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SUELY TERESINHA SCHMIDT PASSOS DE AMORIM
ALIMENTAÇÃO INFANTIL E O MARKETING DA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS.
BRASIL, 1960-1988.
Tese apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em História, Setor de Ciências
Humanas, Letras e Artes, Universidade
Federal do Paraná, como requisito parcial à
obtenção do título de Doutor em História.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto
Antunes dos Santos.
CURITIBA
2005
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TERMO DE APROVAÇÃO
SUELY TERESINHA SCHMIDT PASSOS DE AMORIM
ALIMENTAÇÃO INFANTIL E O MARKETING DA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS.
BRASIL, 1960-1988.
Tese aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor no Curso
de Pós-Graduação em História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da
Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca examinadora:
Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Antunes dos Santos – UFPR.
Prof.
a
Dr.
a
Cláudia Choma Bettega Almeida – UNICENTRO
Prof.
a
Dr
a
Maria do Carmo Marcondes Brandão Rolim – FIC
Prof. Dr. Rômulo Sandrini Neto – UFPR
Prof.
a
Dr.
a
Judite Maria Barbosa Trindade – UFPR.
Curitiba, 14 de abril de 2005.
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Ao Alexandre e à Laura, presenças
constantes e eternas em meus
pensamentos; razão e inspiração desta
conquista.
Ao Eduardo, meu querido
companheiro de jornada.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Doutor Carlos Roberto Antunes dos Santos, porque me oportunizou a
concretizão de um sonho. Obrigada, pelo incentivo, estímulo e orientação, que
desde a primeira conversa, permearam todos os nossos encontros.
À Elenice, pela paciência em ouvir-me, pela força e apoio em todos os momentos.
Aos professores do Departamento de Nutrição da UFPR, especialmente às colegas
da área de Saúde Pública: Regina, Rúbia, Sheyla e Sílvia, pelas contribuições, pelo
apoio e amizade.
As acadêmicas do Curso de Nutrição que colaboraram na coleta de dados,
catalogando as revistas que continham peças publicitárias e reportagens sobre
alimentação infantil.
À Zeloi, pela amizade e oportunidade de troca.
À Suzana Silveira Pereira, pela excelente contribuição na revisão do texto.
A Marie-Claire Ribeiro Pola e Maria Lúcia Suplicy pelo empréstimo de suas coleções
de revistas, utilizadas no presente estudo.
Ao Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição da Região Sul, Ministério da
Saúde, pelo apoio financeiro.
Tudo tem seu tempo determinado e
tempo para todo propósito debaixo do céu:
Há tempo de nascer, e tempo de morrer;
tempo de plantar, e tempo de arrancar o que
se plantou;
Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de
prantear e tempo de saltar de alegria;
Tempo de amar e tempo de aborrecer;
tempo de guerra e tempo de paz.
Eclesiastes, cap. 3, vers.1,2,4,8.
SUMÁRIO
IMAGENS QUE FALAM ..........................................................................
viii
LISTA DE SIGLAS ...................................................................................
ix
LISTA DE TABELAS ...............................................................................
x
RESUMO ..................................................................................................
xi
ABSTRACT ..............................................................................................
xii
RESUMEN ................................................................................................
xiii
INTRODUÇÃO .........................................................................................
01
1. HÁBITOS E PRÁTICAS ALIMENTARES INFANTIS: CULTURA E
SOCIEDADE DE CONSUMO ..................................................................
20
1.1 O SABOR, O GOSTO E A PREFERÊNCIA NA FORMAÇÃO DOS
HÁBITOS E PRÁTICAS ALIMENTARES ....................................... 25
1.2 SOCIEDADE DE CONSUMO E AS MUDANÇAS NA
ALIMENTAÇÃO INFANTIL ..................................................................... 29
2. ALIMENTAÇÃO INFANTIL E O CONTEXTO HISTÓRICO ...............
43
2.1 A VALORIZAÇÃO DA CRIANÇA, A SAÚDE E A ALIMENTAÇÃO
INFANTIL .................................................................................................
45
2.1.1 Aleitamento Materno como uma Solução para a Mortalidade
Infantil ...................................................................................................... 56
2.2 O CONTEXTO BRASILEIRO NO PERÍODO 1960-1988 E A
ALIMENTAÇÃO INFANTIL .......................................................................
61
3. ALEITAMENTO MATERNO OU ARTIFICIAL: PRÁTICAS AO
SABOR DO CONTEXTO .........................................................................
78
3.1 ALEITAMENTO MATERNO OU ARTIFICIAL: O DISCURSO DE
SUAS PRÁTICAS ............................................................ ....................... 78
3.2 ALEITAMENTO MATERNO EXCLUSIVO: A SACRALIZAÇÃO DE
UMA PRÁTICA .........................................................................................
92
4. SAÚDE, FELICIDADE E LEITE: O DISCURSO PUBLICITÁRIO DE
ALIMENTOS INFANTIS .......................................................................... 104
4.1 LEITE PARA LACTENTES: O PAPEL DA NESTLÉ ......................... 105
4.2 ALIMENTAÇÃO DA CRIANÇA: A INDÚSTRIA NA COZINHA ...........
122
CONCLUSÃO ..........................................................................................
133
FONTES E REFERÊNCIAS.....................................................................
139
1. FONTES ...............................................................................................
139
1.1 FONTES DOCUMENTAIS ................................................................
139
1.1.1 Revista Semanal .............................................................................
139
1.1.2 Revistas Mensais ............................................................................
139
2. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................... 143
IMAGENS QUE FALAM
IMAGEM 1
LUCÉLIA SANTOS E MARIA ZILDA AMAMENTAM SEUS
BEBÊS.......................................................................................
99
IMAGEM 2
BIA SEIDEL ALIMENTA SEU BEBÊ..........................................
99
IMAGEM 3
QUANDO O BEBÊ NASCE, QUEM O ALIMENTA?..................
101
IMAGEM 4
UM BEBÊ ROBUSTO: O DISCURSO DA NESTLÉ...................
108
IMAGEM 5
40 ANOS DE PRODUTOS NESTLÉ NO BRASIL......................
109
IMAGEM 6
40 ANOS DE PIONEIRISMO E VITÓRIA NA LUTA POR MAIS
E MELHORES ALIMENTOS......................................................
110
IMAGEM 7
SEU BEBÊ É ÚNICO NO MUNDO............................................
113
IMAGEM 8
OLHE MAMÃE: NÓS DOIS ESTAMOS NOS NOVOS
RÓTULOS ................................................................................
114
IMAGEM 9
NA FALTA DE LEITE MATERNO, A NESTLÉ TEM O LEITE
CERTO.......................................................................................
115
IMAGEM 10
LEITE EM PÓ MOCOCA............................................................
116
IMAGEM 11
SAÚDE, FELICIDADE E LEITE NINHO.....................................
117
IMAGEM 12
A CADA PASSO, NINHO É SAÚDE E SEGURANÇA...............
118
IMAGEM 13
EXIJA LEITE NINHO E FIQUE EM PAZ COM SUA
CONSCIÊNCIA..........................................................................
119
IMAGEM 14
LEITE NINHO. PURO E NECESSÁRIO COMO O SEU AMOR
120
IMAGEM 15
BEBÊ CERCADO DE LATAS DE LEITE EM PÓ.......................
121
IMAGEM 16
CRIANÇA É NOSSA PRIMEIRA PREOCUPAÇÃO...................
124
IMAGEM 17
ALIMENTOS INFANTIS. JÚNIOR: PARA ACOMPANHAR O
CRESCIMENTO DE SEU FILHO .............................................
126
IMAGEM 18
NOS PRIMEIROS MESES DE VIDA, SEU BEBÊ SÓ QUER
VOCÊ JUNTINHO DELE...........................................................
127
IMAGEM 19
DEPOIMENTOS DE QUEM SE ALIMENTA COM GERBER....
128
IMAGEM 20
O MELHOR E MAIS FORTE MINGAU.....................................
132
LISTA DE SIGLAS
Aerp ASSESSORIA ESPECIAL DE RELAÇÕES PÚBLICAS
BCG BACILO CALMETTE-GUERIN
BNH BANCO NACIONAL DA HABITAÇÃO
CNAE CAMPANHA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR
CNBB CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
DIEESE
DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS
SÓCIO-ECONÔMICOS
DNCr DEPARTAMENTO NACIONAL DA CRIANÇA
ENDEF ESTUDO NACIONAL DE DESPESA FAMILIAR
FAO FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION
IBFAN INTERNATIONAL BABY FOOD ACTION NETWORK
IBGE INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA
IBM INTERNATIONAL BUSINESS MACHINE
INAN INSTITUTO NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO
LBA LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA
MOBRAL MOVIMENTO BRASILEIRO DE ALFABETIZAÇÃO
MS MINISTÉRIO DA SAÚDE
NOW NATIONAL ORGANIZATION FOR WOMEM
PIB PRODUTO INTERNO BRUTO
PNIAM
PROGRAMA NACIONAL DE INCENTIVO AO ALEITAMENTO
MATERNO
PNL PROGRAMA NACIONAL DO LEITE PARA CRIANÇAS CARENTES
PRONAN PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO
WHO WORLD HEALTH ORGANIZATION
OPS ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE
SUS SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
UNICEF UNITED NATION CHILDREN’S FUND
USAID UNITED STATES AGENCY FOR INTERNATIONAL DEVELOPMENT
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 -
ESTIMATIVA DE MORTALIDADE INFANTIL POR
GRANDES REGIÕES. EXTRAÍDA DE: MS/INAN.
ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO NO BRASIL. 1974-
1984, p 37.....................................................................
57
TABELA 2 - NÚMERO MÉDIO DE SEMANAS DE ALEITAMENTO
DE MÃES QUE TIVERAM FILHOS ( E
AMAMENTARAM) NO PERÍODO DE REFENCIA
DE 12 MESES. EXTRAÍDA DE: BRASIL.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. INSTITUTO DE
ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO, 1974-1984, p. 37. ......
59
TABELA 3 -
DURAÇÃO E INCREMENTO AO ALEITAMENTO
MATERNO NA GRANDE SÃO PAULO. EXTRAÍDA
DE: MS/INAN. INCENTIVO AO ALEITAMENTO
MATERNO: A EXPERIÊNCIA DE BRASÍLIA.
CONFERÊNCIA PROFERIDA POR MARCOS DE
CARVALHO CANDAU, NA REUNIÃO SOBRE
ALEITAMENTO MATERNO NA DÉCADA DE 90, EM
FLORENÇA, ITÁLIA, AGOSTO DE 1980. ...................
73
TABELA 4 -
DURAÇÃO E INCREMENTO AO ALEITAMENTO
MATERNO NA GRANDE RECIFE. EXTRAÍDA DE:
MS/INAN. INCENTIVO AO ALEITAMENTO
MATERNO: A EXPERIÊNCIA DE BRASÍLIA.
CONFERÊNCIA PROFERIDA POR MARCOS DE
CARVALHO CANDAU, NA REUNIÃO SOBRE
ALEITAMENTO MATERNO NA DÉCADA DE 90, EM
FLORENÇA, ITÁLIA, AGOSTO DE 1980. ...................
74
TABELA 5 -
COEFICIENTES DE MORTALIDADE INFANTIL (CMI)
EM 1980 E 1987, REDUÇÃO GLOBAL DA
MORTALIDADE E REDUÇÃO ATRIBUÍVEL AO
AUMENTO DA FREQÜÊNCIA DA AMAMENTAÇÃO.
GRANDE SÃO PAULO. EXTRAÍDA DE: MS/INAN.
INCENTIVO AO ALEITAMENTO MATERNO: A
EXPERIÊNCIA DE BRASÍLIA. CONFERÊNCIA
PROFERIDA POR MARCOS DE CARVALHO
CANDAU, NA REUNIÃO SOBRE ALEITAMENTO
MATERNO NA DÉCADA DE 90, EM FLORENÇA,
ITÁLIA, AGOSTO DE 1980...........................................
75
RESUMO
O objeto deste estudo é a investigão das práticas e hábitos alimentares infantis no
período de 1960-1988, no Brasil, por meio da análise da publicidade comercial e
reportagens veiculadas em revistas femininas de grande circulação no país. Trata-se
de um estudo interdisciplinar, centrado na área de História, mais especialmente na
História da Alimentação. O estudo partiu da premissa de que o marketing da
indústria de alimentos promoveu a disseminação do aleitamento artificial, com leite
em , em detrimento do aleitamento materno, ao mesmo tempo em que propiciou
o surgimento de outros produtos complementares que fortaleceram o desmame
precoce. A metodologia empregada versou sobre a análise do discurso,
representado nesta pesquisa pelos textos das reportagens sobre aleitamento e as
mensagens e imagens publicitárias de alimentos para crianças. Apresenta
inicialmente questões relacionadas com os hábitos e práticas alimentares infantis
incluindo-se, aí, os aspectos históricos, culturais, sociais, econômicos, políticos,
biológicos e emocionais. Na seência, a ênfase recai sobre a alimentação infantil
no contexto histórico brasileiro, a criação de programas de assistência à infância, os
altos índices de mortalidade infantil e o aleitamento materno como uma das solões
para a diminuição desses índices. Em seguida, demonstra como as práticas do
aleitamento - materno ou artificial -, estiveram ao sabor do contexto, isto é, a
valorização ora de uma ora de outra estava relacionada com o momento histórico e
cultural por que passava a sociedade. Por último, o estudo evidencia como o
avanço da indústria do leite em pó e de outros alimentos complementares foram
paulatinamente substituindo a prática do aleitamento materno.
Palavras-chave: alimentação infantil – marketing – discurso médico
ABSTRACT
The present work aims at investigating infants’ eating habits and practices from 1960
to 1988, in Brazil, through an analysis that focuses on commercial advertisements
and articles published in wide circulation women magazines in Brazil. It consists of an
interdisciplinary study, in the area of History, more specifically in Food History. This
study assumes the premise that the food industry marketing fostered the
dissemination of artificial suckling, using dried milk, depriving infants from breast
feeding, and, at the same time, allowing for the emergence of other supplementary
products that favored early weaning. The methodology adopted centered on the
discourse analysis of texts contained in articles about suckling and in advertising
messages and pictures of children’s food. First, it presents issues related to
children’s eating habits and practices including their historical, cultural,
socioeconomic, political, biological and emotional aspects. Second, it focuses on
children’s food intake in the Brazilian historical context, the development of infant
welfare programs, the high death rate among infants, and breast-feeding as one of
the ways of lowering those rates. Third, it demonstrates how the suckling practices –
breast or artificial – were at the mercy of the contextual flow, that is, the highlight of
one or the other was related to the historical and cultural moment in which society at
large was living. Finally, the study evidences how the development of the dried milk
and food supplement industry gradually substituted the breast-feeding practice.
Keywords: infant feeding – marketing – medical discourse
RESUMEN
Es uma investigación de prácticas y costumbres alimentarios infantiles em 1960-
1988, con alisis de publicaciones, publicidades y reportes em revistas femeninas
s leídas y conocidas en Brazil. Un estúdio indisciplinario, centrado en História,
s a menudo en História de la Alimentación. Según la hipótisis lãs estratégias de
marketing de empresas alimentarias ofrece mensajes de nueva práctica de
alimentación para niños, el incremento del consumo de leche en polvo y otros
produtos, lleva un cambio radical: se produce el destete temprano. La metodologia
fue un analisis del discurso contenido en del ato de amamantar, los mensajes,
imagines contenidos en publicidad de los alimentos para niños. Presenta las
relaciones con hábitos e prácticas alimentarias infantiles, incluyendose los aspectos
históricos, culturales, sociales, biológicos y emocionales. Seguiendo la alimentación
infantil en la história brasileña, los progarmas asisteciales para la niñez, los índices
de mortalidad muy altos, para disminuirlos uma solución es lãs madres volvierem
amamantar. La amamantación – con leche en polvo o materno sufrió varaciones
que tuvieran relaciones con el momento histórico y cultural que ha vivido la
sociedad. El estudio ha demonstrado que el incremento de lãs industrias de leche en
polvo y alimentos complementarios han, depacio, cambiado la práctica de
amamantar materno.
Palabras claves: alimentación infantil – marketing – discurso medico
INTRODUÇÃO
Este estudo teve como objeto de investigação as práticas e hábitos
alimentares infantis no período de 1960-1988, no Brasil, por meio da análise da
publicidade comercial e reportagens veiculadas em revistas femininas de grande
circulação no país.
O estudo dos hábitos e práticas alimentares infantis insere-se no campo da
História de Alimentação, um tema que tem despertado crescente interesse entre os
historiadores. A partir de novos paradigmas históricos, construiu-se outra história da
alimentação, bastante diferente daquela “pequena história do pitoresco e do trágico”,
da década de 60, quando, então, historiadores desenvolveram pesquisas
quantitativas sobre nutrição e que foram recebidas com muitas reservas por causa
da imprecisão da metodologia utilizada. A nova história da alimentação, construída
com a integração de diversos pontos de vista e competências, foi “capaz de abarcar
todos os aspectos da ação e do pensamento humanos” e, portanto, não pode ser
considerada “pequena”, “diferente, “alternativa” em relação à história tradicional
. Os
hábitos e práticas alimentares pertencem às estruturas do cotidiano, hoje
“surpreendidas” pela história. Conclui-se, daí, que a História da Alimentação se
inscreve no universo da micro e da macro história.
Estudiosos de várias áreas do conhecimento têm dedicado-se a investigações
sobre a alimentação ou a nutrição das crianças. Essas pesquisas, de um modo
geral, têm seu foco centrado nas questões biológicas, nutricionais, psicológicas e
antropológicas, mas em relação à história, a alimentação infantil, ainda, é um tema
pouco explorado, especialmente no Brasil. Assim, o presente trabalho está centrado
na área da História, mais especialmente na História da Alimentação, para verificar e
analisar os processos históricos que envolvem a questão da alimentação infantil.
Como a história da alimentação, também os hábitos e práticas alimentares
infantis podem ser investigados sob o olhar de diferentes áreas do conhecimento,
permitindo uma abordagem interdisciplinar. Dessa maneira, encontramos, no modelo
1
FLANDRIN, J. C; MONTANARI, M.
História da alimentação.
o Paulo: Estação
Liberdade, 1998 p. 16 e 22.
2
da interdisciplinaridade, a possibilidade mais adequada para a exploração deste
objeto de estudo.
Assim como a história da alimentação não pode mais se limitar a pesquisas
quantitativas sobre nutrição da população, num determinado espaço temporal e
geográfico, também o é mais possível conceber que a pesquisa sobre práticas e
hábitos alimentares se atenha apenas à descrição e análise nutricional dos
alimentos consumidos habitualmente. Daí a importância de estudos
interdisciplinares.
Diversos autores apontam que a alimentação, para os historiadores desse
tema, é vista como “estratégica no sistema de vida e de valores das diversas
sociedades”
2
(...), o que confirma a necessidade da integração com outras
disciplinas. SANTOS é um desses autores que defende a conjunção de
conhecimentos e relata sua experiência com estudos interdisciplinares, ao declarar:
os projetos que temos desenvolvido no campo da História da Alimentação apontam na
direção dos estudos e pesquisas multidisciplinares, com a integração sendo o único modo de
enfrentar o problema de maneira positiva e construtiva, o isolando-o, mas sim enquadrando
num contexto mais amplo possível, combinando vários tipos de variáveis históricas e
dialogando constantemente com outras disciplinas.
3
Para ele, a integração dos estudos e pesquisas de diversas áreas do
conhecimento permite abordar a questão da alimentação de uma forma ampla, sem
“contrapor temas históricos diversos, mas sim em confrontar modos diversos de
fazer História com outras Ciências Sociais, com a Arte e a Literatura, sem que a
História perca sua identidade, mas que possa captar a riqueza trazida pelas
referências conceituais mais diversificadas”
4
. Por isso, para SANTOS, o diálogo da
História com outras disciplinas, como a sociologia, a antropologia, a psicologia, a
geografia, a economia, a nutrição e a dietética, é fundamental quando se trata do
tema alimentação.
A necessidade de um estudo interdisciplinar para a alimentação, é também
defendida por FISCHLER, pois afirma que a condição humana de omnívoro é própria
2
FLANDRIN & MONTANARI, op cit., p. 22
3
SANTOS, C. R. A. dos. Por uma história da alimentação.
História: Questões & Debates
.
Curitiba,
Ano 14, n
0
26/27, 1997, p. 155.
4
SANTOS, op. cit., p. 156.
3
do nosso ser biológico, do nosso metabolismo, mas tamm de nossa mente. Para
estudar esse omnívoro (eterno e moderno), propõe “incursões na história e na
antropologia, na sociologia e na psicologia, na economia e na nutrição”
5
, entre
outras.
Ao definir uma antropologia alimentar para os franceses, GARINE argumenta
que, se a alimentação é considerada como um “fato social total”, merece uma
abordagem ampla envolvendo a participação de especialistas das ciências
humanas, como historiadores, sociólogos, economistas, lingüistas e psicólogos, e
das ciências biológicas, como médicos e nutricionistas
6
.
Ao analisar o que tem sido o objeto central das ciências biológicas e das
ciências humanas nos estudos dessas áreas sobre a alimentação, FISCHLER
sintetiza o que temos percebido no decorrer de nossa vivência com profissionais de
saúde. Diz que, enquanto para as primeiras, mais especificamente para a medicina
e nutrição, a alimentação consiste tão – somente na ingestão de nutrientes pelo
homem, para as ciências humanas, a alimentação possui uma dimensão imaginária,
simlica e social, entendendo que o homem pensa e sente sua comida de outra
maneira - além de nutrientes, ele se nutre tamm do imaginário. Para esse autor,
contudo, as ciências humanas têm deixado de analisar que a sociedade é composta
por indivíduos que possuem um organismo sujeito a coerções biológicas
7
.
Segundo FISCHLER, as ciências exatas, como a fisiologia, a psicologia
experimental, a antropologia biológica e a nutrição, têm empregado métodos e
conceitos muitas vezes “rigorosos”, “redutorese até “mutiladores” em suas alises.
Continua, afirmando que, com muita freência, essas disciplinas vêem apenas
comportamento alimentar onde o que de fato existe são práticas sociais; as crenças
e representações são tratadas como superstições e ignorância
8
.
Em nossa prática profissional, temos nos deparado com situações como a
descrita acima. Por exemplo, a crença popular de que a mulher grávida apresenta
desejos” alimentares, os quais quando não atendidos ocasionam prejuízos ao feto,
podendo nascer uma criança fraca, com algum sinal na pele ou até mesmo com
5
FISCHLER, C.
El (h)onmívoro. El gusto, la cocina y el cuerpo.
Barcelona: Anagrama,
1995, p. 14
6
GARINE, I. Unie anthropologie alimentaire des Français?
Ethnol
.
Fr., n. 10, p. 227-238,
1980.
7
FISCHLER, C., op cit.
4
algum defeito físico, é entendida por muitos profissionais de nutrição como
ignorância ou superstição. Essa visão fragmentada de estudiosos da área da saúde,
na tentativa de buscar uma causa lógica para determinados fenômenos ou de
identificar essa causa como limitação do indivíduo, é uma justificativa, em nosso
ponto de vista, para explicações que ultrapassam sua compreensão.
Estudar as práticas e hábitos alimentares infantis, numa perspectiva histórica,
foi um desafio que nos proporcionou a ampliação e a integração de saberes e
também a compreeno de que a alimentação não pode ser vista de modo isolado.
Nosso interesse pelo tema não é recente e está relacionado tanto com a
nossa formação em História e Nutrição, quanto com a nossa vivência acadêmica no
Curso de Nutrição da Universidade Federal do Paraná. Como nutricionista e
professora de um curso da área de sde, temos percebido a dificuldade que os
profissionais e acadêmicos dessa área têm em compreender algumas questões
importantes: que as práticas e hábitos alimentares não podem limitar-se a estudos
biológicos; que a mudança de comportamento alimentar não está restrita à vontade
ou ao interesse do profissional, do indivíduo ou da população atendida; e que, na
busca da saciedade, o homem escolhe entre diferentes opções, alimentos de sua
preferência, de aparência, cor e sabor apreciados e, nessa escolha, fatores de
ordem social, cultural, econômica e emocional estão envolvidos, alguns dos quais,
definidos nos primeiros anos de vida.
As mudanças que têm ocorrido nos hábitos alimentares infantis, até mesmo o
surgimento de novos hábitos, e também a mudança de atitude em relação ao
aleitamento materno, nas últimas décadas, estimulou-nos a investigar os fatores que
determinaram essas transformações, no período 1960-1988, no Brasil.
Em 1981, tivemos oportunidade – como nutricionista do Departamento de
Saúde Materno Infantil da Secretaria de Estado da Sde e do Bem-Estar Social do
Paraná - de acompanhar o lançamento, pelo Ministério da Saúde, em Curitiba, do
Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAM). A campanha de
divulgação do programa foi muito intensa e realizada por toda a mídia, o que nos fez
refletir sobre os enunciados dos discursos oficiais e o modo como eram transmitidos
para a população em geral e, particularmente, para as mulheres. A partir desse
momento, os discursos passaram a ser enfáticos na defesa do aleitamento materno,
8
FISCHLER, op cit., p. 15
5
incentivando e quase pressionando as mulheres a amamentarem seus filhos. As
vantagens dessa prática, tanto para a criança como para a mãe, foram detalhadas e
divulgadas com muita ênfase. Até então, o aleitamento artificial era considerado um
substituto para o leite materno.
Tivemos oportunidade de constatar os resultados da campanha em prol da
amamentação, em nossa dissertação de Mestrado
9
, concluída em 1998, quando
estudamos a formação de profissionais de saúde (pediatras e nutricionistas) em
relação ao aleitamento materno de crianças com Síndrome de Down. Nesse estudo,
verificamos que, embora durante sua formação acadêmica, muitos desses
profissionais o tivessem conteúdo específico sobre amamentação, depois do
lançamento do PNIAM tiveram oportunidade de capacitarem-se, mostrando-se
sensibilizados para a orientação dessa prática. Mesmo em situações em que
poderiam ocorrer dificuldades para a amamentação, tanto relacionadas com a
criança como com a mãe – como no caso de crianças com Síndrome de Down -, a
maioria dos pediatras e nutricionistas tinha uma posição determinada: a mãe deveria
empenhar-se ao máximo para amamentar e tentar superar todos os obstáculos.
10
Situação muito diferente de épocas anteriores, ou seja, da década de 40 até o
início da de 80, quando o aleitamento artificial se desenvolveu de modo crescente, e
amamentar não fazia parte do cotidiano da maioria das mães de crianças
pequenas. Até mesmo aquelas que tinham intenção de aleitar seu filho, diante de
qualquer dificuldade, acabavam optando pela mamadeira.
Diante de tamanha mudança e considerando todas as vantagens do
aleitamento materno, divulgadas pela campanha e incorporadas pelos profissionais
de saúde – pelo menos pelos mais conscientes -, deparamo-nos com as seguintes
questões: Por que e em que momento, o aleitamento artificial passou a substituir a
amamentação? Que fatores contribuíram para que essa prática fosse adotada pela
maioria das mulheres?
11
Qual o papel do profissional de saúde, especialmente do
9
AMORIM, S. T S. P. de.
A Ptica pedagógica na formação dos profissionais de saúde
:
a dimensão humana. Curitiba, 1998. Dissertação (Mestrado em Educação). Pontifícia Universidade
Católica do Paraná.
10
AMORIM, S.T.S.P. ; MOREIRA, H. ; CARRARO, T. E. Amamentação em crianças com
ndrome de Down: a percepção das mães sobre a atuação dos profissionais de saúde.
Revista de
Nutrição.
Campinas: PUCCAMP, v. 12, n. 1, p. 91-101, 1999.
11
No final da década de 70, 54% dos lactentes na cidade de São Paulo e 80% em Recife
eram desmamados no primeiro mês de vida, segundo SOUZA, L.M. B.M; ALMEIDA, J. A G.
História
6
pediatra, na disseminação do aleitamento artificial?
Para buscar essas respostas, tínhamos consciência de que precisávamos
retroceder no tempo e investigar o período em que a indústria de leite em pó se
desenvolveu a pleno vapor, tanto na produção de leites, tentando assemelhá-los ao
leite materno – denominando-os de “leites maternizados” -, como na formulação de
produtos que complementassem o aleitamento. Que estratégias foram utilizadas
pela indústria que determinaram a “cultura do aleitamento artificialou, no mínimo,
contribuíram para o seu surgimento e, com ela, esta indústria pudesse abrir espaço
para a introdução de produtos, até então, desconhecidos da população?
As transformações por que passou a sociedade brasileira, levando a
mudanças nos hábitos e práticas alimentares infantis, estão relacionadas com o
avanço científico e tecnológico e com o desenvolvimento do consumo que se
expandiu à medida que o processo industrial avançou e passou a contar com um
amplo apoio de marketing.
Nesse sentido, este estudo partiu da premissa de que o marketing da
indústria de alimentos promoveu a disseminação do aleitamento artificial, com leite
em , em detrimento do aleitamento materno, ao mesmo tempo em que propiciou
o surgimento de outros produtos complementares que fortaleceram o desmame
precoce.
A baliza inicial do espo temporal – 1960 - está vinculada com o final do
governo Juscelino Kubitschek, em que a economia, liderada pelo setor industrial,
cresceu em termos relativos e absolutos. Entre os diversos setores industriais
expandidos e modernizados, como os de energia, transportes e indústria de base,
inclui-se também o setor de alimentação.
Com a consolidação do desenvolvimento industrial, a indústria de alimentos,
particularmente a indústria de leite em pó destinado à alimentação de lactentes,
caracterizou-se por uma grande expansão, favorecida pela entrada do marketing
como ferramenta de promoção e venda de seus produtos. Estratégias de marketing
foram utilizadas tanto para promover esses produtos entre o público, em geral, como
para sensibilizar e convencer os profissionais da área da saúde de que poderiam
indicar e prescrever alimentos industrializados para as crianças desde o nascimento
da alimentação do lactente no Brasil: d
o leite fraco à biologia da excepcionalidade. Rio de Janeiro:
Revinter, 2005.
7
destas, com absoluta segurança. A partir desse período – de 1960 até o início da
década de 80 -, dá-se a expansão do aleitamento artificial em substituição ao
aleitamento materno, graças a vários determinantes e, entre eles, o poder
econômico da indústria de leite em pó.
Essas estratégias intensificaram-se até o final da década de 70, quando,
então, organismos internacionais, como a Organização Mundial da Sde – OMS e
o Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF, realizaram, em Genebra,
uma Reunião Conjunta sobre a Alimentação de Lactentes e Crianças na Primeira
Infância, expressando a necessidade de que os governos nacionais e a sociedade,
em geral, tomassem medidas urgentes no sentido de promover a saúde e a nutrição
infantil, tendo como recomendação principal o apoio e o incentivo ao aleitamento
materno. Em 1981, esses mesmos organismos criaram o Código Internacional do
Marketing de Substitutos do Leite Materno, que o Brasil traduziu em normas, em
1988. Também, em 1981, o Ministério da Saúde implantou o Programa Nacional de
Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAM), com várias estratégias de ação na área
da educação, sde, controle estatal da propaganda de alimentos infantis e respeito
a leis de proteção à nutriz, entre outras.
Estabelecemos o ano de 1988 como baliza final de nosso período de estudo,
porque, nesse ano, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde e homologada
através de portaria ministerial a Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos
para Lactentes, documento que restringiu a ação do marketing da indústria de leite
em . Consideramos, ainda, que as principais medidas estabelecidas pelo PNIAM
já tinham sido implantadas até esse ano, o que permitiu a análise de suas
repercussões nos discursos sobre aleitamento materno e modificações na
publicidade de alimentos infantis.
De acordo com os pressupostos metodológicos e para melhor delimitação
do tema, estabelecemos a faixa etária de zero a dois anos e a definição do que
consideramos alimentos infantis. A faixa etária limitada aos dois primeiros anos de
vida foi estabelecida tendo em vista os seguintes aspectos: 1) que a formação dos
hábitos alimentares tem início nesse período de vida, quando a criança é colocada
em contato com os mais diferentes sabores e texturas que caracterizam a
alimentação de sua família ou do grupo do qual faz parte; 2) que a valorização e a
adoção do aleitamento materno, uma prática milenar, e que se inicia logo depois do
8
nascimento, passaram por mudanças no período em estudo, especialmente pelo
avanço da ciência, da tecnologia e da indústria de leite em pó e de outros produtos
infantis que estimularam o aleitamento artificial ou o desmame precoce; 3) que é
grande a quantidade de orientações dirigidas às mães sobre a alimentação de seus
filhos nos primeiros anos de vida; 4) que é grande a oferta de novos produtos,
específicos para essa faixa etária, lançados e divulgados pelas indústrias de
alimentos, por meio de intensas campanhas de marketing, o que leva à substituição
de alguns hábitos e práticas alimentares ou à incorporação de novos; 5) que a maior
participação da mulher no mercado de trabalho e o desenvolvimento da chamada
“tecnologia do lar” modificaram seu cotidiano, levando à adoção de novos hábitos e
práticas alimentares, ainda nos primeiros meses de vida de seus filhos.
Por alimentos infantis entendemos : 1) aqueles específicos para crianças
nos primeiros meses de vida, como o leite materno ou leite em pó como substituto
ou complemento daquele; 2) preparações ou produtos próprios para essa faixa
etária, tendo em vista, o sabor, a textura e a digestibilidade, como as “papinhas” de
frutas e vegetais, cereais, mingaus, bebidas lácteas, entre outros.
Embora diferentes tipos de leite tenham sido utilizados no aleitamento
artificial, como leite fluído de vaca ou cabra ou mesmo outros produtos menos
comuns, como extrato de soja, apenas o leite em pó modificado ou integral fez parte
de nosso estudo como substituto do leite materno. A razão dessa limitação es
relacionada com o foco de nosso estudo, que foi centrado em produtos
industrializados, especialmente na indústria de leite em pó, a qual procuramos
destacar como a principal responsável pela disseminação do aleitamento artificial.
As fontes básicas utilizadas neste estudo foram as impressas e
provenientes de revistas femininas de grande circulação no período, como Cláudia,
Pais e Filhos e O Cruzeiro. Algumas publicações de pediatria dirigidas às mães,
publicações e documentos oficiais acerca da alimentação infantil ou de avaliações
dos programas existentes e, ainda, o próprio site da principal empresa produtora de
alimentos infantis foram utilizados como fontes complementares.
A revista Cláudia foi lançada em outubro de 1961, pela Editora Abril, com o
objetivo de atender à demanda da mulher da classe média urbana em sua busca de
identidade. Sua proposta, por ocasião de seu lançamento, era ser uma espécie de
“amigada leitora, por isso o nome “Cláudia”. Na primeira página do primeiro
9
número, a mensagem de boas-vindas: “Cláudia foi criada para servi-la. Foi criada
para ajudá-la a enfrentar realisticamente os problemas de todos os dias.” Através de
um novo estilo de editar moda, beleza, culinária e decoração, estimulou o consumo
emergente e foi estimulada por ele. Esta, assim como outras revistas femininas da
época, apresentam várias faces da mulher: ao mesmo tempo em que mostra a
mulher rompendo com os papéis tradicionais, também, reproduz o modelo
dominante. Na década de 60, a tiragem mensal da revista girou em torno 170 a 220
mil exemplares; no final da década de 70, a revista reproduzia aproximadamente
400 mil exemplares. Em sua publicação de aniversário de 40 anos
12
, a revista
apresenta um suplemento com o resumo dos principais temas editados em cada
número. Por abordar questões que são objeto deste estudo, a revista constituiu-se
numa importante fonte de dados: são questões relacionadas com a alimentação das
crianças e os fatores que contribuíram para a mudança ou permanência de suas
práticas e hábitos alimentares, como a participação da mulher no mercado de
trabalho e as discussões sobre temas relacionados ao cotidiano feminino.
A revista Pais e Filhos foi lançada em setembro de 1968, com o objetivo de
orientar as famílias sobre temas relacionados aos filhos, como: saúde, educação,
alimentação e, ainda, discutir questões sobre o relacionamento do casal, como o
casamento, fidelidade, separação e divórcio. Além de trazer propagandas sobre
alimentos infantis, apresenta reportagens e seções específicas sobre a alimentão
das crianças, como “Alimentos que as crianças adoram”, em que, a cada número,
aborda um determinado alimento. Outras seções interessantes são as seguintes:
“Seu filho de A a Z”, em que apresenta, por ordem alfabética, temas ou produtos
relacionados com a criança e, nessa linha, são discutidos muitos alimentos e
práticas alimentares infantis; “O Menu do Bebêe “Consultório Alimentar”, onde
mães escrevem sobre as dúvidas quanto à alimentação de seus filhos, dúvidas estas
esclarecidas por um especialista no tema, como pediatra ou nutricionista. No início
da década de 80, a revista produzia cerca de 158.000 exemplares mensais.
Tanto na revista Cláudia como na Pais e Filhos analisamos os seguintes
ítens: 1) as propagandas de alimentos, tendo em vista a identificação de alimentos
tradicionais, o lançamento de novos produtos e de produtos modificados; 2)
12
CLÁUDIA.
40 anos de nossa história
: sua e de Cláudia. São Paulo: Abril, n. 481, out.
2001. Suplemento.
10
reportagens sobre o aleitamento, identificando-se a forma como o tema é
apresentado, ou seja, a ênfase e o estímulo dados ao aleitamento materno ou ao
aleitamento artificial.
Em relação às propagandas, analisamos aquelas dirigidas aos adultos,
especialmente às mães, com apelos orientados para a saúde, nutrição, crescimento
e desenvolvimento de seus filhos.
Para complementar as informações transmitidas para o grande público, tanto
no que se refere a reportagens como a peças publicitárias sobre o tema em estudo,
utilizamos também a revista O Cruzeiro, especialmente os periódicos publicados no
final da década de 50 e início da de 60.
A revista O Cruzeiro foi lançada em 1928, tendo grande popularidade nas
décadas de 40 e 50. Nessa época, a tiragem de O Cruzeiro já chegava a 200 mil
exemplares, liderando o mercado de magazines entre todas as faixas etárias e de
renda, embora fosse maior a porcentagem entre os segmentos com maior poder
aquisitivo e mais instruído . O público feminino é buscado pela revista, para o qual
são dedicadas numerosas páginas e seções, como: “Dona”, “Carta de Mulher”,
Cinelândia”, “Consultório Médico”, “Para a Mulher”, apresentando artigos variados,
reportagens e notícias sobre temas da atualidade, como moda, culinária, novelas e
curiosidades.
Para o levantamento das reportagens e peças publicitárias de alimentos
infantis, pesquisamos todos os números das revistas Cláudia e Pais e Filhos, desde
os primeiros números publicados até o mês de dezembro de 1988, perfazendo cerca
de 650 exemplares. Em O Cruzeiro, no período de janeiro de 1955 a dezembro de
1970, foram investigados cerca de 780 exemplares. Assim, 1430 exemplares
dessas três revistas foram pesquisados, em sua maior parte, na Biblioteca Pública
Municipal de Curitiba e em coleções particulares.
Nessas revistas, selecionamos as reportagens sobre alimentação infantil nos
primeiros dois anos de vida, especialmente aquelas que tratavam do aleitamento
materno ou artificial. As reportagens, de um modo geral, foram facilmente
identificadas no sumário. Ao encontrar uma reportagem que julgávamos de interesse
para o estudo, fazíamos sua leitura, catalogávamos a revista, identificando-a pelo
nome, número, mês, ano de publicação, título e páginas do texto. Quando esse
trabalho era feito na Biblioteca Pública, havia necessidade de fotocopiar o material,
11
o que era dispensado quando contávamos com o exemplar conseguido de coleções
particulares. Em qualquer uma das situações, resumíamos o conteúdo das
reportagens, destacando os elementos mais importantes para nossa pesquisa, ou
seja: autor e consultor do tema, que tipo de aleitamento orientava e seus principais
argumentos. Ficávamos atentas também para o anúncio de nomes e marcas de
produtos quando o enunciado se mostrava favorável ao aleitamento artificial. Depois
da leitura de cada uma das reportagens, estas eram separadas em três grupos:
aquelas francamente favoráveis ao aleitamento materno, aquelas favoráveis ao
aleitamento artificial e aquelas que descreviam ambas as práticas, com suas
vantagens e limitações e transferiam a decio para a mãe.
A procura de peças publicitárias de alimentos infantis foi mais trabalhosa, pois
teve que ser realizada página a página, uma vez que os exemplares não trazem um
índice desses anúncios. Inicialmente, catalogamos todas as peças publicitárias de
alimentos que tinham como principal alvo a criança. Assim, foram catalogados
anúncios de leite em pó de todos os tipos e marcas, leite condensado, creme de
leite, achocolatados, bebidas lácteas, pudins, sopas ou papas (“potinhos”), compotas
de frutas, cereais e espessantes, como amido de milho, de arroz ou de mandioca.
De cada pa publicitária, eram descritos o título, a principal mensagem, a imagem,
o número da página e todos os demais dados da revista em que foi publicada.
Todo esse material foi digitado e arquivado em pastas classificadas de
acordo com o tipo de alimento (leite, cereais, achocolatados, sobremesas) e de
acordo com o período de publicação (décadas de 60, 70, 80), sendo
posteriormente, selecionado para a análise. O critério de selão utilizado levou em
consideração as peças publicitárias diretamente relacionadas com a substituição do
leite materno (leite em pó modificado ou integral) e produtos que complementavam
o aleitamento, fosse materno ou artificial (potinhos e cereais). Embora tenhamos
catalogado as peças publicitárias dos demais alimentos mencionados acima
(biscoitos, achocolatados, iogurtes e sobremesas), consideramos que sua inclusão
não enriqueceria a alise, uma vez que os apelos giravam em torno dos mesmos
temas e valores, o que poderia levar a um discurso repetitivo.
As imagens foram obtidas por meio de digitalização diretamente da revista ou,
quando o exemplar pertencia à Biblioteca Pública Municipal, por meio da fotocópia
do anúncio.
12
Ao adotar a abordagem interdisciplinar em nosso estudo, tivemos a clareza
de que o suporte teórico não poderia ser buscado em um ou dois autores, mas
naqueles que se relacionam com o tema, independentemente de sua área de
conhecimento.
Assim, ao efetuar a análise das reportagens sobre aleitamento e
alimentação infantil, BADINTER, COSTA E FOUCAULT auxiliaram-nos nessa tarefa.
A identificação com BADINTER
13
foi imediata, especialmente por esta questionar o
amor materno como um sentimento presente em todas as mulheres e a
amamentação como uma manifestação “natural” desse amor. Sua tese de que o
amor materno não é inato, que sua existência não está presente em todas as
épocas e lugares, que está condicionada às variões sócio-econômicas da história,
às situações de vida das mulheres, forneceu substrato para a análise dos discursos
sobre o aleitamento materno em nosso estudo.
Tanto o aleitamento materno como o mercenário são abordados por
BADINTER, que mostra a influência deste último, nos altos índices de mortalidade
infantil, na Europa do século XVIII.
Os escritos de FOUCAULT
14
foram de grande importância, tanto para o
estabelecimento de uma metodologia - alise do discurso – em nosso estudo,
como para o entendimento e identificação do saber institucionalizado, presente nas
reportagens sobre aleitamento materno e alimentação infantil, publicadas sob a
autoria ou com a assessoria de profissionais de saúde.
Em COSTA
15
, entre outros autores
16
, buscamos suporte para a análise
desses discursos no contexto brasileiro, especialmente para o entendimento do
papel da medicina e o monopólio do saber na figura do médico, durante o
movimento higienista, com repercussões até os dias atuais. A responsabilidade da
família, especialmente da mulher, na educação e saúde dos filhos, estabelecida pela
higiene, foi percebida nas reportagens analisadas neste estudo, bem como a
culpabilização da mãe quando não conseguia ou não obtinha êxito na execução
13
BADINTER, E
. Um amor conquistado:
o mito do amor materno
.
5. ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1985.
14
FOUCAULT, M.
Arqueologia do saber.
Petrópolis:Vozes, 1972;
Microfísica do poder.
8.
ed. Rio de Janeiro: Graal, 1989.;
A Ordem do Discurso. .
6. ed. São Paulo: Loyola, 2000.
15
COSTA, J. F.
Ordem médica e norma familiar.
Rio de Janeiro; Graal, 1979.
13
dessas tarefas. São as heranças do movimento higienista que COSTA nos auxiliou a
identificar nos discursos analisados sobre aleitamento materno e alimentação
infantil.
Na análise de discursos publicitários sobre alimentos infantis, utilizamos
também a tese de FICO
17
, de que a propaganda do regime militar divulgou valores,
sentimentos e características que os militares gostariam de ver expressados ou
incutidos no povo brasileiro. Esses elementos, como demonstramos, também,
fizeram parte da publicidade comercial.
Para compreensão do fenômeno do consumo, característico das sociedades
desenvolvidas e que conheceu um desenvolvimento acelerado no Brasil, a partir da
década de 60
18
, buscamos apoio em FEATHERSTONE
19
e BAUDRILLARD
20
. O
primeiro auxiliou-nos na compreensão da cultura do consumo e suas relações com
a produção capitalista de mercadorias, como elemento de distinção social e do
imaginário popular consumista.
Em BAUDRILLARD, chamou-nos a atenção o que ele denomina de “a
lógica social do consumo”, a qual se assenta na “ideologia igualitária do bem-estar”,
isto é, numa sociedade em que os valores e sentimentos são mensuráveis pela
aquisição de objetos e signos do conforto. Mostrou-nos como o discurso sobre as
necessidades se apóia numa inclinação para a felicidade, o que encontramos na
maior parte das peças publicitárias analisadas.
Como já mencionamos, o método utilizado no presente estudo foi a análise
do discurso, entendendo que esse discurso se refere ao documento histórico,
representado em nossa pesquisa pelos textos das reportagens sobre alimentação
infantil, em especial, sobre aleitamento materno, e pelas mensagens e imagens
publicitárias de alimentos para crianças, publicadas em revistas femininas, de
16
Entre esses autores, destacamos: ALMEIDA, J. A G.
Amamentação:
um híbrido, natureza-
cultura
.
Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999; MARQUES, M. B.
Discursos médicos sobre seres frágeis
.
Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000
17
FICO, C.
Reinventando o otimismo
: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil.
Rio de Janeiro: FGVRJ, 1997.
18
No governo de Juscelino, ocorre a ‘segunda revolução industrial’ no Brasil e, na década de
60, a economia se insere no processo de internacionalização do capital, o que leva ao crescimento do
parque industrial e do mercado interno de bens materiais e culturais (ORTIZ,R.
Moderna Tradição
Brasileira,
5.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994).
19
FEATHERSTONE, M.
Cultura de consumo e pós-modernismo.
São Paulo: Studio Nobel,
1995.
20
BAUDRILLARD, J.
O sistema dos objetos.
o Paulo: Perspectiva, 1973;
A Sociedade
de consumo.
Rio de Janeiro: Edições 70, 1981.
14
grande circulação nacional, durante o período de 1960-1988. Ao considerarmos as
reportagens e as mensagens publicitárias sobre alimentação infantil, como
discursos e fontes ou documentos históricos de nossa pesquisa, entendemos que
só podem ser analisados quando inseridos no contexto em que foram produzidos.
No entender de MAINGUENEAU, os termos “discursoe “análise do
discurso” remetem a uma apreensão de linguagem “à medida que esta faz sentido
para sujeitos inscritos em estratégias de interlocução, em posições sociais ou em
conjunturas históricas”.
21
Ela defende a análise do discurso, do modo como é
proposto pela escola francesa (AD),
22
que admite uma multiplicidade de análises,
além do ponto de vista sociolingüístico, e uma delas seria uma “relação privilegiada
com a história”.
A análise do discurso passou a ocupar, a partir de meados da década de 60,
uma parte do território da antiga filologia, porém com pressupostos teórico-
metodológicos diferentes, constituindo-se como assunto de lingüistas, mas também
de historiadores e de psicólogos
23
.
A história, como mencionamos, também passou por uma mudança de
paradigmas, especialmente, a partir da década de 80, com o aparecimento da nova
história. Uma dessas mudanças foi em relação ao documento ou à fonte histórica:
se, em períodos anteriores, todas as questões levantadas e investigadas levavam
para um mesmo fim, ou seja, para a reconstrão do passado, hoje, a função da
história, muito mais do que a de interpretar o documento, de verificar sua
veracidade, seu valor expressivo, ela trabalha-o no interior e o elabora: “ela o
organiza, recorta-o, distribui-o, ordena-o, reparte-o em níveis, estabelece séries,
distingue o que é pertinente do que não é, delimita elementos, define unidades,
descreve relações”
24
. Neste contexto, a análise do discurso, como proposto pela
escola francesa (AD), constitui uma importante ferramenta para o historiador.
Neste estudo, e de acordo com a alise de discurso proposta pela escola
francesa, analisamos os enunciados contidos nos textos e imagens de nossas
21
MAINGUENEAU, D.
Novas tendências em análise do discurso.
Campinas: Pontes,
1989, p. 12 e 15.
22
AD é a abreviatura do termo “escola francesa de análise do discurso”, proposta por
MAINGUENEAU.
23
MAINGUENEAU, D, op cit.
24
FOUCAULT,
Arqueologia ...,
op. cit., p. 13.
15
fontes, referindo-nos ao campo da História da Alimentação, sem prescindir do
contexto político-institucional em que nossa pesquisa se move.
Como afirma ORLANDI, o texto do discurso é um espaço simbólico e por
isso não é fechado em si mesmo, relaciona-se com o contexto e com outros
discursos (textos)
25
. Identificamos o argumento de ORLANDI nos enunciados das
reportagens sobre aleitamento materno, os quais estiveram de acordo com o
contexto vivido pela sociedade naquele período, relacionados com o discurso da
indústria de alimentos ou com o discurso oficial.
De acordo com ALVES, na análise de um documento, é preciso considerar
não apenas o que está explícito no discurso, mas o que está subentendido, ou seja,
a subjetividade do conteúdo. Além disso, é importante evidenciar não apenas os
argumentos e razões colocados pelo autor, mas especialmente suas intenções e as
ambigüidades contidas no texto.
26
Nas peças publicitárias analisadas, tivemos
oportunidade, como demonstrado na parte 4 deste estudo, de identificar que as
intenções do anunciante nem sempre eram expostas de modo claro, e tanto o texto
das mensagens como as imagens despertavam o imaginário do leitor,
transportando-o para situações distantes de seu cotidiano.
FOUCAULT aponta que, por mais simples e menos importante que um
discurso e suas conseqüências nos pareçam, por mais superficial ou pouco
entendido que o julguemos, “um enunciado é sempre um acontecimento que nem a
língua nem o sentido podem esgotar inteiramente”. As justificativas que ele
estabelece para esse fato são as seguintes: embora o enunciado esteja ligado à
escrita ou à palavra falada, está ligado também à existência de uma memória e a
uma forma de registro (documentos manuscritos, livros, outras publicações); está
sujeito à “repetição, à transformação, à reativação” e, por último, houve uma causa
para sua enunciação, está ligado às conseqüências que pode incitar e a outros
enunciados que o precedem ou que o seguem
27
.
Seguindo essa linha de raciocínio, podemos supor que a análise de um
discurso está relacionada com a disciplina que a orienta. Desse modo, o mesmo
25
ORLANDI, E. P.
A linguagem e seu funcionamento: as formas de discurso
. Brasiliense,
1983.
26
ALVES, Paulo. Perspectivas acerca do método e técnica de análise dos discursos.
História
, São Paulo, v. 2, p. 33-37,1983.
27
FOUCAULT, M.
Arqueologia do Saber.
Petrópolis: Vozes, 1972 p. 40.
16
documento poderá ensejar diferentes análises de acordo com as referências que
são feitas à história, à psicologia, à comunicação. Nesse sentido, as mensagens
publicitárias que analisamos no decorrer desse estudo poderiam ser interpretadas
sob o ponto de vista da comunicação, da semiótica, porém, para nós, interessa o
contexto histórico em que foram produzidas.
FOUCAULT, mostra preocupação com o fato de que não devemos nos
limitar, ao analisar um enunciado, aos aspectos puramente psicológicos, ou seja,
com a intenção, o rigor do pensamento, os temas que o autor do discurso adota ou
o projeto que dá significação à sua existência. Afirma que podemos apreender
outros tipos de relações como: “relações dos enunciados entre si” (mesmo que
sejam de autoria diferente, de autores que não se conhecem); “relações entre
grupos de enunciados assim estabelecidos” (mesmo que as áreas de conhecimento
desses grupos não sejam as mesmas ou as mais próximas; mesmo que o nível
formal seja diferente entre os grupos); “relações entre enunciados ou grupos de
enunciados e acontecimentos de uma ordem inteiramente diferente (como técnica,
econômica, social e política)”.
28
Em sua Ordem do Discurso, FOUCAULT aborda o que ele chama de
“procedimentos de controle e delimitação do discurso” e, entre os diversos
procedimentos que classifica como externos e internos, interessa-nos
particularmente: “a vontade de verdade”, a “rarefação dos sujeitos que falame as
“disciplinas”. O primeiro, um procedimento externo ou de exclusão, segundo ele,
apóia-se sobre um suporte institucional”, sendo (a vontade de verdade) “reforçada e
reconduzida por todo um conjunto de práticas, mas especialmente “pelo modo como
o saber é aplicado em uma sociedade, como é valorizado, distribuído e de certo
modo atribuído.”
29
A vontade de verdade aplicou-se, em nosso estudo, na alise das
reportagens e do saber médico sobre o alimentação infantil, especialmente em
relação ao aleitamento, tanto materno como artificial, o modo como esses discursos
foram incorporados pela imprensa leiga e disseminados nas publicações dirigidas ao
público feminino, de camadas médias da população.
28
FOUCAULT, M.
Arqueologia….
p. 41
29
FOUCAULT, M.
A Ordem do ...
, p.17
17
FOUCAULT argumenta que a vontade de verdade, apoiada num saber
institucional, exerce pressão e coerção sobre os outros discursos
30
.
A rarefação dos sujeitos que falam, apontado por FOUCAULT como outro
grupo de procedimentos de controle dos discursos, determina “as condições de seu
funcionamento, de impor aos indivíduos que os pronunciam certo número de regras
e assim de não permitir que todo mundo tenha acesso a eles.A seguir, continua:
“ningm entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas exigências ou se
não for, de início qualificado para fazê-lo. Mais precisamente: nem todas as regiões
do discurso são igualmente abertas e penetráveis” (...)
31
As disciplinas, tamm considerado por FOUCAULT como outro princípio
de limitação dos discursos. “Para que haja disciplina é preciso, pois, que haja
possibilidade de formular, e de formular indefinidamente, proposições novas.
32
Continua, argumentando que uma disciplina não constitui tudo o que pode ser dito
de verdade ou o que pode ser aceito acerca de um mesmo dado e exemplifica com a
medicina e a botânica. Nenhuma das duas é constituída ou pode ser definida como
a soma de verdades sobre a doença (no caso da medicina) ou sobre as plantas
(referindo à botânica).
Nos discursos que analisamos neste estudo, identificamos os suportes
institucionais como sendo a medicina (esta também entendida como disciplina), a
corporação médica e as organizações de saúde nacionais e internacionais, as quais
exercem pressão e poder de coerção sobre a sociedade, através do conhecimento
científico e/ou das normas por elas estabelecidas. Neste estudo, evidenciamos este
poder sendo exercido também em relação à alimentação infantil. A rarefação pode
ser aplicada àqueles sujeitos que detém o poder do conhecimento e que falam
pelas referidas instituições ou através delas.
FOUCAULT refere-se também à “sociedades dos discursos”, as quais
produzem ou conservam discursos, difundido-os e circulando-os em um espaço
determinado, sob normas restritas e sem que os sujeitos que detêm o conhecimento
sintam-se despossuídos. O segredo, a coerção e a exclusividade são características
de algumas sociedades dos discursos. Cita alguns exemplos, como “o segredo
30
Ibid., p.18
31
FOUCAULT,
A Ordem do
..., p. 36-37
32
Ibid., p. 31
18
técnico e científico, as formas de difusão e de circulação do discurso médico, os que
se apropriam do discurso econômico ou político.”
33
A classe médica pode ser
entendida como uma sociedade do discurso, em nosso estudo, porque detém um
saber exclusivo que o marketing da indústria de alimentos utilizou para promover
seus produtos.
Na primeira parte da tese, apresentamos e discutimos questões centrais
relacionadas com os hábitos e práticas alimentares infantis. Para isso, com a ajuda
da bibliografia pertinente, refletimos sobre os aspectos que contribuem para a
formação e as mudanças dos hábitos alimentares, incluindo-se, aí, os aspectos
históricos, culturais, sociais, econômicos, políticos, biológicos e emocionais.
Destacamos que as mudanças na alimentação infantil estão tamm relacionadas
com uma sociedade de consumo, onde, como outros produtos e serviços, os
alimentos são ofertados em profusão, e o marketing encarrega-se de convencer os
indivíduos a consumi-los.
Na segunda parte, abordamos a alimentação infantil no contexto histórico
brasileiro, enfocando os fatores que determinaram a valorização da criança, os altos
índices de mortalidade infantil e as soluções buscadas para a diminuição desses
índices, entre elas, o aleitamento materno. Evidenciamos as questões econômicas,
sociais e políticas que interferiram na criação de programas de assistência à
infância, no período em estudo, com destaque para a saúde e alimentação.
Na terceira parte, demonstramos como as práticas do aleitamento - materno
ou artificial - estiveram ao sabor do contexto, ou seja, a valorização ora de uma ora
de outra estava relacionada com o momento histórico e cultural por que passava a
sociedade. Também, procuramos mostrar como os discursos, com a finalidade de
orientar ou influenciar as mulheres para a adoção de determinado tipo de
aleitamento – materno ou artificial -, foram construídos em razão desse momento, a
ponto de que, o que era válido num determinado espaço de tempo, deixara de ser
no seguinte.
Na quarta parte, procuramos evidenciar como o avanço da indústria do leite
em pó e de outros alimentos complementares foram paulatinamente substituindo a
prática do aleitamento materno. Por meio da alise dos discursos publicitários,
inseridos no contexto histórico, mostramos que a indústria colocava-se como
33
FOUCAULT,
A ordem do
..., p. 41.
19
detentora da solução para todos os problemas de alimentação das crianças:
apresentando-se como facilitadora das atividades maternas, ao divulgar sua linha de
alimentos prontos ou semi-prontos, até tentando mostrar sua contribuição na
diminuição dos índices de mortalidade infantil. Analisamos também a influência dos
ideais preconizados para a sociedade, presentes na propaganda oficial do regime
militar, na publicidade comercial.
1. HÁBITOS E PRÁTICAS ALIMENTARES INFANTIS: CULTURA E SOCIEDADE
DE CONSUMO
Os hábitos alimentares podem mudar inteiramente
quando crescemos, mas a memória e o peso do primeiro
aprendizado alimentar e algumas formas sociais
aprendidas através dele permanecem, talvez para
sempre, em nossa consciência....
Sidney W. Mintz
Novas práticas e hábitos alimentares têm surgido em todo o mundo como
resultado do avanço científico e tecnológico e da difusão cultural. A cada dia, um
maior número de pessoas experimenta alimentos estranhos aos seus hábitos e à
sua cultura. Contudo, alguns alimentos continuam sendo tradicionais em
determinados países ou região, como, por exemplo, o arroz no Japão e na China, o
pão preto na Rússia, as massas na Itália, sendo praticamente inimaginável que
esses países passem a dispensá-los. Como expressa MINTZ “os comportamentos
relativos à comida podem, às vezes simultaneamente, ser os mais flexíveis e os
mais arraigados de todos os hábitos”.
1
FLANDRIN e MONTANARI explicam que, se
a maneira de preparar os alimentos é diferente entre os povos, isso se deve às
diferenças econômicas, culturais e tecnológicas existentes entre eles
2
.
Os hábitos alimentares expressos na forma de selecionar, preparar e ingerir
os alimentos constituem-se “na própria imagem da sociedadee podem ser
reelaborados em razão da classe, do estilo de vida e do gosto, determinados pelo
habitusdesta sociedade.
3
A noção dehabitus” como um sistema de “disposições duráveis”, foi
desenvolvida por BOURDIEU
4
. Sua existência é o resultado de um processo de
aprendizado, do contato dos agentes sociais com diversos tipos de estruturas
1
MINTZ, S. W. Comida e antropologia: uma breve revisão.
Revista Brasileira de Ciências
Sociais. São Paulo,
vol. 16, n
0
7, p. 31-41, 2001.
2
FLANDRIN & MONTANARI, op. cit.
3
BONIN, A. A.; ROLIM, M. C. Hábitos alimentares: tradição e inovação.
Boletim de
antropologia.
Curitiba: UFPR, v. 4, n. 1, p. 75, 1991.
4
BOURDIEU, P.
Esboço de uma teoria da prática
. São Paulo: Celta Editora, 2002.
21
sociais. O “habitus” produzido, adquirido e vivido no ambiente familiar, constitui, para
ele, o princípio da recepção e da apreciação de toda experiência ulterior, ou seja, de
toda a vida.
Hábito alimentar, para GARCIA, designa de forma simplificada, “um elenco
de alimentos habituais na dieta de grupos ou populações. A autora esclarece que o
termo tem sido criticado porque reduz a alimentação a uma prática inconsciente,
mecânica e fora do contexto como o hábito de fumar, por exemplo.
5
Definido dessa
forma, hábito alimentar pode parecer uma expressão reducionista, porém, quando
consideramos a complexidade social, cultural, psicológica, biológica, seu significado
extrapola uma simples listagem de alimentos que fazem parte do cotidiano de um
indivíduo ou grupo social. Nesse sentido, utilizamos os termos hábitos alimentares
infantis, entendendo não somente um elenco de alimentos consumidos pelas
crianças, mas todas as variáveis que compõem o processo relacionado com a
escolha e o consumo desses produtos. Estabelecemos conexão também com o
conceito de BOURDIEU
6
, pois sendo produzidos e vividos no ambiente familiar,
esses hábitos serão refletidos nas experiências alimentares posteriores, até a vida
adulta. Como argumentam BONIN e ROLIM, “os indivíduos tendem a ficar
identificados a hábitos alimentares de sua infância: alimentos que eles se habituam
a comer desde tenra idade e se estendem ao longo da vida, cotidianamente.”
7
Embora, em alguns estudos, hábitos e práticas alimentares sejam tratados
como sinônimos, GARCIA, considera essas últimas como “aspectos concretos da
alimentação, empiricamente observáveis.”
8
Para ela, essas práticas são entendidas
como os procedimentos relacionados à preparação do alimento para seu consumo,
incluindo-se também tudo o que está relacionado com o modo de comer e com o
que se come, estando presentes, nessas ações, a identidade cultural, a condição
social e econômica, a religião, a memória familiar
9
. Percebemos que hábitos e
práticas alimentares o são antagônicos e sim componentes de um mesmo
5
GARCIA, R. W. D.
A comida, a dieta, o gosto:
mudanças na cultura alimentar urbana. São
Paulo, 1999. Tese (Doutorado em Psicologia). Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo,
p. 19
6
BOURDIEU, op. cit.
7
ROLIM; BONIN, op. cit., p. 76
8
GARCIA, op. cit., p.12
9
GARCIA, R. W. D. Representações sociais da comida no meio urbano: algumas
considerações para o estudo dos aspectos simlicos da alimentação.
Cadernos de Debate,
ano II,
n. 2, p. 12-40, 1994.
22
processo. Como afirma BOURDIEU, “as práticas produzem as estruturas do
habitus
10
, o que neste estudo, entendemos como aplicável ao aleitamento.
Consideramos o aleitamento materno ou artificial como práticas alimentares
por tratar-se de um tipo de alimentação não escolhida pela criança, essencialmente
temporária e que contribuem para a formação de futuros hábitos. Tratam-se de
práticas exercidas pela mãe, ou por outra pessoa responsável pela alimentação do
lactente. Diferente dos alimentos que compõem o hábito alimentar dos indivíduos, a
prática do aleitamento não se perpetua, ao contrário, seu tempo de duração é breve,
podendo durar alguns dias, meses ou alguns anos, variando de acordo com a
cultura, com as condições sociais, econômicas, com a disponibilidade da mãe, entre
outros fatores.
Porém, mesmo considerando o aleitamento como uma prática que não se
perpetua, ela contribui para a composição da “matriz de percepções, de apreciações
e de acções”
11
que serão refletidas nas experiências alimentares posteriores. Essas
experiências serão diferentes, dependendo se a prática experimentada foi o
aleitamento materno ou o aleitamento artificial. No primeiro caso, o leite humano
oferecido à criança, nos primeiros meses de vida, propicia o desenvolvimento de um
gosto diferenciado, pois seu sabor modifica-se de acordo com a dieta da mãe. Esse
contato precoce com sabores diferenciados do leite materno, favorece a introdução
e a aceitação de outros alimentos na dieta da criança, contribuindo desse modo para
formação de seus hábitos alimentares futuros. Como afirmam BEAUCHAMP &
MENELLA, os sabores do leite humano “refletem diretamente os alimentos e
condimentos (...) consumidos pela mãe e fornecem ao lactente o potencial para uma
rica fonte de experiências quimiosensoriais variáveis”
12
. No aleitamento artificial, a
criança tem contato com um leite – no caso, o leite em - que, por apresentar um
sabor constante, restringe a possibilidade da experiência com sabores variados, o
que poderá dificultar a aceitação de outros alimentos, no momento oportuno.
Portanto, são diversos os fatores que contribuem tanto para a formação,
quanto para as mudanças dos hábitos e práticas alimentares. Mesmo antes de
nascer, o ser humano já está exposto a condições que influenciarão sua preferência
10
BOURDIEU, op. cit., p. 166.
11
Termos empregados por BOURDIEU, id.
12
BEAUCHAM, G. K; MENELLA, J. A. Períodos sensíveis no desenvolvimento da percepção
dos sabores e na sua escolha pelo ser humano.
Anais Nestlé
, vol. 57, 1999, p. 25.
23
por determinados alimentos. O ato de comer nasce com o homem, pois ao sentir
fome o bebê chora e é alimentado. Seu contato com o mundo é feito por meio da
repetição desse processo, por isso aprende que o ambiente satisfaz suas
necessidades. Desde o nascimento, a alimentão, a tranqüilidade e a sensação de
bem-estar estão profundamente interligadas: ao manifestar fome por meio do choro
e obter a resposta do ambiente com a oferta do alimento, a criança relaxa. A
experiência da alimentação proporciona interações e sentimentos que contribuem
para a percepção humana de segurança
13
.
Geralmente, o leite, materno ou não, é o primeiro alimento que o ser humano
experimenta. Aos poucos, vai sentindo o gosto de outros alimentos que lhe são
oferecidos, e a qualidade e variedade dessa oferta dependerão dos conhecimentos
que ae tem sobre a alimentação infantil, da disponibilidade de alimentos, dos
hábitos alimentares da família, de possíveis mitos e tabus, da representação de cada
alimento na vida das pessoas que eso envolvidas com a criança, enfim, da cultura
de várias gerações.
Assim, durante os primeiros anos de vida, o principal elemento de interação
entre pais e filhos é a alimentação. É nesse período que as crianças aprendem o
que e quando comer, por que certas substâncias são comestíveis e outras não, a
combinação de alimentos e sabores, o que sempre está relacionado com a cultura
de seu grupo social. Esse processo de experimentação e aprendizagem resulta na
incorporação, pela criança, do hábito alimentar da família.
Portanto, desde o nascimento, a criança “se acha em contato com os
sabores e texturas que caracterizam a alimentação de seu grupoe recebe, a partir
daí, “a marca de sua cultura.”
14
Para GERBER, as pessoas que alimentam bes e crianças inspiram-se nas
práticas culinárias de suas histórias familiares presentes e passadas. As mensagens
sensoriais e lingüísticas, regidas tanto pela fisiologia e pela química, como pelo
imaginário que acompanha toda a alimentação, estabelecem trocas entre adultos e
crianças, formando uma identidade biológica e simbólica. Para essa autora, o olfato
13
BARROS, D. I. M.
Formação de hábitos alimentares:
estudo em crianças do nascimento
até 6 meses.
São Paulo, 1996, 257 f. Tese (Doutorado em Ciências – Área Nutrição). Universidade
Federal de São Paulo.
14
GARINE, I. Alimentação, culturas e sociedade.
O Correio.
Rio de Janeiro: FGV, n. 7, p. 5,
jul.1987.
24
e a gustação participam dos processos que estruturam o ser humano, a partir do
nascimento. São os alimentos e o afeto que sustentam o bebê e o capacitam a
ocupar, progressivamente, seu lugar de sujeito na família e no seu ambiente
15
. A
relação alimento e afeto é tão estreita que a carência nutricional ou,
especificamente, a desnutrição infantil, freqüentemente, está associada à carência
afetiva.
Como argumenta MINTZ, quando adulto, o ser humano pode ter seus
hábitos alimentares totalmente modificados, mas a memória e a importância dos
primeiros contatos e aprendizados alimentares podem permanecer para sempre
16
.
A flexibilidade dos hábitos alimentares na sociedade contemporânea, sem
dúvida, é conseência da internacionalização da cultura ocorrida no século XX,
através de uma progressão contínua, com maiores avanços e definições depois da
Segunda Guerra
17
.
De fato, no último século, o mundo passou por transformões em todas as
áreas do conhecimento e do relacionamento entre os povos. HOBSBAWM chama o
período de 25 a 30 anos, posterior à Segunda Guerra, de “Era do Ouro”, em razão
de seu extraordinário crescimento econômico e transformação social, e afirma que,
para 80% da humanidade, a Idade Média acabou de repente em meados da década
de 1950; ou melhor, sentiu-se que ela acabou na década de 1960”
18
, tamanha a
magnitude, a rapidez e a universalidade dessas transformações.
Ao analisar os principais fatores que contribuem para a origem,
permanências e transformações das práticas e hábitos alimentares infantis, é preciso
incluir aqueles relacionados com a fisiologia do organismo e que são também
influenciados pela cultura, como também as mudanças que marcaram o surgimento
da sociedade de consumo e a caracterizam.
15
GERBER, S. Enfance, médecine et cuisines.
Revue dês Sciences Sociales
. Strasbourg:
Université Marc Bloch, n
0
27, 2000.
16
MINTZ, op cit.
17
ORTIZ, R.
Mundialização e cultura.
o Paulo: Brasiliense, 2000.
25
1.1 O SABOR, O GOSTO E A PREFERÊNCIA NA FORMAÇÃO DE HÁBITOS E
PRÁTICAS ALIMENTARES
O sabor, o gosto e a preferência são determinantes na escolha de um
alimento, portanto, na formação dos hábitos alimentares. O conceito popular de
sabor inclui a percepção da combinação de gosto, cheiro e textura, aliada a um
componente prazeroso ou hedônico. Preferência implica a escolha de um entre dois
ou mais alimentos. Uma pessoa pode preferir lagosta em vez de frango, porém
consome frango em razão do preço ou da sua disponibilidade. Gosto, que pode ser
medido por meio de escalas verbais (gosta muito, gosta pouco, desgosta), refere-se
a uma resposta afetiva ao alimento e constitui um determinante da preferência
19
.
Estudiosos da área biológica
20
concluíram que o primeiro contato do ser
humano com os sabores (odores e gosto) acontece ainda no útero materno, por
meio do líquido amniótico. Posteriormente, esses sabores são transmitidos pelo leite
materno e também por outros alimentos, à medida que estes são introduzidos na
alimentação da criança. Para esses estudiosos, o feto é sensível às escolhas
dietéticas da mãe, e uma possível confirmação dessa sensibilidade pode ser
percebida pela preferência pelo alho, demonstrada por bes cujas mães ingeriram
esse alimento durante a gravidez, diferentemente daqueles cujas mães não o
haviam ingerido. Da mesma maneira, afirmam que a preferência pelo sabor doce é
inata, tendo por isso uma aceitação mais universal que outros sabores, como o
salgado, o amargo, o azedo, o picante.
Como aponta GARINE, a heraa cultural atua sobre o homem muito
precocemente, pois o desenvolvimento do feto é influenciado pelos padrões
dietéticos da mãe, os quais são produtos da cultura
21
.
A maioria das culturas apresenta uma atrão pelo sabor doce e, em muitos
idiomas, a palavra que designa o doce é empregada para designar o prazer, nomear
o que é bom ou, ainda, indicar certas qualidades morais. A preferência pelo doce
18
HOBSBAWM, E.
A era dos extremos:
o
breve século XX 1914-1991 São Paulo: Cia das
Letras, 1995, p. 283.
19
ROZIM, P. Perspectivas psicobiológicas sobre las preferencias y aversiones alimentárias.
In: CONTRERAS, J. (comp.)
Alimentacion y culturas:
necesidades, gustos y costumbres
.
Barcelona: Universitat de Barcelona, 1995, p. 85–109.
20
Ver BEAUCHAM, G. K; MENELLA, J. A., op. cit.
21
GARINE, I. Los aspectos socioculturales ... , op. cit.
26
está relacionada ao fato de que a maioria dos alimentos que apresentam um sabor
doce constitui uma boa fonte calórica. Os alimentos com maior densidade
energética, isto é, aqueles que combinam açúcar e gordura são os mais palatáveis
e, geralmente, aceitos em todos as faixas etárias e grupos culturais. Esta seria a
explicação para o desejo humano universal em consumir alimentos com alto teor de
açúcar e gorduras
22
.
O sabor passou a ser fabricado, em meados do século XIX, quando teve
início o processamento de alimentos em grande escala. No começo do século XX, a
liderança tecnológica na produção de sabores foi assumida pela indústria química
alemã que, depois da Segunda Guerra, estabeleceu-se em Nova Jersey - EUA. Os
aditivos manufaturados de sabor foram usados na panificação, na produção de
bolos, doces e refrigerantes até meados da década de 50, quando o comércio de
alimentos processados teve um crescimento considerável.
23
O gosto por determinado alimento ou preparação tem origens bastante
complexas e está relacionado com a cultura, podendo-se modificar com a escassez
ou abundância, com a descoberta de novas tecnologias e conhecimentos científicos,
com a circulação de produtos e pessoas, com a migração e a miscigenação de
povos e, se considerarmos as devidas proporções, esses fatores são válidos para
todas as populações em todas as épocas.
No senso comum, o gosto tem um significado muito mais amplo do que a
expressão de um sentido. FLANDRIN refere ao “bom gosto, conceito que surgiu no
século XVII, para designar a aptidão por distinguir o belo do feio nas obras de arte,
o que significava que, além do grande interesse pelas belas artes que se
multiplicaram ao longo desse período, havia uma preocupação com o gosto do que
as pessoas, especialmente da elite, comiam e se permitiam discutir a respeito
24
.
Para FISCHLER, os gostos ou aversões inatos podem ser modificados pela
influência social ou cultural. Cita, como exemplo, a pimenta roxa, que provoca uma
22
DREWNOWSKI, A. Palatabilidade e saciedade: modelos e medidas.
Anais Nestlé
, vol. 57,
p 35-46, 1999.
23
SCHLOSSER, E., op. cit.
24
FLANDRIN, J.L. Preferências alimentares e arte culinária (séculos XVI-XVIII). In:
FLANDRIN & MONTANARI, op. cit., p. 640-666.
27
sensação dolorosa na boca por causa de uma substância chamada capsicina,
porém, em várias culturas, é muito bem tolerada e muitas vezes indispensável
25
.
A familiaridade na determinação das preferências, pelas crianças foi o
elemento mais importante encontrado nas pesquisas desenvolvidas por BIRCH. Por
não ser uma característica do alimento, mas sim da experiência da criança com
aquele alimento específico, a familiaridade foi um achado extremamente importante.
“Em geral, descobrimos que, se as outras condições permanecem inalteradas, as
crianças tendem a preferir alimentos que lhes são familiares em detrimento dos que
lhes são estranhos”.
26
Acreditamos que esse fato é relevante porque concretiza a
importância da cultura do grupo social em que a criança está inserida, na
continuidade ou na permanência dos hábitos alimentares.
Já a socialização da criança pode ter efeitos contrários nas práticas
alimentares da família; quando em situões de migração ou de minorias culturais as
crianças adquirem práticas pertencentes ao grupo com o qual estão em interação e
as transportam para o grupo familiar
27
.
Com o conhecimento de que as preferências alimentares se formam no
início da vida, as crianças podem aprender a gostar de comidas saudáveis, com
pouco tempero, sem aditivos e corantes, como também aprendem a gostar de
preparações apimentadas e condimentadas, de fast foods, de frituras, salgadinhos,
dependendo do que seu grupo social come e das estratégias de marketing das
empresas que produzem esses alimentos. Através do marketing, muitas vezes
dirigido ao segmento infantil, as empresas têm o poder de induzir o consumo, pelas
crianças, de uma grande variedade de alimentos, tendo uma participação decisiva
na formação de novos hábitos alimentares, pela população.
Como afirma SCHLOSSER, os sabores conhecidos na infância deixam uma
marca indelével na memória dos adultos que retornam a eles, sobretudo motivados
pelas mensagens publicitárias que as empresas de alimentos promovem
28
. Essas
memórias infantis levam usuários adultos a retornarem com grande freqüência à
lanchonetes de uma determinada cadeia de fast food, ou a consumir doces,
25
FISCHLER, op. cit.
26
BIRCH, L. L. Os padrões de aceitação do alimento pelas crianças
. Anais Nestlé
, vol. 57,
1999 , p. 13.
27
FISCHLER, op cit.
28
SCHLOSSER, op cit.
28
chocolates, biscoitos, salgadinhos, refrigerantes, sorvetes, de uma determinada
marca.
Se uma pessoa gosta de determinado alimento, geralmente, as qualidades
sensoriais (sabor, odor, aparência) desse alimento são agradáveis e lhe causam
prazer. Uma pessoa com conhecimento em nutrão pode preferir uma fruta em vez
de sorvete, como sobremesa, embora goste mais desse último. As pessoas têm
tendência a comer o que preferem e a preferir o que gostam. Assim, embora a
disponibilidade, o preço e a conveniência apareçam como determinantes críticos do
uso, o o são da preferência ou do gosto. A característica “alimento saudável”
pode ser decisiva para a preferência de seu consumo, porém pode ter pouco a ver
com o gosto.
São vários os fatores que interferem na gênese do gosto alimentar de um
indivíduo. Como explicita SANTOS:
o gosto alimentar é determinado não apenas pelas contingências ambientais e econômicas,
mas também pelas mentalidades, pelos ritos, pelo valor das mensagens que se trocam
quando se consome um alimento em companhia, pelos valores éticos e religiosos, pela
transmissão inter-geração (de uma geração à outra) e intra geração (a transmissão vem de
fora, passando pela cultura no que diz respeito às tradições e reprodução de condutas) e pela
psicologia individual e coletiva que acaba por influir na determinação de todos estes fatores.
29
Ao comer, o homem exterioriza-se e exerce uma posição na sociedade, por
isso as escolhas alimentares estão influenciadas pela busca de prestígio, que ocorre
tanto entre indivíduos, como entre grupos sociais e entre sociedades tradicionais
que sofrem a influência das sociedades urbano-industriais
30
.
Novas formas de sociabilidade foram provocadas pelas mudanças na
economia causadas pelo marketing, que nos últimos 50 anos privilegiou o consumo
em detrimento da produção. Nesse contexto, surge a figura do consumidor, “aquele
indivíduo que, na situação de mercado, compra e vende mercadorias, num processo
infinito de satisfação de suas necessidades”
31
Entre essas necessidades, a
alimentação ocupa um lugar de destaque, tanto por uma questão de sobrevivência e
manutenção da saúde, como pelas relões hisricas, sociais e econômicas que
dela derivam.
29
SANTOS, op cit., p. 162
30
GARINE, I. Alimentação, culturas..., op. cit.
29
1.2 SOCIEDADE DE CONSUMO E AS MUDANÇAS NA ALIMENTAÇÃO INFANTIL
As mudanças na alimentação infantil estão relacionadas também com o
avanço do consumo que caracteriza a sociedade capitalista, e os objetos, os bens
materiais e os serviços são ofertados em profusão e o marketing encarrega-se de
convencer os indivíduos a consumi-los. Inúmeras formas de alimentos foram
produzidas pela indústria, no período em estudo, tendo como objetivos o consumo e
a formação de um novo hábito alimentar nas crianças e, com ele, a criação de uma
nova necessidade a ser satisfeita, possivelmente, até a vida adulta.
O consumo começou a expandir-se à medida que o processo industrial se
desenvolvia e a modernidade
32
avançava. Para ORTIZ, a modernidade rompe as
fronteiras geográficas entre as classes sociais, entre as culturas erudita e popular,
permitindo a mobilização e a circulação de mercadorias, objetos e pessoas. Se, no
Antigo Regime, o ato de comprar era segmentado e vinculado à estrutura das
classes sociais, com a modernidade, as compras são feitas com liberdade,
condicionadas ao poder aquisitivo do consumidor e não presa às tradições. Embora
a modernidade seja fruto do Ocidente, ela rompeu sua territorialidade e foi
assimilada por culturas orientais, como, por exemplo, o Japão. Para esse mesmo
autor, a modernidade, que se caracteriza pela mobilidade, acabou com a fixidez dos
hábitos e práticas alimentares
33
.
Se a modernidade eliminou as fronteiras geográficas, interligando povos e
cultura, podemos considerá-la como a “mãe” da globalização, uma vez que esta, de
acordo com GIDDENS, intensifica as relões sociais mundiais, ligando localidades
distantes, de modo que acontecimentos que ocorrem a milhas de distância são
modelos para acontecimentos locais e vice-versa
34
.
Para BAUDRILLARD, os produtos materiais são apenas objeto da
necessidade, da satisfação eo objeto de consumo, pois argumenta: “em todos os
tempos comprou-se, possuiu-se, usufruiu-se, gastou-se – e contudo não se
31
BONIN, A M.; ROLIM, M. C. op.cit., p. 82
32
O termo aqui empregado refere-se ao conceito de FEATHERSTONE, op cit., p. 21: “uma
qualidade de vida moderna, induzindo um sentido de descontinuidade do tempo, de rompimento com
a tradição, o sentimento de novidade e sensibilidade para com a natureza contingente, efêmera e
fugaz do presente.”
33
ORTIZ, R.
Mundialização e ...,
op. cit
.
34
GIDDENS, A.
As conseqüências da modernidade
.
2. ed. São Paulo: Unesp, 1991.
30
consumiu. As festas que ocorreram tanto nos tempos antigos como nos medievais e
mesmo o luxo da burguesia do século XIX não pertenciam, segundo o autor, ao
consumo. Se hoje utilizamos esse termo, não é porque comemos mais e melhor ou
porque dispomos de mais aparelhos, pois o conceito de consumo o é definido
pelo volume de bens ou pela satisfação de nossas necessidades, nem pelo
conteúdo das imagens, das mensagens, mas pela “organização de tudo isso em
substância significante”, ou seja: “o consumo, pelo fato de possuir um sentido, é uma
atividade de manipulação sistemática de signos.”
35
Para que se torne um objeto de
consumo, é preciso que se torne signo.
Nesse sentido, o consumo não deve ser entendido apenas como o consumo
de produtos materiais ou de valores de uso, mas principalmente como o consumo de
signos.
O discurso sobre as necessidades na sociedade de consumo apóia-se na
felicidade como sua referência, “revelando-se como o equivalente autêntico da
salvação.”
36
A noção de felicidade, aqui referida, não é aquela compreendida como
uma tendência natural de cada ser humano pela busca da realização, como “fruição
total e interior”, independente de signos ou de “necessidade de provaspara
manifestar-se e sim, como força ideológica histórica e social que se traduz, nas
sociedades modernas, como o “mito da Igualdade”.
37
Desse modo, a felicidade proposta pelo consumo, segundo BAUDRILLARD,
distancia-se dos princípios da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidao que
reconhece o direito individual à Felicidade. O autor critica a “Revolução do Bem-
Estar” como herdeira da “Revolução Burguesaou de qualquer outra que coloca
como princípio a igualdade entre os homens, porém o consegue realizá-la.
O princípio democrático acha-se então transferido de uma igualdade real, das capacidades,
responsabilidades e possibilidades sociais, da felicidade (no sentido pleno da palavra) para a
igualdade diante do objecto e outros signos evidentes do êxito social e da felicidade. É a
democracia do “standing”, a democracia da TV, do automóvel e da instalação estereofônica,
democracia aparentemente concreta, mas também inteiramente formal, correspondendo para
lá das contradições e desigualdades sociais à democracia formal inscrita na constituição.
38
35
BAUDRILLARD,
O sistema ...
, op. cit.
36
BAUDRILLARD,
A sociedade ...
, op. cit
.
p. 47.
37
Id.
38
Ibid, p. 48.
31
Ao abordar a questão da publicidade, na sociedade de consumo,
BAUDRILLARD argumenta que não é o discurso retórico ou informativo acerca das
características do produto que persuadem o consumidor a adquiri-lo, mas a temática
de proteção, de gratificação que o remete à imagem da mãe, informando-o sobre
seus próprios desejos. Para esse autor, a publicidade, ao divulgar as qualidades de
um produto, procura demonstrar que todos os recursos da tecnologia e todos os
benefícios da revolução industrial foram utilizados na fabricação do produto para
que corresponda à personalidade e realização dos anseios do indivíduo. “Uma das
primeiras reivindicações do homem no seu acesso ao bem-estar é a de que alguém
se preocupe com seus desejos, com formulá-los e imaginá-los diante de seus
próprios olhos”
39
. Desse modo, ao adquirir um produto, o indivíduo vê seu desejo
concretizado ou materializado.
Dessa maneira, o produto deixa de ser valorizado pelas suas qualidades
intrínsicas, sendo, cada vez mais, julgado pelo interesse que o fabricante demonstra
pela existência do indivíduo e pela atenção que dispensa ao público consumidor
40
.
Outro elemento que BAUDRILLARD aponta na sociedade de consumo é a
personalizão” do objeto, isto é, os objetos com a mesma finalidade são oferecidos
em diferentes modelos ou tipos e nesse contexto, é dada ao indivíduo a
possibilidade de escolha de acordo com seu gosto ou com sua personalidade. Diz
que a escolha é proporcionada ao consumidor como uma “graça coletiva e como
signo de uma liberdade formal.”
Ao multiplicar os objetos, a sociedade desvia para eles a faculdade de escolher e neutraliza
assim o perigo que sempre constitui para ela esta exigência pessoal. Fica claro a partir daí
que a noção “personalizaçãoé mais do que um argumento publicitário: é um conceito
ideológico fundamental de uma sociedade que visa, “personalizando” os objetos e as
crenças, integrar melhor as pessoas.
41
E o que percebemos é que, contrariamente ao que é divulgado, a
publicidade uniformiza as pessoas. A maioria dos indivíduos passa a consumir
objetos idênticos. Basta observar uma avenida movimentada: os automóveis com
desenhos, modelos, linhas semelhantes; em quase todos, a mesma cor. Do mesmo
39
BAUDRILLARD,
O sistema ...
op. cit., p. 183.
40
Id.
41
Ibid, p. 149
32
modo, o vestuário: no período em estudo, o jeans era o “uniforme”, especialmente
dos mais jovens.
FEATHERSTONE, ao discorrer sobre a teoria da cultura de consumo,
identifica três concepções sobre o tema: a primeira é a de que a cultura de consumo
tem como origem a expansão da produção capitalista de mercadorias, que
promoveu a “acumulação de cultura material na forma de bens e locais de compra e
consumo”, o que resultou na importância crescente de atividades de lazer e de
consumo das sociedades ocidentais contemporâneas; a segunda concepção está
relacionada com o fato de que as pessoas se utilizam dos produtos para estabelecer
vínculos ou distinções sociais; e a terceira está ligada aos prazeres emocionais, à
realização de sonhos e desejos do imaginário popular consumista, por meio da
aquisição de objetos e em determinados locais de consumo
42
.
De fato, se analisarmos a evolução do consumo nos últimos 50 anos,
mesmo que de uma maneira bastante genérica, identificaremos essas concepções
no movimento que leva os indivíduos, de uma forma quase universal, ao consumo,
buscando a felicidade em cada objeto adquirido.
O auge da expansão do consumo teve início, no mundo ocidental, a partir do
final da década de 40 e início da década de 50, ou seja, logo depois da Segunda
Guerra. Nesse período, os Estados Unidos lideraram o consumo, conheceram um
crescimento econômico sem paralelo, e a maior parte da população americana
conseguiu uma situação tão próspera que as lembranças dos anos de depressão
ficaram esmaecidas. A produção industrial de automóveis e outros bens duráveis
não era suficiente para atender à demanda dos consumidores.
Embora o processo de desenvolvimento da indústria automobilística nos
EUA tenha sido anterior à Segunda Guerra, a Europa, os países socialistas e de
Terceiro Mundo só foram atingidos depois dela. Por exemplo, em 1938, havia na
Itália cerca de 750 mil carros e, em 1975, esse número aumentou para 15
milhões
43
. Nos EUA, surge uma nova cultura, pela qual o carro deixou de ser um
luxo e inaugurou um novo estilo de vida ao inspirar novidades tais como o primeiro
motel do mundo e a primeira lanchonete drive-in
44
.
42
FEATHERSTONE, op. cit., p.31.
43
HOBSBAWM, op. cit.
44
SCHLOSSER, op cit.
33
Ainda que a “Era do Ouro” tenha sido vivida principalmente pelos países
capitalistas desenvolvidos, o mundo todo sentiu seus efeitos, seja pelo crescimento
econômico para algumas regiões, seja pela manutenção ou aumento da pobreza e
atraso para outras. A industrialização desenvolvia-se tanto nos países do Primeiro
como nos do Terceiro Mundo. A produção mundial de manufaturas quadruplicou no
período de 20 anos – entre 1950-1970 -, e o comércio mundial desses produtos
aumentou dez vezes
45
.
Na década de 50, o chamado baby boom, ou seja, o grande aumento da
natalidade, aliado a um vertiginoso crescimento dos subúrbios nas metrópoles
americanas, serviu de estímulo para a indústria de bens de consumo aumentar sua
produção de refrigeradores, máquinas de lavar roupa, de lavar pratos e de outros
eletrodomésticos, que equiparam as cozinhas em todo o país. A família média
americana possuía dois automóveis, e a última tecnologia em termos de diversão e
lazer – a televisão - passou a ser a realização de um sonho para os consumidores. A
revolução científica e tecnológica foi o grande fator que impulsionou o
desenvolvimento econômico, modificando o cotidiano das populações de países
ricos e também dos mais pobres, reforçando a diferença entre as economias de
mercado e aumentando e estimulando o consumo em massa.
O rádio em tamanho miniatura podia ser levado aos recantos mais
distantes do mundo, e a televisão integrou regiões ao difundir culturas e modos de
vida. Além dessas, outras novidades tecnológicas surgiram, representadas por
inúmeros produtos como discos de vinil, relógios digitais, calculadoras,
eletrodomésticos
46
. O “novo” passou a ser sinônimo de moderno, que se aplicou
também ao ritmo de vida e à modificação de costumes arraigados.
Em 1964, a IBM lançou sua terceira geração de computadores ordenadores
empregando o circuito integrado, possibilitando a comunicação via satélite, os mais
modernos engenhos balísticos e a chegada do homem à Lua. A conquista da Lua,
pelos americanos, foi vista por 520 milhões de espectadores no mundo inteiro,
graças à televisão, que colocou a sociedade em contato não apenas com as
45
HOBSBAWM, op cit.
46
Id.
34
notícias, mas com as imagens dos acontecimentos, muitos deles, no momento em
que aconteciam
47
.
Nesse contexto, o estilo de vida americano serviu de modelo para países
como o Brasil que, passando por uma série de transformações relacionadas com o
desenvolvimento econômico - como o crescimento industrial e urbano, aumento dos
salários e da oferta de empregos –, diversificou seu padrão de consumo através da
procura e aquisição, pela falias, dos produtos duráveis mais acessíveis e
desejados.
Como aconteceu nos países desenvolvidos e em desenvolvimento - e por
motivos já abordados -, no Brasil, a maior parte dessas transformações teve início na
década de 50, através da combinação das tendências do sistema econômico
brasileiro com as do sistema capitalista mundial, sob a hegemonia dos Estados
Unidos. Especialmente na segunda metade da década de 50, no governo Juscelino
Kubitschek, houve um crescimento de diversos setores da economia, porém o setor
industrial cresceu em termos relativos e absolutos, quando comparado a outros
setores, a ponto de, em 1958, ter ultrapassado o maior índice de crescimento dos
anos anteriores, o que ocorreu em 1946. Nesse período, pela primeira vez, a renda
gerada pela indústria superou a renda da agricultura. Criaram-se novos setores
industriais, outros expandiram-se e modernizaram-se, como as áreas de energia,
transportes, indústria de base e alimentação
48
. Entre 1955 e 1961, o valor da
produção industrial, descontados os valores de inflação, cresceu em 80%, e as
porcentagens maiores concentraram-se na indústria de material de transporte
(600%), de eletricidade e comunicação (380%), mecânicas (125%) e do aço
(100%)
49
.
Sob a égide do modo de produção capitalista no Brasil, como expressão do
capitalismo mundial, desenvolveram-se as relações de produção e o conjunto da
estrutura social. Novas formas de pensar, novas possibilidades de ação, padrões de
comportamento peculiares às relações de produção surgidas com o
desenvolvimento industrial e a expansão do comércio influenciaram os debates
47
PAES, M. H. S.
A década de 60:
rebeldia, repressão e contestação política. São Paulo:
Ática, 1992.
48
IANNI, O
.
Estado e planejamento econômico no Brasil.
6
a
ed.
Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1996.
49
FAUSTO, B.
História do Brasil. 8
ª
ed. São Paulo: Edusp, 2000.
35
políticos, científicos e artísticos realizados nos centros urbanos do país. A cidade
passou a superar o campo no sentido de que a indústria passou a dominar, “como
categoria econômica, política e cultural, o pensamento e ação das elites
governantes e das classes sociais desses centros
50
.
O surgimento de uma nova classe média brasileira foi outra decorrência do
crescimento industrial, a qual se integrou ao processo produtivo e era composta por
uma grande variedade de profissões, incluindo tanto os funcionários públicos como
os liberais, técnicos, administradores de empresa, assessores, empregados de
escritório, de empresas prestadoras de serviços à indústria e ao comércio,
vendedores, operários especializados e outros. A classe média tradicional não
participava do processo produtivo e era constituída por funcionários públicos,
profissionais liberais, alguns empregados de escritório e lojas
51
.
Essa nova classe média passou a ser a grande consumidora dos produtos
industrializados. De acordo com CASTRO, houve um enorme crescimento,
diversificação e modernizão no consumo popular no Brasil no período de 1960 a
1980, a tal ponto que, no início do período, 9,5% dos domicílios urbanos possuíam
televisor e 23% geladeira e, no final do período, ou seja, em 1980, esses números
saltaram, respectivamente, para 73% e 66%
52
.
Para que esse aumento no consumo de eletrodomésticos e de toda a
tecnologia que aos poucos invadia os lares brasileiros se concretizasse, anúncios
desses produtos eram dirigidos à população, pelos meios de comunicação de
massa, especialmente a televisão e revistas de grande circulação, como aquelas
dirigidas ao público feminino. “Páginas e páginas de propagandas de produtos de
limpeza, eletrodomésticos e de higiene convidavam homens e mulheres a fazerem
parte da modernidade que acenava para os anos 60”
53
. Consumir significava fazer
parte dessa modernidade e ser reconhecido como tal.
O consumo de alimentos, também, passou por transformações significativas
depois da Segunda Guerra. Até então, as refeições eram feitas nos lares, o grande
50
IANNI, op cit., p. 177.
51
PEREIRA, L. C. B.
Desenvolvimento e crise no Brasil
. 13 ed. São Paulo: Brasiliense,
1983.
52
CASTRO, A. B. Consumo de massas e retomada de crescimento. In: VELLOSO, J. P.
R. (Coord.)
A nova estratégia industrial e tecnológica:
o Brasil e o mundo da III Revolução
Industrial. Rio de Janeiro: José Olympio Ed., 1990, p. 111-119.
36
capital comercial e os supermercados não eram predominantes nos canais de
distribuição dos alimentos, a concorrência restringia-se a pequenos e médios
comerciantes. A partir da segunda metade da década de 40 e até meados dos anos
60, esse consumo foi pautado pela formação e consolidação da sociedade de
massa e pelo processo de internacionalização da indústria de alimentos dos Estados
Unidos, que levou a uma padronização dos produtos e à difusão de valores e estilo
de vida americanos
54
.
Vários modelos alimentares estiveram em voga nos Estados Unidos,
motivados por movimentos sociais, religiosos, inovações tecnológicas ou científicas,
influenciando o consumo da sua população e, em maior ou menor grau, todas as
outras de países com os quais aquele país mantinha relações comerciais. Para que
esses modelos fossem incorporados pela população e, com isso, a indústria de
alimentos pudesse utilizar esses movimentos a seu favor, realizaram-se intensas
campanhas de marketing com vistas ao aumento do mercado, do consumo e,
conseqüentemente, da produção.
Foi assim com a descoberta das vitaminas e a criação de um modelo
alimentar que privilegiava a saúde em detrimento das preocupações gastronômicas.
As indústrias de lacticínios foram as primeiras a difundir a obsessão pelas
vitaminas, a ponto de empresas desse setor empenharem-se na modificação da
imagem do leite que, de alimento infantil, passou a ser considerado o alimento ideal
ou completo para todas as faixas etárias. Enquanto na Primeira Guerra, o café tinha
sido a bebida preferida das forças armadas americanas, na Segunda Guerra, a
opção da grande maioria foi pelo leite fresco
55
.
Também, durante a Segunda Guerra, o governo americano adotou os
preceitos do Newer Nutrition, aconselhando a população a consumir produtos que
fizessem parte dos cinco grupos alimentares, ou seja: cereais e pães; ovos, carne e
leguminosas; leite e derivados; hortaliças e frutas; e óleos e gorduras. Assim, cada
empresa sentiu-se muito à vontade para divulgar seus produtos, pois qualquer
53
CUNHA, M. de F. Homens e mulheres nos anos 1960/70: um modelo definido?
História:
questões & debates
. Curitiba: UFPR, n. 34, p. 201-222, 2001.
54
MARTINELLI JÚNIOR, O.
A globalização e o sistema alimentar
.
Um estudo a partir das
grandes empresas. Marília: UNESP/Marília Publicações. São Paulo: FAPESP, 1999.
55
LEVENSTEIN, H. A. Dietética contra gastronomia: tradições culinárias, santidade e saúde
nos modelos de vida americanos. In: FLANDRIN; MONTANARI, op. cit., p. 825-840.
37
alimento se encaixaria dentro de um grupo e, portanto, seu consumo era
recomendado.
Depois, foi a vez dos alimentos “biológicos” ou “naturais, consumidos por
setores da sociedade que aderiram ao movimento contestatório dos jovens. As
empresas adaptaram-se a essa situação por meio de novas estratégias de
marketing, da mesma maneira que o fizeram quando a ciência dietética advertiu
contra o consumo de alimentos considerados nocivos para a saúde, como o açúcar
e as gorduras, causadores de doenças crônicas degenerativas, além de uma série
de outros distúrbios físicos e mentais. O açúcar, além desses males, foi denunciado
como o pó branco, pois era utilizado - segundo os adeptos do Negative Nutrition
(como foi chamado o novo modelo) - pelas indústrias de alimentos para tornar as
crianças dependentes de seus produtos. Porém os industriais, como sempre,
recuperaram-se dessa nova doutrina, lançando produtos com “poucas calorias”,
“isentos de colesterol”, “sem sal”, os quais inundavam as gôndolas dos
supermercados. As informões tendenciosas, falsas ou meias verdades foram de
tal proporção, que o governo americano procurou conter, por meio de legislação
específica, as falácias desse tipo de propaganda
56
.
LEVENSTEIN definiu como a “Era do Ouro do Processamento de Alimentos”
o período em que as inovações tecnológicas prometiam simplificar a vida da dona-
de-casa americana, através de alimentos, sucos, jantares completos congelados,
alimentos prontos como a salada de batata direto do pacote, marshmallows, saladas
jell-O. Campanhas publicitárias faziam com que todos esses alimentos e
preparações parecessem mais frescos e mais viçosos do que os naturais, e até
restaurantes tinham orgulho de apresentar comida congelada em seus cardápios
57
.
Outro exemplo que caracterizou as transformações alimentares, nesse
período, foi o surgimento da fast food, originária das primeiras lanchonetes drive in
do sul da Califórnia e que se concretizou com a renovação do primeiro restaurante
McDonald’s. Ao renovar seu restaurante de acordo com o clima de progresso e
modernidade que tomava conta da população americana, os irmãos McDonald’s
adotaram o sistema de produção em cadeia, centralizado na produção de
hamburguers, no preço mais baixo possível, na máxima rapidez e no self-service.
56
LEVENSTEIN, op cit.
57
Id.
38
Entre 1950-1960, a McDonald’s passou a ser difundida em todo o país por meio do
sistema de franquia, ao longo de importantes rodovias, na periferia dos centros
urbanos, nos centros comerciais, tornando-se cada vez mais o âmago da vida
comercial americana, inaugurando um novo comportamento em termos de
alimentação que se estenderia praticamente para todo o mundo
58
. A fast food,
juntamente com os filmes de Hollywood, com os jeans, a coca-cola, a música pop,
ou seja - o american way of life - tornou-se um importante produto de exportação dos
Estados Unidos, também para o Brasil.
A partir dos anos 60 até o início dos anos 80, houve uma grande expansão
no consumo de produtos agregados no Brasil, motivada pelas políticas fordistas
59
e
pelo crescimento da classe média. Houve um desenvolvimento massivo dos
alimentos industrializados, o marketing de massa cresceu, passando a ser um
instrumento importante de concorrência por causa da grande difusão da televisão e
de outros meios de comunicação. Os supermercados passaram a ser o principal
local de compras da população, o que levou a grandes modificações no
relacionamento e poder econômico entre as empresas, os locais de venda e a
distribuição de alimentos
60
.
Todas essas mudanças provocaram modificações no comportamento, nos
hábitos e nas práticas alimentares dos consumidores brasileiros, especialmente os
dos maiores centros urbanos, como: a configuração contemporânea das famílias,
seja pelo menor número de filhos, seja pelo maior número de separações; a
participação da mulher no mercado de trabalho e conseqüente redução do tempo
para as tarefas domésticas; a diversificação de atividades dos membros da família; a
distância da casa e do trabalho levou as pessoas a permanecerem mais horas de
seu dia nas escolas, escritórios, oficinas e no trânsito. Essas mudanças diminuíram
a freqüência das refeições em família, fazendo com que tanto a preparação como o
consumo dos alimentos obedecessem a uma nova ordem, novo ritmo,
desestruturando padrões considerados praticamente universais. A refeição, antes
58
SCHLOSSER, op cit.
59
Ao introduzir a esteira rolante, originando um novo método de produção, Henry Ford
conseguiu aumentar a produção de automóveis de forma fantástica, a partir de 1914. Seu método foi
levado para outras áreas industriais e de serviço, a ponto de o fordismo ser considerado “ um
paradigma que concentra industrialização pesada, organização industrial, processo de trabalho,
ideologia e estilo de vida bem determinados.” (OLIVEIRA, R.C. As metamorfoses do capital e o
sentido da modernidade. Revista Sociologia e Política, Curitiba, n.1, nov. 1993, versão online)
39
em conjunto, passou a ser individual e a ganhar outras características rituais e
simlicas
61
, perdendo-se aí a riqueza de um espaço de sociabilidade ativa.
A participação feminina no mercado de trabalho tornou-se visível a partir da
década de 50, especialmente no setor de serviços de consumo coletivo, serviços
públicos, escritórios e comércio. Surgiram, nesse período, maiores oportunidades de
emprego em profissões que exigiam maior qualificação, como enfermeira,
professora, assistente social, médica, vendedora, o que exigiu uma maior
escolaridade feminina, provocando uma mudaa no status social das mulheres
62
.
Enquanto, na década de 60, as mulheres constituíram cerca de 18% da população
brasileira economicamente ativa, na década de 80, esse percentual foi de 27,4%
63
. A
maior participação da mulher nas atividades mercantis, sem dúvida, foi
conseqüência das mudanças culturais havidas, especialmente do movimento
feminista que levantou as discussões sobre a discriminação da mulher no mundo do
trabalho, entre outras.
Da mesma maneira, as mulheres participaram do movimento migratório
brasileiro: se em 1960, 46% da população morava nas cidades, em 1985, 73,4% dos
brasileiros o faziam, sendo que a proporção feminina de 51,2% foi mais significativa
do que a masculina (48,8%), evidenciando uma tendência nacional de que as
mulheres são mais urbanas do que os homens
64
. A urbanizão da mulher
favoreceu o contato com as inovações tecnológicas que a modernidade oferecia,
levando até a modificações no preparo da alimentação, que tem origem no espaço
doméstico.
O preparo dos alimentos e o cuidado com a alimentação da família sempre
estiveram vinculados à figura da mãe ou da mulher e, por isso, também ligados a
uma referência afetiva. A maior participação das mulheres no mercado de trabalho,
nos centros urbanos, implicou a redução do número de horas que passavam na
cozinha, no cuidado da casa, interferindo na organização do tempo e na
alimentação. Para DOUGLAS, se por um lado, essa participação pôde implicar a
60
MARTINELLI, op cit.
61
BONIN; ROLIM, op. cit.
62
BASSANEZI, C. Mulheres dos anos dourados. In: PRIORE, M. del (org.)
História das
mulheres no Brasil.
2
a
ed. São Paulo: Contexto, 1997, p. 607-639.
63
IBGE. Estatísticas do século XX, Seção II. População. B – Mão-de-Obra. Dados extraídos
do site: www.ibge.gov.br
40
menor qualidade da alimentão da família, pela adoção de produtos
industrializados, por outro, foi difícil conceber que a mulher devesse permanecer
presa às atividades domésticas
65
. De qualquer maneira, a vida urbana provocou
uma reorganizão da rotina familiar, mesmo quando a mulher, não inserida no
mercado de trabalho, dedicava seu tempo, de modo integral, às atividades
domésticas: o ritmo das cidades, deslocamentos, distâncias e horários dificultavam a
realização de refeições dos demais membros da família, em casa.
Nas últimas décadas, o marketing tem investido com muita ênfase em
alimentos prontos para consumir, como bebidas lácteas, achocolatados ou que são
consumidos sob efeito de impulsos como bombons, biscoitos, salgadinhos,
refrigerantes, cervejas, sorvetes, especialmente em razão do surgimento de várias
empresas concorrentes nesses segmentos e por serem produtos que correspondem
ao estilo de vida contemporâneo. Acrescente-se a esses produtos aqueles que se
caracterizam por serem de rápido preparo, como os instantâneos (sopas, bolos,
pudins), carnes e batatas preparadas e congeladas, prontas para fritar, entre
outros.
66
As empresas determinam o segmento de mercado a ser conquistado e
procuram desenvolver campanhas específicas para esse público, de modo que seus
produtos sejam incorporados aos hábitos de consumo dessas pessoas, inclusive
bebês e crianças.
Uma nova forma de pensar implicou comportamentos novos, o que
influenciou na mudança de hábitos alimentares, provocando novos significados na
escolha, preparação e consumo de alimentos: a relação da alimentação com a
saúde, especialmente a preocupação de que não se deve comer demasiadamente -
uma tendência da sociedade contemporânea -; o maior acesso ao conhecimento,
inclusive sobre o funcionamento do corpo humano; o questionamento cada vez mais
freqüente sobre a vida, ao mesmo tempo agitada, em razão da necessidade de
maior controle do tempo, e sedentária, porque as pessoas passam muitas horas
sentadas em seus escritórios ou meios de transporte; e um novo padrão estético que
“exige” um corpo mais delgado.
64
IBGE. Estatísticas do século XX. Capítulo 5 – População Recenseada e estimada. Dados
extraídos do site: www.ibge.gov.br. Acesso em 05/03/2004
65
DOUGLAS, M. Las estructuras de lo culinario. In: CONTRERAS, J. (comp.), op. cit., p. 171
197.
41
Para os comensais contemporâneos, a preocupação maior, segundo
FISCHLER, é saber o que comer e em que proporções, ou seja, saber escolher. As
restrições alimentares e o cuidado com o excesso e o desequilíbrio alimentar são
questões consideradas na escolha dos alimentos. Entretanto, “com a
industrialização do setor alimentar, as escolhas e as preferências alimentares têm se
transformado em apostas econômicas planetárias”. O consumidor acaba ficando
desorientado com a profusão de informações, discursos, orientações muitas vezes
desencontradas e contraditórias. As prescrições, proibições, os modelos de
consumo e as advertências aumentam, numa verdadeira cacofonia alimentar
67
.
Como afirma FEATHERSTONE, a expansão da produção capitalista de
mercadorias resultou no aumento das atividades de lazer e de consumo nas
sociedades ocidentais contemporâneas. Como o objetivo de toda produção é o
consumo – pelo menos do ponto de vista da economia clássica –, com indivíduos
ampliando suas satisfações pela compra de mercadorias que estão sempre em
expansão, esse desenvolvimento resulta em um maior consumo controlado e
manipulado
68
.
Porém, como esse mesmo autor argumenta, além da “lógica do capital”,
derivada da produção, há uma “lógica do consumo” que se utiliza de bens para
demarcar as relões sociais. Comida e bebida são produtos de curta duração,
porém uma garrafa de vinho do Porto, de boa qualidade, talvez nunca seja
consumida de fato - aberta e bebida -, mas será consumida simbolicamente de
muitas maneiras: contemplada, admirada, fotografada. Dessa maneira, as
mercadorias, nas sociedades ocidentais, não apenas evidenciam o simbolismo
embutido no design e no marketing dos produtos, mas enfatizam tamm estilos de
vida e demarcam relações sociais.
Portanto, para esse autor, existe uma cultura de consumo nas sociedades e,
por isso, o consumo não pode ser considerado como originário especificamente da
produção. Um exemplo de consumo ligado aos prazeres emocionais – a terceira
concepção sobre teoria da cultura de consumo - é o fast-food, que nas cidades
menores tem o significado de festa, prazer e realização. Como as crianças e
66
BONIN; ROLIM., op cit.
67
FISCHLER, op cit., p. 195.
68
FEATHERSTONE, op cit.
42
adolescentes, na sociedade contemporânea, fazem parte de uma geração em que
os alimentos industrializados estão sistematicamente presentes sentem-se
realizadas nesses ambientes. O fato de freqüentar um lugar de fast-food “mexe com
o imaginário das pessoas fazendo-as se sentir no centro do mundo.”
69
Percebe-se, portanto, que os fatores que concorrem para as origens e
mudanças dos hábitos e práticas alimentares são bastante complexos e, na busca
de sua apreensão, diversas áreas do conhecimento são envolvidas.
69
ORTIGOZA, S. A G. O
fast food
e a mundialização do gosto. NEPA:
Cadernos de
Debate.
UNICAMP, vol. V, p. 27. 1997.
2. ALIMENTAÇÃO INFANTIL E O CONTEXTO HISTÓRICO
... a pátria tem sido pequena e até mesmo mesquinha
para as suas mães e crianças (...) É revoltante o
contraste de um país que é o 8
0
do mundo em volume
físico de sua economia, (...) ocupar apenas um
inaceitável 64
0
lugar no que se refere à possibilidade de
sobrevivência de suas crianças no 1
0
ano de vida.
Fernando Figueira
Ao abordarmos a alimentação na infância, o podemos dissociá-la do
contexto histórico do período, dos fatores que modificaram a valorização da criança,
dos avanços da medicina e dos cuidados com sua saúde, uma vez que essas
questões estão intimamente relacionadas.
No Brasil, a saúde da população começou a ser alvo de preocupação com
a vinda da família real, pois as freqüentes epidemias e outras enfermidades
causadas pela falta de salubridade passaram a representar um risco para a Corte e
para o bom desenvolvimento das relações comerciais com a Inglaterra (depois da
abertura dos portos)
1
. Com a instalação da Corte e seu séquito, a população do Rio
de Janeiro aumentou em quase um terço e a necessidade de sua higienizão fez
com que a medicina passasse a ser solicitada com mais insistência.
Desde o início do século XIX, segundo COSTA, a medicina lutava contra a
tutela jurídico-administrativa do Estado. Durante o período colonial, certos hábitos e
condutas pertencentes à tradição familiar impediam a subordinação dos indivíduos
aos interesses do Governo. O poder político era exercido pelo Estado, pelas famílias
e pelo clero e a relação entre esses poderes era sempre tensa. O Governo, pela sua
fragilidade política, o conseguia o controle da cidade e da população. A
burocracia estatal não dispunha de apoio da metrópole e recursos para solucionar
os graves problemas sanitários das cidades. Nesse sentido, um acordo entre o
Estado e a medicina foi interessante para ambas as partes. Ao estabelecer uma
aliança com o Estado, a medicina conseguiu emancipar-se através da higiene,
1
NOVAES, H. M. D.
A puericultura em questão.
o Paulo, 1979. Dissertação (Mestrado
em Medicina Preventiva). Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo.
44
incorporando a cidade e a população ao saber médico, e a chave desse acordo foi a
salubridade
2
.
Uma das políticas da medicina teve como alvo a família, com o objetivo de
aproximá-la do Estado. A medicina, diferentemente da estratégia empregada pela
administração colonial, entendeu que a família não podia ser tratada como um
inimigo ou como um adversário. Empregou técnicas de persuasão e estratégias de
ataque, fazendo com que a população acatasse suas orientões, sem se sentir
punida. Procurou despertar o interesse do indivíduo pela sua própria saúde, o qual
passou a fiscalizar não apenas sua casa, como também a de seus vizinhos. O
conjunto desse dispositivo foi chamado de higiene familiar
3
.
Todo esse trabalho foi desenvolvido com base na idéia de que a saúde, o
bem-estar e a prosperidade da família dependiam de sua submissão ao Estado.
Desse modo, a medicina conseguiu superar as dificuldades com relação à
descontinuidade de suas ações e com a falta de agentes para executar as tarefas
propostas. Muito mais do que isso, conseguiu apossar-se do espaço urbano,
atraindo inúmeros elementos e serviços para sua esfera de poder: quartéis, escolas,
prostíbulos, fábricas, casas, cemitérios, rios, pântanos, água, alimentos, esgotos
4
.
Embora o ensino médico formal tenha se iniciado em 1808, com cursos
isolados, a Sociedade de Medicina, criada em 1829, elaborou um projeto que
resultou na implantação de duas Escolas de Medicina em 1832: uma no Rio de
Janeiro e a outra na Bahia
5
.
A Sociedade de Medicina defendia a prática da medicina social
6
, bastante
semelhante àquela preconizada em países europeus e que atuava em dois pontos
principais: considerava que as causas das enfermidades estavam nas condições de
2
COSTA, op cit.
3
Id.
4
COSTA esclarece que nem todos os médicos desse período se preocuparam com as
atividades de higiene. Por isso, o termo “higienistaé atribuído àqueles profissionais da medicina que
executaram esse tipo de ação. Do mesmo modo, entendemos por medicina higienista as atividades
médicas executadas nesse período que tinham por objetivo a higiene da população.
5
NOVAES, op cit
6
O conceito de medicina social surgiu em 1848, por ocasião das revoluções que marcaram,
nos países onde ocorreram, “o período de transição entre uma formação social e outra. Para a
burguesia, a passagem da estrutura para a superestrutura; para a medicina, a passagem da
superestrutura para a estrutura.” Para a medicina social, “os sujeitos da terapia nãoo doenças,
mas condições”. Segundo esse conceito o interesse é a mudança das condições de vida. “A doença
não é nada mais que a vida em condições alteradas.” Mais detalhes ver GARCIA, Juan C.
Pensamento social em saúde na América Latina. Nunes,E.D. org. São Paulo: Cortez, 1989, p. 165.
45
vida das populações e postulava que a medicina deveria servir como instrumento de
organizão social. A Sociedade de Medicina preconizava que sabendo das
alterações orgânicas provocadas pela desordem social, a medicina deveria apontar
essas causas e intervir nelas, guiando o processo de funcionamento da sociedade.
No entanto, a estrutura da sociedade brasileira, escravagista, essencialmente
agrícola, com um capitalismo incipiente, com serviços de saúde pública
descentralizados, não permitiu que o projeto proposto pela Sociedade de Medicina
fosse concretizado. Assim, sua influência ficou centrada na defesa do saber e da
prática médica
7
.
Em relação à Pediatria, as tentativas de caracterizar-se como uma
especialidade da medicina podem ser observadas por meio de alguns fatos, como a
elaboração da tese “Consideração sobre cuidados e os socorros que se devem
prestar aos meninos na ocasião de seu nascimento e as vantagens do aleitamento
natural”, defendida em 1832 pelo professor Francisco Júlio Xavier, da Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro. Essa tese ensejou vários outros estudos de temas
relacionados à Pediatria, realizados por formandos daquele curso
8
. Somou-se, a
isso, a publicação, entre 1879 e 1888, do primeiro periódico brasileiro de
puericultura, com o título “A i de Família”, e a atuação das Santas Casas de
Misericórdia na atenção à saúde materno-infantil
9
.
2.1 A VALORIZAÇÃO DA CRIANÇA, A SAÚDE E A ALIMENTAÇÃO INFANTIL.
O entendimento de que a infância necessitava de um tratamento
diferenciado dos adultos surgiu por ocasião da Primeira República. Em 1882, a
Pediatria passou a existir como especialidade médica autônoma, no Brasil, dez anos
7
NOVAES, op cit.
8
Id.
9
SIQUEIRA, M. D. Para uma história da Pediatria no Brasil. Trabalho apresentado no
Congresso da Sociedade Brasileira de Pesquisa em História. Curitiba, julho, 2004.
46
mais tarde do que na França, com o primeiro termo de habilitação, em nosso país,
registrado em 1895
10
.
No final do século XIX, a precária situação de saúde das populações
urbanas continuava a ser um grave problema para o governo. A mortalidade infantil
era muito alta e epidemias como febre amarela e cólera eram freqüentes. Com o
crescimento das cidades, as condições sanitárias deterioraram-se e apresentavam-
se extremamente insatisfatórias, pois o havia coleta sistemática de lixo e o
fornecimento de água era insuficiente e inadequado. As cidades eram muito sujas,
grande parte da população vivia em habitações muito pobres e com pouco espaço,
os salários (quando existiam) eram baixos e o custo da alimentação muito alto.
11
Diante desse quadro, é fácil entender os elevados índices de mortalidade no
primeiro ano de vida, período em que a criança apresenta grande vulnerabilidade às
epidemias, à doenças como infeões respirarias, gastroenterites e outras,
características da infância, como sarampo e coqueluche, na maioria das vezes,
agravadas por uma alimentação inadequada.
A valorização da criança tinha como objetivo a formação de uma sociedade
que, de acordo com os ideais de higiene, deveria ser composta por homens fortes,
os quais, desde o nascimento, teriam acompanhamento médico para, no futuro,
oferecer suas vidas ao país. Nesse sentido, “destacou-se a importância da infância
como componente ideal de nação civilizada”
12
e aos médicos caberia a tarefa de
cuidar da saúde daqueles que seriam os homens do Brasil do futuro, fornecendo as
orientações necessárias às famílias e às instituições de assistência à infância.
O desafio de transformar o Brasil em uma não pairava na mente das elites
intelectuais desde o final do século XIX. As estratégias de saneamento e
higienização, adotadas pela medicina, foram consideradas elementos importantes
para a construção da nacionalidade e para a superação do atraso social da
população brasileira
13
.
10
NOVAES, op cit.
11
Id.
12
VEIGA, C. G; GOUVEA, C. S. Comemorar a infância, celebrar qual criança? Festejos
comemorativos nas primeiras décadas republicanas.
Educação e Pesquisa
, vol. 26, n
0
1, p. 137,
2000
13
MOREIRA, M. C. N. A Fundação Rockefeller e a construção da identidade profissional de
enfermagem no Brasil na Primeira República.
História, Ciências, Saúde Manguinhos
, Rio de
Janeiro, v. 3: 621-45, 1999.
47
Depois da Primeira Guerra, o clima, a crise de valores e a decadência da
civilização européia
14
, abrindo novas perspectivas para a América na liderança
mundial, contribuiram para reforçar o pensamento dos intelectuais, no sentido de
criar-se a nação brasileira, pois o que se tinha, até então, era apenas um território.
Os intelectuais da época concentraram sua atenção na busca de nossas raízes, de
um ideal de brasilidade, como alternativa para o desenvolvimento da Nação
15
.
Nos discursos científicos, a infância, entendida como uma etapa da vida
diferente das outras, requisitava um tratamento diferenciado em relação ao restante
da população. “Os termos assistência, proteção e cuidado da infância, tão comuns
na época, construíram para esta geração uma centralidade segundo a qual dela
dependeria o futuro da raça e da nação brasileira.”
16
Durante a Primeira República, especialmente nos anos 20 e 30, a
maternidade foi valorizada pelos intelectuais, profissionais liberais, industriais,
operários, anarquistas, socialistas e comunistas que a associavam ao ideal de
formação da identidade nacional. Os médicos, também, desempenharam um papel
fundamental na formação da “mãe burguesa” e, juntamente com diversas vertentes
de pensamento, tentavam redefinir comportamentos: realizavam campanhas para
convencer as mulheres a amamentar; valorizavam a “mãe educadoraque deveria
ser vigiada pelos médicos e pela família;
17
referenciaram a “mãe cívica”, pois a ela
cabia o preparo físico, moral e intelectual do futuro cidadão da pátria
18
.
Para TRINDADE, as contradições do papel atribuído às mulheres, no início
do século XX, eram grandes, pois era-lhes cobrada a responsabilidade de formar
seus filhos como cidadãos, porém a cidadania não as alcançava. Enquanto as mães
das camadas sociais mais abastadas tinham um papel familiar menor, nas camadas
14
Os intelectuais brasileiros do período referiam-se à Europa e ao Brasil como a velha e a
nova civilização; enquanto “o Brasil é o organismo sadio e jovem, a Europa é a nação decadente que
deve fatalmente ceder lugar à América triunfante.” (VELLOSO, 1993, p. 89).
15
VELLOSO, Mônica P. A brasilidade verde-amarela: nacionalismo e regionalismo paulista.
Estudos Históricos
, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 11, p. 89-112, 1993.
16
VEIGA & GOUVEA, op cit., p. 137
17
TELLES, N. Escritoras, Escritas, Escrituras. In: DEL PRIORE, M. (org.) BASSANESI, C.
(coord. de textos)
História das Mulheres no Brasil.
2. ed. São Paulo: Contexto, 1997, p.401-442
18
RAGO, Margareth. Trabalho Feminino e Sexualidade, p. 592. In: DEL PRIORE, M. (org.)
BASSANESI, C. (coord. de textos), op. cit.
48
mais pobres elas eram o baluarte moral, muitas vezes responsáveis, também, pela
sobrevivência material da família
19
.
Adeptos do positivismo entendiam que a mulher deveria se restringir ao
espaço doméstico, seu ambiente “natural”, evitando todo e qualquer contato que
pudesse atraí-la para o mundo exterior. Colocavam-na num pedestal e prometiam o
céu aqui na terra, através do auto-sacrifício. A mulher submissa ao seu marido , que
se dedicasse inteiramente à maternidade e à falia, o adoeceria. Ao destacar
que o organismo feminino “fixava o destino da mulher: ser mãe e viver no lar,
abnegadamente cuidando da família
20
, a medicina tentava mostrar as bases
científicas dessas concepções. Assim, a biologia da maternidade, envolvendo a
gestação e o puerpério, foi reconstruída socialmente. O instinto materno e a
amamentação foram resgatados e considerados imprescindíveis para a
sobrevivência dos filhos
21
.
Embora o aleitamento mercenário fosse condenado em razão dos altos
índices de mortalidade infantil, a figura da ama-de-leite não escrava voltou a ter
importância na sociedade, mesmo sem o aval da medicina. O Instituto de Proteção e
Assistência à Infância, fundado no Rio de Janeiro, tinha como objetivo realizar um
exame rigoroso de saúde nas nutrizes mercenárias
22
, na tentativa de evitar a
disseminação de doenças, como a sífilis, advertir contra os prejuízos do álcool e
orientar sobre cuidados higiênicos.
O entendimento de que a assistência à infância deveria ser promovida pelo
Estado, com um controle de todas as instituições que tivessem por objetivo proteger
as crianças, era defendido pelos médicos do início do século XX. Também
educadores, juristas e jornalistas denunciavam, já nessa época, os maltratos que
sofriam as crianças pobres, independentemente de seu habitat: família, rua, asilo ou
a fábrica
23
. As classes médias e as elites da sociedade brasileira acreditavam
também que o governo deveria intervir nas famílias pobres, no sentido de proteger
os menores e suas mães, visando ao progresso e ao desenvolvimento do país e, ao
19
TRINDADE, Judite M.B.
Metamorfose: de criança a menor.
Curitiba – início do século XX.
Curitiba, 1998. Tese (Doutorado em História).Universidade Federal do Paraná.
20
RAGO, M., op cit.
21
ALMEIDA, op. cit.
22
Id.
23
RIZZINI, I.
Assistência à Infância no Brasil: u
ma análise de sua construção.Rio de
Janeiro: Ed. Universitária Santa Úrsula, 1993.
49
mesmo tempo, “aliviar a consciência de uma sociedade envergonhada e ameaçada
com a sua presença”
24
, certamente porque nela enxergava suas imperfeições e
misérias.
Organizou-se uma verdadeira campanha de assistência à criança,
envolvendo grande parte das questões sociais, econômicas e políticas da época,
pois, para muitos médicos, políticos e juristas, o futuro do país dependia da
capacidade de o governo resolver o problema da infância. Especialistas da área
médica, assim como da assistência social, encarregavam-se da instrução das mães
em princípios básicos de saúde, alimentação e higiene. Várias instituições foram
organizadas para oferecer assistência médica à mulher e seus filhos, com
intervenções que iam desde programas de vacinação até a realização de concursos
de robustez.
Do movimento de assistência à infância, participavam muitas organizações
femininas, revelando distinções de gênero e de classe ao reforçar a dominação
masculina e o discurso de que a mulher, pela sua vocação natural para a
maternidade, deveria canalizar suas energias para o atendimento aos menos
favorecidos
25
, tendo assim a oportunidade de exercitar seus talentos.
Os concursos de robustez foram uma estratégia utilizada pelas instituições
de assistência à criança para desenvolver a prática do aleitamento materno,
premiando as mães pobres que apresentassem os bebês menores de um ano mais
saudáveis e que tivessem sido amamentados pelo menos durante seis meses. Em
1922, foi realizado o primeiro Concurso de Robustez do Instituto de Proteção e
Assistência à Infância no Paraná, e as fotos das crianças premiadas, mostrando três
meninos e duas meninas “brancos, gordinhos e saudáveis, foram publicadas na
Revista da Semana, sob o título: “Uma raça que se afirma: as crianças premiadas
no Concurso de Robustez do Paraná”. Os concursos idealizados pelo pediatra
Moncorvo Filho
26
tinham como preocupação mostrar um ideal de ra e saúde para
a população, assim como os programas organizados pelas instituões referidas, por
24
RIZZINI, op. cit., p. 26
25
WADSWORTH, J. E. Moncorvo Filho e o problema da infância: modelos institucionais e
ideológicos da assistência à infância no Brasil.
Revista Brasileira de História
, São Paulo, vol. 19, n.
37, p. 103-124, 1999.
26
Moncorvo Filho, médico brasileiro do início do século XX, defendia o controle, pelo governo,
das instituões de proteção à infância. Acreditava que o poder público deveria assumir o papel dos
50
ele criadas, não se preocupavam com as mães ou seus filhos, mas com o futuro do
país. Os médicos e juristas, “efetivamente, construíram um discurso nacionalista que
relegou a criança a uma posição de bem econômico da nação”.
27
O pensamento de
que na infância está o destino do país, por isso a preocupação de que ela seja
sadia, vigorou durante a Primeira República, estendendo-se para períodos
posteriores.
Durante a realizão do Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à
Infância, no Rio de Janeiro, com impacto no Brasil e no exterior, entre as resoluções
tomadas pelos participantes estavam a solicitação aos governantes para que se
efetuasse a regulamentação da produção e do consumo de alimentos infantis
enlatados; a reserva de espaços nos locais de trabalho para que as mães
trabalhadoras pudessem amamentar seus filhos; a criação de leis que
reconhecessem o direito das crianças, entre outras. Algumas das considerações do
Congresso foram incorporadas no Código de Menores, de 1927
28
.
Em 1928, a principal indústria de alimentos infantis – Nestlé - iniciou, no
Brasil, a oferta de fórmulas lácteas
29
, pois, até então, o emprego de leite animal na
alimentação infantil era um processo realizado nas cozinhas domésticas. De acordo
com MARQUES ao final da década de 30, o preparo de fórmulas já havia se
deslocado integralmente para as fábricas de leite em , primeiramente nos Estados
Unidos e Europa e, em seguida, nos países do Terceiro Mundo, nestes,
contribuindo para a elevação dos índices de morbidade e mortalidade na infância
30
.
A mortalidade infantil
31
no Brasil, no início do século, era assustadora, tanto
que, no ano de 1929, São Paulo apresentava a triste estatística de 156 mortes
durante o primeiro ano de vida para cada mil crianças nascidas vivas
32
. Se
considerarmos que a capital paulista, já nessa época, estava bem urbanizada,
quando comparada com regiões menos desenvolvidas como as do Norte ou
pais das crianças pobres, a fim de protegê-las da miséria e da delinqüência; defendia que as crianças
eram a matéria-prima da força de trabalho futura (Wadsworth, op.cit).
27
WADSWORTH, J. op cit., p.107-110.
28
WADSWORTH, J. op cit
29
No Brasil, a indústria de alimentos Nestlé iniciou a produção de leite em pó integral e de
fórmulas lácteas infantis a primeira foi o Nestogeno -, em 1928, em sua fábrica em Araras-SP.
30
MARQUES, op. cit.
31
O coeficiente de mortalidade infantil é calculado pela relação entre o número de óbitos de
menores de um ano, numa determinada área e ano, sobre o número de nascidos vivos, nessa mesma
área e ano. As taxas são expressas por mil nascidos vivos.
32
MARQUES, op. cit.
51
Nordeste, o número de óbitos, possivelmente, era maior. Aliada às questões de
obtenção de dados estatísticos
33
, há que se considerar a falta de informação de
grande parte da população para a importância de registros de nascimentos e
atestados de óbitos e as dificuldades de acesso aos locais em que eram feitos.
Pediatras brasileiros desse período acreditavam que uma das formas de
combater a mortalidade infantil era a administração de fórmulas lácteas às crianças.
Esses médicos eram influenciados pelo marketing das indústrias de leite em pó, que
destacavam aspectos desse produto, como a pureza bacteriológica, o equilíbrio
bioquímico - entre outros. Não levavam em consideração que as camadas mais
pobres da população não tinham acesso ao leite industrializado ou, quando dele
dispunham, faltava-lhes água tratada para o preparo das mamadeiras, facilitando a
contaminação e a ocorrência de diarréias.
Na década de 30, os médicos “que se julgavam mais esclarecidos”
seguiam a orientação da escola pediátrica alemã, que dava especial destaque à
dietética infantil. Como refere TELLES, um pediatra desse período:
o trato com os alimentos do bebê constituía como que uma ciência à parte. Mais que isso:
uma verdadeira pedra angular da especialidade. Uma espécie de jardim fechado, através de
cujas grades espreitavam os não-iniciados, com um misto de curiosidade, desprezo e inveja,
pasmando para a complexidade das misturas e o nunca acabar de cálculos matemáticos,
mercê dos quais alimentávamos a convião sincera de estar conduzindo a bom termo a
orientação nutricional do lactente.
34
Segundo esse autor, a elaboração dos cálculos de energia e nutrientes era
tão minuciosa que se tornava difícil identificar onde terminava a ciência e começava
o exagero. “Entretanto, essa atitude era sincera. Não traduzia um propósito
deliberado de faire savoir’, mas uma reação contra a rotina que elevava os índices
de mortalidade infantil, uma tentativa de ser mais útil à criança pequena, cujos
distúrbios da esfera nutritiva eram, até então, mal interpretados e pessimamente
corrigidos.”
35
Ainda, segundo TELLES, até então as diarréias, principal causa dos
óbitos infantis, eram tratadas com “poções desinfetantes”, preparadas com uma
33
Até 1934, quando foi criado o INE – Instituto Nacional de Estatística, não havia no país um
órgão que coordenasse e articulasse essas pesquisas. O IBGE foi criado em 1937.
34
TELLES, W. Um século de pediatria. [Texto original publicado no Jornal de Pediatria, em
1983] In: AGUIAR, A.; MARTINS, R. M. (Org.)
História da Pediatria Brasileira
coletânea de Textos
e Depoimentos. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pediatria, 1996, p. 278
35
TELLES, op. cit.
52
infinidade de drogas e que não tinham qualquer eficácia sobre as infeões
intestinais. Enquanto os pediatras deliravam em torno dos cálculos e fórmulas
lácteas, acreditando que poderiam diminuir os índices de mortalidade infantil,
esqueciam-se de que a solução poderia ser buscada em fonte mais simples: o
aleitamento materno.
Os preceitos da escola alemã de pediatria vigoraram entre os pediatras
brasileiros até meados da década de 40. Depois da Segunda Guerra, esses
profissionais passaram a adotar os conceitos e procedimentos da pediatria norte-
americana e conseguiram, segundo TELLES “emergir de um caos de complexidade,
para mergulhar em outro caos: o da simplicidade”, numa referência à praticidade e
objetividade americanas. Esse autor diz ainda que subsistia a afirmativa clássica “de
que um bom par de glândulas mamárias vale sempre mais do que os hemisférios do
mais douto médico”, porém, em seguida, cita a afirmação de um pediatra para
quem “o ingrediente de maior valor, na fórmula alimentar do lactente, continua a ser
o cérebro do médico”
36
, numa clara alusão de que a este cabe a decisão sobre que
tipo de alimento e como deve ser dado ao lactente. Foi a partir desse período,
segundo GANZ, que os anúncios de leite em pó passaram a incorporar a figura do
médico, que avalizava o produto e o associava à ciência.
37
.
Anúncios de leite em pó modificados aparecem de forma sistemática em
revistas médicas na década de 40 e referendam o pediatra na prescrição desses
leites para os lactentes. Nesses anúncios, a falta ou a insuficiência do leite materno
são tratadas como se fosse um fato comum, apregoando-se o leite modificado como
“alimento medicamentoso” para o lactente sadio
38
.
Durante o Estado Novo, instituiu-se o Departamento Nacional da Criança –
DNCr, órgão do Ministério da Educação e Saúde, com a finalidade de proteção à
maternidade, infância e adolescência. A proposta desse órgão implicava uma ativa
participação da sociedade ou de certos atores sociais, como médicos, professoras,
36
TELLES, op. cit. , p.279.
37
GANZ, A L
.
Vozes do diálogo. Mães e médicos na Curitiba de 1910 a 1935
.
Curitiba,
1996. Dissertação ( Mestrado em História). Setor de Ciência Humanas, Letras e Artes. Universidade
Federal do Paraná.
38
GOLDENBERG, P.; TUDISCO, E. Desnutrição: a penetração do leite em pó atras da
propaganda.
Ciência Hoje
, São Paulo, n
0
5, p. 76-79, mar.abr., 1983.
53
autoridades públicas e as mulheres em geral que, com uma boa dose de vontade,
poderiam salvar a infância
39
.
Segundo PEREIRA, nos projetos educacionais, o governo deixava claro o
tipo de família que esperava: aquela composta pelo marido que trabalhava, e era o
“chefe”, e pela mãe que não trabalhava fora de casa, mas ficava cuidando do lar e
dos filhos, os quais, por sua vez, permaneceriam na escola até que pudessem
trabalhar e produzir riquezas para seu país. Esse modelo de família era o da classe
média, que poderia ser composta por operários, funcionários públicos e profissionais
liberais. Não fazia parte desse modelo a participação da mulher no mercado de
trabalho e se, por questões individuais, quisesse fazê-lo, deveria deixar seus filhos,
enquanto trabalhava, nos estabelecimentos criados pelo Estado, locais onde seria
reproduzido um “ambiente familiar”. A mulher de classe alta deveria abandonar as
festas e prazeres mundanos e dedicar-se às obras assistenciais, sendo uma
colaboradora importante dos projetos destinados à população carente. Em qualquer
uma das situações, o papel de mãe, desempenhado em casa ou na sociedade, era o
que melhor correspondia ao ideal estabelecido pelo governo e instituições
assistenciais
40
.
O apoio à mulher que trabalhava e amamentava tornou-se obrigatório a
partir de 1943, com a instalação de creches nas empresas que empregassem mais
de 30 mulheres acima de 16 anos. Entretanto, a penalidade prevista para o não
cumprimento da lei era irrisória e, depois do período de amamentação, as empresas
ficavam desobrigadas de assistir os filhos de suas funcionárias. Mesmo que o
cumprimento da lei fosse assegurado, outros complicadores poderiam inviabilizar ou
dificultar a amamentação dos filhos de mães trabalhadoras, como, por exemplo, o
transporte seguro de bebês por longas distâncias em ônibus ou vagões
superlotados. Além disso, seria preciso considerar que muitas mulheres estariam
excluídas desse benefício, como as empregadas domésticas, trabalhadoras
autônomas, trabalhadoras rurais, entre outras
41
.
39
PEREIRA, A. R. A criança no Estado Novo: uma leitura na longa duração.
Revista
Brasileira de História,
o Paulo
,
vol. 19, n. 38, p. 165-198, 1999.
40
PEREIRA, A. R.,op. cit.
41
BARROSO, Carmen
. Mulher , sociedade e estado no Brasil
.
Brasília: UNICEF; São
Paulo: Brasiliense, 1982.
54
Os Postos de Puericultura foram os equipamentos criados pelo DNCr, nos
quais todas as mães, e não somente as pobres, recebiam orientação médica desde
o início da gravidez, com acompanhamento do filho até a idade escolar. Essas
instituições deveriam ser criadas por meio da iniciativa local e, por isso, dependeriam
da atuação das figuras da sociedade, acima citadas.
Os médicos seguiam a tendência da maioria dos intelectuais da época, os
quais consideravam as doenças que afetavam a população como sendo fruto da
ignorância e do baixo nível sócio-econômico, e achavam assim necessário impedir
que concepções erradas circulassem entre as pessoas, tanto ricas como pobres.
Para eles, a criança apresentava uma tendência natural para a cura, devendo-se,
por isso, evitar o uso excessivo de “drogas. Ela teria condições de desenvolver-se
adequadamente, desde que em contato com o ar fresco, sol, uma dieta adequada e
uma correta orientação da mãe, pois o maior obstáculo para que a criança fosse
sadia, segundo os médicos, era a ignorância materna. Assim, o médico era uma
figura essencial em todo esse processo, aquele que detinha o conhecimento
científico e estava investido pela autoridade oficial como capaz de eliminar a doença
e o mal. Seus conselhos, jamais, eram questionados, e suas ações eram
consideradas como atos benevolentes
42
.
Ao longo do Estado Novo, o governo tentou dar uma nova roupagem aos
programas dirigidos a mães e crianças, criados durante a República Velha, e que
tinham um caráter assistencialista. Um desses programas foi o “Gotas de Leite”
que, além de distribuir leite através do Lactário nos Postos de Puericultura, deveria
ministrar ensinamentos sobre amamentação e higiene a todas as mães,
independentemente da classe social. A pobreza, entretanto, foi mais forte, e o
programa acabou não se diferenciando do original
43
.
O “Gotas de Leite” tinha por objetivo coletar, esterilizar e distribuir o leite
materno, na tentativa de substituir o aleitamento mercenário por um método mais
seguro e higiênico e, ao mesmo tempo, impedir que o emprego da ama-de-leite
prejudicasse o filho desta. Outro programa, desse período, foi o “Missões da Infância
42
PEREIRA, op cit.
43
Id.
55
Feliz”, que distribuía alimentos às crianças pobres, sempre seguidos da orientação
às mães
44
.
A pobreza, as precárias condições de higiene, saúde e alimentação em que
vivia grande parte da população brasileira, continuavam levando milhares de
crianças à morte precoce. De acordo com dados do IBGE
45
, no período 1939-1941,
as maiores taxas registradas de mortalidade infantil estavam em: Recife, com
272,32, Salvador, com 206,30 e Porto Alegre com 180,20 mortes de menores de um
ano para cada mil nascidos vivos.
A alimentação inadequada e insuficiente, juntamente com a falta de água
potável, foi considerada como um dos principais fatores desencadeantes da diarréia
na infância e que levava à morte, milhares de crianças. Os médicos brasileiros
perceberam que uma das formas de tentar sensibilizar a sociedade e o governo
sobre os altos índices da mortalidade infantil
46
seria apresentar, entre seus
argumentos, dados demográficos e econômicos.
Se calcularmos, como fazem as gentes práticas da América do Norte, o valor do homem
em dinheiro e tomarmos, por base de cálculo, a avaliação de 9000$, que o nosso grande e
sábio Afrânio Peixoto deu para a vida humana entre nós, veremos que somente esses
186.132 meninos com menos de um ano de idade que no Distrito Federal morreram, de
1903-1938, representariam se tivessem sido criados, um capital de 1.675.188.000$,
integrado às forças vivas do país.
47
Defendendo idéias sobre o capital humano e progresso social, hoje
consideradas conservadoras, discursos médicos, como o acima, tentavam
sensibilizar a sociedade e convencê-la a agir diante de números tão elevados de
mortes infantis. Podemos observar um descompasso entre o pensamento dos
intelectuais e médicos em relação à valorização da criança para a construção de
uma nação do futuro e a realidade que os altos índices de mortalidade infantil
denunciavam. As crianças morriam às pencas e a sociedade continuava insensível,
44
PEREIRA, op cit.
45
IBGE, Laboratorio de Estatística. Dados da tabela extraída de: anuário estatístico do Brasil
1959. Rio de Janeiro: IBGE, v. 20, 1959. Disponível em www.ibge.gov.br . Acesso em 05/03/2004.
Entre os dados não consta o índice de mortalidade infantil do ps como um todo, durante o período
citado.
46
As taxas, no Rio de Janeiro, oscilavam entre 180 a 190 por mil nascidos vivos, de acordo
com GESTEIRA, M. Puericultura. Rio de Janeiro, 1943. In: AGUIAR, A. MARTINS, R. M. (Org.)
História da Pediatria Brasileira
coletânea de Textos e Depoimentos. Rio de Janeiro: Sociedade
Brasileira de Pediatria, 1996, p. 50.
47
GESTEIRA, M. op. cit., p. 50
56
sendo necessário que se comprovasse com dados estatísticos a conseqüência
dessas mortes na economia do país.
É evidente que a mortalidade infantil não foi um “privilégiodo Brasil, um
país do Terceiro Mundo, com graves problemas em relação à saúde e educação de
seu povo. Países desenvolvidos da Europa, tamm enfrentaram o problema.
Entretanto, as taxas encontradas naqueles países, nos séculos XVIII e XIX, eram
semelhantes às encontradas em nosso país
48
, em pelo menos em muitas de suas
regiões mais pobres, em pleno século XX.
A falta de uma alimentação adequada no primeiro ano de vida, aliada às
precárias condições de higiene e saneamento, potencializa o quadro de infecções
respiratórias e intestinais e doenças infantis que, em circunstâncias mais favoráveis
seriam facilmente debeladas. Como já descrito, essa situação levou à morte
milhares de crianças nas regiões mais desfavorecidas do nosso país. Uma das
soluções que têm sido apontadas desde oculo XIX, para diminuir os índices de
mortalidade infantil, é o aleitamento materno.
2.1.1 Aleitamento Materno, como uma Solução para a Mortalidade Infantil.
Depois da Segunda Guerra, nenhum país do grupo dos desenvolvidos
apresentou taxas de mortalidade infantil superiores a 50 por mil, enquanto no Brasil,
de acordo com dados do IBGE
49
, na década de 50, a taxa média de mortalidade
infantil era de 140 por mil, diminuindo para 120 por mil, em 1960. Somente alguns
países, “verdadeiras repúblicas da miséria”, como Bolívia, Haiti e Honduras
apresentavam índices mais elevados do que a média brasileira
50
. Porém, em regiões
nordestinas, no período de 1960-1961, as taxas eram muito maiores do que a
média nacional, variando, por exemplo, de 161/1000, em Recife para 391/1000, em
Maceió
51
.
48
No final da década de 40, de acordo com o IBGE (1959), as taxas de mortes de menores de
um ano por mil nascidos vivos variaram de 85,05 no município de São Paulo, para 243,56 mortes no
município de Recife.
49
Dados publicados na revista VEJA, de 29/out./1986, p. 102-103 Reportagem :
Um sopro de
vida
, em que mostra dados da pesquisa IBGE-UNICEF, sobre mortalidade infantil no Brasil
50
Id.
51
O Cruzeiro
, p. 12-16, 12 set.,1966:
Morte controla a natalidade.
57
Durante o regime militar, estabeleceram-se metas arrojadas de redução de
mortalidade entre a população materno-infantil. Em relação à mortalidade infantil, a
proposta do Ministério da Saúde era de reduzir 40% até 1980
52
, porém uma
publicação do Ministério da Saúde – MS e do Instituto Nacional de Alimentação e
Nutrição - INAN, que avaliou as condições de alimentação e nutrição no Brasil, no
período 1974-1984, evidenciou a reduzida atenção dada aos programas sociais:
a mortalidade infantil, considerada como indicador bem sensível do nível de saúde,
está declinando de maneira uniforme nas diversas regiões geográficas. No entanto,
a redução ocorre a um ritmo lento e os valores alcançados são ainda indicativos de
uma situação de saúde bastante precária, sobretudo na Região Nordeste.
53
Para ilustrar a afirmação acima, a mesma publicação apresentou uma tabela
“Estimativa de Mortalidade Infantil por Grandes Regiões”, na qual mostrou os índices
de óbitos de crianças menores de um ano, nos períodos 1965-1970 e 1975-1980,
nas Regiões Nordeste, Centro-Sul, Fronteira, e os índices gerais do país, a qual
transcrevemos, a seguir.
TABELA 1 - ESTIMATIVA DE MORTALIDADE INFANTIL POR GRANDES REGIÕES
REGIÃO 1965-1970 1975-1980
Nordeste 136,3 111,0
Centro-Sul 82,0 64,0
Fronteira 111,0 86,0
Brasil 121,4 96,0
FONTE: MARTINS, G. e CAMARGO, L. CNRH-OIT, Março, 1983.
NOTA: Tabela extraída de: MS/INAN. Alimentação e Nutrição no Brasil. 1974-1984., Brasília, p. 37.
Mesmo tratando-se de estimativa, esses dados revelam uma situação
característica de país subdesenvolvido, com diferenças acentuadas entre regiões
muito pobres e outras com populações com melhores condições de vida.
Como causas da mortalidade infantil, o Ministério da Saúde apontou
gastroenterites, infecções respiratórias, prematuridade, doenças próprias da
52
NOVAES, op cit.
53
MS/INAN.
Pró-Memória. Alimentação e nutrição no Brasil. 1974-1984
, p. 27-28.
58
infância, muitas das quais evitáveis por vacinações.”
54
Nesse período, em que a
população urbana continuava a crescer, a falta de saneamento básico, de água
tratada e esgotos sanitários continuou representando um grave problema no controle
dessas enfermidades.
A falta de saneamento, água potável e esgotos sanitários representa um problema crucial
para o controle de enfermidades infecciosas (sobretudo gastrointestinais) e parasitárias. No
Brasil a população urbana vem crescendo a um ritmo muito elevado, sem que se instale a
infraestrutura de serviços básicos de moradia, água e esgotos. No meio rural, por outro lado,
é tradicional a escassez dos recursos de saneamento.
55
As Regiões Norte e Nordeste foram aquelas que receberam as menores
coberturas desse tipo de serviço, o que explica, em parte, os altos índices de
mortalidade infantil.
Outra causa apontada para os altos índices de mortalidade na infância,
refere-se à baixa cobertura de vacinação. Segundo dados da mesma publicação,
apenas 38,3% das crianças de um a quatro anos receberam as doses de vacina
antipólio, tríplice (Difteria, Poliomelite e Tétano), anti-sarampo e anti-tuberculose
(BCG – Bacilo Calmette-Guerin). O meio rural e as Regiões Norte e Nordeste foram
assinaladas com os percentuais mais baixos de proteção coletiva contra essas
enfermidades.
O aleitamento materno foi considerado decisivo no estado nutricional de
crianças até seis meses de idade e na redução da morbi-mortalidade infantil, de
acordo com MS/INAN. Até 1981, segundo a mesma fonte, não existiam, no Brasil,
pesquisas abrangentes e com uniformidade metodológica que possibilitassem a
avaliação das práticas do aleitamento materno. Uma tabela com dados do IBGE
sobre a duração da amamentação é apresentada nessa publicação, chamando a
atenção para as falhas metodológicas havidas na sua coleta, em razão das quais, de
acordo com o MS/INAN, esses valores estariam superestimados. Transcrevemos a
tabela, na íntegra.
54
MS/INAN. op. cit p. 28
55
Id. p. 29.
59
TABELA 2 - NÚMERO MÉDIO DE SEMANAS DE ALEITAMENTO DE MÃES QUE TIVERAM
FILHOS (E AMAMENTARAM) NO PERÍODO DE REFERÊNCIA DE 12 MESES
DURAÇÃO DO ALEITAMENTO EM SEMANASRENDIMENTO
MENSAL DA
FAMÍLIA
BRASIL (*) NORDESTE E. SÃO PAULO
TOTAL (**) 12,3 12,8 11,6
1 Salário Mínimo 13,0 13,6 10,3
Mais de 1 a 2 s.m. 12,4 12,7 10,4
Mais de 2 a 3 s.m. 12,4 13,2 10,0
Mais de 3 a 5 s.m. 12,1 11,7 13,0
Mais de 5 s.m. 12,0 11,1 12,4
FONTE: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (1981).
(*) Exclusive as mulheres residentes em áreas rurais da Região Norte.
(**) Dados expandidos para 1.090.090 mulheres no Brasil, das quais 366.827 na Região Nordeste e
240.909 no Estado de São Paulo.
NOTA: Tabela extraída de: BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto de Alimentação e Nutrição, 1974-
1984, p. 37.
Observa-se que o tempo médio de aleitamento materno no Brasil, no
período, gira em torno de três meses, o que é um valor baixo, se considerarmos que
o tempo ideal preconizado era de seis meses e que, de acordo com o próprio
Ministério da Saúde, os dados da pesquisa estariam superestimados. Percebe-se
que o menor tempo de aleitamento foi entre a população do Estado de São Paulo e
entre o segmento da população com renda familiar inferior a três salários mínimos.
A amamentação exerce um efeito protetor contra as principais enfermidades da
infância e a população de menor renda é justamente aquela que possui as piores
condições de saneamento, água tratada e acesso aos serviços de saúde. Assim,
podemos dizer que, ao apresentar o menor tempo de aleitamento, esse segmento
está duplamente desprotegido, ou seja, mais exposto à morbi-mortalidade infantil.
Em outubro de 1979 (Ano Internacional da Criança), representantes de
países de todo o mundo foram chamados a participar, em Genebra, da “Reunião
Conjunta OMS/UNICEF
56
sobre a Alimentação de Lactentes e Crianças na Primeira
Infância”. Além de representantes de governos, participaram tamm membros de
56
Organização Mundial da Saúde e Fundo das Nações Unidas para a Infância
60
organizações o governamentais, de organismos técnicos, da indústria de
alimentos infantis e cientistas. O objetivo dessa reunião foi expressar a necessidade
de que, tanto governos como órgãos internacionais, a indústria de alimentos e o
pessoal ligado às áreas de saúde e desenvolvimento tomassem “medidas urgentes
para promover a saúde e a nutrição de lactentes e crianças na primeira infância”
57
Como resultado dessa Reunião, elaborou-se um documento, com 12 itens,
em que se afirma que os métodos deficientes de alimentação infantil e suas
conseqüências estão entre os maiores problemas mundiais e obstaculizam o
desenvolvimento social e econômico das nações. O documento afirma ainda que a
nutrição da humanidade foi uma preocupação dos organismos internacionais,
durante as três décadas que antecederam a reunião, e que a desnutrão não
diminuiu, ao contrário, causou milhares de mortes e incapacidades física e mental,
das quais as mulheres, bebês e crianças pequenas foram as maiores vítimas. No
item 7, aborda a questão da amamentação como sendo
parte integrante do processo reprodutivo; é a maneira natural e ideal de alimentar o
lactente, constituindo uma base biológica e emocional inigualável para o desenvolvimento
da criança. Esse e outros efeitos importantes do aleitamento materno na prevenção de
infeões, na saúde e bem-estar da mãe, no intervalo entre partos, na saúde da família, na
própria família, na economia nacional e na prodão de alimentos fazem com que a
amamentação seja um aspecto vital da autoconfiança, dos cuidados primários de saúde e
das atuais estratégias de desenvolvimento. Por essa razão, cabe à sociedade promover o
aleitamento materno e proteger as mães grávidas e lactantes de quaisquer influências que
possam romper esse processo.
58
A declarão da OMS/UNICEF considerou o retorno ao aleitamento materno
como uma estratégia de desenvolvimento. A questão do “natural ou da natureza”, já
utilizada em outras épocas, foi retomada, para sensibilizar as mulheres e a
sociedade sobre a importância da amamentação para a saúde das crianças.
Os argumentos dos discursos utilizados pelos organismos internacionais, a
partir do final da década de 70, são os mesmos de décadas anteriores, apenas mais
elaborados e sofisticados, ao declarar que os métodos deficientes de alimentação
infantil e suas conseqüências são “um dos maiores problemas mundiais e um sério
57
OMS/UNICEF.
Reunião Conjunta OMS/UNICEF Sobre Alimentação de Lactentes e
Crianças na Primeira Infância.
Declaração. Recomendações. Relão de Participantes.
Brasil:UNICEF, 1980, p. 5.
58
Ibid. p. 6
61
obstáculo ao desenvolvimento social e econômico.”
59
No Brasil, esse argumento foi
utilizado num audiovisual, elaborado em 1980 pelo INAN, juntamente com a
Organizão Panamericana da Saúde (OPS) e UNICEF. Com o objetivo de
sensibilizar autoridades de saúde, políticos e outros setores da sociedade para a
importância da amamentação na acumulação de divisas do país num momento de
crise, o audiovisual valorizava os aspectos econômicos do leite materno em relação
aos gastos com leites artificiais
60
.
O esforço para a sensibilização das instituições oficiais foi recompensado,
em fevereiro de 1981, com a implantação do Programa Nacional de Incentivo ao
Aleitamento Materno (PNIAM), através do Instituto Nacional de Alimentação e
Nutrição (INAN), órgão vinculado ao Ministério da Saúde (MS) e com o apoio do
UNICEF. Tendo como principal objetivo a redução das taxas de morbidade e
mortalidade infantis, a estratégia de ação do programa baseava-se na intervenção
nas áreas de educação, organização de serviços de sde e controle estatal das
formas de propaganda de alimentos infantis industrializados. Previa também a
conciliação da amamentação ao seio com o trabalho da mulher fora do lar, com a
construção de creches e respeito às leis de proteção à nutriz.
2.2 O CONTEXTO BRASILEIRO NO PERÍODO 1960-1988 E A ALIMENTAÇÃO
INFANTIL.
O período 1960-1988 caracterizou-se por grandes transformações
econômicas, sociais, políticas e culturais, que contribuíram para as mudanças das
práticas e hábitos alimentares da criança brasileira.
Segundo NATAL, o tema alimentação, no início dos anos 60, assim como
ocorreu durante a década de 50, foi praticamente inexistente na agenda do governo
59
OMS/UNICEF, op. cit., p. 5.
60
RÉA, Marina F. Reflexões sobre a amamentação no Brasil: de como passamos a 10 meses
de duração.
Cadernos de Saúde Pública, São Paulo,
vol. 19 (Sup. 1), p. S37-S45, 2003.
62
brasileiro. Mesmo quando o abastecimento alimentar se tornou dramático, o que se
discutiu foi a questão agrária eo propriamente a alimentação popular
61
.
O Plano de Metas do governo Kubitschek (1956-1960), que propiciou o
desenvolvimento industrial, instalou a indústria automobilística, abriu 20 mil
quilômetros de estradas e construiu Brasília, apresentou tamm grandes problemas
que foram legados aos governos seguintes. No início da década de 60, a dívida
externa consumia grande parte dos valores das exportações, dificultando, dessa
maneira, as importações de matérias-primas, petróleo e bens de capital que a
indústria necessitava para continuar desenvolvendo-se. A inflação girava em torno
de 39%, e oficit público crescia. Os problemas agrários não tiveram a atenção
merecida, o que repercutia na escassez dos produtos alimentícios e na alta dos seus
preços, no aumento das tensões sociais e na migrão dos agricultores,
especialmente dos pequenos produtores rurais, para as cidades
62
.
A partir de 1961, a situação tornou-se mais difícil, pois o desenvolvimento da
economia, estruturada nos grandes investimentos estrangeiros, acentuou as
desigualdades sociais, o que provocou o aumento das tensões, principalmente no
meio urbano. A necessidade de reformas institucionais tornou-se evidente para a
recomposição do sistema político-econômico, de acordo com as possibilidades
abertas pela industrialização, pelo êxodo rural e pela crescente urbanização
63
.
As reformas propostas pelo governo de João Goulart eram uma tentativa de
modernizar o capitalismo e reduzir as desigualdades sociais, o que implicava
grandes mudanças, às quais as elites dominantes opuseram forte resistência. Todos
os setores que o governo acreditou ter como aliados, porque considerava que
seriam beneficiados com as reformas de base, demonstraram seu
descontentamento no decorrer do período
64
. Em relação à saúde, também atingida
pela crise, os documentos institucionais mostravam a impossibilidade de as políticas
e práticas governamentais mudarem a situação vigente
65
.
61
NATAL, J. L. A.
A questão alimentar-nutricional na política econômica (1930-1976)
Um
vai-vem na periferia da agenda pública. Campinas, 1982, 230 f. Dissertação ( Mestrado em Economia
e Planejamento Econômico). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de
Campinas.
62
PAES, op. cit.
63
IANNI, op. cit.
64
FAUSTO, op cit.
65
NOVAES, op.cit.
63
Com a instalação, em 1964, do governo militar, foram introduzidas
profundas modificações no país, as quais se intensificaram em duas frentes: a
política, através da repressão, da censura, prisões, exílios e a econômica, pela
continuidade do processo de industrialização, da internacionalização do capital,
consolidando, no Brasil, o chamado “capitalismo tardio”
66
, com reflexos na área da
saúde e alimentação
67
.
Enquanto a política viveu um dos períodos de maior repressão da história do
país, a economia alcançou êxitos: as finanças foram estabilizadas, o crédito foi
expandido, os preços e a inflação foram controlados; a indústria desenvolveu-se a
passos largos, sendo liderada pelo setor automobilístico, de produtos químicos e de
material elétrico
68
; a construção civil expandiu-se, graças à criação do Banco
Nacional de Habitação – BNH, o qual assumiu também uma parcela significativa do
financiamento do abastecimento de água, esgotos e renovação urbana
69
; o
comércio exterior passou por uma significativa expansão, com importações de bens,
ao mesmo tempo em que se diversificaram as exportações, tanto de produtos
industrializados quanto de agrícolas, com destaque para a soja. Em resumo, o PIB
cresceu, atingindo 11,2%, em 1968 e 10,5%, em 1969. Iniciava-se o “Milagre
Brasileiro”, que se estendeu até 1973
70
. Contudo, sabe-se hoje, que o “milagre” teve
conseqüências sociais graves ao acentuar a concentração de renda, ao abandonar
programas sociais importantes, levando a indicadores muito baixos de saúde,
educação e habitação, os quais medem a qualidade de vida de um povo.
O regime militar preocupou-se com a legitimidade de seu governo junto à
população, razão pela qual ensaiou algumas políticas direcionadas às condições de
vida das camadas mais pobres, como: programas de alfabetização, de assistência
médico-hospitalar e de habitação. O público-alvo desses programas era a família
institucionalmente constituída em torno do “chefe de família”, considerado como
único representante das necessidades de todos os familiares
71
.
66
Termo de João Manuel Cardoso de Melo.
67
NOVAES, op cit.
68
FAUSTO, op.cit.
69
KATZMAN, M.T. Urbanização no Brasil a partir de 1945. In: BACHA, E.; KLEIN, H. (org.)
A
transição incompleta.
Brasil desde 1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 177-223.
70
FAUSTO, op cit
71
GIULANI, P. C. Os movimentos de trabalhadoras e a sociedade brasileira. In: PRIORI, M.
del; BASSANESI, C.
,
op cit., p. 640-667
64
A preocupação com a alimentação da população não fez parte da agenda
dos governos militares até o início da década de 70, talvez porque outras questões,
como o combate à inflação, a retomada do crescimento econômico, a expansão do
mercado interno, a luta pela hegemonia no poder e o “milagre brasileiro”, ocuparam
os espaços do debate
72
.
Até meados da década de 70, considerava-se que a alimentação do
brasileiro era qualitativamente incorreta, pois acreditava-se que ele o sabia fazer
a escolha certa dos alimentos e, por isso, sua alimentação era deficiente em alguns
nutrientes, especialmente em proteínas. Essa crença não era isolada, pois, em
âmbito internacional, instituições como a Food and Agriculture Organization - FAO, o
United Nation Children’s Fund - UNICEF e a World Health Organization – WHO
assumiam que o principal problema nutricional da população de países em
desenvolvimento estava relacionado com a deficiência de proteínas
73
.
Por meio do Estudo Nacional de Despesa Familiar - ENDEF, realizado em
1974-75, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com a assessoria
da FAO, constatou-se que a deficiência nutricional da população estava relacionada
com o baixo consumo de energia, isto é, com a quantidade insuficiente de alimentos
consumida, contrariando, portanto, crenças anteriores de que a alimentação do
brasileiro era inadequada porque ele não sabia fazer as escolhas alimentares
corretas. A partir desse estudo evidenciou-se que, se o brasileiro dispuser de renda
suficiente, sua alimentação passaria a ser variada, além de quantitativamente
adequada. Continuava válida a afirmação de que “não existia no Brasil os que
sabiam e os que não sabiam comer, mas os que podiam ou não comer,”
74
evidenciando que o problema não estava restrito à educação nutricional, mas à
desigualdade social e econômica entre os brasileiros.
Enquanto os programas sociais o receberam a atenção do governo militar,
o setor de telecomunicações progrediu de maneira vertiginosa. Como já abordado
anteriormente, as vantagens do crédito pessoal permitiram à população adquirir
aparelhos de televisão com relativa facilidade. De acordo com FAUSTO, em 1960,
72
NATAL, op cit.
73
SALAY, E. Política de alimentação e nutrição: evolução das abordagens.
Cadernos
de Debat
e, Campinas, n 1, ago.,1993.
74
LIMA, E. da S.
Mal de fome e não de raça:
gênese, constituição e ação política da
educação alimentar . Brasil – 1934-1946. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000, p. 21.
65
apenas 9,5% das residências urbanas possuíam televisão; dez anos mais tarde,
40% das famílias que residiam nas cidades tinham o aparelho
75
.
A decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, provocou modificações
na produção cultural, especialmente pela censura, que desempenhou um papel
decisivo nessa produção. Para MOTA, tornou-se difícil escrever sobre a vida cultural
no Brasil nesse período, não apenas pelo caráter metodológico e teórico referente
ao tema, como também pela disponibilidade da documentação, em geral
fragmentada, uma vez que a cultura crítica não era tolerada pelo sistema
76
.
Porém, se e o projeto de construir uma cultura nacional popular se desfez, a
indústria cultural prosperou, especialmente pelo avanço dos meios de comunicação
e da publicidade. A publicidade comercial, que vinha num ritmo crescente desde as
primeiras décadas do século XX, tomou um grande impulso nos anos 60 e 70, com a
consolidação do “capitalismo tardioe o crescimento do parque industrial e do
mercado de bens materiais. Os grandes conglomerados, que controlavam os meios
de comunicação e cultura de massa, consolidaram-se nesse período, fazendo com
que houvesse uma grande expansão da produção, distribuição e consumo desse
tipo de cultura. Para ORTIZ, a contradição entre cultura e censura deslocou-se para
o plano econômico pois, para conseguir produzir e conquistar o mercado, as
empresas de bens culturais, especialmente as de comunicação como a TV Globo e
TV Tupi, assinaram um protocolo de autocensura e passaram a controlar o conteúdo
de suas programações. Portanto, para esse autor, não houve conflito, pelo menos
aparente, entre desenvolvimento econômico e censura
77
.
Para o desenvolvimento da indústria cultural no país, a publicidade foi
fundamental, tanto que, em 1972, o Brasil foi o 7
0
mercado de propaganda do
mundo, superando países como a Itália, Holanda e Austrália
78
. Sua expansão
ocorreu, em grande parte, motivada pelo desenvolvimento da televisão, favorecida
pelo investimento do Estado, na área de telecomunicações. Isso concretizou os
objetivos do mercado de integrar seus consumidores e do próprio governo de
promover a integrão nacional, ao divulgar seus princípios e ideologias através de
uma publicidade sedutora, sutil e inteligente. Segundo FAUSTO, o Sistema Globo de
75
FAUSTO, B. op cit.
76
MOTA, C.G.
Ideologia da cultura brasileira 1933-1974
. 9 ed. São Paulo: Ática, 2000.
77
ORTIZ,
A moderna ... , op. cit.
78
Id.
66
Televisão, favorecido pelo governo, tornou-se seu porta-voz e expandiu-se até
tornar-se rede nacional, transformando-se no maior canal de expressão do
regime
79
.
Durante o período da ditadura, a propaganda governamental, especialmente
durante os governos Médici e Geisel, tentava ser diferente da propaganda de outras
ditaduras, particularmente daquela produzida durante o governo Vargas.
Esforçando-se para não ser doutrinária e conter poucas referências oficiais,
procurava divulgar a esperança e o otimismo e sugeria modelos de comportamento
considerados adequados pelo governo. A Aerp - Assessoria Especial de Relações
Públicas, criada em 1968, foi a responsável pela produção de filmetes que
procuravam retratar e valorizar o cotidiano do brasileiro, como a vida em falia,
lazer - especialmente carnaval e futebol -, e o trabalho. Esses filmes tinham grande
influência sobre a sociedade, a ponto de a iniciativa privada procurar copiar seu
estilo
80
.
Entretanto, enquanto a Aerp se esforçava para divulgar um clima de
otimismo, as agências privadas de publicidade elaboravam propagandas que
refletiam a conjuntura nacional: “Luta armada contra a carestia”, “Liberte-se da
tirania do coador”, “Mate seu vizinho de inveja”, “Abaixo a ditadura de preços”,
Walita sabe como se bate nas massas”.
81
Ao constatar que certas propagandas
comerciais contrariavam os esforços do governo no sentido de fortalecer o caráter
nacional, o coronel Otávio Costa, chefe da Aerp, solicitou às agências publicitárias
que mudassem sua temática e passassem a divulgar os valores propostos pelo
regime militar – amor, união e solidariedade. A partir de então, a temática sugerida
pelo governo e largamente divulgada nas propagandas oficiais passou a compor
grande parte dos comerciais da época.
Esses valores, tão reverenciados na propaganda oficial e, em seguida,
enfatizados também pela publicidade comercial, não passavam de apelos de
retórica, pois a própria existência de um governo ditatorial, repressivo e que instalou
o medo no país, negava-os. Porém, foi a forma que os militares utilizaram para
79
FAUSTO, op. cit.
80
FICO, op. cit.
81
Embora, os slogans de propagandas citados tenham sido referidos por FICO, op. cit, p.
116, o referente a Walita foi encontrado numa peça publicitária, na Revista
Pais e Filhos
de maio de
1977.
67
divulgar, em suas propagandas, uma das mais fortes tradições do otimismo no
Brasil, ou seja, os brasileiros como seres de fácil convivência, amorosos e “doces”, e
uma tentativa de dissimular a realidade, repleta de conflitos
82
. Também, foi uma
maneira de demonstrar como o Brasil se encaixava com competência na
modernidade, no modo de ser de um país capitalista.
A publicidade comercial, especialmente a de alimentos destinados a
crianças ou que tinham a criança como personagem principal, passou a refletir os
valores e sentimentos da propaganda oficial, sendo raras as imagens publicitárias
com fotos de crianças não-brancas e, quando surgem, são na identificação com a
cor dos produtos como café e chocolate ou em contextos que lembram a natureza,
como, por exemplo, crianças vestidas de índio em propagandas de refrigerante. A
pobreza, a miséria e os altos índices de desnutrição e mortalidade infantil não faziam
parte dessa temática, assim como não fazia parte a questão do menor, cuja
política, durante a ditadura, esteve de acordo com o regime repressivo e autoritário.
A situação da criança brasileira se vê agravada nesse período, em razão do arrocho
salarial e da brutal concentração de renda,
83
com maiores dificuldades de acesso a
saúde, habitação, transporte, educão e alimentação, pelas famílias com menores
rendimentos.
Em 1972, 52,5% da população economicamente ativa recebia menos de um
salário mínimo mensal e 22,8% entre um e dois salários
84
. Além disso, o valor real
do salário mínimo diminuiu consideravelmente. De acordo com dados do
Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos - DIEESE
85
, em 1959, um
trabalhador ganhando o salário mínimo precisava trabalhar 65 horas e 5 minutos
para comprar a “ração média essencial”
86
, para uma família composta por quatro
pessoas. Em 1979, precisava trabalhar mais do que o dobro do tempo, ou seja, 153
horas e 4 minutos.
As relações do governo militar com a USAID - United States Agency for
International Development, que gerenciava o “Programa Alimentos para a Paz”,
foram intensificadas logo no início da ditadura, em 1964. O objetivo dessa parceria
82
FICO, op cit.
83
PILLOTI, F.; RIZZINI, I.
A arte de governar crianças
.
Rio de Janeiro: AMAIS, 1995.
84
FAUSTO, op cit.
85
DIEESE, reproduzido na revista
Isto É,
de 07/05/1980
86
Definida pelo Decreto-Lei n
0
399, de 30/04/1938.
68
era o de reforçar o Programa Merenda Escolar, criado em 1955, o qual passou a
denominar-se Campanha Nacional de Alimentação Escolar CNAE, sob a
coordenação de militares. Os entendimentos com as indústrias de alimentos
formulados ou “nutricionais” foram ampliados, e essas indústrias, foram
reconhecidas pelo governo como de segurança nacional, pois forneciam produtos
formulados desidratados para os treinamentos militares. Houve, segundo
COUTINHO, necessidade de garantir um mercado cativo para essas empresas, o
que foi feito pelo Programa Merenda Escolar. Esse programa desenvolveu-se até o
final da década de 60, quando foi praticamente paralisado diante da ameaça da
USAID de retirar a ajuda alimentar ao Brasil, em virtude da diminuição dos estoques
de excedentes agrícolas dos Estados Unidos
87
.
Em 1972, o governo criou o INAN – Instituto Nacional de Alimentação e
Nutrição, subordinado ao Ministério da Saúde, com as finalidades de funcionar como
órgão central das políticas e das ações de alimentação e nutrição e de elaborar e
propor o PRONAN – Programa de Alimentação e Nutrição. O I PRONAN foi criado
em 1973, “com o objetivo de acelerar a melhoria das condições alimentares da
população, contribuindo para a elevação dos níveis de saúde, índices de
produtividade eveis de renda”. Em virtude da crise por que passava o Programa
de Merenda Escolar na época, causada pela extinção das doações de alimentos
pelo Governo Americano, ao INAN restava dirigir suas ações ao grupo materno-
infantil
88
.
Os altos índices de mortalidade na infância, que preocuparam os higienistas
e os governos do século XIX e da primeira metade do século XX, continuaram sendo
motivo de ações também do Ministério da Saúde, do governo militar que, em 1974,
por meio do Programa de Saúde Materno Infantil, estabeleceu as metas que
deveriam ser atingidas até 1980: a redução de 40% da mortalidade infantil, de 60%
da mortalidade de crianças de 1-4 anos e 45 % da mortalidade materna. Para atingir
esses objetivos, houve o reconhecimento de que os indicadores de saúde refletiam a
situação de vida dos indivíduos e, por isso, tanto a família como a comunidade
deveriam ser o alvo das atenções do programa e não, apenas, a mãe e a criança
89
.
87
COUTINHO, Antonio O. N. Alimentação do brasileiro: uma visão histórica.
Saúde em
Debate
, Londrina, n. 23, p.32-39, 1988.
88
Ibid., p. 37.
89
NOVAES, op cit.
69
O II PRONAN, lançado em 1975 e que vigorou até 1979, tinha, entre suas
linhas de ação, a suplementação alimentar aos grupos materno-infantil, escolares e
trabalhadores. A suplementação alimentar era considerada emergencial e
transitória e deveria ter como alvo a população com renda inferior a dois salários
mínimos. Para o grupo materno-infantil era fornecida tanto uma alimentação básica,
à título de suplementação, quanto uma complementação alimentar, por meio de
produtos formulados desidratados. A primeira, distribuída pelos serviços de saúde,
era composta por alimentos básicos, excedentes de produção, adquiridos de
pequenos agricultores. Esses pequenos agricultores, também, foram alvo das ações
do II PRONAN, que estimulou a racionalização da produção e a comercialização de
alimentos básicos. A complementação alimentar, composta por produtos
industrializados, era distribuída pelas unidades assistenciais da LBA – Legião
Brasileira de Assistência
90
.
Embora técnicos do INAN tenham começado a trabalhar na elaboração do
III PRONAN, em 1980, esse programa não chegou a ser aprovado, optando-se pela
prorrogação do anterior. No período 1980-1981, intensificou-se a crise econômico-
financeira do país, resultando numa considerável redução de recursos que seriam
destinados aos programas e projetos sociais em execução
91
. Uma segunda crise do
petróleo agravou o balanço de pagamentos; as taxas internacionais de juros
continuavam subindo, o que dificultou a obtenção de novos empréstimos do Fundo
Monetário Internacional. Pela primeira vez, desde 1947, o PIB foi negativo, com
uma queda de 3,1%, em 1981
92
. Nessa situação de crise, os programas sociais
sofreram uma desaceleração, até com redução das metas de atendimento à clientela
materno-infantil, através das ações básicas de saúde e suplementação alimentar.
Apesar disso, elaborou-se o programa de incentivo ao aleitamento materno, cujas
atividades foram integradas às demais ações de promoção e saúde da criança.
A crise econômica e financeira continuou, a ponto de a década de 80 ter
sido considerada como a década perdida, pois os índices de crescimento no país,
nesse período, declinaram. O custo social das medidas recessivas foi alto,
repercutindo nos índices de desemprego, na queda de rendimento dos assalariados
90
COUTINHO, op cit.
91
BRASIL. MS/INAN., op cit.
92
FAUSTO, op cit.
70
e no aumento da desigualdade entre ricos e pobres
93
. No período de 1960 a 1981,
5% da população mais rica aumentou sua participação na renda nacional de 28,3%
para 32,7%, enquanto a participação dos 50% mais pobres declinou de 17,45 para
14,2%
94
. Em 1984, as três classes de renda mais baixa (miseráveis, até ½ salário
mínimo-sm; indigentes, de ½ a 1 s.m; e pobres de 1 a 2 s.m. mensais)
compreendiam 61,2% da população economicamente ativa, no Brasil
95
. Foi a
herança de um longo período de ditadura, em que tanto os índices de crescimento
econômico quanto o desenvolvimento das condições para o agravamento da miséria
social foram notáveis.
Com a passagem do regime militar para o civil, o discurso que enfatizava a
proteção aos grupos da população vulneráveis à desnutrição, tanto no aspecto
social como no biológico e que caracterizou os programas de alimentação e nutrição,
no período 1970-1984, foi substituído pelo discurso depolítica de combate à fome e
ao desemprego.
96
Esses enunciados faziam parte do discurso maior da Nova
República, que se propunha a resgatar a dívida social do país. A fome e o
desemprego, que não fizeram parte do planejamento do governo militar, foram
incluídos na proposta do governo civil.
O PRONAN, desenvolvido pelo INAN durante o regime militar, foi substituído
pelos Programas prioritários de Alimentação Popular. A categoria discursiva
“alimentação popular”, segundo VASCONCELOS, foi uma estratégia para
descaracterizar o continuísmo do programa executado durante a ditadura. A
proposta desse programa era erradicar a fome no Brasil, a partir da distribuição
gratuita de alimentos, sendo apresentado como a principal bandeira das Prioridades
Sociais da Nova República
97
. Novamente, ignorou-se a verdadeira causa da
desigualdade social, apregoando-se que a fome e a miséria poderiam ser
combatidas com doações de alimentos.
No primeiro ano da Nova República (1985), não ocorreram mudanças
significativas na situação econômica e social do país, o que criou um
descontentamento crescente da população. A inflão que, em 1984, atingiu
93
FAUSTO, op cit.
94
COUTINHO, op cit.
95
FAUSTO, op cit.
96
VASCONCELOS, F. A. G. A política social de alimentação e nutrição no Brasil: acumulação
de capital e reprodão da fome/desnutrição.
Saúde em Debate,
Londrina,,p. 42,
dez.,1988,
71
223,8%, no ano seguinte, chegou a 235,5%. Além disso, aumentaram as disputas
partidárias e cresciam as denúncias de favoritismo a amigos e grupos econômicos.
Entre a população, difundia-se a imagem de um presidente imóvel, que agia apenas
no sentido de favorecer interesses particulares
98
.
A 28 de fevereiro de 1986, o presidente Sarney anunciou ao país o Plano
Cruzado, através de uma rede de emissoras de rádio e televisão, instituindo
mudanças importantes, como: a moeda em vigor ( Cruzeiro) foi substituída pelo
Cruzado, na proporção de 1000 por 1; foi abolida a indexação, os preços e as taxas
de câmbio foram congeladas, o salário mínimo foi reajustado pela média dos últimos
seis meses, acrescido de um abono de 8%,
99
entre outras. Essas medidas criaram
um clima de otimismo entre a população brasileira e, nesse contexto, foi realizada a
8
a
Conferência Nacional de Saúde, que aprovou a criação do Sistema Único de
Saúde – SUS, cabendo ao Estado garantir o direito à saúde de todos os cidadãos
brasileiros
100
. A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 201, ratifica esse
direito.
Nesse mesmo ano, foi realizada a Conferência Nacional de Alimentão e
Nutrição, quando se identificou a necessidade de mudanças profundas no modelo
de desenvolvimento econômico e social para a erradicação dos problemas
nutricionais do Brasil
101
. A Conferência reconheceu a alimentação também como um
direito de todos os cidadãos e, para isso, ao Estado caberia a implantação de
políticas adequadas à garantia desse direito.
Entretanto, continuaram as políticas emergenciais de distribuição de
alimentos à população. Em 1986, foi criado o Programa Nacional do Leite para
Crianças Carentes – PNL, que ficou popularizado como “o leite do presidente” ou “o
leite do Sarney”. No contexto do Programa de Alimentação Popular, o objetivo era
não permitir que nenhuma criança ficasse sem alimentação, escola e proteção à
saúde. Por isso, até 1989, seriam entregues um litro de leite, todos os dias, a 10
milhões de crianças e fornecidas merenda escolar todos os dias, inclusive nas férias,
para 34 milhões de escolares e cesta básica de alimentos para 15 milhões de
97
VASCONCELOS, op. cit.
98
FAUSTO, op cit.
99
Id.
100
VALENTE, Repensando a área dentro da perspectiva da Conferência Nacional de
Alimentação e Nutrição. Londrina,
Saúde em Debate,
p. 50-57, dez.,1988.
72
gestantes, nutrizes e crianças até 4 anos
102
. Durante a Nova República, o governo
investiu nos programas sociais, numa tentativa de compensar tanto os altos
índices de miséria como o empobrecimento da classe média.
A proposta do PNL era doar um litro de leite a todas as crianças menores de
sete anos, cujas famílias tivessem um rendimento inferior a dois salários mínimos
mensais. Porém, mais da metade das famílias brasileiras estavam incluídas nessa
categoria salarial. A crise da pecuária leiteira tornou impraticável a expansão do
abastecimento para os milhões de beneficiários potenciais. Nesse sentido, o governo
utilizou vários mecanismos, como a importação e o subsídio à importação, o que não
impediu que o produto desaparecesse do mercado, no período do congelamento de
preços
103
.
Como podemos observar, os programas governamentais de suplementação
e complementação alimentar ao grupo materno-infantil continuaram na década de
80. No Estado do Paraná, por exemplo, além do leite em pó, foram distribuídas as
misturas lácteas e a proteína texturizada de soja, fabricadas por empresas sediadas
no próprio Estado.
O que se verifica em todos esses programas de educação para a saúde ou
em relão à alimentação é que foram dirigidos às classes sociais mais carentes na
tentativa de resolver seus problemas, como se suas manifestações fossem a causa
de todas as mazelas que afligiam esses grupos e não o reflexo de uma situação de
vida.
Os programas assistencialistas do governo continuam até os dias atuais,
modificados na roupagem, porém com a mesma intenção: diminuir os índices de
morbidade e mortalidade infantis, já que as políticas governamentais não
conseguem mudar a estrutura econômica do país por meio de uma distribuição mais
justa da riqueza nacional. A cada novo governo, criam-se novos programas, sempre
com a característica de “emergenciais”, mas que se perpetuam tanto no tempo
como na essência.
Em relação ao Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno,
foram inúmeras as publicações na área de saúde lançadas a partir dele, tanto no
101
VALENTE, op. cit.
102
VASCONCELOS, op cit.
103
Id.
73
sentido de orientar a população e os profissionais sobre a importância do retorno ao
aleitamento materno, como na avaliação dos resultados de tal iniciativa. As causas
apontadas para o desmame precoce foram os seguintes: 1) o despreparo dos
profissionais de saúde para a orientação e apoio adequados às mães; 2) o
comportamento da mulher que preferia voltar-se para o mercado de trabalho e que,
por opção ou desconhecimento sobre a importância da amamentação, escolhia um
tipo de alimentação que considerava mais fácil, prática e moderna; e 3) a indústria
com seu marketing que tentava sensibilizar a ambos (profissionais de saúde e
mães).
Muitos estudos foram efetuados, no sentido de verificar os resultados de
tamanho investimento. Cinco anos depois do seu lançamento, em 1986, verificou-se
que a duração mediana da amamentação aumentou nas regiões metropolitanas de
São Paulo e Recife, e que na primeira passou de 2,9 para 4,2 meses, e em Recife ,
de 2,2 para 3,5 meses
104
. Embora o tempo de duração não tivesse um aumento
espetacular, pode-se dizer que apresentou uma elevão que, certamente,
contribuiu para a melhoria do estado nutricional e de saúde das crianças dessas
regiões.
O MS/INAN apresentou resultados de estudos, também efetuados nas
regiões metropolitanas de São Paulo e Recife, sobre o período de duração por tipo
de aleitamento materno, exclusivo e misto, os quais apresentamos nas tabelas que
seguem:
TABELA 3 - DURAÇÃO E INCREMENTO AO ALEITAMENTO MATERNO NA GRANDE SÃO
PAULO.
Observações realizadas Ano/duração em dias Incremento
1981 1987 (%)
Aleitamento exclusivo 43,2 66,6 54,0
Aleitamento misto 89,4 129,6 45,0
FONTE: CEBRAP/FINEP/MS.
NOTA: Tabela Extraída de: MS/INAN. Incentivo ao aleitamento materno: a experiência de Brasília.
Conferência proferida por Marcos de Carvalho Candau, na Reunião sobre aleitamento Materno na
década de 90, em Florença, Itália, agosto de 1980.
104
RÉA, M. F. Reflexões sobre a amamentação no Brasil: de como passamos de 10 meses
de duração.
Cadernos de Saúde Pública
. São Paulo, 19, supl. 1, p. S37-S45, 2003.
74
De acordo com esses dados, houve um aumento considerável na duração e
no incremento do aleitamento exclusivo
105
e misto, na grande São Paulo, no
período de início do PNIAM e seis anos mais tarde (1987).
TABELA 4 - DURAÇÃO E INCREMENTO AO ALEITAMENTO MATERNO NA GRANDE RECIFE.
Observações realizadas Ano/duração em dias Incremento
1981 1987 (%)
Aleitamento exclusivo 14,1 72,9 417,0
Aleitamento misto 65,7 104,4 59,0
FONTE: CEBRAP/FINEP/MS.
NOTA: Tabela Extraída de: MS/INAN. Incentivo ao aleitamento materno: a experiência de Brasília.
Conferência proferida por Marcos de Carvalho Candau, na Reunião sobre aleitamento Materno na
década de 90, em Florença, Itália, agosto de 1980.
Os dados da Grande Recife são muito significativos, com destaque para o
incremento alcançado na duração do aleitamento exclusivo e ampliação do período
do aleitamento misto. Contudo, a avaliação quanto à duração do aleitamento tenha
sido positiva, no período 1981-1987, nas áreas metropolitanas de São Paulo e de
Recife, ainda continuava distante do objetivo proposto pelo Programa que
estabeleceu como meta uma duração de seis meses, ou seja, de 180 dias de
aleitamento materno exclusivo.
Outro resultado atribuído ao crescimento dos índices de amamentação foi a
redução da mortalidade infantil, conforme dados divulgados pelo Ministério da Saúde
e referentes à região metropolitana de São Paulo
106
. A tabela que transcrevemos
mostra o resultado de dois estudos: um, comparativo sobre os índices de
mortalidade infantil na Grande São Paulo, considerando a redução por causas de
morte, nos anos de 1980 e 1987; e outro, especificando a redução total e a redução
atribuída à melhoria da amamentação.
105
De acordo com a mesma fonte BRASIL MS/INAN
. Incentivo ao ...
op cit., o aleitamento
materno exclusivo é definido quando a criança recebe “somente leite materno de sua mãe ou de uma
ama ou extraído e nenhum outro líquido ou alimento sólido, com exceção de gotas ou xaropes de
vitaminas, suplementos minerais ou medicamentos.O aleitamento misto, inclui, além do leite
materno, outro tipo de leite (fluido ou em pó).
106
BRASIL. Ministerio da Saúde; Instituto de Alimentação e Nutrição.
Incentivo ao
aleitamento materno: a
experiência brasileira.
Conferência proferida pelo Doutor
MARCOS DE
CARVALHO CANDAU, Presidente do INAN, na Reunião sobre Aleitamento Materno na década de 90.
Florença, Itália, agosto de 1990.
75
TABELA 5 - COEFICIENTES DE MORTALIDADE INFANTIL (CMI) EM 1980 E 1987, REDUÇÃO
GLOBAL DA MORTALIDADE E REDUÇÃO ATRIBUÍVEL AO AUMENTO DA
FREQÜÊNCIA DA AMAMENTAÇÃO. GRANDE SÃO PAULO.
CAUSAS DE MORTE
CMI*
1980 1987
REDUÇÃO
GLOBAL
(a)
REDUÇÃO
ATRIBUÍVEL À
MELHORIA NA
AMAMENTAÇÃO
(b)
b/a
DIARRÉIA 10,67 2,90 72,8% 32,3% 0,44
INFECÇÕES
RESPIRATÓRIAS 12,22 6,45 47,2% 22,3% 0,47
OUTRAS DOENÇAS
INFECCIOSAS 2,94 1,94 34,0% 17,7% 0,52
OUTRAS CAUSAS 29,34 25,63 14,5% 0,0% 0,00
TODAS AS CAUSAS 55,17 36,92 49,4% 11,8% 0,24
FONTES: FUNDAÇÃO SEADE, 1987. MONTEIRO, C. A; RÉA, M.F.; VICTORA, C.G. O PAULO,
1988.
* Obtidos por mil nascidos vivos (FONTE: Fundação SEADE).
NOTA: Tabela extraída de: MS/INAN. Incentivo ao aleitamento materno: a experiência de Brasília.
Conferência proferida por Marcos de Carvalho Candau, na Reunião sobre aleitamento Materno na
década de 90, em Florença, Itália, agosto de 1980.
Ao comparar os coeficientes de mortalidade infantil por causas de morte em
momentos distintos, a tabela acima permite verificar que houve uma diminuição
significativa, em 1987. Segundo o estudo, fica evidente a importância do aleitamento
materno como fator interveniente na diminuição dos efeitos sinérgicos dos processos
infecciosos sobre o estado nutricional das crianças e em conseqüência dos índices
de mortalidade infantil.
Uma das metas do PNIAM era criar uma coordenação em cada estado, o
que foi conseguido no final de 1981. Essa estratégia possibilitou a participação e o
envolvimento no programa de diversas entidades, como a Conferência Nacional dos
Bispos CNBB, o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, a Legião
Brasileira de Assistência – LBA, associões de classe como a Federação Brasileira
76
de Ginecologia e Obtetrícia e a Sociedade de Pediatria, além de centenas de
grupos de mães, organizados em diversos pontos do país.
Até 1988, não foram implantadas outras políticas de proteção ao aleitamento
materno. Tentou-se transformar o código internacional que havia sido aprovado pela
Assembléia da Organização Mundial da Saúde, em 1981, em norma brasileira,
porém a proposta foi arquivada pelo INAN, em 1983, depois do parecer jurídico do
Ministério da Saúde. Entretanto, esse fato não impediu que a indústria de leite em
pó sofresse pressão internacional do grupo IBFAN International Baby Food Action
Network, para que interrompesse suas promoções comerciais. Esse grupo
incentivou um boicote internacional à Companhia Industrial e Comercial Brasileira de
Produtos Alimentares - Nestlé, a qual mudou os rótulos das embalagens de leites
para lactentes e outras formas de propaganda.
107
Embora o grupo que liderou o
boicote fosse estrangeiro, o Brasil acabou sendo beneficiado, pois a Nestlé liderava,
praticamente sozinha, o mercado de leite em pó no país, e por ser uma
multinacional, as fábricas locais seguiam as orientações da matriz suíça.
A campanha do aleitamento materno foi enfraquecida, segundo RÉA,
quando o Ministério da Saúde publicou uma portaria, em dezembro de 1983,
estabelecendo que as ações de incentivo à amamentação fizessem parte das
ões Integradas de Saúde
108
. Nessa mesma época, o UNICEF redirecionou suas
prioridades para um conjunto de ações básicas de saúde infantil, sendo o
aleitamento materno uma delas. As demais foram o acompanhamento do
crescimento, a rehidratação oral e a imunização.
Finalmente, em 1988, foram aprovadas políticas importantes pró-
amamentação, no país: a Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para
Lactentes, depois de meses de negociação com a indústria; as normas sobre o
funcionamento dos Bancos de Leite Humano que, desde então, além da coleta,
estocagem e processamento do leite, passaram a ser “centros nucleadores de
atividades pró-amamentação”; a inclusão na nova Constituição Brasileira do direito
da trabalhadora a quatro meses de licença maternidade e do pai a cinco dias de
licença paternidade.
107
RÉA, op cit.
108
Id.
77
Se a década de 80 foi considerada perdida pelos economistas, pode ser
considerada ganha pelas instituições que promoveram o aleitamento materno, por
restringir a ação do marketing da indústria de alimentos destinados a lactentes e,
especialmente, por ter constatado – na Grande São Paulo -, resultados favoráveis
sobre a morbidade e mortalidade infantis.
3. ALEITAMENTO MATERNO OU ARTIFICIAL: PRÁTICAS AO SABOR DO
CONTEXTO
Hoje, a alimentação artificial é a mais difundida, (...) a
mamadeira pode ser um substituto perfeitamente
adequado para o seio (Pais e Filhos, out. 1969).
Leite Materno, o precioso líquido da vida (Pais e
Filhos, maio, 1979)
Talvez seja o aleitamento materno a prática alimentar mais discutida e
estudada em todos os tempos. Sua exaltação ou crítica dependem do momento
histórico e cultural por que passa a sociedade. Em determinadas épocas,
amamentar era considerado um ato apenas aceito em mulheres de classe social
inferior, portanto desvalorizado entre os grupos sociais mais abastados, e o
aleitamento mercenário ou o artificial eram os responsáveis pela sobrevivência - ou
pela mortalidade - das crianças. Como vimos no capítulo anterior, em certos
períodos, especialmente quando a desnutrição e a mortalidade infantis atingiram
índices muito elevados, colocando em risco a sobrevivência da espécie humana ou
representando um alto custo para os cofres públicos, os valores foram invertidos e a
amamentação voltou a ser importante e até apresentada como a solução para esses
problemas. Com maior ou menor intensidade, por motivos semelhantes ou
diferentes, essas alternâncias no tempo fazem parte da história da amamentação.
3.1 ALEITAMENTO MATERNO OU ARTIFICIAL : O DISCURSO DE SUAS
PRÁTICAS
No período estudado – 1960 -1988 -, ocorreram importantes mudanças nos
discursos de profissionais de saúde, instituições oficiais e não governamentais
sobre a alimentação infantil no primeiro ano de vida, especialmente quanto à
orientação sobre o tipo de aleitamento a ser ministrado à criança. As alterações
nos
79
enunciados devem-se às transformações econômicas, políticas, sociais,
demográficas, científicas e culturais vividas pela sociedade brasileira nesse período.
Nas reportagens sobre o tema, publicadas em revistas de grande circulação
da época, como O Cruzeiro, Cláudia e Pais e Filhos, fontes principais do presente
trabalho, analisamos o teor dos discursos inseridos naquele contexto histórico.
A partir da consolidação do desenvolvimento industrial no Brasil, o qual, de
acordo com PEREIRA ocorreu no período 1955-1961
1
, a indústria de leite em pó
expandiu-se, especialmente pela entrada do marketing como ferramenta de
promoção e venda desses produtos. As reportagens sobre alimentação infantil nos
primeiros meses de vida, publicadas nas revistas analisadas, especialmente no
início do período em estudo, abordavam tanto a prática do aleitamento materno
como do artificial com leite em . Este último era apresentado de modo explícito
como uma alternativa a ser considerada ou de maneira implícita, ao mostrar as
dificuldades para a realização da amamentação, que acabavam por conduzir a
leitora a optar pelo leite em pó ou sugerir essa opção. De uma maneira ou de outra,
o leite industrializado estava presente, quando o tema era a alimentação do recém-
nascido.
Essa situação pode ser demonstrada numa reportagem publicada no final de
1958, pela revista O Cruzeiro.
2
Embora antecedendo em alguns meses o período
proposto, consideramos importante a análise desse discurso, pois caracteriza o
modo como o aleitamento materno foi tratado nas primeiras décadas do período
estudado.
A publicação aborda uma série de orientações para que as mães tivessem
filhos saudáveis. Sobre a alimentação do recém-nascido, ressaltaram-se as
vantagens do aleitamento materno, como: os aspectos nutricionais, embora fossem
mencionadas sua deficiência em ferro
3
e algumas vitaminas; e os aspectos
imunológicos, de temperatura adequada e de fácil digestibilidade. Também, mereceu
destaque a questão econômica, um dos fatores bastante utilizados em todos os
discursos favoráveis à amamentação, especialmente quando dirigidos às camadas
sociais mais carentes. Outra vantagem destacada foi a constante disponibilidade do
1
PEREIRA, L. C. B. , op. cit.
2
“Ciência e ternura marcam encontroO Cruzeiro, n. 3, p. 88-95, 01 nov.,1958.
3
Nessa época, não se sabia que, embora com menor quantidade de ferro no leite humano,
sua absorção pelo organismo infantil é mais eficiente do que a do leite de vaca.
80
leite, fator relacionado com a economia e a praticidade, uma vez que é ae a
fonte do alimento, a qual - no entender do autor da reportagem – deve estar
sempre próxima e disponível. Entretanto, para que a amamentação fosse bem
sucedida, a reportagem, em sintonia com o discurso médico do período, apresenta
uma série de exigências:
para assegurar à mãe suficiente secreção láctea, deve ela ter repouso físico e mental, bem
como serenidade e confiança, ajustados a uma alimentação sadia, com taxas suficientes de
proteínas, sais minerais e vitaminas. Detalhe importante no aleitamento da criança é que o
lactente deverá estar bem acordado, humorado, demonstrando ter fome e o ambiente
devendo ser tranqüilo, fraldas secas, sem agasalho excessivo, narinas livres e posição
confortável. Isto é importante.
4
Essas orientações descrevem uma situação desejada pela maioria das
mães, porém dificilmente refletiam as condições das leitoras da revista e, por isso,
de difícil realização. O autor da reportagem idealiza o cotidiano materno e não
menciona os problemas que, com freqüência, a mãe precisa enfrentar por ocasião
do nascimento de um filho, como: conjugar o tempo a ele dedicado com os demais
afazeres da casa ou até com o trabalho fora dela; estar tranqüila, serena e
descansada, quando a inexperiência da maternidade a deixa insegura e quando
não acometida por uma depressão pós-parto; conciliar a atenção aos outros filhos e
ao recém-nascido, cuja causa do choro, na maioria das vezes, ela ainda não
aprendeu a identificar. Ainda, segundo a reportagem, ela deveria ter uma
alimentação equilibrada, isto é, com todos os nutrientes e na quantidade exigida pela
condição especial de seu organismo de lactante.
Sabemos que todas as lactantes deveriam usufruir condições adequadas
para que a amamentação ocorresse: sem pressa, sem estresses, sem pressão, em
ambiente tranqüilo e que tanto a mãe como a criança gozassem de bem-estar físico
e emocional. Como tal situação, pelos motivos já abordados, seria privilégio de
poucas, a insistência no ambiente ideal poderia levar a mãe a convencer-se da
qualidade do leite em pó e de que a prática do aleitamento artificial não seria tão
desgastante quanto a do materno, pelo menos nos aspectos físico e emocional.
Tamanha exigência poderia levar a mãe a acreditar que a mamadeira exigiria
4
“Ciência e ternura marcam encontroO Cruzeiro, op. cit.
81
menos trabalho, seu filho estaria bem alimentado e, por isso, tal troca poderia até
ser-lhe benéfica.
Nesse sentido, as exigências da mensagem para o ato de amamentar
desencorajavam a mulher a fazê-lo, possibilitando justificativas para a adoção do
aleitamento artificial.
Mesmo tratando-se de um período em que houve um aumento da
participação feminina no mercado de trabalho, predominava ainda o conceito de
que a mulher deveria dedicar-se ao lar e, por isso, era prática comum ela
interromper seu trabalho em razão do casamento ou com a chegada do primeiro
filho. Conforme apontamos ao citar BASSANESI, entre os anos 50 e 60, a mulher
de classe média trabalhava fora de casa quando a renda do marido não era
suficiente, ou seja, por necessidades econômicas. Porém, era responsável por
todas as tarefas domésticas, pelo cuidado dos filhos e por adequar o salário do
marido às necessidades do lar.
5
Diante de todas as exigências que se faziam à mulher como “rainha do lar”,
poderia parecer normal que o discurso sobre a amamentação estabelecesse
também uma série de normas para ser bem sucedido. Se para a mãe de classe
média, em sua maioria dedicada inteiramente à família, o era fácil conseguir
amamentar seu filho de acordo com as condições ideais preconizadas pelos
profissionais de saúde, para ae da camada mais pobre da sociedade, que
precisava contribuir com o orçamento familiar, sujeita, portanto, a uma jornada dupla
de trabalho, as dificuldades eram ainda maiores.
Embora o apoio à mulher que trabalhava e amamentava estivesse previsto
em lei desde 1943
6
, a falta de creches e a preocupação da mãe com os filhos
pequenos enquanto trabalhava foram temas de publicação na revista O Cruzeiro:
não há um número suficiente de creches e berçários aptos a atender tantas mães
que tem de ajudar seus esposos na luta pela vida
7
. O problema é abordado como
característico dos grandes centros urbanos, onde as atividades das mulheres
concentravam-se nos escritórios, nas repartições públicas, nas fábricas, no
5
BASSANESI, op cit.
6
BARROSO, op cit.
7
O Cruzeiro, n. 31, p. 63-67, 16 maio, 1959.
82
comércio, nas profissões liberais. Contudo, poucos desses locais ou instituições
estavam aptos a atender adequadamente a seus filhos.
Nesse sentido, mesmo que a amamentação fosse estimulada, a sociedade
não apoiava a mulher a fazê-lo. Além de tudo, a descrição das condições
necessárias para que ocorresse a produção láctea e a mãe pudesse amamentar
acabava remetendo para a opção pelo aleitamento artificial, o que ficou evidente na
seqüência do texto da reportagem em análise
8
: Atualmente com os
aperfeiçoamentos dos leites em , a composição mais próxima do leite humano e
com os cuidados higiênicos com os utensílios para o seu preparo, o os pediatras
preferência a esse tipo, quando houver necessidade. O enunciado não refere que
tipo de necessidade justificaria a adoção do leite em pó, o que nos leva a acreditar
que, dado à intensa divulgação do produto entre os médicos e as mães, qualquer
motivo seria suficiente para que o aleitamento artificial prevalecesse.
A reportagem declara que o vínculo mãe-filho - tão enfatizado pelos
profissionais de saúde, assim como pelos psicólogos e psicanalistas, como
necessário ao desenvolvimento psicológico e emocional do bebê -, estaria garantido
desde que o aleitamento artificial fosse o mais semelhante possível ao natural e a
criança recebesse, ao mesmo tempo, alimento, calor e afeto da mãe. Para atender a
essa exigência, a reportagem esclarece que a mamadeira deveria ser dada com a
criança ao colo.
Percebe-se nesse enunciado, como em tantos outros do período em estudo,
que, com a produção dos leites em pó modificados e com sua fórmula aproximada
do leite humano, o discurso, embora defendendo a importância da amamentação,
passou a colocá-la como substituível, procurando tranqüilizar a mulher que não
pudesse amamentar. Continuou seguindo a linha de que o aleitamento materno era
fundamental, porém apontava a possibilidade do aleitamento misto e, se
necessário, apenas o aleitamento artificial.
Durante todo o período em que se discursou sobre o tipo de aleitamento
(materno, artificial ou misto) a ser empregado na alimentação de crianças,
invariavelmente a orientação impressa ou a contida nas mensagens publicitárias
foram no sentido de que a decisão da mãe só fosse tomada em conjunto ou depois
de uma consulta ao pediatra ou ao obstetra. Mesmo em situações em que
83
amamentar ou não dependia única e exclusivamente da vontade materna, a mãe
era aconselhada a consultar o médico, que sempre reivindicava sua participação em
decisões sobre a alimentação infantil. Nesse sentido, a indústria utilizou o
conhecimento e o prestígio da medicina para divulgar e orientar o aleitamento
artificial e, por seu lado, os médicos reafirmaram seu poder, tomando para si a
incumbência de prescrever as fórmulas lácteas a serem ministradas às crianças.
Trata-se, como vimos em FOUCAULT, de um procedimento de controle do discurso
– nesse caso, na sua construção -, efetuado por meio do conhecimento circunscrito
a uma disciplina
9
- à medicina - valorizada pela indústria para atender a seus
próprios interesses, e que passou a ser distribuído e aplicado na sociedade.
É o pediatra quem indica qual o tipo de leite adequado para o seu filho. É ele quem vai
modificando o leite à medida que a criança cresce.
10
...a tendência, hoje em dia é que o pediatra e o obstetra se unam no sentido de dar à mãe o
melhor atendimento. Tudo é tentado no sentido de orientar da melhor maneira a
amamentação. Se realmente se impuser a decisão de interromper a alimentação matinal
[no caso de mãe que trabalha]
esta será tomada pelos dois especialistas em conjunto.
11
O pediatra é a única pessoa capacitada para dizer qual o tipo de leite em pó recomendado
para seu filho.
12
Com tantas possibilidades de escolha
[referindo-se aos leites em pó]
, é melhor que você
siga à risca a receita de seu pediatra. Ele lhe dirá que leite escolher e como prepará-lo.
13
Percebe-se que a implementação do aleitamento artificial está na raiz dos
discursos, do mesmo modo que o pediatra passa a ser visto como um sujeito ativo
na vida da mãe e do filho.
Lembramos que, desde as décadas de 30 e 40, até depois da Segunda
Guerra, os pediatras brasileiros seguiam a orientação da escola alemã, dando um
valor extraordinário ao preparo de fórmulas e, por isso, consideravam-se como mais
esclarecidos que seus colegas. Nas citações acima, percebe-se que esse tipo de
comportamento perdurou por várias décadas, sendo observado em, praticamente,
todos os discursos sobre alimentação no primeiro ano de vida.
8
“Ciência e ternura marcam encontro”,
O Cruzeiro
, op.cit.
9
FOUCAULT, A ordem…, op cit.
10
Cláudia
, p. 241, out., 1970.
11
Pais e Filhos
, p. 36, dez., 1971.
12
Cláudia,
p. 194, out.., 1976.
84
Esses pediatras sentiam-se uma classe destacada na medicina porque
dominavam um conhecimento que as mães, pessoas leigas no assunto ou, até
profissionais de outras especialidades médicas, desconheciam. Também aqui,
percebe-se o controle do discurso, por meio da “rarefação dos sujeitos que falam”,
uma forma de poder que determina condições e que impõe regras as pessoas, para
impedir tenham acesso a ele.
14
Para que os pediatras impusessem seu poder, havia
a necessidade de valorizar e ampliar um conhecimento que, a princípio,
empiricamente, a mãe tinha condições de colocar em prática, simplesmente
amamentando ou preparando a mamadeira com leite fluido ou conforme as
instruções da embalagem do leite em pó.
Em fevereiro de 1969, a revista Pais e Filhos publicou uma reportagem
15
em
que se analisa pormenorizadamente as dificuldades que a mulher - especialmente
aquela inserida no mercado de trabalho - encontrava para amamentar, ao mesmo
tempo em que se destaca o valor imunológico do leite materno em relação às
doenças infecciosas e o desenvolvimento psicológico do bebê que a relação mãe-
filho proporciona. As dificuldades são detalhadas numa espécie de relato semanal
de uma primípara (e pela primeira vez), em que fica evidente o descompasso
entre as orientações do pediatra e a realidade vivenciada com o bebê. Tais
dificuldades levaram à adoção do aleitamento misto na terceira semana depois do
nascimento, por indicação do próprio profissional.
De acordo com o depoimento da mãe, transcrito na reportagem, as
dificuldades aumentavam a cada semana. Fica evidente a preocupação com os
horários das mamadas estabelecidos pelo pediatra, os quais a mãe não conseguia
cumprir porque a criança, segundo ela, tinha um apetite voraz, levando-a a pensar
que seu leite não era suficiente para alimentar o bebê. Meu filho grita como se
estivesse sofrendo muito, o que, por certo, causava-lhe também muito sofrimento.
Nesse período, os pediatras estabeleciam um horário rígido de amamentação,
geralmente de três em três horas, com duração de 15 minutos em cada seio e que
deveria ser seguido pela mãe. Porém, como o leite materno é de mais fácil digestão
que os demais, normalmente, a criança sente fome antes do horário estabelecido.
13
Pais e Filhos, p. 89, maio, 1972.
14
FOUCAULT, A ordem, op cit.
15
A mulher já não sabe o que fazer da amamentação. Pais e Filhos, p. 33-37, fev. 1969.
85
Por isso, a recomendação atual dos profissionais de saúde é a oferta de acordo com
a demanda do bebê, o quê, especialmente, nas primeiras semanas, é muito
freqüente, ou seja, o intervalo entre as mamadas é muito pequeno. Também, não se
determina o tempo de duração da mamada, ficando a critério da saciedade
manifestada pelo bebê.
Na terceira semana, a mãe relatou o seguinte: O pediatra acabou de
diagnosticar é fome. Indicou um leite artificial para complementar as mamadas ao
seio e aconselhou que eu dê a mamadeira sempre depois do seio, para que o leite
continue. A inexperiência da mãe, aliada às orientações inadequadas ou
insuficientes do médico, levou ao aleitamento misto e, no segundo mês, ao
aleitamento artificial. Se o pediatra tivesse orientado a mãe para que amamentasse
sempre que o bebê manifestasse fome, provavelmente a amamentação teria se
prolongado por um período maior de tempo, dispensando o aleitamento misto, o
qual, rapidamente, levou à suspensão do aleitamento materno.
O depoimento dessa mãe deixou claro sua preocupação com o retorno ao
trabalho, a influência dos familiares, a dificuldade em conciliar as exigências do
marido com as do bebê, as noites mal dormidas, os compromissos sociais e sua
culpa, especialmente quando seu obstetra condena sua decisão em interromper a
amamentação no final do segundo mês. Na tentativa de diminuir a culpa, prefere
pensar que, com o próximo filho, conseguirá conduzir as coisas de modo
diferente
16
... , provavelmente com base em sua mal sucedida experiência, pois,
durante vários anos, os pediatras permaneceram com a mesma orientação, não
somente em relação à freqüência e à duração das mamadas, como também à pouca
valorização do aleitamento materno.
A preocupação das mães em amamentar seus filhos, a responsabilidade
com o êxito desse processo e o sentimento de culpa quando não é bem sucedido
m origem no último terço do século XVIII, quando, segundo BADINTER, a
imagem, o papel e a importância da mãe no cuidado de sua prole são modificados
de maneira radical. A partir daí, as publicações “impõem à mulher a obrigação de ser
e antes de tudoe criam o mito que perdura há mais de dois séculos: “o do
instinto materno, ou do amor espontâneo de toda mãe pelo filho.”
17
16
Pais e Filhos, p. 33-37, fev., 1969.
17
BADINTER, op cit., p. 145
86
A condenação da mulher pelo fato de não conseguir amamentar os filhos
deve-se à medicina higienista, pois até então ela desconhecia que só amaria seus
filhos se os amamentasse. Para COSTA, “os higienistas utilizavam este
desconhecimento ou esta ignorância para obrigar as mulheres a amamentarem.
Sem amamentação, diziam eles, não havia amor”
18
, discurso que, com o retorno do
incentivo ao aleitamento materno, perdura até os dias atuais.
Desde o início do período em estudo, até meados da década de 70, a
maioria dos discursos publicados nas revistas analisadas valorizava a
amamentação, sempre destacando as vantagens dessa prática para a criança, ao
mesmo tempo em que considerava as dificuldades que a mulher encontrava ao
tentar realizá-la. De um modo geral, esses problemas eram tratados com realismo
e, na impossibilidade de outra solução, a orientação ia no sentido da adoção do leite
em . Uma reportagem
19
, por exemplo, argumenta que havia mães que, mesmo
sem apresentar qualquer causa orgânica, não conseguiam ter leite suficiente ou o
leite não descia, e o motivo, geralmente, estava na ansiedade, aliada, algumas
vezes, ao choro do bebê, às responsabilidades profissionais, às influências
familiares, entre outros. Para essas situações, a autora do texto recomenda que,
depois da consulta ao pediatra e ao obstetra, a mãe optasse pela mamadeira,
acrescentando que a prescrição de um leite artificial para substituir o natural é mais
fácil hoje do que antigamente, sugerindo que a conduta dos profissionais de saúde
em relão à alimentação do lactente sofreu modificações.
Tanto o desenvolvimento da indústria de leite como as transformações
culturais por que passava a sociedade propiciavam a apresentação de alternativas
para a alimentação infantil, cabendo à mulher – juntamente com o médico - decidir
sobre a conduta a ser seguida. Algumas reportagens deixavam de abordar a
possibilidade do aleitamento artificial apenas quando não havia alternativa, para se
posicionarem francamente a favor dessa prática, liberando ou tentando liberar as
mulheres de qualquer culpa ou constrangimento. Foi o caso de uma reportagem
publicada pela revista Pais e Filhos, em outubro de 1969, enfatizando que a
18
COSTA, op cit., p. 258
19
Pais e Filhos, p. 36, dez., 1971.
87
amamentação deveria ser uma decisão da mulher e valorizando o aleitamento
artificial ao lembrar que
já houve uma época em que a mãe que não tinha condições de alimentar seu filho ao peito
considerava-se
inferiorizada. Hoje, a alimentação artificial é a mais difundida,
especialmente nas grandes cidades, e se a natural é ainda considerada pelos médicos
como a melhor para a criança, a mamadeira pode ser um substituto perfeitamente
adequado para o seio.
20
A liberdade da mulher, as exigências da modernidade e o trabalho foram
razões apontadas para a opção pelo aleitamento artificial, numa total inversão de
valores em relão à décadas anteriores: nesse período, a mãe que amamentasse
poderia ser vista como antiquada ou fora de contexto. A reportagem refere que, nos
grandes centros urbanos, a alimentação artificial é a preferida, pela sua facilidade e
segurança, citando que nos Estados Unidos e Japão existiam mamadeiras prontas,
cujos frascos são descartáveis depois do uso. A referência, especialmente aos
Estados Unidos, considerados como o centro da modernidade e de um estilo de vida
a ser copiado, estimulava as mulheres a adotarem a mamadeira.
A crescente simplificação trazida pela mamadeira libertou a mulher do horário rígido das
mamadas tornando-lhe mais fácil dedicar-se ao trabalho ou diversões. Há ainda mulheres
que, mesmo não trabalhando fora, preferem dar mamadeira aos filhos porque é mais
moderno e outras porque usam como argumento a estética, aceitando o conceito de que dar
de mamar engorda a mulher e a faz ficar com os seios caídos.
21
Percebe-se que, de modo inverso àquele empregado pela primeira
reportagem analisada, e que fazia uma série de exigências para que a
amamentação tivesse êxito, subjetivamente conduzindo para o aleitamento artificial,
esta, explicitamente, aponta as vantagens que, no entender da autora, representa
para a mulher e para a criança a adoção do leite em pó. De um modo ou de outro, a
presença do aleitamento artificial foi constante nesses discursos.
A década de 60, inserida na “Era do Ouro”, foi também importante para as
mulheres, especialmente para aquelas que lutavam pelos seus direitos. Nessa
20
Pais e Filhos,
p. 136, out.., 1969
21
Id.
88
década, fundou-se, nos Estados Unidos , a NOW - National Organization for
Women -, movimento feminista que causou enorme repercussão em todo o mundo.
A pílula anticoncepcional passou a ser fabricada e difundida no Brasil, abrindo para
as mulheres a possibilidade de planejar o nascimento dos filhos e, ao mesmo tempo,
proporcionando-lhes maior liberdade sexual. O trabalho feminino, no Brasil, passou a
ser regulamentado, sendo proibida a discriminação de sexo para nomeações em
repartições públicas, autarquias ou entidades paraestatais. Nessa década,
propagou-se, no Brasil, a guerrilha contra a ditadura militar, que se estendeu até
1974, na qual várias mulheres foram à luta e acabaram presas, torturadas, mortas
ou exiladas pela repressão. Diante desse contexto, a tendência foi para um
discurso feminista e avesso a qualquer comportamento que indicasse passividade
ou submissão. E amamentar, em meio a todas essas transformações e
acontecimentos, poderia ser considerado um obstáculo à liberdade da mulher.
Nesse sentido, com algumas exceções, as reportagens sobre alimentação
do recém-nascido seguiam a orientação da praticidade, do maior conforto e
liberdade para a mulher. Cada vez se torna menor o número de bebês alimentados
ao seio. Será mais fácil dar mamadeira? Talvez. A mãe não fica presa ao bebê o dia
inteiro e sabe exatamente o quanto ele mamou de cada vez.
22
Ao mesmo tempo em
que conquistava seu espaço, a mulher tinha a tranqüilidade do controle sobre a
alimentação do filho, feita por meio de fórmulas lácteas produzidas pela indústria,
com o aval e a prescrição do pediatra. O “não ficar presa” ao bebê traduz a
necessidade de liberdade que o movimento feminista e a indústria de leite em pó
souberam tão bem explorar.
A coluna da revista Cláudia, “A Arte de Ser Mulher” de autoria de Carmen da
Silva, desde 1962 e durante quase 20 anos abordou temas como sexualidade,
reprodução e maternidade, no contexto do movimento feminista, defendendo os
direitos da mulher. Nossos corpos nos pertencem, reinvidicava várias vezes em suas
reportagens, sem jamais abordar a importância da amamentação.
A indústria de leite em pó aproveitou o momento para divulgar com tanta
ênfase seus produtos, que muitas reportagens escritas sob a consultoria de um
pediatra trazem em seus textos as descrições e marcas de leites que poderiam
substituir o leite materno.
89
São inúmeras as reportagens que exemplificam essa situação: uma delas,
publicada pela revista Cláudia
23
, exalta a amamentação para, em seguida, afirmar
que: se você não pode amamentar, não se assuste: há uma infinidade de produtos
que fazem o nenê ficar gordinho em pouco tempo. As fórmulas lácteas, facilmente
levavam ao sobrepeso ou deixavam o bebê “gordinho”, o que era considerado como
sinônimo de robusto ou sadio, sendo esse mais um dos motivos da preferência da
população pelo leite em pó. Sabe-se que o ganho de peso de uma criança
alimentada exclusivamente com leite materno nos quatro ou seis primeiros meses de
vida, geralmente, é menor do que o daquela alimentada com outros tipos de leite.
Tanto que a curva de crescimento adotada pelo Ministério da Saúde
24
, ainda em
uso, é considerada inadequada para a avaliação do crescimento de crianças
amamentadas, pois foi construída num período em que a população foi alimentada
com fórmulas lácteas.
A mesma reportagem citada mostra uma imagem de embalagens de
produtos industrializados e nomina não apenas os leites em pó existentes no
mercado, como também outros alimentos complementares, entre os quais, cereais,
potinhose tipos de açúcar próprios para bebês.
Além da produção e divulgão de diferentes marcas e tipos de leite em pó e
alimentos complementares, outros produtos necessários ao preparo do aleitamento
artificial, como mamadeiras, bicos, chupetas, fervedores, foram produzidos e
divulgados. Esses produtos, com muita freqüência, eram divulgados no meio ou no
final das reportagens sobre alimentação infantil ou aleitamento.
O teor desses discursos e o próprio contexto social e político levaram as
mães a pensar no aleitamento não como prova de dedicão ao bebê, mas como
uma coisa de que você gosta. E de maneira alguma se desesperar se não puder
amamentar
25
, o que tornou esse momento muito diferente daquele em que as
mulheres se sentiam culpadas quando não amamentavam. A preocupação com o
bem-estar e a tranqüilidade da mulher é uma característica importante que aparece
22
Pais e Filhos “Caderno do Recém-nascido”, p. 89-91, maio 1972.
23
Cláudia, “Atenção o nenê vai comer”, p. 241-242, out., 1970.
24
Trata-se da curva de crescimento de 0 a 18 anos, construída pelo National Center Health
Statistic NCHS, através de vários estudos com a população americana no período de 1929 a 1975.
A curva foi recomendada como referencial para a população americana em 1977 e, posteriormente,
foi reconhecida e recomendada pela OMS como padrão de referência internacional.
25
Cláudia, p. 149-152, fev., 1981.
90
nesses enunciados, diferente do que aconteceu na década de 80, quando o foco dos
discursos foi a criança, e à mãe cabia amamentar, independentemente de sua
vontade ou condição física, emocional e social.
Nesse período, o “milagre econômico”, ao mesmo tempo em que provocou -
conforme já descrevemos - enormes desigualdades regionais e sociais, beneficiou
muitos setores da sociedade, como a classe média,que teve acesso ao crédito fácil e
pôde realizar sonhos antigos, como o de adquirir o primeiro (ou o segundo)
automóvel, a casa própria e eletrodomésticos que facilitaram as tarefas domésticas.
Os anos 70, considerados politicamente como “anos de chumbo”, foram também
anos de ouro ao abrir novas fronteiras geográficas, econômicas e possibilitando que
as pessoas se deslocassem em direção a todos os pontos cardeais do país, da
mesma maneira em que se moviam para cima e para baixo na escala social: “anos
obscuros para quem descia, mas cintilantes para os que ascendiam.”
26
Os meios de comunicação, particularmente a televisão, tiveram um impacto
muito grande no país, especialmente a partir do momento em que se iniciaram as
primeiras transmissões em rede, em 1969. Na televisão, os setores médios da
população encontravam seu lazer. Por meio das novelas, dos programas de
variedades e telejornalismo, a população foi informada, embalada, anestesiada. A
publicidade, que teve um grande desenvolvimento e crescimento no período, teve
um papel importante na expansão da indústria cultural, como tamm no estímulo ao
consumo de bens duráveis e outros produtos que a indústria lançava no mercado.
O novo surto desenvolvimentista caracterizou-se também pelos novos bens
de consumo oferecidos nos recém-inaugurados supermercados. Aderir aos reclames
da publicidade, bem como dos meios de comunicação em geral, que informavam,
mostravam novas possibilidades, descortinavam novos horizontes, era participar de
um movimento de modernidade do qual a mulher o podia ficar alheia. Cada vez
mais, a mulher era estimulada a manifestar-se, a tomar decisões em relação à sua
vida e ao seu futuro.
No mesmo momento em que os discursos sobre a alimentação infantil
anunciavam que a prática do aleitamento materno deveria ser adotada - agora de
26
REIS FILHO, D. A. Ditadura militar, esquerdas e sociedade no Brasil.
Diálogos.
La insignia,
p. 12, 29 mar., 2001. Disponível em:
<
htttp:
//
www.lainsignia.org./2001. Acesso em 18/11/ 2003.
91
forma exclusiva - e no mesmo mês e ano (fevereiro de 1981) em que foi lançado o
Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAM) pelo Ministério
da Saúde, a revista Cláudia publicou uma reportagem em que reafirmava ser da
mulher a decisão sobre o tipo de alimento a ser dado à criança. Com o título
Amamentar é uma escolha sua. Não uma obrigação, faz a seguinte chamada:
Antigamente nenhuma mulher se colocaria essa questão. A amamentação era
conseqüência lógica da gravidez. De repente, tudo mudou. O que era natural se tornou
tema de debate. E faz-se até publicidade em torno do seio materno, como gente rica e
segura de nutrição! Essa história é meio complicada e é preciso conhecê-la, para poder
escolher. Porque amamentar, hoje em dia, é uma escolha que a gente faz.
27
Como já abordamos em capítulo anterior, nem sempre a amamentação era
uma “conseência lógica da gravidez, pois houve longos períodos em que as
mulheres, especialmente as das classes sociais mais privilegiadas, não
amamentavam. Amamentar o é um processo tão “natural” como anunciavam
intelectuais, profissionais de saúde, educadores e instituições oficiais e não
governamentais. Inúmeros fatores estão envolvidos: as condições físicas e
emocionais da mãe, depois do parto; a atenção dos profissionais; o apoio familiar,
especialmente do marido - aqui, entra a questão da sexualidade -,; as condições
sócio-econômicas; as preocupações com o trabalho em casa e/ou fora dela; os
demais filhos. São fatores que, com maior ou menor intensidade, interferem no
processo de lactação. Por isso, acreditamos que a decisão de amamentar
deveria ser tomada pela mulher, devidamente esclarecida de todas as vantagens
para o be, sem minimizar ou omitir as dificuldades a serem enfrentadas nesse
processo, sem qualquer tipo de prêmio, punição ou culpa.
Voltando à reportagem, todo o seu enunciado segue o sentido oposto do
discurso das instituições governamentais e dos organismos internacionais, que
associavam os baixos índices mundiais de aleitamento materno às altas taxas de
desnutrão e mortalidade infantis. Lembrada por esses órgãos como uma prática
natural dos mamíferos, sendo a mulher a única fêmea que renunciou às suas
vantagens, a reportagem argumenta que para nós, seres racionais, tudo é mais
27
Cláudia, p. 149-152, fev., 1981.
92
complicado: a vida social, a promiscuidade, a falta de higiene geraram tensões e
vírus, enquanto o parto teve seus momentos de terror
28
. O avanço da ciência e da
tecnologia médica, com todas as medidas de segurança, reduziram, em muito, a
mortalidade materna por ocasião do parto e contribuíram para a diminuição dos
índices de mortes de crianças antes do nascimento e durante estes. Sabemos,
entretanto, que muitos bebês continuaram a morrer antes de completar um ano de
idade nas regiões mais pobres do país, locais sem acesso aos serviços de saúde e
saneamento básico e, portanto, muito distantes do avanço da ciência e da
tecnologia.
Enquanto os discursos oficiais enfatizavam a importância do aleitamento
materno para o desenvolvimento físico, mental e emocional da criança, a reportagem
procurava defender a mulher da classe média, cujo filho podia ter um ótimo
desenvolvimento sem, necessariamente, consumir o leite de sua mãe ou de outra
mulher. Argumentava que, no hospital, são tomadas todas as medidas de segurança
para manter a criança viva, e mesmo que a mãe não amamentasse, poderia criar
laços afetivos com o filho, de outra maneira. Um século depois do primeiro banho de
éter, descobriu-se que o recém-nascido não pode desenvolver-se normalmente sem
o direito ao seio e ao carinho. Seio que não quer dizer leite, mas corpo que aninha e
afaga
29
. Distinção esta que os organismos defensores do aleitamento materno não
faziam e insistiam no argumento antigo dos higienistas, para os quais, amar era
amamentar.
3.2 ALEITAMENTO MATERNO EXCLUSIVO: A SACRALIZAÇÃO DE UMA
PRÁTICA.
Conforme abordado em capítulo anterior, organismos internacionais
retomaram a queso do “natural ou da natureza”, já utilizada em outras épocas,
para sensibilizar as mulheres e a sociedade sobre a importância do aleitamento
materno. Durante décadas, a indústria de leite em pó desenvolveu-se a pleno vapor,
28
Cláudia, p. 149-152, fev., 1981.
29
Cláudia, p. 149-152 fev., 1981.
93
cooptando os pediatras que, prontamente responderam com a divulgação e
prescrição dos chamados leites “maternizados” na alimentação dos lactentes.
Nesse mesmo período, o governo brasileiro adquiriu leite em pó e distribuiu para
crianças de famílias de menor renda, em postos de saúde e de puericultura, em todo
o Brasil. Somente então, a OMS/UNICEF decidiu olhar com preocupação para os
altos índices de desnutrição e mortalidade infantis, no Terceiro Mundo, e
recomendou a todos os governos nacionais (inclusive o brasileiro) a fazê-lo.
Esses altos índices, provavelmente, tenham sido motivados pelas crises
econômicas ocorridas em meados da década de 70 e que, em razão do avanço
tecnológico e da automatização na indústria, levaram milhões de trabalhadores ao
desemprego. Outro fato que, certamente, tamm contribuiu para a desnutrão e
mortalidade infantis, foi a crise do petróleo, que provocou recessões econômicas em
todo mundo e graves repercussões nos indicadores sociais dos países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Durante as “Décadas de Crise”, como
refere HOBSBAWM
30
, que compreenderam o período entre o início dos anos 70 até
o início dos anos 90, os bens reais dos países pobres o acompanharam o
crescimento de suas dívidas, tanto que os países que mantinham investimentos no
Terceiro Mundo resolveram cancelar uma grande parte deles. Em conseqüência, as
condições de vida, já precárias, de uma grande parcela da população, agudizaram-
se, dificultando ainda mais seu acesso aos serviços de saúde e alimentação e
aumentando as taxas de morbi-mortalidade infantil.
Outro fator que acreditamos tenha influenciado a decisão dos organismos
internacionais a manifestar-se e recomendar que novos rumos fossem tomados
pelos governos, comunidade científica e sociedade em relação à alimentação de
lactentes e crianças foi a polêmica entre a indústria de leite em pó e diversos grupos
sociais. A causa dessa polêmica foi a publicação, em 1974, do livro The Baby Killer,
escrito por Mike Muller, um jornalista inglês. Nessa publicação, Muller denunciou que
a elevação dos índices de desnutrição e mortalidade infantis nas populações pobres
da África, Ásia e América Central devia-se ao marketing das indústrias desses
alimentos.
Também no Brasil, na década de 70, especialmente a partir de 1975,
começaram a ser publicados em revistas científicas, particularmente no Jornal de
94
Pediatria – um dos mais importantes periódicos da área
31
-, artigos que defendiam o
aleitamento materno, destacando suas vantagens imunológicas, econômicas e sua
importância como redutor da mortalidade infantil.
A declaração, já referida, da OMS/UNICEF, considerava o retorno ao
aleitamento materno como uma estratégia de desenvolvimento. Em épocas
anteriores, conforme já descrito, alguns pediatras brasileiros, preocupados com o
descaso do governo e da sociedade em relação aos altos índices de mortalidade
infantil, apelavam para a representação dessas mortes na economia do país. Parece
que a salvão dos bebês estava ao alcance de todos os países, muito mais
próxima e mais econômica do que se podia imaginar: no seio de suas mães.
Acreditamos que, embora práticas aparentemente simples e eficientes como
a amamentação pudessem contribuir para a diminuição dos óbitos infantis, não
poderiam ser consideradas como única solução em países ou regiões onde a
miséria predominava. Ao seu lado, deveriam ser implementadas políticas de
distribuição de renda, medidas de saneamento básico, educação e acesso a saúde,
entre outras.
Antecipando-se ao lançamento do PNIAM, em 1981, a maior parte das
reportagens publicadas pelas revistas Cláudia e Pais e Filhos, a partir da segunda
metade da década de 70, mostrara-se integralmente favorável ao aleitamento
materno. Se, em outras publicações - às vezes em revistas do mesmo ano -, o
aleitamento artificial era aceito e até incentivado, nessas, o se aceitava sob
nenhuma hipótese que a mulher não amamentasse. Não existiam contra-indicações
ou impedimentos para o aleitamento materno. Se, até então, aceitava-se que a
mulher poderia ter pouco leite ou simplesmente não ter, agora, qualquer mulher
sadia terá obrigatoriamente leite e a própria gestação e nascimento de um filho são
a maior prova de que se é sadia
32
, escamoteando-se, portanto, a possibilidade de
qualquer enfermidade no período pré ou pós-natal.
30
HOBSBAWM, op cit.
31
O Jornal de Pediatria foi lançado em 01 de janeiro de 1934, no Rio de Janeiro, inicialmente
com o título A Pediatria, e em setembro do mesmo ano teve seu nome alterado, o qual continua até
os dias atuais. A revista, lançada por um grupo de pediatras líder no setor de ensino e serviços, em
1952, foi passada para a Sociedade Brasileira de Pediatria (SOUZA & ALMEIDA, op cit.)
32
Pais e Filhos, jun.,1978.
95
Percebe-se, nesse enunciado, características de um “discurso autoritário”
33
,
uma vez que este não admitia exceções à regra estabelecida pelas instituições
oficiais de saúde, identificadas como agentes exclusivas e detentoras do saber.
Tal enunciado lembra o utilizado, no século XIX , quando a tradição médica
e popular dizia que a nutriz não podia manter relações sexuais, pois seu leite
azedaria, o que fez surgir uma verdadeira indústria do aleitamento, representada
pelas amas de leite. Quando a mortalidade dessas crianças aumentou
consideravelmente e muitas amas continuavam cobrando o pagamento pela
amamentação de crianças já mortas, as mães foram encorajadas a aleitar seus
próprios filhos. “Imediatamente acabou a incompatibilidade entre a relação sexual e
o aleitamento”
34
... Percebe-se, pelo exposto, que os preceitos não mudam apenas
em razão de novos conhecimentos, mas também de acordo com os interesses
políticos ou econômicos.
Nessa mesma linha de raciocínio, outros exemplos podem ser citados, como
as justificativas relacionadas com a quantidade ou qualidade do leite, apresentadas
pelas mães que não conseguiam amamentar. A hipogalactia (baixa produção de
leite) e a agalactia (a falta de leite) e o chamado “leite fraco” foram referendadas
pela medicina do século XIX como eventos essencialmente biológicos, ou seja,
causados pela formação imperfeita dos seios, por afecções e ulcerações destes ou
causas relacionadas com a idade avançada das mães. Com essas causas, o poder
médico justificava de modo satisfatório à população as situações de mães que não
conseguiam amamentar
35
.
A partir da década de 40, no século XX, essas mesmas justificativas foram
amplamente utilizadas pela indústria de leite em pó, na tentativa de valorizar e
divulgar seu produto como substituto do leite materno. Com o retorno do incentivo a
amamentação, na década de 80, essas questões são negadas e atribuídas à pouca
vontade das mães para essa prática. Não existe leite fraco e qualquer mulher sadia
terá obrigatoriamente leite
36
são alguns dos preceitos médicos referendados pelas
instituições oficiais e organizações não governamentais. Novamente, um discurso
que se apoiava apenas em questões biológicas, o considerava questões culturais
33
ORLANDI, op cit.
34
FOUCAULT,
Microfísica...
p.276.
35
SOUZA & ALMEIDA, op cit.
36
Pais e Filhos, jun., 1978.
96
e sociais, transformando esse argumento não só em um dogma, mas também em
norma a ser cumprida por todas as mães, com a orientação dos profissionais de
saúde.
Associado às chamadas de cunho científico, em que se orientava sobre a
fisiologia das mamas ou o processo biológico da lactação, procurava-se provar que
a natureza é sábia
37
, comparando-se a mulher às fêmeas animais e invocando-se
para a beleza e quase santidade que representa a maternidade: o é possível
conceber imagem mais perfeita da maternidade do que a visão de uma mulher
amamentando. O leite que nela se forma através de intrincado mecanismo, revela o
mistério da vida...
38
Percebe-se, nesses discursos, a mesma associação entre
natureza e divindade, apontada por BADINTER, nos argumentos de militantes do
aleitamento materno dos séculos XVIII e XIX, para os quais “lei da natureza”
significava “lei divina”.
39
Assim como BADINTER defende que o amor materno não é inato,
acreditamos que a amamentação, também, o ocorre de modo espontâneo e
natural. A lactação é um processo não apenas biológico, mas tamm psicológico,
emocional e social. Por isso, entendemos que tanto quanto a expressão do amor
materno, a amamentação está condicionada às variações sócio-econômicas da
história, às situações de vida e do cotidiano das mulheres e, sobretudo, ao apoio
que a sociedade pode lhes oferecer.
Muitos dos motivos e apelos que pretendiam chamar a atenção das
mulheres, no final do século XVIII e durante todo o século XIX, para que
amamentassem seus filhos, assemelhavam-se aos apresentados nesse último
quarto do século XX. Embora um longo período de tempo tenha se passado, as
razões que as mulheres contemporâneas apontam para não amamentar não
diferem, na essência, daquelas de séculos anteriores, ou seja: a preocupação com o
corpo e a sexualidade, as atividades e responsabilidades sociais e domésticas e o
trabalho fora de casa ou (nos dias atuais) a realização profissional.
O prazer que a mulher sente ao amamentar - mesmo estando exposta aos
maiores sacrifícios -, a recuperação mais rápida de sua forma física anterior à
37
Pais e Filhos, maio, 1979.
38
Pais e Filhos, out., 1979
39
BADINTER, op cit.
97
gestação - pois os hormônios da amamentação embelezam
40
e aceleram a
involução do útero - são algumas das promessas dos discursos analisados, a partir
do lançamento do PNIAM.
O fato de ae trabalhar fora, ter que cumprir horários rígidos, enfrentar
trânsito ou ônibus superlotados, correr e, na maioria das vezes, realizar ou, no
mínimo, administrar todas as demais tarefas domésticas não impedem - segundo os
discursos desse período - a mulher de amamentar nem diminuem a quantidade de
seu leite: Só não amamenta quem não quer. Esta é uma verdade que deve ser
repetida, porque muita gente ainda a põe em dúvida
41
. Assim, o processo da
lactação e o ato de amamentar, nessas reportagens, estão na dependência total da
vontade individual de cada mulher. De acordo com esses discursos, a possibilidade
de não querer ou não desejar amamentar é considerado um erro e, por isso, deve
ser ignorada. A questão do que é verdade lembra o pensamento de FOUCAULT: “o
problema não é mudar a ‘consciência’ das pessoas, ou o que elas têm na cabeça,
mas o regime político, econômico, institucional de produção da verdade”.
42
Nesse
sentido, parece-nos que houve um exagero na construção desses enunciados, pois
no afã de conseguir-se que todas as mães amamentassem seus filhos, o que, sem
dúvida, seria o ideal, não se admitia qualquer impossibilidade, fosse ela orgânica,
fisiológica, emocional ou social.
Percebe-se que resquícios de pensamentos e normas de condutas do
século XIX estão presentes nesses discursos. COSTA foi muito feliz ao discutir as
exigências herdadas da higiene e que pesam sobre os pais e mães atuais. O amor
e o cuidado nunca são suficientes e “há sempre um ‘a maisa corrigir, um a ‘menos
a tratar”.
43
Quando se trata da amamentação, os discursos são quase que unânimes
em associá-la à grandeza do amor materno.
As revistas femininas estão repletas de depoimentos de mulheres que
trabalhavam fora e conseguiam amamentar com sucesso, exemplos a serem
seguidos. A feminista Carmen da Silva, principal defensora da mulher em
reportagens da revista Cláudia, escreve um texto sobre o aleitamento materno,
publicado em 1984 com o título: “Amamentação ponto de honra na plataforma
40
Cláudia, p. 199-202, mar., 1984
41
Cláudia, maio, 1979.
42
FOUCAULT, Microfísica..., op cit. p. 14
43
COSTA, op cit., p. 15-17.
98
feminista”
44
. Nessa publicação, procurava redimir-se de seu preconceito em relação
à amamentação e passava a concordar que trabalhar e amamentar é uma
conciliação difícil, mas não impossível. Afirmava que, mesmo enfrentando inúmeras
dificuldades, a mulher consegue, pois ... alimentar o próprio filho significa
maternidade total, o que podemos interpretar por: só pode ser considerada mãe,
aquela que amamenta. O teor de seus discursos em favor do aleitamento materno
contraria a defesa que fazia da mulher, em textos essencialmente feministas. De
todo modo, ela não foi a única que, simplesmente parece ter aderido ao discurso
considerado politicamente correto nesse período e que se caracterizou por ser
muito diferente, por exemplo, daqueles que, em outros momentos, insistiam nas
condições ideais para que o processo de lactação ocorresse.
Durante toda a campanha sobre amamentação, na década de 80,
promovida pelos órgãos oficiais em profunda integração com diversos grupos
sociais, a mídia teve um papel fundamental
45
. Divulgou os benefícios do aleitamento
materno tanto para a mãe como para a criança por todos os meios, utilizando-se até
de recursos com um efeito muito importante sobre as diversas camadas da
população, como a divulgão de imagens, depoimentos e reportagens com atrizes
muito conhecidas do público feminino.
Um exemplo desse fato foi a reportagem publicada pela revista Cláudia
46
com o título: “Nada substitui o leite materno. A mulher já tem consciência disso”, em
que traz imagens das atrizes Lucélia Santos e Maria Zilda amamentado seus
filhos. Da mesma maneira como a propaganda de determinados produtos
ou marcas utiliza pessoas célebres para constituírem suas imagens, as instituições
promotoras do aleitamento materno lançaram e continuam lançando mão de
celebridades para divulgar essa prática.
44
Cláudia, p. 199-202, mar.,1984.
45
De acordo com RÉA, (2003, p.S 40), op cit., a primeira campanha na mídia “foi coberta por
quase cem [sic] canais de TV (alcance de 15,5 milhões de famílias) e seiscentas estações de rádio
(vinte milhões de famílias), além de quatro propagandas na imprensa escrita visando a atingir líderes
formadores de opinião.” Embora RÉA tenha se referido a canais de TV, acreditamos que a referência
seria a cem emissoras, pois, na época, o número de canais não alcançava uma dezena eo havia
TV a cabo no Brasil.
99
Ao empregar a imagem de mulheres
famosas amamentando, o PNIAM pretendia mostrar
que a prática do aleitamento deveria ser
universalizada, isto é, as mulheres de todas as
camadas sociais tinham possibilidade de realizá-la.
Lembramos que em determinados períodos da
história as mulheres nobres e da elite consideravam
vergonhoso amamentar seus filhos tanto que
contratavam outras mães para fazê-lo. No período
em estudo, a campanha de incentivo ao aleitamento
materno divulgou imagens de mulheres famosas,
geralmente jovens e belas, certamente, com o
propósito de mostrar que essas mulheres não
temiam que a amamentação interferisse na estética
de seu corpo. Além disso, imagens de celebridades
amamentando, mostram o belo, a harmonia e a
perfeição, o que poderia transformar o ato de
amamentar em um momento mágico, de
transposição da realidade enfrentada pela grande
maioria das mulheres, especialmente das camadas
mais pobres da população ou das trabalhadoras.
No caderno especial “O primeiro ano do
bebê”, publicado pela Pais e Filhos
47
, aparece a
imagem da atriz Bia Seidel dando suco em
mamadeira para seu bebê, ilustrando a orientação
sobre a alimentação da criança aos dois meses de
vida. Essa imagem, certamente, não seria publicada
pela campanha de aleitamento materno, iniciada
depois da publicação desse caderno, por ferir um
dos princípios da amamentação exclusiva que é
a não oferta para o bebê de qualquer alimento, até
46
Cláudia, p. 38, maio, 1983.
47
Pais e Filhos, p. 22-50, ago.,1980.
Imagem 2. Pais e Filhos, p.26, ago.,1980.
Imagem 1. Cláudia, p.199,
mar. 1984.
100
mesmo de água, cs e sucos até o sexto mês de vida.
Qualquer dificuldade ou insucesso em relação à amamentação passaram
a ser atribuídos, pelas instituições favoráveis ao aleitamento, a três fatores. Em
primeiro lugar, à mãe, pois como aceitar que ...negue a seu filho esse gesto de
amor
48
? Até mesmo a rejeição ao leite materno, pelo bebê, devia-se à insegurança,
revolta ou angústia da mãe, que afetavam a criança, a qual passava a ter, segundo
a reportagem, ojeriza não apenas ao leite mas, até ao seu contato físico. O segundo
responsável era o profissional de saúde, especialmente os pediatras, já que 30%
dos recém-nascidos em São Paulo saíam das maternidades alimentados com
mamadeira, por sua orientação
49
. A desinformação desses profissionais sobre o
aleitamento materno era muito grande, pois desde a década de 40 haviam sido
sensibilizados para a utilização de substitutos do leite materno, de acordo com os
preceitos da pediatria alemã e, mais tarde, da americana. À medida que a indústria
do leite em pó o terceiro responsável pelos baixos índices de aleitamento materno
- se expandia e utilizava todos os recursos de marketing para a divulgação de seus
produtos, intensificou-se a motivão dos profissionais de sde para a adoção do
aleitamento artificial.
Ao atribuir a responsabilidade pelo declínio da amamentão às mães e aos
profissionais de saúde, as instituições governamentais davam uma resposta ao
problema e tentavam saná-lo com medidas de orientação e treinamento aos dois
segmentos. Em relação à indústria, em 1988, o governo aprovou as Normas
Brasileiras de Comercialização de Alimentos para Lactentes, com base no Código
Internacional de Substitutos do Leite Materno, as quais foram atualizadas em 1992.
As diferenças sobre o tipo de aleitamento a ser dado à criança, em seus
primeiros meses de vida, ficaram caracterizados nos discursos até aqui analisados.
Acreditamos que a figura abaixo, que aparece numa reportagem sobre educação
sexual, com o título “O Jogo da Verdade”
50
, cujo objetivo era facilitar o diálogo entre
pais e filhos sobre o assunto, ilustra essa questão.
48
Pais e Filhos, nov./1976
49
Dados divulgados em um Curso de Amamentação Materna em São Paulo e citados na
reportagem A amamentão e seus inúmeros benefícios para mãe e filho. Pais e Filhos, p. 86-87,
jan., 1978.
50
Pais e Filhos, p. 20-24, fev., 1972.
101
Nesse jogo, as crianças deveriam escolher a (s) alternativa (s) que
considerassem correta (s):
1) Ele mama no seio da mãe eo pode, de jeito nenhum, alimentar-se de
outro modo?
2) Ele tamm pode ser alimentado com leite comum ou em , na
mamadeira, dado pela mãe?
3) O pai pode dar a mamadeira ao nenen, segurando com muito cuidado e
amor?
Essa figura ilustra não apenas questões que as crianças deveriam
responder, mas tamm as mudanças a respeito da alimentação no primeiro ano de
vida e que marcaram um discurso heteroneo, que variou de acordo com as
transformações ocorridas na sociedade.
Até meados da década de 70, possivelmente, a resposta estaria nos dois
primeiros quadros: se tivesse disponibilidade e vontade, a mãe amamentaria. Se
surgissem dificuldades, poderia oferecer também - ou somente - a mamadeira
(caracterizando o aleitamento misto ou artificial), a qual poderia ser dada por outra
mulher. A partir do momento em que se iniciaram as discussões de gênero na
Imagem 3. Pais e Filhos, p. 24 fev., 1972.
fev.,19722424fev./1982FilhoFilhjoFilhos,Filhosfev./1982
102
sociedade, a participação do pai nesse processo, encontrou espaço. Porém, com o
retorno do incentivo ao aleitamento materno, a mamadeira passou a ser descartada,
a figura masculina - como marido ou pai da criança - poderia aparecer como
elemento de apoio à mulher, para que a amamentação se concretizasse.
Embora o campo de estudos de gênero tenha se consolidado no país, no
final dos anos 70, simultaneamente ao fortalecimento do movimento feminista
51
, a
imagem em questão faz essa abordagem ao destacar a assimetria existente nas
relações sociais entre os sexos, tentando diminuí-la no contexto do cuidado com os
filhos. Aqui, a figura masculina, representada pelo pai, surge como elemento
importante na alimentação da criança, o que não aconteceu nos demais discursos
analisados. Em todas as reportagens que analisamos, em nenhum momento, o pai
foi citado, nem mesmo como o companheiro que poderia ajudar a mulher a decidir
sobre o tipo de aleitamento a ser dado ao filho de ambos. Talvez, porque o pediatra,
em muitas situações, assumiu o papel de orientador da decisão a ser tomada e
porque, até então, o amor paterno tinha “a particularidade de só ser concebido e
realizado à distância”
52
, pois a principal função do pai era a manutenção da família.
Enquanto a mãe simbolizava a casa, o cuidado e a proteção dos filhos,
especialmente durante os primeiros meses ou anos de vida, o pai representava “a
lei, o vigor, o ideal, o mundo exterior”
53
, não lhe cabendo a participação nesses
assuntos que diziam respeito as mulheres.
À medida que as discussões de gênero se fortaleceram, a figura do pai
toma outra dimensão. Como argumenta BADINTER, a partir desse momento, “sob a
pressão das mulheres, o novo pai materna o filho à imagem e semelhança da mãe.
Ele se insinua, como uma outra mãe, entre a mãe e o filho, o qual experimenta
quase indistintamente um corpo a corpo tão íntimo com a mãe quanto com o pai.”
54
Percebemos essa manifestação – embora ainda tímida -, na imagem, onde o pai
aparece como uma pessoa que pode substituir a mãe ao alimentar seu filho com a
mamadeira. Contudo, mesmo tentando diminuir a diferença entre os gêneros, ao
demonstrar que o homem, também, pode alimentar o filho por meio da mamadeira, a
51
FARAH, M. F. S. Gênero e políticas públicas.
Estudos Feministas
, Florianópolis, vol. 12,
n. 1, p. 47-71, jan.-abr., 2004.
52
BADINTER, op. cit., p. 321
53
Ibid., p. 317.
54
Ibid., p. 364.
103
desigualdade é representada pelo travesseiro ou almofada, como se os braços do
pai não fossem tão confortáveis ou aconchegantes quanto os da mãe ou da mulher.
Como apresentado no decorrer deste estudo, o marketing das indústrias
de leite em pó, por meio de intensas campanhas publicitárias, contribuiu para a
construção de elementos culturais que valorizaram seus produtos como substitutos
do leite materno. Este é o tema que apresentamos a seguir.
4. SAÚDE, FELICIDADE E LEITE: O DISCURSO PUBLICITÁRIO DE
ALIMENTOS INFANTIS.
Os progressos da abundância, isto é, da disposição de
bens e de equipamentos individuais e colectivos cada
vez mais numerosos, oferecem em contrapartida
“prejuízos” cada vez mais graves – conseqüências, por
um lado, do desenvolvimento industrial e do progresso
técnico e, por outro, das próprias estruturas de consumo.
Jean Baudrillard
O desenvolvimento da indústria de leite em pó, no período posterior à
Segunda Guerra até a década de 80, colocou à disposição da população a
abundância
de seus produtos com todas as vantagens veiculadas por meio das
diversas estratégias de marketing existentes. Essa produção foi contabilizada no PIB
brasileiro e, certamente, traduzida como contribuição econômica ao crescimento
nacional.
Ao longo desse período, o progresso técnico foi intenso e o discurso
publicitário da maior empresa fabricante de leite em pó enfocava o grande benefício
social que prestava ao país ao contribuir para a redução das taxas de mortalidade
infantil. Mas, algumas décadas mais tarde, foi possível identificar o “outro lado da
moeda”, ou seja, os prejuízos causados especialmente às populações infantis mais
pobres do planeta, que deixaram de ser amamentadas para receber mamadeiras
com leite em pó.
Segundo MARQUES, a contaminação dessas mamadeiras e bicos, pela
falta total ou parcial de água potável necessária para sua higienização, causou
gravíssimos problemas às crianças do Terceiro Mundo
1
. A diluição excessiva do leite
em , realizada pelas camadas mais pobres da população, na tentativa de
economizar o conteúdo da lata para conseguir maior número de mamadas, foi outro
problema encontrado e que ainda ocorre nos dias atuais. O preparo inadequado do
1
MARQUES, op. cit.
105
leite, especialmente quando diluído numa quantidade maior de água do que a
recomendada, não atende às necessidades nutricionais da criança, trazendo
possíveis prejuízos ao seu crescimento e desenvolvimento, debilitando o organismo
e favorecendo o surgimento de infecções e outras enfermidades.
Esses prejuízos causados à nutrição e saúde infantis, em grande parte
atribuídos à indústria de leite em pó, foram divulgados a partir do final da década de
70 e início da de 80, por organizações internacionais e nacionais, ao verificarem os
altos índices de desnutrição e mortalidade infantis que assolavam extensas regiões
do Terceiro Mundo, nelas incluindo-se o Brasil. Até então, a indústria cresceu ao
produzir, modificar e lançar no mercado novos produtos cada vez mais sofisticados,
com o objetivo de “atender às necessidades” de seu público consumidor. Todos os
recursos do marketing, entre eles a mídia, foram utilizados nesse processo, com a
finalidade de sensibilizar as mulheres para a prática do aleitamento artificial e,
conseqüentemente, para o consumo do leite maternizado e outros produtos de
desmame.
Leite maternizado foi a denominação dada pela indústria ao leite em pó com
composição química mais próxima do leite materno, com o objetivo de substituí-lo.
Posteriomente, essa denominação foi substituída por “leite em pó modificado”, em
virtude da publicação do “Código Internacional de Comercialização de Substitutos do
Aleitamento Materno”, pela OMS/UNICEF, em 1979 e em 1988, pela “Norma
Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes”
4.1 LEITE PARA LACTENTES: O PAPEL DA NESTLÉ.
Com a fabricação do leite condensado no final do século XIX, na Suíça, a
indústria de lacticínios conseguiu um desenvolvimento tecnológico que marcou, no
início do século XX, uma profuo de oferta de leites em pó e fórmulas lácteas.
2
A Nestlé – Companhia Industrial e Comercial Brasileira de Produtos
Alimentares -, por ter sido a primeira empresa multinacional de produção de leite em
, instalada no Brasil, em 1921, dominou o mercado de leite em pó e de outros
106
alimentos que complementaram a alimentação infantil, no período em estudo. Até
então, os leites industrializados eram importados e, por isso, seu consumo dava-se
especialmente pelas classes sociais de maior poder aquisitivo.
As peças publicitárias encontradas em nossas fontes principais e analisadas
neste capítulo mostram a hegemonia dessa empresa que tem evoluído ao longo do
tempo. Suas propagandas acompanharam o momento político e cultural do país e
foram dirigidas ao consumidor direto – a população em geral e aos profissionais
de saúde.
Os principais alvos do marketing da indústria de alimentos infantis,
particularmente da Nestlé, no Brasil, especialmente aqueles destinados à criança
durante o seu primeiro ano de vida, foram os profissionais de saúde e as mães.
Entre a indústria e os médicos estabeleceu-se uma reciprocidade de interesses:
enquanto para a primeira interessava a expansão do mercado e os lucros auferidos,
para os médicos, interessava manter o poder do conhecimento sobre a técnica no
preparo das fórmulas lácteas, o que era desconhecido pelas pessoas leigas, como
mães, parteiras e curandeiras. Essa forma de poder foi aceita e se manteve porque,
como lembra FOUCAULT, não se apresenta como uma força negativa, que diz não,
mas sim como um poder que produz saber, que produz discurso
3
. E o discurso da
empresa atingiu os segmentos da população que correspondiam aos seus
interesses: mães, médicos e outros profissionais de saúde.
As estratégias utilizadas pela indústria, em relação aos profissionais de
saúde, foram as seguintes: o estímulo a produções acadêmicas, premiando os
melhores trabalhos na área de Puericultura e Pediatria; a divulgação de estudos
através do Servo de Informação Científica, criado em 1956, juntamente com o
primeiro Curso Nestlé de Atualizão em Pediatria; a distribuição de amostras de
produtos para os pediatras, acompanhados de folhetos explicativos e orientações
sobre a composição química dos alimentos; o patrocínio de eventos científicos, até
financiando a participação de profissionais, entre outros. Com esse tipo de
estratégia, a Nestlé procurou influenciar a formação de profissionais de saúde,
especialmente dos pediatras, com o objetivo de que o produto chegasse aos
consumidores com o aval médico. Lembramos que, desde 1930, as propagandas de
2
SOUZA; ALMEIDA, op.cit.
3
FOUCAULT,
Microfísica ..., op cit.
107
leite em pó incorporaram a figura do médico como avalista do produto, associando-o
à ciência. Como uma autoridade do saber, respeitada pela população, o médico era
o intermediário ideal entre a indústria e o público consumidor.
Durante décadas, particularmente entre 1940-1970, a Nestlé construiu
elementos culturais para valorizar o leite em pó e encarregou-se de disseminá-los na
sociedade brasileira por meio dos pediatras, ou seja, dos profissionais que detinham
o poder de prescrever a dieta da criança nos primeiros meses de vida. O avanço
científico em relação às peculiaridades do metabolismo infantil e conseqüentes
necessidades nutricionais levou à formulão de novos produtos, os quais foram
lançados no mercado e difundidos entre a população. Dessa maneira, a indústria
utilizou a ciência da nutrição para criar abordagens e retóricas no sentido de divulgar
e comercializar seus produtos.
4
Para melhor compreendermos a importância da indústria na disseminação
da cultura do aleitamento artificial, sentimos a necessidade de enfocar esse
processo nas décadas anteriores ao período deste estudo.
Em 1928, a Nestlé lançou, no Brasil o Lactogeno, que se caracterizou por
ser o primeiro leite modificado para lactentes. Esse tipo de leite foi obtido a partir do
leite integral, modificado na sua composição nutricional para aproximar-se do leite
materno, com o objetivo de atender às exigências do organismo do bebê. Foi,
também, chamado “maternizado”, numa clara alusão de semelhança com o leite
materno. A partir dessa data, outras marcas foram ofertadas
5
e divulgadas pela
imprensa.
Nesse período, os médicos, embora acreditassem que o leite em
constituía um avanço, incentivavam a mulher a amamentar. Porém, na
impossibilidade do leite materno, não faziam restrições ao leite em pó, a não ser ao
seu preço, que consideravam elevado para boa parte da população.
Uma das estratégias de marketing muito utilizada nesse período pelas
empresas em geral, foi o lançamento de peças publicitárias, tendo como tema datas
comemorativas. Um exemplo, foi a comemoração do Dia da Criança, o qual foi
instituído oficialmente em 12 de outubro de 1924, associado à comemoração da
4
ALMEIDA, op. cit.
5
De acordo com informações do Serviço Nestlé ao Consumidor, os leites em pó modificados
para lactentes foram lançados na seguinte ordem cronológica: Lactogeno, em 1928; Eledon e
Nestogeno, em 1933; Pelargon, em 1949; Prodieton, em 1959; Semilko, em 1961 e Nanon, em 1969.
108
Descoberta da América. Nos discursos institucionais da época, a criança foi
monumentalizada, numa tentativa de educar física, intelectual e moralmente o
cidadão do futuro. A exaltação da criança tinha como objetivo construir um país
viável, com possibilidade de progresso, ou seja, a infância foi projetada como
“utopia de um novo mundo adulto a ser estabelecido.”
6
Em outubro de 1950, a
Nestlé comemorou a Semana da
Criança, com uma mensagem
publicitária na revista O Cruzeiro.
Abaixo do desenho de um robusto
bebê e do discurso em homenagem
às crianças, apareciam as várias
marcas de leite em pó para lactentes,
leite condensado, farinha láctea e
adoçantes para mamadeiras.
O discurso publicitário da
Nestlé mencionava as crianças de
todas as regiões do país,
ressaltando as diferenças étnicas e
sócio-econômicas e, com forte apelo
emocional, enaltecia a integração
racial e a generosidade do povo
brasileiro.
Pequeninos sêres que enchem de alegria, com seus risos, os lares humildes e os lares
onde nada falta. Sólidos elos que prendem, para sempre, nesta terra acolhedora e amiga,
as novas gerações das várias raças que aqui se fusionaram pelo milagre do amor! São
todas, na sua fragilidade, a grande força que garante a sobrevivência e o futuro da pátria!
Sobre os berços que encarnam tantas esperanças, curvem-se, reverentes, nesta semana
dedicada à criança, os que têm por dever amparar-lhes os primeiros passos, zelar pela sua
saúde e formar-lhes o caráter no culto das melhores virtudes do nosso povo!
7
Cerca de três décadas depois, a mensagem da maior empresa multinacional
de alimentos infantis apresentava o mesmo teor daquelas das instituições oficiais de
6
VEIGA, C. G; GOUVEA, C. S., op cit., p. 140
7
O Cruzeiro, Homenagem da Nestlé à Semana da Criança, p. 66-67, 14 out., 1950.
Imagem 4 O Cruzeiro, p. 66, 14 out. 1950
.
109
épocas anteriores: um discurso político e patriótico, carregado de simbolismos, no
qual idolatrava a criança, exaltava a infância como o futuro do país, ao mesmo
tempo em que lembrava a responsabilidade dos pais, profissionais e educadores
em relão à sua formação, aos cuidados com sua saúde e alimentação. A própria
empresa considerava-se partícipe da formão desse cidadão, ao apresentar os
vários leites em , farinhas para mingaus, açúcares próprios para lactentes, abaixo
de figuras de crianças brincando e bes sorridentes. A idéia explícita, na
mensagem, era a de que a fragilidade desapareceria e os bebês tornar-se-iam
adultos fortes, capazes de garantir o futuro da pátria, desde que alimentados com os
produtos nela apresentados.
Ao completar 40 anos de instalão de sua primeira fábrica no Brasil, a
Nestlé publicou uma propaganda em quatro páginas, com o título: “Nestlé
1921:1961 Quarenta anos a serviço da família brasileira”
8
, com vários desenhos
ilustrativos em que procurava passar uma imagem de empresa cuja principal
8
O Cruzeiro
, p. 45-48, 5 ago., 1961.
Imagem 5.
O Cruzeiro
, n
0
49, p.45-49, 5 ago., 1961.
110
preocupação era produzir alimentos considerados por ela mesma como sinônimo de
qualidade, saudáveis e nutritivos para todas as faixas etárias e, em especial, para a
criança a partir de seu nascimento. Por isso, afirmava que, para as mães, o nome
Nestlé é algo mais: representa a garantia de uma alimentação pura e substanciosa,
adequada a assegurar a saúde e o bom desenvolvimento dos filhos.
Com uma agressiva estratégia de marketing, a Nestlé disseminou a cultura
dos leites industrializados e fórmulas para lactentes, tendo como parceira a
corporação médica na valorização do aleitamento artificial. Eram freqüentes, nas
peças publicitárias da época, as imagens do médico ao lado da falia – figuras
como a acima -, que mostram uma família aparentando saúde, beleza e felicidade,
ao lado de um médico, cujo semblante denota confiança e conhecimento.
Além das figuras que sugerem a qualidade da produção com aprovação dos
médicos, há uma descrição das principais atividades desenvolvidas pela empresa,
em que procurava propagar uma imagem de promotora do desenvolvimento nacional
e afirmar seu compromisso com a queso social, pois recolhe aos cofres públicos
Imagem 6 O Cruzeiro, p.46, 05 ago., 1961
111
elevados tributos fiscais, que redundam em benefício da coletividade. A Nestlé
divulgava também seu estímulo às atividades produtivas do país, ao garantir aos
fazendeiros colocação certa do leite produzido e ao adquirir grandes quantidades de
produtos, como açúcar, cacau, folhas-de-flandres, madeira e papel da indústria
nacional, beneficiando-as. Dessa maneira, deixava implícito na mensagem a
contribuição feita à política nacional-desenvolvimentista do governo de Juscelino
Kubitschek, que “combinava o Estado, a empresa privada nacional e o capital
estrangeiro para promover o desenvolvimento, com ênfase na industrialização.”
9
Entre todas as atividades desenvolvidas, sua pretensa contribuição para a
redução da mortalidade infantil merece ser destacada:
De acordo com o Serviço de Divulgão e Estatísticas do Departamento Nacional da
Criança, depois do lançamento dos alimentos especiais para crianças, houve sensível
redução da mortalidade infantil. Orgulhamo-nos de ter participado desta grande vitória, com
os nossos produtos da linha dietética
10
.
Quando a Nestlé instalou sua primeira fábrica em território nacional, em
1921, o Brasil não dispunha de estatísticas sobre a mortalidade infantil, porém os
dados, já referidos, mostram que em 1960-1961, a média nacional era de 120 por
mil. Embora tenha havido uma redução da mortalidade infantil no Brasil, nesse
período de 40 anos, a taxa poderia ainda ser considerada muito alta e, em regiões
de extrema pobreza, esses valores eram três vezes superiores à média nacional.
Também, é difícil aceitar que a Nestlé tenha contribuído para a redução dos
índices de mortalidade infantil, por vários motivos: o leite em pó, embora com valores
nutricionais aproximados do leite materno, o contém imunoglobulinas
responsáveis pela defesa do organismo infantil, como o leite humano; as condições
de saneamento, na maior parte das regiões brasileiras, eram muito precárias e,
desse modo, a água utilizada para a diluição do leite em pó poderia ser um veículo
de contaminação, tanto no preparo das mamadeiras como na higienizão dos
utensílios; como já mencionado, o custo de uma lata de leite poderia induzir as mães
de baixa renda a diluírem excessivamente o leite em , tornando-o insuficiente em
energia e nutrientes.
9
FAUSTO, op cit., p. 427
10
O Cruzeiro, p. 45-48, 5 ago.,1961,
112
Como já apresentado em capítulos anteriores, a falta de saneamento, ou
seja, de água tratada, de esgotos, a dificuldade de acesso aos serviços básicos de
saúde, a falta de higiene na manipulação e preparo dos alimentos, inclusive do leite
de vaca estiveram entre os principais fatores que levaram à morte milhares de
crianças em idades precoces.
No Brasil, a qualidade do leite foi motivo de reportagens na revista O
Cruzeiro: a primeira, em 1958, “Leite do Rio leva morte a domilio”
11
, descreve as
ssimas condições higiênicas durante a ordenha , a precária situação de saúde dos
rebanhos, a pobreza dos pastos e denuncia que a morte começa cedo. Setenta por
cento das crianças que desaparecem no Distrito Federal são vitimadas pela
impureza do leite. Mais tarde, em 1962, o problema continuou, e a revista publica:
Leite, escândalo engarrafado”
12
, argumentando que 70% das crianças paulistas
morrem por infecções intestinais. É o veneno que usinas sem escrúpulos entregam
ao povo. Ao ingeri-lo, o menino está se expondo à morte, pois o que bebe é uma
verdadeira cultura de bactérias. Embora em tom sensacionalista, as reportagens
revelavam a importância da qualidade do leite no índice de morbidade e mortalidade
de crianças, problema já solucionado, no início do século, em países desenvolvidos.
Se as medidas de saneamento e higiene não chegaram aos países
subdesenvolvidos, a mesma coisa não ocorreu com a expansão do mercado de leite
em , principalmente as fórmulas para lactentes, que foram disseminadas pelo
mundo todo
13
. Ao contrário do que apregoava a Nestlé, em seu anúncio
comemorativo aos 40 anos de instalação no Brasil, de acordo com MARQUES, o
risco da mortalidade de crianças que são alimentadas artificialmente, em regiões
muito pobres, onde persistem os problemas de acesso à água potável, saneamento
básico, é duas ou três vezes maior do que o daquelas que são aleitadas ao seio
14
.
Lembramos também o estudo, apresentado em capítulo anterior, realizado na
Grande São Paulo, cujos dados mostram a redução da mortalidade infantil atribuível
ao aumento da freqüência da amamentação.
11
O Cruzeiro, p. 132-138, 13 set., 1958.
12
Idem, p. 55, 28 jul., 1962.
13
Só no Brasil, a Nestlé expandiu de tal forma seu mercado que em 1958, portanto 37 anos
depois da instalão de sua primeira fábrica em Araras-SP, havia instalado mais quatro fábricas:
Barra Mansa, Araraquara, Porto Alegre e Três Corações.
14
MARQUES, op. cit.
113
Mesmo utilizando-se das vantagens da divulgação da péssima qualidade do
leite de vaca, para propagar a qualidade higiênica e nutricional do leite em , a
morbidade e mortalidade infantis continuavam altas, em razão das condições
miseráveis em que vivia grande parte das crianças brasileiras.
Seu bebê é único no mundo. Para êle existe um tipo especial de Leite
Modificado Nestlé.
15
, anuncia uma peça publicitária com a imagem de um be e,
na parte inferior da página, a foto de sete latas de leite modificado para lactentes,
cada um com uma marca diferente.
A imagem impressiona pela beleza
do bebê e especialmente pela
expressão “determinada” de seu olhar,
reforçando o discurso que enfatiza as
características individuais de cada criança.
Porém, mais do que reforçar o
texto, evoca a admiração pelo belo, o
desejo de cada mãe de que seu filho seja
robusto e sadio como aquele da
propaganda.
Ao mesmo tempo em que
estimula a semelhança da aparência
valoriza as diferenças individuais e utiliza-
se da mensagem publicitária para sugerir à
e a indicação do médico sobre o leite
mais adequado ao seu filho, pois ele não
pode ser comparado nem mesmo com o
irmãozinho mais velho. Não importa o tipo de leite - em pó ou fluído - que tenha
alimentado o filho anterior
16
, cada um tem características próprias que o médico irá
identificar e, a partir daí, receitar a marca de leite em pó modificado que melhor se
adapte a essas características. O texto não menciona se são características
15
Cláudia, p. 17, ago., 1970.
16
Em outra peça publicitária, publicada na revista Pais e Filhos de jul., 1969, p. 21, com o
mesmo tema, o mesmo tipo de leite e marcas, a mensagem é iniciada com a frase Mesmo que sejam
gêmeos..., os bebês não são iguais, apresentando a imagem de dois bebês idênticos.
Imagem 7. Cláudia, p. 17 ago., 1970
114
orgânicas, emocionais ou psicológicas, e os rótulos das diferentes marcas, também,
não mencionam para qual delas o leite ali contido se destina.
A identificação de único no mundo personaliza o be, sugerindo a
personalização do leite a ser empregado em sua alimentação. Embora o produto
seja o mesmo (leite modificado), as marcas são diferentes para que a mãe tenha a
expectativa da escolha ou da indicação, pelo médico, de um leite específico para
seu filho. A escolha, como afirma BAUDRILLARD
17
, é proporcionada ao consumidor
como signo de liberdade.
Ao sugerir à mãe que busque o aval do médico para a decisão sobre a
melhor marca de leite para seu filho, a empresa, ao mesmo tempo em que
apresenta à mãe a possibilidade de escolha
e, dessa maneira, oportuniza a
personalizão”, transfere para o
profissional essa responsabilidade e, assim,
aumenta a confiança no produto.
O primeiro número da revista Pais e
Filhos
18
traz uma peça publicitária com as
mesmas marcas de leite para lactentes, com
a apresentação dos novos rótulos, os quais
trazem a gravura de uma mãe com seu
bebê. Com a frase de anúncio Olhe mamãe:
s dois estamos nos novos rótulos, o
discurso explora a relação mãe-filho,
remetendo-a para a imagem de carinho
que sempre existiu nos leites Nestlé
especiais para bebês, incorporando o
leite em pó às práticas maternas. O binômio
mãe-filho e o sentimento de ternura foram bastante explorados como uma das
vantagens do aleitamento materno em outras publicações sobre alimentação
infantil,dirigidas às mães, já mencionadas neste estudo. Nessa peça publicitária, são
17
BAUDRILLARD, O sistema... , op cit., p. 149.
18
Pais e Filhos, set.,1968, p. 19.
Imagem 8 Pais e Filhos, p. 19, set., 1968.
115
considerados sinônimos do produto divulgado, ou seja, são associados ao leite em
pó.
Nas propagandas sobre os leites modificados, a referência ao leite materno -
quando ocorre - é feita para mencionar sua falta e, por isso, a necessidade de sua
substituição por um leite especialmente adaptado ao organismo infantil, um leite que
o faça forte e sadio
19
. Essa mensagem
aparece na pa publicitária que segue,
cuja imagem consideramos ousada, pois
mostra uma mamadeira com a inscrição
“Na falta de leite materno, Nestlé tem o
leite certo”, divulgando seus leites
modificados. A ousadia desse anúncio
revela-se também na naturalidade
como trata a falta de leite materno, como
se fosse algo que acontecesse com
freqüência.
As expressões “força e saúde”
eram uma constante em discursos
publicitários cujo teor se voltava para o
futuro, incluindo-se o futuro da nação.
Este foi um momento da história
nacional, no qual o futuro do país,
representado pelas crianças, foi muito enfatizado pelos governantes. Também por
isso, a importância de que fossem fortes e sadias. Embora o arrocho salarial
deixasse a classe trabalhadora cada vez mais pobre, a pobreza, a miséria e a
questão do menor abandonado não estavam expostas na publicidade comercial, a
qual deveria estar em sintonia com a propaganda oficial.
Desde sua instalação no Brasil, a Nestlé sempre liderou o mercado de leites
em , o que não impediu o surgimento de outras empresas com
produtos semelhantes. Em 1956, início do Governo JK, cuja política nacional-
desenvolvimentista enfatizou a industrialização, inaugurou-se, na cidade de Mococa,
19
Pais e Filhos, p.43, jun.,1971.
Imagem 9. Pais e Filhos, p. 43, jun. 1971
116
São Paulo, a primeira indústria brasileira de leite em , a qual diversificou sua
produção, em 1975.
O leite em pó integral Mococa, também, foi apresentado, por meio da
publicidade, como leite para bebês, embora fosse integral e não modificado como as
marcas da empresa concorrente. Seu
principal argumento para a
sensibilização do consumidor foi a
imagem da vaca, numa clara
demonstrão de que o leite animal
fazia parte dos hábitos alimentares da
população infantil. Mesmo num
período em que a publicidade havia
avançado em termos de tecnologia,
utilizando com bastante propriedade
fotografias em cores, o anúncio do
leite
20
traz o desenho, simulando
animação e oralidade ao ser escrito
no estilo de uma conversa, na qual um
narrador apresenta ao leitor/
consumidor as figuras que compõem
a mensagem.
A magia é comum nos
anúncios publicitários: “os animais falam e os produtos o aliados resolvendo
impasses e contradições.”
21
Não apenas a oralidade foi emprestada ao animal, como
a ele foram dadas outras características humanas, ao representá-lo com olhos azuis,
com vestido cor de rosa - numa suposta identificação com a mulher – e na posição
vertical, gesticulando com duas patas. A didática da linguagem utilizada, a letra
cursiva bem desenhada e as figuras sugerem uma conversa com crianças
ou mesmo adultos em fase de alfabetização, na aprendizagem das primeiras lições
,
alusão de que o conteúdo da mensagem é lição a ser aprendida.
20
Pais e Filhos
, p. 18. jan., 1969
21
ROCHA, E. P. G.
Magia e capitalismo.
Um estudo antropológico da publicidade. 2. ed.
São Paulo: Brasiliense, 1990.
Imagem 10.
Pais e Filhos
, p. 18 , jan., 1969
117
Mesmo produzindo leites modificados para lactentes, a Nestlé utilizava
também suas estratégias de marketing para divulgar o leite integral Ninho, para
bebês. O leite Ninho foi criado pela Nestlé, em 1944, com uma embalagem cor de
caramelo. Em 1965, foi lançado o Ninho Integral Instantâneo, com a embalagem
atual: amarela, com o nome do produto escrito em letras verdes. Em todas as
propagandas do produto veiculadas nesse período, não aparece a expressão “leite
em pó”, apenas Leite Ninho”, o que caracteriza uma estratégia de marketing e leva
à substituição da denominação do produto pela marca, a ponto de o consumidor
associar leite (em ) a Ninho. A marca acaba construindo uma passagem do
realismo da matéria - identificado pelo nome comum -, ao simbolismo,
caracterizado pelo nome próprio
22
.
Diversos anúncios em
revistas femininas exploraram o
mesmo tema “Fique em paz com sua
consciência. Exija leite Ninho” e
“Saúde, felicidade e leite Ninho”. As
imagens mostram bes segurando
um copo de leite na mão,
engatinhando, dando os primeiros
passos, com a mãe tentando colocá-
los em uma árvore, junto a crianças
maiores, ou seja, sem fazer qualquer
menção explícita, sugerem que o
leite em pó integral destina-se a
bebês de uma faixa etária maior,
pois para os primeiros meses de
vida existem os leites modificados.
Em algumas delas, o que varia é
apenas a imagem, numa tentativa de
22
CARVALHO, N.
Publicidade:
a linguagem da sedução. 2
a
ed. São Paulo: Ática, 1998. 175
p.
Imagem 11.
Pais e Filho
, p. 17, jun.,1971
118
evidenciar que crianças que tomam leite Ninho são sempre crianças saudáveis
e felizes. As imagens agregam ao produto não só situações agradáveis de vida,
em que crianças brincam, alegres e em contato com a natureza, como também
saúde e felicidade.
De maneira implícita, os textos lembram a alimentação da criança nos
primeiros meses de vida, ao afirmarem: a proteção que você vem dando aos seus
filhos desde o nascimento deve continuar. Essa proteção, a que se refere a
propaganda, faz aluo à alimentação com leites em pó modificados Nestlé e que,
agora, deve continuar com o leite Ninho e outros produtos já incorporados na
alimentação de seus irmãos maiores.
Quando o regime militar, por meio da Aerp – Assessoria Especial de
Relações Públicas, procurava, pela propaganda oficial, divulgar o otimismo, assim
como valores que desejaria ver realizados na sociedade brasileira, a publicidade
comercial evidenciou, em suas mensagens, cenas de vida que sintonizavam com
esses ideais. Em imagens de anúncios do leite Ninho, identificam-se situações que
despertam no receptor o desejo de vivê-las em seu cotidiano. Desde o movimento
higienista, passou-se a considerar que o amor de mãe se manifesta pela atenção e
cuidado que ela dedica a seus filhos e,
entre esses cuidados, a alimentação –
que se inicia com o aleitamento
materno - foi considerada
fundamental. A responsabilidade da
e em criar filhos sadios, bem
alimentados e educados, que está
sempre atenta e disponível, traduz o
papel da mulher, aprovado pela
sociedade, evocado pelo discurso
médico e reforçado pelas instituições
governamentais.
As imagens de mães felizes,
que aparecem nas peças publicitárias
brincando com seus filhos saudáveis ou
Imagem 12. Pais e Filhos, jun., 1971, p. 35
119
abraçando-os, transformam uma relação pessoal em uma relação social. Na
concepção da Aerp, a partir da família bem estruturada, alicerçada em valores
morais e sentimentos nobres, é que se constrói uma sociedade com
comportamentos adequados.
Percebe-se, em todas essas mensagens, o que PIRATININGA
definiu como o “benefício da filiação”, ou seja uma estratégia da publicidade
que, utilizando temas como crianças, animais, demonstrações de sentimentos
como amor e afeto, leva as pessoas a se afiliarem a uma determinada “marca”
pelo engajamento de suas emoções
23
.
Se a leitora não identificava
sua vida àquela retratada nos
anúncios publicitários em que
aparecem mães e filhos felizes e
em harmonia, a falha estava em sua
incapacidade para cumprir o papel
que a família e a sociedade dela
esperavam. Problemas que, muitas
vezes, são determinados
socialmente, assumem uma
dimensão particular e individual, e
a tendência é um movimento em
direção ao consumo do produto que
se anuncia como capaz de
transformar o seu cotidiano
na imagem idealizada
24
.
As mensagens com a
frase tema repetem-se em
diferentes peças publicitárias, como
em diferentes períodos de tempo: em algumas muda apenas o cenário, ou seja, a
imagem. Exija leite Ninho e fique em paz com sua consciência, é uma frase
23
PIRATININGA, L. C. de.
Publicidade:
arte ou artifício? São Paulo: T.A Queiróz, 1994. .
24
VESTERGAARD; SCHRODER.
A linguagem da propaganda.
São Paulo: Martins Fontes,
1988.
Imagem 13 Pais e Filhos, p. 53, fev., 1971
120
atemporal aparecendo nas propagandas do produto praticamente durante todo o
período de nosso estudo. Frases imperativas como essa, têm como objetivo
divulgar o leite em pó e persuadir as mães a introduzi-lo na alimentação infantil.
Embora lembrem a filosofia higienista sobre o aleitamento materno que, segundo
Almeida
25
, poderia ser resumida no seguinte lema: “a saúde de seu filho depende
de você. Amamente”, elas têm um enfoque diferente. Enquanto o movimento
higienista procurava estabelecer normas em relação à amamentação, fazendo com
que as mulheres se sentissem responsabilizadas pela saúde de seus filhos e
culpadas, caso não as
seguissem, nas peças publicitárias
de leite em pó, a mensagem faz
desaparecer o sentimento de culpa
,tranqüilizando-as: você dá o que
você tem de melhor a seus
filhos
26
. O produto passa a
representar os sentimentos e
valores mais caros: Leite Ninho: o
melhor que você pode lhe dar
27
,
indispensável, pois é puro e
necessário como o seu amor
28
.
Como aponta BAUDRILLARD, a
publicidade oferece tranqüilidade,
já que sua função é
gratificante e lúdica
29
, jamais
apresentando uma imagem
negativa.
Por ser um leite integral e, portanto, destinado a qualquer faixa
etária (com exceção dos primeiros seis meses, quando então deve ser diluído), a
publicidade utilizou, como tema, crianças de todas as idades para divulgar o leite
25
ALMEIDA, op cit., p. 36
26
Pais e Filhos, p.47, jun., 1972
27
Pais e Filhos, p. 35, jun., 1971
28
Pais e Filhos, p. 55, jan., 1976
29
BAUDRILLARD, O sistema ... , op cit.
Imagem 14. Pais e Filhos, p. 55, jan., 1971
121
Ninho. Essas peças publicitárias, como outras de diferentes produtos e empresas,
procuravam o destoar da política governamental.
O leite é considerado, pela população em geral, como um alimento
completo, e essa idéia é transmitida em muitas publicações ou reportagens dirigidas
às mães, como, por exemplo: o há nada mais completo: o leite é a maior fonte
dos principais elementos nutritivos essenciais ao organismo
30
ou Alimento
completo, o leite não pode deixar de estar presente em nosso processo de
desenvolvimento
31
. Para BARTHES a mitificação da pureza do leite é associada à
da inocência infantil e considerada como uma garantia de força e vigor
32
, o que pode
ser traduzido pela mensagem Ninho faz crianças saudáveis e pela imagem de
pureza” formada pelo conjunto de objetos ou flores de cor branca presentes em
muitas peças publicitárias do leite.
A questão da pureza está relacionada também com a higiene na produção
do leite: a ordenha, a sde dos animais, o transporte e o armazenamento
predispõem o produto à contaminação e dificultam a conservação, enquanto as
empresas possuem a tecnologia adequada para manter o leite, como explicita a
mensagem, fresco e puro. A propaganda chama também a atenção para o aspecto
integral do leite, remetendo a uma preocupação da população em relação a diluição
dos leites fluidos comercializados e à composição nutricional do produto.
A força do marketing
da Nestlé foi tamanha que,
para muitas mães da época,
tornou-se motivo de orgulho
obter fotografias de seus
bebês cercados por latas
vazias de leite em pó. A foto
ao lado foi obtida em 1964,
de um bebê do meio rural
do Estado do Paraná.
Percebe-se que, ao lado de
30
Reportagem da revista Pais e Filhos, fev., 1972.
31
Pais e Filhos , 11,jul., 1973.
32
BARTHES, R.
Mitologias
. 3
a
ed. Rio de Janeiro: Difel, 1978.
Imagem 15. Bebê cercado de latas de leite em
.
122
latas de leite “Ninho”, há outras latas possivelmente de um tipo leite modificado.
Como o custo do leite para lactentes sempre foi mais elevado do que o do integral,
muitas mães passaram a utilizar esse último logo que a criança completasse seis
meses, ou mesmo antes.
Embora a recomendação médica de que o leite em pó utilizado na
alimentação de lactentes fosse omaternizadoou “modificado”, em razão de sua
composição nutricional aproximar-se do leite humano, a indústria, ao divulgar o leite
em pó integral, não deixava claro essa diferença, o que poderia até induzir a erro
mães menos informadas.
Com a mudança na percepção médica sobre o aleitamento materno,
influenciada pelo marketing da indústria de alimentos infantis, o desmame tornou-se
cada vez mais precoce e, além dos leites em pó modificados e do próprio leite
integral para substituir o leite materno, as empresas começaram a produzir outros
alimentos para serem introduzidos na alimentação do be. Em 1968, a Nestlé
lançou, no Brasil, a sua linha Baby de alimentos infantis, que se caracteriza por
papinhas de legumes, carnes ou frutas, embaladas em pequenos potes de vidro (os
potinhos”), prontos para servir. Produtos semelhantes foram também lançados no
mercado, na década seguinte, pela Gerber.
4.2 ALIMENTAÇÃO DA CRIANÇA: A INDÚSTRIA NA COZINHA
As primeiras referências sobre os alimentos de desmame, como vimos,
datam de 1697. As preparações oferecidas para a criança pequena, ao ser
desmamada, deveriam ter uma consistência macia, como mingaus e papas, ou
líquida, como os caldos de galinha. A carne deveria ser mastigada pela ama seca,
antes de ser oferecida. Algumas preparações, pelo menos em relação à
consistência, continuam muito semelhantes àquelas dos séculos XVII ou XVIII,
porém, com a evolução da tecnologia que revolucionou, não apenas as cozinhas
domésticas mas especialmente a indústria de alimentos, a oferta de alimentos para
essa faixa etária diversificou-se de maneira vertiginosa.
123
Para fundamentar o desmame e orientar a alimentação dos bebês, em
meados do século XX, a indústria de alimentos utilizou também outros fatores que
interferiram na queso sócio-cultural do aleitamento materno, como as mudanças
quanto ao papel da mulher na sociedade, a emancipação feminina e as contradições
sobre o trabalho e a vida reprodutiva.
33
Além disso, o próprio governo mostrou-se
um importante aliado da indústria ao disseminar seus produtos e incorporar novos
hábitos alimentares entre as crianças brasileiras, por meio da distribuição de
alimentos formulados e leite em pó na merenda escolar e nos postos de saúde,
efetuada desde os anos 40 até o final do século.
Às vésperas do “Milagre Econômico”, em 1968, a Nestlé lançou no Brasil
sua linha de alimentos infantis, com sopinhas e papinhas prontas para servir. O
momento, sem dúvida, foi oportuno, pois as inovações tecnológicas prometiam
simplificar a vida da dona-de-casa, especialmente as da classe média e alta, que
tiveram acesso aos mais diversos eletrodomésticos, que reduziram o tempo de suas
atividades domésticas. Para a mulher que, além da administração dessas
atividades, preocupava-se com o preparo de refeições para filhos pequenos,
encontrar essas preparações prontas foi um grande avanço.
O cuidado com as gerações futuras fazia parte dos temas da propaganda
oficial, que difundia vários comportamentos considerados adequados pelo regime
militar. A função de educadores dos filhos, atribuída aos pais, era também enfatizada
pelo governo e, nesse sentido, um papel fundamental era exercido pela mãe, a
quem caberia a proteção e o cuidado dos filhos e, por isso, ela era o alvo de
publicidades com o tipo de apelo, como o de uma campanha sobre alimentos
infantis, promovida pela Nestlé.
Criança é nossa primeira preocupação é o tema dessa campanha, que tem
por objetivo divulgar sua linha de Alimentos Infantis Bebê. A imagem
34
mostra o
símbolo de uma criança idealizada, procurando evidenciar que toda criança
alimentada com aquele produto poderia adquirir as características ali visualizadas.
Para um público habituado a uma alimentação tradicional e que começava a
se preocupar com os aditivos e conservantes utilizados pelas indústrias de
alimentos, a empresa procurava mostrar sua preocupação com a saúde das
33
ALMEIDA, op cit.
34
Pais e Filhos, p. 39, dez., 1972
124
crianças e, por isso, com a qualidade dos produtos fabricados. Tentava tranqüilizar
as mães, garantindo que os alimentos
empregados na fabricação desses
produtos eram naturais, sem nenhum
agente químico conservador. Chamava
a atenção para o rigor na seleção das
carnes, frutas e legumes utilizados e
acrescentava: s temos um pouco
mais de trabalho para fazer dos
alimentos infantis Nestlé, o melhor
alimento para seu filho, passando a
mensagem de que aquele alimento
superava até o preparado em casa. A
e deveria estar consciente de que
todo um avanço científico e tecnológico
acontecia por causa dela e de seu filho,
ou seja, que toda a estrutura de uma
empresa convergiu para isso, para a
saúde de seu bebê.
Na mensagem, são destacados os tipos de alimentos que compõem a
preparação: carne, fonte de proteínas; frutas e hortaliças como fontes de vitaminas e
minerais. Estes eram evidenciados pelos programas de educação nutricional,
efetuados por diversas instituições, como postos de saúde, e pelas orientações
divulgadas em reportagens, veiculadas pelas revistas femininas, como importantes
para o crescimento e desenvolvimento de crianças saudáveis. Ao afirmar que ...na
verdade, quem tem a criança como sua primeira preocupação tinha que fazer o
melhor alimento infantil, a empresa foi ao encontro dos desejos e necessidades da
mãe, tomando para si uma preocupação que era dela, apresentando-lhe uma
solução e devotando-lhe sua atenção. Conforme já referenciamos, BAUDRILLARD
argumenta que o produto não é julgado apenas pelo seu valor intrínseco, mas
Imagem 16 Pais e Filhos, p. 39, dez., 1972
.
125
também pelo interesse e atenção que a empresa demonstra pela existência do
consumidor
35
.
A publicidade, de um modo geral, é dirigida para um mercado estratificado, e
suas mensagens o visam atingir a totalidade do público e sim àquele segmento
que interessa sensibilizar e que constitui um mercado cativo ou em potencial. As
mensagens que mostram uma infância idealizada revelam o cuidado, a proteção e o
desvelo que a falia bem estruturada e, especialmente a mãe, devem ter para com
seus filhos. Por isso as mães, de preferência em imagens que sugerem ou
despertam sentimentos positivos, são as favoritas das empresas de alimentos que
apelam para esses signos, garantindo tanto consumidores do presente como do
futuro, pois ao estimular o consumo do público infantil, estão formando hábitos que
muitas vezes se perpetuam por toda a vida.
Conforme abordamos em capítulo anterior, as crianças tendem a preferir
alimentos que lhe são familiares, daí a importância dos primeiros alimentos ofertados
na alimentação do bebê, para a formação de seus hábitos alimentares e para a sua
manutenção, quando adolescentes ou adultos.
Um dos principais elementos de interação entre pais e filhos, durante os
primeiros anos de vida, é a alimentação. Nesse período, as crianças aprendem o
que é comestível, quando e como podem comer, começam a identificar sabores, os
diferentes tipos de alimentos e a manifestar suas preferências e rejeições. A
indústria de alimentos, ao promover e desenvolver pesquisas científicas nessa
área
36
, tem perfeito conhecimento de todos os elementos que contribuem para a
formação dos hábitos alimentares e utiliza-se desse saber na divulgação de
seus produtos.
No título da mensagem: “Alimentos Infantis – Júnior: Para acompanhar o
crescimento de seu filho”
37
, evidencia-se o interesse da empresa em manter a
clientela de bebês, mesmo quando se tornarem crianças maiores e, para isso,
lançou um “potinho” com características da alimentação adequada à faixa etária
acima dos oito meses .
35
BAUDRILLARD,
O sistema
.... , op cit.
36
Um exemplo é a publicação Sabor e Saciedade, uma revista editada por uma comissão
internacional de pediatras e publicada no
Anais Nestlé
, vol. 57, 1999.
37
Pais e Filhos,
p. 5, mar., 1973.
126
As grandes marcas “vendem
uma forma cultural, o meros
produtos”
38
. Ao afirmar que a criança
é sua primeira preocupação, a
empresa enfatizou a questão da
qualidade dos alimentos por
ela produzidos, seus aspectos
nutricionais, levando ae a
absorver essa imagem de
tranqüilidade e passar a utilizar seus
produtos na alimentação do filho.
Na década de 60, a
sociedade americana fazia uma
autocrítica, influenciada pelo
movimento contestatório dos jovens,
crítica esta que atingiu também o
campo alimentar, e a moda foi
consumir alimentos “biológicos” ou
“naturais”. Para LEVENSTEIN,
tratava-se de um retorno das idéias de saúde, moralidade e romantismo do século
XIX, especificamente da década de 30. As empresas de alimentos aproveitaram
essas idéias para divulgar seus produtos através de novas apresentações ou
embalagens com a menção alimento “natural, “fresco”, “produto da fazenda”
“oriundo diretamente da montanha”, “a natureza em seu prato”.
39
Também no Brasil, de forma implícita ou explícita, praticamente em todas as
suas peças publicitárias, a indústria de alimentos infantis utilizava a natureza ou o
natural” como argumento, ou melhor, como ingrediente de seus produtos. Direto da
granja e da horta para a mesa do bebê. Para o bebê crescer forte e sadio, nada
mais saudável que o alimento que vem direto da natureza, numa tentativa de
descaracterizar a industrialização e garantir ao consumidor que seu produto não
38
FONTENELLE, I. Marca é sanduíche da ilusão. Entrevista ao
Jornal do Brasil
, Caderno
Idéias, p. 3, 13 abril 2002.
39
LEVENSTEIN, op cit., p. 838-839.
Imagem 17. Pais e Filhos, p. 5, mar., 1973.
127
tinha os efeitos nocivos dos alimentos produzidos em massa, pois tudo o que vinha
da natureza era bom. Dessa maneira, procurava mostrar-se sensível aos anseios
culturais do ideal natural, tentando convencer o consumidor que seu produto era
isento de qualquer elemento ou processo artificial. Percebe-se como a questão do
natural ou da natureza está sempre presente nos discursos sobre alimentação
infantil, seja para defender o aleitamento materno, seja para promover alimentos
industrializados.
Uma empresa americana de alimentos infantis, a Gerber, instalou-se no
Brasil, na década de 70, porém não conseguiu se manter e retornou ao seu país.
Sua produção de alimentos infantis começou em 1928, nos Estados Unidos, e
espalhou-se para dezenas de países.
A apresentação de seus produtos é
muito semelhante à de sua
concorrente, até mesmo em relão à
publicidade, com mensagens que
tentavam sensibilizar a mãe ocupada
com afazeres domésticos ou inserida
no mercado de trabalho para a
praticidade de sua linha de
produtos para alimentação infantil.
Nos primeiros meses de vida,
seu bebê só quer você juntinho dele.
Deixe a cozinha por conta de
Gerber
40
. Assim como as imagens
publicitárias da Nestlé objetivavam
resolver o sentimento de culpa das
mães, procurando deixá-las em paz
com sua consciência, a publicidade
da Gerber, também, apresentava os
produtos da empresa como capazes de resolver o conflito entre o tempo dispensado
no preparo do alimento e a necessidade de afeto da criança, o qual era expresso
pela presença da mãe junto ao filho. O conflito de utilizar alimentos em conserva,
Imagem 18. Pais e Filhos, p. 51, jan., 1978.
128
atitude que comprometia a imagem de uma boa mãe, a qual zela pela qualidade
da alimentação de seus filhos, poderia ser resolvido com afeto, ou seja, com
maior disponibilidade de tempo para dedicar-se a eles. Antes da cozinha,
o melhor lugar para a mamãe é juntinho do bebê. Por isso as mamãezinhas
carinhosas estão usando cada vez mais os alimentos infantis Gerber. A mensagem
deixa implícito que, além de receber os nutrientes adequados ao seu crescimento, o
bebê receberá mais atenção e amor que favorecerão seu desenvolvimento, tudo
graças aos “potinhosda Gerber.
A economia do tempo, como tema central, está presente em outras peças
publicitárias da mesma empresa. A mamãe ontem, chegou atrasada para o almoço,
mas eu nem percebi. Em 5 minutos ela
preparou Legumes com Frango da
Gerber e foi cuidar da vida dela.
Enquanto eu enchia minha
barriga
41
. O apelo publicitário
era dirigido à mulher inserida no
mercado de trabalho, que não
dispunha de tempo para preparar a
alimentação de seu bebê e que vivia o
conflito entre a realização profissional
e cuidado com os filhos.
Mesmo que, em sua maioria,
as mulheres ocupassem funções que
se aproximavam do papel de mãe,
como professoras ou enfermeiras,
lembramos que a participação
feminina no mercado de
trabalho aumentou de modo
significativo a partir da década de 50: em 1970, havia aproximadamente 6 milhões
de mulheres ativas, duplicando esse número, em 1980.
42
Esses números
40
Pais e Filhos, p. 51, jan., 1978.
41
Pais e Filhos, p. 51, nov., 1979.
42
IBGE, Anuário Estatístico do Brasil 1986. Ro de Janeiro: IBGE, v. 47, 1987.
Imagem 19. Pais e Filhos, p. 51, nov., 1979.
129
evidenciam a razão pela qual a indústria dedicou grande parte de seus textos
publicitários à mulher trabalhadora, sem mencionar as discriminações a que
estava sujeita, tanto em relação à escala ocupacional, como em relação aos salários
recebidos.
43
Ao emprestar oralidade aos bebês, a publicidade reforçava a tranqüilidade e
a confiança que as mães devem sentir ao utilizar os alimentos em conserva na sua
alimentação. “Cada anúncio, à sua maneira, é uma carência da vida real”
44
o que, na
peça analisada, a empresa pretendia preencher ou solucionar. A mensagem sugere
que a falta de tempo no preparo dos alimentos seria não apenas solucionada, mas
também compensada pela qualidade dos produtos Gerber. Poderia até
haver condições para o preparo da alimentação do bebê na cozinha doméstica, mas
a idéia passada era a de que o tempo empregado na realização dessa tarefa
poderia ser mais bem usufruído na companhia de seu bebê para quem a atenção, o
amor e o carinho nunca se tornam excessivos.
As peças publicitárias de alimentos infantis procuravam evidenciar a
capacidade das indústrias em oferecer produtos de qualidade para atender às
necessidades nutricionais de seu público consumidor com muita eficiência e
confiabilidade, porque detinham o domínio dos avanços tecnológicos e
conhecimentos científicos na área. As mensagens mostravam a preocupação das
empresas tanto com a saúde e alimentação das crianças, como das mulheres,ao
procurar poupá-las de suas atividades domésticas, especialmente na cozinha,
liberando-as para o mercado de trabalho e libertando-as de conflitos e culpas. Com
as fotos de crianças sadias e belas, de mulheres despreocupadas, felizes e bem
vestidas, a publicidade construía uma realidade idealizada, na qual os problemas do
cotidiano deixavam de existir, pois apresentava, como num passe de mágica,
solução para todos eles.
Ao recortar fragmentos da realidade, a publicidade estimula a fantasia do
receptor que fica a imaginar o antes e o depois da cena e a compor a vida das
personagens ali retratadas. “Na medida em que recorta a faixa de realidade que
43
Em meados da década de 70, 46,6% das mulheres inseridas no mercado de trabalho
recebiam até um sario mínimo mensal, enquanto 28,5% dos homens percebiam esse rendimento.
Por outro lado, rendas superiores a 5 s.m mensais eram recebidas por 4,1% das mulheres e 12,4%
dos homens (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS. Dados extraídos de: www.fcc.org.br/mulher . Acesso
em 09/12/2204 )
130
necessita ou deseja abordar, a publicidade dilui a percepção do todo e mantém com
o momento histórico, relações parciais e incongruentes.”
45
Assim, distribuir o tempo
entre atividades domésticas, atenção e cuidado com os filhos e o mercado de
trabalho, certamente, não será uma questão a ser resolvida com a adoção de
potinhosna alimentação das crianças. Além do que, esse cotidiano faz parte de um
contexto histórico, econômico, social e cultural, nem sempre favorável e, por isso
mesmo, na maioria das vezes, não citado pela publicidade.
Porém, o marketing dos produtos industrializados tem um objetivo a ser
alcançado: o consumo desses produtos e, quando se trata de alimentação, o sentido
do “consumo” deve ser entendido literalmente, ou seja, não apenas comprar, mas
também “comer” o objeto comprado para que um novo hábito alimentar seja
incorporado numa população que tem muitas décadas para viver e consumir.
Outros produtos foram (e continuam sendo) bastante explorados pelas
indústrias como alimentos a serem introduzidos na alimentação de lactentes e
crianças maiores, como, por exemplo, aqueles derivados dos cereais, utilizados em
mingaus, papinhas, sopas e bebidas lácteas. Um dos mais conhecidos e que deu
origem à indústria de alimentos Nestlé é a farinha láctea
46
.
Os cereais em forma de farinhas foram introduzidos na alimentação de
lactentes, especialmente com a finalidade de aumentar o valor calórico das
mamadeiras, quando preparadas com leite de vaca. O leite proveniente de animais,
principalmente da vaca, como se sabe, foi muito utilizado na alimentação de crianças
desde seu nascimento, principalmente em épocas anteriores à industrialização do
leite em pó. Para o preparo de mamadeiras com leite de vaca em estado natural
para a alimentação do bebê a partir do nascimento, deve-se ter presente que êle
não pode ser usado puro. Deve ser diluído. Organiza-se o que se chama uma
44
ROCHA, op. cit.
45
CAMPOS, M. H. R.
O Canto da Sereia
: uma análise do discurso publicitário
.
Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 1987, p. 100.
46
A história da Nestlé teria começado em 1867 na Suíça, quando Henri Nestlé lançou a
Farinha Láctea Nestlé, a qual foi importada pelo Brasil, a partir de 1876. Para mais detalhes, consultar
o site www.nestle.com.br/história.
131
“fórmula láctea”, que é constituída de leite, água, farinha e açúcar
47
. A farinha citada
poderia ser creme de arroz, maisena
48
ou aveia.
A farinha láctea foi criada em 1867, por Henri Nestlé, em seu laboratório na
cidade de Vevey, na Suíça, a partir de seus estudos para combater a desnutrição e
mortalidade infantis. No ano seguinte (1868), abriu um escritório em Londres e em
cinco anos estava exportando o produto para a Austrália e América do Sul. No
Brasil, as importações iniciaram-se em 1876, e a fabricação em solo brasileiro teve
início em 1924, na fábrica de Araras. O primeiro registro da Nestlé, na mídia
brasileira, foi um anúncio de Farinha Láctea Nestlé, no jornal A Província de São
Paulo, em 1876
49
.
Em fevereiro de 1960, a revista O Cruzeiro publicou um anúncio em preto e
branco, com o título “Não sobrou nada”
50
, mostrando uma imagem de uma criança
de aproximadamente dois anos olhando para um prato com vestígios de mingau que
segura na mão esquerda, tendo na mão direita, uma colher. Abaixo, uma
embalagem da farinha Láctea e o texto da mensagem que tem como argumento a
felicidade, a saúde, o rendimento e a facilidade no preparo. Num período em que as
gastroenterites e outras infecções intestinais eram as principais causas de
morbidades na infância, a empresa ressalta a facilidade de digestão da sua fórmula,
a composição e o enriquecimento com vitaminas que estimulam o
fortalecimento e crescimento do organismo infantil. O aspecto econômico,
também, é destacado, tanto em relação ao rendimento como à praticidade e rapidez
no preparo, fazendo alusão a valores sociais importantes no período, como o tempo
e a pressa.
Esses valores são tamm evidenciados num anúncio
51
do mesmo produto,
20 anos mais tarde, quando a tecnologia desse período permitiu a utilizão de uma
imagem, em cores, de um bebê que sorri para o receptor. A pergunta - Você não dá
mingau para seu filho, só para encher a barriguinha dele, não é? -sugere a
importância de uma alimentação nutritiva. Chama atenção, também, para a
47
Orientação sobre Como preparar a mamadeira . ABC das mães, do Dr. Odilon de Andrade.
Rio de Janeiro: Forense, 1969.
48
Maisena é a marca do produto (amido de milho), tão vulgarizada, que passou a representar
o próprio produto.
49
Informações extraídas da página www.nestle.com.br/historia
50
O Cruzeiro, p. 21, 20 fev., 1960.
51
Cláudia, p. 51, fev.,1981.
132
variedade de sabores que pode ser efetuada pelo acréscimo de alguns
ingredientes ao mingau ou pela substituição do leite por suco de frutas.
Como as demais peças publicitárias dos produtos Nestlé utilizados na
alimentação infantil, as que se referem aos cereais são publicadas ao
longo dos anos, mantendo alguns elementos como motivação para o consumo.
Esses elementos atemporais e que aparecem nas propagandas são valores: saúde,
força, alegria, ou outros
relacionados com o gosto como:
mais gostoso, não enjoam nunca, de
fácil preparo. Percebe-se a grande
preocupação da empresa com as
conseqüências da repetição de
sabores, com o fato de as crianças
enjoarem dos mingaus preparados
com seus produtos. É comum as
pessoas lembrarem-se com
satisfação, pelo resto da vida, de um
sabor agradável, experimentado na
infância, como também rejeitar um
sabor desagradável que lhes tenha
causado repugnância ou enjôo
quando crianças. Por isso, a
preocupação das empresas em
variar os sabores e as
apresentações dos cereais
fabricados.
Semelhante aos discursos publicitários já analisados, as
mensagens dos demais alimentos destinados às crianças, como cereais,
achocolatados, biscoitos, bebidas lácteas, iogurtes mostram imagens de crianças e
famílias felizes, cujo cotidiano é formado apenas de alegrias e sucessos, não
existindo a dor, a angústia, as preocupações. Um mundo impossível, porque distante
de qualquer fragilidade, pom desejado pelas famílias, em geral.
Imagem 20
. Cláudia
, p. 51
,
fev.,1981.
CONCLUSÃO
Se você insiste em buscar um símbolo do século
XX, eu sugeriria uma mulher com seus filhos.
Eric Hobsbawm
Ao longo deste estudo, tentamos mostrar que a indústria de alimentos
utilizou todas as suas estratégias de marketing, para promover o aleitamento com
leite industrializado, em detrimento do aleitamento materno e, incentivar o consumo
de alimentos que fortaleceram o desmame precoce ou que complementaram o
aleitamento. Isto ficou visível tanto nas reportagens sobre a alimentação infantil,
como nas peças publicitárias analisadas.
Nas reportagens, em sua maioria assessoradas ou assinadas por um
pediatra ou, em menor número, por um nutricionista, a influência do marketing da
indústria de alimentos, fez-se presente de modo explícito, de duas formas: no
próprio texto, por meio de citações de seus produtos e marcas, ou por mensagens
publicitárias inseridas nas páginas da reportagem. Muitas vezes, agora de modo
implícito, o próprio enunciado do discurso aponta as facilidades e vantagens do
aleitamento artificial com leite em pó, evidenciando a participação ou a concordância
do autor do texto com a proposta da indústria.
Nas peças publicitárias analisadas, as mensagens mostram crianças sadias,
geralmente loiras de olhos claros, em situações de tranqüilidade, sorridentes, em
contato com a natureza ou nos braços de uma mãe bem vestida, alegre e
despreocupada, com todo o tempo disponível para seu filho, graças ao produto
divulgado. Cada quadro construído com muito cuidado estimula a transposição do
cotidiano e o desejo do receptor da mensagem, em viver uma situação idêntica.
Como explica BAUDRILLARD, é o discurso da felicidade como referência absoluta
do consumo.
1
Para conseguir seu objetivo, a indústria não somente fez uso de seu poder
econômico, de seu conhecimento e tecnologia, de suas estratégias de marketing,
1
BAUDRILLARD,
A sociedade….
, op cit
134
como tamm apropriou-se do momento histórico, político e cultural por que passava
a sociedade brasileira e que lhe foi favorável.
Assim, durante o período de disseminação do aleitamento artificial, não
encontramos referência a nenhuma ação que tivesse sido implantada pelos
organismos oficiais, no sentido de coibir ou inibir esse processo. Ao contrário, o
governo mostrou-se um importante aliado da indústria, ao adquirir seus produtos e
distribuí-los à população materno-infantil mais carente, em suas unidades de saúde
e postos de puericultura, acreditando que, dessa maneira, poderia diminuir os
elevados índices de mortalidade infantil.
Posteriormente, o próprio Governo constatou que o leite em pó - distribuído
nas unidades de saúde e postos de puericultura para a população carente -, que
deveria prevenir a desnutrição e a mortalidade infantis foi uma das causas do
problema. As campanhas de marketing da indústria enfatizavam a qualidade
nutricional e higiênica do leite em , destacando sua importância para a saúde e no
fortalecimento do organismo infantil, na prevenção contra as principais doenças da
infância e conseqüentemente, na diminuição dos índices de mortalidade no primeiro
ano de vida. Entretanto, sua distribuição para os lactentes de famílias carentes, nas
unidades de saúde, acabava por incentivar o desmame precoce a mãe deixava de
amamentar para receber o leite em pó -; favorecia o surgimento de doenças
infecciosas, especialmente as gastroenterites, pela diluição do leite, muitas vezes
em água não tratada ou pelo excesso de água na diluição. Além disso, o era
possível garantir que o leite doado fosse destinado apenas ao lactente,
especialmente, em famílias numerosas, nas quais, os pais tinham que garantir a
alimentação de todos os filhos. Essa poderia ser mais uma razão para a diluição
excessiva do leite: conseguir maior número de mamadas para dividir entre os
demais irmãos menores. Por isso, no afã de divulgar seus produtos e,
conseqüentemente, promover o aleitamento artificial e o desmame precoce, a
indústria contribuiu para a elevação dos índices de morbidade e mortalidade infantis,
especialmente entre as camadas mais pobres da população.
Foi necessário que organismos internacionais chamassem a ateão para
os altos índices de desnutrição e mortalidade infantis que assolavam os países do
Terceiro Mundo, para que o governo brasileiro, através do Ministério da Saúde,
135
propagasse o retorno à prática do aleitamento materno e restringisse a ação da
indústria na promoção do aleitamento artificial.
Entretanto, ao atribuir a elevação dos índices da morbi-mortalidade infantil à
redução do aleitamento materno, as instituições oficiais e os organismos
internacionais descartaram a análise de seus verdadeiros determinantes, ou seja, a
terrível e injusta distribuição de renda, as precárias condições de saúde e
saneamento em que viviam (e vivem) as populações das periferias dos grandes
centros urbanos e das regiões menos desenvolvidas do país.
No decorrer do estudo, procuramos mostrar tamm o quanto foi decisiva a
aliança entre o poder econômico, representado pela indústria, e o poder do
conhecimento, representado pela medicina, para a disseminação da cultura do
aleitamento artificial. A valorização do pediatra, atribuindo-lhe a indicação e a
prescrição dos produtos industrializados, foi uma importante estratégia da indústria
para conseguir o aval da medicina e, com isso, a credibilidade dos consumidores.
Qualquer decisão da mulher, em relação à alimentação de seu filho, deveria ser
compartilhada com o pediatra, deixando-a dependente da opinião desse profissional.
Por esses motivos, os profissionais de saúde, especialmente os pediatras, foram
responsabilizados, juntamente com as mães e a indústria, pelos altos índices de
desmame precoce, divulgados por ocasião da campanha pelo retorno do
aleitamento materno. O governo não fez a autocrítica de sua responsabilidade
nesse processo ao adquirir leite industrializado e distribuir para a população
materno-infantil, desvalorizando desse modo o aleitamento materno e incentivando o
artificial.
O movimento feminista, a participação da mulher no mercado de trabalho e na
vida do país, a busca de sua emancipação e profissionalização foram fatores que
provocaram mudanças na estrutura e no cotidiano familiar, favorecendo a entrada de
tecnologias e alternativas que facilitaram suas tarefas domésticas. A indústria de
alimentos, também, utilizou esse momento, mostrando-se maternal, tentando libertá-
la de culpas ao divulgar leites maternizados ou modificados e outros produtos que
substituíssem ou complementassem o leite materno.
A mudança nos enunciados dos discursos foi uma característica que
evidenciamos em nosso estudo. Os discursos favoráveis a uma ou outra forma de
aleitamento estiveram sempre ao sabor do contexto ou de acordo com interesses
136
econômicos e políticos. Determinadas condições biológicas ou psicológicas da mãe
poderiam ser razões para justificar a opção pelo aleitamento artificial em
determinado momento, ou serem consideradas como “tabu” ou má vontade para
amamentar, em outro.
No período em que se apregoava o aleitamento artificial, o enunciado
principal dos discursos foi a condição feminina, a valorização da mulher, seu direito à
liberdade, à inserção no mercado de trabalho, à profissionalização ou o desempenho
de suas tarefas domésticas e sociais com maior facilidade, tranqüilidade e sem que,
por isso, devesse sentir-se culpada. Esses discursos estavam vinculados ao
contexto histórico e correspondiam aos anseios do movimento feminista, situação
que o marketing da indústria de alimentos soube explorar com muita competência.
De acordo com esses discursos, a ênfase no trato com a criança ficava por
conta de uma alimentação nutricionalmente equilibrada, semelhante ou até superior
ao leite materno e ao afeto dispensado pela mãe. Contudo o afeto, tão importante
quanto a alimentação no desenvolvimento da criança, não estava vinculado ao ato
de amamentar. Benefícios que somente o leite materno é capaz de proporcionar,
como a proteção imunológica, nesse momento, não foram valorizados. Nesse
período, as descobertas científicas e tecnológicas pareciam ditar todas as normas,
considerando práticas como amamentão ou o preparo de alimentos para
crianças, nas cozinhas domésticas, como algo ultrapassado e de difícil realizão.
Essas atividades não eram consideradas próprias de uma mulher que se julgava
moderna. A indústria com toda a oferta de alimentos prontos e semi-prontos,
especialmente preparados para nutrir adequadamente as crianças, assumiria essas
tarefas.
Por ocasião do retorno do incentivo ao aleitamento materno, os discursos
que tentaram convencer as mulheres de que deveriam amamentar foram radicais na
defesa dessa prática, deixando de considerar ou minimizando as dificuldades
enfrentadas em seu cotidiano. A amamentação foi sacralizada e passou a ser
confundida com amor e dedicação ao filho, enquanto a culpa voltou a assediar as
mulheres que não desejavam ou que não conseguiam amamentar. Nesse momento,
a valorização da criança, seu crescimento e desenvolvimento adequado, sua
proteção contra morbidades que poderiam facilmente levá-la à morte foram o
argumento dos discursos em defesa do aleitamento materno.
137
Os enunciados desses discursos enfatizavam que todas as mulheres,
independentemente de sua condição social, física ou emocional tinham condições
de amamentar. As vantagens do aleitamento materno foram enfatizadas de modo a
não deixar dúvidas sobre sua importância no desenvolvimento orgânico e emocional
da criança. Porém, as dificuldades na realização dessa prática não foram tratadas
com a mesma seriedade, ou seja, não foram colocadas em pauta o que, em nosso
ponto de vista, foi um equívoco. Os problemas que a mulher enfrenta para
amamentar, independentemente de sua intensidade, não devem ser omitidos ou
subestimados. Como tão bem argumenta BADINTER: “amamentar, dar banho e
comida, vigiar os primeiros passos, consolar, cuidar, tranqüilizar à noite.... são
gestos de amor e de devotamento, mas são também sacrifícios que a mãe faz pelo
filho. O tempo e a energia que ela lhe dedica são tamm algo de que ela se priva
em favor do filho.”
2
Ao afirmar que toda mulher tem condições e deve amamentar, os órgãos
promotores do aleitamento desconsideraram sua capacidade de decisão. Enquanto
o marketing da indústria se fez maternal, ao divulgar os benefícios que seus
produtos traziam a mulher e à criança, os enunciados dos discursos analisados,
favoráveis à amamentação, foram autoritários escamoteando qualquer possibilidade
contrária à realização dessa prática.
Ao compararmos os discursos do período de 1960 até o final da década de
70, quando se disseminou o aleitamento artificial, com o período posterior,
radicalmente favorável à amamentação, verificamos que ambos subestimaram a
capacidade de decisão da mulher. No primeiro momento, em pleno movimento
feminista, embora se valorizasse a mulher, a decisão sobre a alimentação de seu
filho foi transferida ou, no mínimo, compartilhada com o pediatra. Foi a estratégia
utilizada pela indústria, com importantes resultados a seu favor. No segundo
momento, a decisão já havia sido tomada pelas instituições oficiais de saúde: toda
mulher tinha condições e deveria amamentar.
Sem apelos feministas, acreditamos que a mulher, de qualquer camada
social ou econômica, de qualquer nível de instrução, deve ser considerada como um
ser que tem condições de decidir seu próprio destino e, nesse caso, o tipo de
2
BADINTER, op. cit., p. 338.
138
aleitamento de seu filho, desde que lhe sejam dadas informações e possibilidades
de escolha.
Este estudo não teve como objetivo verificar a recepção da publicidade de
alimentos infantis pelo leitor dessas revistas, especialmente pelas mães. Contudo,
foi possível perceber que os apelos para o consumo dos produtos estiveram em
sintonia com o momento histórico, político e cultural do período estudado e eram
dirigidos à classe média da população. Apelos emocionais, científicos e culturais
foram a tônica dos discursos publicitários analisados, muitas vezes, sintonizados
com a temática da propaganda governamental. Ao veicular imagens publicitárias, as
empresas, além do próprio incentivo ao consumo, tentaram promover a
interiorização, pelos consumidores, de normas e valores sociais, principalmente
aqueles que o governo desejava alcançar.
Finalizando, podemos afirmar que, sem sombra de dúvida, a indústria de
alimentos, especialmente a Nestlé, promoveu a disseminação do aleitamento
artificial com leite em pó, em detrimento do aleitamento materno, ao mesmo tempo
em que introduziu novos hábitos alimentares por meio da difusão de alimentos
complementares. Em todo esse processo, teve como aliados o Governo e a própria
conjuntura histórica, política e cultural da sociedade brasileira, no período. A cultura
do aleitamento artificial foi implantada e com tanta ênfase que, reverter o processo
não tem sido uma tarefa fácil para as instituições oficiais e órgãos não
governamentais específicos. Embora tenha crescido a percentagem de crianças
amamentadas até os seis meses de idade, os índices apresentados pelo Ministério
da Saúde, em 1999, ainda são baixos: 16,6% no Sudeste, 35,9% no Centro Oeste,
20% no Nordeste, 19,5% no Norte e 68,4% no Sul. Diferenças tão acentuadas entre
as regiões, demonstrando a dificuldade das mulheres em manter a amamentação
durante o período preconizado pelas instituições de saúde, certamente seo objeto
de outros estudos, evidenciando que a discussão em torno desse tema não está
esgotada.
FONTES E REFERÊNCIAS
FONTES
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- janeiro e junho de 1970
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