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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA
MESTRADO EM LINGÜÍSTICA
AS RELAÇÕES ARGUMENTATIVAS ENTRE TOP E LEI DE
INFERÊNCIA
Lívia de Lima Mesquita
Fortaleza, dezembro de 2006.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA
MESTRADO EM LINGÜÍSTICA
As relações argumentativas entre topoï e lei de inferência
Lívia de Lima Mesquita
Orientadora: Prof
a
. Dr
a
. Maria Elias Soares
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Lingüística da Universidade Federal
do Ceará como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Lingüística.
Fortaleza, dezembro de 2006.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA
MESTRADO EM LINGÜÍSTICA
As relações argumentativas entre topoï e lei de inferência
Lívia de Lima Mesquita
Data da aprovação: ______/________________/2006
Banca Examinadora:
Prof
a
. Dr
a
. Maria Elias Soares (Orientadora).
Prof
a
. Dr
a
. Lucienne Claudete Espíndola, UFPB (1
a
Examinadora).
Prof
a
. Dr
a
. Mônica Magalhães Cavalcante, UFC (2
a
Examinadora).
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Vianney e Socorro, pelo contato precoce com as letras e seus enigmas, e
pelo amor irrestrito, muito obrigada.
Ao Ricardo, que me incentivou e incentiva desde o início, com quem partilho o belo e o
feio dos dias todos, com amor agradeço.
À professora Maria Elias, preciosa descoberta de minha vida acadêmica, a quem ainda
deverei muito recorrer, pelo tom aveludado das palavras duras e pela dedicação carinhosa
de orientadora, minha profunda gratidão.
Às professoras Márcia Teixeira Nogueira e Mônica Magalhães Cavalcante, a primeira pela
extrema dedicação pelo Programa de Pós-Graduação em Lingüística em sua gestão como
coordenadora merecedora de muito reconhecimento, e a segunda pela solicitude
inquestionável até nas horas menos favoráveis, muitíssimo obrigada.
À profa. dra. Lucienne Espíndola, pela solicitude em ler e avaliar esta pesquisa, profundos
agradecimentos.
Ao Waltersar Carneiro e ao Yvanthelmack Valério, nomes estranhos de nobres colegas,
pela bibliografia repartida e pelas pacientes discussões durante o curso, e à Mônica
Dourado, amiga preciosa que conquistei na vida e na academia, muito agradecida.
Aos meus sobrinhos Emerson e Larissa, por fazerem dos dias difíceis uma brincadeira,
obrigadinha.
À FUNCAP, pelo apoio financeiro e pela luta constante em favor da pesquisa no Ceará,
sinceros agradecimentos.
6
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................
9
CAPÍTULO 2
DUAS ABORDAGENS PARA A ARGUMENTAÇÃO...........................................
2.1 Pequeno histórico do domínio da argumentação ................................................
2.2 Teoria dos protótipos seqüenciais.........................................................................
2.2.1 Uma Tipologia Seqüencial....................................................................................
2.2.2 A estrutura seqüencial dos textos..........................................................................
2.2.3 A estrutura composicional dos textos....................................................................
2.2.4 O protótipo da seqüência argumentativa ..............................................................
2.3 Teoria da Argumentação na Língua (TAL).........................................................
2.3.1 Panorama das teorias ducrotianas..........................................................................
1.3.2 A Teoria da Argumentação na Língua (TAL).......................................................
2.3.3 Teoria dos Topoi....................................................................................................
2.3.4 Teoria dos Blocos Semânticos (TBS)....................................................................
CAPÍTULO 3
TOPOÏ E LEI DE INFERÊNCIA ...............................................................................
3.1 Topoi e Lei de Inferência - Considerações iniciais...............................................
3.2 A idéia original da lei de inferência e seu estatuto macroproposicional na
seqüência argumentativa prototípica..........................................................................
3.3 Topoi X Lei de Inferência na Seqüência Argumentativa Prototípica: Topos
como elemento prototípico da seqüência argumentativa..........................................
CAPÍTULO 4
AS MARCAS DA ARGUMENTAÇÃO.....................................................................
4.1 O fenômeno da polifonia........................................................................................
4.1.1 A polifonia em Ducrot...........................................................................................
4.1.2 O enunciador em xeque.........................................................................................
4.1.3 A polifonia em Adam............................................................................................
4.2 A pressuposição.......................................................................................................
4.3 Os modificadores....................................................................................................
CAPÍTULO 5
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E EXEMPLIFICAÇÃO.....................
5.1 Procedimentos Metodológicos...............................................................................
5.1.1 Escolha do objeto de estudo e do referencial teórico............................................
5.1.2 Método de abordagem...........................................................................................
5.1.3 Delimitação do exemplário....................................................................................
5.2 Exemplificação e discussão ...................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................
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7
RESUMO
O presente estudo propõe uma aproximação entre a Lingüística Textual e a Semântica
Argumentativa, ao tratar de um fenômeno comum a diversas áreas de estudo: a
argumentação. Nosso objetivo principal foi discutir a relação argumentativa entre topos
(ANSCOMBRE e DUCROT, 1995) e lei de inferência (Adam, 1992) na seqüência
argumentativa prototípica e a manifestação das marcas de polifonia, pressuposição e dos
modificadores para determinar a orientação desses termos. Além disso, nos propusemos a:
a) investigar, à luz dos pressupostos teóricos de Anscombre e Ducrot (1983) e de Adam
(1992), o tipo de relação existente entre topos e lei de inferência na passagem de P. arg.1
para P. arg.3 na seqüência argumentativa prototípica; b) avaliar a orientação polifônica,
bem como a manifestação das marcas pressuposição e dos modificadores como
conducentes à seleção de determinadas formas tópicas concordantes ou discordantes; c)
averiguar se o tipo de macroproposição favorece o aparecimento de topoi diretos ou
indiretos. A necessidade de investigar a relação entre a orientação tópica e o tipo de
macroproposição surgiu da constatação preliminar de que na macroproposição conclusão o
topos era geralmente indireto. Por isso, nos propusemos a fazer essa intersecção aqui e; d)
discutir o estatuto macroproposicional da lei de inferência na seqüência argumentativa
prototípica, condição proposta por Adam (1992). Trabalhamos, em virtude de nossos
propósitos, com a hipótese de que não uma lei de inferência em textos argumentativos
prototípicos ou em qualquer outro tipo de texto, mas, sim, uma relação semântica entre
palavras argumentativas, que constituem dados que, por sua vez, favorecem conclusões.
Essa relação entre os dados e a conclusão origina lugares comuns do discurso,
compartilhados, graduais e gerais, denominados topoi. Para testar essa hipótese discutimos
a relação argumentativa entre topos e lei de inferência na seqüência argumentativa
prototípica, levando em conta também a contribuição da orientação polifônica, bem como
das marcas de pressuposição e dos modificadores para determinar a orientação dos termos
dessa relação, a lançar mão de um exemplário de seqüências argumentativas prototípicas
para exemplificar os fenômenos discutidos.
Palavras-chave: Argumentação; Topoï; Lei de Inferência; Lingüística Textual; Semântica
Argumentativa.
8
ABSTRACT
The present study suggests a connection of Text Linguistics and Argumentative Semantics,
since it is related to a common phenomenon to both areas: argumentation. Our primary aim
was to argue on the argumentative relation of topos (ANSCOMBRE & DUCROT, 1995)
and inference law (ADAM, 1992) within prototypical argumentative sequence, and the
manifestation of polyphony and presupposition indexes as well as modifiers to determine
these terms’ orientation. Besides, it was purposed to: a) investigate, based on the theoretical
presuppositions of Anscombre and Ducrot (1983) and Adam (1992), the sort of relation
between topos and inference law in the passage from P. Arg. 1 to P. Arg. 3 within the
prototypical sequence, since Adam (1992) presents this position of inference law related to
the passage of both of such macropropositions; b) evaluate polyphony orientation and the
employment of presupposition and modifiers indexes as facilitators to the selection of
concordant and discordant Topic Forms; c) examine whether the type of macroproposition
facilitates direct or indirect topos raise; d) take inference law off its macropropositional
status within prototypical argumentative sequence, as Adam (1992; 2004) proposed. Due to
this research’s purpose, it was operative the hypothesis that there is not an inference law in
prototypical argumentative texts, as well as in any text. Nevertheless, there is a semantic
relation among argumentative words, which constitute data, which lead to conclusions.
Such relation of data and conclusion raises discourse shared, general and gradual common
places called topoi. To prove our hypothesis, this study argues on the argumentative
relation of topos and inference law within the prototypical argumentative sequence,
considering as well polyphony, presupposition and modifier indexes to determine this
relation terms’ orientation. In addition, it uses an exemplary of prototypical argumentative
sequences to exemplify discussed phenomena.
Keywords: Argumentation; Topoï; Inference Law; Text Linguistics; Argumentative
Semantics.
9
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo se inscreve no domínio da Lingüística Textual e da
Semântica Argumentativa, ao tratar de um fenômeno comum a diversas áreas de estudo: a
argumentação.
Da Lingüística Textual, tomamos emprestado o modelo dos protótipos
seqüenciais de Jean-Michel Adam (1992), especificamente o protótipo da seqüência
argumentativa, bem como alguns preceitos daquele ramo da Lingüística, tais quais os
conceitos de texto, sentido, enunciação e enunciado. Da Semântica Argumentativa,
utilizamos como ferramenta a Teoria dos Topoi (ANSCOMBRE e DUCROT, 1983),
tentando integrá-la ao modelo textual de Adam, a evidenciar esses lugares comuns por
meio de fenômenos argumentativos como a polifonia e a pressuposição, e pelas marcas
argumentativas que são os modificadores.
Não obstante a dessemelhança entre os pressupostos teóricos de Anscombre e
Ducrot (1983) e Adam (1992), e a inviabilidade de aplicar uma proposta à outra, tendo em
vista o aparato teórico respectivo a cada uma, em ambas as linhas investiga-se o fenômeno
da argumentação, pelo viés semântico, ou pelo pragmático-textual. É fato para ambas, por
conseguinte, que, entre os dados e a conclusão, um princípio compartilhado, geral e
gradual o topos, ou a lei de inferência. O primeiro se realiza por meio da relação entre as
palavras, na frase, e a segunda é a apreendida da relação entre macroproposições
1
,
constituindo um passo inferencial para se chegar à conclusão orientada pelo locutor.
Os textos são constituídos, para Adam (1992; 1999; 2004), de seqüências mais
ou menos prototípicas de macroproposições que, por sua vez, são constituídas de
proposições. As unidades macroproposicionais permitem a organização de proposições em
seqüências de tipos variados, contudo, o tipo de seqüência que interessou para o estudo que
propusemos foi a seqüência argumentativa prototípica, pela qual apreendemos as relações
argumentativas entre macroproposições e entre palavras.
1
As macroproposições são um nível intermediário de estruturação entre a frase e o texto, que refletem uma
unidade de pensamento ou um todo conceitual (ADAM, 1992).
10
Muito embora as unidades respectivas a cada uma das propostas teóricas citadas
(topos e lei de inferência) sejam semelhantes quanto à atividade que desenvolvem no
estabelecimento do sentido suporte na passagem entre dados e conclusão −, notamos, por
um lado, que a lei de inferência por si não dava conta das relações semânticas que se
estabeleciam entre as unidades macroproposicionais das seqüências argumentativas, vez
que sua área de atuação era muito extensiva e a proposta do conceito não considerava
relações argumentativas mais pontuais que podem interferir na orientação das conclusões
globais de cada seqüência.
Por outro lado, também observamos que o nível de atuação da Teoria dos Topoi,
que descreve essas relações menores, mesmo lexicais, não considerava as conexões
estabelecidas para a construção do sentido global de um texto, mas limitava-se a descrever
a argumentatividade pretendida por essas relações menores, sem que depois se procedesse a
uma apreensão holística do sentido argumentativo.
De fato, nem o modelo de Adam (1992; 1999; 2004) traz em seu marco teórico
esse objetivo semântico pontual, visando tão-somente à construção argumentativa global
das seqüências e, conseqüentemente, do texto, nem a teoria de Anscombre e Ducrot (1995)
se propõe a considerar esses nexos entre porções maiores da língua; esses níveis de atuação
diversos realmente não são objeto de suas investigações.
No entanto, compreendemos que semelhanças patentes entre os fenômenos
de suporte entre dados e conclusão descritos em ambas as teorias, como, por exemplo, o
fato de ambos os princípios serem partilhados entre os interlocutores, serem graduais, isto
é, poderem ser aplicados em diferentes graus, e serem gerais, ou seja, poderem se aplicar a
situações diversas de uso. Observamos essas semelhanças afora o fato de se prestarem de
base para a orientação argumentativa dos enunciados.
Essa constatação nos levou à curiosidade de testar, em textos argumentativos,
que o suporte fosse estabelecido pelos topoi, e não pela lei de inferência. Para isso,
consideramos como meta principal discutir a relação argumentativa entre topos e lei de
inferência na seqüência argumentativa prototípica e a orientação polifônica, bem como a
manifestação das marcas pressuposição e dos modificadores para determinar a orientação
desses termos. Além disso, nos propusemos, especificamente, a:
a) investigar, à luz dos pressupostos teóricos de Anscombre e Ducrot (1983) e
de Adam (1992), o tipo de relação existente entre topos e lei de inferência na passagem de
11
P. arg.1 para P. arg.3 na seqüência argumentativa prototípica, já que Adam (op. cit.)
apresenta a posição da lei de inferência na passagem entre essas duas macroproposições. O
objetivo, na realidade, que sabemos que sempre uma lei de inferência entre esses dois
termos, foi conhecer como a noção de topos subjaz a toda a hierarquia das
macroproposições argumentativas de Adam;
b) avaliar a orientação polifônica, bem como a manifestação das marcas
pressuposição e dos modificadores como conducentes à seleção de determinadas formas
tópicas concordantes ou discordantes. Este objetivo refere-se à constatação de que a
polifonia, a pressuposição e os modificadores podem “desorientar” a conclusão de uma
relação pica, por isso, foi necessário investigar em que medida isto acontece na
determinação da forma tópica atualizada;
c) averiguar se o tipo de macroproposição favorece o aparecimento de topoi
diretos ou indiretos. A necessidade de investigar a relação entre a orientação tópica e o tipo
de macroproposição surgiu da constatação preliminar de que na macroproposição conclusão
o topos era geralmente indireto. Por isso, nos propusemos a fazer essa intersecção aqui;
d) Discutir o estatuto macroproposicional da lei de inferência na seqüência
argumentativa prototípica, condição proposta por Adam (1992). Adam aponta que a lei de
inferência constitui uma das macroproposições da seqüência argumentativa prototípica, no
entanto, sugerimos que esse elemento seja alheado desse estatuto e venha a ser considerado
como o conjunto dos topoi presentes no texto.
Trabalhamos, em virtude de nossos propósitos, com a hipótese de que não
uma lei de inferência em textos argumentativos prototípicos ou em qualquer outro tipo de
texto, mas, sim, uma relação semântica entre palavras argumentativas, que constituem
dados que, por sua vez, favorecem conclusões. Essa relação entre os dados e a conclusão
origina lugares comuns do discurso, compartilhados, graduais e gerais, denominados topoi.
Recorre-se a esses topoi não somente na passagem de entre as macroproposições
argumentativas P.Arg.1 e P.Arg.3, porém em qualquer das macroproposições. Para testar
essa hipótese discutimos a relação argumentativa entre topos e lei de inferência na
seqüência argumentativa prototípica, levando em conta também a contribuição da
orientação polifônica, bem como das marcas de pressuposição e dos modificadores para
determinar a orientação dos termos dessa relação.
12
Para tratar dessas questões, apresentamos no capítulo 2 o marco teórico da nossa
pesquisa, a traçar, primeiramente, uma exposição breve da evolução nos estudos do
domínio geral da argumentação e, em seguida, apresentar os preceitos do Modelo das
Seqüências Prototípicas, de Jean-Michel Adam, bem como suas idéias acerca do fenômeno
argumentativo. Além disso, toda a Teoria da Argumentação na Língua (TAL), de Ducrot e
colegas, é evidenciada, desde sua fase descritivista até a Teoria dos Blocos Semânticos, por
crermos producente apresentar um panorama completo da teoria, sob pena de deixar
imprecisas algumas noções que ainda em sendo mudadas em ambas as perspectivas teóricas
em foco.
No capítulo 3, justificamos nossa opção pelas duas teorias de base, e as
relacionamos, buscando traços comuns entre as duas, ao discutir os conceitos de topos e lei
de inferência.
O capítulo 4 evidencia as marcas de enunciação: polifonia e pressuposição
que são noções correlatas −, e modificadores, relacionando-as com o fenômeno em
discussão. Debatemos também, nesse capítulo, a noção de enunciador, que vem sendo
abolida por estudos do grupo escandinavo ScaPoLiNe, o que nos servirá de norte para a
análise da orientação polifônica.
O capítulo 5 concerne aos procedimentos metodológicos utilizados para a
pesquisa, bem como ao método de abordagem. É aqui que esclarecemos as opções que
fizemos pelos conceitos e como essas opções serão utilizadas nas análises. Além disso,
nele, analisamos seqüências argumentativas de textos dotados de seqüências
argumentativas prototípicas, identificando os topoi presentes entre macroproposições
seqüenciais e verificando em que eles se relacionam com as leis de inferência. Ademais,
evidenciamos as marcas que facilitam a chegada até eles e o seu papel na construção global
do texto.
Neste estudo, cremos possível e bastante apropriado aplicar uma teoria
lingüística que descreve as operações semântico-argumentativas no nível da frase, isto é,
uma teoria mais limitada às relações entre palavras, a uma teoria que descreve os
movimentos argumentativos em macroproposições, cujo nível de descrição ultrapassa
13
aquele semântico, se põe no nível global da tessitura textual e se fundamenta na análise
textual-interativa.
Assim, a pesquisa gira em torno da argumentação, dos topoi e da lei de
inferência no texto argumentativo, mais precisamente, da relação argumentativa entre topos
e lei de inferência nas macroproposições da seqüência argumentativa prototípica
evidenciada pelo uso dos fenômenos argumentativos de polifonia, pressuposição e dos
modificadores.
Assim, ao estabelecermos o continuum permitido entre a o modelo da seqüência
argumentativa prototípica (ADAM, 1992) e a Teoria dos Topoi (ANSCOMBRE e
DUCROT, 1995), apresentaremos uma contribuição teórica relevante e inédita, a fundar
aliança entre dois modelos teóricos litigiosos em grande parte de seus pressupostos, porém,
que comungam da consideração capital de que nenhum discurso pode-se instituir sem que
se leve em conta o momento único da sua enunciação.
14
CAPÍTULO 2
DUAS ABORDAGENS PARA A ARGUMENTAÇÃO
2.1 Pequeno histórico do domínio da argumentação
Apesar de relevantes para a discussão, a deliberação e a decisão plausível, os
estudos da argumentação foram, desde o fim da Renascença, sobremaneira negligenciados,
devido à influência das tendências racionalistas, empiristas e positivistas (RASTIER,
1989).
As diferentes disciplinas que tratavam o texto como objeto freqüentemente
tomaram emprestados os estudos da Retórica antiga que nunca foi considerada uma
disciplina científica, muito embora se propusesse a salvaguardar seu núcleo racional e
compartilharam, depois que essa disciplina desapareceu das grades de ensino, os resquícios
de seu corpo doutrinal.
Segundo Breton e Gauthier (2000), a Retórica constituía essencialmente uma
reflexão global sobre o movimento que conduz da invenção de um argumento à sua
aceitação ou rejeição por um auditório. Ela se ocupava tão somente dos meios discursivos
de persuadir e convencer, inventariando suas técnicas argumentativas, bem como seus
pontos de partida dos lugares comuns do discurso.
Na compreensão de Rastier (1989, p.35), a Retórica antiga deixou ampla
margem à Lingüística Textual, vez que, segundo ele, para edificar uma tipologia textual,
“em quase nada se pode apoiar-se sobre a tradição obscura da Retórica antiga”.
2
Verdadeiramente, essa Retórica foi concebida desde a origem como uma
técnica, e tanto suas categorias taxionômicas como seus conceitos descritivos relacionaram-
se a objetivos práticos. Dessa forma, conheceu notórias limitações, tais quais seu
Tradução nossa para: “On ne peut cependant guère s'appuyer sur la tradition obscurcie de la rhétorique
antique”.
15
etnocentrismo ao ajudar a produzir discursos de dada sociedade; sua limitação quanto
aos tipos de discurso — deliberativo, epistolar, de belas letras e epídico; seu caráter
mormente normativo que descritivo; e a produtividade da técnica em detrimento da
interpretatividade.
Enfim, as teorias da linguagem sobre as quais repousa a Retórica, segundo o
mesmo autor, se não esquecidas, foram ultrapassadas, embora os conceitos que produziram
possam ser utilizados (com precauções epistemológicas), pois, assim como conclui Rastier
(idem, ibidem), “Todas essas restrições distanciam-se de uma semântica da interpretação
que não seja ligada nem a uma sociedade nem a um tipo de discurso.”
3
.
Para uma achega ao nosso tema de pesquisa, devemos guardar sobretudo que
o domínio da argumentação, depois de se manter por muito tempo unicamente sob o
apanágio da Retórica (antiga, com Aristóteles e outros, e moderna, com Perelman, em sua
Nova Retórica de 1970), encontrou indiretamente o campo da Lingüística, por meio da
Pragmática e da Semântica Argumentativa, graças aos trabalhos de Ducrot (1980) e
Anscombre e Ducrot (1983).
Ducrot (2004, p. 17) prega uma ampla e, como ele mesmo assume, radical
distinção entre argumentação e retórica, quando delega à argumentação puramente retórica
a atividade de “fazer crer”, a qual ele considera ingênua, pois pode-se fazer alguém
acreditar em algo que não por meio de palavras. A argumentação em si, por sua vez, a
argumentação por ele denominada “argumentação lingüística” não se em relação ao
conteúdo informacional, mas ao disfarce de uma pretensão mais fundamental de fazer
pressão sobre a opinião dos outros.
Em outros termos, a Retórica se interessava sobremodo pelas estratégias de
discurso que visavam à persuasão ou aos modos de raciocínio não-formal da linguagem
natural, implicando mais o efeito sobre um auditório do que os meios lingüísticos de que o
sujeito falante dispõe para atingir certos objetivos argumentativos. Neste trabalho,
voltamos a atenção particularmente para esses fenômenos relacionados aos objetivos
argumentativos.
3
Tradução nossa para: “Toutes ces restrictions l'écartent d'une mantique de l'interprétation qui ne soit pas
liée à une société ni à un type de discours”.
16
2.2 Teoria dos protótipos seqüenciais
Frente à heterogeneidade constitutiva de toda produção textual, o ser humano,
pela comodidade ou pela praticidade que lhe são inerentes, sempre sentiu a necessidade de
classificar os textos, a estabelecer, dessa forma, classificações tipológicas segundo a forma,
a composição, a organização, e a estruturação dos textos. Querer organizar a enorme
variedade de textos em função de algumas tipologias estabelecidas parece certamente
utópico, ilusório. Efetivamente, nenhuma tipologia, por mais satisfatória que seja, jamais
poderá dar conta da diversidade e da complexidade do conjunto de produções textuais
humanas. Contudo, é possível identificar nos textos fragmentos e segmentos que
constituem esquemas prototípicos mais estreitos, que são as seqüências (ADAM, 1992).
As pesquisas de Adam se inscrevem no prolongamento lingüístico da teoria
psico-cognitiva dos esquemas, originada dos trabalhos de Bartlett (1932), que foi
desenvolvida em particular por Kintsch e Van Dijk (1983), ao tratarem da noção de
superestrutura textual. Segundo Adam, apesar de um retorno às gramáticas e tipologias
textuais alemãs, os trabalhos do Centro de Pesquisas Semiológicas de Neuchâtel em relação
à argumentação e à explicação apresentam um quadro teórico compatível com a lingüística
textual e o campo geral de análise do discurso (ADAM, 2004).
O autor (ADAM, 1992) compreende que, de um ponto de vista geral, a
argumentação poderia muito bem ser conhecida como uma quarta ou sétima função da
linguagem, seguindo as funções emotivo-expressiva, conativo-impressiva e referencial de
Bühler ou, ainda, metalingüística, fática e poético-autotélica de Jakobson. Segundo ele,
quando alguém fala, faz alusão a um mundo (real ou fictício, apresentado ou não como tal),
constrói uma representação, o que caracteriza a função descritiva da linguagem. No
entanto, ao falarmos, queremos compartilhar com um interlocutor opiniões ou
representações relativas a um tema, buscando provocar a adesão de um auditório às teses
que apresentamos com seu consentimento. Em outras palavras, falamos para argumentar e
essa finalidade é considerada por uns como subjacente ao valor descritivo-informativo da
língua (posição da retórica) e, por outros, como a função primeira (no caso de Anscombre e
17
Ducrot, 1983). Nesta última perspectiva, os dados informacionais não são prioritários na
reconstrução do sentido de um enunciado, mas como derivados de seu valor argumentativo.
Adam defende a idéia da necessidade, no âmbito do campo interdisciplinar da
análise do discurso, de uma teoria textual. Para ele (ADAM, 2006), a lingüística textual tem
a dupla tarefa de fornecer à análise do discurso uma redefinição (não gramatical e não
textualista-formalista) do conceito de texto. Para isso, devem-se descrever os
agenciamentos de enunciados elementares no âmago da unidade de alta complexidade que
constitui um texto. Essa tarefa o obriga a teorizar e fornecer os instrumentos de descrição
das relações de interdependência co-textual que fazem de um texto uma rede de co-
determinações.
Para uma lingüística mais compreensiva, mais ambiciosa, nos termos de
Coseriu, Adam (op. cit) opta por uma teoria da produção co(n)textual de sentido, que se
fundamente numa análise de textos concretos articulada a uma análise do discurso.
Adam (1992) propõe duas dimensões para a argumentação: uma dimensão
pragmática e outra seqüencial. A primeira refere-se a uma série de pressupostos semântico-
pragmáticos que caracterizam o ambiente imediato onde dada seqüência textual funciona e
que exercem determinada força de configuração sobre esta seqüência (BONINI, 2005). A
segunda, seqüencial, concerne à organização textual em conjuntos de proposições
ordenadas.
Em artigo muito recente intitulado En finir avec les types de texte, Adam explica
que
A unidade texto é bem mais complexa e bem mais heterogênea porque apresenta
regularidades lingüisticamente observáveis e confiáveis, pelo menos nesse nível
muito elevado de complexidade. É por essa razão que, diferentemente das teorias
anglo-saxônicas, eu propus situar os fatos de regularidade ditos narração,
descrição, argumentação, explicação e diálogo em um vel menos elevado na
complexidade composicional, que eu propus chamar seqüencial. O modelo da
estrutura composicional dos textos nos quais eu me baseio rompe radicalmente
com a idéia de “tipologia de textos” e se explica pela perspectiva global de
uma teoria dos planos ou níveis de organização da textualidade e da
discursividade. Distinguir planos ou níveis de organização é considerar o caráter
profundamente heterogêneo de um objeto irredutível a um modo de
organização, de um objeto complexo mas ao mesmo tempo coerente e que pode,
18
então, ser examinado sob ângulos diferentes
(ADAM, no prelo, apud
FLØTTUM, 2002, p. 3)
4
.
Assim se explica a evolução e a passagem, ao analisar essa problemática, de
uma dimensão textual a uma dimensão seqüencial: em vez de determinar “tipos de textos”,
Jean-Michel Adam (idem) determina protótipos de seqüências, a saber: narrativa,
descritiva, explicativa, dialogal e, a que nos interessa para este estudo, argumentativa.
Essas cinco seqüências textuais prototípicas apresentam a qualidade de serem
heterogêneas; isto é, de poderem misturar-se, sem que haja predomínio absoluto de uma
sobre a outra. Para ele, uma seqüência é uma como estrutura (ADAM, 1992, p.28). Assim,
trata-se de
Uma rede relacional hierárquica: grandeza decomponível em partes ligadas
entre si e ligadas ao todo que elas constituem; uma entidade relativamente
autônoma, dotada de uma organização interna que lhe é própria e, portanto, em
relação de dependência/independência com o conjunto mais vasto de que faz
parte.
Conforme o ponto de vista do autor, a fim de identificar claramente os
protótipos de seqüências textuais, convém distinguir o que são, para Adam, texto e
discurso. O texto se define como um “objeto abstrato, construído por definição e que deve
ser pensado no quadro de uma teoria (explicativa) de sua estrutura composicional” (op. cit.,
4
Tradução nossa para: “L'unité ‘texte’ est beaucoup trop complexe et bien trop hétérogène pour présenter des
régularités linguistiquement observables et codifiables, du moins à ce niveau trop élevé de complexité. C'est
pour cette raison que, à la différence des théories anglo-saxonnnes, j'ai proposé de situer les faits de régularité
dits récit, description, argumentation, explication et dialogue à un niveau moins élevé dans la complexité
compositionnelle, niveau que j'ai proposé d'appeler séquentiel. Le modèle de la structure compositionnelle des
textes sur lequel je m'appuie rompt radicalement avec l'idée de “typologie des textes” et il ne s'explique que
dans la perspective globale d'une théorie des plans ou niveaux d'organisation de la textualité et de la
discursivité. En distinguant des plans ou niveaux d'organisation, il s'agit de rendre compte du caractère
profondément hétérogène d'un objet irréductible à un seul mode d'organisation, d'un objet complexe mais en
même temps cohérent et qui peut, de ce fait, être examiné sous des angles différents”.
19
p. 15)
5
. Contrariamente, por oposição ao texto, o discurso é tomado como objeto concreto,
“objeto material oral ou escrito, objeto empírico (...) observável e descritível” (Id, ibid)
6
.
Segundo Adam (1999, p.122), todo ato de discurso deve ser compreendido
como uma “manifestação ostensória de uma intenção comunicativa
7
”. Assim, compreender
e interpretar um enunciado é ser capaz de acessar um conjunto de hipóteses intencionais
que motivam e explicam a interação verbal. O autor relevo ao fato de que não se pode
esquecer que o sentido dos enunciados é construído discursivamente, o que não equivale a
dizer que esse sentido pode ser construído a partir do nada. Assim, faz-nos considerar a
noção de contexto como, particularmente: i) o ambiente extralingüístico: contexto ou
situação de interação sócio-discursiva, isto é, situação de enunciação e situação de
interpretação (deslocadas ou não no tempo e no espaço); ii) o ambiente lingüístico
imediato: cotexto da esquematização textual e; iii) os conhecimentos gerais supostamente
compartilhados: representações psicossociais e preconstructos culturais de sujeitos inscritos
na história e na intersubjetividade (ADAM, 1999, p. 122-124).
Desse processo de interpretação pragmática, Adam (1999) infere que toda frase,
seja ela qual for, sempre necessita de um contexto; apenas em uma situação dada é que o
enunciado faz sentido. Além disso, o contexto, percebido por Adam como uma realidade
histórica e cognitiva que implica a memória, é selecionado em função de sua acessibilidade,
assim, o contexto específico é sempre mais importante que o contexto geral.
Apesar dessa delimitação clara que o autor (1999) faz sobre o conceito de
contexto, ele admite, que este conceito de contexto assim como o de texto não se opõem
com clareza quando se interroga a natureza do próprio objeto. Isso porque o texto não é
uma entidade estável, autônoma e fixa, porém, contextual, se forem consideradas suas
dimensões peritextuais, intertextuais e metatextuais. Assim, o sistema de gêneros e a língua
são dois componentes constitutivos da interdiscursividade definida como “possibilidades de
formas de discurso disponíveis” na comunidade sócio-discursiva dos autores, editores e
leitores (ADAM, 2006).
5
Tradução nossa para: “objet abstrait, construit par définition et qui doit être pensé dans le cadre d’une
théorie (explicative) de sa structure compositionnelle”.
6
Tradução nossa para: “d’objet matériel oral ou écrit, d’objet empirique […], observable et descriptible”.
7
Tradução nossa para: “une manifestation ostentatoire d’une intention communicative”.
20
Dessa forma, o principal interesse da teoria dos protótipos seqüenciais de Adam
é trazer elementos teóricos de análise e de tratamento que sejam o mais adequados possível
e também considerar e analisar a heterogeneidade composicional dos textos, aliando todas
as dimensões possíveis do texto.
2.2.1 Uma Tipologia Seqüencial
Diante da diversidade e da complexidade do conjunto das produções textuais, o
indivíduo é levado a enfrentar um sem número de restrições locais e globais, textuais e
discursivas, entre as quais importam, conforme Adam (1992): i) as restrições discursivas,
ligadas à existência de gêneros de discurso (dos quais fazem parte notadamente os gêneros
literários); ii) as restrições textuais, ligadas à natureza intrinsecamente heterogênea da
produção de linguagem humana; e iii) as restrições locais, ligadas notadamente às
especificidades fonético-gráficas, ortográficas, morfossintáticas e léxico-semânticas de uma
dada língua.
Conforme a perspectiva textual e pragmática adotada por Jean-Michel Adam,
um texto “pode ser considerado como uma configuração regida por diversos módulos ou
sub-sistemas em constante interação” (1992, p. 21)
8
. Seguindo essa idéia, o autor enumera
cinco módulos, ou melhor, cinco planos de organização textual.
Segundo o plano do objetivo ilocutório, um texto é uma seqüência de atos de
discurso que pode ser considerada ela mesma (a seqüência) como um ato de discurso
unificado. O plano das marcas enunciativas compreende uma ancoragem enunciativa
global que confere a um texto sua qualidade enunciativa de conjunto enquanto alterna
incessantes mudanças de planos enunciativos. Assim, é possível enumerar um número
maior de grandes tipos de marcas enunciativas: uma enunciação oral, uma enunciação
escrita, uma enunciação não atual etc. Segundo o plano da coesão semântica, a dimensão
semântica global é representada pelo que se chama macroestrutura semântica ou, mais
simplesmente, o tema global de um enunciado (I). Segundo o plano da conectividade
textual, descrito tradicionalmente pela “gramática do texto”, podem ser considerados
8
Tradução nossa para: “peut être considéré comme une configuration glée par divers modules ou sous-
systèmes en constante interaction”.
21
diferentes planos que correspondem às especificidades microlingüísticas e estilísticas do
texto. Por último, elenca o plano da estrutura composicional, segundo o qual os indivíduos,
no curso de seu desenvolvimento pessoal e cognitivo, elaboram progressivamente tanto ao
compreenderem quanto ao produzirem, esquemas seqüenciais prototípicos. Conforme
Adam, a descrição deste último plano de organização deve permitir teorizar de forma
unificada os tipos relativamente estáveis de enunciados ou os gêneros primários do discurso
(ADAM, 1992).
2.2.2 A estrutura seqüencial dos textos
A seqüência é, como observamos em referência anterior, uma unidade textual
capaz de ser definida como uma estrutura, que pode ser tomada como uma rede hierárquica,
ou seja, uma entidade decomponível em partes interligadas tanto entre si como com o todo
de que fazem parte, e, ainda, uma entidade relativamente autônoma, dotada de sua própria
organização interna e igualmente conectada ao todo de que faz parte.
Dessa forma, no plano de sua estrutura seqüencial, um texto T comporta um
número n de seqüências que podem ser completas ou elípticas. Todos os textos constituem
estruturas seqüenciais, o que explica a heterogeneidade composicional dos enunciados,
desenvolvida primeiramente por Mikhail Bakhtin.
A seqüência, definida como unidade constituinte do texto, é composta de
conjuntos de proposições, intermediário entre o texto e a frase, denominadas
macroproposições, compostas de n proposições. Conseqüentemente, um texto é constituído
de um número variável entre 1 e n seqüências. Na grande maioria dos casos, um texto é
composto de seqüências de tipos diferentes, isto é, seqüências narrativas e argumentativas
no mesmo texto, e assim por diante. Por isso, seria ambicioso, dada a heterogeneidade dos
textos, formular uma tipologia do texto enquanto tal.
Isto permite a Adam (1992) conceber que as proposições são componentes de
uma unidade superior, a macroproposição, unidade constituinte tanto da seqüência como do
22
texto.
É este o esquema que Adam utiliza para representar o conjunto do texto: [# T #
[seqüência (s) [ macroproposições [ proposição (ões)]]]]
9
.
Essa definição de cada unidade como constituinte de uma unidade hierárquica
superior e constituída de unidades hierárquicas inferiores é a condição primeira de uma
abordagem unificada da seqüencialidade textual. Assim, podemos concluir, respaldados
pela abordagem teórica de Adam, que um texto é uma estrutura hierárquica completa que
compreende n seqüências elípticas ou completas de mesmo tipo ou de tipos
diferentes.
Em seu livro de 1999, Adam redefine o esquema, acrescentando elementos,
como a seguir: [texto > seqüência > macroproposição> período > proposição>
microproposição], em que se adjungem as noções de período e de microproposição
10
.
A diferença entre seqüência e período é assim justificada por Adam (2006)
11
:
A diferença entre os períodos e as seqüências é uma diferença sobretudo de
complexidade. Uma seqüência é uma estrutura relacional hierárquica pré-
formatada que reagrupa macroproposições no seio de uma unidade textual mais
vasta do que um simples período. Os diferentes tipos de seqüências
correspondem a regimes de ligação das unidades de sentido (proposições
enunciadas), ditas narrativa, argumentativa, dialogal, descritiva ou explicativa.
O objetivo de meus trabalhos, e em particular de meu livro de 1992, foi
submeter e testar essa hipótese a regulagens diferenciadas que eu denomino
seqüenciais. Os cinco tipos de seqüências de base correspondem a cinco tipos de
relações macro-semânticas pré-formatadas, memorizadas por impregnação
(leitura e audição) e transformadas em esquemas de reconhecimento e
estruturação da informação textual. A realização incompleta de uma seqüência,
muito freqüente na oralidade, se traduz por simples encadeamentos periódicos.
Assim, as frases periódicas argumentativas, os períodos, são enunciados
sucessivos que visam tornar crível ou aceitável um enunciado (asserção/conclusão),
apoiados, segundo modalidades diversas, em outro enunciado (argumento/dado/fato).
9
Segundo o autor, entende-se por # a delimitação das fronteiras do (peri)texto, marcas do início e o do fim de
uma comunicação.
10
Cf. seção 2.4 para maior detalhamento.
11
ADAM, Jean-Michel. Sciences du texte et analyse de discours. Vox Poetica. Entrevista. 15 de outubro de
2006. Disponível em: <http://www.cavi.univ-paris3.fr/lexicometrica/jadt/JADT2006-
PLENIERE/JADT2006_JMA.pdf >. Acesso em: 16 out. 2006. Tradução nossa.
23
No presente estudo, fazemos opção pela análise das seqüências e não dos
períodos, pois, conforme explicitado acima, a seqüência apresenta a configuração de uma
unidade textual mais vasta, porém, menor do que o texto, o que nos permite atingir com
mais abrangência o nosso objetivo de verificar a operatividade dos topoi nas seqüências
argumentativas prototípicas.
2.2.3 A estrutura composicional dos textos
É necessário precisar aqui que as combinações seqüenciais não determinam
completamente a estrutura geral dos textos, na medida em que esta é localizada em um
nível hierárquico superior para os gêneros do discurso. Os gêneros de discurso, assim,
determinam os planos de textos fixos, próprios a um dado gênero.
Os textos são, às vezes, igualmente estruturados pelos planos de textos
ocasionais, relativos, por sua vez, a um texto único e singular, e reconhecíveis por sinais de
segmentação (alíneas, meros etc) e/ou marcas de organização (enumerações, conectores
etc). No interior desses planos textuais, as combinações de seqüências cedem lugar a três
tipos de agenciamentos seqüenciais combináveis entre si: as seqüências coordenadas por
sucessão; as seqüências inseridas por encadeamento; as seqüências alternadas por
montagem paralela.
No seu estudo sobre a estrutura composicional, Adam (1999) introduz a noção
de efeito dominante. Segundo ele, o texto em seu conjunto é caracterizável como mais ou
menos narrativo, argumentativo, explicativo, descritivo ou dialogal. Esse efeito de
dominância existe, segundo ele, seja determinado pelo maior número de seqüências de um
tipo dado, seja pelo tipo da seqüência encadeadora. Para ele, é freqüentemente difícil
determinar tal dominância mesmo em textos curtos. Enfim, uma seqüência dita dominante,
seja ela determinada por uma seqüência encadeadora (que abre e encerra o texto), ou por
uma seqüência resumidora (que resume todo o texto), gera um efeito de tipificação textual
global, de onde surge a noção de tipos de textos, tal que possa ser percebida por todos os
indivíduos. A seguir, vejamos a estrutura composicional dos textos resumida por Adam.
24
Figura 1 – A estrutura Composicional dos Textos
Fonte: ADAM, 1999.
2.2.4 O protótipo da seqüência argumentativa
Adam (1992) busca encontrar na argumentação um objetivo ilocucionário e uma
organização seqüencial da textualidade, o que resulta na conclusão de que ambos os
objetivos se materializam na argumentação: um discurso argumentativo se presta a intervir
nas opiniões, atitudes ou comportamentos de um interlocutor ou de uma audiência mais
ampla, tornando mais confiável ou aceitável um enunciado, apoiado, de acordo com
modalidades diversas, em um outro.
25
Para delinear seu esquema prototípico da seqüência argumentativa, observamos
que Adam lança mão de, praticamente, os mesmos elementos de Toulmin
12
. Ele baseia o
esquema de uma argumentação na relação entre os dados com uma conclusão, o que pode
ser implícita ou explicitamente fundamentado (garantia e suporte) ou contrariado (refutação
ou exceção). A estrutura das macroproposições é exposta na figura 2:
Figura 2 - Seqüência Argumentativa de Adam
Tese
Anterior +
P. arg. 0
Omar não é
francês
Dados
Fatos (F)
P. arg. 1
Omar nasceu em
Paris
Logo provavelmente Conclusão (C)
(nova) tese
P. arg. 3
Omar é francês
Ancoragem das
inferências
P. arg. 2
(princípios base)
Pessoas nascidas em
Paris são geralmente
sujeitos franceses
A menos que
Restrição
(R)
P. arg. 4
Seus pais sejam estrangeiros
Fonte: Adam (1992, p 118)
Assim, temos em Adam (1992) o seguinte esquema, onde a macroproposição
P.arg. 0 refere-se a uma tese anterior que se pode presumir a partir dos dados
fornecidos pelo texto. Pode estar subentendida.
P. arg.1 são os dados, isto é, os argumentos que sustentam a conclusão.
12
Esse modelo será explorado no capítulo seguinte.
26
P. arg. 2 é a ancoragem das inferências (lei de inferência), princípios gerais que
servem de suporte aos dados. Trata-se do elemento que mais nos interessa aqui.
P. arg 3 é a conclusão, também denominada nova tese. Pode estar subentendida.
P. arg. 4 é a restrição, diz respeito aos argumentos que levam a uma conclusão
não-C, oposta à conclusão a que as regras de inferência conduziram.
A ordem das macroproposições pode-se alterar, como, por exemplo, a
conclusão, que pode vir logo ao início. Por isso, Adam (1992; 2004) admite para a
seqüência uma ordem proativa (dados [inferência] conclusão) ou uma ordem retroativa
(conclusão [inferência] dados). De acordo com o autor, a ordem progressiva visa a concluir
e a regressiva a explicar.
Adam apresenta (2004, p.78), após ter publicado sua obra sobre os tipos e
protótipos, um modelo expandido de análise textual escrito em termos de frase e seqüência
periódica argumentativa, incluindo-se declaradamente (ADAM, idem, p.80) no âmbito da
Lingüística Textual. As frases periódicas argumentativas são, para ele, enunciados
sucessivos que visam tornar crível ou aceitável um enunciado (asserção/conclusão),
apoiados, segundo modalidades diversas, em outro enunciado (argumento/dado/fato). Na
seqüência argumentativa (ADAM, 1992; 2004), evidenciam-se dois movimentos:
demonstrar/justificar uma tese e refutar uma outra tese ou certos argumentos de uma tese
contrária. Entre eles, a passagem é assegurada por marcadores argumentativos que têm o
aspecto de encadeamentos de argumentos-provas correspondentes. A diferença entre as
duas reside primordialmente em sua complexidade.
No trabalho mais recente de Adam (2004) a respeito dos textos argumentativos,
a seqüência argumentativa prototípica adquire uma nova forma, mais complexa, dada a
importância atribuída pelo lingüista à contra-argumentação. O protótipo da seqüência
argumentativa comporta agora os níveis de justificação e de contra-argumentação, sendo
neste último a argumentação negociada com um contra-argumentador (auditório) real ou
potencial. Nesta fase da argumentação, a estratégia utilizada visa a uma transformação dos
conhecimentos (ADAM, idem).
27
A generalidade dessas noções desenvolvidas acima, compreensível de um ponto
de vista teórico, não garante a eficácia da análise textual propriamente dita. No entanto, a
noção de orientação configuracional permite pensar, ou pelo menos hipotetizar, sobre o
controle da interpretação textual em um todo coerente, bem como permite considerar a
proposição como um elemento que adquire seu sentido definitivo apenas numa dimensão
global, o que nos faz imaginar que as relações menores do texto também devam ser levadas
em conta, pois que são elas os elementos que constituem um todo no texto.
Na seção seguinte, tenhamos presente a teoria que descreve essas relações
menores na língua não em sentido estrito, menores porque se dão em níveis semânticos
pontuais, sem excluir o estatuto pragmático da polifonia a Teoria da Argumentação na
Língua (TAL).
2.3 Teoria da Argumentação na Língua (TAL)
2.3.1 Panorama das teorias ducrotianas
Os trabalhos de Ducrot e Anscombre e Ducrot têm passado por diferentes
etapas. As duas primeiras Descritivismo Radical e Descritivismo Pressuposicional
concebiam a ngua como instrumento dotado de forte grau denotativo (informacional), a
apregoar que a língua descreve os fatos e assinala a existência de relações argumentativas
entre estes fatos. Essas relações seriam denotadas por conectores tais como portanto, pois
etc..
A segunda etapa distinguia nos enunciados valores semânticos afirmados e
valores semânticos pressupostos. Para Ducrot (1972), nessa fase, certos morfemas tais
como pouco e um pouco orientam para a determinação do que é afirmado e do que é
pressuposto e fornecem direções para a determinação de conclusões pretendidas.
Em etapa posterior, Anscombre e Ducrot (1983) passam a considerar que a
argumentação está inscrita na língua, que a significação das frases é constituída por
direções interpretativas e, deste ponto de vista, as formas pouco e um pouco não variam seu
28
conteúdo factual. Os autores (ANSCOMBRE e DUCROT, 1983) sustentam, então, que a
informação dos enunciados que contêm essas duas unidades é idêntica e que esta mesma
informação é apresentada sob pontos de vista diferentes. Trata-se de conclusões
predeterminadas pela forma lingüística do enunciado. Desta forma, enunciados do tipo “Ele
trabalhou pouco” e “Ele trabalhou um pouco
13
orientam para segmentos-conclusões
diferentes e mutuamente excludentes: “Ele trabalhou pouco, não vai passar” opor-se-ia a
“Ele trabalhou um pouco, ele vai passar”. Desta feita, um mesmo enunciado que contenha
as formas pouco e um pouco admite duas conclusões contrárias. Ao retomar o exemplo
anterior, constatamos que é possível dizer:
a) Ele estudou pouco, não vai passar.
b) Ele estudou pouco, vai passar.
c) Ele estudou um pouco, vai passar.
d) Ele estudou um pouco, não vai passar.
Uma saída para este problema é sugerida com a Teoria dos Topoi. O problema
geral é que as possibilidades argumentativas não dependem somente de enunciados
tomados como argumentos e conclusões, mas, também e sobretudo, de princípios de que
nos servimos para colocá-los em relação. Esses princípios de relações ou lugares comuns
garantem a passagem entre enunciados e é por eles que interpretamos as seqüências. Os
enunciados A e C evocam um topos (T1) que poderia ser formulado da maneira a seguir:
“O estudo faz passar em uma prova”. Os enunciados b e d mobilizam um topos diferente,
cuja forma seria “O estudo faz fracassar em uma prova”.
Para compreender a passagem dos argumentos às conclusões nos exemplos a,
b, c e d, não é necessário somente determinar o topos convocado, mas também a forma
tópica convocada, o que será mais bem explicitado na seção 1.3.3, Teoria dos Topoi, que
constitui o nosso objeto de investigação.
13
Estes são os exemplos clássicos da discussão de Anscombre e Ducrot (1983).
29
2.3.2 A Teoria da Argumentação na Língua (TAL)
A teoria da argumentação na língua (TAL) inaugura-se a partir de 1983, com a
publicação de Largumentation dans la Langue, de Jean-Claude Anscombre e Oswald
Ducrot, opondo-se radicalmente às teorias que postulam o valor informativo das palavras.
Para a TAL, a argumentação está inscrita na língua. Assim, a palavra, em vez de
representar um objeto no mundo, caracteriza este objeto pelo fato de possibilitar ou não o
uso de eventuais outras palavras a propósito dele. A descrição da realidade se pela
junção dos aspectos subjetivo e intersubjetivo, que conduz ao valor argumentativo.
Para Anscombre e Ducrot (1983), há certo número de casos que as teorias que
adotam o sentido informativo das palavras não explicam, como o caso de enunciados sem
valor informativo, mas com valor argumentativo; ou enunciados cujas potencialidades
argumentativas são inversas às previsíveis a partir de seu valor informativo; ou ainda,
enunciados que permitem deduzir o seu valor informativo do valor argumentativo, mas não
o contrário.
Tradicionalmente, a lógica (leia-se Frege, Russell, Wittgenstein) vinha
estudando o encadeamento de enunciados como sendo de tipo A donc C (A logo C), em que
um argumento A justifica uma conclusão C, A rende essa conclusão verdadeira, válida, ou
ao menos aceitável. A TAL postula, contrariamente, que todo enunciado pretende orientar a
continuação do diálogo, isto é, qualquer enunciado evoca opções contra ou a favor das
quais ele pode ser utilizado. Segundo Ducrot (1986), o objetivo da TAL não é descrever a
língua como um meio de dar informações sobre o mundo, mas sim como meio de
estabelecer discursos.
Plantin (1996, p.118) faz notar que uma diferença fundamental entre as
concepções tradicionais da argumentação e a TAL é que, nesta, “não é possível dar um
sentido à idéia de avaliação dos argumentos. A atividade de argumentação é co-extensiva à
atividade de fala, e, à medida que se fala, se argumenta”
14
.
Neste sentido, o caráter informativo de um enunciado como, por exemplo, Tu
conduis trop vite (você dirige muito rápido), será subordinado a uma intenção
14
Tradução nossa para: “Nos es possible dar un sentido a la idea de evaluación de los argumentos. La
actividad de argumentación es coextensiva a la actividad de habla, y tan pronto como se habla, se argumenta”.
30
argumentativa: o enunciado em causa é apresentado como argumento para uma conclusão
implícita [do tipo “Tu risques d’avoir un accident”, (você se arrisca a se acidentar) ou “Tu
risques d’avoir une contravention” (você se arrisca a fazer uma contravenção), ou qualquer
outra]. Assim, o encadeamento argumentativo serve “Não para justificar tal afirmação a
partir de tal outra, apresentada como admitida, mas para qualificar uma coisa ou uma
situação pelo fato de servir de suporte a uma certa argumentação.” (DUCROT, 2004, p
24)
15
.
Visto dessa forma, nenhum argumento apresenta-se como decisivo: eles servem
para orientar ou direcionar um enunciado a qualquer conclusão que autorizam
(GONÇALVES, 2003). Para isso, as palavras estão capacitadas com um potencial
argumentativo, um conjunto de enunciados-conclusões possíveis a partir de um enunciado
— conceito que se modifica depois, na teoria dos topoi. (ESPÍNDOLA, 2004, p.33).
As instruções que irão determinar o sentido dos enunciados são orientadas por
marcadores constituídos de marcas lingüísticas importantes da enunciação, chamados
conectores ou operadores argumentativos que figuram entre as expressões
argumentativas (EA).
Tomemos os enunciados “São oito horas” e “Já são oito horas”. Eles são
diferentes do ponto de vista argumentativo (embora equivalentes do ponto de vista lógico),
na medida em que, com o segundo enunciado, podemos encadear, por exemplo, “Temos
que nos apressar” o que não se pode fazer com o primeiro, que sugerirá, por exemplo,
“Ainda vamos a tempo”.
Desta forma, os operadores argumentativos transformam os enunciados em
premissas das quais podemos tirar uma entre as conclusões possíveis, situam o enunciado
numa certa direção e implicitam determinadas conclusões. São também os operadores
argumentativos que permitem o encadeamento dos atos ilocutórios que, como os elos de
uma cadeia, constituem o discurso. Segundo Ducrot, o ato ilocutório opera um tipo especial
de transformação: “trata-se sempre de uma transformação de ordem jurídica, da criação de
direitos ou de deveres para os participantes do ato de fala.” (Ducrot, 1988, p. 445).
15
Tradução nossa para: Non pas a justifier telle affirmation à partir de telle autre, présentée comme déjà
admise, mais à qualifier une chose ou une situation par le fait que’elle sert de support à une certaine
argumentation.
31
Quanto aos conectores argumentativos, eles são os dispositivos (advérbios,
conjunções e locuções de subordinação ou de conjunção etc.) que permitem a conexão ou a
ligação recíproca de dois ou mais enunciados. Observe-se que o enunciado “Como não
estou com vontade de estudar, vou dar uma volta” é equivalente a “Vou dar uma volta,
visto que não estou com vontade de estudar” porque, em ambos os casos, usamos
conectores equivalentes (como, visto que) para ligar “não estou com vontade de estudar” e
“vou dar uma volta”. Numa argumentação, os conectores podem ligar as premissas entre si,
as premissas com a conclusão e a conclusão com as premissas.
A diferença entre os conectores e operadores argumentativos é que os primeiros
são morfemas que articulam enunciados, conduzindo a orientação argumentativa ex.
mas, porém, em conseqüência, como, pois etc.; os últimos funcionam como introdutores da
argumentatividade na estrutura semântica das frases ex. quase, um pouco, pouco, na
realidade, de fato etc. (ESPÍNDOLA, 2004).
Koch (2000) distingue uma extensa lista dos operadores argumentativos e suas
funções. Entre eles, se incluem operadores que estabelecem a hierarquia dos elementos
numa escala, como é o caso de mesmo, até, até mesmo e inclusive; os que marcam excesso,
como ainda; os que indicam mudança de estado, como ; os que introduzem um
argumento decisivo, apresentando-o a título de acréscimo, como se fossem desnecessários,
como aliás e além do mais; aqueles que marcam oposição entre elementos semânticos
explícitos ou implícitos, como mas, porém, contudo, embora etc.; os que introduzem uma
asserção derivada, que visa a esclarecer, retificar, desenvolver, matizar uma enunciação
anterior, como é caso de isto é, quer dizer, em outras palavras; e, por último, os
quantificadores que selecionam determinados operadores capazes de dar seqüência ao
discurso quando há escalas orientadas para a negação ou da afirmação plena, como nada,
nenhum, pouco, um pouco. Segundo a autora, “Essas instruções codificadas, de natureza
gramatical, supõem evidentemente um valor retórico da construção, ou seja, um valor
retórico − ou argumentativo − da própria gramática. (KOCH, idem, p.109).
O quadro a seguir resume as funções dos conectores:
Figura 3 – Função Argumentativa dos Conectores
32
Fonte: COUTINHO, 2005
16
.
Assim, revela-se necessário o conhecimento desses elementos de valor
argumentativo, que orientam os interlocutores a chegarem a determinadas conclusões em
detrimento de outras. Mais adiante, veremos as mudanças ocorridas no papel desses
orientadores, com o advento da Teoria dos Topoi.
A propósito da apropriação de termos considerados polêmicos e multifacetados
em Lingüística, tais como discurso, enunciado, frase, enunciação, entre outros, Anscombre
(1995) fornece a base epistemológica utilizada por ele, Ducrot e colegas para fundamentar a
TAL (e sua versão recente, a Teoria dos Topoi). Segundo esta base, o discurso é um termo
primitivo, uma noção intra-teórica, que deve ser construída baseando-se em propriedades
16
Valor de argumento: variáveis p, q; valor de conclusão: variável r; p, q, r: designam conteúdos semânticos
associados a enunciados, a implícitos e a elementos do contexto
33
estáveis observadas em casos simples (ANSCOMBRE, 1995, p. 12). Para ele,
dificuldade em encontrar um discurso mínimo, sem que este coincida com a noção,
difundida pela Gramática, de frase, porém vê-lhe reservado o direito de crer que nessa
frase traços do discurso onde ela aparece; isto coincide com a noção de enunciado
aquele discurso mínimo, situado no tempo e no espaço.
Contudo, não é tarefa própria da Semântica, segundo o lingüista, a delimitação
do “comprimento” do discurso, frase ou enunciado, e é por isso que os teóricos da TAL se
baseiam em recortes intuitivos, em estados ulteriores, em propriedades outras, a fim de
confirmar a boa fundação desses elementos (ANSCOMBRE, idem, p. 13).
Conforme os fundamentos da TAL, a enunciação é o evento único que consiste
na aparição de um enunciado; há entre enunciação e enunciado uma relação
processo/produto. O sentido do enunciado produzido se configura como a descrição que um
enunciado fornece de sua enunciação (ANSCOMBRE, idem, ibidem), concepção esta
oposta às teorias vericondicionais do sentido. Destarte, o sentido deriva do enunciado
pontualmente.
É sobre essa fundamentação que Anscombre (1995, p.14) concebe o cálculo do
sentido:
Não tentaremos determinar diretamente o sentido, mas procederemos de forma
mediada. A todo enunciado (...) nós faremos corresponder uma entidade, a frase
[grifo do autor], que não deriva mais do nível do observável, mas do nível do
constructo, do teórico lingüístico. E os enunciados serão considerados
ocorrências dessas frases, como a manifestação ‘superficial’ dessas estruturas
‘profundas’ que são as frases.
17
Metodologicamente, a significação derivada da frase deverá ser capaz de
explicar a maior parte possível do sentido dos enunciados e poder ser prevista da forma
mais sistemática possível a partir da forma dos enunciados a qual deve ser distinta de
sua estrutura sintática ou semântica, pois uma combinatória superficial revela tanto
17
Tradução nossa para: Nous ne tenterons pas de déterminer directement le sens, mais procéderons de façon
médiate. A tout énoncés (...), nous ferons correspondre une entité, la phrase, qui relève non plus du niveau de
l’observable, mais de celui du construit, du théorique linguistique. Et les énoncés seront considérés comme
des occurrences de ces phrases, comme la manifestation “en surface” de ces structures “profondes” que sont
les phrases.
34
propriedades sintáticas quanto valores semânticos, delegando ao lingüista a decisão de onde
partir (ANSCOMBRE, 1995, p.15).
Uma teoria da argumentação impõe vislumbrar uma teoria mais geral, uma
teoria da enunciação. A idéia básica de uma teoria enunciativa (aquela da TAL) reside na
seguinte tese: o sentido de um enunciado é uma alusão a uma enunciação. Isso se diferencia
de uma teoria clássica dos atos de fala, pois, para esta, o sentido de um enunciado não vai
além de sua força ilocutória, isto é, sua função instrumental. Equivale a dizer que um
enunciado sempre fornece uma certa imagem de sua enunciação e que essa imagem
constitui um guia para a interpretação desse enunciado.
Por isso, a caracterização da enunciação e do contexto deve ser derivada das
palavras e suas relações, pois, segundo Barbisan (2001, p.04)), “a escolha das palavras cria
uma imagem da fala e essa imagem é pertinente para a compreensão do discurso”.
Apesar de a TAL centrar-se na estrutura da frase e de os valores
argumentativos estarem presentes nos sentidos (orientações) próprios das palavras tomadas
em si, Ducrot e seus colaboradores defendem uma perspectiva intrinsecalista da linguagem,
isto é, recusam claramente a distinção entre Semântica e Pragmática, entre o sentido do
enunciado e a intenção da enunciação. Segundo Ducrot (1997),
A partir do momento em que se nega a existência desse [sentido] mínimo, em
que se sustenta que as palavras indicam, antes de tudo, como construir seu
contexto, o estudo do contexto (primeira forma da pragmática) é integrado ao
sentido do enunciado, tão integrado como a representação de sua enunciação
(segunda forma da pragmática).
Para a integração da Semântica à Pragmática, Ducrot presume uma modificação
do conceito de significação — este deve, para sua teoria, ser independente das condições de
verdade. Na compreensão do lingüista, essa dependência vericondicional pertence a um
segundo nível semântico, derivado do nível argumentativo, constituindo um tipo de efeito
de sentido que permite à fala crer-se ancorada na realidade. Segundo ele, o acesso a
condições de verdade ou falsidade seria mais custoso do que o simples fato de conceber
proposições com opções de falso ou verdadeiro:
O adequado a uma utilização científica da ngua seria, então, construir e
especificar um modo de interpretação da língua que a torne capaz de evocar
35
proposições suscetíveis de verdade ou falsidade, e entre outros este é o ponto
que interessa a um lingüista —, proposições sobre a linguagem. (DUCROT,
1997).
Anscombre e Ducrot (1983) denominam uma teoria argumentativa associada a
uma teoria enunciativa de pragmática integrada, ou seja, uma teoria semântica centrada
sobre os aspectos pragmáticos do sentido. Esta idéia opõe-se a uma concepção linearista,
segundo a qual a pragmática seria o último componente da lingüística, e cujo input seria a
semântica. A idéia de uma pragmática integrada provoca sobretudo a idéia de que o sentido
faz alusão à enunciação.
Se essa tese é descritivamente adequada, isto significa que seria teoricamente
mais oneroso ligar o aspecto enunciativo do sentido a seu aspecto vericondicional
(produzido unicamente pela semântica) do que impor à semântica uma integração dos
aspectos enunciativos do sentido (RASTIER, 1985, p.7).
É apropriado lembrar que a idéia de uma pragmática integrada distingue
claramente, entre os fatos pragmáticos, aqueles derivados das propriedades internas da
língua (os fatos convencionais) e os fatos externos (fatos contextuais ou conversacionais,
nos termos de Grice). Dito de outra maneira, uma pragmática integrada não conta de
todos os fenômenos qualificados tradicionalmente de pragmáticos, mas somente daqueles
derivados da convencionalidade lingüística, inscritos na própria estrutura da língua.
Entre os atos ilocutórios, os fenômenos da argumentação constituem um
domínio privilegiado para a reflexão pragmática. Trata-se, de fato, de influenciar o
interlocutor no interior do discurso, com o intuito de argumentar. É assim que, para
Anscombre e Ducrot, argumentar consiste em
Apresentar um enunciado E1 (ou um conjunto de enunciados) como destinado a
fazer admitir um outro (ou um conjunto de outrs) E2. O enunciador que
argumenta não diz E1 para que o locutor pense E2, mas ele apresenta E1 como
devendo levar normalmente seu interlocutor a concluir E2; ele define um
quadro, no interior do qual o enunciado E1 leva a concluir E2 e o impõe ao
destinatário
18
(ANSCOMBRE e DUCROT, 1988, p.130).
18
Tradução nossa para: Présenter un énoncé E1 (ou un ensemble d'énoncés) comme destiné à en faire
admettre un autre (ou um ensemble d'autres) E2. L'énonciateur qui argumente ne dit pas E1 pour que le
destinataire pense E2, mais il presente E1 comme devant normalement amener son interlocuteur à conclure
E2 ; il définit donc un certain cadre, à l'intérieur duquel l'énoncé E1 conduit à conclure E2 et l'impose au
destinataire.
36
O ponto importante é que limitações especificamente lingüísticas para regrar
a possibilidade de apresentar um enunciado como um argumento em favor de outro. A
estrutura lingüística limita a argumentação independentemente da informação propriamente
dita veiculada pelos enunciados. Assim, para os autores (1988),
O valor argumentativo de um enunciado não é somente uma conseqüência das
informações que ele conduz, mas a frase pode comportar diversos morfemas ou
expressões que, além do seu conteúdo informativo, servem para fornecer uma
orientação argumentativa ao enunciado, a levar o destinatário a essa ou àquela
direção
19
(
ANSCOMBRE e DUCROT, op. cit.).
Uma formulação em que uma relação argumentativa se localiza entre um
enunciado A e uma outra unidade lingüística C (enunciado, conteúdo) quando A é
destinado a servir C necessita, por sua vez, da introdução de um agente e de um
destinatário, bem como considerar a relação argumentativa como o vestígio de uma
atividade.
A idéia de Anscombre e Ducrot (1983), ao definir a necessidade de uma
pragmática integrada à semântica, remonta a Saussure, para quem o observável não é dado
pela natureza, mas constitui uma construção. Analogamente, o objeto da pragmática não é
constituído por um enunciado, mas pelo sentido associado a ele. Assim, o que uma teoria
pragmática explica é a atribuição de um sentido a seu enunciado correspondente pelos
sujeitos falantes.
Ao criticar a conexão entre áreas proposta pelos estudos da TAL, Portolés
(1998) sugere que a declaração de Ducrot, quando refere que a orientação argumentativa é
interna ao sentido das palavras, e independe das realidades que as palavras representam
torna o lingüista contraditório, na medida em que declara sim um rompimento entre
Semântica e Pragmática, não uma aproximação.
Tal afirmação deve ser recebida com cautela, e entendemos com Moura (2000)
o problema da integração entre Semântica e Pragmática. Conforme sua perspectiva,
defendendo na TAL uma interface semântico-pragmática, “a Pragmática constitui-se o
19
Tradução nossa para: La valeur argumentative d'un énoncé n'est pas seulement une conséquence des
informations apportées par lui, mais la phrase peut comporter divers morphèmes, expressions ou tournures
qui, en plus de leur contenu informatif, servent à donner une orientation argumentative à l'énoncé, à entraîner
le destinataire dans telle ou telle direction.
37
componente interpretativo que contém regras que permitem a recuperação dos sentidos
intencionados pelos interlocutores num dado contexto”. Para ele, o termo principal na
afirmação acima é a “recuperação da intenção”, e não o contexto, dado que, explica ele, “a
Semântica também é contextual”. Moura (2000) admite, então, que “A linha divisória entre
Semântica e Pragmática é traçada não pela dependência contextual, e sim pela necessidade,
no caso da interpretação pragmática, de recorrer a regras que permitam recuperar a intenção
pretendida pelo falante ao produzir um enunciado”.
Com a Teoria dos Topoi, Anscombre e Ducrot (1995) rechaçam de vez o sentido
informativo das palavras, visto que havia ainda um problema quanto à presença ou ausência
de operadores argumentativos nas relações entre os dados e a conclusão. Agora, com essas
regras que recuperam a intenção, acrescentadas à TAL na sua fase argumentativista radical,
não há mais a necessidade dos orientadores para orientarem a conclusão, pois esta já está na
relação entre os termos. Tenhamos presente, na seção seguinte, a Teoria dos Topoi.
2.3.3 Teoria dos Topoi
Numa versão mais recente da TAL, a Teoria dos Topoi, Ducrot (1988) prega a
existência de uma espécie de “garantia”
20
, que autoriza a passagem de um argumento A
para uma conclusão C, tendo em vista a construção do sentido pretendido pelo enunciador.
Essa garantia que permite o encadeamento de A com C chama-se topos.
A Teoria dos Topoi vem preencher a lacuna a que a TAL vinha deixando
margem em relação, por exemplo, aos operadores argumentativos, cuja descrição não foi
possível em termos de conclusões “porque nem sempre a inclusão, em um enunciado, de
um OA modificava a conclusão.” (ESPÍNDOLA, 2004, p. 53). Isso levava a presumir que,
na ausência de um marcador argumentativo, as frases são informativas, bem como a aceitar
que a significação das frases com operadores comporta valores informativos e valores
argumentativos. Com a admissão do conceito de topos, os operadores argumentativos
passam a ser explicados como especificadores do trajeto da forma tópica convocada; o
20
Este termo (warrant) é utilizado por Toulmin (1958) para a descrição do fenômeno de passagem de A a
C, porém o sentido empregado pela TAL difere.
38
topos torna-se tão importante para a apreensão de sentido quanto a conclusão, pois é ele
quem a determina.
Assim, no nível da frase são encontradas as instruções sobre os topoi
convocados quando da enunciação. O topos representa “o ponto de articulação entre a
língua e o discurso(ESPÍNDOLA, 2004, p. 37), e a noção de significação em uma frase é
o conjunto dos topoi que ela autoriza no momento de sua enunciação. Plantin (1996, p.110)
assim os define: “Um topos se define, pois, como um instrumento lingüístico que conecta
determinadas palavras, que organiza os discursos possíveis e que define os discursos
‘aceitáveis’, coerentes nessa comunidade”
21
.
Apesar de os topoi permitirem a construção do sentido pretendido, Ducrot, em
entrevista a Moura (1998), nega que eles sejam inferências. Para o autor, os topoi são muito
mais “possibilidades discursivas, possibilidades de encadeamentos discursivos” e,
considerando uma palavra como um feixe de topoi, “ela abre um leque de encadeamentos
possíveis, e não rios tipos de inferências ou deduções”. Para o linguista francês, o topos
não é um terceiro termo, “como a garantia que assegura e valida a passagem de uma idéia à
outra idéia, de um argumento a uma conclusão”. Essa visão equivocada do topos como
inferência ele julga que venha de uma confusão com a idéia de topos de Aristóteles, que se
tratava realmente de um princípio inferencial. Os topoi são, pois, “uma relação complexa
entre as palavras que não serve para estabelecer deduções sobre os fatos do mundo.”
(MOURA, 1998).
São três as características principais dos topoi. A primeira que Ducrot defende
(1989, p.24) é a propriedade de ser universal
22
, comum, mas uma universalidade
pretendida, travada entre o enunciador e o destinatário. Quando dizemos “O tempo está
bom, vamos à praia”, significa haver uma regra compartilhada pelos dois interlocutores que
lhes permite a concordância de que praia é agradável com calor. Segundo Ducrot,
É perfeitamente possível apoiar-se em princípios que, na realidade, se é o único
a reconhecer, ou mesmo que não se admite. Mas desde que se os utiliza em vista
de uma conclusão, faz-se como se eles fossem partilhados. Todo movimento
argumentativo ostenta uma pretensão à banalidade (DUCROT, 1989, p.25).
21
Tradução nossa para: Un topos se define, pues, como un instrumento lingüístico que conecta determinadas
palabras, que organiza los discursos posibles y que define los discursos “aceptables”, coherentes em esa
comunidad.
22
Ser universal nesta teoria não significa a ausência de exceções (GONÇALVES, 2003).
39
A segunda propriedade dos topoi é a de serem gerais. Eles devem ser válidos
para a aplicação em situações diferentes daquela em que foram empregados. No exemplo
anterior, “o calor torna a praia agradável” é um princípio que deve servir para outros
empregos, do contrário, seria apenas a invocação de uma opinião contingencial do
enunciador, o que o invalidaria como topos — sendo este um lugar comum do discurso.
A terceira e, conforme Ducrot, mais importante propriedade dos topoi é a
escalaridade. Segundo Moura (1996), essa característica consiste no “grau de aplicabilidade
dos topoi”. Estes servem para relacionar duas escalas, como no exemplo anterior, em que a
temperatura torna a praia agradável. Assim, quanto maior a temperatura, mais agradável a
praia; quanto menor, menos agradável; o calor é, assim, um fator progressivo de satisfação
(DUCROT, 1988, p. 31).
Pode-se objetar, por exemplo, que, em Fortaleza cidade com temperaturas
altas —, quanto maior a temperatura, menos agradável a praia, discordando da gradação
dos topoi, no exemplo anterior. Se considerarmos, porém, o feixe de topoi (sentido da
palavra) que a relação [temperatura, prazer] convoca, devemos considerar a função dos
topoi de relacionar-se com outras gradações, dado seu caráter geral. Para isso, são
convocadas formas tópicas, em que os elementos da escala são equivalentes (uma não seria
admitida sem a outra), porém em sentido duplo, crescente ou decrescente. Assim, a um
esquema tópico irão corresponder dois topoi, em sentidos diferentes: um direto quando
as duas gradações são percorridas em sentidos iguais; e um indireto quando são
percorridas em sentidos opostos. Ao topos direto correspondem as duas formas tópicas (FT)
equivalentes “+ P + Q” ou “- P - Q”, e ao topos indireto as formas tópicas contrárias “+ P
Q” ou “-P + Q”.
Admitir as palavras como feixes de topoi foi um avanço para TAL, dado que
elas passaram a ser indicadoras de possíveis discursos. Assim, “conhecer o sentido de uma
palavra é saber quais topoi são fundamentalmente ligados a ela.” (ESPÍNDOLA, 2004,
p.50).
Seccionando os topoi em formas tópicas, Ducrot (1988, p. 34) acredita que eles
fundamentam o valor argumentativo presente num nível semântico mais profundo que o ato
40
de argumentação e atribuem nova definição aos operadores argumentativos. Segundo
Gonçalves (2003, p.293):
Os operadores argumentativos hão-de desempenhar um papel privilegiado: têm
por função modificar [grifo do autor] as classes dos tipos de conclusões
susceptíveis de serem visadas pelos enunciados das frases nas quais são
introduzidos. E dizer que eles impõem condições à orientação argumentativa
intrínseca e à força argumentativa intrínseca das frases outro significado não tem
que postular, de igual modo, a sua acção sobre a orientação argumentativa dos
enunciados.
Essa propriedade escalar atribuída aos topoi, em suas formas tópicas, é
resultante da distinção entre dois tipos de topoi: intrínsecos e extrínsecos. A separação entre
esses dois conceitos surgiu da necessidade de definir as palavras como feixes de topoi, ou
seja, a palavra vista como viabilizadora de variados encadeamentos e discursos
23
.
Os topoi intrínsecos são aqueles que fundam a significação de uma unidade
lexical. Assim, no encadeamento (DUCROT, 1988) “Marie est belle: elle séduit tous les
hommes” (Maria é bonita: ela seduz todos os homens), o conteúdo lexical de belle dirige o
destinatário precisamente ao enunciado seguinte; a palavra beleza está ligada à idéia de
sedução. Se, no entanto, temos (idem) “Pierre est riche, mais il est avare” (Pierre é rico,
mas avaro), convocamos um topos que se presta a um encadeamento conclusivo, ligado a
certos conhecimentos, portanto, um topos extrínseco.
A noção de escalaridade dos topoi consentiu, além da distinção entre topoi
intrínsecos e extrínsecos, admitir uma gradação também nas palavras; se um topos é
gradual, a palavra que o evoca também o é. Assim, temos que próximo e distante
(DUCROT, 1995) podem ser graduais, têm graus de aplicabilidade diferentes próximo e
distante podem ser “mais ou menos próximo” ou “mais ou menos distante”. Além disso,
esses adjetivos servem para representar diferentes intencionalidades, como é o caso que
Ducrot (idem) apresenta em: a) “a) Pedro é um parente, mas um parente distante; b) Pedro é
um parente, mas um parente próximo
24
”.
Dessa forma, ao propor um grau de aplicabilidade para os topoi, Anscombre e
Ducrot (1995) destituíram os operadores argumentativos da tarefa argumentativa de
orientar as conclusões, visto que essa orientação agora se encontra na atualização de uma
23
O próprio Ducrot (in MOURA, 1998) admite que esta distinção é mais teórica do que prática.
24
Tradução nossa para: a) Pedro é um parente, mas um parente distante; b) Pedro é um parente, mas um
parente próximo.
41
das formas tópicas convocadas. Ao realizar essa alteração na teoria, os lingüistas franceses
conseguiram resolver alguns problemas metodológicos levantados contrariamente a sua
teoria, como o fato de haver frases em que operadores diferentes conduziam à mesma
conclusão, na relação entre dois segmentos.
As palavras (unidades xicas), depois da TAL e, especialmente com a Teoria
dos Topoi, não são mais tomadas como referência dos objetos, como descritivas, porém
como concessoras de feixes de topoi, os quais se atualizarão tão-somente no discurso, na
sua enunciação, como “o ponto de vista de um dos enunciadores.” (ESPÍNDOLA, 2004,
p.56). Assim, as dependências vericondicionais postuladas pela Filosofia da Linguagem
deixam de ter fundamento, pois a TAL encontrou o sentido nas próprias palavras e nos
possíveis encadeamentos que elas permitem.
Porém, os lingüistas dessa corrente francesa não se firmaram na Teoria dos
Topoi: continuaram seus estudos e, na fase mais recente da teoria, entregaram-se à
descrição dos blocos semânticos, que conheceremos a seguir.
2.3.4 Teoria dos Blocos Semânticos (TBS)
Numa fase mais recente da TAL, Ducrot, aliado a sua esposa, a pesquisadora
Marion Carel, buscaram solucionar a seguinte objeção: se as palavras são por si mesmas
dotadas de sentidos, por que então estabelecer a necessidade de um segmento-argumento
ancorado num topos que indica a direção ao segmento-conclusão? Que solução criar para as
expressões paradoxais que a teoria dos topoi não consegue resolver? (Cf. CAREL, 1999).
Para um entendimento castiço da TAL, os autores passaram a desconsiderar que
a argumentação funda-se em topoi, mas agora em blocos semânticos
25
, encadeamentos
semânticos que podem estar conexos em DONC ou em POURTANT e que, por si, evocam
os sentidos possíveis estabelecidos pelas relações entre palavras. Com o desenvolvimento
dos estudos no âmbito da TAL, a Teoria dos Topoi sofre alterações radicais, com a
exclusão do próprio conceito de topoi.
25
Para aprofundar o tema, confira-se: CAREL, Marion. L'argumentation dans le discours : argumenter n'est
pas justifier, Langage et Société, n°70, 1994, p.61-81, Paris. Republicada em: Letras de Hoje, n°107 de março
1997, p.23-40, Universidade Católica do Rio Grande Do Sul, Brasil.
42
Os autores põem em xeque esse conceito, ao afirmar que o segmento “A
portanto C” não se decompõe em segmentos semanticamente independentes. Segundo
Carel a argumentatividade do segmento apresentado
consiste somente em convocar os princípios, os estereótipos, expressos também
em fórmulas como o apetite é sinal de boa saúde ou o bom tempo é agradável.
Nós não consideramos que estes princípios sejam associações de conceitos
independentes e, contrariamente às descrições habituais da argumentação, não
lhes atribuímos um papel secundário, o de ligar o que é dito na argumentação e o
que é dito na conclusão. Pelo contrário, nós os vemos como representações
unitárias e lhes atribuímos um papel principal no sentido de que eles constituem,
a nosso ver, o próprio encadeamento argumentativo (CAREL, 1999, p. 09).
Sendo assim, o conceito de topos é abandonado, em detrimento de uma inter-
relação semântica entre A e C, de modo a constituir um bloco semântico que carrega todo o
significado, sem que haja necessidade de um suporte que facilite a passagem de A para C.
Carel parte dos seguintes exemplos para compreendermos sua inovação na
teoria:
a. É tarde: o trem deve estar lá.
b. É cedo. O trem deve estar aí.
c. É tarde: o trem não deve estar aí.
Ao observar os exemplos, podemos avaliar que a e b têm a mesma conclusão
em comum, enquanto a e c partem do mesmo argumento. Cabe então indagar: como se
chega a conclusões distintas a partir do mesmo argumento? Ou, ainda, como, partindo de
argumentos distintos, chegamos à mesma conclusão?
Para responder a esses questionamentos, Carel (idem, ibidem) determina que
cada um dos enunciados (a, b e c) forma um bloco de significado, no qual tanto os
argumentos influenciam a conclusão como são influenciados por ela. E é dessa forma que
os segmentos não podem ser compreendidos argumentativamente de maneira separada.
A autora determina que os encadeamentos sempre são em donc ou em pourtant.
Os primeiros, ligados pelo conector de valor normativo donc, e os últimos, ligados pelo
conector de valor transgressivo pourtant, devem se manter no mesmo plano, sem que se
43
julgue serem derivados um do outro. São considerados como duas formas independentes
que podem fazer a conexão de dois segmentos em um encadeamento
argumentativo.Segundo a autora, o ato argumentativo se apóia não numa demonstração ou
justificativa, porém, na reunião de blocos e na orientação coerente destes. Por isso é que
afirma que “Argumentar consiste somente em reunir blocos lexicais e em pretender-se ser
coerente com eles: se os encadeamentos com donc podem assumir uma eventual força
persuasiva, isso ocorre unicamente porque expressam lugares comuns” (CAREL, 1999,
p.12).
A diferença entre a Teoria dos Topoi para a TBS é, para os teóricos da nova
linha, que, sendo de natureza referencial, e dependentes de um fundo social de experiência,
os topoi representam uma contradição evidente com o princípio da imanência do sistema.
Assim, a TBS sustenta que o sentido de uma expressão lingüística não é constituído de
propriedades (reais) dos referentes nem por crenças, mas pelos discursos que as expressões
lingüísticas evocam.
Esta última fase, ainda em desenvolvimento, não estará no centro de nossas
discussões aqui, não que apresente menor relevância, mas porque estamos relacionando
dois fenômenos similares em teorias diferentes (lei de inferência e topos), os quais não são
considerados pela Teoria dos Blocos Semânticos (TBS).
Aliado a isso, é com bastante cautela que temos recebido as alterações na
TAL. Por se tratar de um tema que demanda ampla reflexão e discussão, o que ainda está
ocorrendo entre os teóricos, algumas questões ainda carecem de comprovação. Algumas
dúvidas cabem no presente estudo sobre a fundamentação da pesquisa em blocos
semânticos.
Uma primeira diz respeito ao fato de que a noção da existência de blocos
semânticos pressupõe dois elementos postos em relação, na concepção saussuriana. Uma
vez que esses elementos A e C estejam em relação, eles não podem ser considerados em
isolamento, porém, sempre aos pares. É apropriado questionar, então, se a constituição
desses blocos não restringe e limita as múltiplas possibilidades discursivas que essas
relações favorecem, ao desconsiderar fatores pragmáticos na construção do sentido. Que
lugar encontra, por exemplo, a ironia ou a metáfora nesse tipo de encadeamento? Que papel
44
representa a interação nessa análise? É necessário haver estudos que relacionem esses
fenômenos aos blocos semânticos para que estes possam se consolidar numa teoria de
hipóteses comprováveis.
Uma segunda preocupação ao se falar em adotar a TBS como teoria de base é
o papel dos topoi e dos modificadores. Na nossa compreensão, se os topoi agora se
tornaram fontes de discurso, isto é, a fatia pragmática que encontra um lugar (mesmo que
pífio) na análise semântica pura talvez apenas uma justificativa para sustentar uma
Semântica integralista que ao nosso ver não se configura mais —, eles continuam fazendo
parte dessa relação entre A e C. Como sempre na TAL, não como uma garantia ou um
terceiro termo, mas como uma realização intersubjetiva da língua, na condição de doadores
do sentido e da coerência discursiva. Igualmente, entendemos que os modificadores
continuam a representar o mesmo que representavam na Teoria dos Topoi, sofrendo apenas
alterações de ordem nomenclatural e descritiva; o seu papel se mantém.
É em virtude das razões apontadas acima que, neste trabalho, ainda não
faremos opção pela TBS, delegando a tarefa para estudos posteriores, em que poderemos
averiguar com mais acuidade as lacunas que nela encontramos.
45
CAPÍTULO 3
TOPOÏ E LEI DE INFERÊNCIA
3.1 Topoi e Lei de Inferência - Considerações iniciais
Uma teoria da argumentação distingue-se de uma teoria clássica do raciocínio,
pois que os princípios subjacentes à operação cognitivo-discursiva que é a argumentação
não derivam da lógica clássica, porém, dos topoi. Uma segunda propriedade distintiva da
argumentação reside no fato de que ela é indissociável da enunciação. Isso não significa
simplesmente que não há argumentação sem enunciação, mas que as propriedades da
atividade enunciativa são constitutivas da atividade argumentativa, vez que a própria
enunciação pode intervir na atividade argumentativa (MOESCHLER, 1985).
Para isso, deve-se considerar a dimensão dialógica de toda argumentação.
Segundo Moeschler,
Um discurso argumentativo (...) coloca-se sempre em relação a um contra-
discurso efetivo ou virtual. A argumentação é assim indissociável da polêmica.
Defender uma tese ou uma conclusão é sempre defendê-la contra outras teses ou
conclusões, do mesmo modo que entrar em uma polêmica não implica somente
um desacordo (...), mas, sobretudo, a posse de contra-argumentos
(MOESCHLER idem, p.47)
26
.
É, portanto, forçoso entender que a argumentação funciona como representação
dos fenômenos sócio-cognitivos expressos pelos falantes, em interação, de qualquer língua,
e que, por meio dela, podemos expressar volições, dúvidas, ironias e quaisquer expressões
cujo sentido só pode ser recuperado tendo em vista a argumentatividade pretendida.
26
Tradução nossa para: “Un discours argumentatif (...) se place toujours par rapport à un contre-discours
effectif ou virtuel. L’argumentation est à ce titre indissociable de la polémique. fendre une thèse ou une
conclusion revient toujours à la defender contre d’autres thèses ou conclusions, de même qu’entrer dans une
polemique n’implique pás seulement um désaccord (...) mais surtout la possession de contre-arguments”.
46
Sendo assim, a Teoria dos Topoi vem ao encontro dessa necessidade, ao
postular que algumas palavras na língua são destinadas à argumentação (DUCROT, 1983)
quaisquer que sejam os gêneros textuais ou modalidades discursivas; que o sentido
dessas palavras é convocado selecionando uma opção dentre um feixe de topoi
(ANSCOMBRE, 1995); isto é, as palavras (e seu conteúdo lexical) criam oportunidades de
encadeamentos, sentidos, favorecendo uma infinidade de discursos
27
.
Afirmar que a argumentação está inscrita na língua é estabelecer que a
recuperação do sentido profundo de uma palavra é possível através da apreensão da
intencionalidade subjacente à palavra no momento de sua enunciação. Trata-se aqui de uma
teoria do sentido, recuperado no nível da palavra e nos encadeamentos que ela favorece
a frase (DUCROT, 1983).
Da mesma forma, ao considerar a construção global do texto e os fenômenos
intervenientes no resultado entre as relações que se estabelecem entre macroproposições
para tecer sentidos, Adam (1992; 1999; 2004) busca o propósito geral da argumentação,
porém, em outro nível, no texto.
Dos estudos em argumentação, as duas linhas teóricas que fundamentam este
trabalho apresentam propostas não complementares entre si, porém, dois elementos afins
nos chamaram a atenção: topos e lei de inferência. Constatamos que esses dois elementos
apresentam uma semelhança quanto à atividade que exercem na apreensão da
argumentatividade pretendida pelos locutores, pois ambos servem de suporte entre um dado
e uma conclusão. Além disso, encontramos que essas noções compartilham algumas
propriedades intrínsecas afins: são graduais, compartilhados e gerais. Tendo em vista essas
similitudes, fomos levados a nos questionar se consistia no mesmo fenômeno descrito em
dois domínios distintos, e, se fosse assim, seria necessário padronizar os termos.
Essa constatação nos levou à curiosidade de testar, em textos argumentativos,
que o suporte fosse estabelecido pelos topoi, e não pela lei de inferência. Para isso,
discutiremos a relação argumentativa entre topos e lei de inferência na seqüência
argumentativa prototípica. Entendemos, neste estudo, que não uma lei de inferência em
textos argumentativos prototípicos ou em qualquer outro tipo de texto, mas, sim, uma
27
A noção de discurso corresponde, para Ducrot, à noção de texto.
47
relação semântica entre palavras argumentativas, que constituem dados que, por sua vez,
favorecem conclusões. Essa relação entre os dados e a conclusão origina lugares comuns do
discurso, compartilhados, graduais e gerais, denominados topoi. Recorre-se a esses topoi
não somente na passagem de entre as macroproposições argumentativas P.Arg.1 e P.Arg.3,
porém em qualquer das macroproposições.
Segundo nossa perspectiva, admitir a existência desse fenômeno seria
contradizer a metodologia própria da teoria de Adam, que pressupõe que o resultado de
sentido nos textos é um construto do qual participam todos os elementos textuais em
simbiose; o sentido é, portanto, resultado de relações semânticas e pragmáticas que se
tecem no interior do próprio texto. Se delimitarmos que o leitor apreenderá o sentido
produzido por P.arg. 1 e P. arg. 3 se conseguir (e quiser) chegar ao efeito pressupositivo da
passagem entre as duas macroproposições, corremos o risco de desconsiderar toda a
matéria textual desenvolvida precedente e posteriormente e sermos parciais. Além disso,
arriscamo-nos também a atribuir a todos os leitores de textos argumentativos dotados de
seqüências prototípicas uma condição de insipiência frente à elaboração de hipóteses
próprias de suas leituras do texto, da língua e do próprio mundo, o que seria injusto e
pretensioso demais. Portanto, observaremos, nesta pesquisa, que a existência de uma
macroproposição lei de inferência na seqüência argumentativa prototípica pode ser
relacionada, tendo em vista uma interseção entre os atos de discurso e a orientação
argumentativa, pode ser bem explicitada em termos de topoi, que oferecem o suporte na
passagem e na própria construção argumentativa entre macroproposições.
Para começarmos essa discussão, é apropriado retomarmos o conceito de lei
de inferência e destacarmos sua origem, a fim de conhecer com mais profundidade o
fenômeno. Nesse sentido, descreveremos o circuito argumentativo proposto por Toulmin
(1958), e constataremos visto que este modelo é a base para Adam a inadequação da
proposta de Adam (19992; 1999; 2004) quanto ao estatuto da lei de inferência como uma
macroproposição prototípica da seqüência argumentativa.
48
3.2 A idéia original da lei de inferência e seu estatuto macroproposicional na
seqüência argumentativa prototípica
Observamos, no capítulo anterior, que as regras de inferência compõem a
seqüência, seja qual for a ordem em que ela aconteça, proativa ou retroativa. Mas, até
agora, ainda não apresentamos a que, de fato, se refere esse conceito.
Conforme Adam
28
, a regra de inferência corresponde à garantia sugerida por
Toulmin (1958), a qual consiste em um princípio geral que evita sermos obrigados a
introduzir outros dados e, de qualquer modo, lança um ponto entre dado e conclusão.
Segundo ele (2004, p. 85), “as leis de passagem conferem diferentes graus de força e de
probabilidade às conclusões”
29
. Pode ser necessário utilizar explicitamente as leis de
passagem, no caso de argumentação muito crítica. A lei de inferência parece vantajosa
para a argumentação:
Do ponto de vista lingüístico, o enunciado de um dado factual (D) adquire seu
estatuto de argumento por um outro enunciado (C), em função de um terceiro, a
lei de passagem (L), sobre a qual repousa em definitivo a construção
argumentativa. (...) Introduzindo esta noção na sua teoria da argumentação,
Toulmin redescobriria a noção de topos, ou de lugar comum, sobre a qual a
retórica antiga fundou as teorias da invenção. (
ADAM 2004, p. 84
,)
30
Importa-nos, então, conhecer a seqüência que, inspirada pela perspectiva
argumentativa de Toulmin (1958), descreve o movimento argumentativo, especialmente
aqui a macroproposição lei de inferência (P.Arg.2).
Esse modelo lógico-filosófico proposto por Toulmin tem interesse pela operação
de argumentos, sentença por sentença, de maneira a identificar como sua validade está ou
não conectada ao modo como esses argumentos são dispostos por nós e que relevância essa
conexão tem com a noção tradicional de ‘forma lógica’ (TOULMIN, 2001 [1958], p. 136).
Antes de estruturar seu modelo de argumento, o filósofo traça cinco distinções
entre diferentes tipos de argumentos: argumentos analíticos e substanciais; argumentos
28
Esta informação me foi fornecida pelo próprio autor por correio eletrônico.
29
Tradução nossa para: “Les lois de passage confèrent différents degrés de force et de probabilité aux
conclusions”.
30
PLANTIN, 1990, p. 29.
49
formalmente válidos e formalmente inválidos; argumentos que usam e argumentos que
estabelecem uma garantia; argumentos que compreendem e que não compreendem termos
lógicos; e argumentos necessários e prováveis. Para a seqüência argumentativa de Adam
(1992; 2004), importam os argumentos que utilizam ou estabelecem uma garantia.
A distinção entre esses tipos de argumentos é a seguinte: um argumento utiliza
uma garantia quando a validade das razões está estabelecida, então, um argumento que
estabelece uma garantia o faz quando suas razões são hipotéticas ou conjecturais. Essa
distinção corresponde (TOULMIN, 1958 assume), grosso modo, à distinção entre dedução
e indução estabelecida pelos logicistas, mas não ao uso ordinário desses dois termos
(BRETON e GAUTHIER, 2000, p. 60).
Um argumento é, para Toulmin, o agenciamento da organização dos dados (D),
invocados para sustentar uma conclusão (C). Esta conclusão pode eventualmente ser objeto
de uma qualificação modal (Q). A passagem dos dados à conclusão é autorizada por
garantias (G) para as quais se podem aplicar restrições (R). Estas garantias repousam sob
um fundamento (F). No quadro a seguir, temos um exemplo dos termos da argumentação
propostos por Toulmin. Parte-se do seguinte dado (D) : Harry nasceu nas Bermudas
31
. A
conclusão (C) a que se chega é que: Então, é um súdito britânico, porém, na compreensão
de Toulmin, deve ser oferecido algo mais para “seguir em frente” e descrever “como se
chegou aí”. O que me levou à conclusão C? A garantia (G) de que Todo cidadão nascido
nas Bermudas é súdito britânico (garantias explícitas nas Leis de Nacionalidade Britânica).
Ainda assim, entretanto, o argumento não é conclusivo: podem ser necessárias provas
relativas à sua nacionalidade. Deste modo, a garantia (G) vem apoiar-se sobre a base (B):
Por conta dos seguintes estatutos e outros dispositivos legais. Como as questões de
nacionalidade estão constantemente sujeitas a condições, inserimos um qualificador modal
de força (Q) para a conclusão: presumivelmente. Não está completado o circuito ainda: o
dado ainda é passível de refutação (R): e se os pais forem estrangeiros ou ele tiver se
naturalizado americano? Uma restrição “a menos que” deve ser considerada. Observe-se a
figura 4, que resume o circuito:
31
Toulmin (2001 [1958], p.146).
50
Figura 4 - Esquema Argumentativo de Toulmin
D assim, Q, C
já que a menos que
G R
Por conta de B
Ou seja:
Assim, presumivelmente, {Harry é súdito britânico
Já que A menos que
Um homem nascido nas Bermudas Seu pai e sua mãe sejam
será, em geral, súdito britânico estrangeiros/ele tenha adotado
a cidadania americana
Por conta d
Os seguintes estatutos
e outros dispositivos legais:
Fonte: Toulmin (2001 [1958], p.146).
Toulmin defende que a garantia “É, num certo sentido, incidental e explanatória,
com a única tarefa de registrar, explicitamente, a legitimidade do passo envolvido e de
referi-lo, outra vez, na classe maior de passos cuja legitimidade está sendo proposta
Harry
nasceu nas
Bermudas
51
(TOULMIN, 1958, p.143). Isso nos leva compreender que a garantia é um elemento
explicativo e instrumental, e que não deve estar incluída entre os elementos constituintes do
esquema argumentativo superficial.
Apesar de sua relevância no circuito argumentativo, todavia, a garantia não deve
ser confundida com um dado, visto que a este se recorre explicitamente e as garantias as
convocamos de modo implícito, o que, novamente, sugere a não-inclusão desse termo na
descrição superficial do circuito. Ademais, os dados (premissas) são um elemento sem o
qual não há argumentação — não se pode argumentar baseando-se em proposições que não
derivem de dados. Já a garantia é geral e serve a certificar a consistência dos dados
apresentados, demonstrando, portanto, natureza diferente daqueles dados (TOULMIN,
idem, ibidem).
A proposta de Adam (1992), inteiramente baseada no modelo apresentado
acima
32
, propõe que a lei de inferência se estabeleça no protótipo da seqüência
argumentativa como uma macroproposição (P. arg. 2). Para o autor, retomemos, uma
macroproposição constitui um elemento intermediário de estruturação entre o texto e a
frase, que reflete uma unidade de pensamento ou um todo conceitual (ADAM, 1992). De
fato, a lei de inferência constitui uma unidade de pensamento, visto que se trata de um
passo inferencial. Esse aspecto, considerado em isolamento, não obstaria ao estatuto
macroproposicional da lei de inferência na seqüência argumentativa prototípica.
Contudo, se considerarmos que a lei de inferência se presta a formalizar, a
estruturar um modelo, encontramos uma inadequação concernente a essa tarefa. Não
viabilidade em se estabelecer uma operação implícita, subjacente ao pensamento, como
elemento de estruturação de um modelo de análise das operações textuais; estaríamos
lidando com uma incompatibilidade entre as relações concretas que se desenvolvem na
tessitura do texto e as operações inferenciais muito particulares de cada leitor. Aliado a
isso, adjunge-se o fato de que as outras macroproposições apresentam passos
metodológicos devidamente descritos e estruturados, além de constituírem unidades
hierárquicas. O que subjazeria a uma macroproposição inferencial e qual seria seu correlato
concretizado no texto? Sabemos que a unidade mínima de análise em Adam (1992; 1999;
32
Para que se observe bem essa semelhança, sugerimos que se compare a figura 2 (p. 17) com a figura 4.
52
2004) é a proposição enunciada, que se relaciona com outras proposições enunciadas para
constituir uma macroproposição − enunciada. Um conteúdo subjetivo estaria fora dos
propósitos do modelo composicional de Adam, pelo fato de não poder compor nenhuma
estrutura passível de hierarquização, pois não se enquadra na sua unidade mínima de
análise.
Em virtude do que foi discutido, é possível compreender a inviabilidade do
enquadramento da lei de inferência na categoria macroproposicional em seqüências
argumentativas prototípicas, as quais, por conseguinte, deveriam ser descritas nos seguintes
termos: P.arg. 0 refere-se a uma tese anterior que se pode presumir a partir dos dados
fornecidos pelo texto. Pode estar subentendida; P. arg.1 são os dados, isto é, os argumentos
que sustentam a conclusão; P. arg. 2 é a restrição, diz respeito aos argumentos que levam a
uma conclusão não-C, oposta ao que os topoi convocados em todo o texto permitiram
concluir
33
; P. arg 3 é a conclusão, também denominada nova tese. Pode estar subentendida.
Como adendo à descrição do circuito argumentativo, o novo protótipo deve, assim,
considerar a dimensão tópica das relações entre as palavras ao longo do texto, e não
somente a relação entre P. arg.1 e P. arg. 3. A seguir, discutiremos essa relação entre lei de
inferência e topoi na seqüência argumentativa prototípica.
3.3 Topoi X Lei de Inferência na Seqüência Argumentativa Prototípica: Topos como
elemento prototípico da seqüência argumentativa
Na seção anterior, discutimos o estatuto macroproposicional da lei de inferência
na seqüência argumentativa prototípica e estabelecemos que esse elemento deve ser
destituído da condição de macroproposição e ser substituído pela consideração de todos os
topoi presentes na tessitura textual, sem esse estatuto de macroproposição.
Compreendemos que, se a relação entre macroproposições contribui para a
apreensão global do sentido do texto, é operatória uma teoria que considere o sentido
construído em relações menores, as relações entre palavras, mas que se incluem no sentido
maior estabelecido por toda a extensão textual.
33
Na nossa compreensão, a macroproposição restrição também pode estar subentendida, o que apresentaremos
com mais detalhes no capítulo referente às análises.
53
A proposta de Anscombre e Ducrot (1983; 1995; 2004), com a Teoria dos
Topoi, é dar conta do funcionamento da língua; Adam (1992; 2004), com o protótipo da
seqüência argumentativa, explica o funcionamento textual pela descrição dos movimentos
argumentativos.
Para Adam, cada macroproposição diz respeito a um estágio da construção
argumentativa global do texto, e a argumentatividade não se funda no nível da frase
como na TAL —, porém, nos encadeamentos entre proposições. Para tornar enunciação e
enunciado observáveis, o texto estrutura-se em unidades textuais, denominadas seqüências,
que funcionam como uma rede relacional hierárquica, ou seja, uma entidade decomponível
em partes inter-relacionadas. Além disso, as seqüências caracterizam-se por serem
entidades relativamente autônomas, dotadas de organização interna própria, porém,
interligadas ao conjunto mais vasto do qual fazem parte. O sentido é construído no texto, à
medida que uma dessas proposições se encadeia à outra, ligadas por conectores que
orientam o movimento argumentativo e a passagem dos dados à conclusão é assegurada
pela lei de inferência — uma das macroproposições da seqüência.
Apesar de aceitar que essa tipificação modular das unidades textuais em
seqüências facilite a análise dos procedimentos textuais, o autor admite que a organização
seqüencial do texto não oferece mais do que uma atualização e uma realização mais ou
menos próximas do modelo prototípico de referência, o que não a impede de forma alguma,
contudo, de ser válida e pertinente. Concordamos com ele que os protótipos seqüenciais são
categorias fluidas, porém operatórias (ADAM, 1992, p.195).
Adam (2002) admite que as leis de inferência são constituídas de topoi, ao
afirmar que a passagem entre P.arg1 e P.arg.3 é assegurada por “‘marcas argumentativas’
que têm a função de argumentos-prova correspondentes tanto aos suportes de uma regra de
inferência que os topoi constituem quanto a movimentos argumentativos encadeados”.
Compreendemos, com isso, que ele considera que os topoi constituem as leis de inferência,
com a função de argumentos-prova, isto é, ocupam uma posição na descrição do circuito
argumentativo, sem, contudo, justificar de que maneira esses topoi constituem as regras de
inferência e o porquê da opção pelos topoi. Em sua literatura, não há passagem alguma que
justifique tal opção e é por isso que temos por objetivo fazer essa discussão, ou seja, saber:
54
se os princípios apresentam propriedades tão comuns, qual a relação entre topos e lei de
inferência na seqüência argumentativa prototípica?
Observamos, apesar da limitação metodológica imputada por Adam, já discutida
na seção precedente, que a regra de inferência aproxima-se muito da noção de topos: tal
como os topoi, a lei de inferência é escalar, isto é, na passagem dos dados às conclusões,
ela aplica diferentes graus de força e de probabilidade às conclusões; é também comum,
pois se constitui de princípios gerais partilhados pelos interlocutores no discurso; por
último, é geral, pois a mesma lei de inferência pode ser aplicada em situações diversas
34
. A
seguir, traçamos um quadro comparativo entre esses dois conceitos.
Figura 5 - Quadro comparativo lei de inferência x topos
LEI DE INFERÊNCIA TOPOS
Modelo dos protótipos seqüenciais: explica
o funcionamento textual pela descrição dos
movimentos de macroproposições
hierarquizadas.
Teoria da Argumentação na Língua: Teoria
do sentido, que defende que a argumentação
está inscrita na língua.
É escalar. É escalar.
É comum. É comum.
É geral. É geral.
Macroproposição (o que Toulmin denomina
“garantia”). Relaciona-se com outras
macroproposições.
Não é uma garantia, ou um terceiro termo
que se põe entre dados e conclusão, porém,
uma relação complexa entre palavras, que
se instaura no nível da frase.
Atua no nível da macroproposição. Atua no nível da frase.
34
Para as características dos topoi, cf. DUCROT (1988); para as características da lei de inferência, cf.
ADAM (1992).
55
Meio para ancorar os dados, um passo
inferencial que permite ao leitor de um texto
argumentativo, baseado nos dados que
recebeu, vislumbrar uma conclusão. É um
platô inferencial que ancora a conclusão.
Resultado de relações estabelecidas entre
as palavras que tecem a argumentação, o
fim primeiro da língua.
Tendo em vista as propriedades explicitadas na figura 5, notamos que as
divergências entre os dois conceitos objetos desta discussão se dão em relação,
primeiramente, à proposta teórica em que se enquadram. Além disso, as diferenças se
estabelecem na atividade argumentativa e no nível em que atuam, além da própria
finalidade a que se prestam. Logo, estamos lidando com fenômenos diferentes.
Apesar disso, os conceitos em foco parecem explicar, de maneira semelhante, as
operações de cálculo inferencial que os interlocutores utilizam para engendrar o sentido
pretendido num ato de argumentação
35
. Muito embora se apóiem sobre perspectivas
absolutamente distintas tanto na extensão do objeto de análise quanto na hipótese
metodológica, entendemos haver uma possibilidade manifesta de combinar as duas
propostas, em favor da análise de como a seqüência argumentativa prototípica contempla a
argumentatividade estabelecida pelos topoi, se por meio da lei de inferência, visto que
descrevem o fenômeno argumentativo. Isto é, entende-se aqui a possibilidade de aliança
entre o estudo das entidades lexicais e suas combinações que desencadeiam discursos à
matéria composicional na qual esses discursos podem ser organizados.
O primeiro fato concernente à distinção entre topos e lei de inferência que
queremos abordar refere-se à atividade a que se destinam e seu nível de atuação. Para
Adam (1992), a lei de inferência, como vimos, serve como um passo inferencial
provocado pelos dados em direção a uma conclusão. Essa inferência pode se confirmar ou
não, a depender da existência de uma macroproposição restrição. As relações que se
estabelecem para que a lei de inferência possa operar são macroproposicionais. Assim, os
dados provocam uma inferência, a restrição a desorienta, e a conclusão torna-se uma nova
tese. A lei de inferência constitui, assim, um platô, exatamente um suporte onde as
inferências se localizam à espera de uma restrição que as desoriente.
35
Para a TAL, o próprio uso da língua.
56
De maneira diferente, os topoi são convocados a partir de relações menores, no
nível da frase, e não constituem um platô, porém, um continuum de cada relação
estabelecida previamente. Quando alguém lança mão de um topos, não o faz como meio de
garantir uma conclusão, porém, como o resultado das relações semânticas que estabeleceu
em sua própria enunciação.
O que se pode observar da caracterização de cada um desses termos (lei de
inferência e topos) é que, enquanto a lei de inferência se mantém restrita às relações
macroproposicionais, os topoi derivam de relações entre palavras e, além disso, relacionam-
se entre si, contribuindo para a tessitura global de um texto
36
. Quando relacionamos
macroproposições, perdemos as relações menores que se estabeleceram entre as palavras, e
isso causa prejuízo à construção do sentido.
Aliado a isso, se considerarmos a destituição da lei de inferência do estatuto de
macroproposição a que procedemos na seção 2.2, essa propriedade de suporte lhe é
tolhida, e se passa a atribuir-lhe apenas um caráter inferencial, o que não descreveria bem
esse termo dentro de um modelo composicional. Não haveria mais, sem a lei de inferência
no modelo, como relacionar os dados e a conclusão, que não se configura mais uma
macroproposição intermediária que fundamente essa passagem.
Em virtude do exposto acima, consideramos que, quando incluímos numa teoria
do texto uma unidade complexa de sentido como parte de sua descrição, especialmente
quando se trata de um modelo composicional hierárquico, estamos aplicando um princípio
semântico a um modelo textual. Por conseguinte, entendemos que não há prejuízo no
modelo de Adam, nem na descrição dos topoi, adaptarmos aquele às propostas deste em
relação aos conceitos de lei de inferência e de topos, já que o correlato semântico está
previsto na teoria textual.
Justificadas nossas opções, passaremos, a partir deste estudo, a considerar que
não uma lei de inferência na seqüência argumentativa prototípica, porém, vários
topoi, que, ao se relacionarem, tecem o sentido argumentativo do texto.
36
Texto aqui, no sentido que Adam (1992; 1999; 2004) adota para o termo, texto para a Lingüística Textual.
57
Assim, que determinamos os topoi como um elemento prototípico da
seqüência argumentativa, apresentaremos, no capitulo a seguir, as marcas e os fenômenos
que consideramos relevantes para demonstrar o percurso argumentativo dos topoi na
construção da seqüência argumentativa prototípica.
58
CAPÍTULO 4
AS MARCAS DA ARGUMENTAÇÃO
4.1 O fenômeno da polifonia
4.1.1 A polifonia em Ducrot
A polifonia foi primeiramente explicitada por Bakhtin (1929), para quem
“toda uma categoria de textos, e notadamente de textos literários, para os quais é necessário
reconhecer que várias vozes falam simultaneamente, sem que uma dentre elas seja
preponderante e julgue as outras.” (p. 48). Para o autor, a polifonia opera no universo
enunciativo do texto, porém, ao ser posteriormente desenvolvido por Ducrot (1980), o
conceito é tomado num nível lingüístico, “indicando, através dele, a possibilidade de um
desdobramento enunciativo dentro do próprio enunciado, à maneira de uma encenação
teatral em que atuam diferentes personagens.” (BARBISAN e TEIXEIRA, 2002, p. 162).
A concepção dominante em lingüística da enunciação era, àquela época, atinente
ao postulado da unicidade do sujeito falante, isto é, à idéia segundo a qual um enunciado
apenas teria uma única fonte, um autor, designado indiferentemente por “sujeito falante”,
“locutor” ou “enunciador”. Ao optar por uma teoria polifônica, Ducrot entra em desacordo
com as propriedades atribuídas ao postulado anterior ou seja, a produção psico-
fisiológica do enunciado, a realização de atos ilocutórios e o fato de o sujeito falante ser
designado num enunciado por marcas de primeira pessoa (GONÇALVES, 2003, p. 282).
Dessa forma, propõe-se a demonstrar a insustentabilidade da tese de unicidade do sujeito
falante, pois, afirma, “se a enunciação é indubitavelmente obra dum sujeito falante, a
imagem que dele nos chega através de um enunciado é a de um diálogo ou de uma troca”
(GONÇALVES, idem, ibidem).
Ducrot acredita que seu conceito de polifonia lhe permite descrever os
59
conteúdos semânticos do discurso em termos puramente argumentativos. Assim, polifonia é
entendida como uma espécie de “diálogo cristalizado”, que descreve o sentido do
enunciado. Esse sentido consiste, portanto, na descrição da própria enunciação, ou seja, no
confronto entre rias vozes, que se sobrepõem ou se respondem umas às outras. Admite-
se, aí, que o responsável pelo enunciado (o locutor) é único, e que considerado apenas a
este nível, o enunciado é um monólogo. Porém, num nível mais profundo, o locutor do
enunciado põe em cena, no seu monólogo, um diálogo entre vozes mais elementares, a que
chama enunciadores. Cada enunciador identifica-se com um ponto de vista. Por sua vez, o
ponto de vista de um enunciador é a evocação, a convocação, a propósito de um estado de
coisas, de um princípio argumentativo (um topos). O topos, que como vimos é um
princípio comum, partilhado pelo conjunto dos membros de uma dada comunidade, permite
que o locutor o utilize como um argumento que justifique uma conclusão.
A noção ducrotiana de polifonia vem sendo desenvolvida ao longo do tempo. A
cada artigo ou livro em que se dedica ao tema, o autor complementa o que faltou na
explicação anterior. Em sua primeira alusão ao conceito (1980), ele traça a distinção entre o
autor das palavras, que denomina locutor, e os agentes dos atos ilocutórios, os
enunciadores. Associado ao par locutor e enunciador está o par alocutário e destinatário. A
enunciação do locutor se dirige àquele e é ao destinatário que se destinam os atos
ilocutórios produzidos pelo enunciador (BARBISAN E TEIXEIRA, 2002, p. 166).
É após propor a Teoria dos Topoi (ANSCOMBRE e DUCROT, 1995) que o
teórico efetivamente delineia sua teoria polifônica, atribuindo novas bases à distinção entre
enunciador e locutor. Nesse novo momento, o locutor é o responsável pelo enunciado, não
mais apenas o sujeito falante; as marcas de primeira pessoa referem-se a ele. A distinção
entre essas entidades (locutor e sujeito falante) justifica-se não entre as situações em que
elas coincidem (vg, no discurso oral), porém nos casos em que o autor real não tem
qualquer relação com o locutor, ou seja, com aquele que se exprime por meio de um eu,
apresentado como responsável pelo enunciado (GONÇALVES, 2003, p. 284).
Além disso, o locutor diferencia-se do autor empírico, experimentado; assim, o
produtor de fala não se integra à descrição do sentido do enunciado, mas ao evento de sua
enunciação. Um outro acréscimo à teoria foi a subdivisão da figura do locutor em dois seres
do discurso: locutor como responsável pela enunciação locuteur en tant que tel (L) e
60
locutor como ser no mundo locuteur en tant qu’être du monde (Y). Assim, quando
surge o ato de fala “Eu desejo”, por exemplo, esse “eu” refere-se a Y, pois que é como ser
no mundo que se deseja e não como responsável pela enunciação (BARBISAN E
TEIXEIRA, 2002 p. 167).
Uma outra reformulação por que passou a teoria refere-se à noção de
enunciador. Em um enunciado, podem existir vários pontos de vista distintos. Cada um
deles é representado por enunciadores, incorporados na enunciação do locutor e cujas vozes
são implicitadas — existem devido à imagem que a enunciação produzida por L lhes
oferece. Assim, ao utilizar a voz de um determinado enunciador, o locutor valoriza a
posição de um outro, ainda que o propósito argumentativo seja desmerecer tal posição.
Segundo Koch (2000, p. 142),
As origens dessas vozes podem ser referidas ao(s)
interlocutor(es), a terceiros ou à opinião pública em geral”.
É a partir dessa distinção que
Ducrot imagina duas formas de polifonia, uma ao nível do locutor e outra ao nível dos
enunciadores.
No curso do desenvolvimento da teoria, Ducrot (1998, Cali, 1
a
conferência, p.
15) se interessa pela distinção entre sujeito empírico (SE), locutor (L) e enunciador (E).
Conforme explica em sua primeira conferência em Cali, intitulada La polifonia en
Lingüística, ele afirma que o sujeito empírico é o produtor efetivo do enunciado. Assim,
não é possível saber quem é o sujeito responsável por exemplo, pelo conteúdo veiculado
por uma circular administrativa, se a secretária, o diretor etc. Além disso, o autor afirma
que a maior parte dos nossos discursos consistem em repetições, seja dos jornais, da
opinião pública etc. É por isso que não lhe interessa a determinação do sujeito empírico,
mas deve interessar sim aos sociólogos, de maneira que o que lhe interessa “é o que está no
enunciado e não as condições externas de suas produções”. (id, p.17).
O locutor, por sua vez, representa o presumível responsável pelo enunciado, isto
é, aquele a quem se atribui a responsabilidade pela enunciação no próprio enunciado (id,
ibid). Conforme o autor, o locutor é representado pelas marcas de primeira pessoa e em
certa medida por alguns dêiticos como aqui ou agora, uma vez que, se para falar de si
bastasse o nome próprio, “o problema do locutor não seria lingüístico, pois não haveria no
enunciado marcas que o ‘denunciassem’” (ibid); o locutor é, dessa forma, marcado no
enunciado. O eu pode designar a pessoa a quem me dirijo, marcando um locutor diferente
61
do sujeito empírico. Segundo ele, a distinção entre L e SE permite observar que muitos
enunciados, como é o caso dos provérbios, não têm L, porém, sempre têm um SE. Por
exemplo, ao enunciar o provérbio “quem semeia vento colhe sempre tempestade”, segundo
ele, tentamos fazer que nossas palavras pareçam provenientes de nós, tal qual indivíduos
particulares, contudo, essa voz não é do locutor, mas situa-se além de uma subjetividade
individual.
Quanto à noção de enunciador, Ducrot entende que “todo enunciado apresenta
um certo número de pontos de vista relativos às situações de que se fala” (p. 20). Assim, a
origem dos diferentes pontos de vista que se apresentam nos enunciados corresponde ao
enunciador.
4.1.2 O enunciador em xeque
A Teoria Escandinava da Polifonia (ScaPoLine) vem desenvolvendo intensivos
estudos referentes ao fenômeno polifônico, que excluem, no entanto, a figura do
enunciador. Para os teóricos dessa linha (cf. FLØTTUM, 2002, p. 1), são os pontos de vista
(noção semelhante à de enunciador) que criam as estruturas e configurações polifônicas de
um texto. Os pontos de vista consistem em “uma unidade, subjacente ou explícita, com um
conteúdo semântico e uma orientação argumentativa, susceptível de ser associada a uma
fonte” (ROITMAN, 2005, p. 30).
Os textos são dotados de uma estrutura polifônica (estrutura-p), que representa
fatos da língua, e de uma configuração polifônica, ligada ao vel do enunciado. Assim, a
estrutura-p impõe limitações à interpretação da configuração, a qual faz parte do sentido
(elemento de descrição semântica do enunciado). A configuração é, então, estabelecida pelo
“locutor que põe em cena” (LOC) e se constitui de quatro entidades construídas por esse
LOC: os pontos de vista (pdvs), os seres discursivos e as ligações enunciativas (NØLKE,
2001, p. 44 e 45).
As ligações enunciativas são propostas por Nølke (1989) como as ligações que
podem ser realizadas entre os enunciadores (responsáveis pelos pontos de vista expressos)
por um lado, e pelos indivíduos discursivos, sobretudo o locutor, por outro. Sua
62
classificação é a seguinte: a) um indivíduo discursivo Di pode se ligar a um pdv (Di se
identifica com o enunciador do pdv); b) um indivíduo discursivo Di pode aceitar um pdv; c)
um indivíduo discursivo Di pode se associar a um pdv (Di desaprova o enunciador do pdv).
Para o autor (NØLKE, 1989), o conjunto das relações ou ligações que se realizam entre os
indivíduos discursivos e os enunciadores constitui uma parte central do sentido do
enunciado e as ligações que podem se realizar entre o locutor e os pdvs evocados são: a) a
ligação de responsabilidade, em que o locutor se apresenta como a origem do pdv em
questão e se associa a esse pdv; b) a ligação de acordo, em que o locutor concorda com um
pdv na medida em que ele aceita considerá-lo verdadeiro ou justificável; c) a ligação de
não-responsabilidade, na qual o locutor se apresenta como não-responsável pelo pdv em
questão e se dissocia dele.
O LOC é responsável pela enunciação e pelo enunciado que lhe resulta. Em
sendo ele quem “põe em cena”, pode apresentar vários pontos de vista num enunciado,
como, por exemplo, “Essa parede não é branca”. Segundo Fløttum (2002, p. 13), nessa
frase, dois pontos de vista são expressos, em que o primeiro diz que a parede é branca e o
segundo diz que o primeiro é injustificado. Nesse exemplo, o locutor é responsável pelo
segundo ponto de vista, mas não pelo primeiro, que ele refuta. Trata-se, então, de uma
ligação de não-responsabilidade entre o locutor e o primeiro ponto de vista (cuja fonte é
impossível de determinar) a que Ducrot atribuiria um E1 e uma ligação de
responsabilidade entre o locutor e o segundo ponto de vista.
Sobre essa revisão de seus estudos em polifonia, Ducrot (2001) afirma ter
selecionado mal o termo enunciador para definir uma entidade que se interpõe entre o
locutor e os pontos de vista, pois a própria morfologia da palavra invoca a idéia de um
fabricante do enunciado, contudo, o mantém por “répugnance pour les néologismes”.
Assim, ele reformula o conceito e apresenta o enunciador sendo aquele apresentado, no
sentido do enunciado, como tendo diferentes atitudes frente aos pontos de vista (pdvs).
Para comentar os fenômenos revisados pela ScaPoLine, Ducrot (idem) se vale
de três teses que estão em todas as concepções de polifonia lingüística, inclusive entre as
duas em questão. A primeira diz respeito à distinção entre sujeito falante, compreendido
como o produtor efetivo do enunciado, e locutor, aquele apresentado no sentido mesmo do
enunciado como responsável pela enunciação. A segunda é o fato de que certos enunciados
63
apresentam, simultaneamente, vários pontos de vista. A terceira hipótese, que, conforme o
semanticista, enfraquece a segunda, determina que o sentido do enunciado pode atribuir ao
locutor diferentes pontos de vista, e diferentes graus de adesão ou não.
Ducrot justifica o intermédio do enunciador entre o locutor e os pontos de vista
em sua teoria pelo fato de as atitudes do locutor frente aos pontos de vista serem mediadas
por atitudes frente aos enunciadores. Assim, a enunciação é apresentada como destinada a
impor o ponto de vista dos enunciadores, numa atitude de identificação.
Quanto ao locutor, serve a dar indicações sobre a identidade dos enunciadores,
assim, “ele pode se identificar com tal enunciador e identificar o alocutário, ou um terceiro,
a um outro"
37
, dessa forma, o enunciador identifica-se com o locutor na enunciação. O
problema seria, então, conhecer o nível em que são identificados os enunciadores, pois a
própria significação da frase fornece somente instruções muito amplas. Segundo Ducrot
(2001), fundamentando-se numa integração da Pragmática, é no momento da interpretação
dos enunciados, ou seja, no nível do sentido, que essas instruções levam a indicações
completas, em duas etapas:
No início, relacionando uns com os outros, no interior do texto, os enunciadores
que apareceram nos diferentes enunciados de que este é composto e, a seguir,
eventualmente os assimilando, dada a situação de discurso, a tal ou tal outro
personagem supostamente existente no exterior do texto (mas que se mantém ele
também como um ser discursivo, pois pertence não à situação ‘objetiva’, porém
àquela do texto apresentado).
38
Assim, o autor propõe o seguinte esquema, para tornar mais explícita a idéia
acima:
37
Tradução nossa para: “il peut s’identifier à tel énounciateur et identifier l’allocutaire, ou um tiers, à tel
autre.”
38
Tradução nossa para: “d'abord en mettant en rapport les uns avec les autres, à l'intérieur du texte, les
énonciateurs apparus dans les différents énoncés dont il se compose, et ensuite en les assimilant
éventuellement, vu la situation de discours, à tel ou tel personnage supposé exister à l'extérieur du texte (mais
qui reste lui aussi un être discursif, car il appartient, non pas à la situation " objective ", mais à celle que le
texte présente comme la sienne).”
64
Figura 8 – Relação entre locutor, enunciador e pontos de vista, segundo Ducrot
tem a atitude 1 diante do enunciador 1, que adere ao ponto de vista 1
L
tem a atitude 2 diante do enunciador 2, que adere ao ponto de vista 2
Fonte: DUCROT, 2001.
Para a ScaPoLiNe, o esquema colocaria L diretamente em relação com os
pontos de vista, dada a sua opção pela exclusão do enunciador. O esquema, segundo
Ducrot, seria o seguinte:
Figura 9 – Relação entre locutor, ligações e pontos de vista, segundo a ScaPoLiNe
é ligado pela ligação 1 ao ponto de vista 1
L
é ligado pela ligação 2 ao ponto de vista 2
Fonte: DUCROT, 2001.
Muito embora aceite que a noção de enunciador deixa margem a críticas na
teoria da polifonia, como aquelas tecidas pela ScaPoLine, Ducrot distingue razões para
mantê-lo. A primeira delas, que cremos aqui a mais contundente, consiste no fato de que
pontos de vista diferentes podem ter a mesma fonte e, por isso, ser objeto de atitudes
diferentes do locutor. Assim, se um enunciador no interior da significação, a fonte dos
pontos de vista pode ser identificada por meio da interpretação enunciativa de sua atitude
diante de L.
Diferentemente, conforme o autor, no esquema proposto pela ScaPoLine,
dispõe-se de três posições possíveis para marcar a origem entre dois pontos de vista. Se a
busca for através dos pontos de vista, isso não será possível, pois estes são diferentes. Se
for por meio do locutor, não é plausível, vez que esses pontos de vista podem não ser
atribuíveis ao locutor. E, por último, a posição “ligação”, que, no entanto, não se interessa
por conhecer se o locutor tem a mesma ligação com os dois pontos de vista. Assim, a fonte
65
dos pontos de vista, segundo Ducrot, não é dedutível da ligação entre o locutor e esse ponto
de vista, que é a tese defendida pela ScaPoLine. O enunciador, dessa forma, localizado
entre o locutor e os pdvs, “interessaria não por ele mesmo, pela função de intermediário,
porém, pela sua função na economia da descrição semântica”
39
.
A segunda concerne à negação polêmica e à negação metalingüística, que são
diversas da negação descritiva, em que não há noção de oposição. A negação pode ter um
valor de conflito, fazendo oposição ao que é dito no seu elemento positivo, o que à luz
duas categorias de negação: a polêmica e a metalingüística. É nos enunciados onde
conflitos que as teorias polifônicas de Ducrot e da ScaPoLine diferem. A noção de
enunciador pressupõe que na negação polêmica o locutor se posiciona em relação aos dois
pdvs. Quando recusa do pdv1, desacordo com seu enunciador. O locutor lança mão
de um ser imaginário (um interlocutor) que tomaria esse ponto de vista e se posiciona
contrariamente a ele. Na negação metalingüística, o locutor do enunciado negativo se opõe
a outro locutor, em vez de opor-se a um enunciador. Isso demanda uma enunciação efetiva
com a qual o locutor discorda. Assim, o locutor de um enunciado negativo metalingüístico
se apresenta como adversário de outro locutor e não apenas como um enunciador
identificado com seu interlocutor ou um terceiro. Conforme Ducrot (2001), no sentido
desse enunciado há outro locutor, como acontece, por exemplo, no discurso direto.
Uma terceira razão para a manutenção do enunciador na descrição do fenômeno
polifônico diz respeito à relação entre o discurso direto em que o locutor faz intervir um
outro locutor e os enunciados comuns que não apresentam senão a subjetividade do locutor.
Para Ducrot (op. cit.), nesses “extremos”, o caso em que o locutor sem querer conhecer
as palavras de ninguém mais, apenas assinala os pontos de vista, porém, ele realça os seres
que estão na origem desses pontos de vista, o que habitualmente se considera estilo indireto
livre.
O último motivo a que Ducrot atribui o enunciador na polifonia diz respeito à
descrição lexical, ou seja, à TBS, conforme explica, a seguir, o exemplo dos verbos
psicológicos do tipo procurar, nas seguintes estruturas:
39
Tradução nossa para: le personnage de l'énonciateur m'intéressait plus par lui-même, par sa situation
d’intermédiaire, que par sa fonction dans l'économie de la description sémantique.
66
a) X procura Y.
b) X faz um certo trabalho para obter Y.
c) X faz um certo trabalho DONC obtém Y.
d) X faz um certo trabalho POURTANT X não obtém Y.
e) Obter Y é desejável e possível DONC X faz um certo trabalho.
Segundo Barbisan e Teixeira (2002, p. 177), ao resenhar o texto de Ducrot
(op.cit.), para descrever a polifonia no quadro da TBS,
Deve-se não somente atribuir como sentido a (a) o encadeamento (e), mas ainda
estipular que esse encadeamento tem X como fonte. Assim, (e) é um ponto de
vista em relação ao qual o locutor de (a) pode tomar determinada atitude, mas é
preciso acrescentar, para que a descrição seja adequada não somente à teoria,
mas também à observação lingüística que X é que está na origem do
encadeamento e que X adere a esse ponto de vista. Isso consiste em apresentar X
como o enunciador do ponto de vista (e).
É dessa forma que se atribui uma fonte aos pontos de vista, isto é, ao mostrar o
ponto de vista, se mostra também o ser discursivo que o gerou.
As duas razões gerais que o autor (DUCROT, 2001) apresenta para a
divergência entre seus conceitos e aqueles da ScaPoLine, conforme vimos mostrando,
dizem respeito à oposição locutor-enunciador. A primeira refere-se ao fato de a corrente
escandinava atribuir entre o locutor e o pdv uma “ligação” direta, sem a presença do
enunciador.
Ele questiona a natureza desses pontos de vista levando em conta três
possibilidades: i) seriam palavras apresentadas como efetivamente pronunciadas, porém, no
caso do discurso reportado, o responsável pelo pdv é um locutor segundo, encadeado na
palavra de um locutor principal; ii) seriam representações mentais, no entanto, o autor
justifica que o conceito de representação mental não pode se adequar à sua concepção, uma
vez que se trata de uma entidade extralingüística; iii) seriam palavras virtuais, o que
coincide com sua perspectiva, pois parece que são elas postas por um locutor (virtual). Para
Ducrot, somente um locutor pode ser fonte de palavras.
Assim, distingue as duas funções possíveis para as palavras: a) constituir uma
67
representação lingüística da realidade (e os enunciadores ligam-se a esse tipo de função, ao
“verem” as coisas por meio de palavras; b) constituir atividade de comunicação (o locutor é
o praticante dessa atividade, ao se colocar frente às diferentes representações que
constituem os diferentes discursos dos enunciadores).
A segunda razão da divergência com os escandinavos diz respeito às relações
que esses estabelecem entre polifonia textual e polifonia lingüística. Para ele, é necessário
fazer uma analogia entre a organização polifônica dos textos e dos enunciados. Ele crê que
as relações entre autor (locutor) e personagem (enunciador) do texto são análogas, e entre
locutor e enunciadores do enunciados aos quais são atribuídas as atitudes podem ser as
mesmas. Portanto, os papéis do enunciado (da polifonia interna, isto é, lingüística) e os da
polifonia textual constituem domínios análogos, porém distintos.
Assim, a teoria polifônica de Ducrot estabelece, com a noção de enunciador(es),
o sentido de alguns enunciados em que eles aparecem, e é compondo o sentido desses
diferentes enunciados de um mesmo texto que ele afirma ter tentado construir uma
interpretação global para o texto.
No nosso entendimento, a relevância da teoria polifônica de Ducrot consiste na
abertura que provê aos “fatos de discurso”, pois que, ao tratar da argumentação como um
componente intrínseco à língua e, mais recentemente, ao atribuir às palavras mesmas e aos
seus encadeamentos a função de doadores de sentido, os laços com os fatores da língua em
uso vêm sendo alargados.
Ao introduzir um enunciador entre os pontos de vista e o locutor, Ducrot
muito embora não se exclua do estruturalismo que sua teoria argumentativa pressupõe
estabelece a língua como uma representação lingüística da realidade, o que deveria implicar
um espaço atribuído aos elementos exteriores da linguagem. No entanto, apesar dessa
representação da realidade que o enunciador vê, ela é vista por meio de palavras; a palavra
e suas relações mantêm seu papel central na fundamentação de toda a teoria ducrotiana.
Para compreender a limitação que essas formulações compreendem, reiteramos a opinião
de Lopes (2001, p. 294), quando argumenta que
No fazer performancial do falante que constrói o enunciado, o destinatário
reconhece reflexivamente (porque ele se sabe capaz de assumir, por sua vez, o
68
papel de falante), nesse enunciado, o poder, o querer e o saber que constituem o
a priori lógico da competência de seu interlocutor. Reconhece-os como
competência, dentro da performance; reconhece-os no fato de existir um
enunciado, não na possibilidade ontológica da existência de um falante. Ou seja:
a enunciação é o todo do qual o enunciado é uma parte, mas a única parte
manifestada lingüisticamente; o destinador e o destinatário são o sujeito
1
e o
sujeito
2
da enunciação (esquema actancial); o enunciado é o objeto da
enunciação
40
.
Dessa forma, quando Ducrot instaura um enunciador entre os pontos de vista e
o locutor, isso ocorre em virtude de uma tentativa de manter, ainda no âmbito do sistema
que constitui a ngua, um meio de interpretação dos sentidos construídos pelos locutores.
No entanto, ao centrar-se primordialmente num evento, aquele único da enunciação, o autor
descreve o ato da enunciação em si mesmo, descrição que violaria o próprio princípio da
imanência, pois que um ato singular não poderia constituir objeto cientifico (KERBRAT-
ORECCHIONI, 1980, apud FIORIN, 2002).
Daí, é justo crermos, sem romper de vez com as idéias de Ducrot, na
inadequação de se postular a existência do enunciador em todo enunciado. Isso em virtude
do fato de não se poder lançar mão de um “ser ontológico”, (LOPES, 2001), para explicitar
possibilidades discursivas sem que se considere o produto dessas realizações (leia-se o
enunciado). Compreendemos que não é premente um “locutor virtual” para que o sentido
global do texto seja apreendido, uma vez que o destinatário conhece sua condição de
falante e pensa reflexivamente no discurso do interlocutor. Tenhamos, a seguir, um
panorama da enunciação por Adam, na Lingüística Textual.
4.1.3 A polifonia em Adam
Acreditamos relevante afirmar que Adam (1992) propõe uma definição textual
da proposição. A comportar dimensões complementares (ADAM, idem, p.41), esta
compreende uma proposição referencial, correspondente à representação discursiva, em que
a proposição é uma predicação, isto é, a atribuição de propriedades a um indivíduo; uma
proposição enunciativa (consideração enunciativa), em que há a consideração de uma
proposição por um locutor, na medida em que a construção da referência implica
necessariamente a representação do ponto de vista de um sujeito; e uma proposição
40
Grifos do autor.
69
discursiva, concernente ao valor ilocutório de orientação argumentativa, em que a
proposição enunciada é unidade ligada a outras proposições.
O objeto texto, na acepção de Adam, é um enunciado completo, resultado de um
ato de enunciação (ADAM, idem, p.40) noção compartilhada por Anscombre e Ducrot
(1983) e, no intuito de tipificar esse ato, o lingüista lança mão de uma unidade mínima
de análise, a proposição enunciada. O autor justifica sua adesão a essa unidade pelo fato de
ela resultar do ato de enunciação e de uma outra unidade ligada a ela, que constitui um fato
de discurso e de textualidade. Dessa forma, as dimensões tanto textuais como discursivas
são consideradas pelo analista.
É levando em conta as dimensões de representação discursiva, de consideração
enunciativa e de valor ilocutório da orientação argumentativa que o autor (ADAM, 1992, p.
102) afirma reunir em um conceito a enunciação como processo e o enunciado como
resultado.
Na dimensão enunciativa, notamos instaurar-se a noção de polifonia,
fundamental para engendrar o sentido pretendido por cada enunciado em sua
particularidade, pois que serve a explicar numerosos fenômenos lingüísticos situados no
micro-nível.
Vimos que o conceito de polifonia, criado por Bakhtin e desenvolvido por
Ducrot (1987), veio a contestar e substituir o postulado da unicidade do sujeito falante.
Portanto, o sujeito não é um ser responsável por todos os pontos de vista que expressa ou
pelos atos de fala que deixa transparecer em seu discurso; pode haver várias vozes e vários
discursos em um só enunciado.
Nos estudos que se fazem hoje sobre a polifonia, especialmente aqueles em
andamento pela ScaPoLine (théorie SCAndinave de la POLyphonie LINquistiquE),
encontramos uma busca pelas fontes dos pontos de vista (pdv) do locutor e dos
enunciadores. O próprio Ducrot assinala (2001) que se a idéia de que a menção das fontes
faz parte do sentido e que é prevista pela significação, é cômodo atribuir a um enunciador
os pontos de vista.
70
Segundo o autor, é no momento da interpretação dos enunciados, portanto, no
nível do sentido, que as instruções muito amplas fornecidas pela significação da própria
frase (como entidade lingüística abstrata) levam a indicações completas (ou quase). Para ele
os enunciadores servem para estabelecer o sentido de cada enunciado onde aparecem, e é
compondo o sentido dos diversos enunciados em um mesmo texto que se constrói uma
interpretação global para esse texto (idem).
Tendo em vista tal idéia, não é inviável aceitarmos que os pontos de vista
(sempre a funcionar argumentativamente) são doadores de sentido por meio da convocação
de topoi, em se observando a possibilidade dos múltiplos discursos construídos por eles, a
veicular conteúdos inclusive lexicais que operam na evocação do sentido pretendido, como
prega Ducrot. É, por essa razão, produtivo averiguar a configuração e a textualização (mise
en texte) desses topoi desencadeadores do sentido em seqüências argumentativas, por meio
das marcas que denunciam a polifonia.
Essas marcas que verificamos em nossa análise são aquelas propostas pela
ScaPoLiNe (NØLKE, 1989), em que o conjunto das relações ou ligações que se realizam
entre os indivíduos discursivos e os enunciadores constitui uma parte central do sentido do
enunciado. As ligações que podem se realizar entre o locutor e os pdvs evocados são: a) a
ligação de responsabilidade, em que o locutor se apresenta como a origem do pdv em
questão e se associa a esse pdv; b) a ligação de acordo, em que o locutor concorda com um
pdv na medida em que ele aceita considerá-lo verdadeiro ou justificável; c) a ligação de
não-responsabilidade, na qual o locutor se apresenta como não-responsável pelo pdv em
questão e se dissocia dele. São essas as ligações que verificamos e nesse estudo, a descrever
o papel que elas apresentam ao orientar o percurso argumentativo dos topoi na construção
da seqüência argumentativa prototípica.
O fenômeno polifônico na percepção de Adam (2002) se mostra muito
semelhante àquele proposto pela ScaPoLine
41
, e põe-se a serviço de uma estratégia de
desprendimento do sujeito falante, que consegue dizer, ao mesmo tempo, uma coisa e outra,
ao colocar em cena seres discursivos em papéis complementares. Para ele, uma utilidade
secundária, do jogo polifônico é a pista micro-lingüística de uma enunciação.
41
O autor inclusive contribui bastante com seu modelo das seqüências para as análises desse grupo e tem
artigos publicados junto com eles.
71
Assim, a polifonia se encontra na base do nível de análise (ou módulo)
enunciativo, onde se questiona a consideração (prise em charge) dos enunciados e, mais
amplamente, a consideração da coesão/coerência enunciativa de um texto. Para ele, de um
ponto de vista metodológico, a divisão dos problemas em subproblemas ou domínios de
fenômenos discursivos permite separar o trabalho lingüístico “puro”, centrado no sistema
da língua e na frase, do estudo da passagem dos níveis baixos aos níveis de complexidade
mais global. Ele (ADAM, 2002) propõe esquema demonstrado na figura 10:
Figura 10 -Campo geral de análise textual do discurso
FORMAÇÕES
SÓCIO-
DISCURSIVAS
INTERAÇÃO
SÓCIO-DISCURSIVA
AÇÃO(ÕES)
LINGUAGEIRA(S)
(OBJETIVOS,
INTENÇÕES)
INTERDISCURSO
GÊNEROS
(SUBGÊNEROS)
Textura frástica e
transfrástica
Estrutura
composicional
(seqüências e
planos de texto)
Semântica
(representação
discursiva)
Enunciação
(consideração
e coesão
polifônicas)
Atos de discurso
(ilocutório) e
Orientação
argumentativa
Fonte: ADAM, 2002.
42
Para facilitar a adequação metodológica no âmbito de seus estudos do esquema anterior,
Adam fornece um outro, em que considera os níveis de complexidade, dedicando ênfase ao
42
Tradução nossa.
72
seu caráter descendente e ascendente − o autor (1999) lança mão de uma abordagem
descendente tomando o macronivel como ponto de partida. O esquema é o seguinte:
Figura 11 - As interações de níveis de complexidade
ANÁLISE DOS DISCURSOS
OPERAÇÕES DE SEGMENTAÇÃO
INTER-
DISCURSO
Plano de Texto
Período e/ou
seqüência
Proposições
enunciadas
Formações
sócio-discursivas
OPERAÇÕES DE LIGAÇÃO
LINGÜÍSTICA TEXTUAL
Fonte: ADAM, 2002
43
.
Dessa forma, Adam pretende estudar cada frase em isolamento a fim de
identificar cada ponto de vista e as ligações que o locutor mantém com estes. Assim,
concordando com os estudiosos da ScaPoLine, Adam, (2002, p.54) entende que essa
estrutura polifônica fornece instruções relativas aos enunciados das frases.
Segundo ele, apoiado nos conceitos dos lingüistas nórdicos, no primeiro estágio
ou nível, tenta-se estudar cada frase em isolamento com o intuito de recuperar os diferentes
pontos de vista experimentados e as ligações que o locutor mantém com esses pontos de
vista. Dessa forma, essa estrutura polifônica fornece instruções relativas às interpretações
possíveis do enunciado da frase.
43
Tradução nossa.
GÊNERO
& LÍNGUA
em uma
INTER-
AÇÃO
(PERI)
TEXTO
73
Na segunda etapa, a de análise propriamente textual, os resultados das análises
da primeira etapa são reunidos a fim de dar conta das redes das diferentes relações
estabelecidas por meio dos limites da frase e de seu enunciado ente, de um lado, os seres
discursivos (indivíduos susceptíveis de serem tomados como responsáveis pelos pontos de
vista expressos) e, por outro lado, os pontos de vista encontrados.
Essas relações são prioritariamente estabelecidas por meio de conectores, cuja
função é mais a articulação das partes do texto do que o encadeamento de duas
proposições. Para Fløttum (2001, p. 74), “Os conectores de um texto são de
responsabilidade do locutor. Este mostra, por meio dos conectores, as relações que deseja
estabelecer entre os segmentos textuais.” Nølke (2001, apud ADAM 2002) refere que “em
certo sentido, o autor põe sua alma nos conectores”.
Como exemplo, Adam (idem) fornece as instruções argumentativas fornecidas
pelo conector mas. São elas: i) designar ao segmento textual que precede mas um conteúdo
semântico P e, àquele que segue o conteúdo Q da asserção subjacente à questão retórica; ii)
validar essas proposições P e Q em espaços semânticos ou pdvs diferentes; iii) procurar no
cotexto (ou no contexto) as inferências permitidas por P (isto é, as inferências para as
quais, em um espaço semântico dado, P aparece como um argumento) e construir da
mesma forma aquelas para as quais Q pode ser um argumento em um espaço semântico do
LOC; iv) conservar somente a(s) inferência(s) C de P que entra(m) em uma relação de
negação não-c com aquelas de Q. Seja o estabelecimento de uma conclusão C negada por
uma conclusão não-c, isto é, de uma distorção, de uma incompatibilidade; v) considerando
que P é apresentado como um argumento para a conclusão C para pelo menos um espaço
semântico ou pdv possível, mas distinto do pdv considerado pelo LOC, onde Q tem a
conclusão não-c; fundamentar o prosseguimento do discurso (ou as decisões que ele toma)
nessa conclusão não-c. As duas lógicas ou pdvs adversos nos quais a proposição P é
globalmente um argumento para a conclusão C e a proposição Q subjazem à questão
retórica como um argumento para a conclusão não-c.
Nesta pesquisa, não selecionamos especificamente nenhum conector para
analisar sua contribuição na seqüência argumentativa em termos de orientação ou de
estratégias, porém, nos interessa verificar a influência das ligações que o locutor estabelece
com os pontos de vista de responsabilidade de acordo, ou de não-responsabilidade
74
na articulação de topoi na seqüência argumentativa prototípica. São essas as ligações que
verificamos e nesse estudo, a descrever o papel que elas apresentam ao orientar o percurso
argumentativo dos topoi na construção da seqüência argumentativa prototípica.
4.2 A pressuposição
A problemática da pressuposição foi inicialmente levantada por Frege, Russel e
Strawson, fazendo os lingüistas contemporâneos um uso cada vez mais amplo deste
conceito (DUCROT, 1972, p.36).
Para esclarecer o conceito de pressuposição, Ducrot (idem, ibidem) o seguinte
exemplo: o enunciado "Foi Pedro quem veio" informa, do ponto de vista semântico, que
(1) alguém veio;
(2) apenas uma pessoa veio;
(3) Pedro veio.
Enquanto (3) é a “posição” (afirmação), (1) e (2) representam pressuposições,
independentes da verdade ou da falsidade do enunciado de partida, o que se verifica
facilmente aplicando o teste da negação: "Não foi Pedro quem veio" continua a pressupor
(1) e (2).
Ao contrário de Strawson e de Searle, para quem o pressuposto de um enunciado é
a condição do emprego desse mesmo enunciado, para Ducrot “trata-se de um efeito
ilocucionário ligado convencionalmente ao enunciado.
44
(1972, p. 29). O pressuposto tem
raízes "na estrutura interna da língua, mesmo no sentido mais restrito do termo (isto é, no
léxico e na sintaxe)”. (DUCROT, 1984, p. 406).
Dessa forma o lingüista considera que o enunciado produzido por um locutor
pode ser desdobrado em dois atos ilocutórios: ato de asserção, correspondente ao posto, e
ato de pressuposição, correspondente ao pressuposto. Ao posto, Ducrot fez corresponder
44
Il s'agit d'un effet illocucionaire attaché conventionnellement à l'énoncé.
75
aquilo dito no enunciado, de exclusiva competência do locutor que, através dele, garante a
realização do discurso: as novas informações se encadeiam e o fazem progredir. O
pressuposto, por sua vez, encerra a possibilidade de o locutor dizer implicitamente algo,
recorrendo ao interlocutor para, juntos, interpretarem o que foi dito.
Assim, o sentido explícito” constitui apenas um dos níveis da semântica das
línguas naturais, e sob esse nível podem “dissimular-se” várias camadas de significações
implícitas (DUCROT, 1984, p. 306).
Foram Frege e Collingwood que, pela primeira vez, fizeram notar que a
pressuposição é preservada quer pela negação quer pela interrogação. Apesar dos
desacordos quanto à definição do conceito de "pressuposição", todos os "pragmáticos"
aceitam, hoje em dia, a interrogação e a negação como critérios para determinar os
pressupostos. A estes critérios, Ducrot acrescenta outro: o de encadeamento.
Vejamos cada um destes critérios, aplicando-os ao enunciado “Pedro deixou de
fumar”:
1. Critério da interrogação: “Pedro deixou de fumar?” continua a pressupor que “Antes
Pedro fumava”.
2. Critério da negação: “Pedro não deixou de fumar” continua a pressupor que “Antes
Pedro fumava”.
3. Critério do encadeamento: baseia-se na hipótese, posta por Ducrot, de que “é constitutivo
do sentido de um enunciado dar diretivas para a seqüência do discurso ou do diálogo,
antecipar, por assim dizer, a sua própria continuação, ou, por outras palavras, ter uma
orientação argumentativa.” (DUCROT, 1984, p. 306).
Quanto ao implícito, Ducrot distingue duas modalidades: o do enunciado e o da
enunciação. Os implícitos do enunciado consistem
Em deixar não expressa uma afirmação necessária, de maneira evidente, para a
completude ou para a coerência do enunciado, afirmação à qual a sua ausência
confere uma presença de um tipo particular: a proposição implícita assinala-se -
e assinala-se apenas - por uma lacuna no encadeamento das proposições
explícitas (Ducrot, 1972, p.15).
76
Portanto, os implícitos do enunciado são proposições que, apesar de ausentes, são
essenciais ao encadeamento do discurso. Por sua vez, os implícitos da enunciação têm
relação “com aquilo que o locutor a entender ou subentende. Além disso, pelo próprio
fato de falar ou de não falar, de dizer ou de calar.” (DUCROT, op. cit., p.16).
Barros (2001, p. 100) acredita que
A escolha dos pressupostos limita a liberdade do destinatário, porque a sua
conservação é uma das leis definidoras do discurso. Se o destinatário quer
prosseguir o discurso iniciado, precisa tomar os pressupostos como quadro de
referência de sua própria fala. O ato de pressupor um conteúdo consiste em
situá-lo como conhecido do enunciatário e em apresentá-lo com fundo
comum, no interior do qual o discurso deve prosseguir.
Dessa forma, o pressuposto não é um conteúdo de discussão, ele é apenas uma
referência para a própria fala. Segundo a mesma autora, a diferença entre posto e
pressuposto é que o conteúdo pressuposto garante a coerência do discurso e sua necessária
redundância, enquanto o posto se encarrega de estabelecer o progresso discursivo.
No entanto, após a teoria da polifonia, Ducrot (1980) é levado a fazer
alterações no conceito de pressuposição, pois afirma que o locutor é aquele que produz as
palavras no momento da enunciação e por ela se responsabiliza. Antes da reformulação,
dois enunciados simples, ao serem ligados entre si por um operador argumentativo,
constituíam um enunciado complexo atribuído a um locutor único. A partir da polifonia,
esse enunciado complexo mostra que o locutor abriga no seu interior dois enunciados de
dois enunciadores diferentes. Em nova reformulação, Ducrot subdivide a figura do locutor
em L1 e L2, ao repensar o enunciador.
A nova concepção de pressuposição compreende agora uma dimensão
discursiva assim explicitada: posto e pressuposto se encarregam de dois enunciadores, E1 e
E2. assim, L identifica-se com E e realiza um ato de afirmação, enquanto E1 identifica-se
com a opinião pública, a mesma de L1, e formula o pressuposto, por ele se
responsabilizando.
Guerra (1999, p. 81), em análise do papel da pressuposição para a polifonia,
lança mão do seguinte exemplo do seu corpus: A maioria dos analistas da pesquisa
77
percebeu a manifestação majoritária de uma certa nostalgia do regime autoritário
tecnocrático-militar...”, estabelecendo como posto que A maioria da população quer a
volta do regime militar, e como pressuposto que A maioria da população não está satisfeita
com o atual regime político. Para ela, enquanto o posto veicula o propósito de L1, aponta
para a opinião de um enunciador genérico - o analista político - que faz parte do contexto
político. O locutor também está inserido neste contexto, podendo assim, pronunciar-se
deste lugar discursivo e, freqüentemente, o faz, para dar, a seu parecer, o respaldo de um
enunciador coletivo.
Apesar dessa alienação da teoria pressuposicional àquela polifônica,
encontramos nos textos argumentativos que marcas de pressuposição sempre operam em
favor da veiculação de determinado ponto de vista, porém, não somente para atribuir uma
voz a um determinado pdv: a pressuposição atua também como favorecedora de topoi, uma
vez que orienta as conclusões, servindo como gatilho para a convocação desses topoi.
Essas marcas, de acordo Ducrot (1978)
45
, estão inscritas em três tipos de
pressupostos: pressupostos gerais, ilocucionários e da língua. Interessam-nos, na análise
que faremos, as marcas que apontam pressupostos da língua. Ducrot exemplifica quatro
subtipos: a) existenciais: quando aparece um grupo nominal precedido de artigo definido,
por exemplo, “O rei da França”; b)verbais: quando o verbo descreve a sucessão de estados,
tais como continuar, manter, perder etc. Além disso, os verbos factivos tais como saber,
ignorar, perceber, que levam a pressupor a verdade da completiva; c) de construção: a
maneira como a frase é construída, às vezes, é responsável pela pressuposição, como, por
exemplo, “Foi João que disse”. Além disso, muitas conjunções de subordinação, como
antes que, depois que, fazem parecer como pressuposta a verdade da proposição que
introduzem; d) adverbiais: introduzidas por morfemas como mesmo, ainda, já, pelo menos
etc.
Neste estudo, as marcas de pressuposição acima serão consideradas sem que
optemos por uma em particular, contudo, serão observadas com relação à orientação que
elas fornecem estrategicamente ao texto argumentativo.
45
Citado por Koch, 2000.
78
Entendemos, em virtude disso, que tanto a polifonia quanto a pressuposição são
fenômenos sem os quais a análise lingüística da argumentação poderia ser incompleta e é
por isso que incluímos esses elementos em nossa análise. De fato, uma vez que a polifonia
tenha sido admitida como fenômeno maior concernente à noção de pressuposição, tendo
sido esta aceita como manifestação daquela, interessa-nos conhecer quais marcas
lingüísticas são textualizadas pelo fenômeno da pressuposição e se a voz se responsabiliza
pelas asserções e pelos pressupostos é também aquela que produz topoi.
Além disso, é mister distinguir quais dessas marcas auxiliam a “indicar” o
percurso a ser vencido pelos interlocutores na produção de um topos, pois, com o domínio
desse conhecimento, poderemos compreender muito melhor as operações e estratégias
empregadas num ato argumentativo, isto é, ao utilizarmos a própria ngua, bem como os
recursos empreendidos nessas operações e sua textualização.
4.3 Os modificadores
Para explicar a gradualidade inerente aos predicados da língua, Ducrot propõe a
Teoria dos Modificadores. A proposta é de que as palavras de uma língua estão dispostas
em dois grupos: os predicados (nomes e verbos) e os modificadores (palavras que
determinam os predicados) (ESPÍNDOLA, 2004, p.50).
Ducrot (1995) justifica a teoria:
Os modificadores que me interessam aqui explicitam características cuja
presença diminui ou aumenta a aplicabilidade de um predicado, isto é, para mim,
a força com a qual se aplica, a propósito de um objeto, ou de uma situação, os
topoi que constituem sua significação (Tradução nossa).
46
Para a classificação dos modificadores, Ducrot propõe que sejam realizantes
(MR) que aumentam a força com a qual se determina o topos, ou desrealizantes (MD)
— que diminuem essa força. Ele assim define os modificadores:
Uma palavra lexical Y é dita ‘MD’ em relação a um predicado X se e somente se
o sintagma XY: (1) não é sentido como contraditório; (2) tem uma orientação
46
Tradução nossa para: Les modificateurs qui m'intéressent ici explicitent des caractères dont la présence
diminue ou augmente l'applicabilité d'un prédicat, c'est-à-dire, pour moi, la force avec laquelle on applique, à
propos d'un objet ou d'une situation, les topoï constituant sa signification.
79
argumentativa inferior à de X. Se XY tem uma força argumentativa superior à de
X, e de mesma orientação, Y é um MR. (DUCROT, 1995: tradução nossa).
47
Para explicar os modificadores desrealizantes, Ducrot (idem) lança mão do caso
clássico na TAL dos morfemas pouco e um pouco. Segundo ele, quando enunciamos
“Pierre a peu mangé” e Pierre a mangé un peu”
48
, temos modificadores desrealizantes. No
primeiro caso, o MD é inversor, pois se coloca contrário à orientação argumentativa de
comida. Quando enunciamos “un peu”, a orientação tem força inferior
49
ao predicado
“comida”, porém, não chega a ser contrária, mas atenuadora; trata-se de um MD atenuador.
Negroni (1995, p 102) afirma que “os modificadores realizantes aumentam a aplicação do
predicado que eles modificam seja qual for sua função sintática”. Ela exemplifica: A
melhora foi rápida/ Foi uma melhora rápida. Se tomamos o sentido do predicado
“melhora”, esperamos que seja rápida. Faz parte do sentido da palavra. Por isso, por
confirmar a orientação que a própria palavra dirige, o modificador “rápido” é realizante.
Com a admissão das noções de modificadores, a característica da gradualidade
dos topoi transfere-se para a própria significação dos predicados. A TAL (em sua versão
recente, a Teoria dos Topoi) instaura-se como uma teoria do sentido.
Compreendemos, dado o propósito do presente estudo, ser producente conhecer
qual dos tipos de modificadores — se realizantes ou desrealizantes — predomina na
configuração de topoi em textos argumentativos, que orientações discursivas levam aos
topoi e qual o tipo de modificador predominante em cada macroproposição objeto de nosso
estudo. O grande valor dessa averiguação reside no fato de podermos definir a orientação
que essas marcas determinam em cada macroproposição prototípica, a favorecer a tessitura
argumentativa do texto argumentativo, conduzindo o sentido a adotar as formas tópicas
convenientes e coesas ao ato ilocutório da argumentação enunciada (no caso dos textos
escritos, textualizada).
47
Tradução nossa para: Un mot lexical Y est dit "MD" par rapport à un prédicat X si et seulement si le
syntagme XY: (1) n'est pas senti comme contradictoire; (2) a une orientation argumentative inverse ou une
force argumentative inférieure à celles de X. Si XY a une force argumentative supérieure à celle de X, et de
même orientation, Y est un MR.
48
Pierre comeu pouco; Pierre comeu um pouco.
49
Cf. citação anterior para definição de modificador desrealizante.
80
Quando os modificadores são desrealizantes, eles impõem, grosso modo, uma
“cilada” ao sentido da palavra, isto é, eles não realizam o sentido que o próprio conteúdo
lexical da palavra favorece. Cremos nesta pesquisa que esses modificadores são fatores
importantes em argumentações mais polêmicas, especialmente no confronto de dados com
conclusões. Já os modificadores realizantes, como a própria denominação pressupõe,
realizam o sentido do item lexical, a confirmar o sentido favorável que ela indica.
Acreditamos que esse tipo de marca será consumado prioritariamente em macroproposições
de restrição, quando um dos debatedores aceita, isto é, confirma a tese do adversário, para,
então, contrapô-la a um dado.
Cremos que, na seqüência argumentativa prototípica, encontraremos com
maior freqüência a modificação por realização na macroproposição dados, e por
desrealização na macroproposição conclusão. Essa suposição se explica pelo fato de o
locutor trazer para si o foco da argumentação e aproximá-lo de suas idéias, algo como
afirmar e concordar consigo mesmo. Isso serve como uma estratégia para dar relevo à
forma tópica que o locutor seleciona, intensificando o sentido suscitado pela própria
semântica da palavra. Como os textos são argumentativos, são lugar de debate, assim, os
dados são apresentados em função de defender certo argumento contrário a um certo ponto
de vista com o qual o ponto de vista do autor não se identifica. Por isso, sua argumentação
se desenvolve em desfavor a esse ponto de vista oposto, a identificar vários contras e
nenhum pró (quando não restrição). Na conclusão, apresentam-se os prós do próprio
ponto de vista, portanto, contrários ao que se apresentou nos dados. Assim explicaremos a
preferência por realização nos dados e desrealização na conclusão.
No próximo capítulo, analisaremos a maneira como as marcas definidas nas
seções anteriores se configuram para a constituição de topoi na seqüência argumentativa
prototípica.
81
5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E EXEMPLIFICAÇÃO
5.1 Procedimentos Metodológicos
5.1.1 Escolha do objeto de estudo e do referencial teórico
A partir da opção pelo objeto de estudo, o acesso a textos científicos que
abordavam o tema intensificou-se, e chegamos ao conhecimento das propostas pragmático-
textuais de Adam e da teoria semântico-argumentativa de Anscombre e Ducrot. Optamos,
então, pela Teoria da Argumentação na Língua (ANSCOMBRE e DUCROT, 1983),
especialmente a fase da Teoria dos Topoi (ANSCOMBRE, 1995), para a consecução dos
nossos objetivos. Depois de feita a escolha, o último passo para a seleção do referencial foi
a delimitação de um pequeno exemplário de textos argumentativos escritos que
fundamentassem nossas considerações teóricas.
5.1.2 Método de abordagem
Para analisar os exemplos colhidos, partimos dos seguintes procedimentos:
Observação dos fenômenos: nesse passo, observamos como os fenômenos se
configuravam nas amostras de seqüências e quais novidades eles poderiam
trazer aos estudos de Lingüística. Em relação à polifonia, analisamos a
orientação que as diversas vozes favoreciam na ativação de topoi. Para a
pressuposição, analisamos o papel das marcas que apontam para pressupostos da
língua, e, concernente aos modificadores, a influência do tipo de modificador no
tipo de macroproposição.
Relação entre fenômenos: aqui, relacionamos os fenômenos argumentativos lei
de inferência e topoi nos textos argumentativos no intuito de verificar como as
marcas argumentativas indiciam sua presença.
82
Generalização da relação: procedeu-se a generalizações a partir da relação entre
os fenômenos encontrados nos textos.
5.1.3 Delimitação do exemplário
Selecionamos um exemplário de textos argumentativos escritos por escritores
vários para os jornais cearenses O Povo e Diário do Nordeste, em diferentes dias das
semanas entre 1/01/2006 e 30/09/2006. Os textos foram retirados diretamente dos sites dos
referidos Jornais <http://www.opovo.com.br
> e http://www.diariodonordeste.com.br>, em
diferentes datas de acesso. A nossa meta era analisar seqüências argumentativas
prototípicas, e escolhemos os textos argumentativos por serem eles os mais prováveis de
conter esse tipo de seqüência. Não lidamos aqui com um corpus propriamente dito, porém
com um exemplário, dado o caráter fundamentalmente teórico deste trabalho. O exemplário
nos serve de suporte para exemplificarmos os conceitos que queremos discutir.
As marcas que verificamos nas seqüências, em relação à polifonia, foram as
ligações que podem se realizar entre o locutor e os pdvs evocados, ou seja, a ligação de
responsabilidade, a ligação de acordo, e a ligação de não-responsabilidade. Para a
pressuposição, analisamos o papel das marcas que apontam para pressupostos da língua, e,
concernente aos modificadores, a influência do tipo de modificador no tipo de
macroproposição. A análise dessas marcas justifica-se pela necessidade que encontramos
de averiguar o percurso argumentativo dos topoi na construção da seqüência argumentativa
prototípica, já que cremos que, para a construção do sentido do texto, é necessária a
consideração de uma gama de relações que se interligam na tessitura textual.
Não houve interesse, na seleção dos textos, por um gênero específico, por
quantidade de textos, ou por quaisquer outras variáveis que pudessem ser confrontadas
mesmo porque conceito de gênero apresenta especificidades na teoria de Adam.
Observamos que, como aceitamos que os topoio ativados argumentativamente na língua,
a quantidade de textos jamais seria exaustiva, e, por isso, foram-nos suficientes os quatro
textos que analisamos, somente para ilustra as discussões que fizemos ao longo dos
83
capítulos precedentes. Ademais, o nosso objeto aqui foram especialmente as seqüências e,
nos textos que escolhemos, observamos um número bem maior que esse.
Decidimos, a partir de nossas opções metodológicas, então, segmentar os textos
em seqüências argumentativas, retomando os elementos das seqüências anteriores que
fossem necessários à análise da construção textual global. No entanto, algumas seqüências
não eram dotadas de todos os elementos prototípicos, então, consideramos seqüência o que
há desde os dados à conclusão.
O intuito real ao recolher as amostras era que fossem textos
predominantemente argumentativos, a fim de que servissem de exemplo e fonte de
discussão dos conceitos apresentados. Assim, para dar mais diversidade aos exemplos
colhidos, selecionamos textos de autores diferentes e em sessões diferentes dos jornais.
Para a segmentação de textos em seqüências, utilizou-se a noção que Adam
(1992) utiliza para seqüência argumentativa, e suas determinadas macroproposições, a
saber:
P.arg. 0, que se refere a uma tese anterior que se pode presumir a partir dos dados
fornecidos pelo texto e que pode estar subentendida;
P. arg.1, que são os dados, isto é, os argumentos que sustentam a conclusão;
P. arg. 2, que é a ancoragem das inferências (lei de inferência), princípios gerais
que servem de suporte aos dados. Trata-se do elemento que mais nos interessa aqui.
P. arg 3, a conclusão, também denominada nova tese; pode estar subentendida.
P. arg. 4 é a restrição, e diz respeito aos argumentos que levam a uma conclusão
não-C, oposta à conclusão a que as regras de inferência conduziram.
Em seguida à seleção e segmentação dos textos em seqüências e, por
conseguinte, em macroproposições, destacamos as marcas que indiciavam pressuposição e
polifonia, e realçamos os modificadores. Feita esta análise, partimos para a avaliação das
relações estabelecidas entre essas marcas dentro da mesma macroproposição, para, a partir
de então, relacionar os resultados de cada macroproposição com as outras na seqüência e no
84
texto.
Depois de encontrar os topoi e desmembrá-los em suas formas picas
correspondentes, exemplificamos a inutilidade de tentar recuperar a lei de inferência
veiculada por aquele texto na passagem de P.Arg. 1 e P.Arg 3. Em seguida, confrontamos
os conceitos e verificamos se a lei de inferência produzida pelo texto correspondia a algum
dos topoi atualizados, e, se isso acontecia, consideramos a macroproposição em que o topos
apareceu.
Durante a análise, tomamos nota das macroproposições em que os topoi se
fizeram preferencialmente diretos ou indiretos, que tipo de modificadores havia
favorecendo esses topoi, e discutimos os resultados, como veremos na próxima seção.
5.2 Exemplificação e discussão
Nesta seção, demonstraremos, por meio de exemplos de seqüências
argumentativas colhidas de textos argumentativos, as discussões precedentes. Para facilitar
a retomada dessas discussões, tenhamo-las, em suma: a) a relação existente entre topos e lei
de inferência na passagem de P. arg.1 para P. arg.3 na seqüência argumentativa prototípica;
b) a orientação polifônica, bem como o emprego das marcas de pressuposição e dos
modificadores como conducentes à seleção de determinadas formas tópicas concordantes
ou discordantes; c) o tipo de macroproposição como favorecedor do aparecimento de topoi
diretos ou indiretos; d) a discussão da lei de inferência como macroproposição na seqüência
argumentativa prototípica, e e) sua melhor descrição em termos de topoi. Essas discussões
serão pontuadas em cada uma das seqüências em análise, referindo-se aos fatores, entre os
destacados acima, mais relevantes que encerram.
O primeiro texto (T1) a ser analisado, da autoria do jornalista Ricardo Kelmer,
foi colhido do Jornal Diário do Nordeste, no dia 1 de setembro de 2006. Na primeira
seqüência (S1), muito embora o texto seja argumentativo, encontramos uma seqüência
narrativa inserida entre a tese anterior e os dados, que, como veremos, não está de todo
destituída de potencial argumentativo. Nessa seqüência, apontaremos o jogo polifônico
85
entre os pontos de vista, que leva à convocação de topoi, e evidenciaremos nossa hipótese
de que não existe uma lei de inferência na passagem entre P.Arg.1 e P. Arg.3.
Ademais, perceberemos o quanto as marcas de polifonia e de pressuposição
auxiliam na convocação dos topoi presentes no texto, determinadas por uma trama de
relações semântico-lexicais, entre as quais os modificadores, que favorecem as opções por
determinadas formas tópicas ou não. Esses modificadores, no texto em análise, são
preferivelmente realizantes nos dados e desrealizantes nas conclusões. Tendo em vista a
relevância desses fenômenos argumentativos, vemos que qualquer análise que prescinda de
algum desses elementos corre o risco de não considerar o objeto no todo, como é o caso das
análises da TAL, como é incompleta também a análise que abre mão das relações
semânticas que se dão no nível da palavra.
Observemos a primeira seqüência.
T1
S1
Pátria Amada Terra
Honroso é morrer pela pátria. Militar adora dizer isso. Tese Anterior P. arg. 0
Bem, morrer pelo Brasil eu particularmente nunca morri. Mas já desmaiei por ele. Verdade.
Tinha 12 anos e estudava no colégio militar. E como o colégio vive em função do Sete de
Setembro, toda semana tinha treinamento para o grande desfile. Pois bem. Um dia, num
desses treinos, nós todos metidos naquele pesado uniforme de gala e perfilados sob o solzão
cruel, minha vista escureceu, o corpo fraquejou e bufo!, desabei feito um armário, de cara
no chão. Despertei na enfermaria, tudo bem, só uns arranhões. Novecentos e dezenove,
você está liberado por hoje! Sim, senhor! Seqüência narrativa inserida
Se desmaiar já é ridículo, imagine morrer pela pátria. Isso não faz mais sentido num tempo
em que ou nos unimos pelo bem geral do planeta e da espécie ou afundamos todos. Dados
P. arg. 1
Sim, eu sei que muitos ainda crêem em superioridade racial e religiosa e outras ilusões.
Restrição P arg. 4
Porém está em curso atualmente uma revolução que ameaça mudar tudo isso. Silenciosa e
sem sangue, ela está fazendo com que a humanidade, cada vez mais, se veja como um
86
único povo a habitar uma única pátria: o planeta Terra. Conclusão P. arg. 3
A iniciar pela macroproposição P. arg. 0, a tese anterior, deparamo-nos com um
argumento que convoca um pdv que não o do locutor, porém o do militar, que nos conduz à
pressuposição de que militares morrem pela pátria e, ainda, que militares são pessoas que
praticam gestos honrosos. Dessa maneira, ao delegar a voz a outrem, o locutor (LOC) se
distancia do discurso veiculado por essa voz. Nessa primeira macroproposição, temos
presente a idéia de que o pdv do próprio locutor não coincide com o pdv do militar.
Em seguida, uma seqüência narrativa se insere na seqüência predominantemente
argumentativa, porém, não destituída da argumentação. A voz veiculada nessa seqüência é
a do próprio locutor, com a marca pronominal eu, que apresenta a sua própria voz de LOC,
de responsável pelo que fala. Ao afirmar nunca morri, mas desmaiei por ele, o LOC
tenta minimizar a importância do fato de morrer pela pátria e, com o conector mas, introduz
um argumento antiorientado, com valor de conclusão. Assim, o LOC afasta-se do pdv2 (do
militar), porém, não deixa de atribuir autoridade ao enunciado. Quando diz e como o
colégio vive em função do 7 de setembro o LOC convida a compartilhar com ele de seu
ponto de vista, ao atribuir a esse fato um conhecimento partilhado entre ele e o interlocutor,
articulando um pdv1. Dessa forma, ainda, leva a pressupor que é sabido que o colégio vive
em função do 7 de setembro, em virtude da conjunção como, e que, portanto o colégio não
se ocupa dos estudos, mas das festividades militares (a voz da qual se afastou em P. arg. 0).
Ao final da seqüência, o LOC atribui novamente a voz ao pdv2.
A próxima macroproposição refere-se aos dados (P. arg. 1). O LOC atribui, por
meio da condicional se, um pdv compartilhado por ele e convida o pdv1 (o povo, a
comunidade, o leitor) a comungar de sua opinião. Esse movimento aproximativo se revela
por meio do verbo imagine, que denota um convite. A aproximação se esclarece, ainda,
quando diz ou nos unimos (...) ou afundamos todos. Outra marca argumentativa que
depreendemos do texto é a pressuposição levantada por mais. Se não faz mais sentido, é
porque um dia já fez, pressupõe-se. Dessas marcas, podemos recuperar um topos, por meio
da seguinte forma tópica: + ser ridículo unir-se pelo bem geral. A relação entre essas
palavras nos conduz à idéia de que quanto mais se é ridículo (isto é, no sentido das relações
87
estabelecidas ao longo desse texto, quanto mais se é militar), menos se trabalha para a
união pelo bem geral. Disso, temos que
lutar pelo bem da pátria leva a não lutar pelo
bem do planeta
. O topos convocado, como vimos, é indireto, ou seja, o LOC optou por
selecionar uma forma tópica desviante do padrão de expectativa do discurso, pronunciando
sua voz na contramão da opinião geral.
Na proposição seguinte, encontramos P. arg. 4, a restrição, em que o LOC
admite opinião contrária àquela que ele veiculou pelo topos convocado anteriormente. Por
meio, mais uma vez, da marca pronominal eu, o LOC impõe seu pdv, e, pelo sintagma
muitos, ele volta ao pdv2 (o do militar, lembre-se) incluindo-o no enunciado. Porém, a
aproximação foi apenas uma restrição, que tem objetivo puramente retórico; ele afasta mais
uma vez esse pdv2, por meio da marca de pressuposição ainda, levando a pressupor que
não se deveria mais crer em superioridade racial e religiosa, isto é, quem crê está
ultrapassado. Ademais, quando alia esses comportamentos atrasados a outras ilusões, o
LOC atribui ao pdv2 a qualidade de ser alguém chegado a se levar por ilusões, alguém
pouco confiável (ainda, o militar). O que o escritor fez foi utilizar um jogo de palavras de
aceitação e humildade diante da autoridade do outro, como sim e eu sei , para, nos termos
de Ducrot, dizer e não dizer.
Para arrematar a restrição realizada anteriormente, na outra macroproposição, o
autor propõe uma nova tese, ou conclusão, P. arg. 3. Com a utilização inicial da marca de
oposição porém, ele se distancia da voz veiculada pelo pdv2. Em seguida, ele, mais uma
vez na contramão do previsível, põe em relação as palavras revolução (que evoca a idéia de
barulho, alarde, movimento) e silenciosa e sem sangue, no sentido oposto. Dessa forma,
silenciosa e sem sangue se revelam como modificadores desrealizantes, uma cilada ao
sentido esperado de revolução. Além disso, da afirmação de que essa revolução está
fazendo que a humanidade se veja como um único povo a habitar a Terra nos leva à
pressuposição de que o povo não se via assim antes. Esse subentendido nos leva a
relacionar os sintagmas revolução e união, conduzindo à seleção por uma forma tópica : +
revolução + união, ou seja o topos
a revolução conduz à união.
Observe-se como a apreensão dos elementos semânticos e pragmáticos
utilizados na tessitura do texto favorece os pontos de vista e os sentidos veiculados pelo
88
escritor. Em toda a construção textual, ele (quem sabe involuntariamente, não cabe a nós
averiguar) joga com palavras que dizem respeito à atividade bélica: revolução, militar,
pátria etc; e todas se relacionam com a seqüência narrativa que ele inseriu em sua
argumentação, mostrando o quanto ele acha ridículo o Colégio Militar e seus festejos.
Vejamos se, ao conectarmos os sentidos construídos pelos topoi convocados
nessa seqüência, chegaremos à lei de inferência, pois, se a lei de inferência se aplica mesmo
na passagem entre os dados e a conclusão, isso viabiliza que os topoi a constituam, como
propõe Adam. O topos presente nos dados foi:
lutar pelo bem da pátria leva a não lutar
pelo bem do planeta
; e o topos presente na conclusão: a revolução leva à união.
Analiticamente, concluímos que esses dois topoi, um direto e outro indireto, são
complementares, e isso pode ser explicado pelo fato de o primeiro, presente nos dados, ter
sido interpelado por uma restrição e se relacionar com P. arg. 0. Assim, nesse jogo de
afastamento e aproximação dos pontos de vista, os dados apresentam uma idéia contrária
àquela veiculada pelo pdv2 em P. arg. 0 e, por isso, o primeiro topos é indireto, para
contrapô-la na conclusão, que concorda com os dados razão pela qual o segundo topos é
direto. Por esse motivo, dados e conclusão apresentam topoi complementares e veiculam
um mesmo conteúdo, porém, com direções opostas. Conectando ambos, chegaríamos,
amparados pela relação entre P. arg. 1 e P. arg. 3, à seguinte lei de inferência: a revolução
que leva à união não é aquela feita pela pátria, ou seja, uma vez que se queira união, a
revolução tem que ser de outro tipo, em benefício do planeta.
Pode parecer bastante convincente essa conclusão, pelo fato de que, ao passar
dos dados para os argumentos, o leitor é levado pelo ardil de concluir não-c por causa da
restrição, e, contudo, apoiado nessa lei de inferência (ou nesses topoi presentes no texto),
ele pode concluir que a idéia do autor era antimilitarista. No entanto, nada nos impede de
ver a lei de inferência como cada um desses topoi e não como a relação entre eles. É
verdade que, neste caso, configuraram-se topoi entre P. arg.1 e P. arg.3, mas haverá
decerto casos em que os topoi convocados não se encontrarão nessa relação. Portanto, para
estabelecer lei de inferência, vamos admiti-la como os diversos topoi que constituem a
argumentação. Encontramos, portanto, que lei de inferência são todos os topoi veiculados
pelo texto, e não uma (e apenas uma) lei geral que se estabelece tão somente na passagem
89
dos dados à conclusão, o que nos faz lembrar que o seu nível de atuação (entre
macroproposições) favorece essa abrangência dos topoi frutos das relações entre palavras.
O texto em estudo não é concluído com a seqüência analisada acima e a
seqüência 2 revela uma seqüência não-prototípica, destituída da macroproposição restrição
(P. Arg. 4). Continuemos com a análise do texto 1.
T1
S2
Estamos presenciando uma profunda transformação do modo da espécie entender a si
mesma e ao mundo em que vive. Isso é tão sério que pode mudar para sempre o rumo
evolutivo do Homo sapiens. Sempre que você se aprofunda um pouco mais na maneira de
entender a si mesmo, está adentrando um novo nível pessoal de evolução. Você se
transforma. E como tudo são espelhos a refletir tudo que há, nada fica imune à sua
transformação. O mundo ao redor muda... simplesmente porque você mudou. Este é o
segredo da revolução: você não precisa transformar o mundo, basta mudar a si mesmo.
E quando ela começou? Impossível precisar. No entanto, foi no século 20 que ela tomou
impulso. Em 1969, quando divulgaram ao mundo aquela primeira foto da Terra tirada do
espaço, algo estalou na alma coletiva da humanidade. Foi um momento histórico muito
significativo. A maioria não parou para refletir mas o estalo aconteceu. Dados
Pela primeira vez olhamos para a imagem do plantinha azul e percebemos enternecidos
como ele é lindo. E nos demos conta de algo incrível: Dados
do alto não há fronteiras! Habitamos todos o mesmo lar! Conclusão
Encontramos em primeiro lugar a macroproposição dados, em que o LOC
inicia por chamar para junto de si o interlocutor, incluindo-se também no ponto de vista
dele (pdv1), pela marca de pessoa presente no verbo estar (estamos). Essa aproximação
entre as vozes é uma estratégia retórica, que provoca a adesão do interlocutor (no caso, do
leitor) à idéia apresentada pelo LOC. A seguir, transformação sempre pressupõe mudança
de estado, então, se transformação, é porque antes o estado era diferente. Além disso, o
adjetivo profunda é um modificador realizante em relação a transformação, que serve,
nesse caso, para dar ênfase ao nome que traz em si a idéia de profundidade. Outro
modificador realizante que encontramos é advérbio de intensidade tão, que realiza o
sentido de sério, que, por sua vez, já traz na própria carga semântica a idéia de intensidade,
pois, quando pensamos em algo sério, tendemos a excluir a condição de ser pouco sério.
90
Por meio do pronome vo, o LOC invita a presença de um pdv3, a voz do outro, o que lhe
confere um tom didático e dialogal, de autoridade, de ensinamento, mas aproximativo,
quando o convida para “ouvir” sua idéia. Outra vez no tom didático, o LOC pressupõe que
o pdv3 compartilhe com ele a crença de que “tudo são espelhos...”, por meio da conjunção
como. Com porque, o LOC introduz um valor causal para o argumento “você mudou”.
Note-se que encontramos no início da macroproposição um topos, convocado pela seguinte
forma tópica concordante: + conhecimento + evolução, ou seja, o conhecimento conduz à
evolução. Pode-se obstar, porém, que esse topos está patente no texto ao afirmar que
“Sempre que você se aprofunda um pouco mais na maneira de entender a si mesmo, está
adentrando um novo nível pessoal de evolução”, no entanto, é exatamente neste ponto que
reside a relevância do conhecimento dos topoi: se o autor do texto tivesse essa
compreensão, ele saberia desnecessário o complemento do que havia implicado por meio
do topos que evocou. Assim, seu texto ficaria decerto mais elegante, simples e instigante,
ao considerar mais a capacidade reflexiva dos seus leitores.
Em seguida, por meio de uma interrogação retórica, o LOC introduz novos
dados. Pelo pronome aquela, o LOC pressupõe que a informação compartilhada com o
pdv3 seja dada. Porém, ao afirmar que “a maioria não parou para refletir”, o ponto de vista
dessa maioria, que não se identifica com o pdv do LOC, o qual tem autoridade, é comum ao
pdv3 (o povo). O LOC tenta uma aproximação com esse pdv3, no entanto, ao afirmar que
“a maioria não parou para refletir”; com isso, o leitor pode se incluir na maioria e não se
sentir ofendido com a afirmação. Esse argumento é oposto, por meio do conector mas, a
outro argumento “o estalo aconteceu”. É interessante observar nessa passagem que a
expressão metafórica o estalo toma como referente o topos o conhecimento conduz à
evolução. Em seguida, o LOC continua convidando o pdv3, indiciado pelas desinências
pessoais nos verbos olhar (olhamos) e dar-se conta (nos demos conta). Pela expressão “do
alto não fronteiras”, o LOC leva a pressupor que fronteiras embaixo e, mais,
favorecido pela afirmação de que isso é algo incrível. Assim, a inexistência de fronteiras é
algo em que não se pode crer. O sinal de dois pontos indica o surgimento de uma
conclusão. Segundo Adam (2002, p. 523)
50
, “Dos níveis mais baixos até aos limites do
50
Tradução nossa para:
Des plus bas niveaux jusqu’aux bornes du péritexte, elle [la ponctuation] fournit des
instructions pour la construction du sens par découpage et regroupement d’unités de complexité variable”.
91
peritexto, [a pontuação] fornece instruções para a construção do sentido por recorte e
agrupamento de unidades de complexidade variável.”
Semanticamente, essa passagem “Do alto não fronteiras! Habitamos todos
o mesmo lar!” se configura como um argumento A que leva a uma conclusão C. É, por isso,
fácil encontrar, lançando mão da pressuposição prévia de que se do alto não fronteiras e
se do alto habitamos o mesmo lar, embaixo fronteiras e não habitamos o mesmo lar,
somos desunidos, o topos indireto convocado por essa relação é: + fronteiras união, de
onde as fronteiras levam à desunião, confirmando a instrução semântica que vem sendo
desenvolvida em toda a tessitura textual. A lei de inferência nessa passagem parece, mais
uma vez, coincidir com o topos, pois, ao basear-se na noção de desunião causada pelas
fronteiras é que o pdv3 chega à conclusão de que por isso a informação é incrível, ele se
coloca nesse platô inferencial para, então, conseguir atingir a ilocução desejada pelo LOC.
A extensão do texto em análise é consideravelmente grande e, por isso, já
temos encontrado algumas seqüências fluidamente prototípicas. A seguir, dando
prosseguimento à análise, encontramos, em S3, uma seqüência prototípica perfeita, a omitir
tão somente P.arg. 0, que pode mesmo vir subentendida.
T1
S3
É animador ver as novas gerações convivendo mais naturalmente com essa noção de
cidadania planetária. As comunicações fáceis e a internet incentivam os jovens a viajar
mais, conhecer o mundo. Seus horizontes são mais amplos e não se conformam com
fronteiras nem intolerâncias raciais, étnicas, sexistas ou religiosas. Vêem os fanatismos
nacionalistas atuais como os últimos espasmos da velha mentalidade mas já está
moribunda. Para eles essa noção de patriotismo
que não quer morrer é mesquinha demais
diante de uma pátria bem maior que se chama Terra. A nova revolução traz em sua luta o
clamor pela conscientização ecológica, pelas liberdades individuais e pelo respeito à vida e
às diferenças. Dados
Pode soar ingenuamente otimista. Restrição
mas são conceitos que a cada dia se espalham mundo afora este é
feito um vírus benigno.
Conclusão
92
Na macroproposição dados, o autor leva o leitor a inferir que os jovens
costumavam “viajar” pouco e não conheciam o mundo sem as comunicações fáceis e a
Internet, veiculando a idéia de que essas novidades são boas. Isso é realçado pelo adjetivo
fáceis, que realiza o sentido de comunicações. Essa idéia recupera a oposição ao pdv2 (dos
militares, representados pela metonímia “amor pela pátria”, em oposição a “amor pelo
planeta”, visão planetarista
51
), que não interagem com as novidades e “vivem para o 7 de
setembro”. Quando afirma que seus horizontes são mais amplos, o autor permite pressupor
que os horizontes não eram amplos antes, o que confirma a pressuposição anterior. Ainda
fazendo frente ao pdv2, o LOC, por meio do verbo conformar-se, veicula a idéia de que o
pdv2 é agora inadmissível. Dessa passagem, é possível depreender a seguinte forma tópica:
+ comunicações + conhecimento, ou seja, a idéia comum (o topos) de que a comunicação
leva ao conhecimento, e nos chega à memória o conceito do homem como ser social. Além
desse topos, há outro implicado, o de que o conhecimento leva à revolução, convocado para
complementar o topos anterior. Observamos uma gradação tópica nessa seqüência.
A conjunção mas, que se encontra na proposição seguinte, parece-nos muito
mal aplicada, pois deveria ser sim uma conjunção que explicasse, como a adjetiva que,
visto que não oposição de idéias, mas uma explicação. Façamos finta de que foi um erro
de edição e deixemos esquecido esse mas. O advérbio demais funciona como um
modificador realizante do adjetivo mesquinha, e, a seguir, nova realiza o sentido de
revolução. Este último par vemos como algo desnecessário, pois o próprio sentido da
palavra revolução compreende tão intensamente a idéia de novidade, que entendemos
como redundante; o efeito retórico do modificador nova parece ter sido apagado. A seguir,
ao afirmar o clamor pela conscientização ecológica..., somos levados a pressupor que se há
clamor pela conscientização ecológica, pelas liberdades individuais e pelo respeito à vida
e às diferenças é porque essas reivindicações portadas pela nova revolução ainda não
existem, recorrendo o autor, mais uma vez, à idéia de novidade.
A próxima macroproposição (P arg.4) restringe a idéia exposta pelos dados, ao
abrir uma concessão ao pdv2, que toma a voz e diz que toda essa idéia de novidade e
revolução pode soar ingenuamente otimista, relacionando-se também com o substantivo
jovem. O conteúdo semântico de otimista encerra a idéia de quem reflete positivamente
sobre os fatos e, por isso, seria realizado por um modificador de igual valor, como muito,
51
Essa idéia é veiculada pelo texto, não pretendemos fazer juízo de valor concernente a nenhum setor da
sociedade.
93
bastante etc; no entanto, é modificado por ingenuamente, que o desrealiza. A desrealização
de otimista justifica-se pelo fato de que a voz não é do LOC que, como temos observado,
utiliza preferencialmente em seus dados modificadores realizantes, que reforçam o sentido
das palavras e desrealizantes nas conclusões, que precisam considerar as restrições e, ainda
assim, atribuir sentido às suas idéias.
A última macroproposição dessa seqüência é a conclusão, iniciada pela
adversativa mas, que se contrapõe à restrição, convocando o mesmo topos dos dados (a
comunicação leva ao conhecimento), confirmado pela pressuposição de que se esses
conceitos estão se espalhando pelo mundo afora, é porque não são ingênuos. Além disso, o
modificador benigno em relação ao substantivo vírus desrealiza o seu sentido, o que nos faz
recuperar, nessas duas unidades semânticas, os dois elementos do topos complementar ao
anterior convocado vírus corresponde a conhecimento e benigno corresponde a
revolução).
Com efeito, observamos que os elementos semânticos (modificadores) e
pragmáticos (pressuposição e polifonia) operam, no texto argumentativo, a tecer uma série
de relações que conduzem ao sentido. No caso dessa seqüência, encontramos os topoi a
comunicação leva ao conhecimento e o conhecimento leva à revolução, recuperados por
meio do termo anafórico modificado desrealizantemente, este é-feito vírus benigno.
52
Esses
topoi se fizeram presentes em ambas as macroproposições e é por isso apropriado
inferirmos que a lei de inferência não está numa intercessão entre eles, ou nas implicações
que eles favorecem, mas constituem eles mesmos leis de inferência.
Dando prosseguimento ao texto, o autor lança o se uma série de restrições e
conclusões, a argumentar para efeito de debate. Essa construção argumentativa não se
enquadra no modelo prototípico, e observamos que as restrições e conclusões são
repetitivas quanto ao seu conteúdo. Por isso, preferimos considerar todas as
macroproposições seguintes como uma seqüência argumentativa embora sem
prototipicidade.
52
Não é a primeira vez que encontramos nessa análise uma expressão anafórica a retomar um topos.
Delegamos a estudos posteriores o aprofundamento dessa relação entre topoi e referência(ção), pois que ainda
não consiste nosso propósito neste trabalho.
94
T1
S4
A Terra é meu país e a humanidade minha família o grito de seus soldados que,
desarmados, se denominam cidadãos do mundo, uma nacionalidade bem mais abrangente e
que abraça toda a riqueza da diversidade cultural humana. Dados
São ainda minoria, sim, esses belos revolucionários, Restrição.
mas sua bandeira tremula com a cor de todos os povos e eu me orgulho de lutar ao lado
deles. Conclusão
Sim, eu sei que a espécie humana está muito doente e que em seu delírio põe em risco a
própria sobrevivência. Vejo tempos terríveis se anunciando no horizonte. Restrição
Mas sei também que às vezes é preciso que a doença atinja seu clímax para então, somente
então, regredir. Entram aí os ideais revolucionários: eles é que nos manterão vivos durante
a longa noite. Conclusão
É por isso que quando assisto à parada do Sete de Setembro, tudo aquilo me parece tão
pequeno... E é por isso que nada vejo de honroso em morrer pela pátria. Dados
Sim, adoro o Brasil e seu povo. Restrição
Porém, nossa pátria verdadeira, de todos nós, é muito maior que o Brasil. E nossa família
não são apenas brasileiros, brancos ou negros ou índios, muçulmanos ou cristãos, homo ou
heterossexuais: nossa família é a humanidade inteira, bela e diversa. Conclusão
Na primeira macroproposição dessa seqüência, o autor se identifica com o
pdv1, por meio dos possessivos meu e minha, a utilizar, como vem sendo observado, um
campo semântico referente à atividade bélica como soldados, desarmados e país, porém
argumentando em favor de uma guerra benéfica, o que apreendemos, além de todo o
sentido produzido até agora em todo o texto, por meio do substantivo família e do verbo
abraçar. Além disso, o advérbio bem mais, além de marcar uma pressuposição se a
nacionalidade a ser construída será bem mais abrangente é porque não é abrangente o
suficiente agora −, opera como modificador do adjetivo abrangente, que já traz em si a idéia
daquilo que engloba tudo e, se englobar bem mais, essa nacionalidade será mais operante
do que é. É interessante observar que temos aqui um caso de um advérbio modificando
um adjetivo, ou seja, um modificador modificando um outro modificador, o que pode se
explicar pelo fato de o adjetivo estar na relação com o substantivo nacionalidade; o
95
advérbio estaria, assim, modificando o substantivo citado, por meio do adjetivo que o
modifica. O adjetivo desarmado, entre vírgulas, encerra uma idéia de causalidade, pois se
infere que haveria uma reduzida de gerúndio (estando desarmados...), o que nos faz
relacionar os termos estar desarmados com cidadãos do mundo, a convocar a seguinte
forma tópica concordante: + desarmamento + cidadania, isto é, o topos
o desarmamento
conduz à cidadania
, veiculado pelo pdv1.
Para os dados que veiculam a idéia dessa guerra benéfica, apresenta-se uma
restrição, orientada pela pressuposição de que os soldados são minoria, porém ainda, isto é,
não serão mais. O adjetivo belos realiza o sentido de revolucionários, que encerra em si
uma idéia de juventude e de vigor, e que se opõe, porém, aos ridículos do Colégio Militar,
que morriam pela pátria na primeira seqüência do texto. Mais uma vez, a argumentação se
trava na oposição entre o LOC e o pdv1 (o povo e o próprio LOC) com o pdv2 (o discurso
naccionalista retrógrado).
Na conclusão desta seqüência, o próprio LOC assume a responsabilidade pela
enunciação, diretamente pelo pronome eu, e orienta por meio do conector mas a conclusão
não-c, contrária à conclusão oferecida pela restrição, que seria algo como já que é minoria,
não levanto essa bandeira. A conclusão suscitada pela restrição veicularia o pdv2, no
entanto, a conclusão possibilitada por mas leva justamente à direção oposta. A lei de
inferência nessa seqüência corresponde ao topos convocado anteriormente, o
desarmamento conduz à cidadania, levando o leitor a inferir que é um orgulho fazer parte
dessa minoria desarmada e cidadã.
Em seguida, uma série de restrições e conclusões, que são uma estratégia
argumentativa para continuar o debate entre o pdv1 e o pdv2, marca o final da seqüência e
do texto. Na restrição, o LOC se responsabiliza pela informação de que a espécie humana
está delirante, convidando o pdv1 para compartilhar com ele da mesma idéia. A
pressuposição levantada pelo verbo estar leva tanto à conclusão de que a espécie humana
não estava doente e delirante antes, quanto à conclusão de que isso é passageiro. Essa
segunda pressuposição é negada com a proposição seguinte, de que haverá tempos terríveis.
Essa voz não se conecta nem com o LOC nem com o pdv1, que são otimistas em relação ao
futuro, mas ela representa a restrição, que leva à conclusão de que se a sociedade está
doente, delirante, não há mais jeito para ela. Vemos aí selecionada a forma tópica: + doença
96
sobrevivência, isto é, a doença leva à morte, caracterizando a voz de um oponente do
LOC e do pdv1, que não é o pdv2 (ele próprio é a doença), mas de um pdv4, pessimista.
Na macroproposição seguinte, mais uma vez por meio de um mas, essa
conclusão é indeferida, com o dado adicional (também) de que as doenças regridem,
selecionando a forma tópica contrária à anterior, ou seja: + doença + sobrevivência. A
concordância com esse topos é apenas parcial, fato denunciado pelo advérbio às vezes, o
que demonstra uma argumentação também parcial, dando lugar à réplica do interlocutor.
Essa voz do pdv1 se justifica, ainda, convocando a forma tópica + revolução +
sobrevivência, selecionando o topos
a revolução leva à sobrevivência
, idéia articulada
pelo LOC e pelo pdv1 ao longo de todo o texto. O modificador longa em relação a noite
realiza o substantivo desrealizantemente, pois que todos sabem que a noite não dura mais
que dez horas. Essa desrealização serve de suporte ao topos selecionado, destacando que a
doença para a qual a revolução é cura é grave.
Em seguida, o próprio locutor justifica-se pelo fato de não respeitar o 7 de
setembro, dado apresentado na primeira macroproposição do texto, baseando-se nas
conclusões anteriores. Vemos aí uma macroproposição retomar todas as outras seqüências e
ainda servir de dado para uma nova macroproposição, a uma restrição. O jogo de palavras
pequeno e longa (na macroproposição anterior) nos conduz à pressuposição de que a data
comemorativa é pequena diante da longa noite (que ela é pequena já é posto, mas a
comparação com a idéia anterior é pressuposta). Além disso, a expressão tudo aquilo opera
ao contrário do que uma interpretação patente sugeriria, quer dizer, a idéia de grande
quantidade ou grandeza. Ao invés, aquilo funciona como um termo anafórico sim, que
retoma a parada de 7 de setembro, mas principalmente como uma forma de o locutor
distanciar-se do fato retomado pelo pronome. O LOC assume, ainda, não achar honroso
morrer pela pátria.
Na restrição, ele responde a uma pressuposta plica de que não ama o país,
veiculada pelo pdv2 por meio do topos o amor pela pátria leva a morrer por ela. E conclui
o contrário desse topos, orientado pela conjunção porém, que errado é o conceito de pátria,
o qual deveria corresponder a humanidade, a retomar um topos anterior no texto, a saber,
fronteiras levam à desunião
.
97
Pudemos apreender dessa análise que os topoi constituem leis de inferência não
apenas entre macroproposições, mas em toda a construção textual. Por isso, entendemos
que a posição da lei de inferência é transitória, e não respeita qualquer relação pré-
estabelecida entre macroproposições. De fato, ao relacionarmos dados a conclusões,
conseguimos determinar leis nas quais o interlocutor se baseia para chegar às conclusões
pretendidas pelo locutor, contudo, não somente nesse confronto composicional isso se
estabelece. Conseguimos encontrar “leis de inferência” na relação entre outras
macroproposições, como na restrição, por exemplo, e notamos que a lei de inferência é
construída ao longo do relacionamento entre palavras também, o somente entre
macroproposições.
Tendo em vista que as leis de inferência, para Adam (1992), encontram-se na
passagem entre os dados e a conclusão, e encontramos esses princípios em posições
variadas, é bastante defensável tomarmos partido em favor da constatação de que a lei de
inferência é o próprio topos, ou melhor, topoi, sem os quais a atividade argumentativa seria
mal-sucedida. Em virtude da análise que procedemos com variadas seqüências dotadas de
variados topoi, compreendemos ter comprovado que não existe esse princípio “lei de
inferência” atuando em macroproposições, porém há, sim, topoi ativados ao longo das
seqüências.
O texto a seguir (T2) é uma carta do leitor, que versa sobre a corrupção. Nele,
encontramos apenas uma seqüência argumentativa, também esta destituída da
macroproposição restrição, que mostra o jogo de aproximação e afastamento dos pdvs, em
busca do objetivo ilocutório. Esta seqüência exemplifica bem a influência da polifonia na
determinação do topos convocado.
98
T2
S1
A volta dos corruptos
No imaginário popular, todo político é corrupto. Sem ser tão radical, tenho como certo que
a política (com p minúsculo) é um campo fértil para a corrupção. Tese anterior
Apurados os votos da eleição de 1º de outubro, tem-se alguma evidência de que minha
certeza encontra respaldo na realidade: Paulo Maluf foi o deputado mais votado do País;
mensaleiros comprovados, como João Paulo Cunha, José Mentor e Valdemar Costa Neto,
estão de volta à Câmara Federal para - quem sabe? - criar novas formas de se apropriarem
de recursos públicos. Fernando Collor foi eleito para o Senado. Não se pode esconder o
desalento das pessoas esclarecidas com tal situação, pois, como é obvio, a corrupção é um
dos principais entraves ao combate às desigualdades sociais, notadamente no que diz
respeito à concentração de renda, item no qual o Brasil desponta como um dos líderes
mundiais. Dados
Mas, o que fazer, se esses personagens, como muitos outros da mesma escola, foram
legalmente eleitos? Nada, absolutamente nada. Apenas esperar que um dia a população
brasileira se conscientize de que eleger corruptos é o mesmo que dar um tiro no pé.
Conclusão
Cláudio César Magalhães Martins
05/10/2006
Na primeira macroproposição, a tese anterior, o LOC parte de um princípio
compartilhado, afastando-se do pdv2, aquele do imaginário popular, em que todo político é
corrupto. Ele nega esse princípio, ao afirmar que isso é tão radical, o que nos leva a
pressupor e compartilhar do ponto de vista de que a idéia de todo político ser corrupto é
radical; assim, políticos incorruptíveis, infere-se. Além disso, um mecanismo
interessante de ser observado é que quando refuta o ponto de vista popular, o LOC se
assume, por meio do pronome eu, e isso lhe confere um estatuto de dono da voz, a
autoridade polifônica. Para confirmar sua idéia de ligeiro distanciamento do pdv2, o LOC
lança mão da realização e intensificação do substantivo campo pelo adjetivo fértil; pelo
sentido inerente a esse item lexical, espera-se que todos os campos sejam férteis, o que
confere destaque ao fato de a corrupção ocorrer com muita facilidade na política (naquela
menos nobre, escrita com letra minúscula).
99
Em seguida, nos dados, o LOC retoma a tese anterior, exemplificado-a com
alguns políticos eleitos, que, segundo ele, irão, quem sabe, criar novas formas de se
apropriarem do dinheiro público. O adjetivo novas conduz à pressuposição de que já
formas de roubar o dinheiro público e de que os políticos mencionados são ladrões. Quando
o locutor dialoga com o pdv2, ele tenta se aproximar de um tom dialogal tanto para se
eximir da responsabilidade pelo enunciado (quem sabe? Ele não sabe), quanto para chamar
a adesão do pdv2 à sua opinião no diálogo. Afastando-se da responsabilidade pelo
enunciado, o autor recorre ao pdv1, o dele mesmo e das pessoas esclarecidas, que não
podem esconder seu desalento. Isso nos faz retomar o pdv2, dos populares, que crêem
serem todos os políticos corruptos, levando-nos a pressupor que essa classe de pessoas não
fica desalentada, e que essas pessoas não são esclarecidas. Podemos notar que da relação
entre essas vozes pode-se depreender a forma tópica + esclarecido + desalentado, isto é,
o
esclarecimento leva ao desalento
e sua contrapartida, o não esclarecimento leva ao
conformismo. Esse topos conduz à dedução mais geral de que, devido à falta de
esclarecimento do popular, e por ele achar que todo político é corrupto, ele não se
decepciona e, por isso, continua a eleger políticos corruptos; leia-se: são os populares que
elegem os corruptos.
No prosseguimento, não encontramos restrição, porém logo a conclusão,
iniciada pela conjunção mas, que confirma uma justificativa da falta de condições de ação
diante do problema imposto, destacada pela realização de eleitos pelo advérbio legalmente.
Essa realização dirige nossa atenção, ainda, para o campo lexical do advérbio legalmente,
que se conecta àquele dos crimes e, entre eles, da corrupção. A interrogação retórica
identifica-se com o pdv1, como se houvesse excluído a possibilidade de o pdv2 interferir. O
pdv1 ainda se identifica com a última conclusão de eu resta esperar que a população se
conscientize, o que nos leva a pressupor tanto que a população não tem consciência quanto
que a corrupção é culpa dos populares, que não têm consciência. Assim, recorre-se nesta
conclusão ao topos + esclarecimento + consciência política, ou,
o esclarecimento leva à
consciência política
, veiculando uma voz das minorias, que se crêem esclarecidas e culpam
as massas pelas mazelas do país. Observa-se que o foco do texto não se manteve no tema
corrupção, mas no tema ignorância.
100
No texto 3, temos apenas uma seqüência argumentativa. Com ela,
exemplificaremos a predominância de topoi na macroproposição dados, em detrimento de
outras em que o fenômeno se faz menos presente, como a tese anterior e a restrição, por
exemplo. Notamos também que a modificação por realização é uma constante nessa
macroproposição, ao contrário da conclusão, em que preferencialmente desrealização.
Além disso, a seqüência mostra que os elementos prototípicos propostos por Adam (1992)
são de fato bastante flutuantes, o que nos leva a considerar a seqüência prototípica apenas
uma ferramenta para a análise textual. Por isso, tomaremos a restrição como uma estratégia
argumentativa que pode se opor a uma conclusão, mas que não constitui uma
macroproposição sine qua non para que um texto seja argumentativo e para que certos
princípios graduais, gerais e compartilhados não estejam ali presentes.
Vejamos a análise.
T3
S1
Consolidação democrática - 2º turno
O pleito de domingo último consolidou a estrutura democrática brasileira. Tese anterior
Algumas surpresas alimentaram as reflexões dos analistas, especialmente no que concerne à
realização do segundo turno. As pesquisas, como objeto de reavaliações periódicas, sempre
foram referencial para os comitês, predispostos a reformular estratégias, objetivando
melhor posicionar os seus candidatos. Tanto ao nível federal, quanto no âmbito das
Unidades Federadas, as oscilações situaram-se dentro do previsível, sem mudanças capazes
de alterar os rumos partidários, na formulação de novas diretrizes, em busca de apoios, até
29 de outubro. O episódio do dossiê foi identificado como responsável por desdobramentos
de enorme retumbância, ensejando a ausência de Lula no debate levado a efeito pela TV
Globo. O Chefe da Nação preferiu confraternizar-se com os correligionários de São
Bernardo do Campo, cidade onde aflorou seu prestígio para a vida política. Em função
disso, os competidores tornaram-se bem mais contundentes, de modo especial, a candidata
do PSOL, com críticas acerbas à postura do Primeiro Mandatário ante os fatos delituosos
que arranharam seu governo. Agora, com a eleição do novo Congresso, o Brasil poderá
encaminhar-se por uma nova trilha conducente à recuperação da honradez dos integrantes
do Poder Legislativo. A partir de 2007, com as duas Casas renovadas, as expectativas
direcionam-se para o restabelecimento da normalidade ética. Por via de conseqüência,
aguarda-se o redesenho do perfil institucional, com autoridade para vitalizar o processo
101
democrático. É esse o anseio geral, num instante em que a voz das urnas ressoa como uma
advertência para que procedimentos retilíneos inspirem os labores parlamentares Dados
Os resultados, uma vez submetidos ao correto exame, balizarão a conduta dos homens
públicos, mantendo-os imunes às tentações de desvios, para a salvaguarda da classe política
em geral. A reflexão torna-se imperiosa para todos quantos, vitoriosos ou não, têm parcela
de responsabilidade no trato da cousa pública. O segundo turno, para a Presidência e as
Governadorias de alguns Estados, transcorrerá dentro dos mesmos parâmetros de correção,
dos quais o povo brasileiro não se afastará. Conclusão
Estamos próximos de assistir ao desfecho da sucessão presidencial, quando Lula e Alckmin
voltarão a confrontar-se, com o retorno da massa votante às cabines tradicionais, no
exercício da mais elevada das prerrogativas de Cidadania. Dados
Mauro Benevides
05/10/06
Nesta seqüência, encontramos um topos na macroproposição tese anterior. Por
meio da marca pressupositiva consolidou, que significa não estar antes consolidado, a
democracia ser algo inconstante, o LOC assume uma posição de autoridade para conduzir
sua argumentação, convocando as formas tópicas + voto +democracia, ou seja, o voto leva
à democracia. Esse princípio de que o LOC se serve é complementado na
macroproposição seguinte.
Nos dados, o LOC se apóia no pdv dos analistas políticos para convocar outro
topos, relacionado à credibilidade das pesquisas eleitorais. Por meio do substantivo
surpresas, o leitor é levado a pressupor que não se esperava 2
o
turno e que isso faz os
analistas refletirem, pois a informação compartilhada de que o sucesso nas pesquisas leva à
eleição, ou seja, as pesquisas são confiáveis, foi contrariada pelo resultado nas urnas;
contrariar um topos causa estranhamento, e é por isso que o tema continua a ser debatido
nos dados.
Observamos que na macroproposição dados há freqüentemente topoi, em
detrimento de outras em que o fenômeno se apresenta menos, como a tese anterior e a
restrição, por exemplo. Notamos também que a modificação por realização é uma constante
nessa macroproposição, ao contrário da conclusão, em que preferencialmente
desrealização. Nesta macroproposição, por exemplo, o verbo posicionar é modificado por
melhor, que lhe amplia o sentido, mas na mesma direção para a qual a própria natureza do
verbo se dirige.
102
O fato dessa presença preferencial de topoi (convocados por formas tópicas
concordantes) na macroproposição dados pode se justificar pela necessidade de adesão do
interlocutor ao discurso do locutor, em que este aproxima sua voz daquele para lhe “abrir o
espírito”. Além disso, é comum lançarmos dados baseados no conhecimento empírico em
nossa argumentação cotidiana, porque não somos especialistas em todas as áreas, sofremos
influência de nossas culturas e compartilhamos socialmente de crenças difusas sobre temas
pouco explorados cientificamente. Não trazemos sempre novidades ao nosso discurso,
portanto, utilizamos os topoi, reconhecendo no outro alguém que se identifique com pelo
menos uma das formas tópicas que evocamos.
A concordância das formas tópicas preferenciais nessa macroproposição é
facilmente justificável pelo fato de o locutor trazer para si o foco da argumentação,
aproximá-lo de suas idéias. É algo como afirmar e concordar consigo mesmo. A opção pela
modificação realizante ocorrente nos dados é fruto dessa opção de autoconcordância, e
temos visto que serve como utilitário para dar relevo à forma tópica que o locutor seleciona,
intensificando o sentido já suscitado pela própria semântica da palavra.
A continuar com os dados, o pdv2 (dos analistas), recuperado por foi
identificado, busca razões para a surpresa do rompimento com o topos convocado. Vemos,
mais uma vez, uma modificação por realização, em que o sentido de retumbância, que já
oferece uma noção de amplitude extraordinária, recebe um enorme, para lhe tornar o
sentido ainda mais abrangente. O pdv1 toma então a palavra, aplicando o verbo preferir
como marca da pressuposição primeiro de que o presidente Lula foi quem fez a opção pela
ausência no debate e, depois, que, se o presidente Lula preferiu a confraternização com os
colegas é porque ele gosta mais de estar com esses colegas; preferência é gosto. É
importante notar a utilização de vocabulário de proximidade, como confraternizar e
correligionários, que afasta o presidente do debate da Globo (leia-se: o povo estava
assistindo) e o aproxima apenas àqueles seus amigos, chegando, por dedução, à
pressuposição de que Lula não gosta do povo porque prefere seus amigos, idéia veiculada,
ainda, pelo pdv1. Mais uma realização encontramos nessa macroproposição, com críticas
acerbas, em que o sentido convocado por crítica porta um traço de negatividade, e
acerbas funciona a corroborar e intensificar esse sentido. A expressão conjuntiva em
função disso nos leva à apreensão de mais um topos direto, qual seja, a falta ao debate leva
a críticas, portando a pressuposição geral de que quem falta ao debate é porque tem algo a
103
esconder, confirmada pela proposição posterior “ante os fatos delituosos que arranharam
seu governo”.
Em seguida, o pdv1 apresenta uma esperança de mudança para o problema que
se apresentava antes, por meio do advérbio agora, corroborado pela pressuposição inerente
ao substantivo recuperação, em que se pressupõe que, se uma nova trilha deverá se pôr a
caminho para a recuperação da honradez é porque a velha trilha fez que essa honradez fosse
perdida. Outros substantivos eminentemente pressuposicionais são restabelecimento e
redesenho, indicando que a ética deixou de ser estabelecida no presente governo e o perfil
institucional deve ser refeito, porque o presente não se encontra adequado. É bastante
intrigante e contraditório o topos que o pdv1 veicula, com opção pela seguinte forma
tópica: + autoridade + democracia, a autoridade conduz à democracia, levado a um
pressuposto compartilhamento generalizado, quando inclui nesse topos o pdv3 (o povo,
todos os brasileiros), como sendo a autoridade democrática um “anseio geral”. Com essa
estratégia (bastante política com p minúsculo, parafraseando), o pdv1 apresentou uma idéia
sua e transformou-a num topos, para conseguir a adesão de um pdv3 supostamente
concordante com ele. Com a voz das urnas ressoa, o pdv1 retoma o primeiro topos do
texto, de que o voto conduz à democracia, aliado ao último, de que a autoridade leva à
democracia, pregando a idéia de que a democracia é necessária, mas, pelo anseio geral,
essa democracia dever ser autoritária.
Na conclusão, pela pressuposição levantada pela condicional “uma vez
submetidos ao correto exame”, isto é, se o voto for bem pensado, o pdv1 veicula a idéia de
que o topos a política leva à corrupção poderá ser rompido, ou seja, a política não leva à
corrupção, atualizado pela forma tópica + política corrupção, que, sublinhe-se, é
condicional, somente “realizada” se o voto for correto. Em continuidade, o pdv1 convida
outro pdv, o dos políticos honestos, para se identificar com seu ponto de vista. Para isso, o
pdv1 argumenta tendo em vista a correção do fato de ter havido segundo turno pela
pressuposição interior ao verbo afastar-se, em sua forma negativa, isto é, se o povo não se
afastará, é porque ele está perto dos parâmetros de correção não elegeu Lula para
presidente no primeiro turno.
O texto é concluído com uma macroproposição dados, que convoca, mais uma
vez, uma forma tópica concordante, a saber: + voto + cidadania, a idéia difusa de que o
voto leva à cidadania, votar é ser cidadão.
104
Como foi possível notar, o texto que analisamos é dotado de uma estrutura não
prototípica do texto argumentativo, o que nos dirige crescentemente à conclusão de que a
seqüência argumentativa prototípica deve ser utilizada somente como instrumental para a
análise textual, mas jamais se deva esperar encontrar em textos argumentativos seqüências
absolutamente prototípicas. A vantagem desse modelo composicional é descrever o texto
em suas macroproposições, considerando seu aspecto heterogêneo, de mescla entre outros
tipos de seqüências.
Digno de nota é também o fato de não haver explícita nesse texto a
macroproposição restrição, o que põe novamente em dúvida a lei de inferência, vez que,
segundo Adam, essa macroproposição diz respeito aos argumentos que levam a uma
conclusão não-C, oposta à conclusão a que as regras de inferência conduziram. Se não se
explicitou restrição, portanto, a conclusão deveria ser C, como Adam explicaria o fato de o
topos presente na conclusão ser indireto? O fato de ser ele condicionado a outros fatores?
Cremos que não. Para nós, a restrição não é senão uma estratégia argumentativa que pode
se opor a uma conclusão, de fato, porém, que não é uma macroproposição sine qua non
para que um texto seja argumentativo e para que certos princípios graduais, gerais e
compartilhados não estejam ali presentes.
O fato de o topos ser indireto na conclusão tem sido visto nas análises deste
estudo como decorrente do que propôs Adam, ou seja, esses topoi se opõem à restrição, e,
por isso, discordam. No entanto, o texto que acabamos de ler desconsidera a restrição.
Como explicamos nossas opções? Conforme o que pudemos observar os dados têm trazido
topoi, preferencialmente diretos e com modificadores realizantes. Como os textos são
argumentativos, são lugar de debate, assim, os dados são apresentados em função de
defender certo argumento contrário a um certo ponto de vista com o qual o ponto de vista
do autor não se identifica. Por isso, sua argumentação se desenvolve em desfavor a esse
ponto de vista oposto, a identificar vários contras e nenhum pró (quando não restrição).
Na conclusão, apresentam-se os prós do próprio ponto de vista, portanto, contrários ao que
se apresentou nos dados. Observe-se que, quando restrição explícita, o movimento se
mostra realmente como aquele descrito por Adam, de oposição à conclusão permitida pela
lei de inferência. Dado o caso em estudo, chegamos ao consenso de que as leis de
inferência são os vários topoi difusos por todas as macroproposições, que auxiliam a
construção global do sentido no texto.
105
A única seqüência argumentativa do texto 4 destaca, novamente, o fato de que
o topos é geralmente indireto na conclusão. No entanto, esse exemplo ressalta nossa
constatação de que isto é condicionado à explicitação ou omissão da macroproposição
restrição: os topoi se opõem à restrição, e, por isso, discordam na conclusão. Vejamos a
análise do texto, escrito pelo psiquiatra Antônio Mourão, para o Jornal O Povo, em maio de
2006.
T4
S1
Cada vez mais os filhos
mesmo adultos e até casados, ainda precisam da ajuda financeira
dos pais. A situação econômica tem gerado momentos de grandes dificuldades para todos.
É difícil saber se um negócio vai prosperar ou mesmo dar certo. Porém, algumas
precauções precisam ser tomadas, de saída. Por exemplo, eles têm alguma experiência em
tocar empreendimentos? Qual a viabilidade econômica desse projeto, tipo existe mercado?
Qual o ponto que desejam instalar? Quais os custos e possíveis vantagens? Tudo isso deve
ser ponderado antes de tomar uma decisão. Dados
Não é apenas (5) a boa vontade que move o sucesso. Esse exige planejamento e estratégias
bem claras (6). Fora disso será um grande risco (7) de fracasso e de aprofundar mais ainda
(8) a situação em que se encontram. Conclusão
Antônio Mourão Cavalcante (O Povo, 06/05/06)
Na primeira linha da seqüência, nos dados, o advérbio mesmo e o advérbio até
nos levam a duas pressuposições: a) filhos adultos não deveriam precisar da ajuda
financeira dos pais e b) é anormal que filhos casados precisem da ajuda financeira dos pais.
Mesmo uma idéia, neste caso, de que os adultos deveriam estar incluídos entre os filhos
que não necessitam de ajuda financeira dos pais. Mais inclusivo é o advérbio até, que
distancia ainda mais os filhos adultos e casados do grupo de filhos dependentes dos pais,
dado seu caráter enfático. O advérbio ainda destaca bem a gradatividade dessa
pressuposição, pois, quando diz “ainda precisam”, o advérbio conduz o sentido desse item
106
lexical para outra direção, que pressupõe maior duração do que a prevista pelo item. Isto
leva a pressupor que “filhos adultos e casados não deveriam precisar mais da ajuda
financeira dos pais”. Com para todos, temos a identificação de um pdv1 no enunciado, ao
afirmar as dificuldades gerais, incluindo ali pais, filhos, o próprio pdv1, a nação e a
Humanidade. Com este recurso, o escritor pretende uma aproximação com o leitor e uma
sensibilização sua em relação à proposição apresentada. Vê-se que o autor quebra a coesão
do texto, porém continua com a argumentação contrária à idéia de que pais podem ajudar
financeiramente filhos adultos e casados, veiculada pelo pdv1, impondo restrições à
abertura de um negócio, por meio do adjetivo difícil. No entanto, indica algumas
precauções, convocando um topos muito difundido na sociedade, pela forma tópica +
experiência + sucesso,
a experiência conduz ao sucesso
, que pode resolver a dificuldade.
E mais uma vez, deparamo-nos com um topos direto na macroproposição dados. Veja-se
que as seqüências dos textos que selecionamos para analisar foram colhidas aleatoriamente,
baseando-se no critério único de serem retiradas de textos argumentativos.
Na macroproposição P.Arg.3, a conclusão ou nova tese apenas marca como
posto que “a boa vontade move o sucesso” e como pressuposto que, além da boa vontade,
“outros fatores movem o sucesso”, o que já direciona ao topos final. O advérbio de
intensidade bem modifica de forma realizante o sentido do item clara, ou seja, o sentido de
claridade já incita à intensidade de luz. Da mesma forma grande realiza o substantivo risco.
Mais ainda nos leva a pressupor que a situação em que se encontram já está profunda.
Ao relacionar as macroproposições P.Arg.1 e P. Arg. 3, podemos encontrar dois
topoi, que põem em relação os sintagmas adultos e casado a independência financeira e
experiência e planejamento a sucesso. No primeiro caso, recorrendo à macroproposição
P.Arg.1, chegamos às seguintes formas tópicas:
FT1 [+ adulto e casado + independência financeira
[- adulto e casado - independência financeira
FT2 [+ adulto e casado - independência financeira
[- adulto e casado + independência financeira
107
O topos que a atualização da FT1 convoca no texto é:
o fato de ser adulto e
casado leva à independência financeira
, ou seja, à crença popular de que adultos e,
principalmente os casados, são independentes financeiramente de seus pais, o que não se
tem configurado na sociedade atual, segundo a amostra. O texto versa justamente sobre a
inversão de um topos já estabelecido na sociedade e como lidar com isso.
No segundo caso, tendo em vista P.Arg.3, vemos que o autor joga com as idéias
de experiência e planejamento, relacionando-as ao sucesso, a convocar as formas tópicas a
seguir:
FT1 [+ experiência e planejamento + sucesso
[- experiência e planejamento - sucesso
FT2 [+ experiência e planejamento - sucesso
[- experiência e planejamento + sucesso
A atualização da FT1 nos permite acessar o topos
a experiência e o
planejamento conduzem ao sucesso
, (o trabalho conduz ao êxito) explicitamente
recuperável pela própria seleção lexical do texto.
Se fôssemos tentar recuperar nessa seqüência argumentativa a lei de inferência
que nos suporte da conclusão aos dados, seria essa uma tarefa difícil. Observamos que a
macroproposição conclusiva se relaciona aos dados, mas não encontramos restrição na
seqüência em análise. Isso confirma a justificativa que determinamos na análise anterior
para o fato de haver topoi diretos na conclusão. Isso se deve, mais uma vez, ao fato de não
haver restrição explícita que oriente o sentido da conclusão para não-C, portanto, deixando
que se conclua C, por meio de um topos direto.
A saída que encontramos para solucionar o problema dessa macroproposição
que ancora as inferências mesmo sem haver restrição explícita que anti-oriente sua
conclusão é, mais uma vez, o conceito de topos: este não é somente um, como a lei de
inferência; não está somente entre as duas macroproposições analisadas, isto é, pode se
fazer presente em todas as outras macroproposições; e é indiciado pela orientação
108
polifonica, bem como pelas marcas de pressuposição e pelos modificadores, algo que Adam
(1992) prevê em sua teoria das seqüências, sem, no entanto, relacioná-las à
macroproposição lei de inferência que, para nós, não é adequada na seqüência
argumentativa.
A propósito, temos acompanhado, em nossos exemplos, que é inexeqüível essa
determinação da lei de inferência como uma macroproposição. Aliás, denominemo-la topoi.
Estes são entidades convocadas pontualmente nos enunciados, e impingir-lhes um caráter
fixo de macroproposição seria contrário à sua propriedade de determinação semântica dos
enunciados, visto que o nível de atuação seria demasiado estendido. Entendemos que Adam
(1992) de fato não se ateve profundamente na descrição dessa lei de inferência porque
muito cedo se deu conta de que teria que refazer todo o modelo delineado e abrir mão da
prototipicidade de, por exemplo, a macroproposição restrição, que se omite em tantas
seqüências argumentativas. Assim, na nossa compreensão, a macroproposição lei de
inferência do modelo de Adam (op. cit.) precisaria ser suprimida do modelo e, para a
descrição das relações de sentido no texto, poderiam ser considerados os topoi que a
argumentação convoca. É por esse motivo que, se desejamos dar um caráter de
prototipicidade a essas seqüências argumentativas, temos desconsideramos o fato de haver
um estágio em que ancoragem das inferências entre P.Arg.1 e P.Arg.3, em benefício da
existência de rios topoi por todo o texto, independente do local (macroproposição) em
que se encontrem.
Desta maneira, não ancoragem de macroproposição para macroproposição
somente, porém a ancoragem se dá no entrelaçamento de palavras e expressões que tecem o
sentido do texto, a relacionar-se num vel menor do que aquele, no nível da frase. A
ancoragem se nessas relações, e não na passagem entre macroproposições; não é
necessário ancorar o que já vem sendo tecido nas relações entre palavras.
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A argumentação se apresenta extensivamente no cotidiano das pessoas, seja
pela intenção persuasiva de vender produtos, para convencer alguém de idéias, ou apenas
para expressarem-se desejos. Nos textos escritos ou orais, a argumentação se instaura como
lugar para debate entre interlocutores, que utilizam as palavras da língua, muitas vezes, para
argumentar com sutileza e, assim, dizer e não dizer, chamar à adesão das idéias que se
veiculam.
Neste trabalho, o fenômeno foi tratado pela perspectiva da Lingüística
Textual, fundamentando-se no modelo das seqüências prototípicas (Adam, 1992; 1999;
2004), basicamente, a argumentativa. Nesse modelo, a argumentação é enquadrada como
matéria composicional, na qual cada macroproposição é responsável por um tipo de efeito
que leva a uma conclusão e que contribui para a apreensão do sentido global do texto.
Aliamos ao modelo dos protótipos seqüenciais a noção de topos, proposta pelos teóricos da
Semântica Argumentativa.
A opção de aliar as duas propostas ocorreu devido a termos encontrado no
modelo composicional uma lacuna em relação ao conceito de lei de inferência, que se
apresentava como uma das macroproposições argumentativas e tinha uma posição
prototípica na seqüência. Consideramos, então, como nosso objetivo principal discutir a
relação argumentativa entre topos e lei de inferência na seqüência argumentativa
prototípica, sua orientação polifônica, bem como a manifestação das marcas de
pressuposição e dos modificadores para determinar a orientação desses termos.
Para alcançar esse objetivo, além de fundamentar nossa discussão na literatura
específica, lançamos mão de exemplos colhidos de textos argumentativos publicados em
jornais e, tendo analisado os textos, foi-nos possível vislumbrar algumas conclusões.
A primeira delas diz respeito ao próprio conceito de lei de inferência. De início,
acreditávamos que, como a descrição da lei de inferência era muito similar à de topos,
110
encontraríamos um topos na passagem dos dados para a conclusão, que era a posição
prototípica da lei de inferência. Notamos, contudo, por meio das análises, que não havia
um topos na passagem dos dados à conclusão, mas topoi em cada uma das
macroproposições somente em nossos exemplos, pudemos verificar a presença de topoi
em todas. Por isso, entendemos que a posição da lei de inferência é transitória e não
respeita qualquer relação pré-estabelecida entre macroproposições. De fato, ao
relacionarmos dados a conclusões, conseguimos determinar leis nas quais o interlocutor se
baseia para chegar às conclusões pretendidas pelo locutor, contudo, o somente nesse
confronto composicional isso se estabelece. Conseguimos encontrar leis de inferência na
relação entre outras macroproposições, como na restrição, por exemplo, e notamos que essa
“regra” desenvolve-se ao longo do relacionamento entre palavras também, não somente
entre macroproposições. Por essa razão, tomamos partido em favor da constatação de que
leis de inferência são os próprios topoi, sem os quais a atividade ilocutória seria mal-
sucedida. Portanto, a partir deste estudo, passamos a conceber a lei de inferência como cada
um dos topoi presentes em todas as macroproposições, e não como a relação entre eles. Isto
implica a substituição desta “macroproposição” no modelo prototípico argumentativo:
partir de agora, não vemos mais por que esse elemento ser considerado na seqüência. Além
disso, concernente aos nossos exemplos, observamos a fluidez das macroproposições nas
seqüências, e observamos que a única macroproposição que se faz freqüentemente presente
em todas as seqüências é P.arg. 1. Assim, o elemento mais prototípico e mais certo de
aparecer em uma seqüência, junto aos dados, são os topoi.
53
Os topoi subjazem à seqüência
argumentativa prototípica, isto demonstramos por meio de nossos exemplos, contudo, a
própria seqüência, conforme notamos, não tem uma prototipicidade patente. Os nossos
exemplos foram retirados aleatoriamente dos jornais e, se eram textos argumentativos, seria
de se esperar que suas seqüências fossem prototípicas, segundo Adam (1992). No entanto,
observamos uma flutuação demasiado grande em relação à presença das macroproposições.
Essa constatação, somada à observação de que a lei de inferência não se amolda ao estatuto
macroproposicional, ao fato de a tese anterior e a conclusão poderem vir subentendidas, e
53
Considere-se, com esta afirmação, a natureza diversa dos vieses teóricos aceitos neste estudo, em que a
noção de topos subjaz à estruturação macroproposicional da seqüência argumentativa prototípica, mas não lhe
é parte inerente. Se assim fosse, teríamos de propor uma unidade de análise que pertencesse a um nível
distinto de estruturação, opção que não fazemos aqui. Para nós, os topoi encontram-se como ponto de
articulação entre a Enunciação e a Semântica, e é por isso que propomos descrevê-los, na seqüência, apenas
como uma constatação, mas não como elemento próprio de sua articulação estrutural.
111
ao fato de muitas seqüências não apresentarem restrição explícita, enfraquece o protótipo
da seqüência argumentativa. Compreendemos, por conseguinte, que esta pode doravante ser
concebida como um exemplo das articulações possíveis dos elementos do texto
argumentativo; entretanto, jamais como um padrão, ou como regra, visto que o jogo
argumentativo foi estabelecido nos exemplos que se adequaram perfeitamente no protótipo,
bem como naqueles absolutamente desviantes.
Em segundo lugar, propusemos aqui outra alteração no modelo de Adam, em
que buscamos desintegrar a lei de inferência do estatuto de macroproposição. Para nós, ela
será considerada um princípio compartilhado, geral e escalar, como os topoi, com nível de
atuação ao longo das macroproposições. Perguntamo-nos como seria possível uma
operação abstrata e subjacente à língua, inacessível ao analista, enquadrar-se no papel de
macroproposição, considerando que as outras macroproposições apresentam passos
metodológicos devidamente descritos e estruturados e constituem unidades hierárquicas.
Além disso, não nos parece razoável admitir o fato de uma inferência poder se incluir entre
as macroproposições textuais, estabelecidas no relacionamento entre outras proposições
enunciadas, dado que uma inferência consiste em conteúdo implícito, não pertencente à
proposição enunciada.
Concluímos, ainda, que na macroproposição dados com freqüência topoi, em
detrimento de outras em que o fenômeno se apresenta menos freqüente, como a tese
anterior e a restrição, por exemplo. O fato dessa presença preferencial de topoi na
macroproposição dados pode se justificar pela necessidade de adesão do interlocutor ao
discurso do locutor, em que este aproxima sua voz daquele para lhe “abrir o espírito”, na
terminologia perelmeniana. Além disso, é comum lançarmos dados baseados no
conhecimento empírico em nossa argumentação cotidiana, porque não somos especialistas
em todas as áreas, sofremos influência de nossas culturas e compartilhamos socialmente de
crenças difusas sobre temas pouco explorados cientificamente. Não trazemos sempre
novidades ao nosso discurso, portanto, utilizamos os topoi, reconhecendo no outro alguém
que se identifique com pelo menos uma das formas tópicas que convocamos.
Notamos, sempre concernente aos dados, que a modificação por realização é
uma constante nessa macroproposição, ao contrário da conclusão, em que
preferencialmente desrealização. A concordância das formas tópicas preferenciais nessa
112
macroproposição é facilmente justificável pelo fato de o locutor trazer para si o foco da
argumentação, aproximá-lo de suas idéias. É algo como afirmar e concordar consigo
mesmo. A opção pela modificação realizante ocorrente nos dados é fruto dessa opção de
autoconcordância, e chegamos à conclusão de que serve como utilitário para dar relevo à
forma tópica que o locutor seleciona, intensificando o sentido suscitado pela própria
semântica da palavra. Como os textos são argumentativos, são lugar de debate, assim, os
dados são apresentados em função de defender certo argumento contrário a um certo ponto
de vista com o qual o ponto de vista do autor não se identifica. Por isso, sua argumentação
se desenvolve em desfavor a esse ponto de vista oposto, a identificar vários contras e
nenhum pró (quando não restrição). Na conclusão, apresentam-se os prós do próprio
ponto de vista, portanto, contrários ao que se apresentou nos dados.
Isso está ligado à nossa verificação de que o topos é geralmente indireto na
conclusão. Porém, essa observação está condicionada à explicitação ou omissão da
macroproposição restrição: os topoi se opõem à restrição, e, por isso, discordam na
conclusão. Para os nossos exemplos com restrição elíptica, os topoi convocados na
conclusão foram diretos. Porém, quando a restrição foi manifesta, o movimento se mostrou
realmente como aquele descrito por Adam, de oposição à conclusão permitida pela lei de
inferência.
Ademais, pudemos notar o quanto a orientação polifônica e as marcas de
polifonia e de pressuposição auxiliam na convocação dos topoi presentes no texto, ao
articular uma trama de relações semântico-lexicais, entre as quais os modificadores, que
favorecem as opções por determinadas formas tópicas ou não. Esses modificadores, no
texto em análise, fizeram-se preferivelmente realizantes nos dados e desrealizantes nas
conclusões, determinados pela presença ou ausência de restrição. Assim, vemos que
qualquer análise que prescinda de algum desses elementos corre o risco de não considerar o
objeto no todo, como é o caso das análises da TAL, como é incompleta também a análise
que abre mão das relações semânticas que se dão no nível da palavra.
Uma constatação que apresenta uma implicação didática incidental, mas que é
importante ser destacada, diz respeito aos modificadores. Conhecemos o fato de que esses
elementos não são difundidos por suas propriedades semânticas obviamente se ensina na
113
escola para que serve um adjetivo ou um advérbio na convocação de sentido. Contudo,
observamos, por meio de exemplo, que, quando se aplica um modificador realizante a um
predicado que possui uma carga muito positiva para o sentido pretendido, o modificador
se anula, e termina por ser algo sobressalente no texto, empobrecendo-o.
Observamos também que, quando se convoca um topos e isso apreendemos
por meio das relações que nós, interlocutores, estabelecemos entre as palavras − para
depois explicá-lo, isso também empobrece a argumentação, pois subestima a capacidade
que todo interlocutor tem de refletir sobre os fatos da língua.
Em relação a esses fatores, deixamos uma sugestão para futuros trabalhos sobre
o grau de adequação que deve ter a aplicação de modificadores em favor ou desfavor do
estilo textual. Ainda, sugerimos que se investigue o processo de retomada do topos por
encapsulamento anafórico, em que apenas um termo retoma um topos inteiro, com o qual
incidentalmente nos deparamos em alguns exemplos que estudamos, mas no qual
infelizmente não tivemos ocasião de nos determos aqui. As aplicações e implicações
didáticas e teóricas desse fenômeno poderão ser várias.
Por fim, cremos, com esta pesquisa, haver contribuído para o desenvolvimento
dos estudos de argumentação nas perspectivas pragmática e semântica, aqui integradas, e
para o ensino da escritura de textos argumentativos, ao concluir que as seqüências
argumentativas não são tão prototípicas, porém flutuantes, e que um texto pode veicular
opiniões às quais se pode aderir sem que se lance mão de uma estrutura argumentativa
padronizada.
114
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