitura na
escola” (SILVEIRA, 1998), criando, assim, ambientes letrados”, como aqueles que
costumam fazer parte do cotidiano das crianças que possuem livros de literatura infantil no
ambiente doméstico.
São variadas as atividades sugeridas nas orientações do programa, trazendo a literatura
como um diferencial na aprendizagem por ter o “poder” de envolver as crianças no universo
fascinante dos livros, sendo um fator determinante para que a criança, ao despertar o prazer de
ler, tenha sucesso em seu processo de alfabetização. Todo esse material de orientação do
trabalho do professor é de autoria de Walda de Andrade Antunes, Doutora em Educação pela
Universidade de São Paulo, e é disponibilizado aos professores através de dois volumes:
Lendo e Formando Leitores (vol. 1) e Lendo e Formando Leitores (vol. 2).
3.4.2 O Método fônico no Programa Alfa e Beto
A proposta de trabalho do Instituto Alfa e Beto é com o chamado Método Metafônico.
Esse termo é usado para associar a proposta fônica com a metacognição. Brevemente
explicada tal proposta, a metacognição seria o “aprender a aprender”, ou seja, estratégias que
o aluno constrói autonomamente para sua melhor aprendizagem.
Esse programa tem como fundamento a consciência fonológica, que vem sendo
abordada por muitos especialistas como um importante fator na aquisição da língua escrita.
Essa consciência fonológica é tomada como um dos pré-requisitos pelo Alfa e Beto para o
sucesso da alfabetização, e portanto é importante distingui-la da consciência fonêmica.
Consciência fonológica é a capacidade de reflexão e mobilização consciente dos sons
da fala nos três níveis: silábico, intrassilábico e fonêmico. Consciência fonêmica, por outro
lado, é a capacidade de reflexão e manipulação consciente dos fonemas, somente. Portanto, a
74
consciência fonológica é mais ampla, mais completa do que a consciência fonêmica, porque
envolve a consciência dos sons da língua em três diferentes níveis: o da sílaba, o de unidades
internas às sílabas e o do fonema: (...) a consciência fonológica abrange não apenas sons
individuais, como a consciência fonêmica, mas a organização da sonoridade de maneira mais
ampla (na sílaba e na palavra)” (CEALE, 2008, p. 03).
Sendo a consciência fonológica a capacidade de identificar e discriminar sons, ela não
ocorre necessariamente na escola, mas vai sendo desenvolvida no processo inicial de
escolarização, com exercícios com rimas, trava-línguas, músicas, aliterações (OLIVEIRA,
2007). Com isso, também se desenvolvem outras habilidades que são sistematicamente
trabalhadas no Programa Alfa e Beto, principalmente no trabalho com a consciência
fonêmica, em atividades que envolvem, segundo o programa, a decodificação, a leitura, a
escrita, a familiaridade com livros e letras, a compreensão de textos e a expressão oral.
Partindo do pressuposto de que primeiramente é preciso aprender a ler” para
posteriormente “ler para aprender”, a sequência do material desse programa é iniciada com
exercícios de psicomotricidade, visando o traçado das letras, a caligrafia (Figuras 6 e 7).
75
Figura 6: Atividade do Livro 1 – Letras e Formas (2007a, p. 11), do Instituto Alfa e Beto.
Figura 7: Atividade do Livro 1 – Letras e Formas (2007a, p. 3), do Instituto Alfa e Beto.
76
O livro 2 do programa tem atividades que exploram a correspondência entre sons e letras
(Figura 8), contendo como estrutura textual, no máximo, frases curtas explorando o fonema
trabalhado, como, por exemplo, “A mula amola a Mila. A mola da mala da Malu mela na
lama.” (INSTITUTO ALFA E BETO, 2007d, p. 56), e exercícios de consciência fonêmica.
Figura 8: Aula 13 do Livro 2 – Letras e Sons (2007c) do Instituto Alfa e Beto.
77
A saber, a consciência fonológica engloba a consciência sintática, que é a “capacidade
de segmentar a frase em palavras e organizá-las numa sequência com sentido” (CEALE,
2005b, p. 13), a consciência silábica que é “a capacidade de dividir palavras em sílabas”, e a
consciência fonêmica que, sendo a capacidade de relacionar os fonemas com os grafemas,
seria a mais complexa e a última que a criança tende a dominar (CEALE, 2005b, p. 13).
Segundo Soares (2005), essa etapa é a mais difícil porque “excetuadas as vogais, os demais
fonemas não têm existência material: é impossível pronunciar o /f/, o /t/, qualquer consoante,
sem apoio de uma vogal.” (SOARES, 2005, p. 12). Tanto no livro 1 do aluno, que explora
atividades de psicomotricidade, quanto no livro 2, de exercícios da relação letra/som (Figura
8), é seguida a ordem alfabética na exploração dos fonemas. Morais (2006) critica os
defensores do método fônico por imporem um conhecimento adultocêntrico da língua nessas
propostas e ainda argumenta que:
Tendo por base essa equalização entre os conhecimentos metalingüísticos de
aprendizes iniciantes e aqueles dos adultos alfabetizados, [os defensores do método
fônico] acreditam que a identificação de segmentos sonoros (os fonemas) seria a
“chave miraculosa” para garantir a associação dos mesmos com seus equivalentes
segmentos escritos (letras) e, conseqüentemente, para o êxito na alfabetização. Além
de desconsiderar o papel da notação escrita, como meio que opacidade às
complexas e instáveis unidades orais, tornando possível refletir sobre elas, a
perspectiva teórica agora criticada não reconhece o intricado jogo de compreensão
entre partes faladas e partes escritas, entre partes e todos escritos, que o aprendiz
precisa reconstruir mentalmente [...] levar o aprendiz a pronunciar isoladamente
cada um dos fonemas de uma palavra é antinatural, inaceitavelmente complexa
para quem não fez um curso de fonética ou fonologia em nível de graduação. Tratá-
la como pré-requisito para a alfabetização seria promover exclusão ou, no mínimo,
exigir uma sobrecarga cognitiva desnecessária para os aprendizes que conseguissem
sobreviver ao método. (MORAIS, 2006, p. 10)
no livro 3, percebe-se uma estrutura textual maior (Figura 9), com a presença de
textos mais extensos. Nesse caso, porém, nem sempre os textos têm uma progressão temática,
ou seja, as histórias nem sempre têm uma sequência narrativa de fácil compreensão para a
criança, comprometendo seu sentido. Sem um texto que propicie uma interpretação de seu
sentido por parte da criança, o trabalho com o letramento pode ser comprometido, pois o uso
dos textos em sala de aula tanto servem como meio para o ensino do código escrito como
78
servem de forma primordial para a exploração da própria função social da escrita. Assim, os
materiais da proposta fônica “submetem a criança a textos surrealmente artificiais e limitados,
contribuindo para a deformação das competências envolvidas na leitura e na produção de
textos” (MORAIS, 2006, p. 11). Os textos que compõem os materiais do método fônico são
criticados por ter como preocupação primeira a decifração e a decodificação, e não uma
temática significativa que explore a compreensão do texto. Por isso mesmo, seriam textos
“prontos, acabados”, que, muitas vezes, ao não fazerem parte da realidade da criança, não
propiciam situações de interação com interesse na sua exploração, nem consideram as
produções escritas das crianças. Deixo como questão, então: “Será possível adiar a extração
do sentido para esperar o domínio da extração da pronúncia?” (BAJARD, 2005, p. 58).
Figura 9: Texto do Livro 3 – Todas as Letras (2007d) do Instituto Alfa e Beto.
79
3.4.3 O pós-construtivismo do GEEMPA
O discurso pós-construtivista do GEEMPA nos remete a alguns elementos já
conhecidos, debatidos, reforçados e/ou criticados; porém, estamos diante de um alcance maior
e mais diversificado de instauração dessa proposta. Professores estão sendo formados em
maior escala, de forma espontânea ou não, e esse programa, assim como os demais, tem
objetivos a cumprir em datas pré-fixadas. Isso, de alguma forma, pode fazer com que a
proposta construtivista se adapte a “outros caminhos” para cumprir tais objetivos, e é
importante olhar para como se deu sua implementação, dando visibilidade aos materiais
usados para tal finalidade.
A dita “alfabetização construtivista”, com base no construtivismo piagetiano e
vigostskyano, pretendia descentralizar a educação baseada nos conteúdos e direcioná-la para
os meios que essa educação poderia oferecer, fazendo com que o sujeito construísse seu
próprio conhecimento na interação com esse meio. Embora a teoria piagetiana não fosse
direcionada à alfabetização, seus pressupostos foram direcionados aos conteúdos da
aprendizagem da leitura e da escrita com a Psicogênese da Língua Escrita,
39
como bem
explica Telma Weisz:
Considerando a teoria piagetiana com uma teoria geral dos processos de aquisição
do conhecimento, a psicogênese da língua escrita contribuiu para romper esse
impasse ao mostrar que é possível explicar o processo de aprendizagem daquele que
era considerado o mais escolar dos conteúdos escolares a alfabetização
utilizando um modelo teórico construtivista-interacionista. (WEISZ, 2005, p. 13)
Pressupondo que a criança teria conhecimentos sobre a escrita ao ingressar na
escola, e que pensar sobre essa escrita e os conflitos que o professor viesse a provocar
possibilitaria que a criança avançasse nas suas hipóteses, construindo seu próprio
conhecimento, foi em que consistiu tal “mudança” no pensamento pedagógico. Porém, a
aplicação da proposta construtivista ainda encararia muitos obstáculos e, atualmente, com os
39
FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999.
80
discursos que enaltecem a necessidade da volta” dos métodos fônicos, tais críticas se
tornaram mais contundentes ainda.
A dinâmica construtivista tem como um dos fundamentos o contato com o ambiente
alfabetizador, ou o “espontaneísmo” de que criticam a proposta construtivista, e é bem
exemplificada em uma discussão realizada por Marzolla, em relação ao construtivismo e à
psicogênese:
[...] se a criança for colocada em um ambiente alfabetizador, com muitas letras,
muitas coisas escritas, ela (sujeito) vai agir sobre esses materiais (objeto) e construir
seu conhecimento da língua escrita. Essa é a idéia: os conteúdos são as letras, os
números, os textos, as frases, que funcionam como meios que propiciam a
reconstrução, pelo sujeito, dos conceitos de letra, de número, de texto, de palavras,
de leitura e de escrita, já determinados cientificamente. (2007, p. 14)
No Brasil, a partir da década de 1980, o construtivismo pedagógico
40
ganharia força e,
aliado à pedagogia libertadora de Paulo Freire, se autodenominaria como uma filosofia,
proposta, processo e teoria, enfim o que se pudesse opor aos métodos ditos tradicionais” de
ensino. Suas características se autoproclamariam emancipatórias, libertadoras, críticas,
autonomistas e revolucionárias e, ainda citando Marzolla,
Em ambas as metodologias a construtivista e a libertadora os conteúdos de
ensino são pretextos para outras aprendizagens. Numa interessa mais a experiência
cognitiva da “descoberta científica” do aluno e na outra, as “luzes” da consciência
política (MARZOLLA, 2007, p. 15).
Impulsionada por um “modismo”, a teoria construtivista ganharia muitos adeptos a
partir da década de 1980, tendo grande impacto na formação de professoras. Suas bases
40
Refiro-me aqui ao construtivismo pedagógico que, na área da educação, surge como uma corrente teórica para
explicar os processos de aprendizagens e o desenvolvimento da inteligência humana. Segundo Silva, o
construtivismo surge como uma teoria educacional progressista, como também “fornece uma direção
relativamente clara para a prática pedagógica, além de ter como base uma teoria de aprendizagem e do
desenvolvimento humano com forte prestígio científico” (1993, p. 4)
81
psicológicas pressuporiam uma gênese na apropriação do conhecimento. O conhecimento se
daria por etapas, e esse entendimento direcionaria práticas docentes a respeito de como o
aluno aprende e o que oferecer no ambiente escolar para que seu conhecimento evoluísse
tornando-o, assim, um sujeito autônomo, o que pressuporia o apoio de posturas “de esquerda”,
antiautoritárias e libertadoras. Esse discurso, em grande expansão na área pedagógica no
início da década de 1980, veio ao encontro do momento político-social vivido com os
movimentos de redemocratização do nosso país.
A proposta construtivista surgiria com o intuito de “desmetodificar” a alfabetização, e
receberia, em seguida, críticas por sua pretensão de se colocar além de um método, mas como
uma teoria, uma “filosofia”. Além disso, o discurso construtivista suporia mudanças
educacionais radicais, como a negação do que reconheceria como métodos “tradicionais” de
alfabetização, mas seria veementemente criticado por não condizer com seus propósitos,
como sugere Vieira ao examinar o discurso de professoras construtivistas:
Se o “construtivismo” é uma “teoria que não traz modelos, não se constitui método e
não dita receitas” por que essas professoras seguem os mesmos “passos”, passam
pelas mesmas etapas e transformações, aprendem as mesmas “lições”, apresentam
comportamentos e formas de agir semelhante, etc.? O que faz com que suas
experiências tenham características tão comuns, tão parecidas? O que faz com que
essas professoras, apesar de, no discurso, negarem o uso de receitas e de modelos,
acabem repetindo essa prática, não percebendo que apenas trocam de modelos e
receitas? (VIEIRA, 1998, p. 92)
3.4.3.1 A instituição
No Rio Grande do Sul, o construtivismo tem como uma de suas referências o
GEEMPA, tendo a instituição um importante papel na formação de professores e outros
profissionais ligados à educação. O GEEMPA foi organizado por um grupo de 50 professores
presentes à assembléia de sua fundação, realizada em 10 de setembro de 1970, na sala do
Laboratório de Matemática do Instituto de Educação General Flores da Cunha, em Porto
Alegre. O GEEMPA reunia profissionais decididos a investir em pesquisas e ações voltadas
para a melhoria do ensino da Matemática e o desenvolvimento da inteligência, sob a
82
perspectiva do construtivismo piagetiano.
Até o ano de 1983, a sigla significava Grupo de Estudos sobre o Ensino da Matemática
de Porto Alegre. Em assembléia-geral extraordinária, convocada por sua diretoria, tendo
como pauta a reforma dos estatutos, os sócios do GEEMPA decidem pela alteração do nome
da instituição, tendo em vista a própria vitalidade de sua atuação irrestrita na área da
Educação. Ampliam-se os objetivos estatuários, mas mantém-se a mesma sigla. O GEEMPA
passa, então, a denominar-se Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e
Ação, tendo por finalidade o estudo, a pesquisa e a ação para o desenvolvimento das ciências
da educação.
Atualmente, a instituição é composta por sócios-contribuintes, efetivos e honorários,
que formam a diretoria, o conselho fiscal e o conselho técnico-científico (que conta com 17
doutores, 13 mestres e 23 especialistas). Após sua fundação no Instituto Flores da Cunha, o
GEEMPA mudou-se muitas vezes, passando pelo Instituto de Matemática da UFRGS, o
Colégio Estadual Júlio de Castilhos e outros locais, até se instalar, em 1988, na atual sede, que
fica na Rua Lopo Gonçalves, em Porto Alegre. A partir das mudanças em 1983, ampliando
suas pesquisas para as ciências em educação, organizam-se propostas didáticas para a
alfabetização, sendo que em 1985 o GEEMPA forma sua primeira turma de alfabetizadoras.
A partir da década de 1990, ao deparar-se com novos paradigmas, o GEEMPA começa
a trabalhar sob a perspectiva do chamado construtivismo pós-piagetiano. Os projetos e as
assessorias junto a secretarias de educação ampliam-se, a destacar o projeto “Muda Brasil, a
Educação” nos anos de 1995 e 1996, em Porto Alegre, com o apoio do MEC, e o Projeto “Ler
e escrever de verdade”, em 1997, que teria alfabetizado mil mulheres adultas em Porto
Alegre, no período de três meses. A partir da repercussão desses projetos, principalmente o
“Muda Brasil, a Educação”, a pedido do Ministério da Educação, o GEEMPA amplia e
produz novas publicações divulgando sua proposta e materiais didáticos da proposta
construtivista pós-piagetiana de alfabetização. Com as pesquisas que surgiram após essas
experiências e outras feitas, o GEEMPA assume a didática como um ramo do
conhecimento, ou seja, além de considerar as hipóteses do aluno, consideraria as atividades
propostas pelo professor como fundamentais para o processo de aprendizagem e, juntamente
com outras bases teóricas, se consolidaria como uma proposta pós-construtivista.
83
Ao nos referirmos ao GEEMPA, é frequente a associação que estabelecemos com a
figura da professora Esther Pillar Grossi. Desde sua fundação, na década de 1970, a referida
professora esteve presente, e liderou o GEEMPA por muitos anos, sendo destaque no cenário
educacional brasileiro. Ela nasceu em 24 de Abril de 1936, em Santa Maria, Rio Grande do
Sul. Em 1955, estudou Matemática em Porto Alegre e, em 1968, foi para Paris onde fez seu
Mestrado na Sobornne, sendo, inclusive, aluna de Jean Piaget. Após retornar ao Brasil, em
1970, participou da fundação do GEEMPA (Grupo de Estudos sobre o Ensino da Matemática
de Porto Alegre). De 1989 a 1992, foi Secretária de Educação do município de Porto Alegre,
na gestão do prefeito Olívio Dutra, do Partido dos Trabalhadores (PT). Durante esse período
implementou, como parte do programa de governo, a proposta construtivista nas escolas
municipais da rede, onde o GEEMPA teve grande atuação na formação de professores. Em
sua carreira política, de 1995 a 2002, ela foi Deputada Federal pelo PT do Rio Grande do Sul.
A professora Grossi é autora de diversas publicações, entre elas destaca-se a tríade
Didática da Alfabetização, que resulta da experiência do GEEMPA na vila Santo Operário, na
periferia de Canoas, na década de 1980. Frequentemente apresenta publicações em jornais,
revistas e outros periódicos, escrevendo sobre educação. Atualmente, trabalha junto ao
GEEMPA que, além de prestar assessorias a escolas e professores e participar do Projeto-
-Piloto de Alfabetização do Estado, através do GEEMPA participa de outros projetos de
alfabetização. São muitas as redes, em nível estadual e municipal, que contam com
assessorias e consultorias dessa ONG, não em nosso Estado, mas em todo o país. Além da
participação no Projeto-Piloto do Estado, outras parcerias, como a feita com a Universidade
Católica de Brasília para a formação de professores, a atuação em escolas públicas da
Colômbia e no Programa de Correção de Fluxo do Ministério da Educação.
O trabalho que o GEEMPA desenvolve se autodenomina pós-construtivista, o que
sempre foi destacado por integrantes do GEEMPA nas visitas que fiz à Instituição, assim
como no curso de formação de professores. O pós-construtivismo, segundo tal integrantes,
não contaria apenas com os princípios do construtivismo piagetiano, mas agregaria também
questões mais amplas de cunho social e antropológico, ao se valer de autores como Lev
Vigotsky, Henri Wallon, Sara Paín, Gerard Vergnaud, e Emília Ferreiro. Utilizando a breve
explanação de Grossi sobre o que constitui as bases do pós-construtivismo:
84
Os esquemas operatórios de pensamento constituem uma das noções-chave do pós-
construtivismo, nascida com Piaget, mas amplamente aprofundada por Gerard
Vergnaud. Ela abriga, de certo modo, a ideia de zona proximal do desenvolvimento
de Vigotsky, a fecunda idéia de rede de Henri Wallon, a noção de níveis de Emília
Ferreiro e a função da ignorância de Sara Paín (GROSSI, 2006, p. 16).
Essas conceitualizações são visíveis no embasamento de diversas metodologias que
compõem toda a didática geempiana (como, por exemplo, a constantemente utilizada
afirmação de Wallon de que somos seres “geneticamente sociais”, usada para justificar
dinâmicas de trabalho que prezam pela interação entre alunos, como os grupos áulicos e a
merenda pedagógica). Muitos de seus aportes teóricos são notadamente provindos de teorias
psicológicas, que teriam se expandido a partir do século XX. A essas teorias, foram aliadas
outras ciências modernas na busca do conhecimento e, consequentemente, na busca de um
controle da população (ROSE, 1998). As inspirações psicológicas nas publicações
geempianas abordam questões para além dos conteúdos de aprendizagem, em temas como
agressividade, família, afetividade, relações interpessoais, etc., pretendendo dar conta de um
sujeito de forma mais ampla e mais subjetiva. As teorias psi, ao investigarem o sujeito
profundamente em sua subjetividade, surgiram em meio a outros discursos, como o da
estatística, dentro de uma racionalidade política que precisava calcular a população
“promovendo a auto-inspeção e a autoconsciência, moldando desejos, buscando maximizar as
capacidades intelectuais.” (ROSE, 1998, p. 34). As teorias provindas da Psicologia do
Desenvolvimento, como a psicogenética, que basearam a pedagogia centrada na criança, não
foram isentas da mesma racionalidade, que “a função da pedagogia, portanto, era a de
classificar, observar e monitorar as seqüências de desenvolvimento.” (WALKERDINE, 1998,
p. 181).
O compilado de teorias construtivistas e interacionistas que caracterizam a
alfabetização pós-construtivista traduziria, através de suas práticas pedagógicas, quem é o
sujeito do pós-construtivismo. Assim como em dada época as teorias psi foram centrais no
“governo da alma”, hoje a subjetivação do aluno se daria não pela observação e
classificação no viés cognitivo, mas também por outras estratégias que dizem respeito ao
controle do tempo e do espaço.
85
3.4.3.2 Metodologias da proposta pós-construtivista
Neste momento, farei uma breve ilustração das atividades que constituem a proposta
geempiana. Para orientar o trabalho do professor pós-construtivista, o GEEMPA organizou
um quadro de atividades didáticas
41
que deveriam ser aplicadas regularmente nas turmas de
alfabetização. São elas: a merenda pedagógica, que é o momento em que a merenda é
distribuída de diferentes formas a cada dia ou semana, propondo o professor que os alunos
façam a merenda em grupo, oferecendo-a entre si ou entre grupos; o tesouro de palavras, que
consiste em uma caixa onde os alunos colocam palavras à sua escolha, que servem tanto para
o trabalho com a alfabetização como para outros trabalhos que envolvem o significado das
palavras, e que muitas vezes são escolhidas pelo contexto afetivo, psicológico, em que a
turma ou a criança se encontra; a atividade cultural, que é o momento em que o professor
proporciona uma atividade extra-classe que pode variar de uma visita (a museus, parques,
zoológico, teatro, cinema) a assistir um filme em sala de aula ou a produção de um sarau,
apresentação artística da turma; a matemática como atividade que o professor deve realizar
toda a semana com sua turma; a eleição como o momento de escolha dos novos grupos de
alunos da turma. A eleição ocorre geralmente a cada dois meses, após o resultado da
“escada”, ou seja, após o resultado da aplicação dos testes avaliativos dos níveis
psicogenéticos que compõem a aula-entrevista (nas eleições, como será explicado em outro
capítulo, os alunos votam, usando cédulas, com quem gostariam de trabalhar, e após a
apuração do professor são estabelecidos novos grupos); os grupos por níveis em que pelo
menos uma vez por semana o professor deve organizar a turma em grupos conforme os níveis
psicogenéticos dos alunos (ou seja, um grupo com os pré-silábicos 1, um grupo com os pré-
silábicos 2, e assim por diante, dando atividades respectivas a cada nível para os grupos,
trabalharem mais intensamente as dificuldades de cada nível); a constatação de avanços no
processo de alunos, que diz respeito a aplicação da aula-entrevista, desde que tenha sido
realizada naquela semana; a lição de casa que o professor deve dar para os alunos todos os
dias, como forma de sistematizar as aprendizagens feitas naquele dia de aula; os jogos que são
importantes instrumentos da proposta geempiana, sendo muito utilizados pelos professores
41
Esse quadro de atividades é relativo ao ano de 2007, sendo que, segundo informações obtidas no próprio
GEEMPA, é uma estrutura instável por incluir ou excluir atividades. Sendo assim, o quadro pode não configurar
exatamente todas as atividades propostas na atualidade, embora haja sempre uma aproximação.
86
(como o jogo do bingo, do lince, de memória, etc.); fichas didáticas, que são outra forma de
sistematização, algum registro que o professor propõe aos alunos em relação a algum
conteúdo, como as chamadas “folhinhas” de exercícios; o contexto semântico que se trata das
conversas significativas em sala de aula, entre professor e alunos e entre os alunos, para
verificar quais são as temáticas que estão circulando naquela turma. Pode ser algo que o
professor propõe, ou algo que o professor percebe na turma e deseja explorar; o contrato
didático que são as “combinações”, consistindo em algumas regras pré-estabelecidas pelo
professor juntamente com a turma; as artes plásticas como atividades de pintura, desenho,
recorte e colagem, e com materiais diversos do tipo sucata, massa de modelar ou argila, etc.
A orientação do GEEMPA é que os professores pós-construtivistas formem grupos de
estudos e se encontrem semanalmente, para que todas as atividades que foram registradas no
quadro sejam partilhadas com seu grupo de estudo, relatando, trocando idéias e dificuldades
com os colegas, além de eleger o seu “melhor dia de aula”. Além dos encontros semanais, a
cada bimestre, logo após a aplicação da aula-entrevista, os professores passam por uma
assessoria, feita em grupos maiores, juntamente com uma assessora do GEEMPA. Quando
possível, as assessorias são realizadas na sede da própria instituição, em Porto Alegre, mas,
quando não for possível, devido à distância, profissionais do GEEMPA se deslocam para
fazer esse acompanhamento. Nesses encontros, os professores também fazem o relato do
chamado “melhor dia de aula”, ao elegerem o dia em que ocorreu a atividade mais
significativa da semana (ou período maior, dependendo da frequência dos encontros com as
colegas). O dia em que ocorrem as eleições dos grupos áulicos são frequentemente escolhidos
como o “melhor dia de aula”.
As eleições dos grupos áulicos são baseadas na colocação dos alunos nas “escadas”.
Após a exposição da escada, os alunos fazem uma eleição, com uma cédula que contém três
itens que devem orientar os alunos na escolha do nome de colegas, sendo eles: com quem
quero aprender, com quem quero trocar, e quem quero ensinar. Cada item tem um peso
diferente na apuração dos votos, sendo que essa dinâmica faz com que haja uma equidade na
distribuição dos alunos, independente de sua colocação nos degraus da escada. Essa seria uma
estratégia que o GEEMPA usa para trabalhar as questões de exclusão, rotulagem e
classificação que, à primeira vista, parecem problemáticas em seu sistema de “escadas”. Por
isso, não necessariamente os alunos mais bem avaliados serão os primeiros a ser escolhidos
87
nos grupos de trabalho. Porém, ser escolhido em grupo por esse sistema não anula sua posição
na “escada”, ou o fato de ser um dos mais votados como aquele que os colegas “gostariam de
ensinar”, mas o posicionamento na escada é uma presença constante na parede da sala de aula,
e a busca por uma passagem de nível é uma meta que subjetivaria o aluno do pós-
construtivismo.
3.4.3.3 Analisando os materiais didáticos do GEEMPA
Para análise da proposta geempiana, apesar de priorizar os materiais didáticos, foi
essencial olhar para a tríade Didática da Alfabetização (Figura 10) por ser, até hoje, a
principal obra na formação de professores pós-construtivistas. A partir da Psicogênese da
língua escrita (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999) que, como bem informam suas autoras,
não propõe uma didática para alfabetizar, mas divulga pesquisas acerca do processo de
aprendizagem das crianças na alfabetização, é ponto de partida da proliferação de produções
didáticas embasadas no construtivismo, como a tríade Didática da Alfabetização (GROSSI,
1990). Tal tríade é leitura obrigatória para a aplicação da proposta, alguns outros livros de
publicação do GEEMPA que tratam de assuntos mais específicos, como agressividade,
família, etc., são recomendados para aprimoramento do professor. Ou seja, essa tríade forma o
que Foucault chama de textos primeiros, os que têm o poder de dizer, que são tomados como
origem, como verdades (FOUCAULT, 1996), como a pesquisa de Ferreiro e Teberosky
(1999), deixando em segundo plano aqueles que seriam os textos produzidos a partir dessas
didáticas e incluo aqui os materiais produzidos para os alunos, que teriam o papel de seguir
certos fundamentos dos textos primeiros e, assim sendo textos secundários, comentam,
repetem, recitam, e “não tem outro papel, sejam quais forem as técnicas empregadas, senão o
de dizer enfim o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro.” (FOUCAULT,
1996, p. 25).
Ao olhar para esses materiais, vejo-os como textos secundários em relação à proposta
construtivista, mas não menos importantes, justamente por serem os artefatos que
cotidianamente constituem o sujeito-aluno do pós-construtivismo. Portanto, inicio analisando
88
algumas atividades específicas no ensino de leitura e escrita, para depois atentar basicamente
para quatro aspectos dessas obras: as temáticas de suas histórias; as imagens; os textos
introdutórios de cada caderno de atividades; e as atividades de sistematização de leitura e
escrita. Ao longo das análises, destaco algumas representações contidas nesses materiais, pois
com as lentes dos Estudos Culturais é possível desnaturalizar os enunciados dos textos,
entendo-os como uma produção de significados que constituem os sujeitos de que falam a
partir de relações de poder. O como ser professora, mãe, aluno, criança, são algumas das
representações contidas nesses materiais, e que nos fazem perceber que a proposta
construtivista, tida como “inovadora” por alguns de seus adeptos, não está isenta de
mecanismos de regulação, nem fora das políticas de produção de sujeitos tão enraizadas em
nossas instituições. Assim, o GEEMPA, nos discursos que produz e através das
representações de seus materiais, também almeja um determinado sujeito, criando suas
estratégias para tal. Como coloca Costa:
Esta política de representação, ou seja, essa disputa por narrar o outro, tomando a si
próprio como referência, como padrão de correção e normalidade é a forma ou o
regime de verdade em que são constituídos os saberes que fomos ensinados a
acolher como “verdadeiros”, como “universais”. Estes saberes são práticas,
reguladoras e reguladas, ao mesmo tempo produzidas e produtivas. São discursos
que constituem os sujeitos ao mesmo tempo em que fabricam sua identidade social,
controlam e regulam sua subjetividade.” (COSTA, 2004, p. 77-78)
Figura 10: Capas dos três volumes da trilogia “Didática da Alfabetização”, de autoria de Esther Grossi
(1990).
89
Os livros didáticos analisados nesta dissertação são os disponibilizados no ano de 2007
aos alunos que estão se alfabetizando pela proposta geempiana no projeto-piloto, porém a
parceria com a Seduc/RS garante o fornecimento de quatro livros didáticos do GEEMPA ao
longo do ano letivo, sendo que a escolha dos livros e a sequência de uso fica a critério do
professor. A cada assessoria, o professor escolhe um novo livro a ser trabalhado com seus
alunos até a próxima assessoria, quando o processo se repete. Por isso, nesta análise são
apresentados esses livros, totalizando cinco cadernos de atividades: Choco encontra uma
mamãe; O elefantinho no poço; Dinomir, o gigante; As bruxas; Uma escola assim, eu quero
pra mim.
42
Em relação à alfabetização, o caderno de atividades Choco encontra uma mamãe é o
mais recomendado para o início do ano letivo, tanto por sua temática quanto pelas atividades
mais voltadas ao níveis pré-silábico 1 e pré-silábico 2.
Ao priorizar as hipóteses dos alunos e seus diferentes ritmos de aprendizagem na
construção de seu conhecimento, a possibilidade de ter em uma mesma turma alunos em
diferentes níveis é levada em consideração na produção dos materiais didáticos, existindo em
todos eles atividades voltadas para todos os níveis. Geralmente, no canto direito superior da
atividade está a indicação para quais níveis a atividade é adequada. Como exemplo, nas
figuras seguintes, pode-se perceber atividades de Choco encontra uma mamãe voltadas para
crianças já alfabetizadas (Figura 11), assim como no caderno Uma escola assim, eu quero pra
mim, atividades que servem tanto ao nível silábico (com auxílio do glossário) quanto
alfabético (Figura 12).
42
Cadernos de atividades do GEEMPA.
90
Figura 11: Exercício do Caderno de Atividades produzido a partir do livro “Choco encontra uma
mamãe”, de Keiko Kasza, pelo GEEMPA (2007a).
Figura 12: Exercício do Caderno de Atividades produzido a partir do livro “Uma escola assim, eu
quero pra mim”, de Elias José, pelo GEEMPA (2007b).
91
Os cadernos de atividades são formulados a partir de uma história, e se valem das
palavras contidas nela. Sendo assim, a didática da alfabetização proposta nesses materiais
parte do texto (neste caso, textos de literatura infantil), para focalizar, após, na palavra, a
começar pela sua memorização global, como nos jogos de cartas e nas atividades de cópia.
Essa metodologia, como no exemplo da Figura 11, se assemelha às abordagens analíticas, e se
aproxima do chamado método de contos, que no Brasil foi difundido em métodos como O
livro de Lili”, tendo grande influência na alfabetização no Rio Grande do Sul nas décadas de
1940 a 1960. Esse livro didático foi uma das principais obras de difusão do método global
com seu processo de “contos e historietas”.
O trabalho focado na palavra é uma das justificativas para que sejam utilizadas tanto a
letra de imprensa quanto a letra cursiva, o que concretizaria mais a globalidade da palavra,
sendo que “o aluno identifica as palavras por um insight, isto é, por uma súbita captação
global dos diversos elementos que a constituem.” (GEEMPA, 2007a, p. 30). Na Didática da
Alfabetização, as propostas geempianas indicam sempre um trabalho inicial com os nomes
dos alunos, por considerar que o nome deveria ser a primeira palavra a ser memorizada, e, por
meio de jogos e sistematizações, é um elemento-chave para explorar as hipóteses dos alunos.
Mesmo centrando-se nessa unidade linguística, outros dois eixos devem ser trabalhados de
forma paralela na alfabetização: os textos e as letras. Os textos são considerados centrais por
contemplarem palavras com muitas ou uma única letra; além disso, devem ter sentido para a
criança, correspondendo de certa forma ao seu universo, para que a escrita em si tenha um
significado para ela.
Cabe ressaltar que as letras não são abordadas somente na sequência alfabética, mas
são extraídas das palavras em atividades que exploram principalmente a letra inicial e a final
de cada palavra (Figura 13).
92
Figura 13: Exercício do Caderno de Atividades produzido a partir do livro “Choco encontra uma
mamãe”, de Keiko Kasza, pelo GEEMPA (2007a).
A associação letra/som não é exclusiva das abordagens fônicas, que é uma relação
considerada de extrema importância para a proposta pós-construtivista, embora não seja nem
o início nem o foco principal da alfabetização. Encontram-se, ao longo do material didático
reconhecido como “construtivista”, muitos exercícios que exploram essa relação fala-escrita
até o nível da sílaba, por considerar a sílaba a unidade crucial no domínio de um sistema
fonográfico como o alfabético (ABAURRE, 2005). A consciência sobre as unidades menores
– as letras e sua relação com os fonemasseria um conhecimento sobre as estruturas internas
da sílaba, que viria com o domínio da base alfabética. O trabalho com as letras e os fonemas
não é anulado, pois verificamos que compõe um dos três eixos que o professor deve trabalhar
paralelamente, mas o seu domínio não é pré-requisito para que se trabalhe com textos e
palavras, tanto em exercícios de leitura quanto de escrita. Diz Abaurre (seguindo a
metodologia de base construtivista, como é o caso da proposta geempiana):
93
É importante deixar muito claro, no entanto, que afirmar que o conhecimento sobre
a fonologia da sílaba é crucial para que o professor possa analisar as escritas das
crianças não implica, de forma alguma, defender que se retorne aos chamados
“métodos fônicos” na alfabetização, e muito menos propor que se façam exercícios
para desenvolver nas crianças uma consciência fonológica que as “prepare” para
reconhecer as posições dos constituintes nas sílabas e os fonemas que podem ocupar
tais posições. Pelo contrário, acreditamos ser esse um conhecimento que decorre do
exercício da escrita de base alfabética. (ABAURRE, 2005, p. 75)
Sendo assim, percebemos uma abordagem sobre a relação letra/som até o nível da
sílaba, e, através da escrita, sua decomposição em unidades menores os grafemas e os
fonemas – que formam as sílabas pronunciáveis pela criança (Figura 14).
Figura 14: Exercício do Caderno de Atividades produzido a partir do livro “Dinomir, o gigante”, de E.
Plocki, pelo GEEMPA (2005b).
94
3.5 A PEDAGOGIZAÇÃO DO LETRAMENTO
No caso das políticas para alfabetização do projeto-piloto em nosso estado, não estão
somente envolvidas as propostas do método fônico, mas a pós-construtivista, através do
GEEMPA, e as do Instituto Ayrton Senna, não podendo ser exclusivo ao fônico uma crítica
ao interesse na produção e venda de materiais didáticos, visto que os três programas
produzem materiais. Porém, apesar dos custos com cada programa serem equivalentes,
segundo os dados da Seduc/RS, é notavelmente maior a quantidade de materiais do Instituto
Alfa e Beto. Seria essa vasta quantidade de materiais intrinsecamente indispensável à
metodologia fônica? Tal quantidade equivaleria em qualidade?
Outra questão recorrente é justamente o que está se considerando como letramento
nesses “pacotes”, ou seja, que materiais estão sendo incluídos e considerados válidos para
alfabetizar? Como se dão seus usos com vistas a dar conta das recentes propostas de
letramento presentes nos discursos sobre alfabetização?
43
Para essas práticas em torno do
letramento, Morais aponta uma preocupação que considero recorrente quando lanço esses
questionamentos, pois o autor aponta que:
[...] com a hegemonia do discurso do letramento, muitos estudiosos de lingüística e
de didática da língua, em nosso país, passaram a apostar numa aprendizagem
espontânea da escrita alfabética, que supostamente resultaria do mero fato das
crianças estarem expostas a situações onde se lessem e escrevessem os textos do
mundo real. (MORAIS, 2006, p. 03)
Essas práticas, aliadas a alguma outra sistemática no ensino da leitura e da escrita ou
43
Algumas questões assim, lançadas ao longo do texto não são o que denominamos “a pergunta da pesquisa”,
portanto, não são focos detalhadamente trabalhados. No entanto, imprevisivelmente surgem ao longo da
pesquisa, ao longo das análises. Considero-as fundamentais porque procuro não produzir um produto estático,
mas algo que faça parte de uma rede de outras possibilidades de olhar para o projeto, como um leque de
insights” que se abre para germinar futuras pesquisas.
95
não, é o que se denomina de “pedagogização do letramento”, ou seja, quando os mais diversos
portadores de texto, como os livros de literatura infantil têm seu uso cotidianamente
‘pedagogizado’” (TRINDADE, 2005, p. 126).
Sendo o letramento, para além das habilidades da alfabetização, o uso que se faz de
todos os textos presentes no cotidiano, os efeitos desses discursos fizeram com que as
propostas para a alfabetização ampliassem a variedade e a quantidade de portadores de texto
utilizados em suas didáticas. O movimento de ampliar e “didatizar” textos para aprendizagem
da língua, ou seja, “pedagogizar” o letramento, trouxe para o cotidiano de sala de aula textos
que antes não era reconhecidos como textos escolares. De acordo com Trindade, “Além dos
livros de histórias, outros portadores de texto substituem as cartilhas, tendo em vista tornar as
crianças letradas, como cartas, receitas, jornais, anúncios, etc.” (TRINDADE, 2005, p. 126),
transformando-as em práticas escolares, com o intuito de alfabetizar e/ou “letrar”.
Mesmo estendendo a compreensão de letramento como uma prática social ampla,
exercida tanto por sujeitos alfabetizados como pelos não-alfabetizados (sendo que estes
sujeitos não deixam de usar a linguagem como comunicação em um sistema social), a
pedagogia absorve cada vez mais os letramentos como parte da prática escolar de desenvolver
a formação de leitores e escritores. Sendo assim, Trindade alerta para a reflexão da prática
docente quando “‘encartilhamos’ os diversos gêneros e suportes textuais, com destaque para
os livros de história, para produzir a escolarização da alfabetização e da infância.”
(TRINDADE, 2005, p. 127). As práticas de letramento não escapam ao direcionamento
escolar para funcionalidades sociais em que o sujeito da pós-modernidade possa estar
envolvido e, assim, deva ser preparado ou seja, o sujeito que Ramos do Ó (2008) chama de
“sujeito plástico”, flexível, em constante formação, adaptável às novas exigências da
sociedade. Exigências que adentram a escola através das variadas disciplinas que surgiram
para além das ciências exatas, pois segundo o autor, frente à necessidade da escola moderna
de governar todos os âmbitos do sujeito, de disciplinar corpo e alma, surgem as disciplinas
que tratam da moral, da sexualidade, da higiene, etc., o que caracteriza a educação, sendo
mais ampla do que a instrução que se restringiria a ensinar ler, escrever e contar. A educação
hoje, nos moldes do currículo escolar, se ocupa em dar conta do letramento enquanto
linguagens possíveis do sujeitos, e ao mesmo tempo está no interior de uma racionalidade
neoliberal, que faz uso dessas linguagens na produção de um sujeito mais produtivo.
96
Desde que a proposta construtivista instaura um forte discurso sobre considerar os
saberes que as crianças trazem de seu contexto, citam-se trabalhos com textos que fazem
sentido para elas. Os conhecimentos prévios do aluno representam também o seu contato com
a leitura e escrita antes da educação formal, o que incluiria todo seu contato até então com o
mundo letrado.
Nos três volumes da Didática da Alfabetização (GROSSI, 1990) são citadas sugestões
de trabalho (principalmente de produção de textos) que envolvem diferentes portadores de
texto, considerando problemática a não vinculação de textos na escola com o cotidiano dos
alunos:
A leitura de textos também envolve problemática similar, isto é, quando
decidimos que tipos de textos (cartilhas, livros de história, revistas, cartas,
notícias, anúncios...) são oferecidos aos alunos de série. Somente a
cartilha e alguns livrinhos de história representam uma experiência muito
restrita de leitura de textos, a qual é denominada de leitura do tipo
escolar, e que não vai ao encontro dos verdadeiros usos da coisa escrita
na vida de alguém. (GROSSI, 1990c, p. 36)
Ressalto que essas obras são indicadas e fazem parte da formação das alfabetizadoras
pós-construtivistas. São indicados os trabalhos com diversos gêneros textuais, dependendo
dos interesses da turma.
Nos materiais didáticos, embora não se encontre o “encartilhamento” de diversos
portadores de texto, ou seja, os que estão presentes nos livros de forma literal (com um
“recorte” onde se identificam suas características pelo gênero textual, leiaute, imagens, etc.,
como por exemplo, excertos de jornais, histórias em quadrinhos, propagandas, rótulos)
fortes representações do trabalho com o letramento. No caderno de atividades Uma escola
assim, eu quero pra mim,
44
uma analogia do trabalho pós-construtivista representado pelas
aulas da professora Celinha, que traz para a escola diversos portadores de texto, sendo que
entre eles podemos localizar recorrências a: televisão, cartazes, livros, bilhetes, cartas,
histórias, poemas, músicas, propagandas, desenhos, quadrinhos, “coisas coloridas e
44
Caderno de atividades que será mais bem analisado em capítulo posterior.
97
engraçadas”, e até coisa feia nos muros” (JOSÉ apud GEEMPA, 2007, p. 12). Nos outros
cadernos não referências representativas sobre o trabalho com outros textos, o que mostra
um deslocamento no discurso geempiano, enfatizando agora, no recente caderno produzido
(GEEMPA, 2007), o que era estimulado nos três volumes da Didática da Alfabetização
(GROSSI, 1990c).
Como a escola é reguladora de relações de poder, devemos atentar para o fato de que a
inclusão de diferentes gêneros textuais na escola não significa que estejam isentos de
hierarquias e de marginalização. Sendo o letramento muito além de uma prática escolar, uma
prática social, o que se considera como letramento também estabelece relações de poder. Nos
chamados “Novos Estudos do Letramento” (STREET; LEFSTEIN, 2007), é bem posto que:
A questão levantada por esta abordagem para os responsáveis pelas políticas
projetistas de programas, professores e profissionais, então, não é simplesmente o do
“impacto” do letramento a ser mensurado em termos de um índice de
desenvolvimento neutro mas de como as pessoas locais “dominam” as novas
práticas de comunicação apresentadas para elas (...) faz parte então de uma
relação de poder e a maneira das pessoas o “dominarem” é contingente das práticas
socioculturais e não apenas dos fatores pedagógico-cognitivos. (STREET;
LEFSTEIN, 2007, p. 42)
No amplo material do Instituto Alfa e Beto, além de textos simples para o trabalho
com cada fonema, e o uso de gêneros textuais que privilegiam essa proposta (como os que
contenham rima, aliteração, trava-língua), foram produzidos outros materiais para contemplar
a questão do letramento. Destaco o livro intitulado Coletânea (ALFA E BETO, 2007e), que
consiste na compilação de diferentes tipos de textos, encontrando-se organizados na primeira
parte “lendo e conhecendo diferentes tipos de textos” (p. 9) como: contos tradicionais; contos
de fadas; fábulas; crônicas; poemas; notícias; biografias; bilhetes; informativos; lendas; mitos;
diários; instrucionais (dicionários, por exemplo); instruções; cartas; avisos/anúncios; convites.
Na segunda parte (p. 105) encontra-se: “lendo e brincando com as palavras”, a partir da
exploração de outros gêneros textuais, como: parlendas; adivinhas; jogos de palavras; ritmos e
rimas; números, trava-línguas; alfabeto; poemas. Não instruções específicas nesse livro,
mas orientações para o professor trabalhar com os textos na alfabetização
45
. Já nos
45
Não disponho desse manual; tomei conhecimento de sua existência através do site do Instituto Alfa e Beto.
98
minilivros de leitura, e nos outros livros de exercícios destinados aos alunos, não se encontra a
recorrência a diferentes portadores de texto para as atividades de alfabetização. Os exercícios,
em geral, partem do trabalho com letras e seus sons em palavras e frases curtas, constituindo
textos mais limitados produzidos pela própria proposta, conforme Figura 15.
Figura 15: Texto do Livro 3 – Todas as Letras, do Instituto Alfa e Beto (2007d, p. 99).
Ou seja, o material Coletânea representa o discurso do letramento, enquanto os
minilivros e outros livros de exercícios representam o do método fônico, ilustrando em uma
mesma proposta a presença de discursos diversos.
Ao analisar o material de que disponho do Programa Circuito Campeão, do Instituto
Ayrton Senna, com seu trabalho baseado em literatura, nas sugestões de trabalho feitas com
cada livro encontram-se, no item “Atividades para compartilhar a experiência, para
enriquecimento da leitura e desenvolvimento da linguagem”, inúmeras sugestões de trabalho
com outros portadores de texto. Desde a produção de livros artesanais até pesquisas em
jornais e revistas sobre o tema relativo ao livro de literatura, a organização de exposições,
99
dramatizações, visitas, entrevistas, brincadeiras e atividades de livre expressão também estão
entre as sugestões, envolvendo as mais diversas práticas de letramento, ficando a encargo do
professor direcionar ou não as atividades, conforme ilustrei, com exemplos anteriores,
46
e
que será retomado na próxima seção por meio de discursos da pedagogização da literatura
infantil.
3.6 A PEDAGOGIZAÇÃO DA LITERATURA
Em todos os Programas está presente, de alguma forma, a literatura infantil como uma
ferramenta importante no processo de aprendizagem. A literatura infantil é um gênero que
vem crescendo nas últimas décadas, sendo um ramo de grandes investimentos pelo mercado
editorial e, no Brasil, é o ramo que mais vende em todos os setores da literatura (BAJARD,
2005). O discurso que amplia as práticas de leitura de livros infantis, atingindo leitores cada
vez mais cedo, tornou-se uma preocupação não da escola, mas da sociedade inteira. Como
na pesquisa de Silva (2007),
47
ao mapear práticas domésticas de leitura e sua interação com
práticas escolares, constatam-se, a partir da década de 1980, os discursos para a formação do
sujeito-leitor, ou o citado “Discurso Renovador da Leitura”, sendo que, em sala de aula,
“vão surgindo os discursos que começam a reger a produção dos sujeitos leitor e autor no
ambiente de sala de aula, por meio da formação do hábito da leitura, mediante a liberdade de
escolha e do caminho prazeroso” (SILVA, 2007, p. 39).
Permeadas por esse discurso, não só as turmas de alunos alfabetizados são atingidas
pelo trabalho com a literatura infantil, mas as turmas de alfabetização fazem uso intenso desse
gênero, não só em práticas de leitura pelo professor, como a conhecida “hora do conto”, desde
46
Cf. seção 3.4.1, do capítulo 3 desta dissertação.
47
SILVA, Thaise da. O "discurso renovador da leitura" e a produção de práticas domésticas de leitura na
interação com práticas escolares. Porto Alegre: UFRGS, 2007. 124 f. Dissertação (Mestrado em Educação).
Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2007.
100
a implementação de propostas construtivistas de alfabetização, mas para seus propósitos de
ensino da língua, o que nas últimas décadas pode-se perceber também com o
“encartilhamento” do gênero textual nos materiais didáticos para turmas de alfabetização.
Incluir gêneros no cotidiano escolar faz parte do reconhecimento das diversas formas pelas
quais crianças e adultos se alfabetizam em contextos letrados, em fenômenos como o que
aponta Trindade:
Livros de literatura infantil e jogos são apresentados a algumas crianças antes de
elas entrarem na escola e iniciarem formalmente o processo de alfabetização; e essa
experiência dependerá de oportunidades diferenciadas de acesso a tais materiais.
Durante a intervenção sistemática da educação infantil ou presenteadas pelos
familiares com esses artefatos culturais e outros tantos que compõe o universo da
alfabetização [...] as crianças curiosamente exploram tais artefatos escolares. [...]
Somam-se tais artefatos a portadores de textos, comumente explorados em casa
(TRINDADE, 2005, p. 130-131).
O contato com o mundo letrado fez com que uma nova cultura da alfabetização
reconhecesse e admitisse para a escola o caráter pedagógico de artefatos que circulam
atualmente em grande parte da sociedade, e, assim, de habilidades relativas à cultura escrita,
que as crianças já desenvolvem antes de ingressar na escola, e ainda, como é analisado por
Bajard:
O encontro entre a criança e o livro deixou de ser propiciado pelo professor da
segunda série como prêmio por uma alfabetização bem sucedida. O manuseio do
livro ocorre antes da alfabetização formal. A seqüência aprendizagem (com a
cartilha)/uso da escrita (com o livro) é agora invertida. A nova abordagem
uso/aprendizagem não é fruto de uma proposta escolar, mas de uma mudança social.
(BAJARD, 2005, p. 52).
É destacável o amplo trabalho com literatura infantil na proposta do Programa Circuito
Campeão, sendo a literatura considerada o ponto de partida para que a criança desenvolva o
prazer de ler e, assim, sendo um leitor interessado e proficiente desenvolva com mais
101
facilidade o domínio de todas as outras áreas. Segundo a autora do manual de orientação para
os professores de tal programa, Walda Antunes, o desejo de ler incitaria o desejo de aprender
(ANTUNES, 2007). Nesse programa, para todos os títulos disponíveis em seu acervo
orientações e sugestões de trabalho que exploram a temática do livro a ser trabalhado, assim
como outras atividades decorrentes dessas temáticas. Encontramos nesse programa estratégias
do que chamamos de “pedagogização da literatura”. Conforme Vidal e Neuls,
[...] juntamente com outros artefatos culturais, professores e professoras usam a
literatura infantil não para desenvolver o gosto pela leitura, mas também para
discutir conceitos e temas conflituosos e polêmicos, por meio de questões como: ser
gordo, os apelidos, raça/etnia, consumismo, infância e trabalho, medos, etc. desse
modo, ocorre uma psicologização e pedagogização da literatura infantil. (VIDAL;
NEULS, 2008, p. 71)
Para o trabalho com diferenças culturais e outras temáticas que podem encaixar-se no
universo infantil, os livros de literatura de que dispõe o Instituto Ayrton Senna são um aporte
material privilegiado para o trabalho do professor, além de que alunos na rede pública
dificilmente teriam acesso a essa quantidade (e qualidade) de obras.
Para o programa que investe na literatura também como forma lúdica e prazerosa de
aprendizagem, há a sistematização e o controle dos avanços feitos na turma, através das fichas
de acompanhamento citadas. Não os livros lidos são contabilizados, mas os avanços na
aprendizagem da leitura e da escrita. Essa forma de explorar a literatura infantil para a
alfabetização suscita uma questão reportada por Geraldi na década de 1980. O autor, um
dos responsáveis pela produção de discursos sobre o prazer de ler, aponta queImporta que o
aluno adquira o gosto de ler pelo prazer de ler, não em função de cobranças escolares.”
(GERALDI, 1984, p. 53).
o Instituto Alfa e Beto tem, em sua coletânea “Chão de Estrelas”, a maior
incidência de textos de literatura infantil, contando predominantemente com cantigas
populares (como O pato; Os dez sacizinhos; Doce de batata-doce, etc.), destacando as rimas
para seu trabalho com a consciência fonológica. Nos livros didáticos, os textos que
encontramos são de produção do próprio instituto, o que podemos chamar de “textos
102
escolares”, elaborados especialmente com intuito pedagógico.
Nos materiais didáticos do GEEMPA também são encontradas referências a literatura
infantil, por seus cadernos de atividades serem produzidos a partir de obras literárias. Em
relação às temáticas presentes no material didático, encontramos a literatura infantil como
ferramenta útil para a produção desses materiais, pois, conforme introdução do Caderno de
Atividades Dinomir, o gigante:
[...] quando seu conteúdo faz parte do imaginário da criança, constitui-se
num instrumento importante para a compreensão de um dos papéis da
escrita, que é a interpretação da vida através da literatura. (2005b, p. 9)
Sendo assim, justifica-se a escolha das histórias que compõem o material didático por
conterem temáticas relativas ao universo infantil.
Passo, agora, a analisar alguns aspectos relativos às representações contidas nos
cadernos de atividades, ressaltando que se trata de um olhar singular,
48
do qual muitas outras
leituras podem ter passado despercebidas.
A história geradora do caderno de atividades Choco encontra uma mamãe (Figura 16)
é muito popular na Colômbia, sendo trazida ao Brasil, adaptada e transformada em livro
didático por pesquisadores do GEEMPA. Eles relatam que na ocasião de atividades de
formação docente do GEEMPA na Colômbia, um dos livros que seriam utilizados na
alfabetização era o caderno As bruxas, porém, talvez por ser um país muito católico”, por
questões religiosas, esse caderno não teve aceitação da parte das famílias dos alunos, tendo
que ser substituído por outra história, que viria a ser o “Choco”. Embora tratando-se de países
diferentes, em que as diferenças culturais são maiores, cabe ressaltar esse caso para pensar
48
Por considerar que talvez meu olhar em relação ao material não contemplasse as categorias de análise das
obras, em uma das aulas que ministrei no estágio docente em ensino superior, como bolsista CNPq, no segundo
semestre letivo do Curso de Pedagogia, 2008/2, propus uma atividade de análise dessas categorias nos materiais
didáticos do GEEMPA. As alunas já tinham passado por um contato prévio com a Psicogênese da língua escrita
e com as Didática da Alfabetização, assim como eu já havia feito algumas exposições sobre o GEEMPA e suas
metodologias de trabalho. Destaquei, então, que categorias podiam ser examinadas em cada um dos livros pelos
grupos de trabalho. As categorias escolhidas envolviam a história geradora do livro, as imagens do livro, os
textos introdutórios, e as atividades de sistematização de leitura e escrita. Foi um importante exercício que em
muito contribuiu para as análises que apresento nesta dissertação.
103
sobre a apropriação de materiais didáticos que são produzidos em determinados contextos
culturais e trazidos para outros grupos que não necessariamente darão o mesmo significado,
como, por exemplo, a presença de cantigas folclóricas da região norte do país em materiais
didáticos levados para escolas da região sul do país.
49
A história de Choco relata sua busca por uma mãe. Após a recusa de vários animais,
Choco, um pintinho, é acolhido pela senhora urso, que, além de adotar Choco, tem outros
animais de diferentes espécies como seus filhos adotivos. O discurso de uma infância
desprotegida, retratada pelo abandono de Choco, está não no texto escrito, mas nas
imagens do livro. Esteticamente, são imagens atraentes, grandes, bem detalhadas, e coloridas
no livro original, e que mesmo em preto e branco, nos cadernos de atividades do GEEMPA,
não perdem sua boa definição. São bastante demarcadas as expressões de tristeza de Choco ao
se sentir sozinho em busca de sua mãe, o que muda após encontrar a senhora urso. Seu
pequeno tamanho e fragilidade o denotam como um ser inocente, diferente do adulto, “que
precisa de cuidado e proteção” (DORNELLES, 2005, p. 15). A infância moderna, dependente
e controlada por instituições como a família e a escola, cruza diferentes representações e
produzindo o sujeito infantil que não pode ser visto como singular, devendo ser normalizado,
ou seja, incluído em alguma instituição sob os cuidados e controle de outrem. O próprio
sentimento de “abandono” produz uma estratégia de autorregulação em que a representação
de infância feliz passa pelo pertencimento a uma família, e sem esse pertencimento a criança
seria um sujeito “incompleto”, à mercê de outros gerenciamentos, como o da escola.
No texto de apresentação desse caderno, escrito por Grossi, é explícita a comparação
entre a senhora urso e a professora, em um discurso sobre a inclusão que compara a
capacidade de a senhora urso adotar como seus filhos animais de outras espécies (como um
jacaré, um porco e um hipopótamo) com a capacidade que a professora deve ter ao acolher
seus alunos em suas diferenças. Esse discurso sobre a inclusão, à primeira vista, pode ser
adequadamente dirigido aos alunos em trabalhos com intuitos pedagógicos sobre o respeito às
diferenças (temática que vem sendo bastante debatida nos últimos anos, inclusive com uma
produção literária vasta sobre o assunto; muitas vezes, porém, ao trabalhar tal tema, acabam
simplificando a questão da inclusão, ao inserir “o diferente” numa tentativa de
49
Refiro-me a várias cantigas consideradas populares, presentes nos materiais do Instituto Alfa e Beto, supondo
que devam ser conhecidas na região sudeste do país porque o material é proveniente de Minas Gerais. Cabe
questionar, portanto, se professores de outras regiões, como no Rio Grande do Sul, as reconhecem, e se não,
como as utilizam.
104
“normalização” dele).
No caso de Choco, apesar de conviver com outras espécies de animais, acaba por ser
normalizado em uma infância em que se vê fazendo parte de uma família, brincando com seus
irmãos, e tendo na senhora urso uma figura materna que se caracteriza por gestos de afeto
como abraçar, beijar, cantar e dançar para Choco. Essa representação materna é literalmente
transferida para a figura da professora no texto de apresentação do livro. Destaco, portanto, o
olhar que lanço para como o discurso da inclusão é dirigido na formação de professores e não
somente para um trabalho pedagógico com os alunos. Segundo Grossi:
Acolher profissionalmente corresponde a abraçá-los todos, como a Ursa
de Choco, apesar de suas diferenças, sem as costumeiras rotulações de
bons ou maus alunos, sendo maus os que tem a sorte de serem mais
pobres que os demais, terem pais menos presentes na escola, terem
piolho etc. (GROSSI apud GEEMPA, 2007a, p. 6).
A partir da história geradora do livro, em que a temática infância e família/mãe é
discutida, o GEEMPA não deixa de, assim como tantos outros discursos, naturalizar essa
representação da professora com características maternais, mostrando as mesmas como
essenciais para o bom desempenho de sua função. Além disso, esse discurso condiz com o
pressuposto do GEEMPA de que “todos podem aprender”, indicando a não-rotulagem de
alunos pelos professores, ensinando a todas de forma igualitária. Por ter como temática o
acolhimento e o convívio entre os diferentes, a história de Choco é indicada pelo GEEMPA
para ser trabalhada no início do ano letivo, quando as turmas estão se formando, pois o
acolhimento de Choco seria uma analogia ao aluno recém ingressante na escola, assim como
sua aceitação por parte dos colegas uma analogia aos novos irmãos, aos diferentes.
Por ser uma publicação mais recente, informações mais detalhadas, no caderno de
atividades, sobre toda a proposta pós-construtivista, sendo também o único, entre os
analisados, que faz referência ao letramento a partir do uso de outros portadores de textos em
sua introdução.
105
Figura 16: Capa do Caderno de Atividades produzido a partir do livro “Choco encontra uma mamãe”,
de Keiko Kasza, pelo GEEMPA (2007a).
O caderno de atividades O elefantinho no poço (Figura 17) conta a história de animais
que tentam tirar um elefantinho que está preso em um poço. Enquanto tentam puxar o
elefantinho com uma corda, sem sucesso, aparece um ratinho para ajudar os outros animais,
que riem dele por sua pouca força, que acaba sendo com a ajuda do ratinho que os animais
conseguem tirar o elefantinho do poço. É uma história muito breve, ocupando apenas uma
página, sendo que a mesma é complementada com um parágrafo do GEEMPA, concluindo
que
[...] aquele que mais pensa que se parece com um ratinho, na sua
inteligência, é também muito importante para que todos aprendem na
aula (GEEMPA, 2005c, p. 11).
Apesar de breve, essa narrativa tem um caráter pedagógico eminente em suas lições
106
sobre solidariedade, união e autoestima. Traz também, em suas representações, dicotomias
que constituíram nossas identidades modernas, no momento em que o sujeito deve se
posicionar em relação aos discursos sobre si e em relação ao outro. Ou seja, neste caso, o ser
fraco ou ser forte é estabelecido por representações de quem são os fracos e quem são os
fortes, e pretendem instituir, através dessas identidades, relações de poder que fazem parte da
sociedade, servindo como forma de controle ou, como neste caso, também uma estratégia
que visa incitar a constituição de um sujeito que seja produtivo.
A produção do bom aluno passou, nas páginas das cartilhas, por textos escolares
moralizantes que serviram a contextos históricos de uma época. Assim como em dado
contexto os textos escolares pretendiam produzir o bom aluno, o bom filho, o bom
trabalhador, o bom cidadão e o bom brasileiro (TRINDADE, 2001), nos textos que hoje
encontramos em livros didáticos não deixam de circular discursos com o propósito de formar,
principalmente, em nosso contexto, o sujeito produtivo. Fazendo uma analogia com a história
do elefantinho, pergunto-me: quem seria o “ratinho”? Não poderia ser o aluno que, sendo
avaliado, é classificado nos degraus mais baixos da escada?
50
Como a história é escrita em apenas um parágrafo, o restante do caderno de atividades
é destinado a exercícios e jogos. Considerável parte do caderno, assim como em alguns
outros, se destina a explicar as regras dos jogos. O jogo do lince, o jogo do mico, o jogo do
quarteto ou dorminhoco, o jogo de memória e o bingo são atividades constantes na proposta
do GEEMPA, não sendo consideradas atividades paralelas, mas a própria metodologia de
alfabetização. As atividades lúdicas foram um dos fatores extremamente relacionados à
constituição da infância moderna, sendo atribuídas quase que exclusivamente a atividades
infantis. Porém, Varela (1992) aponta que na constituição da infância na modernidade, os
jogos também passam a ser admitidos na educação jesuítica com intuitos pedagógicos, pois os
jesuítas não “[iriam] proibi-los mas, ao invés disso, canalizá-los, orientando-os
convenientemente; jogos, danças e representações teatrais formarão parte de seu programa
educativo servindo para cultivar o corpo e o espírito” (VARELA, 1992, p. 75).
As práticas de jogos e brincadeiras são, assim, importantes atividades que deveriam
ser reguladas, competindo às instituições escolares o dever de impor outros significados a
essas práticas, constituindo outras formas de subjetivar os infantis – formas que naturalizaram
50
Mais detalhes sobre esse assunto são apresentados no capítulo seguinte.
107
uma representação infantil lúdica e ao mesmo tempo aprendiz. De acordo com Bujes (2004):
O jogo constitui um aparato pedagógico particular e as práticas de jogo/brinquedo
assentam-se em pressupostos sobre a aprendizagem e o ensino que se baseiam no
desenvolvimento da criança, descrito pela Psicologia do Desenvolvimento. (BUJES,
2004, p. 213)
Porém, para que fosse possível a descrição dos jogos em consonância com um
desenvolvimento infantil, as psicologias serviram-se primordialmente da observação da
criança como objeto do seu olhar, para que assim se produzisse “nesta organização ‘eficiente’,
porque ‘científica’, condições para seu desenvolvimento racional, o que corresponderia por
certo a efeitos positivos na ordem social.” (BUJES, 2004, p. 216).
A importância dada aos jogos na alfabetização pós-construtivista é bastante visível
pelo espaço que ocupam em seus materiais didáticos. Boa parte dos cadernos de atividades
são constituídos por fichas e cartelas que devem ser recortados e transformados em jogos.
Portanto, de acordo com a Psicologia do Desenvolvimento o jogo em si é o próprio objeto de
interação e de aprendizagens e, na área da alfabetização, a leitura e a escrita devem constituir
os objetos que a criança explora, com os quais cria situações, formula hipóteses e aprende. Os
jogos do GEEMPA são formulados pretendendo instigar hipóteses, conflitos e aprendizagens
principalmente por serem atividades em que o professor não “ensina”, mas o próprio
envolvimento com o jogo e com os colegas levaria a descobertas feitas pela criança.
Atividades assim dão margem a críticas sobre o “espontaneísmo” e à não-sistematização de
conteúdos por parte de propostas de cunho construtivista, vistas como problemáticas por não
alfabetizarem os alunos. No entanto, são atividades que vêm ao encontro dos discursos de
valorização do lúdico e do respeito à infância (embora, como já visto, uma infância inventada)
por especialistas da educação infantil que se mostraram receosos com as práticasescolares”
direcionadas a aprendizagem” de crianças de seis anos que ingressariam nas classes de
alfabetização a partir da implementação do EFNA.
Ainda, quanto ao caderno de atividades O elefantinho no poço, há críticas em relação à
qualidade de suas imagens. Sendo imagens “xerografadas” do livro original, suas cópias
108
acabaram por ficar muito escuras, até mesmo tornando-se difícil sua discriminação visual.
Figura 17: Capa do Caderno de Atividades produzido a partir do livro “O elefantinho no poço”, de
Marie Hall, pelo GEEMPA (2005c).
O caderno de atividades Dinomir, o gigante (Figura18), conta a história de um menino
e de seu amigo Dinomir, um gigante. A história se divide em três partes ao longo do livro,
contando episódios do cotidiano de Dinomir. No texto introdutório desse caderno, Dinomir é
descrito como um misto entre “gigante e fantasma”, embora eu não tenha identificado nas
histórias qualquer característica que indicasse Dinomir como um fantasma.
Na primeira história, Dinomir e seu amigo, um menino, vão passear de ônibus.
Situações da narrativa, como quando o gigante põe o menino no colo, ou o primeiro resolve
um conflito por ser maior (assustar um cachorro que impede a passagem do ônibus),
representam atitudes de proteção e cuidado comumente associadas à figura de um adulto.
Embora nos textos Dinomir seja descrito como sendo um gigante”, e não necessariamente
um adulto, a relação adulto-criança pode ser vinculada às situações em que costumamos
posicionar adultos e crianças. Assim como em Choco encontra uma mamãe, uma infância é
109
estabelecida através da relação com o outro (um gigante, um adulto?), em situações em que a
criança conta com a ajuda desse personagem, e na sua própria representação física, que sendo
maior, um gigante, detém uma potência, um poder, que implica na proteção do menor, o mais
frágil, o outro, a criança.
Essa relação adulto-criança é desestabelecida quando, na história seguinte, “Dinomir e
o guarda-chuva mágico”, o gigante brinca juntamente com as crianças, jogando bola e
tomando banho “de piscina” no guarda-chuva mágico. Sem exercer alguma relação de
autoridade, protecionismo, ou outras atitudes que implicassem uma conduta adulta, o gigante
pode ser igualado às crianças, salvo seu tamanho, na representação corriqueiramente
associada a essas atividades lúdicas, inclusive espantando-se e divertindo-se, como as
crianças, com a mudança de tamanho do guarda-chuva mágico. Assim, ao mesmo tempo em
que Dinomir é representado com características que se aproximam das de um adulto, ele
também é representado com características que costumam ser atribuídas aos sujeitos infantis.
Outro fator importante a destacar são as ilustrações da história que não são
consideradas “esteticamente atraentes”, mas teriam uma semelhança com o desenho infantil,
tendo uma proximidade com a produção da criança.
51
Na terceira história que narra o cotidiano de Dinomir, onde o gigante faz a limpeza da
casa, questões de gênero são abordadas de forma interessante, por mostrarem uma forma de
masculinidade não usual nas representações do que é ser homem. As tarefas domésticas foram
naturalizadas em nossa sociedade como atividades exclusivamente femininas, e ao mostrar
Dinomir limpando a casa, os paradigmas sexistas são postos em questão e mostram outras
formas de ser menino e de ser menina. Porém, mesmo não sendo muito comuns relatos de
situações como essas, as tarefas domésticas sendo atribuídas aos homens retratam novas
configurações sociais e relações de gênero, em que mulheres e homens trabalham fora e
precisam dividir os trabalhos domésticos.
Quanto às atividades específicas em leitura e escrita, esse caderno de atividades segue
o padrão dos demais.
51
A observação apresentada foi uma das análises feitas pela turma da disciplina de Linguagem e Educação I, na
qual estagiei.
110
Figura 18: Capa do Caderno de Atividades produzido a partir do livro “Dinomir, o gigante”, de E.
Plocki, pelo GEEMPA (2005b).
O caderno de atividades As bruxas (Figura 19) narra o cotidiano de uma bruxa “boa”.
As atividades desse caderno seguem o padrão dos outros, com muitos jogos e atividades que
privilegiam a palavra. Quanto à sua temática, as representações acerca do que é ser uma bruxa
incluem como primeiro requisito o fato de ser velha. As aproximações entre velhice, feiura e
hábitos estranhos constituem o imaginário sobre bruxas desde os mais antigos clássicos da
literatura infantil, e mesmo existindo outras representações como a das “bruxas boas”,
predominam as primeiras. Entre o bem o mal que classificam condutas, e o mundo em si, as
bruxas são ora apresentadas em sua vertente má, ora em recentes versões de bruxas boas. Na
representação de bruxa dessa história, embora suas atitudes mudem completamente e se
mostrem amorosas, sua aparência e hábitos não sofrem mudanças, nem fogem, assim, dos
111
estereótipos existentes. Entre seus aparatos estão a vassoura, os livros de feitiçaria, a caldeirão
(representado por um fogão a lenha), e animais como gatos, cachorros, morcegos, corujas e
urubus. Na própria história, ao descrever uma bruxa como velha, faz-se referência às avós,
afirmando que:
[...] ninguém é mais parecido com uma bruxa do que uma avó. Mesmo
que tua avó se pareça muito com uma bruxa, não é certo que ela seja
uma bruxa de verdade (GEEMPA, 2005a, p. 10).
Nos vários modos contemporâneos de feminilidade e envelhecimento, seria essa
afirmação coerente com todas as avós de crianças em classe de alfabetização? Que
representações estão sendo colocadas sobre a velhice e o feminino? Seriam então, as avós
as bruxas boas?
Na introdução desse caderno, as alfabetizadoras são convidadas a assumir sua
“vocação bruxeira” em um convite a ser bruxa. O convite começa afirmando que cada uma
de nós (professoras) tem um bruxa dentro de si, e descrevendo características tidas como
ameaçadoras, desejantes, assustadoras, mágicas, envolvidas pelos mistérios da
agressividade”, e dotadas de um grande poder, afirma que a canalização dessas energias, que
tanto servem para o bem quanto para a mal, deve ser para a principal bruxaria das
alfabetizadoras: alfabetizar todos os alunos. Embora à primeira vista esse texto faça apenas
uma analogia ao personagem fictício, deve-se atentar para a força dos discursos que
historicamente atribuíram às mulheres uma identidade perigosa, ameaçadora, na figura de
bruxas ou pecadoras, instituídas por relações de gênero que até hoje demarcam sociedades
machistas e patriarcais. A invenção do bom e do mau pode ter extrapolado épocas em que o
sobrenatural impunha suas verdades, mas nas sociedades modernas onde a razão se ampara,
outras categorias e verdades são criadas sob o aval de instituições que detêm o poder de dizer
o que é bom e o que é mau, sob outros argumentos, principalmente os das ciências. Sendo a
professora convidada a “ser bruxa”, existiria então a bruxa boa e, consequentemente, a bruxa
má, sob a lógica dessas representações. Teriam as alfabetizadoras a escolha de não ser (bruxas
ou não) boas ou más? Até que ponto as práticas das professoras, e o magistério em si como
112
categoria predominantemente feminina, são tomadas das formas mais subjetivas possíveis, em
seus modos de ser, para pautar (e também responsabilizar) uma boa ou má educação? Partilho
do pensamento de Corazza, quando a autora diz:
Ser deusas e bruxas é algo que cabe à nós, mulheres-professoras, decidir? Nós temos
autonomia para determinar esses modos de ser? Mas, quem somos nós, para
escolher, diante de milhões e milhões de anos, discursos, textos, práticas, que
inscrevem tais modos de ser em nossos corpos e almas, mesmo antes de nascer
como mulheres e de trabalhar como professoras? (CORAZZA, 2002, p. 90)
Os modos de ser professora alfabetizadora pós-construtivista, assim como em outras
propostas pedagógicas, são ensinados em artefatos como os livros didáticos analisados, em
formações docentes, e tantos outros artefatos que representam o magistério. Devemos atentar
para o fato de que em quaisquer que sejam as propostas, os programas e as formações não
estão isentos de um ideal de professor que faça parte da produção de um sujeito, e essa
produção está completamente imbricada em relações do poder que extrapolam nossas salas de
aula, mas que nem por isso, com alerta Foucault, é um poder de cima para baixo”.
Identificar e pensar o caráter produtivo dessas relações nos abrem novas possibilidades para
reconfigurá-las ou perpetuá-las. No entanto, o ser professora não é algo dado, natural, mas
construído. Ainda cito Corazza em resposta à sua questão anterior:
Minha resposta é: nós não queremos mais ser elas, deusa e bruxas. Não queremos
mais nos significar, pensar, sentir, agir desses modos. Não queremos porque não se
trata de “querer”, mas de que estamos experimentando devires mulher e professora,
que não sejam nem bruxas nem deusas (CORAZZA, 2002, p. 91).
113
Figura 19: Capa do Caderno de Atividades produzido a partir do livro “As bruxas”, de Colin e Jackie
Hawkins, pelo GEEMPA (2005a).
Figura 20: Capa do Caderno de Atividades produzido a partir do livro “Uma escola assim, eu quero
pra mim”, de Elias José, pelo GEEMPA (2007b).
114
O caderno de atividades Uma escola assim, eu quero pra mim (Figura 20) foi
produzido e posto em circulação no final do ano de 2007. A história que o gera, de autoria de
Elias José, era conhecida em nosso meio acadêmico, principalmente a partir das análises
sobre suas representações acerca de professoras e métodos de alfabetização, feitas por
Trindade (2002).
A história narra a vinda de um menino do campo, Rodrigo, para a cidade, e suas
dificuldades por ser discriminado na escola pela forma de falar. Quando ingressa na escola,
Rodrigo é aluno da professora Marisa, que ensina através da cartilha e corrige Rodrigo a todo
o momento. Quando Rodrigo sente-se desestimulado a frequentar a escola, uma troca de
professora, surgindo, então, a professora Celinha, que é bem mais jovem, utiliza formas
diferentes de dar aulas e valoriza a linguagem e a cultura de Rodrigo. Quando a professora
Marisa retorna e a turma modificada, cede ao “novo jeito” de Celinha, abandonando a
cartilha e ensinando de forma mais prazerosa.
O livro de Elias José é literalmente reproduzido nesse caderno de atividades, assim
como as imagens do livro utilizadas para as atividades em leitura e escrita do caderno, que
não se diferenciam muito da estrutura dos outros cadernos.
Essa história é propícia aos ideais do GEEMPA, principalmente em um momento de
comparação entre o “velho” (métodos fônicos) e o “novo” (pós-construtivismo). Portanto,
cabe ressaltar que a história data da década de 1990.
Na narrativa, a professora Marisa é uma referência aos métodos tidos como
tradicionais, não por usar a cartilha, mas por não admitir erros. Além disso, a professora é
representada como grandona (na verdade estava grávida), feia, sabichona e azeda. a
professora Celinha, representa o “novo”, fazendo uma analogia às teorias inovadoras. Dona
Celinha é descrita como sendo jovem, magra, pequenina, e sorridente, além de que passa a
valorizar a linguagem de Rodrigo que não tem mais medo de errar ao falar ou escrever.
Trindade (2002) ao analisar essa obra em relação a representação de alfabetizadora contida na
figura da professora Celinha, coloca:
Vejo serem atribuídos, por um lado, à personagem professora, sentimentos
115
“maternais” por seus/suas alunos/as, ao mesmo tempo em que ela é infantilizada
para ficar mais próxima das crianças. Determinados discursos são valorizados em
detrimento de outros, como o de que a professora “mais nova”, recém-formada,
saber usar metodologias de alfabetização coerentes com a produção teórica mais
recente, enquanto a “antiga” precisa tornar sua prática mais “moderna”
(TRINDADE, 2002, p. 120).
Assim, as representações contidas na história são amplamente disseminadas tanto para
os professores que trabalhavam com a proposta pós-construtivista quanto aos professores
que estão sendo formados na proposta. Porém, cabe questionar se, ao fazer uso dessa narrativa
atualmente, ainda seriam recorrentes as associações das práticas inovadoras, descritas no
livro, exclusivamente ao pós-construtivismo? Ou poderíamos identificar várias práticas
inovadoras nas mais diferentes propostas de alfabetização, formando assim o que chamamos
de nova cultura de alfabetização?
A intencionalidade discursiva do GEEMPA, ao produzir um caderno a partir da
história de Elias José, se em um período de formação de um grande número de professores
através do projeto-piloto,
52
tendo assim uma maior visibilidade de seus discursos sobre o que
são bons métodos e os que não são. Além disso, os alunos que recebem esse caderno de
atividades também são subjetivados por discursos que dizem como é a boa” professora,
como ela ensina e com que ela ensina. Sendo assim, nesse caderno representações acerca
de professoras, alunos, etc., assim como em outros cadernos, mas, neste caso, as
representações remetem fortemente à alfabetização, polarizando representações sobre
métodos, práticas e materiais, bons ou ruins, tradicionais ou inovadores, no ensino da leitura e
da escrita.
Nessas análises, pode-se visibilizar os discursos recorrentes às metodologias no ensino
da leitura e da escrita, assim como os discursos sobre letramento e literatura que encontramos
nas propostas didáticas. É importante demarcar semelhanças e diferenças para não nos
referirmos a um discurso sobre alfabetização, ao buscar mostrar que os programas analisados
são atravessados por vozes e discursos comuns à trajetória dos estudos em alfabetização, e
que, como bem pondera Trindade,
52
Cabe relembrar que este caderno de atividades foi distribuído no final do ano de 2007.
116
Queremos alertar que se faz necessária a ressignificação de determinadas atividades
reconhecidas como tradicionais, construtivistas e letradas considerando a
compreensão e os usos que são feitos das mesmas. [...] Nuanças nessas
interpretações não nos permitem categorizar tais práticas como próprias de um único
discurso. (TRINDADE, 2005, p. 129)
Cabe ainda, nesse sentido, uma recorrente questão, muito bem posta por Dalla Zen e
Trindade, deixada aqui como provocação após toda a análise que fiz dos três programas do
projeto-piloto:
[...] quando determinados discursos passam a circular como “verdades”, precisam
ser questionados quanto às diferenças e articulações que possam ter entre si e em
relação a outros discursos. Exemplificando: em que medida os discursos sobre
letramento se diferenciam daqueles sobre métodos, do da psicogênese da língua
escrita? (DALLA ZEN; TRINDADE, 2002, p. 124)
117
4 AS AVALIAÇÕES
Neste capítulo, discuto as avaliações no projeto-piloto, relembrando que denomino
avaliações externas as que se referem às aplicadas pela Fundação Cesgranrio aos três
programas, e avaliações internas as que seriam as formas de avaliar os alunos conforme a
metodologia de um dos programas, neste caso, com maior detalhamento de análise para a ula-
entrevista do GEEMPA.
Existem relações de poder que marcam os discursos escolares na produção de um
determinado sujeito, aquele que atualmente deve engajar-se numa lógica de eficiência e que,
além de ser o sujeito produtivo almejado na época das massificações escolares para atender às
demandas de força de trabalho capitalista-industrial, deve agora ser também o sujeito
competitivo, comparável entre os seus, imersos nos atuais discursos de mercado. Como
discutido, essa busca pela eficiência é bastante recorrente nos discursos que justificam a
aplicação de políticas públicas na área da educação, que serve de cenário para parcerias entre
estado e instituições sociais e privadas.
As relações de poder que envolvem essas instituições em prol de um determinado tipo
de sociedade incluem estratégias para conhecer, avaliar e controlar, ou seja, uma rede de
subjetivação que produz o sujeito-aluno e que abarca discursos que vão além do que
chamamos de “escolares”. Dentro dessa lógica, enxergo as avaliações como forma de
conhecer, posicionar e produzir sujeitos, tanto nas avaliações que chamo de “externas”, como
a da Cesgranrio que mediu o desempenho das três instituições participantes do projeto-
-piloto quanto as avaliações que chamo deinternas”, que se referem às constantes práticas
do GEEMPA, e que assim como a marcação temporal dos atos, descrito por Foucault, não
deixam de estabelecer “um ritmo coletivo e obrigatório, imposto do exterior; é um
‘programa’, ele realiza a elaboração do próprio ato; controla do interior seu desenrolar e suas
118
fases.” (FOUCAULT, 1987, p.129)
Descrever e, de certa forma, quantificar todos esses processos avaliativos pelos quais
passaram os alunos de seis anos de idade no programa geempiano e, ao mesmo tempo, no
projeto-piloto, tem o propósito de questionar a quantidade de avaliações pelas quais essas
crianças (muitas recém ingressas em um sistema escolar) passaram, além de contrapor os
diferentes pressupostos em que se baseiam cada uma das avaliações.
4.1 AS AVALIAÇÕES EXTERNAS
O resultado da primeira avaliação do projeto-piloto, realizada em dezembro de 2007, e
divulgada em fevereiro de 2008, apresentou o programa Alfa e Beto com os melhores índices
de alfabetização, seguido pelo Circuito Campeão, e pelo programa Alfabetização pós-
construtivista. A avaliação consistia em 10 questões de Leitura e Escrita, e 19 de Matemática,
porém serão discutidas, aqui, as questões que se relacionam à leitura e à escrita. Os
resultados foram os que seguem na Tabela 1, em uma escala de zero a cem:
Tabela 1: Quadro ilustrativo dos resultados da avaliação do projeto-piloto realizada em 2007.
Método Média em leitura e escrita
Alfa e Beto 67.87
Ayrton Senna 62.97
GEEMPA 62.83
Controle 54.41
119
A diferença do desempenho entre o programa Alfa e Beto (avaliado como o melhor) e
as turmas de controle que não receberam intervenção de nenhuma dessas instituições é de
13.46, ou 13%. Isso equivale a 1,3 questões da avaliação, composta por 10 questões.
Interpretando os dados, não desconsiderando que em grande escala significam, sim, um
desempenho maior, seria o resultado do projeto-piloto tão satisfatório assim frente ao grande
investimento financeiro feito nesses programas?
A avaliação inicial, chamada “avaliação de prontidão”,
53
realizada no mês de abril de
2007, com as turmas do projeto-piloto, consistiu em verificar itens como comandos (levante o
direito, coce a cabeça com a mão esquerda, mostre o dedo polegar, etc); conceitos básicos
(marcar “X” em figuras de cima, de baixo, na figura menor, na maior, etc); cores (pintar
determinada figura de amarelo, outra de vermelho, etc); ordem e sentido da história (ordenar
uma história em quadrinhos, onde aparecem imagens); letras (reconhecimento de letras do
alfabeto); controle motor (fazer traçados em linha reta, curva, ziguezague, etc); visão e
audição (verificar se o aluno três figuras a uma determinada distância, e se ouve o
comando de levantar-se e dirigir-se ao professor). Estão presentes em avaliações assim os
pressupostos do chamado “Período Preparatório”, o que condiz como a pretensão inicial do
projeto de fazer uma adaptação dos testes ABC, de Lourenço Filho
54
para avaliar os alunos.
Tal prontidão, ou seja, habilidades consideradas relevantes para a alfabetização, foram muito
utilizadas entre educadores para posicionar os alunos em classes fortes, médias e fracas, ao
mesmo tempo em que buscavam métodos eficazes de alfabetização, no auge do uso de
metodologias conhecidas como mais tradicionais em nosso país, no século XX. Questiono
então: como avaliar com testes de prontidão alunos engajados em uma proposta pós-
construtivista que tem como máxima que “todos podem aprender”?
55
As críticas de que os
53
Termo utilizado pela própria Fundação Cesgranrio, em seu relatório sobre o projeto-piloto.
54
Os testes ABC surgiram a partir da década de 1930, criados pelo educador brasileiro Manuel Bergström
Lourenço Filho, um dos pioneiros da chamada Escola Nova. Os testes eram aplicados nas crianças que
ingressariam na escola nas classes de alfabetização, avaliando sua maturidade para o aprendizado da leitura e da
escrita. Compunham questões que avaliavam: coordenação visual-motora; resistência à inversão na cópia de
figuras; memorização visual; coordenação auditivo-motora; capacidade de prolação; resistência à ecolalia;
memorização auditiva; índice de fatigabilidade; índice de atenção dirigida; vocabulário e compreensão geral.
Após os testes, os alunos eram divididos em três grupos: as fortes, as médias e as fracas. Disponível em:
<www.scielo.br>. Acesso em 20 dez. 2008.
55
Essa é uma expressão recorrente na metodologia geempiana, que trata especialmente de alunos de classes
populares que não tiveram o mesmo acesso às culturas letradas que os demais, porém, não são menos capazes de
aprender (basta haver uma proposta didática adequada).
120
testes de prontidão segregavam e rotulavam os alunos ao ingressarem na escola não condizem
com algum tipo de “pré-seleção” para a alfabetização, nem com pré-requisitos psicomotores
para a aprendizagem, já que todo o aluno seria capaz de aprender mediante intervenções
adequadas, segundo a metodologia pós-construtivista. Teria o GEEMPA questionado tal
avaliação? Ou submeteu-se a ela? Em um vídeo de apresentação
56
do programa Alfa e Beto
disponibilizado na internet, vemos imagens de uma professora aplicando um teste com um
aluno utilizando figuras idênticas às da avaliação inicial do projeto-piloto aplicado pela
Cesgranrio. Ou seja, a avaliação parece afinar-se com formas de avaliar do Instituto Alfa e
Beto. Resta saber como o Circuito Campeão se valeu da mesma.
Outra questão de extrema relevância para pensar sobre o resultado da avaliação do
projeto-piloto são as de aspecto socioeconômico, ou seja, avaliando em que regiões do estado
do Rio Grande do Sul atuou cada um dos programas. Nas informações da Seduc/RS
57
constam
certos cuidados para que se aplicassem os programas com equidade em todas as regiões do
estado, como verifica-se em documentos do projeto:
Para garantir a presença de professores e alunos de diferentes regiões
do Estado no projeto, dividiu-se o Rio Grande do Sul em três grandes
regiões sul, sudeste e norte [...] como objetivo de criar três pólos de
turmas em cada uma das regiões, cada pólo responsável pela aplicação
de um dos programas de intervenção pedagógica, de forma que os três
programas se fizessem presentes nas três regiões. (Cf.
www.educacao.rs.gov.br)
Portanto, em uma longa e detalhada análise do relatório da Cesgranrio, não consta tal
equidade na distribuição de todos os programas em diferentes regiões do estado. No relatório
sobre os resultados da avaliação feita em dezembro de 2007, encontram-se dados mais
detalhados, como o nome de cada escola participante, o município a qual pertence, de que
programa participou e suas notas. Fazendo um mapeamento com base nesses dados, nota-se
que a distribuição dos programas não se deu de forma equivalente, destacando-se que o
programa Alfa e Beto não abrangeu diversas regiões do estado como os outros programas,
56
Disponível em: <http://www.alfaebeto.com.br/produtos_alfaebeto_programadeensino.php>. Acesso em: 15
dez. 2008.
57
Disponível em: <www.educacao.rs.gov.br>. Acesso em: 25 jul. 2008.
121
tendo uma concentração em algumas regiões do estado, não havendo incidência, pelo menos
no ano de 2007, em municípios do leste do Rio Grande do Sul (Figura 20). No programa
Circuito Campeão um número significativo de escolas participantes em municípios como
Caxias do Sul, Passo Fundo e Pelotas, além de outros municípios localizados nas regiões de
fronteira noroeste, oeste e centro-sul do estado (Figura 21). No programa Alfabetização Pós-
Construtivista também a participação de municípios localizados em várias regiões (Figura
22), sendo que no município de Viamão um número expressivo de escolas participantes,
pois o município de Viamão tinha uma parceria com o GEEMPA, que prestava assessoria
em algumas de suas escolas (um dos casos de participação de escolas municipais no projeto-
-piloto do estado).
Como se pode verificar, enquanto maior distribuição dos programas Circuito
Campeão e Alfabetização Pós-Construtivista, inclusive pelas regiões sul e oeste do Estado, o
programa Alfa e Beto concentra-se nas regiões norte e leste do estado. Mesmo abrangendo
alguns municípios da região sul, é notadamente curiosa a incidência desse programa na
metade norte do Estado, região considerada a mais socioeconomicamente desenvolvida. Ao
avaliar como o programa que alcançou médias mais elevadas, não se pode desconsiderar esse
dado, já que o fator socioeconômico pode ter influenciado nos resultados.
122
Figura 21: Mapa ilustrativo sobre a distribuição do Programa Alfa e Beto no Rio Grande do Sul, no
ano de 2007.
123
Figura 22: Mapa ilustrativo sobre a distribuição do Programa Circuito Campeão no Rio Grande do Sul,
no ano de 2007.
124
Figura 23: Mapa ilustrativo sobre a distribuição do Programa Alfabetização Pós-Construtivista no Rio
Grande do Sul, no ano de 2007.
125
4.2 AS AVALIAÇÕES INTERNAS
Em relação a como se dão as avaliações no interior de cada programa participante do
projeto-piloto, não tive acesso a informações que julgasse suficientes sobre todos, obtendo
maiores informações sobre as avaliações que o GEEMPA faz de sua proposta. Apresento
então, brevemente, as avaliações internas dos outros dois programas, detendo-me,
posteriormente, na análise das avaliações internas do GEEMPA.
Quanto ao Instituto Alfa e Beto, em vídeos em sua página virtual, vê-se que as
avaliações são muito semelhantes às dos testes de prontidão, descritos na seção anterior,
porém não se pode afirmar que suas avaliações se restringem a isso. Assim sendo, permanece
a questão sobre outros estudos que merecem investimentos futuramente, ou que, tendo sido
realizados, possamos ter acesso para análises em outra ocasião.
Sendo que o foco do Instituto Ayrton Senna é o trabalho em gestão, considerando o
bom gerenciamento o fator principal do sucesso escolar, suas avaliações também são alvo de
forte controle. Considerando as discussões sobre a lógica neoliberal e empresarial que
atravessa a escola, já feitas em capítulo anterior, o Circuito Campeão explicita bem como se
dão as estratégias de constante avaliação e controle, por exemplo, no seu Sistema de
Acompanhamento, que visa um banco de dados (SIASI) baseado no preenchimento das fichas
de acompanhamento. As fichas de acompanhamento são em grande quantidade para que o
professor preencha e, com uma supervisão de seu trabalho, acompanhe o desenvolvimento de
sua turma com vistas às metas a serem alcançadas. Além de algumas fichas de
acompanhamento da aprendizagem em leitura e escrita dos alunos, apresentadas em
capítulo anterior, outras fichas de acompanhamento em relação a operações matemáticas e
da quantidade de livros lidos pelas turmas. Porém, além dessas fichas, ainda uma grande
quantidade de fichas de acompanhamento para avaliar o trabalho do professor, desde a
organização de sua aula até seu relacionamento com os alunos (Figura 24), e que são
geralmente preenchidas pelo coordenador pedagógico ou pela direção da escola. Nessa
proposta de gerenciamento da educação, o sucesso” busca-se não na avaliação das
126
aprendizagens dos alunos, mas fortemente no trabalho dos professores para se alcançarem as
metas do instituto.
Figura 24: Relatório de visita do coordenador pedagógico, do Instituto Ayrton Senna.
127
Em sua Dissertação de Mestrado, intitulada “Escola Campeã: estratégias de
governamento e autorregulação”,
58
Morgana Domênica Hattge analisa materiais de divulgação
e instauração de programas do Instituto Ayrton Senna. Em sua pesquisa, a autora argumenta
que os discursos nos materiais do Instituto estão atravessados pela lógica empresarial no
campo da gestão educacional, estando seus objetivos comprometidos com a sociedade
neoliberal. Analisando as fichas de acompanhamento que compõem o programa Circuito
Campeão”, em relação ao trabalho do professor, cito Hattge quando diz que:
Os professores tornam-se alvo dos investimentos do Programa a partir dos
resultados objetivos apresentados pelos alunos. E, a partir desses resultados, devem
ser capacitados para que sejam capazes de levar o aluno a atingir metas
estabelecidas pelo Programa. Nessa capacitação dos professores, podemos ver, mais
uma vez, a articulação dos discursos educacional e empresarial. Trata-se de uma
capacitação bastante tecnicista, muito mais vinculada a métodos, procedimentos,
atividades práticas, do que a discussões que repensem as bases sobre a qual a escola
está estruturada. (HATTGE, 2007, p. 103)
As outras formas de avaliação e de metodologias de trabalho dessa proposta também
merecem ser mais bem exploradas. Na seção seguinte, analiso mais detalhadamente as
avaliações do GEEMPA, através de seu instrumento aula-entrevista.
4.2.1 A aula-entrevista
Não passa despercebido que os enunciados presentes no material do GEEMPA,
entendidos “na sua materialidade de coisa pronunciada ou escrita” (FOUCAULT, 2008, p. 8),
assim como no Projeto-Piloto do Estado e as avaliações nele envolvidas, estão imbricados em
uma ordem discursiva que emerge devido a uma determinada historicidade. Assim também
58
HATTGE, Morgana Domênica. Escola Campeã: estratégias de governamento e auto-regulação. São Leopoldo:
Unisinos, 2007. 116f. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação.
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2007.
128
“tanto o sujeito como a sua subjetividade, são em si mesmos produções históricas” (RAMOS
DO Ó, 2003, p. 55), por isso, devemos olhar para o sujeito-aluno do pós-construtivismo
considerando seu caráter histórico, construído, ressaltando como, a partir de que instrumentos,
ele emerge, apontando para uma análise específica. Como ressalta Foucault,
[...] o importante é que a história não considere um acontecimento sem definir a
série de que ele faz parte, sem especificar o modo de análise de que esta série
depende, sem procurar conhecer a regularidade dos fenômenos e os limites de
probabilidade da sua emergência (FOUCAULT, 2008, p. 55-56).
Assim, não observo somente o sujeito-aluno do pós-construtivismo, mas a emergência
do aluno de seis anos em escolas públicas e suas possíveis competências escolares.
O construtivismo pedagógico, assim como outras teorias da educação, ancorou-se no
respaldo “científico” moderno, tomando as “ciências” como verdades estáveis e seguras, o
que ainda constitui as bases do chamado pós-construtivismo, como encontramos na
apresentação da aula-entrevista:
[...] a mudança de ótica docente é a boa operacionalização da descoberta
mais animadora das ciências, hoje, a de que todos podem aprender...
(GEEMPA, 2000, p. 5) [grifo meu].
O pós-construtivismo, como uma mudança que parte do professor, como algo positivo,
como uma descoberta a ser feita, que inova, e que sabendo ser aplicada seria a garantia de
aprendizagem a qualquer aluno, se autodefine não apenas como uma teoria, mas como “linha,
proposta, concepção, prática, filosofia, novo método, pedagogia, novidade, etc.” (VIEIRA,
1998, p. 79). Através da maximização das concepções acerca do pós-construtivismo, amplia-
se sua rede de subjetivação, a forma de envolver o sujeito nesse processo intenso que vai para
além de uma teoria educacional, sendo que a opção por essa proposta acarretaria um processo
de subjetivação maior de seus adeptos. Uma das formas de maximizar a subjetivação é própria
maneira de avaliar o sujeito, de classificá-lo e posicioná-lo, como não deixa de acontecer na
129
proposta pós-construtivista que se utiliza principalmente dos níveis psicogenéticos para tal
classificação. A partir da Psicogênese da Língua Escrita (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999)
que baseou o construtivismo no Brasil, os níveis psicogenéticos sofreram modificações
resultando em adaptações múltiplas de avaliação. No longo processo de pesquisa com
crianças argentinas na década de 1970, que originou o livro, as autoras descrevem cinco
níveis psicogenéticos ao longo do processo de alfabetização do sujeito. Os níveis são
denominados como: nível 1, nível 2, nível 3, nível 4 e nível 5.
Baseando-se nesses níveis, o GEEMPA dá-lhes outras denominações, além de
mudanças como a inclusão ou a exclusão de níveis. Atualmente, tais níveis se restringem, na
avaliação geempiana, a quatro: pré-silábico 1; pré-silábico 2; silábico; alfabético. Além das
denominações dos níveis, o GEEMPA produziu vários materiais direcionados aos professores,
descrevendo a forma como avaliar os alunos, a fim de orientar as intervenções necessárias
para o sucesso da aprendizagem deles. Para fazer as avaliações, os professores recebem a
aula-entrevista, que explica e orienta a forma como os professores devem executar as
testagens (para verificar os níveis psicogenéticos), posicionando os alunos ao longo do ano
letivo. Sendo assim, a aula-entrevista (Figura 25) é considerada o instrumento básico para que
o professor consiga realizar as avaliações, como verificamos em sua apresentação:
[...] avaliar é um suporte para o professor conduzir sua atuação [...] a
aplicação da prova ampla
59
é um termômetro... (GEEMPA, 2000, p. 5).
Figura 25: Capa da aula-entrevista (GEEMPA, 2000).
59
No interior da publicação ainda é usado o termo “Prova Ampla”, atualmente substituído por aula-entrevista.
130
Tomando os cinco níveis da Psicogênese da Língua Escrita (FERREIRO;
TEBEROSKY, 1999) como referência para seu trabalho, o GEEMPA, mesmo utilizando
quatro níveis principais, tem na aula-entrevista uma série de tarefas que vão posicionando e
constituindo o sujeito-aluno, rumo à aquisição da leitura e da escrita, por meio dos constantes
exames que o professor deve aplicar.
Na versão mais recente da proposta geempiana, há, ainda, entre os níveis principais, os
níveis intermediários, denominados Intermediário 1 (entre o pré-silábico 1 e o pré-silábico 2),
Intermediário 2 (entre o pré-silábico 2 e o silábico), e Intermediário 3 (entre o silábico e o
alfabético). Além disso, o nível “Alfabetizado” (após o alfabético), e que teria novas
subdivisões de acordo com as habilidades letradas dos alunos. Na Tabela 2, pode-se comparar
como se dá a organização dos níveis na Psicogênese da Língua Escrita e no GEEMPA.
Tabela 2: Quadro comparativo entre os níveis da Psicogênese da língua escrita
(FERREIRO; TEBEROSKY, 1999) e os atuais níveis do GEEMPA.
Psicogênese da Língua Escrita GEEMPA
NÍVEL 1
NÍVEL 2
NÍVEL 3
NÍVEL 4
NÍVEL 5
PRÉ-SILÁBICO 1
Intermediário 1
PRÉ-SILÁBICO 2
Intermediário 2
SILÁBICO
Intermediário 3
ALFABÉTICO
ALFABETIZADO (em 7
subníveis)
No capítulo seis, Ferreiro e Teberosky (1999) sugerem alguns passos iniciais para a
131
exploração da escrita infantil antes de classificá-la em níveis. As autoras pontuam seis tarefas
para tal: 1) pedindo-lhes que escrevessem o nome próprio; 2) pedindo-lhes que escrevessem o
nome de algum amigo ou de algum membro da família; 3) contrastando situações de desenhar
com situações de escrever; 4) pedindo-lhes que escrevessem as palavras com as quais
habitualmente se começa a aprendizagem escolar; 5) sugerindo que experimentassem escrever
outras palavras, que seguramente não lhes haviam sido ensinadas; 6) sugerindo que
experimentassem escrever a seguinte oração: “minha menina toma sol” (FERREIRO;
TEBEROSKY, 1999, p. 182) além de outras atividades envolvendo a distinção de letras,
números e sinais de pontuação, direção de leitura, leitura com e sem imagens, explorando
diferentes gêneros textuais, apresentados em capítulos anteriores. Há, ainda, no capítulo sete,
uma discussão sobre diferenças de origem socieconômica dos sujeitos pesquisados.
a aula-entrevista constitui-se de nove tarefas a serem seguidas, e na maioria delas
existe um gráfico, em forma de escada, que posiciona o lugar do sujeito conforme os
resultados dos testes. Por exemplo: a tarefa constitui-se na escrita do próprio nome. Após a
aplicação do teste, o aluno deve ser posicionado em um dos degraus do gráfico de escada, que
se divide em quatro: primeiro degrau: não escreve o nome; segundo degrau: escreve
incorretamente: a) não usa letras; b) usa letras e outros sinais; c) usa apenas letras, mas
quaisquer letras; d) usa letras do nome, mas em qualquer ordem; terceiro degrau: escreve
corretamente o pré-nome; quarto degrau: escreve corretamente o nome completo.
Após a tarefa (escrita do próprio nome), seguem-se as seguintes: tarefa Leitura
do próprio nome; tarefa Escrita de quatro palavras e uma frase; tarefa Leitura de um
texto; tarefa Leitura de quatro palavras e uma frase; tarefa A escrita de um texto;
tarefa – Escrita de letras; tarefaAssociação das letras com o som das iniciais de palavras;
9ª tarefa – Unidades linguísticas.
60
60
A aula-entrevista constitui uma das nove tarefas; porém, em curso realizado no GEEMPA em fevereiro de
2008, recebi a aula-entrevista com um errata, incluindo mais uma tarefa posicionda como a “8ª tarefa – Nome
das letras”, totalizando, então, dez tarefas. Mantenho a descrição da aula-entrevista com nove tarefas, pois é o
material que disponho com maior detalhamento e, talvez, o mais disseminado entre os(as) professores(as).
132
Figura 26: Gráfico em forma de escada com os principais níveis psicogenéticos do GEEMPA.
A tarefa da aula-entrevista, a “Escrita de quatro palavras e uma frase”, assim como
na Psicogênese da Língua Escrita, requer a escrita de palavras pela criança e, no final, a
escrita de uma frase. As orientações do GEEMPA, considerando a dificuldade que a
professora encontra em realizar todas as nove tarefas com todos os alunos, é de que a
professora consiga realizar pelo menos a tarefa, a das quatro palavras e uma frase”, para
classificar o aluno na “escada principal” (Figura 26).
Porém, o material geempiano detalha mais a forma de exploração da escrita, como nas
Considerações sobre a Prova Ampla,
61
que preparam o professor na aplicação das testagens.
Segundo as orientações, devem estar presentes oito características na escolha das quatro
palavras e uma frase da 3ª tarefa: 1) elas devem ser de um mesmo contexto semântico; 2) elas
devem ser significativas a cada aluno (uma das formas de escolhê-las é a partir de um diálogo
com cada aluno); 3) deve-se contemplar palavras com variedade de número de sílabas, ou
seja, monossílabas, dissílabas, trissílabas e polissílabas; 4) elas devem ser propostas na
seguinte ordem: dissílaba, trissílaba, polissílaba e monossílaba; 5) as palavras devem ser
61
Material que adquiri no curso de alfabetizadores do GEEMPA, do qual participei, no ano de 2007.
133
substantivos concretos; 6) devem ser inversamente proporcionais aos tamanhos dos referentes
e o número de sílabas e suas expressões; 7) deve constar na frase a palavra dissílaba; 8) o
sujeito da frase deve ser o próprio aluno.
Na introdução do próprio material da aula-entrevista, porém, as orientações são mais
breves, constando que:
A seleção das palavras deve respeitar os seguintes aspectos elas
devem pertencer a um mesmo campo semântico, serem substantivos
concretos e não devem ser do repertório usual dos alunos. O que se
pede para ser escrito consta de uma palavra dissílaba, outra trissílaba,
outra polissílaba, outra monossílaba e uma frase. (GEEMPA, 2000, p. 18)
Em cada tarefa realizada, o sujeito-aluno estará posicionado em um degrau, mas nem
todas as tarefas têm um gráfico de escada. No final da aplicação da aula-entrevista, o
professor, com base nos “resultados” das nove tarefas, preenche a “Nave da Zona Proximal
das Aprendizagens rumo à Leitura e à Escrita”. A nave, de complexa constituição (como se
pode observar na Figura 27), uma visibilidade geral sobre as aprendizagens do aluno, e
seria o “ponto de chegada” de todo o processo da aula-entrevista.
Para reunir todos os dados do aluno, sob cada aspecto avaliado na aula-entrevista, é
preciso haver uma interpretação atenta da composição da “nave”, sendo um artefato que exige
um estudo minucioso sobre a proposta geempiana para que possa ser utilizado.
134
Figura 27: Imagem da “Nave da Zona Proximal das Aprendizagens”, que compõe a aula-entrevista.
O detalhamento sobre as aprendizagens dos alunos é composto por diversas avaliações
contínuas, sendo que a aplicação da prova deve se dar quatro vezes durante o ano letivo, pois
assim o “exame permite ao mestre, ao mesmo tempo em que transmite seu saber, levantar um
135
campo de conhecimentos sobre seus alunos.” (FOUCAULT, 1987, p. 155). O exame produz
minuciosos saberes que, além de permitirem a intervenção docente nas aprendizagens,
disciplinam o “corpo cognitivo”. Ou seja, quando Foucault (1987) descreve as formas de
posicionar fisicamente os corpos em fileiras, em instituições como a escola, refere-se a uma
forma de disciplinamento do sujeito através da organização do espaço. São aparatos que
produzem os desejáveis corpos dóceis, organizáveis, que permitem um maior controle e
dominação, ou seja, “Trata-se de organizar o múltiplo, de se obter um instrumento para
percorrê-lo e dominá-lo; trata-se de lhe impor uma ‘ordem’.” (FOUCAULT, 1987, p. 127).
Quando utilizo o termo corpo cognitivo”, faço uma correlação direta com a utilidade da
disposição dos indivíduos, mas não ao corpo propriamente físico, descrito como alvo de
disciplinamento por Foucault. Em outras palavras, não me refiro ao espaço físico da
disposição dos alunos em de sala de aula, mas sim da representação de uma organização, um
esquadrinhamento do aluno enquanto sujeito cognitivo, através da organização e da
visibilidade de seus saberes, e não necessariamente por seu lugar em fileiras de classes, mas
por seu lugar nos degraus dos níveis psicogenéticos que são constantemente avaliados e
visíveis.
A disposição em forma de “escadas” dos níveis indica um sentido único a ser
objetivado, o de subida constante rumo ao topo da escada, o nível mais elevado, numa ordem
“evolutiva”, que faz referência ao sujeito moderno. A direção dada a essa “subida” faz com
que o sujeito almeje os níveis mais altos, constituindo, assim, um sujeito produtivo. Dessa
forma, os lugares em que se posicionam os sujeitos, através das avaliações, são lugares não
apenas de controle por conhecer tal sujeito, mas lugares que produzem uma lógica
evolucionista, incitando a mobilidade desse “corpo cognitivo” (ao topo da escada) e tornando-
-se, assim, um lugar útil. Essa distribuição, que visibiliza os níveis psicogenéticos dos alunos,
tem uma função quecompara, diferencia, hierarquiza, homogeniza, exclui. Em uma palavra,
ela normaliza” (FOUCAULT, 1987, p. 153), ao mesmo tempo em que confere aos alunos “um
lugar para”, como cita Foucault,
[...] exercer sobre eles uma pressão constante, para que se submetam todos ao
mesmo modelo, para que sejam obrigados todos juntos “à subordinação, à
docilidade, à atenção nos estudos e nos exercícios, e à exata prática dos deveres e de
todas as partes da disciplina”. Para que, todos, se pareçam (FOUCAULT, 1987, p.
152).
136
A visibilidade dessa classificação se de forma explícita em sala de aula, pois a
proposta pós-construtivista prevê a confecção, por parte do professor, de um cartaz em que
está desenhada a escada com seus quatro degraus (cada degrau referente aos níveis PS1; PS2;
S; A),
62
e, distribuídos ao longo dos degraus, os alunos da turma, conforme o nível em que se
encontram. Ao disponibilizar a classificação, diariamente, a todos os sujeitos envolvidos nas
avaliações, não se deixa de produzir espaços de vigilância entre esses sujeitos, ou seja, de se
produzir uma “rede dos olhares que se controlam uns aos outros” (FOUCAULT, 1987, p.
144). Assim, constitui-se uma certa economia do controle, pois se instaura o controle de uns
sobre os outros em relação às suas aprendizagens, à sua subjetivação.
Considerando a metáfora da lenda do Panopticon, muito bem elaborada e posta na
ocasião de minha defesa de Projeto de Dissertação,
63
considero não só os discursos do projeto-
-piloto, mas também os do GEEMPA, uma intensa rede de vigilância, principalmente usando
as avaliações como instrumentos de controle para se produzir nos alunos e nos professores os
desempenhos desejados.
Ao discutir a produção do poder disciplinar, Foucault (1987) analisa a estrutura do
Panóptico de Benthan
64
não como uma estrutura arquitetônica disciplinar nas prisões, mas
como um eficaz dispositivo em que exerce uma autovigilância, uma economia de poder, que
serviria amplamente às demais instituições da modernidade. O princípio de que “a visibilidade
62
Siglas que se referem aos níveis Pré-silábico 1; Pré-silábico 2; Silábico e Alfabético.
63
A referência a lenda, e consequentemente ao panoptismo, foi uma das importantes contribuições feitas pela
Profª Drª Leni Dornelles em parecer sobre meu Projeto de Dissertação. Assim, uso a citação da própria
examinadora, para descrever a lenda: “O Argos Panopiticon era um gigante, filho de Arestor, que possuía um
único olho, em algumas versões, e quatro, em outras. Segundo a mitologia grega, ele foi responsável pela
libertação da Arcádia de um feroz touro que devastava o país. Ao matar um dos sátiros que causava inúmeros
prejuízos aos arcaicos, furtou rebanhos. Além disso, foi responsável pela morte de Esquidna, filha monstruosa de
Geia e Tártaro. Por isso Hera o responsabilizou a vigiar a vaca Io, porque sentia ciúmes de Júpiter. Argos com
seus múltiplos olhos vigiava Io durante o tempo, pois mesmo dormindo, o gigante permanecia com metade dos
olhos abertos. No entanto, Zeus mandou Hermes libertar o pobre animal. Há diferentes versões de como Hermes
matou o gigante. Diz a lenda que Hera tirou-lhe os olhos e os colocou na cauda do pavão, imortalizando-o.”
64
O chamado Panóptico de Bentham se refere a um modelo de centro penitenciário desenhado pelo filósofo e
jurista inglês Jeremy Bentham em 1785. A estrutura do Panóptico corresponde basicamente a uma construção
em anel, dividida em celas individuais, tendo uma torre centrral, de vigilância, que permite olhar para todas as
celas. Em cada cela haveria duas janelas, uma exterior que permitiria a entrada da luz, e uma interior, dirigida ao
centro da torre. A luz permitiria observar cada ocupante que estaria isolado em sua cela. Além disso, haveria
mecanismos para não permitir que os presos conseguissem perceber a vigilância da torre central, tendo o cuidado
de se autovigiar pela incerteza de estarem sendo observados constantemente.
137
é uma armadilha” (FOUCAULT, 1987, p. 166) utiliza-se dos cuidados, da autoinspeção que
os sujeitos passam a fazer diante da ameaça de estarem sendo constantemente vigiados. Nas
instituições escolares, o panoptismo é adaptado como dispositivo disciplinar por meio de
atividades que permitam a observação dos escolares, e, assim, de acordo com os saberes sobre
seus comportamentos, aplicar as mais adequadas intervenções em sua normalização o que
incluiria, para assegurar a normalização, a sensação de permanente vigilância.
Considerando o aluno avaliado e sendo exposta sua avaliação a todos da turma,
constantemente, como no caso das “escadas” de níveis do GEEMPA, o sujeito, assim como o
do Panóptico, é um sujeito “objeto de uma informação” (FOUCAULT, 1987, p. 166). A
grande torre de vigilância, ou a “escada do GEEMPA”, exerce função que normaliza um
saber, que direciona as aprendizagens por meio da visibilidade que induz os alunos dos mais
baixos degraus a quererem sair dessa posição em direção aos degraus onde estão os
“melhores”, para, possivelmente, também serem vistos como os “melhores”.
Movida pelos questionamentos em relação ao que suscitava a exposição dos alunos
nas escadas, ou seja, o que os próprios alunos sentem ao ver a si e aos colegas nessa
exposição, propus mais uma dinâmica na turma de Linguagem e Educação I, na qual fiz meu
estágio de docência em nível superior. Na primeira aula do estágio docente, os alunos me
entregaram um exercício feito em sala de aula sobre os níveis da Psicogênese, sem que
soubessem que se tratava de uma forma de avaliação. Fiz a “correção” do material e,
conforme a quantidade de acertos de cada um, elaborei uma “escada” e posicionei os alunos
da turma. No último encontro do estágio docente, em que a temática era sobre avaliações,
expus em cartaz a escada na parede da sala, e pedi para que os alunos, após observarem,
relatassem o que sentiam em relação a ela. Os comentários feitos foram depreciando a forma
de expor alunos (deles que, ali, também ocupavam a posição de alunos), como: “me senti
mal”, “é desconfortável”, “senti vergonha”. A proposta da dinâmica foi idealizada pelo fato
de também ter sido avaliada (sem saber que se tratava de uma avaliação) e ser posicionada em
uma escada no curso de alfabetizadores do GEEMPA. Acredito que meu mau” desempenho
na avaliação se deu pelo fato de não ter feito grandes esforços em responder às questões, por
estar em um papel mais de “observadora” das colegas, das dinâmicas do curso e tantos outros
detalhes que queria captar e não somente de aprendente dos conteúdos do curso. Porém,
após meu posicionamento nos degraus mais baixos da escada, mesmo sabendo que aquele fato
138
não refletia necessariamente os meus saberes, também senti-me mal por tal exposição frente
às colegas, pois eu “carregava o peso” de ser uma mestranda da UFRGS. A dissonância entre
minha identidade acadêmica e minha “medíocre” posição na escada teve uma repercussão
produtiva não para atentar aos “efeitos” da classificação nas escadas, mas para atentar
como também me subjetivei, alcançando, na última avaliação do curso (agora sabendo que se
tratava de uma avaliação), um dos melhores posicionamentos da turma. E como colocou uma
aluna de Linguagem e Educação I naquela dinâmica que propus: “se nós nos sentimos assim,
imagina uma criança?”. Saberiam os alfabetizandos lidar diferentemente com tal situação, se
tal proposta for “bem trabalhada”, como sugere o GEEMPA?
Portanto, os níveis o servem apenas para medir as capacidades individuais
cognitivas do sujeito, mas também como uma forma de estabelecer uma rede de relações
dentro de uma turma, uma determinada hierarquia de saberes que vão dirigir outras atividades,
como por exemplo, a escolha de grupos de trabalho.
65
Faço uma aproximação dessa dinâmica
escolar, com a citação de Foucault, quando descreve uma ordem escolar, no século XVIII:
[...] colocação atribuída a cada um em relação a cada tarefa e cada prova; colocação
que ele obtém de semana em semana, de mês em mês, de ano em ano; alinhamento
das classes de idade umas depois das outras; sucessão dos assuntos ensinados, das
questões tratadas segundo uma ordem de dificuldade crescente. E nesse conjunto de
alinhamentos obrigatórios, cada aluno segundo sua idade, seus desempenhos, seu
comportamento, ocupa ora por fila, ora outra; ele se desloca o tempo todo numa
série de casas; umas ideais, que marcam uma hierarquia do saber ou das
capacidades, outras devendo traduzir materialmente no espaço da classe ou do
colégio essa repartição de valores ou dos méritos. Movimento perpétuo onde os
indivíduos substituem uns aos outros, num espaço escondido por intervalos
alinhados. (FOUCAULT, 1987, p. 126)
Esclareço que não atribuo essas práticas exclusivamente à escola, muito menos a
pratica do detalhamento à proposta pós-construtivista, mas considero que muitas dessas
práticas estão presentes em instituições escolares de uma maneira geral, muito tempo,
como encontramos em referência de Ramos do Ó:
65
Refiro-me aos chamados “grupos áulicos”. Nos grupos, os alunos que teriam determinada “colocação”
liderariam a escolha dos componentes de seu grupo de trabalho, escolhendo alternadamente os colegas com
“melhor” e “pior” colocação na escada. Essa proposta pretende contemplar e trabalhar certo “sentimento de
inferioridade”, valorizando alternadamente todos os níveis da escada.
139
Não obstante, desde o século XVIII que este trabalho sobre os corpos e as
consciências, trabalho propriamente disciplinar, vem sendo realizado fora da
fronteira da família e da comunidade de vizinhos por instituições directamente
relacionadas com a normalização dos indivíduos: as escolas, as oficinas e os
exércitos. Isto significa que para se gerir uma população tendo em conta a obtenção
de resultados globais, o importante não está em agir no plano externo, como suporia
à primeira vista, mas antes trabalhar, de modo racional e inteligente, sobre o
particular. Por outras palavras, em profundidade, com minúcia e no detalhe
(RAMOS DO Ó, 2003, p. 37).
O que coloco em suspeição é como o discurso construtivista, ao se apresentar como
“inovador”, tem também uma lógica que não se diferencia tanto assim do que seu próprio
discurso critica como sendo “tradicional”. A questão da visibilidade das avaliações dos alunos
em escadas, assim como a organização espacial em sala de aula, a organização dos tempos e
de atividades que devem ser exercidas na proposta pós-construtivista são práticas reguladoras,
“na medida em que elas constituem um modo de observação e vigilância e de produção de
crianças” (WALKERDINE, 1998, p. 203). Ou seja, mesmo aliando-se, em dada época, à
discursos “libertadores”, o GEEMPA, como um dos grandes representantes do pós-
construtivismo no Brasil, não está isento das práticas escolares ditas “tradicionais”, talvez
com outras roupagens, mas que não deixam de produzir suas verdades e de regulá-las. Além
disso, questiono se esse maior detalhamento da proposta geempiana em relação à Psicogênese
da Língua Escrita (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999), se esse conhecimento que a proposta
produz sobre o sujeito alfabetizando, pretende supor uma maior “cientificidade” e,
consequentemente, uma maior “confiabilidade” nas práticas do GEEMPA.
Ao colocar tais questionamentos, partilho também da preocupação de Rose em relação
às formas como se colocam os enunciados que se pretendem verdades:
[...] com as formas pelas quais sistemas de verdade são estabelecidos, as formas
pelas quais enunciados verdadeiros são produzidos e avaliados, com o “aparato” de
verdade [...] com os novos regimes de verdade instalados pelo conhecimento da
subjetividade, as novas formas de dizer coisas plausíveis sobre outros seres humanos
e sobre nós mesmos, o novo licenciamento daqueles que podem falar a verdade e
daqueles que estão sujeitos a ela, as novas formas de pensar o que se pode ser feito a
eles e a nós. (ROSE, 1998, p. 34)
140
Nessa análise, ao olhar para o material que orienta e indica os níveis do processo de
alfabetização na perspectiva geempiana pós-construtivista, percebem-se outros instrumentos
mais detalhados e objetivos, ou seja, um esquadrinhamento maior nas formas de avaliar e
posicionar o sujeito, compondo uma complexa rede de subjetivação do alfabetizando.
Analisar quais são os enunciados que constituem o material aula-entrevista, suas
técnicas normativas, suas verdades, seus instrumentos, ou seja, seus modos de subjetivação,
nos permite mapear técnicas para avaliar/conhecer o sujeito alfabetizado e faz refletir na
emergência dos discursos na constituição de uma sociedade de controle maior e mais
detalhado. O “gigante Argos Panopiticon GEEMPA busca tudo ver sobre seus alunos e
professores, e assim como outras propostas de alfabetização, produz suas verdades através do
controle dos conhecimentos deles.
Mesmo considerando turmas de alfabetização pós-construtivistas nas quais o propósito
de alcançar os mais altos degraus da escada foi atingido, em uma visão geral, a terceira
colocação do GEEMPA no projeto-piloto é também expô-lo, e assim produzir uma verdade
sobre essa proposta em relação às outras: é utilizar a lógica da competitividade em prol da
governamentalidade.
141
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para começar, sinto este trabalho como apenas temporariamente finalizado, por
suscitar em mim, ao longo da pesquisa, mais questões do que “respostas”. Portanto, acredito
que o “intuito pessoal” da pesquisa alcançou seu êxito ao multiplicar as possibilidades de meu
olhar sobre os objetos de que escrevo, além do forte desejo de dar continuidade às
investigações. Vontade que se acentua em informações sobre as adaptações criadas com base
nessa experiência gaúcha para uma política de correção de fluxo escolar, por parte do
Ministério da Educação. A ação denominada “Tecnologias para correção do fluxo escolar”
66
orienta os municípios a escolherem e estabeleceram parcerias com uma entre três instituições
indicadas pelo MEC, que são as mesmas que participam do projeto-piloto no Rio Grande do
Sul, e analisadas nesta dissertação.
No inicio desta pesquisa, não foram fáceis as escolhas sobre os objetos de análise, pela
quantidade de materiais e inúmeras possibilidades de analisá-los a partir do vasto leque de
ferramentas e aportes teóricos que os Estudos Culturais me ofereciam. Porém, focar a
alfabetização esteve presente desde minhas primeiras intenções de pesquisa, frente às
incertezas sobre as práticas pedagógicas em turmas de alfabetização que receberiam as
crianças de seis anos de idade, a partir da ampliação do Ensino Fundamental para nove anos
de duração. Nos primeiros passos de definição do objeto de análise, as dificuldades de
negociação com a Seduc/RS fez com que os rumos de meu estudo mudassem e, assim, logo
tinha em mãos grande parte dos materiais dos três programas do projeto-piloto, cedidos pela
Secretaria. De posse desses materiais, fiz os recortes necessários, escolhendo o Programa
Alfabetização Pós-Construtivista como foco; mas, ao discuti-lo, tornou-se inevitável lançar
66
Destaco esta ação do MEC por ser a iniciativa que indica os três programas analisados nesta dissertação, porém
para um projeto que tem como objetivo a correção do fluxo escolar, ou seja, acabar com a distorção idade/série,
e não o foco somente em alfabetização. O MEC disponibiliza aos municípios interessados a parceria com um
desses três programas (à escolha do próprio município), a partir do ano de 2009.
142
alguns olhares e fazer breves análises sobre os outros dois programas participantes.
Olhar para todas as propostas fez-me enxergar como as condições sócio-históricas
fazem com que alguns discursos e métodos sejam ora criticados ora ovacionados, dependendo
das relações de poder em que estão imbricadas, do tipo de sujeito que está sendo almejado
para a sociedade vigente. Portanto, questionei a participação do terceiro setor em políticas
públicas para a educação, principalmente quanto às ações do governo, ao estabelecer parcerias
e comprar esses “pacotes educacionais”, estabelecendo novas formas de financiamento da
educação em que o estado, ao descentralizar seu poder, também muda suas formas de
investimentos em educação, sem parecer definir ao certo o que compete ao público e o que
compete ao privado. Essas novas configurações, que perpassam várias de nossas instituições
e, fortemente, a escola, almejam a produção do sujeito globalizado, preparado para o mercado
neoliberal. E a alfabetização torna-se também alvo de investimentos, como sendo a habilidade
primordial para a formação desse sujeito.
Ao passar pelos principais momentos da alfabetização no Brasil, pude identificar em
minhas análises muitos dos discursos que, considerados ultrapassados ou não, também se
fazem presentes nesses materiais didáticos, muitas vezes com novas roupagens e amparados
pelo aval da ciência moderna para instituí-los como verdades. As categorias que escolhi para
minhas análises o método fônico, o construtivismo, e o letramento organizaram a forma
como cada uma delas se acentuou mais em alguns materiais do que em outros; porém, é
perceptível que cada um desses discursos não se limitou a uma única proposta, mas que as
diferentes propostas se fizeram presentes, de alguma forma, em todos os discursos,
principalmente nos sobre o letramento. O letramento e a literatura, sendo “absorvidos” pelas
mais diversas propostas constituem, portanto, o que chamo de nova cultura da alfabetização.
Os materiais pós-construtivistas também abarcam o letramento e a literatura em suas
metodologias, assim como têm sua forma específica de ensino da leitura e da escrita que se
aproxima muito do construtivismo disseminado no Brasil a partir da década de 1980, apesar
de serem agregados ao GEEMPA outros respaldos teóricos que o fazem reconhecer-se como
pós-construtivista. Alguns dos materiais usados no projeto-piloto pelo GEEMPA foram
produzidos recentemente, outrossão utilizados muitos anos pelo próprio GEEMPA, mas
a forma de olhar para esses materiais, com base em uma análise cultural e foucaultiana sobre
as representações contidas neles, é a singularidade desta dissertação. Apesar de os discursos
143
que se aliam ao construtivismo no Brasil serem de cunho “libertador”, hoje o GEEMPA,
como representante dessa linha de pensamento educacional, participa das ações do estado na
formação do sujeito competitivo, neoliberal. Porém, essa questão não significa dizer que isso
é bom ou ruim, certo ou errado, mas que qualquer instituição não está isenta de relações de
poder, e que essas relações são essenciais para a constituição da sociedade.
As reflexões sobre as avaliações feitas no projeto-piloto e nos programas reforçam o
fato de como as instituições modernas servem-se do olhar, do exame e do controle como
importante estratégia de poder, e o GEEMPA, assim como as outras instituições, também tem
suas estratégias de normalização e controle através de suas avaliações ou suas “escadas”.
Tanto em avaliações feitas no interior de cada programa, quanto nas do projeto-piloto, cabe
questionar a série de testagens e provas pelas quais passaram os alunos de seis anos, além de
essas avaliações, em alguns casos, terem diferentes concepções sobre alfabetização.
Diante dessas questões, o projeto-piloto merece olhares atentos, pois está atuando
fortemente nos caminhos da alfabetização em nosso Estado. Esses olhares devem partir não só
de pesquisadores e outros especialistas em educação, mas da própria alfabetizadora que, ao
ser interpelada por todos esses diferentes discursos, seja capaz, independentemente da
metodologia que use, de identificar o caráter produtivo deles, não os tomando como verdades
absolutas e redentoras para a educação, mas como verdades historicamente construídas e que
podem ser desconstruídas em prol do que temos como representação de uma sociedade
melhor.
144
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