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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA
MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA
CARLA RIBEIRO
A INTEGRALIDADE E SEUS PERCURSOS NO SUS
FLORIANÓPOLIS
2008
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CARLA RIBEIRO
A INTEGRALIDADE E SEUS PERCURSOS NO SUS
FLORIANÓPOLIS
2008
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Saúde Pública, Centro de Ciências da
Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Saúde Publica, área de concentração Ciências
Humanas e Políticas Públicas em Saúde. Linha de
pesquisa: Educação em Saúde.
Orientador: Prof.Dr.Marco Aurélio Da Ros
Co- orientação: Profª. Drª. Sandra Caponi.
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Catalogação na fonte por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071
R484i Ribeiro, Carla
A integralidade e seus percursos no SUS / Carla Ribeiro ; orientador Marco
Aurélio Da Ros ; co-orientadora Sandra N. C. Caponi. – Florianópolis, 2008.
118f.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina,
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, 2008.
Inclui bibliografia
1. Integralidade. 2. Poticas públicas. 3. Sistema Único de Saúde (Brasil).
I. Da Ros, Marco Aurélio. II. Caponi, Sandra N. C.
III. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-
Graduação em Saúde Pública. IV. Título.
CDU: 614
Dedico a meus pais, irmão e amigos que nunca deixaram de acreditar em mim, mesmo quando
eu já havia perdido todas as esperanças!
Prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo...
Eu quero dizer
Agora o oposto
Do que eu disse antes
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo...
Sobre o que é o amor
Sobre o que eu
Nem sei quem sou
Se hoje eu sou estrela
Amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio
Amanhã lhe tenho amor
Lhe tenho amor
Lhe tenho horror
Lhe faço amor
Eu sou um ator...
É chato chegar
A um objetivo num instante
Eu quero viver
Nessa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo...
Sobre o que é o amor
Sobre o que eu
Nem sei quem sou
Se hoje eu sou estrela
Amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio
Amanhã lhe tenho amor
Lhe tenho amor
Lhe tenho horror
Lhe faço amor
Eu sou um ator...
Eu vou desdizer
Aquilo tudo que eu
Lhe disse antes
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo...
Do que ter aquela velha, velha
Velha, velha, velha
Opinião formada sobre tudo...
Metamorfose Ambulante
Raul Seixas
Agradecimentos
! A Deus, por ter me dado força, quando tudo parecia perdido, sempre me
mostrando outras possibilidades, para que pudesse superar os obstáculos e me
encontrar novamente.
! A meus pais, Airton e Vera, e meu irmão, Eduardo, que mesmo de longe sempre
me incentivaram em todos os momentos, e foram o porto seguro, para que eu
pudesse renovar as forças e seguir em frente. Eles são exemplos de luta e
superação constante, juntos enfrentamos a diversidade, com a certeza que o amor
sempre nos uniu.
! À minha família pelos encontros, que sempre renovaram minhas forças e por ter
acreditado em mim.
! A meu Mestre Marcão, orientador e companheiro, por ter acreditado em mim,
mesmo conhecendo-me há pouco tempo. Obrigada por ter me ensinado muito mais
do que construir e realizar uma pesquisa. Por ensinar-me que a luta pelo SUS vale a
pena, e, principalmente, porque com você ,Marcão, aprendi o significado da palavra
“cuidado”.
! À Sandra Caponi por sua orientação e gentileza, pela sua acolhida quando
necessitei e pelos debates polêmicos e filosóficos.
! A meus amigos quintianos, Tati, Juju, Marquito que sempre estavam dispostos a
uma boa discussão teórica,a um amparo, mesmo que virtual, e uma cervejinha bem
gelada sempre que possível e uma água para o Marco, é claro.
! A minha amiga quintiana Lúcia Inês (Helena) que me indicou o orientador e foi a
minha co-orientadora, para além das urgências e emergências da escrita e da
discussão.
! À Fátima Büchele pelo seu carinho, pelas oportunidades de aprendizagem, pela
ajuda, quando mais precisei, aliás, sempre.
! A todos os colegas do mestrado que me ajudaram a perceber que a minha
sanidade se manteve. Por nossos encontros e jantares culturais, principalmente a
Ione, Lacita, Leia, Daniela, Daniel, Ludmila, Luzilena, Juliano, Patrícia, Carol. Muito
obrigada pela amizade!
! Aos amigos e amigas que por várias vezes me distanciei, e mesmo assim, nunca
se esqueceram de mim, permitindo que a nossa amizade ficasse mais forte.
! Às secretárias e assessores que me ajudaram a encontrar espaço nas agendas
dos entrevistados.
! Aos amigos que me obrigaram a descansar no carnaval, me dando fôlego para
continuar o trabalho.
! Ao Professor Charles que me ajudou a entrar em contato com alguns
entrevistados e por sua co-orientação durante a qualificação.
! Regina Gil, de Londrina, e a Joseli de Campinas que me acolheram
carinhosamente nas suas casas, durante a coleta da pesquisa.
! Aos desconhecidos que me estenderam a mão, quando estava perdida nas
cidades desse Brasil ,por onde circulei para realizar minhas entrevistas.
! Aos membros da banca pelas sugestões que foram dadas desde a
qualificação até a defesa.
! Aos entrevistados que me atenderam mesmo com a agenda atribulada,
disponibilizando-se a serem entrevistados nos lugares mais inusitados e onde foi
possível o encontro.
! Aos professores e funcionários do Programa de Pós-graduação em Saúde
Pública da Universidade Federal de Santa Catarina, por toda dedicação.
! Ao Professor Sergio Freitas e a Pró-Reitoria de Pós-Graduação da UFSC
pelo auxilio financeiro, para a realização da pesquisa.
RESUMO
A integralidade e seus percursos no Sistema Único de Saúde (SUS) é um
trabalho que busca compreender quais as origens e caminhos desse pressuposto do
SUS, dentro da história das políticas públicas de saúde do Brasil. A integralidade
nasce no movimento sanitário como atendimento integral à saúde, junto a seus
pares – universalidade e eqüidade. Mas é na década de 90, que se retoma o seu
debate com o termo integralidade. Para compreender os caminhos desse princípio
do SUS, foi necessário um mergulho na história das políticas de saúde do país. O
objetivo desse trabalho foi a análise das origens e percursos da integralidade, do
início do Movimento Sanitário até a atualidade. Além de construir os entendimentos
sobre o tema junto a importantes atores do Movimento Sanitário e analisar as
discussões e críticas realizadas atualmente pelos principais atores sociais do SUS
sobre a integralidade. Para tal, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com
esses importantes atores sociais da história saúde, a partir do inicio do Movimento
Sanitário. A saúde continua sendo um âmbito de luta e a integralidade hoje tem um
papel importante nesse processo, pois ela permite que sejam feitas reflexões do
momento sociopolítico que estamos hoje, e com isso fortalece e qualifica o SUS. A
atenção integral do período do movimento sanitário trazia questões mais pontuais ao
debate, frente ao caos vivido naquele período. O debate hoje ainda se depara com
as antigas dualidades, mas a legitimidade conquistada pelo Movimento Sanitário
produz movimentos dentro da própria sociedade, e amplia as questões dentro da
saúde. Hoje as ações integrais estão ao alcance de todos e convida os atores
sociais a encontrarem novos arranjos para as práticas de saúde e situa todos os
sujeitos envolvidos num papel ativo na busca da sua saúde individual e/ou coletiva.
A integralidade aponta para muitas das dificuldades e muitos avanços que temos no
SUS. Ela não é só prenhe de sentidos - polissêmico, ela tamm autoriza as vozes
silenciadas a falar - polifônico, mas acima de tudo carrega consigo os sonhos de
muitos.
Palavras-chave: integralidade, políticas públicas, SUS.
ABSTRACT
The integrality and journey of the public Brazilian health system (SUS) is a
work that aims to understand which are the origins and ways of this estimative of
SUS within the public health political history of Brazil. Integrality rises from the
sanitary movement as a whole health service as well as its partners – universality
and fairness. However, it is in the 90s that this debate is retaken with the use of the
term integrality. A deep research on Brazilian political health history was done to
understand what ways SUS has used in order to have this rule. The aim of this task
was to analyze the origins and journeys of integrality from the very beginning of the
Sanitary Movement to the present time. Furthermore, it was to build up the
understanding about this subject by linking the important agents of the Sanitary
Movement and analyzing the current critics and discussions that take place by the
main SUS social agents about integrality. In order to acquire such information, semi-
structured interviews were undergone with these important agents of social health
history from the beginning of the Sanitary Movement. Nowadays, health keeps
staying in a fighting atmosphere and the integrality has an important role in this
process because it allows us to reflect on the socio-political moment we are currently
going through. This strengthens and improves SUS. The whole attention from the
period of sanitary movement brought prompter questions to the debate, in which was
directly related to the chaos that was happening at that moment. Nowadays, the
debate still faces the old dualities, but the achieved legitimacy by the Sanitary
Movement produces other movements inside its own society and it makes the
universe of questions about health even wider. Today the whole actions can be
reached by the whole population. It invites the social agents to find new
arrangements to the health practices and all of those who are involved are put in an
active role searching for their individual and/or collective health. Integrality points out
many of difficulties and advances we have got at SUS. It is not only full of meanings
– polysemic; it also gives to silenced voices the speech – polyphonic. However,
beyond all of it, the dreams of many are held by this integrality.
Key words: integrality, public politics, SUS
SUMÁRIO
1 O PRIMEIRO PASSO - INTRODUÇÃO ..............................................................................12
2 ONDE QUEREMOS CHEGAR - OBJETIVOS ....................................................................14
2.1 OBJETIVO GERAL..................................................................................................................14
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .......................................................................................................14
3 OS CAMINHOS PERCORRIDOS - METODOLOGIA .......................................................15
4 AS HISTÓRIAS CONTADAS AO LONGO DO PERCURSO – CAPÍTULOS....................20
4.1 O MOVIMENTO SANITÁRIO E AS BASES DA INTEGRALIDADE ...................................................21
4.1.1 O SUS - retrospectiva de sua história ..........................................................................21
4.1.2 O que é Movimento Sanitário? ....................................................................................24
4.1.3 Movimento Sanitário: conversando com os idealizadores. ...........................................28
4.1.4 A VIII Conferência e a Atenção Integral......................................................................31
4.1.5 VIII Conferência e a Atenção Integral: as vozes dos atores..........................................34
4.2 INTEGRALIDADE HOJE ...........................................................................................................43
4.2.1 Da VIII CNS até a atualidade: os caminhos da integralidade.......................................43
4.2.2 Os caminhos da integralidade: a história contada. ......................................................53
4.2.3 O que é Integralidade?................................................................................................58
4.2.4 Integralidade: dando a voz aos atores e pensadores da saúde......................................66
4.2.5 Reflexões dos atores: as tensões e os desafios da Integralidade....................................70
4.2.6 Diferentes situações, diferentes perspectivas, diferentes olhares: situações problema...73
5 ARTIGO .................................................................................................................................80
6 QUEM AJUDOU A PERCORRER ESSE CAMINHO – REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................................................................103
7 APÊNDICES.........................................................................................................................111
7.1 APÊNDICE 1.....................................................................................................................112
7.2 APÊNDICE 2.....................................................................................................................113
7.3 APÊNDICE 3.....................................................................................................................114
7.4 APÊNDICE 4.....................................................................................................................115
7.5 APÊNDICE 5.....................................................................................................................116
7.6 APÊNDICE 6.....................................................................................................................117
8 ANEXO.................................................................................................................................118
8.1 ANEXO 1..........................................................................................................................119
1 O PRIMEIRO PASSO - INTRODUÇÃO
O primeiro passo é o inicio de uma jornada, de uma viagem ou de uma
pesquisa. No caso deste trabalho a referência que se faz é a de iniciar uma
pesquisa, não quer dizer, entretanto que a realização desta não seja tamm uma
jornada, uma viagem. Inspirada em Alice no País das Maravilhas
(1)
esta jornada não
será atrás do Coelho Branco que despertou o interesse dessa personagem fictícia. A
curiosidade que motivou pesquisa deste trabalho foi a integralidade, um dos três
pressupostos bases do Sistema Único de Saúde (SUS).
Diferente de Alice que simplesmente sai correndo atrás do Coelho Branco,
movida pela curiosidade, e acaba caindo na toca que leva ao País das Maravilhas.
Embora também movidos pela curiosidade, a academia exige que o processo seja
mais elaborado, onde se define onde se quer chegar, quais os caminhos e técnicas
que serão selecionados para se alcançar o objetivo. Mas não é uma viagem tão
solitária quanto a de Alice. Nessa jornada contamos com parceiros teóricos e atores
que fazem parte da luta por uma saúde que atenda a todos, onde terão acesso a
tudo o que for necessário sem discriminação ou preconceito.
Neste trabalho, a toca nos leva ao mundo do SUS e suas histórias, que não
ficam nada a desejar ao País das Maravilhas. Para compreender melhor o SUS foi
necessário realizar uma viagem às suas origens, e entender um pouco como a
saúde foi tratada no Brasil, e de como ela está sendo atendida hoje. O mergulho na
história da saúde é importante, para que possamos perceber e até mesmo
compreender a realidade que vivemos hoje.
A importância da compreensão dessa trajetória da saúde no país é
fundamental para este trabalho, pois ele busca as origens e percursos da
integralidade dentro desse contexto.
A origem do termo integralidade nasce originariamente na Constituição
Federal no Art. 198 que diz: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma
rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de
acordo com as seguintes diretrizes: (...) II - atendimento integral, com prioridade para
as atividades preventivas, sem prejuízo das assistenciais”(pág.14)
(2)
.
Posteriormente, a Constituição temos com a Lei Orgânica 8.080/90 que avança um
pouco mais nos seus Artigos 6 e 7 que colocam: Art. 6, item I – execuções das
13
ações (d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica(pág.23)
(2)
; e
Art.7, item II – “integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e
contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos,
exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema” (pág.
25)
(2)
.
A inclusão dos artigos 196 a 200, na Constituição Federal e posteriormente
com as Leis Orgânicas e Normas Operacionais Básicas (NOBs) é fruto de uma luta
que se inicia na época da ditadura militar de 64, e é composta por diversos
movimentos, que objetivavam ter um sistema único de saúde com um caráter de
inclusão de todos os cidadãos, que compuseram o Movimento Sanitário ou Reforma
Sanitária
(3, 4)
.
Desde a sua inclusão na Constituição Brasileira, o SUS passou por diversos
obstáculos devido à conjuntura social vivida, onde alguns temas ou necessidades
foram mais aprofundados e discutidos do que outros. A integralidade ressurge no
debate político-social com a criação da NOB/96, que apresenta as primeiras
propostas de mudança do modelo de atenção à saúde, propõe novas práticas de
saúde para o setor público, não mais valorizando apenas os procedimentos, mas
ações de saúde voltadas para as necessidades da população como um todo
(5-8)
.
Os caminhos percorridos e as histórias contadas ao longo desse trabalho nos
suscitaram ao problema dessa pesquisa: Quais as origens da integralidade no
Movimento Sanitário e seus percursos no SUS até a atualidade?
14
2 ONDE QUEREMOS CHEGAR - OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
- Analisar as origens e os percursos do tema integralidade, do início do
Movimento Sanitário até a atualidade.
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
- Refletir sobre os entendimentos atribuídos à integralidade por importantes
atores do Movimento Sanitário;
- Analisar as discussões e críticas realizadas, atualmente, pelos principais
atores sociais do SUS sobre a temática da integralidade.
15
3 OS CAMINHOS PERCORRIDOS - METODOLOGIA
O fato social analisado neste projeto pertence ao campo da saúde, portanto,
não é descolada do mundo social. Conseqüentemente, temos questões
metodológicas semelhantes a do âmbito maior das Ciências Sociais
(9)
.
A metodologia de um projeto de pesquisa é o caminho a ser percorrido pelo
pesquisador durante o andar da pesquisa. O pesquisador deve saber analisar os
dados, mas nunca se contentar com eles, sempre criando novos questionamentos,
pois existem horizontes não-empíricos, que fazem parte da realidade. O pesquisador
tamm faz parte deste universo, portanto é um ator social e com uma posição
política, que decifra as forças e interesses que mobilizam confrontos. Este deve ter
claro que seu papel é político, as ciências sociais não são apenas conhecimento,
mas, sim, a reflexão histórico-social sobre a sociedade. A pesquisa vem para
potencializar a capacidade questionadora desse sujeito político, construindo uma
comunicação qualificada que supera, e muito, a simples reprodução
(10)
.
A construção de um fato científico, segundo Fleck (Apud Scheid, Ferrari e
Delizoicov
(11)
) vem muitas vezes de erros e fracassos cometidos, o importante é o
caminho percorrido, pois na ciência não existem erros ou acertos absolutos.
Porém as ciências sociais tratam da história, e o saber, portanto, está ligado
aos interesses sociais. O cotidiano da pesquisa não é ato isolado, mas investigação
diante do desconhecido e dos limites que a natureza e a sociedade impõem num
constante ir e vir, portanto dialético, onde o conhecimento é um processo diário
(10)
.
A abordagem dialética entende a saúde como um campo complexo, onde a
teoria e a prática estão sempre se influenciando, onde a compreensão é
transformadora e a teoria desafiada pela prática. A saúde segundo seu conceito
sociológico traz as dimensões políticas e estruturais da condição humana, onde a
sua realização é influenciada por aspectos histórico-culturais
(9)
.
A abordagem qualitativa das ciências sociais permite que os dados
analisados trabalhem com o “objetivo e o subjetivo, os atores sociais (inclusive o
pesquisador), os fatos e seus significados, ordem e seus conflitos” (pág. 35
(9)
). A
proposta desse método não é a de uma fotografia, mas de uma pintura que explicita
a realidade, segundo o olhar do pintor. “A neutralidade do pintor/ pesquisador é
inexistente”, pois o objeto é um sujeito que interage com o investigador (pág. 35
(9)
).
16
A proposta desta pesquisa teve como objeto a construção realizada pelo
Movimento Sanitário e pelo Laboratório de Pesquisas sobre as Práticas de
Integralidade em Saúde (LAPPIS) sobre o tema integralidade. O debate da
integralidade na atualidade tem como uma importante referência o LAPPIS, que
nasce em 2003. A institucionalização de um espaço de debate tem como objetivo a
união de pesquisadores interessados no debate sobre o tema da integralidade e,
conseqüentemente, criar espaços de troca interinstitucionais e tem realizado
seminários e divulgação, bem como a publicação de livros com debates sobre a
integralidade na atualidade
(12)
.
Para a realização desta investigação, a abordagem não poderia ser outra que
não a qualitativa. Como investigar essa história senão buscando os sujeitos, ao vivo
ou em suas publicações?
O percurso deste trabalho inicia-se com a revisão bibliográfica sobre o
Movimento Sanitário e sobre os sentidos da Integralidade. Foram realizadas
entrevistas semi-estruturadas com os representantes da região sul e sudeste das
distintas vertentes colocadas por Da Ros
(4, 13)
e Escorel
(14)
, apresentadas no projeto,
e com os atuais promotores do debate do tema da integralidade representado pelo
LAPPIS. Os sujeitos entrevistados foram selecionados pela sua notória atuação
pública, profissional, acadêmica e ou institucional, a partir de informantes chaves.
Os roteiros semi-estruturados, segundo Boni e Quaresma
(15)
, permitem que as
entrevistas se aproximem de uma conversa informal sem que o pesquisador perca o
foco de seu estudo. Uma das vantagens deste tipo de abordagem é que as repostas
são bem abrangentes e tem-se maior liberdade para trabalhar com questões
inesperadas, bem como a aprofundar e esclarecer dúvidas durante o processo. Não
existe um tempo de duração especifico para a realização das entrevistas, o que
favorece também a construção de uma proximidade entre entrevistador e o
entrevistado, favorecendo assim que as respostas sejam mais espontâneas.
As entrevistas foram realizadas durante o IV Congresso Brasileiro de Ciências
Sociais e Humanas em Saúde realizado em Salvador, em julho de 2007, VII
Seminário do Projeto Integralidade realizado no Rio de Janeiro, em novembro de
2007, como estratégia de facilitar o encontro do público a ser investigado. Além
destes eventos, foram ainda realizadas viagens para Porto Alegre/RS, Londrina/PR
e Campinas/SP para entrevistar os sujeitos que não foram entrevistados, porque não
17
estavam nos eventos, ou porque não foi possível realizar as entrevistas nesses
encontros. Algumas entrevistas foram realizadas em Florianópolis/SC.
Antes da realização das entrevistas, os sujeitos foram contatados e
convidados a participar da pesquisa. O participante tendo aceitado, foram
agendados horários previamente, quando possível, se não a combinação era feita
durante os eventos. A todos foi apresentado um termo de consentimento informado
(APÊNDICE 1), onde foram explicados os objetivos da pesquisa. É importante
salientar que o projeto respeitou as questões éticas, protegendo os sujeitos
investigados, mantendo o anonimato dos mesmos, substituindo seus nomes,
aleatoriamente, por personagens da obra de ficção de Lewis Carroll
(1)
, Alice no País
das Maravilhas. Essa obra tamm inspirou o sumário e os subtítulos deste trabalho.
Porém, na discussão com os orientadores, optou-se por não ocultar os atores
sociais entrevistados, devido à importância histórica de seus depoimentos. Seguindo
orientação do Relatório sobre Ética em Pesquisa Qualitativa em Saúde
(16)
, os
entrevistados foram consultados sobre a transparência/ nominação por meio do
correio eletrônico (APÊNDICE 2). A maioria deles aceitou e concordou com esta
proposta. Todas as solicitações feitas por estes foram atendidas, tais como:
encaminhar a transcrição da sua entrevista e envio da gravação. Os que não se
manifestaram ou não concordaram com esta proposição foram respeitados e
mantido o sigilo das suas identidades.
Ao todo foram realizadas vinte e duas (22) entrevistas, sendo que destas
apenas uma não pôde ser utilizada em sua totalidade devido a problemas de áudio.
Foram construídos dois roteiros para a realização das entrevistas, um para o
grupo do Movimento Sanitário (APÊNDICE 3) e outro para o grupo do LAPPIS
(APÊNDICE 4), para respeitar as especificidades desses diferentes grupos
1
. Ao
pensar nesses roteiros houve a preocupação de resgatar o pensamento da época,
os acontecimentos marcantes e buscar as propostas sobre o ‘atendimento integral’ e
da ‘integralidade’. A proposta era de levar o sujeito da pesquisa a voltar no tempo, e
a partir daí discutir questões referentes ao tema da pesquisa.
Os roteiros foram testados no período piloto, onde se realizaram duas
entrevistas. Eles acabaram sendo alterados, pois ambos os roteiros se mostraram
1
Importante assinalar que os sujeitos referidos como do LAPPIS, não o exclui como
participante do da reforma sanitária, pelo contrário. Essa estratégia de divisão em dois grupos foi
utilizada para fins didáticos.
18
longos e repetitivos. Sendo assim foram reduzidas as questões para aquelas que
após o piloto, já alcançavam o objetivo do projeto. Isto permitiu que essas
entrevistas fossem aproveitadas no resultado final da pesquisa. Essa alteração
tamm deixou os entrevistados mais livres durante o encontro, reduziu o tempo de
duração das entrevistas e, conseqüentemente, tornou-se menos cansativa para o
entrevistado e pesquisador (APÊNDICE 5 e 6).
Outra estratégia foi adotada para evitar resposta intelectualmente pronta: no
final da entrevista todos foram convidados a elaborar uma situação problema real ou
fictícia que ele usaria para ilustrar os significados/ entendimentos envolvidos no
tema da integralidade com ambos os grupos. A maioria concordou em criar na hora
uma situação problema, outros pediram para encaminhar mais tarde por e-email ou
ainda se negaram a fazer por diferentes razões. Mas um dos entrevistados chamou
a atenção do pesquisador, pois disse que a proposta da construção dessa situação
problema estaria impregnada pelo modelo biomédico, enquanto que o tema desta
pesquisa busca a superação deste.
Após a transcrição das entrevistas, foi realizada a análise de discurso
conforme proposto por Minayo
(9)
, que faz uma reflexão da significação dos textos,
visando compreender a produção social atual, suas ideologias, processo sócio-
histórico produzidas no discurso.
Para finalizar, lembro de Foucault
(17)
que salienta que não podemos nos
aventurar no mundo dos discursos sem ter em mente que enunciados na época de
sua formulação, hoje podem ser entendidos de modo inteiramente diferentes, ou
seja, como uma reinterpretação da história. Não podemos descolar de nós mesmos
a atualidade da nossa história e uma reflexão do ontem sempre será impregnada do
hoje. E a pesquisa segundo Demo
(10)
não é somente produção de conhecimento,
mas um diálogo com a realidade, o que acaba por proporcionar uma aprendizagem
critica e criativa, que parte do contexto atual que nos cerca, construindo cidadania,
autonomia e qualidade de vida.
Atendendo as exigências da resolução Nº 196/96, do Comitê Nacional de
Ética em Pesquisa (CONEP), o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
através do parecer consubstanciado Nº 119/07, em 28/05/2007 (ANEXO 1).
Outra exigência atendida refere-se ao formato deste trabalho, que pelo
regulamento do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública desta universidade,
19
para a conclusão do Mestrado deve ser entregue um projeto ampliado e um artigo. O
resultado da pesquisa será fragmentado e apresentado em outros artigos
futuramente. Pois existem outros pontos a serem abordados, que o formato
reducionista dos artigos acadêmicos atuais não permite a apresentação dos
resultados, seu debate e as considerações finais em uma única publicação.
20
4 AS HISTÓRIAS CONTADAS AO LONGO DO PERCURSO –
CAPÍTULOS
Ao trilharmos o percurso traçado, a busca da teoria é fundamental para o
projeto, pois através da pesquisa teórica/ bibliográfica podemos ver ao longo do
caminho quais são as influências, histórias, disputas que aconteceram em um
determinado período e que trazem conseqüências para nossa atualidade. De acordo
com Foucault
(17)
a análise de arquivos aproxima da nossa atualidade o passado (a
história) que hoje nos constitui. É uma tentativa de compreender o que fomos para
tentarmos prever o amanhã. A proposta deste trabalho ressalta a necessidade de
compreendermos a história das políticas públicas de saúde no Brasil, pois assim
conhecemos as marcas do passado, presente em nós. Ao percorrermos os
caminhos dessa história, buscamos conhecer os percursos do pressuposto da
integralidade na história, desde o inicio do Movimento Sanitário até agora.
É importante salientar que a discussão desse trabalho não será em torno de
um conceito de integralidade. O termo conceito para Cunha
(18)
, traz uma idéia,
opinião, pensamento, noção, uma idéia mais fechada em si mesma; e a
integralidade hoje, segundo Camargo Junior
(19, 20)
pode assumir várias roupagens,
como: slogan político, imperativo ético, diretriz institucional, perspectiva de
integração de diversos tipos de serviços e práticas. Só nesta frase acima aparece a
sua multiplicidade. Portanto, a opção é permitir que toda a potência da palavra
“integralidade” surja no decorrer deste trabalho.
Após o esclarecimento dessas possíveis questões, começamos a pesquisa
com um retrospecto rápido pela história da saúde no Brasil, antes do SUS. Depois
dessa etapa, buscamos a integralidade hoje e observamos como ela vem sendo
discutida na saúde hoje, e qual a sua importância para a saúde coletiva.
O tema da integralidade foi incluído na Constituição Brasileira de 1988, como
atenção integral, dentro do capítulo que cria o Sistema Único de Saúde (SUS) como
um de seus pressupostos
(21)
. A inclusão da integralidade como uma premissa parece
ter sido consenso entre as várias vertentes do movimento sanitário, que apesar de
seus integrantes não terem uma reflexão aprofundada do tema, compreendiam a
sua importância.
21
A pesquisa da origem e dos caminhos percorridos pela integralidade nos
levou revisitar a história da saúde do país, as forças políticas, econômicas que
influenciam o futuro não só da saúde, mas do país.
4.1 O MOVIMENTO SANITÁRIO E AS BASES DA INTEGRALIDADE
O Movimento Sanitário, tamm chamado de Movimento pela Reforma
Sanitária, organiza-se no início do período da ditadura militar, em 1964, no Brasil.
Realizaremos uma pesquisa histórica desta fase, a fim de compreender os
movimentos que constituíram a referida Reforma, e que, uma vez organizados,
propõem o “atendimento integral” como diretriz do Sistema Único de Saúde - SUS.
Para entender, na totalidade, o significado do Movimento Sanitário,
ressaltamos necessária breve retrospectiva da história da saúde no Brasil, pois essa
história influencia as lutas e os anseios dos sujeitos que comporão esse Movimento
Social da saúde do país.
4.1.1 O SUS - retrospectiva de sua história
A história da saúde no Brasil tem, em sua trajetória, um processo de exclusão
das classes populares dos circuitos de decisão econômica, política e cultural. Num
século de história, essa exclusão aparece desde a época da Proclamação da
República até a transição democrática da “Nova República” (pág. 78)
(3)
.
A história da saúde pública, segundo Luz
(3)
, começa com Oswaldo Cruz. Este
médico pesquisador organizou e implementou, instituições de higiene e saúde e
‘campanhas sanitárias’ destinadas a combater as epidemias urbanas e,
posteriormente as endemias rurais.
A ausência de um projeto para a regulação nas relações sociais e trabalhistas
urbanas, levou o Estado a assumir o papel de instância reguladora e assistencial
pressionado entre as forças externas e internas. A Previdência Social brasileira teve,
podemos dizer, como marco inicial a Lei Eloy Chaves, em 1923, Esta lei instrui a
criação das Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs), dentro das empresas. Por
meio destas, instituem-se benefícios de assistência médica, medicamentos a preços
especiais, aposentadoria e pensão aos trabalhadores. Essa proposição do governo
nasce para neutralizar a ação organizativa dos trabalhadores, e, num contexto
político de transição do liberalismo ortodoxo, criar uma nova postura. A concessão
22
de serviços assistenciais tinha como forma de financiamento as contribuições
diretas dos empregados e empregadores e, indiretamente, da União. A gerência das
CAPs era realizada por um conselho administrativo composto pelos contribuintes
diretos e pelo Departamento Nacional de Trabalho competia apenas o julgamento de
recursos
(22)
.
No período de 1930 a 1945, embora ainda existissem as CAPs criadas no
período anterior, nascem os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs),
inaugurando uma nova estrutura de Previdência Social, eles representam uma
modernização no sistema
(22)
.
Os IAPs levaram, para dentro do Estado, a estrutura previdenciária da
sociedade civil, aumentando, progressivamente, o controle deste na gestão, além de
colocar a contribuição da União na mesma parcela que a dos demais contribuintes,
em um sistema tripartite de contribuição. Economicamente, esse período é marcado
pelos esforços de acúmulo e diferenciação, substituindo as bases exportadoras,
pelas industriais. Eles organizavam-se por categorias profissionais, e não mais por
empresas, portanto há uma ampliação da Previdência e, algumas categorias, que
antes não eram cobertas pelas CAPs, são, dessa forma, incorporadas por elas
(22)
.
No caso das CAPs os fundos financeiros eram arrecadados entre os
funcionários e empregadores, a contribuição era de 1% da renda para os
empresários e 3% para os trabalhadores. Enquanto que nos IAPs os recursos eram
tripartite (Estado, empresa e trabalhadores), segundo Almeida, Chioro e Zioni
(23)
e
para Da Ros
(4)
, cobrava 3% dos trabalhadores e patrões, configurando assim a
igualdade entre essas duas categorias. A proposta de arrecadação e administração
demonstra uma evolução entre CAP e IAP e traz, de alguma forma, a participação
popular, já que os trabalhadores tinham a sua representação na administração.
O período entre 1945 – 64 é marcado por uma variedade de governos, mas
conserva sua unidade populista. Nessa época, há o crescimento das despesas da
Previdência Social com aposentadorias e com assistência médica-hospitalar. O
trabalhador torna-se senão a única, pelo menos a principal fonte de recursos
previdenciários. Internacionalmente, a questão social é tomada como carro chefe
para a composição do capitalismo, em torno de novos centros de poder, por ocasião
do término da 2ª guerra. As mudanças ocorridas no Brasil, nesse período, não são
em decorrência de pressões internacionais, mas, sim, porque concordam com a
conjuntura e a necessidade da época
(22)
.
23
O relato acima mostra que as políticas públicas no Brasil, antes de 1960,
podem ser resumidas como sanitarismo campanhista realizado pelo Ministério da
Saúde e a um modelo de atenção à doença realizada pelos IAP’s. Era cobrada uma
parcela de 3%, para os trabalhadores e o mesmo percentual para os patrões.
Apenas os trabalhadores e seus familiares podiam utilizar-se dos serviços
oferecidos: equipes de médicos e enfermeiros, hospitais próprios e equipamentos de
última geração
(4)
.
O estado militarista (1964/84), também conhecido como o ‘milagre brasileiro’,
compreende os vinte anos da ditadura militar. Neste período houve grande mudança
na administração estatal e na reorientação institucional em todos os setores. Foram
reorganizados os traços institucionais das campanhas sanitárias e dos modelos
curativos da atenção médica previdenciária. Época marcada por atos institucionais e
por decretos que modificaram a Constituição, no tocante aos direitos de cidadania,
informação e comunicação social, bem como o controle dos poderes Judiciário e
Legislativo. Constatou-se um crescimento da medicina privada, desvinculado da
realidade sanitária da população e voltado para o desenvolvimento científico-
tecnológico das especialidades. “A saúde passou a ser vista como bem de consumo
médico” (pg82)
(3)
.
Conforme Da Ros
(4)
, ainda nestes 20 anos, abre-se espaço para a
construção de um poderoso complexo médico-industrial dos fabricantes de
equipamentos, medicamentos, hospitais privados, que assessora a eleição de
políticos comprometidos com a defesa de interesses próprios. Teixeira
(22)
complementa essa proposição, quando afirma que a prática médica está no interior
do ciclo de acumulação e reprodução capitalista, em detrimento de práticas
coletivas.
Vianna
(24)
aponta que o Complexo Médico Industrial (CMI) pode ser entendido
como uma trama de forças entre os diversos atores da saúde com o setor
econômico. Atores da saúde, nesta questão, são: a assistência médica, a formação
profissional, as indústrias farmacêuticas, a produtora de equipamentos médicos e de
instrumentos de diagnósticos. O CMI é resultado do desenvolvimento capitalista da
área médica, onde práticas privadas tornaram-se hegemônicas, onde a tecnologia
assumiu um status de beneficio para a humanidade, o conhecimento humano em
prol da solução de problemas de vida e morte.
24
A configuração desse cenário tem como forte influência o Relatório Flexner
dos Estados Unidos, que se originou com a investigação das faculdades de
medicina do país e foi financiado pela Rockfeller Foundation por meio da Johns
Hopkin University patrocinada por esse ícone do capitalismo americano. O modelo
Flexneriano, nascido nesta universidade americana traz uma proposta de atenção à
saúde hospitalocêntrico, biologicista, fragmentado em especialidades designadas
por um saber acadêmico reconhecido por lei. E a hegemonia desse modelo nos
Estados Unidos deve-se a sugestão de não financiamento das faculdades de
medicina que não adotassem esse modelo, em nome da padronização e
organização no ensino médico
(4, 25)
.
4.1.2 O que é Movimento Sanitário?
O que se evidencia na história da saúde do País, durante a segunda década
da ditadura e a nova constituição, compondo a base da luta do Movimento Sanitário,
era a intenção de ter um sistema único de saúde com um caráter de inclusão de
todos os cidadãos, com o objetivo de cessar o centralismo, corporativismo,
clientelismo, populismo e a tendência à exclusão das classes populares, enraizada
historicamente.
A luta do Movimento Sanitário, da época pré-constituinte, era baseado na
visão de saúde individual e coletiva como uma questão universal. O movimento
propõe a organização da saúde de um outro modo, uma necessidade de mudança
sentida na época, numa tentativa de conter o crescimento desmedido da assistência
privada que só fortalecia a exclusão e tornava dispendioso a continuidade dessa
prestação de serviço devido aos altos custos, tanto para o Estado quanto para o
usuário
(4)
.
Transformar a questão da saúde de um “negócio da doença” (pág. 18)
(25)
para
uma questão de vida, trazendo para discussão todos os envolvidos, transformando
os cidadãos em atores ativos, na luta pelo reconhecimento da saúde como direito de
todos, invertendo a lógica da exclusão vivida no país até então, era a luta dos
movimentos sociais da época pré-constituinte. Pensar na saúde tanto individual
quanto coletiva como uma questão universal, na luta pelo reconhecimento da saúde
como direito de todos, invertendo a lógica da exclusão vivida no País até então
passa a ser uma bandeira de luta.
25
O sentido da Reforma Sanitária, muitas vezes, não parece muito claro ou
preciso, mas ele trazia em si a aspiração, o desejo de avanço aos tipos de propostas
em vigor na saúde nos últimos anos, e não apenas de continuidade. Foi um
movimento de caráter potencialmente inovador, no campo da prática política na área
da saúde, o seu desenvolvimento e, conseqüentemente, a sua teorização
(26)
.
Para analisar os atores sociais que impulsionaram o Movimento Sanitário
utilizarei dois autores: Da Ros
(4, 13)
e Escorel
(14)
, que trazem em seus trabalhos
relatos desses sujeitos organizados em diferentes vertentes.
Da Ros
(4, 13)
propõe uma leitura de sete vertentes do movimento que foram
importantes: os Publicistas (do Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social – INAMPS), os Preventivistas, a Pastoral da Saúde, o Movimento
Intelectual da Área da Saúde (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – CEBES),
Movimento de Renovação Médica (REME), e Movimento Estudantil. Cada uma
dessas vertentes, com um olhar peculiar sobre a saúde, lutava por objetivos
comuns: rever a saúde no País, associar-se contra a ditadura e lutar contra o
Complexo Médico Industrial.
Os publicistas defendiam a construção de hospitais próprios e o retorno de
investimentos financeiros ao setor público que, na época, sofria um esvaziamento de
investimentos pelos governos da ditadura militar em prol do setor privado. Os
preventivistas buscavam um retorno das práticas preventivas com um investimento
maior destas ações. A pastoral da saúde representava a igreja católica que defendia
a fitoterapia, a educação popular e os trabalhos junto às populões de periferia dos
grandes centros e zona rural. O CEBES propunha uma reflexão sobre o sistema de
saúde na tentativa de reorganizar os profissionais de diversas categorias, através da
publicação da Revista Saúde em Debate. O REME defendia um sistema público de
saúde e combatia a associação da sua categoria, com fins exclusivamente lucrativos
e privados. As residências em saúde da comunidade vinham propor um modelo de
atenção básica qualificado e municipal. Os estudantes defendiam a luta libertária
com a colaboração dos outros movimentos e, através dos Encontros Científicos de
Estudantes de Medicina (ECEM), discutiam as necessidades de mudanças, devido
ao estado sanitário da população naquela época e defendiam a estatização dos
hospitais privados, que haviam sido construídos com dinheiro público
(4, 13)
.
Para Escorel
(14)
a transformação ocorrida não foi de um novo modelo de
atenção à saúde, mas uma nova força política/ ator que foi se conformando na nova
26
arena política de articulação entre vários núcleos, onde três vertentes destacam-se:
A primeira vertente é representada pelo movimento estudantil e o CEBES. O
Movimento de Médicos Residentes e REME são a segunda vertente, e a última
vertente é representada pela Academia. É importante ressaltar que essas vertentes
não eram estanques ou excludentes, mas, sim, partes de um processo de
construção de um movimento social.
Na primeira vertente, o movimento estudantil originou-se nas universidades,
numa ação conjunta entre alunos e professores não apenas da medicina, mas
representados por toda área da saúde. Com a repressão pela ditadura aos
encontros estudantis, foram organizadas Semanas de Estudos sobre Saúde
Comunitária (SESACS) que até certo ponto eram ignoradas pela repressão. O I
SESACS aconteceu em julho de 1974, em seus encontros anuais estudantes,
profissionais e professores da área reuniam-se para a construção de uma
consciência sanitária e difusão da corrente médico-social. Enquanto os estudantes
lideraram os debates de temas como saúde comunitária, o CEBES foi a pedra
fundamental do Movimento Sanitário. A criação do CEBES, num contexto de
dificuldades de espaços de luta contra o regime, se dá simultaneamente ao
lançamento de um veículo de comunicação para o pensamento critico na área da
saúde, a Revista Saúde em Debate
(14)
.
O CEBES, enquanto ator coletivo e autonomeado representante da
Academia, tem papel fundamental dentro do Movimento Sanitário, o de articulador
entre o saber acadêmico e a prática política, e mediador entre a academia e os
movimentos sociais
(27)
.
Construiu-se, a partir daí, um centro de estudos e elaboração de propostas
alternativas à política de saúde vigente, defendendo os interesses da população nos
espaços acadêmicos, políticos institucionais, parlamentares ou executivo. Sua meta
era a luta pela reforma sanitária, pela unificação do sistema de saúde e pela
democracia. Posteriormente, abraçou e concentrou forças na luta pela derrubada da
ditadura. O Movimento Sanitário, como movimento social, foi fomentador dos
movimentos dos profissionais de saúde e difundiu o pensamento político nas
questões da saúde
(14)
.
A segunda vertente, o Movimento de Médicos Residentes e o REME, trouxe
para o movimento a discussão do mundo do trabalho com suas relações e regras,
principalmente dentro da categoria médica, que se reconhece como uma classe
27
média e assalariada, devido à política econômica em vigor, assumindo, assim, uma
consciência trabalhista. Buscam nos sindicatos, greves, e na luta salarial estratégias
de reivindicação e formas de organização da categoria. O movimento dos médicos
residentes identificava-se com as propostas do CEBES, sem confundir-se com elas.
Tiveram em comum, muitas bandeiras de luta. Em 1980, os residentes enfatizavam
o que era proposto pelo CEBES, que veio a ser um principio norteador da VIII
conferência: “Saúde não é caridade. É dever do Estado”. (pág.96)
(14)
. O REME
ocupou sindicatos e representava um determinado segmento da categoria médica
que se distinguia do segmento de ideologia liberal, propondo um enfoque de
problemas sob três eixos: reconstrução das entidades médicas, uma concepção que
tomava homogeneamente a categoria como assalariada e uma postura de oposição
ao regime militar e às leis de exceção vigentes no País, naquele período.
A última vertente é a Academia, ou as ‘bases universitárias’ do Movimento
Sanitário, foi e ainda é o pilar teórico deste. Onde construíram a ideologia, o ideário,
o conhecimento e formaram-se os pensadores orgânicos da proposta, além de ser,
muitas vezes, o único espaço possível de trabalho, e que resultou na construção de
uma teoria social da saúde. Destacou-se como importante fator de transformação do
pensamento preventivista em médico-social, ou seja, entender que a saúde inclui
outros fatores como os determinantes sociais
(14)
.
As diferenças e semelhanças nos relatos da história do Movimento Sanitário
desses autores são justificadas pela leitura do eixo sudeste do País, relatado pela
autora Sarah Escorel, enquanto Marco Da Ros faz uma leitura do eixo sul
(14)
.
O Movimento Sanitário acontece num processo de “dentro para fora”, ou seja,
de diferentes técnicos que compunham o informal “partido sanitário”, sendo que
alguns destes faziam parte do aparelho do Estado (pág. 19)
(26)
. A proposição central
deste movimento foi o da redemocratização do Estado e ainda é a formulação de um
projeto contra hegemônico
(26)
.
Apesar de pretender representar os oprimidos da sociedade, o Movimento
Sanitário atua, cada vez mais, no lugar dos movimentos sociais, ao invés de
trabalhar vinculado a esses movimentos. Como conseqüência, temos a
inexperiência do Movimento Sanitário a nível macro e nos momentos de embate
com grupos burocráticos (pré-existentes no aparelho do Estado), e ao buscar o
respeito da participação popular, não consegue devido a sua falta de organicidade,
28
tornando-se uma representação instrumental da sociedade civil na definição das
políticas de saúde
(27)
.
Outro aspeto importante a ser refletido aqui é a trajetória paradoxal desse
Movimento, é a substituição do debate da Determinação Social do Processo Saúde-
Doença (dentro da tradição latino-americana e italiana), pela Organização Social da
Prática Médica. Isso não acontece ao acaso, o primeiro questiona diretamente o
modo de produção capitalista, colocando em cheque a natureza do próprio Estado.
Ao assumir esse marco significa trabalhar a consciência sanitária enquanto
dimensão da consciência de classe, questionando constantemente as políticas
públicas de saúde sob a égide do capitalismo. A Organização Social da Prática
Médica desloca o questionamento da estrutura dos modos de produção para a forma
de prestação de serviços e usa a categoria consciência sanitária no sentido estrito
de cidadania. Aqui se explicita o “Dilema Reformista”, o socialismo desejado depara-
se com as limitações e preconiza o possível: a democracia
(27)
.
4.1.3 Movimento Sanitário: conversando com os idealizadores.
Para entender melhor o que o Movimento Sanitário entendia por integralidade
escolhemos como estratégia interrogar atores idealizadores sobre a inserção e papel
dos mesmos dentro da reforma. Essa proposta tinha o objetivo de escapar de
respostas prontas e intelectualizadas sobre o tema. Ao realizar uma retrospectiva
pessoal, levamos os entrevistados a reviver e/ ou atualizar a sua experiência do
passado na busca pela atenção integral.
O resultado disso é uma viagem no tempo, onde mergulhamos com esses
sujeitos nesta fase importante e rica para a história das políticas públicas de saúde
do Brasil. A seguir, convidamos o leitor a nos acompanhar nessa investigação na
busca da integralidade. Por meio das falas dos atores e da interlocução com a
teoria.
“O movimento sanitário é polifônico, ele tem várias vozes,
várias propostas...” (Madel Therezinha Luz).
“... eu não sou ator único, essas coisas todas foram feitas a
milhares de mãos dadas...” (Gilson Carvalho).
29
As falas acima exemplificam a história da reforma sanitária, como mais do
que um simples Movimento, pois ele representava muitas vozes. O seu início
acontece na década de 70 e
“... nessa época se discutia a questão da implantação dos
departamentos de medicina preventiva e social,... sem esse enfoque
na determinação econômica social da doea” (Gilson Carvalho).
A sua discussão significava questionar o capitalismo, e conforme Gallo
(27)
, o
possível nesta época era a busca da democracia e não o debate da estrutura do
Estado.
A heterogeneidade de coletivos e objetivos da reforma sanitária era composta
por movimentos sociais, estudantes, residentes, médicos, sindicato médico,
docentes e pesquisadores da área da medicina preventiva e da saúde pública.
Dentre esses, os entrevistados citam: CEBES, renovação médica, Academia,
ABRASCO (Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva), ECEM
(Encontros Científicos de Estudantes de Medicina), UNE (União Nacional dos
Estudantes), Sindicato dos Enfermeiros, Associação dos Residentes, CUT (Central
Única dos Trabalhadores), trabalhadores da área da saúde, Pastoral da Saúde,
movimento municipalista
2
. Muitos destes já apontados por Da Ros
(4, 13)
e Escorel
(14)
.
No cenário mundial, acontecia, em 1978, a Conferência de Alma Ata e foi a I
Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde convocada pela
Organização Mundial da Saúde (OMS), em parceria com o Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF). Este evento é referência mundial pelo alcance que
teve em vários sistemas de saúde do mundo
(28)
. A conferência enfatiza a saúde
como completo bem estar físico – mental – social, um direito humano fundamental, e
ainda coloca como meta mundial o mais alto nível possível de saúde e inclui outros
setores sociais e econômicos, além do setor saúde
(29)
.
Neste mesmo ano, 1978, acontece no Brasil o primeiro encontro nacional de
municípios para debater a questão da saúde, pela luta da democratização do país e
a municipalização, organizado por meio de uma parceria entre os municípios de
Londrina e Niterói
(30)
. Esse movimento origina-se de uma conjuntura da época, com
o fim do ‘milagre brasileiro’
(3)
, as prefeituras sem dinheiro, começam a se voltar para
2
“O CONASEMS (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde) nasce com o
movimento municipalista (...)”. (Gilson Carvalho).
30
área social, fazendo redes, coincide com Alma Ata, com a proposta de cuidados
primários com saúde” (Gilson Carvalho).
O movimento municipalista, já citado, precede o grande Movimento Sanitário,
um dos entrevistados relata:
“... ele tem uma importância fundamental na história da
saúde desse país, mas como ele não esteve dentro, não passou
pelas universidades,... vais encontrar muito pouca coisa,... foi um
movimento muito fazedor das coisas e menos escritor...” (Gilson
Carvalho).
O movimento municipalista unia-se, então, com o movimento de atenção
primária, influenciado, também, por essa conferência internacional, mas a reunião
dos municípios foi mais centrada na atenção primária e cuidados primários de
saúde, que era uma demanda emergente explícita nos municípios brasileiros.
A afirmação de que o Movimento Municipalista foi mais fazedor do que
escritor explicita o importante papel da Academia na disseminação das idéias do
Movimento Sanitário, já explicitado por diversos autores
(4, 14, 27)
. Há concordância
com Oliveira
(26)
e Gallo
(27)
que afirmam que o Movimento Sanitário é representado
pelo que Gramsci chama de intelectuais orgânicos
(31, 32)
. O movimento municipalista
traz em suas discussões importantes contribuições para o Movimento Sanitário, mas
acaba ficando à margem, devido a ausência de divulgação acadêmica das suas
idéias.
A grande maioria dos debates realizados por esses diversos atores convergia
para o CEBES:
“... que era um centro de discussão, de atuação onde ao
mesmo tempo em que a gente produzia a questão do sistema único
da saúde coletiva na política pública naquele momento, formando
pessoas, quadros, saindo, divulgando, era um momento de contra
hegemonia, de tentar mudar o modelo. Então baseado tanto na
produção de conhecimento quanto na difusão de uma consciência
sanitária, uma prática política institucional, quer dizer, vai interferir na
política” (Sonia Maria Fleury Teixeira).
A Academia acabou centralizando a discussão, os próprios integrantes do
Movimento Sanitário ainda estão vinculados à Academia de alguma forma. Os
militantes da saúde atuavam em mais de uma frente, participavam não apenas de
um ou outro movimento, mas em diversos âmbitos, como podemos observar na fala
de um dos entrevistados que narra ter “inicialmente participado do movimento de
31
renovação médica, logo depois da organizão do movimento estudantil na área da
saúde, do CEBES, da ABRASCO (Jorge Solla).
Após os encontros com os idealizadores, é possível perceber na
complexidade do Movimento Sanitário, um mosaico como bem relembra um dos
entrevistados. Complexidade essa que não era apenas do Movimento da Reforma
Sanitária em si, mas dos seus construtores tamm, percebemos isso nas suas
falas e no engajamento dos participantes em fazer acontecer a mudança na
realidade social do país, por meio da luta pela saúde pública.
Outro ponto de destaque é a importância da Academia como instrumento
legitimador e divulgador do pensamento do Movimento Sanitário. A história do
Movimento Municipalista demonstra muito bem isso, pois este ficou incógnito até
que sua história fosse contada pela Academia.
Dando continuidade à investigação histórica, ingressamos na VIII Conferência
Nacional de Saúde (CNS) e buscamos referências para a atenção integral e seus
entendimentos.
4.1.4 A VIII Conferência e a Atenção Integral
Na história da saúde, a Lei nº. 378, de 13 de janeiro de 1937, impôs a
obrigatoriedade de promover conferências nacionais de saúde a cada dois anos. A
8ª CNS acontece em março de 1986 e nos 49 anos que a antecederam foram
convocadas apenas sete conferências. A 1ª CNS realizou-se em 1941, a 2ª CNS,
1950 e essas duas tiveram a preocupação central na definição do espaço
institucional da saúde. Nesta época, o setor saúde estava subordinado ao Ministério
da Educação. A 3ª CNS, em dezembro de 1963, teve uma temática mais
abrangente, refletiu o momento político da época, buscou legitimar um conhecimento
prévio da situação sanitária da população e definiu formas de atuação dentro dos
três níveis da esfera pública. A 4ª CNS ocorreu em 1966, e foi a primeira após o
golpe militar, a 5ª CNS , em 1975 e mostrou-se desnivelada na sua estrutura
temática, a 6ª CNS, em 1977 e sem preocupação com o produto final desta. E,
finalmente, a 7ª CNS, em março de 1980, e esteve sujeita às influências
internacionais de democratização da saúde e uma necessidade do governo em
buscar a legitimidade, objetivou negociar um pacto de transição política sem grandes
traumas
(33)
.
32
Da Ros
(4)
salienta que na 5ª CNS houve uma tentativa de criar um Sistema
Nacional de Saúde formulando a Lei 6.229, que não passa do papel. E na 7ª CNS, o
CEBES é convidado a participar e colaborar na proposta do PREV-Saúde, mas essa
proposta sofreu represálias e como conseqüência, alguns membros do CEBES
foram presos e funcionários do Ministério da Saúde e da Previdência foram
expurgados devido a denuncias por ligações clandestinas a partidos de esquerda
comunista.
A 8ª CNS acontece em 1986 e é resultado do Movimento Sanitário, de âmbito
nacional, que conquistou, pelo trabalho político intenso, alguns importantes postos
de condução política setorial e proporcionou, assim, uma articulação política entre
partidos, organizações sindicais e população. Foi por meio dessas conquistas que
esta conferência tornou-se a maior da história, e pode propor um debate ampliado
para a sociedade como um todo. Teve a finalidade de subsidiar a reformulação do
sistema nacional de saúde, além de proporcionar elementos para a constituinte
(4, 33)
.
Esta CNS é marcada pelo mais amplo e democrático debate sobre a questão da
saúde e trouxe grande visibilidade técnica, política, conceitual e organizativa ao
Movimento Sanitário
(32)
.
Outra característica importante desta CNS é que ela não se deu em um
momento único, teve seu inicio em encontros realizados nos estados e municípios
antes da sua realização. Essas pré-conferências são figuras novas na história das
conferências e esses encontros criaram foros representativos de debates, contando
com a participação de diferentes atores que contribuíam como subsídio para o
debate nacional
(33)
.
A 8ª CNS discutiu a estrutura do sistema nacional de saúde do Brasil, revendo
conceitos, questionando posturas e buscando os anseios e expectativas populares
relacionados ao setor saúde. Para tal, tinha três temas básicos: saúde – direito de
todos, dever do Estado; reorganização do sistema e financiamento
(33)
.
Dentre os temas básicos, resumidamente afirmamos que o primeiro abre a
possibilidade de resgatar uma dívida social do Estado para com a população, am
de ser a oportunidade histórica de assegurar na Constituição a saúde como um
direito social básico. O segundo, citado acima, traz a discussão da situação da
saúde na época, com um alto grau de privatização da assistência médica, hospitalar.
Devido a isso se intensificou a discussão sobre como estruturar um novo sistema. O
terceiro tema trata do financiamento desse sistema, trazendo uma revisão dos
33
mecanismos em vigência e faz algumas propostas, tais como: diversificar fontes
tributárias responsáveis pela receita previdenciária, buscar uma fonte de recursos
fixos para desenvolver políticas de saúde e a destinação mais justa dos recursos
alocados para a assistência médica
(33)
.
O segundo tema básico, reorganização do sistema, é importante para esse
trabalho, pois é nele que aparece, mais claramente, os princípios do SUS,
mostrando que algumas das diretrizes desse sistema foram consensuais dentro da
8ª CNS. Entre eles, aparece a proposta de integração institucional entre os vários
órgãos e níveis de atenção, podemos interpretar que neste fato está evidenciado um
dos entendimentos que havia na época sobre o princípio da integralidade
(33, 34)
.
No texto para saúde, segundo Rodriguez Neto
(35)
, no capitulo II, referente à
seguridade social, no Art.227, lê-se: “A seguridade social compreende um conjunto
integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a
assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”(pág.
34)
(35)
. E na seção 1, dentro do Art.231 trata-se de uma rede de saúde regionalizada
e hierarquizada, que constitui o sistema, mediante algumas diretrizes e, entre elas, o
“atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo
dos serviços assistenciais” (pág 35)
(35)
.
Ainda em relação ao capitulo II, Nitão
(36)
relata que, num estado democrático,
as ações e serviços de saúde deverão ser de quem está mais próximo à população,
de modo a facilitar a sua inserção nas instâncias decisórias. Com relação às
competências de ações e serviços de saúde nas diferentes esferas de governo,
devem ser definidas respeitando as diretrizes do SUS (universalidade,
descentralização, integralidade e participação).
Em uma sociedade em transição democrática, algumas questões contribuíam
para os debates à assistência a saúde. Havia uma preocupação em buscar a
integração das questões no nível social, econômico e político. O debate da
integralidade aparece disperso durante esse período, evidenciava-se uma
preocupação maior com a universalidade e eqüidade (ou igualdade) da atenção
(33,
34)
. Rodriguez Neto
(35)
demonstra isso ao dizer que a essência da proposta era o
direito igualitário e universal, ações de promoção, proteção e recuperação da saúde,
o importante ainda era que o SUS incorporasse todas as ações e serviços de saúde.
A seguir apresentaremos pontos cuja interpretação é tida como entendimento
da integralidade em saúde naquele período, ou ainda fatores que demonstrem a
34
importância da inclusão e discussão da integralidade, e que dão alguns indícios de
como era compreendida essa proposta na época.
A pluralidade de modalidades assistenciais vivida na época era uma questão
em aberto. Havia diferentes produtos oferecidos como assistência integral a uma
parcela da população, atos médicos isolados, diversidade técnica diante às mesmas
patologias, distintas formas de atendimento aos cidadãos, ou seja, um caos na
organização da saúde do país. Além disso, grande parte do debate estava centrado
na reformulação institucional do setor, a fusão ou não fusão do INAMPS com o
Ministério da Saúde
(34)
.
Na tentativa de superação do caos, a proposta de integralidade das ações de
saúde, elimina as dualidades entre as práticas individuais e coletivas, preventivas e
terapêuticas. Desenvolve serviços básicos de saúde que integram as ações
preventivas e curativas, articulados com um sistema de assistência médica
secundária e terciária. Também importante citar a articulação intersetorial e a
integração dos recursos públicos federais, estaduais e municipais
(34)
.
Entre a essência dos conteúdos da proposta da saúde, aparece a sugestão
de um conteúdo mínimo de atribuições, que desse ao sistema um alto grau de
integralidade, mediante a inclusão da saúde ocupacional, posteriormente chamada
de saúde dos trabalhadores
(35)
.
O que pretendiam com o termo integralidade o Movimento Sanitário e suas
diferentes vertentes/ movimentos? Após todos os debates, no texto constitucional
aparece: “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais”
(21)
.
4.1.5 VIII Conferência e a Atenção Integral: as vozes dos atores
Como apresentar a VIII conferência? Esta é uma questão que se apresenta.
A escolha deu-se por intermédio das vozes dos atores envolvidos nessa história. O
fim do ‘milagre brasileiro’ abre uma brecha importante na ditadura e permite algumas
conquistas que impulsionam na direção da 8ª CNS, como explicita a fala seguir:
“... por que também havia necessidade de se legitimar junto
ao povo, por que todo mundo estava muito descontente com a
função já do fim do milagre econômico...” (Clair Castilhos Coelho).
35
A legitimidade apontada por Clair Castilhos possibilita que a 8ª CNS fosse
esse espaço de legalidade popular, pois foi o...
“... 1º evento que vão aparecer delegados dos movimentos
sindical, delegados partidários, vão aparecer com o movimento
popular de saúde, principalmente o MOPS
3
(...) por que foi muito
variado, como tinha 4.000 delegados na 8ª conferência, pelo menos
4.000 pessoas presentes, de muitas categorias profissionais
diferenciadas, da academia, de classes sociais, na verdade só não
estava lá a burguesia e o empresariado...” (Maria Luiza Jaeger).
Maria Luiza Jaeger complementa a colocação de Clair Castilhos, foi um
espaço de debate construído socialmente por meio das pré-conferências que
aconteceram nos municípios e estados brasileiros. A estrutura do debate
descentralizado e prévio a 8ª CNS traz na representação de seus delegados a
aproximação com as bases populares do país. A conquista desta conferência
nacional é, ...
“... o único projeto inteirinho que nasceu da base para a
constituinte foi exatamente o de saúde e ele foi sacramentado na
conferência (...) passou pela sociedade, passou pela sociedade dos
amigos de bairro...” (Gilson Carvalho).
As falas acima demonstram um pouco o que foi a 8ª CNS, resultado de uma
luta árdua do Movimento Sanitário que há muito vinha discutindo as questões da
saúde, criticando a situação caótica desse setor no país. Legitimada e representada
pelos mais variados setores, desde profissionais a cidadãos, desde associações a
movimentos sociais, um marco na história, como a maior conferência já realizada
num debate amplo e democrático sobre a saúde, além do resgate de uma dívida
histórica com os cidadãos brasileiros
(32, 33)
.
Num espaço onde há diversidade de representações, não podemos imaginar
uma uniformidade de opiniões. Em vista desta questão, as negociações foram
constantes nesse processo e para além da 8ª CNS, como demonstra o texto a
seguir:
“... era processo coletivo de negociação... as negociações
foram negociações de pressão social, mas também teve negociações
onde as relações pessoais funcionaram. E de outro lado por parte do
governo daquela época. E por parte do empresariado o interesse
maior na constituinte era discutir mais a parte econômica do que a
3
Movimento Popular de Saúde (MOPS)
36
parte social. Então a parte social basicamente ficou com o povo da
esquerda discutindo com o governo, o chamado movimento sanitário,
ele nunca foi uma coisa única, ele sempre teve as posições mais
variáveis possíveis, por exemplo, a CUT defendia uma posição...
durante a comissão nacional da reforma a estatização de tudo, tanto
ela quanto o PCB
4
, via os trabalhadores...” (Maria Luiza Jaeger)
Essas negociações durante a constituinte demonstram a organização e o
desejo comum de todos os envolvidos nessa luta. Acima das diferenças havia um
objetivo maior a ser alcançado, e sem a união de forças teria sido difícil,
demonstrando o pluripartidarismo na luta pela saúde. A heterogeneidade partidária e
uma meta, sonho em comum que superaram as forças contrárias. A fala a seguir
demonstra o embate para a aprovação da Lei Orgânica de Saúde:
“... foi uma luta grande no sentido de se aprovar ou não, por
que tinha gente contra, e digo aqui uma homenagem e foi graças ao
trabalho da esquerda, da direta e do centrão, que se aprovou. A
esquerda sozinha jamais conseguiria aprovar a 8080, então se viu a
importância da pluralidade de um CONASEMS que reúne as
Secretarias Municipais de Saúde, de todos os partidos...” (Gilson
Carvalho)
A luta do Movimento Sanitário não encerrou com a 8ª conferência, e a
pluralidade manteve-se após esta, agora o foco era para que as propostas da 8ªCNS
entrassem na Constituição e se firmassem por outros meios legais. A lei orgânica
8080/90, demonstra isso, assim como a 8142/90. Estas leis foram necessárias para
colocar em vigor os artigos da Constituição Brasileira, de 1988. Durante os dois anos
de Constituinte, essas leis tiveram o acompanhamento da Comissão Nacional da
Reforma Sanitária (CNRS), que assessorou deputados, garantindo que o lema da
8ªCNS entrasse na constituição
(4)
.
Retornando ao período que precede a 8ªCNS, percebemos que com o fim do
milagre brasileiro
(3, 4)
foi exposta uma realidade cruel, a fonte de financiamento não
era inesgotável e aquela forma de estruturar a saúde era de alto custo e baixa
resolubilidade. Esta conjuntura já era motivo de preocupação do Movimento
Sanitário, as discussões refletiam isso:
“... houve toda uma discussão durante a década de 70 de que
não dava para reduzir saúde a 1º acepção, da assistência à saúde,
como tava na constituição anterior, apenas assistência médica.
Então saúde tinha a ver com condições, quer dizer, ou mudava o
4
Partido Comunista Brasileiro (PCB)
37
conjunto das coisas e atenção. Os serviços de saúde tinham de
pensar em saneamento, tinha de pensar em educação, tinha que
pensar...” (Maria Luiza Jaeger).
O debate no Brasil e no mundo, na década de 70, traz marcadamente o
discurso da saúde como um direito fundamental, como propõe Alma Ata
(29)
. Os
sistemas de saúde, nos países de primeiro mundo, começaram a ser questionados
diante novos entendimentos do processo saúde – doença – cuidado, articulando
saúde e condições de vida. Outra razão forte foi a inviabilidade de manter os custos
dessa estrutura centrada na assistência médica e na alta tecnologia, que tinha
pouco efetividade, principalmente no caso das doenças crônicas
(28)
.
No Brasil da ditadura militar, vivíamos uma realidade onde o dinheiro da
saúde financiou a construção de hospitais privados e pagava por exames realizados
nestas instituições financiadas pelo dinheiro público. A prática médica estava no
interior do ciclo de acumulação e reprodução capitalista, seguindo a lógica do
modelo flexneriano
(4, 22, 25)
. A fala na seqüência demonstra isso:
“... estávamos fazendo uma saúde partida, uma saúde
trincada, onde a gente negava muita gente fácil, onde os pobres
principalmente não tinham acesso aos outros caminhos, eles muitas
vezes ficavam na atenção básica, primeiros cuidados, ou da
emergência, e não tinha uma continuidade. A gente tem que fazer,
não só o individual e também não só o coletivo tem ter o individual e
coletivo junto. A gente tem de ter a baixa complexidade, todos os
níveis de complexidade, e a média e alta complexidade. Então essa
foi uma discussão individual, coletiva, é media e alta complexidade
preventiva e curativa, esta discussão passou muito por cima disso.
(...) não eram cuidados primários exclusivos, excludente dos outros
cuidados, era integrado aos outros cuidados. Então a integralidade
dos procedimentos, a integralidade dos especialistas, mas que não
fosse como caminho para quem não tem atenção primária, mas
fosse à continuidade da atenção primária. A integralidade
contrapunha as dicotomias históricas...” (Gilson Carvalho)
O debate do Movimento Sanitário e a conquista da 8ªCNS foram o
reconhecimento do conceito ampliado de saúde, como um dos mais importantes
avanços para a saúde do Brasil. Isso explicita que o país estava mudando, ou
tentando mudar a sua relação com a saúde
(4)
.
Nessa imersão histórica que fazemos na busca da integralidade dentro do
Movimento Sanitário, não a observamos explicitamente, ela surge como resposta a
uma conjuntura da época, assim como seus pares, a universalidade e a eqüidade.
Os próprios atores dessa história não fazem referência direta a ela, mas quando
38
questionados trazem à reflexão a importância da sua inclusão, como nesta fala,
contrapondo dicotomias históricas.
“... A palavra integralidade aparecia como uma palavra
difusa. Ela aparecia muito mais como atenção primária, educação
popular, a palavra não era integralidade nem atenção integral, as
palavras eram educação popular, atenção primaria, saúde
comunitária, essas eram as palavras pra dizer o que hoje eu
chamaria atenção integral...” (Chapeleiro).
A idéia desse pressuposto, segundo um dos entrevistados era,
“... muito mais como um elemento, mas não um elemento
chave, naquele momento do projeto. A gente tem que pensar que o
projeto ele não estava pronto (...) atenção integral aparece, mas que
ela foi posteriormente recebendo mais conteúdo e mais
importância...” (Sarah Escorel).
Assim como o projeto do sistema de saúde não estava pronto, a idéia de
integralidade tamm parece estar ligada a todo esse contexto vivido na época. E as
referências feitas pela citação acima retomam o debate da década de 70, a
discussão da atenção primária, da educação popular, da saúde comunitária.
Um projeto inacabado que nasce de uma proposta socialista inviável durante
uma ditadura militar, e o que se pode realizar, ou o que é prioritário conquistar é a
democracia
(4, 27)
. Poderíamos dizer que alguns conceitos não foram suficientemente
desenvolvidos, “na discussão da reforma brasileira tivemos várias caixas pretas,
várias caixas pretas, esses conceitos eram pra nós caixas pretas, de repente
universalidade, que é uma caixa preta ainda hoje.” (Rei de Copas).
As propostas da 8ª CNS e, conseqüentemente, do SUS nascem do encontro
de diferentes atores, as contradições deveriam fazer parte do cotidiano dos debates.
“... sempre houve um mosaico em que a idéia de
integralidade funcionava efetivamente como uma imagem objetivo,
quando não se esclareciam as diferenças entre os sentidos...”
(Ruben Araujo de Mattos).
Integralidade, universalidade, igualdade eram temas debatidos, portanto a
integralidade não aparece como tema novo, incluído na discussão do “slogan tudo
pra todos que é antigo” (Gilson Carvalho).
Este entrevistado afirma:
39
... esses princípios, todos eles, tinham uma discussão que já
era anterior, eu faço um divisor de águas... a 3ª conferência nacional
de saúde, em 63, no final do ano, em dezembro, o ministro era Fadul.
Era a época das grandes reformas do Brasil, se discutia reforma
agrária, reforma da previdência, reforma da educação, depois um
pouco da previdência e saúde, o sonho nosso acabou. Por que logo
em março veio a ditadura militar, mas de dezembro a março nos
tínhamos o sonho ainda de tirar o que estava decidido na 3ª
conferência ...” (Gilson Carvalho)
O debate não é novidade, a 3ª CNS, sob a direção do ministro Wilson Fadul,
abordou a discussão da situação sanitária do país, evidenciando a questão médico-
sanitária do país nas três esferas políticas, propondo a municipalização dos serviços
e a fixação de um Plano Nacional de Saúde
(33)
.
Mesmo não sendo um tema novo, as contradições e as diferenças nos
entendimentos ou interpretações aparecem, com relação às origens também desse
pressuposto, que são atribuídas a diferentes bases.
Entre as origens citadas por diversos entrevistados, a já comentada
Conferência de Alma Ata, possivelmente, tamm origina a expressão ‘atenção
integral’ posta na Constituição, devido a sua discussão dos cuidados primários de
saúde. Esses cuidados referiam-se a uma atenção primária levada para
comunidade, próxima de onde as pessoas vivem e trabalham, o primeiro momento
da atenção à saúde
(29)
. As expressões – atenção integral, atenção primária, saúde
comunitária – por vezes pareciam confundir-se, mas tamm foram explicitadas por
Paim
(37)
quando diz que os temas saúde comunitária e medicina comunitária eram
sinônimos de saúde pública, medicina social, medicina integral ou ainda medicina
preventiva.
“... era o momento de descrever o cuidado a saúde, com um
pouco do conceito de atenção primária, o conceito de saúde
comunitária. A atenção primária era uma coisa mais forte, parece que
transforma, era poder transformar... tinha esse desejo de chegar
mais próximo de onde as pessoas moravam ...” (Chapeleiro)
No final do século XIX, começou a separar tudo, “a luta pela atenção integral,
pela desfragmentação é uma luta desde inicio do século passado” (Rainha de
Copas), a dialética social produz novos questionamentos e começamos a ter críticas
e “na década de 70, isso fica mais acirrado, a fragmentação com a reforma
flexneriana (...) integralidade ela veio quase que arrancada do povo, arrancada do
próprio Movimento” (Rainha de Copas).
40
Outras referências que são citadas como possíveis bases para a discussão
da integralidade são: o Modelo da Medicina Preventiva Norte Americano, a História
Natural das Doenças, a influência do Conceito Ampliado de Saúde, Relatório
Dawson e a Reforma Sanitária Italiana.
Essas indicações são tamm as bases dos debates da nossa reforma
sanitária, o que reafirma que a integralidade estava incluída dentro de um bloco de
propostas.
“... essa idéia de integralidade, de medicina integral de
alguma forma vem da medicina preventiva americana, que tem nome
de comprehensive medicine, que poderia traduzir como medicina
integral. A partir do preventivismo, de uma critica que foi realizada,
uma critica teórica epistemológica ao modelo da medicina preventiva.
E era uma forma também de você criticar, apesar da sua
precariedade, a saúde publica clássica que só via parte da
prevenção e a assistência medica individual, curativista,
hospitalocêntrico, todos esses adjetivos que se utilizam ai, para
caracterizar tanto a medicina liberal quanto a medicina
previdenciária, que era a medicina na época do INPS e
posteriormente do INAMPS. Então apesar de termos críticas
fundamentadas a essa concepção de medicina preventiva, na luta
política, teórica, ideológica ela era útil para poder se confrontar com
aquilo que na época era hegemônica, tanto o sanitário tradicional
quanto a medicina previdenciária e a medicina liberal...”(Jairnilson
Paim).
Como a citação acima explicita, a discussão da medicina preventiva e história
natural das doenças, quando o debate fazia um contra ponto na hegemonia
colocada na época. Houve, também, uma mitificação do papel do social na saúde.
Ao tornar-se mito perde a articulação entre a medicina e a sociedade, de onde vem
a riqueza dos diferentes saberes. A falta de uma teoria que discuta essa relação
permitiu que isso acontecesse, fazendo com que essa articulação assumisse um
valor de troca dentro da sociedade capitalista
(38)
.
O que “se discutia mais era o conceito ampliado de saúde, o financiamento do
modelo do sistema e a reforma ou mudança do modelo assistencial, do modelo de
gestão” (Clair Castilhos Coelho), que “veio da 8ª conferência como um conjunto
articulado de políticas publicas de intervenções sobre determinantes sociais da
saúde” (Jairnilson Paim).
Outra influência importante daquele período foi o Relatório Dawson de 1920,
que:
41
... introduziu a questão da estrutura do sistema em níveis de
complexidade... seria a questão da integralidade, seria ter acesso em
tempo integral, em qualquer nível, que inicialmente era vedada e com
a constituição de 88, passa a ser universal, integral, pra corresponder
com conceito de verticalidade...” (Valete de Copas).
O referido relatório tem sido considerado um dos primeiros documentos
através do qual se propõe pensar na criação de Sistemas Nacionais de Saúde e de
modo específico as políticas públicas. Originário da Inglaterra, no ano 1920, o
sistema de saúde propõe uma organização hierarquizada dos serviços de saúde por
nível de complexidade (os centros primários de atenção à saúde, os centros
secundários de atenção à saúde e os hospitais de ensino) em uma área geográfica
definida, organizados com bases populacionais e influenciou diversos sistemas de
saúde do mundo, inclusive o brasileiro
(39-41)
.
Não podemos deixar de destacar na entrevista acima, o entendimento
passado sobre a atenção integral, ou integralidade como é citado, “amarrado”, à
universalidade.
O trecho da entrevista a seguir, demonstra a influência das diversas
referências no debate da saúde, no período do Movimento Sanitário e,
conseqüentemente, a influência no entendimento e discussão da integralidade.
“... esse conceito de integral, de atenção integral é uns dos
conceitos tradicionais do sistema de saúde, dos sistemas públicos de
saúde, o Brasil não inventou, (...) boa parte das diretrizes que
estavam na Inglaterra, na União Soviética, em Cuba, no Chile, nos
países que estavam implantando políticas publicas nos sistemas
nacional de saúde. E o conceito de integral vem dos anos 30, 20 lá
na Inglaterra, que é a idéia de um sistema que fundisse a prevenção
com clínica, realizasse o atendimento preventivo básico até o mais
sofisticado. O conceito de integralidade ele é ligado a idéia do
sistema, não o sistema fragmentado como é o do publico/privado,
área curativa/área saúde publica do governo, área curativa
assistencial do mercado, como é nos EUA até hoje e que era no
Brasil. Então ele se propõe a integrão sanitária, universalidade,
são conceitos antigos. O SUS inovou na descentralização, na gestão
participativa, controle social, mas os outros todos, inclusive
integralidade, a gente herdou. A hierarquização, regionalização, essa
história no Brasil, são conceitos dos anos 30, 40. Isso entra na 8ª
conferência com esse sentido: de assegurar as pessoas o que fosse
necessário; ter um sistema com base na necessidade de saúde, pra
isso tem que ter todas as ofertas possíveis, necessárias, tem
prevenção, teto em pesquisa, cirurgia, fisioterapia, prevenção
comunitária, que essa a idéia dela, da intervenção global...” (Gastão
Wagner de Sousa Campos).
42
Esse entrevistado relata as influências de outros sistemas de saúde na
discussão da reforma sanitária no Brasil, explicitando as bases de alguns
pressupostos, bem como as inovações propostas no nosso sistema. Mas se
destaca, novamente, a compreensão da integralidade, porém associada por esse
ator às questões do sistema de saúde e compreendida com a eqüidade.
Ao longo da apresentação deste subtítulo, percebemos a dialética social
tecendo conceitos, propostos na área da saúde. E como já comentamos
anteriormente, a multiplicidade produzida por intermédio do encontro de todos esses
atores e as diferenças e semelhanças, contradições resultantes desse processo, traz
à tona algumas compreensões para a expressão: atendimento integral.
“... da 8ª conferência (acho que) a idéia de atenção integral já
tinha várias conotações, não acredito que elas tenham surgido no
decorrer do processo, acho que já tinham abordagens diferentes da
idéia de atenção integral. Atenção integral vista como uma
assistência global do individuou, do paciente, do usuário, abordado
tanto na idéia do bio-psico-social, nas diversas dimensões do ser
humano, com até abordagem vamos afirmar na forma biológica, uma
forma mais global. E também na perspectiva de você não ter um
sistema de saúde que fosse restrito a determinado nível de atenção,
se tivesse sistema de saúde que fosse amplo suficiente. (...) junto
com universalidade é obvio, e você em vez de as ações de promoção
da saúde, prevenção de doenças, diagnóstico, tratamento,
reabilitação, eu brincava às vezes com o pessoal, o SUS é uma
utopia tão grande se propõe a fazer tudo, atender todos, o problema
que ‘todos’ é muito amplo ...” (Jorge Solla)
Percebemos, aqui, a diversidade de entendimentos, que não é a redução do
sujeito ao objeto, centrada na doença, mas acabar com a dicotomia entre prevenção
e cura tanto a nível institucional (representados pelo Ministério da Saúde e INAMPS)
quanto das práticas de saúde, uma necessidade urgente de superar a fragmentação
do sistema, das práticas e ações de saúde. E de promover a integração dos diversos
níveis de atenção, combater o reducionismo das políticas, como por exemplo:
“reduzir as mulheres à função de mãe” (Ruben Araujo de Mattos), a des-
hospitalização do sistema de saúde, a ampliação à atenção à saúde com equipes
multiprofissionais de saúde, ou seja, combater a hegemonia flexneriana que era uma
realidade na época. Buscar brechas nas forças políticas para superar o caos
experienciado na saúde naquele período
(34)
. A pluralidade vivida na época
proporciona uma multiplicidade de compreensões e necessidades, como bem
explicita o período a seguir: “e esse conjunto de sentidos (da atenção integral) ele ta
43
presente, eu diria, numa fronteira do Movimento Sanitário atrás” (Ruben Araujo de
Mattos).
Todo esse processo do Movimento Sanitário como “uma tentativa de devolver
ao povo uma atenção pra ele” (Lagarta), a busca do direito à saúde. Por que por
mais que tenhamos a formação acadêmica, as comunidades “sabiam muito mais do
que nós” (Lagarta), o resgate da cidadania, do direito a saúde, do ir e vir, a
liberdade.
A associação da atenção integral a seus pares, universalidade e eqüidade
refletem uma preocupação daquele período, a essência da proposta era o direito
igualitário e universal, incorporando ações de promoção, proteção e recuperação da
saúde
(33-35)
. E isso foi destacado ao longo desse texto por meio de algumas citações
dos entrevistados, onde os entendimentos da integralidade na época aparecem
diretamente associados às compreensões atuais da universalidade e eqüidade.
4.2 INTEGRALIDADE HOJE
Após essa investigação histórica dentro do Movimento Sanitário, vamos nos
debruçar sobre o entendimento da integralidade hoje. O processo social não
acontece de maneira estanque, onde possamos pular de um período para outro sem
maiores prejuízos, pois para entendermos melhor esse pressuposto devemos ter, ao
menos, uma noção básica de como evoluiu o SUS, desde a 8ª conferência até os
dias atuais.
4.2.1 Da VIII CNS até a atualidade: os caminhos da integralidade.
A 8ªCNS foi um espaço onde disputas, conflitos, anseios e expectativas,
internos e externos ao Movimento Sanitário foram colocados em discussão, e seus
integrantes buscaram, por meio do debate, o consenso (possível), para a elaboração
de um sistema de saúde no país
(33)
. A luta do Movimento Sanitário não acabou após
o término da 8ª CNS, foi um momento onde se configurou uma vitória, mas não o
fim, apenas uma etapa vencida. Essas conquistas acabaram por produzir, ou iniciar
mudanças no contexto sócio – político da saúde no país. Essa transformação de
concepção de saúde na sociedade brasileira passa a ser uma das próximas lutas a
serem empreendidas pelo Movimento Sanitário. Como superar o “modelo
44
hegemônico” para o “modelo da integralidade” (nomenclaturas usadas pelas autoras
Pitta e Meira)
(42)
.
A 8ª CNS não se restringiu à sua realização, em verdade ela acumula um
processo. Mesmo antes de ela acontecer houve pré-conferências e após a sua
realização desdobrou-se em 1986/1987 em conferências específicas por temas e/ou
áreas de atuação. Além disso, como principal legado a constituição da Comissão
Nacional de Reforma Sanitária (CNRS) e a conformação da Plenária Nacional de
Entidades de Saúde
(14)
. A luta da CNRS que antes acontecia com a Federação
Brasileira de Hospitais (FBH), diante da Assembléia Nacional Constituinte tornou-se
muito mais árdua, pois a expressão desses interesses acontecia por meio das
representações parlamentares
(43)
.
A Constituição Brasileira é aprovada em 1988, escrita pelos deputados eleitos
no mesmo ano da 8ª CNS,e traz, pela primeira vez na história, um capítulo sobre
saúde dos artigos 196 aos 200, criando assim o SUS, outra conquista do movimento
da saúde
(10)
. A Plenária de Entidades manteve-se atuante durante todo o processo
constitucional e posteriormente nas discussões e negociações da Lei Orgânica da
Saúde, garantindo as proposições da CNS de 1986
(14)
.
As Leis Orgânicas de Saúde nº. 8.080/90 e nº. 8.142/90 foram criadas para a
regulamentação do SUS, um sistema público descentralizado e integrado pelas três
esferas do governo, criado pela Constituição de 1988
(44)
.
O desdobramento da 8ª CNS tinha suas justificativas, pois muito dos avanços
da década de 80 na direção de um sistema de saúde desejado pelo Movimento
Sanitário foram freados, como explicita Luz
(45)
:
“As resistências oferecidas pelo clientelismo, pela
partidarização das instituições de saúde das instituições de saúde,
no sentido mais corporativo do termo partido, pela burocracia
tipicamente pré-capitalista do nosso aparelho estatal, avessa às
modernizações, pelos interesses lobistas das grandes empresas do
setor e pela própria tendência institucional à concentração e à
centralização do poder, constituíram poderoso freio às mudaas
propostas pela VIII CNS e ratificadas pela Constituão de 88.” (g.
122)
(45)
Ao longo da sua luta o Movimento Sanitário obteve muitas conquistas e
derrotas. Em 1983, por exemplo, consegue a inserção dos espaços institucionais,
que era uma das suas estratégias de ação. Essa inserção serviu para acumular
experiências em instituições gestoras de serviços de saúde, ou propositora de
45
políticas de saúde, resultando em projetos desenvolvidos posteriormente dentro do
Movimento Sanitário. A vitória teve um preço, o movimento da reforma sanitária se
afasta do movimento popular, colocando em segundo plano as alianças com as
classes populares
(14)
.
As lutas pela saúde, ao longo dos anos, constituíram-se em um processo
político-pedagógico-social, onde cada vitória ou derrota configurava-se em novas
proposições. Como a vitória de 83, colocada acima, trouxe boas oportunidades, com
algum custo, da mesma forma as conquistas do 8ª CNS produziram outros
movimentos. Alguns pontos já alcançados necessitam ser avaliados dentro de uma
nova conjuntura para criar novas estratégias, para que o sonho não se perca. As
ações dos atores desse movimento foram modificando-se ao longo do processo
(14)
.
As vertentes propostas por Da Ros
(4, 13)
e Escorel
(14),
no capitulo anterior,
sofrem transformações, incorporando novas vertentes, campos de atuação e
problemáticas, diante essa nova conjuntura construída nesse processo. Conflitos
surgiram entre identidades partidárias e a unidade do Movimento Sanitário. As
vertentes representadas pelos profissionais de saúde acabaram deslocando-se do
âmbito dos conselhos, para uma luta política mais geral. A Academia distanciou-se
de sua prática política. E essas dificuldades na implementação atingiu
principalmente a base de apoio da Reforma Sanitária, os usuários dos serviços a
quem o projeto destina suas propostas e ações.
As eleições levam o Movimento Sanitário para dentro dos Estados e
Municípios, além de ampliar a influência na esfera central, com a incorporação do
CONASP
5
e INAMPS
(27)
. Nesse período pós 8ª CNS, conseguiu manter sua
característica suprapartidária apesar dos conflitos. E tamm continuou com a
análise das relações entre saúde x autoritarismo e saúde x política social, porém
estava envolvido em muitas frentes, para ampliar a discussão para além da
universidade, mas para as instituições, estados e municípios, mais preocupado com
as tarefas concretas do exercício do setor público
(27, 43)
.
O primeiro passo na direção do SUS foi o Sistema Unificado e
Descentralizado de Saúde (SUDS), mas ainda precisavam ser vistas questões
como: financiamento, preparar as instituições de ensino para atender as
necessidades da saúde pública, definir a participação popular por meio de uma nova
5
Conselho Consultivo da Administração da Saúde
46
lei orgânica, desenvolvimento científico tecnológico e por último a questão da ética
profissional
(46)
.
O SUDS era uma das seis recomendações básicas da 8ª CNS, visava a
descentralização dos serviços de saúde, estabelecendo um gestor único de saúde
em cada esfera do governo
(46)
. A sua implementação dependeu do compromisso dos
dirigentes políticos setorial, mas onde o processo se desencadeou, ele sofria
resistências, devido a receios da perda de poder de algumas lideranças políticas
(14)
.
O SUDS impulsiona o avanço na direção SUS, incluído na Previdência Social
e na nova Constituição, é uma conquista, mas não significa o fim do processo,
apenas uma etapa superada. Ainda hoje vivenciamos a problemática da distribuição
do poder institucional, seja ele concernido do Estado para o cidadão, ou a grupos
políticos divergentes historicamente dentro das instituições, que ainda disputam
espaços de poder nas decisões e orientações na política de saúde, no regime
democrático. As ampliações das ações do Estado para funções assistenciais
combinam duas formas de administração, a liberal e a saúde pública
(3, 47)
.
O SUDS representou a possibilidade concreta da irreversibilidade do projeto
da reforma sanitária. Abriu espaço para que novas forças políticas, os Secretários
Estaduais de Saúde e os Secretários Municipais de Saúde, o Conselho Nacional de
Secretários de Saúde (CONASS) e o CONASEMS exercessem pressão para que o
processo de estadualização e municipalização acontecesse. A inserção desses
novos atores nessa luta pela saúde produziu uma complexidade diferente da luta
inicial da reforma sanitária
(43)
.
Entretanto, o SUS ficou sem regulamentação até o fim dos anos 80, quando
iniciou a década de 90, com a eleição do governo Collor de Mello, gestão favorável
ao neoliberalismo, inicia-se o desmonte do aparelho do Estado e das políticas
sociais construídas, desde a era de Getúlio Vargas. Os anos 90, foram vistos como
a década perdida tanto para a questão social, como para a economia. Esse
processo é resultante da globalização, definido por economistas e cientistas políticos
como um conjunto de transformações nas relações sociais de trabalho, nos modos
de produção, na política e cultura do capitalismo. Os efeitos da globalização são de
concentração de capital nas economias centrais e desagregação social na preferiria
do sistema, atingindo em cheio as nações
(48)
.
Outra reforma do Estado inicia-se simultaneamente à implementação do SUS
nessa década, porém essa é comandada pelo Ministério da Fazenda que realizou o
47
ajuste fiscal, a contenção de gastos, o rompimento com a lógica do bem-estar social,
as reformas administrativas desestruturantes, os cortes de servidores públicos e
promoveu a abertura econômica que como conseqüência dificultou ainda mais
implementação do SUS
(49)
.
No cenário mundial na década de 90, há uma retomada do diálogo entre as
agências internacionais e os governos, o Banco Mundial destaca-se como um
investidor e apresentador de idéias, para reformas dos sistemas de saúde e
organização das atribuições para os governos na área da saúde. As propostas de
investimentos financeiros estavam condicionadas à adoção de certas políticas
econômicas. Os investimentos nos países em desenvolvimento deviam adotar
políticas que reduzissem gastos públicos e realizar privatizações. Propostas estas
que vinham do engajamento do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco
Mundial para criar ações de saúde específicas, para as populações carentes, sem
grandes investimentos
(50)
.
Nos anos 90, novos atores surgem, entre eles podemos citar as Organizações
Não-Governamentais (ONGs), organizações e associações locais comunitárias,
agentes comunitários de saúde e governos municipais. Enquanto os atores
tradicionais (profissionais de saúde), nesse período, assumem uma postura e
interlocução mais madura com a sociedade civil. Essas duas forças unidas na
exigência da participação no planejamento e na gestão dos serviços de saúde por
meio dos conselhos de saúde. Profissionais, gestores e burocratas são uma força
política dentro do Estado, no sentido de produzir a desconcentração de poder de
dentro para fora
(48)
.
As organizações e associações locais comunitárias atuantes desde o
Movimento Sanitário, juntamente com as ONGs e os agentes comunitários,
construíram um entrosamento entre as organizações civis e setores institucionais,
que se configuram em um forte elemento de luta pela desconcentração,
descentralização do poder do Estado. Essa realidade infelizmente é limitada a
poucos estados e municípios, pois ela depende da cultura político-partidária
dominante nos governos
(48)
.
Com o crescimento dos governos municipais, expansão das prefeituras e
suas secretarias, organizados em nível de associação nacional, tornou-se
necessário aos municípios unirem-se como poder público, face ao poder central,
para obtenção de financiamento, afim de evitar a falência das prefeituras. Com esse
48
crescimento político da esfera municipal, ela torna-se um ator importante, pois
impulsiona a descentralização. Por outro lado, o CMI continua influenciando
fortemente as forças políticas no sentido contrário, em todas as esferas do governo.
O Estado tende a privatizar seus serviços e limitar-se como regulador dos serviços
oferecidos à população. O campo de batalha está posto, essas forças confrontam-se
socialmente, a dominante pressiona as forças que buscam a descentralização e
desconcentração das políticas de saúde
(48)
.
Foi na esfera municipal que aconteceram as novas experiências de
organização dos serviços de saúde, foram nelas, que se construíram as melhores
estratégias de superação das grandes questões sociais e técnicas da efetivação do
SUS nessa nova conjuntura. Os municípios, para implementar o modelo técnico-
assistencial em defesa da vida
6
, teriam de alcançar uma gestão democrática,
compreender a saúde como direito de cidadania e os serviços públicos voltados para
a defesa da vida individual e coletiva. Para alcançar essa meta, respeitando as
diretrizes constitucionais, essa esfera do governo teve de desenvolver outras formas
de planejamento e ações em saúde. As conseqüências disto é a abertura do debate
em saúde para novos atores e a busca por outras teorias, já que as velhas bases
teóricas não dão mais conta da proposta do SUS
(51, 52)
.
O desafio vivido pelos municípios não foram pequenos na superação dos
obstáculos existentes. Pioneiro solitário, pois seus potenciais parceiros estadual e
federal preocupam-se mais na preservação dos privilégios, do que ousar na
construção do novo
(51)
. Além dessa disputa inter-burocráticas nas diferentes esferas
do governo, os maiores entraves na implementação do SUS, foram (ou ainda são) a
insuficiência de recursos financeiros, problemas de gestão, disputadas e conflitos de
interesses entre os setores público e privado
(53)
.
As políticas neoliberais são outro grande desafio a ser superado, o SUS
propõe-se a dar significados inovadores aos princípios e para que isso aconteça
deve se contrapor ao projeto neoliberal. Como o governo federal adota essas
políticas, e como estratégia investe na perda de qualidade e efetividade, promove
por meio do sucateamento da atenção a saúde a expulsão da classe média na
direção dos planos privados na década de 90
(51, 53)
.
6
Pacto pela Vida e Gestão de 2006, elaborado pelos gestores do SUS, traz três dimensões:
pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão.
49
Estas políticas concordam com as propostas das agências internacionais,
como Banco Mundial, onde havia uma forte crítica destas, aos sistemas de saúde
que oferecessem acesso universal gratuito. O pacote proposto incluiria um pacote
mínimo de intervenções de alto custo e uma política que melhorasse a qualidade de
vida dos pobres e conseqüentemente diminuísse os custos com a saúde
(50)
.
Carvalho
(54)
é direto quando fala da crise da saúde explicitada pela
implementação do SUS: “O caminho para sair da crise específica da saúde é só um:
CUMPRIR A LEI” (pág. 31
(54)
). Como esse autor salienta, temos uma das mais
avançadas legislações, a Constituinte e as Leis Orgânicas. E nas leis existem
propostas para um novo modelo de saúde, o modelo assistencialista já se esgotou
mundialmente, e a prática médica tamm já está sendo revista. A saída está
explicita e o debate tem de passar pela sociedade para sair do papel e se tornar
realidade para o cidadão.
O SUS se constrói na contramão das políticas econômicas da década de 90,
e unido ao Ministério Público consegue expressivos resultados na direção dos
preceitos democráticos da Constituição Federal de 1988. E mesmo diante toda
essas adversidades em poucos anos se conquistou a inclusão da população antes
excluída da atenção á saúde
(49, 55)
.
A luta contra o Estado Mínimo das políticas neoliberais busca fôlego na
criação de instrumentos e normas para orientar a descentralização e a organização
do sistema, o Piso de Ateão Básica (PAB) e as Normas Operacionais Básicas
(NOBs) são o instrumento mais significativo
(6, 48)
.
Porém nem nas Leis Orgânicas e nem na NOB/93 há indícios sobre modelos
de atenção. A NOB/93 apresenta timidamente o processo de descentralização. Além
de ser uma reação a uma crise quase fatal no financiamento do SUS em 1993, onde
foi retirada de forma arbitrária a fonte de contrapartida do nível federal, junto a essa
norma operacional foram construídos o Decreto de Calamidade Pública na Saúde e
o documento: “A ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei” (pág. 433
(49)
)
(5-7, 49)
.
A NOB/96 com a criação do PAB traz as primeiras propostas para a mudança
do modelo de atenção à saúde, tendo sua implantação adiada por dois anos. Na
análise da linguagem dessa norma operacional percebemos a sua dualidade, pois
assim como aparece à postura ideológica a favor da descentralização, ao mesmo
tempo demonstra a posição dos defensores da política centralizadora do modelo
assistencial, configura-se assim um processo de descentralização tutelada
(5-7)
.
50
Essa norma nasce da emergência do Ministério da Saúde em modificar a
forma de transferência dos recursos entre as instâncias de governo, que o
pagamento dos serviços de saúde não aconteça por procedimentos realizados,
propõe novas práticas no setor público de saúde, visando à reforma do sistema de
saúde
(8)
. A proposta não suprimiu o pagamento por procedimento, mas foi o primeiro
passo na direção da mudança, ampliando a compreensão de novas estratégias para
a saúde, para além da doença. A sua edição contou com a participação de diversos
representantes da sociedade, do CONASS e do CONASEMS e passou por um
período de doze meses de negociações
(56)
.
Esta norma operacional já aponta para o Programa da Saúde da Família
(PSF) como uma opção para reestruturar o modelo de atenção à saúde estruturando
a Atenção Básica. Junto ao seu antecessor Programa de Agentes Comunitários de
Saúde (PACS), e o PSF provocam alterações nas modalidades de alocação de
recursos financeiros, formas de remuneração das ações de saúde e na organização
do sistema, dando um passo importante na universalização dos cuidados
(4, 6, 8, 49)
.
O PACS passa a enfocar a família como unidade de ação programática,
originando o PSF. O PSF foi concebido em dezembro de 1993 em uma reunião do
Ministério da Saúde como resposta às demandas de financiamento dos secretários
municipais de saúde, para realizar mudanças na rede básica de saúde. A origem do
PSF vem do Programa de Saúde Comunitária, mas como recebeu apoio técnico da
UNICEF e financeiro do PNUD
7
, no ano posterior à Organização das Nações Unidas
(ONU) é eleito como o "Ano Internacional da Família" e constituiu-se, no Brasil, a
oficialização da família, que acatou a sugestão de nome da UNICEF. Nasce num
período de vazio programático das três esferas do governo, onde nada de novo era
proposto num torpor repetitivo do modelo antigo
(4, 8, 50, 57)
.
O PSF proporciona uma nova modalidade de alianças políticas, envolvendo
não apenas gestores locais, mas tamm técnicos de fora da área da saúde e
associações de comunidade, e introduziu na discussão política social uma série de
questões
(8)
.
Visando fortalecer ainda mais a mudança no modelo assistencial, e romper
com o comportamento passivo das unidades básicas de saúde e estender suas
ações para e junto à comunidade, em 1997 o PSF passa de sua limitada condição
7
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
51
de programa para Estratégia Saúde da Família (ESF). A ESF busca estruturar o
sistema público de saúde, reafirma os princípios do SUS e busca a consolidação de
uma nova filosofia de atenção à saúde
(57-59)
.
A ESF hoje cresce e expõe importantes fragilidades do processo de mudança
do modelo de atenção, pois em sua prática cotidiana se vê diante de novos desafios
ainda não pensados ou vivenciados. Desafios estes que se descortinam em diversos
âmbitos, como na gestão, nas ações práticas dos profissionais de saúde, nas
necessidades de cuidados de saúde (integralidade, conceito ampliado de saúde,
formação de vínculos, trabalho em equipe e abordagem familiar). Além disso, expõe
um enorme rombo na formação dos recursos humanos, que continuam formando
profissionais, segundo a lógica do modelo flexneriano
(6, 13)
.
O profissional de saúde não deve ser visto como mero executor de objetivos
determinados por instâncias de poder superiores. Ele tem um importante papel da
transformação do modelo para a implementação do SUS, para isso deve-se atender
as demandas e necessidades desses trabalhadores sem perder de vista os
princípios do nosso sistema de saúde. A prática de atenção à saúde proposta pelo
SUS necessita ampliar os conhecimentos para outros campos, como da educação
em saúde, epidemiologia, psicanálise. A própria clínica tem de ser ampliada, pois é
na relação entre cidadão e profissional que se constrói o vínculo, o envolvimento
com a família, meios de vida e outras peculiaridades de cada caso
(47, 55)
.
Pensar em educação faz parte da legislação do SUS, exige novas práticas
que se constroem por meio de novas práticas pedagógicas na formação dos
profissionais, na educação em saúde, na produção de conhecimento, na educação
permanente e na prestação de serviços
(60)
.
Como parte integrante da implantação do Programa de Saúde da Família, em
2001, surgem propostas na direção da formação e educação permanente dos
profissionais, com base nos direitos e necessidades da população são importantes
na implementação das diretrizes do SUS e do novo modelo de atenção. Permite
tamm que o usuário e trabalhador fiquem atentos às ações de saúde, o que talvez
seja um importante fator da continuidade dessa forma de atenção. A proposta de
educação e conhecimento do seu papel perante a sociedade, não cabe apenas ao
usuário ou ao profissional de saúde, mas a ambos enquanto cidadãos brasileiros na
luta por fazer cumprir os princípios do SUS
(47, 55, 60)
.
52
A proposta de trabalho em equipe de profissionais de diferentes categorias, e
a fixação dessas tamm configura um novo desafio, pois deixa de ser um modelo
médico-centrado para que o somatório das práticas garanta a integralidade das
ações de saúde. Pois não existe profissional completo, mas a atuação em equipe
possibilita uma nova modalidade de atenção
(47, 55)
.
Podemos perceber nesse breve relato, que o SUS sofreu derrotas, mas
tamm vitórias, muitos avanços foram reiterados na 9ª, 10ª e 11ª CNS
(44)
. Algumas
das dificuldades a serem superadas são novas, outras, velhas conhecidas, como as
resistências a mudanças, lutas por espaços de poder, rivalidades políticas e
ideológicas, as estratégias do capitalismo.
O SUS parece estar sempre sob o fio da navalha, enquanto existem
dificuldades com o financiamento, gestão do sistema, qualidade e eficiência dos
serviços prestados, gerando o desencantamento, descrédito na sua capacidade de
mudar a realidade política e precarização na gestão de recursos humanos, traz, por
outro lado, grandes avanços na inclusão social desde atendimentos básicos a
procedimentos especializados na média e alta complexidade do sistema
(49, 61)
.
Um dos eixos de sustentabilidade político-econômica do SUS está ligada ao
processo de mudança do modelo de atenção, que no momento passa por um
período de transição, onde ainda predomina o modo flexneriano. Para conquista de
um modelo que assegure a universalidade e a integralidade de atenção à saúde, é
necessária uma estratégia de ação, para reverter o desencantamento dos brasileiros
com o SUS, pois o sistema depende da força com que a sociedade entende e
coloque a vida e a saúde dos cidadãos à frente de outras racionalidades e que o
caminho para isso é a construção de políticas públicas
(61, 62)
.
Essa conjuntura atual que vivemos dificulta, e muito, que os princípios
eqüidade e integralidade concretizem-se na busca da humanização do SUS. Isso
demonstra que essa reforma na saúde está incompleta, sendo a sua expansão
heterogênea, desigual devido a grande diversidade política, social, econômica do
Brasil
(49, 62)
.
O debate da integralidade surge ou renasce dentro dessa conjuntura que se
estabelece nos anos posteriores a 8ª CNS. O processo de municipalização, os
novos desafios lançados com a mudança no cenário produzem questões e desafios
diferentes dos que existiam no antigo modelo de assistência à saúde. A
53
integralidade parece que vai abrindo brechas nesses espaços de conflito atuais, na
tentativa de quiçá responder a alguns desses novos desafios.
4.2.2 Os caminhos da integralidade: a história contada.
A pergunta que deve surgir nesse momento do trabalho é: os atores
compreendem a integralidade hoje da mesma maneira que a compreendiam no
período da 8ªCNS? A interpretação dos caminhos da integralidade é percebida de
diferentes formas pelos atores entrevistados, como demonstra as falas na
seqüência:
“... Eu acho que com a integralidade aconteceu isso, num
primeiro momento ela tem uma determinada conotação, não é um
conceito-chave, por que outros conceitos eram muito mais
importantes, mas à medida que a atenção à saúde vai adquirindo
uma preponderância a questão da integralidade ocupa um papel de
destaque (...) aparece no início do projeto da Reforma Sanitária mas
ela só vai ganhar adensamento conceitual , posteriormente, na
década de 90...” (Sarah Escorel)
“... embora a integralidade estivesse na origem do SUS, o
contexto da implantação do mesmo, na passagem dos anos 80/90 foi
tão adverso, que a preocupação com esse princípio de alguma forma
se perdeu, há um regaste relativamente recente dessa questão, pois
toda a ênfase foi dada à questão do financiamento, da
descentralização e do controle social nesse período inicial...”
(Jairnilson Silva Paim)
Sarah Escorel fala da integralidade presente no projeto da reforma sanitária,
mas foi com o processo de implementação do SUS, que traz à tona a necessidade
de aprofundar, de retomar o seu debate. Jairnilson Paim justifica essa retomada
devido a ênfase que foi dada inicialmente para a conquista do SUS. Maria Luiza
Jaeger já demonstra na sua fala apresentada na seqüência, como se esse
pressuposto estivesse em constante aperfeiçoamento:
“...Eu acho que é uma continuidade, um aperfeiçoamento,
quando vo fala em linha de cuidado, no momento que tu fala em
humanização, que naquela época não se falava tanto, ela vem desde
daquela época sendo construída...” (Maria Luiza Jaeger)
Enquanto Ruben Araujo de Mattos apresenta outra percepção:
“... Os sentidos atuais de integralidade têm conexões com os
sentidos antigos de integralidade (...) essa virada é em decorrência
54
do processo construção do SUS, da ampliação da participação
dentro do SUS e isso faz com que a integralidade ganhe novos
sentidos...” (Ruben Araujo de Mattos)
As falas citadas acima demonstram a relação da integralidade hoje com a
atenção integral de ontem. O processo sócio-histórico conduziu a evolução deste
para atender as necessidades atuais do contexto vivido. Compreensão tamm
apontada por Aluísio Gomes da Silva Junior: “... Não, ela vai mudando, é e vai
mudando na discussão...”.
Na seqüência, as falas demonstram a leitura da integralidade por meio de
alguns dos seus sentidos, aponta para o resgate do paciente como um ser humano
e as ações em saúde compreendida em vários níveis de atenção para dar conta de
todas as demandas que se fizerem necessário.
“...a diferença da atenção integral e integralidade, é uma
resignificação desse conceito pra dar conta desse pedaço que a
gente, não é, que ficou pra traz...” (Regina Gil)
“... vejo a atenção integral como tendo os dois sentidos, que
são coexistentes e não são competentes. A atenção integral em
termos da integralidade da pessoa e atenção integral no sentido da
constitucionalidade e da ação nos vários níveis de ações de saúde.
Eu acho que dentro dessa concepção as duas concepções
coexistentes e são perfeitamente compatíveis com a idéia da
integralidade...” (Hésio Cordeiro)
Nas repostas acima, percebe-se que muita coisa aconteceu nesse período
entre a 8ª CNS, até hoje. Nesses quase vinte e dois anos, o Movimento Sanitário e a
sociedade como um todo sofreram muitas mudanças. A luta que antes estava
focalizada contra a ditadura, repensar a saúde no País e contra CMI, agora se
encontra diante de outros desafios. A ditadura foi superada, mas a saúde por meio
do SUS continua no esforço de vencer a hegemonia, ainda biomédica ditada pelo
CMI e as políticas neoliberais do capitalismo. Luz
(45)
aponta isso claramente em seu
trabalho, quando apresenta as resistências ao SUS, pois ele modifica e
descentraliza as relações de poder políticas e sociais. As ações priorizadas neste
momento parecem ter sido selecionadas por duas razões: por serem as mais
duramente atacadas pela hegemonia e por dificultarem o retrocesso da efetivação
do SUS
(14, 43, 46)
.
O que legitima essas disputas e conquistas do Movimento Sanitário, como
bem coloca Ruben Araujo de Mattos, que foi “um marco absolutamente fundamental,
55
o fato de que atendimento integral entrou na Constituição como um princípio do
SUS”. Essa conquista do Movimento Sanitário que por vezes pode parecer tão
irrisória, dispara diversas reações no contexto social. Reitera este ator:
“... Por que ao entrar na Constituição como principio do SUS,
permitiu que outros atores que estiveram alheios ao movimento
sanitário passam a poder apontar contribuões na dinâmica de
enriquecimento, transformação e modificão da noção de
integralidade...” (Ruben Araujo de Mattos)
Além disso, o próprio Movimento Sanitário convida outros atores ao debate ao
abrir outras frentes de atuação, para além das universidades, municípios e projetos
inovadores na época. Colocaram simultaneamente em ação duas estratégias:
influenciar a Assembléia Nacional Constituinte e tentar colocar em prática as
propostas da reforma sanitária, mesmo antes das aprovações da assembléia. A
própria proposta do SUDS colocou novos atores nas discussões juntamente com as
três esferas governamentais
(43)
. E entre estes novos atores já citados, Jairnilson
Silva Paim aponta para “os gestores que estavam com preocupações muito mais
pragmáticas do que debates amplos relativos à saúde”, devido à efervescência
provocada por todas essas novas proposições no setor, mas com papéis
importantes na conquista do SUS.
Entre algumas das estratégias adotadas para tentar vencer esses conflitos
cria as NOB/96 abre brechas de novos caminhos para a descentralização e
organização do sistema
(6, 48)
e entre estas uma se destaca como demonstra a fala a
seguir:
“...essa trajetória da organização do sistema, respeitando os
fins constitucionais, a NOB/96 foi um marco importante, dá os
primeiros passos de integralidade em saúde, como um movimento de
macro organização dos princípios (...)a NOB/96 foi a mais discutida
com os atores envolvidos no processo, o CONASEMS, o CONASS,
onde teve uma expressão, uma participação e ali acho que
determinou a discussão da integralidade, como uma possibilidade
desse difícil principio constitucional, então que dali derivou várias
possibilidades, uma busca em certa medida de plasmar mais esse
principio do SUS...” (Rainha de Copas)
As proposições dessa norma começam a trincar a rigidez da hegemonia, traz
à baila a discussão da necessidade de outro modelo de saúde, visando novas
práticas no setor público de saúde, além de que retoma a discussão social e pacto
muito semelhante a 8ª CNS
(8, 56)
.
56
“... Conforme o sistema faz saúde e a descentralização vai
acontecendo por meio das NOBs que foram construídas, e que as
idéias foram se construindo veio desnudar pra nós que o conceito de
integralidade, dentro do movimento da reforma sanitária, não era tão
simples assim...” (Rei de Copas)
Portanto, essa abertura provocou o enriquecimento e a transformação do
setor saúde e da sociedade, a proposição da participação social permitiu a
população que sempre foi excluída expor suas necessidades
(3, 49)
. Essa mútua
relação entre a saúde e a sociedade retoma uma questão que teve de ser deixada
para trás pelo Movimento Sanitário, o socialismo
(27)
. Mas isso não impede nossa
reflexão a respeito, para expressar melhor, faço uso das palavras de um dos atores
entrevistados:
“... o que importa é ter um desejo de enxergar uma sociedade
de um outro modo, uma pratica de saúde de outro modo, uma
implicação com o cuidado a saúde, que é de mudar o modo como se
vive coletivamente numa sociedade. É a sociedade que produz
saúde, não é o sistema de saúde que a produz. Se fosse o sistema
de saúde que produz saúde nos vamos fazer aleitamento materno,
não é? Mas se a sociedade produz saúde a questão que surge é:
como que nos vivemos na sociedade?” (Chapeleiro)
Rubem Araújo de Mattos complementa o enunciado acima, quando afirma:
“... Na realidade não é a integralidade que se transforma, é a
sociedade que transforma as pessoas (...) se reconhecemos os
conceitos, a sua criação decorre da construção das pessoas, dos
atores na sociedade (...) é a dinâmica da sociedade que ta
produzindo essas questões, não do conceito...” (Ruben Araujo de
Mattos)
Para concluir, trago a reflexão de Luz
(63)
que ao discutir as fragilidades sociais
da sociedade capitalista nos apresenta a crise ética que esse sistema centrado no
lucro nos impele. Corrói valores que permitem a construção da coesão social, da
sociabilidade arraigadas nas instituições e nas coletividades. Produz conseqüências
graves no cotidiano das populações gerando uma sensação de desamparo, medo e
instabilidade.
Clair Castilhos Coelho nos faz um alerta importante a esse respeito: “... será
muito difícil termos a universalidade, eqüidade e a integralidade nos marcos do
capitalismo...”. Mesmo compreendendo que o campo da saúde não pode ser
analisado e muito menos justificado simplesmente nas bases econômicas, mas
políticas, culturais e sociais
(63, 64)
.
57
A saúde, portanto se constituí num foco de resistência, luta por manter a
simbologia do pensar coletivo, que antes eram compartilhadas em diversas
instâncias da sociedade. Permite que os sujeitos construam relações de empatia,
cria brechas no capitalismo, onde o encontro das pessoas é possível, o resgate de
valores, tais como a solidariedade, autorizam a resignificação da vida
(63)
.
Os três princípios citados acima configuram uma trama tríplice, quase um
signo, segundo Cecílio
(65)
, que expressa de forma ativa o ideário do Movimento
Sanitário. E essa teia dos princípios aparece claramente nas falas dos entrevistados:
“... hoje a discussão na prática social, é a idéia de não
dissociar a integralidade da universalidade e da eqüidade, a idéia de
um horizonte a ser perseguido, a idéia de uma utopia a ser
alcançada, e que tem uma materialização...” (Aluísio Gomes da Silva
Junior)
“... quando tem universalidade no atendimento não se
classifica a clientela por questão econômica, mas sim segundo a
patologia que eles apresentarem ou a necessidade sanitária (...) e
isso pra promover a igualdade é o que a gente busca (...) a
universalidade e a integralidade é básico, e nesse sentido que eu
acho que foi a contribuição importante que teve a possibilidade de
avançar...” (Clair Castilhos Coelho)
Reiterando Cecílio
(65)
, não é possível ter apenas um desses princípios
isolados, não haverá eqüidade e integralidade sem a universalidade de acesso. O
autor destaca que a integralidade e a eqüidade pensadas como objetivos da atenção
a saúde, ultrapassam o limite do simples consumo ou acesso, mas nos inserem nos
fluxos, articulações e circuitos da micro política. As lutas por esses dois
pressupostos nos remetem a constante reflexão das ações em saúde, seja nos
processos de trabalho, na gestão, no planejamento ou ainda na construção de novos
aportes teórico-práticos em saúde.
A proposta de pensar um sistema de saúde em forma de pirâmide, não
atende as necessidades dos princípios do SUS. No máximo, atende algumas
questões mais pontuais, na integralidade, por exemplo, teríamos uma boa referência
e contra-referência entre os serviços, enquanto que esse pressuposto deve ser
objetivo do SUS como um todo
(65)
.
A discussão da integralidade, objetivo deste trabalho, é retomada a partir de
uma nova conjuntura que se configura na década de 90 e principalmente no período
posterior a NOB/96.
58
“... Como todo o objeto, todo assunto que você vai
desvendando, à medida que vai estudando, vai percebendo os
múltiplos aspectos que estão envolvidos. Eu acho que a categoria
não refuta os significados iniciais, mas hoje em dia há muitos mais
campos onde a integralidade é um conceito fundamental para
compreensão e para a analise...” (Sarah Escorel)
Os princípios do SUS nascem da luta, da indignação da sociedade perante
uma saúde mercantilista, fragmentadora e excludente. A conquista desses
pressupostos como princípios constitucionais produzem movimentos inesperados,
desejados por todos os envolvidos.
“... essa dinâmica de mudança, ela é muito importante, pois
vai se dando não estritamente por uma condução ou pela reflexão do
movimento sanitário, mas ela sepor meio do processo de
transformação a sociedade. Duas características, bastantes práticas,
nos ajudam a compreender essa mudaa. A primeira delas é que o
avanço do SUS possibilitou uma grande virada, se antes as pessoas
só conseguiam falar de integralidade como um ideal contrastando
com o que viam na realidade, hoje em alguns lugares, em alguns
locais as pessoas conseguem falar de integralidade mostrando-a...”
(Ruben Araujo de Mattos)
4.2.3 O que é Integralidade?
A integralidade é uma diretriz constitucional do SUS e atualmente surge como
uma estratégia, que vai muito além de uma simples crítica, mas uma imagem-
objetivo, de um sistema de saúde com suas instituições e suas práticas inseridas
dentro de um conjunto de valores e idéias de uma sociedade mais justa e
solidária
(66)
.
A noção de ‘imagem-objetivo’ vem do planejamento e aqui é representada
pelo SUS idealizado pelo Movimento Sanitário, onde esse pressuposto nasce
“prenhe de sentidos”, segundo Mattos (pág. 42
(66)
). Podemos entender a imagem
objetivo como uma situação futura ideal, onde desejamos chegar. A capacidade
humana de visualizar o futuro por meio da sua conduta criativa, trabalha com
múltiplas possibilidades como num jogo e cria estratégias para alcançar seus
objetivos superando contradições e conflitos. A meta final é alcançada pela
confrontação dela com a situação inicial e as intermediárias, onde são levantadas
estratégias para nos aproximarmos cada vez mais do objetivo e assim
sucessivamente confrontando as situações intermediárias e o que se almeja
alcançar
(66, 67)
.
59
A integralidade está na contramão da sociedade em que vivemos hoje, onde o
capitalismo incentiva a competição, individualismo, consumismo sucesso pessoal,
lucro, etc., onde os valores sociais milenares foram desconsiderados. Isso é
resultado de três décadas, que trouxeram mudanças nos modos de produção, fruto
do desenvolvimento tecnológico e da informação que resultam no crescimento da
economia, onde o aumento de produtividade e a diminuição do emprego de mão de
obra são conseqüências óbvias. As relações de trabalho ficam deterioradas pelo
individualismo, produtividade, competitividade que geram nos trabalhadores medo e
estresse constantes
(63)
.
A saúde é o espaço onde a sociedade por meio das suas práticas busca a
solidariedade e resignificar a vida, atribuindo novos sentidos, o fôlego para a
restauração do tecido social dilacerado pela hegemonia capitalista e neoliberal
(63)
.
A conquista da saúde como direito é uma vitória da sociedade, reconhecida
internacionalmente como direito fundamental para o exercício de outros direitos. A
pratica da integralidade, tamm enquanto direito constitucional, consiste numa
escuta positiva das demandas, e percebe a urgência de criar espaços públicos para
aprender e/ou reconquistar o exercício da democracia. Busca abrir brechas na
estrutura social hegemônica atual para ampliar espaços de atuação dos movimentos
sociais. A inclusão social é o que dá vida à democracia, traz novos atores na luta
desse direito universal
(68)
.
Para discutir saúde hoje, um bom caminho é conhecer o cotidiano das ações
de saúde dentro das instituições, pois permite conhecer e compreender as
dimensões objetivas e subjetivas, onde se constroem as percepções dos atores
sociais. As instituições de saúde trazem na sua prática social um exercício de poder
e espaço de lutas onde a prática social encontra-se com práticas políticas e
sanitárias. As concepções de saúde, doença e cura desses atores envolvidos nos
serviços de saúde, relação trabalhador-usuário, mudanças curriculares, participação
no conselho são janelas que permitem vislumbrar os limites e as potencialidades da
atenção integral, para alcançar integralidade como um eixo condutor dessas
práticas
(69)
.
A integralidade renova o convite aos atores envolvidos na luta pela saúde,
onde as instituições são as potências desse pressuposto, pois é no plano das
práticas que se dá a construção de novas ações, soluções para as complicações
cotidianas, é aqui a que as políticas ganham a sua materialidade. Coloca os sujeitos
60
dessas práticas como atores ativos da realização, seja do seu trabalho, do seu
atendimento, ou da gestão do serviço. Um novo convite para fortalecer o SUS e
resgatar a sua proposta democrática e participativa
(70, 71)
.
A construção da integralidade acontece no enfrentamento cotidiano dos
problemas, muitas vezes específicos, onde velhas soluções já desgastadas
necessitam de novas estratégias com as ferramentas disponíveis naquele espaço e
não de propostas vindas de lugares distantes, que lidam com outras realidades e
com diferentes recursos.
A gestão em saúde tem um papel fundamental em todo esse processo, pois é
com base na implicação e compreensão dos gestores de saúde que as mediações
entre os atores, a escuta das demandas e necessidades serão negociadas e
atendidas de forma mais ou menos coerente com a proposta de saúde coletiva
defendida pelo SUS
(68)
.
A integralidade e as outras diretrizes do SUS nascem de um lugar de
oposição e crítica às instituições e práticas que compõem esse sistema.
Inicialmente, segundo Mattos
(66)
o debate pautou-se em três sentidos: a crítica ao
reducionismo dos pacientes em fragmentos (medicina integral); a cisão entre
práticas de saúde pública de práticas assistenciais e críticas aos serviços de saúde
organizados para responder exclusivamente às doenças de uma população, que
leva à fragmentação das atividades no interior das unidades (programas verticais); e
crítica ao reducionismo dos sujeitos a objetos descontextualizados sobre as quais as
políticas incidem (políticas especiais). Claro que não se pretende reduzir a reflexão
nesses três temas, pois isso retiraria a potência dos possíveis sentidos desse tema.
A integralidade hoje abre a possibilidade de olhar para os serviços de saúde,
pacientes e profissionais da saúde partindo do debate dos sentidos / significados do
tema. A categoria “integralidade” tem uma flexibilidade que idealmente permitiria que
a reflexão acontecesse partindo da realidade na qual se esinserida. Ao se
questionar o que pode significar “integralidade”, somos remetidos a um contexto
amplo de significados. Nesse espaço pode ocorrer um encontro entre o profissional
da saúde e usuário, um modo de organizar o processo de trabalho que pretende
otimizar as intervenções e práticas, unindo a um só tempo práticas de saúde pública
e assistenciais, com o objetivo de realizar uma apreensão ampliada das
necessidades da população ao qual atendem
(66)
.
61
Aqui temos uma das dificuldades do tema, pois a integralidade vai muito além
de uma justaposição das ações de cunho coletivo com as de cunho individual
curativo. Trata-se, tamm, de um dispositivo político que habilita os sujeitos nos
espaços públicos a encontrarem novos arranjos sociais e institucionais nas práticas
de saúde. Esse dispositivo pode tornar-se uma estratégia pedagógica ao mesmo
tempo em que promotora e recuperadora da saúde, bem como preventiva de
doenças e agravos. A atividade da saúde tem um caráter pedagógico, onde
profissionais e usuários podem se potencializar em saúde, cidadania, autonomia
através do assumir coletivo (profissional, institucional e cultural) do desafio da
integralidade
(64)
.
Silva Junior
(72)
propõe que a reflexão da integralidade depende da
compreensão que temos do conceito de saúde. A partir daí, propõe-se ações que
possam atender desde a promoção à recuperação da saúde, permitindo assim, as
articulações dos modelos tecno-assistenciais propostos para dar conta das reais
necessidades da população.
Para conhecer esse universo complexo da saúde coletiva, é importante que
conheçamos não apenas a realidade e experiências dos profissionais de saúde, mas
tamm que nos familiarizemos com as vivências e conhecimentos da população,
numa via de mão dupla, buscando o encontro e a abertura para o diálogo. O ethos
humano configura-se na dualidade inseparável da vida público-coletiva da vida
privada e é por meio desta conexão que se constroem e criam condutas
(66, 73, 74)
.
Os usuários que buscam os serviços, em geral, sentem o pouco interesse e
responsabilização destes, não é presença ou ausência da tecnologia, mas
principalmente a falta de escuta. A relação profissional e usuário é importante para o
processo terapêutico. A tecnologia organiza a relação desses atores, a tal ponto que
muitas vezes o cidadão torna-se um estorvo durante a intervenção e um escudo
protetor das subjetividades que envolvem o atendimento. E a demanda do usuário
tamm está associada aos procedimentos, onde centra sua expectativa de
cuidado, muito mais do que na conversa com o profissional
(75-77)
.
Para a existência da comunicação real e efetiva devemos desenvolver a
capacidade da escuta e não só a da fala, aprender a negociar, a se envolver
permitindo que espaços de diálogo e troca construam a polissemia e a polifonia
(78)
.
Para o diálogo é necessário que todos os envolvidos aceitem participar, para
a verdadeira construção do cuidado. Isso implica em assumir responsabilidades
62
frente ao outro, furta do trabalhador a comodidade técnica do trabalho e caminha
para o encontro com o outro. Ele se constrói na dialética da pergunta e da resposta,
onde a pergunta nasce de uma necessidade da prática e que nunca teremos a
última reposta
(79)
.
Outra importante discussão disparada pela integralidade é a formação dos
trabalhadores de saúde, a reformulação da educação dos profissionais que case
com as propostas do SUS. Ou seja, capaz de transformar o objeto ‘recursos
humanos’ em ‘coletivos organizados de produção da saúde’ como propõe Ceccim
(80)
.
Pensar em coletivos organizados inspira atores políticos ativos capazes de
desenvolverem ações individuais, coletivas, institucionais, onde a produção de seu
trabalho seja um ato vivo e não burocrático e/ou tecnológico.
A integralidade, portanto, faz referência ao cuidado, ampliando a atenção à
saúde para além de técnicas e procedimentos, mas busca a aceitação do outro, do
encontro entre sujeitos, na manutenção da relação social e no compromisso que a
institui, driblando a mercantilização e objetivação da vida
(81)
.
No cotidiano das práticas de saúde a integralidade pode assumir diversos
sentidos, entre outros tantos que aqui não serão citados e que poderão emergir da
investigação proposta por este trabalho, segundo Da Ros
(82)
, entre eles temos:
interdisciplinaridade; indissociabilidade bio-psico-social; o corpo como um todo e não
um somatório de fragmentos; intersetorialidade; incorporação da morte como parte
da vida; prevenção/ promoção de saúde; aceitação da diferença entre necessidades
epidemiológicas e de saúde; e a compreensão de que é um processo continuo e
permanente.
Esta multiplicidade de sentidos requer um aprofundamento a respeito do que
cada um deles pode significar. A proposta “a priori” é de clarear brevemente quais
são estes entendimentos.
Os profissionais de saúde ganham destaque na busca da integralidade, pois
além de situações isoladas é na construção ou redefinição da equipe de saúde e dos
seus processos de trabalho, o caminho para a concretização pressuposto, levando a
interdisciplinaridade. As práticas de saúde mesmo quando necessitam do saber
biomédico não se refere apenas à medicina, mas a todos os profissionais de saúde,
no encontro entre este e o usuário a concretização da integralidade, em geral cabe a
ele
(66)
.
63
A interdisciplinaridade também pode ser entendida como um elemento que
impulsiona a integralidade, um caminho para alcançá-la. Esta diz respeito à relação
entre as diferentes categorias profissionais, no encontro que acontece nas equipes
de saúde, onde estas diferentes disciplinas trabalham num mesmo espaço e com
objetivos comuns, ou seja, ações interativas com objetivos compartilhados. Isso
transforma esse conjunto de disciplinas que incorporam as diferentes profissões em
grupo/ equipe
(83)
. É importante refletir sobre esses “objetivos comuns”, pois eles
devem realmente acontecer dentro das equipes de saúde, onde médicos,
enfermeiros, fonoaudiólogos, psicólogos, odontólogos, etc, se encontram. Não
existem receitas prontas, é no dia-a-dia das práticas que se faz a
interdisciplinaridade, onde acontecem as dificuldades e busca de soluções. E é
justamente essa descoberta dos problemas e a busca de soluções em conjunto que
são um dos maiores desafios da interdisciplinaridade, pois temos uma educação
disciplinar que nos formata apenas a olhar para um lado e não como compartilhar
esse olhar com outras categorias. O respeito,a comunicação, a isenção de
hierarquia têm de ser alcançados para iniciarmos uma relação de iguais, onde a
interdisciplinaridade seja possível
(84)
.
A indissociabilidade bio-psico-social traz a reflexão de que o sujeito não é
separado do mundo em que circula, ou seja, está inserido numa sociedade onde
interage influenciando e sendo influenciado por esse contexto. A fragmentação do
sujeito é uma herança das especialidades, onde as partes do corpo são repartidas
por estas áreas, sendo que cada uma domina a porção que lhe cabe, a integralidade
é uma recusa a esse reducionismo. A tecnologia altamente desenvolvida reforça
essa percepção, mas o sujeito é tamm um corpo e não um quebra cabeça, ou
seja, um corpo como um todo e não um somatório de fragmentos. A busca dos
serviços de saúde acontece devido a algum tipo de sofrimento, em geral
conseqüência da fragilidade social, sendo vivenciado pelas pessoas de forma
integral
(64, 66, 73)
.
Silva Junior
(72)
afirma que a complexidade da saúde exige estratégias que vão
muito além da própria saúde, intervenções interdisciplinares e ações de outras
áreas, remete a políticas governamentais que tratem do planejamento urbano, da
qualidade de vida na sociedade. Retoma o conceito de saúde da 8ª CNS
(4, 85)
e sua
etiologia multifatorial. A intersetorialidade nos aponta para a ampliação do olhar da
saúde para além dela mesma, ou seja, que para ser alcançada temos de ter
64
moradia, trabalho, lazer, e isso não faz parte apenas do setor saúde, mas do
trabalho, segurança, etc
(72)
.
Deve ser incluída aqui a aceitação da presença da doença e da morte como
parte do processo vital. Kovács
(86)
aponta que os profissionais da saúde convivem
com a morte em seu cotidiano, a doença quebra a onipotência dos homens, pois
explicita a nossas fraquezas e mortalidade. Essa impotência surge no profissional de
saúde e nos sujeitos que procuram tratamento. A morte pode ser representada pela
morte em si, mas também por perdas, separações, processo de luto. A nossa
sociedade capitalista, centrada na produção, não autoriza os homens a expressar
seu sofrimento diante da morte, obrigando a lidar com ela como se ela não existisse.
As conseqüências disso são a separação do homem da sua humanidade, gerando
conflitos emocionais.
A prevenção/ promoção de saúde tem uma trajetória independente da
integralidade, mas ainda assim é tida como um dos seus possíveis significados.
Czeresnia
(87)
aponta que as bases conceituais e políticas da promoção de saúde
estão relacionadas com a conferência de Otawa em 1986 e as subseqüentes, que
colocam a saúde como qualidade de vida resultante do complexo processo que
inclui, entre outros, alimentação, justiça social, educação, renda, ecossistema, etc. A
proposta é de refletir sobre as diferenças entre prevenção e promoção de saúde, no
sentido de colaborar com um modelo de formação dos profissionais de saúde
pautada na compreensão ampla dos processos de saúde-doença e envelhecimento
bem-sucedido, buscando desenvolver no indivíduo a autonomia, sem significar
ausência de doença.
A promoção de saúde vai além do conceito de prevenção, enquanto a
prevenção se preocupa com a doença e visa uma intervenção com o objetivo de
prevenir/ eliminar a doença, partindo da realidade da patologia e não do contexto em
que esta surge. A promoção vem trabalhar para a saúde, ou seja, busca o espaço
social como um aliado, possibilita o pensar da saúde-doença partindo da reflexão
problematizadora do cotidiano onde possa encontrar possíveis soluções,
respeitando as reais possibilidades dos sujeitos e comunidades, através da troca e
construção de uma saúde que parte da realidade desse contexto e não de outro
(87)
.
Enquanto a prevenção vem de uma tradição mais biomédica, que se julga
detentora do saber, dando regras, que devem ser seguidas, com os profissionais
afirmando uma certeza, de que se não forem, certamente contrairemos doenças.
65
Elas se vinculam comumente a uma proposta de educação em saúde que aterroriza
e culpabiliza o sujeito. Tornando-o único responsável pelo seu adoecimento: se têm
todas as informações necessárias para evitar a doença e não o faz, ele é o culpado.
A promoção por sua vez propõe que as soluções sejam construídas em conjunto.
Isso significa respeitar as limitações dos sujeitos, buscando compreender a
realidade e junto avaliar as condições e ferramentas que a comunidade tem para
combater e buscar formas alternativas para a solução dos problemas, quando
necessário. Não que para isso se ignore o saber da prevenção, mas devemos tomar
cuidado para não recairmos numa postura autoritária como aconteceu na
prevenção
(82)
.
A compreensão da diferença entre necessidades epidemiológicas e de saúde
procura estimular a reflexão de que as causas de morbi-mortalidade (que são
necessidades epidemiológicas, constatadas pelos serviços de saúde) de uma
comunidade podem, e em geral são, diferentes das necessidades da população, não
menos importantes que aquelas, apenas trazem outro entendimento do significado
da saúde. Essas necessidades da população se obtêm através da escuta das
pessoas que são atendidas. Ou seja, os formuladores de políticas de saúde não
podem basear as necessidades da população só por meio dos indicadores
epidemiológicos, mas compreender que não se pode reduzir as políticas ao objetivo
de redução de algumas doenças sem olhar a realidade além dos indicadores
(82, 88)
.
O tema da integralidade tamm inclui os diferentes níveis de atenção à
saúde – atenção básica, nível secundário e terciário – que são complementares
entre si, respeitando a necessidade de atendimento dos usuários. Aqui podemos
fazer uma ligação com a promoção da saúde, lembrando a necessidade de se
pensar sobre as outras racionalidades terapêuticas, para além da alopática.
A diversidade desses sentidos explicitados acima não diz o que é a
integralidade, mas facilitam o seu entendimento. A adoção de um ou de um conjunto
desses entendimentos podem demonstrar o ponto de vista dos diferentes atores
envolvidos nas práticas de saúde, com suas potencialidades e dificuldades da sua
realidade.
A compreensão de que o processo é contínuo-permanente e de luta
constante, onde a dialética social está em movimento constante. Não se trata, de
entender a integralidade apenas como uma imagem objetivo/ ponto de chegada, e
sim como processo que em todos os obstáculos superados, surgem novos
66
questionamentos, dificuldades e a criação de novas estratégias, e na busca de
novos sentidos. Ou seja, a integralidade é uma construção coletiva que nasce do
encontro entre diversos atores e instituições implicados na saúde
(81)
.
4.2.4 Integralidade: dando a voz aos atores e pensadores da
saúde
O título já adianta o que será apresentado a seguir, sendo esse pressuposto
polissêmico e polifônico
(64, 66)
nada mais coerente do permitir a escuta das vozes
desses atores entrevistados.
... hoje existem tantos sentidos que a própria integralidade é
extremamente polissêmica (...) a resignificação do conceito de
integralidade tende a ampliar cada vez mais...” (Jairnilson Silva Paim)
“... A integralidade, o termo é vantajoso por que une idéias e
faz com que alguns consensos se estabeleçam, mas tem o risco
também de criar um pequeno fetiche lingüístico, um fetiche
temático...” (Naomar de Almeida Filho)
“... a integralidade é uma palavra estratégia-poça,
movimentadora, ela nos movimenta a buscar, seja na perspectiva do
conceito de saúde como qualidade de vida, seja no conceito de
saúde na perspectiva da ausência de doença...” (Rei de Copas)
... a integralidade vista atualmente têm várias esferas de
complexidade...” (Valete de Copas)
No grupo de falas apresentados acima é possível perceber a potência que a
integralidade traz. Estimula o debate do conceito de saúde, da interdisciplinaridade,
entre outros temas, na busca de consensos e negociações baseados na situação
que está sendo explorada e não fora dela. E isso torna todo esse processo vivo,
onde as construções e reflexões são dialéticas desses encontros, que então em
constante ampliação e movimento
(66, 72)
. Essa extensão fica clara na fala a seguir:
“... A polissemia dada hoje é pra dizer que a integralidade ela
não é só no campo da atenção, ela é na atenção, na gestão, na
formação, na política, para poder dar conta de olhar pra múltiplos
lugares, para as coisas que se pode chamar de integralidade. Que
vai desde pensar uma rede em linha do cuidado, até pensar uma
gestão orientada pelos modos de viver na sociedade, ou ainda
pensar na formação que respeita os padrões de aprendizagem
diversos dos alunos, e quer construir com os alunos uma visão de
cuidado de saúde, que respeite história de vida, que respeite
67
singularidades. (...) Na minha concepção polissemia não abre mão
da política...” (Chapeleiro)
Uma ampliação que passa pelo plano coletivo e individual, onde os atores do
SUS são impulsionados a sair da centralidade médica das ações, com base numa
compreensão de saúde, para além da biomedicina e propõe as práticas centradas
em equipes multiprofissionais de saúde
(66, 84)
.
“... integralidade não está centrada só em fornecer um
máximo de atenção ao todo do paciente, mas uma equipe
diferenciada é voltada pro todo daquela vida, (...) estou querendo
dizer que a coisa evoluiu num sentido de uma coisa mais médica
para uma coisa um pouco mais ampla (...) que integra várias
práticas, que procura ter uma visão uma pouco mais ampla...” (Madel
Therezinha Luz)
Não podemos esquecer da capacidade pedagógica e potência de mudança
produzida durante as ações em saúde, onde acontece o encontro de sujeitos por
razões diversas implicados na saúde
(81)
. Clair Castilho Coelho expressa bem isso no
enunciado a seguir:
“... os avanços possíveis acontecem nas brechas que existem
e para cada vez aumentá-las e ampliar o espaço de consciência, de
compromisso político, de conhecimento da população sobre essas
coisas. E no sentido contido no trabalho dos profissionais de saúde,
que é extremamente rico e importante, pois ninguém pode negar o
momento pedagógico e político que pode se transformar uma ão
de saúde...” (Clair Castilhos Coelho)
Essa capacidade pedagógica pode ser explorada em dois sentidos: por que a
educação formal é baseada na especificidade das disciplinas e na tecnologia, e de
como a integralidade é chamada para dar conta de complexidades do sistema.
“...os profissionais continuam sendo formados pela Academia
pra esse modelo mais especializado, que fragmenta o cuidado, ou
seja, o modelo curativo, biologicista, quando o aluno cai na prática do
serviço, por sua vez, o serviço também está organizado pra dar conta
dessa produtividade, e ai o sujeito que vai buscar um atendimento,
sua necessidade de saúde, ele é tratado mais como uma coisa...
(Regina Gil)
O ensino parece sofrer pressões semelhantes ao do SUS, pois continua a sua
formação de acordo com as práticas hegemônicas da biomedicina, a manutenção
das relações de poder, e representa um forte obstáculo às proposições do nosso
sistema
(75, 80)
.
68
“... entender que se não se mexer na formação dos
trabalhadores de saúde, e não é dos médicos, odontólogos, e
enfermeiro: é de todos!” (Maria Luiza Jaeger)
“... mas se nós não mudarmos as nossas práticas, pra que o
outro aprenda, é impossível! Como é que você vai convencer um
aluno que o quê você está dizendo para ele é integralidade,
enquanto nossas ações nos contradizem...” (Rainha de Copas)
“... a prática da integralidade passa necessariamente pela
conscientização das pessoas...” (Coelho Branco)
As citações acima demonstram essas questões claramente. A formação e o
exercício profissional parecem descolados, como se não houvesse qualquer relação
um com o outro, acabamos por assumir esse papel de ‘recurso humano’, que parece
nos isentar de qualquer responsabilidade. Essas questões e responsabilidade não
recaem apenas sobre o profissional de saúde, mas sobre acadêmicos e até mesmo
sobre a sociedade, que também se mostra acomodada na lógica capitalista que
incentiva outros valores. O convite da integralidade é para todos os atores
envolvidos na saúde, ou seja, para toda a sociedade
(63, 70, 71, 80)
.
A complexidade da saúde coletiva carece de sujeitos ativos, pois o conceito
ampliado de saúde nos abre para questões do viver humano e nas suas relações
público-privada indissociáveis na saúde ou na doença
(73, 74)
.
“...a noção de integralidade parte de um conjunto de outras
práticas (...) que as maneiras convencionais de trabalhar em saúde
efetivamente não dão conta...” (Jairnilson Silva Paim)
Se pensarmos na imagem-objetivo, neste momento percebemos que várias
estratégias foram lançadas, produzindo mudanças que levam um passo adiante, em
diversas situações intermediárias até alcançarmos nosso objetivo. Este busca por
meio da saúde uma sociedade mais solidária e conseqüentemente o
aperfeiçoamento do SUS, passa a ser entendido como direito de fato, esse debate é
de fundamental importância para essas conquistas
(63, 66, 67)
. As falas a seguir
demonstram isso claramente:
“... a integralidade parece que está se tornando um motor que
impulsiona o aperfeiçoamento do SUS (...) as ações de integralidade
que estão circulando está trazendo a consciência das pessoas, de
como é importante ter um sistema único publico de saúde. Mesmo
que muito devagarzinho, e com toda a polissemia e com todas as
dificuldades, ela tem sido um fator de fortalecimento do SUS e tem
69
conseguido produzir debates na saúde coletiva bastantes
interessante...” (José Ricardo Ayres)
“... direito individual, direito coletivo, são aspectos
importantíssimos do debate da integralidade, hoje é um dos temas
extremamente importante pra qualificação do SUS nesse
momento...” (Jorge Solla)
A realidade Constitucional do SUS e seus pressupostos geraram ao longo da
sua existência e criaram bases por meio de experiências nos mais variados âmbitos,
onde a integralidade faz importantes contribuições. Experimentos na gestão,
prestação de serviços, trabalho na saúde, financiamento, participação social que
visam superar o predomínio do modelo flexneriano
(49, 61, 62)
. As falas a seguir trazem
interpretações diferentes sobre esse pressuposto:
“... a integralidade é um conceito criado pro sistema (...) o
arsenal que a tem que ter o sistema, o paiol de onde vamos tirar os
recursos para ter uma oferta o ximo integral possível (...) a
integralidade é um conceito absoluto, ela igual totalidade não existe,
é inatingível, e não é necessária em cada caso, seja coletiva ou
individual...” (Gastão Wagner de Sousa Campos)
“...vejo integralidade como um conjunto de expressões que
se fizeram necessárias para expressar algo que estava antes
impronunciável e esse algo num primeiro momento dizia de
indignações, e de que as pessoas foram na verdade forjando essa
expressão como um modo de dizer como se sentiam (...) nesse
sentido a integralidade é uma noção construída socialmente...
(Ruben Araujo de Mattos)
A primeira fala da integralidade como um paiol, onde podemos buscar os
recursos para alcançar da melhor maneira o integral, enquanto a segunda fala
apresenta outra interpretação, que com a mudança do contexto, e as novas opções
dadas por essas diferentes experiências abriram-se espaços de escuta para vozes
antes sufocadas.
Dois olhares diferenciados que demonstram que o debate da integralidade
está longe de se encerrar. Mas podemos perceber que existem tensões,
preocupações e desafios a serem enfrentados e discutidos sobre o tema da
integralidade. E esse debate não é descolado da reforma da saúde, mas sim
conseqüência desta onde o SUS ganha, pois se qualifica e se fortalece como
explicitados por José Ricardo Ayres e Jorge Solla em suas falas citadas.
70
4.2.5 Reflexões dos atores: as tensões e os desafios da
Integralidade
Na trajetória desses caminhos percorridos para a construção deste trabalho,
apareceram importantes reflexões, preocupações, tensões e críticas dos atores
entrevistados sobre o tema da integralidade. Nesta parte do trabalho serão
apresentadas essas questões.
“...é um abuso atual (...) que queira substituir o conceito de
totalidade marxista que explicava tudo pelo de integralidade (...)
tenho muitas restrões a esse uso abusivo que tem se feito agora
(...) se você fizer um atendimento integral em cada pessoa que você
atender, em cada comunidade, você vai medicalizar, vai intervir além
do necessário (...) o atendimento não tem que ser integral, tem que
ser necessário (...) o arsenal que a tem que ter o sistema, o paiol que
nós vamos tirar os recursos...” (Gastão Wagner de Sousa Campos)
Camargo Junior
(19)
também se refere a essa noção de ‘totalidade’ que traz
implicações perigosas, chegando inclusive a se questionar se é desejável dar conta
de todas as necessidades humanas. Os resultados disso poderiam ser indesejáveis,
onde o excesso de cuidados e atenção limitaria a liberdade e autonomia dos
sujeitos. É importante compreendermos a integralidade como um devir, um objetivo
a ser perseguido, e é no cotidiano que ela se constrói sem receitas prontas, mas
com as ferramentas disponíveis naquele espaço.
A posição do Gastão Campos expressa de forma radical uma preocupação
trazida por outros atores:
“... a integralidade se tornou mais complexa, mais rica, mais
plural, tem o lado negativo disso que é a polissemia muito grande,
que às vezes vocêo sabe do que você está falando, a fala de
integralidade...” (José Ricardo Ayres)
“...o tema do fetiche da integralidade, dá a idéia de que o
pensamento que abarca a totalidade e reflete uma realidade que é
total, não somente a fetichização mas a reificação do conceito de
integralidade...” (Naomar de Almeida Filho)
A resposta de alguns atores a essa preocupação é proposição de regular a
integralidade, limitá-la. Pois existem de fato banalizações e abusos que acontecem
em nome da integralidade. A judicialização da saúde é um exemplo disso, que é o
uso do Ministério Público para afirmar, expandir os direitos ou impedir alterações ou
inovações em curso
(89)
. Em se tratando da integralidade temos dois lados,
71
apontados por Carvalho
(90)
, entendendo esse pressuposto como o ‘tudo’: primeiro
para turbiná-lo, a ponto de torná-lo impraticável e segundo para truncá-lo ou trincá-lo
onde os governos usam como justificativa para usar o financiamento da saúde para
outros fins, com base nos determinantes da saúde, por exemplo. Nas palavras do
próprio Gilson Carvalho:
... eu posso sonhar com integralidade regulada (...) regular a
integralidade não é limitá-la (...). Regular é dizer que eu não vou
fazer tudo pra todos sem nenhum critério, não tem a intenção de
limitar direitos, mas eu não vou fazer o tudo sem necessidade...”
(Gilson Carvalho)
Ruben Araujo de Mattos debate a proposição acima, quando coloca:
“...Frente a isso, eu tendo a ler que o ajuste necessário não é
o ajuste da delimitação da integralidade, há ajustes necessários, e
eles estão em outros lugares (...) a integralidade fica como principio
de direito que vai aberto movimentando o conjunto de experiência
sociais, e é nesse sentido que delimitá-lo é matá-lo. Por que se tu
delimita eu tiro a fertilidade, ao passo que se eu deixo como permito
que essas coisas, que esse visível se torne mais visível, o sonho, na
verdade a inspiração” (Ruben Araujo de Mattos)
Ambos os atores refletem e trazem a reflexão da integralidade relacionada à
necessidade, ou seja, o que o outro precisa, e não disponibilizar tudo. A
interpretação da integralidade como totalidade desloca o debate real e necessário a
ser feito. Gilson Carvalho aponta essa mudança do foco do debate na fala a seguir:
“A judicialização é todo mundo brigando por que os juizes
estão dando, vão dar remédio pra fulano etc. (...) a discussão es
fora de foco! Por que fora de foco? Por que nos estamos fugindo da
discussão maior, pois toda prescrição judicial, ou do ministério
publico, nasce de onde? De uma prescrão médica, ou dos
profissionais da saúde (...) O prescritor tem em cima dele todo
complexo industrial, comercial, e de mídia, que influência ele, os
formadores (formais e informais), influência o cidadão, usuários...”
(Gilson Carvalho)
A direcionalidade do debate atende a diversos interesses, no caso explicitado
acima por Gilson Carvalho, favorece o CMI que usa o principio a seu favor. A
conquista dos princípios na constituição é de todos, da hegemonia e contra-
hegemonia, e cada parte se utiliza e interpreta em seu favor. O cuidado aqui é não
cairmos nas armadilhas e deslocar o debate para discussões que apenas favoreça o
capitalismo. Um foco, por exemplo, aqui poderia ser a necessidade de pensarmos
72
na formação dos profissionais de saúde, que são os prescritores e constantemente
seduzidos pelo CMI. Naomar de Almeida Filho na fala a seguir aponta outro questão
importante tamm:
“... um problema que supera no debate teórica e na aplicação
os avaos são mínimos, até por que pouco se atua até na
reconstituição do imaginário social, popular sobre o sistema da
saúde. É como se a vanguarda sanitária buscasse um modelo
adaptado, complexo de atenção integral e a população não
compreende e não demanda por isso, e continua valorizando o
formato de representão do corpo e da saúde da doença e do
cuidado dos profissionais com algum aporte critico entendem que
não é mais justo mais adequado e o mais defensável, então isso cria
uma contradição ...” (Naomar de Almeida Filho)
Silva Junior, Mehry e Carvalho
(76)
trazem essa discussão na organização
do SUS como um desafio de construir um modelo tecno assistencial que atendesse
as necessidades da população. Mas entendem esse espaço de encontro entre
profissional e cidadão rico para explorar essas tensões e criar novas estratégias de
ações e de pensar saúde, onde as partes envolvidas tornem-se atores ativos dessa
mudança proposta pelo SUS. Ou nas palavras de Rainha de Copas: “... a discussão
das praticas eficazes de integralidade, desnuda, deslinda vozes que foram
silenciadas.”
Um ponto que pode ser um obstáculo à criação desses canais de
comunicação entre os atores envolvidos, tanto na prática quanto na academia é
apresentado por Regina Gil:
“... como trabalho muito com pessoal da unidade quando eles
comam a se apropriar de um determinado discurso, de uma
determinada prática, por que a academia é rica em fazer isso, então
a gente vai mudando, vai criando e quem está na ponta fazendo não
tem o mesmo tempo para se atualizar (...) então quando ele começa
a consolidar uma prática, ou dominar um conceito, já existem outros
substituindo, ai ele nem bem deu conta daquele, nem viu resultado
desta ação e o discurso já vem e muda para outro...” (Regina Gil)
As preocupações e tensões apresentadas por meio dos relatos citados acima
não são grandes novidades, elas já são velhas conhecidas dos atores que vivem e
convivem com o setor saúde. O que eles demonstram é que a integralidade acaba
por se tornar um estopim desses debates, pois ele nos coloca frente a frente com as
73
questões, com os nós que existem nesse processo de luta da continuidade do SUS.
Para encerar essa parte apresento a fala de Rainha de Copas:
“ ...acho que hoje o sistema único de saúde, a política de
saúde do estado brasileiro é irreversível, agora temos de pensar
criticamente nisso, como acadêmicos responsáveis que somos, sem
necessariamente ficar ocupado preocupado com autoria disso e
daquilo...” (Rainha de Copas)
4.2.6 Diferentes situações, diferentes perspectivas, diferentes
olhares: situações problema
Para encerrar este capítulo serão apresentadas a seguir quatro situações
problemas que os atores construíram no final das suas entrevistas. As duas
primeiras apresentam situações de dês-integralidade e as duas últimas de
integralidade. Essa apresentação não tem a intenção de esgotar o debate destas,
mas fazer rápidas considerações vinculadas ao tema da integralidade. Creio que o
Ruben Araujo de Mattos expressa melhor o nosso objetivo:
“... uma das formas mais eficazes da gente trabalhar, pensar
e convidar os outros a pensarem sobre a questão da integralidade,
não é definindo, mas é exatamente apresentando situações
problemas...” (Ruben Araujo de Mattos)
E o objetivo do convite aos entrevistados a elaborarem uma situação
problema tem a intenção de podermos observar qual a perspectiva, qual olhar os
atores dessa pesquisa percebem a integralidade, seja por meio de ações de saúde,
gestão e planejamento, atenção a saúde, cuidado, níveis de complexidade, ou ainda
a combinação de um ou mais desses citados, quem sabe até um não pensado
(70)
.
A primeira situação problema a ser apresentada é elaborada por Jorge Solla:
Uma questão da assistência especifica geral, um debate muito
interessante de 2006/2007. Os avanços da discussão hoje têm uma política de
prevenção renal, que entre outras características é muito pautada pela idéia da
integralidade. Mas que a sua operacionalização ainda está muito longe.
Hoje está escrito na política que o SUS tem na atenção a insuficiência
renal, acho que ela conseguiu trazer pra política muito fortemente a
integralidade, fizemos um programa forte de integralidade. Uma pena que ela
não consegui ainda ser operacionalizada para dar conta desses desafios.
74
Por que qual é o ponto de partida? Para você ter uma idéia, mais de 2/3
dos municípios brasileiros que prestam serviços de diálise aos pacientes pelo
SUS, eles não fazem consulta de rotina da saúde deles. Nada! Zero!
Se você for lá à base de dados dataSUS e fizer esse estudo você vai
poder confirma isso, mais de 2/3 dos municípios que tem assistência de
hemodiálise, ao doente por insuficiência renal. Porém o doente que ainda não
tem insuficiência renal, mas tem uma doença renal ele não tem acesso à
consulta do nefrologista. Estamos falando de um sistema de saúde onde
aumentou 97% o tratamento a terapia renal substitutiva feita pelo SUS, digamos
assim, quase a totalidade da assisncia ao doente.
A insuficiência renal no Brasil é bancada pelo sistema público, com
raríssimas exceções, de alguns poucos pacientes que tem a sua assistência
paga por saúde suplementar. Pela característica da assistência de longo prazo e
alto custo, alguns poucos serviços privados asseguram isso.
Bom ai você tem um grande conjunto de pacientes que ele entra na
doença renal, ele pode vir a ser insuficiente, mas o SUS não garante assistência
precoce e de baixo custo, e associado a isso o paciente vai agravar a doença
renal, vai entrar em insuficiência. Ai tem outro dado interessante, mais ou menos
1/3 dos pacientes que fazem diálise pelo SUS tem menos de 30 anos de idade,
mais da metade são diagnosticados em serviços de emergência.
Ai você vai perguntar: onde está a raiz disso? Falta de regulação do
sistema! Por que o nefrologista existe, ele está lá fazendo assistência ao
paciente, mas o paciente, o usuário do sistema que precisa só vai ter acesso a
ele quando os dois rins pararem de funcionar. Enquanto ele tiver fora do quadro
de insuficiência ele não vai ter acesso a ele.
Aqui aparece o discurso, a desculpa, que é a consulta que paga pouco.
Mas é um sistema, não é por que um procedimento tem prejuízo, digamos
assim, da comparação entre o preço de tabela e o custo e o outro tem lucro, que
eu vou fazer o que dá lucro.
Então por isso a doença renal tem cobertura muito ampla e se definir em
parâmetros territoriais, base populacional, se incorporou a idéia de que a gente
só vinha trabalhando inicialmente com a atenção básica, da chamada alta
complexidade, e sobre essa idéia que os serviços ele tem que garantir aos
usuários a consulta, os exames de laboratórios, os procedimentos, diagnósticos
necessários, o suporte de apoio as intercorrências e os procedimentos de
terapia renal como um passo de uma linha de cuidado e quem tem que preparar
esses pacientes pra transplante.
75
Então você tem que ir da consulta pra fazer diagnóstico precoce até o
transplante e imunossupressores e assistência após transplante, e essa linha de
cuidado ela tem de ser traduzida numa política e ela tem de ser traduzida na
configuração da rede.
Eu acho que esse é um dos grandes desafios hoje, se você abordar a
integralidade do ponto de vista do acesso do paciente em níveis diferentes de
atenção em função do problema que ele apresenta, eu acho que esse exemplo é
interessante.”(Jorge Solla)
A situação apresentada acima traz problemas graves na relação entre as
diferentes densidades tecnológicas do nosso sistema. Além de demonstrar a forte
influência do capitalismo quando fala da necessidade dos procedimentos terem de
ser lucrativos, e da alta tecnologia envolvida na hemodiálise e transplante de rins. A
qualidade de vida do portador da doença não é considerada, nem e as
conseqüências de ter a sua vida depender de uma máquina. E se falarmos da lógica
do lucro, muito mais lucrativo para o SUS custear a atenção precoce do que a
manutenção do paciente transplantado, que o sistema paga!
A próxima situação problema foi elaborada pela psicóloga Sonia Fleury:
“Eu estou pensando quando fala em integralidade, mas acho que para o
paciente tem a idéia do que é recorrente da consulta, da entrada no sistema.
Teria que ter uma garantia de alguma maneira, ou seja, o que algumas pessoas
têm chamado de demanda escondida, não é a demanda reprimida, é a demanda
escondida. Quer dizer, você considera que o cara teve acesso ao sistema na
hora que ele tem a consulta, mas da consulta você não consegue encaminhar
ele para o especialista ou não consegue que ele tenha acesso ao medicamento
que ele deveria. Então isso não é integral nem do ponto de vista curativo, é uma
versão parcializada, nesse sentido, não integral, porque o usuário entrou no
sistema e ele tem que ter uma resolubilidade, e não tem.
Ele não tem acesso ao que for necessário para a sua atenção e nós não
temos nem medidas do que é ou do que não é resolvido. Porque isso não
aparece na estatística, desde que o cara entrou, a gente está considerando que
ele entrou, e se ele está pendente de encaminhamento que não se resolve, no
segundo nível que não consegue, de um medicamento que ele não tem acesso,
destruiu com a integralidade da atenção.
Isso não é atenção, está parcializada no sentido mesmo dentro da cura,
sem considerar o ciclo todo (que ele já ganha reabilitação), então acho que essa
76
é a conversa a gente teria de enfrentar para mudar isso. Inclusive medidas
disso, quantas pessoas entram e se perdem no sistema, o pessoal que é comum
se integraliza, não chegamos a ter periodicidade, nós não temos acesso a essa
informação.
A entrada no sistema ela é garantida num certo nível, e ela não tem
resolubilidade, porque ela devia ter encadeado para outros níveis, ou consumos
ou o quando signifique não fez. Então é a entrada e o acesso nesse todo
expandido não garante a resolubilidade.
Curiosamente, pra falar em disciplina, o único indicador que as vezes
você tem dessa situação é o serviço social, que acaba sendo onde vai parar
essa demanda oculta do sistema, as pessoas vão reclamar que as filas não tão
funcionando. Um local onde aparece, um pouco, dessa demanda escondida,
dentro do próprio sistema, é a oferta que não chega, fica lá dentro.” (Sonia
Fleury)
Será que o SUS virou um devorador de homens? É importante
reconhecermos que isolados somos limitados para dar conta das demandas
apresentados pelo sujeito que sofre, o trabalho multiprofissional e principalmente
interdisciplinar é essencial
(19)
. Mas após esse exemplo citado acima fica a pergunta:
que tipo de atenção à saúde onde as pessoas se perdem dentro do sistema?
A outra situação selecionada é elaborada por José Ricardo Ayres que
responde com as seguintes palavras ao convite: “É uma proposição fácil e difícil ao
mesmo tempo...”
“Eu vou falar mais especificamente da experiência que eu tenho muito
próxima que é trabalhar com jovens. Os jovens quando acessam o serviço de
saúde, em geral eles acessam do modo, num padrão de uso muito atípico. Eles
usam pouco o serviço de saúde e quando usam em geral o motivo da procura do
serviço são queixas ou motivos que se enquadram pouco nos padrões habituais.
São queixas meio difusas, meio vagas que não se articulam muito uma com as
outras.
Nesse momento se a gente imaginara recepção desse jovem no
serviço de saúde, a gente tem que começar pensar em termos de integralidade.
Primeiro por que a melhor pode não se dar na unidade de saúde, muitas vezes
se o setor saúde consegue se articular bem com a secretaria de educação você
pode incluir jovens na rede de atenção à saúde de um modo muito mais
77
espontâneo, do que esperar que eles procurem a unidade básica de saúde, já
começa por ai.
A gente faz trabalhos, por exemplo com escolas, e a gente percebe com
o trabalho na escola que a resposta nesse espaço são repostas de saúde,
promoção da saúde e ao mesmo tempo aquilo que de fato precisa de
assistência. Com um núcleo técnico mais relativo, mesmo assistência médica
você consegue levar pra unidade de saúde de um jeito muito mais interessante.
O adolescente já chega lá muito mais a vontade naquele espaço sabendo o que
vai obter dali respostas de forma diferente.
Bom ao receber o jovem o tipo de saber que a gente vai precisar ter para
de fato acolher essa demanda de um modo efetivo e legitimo, não vai poder ser
um saber só médico, ou só de enfermagem, ou só de psicologia, mais
interessante que você tenha equipes interdisciplinares ou multiprofissionais que
discutam estratégias interdisciplinares de olhar para jovem de propor coisas pra
eles. De ampliarem espaços, menos convencionais de recepção, estruturas
menos convencionais de anamnese.
Isso tudo a gente tem experimentado no centro de saúde escola. Muitas
vezes ele vai para ele conseguir a reposta que ele está buscando e você vai
precisar, às vezes na própria unidade, criar uma interação de atores atuando
junto a ele, por exemplo, médico psicólogo, mas freqüentemente uma atuação
intersetorial. Para ter possibilidades de encaminhá-lo pra certas atividades de
inclusão social, práticas esportivas, apoio à inserção no mercado de trabalho.
Então os trabalhos programados com jovens e adolescentes é o exemplo,
caractestico, por que de fato é um grupo que suscita isso, muito claro essa
importância da integralidade.”(José Ricardo Ayres)
A situação apresentada acima demonstra a possibilidade da integralidade, o
trabalho com adolescentes e da importância e dificuldade desse trabalho. Pois
envolve vulnerabilidades características de uma fase de vida que prepara para a
vida adulta e se despede da infância, marcada por um complexo processo de
desenvolvimento biopsicossocial, caracterizada por influências socioculturais. A
saúde destes jovens se relaciona com a promoção de saúde, exercício da cidadania,
educação em saúde e prevenção a agravos.
E a última situação selecionada é relatada por Ruben Araujo de Mattos:
“Essa situação relata a história de um sujeito que vai começar a fazer
quimioterapia por uma leucemia. Um senhor de 40 e poucos anos, chega no
78
centro de quimioterapia, e para a primeira sessão a enfermeira esta
conversando com ele, e ele está com muita fome antes de começar a fazer
quimioterapia, meio enjoado. E ela começa a perguntar o que ele se alimentou,
se ele tinha comido, mas muito cedo, e foi vendo o quê que era.
Resumo da ópera ele tinha saído de casa e deslocou-se a pé pro serviço
de saúde por que não tinha dinheiro pro transporte, andou por 8 horas. E ele
estava fazendo uma sessão de quimioterapia e após iria andar de volta 8 horas
para chegar a sua casa.
Ai a enfermeira começa a pensar: primeira etapa tem de arranjar uma
maneira de uma condução de você voltar pra casa depois da quimioterapia, em
seguida busca o PSF que vai ter que fazer essa quimioterapia. Começa a se
mover no sentido de entrar em contato com o PSF, entrar em contato com o
médico do PSF. Esse médico não sabia da quimioterapia e não tinha
conhecimento, permitir que ele pudesse ser rapidamente capacitado pra fazer
aquela quimioterapia com aquele medicamento. Conquistar a liberação do
medicamento para que fosse transportado, o medicamento andar 8 horas, e não
é 8 horas é muito mais rápido, para o posto de saúde do para que o sujeito
pudesse fazer a quimioterapia lá. Então ele implanta essa quimioterapia e essa
situação envolve simultaneamente o sentido de compreensão, de toda a escuta
e percepção, colocar-se na posição do outro, essas coisas integram a
integralidade na pratica, como a reorganização do serviço, a ruptura das normas,
o reposicionamento para dar conta da necessidade.”(Ruben Araujo de Mattos)
Essa situação demonstra o encontro e o diálogo, a enfermeira foi capaz de
escutar e investigar junto ao usuário a sua dificuldade de acesso à sua necessidade
de saúde. Frente a isso buscou e negociou toda uma mobilização do sistema para
atender esse sujeito, isso mostra o envolvimento de diversos atores em prol do
cuidado. O cuidado que o SUS propõe.
(78, 79)
O objetivo dessa última parte é de ser dispositivo para os leitores refletirem
sobre as situações apresentadas, todas são baseadas em dados da experiência
desses atores que nos permitiram viajar junto a eles nesse percurso em busca da
integralidade, dentro do SUS.
Mas uma questão fica em aberto, seria a forma como o convite foi feito para a
construção das situações problema que levaram a trazer situações que envolvem os
serviços, e como Madel Therezinha Luz coloca:
79
“...ainda acho que a coisa é muito centrada pro serviço de
saúde, e portanto ainda não há a saúde mesmo (...) Ainda é uma
coisa de um serviço de saúde que procura melhorar, que integra
varias práticas, que procura ter uma visão uma pouco mais ampla,
primeiro era medicalizadora, era curativista, depois passou
preventiva promocionista, agora um pouco mais abrangente, mas
ainda está centrada na questão dos serviços de saúde ...” (Madel
Therezinha Luz)
Ou seria porque sempre falamos com mais propriedade daquilo que faz parte
do nosso cotidiano, onde temos implicação ou que nos afeta? Seria essa a potência
da integralidade? Ser o espelho que devolve a imagem real... Mas o que é o real?
Bom, isso já é outra história...
80
5 ARTIGO
A INTEGRALIDADE E SEUS PERCURSOS NO SUS
8
“SUS’ INTEGRALITY AND ITS JOURNEY”
CARLA RIBEIRO
9
MARCO AURÉLIO DA ROS
10
SANDRA CAPONI
11
RESUMO
Este trabalho busca analisar a trajetória da integralidade, um dos princípios do
Sistema Único de Saúde (SUS), dentro da história das políticas públicas de saúde
do Brasil desde o Movimento Sanitário - década de 70, até a atualidade. Para
alcançar este propósito foram realizadas pesquisa histórica bibliográfica e
entrevistas com importantes atores do cenário das políticas públicas de saúde no
Brasil. A saúde hoje continua sendo um âmbito de luta e a integralidade tem um
papel importante nesse processo, pois permite que sejam feitas reflexões do
momento sócio-político que estamos, e com isso fortalece e qualifica o SUS. É na
década de 90 que se retoma o debate com o termo integralidade, originário da
atenção integral no período do movimento sanitário. A integralidade aponta para
dificuldades e avanços que há no SUS. Ela não é só prenhe de sentidos -
polissêmico, mas também autoriza as vozes silenciadas a falar - polifônico, e acima
de tudo carrega consigo os sonhos de muitos.
PALAVRAS-CHAVE: integralidade, movimento sanirio, história, SUS.
ABSTRACT
This work aims to analyze the journey of integrality, which is one of the
principles of SUS (public Brazilian health system) within the history of public political
8
Artigo segundo normas de publicação da Ciência & Saúde Coletiva.
9
Psicóloga, Mestre em Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
10
Professor Doutor do Mestrado em Saúde Pública da UFSC.
11
Professora Doutora do Mestrado em Saúde Pública da UFSC.
81
health in Brazil since the Sanitary Movement – which started in the 70s - until the
present days. In order to reach the purpose suggested, historical bibliographical
researches were done and important agents from the public political health context in
Brazil were interviewed. Nowadays, health keeps staying in a fighting atmosphere
and integrality has an important role in this process because it allows us to reflect on
the socio-political moment we are currently going through. This makes SUS stronger
and better qualified. In the 90s the debate about integrality was retaken, which had
begun with the integral attention in the period of the sanitary movement. Integrality
points out the existence of both at SUS, difficulties and advances. It is not only full of
meanings – polysemic; it also gives to silenced voices the speech – polyphonic.
However, beyond all of it, the dreams of many are held by integrality.
KEY-WORDS: integrality, sanitary movement, history, SUS.
INTRODUÇÃO
A integralidade é um dos princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde
(SUS), junto à eqüidade e universalidade. Esses pressupostos nascem da luta que
se inicia na época da ditadura militar de 1964, e é composta por diversos
movimentos, que objetivavam ter um sistema único de saúde com um caráter de
inclusão de todos os cidadãos, que compuseram o Movimento Sanitário ou Reforma
Sanitária
(3, 4)
.
A história das políticas públicas de saúde no Brasil traz na sua trajetória
marcas de exclusões, lutas e dicotomias desde a época da Proclamação da
República até o SUS. Do sanitarismo campanhista de Oswaldo Cruz, as Caixas de
Aposentadorias e Pensões (CAPs) e Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs),
onde o benéfico era concedido apenas aos trabalhadores, e a dicotomia entre ações
coletivas e individuais representados pelo Ministério da Saúde e o Instituto Nacional
de Previdência Social (INPS). Em meio a tudo isso, passamos por duas ditaduras
82
que reforçou ainda mais o processo de exclusão das classes populares dos circuitos
de decisão econômica, política e cultural
(3, 22)
.
O estado militarista (1964/84) tamm conhecido como o ‘milagre brasileiro’,
na área econômica, que compreende os vinte anos da ditadura militar (2ª ditadura do
país), operou grande mudança na administração estatal e reorientação institucional
em todos os setores nesse período. Foram reorganizados os traços institucionais
das campanhas sanitárias e dos modelos curativos da atenção médica
previdenciária. Época marcada por atos institucionais e por decretos que
modificaram a Constituição no tocante aos direitos de cidadania, informação e
comunicação social, bem como o controle dos poderes Judiciário e Legislativo. Um
crescimento desmedido da medicina privada, desvinculado da realidade sanitária da
população e voltada para o desenvolvimento científico-tecnológico das
especialidades. “A saúde passou a ser vista como bem de consumo médico”
(pág.82)
(3)
.
Conforme Da Ros
(4),
nestes 20 anos, citados acima, é aberto espaço para a
construção de um poderoso complexo médico-industrial dos fabricantes de
equipamentos, medicamentos, hospitais privados, que assessora a eleição de
políticos comprometidos com a defesa de seus interesses. Teixeira
(22)
complementa
essa afirmação quando relata que a prática médica está no interior do ciclo de
acumulação e reprodução capitalista, tendo o predomínio destas as práticas
coletivas.
Vianna
(24)
aponta que o Complexo Médico Industrial (CMI) pode ser entendido
como uma trama de forças entre os diversos atores da saúde, com o setor
econômico. Aqui podemos ver esses atores da saúde como a assistência médica,
formação profissional, indústrias farmacêutica, produtora de equipamentos médicos
83
e de instrumentos de diagnóstico. O CMI é resultado do desenvolvimento capitalista
da área médica, onde práticas privadas tornaram-se hegemônicas, onde a
tecnologia assumiu um status de benefício à humanidade, onde o conhecimento
humano se dedica à solução de problemas de vida e morte.
A configuração desse cenário tem como forte influência o Relatório Flexner
dos Estados Unidos, que se originou com a investigação das faculdades de
medicina do país e foi financiado pela Rockfeller Foundation por meio da Johns
Hopkin University patrocinada por esse ícone do capitalismo americano. O modelo
Flexneriano, nascido nesta universidade norte americana traz uma proposta de
atenção à saúde hospitalocêntrico, biologicista, fragmentado em especialidades
designadas por um saber acadêmico reconhecido por lei. E a hegemonia desse
modelo nos Estados Unidos deve-se à sugestão de não financiamento das
faculdades de medicina que não adotassem esse modelo, em nome da
padronização e organização no ensino médico
(4, 25)
.
É nesse cenário da 2ª da ditadura militar no Brasil, na década de 70, que o
Movimento Sanitário organiza-se para discutir a saúde, tanto individual quanto
coletiva, como uma questão universal. Propõe a organização da saúde de um outro
modo, uma necessidade de mudança sentida na época, numa tentativa de conter o
crescimento desmedido da assistência privada, que só fortalecia a exclusão e
tornava dispendioso a continuidade dessa prestação de serviço, devido aos altos
custos tanto para o Estado, quanto para o usuário
(4)
. Ou seja, transformar a questão
da saúde de um “negócio da doença” (pág. 18
(25)
), para uma questão de vida,
trazendo para a discussão todos os envolvidos, transformando os cidadãos em
atores ativos, na luta pelo o reconhecimento da saúde como direito de todos,
invertendo a lógica da exclusão vivida no País até então.
84
O Movimento Sanitário constituía-se, segundo Da Ros
(4, 13)
e Escorel
(14)
, por
diferentes vertentes/movimentos, onde cada uma com um olhar peculiar sobre a
saúde, lutavam por objetivos comuns: rever a saúde no País, associar-se contra a
ditadura e lutar contra o CMI. Escorel
(14)
destaca que a transformação ocorrida não
foi de um novo modelo de atenção à saúde, mas uma nova força política/ ator que
foi se conformando na nova arena política de articulação entre vários núcleos, e que
essas vertentes não eram estanques ou excludentes, mas como partes de um
processo de construção de um movimento social.
Entre essas vertentes que compuseram o Movimento Sanitário cabe o
destaque ao CEBES e à Academia, a primeira como a pedra fundamental do
Movimento, enquanto a segunda foi e ainda é o pilar teórico
(14, 27)
. O CEBES tem um
papel essencial: de articulador entre o saber acadêmico e a prática política, e
mediador entre a academia e os movimentos sociais, a sua criação se dá num
contexto de dificuldades de espaços de luta contra o regime. Enquanto a Academia
se configura num o espaço onde construíram a ideologia, o ideário, o conhecimento
e formaram-se os pensadores orgânicos da proposta, além de ser muitas vezes o
único espaço possível de trabalho, durante a ditadura, e que resultou na construção
de uma teoria social da saúde. Destacando-se como importante fator de
transformação do pensamento preventivista em médico-social, ou seja, entender que
a saúde inclui outros fatores como os determinantes sociais
(14)
.
Em 1986, acontece a 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), resultado do
Movimento Sanitário, de âmbito nacional, que conquistou pelo trabalho político
intenso, alguns importantes postos de condução política setorial, proporcionando
assim uma articulação política entre partidos, organizações sindicais e população.
Foi por meio dessas conquistas que se possibilitou que esta conferência se tornasse
85
a maior da história, e que propusesse um debate que se ampliasse para a sociedade
como um todo, e com a finalidade de subsidiar a reformulação do sistema nacional
de saúde, além de proporcionar elementos para a constituinte
(33)
. Esta CNS é
marcada pelo mais amplo e democrático debate sobre a questão da saúde, trazendo
grande visibilidade, técnica, política, conceitual e organizativa ao Movimento
Sanitário
(32)
. Legitimada e representada pelos mais variados setores, desde
profissionais a cidadãos, desde associações a movimentos sociais, e resgata uma
dívida histórica com os cidadãos brasileiros
(32, 33)
.
A 8ª CNS não se restringiu à sua realização, em verdade ela acumula um
processo, mesmo antes de ela acontecer houve pré-conferências e após a sua
realização desdobrou-se em 1986/1987 em conferências específicas por temas e/ou
áreas de atuação. Além disso, como principal legado à constituição da Comissão
Nacional de Reforma Sanitária (CNRS) e a conformação da Plenária Nacional de
Entidades de Saúde
(14)
. Durante os dois anos de constituinte tiveram o
acompanhamento da CNRS, que assessorou deputados, garantindo que o lema da
8ª CNS entrasse na constituição
(4)
.
Os desdobramentos da 8ª CNS tinham suas justificativas, pois muito dos
avanços da década de 80 na direção de um sistema de saúde desejado pelo
Movimento Sanitário foram freados, como explicita Luz
(45)
:
“As resistências oferecidas pelo clientelismo, pela
partidarização das instituições de saúde das instituições de saúde,
no sentido mais corporativo do termo partido, pela burocracia
tipicamente pré-capitalista do nosso aparelho estatal, avessa às
modernizações, pelos interesses lobistas das grandes empresas do
setor e pela própria tendência institucional à concentração e à
centralização do poder, constituíram poderoso freio às mudaas
propostas pela VIII CNS e ratificadas pela Constituão de 88.” (g.
122
(45)
)
O esforço do Movimento Sanitário no debate para a construção de um
sistema de saúde foi recompensado com a conquista dentro da Constituição
86
Nacional, nos artigos 196º a 200º que tratam especificamente da saúde
(4)
. O
princípio da integralidade inicialmente se apresenta na Constituição Federal, no Art.
198, da seguinte forma: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo
com as seguintes diretrizes: (...) II - atendimento integral, com prioridade para as
atividades preventivas, sem prejuízo das assistenciais” (pág. 14
(2)
).
Em uma sociedade em transição democrática, algumas questões contribuíam
para os debates da assistência à saúde, havia uma preocupação em buscar a
integração das questões no nível social, econômico e político. O debate da
integralidade aparece disperso durante esse período, havia uma preocupação muito
maior com a universalidade e eqüidade (ou igualdade) da atenção
(33, 34)
. Rodriguez
Neto
(35)
demonstra isso, quando relata que a essência da proposta era o direito
igualitário e universal, ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, e a
incorporação de todas as ações e serviços de saúde pelo SUS.
Desde a sua inclusão na Constituição brasileira, o SUS passou por diversos
obstáculos devido à conjuntura social vivida, onde alguns temas ou necessidades
foram mais aprofundados e discutidos do que outros. As lutas pela saúde ao longo
dos anos constituíram-se em um processo político-pedagógico-social, onde cada
vitória ou derrota configurava-se em novas proposições. Alguns pontos já
alcançados necessitam ser avaliados dentro de sua nova conjuntura, para criar
novas estratégias, para que o sonho não se perca, e conseqüentemente as ações
dos atores desse movimento que foram modificando-se ao longo do processo
(14)
.
Na década de 90, a eleição do governo do presidente Fernando Collor de
Mello, traz consigo uma gestão favorável ao neoliberalismo, inicia-se, aqui o
desmonte do aparelho do Estado. Esse período é visto como a década perdida tanto
87
para a questão social como para a economia. Esse processo é resultante da
globalização, definido por economistas e cientistas políticos como um conjunto de
transformações nas relações sociais de trabalho, nos modos de produção, na
política e cultura do capitalismo. Os efeitos da globalização são de concentração de
capital nas economias centrais e desagregação social na periferia do sistema,
atingindo em cheio as nações
(48)
.
Porém é nesse mesmo período que novos atores surgem, entre eles
podemos citar as Organizações Não-Governamentais (ONGs), organizações e
associações locais comunitárias, agentes comunitários de saúde e governos
municipais. Enquanto que os atores tradicionais (profissionais de saúde), nesse
período, assumem uma postura de interlocução mais madura com a sociedade civil.
Profissionais, gestores e burocratas são uma força política dentro do Estado, no
sentido de produzir a desconcentração de poder de dentro para fora, essas forças
unidas na exigência da participação no planejamento e na gestão dos serviços de
saúde por meio dos conselhos de saúde
(48)
.
A luta contra o Estado Mínimo das políticas neoliberais busca fôlego na
criação de instrumentos e normas para orientar a descentralização e a organização
do sistema, por meio das Normas Operacionais Básicas (NOBs)
(6, 48)
. As primeiras
mudanças aparecem na NOB/93 que apresenta timidamente o processo de
descentralização
(5-7, 49)
. Outro passo, na direção da mudança, vem com a NOB/96
que cria o Piso de Atenção Básica (PAB) e traz as primeiras propostas para a
mudança do modelo de atenção à saúde. Na análise da linguagem dessa norma
operacional percebemos a sua dualidade, pois assim como aparece à postura
ideológica a favor da descentralização, ao mesmo tempo demonstra a posição dos
88
defensores da política centralizadora do modelo assistencial, configura-se assim um
processo de descentralização tutelada
(5-7)
.
A NOB/96 nasce da emergência do Ministério da Saúde em modificar a forma
de transferência dos recursos entre as instâncias de governo, que o pagamento dos
serviços de saúde não aconteça por procedimentos realizados, propõe novas
práticas no setor público de saúde, visando a reforma do sistema de saúde
(8)
. A
proposta não suprimiu o pagamento por procedimento, mas foi o primeiro passo na
direção da mudança, ampliando a compreensão de novas estratégias para a saúde,
para além da doença. A sua edição contou com a participação de diversos
representantes da sociedade, do CONASS e do CONASEMS e passou por um
período de doze meses de negociações
(56)
.
A integralidade ressurge no debate político-social com a criação da NOB/96,
que apresenta as primeiras propostas de mudança do modelo de atenção à saúde,
propõe novas práticas de saúde para o setor público, não mais valorizando apenas
os procedimentos, mas ações de saúde voltadas para as necessidades da
população como um todo
(5-8)
.
Esta norma operacional aponta para o Programa da Saúde da Família (PSF)
como uma opção para reestruturar o modelo de atenção à saúde, estruturando a
Atenção Básica, junto ao seu antecessor Programa de Agentes Comunitários de
Saúde (PACS), e o PSF provocam alterações nas modalidades de alocação de
recursos financeiros, formas de remuneração das ações de saúde e na organização
do sistema, dando um passo importante na universalização dos cuidados
(4, 6, 8, 49)
.
O PSF proporciona uma nova modalidade de alianças políticas, envolvendo
não apenas gestores locais, mas tamm técnicos de fora da área da saúde e
associações de comunidade, e introduziu na discussão política social uma série de
89
questões
(8)
. Visando fortalecer ainda mais a mudança no modelo assistencial, e
romper com o comportamento passivo das unidades básicas de saúde e estender
suas ações para e junto à comunidade, em 1997 o PSF passa de sua limitada
condição de programa para Estratégia Saúde da Família (ESF). A ESF busca
estruturar o sistema público de saúde, reafirma os princípios do SUS e busca a
consolidação de uma nova filosofia de atenção à saúde
(57-59)
.
A ESF hoje cresce e expõe importantes fragilidades do processo de mudança
do modelo de atenção, pois em sua prática cotidiana se vê diante de novos desafios
ainda não pensados ou vivenciados. Desafios estes que se descortinam em diversos
âmbitos, como na gestão, nas ações práticas dos profissionais de saúde, nas
necessidades de cuidados de saúde (integralidade, conceito ampliado de saúde,
formação de vínculos, trabalho em equipe e abordagem familiar). Além disso, expõe
um enorme rombo na formação dos recursos humanos, que continuam formando
profissionais segundo a lógica do modelo flexneriano
(6, 13)
.
Como parte integrante da implantação do PSF, em 2001, surgem propostas
na direção da formação e educação permanente dos profissionais, com base nos
direitos e necessidades da população. Estes fatores são importantes na
implementação das diretrizes do SUS e do novo modelo de atenção. A proposta de
educação e conhecimento do seu papel perante a sociedade não cabe apenas ao
usuário ou ao profissional de saúde, mas a ambos enquanto cidadãos brasileiros na
luta por fazer cumprir os princípios do SUS
(47, 55, 60)
.
A proposta de trabalho em equipe de profissionais de diferentes categorias, e
a fixação dessas, também configura um novo desafio, pois deixa de ser um modelo
médico-centrado, para que o somatório das práticas garanta a integralidade das
90
ações de saúde. Pois não existe profissional completo, mas a atuação em equipe
possibilita uma nova modalidade de atenção
(47, 55)
.
Um dos eixos de sustentabilidade político-econômica do SUS está ligada ao
processo de mudança do modelo de atenção, que no momento passa por um
período de transição, onde ainda predomina o modo de produção flexneriano. Para
conquista de um modelo que assegure a universalidade e a integralidade de atenção
à saúde, é necessária uma estratégia de ação para reverter o desencantamento dos
brasileiros com o SUS, pois o sistema depende da força com que a sociedade
entenda e coloque a vida e a saúde dos cidadãos à frente de outras racionalidades e
que o caminho para isso é a construção de políticas públicas
(61, 62)
.
O debate da integralidade surge ou renasce dentro dessa conjuntura ,que se
estabelece nos anos posteriores a 8ª CNS. O processo de municipalização, os
novos desafios lançados com a mudança no cenário produzem questões e desafios
diferentes dos que existiam no antigo modelo de assistência à saúde. A
integralidade parece que vai abrindo brechas nesses espaços de conflito atuais, na
tentativa de quiçá responder a alguns desses novos desafios.
Ainda que se mantenha o seu entendimento original, hoje, o seu debate vai
além dessa proposta na Constituição, ampliando-se para um mosaico de novos
sentidos. Renasce como uma estratégia, que vai muito além de uma simples crítica,
mas uma imagem-objetivo, uma meta a ser perseguida dentro do SUS, onde as
instituições e as práticas desse sistema de saúde busquem alcançar, por meio
desse principio, um conjunto de valores e idéias de uma sociedade mais justa e
solidária
(66, 67)
.
A integralidade hoje segundo Camargo Junior
(19, 20)
, não cabe enquanto
conceito, pois é muito mais um conjunto de tendências que pode assumir várias
91
possibilidades, como: slogan político, imperativo ético, diretriz institucional,
perspectiva de integração de diversos tipos de serviços e práticas.
A conquista da saúde como direito é uma vitória da sociedade, reconhecida
internacionalmente como direito fundamental para o exercício de outros direitos. A
pratica da integralidade, tamm enquanto direito constitucional, consiste numa
escuta positiva das demandas, e percebe a urgência de criar espaços públicos para
aprender e/ou reconquistar o exercício da democracia. Busca abrir brechas na
estrutura social hegemônica atual, para ampliar espaços de atuação dos
movimentos sociais, para a inclusão social que é o que dá vida à democracia, traz
novos atores na luta desse direito universal
(68)
.
Para discutir saúde hoje, um bom caminho é conhecer o cotidiano das ações
de saúde dentro das instituições, pois permite conhecer e compreender as
dimensões objetivas e subjetivas, onde se constroem as percepções dos atores
sociais. As instituições de saúde trazem na sua prática social um exercício de poder
e espaço de lutas, onde a prática social se encontra com práticas políticas e
sanitárias, e são como janelas que permitem vislumbrar os limites e as
potencialidades da atenção integral, para alcançar integralidade, como um eixo
condutor dessas práticas
(69)
.
A integralidade renova o convite aos atores envolvidos na luta pela saúde,
onde as instituições são as potências desse pressuposto, pois é no plano das
práticas que se dá a construção de novas ações, soluções para as complicações
cotidianas, onde as políticas ganham a sua materialidade. Coloca os sujeitos dessas
práticas como atores ativos da realização sejam do seu trabalho, do seu
atendimento ou da gestão do serviço. Um novo convite para fortalecer e qualificar o
SUS e resgatar a sua proposta democrática e participativa
(70, 71)
.
92
A categoria “integralidade” tem uma flexibilidade que idealmente permitiria
que a reflexão acontecesse partindo da realidade na qual se está inserida. Ao se
questionar o que pode significar “integralidade”, somos remetidos a um contexto
amplo de significados, como por exemplo: interdisciplinaridade, intersetorialidade,
prevenção/ promoção de saúde, compreensão da diferença entre necessidades
epidemiológicas e de saúde, etc
(66, 82)
.
A diversidade dos sentidos citados acima não diz o que é a integralidade, mas
facilitam a sua compreensão. A adoção de um ou de um conjunto desses
entendimentos podem demonstrar o ponto de vista dos diferentes atores envolvidos
nas práticas de saúde, com as potencialidades e dificuldades da sua realidade.
Portanto, a integralidade trata-se de um dispositivo político que habilita os
sujeitos nos espaços públicos a encontrarem novos arranjos sociais e institucionais
nas práticas de saúde. Esse dispositivo pode tornar-se uma estratégia pedagógica,
ao mesmo tempo em que promotora e recuperadora da saúde, bem como preventiva
de doenças e agravos. A atividade da saúde tem um caráter pedagógico, onde
profissionais e usuários podem potencializar-se em saúde, cidadania, autonomia por
meio do assumir coletivo (profissional, institucional e cultural) com base no desafio
proposto pela integralidade
(64)
.
Após essa breve reflexão podemos pensar: O que pretendiam com o termo
integralidade o Movimento Sanitário e suas diferentes vertentes/ movimentos? Como
os principais atores, da área da saúde, percebem a retomada do debate da
integralidade dentro do SUS hoje?
METODOLOGIA
93
A escolha da metodologia é o mapa que conduz o pesquisador do ponto de
partida a seu objetivo final. A pesquisa traz desafios, entre eles, o de desvendar a
aparência visível, observável, para captar a realidade por detrás do explicitado, e o
pesquisador deve estar ciente de seu papel como um ator social, e como tal é um
fenômeno político, que decifra as forças e interesses que mobilizam confrontos na
reflexão histórico-social sobre a sociedade
(10)
.
A abordagem deste estudo não poderia ser outra que não a qualitativa, sendo
realizada uma abordagem dialética, onde o cotidiano da pesquisa não é ato isolado,
mas investigação diante do desconhecido e dos limites que a natureza e a
sociedade impõem, onde o conhecimento é construído em um processo diário
(10)
. E
a saúde é um campo complexo, onde a teoria e a prática estão sempre se
influenciando, onde a compreensão é transformadora e a teoria desafiada pela
prática
(9)
.
O percurso deste trabalho inicia-se com a revisão bibliográfica histórica sobre
o Movimento Sanitário e a Integralidade hoje. E a realização de 22 entrevistas semi-
estruturadas
(15)
com importantes atores do setor saúde, representantes do
Movimento Sanitário e do Laboratório de Pesquisas sobre as Práticas de
Integralidade em Saúde (LAPPIS) atuais promotores do debate do tema da
integralidade. As entrevistas foram analisadas por meio do método proposto por
Minayo
(9)
, análise de discurso que faz uma reflexão da significação dos textos,
visando compreender a produção social atual, suas ideologias, processo sócio-
histórico produzidas no discurso.
Atendendo as exigências da resolução Nº 196/96, do Comitê Nacional de
Ética em Pesquisa (CONEP), o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
94
através do parecer consubstanciado 119/07, em 28/05/2007. Todos os
entrevistados foram convidados a participar da pesquisa, tendo aceito, assinaram o
termo de consentimento informado, onde foram explicados os objetivos da pesquisa.
Na análise das entrevistas, optou-se por divulgar o nome dos entrevistados, devido à
importância histórica de seus depoimentos. Seguindo orientação do Relatório sobre
Ética em Pesquisa Qualitativa em Saúde
(16)
, os entrevistados foram consultados
sobre a transparência/ nominação por meio do correio eletrônico, onde o
pesquisador colocava-se à disposição, para encaminhar entrevista transcrita para
análise das suas entrevistas. Os que não se manifestaram ou não concordaram com
esta proposição foram respeitados e mantido o sigilo das suas identidades,
substituindo os nomes por codinomes inspirados na obra de ficção de Lewis
Carroll
(1)
, Alice no País das Maravilhas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O resultado desse trabalho é uma viagem no tempo, onde mergulhamos com
esses sujeitos nesta fase importante e rica para a história das políticas públicas de
saúde do Brasil, e nos leva a acompanhar as transformações da integralidade no
percurso da história.
A compreensão do Movimento Sanitário, é muito mais do que a discussão de
um simples Movimento, pois ele representava muitas vozes, que são muito bem
apresentadas nas falas a seguir:
“O movimento sanitário é polifônico, ele tem várias vozes,
várias propostas...” (Madel Therezinha Luz).
“... eu não sou ator único, essas coisas todas foram feitas a
milhares de mãos dadas...” (Gilson Carvalho).
A heterogeneidade de coletivos e objetivos da reforma sanitária era composta
por movimentos sociais, estudantes, residentes, médicos, sindicato médico,
95
docentes e pesquisadores da área da medicina preventiva e da saúde pública
(4, 13,
14)
. A discussão da reforma sanitária significava questionar o capitalismo, e conforme
Gallo
(27)
, o possível nesta época era a busca da democracia e não o debate da
estrutura do Estado.
“... nessa época se discutia a questão da implantação dos
departamentos de medicina preventiva e social,... sem esse enfoque
na determinação econômica social da doea” (Gilson Carvalho).
A Academia acabou centralizando as discussões, os próprios integrantes do
Movimento Sanitário, hoje, ainda estão vinculados à Academia e do CEBES de
alguma forma. Na fala a seguir fica claro a importância do seu papel:
“... que era um centro de discussão, de atuação onde ao
mesmo tempo em que a gente produzia a questão do sistema único
da saúde coletiva na política pública naquele momento, formando
pessoas, quadros, saindo, divulgando, era um momento de contra
hegemonia, de tentar mudar o modelo. Então baseado tanto na
produção de conhecimento quanto na difusão de uma consciência
sanitária, uma prática política institucional, quer dizer, vai interferir na
política” (Sonia Maria Fleury Teixeira).
Todo esse processo culminou na 8ª CNS, legitimada e representada pelos
mais variados setores, desde profissionais a cidadãos, desde associações a
movimentos sociais, um marco na história, como a maior conferência já realizada
num debate amplo e democrático sobre a saúde, além do resgate de uma dívida
histórica com os cidadãos brasileiros
(32, 33)
. A proposta da saúde é
“... o único projeto inteirinho que nasceu da base para a
constituinte foi exatamente o de saúde e ele foi sacramentado na
conferência (...) passou pela sociedade, passou pela sociedade dos
amigos de bairro...” (Gilson Carvalho).
Um dos focos de debate do Movimento Sanitário estava ligado à fonte de
financiamento, que com o fim do milagre econômico
(3, 4)
expõe uma realidade cruel,
96
pois a estrutura dada na época para a saúde era de alto custo e baixa
resolubilidade, as discussões refletiam isso:
“... houve toda uma discussão durante a década de 70 de que
não dava para reduzir saúde a 1º acepção, da assistência à saúde,
como tava na constituição anterior, apenas assistência médica.
Então saúde tinha a ver com condições, quer dizer, ou mudava o
conjunto das coisas e atenção. Os serviços de saúde tinham de
pensar em saneamento, tinha de pensar em educação, tinha que
pensar...” (Maria Luiza Jaeger).
No Brasil da ditadura militar, vivíamos uma realidade onde o dinheiro da
saúde financiou a construção de hospitais privados e pagava por exames realizados
nestas instituições financiadas pelo dinheiro público. A prática médica estava no
interior do ciclo de acumulação e reprodução capitalista, seguindo a lógica do
modelo flexneriano
(4, 22, 25)
. A fala na seqüência demonstra isso:
“... estávamos fazendo uma saúde partida, uma saúde
trincada, onde a gente negava muita gente fácil, onde os pobres
principalmente não tinham acesso aos outros caminhos, eles muitas
vezes ficavam na atenção básica, primeiros cuidados, ou da
emergência, e não tinha uma continuidade. A gente tem que fazer,
não só o individual e também não só o coletivo tem ter o individual e
coletivo junto. A gente tem de ter a baixa complexidade, todos os
níveis de complexidade, e a média e alta complexidade. Então essa
foi uma discussão individual, coletiva, é media e alta complexidade
preventiva e curativa, esta discussão passou muito por cima disso.
(...) não eram cuidados primários exclusivos, excludente dos outros
cuidados, era integrado aos outros cuidados. Então a integralidade
dos procedimentos, a integralidade dos especialistas, mas que não
fosse como caminho para quem não tem atenção primária, mas
fosse à continuidade da atenção primária. A integralidade
contrapunha as dicotomias históricas...” (Gilson Carvalho)
O reconhecimento do conceito ampliado de saúde, foi uma das grandes
conquistas do Movimento Sanitário e da 8ªCNS, foi um importante avanço para a
saúde do Brasil, explicita que o país estava mudando, ou tentando mudar a sua
relação com a saúde
(4)
. Em meio a esse debate, a integralidade não aparece de
forma explicita, mais como uma figura de fundo dos seus pares – eqüidade e
97
universalidade – prioridade da conjuntura da época. Sarah Escorel deixa isso claro ,
ao afirmar que a integralidade:.
“... muito mais como um elemento, mas não um elemento
chave, naquele momento do projeto. A gente tem que pensar que o
projeto ele não estava pronto (...) atenção integral aparece, mas que
ela foi posteriormente recebendo mais conteúdo e mais
importância...” (Sarah Escorel).
Os próprios atores dessa história não fazem referência direta a ela, mas
quando questionados trazem à reflexão a importância da sua inclusão, como na fala
do Gilson Carvalho citada acima, contrapondo dicotomias históricas. Aparece como
sinônimo de diversos temas debatidos na época, como explicita a fala na seqüência:
“... A palavra integralidade aparecia como uma palavra
difusa. Ela aparecia muito mais como atenção primária, educação
popular, a palavra não era integralidade nem atenção integral, as
palavras eram educação popular, atenção primaria, saúde
comunitária, essas eram as palavras pra dizer o que hoje eu
chamaria atenção integral...” (Chapeleiro).
Entre as origens do tema integralidade, os atores entrevistados colocam
Conferência de Alma Ata
(29)
, que possivelmente origina tamm a expressão
‘atenção integral’ posta na Constituição, devido à sua discussão dos cuidados
primários de saúde. Esses cuidados referiam-se a uma atenção primária levada para
comunidade, próxima de onde as pessoas vivem e trabalham, o primeiro momento
da atenção à saúde
(29)
. As expressões – atenção integral, atenção primária, saúde
comunitária – por vezes pareciam se confundir, mas tamm foram explicitadas por
Paim
(37)
quando diz que os temas saúde comunitária e medicina comunitária eram
sinônimos de saúde pública, medicina social, medicina integral ou ainda medicina
preventiva. Outras referências que são citadas como possíveis bases para a
discussão da integralidade são: o Modelo da Medicina Preventiva Norte Americano,
98
a História Natural das Doenças, a influência do Conceito Ampliado de Saúde,
Relatório Dawson e a Reforma Sanitária Italiana.
A pluralidade vivida na época proporciona uma multiplicidade de
compreensões e necessidades, como bem explicita o período a seguir: e esse
conjunto de sentidos (da atenção integral) ele ta presente, eu diria, numa fronteira do
Movimento Sanitário atrás” (Ruben Araujo de Mattos).
O que legitima essas disputas e conquistas do Movimento Sanitário, como
bem coloca Ruben Araujo de Mattos, foi “um marco absolutamente fundamental, o
fato de que atendimento integral entrou na Constituição como um princípio do SUS”.
Essa conquista do Movimento Sanitário que por vezes pode parecer tão irrisória
dispara diversas reações no contexto social. Reitera este ator:
“... Por que ao entrar na Constituição como principio do SUS,
permitiu que outros atores que estiveram alheios ao movimento
sanitário passam a poder apontar contribuões na dinâmica de
enriquecimento, transformação e modificão da noção de
integralidade...” (Ruben Araujo de Mattos)
Os percursos que o pressuposto da integralidade faz ao longo desse
processo histórico são percebidos de diferentes maneiras. Jairnilson Silva Paim
percebe que há uma retomada hoje:
“... embora a integralidade estivesse na origem do SUS, o
contexto da implantação do mesmo, na passagem dos anos 80/90 foi
tão adverso, que a preocupação com esse princípio de alguma forma
se perdeu, há um regaste relativamente recente dessa questão, pois
toda a ênfase foi dada à questão do financiamento, da
descentralização e do controle social nesse período inicial...”
(Jairnilson Silva Paim)
Para Maria Luiza Jaeger a integralidade foi acompanhando as mudanças do
tecido social:
“...Eu acho que é uma continuidade, um aperfeiçoamento,
quando vo fala em linha de cuidado, no momento que tu fala em
99
humanização, que naquela época não se falava tanto, ela vem desde
daquela época sendo construída...” (Maria Luiza Jaeger)
Entre algumas das estratégias adotadas para tentar vencer os obstáculos, a
implementação do SUS a NOB/96 abre brechas para o debate da integralidade e de
novos caminhos para a descentralização e organização do sistema
(6, 48)
e entre
estas uma se destaca, como demonstra a fala a seguir:
“...essa trajetória da organização do sistema, respeitando os
fins constitucionais, a NOB/96 foi um marco importante, dá os
primeiros passos de integralidade em saúde, como um movimento de
macro organização dos princípios (...)a NOB/96 foi a mais discutida
com os atores envolvidos no processo, o CONASEMS, o CONASS,
onde teve uma expressão, uma participação e ali acho que
determinou a discussão da integralidade, como uma possibilidade
desse difícil principio constitucional, então que dali derivou várias
possibilidades, uma busca em certa medida de plasmar mais esse
principio do SUS...” (Rainha de Copas)
É importante lembrar que a integralidade compõe junto à eqüidade e
universalidade uma trama tríplice, quase um signo segundo Cecílio
(65)
, que expressa
de forma ativa o ideário do Movimento Sanitário. Demonstrado a seguir:
“... hoje a discussão na prática social, é a idéia de não
dissociar a integralidade da universalidade e da eqüidade, a idéia de
um horizonte a ser perseguido, a idéia de uma utopia a ser
alcançada, e que tem uma materialização...” (Aluísio Gomes da Silva
Junior)
Hoje, a integralidade é compreendida como um pressuposto polissêmico e
polifônico
(64, 66)
, como bem coloca Jairnilson Silva Paim:
... hoje existem tantos sentidos que a própria integralidade é
extremamente polissêmica (...) a resignificação do conceito de
integralidade tende a ampliar cada vez mais...” (Jairnilson Silva Paim)
Essa compreensão traz vantagens, mas pode ter desvantagens, conforme
Naomar de Almeida Filho:
“... A integralidade, o termo é vantajoso por que une idéias e
faz com que alguns consensos se estabeleçam, mas tem o risco
também de criar um pequeno fetiche lingüístico, um fetiche
temático...” (Naomar de Almeida Filho)
100
REFLEXÕES FINAIS
A saúde hoje continua sendo um âmbito de luta, onde esta parece ser o
salva-vidas na conquista de uma sociedade mais justa e solidária, diante da atual
conjuntura em que vivemos
(63)
. A integralidade hoje tem um papel importante nesse
processo, pois ela permite que sejam feitas reflexões do momento sócio- político que
estamos hoje, e com isso fortalece e qualifica o SUS.
A atenção integral de ontem trazia questões mais pontuais ao debate da
saúde. Frente ao caos do período que o Movimento Sanitário inicia, as emergências
eram outras, vencer dualidades históricas, mostrar que a saúde não é mais a
simples ausência de doenças, que as práticas de saúde centradas no atendimento
não dão conta do usuário, que não é mais uma parte do aparato tecnológico, mas
que o ser humano é carregado de sentidos, desejos, medos e vida.
As prioridades da sociedade e do Movimento Sanitário eram outras, a luta era
por vencer uma ditadura militar e alcançar o socialismo, conquistamos a democracia
e começamos a resgatar uma dívida histórica com o cidadão brasileiro. A ditadura foi
vencida, e para vencê-la algumas escolhas tiveram de ser feitas, assim como no
dilema prevencionista abrimos mão do desejo do socialismo, a democracia que
vivemos tamm não é a desejada ou sonhada, mas está dada.
Hoje o debate da integralidade ainda se depara com dualidades, mas o seu
reconhecimento, como direito institucional, impulsiona a reflexão das formas
tradicionais de pensar e fazer a saúde pública. E justamente essa legitimidade que
produz movimentos dentro da própria sociedade num processo dialético, onde uma
conquista leva as mudanças que trazem outros desafios, que necessitam de novas
estratégias para lidar com esse processo dialético.
101
A forma como ela se apresenta na saúde hoje permite que o seu debate, ou a
proposta de ações integrais estejam ao alcance de todos. Quando habilita os
sujeitos sociais a encontrarem novos arranjos para as práticas de saúde coloca
todos os atores envolvidos num papel ativo, na busca da sua saúde individual e
coletiva. Resgata o cidadão, o profissional e todos os atores por vezes esquecidos
ou acostumados à passividade diante à vida em sociedade. Quem sabe ela não
consiga trazer a população perdida durante a luta do Movimento Sanitário de volta
para o debate da saúde.
A integralidade aponta para muitas das dificuldades e muitos avanços que
temos no SUS, mas além de ser um termo repleto de sentidos, polissêmico. E é
polifônico, pois autoriza as vozes silenciadas a falar. Justamente por apontar e
produzir reflexões, devemos repensar se o que deve ser limitado é o princípio ou as
reflexões que ele aponta (escutar as vozes dessas reflexões). Qual é o verdadeiro
foco dos debates? O que estamos deixando passar e que esse pressuposto nos
alerta?
A integralidade não está só enquanto direito, ela é parte de um signo
tríplice
(65)
, e se formos pensar em limites, porque não olharmos para os seus pares.
O direito de um muda onde se inicia o do outro, ou seja, os limites são dados pelo
respeito e negociação entre a integralidade, eqüidade e universalidade.
A integralidade não é só prenhe dos sentidos, ela carrega consigo os sonhos,
os desejos abandonados por escolhas, negociações e conjunturas que se fizeram
presentes. Ela é carregada pelos ideais do movimento sanitário, pela luta da saúde
enquanto espaço que ainda percebe que algumas coisas não são financeiramente
negociáveis, e necessita de empatia, solidariedade, de valores que nos conferem a
nossa humanidade. Precisamos valorizar o cuidado, o respeito, termos implicações
102
e responsabilidade nas nossas ações e para isso não importa o nome, mas o
sentido subjetivo, para que essa luta não se perca em meio de procedimentos,
ações lucrativas, complexidades tecnológicas, ou competições individualizadas.
103
6 QUEM AJUDOU A PERCORRER ESSE CAMINHO – REFERÊNCIAS
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36. Nitão, Samara Rachel Vieira. Regulamentação do Sistema Único de Saúde: a
próxima batalha. Saúde em Debate. Março/1989;24:24-5.
37. Paim, Jairnilson. Medicina Comunitária: introdução a uma análise crítica. In:
Teixeira SMF, Bahia L, Amarante P, editors. Saúde em Debate: fundamentos da
Reforma Sanitária. 1ª ed. Rio de Janeiro: Cebes; 2007. p. 12 - 5.
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38. Arouca, Antônio Sergio Da Silva. História Natural das Doenças. In: Teixeira
SMF, Bahia L, Amarante P, editors. Saúde em Debate: Fundamentos da Reforma
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39. Campos, Gastão Wagner De Sousa. Comentário: reforma da Secretaria de
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40. Ribeiro, Luiz Cláudio; Alves, Márcio José Martins; Teixeira, Maria Teresa
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Saúde e o Modelo Assistencial: do discurso médico hegemônico ao discurso da
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60. Schaedler, Lucia Ines. Pedagogia Cartográfica: a estética das redes no setor
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Alegre
108
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62. Campos, Gastão Wagner De Sousa. Reforma política e sanitária: a
sustentabilidade do SUS em questão? Ciência e Saúde Coletiva. Março/abril
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integralidade Rio de Janeiro, São Paulo: UERJ, IMS, ABRASCO, Hucitec; 2004. p.
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64. Pinheiro, Roseni; Guizardi, Francini Lube. Cuidado e Integralidade: por uma
genealogia de Saberes e práticas no cotidiano. In: Pinheiro R, Mattos RAd, editors.
Cuidado: as fronteiras da integralidade. Rio de Janeiro, São Paulo: UERJ, IMS:
ABRASCO; 2004. p. 21 - 36.
65. Cecílio, Luiz Carlos De Oliveira. As necessidades de saúde como conceito
estruturante na luta pela integralidade e eqüidade na atenção em saúde. In: Pinheiro
R, Mattos RAd, editors. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à
saúde. Rio de Janeiro: UERJ, IMS: ABRASCO; 2001. p. 113 - 26.
66. Mattos, Ruben Araújo De. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões. In:
Pinheiro R, Mattos RAd, editors. Os sentidos da integralidade na atenção e no
cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ, IMS: ABRASCO; 2001. p. 39 - 64.
67. Rivera, Francisco Javier Uribe. Por um modelo de Formulação de políticas de
saúde baseado no enfoque estratégico da planificação. Cadernos de Saúde Pública.
Out/Dez 1987;4(3):444 - 62.
68. Pinheiro, Roseni; Guizardi, Francine Lube; Machado, Felipe Rangel S.;
Gomes, Rafael Da Silveira. Demanda em saúde e direito à saúde: liberdade ou
necessidade? Algumas considerações sobre os nexos constituintes das práticas de
integralidade. In: Pinheiro R, Mattos RAd, editors. Construção social da demanda:
direito a saúde, trabalho em equipe, participação e espaços públicos. Rio de Janeiro:
CEPESC/UERJ:ABRASCO; 2005. p. 11 - 32.
69. Pinheiro, Roseni. As práticas do cotidiano na relação oferta e demanda dos
serviços de saúde. In: Pinheiro R, Mattos RAd, editors. Os sentidos da integralidade
na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ, IMS, ABRASCO; 2001. p.
65 - 112.
70. Pinheiro, Roseni; Luz, Madel Therezinha. Práticas eficazes x Modelos ideais:
ação e pensamento na construção da integralidade. In: Pinheiro R, Mattos RA,
editors. Construção da integralidade: cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de
Janeiro: UERJ, IMS: ABRASCO; 2003. p. 7-34.
71. Pinheiro, Roseni; Mattos, Ruben Araujo De. Apresentação. In: Pinheiro R,
Mattos RAd, editors. Construção da integralidade: cotidiano, saberes e práticas em
saúde. Rio de Janeiro: UERJ, IMS: ABRASCO; 2003. p. 5 - 6.
109
72. Silva_Junior, Aluísio Gomes Da. Modelos tecnoassistenciais em saúde: o
debate no campo da saúde coletiva. 2ª ed. São Paulo: Hucitec; 2006.
73. Acioli, Sonia. Os sentidos das práticas voltadas para a saúde e doença. In:
Pinheiro R, Mattos RAd, editors. Os sentidos da integralidade na atenção e no
cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ, IMS, ABRASCO; 2001. p. 157 - 66.
74. Pinheiro, Roseni. Cuidado como um valor: um ensaio sobre o (re)pensar e a
ação na construção de práticas eficazes de integralidade em saúde. In: Pineiro R,
Mattos RAd, editors. Razões públicas para a integralidade em saúde: o cuidado
como valor. Rio de Janeiro: IMS/ UERJ: CEPESC: ABRASCO; 2007. p. 15 - 28.
75. Gomes, Rafael Da Silveira; Pinheiro, Roseni; Guizardi, Francine Lube. A
orquestração do trabalho em saúde: um debate sobre a fragmentação das equipes.
In: Pinheiro R, Mattos RAd, editors. Construção social da demanda: direito a saúde,
trabalho em equipe, participação e espaços públicos. Rio de Janeiro:
CEPESC/UERJ:ABRASCO; 2005. p. 105 - 16.
76. Silva_Junior, Aluísio Gomes Da; Merhy, Emerson Elias; Carvalho, Luís
Claudio De. Refletindo sobre o ato de cuidar da saúde. In: Pinheiro R, Mattos RAd,
editors. Construção da integralidade: cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de
Janeiro: UERJ, IMS: ABRASCO; 2003. p. 113 - 28.
77. Franco, Tulio Batista; Merhy, Emerson Elias. A produção imaginária da
demanda e o processo de trabalho em saúde. In: Pinheiro R, Mattos RAd, editors.
Construção social da demanda: direito a saúde, trabalho em equipe, participação e
espaços públicos. Rio de Janeiro: CEPESC/UERJ:ABRASCO; 2005. p. 181 - 93.
78. Xavier, Caco; Guimarães, Cátia. Uma semiótica da integralidade: o signo da
integralidade e o papel da comunicação. In: Pinheiro R, Mattos RAd, editors.
Cuidado: as fronteiras da integralidade. Rio de Janeiro, São Paulo: UERJ, IMS,
ABRASCO, Hucitec; 2004. p. 133 - 55.
79. Ayres, José Ricardo De C. M. Da necessidade de uma prática reflexiva sobre
o cuidado. In: Pinheiro R, Mattos RAd, editors. Razões públicas para a integralidade
em saúde: o cuidado como valor. Rio de Janeiro: IMS/ UERJ: CEPESC: ABRASCO;
2007. p. 127 - 44.
80. Ceccim, Ricardo Burg. Onde se lê "Recursos Humanos de Saúde", leia-se
"Coletivos Organizados de Produção da Saúde": desafios para a educação. In:
Pinheiro R, Mattos RAd, editors. Construção social da demanda: direito a saúde,
trabalho em equipe, participação e espaços públicos. Rio de Janeiro:
CEPESC/UERJ:ABRASCO; 2005. p. 161 - 80.
81. Pinheiro, Roseni; Guizardi, Francine Lube. Quando dádiva se transforma em
saúde: algumas questões sobre integralidade e o cuidado nas relações entre
sociedade e estado. In: Pinheiro R, Mattos RAd, editors. Cuidado: as fronteiras da
integralidade : ; p 21 - 36. Rio de Janeiro, São Paulo: UERJ, IMS, ABRASCO,
Hucitec; 2004. p. 37 - 56.
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83. Zimerman, David E; Osorio, Luiz Carlos. Revisão geral sobre grupos. Como
trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas; 1997.
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Reforma Sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo – Rio de Janeiro: Cortez –
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Psicólogo; 1992.
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integralidade: cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro: UERJ, IMS:
ABRASCO; 2003. p. 45 - 60.
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pública: convergências e lacunas nas aputas de debate e programas de trabalho das
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90. Carvalho, Gilson. Os governos trincam e truncam o conceito da integralidade.
RADIS - comunicação em saúde. Setembro de 2006;49:16.
111
7 APÊNDICES
112
7.1 APÊNDICE 1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA - MESTRADO
TERMO DE CONSENTIMENTO
O projeto de pesquisa “Integralidade e seus percursos no SUS: um estudo histórico-
epistemológico” tem como pesquisador responsável o professor Dr. Marco Aurélio Da Ros e a
aluna do mestrado Carla Ribeiro e você está sendo convidado(a) para participar dessa pesquisa.
Você foi selecionado (a) porque fez parte do Movimento Sanitário e/ou do LAPPIS, mas a
sua participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar
seu consentimento. O objetivo desta pesquisa é de analisar os percursos do tema integralidade
no inicio do Movimento Sanitário e na atualidade além de refletir qual a origem do tema da
integralidade hoje. A pesquisa será realizada de entrevistas semi-estruturadas com os mesmos
membros que comporão as distintas vertentes do Movimento Sanitário e compõe hoje o LAPPIS.
A pesquisadora se compromete em fornecer a cada participante, todos os
esclarecimentos sobre a coleta de dados. Os benefícios relacionados com a sua participação
virão do aprofundamento do tema da integralidade no se discurso teórico e nas suas possíveis
aplicações na prática do SUS. As informões obtidas através dessa pesquisa serão
confidenciais e asseguramos o sigilo sobre sua participação. Os dados não serão divulgados de
forma a possibilitar sua identificação, a sua participação ficará diluída como um membro do
Movimento Sanitário e/ou do LAPPIS e as entrevistas não serão identificados, com nomes ou
categoria profissional e sim com números. Após o término da compilação dos dados as
entrevistas serão destruídas.
Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone para contato com o
pesquisador principal, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a
qualquer momento.
__________________________________
Profº. Dr. Marco Aurélio Da Ros
Pesquisador Responsável
________________________________
Mestranda Carla Ribeiro
Pesquisadora Principal
Telefones da Pesquisadora Principal: (48) 99157026 e (48)32340898.
Eu, _____________________________________________________ declaro que
entendi os objetivos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em participar.
_______________________________
__________
Assinatura do Participante
113
7.2 APÊNDICE 2
email encaminhado aos entrevistados, solicitando a autorização para a
divulgação da sua identidade neste trabalho:
Prezado Professor __________________________________________,
Meu nome é Carla Ribeiro, orientanda do Prof.Dr. Marco Da Ros (Marcão),
não sei se você se lembra, mas eu realizei uma entrevista com você na
_____________________na data ____/____/______ e discutimos o princípio da
Integralidade no SUS, desde o Movimento Sanitário até a atualidade.
Na seqüência do processo de análise destas entrevistas e na discussão em
orientações percebeu-se a importância da divulgação dos nomes dos entrevistados.
Considerando que não haverá nenhum prejuízo para você e considerando a
relevância acadêmica e política desta pesquisa, achamos que será muito
enriquecedor que o nome do entrevistado seja apresentado, ao invés de um
codinome, após as falas citadas ao longo do texto.
Se você concorda com essa proposição, por favor, responda esse e-email
colocando a sua posição de aceite ou não a essa proposição. Caso deseje ler a sua
entrevista transcrita antes de autorizar, posso encaminhá-la por e-email, basta
solicitá-la.
Caso não deseje que seu nome seja revelado, o trabalho será apresentado
com um codinome, como prevê o Comitê de Ética em Pesquisa e o termo de
consentimento livre e esclarecido assinado no ato da entrevista.
Agradeço desde já sua atenção e aguardo sua resposta,
Carla Ribeiro
Mestranda em Saúde Pública UFSC
Contato: car[email protected]
(48) 99157026/ 32340898
Florianópolis/SC
114
7.3 APÊNDICE 3
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública - Mestrado em Saúde Pública
Pesquisa: A Integralidade e seus percursos no SUS: um estudo histórico-
epistemológico.
Pesquisadora: Carla Ribeiro
Orientador: Marco Aurélio Da Ros
Roteiro para a entrevista semi-estruturada: para os integrantes do Movimento
Sanitário
Identificação:
Nome: _________________________________________________________
Idade: ____________ Profissão: _____________________________________
Trajetória Preliminar (aquecimento):
1. Onde atuava no período da construção do Movimento Sanitário (MS)? (Década de 70/80)
2. Como participou do MS?
3. Onde atua hoje?
4. O que entendiam por atenção integral, quando proposta na 8ª Conferencia Nacional de
Saúde que foi embrião da Lei 8080/90?
Reflexões para a situação problema:
Qual o objetivo da inclusão da “atenção integral como pressuposto do SUS?
Porque era importante a inclusão deste tema como pressuposto?
Como aconteceram os debates em torno desse tema?
Como percebe essa mudança de atenção integral para integralidade?
Como entende hoje esse pressuposto?
Qual a importância da integralidade hoje?
Situação Problema:
O entrevistado será convidado a elaborar uma situação problema que deve
envolver paciente, serviço em diferentes níveis de complexidade e diferentes disciplinas, ou seja,
algo que dê conta do debate sobre o tema da integralidade. Pode ser mais de uma, porém com
um limite de 10 linhas aproximadamente.
115
7.4 APÊNDICE 4
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública - Mestrado em Saúde Pública
Pesquisa: A Integralidade e seus percursos no SUS: um estudo histórico-
epistemológico.
Pesquisadora: Carla Ribeiro
Orientador: Marco Aurélio Da Ros
Roteiro para a entrevista semi-estruturada: para os integrantes do LAPPIS
Identificação:
Nome: _________________________________________________________
Idade: ____________ Profissão: _____________________________________
Trajetória Preliminar (aquecimento):
1. Onde atuava (fazia) no período da construção do Movimento Sanitário (MS)?
(Década de 70/80)
2. Participou do MS?
3. Onde atua hoje?
4. Como vêem a história pregressa da integralidade?
5. Como acontece o LAPPIS e a mudaa da expressão “atenção integral “ para
“integralidade”?
Reflexões partindo da situação problema:
Qual o objetivo da inclusão da integralidade como pressuposto do SUS?
Como entende a integralidade hoje como pressuposto do SUS?
Como surgiu o termo integralidade?
Qual a importância da integralidade hoje?
Como acontecem os debates em torno desse tema?
Situação Problema:
O entrevistado será convidado a elaborar uma situação problema que deve
envolver paciente, servo em diferentes níveis de complexidade e diferentes disciplinas, ou
seja, algo que dê conta do debate sobre o tema da integralidade. Pode ser mais de uma,
porém com um limite de 10 linhas aproximadamente.
116
7.5 APÊNDICE 5
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública - Mestrado em Saúde Pública
Pesquisa: A Integralidade e seus percursos no SUS: um estudo histórico-
epistemológico.
Pesquisadora: Carla Ribeiro
Orientador: Marco Aurélio Da Ros
Roteiro para a entrevista semi-estruturada: para os integrantes do Movimento
Sanitário
Identificação:
Nome: _______________________________________________________
Idade: ___________ Profissão: _____________________________________
Trajetória Preliminar (aquecimento):
1. Onde atuava no período da construção do Movimento Sanitário?
(Década de 70/80)
2. Como participou do Movimento Sanitário?
3. Onde atua hoje?
4. O que entendiam por atenção integral, quando proposta na 8ª
Conferencia Nacional de Saúde que foi embrião da Lei 8080/90?
5. A discussão atual sobre integralidade dá múltiplos sentidos para a
mesma. Para você é o mesmo que atenção integral, ou tem um novo sentido
atual?
Situação Problema:
O entrevistado será convidado a elaborar uma situação problema que deve
envolver paciente, serviço em diferentes níveis de complexidade e diferentes
disciplinas, ou seja, algo que dê conta do debate sobre o tema da integralidade.
117
7.6 APÊNDICE 6
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública - Mestrado em Saúde Pública
Pesquisa: A Integralidade e seus percursos no SUS: um estudo histórico-
epistemológico.
Pesquisadora: Carla Ribeiro
Orientador: Marco Aurélio Da Ros
Roteiro para a entrevista semi-estruturada: para os integrantes do LAPPIS
Identificação:
Nome: ________________________________________________________
Idade: ________________ Profissão: ________________________________
Trajetória preliminar:
1. Onde atuava (fazia) no período da construção do Movimento Sanitário (MS)?
(Década de 70/80)
2. Participou do Movimento Sanitário?
3. Onde atua hoje?
4. A discussão atual sobre integralidade dá múltiplos sentidos para a mesma.
Para você é o mesmo que atenção integral, ou tem um novo sentido atual?
5. Como você vê a trajetória da integralidade?
Situação Problema:
O entrevistado será convidado a elaborar uma situação problema que
deve envolver paciente, serviço em diferentes níveis de complexidade e diferentes
disciplinas, ou seja, algo que dê conta do debate sobre o tema da integralidade.
118
8 ANEXO
119
8.1 ANEXO 1
12
12
O pesquisador responsável está colocado como Professor Charles Dalcante Tesser, pois o
Professor Marco Aurélio Da Ros estava de licença saúde no período em que o projeto foi avaliado
pelo comitê de ética da UFSC.
120
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