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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FFCLRP - DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
“Depressão materna associada a múltiplos estressores e a socialização
de crianças em idade escolar”
Fernanda Aguiar Pizeta
Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP, como
parte das exigências para a obtenção do título de
Mestre em Ciências, Área: Psicologia.
RIBEIRÃO PRETO - SP
2009
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FFCLRP - DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
“Depressão materna associada a múltiplos estressores e a socialização
de crianças em idade escolar”
Fernanda Aguiar Pizeta
Sonia Regina Loureiro (orientadora)
Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP, como
parte das exigências para a obtenção do título de
Mestre em Ciências, Área: Psicologia.
RIBEIRÃO PRETO - SP
2009
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FICHA CATALOGRÁFICA
Pizeta, Fernanda Aguiar
Depressão materna associada a múltiplos estressores e a
socialização de crianças em idade escolar. Ribeirão Preto,
2009.
244 p. : il.; 30 cm
Dissertação, apresentada à Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Ribeirão Preto / USP – Dep. de
Psicologia e Educação.
Orientadora: Loureiro, Sonia Regina
1. Depressão. 2. Ambiente familiar. 3. Resiliência
(psicologia). 4. Risco. 5. Criança
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Fernanda Aguiar Pizeta
Depressão materna associada a múltiplos estressores e a socialização de crianças em
idade escolar
Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP, como
parte das exigências para a obtenção do título de
Mestre em Ciências, Área: Psicologia.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. ______________________________________________________________
Instituição: __________________________ Assinatura: _______________________
Prof. Dr. ______________________________________________________________
Instituição: __________________________ Assinatura: _______________________
Prof. Dr. ______________________________________________________________
Instituição: __________________________ Assinatura: _______________________
À minha família,
pelo constante apoio e por acreditarem em minhas potencialidades,
pelo carinho, presença e incentivo à autonomia e à empatia,
ao longo de toda uma vida, condições indispensáveis
para o contato com o ser humano.
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Agradeço à Prof.ª Dr.ª Sonia Regina Loureiro, minha orientadora, pela
generosidade, competência, seriedade e paciência, durante a trajetória de construção e
elaboração desse trabalho. Sua postura dinâmica e democrática proporcionou a possibilidade
de pensarmos juntas e, assim, aprender com ela a organizar as idéias de forma sistemática,
coerente e integrada.
Agradeço às graduandas de Psicologia, Mariana Pavan e Ana Carolina Gonçalves de
Oliveira pela presteza, sensibilidade e dedicação na coleta e codificação dos vários dados que
compõem esse trabalho.
Agradeço às psicólogas Thaís Elene Junqueira Neme, Mirian Godói e Flávia Lima
Osório pela participação e colaboração em diferentes fases da elaboração desse trabalho.
Agradeço à Prof.ª Dr.ª Edna Maria Marturano, à Prof.ª Dr.ª Marina Rezende Bazon,
à Prof.ª Dr.ª Maria Ângela Mattar Yunes e à Prof.ª Dr.ª Froma Walsh, pelas valiosas
contribuições dadas.
Agradeço aos funcionários do Ambulatório Regional de Saúde Mental e do Núcleo
de Saúde Mental do Centro de Saúde Escola – FMRP/USP, pela generosidade com que me
receberam e disponibilizaram informações relevantes ao desenvolvimento desse trabalho.
Agradeço às mães e às crianças que confiaram e partilharam momentos de suas
vidas, mediante seus relatos.
Finalmente, agradeço aos amigos que acompanharam e apoiaram meu investimento
nesse trabalho durante toda a sua construção.
De tudo, ficaram três coisas:
a certeza de que ele estava sempre começando,
a certeza de que era preciso continuar e
a certeza de que seria interrompido antes de terminar.
Fazer da interrupção um caminho novo.
Fazer da queda um passo de dança,
do medo uma escada,
do sono uma ponte,
da procura um encontro
Fernando Sabino
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PIZETA, F. A. Depressão materna associada a múltiplos estressores e a socialização de
crianças em idade escolar. 2009. 244 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2009.
A depressão materna recorrente, pelas suas peculiaridades, pode se associar a outras
condições adversas crônicas, configurando-se em cenários familiares diversos com impacto
diferenciado para as famílias e para a socialização de crianças em idade escolar. Objetivou-se
caracterizar, por meio do método de estudos de caso, o contexto de socialização de crianças
em idade escolar que convivem com a depressão materna recorrente, associada a cenários
familiares diversos. Comparou-se os recursos e as adversidades pessoais das crianças, das
suas famílias e da rede de apoio social, tendo como foco crianças com perfis diferenciados,
quanto ao desempenho acadêmico e ao comportamento, expressos pela presença ou ausência
de dificuldade de socialização. Foram avaliadas oito duplas mãe-criança, tendo as mulheres
entre 25 e 45 anos e diagnóstico de depressão recorrente, e as crianças, de ambos os sexos,
com idades entre sete e 12 anos, sendo quatro com dificuldade de socialização e quatro sem
tal dificuldade. Definiu-se como dificuldade de socialização, para crianças em idade escolar,
problemas referentes ao desempenho acadêmico e ao comportamento. Procedeu-se à
aplicação, com as mães: (a) entrevista diagnóstica para confirmação do transtorno depressivo
recorrente, com episódios moderados ou graves, (b) entrevista semi-estruturada sobre o
impacto da depressão para a vida familiar, com roteiro relativo aos recursos e adversidades do
ambiente familiar e aos processos-chave da resiliência, (c) escalas de recursos e adversidades
do ambiente familiar e (d) questionário sobre capacidades e dificuldades das crianças. Com as
crianças, procedeu-se à avaliação intelectual e do desempenho acadêmico. Para a análise dos
dados, integrou-se as informações obtidas com mães e crianças, sob a forma de estudos de
caso, que foram agrupados em cenários, delineados a partir das condições contextuais
associadas à depressão materna. Identificou-se quatro cenários, a saber: (a) depressão materna
como estressor principal, (b) depressão materna associada prioritariamente a condições sócio-
econômicas precárias, (c) depressão materna associada prioritariamente a conflitos conjugais
e (d) depressão materna associada prioritariamente à psicopatologia paterna e à discórdia
familiar. Em cada cenário, foram inseridas uma criança com dificuldade de socialização e
uma criança sem tal dificuldade. Os casos e os cenários foram analisados tomando por
referência os processos-chave da resiliência, visando identificar semelhanças e diferenças.
Evidenciou-se que a depressão materna, nos casos cujas crianças apresentaram dificuldade de
xiv
socialização, teve impacto negativo para os sistemas de crenças familiares, os processos de
comunicação e os padrões organizacionais das famílias, o que foi agravado pela presença de
outros estressores crônicos. Os processos de resiliência, que podem ter minimizado o impacto
das adversidades, estiveram relacionados à adesão das mães ao tratamento, à flexibilidade das
rotinas, à participação afetiva dos pais no cotidiano familiar, à sensibilidade materna quanto
às necessidades dos filhos e à presença e utilização de uma rede de apoio efetiva. Concluiu-se
que os estressores que se associaram à depressão materna, nos cenários diversos,
configuraram uma variedade de condições moderadoras para a competência das crianças em
tarefas próprias do período escolar. Considera-se que ao se identificar e analisar tais
condições pode-se contribuir para a proposição de práticas diferenciadas de saúde mental.
Palavras-chave: depressão, ambiente familiar, resiliência (psicologia), risco, criança.
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PIZETA, F. A. Association of maternal depression with multiple stressors and
socialization of schoolchildren. 2009. 244 p. Master’s thesis - Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2009.
In view of its peculiarities, recurrent maternal depression is associated with other chronic
adverse conditions, resulting in diverse family scenarios that have a different impact on
families and on the socialization of schoolchildren. The objective of this study was to
characterize by means of case studies the socialization context of schoolchildren whose
mothers have recurrent depression associated with diverse family scenarios. The personal
resources and adversities of children, their families and social support network were
compared, with emphasis on children presenting different profiles in terms of school
performance and behavior expressed as the presence or absence of socialization difficulties.
Eight mother-child pairs were studied, including women aged 25 to 45 years with a diagnosis
of recurrent depression and children of both genders ranging in age from seven to 12 years,
four with difficulties in socialization and four without such difficulty. Difficulties in
socialization were defined in the case of schoolchildren who presented problems related to
school performance and behavioral problems. The following instruments were applied to the
mothers: (a) a diagnostic interview for the confirmation of recurrent depressive disorder
characterized by moderate or severe episodes; (b) a semi-structured interview on the impact of
depression on family life, with a script regarding resources and adversities in the family
environment and key processes of resilience; (c) scales evaluating resources and adversities in
the family environment, and (d) a questionnaire regarding the child’s skills and abilities. The
children were evaluated regarding their intellectual ability and school performance. For
analysis of the results, the data obtained for the mothers and children were combined in case
studies which were divided into scenarios according to the contextual conditions associated
with maternal depression. The following four scenarios were identified: (a) maternal
depression as the main stressor; (b) maternal depression mainly associated with precarious
socioeconomic conditions; (c) maternal depression mainly associated with marital conflicts,
and (d) maternal depression mainly associated with paternal psychopathology and family
disharmony. One child with socialization difficulties and one child without such difficulty
were included in each scenario. The cases and scenarios were analyzed using key processes of
resilience as a reference in order to identify similarities and differences. In cases in which the
children presented socialization difficulties, maternal depression had a negative impact on
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family belief systems, communication processes and family organizational patterns, which
was aggravated by the presence of other chronic stressors. The processes of resilience, which
may have minimized the impact of adversities, were related to maternal compliance with
treatment, flexible routines, affective participation of the parents in daily family life, maternal
sensitivity regarding the needs of her children, and the presence and use of an effective
support network. In conclusion, the stressors associated with maternal depression in the
different scenarios resulted in a variety of conditions diminishing the competence of children
in school tasks. The identification and analysis of these conditions may contribute to the
proposal of differentiated mental health strategies.
Keywords: depression, family environment, resilience (psychology), risk, child.
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Quadro 1 –
Conteúdo do roteiro de entrevista organizado em função dos processos-
chave da resiliência...................................................................................... 61
Quadro 2 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características
pessoais de F01. ........................................................................................... 83
Quadro 3 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do
ambiente familiar de F01 ............................................................................. 85
Quadro 4 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características da
rede de apoio social a F01............................................................................ 90
Quadro 5 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características
pessoais de F02 ............................................................................................ 95
Quadro 6 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do
ambiente familiar de F02 ............................................................................. 96
Quadro 7 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características da
rede de apoio social à F02............................................................................ 99
Quadro 8 –
Processos-chave da resiliência identificados no Cenário 1 – Depressão
Materna como Estressor Principal, incluindo os casos 01 e 02 ................... 102
Quadro 9 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características
pessoais de F03 ............................................................................................ 109
Quadro 10 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do
ambiente familiar de F03 ............................................................................. 111
Quadro 11 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características da
rede de apoio social a F03............................................................................ 115
Quadro 12 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características
pessoais de F04 ............................................................................................ 121
Quadro 13 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do
ambiente familiar de F04 ............................................................................. 122
Quadro 14 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características da
rede de apoio social à F04............................................................................ 125
Quadro 15 –
Processos-chave da resiliência identificados no Cenário 2 – Depressão
Materna Associada Prioritariamente a Condições Sócio-Econômicas
Precárias, incluindo os casos 03 e 04........................................................... 129
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Quadro 16 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características
pessoais de F05............................................................................................
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137
Quadro 17 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do
ambiente familiar de F05.............................................................................
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139
Quadro 18 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características da
rede de apoio social a F05 ...........................................................................
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143
Quadro 19 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características
pessoais de F06............................................................................................
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148
Quadro 20 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do
ambiente familiar de F06.............................................................................
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149
Quadro 21 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características da
rede de apoio social a F06 ...........................................................................
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151
Quadro 22 –
Processos-chave da resiliência identificados no Cenário 3 – Depressão
Materna Associada Prioritariamente a Conflitos Familiares, incluindo os
casos 05 e 06................................................................................................
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154
Quadro 23 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características
pessoais de F07............................................................................................
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162
Quadro 24 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do
ambiente familiar de F07.............................................................................
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164
Quadro 25 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características da
rede de apoio social à F07 ...........................................................................
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167
Quadro 26 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características
pessoais de F08............................................................................................
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174
Quadro 27 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do
ambiente familiar de F08.............................................................................
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176
Quadro 28 –
Indicadores de recursos e adversidades relativos às características da
rede de apoio social a F08 ...........................................................................
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Quadro 29 –
Processos-chave da resiliência identificados no Cenário 4 – Depressão
Materna Associada Prioritariamente à Psicopatologia Paterna e à
Discórdia Familiar, incluindo os casos 07 e 08...........................................
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Tabela 1 –
Identificação dos cenários contextuais associados à depressão materna e
características do perfil demográfico das mães e das crianças incluídas de
acordo com a presença ou ausência de dificuldade de socialização.................
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1.1 O desenvolvimento infantil: alguns aspectos conceituais ..............................................25
1.2 O período escolar e as tarefas de desenvolvimento........................................................ 29
1.3 O contexto familiar e o desenvolvimento de crianças em idade escolar........................ 32
1.4 Depressão materna e o impacto para crianças em idade escolar ....................................37
1.5 Depressão materna e múltiplos estressores: implicações metodológicas....................... 44
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3.1 Participantes ...................................................................................................................53
Seleção dos participantes e composição dos grupos ........................................................ 53
Seleção de mulheres/mães com depressão................................................................... 53
Seleção das crianças .................................................................................................... 55
3.2 Instrumentos e materiais................................................................................................. 57
3.3 Procedimento.................................................................................................................. 64
Coleta de dados................................................................................................................. 64
Avaliação com as mães ................................................................................................ 64
Avaliação com as crianças...........................................................................................64
Tratamento dos dados....................................................................................................... 65
Codificação................................................................................................................... 65
Análise dos dados......................................................................................................... 67
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5.1 Cenários identificados e perfis das crianças quanto à socialização e a aspectos
demográficos.........................................................................................................................77
5.2 Apresentação dos casos considerando os cenários de inclusão e análise dos
processos-chave da resiliência por cenário...........................................................................81
5.3 Depressão materna e cenários familiares diversos: o impacto para crianças em idade
escolar .................................................................................................................................190
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1.1 O desenvolvimento infantil: alguns aspectos conceituais
O desenvolvimento humano, sob a perspectiva da teoria ecológica, é entendido como
um processo no qual se enfatizam as interações recíprocas entre a pessoa e o seu ambiente, ao
longo do tempo. Nessa concepção de desenvolvimento, o ser humano tem um papel ativo e
encontra-se em constante evolução, na medida em que interage com as pessoas, com os
objetos e os símbolos de seu ambiente (NARVAZ; KOLLER, 2004). Os aspectos biológicos,
cognitivos, afetivos e de competência são destacados nessa abordagem teórica enquanto
aspectos qualitativos do desenvolvimento.
Tal processo se constrói ao longo de todo o ciclo vital, sendo complexo e envolvendo
mudanças em distintas áreas que implicam na idéia de estágios de desenvolvimento. Segundo
Bee (2003), a cada novo estágio são impostas à pessoa tarefas específicas, o que promove nela
novas percepções sobre o mundo e formas de agir diante dele. O indivíduo é, pois, requisitado
em tarefas específicas nos distintos estágios do seu desenvolvimento, sendo necessário o
direcionamento de recursos internos e externos, na tentativa de adequação às demandas de
cada período.
Para que o desenvolvimento ocorra, é necessário que a pessoa esteja engajada em uma
atividade, a qual progressivamente vai se tornando mais complexa ao longo do ciclo vital,
sendo apontado como fundamental que as interações entre a pessoa e o ambiente ocorram em
uma base relativamente regular e em um período de tempo estável. A reciprocidade nas
interações é identificada como possível e favorecedora do desenvolvimento desde que a
pessoa tenha estimulado nesse contato seus comportamentos de atenção, exploração,
manipulação e imaginação (NARVAZ; KOLLER, 2004).
Sob tal perspectiva, competência e disfunção dependem da exposição da pessoa aos
denominados processos proximais, definidos como formas particulares de interação que
incluem as características biopsicológicas da pessoa e as características do ambiente que
operam ao longo do tempo, variando em função da duração do período de contato, da
freqüência, da interrupção ou estabilidade do contato, do timing da interação e da intensidade
e força dos contatos com esses processos (NARVAZ; KOLLER, 2004). As características
biopsicológicas da pessoa incluem as deficiências e as competências biológicas e psicológicas
que podem influenciar a capacidade de se engajar ou não nos processos proximais, ao longo
dos diferentes estágios do desenvolvimento, sendo que tais características também podem
sofrer mudanças ao longo do tempo em razão das interações entre a pessoa e seu ambiente.
26
O ambiente é descrito por este modelo teórico em quatro níveis, os quais determinam
em conjunto o contexto de desenvolvimento da pessoa, denominando-se tal aspecto de meio
ambiente ecológico. A articulação entre os ambientes ocorre na forma de estruturas
concêntricas inseridas umas nas outras, destacando a primeira estrutura como o
microssistema, ambiente no qual se desenvolvem os processos proximais, os padrões de
atividades, os papéis sociais e as relações interpessoais vivenciados face-a-face pela pessoa
em desenvolvimento. As inter-relações entre os microssistemas dos quais a pessoa participa
compõem o mesossistema e os ambientes em que a pessoa não participa ativamente mas que
desempenham influências em seu desenvolvimento são denominados nesse modelo de
exossistema. Por fim, as ideologias, crenças, religiões, culturas e subculturas presentes na vida
cotidiana das pessoas englobam a parte mais externa das estruturas concêntricas do ambiente
ecológico, sendo denominada de macrossistema (NARVAZ; KOLLER, 2004).
Destaca-se, assim, a complexidade de interações interpessoais, temporais e espaciais
do modelo ecológico e, nesse processo dinâmico e contínuo, sob a perspectiva teórica
metodológica da psicopatologia do desenvolvimento, busca-se compreender as trajetórias que
levam ao desenvolvimento, enfatizando as condições que favorecem os efeitos de
competência e/ou de disfunção em cada estágio do desenvolvimento. Estudos que abordam
tais condições vêm sendo cada vez mais difundidos no meio científico e passam a ter maior
visibilidade na medida em que identificam variáveis associadas aos processos do
desenvolvimento, podendo instrumentar as proposições de políticas públicas relativas à saúde
mental infantil (MASTEN; GEWIRTZ, 2006).
A partir da década de oitenta, segundo Yunes (2006), a busca pela compreensão das
condições favorecedoras de competência e/ou de dificuldade no desenvolvimento passou a ter
suporte em conceitos como resiliência e risco e outros associados, tais como recurso,
proteção, adversidade, estresse e vulnerabilidade. A autora aponta que até os dias atuais esses
conceitos não estão definidos de forma universal, contudo convergem para noções
semelhantes. De maneira geral, sob tal perspectiva, considera-se que o desenvolvimento
humano se constrói no interjogo entre as variáveis internas e externas, ou seja, condições
pessoais e do ambiente, sendo que o sofrimento humano, as situações de risco e as
psicopatologias se entrelaçam com os aspectos saudáveis da pessoa e de seu ambiente
(PALUDO; KOLLER, 2007; SELIGMAN, 2002), por meio de processos complexos.
Abordar-se-á a seguir, de forma breve, os conceitos relativos a resiliência, recursos de
proteção, risco, adversidade, estresse e vulnerabilidade.
27
Nos estudos que abordam a resiliência e os riscos ao desenvolvimento infantil, pode-se
identificar, segundo Yunes (2003), dois focos principais: aqueles estudos que colocam a
ênfase no indivíduo e aqueles que abordam como foco principal o ambiente, destacando a
família enquanto uma unidade funcional na qual os processos interacionais se efetivam
(WALSH, 2005).
No que se refere ao termo resiliência, Yunes (2006) destaca de forma crítica a
tendência da literatura a considerá-la como um traço ou disposição pessoal, com destaque
para aspectos psicológicos e padrões de adaptação, como uma capacidade ou variação
individual que previne, minimiza ou supera os efeitos negativos das adversidades, embora
vários relatos já tenham destacado as características de interação pessoa/ambiente em tal
constructo. Nesse sentido, Rutter (1999) aponta que a resiliência não é um atributo fixo do
indivíduo e Luthar et al. (2000) ressaltam o seu caráter processual e dinâmico. Mais
recentemente, tem-se destacado a relevância da resiliência em família, enquanto uma
possibilidade de adaptação frente a condições adversas, mediante resposta positiva do grupo
familiar. Sob esse enfoque, na análise dos processos, deixa-se de lado a ênfase nas
características individuais que são influenciadas pela família e se focaliza a família, com uma
visão sistêmica, na qual há reciprocidade de influências entre pessoas e ambientes (YUNES,
2006).
Walsh (2005) destaca que, sob esta perspectiva, os processos que envolvem a
resiliência influenciam o curso dos eventos de vida dos membros familiares, mediando
inclusive o impacto do estresse para cada um e os relacionamentos entre eles, enfatizando os
processos interacionais enquanto uma rede de relacionamentos e experiências que no decorrer
de todo o ciclo vital podem oferecer estratégias diversas de enfrentamento. A autora
compreende a resiliência familiar a partir do impacto que os processos familiares têm sobre o
estresse, permitindo à família superar a crise e enfrentar as adversidades, o que por sua vez
influencia o resultado desse enfrentamento.
Ressalta-se, pois, em uma perspectiva mais atual, que há uma tendência a se
considerar o aspecto dinâmico e processual da resiliência, que envolve tanto os recursos
pessoais e/ou do ambiente, enquanto atributos mensuráveis que favorecem respostas positivas,
quanto os mecanismos protetores ao desenvolvimento, considerados como tal quando tais
respostas ocorrem em um contexto de adversidade (MASTEN; GEWIRTZ, 2006). Esses
mecanismos protetores podem reduzir o impacto das adversidades, diminuir as respostas
negativas, estabelecer e manter a auto-estima e a auto-eficácia da pessoa e criar novas
oportunidades, de forma que a interação entre mecanismos de proteção e condições adversas
28
pode promover a resiliência (YUNES; SZYMANSKI, 2001). Para as referidas autoras,
portanto, é o acúmulo de eventos negativos, atributos e respostas positivas às adversidades
que ao longo do tempo contribuem para a emergência da resiliência.
A resiliência, a competência e a saúde mental são conceitos destacados na Psicologia
Positiva, que enfatiza a compreensão de fatores e processos que promovem o
desenvolvimento psicológico saudável e a identificação de potenciais, motivações e
capacidades pessoais que possibilitam que as pessoas consigam superar adversidades,
manifestando respostas positivas (MORAIS; KOLLER, 2004; YUNES, 2003). Sob essa
perspectiva no estudo sobre desenvolvimento infantil, são focalizados os aspectos saudáveis
das trajetórias, que emergem como condições relevantes para o enfrentamento das condições
adversas do cotidiano.
Sameroff e Fiese (2005), Yunes e Szymanski (2001) e Rutter (1979) concordam ao
afirmarem que um único evento negativo não tem impacto significante para o
desenvolvimento, o que indica que é a combinação ou o acúmulo de condições adversas, em
interação com os recursos e os mecanismos protetores e/ou de risco, que podem favorecer ou
diminuir a possibilidade de respostas positivas frente às adversidades. Em concordância com
os referidos autores, Melo (1999) afirma que tal acúmulo de condições adversas tende a
moderar o repertório das crianças, favorecendo os problemas de comportamento.
Segundo Linhares, Bordin e Carvalho (2004), o desenvolvimento pode sofrer a
influência de condições adversas decorrentes tanto de características inatas, biológicas,
psicológicas e sociais do indivíduo como de características do ambiente. Tais adversidades
podem ser destacadas como condições específicas em cada fase do desenvolvimento
(HOROWITZ, 1992), expressando-se como mecanismo de risco quando o desenvolvimento
não acontece conforme o esperado para a faixa etária (POLETTO; WAGNER; KOLLER,
2004; HUTZ; KOLLER; BANDEIRA, 1996), acarretando resultados negativos (PESCE et al.,
2004) que podem favorecer o aparecimento de dificuldades e de patologias (GARMEZY;
MASTEN, 1994; HAGGERTY et al., 1994). O acúmulo das adversidades, assim, interfere ou
ameaça a realização adequada das tarefas próprias do desenvolvimento, sendo que no decorrer
das trajetórias de desenvolvimento o indivíduo pode estar mais vulnerável a condições
adversas específicas, que tenham fonte predominante em condições pessoais, como por
exemplo o baixo peso ao nascer, ou em condições ambientais/familiares, como a exposição à
condição de pobreza extrema.
A vulnerabilidade, definida como predisposição ou susceptibilidade ao estresse,
relacionada ao indivíduo e ao ambiente, bem como às experiências vividas anteriormente por
29
ele, pode potencializar os efeitos dos estressores e das adversidades, estando associada a uma
probabilidade elevada de resultado negativo no futuro, ou seja, a uma condição de risco ao
desenvolvimento (YUNES; SZYMANSKI, 2001).
Nesse contexto, o estresse ou evento estressor é identificado como uma condição
temporária ou transitória que opera na medida em que sobrecarrega ou excede os recursos
adaptativos da pessoa (YUNES; SZYMANSKI, 2001), enquanto a adversidade é destacada
por Masten e Gewirtz (2006) como condições mais duradouras ou repetidas que envolvem, de
maneira geral, a presença de múltiplos estressores. Segundo Walsh (2005), os eventos
estressantes apresentam maior probabilidade de afetarem adversamente o cotidiano da pessoa
quando são condições inesperadas, graves ou persistentes ou quando tais condições envolvem
eventos múltiplos. Nesse sentido, condições de adversidade mantidas no tempo se
configuram, em associação com os recursos e mecanismos de proteção, em cenários que
moderam as possibilidades e as trajetórias do desenvolvimento.
Múltiplas condições adversas, caracterizadas pela recorrência da mesma condição
adversa ou pelos efeitos cumulativos de adversidades seguidas, são associadas por Wright e
Masten (2006) à presença de um risco elevado ao desenvolvimento. Essas condições adversas
podem, entretanto, se alterar ao longo da vida da pessoa, apresentando conseqüências
diferentes, dependendo do estágio de desenvolvimento e das demandas exigidas no período.
As variáveis associadas a cada estágio guardam relação com o período em que a
pessoa se encontra em sua trajetória de desenvolvimento, incluindo as vivências dos períodos
anteriores e as novas demandas. Destacar-se-á nesse estudo o período escolar, o qual pelas
suas particularidades tem um papel relevante para o desenvolvimento da pessoa, no que diz
respeito à sua produtividade e às interações sociais.
1.2 O período escolar e as tarefas de desenvolvimento
As tarefas e demandas do ambiente se associam diretamente ao estágio de
desenvolvimento humano, caracterizando períodos em que determinados eventos têm maior
impacto sobre ele. A complexidade do desenvolvimento é perpassada, pois, por períodos
sensíveis que podem influenciar a sua trajetória na medida em que o ajustamento da pessoa é
avaliado em função das demandas específicas de cada período (MARTURANO; LOUREIRO,
2003).
Lopes e Maia (2000) referem-se aos períodos sensíveis como períodos de tempo em
que a pessoa está mais susceptível à influência de um determinado evento externo. No
30
presente estudo, as tarefas destacadas referem-se àquelas do período escolar, no qual
mudanças do desenvolvimento, principalmente relativas à aprendizagem formal e às
interações sociais, são favorecidas pela entrada da criança na escola, enquanto educação
formal.
O ingresso da criança na escolarização formal a inscreve em um novo ambiente,
evidenciando-se uma transição, na medida em que se processam novos padrões de atividades
e novas relações interpessoais, que imprimem novas exigências, com novas formas de
avaliação de seu comportamento e aprendizagem. As demandas características desse período
podem estimular ou desencorajar as reações da criança, favorecendo ou não o estabelecimento
dos processos proximais no ambiente escolar. As disposições da própria criança também
moderam a trajetória do desenvolvimento no período escolar, na medida em que forças
geradoras como a curiosidade, a disposição para engajar-se, o senso de auto-eficácia, as
respostas às iniciativas dos outros entre outras condições, podem desenvolver e sustentar
adequadamente os processos proximais. Por outro lado, as forças desorganizadoras, como a
dificuldade em manter o controle sobre as emoções e os comportamentos, a apatia, a
desatenção, a insegurança entre outros, podem colocar obstáculos e/ou impedir tais processos
(NARVAZ; KOLLER, 2004).
Nesse período de escolarização formal, as crianças experienciam a necessidade de
aprender com o adulto, sendo que o seu desempenho, ou seja, a sua competência para lidar
satisfatoriamente com as demandas deste estágio, pode ser interpretado como um prenúncio
de suas capacidades e do seu potencial produtivo. As aquisições das fases anteriores e seus
recursos e limites diante das tarefas acadêmicas influenciam os seus padrões de respostas
atuais e futuros, seu ajustamento ao ambiente e seu desenvolvimento (JACOB; LOUREIRO,
1996).
Tal período de escolarização é marcado por desafios, os quais incluem a produção e a
realização de tarefas expressas pelo desempenho escolar e pelas interações com os pares e
outros adultos, que não os familiares, impostas pela socialização na escola (LINHARES;
BORDIN; CARVALHO, 2004). Ainda que as maiores exigências deste período do
desenvolvimento advenham de espaços não familiares, é nos vínculos familiares,
principalmente com os pais, que as crianças buscam afeto, orientação, segurança, afirmação
de competência e valores pessoais (PAPALIA; OLDS, 2000).
Por volta dos sete ou oito anos de idade, o desenvolvimento cognitivo da criança
permite a ela representar o mundo e a si mesma de maneira mais realista e integral,
possibilitando que julgue suas próprias atitudes em relação às da sociedade, o que favorece o
31
desenvolvimento da auto-estima. Papalia e Olds (2000) associam uma auto-estima positiva à
aquisição de habilidades valorizadas em seu meio, tais como ler, escrever, fazer contas ou
utilizar computadores, sendo o desempenho acadêmico considerado um critério de
competência. Segundo Jacob e Loureiro (2004), no período escolar, o autoconceito positivo
favorece para a criança a motivação para o enfrentamento de situações de aprendizagem. De
modo concordante, Medeiros (2000) refere-se ao senso de auto-eficácia, como uma condição
que permite à criança se perceber com habilidades para enfrentar as dificuldades que venham
a surgir no contexto escolar.
Nesse contexto, o sucesso escolar, evidenciado pelo bom desempenho acadêmico, é
um dos aspectos valorizados pelo meio. Medeiros, Loureiro e Linhares (2000) destacaram que
o sucesso acadêmico favorece sentimentos de competência para o desempenho de tarefas
escolares, enquanto que o insucesso pode promover um sentimento de não cumprimento da
tarefa esperada para esse estágio do desenvolvimento. As dificuldades escolares e o fracasso
podem favorecer sentimentos de menos valia, acarretando ainda outras dificuldades de
socialização (MARTURANO; LOUREIRO, 2003), podendo funcionar como catalisadores de
dificuldades que se configuram como uma condição de adversidade, com possibilidade de
desadaptação (MEDEIROS; LOUREIRO, 2004).
Criss et al. (2002) relataram que o contexto escolar é um ambiente que oferece
interações que podem ajudar a criança a desenvolver impressões mais positivas sobre ela e
sobre o seu ambiente. Marturano e Ferreira (2004) referem-se a outros recursos facilitadores
nesse processo, tais como: o suporte para o desenvolvimento e a aprendizagem, o
relacionamento pais-criança, o clima emocional e as práticas educativas, contrapondo-se ao
estresse materno como um preditor de dificuldades afetivas e problemas interpessoais.
Observa-se, assim, que nesse período do desenvolvimento diversas variáveis do ambiente
podem influenciar a trajetória de vida das crianças.
Nessa fase, a criança adquire, ainda, noções básicas para a vida em sociedade relativas
a relacionar-se com e em grupo, de acordo com regras sociais, brincar em grupo de forma
organizada, seguindo regras, além de ir à escola. As tarefas desenvolvimentais incluem
também a competência cognitiva para o aprendizado acadêmico e a competência
comportamental de auto-regulação e adaptação ao meio social mais amplo (LINHARES et al.,
2005).
Silk et al. (2006a) associaram os recursos de auto-regulação aos recursos cognitivos
das crianças, descrevendo a regulação emocional como reações emocionais adaptativas diante
de demandas do ambiente e de objetivos pessoais que moderam o estresse, sendo que as
32
crianças que conseguem se utilizar mais do suporte parental na regulação da emoção são mais
competentes socialmente.
Na idade escolar, evidencia-se, pois, que as experiências de competência acadêmica,
cognitiva e comportamental podem favorecer o desenvolvimento ou promover condições de
adversidade ao mesmo. O foco quanto aos recursos disponíveis, nesta fase do
desenvolvimento, se amplia, considerando-se não só as disposições pessoais das crianças, tal
como a persistência e habilidade na solução de problemas, mas também a qualidade da escola,
enquanto instituição de ensino, e o suporte familiar, como condições que podem influenciar
no processo adaptativo da criança em idade escolar (MARTURANO; LOUREIRO, 2003).
Considera-se, assim, que as trajetórias do desenvolvimento podem ser influenciadas
por condições adversas, que minimizam as respostas satisfatórias a tais condições, e/ou por
condições promotoras do desenvolvimento, na medida em que favorecem respostas adaptadas
diante da adversidade. O estudo das condições pessoais e do ambiente implicadas no
desenvolvimento infantil pode auxiliar na construção de perspectivas eficazes de prevenção e
promoção de saúde, na medida em que se pode identificar e intervir junto a aspectos
responsáveis pela aquisição e fortalecimento de competências para o enfrentamento das
adversidades (MORAIS; KOLLER, 2004).
Como foco do estudo, abordar-se-á as condições do contexto familiar como elementos
favorecedores ou dificultadores do desenvolvimento, para crianças em idade escolar.
1.3 O contexto familiar e o desenvolvimento de crianças em idade escolar
O contexto familiar oferece à criança interações com pessoas significativas que atuam
mediante os seus sistemas de crenças como forças ambientais que podem funcionar como
condições favorecedoras de competência ou de dificuldade ao longo de todo seu ciclo vital.
Morais e Koller (2004) destacam que os processos proximais que potencializam a
competência têm maior impacto sobre o desenvolvimento quanto mais intensos e freqüentes
forem tais processos e quando ocorrerem em ambientes favoráveis ou estáveis. Consideram,
assim, que os vínculos estabelecidos e a estabilidade e duração dos eventos familiares são
condições relevantes para o desfecho das trajetórias do desenvolvimento.
O contexto familiar é destacado nesse trabalho como o ambiente mais imediato no
qual a criança se insere e que pode contribuir tanto para a competência quanto para a
dificuldade no período escolar (MARTURANO; FERREIRA, 2004), sendo que diversos
fatores desse ambiente podem contribuir para a saúde mental das crianças (FERRIOLLI;
33
MARTURANO; PUNTEL, 2007). Ressalta-se que o contexto familiar abarca combinações
diversas de condições, de eventos e de características que compõem múltiplos cenários para o
desenvolvimento humano.
Estudos que abordam os indicadores do contexto familiar enquanto condições de
adversidade e/ou de proteção ao desenvolvimento infantil têm apontado para características
parentais, sócio-econômicas, interacionais, de organização familiar e de suporte social
enquanto indicadores relevantes para a composição dos cenários familiares.
No que diz respeito às características parentais, McGrath, Sullivan e Seifer (1998)
referem-se à responsividade materna, expressa pela sensibilidade e aceitação da criança,
envolvimento e compromisso com o filho e estilo de controle como moderadores do
desenvolvimento. Com relação aos recursos pessoais das crianças, Sameroff et al. (1987)
destacaram como indicadores que afetam o nível intelectual das crianças: a ansiedade
materna, as perspectivas parentais, o status ocupacional do provedor, a escolaridade e a saúde
mental materna. A ausência de um dos pais do cotidiano familiar foi também identificada por
De Antoni e Koller (2002) como condição familiar adversa.
Ao tentar precisar o peso dessas variáveis para o desenvolvimento infantil, alguns
estudos destacaram características parentais, como a baixa escolaridade dos pais/cuidadores
(CECCONELLO; KRUM; KOLLER, 2000), o uso de drogas, o descontrole emocional (DE
ANTONI; KOLLER, 2002), a frágil função paterna, a doença mental parental (LAUCHT et
al., 2001) e a doença mental materna (LEWIS et al., 1988), como condições de risco ao
desenvolvimento infantil.
Brigas e Paquette (2000) e Brigas, LaFrenjère e Lacharité (1991) associaram, ainda, o
estresse conjugal ao comportamento infantil, evidenciando o efeito de tal variável como
moderadora do desenvolvimento infantil. O divórcio dos pais foi destacado por Lamb et al.
(1999) como condição que favorece o desenvolvimento na criança de estresse, de problemas
comportamentais e psicológicos e de sintomas psicossomáticos, além disso, os autores
apontaram que nos anos seguintes à separação dos pais pode haver um declínio do
desempenho escolar e das habilidades para as relações interpessoais e o aumento dos
comportamentos anti-sociais. Os autores associaram, para alguns pais, a separação às
mudanças na rotina familiar e na disponibilidade interna para cuidar da criança, sendo que as
regras familiares podem ficar menos consistentes, as condutas dos pais menos sensíveis e
mais rígidas e punitivas diante de comportamentos inadequados dos filhos.
Por outro lado, a organização familiar e o suporte dos pais e da família têm sido
apontados como recursos que podem direcionar positivamente o desempenho escolar e os
34
relacionamentos interpessoais de crianças, sendo que atividades estimuladoras do
desenvolvimento, como passeios e viagens, a oportunidade de interação com os pais e
atividades organizadas e previsíveis na rotina familiar têm sido destacadas como aspectos do
ambiente familiar que favorecem o desenvolvimento de competências na criança
(MARTURANO, 2006). A constância e a regularidade das atividades diárias, expressas pela
presença de uma rotina diária com horários definidos, foram identificadas por Ferrioli,
Marturano e Puntel (2007) como variáveis deste ambiente que agem como condições
protetivas à saúde mental das crianças.
Masten e Garmezy (1985) propuseram classes de fatores de proteção ao
desenvolvimento que incluem, além de características pessoais da criança, a coesão familiar, a
ausência de conflitos e de negligência, e a presença de pelo menos um adulto de grande
interesse pela criança. Em outro estudo, Garmezy e Masten (1994) destacaram o apoio afetivo
transmitido através do vínculo positivo com os cuidadores. A ênfase nas interações como
elementos de proteção foi também relatada por Garmezy (1996), apontando como condições
favoráveis a constância e a permanência no cuidado com a criança, as habilidades dos
membros familiares para a solução de problemas, a empatia da criança no relacionamento
com amigos e adultos e a identificação com modelos adultos ou com crianças mais velhas
competentes.
Indicadores do ambiente familiar relativos especificamente ao bom desempenho
escolar, à sociabilidade na sala de aula, à auto-regulação emocional e à percepção de controle
por parte da criança, são associados a um clima emocional familiar positivo, à estruturação de
regras e rotinas no lar, ao suporte à autonomia, ao envolvimento dos pais com a escolaridade
dos filhos e à oferta de atividades sociais e culturais enriquecedoras durante os anos da
escolarização fundamental (MRAZEK; HAGGERTY, 2004).
As interações familiares positivas incluem, ainda, o afeto, a disciplina consistente, a
confrontação pró-ativa dos problemas e a minimização dos conflitos dentro de casa, a
ausência de separação dos pais durante a adolescência e o relacionamento produtivo com a
figura materna (DE ANTONI et al., 1999). Estas autoras dão destaque também, com base em
uma revisão da literatura, ao papel positivo da organização familiar, evidenciando a
manutenção de rituais familiares e a estabilidade das atividades cotidianas, como recursos
favorecedores do desenvolvimento.
Cecconello, Krum e Koller (2000) enfatizaram também o papel de variáveis
interacionais como a constância de um cuidador, a coesão e o apoio do ambiente familiar e a
percepção positiva do vínculo entre pais e filhos, mesmo na presença de adversidades, como
35
elementos que contribuem para minimizar os efeitos das condições adversas e que favorecem
a resiliência, a qual segundo Pesce et al. (2004) é favorecida também pelo respeito mútuo
entre os membros da família.
As relações entre pais e filhos têm sido apontadas como um dos aspectos mais
importantes do desenvolvimento humano, sendo que estas relações para as crianças em idade
escolar podem favorecer competências, as quais utilizam nos relacionamentos com seus pares.
Tais relações implicam na presença de pais sensíveis às mudanças particulares desse período
do desenvolvimento e que exerçam um papel de monitoramento das atividades do filho, mais
do que de direcioná-lo para as tarefas de socialização (LAMB et al., 1999).
Vale ressaltar que as variáveis relatadas quanto ao ambiente familiar e à condição
emocional mais ampla quase sempre agem em conjunto, sendo difícil identificá-las como
condições isoladas. Segundo Mrazek e Haggerty (2004), práticas educativas pobres, níveis
elevados de conflito na família e vínculo afetivo frágil entre pais e filhos aumentam os riscos
de problemas emocionais nas crianças. Outras variáveis, como a discórdia familiar (LAUCHT
et al. 2001), a violência doméstica e na comunidade (CRISS et al., 2002; DE ANTONI;
KOLLER, 2002) e a falta de responsabilidade e diálogo (DE ANTONI; KOLLER, 2002)
foram identificadas como condições adversas do ambiente familiar.
O contexto sócio-econômico tem sido também apontado como um importante
indicador de recurso para a família (SAMEROFF et al., 1987), influenciando o
relacionamento entre pais e filhos e a escolha de práticas educativas (CECCONELLO;
KRUM; KOLLER, 2000).
Enquanto uma condição do ambiente mais amplo de inserção da criança, a
instabilidade financeira tem sido associada a outros estressores, estando relacionada às
condições do ambiente que favorecem a ocorrência de problemas comportamentais das
crianças (FERRIOLLI; MARTURANO; PUNTEL, 2007). Os recursos financeiros da família
são destacados, então, desde uma instabilidade e desfavorecimento econômico (CRISS et al.,
2002) até a condição de pobreza extrema (SWARTZ et al. 2005; LAUCHT et al., 2001;
CECCONELLO; KRUM; KOLLER, 2000), como variável que se configura como condição
de risco ao desenvolvimento infantil. As crianças avaliadas por Cecconelo, Krum e Koller
(2000) apresentavam menos problemas de saúde mental quando a família, mesmo em
condição de pobreza, preenchia mais o seu tempo livre com atividades, quando a rotina diária
tinha horários definidos e quando havia arranjo espaço-temporal para a realização das tarefas
da escola. Destaca-se, assim, que as adversidades advindas de precárias condições sócio-
36
econômicas podem ser moderadas pelo papel protetor de uma figura de suporte, que ofereça à
criança apoio emocional e apego seguro (GRAHAM; EASTERBROOKS, 2000).
Outra variável a ser destacada diz respeito à rede de apoio e de suporte social, a qual
em seus diversos aspectos foi abordada pelos estudos relatados a seguir. Pesce et al. (2004)
destacaram o papel positivo de condições de apoio do meio associado ao bom relacionamento
da criança com amigos, professores ou pessoas significativas que figurassem como referência
segura em sua vida. Sameroff et al. (1987) destacaram, quanto à rede de apoio, a interação da
criança com a vizinhança, com os pares e com a comunidade, o que também foi destacado por
Eckenrode e Gore (1996), enfatizando que tais interações contemplam relações sociais que
oferecem suporte à criança e/ou à família. Em concordância, Garmezy e Masten (1994)
destacaram as relações sociais estabelecidas pela criança com diferentes pessoas da sua
convivência, como uma experiência protetiva a seu desenvolvimento. As relações da família
com as instituições públicas e privadas, que ofereçam lazer, educação e saúde foram
apontadas por Brooks-Gunn (1996) como condições de suporte familiar. As relações com a
comunidade foram também evidenciadas como condições de suporte ao desenvolvimento
infantil nos estudos de Silva (2003) e de Albee (1982).
Recursos do contexto social, tais como o acesso a atividades programadas de
aprendizagem e contatos com a família extensa da criança, são indicadores da presença de
uma rede de apoio social efetiva e foram identificados como protetores ao desenvolvimento
infantil (MARTURANO, 2006). Recursos advindos de projetos sociais destinados às práticas
esportivas foram considerados por Sartori e Nasser (2004) como fonte de motivação e
conseqüente participação em outras atividades esportistas e recreacionais em outros contextos
da comunidade. Eccles e Roeser (1999) apontaram, ainda, que a inclusão de crianças em
projetos com atividades programadas aumentou a possibilidade do estabelecimento de um
suporte social positivo e de uma rede de apoio efetiva. A ausência ou fragilidade nessa rede,
por outro lado, tem sido apontada como condição de adversidade para a criança e para sua
família.
As características parentais, sócio-econômicas, interacionais, de organização familiar e
de suporte social da criança e de sua família se combinam de formas variadas, sendo que
associações semelhantes podem favorecer trajetórias diferentes de desenvolvimento. Morais e
Koller (2004) afirmam que existem poucos estudos no âmbito da Psicologia que buscam
compreender o que favorece tais diferenças diante da exposição a uma mesma condição de
vida.
37
Nesse estudo, focalizar-se-á a depressão materna como uma das condições de vida que
têm impactos distintos para a criança, buscando compreender as condições que favorecem
desfechos diversos o que será abordado nos tópicos a seguir.
1.4 Depressão materna e o impacto para crianças em idade escolar
A depressão, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2007), é um dos
transtornos mentais que acarreta mais prejuízos para a vida cotidiana das pessoas, em razão de
sua duração, de sua recorrência e da sintomatologia caracterizada pela tristeza, apatia e pouca
disposição para a vida cotidiana.
A depressão é um transtorno mental que atinge entre 10 e 20% das mulheres pelo
menos uma vez ao longo de sua vida, sendo que cerca de 80% delas apresentam mais de um
episódio depressivo e aproximadamente um terço dessas mulheres são acometidas por
episódios recorrentes de depressão ao longo da vida, o que aumenta a probabilidade de
reincidência (KENDLER; PRESCOTT, 1999). Por atingir mulheres jovens, tem implicações
diretas para o exercício da maternidade e implicações diversas para o cotidiano das famílias e
para o desenvolvimento infantil.
Os transtornos psiquiátricos recorrentes dos pais, incluindo a depressão, configuram-se
segundo diversos estudos como condições adversas ao desenvolvimento dos filhos (LUOMA
et al., 2001; NAJMAN et al., 2001; NAJMAN et al., 2000). A busca pela compreensão da
influência especificamente da psicopatologia materna para o comportamento das crianças se
reveste de importância, tendo em vista que, na maioria das culturas, a mãe tem o papel de
cuidadora primária dos filhos, sendo a sua presença considerada de fundamental importância
no ambiente de desenvolvimento da criança. Estudos que enfatizam tal influência têm
apontado que a psicopatologia materna pode ser considerada uma condição familiar relevante
e de impacto negativo para a criança, associando-se a fatores potencializadores de
dificuldades cognitivas, comportamentais e emocionais (ELGAR et al., 2004; ENSMINGER
et al., 2003; MUNSON; MCMAHON; SPIEKER, 2001; KOVACS et al., 1993).
Mais especificamente com relação à depressão materna, os resultados encontrados por
Leiferman (2002) associaram tal psicopatologia a comportamentos que direta ou
indiretamente afetam a saúde mental da criança, sendo considerada um risco maior quando se
trata de uma depressão crônica, reiterando afirmativa prévia de Garber e Little (1999) que
destacaram a gravidade e a cronicidade da sintomatologia da depressão materna como
condições que moderam o comportamento infantil. Estes achados são compartilhados por
38
Hammen (2003) que também apontou para os relacionamentos mãe-criança como mais
negativos, quando comparados aos apresentados por mães sem história de depressão. Este
autor relatou, ainda, que os problemas de comportamento das crianças, por sua vez,
constituem um desafio estressante para as mães, tornando a interação mãe-criança um círculo
vicioso de risco para a saúde mental de ambas.
Segundo Rishel et al. (2006), há forte relação entre a saúde mental materna e a saúde
mental dos filhos, apontando que as mães com transtornos mentais associam a melhora na
saúde mental de seu filho à sua própria saúde, havendo uma relação direta e significativa entre
essas variáveis.
As interações entre o cuidador e a criança não são identificadas necessariamente como
condição adversa do ambiente familiar, podendo aumentar ou diminuir a probabilidade da
criança desenvolver distúrbios emocionais, sendo observado, contudo, a presença de
associação específica da depressão materna recorrente à exposição da criança a um ambiente
familiar com menos experiências recompensadoras, com baixo envolvimento e incentivo à
troca de emoções positivas (SILK et al., 2006b).
Os prejuízos para as mães, no cotidiano, associados à depressão, relativos aos
cuidados pessoais, às responsabilidades familiares e ao desempenho ocupacional e social,
estão relacionados a peculiaridades da sintomatologia depressiva, que inclui comportamento
hostil e conflituoso e manifestações de afeto marcadas pela raiva, tristeza e irritação, sendo
que quase sempre a mãe se afasta da rotina diária da família, faltando apoio e suporte
adequado à criança, e as manifestações afetivas podem ser insuficientes para o
desenvolvimento pleno das capacidades e habilidades esperadas em diversos domínios
(GOODMAN; GOTLIB, 1999).
Os cuidados cotidianos com os filhos sofrem, assim, interferência direta dos sintomas
depressivos da mãe, sendo freqüente a exposição da criança a um ambiente desorganizado,
hostil e com baixa responsividade (GROSS, 1994), no qual as comunicações são permeadas
por ambigüidade e por conteúdos negativos, expressões não-verbais de raiva, com impacto
acentuado das emoções negativas sobre a criança (CUMMINGS, 1995). Em concordância
com esses achados, Langrock et al. (2002) apontaram que os comportamentos negativos e
imprevisíveis decorrentes da sintomatologia depressiva se somam ao afastamento materno,
expresso pela evitação e não responsividade às necessidades da criança, características com as
quais o filho pode apresentar dificuldade para lidar.
A recorrência e a cronicidade da depressão materna tem impacto para o ambiente
familiar, o que segundo Essex et al. (2006) e Garber e Little (1999) faz com que os filhos de
39
mães com depressão sejam mais precocemente expostos a condições adversas, uma vez que
têm mais convivência com o estresse familiar crônico, o que favorece dificuldades emocionais
para as crianças pré-escolares e dificuldades acadêmicas e sociais nas etapas posteriores.
Os efeitos adversos da depressão materna são apontados por Goodman e Gotlib (1999)
como relacionados ao período de desenvolvimento em que a criança se encontra,
especialmente por ocasião do primeiro surto, sendo que, nos primeiros anos de vida, a
psicopatologia materna parece comprometer mais a interação mãe-filho, em razão do
estabelecimento de um apego inseguro dela em relação à criança, o que influencia aspectos
emocionais e do comportamento das crianças (GRAHAM; EASTERBROOKS, 2000;
MILLER et al., 1999). Para a criança no período pré-escolar, Goodman e Gotlib (1999)
sinalizaram que a depressão materna pode comprometer o tempo em que a mãe passa com o
filho e, conseqüentemente, o suporte necessário para prover a criança com aquisição e
socialização de uma linguagem emocional que facilite os relacionamentos com os pares e
outros adultos. Para as crianças em idade escolar, os referidos autores apontaram para o
comprometimento quanto à provisão de suporte social e moderação de estressores, podendo
ocorrer dificuldade materna para ajudar a criança a manter o foco no ambiente cognitivo e
intelectual e no ambiente social e também para monitorar o comportamento do filho e provê-
lo com disciplina e regras consistentes.
Em uma recente revisão da literatura, Mendes, Loureiro e Crippa (2008) analisaram
estudos empíricos que avaliaram o impacto da depressão materna para crianças pré-escolares e
escolares, destacando a associação entre tal psicopatologia materna e problemas
comportamentais, psicopatologia infantil e aspectos cognitivos da criança. Mais
especificamente com relação ao período escolar, os autores verificaram o impacto negativo da
depressão materna para o desenvolvimento de psicopatologia infantil, não importando em que
momento da vida a criança tenha sido exposta à depressão materna.
O desempenho no cotidiano familiar e social das mães com depressão pode ser
prejudicado, ainda, tendo em vista que elas podem apresentar dificuldades em mudar o foco
de atenção dirigido aos problemas, além de dificuldades de regulação emocional e nos
relacionamentos interpessoais, minimizando as habilidades necessárias para as tarefas
laborais, sociais e domésticas/familiares, inclusive as relativas às práticas educativas que
favoreçam as respostas de enfrentamento por parte dos filhos (SILK et al., 2006b).
As dificuldades da criança no enfrentamento das adversidades podem, segundo
Pilowsky et al. (2006), culminar no desenvolvimento de psicopatologias infantis, para as quais
as crianças filhas de mães com depressão têm elevado risco, enfatizando a alta prevalência de
40
comportamentos disruptivos e transtornos de ansiedade. Downey e Coyne (1990)
identificaram que essa interação, envolvendo o problema de comportamento das crianças e os
sintomas depressivos da mãe, pode agir como condição adversa para toda a família,
favorecendo afetos negativos nos seus membros e novas dificuldades de enfrentamento para a
criança.
As dificuldades emocionais foram, ainda, referidas por Silk et al. (2006a) com base
em seu estudo sobre estratégias de regulação emocional em crianças que conviviam com a
depressão materna em comparação às que não viviam com tal condição, sendo que seus dados
evidenciaram que a depressão materna, em especial a recorrente, interferia na possibilidade
adaptativa da criança no que se refere às reações emocionais diante das situações de vida. Tal
afirmativa é concordante com Garber e Little (1999) que relataram que as crianças filhas de
pais com depressão são mais propensas a desenvolverem doenças psiquiátricas ou sintomas
comportamentais e emocionais, acarretando dificuldades adaptativas.
Os problemas comportamentais das crianças que convivem com a depressão materna
podem ser intensificados na presença de comorbidade desta psicopatologia materna com
outros transtornos psiquiátricos, segundo Kim-Cohen et al. (2006), potencializando as
adversidades advindas do ambiente familiar.
Leech et al. (2006), Murray et al. (2006) e Essex et al. (2006) evidenciaram, com base
em pesquisas empíricas, o impacto negativo da depressão materna também para a vida
acadêmica da criança. De modo semelhante às dificuldades já referidas relativas às
manifestações emocionais e comportamentais, Weissman e Feder (2004), Najman et al.
(2001) e Garber e Little (1999) referiram que os filhos de pais depressivos apresentam déficits
importantes em relação à competência acadêmica, sendo que estas crianças apresentaram três
vezes mais risco de desenvolver problemas escolares, se comparadas a um grupo sem história
psiquiátrica, como constatado por Weissman e Feder (2004).
Hammen (2003), em um estudo desenvolvido com mães com depressão, identificou
um número duas vezes maior de crianças, em idade escolar, com diagnósticos de transtornos
depressivos, quando comparadas a crianças, no mesmo período do desenvolvimento, filhas de
mães sem história de depressão; e quase a mesma proporção para outros transtornos
(transtorno disruptivo, transtorno de déficit de atenção, uso de substância, ansiedade e
transtornos alimentares), tais dados são concordantes com os relatados por Najman et al.
(2001).
Joormann, Talbot e Gotlib (2007) e Arsenio, Sesin e Siege (2004) constataram em
seus estudos, ainda, a presença do impacto negativo da depressão materna para o
41
funcionamento cognitivo das crianças, o que pode potencializar as dificuldades acadêmicas.
O estudo de Murray et al. (2006) com mães com depressão e seus filhos, por sua vez,
identificou que as crianças e os adolescentes com bom desempenho acadêmico, altos níveis
intelectuais e desempenho satisfatório nas tarefas próprias do desenvolvimento foram
favorecidas por características parentais de suporte afetivo, cuidados regulares com
oferecimento de regras, de forma não-coercitiva e de incentivo à autonomia na resolução de
problemas acadêmicos. Assim, observa-se, em concordância com os relatos de Garber e Little
(1999), que há uma grande variabilidade de desfechos para o desenvolvimento de crianças
que convivem com a depressão materna, ou seja, nem todas as que se encontram nessa
condição desenvolvem problemas e/ou dificuldades de competência social e acadêmica.
A compreensão de que a depressão materna constitui-se em um elemento dentro de um
cenário no qual outros elementos podem estar associados, funcionando como condições
adversas e estressoras ou como recursos e condições protetoras, mediando ou moderando o
impacto da depressão no desenvolvimento infantil, foi também relatada por Goodman e
Gotlib (1999). Os referidos autores, ao identificarem condições do ambiente familiar de risco
ou de proteção para a criança, destacaram a presença de estressores associados à depressão,
com ênfase nas interações, a saber: a discórdia familiar, as situações de estresse nos
relacionamentos sociais e no trabalho, a vida econômica da família, a disponibilidade e a
saúde mental paterna, além de características pessoais da criança, como o temperamento, o
gênero, as habilidades sociais e intelectuais. Esses autores apontaram, pois, para variáveis que
funcionam como mediadoras ou moderadoras da associação entre depressão materna e
respostas negativas da criança, referindo-se à mediação como um mecanismo mediante o qual
pode ocorrer tal associação e aos moderadores como variáveis que alteram o impacto da
depressão materna no comportamento infantil de acordo com o nível da variável.
Nesse estudo, destacar-se-á as variáveis do ambiente familiar como condição
contextual mais ampla, com destaque para as interações, as condições de suporte social e a
saúde mental parental.
Os conflitos familiares foram identificados, nos estudos de Burt et al. (2005) com
mães com depressão, como mediadores tanto da depressão materna quanto de problemas
emocionais e comportamentais em crianças. Em outro estudo relativo à depressão parental e o
relacionamento conjugal, Whiffen et al. (2005) identificaram que as mães que relataram
menor qualidade no relacionamento conjugal demonstraram menos cuidados e suporte
emocional aos filhos, sendo que a presença de conflitos conjugais foi relacionada ao aumento
do estresse emocional para as crianças.
42
Os estudos de McCarty e McMahon (2003) também identificaram associação entre a
depressão materna e os conflitos conjugais, como condições potencializadoras de dificuldades
no ambiente familiar. Swartz et al. (2005) apontaram que o conflito marital é uma condição
estressante para as mães, inclusive quando estas apresentam bom relacionamento com os
pares e suporte social. Leve, Kim e Pears (2005) relataram que a depressão parental e o
ajustamento marital foram fortes preditores do comportamento de externalização e de
internalização de crianças em idade escolar e de adolescentes. Os estudos de Hendersen,
Sayger e Horne (2003), por sua vez, identificaram a associação indireta entre a insatisfação
conjugal e os problemas comportamentais em crianças.
Os cuidados maternos e o relacionamento conjugal satisfatórios foram os elementos
destacados por Herwig, Wirtz e Bengel (2004), como condições familiares que têm impacto
direto e positivo para o comportamento das crianças que convivem com a depressão materna.
Quanto à organização familiar, estudos apontaram que quando esta é frágil e negativa
configura-se como uma condição que aumenta o risco de psicopatologia na criança, uma vez
que ameaça a sua segurança e estabilidade emocional (CUMMINGS, 1995; CUMMINGS;
DAVIES, 1994), já ameaçadas pelas dificuldades maternas associadas à sintomatologia
depressiva.
Tal organização é perpassada, ainda, pelos cuidados e pelas práticas educativas
oferecidos aos filhos e pelas interações familiares com a criança. Herwig, Wirtz e Bengel
(2004) identificaram que a depressão materna contribuiu para uma maior disfunção nos
cuidados oferecidos à criança pela mãe, o que se associou a problemas de comportamento
infantil. Quanto às práticas educativas, Leve, Kim e Pears (2005) destacaram a associação
entre práticas disciplinares coercitivas, temperamento infantil e depressão materna, com
dificuldades de comportamento para crianças de ambos os sexos, apontando que
características de temperamento da criança interagem com características do ambiente
familiar, sendo estas preditoras de problemas comportamentais, principalmente de
internalização, dado semelhante foi também relatado em estudo anterior realizado por
McCarty e McMahon (2003), os quais relataram que tais dificuldades são potencializadas na
presença de frágil suporte social.
O risco para o desenvolvimento de comportamentos externalizantes foram associados
a interações negativas com os pais e a problemas na relação da criança com sua família, o que
pode ser generalizado por ela a outros ambientes (MCCARTY; MCMAHON, 2003). Os
referidos autores relataram que mães com depressão tendem a apresentar comunicação pobre
e frágeis relacionamentos com os filhos. As dificuldades de comunicação das mães com
43
depressão com seus filhos foram também descritos por Elgar et al. (2004), que associaram tais
dificuldades de comunicação às dificuldades de disciplinarem os filhos e a problemas
comportamentais das crianças.
A associação entre depressão materna e suporte social foi identificada por McCarty e
McMahon (2003), os quais indicaram que as mães mais sintomáticas relataram menos
satisfação com o suporte social recebido e com a ocorrência de mais eventos de vida
estressantes em suas famílias. Dados referentes ao estudo de Swartz et al. (2005)
evidenciaram que mães com desordens psiquiátricas experenciaram baixos níveis de suporte
social quando comparadas a mães sem diagnóstico psiquiátrico, o que foi associado pelos
autores à presença nas primeiras mães de dificuldades nos relacionamentos interpessoais. Tais
dificuldades podem, segundo os autores, exacerbar os sintomas psiquiátricos e minimizar a
capacidade materna de manejar adequadamente as limitações dos filhos.
Com relação à psicopatologia parental, Goodman e Gotlib (1999) deram destaque para
a duração e o curso da depressão materna, evidenciando que a gravidade da sintomatologia e a
cronicidade da psicopatologia são condições familiares que aumentam as adversidades ao
desenvolvimento infantil. A recorrência e a cronicidade do transtorno depressivo materno
também foi enfatizada nos estudos de Hammen (2003), de Leiferman (2002) e de Garber e
Little (1999), tendo Joorman et al. (2007) destacado, além dessas características da depressão,
a duração dos episódios, como condição potencializadora dos prejuízos para a saúde mental e
cognitiva das crianças. Além disso, Pilowsky et al. (2006) destacaram que os filhos de mães
com depressão, com histórico de tentativa de suicídio e com outros transtornos mentais
associados, tiveram um risco aumentado para o desenvolvimento de psicopatologias infantis.
Ferrioli, Marturano e Puntel (2007) identificaram, na atenção primária, resultados
divergentes quanto ao impacto da depressão materna para o comportamento infantil, não
constatando associação entre tal psicopatologia e problemas comportamentais e/ou
psicopatologia das crianças. Destaca-se que tal estudo foi realizado tendo como fonte de
informação exclusivamente as mães, podendo se questionar se a percepção materna sobre o
filho não foi perpassada pela sintomatologia depressiva.
A presença do transtorno depressivo pode ser considerada como uma condição que
pode favorecer a mãe com depressão a relatar mais problemas de comportamento em seus
filhos, evidenciando a influência da sintomatologia sobre a percepção das mães sobre as suas
crianças (NAJMAN et al., 2001; NAJMAN et al., 2000; BOYLE; PICKLES, 1997). Os
referidos autores destacaram que o tratamento adequado e a melhora da sintomatologia
favorecem maior proximidade entre a percepção materna e as avaliações realizadas por outras
44
pessoas do convívio da criança. Weissman et al. (2006) destacaram que o tratamento da
depressão maior, com conseqüente remissão dos sintomas depressivos por parte das mães,
pode ser associado à redução de sintomas das crianças, o que por sua vez foi identificado
como fator positivo também para as próprias mães, evidenciando uma influência mútua entre
a saúde mental materna e da criança.
Além da melhora do transtorno materno, outras condições familiares foram
identificadas como potencializadoras da saúde mental infantil. Garber e Little (1999), ao
referirem as condições que contribuem para o desenvolvimento de competências sociais nas
crianças que convivem com mães com história de depressão, identificaram que características
de suporte e coesão familiar, a ausência de conflitos familiares, o status sócio-econômico da
família e o papel da escola configuram-se como fatores que moderam as respostas às
adversidades. Os estudos dos referidos autores identificaram que adolescentes, que convivem
com a depressão materna, mas que têm um alto grau de competência e conquistas acadêmicas,
em comparação com adolescentes com baixa competência, apresentaram percepções de maior
coesão familiar, de menos conflitos e de mais suporte por parte dos pais, parentes e amigos
próximos, caracterizando uma percepção positiva de seu contexto familiar e social.
Analisando-se a literatura, constata-se a presença de múltiplas condições e eventos
estressores que podem estar associados à depressão materna, configurando-se em cenários
diversos, enquanto contextos de convivência para crianças e para a família como um todo.
Nesse estudo, buscar-se-á identificar como os recursos de proteção e as adversidades
se fazem presentes em cenários diversos, nos quais se desenvolvem crianças que convivem
com a depressão materna recorrente, favorecendo, em alguns casos, dificuldade de
socialização e, em outros casos, condições promotoras do desenvolvimento saudável, mesmo
diante de tais condições adversas.
1.5 Depressão materna e múltiplos estressores: implicações metodológicas
Coloca-se como foco central do estudo em questão a depressão materna recorrente e a
socialização de crianças em idade escolar enquanto um problema de pesquisa multifacetado, uma
vez que pode ser compreendido a partir da integração de diversos aspectos: individuais, do
ambiente familiar e do contexto social. Ao se integrar informações de diversas fontes sobre tal
questão poder-se-á ampliar a compreensão do objeto de estudo e, para tanto, tomar-se-á como
metodologia de escolha o estudo de caso. Tal método é considerado um recurso para a pesquisa
científica e para práticas clínicas e sociais, que permite a organização de dados sociais e a
45
preservação da condição unitária do objeto de estudo (BRESSAN, 2000). Nesse sentido, o caso
configura-se como uma unidade analisada em profundidade (TRIVIÑOS, 1992) envolvendo um
contexto ou indivíduo observado em detalhe (BOGDAN; BIKLEN, 1997).
O estudo de caso pode ser pensado como uma possibilidade de compreensão de um
fenômeno contextualizado a partir da vida real e a partir de diversas fontes de investigação,
sendo um recurso adequado para se responder a questões explicativas, que tratam de inter-
relações que ocorrem ao longo do tempo, mais do que para responder a questões relacionadas
a freqüências e incidências (YIN, 2005).
Dessa forma, é possível ter acesso e descrever a situação de um dado participante e
examinar detalhadamente um processo, o que favorece a compreensão das particularidades de
cada caso (BRESSAN, 2000), sendo o caso abordado como um sistema integrado e
multifacetado, resultado da combinação de diversas variáveis (SANTOS; PERES, 2005).
Yin (2005), por sua vez, afirma que a aplicação do método de estudo de caso se
justifica quando o objetivo é descrever, avaliar e explorar as situações em que o fenômeno e o
contexto de estudo têm delimitações pouco definidas, o que se aplica ao objeto de estudo em
questão, no caso, os cenários em que crianças em idade escolar convivem com a depressão
materna recorrente.
Vale destacar, ainda, que no referido método o foco é uma unidade bem delimitada e
os casos em si não são generalizáveis, entretanto, a profundidade com que se explora essas
unidades de estudo pode permitir a comparação dos casos entre si e fornecer uma base para a
comparação com outras situações semelhantes. Assim, a generalidade dos resultados torna-se
possível respeitando-se as particularidades dos contextos de comparação (SILVA, 1998). No
estudo em questão, pretende-se, por meio da busca das facetas presentes em cada caso,
analisado no contexto de cenários, que têm em comum a depressão materna recorrente
associada a condições diversas, estabelecer comparações que permitam a validade interna tal
como proposto por Yin (2005), como uma busca possível dentro de tal recurso metodológico.
A escolha pelo método, com destaque para as particularidades de cada caso, se
justifica pela tentativa de analisar em profundidade cenários diversos nos quais estão inseridas
crianças e famílias que convivem com a depressão materna recorrente, como condição
principal do ambiente familiar, associada a outras condições contextuais que envolvem a
condição sócio-econômica, os relacionamentos familiares e a psicopatologia paterna.
Buscar-se-á identificar em tais cenários condições de estressores múltiplos apontados pela
literatura como possivelmente associados à depressão materna, compondo, assim, combinações de
adversidades, que podem ter impacto para as tarefas de desenvolvimento de crianças em idade
46
escolar. Procurar-se-á identificar as condições de proteção e de acentuação dos riscos,
comparando-se crianças com socialização positiva e com dificuldade de socialização.
Para proceder a essa análise, considerar-se-á os pressupostos de Walsh (2005) quanto aos
processos-chave da resiliência, como norteadores da compreensão do funcionamento familiar.
Segundo a referida autora, são os processos-chave da resiliência, que operam em cada família, que
podem evitar ou diminuir o impacto prejudicial de eventos estressores, compensando os efeitos
negativos ou fortalecendo o enfrentamento compartilhado das adversidades.
Os processos-chave são descritos pela autora como estando organizados e expressos
de diferentes formas, em razão das particularidades de cada família, podendo ser pensados a
partir de três domínios que incluem os processos fundamentais da resiliência familiar,
conforme descrito a seguir:
(a) sistemas de crenças, que incluem o valor atribuído ao evento e às relações interpessoais,
contextualizando a adversidade, o senso de coerência, a presença de crenças facilitadoras e de
crenças obstrutivas, a perspectiva positiva, a religiosidade, a criatividade e a possibilidade de
aprendizagem a partir da adversidade;
(b) padrões organizacionais, que incluem a flexibilidade, a estabilidade, as regras, a qualidade
das interações, a coesão, o apoio mútuo, o respeito às necessidades, as diferenças e limites
individuais, a liderança, a busca de reconciliação e os recursos sócio-econômicos; e
(c) processos de comunicação, que incluem a clareza e a consistência nas mensagens, a
possibilidade de esclarecimento de situações ambíguas, o compartilhamento de sentimentos, a
empatia, as interações prazerosas e a resolução colaborativa de conflitos.
Os processos-chave envolvem distintas áreas do sistema familiar, relacionando-se ao
acúmulo de condições adversas e de recursos disponíveis ao longo do tempo, que interagem
de forma a direcionar o desenvolvimento humano. Walsh (2005) destaca que todas as famílias
têm potencial para a resiliência, sendo que os processos-chave podem se organizar de formas
variadas e serem expressos de diferentes maneiras e em graus variados, na medida em que se
adequem aos valores, recursos e desafios específicos de cada família.
Nesse estudo, tendo como hipótese que a depressão materna tem um impacto negativo
para a socialização de crianças em idade escolar, buscar-se-á, com base nos processos-chave
de resiliência propostos por Walsh (2005), analisar cenários diversos em que estão inseridas
crianças que convivem com a depressão materna, tal como a presença de condição sócio-
econômica precária, de conflitos familiares e de psicopatologia paterna, visando identificar
condições que podem favorecer a resiliência ou se configurar como risco. Desse modo,
pretende-se contribuir com o conhecimento sobre a saúde mental materna e infantil.
47
2
2
.
.
O
O
B
B
J
J
E
E
T
T
I
I
V
V
O
O
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Objetivou-se caracterizar, por meio do método de estudo de caso, o contexto de
socialização de crianças em idade escolar que convivem com a depressão materna recorrente,
associada a cenários familiares diversos, caracterizados pela presença de condições adversas
mantidas no tempo. Comparou-se os recursos e as adversidades pessoais das crianças, das
suas famílias e da rede de apoio social, tendo como foco crianças com perfis diferenciados
quanto ao desempenho acadêmico e ao comportamento, expressos pela presença ou ausência
de dificuldade de socialização.
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51
3
3
.
.
M
M
É
É
T
T
O
O
D
D
O
O
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53
3.1 Participantes
Oito duplas mães-criança cujas mulheres/mães apresentavam história de depressão
recorrente, com pelo menos um episódio de depressão moderada ou grave, e seus respectivos
filhos com idade entre sete e 12 anos. Desses, quatro crianças apresentaram indicadores de
dificuldade de socialização, e quatro crianças apresentaram indicadores positivos de
socialização. Definiu-se como dificuldade de socialização, no período escolar, dificuldades
quanto às tarefas típicas de desenvolvimento, a saber, problemas no desempenho acadêmico e
dificuldades comportamentais.
Seleção dos participantes e composição dos grupos
Seleção de mulheres/mães com depressão
Participaram do estudo mulheres/mães com filhos em idade escolar na faixa etária de
sete a 12 anos. As mulheres estavam na faixa etária de 25 a 45 anos e apresentavam
diagnóstico de depressão recorrente, com pelo menos um episódio grave ou moderado nos
últimos dois anos, e sem episódios nos últimos seis meses. Tais mulheres foram ou estavam
sendo acompanhadas no Ambulatório Regional de Saúde Mental da Secretaria Municipal da
Saúde de Ribeirão Preto ou no Núcleo de Saúde Mental do Centro de Saúde Escola (CSE) –
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP.
Com relação à história de depressão, foram considerados como recentes os eventos
que ocorreram nos últimos dois anos e, como história pregressa, os eventos que ocorreram
mais de dois anos com base no relato em prontuário relativo à história clínica psiquiátrica.
Para inclusão, considerou-se as manifestações da doença, diagnosticada como depressão,
tendo por referência os critérios da Classificação Internacional das Doenças - CID 10 (OMS,
1993). Foram excluídas do estudo as mulheres que apresentaram diagnóstico de depressão
maior com episódio único (F32) e com episódios leve (F32.0/F33.0) nos últimos dois anos,
mulheres que apresentaram episódios moderados ou graves nos últimos seis meses e mulheres
com comorbidade de outros transtornos, tais como esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo,
transtorno de personalidade com instabilidade emocional, personalidade esquizóide,
personalidade dissocial e outros transtornos da personalidade e do comportamento do adulto,
de forma a evitar a interferência de outras condições de psicopatologia, além das associadas à
depressão.
54
A seleção dos participantes foi realizada tendo por base as informações do Sistema
Hygia (sistema informatizado e em rede, utilizado pelos serviços de saúde na época da coleta
de dados) e dos prontuários dos usuários dos serviços.
Pelo Sistema Hygia, foram selecionados todos os prontuários relativos a pacientes
mulheres, que receberam ou que recebiam tratamento junto ao Ambulatório Regional de
Saúde Mental, entre março de 2004 e março 2006, cujos diagnósticos foram depressão
recorrente, depressão moderada e/ou depressão grave. Na segunda etapa, foram selecionadas
mulheres com os referidos diagnósticos que estavam na faixa etária de 25 a 45 anos. Em uma
terceira etapa, foram pesquisados e identificados nos prontuários as mulheres com filhos na
faixa etária de sete a 12 anos. Em uma quarta etapa, foram selecionadas aquelas que tinham
diagnóstico de depressão recorrente, com episódios moderados ou graves nos últimos dois
anos de atendimento psiquiátrico, mas que não apresentaram tais episódios nos últimos seis
meses.
No Núcleo de Saúde Mental, todos os prontuários de pacientes ativos no período de
2001 a 2006 foram consultados e procedeu-se à seleção conforme a segunda e a quarta etapa
descritas acima. Neste serviço, foi necessário, ainda, o contato com as mulheres previamente
selecionadas a fim de se confirmar se tinham filhos e a idade dos filhos, uma vez que esta
informação não estava disponível em todos os prontuários.
As atividades de seleção no Ambulatório e no Núcleo de Saúde Mental do CSE foram
realizadas pela pesquisadora, por uma psicóloga e por duas alunas de psicologia,
respectivamente bolsistas de apoio técnico e de iniciação científica (CNPq), as quais foram
previamente treinadas para tal função.
O levantamento dos prontuários realizado nos dois serviços já referidos permitiu o
acesso da pesquisadora a informações sobre a clientela atendida, totalizando 2.626 prontuários
pesquisados. Tais serviços são atualmente responsáveis pelos distritos Leste, Sul e Norte e
pelo distrito Oeste, respectivamente, abrangendo juntos quatro dos cinco distritos existentes
no Município de Ribeirão Preto. Identificou-se 1921 usuários do sexo feminino (73%) e 705
do sexo masculino. Dos 1921 prontuários de mulheres criteriosamente pesquisados, 699
possuíam o diagnóstico de depressão recorrente (F33), depressão maior moderada (F32.1) ou
depressão maior grave (F32.2).
Verificando-se o perfil da clientela atendida com relação à idade e à presença de
filhos, constatou-se que 323 (46%) das mulheres tinham idade entre 25 e 45 anos e 118 destas
(36%) eram mães com filhos com idade entre sete e 12 anos.
55
Para a seleção das participantes, os nomes das 118 mulheres, entre 25 e 45 anos de
idade, com história de depressão recorrente e na referida idade, foram incluídos em uma lista
e numerados com base na presença ou ausência de episódios moderados ou graves nos meses
que antecederam à consulta aos prontuários. Deste conjunto de 118 possíveis participantes,
realizou-se a leitura minuciosa dos prontuários e identificou-se 19 mulheres com apenas um
episódio depressivo, caracterizando depressão maior (F32); e 27 mulheres que apresentavam
sintomas moderados ou graves nos meses imediatamente anteriores à inclusão na listagem.
Além disso, 19 não foram localizadas nos endereços e telefones disponíveis nos prontuários e
oito não aceitaram participar, alegando falta de tempo ou motivos pessoais. Restaram 45
possíveis participantes, as quais foram convidadas a participar de uma entrevista para a
confirmação diagnóstica por meio da Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV,
traduzida e adaptada para o nosso meio por Del-Ben et al. (2001), com o objetivo de
caracterizar o transtorno depressivo em seus principais episódios nos anos anteriores à coleta
de dados.
Das 45 mulheres agendadas para a entrevista, três aceitaram inicialmente participar da
pesquisa, mas não compareceram às sessões marcadas e depois de três faltas consecutivas não
justificadas foram excluídas; e uma mãe aceitou participar, mas desistiu após a primeira
sessão, alegando que seu filho não desejava participar das atividades.
Avaliou-se, assim, mediante a aplicação da Entrevista Clínica Estruturada para o
DSM-IV 41 mulheres/mães, sendo confirmado em todos os casos o diagnóstico de depressão
recorrente, com pelo menos um episódio moderado ou grave, nos dois anos anteriores à coleta
de dados. Contudo, duas mães foram excluídas, sendo uma por estar apresentando sintomas
graves no período imediatamente anterior à avaliação e outra por ter dificuldades em informar
sobre si própria e sobre sua filha, totalizando 39 mães avaliadas e incluídas de acordo com os
critérios utilizados.
Seleção das crianças
Com base na identificação das mães com diagnóstico de depressão recorrente,
procedeu-se à seleção das crianças. Tomou-se como critério para a inclusão das crianças o
nível intelectual avaliado por teste psicológico, o desempenho acadêmico avaliado por prova
específica e os indicadores comportamentais, avaliados por questionário específico com base
nas informações das mães.
56
Considerou-se como critério para inclusão na pesquisa o desempenho intelectual
relativo ao percentil no mínimo médio inferior no teste das Matrizes Progressivas de Raven –
Escala Especial.
Para seleção das crianças com dificuldade de socialização utilizou-se como critério o
desempenho inferior à média no Teste de Desempenho Escolar (TDE) e a presença de
dificuldades comportamentais expressa pelo escorre no Questionário de Capacidades e
Dificuldades (SDQ) >16, e para seleção de crianças sem dificuldade de socialização utilizou-
se como critério o bom desempenho acadêmico correspondente aos escores no TDE na média
ou superior à média e a ausência de dificuldades comportamentais expressa pelo escorre no
SDQ 16.
Foram excluídas do estudo crianças órfãs ou com história de adoção, com retardo
mental ou com deficiências sensoriais aparentes, com o objetivo de controlar variáveis de
confundimento que pudessem estar interferindo no comportamento e desempenho da criança.
Quando foram identificados para uma mesma mãe dois ou mais filhos na idade
definida para o estudo, optou-se pela avaliação da criança com mais idade, priorizando-se a
possibilidade de maior tempo de exposição à depressão materna.
Em razão dos critérios utilizados e citados anteriormente, das 39 crianças avaliadas
excluiu-se 14 crianças, sendo quatro por apresentarem apenas dificuldades comportamentais,
nove por apresentarem apenas dificuldades acadêmicas e uma pelo fato da criança apresentar
alteração global no processamento auditivo, não relatado inicialmente. Com base na aplicação
dos critérios de inclusão relativos às crianças, avaliou-se 25 possíveis casos. Desses possíveis
casos, selecionou-se, após a avaliação, oito duplas mães-crianças que apresentavam condições
diversas de contextos familiares associadas à depressão materna, enquanto variável principal.
Tais contextos familiares foram nomeados como cenários, delineados tendo por base a
presença da depressão materna como estressor principal e a sua associação a outros
estressores que se configuraram como condições relevantes ao contexto familiar, embora não
exclusivos.
Em todos os cenários, foram inseridas crianças que apresentavam perfis diferenciados
quanto aos recursos e à dificuldade de socialização. A escolha das duplas foi norteada pelo
interesse em estudar em profundidade condições contextuais associadas à depressão materna
mantidas no tempo, tais combinações também se fizeram presentes nas 17 duplas não
incluídas, contudo como eventos menos duradouros, menos estabelecidos no tempo e/ou com
combinações diversas que não permitiram identificar uma prioridade.
57
3.2 Instrumentos e materiais
Para seleção dos participantes, foram utilizados os seguintes instrumentos:
Com as mães
1. Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV (SCID), traduzida e adaptada para o nosso
meio por Del-Ben (1995) e Del-Ben et al. (2001). Foram utilizados: Revisão Geral, SCID I
(módulos A e B) e SCID II, para a confirmação diagnóstica e exclusão de comorbidades.
Com as crianças
2. Matrizes Progressivas Coloridas de Raven - Escala Especial, adaptado para avaliação dos
processos intelectuais de crianças brasileiras (ANGELINI et al., 1999), é composto por 36
itens, divididos em três séries sendo cada uma com doze problemas.
Para a seleção das crianças a partir dos recursos e adversidades de socialização, foram
utilizados os seguintes instrumentos:
Com as mães
1. Questionário de Capacidades e Dificuldades (SDQ) - questionário validado por Goodman
(1997), que contém 25 itens, sendo 10 itens sobre capacidades e 15 itens sobre dificuldades,
agrupados em cinco escalas (Escala de Sintomas Emocionais, Escala de Problemas de
Conduta, Escala de Hiperatividade, Escala de Problemas de Relacionamento com os Colegas
e Escala de Comportamento Pró-Social) com cinco itens cada. Esta técnica vem sendo
amplamente utilizada no Brasil e, mais especificamente, na cidade de Ribeirão Preto por
diversos autores (FERRIOLLI, 2006; VITOLO et al., 2005; CURY; GOLFETO, 2003)
(ANEXO A – Questionário de Capacidades e Dificuldades – SDQ).
Com as crianças
1. Teste do Desempenho Escolar (TDE), normatizado por Stein (1994), com a finalidade de
avaliar as capacidades fundamentais para o desempenho escolar de crianças, é dividido em
três subtestes (escrita, aritmética e leitura), com itens apresentados em ordem crescente de
dificuldade.
58
Para o estudo propriamente dito, foram utilizados os seguintes instrumentos:
Com as mães
1. Ficha Sócio-Demográfica – elaborada para a finalidade do estudo, constando de um
levantamento de informações sócio-demográficas dos participantes quanto a: endereço e
condições da moradia, idade, sexo, cor, naturalidade, estado civil, escolaridade, situação
ocupacional atual, número de filhos (com respectivas idades, sexo e presença de doenças
crônicas, deficiências ou adoção) e renda familiar mensal (APÊNDICE A).
2. Inventário de Recursos do Ambiente Familiar (RAF) – elaborado por Marturano (1999).
Este instrumento foi utilizado para a sondagem dos recursos do ambiente familiar, com o
objetivo de obter dados sobre condições relevantes que possam estar associadas ao
desempenho escolar da criança; é aplicado sob forma de entrevista semi-estruturada, onde
cada tópico é iniciado por pergunta aberta, seguida de questões fechadas, podendo-se
esclarecer dúvidas, caso se faça necessário. Composto de três módulos, sendo estes
subdivididos em 13 tópicos, com um número variável de itens: (a) supervisão e organização
das rotinas, composto pelos itens: 1- o que a criança faz quando não está na escola; 2- ajuda e
tem responsabilidade em tarefas domésticas; 12- arranjo espaço-temporal para a lição de casa;
9- supervisão para escola; 10- atividades diárias com o horário definido. (b) oportunidades de
interação com os pais, composto pelos itens: 3- passeios proporcionados/compartilhados com
os pais; 5- atividades desenvolvidas em conjunto entre os pais e a criança; 11- ocasiões em
que a família está reunida; 13- pessoas a quem a criança recorre para pedir ajuda ou conselho.
(c) presença de recursos no ambiente físico, composto pelos itens: 4- atividades programadas
que a criança realiza regularmente; 8- disponibilidade de livros; 7- disponibilidade de
jornais/revistas; 6- oferta de brinquedos e outros materiais promotores do desenvolvimento. O
inventário inclui ainda questões adicionais relativas à composição familiar e indicadores
sócio-econômicos, que relaciona 13 itens de conforto disponíveis na moradia, como aparelhos
eletrodomésticos e eletro-eletrônicos, computador e veículos, entre outros (ANEXO B –
Inventário de Recursos do Ambiente Familiar).
3. Escala de Eventos Adversos (EEA) – elaborado por Marturano (1999). Esta escala aborda
eventos adversos que podem ter ocorrido nos últimos doze meses ou anteriormente na vida da
criança. A escala é preenchida a partir de informações colhidas com as mães através da leitura
de uma lista de situações que podem ocorrer na vida das crianças, para que estas possam
59
informar se alguma delas ocorreu com seu filho/filha. É formada por 36 itens, divididos em:
(a) eventos incidindo sobre a família, que incluem a adversidade nas relações parentais (sete
itens), a adversidade associada a condutas parentais (dois itens), a instabilidade financeira
(três itens) e outras adversidades familiares (10 itens). (b) eventos incidindo sobre a criança,
que incluem adversidades pessoais (três itens), adversidades escolares (quatro itens) e
adversidades nas relações interpessoais (três itens). (c) eventos de perdas (quatro itens)
(ANEXO C – Escala de Eventos Adversos).
4. Escala de Adversidade Crônica (EAC) – elaborado por Marturano (1999). Esta escala
aborda eventos adversos crônicos que podem ter ocorrido na vida da criança, desde seu
nascimento, e que tenham duração ou ocorrência repetida por um ano ou mais. É formada por
18 itens que se referem às questões de saúde da criança e dos pais, de temperamento dos pais
e de conflitos familiares/conjugais (ANEXO D – Escala de Adversidade Crônica).
5. Entrevista com Roteiro Semi-Estruturado com as mães com história psiquiátrica de
depressão, realizada individualmente a fim de se avaliar a percepção das mães sobre: a
influência da depressão na vida familiar, os cuidados com o filho e as práticas educativas, e a
rede de apoio social e familiar. Teve por questões guia: 1. Como a depressão influencia a sua
vida, a de seu(ua) filho(a) e a da sua família? 2. Com o quê você conta ou contou para
enfrentar tal situação? A partir de tais questões a entrevistadora aprofundou os tópicos
abordados pelas mães (APÊNDICE B – Roteiro de Entrevista com as Mães) abrangendo os
processos-chave da resiliência propostos por Walsh (2005) e utilizados como norteadores para
a apreensão dos mecanismos protetores ao desenvolvimento, a saber: (a) sistema de crenças –
inclui o valor atribuído ao evento e às relações interpessoais, contextualizando a adversidade,
o senso de coerência, a presença de crenças facilitadoras e de crenças obstrutivas, a
perspectiva positiva, a religiosidade, a criatividade e a possibilidade de aprendizagem a partir
da adversidade; (b) padrões de organização – incluem a flexibilidade, a estabilidade, as regras,
a qualidade das interações, a coesão, o apoio mútuo, o respeito às necessidades, as diferenças
e limites individuais, a liderança, a busca de reconciliação e os recursos sócio-econômicos; e
(c) processos de comunicação – a clareza e a consistência nas mensagens, a possibilidade de
esclarecimento de situações ambíguas, o compartilhamento de sentimentos, a empatia, as
interações prazerosas e a resolução colaborativa de conflitos.
Os temas abordados nas questões que compõem o roteiro de entrevista abrangem
tópicos relativos à literatura sobre depressão materna e, especificamente, as percepções sobre
60
os recursos e as adversidades do ambiente, como aspectos relativos à convivência de crianças
em idade escolar com a depressão materna: o sentido atribuído ao evento (PESCE et al.,
2004); a presença de outros estressores (YUNES, 2003; RUTTER, 1987); os eventos de perda
e separação (MORAES; RABINOVICH, 1996); a constância do cuidado parental
(GARMEZY, 1996) e a presença ou ausência dos pais (DE ANTONI; KOLLER, 2002); a
necessidade de estabelecimento de limites e a importância da estrutura familiar (FLACH,
1991); os recursos protetivos individuais, familiares e relacionados ao apoio do meio (PESCE
et al., 2004; GARMEZY; MASTEN, 1994); a capacidade de lidar com a adversidade
(JUNQUEIRA; DESLANDES, 2003); a rede de apoio social (MASTEN; GARMEZY, 1985);
a capacidade de ter expectativas e projeto de vida (PINHEIRO, 2004); e os padrões de
respostas diante de situações adversas (TAVARES, 2001).
A intersecção entre os processos-chave da resiliência e as questões abordadas junto às
mães está detalhada no quadro a seguir, que contempla o conteúdo do roteiro de entrevista
semi-estruturado e a classificação nos processos propostos por Walsh (2005).
61
Processos-Chave da
Resiliência
Roteiro de Entrevista
2.1 Quando os sintomas depressivos começaram?
2.2 A que você atribui esses sintomas? Que significado você dá ao
que sentia?
2.3 Como foi para você receber o diagnóstico médico? Como reagiu?
O que sentiu?
2.4 Como os sintomas evoluíram nos últimos 12 meses?
2.5 Houve prejuízos ao longo desses últimos 12 meses em
decorrência da depressão? Em que áreas?
2.10 Como você se sente atualmente? (Atentar para o sentido
atribuído ao evento)
1
Extrair sentido da
adversidade:
percepção da
situação de crise,
coerência.
2.11 O que você considera o mais importante para a sua vida após
essa situação de depressão?
Crenças
facilitadoras ou
constrangedoras.
2.6 Alguma coisa lhe ajudou ou prejudicou nesse período? O que?
(Atentar para a compreensão da situação)
2.7 Ocorreu algum outro acontecimento durante os últimos 12 meses
que você considera importante para a vida de sua família? (Atentar
para outros estressores)
2.8 Ocorreu algum outro acontecimento na vida de seu filho durante
os últimos 12 meses que você considera importante? (Atentar para
outros estressores na vida da criança)
Contextualização
dos estressores,
percepção relativa à
vida pessoal e
familiar.
2.9 Ocorreu alguma situação de perda ou separação na família nesse
período?
5.5 Como você reage frente a situações novas ou difíceis? (Atentar
para resposta diante de situações adversas)
Perspectiva positiva
5.8 Quando os problemas, dificuldades se repetem, como você faz?
Você pensa que pode reagir de outro modo? Exemplifique, conte
uma situação. (Atentar para resposta diante de situações adversas)
5.9 Você tem algum plano diferente para seu trabalho (dentro ou fora
de casa), sua família ou seu filho em relação ao que é hoje? (Atentar
para expectativas e projetos de vida)
S
I
S
T
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M
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D
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C
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E
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Ç
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S
Valores, propostas
e objetivos de vida
Transcendência e
espiritualidade
6.6 Você ou sua família segue uma religião? Têm uma crença? De
quais atividades ou compromissos religiosos vocês participam?
Quadro 1: Conteúdo do roteiro de entrevista organizado em função dos processos-chave da resiliência.
continua
1
As assertivas entre parênteses correspondem ao direcionamento do foco durante a entrevista pelo
pesquisador.
62
Continuação
3.1 Quais as atividades que você normalmente desenvolve junto com
sua família (dentro e fora de casa)? E com seu filho? (Atentar para
colaboração e cooperação)
Conexão
(a) apoio mútuo,
colaboração e
compromisso
(b) respeito por
necessidades,
diferenças e limites
(c) pais como
cuidadores
cooperativos
6.5 Quais são seus compromissos com sua família? E os
compromissos dos demais membros da família?
3.2 Essas atividades sofreram mudanças no período em que você teve
depressão? Como estão agora?
4.2 Seu filho tem rotinas a seguir? Quais? Elas costumam ser
quebradas? Por quem e em que ocasiões?
5.1 No dia-a-dia, como você decide o que fazer e o que não fazer?
Você se planeja? Tem projeto
4.3 Como seu filho lida com as situações do dia-a-dia?
4.4 Como é a adaptação de seu filho a situações novas? Como ele
reage a elas?
4.5 Seu filho pede ajuda? De quem? Em que ocasiões?
4.10 Como seu filho reage frente ao que pode/é permitido e ao que
não pode/é proibido?
4.1 Você percebe diferenças entre o jeito de ser, pensar e agir de seu
filho em relação a outras crianças? Quais? (Atentar para habilidade
perceptiva)
4.6 Você consegue perceber quando seu filho está precisando de
ajuda? Como? (Atentar para percepção de necessidades)
4.11 Como seu filho se saiu na escola nos últimos 12 meses?
4.12 Você observou alguma dificuldade no seu filho nos últimos 12
meses? Em que áreas? Elas foram superadas? Como? Com a ajuda de
quem?
4.13 Do que você acha que seu filho precisa?
4.7 Quem é a pessoa que permanece com seu filho a maior parte do
tempo? (Atentar para constância e permanência nos cuidados)
4.8 Quem define para seu filho o que pode e o que não pode fazer?
3.3 Como você define os cuidados que você vem tendo com seu filho
nos últimos 12 meses?
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Flexibilidade
(a) estabilidade e
sentido de
continuidade e
rotina
(b) reorganização e
adaptação frente
aos desafios
4.9 Em geral, o que pode/é permitido e o que não pode/é proibido
para seu filho?
Quadro 1: Conteúdo do roteiro de entrevista organizado em função dos processos-chave da resiliência.
continua
63
Continuação
4.14 Em situações relacionadas a seu filho, a quem você recorre
quando precisa de ajuda?
5.2 Você pede opinião aos outros? Quando? Em que situações? De
quem?
5.3 As pessoas conseguem perceber quando você está precisando de
ajuda? De que forma?
5.4 Você recebe ajuda? De quem?
6.7 Você conhece serviços na comunidade que podem ajudá-la?
Quais? (da escola, igreja, da rede de saúde, de clubes etc).
6.8 Já usou algum destes serviços? Quais? Quando? Quem sugeriu?
6.9 Agora, quais equipamentos sociais próximos a você auxiliam
quando você deles necessita?
6.10 Como você vê estes atendimentos?
6.1 Você desenvolve algum tipo de trabalho remunerado? Qual?
6.2 Como está dividido seu tempo no que se refere ao seu trabalho e
às necessidades familiares?
6.3 Você considera que seus rendimentos são suficientes para as
necessidades de sua família?
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Recursos sociais e
econômicos:
(a) redes de apoio
familiar e
comunitárias
(b) segurança
financeira
6.4 Quem garante as necessidades básicas de sua família?
5.7 Quando as pessoas pensam diferente de você e/ou não fazem o
que combinaram com você, como você reage? E no caso do seu filho,
quando ele não obedece?
(Atentar para a maneira como expressa emoções positivas e
negativas)
(Atentar para como expressa as próprias necessidades)
Clareza
(a) mensagens
claras e
consistentes
(b) esclarecendo
informações
ambíguas
(Atentar para como faz pedidos, coloca limites e encerra situações
conflitivas)
3.4 O que você considera mais importante nos relacionamentos e
interações? Como se sente frente às interações?
(Atentar para a maneira como compartilha as emoções na família)
(Atentar para como são percebidas e tratadas as diferenças)
Expressão
emocional aberta
(a) compartilhar
(b) empatia e
tolerância às
diferenças
(c) interações
agradáveis
(Atentar para a maneira como identifica o prazer e o desprazer em
estar com os membros da família)
5.6 Que situações fazem você se sentir contrariada/irritada? Como
identifica tais situações? Como reage a elas?
(Atentar para a maneira como percebe os problemas seus, do filho e
da família)
(Atentar para a maneira como as decisões frente aos conflitos são
comunicadas ou impostas)
P
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Resolução
colaborativa dos
problemas
(a) identificação
dos problemas
(b) decisões
(c) resolução de
conflitos
(d) postura pró-
ativa
(Atentar para a maneira como atribui responsabilidades frente aos
conflitos)
Quadro 1: Conteúdo do roteiro de entrevista organizado em função dos processos-chave da resiliência.
Conclusão
64
3.3 Procedimento
Coleta de dados
As avaliações foram realizadas nos Serviços utilizados como fonte de identificação das
mães, em uma sala cedida de um Centro Social Urbano próximo à residência de algumas das
mães ou em suas próprias casas, atendendo-se à conveniência das mesmas, preservando-se a
condição de privacidade e conforto, sem interferências externas.
As avaliações ocorreram após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (APÊNDICES C e D), em sessões individuais, face-a-face e atenderam às
seguintes distribuições de atividades:
Avaliação com as mães
1
a
. Sessão: Realizada com as possíveis participantes, a avaliação constou do
preenchimento da Ficha Sócio-Demográfica e da aplicação da SCID-IV para confirmação
diagnóstica. Quando confirmado o diagnóstico, as mães responderam ao Inventário de
Recursos do Ambiente Familiar (RAF), à Escala de Eventos Adversos (EEA), à Escala de
Adversidade Crônica (EAC) e ao Questionário de Capacidades e Dificuldades (SDQ), de
acordo com as técnicas específicas de aplicação de cada instrumento. Quando não foi possível
a aplicação de todas as técnicas em uma mesma sessão, em razão da duração desta primeira
sessão ou da disponibilidade da mãe em dar seguimento, foi proposta às mães uma sessão
intermediária, antes da sessão de entrevista. As sessões iniciais tiveram duração que variaram
entre 50 e 90 minutos, com média de 70 minutos de duração, sendo que as sessões
intermediárias que ocorreram em seis casos duraram entre 45 e 80 minutos, tendo em média
de 52 minutos, aproximadamente.
2
a
. Sessão: As mães responderam às questões do roteiro semi-estruturado de
entrevista, em sessões que variaram de 60 a 120 minutos, em média com aproximadamente 85
minutos de duração.
Avaliação com as crianças
As crianças foram avaliadas individualmente, em uma única sessão, mediante a
realização do Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven, cuja aplicação seguiu as
recomendações técnicas previstas e os resultados foram comparados às normas brasileiras,
propostas por Angelini et al. (1999); e, quando obtinham nível intelectual mínimo médio
65
inferior na aplicação desse instrumento, responderam ao Teste de Desempenho Acadêmico,
aplicado de acordo com as recomendações técnicas específicas (STEIN, 1994), sendo que a
duração da sessão única com as crianças variou entre 30 a 60 minutos, em média com
aproximadamente 47 minutos de duração. As crianças que não preencheram o critério para
inclusão foram identificadas após as sessões de avaliação, sendo que todas elas realizaram as
atividades propostas e concluíram a avaliação de forma a completar as duas técnicas
inicialmente propostas.
Tratamento dos dados
Codificação
1. Testes e Escalas
Os resultados obtidos com as crianças relativos ao Raven foram codificados de acordo
com as proposições da técnica e comparados aos dados normativos, possibilitando a seleção
dos participantes relativa ao nível intelectual.
Os dados do SDQ foram codificados de acordo com as proposições de Goodman
(1997) apresentadas no Brasil por Fleitlich, Cortázar e Goodman (2000). Quanto ao escore
total, foi considerado como ponto de corte os escores >16 como indicativo da presença de
dificuldades de comportamento. Os dados do TDE, por sua vez, foram classificados de acordo
com as normas de Stein (1994) e considerou-se como critério a adequação do escore total às
normas para escolaridade.
Com base nestes dados, identificou-se crianças com escores totais maiores, iguais ou
menores à nota de corte no SDQ e crianças com escores totais inferiores, médios ou
superiores no TDE, sendo estas classificações utilizadas como critérios para a avaliação dos
recursos ou da dificuldade de socialização das crianças. Foram excluídas da pesquisa as
crianças que apresentaram dificuldade em apenas uma das áreas avaliadas, ou seja, apenas
dificuldade de desempenho acadêmico ou apenas dificuldade de comportamento.
Os dados obtidos nos instrumentos RAF, EEA e EAC foram codificados segundo as
proposições de Marturano (1999), sendo: (a) o escore total do RAF correspondente à soma
das médias dos escores nos 13 tópicos do inventário, as quais são resultado da divisão do
escore em cada uma das medidas pelo número de itens que compõem essa medida; (b) a cada
um dos itens da EEA foi atribuído o escore zero, um ou dois, sendo o escore total a soma dos
escores individuais, podendo variar de zero a 72; e (c) o escore total na EAC correspondente à
contagem da incidência de eventos relatados.
66
2. Entrevistas
Após a realização das entrevistas com as mães avaliadas e incluídas nos casos
estudados, as entrevistas foram transcritas literalmente e na íntegra.
Procedeu-se à leitura flutuante das transcrições, repetidas vezes, a fim de que fossem
destacadas as regularidades e diferenças nas respostas das mães referentes aos elementos
descritos por Walsh (2005) como norteadores dos processos-chave da resiliência.
Destacou-se a percepção da mãe acerca das características dela própria, do ambiente
familiar, da rede de apoio e da criança evidenciada nas verbalizações relativas a: (a)
percepção sobre a doença, situação de crise, presença de crenças facilitadoras e ameaçadoras
diante de tal situação, presença de outros estressores; (b) auto-percepção quanto às
peculiaridades do seu modo de ser, como forma de expressão das emoções, resposta diante
das situações adversas, participação e projetos de vida; (c) ambiente familiar, destacando a
qualidade das interações, a constância e permanência dos cuidados com os filhos, as práticas
educativas; (d) a percepção sobre a rede de apoio familiar e social; (e) a criança incluída no
estudo, focalizando a percepção da mãe sobre os recursos e dificuldades do filho e as
expectativas com relação a ele. Para tanto, foram selecionados trechos de falas de cada
entrevista com as mães e os mesmos foram descritos e agrupados em categorias temáticas
segundo as proposições dos elementos-chave da resiliência (WALSH, 2005) que permitiram a
sistematização de tais dados para posterior integração aos advindos das demais fontes de
dados.
Esta sistematização ocorreu após repetidas leituras e impregnação do conteúdo das
transcrições pela pesquisadora, buscando-se paulatinamente a compreensão dos dados em
função do referencial inicialmente adotado, delimitando o foco de estudo aos objetivos
propostos (BIASOLI-ALVES, 1998).
As informações e as transcrições das sessões foram exaustivamente avaliadas para
cada dupla mãe-criança, tendo como foco as condições diversas de contextos familiares
associadas à depressão materna. Procedeu-se à categorização das informações das diversas
fontes, relativas à identificação dos indicadores de cada uma das duplas, a partir dos
conteúdos destacados quanto aos processos-chave de resiliência. As oito entrevistas foram
codificadas e categorizadas por um pesquisador e revisadas por um segundo pesquisador,
visando a preservação da confiabilidade das informações. De forma específica, procedeu-se à
avaliação da concordância de categorização em quatro casos, para tal, dois pesquisadores
distintos avaliaram de forma independente e categorizaram as entrevistas. Quando da
ocorrência de discordância na categorização das quatro entrevistas, procedeu-se à discussão
67
conjunta com um terceiro pesquisador, visando estabelecer um consenso quanto à
categorização.
Análise dos dados
Os dados obtidos a partir das diferentes fontes foram integrados na forma de estudos
de caso comparativos. Tal estratégia metodológica tem sido largamente utilizada nos últimos
anos, nas várias áreas do conhecimento (SANTOS; PERES, 2005), em estudos quantitativos,
qualitativos ou com ambos os referenciais, fundamentado na premissa de que as evidências
obtidas de diversas fontes se complementam para a construção e análise dos dados,
permitindo a compreensão de determinada realidade a partir de vários vértices (YIN, 2005;
BOGDAN; BIKLEN, 1997).
A integração dos diversos dados obtidos possibilitou uma análise mediante a técnica
de triangulação de fonte (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1999), com a
finalidade de buscar uma apreensão mais ampla do objeto de estudo (TRIVIÑOS, 1992) e de
minimizar a probabilidade de interpretações inadequadas (STAKE, 2000).
Conforme a recomendação de Yin (2005), tomou-se como referência diversas fontes e
técnicas que produziram dados qualitativos e quantitativos, os quais foram codificados,
categorizados e integrados, tendo se utilizado: a busca de articulação entre os dados e os
referenciais teóricos; a comparação entre explicações semelhantes e diferentes; e o
desenvolvimento de uma estrutura descritiva que organizasse o estudo. Assim, em cada caso,
os dados objetivos e quantificáveis das técnicas foram agrupados aos dados mais subjetivos e
particulares, obtidos por meio das entrevistas com as mães, visando sintetizar e descrever os
casos e posteriormente compará-los.
Os casos foram definidos como as unidades “dupla mãe-criança”, que foram estudadas
em profundidade, no sentido de identificar os recursos e as adversidades ao desenvolvimento
de crianças em idade escolar que convivem com a depressão materna recorrente, analisando-
se os processos-chave da resiliência e comparando-se os casos em que as crianças
apresentaram dificuldades quanto ao desempenho escolar e comportamento aos casos em que
as crianças não apresentaram tais dificuldades.
Com base na Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV, levantou-se os dados
sobre a história de depressão materna, incluindo período de início, situações associadas ao
início da depressão, sintomas principais, evolução ao longo dos anos, tratamentos realizados,
diagnósticos recente e passado e percepção da situação atual no momento da coleta de dados.
68
Os dados obtidos mediante aplicação do Roteiro de Entrevista permitiram também
identificar nas falas das mães a percepção sobre o desenvolvimento do(a) filho(a) no que
tange a presença ou ausência de dificuldades comportamentais, escolares e de saúde na
criança.
A partir dos dados coletados pelo Inventário (RAF) e Escalas de Adversidade (EEA e
EAC) foi possível o acesso aos recursos do ambiente familiar, aos estressores e às
adversidades que incidiram sobre a criança e a família.
O Roteiro de Entrevista juntamente com as demais técnicas utilizadas possibilitaram o
acesso a indicadores que poderiam servir como recurso ou adversidade ao desenvolvimento
infantil, destacando-se as características:
(1) pessoais da criança: nível intelectual, desempenho acadêmico, comportamento, saúde
física e respostas da criança diante de situações adversas;
(2) do ambiente familiar: escolaridade dos pais e idade dos mesmos à época do nascimento da
criança avaliada, saúde mental dos pais, conflitos conjugais, envolvimento dos pais com a lei,
participação dos pais nas rotinas diárias da criança, organização e relações familiares,
regularidade dos cuidados parentais, suporte à escolarização, projetos de vida da mãe e
expectativas para o futuro, aceitação da criança, eventos de perda, hospitalização de
familiares, nascimento de irmão, respostas da mãe diante de situações adversas e ambiente
físico;
(3) da rede de apoio social: relação da criança com os pares, relações sociais da família,
eventos escolares, suporte social, recursos comunitários e fator sócio-econômico.
Tais características estão dispostas em quadros sobre cada dupla, sendo que sua
escolha baseou-se em dados sobre a depressão materna e o desenvolvimento infantil e sobre
os possíveis recursos e adversidades que favoreceriam ou dificultariam o enfrentamento de tal
psicopatologia. A avaliação de cada item das características descritas acima como indicador
de recurso ou de adversidade foi fundamentada na compreensão que a literatura faz sobre
cada um dos itens apresentados e a partir da configuração das mesmas para as mães.
De modo a explicitar tal integração de dados, tendo por base os pressupostos da
literatura, organizou-se quadros relativos aos indicadores, que foram especificados de acordo
com as características (a) da criança, (b) do ambiente familiar e (c) da rede de apoio social,
destacando as variáveis avaliadas, a bibliografia científica referente a cada uma delas, as
fontes de informação (instrumentos), os critérios de avaliação e a interpretação dos indícios
como recurso ou adversidade (APÊNDICE E – Quadros com Indicadores de Recursos e
Adversidades ao Desenvolvimento Infantil). Ressalta-se que foram dispostos nos quadros os
69
principais indicadores informados, não se esgotando, entretanto, todos os possíveis recursos e
adversidades experienciados.
Visando a composição dos cenários, procedeu-se à integração dos dados para
comparação dos casos, tendo por foco as condições diversas de contextos familiares
prioritariamente identificados como situações associadas à depressão materna recorrente,
enquanto variável principal. Identificou-se os quatro cenários especificados a seguir:
Cenário 1 - Depressão materna como estressor principal;
Cenário 2 - Depressão materna associada, prioritariamente, a condições sócio-
econômicas precárias;
Cenário 3 - Depressão materna associada, prioritariamente, a conflitos conjugais
recorrentes;
Cenário 4: Depressão materna associada, prioritariamente, à psicopatologia paterna
e à discórdia familiar.
A apresentação dos resultados foi organizada em três partes, sendo que: na primeira
parte, serão apresentadas as características demográficas dos casos incluídos em cada cenário;
na segunda parte, serão apresentados para cada cenário os casos incluídos, destacando-se a
identificação da dupla, a caracterização da história de depressão materna, a partir das
informações obtidas na SCID e na entrevista com a mãe, relatando as condições contextuais
de vida da família, seguida da apresentação das variáveis presentes nos quadros-síntese que
pontuarão os indicadores de recursos e adversidades ao desenvolvimento a partir dos dados
obtidos nos testes, escalas e entrevista, diferenciando os recursos e as adversidades pessoais
da criança, do ambiente familiar e da rede de apoio. A partir dos dados obtidos e integrados
quanto às três áreas avaliadas, elaborou-se uma síntese ao final de cada caso, visando destacar
os processos-chave de resiliência. Em seguida, dentro de cada cenário, serão comparados os
dois casos incluídos, buscando identificar as semelhanças e as diferenças entre eles e analisar
os processos-chave da resiliência, de forma a destacar as principais variáveis presentes em
cada cenário com base nos pressupostos da literatura. Na terceira parte, destacar-se-á a
comparação entre os cenários, com base nos pressupostos teóricos relativos a recursos de
proteção e condições de adversidade, associados à depressão materna, tendo como foco de
análise os processos-chave da resiliência.
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71
4
4
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O
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I
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O
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73
O estudo foi analisado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FFCLRP-USP e aprovado
de acordo com o Processo CEP-FFCLRP nº 267/2006.1.1179.59.1 (ANEXO E – Carta de
Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da DDCLRP-USP), tendo sido apresentado em
seguida à Secretaria da Saúde da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, que aprovou sua
realização no Ambulatório Regional de Saúde Mental (ANEXO F – Declaração de Aceite
fornecido pelo coordenador de Saúde Mental da Secretaria da Saúde do Município de
Ribeirão Preto), no qual o projeto foi apresentado. Nesta ocasião, a equipe multiprofissional
do referido ambulatório tomou ciência do projeto, bem como do início da coleta de dados, e
pôde receber informações sobre os objetivos da pesquisa. Uma cópia do projeto de pesquisa
foi disponibilizada a todos os profissionais e a pesquisadora se colocou à disposição para, em
qualquer momento da coleta de dados, esclarecer dúvidas sobre a mesma.
Além disso, o projeto de pesquisa foi apresentado à Direção Acadêmica de Ensino e
Pesquisa do Centro de Saúde Escola (CSE) – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP,
que também autorizou a coleta de dados no Núcleo de Saúde Mental do CSE (ANEXO G –
Liberação de Pesquisa nº 002/2007).
Após esses trâmites oficiais, as mães passaram a ser identificadas, contatadas e
informadas a respeito dos objetivos do estudo, bem como da ausência de prejuízos ou danos
decorrentes de sua participação e da participação de seu filho, além da possibilidade de
desistência da participação a qualquer momento, sem qualquer implicação para os
atendimentos clínicos, salientado que a participação era voluntária. Ressaltou-se o
compromisso de sigilo em relação às informações obtidas na pesquisa. O consentimento foi
solicitado mediante autorização por escrito para a própria participação e a da criança,
mediante a apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Após o
consentimento por escrito das mães e de sua participação voluntária, as crianças foram
convidadas para participarem do estudo, também de forma voluntária. Para as crianças, da
mesma forma que com suas mães, ressaltou-se que sua desistência era admitida em qualquer
momento do estudo, sem que isso acarretasse prejuízos.
Ao término das avaliações, foi oferecida às mães entrevista devolutiva, na medida do
interesse das mesmas, sendo disponibilizadas a elas as principais informações quanto aos
recursos cognitivos e de socialização da criança, assim como quanto às dificuldades
comportamentais e de desempenho acadêmico das mesmas, quando estas existiam. Quando se
detectou dificuldades por parte das crianças ou das mães, procedeu-se ao encaminhamento
oportuno e a orientação desde que as mães tivessem manifestado interesse na devolutiva dos
dados.
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5
5
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O
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77
Os resultados serão apresentados e discutidos em conjunto, sendo organizados em três
partes: na primeira, apresentar-se-ão os cenários identificados e os casos incluídos, com
destaque para os aspectos de caracterização demográfica dos casos; na segunda, apresentar-
se-á cada um dos casos incluídos nos cenários, sendo que ao final de cada cenário será
apresentada a análise dos processos-chave da resiliência, com destaque para as semelhanças e
diferenças entre os casos; e, na terceira parte, destacar-se-á a comparação entre os cenários,
com base nos pressupostos teóricos relativos a recursos de proteção e condições de
adversidade, associados à depressão materna, tendo como foco de análise os processos-chave
da resiliência.
5.1 Cenários identificados e perfis das crianças quanto à socialização e a aspectos
demográficos
Verificou-se a presença de quatro condições contextuais específicas, relativas à vida
das famílias mantidas no tempo e associadas à depressão materna, enquanto variável
principal, tal como a distribuição apresentada a seguir:
78
Tabela 1 – Identificação dos cenários contextuais associados à depressão materna e
características do perfil demográfico das mães e das crianças incluídas de acordo com a
presença ou ausência de dificuldade de socialização.
Cenários Perfil Demográfico
das Mães
Perfil Demográfico
das Crianças
Socialização
M01 – 41 anos, ensino
fundamental completo,
diarista, casada
F01 – Menina, 9 anos e
3 meses, 4ª série
Presença de
dificuldade
Cenário 1:
Depressão materna
como estressor
principal
M02 – 37 anos, ensino médio
completo, do lar e
trabalhadora autônoma, casada
F02 – Menina, 11 anos
e 6 meses, 7ª série
Ausência de
dificuldade
M03 – 34 anos, ensino médio
completo, desempregada,
solteira
F03 – Menina, 9 anos e
2 meses, 4ª série
Presença de
dificuldade
Cenário 2:
Depressão materna
associada,
prioritariamente, a
condições sócio-
econômicas
precárias
M04 – 36 anos, ensino
fundamental incompleto, do
lar/afastada das atividades
laborativas, casada
F04 – Menina, 11 anos
e 4 meses, 5ª série
Ausência de
dificuldade
M05 – 31 anos, ensino
fundamental incompleto,
assalariada (auxiliar de
limpeza), separada
F05 – Menino, 8 anos e
1 mês, 2ª série
Presença de
dificuldade
Cenário 3:
Depressão materna
associada,
prioritariamente, a
conflitos conjugais
recorrentes
M06 – 37 anos, ensino
fundamental completo, do lar,
casada
F06 – Menino, 8 anos e
3 meses, 2ª série
Ausência de
dificuldade
M07 – 40 anos, ensino
fundamental incompleto, do
lar e atividades laborais
esporádicas, casada
F07 – Menina, 10 anos
e 5 meses, 4ª série
Presença de
dificuldade
Cenário 4:
Depressão materna
associada,
prioritariamente, à
psicopatologia
paterna e à
discórdia familiar
M08 – 43 anos, ensino
superior incompleto, do lar,
casada
F08 – Menino, 10 anos
e 5 meses, 5ª série
Ausência de
dificuldade
Foram identificados quatro cenários e, em cada um deles, foi incluída uma criança
com dificuldades de socialização e uma criança sem tais dificuldades, bem como suas
respectivas mães.
As mães incluídas tiveram idades que variaram de 31 a 43 anos, sendo que a idade
média foi de 37 anos. A escolaridade das mães variou entre ensino fundamental incompleto a
ensino superior incompleto. Quanto às atividades laborais, identificamos que uma das mães
estava desempregada, uma delas era assalariada, uma era diarista e as cinco outras mães
realizavam prioritariamente atividades do lar. Destas cinco mães, duas realizavam também
atividades laborais remuneradas como atividade secundária e uma delas estava afastada há
cerca de um ano destas atividades em razão da sintomatologia depressiva. O estado civil das
79
mães pode ser distribuído da seguinte forma: seis mães eram casadas, uma separada e uma
solteira.
Com relação às características das crianças avaliadas e incluídas, identificamos que
suas idades variaram entre oito anos e três meses e 11 anos e seis meses, sendo que a idade
média foi de nove anos e dez meses. Das oito crianças incluídas, duas são meninas sem
dificuldades de socialização e três com dificuldades, dois são meninos com indicadores
positivos de socialização e um é menino com dificuldade. A escolaridade das crianças variou
da 2ª a 7ª série do ensino fundamental. Tais características guardam relação com o foco do
estudo, que avaliou crianças em idade escolar.
Destaca-se, ainda, que as oito crianças incluídas apresentaram como recurso nível
intelectual pelo menos médio, o que foi considerado condição para a inclusão no estudo, o que
permite afirmar que as dificuldades identificadas não estão associadas a essa variável, a qual é
apontada como uma característica pessoal que favorece a resiliência (GARMEZY; MASTEN,
1994; RUTTER, 1987).
Quanto à constituição familiar, das oito duplas incluídas, seis delas são compostas por
famílias nucleares, sendo reconhecido nestes seis casos que o chefe da família trata-se do pai
das crianças avaliadas. Uma das famílias é composta pela mãe, separada de fato mas não de
direito, e os filhos, sendo a primeira identificada como a responsável pela casa, mesmo
contando com o auxílio esporádico do pai das crianças; e uma das famílias é composta por
avó materna, mãe e filhos, sendo a avó, uma senhora que contava com o auxílio doença para
as provisões do lar, identificada como a chefe da família, principalmente em razão da mãe
encontrar-se desempregada na época da coleta de dados.
Com relação às condições sócio-econômicas das duplas incluídas, identificamos que
há semelhanças entre a classe econômica nos quatro cenários e proximidades entre as rendas
de algumas das duplas. No Cenário 1, no qual identificou-se a depressão materna como
condição adversa crônica principal incidindo sobre o ambiente familiar, identificamos que as
famílias pertenciam à classe econômica B e tinham renda maior, de mais de cinco salários
mínimos, sendo que a dupla cuja criança não apresentou dificuldade de socialização tinha a
maior renda; no Cenário 2, no qual a depressão materna foi associada a condições econômicas
precárias, identificou-se a menor renda familiar (sendo que a dupla em que a criança
apresentou dificuldade de socialização contava exclusivamente com o auxílio doença da avó
no valor de um salário mínimo como fonte de renda) e a inclusão das famílias na classe C; no
Cenário 3, as famílias pertenciam à classe econômica B, contudo, a renda familiar da criança
com dificuldade de socialização era de um terço da referida pela mãe cujo filho não
80
apresentava tal dificuldade; no Cenário 4, as duplas pertenciam à classe econômica B e
tinham renda variável, sendo que a dupla cuja criança apresentava dificuldade de socialização
tinha renda próxima de dois e meio salários mínimos e a dupla cuja criança não apresentava
tal dificuldade tinha renda mensal variando entre três e cinco salários mínimos.
Em todos os cenários, portanto, houve semelhança entre a condição econômica das
duplas incluídas. A renda, por sua vez, pode ser identificada como uma condição
diferenciadora, sendo que todas as duplas cujas crianças apresentaram dificuldade de
socialização tinham rendimentos inferiores se comparados, dentro de cada cenário, aos
referidos pelas mães cujos filhos não apresentaram tal dificuldade.
A condição sócio-econômica das famílias é identificada como um importante
indicador de recurso ou de adversidade do ambiente familiar para o desenvolvimento infantil.
Das oito duplas incluídas, sete referiram dificuldades econômicas importantes, sendo que
quatro famílias haviam vivenciado tais dificuldades no passado e já as tinham superado; uma
das famílias vivenciava dificuldades financeiras na época da coleta de dados que interferiam
apenas em atividades de lazer para os filhos; e duas famílias apresentavam dificuldades
pregressas e atuais que comprometiam a subsistência familiar. As dificuldades referidas
podem ser caracterizadas como desfavorecimento econômico momentâneo em alguns casos
ou como condição crônica, tal como nos casos do Cenário 2, já assinalado por Criss et al.
(2002) como condição de risco incidindo sobre o ambiente familiar.
Nos cenários 3 e 4, por sua vez, a constituição familiar apresentou outras
particularidades relevantes que permeavam o contexto de vida das crianças avaliadas e que
incluíram os conflitos conjugais recorrentes (Cenário 3) e a discórdia familiar e a
psicopatologia paterna (Cenário 4). Tais condições familiares adversas são descritas como
variáveis que moderam o desenvolvimento infantil, como apresentado nos achados dos
estudos referidos, a saber: (a) a presença de estresse conjugal e os problemas de
comportamento dos filhos (BRIGAS; PAQUETTE, 2000; BRIGAS; LAFRENJÉRE;
LACHARITÉ, 1991); (b) a identificação de níveis elevados de conflito na família e a
presença de problemas emocionais em crianças e adolescentes (MRAZEK; HAGGERTY,
2004); (c) condições de adversidade do ambiente familiar associadas à discórdia familiar e à
doença mental parental (LAUCHT et al., 2001; GOODMAN; GOTLIB, 1999).
A depressão materna como estressor principal e, mais especificamente, associada a
outras condições adversas crônicas que configuraram os quatro cenários analisados, teve
impacto diferenciado para as crianças, podendo se identificar e incluir casos em todas as
condições com destaque para as dificuldades e os recursos.
81
Destaca-se, assim, que o convívio da criança com a depressão materna não foi por si só
uma condição associada a problemas de competência social e/ou acadêmica, o que é concordante
com os achados de Garber e Little (1999) ao referirem que há diferentes possibilidades de
desfechos para as crianças expostas à depressão materna. Nesse sentido, a identificação de
crianças com bons recursos de socialização que convivem com a condição de depressão materna
associada a outras condições adversas coloca em foco a complexidade da variável estudada e a
possibilidade de recursos protetores que podem estar presentes, favorecendo as respostas de
quatro das oito crianças a tais adversidades. A depressão materna é, pois, compreendida no
presente estudo como elemento de um cenário mais amplo, no qual outros elementos podem estar
associados, funcionando como condições adversas ou protetoras do desenvolvimento infantil, em
concordância com o proposto por Goodman e Gotlib (1999).
5.2 Apresentação dos casos considerando os cenários de inclusão e análise dos processos-
chave da resiliência por cenário
Apresentar-se-ão as duplas mãe-criança agrupadas por cenário, de maneira a descrever
os casos pesquisados em profundidade, enfatizando os recursos e as adversidades presentes e
associados às características pessoais da criança, do ambiente familiar e da rede de apoio
social. Ao final de cada cenário, caracterizar-se-ão os processos-chave da resiliência,
comparando-se os casos incluídos quanto às semelhanças e diferenças relativas aos sistemas
de crenças, processos de comunicação e padrões organizacionais da família, conforme as
proposições de Walsh (2005).
Cenário 1
Depressão Materna como Estressor Principal
Dupla M01 e F01 - Com dificuldade de socialização
Identificação
A dupla 01 é composta pela mãe (M01), 41 anos, casada, diarista, ensino fundamental
completo, três filhos, sendo um filho com 16 anos e duas filhas, uma com 12 anos e uma com
nove anos e três meses de idade (F01), estudante da 4ª série do ensino fundamental, sendo
esta última a criança incluída neste estudo. O chefe da família é o pai da criança, com ensino
médio completo, pedreiro autônomo.
82
Histórico da depressão materna
Tendo como marco de tempo o momento da coleta de dados, segundo o relato de M01,
os primeiros sintomas associados à depressão se iniciaram 16 anos antes, após o nascimento
do seu primeiro filho, e se repetiram por ocasião do nascimento do segundo filho (de 12 anos)
e há sete anos, no momento em que estava tendo dificuldades no relacionamento conjugal,
referindo sobrecarga nos cuidados com os filhos. Em todos os episódios, os sintomas
regrediram espontaneamente: “elas (manifestações depressivas) iam e voltavam, sem nenhum
tratamento” (sic). Nos três episódios referidos, M01 não buscou tratamento para a
sintomatologia depressiva que incluía principalmente queixas somáticas e sintomas ansiosos,
sugestivos de um transtorno depressivo com episódios leves.
Relatou que o quarto episódio ocorreu cerca de quatro anos antes da coleta de dados, os
sintomas depressivos se agravaram, relatando que na época sentia-se sobrecarregada quanto aos
cuidados com os três filhos. Apresentou tristeza intensa, desânimo que interferiu no seu
desempenho para a realização das atividades domésticas, além de sintomas compulsivos, como
comportamentos repetitivos de abrir e fechar as portas, lavar as mãos, verificar se o gás não estava
aberto, sem outras manifestações características. Referiu que tais sintomas compulsivos já haviam
ocorrido antes, quando tinha 19 anos e, nesta ocasião, realizou tratamento medicamentoso com
uso de antidepressivo por seis meses e, segundo ela, teve alta médica e tal sintomatologia
voltou a recorrer há quatro anos, durante o quarto episódio depressivo.
Somente procurou ajuda cerca de um ano após o início de tais manifestações, buscou
atendimento com médico psiquiatra particular, iniciando uso de medicação antidepressiva, a qual foi
por duas vezes substituída em razão de queixas de efeitos colaterais. Relatou melhora relativa dos
sintomas. O quinto episódio ocorreu há um ano e meio antes da coleta de dados, a sintomatologia
depressiva se agravou novamente com manifestações intensas de tristeza, desânimo e prejuízo no
desempenho funcional diário. Passou a ser atendida por médico psiquiatra de um serviço
ambulatorial público, quando lhe foi prescrito outro antidepressivo com conseqüente melhora
relevante do transtorno depressivo, sendo que referiu sentir-se bem há cerca de um ano.
Os sintomas depressivos quanto à duração e intensidade possibilitaram o diagnóstico
pela SCID de Transtorno Depressivo Recorrente, com Episódio Moderado ocorrido nos
últimos dois anos, sem manifestações de sintomas depressivos nos últimos seis meses.
Atribuiu a melhora atual a vários fatores, a saber: relatou que buscou informações sobre
depressão e auxílio na religião para conviver melhor com os sintomas depressivos, referiu a
ajuda da medicação e a melhora na qualidade da relação conjugal além dos recursos pessoais
como facilitadores da melhora, como pode ser visto no trecho a seguir: “Só com o passar do
tempo que eu fui me familiarizando, lendo (...) A informação ajuda você a conviver melhor
83
(com a depressão) (...) Eu me sinto bem melhor hoje (...) A maturidade me ajudou a melhorar
(...) Eu ganhei estabilidade no casamento...”.
A exposição de F01 à sintomatologia depressiva materna ocorreu pela primeira vez
quando a criança contava com cerca de dois anos de idade (3º episódio), sendo que aos cinco
anos (4º episódio) e aos sete anos e meio (5º episódio) conviveu com episódios moderados da
depressão materna.
Os indicadores de recurso e adversidade serão apresentados a seguir em três quadros
descritivos que os agruparão de acordo com: (a) as características de F01, (b) do ambiente
familiar e (c) da rede de apoio social.
Recursos e adversidades pessoais
Apresentar-se-á a seguir os indicadores de recursos e de adversidades relativos às
características pessoais de F01, como mostra o Quadro 2.
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Nível intelectual
Percentil > 25 – Médio Inferior Recurso
(Raven)
B. Desempenho
Escore geral e nos subtestes específicos – Inferior à média Adversidade
Acadêmico (TDE)
C. Comportamento (SDQ) Escore total e nas escalas específicas – Anormal Adversidade
C1. Comportamento Escore na escala hiperatividade – Anormal Adversidade
pró-social (SDQ) Escore na escala de comportamento pró-social – Normal Recurso
D. Saúde física Rinite (dos um aos nove anos) e discreta má formação no lóbulo Adversidade
(EEA/EAC) da orelha desde o nascimento (não causava incômodo à F01)
E. Resposta diante de “(F01 fala:) ‘porque a (nome da irmã) fez isso, porque ela fez isso’ ” Adversidade
situação adversa ela... (F01 tava brigando com os irmãos) ‘ninguém gosta de mim’, Adversidade
(Entrevista) pegou o controle remoto, bateu o controle remoto (...) ‘eu vou fugir
dessa casa’ (...) Falei: ‘pro quarto, agora, que depois a gente
conversa’ (...) ela ficou irritada de um jeito
ela (F01) vem se justificar (quanto a seu comportamento)” Recurso
Diante de algo novo, ela se desespera (...) ‘eu não sei fazer, eu não Adversidade
vou fazer’, aí, já começa a chorar, ‘eu sou burra, eu não dou pra
nada, eu não consigo’, ela chora”
“(diante de situações difíceis, F01) fica nervosa, fica desesperada, Adversidade
ela chora"
sempre (pede ajuda), (filhas de M01) não escondem nada” Recurso
ela (F01) é obediente (frente ao que não lhe é permitido)” Recurso
Por causa dos mais velhos, ela quer tomar as decisões sozinha (...) Recurso
eu sinto um ar de independência
“(quando tem dificuldade) ‘ah, mãe, eu faço oração e peço Recurso
pra ele (Deus) ajudar’
Quadro 2: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características pessoais de F01.
84
Os indicadores apontaram que a criança apresentava nível intelectual médio, recursos
pró-sociais, expressos pela empatia ao outro e disponibilidade ao contato, e capacidade para
compreender as regras e limites que lhe eram impostos no dia-a-dia.
Quanto à saúde física, logo ao nascimento de F01, foi constatada má formação do
lóbulo de uma das orelhas, perceptível até data da pesquisa, mas que não causava incômodo
para F01 segundo a mãe, e com cerca de um ano de idade passou a desenvolver um quadro
alérgico (rinite) que perdurava até os anos atuais. Segundo a mãe, com exceção destas
condições, a criança teve bom desenvolvimento e gozava de boa saúde.
A mãe relatou que a criança tinha dificuldades quanto ao desempenho acadêmico,
principalmente na disciplina de matemática, mantinha bons vínculos com seus pares e com
adultos, mas comportava-se com eles de maneira inquieta, como pode ser visto nos trechos
transcritos a seguir:
Nesse último ano, ela (F01) tá melhorando um pouco na escola (...)
talvez se deva a esse cuidado de (M01) tá dando mais atenção (...)
quando ela tava no 2º ano, assim, dificuldade de... concentração na
escola, tudo, aí, eu comecei a dar mais atenção nisso, a sentar... (...)
ela demanda mais cuidado (...) 2006, foi difícil (...) não presta
atenção na aula, não se concentra
eu só precisei ajudar ela (F01) a raciocinar, mas o resultado foi dela
(...) foi uma grande melhora, porque ela tem dificuldade em
matemática (...) e muita (...) já tem ‘muito bem’ no caderno
ela (F01) tem prestado mais atenção nas reuniões (da religião)
ela (F01) é irrequieta, ela brinca com uma coisa, muda pra outra
Destaca-se que a percepção da mãe sobre o desempenho acadêmico da filha está em
acordo com a avaliação específica nesta área. M01, contudo, apontou para melhoras
progressivas neste desempenho, associando as dificuldades à falta de atenção e de
concentração e à agitação da filha e os progressos à ajuda diferenciada (dos outros filhos) que
ela vinha promovendo à F01.
Referiu, contudo, problemas de comportamento, tais como mentir, dar respostas não
adequadas diante de situações novas, difíceis ou de confronto com os irmãos, conforme texto
transcrito a seguir.
(F01 mente) pra se beneficiar, ela quer... ou ela tem medo de ser
punida ou pra ela mesma, ou alguma coisa pra ela
(quando F01 se desespera) eu procuro conversar com ela (...) ela se
acalma
85
Com relação às adversidades relativas às características pessoais de F01, destacaram-se a
presença de problemas de saúde e dificuldades de socialização, expressas pelo baixo desempenho
acadêmico geral e nos subtestes específicos de escrita, aritmética e leitura na avaliação por prova
específica, bem como pelas dificuldades de comportamento geral e, mais especificamente, nas
quatro áreas do comportamento avaliadas a saber: (a) sintomas emocionais, assinalados pela mãe
quanto a queixas somáticas, preocupação freqüente, tristeza e insegurança; (b) problemas de
conduta, identificados por acessos de raiva, desobediência, briga com outras crianças e mentiras
freqüentes; (c) dificuldades nos relacionamentos com seus pares, identificadas pelo fato de outras
crianças lhe perturbarem e por preferir relacionar-se com adultos; e (d) queixas de hiperatividade
quanto à inquietude, agitação, dispersão, desatenção e impulsividade.
Em conjunto com as condições adversas associadas ao desempenho acadêmico, às
dificuldades de comportamento e à saúde física da criança, destacaram-se, ainda, suas atitudes
diante de situações difíceis ou novas, que evidenciaram dificuldades no enfrentamento dos
eventos do seu dia-a-dia, que segundo o relato da mãe sugerem descontrole impulsivo e baixa
auto-estima. Destaca-se que desde os primeiros anos de vida F01 conviveu com condições
adversas importantes, as quais se somaram e associaram às dificuldades para desempenhar
tarefas próprias de sua etapa do desenvolvimento, sinalizando que os recursos pessoais da
criança não estariam atuando para minimizar o impacto das adversidades.
Recursos e adversidades do ambiente familiar
O Quadro 3 a seguir apresentará os recursos e adversidades do ambiente familiar de F01.
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Condições familiares referentes à escolaridade Escolaridade: mãe – ensino fundamental completo Recurso
e idade dos pais na época do nascimento dos pai – ensino médio completo
filhos (Ficha Sócio-Demográfica) Maternidade/Paternidade: pais > 18 anos Recurso
B. Saúde mental dos pais Depressão materna moderada por cerca de quatro anos Adversidade
(EEA/EAC) e sintomas leves anteriormente
Ausência de consumo de álcool pelos pais Recurso
C. Conflitos conjugais Aumento de conflitos e brigas entre os pais no passado Adversidade
(EEA/EAC) com duração de dois anos
D. Envolvimento dos pais com a lei (EEA) Ausente Recurso
E. Participação dos pais a gente passeia, vai no shopping, centro da cidade, sai Recurso
nas rotinas diárias (Entrevista) junto, vai na pizzaria. Depende muito de mim, porque meu
marido é muito caseiro (...) e a gente tá sempre ali
(com os filhos)”
A gente... lê, estuda junto, lê a bíblia (com F01)” Recurso
Pais participam da rotina de F01 Recurso
Quadro 3: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de F01.
continua
86
Continuação
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
F. Organização e relações familiares tem, a gente tem rotina (religiosa e escolar)” Recurso
(Entrevista, RAF e EEA/EAC) eu (decido o que pode e o que não pode fazer) (...) eu não Recurso
gosto de tomar nenhuma decisão sem ele (marido), mas eu
senti que essa responsabilidade ele sempre passou pra
mim (...) algumas coisas a gente decide junto
Vai pro fundo, varre junto... o quintal (...) meu menino Recurso
(filho) tá ajudando ele (pai)”
“(busca) não passar pra eles (filhos), assim, coisas que Recurso/Adversidade
minha mãe passava pra gente
eu me dou muito bem com ela (com F01) (...) a gente é Recurso
muito igual, a gente gosta das mesmas coisas
Ela (F01) me cobra muito brincar com ela” Adversidade
Vou controlando: um pouco lá (nas atividades Recurso
domésticas), um pouco com eles (filhos) (...) Requer um
bom planejamento e se apegar ao planejamento
Conflitos do pai com familiares de M01 no passado Adversidade
Resposta positiva aos itens sobre rotina e atividades Recurso
lúdicas e domésticas do RAF
Outros eventos estressores (mãe com sinusite de difícil cura Adversidade
e pai e irmão tiveram pneumonia no passado)
F1. Regularidade dos cuidados parentais eu nunca fui de brincar (com os filhos) (...) cuidar da Adversidade/Recurso
(Entrevista e RAF) parte material da família (...) agora, eu tô tentando correr
atrás com a F01
eu sempre me preocupo com os tipos de coisas, com os Recurso
tipos de recreação que ela (F01) vai fazer, se é violento ou
não (...) tem jogo de videogame que eu não permito pra
ela, novelas imorais... filmes violentos
eu tenho melhorado um pouco (com os cuidados) (...) a Recurso
gente erra nos primeiros (filhos) e tenta acertar no último
“(cuidados) com ela (F01), roupa, comida, eu sempre Recurso
procurei (...) eu acho que eu não deixei a desejar
Ah, consigo (perceber que F01 tá com problema ou Recurso
precisando de ajuda), ela (F01) chega, a carinha dela é
outra (...) ela muda (o jeito dela)”
Eu sou testemunha de Jeová (...) fazer muita oração pra Recurso
me acalmar (...) a gente faz serviço de pregação,
ela (F01) vai
Presença dos pais como rede de apoio Recurso
Resposta positiva aos itens do RAF sobre integração dos Recurso
pais na rotina e lazer da criança
Quadro 3: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de F01.
continua
87
Continuação
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
G. Suporte social à escolarização Resposta positiva ao item do RAF sobre supervisão Recurso
(RAF) Resposta nula ao item do RAF sobre rotina de Adversidade
tarefas escolares da criança
H. Projetos de vida e expectativa de futuro Tenho (planos para o futuro) (...) eu pretendo parar de Adversidade
(Entrevista) trabalhar (...) minha casa demanda mais cuidado (...) e eu
sei que os filhos (na adolescência) precisa da gente (...) pra
ficar mais com eles
I. Aceitação da criança (Entrevista)
ela (F01) se queixa às vezes da gente dar atenção aos
Recurso
(filhos) mais velhos (...) mas acho que isso é normal
eu tô percebendo que ela (F01) tá criando seio (...)
Recurso
percebo que tem fases do mês que ela tá insuportável,
tá chorona, tá briguenta
Eu percebo que ela (F01) mente muito, ela esconde as
Recurso/Adversidade
coisas... principalmente em relação à outra (filha), ela tem
dificuldade de relacionamento (...) isso aí me incomoda
não sei se é a idade, o quê que é (...) eu acho que é
Recurso
normal, não é algo preocupante
J. Eventos de perda (EEA) Ausência de eventos de perda Recurso
K. Hospitalização de familiares, nascimento Ausência de hospitalização de familiares e de Recurso
de irmãos (EEA) nascimento de um irmão
L. Resposta diante de situação adversa “(quando contrariam M01) eu dou um breque ne mim Recurso
(Entrevista) “(precisa) Saber dizer ‘sim’ e ‘não’ (...) tentar não repetir Recurso
o erro agora (...) lidar com as situações sem se desesperar
(...) hoje, eu já consigo equilibrar, ouvir um pouco mais
antes de tomar a decisão (...) respiro mais fundo (...) eu
sinto tudo aquilo (dor, nervoso, ansiedade), mas eu
controlo
Eu não relaxo (...) eu não aproveito (os momentos de Adversidade/Recurso
lazer quando tem seus afazeres) (...) Aí, eu começo a
conversar comigo mesmo... aí, foi mais gostoso, aí, eu
fiquei até mais tempo com ela (com F01 na piscina)”
procuro aceitar meus problemas (...) eu até tento esconder Recurso/Adversidade
deles (filhos)”
quando eu tenho dificuldade de relacionamento (...) eu Recurso
procuro, eu converso muito com ela (amiga mais velha)...
minha irmã também
eu não sou de falar (o que não concorda ou quando Adversidade
combinam algo e não cumprem) (...) mas eu estava
nervosa
M. Ambiente físico (RAF) Resposta positiva aos itens do RAF sobre recursos Recurso
materiais existentes na casa
Quadro 3: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de F01.
conclusão
88
Os recursos identificados no ambiente familiar referiram-se à participação dos pais nos
cuidados regulares à F01, nas atividades lúdicas, de lazer e da rotina, e à participação de M01
nos cuidados com a casa, com a rotina doméstica e na supervisão à escolarização. Destacou-
se, ainda, que a família tinha práticas religiosas freqüentes, incluindo atividades cotidianas,
envolvendo a participação de F01 em atividades para jovens e a oração em casa, sendo a
religião referida pela mãe como uma importante fonte de apoio, nos momentos percebidos
como difíceis. Relatou, ainda, a presença de recursos materiais adequados à F01,
favorecedores de seu crescimento. Identificou-se como recursos: a escolaridade dos pais, a
presença de itens materiais na casa, a ausência de hospitalizações de familiares e nascimento
de irmãos, a ausência de consumo de álcool pelos pais, os quais não haviam se envolvido com
a lei ou a polícia e eram adultos quando do nascimento da filha, e a ausência de situações de
perda.
O comportamento da mãe diante da filha, segundo o seu relato, refletia a percepção
das necessidades da criança, bem como as mudanças físicas próprias da idade, e o desejo de
que F01 desenvolvesse comportamentos mais adequados. Somou-se a isso a percepção e
empatia da mãe quanto às semelhanças de personalidade entre ela e a filha e os recursos
internos de M01 para aceitar as dificuldades de F01 como condição passageira do
desenvolvimento, buscando oferecer mais recentemente à filha atenção diferenciada da que
ofereceu aos filhos mais velhos e situações prazerosas de interação.
O relato da mãe sinaliza, ainda, para mudanças na sua relação com a filha, uma vez
que no passado priorizava os cuidados materiais e, no momento da coleta de dados, buscava
associar a esse cuidado a afetividade, a atenção e os momentos de lazer, distribuindo melhor
seu tempo e seu planejamento diário entre as atividades domésticas e com a família.
M01 referiu que todos na casa tinham rotina a seguir, principalmente relativa às
práticas religiosas, sendo os pais os responsáveis pelas regras e limites oferecidos. Contudo,
na percepção de M01, a maior carga desta tarefa era sua, preocupando-se principalmente com
a qualidade das atividades que os filhos tinham, e segundo sua percepção ela era o centro da
rede de apoio à família.
As respostas da mãe diante de situações novas ou difíceis incluíam a reflexão pelos
erros do passado, busca de controle emocional e de auxílio externo, comportamentos que
eram oferecidos também a F01 como respostas adequadas. Em alguns momentos, contudo,
evitava expressar suas emoções de descontentamento ou de falar dos problemas, visando
inclusive poupar os filhos.
89
Referiu planos pouco realísticos para seu futuro e da família, justificado pela intenção
de parar de trabalhar estar pautada na demanda de estar junto dos filhos adolescentes,
desconsiderando a maior autonomia e individuação das pessoas nesta fase do
desenvolvimento. A manutenção econômica da família ficaria, segundo M01, a cargo de seu
marido e de seu filho mais velho, que iniciaria trabalho remunerado.
Os indicadores de adversidade do ambiente familiar associaram-se a características da
mãe (depressão materna e sinusite de difícil tratamento no passado), do pai expresso por
conflitos dele com a família de M01 no passado, da relação entre os pais expressa pelo
aumento de conflitos conjugais no passado, de problemas de saúde física do pai e do irmão de
F01 e da ausência de organização na rotina de tarefas escolares da criança.
Os dados apontaram que F01 estava inserida em uma família que apresentava padrões
de organização que obedeciam a uma rotina relativa à religião e contava com os pais como
suporte. A mãe, contudo, era a figura central da rede de apoio, mas sinalizava idéias dúbias
com relação aos projetos para o futuro pessoal. O relato da mãe apontou, ainda, para a
presença de postura pró-ativa diante do mundo e comportamentos de reflexão e controle
diante das adversidades.
A mãe referiu valorizar as relações familiares no momento atual, entretanto, relatou
que, por longo tempo no passado, reduzia as relações interpessoais a contatos pouco afetivos e
que primavam pelos cuidados materiais e básicos da família. Sinalizou, ainda, ser uma figura
pouco flexível no cotidiano familiar no que diz respeito às regras e aos limites estabelecidos e
relatou ter, em alguns momentos, dificuldades em compartilhar suas emoções com os demais.
Recursos e adversidades da rede de apoio
O Quadro 4 a seguir apresentará os recursos e adversidades da rede de apoio social à
F01.
90
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Criança - Relações com os pares Escore na escala de problemas de relacionamentoAnormal Adversidade
(SDQ) Escore na escala de comportamento pró-social – Normal Recurso
B. Família - Relações sociais (RAF) Presença de visita a parentes e amigos da família Recurso
C. Eventos escolares (EEA) Adversidades escolares (o relacionamento Adversidade
com os colegas piorou)
D. Suporte social (RAF e Entrevista) Resposta positiva aos itens do RAF sobre atividades Recurso
programadas de F01
Ele (marido de M01) (e filhos) procurou me ajudar” Recurso
(M01 falou pela primeira vez sobre a filha com um profissional Recurso
de saúde mental com a pesquisadora) “eu acho que eu
nunca pedi ajuda (profissional com relação à F01) (...) a gente
conversa muito, eu e meu marido, sobre a educação deles
às vezes, eu busco muito ajuda nas publicações (religiosas) que Recurso
eu tenho, que se colocada em prática me ajuda bastante
“(M01 recebe) muito atenção das pessoas e com isso vem a Recurso
ajuda
Suporte social para a mãe Recurso
D1. Recursos comunitários (Entrevista) Reposta positiva à utilização de recursos Recurso
comunitários: educação, saúde, lazer e religião
E. Fator sócio-econômico Classe sócio-econômica B Recurso
(Ficha Sócio-Demográfica e Entrevista) Superpopulação: Ausente Recurso
A mãe começou a trabalhar Adversidade
Ausência de momentos difíceis do ponto de vista financeiro Recurso
Auto-suficiência quanto à provisão econômica Recurso
as despesas maior é dele (do marido)” Recurso
“(a remuneração de M01 é gasta com) uma roupinha pras Recurso
crianças, um passeio que eles quer fazer, uma roupa pra mim,
que eu não gosto de ficar pedindo
Quadro 4: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características da rede de apoio social à F01.
Quanto aos recursos da rede de apoio, os dados sugeriram a presença de recursos pró-
sociais da criança, expressos pela empatia ao outro, o que favorecia as relações e a rede de
apoio social à criança, que contava, juntamente com a família, com recursos da comunidade e
atividades programadas que contribuíam para o desenvolvimento de F01.
A esses recursos somou-se a presença de contatos com a família extensa, a ausência de
superpopulação na casa, a auto-suficiência quanto à provisão financeira da família, a ausência
de momentos difíceis do ponto de vista financeiro e a inclusão da família na classe sócio-
econômica B. A rede de apoio social contava, ainda, com suporte familiar para M01 e a
utilização de recursos da comunidade, inclusive com a disponibilidade e uso de publicações
religiosas para a compreensão de M01 das situações cotidianas.
Os indicadores assinalados quanto às adversidades associaram-se à presença de
dificuldade escolar, expressa pela piora no relacionamento com os colegas, a problemas de
91
F01 nos relacionamentos interpessoais e ao fato de M01 ter iniciado atividade laboral
remunerada duas a três vezes por semana fora de casa.
Síntese
Os cinco episódios depressivos descritos por M01 tiveram como manifestações
características tristeza, desânimo e prejuízo nas atividades diárias, o que se acentuou nos dois
últimos episódios. Os motivos referidos como associados aos episódios remontaram ao
nascimento dos dois filhos mais novos e a dificuldades próprias do cotidiano quanto ao
relacionamento conjugal e ao cuidado com os filhos. Tais dificuldades, na percepção de M01,
são aquelas comuns na vida das pessoas em geral, não se configurando como situações
conflitivas mantidas no tempo ou como condições adversas que por si só demandariam
enfrentamento.
Na época da coleta de dados, ela estava em tratamento medicamentoso e seus relatos
indicaram que isto era valorizado como condição para melhora do transtorno depressivo, a
qual foi associada por ela também ao acesso a publicações religiosas sobre temas relacionados
à depressão e à maturidade.
Referiu projetos pouco realísticos para os membros familiares e, quanto a seus
projetos pessoais, relatou o desejo de ter mais tempo disponível para cuidar dos filhos
adolescentes, o que poderia ser favorecido pela interrupção de seu trabalho, com a expectativa
de que a provisão econômica da família pudesse ser sustentada pelas atividades laborais do
marido e do filho mais velho. Dessa forma, M01 sinalizava ambivalência quanto à sua
percepção de maior autonomia, por parte do filho mais velho, atribuindo a ele parcela da
responsabilidade quanto à manutenção da casa e, por outro lado, a necessidade de prover mais
atenção aos filhos adolescentes.
As práticas religiosas freqüentes e compartilhadas pelos membros da família foram
apontadas por M01 como fonte de suporte e auxílio no enfrentamento das situações
cotidianas, sendo tais práticas uma rotina da família e um investimento da mãe em valores e
crenças internas. A coesão familiar e a ajuda recebida de familiares e amigos também foram
referidos como suporte para M01 e para a família, evidenciando a presença de uma rede de
apoio social e afetiva eficaz que se somava à presença de uma rede comunitária da qual
faziam uso constante.
Além de contar com os recursos apontados, M01 sinalizou apresentar comportamentos
de reflexão diante das adversidades, o que ajudavam no equilíbrio interno e conseqüentemente
na estabilidade familiar. Porém, a mãe apontou, ainda, situações em que evitava compartilhar
92
seus sentimentos com os filhos na tentativa inclusive de não envolvê-los com situações que
percebia como adversas, indicadores de dificuldade de M01 na expressão das próprias
emoções e no relacionamento claro e sincero com os familiares.
A família oferecia à F01 cuidados regulares e recursos materiais, sendo M01 a figura
central da rede de apoio à filha, que oferecia regras e limites claros e por vezes rígidos à
criança. A organização familiar contava com planejamento, compromisso mútuo e rotina para
F01, além de práticas educativas coerentes, sendo a mãe a principal responsável pela
organização da rotina doméstica.
Mãe e filha mantinham, mais recentemente, uma relação afetiva, com interações
prazerosas, sendo que os pais participavam constantemente das atividades do dia-a-dia e de
lazer de F01. M01 referiu identificar as mudanças na filha próprias de seu período de
desenvolvimento, bem como as demandas e os comportamentos pouco adequados de F01,
sinalizando aceitar os limites da filha. A afetividade da relação, entretanto, esteve presente
recentemente na vida familiar, tendo tal mudança sido relacionada pela mãe à maior demanda
afetiva de F01 e à sua percepção de distanciamento afetivo principalmente no relacionamento
com os filhos mais velhos. Assim, evidenciou-se que a possibilidade de compreensão dos
conflitos e das necessidades familiares parecera estar presente como recurso materno apenas
mais recentemente, sendo, pois, mais possível a administração dos problemas cotidianos.
Os recursos econômicos e materiais foram referidos como suficientes para a provisão
da família no momento da coleta de dados, sem que houvesse, na percepção de M01, qualquer
situação passada em que a família tivesse apresentado dificuldades financeiras.
Os recursos pessoais de F01 (relativos ao nível intelectual e aos recursos pró-sociais),
do ambiente familiar (relativos às práticas religiosas compartilhadas, à coesão familiar mais
recentemente, aos cuidados regulares, à presença de regras e limites e à percepção adequada
de M01 quanto às necessidades e limites da filha) e a presença de recursos econômicos
suficientes e comunitários efetivos apontaram para a presença de possíveis condições
promotoras do desenvolvimento infantil. Contudo, a presença de dificuldade relevante em sua
socialização (expressa pelo desempenho acadêmico no geral e nos subtestes específicos
abaixo do esperado para sua escolaridade e pela presença de dificuldades comportamentais
descritas pela mãe) e problemas de saúde crônicos desde o nascimento de F01 evidenciaram
que as adversidades relativas à doença mental da mãe e ao distanciamento afetivo de M01
durante a primeira infância da criança funcionaram como condições adversas ao seu
desenvolvimento e poderiam estar favorecendo sua dificuldade adaptativa às tarefas próprias
do seu período do desenvolvimento.
93
Dupla M02 e F02 – Sem dificuldade de socialização
Identificação
A dupla 02 é composta pela mãe (M02), 37 anos, casada, do lar e vendedora autônoma
(de produtos alimentícios de produção caseira), ensino médio, com três filhos, um menino de
cinco anos, uma menina de sete anos e um menino de 11 anos e seis meses de idade (F02),
estudante da 7ª série do ensino fundamental, sendo esta a criança incluída no estudo. O chefe
da família é o pai da criança, doutor em química, professor de escola de ensino fundamental e
químico de uma instituição pública.
Histórico da depressão materna
Tendo como marco de tempo o momento da coleta de dados, segundo o relato de M02,
os sintomas da depressão tiveram início há cerca de quatro anos e meio e foram associados à
gravidez do seu filho mais novo (de cinco anos de idade) e do falecimento do pai de M02
durante esta gestação. Informou que a gravidez não foi desejada e que sentiu rejeição pela
criança, tendo enfrentado complicações clínicas. Relatou que, na ocasião, apresentava
angústia, insônia, perda de interesse pelas atividades diárias de sua vida, irritabilidade e
mudanças em sua fisionomia (descreveu que apresentava “olhos mortos”).
Ainda no primeiro episódio, os sintomas depressivos se agravaram e, com o apoio do
marido que buscou atendimento médico, iniciou tratamento psiquiátrico com médico
particular na cidade onde residia, com o uso de antidepressivo. Relatou que a medicação
prescrita lhe fazia mal, referindo sintomas colaterais, o que fez com que procurasse no mês
seguinte atendimento em um serviço de saúde de uma universidade pública daquela cidade.
Nesta ocasião, foi-lhe prescrita outra medicação antidepressiva, sendo que o tratamento
medicamentoso perdurou por quase dois anos e meio e com o qual apresentou melhora
importante da sintomatologia depressiva, fez também consulta com psicólogo, mas não
iniciou o tratamento psicoterápico em razão da mudança da família de cidade.
Após a mudança para a cidade onde a família residia no momento da coleta de dados,
cerca de um ano e meio antes, interrompeu o uso da medicação por conta própria tendo em
vista a melhora da sintomatologia, permanecendo quase um ano sem tratamento. Durante o
período em que esteve sem tratamento, voltou a apresentar sintomas depressivos e foi
encaminhada por profissional de saúde para o atendimento ambulatorial em serviço de saúde
mental, onde reiniciou o tratamento medicamentoso. Após pouco tempo de uso de
antidepressivo, apresentou melhora importante e teve alta médica do tratamento, inclusive do
94
uso da medicação psiquiátrica, sendo encaminhada para atendimento psicoterápico no mesmo
serviço de saúde. No momento da coleta de dados, aguardava vaga para iniciar psicoterapia
com psicólogo.
Quanto à sua saúde física, relatou ter tido quatro internações em hospitais gerais,
decorrentes das gestações dos três filhos, e não referiu qualquer outra queixa física.
Os sintomas depressivos quanto à duração e intensidade possibilitaram o diagnóstico
pela SCID de Transtorno Depressivo Recorrente, com Episódio Moderado ocorrido nos
últimos dois anos e sem manifestações características de sintomas depressivos nos últimos
seis meses. No momento da coleta de dados, apresentava uma percepção positiva de si,
relatando, contudo, perceber-se ainda uma pessoa nervosa e irritada em algumas situações, o
que relatou não acontecer consigo antes do início do quadro depressivo. Referiu, além disso,
que a melhora da sintomatologia depressiva possibilitou-lhe buscar atividades que lhe
proporcionassem chances de re-inserção no mercado de trabalho, tal como ilustrado no trecho
a seguir.
o que me ajudou depois de um tempo, que eu dei uma boa melhorada, foi
fazer cursos, fazer cursos de chocolate, trufas e bolos, cursos, contato com
outras pessoas, né, de fora, né, sair de casa um pouco, manter contatos com
outras pessoas, aprender alguma coisa. Depois comecei também a
trabalhar com isso
A exposição de F02 à sintomatologia depressiva materna ocorreu pela primeira vez
quando este contava com sete anos (1º episódio), sendo que aos dez anos e meio conviveu
com reincidência da depressão (2º episódio).
Os indicadores de recursos e adversidades serão apresentados em três quadros
descritivos que os agruparão de acordo com: (a) as características de F02, (b) do ambiente
familiar e (c) da rede de apoio social.
Recursos e adversidades pessoais
Apresentar-se-á a seguir os indicadores de recursos e de adversidades relativos às
características pessoais de F02, como mostra o Quadro 5.
95
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Nível intelectual Percentil > 75Definidamente acima da média Recurso
(Raven)
B. Desempenho Escore geral e subteste aritmética e leituraSuperior Recurso
Acadêmico (TDE) Escore subteste escrita – Na média
C. Comportamento (SDQ) Escore total e em todas as escalas – Normal Recurso
C1. Comportamento Escore nas escalas hiperatividade e Recurso
pró-social (SDQ) comportamento pró-social – Normal
D. Saúde física (EEA/EAC) Manchas salientes e claras pela pele (dos 10 aos 11 anos) Adversidade
E. Resposta diante de (situação difícil) “ele (F02) fica preocupado (...) ele tenta resolver Recurso
situação adversa (...) (caso não consiga sozinho) você percebe (ele) mais quieto
(Entrevista) ou mais nervoso (...) ele pergunta, ele tenta, né, pergunta
pra gente como é, por que é
(situação nova) ele pede ajuda. Então, a gente (pais) tá sempre Recurso
ali pra isso
Quadro 5: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características pessoais de F02.
Segundo o relato da mãe e de acordo com as avaliações por provas específicas, F02
apresentava recursos pessoais em quase todas as áreas avaliadas. Apresentava recursos
cognitivos, expressos pelo nível intelectual definidamente acima da média, e recursos de
socialização, expressos pela presença de recursos pró-sociais, ausência de dificuldades de
comportamento na escala geral e nas demais escalas do SDQ e bom desempenho acadêmico,
avaliado por prova específica, com destaque para o escore superior à média no desempenho
geral e nas áreas de aritmética e leitura.
Os recursos pessoais também estavam presentes em seu comportamento diante de
situações novas e adversas que vivenciava, de maneira a preocupar-se com elas, buscar
recursos internos para enfrentá-las e, quando não conseguia, buscava ajuda entre os
familiares, os quais foram referidos como figuras de apoio.
A condição adversa que incidia diretamente sobre as características pessoais da criança
era relativa à sua saúde física, expressa pela presença de uma doença dermatológica (líquen –
doença inflamatória que atinge a pele, com característica de lesões elevadas, planas, de cor
violácea e com estrias esbranquiçadas na superfície, acompanhadas de muita coceira
2
) que
persistia há cerca de um ano e meio na época da coleta de dados.
Destaca-se, pois, que F02 apresentava em geral um bom desempenho nas tarefas do
desenvolvimento próprias de sua etapa de vida, sinalizando recursos pessoais de socialização.
2
Disponível em: http://www.dermatologia.net/neo/base/doencas/liquenplano.htm Acessado em: 14 de julho de
2008.
96
Recursos e adversidades do ambiente familiar
O Quadro 6, a seguir, apresentará os recursos e adversidades do ambiente familiar de
F02.
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Condições familiares referentes à escolaridade Escolaridade dos pais:
e idade dos pais na época do nascimento dos Mãe - ensino médio/Pai – ensino superior Recurso
filhos (Ficha Sócio-Demográfica) Maternidade/Paternidade: pais > 18 anos Recurso
B. Saúde mental dos pais (EEA/EAC) Depressão materna por cerca de três anos e meio Adversidade
Ausência de consumo de álcool pelos pais Recurso
C. Conflitos conjugais (EEA/EAC) Aumento de conflitos e brigas entre os pais no Adversidade
passado que duraram poucos meses
D. Envolvimento dos pais com a lei (EEA) Ausente Recurso
E. Participação dos pais a gente brinca na piscina (...) eu vou chutar uma Recurso
nas rotinas diárias (Entrevista) bolinha com eles (filhos) (...) ele (F02) resolve ler um
livro, eu sou obrigada a ler um livro (junto)”
eu tava deixando a desejar (...) (com as mudanças na Recurso
rotina doméstica) eu dou uma ajeitada na casa, vou
preparar o almoço, vou buscá-los na escola, depois dou
almoço... (...) vai fazer a lição de casa (...) aí, depois,
que eu vou trabalhar. E, agora, tempo pra mim é esse de
manhã pra ‘brigar’ (na caminhada) com as amigas
F. Organização e relações familiares Tem (rotina com horários), no dia-a-dia (...) Recurso
(Entrevista, RAF e EEA/EAC) E o final de semana, ele (F02) me ajuda
Somos nós, os pais (que definem as regras)” Recurso
pra ele (F02) é interessante (ler o livro para a mãe), ele Recurso
acha que eu tenho que achar interessante também
Ausência de outros estressores graves Recurso
Resposta positiva aos itens sobre rotina e atividades Recurso
lúdicas e domésticas no RAF
Resposta positiva ao item da EEA - mudança de cidade Adversidade
F1. Regularidade dos cuidados parentais ele (F02) fica comigo o dia inteiro (...) eu pergunto, eu Recurso
(Entrevista e RAF) vou e cutuco mesmo (participando da rotina de F02)”
A gente pergunta, eu pergunto, né... ‘Tem alguma Recurso
dificuldade? Precisa de ajuda?’ ”
todo final de semana nós vamos à missa” Recurso
(F02 recorre) “mais a mim porque também eu sou Recurso
mais próxima, aí, se eu não posso ajudar ele no
momento, aí, eu falo: ‘Liga pro seu pai’
Resposta positiva aos itens do RAF sobre integração dos Recurso
pais na rotina e lazer criança
G. Suporte social à escolarização (RAF) Resposta positiva aos itens do RAF sobre supervisão Recurso
e rotina da criança quanto à sua escolaridade
Quadro 6: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de F02.
continua
97
Continuação
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
H. Projetos de vida e expectativa de futuro construir nossa casinha Recurso
(Entrevista) “o F02 ama futebol, ele fazia (...) aqui nós não Recurso
colocamos. Ele (quer) fazer aula de violão
I. Aceitação da criança (Entrevista) tudo que é normal de uma criança pode (fazer) (...) ele Recurso
é uma criança sensível e converso muito (com F02)”
“(F02) tá mudando o jeitinho dele, aos poucos vai se Recurso
transformando (em adolescente)
eu acho que ele (F02) não tem iniciativa, ter um tempo Recurso
pra ele e mais com os amiguinhos que ele não tem (...)
isso precisaria (mudar)”
J. Eventos de perda (EEA) Morte do avô materno Adversidade
K. Hospitalização de familiares, nascimento Hospitalização da mãe na 3ª gestação e nascimento Adversidade
de irmãos (EEA) dos irmãos
L. Resposta diante de situação adversa se eu tiver nervosa, eu falo: ‘Hoje, eu estou nervosa’, Recurso
(Entrevista) justamente pra não extrapolar
s
e for uma coisa complicada que eu não esteja sabendo Recurso
lidar no momento, eu prefiro, né, deixar pra depois,
p
orque (...) você vai ter um tempo de analisar de pensar
como é que eu vou fazer aquilo (...) se for coisa que tem
que ser rápida, aí, não tem como deixar pra depois
M. Ambiente físico (RAF) Resposta positiva aos itens do RAF sobre recursos Recurso
materiais presentes na casa
Quadro 6: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de F02.
conclusão
Os recursos do ambiente familiar de F02 foram associados a variáveis relativas às
características dos pais (boa escolaridade, ausência de consumo abusivo de álcool e ausência
de comportamentos que os envolvessem com a justiça ou a polícia), de características
relativas à sua participação na rotina diária e de lazer do filho, inclusive quanto à organização
da rotina doméstica e aos cuidados regulares despendidos a F02. Além disso, observou-se que
o ambiente familiar oferecia recursos materiais, percepção adequada sobre as possibilidades
da criança dada a sua etapa de desenvolvimento, regras definidas e respostas adequadas frente
às adversidades, favorecedores ao crescimento.
Segundo o relato da mãe, ela era a figura central da rede de apoio familiar a F02, o
qual se sentia seguro, e compartilhava com ela atividades agradáveis, tal como a leitura.
Expressou também ter projetos realísticos para si, para sua família e para F02, bem como
compartilhar práticas religiosas com os demais membros da família, sendo estas práticas
descritas como importante fonte de apoio familiar.
98
As condições adversas apontadas pareceram estar, em sua maioria, associadas a
condições da própria mãe (depressão materna, brigas conjugais em decorrência do transtorno
depressivo já superadas e hospitalizações durante as gestações), da organização familiar
(mudança de cidade) e do falecimento do avô materno de F02. Os eventos identificados como
adversos, principalmente com relação à depressão materna, eram potenciais condições
adversas ao desenvolvimento da criança, contudo, pareceram estar sendo minorados pelos
esforços da mãe quanto à sua inserção no mercado de trabalho, produzindo e vendendo doces
caseiros, e na busca por tratamento psicoterápico, sinalizando uma perspectiva de otimismo e
perseverança da mãe para a superação de dificuldades do dia-a-dia. Tal superação, na
percepção da mãe, contava, ainda, com a presença de crenças facilitadoras, o
compartilhamento de emoções claras e coerentes, a valorização das relações interpessoais e a
percepção da mãe quanto às interações familiares como algo prazeroso que promovia apoio e
comprometimento entre seus membros.
Destaca-se que F02 estava inserido em uma família que apresentava padrões de
organização que estavam favorecendo o seu desenvolvimento.
Recursos e adversidades da rede de apoio
O Quadro 7 a seguir apresentará os indicadores de recurso e adversidade relativos à
rede de apoio social à F02.
99
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Criança - Relações com os pares (SDQ) Escore na escala pró-social e de problemas Recurso
relacionamentos Normal
B. Família - Relações sociais (RAF) Realização de visitas a parentes e amigos da família Recurso
C. Eventos escolares (EEA) Adversidades escolares (mudança de escola) Adversidade
D. Suporte social (RAF e Entrevista) Resposta positiva ao item no RAF sobre rede de apoio Recurso
Resposta negativa ao item do RAF sobre atividades Adversidade
programadas da criança na comunidade
eu converso mesmo com o pai (de F02)” Recurso
Sim (M02 recebe ajuda)” Recurso
tem uma amiga que mora lá perto, às vezes Recurso
(converso) com a minha irmã (...) não que eu,
diretamente, chegue e peça alguma orientação
se eu estiver nervosa, as pessoas percebem com Recurso
certeza, mas, caso contrário, não
D1. Recursos comunitários (Entrevista) Reposta positiva à utilização de recursos Recurso
comunitários: lazer, educação, saúde e religião
E. Fator sócio-econômico Classe sócio-econômica B Recurso
(Ficha Sócio-Demográfica e Entrevista) Superpopulação: Ausente Recurso
O pai perdeu emprego Adversidade
Momentos difíceis do ponto de vista financeiro (passado) Adversidade
Auto-suficiência quanto à provisão econômica Recurso
(a renda de M02) ajuda bastante (...) não tem jeito, é Recurso
ele (marido quem garante as necessidades da família)”
Quadro 7: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características da rede de apoio social à
F02.
Os recursos identificados pela mãe estavam associados à presença de uma rede de
apoio social e afetivo à família, bem como aos seus freqüentes contatos com a família extensa
e à rede comunitária de apoio, com destaque aos serviços de saúde, religiosos e de lazer,
contudo, a família não se utilizava desses recursos para promover ao filho atividades
rotineiras programadas. A mãe percebia-se como o elemento da rede que provia auxílio ao
filho e a quem F02 se dirigia.
Quanto aos rendimentos financeiros, M02 apontou para estes como suficientes à
família, que não tinha um perfil superpopuloso. Relatou, contudo, que no passado
vivenciaram dificuldades do ponto de vista financeiro, associadas à perda de emprego do pai
de F02. No momento da coleta de dados, as condições sócio-econômicas permitiram a
classificação da família como pertencente à classe B.
Os indicadores relativos à criança sinalizaram, ainda, recursos pró-sociais, expressos
pela sua empatia pelo outro e disponibilidade para ser útil, relatado pela mãe no SDQ,
favorecedores de contatos interpessoais.
100
A mudança de escola, associada à mudança de cidade, também foram identificadas
como condições adversas ocorridas no passado da criança.
Tais condições relativas à vida escolar da criança e à situação sócio-econômica da
família foram tratadas pela mãe como situações passadas, já superadas. No momento da coleta
de dados, a rede de apoio social, afetiva e comunitária foi tratada como recurso para
minimizar as dificuldades da família.
Síntese
Os dois episódios depressivos descritos por M02 tiveram como manifestações
características angústia, insônia, perda de interesse, prejuízo nas atividades diárias,
irritabilidade e apatia. Os motivos referidos como associados ao primeiro episódio foram
atribuídos à gravidez não desejada, com complicações clínicas, de seu filho mais novo e à
perda de seu pai, o avô materno de F02. Os tratamentos realizados indicaram que M02
valorizava o atendimento médico e psicológico, além disso, interrompeu o uso da medicação
três vezes, sendo a primeira em razão de efeitos colaterais, a segunda por se sentir sem
sintomas depressivos e a terceira por alta médica.
As atividades relacionadas ao trabalho de M02 (cursos, contato com pessoas fora de
casa) foram apontadas como favorecedoras de sua melhora, o que por sua vez ofereceram
condições de se dedicar mais a tais atividades, indicando iniciativa na busca de recursos
internos e externos e perseverança e otimismo na superação de dificuldades do dia-a-dia e na
melhoria de sua qualidade de vida, minimizando dessa forma as adversidades familiares.
Além do trabalho e dos tratamentos realizados, a prática religiosa, a coesão e a
proximidade entre os membros familiares foram os aspectos abordados por M02 que
contribuíram de maneira substancial para sua melhora. A crença religiosa foi apontada como
recurso de apoio utilizado por toda a família, a qual foi identificada como principal fonte de
suporte afetivo à M02 e ao filho e de investimento em crenças internas. A rede de apoio social
e afetivo da família, portanto, foi destacada pela mãe como eficiente, utilizando-se ainda de
recursos comunitários de lazer, saúde, educação e religiosos como atividades compartilhadas
entre os membros familiares e como fontes complementares de apoio.
Quanto aos planos para o futuro, M02 os identificou vinculados à autonomia da
família, com a aquisição de um imóvel próprio, e a melhorias na qualidade de vida extra-
curricular de F02, evidenciando projetos realísticos para si e para o filho. Somado ao
desempenho da mãe quanto às atividades laborais, esse posicionamento diante do futuro
apontava para postura pró-ativa também no enfrentamento da rotina diária e das adversidades.
101
A família oferecia a F02 cuidados regulares e recursos materiais, sendo M02 a figura
central da rede de apoio ao filho, a qual oferecia regras e limites flexíveis à criança. M02
referiu que a família já havia vivenciado momentos difíceis do ponto de vista financeiro, mas
no momento da coleta de dados a família auto-provia as demandas de seus membros. A
organização familiar contava com planejamento, compromisso mútuo, compartilhamento de
decisões e rotina para F02. A mãe era a principal responsável pela organização da rotina
doméstica, mas ela incentivava os filhos a colaborar com as tarefas do lar.
Mãe e filho mantinham uma relação afetiva, com interações prazerosas, sendo que os
pais participavam constantemente das atividades do dia-a-dia e de lazer de F02. M02 referiu
identificar as mudanças no filho próprias do período do desenvolvimento dele, bem como
suas necessidades e recursos, contudo, acreditava que F02 poderia ter mais tempo destinado
aos amigos o que favoreceria, em sua percepção, as interações interpessoais e sociais. O olhar
positivo da mãe diante da vida perpassava a comunicação dela com o filho, o qual
demonstrava seus afetos e dúvidas abertamente, encontrando na mãe uma figura com recursos
internos para aceitar seus limites, para acolhê-lo e com ela desenvolver um diálogo aberto. As
falas de M02 indicaram, pois, que conseguia compreender e administrar satisfatoriamente os
conflitos familiares, expressando com clareza suas emoções e compartilhando com eles seus
sentimentos.
Os recursos pessoais de F02 (relativos ao nível intelectual da criança, à ausência de
dificuldade relevante em sua socialização expressa por bom desempenho acadêmico no geral,
por recursos pró-sociais e pela ausência de dificuldades comportamentais descritas pela mãe
no SDQ), do ambiente familiar (relativos às práticas religiosas compartilhadas, aos projetos
familiares realísticos, à coesão familiar com resolução colaborativa dos problemas, aos
cuidados regulares, às rotinas flexíveis, à presença de regras e limites e à percepção adequada
de M02 quanto às necessidades e limites do filho) apontaram para condições favoráveis ao
desenvolvimento de F02, mesmo diante de condições adversas que incidiram sobre a família
(conflitos conjugais breves, mudança de cidade, morte do avô materno, nascimento de irmão e
evento escolar).
Tais adversidades sinalizaram para a presença de possíveis condições adversas ao
desenvolvimento de F02, porém, os recursos pessoais da criança, do ambiente familiar e da
rede de apoio caracterizaram a presença de condições protetivas pessoais, familiares e da rede
de apoio com relação ao desempenho geral nas tarefas próprias de seu período de
desenvolvimento, em especial na transição para a adolescência.
102
Os processos-chave de resiliência analisados em cada caso do Cenário 1
Os processos-chave propostos por Walsh (2005) e utilizados neste estudo como
referência de análise dos casos incluídos em cada cenário serão apresentados no quadro a
seguir para os casos 01 e 02 de forma a identificar as semelhanças e diferenças entre os casos
dentro do Cenário 1, caracterizado pela depressão materna como condição adversa crônica e
principal para o ambiente familiar. Destacar-se-á com fonte em estilo negrito os indicadores
de processos de resiliência e com fonte em estilo normal os indicadores de condições
adversas.
Cenário 1: Depressão Materna como Estressor Principal
Processos-Chave
da Resiliência
Caso 01 – com dificuldade de
socialização
Caso 02 – sem dificuldade de
socialização
Sistemas de
Crenças
- Crenças religiosas partilhadas pela
família
- Projeto familiar não realístico
- Reflexão e significado dado às
adversidades, referidos como produtos
de leituras e da maturidade
- Adesão ao tratamento e uso contínuo
de medicação
- Crenças religiosas partilhadas pela
família
- Projeto familiar realístico, visando à
autonomia familiar
- Frente às adversidades, perspectiva
de otimismo e perseverança, busca por
inserção no mercado de trabalho e
tratamento psicoterápico
- Adesão ao tratamento com alta
médica e encaminhamento para
atendimento psicoterápico
Processos de
Comunicação
- Dificuldade de expressar as emoções,
evitando compartilhar sentimentos
- Manifestações de irritação, quando não
cumprem o combinado
- Resolução de conflitos: postura pró-ativa,
baixa cooperação
- Percebe-se mais afetiva nos contatos e
partilhando as decisões recentemente,
relações familiares mais prazerosas
- Percepção do período de transição do
desenvolvimento em que F01 se
encontrava
- Dificuldade em aceitar comportamento
de mentir da filha e de problemas nos
relacionamentos interpessoais
- Clareza na expressão das emoções e
no compartilhamento dos sentimentos:
diálogo aberto
- Auto-controle frente às manifestações
afetivas
- Resolução colaborativa de conflitos:
postura pró-ativa
- Interações familiares prazerosas,
diálogo e colaboração
- Percepção do período de transição do
desenvolvimento em que F02 se
encontrava
- Dificuldade em aceitar
comportamento passivo do filho diante
de situações sociais
Quadro 8: Processos-chave da resiliência identificados no Cenário 1 – Depressão Materna como
Estressor Principal, incluindo os casos 01 e 02. continua
103
Continuação
Cenário 1: Depressão Materna como Estressor Principal
Padrões
Organizacionais
- Regras definidas, estabelecidas pelos
pais
- Rotinas rígidas que não incluem as
tarefas escolares
- Priorização dos cuidados básicos em
relação às interações e ao lazer
- Disponibilidade e utilização da rede de
apoio
- Recursos econômicos suficientes
- Família: pais vivem juntos, com
conflitos conjugais no passado, já
superados
- Pai de M01: participação na rotina
cotidiana dos filhos
- M01: cuidadora de referência – decisões
e ações pouco partilhadas pela família
- Saúde mental: depressão materna com
episódios moderados e ausência de
referências a problemas de saúde
mental paterna
- Regras definidas, estabelecidas pelos
pais
- Rotinas flexíveis partilhadas pelos
pais
- Compartilhamento de atividades
domésticas, escolares, religiosas e de
lazer
- Disponibilidade e utilização da rede
de apoio
- Recursos econômicos suficientes, com
dificuldades econômicas prévias já
superadas
- Família: pais vivem juntos, com
conflitos conjugais no passado, já
superados
- Pai de F02: participação na rotina
cotidiana dos filhos
- M02: cuidadora de referência –
decisões e ações partilhadas pela
família
- Saúde mental: depressão materna com
episódios moderados e ausência de
referências a problemas de saúde
mental paterna
Quadro 8: Processos-chave da resiliência identificados no Cenário 1 – Depressão Materna como
Estressor Principal, incluindo os casos 01 e 02. conclusão
Segundo Walsh (2005), a maneira como a família extrai sentido das experiências e
encara seus problemas permeia seu sistema de crenças.
Nos casos 01 e 02, identificou-se que as famílias partilham crenças e práticas
religiosas entre seus membros, sinalizando que tal crença pode estar sendo facilitadora para o
enfrentamento do cotidiano familiar e das dificuldades do dia-a-dia. A adesão das duas mães
ao tratamento psiquiátrico e medicamentoso indica, ainda, a aceitação e a valorização de tal
recurso como fonte externa de apoio pessoal. Assim, para o enfrentamento das adversidades,
as mães referem a busca de recursos internos e de crescimento pessoal como estratégias para
lidarem com as situações difíceis e novas do cotidiano familiar. No caso 01, a mãe associa
esse crescimento a leituras de textos sobre depressão, oferecidos por sua religião, enquanto,
no caso 02, a mãe refere a busca de atividades laborais e terapêuticas (psicoterapia) como
fontes de apoio.
O que se identificou como mais diferenciador entre os casos foi a perspectiva de
futuro referida pelas mães, sendo que M01 aponta projetos familiares pouco realísticos e
M02 refere projetos familiares realísticos, tendo como meta a autonomia familiar. As
104
informações colhidas sugerem, pois, que o sistema de crenças partilhado pela família de
M01 é todo perpassado pelas crenças religiosas, sendo as perspectivas para o futuro da
própria mãe e da família pouco elaboradas e discutidas em conjunto. O sistema
identificado no relato de M02, por sua vez, sugere que, de um modo mais amplo, as
crenças são partilhadas pela família, refletindo flexibilidade e otimismo, o que parece
impulsionar a mãe para o desenvolvimento de atividades produtivas, vislumbrando
perspectivas futuras positivas para si e para a família.
Segundo Walsh (2005), os processos de comunicação veiculam as crenças e podem
facilitar o funcionamento familiar na medida em que as pessoas apresentem competências
para expressar e reagir às necessidades e preocupações emergentes.
No caso 01, a dificuldade da mãe de expressar as próprias emoções e de partilhar com
os demais seus sentimentos se soma a manifestações de irritação materna, que perduram por
longa data, caracterizando fechamento em si mesmo, com manifestação de insatisfação e
irritação, o que pode favorecer mensagens dúbias aos familiares. M01 refere, contudo, que
mais recentemente busca manter uma postura pró-ativa e interações mais afetivas com os
filhos, marcadas por momentos familiares prazerosos e pela aceitação e empatia. A forma de
organizar as comunicações, em especial as oferecidas por M01, parecem refletir em baixa
cooperação entre os membros da família na resolução dos problemas, apesar da conduta pró-
ativa da mãe.
Destaca-se, como parte do envolvimento de M01 com os cuidados de F01, a percepção
sobre a etapa de desenvolvimento da filha e a dificuldade da mãe em aceitar os
comportamentos de mentir e brigar da criança, denotando atenção e observação quanto às
práticas educativas.
No caso 02, evidenciou-se interações marcadas por afeto, tolerância e otimismo, com a
expressão das emoções de forma mais explícita, o que pode favorecer mensagens claras e
consistentes no ambiente familiar, o qual conta com interações positivas entre os membros. O
clima de compartilhamento emocional aberto e de confiança que se estabelece a partir dessa
forma de comunicação pode estar contrabalançando as interações negativas decorrentes da
sintomatologia depressiva materna. As informações apontam, ainda, que esse clima emocional
somado à busca de M02 pelo autocontrole das emoções se associam a um ambiente familiar
de colaboração para as atividades do cotidiano e para a resolução de conflitos.
Destaca-se que M02 é a principal responsável pelos cuidados básicos da família, sendo
que a dificuldade dela em aceitar o comportamento passivo do filho diante de situações
sociais, tal como no caso 01, sinaliza atenção e observação quanto às práticas educativas, que
105
incluem ainda a supervisão das rotinas escolares. Rotineiramente, M02 compartilha com o
marido a responsabilidade pela educação dos filhos, sendo que ele assume o papel de
orientação e suporte afetivo.
A organização familiar nos dois casos conta com pais vivendo juntos, os quais
estabelecem regras definidas aos filhos. A mãe é identificada como cuidadora de referência
nos dois casos, além de contarem com os pais de seus filhos na rotina cotidiana da família,
não havendo referências a problemas pregressos ou atuais de saúde mental paterna.
Os recursos econômicos das duas famílias são apontados como suficientes para as
necessidades de seus membros e os recursos da rede de apoio comunitária, como disponíveis e
utilizados de modo eficiente pelas mães. Assim, evidencia-se que as famílias contam com
recursos intra-familiares positivos e mobilizam os recursos da comunidade para a organização
familiar. Tais recursos, contudo, contrastam com rotinas rígidas e de pouco compartilhamento
entre os pais quanto às decisões e ações familiares no caso 01, em especial relativas ao futuro
familiar. Os cuidados que M01 destina aos filhos e que são identificados por ela como
referência na vida da família são associados por longa data prioritariamente aos cuidados
básicos de higiene e alimentação, evidenciando uma estabilidade que se caracteriza pela
pouca abrangência, inclusive para atividades básicas para a vida de F01, tal como no
oferecimento de rotinas para as tarefas escolares. Destaca-se que as rotinas rígidas refletem
pouca capacidade de mudança e uma coesão frágil, sendo que M01 se descreve como uma
cuidadora que prima pela subsistência material em detrimento da afetiva.
Identificou-se no caso 02, em contraste com o caso 01, a presença de rotinas familiares
flexíveis com o compartilhamento de diversas atividades entre pais e filhos e das decisões e
ações familiares.
Tal como no caso 01, M02 aponta a presença de conflitos conjugais no passado, já
superados, o que se soma no caso 02 a dificuldades econômicas prévias também já superadas
pela família. A organização familiar do caso 02 conta, assim, com uma estrutura mais flexível
e com capacidade para mudanças, com regras partilhadas estabelecidas pelos pais, o que
parece contrabalançar e auxiliar na superação dos momentos difíceis vivenciados pela família.
Neste caso, identificamos a presença de mais coesão entre os membros da família, em que a
busca pela subsistência se entrelaça aos vínculos afetivos, caracterizando relações afetuosas e
de confiança entre os familiares.
Os padrões de organização familiar, segundo Walsh (2005), são mantidos pelas
crenças e evidenciados pela comunicação das informações e da qualidade das relações que se
estabelecem entre os membros familiares.
106
Assim, a rigidez das rotinas no caso 01, o foco nos cuidados básicos de M01 à família
e a ausência de perspectivas futuras mais realísticas parecem refletir a dificuldade materna de
uma comunicação afetiva e efetiva, favorecendo um ambiente familiar de menos trocas,
principalmente do ponto de vista afetivo, o que inclusive é identificado como negativo por
M01 que refere estar recentemente buscando mudanças nessa forma de convivência. No caso
02, por sua vez, evidencia-se processos que possivelmente permitem que a estruturação
familiar possa facilitar mais comunicação entre os membros, com um funcionamento mais
eficiente, quanto à flexibilidade de organização e de superação das dificuldades.
Nos dois casos, identifica-se a presença de prejuízos no cotidiano familiar,
relacionados ao início da psicopatologia materna, da sintomatologia associada, e a busca de
tratamento médico adequado. A duração do transtorno depressivo e a exposição das crianças
aos episódios depressivos das mães, contudo, diferem, sendo que no caso 01 o início da
depressão materna precedeu o nascimento de F01, a qual foi exposta à psicopatologia pela
primeira vez aos dois anos de vida, o que parece ter favorecido o contato da criança desde
muito cedo a um ambiente com baixo incentivo para trocas de emoções positivas e com
menos experiências recompensadoras e afetivas, condições essas associadas por Silk et al.
(2006b) como comuns no transtorno depressivo. Além disso, a exposição de F01 ao transtorno
depressivo materno se repetiu no período pré-escolar e no período escolar, não se restringindo
ao escolar, como observado no caso 02.
Soma-se a isso as dificuldades de comunicação presentes no caso 01. Tais dificuldades
foram apontadas nos estudos de Elgar et al. (2004) como possíveis de estarem associadas ao
transtorno depressivo, relatadas por Cummings (1995) como permeadas por ambigüidade, tal
como identificado neste caso. Ressalta-se, ainda, a falta de colaboração entre os membros
familiares no caso 01 e a presença de um ambiente familiar pouco organizado, caracterizando-
se como um indicador de adversidade ao desenvolvimento infantil, conforme já destacado por
Gross (1994). Contudo, M01 mostra-se sensível ao período de desenvolvimento da filha, o
que pode ser considerada uma condição moderadora do desenvolvimento, como proposto por
MacGrath, Sullivan e Seifer (1998).
No caso 02, observou-se a presença de responsividade materna e de envolvimento e
compromisso entre os familiares. Tais condições são destacadas por aqueles autores, bem
como por Garmezy (1996), como elementos que somados à presença de rotinas organizadas e
flexíveis, evidenciam estabilidade das atividades cotidianas, funcionando como condições
protetivas. Tal afirmativa tem respaldo nos relatos de Marturano (2006) e De Antoni et al.
(1999) e referem-se ao que Mrazek e Haggerty (2004) descreveram como clima emocional
107
familiar positivo em que predomina o envolvimento dos pais e o suporte à autonomia do filho.
Destaca-se, ainda, no caso 02 a habilidade materna relativa à presença de uma busca pró-ativa
para a resolução de problemas, condição esta já apontada como favorável por Garmezy
(1996).
Nos dois casos, destaca-se a presença das mães como o “adulto de grande interesse”
pelas crianças, condição identificada por Masten e Garmezy (1985) como de proteção ao
desenvolvimento.
Cenário 2
Depressão Materna Associada Prioritariamente a Condições Sócio-Econômicas Precárias
Dupla M03 e F03 – Com dificuldade de socialização
Identificação
A dupla 03 é composta pela mãe (M03), 34 anos, solteira, desempregada, ensino
médio completo, dois filhos, um filho com quatro anos e uma filha com nove anos e dois
meses de idade (F03), estudante da 4ª série do ensino fundamental, sendo esta última a criança
incluída neste estudo. O chefe da família é a avó materna de F03, ensino fundamental
incompleto, sem trabalho fixo (afastada pelo INSS por motivo de doença).
Histórico da depressão materna
Tendo como marco de tempo o momento da coleta de dados, segundo o relato de M03,
os sintomas da depressão se iniciaram cinco anos antes, quando a família passou a vivenciar
dificuldades financeiras sérias decorrentes de dívidas do ex-companheiro de M03. Segundo
M03, tais dívidas acarretaram discussões entre ela e o pai de seus filhos e perdas materiais
(perdeu um carro, casa própria e a conta no banco). Na ocasião, M03 referiu que não
conseguia dormir, sentia-se “pequena” (sic) e chorava muito.
Os sintomas depressivos foram se agravando inclusive pelo agravamento da crise
financeira e M03 passou a fazer uso de medicação ansiolítica por conta própria, sendo que
pouco tempo depois, procurou atendimento psiquiátrico, iniciando tratamento
medicamentoso, com melhora relativa após início do uso de antidepressivo.
Três anos antes da coleta de dados, vivenciou agravamento da sintomatologia
depressiva após separação conjugal, sendo que os filhos permaneceram sob a guarda materna.
108
M03 continuou o uso de antidepressivo, sem interrupção entre o primeiro atendimento e o
terceiro episódio, referido por ela como o pior momento de sua vida. As manifestações
depressivas referentes ao primeiro episódio se intensificaram e foram associados pela mãe à
perda de seu emprego um ano antes da coleta de dados. Na mesma época, a família mudou-se
de residência por não ser mais possível permanecer em uma casa cedida pelo pai de M03,
indo morar em um apartamento alugado. Em razão da mudança de endereço para outra região
distrital do município, M03 passou a ser atendida em outro serviço público ambulatorial de
saúde mental, quando também ocorreu mudança na prescrição de suas medicações,
observando melhora relativa do transtorno depressivo. No momento da coleta de dados, M03
relatou estar usando apenas medicação ansiolítica prescrita para melhoria na qualidade de seu
sono, tendo interrompido o uso da medicação antidepressiva por conta própria por achar que
lhe causava efeitos colaterais, não referindo outras queixas quanto à sua saúde física.
Os sintomas depressivos quanto à duração e intensidade possibilitaram o diagnóstico
pela SCID de Transtorno Depressivo Recorrente, com Episódio Moderado ocorrido nos
últimos dois anos e manifestações de sintomas depressivos leves nos últimos seis meses.
Relatou que após o primeiro episódio não voltou a se sentir bem novamente: “eu sinto que (os
sintomas depressivos) não vai passar” (sic).
A exposição de F03 à sintomatologia depressiva materna ocorreu pela primeira vez
quando a criança contava com cerca de quatro anos de idade, sendo que aos seis anos (2º
episódio) e aos oito anos (3º episódio) conviveu com novos episódios depressivos.
Os indicadores de recurso e adversidade serão apresentados a seguir em três quadros
descritivos que os agruparão de acordo com: (a) as características de F03, (b) do ambiente
familiar e (c) da rede de apoio social.
Recursos e adversidades pessoais
Apresentar-se-á a seguir os indicadores de recursos e de adversidades relativos às
características pessoais de F03, como mostra o Quadro 9.
109
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Nível intelectual
Percentil > 25 – Médio Inferior Recurso
(Raven)
B. Desempenho
Escore geral e no subteste de aritmética – Inferior è média Adversidade
Acadêmico (TDE) Escore nos subtestes leitura e escrita – Na média Recurso
C. Comportamento Escore total e nas escalas sintomas emocionais, hiperatividade Adversidade
(SDQ) e problemas de relacionamento – Anormal
Escore na escala de problemas de conduta – Limítrofe Recurso
C1. Comportamento Escore na escala hiperatividade – Anormal Adversidade
pró-social (SDQ) Escore na escala de comportamento pró-social – Normal Recurso
D. Saúde física Anemia crônica (do nascimento aos cinco anos), hemangioma Adversidade
(EEA/EAC) (desde o nascimento), hérnias (umbilical e na virilha) que
precisaram ser operadas
E. Resposta diante de “(F03) não consegue se decidir nada sozinha” Adversidade
situação adversa “(quando F03 tem) dúvida, pergunta sempre” Recurso
Ela reclama (diante de situações difíceis)” Adversidade
(Entrevista) “Ela (F03) vai pra cima dele (irmão), dá tapa nele também Adversidade
e dá com força
ela (F03) fica envergonhada (em situações que faz algo errado), se Adversidade
deixar ela chora sim
Tudo que é novo ela (F03) tem ansiedade (...) ela fica ouriçada, Adversidade
atrapalhadíssima... (...) ela tem mania de toda hora interromper
conversa, aquela ansiedade de falar primeiro
Quadro 9: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características pessoais de F03.
Os recursos pessoais de F03 estavam associados aos indicadores de nível intelectual
médio, recursos pró-sociais, expressos pela empatia ao outro e disponibilidade ao contato e
ausência de problemas de conduta, além da disponibilidade em buscar ajuda quando se sentia
em dúvida quanto a uma situação. Além disso, notou-se a presença de adequação à
escolaridade de F03 em seu desempenho acadêmico nos subtestes de leitura e escrita
avaliados por prova específica.
Quanto à saúde física, foi diagnosticado hemangiomas (tumor benigno que
normalmente aparece na pela, formando uma massa esponjosa vermelha, que pode em alguns
casos desaparecer sem tratamento) em seu nascimento. Nos primeiros anos de vida, F03
apresentou períodos freqüentes de anemia e, além disso, teve três hérnias que requereram
operações de remoção. Segundo a mãe, com exceção destas condições, a criança teve bom
desenvolvimento e gozava de boa saúde.
A mãe apontou para a filha como sendo uma criança inteligente, contudo relatou que
F04 vinha apresentando dificuldades no desempenho das atividades acadêmicas, justificando
tais dificuldades com motivos externos e se colocando como fonte de apoio para superação,
como pode ser visto nos trechos transcritos a seguir:
110
Ela (F03) é muito esperta, muito inteligente, observadora demais (...) (mas
na escola, está) puxado porque (F03) mudou de escola (...) eu tô mais
assim, do lado dela acompanhando ela pra fazer lição (...) até hoje ela
ainda tem dúvida (de matemática)
(avó materna) achou que a professora tava jogando lição demais em cima,
acabando com a cabeça dela (de F03)
ela (professora de F03) falou: ‘Ela (F03) lê bem’ (...) ‘Escrever, a letra tá
melhorando, não tá aquela beleza, não, mas tá bem melhor’
Quanto ao comportamento da filha com colegas e pessoas adultas, relatou que F03
tinha bons vínculos com seus pares e demais pessoas, justificando tal qualidade de contato
pela boa educação que a filha tinha e por sua esperteza. Os momentos de agressividade
percebidos pela mãe em F03 foram associados por ela ao comportamento também agressivo
do irmão com F03. Os trechos transcritos a seguir ilustram tal percepção materna.
o porteiro fala: ‘Essa menina (F03) tem passagem livre aqui, a educação
dela é demais’
as outras (amigas) sentou pra ficar vendo ela (F03) que ela imitava a voz
da (nome da cantora) (...) tem duas meninas brigando por causa dela, por
causa da amizade dela
Mas eu sei que ela (F03) é uma menina boa, entendeu? Ela não é
respondona, né, ela só é agressiva quando ele é agressivo com ela.
Ressalta-se que a percepção da mãe quanto a dificuldades acadêmicas da filha se
confirmou em prova de avaliação específica. Contudo, a interpretação que M03 deu para a
causa dessas dificuldades era alheia à criança e ao ambiente familiar.
Com relação às adversidades relativas às características pessoais de F03, evidenciou-
se a presença de problemas de saúde e dificuldades de socialização, expressas pelo baixo
desempenho acadêmico geral e no subteste específico de aritmética na avaliação por prova
específica, bem como pelas dificuldades de comportamento geral e, mais especificamente,
relativos a: (a) sintomas emocionais assinalados pela mãe quanto a queixas somáticas,
preocupação freqüente, insegurança e medo, (b) hiperatividade, relativa à inquietação,
agitação, perda da concentração em alguns momentos, comportamento de agir sem pensar e
dificuldade em completar as tarefas que começava, e (c) problemas de conduta, identificados
por acessos de raiva e mentiras que contava.
As adversidades relatadas pelos indicadores acima se somaram a seu comportamento
queixoso, ansioso e choroso diante de situações difíceis, novas ou que lhe causavam algum
111
constrangimento, sinalizando dificuldades em utilizar seus recursos no enfrentamento de
situações cotidianas, associada provavelmente à dificuldade em controlar as próprias
emoções, atrapalhando-se tal como referiu a mãe na entrevista.
Em síntese, destacou-se que desde o nascimento F03 conviveu com condições de
adversidade importantes, as quais se somaram e associaram às dificuldades para desempenhar
tarefas próprias de sua etapa do desenvolvimento, sinalizando que os recursos pessoais da
criança não estariam atuando para minimizar o impacto das adversidades.
Recursos e adversidades do ambiente familiar
O Quadro 10 a seguir apresentará os recursos e adversidades do ambiente familiar de F03.
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Condições familiares referentes à escolaridade Escolaridade da mãe: ensino médio completo Recurso
e idade dos pais na época do nascimento dos Maternidade/Paternidade: pais > 18 anos Recurso
filhos (Ficha Sócio-Demográfica)
B. Saúde mental dos pais Depressão materna por cerca de cinco anos Adversidade
(EEA/EAC) Ausência de consumo de álcool pelos pais Recurso
C. Conflitos conjugais Aumento de conflitos e brigas entre os pais no passado Adversidade
(EEA/EAC) com duração de um ano (dos seis aos sete anos de F03)
Pai abandonou a família, separação dos pais, litígio entre os Adversidade
pais por causa da pensão e pai se casou novamente
D. Envolvimento dos pais com a lei (EEA) Presente o envolvimento do pai com a justiça/polícia Adversidade
E. Participação dos pais almoçamos (...) assistimos televisão juntos, demos Recurso
nas rotinas diárias (Entrevista) bastantes gargalhadas... (...) fomos na igreja
Mãe e avó materna participam da rotina de F03 Recurso
Ausência do pai no convívio com a filha desde os seis anos Adversidade
F. Organização e relações familiares É aquela rotina assim (acordar, ir para a escola, Recurso
(Entrevista, RAF e EEA/EAC) brincar, fazer lição)”
“(F03) pergunta pras duas (mãe e avó materna sobre Recurso
o que pode e o que não pode fazer)”
a minha mãe, ela é a ponta de apoio dela (de F04)” Recurso
a parte de carinho, eu praticamente não dô carinho Adversidade
Presença de outros estressores – dificuldades financeiras, Adversidade
falecimento do tio materno (envolvimento com drogas)
‘Não tem A nem B, pode subir, você já me conhece, Recurso
sobe agora’, eu falo desse jeito
Eu arrumo a cozinha, limpo o fogão (...) passei toda a Recurso
roupa dos meninos (...) limpei todos os móveis
Resposta positiva aos itens sobre rotina e atividades Recurso
lúdicas e domésticas do RAF
Mudanças de casa na mesma cidade Adversidade
Quadro 10: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de
F03. continua
112
Continuação
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
F1. Regularidade dos cuidados parentais Sempre a gente fala a hora do banho (...) depois do Recurso
(Entrevista e RAF) banho, a gente vem, cuida do cabelo dela (de F03) (...)
achar exame, principalmente pra ver se ela não tá com
anemia
sobrecarrega muito eu e minha mãe, o tempo todo Adversidade
aquela preocupação
É, percebo... (quando F03 precisa de ajuda)” Recurso
“(Budismo) É, uma filosofia de vida” Recurso
Presença da mãe e avó materna como rede de apoio Recurso
Resposta positiva aos itens do RAF sobre integração dos Recurso
pais na rotina e lazer criança
G. Suporte social à escolarização Resposta positiva ao item do RAF sobre supervisão Recurso
(RAF) Resposta negativa ao item do RAF sobre rotina de Adversidade
tarefas escolares da criança
H. Projetos de vida e expectativa de futuro colocar a situação financeira em dia na minha casa” Recurso
(Entrevista) “Eu vou vender (o apto.) e vou comprar uma casa térrea” Recurso
Guardar dinheiro pra fazer uma festinha (para o filho)” Recurso
mais de sossego, a vida controlada financeiramente, Recurso
estabilizada (...) Passear nos fins de semana (...) comprar
roupa pra mim
I. Aceitação da criança (Entrevista)
Ela (F03) é mais esperta (...) ela percebe assim, as coisas
Recurso
de longe
Eu beijo mais o menino (filho), eu pego mais ele no colo
Adversidade
J. Eventos de perda (EEA) Ausência de eventos de perda Recurso
K. Hospitalização de familiares, nascimento Ausência de hospitalização de familiares Recurso
de irmãos (EEA) Nascimento de um irmão Adversidade
L. Resposta diante de situação adversa eu sou assim de bateu levou” Adversidade
(Entrevista) “A hora que eu perco a cabeça e eu fico nervosa, eu não Adversidade
vejo se é um se é outro, eu bato mesmo (nos filhos)”
M. Ambiente físico (RAF) Resposta positiva aos itens do RAF sobre recursos Recurso
materiais existentes na casa
Quadro 10: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de
F03. conclusão
As variáveis que foram identificadas como recursos da família e do ambiente familiar
estavam associadas à participação da mãe e da avó materna, que residia com a família, nos
cuidados regulares à F03, nas atividades religiosas e da rotina, nos cuidados com a casa e com
a rotina doméstica e na supervisão das atividades escolares de F03. Destacou-se, ainda, que a
família apresentava recursos materiais e práticas religiosas reconhecidas pela mãe como um
suporte importante diante de situações percebidas por ela como adversas.
Indicadores de recursos também puderam ser evidenciados pela idade da mãe no
nascimento da filha, bem como sua escolaridade (ensino médio), pelo não envolvimento dos
113
pais de F03 com álcool ou outras drogas e pela ausência de hospitalizações de familiares e
eventos de perdas na vida da criança.
O relato da mãe sobre seu comportamento frente às práticas educativas oferecidas à
filha sugeriu que ela bem como a avó materna de F03 definiam regras, limites e rotina à F03
e, ainda, que ela percebia quando a filha precisava de ajuda, percebendo suas diferenças ao
compará-la com outras crianças da mesma idade. Nestas ocasiões, M03 e a avó materna
colocavam-se como figuras de apoio permitindo à criança que buscasse nelas suporte. Em
especial, identificou-se que a avó de F03 como uma figura principal na rede de apoio à mãe e
à criança, como ilustrado nos trechos transcritos a seguir.
sem a minha mãe, acho ela (F03) não é nada, ela (F03) adora porque a
minha mãe paparica mais ela, tem dó mais dela, porque sente que o outro
(filho) é mais apoiado por mim e ela (F03) fica sem apoio
ela (avó materna de F03) já percebe meu (M03) jeito de ser
Notou-se, ainda, que M03 tinha projetos realísticos para o futuro, os quais visavam
inclusive mudanças quanto às condições econômicas da família, desejando buscar um
trabalho que garantisse mais recurso financeiro aos membros da família e que estes pudessem
desfrutar de mais espaço em uma casa térrea, de mais atividades de lazer e que ela própria
tivesse mais conforto. Entretanto, M03 relatou não saber se conseguiria desempenhar
atividades laborais novamente, pois tinha dúvidas quanto à interferência dos sintomas
depressivos em tais atividades.
Os indicadores de adversidade da família e do ambiente familiar puderam ser
evidenciados com relação a características da mãe (depressão, não oferecimento de atitudes de
carinho à filha, indícios de rejeição, comportamento irritado e agressivo), do relacionamento
entre os pais (conflitos entre eles, pai abandonou a família, pais se separaram, pai casou-se
novamente, litígio entre eles pela pensão alimentícia, o que gerou inclusive mandados de
prisão contra o pai, e ausência do pai na vida de F03 desde a separação do casal) e da situação
econômica da família, a qual fez com que precisasse mudar-se de casa várias vezes.
A fala da mãe evidenciou que ocorriam interações prazerosas entre ela e a filha
exclusivamente nos momentos da prática religiosas, contudo, apontou para ausência de
carinho e para a preferência pelo filho mais novo, relatando que “não consigo mudar” (sic)
essa situação com a filha. Os indicadores ressaltaram, ainda, a sobrecarga nos cuidados com
os filhos, uma vez que o pai das crianças não contribuía com tais cuidados. Esses eventos e
condições somaram-se ao nascimento do irmão mais novo, à falta de organização para
114
realização das tarefas escolares de F03, às dificuldades econômicas e à morte de um tio
materno no passado, que foi assassinado por estar envolvido com drogas.
Ressalta-se, ainda, a pouca condição interna da mãe em lidar com situações novas ou
difíceis em sua vida, oferecendo para F03 estratégias pouco adaptadas para lidar com as
adversidades.
Os dados indicaram que F03 estava inserida em uma família que apresentava padrões
de organização que obedeciam a uma rotina diária, rígida em alguns momentos, e contava
com o suporte principalmente da avó materna, a qual também era o único suporte identificado
por M03, ilustrado no trecho a seguir: “elas (avó materna de F03 e filhos) entende que eu sou
nervosa, sou isso, sou aquilo”. Contudo, o ambiente familiar parecia estar sendo conturbado
pelas dificuldades financeiras que enfrentavam, além de contar com reações dúbias por parte
de M03, expressas principalmente pela diferença no trato com os dois filhos, reações
projetivas justificando as dificuldades em alguns momentos com causas exclusivamente
externas e reações pouca adequadas da mãe no enfrentamento de problemas.
Recursos e adversidades da rede de apoio
O Quadro 11 a seguir apresentará os recursos e adversidades da rede de apoio social a
F03.
115
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Criança - Relações com os pares Escore na escala de problemas de relacionamento – Anormal Adversidade
(SDQ) Escore na escala de comportamento pró-social – Normal Recurso
B. Família - Relações sociais (RAF) Ausência de visita a parentes e amigos da família Adversidade
C. Eventos escolares (EEA) Adversidades escolares (agressão por parte da professora, troca Adversidade
de professores, mudança de escola e relacionamento com os
colegas piorou)
D. Suporte social (RAF e Entrevista) Resposta positiva aos itens do RAF sobre atividades Recurso
programadas de F03
só tem minha mãe (para ajudar M03)” Recurso
Pai dela (de F04) não adianta, a outra avó dela não tá nem Adversidade
(...) não tenho parente mais (...) Meu pai também (...) não
serve pra nada na minha vida
ali (onde mora) você não tem nenhum amigo que você possa Adversidade
contar um segredo, confiar, falar (...) não existe uma pessoa que
você possa confiar
Ausência de suporte social para a mãe Adversidade
D1. Recursos comunitários (Entrevista) Reposta positiva à utilização de recursos Recurso
comunitários: educação, saúde e religião
Resposta negativa à utilização de recursos de esporte e lazer Adversidade
E. Fator sócio-econômico Classe sócio-econômica D Adversidade
(Ficha Sócio-Demográfica e Entrevista) Superpopulação: Ausente Recurso
A mãe começou a trabalhar e pai e mãe perderam o emprego Adversidade
no passado
Momentos difíceis do ponto de vista financeiro Adversidade
Dificuldade quanto à provisão econômica Adversidade
minha mãe tá lavando e passando pra ele (homem conhecido Adversidade
da família que...) Tem ajudado a gente assim, às vezes, nas
dificuldades financeiras
as conta lá tá tudo atrasado (...) eu não quero que eles Adversidade
(filhos) passem por necessidade nenhuma como via dias atrás
Quadro 11: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características da rede de apoio social a
F03.
Quanto aos recursos sociais e econômicos, as informações fornecidas apontaram a
presença de recursos pró-sociais da criança, que poderiam favorecer as relações interpessoais
e a rede de apoio social à criança, que contava juntamente com a família com recursos da
comunidade e atividades programadas que contribuíam para o desenvolvimento de F03.
A esses recursos associou-se a ausência de superpopulação na casa e a presença da avó
materna como suporte social e afetivo à F03 e à família.
As adversidades identificadas na rede de apoio foram relativas a (a) características da
criança em razão da presença de dificuldades no relacionamento referidas pela mãe no SDQ,
(b) ausência de relações sociais com a família extensa, (c) presença de adversidades escolares
(agressão por parte da professora, mudança de escola e piora no relacionamento com os
116
colegas), (d) ausência de apoio por parte do pai de F03, de outros familiares e pessoas
conhecidas, as quais eram inclusive pouco confiáveis na percepção de M03, e (e) presença de
adversidades econômicas importantes.
Quanto ao fator econômico, a família foi incluída na classe D e estavam precisando
receber ajuda externa para prover as necessidades básicas de seus membros, incluindo a
alimentação. Durante a vida de F03, a mãe começou a trabalhar, contudo tanto ela quanto o
pai perderam seus empregos.
Assim, ressaltou-se a presença de adversidades na rede de apoio social da família,
sendo que a mãe apresentava uma postura pró-ativa no sentido de buscar um trabalho que
melhorasse a renda familiar, apontando para essa alternativa como a única condição de
mudança que alteraria a situação familiar como um todo. Contudo, M03 ressaltou preocupar-
se com a sintomatologia depressiva, na medida em que poderia ser um obstáculo para
enfrentar o cotidiano de um trabalho fora do lar.
Síntese
Os três episódios depressivos descritos por M03 tiveram como manifestações
características dificuldade no sono, choro freqüente e sentimentos de menos-valia. Os motivos
referidos como associados ao primeiro e terceiro episódios remontam a sérias dificuldades
financeiras vivenciadas, decorrentes de dívidas feitas pelo pai de F03 e à perda do emprego de
M03, respectivamente. Na percepção da mãe, os prejuízos decorrentes dos sintomas
depressivos levaram-na a se auto-medicar e, apenas posteriormente, quando a sintomatologia
se manteve, procurou tratamento médico. Com a mudança de serviço de saúde mental e
alteração em sua medicação psiquiátrica, passou a apresentar sintomas colaterais e decidiu por
conta própria permanecer com o uso apenas da medicação ansiolítica sem comunicar tal fato
ao médico psiquiatra, o que se estendeu até o momento da coleta de dados. Assim,
evidenciou-se pouca adesão quanto ao tratamento oferecido pelo serviço de saúde.
Os motivos relatados pela mãe como desencadeadores do transtorno depressivo
persistiam à época da coleta de dados, sendo esta a maior preocupação apresentada por M03
com relação a sua vida presente e futura. Diante dessa condição adversa, que trazia prejuízos
relevantes ao cotidiano familiar, M03 e sua mãe (avó de F03) buscaram estratégias para
minimizar as carências econômicas e M03 vislumbrava apenas uma estratégia para solução
deste problema: trabalhar e ter uma fonte de renda fixa que se complementaria à da avó de
F03.
117
Sinalizou postura pró-ativa na busca por um emprego, contudo, apresentou dúvidas
quanto a suas condições internas para dar conta das atividades em um trabalho, sinalizando
conflito entre sua necessidade de trabalhar e recursos internos que lhe garantissem bom
desempenho laboral. Os projetos para o futuro da família estiveram também associados à
melhoria na qualidade de vida (relativa principalmente às condições de moradia e lazer) dos
membros familiares, identificados assim como realísticos, mas como projetos para os quais
muitas ações eram demandas.
O apoio em uma crença religiosa foi um dos recursos apontados por M03 como fonte
de apoio importante no enfrentamento das adversidades cotidianas, sendo que todos da família
nuclear tinham práticas religiosas freqüentes e em conjunto. A religião proporcionava
cotidianamente, pois, momentos de proximidade dentro (nas orações e meditações) e fora de
casa (nos cultos), indicando investimento familiar em valores e crenças pessoais.
Quanto à rede de apoio social à família, M03 apresentou sua mãe, avó materna de F03,
como a figura central de apoio tanto para si quanto para a filha e destacou a ausência de outras
pessoas (familiares ou da comunidade) que pudessem oferecer suporte social e afetivo. Assim,
a única ajuda que buscava era junto à avó da criança, inclusive com relação à própria filha,
uma vez que M03 e a criança vivenciavam uma relação conflituosa e de pouco afeto. Na
percepção de M03, foi o distanciamento da filha que favoreceu a aproximação de F03 à avó
materna e contribuiu para que esta passasse a despender maiores cuidados à neta. Somou-se a
esta frágil rede de apoio, o comportamento da mãe em não pedir ajuda às pessoas quando
precisava, com exceção de sua mãe.
Recursos da comunidade, incluindo serviço de saúde e instituição de ensino, foram
referidos pela mãe como pouco acolhedores das necessidades da família e a escola como
única responsável pelas dificuldades de F03 em razão da intensa quantidade de tarefas
escolares, evidenciando uma tendência da mãe em buscar culpados externos para as
dificuldades experienciadas.
Mãe e avó materna ofereciam cuidados regulares, recursos materiais e supervisão das
atividades escolares, o que na percepção da mãe lhe causava sobrecarga.
A organização familiar foi referida como planejada, inclusive quanto à rotina de F03 e
à rotina dos afazeres domésticos que eram compartilhados entre M03 e sua mãe, contudo de
forma rígida. O relato de M03 apontou para si própria como uma figura de autoridade na casa
quanto à imposição de regras e limites, entretanto, em situações em que não havia regras
definidas e F03 sinalizava, na percepção da mãe, insegurança em suas escolhas e decisões
(como por exemplo, a escolha de uma roupa) tanto M03 quanto sua mãe eram destinatárias
118
das dúvidas e questionamentos da criança. Os conflitos entre os irmãos e os comportamentos
da mãe, que dava preferência ao filho mais novo, sugeriram ainda baixa coesão familiar e
inconsistência nos papéis dos cuidadores, principalmente quanto aos cuidados despendidos à
F03. As relações familiares apresentavam, ainda, indicadores de rigidez expressos pela pouca
disponibilidade e condição da mãe em alterar seu modo de ser e na sua percepção de uma
relação mais distante com a filha.
Quanto a sua relação com F03, destacou-se recursos maternos para perceber diferenças
da filha com relação às demais crianças e suas carências, bem como o comportamento pouco
afetivo da mãe com ela, sinalizando, pois, pouca condição interna em aceitar a filha, acolhê-la
e desenvolver com ela laços mais estreitos. A comunicação entre mãe e filha era permeada
por falas lógicas e coerentes apresentadas pela mãe, que inclusive distinguia adequadamente o
momento atual da situação de crise, contudo, tal comunicação era perpassada pela
impulsividade de M03, que referiu expressar suas emoções de maneira direta e de forma
reativa, e pela rejeição materna a F03, a qual foi apontada pela mãe como uma criança que
tinha dificuldades em compartilhar e expressar as próprias emoções. Assim, há indícios de
uma relação mãe-filha de pouca aceitação, tolerância e compartilhamento de afetos, inclusive
para a solução dos problemas e dificuldades.
Os recursos econômicos e materiais foram referidos como insuficientes para a
provisão da família nos cinco anos anteriores ao momento da coleta de dados, sendo que a
família contava com a ajuda externa para subsistência.
Os recursos pessoais de F03 (nível intelectual da criança e a presença de recursos pró-
sociais) e do ambiente familiar (práticas religiosas partilhadas pela família e que lhes garantia
momentos prazerosos e presença da avó materna como fonte de apoio afetivo à F03)
apontaram para a presença de condições promotoras do desenvolvimento infantil. Contudo a
presença de dificuldades relevantes em sua socialização (desempenho acadêmico no geral e
no subteste de aritmética abaixo do esperado para sua escolaridade e presença de dificuldades
comportamentais descritas pela mãe no SDQ) e problemas de saúde crônicos desde o
nascimento de F03 evidenciaram que as adversidades relativas à doença mental da mãe, à
família e à rede de apoio estavam funcionando como condições adversas ao seu
desenvolvimento e poderiam estar favorecendo sua dificuldade adaptativa às tarefas próprias
do seu período do desenvolvimento.
A avó materna, que figurava como ponto central na rede de apoio à F03, entretanto, foi
destacada como possível fonte que tentava minimizar as adversidades crônicas advindas das
dificuldades financeiras crônicas e dos sintomas associados à doença mental materna.
119
Dupla M04 e F04 – Sem dificuldade de socialização
Identificação
A dupla é composta pela mãe (M04), 36 anos, casada, afastada do trabalho em uma
fábrica de chocolate há um ano e três meses sem, contudo, ter-lhe sido concedido até o
momento da coleta de dados auxílio saúde por este afastamento, ensino fundamental
incompleto, com três filhos, um filho de 20 anos, uma filha de 17 anos e uma filha de 11 anos
e quatro meses de idade (F04), estudante da 5ª série do ensino fundamental, sendo esta a
criança incluída neste estudo. O chefe da família é o pai da criança, operador de central de
segurança, ensino fundamental completo.
Histórico da depressão materna
Tendo como marco de tempo o momento da coleta de dados, segundo o relato de M04,
os sintomas da depressão materna se iniciaram há pouco mais de sete anos e foram associados
às perdas de familiares sofridas nesta época (falecimento de sua mãe, dois cunhados e um
irmão, todos em um período de menos de um ano). Após esse período de perdas, a mãe referiu
outros três períodos de manifestações depressivas, sendo que o segundo episódio ocorreu há
quatro anos após a retirada de tumor benigno no joelho. Segundo M04, o terceiro episódio foi
desencadeado há dois anos pela doença (diabetes) de seu marido, cujo diagnóstico precedeu o
agravamento dos sintomas depressivos. A doença do marido culminou com o afastamento
dele do trabalho e dificuldades financeiras importantes após ele ter perdido este trabalho,
quando a família passou a ter uma renda mensal menor, acumulando dívidas e diminuindo o
padrão econômico familiar. Na ocasião, apresentou como sintomas tristeza intensa, choro,
falta de sono, desânimo e sintomas ansiosos quando na presença de muitas pessoas.
M04 relatou que cerca de um ano e três meses antes da coleta de dados, apresentou a
quarta e pior crise depressiva, quando teve tendinite, para a qual foi medicada e teve como
efeito colateral nefrite. Esse quadro de saúde, o uso da medicação para nefrite e o afastamento
do trabalho foram apontados pela mãe como desencadeantes da última crise, a qual
considerou a pior com relação à intensidade dos sintomas. Essa associação de fatos afastou-a
do trabalho, tendo procurado o INSS para afastamento por motivo de doença. Na data da
perícia médica que poderia lhe afastar do trabalho, não levou o laudo do médico psiquiatra
que a atendia e, por isso, não conseguiu ser afastada do trabalho pelos motivos referidos.
Diante da recusa da referida instituição pelo afastamento de M04, esta decidiu procurar a
justiça para pleitear o afastamento.
120
Relatou, ainda, que nos três primeiros episódios depressivos a sintomatologia
apresentou melhora relativa, sem que tivesse buscado tratamento médico. No último e mais
grave episódio, procurou atendimento com médico neurologista, que a encaminhou para
atendimento psiquiátrico em serviço ambulatorial, quando iniciou tratamento com uso de
medicação antidepressiva e ansiolítica, sendo esta principalmente para conseguir voltar a
dormir.
Apresentou melhora dos sintomas depressivos com a continuidade do tratamento
medicamentoso até o momento da coleta, valorizando o uso da medicação psiquiátrica: “eu
não fico sem a medicação” (sic). Quanto à saúde física, M04 relatou que passou por duas
cirurgias, sendo uma de laqueadura no nascimento de F04 e outra, quatro anos antes da coleta,
para retirada de um tumor benigno no joelho, não relatando outras queixas.
Os sintomas depressivos quanto à duração e intensidade possibilitaram o diagnóstico
pela SCID de Transtorno Depressivo Recorrente, com Episódio Moderado ocorrido nos
últimos dois anos e sem manifestações depressivas características nos últimos seis meses.
Relatou que o transtorno depressivo trouxe prejuízos para sua vida: “hoje eu já não tenho,
assim, esse mesmo, esse mesmo pique”, contudo, apontou para os três meses anteriores à
coleta de dados como sendo os melhores de sua vida desde o início do transtorno depressivo.
A exposição de F04 à sintomatologia depressiva materna ocorreu pela primeira vez
quando a criança contava com cerca de quatro anos de idade, sendo que aos sete anos (2º
episódio), nove anos e meio (3º episódio) e aos dez anos (4º episódio) conviveu com novos
episódios da depressão materna.
Os indicadores de recursos e adversidades serão apresentados em três quadros
descritivos que os agruparão de acordo com: (a) as características de F04, (b) do ambiente
familiar e (c) da rede de apoio social.
Recursos e adversidades pessoais
Apresentar-se-á a seguir os indicadores de recursos e de adversidades relativos às
características pessoais de F04, como mostra o Quadro 12.
121
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Nível intelectual (Raven)
Percentil 25>50 – Médio inferior
Recurso
B. Desempenho
Escore geral e no subteste escrita – Na média
Recurso
Acadêmico (TDE)
Escore no subteste leitura – Superior à média
Recurso
Escore no subteste aritmética – Inferior à média
Adversidade
C. Comportamento
Escore total e escala de problemas de conduta
Recurso
(SDQ)
e hiperatividade – Normal
Escore na escala sintomas emocionais e relacionamento – Anormal
Adversidade
C1. Comportamento
Escore nas escalas hiperatividade e pró-social – Normal
Recurso
pró-social (SDQ)
D. Saúde física (EEA/EAC)
Apresenta vômitos quando ingere carne de porco
Adversidade
E. Resposta diante de
às vezes, ela (F04) pega o bonde andando (e se intromete na
conversa)”
Adversidade
situação adversa Mesmo quando ela (F04) não vinha aqui (nas aulas de esporte), em Recurso
(Entrevista) casa mesmo, ela fazia (...) ginástica olímpica, ela nada muito
Ela (F04) fica preocupada, bastante preocupada quando é uma Adversidade
situação difícil (...) ela fica perguntando (...) ela é muito ansiosa
tem (planejamento com as situações que vão ocorrer) Recurso
ela (F04) não gosta muito, não (quando lhe colocam limite), só que Recurso
ela não retruca, não (...) ela obedece
Ela (F04) se sente inferior, porque muitas vezes ela não tem o Adversidade
dinheiro e ela prefere (...) não participar dessa atividade
“(F04 pede ajuda para) As pessoas que convivem com ela Recurso
Quadro 12: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características pessoais de F04.
Os recursos pessoais de F04 foram destacados quanto à presença de recursos
cognitivos, expressos pelo nível intelectual médio inferior, e recursos de socialização,
expressos pela presença de comportamentos pró-sociais, ausência de dificuldades quanto ao
comportamento geral, além de bom desempenho acadêmico geral e nos subtestes de escrita e
leitura avaliados por prova específica.
Segundo o relato de sua mãe, apresentava recursos pessoais para o enfrentamento de
situações novas e difíceis que aconteciam em seu dia-a-dia de maneira geral, expressos por
iniciativa de suprir o que desejava, planejamento, aceitação de regras e limites, bem como
disposição em pedir ajuda quando necessário.
A mãe percebia a criança como inteligente e com bom desempenho acadêmico, o que
estava congruente com o resultado geral da criança na avaliação por provas específicas, bem
como comportamento de responsabilidade pelas suas atividades e objetos pessoais, como
descrito no trecho a seguir.
Ela (F04) é muito inteligente, devido ela ter sido criada com os irmão mais
velho
122
na escola, ela (F04) é muito responsável (...) com tudo o que ela vai fazer
(...) (o desempenho escolar) foi bom
Quanto aos vínculos com seus pares e com os adultos, M04 relatou que eram positivos,
contudo, às vezes, F04 preferia brincar sozinha e era atormentada por crianças que ela própria
dava atenção, mas depois se cansava. Tais dados indicaram a presença de adversidades no
relacionamento interpessoal, identificadas no relato da mãe no SDQ, que se somaram a
dificuldades emocionais, expressas por queixas somáticas, preocupações excessivas e insegurança
relatados pela mãe tanto no SDQ quanto durante entrevista. Observou-se, ainda, indicadores de
dificuldade no desempenho acadêmico na área de aritmética.
Quanto à saúde física, a mãe relatou a presença de vômitos quando F04 ingeria
determinados tipos de alimentos. Com exceção destas crises, segundo a mãe, a criança teve
bom desenvolvimento e gozava de boa saúde.
Destacou-se que a presença de condições adversas relativas às características da
criança não estavam interferindo de maneira geral no desempenho de F04 nas tarefas do
desenvolvimento próprias de sua etapa de vida, sinalizando a utilização de recursos pessoais
de socialização.
Recursos e adversidades do ambiente familiar
O Quadro 13 a seguir apresentará os recursos e adversidades do ambiente familiar de F04.
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Condições familiares referentes à escolaridade Escolaridade dos pais:
e idade dos pais na época do nascimento dos Mãe - ensino fundamental incompleto/Pai – completo Adversidade/Recurso
filhos (Ficha Sócio-Demográfica) Maternidade/Paternidade: pais > 18 anos Recurso
B. Saúde mental dos pais (EEA/EAC) Depressão materna por pouco mais de dois anos Adversidade
Ausência de consumo de álcool pelos pais Recurso
C. Conflitos conjugais (EEA/EAC) Aumento de conflitos e brigas entre os pais no passado Recurso
D. Envolvimento dos pais com a lei (EEA) Ausente Recurso
E. Participação dos pais “(todos da família) junto (...) (M04 e as filhas) Almoçar Recurso
nas rotinas diárias (Entrevista)
j
unto, jantar um (...) (no final de semana) Fico na minha
irmã e (freqüenta aniversários) (...) Mais é com a F04
eu oriento muito ela (F04), vê reportagem junto” Recurso
Levo eles (F04 e sobrinho) ao clube Recurso
Mais é a irmã dela (que decide o que pode fazer), ela Adversidade
(irmã de F04) fala: ‘não, não é assim’. (...) as duas
conversa muito
Quadro 13: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de
F04. continua
123
Continuação
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
F. Organização e relações familiares Ela (F04) tem (rotina), ela vai na escola todos os dias Recurso
(Entrevista, RAF e EEA/EAC) (...) volta de ônibus, almoça, quer arrumar a casa do
jeito dela (...) brinca, dorme um pouco, à noite, ela vai
na igreja (...) todo sábado
é uma responsabilidade que elas (F04 e irmã) têm (de Recurso
contribuir para os cuidados com a casa)”
os três (filhos) é muito apegado comigo” Recurso
eles (família) vê que eu não tô bem, eles procuram não Adversidade
fazer barulho (...) (a rotina da casa) muda totalmente
As meninas têm muito compromisso com a igreja Recurso
(evangélica)”
Aumento da ausência da mãe e do pai pelo trabalho Adversidade
Outro estressor (um irmão de M04, o qual estava com Adversidade
problemas de saúde, foi morar com a família)
Resposta positiva aos itens sobre rotina e atividades Recurso
lúdicas e domésticas no RAF
F1. Regularidade dos cuidados parentais O dia-a-dia deles (dos filhos) é mais pro pai” Recurso
(Entrevista e RAF) Lavo roupa, passo (...) (compromisso com a família de) Recurso
tá ali (...) vê se eles tão precisando de alguma coisa, ver
se eles tão precisando de ajuda
o que precisa fazer, não precisa falar todo dia (...) já é Recurso
um hábito (...) fala pouco, mas fala firme
Presença dos pais e irmã como rede de apoio Recurso
Resposta positiva aos itens do RAF sobre integração dos Recurso
pais na rotina e lazer criança
G. Suporte social à escolarização (RAF) Resposta positiva aos itens do RAF sobre supervisão Recurso
e rotina da criança quanto à sua escolaridade
H. Projetos de vida e expectativa de futuro No momento, não tenho (...) pra nada. Eu não consigo Adversidade
(Entrevista) ver nada no futuro. Eu vivo hoje. (...) eu vejo eles
fazendo as coisas e dou liberdade pra ver se é isso
mesmo (...) sobre estudo, aqui, na (nome do local de
esporte)”
I. Aceitação da criança (Entrevista) “eu olho e vejo (que ela tá precisando de ajuda)” Recurso
ela precisa se sentir mais segura” Adversidade
eu percebo, a F04, ela tem o comportamento... ela me Recurso
auto-protege (...) Ela levanta e fala: ‘eu não gosto que
fala essas coisas da minha mãe’. Ela toma a dor (...) (as
crianças da idade dela) não têm esse comportamento
J. Eventos de perda (EEA) Morte da avó materna Adversidade
K. Hospitalização de familiares, nascimento Hospitalização em decorrência de nefrite no passado Adversidade
de irmãos (EEA) Ausência de nascimento de irmão Recurso
Quadro 13: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de
F04. continua
124
Continuação
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
L. Resposta diante de situação adversa não é na primeira dor de barriga, que eu vou, corro lá Recurso/Adversidade
(Entrevista) (...) eu sei que aquilo vai passar (...) eu choro muito, eu
fico quieta, fico na minha
quando é situação nova... eu paro e penso (...) pra Recurso
eu tentar aprender (...) com o passado
Eu não consigo sair do lugar (...) (mas) não desistir” Adversidade
M. Ambiente físico (RAF) Resposta positiva aos itens do RAF sobre recursos Recurso
materiais presentes na casa
Quadro 13: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de
F04. conclusão
Os recursos da família e do ambiente familiar puderam ser identificados pela presença de
recursos materiais da família, por características dos pais (escolaridade paterna, idade dos mesmos
quando do nascimento da filha e ausência de envolvimento dos pais com a justiça ou a polícia),
pela participação dos pais na rotina doméstica e escolar e nos momentos de lazer da criança, bem
como pelos cuidados regulares despendidos à F04 e pelas orientações oferecidas pela mãe à filha.
Segundo o relato da mãe, a família oferecia uma rede de apoio social e afetivo à filha,
sendo os pais e a irmã aqueles que figuravam como pontos de apoio desta rede. A mãe referiu
desempenhar atividades domésticas, contudo, as filhas colaboram na execução das tarefas e
na organização do lar.
A mãe apresentou, ainda, percepção sobre as diferenças entre a filha e os demais e
percepção sobre os momentos em que ela precisava de ajuda, bem como referiu que a família
era religiosa e que, principalmente as filhas participavam ativamente das práticas religiosas
disponíveis na instituição que freqüentavam. Somou-se a isso o fato de M04 ter a idéia de que
ela própria também teria que ser responsável por resolver seus problemas e dificuldades,
acreditando possuir recursos internos, tal como ilustra o trecho a seguir.
eu sinto que aquilo que eu tô falando pra ela (para F04), talvez eu gostaria
de tá ouvindo e se eu tô dando é porque um dia eu recebi
Os indicadores de adversidades que incidiram sobre a família e sobre a criança foram
notados pelas condições da própria mãe, relativas à depressão materna, baixa escolaridade,
aumento de sua ausência - bem como a do pai - em razão do trabalho, comportamentos de
apatia diante de problemas e ausência de projetos para si e para os filhos. Essas características
materna evidenciaram ausência de perspectivas positivas para o futuro e certa passividade no
enfrentamento das adversidades vivenciadas no cotidiano.
125
A essas características, somou-se os conflitos conjugais no passado, já superados, e a
organização familiar que contava com uma adolescente, a irmã de 17 anos, para definir o que
F04 podia e o que não podia fazer. Eventos familiares como a permanência do tio materno
com a família no passado e o falecimento da avó materna de F04 também foram destacados
como adversidades.
Assim, os dados apontaram que F04 estava inserida em uma família que apresentava
padrões de organização que contava também com uma adolescente como responsável pelo
que é permitido à F04, mas contava, ainda, com a participação dos pais na vida cotidiana e
religiosa, que é percebida por M04 como prazerosa.
Recursos e adversidades da rede de apoio
O Quadro 14 a seguir apresentará os indicadores de recurso e adversidade relativos à
rede de apoio social à F04.
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Criança - Relações com os pares (SDQ) Escore na escala comportamento pró-social - Normal Recurso
Escore na escala de relacionamento – Anormal Adversidade
B. Família - Relações sociais (RAF) Realização de visitas a parentes e amigos da família Recurso
C. Eventos escolares (EEA) Adversidades escolares (mudança de escola, piora no Adversidade
relacionamento com os colegas e trocas de professores)
D. Suporte social (RAF e Entrevista) Resposta positiva aos itens no RAF sobre atividades Recurso
programadas da criança na comunidade
Eu converso mais é com o pai dela (de F04), com a Recurso
(nome da irmã de F04), com o pastor (quando precisa
de ajuda) (...) Eles (pastor e esposa) tem um querer
muito grande pelos meus filhos (...) ele já trabalhou
(espiritualmente) muito com a F04, a (nome da filha
mais velha)”
Percebem (que precisa ajuda), mas não (pede)” Recurso/Adversidade
D1. Recursos comunitários (Entrevista) Reposta positiva à utilização de recursos Recurso
comunitários: educação, saúde, lazer, esporte e religião
E. Fator sócio-econômico Classe sócio-econômica C Recurso
(Ficha Sócio-Demográfica e Entrevista) Superpopulação: Ausente Recurso
A mãe começou a trabalhar e o pai perdeu emprego Adversidade
Momentos difíceis do ponto de vista financeiro Adversidade
em época recente e no passado
Insuficiência quanto à provisão financeira Adversidade
Tem que colocar a situação (financeira) em dia” Recurso
Eu não posso ajudar em nada (...) porque eu não Adversidade
tenho renda financeira
a gente vai se virando, mas não é sempre, né, que tal Adversidade
dia tem aquele dinheiro
Quadro 14: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características da rede de apoio social à
F04.
126
As variáveis que trataram dos indicadores de recurso da rede de apoio puderam ser
identificadas quanto a características da própria criança, expressas pela presença de recursos
pró-sociais, a características da família quanto a seu perfil (não ser superpopuloso, manter
contatos freqüentes com a família extensa e ter acesso e se utilizar de recursos da comunidade
para oferecer à F04 atividades programadas). Também foram identificadores indicadores de
recurso na rede, o fato da família pertencer à classe C e receber apoio de pessoas da
comunidade religiosa.
Evidenciou-se, pois, a presença de uma rede de apoio social e comunitária para mãe e
filha, entretanto a família vivenciava adversidades financeiras relativas a momentos difíceis
economicamente, a insuficiência para provisão econômica e eventos associados às atividades
laborais dos pais (a mãe iniciou um trabalho no passado do qual precisou se afastar sem
receber qualquer auxílio de saúde e o pai perdeu o emprego), sendo que tais eventos
contribuíram acentuadamente para as dificuldades financeiras da família, as quais se
mantinham no tempo. M04 referiu que a família teve uma queda brusca no poder aquisitivo
em decorrência da perda de emprego dela e do marido, passando a deixar algumas contas em
atraso e deixar de oferecer aos filhos oportunidades de ensino melhor (cursos
extracurriculares, por exemplo) e de lazer. Pessoas da comunidade religiosa auxiliavam a
família, em especial as filhas de M04, quanto às carências advindas das dificuldades
financeiras. Assim, contribuíam com materiais escolares, fantasias (para as filhas participarem
de eventos, teatros que aconteciam na igreja) e momentos de lazer (festas e comemorações
religiosas).
Somou-se a isso dificuldades de F04 no relacionamento interpessoal expressos pela
dificuldade na escala específica no SDQ, adversidades escolares vivenciadas pela criança ao
longo dos anos (mudança de escola, piora no relacionamento com seus pares e trocas de
professores) e resistência da mãe em pedir ajuda.
Síntese
Os quatro episódios depressivos descritos por M04 tiveram como manifestações
características a tristeza intensa, choro, falta de sono, desânimo e sintomas ansiosos quando
na presença de muitas pessoas, o que se acentuou no último episódio. Os motivos referidos
como associados aos episódios remontam inicialmente perdas familiares. Somou-se a isso o
diagnóstico de diabetes de seu marido com conseqüentes prejuízos na saúde e na vida laboral
dele. A perda do emprego paterno, o posterior desligamento de M04 do emprego e o
agravamento dos sintomas depressivos materno se associaram para compor um quadro de
127
dificuldade familiar importante do ponto de vista financeiro. O agravamento do quadro
depressivo propiciou o início do tratamento medicamentoso, valorizado pela mãe como fonte
de alívio dos sintomas.
Seu relato evidenciou postura ambígua diante da vida quando tratou de suas reações
diante das situações cotidianas e situações difíceis que enfrentava, indicando reações de apatia
contrapondo-se com reações de reflexão e aproveitamento das próprias aprendizagens
passadas para lidar com as adversidades. Com relação ao futuro dela própria e da família,
pouco pensava sobre isso, priorizando a vivência dos fatos atuais, sem planejamentos ou
projetos. Entretanto, vislumbrava mudanças no futuro dos filhos, que estariam vinculadas a
escolhas deles próprios.
O apoio em uma crença religiosa foi um dos recursos destacados por M04 como fonte
de apoio, apontando que F04 tinha o hábito de participar de práticas religiosas freqüentemente
na companhia de sua irmã, bem como participar de festividades promovidas pela igreja. Além
disso, M04 informou que pessoas de destaque na igreja (pastor e a esposa), pela proximidade
da família advinda do contato na igreja, contribuíam com as filhas inclusive financeiramente.
De maneira geral, os familiares e pessoas conhecidas de M04 percebiam quando ela
precisava de ajuda, mas referiu que, além do pastor e da esposa dele, ela buscava apoio junto
ao marido e à segunda filha (adolescente com 17 anos), relatando ser difícil pedir ajuda para
as demais pessoas de seu círculo social. Assim, evidenciou-se a presença de uma rede de
apoio efetiva à família, porém restrita, inclusive em decorrência da dificuldade de M04 em
buscar ajuda. A rede de apoio comunitária, contudo, era utilizada pela família nas áreas da
saúde, educação, lazer, religião e esportes, sendo oferecidas à F04 atividades programadas.
Referiu despender cuidados regulares e recursos materiais à filha, contudo apontou
para a figura do pai como pessoa mais requerida pelos filhos durante a semana e para as filhas
como colaboradoras diárias nos cuidados com a rotina doméstica, sem que mãe e filhas
deixassem de realizar atividades juntas, incluindo atividades de lazer.
A organização familiar foi referida como planejada e M04 relatou que a filha tinha
uma rotina diária que incluía, ainda, atividades religiosas e tarefas domésticas sob sua
responsabilidade. Apontou, contudo, que tanto os pais quanto a irmã de F04 impunham regras
e limites a ela, evidenciando existir coesão entre os membros da família e não haver conflitos
entre as pessoas sobre o que lhe permitir ou proibir. Assim, observou-se que existe contato
entre mãe e filhos, mas as relações familiares mais afetivas foram identificadas pela mãe entre
pai e filhos. Os papéis parentais, contudo, eram divididos com uma das filhas adolescente,
evidenciando inconsistência. Tal fato somado aos pedidos de ajuda de M04 à filha
128
adolescente aponta para dificuldades maternas na compreensão e administração dos conflitos
familiares
Quanto à sua relação com F04, destacou-se recursos maternos para perceber as
diferenças do comportamento da filha em comparação com outras crianças e desejo materno
de que a filha pudesse desenvolver maior confiança para lidar com as situações adversas.
Além disso, notou-se na fala da mãe a intenção de F04 protegê-la daquilo que a criança
entendia como ofensivo à mãe. Evidenciou-se que os recursos de comunicação utilizados por
M04 associavam-se a sua condição de distinção entre os períodos de ausência e os de
presença da sintomatologia depressiva, sendo que nestes últimos expressava suas emoções
abertamente e recebia ajuda dos familiares, principalmente da família nuclear. As atividades
cotidianas entre pais e filhos não sofriam interferência relevante diante de tal labilidade
afetiva. Contudo, M04 sinalizou dificuldade em pedir ajuda diante das adversidades, não
estando esta dificuldade, porém, presente no comportamento de F04, que por vezes conseguia
conter os próprios afetos e por vezes acabava externalizando as próprias idéias e emoções de
forma ansiosa.
Os recursos econômicos e materiais foram referidos como insuficientes para a
provisão da família no momento da coleta de dados, situação identificada por M04 como
insatisfatória, afirmando ter necessidade de mudanças quanto à renda familiar. Apontou que
aguardava decisão judicial para concessão de benefício governamental, sem manifestar
qualquer intenção em voltar a trabalhar.
Os recursos pessoais de F04 (nível intelectual da criança e ausência de dificuldades
relevantes em sua socialização, expressa por bom desempenho acadêmico no geral, por
recursos pró-sociais, pela ausência de dificuldades comportamentais descritas pela mãe no
questionário e pela ausência de outras queixas relativas ao crescimento), do ambiente familiar
(práticas religiosas compartilhadas, coesão familiar com resolução colaborativa dos
problemas, cuidados regulares, rotinas flexíveis, presença de regras e limites e percepção
adequada de M04 quanto às necessidades e limites da filha) apontaram para uma condição
promotora ao desenvolvimento de F04, mesmo diante de respostas pouco adaptadas (ansiosas)
da criança frente a situações novas ou difíceis em sua vida.
Os pais, a irmã de F04 e pessoas da comunidade foram referidas como rede de apoio,
bem como o acesso a recursos da comunidade foi destacado quanto à sua condição de
minimizar condições adversas advindas da própria criança, do ambiente familiar e da rede de
apoio.
129
Os processos-chave de resiliência analisados em cada caso do Cenário 2
Serão apresentados a seguir os processos-chave para os casos 03 e 04, de forma a
identificar as semelhanças e diferenças entre os casos dentro do Cenário 2, caracterizado pela
depressão materna associada prioritariamente a condições sócio-econômicas precárias como
condições adversas crônicas para o ambiente familiar.
Cenário 2: Depressão Materna Associada Prioritariamente a Condições Sócio-
Econômicas Precárias
Processos-Chave
da Resiliência
Caso 03 – com dificuldade de
socialização
Caso 04 – sem dificuldade de
socialização
Sistemas de
Crenças
- Crenças religiosas partilhadas pela
família
- Projeto familiar realístico que
demanda muitas ações
- Pouca reflexão sobre os significados das
adversidades, com tendência a atribuí-las
ao meio
- Dificuldade de aceitação do quadro
depressivo e de adesão ao tratamento, com
interrupção da medicação antidepressiva
- Crenças religiosas partilhadas pela
família
- Ausência de projetos familiares futuros;
M04 tem o desejo vago de mudanças
para o futuro, em função dos filhos, sem
explicitar ações que favoreçam isso
- Reflexão frente às adversidades, com
foco nas experiências passadas, e apatia
frente às vivências atuais
- Adesão ao tratamento e uso contínuo
de medicação
Processos de
Comunicação
- Dificuldade de expressar as emoções,
evita compartilhar sentimentos positivos e
é reativa aos sentimentos negativos
- Impulsividade na expressão das emoções
- Resolução de conflito: forma rígida e
impositiva
- Cooperação limitada à avó materna de
F03, evita pedir ajuda às outras pessoas
- Relação conflituosa e de pouco afeto com
as pessoas em geral, inclusive com F03
- Interações familiares pouco freqüentes
prazerosas nos momentos de lazer e de
práticas religiosas
- Rejeição manifesta por F03: percebe as
necessidades da filha, mas sem disposição
de acolhê-las
- Labilidade na expressão das emoções e
no compartilhamento dos sentimentos
- Frente às manifestações afetivas, reage
de acordo com a piora ou melhora da
sintomatologia depressiva, alternando
apatia e irritabilidade
- Resolução colaborativa de conflitos:
postura pró-ativa
- Busca de auxílio junto ao esposo e à
filha adolescente, evitando partilhar
problemas e decisões além da família
nuclear e do pastor da igreja
- Interações familiares prazerosas
- M04 se percebe menos afetiva que os
demais membros da família
- Dificuldade em aceitar comportamento
ansioso da filha diante de situações novas
Quadro 15: Processos-chave da resiliência identificados no Cenário 2 – Depressão Materna Associada
Prioritariamente a Condições Sócio-Econômicas Precárias, incluindo os casos 03 e 04. continua
130
Continuação
Cenário 2: Depressão Materna Associada Prioritariamente a Condições Sócio-
Econômicas Precárias
Padrões
Organizacionais
- Regras definidas, estabelecidas pela
mãe e pela avó materna
- Rotinas rígidas percebida como fonte de
sobrecarga
- Compartilhamento de atividades
domésticas, religiosas e escolares
- Disponibilidade de recursos da rede de
apoio, percebida como inadequada às
necessidades familiares
- Recursos econômicos precários no
passado e, no presente, a família depende
do auxílio de outras pessoas para a
subsistência
- Família: pais vivem separados, conflitos
conjugais no passado, litígio pela pensão
alimentícia dos filhos com possibilidade de
prisão do pai por falta de pagamento da
pensão e re-casamento do pai
- Pai de F03: participação esporádica do
pai na rotina dos filhos
- M03: não se reconhece como cuidadora,
delega à avó materna de F03 tal função
- Saúde mental: depressão materna com
episódios moderados e ausência de
referências a problemas de saúde
mental paterna
- Regras definidas, estabelecidas pelos
pais e pela irmã de F04
- Rotinas familiares planejadas e
flexíveis
- Compartilhamento de atividades
domésticas, escolares, religiosas e de
lazer
- Disponibilidade de recursos da rede
de apoio: utilização dos recursos
materiais e dificuldade de pedir ajuda
- Recursos econômicos precários no
passado e, no presente, a família depende
do auxílio de outras pessoas para a
subsistência
- Família: pais vivem juntos, com
conflitos conjugais no passado, já
superados
- Pai de F04: relações mais afetivas
com os filhos, participação na rotina
cotidiana deles
- M04 e o pai de F04 são os cuidadores
de referência – decisões e ações
partilhadas pela família
- Saúde mental: depressão materna com
episódios moderados e ausência de
referências a problemas de saúde
mental paterna
Quadro 15: Processos-chave da resiliência identificados no Cenário 2 – Depressão Materna Associada
Prioritariamente a Condições Sócio-Econômicas Precárias, incluindo os casos 03 e 04. conclusão
Nos dois casos incluídos no Cenário 2, caso 03 e caso 04, identificou-se que as
famílias partilham crenças e práticas religiosas entre seus membros, sendo reconhecidas pelas
mães como recurso do cotidiano familiar facilitadoras para o enfrentamento do dia-a-dia. As
crenças relativas ao tratamento psiquiátrico parecem associadas à condição interna de cada
mãe em aceitar e compreender ou não a sintomatologia depressiva, seu desenvolvimento e seu
prognóstico. O relato de M03 evidencia a dificuldade na aceitação do transtorno psiquiátrico e
conseqüente dificuldade de adesão ao tratamento oferecido pelo serviço público de saúde,
sinalizando que as limitações internas se refletem na possibilidade de utilização de recursos
externos de suporte para a sua saúde. Enquanto que, no caso 04, a mãe refere adesão ao
tratamento, o qual é valorizado como fonte externa de recurso.
O enfrentamento das adversidades, incluindo os relacionados aos sintomas
depressivos, é apontado como distinto entre as mães incluídas neste Cenário 2. O meio
131
externo, recusado como fonte de apoio para M03 quanto ao tratamento psiquiátrico, é também
referido como fonte de ameaça e como responsável pelas adversidades vivenciadas pela
família. No caso 04, é o próprio transtorno depressivo materno que permeia suas estratégias
de enfrentamento de situações novas e difíceis, apontando alternância entre momentos de
reflexão e utilização de experiências passadas e momentos de apatia. Diferenças entre os
casos também estão presentes quanto aos projetos familiares futuros, sendo que no caso 03 os
projetos referidos demandam muitas ações para se realizarem e no caso 04 identifica-se a
ausência de projetos, com o desejo vago de M04 de mudanças, ambos os projetos sinalizando
a necessidade de intervenções externas à família para a sua concretização.
Assim, os dados sugerem que o sistema de crenças identificado no relato das mães não
é de todo compartilhado pelos membros familiares. No caso 04, os recursos maternos internos
favorecem os cuidados consigo própria e lhe possibilitam reflexões.
Às crenças, soma-se a dificuldade de M03 em expressar as emoções, referindo
comportamentos impulsivos, principalmente diante de emoções negativas, e no caso de M04
soma-se a labilidade na expressão e compartilhamento das emoções, com manifestações
afetivas associadas aos períodos de melhora e piora da sintomatologia depressiva.
Tais formas de expressão das emoções podem favorecer mensagens dúbias, o que
associada à postura rígida e impositiva para a resolução de conflitos familiares no caso 03, à
relação conflituosa que M03 estabelece com as pessoas em geral e no seu comportamento de
evitar pedir ajuda a pessoas da família extensa ou da comunidade, pode dificultar interações
prazerosas, inclusive com os familiares. A relação entre M03 e F03 também é permeada pela
rejeição manifesta da mãe com relação à criança e pela dificuldade materna em acolher de
forma pró-ativa as necessidades da filha, sendo a avó materna da criança identificada pela
mãe como a pessoa que é requisitada por M03 a intervir e oferecer à F03 interações mais
afetivas. A avó é reconhecida como a pessoa que colabora para a comunicação e que busca
atender às necessidades de F03.
No caso 04, a referência à labilidade afetiva e a percepção de M04 de ser menos
afetiva do que os demais membros da família, contudo, não a impede de buscar de forma pró-
ativa junto à família nuclear e a pessoas específicas da comunidade auxílio para o
enfrentamento de conflitos, apontando para elas como colaboradores para a solução de
problemas e como fonte de interações prazerosas. Destaca-se que M04 é a principal
responsável pelos cuidados básicos da família, sendo que a dificuldade dela em aceitar o
comportamento ansioso da filha diante de situações novas sinaliza atenção e observação
quanto às práticas educativas.
132
A organização familiar dos dois casos guarda relação com as peculiaridades de cada
família. No caso 03, os pais vivem separados, tendo havido conflitos conjugais no passado e
litígio entre eles. M03 reside com os filhos e a avó materna das crianças, sendo que são as
duas mulheres quem definem as regras e as rotinas da família, percebidas como fonte de
sobrecarga para a mãe. No caso 04, os pais vivem juntos e definem as regras familiares com a
ajuda da irmã adolescente de F04, que também impõe à irmã mais nova limites no cotidiano,
sem que haja entre os familiares conflitos e prejuízos para a rotina, que pode ser descrita
como planejada e flexível.
Destaca-se que os processos de comunicação e a estrutura familiar são diferentes nos
dois casos. No caso 03, a avó materna de F03 e, no caso 04, ambos os pais, são os cuidadores
de referência respectivamente das crianças, sendo que o pai de F03 tem pouca participação em
sua rotina enquanto o pai de F04 partilha com a esposa as decisões e a organização da rotina
da filha e mantém uma relação próxima e afetiva com os filhos. Nos dois casos, há
compartilhamento de atividades entre os membros da família, incluindo atividades
domésticas, religiosas e escolares, no caso 03, e as atividades domésticas, escolares, religiosas
e de lazer no caso 04. Não foram referidos problemas pregressos ou atuais de saúde mental
paterna e identificou-se que no caso 04 a família já experimentou conflitos conjugais no
passado, já superados.
Os recursos econômicos das duas famílias foram apontados como precários no
passado e no presente, sendo que vêm dependendo do auxílio de outras pessoas para sua
subsistência. No caso 03, tal condição econômica está associada aos conflitos conjugais
passados e à irregularidade no pagamento da pensão alimentícia por parte do pai aos filhos,
bem como ao desemprego de M03. No caso 04, as dificuldades financeiras estão associadas
principalmente à perda de emprego do pai de F04 no passado e ao afastamento, sem
remuneração, de M04 do trabalho regular. Os recursos da rede de apoio comunitária são
apontados como disponíveis nos dois casos, porém, no caso 03, são percebidos como
inadequados às necessidades familiares. No caso 04, a rede comunitária utilizada pela família
é descrita como eficiente, mesmo diante da dificuldade materna em pedir ajuda.
As famílias contam, pois, principalmente com recursos intra-familiares positivos para
a sua organização cotidiana. Contudo, tais recursos se contrapõem a rotinas rígidas e com a
não utilização da rede comunitária no caso 03 e com a dificuldade das mães na busca de
auxílio externo à família.
Os cuidados despendidos por M03 e M04 aos filhos podem ser caracterizados como
distantes do ponto de vista afetivo, havendo ainda rejeição de M03 à filha no caso 03, sendo a
133
avó materna identificada como fonte de suporte afetivo à criança. As atividades partilhadas
em família são mais amplas no caso 04, no qual a participação paterna está presente no
cotidiano familiar, compartilhando as decisões do dia-a-dia com M04. Assim, evidencia-se
maior coesão entre a avó materna e a criança no caso 03 e entre o pai e a filha no caso 04, no
qual se evidencia, ainda, maior estabilidade na rotina familiar e maior capacidade de mudança
frente a situações novas ou difíceis.
A flexibilidade das rotinas e o compartilhamento de decisões e ações familiares
identificados no caso 04 contrastam com a rigidez e a rejeição materna no caso 03, o que não
é percebido no relato de M04, mesmo diante de seu distanciamento afetivo. Tal como no caso
03, M04 relata a presença de severa dificuldade econômica, a qual traz prejuízos para o
cotidiano familiar, o que se soma a conflitos conjugais no passado da família, que no caso 03
estão associados aos problemas financeiros e à ausência paterna no cotidiano de F03.
Assim, a organização rígida das rotinas no caso 03, a dificuldade materna em perceber
como positivo de maneira geral os recursos externos à família e a ausência de perspectivas de
mudança quanto a seu relacionamento com a filha parecem se refletir na inabilidade materna
de gerenciar e expressar as próprias emoções e administrar as demandas da família, dividindo
e delegando à avó da criança a maior parte da responsabilidade sobre os cuidados com F03. A
identificação por parte de M03 de rejeição quanto à criança e a perspectiva de um futuro
melhor para a família seriam indicadores para mudanças futuras, entretanto, M03 associa as
possibilidades de mudanças aos limites da própria depressão, percebida como obstáculo para
se envolver afetivamente com F03 e com o trabalho. Diante dos dados obtidos junto à F03,
que apontam sua dificuldade de socialização, evidencia-se que conta com uma referência
afetiva, identificada como a avó materna, que não consegue minimizar as condições adversas
advindas dos padrões organizacionais e dos processos de comunicação familiares, bem como
das crenças materna constrangedoras.
No caso 04, a presença paterna no cotidiano familiar, incluindo sua participação ativa
nas atividades e decisões da família, bem com a referida proximidade afetiva aos filhos,
somada à aceitação e atenção materna ao desenvolvimento da filha e às próprias limitações
pessoais parecem indicar a presença de processos que permitem uma organização familiar
mais planejada, flexível e estável, o que deve estar contrabalançando as oscilações do humor
de M04 decorrentes do transtorno depressivo recorrente que limitam suas perspectivas futuras
e distanciam-na afetivamente dos filhos, contudo, sem prejudicar a sua participação nas
atividades familiares.
134
No caso 03, a dificuldade de aceitação de M03 do transtorno depressivo e da
sintomatologia associada trouxe dificuldade de adesão ao tratamento médico adequado, o que
pode ter favorecido a recaída dos sintomas e potencializado os prejuízos no cotidiano familiar.
Nos dois casos, houve exposição das crianças à sintomatologia materna no período pré-
escolar e escolar.
Associa-se a tal condição materna, as dificuldades de comunicação presentes no caso
03, permeada por ambigüidade, a presença de um ambiente familiar pouco organizado e
rígido, além da rejeição manifesta de M03 à filha, caracterizada pelo distanciamento afetivo e
não responsividade às necessidades da criança, comportamentos estes descritos por Langrock
et al. (2002) como negativos e associados à sintomatologia depressiva. Além disso, identifica-
se neste caso a recusa materna e a insatisfação quanto aos recursos da comunidade,
evidenciando baixo nível de suporte social, condição esta já destacada também como
associado ao transtorno depressivo por Swartz et al. (2005) e por McCarty e McMahon
(2003).
No caso 04, a adesão ao tratamento se soma à maior responsividade materna, ao
envolvimento e compromisso entre os familiares e à presença de rotinas organizadas e
flexíveis, compondo um contexto familiar mais afetivo o que pode estar funcionando como
uma condição favorecedora do desenvolvimento de F04.
Nesse cenário 2, a presença da precariedade econômica evidencia-se como uma
condição familiar marcante, o que já foi destacado por Goodman e Gotlib (1999) e Garber e
Little (1999) como fonte de adversidade ao desenvolvimento.
Cecconello, Krum e Koller (2000) destacaram que as condições sócio-econômicas da
família também podem influenciar a escolha das práticas educativas oferecidas aos filhos. Ao
considerar tal apontamento, somado às características do transtorno depressivo, pode-se
compreender, no caso 03, a maior dificuldade de organização das rotinas e regras destinadas à
criança, o que poderia ser minimizado de acordo com os estudos das referidas autoras pelo
oferecimento de atividades regulares à F03.
A presença de recursos na comunidade, que poderiam oferecer atividades programadas
à criança, contudo se contrapõe à dificuldade de M03 em recorrer a estes recursos externos
para buscar suporte para a família, o que por sua vez não foi identificado com tanto peso no
caso 04 que conta com apoio da família extensa e de algumas pessoas da comunidade para
atenuar as adversidades decorrentes da condição financeira. Além disso, destaca-se que M03
estava separada do pai de seus filhos há três anos, sendo tal condição familiar referida por
Lamb et al. (1999) como associada a problemas emocionais e comportamentais na criança,
135
embora, F03 conte no cotidiano com os cuidados básicos de sua avó materna. No caso 04, os
pais são as figuras principais de suporte para a filha, oferecendo à criança condições de apoio
emocional, variáveis destacadas nos estudos de Graham e Easterbrooks (2000) como
moderadoras das adversidades advindas de condições sócio-econômicas precárias.
Cenário 3
Depressão Materna Associada Prioritariamente a Conflitos Conjugais Recorrentes
Dupla M05 e F05 – Com dificuldade de socialização
Identificação
A dupla 05 é composta pela mãe (M05), 31 anos, separada, auxiliar de limpeza, ensino
fundamental incompleto, chefe da família composta por dois filhos, um filho de nove meses e
um filho de oito anos e um mês de idade (F05), estudante da 2ª série do ensino fundamental,
sendo esta a criança incluída neste estudo.
Histórico da depressão materna e conflitos conjugais
Tendo como marco de tempo o momento da coleta de dados, segundo o relato de M05,
os primeiros sintomas da depressão materna se iniciaram cerca de três anos antes, após
período de conflitos e brigas com o ex-marido por acreditar que ele pudesse estar mantendo
um relacionamento extraconjugal. Segundo seu relato, quando descobriu que este fato era
verdadeiro, “parece que o mundo acabou pra mim” (sic), tendo inclusive agredido
fisicamente o marido em razão desta descoberta e da não aceitação de tal situação. Na
ocasião, apresentou principalmente queixas relativas à perda do sono, do apetite e de peso,
desânimo, ideação suicida, choro freqüente e descuido consigo mesma, com o filho (F05),
com a casa e com o marido.
Os sintomas depressivos se agravaram e procurou atendimento psiquiátrico com
médico particular, em seguida, com médico de seu convênio de saúde, tendo iniciado o uso de
medicação antidepressiva e ansiolítica. Como não percebia melhora em seu quadro, fez uso de
bebida alcoólica por duas semanas, em dias seguidos, e começou a fumar, relatando que isto
minimizava parcialmente os sintomas depressivos. Apresentou duas tentativas de suicídio
neste primeiro episódio e foi internada em hospital psiquiátrico. O marido, segundo ela,
136
tentou ajudá-la como pôde, mas não tinha paciência e sinalizava dificuldade em entender o
que acontecia.
Durante a internação, apresentou melhora da sintomatologia depressiva e foi
encaminhada para atendimento ambulatorial em serviço de saúde mental. Durante os dois
anos seguintes, teve diversos momentos de manifestação depressiva bem definidos com
melhoras parciais entre eles, sendo que o último episódio ocorreu cerca de um ano e meio
antes da coleta de dados, quando soube da gravidez de seu segundo filho com seu marido.
Não entendia como teria ficado grávida se fazia uso de medicação anticoncepcional, ficou
desesperada” (sic), tinha vontade de morrer, se acorrentou ao pé da cama para ali morrer e
pedia para seu médico obstetra fazer o quanto antes uma cesariana para, assim, o bebê poder
nascer e protegê-lo de seus pensamentos suicidas. Seu filho mais velho (F05), seu marido e
seus familiares presenciaram M05 acorrentada junto à cama e o pai dela e o marido retiraram-
na de lá. Foi novamente internada em hospital psiquiátrico por um período breve, logo após o
nascimento do segundo filho, e encaminhada, em seguida, para tratamento ambulatorial com
melhora da sintomatologia após a re-introdução da medicação, quando precisou interromper a
amamentação do filho mais novo.
Durante o período de internação de M05, seus filhos passaram a ser cuidados
principalmente por sua irmã, uma vez que o pai das crianças trabalhava parte do dia e à noite
não assumia a tarefa de cuidar dos filhos. Depois de M05 ter deixado o hospital, o marido
deixou a casa e o casal separou-se de fato, tendo se iniciado a separação judicial em seguida,
que não se concretizou, pois M05 e o marido afirmaram em Juízo a possibilidade de retorno à
vida conjugal, sendo o processo suspenso por um tempo. Os conflitos conjugais iniciados três
anos antes se estenderam até o momento da coleta de dados e envolveram discussões
freqüentes, inclusive diante de F05.
Quanto à sua saúde física, ela referiu que realizou duas cirurgias de varizes e não
referiu qualquer outra queixa quanto à sua saúde física.
No momento da aplicação da Entrevista Estruturada para o DSM-IV (SCID), a mãe
relatou estar em uso da medicação antidepressiva e ansiolítica, que muito a ajudavam a
dormir, e pensava na possibilidade de fazer psicoterapia tal como sugerido por seu médico
psiquiatra.
Os sintomas depressivos quanto à duração e intensidade possibilitaram o diagnóstico
pela SCID de Transtorno Depressivo Recorrente, com Episódios Graves sem Aspectos
Psicóticos ocorridos nos últimos dois anos e presença de sintomas depressivos leves nos
últimos seis meses. Relatou que após o primeiro episódio não voltou a se sentir bem e que
137
tinha baixa auto-estima, no momento, referiu estar se sentindo melhor, principalmente com o
início do novo trabalho há pouco mais de cinco meses, e com expectativa de mudança, tal
como descrito nos trechos a seguir.
acabou, né, com um pouco da auto-estima da gente (...) eu fiquei calada,
né, eu mudei, eu num... conversa mais com ninguém igual eu conversava
antigamente... eu... se isolei... (...) (no momento da entrevista) eu tô bem, eu
tô lutando, tô... batalhando, creio em Deus que eu vou mudar...
A exposição de F05 à sintomatologia depressiva materna ocorreu pela primeira vez
quando a criança contava com cerca de cinco anos de idade (1º episódio), sendo que, dos seis
aos sete anos e meio, F05 conviveu com diversos momentos de manifestação grave da
sintomatologia materna, tendo o último episódio ocorrido quando ele contava com sete anos.
Os indicadores de recurso e adversidade serão apresentados a seguir em três quadros
descritivos que os agruparão de acordo com: (a) as características de F05, (b) do ambiente
familiar e (c) da rede de apoio social.
Recursos e adversidades pessoais
Apresentar-se-á a seguir os indicadores de recursos e de adversidades relativos às
características pessoais de F05, como mostra o Quadro 16.
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Nível intelectual
Percentil 50 – Médio Recurso
(Raven)
B. Desempenho
Escore geral e nos subtestes – Inferior à média Adversidade
Acadêmico (TDE)
C. Comportamento Escore total e nas escalas sintoma emocionais, problemas de conduta Adversidade
(SDQ) e hiperatividade Anormal
Escore na escala de relacionamento – Normal Recurso
C1. Comportamento Escore na escala hiperatividade - Anormal Adversidade
pró-social (SDQ) Escore na escala comportamento pró-social – Normal Recurso
D. Saúde física Ausência de queixas quanto à saúde física de F05 Recurso
(EEA/EAC)
E. Resposta diante de o negócio dele (de F05) é só de sair mesmo pra ele concordar” Recurso
situação adversa Ele (F05) não quer obedecer” Adversidade
(Entrevista) “não quer ir de jeito nenhum, daí, ele (F05) começa a chorar (...) ele Adversidade
quer vim por cima, te avançar em você
da escola, né, quando ele (F05) não sabe fazer uma coisa, ele me Recurso
chama
Quadro 16: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características pessoais de F05.
138
As variáveis que trataram das características pessoais de F05 evidenciaram a presença
de recursos quanto ao seu nível intelectual médio, recursos pró-sociais, expressos pela
empatia ao outro, disponibilidade ao contato e ausência de dificuldades de relacionamento. O
fato de F05 apresentar disposição para passeios e lazer era indicativo de recursos de abertura
ao meio e às oportunidades que lhe eram oferecidas. Diante de situações difíceis e novas na
escola, F05 buscava auxílio e apoio da mãe. Quanto à saúde física, não foi referida qualquer
queixa.
M05 referiu que o filho não vinha apresentado dificuldades de aprendizagem com base
em conversa que teve com a professora dele, como pode ser visto nos trechos transcritos a
seguir.
Eu perguntei pra professora dele (de F05) e ela me disse que ele tá bem na
escola. (...) que ele tá aprendendo bem, que ele tá fazendo as tarefas de
casa bem feita. A única coisa que ela falou é que ele gosta de ficar
conversando no intervalo da aula (...) ele fica tirando a atenção do colega
A percepção de M05 sobre o bom desempenho escolar de seu filho, contudo, estava
em desacordo com o desempenho de F05 avaliado por prova específica, evidenciando-se
divergências entre as informações dadas pela mãe e as obtidas na técnica utilizada.
Quanto ao vínculo com seus pares e com adultos, M05 relatou que eram positivos,
principalmente com as crianças, uma vez que os adultos em alguns momentos exigiam que
F05 cumprisse regras, o qual tinha dificuldades em aceitá-las, tal como ilustrado no trecho
transcrito a seguir.
eu falo: ‘F05, onde você vai?’, ‘Eu vou aqui na rua ficar brincando com as
crianças’ (...) se fala alguma coisa, que não vai, ele (F05) quer vim por
cima, te avançar em você
As adversidades relativas às características pessoais de F05 foram identificadas pelas
dificuldades de socialização, expressas pelo baixo desempenho acadêmico geral e em todos os
subtestes específicos avaliados por prova específica, bem como pelas dificuldades de
comportamento geral e, mais especificamente, pelos sintomas emocionais relatados por M05
quanto a choro freqüente e tristeza, insegurança e medo, por problemas de conduta quanto aos
comportamentos de desobediência, de mentir e conflitos com outras crianças, e por
comportamentos de hiperatividade, tais como agitação, distração, impulsividade e dificuldade
em completar as tarefas que iniciava. Na percepção da mãe, essas dificuldades se iniciaram e
foram desencadeadas após o início da depressão materna e dos conflitos parentais.
139
Seu comportamento diante de situações difíceis ou novas que vivenciava também foi
um indicador de adversidade ao seu desenvolvimento, apresentando o choro, a agressividade,
a desobediência e a evitação como formas de lidar com eventos estressores. Esta forma de
enfrentamento de F05 já provocou em sua mãe reações de descontrole, tal como descrito nos
trechos a seguir.
Ele (F05)... fica chorando (...) ele chega, não quer ficar dentro de casa,
quer ficar mais na rua, tá, tipo assim, respondão, ele responde. (...) quando
eu bato nele, ele fala que vai embora, que vai morar com o pai dele (...)
Outro dia, cheguei até bater nele de vara, fiquei com dó depois (...) o pai
dele veio aí, deu uma bronca nele...
Ressalta-se, ainda, que F05 convivia com condições familiares adversas, a serem
descritas a seguir, desde seus cinco anos de idade, as quais se somaram às dificuldades para
desempenhar tarefas próprias de sua etapa do desenvolvimento. Desse modo, identificou-se
que suas potenciais condições pessoais promotoras de seu desenvolvimento não estavam
sendo suficientes para minimizar o impacto das adversidades.
Recursos e adversidades do ambiente familiar
O Quadro 17 a seguir apresentará os recursos e adversidades do ambiente familiar de F05.
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Condições familiares referentes à escolaridade Escolaridade dos pais: mãe com ensino fundamental
e idade dos pais na época do nascimento dos incompleto Adversidade
filhos (Ficha Sócio-Demográfica) Maternidade/Paternidade: pais > 18 anos Recurso
B. Saúde mental dos pais Depressão materna por cerca de três anos Adversidade
(EEA/EAC) Ausência de consumo de álcool pelos pais Recurso
C. Conflitos conjugais Aumento de conflitos e brigas entre os pais Adversidade
(EEA/EAC) há mais de um ano da coleta de dados, pai abandonou a
família, separação dos pais, agressão física entre os pais,
p
ai se casou novamente, litígio entre os pais pela guarda
dos filhos
D. Envolvimento dos pais com a lei (EEA) Ausente Recurso
E. Participação dos pais eu num tô saindo com eles (com os filhos, como era Adversidade/Recurso
nas rotinas diárias (Entrevista)
antes) (...) às vezes, comer alguma coisa, levar eles pra
passear
Costumo (brincar com F05 e assistir TV com ele) Recuso
conversei com ele (F05)” Recurso
Eu vou trabalhar e eu falo pra ele (F07) obedecer ela Adversidade
(tia materna de F05), ajudar ela (...) ela (tia) fica com
ele, né, até... até que horas que é a escola (de F05)?
Quadro 17: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de
F05. continua
140
Continuação
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
F. Organização e relações familiares de semana, vai pra escola, de sábado, o pai dele (de Recurso
(Entrevista, RAF e EEA/EAC) F05) vem pegar ele (...) no domingo, também vem pegar
(...) aí, traz eles (filhos) de volta...
“(quando acontece algo com F05) falo com o pai dele” Recurso
“(fala para F05:) ‘Se tiver com vontade de comer Recurso
alguma coisa ou ir em algum lugar, cê fala pra nós, mas
assim, não fica pegando nada da rua com os outros’.
ele (F05) limpa a casa, pra ocupar o tempo dele aqui Recurso/Adversidade
dentro de casa, não ficar só na rua (...) mas tem vez ele
não faz não, ele começa a chorar”
Resposta positiva aos itens sobre rotina e atividades Recurso
lúdicas e domésticas do RAF
Aumento da ausência do pai após a separação do casal Adversidade
Aumento da ausência da mãe durante as internações Adversidade
F1. Regularidade dos cuidados parentais “(o que faz para cuidar é) ficar bem em casa com os Recurso
(Entrevista e RAF) meninos, né, sair, dar uma volta, passear com o F05,
com o (nome do filho mais novo)”
nós não fica o dia inteiro junto, né, que eu trabalho” Adversidade
“(F05) fala: ‘liga pro meu pai, tô com saudade dele’.” Adversidade
dá o horário que é pra nós ir na igreja (evangélica), eu Recurso
pego, mando ele (filhos) se arrumar
Presença da mãe e da tia como rede de apoio Recurso
Resposta positiva aos itens do RAF sobre integração dos Recurso
pais na rotina e lazer criança
G. Suporte social à escolarização Resposta positiva aos itens do RAF sobre supervisão Recurso
(RAF) e rotina da criança quanto à sua escolaridade
H. Projetos de vida e expectativa de futuro nem vem na minha mente fazer pranos mais (...) de Adversidade
(Entrevista) primeiro eu fazia (...) porque eu penso assim: ‘Ai, meu
Deus, nem sei amanhã como é que eu vou estar’, mas
eu peço a Deus que eu esteja muito bem
eu quero me cuidar de mim, ter forças ne mim, voltar a Recurso
ser aquilo que eu era antes... (...) não posso ficar nisso
não tem nada que tá me preenchendo, mas eu quero me Recurso
preencher com meus filhos (...) cuidar da minha casa
I. Aceitação da criança (Entrevista)
Ele (F05) tá assim, mais assim, agressivo, mais
Recurso
nervoso, ele não era um menino assim (...) depois de que
começou a acontecer tudo isso (depressão e separação)
“(considera mais importante em sua vida) Meu filho
Adversidade
(mais novo)”
não consigo perceber, não (perceber quando o filho
Adversidade
está precisando de ajuda)”
Quadro 17: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de
F05. continua
141
Continuação
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
J. Eventos de perda (EEA) Ausência de eventos de perda Recurso
K. Hospitalização de familiares, nascimento Hospitalização da mãe e nascimento de um irmão Adversidade
de irmãos (EEA)
L. Resposta diante de situação adversa eu fico pensando besteira e chorando Adversidade
(Entrevista) “eu fico pensando: ‘Ai, esse vai ser o último dia, vou Adversidade/Recurso
largar desse serviço, não vou vim mais trabalhar’. (...)
a hora que eu chego em casa, já tô diferente
eu fico triste (quando não cumprem o combinado)” Adversidade
eu tento assim, não deixar ninguém saber (da Adversidade
depressão) (...) manter a aparência que eu tô bem
M. Ambiente físico (RAF) Resposta positiva aos itens do RAF sobre recursos Recurso
materiais existentes na casa
Resposta negativa à presença de jornais/revistas na casa Adversidade
Quadro 17: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de
F05. conclusão
Os recursos do ambiente familiar foram identificados quanto às condições da família
(recursos materiais, interações prazerosas e práticas religiosas, com freqüência constante da
mãe nos cultos da igreja e participação semanal de F05 nas atividades destinadas a crianças na
instituição religiosa), a características da própria mãe que teve F05 na idade adulta e que tinha
certa participação na organização e rotina do lar e da vida do filho quando estava presente em
casa, oferecendo a ele uma rotina com algumas atividades de lazer e domésticas com suporte
à escolarização, associando-se a isso ausência de eventos de perda e ausência de
envolvimento dos pais com álcool e com a justiça ou polícia.
Notou-se que M05 apresentava condição de perceber as mudanças no comportamento
do filho ao longo da vida dele e buscava no pai de F05 e na tia materna da criança auxílio para
lidar com tais mudanças. Assim, pai, mãe e tia materna eram as pessoas que figuravam como
referência na vida de F05 e ofereciam a ele orientação e suporte. O posicionamento da mãe
frente ao futuro implicava na expectativa de mudanças em si própria que lhe permitissem
cuidar de si, dos filhos e de sua casa diferentemente da maneira como cuidava no momento da
entrevista. Esta perspectiva de mudança foi associada por M05 à alteração do padrão de
organização familiar, contribuindo assim para melhoria no ambiente familiar.
Os indicadores de adversidade da família e do ambiente familiar estavam associados a
variáveis relativas a características da mãe (baixa escolaridade, depressão, hospitalizações,
dificuldade em relatar com clareza a rotina do filho enquanto ela não estava em casa, idéias
que sugeriram a preferência pelo filho mais novo, dificuldade em perceber que o filho
142
precisava de ajuda e dificuldade de fazer com que ele cumprisse os limites que lhe oferecia), à
ausência de alguns recursos materiais, à ausência dos pais no cotidiano do filho, ao
nascimento de um irmão e aos conflitos entre os pais (discussões entre eles que culminaram
com agressão física da mãe contra o pai há aproximadamente três anos, o qual abandonou a
família cerca de sete meses antes da coleta de dados e casou-se novamente e litígio entre os
pais de F05 pela guarda dos filhos, a qual, contudo, não foi determinada judicialmente). M05
referiu, ainda, não concordar com a aproximação entre os filhos e a nova companheira do pai
de F05, entendendo que o novo relacionamento amoroso do pai poderia causar confusão na
cabeça dos filhos e até mesmo tirar de M05 a autoridade sobre eles, além de entender que os
cuidados deveriam ser oferecidos exclusivamente pelo pai de F05. Apontou que o filho já
teria relatado para a mãe diferença no tratamento que oferecido pela mãe e pela companheira
do pai, conforme descrito no trecho a seguir.
ele (F05) falou assim: ´a (nome da nova companheira do pai de F05) não é
assim (brava) comigo´
Notou-se ainda que, mesmo diante de perspectivas positivas para o futuro, sintomas
leves relativos à auto-estima e autoconfiança de M05 a impediam de fazer planos mais
concretos para si e para a família, uma vez que relatou preocupação com suas oscilações de
humor e o quanto estas poderiam afetar a sua vida.
Os dados obtidos sugeriram que F05 estava inserido em uma família em que a mãe e a
tia materna eram as figuras mais próximas no cotidiano da criança. Contudo, M05 estava
tendo dificuldades de oferecer condições para a manutenção de uma estabilidade familiar,
faltando-lhe uma postura pró-ativa para o enfrentamento das situações coditianas, em razão
possivelmente dos sintomas residuais da depressão.
Recursos e adversidades da rede de apoio
O Quadro 18 a seguir apresentará os recursos e adversidades da rede de apoio social a
F05.
143
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Criança - Relações com os pares (SDQ) Escore escalas das interações e pró-social – Normal Recurso
B. Família - Relações sociais (RAF) Presença de visitas a parentes e amigos da família Recurso
C. Eventos escolares (EEA) Adversidades escolares (o relacionamento com os Adversidade
colegas piorou)
D. Suporte social (RAF e Entrevista) Resposta negativa aos itens do RAF sobre atividades Adversidade
programadas de F05
Presença de suporte social para a mãe Recurso
Aqui em casa, né, todo mundo me ajuda (...) da
Recurso
família (...) minha irmã, essa daí (aponta para a irmã
de M05), cuidou dele (do filho mais novo), dava leite
pra ele no peito (...) meu pai conversa muito comigo
(...) vizinho que sabe que eu tô com pobrema, os
parente (falam com M05)”
D1. Recursos comunitários (Entrevista) Reposta positiva à utilização de recursos Recurso
comunitários de educação, saúde e religião
Reposta negativa à utilização de recursos Adversidade
comunitários de lazer e esporte
E. Fator sócio-econômico Classe sócio-econômica C Recurso
(Ficha Sócio-Demográfica e Entrevista) Superpopulação: Presente Adversidade
Mãe perdeu o emprego e começou a trabalhar em data Recurso
recente
Momentos difíceis do ponto de vista financeiro Adversidade
Suficiência de rendimentos para subsistência familiar Recurso
o pai dele (de F05) dá aquele valor (...) mas esquece Adversidade
que as crianças precisa de uma fruta, de um danone...
passa alguém vendendo alguma coisa na rua, o F05 Adversidade
quer (...) eu tenho dinheiro, não posso gastar
A água, eu já pago (...) se eu tiver dinheiro, eu pago, Adversidade
se eu não tiver, eu não pago
Quadro 18: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características da rede de apoio social a
F05.
As variáveis que abrangeram os recursos da rede de apoio indicaram a presença de
recursos pró-sociais em F05 e a ausência de dificuldades nos relacionamentos, favorecedores
das relações interpessoais. A rede de apoio social à criança conta com a visita à família
extensa e utilização dos recursos da comunidade nas áreas da saúde e religião. Notou-se,
ainda, que a família foi incluída na classe sócio-econômica C, sendo que os recursos
financeiros garantiam a subsistência familiar, sendo que contavam com suporte afetivo e
social, principalmente advindo da família extensa, a qual em quase sua maioria residia em
casas localizadas no mesmo terreno em que M05 morava e com a qual dividia o quintal.
Observou-se, pois, que a família extensa tinha participação fundamental no suporte à M05,
seja nos cuidados com os filhos durante a ausência da mãe na casa, seja para dar conselhos e
144
motivá-la no sentido de que pudesse melhorar sua qualidade de vida e retomar rotinas de
lazer.
As adversidades da rede de apoio associaram-se à presença de condições financeiras
adversas, expressas pela ausência de recursos econômicos para atividades de lazer e
guloseimas para as crianças pela perda do emprego da mãe e pelo início de um novo trabalho
cinco meses antes da coleta de dados, à presença de adversidade escolar (piora no
relacionamento com colegas), à ausência de atividades programadas a serem oferecidas à F05
e à condição de moradia da família.
Síntese
Os episódios depressivos descritos por M05 tiveram como manifestações
características perda do sono, do apetite e de peso, desânimo, ideação suicida, choro freqüente
e descuido consigo mesma, com o filho (F05), com a casa e com o marido, acentuados no
primeiro e no último episódio. Os motivos referidos como associados aos episódios foram
associados por M05 aos conflitos conjugais decorrentes de descoberta de traição por parte do
marido.
No momento da coleta de dados, estava em uso adequado da medicação antidepressiva
e ansiolítica, da qual dependia principalmente para conseguir dormir. Mostrou-se disponível a
complementar o tratamento medicamentoso com psicoterapia, sinalizando percepção de que
também esse tratamento poderia contribuir para sua melhora, sendo que percebia que o
transtorno depressivo ainda trazia prejuízos à sua vida no momento da coleta de dados. Os
pedidos feitos por M05 ao seu médico psiquiatra para ser internada sinalizaram, ainda, para
sentimento de confiança relativo ao serviço e ao profissional de saúde mental.
Além da medicação psiquiátrica e do suporte oferecido pelos familiares, M05 apontou
para a retomada de suas atividades laborais remuneradas como condição facilitadora da
melhora relativa do transtorno depressivo, do qual fazia parte dificuldade na relação com os
familiares e colegas de trabalho, tendendo a evitar demonstrar suas dificuldades na tentativa
de aparentar saúde mental. Este comportamento evasivo apontou, pois, para atitude evitativa
diante do mundo que se associou diretamente à negação de projetos futuros concretos para si
ou para a família.
A religião e as atividades quase diárias vinculadas à igreja também foram apontadas
pela mãe como fonte de suporte utilizado pela família, mas principalmente por ela própria
para o enfrentamento das adversidades vivenciadas, sinalizando valorizar tal recurso como
estratégia para fortalecer as crenças internas.
145
M05 e a família extensa ofereciam à criança cuidados regulares e recursos materiais
mínimos, sendo que a mãe não foi destacada como figura central da rede de apoio. Era
principalmente uma tia materna da criança quem permanecia mais tempo com F05 e que
oferecia também regras e limites. Identificou-se suporte familiar tanto para F05 quanto para
sua mãe, a qual delegava a familiares passivamente os cuidados do dia-a-dia de seu filho.
Além do apoio religioso, a família contava ainda com suporte da rede de ensino e de saúde,
relatando ainda conhecer outros serviços comunitários que poderiam ser utilizados.
A organização familiar foi referida como pouco planejada, sendo que M05 se quer
sabia dizer com precisão o horário de retorno de F05 da escola. Os papéis parentais
aparentavam fragilidade em razão dos poucos recursos maternos disponíveis para a
maternagem de F05 (ela concentrava sua atenção principalmente nos cuidados com o filho
mais novo, sinalizando inconsistência em seu papel) e em razão da ausência paterna, sendo a
tia materna responsável por convocar o pai a assumir suas responsabilidades enquanto
educador ao que se refere à função de controle e punição de comportamentos inadequados do
filho. Assim, evidenciou-se dificuldades marcantes de M05 compreender e gerenciar os
conflitos e as demandas familiares.
A relação entre mãe e filho foi apontada como prazerosa em alguns momentos, mas
difícil na percepção da mãe em razão do comportamento desobediente, choroso e agressivo de
F05, não aceitando tais comportamentos. Contudo, ainda sim, a mãe era requisitada pelo filho
diante de dificuldades escolares e ela se colocava à disposição do filho para ajudá-lo. Ela
relatou não conseguir perceber quando o filho precisava de ajuda e sinalizava rejeição
manifesta por ele, quando apontava para o filho mais novo (irmão de F05), por exemplo,
como a pessoa mais importante de sua vida. A instabilidade de humor de M05 e a rejeição
materna manifesta perpassavam as interações mãe-filho, bem como a qualidade das
comunicações oferecidas pela mãe que, mesmo conseguindo perceber as diferenças entre o
momento atual e os momentos de crise, referiu não perceber as demandas de F05 e buscar em
terceiros recursos para educar o filho, o que poderia provocar divergências nas práticas
educativas.
Os recursos materiais foram referidos como suficientes para a família no momento da
coleta de dados, contudo, o aspecto econômico foi apontado como condição adversa, uma vez
que a receita familiar advinda da pensão alimentícia dos filhos e do rendimento com o
trabalho de M05 não estavam sendo suficientes para oferecer à família momentos de lazer e
aos filhos, guloseimas, queixando-se de que o pai de seus filhos não conseguia perceber as
necessidades dos filhos e ajudar mais a família com recursos financeiros.
146
Os recursos pessoais de F05 (nível intelectual da criança e a presença de recursos pró-
sociais), do ambiente familiar (práticas religiosas compartilhadas, interações de lazer
prazerosas, presença de regras e limites) e da rede de apoio social, utilizada parcialmente pela
família, apontaram para a presença de possíveis condições promotoras do desenvolvimento
infantil. Contudo a presença de dificuldades relevantes em sua socialização (desempenho
acadêmico no geral abaixo do esperado para sua escolaridade e presença de dificuldades
comportamentais descritas pela mãe no SDQ) evidenciou que as adversidades relativas à
gravidade da depressão materna, aos conflitos conjugais, à relação mãe-filho permeada pelas
instabilidades do humor materno, pela rejeição materna manifesta e pela ausência de
perspectivas futuras estavam funcionando como condições adversas ao desenvolvimento de
F05 e poderiam estar favorecendo sua dificuldade adaptativa às tarefas próprias do seu
período do desenvolvimento.
Dupla M06 e F06 – Sem dificuldade de socialização
Identificação
A dupla 06 é composta pela mãe (M06), 37 anos, casada, do lar, ensino fundamental
completo, com cinco filhos, sendo três do sexo feminino de 18 anos, 13 anos e 12 anos e dois
do sexo masculino, um de quatro anos e outro de oito anos e três meses de idade (F06),
estudante da 2ª série do ensino fundamental, sendo esta a criança incluída neste estudo. O
chefe da família é o pai da criança, com curso técnico em contabilidade, é sócio e trabalha em
um escritório de contabilidade.
Histórico da depressão materna e conflitos conjugais
Tendo como marco de tempo o momento da coleta de dados, segundo o relato de M06,
os primeiros sintomas associados à depressão se iniciaram pouco mais de dois anos antes e
foram associados pela mãe a sua dificuldade em aceitar que a filha mais velha estava
mantendo relacionamento amoroso e íntimo com um rapaz que lhe desagradava. Na ocasião
do primeiro episódio, apresentou desânimo e desinteresse pelas coisas do dia-a-dia, choro
freqüente, inapetência e falta de sono com melhora espontânea.
Quando a filha decidiu se casar, há cerca de um ano da coleta de dados, apresentou
outro episódio depressivo com manifestações da sintomatologia referida, buscou tratamento
em serviço ambulatorial de saúde mental, com início do uso de medicação antidepressiva e
ansiolítica com melhora do quadro depressivo, contudo, ainda apresentava um “vazio no
147
peito” (sic). Após o casamento da filha, apresentou o terceiro episódio cerca de sete meses
antes da coleta, na qual apresentou além das manifestações citadas ideação suicida e
intensificação do desânimo e desinteresse que a impediam de realizar tarefas simples de sua
rotina doméstica, tendo dado continuidade ao tratamento medicamentoso.
No momento da coleta, M06 mantinha o uso da medicação antidepressiva e já havia
recebido alta médica para o uso de ansiolítico em função de sua melhora na qualidade do
sono. Quanto à saúde física, relatou que realizou uma cirurgia para retirada de um tumor
benigno da região do rosto, não apontando qualquer outra queixa.
Relatou que, desde o início do casamento, o marido apresentava um comportamento
muito fechado, havendo pouco diálogo entre o casal. Essa forma do marido se relacionar com
ela e com os filhos gerava conflitos e discussões freqüentes entre o casal, as quais
desencadeavam afastamento entre eles por curtos, mas freqüentes períodos de tempo que
serviram de pano de fundo dos episódios depressivos. Além disso, o marido queixava-se do
comportamento de irritação que M06 apresentava diante de situações que lhe desagradavam
bem como da pouca flexibilidade e alto nível de exigência da esposa relativos a ela própria e
aos demais. Os conflitos decorrentes do comportamento de ambos favoreciam, pois,
desentendimentos conjugais freqüentes, sendo que no passado e em período mais recente estes
conflitos se agravaram, provocando distanciamento entre o casal que passava períodos sem se
falar.
Os sintomas depressivos quanto à duração e intensidade possibilitaram o diagnóstico
pela SCID de Transtorno Depressivo Recorrente, com Episódio Moderado e Episódio Grave
sem Aspectos Psicóticos ocorridos nos últimos dois anos e sem manifestações de sintomas
depressivos nos últimos seis meses. Relatou que após o primeiro episódio não voltou a se
sentir bem novamente “nenhum dia” (sic), já que continuava muito preocupada com tudo e
que “eu não sou o que eu era ainda, antes de ter a depressão” (sic).
A exposição de F06 à sintomatologia depressiva materna ocorreu pela primeira vez
quando a criança contava com cerca de seis anos (1º episódio), sendo que aos sete anos (2º
episódio) e aos sete anos e oito meses (3º episódio) conviveu com episódios moderados e
graves, respectivamente, da depressão materna.
Os indicadores de recursos e adversidades serão apresentados em três quadros
descritivos que os agruparão de acordo com: (a) as características de F06, (b) do ambiente
familiar e (c) da rede de apoio social.
148
Recursos e adversidades pessoais
Apresentar-se-á a seguir os indicadores de recursos e de adversidades relativos às
características pessoais de F06, como mostra o Quadro 19.
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Nível intelectual
Percentil 95 – Superior à média
Recurso
(Raven)
B. Desempenho
Escore geral e subteste escrita – Na média
Recurso
Acadêmico (TDE)
Escore subteste aritmética – Inferior à média
Adversidade
Escore subteste leitura – Superior à média
Recurso
C. Comportamento
Escore total e nas escalas problemas de conduta, hiperatividade e
Recurso
(SDQ)
problema de relacionamento – Normal/Limítrofe
Escore na escala sintomas emocionais – Anormal
Adversidade
C1. Comportamento
Escore nas escalas hiperatividade e
Recurso
pró-social (SDQ)
comportamento pró-social – Normal
D. Saúde física
Ausência de queixas quanto à saúde física de F06
Recurso
(EEA/EAC)
E. Resposta diante de
ele (F06) chorou muito (quando a mãe realizou uma cirurgia)”
Adversidade
situação adversa
com aquilo que ele (F06) tem vontade de fazer, ele é muito ansioso
Adversidade
(Entrevista)
ele (F06) é muito medroso (...) de ficar sozinho (...) assusta fácil
Adversidade
parece que (reage normal às situações novas) é normal
Recurso
ele reage numa boa (frente ao que pode e ao que não pode)”
Recurso
Quadro 19: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características pessoais de F06.
As variáveis que trataram de indicadores de recursos pessoais de F06 associaram-se à
presença de recursos cognitivos, expressos pelo nível intelectual superior à média, e recursos
de socialização, expressos pela presença de comportamentos pró-sociais, ausência de
dificuldades quanto ao comportamento geral, além de bom desempenho acadêmico geral em
avaliação por prova específica, com destaque para o escore geral e nas áreas de escrita e
leitura. Segundo o relato de M06, a criança não foi acometida por problemas de saúde ao
longo de sua vida e apresentava recursos pessoais para o enfrentamento de algumas situações
novas e para atender às regras do cotidiano de maneira geral.
A mãe relatou que o filho era uma criança inteligente, que vinha apresentando bom
desempenho acadêmico, fato que estava em acordo com sua classificação geral em avaliação por
prova específica, contudo relatou que apresentava comportamento mais introspectivo quanto à
expressão de seus afetos com relação ao outro, como pode ser visto nos trechos transcritos a seguir.
vem o boletim, só tira nota boa, o comportamento dele (de F06) é ótimo.
Ele (F06) é fechado, entendeu, ele não é de ficar, é... falando que ama, que
gosta, que beija e abraça...
149
Com relação ao comportamento do filho, M06 relatou, ainda, perceber dificuldades no
filho que vinham se agravando com o passar dos anos relativas ao medo e ansiedade que o
filho apresentava em situações específicas, evidenciando dificuldade em conter as emoções e
traços de dependência. A mãe buscava aproximar-se do filho, conversando com ele na
tentativa de aplacar a ansiedade/medo, conforme ilustrado no trecho transcrito a seguir.
Ele (F06) fala: ‘Eu tenho medo, eu não vou, vamo comigo’ (...) eu converso
com ele (...) (contudo) eu tenho que ir lá (onde o filho lhe pede para ir,
como por exemplo, ir ao quarto ou ao banheiro) (...) conforme ele tá
crescendo parece que tá piorando
Ressalta-se que mesmo com a presença de indicadores de adversidade relativos às
características da criança, F06 apresentava em geral um bom desempenho nas tarefas do
desenvolvimento próprias de sua etapa de vida, sinalizando recursos pessoais de socialização.
Recursos e adversidades do ambiente familiar
O Quadro 20 a seguir apresentará os recursos e adversidades do ambiente familiar de
F06.
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Condições familiares referentes à escolaridade Escolaridade dos pais: Mãe - ensino fundamental
e idade dos pais na época do nascimento dos completo/ Pai - curso técnico Recurso
filhos (Ficha Sócio-Demográfica) Maternidade/Paternidade: pais > 18 anos Recurso
B. Saúde mental dos pais (EEA/EAC) Depressão materna por cerca de dois anos Adversidade
Ausência de consumo de álcool pelos pais Recurso
C. Conflitos conjugais (EEA/EAC) Presente no passado e em data mais recente Adversidade
D. Envolvimento dos pais com a lei (EEA) Presente (divergências da mãe com a vizinha) Adversidade
E. Participação dos pais eu cuido dele (F06) o mais que eu posso, né, tô sempre Recurso
nas rotinas diárias (Entrevista) junto dele, acompanho ele nas tarefa
Eu e o pai dele (que decidem o que pode), Recurso
mas mais eu
a gente assiste filme, assiste um programa de televisão, Recurso
ou sai pra algum lugar, vai comer fora
eu não chego dando dura, eu converso e explico Recurso
F. Organização e relações familiares “(de rotina tem) a escola, né, a tarefa da escola” Recurso
(Entrevista, RAF e EEA/EAC) é sempre meu marido (pra quem M06 pede ajuda)” Recurso
Outros estressores (o cunhado de F06 foi residir na casa) Adversidade
Resposta positiva aos itens sobre rotina e atividades Recurso
lúdicas e domésticas no RAF
Quadro 20: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de
F06. continua
150
Continuação
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
F1. Regularidade dos cuidados parentais tô sempre junto dele (de F06)” Recurso
(Entrevista e RAF) amor, né, carinho em casa, atenção, a gente conversa” Recurso
toda hora, pra todo mundo (...) dô atenção” Recurso
“(religião da família) Católico” Recurso
Presença da mãe como figura central da rede de apoio Recurso
Resposta positiva aos itens do RAF sobre integração dos
pais na rotina e lazer criança
Recurso
G. Suporte social à escolarização (RAF) Resposta positiva aos itens do RAF sobre supervisão Recurso
e rotina da criança quanto à sua escolaridade
H. Projetos de vida e expectativa de futuro eu quero que ele (F06) estude, termine de estudar, Recurso
(Entrevista) cresça,faça uma faculdade
plano que eu tenho pra mim é cuidar deles (família)” Recurso
I. Aceitação da criança (Entrevista) é o jeito dele (F06)” Recurso
ele (F06) podia se expressar mais (...) (F06) precisa é Adversidade
perder esse medo
J. Eventos de perda (EEA) Morte do avô Adversidade
K. Hospitalização de familiares, nascimento Ausência de hospitalizações de familiares Recurso
de irmãos (EEA) Nascimento de um irmão Adversidade
L. Resposta diante de situação adversa “(F06) fica teimando e fazendo... aí, eu fico irritada, fico Adversidade
(Entrevista) nervosa (...) eu não sei xingar, berrar, gritar,
esbravejar, eu fico nervosa, mas aí eu começo a chorar,
meu nervoso é choro
“falam (...) que eu (...) tem que ser mais... mais Adversidade
maleável pra poder viver
qualquer coisinha é... é motivo pra se sentir ofendida Adversidade
M. Ambiente físico (RAF) Resposta positiva aos itens do RAF sobre recursos Recurso
materiais presentes na casa
Quadro 20: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de
F06. conclusão
Identificou-se que parte dos recursos da família e do ambiente familiar se fez presente
nas variáveis que trataram das características dos pais (escolaridade e idade ao nascimento de
F06), dos recursos materiais e nas variáveis que abordaram a participação dos pais na rotina e
nos momentos de lazer da criança, bem como nos cuidados regulares com ela, incluindo o
suporte à escolarização e as atividades de rotina no cotidiano de F06. Além disso, a presença
de rotina na vida da criança e a prática religiosa da família (freqüência regular nas missas da
igreja) também puderam ser consideradas como indicadores de recursos.
Segundo o relato de M06, destacou-se que a família contava com uma rede de apoio
social e afetivo ao filho, sendo a mãe a figura central desta rede. Ressalta-se que a mãe relatou
projetos realísticos para o filho e denotou aceitar as características dele, mesmo desejando que
mudasse alguns de seus comportamentos. Quanto à participação da mãe na rotina do filho,
151
evidenciou-se uma afetividade importante e uma aproximação pautada no diálogo quando
eram oferecidos regras e limites.
Os indicadores de adversidades que incidiram sobre a família e à criança relatados
relacionaram-se às condições da própria mãe (depressão e envolvimento da mãe em discussão
com uma vizinha do que decorreu processo judicial), dos pais (conflitos conjugais) e da
organização familiar (o cunhado de F06 passou a residir com a falia), bem como se associaram
ao falecimento do avô, ao nascimento do irmão e a forma como a mãe lidava com as situações
novas e difíceis em sua vida. M06 era percebida pelos familiares como sendo inflexível e uma
pessoa que facilmente se ofendia com o que lhe diziam, além de ter relatado que apresentava
irritação ou choro freqüentemente como forma de enfrentamento das adversidades.
Os dados apresentados evidenciaram, pois, que a criança estava inserida em uma família
que apresentava padrões de organização que favoreciam o seu desenvolvimento, evidenciados
pela presença de rotina e interações afetivas e prazerosas, mesmo diante da convivência com
conflitos entre os pais, das perdas e dos comportamentos pouco adaptados de M06.
Recursos e adversidades da rede de apoio
O Quadro 21 a seguir apresentará os indicadores de recurso e adversidade relativos à
rede de apoio social à F06.
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Criança - Relações com os pares (SDQ) Escore nas escalas pró-social e problemas de Recurso
relacionamentos Normal/Limítrofe
B. Família - Relações sociais (RAF) Realização de visitas a parentes e amigos da família Recurso
C. Eventos escolares (EEA) Ausência de eventos escolares Recurso
D. Suporte social (RAF e Entrevista) Resposta negativa aos itens no RAF sobre atividades Adversidade
programadas da criança
minha mãe e minha irmã tá sempre por perto (...) mas Recurso
é mais no caso de doença, né, porque quando eu tô
bem, graças a Deus, nossa, eu gosto de fazer tudo
Não é sempre não (que recebe ajuda de outros)” Adversidade
eu tenho muitas amigas de muitos anos que eu tenho Recurso
contato até hoje
D1. Recursos comunitários (Entrevista) Reposta positiva à utilização de recursos Recurso
comunitários: educação, saúde, lazer e religião
E. Fator sócio-econômico Classe sócio-econômica B Recurso
(Ficha Sócio-Demográfica e Entrevista) Superpopulação: Ausente Recurso
A mãe começou a trabalhar Adversidade
Momentos difíceis do ponto de vista financeiro (passado) Adversidade
Auto-suficiência para provisão econômica Recurso
às vezes, complica alguma coisinha, paga alguma Adversidade
coisa mais atrasada
Quadro 21: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características da rede de apoio social à F06.
152
Os recursos da rede de apoio à família associaram-se à utilização de recursos da
comunidade pela família, somado ao fato de M06 contar com amigos e familiares para
compor a rede de apoio social, sendo oferecida a F06 oportunidade de contatos freqüentes
com a família extensa. A criança, por sua vez, apresentou recursos pró-sociais, sinalizados
pela sua empatia pelo outro e disponibilidade para ser útil relatado pela mãe no SDQ,
favorecedores de contatos interpessoais.
As variáveis que trataram do fator econômico evidenciaram indicadores de recurso,
expresso pela inclusão da família na classe B, pela ausência de superpopulação na casa e pela
auto-suficiência quando à provisão financeira, e indicadores de adversidade quando a mãe
relatou que a família passou por diversos momentos breves de dificuldade financeira, sendo
que em uma das vezes a mãe começou a trabalhar.
As adversidades também foram identificadas quanto à ausência da utilização dos
recursos comunitários para prover a F06 atividades programadas extra-escolares e à percepção
da mãe de que a ajuda que recebia não era constante.
Síntese
Os três episódios depressivos descritos por M06 tiveram como manifestações
características desânimo e desinteresse pelas coisas do dia-a-dia, choro freqüente, inapetência e
falta de sono, sendo que no terceiro episódio apresentou também ideação suicida e intensificação
do desânimo e do desinteresse que a impediam de realizar tarefas simples de sua rotina doméstica.
Os motivos referidos como associados aos episódios foram atribuídos por M06 a conflitos entre
ela e a filha mais velha em razão de uma situação específica (envolvimento amoroso da filha com
um rapaz que não era aceito pela mãe) e aos conflitos conjugais recorrentes.
Na época da coleta de dados, estava em uso adequado de medicação antidepressiva,
tratamento valorizado por M06 na medida em que contribuía para a melhora da
sintomatologia depressiva, mesmo diante da percepção de que ainda não tinha voltado a ser e
a se comportar tal como antes dos episódios relatados.
A medicação, a família e a religião foram os aspectos abordados por M06 que
contribuíram de maneira substancial para sua melhora, sendo principalmente o marido e pessoas
da família extensa (mãe e irmã de M06) quem ofereciam e para quem ela pedia ajuda diante das
dificuldades que experienciava, concebendo a família como foco principal de apoio afetivo,
mesmo diante da percepção de incompatibilidades entre ela e o marido no relacionamento
conjugal. A rede de suporte familiar era complementada por uma rede comunitária que incluía,
além dos recursos da igreja, recursos de saúde, lazer e educação para F06 e a família.
153
Os projetos futuros apresentados por M06 eram realísticos e vinculados explicitamente
à vida familiar visando o suporte integral às demandas e desenvolvimento dos filhos,
evidenciando valorização e investimento nas relações familiares.
A família oferecia a F06 cuidados regulares e recursos materiais, sendo M06 a figura
central da rede de apoio tanto do filho como dos demais moradores da casa, inclusive seu genro.
A organização familiar contava ainda com planejamento, rotina e coerência nas práticas
educativas do casal parental, entretanto, identificou-se pouco compartilhamento entre pai e mãe
das ações e decisões, as quais eram tomadas e assumidas de maneira geral por M06. As normas e
as regras oferecidas pelos adultos somadas à disponibilidade afetiva e de tempo da mãe indicaram
o oferecimento de limites a F06, mas também a presença de flexibilidade na rotina familiar.
A relação entre mãe e filho foi apontada como sendo afetiva e de muita proximidade
entre eles, predominando o diálogo. M06 evidenciou perceber as dificuldades do filho bem
como o jeito característico dele de ser, sinalizando adequada percepção sobre ele e
acolhimento de seus limites. A comunicação era, pois, o recurso principal utilizado pela mãe
na tentativa de ajudar F06, entretanto, a qualidade desta interação, que por vezes estava
sustentada pela coerência e afeto acolhedor, sofria interferência do humor instável, irritado,
rígido e exigente da mãe. M06 sinalizou compreender as demandas e conflitos da família e,
mesmo diante de divergências pessoais com o marido, buscava colaboração entre os
familiares para o gerenciamento dos problemas.
Os recursos econômicos e materiais foram referidos como suficientes para a provisão
da família no momento da coleta de dados, contudo, já havia passado por momentos de
dificuldade financeira anteriormente, já superadas, que contribuíram para a família organizar e
priorizar os gastos domésticos.
Os recursos pessoais de F06 (nível intelectual da criança e ausência de dificuldades
relevantes em sua socialização, expressa pelo bom desempenho acadêmico no geral, por recursos
pró-sociais e pela ausência de dificuldades comportamentais descritas pela mãe no SDQ), do
ambiente familiar (práticas religiosas compartilhadas, projetos familiares realísticos, certa coesão
familiar com busca por parte de M06 de resolução colaborativa dos problemas, cuidados
regulares, rotinas flexíveis, presença de regras e limites e percepção adequada de M06 quanto às
necessidades e limites do filho) apontaram para condições promotoras ao desenvolvimento de
F06, mesmo diante de sintomas emocionais e respostas pouco adaptadas frente às adversidades.
Quanto aos comportamentos de medo, ansiedade e choro de F06 referidos por sua mãe,
evidenciou-se o desejo materno de que o filho pudesse superar tais respostas, enfrentando e
ultrapassando seus limites atuais e futuros. Esse pensamento da mãe, bem como sua
154
disponibilidade interna para o diálogo, indicaram a presença de uma postura pró-ativa de M06
como recurso para lidar com as situações cotidianas.
As adversidades apontadas sinalizaram para a presença de possíveis condições
adversas ao desenvolvimento de F06, destacando os conflitos conjugais e os sintomas
emocionais representados pela presença de dificuldades nesta área avaliada pelo SDQ e pelas
falas da mãe, além da depressão materna. Entretanto, identificou-se a presença de condições
pessoais, familiares e da rede de apoio promotoras do desempenho geral de F06 nas tarefas
próprias de seu período de desenvolvimento.
Os processos-chave de resiliência analisados em cada caso do Cenário 3
Serão apresentados a seguir os processos-chave para os casos 05 e 06, de forma a
identificar as semelhanças e diferenças entre os casos dentro do Cenário 3, caracterizado pela
depressão materna associada prioritariamente a conflitos conjugais, como condições adversas
crônicas para o ambiente familiar.
Cenário 3: Depressão Materna Associada Prioritariamente a Conflitos Conjugais
Processos-Chave
da Resiliência
Caso 05 – com dificuldade de
socialização
Caso 06 – sem dificuldade de
socialização
Sistemas de
Crenças
- Crenças religiosas partilhadas pela
família
- Ausência de projetos familiares concretos
para o futuro
- Frente às adversidades, percepção sobre
suas dificuldades e pouca reflexão sobre
seus significados
- Adesão ao tratamento e uso contínuo
de medicação
- Crenças religiosas partilhadas pela
família
- Projeto familiar realístico, visando o
suporte integral de M06 à família e o
desenvolvimento de seus membros
- Reflexão sobre as adversidades, com
compreensão do significado das
mesmas
- Adesão ao tratamento e uso contínuo
de medicação
Processos de
Comunicação
- Dificuldade de expressar as emoções,
evitando compartilhar sentimentos
- Frente às manifestações afetivas, reage
de acordo com a piora ou melhora do
quadro depressivo, alternando apatia e
irritabilidade
- Resolução de conflitos: alterna
passividade e imposição, evita partilhar
problemas e decisões, reage de forma
conflitiva
- Interferência da família extensa no
cotidiano de M05 e do filho
- Interações familiares pouco freqüentes
prazerosas nos momentos de lazer
- Rejeição manifesta do filho, não percebe
as necessidades do mesmo
- Clareza na expressão das emoções e
no compartilhamento dos sentimentos:
diálogo aberto
- Manifestações de irritação e alta
exigência consigo e com os outros
- Resolução de conflitos: postura pró-
ativa
- Interações familiares prazerosas
- Aceitação quanto a F06, reconhece as
necessidades e medos do filho e tenta
ajudar
Quadro 22: Processos-chave da resiliência identificados no Cenário 3 – Depressão Materna Associada
Prioritariamente a Conflitos Familiares, incluindo os casos 05 e 06. continua
155
Continuação
Cenário 3: Depressão Materna Associada Prioritariamente a Conflitos Conjugais
Padrões
Organizacionais
- Regras definidas, estabelecidas
principalmente pela tia materna de F05,
mas também por M05 quando estava em
casa
- Rotina pouco planejada
- Compartilhamento somente das
atividades religiosas
- Disponibilidade e utilização parcial da
rede de apoio
- Recursos econômicos suficientes para a
subsistência, faltam recursos para lazer
e guloseimas
- Família: conflitos conjugais recorrentes
que perduraram por cinco anos, pais vivem
separados, litígio pela pensão alimentícia
dos filhos, re-casamento do pai, conflitos
com a nova companheira do pai de F05
- Pai de F05: contato entre pai e filhos
exclusivamente aos finais de semana ou
quando ele é chamado a colocar limites
aos filhos
- M05 e tia materna de F05: cuidadores de
referência
- Saúde mental: depressão materna com
episódios graves sem aspectos psicóticos e
ausência de referências a problemas de
saúde mental paterna
- Regras definidas, estabelecidas pelos
pais
- Rotinas familiares flexíveis
- Compartilhamento de atividades
domésticas, escolares, religiosas e de
lazer
- Disponibilidade e utilização da rede
de apoio
- Recursos econômicos suficientes, com
dificuldades financeiras prévias já
superadas
- Família: pais vivem juntos, com
conflitos conjugais passados e recentes
referidos como associados a divergências
quanto ao modo de pensar e agir do casal,
pais pouco se falam e tendem a resolver
as questões cotidianas cada um a seu
modo, o que favoreceu afastamentos
freqüentes entre eles
- Pai de F06: participação nas rotinas
escolares e nas atividades de lazer da
criança
- M06: cuidadora de referência – decisões
e ações pouco partilhadas pela família
- Saúde mental: depressão materna com
episódios moderados e graves sem
sintomas psicóticos e ausência de
referências a problemas de saúde
mental paterna
Quadro 22: Processos-chave da resiliência identificados no Cenário 3 – Depressão Materna Associada
Prioritariamente a Conflitos Familiares, incluindo os casos 05 e 06. conclusão
Nos dois casos incluídos no Cenário 3, caso 05 e caso 06, identificou-se que as
famílias partilham crenças e práticas religiosas entre seus membros, sendo reconhecidas pelas
mães como recurso facilitador no enfrentamento no cotidiano familiar. Quanto ao tratamento
psiquiátrico, as mães evidenciam valorização de tal recurso externo, incluindo boa adesão e
uso adequado da medicação prescrita.
As diferenças entre os casos do Cenário 3 relativas ao sistema de crenças familiar
estão associadas aos recursos maternos referentes ao enfrentamento das adversidades e aos
projetos familiares futuros. M05 e M06 sinalizam percepção sobre suas dificuldades,
incluindo as manifestações depressivas, e as dificuldades do ambiente familiar, entretanto, no
caso 05, a mãe evidencia pouca reflexão sobre os significados de tais dificuldades, enquanto
M06 busca compreender o sentido dos problemas vivenciados por ela e pelos familiares.
156
Além disso, M05 não refere projetos familiares futuros concretos, enquanto M06 aponta
projetos que visam os cuidados com a família e o desenvolvimento positivo de seus membros.
Com base no relato das mães, verifica-se que o sistema de crenças é compartilhado
pelos familiares no âmbito da religiosidade. No caso 05, esse sistema favorece a adesão ao
tratamento psiquiátrico, mas não aos projetos familiares, sendo que M05 denota pouca
capacidade reflexiva. No caso 06, por sua vez, as crenças se associam tanto à adesão ao
tratamento quanto aos projetos familiares futuros e aos recursos maternos internos de
reflexão.
Às crenças, soma-se a dificuldade de M05 em expressar as emoções, evitando
compartilhar seus sentimentos e apresentando comportamentos de irritação que se alternam à
apatia, associados aos períodos de piora do transtorno depressivo. Além disso, M05 evita
partilhar problemas e decisões e alterna passividade e imposição, evidenciando uma forma
conflitiva de resolução dos problemas. Essa forma de comunicação entre os familiares pode
favorecer mensagens dúbias, o que somado à interferência da família extensa no cotidiano de
M05 e do filho podem agravar as dificuldades de comunicação, o distanciamento e a rejeição
manifesta da mãe quanto ao filho.
No caso 06, há clareza na expressão das emoções, sendo que M06 se utiliza do diálogo
como recurso importante para a comunicação familiar, somando-se a uma postura materna
pró-ativa e à busca de resolução colaborativa dos conflitos, o que se contrapõe às dificuldades
na comunicação entre mãe e pai. M06 aponta aceitação e empatia, reconhecendo as
necessidades e medos do filho e oferecendo ajuda a ele principalmente pelo acolhimento e
diálogo, o que sugere que a cuidadora principal da criança tem atenção quanto às práticas
educativas do filho. Contudo, M06 refere manifestações de irritação e alta exigência consigo
própria e com os outros e, na sua percepção, isso parece não interferir diretamente nas
interações familiares percebidas como prazerosas, relacionando-se exclusivamente às suas
dificuldades na relação conjugal.
A organização familiar do Cenário 3 também parece estar diretamente associada à
peculiaridades da estrutura de cada família. No caso 05, os pais vivem separados de fato, mas
não de direito. Viviam conflitos conjugais que perduravam cinco anos, com constante litígio
entre eles, sem que tenha se concretizado judicialmente a separação do casal, com implicações
para a partilha de bens e a guarda dos filhos. M05 reside com os filhos em uma vila, composta
por quatro casas, onde moram separadamente em cada casa, seus pais e irmãos. M05 e sua
irmã (tia materna de F05), moradora de uma casa vizinha a da família, são as pessoas que
definem as regras para a criança. O pai de F05 vive na mesma cidade, com outra companheira
157
com a qual não tem filhos. M05 referiu conflitos com a nova companheira do ex-marido em
razão dela se dispor a cuidar dos seus filhos nos finais de semana, acreditando que tais
cuidados deveriam ser disponibilizados exclusivamente pelo pai das crianças. As rotinas
oferecidas a F05 são pouco planejadas, sendo que M05 compartilha com ele somente as
atividades religiosas. O pai de F05 tem contato com os filhos todos os finais de semana ou
durante a semana quando ele é chamado a colocar limites aos filhos, diante de dificuldades
comportamentais dos mesmos.
No caso 06, os pais vivem juntos e definem as regras familiares, oferecendo ao filho
rotinas familiares flexíveis e compartilhamento de atividades domésticas, escolares, religiosas
e de lazer. M06 refere, entretanto, a presença de conflitos conjugais passados e recentes,
associados a constantes e freqüentes divergências quanto ao modo de pensar e agir do casal,
sendo que pouco se falavam para a resolução de questões do cotidiano familiar, favorecendo
afastamentos freqüentes entre eles, expressos por ficarem sem se falar por longos períodos e
por discussões recorrentes. O casal mantém opiniões críticas e estabelecidas sobre aspectos do
jeito de ser de cada um dos cônjuges, não tendo expectativas de que possam mudar. O pai de
F06, entretanto, participa das rotinas escolares (auxílio nas tarefas escolares) e de atividades
de lazer com o filho.
Além disso, os processos de comunicação e a estrutura familiar referida evidenciam
que, no caso 05, a mãe e a tia materna de F05 e que, no caso 06, a mãe são os cuidadores
principais de referência, contudo os conflitos conjugais recorrentes entre os pais favorecem as
dificuldades no compartilhamento entre eles de decisões e outras ações relativas à família.
Não foram referidos problemas de saúde mental paterna, pregressas ou atuais.
Os recursos econômicos das duas famílias foram apontados como suficientes para a
subsistência familiar, contudo, M05 refere que falta recursos para lazer e guloseimas para os
filhos e M06 aponta que a família já havia passado por dificuldades financeiras no passado, já
superadas. Os recursos da rede de apoio comunitária são apontados como disponíveis nos dois
casos, porém, no caso 05, são parcialmente utilizados. No caso 06, a rede comunitária
utilizada pela família é descrita como eficiente.
As famílias contam, pois, principalmente com recursos familiares (no caso 05, família
extensa; no caso 06, família nuclear) para sua organização cotidiana. Contudo, tais recursos se
diluem nos dois casos frente ao comportamento dos familiares de M05 de tomarem decisões
alheias a sua participação e do pouco planejamento das rotinas de F05 e, no caso 06, em
função do pouco compartilhamento das decisões entre os pais de F06. Os cuidados
despendidos por M05 e M06 aos filhos podem ser caracterizados, no caso 05, como distante
158
com manifestação de rejeição materna ao filho e, no caso 06, como mais afetivo e próximo.
As atividades partilhadas pela família são mais amplas no caso 06, no qual a participação
paterna está presente no cotidiano familiar, sinalizando maior estabilidade e flexibilidade na
rotina familiar neste caso, bem como recursos familiares para mudanças necessárias que,
contudo, se confrontam com distanciamento e a baixa coesão entre os pais de F06. A
separação do casal no caso 05, o comportamento intrusivo da família extensa e o
distanciamento entre pai e mãe também evidenciam baixa coesão entre os membros da
família, sendo que as perspectivas de alteração desse cenário na visão da mãe estão associadas
à melhora da sintomatologia depressiva.
Tanto M05 como M06 relatam conflitos conjugais persistentes com características
diversas. No caso 05, tais conflitos se caracterizaram por agressões físicas e verbais,
separação, litígio entre os pais e re-casamento do pai de F05, situações em sua maioria
presenciadas ou vivenciadas de perto pela criança. No caso 06, os conflitos persistentes se
expressam pelas divergências de opinião sobre temas e condutas diversas da vida cotidiana,
sem que haja um diálogo parental sobre tais questões, tendendo a se distanciarem para não se
indisporem de forma direta, embora no cotidiano se ocupem principalmente de se criticarem.
Tais condições parecem ser vivenciadas de forma mais indireta pela criança.
Destaca-se, portanto, que a organização pouco planejada e instável das rotinas no caso
05, a rejeição manifesta materna a F05 e a ausência de projetos familiares futuros concretos
parecem refletir a inabilidade de M05 de gerenciar e expressar as próprias emoções e
administrar as demandas da família, delegando a outros familiares a responsabilidade sobre os
cuidados com F05. Diante dos dados obtidos junto à F05, que sinalizam sua dificuldade de
socialização, evidencia-se que as suas referências afetivas são conflitantes e diversas,
identificadas por uma mãe distante, por uma tia que assume regras e rotinas da casa e por um
pai ausente da vida doméstica, mas presente para conter e punir. Possivelmente, tais
condições adversas advindas dos padrões organizacionais e processos de comunicação
familiares estão acentuando as adversidades vividas pela criança.
No caso 06, a presença parental no cotidiano familiar, incluindo a participação paterna
ativa em algumas atividades e a proximidade afetiva de M06 com o filho, somada à aceitação
e atenção materna ao desenvolvimento da criança parecem indicar a presença de processos
que permitem uma organização familiar mais planejada, flexível e estável, o que deve estar
contrabalançando as oscilações do humor de M06 decorrentes do transtorno depressivo, que
não prejudicam, porém, a sua participação nas atividades familiares, e o impacto dos conflitos
159
conjugais recorrentes, expressos pela dificuldade de comunicação entre o casal e por uma
visão crítica que mantêm sobre si.
Nos dois casos, identifica-se a adesão ao tratamento, sendo que o tempo de duração e
exposição da criança à sintomatologia depressiva não diferem acentuadamente, uma vez que
F05 esteve exposta a episódios depressivos desde os cinco anos e F06 esteve exposta a
episódios desde os seis anos de idade, compreendendo o período pré-escolar e o escolar.
Destaca-se, entretanto, que no caso 05 o transtorno depressivo teve como característica
marcante a presença de episódios graves, com ideação suicida e internações associadas e, no
caso 06, a presença de um episódio grave com ideação suicida. Condições como a cronicidade
e a gravidade do transtorno foram identificadas por Joormann, Talbot e Gotlib (2007) e
Pilowsky et al. (2006) como características do quadro depressivo que podem funcionar como
catalisadores de prejuízos ao desenvolvimento infantil, os quais parecem estar presente de
forma mais global na socialização da criança do caso 05 e mais vinculada a dificuldades
emocionais para a criança no caso 06.
Associa-se a tal condição materna as dificuldades de comunicação entre os pais nos
dois casos e a dificuldades na expressão das emoções no caso 05. A responsividade materna, a
busca de diálogo e a rotina familiar mais organizada e flexível no caso 06 contrastam com a
inabilidade de M05 na resolução dos conflitos familiares e a rejeição materna manifesta ao
filho.
No cenário 3, por sua vez, presença de associação entre a depressão materna e
conflitos conjugais configura-se como uma condição familiar marcante e fonte de adversidade
ao desenvolvimento infantil, conforme já destacado por Brigas e Paquette (2000) e Brigas,
LaFrenjère e Lacharité (1991). Os conflitos familiares de forma geral e, mais especificamente,
os conflitos conjugais são descritos como mediadores da depressão materna e do
comportamento infantil (BURT et al., 2005), o que também se associa a diminuição nos
cuidados e no suporte emocional das mães com depressão aos seus filhos (WHIFFEN et al.,
2005), o que se observa mais claramente no caso 05, no qual a mãe não é reconhecidamente a
figura principal de suporte cotidiano de F05 e no qual a criança vivenciou mais diretamente as
divergências e os conflitos entre os pais. No caso 06, a mãe tem a função de cuidadora
principal da criança, apontando menos prejuízos decorrentes do transtorno depressivo em sua
vida cotidiana e menos exposição do filho aos conflitos conjugais, tendo em vista que refere
que tanto a sintomatologia depressiva quanto as divergências conjugais traziam poucos
prejuízos para as atividades diárias e de lazer de F06, o qual dificilmente presenciava as
discussões entre os pais.
160
Cenário 4
Depressão Materna Associada Prioritariamente à Psicopatologia Paterna e à Discórdia
Familiar
Dupla M07 e F07 - Com dificuldade de socialização
Identificação
A dupla 07 é composta pela mãe (M07), 40 anos, casada, trabalho informal eventual,
ensino fundamental incompleto, três filhas com 20, 18 e 10 anos e cinco meses de idade
(F07), estudante da 4ª série do ensino fundamental, sendo esta última a criança incluída neste
estudo. O chefe da família é o pai da criança, ensino fundamental incompleto, trabalhador
informal de uma empresa na área de serralheria.
Histórico da depressão materna e psicopatologia paterna
Tendo como marco de tempo o momento da coleta de dados, segundo o relato de M07,
os primeiros sintomas associados à depressão se iniciaram sete anos antes após o falecimento
de sua avó materna e à posterior descoberta de que a filha mais velha estava fazendo escolhas
homoafetivas em seus relacionamentos amorosos. Frente a essa descoberta, a mãe começou a
ter medo de que o marido a abandonasse, pois este a culpava por tal situação.
Segundo o relato de M07, tanto o marido quanto seus familiares passaram a lhe tratar
de forma diferente e discriminatória quando tomaram conhecimento do homossexualismo da
filha, o que gerou discussões sérias uma vez que ela não aceitava ser tratada como
“coitadinha” (sic) pelos parentes e nem acreditava que era a culpada por esta situação. Nesta
ocasião, ocorreram ainda conflitos entre o pai e a filha mais velha, por aquele não aceitar o
comportamento desta, envolvendo comportamentos impulsivos e agressivos entre eles que
favoreciam brigas freqüentes. A segunda filha de M07 assumiu sua homossexualidade anos
mais tarde, o que agravou as divergências entre o pai e as duas filhas mais velhas, sendo que a
filha do meio deixou o lar materno em decorrência de recorrentes conflitos familiares. As
divergências familiares constantes segundo M07 intensificaram os sintomas depressivos e esta
referiu que cada vez mais foi se isolando dos contatos. Na ocasião da primeira crise,
apresentou tristeza intensa, choro freqüente e perda de interesse por tudo.
Pouco tempo depois do início desses sintomas, apresentou duas “ameaças de infarto”
(sic) e foi hospitalizada para tratamento da doença cardíaca. Referiu ter tido muita dificuldade
161
em aceitar o problema cardíaco e a necessidade de interromper o trabalho como diarista, em
razão da doença. Após as duas internações, recebeu tratamento ambulatorial para o problema
cardíaco e, embora os sintomas depressivos estivessem presentes, não recebeu qualquer
tratamento específico, permanecendo com momentos de melhora e piora da sintomatologia
depressiva já referida. Não referiu outras queixas quanto à sua condição de saúde física.
Pouco mais de dois anos e meio antes da coleta de dados, os sintomas depressivos se
agravaram, bem como apresentou comportamento agressivo em casa, chegando a quebrar
objetos. Neste momento, foi encaminhada e deu início ao tratamento em serviço ambulatorial
de saúde mental pela primeira vez, com uso de antidepressivo.
M07 associou este mesmo período ao início do uso freqüente de álcool (cerveja) por
parte do seu marido, sendo a quantidade suficiente segundo ela para causar prejuízos nos
relacionamentos familiares e colocar os familiares por vezes em perigo, incluindo aumento
nas discussões com as filhas e com M07 e divergências nas práticas educativas de F07.
Relatou que o terceiro episódio ocorreu um ano e meio antes, quando apresentou
momento de agravamento dos sintomas, interrompeu o uso do antidepressivo e ansiolítico,
passou a fazer o uso diário de bebida alcoólica (cerveja, pinga e vinho), mas continuava
freqüentando os retornos com o médico psiquiatra, sem informá-lo de tal interrupção. Referiu
que, depois de cerca de um ano de uso diário de bebida, deixou a bebida por conta própria e
com o auxílio de suas crenças religiosas, retomou o tratamento medicamentoso, quando,
então, passou a apresentar melhoras relevantes dos sintomas depressivos.
Durante o período de tratamento, teve alguns momentos de recaídas, sendo que o
quarto e último episódio depressivo moderado ocorreu há pouco mais de seis meses antes da
coleta de dados, quando ainda fazia uso de bebida alcoólica. M07 relatou que mesmo nos
períodos em que esteve mais sintomática procurava manter a rotina doméstica e de lazer da
família, não deixando de acompanhar as filhas e o marido em passeios.
Os sintomas depressivos quanto à duração e intensidade possibilitaram o diagnóstico
pela SCID de Transtorno Depressivo Recorrente, com Episódios Graves sem Aspectos
Psicóticos ocorridos há mais de dois anos, com Episódio Moderado nos últimos dois anos e
sem manifestações características de manifestações de sintomas depressivos nos últimos seis
meses. Relatou que após o primeiro episódio não voltou “ao seu normal” (sic), tendo em vista
que era uma pessoa alegre, que gostava de sair de casa e de trabalhar, e tais comportamentos
se tornaram menos freqüentes em comparação ao início dos sintomas. Contudo, relatou que
depois das crises depressivas mudou sua forma de se expressar: “eu sempre fui calada (...) E
162
agora não... eu... tudo que eu tenho pra... (...) pra falar eu falo e, quando eu falo, eu me sinto
bem” (sic).
A exposição de F07 à sintomatologia depressiva materna ocorreu pela primeira vez
quando a criança contava com cerca de três anos e meio, sendo que aos oito anos e meio (2º
episódio), aos nove anos (3º episódio) e aos dez anos (4º episódio) conviveu com
manifestações severas (2º episódio) e moderadas da depressão materna (demais episódios).
Os indicadores de recurso e adversidade serão apresentados a seguir em três quadros
descritivos que os agruparão de acordo com: (a) as características de F07, (b) do ambiente
familiar e (c) da rede de apoio social.
Recursos e adversidades pessoais
Apresentar-se-á a seguir os indicadores de recursos e de adversidades relativos às
características pessoais de F07, como mostra o Quadro 23.
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Nível intelectual (Raven)
Percentil 90 – Superior à média Recurso
B. Desempenho
Escore geral e específicos – Inferior à média Adversidade
Acadêmico (TDE)
C. Comportamento Escore total e nas escalas sintomas Adversidade
(SDQ) emocionais e de conduta – Anormal
C1. Comportamento Escore nas escalas hiperatividade e Recurso
pró-social (SDQ) comportamento pró-social – Normal
D. Saúde física Afundamento do crânio no nascimento e Adversidade
(EEA/EAC) glaucoma desde os quatro anos de idade
E. Resposta diante de Entende (as situações difíceis). Eu converso com ela (F07)” Recurso
situação adversa Ela (F07) jogou a faca nas costas da (nome da irmã)” Adversidade
(Entrevista) “ela (F07) fala em sumir, outro dia ela falou em se suicidar” Adversidade
Quadro 23: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características pessoais de F07.
Os indicadores apontaram que a criança apresentava bom nível intelectual, recursos
pró-sociais, expressos pela empatia ao outro e pela disponibilidade ao contato, ausência de
dificuldades de relacionamento e capacidade para compreender as situações novas ou difíceis
que enfrentava no dia-a-dia.
Quanto à saúde física, logo ao nascimento de F07 foi constatado afundamento do
crânio, perceptível até a data da pesquisa, e, com cerca de quatro anos idade, foi-lhe
diagnosticado glaucoma, com tratamento contínuo iniciado após sua identificação e presente
163
até a data da coleta de dados com exames de rotina para reavaliação oftalmológica. Segundo a
mãe, com exceção destas condições a criança teve bom desenvolvimento e gozava de boa
saúde.
A mãe relatou que a criança tinha bom desempenho acadêmico, bons vínculos
principalmente com adultos, como pode ser visto nos trechos transcritos a seguir.
(na escola, F07 recebe...) sempre ‘parabéns’, ‘ótimo’... (...) (os professores)
Diz que ela (F07) é obediente (...) nunca tive uma reclamação da F07 na
escola...
Inclusive, todo mundo que fica com a F07 fala pra mim: ‘Essa menina sua
num tem defeito’. (...) ela (F07) se dá bem com todas crianças, de vários
tamanho, eu acho que ela dá melhor com criança pequena...
Destaca-se que embora na avaliação específica relativa ao desempenho acadêmico a
criança tenha apresentado dificuldade, esta não era a percepção da mãe.
Referiu, contudo, problemas de comportamento, tais como mentir, dar respostas não
adequadas ao pai e apresentar medo intenso de cavalos (fato lembrado pela mãe apenas ao
final da entrevista devolutiva), conforme ilustrado pelo trecho transcrito a seguir.
Eu falei pra ela (F07) que ela precisa parar de mentir, que ela tá mentindo
muito... (...) e... tá respondendo muito... principalmente, o pai dela. (...) Ela
precisa... sarar disso, essas coisa...
Com relação às adversidades relativas às características pessoais de F07, destacaram-
se a presença de problemas de saúde e dificuldades de socialização, expressas pelo baixo
desempenho acadêmico geral e nos subtestes específicos de escrita, aritmética e leitura na
avaliação por prova específica, bem como pelas dificuldades de comportamento geral e, mais
especificamente, pelos sintomas emocionais assinalados pela mãe quanto a queixas somáticas,
preocupação freqüente, tristeza, insegurança e medo, e pelos problemas de conduta,
identificados por acessos de raiva, desobediência, briga com outras crianças e mentiras
freqüentes.
Em conjunto com as adversidades associadas ao desempenho acadêmico, às
dificuldades de comportamento e à saúde física da criança, destacaram-se, ainda, as diferenças
relativas às atitudes diante de situações difíceis ou novas, que evidenciaram dificuldades no
enfrentamento dos eventos do seu dia-a-dia, que segundo o relato da mãe sugeriam
descontrole impulsivo e idéia de morte, expressa em sua fala diante dos conflitos com as
irmãs mais velhas: “ela (F07) falou em se suicidar” (sic).
164
Destaca-se que desde o nascimento F07 conviveu com condições adversas
importantes, as quais se somaram e associaram às dificuldades para desempenhar tarefas
próprias de sua etapa do desenvolvimento, sinalizando que os recursos pessoais da criança
não estariam atuando para minimizar o impacto das adversidades.
Recursos e adversidades do ambiente familiar
O Quadro 24 a seguir apresentará os recursos e adversidades do ambiente familiar de
F07.
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Condições familiares referentes à escolaridade Escolaridade dos pais:
e idade dos pais na época do nascimento dos abaixo do ensino fundamental completo Adversidade
filhos (Ficha Sócio-Demográfica) Maternidade/Paternidade: pais > 18 anos Recurso
B. Saúde mental dos pais Depressão materna por cerca de sete anos Adversidade
(EEA/EAC) Consumo de álcool pelos pais por cerca dois anos Adversidade
C. Conflitos conjugais Aumento de conflitos e brigas entre os pais Adversidade
(EEA/EAC) nos últimos 12 meses
D. Envolvimento dos pais com a lei (EEA) Ausente Recurso
E. Participação dos pais eu ensino... quando eu tô fazendo um bolo...” Recurso
nas rotinas diárias (Entrevista) sempre tive o horário deu fazer as minhas coisa...” Recurso
F. Organização e relações familiares Não (tem rotina). (...) nóis faz as coisas tudo junto” Adversidade
(Entrevista, RAF e EEA/EAC) Proibido, assim, rua, né, que eu não gosto que fica...” Recurso
ela (F07) tá em cima de mim (para aprender/perguntar) Recurso
(...) ‘Pode isso aqui (mãe)?’
“(marido de M07) fala, escondido de mim: ‘F07, vai... Adversidade
pega a sacolinha e vai no bar?’ (...) acho errado isso
Presença de outros estressores (graves): Adversidade
doença cardíaca da mãe, dificuldades financeiras
Resposta positiva aos itens sobre rotina e atividades Recurso
lúdicas e domésticas do RAF
Acréscimo de um terceiro adulto na família Adversidade
Irmã deixou o lar definitivamente após conflitos Adversidade
F1. Regularidade dos cuidados parentais eu sempre tive assim, é... muito cuidado com ela (F07)” Recurso
(Entrevista e RAF) eu percebo quando ela (F07) tá carente” Recurso
Somos católico” Recurso
Presença da mãe como rede de apoio Recurso
Resposta positiva aos itens do RAF sobre integração dos Recurso
pais na rotina e lazer criança
G. Suporte social à escolarização Resposta positiva aos itens do RAF sobre supervisão Recurso
(RAF) e rotina da criança quanto à sua escolaridade
Quadro 24: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de
F07. continua
165
Continuação
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
H. Projetos de vida e expectativa de futuro tenho vontade de pôr ela (F07) na aula natação (... ) Recurso
(Entrevista) fazer curso (...) meus planos tão sendo tudo pra F07
vou comprar um trailer, com uma casa, e vou rodar Adversidade
o mundo (...) Vou catar a F07 e vou sumir
I. Aceitação da criança (Entrevista)
eu noto que todo mundo despreza ela (F07)”
Adversidade
“(expectativa da mãe com relação à filha) ´ocê (F07),
continua sendo assim’ ”
Recurso
J. Eventos de perda (EEA) Morte de bisavó materna Adversidade
K. Hospitalização de familiares, nascimento Hospitalização da mãe Adversidade
de irmãos (EEA) Ausência de nascimento de irmãos Recurso
L. Resposta diante de situação adversa Depende da situação, eu reajo normal” Recurso
(Entrevista) “depende, eu reajo com... eu sou meio agressiva Adversidade
M. Ambiente físico (RAF) Resposta positiva aos itens do RAF sobre recursos Recurso
materiais existentes na casa
Quadro 24: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de
F07. conclusão
Os recursos identificados no ambiente familiar referiram-se à participação da mãe nos
cuidados regulares à F07, nas atividades lúdicas, de lazer e da rotina, nos cuidados com a casa
e com a rotina doméstica e na supervisão das atividades escolares da filha. Destacou-se, ainda,
que mãe e filha tinham práticas religiosas freqüentes, incluindo a participação em missas,
participação de F07 em atividades para jovens (catecismo e grupo de jovens) e a oração em
casa, sendo a religião relatada pela mãe como fonte de apoio nos momentos percebidos como
difíceis. Relatou, ainda, a presença de recursos materiais adequados à F07, favorecedores de
seu crescimento.
O comportamento da mãe diante da filha, segundo o seu relato, refletia a percepção
das necessidades da criança e o desejo de que F07 mantivesse comportamentos adequados e
saudáveis, oferecendo, ainda, à filha respostas adequadas, situações prazerosas de interação e
abertura para que a procurasse e lhe pedisse orientação mais recentemente.
O relato da mãe sinalizou para mudanças na sua relação com a filha e busca de
soluções externas ao ambiente familiar diante de situações adversas, também em período mais
recente, tal como ilustram os trechos transcritos a seguir.
eu tô mais carinhosa com a F07. Que eu sempre tive assim, é... muito
cuidado com ela, mas eu não dava muito carinho.
ela (avó materna da criança) começa a falar, falar, falar, falar, falar... aí,
eu tiro a F07, falo: ‘Vem pra cá, larga ela falando sozinha, vai brincar´ ou
eu saiu com ela. (...) quando eu vejo que tem alguma coisa, eu vou na
pediatra dela (de F07), a pediatra dela que me ajuda.
166
Os indicadores de adversidade da família e do ambiente familiar associaram-se
também a características dos próprios pais (baixa escolaridade, depressão materna, alcoolismo
de ambos os pais), da relação entre eles expressa pelo aumento de conflitos conjugais
recentes, da organização e relações familiares expressas pela ausência de rotina para a criança
e conflitos familiares recorrentes, incluindo as reações de desprezo destes com relação à F07.
Com relação ao alcoolismo paterno, M07 relatou que há dois anos seu marido fazia
uso freqüente (quase diário) de álcool (cerveja) em quantidade suficiente para deixá-lo
embriagado e, por vezes, inconveniente com as pessoas em casa. Ele consumia a bebida tanto
em casa quanto em bar próximo a sua residência e, eventualmente, pedia a F07 para que fosse
ao bar buscar cerveja para ele consumir em casa. M07 discordava veementemente desta
atitude do marido e chegou a proibi-lo de mandar a filha ao bar, levando consigo cascos de
garrafa de vidro. Mesmo sabendo deste posicionamento da mãe diante dessa situação, o pai
ainda fazia pedidos à filha para ir ao bar, tal como descrito nos trechos transcritos a seguir.
Não gosto que manda ela (F07) em bar... com garrafa (...) Outro dia, eles
(pai, avó e irmã) mandaram ela (F07) escondido de mim, ela caiu e
machucou a mão... (...) (M07 falou:) ‘A próxima vez que cês (pai, avó e
irmã) mandarem ela buscar cerveja, eu vou chamar a polícia pros cêis (ri),
vou dar parte dos cêis’...
Tais eventos e condições somaram-se a eventos de perda e distanciamento de figuras
familiares e de apoio (falecimento da bisavó materna, irmã deixou o lar e hospitalização da
mãe), bem como pela ida da avó materna para a casa de F07, além da presença de condições
adversas quanto à saúde da mãe e à situação financeira.
As adversidades do ambiente familiar evidenciaram situações crônicas de adversidade
presentes no ciclo de desenvolvimento de F07 e sinalizaram para a presença de poucos
recursos de apoio advindos da família nuclear, sendo o pai de F07 apontado como uma figura
com pouca capacidade empática, conforme ilustrado no trecho transcritos a seguir.
não adianta eu conversar com ninguém dentro de casa... O meu marido (...)
porque a vida dele foi daquele jeito, a dela tem que ser (...) daquele jeito,
né. (...) eu falo: ´(Nome do marido), tem que comprar caderno pra menina´,
´Ah, no meu tempo, escrevia no papel de pão´...
Os dados apontaram que F07 está inserida em uma família que apresentava padrões de
organização que parecia não obedecer a uma rotina diária e contar exclusivamente com a mãe
como suporte, a qual, entretanto, sinalizava idéias ambíguas com relação aos projetos para o
futuro, relatando projetos realísticos para a filha e projetos irrealísticos para si, e
comportamentos divergentes diante das adversidades, expressos por reações por vezes
167
adequadas e por vezes agressivas. Assim, o relato da mãe apontou para a presença de uma
postura pró-ativa diante do mundo, principalmente associada ao futuro de F07, relatando que
seu trabalho eventual, o dinheiro advindo dele e seus projetos realísticos direcionavam-se para
a criança em questão, e para uma postura de evitação no enfrentamento das adversidades
evidenciado pelo uso de bebida alcoólica para amenizar a sintomatologia depressiva e a
limitação física decorrente do problema cardíaco materno.
A mãe referiu valorizar as relações familiares, mas não as percebia como facilitadoras
ao desenvolvimento, uma vez que promoviam constrangimento e humilhação, principalmente
para F07. Sinalizou, ainda, ser uma figura flexível no cotidiano familiar num período mais
recenete, contrastando com os demais membros adultos do lar que pareciam não respeitar as
diferenças e limites individuais, estando descompromissados com o desenvolvimento e a
resolução das problemáticas do cotidiano familiar.
Mesmo diante dessa baixa coesão familiar, M07 referiu ser empática às necessidades
da família, fornecendo mensagens claras, compartilhando suas emoções com os demais e
apresentando uma postura pró-ativa no sentido de preparar-se para eventos futuros que
poderiam interferir no desenvolvimento de F07.
Recursos e adversidades da rede de apoio
O Quadro 25 a seguir apresentará os recursos e adversidades da rede de apoio social a
F07.
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Criança - Relações com os pares (SDQ) Escore escalas das interações e pró-social – Normal Recurso
B. Família - Relações sociais (RAF) Ausência de visita a parentes e amigos da família Adversidade
C. Eventos escolares (EEA) Adversidades escolares (trocas de professores) Adversidade
D. Suporte social (RAF e Entrevista) Resposta positiva aos itens do RAF sobre atividades Recurso
programadas de F10
Ausência de suporte social para a mãe Adversidade
eu pedia (ajuda)... agora, eu não peço, não” Adversidade
D1. Recursos comunitários (Entrevista) Reposta positiva à utilização de recursos Recurso
comunitários: lazer, educação, saúde e religião
E. Fator sócio-econômico Classe sócio-econômica C Recurso
(Ficha Sócio-Demográfica e Entrevista) Superpopulação: Ausente Recurso
A mãe começou a trabalhar e perdeu emprego Adversidade
Momentos difíceis do ponto de vista financeiro (passado) Adversidade
Auto-suficiência quanto à provisão econômica Recurso
ainda num consegui fazer nem a metade pra F07, mas Adversidade
não porque eu não... não queira fazer, é porque eu não
tenho condições mais...
Quadro 25: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características da rede de apoio social a
F07.
168
Quanto aos recursos da rede de apoio, os dados sugeriram a presença de recursos pró-
sociais da criança e a ausência de dificuldades gerais nos relacionamentos avaliados por prova
específica, expressos pela empatia ao outro e pela disponibilidade ao contato interpessoal, o
que favorecia as relações e a rede de apoio social à criança, que contava, juntamente com a
família, com recursos da comunidade e atividades programadas que contribuíam para o
desenvolvimento de F07. Dentre as atividades programadas, M07 destacou atividades
esportivas que a filha praticava semanalmente, incluindo vôlei, ballet e futebol.
A esses recursos somou-se a ausência de superpopulação na casa, a auto-suficiência
quanto à provisão financeira da família e a inclusão da família na classe sócio-econômica C.
Segundo a mãe, antes de seu problema cardíaco, a família apresentava mais conforto material,
tendo o nível econômico sido prejudicado, na sua percepção, pelo fato de ter deixado de
trabalhar, acreditando ser importante que pudesse retomar atividades laborativas. O trecho
transcrito a seguir evidencia tal diferença sócio-econômica da família, que acabou
proporcionado a F07 condições materiais distantes das existentes na infância das demais
filhas de M07.
Eu sempre trabalhei. Eu tinha tudo, eu... tudo que eu queria. Acho que (a
doença cardíaca e a depressão) foi prejuízo em tudo... tudo, tudo! Porque
nesses doze..., nesses doze coiso... eu perdi telefone, perdi... é... fiquei
quatro meses sem energia. Porque quem pagava luz e água era eu. Meu
marido ganha pouco, ele não ganha muito.
As variáveis que trataram das condições adversas da rede de apoio associaram-se à
presença de evento escolar, expresso pela troca de professores na escola, à ausência de
relações sociais com a família extensa (que quando ocorriam eram hostis), à comportamentos
pouco adaptados de F07 diante de situações familiares conflitivas, à ausência de suporte
social à mãe, que relatou não receber ajuda ou pedir auxílio quando precisava.
Assim, as adversidades puderam ser identificadas pela ausência de uma rede de apoio
social para a mãe, a qual se mobilizava para buscar auxílios institucionais para suprir as
condições familiares e financeiras adversas, sendo a rede de saúde aquela na qual M07
buscava auxílio quando enfrentava dificuldades com a filha.
Síntese
Os quatro episódios depressivos descritos por M07 tiveram como manifestações
características tristeza intensa, choro freqüente e perda de interesse por tudo, o que se
acentuou no segundo episódio, apresentando ainda comportamentos agressivos. Os motivos
169
referidos como associados ao início dos sintomas remontaram ao falecimento de sua avó
materna e aos conflitos familiares advindos das escolhas homoafetivas da filha mais velha,
que se associaram a prejuízos em sua saúde física e em sua vida laboral, parcialmente
interrompida pela doença cardíaca materna.
Na época da coleta de dados, M07 estava em uso adequado de medicação
antidepressiva, evidenciando valorizar na ocasião o tratamento medicamentoso, o que,
entretanto, não esteve presente ininterruptamente uma vez que havia interrompido o uso da
medicação por conta própria e iniciado o uso diário de bebida alcoólica no passado. Tal
comportamento de M07 sinalizou, pois, para sua desconfiança diante do tratamento e busca de
recursos externos (bebida alcoólica) pouco eficazes na tentativa de evitar sofrer com os
sintomas da depressão.
Sua postura mostrou-se ambígua diante da vida, pouco realística diante dos projetos
para seu futuro, sinalizando novamente comportamento evitativo embora se mostrasse pró-
ativa na tentativa de solução das adversidades impostas à filha e na perspectiva de um futuro
melhor para F07, o que envolvia seu retorno ao mercado de trabalho mesmo que em
atividades informais e inconstantes e conseqüente confiança para superação das situações
difíceis. Valorizava a relação interpessoal com seu marido, contudo, este não foi referido
como fonte de apoio no enfrentamento das condições adversas.
O apoio em uma crença religiosa e os rituais da igreja, compartilhados com M07,
foram um dos recursos utilizados por M07 no enfrentamento da sintomatologia depressiva e
do uso de álcool, aceitando sua condição de saúde mental e, conseqüentemente, o tratamento
medicamentoso, sinalizando investimento em valores e crenças internas.
Na percepção de M07, eram as pessoas externas à família que lhe ofereciam suporte e
para as quais buscava ajuda, inclusive com relação à filha, uma vez que a família nuclear
vivenciava conflitos crônicos, que culminaram com a saída de uma das filhas de sua casa.
Assim, em razão da frágil rede de apoio afetiva familiar destinada à M07 e à F07, a primeira
buscava saída nos recursos na comunidade e com o próprio trabalho eventual para suprir as
demandas da filha, sendo possível a identificação de iniciativa para a busca e mobilização de
recursos úteis (interações com pessoas da comunidade) para auxiliá-la nas dificuldades,
favorecendo seu encorajamento no enfrentamento das situações do dia-a-dia. Mais
recentemente, M07 oferecia à filha cuidados regulares, recursos materiais e espaço para que a
filha lhe pedisse ajuda quando precisasse, identificando-se como a única figura de apoio à F07
e que lhe oferecia segurança e proteção.
170
Contudo, M07 apontou também que teve muita dificuldade no passado em manter uma
relação próxima e afetiva com a filha, oferecendo a ela inclusive respostas agressivas diante
de situações adversas, mas no momento da coleta de dados relatou mudanças positivas na
relação com F07, evidenciando maior coesão no relacionamento entre mãe e filha.
A organização familiar foi referida como pouco planejada e estando vinculada
exclusivamente às imposições de regras e limites pela mãe, sem que, contudo, houvesse uma
rotina determinada para F07 nem coesão entre os membros familiares quanto à qualidade dos
cuidados despendidos à criança, indicando instabilidade nos papéis parentais e interações
pouco consistentes. M07 identificava no pai e filhas mais velhas atitudes manifestas de
rejeição com relação à filha mais nova e comportamentos que tentavam agradar a si próprios e
driblar as regras oferecidas pela mãe à F07. As relações familiares de maneira geral
apresentavam, ainda, indicadores de oposição relativos a agressões verbais e físicas entre seus
membros. No momento da coleta de dados, M07 apontou para melhora nos contatos entre F07
e a irmã do meio, somada a maior aproximação afetiva entre mãe e filha e contato regular
entre elas.
Quanto a sua relação com F07, destacou-se como positivo os recursos maternos para
perceber as carências da filha, de protegê-la das atitudes de desprezo dos familiares, além do
reconhecimento de recursos da filha em seus limites e potenciais, buscando ajudá-la naquilo
que percebia estar lhe faltando. A comunicação entre mãe e filha era permeada pela
proximidade afetiva, pela clareza nas informações fornecidas e pela sinceridade. M07
apresentou falas que sinalizaram que conseguia distinguir as situações de crise depressiva da
situação atual, bem como a situação familiar vivenciada pelas filhas mais velhas da
vivenciada por F07. Além disso, M07 buscava na comunicação das próprias idéias e emoções
recurso para sensibilizar os familiares quanto às necessidades da filha, a fim de buscar
coerência quanto às práticas educativas e na intenção de proteger F07 do desprezo e de
situações em que percebia que os adultos passavam dos limites quanto a pedidos e exigências
à F07. Dessa forma, M07 tentava se colocar na condição de líder familiar que buscava a
cooperação dos demais membros e reconciliação/reconexão entre eles. Os relatos da mãe
indicaram que ela e a filha dirigiam uma à outra os pedidos de ajuda e encontravam nessa
relação fonte de prazer e proteção diante das condições adversas principalmente familiares
através desse apoio mútuo.
Os constantes e intensos conflitos familiares relatados por M07 e a forma da família
lidar com os mesmos evidenciaram dificuldades dos membros na compreensão e
171
administração do conflito, sendo a comunicação utilizada como instrumento de acirramento
da discórdia.
Os recursos econômicos e materiais foram referidos como suficientes para a provisão
da família no momento da coleta de dados, contudo, já haviam passado por momentos de
dificuldade financeira anteriormente e M07 percebia que não estavam sendo oferecidas à filha
as mesmas condições sócio-econômicas ofertadas anteriormente às filhas mais velhas, o que
incentivou a mãe a realizar atividades laborativas para melhorar tais condições, e a buscar
maior segurança financeira diante da ausência de cooperação de seu marido relativa às
necessidades de F07.
Os recursos pessoais de F07 (nível intelectual da criança e presença de recursos pró-
sociais), do ambiente familiar (práticas religiosas compartilhadas entre mãe e filha, projetos
familiares realísticos de M07 para o futuro da filha, postura pró-ativa materna na busca de
resolução de problemas principalmente relativos à F10, cuidados regulares, presença de regras
e limites estabelecidos por M07 e percepção adequada quanto às necessidades e limites da
filha) e da rede de apoio comunitária apontaram para a presença de possíveis condições
promotoras do desenvolvimento infantil. Contudo a presença de dificuldades relevantes em
sua socialização (desempenho acadêmico no geral abaixo do esperado para sua escolaridade e
presença de dificuldades comportamentais descritas pela mãe) e problemas de saúde crônicos
desde o nascimento de F07 evidenciaram que as condições de adversidade relativas à doença
mental da mãe, à família (incluindo a doença mental paterna e o ambiente familiar conflitivo
marcado pela discórdia) e à rede de apoio funcionaram como condição de risco ao seu
desenvolvimento e poderiam estar favorecendo sua dificuldade adaptativa às tarefas próprias
do seu período do desenvolvimento.
A mãe, figura central na rede de apoio à F07, entretanto, pode ser destacada como uma
possível fonte de suporte que tentava minimizar as condições adversas crônicas advindas de
um ambiente familiar pouco acolhedor.
Dupla M08 e F08 – Sem dificuldade de socialização
Identificação
A dupla 08 é composta pela mãe (M08), 43 anos, casada, do lar, ensino universitário
incompleto, com quatro filhos, sendo uma filha de 14 anos e três filhos de 22, 18 e 10 anos e
11 meses de idade (F08), estudante da 5ª série do ensino fundamental, sendo esta a criança
172
incluída neste estudo. O chefe da família é o pai da criança, com ensino fundamental
completo, proprietário e trabalhador em uma oficina mecânica.
Histórico da depressão materna e psicopatologia paterna
Tendo como marco de tempo o momento da coleta de dados, segundo o relato de M08,
os primeiros sintomas associadas à depressão materna precederam o nascimento de F08 e se
iniciaram há cerca de vinte e dois anos, após o parto do primeiro filho, e se estenderam pela
infância dele. Em sua percepção a depressão também estava associada ao fato de ter sido
difícil para M08 ter o primeiro filho e dele cuidar, inclusive porque ele apresentava sinais de
hiperatividade, o que referiu ter percebido apenas nos dias atuais com as informações que lhe
chegaram sobre o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Na ocasião, apresentou
falta de sono, tristeza intensa e irritação. Ao longo dos anos seguintes, a sintomatologia
depressiva apresentou melhora espontânea, sem que tenha buscado ou recebido tratamento
médico, mas M08 acreditava que “não se resolveu bem”.
Após o nascimento do filho mais novo (F08), a sintomatologia se agravou e foi
encaminhada para atendimento em serviço ambulatorial de saúde mental, tendo então iniciado
tratamento medicamentoso com o uso de antidepressivo e psicoterapia individual, com
melhora dos sintomas. Começou a apresentar dores pelo corpo e, como os médicos que lhe
atendiam não identificavam o motivo de tais dores, buscou informações por conta própria até
que foi diagnosticada com fibromialgia. Além disso, M08 referiu ter realizado cirurgia de
perineoplastia, sem outras queixas quanto a sua saúde física.
Segundo o relato de M08, por ocasião do nascimento de F08, a vida familiar estava
tendo muitos conflitos, principalmente entre seu marido e os filhos mais velhos, com brigas
freqüentes que envolviam comportamentos agressivos de todos eles, mas principalmente do
primeiro: “um período de muita agressividade do (marido), porque a depressão (do marido de
M08) tem essa característica também, ela deixa a pessoa muito agressiva”. Segundo ela, já se
intrometeu muito nas discussões entre pai e filhos para amenizá-las, mas mais recentemente
tentava se poupar acreditando que deveria “deixar os problemas das pessoas com elas”.
O pai de F08 foi referido pela mãe como uma pessoa ansiosa, opressora e agressiva,
principalmente diante de situações nas quais as pessoas o desafiavam ou em situações difíceis.
Segundo M08, seu marido apresentava esse jeito de se relacionar com o mundo a sua volta
desde quando se casaram, tendo sempre pouca disponibilidade para participar ou propor
atividades de lazer com a família ou atividades cotidianas com os filhos em casa. Tal
comportamento pereceu trazer prejuízos à vida familiar, a qual era permeada por discussões e
173
agressões e distanciamento dos filhos em relação ao pai. A sintomatologia do quadro paterno
foi se agravando ao longo dos anos e em decorrência dos enfrentamentos que os filhos mais
velhos passaram a lhe fazer, tendo o pai de F08 sido encaminhado para tratamento
ambulatorial em serviço de saúde mental, com uso de medicação antidepressiva e conseqüente
melhora parcial dos sintomas. As relações familiares também tiveram relativa melhora, mas
esta contudo foi apontada como decorrente da mudança de comportamento de M08 e da saída
do filho mais velho de casa.
Dois anos antes da coleta de dados, M08 foi encaminhada para outro serviço ambulatorial,
com continuidade apenas do tratamento medicamentoso, com a substituição da medicação
antidepressiva que fazia uso. Neste momento (terceiro episódio) e no ano anterior à coleta quando
parou de trabalhar (quarto episódio), apresentou períodos de piora dos sintomas seguida de
melhoras. Referiu que foram os atendimentos psicoterapêuticos em grupo, iniciados pouco mais
de seis meses antes da coleta de dados, que contribuíram para sua melhora atual.
Os sintomas depressivos quanto à duração e intensidade possibilitaram o diagnóstico
pela SCID de Transtorno Depressivo Recorrente, com Episódio Moderado ocorrido nos
últimos dois anos e sem manifestações características de crise nos últimos seis meses. Relatou
que após o primeiro episódio os marcos mais importantes para sua melhora quanto aos
sintomas depressivos foram os atendimentos psicoterápicos recebidos nos serviços
ambulatoriais, que lhe ensinaram a “deixar os problemas de lado” (sic), tal como refletiu nos
trechos a seguir:
a medicação controla bem esses casos de sonolência e tudo mais e a
terapia também tá me ajudando muito (...) apesar de tudo, tô melhor, tô
assim, mais consciente, eu creio assim, que pra alterar realmente esse
quadro é uma mudança comportamental (...) (de) pensamento,
principalmente, porque às vezes a gente pensa uma coisa, sente outra e não
sabe (...) você vai se conhecendo, vai meio que se entendendo (...) isso tá
me fazendo olhar bastante pro que eu sinto não pro que eu penso
A exposição de F08 à sintomatologia depressiva materna ocorreu pela primeira vez
quando a criança era recém-nascida (2º episódio, pós-parto), sendo que aos quase nove anos
(3º episódio) e aos quase dez anos (4º episódio) conviveu com episódios moderados da
depressão materna.
Os indicadores de recursos e adversidades serão apresentados em três quadros
descritivos que os agruparão de acordo com: (a) as características de F08, (b) do ambiente
familiar e (c) da rede de apoio social.
174
Recursos e adversidades pessoais
Apresentar-se-á a seguir os indicadores de recursos e de adversidades relativos às
características pessoais de F08, como mostra o Quadro 26.
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Nível intelectual
Percentil 95 – Superior à média
Recurso
(Raven)
B. Desempenho
Escore geral – Na média
Recurso
Acadêmico (TDE)
Escore nos subtestes aritmética e leitura – Superior à média
Recurso
Escore no subteste escrita – Inferior à média
Adversidade
C. Comportamento
Escore total e nas demais escalas– Normal/Limítrofe
Recurso
(SDQ)
C1. Comportamento
Escore nas escalas hiperatividade e
Recurso
pró-social (SDQ)
comportamento pró-social – Limítrofe/Normal
D. Saúde física
Rinite desde o nascimento, retirada de uma fístula das nádegas aos
Adversidade
(EEA/EAC)
6 meses de vida, cirurgia para retirada da adenóide aos 4 anos e
cirurgia para reparação do canal tiroglosso localizado no
pescoço aos 7 anos de idade
E. Resposta diante de
“(F08 se) descontrola, xinga, não sei quê. Até (...) jogando futebol
Adversidade
situação adversa
(...) então, eu converso muito com ele
(Entrevista)
“(F08) um pouco irritado, né, mas aí você conversa, aí, acalma. Eu
Adversidade
acho que a situação escolar, por exemplo, é muito agitada
eles (filhos) lidam bem com isso (o que pode e o que não pode) (...)
Recurso
ele (F08) é um menino compreensivo só que ele é muito irritado
Quadro 26: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características pessoais de F08.
Os indicadores evidenciaram que F08 apresentava recursos cognitivos, expressos pelo
nível intelectual superior à média, e recursos de socialização, expressos pela presença de
comportamentos pró-sociais, ausência de dificuldades quanto ao comportamento geral, além
de bom desempenho acadêmico geral em avaliação por prova específica, com destaque para o
escore geral e nas áreas de aritmética e leitura. Segundo o relato de sua mãe, apresentava
recursos pessoais para lidar com as regras e normas impostas pelos adultos, denotando
compreensão e aceitação das mesmas.
Contudo, observou-se a presença de indicadores de dificuldade quanto ao desempenho
acadêmico na área de escrita. Quanto à saúde física, relatou problema alérgico crônico e a
realização de três cirurgias ao longo de sua vida (a primeira aos seis meses de vida para
retirada de uma fístula da nádega, a segunda aos quatro anos para retirada da adenóide e a
terceira aos sete anos para reparação do canal tiroglosso, localizado internamente na região
cervical). Com exceção destas condições de saúde, a mãe apontou que o filho teve bom
desenvolvimento e gozava de boa saúde física.
175
Diante de situações novas e difíceis que aconteciam no dia-a-dia de F08, a mãe referiu
que o filho apresentava comportamento irritado, impulsivo e agressivo, que demandava dela
atenção e orientação.
A mãe relatou que F08 teve problemas principalmente de comportamento nos
primeiros anos do ensino fundamental com melhora inclusive no desempenho acadêmico com
o passar do tempo, como mostram os trechos a seguir:
que depois da terceira série foi uma coisa assim natural, ele (F08) mudou
por ele mesmo quando eu percebi que ele começou se interessar mais por
estudar do que pra brincar (...) (a professora de F08 falou) ‘porque, olha,
ele tá uma gracinha, olha, ele tá fazendo tudo’
até metade do terceiro ano (do ensino fundamental) ele deu bastante
trabalho de comportamento
A percepção da mãe quanto ao desempenho escolar do filho estava coerente com sua
classificação geral em avaliação por prova específica, contudo, M08 não referiu qualquer
problema relativo ao desempenho de F08 na escrita, a qual esteve abaixo da média para sua
escolaridade na referida avaliação.
Quanto ao comportamento do filho, M08 referiu que este era o responsável pela
dificuldade que às vezes encontrava no vínculo com seus pares e adultos, evidenciando que a
criança teria o hábito de tratar as pessoas tal como percebia que estaria sendo tratado por elas,
como pode ser visto nos trechos transcritos a seguir:
se você for com educação, ele (F08) vai te responder no mesmo tom, mas se
você alterar, o tom ele também vai alterar (...) ele não agride, se ele é
agredido, ele revida (...) fisicamente ou em palavras é... isso, não só
criança, qualquer um... até adulto, é uma coisa que me surpreende muito
nele.
Diante deste comportamento por vezes agressivo e impulsivo de F08, a mãe referiu
perceber o relacionamento com o filho como afetivo e saudável e que ele direcionava suas
dúvidas e pedidos de ajuda a ela e relatou buscar orientá-lo, apontando a ele as conseqüências
de seus atos, e perceber que existia associação direta entre o comportamento do filho e uma
insegurança que percebia nele e entre o comportamento e a proximidade dos pais, tal como
descrito a seguir:
(F08 fala:) ´então, minha mãe já dá pra conversar, mas com meu pai não
tem jeito’
176
(mãe fala para F08) ‘se você não se controlar, (...) as crianças não vão ter
paciência com você, você não vai ter amigos’ (...) converso muito com ele
em relação a isso, pra ele controlar essa irritação, ele pensar de outro jeito
quando eu trabalhava, (a irritação e a agressividade de F08) era pior,
que foi esse período é... até a quarta série (que F08 apresentou
comportamentos agressivos na escola)
um pouco é insegurança (de F08) mesmo, assim, com relação à escola, com
relação aos colegas
Em síntese, evidenciou-se que, mesmo com a presença de indicadores de adversidade
relativos às características da criança quanto à sua saúde física e comportamento agressivo,
F08 apresentava em geral um bom desempenho nas tarefas do desenvolvimento próprias de
sua etapa de vida, sinalizando recursos pessoais de socialização.
Recursos e adversidades do ambiente familiar
O Quadro 27 a seguir apresentará os recursos e adversidades do ambiente familiar de
F08.
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Condições familiares referentes à Escolaridade dos pais: Mãe - ensino universitário
escolaridade e idade dos pais na época do incompleto/ Pai - ensino fundamental completo Recurso
nascimento dos filhos (Ficha Sócio-Demogr.) Maternidade/Paternidade: pais > 18 anos Recurso
B. Saúde mental dos pais (EEA/EAC) Depressão materna por cerca de 11 anos Adversidade
Temperamento difícil do pai desde o nascimento de F08 Adversidade
com tratamento médico para depressão
Ausência de consumo de álcool pelos pais Recurso
C. Conflitos conjugais (EEA/EAC) Aumento de conflitos e brigas entre os pais no passado Adversidade
que duraram cerca de 1 ano (dos 8 anos 9 anos de F08)
e separação dos pais por 2 semanas em data mais recente
ele (marido) é muito repreensivo (...) me sinto muito Adversidade
oprimida (...) (M08 não faz) nada que me traga nenhum
problema (com a família)
D. Envolvimento dos pais com a lei (EEA) Ausente Recurso
E. Participação dos pais Nenhuma (atividade juntos), quase nenhuma (...) todo Adversidade/Recurso
nas rotinas diárias (Entrevista) carnaval a gente saí com as crianças
eu sento com ele (F08) em casa fazer lição, como é que tá Recurso
indo
eu e ele (pai de F08) (...) é nós dois que resolvemos Recurso
ele (F08) é bem independente (...) com essa história de Adversidade
(M08) perder o sono ou eu dormir demais, eles (filhos)
mesmos fazem o café da manhã (...) ele vai pra escola
Quadro 27: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de
F08.
continua
177
Continuação
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
F. Organização e relações familiares “(tem rotina) Mais ou menos (não é rígida) (...) eu não Recurso
(Entrevista, RAF e EEA/EAC) interfiro muito assim (...) só não deixo que não faça
ele (F08) tem um limite (...) ‘você pode brincar, mas tal Recurso
hora você fica em casa’ (...) só não sou inflexível
ela (irmã) é uma referência (de dedicação) pra ele” Recurso
a harmonia em casa, eu acho que a gente tá melhorando Recurso
(...) o caminho é esse mesmo, é a gente ir fazendo junto,
cada um de seu jeito
às vezes, todo mundo é (...) irritado, quer muita coisa” Adversidade
Outros estressores – irmão deixou o lar após brigas com Adversidade
o pai e agressão física entre eles
Resposta positiva aos itens sobre rotina e atividades Recurso
lúdicas e domésticas no RAF
F1. Regularidade dos cuidados parentais “(M08 é responsável por) tudo de casa” Recurso
(Entrevista e RAF) consigo (perceber que F08 precisa de ajuda), às vezes, Adversidade/Recurso
eu não estou muito bem, aí, é mais difícil (estar ajudando)”
eu procuro conversar muito com eles (com os filhos)” Recurso
participa de uma comunidade espírita (...) (F08) não quer Adversidade/Recurso
ouvir falar (...) é uma coisa imposta
Presença da mãe como figura central da rede de apoio Recurso
Resposta positiva aos itens do RAF sobre integração dos Recurso
pais na rotina e lazer criança
G. Suporte social à escolarização (RAF) Resposta positiva aos itens do RAF sobre supervisão Recurso
e rotina da criança quanto à sua escolaridade
H. Projetos de vida e expectativa de futuro não tô fazendo planos (...) porque eu me decepciono Adversidade
(Entrevista) muito com as coisas
acho que ele (F08) tem que ter uma atividade (esportiva)” Recurso
queria voltar a estudar (...) trabalhar fora (...) venho Recurso/Adversidade
aprendendo assim... não manter uma expectativa muito
alta, eu acho que de repente as coisas não acontece, a
frustração vem e uma coisa puxa a outra
coisas que eu acho que eu posso tá fazendo vou correr Recurso/Adversidade
atrás, tal, mas ainda não me sinto assim, é... confiante pra
voltar a estudar
I. Aceitação da criança (Entrevista) ele (F08) tem a personalidade dele Recurso
cada um é de um jeito (...) não me preocupo, acho que é Recurso
natural, existem crianças mais tranqüilas e outras mais...
ele (F08) é um pouquinho ativo
eu só gostaria que ele (F08) se comporte mais” Adversidade
Quadro 27: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de
F08.
continua
178
Continuação
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
J. Eventos de perda (EEA) Morte do avô materno Adversidade
K. Hospitalização de familiares, nascimento Ausente Recurso
de irmãos (EEA)
L. Resposta diante de situação adversa eu tento me programar, mas tem hora que eu fico Recurso/Adversidade
(Entrevista) deprimida por que eu não dô conta de fazer
com algumas situações, eu sou bastante flexível” Recurso
você desabafar com alguém” Recurso
eu venho aprendendo, assim, a não ficar cobrando Recurso
muito de mim (...) aceitando os meus limites
tentar me colocar no lugar do outro Recurso
é a primeira reação (ficar apática, “jogar a toalha” diante Adversidade
de situações adversas) (...) mas é uma coisa assim que
não perdura muito tempo (...) deixa passar a angústia,
deixa passar que melhora
M. Ambiente físico (RAF) Resposta positiva aos itens do RAF sobre recursos Recurso
materiais presentes na casa
Quadro 27: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características do ambiente familiar de
F08.
conclusão
Os recursos da família e do ambiente familiar associaram-se à presença de recursos
materiais, a característica dos pais (escolaridade, idade adulta quando do nascimento de F08,
ausência de envolvimento com a justiça e a polícia, religiosidade) e a características da mãe, a
qual figura como o ponto central da rede de apoio ao filho. M08 tinha participação na rotina
do filho, bem como em alguns momentos de lazer e nos cuidados regulares, incluindo a
organização doméstica e escolar; oferecia a F08 uma rotina flexível e permeada por limites e
espaço de acolhimento e orientações.
Outros indicadores de recurso foram identificados com relação à presença de outro
membro familiar (irmã, de 14 anos de idade) que figura, segundo o relato da mãe, como
referência de dedicação, bem como com relação à percepção da mãe quanto às necessidades e
demandas do filho e conseqüente aceitação de seu jeito de ser, à postura pró-ativa da mãe e ao
seu desejo de mudanças para seu próprio futuro e o do filho com projetos realísticos.
Segundo o relato da mãe, a família oferecia ao filho uma rede de apoio social e
afetivo, sendo que ela valorizava as relações interpessoais. As relações familiares foram
descritas como conflitivas, contudo M08 buscava oferecer ao filho flexibilidade quanto à
rotina e empatia, buscando inclusive aceitar seus próprios limites e ajudar F08 quando sentia
que era necessário.
179
Os recursos destacados quanto ao ambiente familiar, contudo, sofriam interferência
das oscilações de humor da mãe, a qual foi diagnosticada como depressiva e mantinha ainda
comportamentos que denotavam apatia e desânimo que às vezes a impossibilitavam de
oferecer ajuda ao filho, bem como insegurança e necessidade de M08 não fazer planos para o
futuro para não se decepcionar caso não acontecessem, mesmo desejando que sua vida e da
família fosse diferente no futuro.
As adversidades do ambiente familiar relacionaram-se também às condições dos pais
(realizavam poucas atividades rotineiras e de lazer com F08, presença de conflitos conjugais e
de uma separação), às condições familiares (os membros familiares eram irritados e
impulsivos, tendo um dos irmãos deixado o lar definitivamente em decorrência das discussões
e agressões envolvendo o pai), a evento de perda (falecimento do avô materno) e a condições
do próprio pai. Este foi referido pela mãe como uma pessoa que apresentava constantemente
comportamentos que sugeriam ansiedade, opressão (nunca deixou que M08 trabalhasse, a não
ser no próprio negócio da família), fala agressiva diante de situações difíceis e conflitivas,
ciúme de M08 que limitava suas escolhas na vida, pouca disponibilidade dele para a
realização de atividades de lazer em família, o que fazia com que os filhos evitassem
conversar com ele e com que M08 tivesse receio de suas atitudes pensando na reação do
marido a elas e na própria reação (agravamento da sintomatologia depressiva) diante do
conflito que poderia causar. Segundo ela, esse comportamento do marido levou-o a
tratamento psiquiátrico em serviço ambulatorial com uso de medicação antidepressiva, sem
que aceitasse atendimento psicoterápico.
Outro ponto a ser comentado foi que a prática religiosa, que era considerada como
fonte de suporte familiar, nesta família foi destacada como algo imposto a F08, sendo na
percepção da mãe uma fonte de insatisfação para a criança, configurando-se como uma
condição de adversidade.
As condições e eventos adversos relatados caracterizaram como adversidades
presentes ao longo do ciclo vital da criança. Diante de tais situações, M08 percebia que o filho
buscava recursos para conseguir prover suas necessidades independentemente dos pais,
providenciando, por exemplo, suas refeições, o que despertava em F08 autonomia e auto-
provisão.
Os dados relatados sinalizaram, assim, que F08 estava inserido em uma família que
apresentava figuras de cuidado com padrões diferentes de comportamento diante do dia-a-dia
familiar, sendo a mãe a pessoa mais acessível e flexível e o pai a pessoa mais rígida,
controladora e menos disponível ao contato. Os relatos da mãe evidenciaram a valorização
180
das relações e da transparência nas interações, que com o filho eram identificadas como
prazerosas, mesmo diante das oscilações de humor pelas quais a mãe passa que alterava a
rotina familiar.
Recursos e adversidades da rede de apoio
O Quadro 28 a seguir apresentará os indicadores de recurso e adversidade relativos à
rede de apoio social à F08.
Variável Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Criança - Relações com os pares (SDQ) Escore na escala pró-social Recurso
e de problemas de relacionamentos – Normal
B. Família - Relações sociais (RAF) Realização de visitas a parentes e amigos da família Recurso
C. Eventos escolares (EEA) Adversidades escolares (mudança de escola, piora no Adversidade
relacionamento com os colegas e trocas de professores)
D. Suporte social (RAF e Entrevista) Resposta positiva aos itens no RAF sobre atividades Recurso
programadas da criança na comunidade e rede de apoio
eu não sou muito não de pedir opinião (...) sou meia Recurso
de fazer o que eu penso (...) (pede ajuda) com uma
amiga muito chegada é... minha mãe em alguma coisa,
nem tudo
quem sabe uma ajuda profissional, hoje eu vi a Recurso
necessidade
D1. Recursos comunitários (Entrevista) Reposta positiva à utilização de recursos Recurso
comunitários: lazer, educação, saúde e religião
E. Fator sócio-econômico Classe sócio-econômica B Recurso
(Ficha Sócio-Demográfica e Entrevista) Superpopulação: Ausente Recurso
A mãe começou a trabalhar Adversidade
Momentos difíceis do ponto de vista financeiro (passado) Adversidade
Auto-suficiência para provisão econômica Recurso
o necessário a gente tem, então, eu acho que não Recurso
tenho nenhuma queixa nesse sentido
Quadro 28: Indicadores de recursos e adversidades relativos às características da rede de apoio social à
F08.
As variáveis que trataram de indicadores de recurso da rede de apoio associaram-se ao
fato da família não ter um perfil superpopuloso, ser incluída na classe sócio-econômica B, ter
acesso e se utilizar de recursos da comunidade para oferecer à F08 atividades programadas
diariamente no Núcleo Municipal do bairro, manter contatos freqüentes com a família extensa
e possuir recursos financeiros que garantiam a auto-suficiência econômica, mesmo que no
passado tenha apresentado dificuldades financeiras importantes. Somou-se a isso, a condição
da mãe em buscar auxílio, inclusive profissional, e as características da criança relativas à
181
presença de recursos pró-sociais e a ausência de dificuldades nos relacionamentos
interpessoais, sinalizados pela sua empatia pelo outro e disponibilidade para ser útil relatado
pela mãe no SDQ, favorecedores de contatos.
As adversidades escolares referidas associaram-se à mudança de escola, às trocas de
professores e à piora no relacionamento com os colegas, sendo esta última associada pela mãe
ao ano em que houve trocas de professores e a um período em que ela e o marido
permaneceram menos tempo em casa e F08 ficava, portanto, muito tempo sozinho em casa.
No passado, a mãe começou a trabalhar na oficina mecânica do marido e deixou esse
trabalho cerca de seis anos antes da coleta de dados, condições consideradas adversas
incidindo sobre a família.
Destacou-se, ainda, o relato da mãe que tratou da busca de ajuda para si e para a
família, sendo que, mesmo tendo disponibilidade em fazê-lo e encontrar pessoas que acolhiam
seus pedidos, este não era um comportamento freqüente, já que normalmente não se utilizaria
dos conselhos e opiniões que recebia, o que enfraquecia este recurso.
A rede de apoio à família pôde, então, ser caracterizada pelos recursos da criança, pela
presença de vínculos familiares e comunitários, mas também por eventos escolares adversos e
situação econômica difícil no passado da família.
Síntese
Os quatro episódios depressivos descritos por M08 tiveram como manifestações
características falta de sono, tristeza intensa e irritação, que se acentuaram após o nascimento
de F08 e nos anos anteriores à coleta de dados e foram associados principalmente à discórdia
familiar.
Na época da coleta de dados, ela estava em tratamento medicamentoso e psicoterápico
e seus relatos indicaram valorização deste último, sendo as sessões grupais de terapia
percebidas como espaço de auto-reflexão que promovia mudanças em seu modo de pensar e
melhora em sua qualidade de vida. Sua postura positiva diante da vida e a presença de desejo
de que o futuro fosse melhor do que o presente, entretanto, sofriam interferência de momentos
em que apresentava apatia e desânimo para a realização das atividades de rotina, bem como
da presença de expectativas futuras contidas na tentativa de evitar frustrações por não atingir
seus objetivos, sinalizando momentos de baixa iniciativa.
Familiares, amigos, recursos da comunidade, incluindo a religião, também foram
identificados como fontes promotoras do desenvolvimento de F08, na medida em que seriam
possíveis recursos de ajuda e compunham a rede de apoio social e afetiva da família. Os
182
pedidos de ajuda de M08 eram destinados principalmente para seu marido e sua mãe,
entendendo que as demais pessoas conhecidas e familiares poderiam lhe ajudar estando
presentes e lhe ouvindo, denotando a existência de suporte familiar efetivo.
Quanto a sua relação com F08, destacou-se recursos maternos para perceber as
necessidades do filho e as diferenças entre ele e os demais, sinalizando condição interna de
aceitar o filho em seus potenciais, buscando ajudá-lo naquilo que percebia ser uma
dificuldade dele. Os dados sinalizaram para a expressão das emoções de forma aberta e direta
entre os familiares, o que causou diversas divergências entre pais e filhos, evidenciando baixa
tolerância e descontrole emocional. M08 apresentava ainda oscilações de humor que
interferiam nas interações e comunicação com os filhos. A comunicação, contudo, também
era um recurso utilizado pela mãe para explicar a eles sua condição de saúde mental, bem
como as regras e os limites da casa e orientá-los diante das adversidades, frente às quais F08
reagia de maneira impulsiva e pouco adaptada.
A organização familiar contava com uma rotina planejada e estável, mas flexível para
F08, respeitando as preferências dele e garantindo o cumprimento de normas, além de
oferecer práticas educativas regulares em que o diálogo se sobrepunha na relação entre mãe e
filho. Tal organização, contudo, foi referida como de responsabilidade da mãe, figura central
da rede de apoio do filho, sendo que o pai de F08 apresentava papel secundário, mas
autoritário, quanto às práticas educativas dos filhos. A baixa consistência do papel do pai na
educação do filho pôde ser identificada, contudo, pela sua ausência nas decisões do cotidiano
associada a sua exigência de participação de F08 nas práticas religiosas da família.
As relações familiares de maneira geral, por sua vez, apresentaram indicadores de
oposição crônica destacados por agressões verbais e físicas entre seus membros que
ocorreram mais intensamente no passado e que culminou com a saída do irmão mais velho de
F08 da casa dos pais. Nas situações passadas de conflito, M08 figurava como agente promotor
da reconciliação entre os membros familiares, incentivando o compromisso entre eles. No
momento da coleta de dados, porém, M08 referiu melhora nesses conflitos, indicando a
responsabilidade de cada um na manutenção (no passado) e na mudança (atual) desta
condição familiar, sinalizando que a mãe apresentava recursos internos para compreender os
conflitos familiares e tentar gerenciá-los entre os próprios membros.
Os recursos econômicos e materiais foram referidos como suficientes para a provisão
da família no momento da coleta de dados, contudo, já havia passado por momentos de
dificuldade financeira anteriormente.
183
Os recursos pessoais de F08 (nível intelectual da criança e ausência de dificuldades
relevantes em sua socialização, expressa pelo bom desempenho acadêmico no geral, por
recursos pró-sociais, pela ausência de dificuldades comportamentais descritas pela mãe no
questionário e pela ausência de outras queixas relativas ao crescimento), do ambiente familiar
(projetos familiares realísticos, cuidados regulares, rotinas flexíveis, presença de regras e
limites e percepção adequada de M08 quanto às necessidades e limites do filho) e da rede
comunitária de apoio efetiva apontaram para uma condição favorável ao desenvolvimento de
F08, mesmo diante de problemas de saúde crônicos e repetidos e respostas pouco adaptadas
da criança diante de condições adversas. A impulsividade, agressividade e irritação de F08, na
percepção da mãe, faziam parte de momentos passageiros na vida do filho, o qual recebia
orientações de M08.
A mãe, figura central da rede de apoio, mesmo diante das próprias limitações e
oscilações de humor buscava, esclarecer o filho sobre seu estado de saúde mental.
Evidenciou-se, assim, recursos da mãe na preparação do filho para o enfrentamento de
problemas futuros e dela própria quanto à diminuição de suas expectativas.
O pai de F08, por sua vez, foi destacado como fonte de suporte da rede de apoio à
mãe, mas como figura de hostilidade, rigidez e pouca disponibilidade quando se referia ao
contato com os filhos.
As adversidades destacadas apontaram para a existência de condições adversas ao
desenvolvimento de F08, principalmente quanto a seu comportamento diante de situações que
lhe eram frustrantes ou difíceis, à doença mental paterna e às oscilações de humor de M08. Os
recursos, por sua vez, sinalizaram para a presença de condições promotoras do
desenvolvimento diante do desempenho geral das tarefas próprias de sua etapa de vida, que
poderiam estar minimizando o impacto das adversidades vivenciadas.
Os processos-chave de resiliência analisados em cada caso do Cenário 4
Serão apresentados a seguir os processos-chave para os casos 07 e 08, de forma a
identificar as semelhanças e diferenças entre os casos dentro do Cenário 4, caracterizado pela
depressão materna associada prioritariamente à psicopatologia paterna e à discórdia familiar,
como condições adversas crônicas para o ambiente familiar.
184
Cenário 4: Depressão Materna Associada Prioritariamente à Psicopatologia Paterna e à
Discórdia Familiar
Processos-Chave
da Resiliência
Caso 07 – com dificuldade de
socialização
Caso 08 – sem dificuldade de
socialização
Sistemas de
Crenças
- Crenças religiosas partilhadas apenas
por M07 e a filha, demais familiares não
se envolvem
- Projetos realísticos para o futuro de
F07 e irrealísticos para si própria
- Frente às adversidades, percepção
sobre suas dificuldades e reflexão sobre
seus significados
- Adesão intermitente ao tratamento e uso
contínuo de medicação, atualmente
- Crenças religiosas partilhadas pela
família e impostas a F08
- Projeto familiar realístico, visando a
autonomia dela própria e a do filho
sem manter expectativas elevadas
quanto ao futuro
- Frente às adversidades, percepção
sobre suas dificuldades e reflexão
sobre seus significados
- Adesão ao tratamento e uso contínuo
de medicação, valorizando o
atendimento psicoterápico
Processos de
Comunicação
- Clareza na expressão das emoções e no
compartilhamento dos sentimentos:
diálogo aberto
- Frente às manifestações afetivas, reage
de acordo com a piora ou melhora do
transtorno depressivo, alternando
impulsividade, agressividade e evitação
com momentos de auto-controle,
referido como presentes nos períodos
assintomáticos
- Resolução de conflitos: baixa cooperação
familiar, apoio mútuo entre mãe e filha,
postura pró-ativa materna na busca de
resolução de problemas, principalmente
relativos à F07
- Interações familiares conflituosas:
rejeição manifesta do pai e das irmãs
quanto à F07
- Percebe-se mais afetiva nos contatos
com as filhas recentemente
- Aceitação quanto à F07, reconhece as
necessidades e os limites da filha, como,
por exemplo, os comportamentos
agressivos e de medo da filha, não
percebia, contudo, as dificuldades
escolares de F07
- Clareza na expressão das emoções e
no compartilhamento dos sentimentos:
diálogo aberto
- Frente às manifestações afetivas, reage
de acordo com a piora ou melhora do
transtorno depressivo, alternando apatia e
desânimo
- Resolução de conflitos: postura pró-
ativa alternado a momentos de baixa
iniciativa
- Interações familiares conflituosas, com
comportamentos egoístas de seus
membros e interações restritas às práticas
religiosas e eventuais passeios
- Aceitação das potencialidades do
filho e dificuldade em aceitar os
comportamentos de medo de F08
Quadro 29: Processos-chave da resiliência identificados no Cenário 4 – Depressão Materna Associada
Prioritariamente à Psicopatologia Paterna e à Discórdia Familiar, incluindo os casos 07 e 08.
continua
185
Continuação
Padrões
Organizacionais
- Regras definidas, estabelecidas por
M07
- Rotina pouco planejada
- Compartilhamento de atividades de
lazer e religiosas
- Disponibilidade e utilização da rede de
apoio
- Recursos econômicos suficientes para a
subsistência, recursos diversos dos
oferecidos às filhas mais velhas
- Família: pais vivem juntos, com
conflitos familiares recorrentes,
envolvendo principalmente pai e filhas,
com agressões verbais e físicas entre pai e
filhas, uma das quais deixou o lar materno
aos 18 anos
- Pai de F07: pouca participação na rotina
cotidiana dos filhos, discordância quanto
às práticas educativas
- M07: cuidadores de referência – decisões
e ações não partilhadas pelos demais
membros da família
- Saúde mental: depressão materna com
episódios moderados e graves sem
aspectos psicóticos, alcoolismo paterno
com envolvimento em situações de risco,
sem tratamento psiquiátrico
- Regras definidas, estabelecidas pelos
pais
- Rotinas familiares flexíveis
- Compartilhamento de atividades
religiosas e de poucas atividades
domésticas, escolares e de lazer
- Disponibilidade e utilização da rede
de apoio
- Recursos econômicos suficientes, com
dificuldades financeiras prévias já
superadas
- Família: pais vivem juntos, reações de
opressão e controle, conflitos familiares
recorrentes, envolvendo principalmente
pai e filhos, com agressões verbais e
físicas principalmente entre o pai e o
filho mais velho, que deixou o lar
materno aos 22 anos após tais conflitos
- Pai de F08: pouca participação na rotina
cotidiana dos filhos, imposição de regras
aos filhos (com destaque para as práticas
religiosas)
- M08: cuidadora de referência – decisões
e ações pouco partilhadas pela família
- Saúde mental: depressão materna com
episódios moderados, depressão paterna
com humor irritado, faz tratamento
psiquiátrico
Quadro 29: Processos-chave da resiliência identificados no Cenário 4 – Depressão Materna Associada
Prioritariamente à Psicopatologia Paterna e à Discórdia Familiar, incluindo os casos 07 e 08.
conclusão
No Cenário 4, no qual foram incluídos o caso 07 e o caso 08, identificou-se que as
famílias partilham parcialmente as crenças e as práticas religiosas, na medida em que no caso
07 tal compartilhamento se dá apenas entre mãe e filha e que no caso 08 as práticas religiosas
são impostas a F08. Ainda sim, a religião é apontada pelas mães como um recurso facilitador
do cotidiano familiar e, no caso 7, relevante para a aceitação da depressão por parte de M07 e
sua posterior adesão ao tratamento. O tratamento psiquiátrico nesse caso foi favorecido por tal
crença, sendo valorizado pela mãe que passou a fazer o uso adequado da medicação mais
recentemente; no caso 08, a mãe valoriza o tratamento medicamentoso bem como o
psicoterapêutico, fazendo uso adequado da medicação prescrita.
Identificou-se nos dois casos a presença de projetos realísticos, contudo, no caso 07,
tais projetos referem-se exclusivamente ao futuro da filha e são estendidos à família no caso
08, no qual inclui a autonomia da própria mãe e do filho com expectativas limitadas pela sua
realidade atual quanto ao futuro. M07 e M08 sinalizam percepção sobre suas dificuldades,
186
incluindo as manifestações depressivas e as dificuldades do ambiente familiar, e evidenciam
condição interna para reflexão sobre os significados de tais dificuldades.
O sistema de crenças identificado no relato das mães é parcialmente compartilhado e
aceito pelos familiares no que diz respeito à religiosidade. A presença de projetos pouco
realísticos para M07 contrasta com os realísticos pretendidos para a filha e com os recursos
maternos internos relativos à reflexão sobre as adversidades vivenciadas, sinalizando que
M07 parece investir todos os seus recursos mais diretamente para a provisão do cotidiano da
filha. No caso 08, por sua vez, o sistema de crenças favorece tanto a adesão ao tratamento
quanto os projetos familiares futuros, que estão associados a recursos maternos internos de
reflexão e a expectativas mais concretas.
Mesmo diante da adesão ao tratamento mais recentemente e de sua capacidade
reflexiva, M07 relata que na sua percepção reage às adversidades de acordo com a melhora ou
piora da sintomatologia depressiva, alternando impulsividade, agressividade e evitação com
momentos de auto-controle durante o período assintomático, quando manifesta clareza na
expressão das emoções e compartilhamento dos seus sentimentos. A ausência de sintomas
depressivos maternos parece se associar ainda à condição de M07 em se aproximar
afetivamente da filha, oferecendo apoio a ela, aceitando-a, reconhecendo suas necessidades e
limites e buscando recursos para a resolução de problemas relativos à F07.
Tal como no caso anterior, no caso 08, os processos de comunicação entre os membros
familiares parecem ser influenciados pelo impacto da oscilação de humor materno, na qual
apatia e desânimo se alternam à disposição para o diálogo e para a expressão clara e
compartilhada das emoções, bem como ao recurso interno manifesto de reflexão sobre as
adversidades. M08 também sinaliza aceitação das necessidades do filho e dificuldade em
aceitar nele comportamentos limitantes, tal como o medo, o que sugere que a cuidadora
principal da criança tem atenção quanto às práticas educativas do filho tal como identificado
no caso 07.
A oscilação na expressão das emoções se soma à baixa cooperação entre os membros
familiares por longa data nos dois casos e se contrapõe à busca de diálogo e à postura pró-
ativa das mães, sinalizando divergências na maneira como os familiares tratam as
adversidades. Tais divergências são potencializadas pelas interações familiares conflituosas e
restritas às práticas religiosas e a eventuais passeios, além da presença de rejeição manifesta
do pai e das irmãs quanto à F07 e, no caso 08, se associa à presença de comportamentos
individualistas principalmente do pai de F08 que não faz qualquer concessão aos outros
membros da família.
187
Os processos de comunicação nos dois casos estão associados a uma organização
familiar na qual a discórdia familiar perdura por longa data, embora os pais vivam juntos.
Contudo, uma filha de M07 e um filho de M08 já deixaram o lar materno, definitivamente,
após graves e persistentes conflitos familiares que incluíram agressões verbais e físicas
respectivamente entre pai e filhas (a que deixou o lar e a filha mais velha) e entre pai e filho.
A psicopatologia paterna, nos dois casos, é identificada como um fator desencadeante e
agravante desses conflitos tendo em vista que o uso abusivo e contínuo de álcool por parte do
pai de F07 durante os dois anos anteriores à coleta de dados e o humor depressivo e irritado
por parte do pai de F08 relatado por M08 como presentes desde o início casamento
favorecem, respectivamente, situações de risco e divergências com M07 (caso 07) e reações
de opressão, controle e rigidez, com relação a M08 (caso 08). Tais comportamentos paternos
não implicavam em prejuízos às atividades laborais dos pais, que se mantinham no mesmo
emprego e com rendimentos mensais inalterados, entretanto, propiciaram situações familiares
em que predominavam a tentativa de controle sobre os filhos e as esposas, configurando um
clima emocional de discórdia familiar.
As regras são definidas para F07 por sua mãe, a qual é a cuidadora de referência da
criança. F07 tem em seu cotidiano uma rotina pouco planejada, partilhando com os membros
da família atividades de lazer e com a mãe atividades religiosas. O pai de F07 tem pouca
participação na rotina cotidiana dos filhos e apresenta comportamentos e ações discordantes
quanto às práticas educativas oferecidas por M07, evidenciando também pouco
compartilhamento de decisões e ações entre os pais no dia-a-dia da família.
No caso 08, as regras são estabelecidas pelos pais de F08, que vivencia de maneira
geral rotinas flexíveis e conta com a mãe como figura de cuidadora de referência. A família
compartilha poucas atividades e decisões, sendo que o pai de F08 tem pouca participação na
rotina cotidiana dos filhos, impondo-lhes, entretanto, regras inquestionáveis, principalmente
relativas às práticas religiosas.
Os recursos econômicos das duas famílias podem ser identificados como suficientes
para a subsistência familiar. No caso 07, contudo, a mãe refere que os recursos financeiros
atuais são menores que os disponíveis para as filhas mais velhas no passado; no caso 08, a
família havia vivenciado no passado dificuldades econômicas, já superadas. Além disso, nos
dois casos, a rede comunitária disponível para a família é utilizada e descrita como eficiente.
As famílias contam, pois, principalmente com recursos da comunidade e recursos das
próprias mães para a organização cotidiana e para contrabalançar as adversidades vivenciadas
na família nuclear. No caso 08, tal organização consegue manter certa estabilidade e uma
188
flexibilidade, perpassadas pela rigidez quanto às práticas educativas oferecidas pelo pai de
F08. Quanto ao relacionamento conjugal, o marido não permite que M08 trabalhe fora de
casa, conclua seus estudos e tenha outros planos pessoais, impondo tais regras as quais M08
embora discorde se submete, limitando-se a acatar as normas como a uma ordem.
Os cuidados despendidos pelas mães aos filhos podem ser caracterizados como
afetivos, contudo, se contrapõem à rejeição paterna e das irmãs no caso 07 e à rigidez paterna
no caso 08. Em ambos os casos as atividades partilhadas em família são restritas e, no
cotidiano familiar, há pouca participação afetiva dos pais.
Destaca-se, portanto, que a organização pouco planejada das rotinas no caso 07, a
rejeição manifesta paterna e das irmãs de F07, as vivências de hostilidade entre os familiares,
bem como a dificuldade de M07 em planejar o próprio futuro parecem se somar à inabilidade
materna em gerenciar as demandas da família. Diante dos dados obtidos junto à F07 que
apontam para sua dificuldade de socialização, evidencia-se que a busca mais recentemente de
M07 em se aproximar afetivamente da filha e reconhecer seus limites e as tentativas de
proteção e de expectativas futuras não estão conseguindo minimizar as condições adversas
advindas dos padrões organizacionais e dos processos de comunicação familiares.
No caso 08, a organização mais flexível do cotidiano familiar somada à aceitação e
atenção materna ao desenvolvimento do filho parecem indicar a presença de processos que
permitem uma organização familiar mais planejada e estável, o que deve estar
contrabalançando as oscilações do humor materno decorrentes do transtorno depressivo, a
rigidez e a psicopatologia paterna.
Nos dois casos, identifica-se a adesão ao tratamento médico, sendo que no caso 7 esta
adesão foi interrompida no passado com o uso de álcool associado ao período em que a mãe
permaneceu sem antidepressivo. Os episódios depressivos ocorreram no caso 08 ao longo de
22 anos, sendo anteriores ao nascimento de F08, o qual esteve exposto à sintomatologia
depressiva já nos primeiros meses de vida e em seguida no período escolar. No caso 07, a
depressão materna perdurava sete anos, sendo que a exposição de F07 ocorreu no período
escolar, mas com a primeira exposição à sintomatologia severa. Destaca-se que neste cenário
4 concentram-se as mães com início há mais tempo do transtorno depressivo.
As demais variáveis do contexto familiar, relativas aos processos de comunicação, à
organização das rotinas e à resolução de conflitos, parecem associadas à presença da discórdia
familiar, enquanto condição mantida no tempo. Tal condição foi destacada por Mrazek e
Haggerty (2004) e Laucht et al. (2001), como uma situação familiar adversa ao
desenvolvimento infantil. Além disso, a presença de psicopatologia paterna, identificada nos
189
dois casos desse cenário, já foi apontada por Luoma et al. (2001), Najman et al. (2001) e
Goodman e Gotlib (1999) como condição que media o impacto da depressão materna para a
criança e parece ser mais um elemento adverso para as comunicações entre os familiares nos
casos 07 e 08.
Tais condições familiares estão relacionadas, ainda, a uma organização familiar frágil,
que se manteve por longos anos, sendo a comunicação utilizada pelos familiares como
instrumento de acirramento dos conflitos pessoais e familiares. Tal padrão organizacional foi
apontado por Cummings (1995) e Cummings e Davies (1994) como condição que aumenta o
risco de psicopatologia na criança. As mães, nos dois casos, identificam o momento mais
recente como um período em que houve a diminuição dos conflitos familiares, contudo, no
caso 07, mantêm-se as divergências entre os pais quanto às práticas educativas de F07 e
comportamentos de rejeição do pai e das irmãs mais velhas com relação à criança, e, no caso
08, evidencia-se a rigidez paterna. A psicopatologia paterna, alcoolismo no caso 07 e
depressão com traços de uma personalidade com instabilidade emocional no caso 08, parecem
contribuir diretamente para a manutenção desse padrão de organização familiar, mesmo
diante do fato do pai de F08 estar realizando tratamento medicamentoso, mais recentemente.
A essas condições familiares, associa-se, ainda, a oscilação na expressão das emoções
decorrente do transtorno depressivo, o não compartilhamento de decisões e a baixa
cooperação entre os membros familiares de longa data, sendo que nos momentos de melhora
da sintomatologia depressiva, mais recentemente foi possível a busca por diálogo e à postura
pró-ativa das mães. Assim, observa-se que a oscilação de humor materno, caracterizada
inclusive pela dificuldade na utilização dos recursos internos, parece não ter prejudicado as
atividades cotidianas no caso 07 e ter favorecido momentos de distanciamento entre mãe e
filhos no caso 08.
Nos dois casos, identifica-se a condição materna para perceber e acolher as
necessidades dos filhos, destacando a presença de responsividade materna e a busca de
diálogo, o que esteve presente no cotidiano de F07 apenas mais recentemente.
As mães têm a função de cuidadora principal nos dois casos, sendo que, no caso 07, os
demais membros da família têm certa indisponibilidade, na percepção da mãe, com relação a
ela e à criança e que, no caso 08, os irmãos têm um papel de colaboração nos cuidados
cotidianos de F08.
190
5.3 Depressão materna e cenários familiares diversos: o impacto para crianças em idade
escolar
A inclusão, em cada cenário, de dois casos semelhantes, quanto à associação à
depressão materna de condições familiares reconhecidas como estressoras, e diferenciados
quanto à socialização das crianças, permitiu a comparação em contextos familiares de
convivência que podem ser considerados semelhantes. Tal combinação de condições se
reveste de importância dada a complexidade dos cenários, colocando em foco a multiplicidade
de estressores associados à depressão materna, que nos casos 02, 04, 06 e 08 estiveram
presentes para crianças com recursos positivos de socialização e nos casos 01, 03, 05 e 07,
para crianças com dificuldades relativas ao desempenho acadêmico e ao comportamento.
No Cenário 1, intitulado Depressão Materna como Estressor Principal, a
psicopatologia materna foi identificada como a principal condição adversa do contexto
familiar, o que se distinguiu dos demais cenários, tendo em vista a presença nos cenários 2, 3
e 4 de outras adversidades que se configuraram como condições contextuais relevantes para as
famílias, a saber: condição sócio-econômica precária, conflitos conjugais, discórdia familiar e
psicopatologia paterna. Poder-se-ia pensar que a ausência dessas outras adversidades no
Cenário 1 estaria associada a menos prejuízos para a criança com dificuldade de socialização,
contudo, isto não foi observado, já que F01 apresentou dificuldades em todas os subtestes da
prova de avaliação do desempenho acadêmico (TDE) e dificuldades nas quatro áreas do
comportamento avaliadas pelo questionário SDQ.
Evidenciou-se, no Cenário 1, que a depressão materna configurou-se como uma
condição de adversidade ao desenvolvimento da criança no caso 01, sendo associada a
dificuldades nas comunicações, ao distanciamento afetivo entre mãe e filha e à presença de
rotinas rígidas na organização familiar. De forma contrastante, os dados referentes ao caso 02
sinalizaram a presença de recursos pessoais da criança, expressos pela capacidade intelectual
acima da média e pela ausência de problemas orgânicos crônicos ou limitantes, além da
ausência de dificuldades relevantes de comportamento, sendo referido pela mãe apenas
momentos de raiva e nervosismo da criança. Quanto ao ambiente familiar nesse caso 02, a
mãe descreveu a presença de recursos relativos à expressão clara dos afetos, ao autocontrole
materno diante de situações difíceis e à organização planejada e flexível das rotinas, que
contavam com a participação paterna. Tais condições podem estar favorecendo recursos
protetivos para o desenvolvimento de F02.
Avaliando-se as condições de realização das tarefas de desenvolvimento próprias do
período escolar, observou-se peculiaridades, mesmo para as crianças que não foram
191
identificadas como apresentando dificuldades nessas tarefas. Evidenciou-se que F02
apresentou menos prejuízos decorrentes da exposição à depressão materna, contrastando com
a presença de dificuldades em aritmética para as crianças dos casos 04 e 06, dificuldades de
escrita relativas à criança do caso 08, dificuldades emocionais para as crianças dos casos 04,
06 e 08, problemas de conduta mais persistentes e comportamentos hiperativos para as
crianças dos casos 06 e 08 e dificuldades de relacionamento para as crianças dos casos 04 e
06. Ao se verificar essa diversidade de dificuldades, considera-se que a associação da
depressão materna a múltiplos estressores familiares pode estar favorecendo dificuldades
menores, que não se configuraram como problemas no desempenho acadêmico e no
comportamento avaliados pelas provas específicas.
No Cenário 1, vale destacar que o caso 02 apresentou uma particularidade quanto aos
processos-chave da resiliência, em comparação aos demais casos (casos 04, 06 e 08), no que
diz respeito aos processos de comunicação, expresso pela busca de autocontrole da mãe frente
às manifestações afetivas, podendo tal condição ser favorecedora inclusive para os demais
processos, tendo em vista que este posicionamento materno diante da vida pode estar
possibilitando-lhe o gerenciamento das dificuldades tanto internas quanto externas.
No Cenário 2, intitulado Depressão Materna Associada Prioritariamente a Condições
Sócio-Econômicas Precárias, evidenciou-se nos dois casos incluídos dificuldades para o
planejamento e desenvolvimento dos projetos futuros da família e das próprias mães, o que foi
acrescido da restrita utilização da rede de apoio social no caso 04 e da percepção negativa da
rede de apoio no caso 03. A ausência de projetos futuros no caso 04 contrasta-se com a
presença de projeções realísticas referidas pelas mães nos casos 02, 06 e 08, cujas crianças
apresentaram indicadores positivos de socialização. Tal dado pode sugerir que a associação
entre a psicopatologia materna e a instabilidade financeira mantida no tempo teve implicações
para as expectativas futuras, quando os fatores externos se sobressaíram. Por exemplo, no
caso 04, a família vivenciava tal instabilidade de longa data e a modificação da situação
econômica, na percepção de M04, não dependia de recursos próprios da família, mas sim da
aquisição de um benefício governamental (auxílio doença), pleiteado na justiça.
Em outros cinco casos (casos 02, 05, 06, 07 e 08), foram mencionadas situações
difíceis vivenciadas pelas famílias do ponto de vista financeiro, contudo tal estressor já havia
sido superado e/ou não perdurou por longa data no contexto familiar, sinalizando que nesses
casos foram mobilizados recursos internos ou externos à família para o enfrentamento desse
estressor. Em concordância com Yunes e Szymanski (2001), a instabilidade financeira nesse
estudo pode ser considerada como uma condição de vulnerabilidade para os casos referidos,
192
contudo, em razão de sua permanência no tempo e de sua intensidade, expressa pela
dificuldade de subsistência dos membros familiares, pôde ser considerada no Cenário 2 como
uma condição de adversidade para o ambiente familiar e, mais especificamente, para o
desenvolvimento infantil, em concordância com o que foi destacado em estudos prévios de
Swartz et al. (2005), Laucht et al. (2001) e Cecconello, Krum e Koller (2000).
Nesse Cenário 2, a comparação entre o caso 03 e os demais casos em que as crianças
apresentaram dificuldade de socialização (casos 01, 05 e 07) evidenciou que o sistema de
crenças era mais restritivo, caracterizado pela baixa perseverança e por pouca capacidade da
mãe para aprender com as adversidades, tendo em vista as dificuldades de M03 de refletir
sobre os eventos estressores, de aderir ao tratamento, além da sua percepção de que seus
projetos futuros demandavam mais ações do que poderia realizar. Somou-se a esse sistema de
crenças a rejeição materna com relação à filha, a separação dos pais e a ausência do pai de
F03 no cotidiano da criança. Configurou-se nesse cenário um ambiente familiar em que as
comunicações eram dúbias e os cuidados da criança delegados, em sua maioria, para a sua avó
materna. Evidenciou-se, assim, a presença de outro adulto, que não a mãe ou o pai da criança,
como o cuidador de referência, o que também ocorreu no caso 05, no qual M05 delegava à tia
materna a responsabilidade pelos cuidados cotidianos da criança, nesses casos as duas mães
não se identificavam como figura de referência.
Ter um cuidador adicional poderia moderar os efeitos da adversidade, conforme
relatado por Graham e Easterbrooks (2000), contudo, nesses casos a rejeição materna e o
distanciamento do pai pareceram minimizar o possível efeito positivo de tal recurso, expondo
as crianças a papéis ambivalentes no que se refere a seus cuidadores. Além disso, tal
distribuição de atribuições nas duas famílias (casos 03 e 05) não garantia rotinas planejadas e
flexíveis para as crianças, sugerindo instabilidade tanto dos papéis familiares quanto do
cotidiano de F03 e F05, o que se configurou como condição de adversidade para o
desenvolvimento infantil.
A ausência paterna no cotidiano de F03, em razão inclusive da separação dos pais,
também foi identificada no caso 05, sendo esta uma condição que pareceu estar associada à
sobrecarga maior para as mães, que por sua vez delegavam o cuidado com os filhos a
terceiros. Tal condição configurou-se, assim, como um estressor a mais para as famílias, em
concordância com os achados de De Antoni e Koller (2002).
De modo semelhante ao caso 03, nos casos 05 e 07, em que as crianças apresentaram
dificuldade de socialização, verificou-se também com relação às mães, respectivamente,
dificuldades de reflexão e de adesão ao tratamento medicamentoso. Além disso, o caso 05 se
193
assemelha ao caso 03 quanto à comunicação dúbia e a rejeição manifesta das mães com
relação aos filhos. As semelhanças desse caso 03 com os casos 01, 05 e 07 também se deram
quanto à presença de rotinas rígidas ou pouco planejadas para as crianças, porém, nesse
cenário, tal rigidez pareceu estar associada à instabilidade financeira persistente, a qual,
segundo Cecconello, Krum e Koller (2000), pode favorecer práticas educativas com rotinas
pouco organizadas.
As crenças positivas quanto ao tratamento e a capacidade reflexiva, já destacada no
caso 02, foram identificadas também nos casos 04, 06 e 08, cujas crianças apresentaram
socialização positiva, somando-se a isso os processos de comunicação mais facilitadores do
funcionamento familiar e de padrões organizacionais mais flexíveis. O valor positivo de
rotinas organizadas e flexíveis foi descrito por diversos autores como favorecedor do
desenvolvimento infantil (FERRIOLI; MARTURANO; PUNTEL, 2007; MARTURANO,
2006; MURRAY et al., 2006; LEVE; KIM; PEARS, 2005).
Destaca-se, ainda, que os casos 04 e 06 contavam também com a participação paterna
nas rotinas diárias. Tal participação efetiva no cotidiano das crianças nos casos 02, 04 e 06
sinalizou a presença de um cuidador disponível, inclusive durante os episódios depressivos
das mães, o que pode ter contrabalançado as adversidades desse período, e moderado, pois, o
impacto da depressão materna para as crianças. Tal condição também foi verificada no estudo
de Goodman e Gotlib (1999) como promotora do desenvolvimento infantil.
No Cenário 3, denominado Depressão Materna Associada Prioritariamente a
Conflitos Conjugais Recorrentes, identificamos as maiores diferenças entre os casos incluídos
quanto à presença de recursos e de adversidades no ambiente familiar. Tal discrepância
somou-se ao fato de que os conflitos conjugais tiveram características diversas nos dois casos,
sendo os conflitos conjugais mais presenciados e vivenciados pela criança no caso 05.
Destaca-se, ainda, que, em comparação com as demais crianças com dificuldade de
socialização (casos 01, 03 e 07), M05 relatou ter uma postura mais passiva diante da vida
associada à presença de poucas atividades compartilhadas com o filho, à rejeição manifesta e
à delegação dos cuidados com F05 para a tia materna, relatando vários comportamentos
característicos de evitação do enfrentamento diante das adversidades. M05 foi a única mãe
que referiu que mudanças em sua vida, com destaque para sua relação com o filho e para as
atividades laborais, dependeriam da melhora dos sintomas depressivos, cujas manifestações
caracterizaram-se neste caso por episódios graves, sem sintomas psicóticos.
A depressão materna, as dificuldades no relacionamento conjugal e a instabilidade nos
papéis familiares, destacados neste caso 05, parecem ser condições interligadas, uma
194
interferindo na outra, de forma a favorecer dificuldades importantes que poderiam estar
afetando o desempenho acadêmico e o comportamento de F05. Tais condições do contexto
familiar foram relatadas anteriormente por Whiffen et al. (2005) como associadas ao estresse
emocional das crianças. No caso de F06, destaca-se, ainda, como recurso de proteção a
capacidade intelectual superior à média da criança, que pode estar moderando o efeito das
adversidades relativas a um ambiente familiar marcado pelos conflitos no relacionamento
conjugal dos pais, pela baixa cooperação familiar e pelas oscilações de humor da mãe.
No Cenário 4, intitulado Depressão Materna Associada Prioritariamente à
Psicopatologia Paterna e à Discórdia Familiar, as diferenças entre os casos 07 e 08 se
expressaram quase que exclusivamente pelas questões relativas à adesão ao tratamento por
parte da mãe e pelo oferecimento de rotinas flexíveis, presente no caso 08. Tais condições, a
exemplo do já abordado em outros casos, são elementos que parecem estar favorecendo
condições protetivas ao desenvolvimento de F08.
A presença de regras estabelecidas para a criança, no caso 07, não foi suficiente para
proporcionar rotinas mais planejadas e flexíveis para o seu ambiente familiar. Tal associação
também foi identificada de forma semelhante nos casos 01, 03 e 05, cujas crianças
apresentaram dificuldade de socialização, evidenciando que tal aspecto não garantiu por si a
estabilidade e a flexibilidade no cotidiano das crianças.
A psicopatologia paterna interferiu negativamente no cotidiano das crianças, seja pelo
distanciamento dos pais na rotina familiar, seja pelas divergências com a mãe quanto às
práticas educativas ou pela rejeição à filha no caso 07, seja pela rigidez, imposição de regras e
pouca concessão também aos demais membros da família no caso 08. A análise dos dois
casos evidenciou a pouca disponibilidade paterna, para o compartilhamento de atividades
cotidianas, sendo que nas esporádicas atividades em que pais e filhos faziam juntos elas eram
perpassadas, em sua maioria, por conflitos, seja do pai com mãe (caso 07), seja do pai com o
filho em razão da imposição da participação deste nas atividades religiosas (caso 08). A
função paterna nesses casos pode ser caracterizada, pois, como frágil, tal como identificado
nos casos 03 e 05, que incluíram crianças com dificuldade de socialização, apontando para
esta condição do contexto familiar como podendo estar favorecendo as dificuldades das
crianças. Tal fragilidade da figura paterna já foi descrita por Laucht et al. (2001) como fonte
de dificuldade, na medida em que os pais com psicopatologias não são pessoas de referência
nem no cotidiano nem diante das dificuldades maternas.
A discórdia familiar, por suas próprias características, interferiu mais diretamente nas
interações familiares e no compartilhamento de atividades dos pais com as crianças. A
195
manutenção, por longa data, de tal condição parece ter afetado os padrões de organização
familiar. Tal associação já foi descrita por Essex et al. (2006) e por Garber e Little (1999)
como uma condição de estresse familiar crônico, o que pôde ser observado nos cenários 3 e 4.
A dificuldade para a resolução de problemas cotidianos nos dois casos do Cenário 4 e
o descontrole paterno em alguns momentos, envolvendo conflitos com outros familiares,
acentuaram o ambiente de conflitos e discórdia. A presença de discórdia familiar foi descrita
por De Antoni e Koller (2002) como condição contextual que parece acentuar o risco para o
desenvolvimento infantil.
As semelhanças quanto aos processos-chave encontradas nos casos cujas crianças
apresentaram socialização positiva (F02, F04, F06 e F08), tal como proposto por Walsh
(2005), referem-se à capacidade reflexiva materna, à adesão ao tratamento, à sensibilidade
quanto às necessidades dos filhos, ao oferecimento de rotinas flexíveis e planejadas, ao uso
efetivo da rede de apoio e à presença da mãe como cuidadora de referência para os filhos.
Tais indicadores apontaram para maior estabilidade nos cuidados e coesão entre os familiares
dessas crianças.
Quanto à rede de apoio, todas as mães referiram a disponibilidade de diversos serviços
na comunidade para serem utilizados pelas famílias. Contudo, a rede era utilizada
parcialmente nos casos 04 e 05 e percebida por M03 como inadequada às necessidades da
família. Nesses três casos, pode-se pensar que a insatisfação das mães com a rede disponível
guarda relação com a sintomatologia depressiva. Tal aporte já foi apontando por Swartz et al.
(2005) como presente no relato de mães com transtornos psiquiátricos e por McCarty e
McMahon (2003) quanto à presença de maior insatisfação com o suporte social no relato de
mães com depressão. No caso 03, tal insatisfação parece ter potencializado as dificuldades já
relatadas para a criança, na medida em que a rede não era utilizada para o oferecimento de
atividades e interações novas para a família. As relações sociais advindas do contato das
crianças com os recursos da comunidade foram descritas por Eckenrode e Gore (1996) como
fonte de suporte a elas, tal condição esteve presente como mais efetiva nos casos 01, 02, 06,
07 e 08.
Os dados analisados apontaram que combinações diferentes entre recursos e
adversidades têm impactos distintos, dependendo do peso das condições adversas, sendo que
o acúmulo de estressores foi associado a maiores prejuízos para a socialização das crianças
nos cenários 2, 3 e 4, em concordância com o relatado por Wright e Masten (2006), Sameroff
e Fiese (2005), Yunes e Szymanski (2001) e Rutter (1979) quanto ao efeito negativo do
acúmulo de eventos negativos para o desenvolvimento infantil.
196
Com relação às características maternas, destaca-se que a gravidade e a duração da
depressão, tal como relatado nos estudos de Pilowsky et al. (2006) e de Garber e Little (1999),
também parecem relacionadas à presença de maior dificuldade quanto aos processos-chave.
Episódios graves foram identificados nos casos 05, 06 e 07, sendo que no primeiro caso a mãe
tentou suicídio uma vez e passou por duas internações para tratamento psiquiátrico, sendo este
o caso em que também foi relatado o maior número de episódios depressivos. No Cenário 4,
foram incluídos os casos em que o primeiro episódio depressivo ocorreu há mais tempo,
contudo, a adesão ao tratamento pareceu ter diferenciado o curso da depressão nos dois casos,
que tiveram recorrência de três episódios ao longo de sete anos no caso 07 e durante 22 anos
no caso 08.
Em todos os casos cujas crianças apresentaram socialização positiva, as mães
referiram adesão ao tratamento, sendo que três delas (M02, M04 e M08) apontaram para uma
percepção de melhora na condição atual da sintomatologia depressiva, o que parece ter
moderado o impacto da psicopatologia materna na socialização das crianças. A associação
entre a melhora dos sintomas depressivos da mãe e a redução dos sintomas e de diagnósticos
nas crianças foi relatada em um estudo longitudinal realizado por Weissman et al. (2006).
Assim, pôde-se constatar que o tratamento adequado da sintomatologia depressiva moderada
e a presença de perspectivas positivas diante da vida configuraram-se como características
presentes nos casos em que as crianças apresentaram socialização positiva.
As percepções das mães quanto a sua condição de saúde mental na época da coleta de
dados evidenciou que os casos incluídos no Cenário 1, no qual a depressão materna era o
estressor principal, apresentaram relatos de uma condição de melhora da sintomatologia
depressiva, o que sugere que, na ausência de outras adversidades associadas, possivelmente as
mães tendem a apresentarem olhares mais positivos para si próprias e para a vida da família.
Nos demais casos, certa melhora foi associada pelas mães a alguns prejuízos no cotidiano das
famílias (casos 04, 05 e 07), sendo estes prejuízos apontados como percepção predominante
das mães nos casos 03 e 06. No caso 03, tal percepção sobre si própria somou-se à idéia de
inadequação dos recursos sociais e comunitários externos à família, e no caso 06 pareceu estar
associada possivelmente à ocorrência de um episódio grave e a um descontentamento consigo
própria e à auto-exigência de M06, referida como percebida também pelos familiares.
Outro aspecto identificado como relevante no contexto familiar referiu-se à presença
ou à ausência de problemas orgânicos por parte das crianças. A identificação de problemas
orgânicos que afetavam o cotidiano das crianças foi constatada em seis dos oito casos
incluídos. As dificuldades de saúde variaram, entretanto, desde a presença de doença de pele
197
mais recente na vida da criança (caso 02) e de vômitos ao ingerir determinados alimentos
(caso 04) até problemas físicos crônicos ou recorrentes como nos casos 01 (doença alérgica de
longa data e má formação no lóbulo da orelha desde o nascimento), 03 (anemia persistente
por cinco anos desde o nascimento, hemangiomas desde o nascimento e operação de duas
hérnias), 07 (afundamento do crânio ao nascer e glaucoma persistindo por seis anos) e 08
(doença alérgica de longa data e três cirurgias distintas). Nos casos 05 e 06, as mães não
referiram qualquer problema quanto à saúde física dos filhos. Destaca-se que três das quatro
crianças com dificuldade de socialização tiveram relatos de suas mães quanto a problemas
orgânicos desde o nascimento, condições estas persistentes e não reversíveis, associadas a
outras condições adversas pessoais das crianças e do ambiente familiar.
À dificuldade de socialização nos casos 01, 03 e 07 somaram-se os problemas crônicos
de saúde das crianças. Tal condição foi destacada como adversa ao desenvolvimento infantil,
como já referido por Lewis et al. (1988) e Rutter (1987).
Destaca-se que mesmo diante do acúmulo de adversidades relativas ao ambiente
familiar, às condições pessoais das crianças e à própria convivência com a depressão materna,
quatro crianças (F02, F04, F06 e F08) apresentaram desfechos positivos quanto às tarefas de
desenvolvimento específicas do período escolar, sugerindo a presença de processos de
resiliência tal como relatado por Walsh (2005).
198
199
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S
200
201
A identificação dos processos-chave da resiliência, a partir do relato das mães,
permitiu em cada caso o acesso aos mecanismos relativos aos sistemas de crenças, aos
processos de comunicação e aos padrões de organização, verificando-se combinações diversas
de recursos e adversidades, inclusive nos casos em que as crianças não apresentaram
dificuldade de socialização.
Tal análise evidenciou a diversidade e complexidade de condições familiares de
convivência, colocando em foco os múltiplos estressores que operam em conjunto com a
depressão materna, destacando a relevância de se ter em conta essa associação, quando se
refere ao impacto de tal adversidade.
Destaca-se como ponto relevante do estudo a inclusão, em cada cenário, de uma
criança com dificuldade de socialização e outra sem tal dificuldade, o que permitiu verificar
os recursos de proteção que podem estar operando para tais crianças, de modo a favorecer-
lhes a adaptação positiva, o que sugere a presença da resiliência.
Para a escolha dos oito casos incluídos, procedeu-se à análise de 12 casos identificados
a partir da presença da associação da depressão materna com estressores relativos à condição
sócio-econômica, aos conflitos conjugais e familiares e à psicopatologia paterna, sendo que
quatro casos foram excluídos tendo em vista a presença de combinações diversas que não
permitiram identificar uma prioridade. Dessa forma, buscou-se caracterizar os cenários pela
presença de indicadores semelhantes com relação à cronicidade dos estressores que se
associaram à depressão materna recorrente. Tal homogeneidade não foi possível, contudo,
quanto à inclusão de crianças do mesmo sexo em cada cenário, não sendo identificadas nesse
estudo as particularidades da organização familiar associadas ao gênero das crianças.
Os quatro cenários identificados tiveram por norteadores a presença de condições
mantidas no tempo que são reconhecidas como estressoras, o que favoreceu a verificação de
semelhanças e de diferenças dos processos-chave da resiliência em contextos diversos, para os
quais concorrem múltiplos estressores. Tais processos foram destacados enquanto
mecanismos que minimizaram ou favoreceram o impacto das adversidades para as famílias e
as crianças em idade escolar.
Faz-se necessário, ainda, comentar e analisar alguns aspectos metodológicos do
estudo. Para a seleção das mulheres/mães, realizou-se uma criteriosa consulta aos prontuários
médicos, relativa à sintomatologia depressiva, e procedeu-se à confirmação diagnóstica pela
aplicação sistemática da entrevista estruturada para o DSM-IV (SCID) de modo a se assegurar
a homogeneidade dos critérios diagnósticos, excluindo-se a comorbidade com outros
202
transtornos psiquiátricos e incluindo-se condições de gravidade semelhantes quanto à
depressão.
Com relação à avaliação da socialização da criança em idade escolar, além das
informações das mães, teve-se por referência a aplicação de provas específicas, visando
identificar os recursos intelectuais e a presença ou a ausência de problemas quanto ao
desempenho acadêmico, o que juntamente com as informações oferecidas pelas mães relativas
aos comportamentos das crianças, constituíram-se nos elementos utilizados para a avaliação
da socialização dessas crianças, enquanto tarefa de desenvolvimento típica dessa idade.
Os dados do estudo em questão foram, pois, obtidos junto às mães e seus filhos, não
abordando informações advindas de outras fontes, tais como a escola e outros familiares, o
que poderia fornecer outros olhares sobre o comportamento das crianças e sobre a
organização familiar. Além disso, tendo em vista as características de delineamento
transversal deste estudo e do relato das mães abordar informações retrospectivas, considera-se
que as informações prospectivas e um delineamento longitudinal poderiam elucidar melhor o
peso das variáveis em momentos diversos da vida das famílias.
Outro ponto a ser comentado também é que as principais informações do estudo foram
coletadas com as mães, o que pode ser questionado, tendo em vista que a literatura relata que
mães com depressão tendem a relatar mais os problemas de comportamento com relação a
seus filhos do que mães sem história psiquiátrica (NAJMAN et al. 2001; NAJMAN et al.,
2000), possivelmente em função da irritabilidade própria da sintomatologia depressiva.
Contudo, no estudo em questão, adotou-se como critério de inclusão a seleção de mães que
não apresentavam sintomas depressivos moderados ou graves há pelo menos seis meses, de
modo a minimizar o impacto imediato da sintomatologia, e, de certo modo, garantir uma
relativa homogeneidade quanto à capacidade de informação das mães, já que também as mães
das crianças sem dificuldade de socialização tinham o mesmo diagnóstico de depressão
recorrente com episódios moderados ou graves e foram selecionadas pelos mesmos critérios.
Ao se coletar informações a partir de diferentes instrumentos, buscou-se também
estabelecer comparações entre os dados, os quais foram organizados sistematicamente em
cada caso. Ao se destacar separadamente os recursos e as adversidades pessoais das crianças,
do ambiente familiar e da rede de apoio social, buscou-se, tendo por referência os processos-
chave descritos por Walsh (2005), compreender a interação de condições diversas que operam
para as famílias e para a socialização das crianças, enquanto um problema de pesquisa
multifacetado. Assim, ao se preservar a condição unitária de cada caso, incluído nos cenários
e analisados em profundidade, comparou-se as condições contextuais de convivência familiar
203
para crianças com dificuldade de socialização e sem tal dificuldade e o peso de estressores
múltiplos, podendo-se aproximar mais das condições que habitualmente estão presentes nas
organizações familiares, condições estas que, ao se selecionar pela presença da depressão
materna, não seriam explicitadas. Dessa forma, a análise dos casos em si não é generalizável,
mas a análise dos dados integrados pode contribuir para a comparação com outras situações
semelhantes, favorecendo desse modo maior compreensão do objeto de estudo e de suas
implicações para as práticas de saúde mental.
Considera-se que, dadas as particularidades dos casos analisados e das dificuldades de
socialização das crianças, faz-se necessário que as práticas de saúde mental levem em conta
tais especificidades, quando do planejamento de estratégias de intervenção junto a famílias
que convivam com a depressão materna, de modo a considerar a complexidade dos
estressores a que estão expostas.
Faz-se necessário novos estudos que abordem aspectos contextuais do ambiente da
depressão materna associada a outras condições, como por exemplo a famílias monoparentais,
às diferenças de gênero, ao período inicial de exposição da criança à tal psicopatologia
materna entre outras, além de condições pessoais diferenciadas quanto aos recursos cognitivos
e de socialização das crianças e aspectos diferenciados quanto à rede de apoio social, no que
diz respeito aos tipos e à qualidade de suporte, disponibilizados e utilizados pelas famílias.
Concluiu-se que os estressores que se associaram à depressão materna, nos cenários
diversos, configuraram uma variedade de condições moderadoras para a socialização das
crianças quanto à realização das tarefas próprias do período escolar. Considera-se que o
estudo, por meio da análise em profundidade, dos cenários e dos casos contribuiu para a
identificação dos recursos e adversidades associados a tais condições, contribuindo, assim,
com o conhecimento sobre a saúde mental materna e infantil, o que pode instrumentar a
proposição de práticas diferenciadas para famílias expostas a múltiplos estressores.
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STAKE, R. E. Case studies. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. (Org.) Handbook of
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STEIN, L. M. TDE - teste de desempenho escolar: manual para aplicação e interpretação. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 1994.
SWARTZ, H. A. et al. Depression and anxiety among mothers who bring their children to a
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TAVARES, J. A resiliência na sociedade emergente. In: TAVARES, J. (org.) Resiliência e
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TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em
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WALSH, F. Fortalecendo a resiliência familiar. São Paulo: Roca, 2005.
218
WEISSMAN, M. M.; FEDER, A. Depressed mothers coming to primary care: maternal
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WHIFFEN, V. E. et al. Maternal depression, adult attachment, and children´s emotional
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WRIGHT, M. O.; MASTEN, A. S. Resilience processes in development. In: GOLDSTEIN,
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YUNES, M. A. M. Psicologia positiva e resiliência: o foco no indivíduo e na família.
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YUNES, M. A. M.; SZYMANSKI, H. Resiliência: noção, conceitos afins e considerações
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42.
219
A
A
P
P
Ê
Ê
N
N
D
D
I
I
C
C
E
E
S
S
220
221
APÊNDICE A – Ficha Sócio-Demográfica
IDENTIFICAÇÃO
1. Data de Preenchimento: ___/___/______
2. Nome do participante: __________________________________________________________
3. Endereço: ____________________________________________________________________
Complemento: _____________________ Bairro: ____________________________________
CEP: ____________ Cidade: ___________________________ Estado: __________________
Telefone: _______________________ Telefone para contato: __________________________
4. Data de nascimento: ___/___/___ 5. Idade: ___________anos
6. Cor da pele: branco negro amarelo mulato outros________________
7. Naturalidade: ____________________ 8. Estado Civil: _____________________
9. Escolaridade: ___________________
10. Situação ocupacional atual:
estudante assalariado
autônomo desempregado (último emprego há menos de 1 ano)
aposentado não trabalha, mas recebe benefício.
não trabalha e nem recebe benefício atividades domésticas (donas de casa)
nunca trabalhou e/ou estudou
11. Número de pessoas residentes na casa: ________________________
12. Número de filhos: __________________________________________
13. Idade e sexo dos filhos:______________________________________
Presença de doenças crônicas, deficiências ou adoção entre os filhos:
__________________________________________________________________________________
14. Número de cômodos na casa: ________________________________
15. Renda mensal familiar: _____________________________________
16. Possui 0 1 2 3 4 5 6 ou +
Televisão em cores 0 2 3 4 5 5 5
Videocassete 0 2 2 2 2 2 2
Rádio 0 1 2 3 4 4 4
Banheiro 0 2 3 4 4 4 4
Automóvel 0 2 4 5 5 5 5
Empregada mensal 0 2 4 4 4 4 4
Aspirador de pó 0 1 1 1 1 1 1
Geladeira e Freezer Pontos
Não possui 0
Possui só geladeira sem freezer 2
Possui geladeira duplex ou freezer 2
17. Grau de Instrução do chefe da família (caso não seja a mãe) Pontos
Analfabeto/Primário incompleto 0
Primário completo/Ginasial incompleto 1
Ginasial completo/Colegial incompleto 2
Colegial completo/Superior incompleto 3
Superior completo 4
222
APÊNDICE BRoteiro de Entrevista com as Mães
1. Identificação (nome, endereço, estado civil, número de filhos, idade dos filhos, profissão)
2. A Depressão
2.1 Quando os sintomas depressivos começaram?
2.2 A que você atribui esses sintomas? Que significado você dá ao que sentia?
2.3 Como foi para você receber o diagnóstico médico? Como reagiu? O que sentiu?
2.4 Como os sintomas evoluíram nos últimos 12 meses?
2.5 Houve prejuízos ao longo desses últimos 12 meses em decorrência da depressão? Em que
áreas?
2.6 Alguma coisa lhe ajudou ou prejudicou nesse período? O que?
2.7 Ocorreu algum outro acontecimento durante os últimos 12 meses que você considera
importante para a vida de sua família?
2.8 Ocorreu algum outro acontecimento na vida de seu filho durante os últimos 12 meses que
você considera importante?
2.9 Ocorreu alguma situação de perda ou separação na família nesse período?
2.10 Como você se sente atualmente?
2.11 O que você considera o mais importante para a sua vida após esta situação de
depressão?
3. A Interação
3.1 Quais as atividades que você normalmente desenvolve junto com sua família (dentro e
fora de casa)? E com seu filho?
3.2 Essas atividades sofreram mudanças no período em que você teve depressão? Como
estão agora?
3.3 Como você define os cuidados que você vem tendo com seu filho nos últimos 12 meses?
3.4 O que você considera mais importante nos relacionamentos e interações?
4. O Filho
4.1 Você percebe diferenças entre o jeito de ser, pensar e agir de seu filho em relação a
outras crianças? Quais?
4.2 Seu filho tem rotinas a seguir? Quais? Elas costumam ser quebradas? Por quem e em que
ocasiões?
4.3 Como seu filho lida com as situações do dia-a-dia?
4.4 Como é a adaptação de seu filho a situações novas? Como ele reage a elas?
4.5 Seu filho pede ajuda? De quem? Em que ocasiões?
4.6 Você consegue perceber quando seu filho está precisando de ajuda? Como?
4.7 Quem é a pessoa que permanece com seu filho a maior parte do tempo?
4.8 Quem define para seu filho o que pode e o que não pode fazer?
4.9 Em geral, o que pode/é permitido e o que não pode/é proibido para seu filho?
4.10 Como seu filho reage frente ao que pode/é permitido e ao que não pode/é proibido?
4.11 Como seu filho se saiu na escola nos últimos 12 meses?
4.12 Você observou alguma dificuldade no seu filho nos últimos 12 meses? Em que áreas?
Elas foram superadas? Como? Com a ajuda de quem?
4.13 Do que você acha que seu filho precisa?
4.14 Em situações relacionadas a seu filho, a quem você recorre quando precisa de ajuda?
continua
223
Continuação
5. A Mãe
5.1 No dia-a-dia, como você decide o que fazer e o que não fazer? Você se planeja? Tem
projeto?
5.2 Você pede opinião aos outros? Quando? Em que situações? De quem?
5.3 As pessoas conseguem perceber quando você está precisando de ajuda? De que forma?
5.4 Você recebe ajuda? De quem?
5.5 Como você reage frente a situações novas ou difíceis?
5.6 Que situações fazem você se sentir contrariada/irritada? Como reage?
5.7 Quando as pessoas pensam diferente de você e/ou não fazem o que combinaram com
você, como você reage? E no caso do seu filho, quando ele não obedece?
5.8 Quando os problemas, dificuldades se repetem, como você faz? Você pensa que pode
reagir de outro modo? Exemplifique, conte uma situação.
5.9 Você tem algum plano diferente para seu trabalho (dentro ou fora de casa), sua família ou
seu filho em relação ao que é hoje?
6. A Família e a Comunidade
6.1 Você desenvolve algum tipo de trabalho remunerado? Qual?
6.2 Como está dividido seu tempo no que se refere ao seu trabalho e às necessidades
familiares?
6.3 Você considera que seus rendimentos são suficientes para as necessidades de sua família?
6.4 Quem garante as necessidades básicas de sua família?
6.5 Quais são seus compromissos com sua família?
6.6 Você ou sua família segue uma religião? Têm uma crença? De quais atividades ou
compromissos religiosos vocês participam?
6.7 Você conhece serviços na comunidade que podem ajudá-la? Quais? (da escola, igreja, da
rede de saúde, de clubes etc)
6.8 Já usou algum destes serviços? Quais? Quando? Quem sugeriu?
6.9 Agora, quais equipamentos sociais próximos a você auxiliam quando você deles
necessita?
6.10 Como você vê estes atendimentos?
conclusão
224
APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre Esclarecido
(Ambulatório de Saúde Mental)
Nome da Pesquisa: Crianças que convivem com a depressão materna: recursos pessoais e adversidades do
ambiente familiar.
Pesquisador Responsável:
Fernanda Aguiar Pizeta – Psicóloga – CRP 06/69844
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Sonia Regina Loureiro – CRP: 06/0347
ESCLARECIMENTO AO PARTICIPANTE DA PESQUISA
Descrição das informações que deverão ser, obrigatoriamente, prestadas aos participantes da pesquisa:
Estamos interessados em estudar como situações, como a que você viveu, de depressão, podem
influenciar o comportamento e a percepção do seu filho/a com relação ao que sente e pensa sobre ele mesmo.
Este conhecimento poderá ser útil para o planejamento de orientação a pais e a prevenção de dificuldades quanto
à saúde mental das crianças.
Com a autorização da direção do Ambulatório de Saúde Mental, estamos consultando as mães com
filhos com idade entre 7 e 12 anos, atendidas neste Ambulatório que se disponham a participar desse estudo.
A sua participação e a autorização para a participação de seu filho serão muito importantes para
conhecermos mais sobre o modo como acontecimentos do dia-a-dia podem influenciar o comportamento da
criança e o desempenho na escola.
Pedimos a sua colaboração no sentido de participar e autorizar a participação de seu filho neste estudo.
Caso você autorize, convidarei o seu filho a participar do estudo. Vou precisar de dois encontros com você de
cerca de 60 minutos cada e também um encontro com seu filho.
Com você, solicitaremos que responda um questionário sobre o comportamento de seu(ua) filho(a) e
também um roteiro relativo a algumas características do ambiente familiar. Tais informações serão
complementadas com uma entrevista que visa verificar como você e seu filho lidam com os acontecimentos do
dia-a-dia. Esta entrevista será gravada, mediante a sua autorização.
Com seu filho, vamos realizar uma atividade para conhecer o jeito dele raciocinar e uma atividade para
compreender o jeito dele desempenhar tarefas escolares, são atividades parecidas com as que a criança realiza na
escola.
Essas atividades não trazem riscos nem exposição. Seu filho e você não serão identificados. Tomaremos
todos os cuidados para garantir o sigilo das informações. Os “resultados” individuais não serão divulgados, a não
ser para vocês mesmos, por solicitação direta.
Não haverá qualquer tipo de despesas com as atividades ou material. As atividades serão realizadas nos
consultórios do Ambulatório Regional de Saúde Mental.
A qualquer momento você ou seu filho poderão desistir da participação neste estudo, sem nenhum
prejuízo ao seu atendimento junto ao Ambulatório.
Esta é uma atividade de pesquisa, não é um atendimento psicológico. Mas caso vocês tenham interesse,
poderemos conversar sobre os dados de seu filho e, se for necessário e do interesse de vocês, indicaremos
acompanhamento ao mesmo. Coloco-nos à disposição para maiores esclarecimentos. Grata,
Ribeirão Preto, 1
o
de maio de 2006.
Fernanda Aguiar Pizeta Prof.ª Dr.ª Sonia Regina Loureiro
Psicóloga Psicóloga e Orientadora
Telefone: 3911.6825 Telefone: 3602.2416
AUTORIZAÇÃO:
Tendo recebido informações sobre o projeto de pesquisa “Depressão Materna: Risco Psicossocial e Recursos de
Proteção para Crianças em Idade Escolar, eu_____________________________________, RG
___________________, me disponho a participar da pesquisa e autorizo a participação de meu filho
________________________________________ na mesma. Declaro ainda que concordo e permito que as
entrevistas sejam gravadas.
Ribeirão Preto, ______ de ____________ de ______.
_________________________________
Assinatura
225
APÊNDICE D Termo de Consentimento Livre Esclarecido
(Núcleo de Saúde Mental)
Nome da Pesquisa: Crianças que convivem com a depressão materna: recursos pessoais e adversidades do
ambiente familiar.
Pesquisador Responsável:
Fernanda Aguiar Pizeta – Psicóloga – CRP 06/69844
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Sonia Regina Loureiro – CRP: 06/0347
ESCLARECIMENTO AO PARTICIPANTE DA PESQUISA
Descrição das informações que deverão ser, obrigatoriamente, prestadas aos participantes da pesquisa:
Estamos interessados em estudar como situações, como a que você viveu, de depressão, podem
influenciar o comportamento e a percepção do seu filho/a com relação ao que sente e pensa sobre ele mesmo.
Este conhecimento poderá ser útil para o planejamento de orientação a pais e a prevenção de dificuldades quanto
à saúde mental das crianças.
Com a autorização da direção do Núcleo de Saúde Mental, estamos consultando as mães com filhos
com idade entre 7 e 12 anos, atendidas neste serviço que se disponham a participar desse estudo.
A sua participação e a autorização para a participação de seu filho serão muito importantes para
conhecermos mais sobre o modo como acontecimentos do dia-a-dia podem influenciar o comportamento da
criança e o desempenho na escola.
Pedimos a sua colaboração no sentido de participar e autorizar a participação de seu filho neste estudo.
Caso você autorize, convidarei o seu filho a participar do estudo. Vou precisar de dois encontros com você de
cerca de 60 minutos cada e também um encontro com seu filho.
Com você, solicitaremos que responda um questionário sobre o comportamento de seu(ua) filho(a) e
também um roteiro relativo a algumas características do ambiente familiar. Tais informações serão
complementadas com uma entrevista que visa verificar como você e seu filho lidam com os acontecimentos do
dia-a-dia. Esta entrevista será gravada, mediante a sua autorização.
Com seu filho, vamos realizar uma atividade para conhecer o jeito dele raciocinar e uma atividade para
compreender o jeito dele desempenhar tarefas escolares, são atividades parecidas com as que a criança realiza na
escola.
Essas atividades não trazem riscos nem exposição. Seu filho e você não serão identificados. Tomaremos
todos os cuidados para garantir o sigilo das informações. Os “resultados” individuais não serão divulgados, a não
ser para vocês mesmos, por solicitação direta.
Não haverá qualquer tipo de despesas com as atividades ou material. As atividades serão realizadas nos
consultórios do Núcleo de Saúde Mental.
A qualquer momento você ou seu filho poderão desistir da participação neste estudo, sem nenhum
prejuízo ao seu atendimento junto ao Núcleo.
Esta é uma atividade de pesquisa, não é um atendimento psicológico. Mas caso vocês tenham interesse,
poderemos conversar sobre os dados de seu filho e, se for necessário e do interesse de vocês, indicaremos
acompanhamento ao mesmo. Coloco-nos à disposição para maiores esclarecimentos. Grata,
Ribeirão Preto, 1
o
de maio de 2006.
Fernanda Aguiar Pizeta Prof.ª Dr.ª Sonia Regina Loureiro
Psicóloga Psicóloga e Orientadora
Telefone: 3911.6825 Telefone: 3602.2416
AUTORIZAÇÃO:
Tendo recebido informações sobre o projeto de pesquisa “Depressão Materna: Risco Psicossocial e Recursos de
Proteção para Crianças em Idade Escolar, eu_____________________________________, RG
___________________, me disponho a participar da pesquisa e autorizo a participação de meu filho
________________________________________ na mesma. Declaro ainda que concordo e permito que as
entrevistas sejam gravadas.
Ribeirão Preto, ______ de ____________ de ______.
_________________________________
Assinatura
APÊNDICE EQuadros com Indicadores de Recursos e Adversidades ao Desenvolvimento Infantil
Variável
Descrição
Instrumento Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Nível
Masten e Garmezy (1994) e Rutter (1987) destacam a
Raven Percentil: Intelectualmente médio Recurso
intelectual
inteligência como fator de proteção enquanto característica
Definidamente acima da média
individual na promoção da resiliência.
Intelectualmente superior
B. Desempenho
Rutter (1987) refere-se ao desenvolvimento de auto-
TDE Escores Gerais e Específicos:
acadêmico
eficácia como processo que protege as pessoas.
Inferior à média Adversidade
Na média ou Superior à média Recurso
C.
Comportamento
Albee (1982) aponta para o temperamento da criança
SDQ Escore total e nas escalas
e sua sintomatologia como possível fator de risco a ela.
sintomas emocionais e de conduta Anormal Adversidade
C1. Comporta-
Escore nas escalas hiperatividade Limítrofe Recurso
mento pró-social
e escala pró-social Normal
D. Saúde física
Rutter (1987) e Lewis et al. (1988) sinalizam para os
EEA / EAC Resposta aos itens que tratam de Presente Adversidade
componentes biológicos da criança, incluindo seu estado
hospitalização, doenças, acidentes Ausente -
clínico e hospitalizações como fator de risco para ela.
e deformidades da criança
E. Resposta diante
Tavares (2001) ressalta a importância da auto-regulação
Entrevista Resposta aos itens 4.3 a 4.5 do roteiro:
de situação
adversa
como potencializadora da resiliência e Rutter (1987), a
da competência.
Dificuldade - frustração -
choro/birra/destrutividade
Dificuldade - oferta de ajuda - recusa Adversidade
Dificuldade - oferta de ajuda - aceitação Recurso
Quadro Apêndice A: Indicadores de recurso e adversidade relativos às características pessoas da criança.
226
Variável
Descrição
Instrumento Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Condições familiares
Rutter (1987) aponta para a baixa escolaridade
Ficha Escolaridade dos pais:
referentes à escolaridade e
dos pais e a maternidade/paternidade precoce
Sócio- 8 anos ou mais Recurso
idade dos pais na época do
como um dos indicadores a ser considerado
Demográfica menos de 8 anos Adversidade
nascimento dos filhos
dentre os fatores de risco à criança.
Maternidade/paternidade precoce(s) Adversidade
B. Saúde mental dos pais
A saúde mental dos cuidadores da criança é
EEA/EAC Resposta positiva Adversidade
apontada por Lewis et al. (1988) como fator
Resposta negativa Recurso
do ambiente familiar que interfere no
aos itens problema de saúde mental e
desenvolvimento da criança.
consumo de álcool/drogas por pai/mãe
C. Conflitos conjugais
Brigas, LaFrenjère e Lacharité (1991) e Brigas
EEA/EAC Resposta positiva Adversidade
e Paquette (2000) associam o estresse conjugal
Resposta negativa Recurso
ao comportamento infantil.
aos itens sobre adversidade nas
relações familiares
D. Envolvimento dos pais
Rutter (1987) refere-se também ao envolvimento
EEA Resposta positiva Adversidade
com a lei
dos pais com a justiça e polícia como condição
Resposta negativa Recurso
que pode promover reflexos na criança.
ao item envolvimento dos pais com a lei
E. Participação dos pais nas
A ausência de um dos pais é considera ainda por
EEA Resposta positiva Adversidade
rotinas diárias
De Antoni e Koller (2002) como adversidade.
Resposta negativa Recurso
aos itens aumento da ausência do pai/mãe
Entrevista
Resposta aos itens 3.1 e 6.2
Participação da mãe na rotina da criança Recurso
Ausência desta participação Adversidade
Tempo destinado à rotina doméstica Recurso
Ausência deste tempo Adversidade
F. Organização e relações
Alguns autores ponderam a importância da
Entrevista
Resposta aos itens que tratam da
familiares
organização familiar e qualidade das relações
percepção da mãe sobre seu
entre os membros, bem como para a existência
relacionamento com o filho e sobre a
de outros estressores incidindo sobre a família
rotina familiar (4.2, 4.7, 4.8, 5.1 e 5.2),
(Flach, 1991; Lewis et al., 1988; Rutter, 1987;
presença de estressores adicionais e
Yunes, 2003).
organização familiar (2.6 a 2.8)
Quadro Apêndice B: Indicadores de recurso e adversidade relativos ao ambiente familiar. continua
227
Continuação
Variável
Descrição
Instrumento Escore/Resposta e Classificação Indicador
F. Organização e relações
Entrevista Ter rotina e ter um adulto presente Recurso
familiares (continuação)
Não ter rotina e ter um adulto presente Recurso
Não ter rotina nem adulto presente Adversidade
Definição de limites pelos pais Recurso
Ausência de pessoa para definir limites Adversidade
Pedir opinião sobre normas Recurso
Não pedir opinião Adversidade
Presença de outros estressores e gravidade Adversidade
RAF Resposta positiva Recurso
Resposta negativa -
aos itens 1, 2 e 10 do RAF
EEA Resposta positiva Adversidade
Resposta negativa Recurso
aos itens sobre outras adversidades
familiares e adversidades
nas relações interpessoais.
F1. Regularidade dos
O funcionamento adaptativo dos pais com
Entrevista Cuidados regulares à criança Recurso
cuidados parentais
relação aos cuidados com a criança, bem como a
Ausência desses cuidados Adversidade
constância desses cuidados é sinalizado como
Percepção de dificuldades da criança Recurso
condição favorável ao desenvolvimento (Dessen
Ausência desta percepção Adversidade
e Braz, 2005; Garmezy, 1996; Lewis et al., 1988;
Prática religiosa Recurso
Rutter, 1987).
Ausência desta prática Adversidade
Presença de rede de apoio Recurso
Ausência de rede de apoio Adversidade
RAF Resposta positiva Recurso
Resposta negativa -
aos itens 4 e 11 do RAF
Quadro Apêndice B: Indicadores de recurso e adversidade relativos ao ambiente familiar.
continua
228
Continuação
Variável
Descrição
Instrumento Escore/Resposta e Classificação Indicador
G. Suporte social à
Albee (1982) refere-se ao suporte social e
RAF Resposta positiva Recurso
escolarização (supervisão e
escolar como indicadores para a avaliação de
Resposta negativa Adversidade
organização das rotinas
crianças em risco e Lewis et al. (1988) e Silva
aos itens 9 e 12 do RAF
escolares da criança,
(2003) apontam para tais variáveis como
assistência à escolaridade)
determinantes potenciais que incidem sobre a
saúde mental das crianças.
H. Projetos de vida e
A perspectiva e conduta dos pais em relação ao
Entrevista Ter projeto de vida Recurso
expectativas de futuro
futuro (familiar, individual ou da comunidade)
Ter projeto realístico Recurso
foi colocado em destaque por Pinheiro (2004).
Ter projeto não-realístico Adversidade
I. Aceitação da criança
Lewis et al. (1988) refere-se à condição parental
Aceitação da criança Recurso
de aceitação da criança e suas particularidades
Não aceitação da criança Adversidade
como fator protetivo a seu desenvolvimento.
J. Eventos de perda
Rutter (1987), Lewis et al. (1988) e Moraes e
EEA/EAC Resposta positiva Adversidade
Rabinovich (1996) apontam para diversas situações
Resposta negativa Recurso
de perda como fatores de risco.
aos itens sobre eventos de perdas
K. Hospitalização de
Lewis et al. (1988) menciona ainda situações
EEA Resposta positiva Adversidade
familiares e nascimento de
específicas de vida, tais como as variáveis
Resposta negativa Recurso
irmãos
apresentadas, como possíveis fatores de risco.
aos itens que tratam das variáveis
L. Resposta diante de
Pesce et al. (2004) refere-se aos recursos
Entrevista Capacidade para superar adversidade Recurso
situação adversa
familiares como auxiliares na compreensão e
Paralisação, recusa de ajuda Adversidade
capacidade para superar eventos adversos, e,
portanto, como mecanismos de proteção da
família. Para Tavares (2001), esses mecanismos
possibilitam mudanças das respostas da pessoa
em situações adversas, constituindo-se fator de
proteção.
M. Ambiente físico
Rutter (1987) destaca os recursos do ambiente
RAF Resposta positiva Recurso
físico como mediador do risco/proteção.
Resposta negativa Adversidade
aos itens 6, 7 e 8 do RAF
Quadro Apêndice B: Indicadores de recurso e adversidade relativos ao ambiente familiar.
conclusão
229
Variável
Descrição
Instrumento Escore/Resposta e Classificação Indicador
A. Criança -
Lewis et al. (1988) e Silva (2003) entendem que as
SDQ Escore na escala da interação
Relação com os
relações da criança com seus pares também são
e escala pró-social Anormal Adversidade
pares
responsáveis pelo bem-estar da criança e da família.
Normal/Limítrofe Recurso
B. Família -
Brito e Koller (1999) apontam para a importância dos
RAF Resposta positiva Recurso
Relações sociais
vínculos estabelecidos pela família para o
Resposta negativa Adversidade
desenvolvimento humano e bem-estar do indivíduo.
ao item 3 (visita da família a parentes e amigos)
C. Eventos escolares
Além disso, associam os recursos oferecidos e as relações
EEA Resposta positiva Adversidade
desenvolvidas, incluindo as escolares, na formação da
Resposta negativa Recurso
rede de apoio.
aos itens sobre entrada na escola, mudança de
escola, troca de professores, repetência, agressão
D. Suporte social
Diversos autores referem-se ao suporte social quando
RAF Resposta positiva Recurso
tratam do desenvolvimento infantil, destacando a relação
Resposta negativa Adversidade
da pessoa com a comunidade, com os pares e o suporte de
aos itens 5 e 13
instituições (Silva, 2003; Lewis et al., 1988;
Albee, 1982) Entrevista Presença de suporte social Recurso
Ausência de suporte social Adversidade
D1. Recursos
Brooks-Gunn (1996) destaca as relações da família com
Entrevista Resposta positiva Recurso
comunitários
instituições públicas e privadas, que ofereçam lazer,
Resposta negativa Adversidade
educação e saúde. Incluímos ainda as atividades
à utilização de recursos da comunitários
religiosas da família.
(lazer, esporte, educação, saúde e religião)
E. Fator sócio-
Albee (1982) considera a necessidade de se
Ficha Classe sócio-econômica A a C Recurso
econômico
identificar o nível sócio-econômico da família para
Sócio- D a E Adversidade
avaliar a condição de risco em que se encontra a criança.
Demográfica Superpopulação Ausente Recurso
Brooks-Gunn (1996) refere-se também à influência da
Presente Adversidade
renda financeira no desenvolvimento das crianças.
EEA/EAC Resposta positiva Adversidade
Resposta negativa Recurso
aos itens que tratam dos eventos financeiros
Entrevista Percepção de rendimentos suficientes à família Recurso
Percepção de rendimentos insuficientes à família Adversidade
Família recebe ajuda institucional Adversidade
Quadro Apêndice C: Indicadores de recurso e adversidade relativos à rede de apoio social.
230
231
A
A
N
N
E
E
X
X
O
O
S
S
232
233
ANEXO A – Questionário de Capacidades e Dificuldades
234
ANEXO B – Roteiro para Sondagem de Recursos no Ambiente Familiar (RAF)
Nome da Criança: ____________________________________________________________
Informante (parentesco com a criança): ___________________________________________
Entrevistador: __________________________________________ DATA: ____/____/____
1. O QUE A CRIANÇA FAZ QUANDO NÃO ESTÁ NA ESCOLA:
Assiste TV
Ouve rádio
Joga vídeo-game
Lê livros, revistas, gibis
Fica na rua
Brinca dentro de casa
2. AJUDA EM TAREFAS DOMÉSTICAS:
Quais? ________________________________________________________________
Diariamente? ou Ocasionalmente?
É responsável por tarefas domésticas? __________ Quais? ______________________
3. PASSEIOS QUE A CRIANÇA REALIZOU NOS ÚLTIMOS 12 MESES:
Passeio
Com quem
Passeio
Com quem
Bosque Municipal Museu
Aeroporto Circo
Cinema ou teatro FEAPAM
Shopping Center Parque de diversões
Lanchonete, Mc
Donald’s
Clube
Praia Visitas a parentes/amigos da
família
Viagem de trem Viagem para outra cidade
Sítio, chácara ou fazenda Exposição (de pintura, de ciência,
etc)
Divertilândia Outros – especificar:
Centro da cidade
235
4. ATIVIDADES QUE OS PAIS DESENVOLVEM JUNTO COM A CRIANÇA
EM CASA:
Brincar
Jogar vídeo-game ou outros jogos
Assistir a filmes
Assistir a programas infantis na TV
Contar estórias ou casos
Ler livros, revistas
Conversar sobre como foi o dia na escola
Conversar sobre notícias, filmes e outros programas de TV
Ouvir as estórias da criança; conversar sobre os assuntos que ela traz
Realizar juntos atividades domésticas, como: lavar o carro, fazer almoço ou outras
Outros – especificar: _____________________________________________________
5. ATIVIDADES PROGRAMADAS QUE A CRIANÇA REALIZA
REGULARMENTE:
Faz catecismo, estudos bíblicos ou evangelização
Freqüenta Núcleo municipal do bairro
Pratica esporte em clubes, academias, ginásios
Freqüenta aulas para aprender atividade artesanal (por exemplo: terapia, pintura...)
Faz aulas de piano, violão ou outro instrumento musical
Freqüenta algum programa de atividades para crianças, como Capoeira
Faz inglês
Faz computação
Outro – especificar: ______________________________________________________
236
6. RECURSOS DO AMBIENTE FÍSICO:
Que tipo do brinquedo seu filho tem?
Seu filho tem ou já teve: tem já teve
uma cama só para ele
brinquedos de andar (triciclo, bicicleta, patinete...)
brinquedos para movimentos corpo (corda de pular, balanço...)
instrumento musical de brinquedo ou de verdade (tambor, pianinho...)
brinquedo que lida com números (dados, dominó...)
brinquedos de letras (abecedários, quebra-cabeças com letras...)
brinquedos de aprender cores, tamanhos, formas (quebra-cabeça,
encaixes...)
brinquedos para conhecer nomes de animais (livros, miniaturas...)
objetos como giz, lousa, cola, tinta, tesoura, lápis de cor e papel
aparelho de som com disco: pode operar só pode ouvir sem mexer
um animal de estimação: qual?
livrinhos de estórias infantis
jogos de regras (dama, loto, senha, memória...)
brinquedos de faz de conta (panelinhas, bonecas, martelo, serrote...)
brinquedos de construção (blocos, lego, pinos mágicos...)
brinquedos de rodas (carrinhos, trens, carrinho de boneca...)
vídeo-game
bola, pipa, bola de gude, carrinho rolemã (grifar os que a criança
tem/teve)
outros, especifique
7. HÁ JORNAIS E REVISTAS NA SUA CASA?
Não
Sim – tipo:
Jornal
Revista: de notícias - de TV - feminina - de fotonovela
de esporte - religiosa - outra, especifique _______________________________
237
8. HÁ LIVROS NA SUA CASA?
Não
Sim – tipo:
Escolares
Romances, contos, literatura
Livrinhos infantis
Religiosos (bíblia, evangelhos, catecismo)
Técnicos, científicos
Enciclopédias
Dicionário
Outros, especifique: ____________________________________________________
Em sua casa existe:
Quantos? Quantos?
rádio videocassete
televisão preto e branco forno de microondas
televisão colorida TV por assinatura
(multicanal)
máquina de lavar roupa automóvel
máquina de lavar louça motocicleta
telefone computador
telefone celular outro, especifique
aparelho de som
9. ASSISTÊNCIA À ESCOLARIDADE
Alguém em casa acompanha a criança nos afazeres da escola? Especificamente:
Alguém em casa:
Não,
ninguém
Sim, a
mãe
Sim, o
pai
Sim, outra
pessoa
(quem?)
Verifica se o material escolar está em ordem
Avisa quando é hora de ir para a escola
Supervisiona a lição de casa
Supervisiona o estudo para as provas
Comparece às reuniões da escola
Acompanha as notas e a freqüência às aulas
238
HÁBITOS DE TRABALHO DA FAMÍLIA
10. SEU FILHO TEM HORA CERTA PARA: 11. SUA FAMÍLIA COSTUMA ESTAR
REUNIDA:
sempre às vezes nunca
sempre às vezes nunca
Almoçar
Tomar banho
Brincar
Ir dormir
Levantar-se de
manhã
Jantar
Fazer a lição de
casa
Assistir à TV
No café da manhã
No almoço
No jantar
À noite, para
assistir à TV
E nos fins de
semana:
Em casa
Em passeios
12. SEU FILHO FAZ A LIÇÃO DE CASA:
enquanto vê televisão ou escuta rádio
em um lugar sossegado e sem pessoas em volta
em qualquer lugar
quase sempre à noite
antes de ir brincar
junto com algum colega de classe
outro – especificar _________________________________________________________
13. REDE DE SUPORTE
Quando tem algum problema ou dificuldade, a quem seu filho recorre para pedir ajuda ou
conselho?
à mãe a um tio ou tia
ao pai a um vizinho ou vizinha
a um irmão ou irmã a algum amigo ou amiga
a um avô ou avó a outra pessoa – especificar _________
239
COMPOSIÇÃO FAMILIAR
Ao todo, quantas pessoas moram na casa? ____________________________
Indique as pessoas com quem seu filho mora:
mãe e pai biológicos mãe biológica e padrasto; pai falecido
só a mãe biológica; os pais são separados mãe biológica e padrasto; pais
separados
só a mãe biológica; o pai é falecido mãe biológica e padrasto; ele não sabe
quem é o pai
só a mãe biológica; ele não sabe quem é o pai mãe e pai adotivos
Outros – especificar _______________
Indique as pessoas que moram na casa:
irmãos – quantos? _______ tia
avô outro parente – especificar __________
avó pessoa que não é da família
tio
OBSERVAÇÕES DO ENTREVISTADOR (Preencher após a entrevista):
240
ANEXO C – Escala de Eventos Adversos
Procedimento: O entrevistador diz à mãe que vai ler uma lista de situações que podem acontecer na
vida das crianças, para que ela informe se alguma delas ocorreu com seu filho / sua filha. Em seguida,
lê cada item do formulário e pede à mãe que diga se o evento ocorreu nos últimos 12 meses ou
anteriormente na vida da criança. Preencher cada item com X na coluna apropriada. Se o evento
ocorreu tanto nos últimos 12 meses como anteriormente, marcar X nas duas colunas.
Acontecimentos
Ocorreu
nos
últimos
12 meses
Ocorreu
anterior-
mente
Nunca
ocorreu
Entrada na escola (1º grau)
Mudança de escola
Repetência na escola
Agressão da professora
Mais de uma troca de professoras no mesmo ano
Mudança de cidade
Suspensão da escola
Aumento da ausência do pai por oito horas ou mais por semana
Aumento da ausência da mãe por oito horas ou mais por semana
A mãe começou a trabalhar
Perda do emprego do pai/mãe (especificar quem)
Momentos difíceis do ponto de vista financeiro
Nascimento de um irmão
Hospitalização ou enfermidade séria da criança por duas semanas ou
mais
Hospitalização ou enfermidade grave de um dos pais por duas
semanas ou mais
Hospitalização ou enfermidade grave de um irmão/irmã da criança,
por duas semanas ou mais
Criança acidentada com seqüela (ex. perda de visão, colostomia)
A criança adquiriu uma deformidade visível
Acréscimo de um terceiro adulto na família
Morte de um amigo da criança
Morte de um avô/avó
Morte de um irmão
Morte do pai/mãe (especificar)
O relacionamento com os amigos/colegas piorou
Um irmão/irmã deixou definitivamente o lar, após conflitos
Gravidez de uma irmã solteira
Aumento de conflitos e brigas entre os pais
Separação dos pais
Mãe ou pai se casou de novo (especificar qual)
Divórcio dos pais
Um dos pais abandonou a família
Consumo de álcool ou droga pelo pai/ da mãe
Problema de saúde mental do pai/mãe
Litígio entre os pais pela guarda da criança
Litígio entre os pais por causa de pensão
Problemas dos pais com a justiça ou a polícia?
Outros eventos: quais?
241
ANEXO D – Escala de Adversidade Crônica
NOME:
CONDIÇÕES ADVERSAS PROLONGADAS OU RECORRENTES
DURAÇÃO DE UM ANO OU MAIS OU OCORRÊNCIA PREPETIDA DURANTE UM
ANO OU MAIS.
Condição Duração em anos Período da vida da
criança
Doença crônica da criança: qual?
Procedimento médico invasivo: qual?
Uso de prótese: qual?
Uso de óculos
Criança com visão subnormal
Criança com audição subnormal
Sinal de nascença visível: qual?
Hospitalização recorrente da criança
Temperamento (“gênio”) difícil do pai
Temperamento (“gênio”) difícil da mãe
Conflitos familiares recorrentes ou crônicos
Conflitos conjugais recorrentes ou crônicos
Distúrbio mental crônico do pai ou substituto
Distúrbio mental crônico da mãe ou
substituta
Dependência de droga pelo pai ou substituto
Dependência de droga pela mãe ou substituta
Alcoolismo severo do pai ou substituto
Alcoolismo severo da mãe ou substituta
Outra - especificar
242
ANEXO E – Carta de Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da FFCLRP-USP
243
ANEXO F – Declaração de Aceite fornecido pelo coordenador de Saúde Mental da
Secretaria da Saúde do Município de Ribeirão Preto
244
ANEXO G – Liberação de Pesquisa nº 002/2007
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