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( ... ) Não sou escritor – se é que sou escritor – fácil de ser classificado; e nisto talvez
seja caricaturescamente ibérico. O estilo que, segundo alguns críticos, caracteriza os
mesmos trabalhos, reconheço não ser modelo de estilo científico – admitindo-se que
fosse estilo antes científico que literário, que eu procurasse atingir. Mesmo porque o
ideal, em trabalhos puramente científicos, parece ser a quase ausência de um estilo.
Confesso-me anárquico, um tanto personalista, um tanto impuro, um tanto
contraditório, um tanto desordenado e, nestes defeitos, uma caricatura daqueles
escritores ibéricos ainda hoje inclassificáveis, um deles o Unamuno de quem há pouco
se comemorou o centenário. ( ... ) A verdade, porém, é que, no meu caso, o que venho
procurando ser é escritor que, como escritor, se serve da sua formação ou do seu saber
– se é que existe – científico – o antropológico, principalmente – em vez de pretender
ser principalmente antropólogo ou sociólogo ou historiador, ou pensador, por assim
dizer, institucional. O caso – essa condição híbrida, flexível, e um tanto anárquica – de
vários hispanos. ( FREYRE, 1968, p. 179 )
O interesse de Gilberto Freyre por autores espanhóis - associados à idéia de
personalismo, aventura, polêmica, empatia, experiência/experimentalismo - opõe-se
claramente à hegemonia francesa, associada, por sua vez, ao beletrismo. Em Como e porque
sou e não sou sociólogo, o antropólogo afirma:
Sou escritor acreditando pertencer principalmente à tradição ibérica de escritor – à
qual, aliás, já me filiou o Professor Fernand Braudel, do Colégio de França,
especificando tratar-se de escritor brasileiro, segundo ele, mais à maneira espanhola
que à portuguesa. Não falta, a essa tradição, no meu caso como no de uns poucos
outros – um Santayana ou um Cela, por exemplo – o colorido de alguma influência
inglesa e um pouco da francesa e até da alemã. Mas sob a predominância das
constantes ibéricas. ( ... ) São aliás, duas tradições em alguns pontos, afins, a ibérica e
a anglo-saxônica, como tradições ou constantes de expressão literária ou, mais
especificamente, de expressão literária através do ensaio. Através, também, do drama,
da própria novela e da própria poesia. ( ... ) Divergem as duas tradições da francesa em