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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro Biomédico
Faculdade de Enfermagem
Lucia Maria Beck
A Percepção do usuário de drogas sobre o mundo do trabalho:
uma contribuição para a prática do enfermeiro
Rio de Janeiro
2009
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CBB
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação.
________________________________________ _________________________
Assinatura Data
Lucia Maria Beck
B393 Beck, Lucia Maria.
A percepção do usuário de drogas sobre o mundo do trabalho : uma
contribuição para a prática do enfermeiro / Lucia Maria Beck. - 2009.
101 f.
Orientadora: Helena Maria Scherlowski Leal David.
Dissertação (mestrado) Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Faculdade de Enfermagem.
1. Drogas e emprego. 2. Alcoolismo e emprego. 3. Trabalhadores Uso
de drogas. 4. Enfermagem do trabalho. 5. Saúde e trabalho. I. David,
Helena Maria Scherlowski Leal. II. Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Faculdade de Enfermagem. III. Título.
CDU
614.253.5
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3
A Percepção do usuário de drogas sobre o mundo do trabalho:
uma contribuição para a prática do enfermeiro
Dissertação apresentada, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de s-Graduação em Enfermagem
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Área de Concentração: Enfermagem, Saúde e
Sociedade.
Orientadora: Profª Drª Helena Maria Scherlowski Leal David
Rio de Janeiro
2009
4
Lucia Maria Beck
A Percepção do usuário de drogas sobre o mundo do trabalho:
uma contribuição para a prática do enfermeiro
Dissertação apresentada, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de s-Graduação em Enfermagem,
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Área de concentração: Enfermagem, Saúde e
Sociedade.
Aprovado em 26 de março de 2009.
Banca Examinadora:
...................................................................................................
Profª Drª Helena Maria Scherlowski Leal David (Orientadora)
Faculdade de Enfermagem / UERJ
.....................................................................................
Profª Drª Marilurde Donato
Faculdade de Enfermagem / UFRJ
.....................................................................................
Pro Drª Norma Varia Dantas de Oliveira Souza
Faculdade de Enfermagem / UERJ
Rio de Janeiro
2009
5
DEDICATÓRIA
Eu percorro este caminho porque sei que vocês estão
sempre me esperando no retorno.
Aos meus filhos YOMTOV, IONATHAN e IOCHANAN,
motivos da minha existência.
6
AGRADECIMENTOS
A Deus, meu Criador, que permitiu este momento.
À minha mãe Margarida (in memorian).
À Pro Drª Helena Maria Scherlowski Leal David, minha orientadora por sua
serenidade diante dos desafios.
À Drª Anna Maria Azevedo Simões, pelo seu exemplo de que se pode conciliar
trabalho, pesquisa, ética, dedicação, respeito e paixão no cotidiano profissional.
À Profª Drª Marilurde pela gentileza e acessibilidade ao seu acervo bibliográfico sobre
o assunto desta dissertação.
Aos Participantes do estudo, pela entusiástica confiança em mim depositada, que
resultou neste trabalho.
À minha ir Luciana, pelo seu carinho e cumplicidade.
À minha ir Lucí, que me sustentou com suas orações.
Ao meu iro João Paulo (Paulinho), pela preocupação e disponibilidade constantes.
Aos meus filhos Yomtov, pela assessoria e escuta entusiasmada das minhas
elocubrações; Ionathan, pelo apoio e dedicação contínuos; e Iochanan, sempre presente no
meu pensamento, apesar da distância geográfica.
À minha amiga Maria José (Zezé), por sua fidelidade e dedicação.
Ao Grupo SOMAR, cujos integrantes compartilham também comigo suas reflexões e
alegrias, experiências de vida em busca do crescimento espiritual.
À Marisa Medeiros, pela colaboração e competência na revisão e formatação do
trabalho.
7
E, se clamares por intelincia, e por entendimento alçares a voz, se buscares a
sabedoria como a prata e como a tesouros escondidos a procurares, então, entenderás o temor
do SENHOR e acharás o conhecimento de Deus. Porque o SENHOR dá a sabedoria, e da sua
boca vem a intelincia e o entendimento.
Provérbios 2:3-6
8
RESUMO
BECK, L. M. A Percepção do usuário de drogas sobre o mundo do trabalho: uma
contribuição para a prática do enfermeiro. 2009. 101f. Dissertação (Mestrado em
Enfermagem) Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2009.
Estudo qualitativo, com base na Análise de Conteúdo, a partir da interrogação sobre
como o usuário de drogas em situação de tratamento para a dependência química percebe-se
como trabalhador, e qual sua relação com o mundo do trabalho. O referencial trico apoiou-
se nas definições de drogas psicotrópicas, dependência química e trabalho, das seguintes
fontes, respectivamente, Organização das Nações Unidas (ONU), Classificação Internacional
das Doenças (CID-10) e Ministério do Trabalho (MT) e a teoria da Psicodinâmica do
trabalho. A metodologia baseou-se na Análise de Conteúdo Temática. A coleta de dados
desenvolveu-se por meio de entrevistas em profundidade, e pela obtenção de dados
sociodemográficos e de trabalho a partir dos registros. Foram realizadas trinta e oitos
entrevistas semi estruturadas com dez mulheres, quatorze homens usuários de múltiplas
drogas e quatorze homens usuários somente de bebidas alcoólicas. Todos os sujeitos eram
trabalhadores em tratamento no Centro de Atenção Psicossocial-álcool e drogas Centro
Estadual de Tratamento e Reabilitação de Adictos (Caps-ad CENTRA-RIO). Foram
organizadas e analisadas seis categorias: conciliação ente o trabalho e o consumo de drogas;
trabalho e angústia; o mundo do trabalho favorecendo/estimulando o consumo; beneficio e
UD; trabalho pleno; perspectivas de vida do UD. Discutiu-se a intensa relação de sofrimento
que permeia o tempo todo o trabalhador usuário de drogas, as diversas alternativas
experimentadas para conseguir conciliar o binômio trabalho e drogas, a submissão aos valores
construídos no ambiente de trabalho, a função de integradora intragrupo dos trabalhadores e
terapêutica das drogas para conseguir cumprir o trabalho real, sua função relaxante e
domadora da angústia e do medo. Nas conclusões, discutem-se os limites do mundo do
trabalho em acompanhar a evolução do campo da saúde mental e a Reforma Psiquiátrica, e a
importância para a enfermagem do trabalho. O enfermeiro deve ser o articulador para que este
trabalhador usuário de drogas atue como protagonista ativo da sua própria história,
contribuindo com sua experiência, para que os profissionais de saúde, o trabalho e a sociedade
em geral aperfeiçoem formas de cuidar integral.
Palavras-chave: Transtornos induzidos por álcool. Transtornos relacionados com cocaína.
Saúde do trabalhador. Enfermagem do trabalho.
9
ABSTRACT
Qualitative study, based on Content Analysis, interrogating how the dependent drug
user is perceived as a worker, and his/her relationship with workplace. Theoretical referential
used definitions of drugs psychotropic drug, chemical dependence and work of the following
sources, respectively: Word Health Organization WHO; United Nations Organization (UN),
International Classification of Diseases (CID-10); Brazilian National Department of Labor
(MT) and Work Psychodynamics‟ Theory. Methodology was based on the Thematic Content
Analysis. Data collection was developed through in-depth interviews, also using
sociodemographic data from medical records.. Thirty eight semi-structured interviews were
accomplished with ten women, fourteen men multiple drugs users, and fourteen men alcohol-
only users. All the subjects were workers in treatment in the State Psychosocial Attention
Center for Alcohol and Drugs - Treatment and Rehabilitation of Addicted Center (Caps-AD -
CENTRA-RIO). Results were organized and analyzed in six categories: conciliation between
work and drug consumption; the work world making consumption easier; Legal benefits and
DU; delightful work; DU‟s life perspectives. The intense suffering relationship that permeates
the whole time that theses workers used drugs was discussed, and also the several alternatives
experienced in order to reconcile the work-and-drugs binomial, the submission to the values
built in the work atmosphere, the integrative and therapeutic function of drug that aloud
workers to accomplish the real work, and it‟s relaxing and taming function of the anguish and
fear. In the conclusions, limits of work world in accompanying the evolution of Mental Health
field and the Psychiatric Reform were discussed, and the importance for occupational nursing.
Nurses should play a link role, so that this drug user worker can act as an active protagonist of
his/her own history, contributing with his/her experience, so that health professionals, work
world and society in general improve ways of integral care.
Keywords: Alcohol-Induced Disorders. Cocaine-Related Disorders. Occupational health.
Occupational Health Nursing.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 -
Quadro 2 -
Quadro 3 -
Quadro 4 -
Quadro 5 -
Quadro 6 -
Síntese dos Temas e UR da Categoria 1............................................
Síntese dos Temas e UR da Categoria 2 ...........................................
Síntese dos Temas e UR da Categoria 3 ...........................................
Síntese dos Temas e UR da Categoria 4 ...........................................
Síntese dos Temas e UR da Categoria 5 ...........................................
Síntese dos Temas e UR da Categoria 6 ...........................................
43
51
59
67
72
77
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................
11
1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS .................................................................
13
1.1
Justificativa, Relevância e Contribuições do Estudo ..............................
15
2
REVISÃO DE LITERATURA..................................................................
17
2.1
Drogas Psicotrópicas...................................................................................
17
2.1.1
Classificação das Drogas .............................................................................
18
2.1.2
Diagnóstico de Dependência Química..........................................................
19
2.1.3
Uso de Droga no Brasil.................................................................................
20
2.2
O Mundo do Trabalho Hoje: mudanças e impasses................................
23
2.3
Psicodinâmica do Trabalho........................................................................
23
3
MÉTODO DE PESQUISA ........................................................................
32
3.1
Referencial Teórico-Metodológico............................................................
32
3.2
Aspectos Éticos do Estudo..........................................................................
36
3.3
Cenário do Estudo.......................................................................................
36
3.4
População do Estudo...................................................................................
37
3.5
Instrumento de Coleta de Dados...............................................................
38
3.6
Limitações do Estudo..................................................................................
39
4
ANÁLISE DAS CATEGORIAS................................................................
40
4.1
Caracterização dos Sujeitos do Estudo.....................................................
40
4.2
Esclarecimentos Prévios à Análise do Estudo..........................................
42
4.3
O Enfermeiro na Assistência ao Trabalhador Usuário de Droga..........
81
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................
86
REFERÊNCIAS .........................................................................................
91
APÊNDICE A Submissão da Pesquisa ao CEP do HUPE / UERJ..........
97
APÊNDICE B Roteiro de Entrevista Semiestruturada.............................
98
APÊNDICE C Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Resolução
CNS196/96)....................................................................................................
99
ANEXO A Autorização da Direção do CENTRA-RIO..............................
100
ANEXO B Aprovação do CEP do HUPE / UERJ......................................
101
INTRODUÇÃO
Este estudo foi organizado a partir das recorrentes descrições das situações
prejudiciais relacionadas às atividades laborativas, relatadas por trabalhadores em tratamento
em um Centro de Atenção Psicossocial em álcool e drogas, o Centro Estadual de Tratamento
e Reabilitação de Adictos (CENTRA-RIO), na cidade do Rio de Janeiro.
A relação entre o uso e abuso de álcool e outras drogas e o mundo do trabalho é tema
que se insere na Linha de Pesquisa “As novas configurações do mundo do trabalho e a saúde
dos trabalhadores: processo, condições, atividades e estratégias”, e no Projeto de Pesquisa “A
relação entre o uso e abuso de drogas e o mundo do trabalho”, sob a coordenação da Pro Drª
Helena Maria Scherlowski Leal David, no Programa de s Graduação em Enfermagem da
Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, integrando ainda o
Grupo de Pesquisa “Configurações no mundo do trabalho, saúde dos trabalhadores e
enfermagem” do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Os questionamentos que direcionaram o estudo Como o usuário de drogas em
situação de tratamento para a dependência química, percebe-se como trabalhador? Qual a sua
relação com o mundo do trabalho? - permitiram o encaminhamento deste impasse.
O objetivo geral foi ampliar a compreensão, na área de enfermagem, acerca das
relações entre o uso/abuso de drogas e a saúde do trabalhador, através da operacionalização
dos objetivos específicos: levantar dados pessoais e profissionais do usuário de drogas, em
situação de tratamento, atendido no CENTRA-RIO; Identificar a percepção deste usuário de
drogas sobre o mundo do trabalho; Analisar a percepção deste usuário em relação ao mundo
do trabalho; Discutir as possibilidades de intervenção do enfermeiro junto a este usuário,
visando o seu retorno ao trabalho. A pesquisa desenvolveu-se baseada na teoria da
Psicodinâmica do Trabalho, que reconhece que trabalhar avança além da troca do exercício de
uma atividade laboral por uma remuneração, e nas definições sobre drogas, dependência
química e trabalho das seguintes fontes, respectivamente, ONU, CID-10 e Ministério de
Trabalho e Emprego.
O referencial metodológico foi a Análise de Conteúdo Temático, o que possibilitou
organizar seis categorias, divididas entre trinta e duas unidades de referências temáticas que
emergiram da análise de dados coletados por meio da realização de entrevistas em
profundidade, e análise de dados sociodemográficos e de trabalho a partir de levantamento
dos registros existentes nos prontrios. Todos os sujeitos participantes deste estudo eram
trabalhadores em situação de avaliação ou em tratamento no Caps-ad CENTRA-RIO.
O 1º capítulo introduziu o objeto de estudo, as questões norteadoras, os objetivos geral
e específicos, a justificativa, a relevância e as contribuições para a construção do arcaboo
teórico da Enfermagem em relação à assistência ao usuário de drogas.
O capítulo enfocou a revisão teórica dos conceitos de drogas psicotrópicas,
farmacodependência e dependência química, a ação e classificação das drogas, além das
drogas utilizadas no cenário brasileiro, revisando também a evolução do mundo do trabalho,
após a II Guerra Mundial, com destaque para as características mais relevantes que
configuram um novo paradigma do significado de trabalhar, as relações pessoais no meio
laborativo e as pressões externas e internas desta atividade, a partir da nova configuração
deste trabalhador para se adaptar às novas exigências.
O capítulo abordou a revisão do referencial metodológico, a descrição do locus da
realização da pesquisa e sua população, os instrumentos de organização das informações e as
restrições deste estudo.
O 4º capítulo apresentou as características dos participantes da pesquisa, a análise dos
dados, discutindo as diversas vinculações em torno do trabalhador usuário de drogas (UD): as
alternativas experimentadas para conciliar o bimio trabalho e drogas; o ambiente de
trabalho como gerador de sofrimento; a função das drogas nas relações de trabalho; a
utilização dos direitos legais; o reconhecimento da satisfação percebida por meio da ação
laboral; e o que o trabalhador UD planeja como futuro, além das reflexões sobre o
aprimoramento da atuação do enfermeiro para cuidar.
O 5º capítulo expôs as considerações finais do estudo, cuja atualidade do objeto
pesquisado permite antecipar a premência de dar continuidade ao aprofundamento das
investigações sobre o problema, realizadas até o momento.
O trabalhador, usuário de droga, foi não apenas o objeto deste estudo, mas o foco, o
protagonista e a voz que permitiu narrar e compartilhar sua subjetividade, em torno de um
fenômeno pessoal e social reconhecido como um problema de saúde blica, autorizando,
então, um exame minucioso do tema para que o enfermeiro aprofunde seus conhecimentos e
amplie suas possibilidades de atuação.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Em 1999, após aprovação em concurso público da Secretaria de Estado de Saúde do
Rio de Janeiro para o cargo de enfermeira, optei pela lotação no Centro Estadual de
Tratamento e Reabilitação de Adictos (CENTRA-RIO), já que havia concluído o Curso lato
sensu de Especialização em Saúde Mental e que a questão do uso e abuso de drogas, como
problema de saúde pública, despertava a minha atenção.
O CENTRA-RIO atualmente tem registro no Ministério da Saúde como Centro de
Atenção Psicossocial para Álcool e outras Drogas (CAPS-AD), que é a célula básica de
funcionamento da estrutura de saúde mental do Sistema Único de Saúde (SUS), orçamento
próprio e organização específica. Composto por uma equipe multidisciplinar, atua com
estratégias de intervenção e planos terapêuticos construídos a partir das discussões dos casos,
estimulando a convincia em grupos terapêuticos.
A demanda para avaliação inicial acontece por procura espontânea, indicação de
familiares ou amigos e encaminhamentos de outras unidades de saúde do Estado do Rio de
Janeiro. A recepção ao usuário ocorre de segunda à sexta-feira, entre 08:00h e 17:00h, período
em que há sempre um técnico de enfermagem e um profissional de nível superior para realizar
o acolhimento e a avaliação inicial. São realizadas, em média, oito avaliações iniciais por dia.
É recorrente o relato da perda do trabalho, devido aos transtornos causados pela droga
no comportamento do indivíduo, ou mesmo, o abandono do trabalho, por iniciativa do próprio
indivíduo, devido ao ambiente hostil que se forma, a partir da exposição de sua condição de
usuário de drogas. As dificuldades do retorno ao mundo do trabalho o constantemente
atribuídas ao sentimento de inadequação, originado pelo lapso de tempo dedicado ao consumo
da substância, não tendo o indivíduo preocupação com sua formação e/ou atualização
profissional.
O paciente, até mesmo quem se encontra em processo de alta, ao participar de
entrevista para um novo emprego, omite o tratamento que está realizando ou já realizou, por
temer sofrer discriminação e não conseguir o tão almejado cargo; por isso, relatam, que
postergam ao máximo, a procura de um novo trabalho até se sentirem aptos para enfrentar tal
realidade.
A relação entre o mundo do trabalho e o uso abusivo de drogas citas e ilícitas, ainda
o é bem compreendida, sobretudo em países onde a pesquisa a respeito das drogas é ainda
restrita, como no caso do Brasil. Mas, é inegável que a dimensão do trabalho é de
fundamental importância, tanto para a reinserção social do usuário em situação de
dependência, como também no que se refere, ao conjunto de fatores que podem ser
considerados de risco ou de proteção para o abuso de drogas.
Pelo exposto, elegi como objeto de estudo a percepção do usuário de drogas em
situação de tratamento para a dependência química no CENTRA-RIO sobre o mundo do
trabalho e sua vida como trabalhador.
Segundo Davidoff (1983), percepção é o processo de organizar e interpretar dados
sensoriais recebidos, possibilitando desenvolver a consciência de nós mesmos e do ambiente
em que estamos inseridos. Para Penna (1993, p. 16), percepção é o processo interpretativo
operando sobre dados sensoriais”. Baseado nestas conceituações, percepção, nesse estudo,
tem o significado de conhecimento adquirido através dos sentidos.
Para desenvolver o estudo, foram elaboradas as seguintes questões norteadoras: como
o usuário de drogas, em situação de tratamento para a dependência química, percebe-se como
trabalhador? Qual a sua relação com o mundo do trabalho?
Partiu-se do pressuposto de que a dimensão do trabalho humano não se referia apenas
a situações concretas e objetivas de produção e reprodução da vida, mas incluía também todos
os processos de subjetivação, pelo trabalhador, do seu trabalho (DEJOURS, 2007a). Assim
sendo, e entendendo o abuso e a dependência de drogas como fenômeno complexo e de
múltiplas determinações, o campo de saberes da psicodinâmica do trabalho oferece
ferramentas conceituais e metodológicas que permitem maior aproximação com estas formas
de subjetivação.
A pesquisa teve como objetivo geral:
Ampliar a compreensão, na área de enfermagem, sobre as relações entre o
uso/abuso de drogas e a saúde do trabalhador.
E como objetivos específicos:
Levantar características pessoais e profissionais do usuário de drogas em
situação de tratamento, atendido no CENTRA-RIO.
Identificar a percepção do usuário de drogas sobre o mundo do trabalho.
Analisar a percepção deste usuário em relação ao mundo do trabalho.
Discutir as possibilidades de intervenção do enfermeiro junto a este usuário,
visando o seu retorno ao trabalho.
1.1 Justificativa, Relevância e Contribuições do Estudo
O estudo das relações do usuário de drogas com o mundo do trabalho reveste-se de
importância por oferecer subsídios tanto ao usuário, que visa incluir-se socialmente, quanto à
própria sociedade, representada pelos empregadores, para aproveitar essa mão-de-obra com a
construção de medidas que facilitem essa relação. Possibilita também um importante cabedal
de conhecimentos ao enfermeiro, para agir como verdadeiro intermediário, catalisando as
soluções possíveis.
As considerações do Ministério da Saúde (BRASIL, 2004) referentes ao alcoolismo,
as quais podem ser inferidas às outras drogas, justificam que o estudo a respeito das relações
do trabalho com as drogas seja incrementado, a fim de se conhecer cada vez mais o problema
na tentativa de solucioná-lo ou de se reduzir os danos provocados por este consumo. O
consumo coletivo de bebidas alcoólicas, associado a situações de trabalho, pode ser
decorrente de prática defensiva, como meio de garantir inclusão no grupo. Também pode ser
uma forma de viabilizar o próprio trabalho, em decorrência dos efeitos farmacológicos
próprios do álcool (DEJOURS, 2007c).
Uma das propostas que se vislumbra como geradora de conhecimento e informação é
a interação sistemática entre universidades, centros de pesquisa e envolvimento dos diversos
serviços de saúde, educação e sociais” (BRASIL, 2004, p.25). Portanto, torna-se interessante
a integração entre os setores de produção de pesquisa e os serviços que prestam atendimento
direto ao consumidor de drogas, para aprimorar e inovar a assistência prestada a este usuário.
Diversas pesquisas têm sido realizadas a respeito do uso e abuso de drogas, medidas
de redução de danos e políticas de proteção ao trabalhador para evitar a exclusão e a perda do
vínculo laboral e/ou o retorno, o mais rápido possível, ao mundo do trabalho que, inclusive, é
considerado um fator de proteção da saúde mental (SELIGMANN-SILVA, 2005). Por isso, é
relevante realizar o estudo proposto, no momento em que a utilizão de substâncias
psicoativas vem sendo tão debatida pela sociedade face às suas graves conseqüências, e
também por ser considerado um grande problema de saúde pública (BRASIL, 2004), e
também por ser necessário analisar as reais possibilidades de reinserção do indivíduo no
mundo de trabalho atual, que se caracteriza pela precarização causada pela globalização e pela
exigência constante de aquisição de novas habilidades relacionadas com a respectiva área de
atuação (BECK; DAVID, 2007).
Segundo Carvalho (2003), no Brasil, as drogas produzem um custo social de 7,9% do
Produto Interno Bruto (PIB). De acordo com o I Levantamento Nacional sobre os Padrões de
Consumo de Álcool na População Brasileira (SENAD, 2007), apurou-se que entre 2.346
entrevistados com idades variando entre 18 e mais de 65 anos, ou seja, quando o indivíduo é
considerado trabalhador, segundo definição Ministério de Trabalho e Emprego (MTE), 9%
enquadraram-se nos critérios de bebedor pesado e 15%, nos de bebedor freqüente (SENAD,
2007), perfazendo um proeminente indicativo da necessidade de aprofundar estudos
observando a relação trabalhador e consumo de drogas.
Portanto, identificar as dificuldades dessa relação usuário de droga / mundo do
trabalho é, na verdade, uma forma de oferecer subsídios aos estudiosos do tema,
possibilitando-lhes diferentes abordagens no lidar com o usuário de drogas, a partir da
aquisição de novos saberes visando a busca de uma solução que interessa a toda sociedade.
Com esse estudo, pretende-se contribuir para o desenvolvimento de algumas possíveis
soluções a serem implementadas pelo enfermeiro, para o provável retorno do indivíduo,
usuário de drogas, ao mundo do trabalho. Almeja-se, ademais, contribuir para a construção de
um arcabouço teórico na área de Enfermagem sobre o uso e abuso de drogas, tanto no que
concerne à reinserção do indivíduo no mundo do trabalho, como para o enfermeiro, na
intervenção precoce.
A contribuição para a sociedade em geral advirá da análise dos preconceitos,
possibilitando uma reflexão para maior compreensão dos transtornos sociais produzidos pelo
abuso de substâncias psicoativas, favorecendo a construção de estratégias possíveis de retorno
ao mundo laborativo. Será o momento ímpar de analisar o desperdício de o-de-obra.
Já que o trabalho é umas das estratégias positivas das quais se pode lançar mão para a
reconstrução do sujeito como pessoa plena (KARAM, 2003), deve-se entender que a saúde do
trabalhador precisa ser bem estruturada e desenvolvida com base em estudos que identificam
as necessidades do usuário de drogas. Ressalta-se, porém, que uma forma de trabalho mal
estruturada pode mesmo ser um fator desencadeante do uso de drogas (Op.cit.).
Estudos científicos como este, servem de ferramentas para que o enfermeiro possa ter
os conhecimentos necessários a uma atuação precisa junto a esta clientela.
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Drogas Psicotrópicas
Drogas Psicotrópicas é uma expressão resultante da junção das palavras Droog,
originada no Holandês antigo, cujo significado é Folha Seca; e Psico, do Grego, que significa
Psiquismo e Tpico, sinônimo de tropismo, atração (CEBRID, 2007). Pode-se definir, então,
drogas psicotrópicas como quaisquer substâncias naturais ou sintéticas que, ao penetrarem no
organismo humano, sob qualquer forma: ingeridas, injetadas, inaladas ou absorvidas pela
pele, alteram as suas funções (CARVALHO, 2003). Neste estudo, optou-se pela utilização da
palavra droga, como sinônimo de drogas psicotpicas.
Em 1969, a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu o conceito de
farmacodepenncia enfatizando a interação do medicamento ou substância com o organismo,
associada à compulsão, uso freqüente, alterações psíquicas, instalação de tolencia e
síndrome de abstinência (OMS, 1971).
Considera-se o uso de drogas como um problema de saúde pública, estimando-se que
10% da população dos grandes centros urbanos consome drogas abusivamente (BRASIL,
2004), fato este que produz implicações sociais, psicológicas, econômicas e poticas. A
farmacodepenncia, ou abuso de drogas, produz uma dinâmica de intenso sofrimento
orgânico e psíquico no indivíduo, e também traz inseridas alterações multidimensionais,
refletidas em toda a sociedade, através da família, dos estudos e do trabalho. Essas influências
tornaram-se tão profundas e importantes que, atualmente, inúmeras organizações
governamentais ou não, em todo o mundo, preocupam-se com o assunto. Porém, faz-se
necessário esclarecer que não existe uma escalada gradual e fatalista entre a experimentação e
uso, evoluindo até o abuso e a dependência química (OMS, 1971).
“Um homem em cada cinco o que significa mais de um bilhão de pessoas no planeta
procura na droga algo diferente daquilo a que está acostumado a ver e pensar”
(BAPTISTA;
CRUZ; MATIAS, 2003, p.25), porém, “o uso constante e abusivo desta droga, provoca
alterações psicoativas e desloca as relações que este homem tem, denegrindo e depauperando
a sua qualidade de vida em todas as dimensões: orgânica, familiar e social(BECK; DAVID,
2007, p.707).
Destacam-se, a seguir, quatro fatores principais que reforçam a exclusão social do
usuário de drogas, de acordo com o Ministério da Saúde (2004, p.24):
1- Associação do uso de álcool e outras drogas à delinqüência...;
2- Os estigmas atribuídos aos usuários, promovendo a sua segregação social;
3- Inclusão do tráfico como alternativa de trabalho e geração de renda para as populações
mais empobrecidas...;
4- A ilicitude do uso impede a participação social de forma organizada.
Estas características produzem um quadro de desorganização com diferentes níveis de
comprometimento, percebidos sintomaticamente como: aumento do absenteísmo no trabalho,
incapacidade de cumprir as tarefas/metas estipuladas, perda do emprego, neglincia dos
papéis sociais, interrupção dos estudos, adoecimento das relações familiares, descompromisso
financeiro, subordinação a subempregos, desvalorização da auto-imagem, traços depressivos e
sentimentos de caráter negativo com maior freqüência. Afinal, o tempo despendido para a
obtenção e consumo da droga, e o próprio tempo sob o seu efeito, conduzem a uma
reordenação dos hábitos de vida diária em que a prioridade se desloca para a própria droga e o
circuito social marginalizado que a envolve.
A violência é o problema mais importante e severo relacionado ao tráfico, sendo a sua
associação ao uso considerada pouco conclusiva. A violência (urbana e doméstica) é o evento
mais visível e mais freqüentemente associado ao uso de drogas, mas outros tipos de
violência que continuam a ser pouco compreendidos, como a que ocorre no ambiente do
trabalho (BECK; DAVID, 2007).
Verifica-se, assim, que o contexto do abuso de substâncias é multifacetado, sendo
impossível ignorar, nas análises que visam à compreensão deste fenômeno, a dimensão das
conseqüências do uso e abuso, que podem afetar as relações sociais e a própria participação
na organização e desenvolvimento de mecanismos de proteção, inclusive no ambiente e nas
relações laborais (BECK; DAVID, 2007).
2.1.1 Classificação das Drogas
Atualmente, devido à própria disponibilidade e diversidade das drogas, há várias
opções para se categorizá-las, significa que quanto mais desenvolvidas e melhor
compreendidos seus mecanismos de ação e seus efeitos, “mais necessário se torna o
agrupamento dessas substâncias, sob diferentes aspectos, com o estabelecimento de
classificações” (DA SILVEIRA; MOREIRA, 2006, p. 39). Continuam os autores descrevendo
seis possibilidades para agrupá-las, com base em critérios peculiares, tais como, origem da
substância, objetivo da utilização, local de atuação, composição química, mecanismos de ação
e denominação popular (Op. cit., p. 40).
Segundo Nicastri (2008), são rias formas de se classificar as drogas, com destaque
para duas:
Relacionadas sob o aspecto legal, que se dividem em:
Drogas citas comercializadas de forma legal, estando ou não com algum
tipo de restrição, por exemplo, álcool (venda proibida a menores de 18 anos);
Drogas Ilícitas proibidas por lei.
Relacionadas com a ação no sistema nervoso central, a saber:
Drogas depressoras - as que diminuem as atividades cerebrais, tais como, o
álcool, os barbitúricos e os benzodiazepínicos, entre outras.
Drogas estimulantes - as que intensificam a velocidade das atividades
cerebrais, como a cocaína e as anfetaminas.
Drogas perturbadoras que funcionam confundindo as atividades cerebrais,
estando neste grupo, a maconha, vários tipos de alucinógenos, o ecstasy e o
LSD, citadas para exemplificação.
Estes diversos modos de classificações das drogas, além de não se excluírem,
possibilitam uma avaliação rápida do nível de exposição e vulnerabilidades sicas e sociais a
que o usuário encontra-se exposto (BECK; DAVID, 2007).
2.1.2 Diagnóstico de Dependência Química
A OMS
(1971) propõe a seguinte classificação para os sujeitos usuários de drogas
psicoativas, tendo como referencial o uso recente nos últimos trinta dias:
Usuário Leve no último mês o uso não foi diário ou semanal;
Usuário Moderado utilizou drogas semanalmente, no último mês;
Usuário Pesado no decorrer do último mês usou drogas diariamente.
Com relação a este uso, ainda classifica:
Uso de risco padrão de uso ocasional, repetido ou persistente, implicando em
risco à saúde mental ou sica a longo prazo sem, contudo, interferir no padrão de
saúde atual.
Uso prejudicial o padrão de uso atual já compromete a saúde física e/ou mental.
De acordo com a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-
10 (OMS, 2007), um diagnóstico definitivo de dependência caracteriza-se por apresentar três
ou mais padrões no transcorrer do ano anterior, como descrito a seguir:
a) Forte desejo ou compulsão para consumir a droga;
b) Dificuldades em controlar a quantidade consumida;
c) Estado de abstinência fisiológica ou a utilização da substância, ou similar, para aliviar os
sintomas de abstinência;
d) Instalação do quadro de tolerância;
e) Investimento progressivo dedicado a obter, consumir ou se recuperar dos efeitos da
substância em detrimento a outros prazeres ou atividades;
f) Insistência no uso da subsncia apesar dos danos reconhecidamente provocados.
Esta pesquisa elegeu o indivíduo que se encontrava em processo de avaliação ou
inserido no tratamento com o diagnóstico de dependência química, porém, que se reconhecia
como consumidor de droga com uso prejudicial à sua subjetividade, ou seja, de acordo com a
sua percepção, o uso ocasionando danos na relão consigo mesmo e com os outros.
2.1.3 Uso de Droga no Brasil
O II Levantamento Domiciliar realizado em 2005 por Carlini (2007), apurou que no
Brasil, as drogas de maior uso na vida, são o álcool (74,6%) e o tabaco (44,0%), ou seja, as
chamadas drogas citas. Em terceiro lugar ficou a maconha, com 8,8%. A cocaína surge
apenas em oitavo lugar, com 2,9% de uso na vida.
Na região Sudeste, as drogas de maior uso na vida são o álcool (80,4%), o tabaco
(47,6%) e a maconha (10,3%), as três tendo um universo maior que a média nacional. A
cocaína também surge com maior freqüência, com 3,7% para uso na vida.
No ano de 2007, o SENAD publicou as taxas de prevalência, para o consumo
excessivo de álcool, com o seguinte panorama: “28% da população brasileira adulta consumiu
bebidas alcoólicas em excesso pelo menos uma vez, nos últimos doze meses”. Em referência
às taxas de prevalência de problemas decorrentes do uso de álcool, 8% dos homens e 13% das
mulheres mencionaram problemas na trabalho (SENAD, 2007).
Percebe-se, ainda, a influência do meio social no acesso e na permanência do uso de
determinada droga, o que é confirmado por Acselrad (2000, p. 56): “a dependência química é
o resultado do encontro de uma droga, uma personalidade e um meio sócio-cultural”. E não
apenas a dependência, mas também o consumo se faz permeado e abalizado por um grupo do
qual o sujeito faz parte, em variados níveis de interação.
Para melhor ilustrar o leitor, apresentamos uma sucinta explanação a respeito da ação,
no organismo, decorrente do uso de cada droga acima citada.
Álcool
Além de ser uma droga lícita, é a mais consumida pela populão brasileira, sendo
obtida a partir da fermentação de carboidratos presentes em vegetais. Quando ingerido em
pequenas quantidades (OMS, 2007), provoca desinibição do comportamento, diminuição de
crítica, hilaridade e labilidade afetiva, com prejuízo desde o início da coordenação motora e
das funções sensoriais. Produz agitação e comportamento agressivo, se ingerido em doses
crescentes, e age como depressor e sedativo quando ingerido em grande quantidade, apesar
desta quantidade variar muito entre os indivíduos. É reconhecida como a droga psicotrópica
de maior uso e abuso, amplamente disseminada e ligada a diversas culturas e hábitos sociais.
Entre os trabalhadores, verifica-se que o consumo e, eventualmente, o uso abusivo e a
dependência, com freqüência estão associados a determinados comportamentos sociais
característicos de cada categoria profissional, tais como confraternizações e encontros sociais
após o horário do trabalho. Entre os jovens estudantes que também trabalhavam, Soldera
(2004)
encontrou maior associação com o consumo de álcool, do que entre os que não
trabalhavam, na tentativa de repetir um comportamento que consideravam como modelo de
trabalhador adulto e emancipado.
Nicotina
A nicotina é uma droga natural e lícita. É um estimulante encontrado nas folhas da
planta Nicotiana tabacum (GIULIANO; HAUFF, 2007). A queima das folhas promove a
liberação do estimulante e outras quatro mil substâncias, entre estas o monóxido de carbono e
o alcatrão, responsáveis pela toxicidade do produto. A idade média do início do consumo é
entre treze e quatorze anos. Cerca da metade dos que experimentam cigarro, tornam-se
dependentes. Estima-se ainda que 60% dos que fumam por mais de seis semanas, fumarão
pelos próximos trinta anos. O cigarro diminui em média 25% da expectativa de vida dos
fumantes. O consumo da substância é o maior causador de mortes passíveis de prevenção no
mundo. O hábito de fumar folhas de tabaco já era difundido entre os indígenas, quando
integrantes da expedição de Colombo, em 1492, levaram o fumo para a Espanha e Portugal,
países que logo adotaram este hábito. O tabaco foi importante moeda de troca na compra dos
escravos africanos que sustentaram a economia no Brasil colônia, e se transformou em
produto cobiçado em todo mundo (Op.cit.).
A luta contra o tabagismo no Brasil, inicialmente tímida, tornou-se mais agressiva a
partir de 1985, após posicionamento do Ministério da Saúde, culminando, nos nossos dias,
num dos programas de controle do tabaco mais efetivos da América Latina. Com a atual
legislação que proíbe fumar em ambientes fechados, é cada vez mais difícil manter este hábito
nos locais de trabalho, e aumenta consideravelmente o número de propagandas e programas
que estimulam a populão, em geral, a interromper este consumo (BRASIL, 2008).
Maconha
Trata-se da droga ilícita mais consumida em todo o mundo, sendo a mais utilizada
por estudantes brasileiros, e a terceira mais experimentada, segundo Carlini (2007). Suas
apresentações são provenientes da Cannabis sativa, um arbusto da família das Moraceae,
conhecida pelo nome de cânhamo. A própria palavra maconha seria um anagrama da palavra
cânhamo (CARLINI, 2006). Os efeitos agudos da toxicidade da maconha são, entre outros,
letargia, sonolência, euforia, bem-estar, relaxamento, risos imotivados, distorção da percepção
tempo/espaço, sensação de lentificação do tempo, afrouxamentos das associações e prejuízo
da concentração e memória. Entre os efeitos do uso crônico, encontra-se a síndrome
motivacional, que se caracteriza como uma depressão da motivação, da ambição, das
habilidades de comunicação, de relacionamento e de realização, entre outros (DIAS; PINTO,
2006).
Nos anos 80, o uso recreativo da maconha popularizou-se, tornando este uso
esporádico banalizado no meio acadêmico, entre alunos, professores e pesquisadores. MacRae
e Simões
(2003), em entrevista a usuários freqüentes de maconha, perceberam que em
situações de trabalho ela não era utilizada, pois se temia a descoberta e a exposição moral no
ambiente de trabalho, além da queda do rendimento, da dispersão e da perda de concentração.
Porém, não sendo regra geral, haveria certo consenso em não compatibilizar seu uso em
tarefas que exigissem concentração, precisão e mecanização. Em contrapartida, outros
acreditavam poder conciliar o uso da substância com o trabalho, que inclusive facilitaria o
desempenho de atividades que demandassem uma coordenação rítmica dos movimentos do
corpo, como dançar, limpar a casa ou capinar um quintal, por exemplo. A tendência
predominante entre os entrevistados era utilizar a maconha em ocasiões recreativas, e quase
sempre em grupo.
Cocaína
As folhas de cocaína são usadas por índios da América do Sul mais de 4.500 anos
(FERREIRA; MARTINÍ, 2001). Com a industrialização ocorrida no século XIX, a cocaína
chegou aos países desenvolvidos da época. Na medicina, essa substância também se mostrou
presente, sendo usada tanto por Freud quanto por outros médicos na tentativa de curar
inúmeras enfermidades. No entanto, a maior disponibilidade e a queda dos preços nos últimos
30 anos, possibilitaram que essa droga fosse usada abusivamente por um número crescente de
pessoas, trazendo conseqüências assustadoras para a saúde do indivíduo e para a sociedade
como um todo (Op. cit.).
A cocaína é um alcalóide obtido das folhas da planta Erythroxylon coca. Atinge o
sistema nervoso central após ser absorvida pela mucosa do nariz (inalada), pelas vilosidades
intestinais (ingestão oral) ou pelos capilares pulmonares (fumada). Pode ainda ser injetada
diretamente na circulação venosa. É consumida por qualquer via (oral, inalada, injetável ou
fumada), dependendo da apresentação escolhida (DIAS; PINTO, 2006).
A rapidez do pico de ação, a intensidade e a duração do efeito causado por esta
substância química, estão relacionados à sua capacidade de gerar dependência. A cocaína
refinada leva cerca de 15 minutos para alcançar seu pico de ação, que dura até 45 minutos.
as formas fumadas e injetáveis, m ação imediata mais intensa e efêmera, cerca de cinco
minutos, sendo por isso mais estimuladoras de dependência (FERREIRA; MARTINÍ, 2001).
O consumo de cocaína provoca aceleração do pensamento, inquietação, aumento do
estado de vigília e inibição do apetite. As alterações do humor o variáveis: desde a euforia -
desinibição e fala solta, a sintomas de mal-estar psíquico - medo, ansiedade e inibição da fala,
idéias paranóides, agitão, sentimentos de grandiosidade. Como sintomas sicos, provoca
aumento da pressão arterial, arritmia cardíaca, vasoconstrição cerebral, tremores, espasmos,
useas, vômitos, dilatação da pupila e sudorese (DIAS; PINTO, 2006).
Dois fenômenos se desenvolvem a partir do uso continuado (OMS, 2007): a síndrome
de abstinência, marcada por fissura, ansiedade, inquietação, irritabilidade e piora da
capacidade de concentração e sensibilização; e na vigência do consumo ou imediatamente
após o consumo, o surgimento de transtornos psicomotores, produzindo excitação ou estupor,
sintomas paranóides ou persecutórios conhecidos por “nóia”, alucinações vívidas e
afetividade anormal, que pode variar de medo intenso a êxtase, sintomas estes que
comprometem substancialmente a qualidade de vida deste usuário e sua relação com o
mundo.
Em 1985 surge o crack, decorrente da mistura de cocaína refinada e substâncias
alcalinas, como o bicarbonato de sódio aquecido, desta mistura resultando em precipitação de
cristais de cocaína, “pedra”, fumado em cachimbos que podem ser improvisados a partir de
latas e invólucros de canetas. Atualmente a cnica tem sido desafiada com esta recente forma
de consumo da cocaína e seus variados potenciais de toxicidade e danos, que ainda estão
sendo estudados (FERREIRA; MARTINÍ, 2001)
2.2 O Mundo do Trabalho Hoje: mudanças e impasses
Após a II Grande Guerra, o mundo do trabalho caracterizou-se pela padronização no
contrato de trabalho e duração da jornada de trabalho, com mudanças em relação ao local de
trabalho. Predominavam as negociações de contrato coletivas e o padrão de emprego seguro
nas grandes empresas, o que se constituía no sonho dos trabalhadores em geral.
A partir dos anos 70, as características inerentes ao novo trabalhador mudaram
radicalmente, passando "o mundo do trabalho, a ser povoado por indivíduos independentes,
automotivados, que tomam suas decisões a partir de interesses e preferências individuais
(SORJ, 2000, p. 29).
Neste momento, inicia-se a valorização do individual em detrimento da
valorização do coletivo (BECK; DAVID, 2007).
O processo de globalização não pode ser examinado apenas sob seus aspectos
financeiros. A reorientação de relações de mercado entre países, que teve lugar nas últimas
décadas, também foi acompanhada de mudanças sociais, principalmente nos países em
desenvolvimento. Para autores como Belinguer
(1999), estas mudanças vieram aprofundar a
distância entre os países mais pobres e o mundo rico, em função de uma crescente
concentração de poder e capital nas mãos de poucos atores.
A incapacidade de os Estados latinoamericanos controlarem os fluxos financeiros,
agora sob controle do capital internacional, levou-os a também subordinar os assuntos sociais
e poticos, fazendo as adaptações necessárias. O chamado ajuste macroeconômico, ou ajuste
estrutural, que teve lugar na década de 80, trouxe mudanças na potica econômica destes
países que, por usa vez, produziram impacto nas poticas de bem-estar social. As
conseqüências mais dramáticas foram a subcontratação, a precarização e a flexibilização das
relações de trabalho, além do aumento nas taxas de desemprego (BECK; DAVID, 2007).
Temos, na atualidade, a valorização do serviço autônomo por projeto, por prazo
determinado ou por subcontrato. O salário fixo já não é a forma mais importante de
remuneração, e sim a remuneração variável, por tarefa ou produtividade (Op.cit., 2007).
Dentre as características de maior importância em relação a este novo mundo do
trabalho, destaca-se a valorização de atributos pessoais como aparência, idade, educação,
gênero e raça, transformados em potencial produtivo, fazendo com que os valores intrínsecos
do indivíduo sejam os fatores mais importantes de empregabilidade. As relações de amizade,
o ambiente familiar e os contatos sociais em geral, formam uma verdadeira rede que facilita,
sobremaneira, a obtenção de empregos. Como afirma Sorj
(2000, p. 30), “hoje em dia, o
próprio trabalhador é parte do produto que está sendo oferecido ao cliente”, em que requisitos
como aparência e altura, entre outros, ganham destaque.
O conceito de "trabalho emocional", criado por Hochschild (1983), associa
obrigatoriamente o comportamento do empregado às emoções do cliente. Por esse motivo, o
atual trabalhador necessita de equilíbrio emocional e capacidade expandida de julgamento,
para ter chances razoáveis no mundo do trabalho.
De modo complementar, um consenso de que trabalhadores desempregados têm
menor autoestima ou maior sentimento depressivo, apresentam menor nível de bem estar,
experimentam sentimentos de caráter negativo mais freqüentemente, sentem menor grau de
satisfação com a vida, além de apresentarem uma imagem mais negativa de si mesmos e de
menos valia, quando comparados com trabalhadores empregados, fato este que levaria a uma
dificuldade maior de retornar ao mercado de trabalho. Portanto, o trabalho pode ser
considerado como importante fator de proteção e manutenção da saúde mental (BECK;
DAVID, 2007).
Antunes e Alves
(2004, p.3) indicam que, apesar de a classe trabalhadora atual “não
ser idêntica à existente em meados do século passado, ela também não está em vias de
desaparição”; há uma propensão a se confirmar as tendências atuais, tais como: redução do
proletariado industrial estável a partir do desenvolvimento do lean production, formas de
horizontalização do capital produtivo, flexibilização e desconcentração do espaço produtivo e
introdução do maquinário informatizado.
Paradoxalmente, ocorreu o aumento do proletariado fabril e de serviços caracterizados
pelo incremento da oferta de trabalho precarizado. E ganhou significância a força de trabalho
feminino, prioritariamente no universo do trabalho temporário e desregulamentado, tendo
como conseqüência níveis salariais, direitos sociais e trabalhistas desiguais, quando
comparados aos trabalhadores do sexo masculino( BECK; DAVID, 2007).
Fator importante também é a exclusão dos jovens com idade para ingressarem no
mercado de trabalho, devido ao desemprego estruturante e aos adultos acima dos quarenta
anos de idade, considerados “idosos” que, se demitidos, dificilmente conseguem uma
recolocação, pois a tendência é substituir este profissional especializado, herdeiro da cultura
fordista, pelo trabalhador polivalente e multifuncional da era toyotista, fato este que reforça
alternativas criativas e adaptadoras, tais como o emprego informal, o trabalho voluntário e o
trabalho no Terceiro Setor, que é um desdobramento direto da retração do mercado industrial
e de serviços (ANTUNES; ALVES, 2004). Por outro lado, o trabalho entre jovens que têm de
associar jornadas de trabalho e de estudo, foi identificado como sendo uma situação
potencialmente geradora de maior estresse e pressão social
(SOLDERA, 2004).
Ocorreu, ainda, a expansão do trabalho doméstico como conseqüência das novas
características do mundo do trabalho e do aprimoramento da teleinformática. Houve um
terreno propício para que as atividades do trabalho produtivo fossem realizadas no espaço
doméstico ou em pequenas unidades produtivas (BECK; DAVID, 2007).
Há, ainda, uma última tenncia no contexto do capitalismo mundializado e na
transnacionalização do capital e do sistema produtivo: o mundo do trabalho organiza-se em
fronteiras diferentes dos limites geográficos, em que o antigo status “MADE IN”
desvalorizou-se em relação ao conceito de produzido com os melhores incrementos a nível
mundial (BECK; DAVID, 2007).
As tensões decorrentes deste processo de reorganização produzem, por sua vez, novas
subjetividades no mundo do trabalho. Por um lado, exige-se que o trabalhador inscreva-se de
modo criativo e autônomo no processo de produção; por outro lado, a imposição de pressões
produtivas e sociais é por vezes intolerável, podendo levar a rupturas severas da integridade
física e psíquica do trabalhador (Op. cit., 2007).
2.3 Psicodinâmica do Trabalho
O psicanalista Dr.Christophe Dejours desenvolveu a teoria da Psicodinâmica do
Trabalho, baseada na relação entre a organização de trabalho (entendida como as relações de
poder, a divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa, a hierarquia e as relações de comando) e o
trabalhador que, por meio da sua subjetividade, constrói estratégias individuais e coletivas
para lidar e transformar o sofrimento laboral em prazer (DEJOURS, 2007b).
Segundo Dejours (2007a), não existe relação de trabalho sem sofrimento, porém, é a
resignificação deste sofrimento que determinará a preservação da saúde subjetiva e permitirá
alcançar estes requisitos. Portanto, para a saúde mental, não neutralidade na relação com o
trabalho, que tanto pode ser estruturante, em organizações de trabalho que proporcionam o
desenvolvimento destas dinâmicas, quanto insalubre, onde o trabalhador construirá ideologias
e utilizará estratégias individuais e coletivas de defesas para suportar e /ou ressignificar este
sofrimento, sempre insistindo em transfor-lo em prazer.
O objeto da análise na Psicodinâmica é “a elucidação do trajeto que vai do
comportamento livre ao comportamento estereotipado”
(DEJOURS, 2007b, p.26), enfim,
entender os determinantes que conduzem transpassar da direção em busca do prazer e
realização intra e inter pessoal, em direção aos comportamentos prescritos, orientados pelo
meio laboral e previsível, inclusive fora deste meio.
Para isto ter resultado, o trabalhador será conduzido a realizar uma série de
pactuações, ainda que inconscientemente, a fim de ser, no primeiro momento, incluído e
pertencer; e no segundo momento, permanecer e ser reconhecido. Desta forma, percebeu-se o
desenvolvimento das ideologias e das estratégias defensivas necessárias à proteção e à
manutenção da integridade psíquica e somática.
Ao analisar a concepção que o termo doença tem no senso comum da classe do
subproletariado, referindo-se às populações subempregadas ou não empregadas que habitam
comunidades sem saneamento básico, em geral distantes do centro urbano e com os
investimentos em alimentação consumindo grande parte da despesa familiar, Dejours (2007b)
verificou que a doença é carregada de uma ideologia de vergonha, por ser entendida como não
querer trabalhar, ser vagabundo e preguiçoso. Esta ideologia vai se esmerar em manter à
distância o risco de afastamento do corpo ao trabalho, que terá como estratégia defensiva
coletiva a desconsideração pela dor, a evitação de comparecer às consultas e aos serviços de
saúde, interpretando com desconfiança e descrédito situações características como campanhas
e oportunidades de realização de exames.
Tal ideologia defensiva mascara, contém e oculta uma ansiedade grave, sendo
construída por um grupo social único, com uma especificidade particular, destinando-se a
enfrentar perigos e riscos reais como a incapacidade, a fome, a miséria e a morte,
especificamente, nesta situação citada. Para ser realizada, deve ter a participação de todos, ser
dotada de certa coerência, com lógica rígida e funcional, tendo sempre um caráter vital,
fundamental e obrigatório, no funcionamento dos grupos de trabalhadores.
Estas estratégias coletivas de defesa sendo construídas em grupo e pelo grupo,
possibilitam a “coesão do coletivo de trabalho”(DEJOURS, 2007a, p.103) para resistir às
pressões e dar significado ao trabalho, ao momento e ao sofrimento. Observou-se que o
consumo em grupo de bebidas alcoólicas entre trabalhadores, funciona como desinibidor das
tenes, euforizante, sedativo do medo e psicoestimulante, o que contribui para integrar e
adestrar a aflição provocada pelo trabalho, com uma pseudocoragem e demonstrações de
virilidade, que podem se voltar contra o próprio trabalhador, como é relatado por
trabalhadores usuários de drogas (UD) que o conseguem retornar ao trabalho após
tratamento ou em processo de reabilitação.
Simultaneamente à imposição de um pacto de silêncio, proibindo-se de falar deste
consumo, negar-se a participar deste ritual coletivo é expor-se ao menosprezo, à
desconsideração, à desmoralização, é correr o risco de tornar-se alvo de vingança coletiva”
(Op.cit., p.104). Enquanto que, se a bebida alcoólica for consumida individualmente, haverá
retaliação do próprio grupo de trabalhadores para esta fuga em direção a uma decadência
rápida e um destino somático e mental grave” (DEJOURS, 2007b, p.34). Ninguém pode falar
de sentir medo, não se deve falar do perigo, do risco e do acidente, exigindo uma contínua
coesão com a participação de todos os trabalhadores. A bebida alcoólica insere-se neste
contexto por representar uma dose de energia mais psicológica do que sica, pelo valor
simlico da inclusão e por seu efeito, neste caso terapêutico, de desinibidor e relaxante.
O mundo social, cenário em que a subjetividade se manifesta, não tem uma ordem
organizada e prescrita, é feito de significados compreendidos e compartilhados por todos os
sujeitos de uma determinada comunidade” (SILVA FILHO, 2007, p.162)
, sendo validado e
reconhecido pelos que se reconheçam pertencentes a este contexto cultural. O trabalho insere-
se neste contexto contemporâneo como “a própria finalidade da vida”
(Op.cit., p.162), em que
a vida se entrelaça com trabalho e com a própria história, em que a narrativa de uma
existência baseia-se neste tripé. É a partir do trabalho que o homem constrói a sua identidade,
interage com o mundo e se constitui no mundo. Portanto, só sendo reconhecido por um
outro, pelos outros e, enfim, por todos os outros é que um ser, o humano, é realmente
humano: tanto para si mesmo quanto para os outros” (Op.cit., p.163).
Com as mudanças atualmente ocorridas nas relações de trabalho, as tensões
decorrentes deste processo de reorganização produzem, por sua vez, novas subjetividades no
mundo do trabalho. Por um lado, exige-se que o trabalhador inscreva-se de maneira inventiva
e independente no processo de produção; por outro lado, a imposão de pressões produtivas e
sociais é por vezes intolerável, podendo levar a rupturas severas da integridade física e
psíquica do trabalhador. E esta própria reorganização do trabalho produziu algumas
características que, à primeira impressão, a partir dos discursos vigentes, favorecem e
promovem a maior autonomia do trabalhador, inclusive referindo proteção à sua saúde;
porém, saltam os equívocos e o próprio processo de perversidade embutidos nestas práticas,
se torna um cenário adequado para análise, sob a teoria da Trabalho e da Psicodinâmica do
Trabalho.
Uma das características contemporâneas no mundo laboral é a flexibilidade
(SELIGMANN-SILVA, 2003), considerada positiva para a reestruturação e a nova ordenação
do trabalho quando elaborada pelos próprios trabalhadores, sendo fonte de orgulho e
fortalecedora da auto-imagem e auto-estima. Porém, na prática, verifica-se como produtora de
sofrimento, pois a ampliação deste conceito estende-se da flexibilidade à desregulamentação
das relações de trabalho, gerando conflitos no encaminhamento de questões do processo das
atividades e hierarquia; dos salários, provocando insegurança e ambientes altamente
competitivos, devido às modalidades de remuneração se fazer por produção, cumprimento de
metas, entre outros; da temporalidade deste trabalho, que flutua de acordo com a demanda do
mercado consumidor, impedindo o trabalhador de se organizar por um período mais longo,
pois fica vulnerável entre estar trabalhando ou ter suas férias prolongadas, ou ainda, ter seu
contrato de trabalho suspenso; das garantias sociais e previdenciárias submetidas aos
contratos de trabalho, que variam desde o cumprimento da legislação trabalhista até o total
desamparo dos sistemas de proteção social, empurrando grande parcela de trabalhadores para
o trabalho informal; da exigência do acúmulo de múltiplas funções e tarefas, onde
polivalência resignifica sobrecarga.
O que por uns é designado como flexibilização modernizadora, é experienciado por
outros como superexploração, incerteza quanto ao futuro e mesmo como ameaça de exclusão”
(SELIGMANN-SILVA, 2003, p.1145), sendo que o convívio com o desgaste e a pressão são
naturalizados, exigindo do trabalhador um auto controle emocional em um panorama onde
grande parte das atividades são relacionais”
(Op.cit., p.l145), direcionadas a estabelecer
relações interpessoais diretamente, tais como, porteiro, vendedor, empregada doméstica,
garçonete, policial, ou indiretamente, como no telemarketing. Diante deste quadro, é
indiscutível o terreno fértil para a gênese ou o desenvolvimento de doenças psíquicas e/ou
físicas vinculadas à organização do trabalho.
Como resultado desta flexibilização, há a produção de ambientes cada vez mais
controlados pelos próprios trabalhadores, o que é interpretado como autonomia participativa;
porém, o clima contagiante é de não confiabilidade, com modos de controle refinados,
utilizando meios eletrônicos, política de premiações e avaliações que fomentam disputas e
competições, cujo objetivo final é o incremento da produção com menor desperdício possível
de insumos e horas trabalhadas (Op. cit.).
Seligmann-Silva
(2003) comenta ainda a existência de outros aspectos da organização
do trabalho que devem ser observados, por repercutirem na subjetividade do trabalhador, tais
como, modificações ocorridas no processo do trabalho, domínio de novos conhecimentos e
habilidades, instalão de uma nova rotina ou maquinário, saída ou admissão de colegas. São
fatores que podem exercer uma sobrecarga mental e gerar mal-estar por insegurança e medo
de não corresponder às novas expectativas. Inclusive a rede de contatos e sociabilidade,
incluindo este campo, os relacionamentos formais e informais e os valores que direcionam
estas relações, permitem a troca de apoio, solidariedade, empatia, afeto e sinceridade, ou é
uma sociabilidade que exclui e escamoteia, isolando este trabalhador.
A rede de comunicação pode influir na saúde psíquica por ocorrer em diversos canais
simultaneamente, entre as equipes, entre níveis hierárquicos, intra e entra grupos, e de
variadas formas, verbal, escrita, por reuniões formais, direta ou indiretamente, o que é
procio para provocar mal-estar quando a qualidade destas comunicações é
comprometida por boatos, incompletudes, ambiguidade e tudo que favoreça a mal-
entendidos e desconfiança. As relações de micro poder e o exercício ético no cotidiano
laboral podem melhorar e manter saudável o ambiente, quando espaço para o
exercício da escuta, da valorização do que é reivindicado e do respeito às pessoas
(SELIGMANN-SILVA, 2003, p.1148).
Juntos, estes fatores possibilitam a melhora da sociabilidade até a resignificação do
sentido do trabalho para o indivíduo, com ressonância em outros grupos do qual ele se integre,
pois o sentido do trabalho repercute na sua auto estima, autoimagem, segurança interna, ou
seja, com a identidade. Ao desvalorizar o que se faz, desvaloriza-se a si próprio, um trabalho
aviltante impede a identificação e aborta qualquer grau de sublimão (Op. cit., p.1150)..
O campo da subjetividade e trabalho é um terreno interdisciplinar que se caracteriza
principalmente pela importância das vivências e experiências adquiridas no mundo do
trabalho, nas representações dos trabalhadores sobre seu cotidiano de trabalho (NARDI;
TITTONI; BERNARDES, 1997).
Nesta linha de investigações, valoriza-se a produção de significados realizada pelos
sujeitos sobre suas realidades de trabalho. Considera-se o sujeito ativo, compreendendo e
interagindo, e não meramente como conseqüência de uma determinada atividade
(CRUZ,
2003); implica, como afirma Tittoni
(1994, p.53) em uma redefinição da noção de trabalho,
busca-se seu redimensionamento,ampliando-o do seu enfoque eminentemente técnico e
econômico para o sujeito que trabalha”. Este é um aspecto primordial: trazer para a
compreensão do trabalho uma dimensão anteriormente esquecida, a do humano. Seguindo
esta mesma direção, salienta-se então o trabalho como um espaço no qual se interseccionam
dimensões da cultura”
(NARDI; TITTONI; BERNARDES, 1997, p.242) onde diferentes
variantes sociais - classe, gênero, raça, idade, entre outras - atravessam sua prática. Fonseca
(1995, p.181) também comenta sobre a influência das características individuais no
desenvolvimento da atividade laborativa ao destacar que
o sujeito do trabalho aparece como sendo homem e mulher, pobre e rico, branco e negro, o
que quer dizer, des-invisibilizado e tornando possível de análise para muito mais além
daqueles parâmetros assexuados e universalizantes nos quais foi encaixado, pela
administração, enquanto protótipo de trabalhador ideal.
Pensa-se que para analisar o trabalho como vivência subjetiva, tem-se que considerar o
sujeito que trabalha homens, mulheres, negros, pobres... - enfim, aquele que vive o seu dia-
a-dia num espaço social dinâmico, que oferece maiores possibilidades para alguns, maiores
dificuldades para outros, e que é neste fluxo entre sujeito e espaço social, no âmbito do
trabalho, que se pode produzir a doença ou a saúde. Daí afirmar-se o trabalho como fator
constitutivo do ser humano, fator essencial de equilíbrio e de desenvolvimento, de saúde
mental, como também de adoecimento, com repercussões em outros espaços da vida social.
Reconhece-se como uma das grandes escolas deste campo de estudos, a Psicodinâmica
do Trabalho, que tem como singular representante Christophe Dejours, cuja abordagem,
enfatizando as vincias de prazer e sofrimento, redireciona-se dos estudos centrados na
busca de doenças mentais para a análise da normalidade (DEJOURS, 2007b). Este olhar vem
contribuindo muito para uma nova forma de análise da relação subjetividade e trabalho e
define seu foco de interesse como sendo
a análise dinâmica dos processos psíquicos mobilizados pela confrontação do sujeito com a
realidade de trabalho. Dinâmico significa que a investigação toma como centro de gravidade
os conflitos que surgem do encontro entre um sujeito, portador de uma história singular,
preexistente a este encontro e uma situação de trabalho cujas características são, em grande
parte, fixadas independentemente da vontade do sujeito. (LIMA; VIANA, 2006, p.12)
Na Psicodinâmica do Trabalho as relações interpessoais ganham o centro. Não é a
psicopatologia, e sim as relações intersubjetivas que se estabelecem no trabalho, o seu objeto
de análise. A idéia central é que o sujeito no trabalho está permanentemente negociando a
melhor forma de trabalhar. Na medida em que ele contribui para a realização do trabalho,
qualquer que seja o produto, espera que isso seja reconhecido. Mais do que isso: o indivíduo
deseja que o reconhecimento ocorra não apenas pela existência da contribuição, mas que ela
seja julgada pelos pares como boa contribuição.
Os julgamentos pelos pares referem-se à contribuição dos sujeitos, sempre relativos ao
fazer - ao trabalho realizado que traz em sua superfície os traços das regras da atividade, do
saber-fazer, da originalidade - e não ao sujeito. A retribuição no registro da identidade, no
registro do "ser", é obtida como retorno dos efeitos do reconhecimento no registro do "fazer".
O reconhecimento da qualidade do trabalho realizado traduz-se em retribuição simlica, que
pode tomar sentido em relação aos anseios subjetivos quanto à realização de si. Na dinâmica
de construção/ fortalecimento da identidade, o reconhecimento do fazer vem,
necessariamente, em primeiro lugar. A relação mobilização subjetiva - realização de si é
mediada pelo real, que constitui o trabalho. Da mesma forma, a relação entre trabalho e
identidade é mediada pelo outro, no julgamento de reconhecimento.
Dejours (2007a) propõe as bases para uma análise psicodinâmica do trabalho,
assentando-a sobre um triângulo fundamental que articula trabalho, sofrimento e
reconhecimento. De forma resumida, a construção do sentido do trabalho pelo
reconhecimento, gratificando o sujeito em relação a suas expectativas frente à realização de si
(edificação da identidade no campo social) pode, além de transformar o sofrimento em prazer,
conduzir à realização do ego no campo social.
3 MÉTODO DE PESQUISA
3.1 Referencial Teórico-Metodológico
Estudo do tipo descritivo, com abordagem qualitativa. Segundo Minayo (1996), esta
abordagem permite incorporar a questão do significado e da intencionalidade tornando-as
inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais, tanto no advento quanto na sua
transformação como construções humanas significativas.
Será utilizado o referencial metodológico da Análise de Conteúdo, com opção pela
análise temática ou investigação de temas, já que esta “é rápida e eficaz na condição de se
aplicar a discursos diretos (significações manifestas) e simples” (BARDIN, 1977, p. 153).
Esta autora conceitua a análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de análise das
comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens (quantitativos ou o), a inferência de conhecimentos relativos às
condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.
O método de análise de conteúdo é fundamental para evitar abstrações e o uso de
intuão que, em muitos casos, reforça a projeção da subjetividade do próprio pesquisador.
Ao adotar procedimentos sistemáticos de verificação e comprovação de hiteses, a análise de
conteúdo torna-se uma ferramenta para a descrição e interpretação abalizada de mensagens.
Trata-se de estabelecer, segundo Bardin (1996), de maneira consciente ou não, uma
correspondência entre as estruturas semânticas ou lingüísticas e as estruturas psicológicas ou
sociológicas dos enunciados.
Minayo (1996, p. 203) menciona que a análise de conteúdo "parte de uma literatura de
primeiro plano para atingir um nível mais aprofundado: aquele que ultrapassa os significados
manifestos". Para a referida autora, a análise de conteúdo relaciona as estruturas semânticas
(significantes) com as estruturas sociológicas (significados) dos enunciados. A superfície dos
textos, descrita e analisada, é articulada aos fatores que determinam suas características:
aspectos psicossociais, contexto cultural, contexto e processo de produção da mensagem.
Dentro das técnicas de análise de conteúdo, optou-se pela análise categorial ou análise
temática. De acordo com Minayo (1996), a noção de "tema" relaciona-se a uma afirmação a
respeito de determinado assunto, comportando um feixe de relações e podendo ser
apresentada através de uma palavra, uma frase, um resumo, entre outros. Para Bardin (1996,
p. 105), "fazer uma análise temática consiste em observar os „núcleos de sentido que
comem a comunicação, e cuja presença ou freqüência de aparição poderão significar
alguma coisa para o objetivo analítico escolhido", e que pode ser analisado a partir da
interpretação das comunicações indiretas, que não está exposto diretamente, é a investigação
minuciosa da mensagem que se encontra atrás ou entre o discurso. Tempos verbais, palavras
com significados amplos, comuns de um grupo, organização do discurso, constância de
repetições, entonação, comunicação gestual, entre outros, são ferramentas que come a
comunicação e que também devem ser observados.
Na análise qualitativa, é a presença ou a ausência de uma dada característica de
conteúdo ou de um conjunto de características num determinado fragmento de mensagem, que
é levado em consideração, passando-se a aceitar a combinação da compreensão cnica com a
contribuão estatística, e a análise de conteúdo começou a ser vista o apenas com um
alcance descritivo, mas com um objetivo de inferência, ou seja, pelos resultados da análise,
poder-se-ia regressar às causas.
Bardin (1977) relata que a partir 1960, três fenômenos afetaram a investigação e a
prática da análise de conteúdo: (1) o recurso de programas de computadores; (2) o interesse
pelos estudos relacionados à comunicação não verbal; (3) a inviabilidade de precisão dos
trabalhos lingüísticos. Os programas de computadores permitiram análises mais detalhadas
dos textos, no que diz respeito à sua mensuração, ou seja, à freqüência de uma determinada
unidade de análise; técnicas estatísticas avançadas puderam ser aplicadas. Nesse estudo,
optou-se pelo recurso do Programa LOGOS para sistematizar a ordenação e auxiliar na
análise textual das entrevistas.
Para Bardin (1977, p. 141), a análise de conteúdo é uma busca de outras realidades
através das mensagens”, e obedece a três momentos: na pré-análise, organiza-se o material
que constitui o corpus da pesquisa. Na exploração do material há três etapas: a) a escolha das
unidades de contagem, b) a seleção das regras de contagem e c) a escolha de categorias. Em
seguida, ocorre o tratamento dos resultados, que compreende a inferência e a interpretação.
Ferreira (2003) traz o percurso do trabalho com dados de pesquisa a partir da
perspectiva da análise de conteúdo: p-análise - momento de organizar o material, de
escolher os documentos a ser analisado, formular hipóteses ou queses norteadoras, elaborar
indicadores que fundamentem a interpretação final. Inicia-se o trabalho escolhendo os
documentos a serem analisados. No caso de entrevistas, elas serão transcritas e a sua reunião
constituio corpus da pesquisa.
O primeiro contato com os documentos constitui-se no que Bardin (1977) chama de
"leitura flutuante". É desta leitura que surgem hipóteses ou questões norteadoras, em função
de teorias conhecidas, além das primeiras hipóteses e objetivos do trabalho. Hitese é uma
explicação antecipada do femeno observado, uma afirmação proviria, que nos propomos
verificar. O objetivo geral da pesquisa é sua finalidade maior, de acordo com o quadro teórico
que embasa o conhecimento. Nem sempre as hipóteses são estabelecidas na pré-análise, como
afirma Bardin (1977); elas podem surgir, assim como as questões norteadoras, no decorrer da
pesquisa.
Após a leitura flutuante, devem-se escolher índices que surgirão das questões
norteadoras ou das hipóteses, e organizá-los em indicadores. Os temas que se repetem com
muita freqüência podem ser índices e se recortam do texto em unidades comparáveis de
categorização para análise temática e de modalidades de codificação para o registro dos
dados. A exploração do material é a etapa mais longa e cansativa, pois é a realização das
decisões tomadas na pré-análise. É o momento da codificação, ou seja, os dados brutos são
transformados de forma organizada e "agregadas em unidades, as quais permitem uma
descrição das características pertinentes do conteúdo", segundo Bardin (1977,168).
A codificação compreende a escolha de unidades de registro, a seleção de regras de
contagem e a escolha de categorias. A escolha de unidades de registro (recorte), entendidas
como unidades de significação a codificar. Pode ser o tema, a palavra ou a frase. Recorta-se o
texto em função da unidade de registro. Tema é a afirmação de um assunto. Como unidade de
registro, é a unidade que se liberta naturalmente do texto analisado. Para estabelecer as
unidades de registro, é preciso, às vezes, fazer referência ao contexto da unidade que se quer
registrar. Então, o contexto serve para compreender a unidade de registro. A seleção de regras
de contagem (enumeração): ocorre na presença de elementos, e pode ser significativa. A
freqüência com que aparece uma unidade de registro denota-lhe a importância. A intensidade
será medida através dos tempos do verbo (condicional, futuro, imperativo), dos advérbios de
modo, adjetivos e atributos qualificativos. A direção será favorável, desfavorável ou neutra. A
co-ocorrência é a presença simultânea de duas ou mais unidades de registro.
Este fato mostra a distribuição dos elementos e sua associação. A maioria dos
procedimentos de análise qualitativa organiza-se em torno de categorias, que é uma forma
geral de conceito, uma forma de pensamento. As categorias são um reflexo da realidade, em
determinado momento, síntese do saber. Por isso, modificam-se constantemente, assim como
a realidade. Na análise de conteúdo, as categorias são rubricas ou classes que reúnem um
grupo de elementos (unidades de registro) em razão de características comuns.
O critério utilizado para a escolha das categorias deste estudo foi o semântico ou por
temas. A categorização permite reunir maior número de informações à custa de uma
esquematização e, assim, correlacionar classes de acontecimentos para ordená-los. A
categorização representa a passagem dos dados brutos a dados organizados. Na atividade de
agrupar elementos comuns, estabelecendo categorias, seguem-se duas etapas: inventário
(isolam-se os elementos comuns) e classificação (repartem-se os elementos e ime-se certa
organização à mensagem).
Para serem consideradas boas, as categorias devem possuir certas qualidades: exclusão
mútua cada elemento pode existir em uma categoria; homogeneidade para definir uma
categoria, é preciso haver uma dimensão na análise; pertinência as categorias devem
dizer respeito às intenções do investigador, aos objetivos da pesquisa, às questões norteadoras,
às características da mensagem; objetividade e fidelidade se as categorias forem bem
definidas, se os índices e indicadores que determinam a entrada de um elemento numa
categoria forem bem claros, não have distorções devido à subjetividade dos analistas;
produtividade as categorias serão produtivas se os resultados forem férteis em inferências,
em hiteses novas, em dados exatos.
Ao se descobrir um tema nos dados, é preciso comparar enunciados e ações entre si,
para ver se existe um conceito que os unifique. Quando se encontram temas diferentes, é
necessário achar semelhanças que possa haver entre eles. A proposição é um enunciado geral
baseado nos dados. Enquanto os conceitos podem ou não se ajustar, as proposições são
verdadeiras ou erradas, mesmo que o pesquisador possa ou não ter condições de demonst-lo.
O certo é que as proposições derivam do estudo cuidadoso dos dados.
Durante a interpretação dos dados, é preciso sempre voltar atentamente aos marcos
teóricos, pertinentes à investigação, pois eles dão o embasamento e as perspectivas
significativas para o estudo. A relação entre os dados obtidos e a fundamentação teórica é que
dará sentido à interpretação. As interpretações a que levam as inferências serão sempre no
sentido de buscar o que se esconde sob a aparente realidade, o que significa verdadeiramente
o discurso enunciado, o que querem dizer, em profundidade, certas afirmações, aparentemente
superficiais. A análise de conteúdo possibilita que uma „leitura profunda‟ das comunicações
ocorra, indo além da „leitura aparente‟. O papel do analista é semelhante ao do arqueólogo, do
detetive ou do psicoterapeuta. Freud já nos falava da „linguagem oculta‟ e Vygotsky (2000)
nos diz:
Para compreender a fala de outrem não basta entender as suas palavras temos que
compreender o seu pensamento. Mas nem mesmo isso é suficiente também é preciso que
conheçamos a sua motivação. Nenhuma análise psicológica de um enunciado estará completa
antes de se ter atingido esse plano.
Podemos concluir, assim, que o método de análise de conteúdo favorece a
sistematização de um trabalho de análise de dados, desenvolvido em etapas, concernentes aos
objetivos de determinado estudo, favorecendo a particularização dos componentes estudados,
assim como o confronto entre as partes que se interrelacionam e se complementam no todo.
3.2 Aspectos Éticos do Estudo
Inicialmente, foi feita uma consulta verbal ao Diretor do CENTRA-RIO no sentido de
que a Instituição pudesse ser utilizada como cenário do estudo, havendo anuência por parte da
direção mediante ofício datado de 12 de novembro de 2007 (Anexo A). Posteriormente, o
projeto de pesquisa foi submetido à apreciação do Comitê de Ética do Hospital Universitário
Pedro Ernesto / UERJ (Apêndice A), sendo aprovado em 12 de dezembro de 2007 (Anexo B).
3.3 Cenário do Estudo
O cenário foi o Centro Estadual de Tratamento e Recuperação de Adictos (CENTRA-
RIO), que é um Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPS-ad), desde
fevereiro de 2007 subordinado à Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Governo do
Estado do Rio de Janeiro, localizado em Botafogo, zona Sul da cidade do Rio de Janeiro,
tendo como objetivo formular e implementar estratégias eficazes de atenção voltadas para a
população de usuários de álcool/drogas.
O CENTRA-RIO foi criado em 1998 pela referida Secretaria de Estado, fundamentado
com o propósito de ser um hospital-dia para usuários de drogas; ou seja, um local de
acolhimento, com atribuições e estrutura que se situam entre uma estrutura hospitalar para
desintoxicação e um ambulatório de Saúde Mental. Atualmente, a Instituição funciona como
porta de entrada e centro regulador da assistência aos transtornos decorrentes dos femenos
de uso, abuso e depenncia das drogas psicotpicas, em sua área territorial, ou seja, a Zona
Sul do município do Rio de Janeiro, inclusive como local de pesquisa de fenômenos
vinculados à utilização de drogas e aos danos e riscos daí decorrentes.
O CENTRA-RIO oferece hoje um tratamento ambulatorial diferenciado, buscando
assistir aos pacientes e seus familiares com problemas de álcool / drogas, além de atender, em
dia, 80 a 100 novos pacientes / mês. No primeiro mês de atendimento, a taxa de
permanência é de cerca 56% em decorrência dos casos de desistência, e pelo fato de a unidade
exercer um papel de “porta de entrada” para avaliação de casos referenciados para internação
nas cnicas especializadas em dependência química da Secretaria de Ação Social e Cidadania
do Governo do Estado. Os atendimentos dos pacientes em tratamento totalizam, em média,
1.243 procedimentos / mês, divididos entre: atendimentos de primeira vez e procedimentos do
programa terapêutico de primeira ou segunda fase, ou da fase de desligamento.
Ressalta-se que desde setembro de 2000, um roteiro de entrevista estruturada vem
sendo empregado rotineiramente na instituição para coletar dados referentes às novas
admissões no CENTRA-RIO, permitindo constatar que 2.617 pacientes foram entrevistados
em um período de 36 semanas entre os meses de setembro de 2000 a maio de 2001. As idades
variaram de 9 a 73 anos, com média de 35 anos, sendo 79% homens. Destes, 73% relataram
o ter parceiros/as fixos/as; 50% referiram ter apenas o nível fundamental de escolaridade;
89,9% informaram que nunca procuraram tratamento especializado, apesar de terem, com
freqüência, história de tratamento em instituição psiquiátrica.
O padrão de uso de drogas mostrou que 39% referiram o álcool como droga principal,
31% a cocaína cheirada e 17% a maconha; 79% referiram idade de início de uso de drogas
antes dos 20 anos; 69% disseram ter pelo menos um parente que usa drogas; 32%
apresentaram problemas de ordem legal; 46% nunca fizeram teste de HIV e 15% não
souberam responder a esta questão. Os percentuais de relato de “uso na vida” de drogas
injetáveis (7%) e uso atual (3%) apontam para a necessidade de melhor investigação e de
ações preventivas, corroborando a opinião de Simões (2006) a respeito.
O Programa Terapêutico do CENTRA-RIO contempla a oferta de serviços de
assistência em Centro-dia, em que o usuário é recepcionado por uma equipe multidisciplinar
que avaliará sua demanda, possibilidades de acompanhamento e, em conjunto com este
usuário, construiuma proposta terapêutica personalizada. Como Centro-dia, a unidade tem
uma fuão intermediária entre o tratamento em regime de internação e o tratamento
ambulatorial, buscando atender pacientes com problemas de álcool/drogas que necessitem de
atenção integral e intensiva, assim como de um espaço de acolhimento.
3.4 População do Estudo
Os sujeitos participantes da pesquisa foram indivíduos entre 19 e 61 anos de idade, de
ambos os sexos em tratamento no CENTRA-RIO, que são cidadãos trabalhadores, de acordo
com a definição do Ministério do Trabalho e Emprego (1974), não importando se têm ou o
vínculo empregatício formal. Para o Ministério do Trabalho e Emprego, todo cidadão entre 18
e 65 anos é trabalhador, podendo estar no exercício da profissão ou em outra atividade, com
emprego formal ou informal, ou mesmo encontrar-se desempregado.
O público entrevistado totalizou trinta e oito sujeitos, divididos da seguinte forma: dez
mulheres usuárias de drogas diversificadas, quatorze homens usuários somente de bebida
alcoólica, classificada como droga lícita de acordo com legislação vigente, e quatorze homens
usuários de múltiplas drogas, inclusive as ilícitas, segundo a legislação atual.
Como é usual na utilização de metodologias qualitativas, a saturação de dados foi
observada. Procurou-se incluir trabalhadores de diversas inserções profissionais para permitir
uma visão mais ampla sobre a relação entre o mundo do trabalho e as drogas. A participação
foi voluntária após convite verbal formalizado nas atividades grupais terapêuticas em que
estes sujeitos se encontravam. Todos foram previamente instruídos sobre os objetivos da
pesquisa e sua participação, com garantia de interrupção ou retirada dos trabalhos a qualquer
momento, como dispõe a Resolução CNS-196/96 do Ministério da Saúde. Além do mais, o
estabelecimento prévio de laços de confiança foi um fator considerado, já que estes sujeitos
permanecem em tratamento e possuem vinculação com a equipe multidisciplinar.
Os critérios de inclusão levaram em conta a experiência de trabalho, isto é, qualquer
contrato de trabalho anterior. Esta opção deu-se em função de ser o trabalho de vínculo
precário, ou a situação de subemprego, condições de instabilidade que atuam como fatores
de risco para o uso abusivo de drogas. Considerou-se importante também conhecer as formas
como o mundo do trabalho enfrenta e negocia com o trabalhador em situação de uso, abuso e
dependência de drogas.
3.5 Instrumento de Coleta de Dados
Foram coletadas informações constantes dos prontuários dos pacientes, para
possibilitar a complementação de dados e permitir uma caracterização sociodemográfica dos
sujeitos, assim como de suas características enquanto trabalhadores. Como instrumento na
pesquisa recorreu-se a roteiro de entrevista semiestruturada (Apêndice B) com perguntas
abertas, de modo a produzir informações sobre as relações do indivíduo entrevistado e o
mundo do trabalho. Para a aplicação deste instrumento, utilizou-se a técnica de entrevista
individual.
A história de vida é uma estratégia de apreensão de vivências anteriores pelos sujeitos,
e que orientou a evolução das entrevistas, neste caso, trata-se do tipo de observância definido
por Denzin (1998) como história de vida tópica, centrada na situação do uso de drogas pelo
trabalhador. Esta fase de entrevistas ocorreu de 02 de janeiro a 20 de fevereiro de 2008. As
entrevistas conduzidas no momento definido em comum acordo com o sujeito, dentro das
dependências do CENTRA-RIO, transcorreram tendo-se o cuidado de preservar a sigilo das
informações apuradas, através da utilização de salas reservadas.
Estas entrevistas foram registradas em gravador digital, após leitura, esclarecimentos e
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos sujeitos (Apêndice
C), conforme preconiza a Resolução CNS-196/96, sendo autorizada também, pelos
participantes, a doação deste material de áudio ao Centro de Memória Profª Nalva Pereira
Caldas, da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FENF /
UERJ). Mas, é importante ressaltar que apenas um participante não autorizou a referida
doação, conforme declarado em seu TCLE. A fase de transcrição das entrevistas, feita pela
pesquisadora, estendeu-se até 30 de março de 2008.
3.6 Limitações do Estudo
Um fator importante que merece destaque é a população da amostra deste estudo.
Todos foram selecionados em um local considerado de referência para atendimento aos
requisitos da potica blica em saúde mental, especializado em tratamento para pessoas que
fazem uso danoso de drogas psicoativas, ou seja, pessoas que desenvolveram, nos mais
variados níveis, a percepção da relação uso de droga e conseqüências prejudiciais. Portanto,
o se pode generalizar as conclusões desta pesquisa para a população em geral, usuária de
droga, que necessita de estudos específicos e aprofundados, respeitando-se as características
pertinentes a cada contexto.
4 ANÁLISE DAS CATEGORIAS
4.1 Caracterização dos Sujeitos do Estudo
Os trinta e oito participantes foram divididos em três grupos (G): quatorze homens,
integrantes do grupo por nós denominado “Homens Alcoolistas” (G
A
), cuja droga utilizada foi
somente o álcool; quatorze homens usuários de várias drogas, cujo grupo denominou-se
Homens Usuários de Álcool e Outras Drogas” (G
D
); e dez mulheres usuárias de várias
drogas, inclusive o álcool, compondo o grupo denominado Mulheres Usuárias de Álcool e
Outras Drogas” (G
M
).
Quanto ao nível de escolaridade, completaram o ensino básico o mesmo quantitativo
(quatro) de integrantes do G
A
e do G
D
; no G
M
, apenas uma conseguiu esta formação.
Em relação ao nível dio, sete homens do GA e seis do GD relataram ter esta
escolaridade completa. No G
M
, este quantitativo foi de cinco.
No que se refere ao ensino superior, três integrantes do G
A
graduaram-se, enquanto no
GD e no GM, quatro membros de cada grupo conseguiram completar a graduação.
Com relação à renda familiar de até três salários nimos, foram identificados seis
homens no G
A
, oito no G
D
e oito no G
M
. Com renda maior que três salários, identificamos
sete homens no G
A
e cinco no G
D
, e duas mulheres no G
M
. Um homem alcoolista e um
usuário de álcool e outras drogas informaram desconhecer a renda dos respectivos grupos
familiares.
Quanto à religião professada, sete integrantes do G
A
, quatro do G
M
e cinco do G
D
,
declararam-se Católicos, enquanto a religião Evangélica foi confirmada por dois homens do
G
A
, seguido por duas mulheres (G
M
) e cinco integrantes do G
D
. A religião Espírita foi
mencionada por dois integrantes do G
A
, três do G
M
e um do G
D
. A religião Judaica foi
referida como sendo professada por dois participantes do G
D
. Os demais participantes não
declararam práticas religiosas.
No que se refere à situação atual de trabalho, o trabalho formal é o vínculo trabalhista
de dois integrantes do G
A
, dois do G
M
e quatro do G
D
. O trabalho informal é uma realidade
para três participantes do G
A
e do G
M
, respectivamente, e para quatro do G
D
. A situação de
aposentadoria foi identificada em três integrantes do G
A
, em duas mulheres (G
M
) e apenas um
do grupo de usuários de álcool e outras drogas (G
D
). A condição de desempregado foi descrita
por seis membros do G
A
, duas participantes do G
M
e quatro do G
D
. A condição de estudante
foi relatada por uma integrante do G
M
e um do G
D
.
Quanto à situação marital, cinco homens do G
A
e cinco do G
D
declararam manter
união estável, e apenas uma mulher declarou a mesma condição. A união o estável foi
relatada por nove participantes do G
A
, nove do G
M
e sete do G
D
. Ressalta-se que esta
informão não estava disponível em dois prontuários do G
D
.
Em relação à convincia familiar, seis participantes do G
A
, três do G
M
e quatro do
GD informaram morar nas casas dos respectivos pais. Quanto à residir com o cônjuge, dois
homens do G
A
e dois do G
D
confirmaram esta situação, assim como somente uma integrante
do G
M
. A convincia com outros vínculos parentais foi descrita por cinco participantes do
G
M
, três do G
A
e dois do G
D
. Quanto a morar sozinhos, dois homens do G
A
e quatro do G
D
, e
também uma mulher (G
M
), informaram esta condição. Nos prontrios de dois membros do
G
D
e um do G
A
não havia referência ao assunto.
No que diz respeito a existência de filhos, onze integrantes do G
A
, oito do G
D
e oito do
G
M
afirmaram ter filhos, sem mencionar o quantitativo.
O início do uso das drogas evidenciou que cinco integrantes do G
A
, sete do G
D
e seis
do G
M
começaram a usá-las até os quinze anos. Na faixa etária dos 16 aos 20 anos, fizeram
uso sete participantes do G
A
, quatro do GD e uma do G
M
.. Na faixa etária entre 21 e 30 anos,
constatou-se que um integrante de cada grupo experimentou o contato com as drogas pela
primeira vez. Nos prontuários de um participante do G
A
e de dois do G
D
e do G
M
respectivamente, não havia informação a esse respeito.
O álcool foi a droga de inicialização para dez integrantes do G
A
, três do G
D
e seis do
G
M
, seguida da maconha para dois do G
A
e seis do G
D
. Em relação ao tabaco, identificamos o
uso inicial por dois integrantes do G
D
e dois do G
M
. A cocaína foi a primeira droga utilizada
por um homem do G
D
e por duas mulheres (G
M
). Outras drogas foram inicialmente usadas por
dois integrantes do G
A
e dois do G
D
.
O uso de droga injetável foi confirmado por um participante do G
A
, dois do G
D
e três
do G
M
.
Quanto à realização do exame testagem do HIV, não foi feito o exame por três
integrantes do G
A
, quatro do G
D
e três do G
M
.
Em relação ao envolvimento com a pocia, por problemas ligados ao uso de drogas,
confirmou-se este envolvimento por três integrantes do G
A
, sete do G
D
e quatro do G
M
.
No que se refere ao envolvimento com o tráfico e drogas, a prática foi confirmada em
relação a um integrante do G
A
, dois do G
D
e quatro do G
M
.
Finalmente, o levantamento realizado a partir dos prontuários identificou que eram as
seguintes as funções / atividades desenvolvidas pelos sujeitos do estudo: auxiliar de
enfermagem, autônomo, sociólogo, comerciário, porteiro, auxiliar de balconista, motorista,
garçom, vigilante, advogado, eletricista, funcionário blico, despachante de carga, vendedor
e pintor, havendo meão à situação de aposentado.
De acordo com Seligman-Silva (1995), quando a atividade profissional é
desprestigiada, com qualificação e progressão funcional restrita, como é o caso da profissão
de alguns sujeitos deste estudo (autônomo, porteiro, motorista, garçom, vencecor, pintor, entre
outras), uma maior possibilidade de conduzir este trabalhador ao sofrimento mental,
impulsionando-os ao uso abusivo de álcool e drogas.
4.2 Esclarecimentos Prévios à Análise dos Dados
Posteriormente às transcrões das trinta e oito entrevistas, referida, foi iniciada a
fase de análise de conteúdo, optando-se pela análise temática ou investigação de temas, com
base no referencial trico desenvolvido por Bardin (1977). Para tanto, foi utilizado o
Programa LOGOS, um software de uso gratuito para organização textual, como ferramenta
para manuseio dos dados a fim de identificar as unidades de registro (UR), selecioná-las em
temas e, posteriormente, proceder à condensação das categorias por afinidade das referências.
Para mputo final destas categorias, retornou-se à leitura e análise do conjunto das
entrevistas no material impresso, sem uso do software.
Deste processo, emergiram trinta e dois temas, agrupados em seis categorias, que
foram analisados por ordem decrescente de frequência das unidades de refencia. As
categorias e seus temas foram ordenados por ordem decrescente de inferências:
Categoria 1 A conciliação entre o trabalho e o consumo de droga: Uso rotineiro; Trabalho e
droga; Trabalhar drogado; Não fala; Atos correlacionados. Esta categoria observa a tentativa,
pelos sujeitos, de articular o desenvolvimento da atividade profissional e o consumo de
drogas, incluindo o comportamento e as estratégias que tecem para continuar consumindo
drogas e trabalhando.
Categoria 2 - Trabalho e angústia: Tensão e desgaste; Descrédito moral; Trabalho e
isolamento; Insatisfação; Trabalho não cuida. Em síntese, observa-se a expressão da
percepção da atividade profissional como fonte de sofrimento e as estratégias utilizadas para
suportar este sofrimento.
Categoria 3 - O mundo do trabalho favorecendo/estimulando o consumo: Companheiros de
uso; Preservando o trabalho; Acesso no trabalho; Estímulo no trabalho; Horário de trabalho e
uso. Define-se como a descrição do acesso às drogas, a facilitação para o consumo e amigos
de consumo no próprio ambiente laborativo, porém preservando a atividade laborativa.
Categoria 4 Direitos legais e o usuário de drogas (UD): Divide-se em duas Sub-Categorias:
i) Aspectos Legais - Aposentado; Tou encostado”; Direito trabalhista e ii) Mobilidade - Foi
demitido; Pede demissão; Rotatividade. Analisa os relatos do trabalhador usuário de droga
(UD) sob o ponto de vista da inserção formal no mundo do trabalho, afastamentos por
demissão, aposentadoria e benefícios, seu vínculo atual com o trabalho, assim como a
rotatividade e a mobilidade deste sujeito no mundo do trabalho.
Categoria 5 Trabalho Pleno: Sou bom funcionário; Retorno ao trabalho; Gosto do que faço;
Proteção do trabalho; Trabalho ajuda; Falar com alguém. Trata do modo como o trabalhador
UD, reconhece o trabalho como fonte de prazer e satisfação.
Categoria 6 Perspectivas de vida do UD: Comorbidade; Perdas devido ao uso; Tratamento
ajuda; Perspectiva futura; Prioriza tratamento. A mensagem analisada foi a descrão das
perspectivas futuras e expectativas do UD em relação ao futuro profissional e pessoal.
Na apresentação da discussão de cada categoria, é apresentado um quadro sintetizando
as unidades de registro (UR), com as respectivas frequências absoluta e relativa, que geraram
cada tema, organizados ainda em subcategorias, quando pertinente.
Na discussão foram recuperadas algumas narrativas mais representativas de cada tema,
identificando-se o sujeito por meio das siglas A usuário apenas de álcool, do sexo
masculino; D usuário de outras drogas, do sexo masculino e M mulheres, usuárias de
álcool e outras drogas.
CATEGORIA 1: A CONCILIAÇÃO ENTRE O TRABALHO E O CONSUMO DE DROGAS
Nome do tema
UR
% UR
Categoria
Total de
UR
Uso rotineiro
60
32
Conciliação entre
trabalho e
consumo de
droga.
186
Trabalho e droga
42
23
Trabalhar drogado
39
21
Não fala
33
18
Atos correlacionados
12
06
Quadro 1 ntese dos Temas e UR da Categoria 1
O tema Uso Rotineiro possibilita analisar a tentativa de conciliar o consumo rotineiro
de drogas e o desenvolvimento cotidiano da atividade profissional, com a descrição de
determinadas estratégias, para preservar este hábito.
Karam
(2003) define o trabalho como o meio em que o homem circula do âmbito
doméstico, com o desempenho de papéis sociais conhecidos filho, sobrinho, neto, órfão,
aluno - para o âmbito público onde, baseado nas vivências anteriores, vai estrear e
experienciar novos papéis no panorama social - trabalhador, empregado, colega, parceiro,
patrão, subalterno, chefe obviamente em conjunção, pelo menos a princípio, com a bagagem
que o constitui como sujeito até o momento. Neste caso, é natural a tentativa de consonância
entre seu consumo de droga rotineiro e seu cotidiano laborativo, quando faz uso, ou de
experimentar novos hábitos, quando é apresentado às drogas:
“Bom, no meu caso foi sempre bebida. Álcool aos 14 pra 15 anos. Mas usava social. Nunca
enchi a cara, não. Sempre trabalhei. Largava o trabalho, chegava em casa, tomava um porre e
ia à rua. Era o meu normal. Comprava uma cerveja... Tomava um negócio... Depois jantava.
Comprava cigarro, às vezes. Isso era o meu normal”. (A1)
“Parava no bar, chegava sete e pouca até ás dez da noite. Tomar destilado, cerveja, isso é
beber bem... Todo dia... Sábado e domingo mais ainda”. (A3)
“Muitas vezes, abria meu restaurante às seis horas da manhã, e já a bebida me chamava, sei lá
uma cerveja... Uma cachacinha, um drinque, uma vodka, não importa, mas a verdade que...
Eu acho que eu fui um dependente químico absolutamente consciente, sem, sem briga, sem
nada Até porque eu vivia num movimento comercial, era meu negócio. Então, no final da
tarde, meus amigos queriam beber, também me ofereciam um copo, eu era incoerente e
abusava disso, com consciência”. (A4)
“Bebia, quase sociável entendeu? Trabalhava normalmente, ás vezes, ia lá, tomava bebidinha,
tomava cervejinha, tomava conhaque, saía, voltava a trabalhar, entendeu?” (A8)
“Quando eu jogava futebol, acabava o jogo, aí nós saíamos com os jogadores pra ir pra boate,
eu bebia e, na segunda-feira geralmente, segunda-feira não trabalha, é folga, então na
segunda-feira é... Começava no domingo e na segunda-feira continuava usando”. (A10)
“É, eu comecei usar droga novo com 16, 17 anos. Eu ganhei a falsa liberdade porque
trabalhava, não tinha ninguém pra ficar mais comigo... Então, dali, eu comecei com a bebida,
daí depois eu conheci a cocaína, maconha experimentei não gostei, não gostava por causa do
cheiro também, dava um fedor danado e eu não me apeguei e a cocaína eu consegui parar
sozinho”. (A13)
“Eu fui usuário de drogas trabalhando aproximadamente uns 20 anos”. (D2)
“Mas a maconha deixa cheiro, a cocaína não. Era a que eu usava mais. Levantava cedo, aí eu
fumava e quando tinha cocaína eu usava e ia pro trabalho só que o meu trabalho o tinha
rendimento, eu podia me machucar e é perigoso fazer isso. Eu sou usuário desde meu
primeiro dia de trabalho, desde que eu tenho atividade eu sou usuário. Sempre que eu
trabalhei, eu comecei a trabalhar com uns 18 anos. Eu trabalho, eu entrei já, comecei com
18 anos”. (D3)
“Desde os 16 anos, no primeiro emprego eu já usava”. (D7)
“Todo o tempo que eu trabalhei eu usava drogas”. (D13)
“O primeiro emprego que eu tive, de carteira assinada fazem 5 anos, e, nesse tempo, eu
sempre usei. O tempo todo, uso diário. Mas eu usei diversas drogas, que enquanto eu
usava maconha e álcool, de forma diária assim... Relativamente controlada, eu não me
prejudicava tanto”.(D14)
“Saía do plantão e o pai do meu filho me pegava, muitas vezes ficava me esperando na porta
do hospital, e a gente ia pra noite. Largava meu filho, com a pessoa, que ficava tomando
conta, e ia pra noite. Ai, daí, cheirava, fumava e bebia”. (M4)
“Segunda, terça, quarta, quinta... Eu não bebia, esperava acabar, dava 9 horas, eu saía cedo.
Meu horário era 11 horas, ai eu saía antes. Aí, passava e bebia. Ficava doida pra chegar sexta-
feira pra eu poder beber. Não gostava de trabalhar sábado porque eu queria ficar em casa
bebendo. Até que eu não queria mais ir, queria ficar bebendo porque eu ia pra pra
arrumar confusão. Aí não ia...” (M6)
“Antes do trabalho, nunca, durante cheguei a várias vezes usar a cerveja, várias vezes, que eu
colocava numa lata de Coca-Cola e ficava bebendo e depois... A cocaína, depois do trabalho,
cocaína e a cerveja”. (M7)
“A droga que eu mais usei trabalhando foi o álcool e um pouco cocaína”.(M8)
“Depois do meu horário de trabalho, era comum o uso de droga nos fins-de-semana, às
sextas-feiras, eu bebia muito, teve uma época que eu trabalhei no centro da cidade e tinha os
happy-hours, e eu bebia muito. Aos poucos, o uso de droga foi tomando conta da minha
semana, então, eu equilibrava o horário para poder conseguir estar às sete horas da
manhã”.(M10)
Segundo Vaissman (2004), a existência de riscos variados entre a ingesta de álcool e
outras drogas e o trabalho, pode transitar desde o tipo de ocupação, condições de realização
deste trabalho, agentes estressores no ambiente laborativo até as respostas sica e psicológica
que este trabalhador reage à interação com este locus de trabalho, propiciando a minimização
de conflitos e tensões, ou como uma possibilidade de estabelecer um canal de relações entre
este trabalhador e seu meio.
O tema Trabalho e Droga demonstra a tentativa de adequar o uso de droga ao
desenvolvimento da atividade laborativa, inclusive no próprio ambiente de trabalho. Em
algumas falas, percebe-se o uso de drogas como um estimulador para a realização da atividade
laborativa:
Minha dependência química sempre foi, em função de eu até ter uma casa de batida, de eu
beber duas mil batidas por dia. Então minha dependência sempre foi etílica, tenho consciência
disso. Fazer uma performance comercial porque eu não... Não era um dependente, quer dizer
não parecia... que eu não era um dependente químico, mas sim um estimulante para que eu
vendesse mais, pra que eu... Sabe, as pessoas sentadas à minha presença. Convivi com
Carnaval vinte e dois anos, então voconvive com todo tipo de droga e eu não me droguei
de outra maneira, tenho consciência delas todas, sei exatamente... Mas vivi como um ser de
convivência social”. (A4)
“E pro gari é fácil arrumar pra beber: não pagava, chegava no botequim, tirava o lixo do
botequim e o cara te dava a bebida. Então, era isso, quase todo dia eu bebia, difícil não ter um
dia de eu não beber”.(A13)
“Talvez eu tenha dentro de mim, de ser uma pessoa maior do que eu sou. Em função disso,
muitas vezes eu utilizava a droga, durante o horário de trabalho. Ana própria rotina de
trabalho. Eu achava que aquilo que eu estava fazendo, não obstante eu ter levado bronca do
meu chefe ou... Nada disso. Ou seja, na rotina diária, muitas vezes até conseguindo alguma
coisa dentro do meu ambiente de trabalho”. (D2)
“Eu achava que o meu rendimento... Dava mais rendimento na produção, me sentia assim
aquela euforia de bem estar no trabalho, com o uso de droga”. (D4)
“Vopassava a noitada, né... Aí ficava sem dormir, ia pro serviço, tinha que usar droga pra
poder não dormir no serviço, entendeu? Então, o que acontecia: você trabalhava com o uso da
droga”. (D8)
“Eu chamo de usuário funcional, porque eu conseguia trabalhar e após o trabalho usar a
droga, depois eu comecei a perder um pouco o controle, um pouco não, bastante”.(D9)
“Quando eu comecei a usar cocaína é... Eu já tava trabalhando por minha conta, então eu era
patroa, eu tinha feito o salãozinho, o salãozinho era meu, largava nas mãos dos outros, não
voltava mais para fazer as luzes da cliente, alisar o cabelo da cliente, eu botava na mão,
deixava nas mãos de outras pessoas, até quem não tinha competência suficiente pra aquilo, eu
deixava e ia usar, ia beber... A minha intenção não era usar cocaína, era beber... Depois eu
acabava usando”. (M7)
Observou-se que o consumo de bebidas alcoólicas em grupo, entre trabalhadores,
funciona como desinibidor das tensões, euforizante, sedativo do medo e psicoestimulante, o
que contribui para integrar e adestrar a aflição provocada pelo trabalho, com uma
pseudocoragem e demonstrações de virilidade que pode se voltar contra o próprio trabalhador
(DEJOURS, 2007b).
A bebida alcoólica e as demais drogas inserem-se neste contexto por representarem
uma dose de energia tanto subjetiva como física, pelo valor simbólico da inclusão e por seu
efeito, neste caso terapêutico, de desinibidor, relaxante ou estimulante, porém sempre com a
intenção primária de se estabelecer a conflncia da integração entre o consumo e o cotidiano,
incluindo, neste caso, o trabalho onde, racionalmente, a proteção deste hábito se justifica,
indicando que o uso de drogas pode contribuir para melhorar o desempenho no trabalho.
Contraditoriamente, o trabalhador usuário de droga faz a indicação de que, se por um
lado, usar droga no trabalho melhora a performance, por outro lado, trabalhar drogado denota
uma incompatibilidade com a atividade profissional desempenhada:
“Quando eu usava droga eu não conseguia trabalhar direito... Fugia tudo... Esquecia de
tudo... Fazia as coisas... Assim, não sei como te explicar... Eu fazia... Se mandasse eu fazer...
Eu fazia aquilo rapidamente sem pensar, fazia a coisa sem pensar da conseqüência daquilo
que poderia causar, então não raciocinava, eu me tornava um robô, quando eu usava drogas”.
(D1)
“A vida era feita para isso, laptop aberto, jantando, o cliente perguntando sobre o produto... e
eu, visivelmente a ponto de: ou eu vomito ou eu desmaio. Chegou a um ponto de eu,
acompanhando um vendedor, meio que de back-stage, representando a empresa e tal, sair sem
dar a mínima satisfação”. (D5)
“Ás vezes antes, eu abandonava o trabalho para pra usar e retornava. E depois era quase
sempre”. (D9)
“Lidava com público, o cliente vinha “Quero falar com aquele rapazinho lá”, ai vinha, eu ia
atender, explicava o tipo de moldura, estas coisas, ai com muita drogadição, fui demais
relaxando.Muitas vezes uma moldura tinha uma barra, uma moldura cara, mesmo se não fosse
cara, mas tava um trabalho pra fazer, uma colagem, eu cortava a moldura errada, muitas
vezes, são dez molduras pra cortar 40 por 50, eu via lá 49, e cortava fora de esquadro, pegava
errado, ai prejudicava o serviço”. (D11)
“Usar droga na hora do meu almoço, não era o fato. O fato era que quando voltava pra
trabalhar, não conseguia trabalhar, você vai trabalhar doidona. De chegar doidona e não
conseguir fazer nada. Mas é complicado, é, quando se está usando, trabalhar. É muito difícil”.
(M1)
“Trabalhava, assim, pior, né? A qualidade do meu trabalho dimina. Não ficava tão boa a
qualidade do meu trabalho, mas... Eu trabalhava”. (M2)
“Eu não continuei na casa dela, porque eu comecei a me viciar no álcool, aí ela não me
deixou ficar com a menina, porque como é que eu ficar com a menina, bebendo”. (M3)
Inclusive, surge a descrição de ocorrências nas quais o usuário coloca em risco a sua
vida e a de outras pessoas:
“Eu aatropelado fui, sorte que eu não me machuquei, no dia seguinte fui sentir as
dores porque levei uma pancada do carro, eu fui atravessar a rua e não olhei, o cara me deu
uma pancada e eu caí, o cara ainda parou e “Se machucou?” “Não, não, não machuquei
não”.“Mas tudo bem?“Tudo bem” E fui sentir no outro dia. Que eu fui pro seguro...
“Que, que foi?” “O carro me atropelou ontem”. Ele “porque você não foi na delegacia?”.
“Pô, na hora não senti nada”. Quer dizer, eu tava anestesiado, tinha bebido, trabalhava
bebendo. É um servo que geralmente... Hoje em dia eles estão vendo mais isto, porque
antigamente o gari bebia direto” (A13)
“Que nem aqui em Jacarepaguá, eu trabalhava, o cara me deu a loja pra eu tocar, eu bebi,
bebi, bebi, fiquei na praça, em Jacarepaguá, na casa da dona ela me disse, “Moço, o senhor
está mau. Moço não bebe mais não, pelo amor de Deus”, eu falei “não quero mais não, não
precisa me pagar mais não”. Ai o patrão foi lá, eu briguei com o patrão, ele colocou o vidro,
fez o meu serviço, me mandou pra loja tomar um banho, descansar, eu atravessei a rua, fiquei
deitado lá no banco da praça”. (D11)
Uma vez eu passei mal dirigindo, foi no dia seguinte que eu tinha usado muita droga, fui
fazer linha de praia, o calor muito forte, não tava agüentando mais dirigir, eu encostei o
ônibus, fui pra garagem passando mal. eu vi que tava brincando com a vida das pessoas.
Uma vez na ponte, eu passei mal, me deu um branco... Na ponte Rio-Niterói, é perigoso, sabe.
Hoje eu sei, como eu aprendi aqui que o álcool também é droga, porque eu usei muito, muito
álcool, mas hoje eu reconheço que o álcool é droga, eu tinha medo sabe, de dirigir e usar a
cocaína porque cocaína estraga a vida da gente, mas quando eu usava cerveja eu dirigia, mas
eu não usava cocaína assim. Uma vez eu usei muito e fui trabalhar outro dia pernoitado, podia
ter passado o efeito já, tomei cerveja, mas eu fui trabalhar drogado, quer dizer, eu já tava com
a mente possuída no dia seguinte aí, no outro dia eu emendava, porque eu errei muito,
porque eu pegava cerveja, e botava na latinha de coca-cola e vinha bebendo, entendeu e
ninguém desconfiava”. (D12)
Um empregado sob a influência de substâncias psicoativas está mais propenso a
cometer atos inseguros causadores de danos à sua própria vida, à de terceiros e ao patrimônio
da empresa” (MAGALHÃES; GRUBITS, 2004, p.37), porém, o risco potencializado de
exposição a acidentes, tanto para si como para os que estão em torno, continua não sendo um
impeditivo para este consumo, segundo as falas dos entrevistados.
Para proteger este hábito, a estratégia utilizada é de não falar com alguém a respeito,
omitir, esconder dos colegas de trabalho e superiores por temer a perda do emprego ou criar
uma expectativa à qual, imagina, não conseguir corresponder. Percebe-se ainda a falta de um
vínculo de confiança no ambiente laborativo, a negação do consumo danoso e a tentativa de
autopreservação, provocando uma visão dicotômica entre a pessoa e o trabalhador:
“Só meus parentes é que sabem. As pessoas que me conhecem, sabem, que eu sou alcoólatra,
que bebia muito”. (A6)
“Não tem aquela pessoa que você pode chegar e conversar (no trabalho), explicar os seus
problemas entendeu, que eles querem mais o que? Que você trabalhe e lucro, entendeu?”
(A8)
No meu trabalho eu nunca quis envolver a minha doença com o meu trabalho”. (A10)
“Eu sempre escondi que eu era um viciado. Eu guardava isso só pra mim, eu não comentava
com ninguém”. (A11)
“Eu nunca tentei passar isso num ambiente de trabalho. Eu sempre escondi isso. Até mesmo
quando eu estou em tratamento, quando eu busco ajuda ou me mantenho por um período
longe da bebida, eu nunca tentei passar sobre o meu alcoolismo. E nas empresas onde eu
trabalho, não tem uma área assim de recursos humanos, específica para cuidar da parte
psicológica. Não existe isso no meu campo de trabalho. Não são empresas que dão essa ajuda,
para o funcionário”. (A12)
“Eu não percebia isso de forma negativa. Eu achava que era gostoso, que era bom, que era o
maior barato, todo mundo saía e se divertia depois do trabalho, entendeu? “Vamos tomar uma
cerveja?” Cerveja nada, eu só tomava destilado, coisa forte. Até não agüentar”. (A14)
“Eu me preservava. Isto eu nunca cheguei a relatar, pra ningm. Eu sei também que se eu
fosse falar com uma que não usava, quer dizer ia tornar um problema mais sério, que as
pessoas lá fora não entendem que é uma doença, acha que é viciado... Então, quer dizer vê a
gente com outros olhos. (D4)
“Não, eu nunca me abri com ninguém nessa questão. Porque é difícil confiar nas pessoas. O
trabalho não tinha nada a ver porque eu usava antes até de começar o emprego. Porque eu
soube de um caso de um amigo que trabalhava numa multinacional e quando ele foi falar pro
patrão dele, pro chefe dele que ele tinha esse problema, bom salário, bom emprego, no outro
dia, ele estava sumariamente demitido”. (D7)
“Não, não chegava a conversar sobre isso, o cigarro sim, que eu fumava trabalhando, porque
era uma droga que vo pode, não é proibido, cigarro eu fumava. Agora, bebida não,
porque você não pode beber trabalhado, entendeu, mas em relação aos outros tipos de droga,
eu não comentava com ninguém. Como eu consumi e guardei isso por sigilo, outras pessoas
poderiam estar também consumindo, inclusive pessoas de dentro e de fora”. (D8)
Medo de represália, de não conseguir depois (a abstinência), ou perdendo, ser admitido em
outro, ou conseguir trabalhar em outra equipe”. (D9)
“Eu não pedi ajuda pra ninguém, não. Fui embora sozinha. Fiz minha bagagem, botei tudo
num táxi e fui pra rodoviária, fui pra casa da minha mãe”. (M2)
“Porque eu achava que se eu falasse, não iam me dar serviço, eu precisava trabalhar”. (M3)
“Não, não, isto era meu. Nem pra psicólogo que me mandaram, desde aquela época eu
tenho ficha que manda eu fazer tratamento psiquiátrico, nem com psiquiatra eu falava. Nunca
falei pra ninguém! Eu nunca consegui contar e tomava muitos remédios, porque o hospital
psiquiátrico me mandava tomar, e eu tomava. Só que nem pro psiquiatra eu falava, eu não me
abria, eu não conseguia falar a verdade”. (M4)
“Não, as pessoas achavam normal, porque eu bebia, era uma coisa camuflada. Eles achavam
que eu bebia normal”. (M5)
“Eles achavam que eu bebia uma cervejinha. A menina(funcionária da área de recursos
humanos) falou: -Mas, isso eu também bebo, isso não caracteriza. Aí, eu também não falei
nada, não”. (M6)
Nunca admiti ser alcoólatra, nunca admiti nada, nunca falei pra ninguém, só pra quem usava
comigo a droga, a cocaína”. (M7)
Levisky (2001) discorre que o uso da maconha, extensivo também às outras drogas,
compromete antes de tudo a saúde relacional, em que os cinco principais valores da Teoria da
Integração Relacional Disciplina, Gratidão, Religiosidade, Ética e Cidadania - seriam
prejudicados, anteriormente aos outros danos seqüenciais, tais como físicos, psicológicos,
laborativos, entre outros. Foi o que ficou evidenciado nestas falas, em que ocorreu a omissão
ao hábito de consumir drogas, sob as mais variadas justificativas, porém persistindo na
proteção deste uso.
Ocorre a produção de alternativas de comportamento para conseguir continuar
administrando este consumo, incluindo atos correlacionados com a transgressão de algum tipo
de dever no próprio ambiente de trabalho, tais como desvio de mercadorias ou mentiras:
“Eu recebia algumas pessoas e fazia negócio com elas e, de repente, a bebida fazia com que
elas assinassem mais fácil (o contrato)”. (A4)
“Quando eu tinha droga, eu usava de um dia para o outro, chegava no serviço, eu não tinha
condição de trabalhar. Aí eu sempre levava droga, pra forçar uma situação, eu ia ao médico,
antes de entrar na sala do médico eu usava aquela quantidade de droga, ele sempre verificava
a minha pressão, aí quando verificava batia lá em cima, aí me mandava pra casa”. (D1)
“Meu pai sentiu falta, de que estava acontecendo alguma coisa e foi revistar o carro e eu tinha
roubado quase todo o estoque de bebida. Eu escondi dentro do carro, debaixo da mala: uísque,
vodka. Eu tinha, por trabalhar, que comprar peças de manutenção de computador como placas
de CD, eu comecei a roubar, desviar para beber”. (D5)
“Eu prendia muito traficante, eu dava muito em cima do traficante então tinha o lucro quando
tava de servo.Eu aprontava, dava o bote, não com viciado, viciado passava batido, eu
entendia o meu problema e entendia a situação dele, mas traficante eu dava dura. E quando
prendia, eu tinha que levar pra delegacia, mas eu sempre ia lá, não aceitava dinheiro, nada
disso, eu ia lá, por exemplo, numa boca que tinha 500 trouxinhas de maconha, eu pegava duas
pra mim, pro meu uso. Pro meu consumo. Mas para não prejudicar, não botava no bolso de
ninguém”. (D6)
“Também cometi furtos... A dentro do próprio emprego pra continuar em uso, mentiras,
pegar dinheiro emprestado com colega de trabalho, é coisas assim, e isto foi progredindo até o
ponto, assim, de perder o controle”.(D9)
“Na época, pela facilidade de furto, né? Era muito fácil pegar dinheiro e usando muita droga,
não tinha outra escolha, né?” (M1)
Especificamente nesta última fala, surge uma particularidade: o trabalhador policial
militar, que é consumidor de drogas, que se situa entre “o homem da lei” que tem uma relação
de confronto e repressão ao tráfico de drogas e, ao mesmo tempo, a possibilidade de, através
da sua atividade profissional, desenvolver uma via de acesso permanente para a obtenção da
sua droga. Sendo um trabalho com limiares tênues, pois todos, força policial e traficantes”
dividem o mesmo cenário tenso e inseguro decorrente da repressão ao tráfico, o que ocorre é
um poder de vigilância disciplinar, de uso cotidiano, nas áreas carentes... que a pretexto de
reprimir a apologia ao narcotráfico, traduz o poder exercido sobre as populações pobres”,
como observa D‟Elia Filho (2007, p. 30). Ainda segundo Loureiro (2007, p.30), “no caso dos
policiais... existe a expectativa da população de que eles sejam os guardiões da ordem e da
legalidade”, ou seja, espera-se uma vigília moral constante e um comportamento exemplar
durante o exercício profissional, dificultando a este trabalhador usuário de drogas a
possibilidade de solicitar auxílio terapêutico.
Dejours (2007a) afirma que trabalhar não é somente exercer uma atividade
profissional em troca de uma remuneração. Avança além disto, tanto no campo individual,
como também no campo social. Trabalhar é conviver, pois as relações de trabalho se dão na
esfera do estar com o outro, trocando, organizando, estabelecendo regras mútuas, cooperando
ou não. Porém, a negação do real, não autorizando o trabalhador a mostrar-se por inteiro, ou
quando percebe que a organização tem e valoriza outras prioridades em detrimento do
trabalhador, a possibilidade de geração de sofrimento e de um desvio de percurso, com
uma defasagem no caminho entre o sofrimento e o êxito de conseguir falar deste sofrimento.
Assim sendo, o trabalhador tentará tecer estratégias de resguardo, mas terá como
impeditivo a falta de coragem, que é um sentimento “feminino (DEJOURS, 2007a), que
fragiliza o trabalhador do sexo masculino. Apenas “sentir” o diminui perante os demais no
grupo, que dirá admitir e verbalizar este medo. Então, instala-se uma crise, uma tentativa de
fuga, mesmo que apenas por meio de atitudes, e este trabalhador optará por permanecer ou
retornar ao ambiente e aos hábitos conhecidos. Percebe-se a vontade para extravasar os
sentimentos negativos de frustração e incapacidade num ambiente que determina regras de
comportamentos, e passa a circular nos cenários utilizando uma logística para consumir
drogas, a partir da sua vivência e afinidade, desafiando e tentando provar a si próprio que o
é um covarde.
Seligmann-Silva (2005, p.1152), ao falar sobre as defesas, destaca que estas “se
instauram não apenas para amortecer o medo, mas outros sentimentos desagradáveis
suscitados pelo tipo ou ambiente de trabalho, como inadequação, estigmas sociais do próprio
usuário/ trabalhador, entre outros. Logo se pode afirmar que, continuar consumindo droga e
tentar conciliar este hábito com o trabalho, propicia uma fuga de humor, em que se ameniza o
sofrimento, por adestramento da sensibilidade através do químico.
CATEGORIA 2: TRABALHO E ANGÚSTIA
Nome do tema
UR
%UR
Categoria
Total de UR
Tensão e desgaste
48
31
Trabalho
e
angústia
158
Descrétido moral
45
29
Trabalho e isolamento
29
18
Insatisfação
23
14
Trabalho não cuida
13
08
Quadro 2 ntese dos Temas e UR da Categoria 2
Esta categoria possibilitou examinar como a atividade profissional pode ser geradora
de angústia para o trabalhador, evoluindo para um processo ansiogênico e patológico, com a
interferência deste sofrimento no desenvolvimento do seu papel de trabalhador UD e nas
alternativas utilizadas visando tentar gerir tal desconforto para suportar a dupla dedicação,
trabalhar e consumir drogas.
Vale lembrar que os sujeitos do estudo eram usuários em tratamento, ou seja, já
haviam percebido a severidade do seu nível de consumo de drogas. Neste caso, se torna
impossível separar o trabalhador do usuário de drogas, e sempre que se referem ao trabalho, a
mediação do uso de drogas estará presente.
O tema Tensão e desgaste nas relações de trabalho através de pressões exercidas por
superiores, chefes ou público em geral, no ambiente e na sobrecarga de trabalho, foi citado
como influenciador direto ou indireto no aumento do consumo de drogas, segundo a
percepção destes trabalhadores:
“É um trabalho com muitas horas, assim, muito estafante. Então, eu não tinha feriado, o
negócio de comércio de açougue é um trabalho que exigia que a pessoa nem tem assim
termos para produzir, realmente sentindo enfraquecido, sentindo a falta da família por perto.
Isso me enfraquecia, me estimulava mais, eu me enfraquecia e me entregando cada vez
mais, realmente, ao consumo. Porque eu sinto não ter mais capacidade pra trabalhar. Nesse
ramo de açougue, quatorze horas por dia, não tenho mais realmente”. (A7)
“Quando vosenta no escritório e trabalha tranqüilo, no ar condicionado, é... Recepcionista,
qualquer coisa, este é um serviço mais calmo. Agora, a pior coisa que tem, é trabalhar na rua,
com público. Tinha também o estresse no trabalho. Chama pra isso (beber). Porque, você que
é rodoviário, nós que somos rodoviários, a gente passa por muita coisa, é passageiro, é patrão,
é colega de trabalho. Então a gente passa por muito estresse... como que a gente procurava
curar o estresse? Na bebida. E nós bebíamos. Por exemplo, quando não bebe, você fica mais
tranqüilo, atura mais as coisas, atura qualquer coisa que vier... Ignorância de uma pessoa,
quando vobebe, o sistema nervoso abala, uma angústia vofica mais respondão. E eu
me tornei mais agressivo, mais respondão, porque sem a bebida você é uma coisa, com a
bebida é outra. Mesmo sem beber, vopuro, mas que vobeba, mas vota sempre com
aquele grau de nervosismo muito forte, então você não atura certas coisas. Foi o que
aconteceu. Então tem muita profissão que, às vezes, te obriga a isto, entendeu? O trabalho
mesmo te obriga, porque vonão tem tempo... Vomora no trabalho e passeia em casa.
Então é aquele negócio, tem aquele estresse, já chega em casa sem dinheiro, ás vezes, quer
comprar uma carne, não tem dinheiro, muitas vezes você deixou na bebida. Porque a cobrança
é muita... É multa... É avaria... É suspensão... Qualquer errozinho... É aquele negócio, paga
pouco e o pouco que paga fica com um bocado. Então simplesmente, você leva o salário
estressando. Porque vota fazendo o certo, mas infelizmente, qualquer errozinho seu, leva
uma multa”.(A8)
“Eu me aborrecia muito trabalhando no ônibus, ai eu ia descontar na bebida. Descontar não
era um meio de esquecer o aborrecimento, ficar mais leve, então eu sempre bebia sim, por
causa disto. Mas quando eu me aborrecia, bebia muito mais, invés de tomar três cervejas,
tomava seis. Porque eu achava que aquilo me acalmava, e realmente me acalmava, só que...
Eu tava fugindo de um problema que não resolvia nada, só piorava as coisas, pra mim.O que
me aborrecia era passageiro... Ás vezes tinha o ponto certo, o passageiro queria que parasse
fora do ponto, coisa que não é permitido, ás vezes, eu parava e, ás vezes, eu não parava, então
era xingado... Quando parava era bom, quando não parava era ruim, não valia nada, e assim ia
dia a dia“. (A9)
“De trabalhar no comércio. E lidar com metas, com comissão. E trabalhar com muita pressão.
O patrão cria cotas, ele cria metas. A gente ta sobre pressão o tempo todo. E, ao mesmo
tempo, é um trabalho que não tem muita folga. De domingo a domingo, com uma folga
semanal. E trabalho sobre pressão o tempo todo. Tem que atingir metas tem que atingir cotas.
E, aí, números... E também... Então, isso cria um... Pode ser argumento, justificativa. Mas
cria uma ansiedade. Mexe muito com emoções, com sentimento, com... stress, ansiedade...
E isso pode, no meu caso, levar a beber pra tentar anestesiar. Tentar anestesiar aquela pressão
que é normal hoje em dia. Meio competitivo”.(A12)
“Eu o tinha uma cabeça assim como eu tenho hoje. Se fosse hoje eu não deixaria ele (o
chefe) fazer o que ele fez comigo, nem com os outros. Eu o colocaria pra fora, rapidinho, da
empresa. Ele era o mais difícil na empresa. Ele não fazia bem pra empresa. Tudo que ele se
metia dava errado.Como você vai se sentir? Eu ficava revoltado. Eu ficava com medo dele. E
ele sendo chefe. Eu queria fugir dele”. (A14)
“O efeito que eu buscava era exatamente um efeito compensatório. Se de repente aquelas
condições de trabalho me colocavam pra baixo, eu me sentia inferiorizado por algum motivo,
a cocna, o cloridrato de cocaína tem a propriedade de me elevar e me dar um sentimento
paradisíaco, um sentimento de retorno, um sentimento compensatório, um sentimento de
equilíbrio, um sentimento de estar equânime ao ser humano. A busca, estou me referindo à
busca inicial, era sempre uma busca paradisíaca, e ela era agravada sempre quando
aconteciam essas situações dentro do ambiente do trabalho, hoje em dia a Justiça do Trabalho
prevê: se vofor inferiorizado por um superior, se caracteriza o que se chama por
assédio moral, o que naquela ocasião, não estava definido ainda nos nossos tribunais”. (D2)
“Vose sente como uma pessoa que parece que esta tudo bem, como eu falei pra você, mas
na verdade é uma verdadeira iluo”. (D3)
“O consumo aumentou devido ao trabalho... Depois o consumo aumentou, devido ao trabalho
porque eu gostava de fazer, me divertia, me aliviava... Eu estava com tanto medo que estava
achando que eu seria a próxima vítima. Fiquei com medo depois que mataram o sargento que
era da minha equipe”. (D6)
“O pique da agitação faz beber depois do trabalho. É para relaxar, a gente fica... É uma
pressão, o tempo... Aí a gente sai dali com vontade”. (D10)
Primeiro pra mim, a cerveja me ajudava pra caramba, já ia na onda da cerveja mesmo,
ficava dirigindo e brincando, entendeu, zoando ali e nada me aborrecia, entendeu, quer
dizer vobom é uma pessoa, quando você bebe vai ficando alegre, entendeu, vai se abrindo
pra um, se abrindo pra outro, então é isso”. (D12)
“Já era quase uma coisa fisiológica minha fumar, tomar minha cerveja. Tomava uma cerveja
só, quando voltava do trabalho, e eu me sentia satisfeito. Depois, fim de semana, quando saia
com os amigos, aí, era muito. Mas eu limitava, três baseados e uma cerveja por dia. Era parte
da minha alimentação, era como um remédio, para aliviar o stress, para aliviar a
tensão.Trabalhando, estudando, fumando e bebendo, estava muito estressado, estava ficando
muito cansado, às vezes eu não conseguia ter pique, aí, eu comecei a usar cocaína e
anfetamina também. Para ver se eu tinha mais energia, se eu tinha mais atenção.No começo,
funcionou, mas depois, o organismo foi pedindo cada vez mais. Quando eu tinha uma
frustração no trabalho, um stress, eu aumentava o consumo. Quando eu era cobrado, quando
eu tinha uma briga com alguém pessoal ou não. Eu aumentava o consumo”. (D14)
“E às vezes, eu queria ir em casa. Porque meus filhos tinham chegado e eu passava o dia
inteiro sem meus filhos. Aí, meus filhos tinham chegado, eu queria ir em casa, mas ela (a
encarregada) não deixava. Aí, eu comecei a arrumar confusão. Ia em casa, bebia. Ela não
deixava eu ir, eu falava que ia e pronto, acabou. fiz meu serviço, aí, no fim, eu não
tava fazendo”. (M6)
Se no modo de produção capitalista já ocorre, pela objetificação do trabalho, um
processo de alienação, onde o trabalhador não se no seu produto (MARX, 2007), no caso
do trabalhador usuário de drogas esta alienação ou afastamento se numa via dupla: tanto
pelo modo de produção, que ime esta divisão, quanto pela necessidade de fazer uma cisão
adicional, separando o trabalho do mundo do consumo de drogas. O sofrimento decorrente é,
assim, também duplo decorre da condição de trabalhador sujeito à alienação, e da condição
de usuário de drogas.
A tentativa de corresponder às expectativas de terceiros, e/ou sua autoexpectativa, cria
no trabalhador uma cota de aflição que vai se potencializar mediante o sofrimento inerente
acumulativo, da condição específica de UD. Segundo Beck e David (2007), existem algumas
características de comportamento similares ao usuário de droga abusivo e dependente, que
produzem um quadro de desorganização com diferentes níveis de comprometimento,
percebidos sintomaticamente como: aumento do absenteísmo no trabalho, incapacidade de
cumprir as tarefas/metas estipuladas, perda do emprego, neglincia dos papéis sociais,
interrupção dos estudos, adoecimento das relações familiares, descompromisso financeiro,
subordinão a subempregos, desvalorização da auto-imagem, traços depressivos e
sentimentos de caráter negativo com maior freqüência.
Contudo, este consumo de droga para aliviar a tensão não o protege do sofrimento de
se reconhecer um transgressor, mesmo que ninguém saiba que ele faz uso de drogas, ele
próprio sabe, e isto produz sofrimento e uma autoavalião de exposição a situações de
desconfiança, evoluindo para o descrédito moral, como se constata nas falas a seguir:
“Eu tinha medo, porque se tiver um acidente, a primeira coisa vai ver se o cara está sujo de
álcool, está errado. Não precisa nem fiar”. (A2)
“Mas eu sentia vergonha do cliente, por mostrar uma posição tão fraca, que tava fazendo uso,
que tinha consumido, alguma coisa que tava sendo impiedosamente negligente, em
consideração com os meus clientes e com os meus patrões”. (A7)
“Então eu passei a ser desacreditado na minha vida profissional, a bebida faz isto. Porque
você fica desacreditado, por todos... Pela sociedade... Pela vida profissional e até pela família.
Passei a beber direto mesmo trabalhando. E foi que eu fiquei mais desacreditado ainda,
acabei perdendo o emprego”. (A8)
“Não é preconceito. Mas eu vejo que é uma maneira diferente de ver porque no momento que
as pessoas vêem o indivíduo, a pessoa que tem uma doença... Não é... Por exemplo, tem um
coquetel ou vão sair no horário do expediente pra comer alguma coisa... Eles tão: Ah ele
não pode ir, ele não vai. Ou não convida. Porque acha que não vai ter nada a ver eu ir naquele
lugar porque vai ter bebida e eu como doente posso vir a causar dano. Eu sinto... Já senti isso.
De ser... Excluído de certas situações com colegas devido a... Ta com problema, ele não pode
ir... Ou então fazem as coisas sem me participar... Ai, eu me sinto... Nem falam nada pra mim
porque têm medo de eu beber... Isso aí existe”. (A12)
“Vê com os outros olhos, vê que é um viciado te trata com um marginal, a sociedade
realmente age mal. Não tem um conhecimento, muitos não tem um conhecimento esclarecido
que é uma doença, então acham que você é um marginal”. (D4)
“É, não tive que expor completamente fico meio preocupado, mas eu falei dessa forma: “Eu
preciso de dois dias por semana, pra poder ir ao núcleo, que é o CENTRA-RIO, pra poder ir,
é aqui pertinho..”.Porque a pessoa quando é alcoólatra, ela bebe, está bêbada, ninguém quer
saber. Perde a confiança de todo mundo, perde a moral, perde tudo. E estava acontecendo
comigo. Estava assim no meu trabalho, as pessoas diziam que não eu não tinha jeito e... Não
tinha mais comochance”. (D6)
“A gente não sabe a reação das pessoas... As pessoas reagem de uma forma, outras reagem de
outras, outras reagem num tom, no intuito de ajudar... “Vou reabilitar essa pessoa”, uma
grande empresa, tem várias empresas, coloca o funciorio em tratamento, mantém o
funcionário, até ele conseguir se recuperar, mas é difícil, hoje em dia é difícil confiar”. (D7)
“A coisa que poderia acontecer era uma justa causa. E uma justa causa você não arruma mais
emprego em lugar nenhum. Apesar de eu ter me envolvido com droga, fica difícil, bem
dizer, a situação que eu cheguei, fica difícil. Alguém te colocar de novo a exercer uma função
com carteira assinada. Isso estraga muito, principalmente se o patrão souber, ele vai fazer de
tudo para você não conseguir emprego. Isso aí é certo“. (D8)
“Meu ex-patrão não tinha mais aquela confiança de eu entrar na loja, me tratava do balcão pra
fora”. (D11)
“Mesmo assim a empresa também, do jeito que eu saí de lá, falei com o pessoal lá, eu acho
que aí mesmo é que não vão deixar eu meter a mão no volante, eu acho... Não sei, aí vai ficar
a critério deles lá”. (D12)
“Parecem que elas estão sempre desconfiando de você, sabe, mais no sentido de roubo, de
furto, parece que qualquer coisa errada que acontecer, foi você, é mais ou menos assim, hoje
eu não contaria. Como eu não conto pra esta minha chefe agora, eu não conto”. (M1)
“As minhas amigas bateram que eu bebia cachaça, que eu não ia dar conta da casa, e não sei
se por raiva, por inveja, alguma coisa assim, pra me prejudicar, mas eu tenho pra mim, que
foram minhas próprias amigas. De um jeito ou de outro descobriram que eu bebia, aí não
dava, fui perdendo estas faxinas que fazia, serviços fixos, aí a mulher marcava eu ia,
mandava a menina me dizer queo tava em casa, porque sabia que eu bebia”. (M3)
“Sumia as coisas lá, tudo por causa desse pai do meu filho, ele... Me procurava muito e eu não
tinha como falar do que ele fazia, acho que isto gerou muita inimizade pra mim, dentro do
hospital, até que sumiu um pacote de curativo e botaram a culpa em mim. Começou (a chefe)
a me pôr à disposição, porque o meu filme ficou queimado dentro do hospital”. (M4)
“Porque a partir do momento em que o trabalhador fala que tem uma dependência química,
seja ela qual dela for, álcool ou droga, ele fica desacreditado, então qualquer coisa que
aconteça: “ah, é porque bebeu, porque usou, porque cheirou, porque fumou, porque não sei o
que...” (M8)
Ainda Seligmann-Silva (2005, p.1159), analisando a percepção do preconceito,
conclui que por ser “vivenciada com mágoa, provoca ressentimentos e também
comportamentos defensivos que levam a conflitos nos locais de trabalho”, fato este que
compromete simultaneamente a “identidade, a dignidade, e o equilíbrio biopsicossocial
necessários à saúde” (Op.cit., p. 1159). Este descrédito moral compromete a qualidade das
relações, ofendendo a dignidade e humilhando o sujeito atingido que se percebe em
julgamento, sendo vigiado e avaliado no seu cotidiano, quando seu consumo de drogas já é
fato conhecido no ambiente laboral.
Organista (2006, p.146), observa que o trabalho permite o homem a transposição do
ser biológico ao ser social, criando condições para a dupla transformação operada pelo
trabalho: as transformações da natureza e do próprio homem suscitam expressões valorativas
que são fundadas na prática social e que possuem conseqüências para o homem.
Isto significa que nem o trabalho, nem os grupos sociais, tampouco os usuários de
droga - se é que se pode definir um grupo tão diversificado com uma única característica em
comum - permanecem estáticos, excluídos e inlumes aos valores construídos através do
exercício laborativo, que é um campo fértil para, através das interações sociais, ocasionar a
reafirmação e a evolução destes valores.
Este investimento, em que há o envolvimento do corpo, da intelincia, do modo de
refletir e reagir, para concluir e refazer a atividade profissional demanda tamanha
mobilização que não possibilidade de se permanecer ileso ao trabalhar, produzindo uma
revisão e uma reconstrução dos recursos psíquicos deste trabalhador. Trabalhar é preencher
uma lacuna entre o prescrito e o real (DEJOURS, 2004, p.27). Portanto, trabalhar é
estabelecer uma relão entre o trabalho prescrito e o trabalho real e, conseqüentemente,
colocar-se “entre”, numa vinculação de sofrimento e prazer, para ter afinidade e
reconhecimento entre seus iguais e no meio social em que este trabalhador transita.
O sujeito, então, relaciona o hábito de consumir drogas como mais uma estratégia
defensiva para conviver com este sofrimento, potencializando o comportamento de se isolar e
ausentar-se do ambiente de trabalho:
“Ressaca no dia seguinte. Não tinha condições de ir trabalhar. Inclusive, as duas últimas obras
eu joguei pro alto”. (A1)
“No começo eu ia trabalhar numa boa, mas depois o excesso de álcool... Comecei a vacilar...
A não ir ao trabalho, eu faltava muito ao trabalho por causa disso. Era comigo mesmo, né? Eu
que bebia e não ia trabalhar. Ficava na rua bebendo direto”. (A6)
“Não demora muito tempo pra eu começar a não ir mais ao trabalho. Porque eu vou beber na
minha folga, acabo bebendo na hora do almoço, aí... Ás vezes não volto pro trabalho. Ou
então eu saio do trabalho, vou beber e no outro dia não vou trabalhar”. (A12)
“Um psiquiatra me falou: O que vo tem é síndrome do pânico. A mesma coisa que um
soldado no Vietnã. Quando ele ia pra guerra, tomava uma dose de morfina porque não queria
entrar em combate novamente. Ele não agüentava mais, estava sobrecarregado. Quando eu
conseguia fazer alguma coisa era à base de morfina. Usei morfina, também, em xarope. Quer
dizer, só que a morfina não dava pra trabalhar não, porque é alucinógeno. Ainda mais
misturada com efedrina. Aí, fica uma loucura total”. (A14)
“A falta de prazer, a falta de reconhecimento, de você ser equiparado a uma máquina, o que a
gente hoje chama de robotização, fazer aquele trabalho, mesmo sendo intelectual, repetitivo,
mecânico, você estar fazendo aquilo ali, não ter um reconhecimento, não ter um prazer no
trabalho. Então você iria buscar o prazer na droga”. (D2)
“À noite não dormia, o sono vinha bater de manhã, faltava ao trabalho, entendeu...
Vinha aquela depressão”. (D4)
“Aí chegava com aquela cara no trabalho e morava perto, tinha dez minutos de trabalho de
bicicleta, morava perto, comecei a faltar o trabalho”.(D5)
“Chegava atrasado, muitas vezes não ia trabalhar, não tinha condições de ir trabalhar. Eu tive
uma recaída que não deu pra segurar, pra trabalhar mais no dia seguinte. Fiquei uma semana
usando direto”. (D10)
“Começou a me prejudicar, porque eu, às vezes, não ia ao trabalho, porque no dia anterior
tinha usado muito não conseguia levantar. Às vezes, eu faltava à faculdade”. (D14)
“A sensação é... eu não poder sair nem pra beber uma cerveja com os amigos, eu sou fraca
mesmo, a sensação é de fracasso, é uma forma de me sentir presa, muitas vezes eu me sinto
presa, como não tivesse a liberdade, não tenho a liberdade de chegar: “Vamos em um show”.
pouco tempo entrou uma menina (no trabalho) que ela é muito fechada, eu comecei a
observar que por ela ser fechada, ninguém chamava pra ir pra noitada, ninguém chamava ela
pra ir beber. Se um dia eu vier a sair deste emprego, que é uma coisa que eu também quero,
eu acho que vai ser diferente, que eu vou começar nesta rotina, de ser o profissional,
pra não haver nada além. Porque as pessoas saem, amigos saem, grupos saem, só que eu não
posso fazer parte desses grupos, eu não posso fazer parte destas amizades, por que mexe
comigo, mexe comigo”. (M1)
“Eu trabalhava na depressão, não conversava com ninguém, eu era completamente autômata,
assim, tudo que tinha que fazer, eu fazia e não olhava pros lados... Central de material, fiquei
muito tempo com isto, esterilizando material, preparando gaze. Muito tempo, mesmo
comecei com isto. Uns três anos. Trabalhei dezessete anos, uns três anos direto, trabalhando
com isto”. (M4)
“Tinha dia que eu o ia nem trabalhar, que eu já tava bebendo.Cismava e não ia porque eu
tava em atrito com a direção da escola. Aí, eu bebia a esmo”. (M6)
“Quando eu não tinha condições, que eu tava muito doida ainda, então eu ligava pra lá: que
não sei o que, tava passando mal” ou então eu nem ligava, chegava no outro dia, falava que
estava mal, mas nunca me apresentei doidona”. (M8)
Fica constatada a dualidade da centralidade do trabalho “que cria, mas também
subordina, emancipa e aliena, humaniza e degrada, libera e escraviza” (ORGANISTA, 2006,
contracapa), o que conduzirá o trabalhador que percebe práticas preconceituosas, a uma
modificação de comportamento optando pelo movimento de defensivo através do aumento do
absenteísmo e do isolamento no ambiente laborativo, ressaltando-se que todo este movimento
se faz acompanhado de sentimentos negativos, percebidos nas falas dos entrevistados.
Apesar de Lima e Viana (2006, p. 13) comentarem que o trabalho no mundo
contemporâneo expressa uma significativa corrosão das relações humanas”, caracterizando-se
pela constante insegurança e competição proporcionadas pela precarização, instabilidade no
emprego e transitoriedade dos vínculos de amizade, que induzem ao afastamento do ambiente
de trabalho e das trocas relacionais, ainda o fator “consumo de drogas”, que intensificará
este quadro.
Nas situações que o trabalhador consegue identificar explicitamente a insatisfação
com a atividade profissional desenvolvida, porém não consegue continuar mobilizando seu
self para reverter este sofrimento:
“Eu nunca gostei de trabalhar em ônibus. Eu fui por que... Eu fiquei sem emprego, então ficou
mais difícil de achar, por causa da idade também, eu fiz um teste no ônibus, passei e fui
trabalhar, mas não que eu gostasse de trabalhar no ônibus, foi assim, a minha esposa também
ficava “Oh, tem que trabalhar em ônibus, não sei o que” aquilo, fui contra a minha
vontade, entendeu. E trabalhava, não é dizer que eu não gosto de trabalho, mas só que eu não
gostava de trabalhar em ônibus, por que me aborrecia muito. Pra eu trabalhar em ônibus não
dá eu sei que pra mim não dá, se eu for trabalhar, já era, você acaba trabalhando mal
satisfeito, revoltado e acaba fazendo uma besteira, então eu sei que ônibus pra mim não
dá”.(A9)
“Quando eu fui demitido eu tava de certa forma saturado com aquele trabalho”. (A13)
“A cocaína entrou no momento em que eu estava frustrado no trabalho, e o meu casamento
estava ladeira abaixo. Eu fui apontado para ser promovido, não fui promovido e eu tive que
ensinar para três chefes, até o motorista com terceiro ano do ginásio, eu carreguei nas costas...
O último era alcoólatra, ele foi afastado... Eu carreguei a seção dois meses e veio outro, eu
chorei em casa”. (D1)
“Então quando aquela rotina, quando aquele trabalho se apresentava rotineiro, eu achava de
alguma forma que aquilo ali era uma rotina, aquilo ali, tirava, como posso dizer, tirava minha
libido... O meu prazer de estar trabalhando, porque trabalhar também é um prazer, onde vo
tem uma auto-estima, você se sente gratificado, e muitas vezes aquela rotina também era uma
rotina massificadora, onde você, você um objeto e uma máquina eram efetivamente a mesma
coisa. E não é: nós somos seres humanos, nós pensamos... Então eu acho que nesse particular,
isso deve ser valorizado dentro do trabalho, ou seja, você como pessoa, o ser humano, a figura
humana, ali, e não você sendo um mero objeto de mecanismo de produção, ou seja, você ser
um prolongamento do computador”. (D2)
“Bom vou colocar: eu fui policial militar. E, realmente eu vi... Porque no início, eu entrei
dentro da Polícia pensando que era uma coisa... Cheguei dentro, e a realidade é brabeira.
Não aceitava certas coisas. Preferia me sacrificar”. (D6)
“Fazendo por obrigação não tinha satisfação, não ria, não brincava. Eu acho que ajudou
porque eu não tava fazendo o que queria... Eu tinha um salário legal e um emprego federal,
mas e aí? Eu não me importava, eu não sabia qual era o valor que tinha um emprego federal.
Eu fui levada e eu ia, só que isto não me dava satisfação”. (M4)
“O banheiro dos professores tinha que estar sempre limpo, a partir da hora que eu chegava, e
tinha que ia olhar. E na hora que eu saísse, eu tinha que irolhar, pra não deixar lixo pra
de manhã. Essas coisas assim... Aí, eu fui desgostando, já. Porque eu queria, eu queria
trabalhar em outro lugar. Eu nunca me apeguei a isso, então não sei. Não sei explicar. Eu
queria trabalhar no fórum, queria ter formado. E eu me sentia totalmente impotente. Não
gostava, achava que aquele serviço era muito banal. Aquilo ali era uma coisa o simples.
Chegar lá e vai fazer e... Eu achava aquilo... Eu podia fazer outra coisa. (M6)
Na Psicodinâmica do Trabalho (DEJOURS, 2004) são as relações interpessoais que se
destacam no centro da observação. Não é a psicopatologia, e sim as relações intersubjetivas
que se estabelecem no trabalho, o seu objeto de estudo. A idéia central é que o sujeito no
trabalho está permanentemente negociando a melhor forma de trabalhar. Na medida em que
ele contribui para a realização do seu trabalho, qualquer que seja o produto, espera que isso
seja reconhecido. Mais do que isso, o indivíduo deseja que o reconhecimento ocorra o
apenas pela existência da contribuição, mas que ela seja julgada pelos pares como uma boa
contribuão.
Os julgamentos pelos pares referem-se à contribuição dos sujeitos, sempre relativos ao
fazer - ao trabalho realizado que traz em sua superfície os traços das regras da atividade, do
saber-fazer, da originalidade - e não ao sujeito. A retribuição no registro da identidade, do
"ser" é obtida como retorno dos efeitos do reconhecimento no registro do "fazer". O
reconhecimento da qualidade do trabalho realizado traduz-se em retribuição simbólica, que
pode tomar sentido em relação aos anseios subjetivos quanto à realização de si.
Na dinâmica de construção/fortalecimento da identidade, o reconhecimento do fazer
vem, necessariamente, em primeiro lugar. A relação "mobilização subjetiva - realização de si"
é mediada pelo real, que constitui o trabalho, da mesma forma que a relação entre trabalho e
identidade é mediada pelo outro, no julgamento do reconhecimento. Dejours (2007c) propõe
as bases para uma análise psicodinâmica do trabalho, assentando-a sobre um triângulo
fundamental que articula trabalho, sofrimento e reconhecimento.
De forma resumida, a construção do sentido do trabalho pelo reconhecimento,
gratificando o sujeito em relação às suas expectativas frente à realização de si (edificação da
identidade no campo social) pode transformar o sofrimento em prazer. Contudo, quando o
emprego /patrão tem ciência que o trabalhador faz uso de drogas, o relatado foi o não
encaminhamento para um suporte de apoio, intervenção ou tratamento, negando cuidado ao
seu trabalhador, não cuidando deste trabalhador que, de alguma forma o solicitou:
“Eu fui demitido, mas eu sempre trabalhei em poucas empresas. E o patrão sempre me falava:
Problema é problema, aqui na empresa votem que chegar aqui e esquecer. O que tu tiver
passando no seu lado pessoal vai afetar teu lado profissional e a empresa não quer saber disso.
E isso eu, como empresário, não serve pra mim. Eu não posso ter funcionário dessa maneira,
eu tenho que... Tem que ser um profissional. A empresa não quer saber dos teus problemas
pessoais. Então, na empresa tem que esquecer tudo. Tem que sorrindo. Tem que esquecer
que mãe morreu. Tem que esquecer... Tudo que tiver afetando... Não pode chegar no trabalho.
Tem que zerar. As empresas que eu trabalhei, na maioria das vezes, pensam dessa maneira,
né? Então, no momento que eu tava passando por problemas e quis sair, ninguém me ofereceu
ajuda. E viram que... Até mesmo quando eu saí da empresa e fui internado, quando eu voltei
da internação fui demitido”. (A12)
“Primeiro, eu falei com o meu diretor imediato que estava chegando atrasado porque vinha do
CENTRA-RIO, ele falou que ia me substituir. Eu pensei: “Fazer o quê? Eu vou correr
atrás”. Pedir a um amigo pra fazer no meu lugar... É demissão de uma outra forma. Só que eu
trabalhava na Fundação, não é uma empresa terceirizada. Fundação da própria universidade,
eu tenho que ser legal. ele tava me dando falta, falta, ficava me espremendo daqui...
Quando eu chegava 10 horas, tacava: falta. Tava sendo bem radical... Aí falei pro outro chefe:
“Seu Roberto estou em tratamento...” um cara mais humano. Aí ele disse: “Não, ninguém vai
te mandar embora, quem manda aqui sou eu. Aqui, pra mandar embora, tem que pedir minha
autorização...” O que aconteceu? O outro ficou sabendo disso, aí me dispensou... Procurei Seu
Roberto e falei: “olha ele me dispensou na administração”.“Não, não tem problema não,
você vai ficar aqui, com a gente aqui no DA. Então, o diretor, solicitou a minha substituição e
era meu compadre, que me conhecia, e me discriminou”. (D6)
“Mas o meu patrão não queria aceitar isso, ele queria que eu continuasse de qualquer maneira,
entendeu? Aí eu falei: “Não, eu desisto, isso ta me dando muito problema, eu fazer o que tem
que fazer para minha saúde, porque o que ta em risco é a minha saúde”.Que eu ia continuar
trabalhando, ia favorecer a ele”. (D8)
“Não me encaminhou”. (D10)
“Fui pedir ajuda que eu não tava agüentando mais, eu tinha passado mal no volante, parado o
ônibus em cima da Ponte, eu não tava em condições de dirigir mais, me deu um branco na
hora, o cobrador passou os passageiros pro outro carro, pediu equipe médica pra me vigiar e
conversaram, depois mandaram outro motorista buscar o ônibus da empresa, e eu fui pro
médico foi no dia que eu pedi ajuda a ela. que a médica da empresa mesmo, ela falou
que eu podia trabalhar normal, só que eu falei com ela que não ia trabalhar porque eu não tava
em condições de trabalhar mais, aquilo tava me incomodando, porque já pensou se começasse
de novo a trabalhar usando droga, bebendo, depois vi em mim que eu não tava legal,
dirigindo e usando droga”. (D12)
“O álcool, o pessoal da chefia sabia. Nenhuma ajuda... não ofereceram nunca. O caso deles
era me mandar embora. Era mais interessante para eles mandar embora do que oferecer
ajuda... Porque oferecer ajuda a um funcionário que eles precisam e esse funcionário vai pra
uma clínica, vai ficar fora da empresa, então eles não queriam assim. Preferiam mandar
embora. Vai fazer dois anos que estou aqui, em outubro.Vim por minha livre e espontânea
vontade. Vim aqui, fiz a minha inscrão e estou aqui até hoje”. (D13)
“Tinha onze anos, onze anos, quando saí de lá com doze anos, mas tinha começado a
beber de novo. Que eu comecei a beber com nove anos, mas eu parava, aí fui morar com
ela, aí eu tava com onze anos, aí eu ficava na casa dela, dormia lá, mas aí depois de um certo
tempo, comecei a sair pra rua, beber, chegar bêbada, estas coisas, eu tava com doze anos, mas
eu bebia escondido, mas mesmo assim não adiantou, porque ela descobriu, eu cheguei duas
vezes bêbada, caí, cortei a testa, ela ma deu banho de água fria, aí falou com o meu pai, que ia
me dar uma segunda chance, me deu, mas não teve jeito, eu saí de lá”. (M3)
Pulcherio e Bicca (2002) citam que trabalhadores com alto nível de exigência e baixo
poder decisório, além do ambiente competitivo, teriam fatores de risco aumentado para o
consumo de bebidas alcoólicas.
Pode-se perceber a realocação da droga como prática defensiva para suportar e gerir o
sofrimento provocado pelo trabalho em si e pela combinação entre trabalho e drogas.
CATEGORIA 3: O MUNDO DO TRABALHO FAVORECENDO / ESTIMULANDO
O CONSUMO
Nome do tema
UR
%
Categoria
Total de
UR
Companheiros de uso
41
30
O mundo do trabalho
favorecendo/estimulando
o consumo
137
Preservando o trabalho
38
28
Acesso no trabalho
28
21
Estímulo no trabalho
18
12
Horário de trabalho e
uso
12
09
Quadro 3 ntese dos Temas e UR da Categoria 3
Esta categoria surgiu da freqüência descritiva do local de utilização das drogas: era
recorrente a facilitação do consumo através dos companheiros, o acesso, o estímulo e a
adequação entre este hábito e as atividades profissionais. Os sujeitos referem no tema
Companheiros de uso - patrão ou colegas que também consumam drogas - sentir-se integrado,
coeso. Comentam esta prática apenas com o grupo de amigos que também utilizam:
“Eu o sei se devido a um chefe que chegou lá, facilitou as coisas também tem todos os
sintomas, agora eu sei, de alcoólatra, então ele facilitou tudo: a gente bebia no almoço, fugia
de tarde pra beber, que era dentro do próprio aeroporto, então usei sim, nos últimos dez anos,
cada vez mais. Isso era falado com aqueles que gostavam e aqueles que gostavam se
procuravam e... Todo mundo saía junto”. (A5)
“A gente bebia, mas não bebia tão assim... Não ficava o bêbado... Porque é aquele negócio,
você tem amigos enquanto ta podendo pagar, vonão encontra amigos pra te oferecer
uma Coca-cola, oferecer um café, um refrigerante, um lanche. Voencontra amigo pra te
chamar pra tomar uma cervejinha, tomar uma bebidinha”. (A8)
“Era eu e os ajudantes, bebia, e pensava que tava bebendo pouca coisa, mas não, cada dia ia
aumentando, bebia durante o serviço e bebia depois quando terminava o serviço.Eu e os
colegas, mas nada que era igual antigamente, bebia, mas era pouca coisa. Tinha algumas
pessoas que sabia que sabia daquele vício, algumas colegas que saía comigo, a gente bebia.Eu
também já trabalhei em firma, que o meu chefe bebia, ele tinha a bebida dentro do armário e
ele mesmo oferecia pra gente, só que eu era novo, então fui naquele embalo e passou a chegar
um tempo que eu já bebia por minha conta mesmo, não precisava ninguém me oferecer”. (A9)
“A maioria das pessoas na minha área depois de um dia de trabalho, principalmente numa
sexta-feira ou num sábado, até mesmo depois de fechar uma boa venda, um bom dia
produtivo... Ah, agora vamos relaxar, vamos tomar um chope, uma cerveja... Isso era quase
que um ritual, de todo mundo. Sempre se fazia isso”. (A12)
“E a maneira de eu escapar dele (o chefe) era depois do expediente conversar com os outros,
que, também, era todo mundo revoltado contra ele. Nos fortalecia porque nós discutíamos
esses assuntos... Como eram pessoas de departamentos diferentes, um era chefe de
departamento pessoal. Às vezes eu saía de uma festa de black tie ás 7 da manhã e as 11 e meia
eu tava no trabalho. Uma loucura isso. Uma insanidade total. Mas, eu tinha que ta lá, eu tinha
que mostrar que eu tava lá porque senão ia ficar esquisito. Foi na casa do chefão da empresa,
do dono da empresa”. (A14)
“Logo quando comecei na fábrica de móvel, eu trabalhava com um rapaz, que trabalhava na
parte da serralheria, então era nos fundos da fábrica e era eu e ele, o chefe só ia lá de vez
em quando. Foi aonde eu conheci a cocaína e a maconha, porque ele ia direto, fumava direto
nos cantos da firma, e ai eu fui acompanhando. Conversava, também com quem consumia,
entendeu, com quem consumia. Eu usei droga durante muitos anos ali dentro, inclusive, até
com o chefe que tinha, também que usava”. (D4)
“Eu era o barman para a família. No final de semana, tinha muitos amigos, churrasco e eles
me elogiaram, a parte social e eu era o cara, o escolhido para ficar no bar. Não recebia uma
remuneração, era para estar integrado. Eu era o patrão e não era o garotinho de fora”. (D5)
“Tinha acesso no próprio trabalho sim, tinha sim. E durante o expediente. Durante o
expediente, não só eu, como colegas que tinham, e acabavam acontecendo”. (D9)
“Muitos deles usam. Só que é aquele negócio, se a frota todinha parar, já era... A empresa que
eu trabalho principalmente... Eu conheci uns 40 motoristas que usavam, no dia de pagamento,
a gente ficava no botequim lá. Só que é aquele negócio, quando a gente ia receber pagamento
final de semana, a empresa nem pagava, porque no sábado, os ônibus não saíam para rua
porque nego chapava”. (D12)
“Toda a equipe usava, toda a equipe. Consumia bastante. Às vezes a gente saía às cinco horas
e ficávamos até as nove, dez horas bebendo. Aí, depois a gente ia pra casa. Por prazer...
Prazer de estar bebendo e batendo papo. Aquele negócio de farra. Era uma farra que a gente
tava fazendo. A gente sempre fazia por isso. Na Light, todo mundo sabia por que tinha alguns
amigos que usavam também. E na Rainha também tinha uns amigos que usavam também.
Então, eles sabiam, mas o pessoal da chefia não sabia, ninguém.Quando eu trabalhava na
Light, a gente usava na hora de trabalho, tudo. A turma toda usava... Na hora do almoço... E
depois do expediente a gente ia pra um bar lá perto e ficava bebendo direto. Era assim”. (D13)
“Quando acabava o expediente saía eu, meu patrão, minha patroa, tudo pra usar. Claro, claro,
todos os meus trabalhos me influencia a droga. Neste trabalho que eu to agora, todos os meus
amigos bebem, toda sexta-feira, nós vamos sair, vamos pro barzinho na tijuca, vamos beber
uma cervejinha. Ás vezes eu acho que eu posso, e eu vou, eu to limpa dois meses, eu
tive uma recaída com amigas minhas, eu trabalho em festa, em festa muita bebida, e a
gente pode beber, então a gente bebe também”. (M1)
“Tinha uma moça, uma garçonete, lá, amiga da gente, que ela vendia, também. Já cheirei
muito na casa dela.Fumava, também. Nesse bar, eu fumava maconha, também. Fumava, ou
antes, ou depois. A gente fumava também. Com patrão, com todo mundo. Era a turma só que
ia... Todas as garçonetes iam lá e fumavam um baseado”. (M2)
“Eu fui trabalhar, meus colegas todos bebiam então isso ajudou bastante. A gente saía... Tava
trabalhando... Que ia pra prova eu... Pegava a bebida... Que eu ficava sempre no apoio quando
eu trabalhava em prova... Eu ia buscar pra gente beber coca com cachaça, eu gostava. Eu ia,
tomava uma cerveja. O tempo todo”. (M6)
“Eu só tenho amizade com adictos. Sérias, no caso. Se eu tiver que ter uma amizade séria,
com adictos. Porque o adicto é uma pessoa... Eu sou completamente complicada pra uma
pessoa normal. Não é que eu esteja dizendo que eu sou anormal. Mas, pra outra pessoa eu já
vou entrar em outro assunto que não tem nada a ver com aquele assunto, sabe? Um adicto
sabe como ele faz as coisas, quando ele quer”. (M9)
“Bom, o trabalho sempre influenciou muito no meu uso de álcool, eu sempre trabalhei em
ambientes em que as pessoas bebiam muito”. (M10)
Segundo Allouch (2003, p.56), o adicto pode interessar-se por um outro afetado
por um estado de desamparo análogo ao seu”, o que provoca o encontro e a identificação
mútua, o que aos outros não é autorizado.
Velho e Kuschuir (2003, p.61), ao descreverem a realização de uma pesquisa
antropológica com um grupo de usuários de drogas, comentam sobre as regras do uso de
drogas, isto é, quem e quando se pode fazer uso delas”, fato este que permitia a própria
funcionalidade do grupo. É interessante notar o quanto este uso coletivo fortalece seus
participantes e solidifica este hábito.
E apesar do que foi relatado anteriormente ocorre inúmeras formas de preservar o
trabalho, como estratégia de proteger e preservar o trabalho, não o correlacionando com o
hábito de consumir drogas, e tão pouco se admitindo esta influência como produtora do
aumento deste uso. O usuário nega a atividade laborativa com o início ou incremento deste
uso, se responsabilizando pelos danos decorrentes do seu uso, isentando o trabalho e
indicando outros motivos para este consumo:
“Eu sempre bebi socialmente. Depois que eu casei foi que começou... Aí, vem briga, vem
discórdia, vem tudo. Aí, você começa. Hoje vai um pouquinho, amanhã vai outro pouquinho
e chega a um ponto de você beber... E eu já bebia até cair”. (A1)
“O trabalho em si ele não me levou a beber... Eu gostava e cada vez fui aumentando,
aumentando, aumentando, sempre achando que eu iria controlar a situação. Que eu tinha o
poder sobre mim mesmo. Eu não recorri ao tratamento. Primeiro, claro, eu não estava
conscientizado que estava com o problema que estou... Que não adianta os outros dizerem,
querer te encaminhar, se você não tomar atitude”.(A5)
“Aí era comigo mesmo. Eu pensava... Era eu mesmo que procurava... Eu não tinha controle,
né?” (A6)
“Então, até antes de acontecer a minha separação, eu bebia... Mas bebia pouco, depois do
trabalho, antes e depois, mas bebia pouco, mas depois que me separei da minha família,
minha vida começou a desmoronar”. (A8)
“O meu trabalho não influenciava de certa forma porque, eu era o encarregado, meu serviço
era todo concluído mesmo bebendo”. (A13)
Como eu não tinha mais a codeína, o álcool me dava um substituto pra codeína. O álcool é
sempre utilizado como se fosse uma coisa social, mas não é. É um problema seriíssimo
porque vo começa devagar, daqui a pouco vai aumentando, vai aumentando, vai
aumentando... Quando você vê, tudo que vovai fazer tem que ter álcool no meio. O álcool
era independente do aborrecimento ou não no trabalho. O alcoolista ou o drogadicto sempre
vai tentar colocar, quase sempre ele vai tentar botar a culpa em alguma situação, em uma
pessoa, em outro lugar. Nunca depende dele. Ta sempre fora dele. A vida é um problema dele.
Não é ele que ta arrumando problema pra ele. Mas, hoje eu tenho conscncia disso e antes eu
não tinha”. (A14)
“O meu consumo de drogas influenciou no meu trabalho. Até o ponto que eu fui tirado de
uma seção que eu tinha trabalho doze anos, e me passaram pro outro setor, trabalhei quase um
ano e depois me trouxeram de volta. Que as coisas não estavam funcionando muito bem, me
trouxeram de volta. Então foi o meu consumo de droga que atrapalhou o meu trabalho”.(D1)
“O meu uso de droga é que influenciava o meu trabalho. Eu usava porque eu sentia vontade
de usar, não por necessidade de ficar acordado”. (D3)
“Não casa bem a droga com o trabalho, entendeu. Você se esgota, de certa forma de muitas
coisas. Até mesmo, com a própria convivência com os próprios companheiros”. (D4)
“O trabalho não tinha nada a ver porque eu já usava antes até de começar o emprego”. (D7)
“Eu já tava gerando problemas, inclusive eu tive que pedir demissão. Primeiro porque por ser
uma droga proibida, acho que tem que ter um pouco de sigilo, se você a escolheu, ou seja, se
você está usando ela, é por vontade própria”. (D8)
“Que nada, eu não pedi pra vim ao mundo, eu o pedi pra nascer e aquilo foi a minha vida
toda assim, e sempre reclamando, nunca tava bom, ai achava de usar e quanto mais usava,
mais, mais, mais, mais”. (D11)
“Não é pelo trabalho, eu vi eu que estava brincando com a vida dos outros”. (D12)
“Não deu para conciliar o trabalho, ganhando pouco, pagando alguém pra tomar conta de
filho, que era pequenininho. Aí, tive que largar a fisioterapia. Depois, voltei pra fazer outro
vestibular, pra psicologia, também não deu porque faltou dinheiro pra pagar. E tinha, na
época, chance de ir para a UFRJ, porque eu era funcionária, era só pedir pra ir pra lá... Só que
isto eu atribuo às drogas, eu ficava uma pessoa sem objetivo, ficava assim... Paradona.
Pensava naquilo, mas não tomava atitude, quer dizer, é a droga me prejudicou muito
mesmo...” (M4)
Abandonei o emprego, agora eu também não tenho a coisa assim de saber te dizer
exatamente, se foi pelo álcool ou pelo fato do descasamento e da minha filha ter entrado no
mundo das drogas, isto sabe, me deixou assim com a cabeça, totalmente pirada”. (M5)
“Meu trabalho nunca influenciou meu uso de droga, nunca. O que realmente me influenciou
foram pessoas, lugares que eu freqüentei. Pessoas que eu gostei muito, e usavam e quis
também experimentar a cocaína no caso, experimentei”. (M7)
“Isso foi minha vontade própria mesmo. Então eu fui com os meus próprios pés só não
sabia que ia me causar tanto transtorno, mas fiquei sabendo, eu sabia que não era boa coisa,
que não ia fazer bem à saúde só não sabia que ia dar essa dependência”. (M8)
Se, ao concordarmos com Dejours (2007c, p.62) quando declara que trabalhar é
conviver, qual é o prognóstico para este trabalhador que se percebe dividido entre estas duas
incongruências? “Deve ser lembrado que o trabalho é um contexto formador da identidade em
processo”, na interpretação de Seligmann-Silva (1997, p.1154), sendo que esta identidade
estará sempre em processo de inflncia através das interações sociais e do trabalho, logo
uma postura análoga de se responsabilizar e assumir a opção pelo uso da droga como uma
decisão isolada, não percebendo os fatores influenciadores de proteção ou exposição para o
consumo em sua história de vida (DUARTE; CRUZ; TROIAN, 2008).
Ressaltando ainda a sobreposição da dupla função do ambiente de trabalho mediador
da formação de identidade e facilitador do acesso ao consumo de droga, seguem-se alguns
depoimentos:
“Ele (o chefe) colaborava porque ele também gostava. Então nosso almoço que podia ser de
40 minutos, ele prolongava, aí se prolongava, uma hora e meia, duas, “não, ta comigo”, então
o pessoal começou a me criticar, que eu andava muito com ele, isso é um gerente meu que eu
tive, e eu e ele, um chefe de seção bebendo, pra ver que a coisa alastrou”. (A5)
“Eu trabalhava de entrega de caminhão, aí parava, ás vezes para almoçar, e tomava uma
cerveja, tomava uma cachaça e aquilo foi virando rotina, até que chegou um ponto que eu não
notei que, eu já tava bebendo demais e já não tinha mais controle”. (A9)
“E até mesmo, na minha área de trabalho, tem muito evento, muito coquetel, inauguração de
loja, dos fornecedores, então, é um meio que tem esse glamour de bebida. Sempre tem um
convite pra almoço, pra jantar. Tudo envolve, sempre tem álcool no meio”. (A12)
“E eu fui conhecendo outros bebedores da empresa. Tinha gente que tinha adepósito de
bebida dentro do almoxarifado da empresa. Tinha um depósito de... De cofre de aço... E a
bebida rolava solta. Depois do trabalho... A gente ficava até tantas horas. Às vezes eu tinha
que virar a noite trabalhando, eu ficava lá... Se desse algum problema o pessoal ligava pra
mim, eu ia atender o problema. Com esse chefe e com outras pessoas alcoolistas também da
empresa. Alguns bebedores pesados, alguns até morreram. Dois morreram e um não consegue
parar de beber hoje”.(A14)
“Ele chegava com a droga, sempre me chamava e eu nunca recusei”. (D1)
“Eu até tinha amigos, amigos não, colegas do trabalho, eles até levavam pra gente usar, no
meu trabalho de vigilante”. (D3)
“Bem no começo, nesta firma que eu trabalhava foi que eu conheci. Eu me achava que eu
trabalhava melhor assim”.(D4)
“A área de segurança, segurança pública ou privada, tem muito contato com a droga, então
isto facilitou muito, eu estar em contato permanente com isto, e a ponto do consumo
aumentar, assim de forma... Até eu usar todo dia. Quando eu quis sair do emprego
relacionado á promoção de vendas, e ir para determinada área, parece... Hoje eu consigo
perceber que já era, sabe, uma queda para este lado, pra poder ter acesso, assim, mais fácil pra
este lado”. (D9)
“Ultimamente eu tava trabalhando como garçom, então eu usava... Muitas vezes, eu bebia.
Usava bebida com facilidade. O meu trabalho lida diretamente com a bebida”. (D10)
“Comecei com 14 anos, já trabalhava, trabalhava em oficina mecânica, de ajudante. O pessoal
também bebia, bebia cerveja, aí, toda hora eu ia buscar pra eles, deixava o copo de bebida
escondido. E era uma comunidade assim, pequenininha, mas tinha um armazém, o pessoal
dizia: „Vai lá buscar‟”. (D11)
“Já usei bebida... Mas eu nunca usei droga, assim, cocaína eu trabalhando, mas tomava uma
cerveja pra dirigir. Tomava uma, uma latinha e tal. Sem o inspetor me ver, se ele me ver...
Mas eu nunca usei cocaína, trabalhando, dirigindo não”. (D12)
“E quando tava chovendo, aí a gente bebia mais porque a gente trabalhava na chuva. Era
assim. Bom, em parte, era, porque ás vezes a gente virava... A gente pegava ás sete horas da
manhã, às vezes tava chovendo... Eu trabalhava na área da Tijuca e atendia o Alto da Boa
Vista e quando dava qualquer chuva caía árvore no Alto da Boa Vista, aí derrubava postes e o
caramba... Então a gente virava a noite toda ajeitando. Então, viu. Pra manter o corpo em
na chuva. Aí, a gente bebia direto. No Alto da Boa Vista é frio. Dizem que esquenta...
Então, a gente bebia pra esquentar... E pegar um resfriado ou coisa qualquer. Apesar de que
nós estávamos imunes, porque nós tínhamos periódicos na Light era aplicada uma injeção
para evitar resfriados, esses negócios assim porque nós trabalhávamos na chuva”. (D13)
“Um ambiente de bar à noite sempre tem... Todo bar, assim, que tem rapaziada, moçada
sempre tem alguém vendendo. Sempre tem.Ele que deixava... Ele que chamava, que
convidava (o patrão). Convidava. Fumava no escritório dele, lá em cima. Só as garçonetes.
Só as pessoas, assim, mais chegadas ao patrão”. (M2)
“Consumia droga no meio do expediente, tudo quanto era canto, cocaína, muito álcool, eu
trabalhava bebendo”. (M10)
Lima e Viana (2006, p.14) entendem que
o mundo do trabalho está marcado pelo desemprego, pela precarização e pela rotinização das
atividades e por discursos contraditórios que atravessam o cenário organizacional que se, por
um lado, enfatizam a cooperação e a participação, por outro, instigam à competição e ao
individualismo.
Neste contexto, estar convivendo não é garantia de se sentir integrado, e por esta
exigência, além dos recursos internos individuais, recorre-se aos recursos defensivos
organizados pelo grupo, em que entre o ambiente e os colegas há estímulo para o consumo:
“Era assim, trabalhava e a gente sempre tem, em frente às garagens de ônibus sempre tem um
bar. Aí largava o ônibus todinho na garagem e ia pro bar. Era normal”. (A2)
“Às vezes na rua ficam me chamando. E eu o quero... Depois eu falo... Pra evitar, que eu
não posso mais beber. Porque se eu beber... Se eu voltar... Eu sei que eu morro, com certeza.
Não tem mais volta. Então eu to nisso. Eu quero viver mais”. (A6)
“Vochega lá no serviço, está duro, mas sempre o bar está te financiado na bebida, certo.
Porque fiado bebida, todo mundo vende, não vende comida. Então isto... Então isto me
influenciou muito, este negócio de bebida”. (A8)
“Tem muitos trabalhos , em que que você trabalha, mas rola dentro do serviço”. (D4)
“Desde que me conheço como gente. Eu usei trabalhando, meus pais estavam construindo
uma cassa no Recreio dos bandeirantes e tinha nove para dez anos, ia ajudar a puxar muro,
carregar tijolo e várias coisas na obra. E tudo isso até que um dia meu pai, eu era selvagem,
não havia experimentado bebida. Tinha aquela coisa de abrir uma casa, de virar cimento e o
meu primeiro gole era assim: eu fazia caipirinha e levava pros pais que estavam no quintal
trabalhando e eu acabei experimentando”. (D5)
“Eu sou garçom... Então eu trabalho com bebida, trabalho num ambiente com muita correria,
entendeu, não é muito legal pra mim por causa disso... Tem a facilidade, tem o glamour da
bebida também”. (D10)
“Pra mim o álcool não era droga, cerveja pra mim era diurético, tomava... Depois que eu
entrei aqui vim saber que a cerveja era droga, sabe, e eu às vezes quando tomava duas
cervejas, dava vontade de dar um teco. (D12)
“Porque eu não estava bebendo mais, elas acharam que eu tava metida, como chegou uma pra
mim e falou:Ih, você metida. porque parou de beber, agora não fala com ninguém‟...”.
(M3)
“Eu passei a me embriagar muito mais no trabalho, porque aquelas pessoas diziam „Vamos,
tomar um chopinho‟ e eu sempre dizia „Não, eu tenho que chegar cedo em casa, eu sou
casada, „Não, mas, dois, três chopinhos não vai te atrapalhar em nada‟...”. (M5)
“No meu último emprego eu fiquei quatro meses, agüentei quatro meses. De tanto ser
convidada pra aqui e ali, aqui e ali, aqui e ali, que eu não dava plantão todo dia, eu ficava
praticamente o dia inteiro ali. Era dia sim, dia não. Então, toda vez que me convidavam, por
ser uma doença, eu dizia não posso ir. No final de semana os funcionários sempre tinham
alguma coisa pra fazer. Eu tinha direito a um clube e eu o ia a esse clube porque eu sabia
que ia ter cerveja ia ter isso e aquilo e eu não podia. Era a única que não podia beber porque
eu era doente. E eles não sabiam que eu tinha essa doença. Então isso foi me botando mais
irritada ainda, mais irritada ainda, entendeu? Eu tomava remédio escondido, sabe? Sem eles
saberem”. (M9)
Fui trabalhar numa imobiliária, onde todo mundo saía pra beber... Saía às terças e às
sextas”. (M10)
Zanelli (2006, p.112) observa que na sociedade contemporânea, o trabalho assume o
papel de principal regulador da organização da vida humana. É o elemento chave na
formação das coletividades e, portanto, dos valores que tais coletividades difundem”;
portanto, é notória a submissão imposta ao trabalhador substituindo o sentido de conviver, a
fim de se sentir integrado, para consumir a fim de se sentir integrado.
Atreladas ao estímulo para consumir drogas no ambiente laboral, surgem outras
variantes a exemplo do horário da atividade profissional e da escala de trabalho, favorecendo
o uso de droga na tentativa de compensar a sobrecarga de atividades, e como auto- medicação
via droga psicotrópica:
“Usando a bebida, então eu chegava em casa duas, três horas da manhã, bêbado, largava oito,
nove horas da noite, ficava na rua bebendo”. (A8)
“Depois que eu largava do serviço, largava umas onze horas, meia noite, por , parava e
tomava umas cervejas”. (A9)
“Lá a gente ficava a noite toda acordado, e pra ficar acordado a gente usava droga, e eu
conhecia ele (colega de trabalho). Ele levava, quando não era ele, eu levava, o chefe ficava
na frente e a gente ia pra trás e usava e pronto, eu também era fumante e usava também
nicotina”. (D3)
“Vinte e quatro horas de plantão, e consumia direto, 48 horas de droga na folga”. (D6)
“Porque eu trabalhava noturno e a cocaína não permite que a gente durma, ela segura o tempo
de sono. Eu trabalhava noturno, mais de 16 anos eu trabalhei à noite. E sempre usando”. (D7)
“A cocaína não deixa vodormir, pessoa fica aceso o tempo todo. Quer dizer, quando eu
tava com dinheiro, passava a noitada todo usando. Chegava de manhã, eu ia trabalhar, eu ia
dormir no caixa. Então eu tinha que fazer o que? Antes de eu pegar no serviço, eu usava pra
não dormir”. (D8)
“Com vinte e um anos... Na idade dos vinte e um anos eu comecei a pegar pesado mesmo
com cocaína. Como tirava serviço de 24 horas, eu usava, tirava serviço de guarita em postos,
escala de... Tirava duas horas no posto e quatro descansando aí, eu usava”. (D10)
“Isso foi à noite. Durante a noite. No horário da noite, noturno. E durante o dia isso não
acontecia, não. Era mais à noite. Não usava de dia. Porque de dia dormia. Se eu trabalhava à
noite, de dia eu dormia. Eu me lembro que eu fiquei... Nesse bar... Fiquei uns dois ou três
meses, não me lembro quanto tempo... Eu fiquei usando direto isso. Toda noite, toda noite”.
(M2)
“Eu bebi quando estava trabalhando. Trabalhava no dia de sábado. Trabalhava sozinha, a
encarregada não ia, então, e eu ia até em casa almoçar e bebia”. (M6)
O Centro para o Controle e Prevenção de Enfermidades, no artigo "Trabalho por
turnos, em linguagem simples", enfatiza o impacto que a organização dos trabalhos
desenvolvidos por turnos ou no período noturno pode provocar na vida do trabalhador:
A reorganização do desenvolvimento do trabalho, é uma realidade da vida moderna em uma
sociedade que funciona 24 horas por dia. As mercadorias são produzidas e os serviços são
prestados todo dia e toda noite. Conseqüentemente, é necessário que as pessoas trabalhem
durante estas horas também. Esses horários de trabalho podem causar pressão suficiente e
afetar a segurança ou a saúde de um trabalhador. Os erros de um trabalhador devido à fadiga
também podem afetar a saúde ou a segurança do público. (CDC, SAÚDE OCUPACIONAL,
1997, p.7)
E ainda segundo Zanelli (2006, p 108), ao longo do tempo o trabalho exerce influência
nas aspirações e no estilo de vida do trabalhador, até se transformar na principal fonte de
significados na constituição da vida daqueles que o exercem”. Conseqüentemente, a droga,
nestas situações descritas, é incorporada como um coadjuvante para suportar o desconforto
produzido pela tentativa de adaptação ao trabalho adoecedor.
CATEGORIA 4: DIREITOS LEGAIS E O USUÁRIO DE DROGAS (UD)
Nome do tema
UR
%UR
Subcategorias
Total UR
subcategoria
%UR
subcategoria
Categoria
Total de
UR
Aposentado
15
16
Aspectos
legais
33
34
Direitos
legais e o
UD
97
Tou encostado
09
09
Direito
trabalhista
09
09
Foi demitido
28
29
Mobilidade
64
66
Pede demissão
26
27
Rotatividade
10
10
Quadro 4 Síntese dos Temas e UR da Categoria 4
A categoria Direitos legais e o UD elenca a relação entre o trabalhador UD e o vínculo
atual com o seu trabalho, e derivou de duas subcategorias: Aspectos legais com 34% de
unidades de referência, mencionando a condição oficial de afastamento do trabalho com
suporte previdenciário, através da aposentadoria ou em tratamento de saúde (Tou encostado) e
a negação de recorrer aos direitos trabalhistas percebidos, como usurpados; e Mobilidade”,
com 66% de unidades de referência, em que há a descrição do desfecho decorrente da
incompatibilidade entre exercer uma atividade laborativa e o hábito de consumir drogas,
através dos temas: Foi demitido, Pede demissão e Rotatividade.
A condição de aposentado nem sempre é interpretada como uma resolução
conquistada pelo sujeito; ao contrário, pode ser encarada como uma verdadeira falta de
alternativa, demonstrando o quanto a legislação desempenha um papel de perversidade para
este sujeito, que ainda não deseja se afastar do mundo do trabalho, até por não se considerar
pronto para isto. A propósito, seguem-se algumas falas:
“Eu mais insisto no benefício devido a esse processo, do próprio INSS me aposentar direto,
por incapacidade”. (A7)
“Porque eu to com a idade avançada, você sabe muito bem que aqui no Brasil atualmente,
você pra se aposentar ta novo, pra trabalhar ta velho. Então infelizmente, você tem que
conviver neste meio, nessa sociedade nossa, infelizmente errada”. (A8)
“A aposentadoria por invalidez. Essa foi a grande coisa que acabou com a minha carreira de
analista de suporte e com o cargo de chefia que eu estava. O melhor cargo que eu consegui na
vida eu perdi por causa da bebida e da cocaína. Foi isso que aconteceu”. (A14)
“Mas agora eu me aposentei. Ao mesmo tempo eu estou contente, e, ao mesmo tempo, não
estou. Apesar de que eu trabalhei muitos anos. Mas, foi uma aposentadoria... Eu passei por
uma perícia... Como deficiente”. (M9)
Entre estar trabalhando e estar aposentado, nossa realidade de desconstrução dos
direitos legais produz uma condição ainda mais fluida: a expressão tou encostado” indica
uma condição de freqüentes realizações de perícias médicas que, no panorama brasileiro,
pode perdurar por anos sem, contudo, possibilitar uma estabilidade social:
“Eu tava no benefício, cortaram, dei nova entrada... Aí também o deram e agora ta na
Justiça”. (A2)
“Eu trabalhei alguns meses, fiquei mais um tempo encostado, devido a uma tentativa de
suicídio”. (D3)
“Estou de licença médica há um ano... Um ano e dois meses.Minha mãe providenciou minha
licença, minha internação, e fez os contatos, ela foi aos órgãos administrativos para eu não
perder o emprego e, também, ela deu as satisfações que eu deveria ter dado para com as
chefias”. (D14)
Turino (2005) comenta que as transformações dos contratos de trabalho (trabalho por
tarefas, sazonal, temporário, entre outros) resultam em maior tempo livre, porém, com “maior
comprometimento e disponibilização do tempo do trabalhador em relação ao seu
empregador”, o que influi diretamente na qualidade do período de ócio e lazer que, por sua
vez, transforma-se em “uma longa espera por um chamado para o retorno ao trabalho”. Pode-
se concluir que este maior tempo livre produz efeitos iatrogênicos na organização da vida
deste trabalhador. Mas, será que o tempo afastado do trabalho para se dedicar ao tratamento
(independente de sua modalidade) proporcionaria, de fato, alternativas positivas para o seu
êxito?
Em conseqüência do processo de precarização estrutural do trabalho, “os capitais
globais estão exigindo também o desmonte da legislação social protetora de trabalho
(SILVA E SILVA; YAZBEK , 2006, p.68), o que se justifica sob o argumento de que a
necessidade precisa adaptar os direitos legais e sociais conquistados ao longo de uma história
de intenso embate entre a classe trabalhadora e os detentores do capital, tornando precários
também estes direitos, além de flexíveis e inconstantes. Este fato intimida o trabalhador que,
então, se submete a ele e opta por não recorrer aos seus direitos trabalhistas, por não se
considerar merecedor:
“Aí teve uma vez que eu fui encostar o caminhão na garagem, aí esbarrei no outro carro lá,
que eu trabalhava com caminhão grande, só esbarrei, , o cara lá foi falar pra ele que eu bati
no caminhão, num sei o que... Contou a história dele lá, ele acreditou, me mandou embora,
mas também não falou o que foi não, mas eu sabia que foi por causa disto, por causa da
bebida. Então soube que eu tava bêbado, não sei o que ele pensou. Eu não procurei dar
justificativa, eu só expliquei o que aconteceu, me mandou embora, acabou”. (A9)
“Então, eu fui obrigado a assinar uma carta de pedido de demissão. Como se eu tivesse
saindo, eu pedindo pra sair da empresa... Mas, na realidade o motivo foi o álcool”. (A12)
“E foi uma época muito difícil pra mim, e acabou chegando em algumas coisas aonde não
deu mais pra eu continuar, não deu e eu acabei perdendo este emprego por causa das
drogas”.(M1)
“Eu não lembro direito o que aconteceu... Eu precisava de um médico... Eu botei minha
carteira de trabalho na mesa do patrão e pedi demissão. Fui embora pra casa da minha mãe, lá
em Minas Gerais. Fui me tratar. (M2)
“Também, eu não joguei na Justiça, não fiz nada disto porque eu tava errada, porque eu bebi a
bebida da casa dela, né, então eu tava errada, aí deixei pra lá, aí perdi meu emprego por causa
do álcool”. (M3)
“Eu não percebi, eu nem lutei pelos meus direitos, era um trabalho que eu fazia a três anos,
enfim...” (M10)
E para dar uma solão ao impasse decorrente da incompatibilidade entre exercer uma
atividade laborativa e o hábito de consumir drogas, o trabalhador posterga até as últimas
conseqüências o desgaste com o seu trabalho, produzindo uma mobilidade variada. A mais
citada foi a demissão por decorrência direta ou indireta do consumo de drogas:
“O meu consumo de bebida influenciou no meu trabalho, influenciou demais, entendeu. Na
minha vida profissional tanto é que eu fui mandado embora justamente por causa da bebida.
Trabalhei como rodoviário trinta e um anos, nunca pedi demissão, sempre fui dispensado,
justamente por causa disso, excesso de bebida Foram duas vezes só, esta minha última e a
outra tem dez anos atrás”. (A8)
“Já, já fui demitido da empresa por causa de, de... Que o chefe sabia que eu bebia, mas nunca
cheguei bêbado na empresa, mas só que ele sabia que eu bebia”. (A9)
“E eu perdi novamente o meu emprego por causa do álcool. E o patrão mandou eu tirar a
gravata e ir embora pra casa e me demitiu. No horário de trabalho.Todas as minhas saídas de
empresas e demissões foi por causa de álcool”. (A12)
“É assim, declaradamente não, mas fui demitido por causa das faltas, havia falta, no caso
quando não tinha dinheiro pra usar se sentia mal, eu mesmo me sentia mal, então tudo isto aí
prejudicava o meu rendimento, mau humor, estas coisas assim, discussão com meus próprios
companheiros, entendeu. Então já cheguei a ser demitido”. (D4)
“Então, concluindo, eu saí, fiquei com medo de morrer, e eu falei: “Quer saber, coronel?
Deixa pra lá, não quero saber... To excluído”, por constrangimento, vergonha...” (D6)
“Não diretamente, mas podia perceber que aquela demissão era causada por causa do uso de
drogas”. (D7)
“Por causa das conseqüências do uso, de não comparecer, de faltar, de abandonar, não avisar
e acabar perdendo o emprego, sim”. (D9)
“Geralmente as empresas me mandavam embora. Mas devido, não ao consumo de drogas,
devido o que o consumo de droga provocou. É falta de responsabilidade com o horário e
porque de não ter ido trabalhar, inventava doença, chegava com atestado, tinha plano de saúde
e me apresentava no plano de saúde e ia para clínica particular, inventava uma dor de barriga,
uma dor de estômago”. (D10)
“Quem usa conhece o outro que usa, né, e daí acabaram decidindo me mandar embora”. (M1)
“Eu chegava bêbada, ela me mandou embora, também. Por causa da bebida. Mas ela falou
que, o que me tirou de foi o álcool, por isto que eu não continuei lá, era pra eu estar até
hoje”. (M3)
E como segunda faceta deste movimento, pede demissão: por vergonha,
constrangimento, por ser usuário, por autopunição, por sentir-se doente ou parar de resistir e
resolver se dedicar ao consumo, de acordo com o que foi relacionado nas falas:
“Cheguei pra pessoa e falei: não tenho mais condições de tocar seu serviço, arruma outro.
Ainda deixei lá boa parte do dinheiro pra pagar a outra pessoa. E acabou. Não consegui
terminar. Não precisava nem explicar, tava sabendo que era o álcool”. (A1)
“Mas o pessoal do emprego começou a notar, tanto é que eu fui, não sei se to colocando as
carroças na frente dos bois, eu fui convidado a me retirar da empresa, isso eles vendo o meu
bem porque eu chefiava uma seção, eu tinha comandados sobre a minha guarda e orientação e
eu não tava dando exemplo nenhum. E querendo salvaguardar meu empreso, meu emprego,
é...Os meus gerentes começaram a me sugerir e até mesmo depois me pressionar: “Adere ao
Programa de Demissão Incentivada porque você pode... até ser... depois do PEDIN, que não
haveria o PEDIN, você pode ser mandado embora por justa causa”. (A5)
“Já pedi demissão por causa do álcool. pedi demissão... Fui forçado a pedir demissão,
porque eles não queriam me demitir devido a fatores financeiros e profissionais. E chega
uma hora que eu não tenho mais como dar explicação. Então, eu acabo saindo. Nesses últimos
dois anos, depois de eu ter saído desse último emprego, que eu trabalhei por um período
longo, eu já fui trabalhar em três lojas na minha área, e nas três eu não consegui dar
continuidade por mais de seis meses. Eu troquei três vezes de emprego... E até o último... Eu
acabei sendo internado”. (A12)
Eles não podiam me mandar embora porque era concursado, eles não podiam me mandar
embora, então não liguei, falei: “Ah... Me meu dinheiro... comprei uma
Kombi”.(A13)
“Tanto é que eu saí desta firma que eu trabalhei 14 anos, eu pedi, eu pedi demissão. Eu
achava que não tinha mais nada pra mim... Eu já tava a tal ponto, tava usando tanto, tanto
que... Tava sem esperança”. (D1)
“Eu chegava do trabalho e até chutava o balde, não queria mais trabalhar e ia e pedia as
contas, não queria mais trabalhar porque eu queria ficar usando droga, não queria mais
trabalhar”. (D3)
“Eu me sentia, assim esgotado, achava que o serviço não estava bom, entendeu, enjoava das
coisas do serviço. cheguei a pedir demissão. Por isto, devidamente por causa do uso de
droga. Eu me lembro que eu trabalhei numa firma, na Aladim, onde eu era o encarregado. E
eu pedi, após cinco anos de trabalho. Eu tava cinco anos na firma, eu falei que eu tinha me
enjoado, queria ir embora, queria ir embora, minha demissão ficou na... O papel de demissão
ficou na mesa dele guardada, durante uma semana, e eu faltei durante uma semana,
entendeu, até quando eu cheguei ele falou „Oh, não tem mais jeito mesmo, então você
assina aqui ”. (D4)
“Eu pedi mesmo as contas, eu saí do serviço, saí porque eu não tinha condição mesmo de
trabalhar, eu me vi em condições de não trabalhar mais, porque no caso eu era operador de
caixa, lidava com dinheiro e já tava dando, é... Como é que se diz? Problemas”. (D8)
“Já, já, já apertei o botão do f*** muitas vezes já. Só que depois é pior, que vem a depressão,
vem a sensação de “ tu não consegue nada mesmo, né cara, vonum tem jeito”, é mas eu
já pedi sim”. (M1)
“A minha demiso foi aceita. E eu tratei de me apressar pra ir embora. Eu não pedi ajuda pra
ninguém, eu acho. Nem meus amigos sabiam que eu tava doente”. (M2)
“Não tenho mais meu emprego, eu acho que expôs todo o meu trabalho e ai, o meu diretor me
impôs eu pedir demissão, me deu o papel pra eu assinar e disse que dava um jeitinho com o
ministro, e deu este jeitinho mesmo, eu fui embora”. (M4)
“Abandonei o emprego por causa do uso de álcool”. (M5)
Dejours (2007a, p.127), observa que “a psicodinâmica do trabalho analisa de maneira
particular as respostas humanas e sociais ao medo”. Contudo, não existe relação direta entre
sofrimento e defesa coletiva, que é uma constrão constantemente adaptativa e fragilizada,
necessitando ser relembrada pelo grupo com freqüência, e funcionando apenas durante a
permanência deste mesmo grupo, ou seja, é perene e circunstancial à demanda,
simultaneamente. Ocorrem, então, as estratégias defensivas individuais, os “antolhos
voluntários”, em decorrência do superficial e aparente estado de normalidade em ambientes
de trabalho desgastantes e extenuantes.
Ocasionando ainda, uma constante rotatividade, com mudança de emprego e contrato
de trabalho freqüentes, devido ao consumo de droga, fato este que funciona como um
impeditivo para conviver (DEJOURS, 2007) e sair da esfera doméstica para a esfera social
(KARAM, 2003) através das tentativas de resposta individual a este medo:
“Sem um vínculo, deixa ver, assim, peão de obra, entulho, carrega tijolo, e vai ali e faz
pedido de estoque, para a família e tal”. (D5)
“Trabalhei na “Direct TV”, que sou técnico, de produção do segundo grau, mudei
completamente, de pocia militar”. (D6)
“Eu arrumava emprego em uma empresa, ia pra outra, perdia, ia trabalhar um tempo sem
registro, ia pra outra, então, assim, durante todo este tempo, eu não consegui muito tempo
sem o trabalho, mas eu tava sempre, tendo que procurar outro. (D9)
Sempre mudei de trabalho, devido à dependência. Não conseguia ficar num lugar só, por
muito tempo”. (D10)
“Fui pra Minas, tentei parar, não consegui, fui embora pra Belo Horizonte, entrei pra PM, fui
excluído, por causa da bebida, ai depois fui pra São Paulo, ai comecei a trabalhar com quadro,
na minha profissão. Eu tenho duzentas assinaturas na carteira, tudo picadinho, o lugar que
fiquei mais tempo foi na PM, em Belo Horizonte, Minas, com um ano e oito meses, mais
ou menos”. (D11)
“Eu fiz várias coisas. Sou vendedora, já fui caixa, desde a época do banco Residência,
trabalhei com vendas também. Eu fiz um curso, cheguei a fazer, pela prefeitura, de
informática, de computador, isso tudo eu fiz. Trabalhei no HTO, e eu larguei o HTO, por
causa do álcool”. (M9)
Para Dejours (2007a, p.122), estas estratégias defensivas têm certamente uma fuão
primordial de adaptação e de luta contra o sofrimento, mas são também, por sua articulação e
continuidade, o meio essencial, sine qua non, de banalização do mal”.
O que chama a atenção neste estudo é o quanto este mal pode voltar-se para o próprio
trabalhador, com a possível tentativa de suicídio social através do trabalho onde este
trabalhador desempenharia os papéis de algoz e presa, concomitantemente, e em torno de si
mesmo, considerando que a droga compete com o trabalho no investimento das forças e
sentidos para transformar o homem doméstico no homem social.
CATEGORIA 5: TRABALHO PLENO
Nome do tema
UR
%UR
Categoria
Total de
UR
Sou bom funcionário
32
38
Trabalho
Pleno
83
Retorno ao trabalho
17
20
Proteção do trabalho
12
14
Trabalho ajuda
08
10
Falar com alguém
08
10
Gosto do que faço
06
08
Quadro 5 ntese dos Temas e UR da Categoria 5
Percebe-se que apesar de toda descrição de sofrimento relatada até o momento, talvez
com grande evidência devido ao momento de vida dos sujeitos participantes deste estudo, há o
reconhecimento do prazer e satisfação em seu cotidiano por estar trabalhando.
Esta categoria tornou possível analisar o modo como o trabalhador UD reconhece o
trabalho como fonte de prazer e satisfação. Para preservar e compensar o hábito do consumo
de drogas, este trabalhador adotará estratégias de hiperdedicação ao trabalho, considerando-se
um bom funciorio, trabalhando de forma devotada, cumpridor das tarefas e atribuições além
do que lhe é solicitado, inclusive relatando sentir prazer no desempenho laborativo:
“Chegava, tinha horário pra chegar. Inclusive, na minha autonomia eu tinha minhas
responsabilidades. Sempre trabalhei direito. O final é que foi virando bagunça. Mas era o
fim mesmo. Nascido e criado dentro de obra. Meu avô teve firma, meus tios tiveram firma,
meu pai teve uma firma. Então, vem de berço. Não como esse profissionaizinhos de agora,
não. Já fiz muito”. (A1)
“Eu sempre fui consciente do meu trabalho eu sempre fui consciente do meu trabalho. Eu me
posicionava elegantemente e era o senhor dos interesses comerciais”. (A4)
“Pelo meu desempenho no trabalho, pelo carinho da clientela comigo, pela minha maneira
carinhosa de lidar com o cliente, pra mim não existia distinção de cor, nem de posição social,
sempre direcionei de igual para igual, um doutor, um gari, então isso me trouxe muita
estabilidade”. (A7)
“Eu me garanto, eu sei aquilo que eu faço, mas só que a bebida, atrapalhava”. (A8)
Que eu sempre trabalhei direitinho, e por eu trabalhar direitinho, ganhar muitos títulos nas
categorias de base, eu tenho meu nomezinho a zelar profissionalmente”. (A10)
“Eu era o cara que toda a empresa adorava trabalhar comigo, porque eu era super, assim... Eu
até bebia... Eu bebia, mas acontece que eu não perdia meu vínculo de responsabilidade com as
coisas. Quando eu estive na informática, eu adquiri o bom hábito de cuidar. Isso me ajudou
bastante. Quando a informática entrou na minha vida. Eu saí do ostracismo que eu vivi
durante muito tempo nessa empresa e passei a ser uma pessoa cabeça na empresa. O curso de
analista de suporte que acabou de chegar no mercado brasileiro no ano passado e eu fazia isso
20 anos atrás. Há 10 anos atrás eu já tinha esse cargo. Pra você como era importante a
minha função lá. Eu dava aula pras pessoas, também. Pras secretárias todas... Da presidência,
vice-presidência... Fazer toda a rotina dos operadores... Enfim, eu trabalhava bem”. (A14)
“É uma coisa até de orgulho, não sei muito bem... Mas eu fazia o melhor possível no trabalho
pra não deixar parecer que estava drogado, usava o mínimo possível pra não dar bandeira, era
isso o que eu fazia. Sempre fui um bom funcionário, eu deixava meu sangue mesmo lá,
trabalhava muito. Apesar de usar... Trabalhava muito... me dedicava mesmo”. (D1)
“A minha profissão é uma profissão que lido com autoridade, lido com as pessoas, é um
ambiente extremamente formal e eu não poderia estar sob o efeito e as pessoas tomarem o
conhecimento da minha dependência qmica, em função dessa formalidade do ambiente de
trabalho”. (D2)
“Tudo o que ganhei, ou seja, profissionalmente, eu ganhei lutando, trabalhando e não
precisava chegar, puxar saco de patrão pra poder subir na vida, eu sempre trabalhei e consegui
as coisas trabalhando”. (D8)
“A área de segurança, embora a questão da droga seja muito ligada, era uma área que eu
gostava de fazer, eu sei fazer muito bem. (D9)
“Quando tinha um stress maior, que eu não bebia porque requer mais atenção no trabalho
porque é um trabalho de alto risco. Porque normalmente, a gente trabalhava com tudo ligado.
Não se desliga nada pra trabalhar, se desliga quando vai trabalhar na alta tensão, porque
alta tensão são 25 mil volts, então não tem como mexer nela Então, a baixa tensão que são 13
mil volts, a gente tinha que trabalhar ligado. Tudo ligado”. (D13)
“Porque eu tenho consciência que eu sou uma boa funcionária, que a droga, onde tem a
droga, ela destrói tudo, pode ser o melhor funcionário que não tem chance”. (M1)
“Sempre trabalhei muito bem”. (M3)
“Mesmo quando às vezes eu usava o álcool, antes de conhecer as drogas mais fortes assim, eu
bebia e conseguia chegar cedo ao meu trabalho, então, eu não marquei de ser chamada
atenção por causa do meu trabalho”. (M7)
“Eu sou muito correta com as minhas coisas, responsável com as minhas coisas. O horário?
Chegava antes, batia meu ponto. O uniforme era pra ser mudado depois, que lá tinha isso
tudo”. (M9)
Nadvorny (2006, p. 88), ao descrever os mecanismos de defesa utilizados pelo sujeito
usuário de droga, enfatiza que:
Nas neuroses o ego emprega os mecanismos de defesa frente ao representado pelos instintos
inatos do id que exigem satisfação. Nos dependentes, o ego empresta esses mesmos
mecanismos igualmente para escapar de um perigo, mas desta vez representado pela não
satisfação de um desejo emanado do falso instinto.
Logo, chama a atenção o modo operacional da desenvoltura nas relações, apesar dos
relatos do não reconhecimento, não apenas dos esforços, mas do próprio investimento em que
se considera um empregado dedicado e mais do que cumpridor das suas atribuições. Ainda,
segundo Nadvorny (Op.cit.), os mecanismos de defesa elencados: negação, racionalização,
onipotência, repressão, formação reativa, regressão e deslocamento, entre outros, seriam
estimulados não para proteção contra uma ameaça, e sim para justificar a persistência de um
dano permitindo, então, criticamente, uma inversão do discurso decorrente da prática
vivenciada, para um discurso decorrente da versão que justificaria a persistência na
continuação do consumo de drogas. Portanto, reconhecer-se um bom funcionário pode ser um
sinal destes mecanismos de defesa inconscientemente utilizados.
E prosseguindo na confluência dos acontecimentos, este trabalhador usuário de drogas
almeja retornar ao trabalho:
“Eu não sei se fosse capaz de alguma coisa dentro do CENTRA-RIO e se... Que eu duvido
muito, o CENTRA-RIO tivesse alguma prestação de serviço, fosse ela remunerada ou não e
eu fosse capaz de suprir as necessidades não minhas, do CENTRA-RIO pra somar pra
alguém, eu com certeza ia querer ser útil sim”. (A5)
“E to querendo ver se agora, esta luzinha que está me iluminando, cada vez mais, vai me
conduzir ao trabalho”. (A8)
“To tentando montar um ateliê pra mim, na minha própria casa, pra eu poder depois ir embora
daqui, porque muitos anos depois fora, aqui, de São Paulo, não tenho mais ambiente aqui no
Rio. Mas de qualquer jeito, como eu aprendi aqui, que é um dia de cada vez, tenho que fazer
as coisas com calma”. (D11)
“Eu faço, atualmente, eletricidade, mas particular. Quando aparece um serviço, eu vou e faço.
Quando não tem, eu não faço nada, mas quando aparece, eu vou e faço”.(D13)
“Eu to indo muito bem agora nas minhas faxinas novas, que eu tenho, tenho as minhas
patroas, que são muito boas. A mulher sozinha, precisa trabalhar pra ter as coisas dela, dela
própria, dos filhos.To com serviço bom, a patroa que eu arrumei é muito boa, ela fez
experiência comigo, gostou do meu serviço e segunda-feira, e vou voltar a trabalhar”. (M3)
“É, pela minha idade eu, eu fico olhando que realmente é muito difícil, atualmente a minha
visão, a pessoa até os 35, dependendo do... Digamos assim, de beleza, do padrão de beleza,
35, 40 anos ela ainda consegue, ta no mercado, voltando pra essa vida social e eu como estou
com 49 anos, fora do peso e tudo, na minha cabeça, eu não consigo, eu vou trabalhar por
conta própria, eu não queria, eu queria trabalhar pra alguém, assim ter um trabalho que eu
tenha essa respeitabilidade até com meu horário, sempre tive”. (M7)
“Há muitos anos, eu tinha o sonho de ser professora, eu tava aqui, na recuperação. Fiz a prova
e passei e agora estou me preparando para voltar a trabalhar, após três anos de estudo. Passei
para o terceiro ano, vou estagiar e me preparando nas salas, nos grupos, não me drogando...
Eu percebi que eu sou funcional, apesar de todos os anos que eu usei drogas, apesar de todas
as seqüelas que a droga deixou na minha vida, em mim, eu posso funcionar”. (M10)
Silva-Filho (2007, p.163) afirma que “só sendo reconhecido por um outro, pelos
outros e, enfim, por todos os outros que um ser, o humano, é realmente humano: tanto para si
mesmo quanto para os outros”. E este reconhecimento se por meio do trabalho, em que a
profissão transformou-se além de um substantivo ou adjetivo, evoluindo para a própria
definição do sujeito no meio social, pois é através do trabalho que há possibilidade de uma via
para mostrar-se socialmente, emergir do âmbito doméstico e se fazer reconhecido, inclusive
no seu próprio contexto doméstico; e ainda considerando que este mesmo trabalho o protege
de consumir droga, percebendo a atividade profissional como fator de proteção, favorecendo a
diminuição ou abstenção do uso de droga, porém não relacionado diretamente à ação do
empregador:
“No dia seguinte eu não ia trabalhar, então, ocupei o espaço de trabalho bebendo. E foi isso”.
(A1)
“Vo sabe que a ociosidade, vo sozinho em casa, ainda mais que eu mesmo afastei os
meus filhos, estou sozinho, me separei pela segunda vez, estou com uma namorada e estou
afastando também. Então eu tenho que arrumar... Não pela grana em si, mas eu tenho que
arrumar uma ocupação, como se fosse uma terapia ocupacional, que é o trabalho”. (A5)
“Eu tenho que ter essa certeza de esperança de que eu vou voltar a trabalhar. Se eu pensar que
eu não tenho mais... Que as minhas oportunidades acabaram ou eu vou beber ou eu vou me
matar. Então, eu não posso pensar dessa maneira”.(A12)
“A única função do trabalho ali era pra sair das drogas. O meu retorno ao trabalho ajuda meu
caminho, me ajuda a olhar o patrão e falar nesse cara você pode confiar”. (D5)
“Eu me considero que estou apto a voltar ao trabalho. Não só estando apto, mesmo que eu não
estivesse, seria benéfico. Eu acho que seria benéfico para mim, mas, como eu tinha dito da
licença eu usei para me drogar mais ainda, então, com o trabalho, mesmo eu estando no uso, o
trabalho vai cercear um pouco esse uso, vai restringir. Porque eu não uso no horário de
trabalho... No horário de trabalho não. Mas eu acho que o trabalho seria importante, até para
dar uma organizada nos meus horários e cercear um pouco esse uso. E, sem falar que, com a
licença são várias gratificações que eu perco”. (D14)
“Nessa época eu não usava trabalhando. Esse trabalho exigia muito, então não tinha tempo
pra isso. A gente chegava e era um pique de trabalho danado. Não dava tempo de fazer
isso. Não tinha espaço pra isso. Mesmo porque eu... Eu que fazia os pedidos na mesa. Eu que
levava a comida na mesa. Eu que fechava a conta. Eu que dava troco. Eu que fazia tudo... Era
um pique de trabalho muito bom. Então, a gente não tinha tempo pra pensar em nada”. (M2)
“Então eu ficava, trabalhava, eu tinha que cumprir uma meta. E depois aí eu chutava o balde,
aí eu usava sério: ia bebia, se pintasse um papelzinho, uma douradinha eu cheirava porque
sempre a minha droga de escolha foi a cocaína”. (M8)
Nesta perspectiva, o mesmo trabalho que o acolhe e não cuida, também é protetor.
Para contextualizar adequadamente, seria o próprio exercício da atividade laborativa, o estar
dedicado a uma tarefa, segundo os entrevistados, que auxiliaria na redução do investimento no
consumo, independente deste trabalho também produzir padecimento. Além do que, como
analisa Bellusci (2001, p.20), o trabalho pode ser fonte de satisfação concreta como, entre
outros, protetor da vida, do bem-estar sico e mental, e de satisfação simbólica, através da
sublimação, da expectativa e realização do desejo que faculta a ampliação do mundo
subjetivo.
Em situações no seu local de trabalho, em que este trabalhador falava sobre o seu
hábito para outros que não consumiam, sendo patrões, superiores hierárquicos ou o serviço de
saúde ocupacional, o retorno obtido ocorreu das mais variadas formas, desde o
encaminhamento equivocado até o real envolvimento do serviço mediante supervisão dos
encaminhamentos realizados, baseado no que foi experienciado pelos entrevistados:
.
“Eu tinha conversado com o meu chefe, com a médica lá do trabalho. E eles que me
incentivaram, mesmo. A minha médica, lá do trabalho. Ela me incentivou, disse que tinha um
colega nosso que já estava aqui.E eu conversei com um chefe. Por que... O cheiro, a gente sai
junto e o bafo fica. Aí a gente conversou antes e começou a conversar muito sobre isso e tal.
Por isso que ele deu uma força pra vir pra cá, também. Aí, esse outro colega, também,
começou a ir ao serviço médico, na minha médica, dele também, de serviço social. Aí, nós
conversamos e tal. Aí no dia seguinte eu vim pra cá, no dia nove de agosto, a assistente social
disse, Vai ao CENTRA-RIO, sim, e tal, vovai ver que lá é legal, e tal‟. Lá no trabalho ia
ter uma palestra sobre compulsão e eu queria assistir. E ela disse: Não, vai ao CENTRA-
RIO, a gente vai gravar em DVD, depois você leva o DVD e assiste a palestra‟. (A3)
“Foi porque eu fiquei preso no quartel. Preso no quartel é assim... Se faltar ao serviço é uma
falta grave. você vai para uma audiência com o comandante, ele dava dez dias de prisão
rigorosa, prisão fechada mesmo. Numa destas vezes que fui à audiência, pedi para falar com a
médica e abri o jogo, falei sou usuário de tal droga e me deram encaminhamento para esta
clínica, que era especializada em tratamento psiquiátrico”. (D10)
“Meu segundo patrão lá, ele bebia, ele tinha um garrafão de cinco litros, ele falava „Poxa,
você está demais, bebida não é pra isso‟, ele me aconselhava, ele me ajudou, porque ele via
que eu ficava mal, com todo aquele jeito de ser ruim, ser ruim, ser ruim, era só fachada, vivia
pelos cantos chorando, ai eu chegava pra este patrão eu pedia ajuda, ela dizia “Você que tem
se ajudarcomprou roupa pra mim me ajudou no casamento, eu casei, faltei oito dias antes de
casar, bebi, disse que era depois, faltei antes, ele falava se cuida”. (D11)
“Aí eu fui falar com a minha psiloga lá que eu não tinha condição de trabalhar, que eu tava
drogado e aí ela falou pra eu procurar o médico da empresa. O médico da empresa mandou eu
procurar um tratamento lá na UERJ, na 28 de setembro, hospital que tem lá. Aí eu fui lá e me
encaminharam pra . Aí ela mesmo me encaminhou pro hospital, pra eu procurar assistência
social de um hospital qualquer, procurei, a primeira vez fui no hospital ali na Central, que ali
é Souza Aguiar, de me encaminharam pra UERJ e de lá, me encaminharam pra cá,
CENTRA-RIO”. (D12)
“Mas quando eu tava trabalhando de sociedade com uma amiga, ela já tava percebendo, a
minha forma, como eu chegava vomitando de manhã no trabalho, então eu não mencionei pra
ela, ela percebeu que eu tava precisando de ajuda e me levou pro AA”. (M5)
Embora tenham acontecido movimentos por parte dos trabalhadores em falar no
trabalho sobre o seu consumo com colegas, patrão, chefe imediato, serviço de saúde do
trabalhador, entre outros, o houve, entretanto, o relato da plena satisfação com o
desdobramento, o que evidenciou a dificuldade das empresas em manter uma rede de recursos
vigentes para ser utilizado nos momentos em que houver demanda.
Duarte, Cruz e Troian (2008, p.95) destacam que o homem permanece grande parte da
vida útil nos ambientes de trabalho, onde constroem as suas relações sociais mais relevantes e
torna-se particularmente sensível aos estímulos de seu empregador, fazendo da empresa o
meio ideal para as atividades de prevenção”. Portanto, as organizações de trabalho e seus
profissionais necessitam se envolver e construir estratégias claras de intervenção e apoio ao
trabalhador usuário de drogas. Porém, as falas dos sujeitos participantes deste estudo,
indicaram diferentes formas de abordagem e intervenção no ambiente laboral diante do
conhecimento oficial acerca do consumo de drogas psicotrópicas relatados por estes
trabalhadores.
Apesar deste ambiente adoecido e adoecedor, percebe-se a insistência em proteger a
atividade laborativa, produzindo a negação do próprio mal estar, inclusive impedindo
qualquer construção crítica e, ainda assim, revelando que gosta do que faz como trabalho:
“Eu faço o que eu gosto”. (A1)
“Olha o que eu gosto de fazer é dirigir, eu gosto do meu trabalho, só que o em ônibus,
como eu to falando. Mas, se, por exemplo, arrumasse um táxi, estas kombis aí, nem pensar,
isto é troço de doido, trabalhar nestas kombis aí, é pra matar os outros na rua. Então vê, pra
mim tinha que ser caminhão”.(A9)
“Eu gosto daquilo que faço, me sinto bem e apesar de tudo, apesar do uso do álcool, as
crianças, quando eu chamo de criança, os adolescentes, me fazem bem, então eles,
particularmente, fez com que eu começasse a deixar o álcool, aos poucos”. (A10)
“Eu adoro trabalhar, mas eu não tenho controle, sobre a minha vida no momento que eu tiver
bebendo”.(A12)
“Eu gosto de trabalhar, de dirigir, é minha profissão”. (D12)
Dejours (2007c, p. 143) observa que o trabalho é “um espaço de construção do sentido
e, portanto, de conquista da identidade, da continuidade e historicização do sujeito”, se
analisamos a importância do trabalho para qualquer pessoa, então percebe-se a aptidão deste
trabalho, para funcionar não apenas como mola propulsora na reinserção social, mais ainda,
na manutenção deste ser no social.
CATEGORIA 6: PERSPECTIVA DE VIDA DO TRABALHADOR UD
Nome do tema
UR
%UR
Categoria
Total de
UR
Comorbidade
19
24
Perspectiva de
vida do
trabalhador UD
77
Perdas devido ao
uso
17
22
Perspectiva futura
15
20
Prioriza tratamento
13
17
Tratamento ajuda
13
17
Quadro 6 ntese dos Temas e UR da Categoria 6
A mensagem analisada nas falas agrupadas nesta categoria, descreve as perspectivas e
expectativas do UD em relão ao seu futuro profissional e pessoal.
Os danos físicos decorrentes do consumo de drogas (DA SILVEIRA; MOREIRA,
2006) com freqüência não estão sozinhos, sendo reconhecidos fatores que reforçam a
exclusão social do usuário de drogas, pois, de acordo com o Ministério da Saúde
(2004, p.13),
associação do uso de álcool e outras drogas à delinqüência...; os estigmas atribuídos aos
usuários, promovendo a sua segregação social; inclusão do tráfico como alternativa de
trabalho e geração de renda para as populações mais empobrecidas...; a ilicitude do uso
impede a participação social de forma organizada.
Faz-se necessário exercitar uma releitura da citação acima, focando neste usuário que
também é trabalhador, evidenciando o confronto com o conflito vivenciado, associado a
outros danos, tais como comorbidades:
“Eu fico com a síndrome do pânico, síndrome do pânico a primeira coisa, as mãos não
obedecem, eu fico trêmulo, então não consigo, esqueço das coisas”. (D1)
“A droga vai te consumindo tua saúde, tua saúde não vai ser mais a mesma. Então, essa
diferença foi a que eu notei, que levou de 91 a 96, foram cinco anos consumindo droga e
perdendo as habilidades, reflexo, tudo.Que a droga, com o tempo vai consumindo isso, em
nós”. (D8)
“Eu acabei adoecendo, eu adoeci... Eu tenho também distúrbio bipolar. Tava doente do... Do
distúrbio bipolar. Tava... Deprimida, em depressão. Perdendo a razão das coisas. Perdendo a
noção das coisas. Coisas da própria doença”. (M2)
“Em 1991, descobriram que tinha alguma coisa errada na minha coluna, me tiraram do
serviço pesado, aí por causa disso gerou... De uma entrevista viram que eu tinha transtornos...
Eles falaram de conflitos, ta na ficha que eu era uma pessoa muito conflitiva, ai me botou no
psiquiatra.Eu tenho restrições quanto á minha saúde e dos remédios também, porque eu tomo
controlado, eles acabam percebendo alguma coisa estranha em mim, eu fico realmente muito
depressiva, fico calada, fico introspectiva, fico muito assim, pensando, fico pra dentro”. (M4)
“Tenho a depressão, não pelo álcool, eu tenho problemas psíquicos, antes de ser alcoólatra.
Eu tenho esquizofrenia, tenho é transtorno bipolar e mais alguns problemas psíquicos que
agora eu não sei te dizer, tem os códigos, mas ta em casa o laudo”. (M5)
“Porque eles alegaram transtorno bipolar de personalidade”. (M6)
“Devido a essa minha insistência em querer me separar, um médico indicou à minha mãe que
eu devia fazer sonoterapia e eu fiz seso de sonoterapia direto durante dois meses, quando eu
tinha 20 anos, então eu acho que foi meu despertar para a droga porque foi muita química
pra quem já tava tendo problema. Eu fazia tratamento psiquiátrico pra depressão e
ansiedade, até no Centro de Psiquiatria no Rio de Janeiro, no CPRJ...” (M8)
“Eu vejo vultos, passo um ano sem ver. Eu falo, ás vezes sozinha”.(M9)
Como observação, é interessante destacar que do total de dezenove unidades de
referência que originaram este tema, dez foram mencionadas por seis mulheres. Para Dejours
(2007b, p.31) “no subúrbio, se estaria mais inclinado a falar das doenças que atingem a
mulheres do que das doenças que atingem os homens. Para estes últimos, a doença equivale à
paralisação do trabalho, isto é, à vagabundagem”.Isto possibilita questionar se as mulheres
têm quantidades maiores de diagnóstico de comorbidade, ou se verbalizam mais
freqüentemente esta condição, inclusive no universo dos participantes deste estudo.
Em conseqüência do uso de drogas, os entrevistados relataram perdas e prejuízo de
oportunidades, promoção, ou melhoria, tanto no trabalho, como nas interações sociais, como
se vê a seguir:
“Nessa, o que eu tratei eu cumpri. Mesmo bebendo, eu cumpri. E ia fazer mais. Mas, ela não
quis me dar porque sabia do meu estado e ficou com medo de eu cair... De eu me machucar e
pegou outra pessoa. Não tinha condições de trabalhar. Bebia pra caramba. Como é que vo
vai trabalhar no dia seguinte?”(A1)
“E foi onde eu, com 32 anos de empresa, 30 anos de empresa eu aderi ao Programa de
Demissão Incentivada e foi pior ainda, que mesmo que eu, nos últimos sete anos, eu bebi
quase que 24 horas por dia. A droga, o álcool, me levou à perda do meu emprego, me levou a
jogar, eu joguei, joguei, joguei, perdi tudo: perdi dois táxis, perdi uma casa e perdi um
apartamentozinho, pequenininho. Agora, eu to num quarto, num sobrado, numa casa alugada.
Afastei meus familiares, meus filhos, então eu quis amarrar o que o álcool fez comigo”.
(A5)
“Fui motorista, fui inspetor, fui auxiliar de inspetor, fui despachante, que a bebida me
atrapalhou muito na minha carreira, quando eu estava querendo parar, aí a bebida me
atrapalhou muito na minha vida, então só me fez desgraça na minha vida”. (A8)
“Nós temos várias perdas. Quer dizer, em relação ao trabalho fica até difícil, vo perde
ânimo, voperde tudo, habilidade, tudo, tudo, tudo que voimaginar a droga consome”.
(D8)
“Roubava pra usar droga, acabei preso, já saí da internação tomando muito remédio, ai, fui
querer roubar o relógio da uma mulher na rua, fui condenado seis anos e oito meses, ai,
pronto, meus antecedentes acabou, tudo”. (D11)
“O álcool e a droga, então me prejudicou muito, sabe, que era pra eu estar trabalhando até
hoje, normal. Hoje eu tenho medo de dirigir, até meu carro que bateu eu vendi, porque eu
perdi meu carro praticamente pra droga, que eu usei muito, usei muito, vendi o carro pro
colega meu pra eu cheirar, entendeu... Hoje me arrependo muito do que eu fiz”. (D12)
“Eu tava perdendo... Ninguém queria mais me chamar pra fazer faxina, perdi serviço bom,
não pude ir porque descobriram que eu estava bebendo, aí não me aceitaram”. (M3)
“Estou até hoje lá, sou contratada, mas não sou concursada porque eu não consegui estudar,
consegui batalhar, mas não consegui batalhar pelo meu futuro devido ao uso, devido às
drogas”. (M8)
Se Torre e Amarante (2001) enfatizam que o sujeito não existe a priori - está em
constante constituição”, o que será adicionado a este sujeito lhe possibilitará exercitar a
totalidade, que não é ilimitada, e sempre rica de opções, entre elas, o trabalhar, se tratar,
exercer a cidadania, aspirar, organizar, planejar e idealizar suas perspectivas futuras. O que
inclui o sujeito se perceber como protagonista da sua história, iniciando o processo de se
permitir sonhar e desejar outras perspectivas futuras:
“Manter a mesma rotina. Eu saio do trabalho, vou pra casa, vendo televisão, lendo ou
escrevendo”. (A3)
“Eu tenho uma sede em retornar de trabalhar, tenho uma loucura: eu saí, tem uma semana lá
da clínica, eu tenho n projetos na minha cabeça, como eu tenho, como eu acabei de dizer,
um restaurante desmontado. Eu tenho muitas atividades, modéstia à parte, uma vontade de
iniciar, não tenho capital de giro pra começar, mas eu quero me dar uma semana, quinze dias,
pra vir aqui inclusive e replanejar o que eu vou fazer”. (A4)
“Eu aqui to conversando com a terapeuta, eu to vendo o meio como ela ta me ajudando,
assim, ver um trabalho que eu tenha pelo menos, o horário durante o dia na semana, que eu
possa continuar o meu tratamento, entendeu, então tão tentando me ajudar assim, daí me
deram toda orientação pra não voltar no mundo das drogas”. (D4)
“Me candidatar a exercer até uma função aqui dentro, como conselheiro, como apoiador,
entendeu? Seria uma boa até pra mim, ta entendendo?” (D8)
Porém, há uma realimentação na percepção do trabalhador de não se sentir integrado,
aceito, reconhecido na prática laboral, que já está comprometida pelo próprio hábito de
consumir droga, produzindo um sentimento de menos valia e inadequação. Evoluindo nesta
perspectiva mórbida, este trabalhador tentará se salvaguardar, verbalizando, nesta fase, a
prioridade do tratamento em detrimento do trabalho, apesar de não excluir a possibilidade de
retorno ao mundo do trabalho:
“Ao mesmo tempo, meu medo é eu voltar a trabalhar e interromper o tratamento e eu não dar
prioridade ao que é primordial. Eu não ta preparado. Antes do tempo, pra voltar ao trabalho”.
(A12)
“Olha no momento eu to mais preocupado com a minha reabilitação, meu tratamento. Porque
eu também sou tintureiro, tive várias propostas de emprego e eu o consegui conciliar.
Que eu fico algum tempo e logo depois eu retorno ao uso”. (D7)
“Eu faço o meu tratamento, eu prefiro fazer meu tratamento, me recuperar e se eu exercer
alguma profissão, ou seja, voltar a trabalhar, que eu acho meio difícil. Que só pra eu poder vir
aqui fazer meu tratamento eu já acho difícil, ta entendendo, mas eu... Eu tenho que passar por
isso, poder... Que é a minha saúde que está em risco. Porque não adianta se eu não vir me
tratar, lá fora eu vou me perder mais ainda”. (D8)
“Se eu voltar (ao trabalho), vai ser em vão”. (D10)
“Eu posso retornar ao trabalho e ao estudo, mas não posso abandonar o tratamento
ambulatorial”. (D14)
“Eu não sei se o trabalho me ajudaria, porque pra mim, o meu tratamento é a minha
prioridade no momento. Talvez mais tarde sim, eu possa trabalhar, eu ainda o me sinto
segura para trabalhar”. (M5)
Pinho (2005, p.04) enfatiza que “a droga é fascinante, justamente porque é uma
promessa de que o sujeito não se confrontará com o desamparo, pois sempre haverá algo a
incorporar para garantir a plenitude”. Contudo, é interessante verificar que contrariando o
discurso do relato das perdas devido ao uso, não é descartado, após a retirada e/ou
manutenção da droga, quando se perde a escora para assegurar a plenitude, o retorno ao
trabalho que ressurge no topo do desejo, culminando com a retomada do querer afirmativo. E
como construção desta perspectiva, é citado o reconhecimento de que o tratamento ajuda para
este retorno ao trabalho:
“Hoje está sendo um pólo de apoio pra mim, que eu tenho certeza que vou aprender, vou
renegociar comigo, com meus maus valores, como a bebida, como o álcool, eu tenho certeza
que é um espaço para isto. Tal qual eu fiquei naqueles 45 dias internado na clínica e eu
pude ajudar, eu me coloco à disposição também, como voluntário, pra falar, dar palestra, falar
sobre qualquer coisa, principalmente sobre sucesso”. (A4)
“Tinha que ter descoberto o CENTRA - RIO há, há mais tempo atrás, porque esta me fazendo
um bem fora de rie, tanto interiormente com profissionalmente. Profissionalmente porque,
veja bem, eu to mais disposto no trabalho, por exemplo, ontem segunda-feira eu passei um dia
super mal, por que eu bebi no sábado, no domingo e ontem eu não saí de casa pra nada, então
profissionalmente esta me adiantando da seguinte maneira, eu estou me afastando aos poucos,
é difícil, o tratamento é difícil, é complicado, mas eu tenho em Deus que eu vou largar o
álcool”. (A10)
“Vo es lidando com a saúde também, o dependente químico quando chega, ele chega
debilitado, tanto, tanto o lado psicológico como o lado físico também. Então assim, a gente
tem que ter esta formação e, assim, é bem interessante você ver as pessoas quando chegam,
chegam bem debilitadas e passam por um processo de reestruturação, é bem legal”. (D9)
“É uma base, pra gente que tem esta dificuldade, a gente saber que tem um lugar onde pode
ajudar, onde a gente pode pedir ajuda, isto é importante pra gente que tem esta dificuldade”.
(M1)
“Só o fato de eu não ta bebendo mais, pra mim é uma grande vitória. Faz mais de dois anos
que eu não bebo, que não boto uma gota de álcool na boca. Pra mim isso é uma grande vitória
porque foi exatamente por isso que eu vim pra . Pra parar de beber.Então, acho que o
CENTRA-RIO esta me ajudando muito, muito, muito. E até com meu trabalho, também, com
meu marido porque eu bebia em casa. Eu bebia durante o trabalho. Eu bebia... Quer dizer,
agora eu não bebo mais”. (M2)
“Agora todo mundo me chama pra fazer faxina, a patroa da minha irmã vai ver um serviço
bom, fixo, tem a ajuda do meu ex-marido, trata os meus filhos bem, não falta nada pra mim,
então eu acho que a pessoa tem que procurar um tratamento, porque se a pessoa não procurar
um tratamento, sem ajuda o se livra deste vício, o álcool”. (M3)
“Simplesmente diria o que está acontecendo pra mim, os profissionais todo, da administração,
o pessoal da cozinha, da limpeza, os seguranças, todos são assim, respeitam a gente pra
caramba, tratam com muito carinho e é disso que a gente precisa: ter esse cuidado todo, como
cidadão porque nós somos cidadãos, mas só que a gente não tem ciência disso e eu to tendo
ciência disso, apesar de sempre brigar pelos meus direitos e tal, mas quando brigava era por
causa errada, agora não, eu vou me portar socialmente, a me comportar socialmente, a ser
uma verdadeira cidadã e isso eu agradeço ao CENTRA-RIO porque está me dando essa
oportunidade de eu me manter limpa e... Conquistar essas coisas”. (M8)
Para Azevedo (2004, p. 353), “a autonomia... expressa a capacidade funcional
relacionada ao desejo de retorno ao trabalho e a uma vida independente”. Logo, o sujeito que
verbaliza a ambição de retornar ao trabalho, deve ser interpretado como um desejo de voltar a
vivenciar a sua autonomia e (re)assumir suas atividades para gerir da própria vida. Atender a
este desejo significa desafiar a clínica a redimensionar as possibilidades de acompanhamento
deste trabalhador, que ainda necessita dela sem, contudo, se transformar em um impeditivo
para o seu restabelecimento ou o trabalho. É necessário praticar um discurso de coesão,
clínica e trabalho, simultâneos, para permitir que este sujeito se complete e se individualize.
Ainda que esta categoria tenha se construído com aspecto minoritário do ponto de
vista da quantidade de registros, não se inviabiliza sua importância neste estudo, pois sinaliza
a dificuldade de gerir a vida, tanto pela própria incongruência social a que todos estão
submetidos, como pelo somatório de intercorrências relativas ao uso habitual de drogas.
4.3 O Enfermeiro na Assistência ao Trabalhador Usuário de Drogas
“O cuidado terapêutico é uma ação que se desenvolve e termina na e com a pessoa,
carregado de valor (ético e estético), sendo um bem necessário às pessoas” (PRADO, 2003, p.
135). O enfermeiro cuida quando estabelece uma relação de respeito aos direitos, à
individualidade e à autonomia de cada um. Cuidado significa zelo, atenção, bem estar, e é
possível existir quando centrado no indivíduo, identificado com o seu sofrimento e centrado
no potencial de recuperação (CLOTET; FEIJÓ; OLIVEIRA, 2005).
O que foi dito acima é reforçado por Sprigio e Alencastre (2004, p. 429) que, ao se
referirem á cultura do cuidar, destacam que os enfermeiros são os que manm contato maior
com os usuários dos serviços de saúde e têm grande potencial para reconhecer os problemas
relacionados ao uso de drogas e desenvolver ações assistenciais”. Esta posição estratégica
facilitaria a intervenção do enfermeiro, independente do serviço ou da especialidade em que
atuasse. Entretanto, estes mesmos autores determinam que se faz necessário, além disto:
O conhecimento sobre drogas - efeitos, dosagens, danos, formas de utilização - bem como as
propostas teóricas que pretendem compreender o porquê do uso, terapêuticas, fatores de
risco e de proteção, populações vulneráveis e políticas públicas, dentre outros aspectos, são
indispensáveis a todos os que pretendem trilhar este caminho. No entanto, entendo que se faz
necessário também um olhar para si mesmo: suas crenças, valores, preconceitos, escolha do
enfoque teórico sobre a questão, engajamento e as contradições da prática. (SPRIGIO;
ALENCASTRE, 2004, p. 429)
Logo, percebe-se que a especialidade do enfermeiro, tanto o que atua na área
assistencial, como no serviço de saúde do trabalhador, o é um impeditivo para que tenha a
oportunidade de prestar uma assistência adequada ao consumidor de droga, necessitando para
isto, porém, de conhecimentos específicos e um investimento no auto conhecimento.
Sob esta ótica, se destaca o enfermeiro do trabalho, profissional que está na ponta
desta questão e que, por força de formação específica, possivelmente irá se deparar, ainda no
ambiente laboral, com o início dos transtornos prejudiciais na vida do trabalhador em
decorrência do uso de drogas, podendo assisti-lo naquele contexto com mais presteza e
eficácia. Daí porque tecemos, a seguir, alguns comentários a respeito das possibilidades de
atuação deste profissional junto ao trabalhador, levando em consideração o que foi discutido
até o momento.
É imprescindível ao enfermeiro do trabalho e tamm, à organização do trabalho,
realizarem uma autoavaliação contínua a fim de identificarem a necessidade de implantação
de um programa de prevenção, de acordo com as características inerentes a cada empresa,
visando possibilitar a readequação e a personalização do atendimento de saúde.
Duarte, Cruz e Troian (2008, p.83), discorre que as empresas devem organizar
medidas de prevenção efetivas, sendo primordial o “reconhecimento, por parte dos dirigentes
e dos trabalhadores da empresa, de que o consumo de drogas existe”. Comentam ainda que,
independente do tamanho da firma, investimento financeiro ou outros recursos, o primordial é
que seja um programa transparente, com conceitos e limites claros sobre a temática, se
possível construído coletivamente, e envolvendo o maior número possível de integrantes da
organização (DUARTE; CRUZ; TROIAN, 2008, p.84).
A partir das modificações que ocorreram nas relações de trabalho, e da própria forma
de adaptação a este novo mundo laboral, os profissionais de saúde ocupacional, incluindo o
enfermeiro, perceberam-se em um contexto de transição do perfil epidemiológico dos
trabalhadores, refletindo estas mudanças (BECK; DAVID, 2007). Trata-se, pois, no panorama
atual, de um contexto que exige um enfermeiro do trabalho com capacidade de atuação
multidisciplinar, identificando e envolvendo os líderes formais ou informais, as chefias, os
profissionais de recursos humanos, saúde ocupacional, de segurança e todos os trabalhadores
dos mais variados segmentos da empresa, para a organização do programa de prevenção e
redução ao uso de álcool e drogas. Além dos conhecimentos específicos na área de álcool e
drogas, vale lembrar que é desejável que este profissional possua, também, conhecimentos
que possibilitem o aproveitamento de ferramentas práticas, como o próprio trabalho, para
serem utilizadas em favor de uma estratégia de redução de danos no uso de drogas (Op.cit.).
A perspectiva de atuação descrita acima busca contemplar a integração do enfermeiro
nas ações específicas da enfermagem do trabalho, desenvolvida nos programas de saúde do
trabalhador nas empresas e serviços, bem como nos serviços de Atenção Básica do SUS que
hoje compõem a Rede de Atenção em Saúde do Trabalhador.
Na função administrativa, o enfermeiro do trabalho poderá desenvolver ações para
influenciar na mudança da cultura institucional, a fim de possibilitar o desenvolvimento de
programas de redução de danos para o trabalhador usuário de drogas. Na assistencial, a
avaliação deverá ser individualizada, mas sempre relacionada com a patologia em evidência
no ambiente de trabalho, tendo uma visão ampliada e entrelaçada com a investigação, o
diagnóstico, a implementação de resoluções e a manutenção da saúde, sempre respeitando a
subjetividade do indivíduo. No âmbito da educação de saúde no trabalho, o fortalecimento da
capacidade cognitiva e de estratégias coletivas de enfrentamento de dificuldades e pressões,
pode resultar na ampliação da capacidade produtiva e na autonomia dos trabalhadores,
valorizados como sujeitos autônomos e capazes de desenhar e desenvolver processos de auto-
regulação da atividade do trabalho e na investigação dos processos ou situações facilitadoras
para o consumo de drogas (DONATO, 2002).
Neste sentido, o apenas as relações interpessoais ou os aspectos da organização do
processo de trabalho devem ser levados em conta, mas também as condições ambientais nas
quais se desenvolve a atividade de trabalho. Vale lembrar que garantir um bom ambiente de
trabalho, não inclui escamotear os conflitos ou desqualificar as críticas dos trabalhadores; ao
contrário, estes elementos devem ser incorporados em processos transparentes de negociação
e construção de consensos.
A atenção direta ao trabalhador que se submete a situações de riscos, em
conseqüência do uso prejudicial de drogas, não é mais relevante do que favorecer um
ambiente positivo para a sua recuperação, ou seja, proporcionar variados canais de
comunicação para promover informações, medidas de proteção em geral, espaços de reflexão
para avaliação dos preconceitos e estigmas em torno do fenômeno das drogas, são
possibilidades de cultivar um permanente ambiente de diálogo e acolhimento.
Com base nas atividades propostas para o enfermeiro do trabalho para assistir ao
trabalhador alcoolista, organizadas por Donato (2002, p.71), que preconiza a avaliação e o
acompanhamento sistemático e integral deste trabalhador para resguardá-lo de possíveis
danos decorrentes deste consumo, deve-se estender estas intervenções ao trabalhador usuário
de outras substâncias psicoativas como um todo, tendo como patamar lido o paradigma da
redução de danos, visando o resgate (ou a conquista) da saúde em seu conceito amplo.
Para isto, o enfermeiro do trabalho pode atuar como condutor e estrategista na
construção de um mapa de possibilidades, serviços e recursos sociais dentro e fora do
ambiente de trabalho, sempre sensível ao sofrimento e à demanda, incluindo também nesta
cartografia a família do trabalhador. Dentro deste mapa de possibilidades, podemos destacar:
- a realização de exames físicos e clínicos complementares, visando o diagnóstico do
abuso de substâncias psicoativas no Programa de Controle Médico em Saúde Ocupacional;
- a utilização do espaço de discussão da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
(CIPA), com o objetivo de avaliar os casos de trabalhadores envolvidos com álcool e/ou
drogas, na tentativa de prevenir acidentes e trabalho;
- implementar um sistema de vigilância epidemiológica de doenças ocupacionais e não
ocupacionais, como os casos de alcoolismo e de outras drogas, aproveitando para realizar
também o aconselhamento em DST / HIV;
- implantar e implementar a consulta de enfermagem ao trabalhador UD, valorizando a
construção de vínculo terapêutico, baseado na teoria as redução de danos;
- avaliar as condições de desgaste do trabalho real e sua relação direta com o consumo
de drogas, favorecendo um ambiente de discussão em equipe, com o objetivo de organizar
planos de segurança no trabalho, para o próprio trabalhador, de seus colegas e da empresa;
- realizar pesquisas epidemiológicas sobre a mortalidade e morbidade do trabalhador,
inclusive por uso de drogas, correlacionando o possível nexo causal entre este uso, as
atividades laborais e os acidentes de trabalho;
- promover reuniões e diálogos com os trabalhadores, objetivando discutir atitudes
preconceituosas e estigmatizantes, em geral, e atitudes de proteção ;
- criar um canal de comunicação para que o trabalhador identifique as fontes de prazer
e sofrimento no trabalho e as possibilidades de incrementar as primeiras e amenizar /
extinguir as segundas.
A prevenção de riscos voltada para o uso abusivo de substâncias psicoativas demanda
a ampliação do conhecimento acerca dos efeitos farmacológicos e do contexto cio-cultural
envolvidos no uso das diversas drogas disponíveis, e a identificação de riscos potenciais ou
reais, relacionados ao trabalho ou a aspectos pessoais do trabalhador. O enfoque de risco não
pode, no entanto, confundir-se com uma ação de fiscalização de comportamentos e hábitos. A
identificação de riscos, na perspectiva da saúde do trabalhador, deve envolver,
necessariamente, o olhar do próprio trabalhador acerca das condições que considera perigosas
ou facilitadoras do uso abusivo de substâncias, o grupo familiar, a participação dos gestores e
líderes, intra e extra empresa, e a sociedade como um todo.
É ainda primordial que o enfermeiro do trabalho seja o fiscalizador das ações de
enfermagem implementadas, pois é o único profissional com o conjunto necessário de
conhecimentos que permitem a coordenação integrada das atividades, para lograr o êxito
almejado no sucesso do programa de saúde implantado na empresa.
Por último, embora não menos importante, defende-se a idéia de que as ações voltadas
para o enfrentamento do problema do uso abusivo de drogas por trabalhadores devem ser
desenvolvidas num contexto participativo, descentralizado e resolutivo. A inserção do
enfermeiro na atual Potica de Saúde do Trabalhador, organizada pela Rede Nacional de
Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST) (BRASIL,2004), busca romper com os
paradigmas da “medicalizaçãoe “biologização” dos processos envolvendo trabalho e saúde,
avançando rumo a uma compreensão ampla e solidária das questões envolvidas neste campo
(BRASIL, 2004).
Nesse sentido, o enfermeiro do trabalho, pelas características integradoras do trabalho
de enfermagem, torna-se elemento relevante no contexto das equipes em Saúde do trabalhador
em todos os níveis de gestão, inclusive nos núcleos locais, atualmente em processo de
estruturação nos municípios brasileiros.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo geral deste estudo foi o de ampliar a compreensão, na área da enfermagem,
sobre as relações entre o uso/abuso de drogas e a saúde do trabalhador. As questões
norteadoras elaboradas para o estudo foram: Como o usuário de drogas em situação de
tratamento para a dependência química percebe-se como trabalhador? Qual sua relação com o
mundo do trabalho?
O referencial teórico utilizado foi a Psicodinâmica do Trabalho, que redimensiona o
sofrimento decorrente do trabalho ao ressaltar que não existe relação de trabalho sem
sofrimento, porém é a resignificação deste sofrimento que determinará a preservação da saúde
do trabalhador.
O uso de drogas é uma realidade crescente em nossa sociedade, fazendo-se presente
nos mais variados grupos humanos, sob os mais diversos contextos, tipos e modos de
utilização. Esta conduta, por si , possibilita identificar indivíduos com características
comportamentais e sociais diferenciadas, inclusive no mundo do trabalho. Portanto, requer
maior atenção da sociedade para seu tratamento e recuperação, em situações em que
transtornos, imediatos ou mediatos, decorrentes deste consumo. As estratégias atuais e as que
devem ser construídas para enfrentar o problema, passam pela valorização da ocupação e do
trabalho do indivíduo visando aumentar a sua autoestima, melhorar os seus níveis de
positividade em relação ao mundo que o cerca e incrementar os relacionamentos sociais
produtivos.
Ao mesmo tempo, sabe-se que o enfrentamento das condições estruturais que geram a
desigualdade e a opressão dos trabalhadores não pode deixar de ser reconhecido e fortalecido,
que este enfrentamento expressa, em boa medida, a vocação do trabalhador para a atuação
autônoma e responsável, como produtor da realidade, e não apenas como reprodutor de
condições predeterminadas.
Paradoxalmente, a sociedade altamente consumista que gera a procura pela droga, cria
exigências que dificultam e/ou até impedem o acesso do indivíduo usuário de droga ao mundo
do trabalho atual, quando exige as mesmas características hígidas, de alta performance, para
estar no mundo do trabalho, das quais o usuário de drogas carece e, justamente, busca como
objetivo final ao almejar inserir-se no mercado produtivo.
Observou-se nesse estudo a intensa relação de sofrimento que permeia o tempo todo o
trabalhador usuário de drogas e as diversas alternativas experimentadas para conseguir
conciliar este binômio, à submissão aos valores construídos no ambiente de trabalho em que
a valorização do uso de drogas, que assume o sentido de integração intragrupo de
trabalhadores, terapêutica para conseguir cumprir o trabalho real, relaxante, domadora da
angústia e do medo.
Percebeu-se, também, as estratégias defensivas utilizadas por estes trabalhadores, que
apesar de não participarem de um mesmo grupo no ambiente laborativo, descreveram
comportamentos similares para exercer este duplo papel, trabalhador e consumidor de drogas,
tais como, não contar para outros trabalhadores, somente para os que também eram iguais,
desenvolver a atividade profissional sob efeito de droga, práticas vinculadas diretamente á
obtenção da droga, o discurso de que este consumo melhora a performance contradizendo a
descrição de riscos e danos a si próprio e a terceiros, protegendo o trabalho por se
responsabilizar pela opção de utilização, contudo, descrevendo pressões, desgastes e conflitos
que foram aliviados pelo incremento deste consumo, ou seja, lançando mão de um recurso
conhecido, com sensações previsíveis e sem a necessidade do outro para atender a expectativa
de alívio das tensões e sofrimento.
Por não se sentir reconhecido, apesar de toda exploração, perdendo a sensibilidade
crítica para o ambiente exterior, simultaneamente realimentando este sentimento de menos
valia e desconsideração pelos sentimentos negativos induzidos pelo trabalho tenso e
desgastante diretamente, ou indiretamente, por vivências de preconceitos, descrédito moral e
desconfianças, nas relações de trabalho. Mesmo nos casos em que este trabalhador UD
recorreu ao ambiente de trabalho, na tentativa de buscar cooperação para lidar com esta
situação de sofrimento pelo consumo de drogas, o relatado evidenciou uma variedade de
desdobramentos, em que o empregador não estava preparado para conduzir positivamente esta
intercorrência, ou seja, o mundo do trabalho, com raras exceções, não elabora condutas
específicas para conciliar a atividade laborativa e uma proposta terapêutica, que beneficie o
trabalhador.
Este mesmo trabalho também provoca no trabalhador UD, atitudes que induzem a um
isolamento, e de maneira recorrente, as tentativas de administrar este mal estar com
autonomia, será através dos recursos já conhecidos, mediante o adicionamento da droga.
Contudo, houve descrões de situações em que o próprio ambiente laborativo
favoreceu o uso das drogas, através dos companheiros e chefes, do acesso, do estímulo, da
atividade desempenhada e dos horários de trabalho, perfazendo um ambiente propício e
inclusivo, por meio do consentimento para o uso de drogas.
Atrelado a este panorama de perversidade se somam os direitos legais que não
amparam o trabalhador UD, provocando a sensação de desconsideração pelo sofrimento,
abandono e punição, pelo afastamento da atividade laborativa, a partir da licença de saúde
e/ou aposentadoria, inclusive se deparando com mais tempo livre, que foi utilizado para
incrementar o consumo. Além, do fato de alguns trabalhadores, o terem recorrido aos seus
direitos trabalhistas, por não se considerarem dignos para exigi-los.
Percebe-se então, o motivo de tanta insistência em permanecer nesta relação, insalubre
e potencializadora para nese e manutenção de estados patológicos, fato que também é
reconhecido por este trabalhador. Após prolongar esta relação desgastante, em que se submete
a uma mobilidade de vínculos, culmina em um suicídio social através do trabalho, pois a
droga compete com o trabalho no investimento das forças e sentidos para transformar o
homem doméstico no homem social.
O trabalhador UD, também reconhece este mesmo trabalho como fonte de prazer,
completude e satisfação adotando, então, um comportamento de hiperdedicação ao trabalho,
considerando-se um bom funcionário que trabalha de forma devotada, cumpridor de tarefas e
atribuições além do que lhe é solicitado, relatando gostar do que realiza no cotidiano
laborativo. Valoriza o fato de estar trabalhando, como uma ferramenta eficaz para diminuir ou
adiar seu consumo de drogas, portanto, almeja este retorno ao mundo do trabalho e considera
que o trabalho proporciona, além dos recursos para a sua subsistência, a individualização no
grupo social, oportunizando o possível reconhecimento entre os demais e sendo fonte de
satisfação concreta e simbólica.
Todavia, uma grande dificuldade nestes trabalhadores de planejar, almejar, refletir,
sonhar e desejar um futuro coerente com as suas ambições, embora todos tenham a percepção
de que o tratamento pode ajudá-los nesta reorganização, apesar das perdas e comorbidades
relacionadas.
O mundo do trabalho contemporâneo, em síntese, não acompanhou a evolução
ocorrida na área da saúde mental, decorrente da Reforma Psiquiátrica, e tampouco os direitos
sociais, pois o modelo médico rotula o usuário de doente, enquanto o modelo jurídico o
criminaliza. Logo, um vácuo de conhecimento que precisa ser ocupado por pesquisas
direcionadas e centralizadas nos indivíduos, seu sofrimento e necessidades de cuidado,
deslocando do fenômeno drogas como objeto de estudo central.
Por mais óbvio que pareça, se o uso prejudicial de drogas é uma questão com
conseqüências multifatoriais, como se pode imaginar que haverá soluções diretamente
reducionistas para tal evento? algum movimento de evolução nos direitos legais, porém,
acompanhado de amplos embates sociais entre correntes conservadoras e progressistas.
Contudo, estes progressos não devem ser interpretados como isentos de críticas, porém
exprimem a possibilidade de se abster da inércia.
No mundo do trabalho, os programas de saúde do trabalhador devem ser
reestruturados a fim de assumirem a responsabilidade do envolvimento e cuidado pleno do
resgate e manutenção da saúde do trabalhador, evoluindo para além do ambiente laborativo,
tendo como objetivo uma atenção mais atuante na identificação e amparo ao trabalhador UD,
tendo em vista que a construção de um ambiente laborativo e simultaneamente terapêutico,
podem coexistir e permitir a recondução deste para o exercício pleno de sua cidadania.
Ressalta-se que a valorização do trabalho, com importância central na vida do
homem, possibilita também idêntico trabalho ao assumir um papel central no resgate do
trabalhador que se encontra consumindo droga de forma prejudicial. Contudo, o que acorre
mais comumente é este trabalho reforçar ainda mais os danos existentes, por não se
responsabilizar inteiramente por sua pela função social, nem assumir compromisso com a
proteção à vida deste trabalhador, possibilitando-lhe condições plenas de cumprir suas
atividades .
É válido lembrar que este usuário de drogas não é ser isolado, e sim, participante de
uma rede de relações sociais que o constitui, na qual desempenha diversos papéis
complementares ou conflitantes. Assim, independente do princípio trico que o enfermeiro
adote para desenvolver suas ações assistenciais, deve contemplar estas relações e incluí-las no
espaço terapêutico, pois, direcionar o foco para este UD significa arquitetar com este mesmo
sujeito os objetivos e as prioridades do cuidar, corresponsabilizando-o com a proposta, cujo
planejamento será em fuão dele; ou seja, não existem respostas prontas, sendo
imprescindível construí-las em conjunto.
O enfermeiro do trabalho reúne a formação adequada para intermediar a relação entre
o usuário de drogas e seu empregador, pois, com conhecimentos na área da saúde e do
trabalho, podem atuar nas áreas: administrativa, assistencial, educativa, de pesquisa,
assessoria e auditoria, aproveitando seus conhecimentos científicos e redimensionando suas
ações na empresa para poder interferir de maneira prática e positiva nas relações do sujeito
usuário de drogas com o mundo do trabalho, de forma a contribuir efetivamente para a
reintegração deste cidadão.
Pode, ainda, colocar-se como articulador para que este trabalhador possa ser o
protagonista da sua história, contribuindo com sua experiência para que o trabalho e a
sociedade em geral aperfeiçoem a convivência e os mecanismos de cuidar integral e hostico.
Além disto, apesar de priorizar a saúde, tanto intra e extra ambiente ocupacional, é
igualmente relevante perceber qual é a função da droga para este trabalhador e para as
relações de trabalho e, ainda, que situação está sendo denunciada através deste triângulo:
trabalhador, trabalho e droga, possibilitando ampliar seu campo de ação com o planejamento
de uma potica de saúde mais ampla, extensiva também às famílias destes trabalhadores.
Portanto, é importante adequar a proposta de reinserção social à proposta terapêutica
do usuário de drogas, e às reais exigências do atual mundo laborativo, aprofundando o
conhecimento a respeito deste indivíduo, de suas expectativas e necessidades, para viabilizar
sua adaptação ao atual mercado produtivo e, o mais relevante, manter a sua saúde,
contribuindo com uma possível evolução pessoal positiva.
Assim, no mundo produtivo, um grupo que até pouco tempo atrás se ressentia da
exclusão que se submetiam, poderá ser incluído responsavelmente, obtendo lucros tanto para
si e para o empregador, com repercussão positiva para a sociedade em geral.
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APÊNDICE A Submissão da Pesquisa ao CEP / HUPE/UERJ
APÊNDICE B Roteiro de Entrevista Semiestruturada
1) Você começou a usar droga com que idade?
2) E começou a trabalhar com que idade?
3) Qual é a sua formação profissional?
4) Qual foi seu último emprego?
5) Qual droga e quanto tempo você foi usuário, trabalhando?
6) No dia a dia, alguma vez você usou droga antes, durante ou depois do horário de
trabalho? Fale mais sobre isto.
7) Em algum momento, você percebeu se o trabalho influenciou no seu consumo de
drogas? Fale mais sobre isto.
8) Você já foi demitido por causa do uso de droga? Se pediu demissão, qual foi o motivo?
9) No seu ambiente de trabalho, já falou com alguém sobre o seu consumo?
10) Como você planeja retornar ao trabalho?
11) Como a equipe do CENTRA-RIO poderá contribuir para que você retorne ao
trabalho?
APÊNDICE C Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Resolução CNS-196/96)
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Faculdade de Enfermagem
Coordenação de Pós-Graduação e Pesquisa
Curso de Mestrado em Enfermagem
Título da Pesquisa:
A PERCEPÇÃO DO USUÁRIO DE DROGAS SOBRE O MUNDO DO TRABALHO
UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A PRÁTICA DO ENFERMEIRO.
Objetivos: - Identificar a percepção que este usuário tem sobre o mundo do trabalho. -
Analisar a percepção deste usuário em relação ao mundo do trabalho; - Discutir as possibilidades de
intervenção do enfermeiro do CENTRA-RIO junto a este usuário visando o seu retorno ao trabalho.
Informações sobre a participação na pesquisa: Você esta sendo convidado a participar de uma
pesquisa cujos objetivos estão descritos acima. Os princípios que serão aplicados a todos os
participantes deste estudo são os seguintes:
Sua participação é totalmente voluntária. Você pode sair do estudo a qualquer momento que
desejar, sem prejuízo algum para seu tratamento no CENTRA-RIO. Depois de lidas as explicações,
você poderá fazer qualquer pergunta que venha a surgir antes, durante ou depois da entrevista. A
utilização das informações te caráter estritamente científico. Garantimos o seu anonimato e a sua
privacidade.
Procedimento: Será realizada uma entrevista semi-estruturada, ou seja, com algumas
perguntas previamente estabelecidas, com duração aproximada de 50 minutos, a qual será gravada em
aparelho digital e posteriormente transcrita. Posteriormente, se apresentada a transcrição do
conteúdo da gravação para sua revisão e aprovação.
O material produzido será doado ao Centro de Memórias Prof. Dra. Nalva Pereira Caldas
Faculdade de Enfermagem da UERJ, após a conclusão do estudo.
Se você não entender alguma parte deste documento, esclareça a sua dúvida com a
pesquisadora antes de assinar.
Para esclarecimentos adicionais sobre a pesquisa, favor contatar a pesquisadora: tel. 2299-
5921/ e-mail: luciabeck@gmail.com.
Eu....................................................................., Prontuário nº..........., atesto que li e compreendi
o teor deste documento, e tive a oportunidade de esclarecer minhas dúvidas a respeito da pesquisa.
Rio de Janeiro, ...... de.......................... de 2008.
Entrevistado (a).......................................................................................................
Assinatura
Lucia Maria Beck (pesquisadora)...........................................................................
Assinatura
100
ANEXO A Autorização da Direção do CENTRA-RIO
101
ANEXO B Aprovação da Pesquisa pelo CEP HUPE / UERJ
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