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do guia, não entendem o sentido da luta, da obtenção do recorde (Rekord), não são,
portanto, lutadores (Kämpfer). O comerciante refere-se à luta, explicitamente, antes de
entoar esta canção: “eu vejo que haverá uma luta”
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, e ao falar isso, saca o revólver para
limpá-lo. Em tudo, esta situação remete para as imagens de um movimento colonizador,
portanto, imperialista.
Este movimento colonizador, imperialista, está dado também no verso que abre e
encerra esta segunda canção: “O homem doente morre, e o homem forte luta”.
O dramaturgo, por sua vez, retirou este verso de um romance de Rudyard
Kipling, A luz que se apagou
66
, que trata da luta colonialista, portanto imperialista,
empreendida pelos ingleses no deserto africano, e que traz uma epígrafe, descrita como
“Balada” (no capítulo XII): “O homem forte luta, mas o homem doente morre” (The
strong man fights, but the sick man dies)
67
. Porém Brecht reutiliza esta frase,
65
No original: “Ich sehe, es wird einen Kampf geben“. GW, BII, p. 802.
66
KIPLING, Rudyard. A Luz que se apagou. Rio de Janeiro, Ed. Delta, 1967. O título original é The
light that failed. London, Macmillan, 1982. A história trata de Dick, um pintor, que, após participar de
uma campanha de colonização na África, fica cego, conseqüência de um ferimento causado na zona de
conflito. Cabe um destaque ao último capítulo do romance: Dick, o pintor, volta à África para encontrar
seus amigos que estão em outra campanha inglesa de colonização. Como está cego, ele contrata um guia,
que tem dois camelos e uma mula, para a travessia do deserto. Dick também carrega um revólver e o usa
para coagir o guia a levá-lo com segurança pelo caminho. Ele também lhe paga pela travessia do deserto,
embora não confie que o guia irá levá-lo com segurança até o acampamento inglês.
67
No original: There were three friends that buried the fourth,/The mould in his mouth and the dust in his
eyes/And they went south and east, and north,/The strong man fights, but the sick man dies.//There were
three friends that spoke of the dead,/The strong man fights, but the sick man dies./ ‘And would he were
with us now’, they said,/The sun in our face and the wind in our eyes. Minha tradução: Havia três amigos,
que enterraram o quarto/O lodo em sua boca e poeira em seus olhos/ E eles foram para o sul, leste, e
norte/ O homem forte luta, mas o homem fraco morre/ ‘E agora ele estaria conosco’, eles disseram/ O sol
em sua face e o vento em seus olhos. Vale indicar, ainda, que Brecht utiliza esse mote em O Romance dos
Três Vinténs, escrito em 1934, em decorrência do processo jurídico – de 1930-, que fez com que ele
perdesse os direitos autorais para a filmagem de A ópera dos três vinténs. Deste processo também
resultaram o filme Kuhle Wampe oder wem gehört die Welt? (Kuhle Wampe ou a quem pertence o
mundo?), de 1931 e um ensaio sobre a arte intitulado “Um experimento sociológico” (Ein soziologisches
Experiment). No romance, cujo enredo também se passa na Inglaterra, há pelo menos três momentos em
que este mote é citado, todos dentro do contexto de guerra e das relações comerciais frente a ela: “Para
onde quer que olhemos, na natureza, nada acontece sem interesse material! Sempre que alguém diz a
outro: quero o teu bem, vamos trabalhar juntos...etc. é preciso tomar cuidado! Pois o homem é humano,
não angélico, e pensa antes de tudo em si próprio. Nada acontece por bondade! O mais forte comanda o
mais fraco, e assim será nosso trabalho com o Grupo Aaron: apesar de toda a nossa amizade, quem é o
mais forte por aqui? Então, teremos luta? Sim, senhores, será uma luta! Lutar a serviço de uma
idéia! O comerciante que pensa corretamente não teme a luta. Só o fraco a teme, e as rodas da
História passarão sobre seu corpo!”pg. 147. Outro momento é quando Mac diz para Polly: “Meu
instinto disse que sim, e as informações que tomei provaram que o instinto não me enganara. Kipling já
disse: o homem doente morre e o homem forte luta.”p. 148; e “Imediatamente Macheath depôs o
charuto e fez um pequeno discurso, dirigido principalmente ao seu amigo Bloomsbery, sublinhando o fato
de que, para os donos da Loja B., isso representava um breve período de carências, mas que sucessos
comerciais e humanos dependiam da capacidade de fazer sacrifícios no tempo oportuno. O homem