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única – para a formação livre dos consensos democráticos. Nesse contexto, Habermas (2002,
p.66-67) acentua, ainda:
Contudo, [...] sabemos que uma prática não deve ser levada a sério como
argumentação, quando não satisfaz pressupostos pragmáticos determinados. As
quatro pressuposições mais importantes são: (a) publicidade e inclusão; ninguém
que à vista de uma exigência de validez controversa, possa trazer uma contribuição
relevante, deve ser excluído; (b) direitos comunicativos iguais: a todos são dadas as
mesmas chances de se expressar sobre as coisas; (c) exclusão de enganos e ilusões:
os participantes devem pretender o que dizer; e (d) não-coação: a comunicação deve
estar livre de restrições, que impedem que o melhor argumento venha à tona e
determine a saída da discussão.
Enxerga-se, uma vez mais, que onde há medo, violência e insegurança, não há
argumentação livre nem convencimento racional, e a democracia resta afetada, senão
comprometida. Modo de exemplo a ilustrar a asserção, cite-se o que ocorreu no Rio de Janeiro
durante as eleições municipais de 2008. É fato, porquanto amplamente noticiado pela grande
imprensa, que para lá foram requisitadas tropas federais, que atuaram em conjunto com órgãos
estaduais de segurança pública a fim de que, em comunidades influenciadas por traficantes e/ou
“milícias”, fossem garantidos o acesso de todo e qualquer candidato perante o eleitorado
respectivo e a liberdade de escolha por parte deste.
Medida desse estado de coisas é dada por Arnaldo Vasconcelos (2001, p.66-67), ao
discorrer sobre o que ele chama de “sistema de contradireito”, assim chamado por configurar
uma estrutura de oposição ao Estado de Direito e à sociedade, tratando-se, pois, de Estado
paralelo presente no (sub)mundo das associações de malfeitores, da seguinte maneira:
Onde quer que existam, elas podem ser identificadas por buscarem um mesmo
objetivo – o enriquecimento ilícito através da prática do crime organizado –, e por se
dedicarem a atividades semelhantes, entre as quais estão o tráfico de drogas, os
jogos de azar, o seqüestro, o tráfico de mulheres e crianças, a exploração sexual de
menores, o furto de automóveis, os assaltos, o contrabando e a lavagem de dinheiro
sujo, todas elas apontando para um mesmo desfecho: a matança profissional. Seus
nomes são conhecidos aqui e no mundo todo. Identificam-se pelo apelido tradicional
de máfia e coexistem com quaisquer regimes políticos. Entre nós, podem chamar-se
Seita Satânica, Os Dragões, Comando Vermelho ou Primeiro Comando da Capital, e
seus integrantes encontram-se tanto entre nós, livremente circulando, como
segregados nos presídios, a partir de onde dirigem com desenvoltura suas
organizações. O estigma social já não os alcança como antes, em razão do arremedo
de política assistencialista que desenvolvem nas áreas miseráveis sob sua influência,
as favelas que circundam as grandes cidades. Suas pretensões de poder, porém,
ultrapassam esses limites. Com efeito, têm essas associações pretendido negociar
com os governos federal, estadual e municipal assuntos os mais variados, como a
libertação de reféns, a transferências de prisioneiros, e até a ajuda na manutenção da
segurança pública em oportunidades em que o país recebe chefes de Estados
estrangeiros ou sedia eventos internacionais de grande vulto. Com os particulares,
especialmente com os pequenos comerciantes das suas zonas de influência,
costumam negociar a proteção pessoal deles e a segurança de seus estabelecimentos.
Esse conjunto ostensivo de ilegalidades, às vezes promovidas com estardalhaço para