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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE
PRODUÇÃO
ANÁLISE DA CARGA DE TRABALHO EM SISTEMAS COMPLEXOS:
GESTÃO DA VARIABILIDADE E IMPREVISIBILIDADE NAS
ATIVIDADES DO CONTROLADOR DE TRÁFEGO AÉREO
ARLETE ANA MOTTER
Tese de Doutorado
FLORIANÓPOLIS
2007
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ARLETE ANA MOTTER
ANÁLISE DA CARGA DE TRABALHO EM SISTEMAS COMPLEXOS:
GESTÃO DA VARIABILIDADE E IMPREVISIBILIDADE NAS
ATIVIDADES DO CONTROLADOR DE TRÁFEGO AÉREO
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Engenharia de Produção da Universidade
Federal de Santa Catarina, como requisito parcial
para a obtenção do título de Doutor em Engenharia
de Produção.
Orientadora: Profa. Dra. Leila Amaral Gontijo
Florianópolis
2007
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ANÁLISE DA CARGA DE TRABALHO EM SISTEMAS COMPLEXOS:
GESTÃO DA VARIABILIDADE E IMPREVISIBILIDADE NAS
ATIVIDADES DO CONTROLADOR DE TRÁFEGO AÉREO
ARLETE ANA MOTTER
Esta tese foi julgada adequada para obtenção de Título de Doutor em Engenharia de
Produção e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-graduação em Engenharia de
Produção da Universidade Federal de Santa Catarina.
_____________________________
Prof. Dr. Antonio Sergio Coelho
Coordenador do Programa
_____________________________
Profa. Dra. Leila Amaral Gontijo
Orientadora
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Auristela Duarte de Lima Moser
Profa. Dra. Edite Krawulski
Profa. Dra. Maria do Carmo Baracho de
Alencar
Profa. Dra. Ruth Terezinha Kehrig
Profa. Dra. Suely Grosseman
Florianópolis, 04 de maio de 2007.
meu maior tesouro, a pequena Cecília,
por ter servido de incentivo e inspiração.
Em seu olhar e em seu sorriso,
encontrei o amor que me deu forças
para alcançar meu sonho.
A
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Ser Superior iluminar meus caminhos e me guiar na trajetória do bem.
A meus anjos aqui na terra, Otávio e Maria, me deixarem valiosa herança, meu estudo.
A meu companheiro dos momentos bons e difíceis dessa jornada, Luiz Antonio, a
compreensão, o apoio e amor, que proporcionaram equilíbrio interior para eu chegar até aqui.
A minha orientadora, Professora Leila Amaral Gontijo, a quem muito admiro, sua
disponibilidade, sua confiança e conduta ética. Sua percepção aguçada e minuciosa, não
com a qualidade da pesquisa, permite compreender os diferentes ritmos de seus orientandos, o
que muito contribuiu para meu crescimento como pesquisadora.
A Giles Balbinoti, os momentos em que dividiu comigo suas reflexões sobre o tema
estudado, que muito enriqueceram o estudo.
Agradeço ao CINDACTA II viabilizar a realização deste estudo e, em especial:
aos comandantes, chefes da Divisão Operacional e às chefias do ACC de Curitiba dos
últimos quatro anos, autorizarem minha entrada em tão rico contexto de pesquisa;
à major Cátia, gentilmente compartilhar comigo dados de sua experiência no controle
de tráfego aéreo;
ao suboficial Janderley, me apresentar, ao se revelar apaixonado por seu trabalho, um
universo pelo qual eu também me apaixonaria depois: o controle de tráfego aéreo;
ao suboficial S. Costa, o importante suporte técnico e operacional prestado ao longo da
pesquisa. Meu reconhecimento por seu envolvimento com algo tão caro para mim:
minha pesquisa.
ao suboficial Guanabara, sanar minhas dúvidas pacientemente e as fecundas
discussões a cada encontro;
aos sargentos Laranjeira, Bordin, Cleber, Menezes e a tantos outros controladores de
tráfego aéreo, a participação neste estudo. Que seus sonhos também se realizem.
RESUMO
A modernização na aviação proporcionou aumento de velocidade das aeronaves e o alcance
de regiões cada vez mais distantes, com o crescimento da quantidade de mercadorias,
correspondências e passageiros transportados. Esse processo de desenvolvimento tecnológico
impôs nova relação do trabalhador com seu trabalho, frente às exigências de ritmo e
intensidade de trabalho, em um cenário de incertezas, que gera grande impacto nos
trabalhadores do tráfego aéreo. Nesse sentido, este estudo analisa a carga de trabalho em
situações complexas, mais especificamente, como os controladores de tráfego aéreo de um
centro de controle lidam com a variabilidade e imprevisibilidade presentes em seu cotidiano, a
partir de uma abordagem integrada do ser humano em atividade. Baseia-se em pesquisa
desenvolvida durante o período de 2002 a 2006, no Segundo Centro Integrado de Defesa
Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA II), em Curitiba. A pesquisa caracteriza-se
como estudo de caso. Tem uma fase inicial exploratória com a análise ergonômica do
trabalho, a qual precedeu a aplicação de questionário elaborado de categorias de análise. A
amostra compõe-se por 35 operadores militares de ambos os sexos (20% femininos e 80%
masculinos). Os dados foram analisados segundo a abordagem qualitativa e quantitativa. O
olhar do trabalhador sobre o conteúdo de seu trabalho tornou-se possível, mediante suas
verbalizações e a análise de seu discurso. A metodologia utilizada possibilitou a compreensão
das condições em que a atividade se desenvolve e a estruturação de fatores de sobrecarga
técnicos, organizacionais e humanos. Destacam-se problemas técnicos como precariedade de
equipamentos de comunicações e de radar, os quais podem ser agravados com o aumento do
número de aeronaves no setor operacional e alterações meteorológicas. O estudo constata que
esses operadores desenvolvem um saber individual e coletivo sobre as adversidades que
enfrentam, constituído por estratégias operatórias, a fim de reduzir a discrepância entre a
tarefa e as condições reais em que o trabalho ocorre. Desse modo, desenvolvem uma forma de
gerir o próprio trabalho, assim, mantêm um padrão de produção. As freqüentes panes de
equipamentos são vivenciadas como condições normais de trabalho, o que não os isenta de
sofrimento e desgaste: manifestam alterações emocionais no contexto do trabalho, queixas
de angústia e ansiedade, casos de depressão, síndrome do pânico, lombalgia, doenças de pele
e gastrintestinais, além do fenômeno descrito como cristalização. Conclui que as condições de
trabalho dos controladores de tráfego aéreo e os agravos a sua saúde representam problemas
não para essa classe de trabalhadores, mas também problemas para a sociedade toda, que
devem receber a devida atenção dos órgãos competentes.
Palavras-chave: Controlador; operador; tráfego aéreo; aviação; carga de trabalho.
ABSTRACT
The modernization of aviation brought increasing of velocity of aircrafts, the reaching of
distant places, as well as increasing of the number of goods, mail, and passengers taken. This
technological development process imposed a new relation between the worker and his/her
work, due to work rhythm and intensity requirements, in a scenery of uncertainties, which
creates huge impact to the air traffic workers. This research analyses the work charge in
complex situations, more specifically, how the air traffic controllers manage the variability
and non-prediction present in their daily work, using an approach which considers the human
beings integrated to their activities. The research is founded on a study developed from 2002
to 2006, at Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA II),
in Curitiba. It is a exploratory, descriptive, and case study research. The sample is formed by
35 air force operators of both sexes (20% females and 80% males). A qualitative approach
supported data analysis. The ergonomic analysis (base on Guérin et al 2001) was done after
the classification analysis questionnaire application. The view of workers on their work
content was made possible, through their verbalizations and the analysis of their discourse.
The methodology used makes possible to comprehend the conditions in which such work
takes place and to framework the technical, organizational, and humans overcharge factors.
The study finds that such controllers develop individual and collective knowledge on the
adversities, which is constituted by operative strategies, to reduce the discrepancy between
their task and the real conditions in which the work happens. So, they keep a production
pattern. The frequent equipment breakdowns are experienced as work regular conditions, but
this does not ease them from suffering and stress: there are emotional alteration
manifestations in the work environment, complains of distress and anxiety, and depression
cases, panic syndrome, backache, skin, and gastric-intestinal diseases. In conclusion, the
research finds the air traffic controllers work conditions and the injuries to their health
represent problems for this kind of workers as well as to the whole society. Such problems
shall be paid attention by the responsible authorities.
Keywords: Controller; operator; air traffic; aviation; work overcharge.
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS ................................................................................... 10
LISTA DE GRÁFICOS................................................................................ 11
LISTA DE TABELAS................................................................................... 12
LISTA DE ABREVIATURAS ..................................................................... 13
INTRODUÇÃO............................................................................................. 14
1.1 O CONTEXTO E AS QUESTÕES DE PESQUISA ....................................................16
1.2 OBJETIVOS..................................................................................................................21
1.2.1 Objetivo Geral ............................................................................................................21
1.2.2 Objetivos Específicos .................................................................................................21
1.3 PRESSUPOSTOS..........................................................................................................22
1.4 DELIMITAÇÕES DO ESTUDO ..................................................................................22
1.5 ESTRUTURA DO ESTUDO ........................................................................................23
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................ 24
2.1 O CONTROLE DE TRÁFEGO AÉREO......................................................................24
2.1.1 O Controle de Tráfego Aéreo no Brasil .....................................................................27
2.2 O CONTROLADOR DE TRÁFEGO AÉREO.............................................................28
2.3 O SISTEMA DE CONTROLE DE TRÁFEGO AÉREO .............................................32
2.3.1 O Centro de Controle de Área (ACC) ........................................................................33
2.3.2 O Controle de Aproximação (APP)............................................................................33
2.3.3 A Torre de Controle (TWR) .......................................................................................34
2.3.4 Os Sistemas Trabalhando em Conjunto .....................................................................34
2.3.5 As Fichas de Progressão de Vôo – Strips...................................................................35
2.4 CULTURA ORGANIZACIONAL ...............................................................................38
2.5 A COMPLEXIDADE....................................................................................................40
2.5.1 Cognição Situada (ação situada) ................................................................................44
2.6 CARGA DE TRABALHO ............................................................................................49
2.6.1 Carga de Trabalho Mental ..........................................................................................55
2.6.2 O Papel da Sensação e Percepção na Carga de Trabalho...........................................56
2.6.3 Carga de Trabalho do Controlador de Tráfego Aéreo................................................59
2.7 GESTÃO DA VARIABILIDADE E IMPREVISIBILIDADE.....................................64
3 METODOLOGIA DA PESQUISA
....................................................................68
3.1 Desenho do Estudo ........................................................................................................68
3.2 Caracterização do Local ................................................................................................69
3.3 Caracterização da População.........................................................................................71
3.4 Princípios Éticos............................................................................................................73
3.5 Etapas da Metodologia Utilizada...................................................................................74
3.5.1 Etapa 1: Manejo das fontes bibliográficas..................................................................74
3.5.2 Etapa 2: Procedimento do estudo ...............................................................................75
3.5.3 Etapa 3: Métodos e Técnicas utilizadas para a coleta de dados .................................77
3.5.4 Etapa 4: Apresentação e tratamento de dados ............................................................84
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO............................................................... 87
4.1 TRABALHO COLETIVO NO CONTROLE DE TRÁFEGO AÉREO .......................87
4.2 COMO O CONTROLADOR PLANEJA O TRÁFEGO AÉREO/CONHECIMENTO
ADQUIRIDO COM A EXPERIÊNCIA .............................................................................97
4.3 CATEGORIAS DE ANÁLISE .....................................................................................100
4.3.1 Resultados da Subcarga..............................................................................................103
4.3.2 Resultados da Sobrecarga...........................................................................................105
4.3.2.1 Fatores técnicos de sobrecarga ................................................................................108
4.3.2.1.1 Quanto ao número de aeronaves...........................................................................110
4.3.2.1.2 Quanto às coordenações .......................................................................................114
4.3.2.1.3 Quanto às vetorações............................................................................................116
4.3.2.1.4 Quanto aos seqüenciamentos................................................................................116
4.3.2.1.5 Quanto às Strips ...................................................................................................118
4.3.2.1.6 Quanto ao radar ....................................................................................................127
4.3.2.1.7 Aeronaves que o radar não detecta.......................................................................132
4.3.2.1.8 Quanto à qualidade das freqüências para comunicações......................................132
4.3.2.1.9 Condições meteorológicas....................................................................................137
4.3.2.1.10 Áreas restritas ativadas .......................................................................................139
4.3.2.1.11 Quanto aos cruzamentos.....................................................................................139
4.3.2.2 Fatores organizacionais de sobrecarga ....................................................................140
4.3.2.2.1 Trabalhando sozinho ou com o assistente ...........................................................142
4.3.2.2.2 Quanto às recoordenações de níveis entre setores e/ou órgãos ............................144
4.3.2.2.3 Quanto à tomada de decisão .................................................................................145
4.3.2.2.4 Aeronave com enfermo a bordo/seqüenciamento de aeronave com enfermo a
bordo....................................................................................................................................146
4.3.2.2.5 Aeronave com autoridade a bordo........................................................................147
4.3.2.2.6 Ações simultâneas (manuseio de strips, teclado, telefone, microfone)................147
4.3.2.2.7 Quando o espaço aéreo do setor é pequeno..........................................................158
4.3.2.2.8 Quanto às escalas de trabalho...............................................................................159
4.3.2.2.9 Comunicação em língua estrangeira.....................................................................164
4.3.2.2.10 Quanto à valorização por parte dos colegas .......................................................166
4.3.2.2.11 Quanto ao reconhecimento .................................................................................167
4.3.2.3 Fatores humanos de sobrecarga...............................................................................169
4.3.2.3.1 Atrito com piloto de aeronave ..............................................................................171
4.3.2.3.2 Quanto ao envolvimento em risco de incidente....................................................174
4.3.2.3.3 Quanto à memorização de aerovias e pontos de notificações ..............................175
4.3.2.3.4 Problemas de interação com o supervisor ou com o assistente e trabalho com
problema pessoal .................................................................................................................177
4.3.2.3.5 Trabalho após uma noite de sono ruim.................................................................178
4.3.2.3.6 Presença de chefia direta no setor ou de comando ...............................................179
4.4 SOFRIMENTO PSÍQUICO E DESGASTE NO TRABALHO....................................179
4.4.1 A Questão da “Cristalização” ....................................................................................185
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES.......................... 189
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 195
APÊNDICE.................................................................................................... 203
ANEXOS ........................................................................................................ 206
GLOSSÁRIO ................................................................................................. 214
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Posto de trabalho do controlador de tráfego aéreo (console)...............................16
Figura 2: Centro de Operações Integrado II ........................................................................70
Figura 3: Composição da equipe de controle de tráfego aéreo............................................88
Figura 4: Divisão de setores sob responsabilidade dos supervisores ..................................89
Figura 5: Organização das equipes de trabalho...................................................................92
Figura 6: Modelo de strip ativa ...........................................................................................119
Figura 7: Disposição das strips pré-ativas (acima do relógio) e ativas (abaixo do relógio)
no console ...........................................................................................................120
Figura 8: Modelo de strip de Plano AFIL ...........................................................................121
Figura 9: Controlador preenchendo strip pré-ativa .............................................................124
Figura 10: Visualização do console (tela do radar, monitores, teclado, mouse, strips,
botões de sintonia para comunicação) ................................................................128
Figura 11: O trabalho em dupla...........................................................................................142
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Percepção dos operadores quanto aos fatores de subcarga ................................104
Gráfico 2: Percepção dos operadores quanto aos fatores de sobrecarga .............................106
Gráfico 3: Percepção dos operadores quanto aos fatores técnicos de sobrecarga...............109
Gráfico 4: Percepção dos operadores quanto aos fatores organizacionais de sobrecarga...141
Gráfico 5: Percepção dos operadores quanto aos fatores humanos de sobrecarga..............170
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Resultados do questionário aplicado quanto aos fatores de subcarga .................104
Tabela 2: Resultados do questionário aplicado quanto aos fatores de sobrecarga..............107
Tabela 3: Análise individual de fatores técnicos de sobrecarga..........................................110
Tabela 4: Distribuição das aeronaves por setor no ACC de Curitiba..................................111
Tabela 5: Percepção dos operadores quanto às strips .........................................................123
Tabela 6: Percepção dos operadores quanto ao radar..........................................................132
Tabela 7: Tabela de eventos (trabalho individual
)
...............................................................151
Tabela 8: Tabela de eventos (trabalho em dupla com instrutor) .........................................153
Tabela 9: Percepção dos operadores quanto às comunicações............................................166
Tabela 10: Análise individual de fatores humanos de sobrecarga.......................................171
LISTA DE ABREVIATURAS
ACC – Centro de Controle de Área (do inglês, Area Control Center)
ACC - BS – Centro de Controle de Área de Brasília
ACC - CW – Centro de Controle de Área de Curitiba
AFIL – Plano de Vôo apresentado em vôo
AIS – Serviço de Informação Aeronáutica
APP – Controle de Aproximação (do inglês, Approaching Control Center)
ATC – Controle de Tráfego Aéreo (do inglês, Air Traffic Control)
ATFM – Gerenciamento de Fluxo de Tráfego Aéreo
ATS – Serviço de Tráfego Aéreo (do inglês, Air Traffic Service)
AWY – Aerovia (do inglês, airway)
CINDACTA – Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo
CMV – Centro Meteorológico de Vigilância
COI – Centro Operacional Integrado
COpM – Centro de Operações Militares
DECEA – Departamento de Controle do Espaço Aéreo
DO – Divisão Operacional
FAAFederal Aviation Administration
FIR – Região de Informação de Vôo (do inglês, Flight Information Region)
FL – Nível de Vôo (do inglês, Flight Level)
FPV – Ficha de Progressão de Vôo
ICA – Instrução do Comando da Aeronáutica
IMA – Instrução do Ministério da Aeronáutica
ICAOInternacional Civil Aviation Organization (também traduzida por OACI)
IFR – Regras de Vôo por Instrumento (do inglês, Instrument Flight Rules)
ITA – Infração de Tráfego Aéreo
MO – Modelo Operacional
MSG – Mensagem
MT – Tempo de Amadurecimento (Maturing Time)
NM – Milhas Náuticas (do inglês, Nautical Miles)
NOTAM – Informação para o aeronavegante
OPR – Operador
OACI – Organização de Aviação Civil Internacional
PLN – Plano de Vôo
RPL – Plano de Vôo Repetitivo
ROTAER – Rotas Aéreas
RVSM – Redução da Separação Mínima Vertical
SAR – Busca e Salvamento (do inglês, Save and Rescue)
SISDACTA – Sistema de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo
TWR – Torre de Controle de Aeródromo (do inglês, Tower)
UTC – Tempo Universal Controlado (hora de Greenwich; do inglês, Universal Time Control)
VFR – Regras de Vôo Visual (do inglês, Visual Flight Rules)
VHF – Ondas de Freqüência Muito Alta (do inglês, Very High Frequency)
VOR – Radiofarol Onidirecional em VHF
14
1 INTRODUÇÃO
A evolução do trabalho e suas tecnologias têm provocado mudanças muito
importantes em seu conteúdo e seus métodos, nos quais se verificam modificações de
aspectos como qualificações exigidas, grau de autonomia, o papel do homem no trabalho,
entre outros.
anos era muito importante a intervenção física do homem, que exigia dele gasto
físico considerável. Porém, com o passar do tempo, surgiram trabalhos que exigem pouco
esforço físico, mas requerem, sem dúvida, maior capacidade decisória, com a intervenção de
fatores cognitivos no tratamento da informação recebida e na tomada de decisão, durante o
desenvolvimento da tarefa. Normalmente, para a maioria dos postos de trabalho, a diminuição
da carga física é acompanhada por crescimento da carga mental ou por aumento da
quantidade de informação a ser processada.
Carga mental do trabalho é um produto conceitual, originado da noção de carga de
trabalho, entendida genericamente como um campo de interação entre as exigências da tarefa
e a capacidade de realização humana (BAUMER, 2003). Para Laurell e Noriega (1989,
p.110):
o conceito de carga de trabalho possibilita uma análise do processo de trabalho que
extrai e sintetiza os elementos que determinam de modo importante o nexo biopsíquico da
coletividade operária e conferem a esta um modo histórico específico de andar a vida”. Esse
conceito ressalta a importância da avaliação da carga de trabalho, no sentido de compreender
os impactos das exigências do trabalho e a efetiva resposta do trabalhador.
Em situações de trabalhos considerados complexos, como é o caso dos controladores
de tráfego aéreo, o conhecimento da carga mental do trabalho, cada vez mais, torna-se
necessário, uma vez que, nos últimos anos, nessa e em várias outras categorias profissionais,
fatores como quantidade e complexidade da informação a ser tratada, tempo disponível para
elaborar uma resposta e tempo durante o qual se deve manter atenção implicam operações em
níveis inadequados de carga de trabalho, as quais colocam em risco a saúde do trabalhador.
Esse é o campo de atuação da ergonomia cognitiva, que investiga como a pessoa atua em seu
sistema de trabalho.
Uma forma de analisar esse tipo de relação é a cognição distribuída (CAÑAS e
WAERNS, 2001), também chamada de compartilha cognitiva, a qual considera a pessoa e os
artefatos como agentes dentro de um sistema comum. O foco da atenção está na transferência
de informação entre os agentes e na transformação de informação dentro dos agentes e entre
15
eles. Segundo Cañas e Waerns (2001), a cognição é considerada um fenômeno que emerge do
sistema em seu todo.
Tal conceito enfatiza a intersubjetividade como suporte da comunicação. A repartição
subjetiva das representações da situação de trabalho embasa o compartilhamento cognitivo,
pois distribui o conhecimento entre os agentes (JAMIL e ECHTERNACHT, 2003). No caso
específico do controle de tráfego aéreo, essa estratégia pode ajudar nas análises, que
trabalho de equipe.
Em tarefas cognitivas complexas como o controle de tráfego aéreo, o diagnóstico
médico, o projeto, o planejamento da produção e a programação computadorizada a
cognição individual também tem importância, que será considerada neste estudo. “Ao nível
cognitivo, essas tarefas requerem diferentes tipos de soluções de problemas, tais como: a
tomada de decisões, a diagnose e o planejamento; bem como: a antecipação, a monitoração e
a elaboração de cálculos mentais” (MARMARAS e PAVARD, 1999, p. 1).
Esses mesmos autores sugerem que essas tarefas têm as seguintes características em
comum:
São constituídas de muitos fatores e componentes que se relacionam entre si,
que interagem e que mudam de valor a cada momento; podem ocorrer
eventos em momentos indeterminados e a natureza do problema a ser
resolvido pode mudar. incerteza quanto ao momento em que um ou mais
eventos podem ocorrer, e quanto à gravidade das mudanças que eles podem
trazer ao sistema de trabalho; existem múltiplos objetivos quantitativos e
qualitativos a serem alcançados, freqüentemente conflitantes, entre os quais
não há uma hierarquia predeterminada; as tarefas podem impor severas
restrições de tempo aos operadores, podem ocorrer erros humanos com
graves conseqüências e elas podem ser arriscadas.
A maioria dos estudos referentes ao tema é realizada por psicólogos do trabalho e
ergonomistas, e hoje se sabe que trabalhadores que operam em níveis inadequados de carga
apresentam tendência a cometer erros e acidentes, o que, no contexto do tráfego aéreo, pode
ter conseqüências catastróficas. Sabe-se também que a exposição prolongada à sobrecarga
mental coloca em risco a saúde dos trabalhadores. A importância de tal estudo refere-se ao
fato de que cada vez mais pessoas trabalham sob condições semelhantes às dos controladores,
em várias outras profissões, portanto, contribuição social e científica na realização da
presente pesquisa. Os benefícios da pesquisa estendem-se especialmente ao ser humano
trabalhador no controle de tráfego aéreo.
16
1.1 O CONTEXTO E AS QUESTÕES DE PESQUISA
O foco nesse tema emergiu quando a pesquisadora conheceu, na disciplina Análise
Ergonômica do Trabalho, do Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da
UFSC, o universo do controle de tráfego aéreo do Centro Integrado de Defesa Aérea e
Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA II), pertencente à Força Aérea Brasileira, localizado
em Curitiba. , identificou operadores afastados de sua rotina laboral, devido a depressão,
síndrome do pânico e também a outros diagnósticos médicos, como: lombalgia, cefaléia,
alterações visuais, distúrbios gastrointestinais, insônia e irritabilidade (MOTTER, TOKARS e
GONTIJO, 2003).
O que justificaria tantos casos de atestados médicos e queixas relacionadas à saúde dos
operadores? Supõe-se que a relação homem-organização-trabalho, ao invés de proporcionar
satisfação e prazer, estaria gerando sofrimento. O sofrimento psíquico pode provocar atitudes
de agressividade no trabalho, principalmente em tarefas nas quais há aumento da tensão
nervosa e da ansiedade (VELÁSQUEZ et al., 1997).
É necessário, então compreender o papel do ator principal do objeto da pesquisa: o
controlador de tráfego aéreo é encarregado de prestação de serviços a quem quer que esteja
voando ou que se proponha a voar, deve fornecer informações de vôo às aeronaves e
informações meteorológicas, acionar alertas e também fazer ordenação do fluxo de tráfego
aéreo entre os diferentes aeroportos.
Figura 1: Posto de trabalho do controlador de tráfego aéreo (console)
A tarefa de controlador implica baixa exigência física dinâmica e forte exigência
cognitiva, pois, para realizar seu trabalho, este profissional deve gerenciar muitas
17
informações, memorizar diversos códigos e números, fazer cálculos mentais (calcular
distâncias), deve ter visão espacial (noção de relação entre os tráfegos) e pressão temporal.
Trata-se de condição bastante complexa, na qual deve haver agilidade intelectual e velocidade
de raciocínio. É uma atividade que inclui variabilidade de dados e de ferramentas de trabalho,
tais como: telefone, rádio VHF, radar, mouse, teclado, microfone, impressora e computadores,
localizados no console, que é o posto de trabalho da sala de controle (Figura 1).
Os operadores administram grande número de comunicações, principalmente no
trabalho em equipe, além de comunicações com outros controladores, assistentes,
supervisores, chefes de equipes e pilotos, e certamente devem satisfazer altos níveis de
segurança, na coordenação de aeronaves em manobras de pouso ou decolagens ou
deslocando-se entre um aeroporto e outro. Devem ser profissionais qualificados, dominar as
línguas inglesa, portuguesa e espanhola, ter conhecimentos de informática, de alfabeto
fonético e fraseologia e, ainda, ter integridade dos órgãos dos sentidos, como visão, fala e
audição.
As atividades no contexto do controle de tráfego aéreo impõem constrangimentos de
tempo para a tomada de decisão, que deve ser extremamente rápida, e reorganização do
trabalho em tempo real, pois a cada instante a realidade modifica-se na tela do radar, à frente
do controlador, portanto, ele lida freqüentemente com o imprevisível. As demandas impostas
são variáveis, de acordo com a região do espaço aéreo e de acordo com o fluxo de tráfego do
momento, o que acarreta mudanças constantes dos modos operatórios. Espera-se que os
controladores tenham boa capacidade de antecipação, planejamento, diagnóstico e tomada de
decisão. Todos esses fatores geram sobrecarga cognitiva aos operadores, o que aumenta os
riscos de acidentes de trabalho e adoecimento da população trabalhadora.
No Brasil, o controle de tráfego aéreo é quase exclusivamente militar. Dessa forma, a
escala de trabalho dos controladores não é apenas operacional, mas também militar, o que
inclui escala de serviço armado, representações, formaturas e outras solenidades. Assim, o
controlador participa de atividades militares nas folgas operacionais, e isso representa menos
tempo para descanso e lazer.
A escala de serviço é alternada (três dias de serviço com dois dias de folga,
ininterruptamente), o que compromete seus vínculos sociais e familiares, e inclui os turnos da
manhã, tarde e noite, repercute, assim, em alteração sono-vigília (MOTTER, TOKARS e
GONTIJO, 2003).
Ele convive diariamente em conflito com a rotina desenvolvida por família, amigos e
comunidade à qual pertence. Em seu estudo sobre controle de tráfego aéreo, Nocera (2003, p.
16), apresenta algumas falas que ilustram bem essa situação. Por exemplo, em determinado
18
momento, a autora descreve: “Há uma forte sensação de estar sempre em dívida com aqueles
que estão a sua volta”.
O controle de tráfego aéreo é ainda um trabalho pouco conhecido para aqueles que não
estão em contato direto com ele. A missão do controle de tráfego aéreo é fazer com que as
aeronaves trafeguem com segurança em todo o mundo, o que envolve milhões de pessoas. Tal
segurança inclui não quem busca um meio de transporte mais rápido, mas também pessoas
que estão em terra.
Para a Aeronáutica Brasileira, o controle de tráfego aéreo é o gerenciamento do fluxo
de aeronaves durante os e procedimentos de pouso e decolagem, visando à total segurança
operacional (BRASIL, 1994).
Assim, o controlador de tráfego aéreo atua em três diferentes pontos: Centro de
Controle de Área (ACC), Centro de Controle de Aproximação (APP) e Torre de Controle
(TWR) (PASQUALI e LAGO, 1987), que serão descritos no capítulo referente à
fundamentação teórica. Ele exerce função não regulamentada no país e desconhecida do
grande público. Quando seu trabalho aparece, normalmente, é em situação desvantajosa,
devido ao nível de responsabilidade dessa função, uma vez que ele é um dos principais
responsáveis pela concretização dos vôos. É o que se verifica com a recente crise no
transporte aéreo, após o acidente do vôo da Gol, em setembro de 2006, que deixou 154
mortos, com os apagões aéreos e as greves dos controladores de Brasília.
A carência de estudos relacionados à carga de trabalho no controle de tráfego aéreo, no
Brasil, justifica a necessidade de implementar-se esforços no que diz respeito à análise do
complexo resultado entre as exigências do trabalho e as capacidades humanas de responder a
elas efetivamente. Sabe-se que o acesso a essa categoria de trabalhadores, no Brasil, é restrito,
devido às características da organização militar, a qual maximiza a hierarquia e a disciplina,
dando margem a pouca flexibilidade, o que dificulta a elaboração de novas abordagens e
investigações. A pesquisadora, sendo militar, obteve seu pedido aceito para realizar sua
pesquisa.
O Centro de Controle de Área (ACC) de Curitiba apresenta problemas, pois existem
processos de adoecimento, inclusive com afastamento para tratamento de saúde. A divisão do
trabalho em todos os ACCs brasileiros é definida pelo Departamento de Controle do Espaço
Aéreo (DECEA), subordinado ao Comando da Aeronáutica, e consta na Instrução do
Comando da Aeronáutica (BRASIL, 2004). Tal instrumento define a carga de trabalho para
cada setor, por meio de cálculos matemáticos, que basicamente relacionam carga de trabalho
com o número de aeronaves. Essa ferramenta baseia-se em: disponibilidade do operador,
distância percorrida pelas aeronaves no setor, número de comunicações para cada aeronave no
19
setor, tempo médio de duração de cada mensagem e velocidade média das aeronaves no setor.
Porém, conforme consta na instrução do DECEA, essa ferramenta não prevê o tempo de
raciocínio, registro de dados, a coordenação entre órgãos ou setores e a interação com o posto
de trabalho.
Desse modo, a prescrição do trabalho não corresponde à real capacidade dos
operadores, uma vez que ocorrem demonstrações de irritabilidade, questionamentos quanto à
carga de trabalho e grande número de atestados médicos e acompanhamentos psicológicos,
especialmente por depressão.
Como o controle de tráfego aéreo é fundamental para o desenvolvimento da sociedade
e é marcado por imprevisibilidade de eventos e variedade de informações, de procedimentos,
de atribuições e de produção, que são fatores que reforçam as exigências cognitivas
(OLIVEIRA, 2003), decidiu-se estudá-lo sob um olhar ergonômico, mais especificamente, no
enfoque da ergonomia cognitiva.
O objeto do estudo da psicologia ergonômica e cognitiva refere-se a como a pessoa
atua em seu sistema de trabalho. Para poder realizar sua tarefa, ela tem de perceber os
estímulos do ambiente, receber informações de outras pessoas, decidir que ações são mais
apropriadas e executá-las, bem como transmitir informações a outras pessoas que podem
realizar suas tarefas.
Cañas e Waerns (2001, p. 4) definem ergonomia cognitiva como “uma disciplina
científica que estuda os aspectos de condutas e cognitivos da relação entre o homem e os
elementos físicos e sociais do ambiente, quando esta relação está mediada pelo uso de
artefatos”.
1
Por conter o trabalho do controlador carga de exigências mentais importante,
entendeu-se que a abordagem de análise pela ergonomia cognitiva seria a mais indicada.
Segundo Guérin et al. (2001), o objetivo do estudo da variabilidade da produção para
os ergonomistas não é suprimi-la. A análise do trabalho permite compreender como os
operadores enfrentam a diversidade e as variações de situações e quais conseqüências elas
trazem para a saúde deles e para a produção.
A escolha da área, do setor e da atividade a ser analisada levou em consideração os
seguintes fatores:
a) a presença de trabalhadores com queixas de problemas de saúde;
b) o contexto de complexidade;
c) a lida com a informação mediada pela tecnologia informática; e
1
As traduções dos textos originais em inglês, espanhol e francês são de responsabilidade da
pesquisadora.
20
d) a importância do trabalho de controle de tráfego aéreo na prestação de serviços à
sociedade.
O controle de tráfego aéreo foi escolhido para ser analisado, por representar um
contexto de complexidade marcado pela imprevisibilidade e variabilidade de eventos, bem
como pelos altos índices de adoecimento da população trabalhadora, fatores que favorecem a
ampliação da carga de trabalho. O ACC de Curitiba apresenta, além dos problemas acima,
déficit de pessoal, problemas tecnológicos e sistema organizacional militar, características que
reforçam a sobrecarga dos trabalhadores.
Os controladores estão inseridos em um tipo de organização que implica uma cultura
que margem a pouca flexibilidade, como sua própria missão o exige, e essa característica
envolve condições de trabalho. Essa cultura militar define procedimentos e comportamentos,
e, desse modo, influencia a carga de trabalho.
Frente a todas essas exigências
no controle de tráfego aéreo, elaborou-se a seguinte
questão de pesquisa: Quais são as estratégias operatórias utilizadas pelos controladores para
lidar com a imprevisibilidade e variedade de informações, procedimentos, equipamentos e
atribuições no trabalho e o que essas estratégias representam para a carga de trabalho?
A discussão de Daniellou (apud ECHTERNACHT, 1998) quanto às relações entre
carga de trabalho e saúde contribuiu para a elaboração da pergunta de pesquisa:
As ‘contraintes’ (condicionantes externas) da situação de trabalho e a adoção
de um modo operatório levam a solicitação específica de certas funções do
organismo. A fadiga destas provoca sinais de alerta que demandam uma
modificação seja do modo operatório, seja mais radicalmente das
‘contraintes’ da situação de trabalho. O re-arranjo dos modos operatórios
pode permitir aliviar durante um tempo certas funções em detrimento de
outras, mas existem circunstâncias onde, finalmente, os sinais de alerta se
manifestam qualquer que seja o modo operatório utilizado. Se não
possibilidade de modificar as ‘contraintes’ da situação de trabalho (por
exemplo, fazendo uma pausa ou diminuindo a pressão temporal), entramos
no domínio dos atentados à saúde. Estes começam quando não mais
meios de fazer diferente e são a saída de uma batalha perdida, geradora de
sofrimento (DANIELLOU apud ECHTERNACHT, 1998, p. 38).
Apresentam-se, ainda, algumas questões de secundárias de pesquisa:
1. O conteúdo do trabalho, a pressão temporal e a intensidade de trabalho teriam relação
com os sintomas e processos de adoecimento apresentados pelos controladores?
2. Como se a gestão da variabilidade e da imprevisibilidade no controle de tráfego
aéreo?
3. Como a gestão da variabilidade e da imprevisibilidade contribui para a carga mental
do controlador ?
21
4. O trabalho de controlador de tráfego aéreo possibilita a margem de manobra
necessária a sua atividade?
1.2 OBJETIVOS
A partir do que foi exposto, para responder às questões que foram propostas e para
operacionalizar o estudo, traçaram-se os seguintes objetivos geral e específicos:
1.2.1 Objetivo Geral
Compreender como controladores de tráfego aéreo de um centro de controle lidam
com a variabilidade e imprevisibilidade presentes em seu exercício cotidiano de
trabalho.
1.2.2 Objetivos Específicos
Descrever o processo de trabalho dos controladores, analisando as condicionantes
internas e externas que fazem parte desse processo e que possam influenciar a carga de
trabalho;
Analisar como se a gestão da variabilidade e imprevisibilidade nas atividades do
controlador de tráfego aéreo;
Identificar as estratégias que os controladores de tráfego aéreo constroem diante da
imprevisibilidade e variabilidade em seu trabalho;
Analisar como se a compartilha cognitiva dos controladores na realização de seu
trabalho e sua relação com a gestão da variabilidade e imprevisibilidade em um
sistema considerado complexo; e
Identificar medidas que permitam um novo olhar sobre esse processo de trabalho e
possibilitem minimizar ou eliminar os constrangimentos decorridos dessa relação.
22
1.3 PRESSUPOSTOS
O universo de trabalho do controlador de tráfego aéreo gera muita dificuldade na
realização da tarefa, na gestão da variabilidade e da imprevisibilidade, inerente a esse
processo. Dessa maneira, parte-se do pressuposto de que o trabalho é muito mais
complexo do que normalmente é considerado, para efeito das divisões das tarefas
(conforme foi descrito no item 1.1), e pode levar ao adoecimento do controlador de
tráfego aéreo;
Existe relação entre as queixas associadas à saúde dos controladores de tráfego aéreo e
as características de seu trabalho;
O controlador de tráfego aéreo utiliza estratégias para atender à intensificação do
trabalho e à restrição temporal;
A quantidade de informações que o controlador deve gerenciar, organizar e conhecer
gera sobrecarga mental;
Os controladores de tráfego aéreo atuam em níveis inadequados de carga, o que
aumenta os riscos de acidentes de trabalho e de adoecimento desses trabalhadores.
1.4 DELIMITAÇÕES DO ESTUDO
Este trabalho envolve somente controladores do Centro de Controle de Curitiba, os
quais controlam o espaço aéreo entre regiões distantes dos aeroportos. Dessa forma, os
controladores de Torre e de Centro de Aproximação não foram incluídos no estudo.
Controladores de outros centros de controle localizados no Brasil foram excluídos da
pesquisa. Não participaram da pesquisa controladores civis, por não haver no local da
pesquisa esse tipo de contratado, somente militares, sargentos ou suboficiais, que fazem parte
do contingente da Aeronáutica.
O estudo focaliza aspectos relacionados às atividades mentais dos controladores de
tráfego, tais como: tomada de decisão, lida com o imprevisível, atenção, concentração, uso de
memória. Assim, não se realizou estudo sobre aspectos biomecânicos, posturas ou medidas
antropométricas.
23
1.5 ESTRUTURA DO ESTUDO
O capítulo 1 apresenta os aspectos introdutórios do trabalho, contém a descrição do
contexto da pesquisa, a origem do tema, as questões de pesquisa, os objetivos e os
pressupostos.
O capítulo 2 trata da fundamentação teórica. Levanta estudos sobre o histórico da
aviação e controle de tráfego aéreo nacional e internacional e sobre o perfil do controlador de
tráfego aéreo. Em um segundo momento, a revisão da literatura apresenta a temática da
cultura organizacional e da complexidade, para, em seguida, aprofundar o estudo das cargas
de trabalho e da carga de trabalho do controlador de tráfego aéreo. O capítulo termina com a
apresentação de autores que discutem a gestão da variabilidade e imprevisibilidade, na busca
por fazer uma relação desses temas com o trabalho dos controladores.
No capítulo 3 apresenta-se o caminho metodológico do estudo, no qual consta todas as
etapas, técnicas e métodos utilizados na pesquisa.
O capítulo 4 corresponde aos resultados qualitativos e quantitativos encontrados no
decorrer da pesquisa de campo e à discussão deles, à luz da literatura pertinente.
O capítulo 5 traz as considerações finais do estudo, recomendações específicas para a
situação de trabalho estudada e sugestões para futuras pesquisas.
24
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Neste capítulo, abordam-se estudos sobre o trabalho do controlador de tráfego aéreo.
Inicia-se com um breve histórico da aviação e do controle de tráfego aéreo nacional e
internacional, seu surgimento e sua evolução. Em seguida, descreve-se o posto de controlador
de tráfego aéreo, o trabalho prescrito e as exigências desse trabalho, à luz da literatura
consultada sobre o assunto.
Também se analisam na literatura os fatores que se relacionam com o objeto de estudo
desta tese, como, por exemplo, a cultura organizacional, que tem papel importante para
compreender a carga de trabalho dos operadores, bem como a complexidade e a gestão da
variabilidade e imprevisibilidade.
Ainda neste capítulo são apresentados diversos autores que servem de modelagem
conceitual sobre carga de trabalho e carga de trabalho do controlador de tráfego aéreo.
2.1 O CONTROLE DE TRÁFEGO AÉREO
O desejo de voar está presente na humanidade desde os tempos pré-históricos, quando
o homem, inspirado em vôos de pássaros, elaborava tentativas mal sucedidas de voar. Da
mitologia grega deriva a lenda de Dédalo e seu filho Ícaro, e outro acontecimento mitológico
é o cavalo alado Pégaso (PESSOA, 1992; PALMA, 2002).
A história moderna da aviação é complexa e tem como marcos de desenvolvimento o
final do século XVIII e a Revolução Industrial, com os primeiros desenhos e teorias de
aviação, apesar de Toscano (2003) relatar que, no século XV, Leonardo da Vinci construiu
um modelo de avião em forma de pássaro. Somente no fim do século XIX, com o dirigível
Zepelim, o homem conheceu o transporte aéreo comercial (PALMA, 2002).
Em 23 de outubro de 1906, o brasileiro Santos Dumont foi o primeiro aeronauta que
demonstrou a viabilidade do vôo com equipamento mais pesado do que o ar. Seu vôo no 14
Bis, em Paris, na presença de inúmeras testemunhas, constituiu um marco na história da
aviação (DA SILVA, 1990; PESSOA, 1992; PALMA, 2002; TOSCANO, 2003).
O desenvolvimento da aviação foi influenciado pelas duas grandes guerras: “Com a I
Guerra Mundial, a aviação tomaria considerável impulso, em virtude do uso de aviões como
arma de grande poder ofensivo, mas seria na década de 1920/30 que esse avanço se
consolidaria” (TOSCANO, 2003, p. 1). Iida (2005) ressalta a utilização do conhecimento
científico no desenvolvimento de radares, submarinos, tanques e aeronaves, com a eclosão da
25
II Guerra Mundial. Segundo Palma (2002, s.p.), “Não se pode esquecer, entretanto, a
participação da segunda guerra mundial neste contexto. Grande parte das conquistas
científico-tecnológicas está associada à atmosfera militar”.
O controle de tráfego aéreo, segundo registros da Federal Aviation Administration
(FAA), começou a partir de 1930, juntamente com o início da aviação comercial de grande
porte, época em que foi iniciada a construção dos primeiros aeroportos comerciais
(REBELLO, 1997).
Um sistema de controle de tráfego aéreo é um conjunto de subsistemas que visam a
auxiliar o gerenciamento do fluxo de aeronaves tanto no ar quanto em terra. Como definição
da finalidade de sistema de controle de trafego aéreo, pode-se citar Hopkins (apud
REBELLO, 1997, p. 8): “o tradicional objetivo dos sistemas de controle de tráfego aéreo é
certificar a segurança, ordenação e o gerenciamento do fluxo de aeronaves”. No Brasil
(BRASIL, 1994), os objetivos são praticamente os mesmos: prevenir colisões (entre
aeronaves e entre aeronaves e obstáculos nas áreas de manobras) e acelerar e manter o fluxo
de tráfego.
A Organização de Aviação Civil Internacional (OACI) estabelece de forma sintética
os objetivos do sistema de controle de tráfego aéreo:
impedir colisões;
acelerar e manter ordenado o fluxo;
assessorar e prestar informações ao vôo; e
notificar sobre as aeronaves em perigo;
Especialmente na década de 30, várias melhorias técnicas possibilitaram a construção
de aviões maiores, que podiam percorrer distâncias maiores, voar em altitudes maiores e mais
rapidamente, e, assim, carregar mais carga e passageiros. Avanços na ciência aerodinâmica
permitiram a engenheiros desenvolver aeronaves cujo desenho interferisse o mínimo possível
no desempenho em vôo. Os equipamentos de controle e os cockpits das aeronaves também
melhoraram consideravelmente nesse período. Além disso, melhorias na tecnologia de
radiotelecomunicações permitiram o uso de equipamentos de radiotelecomunicação na
aviação, de modo que os pilotos recebessem instruções de o de equipes em terra, e pilotos
de diversas aeronaves pudessem se comunicar entre si. Tudo isso gerou técnicas mais precisas
de navegação aérea (PALMA, 2002).
26
Em 1935, ocorre a primeira experiência com o radar. Atualmente, e em
conseqüência da utilização das altas freqüências radioelétricas, encontra-se
nos aviões, dispositivos automáticos para aterrissagem e radar
meteorológico. A década de 40 marca, então, um crescimento na utilização
dos propulsores a jato, o que permite a quebra da “barreira do som” (1.227
km/h), em 1947 (PALMA, 2002, s.p.).
No início, o treinamento dos pilotos baseava-se na sistemática para o vôo IFR
(Instrument Flight Rules), também conhecido como “vôo cego” (LIMA JÚNIOR apud
REBELLO, 1997, p. 4). Essa sistemática consistia na transmissão de mensagens, cujo
conteúdo se compunha por suas posições e estimativas de chegada nos pontos de passagens e
nos aeródromos de destino. Tais mensagens geravam o retorno de informações de grupos
especiais trabalhando em terra (os centros de controle). Em 1936, o governo americano
decidiu assumir a responsabilidade desses centros de controle e formou a primeira turma de
controladores de vôo (REBELLO, 1997).
No princípio, o controle era feito em torno de áreas de pouso, através de
instrumentos de rádio-comunicação. Foi na Segunda Guerra Mundial que o
controle de tráfego aéreo se desenvolveu em função da necessidade de
operações noturnas e em baixa visibilidade. A partir deste momento, as
aeronaves passaram a ser controladas de outra forma, através do conceito de
separações de segurança para evitar colisões não no ar, mas também em
manobras no solo, e também imprevistos de ordem meteorológica. Nesta
época foi desenvolvido o radar para aplicações comerciais (REBELLO,
1997, p. 5).
O transporte internacional principiou a ser feito em larga escala depois da Segunda
Guerra Mundial, por aviões cada vez maiores e mais velozes (TOSCANO, 2003).
Durante o período final da Segunda Guerra, a Convenção Internacional de Aviação
Civil, conhecida como Convenção de Chicago, estabeleceu normas de padronização como
pré-requisito para o controle de tráfego aéreo internacional. Foi então fundada, em 1947, a
Organização de Aviação Civil Internacional, como corpo regulador para as especificações e
implementações no controle de tráfego aéreo internacional (REBELLO, 1997).
O aumento de volume de tráfego aéreo surgiu nas rotas entre as grandes
cidades. Muitas dessas rotas eram controladas por sinais de radiofreqüência e
as separações eram feitas pelos controladores através de uma representação
tridimensional. Com o advento do radar, foi teoricamente incrementada a
qualidade das informações recebidas pelos controladores e, neste contexto,
as separações entre as aeronaves poderiam ser reduzidas sem comprometer a
segurança. A idéia prevalente é que o controlador já tinha o poder de
acompanhar melhor o fluxo das aeronaves no espaço aéreo (REBELLO,
1997, p. 5).
27
Com o passar dos anos, o transporte aéreo consolidou-se e o número das aeronaves em
vôo aumentou consideravelmente. Os sistemas de controle foram se aperfeiçoando juntamente
com as aeronaves, com a introdução de vários dispositivos e procedimentos. Uma dessas
importantes introduções foi a das notificações, que é a base de elaboração dos planos de vôo
(flight strip ou somente strip) e será abordada posteriormente.
2.1.1 O Controle de Tráfego Aéreo no Brasil
A aviação civil no Brasil, de acordo com Da Silva (1990), desenvolveu-se com a
fabricação aeronáutica para fins militares, na década de 1920. A partir dessa época, o
transporte de correio passou a ser empregado, inclusive incluindo passageiros nas viagens.
A aviação comercial brasileira iniciou-se em 1927, com vôos nacionais, entre Rio de
Janeiro e Florianópolis, e entre Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande. No mesmo ano, iniciou-se
linha regular entre Rio de Janeiro e Porto Alegre. No ano de 1929, a Nova Iorque-Rio-Buenos
Aires iniciou o serviço aéreo entre essas duas cidades e o Brasil (TOSCANO, 2003).
A primeira torre de controle do país foi construída na base aérea de Campo dos
Afonsos, em 1939, em Natal (RN). Nessa época, o controle de tráfego aéreo era realizado por
um sistema rudimentar de radiofonia. Ela consistia em uma mesa onde havia um rádio
transmissor, um receptor 4495 de freqüência variável e um altímetro de avião. Havia também
uma biruta, mais ou menos a cem metros da mesa, que fornecia a direção do vento, cuja
velocidade era calculada por estimativa, conforme o ângulo que ela formava em relação ao
mastro (LIMA apud REBELLO, 1997). Ao mesmo tempo, foi construída a torre do Rio de
Janeiro, localizada em cima do hangar que fica ao lado do atual prédio do aeroporto Santos
Dumont. Tratava-se de estruturas muito simples, mas que já representavam avanço técnico em
relação ao pouco que existia.
As mudanças pós-guerra repercutiram na aviação mundial. Para cada movimento de
intensificação tecnológica, liderado pelos EUA, Inglaterra e França, houve um fenômeno de
atualização histórica nos demais países. Com isso, surgiu a necessidade de haver
controladores de tráfego aéreo, os quais, no Brasil, são, em sua maioria, militares com
formação técnica de cerca de um ano e meio, feita na Escola de Especialistas da Aeronáutica
de Guaratinguetá e no Instituto de Proteção ao Vôo em São José dos Campos (REBELLO,
1997).
Na cada de 40, a aviação civil brasileira firmou-se, inicialmente, com a criação do
Ministério da Aeronáutica, em 1941, o qual agrupou a aviação naval, a aviação militar e a
aviação civil. Nesse período, houve a criação de muitas empresas de transporte aéreo, com
28
aumento da frota nacional e criação de aeroclubes para a formação de pilotos e construção,
durante a guerra, de vários aeroportos pavimentados e dotados de auxílio para a aproximação
por instrumentos (DA SILVA, 1990).
Da Silva (1990) descreve que, na década de 50, iniciou-se o uso do jato no transporte
aéreo, fase em que houve aumento de produção, de tecnologia, de segurança e de conforto. Na
década de 80, a aviação civil brasileira posicionou-se entre as 10 maiores do mundo em
termos de produção de serviços, número de aeroportos, quantidade de pilotos e rede de
controle de tráfego aéreo. O Brasil é o único país em desenvolvimento considerado potência
aeronáutica no seio da OACI, com participação no conselho de direção, o qual é composto por
36 membros.
Araújo Júnior e Da Costa (2005) analisaram que, até o início de 1990, o transporte
aéreo no Brasil sofreu perdas de eficiência econômica decorrentes de regulamentações
restritivas desnecessárias, tanto no mercado doméstico quanto internacional. Após esse
período, governos de diferentes países, inclusive do Brasil, reconhecendo essas limitações,
implementaram esforços no sentido da desregulamentação, a fim de melhorar a eficiência do
transporte aéreo e reduzir os preços, dado o aumento da competição entre as empresas.
2.2 O CONTROLADOR DE TRÁFEGO AÉREO
diferentes atores envolvidos no cenário de complexidade do controle de tráfego
aéreo. A segurança na aviação depende de decisões que envolvem habilidades técnicas,
humanas e também a percepção de todo horizonte que está a sua volta. Um desses atores é o
controlador de tráfego aéreo, o qual, além de decidir quem tem prioridade de pouso e de
decolagem, tem de analisar uma gama de informações de profunda complexidade (BISPO e
FERRUCCIO, 2001).
Inicialmente, eles eram formados pela Escola Técnica de Aviação de São Paulo e pela
Escola de Especialistas da Aeronáutica, no Rio de Janeiro, mais tarde transferida para a
cidade de Guaratinguetá (São Paulo). Atualmente, os controladores são formados pela Escola
de Especialistas da Aeronáutica de Guaratinguetá (militares) e pelo Instituto de Proteção ao
Vôo, em São José dos Campos, São Paulo (controladores civis e formação avançada para
controladores militares e civis).
O controlador de tráfego aéreo é o principal protagonista de todos os tráfegos aéreos
correntes (aeronaves prontas para pouso ou decolagem) e pendentes (aeronaves que estão em
espera para pouso ou decolagem) e, como tal, também responsável por uma série de
informações referentes a eles. Para a realização de sua função, executa uma série de tarefas,
29
que totalizaram 83 tarefas diferentes, no estudo realizado em 1987, no CINDACTA I, em
Brasília (PASQUALI e LAGO, 1987).
Devido ao elevado nível de tarefas cognitivas, o trabalho do controlador de tráfego
aéreo demanda grande carga mental e emocional, pois é ele quem toma as decisões finais, o
que, quase sempre, dever ser feito em tempo muito restrito. É uma função que exige agilidade
intelectual, velocidade de raciocínio, boa resistência ao estresse e capacidade de adaptação.
Por isso ele é considerado, na Europa, Artesanato Intelectual (MOREIRA e VIDAL, 1999).
Além disso, realiza uma tarefa que exige alta atenção prolongada, relacionada com
elevada responsabilidade (PASQUALI e LAGO, 1987; MOREIRA e VIDAL, 1999). Assim
como Itani (1997, p.198) relata em seu estudo desenvolvido com metroviários de São Paulo, o
ritmo de trabalho para os controladores não é sempre o mesmo, mas é sempre um tempo de
espera: “Quando está atento, o tempo é o da espera, alongado pela incerteza e pela expectativa
da espera [...] O tempo é tecido pela angústia da possibilidade de perder a atenção”. Assim, as
freqüentes mudanças de ritmo de trabalho que se sucedem ao longo da mesma jornada de
trabalho, segundo essa autora, são altamente estressantes e consideradas nocivas para a saúde
dos operadores.
O controlador é um dos muitos agentes de segurança. Sua função é garantir a
segurança para todos os que estão a bordo da aeronave, passageiros e tripulação, e também de
quem está em terra (BISPO e FERRUCCIO, 2001). Por isso, Rebello (1997, p.18) afirma que:
Os controladores de tráfego aéreo constituem um grupo especial de
trabalhadores, uma vez que exercem sua atividade de alta responsabilidade
em um ambiente físico adverso, onde existem variações ambientais e
cronobiológicas devido ao ambiente de trabalho confinado e à jornada de
trabalho em turnos alternados. Eles são o “elo de ligação da aeronave (mais
tripulação, passageiros e carga) entre a terra e o ar”.
Segundo Gras et al. (apud PEREIRA, 2001), a vulnerabilidade do trabalho do
controlador de vôo está relacionada ao confronto entre o trabalho automatizado (controle de
tráfego por radar e computadores) e o aspecto artesanal e sensorial (interpretação de
informações visuais e auditivas). Há uso dos sentidos físicos e, ao mesmo tempo, da memória.
Na concepção do trabalho do controlador de tráfego aéreo, as comunicações utilizadas
pelos operadores são de vital importância, conforme destaca Rebello (1997, p.19): “O
trabalho do controlador de vôo apresenta uma linguagem operacional particular. A linguagem
utilizada durante o trabalho não é uma simples linguagem de comando, pois é um campo em
que são utilizados vários símbolos de muitos significados e formas de expressão”
.
30
Na comunicação verbal, via radiotelefonia, apesar de existir uma fraseologia
mundialmente conhecida, podem surgir alguns embaraços, quando não se domina o idioma
inglês, que é obrigatório para o trabalho dos controladores de tráfego aéreo (e também para os
pilotos). Se houver demora na compreensão das mensagens, risco para a segurança nas
operações (MOTTER, TOKARS e GONTIJO, 2003).
Os controladores usam sistemas computadorizados complexos, interconectados com
seu país e com os outros. Em alguns órgãos de controle (Madri, Espanha e Copenhague,
Suíça), os controladores têm ainda um link de vídeo para saber como os outros controladores
mais distantes estão organizando os tráfegos e como eles estão seqüenciando os vôos na
chegada (MERTZ, 2003).
A radiotelefonia nas condições modernas de controle de tráfego aéreo tem se
configurado com dificuldade, devido à possibilidade de ruídos nas transmissões. Segundo
Rebello (1997) e Bispo e Ferruccio (2001), não adianta haver um sistema de captação de
radares e de computação totalmente automatizado e moderno, se as radiofreqüências não
funcionarem adequadamente para o controlador poder transmitir e receber informações
orientadas aos pilotos durante os procedimentos aéreos.
Podem se instalar nesses profissionais reações de estresse, demonstradas por meio de
questionários e pela dosagem da excreção de catecolaminas. Num estudo com controladores
de Zurique, observou-se que, nas primeiras quatro a sete horas de trabalho, toma lugar uma
sensível diminuição da capacidade subjetiva de prontidão da produção e as realizações
psicofisiológicas e, após a sétima hora, ocorre forte aumento da fadiga tanto no campo dos
indicadores objetivos quanto dos subjetivos (GRANDJEAN, 1998).
O estudo realizado no ACC de Curitiba, por Sauki, Filho e Brito (2003), revelou que
muitos controladores sofrem de diferentes doenças causadas pelo trabalho, como: tendinite,
dores nas articulações, danos na visão, problemas psicológicos, dores de cabeça, depressão,
perda de concentração, fadiga e estresse.
Para a realização de sua função, executam uma série de tarefas, que foram resumidas
por Rebello (1997, p. 17), da seguinte forma:
31
Identificar cada aeronave, de tal maneira que não possa haver erros
quando for transmitir instruções para o piloto.
Conhecer a performance e a capacidade para cada tipo de aeronave.
Conhecer a rota e a posição atual de cada aeronave, o nível de vôo,
velocidade e prioridades de cada aeronave em contato radar, o
estado constante, as mudanças de posição e de nível devem ser
previstas.
Usar os meios de comunicações entre o sistema de controle de
tráfego aéreo e cada aeronave, através de conversas com pilotos e
com outros controladores.
Conhecer a posição de cada aeronave em relação às outras para que
possa se certificar de que cada aeronave permanecerá com uma boa
separação de segurança.
Conhecer métodos, procedimentos, instruções, formato de
mensagens padronizadas, com regras sobre quando e onde as
regulações de controle de tráfego aéreo devem ser utilizadas.
Saber as descrições das informações sobre cada aeronave, para
permitir que ela esteja relacionada com a informação correspondente
à outra aeronave sob controle de tráfego durante o mesmo espaço de
tempo.
Mais especificamente no ACC de Curitiba, existem 19 atribuições operacionais que
competem ao controlador de tráfego aéreo de setor, porém, quando operam como assistente de
controlador de setor, podem-se encontrar mais 15 atribuições prescritas aos trabalhadores
(BRASIL, 2005) (Anexo C).
Sauki, Filho e Brito (2003, p.58) citam uma série de requisitos necessários aos
operadores de tráfego aéreo:
a) ter excelente raciocínio espacial;
b) ter boa saúde física e mental;
c) ter boa dicção;
d) saber emitir as instruções aos pilotos;
e) saber registrar de forma codificada as instruções emitidas aos pilotos;
f) conhecer profundamente as regras de tráfego aéreo;
g) consultar e interpretar publicações aeronáuticas, documentos, mapas e cartas aéreas;
h) conhecer as rotas aéreas em geral;
i) saber a localização geográfica dos aeródromos da região onde os sistemas estão
inseridos;
j) saber as influências dos fenômenos meteorológicos (ventos, formações de gelo,
nuvens, turbulências, trovoadas, pressões etc.);
k) saber operar o sistema de tratamento de planos de vôos; e
32
l) saber principalmente identificar as aeronaves e interpretar as imagens fornecidas pelo
radar.
A psicóloga Maria da Conceição Pereira (2001) descreve os aspectos psíquicos na
relação pilotos controladores, citando aspectos que devem estar presentes nos perfis
psicológicos ocupacionais de controladores: ser seguro de si, decidido, realista, estável
emocionalmente, perseverante, teórico e orientador consciencioso, questionador e exigente
consigo mesmo. No mesmo estudo, a autora aborda os aspectos que envolvem os processos
cognitivos de pilotos e controladores: atenção, concentração, percepção sensorial, raciocínio
espaço temporal, memória visual e auditiva (de longo e de curto prazo), raciocínio lógico e
fluência verbal (domínio de línguas estrangeiras).
É importante que haja a possibilidade de transferência da responsabilidade do controle
de tráfego de uma aeronave de um controlador para outro. Uma gravação oficial de todas as
ações executadas durante o trabalho é essencial para cada vôo, como prova de sua ocorrência
e também para o caso da necessidade de informações posteriormente ao controle.
Os modelos de interfaces, no controle de tráfego aéreo, são mais ou menos baseados
no WINP (janelas, ícones, conceito mouse pointer). No entanto, esse tipo de interação
raramente pode tratar de algumas necessidades relativamente específicas para os
controladores de tráfego aéreo, cujas tarefas não são iguais às de usuários comuns de
computadores. Por exemplo, trabalhar com muitos dispositivos diferentes (tela de radar,
microfone, rádio, strips), com numerosos usuários próximos e distantes (pilotos, outros
controladores, grupo de apoio técnico) e sob situações freqüentes de alto estresse faz com que
a interface homem-máquina (HCI) exija menos atenção do usuário (MERTZ, 2003).
2.3 O SISTEMA DE CONTROLE DE TRÁFEGO AÉREO
O serviço de controle de tráfego aéreo para vôos controlados refere-se a aeródromos,
aerovias e outras partes do espaço aéreo assim definidas. Tem a finalidade de impedir colisões
entre aeronaves e acelerar e manter o fluxo de tráfego. Existem três tipos de controle
diferentes para os vôos civis e comerciais: Centro de Controle de Área (ACC), Centro de
Controle de Aproximação (APP) e Torre de Controle (TWR) (PASQUALI e LAGO, 1987;
PEREIRA, 2001).
33
2.3.1 O Centro de Controle de Área (ACC)
O centro de controle de área tem jurisdição dentro de uma Região de Informação de
Vôo (FIR), que são as áreas de controle e as áreas ou rotas de assessoramento contidas em
cada uma das FIR.
O ACC também controla os vôos de cruzeiro em rotas entre áreas terminais, incluindo-
se a transição inicial do estado de cruzeiro para as condições de subida ou de descida.
Controla rotas do espaço aéreo superior, acima de 19500 pés (1 = 33cm). Nesse espaço
aéreo, as aeronaves circulam em corredores largos de 10 milhas náuticas (aproximadamente
18km) e são separadas verticalmente em 1000 pés (em torno de 300 metros). Nos ACCs do
Rio de janeiro e de Brasília, cada setor pode controlar de 20 a 25 aeronaves (PASQUALI e
LAGO, 1987; REBELLO, 1997; PEREIRA, 2001). No ACC de Curitiba, o número de
aeronaves por setor no controle radar gira em torno de 12 (BRASIL, 2005).
2.3.2 O Controle de Aproximação (APP)
O controle de aproximação e as torres de controle de aeródromos (TWR) estão
subordinados operacionalmente ao ACC responsável pela região de informação de vôo em
que estão localizados.
O controle de aproximação é proporcionado a todas as aeronaves que voam segundo
as regras de vôo por instrumentos (IFR), dentro de uma área de controle terminal, que é uma
área de controle situada geralmente na confluência de rotas de serviço de tráfego aéreo (ATS),
e nas imediações de um ou mais aeródromos. Toda aeronave que efetua um plano de vôo sob
qualquer condição meteorológica será controlada pelo controle de aproximação. Ela poderá
estar partindo ou se aproximando de um aeródromo. A referência é o local onde está o APP,
considerando-se uma distância de cerca de 80km de raio e uma altitude de 5000 metros
aproximadamente (PEREIRA, 2001). Nesse caso, o modelo mental do controlador é um
cilindro, onde ele visualiza mentalmente o posicionamento das aeronaves juntamente com a
informação de rádio e de radar (REBELLO, 1997).
Quando as aeronaves estão a 5km do aeroporto de destino (em condições visuais ou
por instrumentos), no início do procedimento de pouso, seu controle pode ser transferido para
a torre.
Cada posição (setor) pode controlar de oito a 15 aeronaves. Os vôos nas áreas
terminais são controlados e organizados de diferentes direções para um determinado sentido
34
de pouso, e também para os procedimentos iniciais de rota de decolagem, de acordo com as
destinações.
2.3.3 A Torre de Controle (TWR)
Conforme
Sauki, Filho e Brito (2003) e Pereira (2001), a torre de controle em si é uma
estrutura arquitetônica, que pode variar de altura, dependendo do aeródromo, mas deve gerar
para o controlador visão de 360º do espaço aéreo e do solo. A torre está relacionada com todas
as manobras de um aeroporto e seu espaço aéreo (um raio de 5km), incluindo-se os
procedimentos de pouso, decolagem, manobras de solo das aeronaves e movimentação de
viaturas de apoio aeroportuário (caminhões, ônibus e automóveis).
A TWR trabalha em conjunto com o APP, recebe e transmite mensagens de chegada e
de partida de aeronaves dentro da área terminal. Ela é divida em três posições: a posição de
controle de pouso; a posição de controle de decolagem; e o setor de controle de solo, que
controla não o “taxiamento” das aeronaves, como também toda movimentação das viaturas
de apoio (PEREIRA, 2001).
2.3.4 Os Sistemas Trabalhando em Conjunto
Na realidade, o serviço de controle de tráfego aéreo é constituído por vários sistemas
que trabalham em conjunto. Quando uma aeronave decola de um aeródromo, ela é controlada
pela torre. A partir do momento em que ela ganha altitude e ultrapassa o raio de 5km, ela
passa a ser controlada pelo APP, que gera informações do nível e da aerovia que devem ser
utilizados. Quando a aeronave sai da área terminal, o controle passa para o ACC, que controla
as rotas de navegação até o momento de aproximação para o pouso. Cada tipo de centro de
controle pode se comunicar com o outro (REBELLO, 1997).
Nos procedimentos de pouso, ocorre o seguinte: a aeronave está sendo controlada pelo
ACC e início aos procedimentos de pouso. O controle do ACC indica a freqüência que o
piloto deverá usar para entrar em contato com o APP da área terminal. Depois do contato do
APP com a aeronave devidamente orientada pelo controle, é iniciado o procedimento de
pouso propriamente dito, com uso da aerovia indicada como rampa de descida. O APP indica
a posição da aeronave na fila de descida (quando é em uma área terminal congestionada) e, a
cada cinco minutos, o APP entra em contato para confirmar o nível. Quando a aeronave está
se aproximando do aeródromo de destino, o APP informa a freqüência para entrar em contato
com a torre. A partir do nível 90 (900 pés), o contato é transferido para a TWR, informando-
35
se que a aeronave já está em contato visual. É, então, solicitado aos pilotos que abaixem e
verifiquem o travamento do trem de pouso. Esse pedido é feito para qualquer aeronave, pois é
norma de segurança da OACI. Depois disso, é dada continuidade aos procedimentos de
pouso. Quando a aeronave toca a pista, a TWR continua dando coordenadas durante a
movimentação no solo, até que a aeronave estacione (REBELLO, 1997).
Para a realização dos serviços de vôos controlados, o registro de cada passo dado,
principalmente nas strips, que será detalhado a seguir.
2.3.5 As Fichas de Progressão de Vôo – Strips
As fichas de progressão de vôo (strips) são ferramentas fundamentais para o trabalho
do controlador de tráfego aéreo, pois, por meio delas, ele recebe informações de cada
aeronave a ser controlada. As strips são tiras de papel retangular (20cm x 3cm) em que
constam informações sobre as aeronaves, como: identificação, hora estimada de pouso no
destino, nível de vôo, se a aeronave é militar, se transporta doente a bordo e ele necessita de
cuidados imediatos após o pouso.
Conforme descrito, os controladores têm de lidar com muitas informações, trabalhar
com muitos outros operadores, com muitos dispositivos e telas diferentes. A maior parte das
informações é transitória (geralmente com utilidade menor do que 30 minutos). Algumas
informações estão explicitamente à mostra para o controlador e outras são mostradas
instantaneamente (MERTZ, 2003).
Antes de qualquer vôo partir, o piloto ou a companhia deve apresentar um plano de
vôo. As strips são impressas em frente a um dos controladores do setor. Elas são usadas para
três propósitos principais (MERTZ, 2003, p. 2):
Servem como “tela de exposição” para se adquirir informações;
Servem como bloco de notas para registrar as instruções dadas a um piloto (ou
qualquer outra informação necessária);
Servem para os controladores planejarem e organizarem seu trabalho, quando eles
ordenam as strips nos porta-strips;
Nos últimos dez anos, houve muitas tentativas de computadorizar as strips. A principal
razão foi que os controladores inserissem informações nelas, de forma que pudessem ser
utilizadas com recursos eletrônicos ou para coordenação com os controladores mais distantes.
No entanto, essas tentativas não foram bem-sucedidas.
Mertz (2003, p. 2) cita algumas funções menos óbvias das strips de papel, geralmente
negligenciadas pelos projetistas.
36
Se necessário, os controladores podem anotar (ou desenhar) qualquer coisa nas strips.
Com os computadores, eles estão mais limitados;
As strips são mais versáteis. Por exemplo, elas armazenam alguns códigos informais,
porém bem conhecidos, como o uso dos porta-strips coloridos. Isso oferece o código
de cores e a possibilidade de deslocar strips para o lado, para enfatizar uma ou duas
strips;
As strips de papel, porque são manipuláveis, favorecem a comunicação silenciosa,
gestual entre controladores, o mouse e o teclado são baseados em interfaces com
que o usuário dificilmente interage;
O conteúdo e o formato das strips foi projetado e reprojetado durante décadas. Dessa
forma, remover algumas informações seria difícil.
As strips são ferramentas tão úteis, que é possível controlar um espaço aéreo mesmo
se o sistema radar estiver fora do ar, por meio das informações nelas contidas.
O “uso cognitivo das strips foi objeto de estudo de Pavet (2001, p.6), na torre de
controle do aeroporto Charles de Gaulle de Paris. O autor relata que:
[...] os blocos de notas não deveriam ser considerados como um apoio
cognitivo, mas são partes do sistema cognitivo. Se o mantemos ou o
retiramos, drasticamente, modificamos todo o sistema. Processar a realidade,
utilizando ferramentas, economiza energia e evita o processo de
mentalização desta mesma realidade.
Segundo o autor, os controladores manipulam as strips para construir suas
representações. Eles atuam, de forma indireta, nas aeronaves; as strips incorporam o
instrumento de suas atividades; o porta-strips permite aos controladores estabelecer a
representação que eles estão tentando estruturar e gerenciar. Segundo Pavet (2001, p. 7): “eles
confiam nestas ferramentas, exteriorizando, assim, esta representação, economizando
memória e capacidade mental. Como uma recomendação crucial, o controle manual deve ser
preservado”.
O campo de estudo da strip manual, como ferramenta cognitiva que favorece o
monitoramento ativo versus monitoramento passivo, realça o relativo mero de anotações
feito nas strips ou os movimentos feitos com elas. Essas ações parecem ser valiosas no
aspecto da carga de trabalho. Por outro lado, elas permitem ao operador adotar uma técnica de
monitoramento ativo. O autor considera que as anotações ou manipulações fortalecem a
memorização do resultado das ações anteriores dos controladores: a implicação direta do ato
de anotar é benéfica para a memorização.
37
Ainda segundo Pavet (2001, p. 7):
As strips de papel são um meio de organizar as ações futuras, tornando-se
um apoio ao planejamento. Muitas anotações ou pequenos gestos são apenas
a preparação de ações futuras. De forma geral, o porta-strips personifica um
organizador de tarefa e o bom gerenciamento deste quadro significa estar à
frente da situação. Fazendo uma verificação constante no porta-strips, o
controlador freqüentemente percebe uma ação esquecida ou uma ação um
tanto relevante, ainda não planejada. O monitoramento recorrente e intenso
das strips permite a averiguação de ações oportunas proveitosas.
As informações contidas nas strips são de vital importância, por exemplo: a taxiway de
acesso conduz a aeronave à pista de pouso e decolagem pela taxiway principal, pela
intermediária ou pela cabeceira.
Gras (apud PAVET, 2001, p. 7) realça que a linguagem corporal, associada ao
manuseio das strips, permite ao controlador diminuir o estresse e a ansiedade inerentes às
atividades do controle:
[...] a strip pode ser vista como um antídoto para a ansiedade e esta, que é
inerente à atividade de controle, é gerada, principalmente, pelas tomadas de
decisão relativas às aeronaves que os controladores não dominam
diretamente. Anotações, rabiscos são esforços para reduzir este medo
relacionado à disparidade entre suas posições (na sala de controle ou na
torre) e o tráfego por eles gerenciado.
Assim, também Pavet (2001) refere-se ao uso manual das strips como chave da
comunicação: atualmente, a movimentação das strips de papel por um controlador é
facilmente percebida e entendida por outros controladores. Para o autor, essa forma de
comunicação informal entre os operadores deveria ser mantida, qualquer solução de
integração deve ser capaz de manter o mesmo nível de atenção mútua.
Esse artefato não contém informações relativas às instruções dadas aos vôos, como
também se caracteriza por suas propriedades físicas de manipulação, que possibilitam
configurações espaciais significantes pelo controlador. Além de serem suporte para a
atividade individual (memorização, planificação), as strips desempenham papel importante na
coordenação entre controladores, permitem, sobretudo, o reconhecimento da intenção e a
atualização de um contexto recíproco necessário para a realização coletiva da tarefa
(PAVARD e SALEMBIER, 2005).
A partir da revisão bibliográfica sobre o controle de tráfego aéreo e sobre os
controladores, e abordadas também as strips, que são ferramentas importantes e específicas
desse trabalho, considerando-se a subordinação desses operadores à mesma estrutura
38
organizacional militar, consistiu temática de importância assuntos mais abrangentes, como a
cultura organizacional e a complexidade, que serão apresentadas a seguir.
2.4 CULTURA ORGANIZACIONAL
A definição de cultura ajuda na compreensão do conceito de cultura organizacional.
Para Geertz (1973 apud BOGDAN e BICKLEN, 1994, p. 58):
[...] a cultura aparenta ser mais complexa e algo diferente: sistemas co-
construídos de signos (a que ignorando a linguagem mais técnica, eu
chamaria símbolos) a cultura não é um poder, algo a que possam ser
causalmente atribuídos os acontecimentos, comportamentos, instituições ou
processos sociais; trata-se antes de um contexto, algo no interior do qual
estes fenômenos se tornam inteligíveis, ou seja, suscetíveis de serem
descritos com consistência.
Assim, os autores entendem cultura no sentido de “significado partilhado”, algo que
possibilita às pessoas agir conjuntamente.
Nesse sentido, Coelho e Magalhães (2001, p. 43) também conceituam cultura: “é um
conjunto de crenças e valores compartilhados por todos ou quase todos os membros de um
grupo e é a partir dessas crenças e valores que se estabelecem os comportamentos e a
percepção de mundo das pessoas”.
O conceito de cultura organizacional é central na explicação de fenômenos
organizacionais, entretanto, existem inúmeras conceituações e enfoques relacionados a esse
tema. O consenso que existe na literatura refere-se a considerá-la fenômeno relacionado à
história e tradição, de caráter coletivo, holístico e subjetivo (FERREIRA e ASSMAR, 2004).
A cultura organizacional pode ter relação com uma série de pressupostos básicos
criados, descobertos ou desenvolvidos para aprender a lidar com os problemas de adaptação
externa e integração interna, e que são ensinados aos novos membros da organização; ou pode
ter relação com as experiências, os significados, valores e compreensões aprendidos e
compartilhados e que são comunicados de forma simbólica; ou, ainda, a cultura pode ter
relação com normas e valores que caracterizam a vida da organização, a qual se manifesta por
meio de ritos e cerimônias planejados pela própria organização (FERREIRA e ASSMAR,
2004).
A cultura, segundo Mendes (2004, p. 61) pode ser conceituada como: “um conjunto de
significados políticos e simbólicos compartilhados, mantido por meio da socialização e da
39
linguagem, como forma expressiva, ideacional, e da manifestação do consciente e do
inconsciente, e como tal constituída de experiências subjetivas”.
Ainda que em si a cultura não seja um poder, ela representa um jogo entre as diversas
partes, assim, a cultura tem relação com um constante jogo de dominação da organização
sobre a subjetividade dos trabalhadores e do poder destes em elaborar estratégias de
resistência e de subverter essa dominação. A cultura organizacional é resultado de um
processo contínuo de um jogo de forças entre a realidade psíquica e a realidade
organizacional, influenciada pelos aspectos inconscientes, pulsionais e defensivos (MENDES,
2004).
Ferreira e Assmar (2004, p. 104) citam duas visões ou proposições filosóficas sobre
cultura organizacional: uma visão é uma linha de traços, tais como valores, normas, rituais,
cerimônias e expressões verbais, que dão um senso de orientação e modelagem de
comportamento; e a segunda visão é de que “as organizações adquirem significado único e
singular por meio das relações simbólicas que os indivíduos interpõem nas relações sociais,
que tornam possível a ação compartilhada”.
Quanto aos elementos que compõem a cultura, Ferreira e Assmar (2004, p. 105)
afirmam que “são as percepções compartilhadas das práticas diárias que constituem a essência
da cultura de uma organização”. Acrescentam que ela se manifesta por meio de valores e
práticas organizacionais, símbolos (palavras, gestos e objetos com especial significado para a
organização), heróis e rituais (atividades coletivas).
Os padrões de comportamento individuais dos membros de uma organização tendem a
se estender para o coletivo, que as pessoas estão submetidas à mesma “estrutura
organizacional, a qual pode gratificar ou frustrar em excesso as necessidades, fazendo com
que haja uma repetição das vivências de determinadas fases do desenvolvimento infantil”
(MENDES, 2004, p. 62).
Os elementos que constituem a cultura, mitos, histórias, rituais e valores, ao mesmo
tempo em que podem ser espaço para atender aos desejos e às necessidades do ser humano,
também podem ser fonte de sofrimento, quando o indivíduo identifica-se plenamente com a
organização, e passa a não questionar as condições nas quais o trabalho é realizado. Então, a
saúde do indivíduo poderá ser mantida quando houver equilíbrio das forças da gratificação
e da frustração da pulsão dada pela cultura (MENDES, 2004).
Uma cultura organizacional centrada no controle e carente de adaptações pode
favorecer a produção de patologias no comportamento. A adaptação a determinados contextos
de trabalho pode ser à custa de sofrimento e desgaste.
40
A cultura organizacional pode promover a saúde ou o adoecimento no
trabalho, dependendo da flexibilidade e/ou das estratégias de controle
utilizadas, que favorecem, ou não, os modos de ação e de enfrentamento dos
trabalhadores a uma possível dominação, sendo nesse jogo de forças que se
instala uma dinâmica particular a determinadas situações de trabalho,
essencial para explicar o processo saúde-doença nas organizações
(MENDES, 2004, p. 62).
Algumas organizações estão sedimentadas numa rotina burocrática que,
geralmente, envolve lealdade em vez de compromisso e idealização no lugar
de sublimação. O trabalhador desempenha suas tarefas de forma compulsiva,
com comportamentos padronizados, num ritual inquestionável. Os valores
que ressaltam os triunfos e sacrifícios do dia-a-dia, como, por exemplo,
profissionalismo, precisão e objetividade, causam ansiedade e frustração
quando ocorre alguma falha na atividade de trabalho, pois o trabalhador que
não atende a essa ideologia é ridicularizado pelos colegas (MENDES, 2004,
p.65).
A importância do estudo de cultura nos integrantes de grupos ligados à aviação refere-
se à segurança. Por exemplo, se um grupo de controladores estabelece como lema que “10
milhas de separação é para cara fraco. Para controlador bom é até cinco milhas”, ou “Bom é o
cara que trabalha no limite”, ou então se o grupo introjetou a idéia de que deve “cumprir as
normas à risca”, o piloto ou o controlador tende a agir de acordo com o pensamento do grupo.
Nesse sentido, Coelho e Magalhães (2001, p. 43) escrevem: “A influência dos aspectos
individuais e psicossociais pode ser potencializada ou minimizada dependendo do modo com
a Organização, à qual o indivíduo e o grupo estão subordinados, considera as questões ligadas
à Segurança de Vôo”.
Tendo em vista a caracterização do controle de tráfego aéreo como sistema complexo,
após a fundamentação teórica a respeito da cultura organizacional, outra forma de
compreender melhor esse sistema de trabalho é a revisão da literatura sobre a complexidade,
assunto que se apresenta a seguir.
2.5 A COMPLEXIDADE
Existem diferentes abordagens sobre complexidade, que algumas vezes são
contraditórias. O uso do termo complexidade tem sido, até mesmo, muito simplificador.
Discutir complexidade é um convite a abandonar o pensamento científico clássico, pois:
[...] o objetivo do conhecimento é abrir, e não fechar o diálogo com esse
universo. O que quer dizer: não arrancar dele o que pode ser determinado
claramente, com precisão e exatidão, como as leis da natureza, mas, também,
entrar no jogo do claro-escuro que é o da complexidade (MORIN, 2005,
p.191).
41
A complexidade não é um fenômeno empírico (acaso, eventualidades,
desordens, complicações, mistura de fenômenos); a complexidade é,
também, um problema conceitual e lógico que confunde as demarcações e as
fronteiras bem nítidas dos conceitos como ‘produtor’ e produto’, causa’ e
‘efeito’, ‘um’ e ‘múltiplo’ (MORIN, 2005, p. 183).
Leite (2004), em sua tese, apresenta extensa fundamentação teórica sobre
complexidade. A autora destaca as diversas concepções do termo: a complexidade do
comportamento do sistema, a estrutura interna do sistema ou seu funcionamento, a
complexidade de sua evolução, a complexidade auto-organizada. Assim, o termo
complexidade vem sendo encontrado em vários campos, como os sistemas naturais,
incluindo-se os sistemas biológicos, físicos e químicos e os sistemas artificiais: sistemas
computacionais e estruturas organizacionais.
Em Morin (2001) e Morin e Le Moigne (2000), o termo complexidade é associado à
noção de imprevisibilidade, incerteza, confusão e desordem e se ressalta a importância da
estratégia para fazer frente ao instável e incerto. Associa-se o termo complexidade, também, à
noção de várias partes interconectadas, “não a parte está no todo, mas também o todo está
na parte” (MORIN, 2005, p.181).
Para entender a complexidade, recorre-se às definições do complexo:
“Será complexo
o que certamente não é totalmente previsível e às vezes não localmente antecipável” (LE
MOIGNE, 2000, p. 220).
Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando
elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o
econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico)
e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de
conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes
entre si (MORIN, 2000, p. 38).
Morin (2005, p. 177) chama a atenção para o conhecimento multidimensional, o que
vai contra a fragmentação de disciplinas e o conhecimento extremamente especializado, “A
complexidade tende para o conhecimento multidimensional. O pensamento complexo
comporta em seu interior um princípio de incompletude e de incerteza”.
Para Coelho (2001), os sistemas complexos resultam de sistemas com múltiplos
componentes em interação, cujo comportamento não pode ser considerado a partir do
comportamento das partes. Maturana e Varela (2001) enfatizam o processo de conhecimento
construído a partir das interações.
42
Consideram-se tarefas complexas aquelas em que predomina a linguagem ou em que
se devem integrar múltiplos dados. Quanto mais rico for o vocabulário, maior será a
quantidade de informação transmitida por unidade de tempo (VELÁSQUEZ et al., 1997).
Autores como Marmaras e Pavard (1999), Jacques Leplat (2004) e Pavard e Dugdale
(2006) relacionam a complexidade com a ergonomia: “A noção de complexidade direciona a
atenção para as questões essenciais ligadas às relações tarefa-operador-atividade” (LEPLAT,
2004, p. 74).
O controle de tráfego aéreo é considerado tarefa cognitiva complexa, pois existem
restrições e demandas cognitivas colocadas aos operadores, tais como referem Marmaras e
Pavard (1999, p. 12):
metas múltiplas e critérios que competem entre si para a execução bem-
sucedida da tarefa;
numerosos objetivos que o operador tem que monitorar, controlar e
atuar sobre;
informações em grande quantidade e volume, com apresentação
inadequada e algumas vezes incertas que o operador tem que tratar;
operações mentais em grande volume ou de grande complexidade que o
operador tem que executar;
falta de tempo suficiente para executar essas operações.
De acordo com Pavard e Dugdale (2006, p. 1-2), um sistema começa a ter
comportamentos complexos (não prognosticáveis e emergências etc.) no momento em que se
compõe de partes que interam em um padrão não linear: “Um sistema complexo é um sistema
no qual é difícil, senão impossível, de se reduzir o número de parâmetros ou das variáveis
características, sem perder suas propriedades funcionais globais essenciais”. Esses autores
classificam quatro propriedades específicas dos sistemas complexos (2006, p. 1-2):
Propriedade 1: não determinismo. Um sistema complexo é
fundamentalmente não determinista. É impossível de antecipar
precisamente o comportamento de tais sistemas, mesmo se nós
conhecermos completamente a função de seus elementos.
Propriedade 2: limitação funcional decompositiva. Um sistema
complexo tem uma estrutura dinâmica. Sendo dessa forma, senão
impossível, estudar suas propriedades pela decomposição das partes
funcionalmente estáveis. Sua interação permanente com o ambiente e
suas propriedades de auto-organização permite que o mesmo se
reestruture funcionalmente.
Propriedade 3: natureza distributiva da informação e da
representação. Um sistema complexo possui propriedades
comparáveis aos sistemas distributivos (no senso conectivista), ou seja,
algumas de suas funções não podem ser precisamente localizadas.
43
Propriedade 4: emergência e auto-organização. Um sistema
complexo compreende-se de propriedades emergentes que não são
diretamente acessíveis (identificáveis ou antecipatórias) pelo
entendimento de seus componentes.
Leplat (2004, p. 59) discute que a complexidade tem sido caracterizada por meio de
dois aspectos essenciais: o número de elementos ou unidades que o compõem e o número e
natureza das relações entre os elementos. Sendo assim, para o autor, a complexidade
“depende do número de variáveis pelas quais a caracterizamos e de suas relações”.
Para Santos e Zamberlan (2006, p. 1), nos centros de controle de processos que
envolvem alto risco, o aumento da complexidade traduz-se por eventos não previsíveis em
número, “em relação a sua ordem de ocorrência ou conteúdo, impondo uma variabilidade
importante ao trabalho humano, que também é realizada dentro de um contexto de forte
imposição temporal”.
O caráter dinâmico e os constrangimentos temporais são características dos sistemas
que têm incidência direta sobre a complexidade (LEPLAT, 2004). Por exemplo, no sistema de
controle de tráfego aéreo, Pavard e Dugdale (2006) descrevem que os operadores obtêm os
dados do estado atual do espaço aéreo, dentre outras coisas, de uma tela de radar. No entanto,
as soluções são tomadas de acordo com as características contextuais, que estão em constantes
mudanças (número de aeronaves, tipo das aeronaves, combustível remanescente etc.).
Conseqüentemente, mesmo que as condições iniciais sejam as mesmas, os
resultados serão diferentes. Uma resposta comum a este problema seria de
tentar listar todos os fatores influentes e, conseqüentemente, todas as
soluções possíveis. Porém isto é impossível por duas razões. Primeiro, em tal
sistema complexo não é possível predizer todos os eventos que podem
ocorrer. Segundo, muitas soluções são tomadas em um dado momento: o
agente humano resolve o problema à medida que trabalha (nisso o há, de
antemão, um plano especificado para se resolver o problema). Além do que,
o agente humano pode raramente explicar exatamente o que ele faz, como
ele faz e porque faz se ele não está em situação efetiva (no contexto do
problema) (PAVARD e DUGDALE, 2006, p. 3).
Assim, os autores consideram que não é possível ter um modelo normativo completo
do processo de tomada de decisão, especialmente num ambiente complexo.
O estudo de Bouyer e Sznelwar (2005) em indústrias de processo manual ilustra as
dificuldades cognitivas associadas à solução de problemas e tomada de decisão no cenário de
incerteza, com a elaboração de representações para antecipação e predição dos estados futuros
do processo, bem como a elaboração de estratégias individuais e coletivas.
44
A complexidade da tarefa depende do agente que a executa, então, agente e tarefa
estão intimamente relacionados quando se aborda a questão da complexidade. Dessa forma,
Leplat (2004, p. 60) considera que a complexidade pode ser alterada, mudando-se a natureza
da tarefa ou mudando-se o agente que a realiza. O agente ou operador mais experiente
desempenhará a mesma tarefa que o iniciante, considerando-a menos complexa. Assim,
também a competência do agente é fator importante para determinar maior ou menor
complexidade em uma tarefa. “Complexidade e competência estão numa relação de co-
determinação e se apresentam como as duas faces de uma mesma moeda”.
Montedo (2001, p. 27) sintetiza o discurso de importantes autores, como Morin e
Leplat, e relaciona a elaboração de estratégias em ambientes complexos com a questão das
competências do operador:
A elaboração de estratégias pelo operador em situação de trabalho,
integrando informações no curso da ação, construindo cenários e reavaliando
constantemente as ações definidas, fazem parte do pensamento complexo
que é exigido do operador para realizar seu trabalho. Quanto maior o
repertório de informações sobre a situação de trabalho disponível ao
operador repertório este construído através de sua experiência profissional
ou de cursos de formação, constituindo sua competência maior será sua
capacidade de munir-se de certezas e daquilo que é conhecido para patrulhar
o incerto, o aleatório, o desordenado da situação de trabalho, visando
restabelecer a entropia do sistema.
O problema da complexidade de alguns sistemas de operações é dado por sua própria
natureza, envolve procedimentos cognitivos de representação de uma situação potencialmente
imprevisível. A cognição constitui, então, elemento fundamental dos mecanismos de
adaptação e regulação necessários ao trato com a complexidade dos sistemas de operações
(BOUYER e SZNELWAR, 2005).
No contexto de produção pautado pela imprevisibilidade e por severas restrições
temporais, associado à diversidade de informações e comunicações, como no controle de
tráfego aéreo, pode-se falar da complexidade envolvida no trato constante do sistema
cognitivo com a incerteza do sistema operacional.
2.5.1 Cognição Situada (ação situada)
Desde meados de 1990, pesquisadores internacionais ligados às ciências cognitivas e
ergonomia estudam uma compreensão “situada” edistribuída” da cognição. Trata-se de
visualizar os processos cognitivos e as atividades como indissociáveis de uma situação, cujos
elementos físicos, fatos científicos e também os fatos sociais, oferecem recursos significantes
45
para a ação de sujeitos. A ação situada não se apóia exclusivamente em métodos de
observação, mas igualmente em técnicas de simulação e de (quase) experimentações
(GRISON, 2005).
O autor caracteriza a cognição situada como o produto do encontro entre a psicologia
cognitiva e a herança do construtivismo social. A origem da maioria das formas de ações
situadas atualmente está em três correntes fundamentais (GRISON, 2005, p. 28):
A corrente da “ação situada” original: que vem da etnometodologia (de
Harold Garfinkel), a qual concebe o conhecimento como uma
construção local (situada).
A corrente da “aprendizagem situada”: que interroga sobre a existência
de desvios cognitivos diante da diversidade de situações culturais.
Deriva da Psicologia Intercultural.
A corrente da “cognição distribuída”: tem suas origens em
problemáticas da Sociologia do Conhecimento e da escola russa de
Psicologia (Vygotsky e a busca histórico-cultural da cognição, a teoria
da atividade de Léontiev).
A ação situada original visa a reavaliar a noção de planificação (vista como ação local,
situada que é geradora de planos). Os planos ajudam os sujeitos a tomar conhecimento da
ação. Essa corrente vem reintroduzindo o “ambiente da atividade”, ausente na visão derivada
do cognitivismo. Insiste, antes de tudo, na complexidade mutante de situações, sobre “a auto-
organização emergente” da atividade, sobre a reação “oportunista” de atores diante das
contingências ambientais (GRISON, 2005, p. 28). A hipótese da cognição (ação) situada
impôs-se com a obra de Lucy Schuman, Plans and situated actions, de 1987, a qual, apesar de
muito criticada, serviu de base para outros estudos (THEUREAU, 2005).
A “aprendizagem situada” com trabalhos interculturais, que foram conduzidos a partir
de 1960, inicialmente, sofreu impulsão do psicólogo americano Michael Cole sobre a
“etnomatemática” e a influência da escolarização na forma de racionalização. Segundo essa
corrente, a existência de uma possibilidade de competências hábeis de um contexto para outro
é duvidosa, ou seja, a importância da aprendizagem situada, cujos produtos seriam
dificilmente transferíveis para a resolução de problemas em outras situações. Um aporte
importante da corrente de Cole é a insistência sobre o papel dos artefatos na atividade: eles
podem ser levados a servir de dispositivos externos de cálculo (GRISON, 2005).
Na cognição distribuída, Vygotsky e, a seguir, Léontiev integram os objetos em sua
visão de sistema complexo formado pela atividade psicológica. Distinguem dois tipos de
instrumentos: os instrumentos técnicos, transformadores de objetos eles próprios, do
ambiente, e os instrumentos psicológicos (a escrita, os algoritmos de cálculos, os ábacos, os
mapas), reorganizando a cognição individual (GRISON, 2005).
46
Os trabalhos de Alfred Schutz pela sociologia fenomenológica, desde 1940, ressaltam
a importância da “distribuição do conhecimento”. “Os fenomenologistas acreditam que temos
à nossa disposição múltiplas formas de interpretar as experiências em função das interações
com os outros e que a realidade não é mais do que o significado de nossas experiências”
(BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 54). Na versão atual da cognição distribuída, os sistemas de
cognição coletiva constituem as unidades de análise, ou seja, compreendem o funcionamento
do conjunto (por exemplo, o cockpit do avião de carreira estudado por Hutchins).
Com a ação situada, a gente passa do tratamento da informação para a
construção cultural de significações, e ao mesmo tempo, de uma
aproximação explicativa para uma aproximação compreensiva de
processos. A cognição do ser humano é vista como encarnada e
historicamente construída: as diferentes formas de cognição situada podem
então se harmonizar com o ponto de vista dos neurobiologistas, que, na
maior parte, rejeitam a idéia do cérebro como Máquina de Turin (GRISON,
2005, p. 32).
O artigo de Theureau (2005), ao se referir à idéia de autonomia dos atores, conduz a
abordar a atividade humana, às vezes, como cognitiva, autônoma, encarnada, situada, por
vezes, individual e coletiva (individual-social), tecnicamente constituída, cultivada e vivida.
Pavard e Salembier (2005) conduziram trabalhos em dois domínios: a regulação das
chamadas de urgência e o controle de tráfego aéreo. Abordam as atividades profissionais
coletivas e cooperativas (contexto recíproco, controle mútuo de ações, regulação coletiva da
carga de trabalho) e fenômeno emergente no nível do próprio sistema (confiabilidade do
controle aéreo). Para os autores, a noção de complexidade da atividade remete à
multiplicidade de seus determinantes, que interagem de forma dinâmica. Os fatores que
contribuirão para o aumento da complexidade cognitiva da tarefa a realizar são: natureza
dinâmica do ambiente, número importante de partes interconectadas, incerteza de dados e
riscos associados às conseqüências de uma decisão imprópria.
Segundo Grosjean (2005), o termo awareness, definido em inglês pelo estado de estar
informado, de se sentir a par, de estar consciente, também pode ser traduzido do francês pela
expressão “consciência mútua”. Para a autora, é exatamente a capacidade de ficar atento aos
outros, aos eventos e aos objetos de maneira ampla e distribuída, que foi considerada base dos
modos de coordenação dos centros de controle. A coordenação das atividades faz-se
diretamente, pela possibilidade oferecida aos participantes de compartilhar as mesmas
experiências e uma mesma consciência desse meio ambiente, de artefatos e de interação no
qual eles devem agir.
47
O papel das coletividades de trabalho na redefinição de tarefas ditadas pela
organização é questão que foi amplamente documentada em vários estudos, segundo Pavard e
Salembier (2005). Esse processo de redefinição manifesta-se pela constituição de regras não
escritas, informais, não prescritas e, então, seguidamente ignoradas pela organização, de
difícil conscientização pelos atores, mas que são fundamentais na realização satisfatória de
tarefas.
Os autores destacam os mecanismos de regulação do conjunto, principalmente
mecanismos informais dessa regulação: a construção e a atualização, no decorrer da atividade,
de um referencial contextual recíproco, que constitui uma das condições do desenrolar eficaz
da atividade coletiva em um ambiente complexo distribuído, e a regulação por parte desse
conjunto de fatores, tais como: as variações na carga de trabalho e a confiabilidade global do
sistema sociotécnico.
No caso específico dos controladores, responsáveis por um setor (um volume definido
de espaço aéreo ou um aeroporto), é comum o trabalho em dupla. Quando um controlador for
estagiário, ainda não totalmente qualificado, ou quando grande quantidade de tráfego, eles
podem trabalhar em grupos de três (às vezes mais). Esse agrupamento induz à conscientização
mútua: um controlador deve estar sempre atento ao que seu colega está fazendo para manter
“a grande imagem” da situação do tráfego (MERTZ, 2003, p.1).
O modelo de ação situada, desenvolvido em centros de coordenação, resultante dos
estudos de Grosjean (2005), pressupõe que o estado de consciência presente constitui o
fundamento necessário para coordenar as atividades dos operadores, os quais, em troca,
assegurarão forte trabalho coletivo. Segundo a autora, apesar de sua diversidade, os centros de
coordenação apresentam características comuns. São os centros os locais para onde
convergem as chamadas telefônicas e de rádio e onde se tomam decisões de intervenção, de
regulação e de coordenação à distância dos atuantes. Eles programam, pilotam e controlam as
ações que serão realizadas pelos operadores distantes (condutores de trem, bombeiros, pilotos
de avião).
A linguagem e a comunicação constituem o essencial de uma atividade de
trabalho que é amplamente assistida, tanto de maneira informatizada quanto
não informatizada. Os artefatos informatizados constituem uma fonte de
cognição distribuída a todos os operadores de forma aberta (cartazes
luminosos, monitores coletivos) ou individual (computador). Eles seguem a
ação, o registro e auxiliam nas decisões. Em grande número de casos
(bombeiros, policiais, controle aéreo), a comunicação faz bastante uso de
‘fraseologia’ que é uma linguagem ‘operacional’ imposta e se acompanha
freqüentemente de ‘conferência’ (GROSJEAN, 2005, p. 78).
48
Enfim, o trabalho desenrola-se dentro de uma sala, na qual os operadores são
reagrupados, e é organizado por uma divisão entre agentes encarregados de tarefas específicas
e que dispõem cada um de um posto de trabalho equipado com todos os artefatos e mídias
necessárias a essa tarefa. O trabalho é, às vezes, individual ou coletivo, e os agentes devem
coordenar suas tarefas para conduzir certo número de atividades comuns. É, então, também
um espaço de trabalho coletivo, onde há, às vezes, acesso compartilhado aos artefatos
disponíveis publicamente e acesso a um espaço visual e perceptivo comum (GROSJEAN,
2005).
A co-visibilidade e co-audibilidade contribuem consideravelmente com a eficácia do
trabalho efetuado nesse tipo de lugar, por diferentes razões (GROSJEAN, 2005, p. 79):
1. Primeiro, porque a atividade não é previsível. Em qualquer momento,
um pode depender da atividade do outro. Isso faz aumentar o número de
informações sobre uma situação ou incidente, bem como as possíveis
soluções de um problema.
2. Além disso, neste tipo de lugar, a tarefa de um pode, em certos
momentos, se tornar também a tarefa de vários, dando lugar às
focalizações coletivas.
Esses estudos renovaram a concepção do trabalho em equipe, pois mostram,
principalmente, como o trabalho pode variar de acordo com os agentes de uma rede de
envolvimentos. Eles mostram como o fato da co-presença e atenção mútua reparte as tarefas
entre os operadores de modo não programado pela organização do trabalho, a fim de
coordenar as operações no momento da resolução de problemas.
O artigo de Goodwin e Goodwin (apud GROSJEAN, 2005) mostra como cada
operador, em função de sua tarefa, olha diferentemente os aviões, tem várias perspectivas que
não são homogêneas entre si e cada um, a um dado momento, pode ver um ou outro aspecto.
Além disso, os eventos de diferentes ordens sucedem-se rapidamente e podem também se
produzir simultaneamente. O trabalho coletivo que requer em certos momentos o trabalho nos
centros de controle necessita então “definir uma situação”. A situação é definida pelas
atividades dos participantes no curso de um processo temporal contingente, ligado aos eventos
que surgem. Esse processo, ao se realizar publicamente, determina um quadro de
interpretação comum que não existe fora do processo, e isso fundamenta a inteligibilidade
mútua e o compartilhamento das significações.
Após a apresentação da teoria sobre a cultura organizacional e a complexidade, a
revisão bibliográfica sobre carga de trabalho faz-se central neste estudo, a fim de atingir os
objetivos da pesquisa e apreender o contexto do trabalho analisado.
49
2.6 CARGA DE TRABALHO
O conceito de carga de trabalho deriva originalmente dos estudos de psicologia do
trabalho, mas posteriormente foi retomado e desenvolvido pela ergonomia. Nesse sentido, tem
sido importante para esclarecer questões relacionadas à saúde física e mental do trabalhador.
Vidal (2002, p.148) conceitua carga de trabalho estabelecendo sua relação com a
ergonomia:
Em ergonomia entendemos carga de trabalho como a resultante das
exigências sobre o indivíduo no decorrer de sua atividade de trabalho que
pesam sobre o desempenho. Neste sentido, uma atividade normal, bem
dimensionada e coerente com as capacidades e limitações da pessoa não
implica em carga de trabalho. O conceito de carga de trabalho permite
raciocinar, mas se trata de algo de difícil mensuração objetiva, tendo sido
paulatinamente substituído por noções como estressores ou mesmo sine qua
non para qualquer delineamento de produto ou de processo.
O termo carga de trabalho parece derivar de dois outros termos: fatores nocivos e
fatores de risco, para designar os riscos ocupacionais aos quais estão expostos os
trabalhadores e que são capazes de produzir complicações à saúde (BAUMER, 2003).
Seligmann-Silva (1994, p. 58), ao conceituar carga de trabalho, também estabelece a
relação com a ergonomia:
Carga de trabalho representa o conjunto de esforços desenvolvido para
atender às exigências das tarefas. Esse conceito abrange os esforços sicos,
os cognitivos e os psicoafetivos (emocionais). As análises do trabalho
realizadas pelos ergonomistas objetivam compatibilizar as cargas de trabalho
à condição humana.
A carga de trabalho tem sido uma das categorias utilizadas para estudar e avaliar o
impacto produzido pelos processos de trabalho na saúde física e mental dos trabalhadores,
conforme Laurell e Noriega (1989, p. 110):
Dessa forma busca-se ressaltar na análise do processo de trabalho os
elementos que interatuam dinamicamente entre si e com o corpo do
trabalhador, gerando aqueles processos de adaptação que se traduzem em
desgaste, entendido como perda da capacidade potencial e ou efetiva
corporal e psíquica. Vale dizer, o conceito de carga possibilita uma análise
do processo de trabalho que extrai e sintetiza os elementos que determinam
de modo importante o nexo biopsíquico da coletividade operária e confere a
esta um modo de ‘andar a vida’.
50
A noção de carga de trabalho de Laurell e Noriega, como elemento central explicativo
da interface atividade de trabalho-saúde, foi mais tarde aprofundada por Echternacht (1998,
p.36), especialmente nas abordagens desenvolvidas pela ergonomia:
Para a ergonomia, trata-se de um elemento conceitual auxiliar na busca do
entendimento sobre as repercussões da atividade de trabalho sobre a saúde e
o desempenho do trabalhador, orientando a formulação de critérios de
intervenção sobre situações de trabalho específicas. Auxilia especialmente a
pesquisa da dinâmica biopsíquica da atividade de trabalho e os esforços de
construção de respostas a uma questão tanto formulada por Wisner: ‘a
que homem deve ser o trabalho adaptado?
A autora faz uma abordagem didática de quatro aspectos consensuais de vários
autores, que fundamentam tal definição, quais sejam:
1) O aspecto mediador entre o trabalho e o desgaste do trabalhador expresso na relação entre
as “contraintes” e as “astreintes” presentes na situação de trabalho
As cargas de trabalho têm um componente externo, relacionado às condições do meio
em que o trabalhador convive, e um componente interno, associado às vivências e tensões
relativas às organizações do trabalho. Nesse aspecto, a autora aprofunda o conceito de carga
de trabalho por meio dos conceitos de “astreinte” e “contrainte”, derivados da ergonomia
francesa, conforme Gillet (apud ECHTERNACHT, 1998, p. 37):
O conceito de carga de trabalho está diretamente ligado ao de ‘astreinte’
manifestações internas relacionadas às situações de trabalho, inclusive a
vontade e a motivação para a realização das atividades. Indiretamente está
vinculado ao de ‘contrainte’ situações de trabalho objetivas e observáveis
externamente.
Associando-se o conceito de “astreinte” e “contrainte” com os vários tipos de carga
apresentados por Laurell e Noriega (1989), verifica-se que o que as autoras consideram carga
fisiológica e psíquica pode gerar transformações nos processos internos, e as cargas físicas,
químicas, biológicas e mecânicas podem gerar constrangimentos externos ao corpo. Para
Vidal (2002, p.149), pode haver contraintes” temporais (que têm relação com a organização
do trabalho, expressa como pressão), posturais (expressas como constrangimentos), e
ambientais (carga térmica, nível de ruído ou iluminação). O autor define “astreinte” como “o
efeito na pessoa da exposição aos riscos ergonômicos executando uma tarefa num processo de
trabalho específico”.
51
A mediação trabalhador-trabalho-desgaste expressa como ponto de equilíbrio entre
astreinte e contrainte é proposta por Daniellou (apud ECHTERNACHT, 1998, p. 38):
[...] um status à noção de carga de trabalho que não seja nem aquele de uma
soma de ‘contraintes’ que pesam sobre o operador ou operadora, nem aquele
de uma soma de ‘astreintes’ do qual ele/ela será a sede, mas aquele de uma
medida da margem de manobra no interior da qual os compromissos podem
ser elaborados num dado instante.
A partir dessa afirmação, introduz-se o conceito de margem de manobra, conforme
Echternacht (1998, p. 38):
Esta ‘margem de manobra’ diz respeito às demandas internas e externas de
regulação das variáveis presentes no processo de trabalho e às possibilidades
de flexibilização da atividade de trabalho, ou dos modos operatórios que
configuram a dinâmica da atividade de trabalho. A noção de carga de
trabalho aqui deve ser interpretada a partir da identificação e compreensão
da dinâmica operatória frente aos objetivos de produção, às exigências da
tarefa e às condições de execução da atividade em situações de trabalho
específicas.
É preciso, portanto, reconhecer as condicionantes externas da atividade, pois isso é
importante para que se possam avaliar os campos de possibilidades de ação e de regulação ou
as margens de manobra implícitas na tarefa (OLIVEIRA, 2003).
Nos casos em que as prescrições configuram campos de possibilidades de ação e de
regulação restritos, as margens de manobra podem ser alcançadas mediante a ressignificação
das regras, de forma a evitar o comprometimento dos resultados do trabalho. Essa é a
condição para que os trabalhadores consigam cumprir os objetivos prescritos.
De acordo com Abrahão e Pinho (2005), os operadores adaptam as regras prescritas a
partir de sua experiência, a fim de diminuir ao máximo a incerteza da situação e de aumentar
a margem de manobra temporal. Portanto, a carga de trabalho aumenta, à medida que
diminuem as alternativas operatórias frente às variáveis das situações de trabalho. Entretanto,
nem sempre se pode afirmar que, nas relações entre carga de trabalho e saúde, a ampliação de
manobra dos operadores coincide com a manutenção da saúde, conforme descreve Dejours
(1994, p. 29).
Quando o rearranjo da organização do trabalho não é mais possível, quando
a relação do trabalhador com a organização do trabalho é bloqueada, o
sofrimento começa: a energia pulsional que não acha descarga no exercício
do trabalho se acumula no aparelho psíquico, ocasionando um sentimento de
desprazer e tensão.
52
O circuito, sujeito-objeto-significado, relacionado ao trabalho, em sua essência, é
extremamente prazeroso: trabalho e prazer (CODO, 1997). No entanto, fatores como a rotina,
o assalariamento, a superexploração e a divisão taylorista do trabalho podem gerar frustração,
ansiedade e sofrimento ao trabalhador, ou seja, desprazer.
2) A inerência à noção de sujeito – o caráter individual da carga de trabalho
Conforme classificação de Echternacht (apud OLIVEIRA, 2003), a carga de trabalho é
singular. Embora se configure mediante condições coletivas, trata-se de respostas individuais
às demandas da atividade. Essa condição é descrita por Dejours (1994, p. 24):
O trabalhador não chega ao seu local de trabalho como uma máquina nova.
Ele possui uma história pessoal que se concretiza por uma certa qualidade de
suas aspirações, de seus desejos, de suas motivações, de suas necessidades
psicológicas, que integram sua história passada. Isso confere a cada
indivíduo características únicas e pessoais.
A carga de trabalho representa o conjunto de esforços desenvolvidos para atender às
exigências das tarefas e às condições de trabalho impostas pela organização do trabalho
(WISNER, 1987). É inversamente proporcional à experiência do operador, quanto mais
inexperiente for o trabalhador, maior será a carga de trabalho oriunda da interação tarefa-
operador (CRUZ, 2003; ABRAHÃO e PINHO, 2005). A carga também se relaciona com as
condições gerais do operador durante a execução das tarefas físicas e mentais. Modificações
no comportamento do operador alteram o fator carga de trabalho, mesmo que as exigências da
tarefa permaneçam as mesmas.
Assim, a carga de trabalho, fruto de uma relação entre o “eu e suas circunstâncias”,
depende de uma série de quesitos referentes à vida trabalhadora, como a idade, o sexo, a
experiência, a formação, a inserção sociocultural, as expectativas de realização no trabalho, a
vontade, os desejos e sonhos particulares a cada indivíduo trabalhador.
Echternacht (1998, p. 39) faz questão de frisar que:
[...] a carga de trabalho relaciona-se à habilidade em responder às demandas
da atividade. Esta habilidade é construída a partir de uma vivência
trabalhadora. Esta vivência ocorre em vários planos referentes aos ‘modos de
andar a vida’ das diversas coletividades trabalhadoras, mas é essencialmente
uma vivência de cada um.
53
3) O caráter coletivo da carga de trabalho
Essa expressão coletiva da carga de trabalho caracteriza-se em situações produtivas
específicas, cujas demandas de energia humana materializam-se em modos característicos de
trabalhar, de adoecer e de morrer no trabalho.
4) A multidimensionalidade e a pressuposição da não-fragmentação de suas diferentes
dimensões
Esse último aspecto da carga de trabalho ressalta a dinâmica dos vários elementos
presentes e em interação na atividade de trabalho, como definida por Gillet (apud
ECHTERNACHT, 1998, p. 41): “as cargas de trabalho são definidas como multidimensionais
e exprimem fatos em interação a serem integralmente avaliados através da análise do processo
de trabalho”.
O aspecto multidimensional da carga de trabalho reporta-se ao menos a três planos de
investigação da atividade, que são o físico, o psíquico e o cognitivo, conforme Wisner (1987,
p. 172):
Todas as atividades, inclusive o trabalho, têm pelo menos três aspectos,
físico, cognitivo e psíquico. Cada um deles pode determinar uma sobrecarga
ou sofrimento. Eles se inter-relacionam e, via de regra, a sobrecarga de um
dos aspectos é acompanhada de uma carga muito elevada nos outros dois
campos.
A carga física é representada pelo somatório dos fatores que interagem com o corpo da
pessoa e sua atividade dentro do ambiente. A carga cognitiva envolve os processos mentais,
como percepção, memorização, tomada de decisão, consciência situacional e planejamento. A
carga psíquica surge dos conflitos estabelecidos entre a execução da tarefa e as possibilidades
de interferência do indivíduo sobre ela. Envolve estímulos do ambiente psicossocial do
indivíduo (RIBEIRO, 2001a). Ao referir-se à carga psíquica, essa autora escreve:
Na atividade aérea, em particular, ressalta-se: a motivação para exercê-la,
atendendo-se tanto as das tarefas de vôo, como as administrativas; a
diversidade de relacionamentos estabelecidos no trabalho com superiores,
pares e subordinados; a interferência das preocupações não pertencentes ao
trabalho, como as familiares, as financeiras, ou as de qualquer outra natureza
(RIBEIRO, 2001a, p. 50).
54
Laurell e Noriega (1989, p.110-111) fazem uma classificação dos diferentes tipos de
carga, agrupando-as em físicas, químicas, biológicas, mecânicas, fisiológicas e psíquicas.
As primeiras possuem materialidade externa ao corpo, que ao com ele
interatuar tornam-se uma nova materialidade interna. As últimas as
fisiológicas e psíquicas – pelo contrário, somente adquirem materialidade no
corpo humano ao expressarem-se em transformações em seus processos
internos...
As questões do aspecto multidimensional e da não-fragmentação da carga de trabalho
foram posteriormente retomadas por Vidal (apud ECHTERNACHT, 1998, p. 41), que chama
a atenção para que se evite análises com cargas parciais do trabalho:
A carga de trabalho pode ser considerada em ao menos três planos de
análise, quais sejam físico, mental e psíquico... essa separação cumpre
apenas objetivos taxonômicos, cuja finalidade na análise é a de melhoria do
material coletado em campo e não uma forma de recorte da realidade em
planos excludentes, atitude que acabaria construindo uma noção, a nosso ver,
imprópria, de cargas parciais de trabalho.
Nesse sentido, Echternacht (1998, p. 41) entende que:
A aplicação do conceito de carga de trabalho pressupõe uma representação
multidimensional do humano em atividade, sua integralidade biopsíquica,
assim como sua condição de sujeito trabalhador. E qualquer modelo que se
proponha a utilizá-lo deve compreender o conjunto destes aspectos.
A compreensão do alcance das inter-relações entre os planos físico, cognitivo e
psíquico da atividade de trabalho, bem como do alcance das inter-relações entre os vários
níveis de determinação da carga no trabalho nos aspectos humanos, técnicos e organizacionais
que configuram as situações de trabalho (OLIVEIRA, 2003), permite chegar ao fio condutor
da análise da carga de trabalho que se busca desenvolver nesta pesquisa: o significado das
ações que fundamentam a relação sujeito-contexto.
A noção de carga de trabalho, entendida como resultante dos processos de regulação
presentes na atividade ou a resultante da relação entre as demandas internas e externas de
regulação das variáveis presentes no processo de trabalho e as possibilidades de flexibilização
da atividade de trabalho ou dos
modos operatórios que configuram a dinâmica da atividade de
trabalho, envolverá algumas predefinições, como representação para a ação, estratégias
operatórias etc.
55
Compreender as relações entre as condicionantes externas e internas da atividade
pressupõe alcançar as funções e os instrumentos que os sujeitos desenvolvem para interagir
com o meio, os quais derivam de distintas modalidades de organização de um mesmo meio,
onde se processam as atividades de trabalho, e resultam em distintos efeitos sobre a
corporeidade, portanto, sobre a carga de trabalho (OLIVEIRA, 2003).
Essas funções e instrumentos mentais construídos pelos sujeitos no curso da
atividade de trabalho são propriedades dinâmicas que possibilitam identificar
ou constituir problemas e selecionar os componentes da situação e suas
relações para planejar e realizar as ações. Guiam-se, portanto, pela própria
finalidade da ação, permitindo ao sujeito um controle sobre a evolução e o
efeito de suas ações, ao mesmo tempo em que possibilitam a redefinição da
situação em função das necessidades, das motivações e das competências do
próprio sujeito (OLIVEIRA, 2003, p.28).
2.6.1 Carga de Trabalho Mental
Baumer (2003) cita que a maioria dos estudos efetuados no campo das cargas de
trabalho tem se voltado basicamente para os aspectos físicos das cargas de trabalho,
especialmente no campo da ergonomia física, deixando os aspectos mentais da carga de
trabalho em segundo plano. Entretanto, nos últimos anos, tem havido incremento de pesquisas
nas ciências cognitivas.
O trabalho físico implica mecanismos fisiológicos musculares e o trabalho mental
implica mecanismos mentais, quer dizer, tratamento da informação, porém, nenhum dos dois
dá-se de forma separada. Para Velásquez et al. (1997), a carga mental refere-se ao esforço
mental que um determinado trabalho requer. No trabalho mental, estão envolvidos
mecanismos de percepção, tratamento de
informação. Nos trabalhos qualificados, a
sobrecarga mental ocorre pelo uso excessivo, em tempo ou intensidade, das funções
cognitivas e intelectuais. Nos trabalhos pouco qualificados, pode haver sobrecarga por
utilização excessiva dos mecanismos sensoriomotores, o que impossibilita o uso das
estruturas superiores do pensamento e conduz a diminuição das funções intelectuais e a
esclerose das ditas estruturas, por utilizar estruturas do pensamento muito elementares,
levando os indivíduos a uma abstração cada vez maior, subcarga. A utilização das estruturas
superiores (atenção, memorização, abstração e decisão) é indispensável para o
desenvolvimento da inteligência e da personalidade, e uma sobrecarga nessas estruturas
superiores pode ter certos aspectos positivos, por conduzir a aumento da potencialidade
intelectual.
56
O tempo de tomar novas coordenadas espaciais, por exemplo, no controle de tráfego
aéreo, não é nulo. Na indústria eletrônica, segundo Wisner (1987), a maioria das dificuldades
está ligada à memorização, a longo prazo, da tarefa e, a curto prazo, do ciclo. Os movimentos
são os mesmos, as atividades psicossensoriais podem ser simples ou complexas, mas a carga
de trabalho pode diferir consideravelmente. Quando a extensão dos ciclos de trabalho
aumenta, os aspectos mentais do trabalho também aumentam. A organização do tempo de
trabalho, os sinais utilizados e as seqüências memorizadas variam muito de um operador para
outro.
Quando o trabalho exige por natureza um ajuste às variações da situação, as
atividades mentais têm uma importância predominante. As dificuldades não
estão necessariamente ligadas à sobrecarga mental instantânea, como no
trabalho repetitivo, mas ao emprego de estratégias complexas, que pode ter
conseqüências dramáticas (WISNER, 1987, p. 76).
No que se refere à relação psíquica com o trabalho e seus efeitos sobre a saúde, Guérin
et al. (2001) afirmam que os constrangimentos da organização do trabalho são por vezes
muito pesados e conduzem então a transformações da personalidade, suscetíveis a contribuir
negativamente para a saúde dos trabalhadores:
Ainda segundo Guérin et al. (2001, p. 73):
Certas formas de trabalho sob fortes constrangimentos de tempo e
necessitando de uma grande atenção impõem durante sua realização uma
modificação do funcionamento psíquico normal; é impossível manter o ritmo
e, ao mesmo tempo, deixar as idéias vagarem, as evocações se sucederem
livremente, como normalmente ocorre o tempo todo. Se essa modificação do
funcionamento psíquico no trabalho não for compensada intensamente
(atividades de lazer, no trabalho doméstico, na educação dos filhos, ou numa
atividade artística), isso pode vir a afetar o conjunto da vida das pessoas
envolvidas. A capacidade de elaborar projetos, de imaginar que as coisas
possam ser diferentes, pode ser gravemente atingida.
É importante considerar as inter-relações entre o homem e seus dispositivos de
trabalho, ou seja, o conjunto que formam o trabalhador e seu posto de trabalho ou, às vezes,
vários trabalhadores e o dispositivo técnico.
2.6.2 O Papel da Sensação e Percepção na Carga de Trabalho
Em geral, pode-se dizer que o ser humano recebe continuamente estímulos de seu
meio ambiente, porém, esses estímulos não são mera forma de energia, e sim carregam um
57
significado, pelo que são interpretados mediante processos perceptivos e associações
intelectuais, produzindo-se uma ação ou resposta em função disso e das exigências da tarefa.
Faz-se necessário estudar e entender a estimulação de retorno e suas formas de
apresentação, como são captadas pelo sujeito e seus processos de seleção, como se
interpretam e seus processos de percepção, como elaboram essa informação percebida e seus
processos de decisão, lembrando-se das limitações humanas na elaboração da informação
recebida.
Com relação à estimulação, Velásquez et al. (1997, p. 482) dizem que: “estímulo é
qualquer fenômeno ao qual pode conectar-se uma resposta. Em biologia entende-se por
estimulação a excitação de um órgão, tecido, nervo ou receptor”.
Atualmente, a psicologia científica define o estímulo como independência de resposta
e estuda a percepção e os demais processos cognitivos, indicando que é necessário estudar as
respostas interiores (intelectuais), a começar pela sensação.
Diante de um mesmo estímulo, a experiência interior final pode ser diferente. Os
estímulos dão-se em uma situação determinada, com um conteúdo significativo, que
proporciona informação segundo as características de cada organismo, ou seja, os sujeitos
estruturam o ambiente em um mundo significativo. Por exemplo, se o semáforo mostra
vermelho ou verde, as pessoas não respondem à cor, e sim ao que ela significa (VELÁSQUEZ
et al., 1997).
Nesse sentido, Velásquez et al. (1997, p. 483-484) ponderam a respeito de resposta e
sensibilidade:
[...] a resposta pode ser definida como toda mudança no meio interno ou
externo introduzida pelo organismo diante de uma estimulação. Nos
organismos simples, a informação estimular provoca reação imediata. Nos
organismos mais complexos há necessidade de introduzir sistemas mais
complexos de adaptação, surgindo assim a sensibilidade, ou atividade motriz
e glandular. As respostas podem ser efetoriais (observáveis) ou latentes ou
encobertas. Nesta última forma de resposta, se põem em marcha outros
mecanismos que ampliam, selecionam e ponderam o valor de significação
que tem a informação recebida para a adaptação. Neste nível se encontram
os processos perceptivos, a memória, o pensamento.
Existem dois tipos de respostas: as eferentes, que são reações musculares complexas,
como a motricidade e a atividade glandular; e outras aferentes, em que se a captação da
informação, chamada de sensibilidade, como por exemplo o calor, o som e o odor. Assim,
Velásquez et al. (1997, p. 484) definem sensações como: “formas elementares de refletir a
realidade (interna ou externa), sendo a principal fonte de informação do organismo e a
característica do que chamamos conduta consciente”.
58
Até agora, os sistemas sensoriais que têm interessado aos ergonomistas têm sido o
visual, o auditivo, o proprioceptivo e o cinestésico. A razão do interesse nesses sistemas
relaciona-se com como os desenhadores de interfaces têm utilizado esses canais sensoriais
para apresentar estímulos à pessoa. No entanto, o desenvolvimento tecnológico requer atenção
em outros canais sensoriais, por exemplo, o desenvolvimento da realidade virtual, que exige
estímulos olfativos (CAÑAS e WAERNS, 2001).
Os dispositivos de informação constituem a parte da máquina que fornece informações
ao operador humano, para que possa tomar decisões. Essas informações são recebidas, em sua
maioria, pelo canal visual, daí vem a importância do estudo da visão e dos dispositivos visuais
(IIDA, 2005).
Fialho (2001, p. 43) faz importante distinção entre sensação e percepção: “Dentro da
Modelagem Cognitiva, sensação é a resposta específica a um estímulo sensorial particular,
enquanto percepção é o conjunto de mecanismos de codificação e de coordenação das
diferentes sensações elementares, visando significado”. O autor complementa essa definição,
afirmando que o estudo da percepção situa-se num nível menos sensorial e mais cognitivo do
que aquele da sensação. A percepção refere-se, então, ao conhecimento do objeto tal como ele
é percebido pelo sujeito. Portanto, a percepção é uma construção, um conjunto de
informações selecionadas e estruturadas, em função da experiência anterior, das necessidades
e das intenções do organismo, e implica determinada situação.
O conhecimento sobre a percepção é essencial no estudo da carga de trabalho,
principalmente mental, do ponto de vista da psicologia (pois se refere à tomada da informação
do mundo externo), e a análise do tratamento da informação (com intervenção importante da
memória e da representação mental) (VELÁSQUEZ et al., 1997).
Na atividade aérea, a importância do estudo da percepção refere-se à questão de
segurança, uma vez que julgamento deficiente representa 65% das causas de acidentes com
aeronaves na aviação civil. Segundo Ribeiro (2001b, p. 55-56):
Essa elevada incidência deve-se à diminuição das capacidades de julgamento
e de tomada de decisão tendo em vista que o sistema humano de
processamento das informações que vêm do ambiente se submete a vários
filtros, os quais, por sua vez, se limitarão na proporção em que o corpo se
mostra mais fatigado.
Os filtros aos quais a autora se refere desenvolvem-se com o objetivo de reduzir a
quantidade de estímulos a um número possível de ser gerenciado, considerando-se que o
cérebro não tem condições de processar os estímulos na mesma rapidez em que são
detectados. Tome-se, por exemplo, o fenômeno denominado de visão de túnel, nesse caso,
59
tende-se a focalizar a atenção nos estímulos percebidos como exigência primária da situação
vivenciada. Em tal momento, pode acontecer a primeira fase de erro no processo, uma vez
que informações importantes poderão se perder, se forem situadas em pontos periféricos.
2.6.3 Carga de Trabalho do Controlador de Tráfego Aéreo
Os controladores de tráfego aéreo, em sua rotina laboral, muitas vezes, trabalham sob
alta carga de trabalho, em colaboração com outros operadores, e certamente esse tipo de
trabalho deve cumprir elevado nível de segurança.
Hendy, Liao e Milgram (1997) desenvolveram um modelo que pressupõe que a carga
mental resulta diretamente da proporção de tempo para processar uma informação solicitada
ao tempo disponível para a tomada de decisão, ou seja, é a pressão sofrida pelo tempo
disponível. Em seus estudos, os efeitos relativos ao tempo foram fadiga, vigilância e
aprendizado.
A medida de carga de trabalho em sistemas complexos foi sugerida por Fowler (1994),
ao propor o P300 como medidor da carga de trabalho, durante uma simulação de pouso de
aeronave. Agentes estressores, como fadiga, monotonia e hipóxia, envolvidos nas operações
aéreas, influenciam a carga de trabalho. O desempenho pode estar comprometido pelo
aumento do grau de dificuldade, que impõe muito esforço ao operador, ou porque a imposição
de um estressor reduz a capacidade do operador.
A análise dos efeitos da complexidade de informações na carga de trabalho mental do
piloto foi enfocada no estudo de Svensson et al. (1997), os quais citam que as decisões são
afetadas pela incerteza, ambigüidade e limitação da capacidade humana.
Os autores sugerem que, quando muitas alternativas requerem atenção, o tomador de
decisões estará mentalmente sobrecarregado. A sobrecarga mental, freqüentemente, origina-se
nas limitações cognitivas. Moray (apud SVENSSON et al., 1997) cita pesquisa sobre
tentativas para decidir qual é o número de elementos ideal para a tomada de decisão, em
situações de incerteza. Normalmente, não é vantajoso ter mais de sete elementos. As mesmas
conclusões são válidas para o raciocínio e a estimativa. Quando mais de sete ameaças
simultâneas foram apresentadas aos pilotos, os resultados, em termos de números de omissões
e erros, foram radicalmente deteriorados.
Se necessidade de se lidar com uma abundância
de informações, isto deveria ser estruturado em grandes partes conectadas, em lugar de em
partículas separadas” (CHASE and ERICSSON; SIMON apud SVENSSON et al., 1997).
Nessa perspectiva, Velásquez et al. (1997) relatam que há limite definido para o
número de elementos a que se pode atender de modo confiável: entre seis e 11, embora a
60
amplitude da atenção sempre possa melhorar com a aprendizagem e sofrer variações em
função do nível de interesse e necessidades reais dos sujeitos.
Se os operadores devem optar por duas alternativas simples, eles podem tomar, no
máximo, duas decisões por segundo (2 bits/segundo). De qualquer modo, se eles podem usar
seus conhecimentos de informações mais elaboradas, por exemplo, por meio de linguagem,
eles podem lidar com um fluxo maior de informações, 8-10 bits/segundo (WICKENS apud
SVENSSON et al., 1997). O desempenho será melhor quando alguém organizar a informação
de tal forma que o operador possa tomar menos decisões complexas do que um grande
número de decisões simples, que os autores chamam de “vantajosa complexidade de decisão”
(idem, p.363). No caso dos controladores, isso ocorre quando atuam com o assistente.
Muitas pessoas, porém, sentem-se mais seguras com mais informações, mesmo que
não as utilizem, o que Svensson et al. (1997, p.363) chamam de ilusão de conhecimento, pois
“a qualidade das decisões diminui com o aumento da quantidade de informações além do
ideal, ao mesmo tempo em que a ilusão do tomador de decisões aumenta”. Contudo, o fator
tempo parece importante na análise do raciocínio do piloto e de suas decisões, num ambiente
dinâmico. Por outro lado, não se garante que a disponibilidade de mais tempo levará a
melhores decisões.
Até o momento, a relação funcional entre os elementos da complexidade e da carga de
trabalho é desconhecida. Segundo Athènes et al. (2002), a tarefa de controle de tráfego aéreo
não seria tanto uma questão de resolver o problema, como uma questão de percebê-lo e tomar
decisões. Sem negar a validade dos modelos de carga de trabalho, baseados na dificuldade
cognitiva de controlar a situação do tráfego em si mesma, esses autores perceberam que, para
o especialista, a dificuldade não é tanto elaborar a solução para um dado conflito, mas sim
avaliar precisamente se a ação é realmente necessária e, se realmente o é, quando é melhor
executá-la.
Os autores explicam a complexidade do trabalho do controlador de tráfego aéreo
(ATHÈNES et al., 2002, p. 56-57):
Os controladores são altamente treinados para trabalhar nos setores e o
número de parâmetros de vôo que eles podem manipular é relativamente
limitado (proa, nível de vôo, velocidade, razão de descida/subida), por meio
disso, restringindo o número de ações possíveis. Em contrapartida, o
monitoramento constante do progresso das trajetórias das aeronaves e a
avaliação de suas futuras posições são altamente desgastantes em recursos de
atenção e percepção (avaliações visuais repetidas a todo o tempo).
61
Athènes et al. (2002, p. 57) fazem críticas aos modelos que tentam deduzir estimativas
de carga de trabalho da complexidade do controle de tráfego aéreo, que depreciam a auto-
regulação do nível da carga de trabalho pelos controladores. Para os autores, alguns estudos
têm considerado aspectos quantitativos dos elementos da complexidade e propõem peso
diferencial desses elementos, mas o peso de cada elemento é fixado e a evolução do contexto
atual não é levada em consideração. Em particular, “a quantidade de carga de trabalho
suportada pelo controlador que pode ser modulada por meio de estratégias adotadas para
cumprir as incumbências necessárias não é levada em consideração”.
O número de aeronaves com que o controlador lida simultaneamente, num dado
tempo, tem sido o dado objetivo mais usual para estimar a carga de trabalho. No entanto, o
número de aeronaves não é um índice perfeito: as aeronaves que estão distribuídas no espaço
e o fator tempo influenciam severamente esse índice. Por exemplo, quando cinco aeronaves
são apresentadas no mesmo setor, a carga não será equivalente para o controlador, se cada
trajetória dos vôos certamente não se cruza com nenhuma das outras quatro ou se todas geram
dois ou três conflitos. Assim, de se considerar a disposição do tráfego, bem como a soma
absoluta dele.
Do ponto de vista dos controladores, é óbvio que cada aeronave não corresponde ao
mesmo valor, em termos de carga de trabalho. Dessa forma, o tráfego aéreo pode ser
classificado em três categorias (ATHÈNES et al., 2002, p. 58):
As aeronaves, simplesmente monitoradas pelo controlador, o qual prevê
nenhuma perda de separação. Esta categoria inclui aeronaves, cujas
trajetórias de vôo não se cruzam e, ainda, aquelas cujas trajetórias se
cruzam, porém com a separação mínima, dentro dos limites permitidos
de segurança.
As aeronaves em conflito, à qual suspeita-se uma perda da separação
futura, não obstante a decisão do controlador de intervir, ou não, para
assegurar-lhes a separação.
As aeronaves convergindo para um mesmo aeroporto e necessitando de
vetoração radar (soma de tráfegos chegando, excedendo
temporariamente a capacidade da pista). Estes vôos interferem,
freqüentemente, com outros, apenas na aproximação final (sem
interseções), criando problemas distintos dos conflitos.
Todavia, as trajetórias dos tráfegos não infringem, diretamente e unicamente, a carga
de trabalho. Sperándio (apud ATHÈNES et al., 2002) demonstrou correlação estreita entre
três níveis de carga de tráfego, o processo cognitivo e as estratégias utilizadas pelo operador.
Esse autor já havia apontado, em 1972, que os controladores de tráfego aéreo poderiam
regular, até certo ponto, suas próprias cargas de trabalho, pelas ações e pelas estratégias
cognitivas por eles usadas, esforçando-se por mantê-las em um nível ideal. O mecanismo
62
básico é combinar, diferentemente, os parâmetros de vôo, que podem ser modificados para se
resolver um conflito (proa, nível de vôo, velocidade, razão entre subida e descida) com o
momento em que essas modificações são realizadas.
Em outras palavras, segundo Athènes et al. (2002, p. 58):
[...] a auto-regulação da carga de trabalho está no intervalo de tempo entre
uma diagnose (ou real suspeita) de conflito e o momento em que uma ação
definitiva é executada, para se resolver o problema. A modulação da duração
deste intervalo é o mecanismo básico, no qual o controlador pode regular sua
carga de trabalho.
Esse intervalo de tempo tem sido chamado de tempo de amadurecimento (MT-
Maturing Time). Um pequeno MT, isto é, ações tomadas no princípio da diagnose, mantém a
carga de trabalho no menor nível permitido para um dado problema, enquanto um grande MT
aumenta a demanda de atenção, conseqüentemente, aumenta a carga de trabalho. Contudo,
aumentado o MT, também diminui a incerteza na qual uma decisão deve ser tomada. Além
disso, quanto mais tarde uma resolução for tomada, mais adequada ela será (por proporcionar
melhor precisão para a modificação de uma rota ou mínima coerção na aeronave). Isso leva a
ponderação entre a incerteza e a pressão no fator tempo: o tempo decorrido diminui a
incerteza, mas aumenta a aflição (HENDY, LIAO e MILGRAM, 1997).
Para Athènes et al. (2002), é razoável admitir que a pressão no fator tempo e a
incerteza, ambas ligadas à carga de trabalho, têm relação com o estado emocional dos
controladores, mais especificamente, durante situações de alta carga de tráfego, pela razão de
que as restrições do tempo real e da percepção do risco, certamente, terão efeito no nível de
ativação (excitação psicológica) do organismo.
Lamoureux (1999) investigou o impacto da proximidade de aeronaves e das
informações a elas relacionadas na carga de trabalho mental subjetiva dos controladores de
tráfego aéreo. Para comportar o aumento do número de aeronaves no espaço aéreo, sistemas
de apoio em automação e decisão estão sendo desenvolvidos, a fim de facilitar a tarefa do
controlador. Os setores do espaço aéreo estão sendo redesenhados (por exemplo, em Clacton,
Manchester, na Escócia e, há cerca de dois anos, no Brasil).
O autor comenta que a redução da separação mínima gera questões interessantes para
o controle de tráfego aéreo. A informação apresentada ao controlador é mais precisa, mas o
controlador confronta-se com uma situação que desafia sua habilidade para enfrentá-la. Para
Lamoureux (1999, p. 1482):
63
Cognitivamente, as comunicações, o monitoramento e a anotação de dados,
que caracterizam o trabalho do controlador, não deveriam impor tanta carga
de trabalho. É a complexidade desta situação obscura que é mais importante
para se determinar qual a dificuldade de enfrentamento desta situação pelo
controlador e ainda qual poderia ser a carga de trabalho resultante.
Adicionalmente, a complexidade de qualquer situação no ATC pode ser
considerada como uma composição de muitas interações simultâneas e
qualquer resolução/instrução (do controlador), planejada para manter a
segurança de todas estas interações, irá resultar em uma nova situação
(composta por novas interações).
O autor observou que as comunicações são um indicador de carga de trabalho e estão
relacionadas diretamente a outros fatores, em particular, aos números de aeronaves sob
controle, mas também às coordenações entre setores, às solicitações não usuais dos pilotos e
às emergências. No entanto, as entrevistas realizadas pelo autor com os controladores
revelaram que “o número de tráfegos não eleva a carga de trabalho; é o que as aeronaves estão
fazendo, especialmente em relação a outras aeronaves” (LAMOUREUX, 1999, p.1484).
No controle de tráfego aéreo, o número de aeronaves sob controle é considerado,
freqüentemente, uma representação aceitável da carga de trabalho do tráfego aéreo, porém,
Collet et al. (2004) observaram em seus estudos que esse índice não é perfeito, especialmente
porque a configuração dos tráfegos (a forma como estão dispostos no espaço e no tempo)
colabora grandemente para tal.
Falzon (apud LAMOUREUX, 1999) postulou que as aeronaves cujas trajetórias o
interagirão a qualquer tempo próximo não serão consideradas pelos controladores como
contribuintes a sua carga de trabalho, mas aquelas aeronaves cujas trajetórias interagirão
contribuem para sua carga de trabalho mental subjetiva. Isso levou o autor a concluir que a
reação fundamental da carga de trabalho mental subjetiva do controlador tem a ver com a
tomada de decisão, com os cálculos mentais e com as projeções envolvidas no controle bem-
sucedido do tráfego aéreo.
Para Lamoureux (1999, p. 1484):
A complexidade dessas operações cognitivas e, conseqüentemente, a carga
de trabalho mental do controlador é influenciada, mais além, pelo tempo que
o controlador tem para empreendê-las. Com a redução da separação mínima,
o controlador terá menos tempo para conduzir estas atividades cognitivas,
por meio disso, exigindo maior esforço dos recursos mentais do controlador
e aumentando a carga de trabalho mental subjetiva. Com o volume de
tráfego aéreo aumentando a cada ano, é concebível que a redução da
separação mínima, para acomodar este aumento da demanda, irá presentear o
controlador com situações mais difíceis de serem desenvolvidas na escala de
tempo.
64
Os resultados do estudo de Lamoureux mostram que os maiores geradores da carga de
trabalho mental são as interações em que uma aeronave está nivelada e outra está subindo ou
descendo, e quando aeronaves estão em rumos convergentes. É assim porque os recursos
mentais que devem ser alocados no cálculo da trajetória, para assegurar que a separação
mínima não seja violada, devem ser consideráveis. No entanto, das variáveis que contribuem
para a carga de trabalho mental, os contribuintes menos significantes são as interações em que
as aeronaves estão frente a frente. Isso pode estar relacionado à simplicidade de resolver a
situação: se uma ou ambas as aeronaves estão subindo ou descendo, o controlador
simplesmente restringe esse movimento, se ambas estão no mesmo nível, o controlador
simplesmente instrui ambas (em curva) a curvar para a direita, com uma proa suficiente para
assegurar a separação.
Collet et al. (2004) ponderam que, normalmente, dois índices são utilizados para
estimar a carga de trabalho dos controladores de tráfego aéreo: a auto-avaliação subjetiva e a
avaliação objetiva pelo número de aeronaves a ser monitoradas. No entanto, devido à
incerteza e à pressão real pelo fator tempo, permanece difícil avaliar, objetivamente, a tensão
suportada pelo controlador. Os autores testaram novo índice, que integra aspectos influentes
na carga de trabalho (monitoração, vetoração radar e a resolução de problemas), no aeroporto
Saint Exupéry, Lion, França, com 25 profissionais controladores de tráfego aéreo. A
dimensão da carga emocional está particularmente relacionada a situações críticas (vetoração,
potencial de colisão) e deveria ser considerada na quantificação da carga de trabalho.
Conforme suposto, um aumento no índice de esforço não está associado somente com o
processamento de informações, mas também com a tensão suportada pelo controlador, devido
à incerteza e à emergência em diversas situações de controle.
2.7 GESTÃO DA VARIABILIDADE E IMPREVISIBILIDADE
Analisar a atividade é buscar entender como o operador ou o usuário executa a gestão
da variabilidade na situação de trabalho ou em contexto de uso e manuseio de produtos
(VIDAL, 2002). Segundo Abrahão (2000), a variabilidade do trabalho decorre da diferença
entre a prescrição e a realidade. Para atender às exigências da situação de trabalho, o homem
está constantemente submetido a um processo de regulação interna. Não é suficiente ao
trabalhador seguir somente as prescrições, é preciso interpretar, corrigir, adaptar e às vezes
criar. Isso tudo o leva a transitar pela variabilidade da situação de trabalho, das ferramentas,
do objeto de trabalho, da organização real do trabalho (ABRAHÃO e PINHO, 2005).
65
Ao transitar nessas situações, o trabalhador utiliza estratégias individuais, os modos
operatórios e também estratégias coletivas caracterizadas por compartilhar com a hierarquia e
com seus pares a atividade de trabalho, como ocorre no trabalho dos operadores de tráfego
aéreo.
A competência permite ao indivíduo dar uma significação para a ação nas situações de
trabalho. Isso ocorre em função do valor que ele atribui às diferentes situações que se
apresentam. Abrahão e Pinho (2005) citam que o operador é capaz de adotar o procedimento
correto em menor espaço de tempo, com menor custo operacional e de forma menos aleatória,
que lhe permite transitar com maior ou menor grau de dificuldade na diversidade das
situações com as quais se confronta.
Pode-se considerar que existem duas grandes categorias de variabilidade (GUÉRIN et
al., 2001 e VIDAL, 2002):
Variabilidade normal
Uma parte da variabilidade normal é previsível e parcialmente controlada, como as
variações sazonais no volume de produção. No controle de tráfego aéreo, um exemplo disso
seria o aumento de tráfego nos meses de férias. Outro exemplo de variações previsíveis
seriam as variações periódicas, como o aumento da compra de passagens aéreas nas vésperas
de feriados. Quanto à diversidade dos modelos de produtos ou tipos de serviço oferecidos,
exemplo são os diferentes modelos de um veículo em uma linha de montagem, no caso dos
controladores, a diversidade de fraseologia e os diferentes níveis de vôo para as aeronaves.
Segundo Guérin et al. (2001), essas variações são mais ou menos programadas pela
empresa. No entanto, sua ocorrência com os operadores pode ser mais ou menos esperada,
mais ou menos brutal e suas conseqüências para as operações de produção, mais ou menos
previsíveis. Se a previsão e o controle não forem devidamente informados aos operadores, a
variabilidade normal pode transformar-se em variabilidade incidental (VIDAL, 2002).
Variabilidade incidental
Outra parte da variabilidade da produção é aleatória, como, por exemplo, as variações
instantâneas na demanda, em natureza e volume, como o número de aeronaves a ser
controladas em um dado momento e a diversidade de comunicações no controle de tráfego
aéreo.
66
Nesse caso, os incidentes ocorrem num dispositivo técnico (pane ou desajuste de uma
máquina, mau funcionamento de um sensor, quebra de uma ferramenta). Como exemplo do
controle de tráfego aéreo, os problemas de ruído das comunicações radiofônicas e pane de
equipamentos, em que desaparece a imagem da tela de radar.
As variações do ambiente são consideradas variabilidade incidental, como a
meteorologia, condição que influencia muito o tráfego aéreo. “Mesmo que o momento e a
forma precisa dessas variações sejam imprevisíveis, certos elementos dessa variabilidade são
do conhecimento do operador, que espera uma freqüência mais elevada de certos incidentes
em certos momentos” (GUÉRIN et al., 2001, p. 49). No entanto, a variabilidade incidental
pode ter o agravante de uma imprevisibilidade ainda mais aguçada, com o desconcertante de
remeter a situações entre extremamente raras e jamais ocorridas (VIDAL, 2002).
Quanto ao tipo, Vidal (2002) classifica as variabilidades em: técnicas, organizacionais
e humanas. As variabilidades normais e incidentais são quase sempre cnicas e, como tais,
podem ser tratadas. Quanto às variabilidades organizacionais, trata-se de procedimentos que
se ajustam, novas instruções normativas provisórias ou permanentes que passam a vigorar ou
referem-se às escalas de trabalho. Existem, entretanto as variabilidades humanas, que podem
ser interindividuais e intra-individuais. As variabilidades interindividuais referem-se às
diferenças entre as pessoas (homens e mulheres, jovens e idosos, altos e baixos etc.). Quanto
às variabilidades intra-individuais, que ocorrem tendo em vista as pessoas não estarem sempre
e a toda hora no mesmo estado pessoal, existem variações de curto prazo (cansaço,
sobrecarga), variações cronobiológicas (noite e dia, período normal e período menstrual) e as
variações em longo prazo, referentes aos impactos da idade e do envelhecimento.
Segundo Bispo e Ferruccio (2001), os valores da cultura organizacional de uma
companhia determinarão como os diferentes membros da organização vão lidar com os
problemas que surgirão no dia-a-dia, a maneira como cada um se comportará diante das
diversidades.
Nesse enfoque, ao considerar a variabilidade, busca-se equilíbrio entre as
características dos sujeitos e seu ambiente de trabalho, visando a obter os resultados esperados
pela produção, nas melhores condições possíveis (ABRAHÃO e PINHO, 2005).
A fundamentação teórica sobre complexidade existente na literatura é bastante
extensa. Assim, buscou-se, principalmente, apresentar os autores que relacionam o tema com
a ergonomia. Ainda, o referencial teórico sobre a carga de trabalho do controlador de tráfego
aéreo baseou-se em autores americanos e franceses, porque existem poucos estudos sobre esse
assunto na literatura nacional.
67
A modelagem conceitual de carga de trabalho, complexidade e gestão da variabilidade
e imprevisibilidade foram importantes para apreender as interações dos controladores de
tráfego aéreo em seu espaço de trabalho. Assim, este capítulo, constituído pela revisão da
literatura, enfocou aspectos que contribuíram para embasar a pesquisa de campo, cujos
resultados são discutidos a seguir. Por exemplo, a classificação de variabilidade proposta por
Vidal (2002) em cnicas, organizacionais e humanas serviu para auxiliar a classificação das
categorias de análise, que são apresentadas na seqüência.
68
3 METODOLOGIA DA PESQUISA
A seguir apresentam-se os aspectos relativos a metodologia da pesquisa, divididos em
subtítulos. Inicialmente, apresenta-se a caracterização do estudo, caracterização do local da
pesquisa e da população e também os princípios éticos.
A seguir, descrevem-se as etapas utilizadas para atender aos objetivos do estudo.
Depois se apresentam os métodos e as técnicas do estudo, bem como a explicação sobre o
tratamento de dados.
3.1 Desenho do Estudo
A pesquisa foi qualitativa e quantitativa. A qualitativa foi um estudo de caso, e teve
como fase inicial a fase exploratória, com a Análise Ergonômica do Trabalho (GUÉRIN et al.,
2001). A fase exploratória permitiu conhecer o trabalho do controlador de tráfego aéreo e dos
fatores que representam subcarga e sobrecarga para eles, propiciando a construção de um
questionário e sua revisão por alguns atores sociais envolvidos na pesquisa. A pesquisa
quantitativa foi transversal, descritiva, com o questionário de categorias de análise.
O questionário finaliza o estudo de caso. Por conter gradações, é considerado e
analisado quantitativamente e por conter parte aberta, que permite registro de depoimentos, e
por todo o processo de observação e AET, também há análise qualitativa.
De acordo com Minayo (2004, p. 89), a fase exploratória da pesquisa é muito
importante, uma vez que “compreende a etapa da escolha do tópico de investigação, de
delimitação do problema, de definição do objeto e dos objetivos, de construção do marco
teórico conceitual, dos instrumentos de coleta de dados e da exploração do campo”.
O estudo qualitativo é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e
focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada. A metodologia qualitativa
preocupa-se com analisar e interpretar aspectos mais profundos, descreve a complexidade do
comportamento humano. Fornece análise mais detalhada sobre as investigações, hábitos,
atitudes, tendências de comportamento (LAKATOS e MARCONI, 2004).
Optou-se por tal desenho de estudo para analisar os controladores de tráfego aéreo,
pois o trabalho descritivo procura abranger aspectos gerais e amplos de um contexto social e
possibilita desenvolver um vel de análise em que se identificam as diferentes formas dos
fenômenos, sua ordenação e classificação. É um tipo de estudo que permite ao pesquisador
69
obter melhor compreensão do comportamento de diversos fatores e elementos que
influenciam determinado fenômeno (OLIVEIRA, 2002).
Para Bogdan e Biklen (1994), o objetivo dos investigadores qualitativos é melhor
compreender o comportamento e a experiência humanos. Esses investigadores tentam
compreender o processo diante do qual as pessoas constroem significados e descrevem em
que consistem tais significados.
Em síntese, a investigação qualitativa apresenta cinco características (BODGAN e
BIKLEN, 1994, p.47-50):
A fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o
investigador o instrumento principal.
É descritiva.
Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do
que simplesmente pelos resultados do produto.
Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de
forma indutiva.
O significado é de importância vital na abordagem qualitativa.
3.2 Caracterização do Local
O estudo foi desenvolvido no Centro de Controle de Área de Curitiba (ACC-CW), no
Segundo Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA II),
situado no Bairro Bacacheri, em Curitiba/PR, o qual pertence ao Ministério da Defesa
Comando da Aeronáutica.
O ACC localiza-se no Centro de Operações Integrado (COI), assim como outros
setores: meteorologia, comunicações, defesa aérea, salva aéreo, informática etc. O prédio do
COI foi construído na década de 1970 (Figura 2), e sua estrutura foi camuflada, pois é
subterrâneo, fica a cerca de 16 metros de profundidade do solo, onde o acesso é restrito, e
caracteriza-se por trabalho em ambiente fechado (MOTTER, TOKARS e GONTIJO, 2003).
70
Figura 2: Centro de Operações Integrado II
O projeto do prédio do Centro de Operações Integrado do CINDACTA II, o COI II,
que abriga o ACC e o Centro de Operações Militares (COpM), foi concebido tendo em vista
as premissas básicas de segurança, operacionalidade e economia. O alto custo dos
equipamentos instalados, a necessidade de contínua operação, mesmo em condições adversas,
e principalmente a segurança dos recursos humanos levaram a decidir pela construção
enterrada e totalmente camuflada do COI (CINDACTA II, 2005).
O COPM e o ACC são separados por uma divisória removível existente entre esses
dois espaços, o que permite que os dois ambientes se integrem em um único recinto, em caso
de crise (CINDACTA II, 2005).
Em 1968, o então Ministério da Aeronáutica criou o Sistema de Defesa Aérea e
Controle de tráfego Aéreo (SISDACTA). O espaço aéreo brasileiro foi dividido em cinco
regiões chamadas Região de Informação de Vôo (FIR), que correspondiam a: FIR Curitiba,
FIR Brasília, FIR Recife, FIR Manaus e FIR Porto Velho (SAUKI, FILHO e BRITO, 2003).
Atualmente, as FIRs reduziram-se a quatro: Curitiba, Brasília, Recife e FIR Amazônico.
A jurisdição do espaço aéreo do ACC de Curitiba abrange o norte de Corumbá, passa
pelas regiões de Mato Grosso do Sul, Urubupungá, Bauru, Campinas, Congonhas e estende-se
até as fronteiras com a Bolívia, o Paraguai, a Argentina e o Uruguai, e inclui a região Sul do
Brasil: Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre (SAUKI, FILHO e BRITO, 2003).
O ACC de Curitiba trata de cerca de 2000 planos de vôo diários, e esse número pode
ter grande variação, dependendo da data (meio de semana, final de semana ou feriado
prolongado).
71
A localização da sala de controle é subterrânea e, na parte externa, o local é
camuflado. Os próprios controladores chamam o local de “buraco”. Portanto, não só
isolamento social, devido às escalas alternadas, como também isolamento de outros setores e
do meio externo. Desse modo, a iluminação é artificial, e são controladas a temperatura (22 a
24ºC) e a ventilação e umidade do ar (60%). Trabalha-se na penumbra, para permitir a
adequada visualização da tela do radar. Quanto ao ruído, ele deve ser o menor possível. As
paredes são da cor palha, para determinar o trabalho em local neutro, com poucos estímulos, o
que evita desviar a atenção do radar.
Embora as condições ambientais não sejam o foco da presente pesquisa, essa questão
merece ser mencionada, que condições físicas desfavoráveis foram apontadas por diversos
autores como causa de esgotamento e estresse (GRANDJEAN, 1998; NOCERA, 2003),
especialmente, quando se considera atividade com exigência de complexidade tão alta quanto
o controle de tráfego aéreo.
3.3 Caracterização da População
Os operadores do sexo masculino são maioria (92,7%) no local da pesquisa. Desde
2004, o contingente feminino (7,3%) passou a integrar a equipe de controladores do ACC de
Curitiba. Quando as primeiras operadoras chegaram da escola de Guaratinguetá (escola de
formação para controladores de tráfego aéreo militares), a inserção do segmento feminino não
gerou grandes transtornos, e aparentemente agradou ao grupamento, que era exclusivamente
masculino. Houve necessidade de alguns ajustes, como quarto para descanso, e até mesmo as
conversas entre os homens passaram por um período de adaptação. Por exemplo, algumas
anedotas deixaram de ser contadas. relatos de crises de ciúme de algumas esposas de
operadores. A presença feminina colabora para tornar o ambiente mais suave, segundo
opinião dos próprios controladores.
Como todos os sujeitos são militares, devem se submeter às normas e aos
regulamentos da Aeronáutica Brasileira. Dessa forma, usam uniforme padronizado, com as
insígnias de posto ou graduação, os homens devem usar cabelos curtos e fazer a barba
diariamente. As mulheres devem evitar uso exagerado de jóias, maquiagem forte e esmaltes
em cores vivas, e o cabelo, quando é longo, deve ser preso em coque.
Os controladores exercem funções de operador, assistente, instrutor e podem ser
promovidos a supervisor. Dessa forma, buscou-se entrevistá-los em todos esses papéis. Uma
das psicólogas do ACC de Curitiba também foi entrevistada com entrevista semi-estruturada.
Considerou-se importante sua participação, como dado complementar a esta pesquisa, por ter
72
ela conhecimento específico da psicologia e desenvolver um trabalho com os operadores,
como dinâmicas de grupo, participação na comissão que avalia o risco de incidente de tráfego
aéreo e tratamento individual dos controladores, quando necessário.
O total de supervisores e controladores que participam da escala de trabalho sofre
alterações mensais, devido a período de férias, atestado médico, afastamento para curso de
atualização etc. Assim, na fase de coleta de dados, com o questionário de categorias de
análise, o número total no controle de tráfego aéreo era de 69 pessoas na escala operacional e
21 supervisores setoriais, os quais se revezavam em cinco grupos de trabalho, em turno
alternado, para garantir a prestação de serviço de tráfego aéreo de forma ininterrupta em toda
a região Sul do país.
Os participantes da pesquisa, que responderam ao questionário, foram 35
controladores de tráfego aéreo do ACC de Curitiba, militares (sargentos ou suboficiais),
pertencentes à Força Aérea Brasileira (FAB), de ambos os sexos. Portanto, a amostra
representa 50% da população, dos quais a maioria é masculina (80% homens e 20%
mulheres), que concordaram com participar voluntariamente do estudo, em que se garantiu
sigilo quanto à identificação pessoal.
Em 2002, no início da fase exploratória da pesquisa, a idade média da população era
de 35 anos. No entanto, essa média diminuiu nesses anos de acompanhamento, e atualmente a
idade média é de 26,8 anos.
Quanto à formação, todos os controladores fazem curso cnico, na Escola de
Sargentos de Guaratinguetá, durante um ano e meio. Após esse período, cumprem estágio
obrigatório de seis meses em um dos centros de controle do Brasil, onde operarão.
Quanto à escolaridade, no início da pesquisa, 20% tinham Grau, 35%, Grau
incompleto e 45%, 3º Grau completo (MOTTER, TOKARS e GONTIJO, 2003).
Confrontando estes dados obtidos com os resultados mais recentes, verifica-se predomínio do
grupo que está estudando (60%). Deles, 19,1% realizam curso pré-vestibular e 80,9% cursam
nível superior. O grupo dos que não estão estudando no momento soma 40%, dos quais 14%
têm nível superior completo e 86%, nível técnico.
A população de referência deste estudo foi acompanhada no período matutino,
vespertino ou noturno, durante a semana ou finais de semana e feriados. Cabe lembrar que,
além do fato de serem controladores de tráfego aéreo, todos concorrem a escalas de serviços
militares, como serviço armado, participação em formaturas etc., portanto, todos estão
sujeitos à mesma organização do trabalho, cujas missões militares geralmente coincidem com
as folgas operacionais.
73
3.4 Princípios Éticos
Buscou-se respeitar os princípios éticos de acordo com a Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde (VIEIRA e HOSSNE, 2001). O projeto de pesquisa de tese foi
submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos e Animais da Universidade
Tuiuti do Paraná, CEP-UTP (onde a pesquisadora faz parte do quadro docente), e foi
aprovado em setembro de 2006, conforme cópia em anexo (Anexo B).
Ao longo do estudo, adquiriu-se a confiança da chefia, dos supervisores, da equipe de
psicologia e especialmente dos operadores, condição que contribuiu favoravelmente para o
desenvolvimento da pesquisa de campo. Um operador descreve que observou mudanças no
ambiente de trabalho a partir da fase de coleta de dados do estudo. Esse controlador descreve
a vivência de grande sofrimento no trabalho pela dificuldade de expor suas idéias, que o levou
a solicitar mudança de setor para se fazer ouvir:
Exato, e nós mudamos muito depois disso [referindo-se ao período de início
da coleta de dados]. A instrução entendeu, porque esse questionamento que
alguém de fora vem nos fazer é importante para a chefia, para a sessão de
instrução, para o chefe de equipe, para o supervisor. Quando eu faço esse
questionamento, eu não tenho uma compreensão, exatamente por causa da
posição que eu ocupo, não sou respeitado, a minha palavra não é
considerada, porque eu sou novo no controle. Então isso não surte efeito.
Quando alguém de fora vem, sem conhecer, mas questiona, tem uma noção
diferente, tem uma importância diferente, a influência é diferente. Então
depois disso aí se começa a relembrar de todas as pessoas que vieram
falando pra você. [...] Quer dizer, como [cita sua graduação] você não é
ouvido, então ainda fica uma situação complicada. Você acaba passando
por chato até. Para mim foi difícil, eu ia para as reuniões, que eram feitas
pela sessão de investigação, e eu não concordava, levantava a mão e o
oficial que estava apresentando: “Tá bom, obrigado, pode sentar”. Então
era uma situação bem complicada. Era prevenção de acidentes, esse era o
objetivo. Investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos. Então, eu
falava sobre segurança, mas não era ouvido. Eu tive que mudar, eu tive que
pedir pra ir para [cita o setor], para que eu pudesse ser ouvido um
pouquinho mais. Eu mudei de função para ser ouvido.
Existe um compromisso assumido pela pesquisadora de compartilhar os resultados de
sua investigação não com o meio acadêmico, mas também com os atores envolvidos no
contexto do trabalho abordado. Desse modo, empreenderam-se esforços para conhecer,
compreender e transmitir informações relativas às atividades do controlador de tráfego aéreo,
zelando-se por detalhar termos técnicos específicos do tráfego aéreo que correspondem
fielmente ao conteúdo, a fim de não comprometer os resultados do estudo.
Pretende-se fazer a devolução de dados aos operadores, supervisores, chefias e
Comando na forma de exposição oral no CINDACTA II e por meio de relatório impresso, que
74
contenha os principais resultados e recomendações. Além disso, o trabalho completo de tese
estará disponível no site da Universidade Federal de Santa Catarina, ao qual todos terão
acesso.
3.5 Etapas da Metodologia Utilizada
Para atender às necessidades do trabalho proposto, desenvolveu-se um procedimento
metodológico dirigido pelos seguintes passos gerais, que, em seguida, são explicados
detalhadamente:
1. Levantamento bibliográfico a respeito do trabalho do controlador de tráfego aéreo, a
respeito da variabilidade e imprevisibilidade, a respeito de carga de trabalho. Tais
tópicos proporcionam base conceitual para o desenvolvimento da pesquisa de campo;
2. Procedimento inicial para a pesquisa de campo, seleção do ACC de Curitiba,
estabelecimento de um contrato formal de pesquisa;
3. Coleta de dados, mediante aplicação da Metodologia da Análise Ergonômica do
Trabalho (GUÉRIN et al., 2001) para os controladores de tráfego aéreo, com emprego
de ferramentas que serão discutidas no item sobre métodos e técnicas utilizados;
4. Elaboração e aplicação de questionário de categorias de análise;
5. Apresentação e tratamento dos dados sob a ótica da análise qualitativa e quantitativa;
6. Considerações finais e recomendações.
3.5.1 Etapa 1: Manejo das fontes bibliográficas
Nesta etapa, descreve-se a tática de coleta e organização de informações, que se baseia
em Brandolt (2005), Moraes (1990) e Oliveira (2002):
a) Fontes primárias de informações
Referem-se às publicações originais e aos dados coletados diretamente. O pesquisador
necessita de uma série de informações a respeito do tema que deve desenvolver. As fontes
poderão ser encontradas em obras originais ou tratados mais completos, ou ainda obras que
abordam mais amplamente o assunto. Essas fontes serviram como base teórica para o
desenvolvimento da tese.
As fontes primárias de informações ou análise documental, segundo Ferreira (2002),
consistem no exame (leitura livre, análise de conteúdo) de fontes primárias, disponibilizadas
75
pela instituição e pelos trabalhadores, cujo objetivo é conhecer os determinantes (econômicos,
jurídicos, administrativos, organizacionais, técnicos) do trabalho e as estratégias operatórias
dos sujeitos (anotações, listagens, cadernos, desenhos, figuras). Yin (2003) cita como pontos
fortes desse tipo de ferramenta ser estável, discreta, exata e permitir ampla cobertura.
b) Fontes secundárias de informações
Remetem às publicações que contêm dados referentes aos documentos primários.
Essas fontes permitem ao pesquisador visualizar o que é desenvolvido. À medida que
necessitar de informações mais recentes e atualizadas, ele deve procurar artigos em revistas
ou bases de dados eletrônicos, com o objetivo de reunir a documentação relativa à pesquisa.
Neste estudo, também se considera o roteiro estipulado por Oliveira (2002, p. 122):
“Para se fazer uma pesquisa bibliográfica, é necessário um roteiro cuidadoso com:
delimitação, identificação, escolas ou correntes, definição apropriada do fenômeno ou da
matéria que está sendo objeto de estudo”.
3.5.2 Etapa 2: Procedimento do estudo
Os métodos de procedimento seriam etapas mais concretas da investigação, com
finalidade mais restrita em termos de explicação geral dos fenômenos, e menos abstratos
(LAKATOS e MARCONI, 2004). Portanto, definidos o tema e objetivo principal do estudo,
partiu-se para o campo, a fim de viabilizar a pesquisa prática da tese.
A pesquisa de campo pode ser dividida em duas fases: a primeira iniciou-se no
segundo semestre de 2002 e a segunda fase refere-se ao desenvolvimento do projeto de
pesquisa de tese (a partir de 2003).
Na primeira fase, o procedimento inicial foi um contato telefônico com a chefia do
ACC Curitiba, em que se agendou visita ao local, que ocorreu em 20 de junho de 2002, na
condição de aluna especial do curso de Pós-graduação em Engenharia de Produção da UFSC.
Nessa ocasião, explicou-se que o estudo visava a cumprir um exercício da disciplina Análise
Ergonômica do Trabalho (AET), ministrada pela Dra. Leila Amaral Gontijo. Informou-se
sobre a necessidade de visitar o ACC diversas vezes, os prazos da pesquisa e a permissão para
realizar entrevistas, gravá-las e tirar fotografias. O chefe do ACC orientou que se realizasse
solicitação por escrito direcionada ao chefe da Divisão Operacional (DO) e ao comandante do
Segundo Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA II).
76
Em visita realizada à Divisão Operacional, no dia 04 de julho de 2002, entregou-se
pessoalmente a solicitação para realização do estudo, que foi autorizada prontamente. Após
tal encaminhamento, foi permitida a realização da pesquisa de campo no ACC de Curitiba, e a
pesquisadora passou a ter livre acesso à sala de controle de tráfego aéreo. Nessa fase inicial,
procurou-se compreender o funcionamento do ACC, utilizando-se para tanto instrumentos de
coleta de dados, consulta a documentos, conversas com o chefe do ACC, com supervisores de
equipes e com os próprios controladores do tráfego aéreo, além de observações de sua
atividade.
De acordo com Oliveira (2002), a pesquisa de campo consiste na observação dos fatos
tal como ocorrem espontaneamente, na coleta de dados e no registro de variáveis,
presumivelmente para posteriores análises.
Após a realização dessa pesquisa preliminar, após discussão em sala de aula na
apresentação da AET, após coleta de informações e leitura de textos sobre o assunto, em
2003, sendo a pesquisadora efetivamente aprovada como aluna regular do Programa de Pós-
graduação em Engenharia de Produção, iniciou-se uma nova etapa de pesquisa com os
controladores de tráfego aéreo, a qual fazia parte do projeto de pesquisa de tese (aprovado em
dezembro de 2005).
Em agosto de 2004, três novos fatos exigiram a reformulação da autorização para
freqüentar o local da pesquisa: mudança da chefia da Divisão Operacional, gestação da
pesquisadora e término de seu tempo de serviço militar. Assim, reformularam-se prazos,
apresentou-se o tema definitivo do projeto de pesquisa da tese, e novamente houve
autorização para freqüentar o ACC, em dias e horários de acordo com sua disponibilidade.
Nessa ocasião, ficou definido que os resultados da pesquisa seriam fornecidos à chefia e aos
controladores.
Ao longo desses quatro anos, ocorreram três trocas de comandantes da unidade militar
freqüentada e três mudanças de chefia da Divisão Operacional e do Centro de Operações.
Após a qualificação do projeto, em janeiro de 2006, houve necessidade de formalizar a
autorização para a pesquisa de campo, porém, havia novos chefes e comandante, assim, a
oficialização do pedido ficou a cargo do DECEA, no Rio de Janeiro, que determinou um
longo período de espera: a solicitação feita em janeiro foi aprovada em agosto de 2006,
conforme declaração (Anexo A). Isso explica por que o projeto foi aprovado pelo Comitê de
Ética somente em setembro de 2006.
O processo de saída do campo ocorreu de maneira gradual, com visitas cada vez
menos freqüentes, à medida que houve necessidade de se aprofundar na análise dos dados
coletados, nos resultados e na discussão. Chegou-se àquilo que Bogdan e Biklen (1994, p.96)
77
chamam de “saturação de dados”, ou seja, as informações tornaram-se repetitivas. A coleta de
dados no campo estendeu-se até agosto de 2006. Após esse período, as últimas visitas foram,
principalmente, para esclarecer alguma dúvida a respeito de dados coletados anteriormente.
3.5.3 Etapa 3: Métodos e Técnicas utilizadas para a coleta de dados
A pesquisa utilizou como instrumentos, inicialmente a Análise Ergonômica do
Trabalho (AET) e, posteriormente, um questionário que foi realizado a partir dessa análise. O
questionário serviu para avaliar a confortabilidade dos operadores em relação à carga de
trabalho, o que passa a ser descrito a seguir.
Para compreender e construir um quadro explicativo da situação-problema
investigada, a AET usa diferentes instrumentos de pesquisa de forma combinada, de acordo
com o objeto de estudo em questão e que também serão descritos para cada fase da AET.
Análise Ergonômica do Trabalho
A verificação do problema no campo empírico faz-se com a metodologia da Análise
Ergonômica do Trabalho (GUÉRIN et al., 2001). Os traços característicos do enfoque
metodológico sustentam-se no paradigma de que a natureza do objeto de investigação (inter-
relação indivíduo-trabalho) subordina o método, seu instrumental e seus procedimentos
(FERREIRA, 2002). Ferreira (2002) destaca alguns pressupostos que, se não satisfeitos,
colocam em risco a eficiência e a eficácia da AET:
(a) Situação-problema: origem a uma demanda dos interlocutores (diretores,
sindicalistas, trabalhadores etc.) que buscam delimitar indicadores críticos existentes nas
organizações e/ou projetar novas situações de trabalho e/ou uso de produtos e
tecnologias (concepção). Ela costuma ser a ponta do iceberg, e mascara com freqüência
seus reais determinantes. Redefinir a demanda, recortando e hierarquizando suas causas,
por meio da busca de informações pertinentes, constitui procedimento incontornável de
instrução à demanda;
(b) Participação: é determinante para os resultados confiáveis da AET, pois, sem a
participação dos trabalhadores e das chefias direta ou indiretamente envolvidos com a
situação-problema, o diagnóstico ergonômico seria parcial e superficial. Três aspectos
qualificam o conceito de participação, que deve ser: a) efetiva e não formal; b) fundada
no desejo voluntário dos sujeitos de participar da AET; e c) global, ou seja, ocorrer em
todas as fases da AET e envolver todos os níveis. Tais características são cruciais para as
78
etapas de implantação e avaliação. É essa participação que faz do produto do trabalho da
ergonomia um resultado em co-produção, ou seja, uma interação baseada na cooperação,
que pode se encaixar no quadro da pesquisa-ação, onde os trabalhadores são também
produtores de conhecimento sobre o próprio trabalho. A arte de conquistar a confiança
dos trabalhadores constitui o principal desafio para a participação efetiva deles;
(c) Informação: matéria-prima essencial que possibilita o desenvolvimento da AET.
Explicitando-se as regras de ação ergonômica (uso de equipamentos de registro, por
exemplo, máquina fotográfica), ter acesso às informações implica, principalmente:
conhecer in loco as situações de trabalho; contatar os trabalhadores e/ou clientes e
usuários para realização de entrevistas e aplicação de questionários; possibilitar a análise
da documentação referente ao processo de trabalho. Evidentemente, o acesso às
informações está condicionado às regras deontológicas que regulam a ação ergonômica:
anonimato das fontes; acesso aos dados brutos da pesquisa apenas pelos pesquisadores;
difusão acordada dos resultados, preservando-se a identidade dos sujeitos e da
instituição;
(d) Variabilidade: comporta duas dimensões interdependentes, a variabilidade intra e
interindividual, que se baseiam na premissa das diferenças dos sujeitos, suas
singularidades, as quais influenciarão a conduta no trabalho, e a variabilidade do
contexto sociotécnico, que se expressa pela especificidade de cada empresa, cada
instituição em termos de materiais, equipamentos, instrumentos, produção sazonal,
legislação pertinente, evolução das situações (normal, acidental), perfil dos clientes e
usuários, que demarcarão os limites e as possibilidades da aplicação da AET.
Para chegar à situação-problema investigada, utilizou-se a técnica de análise
documental e entrevistas informais e semi-estruturadas com os diversos atores envolvidos no
controle de tráfego aéreo (chefia, supervisores, meteorologistas, psicólogas), principalmente
com os operadores.
Buscou-se coletar dados sobre o funcionamento da empresa, via levantamento das
condições de saúde da população trabalhadora. Nessa etapa de análise da demanda,
delimitou-se o local da pesquisa: ACC de Curitiba, e delimitou-se a população: controladores
de tráfego aéreo.
As conversas por meio de entrevistas informais e semi-estruturadas foram
ferramentas bastante utilizadas nessa fase da pesquisa e em etapas posteriores. A entrevista
representa um instrumento básico para a coleta dos dados. As entrevistas qualitativas são
pouco estruturadas, podem ser individuais ou coletivas e visam a dar visibilidade às
representações operativas dos sujeitos (por exemplo, crenças, esquemas de ação, scripts). Elas
79
partem do pressuposto de que a conduta no ambiente de trabalho é inseparável das
representações mentais que os sujeitos constroem e reconstroem para a consecução de
objetivos de múltiplas origens (FERREIRA, 2002).
O que torna a entrevista instrumento privilegiado de coleta de informações
para as ciências sociais é a possibilidade de a fala ser reveladora de
condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela
mesma um deles) e ao mesmo tempo ter a magia de transmitir, através de um
porta-voz, as representações de grupos determinados, em condições
históricas, socioeconômicas e culturais específicas (MINAYO, 2004, p.
110).
A segunda etapa da AET consistiu do levantamento do trabalho prescrito (análise da
tarefa) do controlador de tráfego aéreo, que foi obtido na busca por informações às fontes
primárias, ou seja, consulta a normas e regulamentos da própria Aeronáutica Brasileira ou a
órgãos a ela subordinados. Nessa etapa, empregaram-se também observações gerais do
trabalho, escolha das variáveis para observações sistematizadas e registro de verbalizações
(que também foi feito na análise da atividade) espontâneas por parte dos trabalhadores,
conforme preconizam Vidal (2002) e Oliveira (2003).
O registro das verbalizações foi efetuado em microgravador, para posterior transcrição
e análise. Segundo Guérin et al. (2001, p. 165) a verbalização é essencial pelas seguintes
razões:
1) a atividade não pode ser reduzida ao que é manifesto e, portanto,
observável. Os raciocínios, o tratamento das informações, o planejamento
das ações podem ser realmente apreendidos por meio das explicações dos
operadores; 2) as observações e medidas são limitadas em sua duração.
Assim, o operador, pela verbalização, pode ajudar a ressituar essas
observações num quadro temporal mais geral; 3) nem todas as
conseqüências do trabalho são manifestas: o operador pode expressá-las e
relacioná-las com características da atividade.
A terceira etapa da AET é a análise da atividade, que corresponde à maneira pela
qual o trabalhador efetivamente realiza sua tarefa para atingir determinado objetivo laboral,
em termos de como dispõe de seu corpo, sua personalidade, suas emoções e suas
competências para realizar um trabalho. Nesse sentido, Daniellou e Jackson Filho (2004, p.
184) descrevem: “Designamos por análise da atividade aquela dos comportamentos, condutas,
processos cognitivos e interações realizadas por um operador ou uma operadora durante as
observações”.
80
A observação ajuda o pesquisador na identificação e obtenção de provas a respeito de
objetivos sobre os quais o indivíduo não tem consciência, mas que orientam seu
comportamento. Lakatos e Marconi (2004, p. 275) definem observação da seguinte forma:
“[...] é uma técnica de coleta de dados para conseguir informações utilizando os sentidos na
obtenção de determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas
também em examinar fatos ou fenômenos que se deseja estudar”.
As observações são de dois tipos, segundo Ferreira (2002): a) livres ou abertas, cujos
objetivos são obter o primeiro acesso às situações de trabalho, estabelecer contato direto com
os trabalhadores e definir critérios para a escolha de situações para uma análise mais fina; b)
sistemáticas, cujo objetivo é efetuar registros quantitativos (variáveis predefinidas, por
exemplo, os deslocamentos na área de trabalho) e qualitativos (variáveis abertas, por exemplo,
a descrição do ciclo de uma tarefa).
No caso deste estudo, utilizou-se observação aberta e sistemática e, também,
observação participante, uma vez que os dados foram colhidos face a face com os operadores,
observados em seu contexto cultural. Com a coleta de dados, viu-se modificar a realidade
analisada mediante a presença do observador, como também o observador foi modificado, à
medida que se envolveu com a pesquisa.
Cada observação era registrada em uma agenda, onde se anotavam a data, a hora de
início e a hora de término da visita, o setor observado, a quantidade de aeronaves do setor e
aspectos gerais e específicos das observações. A rotina das visitas e observações obedecia à
seguinte ordem: era feito um contato inicial com o chefe de sala e depois com o supervisor
setorial, em que se discutia sobre o setor que seria observado. No momento de acompanhar as
operações no posto de trabalho, era solicitada licença aos operadores daquela posição
operacional e sentava-se à esquerda do controlador de setor, de tal forma que não se
interferisse na utilização dos dispositivos técnicos. As entrevistas eram complementares às
observações e aconteciam quase simultaneamente às observações. Nesse caso, os
questionamentos eram feitos em momentos em que o operador estava prestando serviço de
vigilância, a fim de evitar interrompê-lo durante a vetoração de aeronaves ou durante as
coordenações. Enquanto se observava ou se entrevistava, anotavam-se os novos dados na
agenda ou era feito registro de verbalizações com gravador.
Após sair do local da pesquisa, ao retornar para casa, no mesmo dia ou no dia
seguinte, os dados da última visita eram digitalizados e todas as anotações eram descritas em
maiores detalhes. Os discursos eram transcritos na íntegra. Procurava-se, também, descrever a
própria percepção da pesquisadora quanto às observações da última visita. Sempre que
81
possível, correlacionava-se o que era observado e descrito com o que tinha sido discutido por
autores que já haviam sido consultados sobre o assunto.
Segundo Marmaras e Pavard (1999), as tarefas que demandam bastante no nível
cognitivo e são difíceis para os operadores ou que são cruciais para a execução bem-sucedida
do trabalho devem naturalmente ser analisadas.
Nesta pesquisa, os postos de trabalho considerados mais críticos pelos próprios
controladores e supervisores foram escolhidos para ser acompanhados em situação real: setor
de saída e chegada de São Paulo. Buscou-se acompanhar situações de pouco tráfego e
momentos de pico, observou-se a atuação individual e o trabalho em dupla, ou momentos de
risco de incidente, em que a permanência do supervisor setorial era constante, assim como em
situações adversas, em que não operadores e supervisores atuavam, mas também o pessoal
do Serviço de Meteorologia. Pôde-se observar, também, o trabalho da equipe, em períodos de
intensificação do tráfego aéreo, como véspera de feriados ou festividades de final de ano. Foi
possível, ainda, coletar dados em situações consideradas “normais” e em situações de pane de
equipamentos, como radar ou sistema de comunicação (radiofonia).
No decorrer da pesquisa, foi possível, também, acompanhar dois processos de
mudanças nas normas de navegação aérea brasileira: o primeiro deles, em junho de 2004 e o
segundo, em janeiro de 2005. Analisaram-se os impactos de tais mudanças no cotidiano dos
operadores.
A permanência no centro de operações acontecia por cerca de 1h30min em cada visita,
porém, quando se julgava necessário, a duração era maior (cerca de 2h, 3h ou até 4h). No
período de 2004 até meados de 2006 dedicou-se especialmente à análise da atividade, na
busca por acompanhar eventos que facilitassem o entendimento da gestão da variabilidade e
imprevisibilidade nas atividades do controlador de tráfego aéreo. Paralelamente às visitas ao
local de desenvolvimento do estudo, foi-se delineando um novo instrumento de coleta de
dados, que será descrito a seguir.
É importante ressaltar que foi possível acompanhar diversos sujeitos-controladores, ao
longo do processo de observações, entrevistas e aplicação de questionário: a maioria dos
sujeitos que fizeram parte da amostra (35 operadores) havia sido observada e entrevistada
anteriormente, porém, alguns não responderam ao questionário de categorias de análise.
Houve operadores que foram entrevistados apenas uma vez e alguns foram entrevistados em
mais de uma ocasião, sobre assuntos diferentes.
A análise da atividade compreendeu os seguintes estágios, conforme sugerem
Marmaras e Pavard (1999):
82
1. Observação sistemática e registro das operações observáveis. As atividades que foram
observadas nesta pesquisa incluem as ações simultâneas, as comunicações verbais,
auditivas e escritas dos controladores e o manuseio das fichas de progressão de vôo
(strips). A lida com situações imprevisíveis (por exemplo, alterações meteorológicas,
mudanças nos níveis de navegação aérea) também foi foco das observações
sistemáticas;
2. Inferência dos processos e das atividades cognitivas. Nessa etapa, utilizou-se a
verbalização das atividades feitas de modo consecutivo (simultaneamente à execução
da atividade de controle de tráfego aéreo) e de modo retrospectivo (logo em seguida
do registro da atividade, durante as pausas), com auxílio dos dados levantados no
estágio 1;
3. Formulação de hipóteses sobre as estratégias cognitivas por meio da interpretação de
suas atividades cognitivas.
Guérin et al. (2001, p. 144) ressaltam a diferença entre a noção de observação e a de
registro de observações:
O analista vai efetivamente apoiar-se em registros para conservar traços de
sua observação, quer sejam anotações em papel ou códigos num registrador
de eventos. O processo que leva ao estabelecimento desses registros não é
tão inocente quanto pode parecer. Corresponde a uma escolha de eventos
entre aqueles que o observador percebe. Essa escolha é condicionada pela
possibilidade que o observador tem de circunscrever e nomear esse evento, e
evidentemente pelas hipóteses que o orientam.
Utilizou-se, como técnica, o registro das atividades em vídeo, o qual facilitou as
observações sistematizadas e a elaboração da Tabela de Eventos, que foi um recurso
importante para ilustrar o uso de fraseologia no controle de tráfego aéreo e as ações
simultâneas realizadas pelos operadores em momentos de pico e de pouco tráfego. Os
registros englobaram o trabalho individual e o trabalho em equipe.
Para elaborar a Tabela de Eventos, a base foi Guérin et al. (2001). Então, após a
filmagem, que representa um recorte da atividade do controlador, transcreveram-se as
verbalizações e ações. Poucos dias após se fazer esses registros, apresentou-se o vídeo com a
tabela impressa aos atores envolvidos, os quais auxiliaram na compreensão de o que ocorreu,
das decisões por eles tomadas e dos problemas que tinham para resolver.
83
Estruturação e Aplicação do Questionário de Categorias de Análise
A partir da AET, que incluiu consulta a documentos, entrevistas, observações abertas,
sistemáticas e participantes, registro de verbalizações e de eventos, foi possível conhecer o
trabalho do controlador de tráfego aéreo. Esse longo processo de pesquisa conduziu com
clareza à compreensão dos fatores de subcarga e de sobrecarga aos operadores. Dessa forma,
em 2006, construiu-se e aplicou-se um novo instrumento para coleta de dados: um
questionário com 51 perguntas e cinco opções de respostas, a fim de captar a percepção dos
próprios operadores em relação a sua carga de trabalho (formulário no Apêndice). O
questionário foi o instrumento norteador da pesquisa após a AET, mas ele foi, na aplicação,
enriquecido com entrevistas, observações e com registro de verbalizações simultâneas.
Durante a elaboração do questionário, houve participação de alguns supervisores e de
alguns controladores escolhidos ao acaso, que reformularam algumas questões com termos
operacionais, acrescentaram alguma pergunta, sugeriram agrupamento de duas questões e até
mesmo a retirada de alguma pergunta repetitiva.
O questionário incluiu categorias de análises consideradas de subcarga e de
sobrecarga. Em cada grupo de categorias, estruturaram-se fatores de análise técnicos,
organizacionais e humanos, que foram intencionalmente intercalados para não induzir as
respostas.
Para avaliar os fatores de subcarga técnicos, utilizaram-se seis perguntas, os fatores de
subcarga organizacionais e humanos foram questionados com cinco e duas perguntas,
respectivamente. Quanto aos fatores de sobrecarga técnicos, o questionário continha 13
perguntas, os fatores de sobrecarga organizacionais abrangeram 15 perguntas e os fatores de
sobrecarga humanos foram questionados com nove perguntas. Para cada pergunta, havia as
seguintes possibilidades de respostas: totalmente confortável, confortável, desconfortável,
totalmente desconfortável e não aplicável.
Para responder ao questionário, explicava-se inicialmente ao operador o significado de
cada gradação:
Considerou-se totalmente confortável tarefa automatizada que implica mínimo esforço
mental dos operadores.
Confortável seria sentir-se à vontade para a realização da tarefa, sensação de bem-estar
e satisfação.
Desconfortável
incluía tarefas em que o operador não se sente muito à vontade e que
exigem maior atenção.
84
Entendeu-se totalmente desconfortável para tarefas que exigem atenção e
concentração elevadas dos operadores, são desgastantes, pois esforço mental
importante.
Não aplicável incluiria questões a que não se respondeu ou respostas abertas. O
operador não responde a elas, pois incluem fato em que nunca se envolveu
anteriormente, portanto, não tem como responder.
Considerando-se a relatividade inerente aos sistemas complexos, o questionário não se
limitava a respostas fechadas. A partir das perguntas, colhiam-se depoimentos a respeito do
item abordado, com a técnica de verbalização simultânea, o que o caráter qualitativo deste
trabalho.
No questionário foram contempladas, também, perguntas abertas, sobre estudo,
trabalho em outra atividade, quanto ao reconhecimento e valorização no trabalho. O uso de
gravador para registro das verbalizações, durante a aplicação do questionário ou em outras
entrevistas, foi feito mediante concordância dos entrevistados, os quais foram informados
quanto ao sigilo e à confidencialidade das informações prestadas.
Os sujeitos foram convidados a responder ao questionário nas pausas operacionais. Foi
explicado sobre este instrumento de coleta de dados, e a aplicação dele aconteceu pessoal e
individualmente. O local para responder ao questionário, na maioria das vezes, foi a sala de
lanche, por garantir maior privacidade aos entrevistados. Algumas vezes usou-se a sala de
descanso ou a sala de controle. Essa forma de coleta colaborou positivamente com a
participação dos controladores na pesquisa, facilitou a interação entre sujeito e pesquisador,
permitiu observar as eventuais reticências quanto a alguma questão, as ponderações e a
dificuldade de responder sobre algum evento, demonstrada pela demora na resposta ou por
expressões faciais.
3.5.4 Etapa 4: Apresentação e tratamento de dados
Para responder às questões de pesquisa, a carga de trabalho foi a categoria escolhida
para verificar a situação do indivíduo que se sobrecarrega, sofre e adoece, ao mesmo tempo
em que trabalha. A fim de buscar elementos que colaborassem para investigar como se a
lida com o imprevisível e a diversidade ou com a variabilidade de informações,
procedimentos e instrumentos, elegeram-se a AET e o questionário de categorias de análise
como estratégias metodológicas.
A realização da AET e a aplicação do questionário de categorias de análise serviram
para mostrar quais são as estratégias operatórias adotadas pelos operadores como forma de
85
mediação entre o trabalho prescrito e o trabalho real e as conseqüências indesejadas da
relação do ser humano (controlador) com a situação de trabalho: desgaste do operador ou
danos a sua saúde, principalmente, mental. Nesse sentido, Monteiro (2004, p. 65) diz que o
trabalhador:
[...] utilizará estratégias para executar o que lhe é prescrito. A AET, através
da análise da atividade, busca analisar estas estratégias usadas pelo operador
para administrar a distância entre o prescrito e o real, ou seja, entre o que se
deve ou se quer fazer e o que realmente se faz. Neste espaço é que se dará o
olhar sobre o trabalhador.
Os dados coletados durante a pesquisa de campo foram apresentados de modo
descritivo, e buscou-se relacioná-los com a literatura revisada sobre o assunto. Nas
transcrições de verbalizações, os controladores foram identificados por números (de 1 ao 35)
e os supervisores, por letras do alfabeto, com o intuito de manter o sigilo quanto à
identificação dos entrevistados. Entretanto, os operadores entrevistados que não responderam
ao questionário de categorias de análises não foram codificados por números.
Utilizou-se análise estatística nas respostas dadas pelos operadores ao questionário
aplicado e o Teste de Proporções Qui-quadrado, com o objetivo de verificar a existência de
diferença ou não nas proporções de respostas para os itens avaliados (VIEIRA e
HOFFMANN, 1988).
Ocorrem freqüentemente casos de pesquisa em que o cientista está interessado no
número de indivíduos, objetos ou respostas que se enquadram em várias categorias. A prova
do χ
2
é a prova adequada para analisar dados em situações como essas. O número de
categorias pode ser dois ou mais. A técnica usada é do tipo prova de aderência, no sentido de
que pode ser empregada para comprovar se existe diferença significativa entre o número
observado de indivíduos ou de respostas, em determinada categoria, e o respectivo número
esperado, baseado na hipótese de nulidade (VIEIRA e HOFFMANN, 1988).
Hipóteses: H
0
: Não há diferença entre as proporções testadas
H
1
: Há diferença entre as proporções testadas
Conclusões: Se o valor-p for inferior a 0.05 (5%) rejeita-se a hipótese de que não
existe diferença entre as respostas das variáveis testadas.
Para este trabalho, compararam-se as respostas, agrupando-as em: Positivo =
Totalmente confortável + Confortável e em Negativo = Totalmente Desconfortável +
Desconfortável.
86
A condução do processo de análise em ergonomia é uma construção que, partindo da
demanda, elabora-se e toma forma no desenrolar da ação (FERREIRA, 2002). Segundo
Guérin et al. (2001, p. 87):
[...] são inúmeras as idas e vindas entre as diferentes fases: novos elementos
da demanda vão aparecer no decorrer da ação; na análise de uma dada
situação de trabalho pode-se descobrir que é indispensável estudar uma
outra, situada a montante ou a jusante; as observações sistemáticas levarão
eventualmente a um ajuste do pré-diagnóstico e, portanto, a realizar
observações de um tipo diferente.
Em todas as fases da pesquisa, foram necessárias diversas idas e vindas, pois, durante
o longo período demandado no campo, grande quantidade de material foi coletada. Na busca
por descrever como o controlador modifica procedimentos, elabora soluções, faz projeções,
avalia alternativas, como executa seu trabalho individualmente e coletivamente, houve
preocupação com apresentar os resultados de forma organizada e clara, de forma a contribuir
para o processo de entendimento do objeto de estudo.
Na análise de dados, do questionário aplicado, maior ênfase foi destinada aos fatores
de sobrecarga. Os fatores de subcarga serviram para confirmar o que se entendeu como
subcarga e como parâmetro de comparação nas percentagens individuais com os fatores de
sobrecarga. Dessa forma, as tabelas 5, 6 e 9 reproduzem os dados da Tabela 1 (resultados da
subcarga) e da Tabela 2 (resultados da sobrecarga), a fim de facilitar o entendimento dos
resultados percentuais e a comparação entre os dois grupos (sub e sobrecarga). A categoria de
análises foi uma estratégia utilizada, que, somando-se às outras técnicas descritas, permitiu
verificar como se a gestão da variabilidade e imprevisibilidade do controlador de tráfego
aéreo.
Os fatores classificados como técnicos, após sua descrição, foram revisados por um
controlador de tráfego aéreo experiente, na reserva (aposentado) há um ano, o qual se
considerou expert. Essa estratégia visou a evitar informações técnicas distorcidas.
Selecionaram-se, também, no decorrer da pesquisa de campo, os sujeitos que
posteriormente se tornaram informadores chave, pois prestaram ajuda no sentido de preencher
lacunas na fase de descrições. Os sujeitos selecionados foram controladores, supervisores e
instrutores.
87
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na apresentação dos resultados e da discussão, adota-se a estratégia de mostrar os
resultados encontrados contrapondo-os com o que foi encontrado na literatura, por autores que
trabalharam a temática abordada. São apresentados os dados de forma discursiva, que
mostra todas as estratégias que caracterizam a gestão da variabilidade e imprevisibilidade dos
controladores. Os primeiros resultados apresentados neste capítulo são relativos ao trabalho
coletivo no controle de tráfego aéreo e sobre o planejamento para o trabalho e o conhecimento
adquirido com a experiência.
A seguir apresentam-se as categorias de análise, que englobam fatores de subcarga e
de sobrecarga, e maior ênfase é destinada aos fatores técnicos, organizacionais e humanos de
sobrecarga.
Ao final do capítulo apresentam-se dados e discute-se o sofrimento psíquico e o
desgaste do controlador de tráfego aéreo.
4.1 TRABALHO COLETIVO NO CONTROLE DE TRÁFEGO AÉREO
O controle de tráfego aéreo, sendo considerado um sistema complexo, desenvolve-se
em meio a uma rie de interações e conjuntamente a elevada variabilidade, características
que imprimem a adoção de práticas cooperativas entre operadores, a fim de atender às
necessidades de segurança desse sistema, o que foge ao trabalho prescrito.
Sperándio citado por Navarro (1993, p. 92) observa que, “se o caráter coletivo do
controle de tráfego aéreo sempre foi ressaltado, as análises feitas levaram quase
exclusivamente aos processos cognitivos individuais, tanto entre os novatos quanto entre os
antigos”.
No trabalho do controlador de vôo, a cooperação ocorre como forma de “assistência
em situação de relação novato/antigo”, e também ocorre a cooperação baseada na
“complementaridade funcional”, similarmente ao que ocorre no ambiente hospitalar,
conforme descreve Neboit (1993, p. 132), em que níveis de perícia diferentes são postos em
jogo, aqui no caso operador, supervisor, instrutor.
88
Depois de alguns anos, integra de maneira mais sistemática de que um
operador isolado não tem uma existência real na estação de trabalho. De uma
maneira ou de outra, sua atividade se desenvolve em interação com outras
pessoas, seja diretamente (trabalho em equipe) seja por intermédio de
dispositivos técnicos (intercâmbios telefônicos, informáticos).
No local da pesquisa, cada turno de trabalho inicia-se com uma reunião, chamada
briefing, da qual obrigatoriamente participam todos os operadores e supervisores do horário
de trabalho que iniciará. Nessa reunião, são prestadas informações técnicas, aeronáuticas,
administrativas e meteorológicas. Esse momento de troca de informações coletivas tem
duração de cerca de 20 minutos, e a equipe que está chegando recebe apontamentos
importantes, de interesse do grupo para o desenrolar da ação.
Cada equipe de trabalho é constituída por (Figura 3):
1 chefe de sala (oficial);
1 supervisor de equipe (sargento ou suboficial);
3 supervisores setoriais (sargentos ou suboficiais);
13 a 15 operadores (sargentos ou suboficiais).
Setor 3
Chegada de
Sao Paulo
Setor 1
Porto Alegre
Setor 2
Florianopolis
Setor 8
Saida de
Sao Paulo
Setor 4
Saida de
Sao Paulo
Setor 5
Foz do
Iguacu
Setor 6
Campo Grande
Setor 7
Campo Grande
Supervisor de
equipe
Chefe de sala
Celula de
gerenciamento
de trafego aereo
Figura 3: Composição da equipe de controle de tráfego aéreo
Cada supervisor tem sob sua responsabilidade dois ou três setores simultaneamente
(Figura 4). Dependendo da demanda de trabalho, pode haver no mínimo dois e no máximo
oito setores “abertos” (operando). Quando pouco tráfego, é feito o agrupamento de dois ou
três setores. Com pouco tráfego (até seis aeronaves para operação radar), cada posto de
trabalho fica com um operador: o controlador de setor. Quando há muito tráfego (mais de seis
aeronaves) o trabalho no console passa a ser realizado em dupla (controlador de setor e
assistente).
89
Setor 3
Chegada de
Sao Paulo
Setor 1
Porto Alegre
Setor 2
Florianopolis
Setor 8
Saida de
Sao Paulo
Setor 4
Saida de
Sao Paulo
Setor 5
Foz do
Iguacu
Setor 6
Campo Grande
Setor 7
Campo Grande
Supervisor 1
Supervisor 3
Figura 4: Divisão de setores sob responsabilidade dos supervisores
A partir das 20h30 diminuem dois supervisores setoriais, e o supervisor de equipe
também passa a trabalhar como supervisor setorial. Funciona então o que Dejours (1994)
chama de “prática do quebra galhos”, uma vez que os supervisores tentam gerenciar o melhor
possível para atingir os objetivos de produção, apesar do déficit de pessoal, que ocasiona
dificuldades técnicas e humanas, tanto para eles quanto para os operadores.
As situações de trabalho que combinam déficit de pessoal e trabalho em que
numerosas tarefas interagem, como é o caso dos controladores de tráfego aéreo, é apontada
por Wisner (1987) como causa de carga mental elevada.
Como o tráfego aéreo é um sistema dinâmico, as mudanças em termos de número de
operadores na sala de controle também são freqüentes. A cada cerca de uma hora ou uma hora
e meia, o operador é liberado pelo supervisor para o descanso, que dura cerca de 20 minutos.
A comunicação verbal e auditiva é essencial no trabalho dos operadores, ao
administrar a coordenação do tráfego aéreo, no contato com os pilotos de aeronaves, mas
também entre atores, ainda que seja por gestos, olhares ou expressões faciais.
Pode haver problemas de interação entre os membros da equipe, como demonstra a
fala de um operador:
A maioria dos supervisores é tranqüila. O papel do supervisor é ficar ali
observando. Se ele perceber que o controlador não está à altura da
complexidade do tráfego, ele deve substituí-lo. Agora, quando o supervisor
quer invadir e interferir no seu trabalho, é totalmente desconfortável.
90
Assim, em situação real no setor de Porto Alegre, observou-se a correção do
supervisor D quanto à coordenação, pois duas aeronaves iam se cruzar. O supervisor chamou
a atenção dos dois operadores, e o esquerdinha admitiu que errou. Com a intervenção do
supervisor, uma das aeronaves foi restrita, para evitar o conflito. Em outra situação, no setor
de chegada de São Paulo, o mesmo supervisor trocou o assistente, porque: Ele não estava
ajudando o controlador, a coordenação do setor estava desorganizada”.
O ambiente onde a atividade do controlador realiza-se é uma sala ampla, retangular,
onde espaço suficiente para oito consoles, posicionados paralelamente, a formar um
semicírculo (Figuras 3 e 4). Esse tipo de configuração favorece o trabalho cooperativo dos
grupos de controladores de tráfego aéreo. Essa disposição permite a eles observar-se
mutuamente, estar à escuta das conversações que acontecem, favorece a comunicação verbal
ou não verbal e a troca de strips, conforme se observou nas visitas, quando a aeronave
passava de um setor para outro ou quando a strip era impressa no setor não correspondente.
Dessa maneira, relataram eles que, quando em estudo anterior foi sugerido uso de
biombos para isolar o ruído do posto de trabalho vizinho, os controladores manifestaram-se
contrariamente, pois isso interferiria na regulação de seu trabalho, já que algumas vezes
comunicam-se elevando o tom de voz, em vez de usar o telefone, eventualmente se deslocam
entre setores utilizando as rodas das cadeiras, manobra realizada pelos assistentes, sem
precisar se levantar e caminhar.
O espaço da sala de controle também é ocupado por um semicírculo menor,
posicionado atrás dos postos de trabalho dos controladores. Nesse segundo semicírculo
(Figura 3), existe a célula de gerenciamento, onde fica um operador, que detém as
informações relativas ao tráfego aéreo rotineiro e estuda a distribuição dos tráfegos, para
evitar momentos de pico. Também fica localizado o posto de trabalho do chefe de equipe e
dos supervisores. Essa configuração permite o olhar destes em relação aqueles, ou seja, a
observação, o acompanhamento, a orientação dos supervisores em relação aos operadores.
No segundo semicírculo, computadores e telefones, inclusive é onde o supervisor
controla o tempo trabalhado e o tempo de pausa de cada operador. Essa disposição facilita o
deslocamento dos supervisores entre os três setores que estão sob sua responsabilidade e,
quando necessário, favorece a comunicação com supervisores ou operadores dos setores
adjacentes.
Nos momentos de dificuldade, por exemplo, alteração meteorológica, comunicação em
inglês fora da fraseologia, a presença do supervisor é constante, o qual normalmente
permanece em atrás dos operadores, que trabalham sentados. No entanto, nem sempre eles
91
acompanham a rendição (substituição) entre os operadores, conforme está previsto no Modelo
Operacional (BRASIL, 2005).
Por exemplo, no setor de Porto Alegre, em uma das visitas: às 11h35 (zulu: 14h35)
operando não-radar, observou-se o próprio supervisor passando informações ao assistente,
enquanto o controlador de setor era rendido (substituído) por outro operador. Nessa
ocasião, percebeu-se a preocupação do supervisor F em relação à segurança do tráfego, pois
ele permaneceu por cerca de 40 minutos em atrás dos dois controladores, acompanhando,
orientando, coordenando com outro órgão e solicitando separação de decolagem de cinco em
cinco minutos. Atenção redobrada por ser operação não-radar. Está vindo muito tráfego aí.
Eu tenho que segurar as decolagens”, disse o supervisor.
Acompanhando a mesma situação, o trabalho é intenso no setor, aumenta a tensão, não
é possível conversar com o assistente nesse momento. O supervisor permanece junto o tempo
todo (nas duas horas de observação). O telefone não pára de tocar, o assistente atende ao
telefone da direita e o supervisor usa o telefone da esquerda. As comunicações entre
supervisor e operadores são constantes. Enquanto isso, outro supervisor senta-se em uma
cadeira mais alta e fica atrás do posto de trabalho, observando. Após cerca de uma hora de
observação, o assistente assume como controlador de setor, enquanto o controlador
substituído vai para o descanso, e o operador recebe novo assistente. Nesse momento,
percebe-se que o trabalho que era de um pode tornar-se o trabalho de todos. Isso também
acontece devido ao rodízio entre setores.
O supervisor D fala que, em condições de trabalho com eventos inesperados, no setor
onde até então havia somente o controlador (Figura 5, letra A), em poucos segundos, havendo
necessidade, é chamado o assistente (Figura 5, letra B), o coordenador de setor (Figura 5, letra
C), pessoal da meteorologia ou comunicações, ou ambos (Figura 5, letra D), e, dependendo da
gravidade, o supervisor do setor e demais setores adjacentes. Então, ele afirma que o
controlador que diz “eu fiz tal coisa” está totalmente errado, pois, no controle de tráfego
aéreo: “Ninguém faz nada sozinho, isso aqui é um trabalho de equipe!”.
92
A
B
C
D
Figura 5: Organização das equipes de trabalho
Por exemplo, uma decisão tomada por um operador na gestão anterior pode ter
repercussões ao operador que assume o posto de trabalho depois. Em 23/12/2005,
acompanhando o setor de saída de São Paulo, havia duas aeronaves bem próximas, vindas de
São Paulo para Florianópolis. O controlador optou em restringir o vôo da Gol, enquanto o vôo
da TAM passava à frente. A decisão foi pela performance da aeronave. Houve protestos do
piloto do vôo da Gol, entretanto, não houve outra opção ao operador, a o ser ouvir calado,
pois isso ocorreu por uma decisão anterior tomada por outro operador, na gestão anterior.
Nesse exemplo e na maioria dos outros, a preocupação não é com uma única aeronave,
enquanto esse operador procurava resolver esse problema, havia mais cinco aeronaves sob sua
responsabilidade.
São práticas comuns à coletividade do trabalho no controle de trafego aéreo: o
assistente substituir o controlador de setor, o operador trocar de setor após a pausa, o
supervisor trabalhar na operação para não perder a prática.
Nesse espaço coletivo de trabalho no controle de tráfego aéreo, embora cada operador
seja responsável por parte do todo, todos têm acesso à imagem das aeronaves na tela do radar,
93
inclusive do espaço aéreo dos setores adjacentes. Portanto, conhecimento mútuo da
situação em curso, como acontece nas atividades de mergulho profundo descritas por
Figueiredo et al. (2006).
As equipes são compostas por uma hierarquia que depende da experiência e da
competência das pessoas que compõem o coletivo. Então, cada um ocupa um espaço, pelo que
sabe fazer e também pela responsabilidade na operação. Para as autoras Grosjean e Lacoste
(1999, p. 35): “Não há, dado o avanço, uma homogeneidade a priori do grupo, um saber igual
dos membros do coletivo, cada qual é, ao contrário, diferente por seu lugar, pelo ponto de
vista de sua atividade, de sua história; coordenar estas perspectivas múltiplas, é para isso que
serve a comunicação”.
Nas operações não-radar, alterações meteorológicas ou problema de freqüência para
comunicação, enfim, onde a complexidade do trabalho é maior, o operador mais experiente é
designado para trabalhar no setor. Verificou-se que, tão logo o supervisor denote a dificuldade
do operador com alguma situação mais crítica, ele é substituído ou chama-se um assistente.
O supervisor G admite que, quando surge alguma situação atípica, faz o
gerenciamento dos operadores de acordo com a capacidade deles. Por exemplo, os
controladores que trabalham no setor de plano de vôo cumprem escala de serviço no controle
de tráfego aéreo, “para não perder a prática”. Então, ele seleciona esse pessoal para trabalhar
em setores mais tranqüilos.
Observou-se, também, nas visitas ao ACC, que os supervisores concorrem à escala de
serviço de controlador setorial. Tal fato pôde ser acompanhado em 01/08/2006, no setor de
chegada de São Paulo, quando o supervisor D estava operando. Essa forma de organização do
trabalho é uma estratégia para manter-se apto às exigências da atividade no controle de
tráfego aéreo.
Para o supervisor G: Os operadores levam de três a cinco anos para se tornar muito
bons”, e explica o porquê: “Confiança dele mesmo com o serviço, autoconfiança, confiança
do grupo em relação a ele”. Para que o trabalho efetivamente aconteça, é importante não só o
engajamento dos membros da equipe, mas também a confiança do grupo no trabalho de cada
um.
Segundo um supervisor, o que acontece, às vezes, é que o operador menos
competente, “na hora do aperto, começa a atrasar as tarefas. Às vezes, tem uma aeronave
perguntando uma coisa, e ele ainda está falando com outra aeronave que fez uma solicitação
há um tempo atrás”. Nesse caso, também se substitui o operador por outro mais rápido.
Conforme a explicação do supervisor E: Todo mundo é treinado para ver um passo à
frente”, aponta para a imagem do tráfego aéreo e delimita uma determinada área, fazendo um
94
círculo, “esse cara aqui”, referindo-se ao competente, “vai ver dois passos à frente”, delimita
uma área maior, na tela do radar. Ele também está falando da capacidade de antecipação. O
instrutor Alfa descreve a importância da antecipação, a qual ele não acredita estar ligada aos
anos de experiência dos operadores.
No plano da performance ou dos efeitos obtidos, a avaliação que o operador
faz leva em conta um conjunto mais vasto que somente seu posto de
trabalho. Esta avaliação pode, por um sujeito experiente, ser antecipada:
nestes casos, a orientação que se dará a essas ações será baseada nas
previsões que ele faz da evolução dos parâmetros de outras zonas de
trabalho, mas também da capacidade de seus colegas de lhe fazer face. Esta
avaliação poderá se traduzir concretamente pelos processos de regulação
interindividuais, tais como os das mudanças na distribuição das tarefas no
caso de interação entre um operador antigo e um novato (NAVARRO, 1993,
p. 93).
O tipo de exigência cobrada do controlador de tráfego aéreo tem relação com a
antecipação e com a velocidade de raciocínio (percepção, processamento da informação e
tomada de decisão), e isso fica nítido pela fala do operador 35, quando questionado sobre
como se sente ao trabalhar em setor em que o espaço aéreo é pequeno, por exemplo, o de
chegada de São Paulo: “Desconfortável, é muito rápido, não tem muito tempo para pensar”.
Dessa forma, os próprios supervisores devem fazer antecipação ao selecionar
previamente os operadores que julgam capazes de “dar conta do recado”. Essa é uma
estratégia de trabalho. Caso haja discrepância entre demanda de trabalho e desempenho do
operador, pode ser tarde demais para evitar que um risco de incidente se configure em
acidente, daí vem a responsabilidade dos supervisores.
Todos esses aspectos psicológicos estão diretamente relacionados ao contexto que
Pereira (2001, p. 85) chama de básico na ação do piloto e do controlador, a consciência
situacional. Esse termo, consciência situacional (situational awareness), indica uma
capacidade que operadores e pilotos devem ter de percepção correta e continuada do vôo,
incluindo mais do que o permanecer alerta quando há vários estímulos isolados, requer
também compreensão desses estímulos na projeção de um futuro imediato. O êxito nas
atividades de ambos, pilotos e controladores, depende de excelentes níveis de consciência
situacional.
Ao chegar uma chamada ao microfone, todos os membros da equipe do setor a ouvem,
compartilham a mesma informação ou solicitação. Ao chegar uma nova ficha de plano de vôo
(strip), a informação impressa fica disposta no console, de tal maneira que todos do grupo de
trabalho podem ter acesso às informações nela contidas. Todos têm de saber as mesmas
informações.
95
Ao receber uma chamada telefônica, o operador transmite as informações relevantes
aos demais agentes envolvidos, uma vez que não podem ouvi-la diretamente. Da mesma
forma, o supervisor, ao receber uma chamada, transmite aos demais agentes a mensagem.
Assim também, o operador mais experiente, que normalmente é o supervisor ou instrutor,
toma a frente na tomada de decisão, em situações de conflito.
As comunicações entre os membros da equipe de um determinado setor podem se
estender aos operadores de outro setor. Essa comunicação verbal acontece por telefone ou
elevando-se o tom de voz para se fazer ouvir.
Ocorrem freqüentes trocas de informações entre os supervisores e deles com o chefe
de sala. Como normalmente os supervisores ficam em pé, isso facilita o deslocamento entre os
setores sob sua responsabilidade, deslocamento até os setores adjacentes e deslocamento até o
posto de trabalho do chefe de sala. É comum ver o supervisor circulando entre setores,
detendo-se mais nos setores onde há algum problema.
Em período de estágio do operador, enquanto ainda não foi habilitado, pode haver a
figura do instrutor compondo o trabalho coletivo. Esse personagem normalmente se posiciona
muito próximo aos operadores, atrás, entre controlador de setor e assistente. Pode haver,
também, a figura do coordenador de setor, mas isso é incomum (Figura 5, letra C). Esse
agente somente é solicitado em momentos de pico com algum componente atípico, que
interfira na segurança do tráfego aéreo. O papel desse operador é fazer as ligações telefônicas
e atender às chamadas do telefone da esquerda do posto de trabalho.
Percebe-se que o controlador de setor, embora esteja atento ao tráfego, também deve
ficar atento aos outros, aos eventos que ocorrem a sua volta, e isso inclui tanto as
comunicações entre agentes quanto as movimentações realizadas. Em muitas ocasiões,
simultaneamente à fala do supervisor ou do assistente, ele tem de prestar atenção à chamada
ao microfone pelo piloto. Ainda, enquanto ouve determinado número ou código, anota outro
número na strip.
Na fala seguinte pode-se compreender como se o compartilhamento do
conhecimento entre operadores e o aprendizado mediante as experiências vencidas juntos:
Operador 16: É o que eu falo: setor pequeno, planejamento mais difícil. E a
gente vai aprendendo assim, com o tempo, vendo os outros trabalhar, o
pessoal mais velho trabalhando. Então, a gente faz um certo discernimento.
Isso aqui que outro controlador fez, isso é legal! Então você passa a ter
discernimento. Opa, isso daí é legal, eu não faria assim, faria de outro jeito.
Então, por exemplo, o controlador começa a mexer nas proas, e você: Eu
faria de outro jeito.
96
A questão de superar as dificuldades juntos foi relatada por dois supervisores. Em
04/07/2006, houve uma pane geral com perda de freqüência de comunicações, que
interrompeu as decolagens por cerca de uma hora e meia. Com isso, 43 aeronaves não
decolaram, apenas as aeronaves em vôo concluíram o trajeto. Para aumentar a tensão vivida
pela equipe, um político ligou para o Centro questionando quem deveria responsabilizar pela
perda de seu compromisso.
Diante da gravidade da situação, chamada pelo supervisor B de “gerenciamento do
risco”, o funcionamento da equipe foi de cooperação, uma vez que não foi preciso delegar
funções ou atribuições ao grupo, pois cada qual foi tomando iniciativas e medidas preventivas
espontaneamente. Quando se perguntavam: fez tal coisa?”, a resposta era afirmativa.
Assim, houve envolvimento geral de todos os atores, que assumiram seus papéis na resolução
do problema, até restabelecer o sistema de comunicação. Nesse sentido, Neboit (1993, p. 139)
reporta-se a Desnoyer, quando diz que “a situação incidental, a perturbação, o
desfuncionamento são as situações por excelência nas quais se revelam e, por conseguinte,
são analisadas as atividades coletivas do trabalho”.
Na visão do supervisor C, a filosofia do ACC de Curitiba é de divisão espontânea do
trabalho entre eles, o que é muito bom. Diz ele que essa interação não é igual em outros
locais. Em outra ocasião, um chefe de sala comenta a importância do trabalho em equipe:
Quem não consegue trabalhar em equipe, não consegue trabalhar no controle de tráfego
aéreo, e isso é trabalhado desde a escola”.
Aspecto positivo verificado na maioria dos trabalhadores é que fazem o de que
gostam; o discurso é de que são apaixonados pelo que fazem. Segundo Codo, Sampaio e
Hitomi (1993, p.190): “Quando trabalhamos em condições gratificantes, gostamos do produto
realizado, alguns até se apaixonam por ele, como os escritores, por exemplo. Mas quando
trabalhamos subjulgados [sic], imprimimos raiva ao produto”.
Existe no controle de tráfego aéreo um referencial operativo partilhado pelos
controladores e o uso diário de linguagem operacional e militar de conhecimento mútuo, por
exemplo, cotejar, render, resetar”, pagar alternativa, esquerdinha etc. Essa comunicação é
um dos elementos da cultura organizacional, que faz com que as pessoas se identifiquem com
a organização e se sintam “em casa”, mas também tem finalidade de facilitar a ão. Lacoste
(1991) citada por Navarro (1993, p. 94-95) descreve que
“A comunicação serve para planejar,
acompanhar, modificar, coordenar, negociar, discutir, avaliar a ação prática”, portanto, serve
para guiar os conhecimentos úteis à ação.
97
4.2 COMO O CONTROLADOR PLANEJA O TRÁFEGO AÉREO/CONHECIMENTO
ADQUIRIDO COM A EXPERIÊNCIA
Constatou-se entre os operadores conhecimento tácito e compartilhado entre as
equipes, que não está escrito, ele é passado como dica ou macete do operador mais experiente
ao novato. O caso do operador 18 ilustra essa situação, quando questionado sobre como
consegue “dar conta do recado”, apesar da precariedade de equipamentos e déficit de pessoal:
A gente sabe os setores que dão mais problemas e as posições que vão falhar”. Refere-se
aos locais em que falha na detecção radar, que prejudica a imagem das aeronaves no
espaço aéreo: “Quando a aeronave passa em cima do radar, a aeronave não aparece, e logo
voltará, ou onde o radar tem potência reduzida, por exemplo, no setor norte, tráfego baixo. A
gente sabe que o tráfego some mesmo”, refere-se a aeronaves de baixa performance, voando
abaixo do nível 150 (aeronaves que o radar não capta). Conforme o operador, isso também
acontece em relação à pista falsa e ao mecanismo anticolisão.
Pista falsa corresponde à imagem na tela do radar de aeronaves falsas, que acontece
por um defeito no radar. Assim, conforme relato de um operador-instrutor, aprendem a
desconsiderar pista falsa, pois a reconhecem, observando a regularidade da pista. Geralmente,
a altitude da aeronave esincompatível com a velocidade ou a aeronave está extremamente
veloz.
O mecanismo anticolisão aparece para os controladores com a imagem de legendas
piscando na tela do radar. Esse sistema é acionado quando duas aeronaves estão próximas, e
isso pode levar a um conflito. O sistema deveria funcionar para chamar a atenção dos
operadores, porém, no caso de pista falsa, o sistema é acionado falsamente, pois o sistema de
radar entende que corresponde a outra aeronave e começa a piscar.
A falta de confiabilidade no sistema faz com que o controlador de trafego aéreo adote
estratégias operatórias que repercutem em risco para a segurança na aviação, porque o
mecanismo anticolisão é acionado falsamente, em algumas situações. Por exemplo, quando a
aeronave passa por uma nuvem, o sistema radar entende isso como risco de colisão com outra
aeronave, como ilustra o discurso do operador abaixo:
Depois de um certo tempo, o controlador aprende que o mecanismo
anticolisão [legenda piscando na tela do radar], muitas vezes aparece, mas
não é verdade que as aeronaves estão muito próximas. Então, para não ficar
sendo incomodado, o que ele faz? Diminui o botão de impressão das
legendas. Só que, com isso, o que pode acontecer é que em um momento que
aquele mecanismo for real o operador não dê a devida importância, e
ocorra um acidente.
98
Assim, passam-se meses ou anos com o sistema indicando problemas sabidamente
falsos, que são devidamente desconsiderados na operação cotidiana, até que um dia o sistema
anticolisão ativado não é falso. Como alguém pode distinguir essa situação de risco real dos
milhares anteriores em que o risco era apenas fictício?
As instituições responsáveis, por não conhecerem a real condição em que o operador
trabalha e os próprios operadores, muitas vezes, conduzem suas atividades com certa
acomodação e excesso de autoconfiança, como denota a fala de um dos controladores: Você
passa um tempo no tráfego e você vai se anestesiando, você acha que o acidente nunca vai
acontecer”.
Analisando-se a fala do operador 16, percebe-se a importância da antecipação, no
controle de tráfego aéreo e também a existência de grande preocupação, por parte dos
controladores, com relação ao bem-estar dos pilotos. Então, esse trabalho, que aparentemente
é frio e impessoal, na verdade, tem um componente que não aparece à primeira vista,
carregado de emoção e de afetividade, o qual gera tensão e sofrimento aos operadores.
Operador 16: Isso veio com a experiência. Isso a gente analisa em outras
pessoas trabalhando, antecipação, planejamento, tudo isso. E o mais
importante de tudo, para quê? Evitar na frente, evitar começar a mexer
em proa de aeronave. Aumentar o risco. Se pegar uma proa direta, porque
as proas diretas vão resolvendo: as aeronaves ajudam e a gente fica
perfeito para trabalhar. Então, eu já vou fazendo essa análise. Se decolar de
tal lugar, o que eu vou fazer? Exemplo: vai decolar de Curitiba. Não
decolou de Curitiba, estava aqui, mando direto, porque ele vai ser o
primeiro. Entendeu? vou pensando. Agora, se ele tivesse passando esse
ponto e o outro tivesse lá, vamos supor, se os dois estivessem passando o
mesmo ponto, o que eu faria: “Ah, não, esse vai passar junto com esse, num
tá nem...” Se você chega aqui e fala para o cara curvar nessa proa que vem,
ele vai chiar, quer dizer, vai chiar não, mas vai ser uma proa muito brusca
para ele. Se ele está na decolagem aqui de Paranaguá, que é para 5108, 110
arredondando, e você pede para ele manter a proa, não é tão ruim quanto
ele ter que fazer a curva.
Pesquisadora: Ele vai gastar mais tempo nessa curva?
Operador 16: Exato, porque ele vai utilizar uma proa que... Então, está
perdendo ali muito tempo, vai manter a proa ou curva mais acentuada a
direita...
Ficou claro pela pesquisa, assim como nos estudos de Pavard (2006) em sistemas
complexos, que o operador resolve o problema à medida que trabalha, pois é impossível
predizer todos os eventos que podem ocorrer e em que momentos acontecerão. Além disso,
dificuldade de explicar exatamente o que faz, como faz e por que o faz, se não está em
situação efetiva (no contexto do problema). Entretanto, em situação real, muitas vezes, as
99
falas são interrompidas pelas próprias demandas do trabalho, porém, pode-se questionar após
o evento.
Outra questão levantada por Pavard (2006) e que se pôde verificar no estudo: não é
possível ter um modelo normativo completo do processo de tomada de decisão (da cognição),
especialmente num ambiente complexo. O diálogo entre a pesquisadora e um operador, em
uma das observações com a técnica de verbalizações simultâneas, ilustra essas situações e a
dificuldade de expressar como pensa, devido às interrupções pelo tráfego aéreo:
Pesquisadora: São duas aeronaves na mesma altitude, vamos supor, e que
elas chegariam ao mesmo ponto. Elas colidiriam. Quando você tem que
decidir entre uma e outra, tem algum critério que você usa para decidir
quem vai primeiro?
Operador: Depende da situação. Cada situação é uma situação diferente.
Numa situação assim, por exemplo, dois caras com a mesma distância para
essa posição aqui, tem um Air Bus e um Foker 100, você sabe que o Air Bus
tem uma performance muito maior do que o Foker 100. Nesse caso, pela
performance, eu colocaria o Foker 100 atrás dele.
Pesquisadora: Hum, pela performance da aeronave.
Operador: Agora tem outra coisa, se o Foker 100 está muito na frente do
outro...
Pesquisadora: São várias situações diferentes. Vamos supor que os dois têm
a mesma performance, tem gente que me falou que decide pela distância
em que o cara decolou, se ele já está vindo de muito longe...
Operador: Pode ser, pode ser. Mas isso é um caso que, por exemplo, assim
[interrupção] [...] Tem dois caras indo para cá [mostra um ponto na tela do
radar] com o mesmo tipo de aeronave. Aí o critério pode ser a performance.
Pesquisadora: Para um e o outro avançar, faria o quê? A curva?
Vetoração?
Operador: Vou vetorar para... Nesse caso, vou fazer isso. Para esse cara
aqui vou dar uma proa para a direita. A vantagem é menos tempo. Se eu
vetorar esse cara aqui em baixo, eu acho que...
Pesquisadora: Você acha que fica uma situação desagradável se você
deixar um deles mais tempo...?
Operador: Eu não estou preocupado com isso. Eu não penso nisso.
Pesquisadora: Ele não tem essa imagem do tráfego aéreo que você tem.
Operador: Ele não tem condições de saber o que está acontecendo.
[interrupção].
Operador: Eu acho que eu vou fazer isso mesmo.
100
Pesquisadora: Quer dizer que, em uma mesma situação, você poderia tomar
várias atitudes diferentes?
Operador: É isso.
Pesquisadora: E você acha que em outro momento talvez você tomasse uma
atitude diferente?
Operador: Nessa situação, eu faria assim mesmo, porque esse está na frente
já, ele está na frente desse cara aqui. Está bem definido aqui. Se eu fosse
jogar o outro para trás, eu ia ter que abrir, eu ia ter que passar ele, passar o
outro. [interrupção].
Em outra situação vivida no setor de chegada de São Paulo, em que o operador estava
com duas aeronaves (TAM 3006 e TAM 3102) para entregar ao APP de São Paulo, ele
solicitou que uma das aeronaves realizasse uma curva à direita. Dessa forma, a aeronave que
era mais veloz foi à frente, o vôo da TAM 3102. Quando questionado ao operador se sempre
fazia assim, respondeu que não, pois geralmente faz a curva para a esquerda, porque é contra
o vento e atrasa ainda mais a aeronave. Nesse caso, como curvou à direita, a aeronave ganha
um pouquinho de velocidade, porque o vento está nesse sentido, mas, como ela estava voando
baixo (nível 230), preferiu fazer assim. Outro critério que ele pondera é o tipo de aeronave,
considera o desempenho da aeronave. Por exemplo, não vai colocar uma aeronave mais veloz
atrás de uma lenta.
O piloto do vôo da TAM 3006 questionou o motivo da vetoração, ao que obteve a
resposta do operador: Seqüenciamento”. O APP de São Paulo estava solicitando 20 milhas
de separação e o controlador entregou as aeronaves com 24 milhas de separação. Então, por
esse episódio, verifica-se que realmente pode haver relação tensa entre pilotos e
controladores, em que freqüentemente a decisão tomada por um é questionada pelo outro.
4.3 CATEGORIAS DE ANÁLISE
A estruturação do questionário das categorias de análise (Apêndice) visou a captar a
percepção do controlador de tráfego aéreo em relação a sua carga de trabalho, ou seja, a
confortabilidade
em relação ao conteúdo do trabalho e a relação desses aspectos com a gestão
da variabilidade e imprevisibilidade.
A principal dificuldade na elaboração dessa investigação e até mesmo da resposta por
parte dos entrevistados relaciona-se à dificuldade em decompor um sistema complexo, em que
infinitas variáveis interagindo, razão pela qual muitas respostas do questionário foram
101
abertas: depende do número de tráfegos”, depende das condições meteorológicas”, ou seja,
depende da realidade do momento, a qual não é possível predizer.
Os fatores que foram encontrados em decorrência da análise do trabalho foram
classificados em diferentes tipos de carga que, ainda, subdividiram-se em fatores de subcarga
e fatores de sobrecarga. Esses fatores são:
Fatores de Subcarga
Fatores técnicos de subcarga
1. Poucas aeronaves (até seis);
2. Poucas coordenações;
3. Poucas vetorações;
4. Pouco seqüenciamento;
5. Plano de vôo preenchido eletronicamente;
6. Operação radar;
7. Sem falha na detecção do radar;
8. Freqüências para comunicações em boas condições;
9. Boas condições meteorológicas;
10. Sem áreas restritas ativadas;
11. Todas as aeronaves sendo captadas pelo radar;
12. Setor com poucos cruzamentos.
Fatores organizacionais de subcarga
1. Separações entre setores e/ou órgãos conforme previsto;
2. Tempo suficiente para a tomada de decisão;
3. Grande parte do tempo é de serviço de vigilância;
4. Poucas ações simultâneas;
5. Espaço aéreo do setor é grande;
6. Trabalho no horário mais produtivo;
7. Trabalho após dois dias de folga;
8. Comunicações e fraseologia somente em língua portuguesa;
Fatores humanos de subcarga
1. Trabalho sem atrito com piloto de aeronave
2. Aerovias e pontos de notificação bem memorizados;
102
3. Bom relacionamento com supervisor ou assistente;
4. Trabalho sem problema pessoal;
5. Trabalho após uma boa noite de sono;
Fatores de Sobrecarga
Fatores técnicos de sobrecarga
1. Grande número de aeronaves (seis ou mais);
2. Grande número de coordenações;
3. Grande número de vetorações;
4. Grande número de seqüenciamentos;
5. Preenchimento de strip manual e plano AFIL;
6. Operação não-radar e falha na detecção do radar;
7. Aeronaves que o radar não capta;
8. Problemas de freqüência para comunicações;
9. Formações meteorológicas;
10. Áreas restritas ativadas (regiões de tiros de guerra, pára-quedismo);
11. Grande número de cruzamentos.
Fatores organizacionais de sobrecarga
1. Trabalho individual ou com assistente;
2. Freqüentes recoordenações de níveis entre setores e/ou órgãos;
3. Tomada de decisão extremamente rápida;
4. Aeronave com enfermo a bordo/Seqüenciamento de aeronave com enfermo a bordo;
5. Aeronave com autoridade a bordo;
6. Grande número de ações simultâneas (manuseio de strip, teclado, telefone,
microfone)/Interação com o console;
7. Espaço aéreo do setor é pequeno;
8. Quanto às escalas de trabalho:
8.1 Turno de trabalho (trabalho no horário menos produtivo);
8.2 Escala de trabalho alternada;
8.3 Trabalho em finais de semana ou feriado;
8.4 Trabalho no terceiro dia consecutivo;
8.5 Escala militar e operacional;
9. Comunicação em língua estrangeira/Informações em inglês fora da fraseologia;
103
10. Valorização por parte dos colegas;
11. Não reconhecimento pelos superiores hierárquicos.
Fatores humanos de sobrecarga
1. Atrito com piloto de aeronave;
2. Operando em um setor em que já se envolveu anteriormente em risco de incidente;
3. Dificuldade de memorizar aerovias ou pontos de notificações;
4. Problemas de interação com supervisor ou assistente;
5. Trabalho com problema pessoal;
6. Trabalho após uma noite de sono ruim;
7. Presença de chefia direta no setor ou presença de comando.
Resultados da aplicação do questionário
Essa classificação das cargas orientou a construção do questionário. Os resultados da
aplicação do questionário, divididos em subcarga e sobrecarga, são analisados na seqüência:
4.3.1 Resultados da Subcarga
Na análise da subcarga, o Gráfico 1 ilustra a percepção dos controladores quanto ao
somatório dos fatores técnicos, organizacionais e humanos e a análise estatística individual
consta na Tabela 1. As respostas ao questionário aplicado (Tabela 1) condizem com a análise
do trabalho previamente realizada e, portanto, com o que se considerou como subcarga aos
operadores, já que o somatório de confortáveis e totalmente confortáveis chega a 96,7% dos
entrevistados.
Os fatores de subcarga foram utilizados como parâmetro de comparação com os
fatores de sobrecarga na análise percentual para alguns aspectos do trabalho dos operadores,
os quais serão discutidos neste capítulo.
104
45,5%
51,2%
2,0%
1,1%
0,2%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Tot. Confortável Confortável Desconfortável Tot.
Desconfortavel
Não Aplicável
Gráfico 1: Percepção dos operadores quanto aos fatores de subcarga
Tabela 1: Resultados do questionário aplicado quanto aos fatores de subcarga
Atribua um conceito aos
critérios abaixo:
Totalmen-
te confor-
tável
Confor-
tável
Descon-
fortável
Total-
mente
descon-
fortável
Não
Aplicável
4. Freqüências em boas condições 60,0% 40,0% 0,0% 0,0% 0,0%
6. Quando estou trabalhando com
menos de 6 aeronaves
43,8% 50,0% 6,3% 0,0% 0,0%
8. Quando trabalho com poucas
coordenações
34,3% 65,7% 0,0% 0,0% 0,0%
12. Operação radar 45,7% 54,3% 0,0% 0,0% 0,0%
17. A maioria das strips são
eletrônicas
62,9% 37,1% 0,0% 0,0% 0,0%
19. Sem alterações meteorológicas 57,1% 42,9% 0,0% 0,0% 0,0%
Fatores Técnicos -
SubCarga
10. Espaço aéreo grande 15,6% 68,8% 9,4% 6,3% 0,0%
25. Fraseologia e comunicações em
português
48,6% 51,4% 0,0% 0,0% 0,0%
28. Trabalho após 2 dias de folga 47,1% 52,9% 0,0% 0,0% 0,0%
36. Grande parte do tempo é de
serviço de vigilância
35,3% 58,8% 5,9% 0,0% 0,0%
41. Quando há tempo suficiente
para a tomada de decisão
54,3% 45,7% 0,0% 0,0% 0,0%
Fatores Organizacionais -
SubCarga
105
1. Quando dormi bem na noite
anterior
50,0% 44,1% 0,0% 5,9% 0,0%
5. Quando me identifico com as
aerovias e pontos de notificação de
um setor. Qual?
54,3% 42,9% 0,0% 0,0% 2,9%
Fatores Humanos -
SubCarga
4.3.2 Resultados da Sobrecarga
Os resultados quanto aos fatores de sobrecarga aos controladores são detalhados a
seguir, primeiramente, analisa-se o somatório geral (técnicos, organizacionais e humanos) e
depois, cada subgrupo especificamente.
O Gráfico 2 ilustra o somatório dos fatores de sobrecarga técnicos, organizacionais e
humanos de acordo com as respostas dos operadores ao questionário aplicado. Verifica-se que
não há diferenças percentuais importantes entre o grupo de controladores com respostas
positivas (totalmente confortável e confortável) e o grupo de controladores com respostas
negativas (desconfortável e totalmente desconfortável). Esse resultado da análise estatística
contrapõe-se, de certa forma, a outras técnicas utilizadas na pesquisa para coleta e análise de
dados, como, por exemplo, registro de verbalizações e análise do discurso e as próprias
observações do contexto de trabalho, em que fica fácil compreender que muito do que foi
questionado gera sobrecarga, elementos que serão apresentados ao longo do capítulo.
Depreende-se, também, que esse resultado sofre influência da cultura organizacional, por
implicitamente haver restrição nas falas, pela subordinação e pelo receio de sanções ou de
punições.
106
Gráfico 2: Percepção dos operadores quanto aos fatores de sobrecarga
Quando se analisam individualmente os três subgrupos de fatores (técnicos,
organizacionais e humanos), o teste de proporções Qui-quadrado demonstra que houve
diferença significativa entre respostas positivas e negativas para os três grupos. Nos fatores
organizacionais, pesaram mais os aspectos positivos e, nos fatores técnicos e humanos, houve
predominância de respostas negativas, conforme os dados apresentados a seguir.
Análise geral – Fatores Técnicos (Sobrecarga)
Positivo Negativo Casos Valor-p
36,5%
X
63,3% 436 0,0000*
Análise geral – Fatores Organizacionais (Sobrecarga)
Positivo Negativo Casos Valor-p
71,4%
X
26,9% 535 0,0000*
Análise geral – Fatores Humanos (Sobrecarga)
Positivo Negativo Casos Valor-p
30,3%
X
48,7% 304 0,0000*
Onde o valor-p (*) apresentou valores inferiores a 0,05 significa que existem evidências
estatísticas de diferença entre os itens dos percentuais testados.
A Tabela 2 ilustra o resultado estatístico de cada questão aplicada aos operadores
quanto aos fatores de sobrecarga: técnicos, organizacionais e humanos. Pode-se perceber por
essa tabela que houve predomínio de respostas de desconforto pelos operadores para questões
como: alterações meteorológicas, quando necessitam fazer muitas coordenações, problemas
107
de freqüência para comunicações e falha na detecção radar. Todos esses itens e os demais
serão discutidos a seguir.
Tabela 2: Resultados do questionário aplicado quanto aos fatores de sobrecarga
Atribua um conceito aos
critérios abaixo:
Totalmen-
te confor-
tável
Confor
-tável
Descon-
fortável
Total-
mente
descon-
fortável
Não Apli-
cável
3. Preenchimento de strip manual 11,4% 31,4% 51,4% 5,7% 0,0%
7. Freqüentes formações
meteorológicas
0,0% 12,1% 81,8% 6,1% 0,0%
9. Quando necessito fazer muitas
coordenações
5,7% 20,0% 71,4% 2,9% 0,0%
11. Problemas de freqüência são
comuns
0,0% 0,0% 38,2% 61,8% 0,0%
18. Quando a operação é não radar 2,9% 35,3% 55,9% 5,9% 0,0%
20. Áreas restritas ativadas 6,5% 35,5% 58,1% 0,0% 0,0%
21. Aeronaves que não aparecem
no radar
5,9% 32,4% 47,1% 14,7% 0,0%
29. Grande nº de cruzamentos 6,1% 30,3% 63,6% 0,0% 0,0%
34. Necessita muito
seqüenciamento
9,4% 53,1% 34,4% 3,1% 0,0%
35. Necessita muita vetoração para
evitar tráfego
5,7% 31,4% 51,4% 8,6% 2,9%
39. Operando com 6 ou mais
aeronaves
6,3% 71,9% 21,9% 0,0% 0,0%
45. Falha na detecção radar 0,0% 14,7% 61,8% 23,5% 0,0%
46. Plano AFIL 0,0% 50,0% 41,2% 8,8% 0,0%
Fatores Técnicos -
SobreCarga
2. Espaço aéreo do setor é pequeno
18,8% 68,8% 12,5% 0,0% 0,0%
13. Trabalhando com assistente 26,5% 73,5% 0,0% 0,0% 0,0%
14. Trabalhando sozinho 30,0% 63,3% 6,7% 0,0% 0,0%
24. Comunicação em língua
estrangeira
14,3% 71,4% 14,3% 0,0% 0,0%
26. Manuseio de strip, teclado,
telefone e microfone
18,2% 42,4% 33,3% 3,0% 3,0%
27. Trabalho no 3º dia consecutivo 6,3% 65,6% 21,9% 0,0% 6,3%
30. Trabalho no turno da manhã 14,3% 60,0% 22,9% 2,9% 0,0%
31. Trabalho no turno da tarde 17,1% 68,6% 11,4% 0,0% 2,9%
32. Trabalho no turno da noite 2,9% 51,4% 34,3% 5,7% 5,7%
37. A tomada de decisão deve ser
extremamente rápida
3,0% 48,5% 45,5% 3,0% 0,0%
40. Quando estou trabalhando em
dias de feriado ou final de semana
me sinto
17,6% 44,1% 35,3% 2,9% 0,0%
108
42. Informações em inglês, fora da
fraseologia
2,9% 40,0% 48,6% 8,6% 0,0%
49. Quando há aeronave com
enfermo a bordo
11,4% 77,1% 11,4% 0,0% 0,0%
50. Seqüenciamento de aeronave
com enfermo a bordo
9,4% 40,6% 43,8% 0,0% 6,3%
51. Quando há autoridade a bordo 12,9% 74,2% 12,9% 0,0% 0,0%
Fatores Organizacionais -
SobreCarga
15. Quando tenho dificuldade em
memorizar as aerovias ou pontos
de notificação de um setor
0,0% 21,2% 45,5% 0,0% 33,3%
16. Problemas de interação com o
supervisor
0,0% 12,1% 27,3% 15,2% 45,5%
22. Atrito com piloto de aeronave 2,9% 11,8% 38,2% 41,2% 5,9%
23. Quando estou trabalhando em
um setor em que já me envolvi
anteriormente em risco de
incidente
5,9% 26,5% 14,7% 5,9% 47,1%
33. Trabalhando com problema
pessoal
5,9% 23,5% 58,8% 2,9% 8,8%
38. Presença da chefia direta no
setor
9,1% 57,6% 30,3% 3,0% 0,0%
43. Quando estou trabalhando com
um assistente com quem já tive
problemas de interação
2,9% 8,6% 31,4% 8,6% 48,6%
44. Presença do comando no setor 9,1% 54,5% 24,2% 12,1% 0,0%
48. Quando não dormi bem na
noite anterior
2,9% 20,0% 62,9% 14,3% 0,0%
Fatores Humanos -
SobreCarga
4.3.2.1 Fatores técnicos de sobrecarga
Os fatores técnicos de sobrecarga representam a maior percentagem de desconforto,
quando comparados aos fatores de sobrecarga organizacionais e humanos: 52,3% do total dos
sujeitos investigados relataram que se sentem desconfortáveis em relação aos fatores tratados
nas perguntas desse item e 11% sentem-se totalmente desconfortáveis, conforme demonstra o
Gráfico 3.
109
4,6%
31,9%
52,3%
11,0%
0,2%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Tot. Confortável Confortável Desconfortável Tot.
Desconfortavel
Não Aplicável
Gráfico 3: Percepção dos operadores quanto aos fatores técnicos de sobrecarga
O teste de proporções Qui-quadrado foi utilizado para análise individual dos itens
questionados quanto aos fatores de sobrecarga técnicos. De acordo com a Tabela 3, verifica-se
que as perguntas (em vermelho) de número 07 (trabalho com freqüentes formações
meteorológicas), 09 (quando necessito fazer muitas coordenações), 11 (problemas de
freqüência, de comunicações são comuns), 29 (quando grande número de cruzamentos) e
45 (falha na detecção radar) apresentaram diferença significativa para o lado negativo
(desconfortável e totalmente desconfortável).
Houve diferença significativa no item 34 (quando se necessita muito seqüenciamento)
e 39 (operando com seis ou mais aeronaves), porém, pesa mais para o aspecto positivo
(confortável ou totalmente confortável).
110
Tabela 3: Análise individual de fatores técnicos de sobrecarga
Item Positivo x Negativo Casos Valor-p
03 42,8% 57,1% 35 0,2357
07 12,1 87,9 33 0,0000*
09 25,7 74,8 35 0,0001*
11 0,0 100,0 34 0,0000*
18 38,2 61,8 34 0,0559
20 42,0 58,0 31 0,2126
21 38,3 61,7 34 0,0580
29 36,4 63,6 33 0,0334*
34 62,4 37,5 32 0,0508*
35 37,1 60,0 35 0,0595
39 78,2 21,9 32 0,0000*
45 14,7 85,3 34 0,0000*
46 50,0 50,0 34 1,0000
Portanto, a Tabela 3 ilustra os itens que mais pesam na carga de trabalho dos
operadores, os quais serão discutidos neste capítulo. Percebe-se que a carga de trabalho do
controlador de tráfego aéreo não tem relação somente com o número de aeronaves, que
houve diferença significativa de confortáveis em relação ao grupo dos desconfortáveis, ao
operar com maior número de aeronaves, item que será discutido na seqüência.
4.3.2.1.1 Quanto ao número de aeronaves
Não existe padronização internacional que estabeleça quantas aeronaves um
controlador de tráfego aéreo tem condições de monitorar simultaneamente. Segundo a
Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), cabe às autoridades aeronáuticas de cada
país estipular esse mero. No Brasil, o Departamento de Controle do Espaço Aéreo
(DECEA) estabelece o número máximo de aeronaves por setor, baseando-se em cálculos
matemáticos (BRASIL, 2004, p.4):
A capacidade de controle simultâneo no setor determina o número máximo
de aeronaves que podem estar simultaneamente sob responsabilidade de um
determinado setor de controle. Considera-se neste lculo o fator de
disponibilidade do controlador: o percentual de tempo disponível para as
comunicações terra-ar com as aeronaves (transmissão/recepção). Considera-
se também: distância média percorrida pelas aeronaves, número médio de
comunicações terra/ar, tempo médio de duração de cada mensagem e
velocidade média das aeronaves no setor.
Quanto ao ACC de Curitiba, a quantidade de aeronaves por setor consta na Tabela 4.
O termo “saturado” indica que o setor está com o número máximo de aeronaves. O setor
111
congestionado é um sinal de alerta (sinal amarelo) para que sejam tomadas medidas de
controle de fluxo, a fim de evitar a saturação.
Conforme a prescrição do trabalho do controlador de tráfego aéreo analisado, durante
a prestação do serviço radar, dois ou mais setores podem ser agrupados, dependendo do
número e da situação do tráfego aéreo. Quando decidido pelo agrupamento de setores, o
somatório do número de aeronaves voando não deverá exceder oito tráfegos.
Independentemente do número de aeronaves voando, no mínimo duas posições operacionais
devem permanecer ativadas no ACC de Curitiba, e os setores de chegada de São Paulo e de
saída de São Paulo não devem ser agrupados entre si (BRASIL, 2005).
Tabela 4: Distribuição das aeronaves por setor no ACC de Curitiba
SETORES CONGESTIONADO
Opr Radar
SATURADO
Opr Radar
CONGESTIONADO
Opr Não-Radar
SATURADO
Opr Não-Radar
S 01 12 15 7 10
S 02 11 14 7 10
S 03 11 14 7 10
S 04 11 14 7 10
S 05 12 15 7 10
S 06 12 15 7 10
S 07 12 15 7 10
Fonte: BRASIL. Modelo Operacional... 2005, p. 24.
Quando o número de aeronaves voando no setor for igual ou inferior a seis
aeronaves, tratando-se de prestação de serviço radar, a posição de assistente
de controlador de setor poderá ser desativada. Caso a operação seja não-
radar, esta posição poderá ser desativada quando o número de aeronaves
voando no mesmo for igual ou inferior a quatro aeronaves. Quando situações
especiais exigirem, tais como emergência ou desvios de formações
meteorológicas, a posição de assistente de controlador deverá permanecer
ativada, independente do número de aeronaves voando no setor (BRASIL,
2005, p. 24).
Ainda conforme o trabalho prescrito, não devem ser agrupados setores quando a
operação em um deles for não-radar, a não ser que seja a última alternativa, no caso de algum
tipo de pane técnica que, após análise criteriosa do chefe de equipe ou supervisores, resultar
como a melhor possibilidade na prestação de serviço de controle de tráfego aéreo.
Observou-se, por meio da análise da atividade, que muitas ocasiões em que poucas
aeronaves em vôo, de acordo com a trajetória, de acordo com as freqüências para
comunicações, de acordo com formações meteorológicas, podem ser muito mais complicadas
112
do que momentos em que há, por exemplo, 10 aeronaves e o operador com assistente. É o que
ilustram as explicações dos operadores, a seguir:
Operador 9: Depende de outros fatores, decolagem de São Paulo, as
aeronaves passam acima do radar de São Roque. Você não consegue
visualizar. Depende das direções dos vôos.
Operador 10: Depende das situações de tráfego.
Operador 11: Depende, se o telefone toca seguido, não tem radar,
freqüência não está tão boa. É relativo.
Operador 13: Depende da situação também. Depende se está radar ou não,
depende da freqüência, depende do setor também. Tem setor que tem risco
de cruzamentos, a gente passa todas as aeronaves niveladas, tem setor que
não. Então, o que a gente faz? Passa nivelada. no caso, quais podem dar
problema? Tem setor ali com 12 tráfegos que é tranqüilo e está sossegado,
outros com oito, assim, que está complicado. Então, depende da situação.
Essa idéia de que pouco tráfego não implica risco de incidente é errada.
Um operador relatou que na hora do aperto, fica tudo bagunçado”, ao referir-se à
organização do console. Quando questionado sobre o que ele considera “hora do aperto”,
relatou que é quando problema de seqüenciamento, e não depende do número de vôos.
Para ele, a dificuldade dá-se pela direção dos vôos.
Conforme descrição de outro operador, particularidades pertinentes a cada setor
operacional e há situações diferenciadas que devem ser consideradas:
Quando a gente fala sobrecarga de trabalho diferenciada, você tem três
aeronaves num setor e três no outro. Eles têm características diferentes: às
vezes, você está com as aeronaves niveladas, não tem conflito nenhum e
você passa automaticamente no órgão. Automaticamente vai passar para o
setor de rede que nós temos aqui. Se você tiver 10 aeronaves, todas
niveladas e já separadas, você passa todas elas para São Paulo,
automaticamente, sem precisar de nenhuma coordenação por telefone.
Outras, se você tiver cinco aeronaves e tiver que coordenar todas as cinco,
você tem uma carga de trabalho diferente. Cada setor tem uma
característica diferente, tem suas peculiaridades. Você pode ter somente três
e ter uma grande dificuldade, por causa da quantidade de ações que você
tem que tomar em relação àquele vôo. Então, a carga de trabalho não é por
quantidade de aeronaves, é por aquilo que você tem que fazer para que o
outro órgão receba. Ligar, passar o [tempo] estimado de vôo para aquele
outro órgão, não é? Então, às vezes, você está com cinco aeronaves e pode
ser considerado pouco tráfego, mas, dependendo da característica do setor,
você tem que tomar muitas ações [...].
113
Entretanto, controladores que não gostam de operar com poucas aeronaves, como é
o caso dos controladores 6 e 24, os quais justificam sua posição dizendo que diminui o nível
de vigilância e atenção, tornando-se um trabalho monótono.
Estabeleceu-se que o trabalho com menos de seis aeronaves seria subcarga e o
trabalho com seis ou mais aeronaves seria sobrecarga aos operadores. Porém, a Tabela 3
demonstrou algo diferente quanto à operação com seis ou mais aeronaves, ou seja, houve
diferença significativa nas respostas dos operadores, mas predominaram respostas positivas.
Assim, como mostra a Tabela 1, quanto ao questionamento sobre o trabalho com
menos de seis aeronaves: 43,8% relataram sentir-se totalmente confortáveis e 50%,
confortáveis, apenas 6,3% são operadores desconfortáveis. Quando questionados sobre como
se sentem ao operar com seis ou mais aeronaves, 6,3% relataram sentir-se totalmente
confortáveis, 71,9% relataram sentir-se confortáveis e 21,9% dos operadores relataram sentir-
se desconfortáveis.
Quando se contabiliza o total de confortáveis ou muito confortáveis com menos de
seis aeronaves, encontram-se 93,8%, contra 78,2% de confortáveis ou muito confortáveis com
seis ou mais aeronaves. De qualquer forma, apesar do resultado estatístico, verificou-se que
não só o número de aeronaves, mas também outros elementos interferem na carga de trabalho
mental dos controladores. Por exemplo, alguns preferem trabalhar com mais aeronaves, pois
isso implica atenção total, para outros, tal mecanismo não funciona. Aspectos como nível de
vôo, condições meteorológicas, se a operação é radar ou não, se tem de fazer coordenações
etc. são outros fatores que influenciam a carga mental dos operadores.
A quantidade de aeronaves que aparecem na tela do radar em cada setor operacional
não é constante. Por exemplo, no setor de Florianópolis, em uma hora, constantes
variações, conforme os dados a seguir, verificados em uma observação datada de 15/10/2004:
17h50min – 5 vôos
18h20min – 6 vôos
18h22min – 9 vôos
18h30min – 6 vôos
18h35min – 8 vôos
18h40min – 10 vôos
18h45min – 9 vôos
18h50min – 8 vôos
As verbalizações de operadores, supervisores e instrutores, somadas às percentagens
de respostas aos itens questionados (Tabela 2), revelam a pior combinação de eventos ao
114
controlador de tráfego aéreo para desempenhar sua função, a qual inclui: número de
aeronaves e problemas de comunicações; número de aeronaves e alterações meteorológicas;
número de aeronaves e muitas coordenações; ou número de aeronaves e operação não-radar
ou falha na detecção do radar. Quando combinação de dois ou mais fatores (por exemplo,
alteração meteorológica com operação não-radar), a dificuldade para operar é maior,
conforme a fala de dois instrutores:
Seis ou mais aeronaves e falhas de comunicação, porque a mais importante
ferramenta do controlador de tráfego é a freqüência: tudo mais, como diz
um amigo nosso, são "alegorias e adereços". Sendo assim, quando temos
deficiência na comunicação, existe uma natural ansiedade por parte de
todos, além da necessidade de se emitir várias instruções reiteradas vezes. É
claro que, se você quer transformar aquilo no "pesadelo" do controlador de
tráfego, é acrescentar desvios de formações meteorológicas num cenário
não radar. Mas isso é maldade demais, e eu não ousaria desejar essa
situação nem para o meu maior inimigo!
Olha, acredito que o evento que gera maior sobrecarga e exige mais
atenção do controlador é a falha de comunicação. Hipoteticamente, se você
estiver com o mesmo número de aeronaves, vamos supor, oito, um número
alto nessas circunstâncias, no mesmo setor, e tiver de enfrentar operação
não-radar, desvios meteorológicos e falhas de comunicações, eu acredito
que trabalhar com uma freqüência ruim, na iminência de cair ou mesmo que
caia durante a operação é a situação que causa o maior estresse, até porque
ela quebra aquele link básico que deve existir entre o controlador e o piloto,
e as medidas que se tem de tomar para lidar com essa situação são mais
críticas.
4.3.2.1.2 Quanto às coordenações
Segundo a Instrução do Ministério da Aeronáutica (BRASIL, 1999, p. 131), a
coordenação de tráfego aéreo é a “troca de informações com a finalidade de assegurar a
continuidade da prestação de serviços de tráfego aéreo”. Poderá ser efetuada entre órgão de
controle de tráfego aéreo e entre as posições de um mesmo órgão de controle. Por exemplo,
comunicações entre o centro de controle (local da pesquisa) e a torre de controle ou o centro
de aproximação.
Portanto, não é permitido que uma aeronave sob controle de um órgão ou posição de
controle penetre no espaço aéreo sob jurisdição de outro órgão ou posição de controle, sem
que antes tenha sido completada a coordenação (BRASIL, 1999).
115
O ACC de Curitiba tem hand-off
2
automático com o ACC de Brasília e com o APP de
São Paulo, o que dispensa a troca de informações via telefone de chegada sobre
posições/fixos, transferência. Tal procedimento não elimina nenhum outro tipo de
coordenação, como revisão de tempos estimados, cancelamentos de vôos, alterações de
destinos, desvios de rotas etc.
O ACC de Curitiba deve coordenar com o Centro de Operações Militares (COPM),
sempre que houver necessidade de desviar algum tráfego que possa interferir nas áreas de
treinamento militar coordenadas pelo COPM, tais como áreas restritas adjacentes a Santa
Maria e Campo Grande e áreas criadas para manobras militares (BRASIL, 1999).
A coordenação deve ser executada pelo meio de comunicação mais rápido disponível
nos órgãos ou posições envolvidas, mas ocorre quase exclusivamente por comunicações
telefônicas. Essas ligações demandam tempo e, normalmente, ocorrem simultaneamente a
outros elementos do tráfego aéreo que exigem atenção para garantir a segurança das
aeronaves em vôo. Quando o controlador setorial opera sozinho, ele mesmo deve fazer as
coordenações, porém, quando trabalha com assistente, este passa a fazer o trabalho de
coordenação.
Dessa forma, quando muitas coordenações, a responsabilidade do controlador
aumenta, que não pode descuidar da segurança no tráfego aéreo, enquanto faz a
coordenação com outros órgãos ou posições operacionais. Vale lembrar que “o controlador
precisa manter suas ações de forma segura: ele precisa de uma visão prospectiva. Isto
significa antever o que poderá acontecer para que, gerenciando o fluxo de tráfego aéreo, evite
os conflitos geradores dos incidentes de tráfego aéreo” (PEREIRA e RIBEIRO, 2001, p. 82).
Assim, aumenta a dificuldade no trabalho dos operadores, conforme se observou nas visitas e
se confirmou nas entrevistas individuais com operadores e supervisores setoriais. Na tabela de
resultados (Tabela 2), verifica-se que 71,4% dos operadores admitem sentir-se
desconfortáveis quando muitas coordenações a serem realizadas e 2,9% sentem-se
totalmente desconfortáveis. A verbalização de um operador confere com os outros elementos
da análise: “O que incomoda mais é o telefone. Eu odeio falar ao telefone”.
2
O termo hand-off quer dizer transferência de controle radar: o momento a partir do qual é passada a
responsabilidade de controle sobre uma determinada aeronave de um órgão de controle radar para outro
sinalização visual na tela do radar que dispensa a troca de informações verbais na passagem da aeronave de um
órgão de controle para outro.
116
4.3.2.1.3 Quanto às vetorações
Existem basicamente dois tipos de serviços prestados pelos controladores de tráfego
aéreo de controle a distância (ACC): o serviço de vigilância e o serviço de vetoração. O que
caracteriza a vetoração é que o operador assume a navegação da aeronave, conforme
explicação da psicóloga do CINDACTA III, de Recife:
O controlador opera em níveis de vigilância e vetoração. A vigilância, que é
caracterizada pela observação contínua dos tráfegos evoluindo na área e
pelas diversas informações prestadas, utilizando-se do radar ou não, inicia-se
com a apresentação da aeronave na tela quando de operação radar e
informando ao piloto que aeronave está em vigilância radar, onde a
responsabilidade da navegação é do piloto. Na vetoração, o controlador
assume a responsabilidade pela navegação da aeronave, devendo emitir
instruções de proa e de mudanças de altitude se necessário, com o objetivo
de evitar fusões de alvos; estabelecer separações adequadas e outras
informações pertinentes àquela aeronave. Ele estará sempre tendo que emitir
informações sobre as variações de tempo, altitude, velocidade, situação
meteorológica, entre outras que precisam ser repassadas às aeronaves com
clareza, segurança e precisão (PEREIRA, 2001, p. 82-83).
A vetoração é um procedimento de trabalho que demanda tempo e maior número de
comunicações entre controladores e pilotos. Ao assumir a navegação da aeronave, o
controlador, algumas vezes, tem de restringir o nível de vôo dela ou pode atrasá-la ao solicitar
que realize uma curva comandos dados a fim de evitar conflitos entre aeronaves. A cada
solicitação do piloto quanto ao vel de vôo e à rota pretendida, o controlador a adequará ao
tráfego, que está evoluindo em seu setor de responsabilidade. A forma como o controlador
realiza seu gerenciamento de tráfego aéreo pode gerar questionamentos por parte do piloto,
devido ao maior tempo gasto e ao fator econômico (uso de combustível), motivo de eventuais
atritos entre ambos, conforme será relatado posteriormente neste capítulo.
Pôde-se verificar pela análise dos resultados (Tabela 2) que um número considerável
de operadores se sente desconfortável ao realizar vetoração para evitar o tráfego, 51,4%, e 8,
6% sentem-se totalmente desconfortáveis.
4.3.2.1.4 Quanto aos seqüenciamentos
O seqüenciamento é um procedimento realizado pelo controlador, com a finalidade de
organizar as aeronaves em fila, para assim entregá-las ao centro de aproximação (APP) do
aeroporto de destino. Tal procedimento é uma forma de vetoração, em que, conforme a
117
prescrição do trabalho, o controlador do ACC deve garantir um limite mínimo de separação
entre aeronaves de 10 milhas (cerca de 18,5km).
Em condições especiais, observou-se, por exemplo, no setor de chegada de São Paulo,
uma alteração da prescrição para 20 milhas de separação (no sentido longitudinal). Os limites
mínimos de segurança para separação no sentido vertical são de 1000 pés (cerca de 300
metros) para aeronaves autorizadas a voar com redução da separação vertical mínima
(RVSM), e 2000 pés para aeronaves que não são aprovadas a voar com RVSM. Essas
mudanças nos níveis de vôo aconteceram a partir de 20 de janeiro de 2005, antes disso, todas
as aeronaves voavam com 2000 pés de separação. A partir dessa data, o cuidado do
controlador passou a ser redobrado, pois ele deve fazer o controle de fluxo de tráfego de
aeronaves equipadas para voar com limites de separações diferenciados. Conforme o discurso
dos atores envolvidos, muito seqüenciamento significa mais falas ao microfone com o piloto,
maior atenção e tomada de decisão rápida.
O seqüenciamento é o principal motivo de tensão entre controladores e pilotos, que
os controladores têm visão do tráfego aéreo diferente daquela dos pilotos: o controlador
visualiza o posicionamento das aeronaves junto às informações de rádio e radar, e faz suas
separações e demais procedimentos de vigilância e vetoração. O conhecimento da distribuição
das aeronaves no espaço aéreo, aliado à performance das aeronaves envolvidas, às condições
meteorológicas e ao Modelo Operacional, pesa na tomada de decisão do controlador. Por
outro lado, para o piloto, pesa a questão de economia de combustível e o cumprimento de
horários.
O ACC de Curitiba deve orientar as aeronaves para os pontos preestabelecidos ou
coordenados previamente para entrada no setor, de forma a transferi-las de maneira
seqüenciada aos APPs, a fim de permitir que, durante a execução dos procedimentos de
aproximação, elas executem um mínimo de manobras e seja assegurado um fluxo contínuo de
tráfego aéreo (BRASIL, 2005).
O Modelo Operacional (BRASIL, 2005, p. 21-22) estabelece procedimentos bem
específicos a ser considerados para o seqüenciamento em rota: “o controlador poderá solicitar
à aeronave que segue outra que aumente sua velocidade, até obter a separação requerida, sem
que haja prejuízo para a aeronave ultrapassada”.
A aeronave com velocidade superior à de outra a sua frente terá prioridade de manter
sua rota, quando seu tempo estimado no ponto de transferência for anterior, e a ultrapassada
será atrasada, mediante redução de velocidade e/ou vetoração, até se obter a separação
requerida (BRASIL, 2005).
118
O posto de trabalho do controlador tem um recurso (vetor de medida) que permite
saber o tempo estimado das aeronaves, ou seja, ele faz uma previsão da localização da
aeronave minutos mais tarde. A aeronave em vôo também pode fornecer ao controlador seu
tempo estimado de vôo.
A aeronave com velocidade superior à de outra a sua frente, com mesmo tempo
estimado no ponto de transferência, será atrasada, mediante redução de velocidade e/ou
vetoração, independentemente da origem ou do tempo em rota, até se obter a separação
requerida (BRASIL, 2005).
A aeronave com velocidade verdadeira superior à de outra a sua frente, com o tempo
estimado posterior no ponto de transferência, seatrasada, mediante redução de velocidade
e/ou vetoração, até se obter a separação requerida (BRASIL, 2005).
Quanto à prioridade na aproximação (BRASIL, 1999):
1. aeronave em emergência;
2. planadores;
3. aeronave transportando ou destinada a transportar enfermo ou lesionado em estado
grave, que necessite de assistência médica urgente, ou órgão vital para transplante em
corpo humano;
4. aeronave em missão SAR (busca e salvamento);
5. aeronave em missão de guerra ou segurança interna;
6. aeronave conduzindo o Presidente da República;
7. aeronave em manobra militar; e
8. demais aeronaves, na seqüência estabelecida pelo órgão de controle.
O ACC de Curitiba conduz as aeronaves à área de São Paulo pelas seguintes
trajetórias: com destino ao aeroporto de Guarulhos, com destino ao aeroporto de Congonhas e
com destino ao aeroporto de Campinas.
4.3.2.1.5 Quanto às Strips
a) Informações contidas nas strips preenchidas eletronicamente
As strips impressas dividem-se em strips pré-ativas e strips ativas (Figura 7). As strips
pré-ativas correspondem à previsão de cada vôo pretendido. Os vôos que efetivamente
ocorrem têm a strip pré-ativa substituída pela strip ativa: é feita nova impressão e a pré-ativa
é eliminada pelo operador. Os dados que devem constar nos dois tipos de strips impressas
são:
119
Strip pré-ativa: número de vôo, número do transponder, tipo de aeronave, velocidade,
hora de emissão da strip, localidade de saída, localidade de chegada, horário pretendido para
decolagem, nível de vôo proposto, nível de vôo autorizado, nome das posições por onde
pretende passar e horário em que provavelmente passará em cada posição, aerovia, setor e
data.
Strip ativa: usa-se a sigla ACT (ativa), os demais dados que constam na pré-ativa
também constam na strip ativa. A strip torna-se ativa a partir do momento em que a aeronave
decola.
A Figura 6 ilustra uma strip de vôo de Florianópolis para São Paulo, que ocorreu em
5/7/2006.
Figura 6: Modelo de strip ativa
Cada operador tem um código de quatro letras, que ele deve anotar (no primeiro
campo à esquerda) nas strips ativadas, para que se possa identificar posteriormente o operador
de cada setor. O controlador utiliza grafismos para facilitar as anotações nas strips. Por
exemplo, seta no sentido ascendente indica aeronave subindo, seta no sentido horizontal
indica que mantém o vel, seta no sentido descendente indica aeronave mudando altitude:
descendo. Barra oblíqua indica que foi feita coordenação, se for um x no final da strip,
indica que não necessita coordenação, como ocorre no setor de chegada de São Paulo, onde o
hand off (passagem da aeronave de um setor para outro) é automático.
A letra I, quando anotada na strip, indica aeronave estrangeira (I de Inglês). A letra R
anotada na strip indica que a operação é radar.
Na strip ativa, que contém dados preenchidos eletronicamente, o controlador deve
registrar manualmente todas as vetorações comunicadas verbalmente aos pilotos.
120
Figura 7: Disposição das strips pré-ativas (acima do relógio) e ativas (abaixo do
relógio) no console
b) Preenchimento de plano AFIL
Quando um piloto decola de um local desprovido de órgão de controle, o plano de vôo
não é preenchido previamente. Isso acontece, por exemplo, com pilotos de pequenas
aeronaves, como fazendeiros na região de Campo Grande. Nesse caso, após a decolagem,
entram em contato com o Centro de Controle, e o controlador deve preencher o plano de vôo
AFIL manualmente, o que, segundo os próprios operadores, incomoda bastante, sendo no
mínimo desconfortável ter de preenchê-lo, enquanto não podem descuidar de todo o restante
de tráfego de seu setor. Da análise estatística (Tabela 5), denota-se que 50% dos operadores
sentem-se confortáveis com relação a esse item, 41,2%, desconfortáveis e 8,8%, totalmente
desconfortáveis, o que totaliza 50% no segundo grupo (desconfortáveis e totalmente
desconfortáveis).
Quando o piloto decola de um aeródromo que não tem órgão de controle, decola em
condições de vôo visual (VFR) e depois chama um órgão de controle para passar os dados do
vôo. Nesse caso, o controlador necessita anotar manualmente os dados transmitidos. Se for
plano de vôo instrumento (IFR), o operador tem de passar para o setor de plano de vôo para
121
gerar o chamado “plano máquina” (para fins de cobrança de tarifas). Nos casos de decolagem
em condições de vôo visual com ficha impressa, isso indica que o piloto apresentou um plano
de vôo previamente ou preencheu uma notificação de vôo.
No caso de vôo em condição visual, sendo apresentado plano AFIL, devem ser
anotados os seguintes dados pelo operador (BRASIL, 2005, p. 23):
1) aeródromo de procedência,
2) aeródromo de destino;
3) rota;
4) procedência anterior à última decolagem;
5) código DAC (Departamento de Aviação Civil) do piloto;
6) hora de decolagem; e
7) indicativo de chamada.
No plano AFIL, a hora da decolagem corresponde exatamente ao horário da
decolagem. Se for um plano que foi apresentado anteriormente, então aparece o horário
previsto da partida, mas, quando ele decola, o operador deve atualizar o horário.
Conforme a visão da operadora 26, a dificuldade no preenchimento do plano AFIL não
está no trabalho manual em si, mas sim relacionada aos freqüentes problemas de
comunicações, que comprometem a percepção auditiva, justamente quando a audição é a via
necessária para se ter acesso aos dados da aeronave a ser transcritos para a strip.
A Figura 8 ilustra uma strip de plano AFIL, na qual se verifica a utilização de um
carimbo com os dados a ser anotados. Essa é uma estratégia criada pelos operadores e
supervisores para lidar com a variabilidade e imprevisibilidade no trabalho de controle de
tráfego aéreo.
Figura 8: Modelo de strip de Plano AFIL
c) Preenchimento de strip manual
Quando a strip não vem preenchida eletronicamente, o controlador necessita preenchê-
la manualmente. Essa situação pode ocorrer por uma falha no sistema de tratamento de dados
ou devido a outras duas condições, conforme explicação de um instrutor:
122
Não ocorrendo por falha no sistema de tratamento de plano de vôo ou Plano
AFIL, as únicas situações restantes são: 1) devido ao não-processamento de
planos de vôos em vigor, vindos da área de Recife (via Brasília) em que o
código transponder da aeronave seja diferente da família 4000. Nesses
casos, o nosso sistema não correlaciona automaticamente a informação
radar com os planos presentes no sistema. Em certas situações, como o
plano não está disponível para o controlador, torna-se necessário o
preenchimento manual de uma ficha de progressão de vôo (FPV) até que a
aeronave ingresse na nossa área; e 2) quando um dos centros de controle de
área adjacentes (Brasília, La Paz, Assunção, Resistência ou Montevidéu) ou
algum outro órgão de controle [Controle Academia, por exemplo] faz a
coordenação de alguma aeronave vinda de suas áreas, e os planos ainda
não estão no sistema, em virtude de uma mensagem que não foi
corretamente encaminhada até nós ou quando a mensagem foi encaminhada
corretamente mas somente irá "entrar" no sistema minutos depois.
A dificuldade de preencher o plano de vôo manual, assim como acontece no
preenchimento de plano AFIL, ocorre quando paralelamente problemas técnicos, como
falhas de comunicações, e a fonia é o meio pelo qual o operador obtém os dados do vôo. “A
exigência básica na atividade do controle a distância (ACC) é que o operador deve trabalhar
com informações prévias para analisar as solicitações dos pilotos” (PEREIRA, 2001, p. 83),
justamente o que não acontece nas situações de preenchimento de plano de vôo manual e
preenchimento de plano AFIL. Isso implicará gasto de tempo para preenchê-la e mais falas
com o piloto para questionar uma série de dados a ser anotados, fatos que interferirão em todo
o planejamento do controlador.
Quando a strip vem preenchida eletronicamente, isso é melhor, pois diminui o número
de ações simultâneas que o operador deve realizar, o que pode ser confirmado pela análise
estatística, na Tabela 5. Além disso, representa economia de tempo, em um sistema de
trabalho em que as ações e as tomadas de decisão devem ser extremamente rápidas. O
preenchimento eletrônico das strips foi considerado subcarga, o que ficou evidente pela
análise estatística. Portanto, quando questionados com relação ao preenchimento manual de
strip, houve predomínio de respostas negativas: 51,4% responderam que se sentem
desconfortáveis e 5, 7%, totalmente desconfortáveis, conforme a Tabela 5 (derivada das
Tabelas 1 e 2).
Existe padronização quanto ao preenchimento do plano de vôo manual, pois o coletivo
de operadores e supervisores compartilha conhecimentos referentes aos dados que devem
constar na ficha, são eles: campo de identificação da aeronave, o código alocado a ela,
aeródromo de decolagem, aeródromo de destino, tipo de aeronave, hora da decolagem, seta
que significa que no início da chamada, por exemplo, ele já chamou cruzando o nível de vôo
070 em ascensão para o vel 135. Então, a ficha representa uma seqüência: quando o piloto
123
chama na primeira fase, a seta estava subindo, quando ele reporta nivelado, o operador
representa isso com seta no sentido horizontal. Devem constar nela, ainda: dados relativos às
pessoas a bordo, código DAC do comandante, autonomia, procedência anterior ao aeródromo
de decolagem, aeródromo de alternativa.
Os dados de alternativa, autonomia e pessoas a bordo são essenciais para busca e
salvamento, em caso de desaparecimento devido à queda de aeronave. Os outros dados,
código DAC e procedência anterior, são para cobrança de taxas de vôo (taxa de
movimentação).
Um dos operadores ressalta a importância do grafismo (seta), para o setor de
investigações:
Vamos supor que aconteça um acidente. Então, nesse acidente, eles vão
pegar essa ficha e vão verificar, de repente, se ele não estava com essa
flechinha. Dessa forma, eles vão imaginar: “provavelmente ele deve ter
caído antes de nivelar, foi na subida, teve uma perda na potência do motor,
alguma coisa”.
É padronizado que, antes da barra, fica a hora de chamada e, após a barra, o último
contato da aeronave. O último contato é importante, porque, caso ele não chegue ao local
proposto, se houver reclamação, perda de contato ou desaparecimento da aeronave, esse
horário também é utilizado para caracterizar o estado de alerta da aeronave, se está realmente
desaparecida ou foi simplesmente uma perda. Se, após 30 minutos, ele não fizer contato ou
não chegar ao local pretendido, isso indica que a aeronave pode ter caído.
A strip de vôo visual é mais minuciosa do que a de vôo instrumento, porque, se
ocorrer acidente, por exemplo, tem de ter o número de pessoas a procurar, a quantidade de
combustível, a alternativa de aeródromo de aterissagem, itens que, no vôo instrumento, não
aparecem.
Tabela 5: Percepção dos operadores quanto às strips
Perguntas Totalmente
confortável
Confortável
Desconfortável
Totalmente
desconfortável
Trabalho com strips
eletrônicas
62,9% 37,1% 0,0% 0,0%
Preenchimento de Plano
AFIL
0,0% 50,0% 41,2% 8,8%
Preenchimento de strip
manual
11,4% 31,4% 51,4% 5,7%
124
d) Importância das strips no planejamento do controlador de tráfego aéreo
Cada vôo inicia-se com o preenchimento de um plano de vôo, pelo piloto ou pela
empresa aérea, no aeroporto ou órgão de controle correspondente, o qual passa por um
tratamento de informações pelo serviço de comunicações, antes de chegar a cada operador de
setor.
Quando o operador recebe as strips em seu setor, algumas vezes, detectou-se
dificuldade de decodificação das informações impressas, quando os meros de vôos eram
parecidos. A dificuldade deve-se também ao fato de as informações contidas nas strips não
serem coloridas. Segundo relato de um operador, gasta-se mais tempo para analisar a strip,
que as informações são impressas somente em preto, o que leva ao cansaço mental e, se a
análise for incorreta, induz ao erro na execução da atividade.
Em cada um dos setores da sala de controle, as strips passam por três situações e
localizações distintas no console: strips pré-ativas, strips ativas e strips de aeronaves em vôo.
Cada strip contém informações úteis ao trabalho dos operadores. Nelas os controladores
anotam todas as autorizações transmitidas verbalmente aos pilotos, ou seja, a evolução do
tráfego. Pela quantidade de strips pré-ativas, o operador tem idéia de quanto trabalho terá pela
frente, e tem noção de quando será chamado pela aeronave, em seu setor. Então, elas são um
recurso importante para a regulação do trabalho.
Figura 9: Controlador preenchendo strip pré-ativa
A strip pré-ativa é impressa cerca de 20 a 30 minutos antes de cada vôo. A impressora
localiza-se à direita de cada posto de trabalho, conforme mostram as Figuras 9 e 10. Assim
125
que a impressão é concluída, o controlador de setor ou o assistente pega a strip e a posiciona
no porta-strip (suporte de metal, individual, retangular, que acompanha o formato das strips).
A organização das strips pré-ativas no porta-strip varia de um operador para outro e alguns
operadores modificam a forma de organização, de acordo com o setor em que estão
trabalhando.
As estratégias para organização das strips podem se modificar para cada setor, pois os
setores têm características distintas. Por exemplo, existe setor que é de chegada de
aeronaves, existe setor que é de saída, existem setores que são tanto de chegada quanto de
saída. Então, os controladores ajustam-se de acordo com a realidade do posto de trabalho.
Nas diferenças individuais na organização das strips pré-ativas, observaram-se
operadores que dispõem as fichas por localidade ou por setor de decolagem, operadores
que as organizam aleatoriamente e quem as organize por companhia aérea. Observou-se
que alguns operadores, ao manusear as fichas pré-ativas, costumam dobrá-las em três partes,
antes de posicioná-las no porta-strip – é uma maneira de fazer com que caibam mais strips.
Quando o vôo é autorizado a pedido do APP, automaticamente, a impressora emite
nova strip e a ficha pré-ativa é eliminada pelo operador ou assistente. Após a autorização, a
nova strip ativada é posicionada em outro local do posto de trabalho: à direita no sentido
horizontal, abaixo do relógio que no console (Figura 7). Desse modo, ela localiza-se mais
próxima do controlador de setor. Nesse caso, também existem diferenças individuais de
distribuição das strips ativadas, por exemplo, separação por nível de vôo: strips de vôos
operando em condições visuais na parte inferior e strips de os operando por instrumentos
nos porta-strips superiores (próximos ao relógio digital do console).
Percebe-se que não existem normas rigorosas na prescrição da distribuição das strips
no console, somente ficam agrupadas as pré-ativas, as ativas e as strips de aeronaves em vôo.
A prescrição é com relação ao roteiro que as fichas seguirão no posto de trabalho, porém, em
cada um dos três grupos, os controladores têm liberdade para se organizar como preferirem, o
que é positivo, como revela o discurso de um operador: Todo mundo tem o seu jeito de
organizar [as fichas], para facilitar o seu trabalho”.
Quando o controlador esoperando sozinho em seu setor, todas as fichas ficam sob
sua responsabilidade. Se ele trabalha com assistente, as fichas pré-ativas e ativas ficam sob
responsabilidade deste. O controlador de setor posiciona as strips ativas no porta-strip a
sua frente após o primeiro contato da aeronave em vôo. Observou-se que alguns operadores
fazem a organização das strips autorizadas como se projetassem a imagem que vêem na tela
do radar (conforme a imagem que têm do espaço aéreo), outros as organizam de acordo com a
126
direção dos vôos, quem organize a distribuição de acordo com as aeronaves que sairão por
primeiro de seu setor.
Em certas situações, observou-se que, tão logo um controlador assuma o posto de
trabalho de outro, ele faz mudanças de posições das strips, o que mostra uma estratégia de
regulação de seu próprio trabalho.
O operador 16 revelou que não se preocupa muito com as fichas pré-ativas. Para ele,
não ajudam muito em seu planejamento, porque, às vezes, os vôos atrasam. Então, preocupa-
se somente com as fichas ativadas.
Em conversa com um operador, verifica-se o papel das strips no planejamento:
[...] através das fichas, eu tenho uma previsão de tráfego. Isso aqui não é
tráfego, por exemplo, isso aqui é decolagem automática de Curitiba.
Curitiba é decolagem automática. Não tem como mais decolar! Sabe, então,
claro, ele pode decolar, talvez... Floripa também me pediu autorização, opa!
Isso aqui não é preocupação, ele não vai decolar, que eu ainda não
autorizei. Ainda vai me pedir autorização. Mas se não for de Curitiba, que
as autorizações são automáticas, então, você toma certos parâmetros no
setor, para planejar o seu tráfego. Por exemplo, eu sei que essa distância
desse ponto até esse aqui é a mesma desse até este. Então, se eu estou com
tráfego passando aqui, por exemplo, vamos supor que ele está passando
aqui, ele vai passar hoje à noite. Se eu decolo um cara de Curitiba, sei
que não vai ter problema, porque essa distância é a mesma que esta, a não
ser que sejam performances muito diferentes.
Por essa fala, percebe-se a elaboração de uma estratégia operatória, baseada na
comparação para lidar com as dificuldades do contexto de seu trabalho, que é uma forma de
gestão da variabilidade e imprevisibilidade: o trabalho dele exige essa elaboração de
estratégias constantemente.
A cooperação aparece quando, por exemplo, o operador recebe uma chamada de
Bauru, como foi visto em uma das visitas, e preenche manualmente a ficha de plano de vôo,
que não é para seu setor, é para o setor adjacente.
Acompanhou-se um imprevisto, no dia em que houve implementação de novas normas
de navegação aérea (junho de 2004): strip sendo impressa no setor ao lado, em vez de
acontecer como de rotina, no próprio console. Dessa forma, quando a aeronave chamou, o
operador estava sem informação sobre o vôo. Até perceber que a ficha havia sido impressa no
setor adjacente, maior tempo foi gasto e isso demandou maior exigência de atenção no tráfego
aéreo, por parte desse operador. Cabe lembrar que, enquanto está operando, o controlador não
pode afastar-se de seu posto de trabalho. Então, nessa situação, o supervisor fez a
transferência da strip entre os setores. Nesse mesmo dia, houve outros problemas relatados
por um operador: muitos pilotos não sabiam que seria exatamente naquela data a mudança de
127
aerovias, além disso, essa grande mudança ocorreu exatamente em um dia de feriado (Corpus
Christi), quando justamente há muito tráfego.
Existe um ruído útil aos operadores, que é o ruído da impressora. Então eles nem
precisam olhar para saber que uma nova strip foi impressa, basta ouvir o som para saber que a
“estripadeira está cuspindo strips”, como eles mesmos falam.
Observando-se a direção do olhar dos operadores, percebe-se elevada freqüência das
mudanças de direção, o que torna difícil o registro de observações. A direção do olhar dos
operadores concentra-se principalmente na tela do radar, no manuseio de strips e nas
anotações que fazem nelas (Figura 9). A posição da cabeça e a orientação dos olhos mudam
com menos freqüência em direção ao teclado, aos dispositivos de regulagem de freqüência
para comunicações, em direção aos colegas dos setores adjacentes ou em direção ao
assistente, em direção aos telefones ou a outros pontos do posto de trabalho, e também varia
em função da intensidade de trabalho.
4.3.2.1.6 Quanto ao radar
A conjugação das imagens emitidas pelo radar com o sistema de fonia possibilita
informações mais rápidas e ajuda a construir uma representação mais precisa da situação das
aeronaves no espaço aéreo. Entretanto, podem ocorrer dificuldades perceptivas visuais, pois
na tela do radar existem muitas informações (aerovias, divisões territoriais, letras, números,
representação de aeronaves, pontos de cruzamentos etc.), as quais, segundo os operadores,
causam “poluição visual”.
Situação similar foi relatada por Itani (1999, p.6), em seus estudos na área de aviação:
Essa atividade com informações codificadas, com representações variadas
em painel e monitor, com diferentes momentos de esforço intenso e não
intenso, concentrado e não concentrado, pode estar provocando o que os
controladores chamam de “fadiga visual”.
A dificuldade visual não está relacionada somente à quantidade de informações
contidas na tela do radar, mas, também, à cor das informações: todos os dados são na cor
verde com fundo de tela em preto. Assim, observou-se que a maioria dos operadores diminui
a tonalidade dos tracejados representativos de aerovias. Trata-se de uma estratégia operatória
adotada para evitar a fadiga visual e facilitar a visualização das aeronaves.
128
Figura 10: Visualização do console (tela do radar, monitores, impressora, teclado, mouse,
strips, botões de sintonia para comunicação)
Para entender como o sistema de operação radar funciona, é preciso conhecer os
procedimentos adotados desde o planejamento de cada vôo até o momento em que a aeronave
está voando: cada vôo inicia-se com o preenchimento do plano de vôo, antes da decolagem. O
plano de vôo, nesse caso, é preenchido no Aeroporto Afonso Pena, na Sala AIS (Aeronatical
Information Service), onde constam condições meteorológicas específicas do local e a rota. O
plano contém todos os dados relativos à aeronave, quantidade de pessoas a ser transportadas,
intenções do piloto em termos de rota, níveis de vôo (altitude), velocidade de cruzeiro etc.
Após passar por um tratamento de dados, o plano de vôo recebe um código e envia-se cópia
dele para a torre de controle (TWR), ao APP (aproximação) e ao ACC.
Na hora da partida, o piloto liga o equipamento de comunicação (rádio), em
freqüência específica da torre e solicita autorização de vôo. A torre, por sua
vez, transmite essa solicitação do piloto ao ACC Curitiba, que autoriza o vôo
conforme a solicitação ou altera a sua rota em função de outros vôos que já
estão sendo executados. A torre então transmite esta autorização ao piloto, e
faz o controle da aeronave na pista de táxi, pista de pouso, decolagem e logo
instrui a aeronave a chamar, em outra freqüência, o Controle de
Aproximação (SAUKI, FILHO e BRITO, 2003, p. 16).
Após a decolagem, a torre transfere o tráfego para o APP, o qual controla o vôo
durante seu procedimento de subida, dentro de sua área, e após transfere esse vôo para outra
freqüência do ACC, que completa a subida, controlando-o dentro de sua jurisdição. No radar
existe um emissor de ondas, que vai até a aeronave, que é equipada com um aparelho
129
chamado transponder. O transponder recebe o sinal e identifica o código da aeronave. Essa
informação volta para o radar, a partir daí, o controle passa a ser feito pelo APP e depois pelo
ACC. O transponder faz a identificação da aeronave, permite saber o nível da aeronave e a
velocidade dela. Esses dados são vistos pelos controladores na tela do radar do setor
correspondente.
O radar fornece a imagem das aeronaves em vôo, no espaço aéreo. Conforme a
prescrição do trabalho, antes de empregar o radar para fins de prestação dos serviços radar, o
controlador deverá estabelecer e manter a identificação radar da aeronave envolvida. “O
controlador deve informar ao piloto quando estabelecer o contato radar e o serviço que será
prestado, sempre que ocorrer uma das seguintes situações: depois de estabelecida a
identificação inicial e depois do estabelecimento de identificação posterior a uma perda de
contato radar” (BRASIL, 1999, p. 141).
Segundo o trabalho prescrito, o controlador deve sempre informar o piloto quando o
contato radar for perdido. Dessa forma, em situação de operação o-radar (radar não
confiável ou em manutenção), conforme o discurso dos atores envolvidos, o trabalho torna-se
penoso, pois exige mais atenção na operação e comunicação com os pilotos, os quais devem
se reportar ao ACC nos pontos de cruzamento, porém, geralmente não o fazem. Então o
operador deve fazer o contato. Quando algum setor está operando não-radar, os operadores
ficam sabendo com antecedência em reunião, no início de cada turno de trabalho e na
passagem do serviço entre operadores.
Para Pereira (2001, p. 84), as atividades em procedimentos radar e não-radar implicam
diferente carga cognitiva para os controladores de tráfego aéreo:
As formas de operações técnicas de vigilância radar e não-radar exigem
desse homem perspectivas de ações cognitivas diferentes. Na operação não-
radar as separações mínimas exigidas são bem maiores que no radar e são
controladas com informações fornecidas pelo piloto, tais como: hora de
passagem sobre determinado ponto. Essas informações são conferidas e
analisadas pelo controlador de forma que se tenha uma idéia imaginária da
posição do tráfego em relação a outros tráfegos, evoluindo no setor e assim
assegurando-se a separação exigida, tendo o controlador de emitir instruções
para que uma aeronave mude de altitude ou rota para manter uma separação
adequada em relação à outra, caso seja necessário. Na operação radar, a
vigilância é constante sobre os tráfegos que aparecem na tela na área de
cobertura (aproximadamente 400 km de raio, a partir da antena radar) onde é
aplicada uma separação menor longitudinal entre as aeronaves (10 nm para
ACC e 5 nm para APP) bem inferior à aplicada na operação não-radar,
interferindo na navegação da aeronave para manter os mínimos de separação
exigidos.
130
Segundo a autora, a dificuldade para operadores dá-se pela “dualidade do tipo
operacional”, por não haver cobertura radar em todas as regiões brasileiras e também devido à
funcionalidade e degradação dos equipamentos. Dessa forma, o que se vê no ACC de Curitiba
é a lida cotidiana com problemas freqüentes de radar (operação não-radar, falha na detecção
radar e aeronaves que o radar não detecta). Encontrou-se uma realidade muito similar àquela
descrita por Pereira (2001, p.85): a vivência de constantes ajustes cognitivos nas atividades
dos controladores, devido à alternância do tipo operacional, tendo de promover “uma
perspectiva de ação mental rápida e diferenciada em cada situação”, o que, segundo a
psicóloga, “aumenta sua carga de trabalho no sentido cognitivo”.
Existe uma faceta positiva relacionada à alternância do tipo operacional, pois não
ocorre acomodação, que os torna criativos e versáteis para operar o sistema manual, o que os
deixa muito mais habilidosos do que os operadores americanos, por exemplo, porém, há nisso
riscos para a segurança.
Quando há falha na detecção radar, as aeronaves vão desaparecendo da tela, sem que o
operador saiba antecipadamente que isso ocorrerá. A operadora 28 explica que a falha na
detecção radar é bem mais grave do que a operação não-radar, o que confere com as respostas
dos outros operadores, pelo resultado estatístico, conforme a Tabela 6. O operador 27 resume
a gravidade da situação com uma frase: “Você acha que está vendo tudo e não vê”.
Tanto na operação não-radar quanto na falha na detecção radar, o operador necessita
solicitar mais informações aos pilotos e, conseqüentemente, maior número de anotações nas
strips, além de maior atenção. Essas duas condições de trabalho implicam alta carga cognitiva
aos operadores, pois eles devem recorrer a suas representações mentais e seus cálculos
mentais, para saber onde as aeronaves localizam-se, conforme a fala de uma operadora: A
atenção é maior. Você tem que imaginar”. A vivência do risco faz-se presente nesse tipo de
operação, e com ela a ansiedade e tensão, dada a possibilidade de um acidente.
Durante a análise da atividade, no setor de chegada de São Paulo, operando não-radar,
segundo um supervisor, o operador deve questionar os pilotos para confirmar o que está
vendo na tela: existe um radar secundário (Radar de São Roque), que permite ver alguma
coisa, mas não é oficialmente aceito para substituição em casos de pane do radar principal.
Então, as legendas que aparecem não são confiáveis. Essa é uma estratégia utilizada para
reduzir a incerteza da situação e proporcionar maior segurança à operação.
Um supervisor explica o que muda quando a operação é não-radar:
131
As separações têm que aumentar, necessidade de chamar o assistente
para ajudar, tem que confiar nas informações das aeronaves de posições e
estimados de vôo. Os tempos de separação não-radar são de três, 10 e 15
minutos, conforme a situação.
Acompanhando várias situações de operação não-radar, verificou-se que, apesar de
representar uma carga de trabalho diferenciada, pela exigência de atenção, as pausas dos
operadores não acontecem com maior freqüência.
Observou-se o operador 19 trabalhando como assistente, informando a todos os pilotos
que a operação era não-radar (conforme o trabalho prescrito). Esse operador relata o que
muda quando essa situação imprevista acontece:
A gente tem que falar mais. Pegar os estimados de vôos, tem que pedir para
se reportar nivelado. É mais difícil trabalhar não-radar. Os pilotos não
reportam ao operador as áreas de cruzamento, eles não estão acostumados
no sistema não-radar.
Outro operador relata a operação-não radar no setor de chegada de São Paulo, que é
considerado difícil de trabalhar:
Quando está não-radar, tem que ter planejamento e antecipação. Por
exemplo, aeronave de melhor performance, se chance de conflito ou não.
Aqui é um setor pequeno, então tem que ser tudo mais rápido.
A Tabela 6 (que deriva das Tabelas 1 e 2) ilustra o que foi considerado subcarga
(operação radar), e se confirmou nas respostas dos operadores: somando-se os que se sentem
confortáveis e os que se sentem totalmente confortáveis ao trabalhar com o que se considera o
ideal em termos de radar, chega-se a 100% deles.
A Tabela 6 também demonstra três situações consideradas fatores de sobrecarga aos
operadores: operação não-radar, quando aeronaves que o radar não detecta e quando
falha na detecção radar, os quais também foram apontados como sobrecarga pelos próprios
controladores. Comparando-se os resultados do questionário aplicado, observa-se que a
operação não-radar e a situação de operação com aeronaves que o radar não detecta são
percebidas pelos entrevistados predominantemente como situação desconfortável ou
totalmente desconfortável. Agrupando-se os que responderam que se sentem desconfortáveis
e totalmente desconfortáveis dos dois grupos (operação-não radar e aeronaves que o radar não
detecta), chega-se exatamente à mesma percentagem de desconforto: 61,8%.
132
Na mesma tabela, verifica-se que a operação com falha na detecção radar, conforme
percentagem de respostas e análise do discurso, é a situação mais crítica, quando comparada
aos outros dois itens de sobrecarga.
Tabela 6: Percepção dos operadores quanto ao radar
Perguntas Totalmente
confortável
Confortável
Desconfortável
Totalmente
desconfortável
Operação radar
45,7% 54,3% 0,0% 0,0%
Operação não-radar
2,9% 35,3% 55,9% 5,9%
Aeronaves que o radar
não detecta
5,9% 32,4% 47,1% 14,7%
Falha na detecção
radar
0,0% 14,7% 61,8% 23,5%
4.3.2.1.7 Aeronaves que o radar não detecta
O serviço radar é prestado às aeronaves a partir do nível 150. Abaixo desse nível, o
serviço prestado é o de informação de vôo e alerta, devido à dificuldade de detecção dos alvos
abaixo do nível 150, situação em que o operador geralmente não visualiza a imagem da
aeronave na tela do radar. Na região de Campo Grande, essa é uma situação comum, devido
ao número de fazendeiros que utilizam aeronaves de baixa performance e que realizam vôos
em condições visuais de baixa altitude. Operando nessas condições, as próprias aeronaves
devem prover sua separação. Os controladores prestam apenas informações de tráfego, mas
mesmo assim tensão, uma vez que não podem descuidar das aeronaves que voam baixo.
Acima do nível de vôo 150, o ACC deve fornecer o serviço de controle de tráfego e se
preocupar com a separação das aeronaves, ou seja, deve prestar o serviço radar.
Em resposta ao questionário aplicado, quanto ao trabalho com aeronaves que o radar
não detecta, predominaram respostas desconfortáveis (47,1%) e totalmente desconfortáveis
(14,7%), em relação a operadores confortáveis (32,4%) ou totalmente confortáveis (5,9%),
conforme a Tabela 6.
4.3.2.1.8 Quanto à qualidade das freqüências para comunicações
A comunicação é elemento essencial no processo de interação controlador-pilotos. Os
controladores afirmam que operar sem radar é possível, mas operar sem freqüência de
comunicações é impossível, por ser essa uma condição nima necessária para garantir a
133
segurança na aviação. Dessa forma, o item mais apontado como desgastante no controle de
tráfego aéreo foi sem dúvida a questão de freqüências com interferências ou falhas de
comunicações, problema que tem aumentado nos últimos anos, devido a “rádio pirata” e
telefonia celular, associado à precariedade de equipamentos de comunicação.
O problema de comunicações resulta em dificuldade perceptiva auditiva para
operadores e para pilotos. Wisner (1987) aponta as dificuldades perceptivas como um dos
fatores que aumentam a carga de trabalho. O questionário aplicado sobre como se sentem
quando problemas de freqüências para comunicações revelou que 61,8% dos operadores
admitem se sentir totalmente desconfortáveis e 38,2% se sentem desconfortáveis, o que
resulta em 100% deles responderem negativamente quanto a esse tipo de dificuldade técnica
para o trabalho, situação tão comum no cotidiano dos sujeitos da pesquisa, que se tornou
motivo de ironia: “O negócio é rir para não chorar”.
Ao contrário, quando questionados sobre como se sentem operando com freqüência de
comunicação em boas condições (condição tão incomum que provocou risos em vários
operadores), 60% relataram sentir-se totalmente confortáveis e 40% dos operadores relataram
sentir-se confortáveis. Nesse caso, não houve resposta “desconfortável” ou “totalmente
desconfortável”. As expressões de alguns operadores O dia em que isso acontecer vai ser
um sonho”; “Freqüências em boas condições? Isso ainda não passou por aqui”; É coisa
rara ilustram o quanto trabalhar em condições adequadas de comunicações é raro no
controle de tráfego aéreo deste estudo. Tanto é assim que alguns operadores já sabem como
resolver o problema, e não aguardam o técnico de comunicações para resolvê-lo.
As falas a seguir demonstram as estratégias operatórias adotadas pelos controladores,
com relação aos problemas de comunicações, e ilustram a gravidade da situação, que
representa um risco potencial de acidente.
Operador 15: Se você tem problema de freqüências você começa a
restringir o número de aeronaves no setor ou até mesmo fechar o setor. Se
você não fala com o avião e tem dois aviões proa a proa, você não tem como
separar, entendeu? Agora, se você não está vendo e tem freqüência, pela
ficha de progressão, pelos [tempos] estimados, você sabe que os dois aviões
estão proa a proa, mas sem a freqüência, é impossível.
134
Operador 16: Se não tiver freqüência, o que a gente faz? Se tiver radar,
a proa para decolagem ou, dependendo, se for muito grave, na verdade, a
gente informa o problema ao supervisor, que toma todas as providencias. O
esquerdinha aqui vai fazer isso, oh: “Não vai voar ninguém no mesmo nível
ou em vel que possa se conflitar”, porque você sabe que, na hora em que
você precisar, pode não funcionar, ou, se for uma situação de muito caos de
freqüência, todo mundo no chão. Ninguém decola. E o supervisor toma
essa atitude também. Por isso ele fala: “Viro e chamo o supervisor”, porque
seria isso, o supervisor que vai passar o problema para ele. Ele vai falar
“não vai fazer isso”. Ele sabe que não tem mais o que fazer.
O discurso dos operadores entrevistados denota que esse tipo de perturbação exige
atenção, concentração e agilidade dos controladores, e torna-os bastante tensos.
Operador 16: [...] você tem que repetir três, quatro vezes, porque não
chega bem para ele, entendeu? E às vezes você vai transmitir e aí acontece o
quê? É um cuidado que a gente tem que tomar daquele cotejamento. Você
vai transmitir, de repente, transmite uma rádio junto com ele lá. Ele entende
parte da mensagem que você falou, que você não esouvindo isso,
você acredita que ele ouviu inteira. Aí ele fala “ciente”.
Operador 17: A tua expectativa é que ele entenda e faça o que tu estás
falando. Principalmente numa situação de separação de rotas conflitantes.
Tu queres que ele entenda e curve logo. Se é situação de seqüenciamento e
ele não entender, tu ainda vais poder corrigir, mas se é uma situação de
rota conflitante ou uma rota perigosa, tu tens que tirar ele dali ou...
[interrompido pelo tráfego].
O operador 17 explica a dificuldade de operar quando há problemas de fonia, que pode
ser uma dificuldade do operador em relação ao piloto, do piloto em relação ao controlador ou
de ambos simultaneamente. O ápice da tensão vivida nesse tipo de situação é quando existe
risco iminente de incidente ou acidente. Esse operador levanta a questão da divisão do
trabalho, que ocorre pelo mero de tráfego, e não pelo contexto do momento. Interessante
também é observar a percepção do próprio operador em relação a sua carga de trabalho, que
considera principalmente mental:
135
Operador 17: Eu acho que a parada que mais pega é quando tu planejas
uma coisa e a coisa não acontece, ou então, como tu estavas falando, o
problema de freqüência, que eu acho que é o nosso maior problema. É
quando tu estás falando com o piloto e o piloto não está te ouvindo. tu
tens que repetir, tens que repetir, e às vezes é um negócio de imediato, que
tu precisas de uma reação do piloto imediata, e ele não te ouve, ele te
questiona, porque ele não entendeu direito. Esse acho que é o ponto cume
do estresse de quem trabalha. Geralmente isso acontece, não quando você
tem dois ou três tráfegos, assim, sabe? Quando tu tens muito tráfego, tu
estás trabalhando, como agora a gente tem pouco, tu podes ver que a gente
tem bastante trabalho. Não pára de atender telefone. Eu estou falando toda
hora, e não tem muito tráfego. Então, tu imaginas com o máximo de tráfego
que eles delimitam por setor. E tu falando e o piloto não te entendendo.
Então eu acho que essa é a parte que mais, assim, te desgasta, mentalmente
falando. Fisicamente, eu não tenho trabalho nenhum, fico só apertando
botão. Agora com relação ao desgaste mental, assim, estresse maior é nesse
tipo de situação, de tráfego e a freqüência com problema.
Operador 19: Você chama e a aeronave não responde. Você tem que ficar
mais atento, restringir nível.
O operador 20 deixa transparecer em seu discurso que o trabalho no controle de
tráfego aéreo não é impessoal, existem afetos, ou seja, há exigência psíquica para a realização
do trabalho. É o que pode se verificar quando ele classifica os problemas de freqüências em
quatro áreas:
1. Queda na transmissão ou recepção ou ambas as situações. Então, fica
sem comunicação parcial ou total. Esse tipo de problema “preocupa”. [...]
Você fica sem ação, você se sente impotente, você quer passar uma
informação e não consegue. Você não tem o conhecimento técnico para
resolver o problema. Você fica muito preocupado. Apesar de a imprensa
dizer que a gente não se preocupa com as pessoas que estão voando, a gente
fica muito preocupado. A gente não fica insensível à aeronave que caiu.
2. Comunicação entrecortada: quando a mensagem se torna inelegível.
3. Telefonia celular/rádio pirata, rádio FM, piloto ou operador ou os dois
ouvem música, conversas de rádio ou telefone.
4. Chiado. Ocorre principalmente quando há tempestade.
O operador explica que os itens 2, 3 e 4 incomodam, porém, o item que realmente
preocupa é o numero 1. Quando questionado sobre como costuma lidar com esse tipo de
dificuldade, diz que, se a situação do tráfego não exigir ação imediata, aguarda o pessoal
técnico para resolver o problema. Se o tráfego exigir ação imediata, entra na freqüência de
emergência (1.5Mhz), em que todas as aeronaves estão ligadas. Em segundo lugar, iria para
outro setor, onde a freqüência estivesse normal e solicitaria que outra aeronave transmitisse as
informações (o que é chamado de “ponte”).
136
Ficam nítidos a falta de confiança nos equipamentos de trabalho e o desgaste que isso
causa, segundo a fala do operador 16, o qual utiliza o termo antecipação como sinônimo de
planejamento:
O pessoal fala: “Ah, a profissão é muito estressante”. É estressante se você
não tiver os meios para poder trabalhar. Se você tiver uma estrutura para
trabalhar, isso não se torna estressante. Por quê? Se você soubesse que você
poderia contar sempre com as freqüências, não precisaria ficar se
estressando na decolagem. Tem que tomar certas restrições na decolagem,
que ele [o piloto] vai te chamar, você vai tomar as providências. Lógico, a
antecipação faz totalmente parte e é essencial para o trabalho, situação tipo
de tomada de decisão e resolução de conflitos.
A troca de informações entre o controlador e uma aeronave é compartilhada pelos
demais pilotos de aeronaves que estão utilizando a mesma freqüência para comunicação. Isso
facilita o que o controlador chama de ponte.
No trabalho real, acompanhou-se um operador com assistente e instrutor no setor de
Mato Grosso do Sul e São Paulo operarem com deficiência de transmissão (operador e piloto
não conseguiam ouvir a mensagem), tinham de repetir várias vezes a fraseologia. Fazia
ecofonia quando o operador falava com a aeronave, então, a fraseologia era repetida
lentamente. Após falar ao microfone, com uma das aeronaves, o operador ironizou a situação
dizendo: “...e do raio que o parta”.
Em entrevista, a operadora 26, quando questionada sobre como se sente quando
falha na freqüência de comunicação, fala que sente muita raiva, mas, como esse sentimento
não resolve nada, então, não tem o que fazer, a não ser aguardar o restabelecimento do
sistema. Em sua opinião, existem coisas bem mais importantes para o operador fazer do que
ficar resetando”, porque, segundo ela, a primeira pergunta que o supervisor faz quando é
avisado de que a qualidade da comunicação não está boa é: Você tentou “resetar”? Ela se
sente desqualificada em ter de ficar apertando botão para tentar comunicação”, uma vez
que sua formação técnica não é para isso.
Para garantir o desempenho operacional, o controlador desenvolve algumas
estratégias, tais como: chamar o pessoal técnico de manutenção; e, enquanto aguarda a
manutenção, ele próprio tenta restabelecer o sistema (“resetar”); suspender decolagens ou
restringir níveis de vôo; repetir mensagens (cotejamento); trabalhar em equipe (cooperação);
fazer comunicação por meio de outra aeronave (ponte); fornecer informação prévia às
aeronaves quanto à freqüência de comunicação alternativa em caso de falha naquela que está
sendo utilizada: Em caso de falha de comunicações, faça tal e tal coisa”, ao que chamam de
“pagar alternativa”.
137
4.3.2.1.9 Condições meteorológicas
No tráfego aéreo as condições meteorológicas são fator importante, pois o
cumprimento do plano de vôo depende, em grande parte, de condições meteorológicas
adequadas. Condições meteorológicas adversas, muitas vezes, exigem mudanças de rotas para
aeronaves, a fim de desviar dos pontos críticos, e podem implicar atraso de vôo, aterrissagem
em aeroporto alternativo e, até mesmo, suspensão de decolagens. Esse tipo de situação
inesperada, com grande dose de imprevisibilidade, que independe da vontade humana,
repercute no trabalho em condições desfavoráveis, pois o controlador de tráfego aéreo
necessita realizar mais coordenações com outros setores ou órgãos, aumenta o uso de fonia
com os pilotos de aeronaves, aumenta a atenção e a preocupação com a garantia de segurança
no transporte aéreo.
A operação com boas condições meteorológicas foi apontada por muitos operadores
como fator que os deixa confortáveis (42,9%) ou totalmente confortáveis (57,1%), conforme
tabela de resultados, (Tabela 1) o que confere com o que se considerou subcarga.
Quando existem formações meteorológicas (nuvens que geram turbulência ou nuvens
com gelo, raios, chuva e vento) no setor de chegada de São Paulo, por exemplo, risco de
conflitos, pois as aeronaves que estão saindo vão contra as aeronaves que estão chegando. Um
operador relata que costuma restringir o nível (faz separação vertical), evita fazer curva,
porque senão você joga a aeronave para dentro da formação novamente, e as conseqüências
são imprevisíveis”.
Outro operador comenta a combinação número de aeronaves com intempéries,
também no setor de chegada de São Paulo, e a dificuldade disso no trabalho:
Bom, a situação acima de seis aeronaves e desvios meteorológicos é
complicada, porque aumenta o nosso nível de atenção, principalmente nas
situações de seqüenciamentos, que nós não conseguimos fazer, porque a
aeronave não tem condições de curvar na proa que solicitamos. Outra
situação é quando as aeronaves que estão chegando na [área] terminal
fazem desvios na direção das aeronaves que estão saindo ou vice-versa.
Nessa situação, temos que fazer restrições de níveis. Essa situação é mais
agravada quando se trata da terminal São Paulo, quando as aeronaves
estão saindo para as rotas do sul e fazem desvios para a esquerda,
conflitando com as aeronaves que chegam pelo sul e que, muitas vezes,
estão sendo seqüenciadas. Essa situação se agrava, porque as aeronaves
que estão saindo estão com o setor 04 e as que estão chegando estão com o
setor 03. Há aumento de carga de trabalho nos dois setores.
138
O operador 9 relata aumento do risco de conflito entre aeronaves, quando há alterações
meteorológicas: As aeronaves efetuam desvios por conta, sem informar, e isso possibilita
conflito com outra aeronave”.
As formações meteorológicas interferem no planejamento do controlador. Em uma das
visitas ao ACC, em 24/04/2006, no setor agrupado de Florianópolis e Porto Alegre, o
controlador explicou que havia duas aeronaves com números de registro muito similares, o
que poderia causar confusão: TAM 3411 (do Rio de Janeiro para Porto Alegre) e TAM 3441
(de Curitiba para Porto Alegre). Eram duas aeronaves iguais, que a aeronave que saiu do
Galeão estava à frente e era mais veloz, e isso levou o operador a prever que ela iria à frente e
provavelmente teria de fazer seqüenciamento. Porém, o piloto do vôo TAM 3411 avisou ao
controlador que teria de efetuar um desvio à esquerda, para evitar formação. Dessa forma,
mudou o planejamento: “O TAM de Curitiba vai à frente”.
Em resposta à questão: “Como você se sente quando está operando um setor com
freqüentes formações meteorológicas?”, a análise dos resultados demonstrou que 12,1% dos
operadores relataram sentir-se confortáveis, porém, 81,8% dos operadores admitiram sentir-se
desconfortáveis e 6,1% dos operadores, totalmente desconfortáveis, conforme tabela de
resultados (Tabela 2, p. 107). Esses dados são condizentes com o discurso dos operadores e
com a percepção anteriormente formulada de o que representa sobrecarga aos controladores.
As alterações meteorológicas são informadas aos controladores pelo Centro
Meteorológico de Vigilância (CMV) ou pelos próprios pilotos. Por exemplo, no setor de Porto
Alegre, em 19/03/2006, no nível 340, uma aeronave fez reporte de turbulência. Baseado nessa
informação, o operador informou à outra aeronave que nesse nível havia turbulência. Os
efeitos da turbulência dependem do tamanho da aeronave.
O operador 8 explica a dificuldade de operar, por exemplo, quando há muitas nuvens:
[...] uma das coisas que você tenta fazer é ver o lado em que o piloto pode
pousar, na hora de seqüenciar, quando possível, muitas vezes, não tem como
seqüenciar. Então, a gente tem que ligar para São Paulo, separar por nível.
São Paulo seqüencia para a gente, o pessoal do APP. Geralmente, não tem
como a gente seqüenciar para eles, então, a gente separa por níveis, tenta
separar, também, por centro, para dar a distância para eles. E eles lá
seqüenciam para a chegada.
Quando ocorrem alterações meteorológicas, o trabalho do controlador dá-se em meio a
uma série de temores e enfrentamentos diante do risco envolvido. Essa condicionante externa,
carregada de circunstâncias imprevisíveis e incertas, exige habilidade para enfrentar o perigo
e implica mudanças e desenvolvimento de estratégias para lidar com tal situação. As
139
previsões meteorológicas são uma forma de reduzir a lida com o imprevisível no controle de
tráfego aéreo, embora não se possam obter todas as informações antecipadamente. Outras
variáveis que fazem parte do sistema terão importância fundamental na resolução dos
problemas advindos dessa “contrainte”, como condições técnicas do sistema de comunicações
e funcionamento do radar. Então, uma das estratégias adotadas pelos controladores é realizar a
separação por nível, a cooperação entre um órgão de controle e outro, como no caso da área
terminal de chegada de São Paulo. A atenção também aumenta. Geralmente, o trabalho é
executado em dupla e a presença do supervisor de setor é constante, inclusive ele faz
coordenações ao telefone. Destaca-se aqui o caráter informativo do supervisor sobre o
trabalho, fazendo o elo entre setores, transmitindo dados importantes entre setores ou órgãos,
realizando comunicações com serviço de meteorologia, com o Setor de Plano de Vôo e,
quando necessário, com o pessoal de manutenção, e atualizando informações para os
operadores.
4.3.2.1.10 Áreas restritas ativadas
Área restrita é o espaço aéreo de dimensões definidas, dentro do qual o vôo poderá
ser realizado sob condições preestabelecidas, por exemplo, área de pára-quedismo, área de
tiro de guerra. Conforme relato dos operadores, a dificuldade no trabalho, nesse caso,
dependerá de qual é a área em questão. Por exemplo, na região de Boituva, em São Paulo,
uma área restrita que incomoda bastante, porque é passagem de aerovia, na região das
lagoas do Rio Grande do Sul, a área não incomoda, pois não é rota de aeronaves.
O operador 26 relata que existem muitas áreas restritas no setor de Porto Alegre, e que
ele tem de avisar as aeronaves que passarão naquela região.
O resultado do questionário aplicado quanto à confortabilidade em relação ao trabalho
com áreas restritas ativadas confirmou esse fator como fator de sobrecarga, pois 58,1% dos
operadores referiram que se sentem desconfortáveis, 35,5%, confortáveis e apenas 6,5%,
totalmente confortáveis.
4.3.2.1.11 Quanto aos cruzamentos
Os vôos de aeronaves não se desenvolvem em linha reta de uma localidade para outra,
exceto quando autorizados, os quais devem obedecer a rotas estabelecidas por cartas aéreas,
conforme descrevem Sauki, Filho e Brito (2003, p. 18):
140
Essas rotas são chamadas de aerovias, onde nelas existem pontos de
cruzamentos como em qualquer estrada existente no solo. Os pontos críticos
de risco de colisão de aeronaves são estes cruzamentos, onde pode ocorrer
que duas ou mais aeronaves tenham o mesmo tempo estimado e o mesmo
nível de vôo para tal ponto.
Os autores citam que outro ponto crítico de risco é durante a subida ou descida de uma
aeronave que pode encontrar outra em descida ou subida.
O setor de saída de São Paulo, na região de Sorocaba, é considerado complexo pelos
operadores e um dos motivos disso é o grande número de cruzamentos. Isso exige mais
atenção, mais cuidado para evitar conflitos entre aeronaves, conforme relatos dos próprios
operadores, e 63,6% deles responderam ao questionário aplicado que se sentem
desconfortáveis ao trabalhar nesse tipo de situação:
Operador 21: Atenção redobrada. Você fica mais tenso, você fica mais
preocupado.
Operador 22: Tem que prestar muita atenção.
Operador 25: Fico apreensivo.
Operador 26: Atenção redobrada.
Operador 27: Tem que estar bem mais atento.
4.3.2.2 Fatores organizacionais de sobrecarga
Ao se estudar os fatores organizacionais no controle de tráfego aéreo, usou-se a
classificação de Dejours (1994), o qual discute a relação trabalho-saúde mental e considera
que a relação específica entre o sujeito e a organização do trabalho constitui o aspecto central
da análise.
As perguntas relativas aos fatores de sobrecarga organizacionais somavam um total de
16 itens, as quais constam no questionário elaborado (Apêndice). Da análise de resultados,
verifica-se, pelo Gráfico 4, que os fatores organizacionais (Tabela 2, p.107) não foram os de
maior nível de desconforto ou insatisfação, o que não confere com os demais dados que serão
apresentados neste capítulo. Ocorreu que 58,7% dos sujeitos referiram sentir-se confortáveis
em relação aos fatores organizacionais, na aplicação do questionário, 12,7% disseram-se
totalmente confortáveis e 25,2%, desconfortáveis, somente 1,7%, totalmente desconfortável.
Um instrutor explica os fatores organizacionais como
141
[...] recoordenação de nível, transporte de enfermo, autoridade a bordo etc.
Tudo isso o controlador “mata no peito”, desde que tenha condições
técnicas para isso. Se não tiver problemas cnicos, o controlador não tem
medo de trabalhar. O problema é esse sistema degradado.
Consideraram-se fatores organizacionais tudo aquilo que afeta as prescrições
usualmente utilizadas. Por exemplo, a recoordenação de nível implica, para os controladores,
aumento do nível de separação entre aeronaves (de 10 milhas para 20 milhas, por exemplo); o
transporte de enfermo a bordo exige do controlador planejamento e antecipação, pois se trata
de aeronave que tem prioridade na aproximação; o transporte de autoridade a bordo repercute
em aumento no nível de separação entre aeronaves, o trabalho deve ser em dupla e a presença
do supervisor, constante. Entende-se que em todas essas situações novas normas entram em
vigor, mesmo temporariamente.
12,7%
58,7%
25,2%
1,7% 1,7%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Tot. Confortável Confortável Desconfortável Tot.
Desconfortavel
Não Aplicável
Gráfico 4: Percepção dos operadores quanto aos fatores organizacionais de sobrecarga
O resultado estatístico não condiz com a análise previamente realizada, o que pode ter
uma explicação: trata-se de meio militar, em que vigora certo desconforto de expressar os
sentimentos, apesar de se garantir sigilo em relação à identificação dos sujeitos da pesquisa.
Outro fato que pode justificar a diferença entre as duas formas de análises é a adoção de uma
postura viril, que os leva a desenvolver uma fachada feita de orgulho, bravura e virilidade,
como forma de conter a ansiedade decorrente dos riscos que a atividade impõe. Esse
fenômeno é muito similar à descrição de Dejours (1992) relativa aos pilotos de caça e
operários da construção civil, em que são desenvolvidas as defesas para continuar trabalhando
com perigo de acidente aeronáutico, no qual as repercussões geralmente são desastrosas.
142
Eles sentem-se desprotegidos, pois, ao falar sobre a possibilidade de acidente,
formulam a seguinte pergunta: Que controlador tem amparo jurídico para se defender nessa
hora?”.
4.3.2.2.1 Trabalhando sozinho ou com o assistente
Considerou-se o trabalho como operador ou como assistente fatores de sobrecarga,
mas, de acordo com os resultados estatísticos, as duas formas de organização do trabalho são
subcarga, principalmente o trabalho em dupla, conforme consta na Tabela 2.
O controlador de setor deve informar ao supervisor setorial quando seu setor está
congestionado ou saturado, de acordo com o previsto no Modelo Operacional (BRASIL,
2005), descrito anteriormente. Em cada console, fica fixado o número máximo de aeronaves
por setor, de acordo com operação radar ou não-radar. A decisão de chamar ou não o
assistente para auxiliar o operador é do supervisor, conforme explicação do operador 8:
Qualquer setor tem esquerdinha, mas teoricamente o cara vem aqui e
analisa: “Ah, precisa, não precisa!”. O telefone está tocando muito ou não
está. Para não ficar usando mão-de-obra à toa: o cara fica aqui, ficar
parado sem fazer nada. Por isso que eu aviso, ele vem aqui, olha: “Ah, não
precisa”.
Figura 11: O trabalho em dupla
143
a) Os diferentes papéis do controlador de tráfego aéreo: controlador de setor e assistente
de controlador de setor
O rodízio entre setores e a alternância de trabalho como controlador e como assistente
são estratégias para evitar a monotonia. Como cada setor tem características distintas, a
passagem de um setor para outro permite a variação de momentos de trabalho intenso com
situações de pouco trabalho e a alternância do trabalho com restrição temporal para a tomada
de decisão ou com tempo suficiente para a tomada de decisão.
Os operadores sabem quais são os setores em que devem fazer tarefas manuais, os
setores em que problemas de freqüência para comunicações ou aqueles em que muito
seqüenciamento. Por exemplo, o setor do Mato Grosso do Sul é conhecido entre eles como
“Bósnia”, onde a maioria não gosta de trabalhar, porque muito tráfego baixo, e os pilotos
não realizam o preenchimento prévio do plano de vôo, o que resulta em preenchimento de
plano AFIL aos operadores.
Os diferentes papéis que o controlador de tráfego aéreo desempenha (Anexo C) foram
explicados por um dos operadores e por um dos supervisores, os quais destacam a importância
do trabalho do assistente, também chamado de “esquerdinha” (embora trabalhe à direita do
operador).
Operador:
A diferença é que você quer um sossego operacional [falando
do trabalho do assistente]. É um serviço mais de vigilância e em cima do
que você quer saber. É obrigado a usar os telefones, toma iniciativa das
coordenações, autoriza. Já ele lá [referindo-se ao operador] precisa de
atenção, é bem diferente. A gente chega a dar opinião, porque a gente é
responsável da mesma forma. E a gente aqui tem uma visão diferenciada do
operador. Às vezes, a gente vê daqui coisas que ele ali não enxerga. A gente
está aqui exatamente para isso, para auxiliar em alguma coisa que ele não
viu na tomada de decisão.
Supervisor: Às vezes, até é mais importante que o controlador. Ele vai fazer
o planejamento para o outro. Inclusive, quando tem uma aeronave
decolando, se que tem uma outra que vai cruzar, você avisa, toma a
iniciativa. [...] Dele aqui é entregar para São Paulo um atrás do outro,
separadinho, bonitinho, enquanto ele [falando do operador] está ali
fazendo, reduzindo velocidade, alterando velocidade, vetoração, curvando.
Às vezes, tem aqui embaixo alguém que já decolou, ali em Brasília, às vezes,
está acontecendo alguma coisa. Eu estou observando tudo o que está
acontecendo, porque, a partir de um certo volume de tráfego, ele não vai
dar conta, porque ele está muito focado ali, ele não consegue observar o
plano geral.
144
Em 26/05/2006 (setor de saída de São Paulo), acompanhando um operador no papel de
controlador de setor e depois, após a pausa, esse mesmo operador no papel de assistente (setor
de Porto Alegre), mesmo sendo operação não-radar, verificou-se que, na segunda situação, ele
estava bem mais tranqüilo do que como operador de setor. Assim, também se percebeu que o
operador fica mais relaxado quando um assistente é chamado para auxiliá-lo, porque, nesse
caso, não só divide com ele a responsabilidade pela operação como também divide as tarefas.
A função de assistente, na opinião de membros da equipe, tem menos sobrecarga do
que a de operador. Isso é o que explica um dos supervisores do ACC de Curitiba, quando
questionado sobre a existência de maior ou menor aptidão, de acordo com o papel que cada
um executa:
Eu acho que sempre ele é mais para operador, que a própria instrução, a
formação é para operador. A formação em si é voltada para a operação. E
na verdade passa a ser o esquerdinha que a gente chama de assistente
também, que é mais fácil que o trabalho do operador. Então, não é uma
coisa que ele pode ser melhor operador ou melhor assistente.
Quando questionado sobre se acredita que pode haver preferência individual por
trabalhar como operador ou como assistente, o supervisor reafirma sua opinião de que o
assistente realiza trabalho menos desgastante:
[...] até eu acho que é mais desgastante [referindo-se ao trabalho do
controlador de setor]. É natural da pessoa escolher. É natural escolher
entre trabalhar aqui cinco anos seguidos, só de assistente ou só de
operador. Eu acho que ele preferiria de assistente. É porque o assistente, o
número é menor de... a carga de trabalho ia diminuir para ele também.
4.3.2.2.2 Quanto às recoordenações de níveis entre setores e/ou órgãos
A recoordenação de níveis ilustra a diferença entre o trabalho prescrito e o trabalho
real. A tarefa determina o limite mínimo de separação entre aeronaves de 10 milhas,
entretanto, na análise da atividade, observou-se que, devido a condicionantes, como condições
meteorológicas inadequadas, outro órgão (como APP de São Paulo) pode solicitar separação
maior entre aeronaves, por exemplo, 20 milhas.
Conforme os resultados do questionário, houve pouca diferença entre o número de
operadores que se sentem desconfortáveis (47,1%) e confortáveis (50%) com as
recoordenações de níveis entre setores e/ou órgãos. Segundo relatos dos próprios
controladores, esse fator se torna fonte maior ou menor de tensão, dependendo de com quanto
145
tempo de antecedência eles são avisados de que mudança nos níveis. Então, se houver
certo tempo de antecedência para que possam se planejar para o trabalho, a alteração não
incomoda tanto.
O operador 5 diz que perde tempo para realizar a recoordenação de nível. Outro
operador fala que isso é desconfortável, devido ao tempo de coordenação, e o operador 11
relata que: Depende de quanto tempo antes foi informado disso. Se tempo hábil para
replanejar”.
4.3.2.2.3 Quanto à tomada de decisão
Investigou-se sobre o tempo decorrido para a tomada de decisão, por ser considerado,
por alguns autores, uma característica importante dos sistemas de trabalho complexos e
também por implicar exigência cognitiva aos operadores. “Entendemos que a manutenção da
proteção ao vôo ocorrerá na consciência situacional do controlador que toma decisões
sistematicamente, para isso tendo que manter atenção e concentração como condição
essencial” (PEREIRA, 2001, p.82).
O tempo decorrido para a tomada de decisão é fator citado por diversos autores como
agente de maior carga mental no trabalho, como se verificou na revisão da literatura, e, no
caso do controlador de tráfego aéreo, ele precisa analisar uma gama de informações,
interpretar sinais e signos, para então em segundos tomar uma decisão. Eles tomam decisões
baseadas, também, em uma série de variáveis que estão armazenadas em sua memória. A
importância da tomada de decisão tem relação com o que Wisner (1987, p.174) discute, no
sentido de que “o cérebro fica sobrecarregado se as únicas atividades cognitivas são de
tomadas de decisão”. Para o autor, a capacidade de memorização fica prejudicada em
indivíduos cansados ou com falta de sono.
Moreira e Vidal (1999, p.46), em seu estudo no APP do Rio de Janeiro, citam:
O valor encontrado para a duração do intervalo entre as intervenções
controlador-aeronaves é praticamente nulo, o que caracteriza uma
necessidade de altíssimas velocidades de reação e julgamento por parte do
controlador, uma vez que seu ritmo de trabalho é função do movimento do
tráfego sob vigilância, que o obriga a memorizar e interpretar,
instantaneamente, as informações recebidas para, de imediato, orientar
diferentes aeronaves.
Questionou-se os operadores quanto à confortabilidade, quando a tomada de decisão
deve ser extremamente rápida. Não houve diferença importante entre o grupo dos que se
146
sentem confortáveis (48,5%) ou desconfortáveis (45,5%), conforme consta na Tabela 2.
Porém, quando se avalia a pergunta considerada como subcarga: “Quando há tempo suficiente
para a tomada de decisão?”, percebe-se que somente houve respostas positivas em relação a
esse fator: 54,3% sentem-se totalmente confortáveis e 45,7%, confortáveis (Tabela 1).
O operador 8 relata que, quando a tomada de decisão deve ser extremamente rápida,
ansiedade. “A ansiedade prejudica a percepção, o julgamento e, conseqüentemente, a
tomada de decisão e a ação do indivíduo” (COELHO e MAGALHÃES, 2001, p. 42). Assim,
também houve outras falas de operadores que ilustram como se sentem quanto à restrição
temporal para a tomada de decisão.
Operador 9: Você fica muito concentrado e sai esgotado do console.
Operador 10: A gente passa muito por isso aqui.
Operador 17: É uma reação reflexa.
Trabalho com longos períodos de vigilância, como é o caso dos controladores,
algumas vezes, implica controlar o inesperado, para, então, em prazos muito curtos, “tomar
decisões sobre uma situação muitas vezes bastante complexa e perigosa” (WISNER, 1987, p.
179). Para o controlador, é importante receber informações contínuas do sistema, que é
dinâmico, pois assim atualiza sua representação mental de todo o sistema de tráfego aéreo, o
que permite sua atuação imediata em caso de emergência.
Os controladores de tráfego aéreo tomam decisões com certa dose de incerteza, sobre a
confiabilidade do mecanismo anticolisão, incerteza quanto às condições meteorológicas,
incerteza quanto ao número de elementos que exigem atenção na falha de detecção do radar,
incerteza quanto à qualidade das freqüências para comunicações, incerteza sobre a informação
prestada pelo piloto em caso de operação não-radar (nos pontos de notificação). Uma das
estratégias adotadas para reduzir a gestão da incerteza é a reunião de revisão dos incidentes,
na qual as possíveis falhas são apresentadas aos demais membros do grupo, a fim de evitar a
repetição de novas situações similares.
4.3.2.2.4 Aeronave com enfermo a bordo/seqüenciamento de aeronave com enfermo a bordo
Aeronave transportando ou destinada a transportar enfermo ou lesionado em estado
grave, que necessite de assistência médica urgente, ou órgão vital para transplante em corpo
humano tem prioridade em relação a outras aeronaves, com exceção de aeronaves em
147
emergência ou planadores (BRASIL, 2005). Essa é uma situação inesperada, mas que deve
ser administrada, para que a aeronave chegue o mais rápido possível a seu destino.
Ao se questionar os controladores quanto ao transporte de enfermo a bordo,
predominaram respostas de confortabilidade (77,1%), conforme Tabela 2, porém, quando
questionados sobre o seqüenciamento de aeronave com enfermo a bordo, houve 9,4%
totalmente confortáveis, 40,6% confortáveis e 43,8% desconfortáveis.
4.3.2.2.5 Aeronave com autoridade a bordo
Aeronave conduzindo o Presidente da República, por exemplo, é uma das que têm
prioridade na aproximação, porém, quando há aeronave presidencial, existem normas de
seguranças a ser seguidas, como: não pode haver agrupamento de setor, tem de haver
acompanhamento constante do supervisor e a separação entre aeronaves, que normalmente é
de 1000 pés, deve aumentar para 2000 pés (BRASIL, 2005).
Em visita ao ACC de Curitiba, em 19/03/2006, acompanhou-se o controlador 5
conduzindo a aeronave presidencial de Chapecom destino a Porto Alegre. Nessa ocasião,
enquanto atuava no controle de tráfego aéreo, explicava que tudo faz parte do planejamento,
desde a organização das strips pré-ativas, as ativas e as aeronaves que estão voando: conferir
no console se as freqüências estão ligadas, conferir se tudo está funcionando, ele faz isso na
passagem do serviço; estar ciente das particularidades do setor, por exemplo, que em Chapecó
está o FAB do zero uno (qualquer aeronave conduzindo o Presidente da República); estar
ciente de que no setor três vôos militares na área das lagoas (estão ativadas) e que está
tendo treinamento, avisado pela Defesa Aérea. Das 16h55 às 17h20, o operador conduziu a
aeronave presidencial, passando-a depois ao APP de Porto Alegre, sem alterações.
Os resultados apresentados na Tabela 2 demonstram confortabilidade quanto ao
transporte de enfermo a bordo e ao transporte de autoridade a bordo. Isso talvez se deva à
baixa freqüência com que tais eventos acontecem.
4.3.2.2.6 Ações simultâneas (manuseio de strips, teclado, telefone, microfone)
As ações simultâneas fazem parte do cotidiano no contexto do controle de tráfego
aéreo, condição que “faz parte do trabalho. Embora alguns deles tenham naturalmente
facilidade para realizar várias ações simultâneas, há outros operadores que sentem mais
dificuldade, isso faz parte da variabilidade interindividual. Assim, ao ser questionados sobre
148
esse item, 18,2% relataram que se sentem totalmente confortáveis, 42,4%, que se sentem
confortáveis, 33,3%, desconfortáveis e 3,0%, totalmente desconfortáveis.
A descrição de Pereira (2001, p. 82) sobre as diversas tarefas e solicitações impostas
concomitantemente aos controladores condiz com o que foi encontrado nesta pesquisa.
Tratando-se de atividades diversificadas como na prática do controle de
tráfego aéreo, a dificuldade de manter o foco da atenção aumenta
consideravelmente. Os controladores precisam integrar diversas informações
para executarem suas diversas tarefas de forma concomitante. Suas
habilidades motoras tendem a ser automáticas, e executam normalmente
enquanto o centro da atenção está para outra ação, por exemplo aprendem a
ouvir e responder aos pilotos enquanto anotam e continuam atuando nos
controles específicos dos equipamentos. Observa-se também que seus focos
de atenção mudam rapidamente abrangendo assim várias atividades. Estas
ações terão que não fugir às regras e legislação em vigor, tendo que planejar
e coordenar com segurança e tempo hábil todas as suas decisões para
orientação das aeronaves.
A este respeito, encontra-se em Seligmann-Silva (1994, p.153) que “quando a função
desempenhada é complexa e exige simultaneidade de focos de atenção e de atuação prática, a
fadiga mental se torna perceptível em menor espaço de tempo”. A autora constatou que
aumento da tensão quando à complexidade da função acrescenta-se o esforço de manter a
atenção voltada para a detecção de riscos de acidentes: quando existe grande perigo e ritmo
de trabalho acelerado, a tensão atinge limites insuportáveis.
Em 26/05/2006 ao acompanhar a atividade de controle de tráfego aéreo no setor de
saída de São Paulo, observou-se o operador e o assistente trabalhando de maneira intensa: não
com ações simultâneas, mas também mudança de ação e exigências para a resolução de
diferentes problemas. Nessa ocasião, anotou-se e ao mesmo tempo gravou-se o trabalho do
controlador 16 por cinco minutos:
Uso de teclado, se ajeita na cadeira, teclado, microfone, fala com o
assistente, mouse, ouve o assistente. Uso de dispositivo de comando, teclado
enquanto fala com o assistente. Chama o supervisor, uso de teclado superior
esquerdo e inferior esquerdo + uso de mouse e teclado. Fala com o assistente
e o supervisor, teclado, microfone, ouve, fala ao microfone, anota na strip,
anota na strip, teclado + uso de mouse. Teclado inferior esquerdo. Outro
supervisor fala com o controlador enquanto um supervisor observa de
perto. Fala com o vôo TAM 3470, ouve e anota na strip, separa strip. Não
usa apoio para as costas. Fala com o operador de outro setor, ouve piloto,
uso de teclado, fala com o assistente. Anota na strip, fala com um dos
pilotos, teclado, observa e fala ao microfone. Controlando 5 aeronaves.
Risos do assistente. Teclado, teclado inferior esquerdo. Fala com o
assistente, fala ao microfone; NDB piloto proa de Pinhais; ajusta console.
Fala com o assistente, se ajeita na cadeira. Proa de Pinhais, anota na strip.
149
Uma analogia dessa realidade laboral com o trabalho hospitalar, citado por Wisner
(1987, p. 126-127), cujas atividades são consideradas complexas, mostra que também no
trabalho de controle de tráfego aéreo existem múltiplas tarefas a ser realizadas, com diferentes
níveis de urgência, e as decisões variam de acordo com a situação instantânea
.
As tabelas de
eventos que serão apresentadas e descritas a seguir demonstram a lida com a gestão da
variabilidade.
A tabela de eventos é uma adaptação da tabela criada por Guérin et al. (2001, p. 172) e
representa um recorte da atividade de um controlador de tráfego aéreo, em diferentes
momentos (pouco tráfego, momentos de pico). Nela, pode-se observar a diversidade de
informações e problemas a serem solucionados e a simultaneidade de vários problemas, ações
e percepções exigidas no decorrer do trabalho.
A Tabela 7 ilustra uma situação de trabalho no setor de saída de São Paulo
acompanhada em 11/06/2006, aproximadamente às 10h00, com pouco tráfego. Somente o
controlador de setor operava. O operador estava em comunicação com três aeronaves, ou seja,
recebia informações, processava informações e tomava decisões diferentes. Ainda, enquanto
atendia às solicitações dos pilotos, executava ações, por exemplo: escrita nas strips, uso do
mouse, digitação, recebia novas fichas de plano de vôo que foram impressas, posicionava as
fichas no porta-strip e usava outros dispositivos de comando.
No primeiro contato do vôo TAM 3811, o piloto fez uma solicitação para mudar de
nível, a qual foi autorizada pelo controlador. O piloto da segunda aeronave (Oscar Gol
Yankee) fez comunicação de área restrita ativada, por ser região de pára-quedismo. Aos
1min44s, o operador tentou fazer contato com uma aeronave que estava em seu setor, porém,
não havia feito o contato inicial com o Centro.
Aos 45 segundos de observação, pôde-se verificar que, enquanto exigência mental
para compreender a fala do piloto, também exigência cognitiva para identificar se a strip é
ativa ou pré-ativa.
Para a resolução dos diferentes problemas, o controlador identifica a mensagem oral
ou manuscrita, recorre a seu conhecimento previamente adquirido e armazenado em sua
memória, recorda-se de situações similares que já viveu, para então optar pela melhor decisão.
A Tabela 8 apresenta um momento de pico no setor de saída de São Paulo, em que
havia dois operadores e um instrutor no posto de trabalho, pois o controlador de setor estava
em período de estágio. O registro ocorreu em 15/06/2006 (quinta-feira), quando havia oito
aeronaves em vôo, 21 strips pré-ativas e cinco
strips ativas.
150
As falas são dos diversos atores envolvidos, porém, as ações são do controlador de
setor. Por isso, poucas ações relativas às strips, que elas ficam sob responsabilidade do
assistente.
Em poucos segundos, a operadora encontrou-se envolvida com nove problemas
diferentes, em constante interação com os pilotos, com o instrutor e com o assistente, além
das ações de escrita, digitação, mouse e outros dispositivos. O primeiro problema foi relativo
ao vôo TAM 8000, que solicitou autorização para descida. Na segunda situação, era um
evento relativo à coordenação realizada pelo assistente, que passou a informação ao operador.
No terceiro caso, do vôo TAM 3033, também era uma solicitação para descida. No quarto
evento, o piloto da aeronave Gol 1996 foi orientado a mudar de nível de vôo. Com diferença
de poucos segundos, o operador solicitou ao vôo Gol 1954 que subisse de nível para o 340
(quinto evento), momento de maior tensão, pois o piloto, ao fazer o cotejamento, disse:
Restrito 340, Gol 1954”. No momento seguinte, o próprio operador fez a coordenação com
outro setor (sexto problema). Aos 2min55s, sétimo problema: indicou a proa de Florianópolis
para o vôo Varig 2118. Logo em seguida, outro problema (oitavo) do TAM 3033, que foi
passado para o centro de aproximação. Depois, o nono problema com o Vitor Hotel.
Aos 00min21s, o assistente, falando ao telefone localizado à direita do console,
ilustrou uma coordenação.
Aos 2min11s, ao falar com o Gol 1954, a controladora demonstrou sua irritação,
quando falou fora do microfone: Restrito provavelmente final, meu filho!”, pois o piloto da
aeronave entendeu que ficou restrito em seu vel de vôo. Isso demonstra que realmente
existem freqüentes atritos entre pilotos e controladores.
Nota-se simultaneidade de solicitações de recursos perceptivos, como audição para
ouvir o piloto, enquanto olha para a expressão facial do assistente. Outro exemplo: uso da
audição para ouvir o piloto ao microfone e para ouvir o instrutor falando com o assistente ou o
assistente ao telefone. Como no exemplo aos 1min56s, quando falava ao microfone, escrevia
e usava o mouse, ou aos 2min20s, enquanto ouvia o instrutor, digitava, usava o mouse e
outros dispositivos de comando.
151
Tabela 7: Tabela de eventos (trabalho individual
)
HORA EVENTOS ESCRITA
DIGITAÇÃO
MOUSE
MANUSEIO DE STRIPS OUTROS
DISPOSITIVOS
00:24 Piloto: “Curitiba, TAM 3811 no ponto ideal”.
(Coloca no porta-strip)
00:27 Operador: “TAM 3811, desça e mantenha o nível 100”.
00:31 Piloto: “Ciente TAM 3811”.
00:36
00:39
00:45 Piloto: “Centro Curitiba, Oscar Gol Yankee?”
(Pega strip dos vôos e coloca no porta-
strip das ativas)
00:54 Operador: “Oscar Gol Yankee, Centro Curitiba, prossiga”.
00:55 Piloto: “Novo lançamento 140 Boituva, POB 13, autonomia de
3 horas”.
01:00
Operador: “Ciente Papa Tango Oscar Gol Yankee, reporte
nivelado 140”.
01:06 Piloto: “Ciente”.
01:13
(Pega strip da Impressora)
01:20
01:21
(Dobra e coloca no porta-strip das pré-
ativas)
152
HORA
EVENTOS ESCRITA
DIGITAÇÃO
MOUSE
MANUSEIO DE STRIPS OUTROS
DISPOSITIVOS
01:32
(Pega no porta-strip e elimina strip pré-
ativa)
01:37
01:44 Operador: “TAM 8026 na escuta do Centro Curitiba”.
01:50
(Pega telefone da direita e
disca)
02:17 Operador ao TF: “Oh SP Tam 8026 não chamou aqui Curitiba,
vê se ele tá na tua escuta ainda”.
02:27 TF:Tá”.
02:30
02:34
02:39
02:42
153
Tabela 8: Tabela de eventos (trabalho em dupla com instrutor)
HORA
EVENTOS
ESCRITA
DIGITAÇÃO
MOUSE
MANUSEIO DE
STRIPS
OUTROS
DISPOSITIVOS
00:01 Piloto: “Poderia voar no nível 360?”
00:04 Operador: “Autorizado o nível 360 como final, confirme”.
00:07 Piloto: “Nível 360 como final, TAM 8000, obrigado”.
00:10
00:13
00:19
00:21 Assistente ao TF: “110 e o último VARIG 8880. Isso!”
Boeing 752 de Guarulhos, 3653 é o código, nível 280, 120, isso? Tá
bom então, obrigado”.
00:44 Assistente ao Opr.: “100,110,120”.
00:52 Piloto: “TAM na descida, TAM 3033”.
00:54 Operador:TAM 3033 desça e mantenha o nível de vôo 100”.
00:58 Piloto: “100”.
01:03
01:10
01:18 Operador: “Não quer ir mais! O que tá acontecendo querido
instrutor?”
01:24 Assistente: “É que tá meio lerdo lá”.
154
HORA
EVENTOS ESCRITA DIGITAÇÃO MOUSE MANUSEIO
DE STRIPS
OUTROS
DISPOSITIVOS
01:29 Instrutor: “Dependendo de onde que você colocou, é isso mesmo?”
01:31 Operador: “Não” (risos)
01:37 Assistente ao Opr.: “O pessoal vai poder voar Floripa agora, será
ou não?”
01:40 Assistente: “Por que não tava?”
01:41 Operador: “É, Varig é o primeiro, porque estava cheio lá”.
01:43 Instrutor: “Diz que estava com 5 vetorações pra Guarulhos”.
01:45
01:46 Assistente sai do posto de trabalho.
01:49 Instrutor: “Se a gente for mandar a Floripa esse Gol 1996, vai ter
que segurar no 340”.
01:54 Piloto: “Curitiba Gol 1996, bom dia”.
01:56 Operador: “Gol 1996, desça e mantenha o nível de vôo no 110”.
02:00 Piloto: “Nível 110, Gol 1996”.
02:03 Instrutor: “360 e 360 se ele pedir pra depois ele voar Floripa não
vai dar”".
02:09 Operador: “Então deixa no 34”.
02:11 Instrutor: “"É deixa no 34...”
Operador: “Gol 1954, suba e mantenha no nível 340”.
155
HORA EVENTOS ESCRITA DIGITAÇÃO MOUSE MANUSEIO
DE STRIPS
OUTROS
DISPOSITIVOS
02:15 Piloto: “Restrito 340, Gol 1954”.
02:19 Operador: “Restrito provável/final meu filho”.
02:20 Instrutor: “Ele vai ter que voar pra esquerda e provavelmente não
vai conseguir". “Ele vai ter que... se ele for...
02:25
02:31 Operador: “Dá licença um pouquinho”.
02:42
(Pega strip)
02:45 Operador ao TF: “Tá vendo o... e ok obrigada”.
(Coloca no porta-
strip)
02:51
Operador: “Varig vai e o Gol mantém”.
(Desliga o telefone)
02:55 Operador: Varig 2118, autorizado da presente proa de
Florianópolis”.
03:00 Piloto: “Aproando Florianópolis, Varig 2118”.
03:04 Operador: “TAM 3033, chame agora o controle Curitiba em 119,
decimal 95”.
(manuseio do porta
strip)
03:10 Piloto: “19.95 obrigado. TAM 3033”.
(coloca strip no
porta strip)
03:18 Piloto: “Centro Curitiba transfere Papa Tango Vitor Hotel Yankee”.
156
HORA EVENTOS ESCRITA DIGITAÇÃO MOUSE MANUSEIO DE
STRIPS
OUTROS
DISPOSITIVO
S
03:21 Operador: “Papa Tango Vitor Hotel Yankee, prossiga”.
03:25 Piloto: “Vitor Hotel Yankee,de Itápolis para Curitiba,
estima o pouso em mais uno, zero; 1 minuto”.
03:35 Operador: - “Ciente Vitor Hotel Yankee, reporte ingresso na
terminal Curitiba, caso negativo nossa freqüência alterna o controle
em 119, decimal 95”.
03:44 Piloto: “Ciente chamo no ingresso a terminal Curitiba, caso contato
com Centro chama controle Curitiba em 119, decimal 95, Vitor
Hotel Yankee”.
(Retira placa de porta
-strip)
04:01 Operador: “Papa Tango, Eco, Índia confirme hora de decolagem”.
157
a) Sobre as interações com o console
Os critérios que estabelecem a divisão do trabalho por setor operacional são bastante
esclarecedores, no sentido de que não previsão de tempo despendido para ações
importantes, como coordenações, registro de dados, tempo de interação com o console e
tempo de planejamento, conforme consta na ICA 100-20 (BRASIL, 2004, p. 4):
A capacidade de controle simultâneo no setor determina o número máximo
de aeronaves que podem estar simultaneamente sob responsabilidade de um
determinado setor de controle. Considera-se neste lculo o fator de
disponibilidade do controlador: o percentual de tempo disponível para as
comunicações terra-ar com as aeronaves (transmissão/recepção). Assim
sendo, não estão incluídos neste parâmetro os tempos despendidos com as
demais atividades relacionadas diretamente com o controle, tais como:
registro de dados, coordenação entre órgãos ou setores, interação com o
console e a comunicação interpessoal. No fator disponibilidade do
controlador também está implícita a atividade de pensar o tráfego, destinada
ao planejamento para distribuir e ordenar o fluxo de aeronaves no espaço
aéreo controlado.
“São ridículos os critérios [para divisão do trabalho] que são utilizados atualmente”,
falou um dos supervisores. O relato do operador 18 sobre seu período de aprendizagem ilustra
o quanto essa fase é penosa aos controladores, devido à quantidade de informações que devem
gerenciar e à diversidade de equipamentos e procedimentos, algo que é inerente ao trabalho,
mas não está explícito. Por exemplo, quando problema de comunicações, o controlador
deve fazer preenchimento de planilha, para ser encaminhada ao serviço de manutenção,
simultaneamente ao controle de tráfego aéreo. Outros exemplos seriam as anotações nas
strips, as comunicações com a equipe de trabalho e o preenchimento do plano AFIL.
158
Operador 18: Quando eu era estagiário, a gente passava muito tempo
assim aprendendo a técnica sobre o tráfego aéreo, rotas e performance de
aeronaves. Mas tem uma parte do nosso serviço que eles não frisam, que é a
carga de trabalho que você tem manuseando o console, que é uma carga de
trabalho grande. Então é uma preocupação, é uma coisa que você tem que
se preocupar. Além da separação e da vetoração, é manter o console, é
verificar dados, verificar planos, modificar planos, vários equipamentos que
tem ali. O trabalho que a gente treina, por exemplo, nos simuladores, depois
a gente aplica aqui em questão de tráfego aéreo. Sei lá, é 60% do trabalho,
os outros 40%, sei lá, talvez 30% do tempo, é o manuseio do console. É
digitar dados, é mudar plano de vôo, é o monitor que fica lá no fundo, é isso
que trabalho, porque é uma parte do trabalho que não é computada.
Talvez as pessoas que nos ensinam achem que é uma coisa tão comum, tão
normal, e fazem isso há alguns anos, que não se dão conta de que, para a
pessoa chegar agora, essa pessoa vai ter que levar isso em conta, e vai
tomar tempo, vai tomar atenção. O manuseio das strips, os telefones, então,
não é só, não é a observação da movimentação do tráfego aéreo, mas é
você saber que tem que dar prioridade ao telefone, dar prioridade... dar
prioridade. Eu percebi é que, quando eu estava estagiando, quando a gente
começou a trabalhar, eu me deparei com uma série de situações que não
eram situações de tráfego aéreo, mas eram situações de problema. Por
exemplo, eu tinha que mudar um nível de plano de vôo e eu não sabia como.
Então, eu tinha que fazer como? Perguntando, digitando, corrigindo e a
situação aqui é violenta, o tráfego não pára. Então uma coisa que eu
percebi foi isso: no dia-a-dia tem uma carga de serviço extra que não diz
respeito ao tráfego aéreo, mas diz respeito ao manuseio do console.
4.3.2.2.7 Quando o espaço aéreo do setor é pequeno
O setor de chegada de São Paulo é considerado pelos controladores um dos mais
difíceis em que trabalhar, porque o espaço reo nele é reduzido, as aeronaves ficam muito
próximas em relação aos outros setores: O espaço é pequeno, por isso, é mais difícil
trabalhar”.
Então, segundo relato dos operadores, ocorre mais vetoração nesse setor, justamente
pelas tomadas de decisão mais rápidas:
Operador 8: Às vezes, eles fecham devido ao tempo, ao vento. Então, às
vezes, tem cinco aeronaves, a gente tem que tentar segurar. Então, além de
se preocupar com o seqüenciamento, a gente vai se preocupar em separar
níveis. Ontem mesmo não podia deixar ninguém decolar para São Paulo,
porque o vento estava mudando de direção, toda hora e tal. E não sabia...
Esse setor aqui, a partir das 7h00 da manhã, ou 7h30, ele fica
congestionadíssimo, dá muito tráfego. [...].
159
Operador 16: Vou fazendo a separação. Nesse setor aqui, o que eu acho de
mais importante, não nesse setor, mas em qualquer setor que você tenha
pouco espaço para trabalhar, se tem pouco espaço, então, se está voando
uma aeronave entre Florianópolis e São Paulo, você tem vários planos ali
de Curitiba, Navegantes, de alguém que vai decolar. Então, o que você faz?
Planejamento, antecipação. Bom, se decolar até a aeronave estiver em tal
ponto, vou fazer isso. Decolagem tal, vou fazer isso.
Como exemplo disso, no setor de chegada de São Paulo, deve haver mais cuidado no
planejamento e na antecipação, pois a tomada de decisão tem de ser mais rápida.
consenso nas respostas dos operadores 6, 7, 10 e 11, que dizem que a dificuldade
de operar em setor pequeno depende do volume ou fluxo de tráfego e de como estão os meios
para trabalhar.
Um operador relata a dificuldade para realizar a separação de aeronaves no setor de
chegada de São Paulo:
Cada setor tem algumas particularidades. Esse setor aqui é mais
seqüenciamento. Tem uns que são mais vigilância. Aqui é o setor de
chegada, e a saída de São Paulo [aponta para a imagem na tela do radar],
muito próximos. Os da saída começam a desviar em cima dos de chegada.
Não tem como seqüenciar, aí é na base dos níveis mesmo. Escadinha que
a gente fala.
Em outra entrevista, ao questionar um operador no setor de chegada de São Paulo,
quanto ao nível de complexidade:
Esse aqui é o mais difícil para trabalhar. Primeiro, porque a escala de
trabalho aqui é muito reduzida, as aeronaves que estão aqui estão muito
próximas em relação aos outros setores. O espaço é pequeno, por isso, é
mais difícil trabalhar. Vetora mais nesse setor, justamente pelas tomadas de
decisões mais rápidas. Você não consegue conciliar tanto quanto num setor
maior.
4.3.2.2.8 Quanto às escalas de trabalho
A investigação quanto às escalas de trabalho visou a captar as variabilidades intra-
individuais, incluindo, por exemplo, variações como cansaço e variações cronobiológicas.
A jornada de trabalho dos controladores é de seis a 10 horas de trabalho por dia, cerca
de 130 horas por mês. A forma de escala de trabalho é alternada, inclui os turnos da manhã,
da tarde e da noite, conforme se descreve a seguir.
160
a) Em relação ao turno de trabalho
Sabe-se que as pessoas têm ritmos biológicos diferentes, o que as torna mais ou menos
produtivas, em função do turno de trabalho. Comparando-se os três turnos, verifica-se que
34,3% dos operadores sentem-se desconfortáveis ao trabalhar no turno da noite e 5,7%,
totalmente desconfortáveis (Tabela 2, p.107). Esforço cognitivo intenso antes do repouso
noturno produz dificuldade para adormecer (WISNER, 1987).
Investigou-se a percepção do controlador em relação ao turno de trabalho (manhã,
tarde, noite), e não houve diferença representativa entre os três períodos. Os sujeitos da
pesquisa ponderaram questões como distância da residência ao local de trabalho, a
organização da vida pessoal, por exemplo, se estudam em determinado turno, se têm filhos
para cuidar em determinado período etc.
Ao contrário do que se esperava em função do turno noturno, houve muitas queixas
quanto ao trabalho no período matutino, uma vez que se inicia às 6h30, e implica acordar
muito cedo para estar no trabalho no horário prescrito. Esse turno estende-se até às 13h30. O
turno vespertino inicia-se às 13h30 e termina às 20h30. Já o turno noturno vai das 20h30 às
6h30. Essa forma de organização do trabalho faz parte da escala operacional normal,
entretanto, outras escalas, denominadas reforço manhã e reforço tarde, que servem para
suprir a carência de pessoal nos horários de pico de tráfego. Normalmente, cerca de três
operadores escalados para o reforço.
O reforço manhã ocorre das 6h30 às 15h00 e o reforço tarde inicia-se às 15h00 e vai
até às 23h30. Dessa forma, as jornadas de trabalho têm duração de seis a 10 horas ao dia,
dependendo do horário e da escala em que o operador se encontra.
A operadora 26 declara: Eu odeio trabalhar no pernoite”, pois ela tem dificuldade
para dormir em outra cama que não seja a sua e, ainda: Não para desfazer o coque e tirar
o uniforme”.
b) O trabalho em turno alternado
O turno alternado ou com rodízio surgiu por necessidades tecnológicas, econômicas ou
de prestação de serviços à população, como é o caso do controle de tráfego aéreo. No entanto,
essa forma de organização do trabalho implica “carga simultaneamente fisiológica e psíquica”
(LAURELL e NORIEGA, 1989, p. 208). Essas autoras citam que o componente fisiológico
tem relação com alteração da sincronização de ritmos fisiológicos do corpo, como
161
temperatura corporal, pressão arterial e alterações hormonais. A carga psíquica acontece por
um estado de tensão nervosa prolongada, a qual desorganiza a vida social e familiar.
O trabalho em turnos alternados produz influência marcante na vida pessoal e social
do indivíduo, o qual passa a alterar seus horários de hábitos alimentares, de sono e de
descanso, o que muitas vezes resulta em distúrbios psicossomáticos ou sintomas de cansaço e
irritabilidade.
No caso dos trabalhadores em questão, a organização do trabalho inclui três dias de
trabalho (manhã, tarde e noite), sucedidos por dois dias de folga. Questionou-se um
supervisor em relação às diferenças individuais para o trabalho de acordo com o horário:
[...] Até pouco tempo, eu não tinha essa noção. Até vendo programa de
TV, a pessoa que prefere tirar pernoite, o horário de trabalho também,
chegar de manhã. Uma hora que talvez a pessoa durma a mais faz uma
diferença tremenda. Muda a pessoa, muda o comportamento dela. O horário
é importante para a pessoa, porque realmente ela produz mais de manhã,
ela acorda de manhã cedo, disposta. Outras pessoas chegam aqui cansadas.
Falam que dormiram bastante, mas estão cansadas. Isso não foi
trabalhado ou estudado. Eu acho que muita gente tem dificuldade de lidar
com os horários.
O turno alternado resulta em um processo de desajuste crônico, pela alteração sono-
vigília, a que o trabalhador acima de 40 anos tem maior dificuldade de adaptação, como foi
exposto pelo supervisor entrevistado. Então, com base em sua escala de trabalho, ele faz um
verdadeiro planejamento de toda sua vida pessoal, conforme explica:
Notei uma dificuldade tremenda. Tem dia que eu prefiro não dormir por
saber que à noite eu vou dormir melhor. Durante o dia, tem que sair, dar
uma volta, uma caminhada para não dormir. A gente tem que fazer esse tipo
de – como é que é? – barganha. Esse tipo de macete. Macete, não dormir na
hora que tem sono. Às vezes, no outro dia de manhã, tentar acordar mais
cedo. Você sabe que se não acordar mais cedo e dormir até mais tarde, aí,
de noite está ferrado, eu não vou dormir. Aí, no outro dia de manhã é pior
ainda para acordar.
O sono no período diurno é quantitativamente e qualitativamente inferior ao sono
noturno (GRANDJEAN, 1998; IIDA, 2005). Considera-se, pela análise dos resultados, que o
controlador de tráfego aéreo sofre de privação crônica do sono, de acordo com a fala de um
supervisor:
162
Não tem um ritmo, não tem uma rotina. está sempre correndo atrás do
prejuízo e não consegue nunca um empate. Eu tenho que programar, pensar
no sono de amanhã e de depois de amanhã. Amanhã é domingo, digamos,
mas amanhã eu vou acordar às 7h00 da manhã, porque segunda-feira eu
estou de novo... Então é bom que eu não durma até tarde. Tem que fazer, se
não, você complica o outro dia. TV até tarde da noite, por exemplo.
Ah, no outro dia estou de manhã, você vai ver TV, passa da meia-noite, mas
tem que acordar às 5h30 da manhã. Quanto tempo sobra para dormir?
Num estudo realizado por Lotério (1998), com comandantes de aeronaves, a autora
concluiu que a sensação de fadiga e a sonolência são os efeitos que mais aparecem nos relatos
dos comandantes. Considera que essas queixas são causadas por noites mal dormidas,
jornadas de trabalho noturnas e sucessivas, períodos de repouso insuficientes e restrição de
tempo no período destinado à recuperação.
O fato de o controlador de tráfego aéreo relatar que se acostumou às escalas de
trabalho alternadas e que se acostumou ao trabalho nos finais de semana e feriados parece
uma negação do sofrimento para manter o equilíbrio psíquico. Dejours (1999) descreve essa
conduta como estratégia defensiva, que pode levar o indivíduo a se tornar insensível quanto
àquilo que o faz sofrer.
Operador 13: A gente acaba se acostumando, como a nossa escala é três
por dois mesmo, no terceiro dia não tem problema. O problema é quando a
gente faz alguma troca e acaba ficando mais, sabe? Quatro a cinco dias.
Me lembro uma vez que fiz trocas, e no oitavo dia estava no bagacinho,
não estava mais agitando, sabe? Chega no console assim, eu já não fazia
nada de arrojado, sabe? Eu estava bem conservador, porque eu sabia que
eu não estava 100%. O terceiro dia não chega a ser comprometedor, porque
a gente acostuma. Agora, as trocas são no máximo de seis dias, para
trabalhar com um nível de segurança maior. Mas tinha uma época em que
não tinha isso daí, e eu trabalhei oito dias já.
Embora exista o discurso de já estar acostumado, na observação, verificou-se clara
apatia de membros do grupo de controladores em finais de semana e feriados. Por outro lado,
aqueles que se incomodam com a presença de chefia direta ou de algum oficial superior na
sala de controle parecem relaxar quando trabalham fora do horário de expediente
convencional, por ser esse um horário sem risco de haver esse tipo de visita.
O trabalho conservador”, conforme explicação do operador 13, é aquele que ocorre
nos dias em que ele se sente mais cansado, então, para evitar trabalhar mais, por exemplo,
aumenta o limite de separação de 10 milhas para 15 a 20 milhas. no caso do trabalho
“arrojado”, ele segue a prescrição do trabalho, que é de 10 milhas de separação, autoriza voar
proa direta, o que repercute em mais coordenações, mais uso de fonia, ou seja, mais trabalho.
163
Essa é uma estratégia que ele adota para conseguir operar, diante da complexidade de seu
trabalho.
Além das escalas alternadas, a equipe de tráfego aéreo também trabalha com diferença
de horário, o “horário zulu”, de acordo com padronização internacional, baseado no meridiano
de Greenwich, que é o UTC (universal time control). Conforme descreve um operador:
Operador 8: Tem que tomar muito cuidado porque, quando dá 21h00 local,
é meia-noite aqui para a gente, horário zulu. muda o dia nove horas da
noite. Dá três horas de diferença, no horário de verão, duas horas, no
horário normal, são três horas.
c) Trabalho em finais de semana ou feriados
Ao questionar qual é a percepção dos controladores em trabalhar finais de semana ou
feriados, os resultados revelam que 17,6% se sentem totalmente confortáveis, 44,1% se
sentem confortáveis, 35,3%, desconfortáveis e 2,9%, totalmente desconfortáveis. A esse
questionamento houve várias respostas abertas do tipo: “Já estou acostumado”.
d) Quanto ao trabalho no terceiro dia consecutivo
Segundo o Modelo Operacional (BRASIL, 2005), ou seja, segundo a prescrição do
trabalho, os controladores trabalham três dias seguidos, para ter dois dias de folga. No
entanto, verificou-se que o trabalho real não ocorre dessa forma, pois eles realizam uma série
de trocas, o que, às vezes, repercute em trabalhar até seis dias consecutivos ou mais
(conforme discurso do operador 13 no item b). Assim, quanto ao cansaço após três dias de
trabalho, ele praticamente não existe, conforme se verificou pela análise estatística, a qual vai
contra o que se considerou sobrecarga, pois: 6,3% sentem-se totalmente confortáveis ao
trabalhar no terceiro dia consecutivo, 65,6% sentem-se confortáveis e 21,9% relataram que se
sentem desconfortáveis.
e) Escala operacional e militar
Desde a pesquisa realizada em 2002 até o desenvolvimento do projeto de pesquisa de
tese, uma das principais críticas vindas dos operadores quanto a seu trabalho refere-se à
participação em dupla escala de trabalho: escala militar e escala operacional. A escala militar
normalmente ocorre nas folgas operacionais, sobre o que eles falam: “Nosso descanso o é
164
respeitado”. Esse descontentamento foi apontado principalmente quando foram questionados
sobre o reconhecimento por parte dos superiores hierárquicos. Dois operadores relatam que,
quando verificam que estão escalados na folga, ficam desmotivados.
4.3.2.2.9 Comunicação em língua estrangeira
A comunicação entre controladores e pilotos é feita numa linguagem técnica
padronizada, usando-se uma fraseologia. No Brasil, ela é feita em português, no entanto,
quando aeronave estrangeira, a ngua utilizada é o inglês. Considerando-se os ruídos dos
rádios, os sotaques dos controladores de vôo, característicos de cada região, bem como o
conhecimento, muitas vezes parcial, da língua inglesa, ocorre problema sério de comunicação
(PALMA, 2002).
De acordo com a IMA 100-12 (BRASIL, 1999, p.157-158): “A fraseologia é um
procedimento estabelecido com o objetivo de assegurar a uniformidade das comunicações
radiotelefônicas, reduzir ao mínimo o tempo de transmissão das mensagens e proporcionar
autorizações claras e concisas”. O controlador deve ter o cuidado de solicitar o cotejamento
(repetição) do piloto, nos casos de autorizações (para entrar na pista em uso, para pousar, para
decolar, para cruzar a pista em uso, para regressar pela pista em uso, condicionais e de níveis
de vôo ou altitudes) ou instruções (de velocidade, de ajuste de altímetro, de código de radar
secundário de vigilância e pista em uso).
Quando for necessário soletrar, em radiofonia, nomes próprios, abreviaturas de
serviços e palavras de pronúncia duvidosa, usa-se o alfabeto fonético, conforme o IMA 100-
12 (BRASIL, 1999), o qual se apresenta no glossário.
Na prescrição do trabalho dos controladores, a língua inglesa é a língua oficial para
comunicações no controle de tráfego aéreo. O uso freqüente de língua estrangeira não é
garantia de facilidade para tal, até porque, enquanto controlam aeronaves estrangeiras,
existem outras aeronaves cuja comunicação se faz em língua portuguesa ou coordenações em
espanhol. A maior dificuldade dos controladores de tráfego aéreo, em estudo, é quando
comunicações em inglês fora da fraseologia. Então, uma “contrainte” diferente para o
controlador. Nesse momento, percebe-se o trabalho de equipe, pois costumam chamar quem
tem mais conhecimento da língua para falar.
Na atividade de controlador, dependendo da qualidade da freqüência para
comunicações ou quando não compreende claramente a mensagem por dificuldade de
entender o outro idioma, às vezes, ele necessita solicitar a repetição da mensagem duas ou três
165
vezes. Por esse motivo, segundo os operadores, pilotos que ficam irritados, o que causa
constrangimento aos operadores.
Constatou-se que existem mensagens que são abreviadas pelos operadores mais
experientes, como estratégia para atender à intensificação do trabalho versus restrição
temporal, que é muito comum nesse tipo de sistema, por exemplo: Acione identificação
vigilância radar” (prescrição); “Identifique vigilância radar” (atividade).
relato de uma das psicólogas do local da pesquisa quanto à dificuldade de alguns
operadores, principalmente do sexo feminino, de conseguir se impor ao emitir uma
autorização ou instrução aos pilotos. Eles, em sua maioria, têm longo período de experiência
no tráfego aéreo (ao contrário delas, recém-chegadas da escola), além de ser a maioria do sexo
masculino. Isso foi observado em algumas reuniões de revisão dos riscos de incidentes, em
que uma equipe analisa a imagens que foram registradas e ouve as gravações de toda
fraseologia, para identificar onde ocorrem as falhas. Depois disso, cada membro da equipe
emite um parecer. Segundo a psicóloga: Alguns operadores quase tem que implorar para os
pilotos obedecerem”.
A fraseologia tem duração de cerca de dois a 20 segundos para frases mais longas. Por
exemplo: “Lima Quebec Romeu Centro” (02 segundos); Whiskey Quebec Índia, serviço
radar terminado, contato Centro Brasília, freqüência 133.05 caso negativo 1275 Whiskey
Quebec Índia” (10 segundos).
Apesar de todo o rigor e a disciplina que condicionam o trabalho prescrito, quanto ao
uso de fraseologia adequada, houve depoimentos de operadores e supervisores, no sentido do
que se entende como personalização do trabalho, pois operadores e pilotos que fogem às
regras e utilizam mensagens diferentes das especificadas, tais como: “Bom dia”, “Boa
viagem”, “Feliz natal”, “Bem-vindo ao meu espaço aéreo”.
Conforme os resultados apresentados na Tabela 9 (derivada das Tabelas 1 e 2),
observa-se que o maior desconforto dos operadores refere-se ao trabalho com eventuais frases
adicionais que fogem à fraseologia, 48,6% relataram que se sentem desconfortáveis e 8,6%,
totalmente desconfortáveis. O fator que foi considerado como subcarga fraseologia e
comunicação em português confirmou-se como tal, pois houve respostas positivas nesse
aspecto.
Quanto à fraseologia e comunicação em língua estrangeira, não se pode afirmar que
representam variáveis de sobrecarga aos operadores, uma vez que uma percentagem
importante registrou sentir-se totalmente confortável (14,3%) e confortável (71,4%). O
investimento em cursos de atualização em língua estrangeira, principalmente inglesa, tem sido
constante na organização militar em questão, o que contribui positivamente no desempenho
166
dos operadores. Existe previsão do DECEA de que, até 2008, todos os controladores tenham
nível intermediário de inglês.
Tabela 9: Percepção dos operadores quanto às comunicações
Perguntas Totalmente
confortável
Confortável
Desconfortável
Totalmente
desconfortável
Fraseologia e comunicações em
português
48,6% 51,4% 0,0% 0,0%
Fraseologia e comunicações em
língua estrangeira
14,3% 71,4% 14,3% 0,0%
Informações em inglês fora da
fraseologia
2,9% 40,0% 48,6% 8,6%
4.3.2.2.10 Quanto à valorização por parte dos colegas
Questionou-se como os operadores sentem-se em relação ao reconhecimento por parte
dos superiores e à valorização da atividade do trabalhador pelos próprios colegas, por esses
serem elementos importantes na construção da identidade no trabalho. “Quanto mais receber
aquilo que valoriza, mais satisfeito ficará. Quanto maior a discrepância entre o que ele obtém
com seu trabalho e o que ele valoriza e deseja ter, maior será seu grau de insatisfação”
(FERREIRA; ASSMAR, 2004, p. 107).
As respostas dos entrevistados quanto à questão da valorização conduziram à tese do
individualismo, citado por Dejours (1994, p. 58), o qual explica que: “quando as tensões e as
ideologias defensivas estão estabilizadas após certo tempo. Surge então o desencorajamento e
a resignação diante de uma situação que não gera mais prazer e não ocasiona senão
sofrimento e sentimentos de injustiça”.
A fala do operador 19, quando questionado sobre a valorização, revela seu
descontentamento, rancor, sua desmotivação e seu sentimento de injustiça: Porque aqui
ninguém elogia ninguém.”. Relata ele que, em 10 anos de trabalho, lembra-se de ter recebido
elogio apenas uma vez. Diz que se sente desanimado e sem esperança de que as coisas
mudem: Vou ter que ir mais um dia, hoje”. Portanto, sente-se apenas mais um, facilmente
substituível. Conta que, se algum colega tiver uma série de alterações no trabalho, esse mau
comportamento favorecerá a transferência dele, quando a solicitar aos superiores hierárquicos.
Então, segundo ele, quem trabalha mal ainda é beneficiado em relação aos outros.
167
4.3.2.2.11 Quanto ao reconhecimento
O trabalho ocupa lugar central na vida das pessoas, e é importante que seja realizado
com prazer. Por meio dele o indivíduo tem possibilidade de realizar muitas de suas
satisfações.
“O trabalho não se reduz à atividade em si, ou ao emprego, é algo que transcende
o concreto e instala-se numa subjetividade, na qual o sujeito da ação é parte integrante e
integrada do fazer, o que resulta em sua própria realização” (MENDES e CRUZ, 2004, p. 42).
Conforme o discurso da maioria (94,3%) dos operadores do estudo, não existe
reconhecimento por parte de seus superiores hierárquicos, uma vez que a participação dos
controladores em duas escalas (operacional e militar) compromete os dias de descanso com
solenidades, formaturas, representações. Assim, muitas verbalizações dos controladores estão
associadas a queixas relacionadas à cultura organizacional militar.
O reconhecimento no trabalho do controlador de tráfego aéreo apresenta problemas,
como se pode verificar pela fala do operador abaixo:
Operador 6: Somos considerados pela graduação. O reconhecimento surge
em forma de benefícios de agrados, e isso não ocorre de forma alguma. As
questões do aspecto pessoal não são levadas em conta. É levado em conta o
número de tráfego [aspecto técnico], e nunca o pessoal. Existem outras
variáveis que devem ser consideradas, e não é questionada a opinião do
operador. Segue-se o Modelo Operacional: “leia-se e cumpra-se”.
O homem, em face de sua escolha profissional, pode ter clareza dos aspectos que o
levaram a seguir aquele caminho, porém, algumas explicações para a escolha profissional
estão relacionadas ao conceito de sublimação. “A sublimação é um mecanismo construtivo da
personalidade dentro de um processo psicossocial em que, ao mesmo tempo, tem lugar a
construção de uma identidade” (SELIGMANN-SILVA, 1994, p.124).
Há ressentimento do controlador quanto ao reconhecimento, decorrente das exigências
inerentes ao sistema militar, e quanto ao desconhecimento de o que é a atividade de
controlador de tráfego aéreo, conforme as falas que se apresentam:
Operador 8: Lá fora a nossa profissão é reconhecida. Aqui se fala do
controlador de tráfego aéreo, as pessoas têm aquela imagem do
sinalizador. O pessoal associa aquilo. Pelo fato da gente ser militar, às
vezes, a gente entra em escalas extras, o que, fora, pela regulamentação,
não pode. E a desculpa no Brasil para manter a gente na escala e tal é que a
gente é militar.
168
Operador 13: Não. Não existe [reconhecimento]. Ah, não existe, primeiro
porque eles falam com todas as letras: nós somos militares como qualquer
outro militar. Para começar, não falam, como agem. Apesar de a gente
não ter tempo para fazer educação física, eles querem que a gente faça teste,
entendeu? Formaturas, reuniões, a gente tem que ir como qualquer outro
militar.
Frente a isso, reagem com outras queixas, por exemplo, quanto à inoperância de
equipamentos, conforme as falas abaixo. Condição semelhante a essa foi identificada por uma
das psicólogas do ACC de Curitiba, a qual relata em seu estudo: “[o operador] desenvolve um
sentimento de menos-valia que contamina toda avaliação dos fatos que o cercam” (NOCERA,
2003, p.21).
Operador 14: Não há oportunidade de interação com os operadores, devido
ao trabalho, devido aos horários. Eu acho que não tem acompanhamento da
operação. Eu acho que a chefia conhece cada operador, pelo que os outros
dizem, não procura saber, não procura sentar ali do lado e ver se realmente
é aquilo. Eu acho, não sei se é assim. Acredito que nas reuniões devem ser
citados alguns nomes. E outros que nem são citados, porque a pessoa não
faz nada para bem, mas também não faz nada para o mal. E eu acho que é
assim que a chefia faz também, entendeu? Eu acho que tem que ter uma
interação mais direta, não dessa forma indireta.
Operador 15: Não [não existe reconhecimento]. Por experiência própria.
Não está ali próximo, porque não tem contato e não está tão presente assim
para poder reconhecer alguma coisa na realidade, entendeu? Então, como a
gente é operador, a gente trabalha na operação seqüenciando, separando, e
na realidade a chefia tem visão do problema, quando um incidente, a
chefia vê. Então, quando o trabalho é bem feito, não é visto. Então, não
existe reconhecimento, não tem meios para entender a nossa realidade.
Operador 18: Não [não tem reconhecimento]. Em virtude da nossa carga
de trabalho e da precariedade dos equipamentos, a chefia não faz a parte
dela em relação a maior flexibilidade nas trocas de escalas e formaturas.
Deveria permitir que fizesse alterações na escala, de acordo com o que
ficasse bom para a gente. Deveria ter uma contrapartida em número de
folgas, já que você trabalha de madrugada, fim de semana e feriados,
deveria permitir mais que quatro folgas seguidas.
Operador 19: Não sei. Eu acho que não, porque eles vêm procurar você
quando tem alguma punição.
No operador 21, o sentimento de revolta pelo não-reconhecimento de sua experiência
profissional é desencadeado pela possibilidade de sofrer alguma sanção. Em certa situação,
em que trabalhava da maneira que julgava ser a mais segura, e não permitia que as aeronaves
voassem direto, um dos pilotos demonstrou seu descontentamento em um telefonema, o que
desencadeou uma reação furiosa do chefe: Vo está trabalhando pior do que se fosse a
minha filha!”.
169
O controlador fala do medo de perder o emprego, da necessidade de renovar o
contrato, para garantir a sobrevivência da família, pois é casado e tem filhos. Não pôde
responder nada ao chefe, porque estava em período de renovação do contrato de trabalho,
porém, o não-reconhecimento de seu trabalho, além de atingir sua auto-estima, desperta
imensa
raiva. “Isso ainda está engasgado, mas na hora certa eu vou responder”.
Outros dois operadores discorrem sobre o reconhecimento e em contrapartida
reivindicam melhores condições técnicas de trabalho.
Operador 30: [pensou algum tempo para responder] Não há. O mínimo que
a gente precisa é ter bons equipamentos para poder operar, e eles não estão
nem aí, por exemplo, para esse problema de freqüência.
Operadora 31: [risos] Isso é tão relativo. Acho que o controlador não
deveria ser militar. Aqui fica muito mais em pauta o fato de ser militar, a
hierarquia. Deveriam tomar as providências para ter boas condições de
trabalho, por exemplo, com relação aos equipamentos.
Soma-se a essas questões o fato de que se sentem discriminados pelos colegas de
outros setores, pois, segundo sua própria percepção, são vistos como privilegiados, devido à
escala de trabalho alternada. Julgam-se, também, mal atendidos quando dependem de outros
serviços, como, por exemplo, setor administrativo, serviços médicos.
Em geral, queixam-se da remuneração, a qual não condiz com o alto nível de
responsabilidade que a função requer. Há uma comparação salarial com militares de mesma
graduação, os quais, segundo os controladores, desempenham tarefas bem mais simples e de
responsabilidade significativamente menor. A perspectiva de ascensão profissional é remota,
pois necessitam de aprovação em concurso com pouquíssimas vagas, para chegar ao
oficialato.
4.3.2.3 Fatores humanos de sobrecarga
Em relação ao resultado da aplicação do questionário quanto ao conteúdo do trabalho
relativo a fatores humanos de sobrecarga aos operadores, o qual continha nove perguntas, a
análise estatística demonstrou que predominam desconforto (37, 2%) nas respostas dadas
pelos controladores. Os sujeitos entrevistados que se sentem totalmente desconfortáveis
somaram 11,5%, apenas 4,3%, totalmente confortáveis e 26%, confortáveis (Gráfico 5).
Portanto, diferença importante quando se soma o número de operadores
confortáveis e totalmente confortáveis (30,3%), comparando-se este percentual ao número de
operadores desconfortáveis e totalmente desconfortáveis (48,7%), em relação aos fatores de
170
sobrecarga humanos, e esses números conferem com o que se entende como fator de
sobrecarga. Nesse grupo de perguntas, houve percentagem representativa de respostas não
aplicáveis: 21,1%. Tais resultados podem ser observados no Gráfico 5.
4,3%
26,0%
37,2%
11,5%
21,1%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Tot. Confortável Confortável Desconfortável Tot.
Desconfortavel
Não Aplicável
Gráfico 5: Percepção dos operadores quanto aos fatores humanos de sobrecarga
O teste de proporções Qui-quadrado foi aplicado aos fatores humanos de sobrecarga, e
demonstrou que existe evidência estatística de diferença significativa entre as respostas
negativas (desconfortável e totalmente desconfortável) e as respostas positivas (confortável e
totalmente confortável), com predomínio do lado negativo nas perguntas (em vermelho) de
número 15 (quando tenho dificuldade para memorizar as aerovias ou pontos de notificação de
um setor), 16 (problema de interação com o supervisor), 22 (atrito com piloto de aeronave),
33 (trabalhando com problema pessoal), 43 (quando estou trabalhando com um assistente com
quem já tive problemas de interação) e 48 (quando não dormi bem na noite anterior),
conforme mostra a Tabela 10.
171
Tabela 10: Análise individual de fatores humanos de sobrecarga
Item Positivo X Negativo Casos Valor-p
15 21,2 45,5 33 0,0403*
16 12,1 42,5 33 0,0073*
22 14,7 79,4 34 0,0000*
23 32,4 20,6 34 0,2743
33 29,4 61,7 34 0,0094*
38 66,7 33,3 33 0,0085*
43 11,5 40,0 35 0,0081*
44 63,6 36,3 33 0,0301*
48 21,9 77,2 35 0,0000*
4.3.2.3.1 Atrito com piloto de aeronave
A garantia de um relacionamento de cooperação e compartilhamento entre pilotos e
controladores de tráfego aéreo é extremamente importante no sentido de garantir maior
segurança nos vôos e menores níveis de estresse no trabalho. Conforme a psicóloga Sougey
(2001, p. 5):
Estes homens estarão sempre regidos por regras e normas estabelecidas
pelos órgãos competentes, pela capacidade do sistema, pelas fontes de dados,
pelo grau de conhecimento de seus companheiros de trabalho, pelo
treinamento, pela condição efetiva de trabalho de cada um. Neste contexto se
firma uma relação interpessoal entre pilotos e controladores, uma relação em
que as partes não se conhecem na forma pessoal. sempre um controlador
diante de uma tela radar ou de uma fonia à escuta e atento a um piloto numa
dada aeronave, e sempre um piloto em uma dada aeronave buscando
contato e informações para a segurança do seu vôo.
Os operadores queixam-se de que, quando necessidade de restringir alguma
aeronave, são questionados pelos pilotos, os quais demonstram claramente o
descontentamento em relação à orientação dada. A conduta geral é evitar maiores discussões,
até porque existe a fraseologia, que os impede de falar livremente, conforme a fala do
operador abaixo.
Operador 15: Você não tem como argumentar com ele sobre o
questionamento dele. Você tem que entender que a gente não pode fugir da
nossa fraseologia. Por isso, não tem como uma pessoa se sentir confortável
num questionamento desses, porque você não tem direito de resposta, a
liberdade para isso.
172
Esse é um aspecto do trabalho que é fonte de tensão, pois, ao serem questionados
sobre como se sentem ao trabalhar quando atrito com pilotos, 38,2% responderam que se
sentem desconfortáveis em relação a esse item e 41,2%, totalmente desconfortáveis (Tabela
2).
Atrito entre piloto e controlador pode interferir na segurança do tráfego aéreo, à
medida que pode desestabilizar emocionalmente o controlador, o piloto ou ambos. Há o relato
da substituição de um operador em uma situação de atrito com piloto: Teve uma vez em que
eu fiquei tão irritado, eu pedi para o esquerdinha assumir o meu lugar. Começa [a gente]
a perder concentração...”
.
Interessante é observar que a prescrição do trabalho, no caso de uma infração de
tráfego aéreo é bastante clara, no sentido de que o controlador deve se limitar ao uso de
fraseologia específica, o que o deixa “engessado”, cuidando para não desestabilizar o piloto
(BRASIL, 2005, p. 29):
Durante a coleta dos dados para a possível emissão de um rádio de infração de tráfego
aéreo, o controlador não deve solicitar dados do piloto ou da aeronave por meio das
comunicações do serviço móvel, nem informá-lo de que será emitido o rádio de
infração, a fim de evitar constrangimentos, discussões na fonia e desestabilizar
emocionalmente o piloto;
Não se discute na fonia. Caso o piloto tente iniciar uma discussão, ofenda ou tente
menosprezar o trabalho executado, responde-se somente que o ACC de Curitiba está
ciente e registra-se o fato para apuração e, se for o caso, emissão de rádio de infração
de tráfego aéreo.
As verbalizações dos controladores facilitam a compreensão da dualidade que esse
trabalho exige: de um lado, existe a demanda imposta pelo próprio contexto do trabalho
(disposição de aeronaves no espaço aéreo, número de aeronaves, condições dos
equipamentos, condições meteorológicas etc.); por outro lado, existe a demanda dos próprios
pilotos de aeronaves, que muitas vezes ignoram o que se passa no sistema todo. É o que
demonstra a verbalização do operador a seguir:
173
Operador 16: Então, o que a gente visa é a isso: primeiro a segurança,
para depois visar à economia e a fluidez no tráfego. Então, às vezes, os
pilotos questionam e tal, mas, sabe, eles não têm ciência do que está
ocorrendo em volta. Então, por isso, eu falo “deixa eles falarem”, eu falo só
“ciente”, “ciente, tal”, porque, da mesma maneira que a gente, quando vai
fazer um vôo, vai na cabine, para tomar conhecimento do serviço deles, que
a gente vê, a gente chega pro piloto e fala: “Vetoração e tal”. Ele toma
certos procedimentos na cabine, e, às vezes, a gente espera uma coisa
imediata dele, mas eles têm procedimentos para ser tomados, e a mesma
coisa a gente, que eles não vêm para tomar conhecimento, como é o
nosso serviço. Então eles reclamam, sem ao menos ter idéia, se prendem ao
equipamentozinho deles ali, que pega 40 milhas de distância, e acham que
só ele está voando.
O operador 17 relata sua estratégia para não perder o controle quanto aos freqüentes
questionamentos dos pilotos:
Operador 17: Eu dou uma curva, ele me questiona, eu falo “ciente” e
aumento 5º. Se ele questionar de novo, eu aumento mais 5º, até ele parar de
me questionar. E vai sair sem doer. Se tu conseguires fazer as coisas com
paciência, vai sair melhor o trabalho. Então, eu escolhi ser controlador de
tráfego aéreo, eu procuro manter a calma. Algumas situações incomodam
mais do que outras.
Operador 20: A visão do piloto é micro. Ele acha que pode prover a
separação.
A operadora 26 relata um fato em que uma aeronave solicitou um nível ímpar no setor
de saída de São Paulo, e ela não o autorizou. O piloto falou-lhe uma série de coisas que os
demais pilotos ouviram, e ficaram fazendo gracinhas” na freqüência de comunicação. Nesse
dia, ela lembra-se de ter ido para casa muito chateada.
As estratégias adotadas nesse tipo de situação podem incluir a substituição do
controlador, a negação da “contrainte”, mudança de instrução propositadamente e a fala com
o piloto de “maneira bem ríspida”.
As relações interpessoais adquirem importância, à medida que representam
condicionantes psicossociais, e estão presentes em 7,64% dos acidentes aeronáuticos entre
1992 e 1996. “As tomadas de decisão, muitas vezes, refletem mais a dinâmica das trocas de
informações entre as pessoas do que o conhecimento técnico e a experiência dos profissionais
envolvidos” (COELHO e MAGALHÃES, 2001, p.42).
174
4.3.2.3.2 Quanto ao envolvimento em risco de incidente
O questionamento quanto a trabalhar em um setor no qual o operador já se envolveu
anteriormente em risco de incidente estruturou-se a partir do pressuposto de que esse tipo de
situação poderia causar algum constrangimento ao operador. Entretanto, os sujeitos que
participaram da pesquisa, e já viveram tal situação não admitem sentir-se desconfortáveis com
voltar a operar no mesmo setor. Dessa forma, 5,9% sentem-se totalmente confortáveis ao
operar no mesmo setor em que se envolveram em risco de incidente anteriormente, 26,5%
sentem-se confortáveis em relação a esse item, 14,7% sentem-se desconfortáveis e 5,9%,
totalmente desconfortáveis. Existe uma percentagem grande (47,1%) que nunca se envolveu
em risco de incidente.
O discurso do operador 15, o qual vivenciou o envolvimento em risco de incidente,
serve para ilustrar sua percepção em relação a esse tipo de evento:
Operador 15: Mexe [com a gente, a situação], você pode a lembrar,
mas... Aí, quando você tem uma situação de risco, fica na tua cabeça. Na
minha cabeça ficou de um dia para o outro. Por exemplo, o conflito que eu
demorei para ver, s daqui pensando na minha profissão, com certeza,
sobre o que significa para mim, a importância que tem pra mim e o que
influencia na minha vida. De certo modo... porque às vezes a gente se
habitua a trabalhar numa certa rotina e, na realidade, um pequeno deslize,
uma pequena falta de atenção, acontece uma coisa grandiosa, catastrófica,
e você não tem amparo, entendeu? Mas, assim, o conflito em si quando
acontece e você, por algum motivo, não observou no momento, e conseguiu
resolver em cima da hora, você fica pensando naquilo realmente até o
próximo serviço. Fica na sua cabeça. Aquele dia ali, aconteceu tal coisa.
Realmente você pensa, mas aqui é um aprendizado, na realidade, porque,
quando acontece uma coisa dessas, você aprende.
A discussão sobre frustração e angústia aparece na fala de um estagiário, quando se
refere ao envolvimento em risco de incidente: “Puxa, eu me preparei tanto para isso, será que
não vou conseguir?”. Observando-se esse estagiário atuar com o instrutor, percebeu-se que
estava bastante tenso. Na entrevista sobre como ele se sentia exercendo sua função nesse
período, ele declarou que fica nervoso, a maioria das mulheres chora, se não chora aqui,
chora em casa depois”. Se cometer um erro, sente culpa, pois “é muita responsabilidade”.
Tanto é assim que, durante o período em que freqüentam a escola de formação para
controlador de tráfego aéreo, em Guaratinguetá, vários casos de estagiários que desistem
desse tipo de atividade e preferem ir trabalhar em algum setor burocrático.
Os controladores, em geral, segundo as observações realizadas, são muito exigentes
consigo mesmo e usam a “negação da vulnerabilidade de não poder errar e de que errar é
175
humano” (PEREIRA, 2001, p. 87), o que os torna muito persistentes para enfrentar as
adversidades.
O trabalho com riscos, para Dejours (1999), implica apreensão e angústia dos que
enfrentam riscos, dos que se submetem a horários alternados, que são duas situações bastante
comuns aos operadores de tráfego aéreo. Há também o sofrimento dos que receiam não
satisfazer, não estar à altura das imposições de horários, de ritmo, de formação, de
informação, de aprendizagem, da experiência e de adaptação à cultura ou ideologia da
empresa.
Situação similar à que ocorre com o controlador de tráfego aéreo é descrita por esse
autor, ao analisar o piloto de aeronave: um sistema de trabalho considerado complexo, que
envolve riscos para a segurança das pessoas ou das instalações. Ainda, o medo de ser
incompetente, que causa angústia e sofrimento, pois o operador não sabe se suas falhas se
devem a sua incompetência ou a anomalias do sistema técnico, e o medo de não ser capaz de
enfrentar convenientemente situações incomuns ou incertas, as quais exigem
responsabilidade
.
4.3.2.3.3 Quanto à memorização de aerovias e pontos de notificações
Cada vôo é identificado no monitor por um ícone, que se desloca sobre um videomapa
fixo, que representa o espaço aéreo do setor correspondente. As aerovias são identificadas por
nome e número, por exemplo: VM 671, e cada aeronave em vôo, representada pelo ícone,
apresenta a sigla da companhia aérea, o código de vôo, a altitude e velocidade. O controlador
deve memorizar uma rie de dados para conseguir operar, principalmente em casos de panes
de equipamentos, como falha da detecção radar ou operação não-radar, em que deverá
recorrer a seu conhecimento e armazenamento prévio de informações.
O ponto de notificação é um lugar geográfico especificado, em relação ao qual uma
aeronave pode notificar sua posição. Em caso de falha de radar, é nesses pontos que o piloto
deve se reportar ao Centro.
Os operadores não reconhecem a necessidade de memorização de aerovias e pontos de
notificação de intersecção de aerovias como “contrainte” do trabalho, de acordo com as
entrevistas semi-estruturadas e conversas informais. Ouviu-se bastante a explicação de que,
como utilizam as aerovias diariamente, isso facilita a memorização. Em analogia com o
transporte rodoviário, eles dizem: “Se você faz diariamente o mesmo caminho, e utiliza as
mesmas ruas, não tem como não memorizar”.
176
Segundo eles: “Conhecendo a área é 50% do tráfego sem problemas”, Isso seria o
básico para começar a operar”, Existe alguma coisa que é meio padrão, que você usa
diariamente. Sempre existe alguma coisa que foge da rotina”. Entretanto, a análise estatística
confere com o que se considerou fator de subcarga humano e sobrecarga humano.
Em resposta à questão: “Quando você se identifica com as aerovias e pontos de
notificação de um setor, quando tem isso bem memorizado, como se sente?”, houve 97,2% de
confortabilidade em relação a essa variável, somando-se as respostas confortáveis (42,9%) e
totalmente confortáveis (54,3%), conforme Tabela 1. É interessante observar que, se por um
lado, os operadores relatam que o setor de chegada de São Paulo é difícil de operar devido ao
tamanho do espaço aéreo, por outro lado, foi o setor em que houve maior número de
operadores que se identificam com as aerovias e os pontos de notificação (oito operadores).
Foram citados, também, o setor de Florianópolis (cinco operadores), a saída de São Paulo
(três operadores), Porto Alegre (um operador), Foz do Iguaçu (um operador) e a região Sul de
modo geral (um operador).
Ao contrário, quando questionados sobre o trabalho em setor no qual têm dificuldade
de memorizar aerovias e pontos de notificação, apenas 21,2% de operadores responderam que
se sentem confortáveis e 45,5% de operadores relataram que se sentem desconfortáveis.
Houve uma percentagem importante (33,3%) de respostas não aplicáveis, o que indica que
esses operadores não sentem dificuldade de memorização em nenhum dos setores de trabalho.
O setor de Campo Grande foi considerado o mais difícil para memorizar aerovias e pontos de
notificação (seis operadores).
De acordo com o que foi descrito a respeito da estratégia adotada por vários
operadores quanto à regulação do contraste na tela do radar, reduzir a cor de aerovias e
divisões territoriais e destacar aeronaves, entende-se que eles estão tranqüilos em relação a
esse item, mesmo porque, a qualquer momento, existe a possibilidade de buscar a informação
necessária, tanto pelo radar quanto pela consulta às cartas de navegação.
A consulta à carta de navegação aérea demanda mais tempo, então, caso se necessite
recorrer a elas, esse procedimento poderá se tornar inconveniente, de acordo com outras
condicionantes do trabalho, conforme a fala de um operador: “É extremamente relativo,
depende da quantidade de aeronaves”.
Em 10/06/2004, houve mudanças de rotas e normas de tráfego aéreo nacionais,
conforme explicou um dos supervisores: Preservaram-se algumas aerovias, criaram-se
novas e modificaram-se algumas. Criaram-se rotas diretas, por exemplo, de Buenos Aires até
a Europa. Implementaram-se pontos de cruzamento [onde se cruzam duas, três ou quatro
aerovias]. No primeiro dia das mudanças, em alguns momentos, observaram-se até cinco
177
operadores em cada setor. Ao acompanhar o setor de chegada de São Paulo, verificaram-se
operadores com atenção constante e aumento de tensão nervosa, revelada por expressões
faciais, como caretas.
O ACC de Curitiba adotou algumas medidas preventivas (estratégias operatórias) para
operar com segurança face a essas mudanças: treinamento com simuladores; uso de etiquetas
no console com número e nome das aerovias, para facilitar o trabalho, carta de aerovias
abertas ao lado dos operadores em cada posto de trabalho; uso do setor (oeste de Campo
Grande); 18 operadores (16 controladores e dois da instrução) e três supervisores; todos os
setores passaram a operar com assistente no início do turno.
Questionou-se o supervisor do setor de São Paulo, no dia em que houve essa série de
mudanças de aerovias e rotas, sobre como conseguia gravar as mudanças de aerovias, ao que
ele respondeu: Repetição, prática, ficha de plano de vôo escrita e disse que a imagem
mental do espaço aéreo no qual está a aeronave demora mais para acontecer, e essa
representação mental é a base para a tomada de decisão. Um operador acredita que leva
tempo, mas que gradualmente o controlador grava os pontos mais críticos e processa esses
novos caminhos.
Nesse sentido, Itani (1999, p. 6) discute a questão do trabalho no controle de tráfego
aéreo: “O esforço é cognitivo, que não é somente o de olhar signos, mas sinais que requerem
representação mental dos símbolos e decodificação dos dados, bem como atividades de
raciocínio para compreender corretamente as informações dadas e coordenar num conjunto de
dados para poder decidir”.
Ao investigar as estratégias adotadas pelos operadores para facilitar a memorização,
observou-se que operadores que têm mais facilidade com a representação gráfica, então,
utilizam desenhos no período de experiência, outros acreditam que isso realmente aconteça
pela repetição, entretanto, o próprio trabalho coletivo é facilitador nas situações mais críticas.
4.3.2.3.4 Problemas de interação com o supervisor ou com o assistente e trabalho com
problema pessoal
Problemas de relacionamento ou interação entre supervisor e operador ou operador e
assistente podem interferir negativamente no trabalho, e resultar em ambiente desagradável.
Para alguns casos, quando se questionou como se sentem ao trabalhar com problemas de
relacionamento com supervisor ou assistente, a resposta foi não aplicável: nunca passaram por
esse tipo de situação.
178
Houve respostas no sentido de que procuram agir profissionalmente, de modo a evitar
que problema de relacionamento interfira na segurança do tráfego aéreo. Alguns poucos
admitiram que essa é uma situação extremamente desconfortável.
Operadora 26: Somos humanos e você, às vezes, não gosta do trabalho de
certas pessoas [referindo-se aos problemas de interações]. Eu até estava
comentando com o meu marido: “Tem cara que te deixa estressada, fica te
atropelando, quer tudo para ontem”.
A Tabela 2 apresenta as percentagens de respostas dos operadores quanto a problemas
de interação com supervisor ou assistente e problemas pessoais. Verifica-se pela análise
estatística que o que se considerou fator de sobrecarga constitui sobrecarga para os
controladores, pois houve predomínio de respostas negativas quanto aos itens questionados.
Apesar de não traçarem muitos comentários sobre como se sentem ao operar quando
estão com algum problema pessoal, houve parcela significativa que admitiu se sentir
desconfortável (58,8%) ou totalmente desconfortável (2,9%) quando tem de trabalhar e
reprimir seus problemas pessoais.
4.3.2.3.5 Trabalho após uma noite de sono ruim
Ao ser questionados sobre como se sentem ao trabalhar após uma noite de sono ruim,
62,9% relataram que se sentem desconfortáveis e 14,3% que se sentem totalmente
desconfortáveis.
Quando questionados sobre a qualidade do sono, alguns explicam que têm problemas
de insônia ou para dormir durante o dia, mas são poucos. Isso talvez se deva ao fato de que a
maioria é bem jovem e tem poucos anos de atuação em escala de trabalho alternada, então, os
efeitos nocivos dessa configuração do trabalho ainda não se fizeram tão presentes.
A pesquisadora Rita de Cássia Araújo (apud BARROS, 2006), em sua dissertação de
mestrado sobre o trabalho de controladores do Centro de Aproximação de Congonhas, conclui
que há uma carga excessiva de trabalho devido à necessidade de turnos alternados por falta de
pessoal. comprometimento no ritmo biológico dos operadores, com alterações no sono,
problemas gastrointestinais e cardíacos, além de alteração na pressão arterial.
O psicólogo americano, Paul Landsbergis (2006), em sua palestra no ABERGO
(Organização do trabalho, estresse, mudança na natureza do trabalho e doenças
cardiovasculares), cita os controladores de tráfego aéreo como risco potencial para doença
179
cardíaca: relaciona tensão no trabalho com aumento de pressão arterial e muito esforço para
pouca recompensa com aumento de risco cardíaco.
4.3.2.3.6 Presença de chefia direta no setor ou de comando
Alguns são indiferentes à presença de chefia ou de comando no setor, outros se sentem
desconfortáveis ou totalmente desconfortáveis. Houve relatos de que, nessas ocasiões, as
pessoas que não entendem do trabalho dos controladores falam muito alto, circulação de
muita gente na sala de controle e o ruído atrapalha a atenção e concentração no tráfego aéreo.
Quanto à presença de chefia direta no setor, 9,1% sentem-se totalmente confortáveis,
57,6%, confortáveis, 30,3%, desconfortáveis e 3,0%, totalmente desconfortáveis.
Quanto à presença de alguma autoridade do comando no setor, 9,1% sentem-se
totalmente confortáveis, 54,5%, confortáveis, 24,2%, desconfortáveis e 12,1%, totalmente
desconfortáveis.
Assim, a percentagem de operadores que se sentem confortáveis em relação à presença
de chefia direta no setor ou de comando é maior do que a de operadores desconfortáveis.
4.4 SOFRIMENTO PSÍQUICO E DESGASTE NO TRABALHO
O desgaste aqui se entende conforme definição de Laurell e Noriega (1989, p. 110)
como “a perda da capacidade potencial e/ou efetiva, corporal e psíquica”.
Apesar de toda a tensão vivida pelo controlador de tráfego aéreo, da insatisfação
salarial, da precariedade dos equipamentos, do alto nível de responsabilidade, da lida com o
inesperado, percebeu-se existir, nesse indivíduo, certo orgulho do trabalho que executa, como
ilustra a fala do operador abaixo:
O controlador do Brasil é considerado um dos melhores do mundo, e
especialmente o ACC de Curitiba é elogiado em relação aos outros do país.
No exterior, se o operador perder o radar ou a freqüência de rádio, ele não
sabe o que fazer, porque eles confiam tanto no sistema, que nunca precisam
entrar em ação e perdem prática do trabalho manual.
O trabalho manual ao qual o operador se refere seria quando operação não-radar,
conforme a explicação de um supervisor de equipe:
180
É o controle não-radar, porque você fica sem a visualização das aeronaves
no radar. Aqui, quase todo dia tem um radar ou outro fora do ar. Se você
trabalha sempre radar, vendo as aeronaves, como é no exterior... se um dia
eles perderem o radar, eles não vão saber operar. A gente deveria exercitar
mais, deveria ter treinamento para isso.
As situações de trabalho psiquicamente perigosas, como no controle de tráfego aéreo,
são as que demandam grande carga de trabalho, e desencadeiam nos controladores reações de
agressividade no local de trabalho. É o que ilustra a fala de um operador:
Alguns colegas ficam agressivos e chegaram a agressão sica, mas por
quê? Porque geralmente estão no limite. Aí os caras querem justificar que já
era um cara problemático. Acho que tem que relacionar isso com o
trabalho.
Em uma das visitas, um chefe de sala relatou um episódio em que encontrou um
operador chorando por ter se desentendido com a chefia. Na ocasião, procurou o chefe do
operador e aconselhou-o a tratar o subordinado de outra maneira. Seguindo seu conselho, os
dois se trancaram numa sala e ficaram cerca de duas horas conversando. Segundo
observação desse oficial: Parece que depois disso ficou tudo bem”. Então, para ele, um
problema de comunicação.
Acho que deveria se esquecer posto e graduação e funcionar como colegas,
como uma equipe, e conversar como a gente está conversando agora. Mas
muitos não conseguem isso e colocam a hierarquia militar em primeiro
lugar. Ninguém aqui é médico ou psicólogo, mas tem que tentar perceber
(entender) que as pessoas têm problemas pessoais. Tem dia que não está
muito legal.
Pela fala anterior, percebe-se o efeito do papel hierárquico nas relações, pois estão
inseridos em um sistema militar, baseado em hierarquia e disciplina. Essa influência apareceu
muito nas falas referentes ao reconhecimento. Então, devido ao contexto militar, em
determinadas ocasiões, não se sentem muito à vontade para expressar-se, o que é, também,
uma forma de sofrimento. Depreende-se disso que esse é um trabalho de equipe e que
depende da solidariedade entre os colegas para ser executado, porém, a forma de organização
e estrutura militar, muitas vezes, dificulta o trabalho coletivo.
Um supervisor discorre sobre os efeitos do trabalho no controle de tráfego aéreo sobre
o homem, o qual desempenha essa função, segundo ele, por poucos anos. Após alguns anos,
vêem-se crises emocionais e um processo de desgaste, ao qual conceitua como “aloprar”, e
que outro operador chama de “estafa”:
181
Supervisor G: Numa visão prática, em termos de experiência de trabalho,
eu percebo que o controlador ali do console, o o supervisor, aqueles que
têm um desgaste mental com o tráfego, em torno de oito a 10 anos de
trabalho, eles começam a trazer problemas. Eu senti isso quando eu cheguei
há mais ou menos oito a 10 anos. Eu estava muito estressado, muitos
problemas, irritado, facilmente irritado. E vi isso em muitos outros
colegas, vi brigas em posição, em console. Assistente brigar com
controlador ou o controlador de uma posição brigar com o de outra, e não
eram pessoas novas. Eram pessoas que tinham um bom tempo de casa, anos
de trabalho. Eu acho que talvez a irritação daquelas perdas mentais que a
gente vai tendo de substâncias vai fazendo com que a gente se torne muito
irritado por dentro. E é o momento em que a gente observa que
dificilmente um controlador fica a vida inteira dele no controle. Ele vai
ser supervisor, ou ele vai ser instrutor, ou ele vai ser adjunto, ou ele vai
para plano de vôo, ou ele vai sair de vez, ou ele passa em um concurso. Mas
dificilmente vai se ver um cara que trabalhou ali 15, 20, 25, 30 anos, sempre
na mesma posição. Provavelmente ele fica louco.
Supervisor G: O sistema em si acaba te tirando da posição para ser
supervisor, para ser instrutor, mas eu observo que isso, essa sacada, essa
tirada, ela se torna um alívio para quem está saindo: “Ufa, consegui sair
daquele desgaste”, apesar de que depois vai sentir falta. Depois de um
tempo, ele vai sentir falta. É aquela história de ficar no vício do trabalho.
Operador: Não é tanto o meu forte o tráfego aéreo. Me esforço para ter um
nível melhor, para chegar no vel em que eles estão, que o pessoal é muito
bom. O pessoal leva mesmo a carga até onde tem que levar. Por isso eles
sofreram essa estafa toda.
As falas do supervisor G conferem com o que se observou ao longo dos últimos quatro
anos, em que se freqüentou o ACC de Curitiba. Em 2002, a idade média da população era de
35 anos, em 2006, a idade média caiu para 26,8 anos. Na opinião de alguns supervisores (que
no início da pesquisa exerciam a função de controladores), o que explica tal mudança é a
própria necessidade de aumento não de operadores, mas também de supervisores, com o
crescimento do tráfego aéreo. Sendo assim, vários operadores foram promovidos a
supervisores, outros foram aposentados e houve casos de transferência de setor, geralmente,
para o setor de plano de vôo. Decorrente disso houve possibilidade de aumento do efetivo de
controladores, o que justificaria a idade mediana ter reduzido aproximadamente 10 anos,
conseqüentemente, o tempo médio de atuação também se reduziu de 13 anos em 2002, para
4,7 anos, em 2006.
Verificaram-se, nas entrevistas com operadores e supervisores, relatos de afastamento
do controlador de tráfego aéreo da operação, quando ele apresentava alguma alteração, e o
plano de vôo era o local para onde eles eram encaminhados. A fala de um operador, que
passou por esse processo de quase exclusão, no início de sua atividade no controle de tráfego
182
aéreo, ilustra seus ressentimentos vividos no início de atividade laboral e a dificuldade de
expor o que pensava de acordo com a cultura organizacional vigente:
Quando eu cheguei aqui, o meu desenvolvimento foi bem menos do que o
dos outros colegas, eu demorei um pouco mais. E depois disso a gente foi
para o plano de vôo. Fiquei algum tempo aqui, enquanto os meus colegas de
turma estavam operando. E minha dificuldade foi maior, e por causa
disso você acaba entrando no limbo, fica no limbo. E não é observado isso,
e eu dava exemplos, porque é complicado a gente estar numa idade
diferente. Você começa a ver muito sobre segurança. Não estou aqui para
me expor, nem colocar em risco, nem colocar a aviação em risco. Então, eu
batia muito nessa tecla. que eu era muito novo naquela época, no
controle. A minha palavra não era ouvida, não tinha repercussão nenhuma.
O mesmo operador, em outro momento da entrevista, diz:
Então eu percebi que aqui: se expõe muito o controlador ao risco, e se
expõe muito. Hoje existe uma proteção. Nessa época que eu comentei, na
verdade, os supervisores não participavam como participam hoje. O
controlador ficava à mercê de si próprio. Se você tinha 20 aeronaves:
problemas. Eu era estagiário e controlava em Campo Grande. Um dia como
estagiário, eu me levantei e falei: “Desculpa, mas se vocês chamam isso
aqui de controle?”. Então eu fui chamando a atenção para coisas, mesmo
não tendo respaldo para isso, nem para ser ouvido, nem para dizer nada,
mas eu chamava a atenção para isso. Enquanto isso os controladores, que
se expunham a tudo isso o tempo inteiro, foram sofrendo, foram sofrendo
essa função nessa pressão, e chegaram a ponto de afastamento por causa de
estafa. Os próprios médicos estavam afastando. Então o plano de vôo
passou a ser um lugar de descanso. Eles eram jogados no plano de vôo,
colocados ali, para exercer uma atividade que devia ser um pouco mais
tranqüila. E realmente é. Mas aí o hospital ia dispensando um sem se
preocupar. Chegamos a cinco controladores, a seis, a sete, e ninguém
percebia qual era o problema. Vamos resolver na raiz. Eu estou dando um
paliativo aqui. Vai lá, então. Então daqui a um pouquinho mais um, mais
um. Nós chegamos a quase 10 controladores afastados por esse tipo de
problema.
O operador 4 relata que passou seis anos no controle de tráfego aéreo e estava se
sentindo um pouco cansado na operação, então, passou um ano no plano de vôo, que é bem
mais tranqüilo. O processo de desgaste fica claro nas verbalizações do operador:
O maior problema nosso são as freqüências que fazem você trabalhar
dobrado ou até em triplo. No descanso tem reuniões, formaturas, que às
vezes não tem nada a ver. A carga horária é bastante grande. Afeta a
motivação para o trabalho, no mês que você sabe que estará na escala de
serviço armado e mais operacional.
183
Felizmente, a realidade do centro de controle sofreu mudança progressiva, em que o
trabalho que antes era individual passou a ser de equipe, e o plano de vôo deixou de ser o
local de depósito de operadores com problemas:
Operador: Hoje, neste ano, nós conseguimos criar uma equipe específica
para plano de vôo. Para não ser aquele lugar assim que você joga o
controlador que não está bem, sabe? Mudamos a mentalidade dos
supervisores, conseguimos essas coisas. Então hoje estamos num nível muito
melhor. Depois disso, é claro que estamos fazendo, estamos nos remetendo
ao passado, não é? Mas hoje, depois de um ano, inclusive, eu posso dizer,
“nós mudamos muito”.
O mesmo operador se expressa em relação às mudanças que ocorreram ao longo do
tempo:
Houve [mudanças], porque entenderam que é preciso trabalhar como uma
equipe, todos juntos. Então, na verdade, hoje a gente percebe, a chefia está
vestindo a camisa. Puxa, temos uma chefia aqui excelente, é comprometida.
A palavra é totalmente diferente, é uma postura diferente. Eu estou
interessado, eu fui para [cita o outro setor onde está trabalhando] e
combinei, inclusive negociei com o chefe de serviço. Minha filosofia de
trabalho é assim, eu entendo que nós devemos trabalhar para apoiar
aquelas pessoas que estão na linha de frente.
Ao questionar um supervisor se já presenciou alguma reação de irritabilidade ali
mesmo no console, ele não pareceu sentir-se muito à vontade para falar do assunto, e a
conversa, que até então fluía bem, transformou-se em monólogo, com vários momentos de
silêncio. Ele aparentava certo constrangimento em admitir esses fatos:
Supervisor A: vi [risos, silêncio]. Já [pausa]. Levantar para querer
bater no outro, assim? vi. Parece que não, mas vi [pausa]. Discussão
assim feia. Você discutir com o outro. E eu acho que outros também
observaram esse tipo de... [silêncio].
Apesar de ficar muito reticente ao falar sobre as reações agressivas entre operadores e
de não admitir que possam ser ocasionadas pelo próprio trabalho, o supervisor admite a
vulnerabilidade humana no controle de tráfego aéreo:
184
É aquele dia em que o cara brigou com a esposa, a sogra vai passar o final
de semana na casa dele... o cachorro mordeu a perna dele... Então,
visualmente, a pessoa pode ser bem tranqüila no tráfego, um com o outro. E
daí na hora de trabalhar, às vezes, acontece a nima coisa no trabalho e
ele explode. Aqui a gente está assim, muito, eu acho que até vulnerável,
porque o trabalho que ele preza requer atenção demais, e ele não consegue
se concentrar. Isso também é um fator que pode ajudar o cara perder a
concentração.
Segundo Velásquez et al. (1997), em situações de trabalho nas quais se devem tomar
decisões muito importantes em situações incertas (como é o caso dos controladores de tráfego
aéreo), podem-se encontrar atitudes de agressividade por parte de outras pessoas com quem se
tem de relacionar-se, o que indica sofrimento psíquico que causa aumento da ansiedade e da
tensão nervosa.
Em especial no que se refere à ansiedade e angústia, houve depoimentos de operadores
e de supervisores. Por exemplo, um supervisor relatou que, quando percebe que o cara fica
muito ansioso e angustiado em alguma situação”, tira-o da operação e coloca outro em seu
lugar.
Os conceitos de ansiedade e angústia possibilitam entender o processo de desgaste
vivido pelo controlador: ambos se referem a um estado de tensão interna, desagradável e
penosamente sentido, porém, na ansiedade, o indivíduo está à espera de um acontecimento
potencial que, surgindo, colocaria em perigo sua integridade. A ameaça está fora do sujeito e
independe, em grande parte, de sua vontade. a angústia “é também um estado de espera
penosamente sentido, mas desta vez a ameaça é subjetiva e vem do interior”. Ela é
relativamente independente da situação exterior e de suas modificações (WISNER, 1987, p.
183).
A angústia e ansiedade vividas pelos controladores aparecem como elementos que
contribuem para as desordens psíquicas, uma vez que: “A ansiedade é, com efeito, a questão
principal em torno da qual se estrutura tudo o que tem relação com o sofrimento psíquico dos
trabalhadores” (WISNER, 1987, p. 184).
Existe a agravante, também, daquele operador que está com problema e continua na
operação, “não aparece”. Está trabalhando e diz que está tudo bem, mas anda com a cabeça
no mundo da lua”, conforme relata o supervisor A.
Avaliaram-se a qualidade de vida de 20 controladores de tráfego aéreo do ACC de
Curitiba, em setembro de 2004, com o Inventário de Qualidade de Vida de Lipp e Rocha
(1996). Esse instrumento considera quatro quadrantes: social, afetivo, profissional e de saúde,
para avaliar se a pessoa tem qualidade de vida adequada ou não. No caso dos controladores,
75% apresentaram boa qualidade de vida quanto ao aspecto social, 40% deles mostraram
185
sucesso relativo ao afetivo. No aspecto profissional, 20% obtiveram qualidade de vida
considerada adequada e somente 10%, nas questões relacionadas à saúde (MOTTER,
TOKARS e GONTIJO, 2006). A maioria dos operadores avaliados em sua qualidade de vida
foi promovida a supervisor setorial e, portanto, foram entrevistados em algumas fases da
pesquisa de tese, porém, não responderam ao questionário de categorias de análise.
Comparando-se as alterações de saúde, que eram muito freqüentes no início da
pesquisa, atualmente, conforme informações do serviço de psicologia, os casos de depressão
ainda existem, porém, em poucos operadores. A psicóloga da equipe acredita que quatro
anos os afastamentos tinham relação com o conteúdo do trabalho, e os casos atuais são
decorrentes de problemas pessoais, relacionados especialmente aos operadores cariocas,
devido à dificuldade de se adaptar ao clima de Curitiba e por estarem longe da família.
Entretanto, não foi verificado se os operadores cariocas afastam-se mais do que os outros
controladores.
A compreensão das formas que o organismo encontra para descarregar suas tensões
psíquicas, conforme descrito por Dejours (1994), pode facilitar o entendimento das doenças
de pele e gastrintestinais apresentadas pelos sujeitos da pesquisa, tanto em 2002 quanto
atualmente. Para o autor, uma das formas de descarga da tensão interior pode ser por meio de
representações mentais, com a elaboração de fantasmas. Outro sujeito pode utilizar uma gama
de descargas psicomotoras, com reações de agressividade, violência, crise de raiva motora etc.
Quando não é possível usar a via para descarga motora ou mental, o indivíduo utiliza a via
visceral (sistema nervoso autônomo), que afeta o processo de somatização.
Em entrevistas com operadores e supervisores, na fase final da pesquisa de campo, em
2006, houve a exposição de casos de controladores com problemas de saúde que continuam
trabalhando, porque, segundo eles, o déficit de pessoal na escala operacional tem dificultado
ao máximo a dispensa médica para tratamento de saúde. Nesse caso, os trabalhadores
procuram o serviço médico e revelam seus sintomas, entretanto, a cultura organizacional é de
afastamento somente quando for extremamente necessário. Talvez isso explique a redução de
casos atuais de afastamentos.
4.4.1 A Questão da “Cristalização”
Ao discutir as qualidades, competência ou habilidades que o controlador deve ter,
emerge das verbalizações um novo elemento: “cristalizar na posição”, “travar”, “paralisar ou
congelar na posição”. Por exemplo, o supervisor D, ao ser questionado sobre as exigências no
trabalho dos controladores, inicialmente resumiu-as em uma só palavra: “habilidade”.
186
Pesquisadora: Mas que habilidade é essa?
Supervisor: Rapidez, destreza, conhecimento, capacidade de lidar com
situações mais críticas, raciocínio rápido, conhecimento do equipamento.
Relatou que teve oportunidade de ver o cara travar no console”, cerca de três
vezes: “Congela, e o cara não consegue fazer mais nada”.
Eles acham que há necessidade de mais treinamento para situações adversas. A fala do
supervisor B ilustra as exigências no trabalho do controlador: Quando você pede para uma
aeronave manter a altura e ela sobe, aquela travada na cabeça do controlador. Parece
que o operador congela, e ele não consegue decidir”. Essa fala apresenta a dificuldade do
trabalho diante de uma situação inesperada, quando acontece algo diferente do que foi
previsto.
O supervisor E discute as exigências necessárias aos operadores: Depende da
situação, por exemplo, setor de rede, perícia, rapidez, velocidade de raciocínio, saber que
não vai congelar na situação na hora do aperto”. Esse supervisor também aborda a questão
de travar no console”, quando o operador não consegue continuar trabalhando, sendo
necessário substituí-lo. Diz ele que o controlador não pode ser tão lento que atrapalhe a
resolução dos problemas”.
O operador 7 relata que, conforme o supervisor, é possível escolher o setor em que
quer operar, porém, supervisor que define onde cada um trabalhará. Para esse operador, o
controlador competente tem como características: calma e solução sem desespero. o
operador 18 aponta como exigências importantes para conseguir trabalhar: antecipação e
planejamento, e fala que o controlador “trabalha o tempo todo com projeções”. Nesse sentido,
analisou-se que trabalham o tempo todo sem conseguir relaxar, em estado de alerta, pois a
atenção é constante, sempre aguardam algo inesperado.
Desse modo, verificou-se que exigência mental intensa dos controladores, no
sentido de trabalhar com projeções, todavia, quando a representação mental da situação do
tráfego aéreo não confere com a realidade, o trabalhador atinge o limite máximo da tensão, o
que prejudica seu desempenho. É o que explica um dos operadores, que também é instrutor:
187
Você está vendo isso aqui [a imagem do radar], mas ele [o operador] não
está mais vendo aquilo ali. É como eu falo para os nossos alunos: “O que
está na tela não te interessa mais, o que te interessa é a projeção. Não te
interessa mais isso, o que está na tela a gente já pensou 10 minutos lá atrás.
Isso que está acontecendo eu tinha visto na nossa cabeça atrás. O que
interessa é depois de 10 minutos, o que vai acontecer?”. [...] Daí nesse
período, se acontece algo que não está no nosso planejamento mental, é que
faz a cristalização. Já está tudo planejado e algo aconteceu de diferente, e é
muito inesperado, e você fica “puxa e agora?”, estava tudo planejado,
pronto, e aí, de repente, entra o fator surpresa [...]. Pode acontecer com
qualquer um, mas eu acho que o grau da cristalização, lógico, tem a ver
com a experiência da pessoa também. O que acontece depois que ela
cristalizar? Você nota que aquele operador que tem mais experiência
situações e logo dá conta delas.
O fenômeno descrito como cristalização reflete justamente a dificuldade da lida com o
imprevisível e a “contrainte” de gerir informações que se apresentam simultaneamente,
capacidade descrita por Pavard e Decortis (1994) como perícia cognitiva (citados por
FIGUEIREDO et al., 2006). Aquele operador mais experiente pode viver esse estado de
“congelamento”, porém, terá maior facilidade de contornar a situação. o menos experiente,
de acordo com informações coletadas na pesquisa de campo, geralmente necessita ser
substituído, conforme a fala de um controlador:
O tempo de reação é menor. Ele reage, até reage, mas demora mais tempo
para reagir. o colega mais experiente não, a forma de ele lidar com a
situação é diferente. Então, muitas vezes, o colega menos experiente acaba
tendo que ter uma ajuda, porque ele não teve essa experiência, para saber
como é que faz agora. Os outros colegas que passaram por determinada
situação sabem como lidar com ela. [...] É como uma aeronave falar uma
coisa para você que não está esperando. Como você vai lidar com essa
situação? Na nossa mente, o planejado existe. Os 10 minutos próximos já
existem na nossa cabeça montados. E essa diferença de 10 minutos,
esse efeito de ficar estático e outro não ficar. Aquele efeito surpresa causa
realmente isso. Agora, o tempo de reação é importante, como é que você
reage a essa situação?[...] Você fica assim, e agora o que eu faço? Então é
aquela coisa de ficar travado. Você não consegue dar continuidade... Você
fica mais tenso. A gente tenta preparar os estagiários para não ter o efeito
surpresa. Você prepara ele para essa situação.
O supervisor H declara que a impotência do operador frente a um risco de incidente é
um dos motivos da “paralisação”: “Então eu penso que um fator contribuinte disso é ele ficar
impotente. Ele vê algo acontecer e ele não pode mais fazer nada”. Fala que os limites
mínimos são muitos pequenos, então, a reação do controlador deve ser quase imediata.
188
Conforme a pessoa, o congelamento é total ou parcial. Eu creio que ele
sempre acontece no momento de maior tensão possível. A gente percebe que
ele sempre acontece em maior grau ou menor grau, quando o controlador
não percebeu um incidente, e ele se diante de um incidente, sem poder
fazer mais nada.
Como fazer projeções em um sistema dinâmico como o tráfego aéreo? uma
contradição, que uma das características marcantes desse sistema é haver inúmeras
variáveis interagindo. A ambigüidade dessa situação talvez justifique a sensação de
impotência, ansiedade e angústia vivida pelos operadores. Como os controladores podem
conceber que deveriam estar no controle e que percam o controle da situação?
Deduz-se que, para fazer frente à complexidade do trabalho no controle de tráfego
aéreo, o operador deve conjugar uma série de qualidades descritas, deve ter consciência
situacional e grande capacidade de resiliência: habilidade de se antecipar e se adaptar a
potenciais surpresas e erros (GUIMARÃES, 2006). Quanto mais resiliente o controlador for,
mais apto ele estará para lidar com as dificuldades, pois, conforme Wreathall (2006, p. 258,
citado por GUIMARÃES, 2006), no contexto da variabilidade que permeia o trabalho, a
resiliência é a habilidade de manter, recobrar rapidamente um estado estável, permitindo
continuar operando durante e depois de um incidente ou na presença de estresse contínuo.
Verificou-se que, apesar das competências individuais e da tarefa definida para cada
um, as adversidades são vencidas pela coletividade, pois juntos os controladores de tráfego
aéreo conseguem superar os problemas e garantir a continuidade do transporte aéreo.
189
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES
O trabalho no controle de tráfego reo é ao mesmo tempo uma experiência que se
traduz pela satisfação e pelo prazer de controlar aeronaves e pela vivência constante com o
fantasma da impotência do controlador frente à imprevisibilidade. A função de controlador,
então, pode proporcionar uma dupla experiência: por um lado, ansiedade e angústia pelo
conteúdo de incertezas e, por outro lado, desempenhar uma função motivadora, à medida que
se sente desafiado a vencer as dificuldades.
uma consciência geral por parte dos controladores quanto à responsabilidade que
sua tarefa exige e quanto a sua contribuição social e econômica no desenvolvimento da nação.
Dadas as adversidades impostas, enfrentam riscos diante da proteção e segurança, o que não
isenta operadores e supervisores de responsabilidade, em caso de incidente ou acidente.
Atualmente, uma nova geração de operadores, que, embora sejam muito jovens, devem
assumir alto nível de responsabilidade.
A atividade do controlador de tráfego aéreo implica permanente estado de alerta. Eles
necessitam de informações freqüentes e atualizadas, para, em tempo restrito, efetuar o
planejamento, que é baseado em projeções e posterior tomada de decisão. Contudo, a maioria
das antecipações são carregadas de incertezas: incerteza quanto à funcionalidade de
equipamentos, incerteza quanto às condições meteorológicas, incerteza quanto às informações
fornecidas pelos pilotos em casos de operações não-radar (quando devem se reportar ao
Centro nos pontos de notificação).
A “cristalização”, fenômeno observado e descrito neste estudo, é uma expressão do
sofrimento vivido pelo operador, decorrente da dificuldade de estabelecer projeções. Este
fenômeno se manifesta quando a discrepância entre o estimado e a condição real do tráfego é
muito acentuada, ocorrendo o esgotamento máximo do trabalhador, ele fica paralisado
(“travado”). Esse desgaste não é apenas momentâneo, pode ter efeito posterior, com a
sensação de frustração intensa. Diante disso, ressalta-se a importância do trabalho coletivo
(embora muitos deles não tenham consciência disso), para garantir a estabilidade do sistema e
o suporte aos colegas.
As perturbações que ocorrem em situações adversas requerem esforços importantes do
operador, com alto grau de atenção e concentração. Eles incorporam as possíveis falhas do
sistema em condições de anormalidade, como mecanismo anticolisão, pista falsa, aeronaves
que o radar não capta, falhas de comunicações, e assim vão tomando decisões para “dar conta
190
do recado”. Quanto mais coexistência com perturbação, mais acumulam conhecimento para
dar conta das situações adversas, desse modo, eles criam uma forma de autogerenciamento e
de autoorganização.
Mesmo assim, o controlador enfrenta riscos constantes em seu trabalho, diante da
possibilidade de haver um acidente aéreo. Ao risco associa-se a idéia de insegurança. Diante
de um conteúdo do trabalho de incertezas, para manter-se em equilíbrio e continuar operando,
utiliza uma série de estratégias defensivas, como, por exemplo, a negação do próprio
sofrimento e a negação da vulnerabilidade do sistema de controle de tráfego aéreo.
O cotidiano de trabalho em condições não previstas traduz-se em tarefas realizadas em
atmosfera bastante tensa. Os controladores necessitam agir com precisão técnica (perícia), no
menor tempo possível, sem esquecer normas e procedimentos para seguir em cada caso.
Soma-se a isso a necessidade de utilizar vários sentidos na percepção de sinais e informações
simultâneas ou consecutivas. O olhar dos trabalhadores que estão inseridos no sistema revela
que os problemas técnicos são os mais significantes, destacando-se a precariedade de
equipamentos de comunicações e sistema de radar. A gravidade da situação aumenta quando
se acrescentam a essas alterações problemas meteorológicos.
Além disso, os constrangimentos frente à demanda de trabalho levam os operadores à
adoção de postura corporal inadequada, na tentativa de aproximar-se do console, o que causa
dores musculares, conforme se constatou, principalmente na região de coluna lombar
(MOTTER e GONTIJO, 2006).
Observou-se que os elementos do conteúdo do trabalho desses operadores se
entrelaçam e nem sempre são divisíveis. Então, nesse espaço de trabalho complexo,
submetidos a estrutura e regras bastante gidas, o custo cognitivo pode ser elevado aos
controladores e o sofrimento psíquico pode ser intenso, o que justificaria a curta vida útil
dessa categoria profissional.
Embora a descrição estatística tenha revelado maior percentagem de controladores que
se sentem confortáveis quanto às perguntas pertinentes a fatores organizacionais, ainda assim,
alguns problemas destacam-se: queixas quanto à participação nas escalas militar e
operacional, reivindicações por melhores salários e possibilidade de ascensão profissional. A
falta de reconhecimento é razão de desmotivação e descrédito no sistema, pois compartilham
de sentimento mútuo quando não acreditam que “as coisas” podem mudar.
expectativa de mudanças tecnológicas no posto de trabalho, com a perspectiva de
substituição do console atual (da década de 80) por um modelo mais moderno. Nesse sentido,
novas exigências cognitivas serão impostas aos controladores, e deve-se prever período de
adaptação e treinamento. Deve haver programa de treinamento mais longo para o trabalho em
191
situações adversas. No projeto do novo posto de trabalho, a interação do operador com o
console precisa ser melhorada em relação ao modelo atual: será preciso reduzir a quantidade
de informações na tela do radar e incluir nela informações coloridas bem como adotar strips
com impressos em cores diferentes, de acordo com o tipo de informação.
A atividade na sala de controle é mediada por momentos de pico com momentos
menos intensos. As pausas nos momentos mais intensos ou mais críticos deveriam ser mais
freqüentes, o que permitiria certa recuperação física e cognitiva dos operadores.
Na organização do trabalho atual, os operadores devem acumular conhecimentos e
memorizar informações referentes aos oito setores pelos quais fazem revezamento. O rodízio
entre setores poderia ser reduzido a somente três postos de trabalho diferentes. Dessa forma,
evitar-se-ia a monotonia e, ao mesmo tempo, a variabilidade poderia ser reduzida.
Os achados deste estudo confirmam os pressupostos iniciais apresentados, pois o
conteúdo do trabalho requerido é diferente do que é estabelecido, isso se pela divisão do
trabalho, que é baseada somente no número de aeronaves. Há vários outros elementos
importantes que acontecem no espaço de trabalho e devem ser considerados e profundamente
analisados, na programação do conteúdo do trabalho no controle de tráfego aéreo.
A realização deste estudo possibilitou uma mudança de olhar sobre o trabalho em
centros de controle de tráfego aéreo, especialmente, sobre as atividades desenvolvidas por
controladores de tráfego aéreo, à medida que se propôs a compreender como lidam com a
variabilidade e imprevisibilidade presentes em seu trabalho, o que tornou possível responder
às questões de pesquisa e atingir os objetivos do estudo.
Em resposta à questão principal do estudo, compreende-se que os controladores
constroem uma série de estratégias operatórias para fazer frente às solicitações de intensidade
e ritmo de trabalho, as quais servem, também, para lidar com a imprevisibilidade e
variabilidade (de informações, de procedimentos, de equipamentos e de atribuições) presentes
em seu cotidiano. Foram identificadas estratégias operatórias que são utilizadas pelos
controladores diante da variabilidade e da imprevisibilidade. As estratégias estão relacionadas
a diferentes atuações que não estão prescritas, tais como: trabalhar em equipe, resetarem
casos de pane de freqüências para comunicações, trabalhar com maior limite de separação
entre aeronaves quando se sentem cansados, diminuir o tracejado de aerovias para reduzir o
número de informações na tela do radar, usar carimbo para strip de plano de vôo AFIL,
cotejamento, reduzir fraseologia devido a restrição temporal.
Entende-se que as estratégias operatórias são construídas pelo controlador de tráfego
aéreo, a fim de reduzir sua carga de trabalho, principalmente a carga de trabalho mental. Esse
192
mecanismo faz-se necessário para manter o equilíbrio psíquico dos operadores, e garantir a
continuidade de prestação de serviços no transporte aéreo e na segurança da aviação.
Entretanto, quando o é mais possível reduzir a carga de trabalho, e
incompatibilidade entre a tarefa e a atividade dos controladores, essa condição é geradora de
sofrimento, capaz de repercutir em prejuízos para a saúde. Dessa forma, atendendo à primeira
questão secundária da pesquisa e confirmando os pressupostos do estudo, considera-se que os
processos de adoecimento, detectados no decorrer da pesquisa, têm forte relação com as
características desse trabalho, pois os controladores operam em níveis inadequados de carga
de trabalho.
Apesar das alterações de sono e vigília determinadas pelas escalas de trabalho, os
distúrbios de sono foram relatados por poucos operadores, provavelmente, porque o grupo
entrevistado exerce a função há poucos anos.
Aparentemente, na pesquisa preliminar, havia mais casos de afastamentos para
tratamento médico ou psicológico do que ao final deste estudo, porém, constata-se que agora
menos casos oficialmente reconhecidos de processos de adoecimento, pois atualmente o
controlador é afastado somente em situações extremas. Tal conduta, que visa a conciliar o
déficit de pessoal com a escala operacional, repercute, no entanto, em custo cognitivo,
psíquico e físico elevado aos operadores e gera ressentimentos acumulados ao longo de suas
jornadas de trabalho, o que representa aumento do risco de incidente ou acidente no tráfego
aéreo.
Constata-se necessidade urgente de aumentar o contingente de operadores no cenário
do ACC de Curitiba. Comparando-se os resultados deste estudo com os da pesquisa realizada
quatro anos, quanto à falta de pessoal, verifica-se que esse problema ainda permanece: o
quadro caótico conduz à negação do sofrimento alheio e ao questionamento quanto à
veracidade das queixas dos controladores.
É preciso reconhecer que existem vários fatores relacionados ao trabalho, e que
interferem no estado de saúde dos controladores. Em contrapartida, para exercer a atividade,
um requisito implícito é ter boas condições de saúde. Tanto é assim que passam por uma série
de exames médicos, psicológicos e de aptidão física, ao serem incorporados na organização
militar e depois fazem exames anualmente. Se o controlador não receber o parecer de que está
apto para o trabalho ou se eventualmente houver envolvimento em risco de incidente,
imediatamente ele é afastado de suas atividades laborais.
Dada a importância desses trabalhadores para que o vôo se concretize e, portanto, para
o atendimento ao público no transporte aéreo, a responsabilidade pela promoção da saúde não
deveria ser somente dos operadores, entretanto, ficam ocultas aos órgãos competentes suas
193
expectativas, suas dificuldades e as exigências que a atividade impõe. Isso ocorre porque
desconhecimento do trabalho, de como ele se constitui para quem o realiza e pela dificuldade
de acesso a escalões superiores, devido à estrutura extremamente hierarquizada à qual eles
pertencem. À medida que ocorre crescimento do setor aéreo, deveria haver mudanças nas
políticas, visando a avaliar as condições de trabalho dos controladores de tráfego aéreo, no
sentido de prevenir agravos a sua saúde física, mental e social.
A pesquisa deu visibilidade ao contexto da gestão da variabilidade e imprevisibilidade
no controle de tráfego aéreo, que foi ilustrado ao longo da análise de resultados, e respondeu,
também, a como a gestão da variabilidade e imprevisibilidade contribui para a carga mental
do controlador (questões secundárias da pesquisa e objetivos específicos). Entende-se que o
trabalho dos controladores possibilita pouca margem de manobra e, diante da complexidade
presente nesse contexto, vencer as dificuldades juntos faz parte da cultura do grupo. Apesar
de a hierarquia causar efeito individual, devido ao regime militar, na atuação coletiva, isso
passa a ser secundário, pois união, coesão do grupo e compartilhamento do conhecimento.
O regulamento prevê a execução da função de maneira individual, todavia, as exigências reais
da atividade levam à adoção do trabalho coletivo e cooperativo.
Percebeu-se espaço para a variabilidade no cotidiano do trabalho deles, como recurso
para lidar com a sobrecarga e como estratégia de regulação do próprio trabalho e de
personalização dele, por exemplo, com burlas à fraseologia. Nesse caso, aquele operador que
consegue dar caráter pessoal a seu trabalho, apesar da rigidez da cultura organizacional, com
frases do tipo “bem-vindo ao meu espaço aéreo”, evita danos a sua saúde mental e torna seu
trabalho mais prazeroso.
Verificam-se outros aspectos positivos no contexto de trabalho analisado, que são
formas de regulação do próprio trabalho: a capacidade de improvisação dos controladores, as
pausas, o rodízio entre setores, a alternância do trabalho individual e em dupla, o revezamento
entre a função de operador e assistente, as reuniões para revisão de risco de incidentes, a
reunião no início de cada turno (briefing), a flexibilidade nas trocas de escalas operacionais, a
incorporação de mulheres no quadro de controlador de tráfego reo, o espírito de equipe, a
solidariedade e cooperação entre grupos de trabalho, a forma de expressão com uso de
vocabulário técnico e operacional, o sentir-se útil à sociedade como significado desse trabalho
e serem apaixonados pelo que fazem.
Espera-se com este estudo contribuir especialmente com essa categoria de
trabalhadores, no sentido de que a organização e a sociedade conheçam ou transformem o
entendimento do trabalho do controlador de tráfego aéreo, a fim de que eles possam ter no
194
futuro condições plenas de realização de suas atividades, sem prejuízos para si e para a
sociedade.
A partir deste estudo e levando-se em conta suas limitações, alguns temas relacionados
emergiram como importantes, e ficam como sugestão para trabalhos futuros:
avaliar as repercussões das jornadas de trabalho alternadas sobre a saúde dos
controladores;
analisar o papel das comunicações no controle de tráfego aéreo, incluindo-se a
funcionalidade de equipamentos, a confiabilidade no sistema e o uso de fraseologia;
aplicar a ergonomia de concepção no desenvolvimento do projeto de console e outros
equipamentos utilizados, considerando-se as interações reais que são estabelecidas;
estudar o modelo de gestão das equipes de controladores de tráfego aéreo.
Este estudo permite refletir sobre as reais exigências que o trabalho de controladores
de centros de controle de tráfego aéreo requer, embora não fosse esse um objetivo da
pesquisa. A considerar sua alta qualificação, seus “modos de andar a vida” têm relação com
questões estruturais, como a cultura organizacional e com a complexidade com que lidam
diariamente. O prazer da realização dessa atividade pode contribuir para explicar a forte
identidade construída pelos controladores com seu trabalho e o baixo índice de incidentes e
acidentes no transporte aéreo, apesar das precárias relações de trabalho e das inadequadas
condições em que funcionam alguns equipamentos.
195
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203
APÊNDICE: MODELO DO QUESTIONÁRIO APLICADO AOS CONTROLADORES DE
TRÁFEGO AÉREO
QUESTIONÁRIO
Anos de atuação
:_________ Idade:______ Sexo: (F) (M) EC:____________
Data: ___/___/___
Atribua um conceito aos critérios
abaixo:
Totalmente
Confortável
Confortável
Desconfortável
Totalmente
desconfortável
Não
Aplicável
1. Quando dormi bem na noite anterior
2. Espaço aéreo do setor é pequeno
3. Preenchimento de strip manual
4. Freqüências em boas condições
5. Quando me identifico com as
aerovias e pontos de notificação de um
setor. Qual?
6. Quando estou trabalhando com
menos de 6 aeronaves
7. Freqüentes formações
meteorológicas
8. Quando trabalho com poucas
coordenações
9. Quando necessito fazer muitas
coordenações
10. Espaço aéreo grande
11. Problemas de freqüências
12. Operação radar
13. Trabalhando com assistente
14. Trabalhando sozinho
15. Quando tenho dificuldade em
memorizar as aerovias ou ptos de
notificação de um setor
16. Problemas de interação com o
supervisor
17. A maioria das strips são eletrônicas
18. Quando a operação é não radar
19. Sem alterações meteorológicas
20. Áreas restritas ativadas
21. Aeronaves que não aparecem no
radar
22. Atrito com piloto de aeronave
23. Quando estou trabalhando em um
setor em que já me envolvi
anteriormente em risco de incidente
24. Comunicação em língua
estrangeira
25. Fraseologia e comunicações em
português
26. Manuseio de strip, teclado,
telefone e microfone
27. Trabalho no 3º dia consecutivo
28. Trabalho após 2 dias de folga
204
29. Grande nº de cruzamentos
30. Trabalho no turno da manhã
31. Trabalho no turno da tarde
32. Trabalho no turno da noite
33. Trabalhando com problema pessoal
34. Necessita muito seqüenciamento
35. Necessita muita vetoração para
evitar tráfego
36. Grande parte do tempo é de serviço
de vigilância
37. A tomada de decisão deve ser
extremamente rápida
38. Presença da chefia direta no setor
39. Operando com 6 ou + aeronaves
40. Quando estou trabalhando em dias
de feriado ou final de semana me sinto
41. Quando há tempo suficiente para a
tomada de decisão
42. Informações em inglês, fora da
fraseologia
43. Quando estou trabalhando com um
assistente com quem já tive problemas
de interação
44. Presença do comando no setor
45. Falha na detecção radar
46. Plano AFIL
47. Freqüente recoordenação de níveis
entre setores e/ou órgãos
48. Quando não dormi bem na noite
anterior
49. Quando há aeronave com enfermo
a bordo
50. Seqüenciamento de aeronave com
enfermo a bordo
51. Quando há autoridade a bordo
Estudando?
Trabalho em outra atividade?
Existe reconhecimento por parte de
seus superiores?
Existe valorização por parte de seus
colegas?
205
Sugestões ou observações:
206
ANEXOS
ANEXO A: DECLARAÇÃO DA INSTITUIÇÃO CONCEDENTE................................. 207
ANEXO B: PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA..................................208
ANEXO C: TAREFAS PRESCRITAS À EQUIPE DE CONTROLE DE TRÁFEGO
AÉREO.............................................................................................................209
207
ANEXO A: DECLARAÇÃO DA INSTITUIÇÃO CONCEDENTE
208
ANEXO B: PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
209
ANEXO C: TAREFAS PRESCRITAS
Tarefas prescritas ao Controlador de Setor
(01) Ao assumir e durante a sua permanência na posição operacional checar os parâmetros de
visualização do console tais como declinação magnética, filtros de níveis, altitudes, velocidades,
mapas, radar primário, radar secundário e radar associado, bem como a ativação das freqüências
pertinentes;
(02) – Emitir autorizações de tráfego aéreo que assegurem o fiel cumprimento das normas e procedimentos
de tráfego aéreo, registrando-as nos campos correspondentes da FPV, bem como a entrada e saída do
setor;
(03) – Arquivar as FPV, após o encerramento do vôo, no setor;
(04) Se a operação for Não-Radar registrar as autorizações de tráfego nos campos correspondentes das
FPV, bem como a hora de passagem em todos os pontos de notificação da rota. No caso de operação
radar, registrar, pelo menos uma vez, a hora da passagem sobre um ponto de notificação e,
compulsoriamente, as horas de entrada e saída do setor;
(05) - Certificar-se do status RVSM das aeronaves (aprovada ou não aprovada) que irão evoluir em espaço
aéreo RVSM;
(06) Operar o equipamento HF situado no console ou o localizado na Sala PLN, bem como efetuar os
testes de operacionalidade ao assumir o serviço;
(07) Desempenhar, cumulativamente, as funções de Assistente de Controlador, quando esta posição não
estiver guarnecida por outro Controlador;
(08) Efetuar a coordenação, transferência de controle e de comunicações com os demais setores, ACC
adjacentes, APP contidos no setor e COpM2;
(09) – Informar de imediato aos Supervisores a inoperância de qualquer equipamento;
(10) – Informar, de imediato ao Supervisor do Setor envolvido caso haja o reporte de turbulência severa no
seu setor de controle;
(11) Levar imediatamente ao conhecimento do Supervisor, ou do Chefe de Equipe, sempre que houver
suspeita de que uma aeronave esteja em uma das fases de emergência ou situação de perigo;
(12) – Ao tomar conhecimento de quaisquer informações que possam afetar a segurança de vôo, tais como
suspensão de operação de aeródromos, condições meteorológicas e /ou inoperância de auxílios à
navegação, comunicar ao Supervisor ou Chefe de Equipe para que as providências necessárias sejam
tomadas;
(13) Levar imediatamente, ao conhecimento do Supervisor toda ocorrência operacional de seu
conhecimento (conflitos de tráfego, falha de coordenação, etc.);
(14) Manter estrita coordenação com o CopM2 quanto ao aparecimento de tráfegos não identificados,
sobrevôo de aeronaves estrangeiras, interceptação de aeronaves e demais assuntos relacionados à
soberania do espaço aéreo;
(15) Antes de autorizar que a aeronave transmita o seu Plano de o AFIL completo, o Controlador do
Setor deverá informar ao tráfego para manter-se em condições VFR, verificar a posição da aeronave
(aeródromo de decolagem, de destino, a rota e o nível de vôo proposto), informar a presença de
tráfegos essenciais conhecidos e, somente então, autorizar a subida para o nível de vôo pretendido,
bem como receber os demais dados do Plano de Vôo;
(16) – Não se afastar do console onde está executando o serviço de Controlador de Setor;
(17) Utilizar a função “-RVSM ou RVSM do teclado OKB quando uma aeronave certificada RVSM
perder sua capacidade de operar RVSM ou quando a mesma reassumir sua navegação verificando a
mudança de sua etiqueta na tela do radar;
(18) Não acomodar mais de duas aeronaves por setor de controle; e
(19) Não acomodar aeronaves caso o seu setor de controle esteja congestionado.
Tarefas prescritas ao Assistente de Controlador de Setor
(01) – Verificar ao assumir o serviço:
Funcionamento dos TF – 1/2/3,
Funcionamento da impressora de FPV,
Funcionamento do “mousetron”,
Iluminação do Console,
Funcionamento das freqüências do setor, e
Informações contidas nas páginas de imagem de informações gerais;
210
(02) – Receber, analisar e emitir as autorizações referentes aos FPL e RPL, fazendo as separações prévias,
durante as autorizações, com os tráfegos conhecidos, sempre em coordenação com o Controlador de
Setor, avisando ao Supervisor quando o setor vier a ficar congestionado;
(03) Autorizar, o logo receba a FPV pré-ativa, os tráfegos não aprovados RVSM que enquadrem nas
exceções (aeronaves de estado, ambulância, manutenção e primeira entrega) junto as Torre de
Controle que tenha autorização automática e comunicar diretamente ao controlador;
(04) – Sempre que houver dúvida referente à certificação da aeronave ou não para operação RVSM checar
com o operador Plano de Vôo;
(05) – Registrar nos campos correspondentes das FPV pré-ativas as autorizações emitidas e transferir esses
registros para a FPV ativa, por ocasião do seu recebimento;
(06) Informar ao controlador de setor quando prever o instante de saturação da carga de trabalho do
setor, passando a informação ao Supervisor;
(07) Dispor as FPV ativas e pré-ativas de forma organizada, com critério, de modo a facilitar o seu
próprio serviço e o serviço do controlador de setor;
(08) Sempre que tiver qualquer dúvida quanto às rotas informadas nos campos das FPV, consultar o
Operador da Sala de Plano de Vôo, bem como sobre os dados contidos no campo RMK;
(09) Receber todas as chamadas telefônicas do setor, dando sempre prioridade aos canais TF-1,
coordenando sempre com o Controlador de Setor todas as autorizações solicitadas e/ou emitidas, bem
como as coordenações e transferências de controle de outros Órgãos ou setores;
(10) Modificar no “mousetron” e informar ao Controlador de Setor, caso necessário, o nível de vôo
autorizado, se diferente do informado na etiqueta;
(11) Analisar constantemente a evolução do tráfego, alertando o Controlador de Setor para potenciais
pontos de conflito nos diversos trechos das rotas de responsabilidade do setor;
(12) – Ao tomar conhecimento de quaisquer informações que possam afetar a segurança de vôo, tais como,
a suspensão de operação etc, comunicar de imediato ao Controlador de Setor e ao Supervisor e/ou
Chefe de Equipe;
(13) Informar de imediato, ao Controlador de Setor e ao Supervisor, quaisquer deficiências constatadas
nos equipamentos e toda situação que posas constituir-se em potencial conflito de tráfego;
(14) – Responsabilizar-se pelas autorizações, registros, coordenações e demais ações referentes ao ATS; e
(15) Coordenar com o setor adjacente correspondente as autorizações antecipadas de nível de vôo entre
os que iniciam na TMA-XP e os vôos que procedem da FIR- BS e conflitam na saída da TMA- XP,
fazendo as restrições necessárias.
PASSAGEM DE SERVIÇO
Todo turno de serviço se inicia pelo brifim operacional, com o comparecimento obrigatório de todos os
componentes da equipe que entra de serviço, onde são adotados os seguintes procedimentos:
Exposição das informações administrativas:
Em função dos componentes das equipes operacionais terem pouca chance de participar e conhecer
melhor a vida administrativa da Unidade, serão citados, sucintamente, eventos administrativos que devam ser de
conhecimento dos controladores.
Exposição de informações aeronáuticas:
Serão relatados todos os NOTAM (Informação para os aeronavegantes) em vigor na FIR – Curitiba.
Exposição de informações técnicas:
Serão relatadas todas as deficiências verificadas nesse sistema e as providências que estão sendo
tomadas para a sua solução, de interesse do ACC de Curitiba.
Exposição de Informações Meteorológicas:
Serão relatadas as condições reinantes na FIR Curitiba pra o turno de serviço, bem como condições
dos principais aeródromos da região.
Exposição de informações operacionais:
Serão relatados os procedimentos específicos que estejam sendo, ou devam ser adotados, em função de
alterações permanentes ou temporárias nos auxílios à navegação ou equipamentos, bem como na estrutura do
espaço aéreo, que possam interferir na segurança das aeronaves.
Instrução:
Serão divulgados novos procedimentos ou novas regras que entrem em vigor, bem como serão
comentados os assuntos que visem ao aprimoramento da operação do Órgão.
Informações gerais e/ou orientações do Supervisor e/ou Chefe de Equipe:
Serão expostos assuntos relacionados à execução do serviço.
211
SUBSTITUIÇÃO NAS POSIÇÕES OPERACIONAIS:
Dentro dos turnos de serviço, os controladores serão distribuídos atendendo às necessidades de
agrupamento/desagrupamento de setores, atendendo a demanda da quantidade de tráfegos. Nas substituições o
Controlador de setor deve, sempre que possível, ser substituído pelo seu Assistente de Setor.
O tempo contínuo de permanência de um determinado Controlador no console não deverá, em
princípio, ultrapassar duas horas, seguido de trinta minutos de descanso, sempre que possível.
Os controladores deverão ser orientados pelos supervisores, para que haja rodízio entre os mesmos, de
forma que os mais experientes assumam as posições operacionais mais complexas.
Os controladores designados a assumirem cada uma das posições operacionais ficarão ao lado dos
controladores a serem substituídos por um período de tempo suficiente, mínimo de cinco minutos, para que,
através dos dados das FPV, visualização radar e informações do Controlador a ser substituído, tomem ciência de
todo o tráfego e de todas as informações pertinentes ao setor. Após a substituição, o Controlador substituído
permanecerá por um período de tempo suficiente, mínimo de 5 minutos, observando se o Controlador substituto
está completamente ciente das informações recebidas.
Todos os procedimentos de substituições nas posições operacionais deverão ser acompanhados pelo
Supervisor de serviço no setor.
Tarefas do Supervisor de Órgãos Operacionais
(01) -
Supervisionar no máximo 3 (três) setores operacionais, sendo cada setor operacional composto
de um Controlador de Setor e um Assistente de Controlador e, quando necessário, um Coordenador de Setor;
(02) - Assegurar-se de que as posições operacionais estejam guarnecidas por controladores de tráfego
aéreo habilitados e qualificados;
(03) - Analisar, ao assumir o serviço, as informações divulgadas no brifim operacional e adotar as
medidas adequadas para o planejamento e a execução da rotina de trabalho;
(04) - Cientificar-se, ao assumir o serviço, de todas as ocorrências registradas no LRO e SMO bem
como dos respectivos despachos da Chefia do Órgão, desde seu último turno de serviços;
(05) - Acompanhar a prestação dos serviços de tráfego aéreo nas posições operacionais sob sua
responsabilidade e intervir quando necessário;
(06) - Corrigir erros, omissões, irregularidades ou emprego inadequado dos procedimentos ATS;
(07) - Avaliar a capacidade de tráfego aéreo dos setores e/ou posições operacionais, adotando as
medidas adequadas para evitar a saturação;
(08) - Acompanhar toda passagem de serviço realizado pelos controladores de setor;
(09) - Manter permanente coordenação com Supervisores de outros setores de controle e Órgãos
operacionais adjacentes;
(10) - Cumprir e fazer cumprir o previsto no Modelo Operacional do Órgão, bem como na legislação,
no que for aplicável;
(11) - Providenciar para que as informações ou informes recebidos sobre OVNI, bomba a bordo ou
interferência ilícita em aeronaves, sejam transferidas para os setores competentes, de acordo com normas
internas vigentes;
(12) - Acionar os meios necessários para o restabelecimento da operação sempre que ocorrer qualquer
deficiência técnica ou operacional envolvendo o Órgão, caso este acionamento não tenha sido feito pelo chefe de
equipe;
(13) - Orientar a equipe operacional sobre todo e qualquer procedimento e/ou norma que tenha entrado
em vigor durante seu turno de serviço ou que não tenha sido citados no brifim operacional;
(14) - Adotar ações pertinentes no caso de acidentes/incidentes aeronáuticos, conforme Item 6.7 deste
modelo;
(15) - Aplicar as medidas iniciais do Serviço de Alerta, em conformidade com os procedimentos
previstos;
(16) - Informar ao chefe de Equipe às circunstâncias que exijam o Serviço de Alerta;
(17) - Obter dos controladores de Tráfego Aéreo envolvidos em irregularidades do controle do Espaço
Aéreo, o relato detalhado sobre a ocorrência;
(18) - Elaborar relato detalhado sobre qualquer situação que possa gerar necessidade de uma
investigação de irregularidade do Controle do Espaço Aéreo;
(19) - Realizar verificações freqüentes dos recursos e meios disponíveis para a execução dos serviços;
(20) - Coordenar o rodízio dos controladores nas posições operacionais;
(21) - Assegurar-se de que o programa de instrução dos controladores estagiários seja cumprido de
acordo com o plano estabelecido pela Seção de Instrução exigindo que os instrutores cobrem dos estagiários os
conhecimentos previstos;
(22) - Providenciar para que o Controlador estagiário esteja sempre sob a responsabilidade de um
instrutor;
(23) - Zelar pelo uso adequado das instalações, equipamentos e mobiliários do Órgão;
212
(24) - Providenciar substituto qualificado para os seus eventuais afastamentos e informar ao Chefe de
Equipe a substituição;
(25) - Manter estrita coordenação com o COpM 2 quanto ao aparecimento de tráfegos não identificados,
sobrevôo de aeronaves estrangeiras, interceptação de aeronaves e demais assuntos relacionados à soberania do
espaço aéreo;
(26) - Coordenar, junto ao RCC-CT as ações e informações necessárias ao desencadeado de Missões de
Busca e/ou Salvamento;
(27) - Preparar o brifim operacional para equipe que irá entrar de serviço, em coordenação com o Chefe
de Equipe;
(28) - Não permitir o manuseio de líquidos e/ou alimentos nos consoles e nem que se coloque objetos de
uso pessoal sobre os mesmos (sacolas, livros, etc.);
(29) - Anotar no livro, no livro apropriado, as ligações telefônicas interurbanas realizadas, permitindo o
uso somente em caráter de emergência;
(30) - Coordenar, junto aos demais Órgãos Operacionais do COI, as necessidades do ACC-CW para o
bom andamento do serviço e do planejamento e gerenciamento do tráfego aéreo;
(31) - Preencher o LRO e/ou SMO, na ausência do Chefe de Equipe, relatando toda e qualquer
irregularidade ou ocorrência envolvendo recursos humanos, técnicos e operacionais, durante o seu turno de
serviço;
(32) - Manter o Chefe de Equipe informado de todas as irregularidades ocorridas;
(33) - Aplicar os procedimentos de degradação estabelecidos no Plano de Degradação do Órgão e, ou
acordos operacionais, relativos à sua área de atuação;
(34) - Aplicar os procedimentos de mudanças de níveis RVSM em caso de reporte turbulência severa
pelas aeronaves e comunicando o fato ao Chefe de Equipe;
(35) - Executar as atividades estabelecidas para o Chefe de Equipe nos horários em que esta posição
operacional não esteja ativada, no que for aplicável;
(36) - Apresentar ao Chefe de Equipe o relato da situação técnico-operacional nos setores sob sua
responsabilidade quinze minutos antes do término do turno de serviço;
(37) - Ativar a posição de Assistente de Controlador e/ou de Coordenador de Setor, sempre que o fluxo
de tráfego aéreo exigir;
(38) - Coordenar com o controlador ou seu Assistente, todas as informações, relativas ao ATS,
recebidas eventualmente no console do Chefe de Equipe;
(39) - Assessorar a Chefia do Órgão quanto ao desempenho dos componentes da equipe operacional, no
exercício de suas atribuições;
(40) - Apresentar sugestões ao Chefe do Órgão, objetivando o aprimoramento de procedimentos e
métodos interligados na execução dos serviços;
(41) - Manter as cadeiras que não estão sendo utilizadas debaixo dos consoles, nem permitir cadeiras ou
outros objetos atrás dos consoles;
(42) - Utilizar as informações da FMC-CW para controle de fluxo, implantando-o somente nos
intervalos de tempo, onde são realmente necessários ou onde a previsão se confirmar; e
(43) - Ao ser informado pelo Controlador de Setor sobre quaisquer informações que possam afetar a
segurança de vôo, tais como suspensão de operação de aeródromos, condições meteorológicas e/ou inoperâncias
de auxílios à navegação, providenciar junto ao CRN a divulgação do fato e comunicar ao Chefe de Equipe.
Tarefas do Chefe de Equipe
(01) Verificar o correto preenchimento do formulário “Situação dos Meios Operacionais”;
(02) Gerenciar as equipes operacionais através de ações administrativas, técnicas e operacionais
diretamente afetas aos Órgãos ATC, informando imediatamente à chefia as irregularidades ocorridas;
(03) Assessorar a Chefia do Órgão quanto ao desempenho dos componentes da equipe operacional, no
exercício de suas atribuições;
(04) Propor á chefia do Órgão a adoção de novos procedimentos ou modificação dos atuais, sempre que
considerar a necessidade de otimizar a qualidade dos serviços prestados;
(05) Fazer cumprir o previsto no Modelo Operacional, bem como na legislação em vigor, no que for
aplicável;
(06) Orientar a equipe operacional sobre todo e qualquer procedimento e/ou norma que tenha entrado em
vigor durante seu turno de serviço ou que tenham sido citados no brifim operacional;
(07) Checar o desempenho operacional do supervisor, alertando-o sobre os procedimentos previstos;
(08) Realizar o brifim das 13h30min com a presença do Oficial Previsor, que será responsável pelos
serviços no COI II no período das 20h30min às 06h30min. Em virtude do serviço de Chefe de Equipe
estar sendo acumulado com o de Coordenado SAR, este deverá ser acionado pelo mesmo e, quando
necessário, fazer-se presente nos demais horários (ex.: desfile aéreo, exercício militar, vôos de
aeronaves presidenciais, grande movimento aéreo sazonal, etc);
213
(09) Adotar ações pertinentes em todas as ocorrências administrativas, técnicas e operacionais que
ultrapassem ao nível de decisão do Supervisor, referentes a atos de interferência ilícita, bomba a
bordo e acidentes aeronáuticos envolvendo o ACC-CW;
(10) Assegurar-se de que as posições operacionais estejam guarnecidas por controladores de tráfego aéreo
habilitados;
(11) Analisar, ao assumir o serviço, as informações divulgadas no brifim operacional e adotar as medidas
adequadas para o planejamento e execução da rotina de trabalho;
(12) Cientificar-se, ao assumir o serviço, de todas as ocorrências registradas no LRO e no SMO, bem
como dos respectivos despachos da chefia do Órgão, desde seu último turno de serviço;
(13) Assegurar-se de que as informações recebidas sobre OVNI, bomba a bordo e interferência ilícita,
sejam encaminhados para o COpM 2, Comandante do CINDACTA II, Chefe da DO, Chefe do COI II
e Chefe do ACC-CW;
(14) Assegurar-se de que foram acionados os meios necessários paro o restabelecimento da operação,
sempre que ocorrerem deficiências que extrapolem a equipe de serviço disponíveis para as execuções
dos serviços;
(15) Assegurar-se de que sejam realizadas verificações freqüentes nos recursos e meios disponíveis para as
execuções dos serviços;
(16) Zelar pelo uso adequado das instalações, equipamentos e mobiliário, existentes no Órgão;
(17) Assegurar-se de que Controladores, Supervisores dos setores envolvidos em incidentes/acidentes
preencham os relatos adequadamente para a realização de investigações futuras, de acordo com o
previsto na NPA 083ª-02/CMDO DE 24.04.2002;
(18) Assegurar-se de que estão preparados os assuntos operacionais para o brifim do Chefe de Equipe que
entra de serviço;
(19) Coordenar o brifim passando ao Supervisor a palavra para assuntos especificamente operacionais;
(20) Informar ao Chefe do Órgão todas as ocorrências administrativas, técnicas e operacionais ocorridas
no seu turno de serviço, dando prioridade aos incidentes/acidentes, atos de interferência ilícita e
bomba a bordo ocorridos na FIR-CW;
(21) Efetuar todos os contatos externos, solicitados por determinada Autoridade, Órgão do Comando da
Aeronáutica ou por qualquer entidade pública ou privada, dentro da sua esfera de atuação e inerentes
à situação administrativa, técnica e operacional do ACC-CW, quando da ausência do Chefe ou
Adjunto do ACC, permitindo, desta forma, que as informações divulgadas sejam coerentes e
compatíveis com a realidade;
(22) Escalar, quando necessário, Supervisores prestando serviço no FMC para a posição de Supervisor de
Setor do ACC-CW, desde que habilitados para o desempenho da função; e
(23) Certificar-se da existência de alguma restrição de níveis, no espaço aéreo RVSM, devido turbulência
severa.
Fonte: BRASIL. Ministério da Defesa. Portaria do CINDACTA II. Modelo Operacional do Centro
de Controle de Área de Curitiba, PR nº 7/CMDO, de 02 de março de 2005.
214
GLOSSÁRIO
Aeródromo: Área definida sobre a terra ou água destinada à chegada, partida e movimentação
de aeronaves.
Aeronave: Todo aparelho manobrável em vôo, apto a se sustentar, a circular no espaço aéreo
mediante a reações aerodinâmicas e capaz de transportar pessoas e/ou cargas.
Aeroporto: Todo aeródromo público dotado de instalações e facilidades para apoio e operação
de aeronaves, embarque e desembarque de pessoas e cargas.
Aerovia: Área de controle, ou parte dela, disposta em forma de corredor e provida de auxílios
à navegação.
Alcance efetivo do radar: distância máxima que permite a detecção de um alvo pelo radar.
ALERFA: Palavra-código utilizada para designar uma fase de alerta.
Alerta amarelo: Nível de alerta para atendimento à aeronave em emergência, quando são
iminentes as possibilidades de um acidente aeronáutico, requerendo o acionamento de meios
de salvamento e de prestação de socorro.
Alerta branco: Nível de alerta para atendimento à aeronave em emergência, quando são
remotas as possibilidades de se consumar o acidente aeronáutico, havendo, contudo, indícios
de perigo latente que requeiram atitudes de sobreaviso.
Alerta vermelho: Nível de alerta para atendimento à aeronave em emergência, quando o
acidente aeronáutico é inevitável ou já está consumado.
Alfabeto fonético: quando for necessário soletrar em radiofonia nomes próprios, abreviaturas
de serviço de palavras de pronúncia duvidosa, é preciso utilizar o alfabeto fonético que se
apresenta a seguir:
A = Alfa
B = Bravo
C = Charlie
D = Delta
E = Echo
F = Foxtrot
G = Golf
H = Hotel
I = Índia
J = Juliet
K = Kilo
L = Lima
M = Mike
N = November
O = Oscar
P = Papa
Q = Quebec
R = Romeu
S = Sierra
T = Tango
215
U = Uniform
V = Victor
W = Whiskey
X = X-ray
Y = Yankee
Z = Zulu
Altitude: Distância vertical entre um nível, um ponto ou objeto considerado como ponto e o
nível médio do mar.
Apresentação radar: apresentação eletrônica de informações oriundas de um radar e que
representa a posição e o movimento das aeronaves.
Área de Controle: Espaço aéreo controlado que se estende para cima a partir de um limite
especificado sobre o terreno.
Área de Controle Terminal: Área de controle situada geralmente na confluência de rotas ATS
e nas imediações de um ou mais aeródromos.
Área Restrita: Espaço aéreo de dimensões definidas, dentro da qual o vôo poderá ser
realizado sob condições preestabelecidas.
Autonomia: tempo de combustível da aeronave, para ir até o aeródromo de destino ou
aeródromo alternativo.
Autorização de Controle de Tráfego Aéreo: Autorização para que uma aeronave proceda de
acordo com as condições especificadas por um órgão de controle de tráfego aéreo. Por
conveniência a expressão “Autorização de Controle de Tráfego Aéreo” é freqüentemente
abreviada para “Autorização”.
Auxílios à Navegação Aérea: Equipamentos destinados a proporcionar apoio à navegação das
aeronaves.
Avião: Aeronave mais pesada que o ar, de propulsão a motor, sustentada, no vôo, por reações
aerodinâmicas em suas superfícies de sustentação, que permanecem fixas sob determinadas
condições de vôo.
Azimute: É a posição angular ou rumo, num plano horizontal medindo de 0 a 360º, a partir do
norte verdadeiro ou magnético, até o objetivo no sentido horário.
Brifim ou Briefing: Atividade didática da missão caracterizada por explanação oral.
Centro de Controle de Área: Órgão estabelecido para prestar serviço de controle de tráfego aos
vôos controlados nas áreas de controle sob sua jurisdição.
Centro de Controle de Tráfego Aéreo: Órgão de trafego reo estabelecido para proporcionar
serviços de informações de vôo, de controle e de alerta, dentro de uma área de controle.
Código (SSR): Número designado para um determinado sinal de resposta de múltiplos
impulsos, transmitido por um Transponder.
Condições meteorológicas de vôo por instrumentos
: Condições meteorológicas expressas em
termos de visibilidade, distância de nuvens e teto, inferiores aos mínimos especificados para o
vôo visual.
216
Condições meteorológicas de vôo visual: Condições meteorológicas, expressas em termos de
visibilidade, distância de nuvens e teto, iguais ou superiores aos mínimos especificados para o
vôo visual.
Contato Radar: Situação que ocorre quando o eco radar ou o símbolo de posição radar de
determinada aeronave é visto e identificado numa tela radar.
Controlador Radar: Controlador de trafego aéreo qualificado, portador de habilitação para
controlar tráfego aéreo, utilizando diretamente informações oriundas do radar.
Controle de Aproximação: Órgão estabelecido para prestar serviços de controle de tráfego
aéreo aos vôos controlados que cheguem ou saiam de um ou mais aeródromos.
Controle de Tráfego Aéreo: Controle de todas as aeronaves operando em uma determinada
área, a fim de prover a necessária separação entre elas e regularizar o tráfego aéreo.
Coordenação: Troca de informações, por telefone, quando liga para outro órgão que ou setor
para acerta algum detalhe.
Cotejamento: Solicitação do controlador para que o piloto faça repetição da fraseologia.
Espaço aéreo: Porção do espaço sobrejacente à determinada superfície terrestre ou aquática.
Espaço aéreo controlado: Espaço aéreo de dimensões definidas, dentro do qual se presta o
serviço de controle de tráfego aéreo aos vôos IFR e VFR de conformidade com a classificação
do espaço aéreo.
Estimado: É um termo usado na aviação para se referir a tempo. Geralmente é o tempo, a hora,
em que o piloto espera sobrevoar um determinado fixo, posição ou auxílio à navegação. Pode
ser também a hora em que o piloto espera pousar, decolar ou chegar a um determinado local.
É, normalmente, dado em horas e minutos. Exemplo: O Varig 2123 estima Curitiba aos 35
desta..."; "o PT LAJ estima o solo Chapecó às 23h10 etc.”.
Hand off: É uma sinalização visual na tela do radar que dispensa a troca de informações
verbais na transferência de controle de uma aeronave de um órgão de controle para outro. Este
recurso agiliza a coordenação entre os órgãos envolvidos, pois dispensa a troca de
informações via telefone entre eles. A coordenação é feita por meio de um sistema de
proposição e aceitação via tela do radar. Quando o órgão proponente transfere um tráfego para
o aceitante, esse tráfego começa a piscar na tela de ambos e só pára quando o órgão proposto
aceita o tráfego em questão, momento em que esse plote pára de piscar no radar de ambos. O
ACC Curitiba possui hand off automático com o ACC Brasília e com o APP São Paulo.
Informação Radar: Emprego do radar para proporcionar, mediante contínua observação da
apresentação radar, informações que possam melhorar a segurança de vôo, sem implicar
controle de tráfego aéreo.
Meridiano de Greenwich: É um semicírculo de linha imaginária que se inicia na latitude de 90
graus Norte e termina na latitude de 90 graus Sul, passa sobre a localidade de Greenwich (nos
arredores de Londres, Reino Unido) e divide o globo terrestre em ocidente e oriente,
permitindo medir a longitude. Definido como o primeiro meridiano, serve de referência para
estabelecer a relação entre as horas em qualquer ponto da superfície terrestre, estabelece os
fusos horários. Esse meridiano atravessa dois continentes e sete países, na Europa: Reino
Unido, França e Espanha e, na África: Argélia, Máli, Burkina Faso e Gana. Seu antimeridiano
cruza uma parte da Rússia no estreito de Behring e uma das ilhas do arquipélago de Fiji, no
Oceano Pacífico (WIKIPEDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/
Meridiano_de_Greenwich>. Acesso em: 2006.
217
Navegação Aérea: Método de navegação que permite a operação de aeronaves em qualquer
trajetória de vôo desejada, dentro da cobertura de auxílio-rádio, ou dentro dos limites das
possibilidades dos equipamentos autônomos de navegação, ou de combinação de ambos.
Nível: Termo genérico referente à posição vertical de uma aeronave em vôo, que significa,
indistintamente, altura, altitude ou nível de vôo.
Nível de Cruzeiro: Nível que se mantém durante uma etapa considerável do vôo.
Nível de Transição: Nível de vôo mais baixo disponível para uso, acima da altitude de
transição.
Nível de Vôo: Superfície de pressão atmosférica constante, relacionada com determinada
referência de pressão, 1013.2 hectopascais, e que está separada de outras superfícies análogas
por determinados intervalos de pressão.
Operação Militar: Operação de aeronave em missão de guerra, de segurança interna ou em
manobra militar, realizada sob responsabilidade direta da autoridade militar competente.
Órgão de Controle de Tráfego Aéreo: Expressão genérica que se aplica, segundo o caso, a um
Centro de Controle de Área, Controle de Aproximação ou Torre de Controle de Aeródromo.
Órgão de Serviços de Tráfego Aéreo: Expressão genérica que se aplica, segundo o caso, a um
órgão de controle de tráfego aéreo ou a um órgão de informação de vôo.
Plano de Vôo: Também conhecido como flight strip ou somente, strip. São informações
específicas, relacionadas com o vôo planejado ou parte de um vôo de uma aeronave,
fornecidas aos órgãos que prestam serviços de tráfego aéreo.
Ponto de Notificação: Lugar geográfico especificado, em relação ao qual uma aeronave pode
notificar sua posição.
Proa: Direção segundo a qual é ou deve ser orientado o eixo longitudinal da aeronave.
Radar: Equipamento de rádio-detecção que fornece informações de distância, azimute e/ou
elevação de objetos.
Radial: Rumo magnético tomado a partir de um VOR.
Rota: Projeção sobre a superfície terrestre da trajetória de uma aeronave cuja direção, em
qualquer ponto, é expressa geralmente em graus a partir do Norte (verdadeiro ou magnético).
Render: A passagem (troca) entre operadores, no posto de trabalho.
Resetar (ressetar): Nova tentativa de encontrar a melhor freqüência para comunicações via
radiofonia. Do inglês Reset = engastar de novo; recompor, recolocar, novo engaste, nova
disposição, nova montagem.
Separação: Distância que separa aeronaves, níveis ou rotas.
Separação mínima: Distância mínima vertical, lateral, longitudinal, pela qual as aeronaves são
separadas por meio de aplicação de procedimentos de controle de tráfego aéreo.
218
Sistema Anticolisão de Bordo: É um sistema instalado a bordo das aeronaves, que não
depende de nenhum outro sistema de terra, cuja função primária é evitar colisão entre
aeronaves. Este sistema adverte o piloto sobre a existência de aeronaves nas proximidades que
possam constituir risco de colisão.
Strip: Refere-se à Ficha de Progressão de Vôo.
Táxi: Movimento autopropulsado de uma aeronave sobre a superfície de um aeródromo,
excluídos o pouso e a decolagem, mas, no caso de helicópteros, incluído o movimento sobre a
superfície de um aeródromo, a baixa altura e a baixa velocidade.
Transponder: Transmissor-receptor de radar secundário de bordo que, automaticamente,
recebe sinais rádio interrogados de solo e que, seletivamente, responde com um pulso ou
grupo de pulsos, somente àquelas interrogações realizadas no MODO e CÓDIGO para os
quais estiver ajustado.
Vetoração Radar: Provisão de orientação para navegação às aeronaves, em forma de rumos
específicos, baseada na observação de uma apresentação radar.
Vetor de Medida: Recurso do console que permite verificar a distância, a proa e o tempo de
vôo (estimado de vôo).
Fontes:
BRASIL. Ministério da Defesa. Portaria do CINDACTA II. Modelo Operacional do Centro de
Controle de Área de Curitiba, PR nº 7/CMDO, de 02 de março de 2005.
BRASIL. Ministério da Aeronáutica. Comando Geral de Apoio, Diretoria de Eletrônica e Proteção ao
Vôo. Regras do Ar e Serviços de Tráfego Aéreo. IMA 100-12, Brasília, Ministério da Aeronáutica,
1999. 42p.
BRASIL. Ministério da Aeronáutica. Comando Geral de Apoio, Diretoria de Eletrônica e Proteção ao
Vôo. Regras do Ar e Serviços de Tráfego Aéreo. IMA 100-12, Brasília, Ministério da Aeronáutica,
1987 (atualizado em agosto de 1994). 135p.
REBELLO, L. H. B. O controle de tráfego aéreo numa perspectiva contemporânea em
Engenharia de Produção. 1997. Tese (Doutorado em Ciências em Engenharia de Produção) –
Programa de Pós-graduação em Engenharia, UFRJ, Rio de Janeiro.
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