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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
MARIA HENRIQUETA SPERANDIO GARCIA GIMENES
COZINHANDO A TRADIÇÃO:
FESTA, CULTURA E HISTÓRIA NO LITORAL PARANAENSE
CURITIBA
2008
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MARIA HENRIQUETA SPERANDIO GARCIA GIMENES
COZINHANDO A TRADIÇÃO:
FESTA, CULTURA E HISTÓRIA NO LITORAL PARANAENSE
Tese apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em História, Setor de Ciências
Humanas, Letras e Artes, Universidade
Federal do Paraná, como requisito parcial
à obtenção do título de Doutor em História.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto
Antunes dos Santos
CURITIBA
2008
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Para Elton, Neide, Jacó, Emanuel e Graciane,
imprescindíveis para a minha vida, assim como o
cominho é para o Barreado
i
AGRADECIMENTOS
O tempo de uma tese é também o tempo de uma vida, tendo em vista os laços que
são formados nesse período e os acontecimentos pessoais e profissionais que
terminam por fazer com que o “doutorando” cresça como pessoa, como pesquisador
e como profissional. Neste sentido, gostaria de agradecer algumas pessoas que
fizeram parte da minha vida nestes últimos anos e que contribuíram, cada um da sua
maneira, para a minha jornada e para o meu crescimento como ser humano.
Ao prof. Dr. Carlos Roberto Antunes dos Santos por ter aceitado minha proposta de
pesquisa, encarando-a com entusiasmo, e pela compreensão demonstrada nos
últimos – e decisivos - momentos;
Aos colegas do Curso e do Departamento de Turismo, Eduardo, Miguel, Deise,
Gândara, Luciane, Laura, Margarete, Biz, Silvana, Letícia, Márcia, Bruno, Ivan,
Daniela, Patrícia, Cleo, Irene, Maria, Dolfina e Dizaldo, pela amizade, pelo carinho e
incentivo, e por terem assumido meu afastamento mesmo diante da incerteza de
que seria possível contratar um professor substituto. Senti muitas saudades nos dois
anos de afastamento...e preparem-se por que ano que vem estou de volta!;
Aos meus alunos, por tudo o que aprendi. Em especial, agradeço aos que me
acompanharam nos anos de 2005 e 2006, quando dividia a minha atenção entre a
chefia do DETUR, o curso de doutorado, as aulas que ministrava e as demais
atribuições docentes (projeto de extensão, monitoria, etc...), e muitas vezes
apresentei menos paciência do que deveria;
Aos professores do Curso de Pós-Graduação em História, em especial ao prof. Dr.
Antonio César de Almeida dos Santos e às professoras Drª Fátima Fernandes
Frighetto e Drª Roseli Boschilia, pelos ensinamentos e sugestões dadas durante
suas disciplinas;
Às professoras Roseli Boschilia e Maria do Carmo Marcondes Brandão Rolim, pelas
valiosas contribuições dadas durante o exame de Qualificação. Para Maria do
Carmo, um agradecimento especial por me acompanhar desde o meu ingresso no
mestrado em Sociologia;
Aos professores Henrique Carneiro, José Manoel Gonçalvez Gândara, Roseli
Boschilia e Maria do Carmo Marcondes Brandão Rolim por terem aceitado o convite
para participar da banca de Defesa;
Aos colegas do doutorado, Fábio, Marcos, Miguel, Rosana e Samuel pela
companhia e as conversas depois das aulas, principalmente no primeiro ano de
curso;
Aos colegas do grupo de discussão e da comissão organizadora do evento Saber e
Sabor, pela troca de idéias, auxílio e amizade, em especial à Cilene Ribeiro e à Ana
Paula Nadalini;
ii
A todos os entrevistados que abriram suas casas, seus restaurantes, suas cozinhas
e suas experiências, que cederam seu tempo e tornaram este trabalho possível. A
responsabilidade de fazer um bom trabalho veio também em respeito à trajetória de
todos vocês;
Ao Hugo Fernando, Hugo Magalhães, Tida, Tiago, Maria Cristina e Bruno, que me
acolheram em sua família durante importantes anos da minha vida;
À Adriana Machado Casali amiga querida de vários anos que foi, voltou e trouxe o
querido Alex para a nossa convivência, e sempre teve paciência diante dos meus
sumiços e minhas conversas de um tema só: a tese;
Ao super Alex, pelo carinho de sempre e pelo résumé e o abstract;
À Olga Maria Pépece Coutinho, amiga querida que me apoiou em todos os
momentos, pessoais e profissionais impedindo que eu apertasse a tecla pânico”,
mesmo que às voltas de seu próprio doutorado e de seus vários compromissos; e ao
querido Ale, inclusive por ter me “emprestado” a Olga em tantos momentos;
À Deborah Agulham Carvalho pelas preciosas dicas sobre a coleta de fontes
escritas, me apresentando também a toda equipe da Seção Paranaense da
Biblioteca Pública Bento Munhoz da Rocha;
À Luciana Patrícia de Morais, minha mais nova “aquisição” como amiga do coração.
Dividi com você uma fala, alguns textos, várias risadas, meus vários
questionamentos (ênfase no “vários”) e tive em você total apoio em momentos
decisivos da minha vida. Minha “peruca voou longe” diante de seu bom humor,
companheirismo e força;
À Luciane de Fátima Neri e Paulo por terem me dado um grande presente de
aniversário: ser madrinha do super Bernardo, e por terem entendido as motivos que
me tornaram uma “madrinha quase fantasma”;
À Neide, Jacó, Emanuel, Graciane, Riqueta, Alberto, Mara e todos os meus
familiares queridos e amados, que cuidam de mim mesmo à distância e entendem
os meus períodos de longos sumiços;
À Alda, Hiroto, Elisiane, Jorge e o fofíssimo Marcos Kenzo, por terem me acolhido
em sua família com muito carinho e afeto;
Ao Elton Minasse, um agradecimento especial. Obrigada pela amizade de sempre,
agora temperada com abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim... Obrigada pela
leitura e revisão do texto, pelos pdf´s, pela paciência, por me acalmar, pelas risadas,
pelo Pluto, por me entender, por todo amor e por fazer a minha vida muito mais feliz!
A nossa história é realmente uma linda história!
iii
Rapadura é doce, mas não é mole não
Sabedoria Popular
iv
RESUMO
Descrito muitas vezes como símbolo de festa e fartura no litoral paranaense, o Barreado
consiste em uma inusitada iguaria feita à base de carne, que é cozida exaustivamente junto
com alguns temperos. De sabor forte, considerado por muitos exótico, o prato está presente
nas casas, festas comunitárias e também nos restaurantes, tendo seu consumo associado
diretamente com o Fandango e o Carnaval e sendo objeto de folclórica discussão entre
parnanguaras, morretianos e capelistas. Nas últimas décadas, porém, a tradição do
Barreado transcendeu seu uso doméstico, tornando-se um elemento estratégico para o
desenvolvimento de alguns municípios litorâneos, principalmente Antonina e Morretes. A
partir foi concebida esta pesquisa, que tem como tese central de trabalho a percepção de
que a tradição da degustação do Barreado no litoral paranaense se por conta de sua
íntima relação com o contexto cultural local, mas também em virtude de estratégias políticas
e econômicas que transformam, a partir da década de 1970, a produção e comercialização
do prato em uma ferramenta de desenvolvimento regional. Tal iniciativa de pesquisa se
apoiou em fontes documentais e também orais, consideradas aqui essenciais para a
compreensão do crescimento da comercialização da iguaria, bem como na leitura e
discussão de alguns conceitos como memória, identidade, tradição e patrimônio,
considerados fundamentais para o dimensionamento adequado do Barreado como iguaria
culinária e também como uma manifestação cultural.
Palavras-chave: Barreado – Alimentação – Tradição – Litoral Paranaense - Turismo
v
ABSTRACT
Barreado is an unusual, meat-based delicacy cooked for several hours with certain
seasonings; it is frequently described as a symbol of festivity and abundance in the State of
Paraná’s coastal area. This strong-tasting dish, which many consider exotic, is found in
homes, community celebrations and restaurants; its consumption is directly associated with
the Fandango as well as with Carnaval, and is the object of folkish discussion among the
inhabitants of Paranaguá, Morettes and Antonina. In recent decades, however, the Barreado
tradition has gone beyond the domestic sphere to become a strategic element in the
development of certain costal municipalities, Antonina and Morretes being chief among
these. Considering the dish’s cultural and economic relevance, this research was conceived
around the central thesis that the tradition of savoring Barreado on the coast of Paraná is a
result of its intimate relationship with the local cultural context and of political and economic
strategies that transformed its cooking and commercialization into a tool for regional
development, starting in the 1970s. This research relied on documents and oral sources,
considered essential for understanding the growth of the dish’s commercialization, as well as
on a reading and discussion of concepts such as memory, identity, tradition, and heritage.
Said concepts are seen as fundamental for proper characterization of Barreado in terms of a
delicacy and a cultural manifestation.
Keywords: History of food – Barreado - Tradition – Coast of Paraná - Tourism
vi
RESUMÉ
Fréquemment décrit comme un symbole de festivité et d’abondance sur la côte de l’état du
Paraná, le barreado est un mets fin insolite, fait de viande, cuite pendant plusieurs heures
avec certains assaisonnements. On retrouve ce plat, avec son goût prononcé que plusieurs
considèrent exotique, dans les fêtes communautaires, dans les cuisines des habitants locaux
et dans les restaurants; sa consommation est directement associée au Fandango ainsi qu’au
Carnaval et est le sujet de discussions folkloriques entre les résidants de Paranaguá, de
Morettes et d’Antonina. Or, au cours des dernières décennies, la tradition du barreado a
débordé de la sphère domestique et est devenue un élément stratégique dans le
développement de certaines municipalités côtières– principalement, celles de Antonina et de
Morretes. Vu la pertinence culturelle et économique de ce mets, cette recherche a été
conçue autours d’une thèse centrale affirmant que la tradition de gustation du barreado
sur la côte du Paraná est une conséquence de son rapport intime avec le contexte culturel
local, mais aussi de stratégies politiques et économiques qui transforment, s les années
70, la production et la commercialisation de ce plat en un instrument de développement
régional. Cette recherche s’est fondée sur des sources documentaires et orales, considérées
essentielles pour comprendre la croissance de la commercialisation de ce mets, et sur une
lecture de concepts tels que la mémoire, l’identité, la tradition et le patrimoine; ces concepts
sont vus comme étant fondamentaux pour caractériser adéquatement le barreado en tant
que mets, mais aussi en tant que manifestation culturelle.
Mots clés: Histoire de l’alimentation – Barreado - Tradition – Littoral du Paraná – Tourisme
vii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 PANELA DE BARRO VEDADA COM FOLHA DE BANANEIRA E
MASSA TRADICIONAL, HOTEL E RESTAURANTE NHUNDIAQUARA,
MORRETES (PR)
130
FIGURA 2 PANELAS DE BARRO VEDADAS NO FOGÃO À GÁS,
RESTAURANTE CASA DO BARREADO, PARANAGUÁ (PR)
136
FIGURA 3 TEXTURA ADEQUADA DA CARNE, CASA DO BARREADO,
PARANAGUÁ (PR)
140
FIGURA 4 CACHAÇA, FARINHA DE MANIDIOCA E BALA DE BANANA,
PRODUTOS INTIMAMENTE LIGADOS AO BARREADO, MORRETES (PR)
152
FIGURA 5 – PREPARANDO O PIRÃO MOLE, RESTAURANTE CASA DO
BARREADO, PARANAGUÁ (PR)
159
FIGURA 6 BARREADO SERVIDO COM PIRÃO E BANANA,
RESTAURANTE CASA DO BARREADO, PARANAGUÁ (PR)
161
FIGURA 7 – VARIEDADE DE CACHAÇAS MORRETENSES, MORRETES
(PR)
165
FIGURA 8 CHAVEIRO NO FORMATO DA PANELA DE BARREADO,
MORRETES (PR)
167
FIGURA 9 I DE GELADEIRA NO FORMATO DA PANELA DE
BARREADO, MORRETES (PR)
168
FIGURA 10
I DE GELADEIRA COM PANELA DE BARRO E BANANA,
ANTONINA (PR)
168
FIGURA 11 – MINIATURA DE PANELA DE BARREADO, MORRETES (PR) 169
FIGURA 12 – MINIATURA DE PANELA DE BARREADO COM CASARIO,
PARANAGUÁ (PR)
169
FIGURA 13 – PANELA DE ALUMÍNIO EM FOGÃO À LENHA, RESTAURANTE
MADALOZO, MORRETES (PR)
172
FIGURA 14 DETALHE DA PANELA DE ALUMÍNIO VEDADA
TRADICIONALMENTE, RESTAURANTE MADALOZO, MORRETES (PR)
178
FIGURA 15 FOGÃO À LENHA, RESTAURANTE NHUNDIAQUARA,
MORRETES (PR)
181
FIGURA 16 – FOGÃO À GÁS, RESTAURANTE LUBAM, MORRETES (PR) 182
FIGURA 17 – FOGÃO À GÁS, RESTAURANTE LUBAM, MORRETES (PR) 182
FIGURA 18 EMBALAGEM BARREADO CONGELADO LUBAM (frente),
800g, MORRETES (PR)
185
FIGURA 19 EMBALAGEM BARREADO CONGELADO LUBAM (verso),
800g, MORRETES (PR)
185
FIGURA 20 – EMBALAGEM BARREADO CIDREIRA, 800g, MORRETES (PR) 186
FIGURA 21 EMBALAGEM BARREADO MORRETES, 800g, MORRETES
(PR)
186
viii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1. ESCOLHENDO INGREDIENTES, CNICAS E PROCEDIMENTOS:
O QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA
13
1.1. DA HISTORIOGRAFIA DA ALIMENTAÇÃO 22
1.2. DOS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA REALIZAÇÃO DA
PESQUISA
29
2. ANTES DE LEVAR AO FOGO, IMPRESCINDÍVEL: COMPREENDER
A COMIDA COMO EXPRESSÃO CULTURAL
40
2.1. RELAÇÕES ENTRE COMIDA, IDENTIDADE E TRADIÇÃO 46
2.2. COMIDA COMO PATRIMÔNIO 60
2.3. DA CULINÁRIA LITORÂNEA 72
3. COMIDA PARA A ALMA, COMIDA PARA O CORPO: PRATO
PRINCIPAL, O BARREADO
81
3.1. A ORIGEM (OU ORIGENS) DO BARREADO 82
3.2. DOS INGREDIENTES 96
3.3. DAS FORMAS DE PREPARO 120
3.4. DAS FORMAS DE SERVIÇO E OS ACOMPANHAMENTOS 138
3.4.1.
Farinha de mandioca 152
3.4.2.
Banana 160
3.4.3.
Cachaça 163
3.5. DAS INOVAÇÕES RELACIONADAS AO BARREADO 167
3.5.1.
Das panelas 167
3.5.2.
Das vedações da panela 176
3.5.3.
Dos fogões 179
3.5.4.
Dos congelados 182
3.5.5.
Da preocupação em relação à gordura 188
3.5.6.
Das interpretações das receitas 191
3.5.7.
Tradições e inovações postas à mesa: algumas reflexões 194
4. DA CASA PARA A RUA: O INÍCIO DA MODERNA OFERTA
COMERCIAL DO BARREADO NO LITORAL PARANAENSE
198
4.1. DAS RESIDÊNCIAS PARA OS RESTAURANTES: PRIMEIROS
ESTABELECIMENTOS
199
4.2. POPULARIDADE SE FAZ À MESA: A OFERTA DO BARREADO NA
DÉCADA DE 1970
219
5. DA MESA AO IMAGINÁRIO: A CONSOLIDAÇÃO DO BARREADO
COMO PRATO TÍPICO
245
5.1. DÉCADA DE 1980: A ASCENSÃO DO BARREADO 246
5.2. DÉCADA DE 1990: A CONSOLIDAÇÃO DO BARREADO 284
5.3. BARREADO: FESTA, CULTURA E TURISMO NOS TEMPOS ATUAIS 304
CONCLUSÃO 332
ix
FONTES
FONTES ESCRITAS 339
FONTES ORAIS 350
REFERÊNCIAS 354
APÊNDICES
APÊNDICE I – Roteiro para gerentes e/ou proprietários de restaurantes 367
APÊNDICE II – Roteiro para cozinheiros de restaurantes 369
APÊNDICE III – Roteiro para cozinheiros (as) tradicionais 370
APÊNDICE IV – Roteiro para pessoas ligadas à atividade turística 371
APÊNDICE V – Modelo da carta de cessão de direitos para depoimento oral 372
373
379
381
ANEXOS
ANEXO I – Decreto-Lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937
ANEXO II – Decreto nº. 3.551, de 04 de agosto de 2000
ANEXO III – Resolução
– RDC nº. 216, de 15 de setembro de 2004
x
INTRODUÇÃO
O estudo da alimentação humana revela-se fascinante por permitir
desvendar, a partir da análise de uma prática cotidiana, valores, significados e
representações que muito dizem sobre os próprios grupos sociais. Isso se
torna possível na medida em que as decisões sobre a escolha, a produção, o
armazenamento, a aquisição, o preparo e o serviço de alimentos são forjadas
na própria cultura que substrato para a organização social, sendo norteadas
por fatores objetivos (limitações impostas pelas técnicas de produção e poder
aquisitivo, por exemplo) e simbólicos (significados atribuídos socialmente aos
alimentos que podem resultar em valorações, positivas ou negativas, ou ainda
proibições alimentares). Marcadas pelos contextos socioeconômicos e
tecnológicos nos quais se o, tais determinações constituem muito mais do
que o exercício da preferência individual um exercício do habitus
(BOURDIEU, 1983) do grupo e uma forma de reprodução, na microsfera
cotidiana, dos condicionantes organizadores das sociedades.
Por conseqüência de sua importância e abrangência, o ato alimentar
tornou-se ao longo dos tempos objeto de áreas de conhecimento diversas, tais
como a Medicina, a Nutrição, a Economia, a Sociologia, a Antropologia e a
História. A História merece aqui destaque, pois firma-se como uma disciplina
de convergência, uma zona de fronteira a partir da qual conhecimentos inter e
multidisciplinares se organizam com base em procedimentos metodológicos e
discussões teóricas que buscam compreender em perspectiva de tempo e
espaço manifestações e processos relacionados à alimentação humana.
Ao debruçar-se sobre o estudo da alimentação, o historiador pode,
conforme seu interesse de pesquisa, escolher dentre inúmeros vieses,
percebendo os alimentos como fonte de conhecimento sobre a forma de
produção e preparo, mas também sobre as decisões políticas e econômicas
que os condicionam, além de captar hierarquias sociais, valores familiares e
religiosos, formas de vivência da sociabilidade e do lazer, bem como modismos
(de técnicas culinárias, de serviço à mesa, etc) que marcaram e marcam
determinadas épocas.
2
Tais análises ainda permitem constatar, mais do que mudanças e
inovações, algumas constâncias alimentares que mesmo quando
ressignificadas total ou parcialmente tornaram-se tradição, agregando
conteúdos capazes de criar e reforçar sentimentos de pertencimento. Neste
contexto, o preparo de uma iguaria constituinte e constituidora de identidade
envolve muitas vezes não apenas a repetição da receita e a fidelidade aos
ingredientes, mas também a reprodução das condições em que a iguaria era
preparada. Tem-se, então, mais do que algo a ser degustado, a construção de
um alimento-memória.
Pensando a realidade brasileira a partir dessa discussão, evidencia-se
o fato de que, dada a heterogeneidade de sua paisagem geográfica e humana,
o Brasil encerra em seu território uma diversidade gastronômica incomparável.
Em todos os estados brasileiros práticas alimentares enraizadas, que
terminam por se cristalizar nos chamados pratos picos”. Tais pratos se fixam
como símbolos de suas localidades, alguns ganhando inclusive notoriedade
nacional, como é o caso do Acarajé (BA), da Torta Capixaba (ES) e do Pão de
Queijo (MG). No caso do Paraná, evidencia-se o Barreado como o principal
exemplo deste processo.
Preparado no litoral paranaense, com a origem envolta em lacunas e
contradições, o Barreado é uma iguaria feita à base de carne bovina cozida
exaustivamente com condimentos, utilizando tradicionalmente como recipiente
uma panela de barro hermeticamente fechada com goma de farinha de
mandioca - técnica que inclusive batizou o prato. Tem como características
marcantes a textura e a apresentação da carne, praticamente desmanchando,
que é servida com farinha de mandioca e banana. Sua receita, disseminada
por meio da tradição oral, possui variações principalmente no que se refere aos
temperos adicionados à carne e à forma de preparo, variedade resultante da
apropriação coletiva que contribuiu para a perpetuação desta tradição.
A importância do prato, entretanto, não se encerra na peculiaridade de
seu preparo nem em seu sabor. Mais do que uma iguaria gastronômica, o
Barreado é uma manifestação intimamente ligada a outras práticas culturais
litorâneas, presente na mesa dos autóctones nos domingos, em casamentos,
batizados e aniversários, bem como nas festas comunitárias e religiosas,
vinculada até hoje aos festejos do Carnaval e ao Fandango. Símbolo de festa e
3
fartura para as comunidades do litoral, o Barreado extrapolou o âmbito
doméstico e alcançou a esfera comercial, sendo servido e degustado em larga
escala em restaurantes de Antonina, Morretes e Paranaguá, principalmente a
partir da década de 1970.
Observa-se que, embora várias fontes indiquem que o Barreado é
preparado e degustado mais de 200 anos em Guaraqueçaba, Guaratuba,
Antonina, Paranag e Morretes, na atualidade são apenas os três últimos
municípios que exploram o prato comercialmente, bem como têm sua imagem
associada à iguaria. Durante vários anos tais localidades disputaram entre si
e ainda o fazem, mesmo que de maneira velada – a “paternidade” do prato, e a
titularidade da “receita original” ou do “melhor Barreado”.
Tais cidades, tão próximas geograficamente, possuem laços históricos
que abrangem a ocupação territorial, a formação de sua população, além de
vários aspectos socioeconômicos e culturais. Até hoje é bastante comum
encontrar famílias cujos membros se dividem entre Antonina, Morretes e
Paranaguá, tornando-se fácil compreender os hábitos e tradições comuns,
principalmente porque a ocupação humana da região se deu a partir da mesma
base étnica. A região, originalmente ocupada por índios pertencentes à grande
família tupi-guarani, com predominância dos chamados carijós, recebeu
durante muito tempo bandeiras preadoras de índios e indivíduos isolados que
se arriscavam em busca de ouro, mas foi a descoberta de ouro na Serra Negra
por Gabriel de Lara em 1641 que deu início ao seu povoamento efetivo.
As minas de ouro não apenas atraíram os primeiros povoadores
brancos, como também lhes possibilitaram a existência durante quase um
século no litoral e em certas regiões do planalto. A caça, a pesca, os frutos
silvestres e as roças de emergência foram a primeira fonte de subsistência
desses homens de aventura. Onde os grupos mineradores encontravam uma
zona rica de aluvião aurífero, nela se instalavam demoradamente, constituindo
os primeiros lares índio-europeus, mais ou menos estáveis, em que as roças
iam surgindo e se multiplicando
1
.
1
Desde os primeiros dias da nossa História foi o ouro ou a ambição do ouro, por parte dos
europeus e de seus descendentes, moradores da capitania de São Vicente que trouxe a
Paranaguá e ao planalto curitibano, os elementos de população branca que aí investigaram os
rios, as serras, os vales; que provisoriamente acamparam nos seus arraiais; que plantaram
4
Assim, tal como ocorreu em Paranaguá, os primeiros desbravadores da
região de Antonina, situada aos fundos da Baía de Paranaguá, foram
faiscadores de ouro. Em meados do século XVII foram concedidas três
sesmarias nas encostas da enseada de Guarapirocaba (antiga denominação
da Ilha Teixeira, estendida à enseada onde confluem o Nhundiaquara e outros
rios menores, até ser ampliada para toda a baía de Antonina) a Antonio de
Leão, Pedro de Uzeda e Manoel Duarte. Por sua vez, os primeiros moradores
de Morretes também foram aventureiros e mineradores, vindos de povoações e
vilas paulistas por volta do ano 1646. Movida pela busca do ouro, a população
da região foi se formando a partir de uma mescla de europeus
(predominantemente portugueses), indígenas e negros escravos.
Em 1648, a aldeia de Paranaguá foi elevada à categoria de Vila e, no
início do século XVIII, o povoamento da hoje chamada Antonina também
começou a ganhar delineamentos mais definitivos, com o estabelecimento do
capitão Manoel do Valle Porto em uma Ilha da baía de Guarapirocaba, em
1712. A data oficial da fundação de Antonina é 12 de setembro de 1714, dia em
que teve início a construção da Capela Nossa Senhora do Pilar, hoje conhecida
como Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar origem da denominação
popular dos moradores da localidade, vale dizer, de “capelistas”.
Contudo, diante da escassez da produção aurífera, da ausência de
novas jazidas nas terras paranaenses e com o descobrimento das jazidas na
região de Minas Gerais, a população local passou a se dedicar cada vez mais
ao pastoreio. Assim, o Tropeirismo
2
iniciou-se a partir do deslocamento do eixo
roças, que criaram gado, que desbravaram a terra virgem e nela por fim se fixaram (MARTINS,
1995, p. 179).
2
Baseado no transporte de mercadorias, o Tropeirismo ganhou destaque a partir de 1731,
quando a exportação de animais do extremo sul para as regiões centrais do Brasil tornou-se
um negócio altamente rentável, até se esgotar em 1870, quando a construção das estradas de
ferro em São Paulo desvalorizou o muar como meio de transporte. Nas palavras de Balhana,
Machado e Westphalen o Tropeirismo consistia no negócio de “ir comprar as muladas no Rio
Grande, no Uruguai, na Argentina, conduzi-las em tropas, numa caminhada de três meses pela
estrada do Viamão, inverná-las por alguns meses nos campos do Paraná, e vendê-las na
grande feira anual de Sorocaba, onde vinham comprá-las paulistas, mineiros e fluminenses”
(BALHANA, MACHADO e WESTPHALEN, 1969, p.65). O território paranaense era então o
local de passagem para as tropas que se deslocavam até Sorocaba, e aos poucos começou a
ter suas terras arrendadas para as invernadas (período utilizado para descansar e engordar os
animais transportados), o que contribuiu em muito para o desenvolvimento dos povoamentos
que hoje são os municípios de Castro, Ponta Grossa, Tibagi e Piraí do Sul. Esse novo gênero
de vida foi exigindo esforços sedentários, fixados em torno dos “currais” de criação e foram
surgindo os sítios e nas zonas deles os arraiais estáveis, nebulosas de vilas e cidades
(MARTINS, 1995, p.263). Continuando sua análise, o historiador observa que, ao mesmo
5
econômico da colônia ocasionado pela Economia do Ouro. Tal atividade
dinamizou o comércio local e contribuiu em muito para o desenvolvimento dos
novos núcleos populacionais da região. Entretanto, tal crescimento deu origem
a uma série de conflitos entre eles, especialmente Antonina, Morretes e
Paranaguá, todos de caráter comercial.
Uma das disputas se acirrou em 1761, quando o povoado de Pilar foi
elevado à categoria de freguesia, que passou a se chamar Freguesia Nossa
Senhora do Pilar da Graciosa. Sua população reivindicou que a Estrada da
Graciosa fizesse a comunicação entre o Planalto e o Litoral, o que era contrário
à vontade dos Oficiais do Conselho de Paranaguá. Nesta época, os capelistas
recebiam oposição dos parnanguaras não só na frente administrativa, mas
também religiosa: a briga entre os dois párocos das vizinhas freguesias só teve
fim com a intervenção do prelado diocesano, na figura de Dom Frei Antonio
Mercê de Deos.
O núcleo populacional da localidade hoje chamada Morretes ganhou
contornos mais definidos quando o Capitão Antonio Rodrigues de Carvalho e
sua esposa, moradores da região, conseguiram, em 1767, autorização para
construir uma capela em homenagem à Nossa Senhora do Porto.
Posteriormente, o Rio Cubatão passou a ser percorrido obrigatoriamente pelos
viandantes que de Curitiba desciam para o litoral pelo Caminho do Itupava; a
partir da construção da capela o Porto Fluvial de Morretes começou a ter maior
desenvolvimento. Os tropeiros que desciam de Curitiba para o litoral
começaram a fazer suas compras no Porto de Três Morretes, tornando-se
desnecessário deslocarem-se até Paranaguá (MARTINS, 995, p.53).
O desenvolvimento criou um novo embate, desta vez envolvendo o
núcleo de Morretes e a Câmara Municipal de Paranaguá, que, desejando
impedir os prejuízos que seu comércio vinha sofrendo, proibiu, em 1780, a
existência de casas de negócios secos naquela localidade. Os comerciantes
desta localidade apelaram da decisão para o governo de São Paulo e para a
Junta da Real Fazenda, tendo obtido ganho de causa.
passo que a criação e o transporte de gado influíram para que as populações se agremiassem
em determinados locais de “pouso” e de “currais”, teve-se a formação de “roças” objetivando
excessos comerciáveis, o que contribuiu para a fixação de populações em lugares certos e
estáveis, dando origem às fazendas, às freguesias, às vilas e às cidades.
6
Como resultado do desenvolvimento alcançado pela região, em 1797 a
antiga localidade denominada Freguesia de Nossa Senhora do Pilar da
Graciosa foi desligada de Paranaguá e elevada à categoria de vila,
denominada Vila de Antonina, em homenagem ao Príncipe da Beira, Dom
Antônio de Portugal, primeiro filho de Dom João VI e Dona Carlota Joaquina.
No ano seguinte, foi empossada a Primeira Câmara de Vereadores de
Antonina, cuja primeira providência foi a reabertura do Caminho da Estrada da
Graciosa com a ajuda de autoridades curitibanas. Entretanto, contrariando os
interesses de Curitiba e Antonina, o ouvidor geral Doutor. Branco acolheu o
apelo do contratador de canoas de passagens do Rio Cubatão de Morretes
Manoel G. Guimarães, cujos negócios seriam prejudicados pela reabertura do
Caminho da Graciosa, e baixou um edital no mesmo ano proibindo o trânsito
pela Estrada.
Não obstante, as disputas estavam longe de serem resolvidas. O
tropeiro Tenente Manoel Teixeira de Carvalho ordenou melhoramentos e fez
pela Estrada da Graciosa a primeira travessia de muares para o litoral.
Todavia, a abertura definitiva do caminho ocorreu apenas em 1807, por ordem
do Conselheiro Antonio José de França e Horta, governador e capitão-general
de São Paulo. Essa atitude desagradou à população de Morretes e Paranaguá,
pelos motivos elencados por Ruy Wachowicz:
1. A estrada da Graciosa ligava Curitiba a Antonina, passando
longe de Morretes. Tal iniciativa afastaria o comércio, pois os
tropeiros que por ela transitassem iriam se abastecer na praça
de Antonina, com grande prejuízo para a de Morretes.
2. Antonina levava vantagem como porto, por ser marítimo e
poder receber navios. O mesmo não ocorria com Morretes, pois
era fluvial. A navegação pelo rio Nhundiaquara fazia-se em
canoas até Paranaguá, apesar de vários trechos perigosos. A
cidade de Paranaguá preferia que se utilizasse o Porto de
Morretes, porque as mercadorias que desciam do planalto a
esse porto eram exportadas por Paranaguá, enquanto que
Antonina poderia ela mesma exportar, por ser também um
porto marítimo (WACHOWICZ, p.102-103).
Morretes e Paranaguá eram então aliadas na chamada Guerra dos
Portos” contra Antonina. Essa briga atrasou a abertura definitiva de uma boa
estrada para o litoral, o que prejudicou o progresso da região. Em 1808, o
Caminho da Graciosa estava aberto e se realizava o transporte serra abaixo.
7
Porém, a maioria dos tropeiros preferia o Caminho do Itupava
3
. Wachowicz
(2001) escreve que esta insistência levou as Câmaras de Morretes e
Paranaguá a lançarem mais apelos e protestos contra o novo caminho.
Morretenses e parnanguaras foram ouvidos e a Estrada do Itupava, que lhes
favorecia, não foi fechada e continuou sendo utilizada pelos tropeiros, apesar
de seus inúmeros perigos.
Depois de uma intensa campanha, a Freguesia de Morretes foi elevada
à categoria de Vila em 1841, sendo desmembrada de Antonina. No ano
seguinte, Paranagfoi elevada à categoria de cidade e, no ano de 1853, data
da criação da Província do Paraná (e da designação de Curitiba como sua
capital), o Porto de Paranaguá passou a escoar uma série de produtos que
alimentavam o comércio provinciano, como a erva-mate, o arroz pilado e as
madeiras, em especial o pinheiro paranaense (Araucaria Brasiliensis,
inicialmente bastante usado nas barricas de mate e, depois, popularizado como
madeira de corte).
Em 1857 Antonina foi elevada à categoria de cidade e, anos mais
tarde, em 1873, foi concluída a Estrada da Graciosa, ligando Antonina à
Curitiba. Substituindo o Caminho do Itupava e reduzindo as distâncias entre as
duas cidades, a Estrada evitava a travessia do Rio Cubatão e da Serra do Mar,
prestando importante serviço ao desenvolvimento regional a ser sucedida
pela inauguração da Estrada de Ferro, em 1886. Em 1869, a Vila de Morretes
foi elevada à categoria de cidade, ganhando a denominação de Nhundiaquara,
no ano seguinte alterada simplesmente para Morretes.
Antonina e Paranaguá competiram por décadas pela hegemonia
portuária paranaense. No período entre 1926 até 1930, o Porto de Antonina foi
o quarto porto exportador do Brasil, principalmente em razão da exportação de
erva-mate e madeira (peroba, pinho e araucária) e importação de sal e açúcar.
Nos anos seguintes, questões políticas e também técnicas (como a dificuldade
de aportamento de navios de maior calado, encarecimento da madeira de lei
3
Wachowicz (2001) escreve que a preferência pelo Caminho do Itupava em detrimento à
Estrada da Graciosa tinha as seguintes razões: o caminho do Itupava era mais curto, pois a
travessia pela Escarpa desde Curitiba levava apenas dois dias, metade do tempo gasto pela
Graciosa; a simpatia e a solidariedade dos tropeiros para com os comerciantes de Morretes,
onde possuíam amigos e fregueses. O caminho do Itupava permaneceu como a principal via
de transporte terrestre entre o planalto e o litoral até a abertura definitiva da Estrada da
Graciosa em 1873.
8
por conta da exploração descontrolada e aumento e melhoria das rodovias,
criando outras opções para o escoamento das cargas), seu movimento caiu
vertiginosamente, enquanto o porto parnanguara se fortaleceu. Como
resultado, na década de 1950, o Porto de Paranaguá já era o principal porto do
estado, sendo o grande responsável pelo escoamento da produção cafeeira do
Paraná, constituindo-se o maior porto internacional de café.
A partir destas informações, vislumbra-se, mesmo que de maneira
superficial, que tais municípios cresceram de forma entrelaçada, e que
historicamente cultivaram conflitos que ainda servem de estofo para discussões
contemporâneas. Ao mesmo tempo, torna-se também evidente a comunhão de
elementos culturais entre tais núcleos, que lhes permite compartilhar e conjugar
uma série de manifestações, como a culinária e os folguedos populares (dentre
eles os festejos carnavalescos e o próprio Fandago).
Dentre estas manifestações, destaca-se, obviamente, o Barreado, cujo
preparo e consumo terminaram por constituir laços espaciais e memoriais com
o litoral, laços estes que serviram para transformá-lo em peça estratégica para
o desenvolvimento socioeconômico dos municípios que optaram por trabalhar
comercialmente sua oferta. Os restaurantes que têm no Barreado o seu carro-
chefe surgiram e ainda surgem impulsionados por uma demanda crescente,
caracterizada por visitantes que se dirigem a eles para conhecer ou degustar
mais uma vez o prato. A partir destes deslocamentos, mesmo que inicialmente
em caráter excursionista
4
, a atividade turística de Antonina, Morretes e
Paranaguá (neste em menor proporção) começou a ser implementada e
fortalecida, atraindo investimentos e contribuindo para a geração de emprego e
renda. Tal cadeia produtiva se constrói no sentido da criação de atrativos
turísticos complementares (elementos naturais ou culturais capazes de
despertar o desejo de visitação), mas também de produtos e serviços que
permitam a chegada e a permanência dos turistas nas localidades (meios de
transporte, meios de hospedagem, serviços de alimentação, entre outros), que
por sua vez terminam estimulando o comércio local já existente.
4
Segundo a OMT, Organização Mundial do Turismo, caracteriza-se como turista o indivíduo
que se desloca para um lugar diferente do de sua residência habitual, impulsionado pelas mais
diferentes motivações, por um período superior a 24 horas. Por sua vez, excursionista consiste
no indivíduo que efetua tal deslocamento, mas que permanece no local visitado por um período
inferior a 24 horas (BARRETTO, 2003).
9
No que tange aos atrativos turísticos, nota-se que quanto mais distintos
forem, maior atratividade exercerão, tendo em vista que a experiência turística
se constrói também como uma complementação do cotidiano, em que se busca
a partir de preferências e expectativas pessoais experiências diversas das
habituais. Logo, todo o processo de planejamento e desenvolvimento turístico
envolve o levantamento de potencialidades, a procura por aspectos locais
(naturais ou culturais) que, por conta de suas características e peculiaridades,
sejam capazes não apenas de despertar o interesse de visitação, mas também
de proporcionar ao destino turístico (localidade) uma diferenciação em relação
aos demais. Nesta lógica o Turismo Gastronômico
5
, uma modalidade do
Turismo Cultural
6
, merece destaque justamente por facultar aos visitantes uma
experiência cultural materializada a partir da alimentação.
Embora seja um enfoque inédito de pesquisa e discussão, pensar o
Barreado como indutor do desenvolvimento é de grande pertinência,
principalmente se analisada a realidade dos três municípios que o ofertam
comercialmente: Antonina, Morretes e Paranaguá. Estes municípios têm
procurado no turismo o fortalecimento de suas economias, divulgando em suas
respectivas ofertas turísticas elementos de seus patrimônios natural e cultural,
como a gastronomia, o artesanato e os folguedos populares.
Neste sentido, partindo da percepção da importância do prato (do
ponto de vista cultural e econômico) e das múltiplas relações que se
estabelecem a partir dele (disseminação e adaptação da receita, sua
associação a outras práticas culturais, etc), surgiu o interesse por esta iniciativa
de pesquisa. Observo que o tema alimentação sempre esteve presente em
minha atuação profissional e nas pesquisas que realizo. Em meu cotidiano
como professora do Curso de Turismo da Universidade Federal do Paraná, sou
responsável desde 1999 pela disciplina de Alimentos e Bebidas (que trata da
alimentação como atrativo turístico bem como dos estabelecimentos comerciais
5
Embora o Ministério do Turismo não apresente uma definição oficial de Turismo
Gastronômico, o mesmo pode ser entendido como uma modalidade de Turismo Cultural na
qual o deslocamento é motivado por manifestações vinculadas à gastronomia (acontecimentos
programados, roteiros especializados, estabelecimentos temáticos, oferta de gastronomia
regional e pratos típicos).
6
Segundo o Ministério do Turismo do Brasil, o Turismo Cultural compreende as atividades
turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do patrimônio
histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e
imateriais da cultura (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2008, p.16).
10
que conformam o segmento de Alimentos e Bebidas) e também pela
supervisão de estágio obrigatório e orientação dos projetos de conclusão de
curso que tratem da alimentação relacionada ao turismo.
Bacharel em Turismo por formação, diante do interesse em aprofundar
meus conhecimentos na área, em 2001 ingressei no mestrado em Sociologia
da Universidade Federal do Paraná, programa que concluí em 2003
apresentando uma dissertação que discutia bares e casas noturnas como
espaços de lazer e sociabilidade na Curitiba contemporânea. Em 2004,
pretendendo estudar a relação entre a alimentação e o turismo, principalmente
sob a ótica dos chamados pratos típicos, me submeti à seleção para a linha de
pesquisa de História da Alimentação deste programa de doutorado, tendo
como objeto de estudo o Barreado enquanto manifestação cultural e agente
impulsionador do desenvolvimento turístico regional.
Parte da motivação deu-se também por conta da insatisfação em
relação ao tratamento dado ao prato, tendo em vista a falta de rigor das
publicações sobre o tema, que insistem em privilegiar o aspecto lúdico da
disputa entre antoninenses (ou capelistas), morretianos e parnanguaras pela
paternidade do prato. A decisão de levar a cabo tal proposta se deu justamente
por acreditar que a abordagem histórica seria indispensável para compreender
o quadro atual, bem como forneceria instrumental teórico-metodológico
adequado para o entendimento das diversas interações (inclusive as de caráter
político e econômico) vinculadas ao Barreado e que o foram esclarecidas ou
estudadas até então.
Desenhado este quadro de apresentação geral, tem-se como premissa
de trabalho a seguinte indagação: “De que forma é construída a tradição do
Barreado no litoral paranaense e como se desenvolve a oferta desta iguaria
dentro do contexto socioeconômico e cultural nessa região do estado?Como
tese central do trabalho destaca-se que “a tradição da degustação do Barreado
no litoral paranaense se por conta de sua íntima relação com o contexto
cultural local, mas também em virtude de estratégias políticas e econômicas
que transformam, a partir da década de 1970, a produção e comercialização do
prato em uma ferramenta de desenvolvimento”.
Como objetivo geral, busca-se compreender a tradição do Barreado no
litoral paranaense, tendo em vista a produção e a degustação da iguaria no
11
contexto socioeconômico e cultural da região. De forma específica, pretende-se
ainda: caracterizar o Barreado enquanto iguaria e tradição culinária, levantando
e estudando as origens atribuídas ao prato, as variações na receita e nas
formas de preparo e serviço, além das suas relações com outras
manifestações culturais litorâneas; pensar o Barreado e o seu consumo no
contexto histórico-cultural dos principais municípios envolvidos com sua oferta
contemporânea, procurando perceber como se constrói o quadro atual em
Antonina, Morretes e Paranaguá; entender, do ponto de vista da atividade
turística, a transformação do preparo, degustação e comercialização do
Barreado em um elemento estratégico para o desenvolvimento do litoral
paranaense, em especial dos municípios de Antonina, Morretes e Paranaguá.
Assim sendo, encerrada a etapa de pesquisa e reflexão, tem-se aqui o
texto final da tese intitulada Cozinhando a tradição: festa, cultura e turismo no
litoral paranaense, que é composta pelos seguintes capítulos:
O primeiro capítulo, intitulado Escolhendo ingredientes, técnicas e
procedimentos: o quadro teórico-metodológico da pesquisa aborda o contexto
historiográfico que explica a alimentação como objeto da História, traz uma
breve revisão de obras da historiografia da alimentação que contribuíram para
as reflexões que orientam este trabalho e esclarece sobre os procedimentos
metodológicos que conduziram a pesquisa.
O segundo capítulo, Antes de levar ao fogo, imprescindível:
compreender a comida como expressão cultural, discute a relação entre
alimentação e cultura, perpassando por conceitos fundamentais para este
trabalho, como identidade e tradição, sempre tendo como referência o
consumo alimentar contemporâneo. Neste capítulo também é desenhado um
breve panorama da culinária litorânea, bem como é discutida a
patrimonialização do saber-fazer alimentar.
O terceiro capítulo, denominado Comida para a alma, comida para o
corpo: prato principal, o Barreado, apresenta o Barreado enquanto iguaria
culinária, abordando as versões de sua origem, seus ingredientes, suas formas
de preparo e serviço, seus acompanhamentos habituais (farinha de mandioca,
banana e cachaça), tratando também de algumas inovações e adaptações
relacionadas ao prato que foram identificadas durante a pesquisa.
12
O quarto capítulo, Da casa para a rua: o início da moderna oferta
comercial do Barreado no litoral paranaense, fala do período inicial do
desenvolvimento da comercialização do prato, fazendo uma abordagem focada
nos principais restaurantes que serviram a iguaria até a década de 1970.
O quinto capítulo, intitulado Da mesa ao imaginário: a consolidação do
Barreado como prato típico, continuidade à análise iniciada no capítulo
anterior, tratando do desenvolvimento da oferta comercial do Barreado no litoral
paranaense, abrangendo desde a década de 1980 até os dias atuais.
Encerrando este trabalho, tem-se o item Conclusão, no qual são
apresentadas algumas reflexões sobre os resultados obtidos durante a
pesquisa, bem como sobre a trajetória da pesquisa em si, procurando uma
estabelecer uma ponderação geral sobre a realização desta tese de
doutoramento.
13
1 ESCOLHENDO INGREDIENTES, TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS: O
QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA
Neste primeiro capítulo, apresenta-se o ponto de partida teórico-
metodológico deste processo de investigação. Para tanto, inicialmente é
imprescindível apresentar um breve relato que situe as discussões
historiográficas que modificaram certos paradigmas, abrindo espaço para que
aspectos do cotidiano, dentre eles a alimentação, se tornassem objetos de
estudo da História.
Antes de mais nada, porém, é importante demarcar a alimentação
como uma área de encontro de disciplinas, que podem ser orquestradas do
ponto de vista teórico-metodológico pela História. Para o historiador Carlos
Roberto Antunes dos Santos (1997, p.155) os estudos inter e multidisciplinares
são de grande pertinência no âmbito da História da Alimentação, no sentido de
possibilitar pensar o objeto no contexto mais amplo possível, combinando
variáveis históricas e dialogando constantemente com outras disciplinas.
Para o autor essa integração entre estudos e pesquisas de diversas
áreas de conhecimento permite discutir a alimentação sem confrontar modos
diversos de fazer História com outras Ciências Sociais, como a Arte e a
Literatura, sem que a História perca sua identidade, mas que possa captar a
riqueza trazida pelas referências conceituais mais diversificadas (SANTOS,
1997, p.156). Concorda-se com Santos neste aspecto, principalmente quando
se deseja discutir, sob os auspícios da História, um objeto como o Barreado,
que pode ser analisado sob os prismas da Antropologia, da Sociologia, do
Turismo e do desenvolvimento econômico.
Concentrando-se nos avanços da historiografia no âmbito da
alimentação, deve-se ressaltar que a importância da França na produção
gastronômica internacional também se repete nos âmbitos acadêmicos e
teóricos da História e Cultura da Alimentação, em virtude da transformação que
historiadores franceses causaram na maneira de fazer e pensar História como
um todo. Fazendo uma retrospectiva sintética, é fundamental mencionar que foi
por meio da Escola de Annales, movimento historiográfico liderado por Marc
Bloch e Lucien Febvre, surgido na França a partir de 1929 com a fundação da
14
Revista Annales d´histoire économique et sociale, que o campo de pesquisa da
alimentação começou a ganhar contornos mais definidos.
A revista original, Annales d´histoire économique et sociale foi
fundada em 1929 por Marc Bloch e Lucien Febvre. Na década
de 1930, foi de Estrasburgo para Paris, onde, em 1946,
recebeu seu nome atual, Annales: Economies, Sociétés,
Civilisations. A Annales tornou-se uma escola ou, pelo
menos, assim começou a ser chamada – quando se afiliou
institucionalmente à Sexta Seção da École Pratique des Hautes
Études, depois da Segunda Guerra Mundial. Fernand Braudel
deu-lhe um sentido geral de unidade e de continuidade, tanto
por presidir a Sexta Seção quanto por dirigir a Annales nas
décadas de 1950 e 1960 (HUNT, 1992, p.2).
Combatendo uma História que se furtava ao diálogo com as demais
ciências humanas (como a Antropologia, a Sociologia, a Psicologia, a
Lingüística, entre outras), Febvre e Bloch defendiam uma História
problematizadora do social, preocupada com as massas anônimas, seus
modos de viver, de sentir e de pensar em oposição à “História historicizante”,
denominação dada ao tipo de História predominante no século XIX e no início
do século XX, e que privilegiava os grandes acontecimentos da História política
e nacional em detrimento das esferas cotidianas da vida social (VAINFAS,
2002, p.17).
Para o historiador Carlos Aguirre Rojas, os autores da corrente dos
Annales reivindicavam que o objeto do historiador é toda e qualquer marca
humana existente em qualquer tempo e, portanto, a História deveria ser global,
abrangendo também absolutamente todas as diferentes manifestações dos
homens em toda a complexa gama de realidades geográficas, territoriais,
étnicas, antropológicas, tecnológicas, econômicas, sociais, políticas, culturais,
religiosas, artísticas, etc (AGUIRRE ROJAS, 2007, p.24).
Em sua obra “A Escola dos Annales”, o historiador Peter Burke (1997)
apresenta uma análise das três fases que podem ser observadas no
movimento dos Annales. A primeira fase, de 1920 a 1945, caracteriza-se pela
oposição à História tradicional, à História política e à História dos eventos, bem
como pela liderança exercida por Febvre e Bloch, além das outras
características descritas anteriormente. Em uma iniciativa voltada para a
História da Alimentação, o próprio Febvre realizou uma pesquisa considerando
15
os três principais tipos de matéria gordurosa para se cozinhar banha,
manteiga e azeite procurando “localizá-los” e cartografá-los no território
francês, pesquisa publicada sob o título de Pour la premiére enquête
d´alimentation em 1936.
Após a Segunda Guerra Mundial tem início a segunda fase do
movimento, marcada pela presença de Fernand Braudel, principal discípulo de
Lucien Febvre, celebrizado pela publicação de sua tese de doutorado em 1949,
denominada O mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II.
Nesta obra apresentou sua própria concepção de História, em especial sua
problematização do Espaço (aprofundou o estudo sobre as relações entre o
meio ambiente e a vida material, sugerindo uma espécie de “determinismo
geográfico” na estrutura dinâmica das sociedades) e do Tempo Histórico
(desenvolveu na própria divisão da obra suas hipóteses sobre os diversos
tempos que se cruzam na História das sociedades: Longa duração longue
durée ou structure, dominada pelo meio geográfico -, Média duração – ou
conjoncture, voltada para a vida social -, e Curta duração o evento, que
incluía a política e tudo o que dizia respeito ao indivíduo).
Neste período, segundo Burke (1997), o movimento aproximou-se mais
da idéia de “escola”, tendo em vista a construção de conceitos diferentes
(particularmente estrutura e conjuntura) e novos métodos (dentre eles a
“História serial” de longa duração). Para o historiador Ronaldo Vainfas (2002), a
problematização braudeliana do tempo longo foi de importância crucial para o
conceito das mentalidades, concebidas como estruturas de crenças e
comportamentos que mudam muito lentamente. Entretanto, segundo o autor, a
“Era de Braudel” foi em tudo avessa ao estudo do mental, pois em sua vasta
obra Braudel concebeu a longa duração como um domínio temporal ligado às
relações entre o homem, a geografia e as condições de vida material,
mantendo-se fiel à concepção sintética da História presente em Febvre e
Bloch, mas deles se afastando ao “marginalizar” o estudo das mentalidades por
eles esboçado. A “Era de Braudel” também foi marcada pela penetração do
marxismo na produção universitária francesa, processo favorecido pela ênfase
braudeliana nos aspectos econômicos. No que tange à História da
Alimentação, Santos (2004) defende que Braudel fez contribuições efetivas
para que ela ganhasse fisionomia definitiva no campo da pesquisa histórica,
16
principalmente a partir do fortalecimento do conceito de cultura material
abrangendo os aspectos mais imediatos da sobrevivência humana: a comida, a
habitação e o vestuário.
A terceira fase do movimento teve início a partir da década de 1960,
sendo apontada por Burke (1997) como a mais difícil de caracterizar, tendo em
vista a perda de especificidades presentes nas fases anteriores. Em 1969,
Braudel se aposentou e deixou a presidência da Seção da École des Hautes
Études para Jacques Le Goff, e a Revista de Annales passou a ser dirigida por
Jacques Revel e André Burguière, pesquisadores que, como Le Goff, se
dedicavam às mentalidades. Neste sentido, a verdadeira ruptura na
historiografia francesa, responsável inclusive pelo surgimento da História das
mentalidades, parece ter ocorrido nesta terceira fase, em oposição à “Era de
Braudel”, na qual predominou uma visão mais totalizante e socioeconômica da
História do que em relação aos primórdios do movimento dos Annales.
Vainfas (2002) defende que o contexto historiográfico dominado pelo
estudo das mentalidades foi extremamente profícuo e cronologicamente
precedido por estudos sobre a História medieval e a História moderna, tendo
quatro temáticas preferenciais: a religiosidade, a sexualidade e suas
representações, os sentimentos coletivos e a vida cotidiana em regiões e
cidades. A partir da década de 1960, abriu-se o caminho para que a produção
historiográfica francesa fosse “do porão ao sótão, metáfora então usada para
exprimir a mudança da base socioeconômica ou da vida material para os
processos mentais, a vida cotidiana e suas representações (VAINFAS, 2002,
p.22). Porém, alerta o historiador, não se pode falar em uma História das
mentalidades homogênea e unificada, tanto em relação aos pressupostos
teórico-metodológicos, quanto aos resultados das investigações, pois as
diversas iniciativas de caráter conceitual, buscando delimitar o campo teórico-
metodológico da História das mentalidades, quase sempre terminavam em
imprecisões e ambigüidades, que contribuíram para desgastá-la.
A década de 1970 teve como destaque a emblemática publicação da
coletânea “Faire de l’histoire” (1974), organizada por Jacques Le Goff e Pierre
Nora, publicada no Brasil em 1976 como História”, organizada em três
volumes: Novas Abordagens; Novos Problemas; Novos Objetos. Marco da
historiografia mundial, esta obra trata de discussões teórico-metodológicas
17
acerca de novas formas de pensar e escrever História que estavam sendo
desenhadas no bojo das contribuições da Escola de Annales. O volume
dedicado aos Novos Objetos traz inclusive uma contribuição efetiva para a
História da Alimentação, mediante o artigo “A cozinha um cardápio do século
XIX”, do historiador Jean-Paul Aron
7
.
Retomando o contexto historiográfico mais geral, verifica-se que as
décadas de 1960 e 1970 também foram marcadas pela chamada História
Cultural
8
e, ainda, pela conformação da Nova História Cultural, expressão que
entrou em uso no final da década de 1980. A História Cultural terminou por
constituir um refúgio da História das mentalidades, bem como de seus temas e
de seus objetos, defendendo o estudo do mental sem abrir mão da própria
História como disciplina específica. Dentre as características mais marcantes
da História Cultural pode-se citar: rejeição ao conceito de mentalidades, por
considerá-lo vago, impreciso e ambíguo quanto às relações entre o mental e o
todo social; interesse pelas manifestações culturais das massas anônimas;
preocupação explícita com o resgate do papel das classes sociais, da
estratificação e do conflito social; caracterização de uma História plural,
apresentando caminhos alternativos para a investigação histórica,
característica esta que muitas vezes resultou em desacertos e incongruências
(BURKE, 2005).
7
ARON, J-P. A cozinha um cardápio do século XIX. In: LE GOFF, J; NORA, P. História
novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. Este artigo aborda o documento culinário
como uma nova tipologia de fonte bastante promissora, sendo capaz de revelar aspectos
relacionados à biologia, à medicina, à economia e a perspectiva administrativa de
determinadas instituições. As possibilidades das fontes culinárias são apresentadas em três
exercícios: o primeiro, um estudo do gasto médio, em quantidade, por dia e por indivíduo, dos
principais alimentos consumidos entre 1846 e 1847 por hospitais gerais da Assistência Pública,
em Paris, França. A partir do quadro geral, o autor indica a possibilidade de realização de uma
História administrativa (administração destas instituições), de uma História social (que se reflete
na compra e no consumo de víveres) e da união da História e da biologia (análise da dieta e
avaliação dos equilíbrios alimentares). Em segundo lugar, Aron apresenta um estudo do gosto
dos parisienses a partir do Cardápio do Estabelecimento Comercial Duval-Eiffel de 21 de julho
de 1889. Em terceiro lugar, é apresentado um estudo do cardápio de Antonin Carême
composto em 1822 e reproduzido em 1842, focado no inventário gastronômico do que é
servido, na arte culinária vinculada às formas de preparo e no serviço à mesa e suas
representações.
8
Peter Burke (2005, p.15-16) observa que a História Cultural pode ser dividida em quatro
fases, embora as divisões e distinções entre as mesmas nem sempre sejam bem claras. As
fases são: a fase “clássica”; a fase da “História social da arte”, que começou na década de
1930; a descoberta da História da cultura popular na década de 1960; e a nova História
Cultural”.
18
O cerne das discussões fomentadas pela História Cultural era ocupado
pela própria noção de cultura, bem como de cultura erudita e de cultura
popular. Isto fez com que alguns historiadores buscassem na Antropologia
soluções para estas questões. Sabe-se que vários antropólogos inspiraram
trabalhos na área de História, porém deve-se ressaltar a influência de Claude
Lévi-Strauss nas décadas de 1960 e 1970 (principalmente no que se refere à
sua teoria geral da cultura, baseada no estruturalismo) e, mais recentemente, a
grande repercussão dos trabalhos de Clifford Geertz junto aos historiadores
culturais (principalmente por conta da idéia de descrição densa e da noção de
interpretação cultural por ele proposta) e também junto ao movimento italiano
da Micro-História, como será abordado posteriormente.
A aproximação entre a História e a Antropologia gerou debates e
discussões em ambas as áreas. Na coletânea “História Cultural” (que reúne
ensaios realizados entre 1982 e 1988), o historiador Roger Chartier (1990),
crítico de alguns posicionamentos de Geertz, se afasta definitivamente da visão
dicotômica cultura popular/cultura erudita em favor de uma visão mais
abrangente, porém não homogênea, de cultura. O autor também se posiciona
contra inúmeros aspectos da História das mentalidades, principalmente no que
se refere ao apego demasiado à longa duração, ao quantitativismo e ao
psicologismo. Colocando-se contra a “tirania do social” e defendendo uma
outra aproximação do social (a partir de diferentes utilizações do equipamento
intelectual disponível), Chartier propôs um conceito de cultura como prática e
sugeriu as categorias de “representação
9
” e “apropriação
10
” para seu estudo.
9
A representação para Chartier pode ser compreendida como “classificações, divisões e
delimitações que organizam a apreensão do mundo social como categorias fundamentais de
percepção e apreciação do real. Variáveis consoantes as classes sociais ou os meios
intelectuais, são produzidas pelas disposições estáveis e partilhadas, próprias do grupo. São
estes esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras graças às quais o presente
pode adquirir sentido, o outro tornar-se intelegível e o espaço ser decifrado” (CHARTIER, 2002,
p.17). Para o historiador, as representações do mundo social assim construídas, embora
aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos
interesses de grupo que as forjam (CHARTIER, 2002, p.17). Esta perspectiva de que as
representações não se dão de forma ingênua e desconectada dos interesses do grupo que as
constroem impõe a necessidade de relacionar os discursos proferidos com a posição de quem
os utiliza.
10
Para Chartier (2002, p. 26), a noção de apropriação pode ser reformulada e colocada no
centro de uma abordagem da história cultural focada em práticas diferenciadas, com utilizações
contrastadas, dizendo respeito à pluralidade dos modos de emprego e à diversidade das
leituras que não forçam o texto, se afastando da idéia de apropriação para Michel Focault e
para a hermenêutica. Para o autor a apropriação tem como objetivo uma história social das
interpretações, remetidas para as suas determinações fundamentais (que são sociais,
19
Retomando a questão das tendências teóricas no campo da História,
verifica-se o surgimento de um outro refúgio para as temáticas correntes na
História das mentalidades: a Micro-História, fruto do debate intelectual e
historiográfico que nasce na Itália a partir da metade da década de 1970 nas
páginas dos Quaderni Storici (periódico fundado em Ancona em 1969 por
Alberto Caracciolo com o título Quaderni Storici delle Marche). Segundo o
historiador Henrique Espada Lima (2006), a revista acabou assumindo um
inegável papel precursor ao tornar-se um espaço privilegiado para a divulgação
de um amplo conjunto de experiências historiográficas, que tinham como tônica
o interesse pela História social, por uma aproximação com as ciências sociais e
por um forte diálogo com a historiografia internacional, em especial a francesa.
Quanto às temáticas e problemas abordados, é a partir da
década de 1970 que os primeiros elementos do debate sobre a
microstória aparecem. As discussões em torno da História
social, dos estudos de família e comunidades, da antropologia
histórica, todos esses temas chegam às páginas da revista, por
meio de novos colaboradores (LIMA, 2006, p.59).
Essa fase dos Quaderni abrigou colaboradores como Pasquale Villani,
que passou a dividir a direção da revista com Alberto Caracciolo, e Edoardo
Grendi, Angelo Ventura, Ernesto Galli, Giovanni Levi, Carlo Poni e Carlo
Ginzburg e foi marcada pela crítica à ambigüidade e fragilidade teórica da
História das mentalidades e por uma defesa do ecletismo temático, temporal e
espacial. Neste período, o apreço pelos estudos monográficos regionais
manifestava-se, nas páginas dos Quaderni Storici, também com a colaboração
de historiadores franceses que trabalhavam na Itália:
As aproximações e distâncias entre as formas de fazer e
pensar História na França e na Itália apareciam mais uma vez
no interesse manifestado pelas monografias regionais. Essas,
em sua concepção tradicional, desenvolviam-se na França
como pesquisas que se voltavam sobre o recorte local a partir
de uma perspectiva que priorizava a representatividade: as
realidades locais eram estudadas tendo como objetivo a
“verificação local de hipóteses e resultados gerais”, na medida
em que eram consideradas amostras estatisticamente
representativas de um modelo de sociedade anteriormente
institucionais, culturais) e inscritas nas práticas específicas que as produzem (CHARTIER,
2002, p.26).
20
definido. Esse modelo francês começava a se refletir sobre os
estudos locais que eram publicados pelos QS (Quaderni
Storici) (LIMA, 2006, p.84)
Para além do intercâmbio entre historiadores italianos e franceses, é
importante considerar as mudanças no contexto italiano geradas a partir das
revoltas estudantis que tiveram início em 1967, do surgimento de grupos
terroristas nos anos 1970 e pelo conseqüente endurecimento do aparato
repressivo do Estado. Inspirados pelo movimento dos Annales, os
historiadores italianos voltaram-se para estas mudanças e os debates pela
inclusão dos chamados novos sujeitos sociais (estudantes, mulheres e
migrantes) ganharam força. Com o enfraquecimento das concepções
metodológicas vigentes (em especial a crise do marxismo e do estruturalismo),
os modelos voltados aos processos macrossociais foram questionados e o
interesse pelos “processos microscópicos” foram fortalecidos, na mesma
medida em que o diálogo com outras disciplinas (como a Antropologia)
objetivando uma aproximação às esferas do cotidiano também alcança
repercussão.
Segundo Vainfas (2002), a Micro-História é capaz de formulações
teóricas e metodológicas mais nítidas em relação à História cultural, tendo sua
identidade metodológica evidenciada pela redução da escala de observação. O
mesmo autor completa:
A Micro-História, se a situarmos no campo da nova História
cultural, também partiu da crítica aos excessos de
irracionalismos ou psicologismos, à negligência no tocante às
hierarquias e conflitos sociais e à redução do trabalho
historiográfico à simples descrição textual de fatos registrados
na documentação (VAINFAS, 2002, p.69).
No que tange à temática, nota-se uma ampliação considerável de
possibilidades, assim como acontece com a História das mentalidades, embora
a Micro-História abarque estudos que alcançam o mundo contemporâneo e até
mesmo a História do tempo presente; enquanto na História das mentalidades
as pesquisas concentraram-se na Europa Medieval e Moderna.
A partir da década de 1980, a Micro-História extrapolou definitivamente
as fronteiras italianas e ganhou destaque nas discussões internacionais, em
21
parte pelo trabalho de Jacques Revel, então um dos diretores da Annales e um
dos principais responsáveis pela divulgação da Micro-História na França.
Jacques Revel (1998), ao analisar essa corrente historiográfica, aponta quatro
importantes características, todas elas resultantes da redução da escala de
observação, a saber: a redefinição dos pressupostos da análise sócio-histórica
(considerando os comportamentos por meio dos quais as identidades coletivas
se constituem e se deformam); a redefinição da noção de estratégia social
(procurando reconstituir a sociedade estudada em escala microscópica,
analisando também os impasses, as incertezas e os dilemas de cada indivíduo
ou grupo); redefinição da noção de contexto (recusando um contexto unificado,
homogêneo, dentro e em função do qual os atores realizam suas escolhas); e
ainda a redefinição da hierarquia das problemáticas históricas (valorizando a
multiplicidade de papéis desempenhados pelos protagonistas da Micro-História,
inserindo-os em múltiplos contextos não-compartimentados e recusando sua
hierarquização).
Para Ginzburg, Castelnuovo e Poni (1989), a análise micro-histórica
deve ser considerada bifronte, pois, por um lado, orientada pela escala
reduzida, permite análises e reconstituições que seriam impensáveis em outros
tipos de historiografia, ao mesmo tempo em que se dedica a indagar as
estruturas invisíveis dentro das quais o objeto de estudo se insere, tarefa que
busca auxílio na interdisciplinaridade. Neste sentido, observa-se que a Micro-
História se encontra muito próxima da Antropologia, especialmente a
antropologia hermenêutica e interpretativa de Clifford Geertz (1989), baseada
no relativismo cultural e na recusa do etnocentrismo e da hierarquização entre
culturas, tendo em vista o entendimento de que cada cultura caracteriza-se
como um universo fechado, cujos conteúdos simbólicos fazem sentido somente
para aqueles que comungam do mesmo arcabouço cultural.
Segundo Vainfas (2002, p.124) os procedimentos da antropologia
hermenêutica e da Micro-História se encontram em vários pontos, tais como o
recorte microscópico do objeto; a recusa em contextualizar globalmente o
universo de pesquisa; a ausência de comparações em favor da descrição de
casos únicos. Não se pode esquecer ainda da descrição densa, método
derivado da convicção de que o etnógrafo inscreve o discurso social e o anota,
um conceito-chave absorvido pela Micro-História e que deu base às
22
adaptações do fundamento teórico das narrativas micro-históricas utilizadas
tanto como método de análise das fontes quanto na fórmula expositiva.
A partir do exposto, verifica-se que a opção pelo estudo de uma
manifestação cultural, a descrição de um caso específico sem a preocupação
com generalizações ou em estabelecer uma análise comparativa, bem como a
decisão em reduzir a escala de observação, mantendo o Barreado como foco
central sem negligenciar seu contexto maior, se evidenciam como contribuições
da Micro-História para a concepção desta pesquisa.
1.1 DA HISTORIOGRAFIA DA ALIMENTAÇÃO
Argumentando que comer não serve apenas para manter a máquina
biológica do nosso corpo, mas também para concretizar um dos modos de
relação entre as pessoas e o mundo, desenhando assim uma de suas
referências fundamentais no espaço-tempo, a historiadora Luce GIARD (1994,
p. 250) evidencia não apenas a íntima relação entre alimentação e cultura, mas
também ressalta a complexidade da primeira. Considerando que as escolhas
pertinentes à dieta alimentar extrapolam a manipulação de calorias digeridas e
se estendem aos modos à mesa e aos locais e momentos em que a
degustação ocorre, tem-se clara a gama de informações que podem ser
depreendidas do estudo da alimentação.
Marcada por mudanças sociais, econômicas e tecnológicas, a
alimentação humana demanda abordagens que não se fixem apenas em
questões biológicas, tornando-a uma importante fonte de conhecimentos sobre
determinados grupos humanos (abordagem comum dentro da antropologia) e
também sobre determinado período histórico, não apenas no âmbito do que era
consumido e com quais técnicas de preparo, mas também como reflexo de
fluxos migratórios, representações ligadas ao alimento e a própria estruturação
da economia, no que tange à produção e troca de produtos. O historiador
Henrique Carneiro afirma:
23
O costume alimentar pode revelar de uma civilização desde a
sua eficiência produtiva e reprodutiva, na obtenção,
conservação e transporte dos gêneros de primeira necessidade
e os de luxo, até a natureza de suas representações políticas,
religiosas e estéticas. Os critérios morais, a organização da
vida cotidiana, o sistema de parentesco, os tabus religiosos,
entre outros aspectos, podem estar relacionados com os
costumes alimentares (CARNEIRO, 2005, p. 72).
Como alertam os historiadores Ulpiano Meneses e Henrique Carneiro
(1997), o tema alimentação vem sendo tratado desde a Antiguidade,
principalmente a partir de enfoques biológicos, culturais e econômicos.
Entretanto, embora possam ser identificadas algumas contribuições isoladas, o
debate historiográfico da alimentação se manteve latente por muito tempo. A
obra de Adam Maurizio (1926), Histoire de l’alimentation getable depuis la
Préhistoire jusqu’a nous jours, é considerada uma das primeiras obras de
História da Alimentação por tratar dos sistemas alimentares da espécie
humana desde a Pré-História, mas que se caracteriza muito mais como uma
história da agricultura do que da alimentação propriamente dita.
Para Carneiro (2003) a constituição dos Estados Nacionais foi
acompanhada da uniformização de uma língua nacional, assim como a
construção ideológica de uma “identidade nacional”, no bojo da qual a idéia de
uma “cozinha nacional” também ganha destaque, calcada na premissa de que
esta deveria superar e integrar particularismos regionais. Dessa forma, o
seria por coincidência que os estudos sobre “alimentações nacionais” surgiram
e ganharam espaço na Europa e nos Estados Unidos no século XIX.
Todavia, o estudo da alimentação de forma consistente sob os
auspícios da História manteve-se estagnado por muito tempo. Como
comentado anteriormente, foram necessários inúmeros debates teórico-
metodológicos, em especial os inaugurados por Marc Bloch e Lucien Febvre
com a fundação da Revista Annales d´histoire économique et sociale na França
em 1929, para que a alimentação e outros aspectos do cotidiano fossem
alçados ao status de objeto histórico. De forma mais específica, a partir do final
dos anos 70 multiplicam-se os estudos que se dedicaram às práticas
alimentares dos indivíduos em contextos e períodos históricos diferentes
(SANTOS, 1997, p.4), criando um corpo bibliográfico cada vez mais em
expansão, tanto no exterior quanto no Brasil.
24
Assim sendo, diante da tarefa de fazer uma revisão das obras de
historiografia da alimentação que influenciaram e orientaram este trabalho,
optou-se por cumpri-la privilegiando os textos e livros que participaram
diretamente na construção desta pesquisa. Caso fosse feita a opção pelo
quadro mais amplo, além do número de tulos que poderiam ser elencados,
tarefa que não faria tanto sentido, até mesmo porque iniciativas como a de
Meneses e Carneiro (1997), Santos (1997, 2004) e novamente Carneiro (2003)
realizaram bastante bem essa análise mais abrangente. Desta forma as
obras escolhidas são apresentadas aqui em ordem cronológica de suas
respectivas publicações originais.
No Brasil, em 1939 ocorreu a publicação de Assucar: algumas receitas
de doces e bolos dos engenhos do nordeste pelo sociólogo Gilberto Freyre, um
dos precursores dos estudos da alimentação no Brasil. Neste livro o autor não
apenas lançou o de uma análise sobre o cotidiano das casas vinculadas à
economia açucareira no nordeste brasileiro, mas dedicou-se, em suas próprias
palavras, a valorizar na doçaria ou na culinária uma expressão de arte que de
regional pode passar a nacional e até a transnacional (FREYRE, 1997, p.32).
Desse modo, Freyre explorou detalhes da arte culinária, incluiu receitas de
alguns doces mais famosos e também discutiu a formação da tradição doceira
no Brasil, principalmente mediante as contribuições portuguesas e africanas,
trazendo reflexões pertinentes à análise da tradição culinária como um todo.
Apesar de não se tratar de uma obra destinada exclusivamente à
alimentação, o lançamento do livro Dicionário do Folclore Brasileiro em 1954
pelo bacharel em direito, jornalista, mas acima de tudo folclorista brasileiro Luis
da Câmara Cascudo trouxe contribuições bastante pertinentes para a área,
tendo em vista os inúmeros verbetes relacionados à alimentação que foram
arrolados e explicados ao longo da obra, dentre eles o próprio Barreado.
Em 1967, o mesmo autor voltou-se exclusivamente para o tema
alimentação, publicando História da Alimentação no Brasil, obra fundamental
para o estudo da História da Alimentação nacional, por tratar da formação dos
costumes alimentares regionais. Em termos de auxílio específico para este
trabalho merecem relevo os capítulos Cardápio Indígena, Ementa Portuguesa,
Sociologia, Técnicas Culinárias e ainda Folclore da Alimentação.
25
No ano de 1968, Câmara Cascudo lançou Prelúdio da cachaça, em
que escreveu sobre a trajetória da produção e do consumo da bebida no Brasil,
explorando também os aspectos folclóricos a ela relacionados. Tendo em vista
que a cachaça é um acompanhamento fiel do Barreado, o texto contribuiu para
uma compreensão dos amplos significados que a aguardente assume.
Dez anos mais tarde, em 1977, Câmara Cascudo se dedicou
novamente sobre o tema alimentação e publicou Antologia da Alimentação no
Brasil, reunindo diversos artigos, dentre eles o de Mariza Lira, intitulado Nove
Sopas. Barreado. A origem da mãe-benta, que apresenta o Barreado e fala de
suas origens e formas de preparo.
Em 1995, ocorreu uma publicação pioneira para a historiografia da
alimentação paranaense. O historiador Carlos Roberto Antunes dos Santos
publicou História da Alimentação no Paraná, fruto de sua tese apresentada em
1992 para o concurso público para professor titular do Departamento de
História da Universidade Federal do Paraná, intitulada “Alimentar o Paraná
Província” cujo conteúdo enfoca as políticas de produção e abastecimento
alimentar, discutindo a formação da estrutura agroalimentar na província do
Paraná.
A década de 1990 continuou se mostrando bastante profícua no que
tange à produção voltada para a História da Alimentação. Em 1996, foi editado
na França o livro História da Alimentação, sob a organização de Jean-Louis
Flandrin e Massimo Montanari. A obra, publicada no Brasil em 1998, agrega
inúmeros artigos que versam sobre a história e a cultura da alimentação,
abordando desde estratégias alimentares do período pré-histórico até
tendências e perspectivas contemporâneas. Dentre os artigos, destaca-se o da
historiadora Julia Csergo, intitulado A emergência das cozinhas regionais, que
trata da valorização das cozinhas regionais francesas como forma de
contribuição para a construção da “nova” França pós-revolução, abordando
também como, posteriormente, a atividade turística e os livros de culinária
contribuíram para a consolidação e divulgação dos pratos emblemáticos dessa
cozinha.
O ano de 1997 foi muito proveitoso para as discussões teórico-
metodológicas sobre a historiografia da alimentação no Brasil. Neste ano foram
publicados dois artigos que constituem referência para os estudiosos da área:
26
Por uma História da Alimentação, integrante da Revista História, Questões &
Debates, de autoria de Carlos Roberto Antunes dos Santos e A História da
Alimentação: balizas historiográficas, de autoria de Ulpiano Meneses e
Henrique Carneiro, incluído nos Anais do Museu Paulista de tema História e
Cultura Material. Estes dois textos são de suma importância, pois, embora não
tenham como objetivo mapear toda a produção historiográfica voltada para a
alimentação, terminam por identificar e caracterizar obras de grande relevância,
esboçando um estado da arte de grande valia para aqueles que desejam
conhecer melhor o tema.
Ainda em 1997, a socióloga Maria do Carmo Marcondes Brandão
Rolim defendeu a tese de doutorado Gosto, prazer e sociabilidade bares e
restaurantes de Curitiba – 1950-1960, no Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal do Paraná. Seu trabalho tratou da vivência da
sociabilidade nos espaços curitibanos durante o período enfocado, dando
relevo ao depoimento de freqüentadores e proprietários de vários
estabelecimentos. Este trabalho contribuiu principalmente no momento de
pensar a metodologia que seria utilizada, além de proporcionar uma
familiaridade com a discussão a respeito da memória.
No mesmo ano, a socióloga Mônica Chaves Abdala publicou Receita
de mineiridade: a cozinha e a construção da imagem do mineiro, livro que é
produto da dissertação de mestrado da autora. Esta obra trata do papel da
cozinha na construção da imagem do mineiro típico, trabalhando conceitos que
são essenciais para este trabalho, como a questão da identidade e da tradição
vinculadas aos hábitos alimentares.
Em 2000, a editora SENAC São Paulo lançou Multissabores: a
formação da gastronomia brasileira, um livro que buscou dar conta de maneira
sintética dos principais pratos da gastronomia brasileira, organizado a partir das
regiões geográficas do país. Deve-se mencionar, porém, que a culinária
paranaense é praticamente ignorada ao longo do livro.
No ano de 2001, o sociólogo brasileiro Ariovaldo Franco publicou o livro
De Caçador a Gourmet, obra que objetiva, em linguagem direta e bastante
acessível, localizar o leitor em relação a uma história geral da gastronomia,
discutindo, entre outros assuntos, a relação que o homem estabelece com o
alimento e a questão da industrialização e internacionalização dos hábitos
27
alimentares. Ainda na linha de obras que trazem uma discussão mais ampla da
História da Alimentação, em 2001 foi lançado Comida, uma História pelo
historiador espanhol Felipe Fernández-Armesto. A obra, publicada no Brasil em
2004, trata de diversos aspectos relacionados à História e cultura da
alimentação, tais como o significado do ato de comer, a questão da criação de
animais como alimentos e a industrialização das refeições nos séculos XIX e
XX.
Em 2002, é publicado na França o livro Sociologias da alimentação,
obra do sociólogo Jean-Pierre Poulain. O livro chega ao Brasil em 2004 e
discute, dentre outros aspectos da alimentação contemporânea, a
internacionalização e a industrialização, as permanências alimentares e os
espaços de comer na atualidade. Também em 2002 a historiadora Claídes
Schneider defendeu a dissertação de mestrado Do cru ao assado: a Festa do
Boi Assado no Rolete de Marechal Cândido Rondon, no Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal do Paraná. A autora produziu
um trabalho bastante interessante, enfocando uma iguaria que também possui
grande representatividade turística regional e desenvolvendo uma análise que
aproxima a História da Antropologia ao investigar junto aos assadores de bois
as representações envolvidas nessa prática gastronômica.
Em 2003, o historiador Henrique Carneiro debruçou-se novamente
sobre o tema alimentação e publica Comida e sociedade, um livro de alcance
abrangente, que discute aspectos econômicos, sociais e culturais da
alimentação, a incorporação de produtos animais e especiarias na dieta
humana, além da historiografia internacional e brasileira da alimentação.
No ano seguinte foi editado o número trinta e três da Revista Estudos
Históricos, pela Fundação Getúlio Vargas, um dossiê sobre Alimentação. Com
artigos de pesquisadores de diferentes formações desenvolvendo diversos
enfoques, a publicação reitera a característica interdisciplinar da História da
Alimentação. Em destaque figura o texto Uma cozinha à brasileira, de Maria
Eunice Maciel, que discute a formação da cozinha brasileira a partir de uma
abordagem antropológica, pensando as cozinhas como marcadores
identitários.
Em 2004, a cientista social Luciana Patrícia de Morais defendeu sua
dissertação intitulada Culinária típica e identidade regional: a expressão dos
28
processos de construção, reprodução e reinvenção da mineiridade em livros e
restaurantes de comida mineira no Programa de Pós-graduação em História da
Universidade Federal de Minas Gerais, que discute a idéia de culinária típica e
a maneira com que ela se aproxima da construção das identidades regionais, e
como estes conceitos são operacionalizados e percebidos no mundo
contemporâneo.
Em 2005, foi publicado o livro Os sabores da lusofonia: encontro entre
culturas pela antropóloga norte-americana Cherie Yvonne Hamilton, que
aponta similaridades entre as gastronomias dos países lusófonos, pensando a
influência portuguesa na formação do paladar de brasileiros, angolanos,
moçambicanos, caboverdianos, dentre outros. No mesmo ano foi lançado um
número da revista História: questões e debates, publicado pelo Programa de
Pós-Graduação em História e pelo Departamento de História da Universidade
Federal do Paraná, dedicado exclusivamente à alimentação. Reunindo alguns
dos principais especialistas brasileiros na historiografia da alimentação, o
periódico traz artigos como A alimentação e seu lugar na História: os tempos
da memória gustativa, de Carlos Roberto Antunes dos Santos e Comida e
sociedade: significados sociais na História da Alimentação, de Henrique
Carneiro.
Em 2007, a nutricionista Juliana Cristina Reinhardt defendeu sua tese
de doutoramento no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal do Paraná, intitulada Diz-me o que comes e te direi quem és
alemães, comida e identidade, em que retoma as discussões sobre identidade
e tradição culinária a partir do estudo de práticas culinárias de alemães
luteranos em Curitiba. No mesmo ano, Mariana Corção defendeu sua
dissertação de mestrado no mesmo Programa de s-Graduação,
apresentando um trabalho centrado na discussão da memória gustativa a partir
do estudo do tradicional Bar Palácio de Curitiba, intitulado Os tempos da
memória gustativa: Bar Palácio, patrimônio da sociedade curitibana.
Além das obras citadas, deve-se mencionar também o conjunto de
dissertações e teses produzidas junto ao Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal do Parapela linha de pesquisa História da
Alimentação. Inaugurada em meados da década de 1990, já produziu oito
teses de doutorado e oito dissertações de mestrado, além de dez monografias
29
e trabalhos de conclusão de curso, configurando uma produção intelectual
robusta, que é referência dentro e fora do país. Deve-se fazer constar ainda a
realização do Evento Saber e Sabor pela referida instituição, acontecimento
pautado na História e cultura da alimentação que reuniu diversos
pesquisadores brasileiros e estrangeiros em Curitiba, no mês de agosto de
2007, em três dias de profícuos debates e apresentações.
1.2 DOS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA REALIZAÇÃO DA
PESQUISA
Estudar um prato como o Barreado é um desafio por vários motivos. As
diferentes versões para a origem remota, as adaptações da receita, as
manifestações culturais vinculadas e os usos contemporâneos são alguns dos
aspectos que evidenciam a teia de significados na qual se insere a iguaria e
que, por conseqüência, remetem à complexidade desta empreitada. Mais do
que a “receita originalou um posicionamento sobre sua “paternidade”, desde
cedo teve-se claro que o principal objetivo era o de perceber as significações e
as funções atribuídas ao prato, tanto nos planos histórico e sócio-cultural
quanto econômico. Portanto, pela natureza e a especificidade da problemática
levantada, bem como dos objetivos estabelecidos, esta pesquisa foi realizada
através de duas grandes etapas, interdependentes e complementares, uma de
caráter teórico e outra de caráter empírico.
A pesquisa teórica teve como objetivo a familiarização com a
historiografia da alimentação e com conceitos considerados fundamentais para
as discussões que se pretendia desenvolver. Como defende o sociólogo Pedro
Demo (1997, p.48) um trabalho científico não se inicia do nada, ou seja, implica
em conhecimentos prévios, sobretudo leitura pertinente, alguma familiaridade
com a questão, acompanhamento da produção vigente, cumprindo a função
apontada por Sérgio Vasconcelos de Luna (1996, p.83) de circunscrever um
dado problema de pesquisa dentro de um quadro de referencial teórico que
pretende explicá-lo. Dessa forma, foram revisados títulos sobre historiografia e
30
História da Alimentação, além de obras que abordam a alimentação sob um
prisma sócio-cultural.
Por sua vez, a pesquisa empírica buscou fontes (orais e impressas)
que tornassem a realidade analisada inteligível e que permitissem a
confirmação da tese. Concorda-se com a observação de Luna (1996, p.59) de
que cada procedimento de coleta de informações, por suas próprias
características, apresenta uma série de vantagens, mas é limitado em vários
aspectos. É preciso que o pesquisador tenha conhecimento das desvantagens
e saiba como contorná-las. Portanto, procurou-se concatenar iniciativas e
técnicas de pesquisa complementares, com a intenção de otimizar o tratamento
ao objeto de estudo por meio da captação das diferentes facetas das
manifestações estudadas, pois, como observa o historiador Astor Antonio
Diehl:
A compreensão histórica ocorre não apenas no texto ou nas
fontes, mas em toda ação humana do passado capaz de ser
resgatada dos documentos e das fontes orais. Nesse sentido,
os restos de expressões de ações humanas no passado
recebem interpretações compreensíveis a partir de tradições,
representações de valor, significações e de perspectivas de
futuro (DIEHL, 2002, p.90).
Assim sendo, as primeiras atenções voltaram-se às fontes escritas,
inclusive no intuito de conhecer melhor o recorte temporal com o qual se estava
lidando. Foram arrolados, fichados e analisados diversos artigos e documentos
que tratam do Barreado, do desenvolvimento do litoral paranaense e da
evolução da atividade turística no Estado do Paraná, com destaque para a
Revista Paraná em Páginas e a Revista Panorama (consultadas a partir da
década de 1960) e o Jornal Gazeta do Povo, em especial a Coluna Turismo
(consultada a partir da década de 1970). Neste sentido a consulta aos arquivos
da Biblioteca Pública do Paraná, em Curitiba, da Biblioteca Pública Municipal
Comendador Theobaldo Pereira, em Antonina, Biblioteca Pública Municipal
José Gonçalves de Moraes, em Morretes, Biblioteca Pública Municipal Leôncio
Correia, em Paranaguá, e aos Arquivos da PARANÁ Turismo foram essenciais.
Sobre a utilização da História Oral, observa-se que, apesar de
constituírem a forma predominante de conservação e transmissão de
31
conhecimentos durante um longo período da história humana, os relatos orais
apenas recentemente ganharam espaço no âmbito da pesquisa historiográfica.
Como observa a historiadora Marieta de Moraes Ferreira (1994), o domínio dos
documentos escritos como fonte, a supremacia do período medieval como foco
dos estudos e o desprezo pela história contemporânea no século XIX
terminaram por impor um estigma à utilização dos relatos orais enquanto fontes
históricas. Tal resistência permaneceu mesmo após a fundação na França da
Revista de Annales em 1929 e da École Pratique des Hautes Études em 1948,
demarcadoras de um movimento de questionamento da História até então
praticada, como já foi discutido anteriormente.
Enquanto as fontes seriais e as técnicas de quantificação continuaram
sendo privilegiadas, as fontes orais recebiam duras críticas, que ressaltavam e
atacavam sua subjetividade, a dificuldade de obtenção de relatos fidedignos e
ainda a pouca representatividade atribuída à experiência individual. Entretanto,
para além dos domínios da disciplina História, a coleta de dados orais ganhou
impulso com a invenção e popularização do gravador na década de 1940. A
partir da década de 1950 jornalistas e sociólogos foram os que mais se valeram
deste tipo de iniciativa, sendo que, no que tange à aplicação dos relatos orais
na História, tem-se como período marcante o período compreendido entre 1965
e 1977, quando se observou o desenvolvimento de diversos centros de História
Oral nos Estados Unidos (FERREIRA, 1994).
A partir de 1975 evidenciou-se o exercício da História Oral no meio
universitário, voltado principalmente para a trajetória dos excluídos. Este
movimento ultrapassou as fronteiras norte-americanas e ganhou destaque na
Inglaterra, onde foi criada a revista Oral History e a Oral History Society. Em
1978, Paul Thompson, um grande defensor da História Oral, publicou seu livro
The voice of the past (traduzido no Brasil como A voz do passado),
argumentando pelo caráter militante e engajado da História Oral, e atribuindo à
ela a função de democratização da História a partir da valorização dos pontos
de vista de pessoas comuns”. Para Paul Thompson (2002, p.44), a História
Oral propõe um desafio aos mitos consagrados da História, ao juízo autoritário
inerente a sua tradição e oferece meios para uma transformação radical do
sentido social da História.
32
Deve-se salientar também a influência das transformações ocorridas no
campo historiográfico no final da década de 1970 e no início da década de
1980 para a popularização da prática da História Oral. Segundo Ferreira
(1994), a incorporação dos temas contemporâneos, o resgate do político e a
ênfase na história das representações e do imaginário, bem como a
valorização tanto da análise qualitativa quanto das experiências individuais
foram mudanças bastante favoráveis à História Oral, mesmo que muitas vezes
os depoimentos orais fossem utilizados somente para suprir lacunas
documentais.
Neste panorama, a História Oral, caracterizada por Jorge Eduardo
Aceves Lozano (2002, p.17) como um procedimento que visa à constituição de
novas fontes para a pesquisa histórica, com base nos depoimentos orais
colhidos sistematicamente em pesquisas específicas, sob métodos, problemas
e pressupostos teóricos explícitos, ganhou maior destaque e novos adeptos.
Dentre suas especificidades, que demandam procedimentos e cuidados
específicos por parte do pesquisador, Danièle Voldman (2002, p.37) aponta
dois aspectos que podem ser considerados, simultaneamente, pontos fortes e
fracos: em primeiro lugar, a interação entre o entrevistado e o entrevistador,
pois o depoimento consiste em um momento em que duas subjetividades
imediatas se conjugam, tanto para esclarecer quanto para confundir as pistas.
Em segundo lugar, consta o fato de que o depoimento oral depende da
memória do indivíduo, que deve ser estimulada pelo entrevistador.
Esta íntima relação que é estabelecida com a memória do depoente
traz à tona a velha crítica da subjetividade das fontes orais. Mas o surgimento
de uma linha de trabalho que privilegia o estudo das representações terminou
por demonstrar que a subjetividade e as “deformações” do depoimento oral não
são aspectos negativos, mas reveladores de informações preciosas,
justamente por entender que as distorções da memória podem se revelar mais
um recurso do que um problema, já que a veracidade dos depoimentos não é a
preocupação central (FERREIRA, 1994, p.10). Para a realização desta
pesquisa, é esta a postura adotada, distanciando-se da utilização dos
depoimentos orais visando exclusivamente o preenchimento das lacunas
deixadas pelas fontes escritas.
33
Tem-se claro que, para tanto, os instrumentos de coleta de dados
devem ser construídos com cuidado, procurando garantir a interação entre
entrevistador e entrevistado. Entretanto, tais instrumentos não o capazes de
eliminar a subjetividade, uma constante quando se trabalha com memória e
recordações, tendo em vista que na História Oral o objeto de estudo é
recuperado e recriado por intermédio da memória dos informantes. Por
conseqüência, a instância da memória passa a nortear as reflexões históricas,
acarretando desdobramentos teóricos e metodológicos importantes.
Escrevendo sobre a memória e a maneira como ela opera, Michel
Pollak (1988) argumenta que a História Oral permite desvendar, por trás das
hesitações, esquecimentos e até mesmo silêncios, conflitos e informações que
escapam dos relatos escritos e que muitas vezes são fruto das “negociações”
entre a memória individual e a memória coletiva. A idéia de memória coletiva
presente em Pollak é baseada nas contribuições de Maurice Halbwachs (1990),
que defende a existência dos “quadros sociais da memória”
11
.
Abordando os elementos constitutivos da memória, individual e
coletiva, Michel Pollak ressalta:
Em primeiro lugar, são os acontecimentos vividos
pessoalmente. Em segundo lugar, são os acontecimentos que
eu chamaria de “vividos por tabela”, ou seja, acontecimentos
vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa se
sente pertencer. São acontecimentos dos quais a pessoa nem
sempre participou mas que, no imaginário, tomaram tamanho
relevo que, no fim das contas, é quase impossível que ela
consiga saber se participou ou não (POLLAK, 1992, p.201).
Neste sentido, vale o alerta de Voldman (2002, p.37), ao afirmar que o
entrevistador em uma prática de História Oral entra em contato com uma
memória reconstituída ou firmemente construída por diversos motivos
(preservação de uma identidade coletiva ou de um mito, proteção pessoal da
vida passada, risco de ter que mudar de representação de sua própria
existência, etc). Esta afirmação propõe uma reflexão não apenas sobre o que
é dito, mas também sobre o sujeito que fala e sobre as circunstâncias em que
ele fala, pois a lembrança nunca é uma reprodução objetiva da situação vivida,
11
Observa-se que a discussão sobre a questão da memória coletiva é retomada
posteriormente no item 2.1, que trata das relações entre comida, identidade e tradição.
34
que é impregnada pelas percepções, pelos valores e pela própria
experiência de vida do depoente. Sobre este aspecto, a psicóloga social Ecléa
Bosi (2003, p.55) escreve que memória não é reviver, mas refazer, reconstruir,
repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado, e
continua:
[...] a lembrança é uma imagem construída pelos materiais que
estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de
representações que povoam nossa consciência atual. Por mais
nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é
a mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós
não somos os mesmos de então e porque nossa percepção
alterou-se e, com ela, nossas idéias, nossos juízos de
realidade e de valor (BOSI, 2003, p.55).
Para Henry Rousso (2002, p.94), a memória, no sentido básico do
termo, é a presença do passado. Desenvolvendo seu raciocínio e se
aproximando da idéia de Bosi, o autor conceitua memória como sendo uma
reconstrução psíquica e intelectual que acarreta de fato uma representação
seletiva do passado, um passado que nunca é aquele do indivíduo somente,
mas de um indivíduo inserido em um contexto familiar, social, nacional. Sobre
esta perspectiva Astor Diehl comenta:
Pelo senso comum a memória está intimamente ligada às
tradições familiares, grupos com suas idiossincrasias
peculiares. Nesse nível ela representa possibilidades de
aprendizagem e de socialização, expressando assim
continuidade e identidade daquelas tradições. A continuidade
nem sempre pode ser definida explicitamente, a memória, por
também ter características coletivas, assume funções tais como
de identificação cultural, de controle político-ideológico, de
diferenciação e de integração (DIEHL, 2002, p.116-117).
Deve-se valorizar a subjetividade em relação ao que ela pode trazer
sobre os fatos relacionados e sobre o próprio depoente. Entende-se que o
ponto forte da História Oral reside justamente na oportunidade de interação
com testemunhas daquilo que é estudado, pessoas que, com suas inferências,
percepções e julgamentos, vivenciaram o período de interesse e que podem, a
partir de sua experiência individual e coletiva, fornecer informações úteis para o
35
trabalho de pesquisa empreendido. Ao falar sobre o fascínio da História Oral
em um artigo, Verena Alberti evidencia o que torna esta metodologia única:
[...] uma entrevista de História Oral tem uma vivacidade
especial. É da experiência de um sujeito que se trata; sua
narrativa acaba colorindo o passado com um valor que nos é
caro: aquele que faz do homem um indivíduo único e singular,
um sujeito que efetivamente viveu – e, por isso vida as
conjunturas e estruturas que de um outro modo parecem tão
distantes (ALBERTI, 2003, p.1).
Para que tais potencialidades da História Oral se viabilizem, é
responsabilidade do historiador elaborar um instrumento de coleta de dados
adequado, ter habilidade na condução da entrevista e comprometer-se em
realizar a análise do material coletado a partir de seu contexto pertinente, pois,
como alerta Lozano (2002, p.17), fazer História Oral significa, portanto, produzir
conhecimentos históricos, científicos, e não simplesmente fazer um relato
ordenado da vida e da experiência dos “outros”.
Neste sentido Diehl (2002) alerta para o fato de que, para tornar-se
fonte histórica, a memória deve passar por um processo crítico de teorização
(pensar a memória como elemento contextualizado de interpretação histórica e
perspectivar a memória como elemento de orientação sobre a experiência do
passado humano) e metodização (inserir a memória de tal forma que ela
adquira o qualificativo histórico, a partir de regras da pesquisa histórica que
tornam o passado histórico objetivo e com plausibilidade científica).
Partindo destas considerações, para a execução deste trabalho optou-
se por entrevistas semi-estruturadas, realizadas utilizando diferentes roteiros
de entrevistas, desenvolvidos e adaptados às características dos sujeitos
abordados. No momento do dimensionamento da amostra de entrevistados,
seguiu-se a reflexão de Suely Ferreira Deslandes, para quem:
[...] a pesquisa qualitativa não se baseia no critério numérico
para garantir a sua representatividade. Uma pergunta
importante neste item é “quais indivíduos sociais têm
vinculação mais significativa para o problema a ser
investigado?”. A amostragem boa é aquela que possibilita
abranger a totalidade do problema investigado em suas
múltiplas dimensões (DESLANDES, 1998, p.43).
36
Logo, os entrevistados foram escolhidos em função de critérios não
probabilísticos e são sujeitos significativos nas relações de consumo, de
preparo e do aproveitamento turístico do Barreado no litoral paranaense.
Embora seja comumente divulgado que o Barreado é preparado e degustado
em Guaraqueçaba, Guaratuba, Antonina, Morretes e Paranaguá, os municípios
escolhidos para fundamentarem a pesquisa foram Antonina, Morretes e
Paranaguá, justamente por serem os únicos na atualidade a comercializarem o
Barreado em um contexto turístico.
Os entrevistados podem ser divididos de maneira geral em quatro
grupos: cozinheiros(as) tradicionais; gerentes e proprietários de restaurantes;
cozinheiros responsáveis pelo preparo do Barreado e pessoas ligadas ao
desenvolvimento da atividade turística no estado e nos municípios. Considerou-
se como cozinheiros(as) tradicionais aqueles que preparam o prato em suas
residências de forma cotidiana, sem intuito comercial.
Em relação aos estabelecimentos escolhidos para compor a amostra,
deve-se mencionar que foram incluídos apenas restaurantes. Deve-se
mencionar que alguns meios de hospedagem oferecem o prato, mas tinha-se
como objetivo enfatizar os estabelecimentos dedicados exclusivamente à
alimentação. A seleção dos restaurantes foi feita da seguinte maneira: foi
realizado um levantamento em guias turísticos publicados e distribuídos pelo
Governo do Estado do Paraná e pelos três municípios envolvidos. Uma vez
elencados, foi estabelecido contato para verificar se tais estabelecimentos
ainda funcionavam e se ofereciam o Barreado em seus cardápios. Durante as
visitas aos municípios, os nomes foram checados junto aos Postos de
Informação Turística locais, em que também se verificou a necessidade de
inclusão de algum outro restaurante. Como indicado anteriormente, procurou-
se entrevistar proprietários ou gerentes e ainda cozinheiros que preparam o
Barreado nesses estabelecimentos, sendo que foram observados casos em
que um sujeito aglutinava uma ou mais funções.
No que tange aos entrevistados envolvidos com o turismo, procurou-se
por meio da indicação dos próprios entrevistados perceber figuras relevantes
para a compreensão do desenvolvimento do turismo nos municípios citados.
Desse modo, foram privilegiados aqueles que tiveram uma atuação direta com
a gestão e o planejamento da atividade (secretários de turismo, representantes
37
de associações ligadas à atividade), procurando obter, mais do que o
posicionamento oficial, a própria análise dos indivíduos que viveram esse
processo nas localidades.
Na totalidade dos trabalhos, foram entrevistadas as seguintes pessoas
(vide apêndices I, II, III e IV para roteiros das entrevistas):
Nome Entidade/Estabelecimento
01 Deise Maria Fernandes
Bezerra
Secretaria de Turismo do Estado do Paraná,
Curitiba, Paraná
02 Dirce Felisbino Vasconcelos Bacharel em Turismo, ex-diretora de Turismo da
FUNCULTUR e FUNTUR, Paranaguá, Paraná
03 Eduardo Nascimento Sambaki Turismo Agência de Viagens e Turismo,
Presidente da AESTUR Associação dos
Empreendedores de Serviços Turísticos de
Antonina, Ex-secretário de Turismo de Antonina,
Antonina, Paraná
04 Elisabeth de Fátima Carraro Pousada das Laranjeiras, Loja de Artesanato , ex-
proprietária do Restaurante Maré Alta, Vice-
presidente da AESTUR - Associação dos
Empreendedores de Serviços Turísticos de
Antonina
05 Iara Teresinha Pinheiro da
Silva
Técnica em Turismo, Posto Municipal de
Informações Turísticas de Antonina, Paraná
06 João Ubirajara Lopes Empresário, ex-secretário de Turismo de Antonina,
Antonina, Paraná
07 Orley Antunes de Oliveira
Júnior
Ex-diretor de Turismo da Prefeitura de Morretes,
Morretes, Paraná
08 Marilda Gadotti PARANÁ Turismo, Curitiba, Para
09 Tony Frank Bruinjé Restaurante Buganvil´s, AESTUR Associação
dos Empreendedores de Serviços Turísticos de
Antonina, Antonina, Paraná
QUADRO I – ENTREVISTADOS LIGADOS AO TURISMO
FONTE: o autor (2008)
Nome Entidade/Estabelecimento
01 Gene Feres Staniscia Professora aposentada, Antonina, Paraná
02 Ieda Siedschlag Empresária aposentada, Antonina, Paraná
03 Isa Maria Viera Azim Professora aposentada, Antonina, Paraná
04 Laura Veiga de Camargo Professora aposentada, Antonina, Paraná
05 Laurice Salomão De Bona Professora aposentada, Diretora da Secretaria
Municipal de Cultura, Morretes, Paraná
06 Regina Maria Peixoto Professora aposentada, Antonina, Paraná
QUADRO II – ENTREVISTADOS - COZINHEIRAS TRADICIONAIS
FONTE: o autor (2008)
38
Nome Entidade/Estabelecimento
01 Ana Eliza Corrêia de Souza Restaurante Le Bistrot, Antonina, Paraná
02 Gilberto Rolando Malucelli Restaurante My House, Morretes, Para
03 Gilmar Cunha Restaurante Lubam, Morretes, Para
04 Helena Maria Menezes Restaurante Estrela da Terra, Curitiba, Para
05 Hendrika Wilhelmina Snoeijer
(Anny Snoeyer)
Restaurante Buganvil´s, Antonina, Paraná
06 Izanete Isabel Bridarolli
Madalozo
Professora aposentada, Morretes, Paraná
07 Jeanete Aparecida da Silva
Cunha
Restaurante Lubam, Morretes, Para
08 João Carlos Carmezim Restaurante Danúbio Azul, Paranaguá, Paraná
09 João de Paula Adriano Restaurante Vieiras Grill, Paranaguá, Paraná
10 Joaquim Carlos Alcobas
(Joca)
Restaurante Caçarola do Joca, Antonina, Paraná
11 Joaquim de Souza Júnior Restaurante Ponte Velha, Morretes, Paraná
12 Joaquim Ferreira dos Santos
Filho
Restaurante Cantinho de Antonina, Antonina,
Paraná
13 Leônidas Gaspar de Abreu
(Tata)
Restaurante Panorâmico Albatroz, Antonina,
Paraná
14 Luis Antonio Romanus Restaurante Armazém Romanus, Morretes,
Paraná
15 Luiz Guilherme Peralta Restaurante Empório do Largo, Morretes, Paraná
16 Maria da Glória Alpendre
Silveira
Hotel e Restaurante Nhundiaquara, Morretes,
Paraná
17 Maria de Lourdes Cordeiro Restaurante Container, Antonina, Paraná
18 Maristela Julia Stopinski
Robassa
Restaurante e Pizzaria Terra Nossa, Morretes,
Paraná
19 Maurício Leite Laffitte Restaurante Madalozo e Associação dos
Restaurantes de Morretes, Morretes, Paraná
20 Maurício Scucazo dos Santos
Restaurante O Casarão e Restaurante Villa
Morretes, Morretes, Para
21 Moises Batista dos Santos Restaurante Olimpo, Morretes, Paraná
22 Nair Welzel Restaurante Brisa do Mar, Antonina, Paraná
23 Nelson Ney Souza da Silva Restaurante Serra e Mar, Morretes, Paraná
24 Norma Santos de Freitas Restaurante Casa do Barreado, Paranaguá,
Paraná
25 Tânia Bridaroli Madolozo
Laffitte
Restaurante Madalozo, Morretes, Paraná
26 Tatiana Helena Gusso Restaurante Gusso, Antonina, Paraná
27 Rodrigo Cardoso Kuch Restaurante Vieiras Grill, Paranaguá, Paraná
QUADRO III –ENTREVISTADOS LIGADOS AOS RESTAURANTES
FONTE: o autor (2008)
39
Nome Entidade/Estabelecimento
28 Rosana Makiko Abe Restaurante Gruta da Garoupa, Paranaguá,
Paraná
29 Salete Paracena Liston Restaurante Rota do Sol I e Rota do Sol II,
Morretes, Paraná
30 Simone Aparecida Cassilha Restaurante Estação Graciosa, Morretes, Paraná
QUADRO III – Continuação ENTREVISTADOS LIGADOS AOS RESTAURANTES
FONTE: o autor (2008)
As entrevistas foram gravadas digitalmente e em fitas cassetes sob
consentimento por escrito dos depoentes (vide modelo da carta de cessão de
direitos no apêndice V) e degravadas a partir de transcrições literais, das quais
foram excluídos apenas vícios de linguagem (tais como: né, tá, ok, então e
palavras repetidas durante as reflexões). Os estabelecimentos, os proprietários
dos restaurantes e os cozinheiros tradicionais foram fotografados e exemplares
de materiais promocionais (cartões de visita e folders) foram coletados.
A análise das fontes foi procedida segundo as orientações da
pesquisadora Maria Isaura Pereira Queiroz (1991, p.5) para quem a análise, no
seu sentido essencial, significa decompor um texto, fragmentá-lo em seus
elementos fundamentais, isto é, separar claramente os diversos componentes,
recortá-los, a fim de utilizar somente o que é compatível com a síntese que se
busca. Dessa forma, as informações obtidas durante as entrevistas são
apresentadas ao longo dos capítulos pertinentes, algumas indicadas em
citações literais.
40
2 ANTES DE LEVAR AO FOGO, ESSENCIAL: COMPREENDER A
COMIDA COMO EXPRESSÃO CULTURAL
Preliminarmente ao avanço das discussões sobre o Barreado, um prato
cuja importância transcende seu sabor inusitado, torna-se imprescindível
promover uma reflexão que evidencie a alimentação enquanto um fenômeno
cultural que ultrapassa a perspectiva fisiológica e que se traduz em uma série
de significados, costumes e comportamentos. Neste sentido, conceitos como
tradição e identidade precisam ser recuperados, assim como a questão da
patrimonialização alimentar. Visando ainda apresentar o contexto culinário em
que nasce o tema em estudo, é traçado um panorama da culinária litorânea,
tema praticamente inexplorado na Academia.
Nota-se que, para desenvolver a perspectiva cultural, a própria noção
de hábito alimentar deve ser ampliada, abandonando-se a idéia de mera
ingestão de alimentos. Neste sentido concorda-se com a antropóloga Ana
Maria Bonin e com a socióloga Maria do Carmo Marcondes Brandão Rolim,
para quem os hábitos alimentares se traduzem na forma de seleção, preparo e
ingestão de alimentos, que não são o espelho, mas se constituem na própria
imagem da sociedade (BONIN e ROLIM, 1991, p.76). Isso se porque tais
escolhas não se fundam apenas em perspectivas objetivas (o que é
comestível, o que se pode plantar, criar ou adquirir em determinada região),
mas são determinadas também por aspectos subjetivos.
Escrevendo sobre as subjetividades que permeiam as escolhas
alimentares a nutricionista Rosa Wanda Diez Garcia (1994) ressalta que elas
incluem aspectos como a identidade cultural, a condição social, a religião, a
memória, a família e o contexto histórico em que o sujeito se insere. Assim
sendo, concorda-se com a antropóloga Vivian Braga (2004, p.39) quando esta
afirma que [...] os hábitos alimentares fazem parte de um sistema cultural
repleto de símbolos, significados e classificações, de modo que nenhum
alimento está livre das associações culturais que a sociedade lhes atribui. Tem-
se desta forma que as disposições vinculadas à alimentação não se limitam à
manipulação da iguaria a ser digerida, mas se estendem aos modos à mesa,
41
aos locais e às maneiras com que tal degustação ocorre e encerram múltiplos
significados. Para o pesquisador Marcelo Alvarez:
La alimentación humana es un acto social y cultural donde la
elección y el consumo de alimentos ponen en juego un
conjunto de factores de orden ecológico, histórico, cultural,
social y económico ligado a una red de representaciones,
simbolismos y rituales
12
(ALVAREZ, 2002, p.11).
Portanto, as decisões relacionadas à alimentação são suscetíveis às
mudanças sociais, econômicas e tecnológicas, pois o o estabelecidas de
forma isolada ou à revelia de um contexto maior, são construídas no mesmo
bojo cultural que orienta as demais práticas e disposições do grupo social.
Desta maneira, mesmo cru e colhido diretamente da árvore, o fruto já é um
alimento culturalizado, antes de qualquer preparação e pelo simples fato de ser
tido como comestível (GIARD, 1994, p.232).
Para além da identificação de alimentos nocivos à saúde, percebe-se
que a atribuição cultural do que é comestível ou não antecede as demais
decisões alimentares, constituindo um domínio do cultural sobre o biológico
que permite situações em que iguarias “liberadas” para consumo em
determinados grupos não as sejam nos demais (como a degustação da carne
de cachorro, costumeira em alguns países asiáticos e execrada em países
ocidentais, como o próprio Brasil).
Esta discussão torna-se mais clara com o auxílio do antropólogo
Roberto Da Matta (1987), que discute a diferenciação entre alimento e comida.
Para o autor nem todo alimento, considerado aquilo que pode nos trazer
nutrientes, é comida. se torna comida o alimento que é aceito social e
culturalmente dentro de um determinado grupo de indivíduos. É a partir desta
primeira sanção social que o sujeito pode desenvolver suas preferências
individuais.
A partir desta premissa a própria idéia de gosto alimentar deve ser
expandida, pois ele nasce permeado pela fusão do biológico com o cultural.
Santos (1997) pontua que a sensação que denominamos gosto resulta da
12
“A alimentação humana é um ato social e cultural onde a escolha e o consumo de alimentos
colocam em jogo um conjunto de fatores de ordem ecológica, histórica, cultural, social e
econômica ligado a uma rede de representações, simbolismos e rituais” [tradução livre].
42
combinação de diversos outros sentidos, tem origem nos receptores da língua
(o frio e o quente) e, sobretudo na mucosa (o olfato), que é estimulada pelo
cheiro do alimento quando do ato de comer. O mesmo autor complementa:
O gosto alimentar é determinado não apenas pelas
contingências ambientais e econômicas, mas também pelas
mentalidades, pelos ritos, pelo valor das mensagens que se
trocam quando se consome um alimento em companhia, pelos
valores éticos e religiosos, pela transmissão inter-geração (de
uma geração à outra) e intra-geração (a transmissão vem de
fora, passando pela cultura no que diz respeito às tradições e
reprodução de condutas) e pela psicologia individual e coletiva
que acaba por influir na determinação de todos estes fatores
(SANTOS, 1997, p.160).
O gosto alimentar então extrapola o domínio do aparelho sensorial
humano e se aproxima da idéia defendida por Bourdieu (1983), para quem o
gosto caracteriza uma propensão e uma aptidão à apropriação material e
simbólica de uma determinada categoria de objetos ou práticas classificadas e
classificadoras, constituindo a fórmula generativa de um estilo de vida. A idéia
de estilo de vida tem sua concepção embrionária em outro conceito formulado
por Bourdieu, o de habitus.
Este conceito refere-se ao conjunto normativo de condutas que regem
as práticas sociais de cada grupo e que vai sendo construído no bojo de sua
cultura e gradativamente sendo internalizado por seus integrantes. O habitus
desempenha um fator de seleção diante de informações novas, tendendo a
excluir ou a reinterpretar as opções conflitantes a partir dos valores
absorvidos, terminando por gerar certa coesão e coerência entre membros de
determinados grupos sociais. Desta forma pode-se pensar a existência de um
habitus de classe que une os habitus singulares dos diferentes membros de
uma mesma classe social, dando substrato para a criação de um estilo de vida.
Vale lembrar que para Bourdieu (1983, 1988) a idéia de estilo de vida
se funda na concepção de classe social, entendida como um espaço social
ocupado pelo indivíduo, marcado pela integração em um espaço simbólico que
transcende a posição ocupada por ele dentro de um determinado processo de
produção. Para cada posição ocupada existe um estilo de vida correspondente,
um conjunto unitário de preferências distintivas que exprimem, na lógica
específica de cada um dos subespaços simbólicos, a mesma intenção
43
expressiva que forma um princípio de unidade de estilo, um conjunto de gostos
específicos.
Neste sentido, integrantes de grupos sociais tendem a compartilhar
certas aptidões de escolha (gosto) que terminam por conectá-los, tornando-os
passíveis de serem reconhecidos como tal, inclusive no plano das decisões
alimentares. Estas, justamente por se fundarem em um contexto cultural e
constituírem uma prática cotidiana vital, também são depositárias dos
conteúdos que orientam escolhas mais amplas, sendo elaboradas na lógica de
estilos de vida, da mesma forma em que tendem a evidenciar outros aspectos
simbólicos que conformam este estilo.
As proibições alimentares de caráter religioso evidenciam bastante
bem esta perspectiva de que as escolhas alimentares se circunscrevem em um
contexto mais vasto. Escrevendo sobre os tabus religiosos, o cientista social
Geraldo Romanelli argumenta:
As proibições do consumo de determinados alimentos não
pretendem proteger o “organismo biológico”, mas objetivam
defender o “organismo social” dos membros de determinado
grupo religioso, fixando suas identidades em contraponto às
identidades dos participantes de outros grupos religiosos.
Essas regras dietéticas não têm apenas caráter prático,
fundado no conhecimento acerca de um sistema simbólico
mais amplo, ancorado na idéia de sagrado (ROMANELLI,
2006, p.335-336).
Ilustrando este raciocínio pode-se citar a proibição hinduísta em
relação ao uso culinário da carne de gado, decisão que não é baseada em
propriedades físico-químicas, tampouco é construída de forma isolada. Tal
resolução se funda em espectro maior, em um arcabouço religioso que rege
outras formas de conduta, não apenas as ligadas à mesa. Abster-se de carne
de gado significa reafirmar esse contexto e confirmar a presença em um grupo
social, e não se trata de mera escolha dietética
13
.
13
Observa-se que ao contrário do que dita o senso comum, as vacas o são sagradas no
hinduísmo, mas sua matança é proibida. O touro sim é considerado um animal sagrado,
símbolo de força física e virilidade. É comumente associado ao Deus Shiva (o destruidor ou
ainda o renovador, por destruir para construir coisas novas) por conta da figura de Nandi, touro
branco que o acompanha e é seu fiel servo. Em vários templos dedicados a Shiva existem
estátuas de Nandi deitado, guardando o portão principal (SARASWATI, 2007).
44
Da mesma forma, a utilização da culinária como elemento identitário
também remete à discussão de um estilo de vida. O churrasco gaúcho, por
exemplo, encerra em seu saber-fazer vários outros elementos e rituais que
respondem a uma conjuntura maior (a partilha do chimarrão, a figura do
gaúcho) e reafirmam um estilo de vida que remete a uma identidade regional.
Da mesma forma, o preparo do acarajé pelas baianas nas ruas de Salvador
não se resume ao uso de técnicas culinárias, mas representa e materializa uma
série de elementos históricos e religiosos aos olhos do degustador.
Traçado este panorama, o indivíduo exercita seu paladar, sua
preferência individual por esta ou aquela comida, mas o faz dentro de um
quadro sancionado culturalmente que lhe diz dentre quais alimentos ele pode
escolher, tendo em vista que o gosto alimentar é construído em um arcabouço
cultural que orienta as escolhas individuais. Como observa Alvarez:
Comer, entonces, implica un hecho social complejo que pone
en escena un conjunto de movimientos de producción y
consumo tanto material como simbólico diferenciados y
diferenciadores. Y en esto sentido, el consumo de alimentos y
los procesos sociales y culturales que lo sustentan, contribuyen
a la constitución de las identidades colectivas a la vez que son
expresión de relaciones sociales y de poder
14
(ALVAREZ,
2002, p.11).
As escolhas alimentares terminam por constituir uma forma de
representação do mundo e, por conseqüência, fornecem inúmeras informações
sobre aqueles que as praticam. Para a antropóloga Maria Eunice Maciel
(2004), a cozinha constitui-se em um tipo de linguagem que permite pensá-la,
assim como a culinária, como um vetor de comunicação, um código complexo
que possibilita compreender os mecanismos da sociedade à qual pertence, da
qual emerge e à qual confere sentido. A alimentação, portanto, pode ser
considerada uma linguagem que fala materialmente de dimensões sociais e
simbólicas. Para o semiólogo Roland Barthes (1997, p.22), a alimentação
também constitui uma forma de comunicação, pois substances, techniques of
14
“Comer, então, implica um feito social complexo que coloca em cena um conjunto de
movimentos de produção e consumo tanto material quanto simbólico, diferenciados e
diferenciadores. E neste sentido, o consumo de alimentos e os processos sociais e culturais
que os sustentam contribuem para a constituição das identidades coletivas, uma vez que são
expressão de relações sociais e de poder” [tradução livre].
45
preparation, habits, all become part of system of differences in signification, and
as soon as this happens, we have communication by way of food
15
. Segundo o
autor:
When he buys an item of food, consumes it, or serves it,
modern man does not manipulate a simple object in a purely
transitive fashion; the item of food sums up and transmits a
situation; it constitutes an information, it signifies. That is to say
that is not just an indicator of a set of more or less conscious
motivations, but that it is a real sign. Perhaps the functional unit
of a system of communications. By this I mean not only the
elements of display in food, such as food involved in rites of
hospitality, for all food serves as a sign among the members of
a given society
16
(BARTHES, 1997, p.21).
Por conseguinte, a partir do que escolhem, consomem e ingerem os
indivíduos expressam seus estilos de vida, crenças e ideologias, tornando o
consumo alimentar uma forma de comunicação.
Isso se coaduna com
o
pensamento dos antropólogos Mary Douglas e Baron Isherwood (1995), que
consideram o consumo uma forma de comunicação do indivíduo com o mundo,
tendo em vista que a fruição dos bens envolve seu consumo físico, mas
também a transmissão de mensagens e a demarcação de diferenças sociais,
servindo para tornar visíveis e estáveis as categorias de uma cultura.
Comunicar-se a partir da alimentação se torna possível porque o
consumo alimentar muitas vezes se converte em uma modalidade de consumo
simbólico. A essência do consumo simbólico, segundo o filósofo Jean
Baudrillard (2000), reside no fato de que o que é consumido nunca é o objeto
ou produto material, mas sim a relação (ou relações) que se estabelece com e
através dele. A carga simbólica atrelada a um objeto faz com que ele
transcenda seu valor utilitário e possa incorporar outras funções. Nesse
sentido, o filósofo reforça a idéia de que os objetos e produtos materiais não
15
Substâncias, técnicas de preparo, hábitos, tudo se torna parte de um sistema de diferenças
em termos de significação, e tão logo isso aconteça, s temos a comida como forma de
comunicação” [tradução livre].
16
“Quando compra um alimento, o consome ou o serve, o homem moderno não apenas
manipula um simples objeto, o alimento possui e transmite uma situação, constitui uma
informação, tem um significado. Isso quer dizer que o alimento não é apenas um elemento que
revela motivações mais ou menos conscientes, mas é um verdadeiro símbolo. Talvez a
unidade funcional de um sistema de comunicações. E por isso me refiro não apenas aos
elementos mais evidentes da comida, como a comida no contexto da hospitalidade” [tradução
livre].
46
são apenas objetos de consumo, mas objetos de satisfação das necessidades
dos indivíduos. A circulação, a compra, a venda, a apropriação de bens e de
objetos/signos diferenciados constituem hoje a nossa linguagem e o nosso
código, por cujo intermédio toda a sociedade se comunica e fala
(BAUDRILLARD,1991, p.80).
No caso específico da alimentação, a iguaria deixa de ser consumida
por suas características sico-químicas e passa a ser degustada pelos valores
simbólicos que lhe são atribuídos. A degustação de uma iguaria pode indicar
status social (caviar Beluga), posicionamento ideológico (vegetarianismo),
respeito a um código religioso (ausência de porco no cardápio de muçulmanos
e judeus), pertencimento a um grupo (churrasco entre amigos) ou ainda
preocupação com tendências dietéticas (redução de carboidratos e gorduras
diante de discursos nutricionais e estéticos). Nota-se ainda que nesta lógica o
preparo e o consumo de um prato podem propiciar um exercício identitário
(quando a preparação e a degustação marcam o pertencimento a um grupo) ou
uma conexão memorial (também relacionada à perspectiva identitária, diz
respeito à capacidade de determinadas iguarias projetarem lembranças e
reavivarem experiências). Tais perspectivas do consumo alimentar serão
discutidas a seguir.
2.1 RELAÇÕES ENTRE COMIDA, IDENTIDADE E TRADIÇÃO
Quando o tema comida é abordado, direta ou indiretamente se fala
sobre a questão da identidade. A formação dos hábitos alimentares está
expressamente ligada à história do indivíduo, sua infância, sua família e aos
momentos iniciais de socialização que contribuíram para a formação do sujeito
como ele é. Para Giard (1994 p.250), os indivíduos tendem a ficar identificados
a hábitos alimentares de sua infância: alimentos que eles se habituam a comer
desde a tenra idade e se estendem ao longo de sua vida cotidianamente. Em
um raciocínio semelhante, o antropólogo Igor de Garine escreve que os
indivíduos se sentem emocionalmente ligados aos hábitos de sua infância, em
geral marcados pela cultura tradicional (GARINE, 1987, p.5). Como produto
47
deste processo de construção [...] o comportamento relativo à comida liga-se
diretamente ao sentido de nós mesmos e à nossa identidade social, e isso
parece valer para todos os seres humanos (MINTZ, 2001, p.31).
Neste sentido, concorda-se com Da Matta (1987, p.22), que argumenta
ser fundamental a compreensão de que comer cristaliza estados emocionais e
identidades sociais, fazendo com que muitos processos de construção e
afirmação identitária de determinados grupos sociais busquem apoio nas
práticas alimentares. Defendendo que a alimentação pode ser usada como um
símbolo de uma identidade reinvindicada para si, a antropóloga Maria Eunice
Maciel escreve:
A alimentação, organizada como uma cozinha, torna-se um
símbolo de uma identidade (atribuída e reivindicada) através da
qual os homens podem se orientar e se distinguir. Mais do que
hábitos e comportamentos alimentares, as cozinhas implicam
formas de perceber e expressar um determinado “modo ou
“estilo” de vida que se quer particular a um determinado grupo.
Assim, parodiando a afirmação “bom para comer e bom pra
pensar”, o que é colocado no prato, mais do que alimentar o
corpo, alimenta uma certa forma de viver (MACIEL, 2004,
p.36).
A questão da identidade liga-se a um sentimento de pertencimento a
um grupo, sentimento este que, dado ao exercício do habitus de classe,
materializa-se em uma série de escolhas, práticas e rituais cotidianos. No que
tange ao exercício identitário por meio da comida, uma série de ingredientes,
técnicas de preparo e de serviço são orquestrados com o intuito de reproduzir
determinadas iguarias, e, ainda mais, muitas vezes o contexto em que a iguaria
era degustada. Assim, o preparo de um churrasco em um CTG (Centro de
Tradições Gaúchas) com a tradicional roda de chimarrão no interior do Paraná
ganha sentido adicional para gaúchos e descendentes privados de sua terra
natal e do convívio com seus familiares.
Como em um primeiro momento (bem antes da abertura dos mercados
internacionais e das facilidades de deslocamento de indivíduos e de produtos)
a concepção de pratos e de outras iguarias estava limitada ao que se podia
plantar e criar em determinadas localidades, alguns sabores se tornaram
marcantes, intimamente relacionados a regiões específicas. Da mesma forma
muitas técnicas culinárias nasceram como soluções para problemas práticos
48
envolvendo a cocção e a transformação de alguns alimentos, iniciativas que
terminaram por se cristalizar e caracterizar tais pratos (como é o caso do
Barreado, no que tange à panela de barro vedada com uma mistura de água,
farinha e cinza para conter a saída do vapor e preservar a umidade dos
ingredientes durante seu cozimento).
Considerando que os alimentos e os manjares se ordenaram em cada
região segundo um código detalhado de valores, de regras e de mbolos, em
torno do qual se organiza o modelo alimentar de uma área cultural num
determinado período (GIARD, 1994, p.232), pode-se pensar a partir daí a
formação das cozinhas regionais, aqui compreendidas como o conjunto de
saberes-fazeres que englobam ingredientes, técnicas culinárias e receitas que
são dispostas em um panorama relativamente coerente, delimitado
geograficamente e passível de ser reconhecido como tal.
No contexto da culinária regional nota-se que alguns pratos terminam
por se destacar. Tais iguarias, marcadas pela manutenção de determinadas
especificidades (combinação de ingredientes, técnicas de preparo ou serviço)
sobrevivem ao tempo, sendo readaptadas e ressignificadas, mas ainda
mantendo uma essência identitária passível de ser reconhecida. Esses pratos,
comumente denominados pratos típicos, se ligam à história e ao contexto
cultural de um determinado grupo, constituindo uma tradição que se torna
símbolo de sua identidade. Os pratos típicos (ou comidas típicas) são
entendidos, portanto, como elementos integrantes da cozinha regional que
emergem deste conjunto mais amplo por inúmeras razões (praticidade,
associação com outra prática cultural, associação a determinadas celebrações)
e passam a ser reproduzidos com finalidade simbólica e podem ser degustados
como tal, desde que o comensal possua conteúdos capazes de permitir tal
experiência, discussão que se pretende recuperar na seqüência deste texto,
diante da idéia de tradições culinárias.
Maria Eunice Maciel (2002), ao se debruçar sobre a questão dos pratos
típicos discute-os a partir da idéia de cozinha emblemática. Para a autora, o
emblema consiste em uma figura destinada a representar uma coletividade e
faz parte de um discurso que visa o reconhecimento, na medida em que
informa sobre o grupo do qual emerge e ao qual pertence. Fruto de relações
sociais e objeto de negociações, embora possa parecer cristalizado, ele não o
49
é, pois se relaciona com as vivências do conjunto de indivíduos e em
conformidade com estas, podendo ser alterado, substituído ou abandonado.
Continuando seu raciocínio, a autora escreve:
As figuras emblemáticas regionais podem, assim, ser vistas
como marcas exteriores de distinção, condensadoras e
sintetizadoras de idéias, imagens e representações sociais.
Nesta perspectiva, procurar os temas recorrentes a elas
relacionados, os elementos culturais constitutivos e associados
traços, manifestações e práticas culturais que agem como
indicadores, marcando e demarcando grupos e envolvendo
pertencimentos, não implica em reduzi-los a um conjunto de
itens cuja ocorrência delimitaria fronteiras circunscrevendo uma
dada identidade social cultural geograficamente ocorrente,
rígida e descontextualizada, com vida independente do grupo
(MACIEL, 2002, p.219-220).
Os pratos típicos, desta forma, constituem uma “cozinha emblemática”,
servindo para expressar identidades, sejam elas nacionais, regionais ou locais
(MACIEL, 2002, p.220). Tem-se, assim, o surgimento de pratos que, mais do
que representantes de uma cozinha regional, terminam por ser tão associados
a determinados grupos que passam também a representá-los. A relação
imediata que se estabelece entre o churrasco e o gaúcho, entre o pão de queijo
e o mineiro e entre o acarajé e o baiano são exemplos deste processo, fruto de
um reconhecimento sustentado pelo grupo e que é também reconhecível pelos
demais.
Em sua análise sobre a importância da culinária típica na formação da
imagem do mineiro, a antropóloga Monica Abdala reflete:
A cozinha do passado reúne elementos essenciais à
permanência do mito. Presente na memória, como tradição, é
permanentemente reavivada como culinária pica com
publicações e estabelecimentos especializados, campanhas de
mídia, crônicas, discursos políticos e memorialistas. A
variedade das receitas, sabores e alquimias perde a nitidez,
reforçando a idéia de unidade fundamental para a existência do
mito (ABDALA, 2002, p.3).
Assim, a partir dessa premissa identitária, a culinária tradicional pode
sim ser articulada, inclusive politicamente (como é o caso de Minas Gerais,
segundo a autora), para corroborar um passado que se deseja valorizar ou
ainda reforçar uma imagem do homem regional” que se quer perpetuada.
50
Nesse processo de configuração, entretanto, diversas nuances da variedade
culinária podem ser deixadas em segundo plano, privilegiando-se determinados
pratos considerados mais “representativos” daquilo que se deseja enfatizar.
No Paraná não há uma política ou um discurso público que demarque e
perpetue uma culinária típica, que represente o paranaense e informe sobre
quem ele é. Isso se pela falta de unidade entre os pratos, por conta da
influência dos diversos fluxos migratórios estrangeiros alemães, italianos,
portugueses, dentre outros e também nacionais principalmente paulistas,
mineiros e gaúchos que terminam muito mais por evidenciar a diversidade do
que evocar uma unidade. Entretanto, alguns municípios têm adotado
determinados pratos como emblemas de suas localidades e símbolos de sua
trajetória histórica.
O Barreado, por exemplo, é um prato emblemático do litoral
paranaense, que fala do homem litorâneo, de sua história e de outras tradições
que lhe o associadas. Entretanto, apesar de ser divulgado como prato típico
do Estado do Paraná, em nenhum momento foi tratado ou divulgado como um
prato representativo do estado como um todo, como será discutido
posteriormente.
Retomando a discussão da comida como expressão identitária,
verifica-se que esta parece ter pouco sentido sem que seja feita também uma
reflexão sobre memória coletiva e tradição. Acredita-se que tais conceitos,
apesar de independentes, o indissociáveis, tendo em vista que a sensação
de permanência propiciada pelas tradições serve de estofo para a construção e
o fortalecimento das identidades, que inevitavelmente recorrem às tradições
em busca de subsídios para sua existência, terminando por fortalecê-las. Da
mesma forma, não parece ser possível discutir a noção de identidade cultural
sem a compreensão da idéia de memória coletiva, que por sua vez é
simultaneamente matéria-prima e produto das identidades.
Neste sentido concorda-se com Rousso (2002) que defende a memória
como um elemento essencial de identidade, de percepção de si e dos outros.
Assumindo uma postura semelhante, o historiador Michel Pollak escreve:
[...] a memória é um elemento constituinte do sentimento de
identidade tanto individual como coletiva, na medida em que
51
ela é também um fator extremamente importante do sentimento
de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo
em sua reconstrução de si (POLLAK, 1992, p.204).
A idéia da memória coletiva presente em Pollak funda-se nas
contribuições de Maurice Halbwachs (1990), estudioso dedicado ao
entendimento dos chamados “quadros sociais da memória” e defensor do
pressuposto de que nossas lembranças permanecem coletivas justamente
porque o homem é membro de vários grupos (comunidades afetivas) e suas
lembranças dependem da relação que este indivíduo estabelece com estes
diferentes grupos, pois nos lembramos de algo a que ainda estamos de
alguma forma vinculados. Neste contexto, a memória se caracteriza também
como um fenômeno social construído coletivamente e submetido a flutuações,
transformações e mudanças constantes.
Falando sobre os elementos constitutivos da memória, Pollak ressalta –
como comentado anteriormente - que estes são formados por
acontecimentos vividos pessoalmente e por aqueles que o autor denomina
vividos “por tabela”, acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade à
qual a pessoa sente pertencer, que dada à importância atribuída a eles é quase
impossível a pessoa saber se participou diretamente ou não deles.
O autor complementa ser perfeitamente possível que, por meio da
socialização política, ou da socializão histórica, ocorra um fenômeno de
projeção ou de identificação com determinado passado, tão forte que podemos
falar numa memória quase herdada (POLLAK, 1992, p. 201), pois muitas vezes
tais acontecimentos vividos “por tabela” não se situam dentro do espaço-tempo
de uma pessoa ou de um grupo. Essa memória herdada também sofre
flutuações que são função do momento em que ela é articulada, em que ela
está sendo expressa. As preocupações do momento constituem um elemento
de estruturação da memória (POLLAK, 1992, p.203).
Retomando a idéia de Bosi (2003) de que a memória não é reviver,
mas sim refazer e reconstruir com imagens e idéias de hoje as experiências do
passado, tem-se claro o jogo da memória – tanto individual quanto coletiva – de
se reconfigurar no sentido de preservar ou proteger identidades diante de
questionamentos ou até mesmo ameaças à coerência e coesão do grupo.
Afirmando que tanto a memória quanto a identidade podem ser perfeitamente
52
negociadas, Pollak (1992, p.203) defende que a construção da identidade é um
fenômeno que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios
de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da
negociação direta com outros.
Para a socióloga Maria do Carmo Marcondes Brandão ROLIM (1997,
p.20) os grupos, ao avançarem no passado, tomam consciência de suas
identidades através do tempo, visando perpetuar os sentimentos e as imagens
que formam a substância de seu pensamento. Assim, a memória:
[...] fixa as lembranças nos seus grupos portadores, grupos
esses nos quais os seus traços fundamentais permanecem os
mesmos no decorrer do tempo, e manifesta as tradições
comuns entre os membros que os constituem. Através das
tradições, a memória coletiva acaba se tornando o suporte de
continuidade e preservação do social (ROLIM, 1997, p.20).
Escrevendo sobre tradição, o filósofo Gerd Bornheim (1997) observa
que a palavra tradição vem do latim traditio, verbo tradire, que designa o ato de
passar algo para outra pessoa, ou de passar de uma geração para outra
geração. Para o autor a tradição pode ser compreendida como o conjunto de
valores dentro dos quais estamos estabelecidos, não se tratando apenas das
formas de conhecimento ou das opiniões,
mas também da totalidade do
comportamento humano, que só se deixa elucidar a partir do conjunto de
valores constitutivos de uma determinada sociedade (BORNHEIM, 1997, p.20).
Continuando seu raciocínio, o autor defende que a vontade da tradição
está em querer-se tradição, determinando o passado, o presente e também o
futuro, possibilitando um sentimento de segurança diante da promessa de que
tudo será fundamentalmente idêntico, criando por conseqüência um movimento
por meio do qual a tradição nos organiza, tornando-se nosso princípio.
Desta forma, estaríamos instalados numa tradição ao ponto de revelar-
se muito difícil desembaraçar-se de seu domínio, pois esta também nos
constitui. Entretanto, é importante observar que a tradição, mesmo que
estabeleça uma sensação de constância e permanência, também sofre
alterações compatíveis com as dinâmicas culturais dos grupos aos quais
pertence, pois implica a passagem de um conjunto de dados culturais (em
sentido antropológico) de um antecedente a um conseqüente que podem
53
configurar-se como famílias, grupos, gerações, classes ou sociedades
(PRANDI, 1984, p.166).
Retomando a questão específica das tradições culinárias e sua
importância no tecido social, concorda-se com Gilberto Freyre (1997, p.41)
quando ele argumenta: através do cotidiano ou quase-cotidiano é que se fixam,
nas culturas, os seus característicos e se firmam os seus valores. É que se
consolidam nas sociedades as suas constantes. Para Juliana Reinhardt, as
tradições culinárias são aquelas que eram preparadas por motivos práticos
específicos, mas que hoje são reproduzidas tendo significados simbólicos,
despertando sentimentos e emoções. E a cada momento de tensão, de ruptura,
renovam-se e acabam por fortalecerem (REINHARDT, 2007, p.133).
A autora entende que a transmissão de tais tradições se dá de geração
para geração em uma mesma população, de forma linear ou ainda
intergeracional (como no caso em que a avó transmite tais conhecimentos ao
neto). Debruçada sobre a questão das tradições culinárias dos alemães em
Curitiba, defende:
[...] através destas (tradições culinárias), podemos alcançar e
compreender sentimentos e significados enraizados, vestígios
oriundos de acontecimentos marcantes que desencadearam
processos de tentativa de preservação do grupo estudado por
meio da preservação de manifestações étnicas, resgatando ou
reafirmando uma identidade, fazendo assim uma comunicação
do presente com o passado através da memória (REINHARDT,
2007, p.16-17).
No entanto, dando continuidade à sua discussão, Reinhardt (2007)
observa que nem toda comida típica é necessariamente uma tradição culinária,
pois isto depende da intenção com que é feita e degustada, tendo em vista que
para a autora tudo depende do significado que a comida está trazendo, que
se pode degustar uma comida típica sem que ela se configure como uma
tradição culinária para o comensal. Desse modo, a iguaria pode não despertar
nenhum outro sentimento que não seja o de sentir prazer e estar saciado: ou
seja, ter um sentido, uma função prática (REINHARDT, 2007, p.134).
Identifica-se aqui um ponto de discordância entre as percepções de
Reinhardt e aquelas que são adotadas neste trabalho. Defende-se que uma
tradição culinária constitui um saber-fazer transmitido entre gerações e cujos
54
significados, dentro da própria lógica da dinâmica cultural, podem ser alterados
ou adaptados, sem que se percam, no entanto, determinadas características e
conteúdos que garantam seu reconhecimento como tal. Assim, uma tradição
culinária pode ser objeto de consumo de fato (consumo do alimento em si, de
suas características físico-químicas e dos sabores gerados a partir da interação
de seus ingredientes e técnicas de preparo) ou de consumo simbólico (quando
são degustados por conta de valores socialmente atribuídos ou as relações que
se pode experimentar por meio deste prato), mas se mantém como tradição
culinária por se tratar de uma iguaria que é degustada e preparada por
gerações e que possui um vínculo com um contexto cultural maior.
Desse modo, o Barreado constitui uma tradição culinária, pois é
preparado centenas de anos no litoral paranaense, possui íntima ligação
com outras manifestações culturais (como o Fandango e as próprias folias
carnavalescas regionais) e permanece vivo, sendo preparado, degustado e
compartilhado em residências, festas públicas e privadas e também nos
restaurantes.
A intenção de quem prepara e de quem degusta, para Reinhardt
intimamente associadas ao próprio conceito de tradição culinária, é entendida
aqui como algo muito mais associado ao fato de tal prato (ou iguaria) ser ou
não caracterizado como um alimento-memória, como será discutido a seguir.
Tem-se claro que essa tradição que se prepara e se compartilha e é
constantemente ressignificada e recriada a partir da própria dinâmica cultural
do grupo social, e, por demarcar identidades, pode permitir, inclusive, uma
conexão memorial a partir de sua degustação.
Tal perspectiva se torna possível pois, como observa a naturalista
Diane Ackerman (1992), a comida consiste em uma grande fonte de prazer, um
mundo complexo de satisfação, tanto fisiológica quanto emocional, que guarda
grande parte das lembranças da infância. O folclorista Luis da Câmara
Cascudo (2004) escreve que em momentos rituais ou cerimoniais o alimento é
um fixador psicológico no plano emocional e comer certos pratos é ligar-se ao
local ou a quem o preparou. O antropólogo Sidney Mintz (2001, p.32), por sua
vez, defende que os hábitos alimentares podem mudar inteiramente quando
crescemos, mas a memória e o peso do primeiro aprendizado alimentar e
55
algumas das formas sociais aprendidas através dele permanecem, talvez para
sempre, em nossa consciência.
O conceito de alimento-memória cunhado por Santos (2004) diz
respeito às iguarias que, ao serem degustadas, permitem uma experiência
nostálgica e uma conexão com conteúdos simbólicos que podem estar
associados tanto à memória individual (lembranças pessoais da infância)
quanto à memória coletiva (lembranças de situações experimentadas – ou
“herdadas”, nas palavras de Pollak no seio dos grupos sociais), exercitando a
chamada memória gustativa. Esta memória gustativa, que está associada ao
cotidiano dos indivíduos e dos grupos, consiste em uma das formas de
memória que representam, no nível individual, o valor dos vestígios do passado
(CORÇÃO, 2007).
Neste sentido, afirma-se que a intenção de quem prepara e de quem
degusta, principalmente deste último - deve-se ressaltar- é imperiosa para a
compreensão do conceito de alimento-memória, pois este movimento de
“religamento”, de conexão memorial que se a partir da ingestão de uma
iguaria é possível tendo como base algo ao qual um dia se esteve
efetivamente ligado de forma emocional, seja por meio de uma vivência
pessoal ou coletiva.
Desta forma, defende-se que o Barreado é uma tradição culinária
irrefutável. Entretanto, ele pode ou não desempenhar a função de alimento-
memória. Para aqueles que o degustavam na infância ou na juventude, ou que
tinham no prato o mbolo de eventos especiais, saboreá-lo na casa dos pais
ou até mesmo em um restaurante pode sim se caracterizar como contato com
um alimento-memória. Contudo, para aqueles que não possuem nenhuma
ligação com a iguaria e vão degustá-la por curiosidade na casa de amigos ou
em restaurantes, ou ainda a comem com freqüência por gostarem de seu
sabor, a idéia do alimento-memória não se verifica. Uma tradição culinária pode
se caracterizar como um alimento-memória, pois para que se caracterize como
tal é imprescindível que o degustador possua os referenciais memoriais e
culturais adequados.
Considerando as múltiplas motivações e intenções que envolvem a
degustação do Barreado (e não apenas este prato), parece adequado introduzir
aqui outro conceito: o de alimento-signo. O alimento-signo é aquele que
56
encerra uma série de significados, um conjunto de valorações simbólicas que
lhe são atribuídas e que permitem que sua degustação transcenda a
experiência sensorial e se caracterize também como uma experiência cultural e
emocional. Assim, trata-se de um conceito mais amplo, que abrange as
próprias idéias de tradição culinária e de alimento-memória, sem convertê-las,
no entanto, em sinônimos, mas que também permite pensar outras formas de
consumo simbólico destes pratos e iguarias que não são contempladas pelos
conceitos anteriormente citados.
Como exemplo, pode-se citar a operacionalização de pratos típicos sob
a ótica do turismo. Segundo esta gica, iguarias podem ser convertidas em
elementos diferenciadores e divulgadores de localidades turísticas, dando base
para a criação de estratégias para o desenvolvimento regional. Assim, alguns
pratos passam a ser associados em maior ou menor escala com uma
determinada localidade ou grupo, terminando por representá-lo com maior ou
menor força, tanto para “os de dentro quanto para os de fora”.
Estes pratos não necessariamente se caracterizam como tradições
culinárias por serem criações recentes e/ou tratar-se de tradições que ainda
estão por se construir
17
. Contudo, a degustação de tais elaborações pode
oferecer, além da experiência sensorial (vinculada aos sabores presentes
naquilo que é degustado), uma experiência cultural (no sentido de uma
aproximação com a realidade visitada e com os hábitos e costumes do grupo
que o prepara). Tomando como exemplo o próprio Barreado, uma tradição
culinária, pode ser degustado como um alimento-memória por um determinado
grupo, e, na mesa ao lado, ser degustado como um atrativo turístico, um
símbolo litorâneo que não se pode deixar de saborear quando se desloca para
17
Pode-se ilustrar este raciocínio citando um exemplo do próprio estado do Paraná. Em
Toledo, oeste do Estado, realiza-se, desde 1974, uma competição culinária que deu origem a
mais tradicional festa da cidade: a Festa Nacional do Porco no Rolete, iniciada a partir de uma
aposta entre um grupo de amigos em relação a quem seria capaz de assar um porco inteiro no
espeto e ainda mantê-lo saboroso. Tal festa possui caráter turístico irrevogável, e foi
incorporada no calendário cultural da própria cidade, sendo freqüentada por turistas e
residentes. Apesar da aceitação coletiva que se fortalece a cada dia, trata-se de um prato que
não está presente nas residências, sendo degustado apenas em eventos específicos. Sua
criação recente e desconectada da história do município, por sua vez, ainda impede sua
caracterização como uma tradição culinária efetiva. No entanto, trata-se de um atrativo turístico
e de uma iguaria que é muito valorizada pelos autóctones, ao ponto de ser assumida com
orgulho como um dos símbolos da cidade. Tem-se, neste sentido, uma iguaria que encerra
uma série de significados e que possibilita, a partir de sua degustação, que o comensal
estabeleça contato com uma série de conteúdos culturais e simbólicos.
57
Morretes, por exemplo. Em ambos os casos, fica evidente que o Barreado é um
alimento-signo, pois as motivações e experiências envolvidas transcendem à
questão sensorial e aglutinam valores simbólicos (de nostalgia, de contato com
a realidade visitada) à sua degustação. Caso o Barreado seja degustado como
mais uma opção de carne sem que haja uma valoração simbólica se
concretizará apenas o consumo de fato.
Não obstante, aumentando a complexidade da questão, é importante
observar que mesmo os alimentos permeados pela tradição convivem no
cotidiano lado a lado com inovações culinárias:
É possível, ainda, argumentar que a cultura alimentar é
constituída por hábitos alimentares em um domínio em que a
tradição e a inovação têm a mesma importância. Ou seja, a
cultura alimentar não diz respeito apenas àquilo que tem raízes
históricas, mas, principalmente, aos nossos hábitos cotidianos,
que são compostos pelo que é tradicional e pelo que se
constitui como novos hábitos (BRAGA, 2004, p.39)
Neste contexto, vale a pena recuperar o conceito de ‘tradição
inventada’ proposto por Eric Hobsbawm (1997, p.9) para quem a expressão
inclui tanto as “tradições” realmente inventadas, construídas e formalmente
institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira mais difícil de localizar
num período limitado e determinado de tempo, às vezes coisa de poucos anos
apenas, e se estabeleceram com enorme rapidez. Sobre esta questão, o
mesmo autor complementa:
Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas,
normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente
aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam
inculcar certos valores e normas de comportamento através da
repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade
em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se
estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado
(HOBSBAWM, 1997, p.9).
Observa-se então que a permeabilidade entre as tradições e as
inovações no âmbito alimentar é bastante grande, e de forma constante
tradições vão sendo criadas ou ressignificadas, seja pela substituição de
ingredientes que não estão mais disponíveis (por questão de deslocamento
geográfico, altos preços ou até mesmo problemas sanitários e dietéticos) e/ou
58
pela substituição de técnicas, equipamentos e utensílios que facilitam os
processos de preparo.
A partir da afirmação de que a construção dos padrões e das tradições
gastronômicas se elabora mediante a reinterpretação permanente dos
significados alimentares, o pesquisador Gonzalez Turmo (1999) propõe duas
análises diferenciadas, ao incluir de um lado a assimilação culinária e,
portanto, cultural – de novos alimentos, e de outro, a reinterpretação das
elaborações tradicionais por meio de suas descontextualizações.
Sobre a questão da assimilação, novos alimentos ou ingredientes
substituem outros ou são simplesmente incorporados ao prato. Esta estratégia
acompanha desde sempre a formação dos hábitos alimentares, mas vem se
intensificando nos últimos vinte anos, por conta do desenvolvimento da
alimentação comercial e da introdução de novos alimentos (naturais e
processados), além de mudanças na indústria da alimentação, dos meios de
comunicação e da publicidade (TURMO, 1999).
O autor continua, argumentando que juntamente a este processo de
tradicionalização de alimentos novos, se produz também a reinterpretação da
tradição por meio da descontextualização de algumas preparações, fazendo
com que uma mudança na posição estrutural de preparo do prato permita a
construção de um novo significado.
Esta conjugação entre a tradição e a inovação deve ser analisada à luz
das transformações sociais que alteraram os modos de vida e, por
conseqüência, a alimentação nas últimas décadas. A urbanização e a
industrialização dos anos 1950-1960, a separação entre o ambiente de trabalho
e o doméstico, a profissionalização das mulheres, a elevação do nível de vida e
de educação, as inovações tecnológicas (inclusive em termos de comunicação
e aparatos domésticos) bem como a abertura dos mercados internacionais
aumentou a permeabilidade cultural, alterou a organização cotidiana e o
acesso a ingredientes, técnicas e equipamentos, aproximando de forma
definitiva os diferentes códigos culinários e tornando a alimentação mais do
que nunca algo passível de comercialização. A alimentação deixa de ser um
universo ao abrigo da fragmentação e da rapidez do mundo moderno (ORTIZ,
2000, p.79).
59
Por conta destas mudanças, como observa Jean-Pierre Poulain (2004),
nunca, no âmbito da história, o consumidor de alimentos teve acesso a uma
diversidade alimentar tão grande como agora no Ocidente. Os progressos nas
áreas de conservação, acondicionamento e transporte de alimentos reduziram
consideravelmente a pressão do nicho ecológico, que limitava a produção de
alimentos a determinadas variáveis climáticas e de solo. Em contraponto a
estas facilidades tem-se como efeito o deslocamento do alimento moderno, que
se torna desconectado de seu enraizamento geográfico e das dificuldades
climáticas que lhe eram tradicionalmente associadas (POULAIN, 2004, p.29).
Escrevendo sobre este aspecto da desterritorialização, o antropólogo Renato
Ortiz argumenta:
Rompe-se assim a relação entre o lugar e o alimento. A comida
industrial não possui nenhum vínculo territorial. Não quero
sugerir que os pratos tradicionais tendam com isso a
desaparecer. Muitos deles serão inclusive integrados à cozinha
industrial. Mas perdem sua singularidade (ORTIZ, 2000, p.81).
Esta perspectiva de incorporação dos pratos tradicionais à cozinha
industrial será resgatada posteriormente, tendo em vista que o Barreado
atualmente é preparado em restaurantes de médio e grande porte e ainda pode
ser encontrado nas gôndolas de supermercado, vendido congelado em porções
para duas pessoas.
Todavia, concorda-se com Poulain (2004) quando este defende que,
apesar da mundialização e industrialização da esfera alimentar padronizarem e
homogeneizarem as iguarias, é um erro acreditar que os particularismos
nacionais e regionais desapareceram ou desaparecerão tão rapidamente. Para
Bornheim, é precisamente quando a tradição entra em crise que surge a
tentativa de eternizá-la, gerando um movimento por meio do qual muitas
tradições são fortalecidas em momentos de tensão e ruptura.
A tradição parece ser imperturbavelmente ela mesma na
medida em que afasta qualquer possibilidade de ruptura, ela se
quer perene e eterna, sem aperceber-se de que a ausência de
movimento termina condenando-a à estagnação da morte. A
necessidade de ruptura se torna, em conseqüência, imperiosa,
para restituir a dinamicidade ao que parecia “sem vida”
(BORNHEIM, 1997, p.15).
60
Por conseqüência, mesmo diante das constantes inovações que
terminam por pressionar as tradições culinárias, tem-se um movimento oposto,
no qual os avanços terminam por valorizar tais tradições, conferindo a elas um
verniz nostálgico, típico dos bens em ameaça de extinção. Assim, mesmo em
um panorama permeado por inovações e adaptações tecnológicas, as
tradições culinárias mantêm seu espaço simbólico por meio de um processo
que conta com a atividade turística como grande aliada, como será discutido no
capítulo cinco. Observa-se ainda que outro importante exemplo deste dualismo
ameaça/valorização consiste nas iniciativas de patrimonialização da culinária
tradicional, instituídas e institucionalizadas a partir da concepção de patrimônio
imaterial.
2.2 COMIDA COMO PATRIMÔNIO
Introduzir aqui algumas reflexões sobre a patrimonialização alimentar é
de grande pertinência, não apenas no sentido de complementar as discussões
já iniciadas na primeira parte deste capítulo, mas também para pensar as
possibilidades do Barreado enquanto patrimônio imaterial.
Deve-se mencionar que a 10ª Superintendência Regional do IPHAN
(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), a do Paraná, está
conduzindo a segunda fase do Inventário de Referências Culturais (INRC) no
município de Paranaguá. Segundo informações fornecidas por Hélina S. de
Souza Baumel (2008), Chefe da Divisão Técnica da Superintendência,
responsável pelo projeto do INRC, para a execução das atividades foi
contratada a empresa Traço Cultural que também realizou a primeira fase do
referido INRC. O cronograma inicial prevê que o inventário seja realizado em
cinco anos, entretanto esse prazo poderá ser revisto.
A primeira fase foi iniciada em 2007 e consistiu no mapeamento e
indicação das referências culturais, sendo que na segunda fase estão previstos
o aprofundamento das atividades de pesquisa e análise das referências
apontadas na fase anterior. Segundo Baumel (2008), tal inventário é
61
desenvolvido por fases anuais e em 2008 a prioridade residiu na categoria
celebrações, sendo que as demais categorias estabelecidas pela metodologia
do INRC deverão ser analisadas na seqüência. Ela explica de que forma o
Barreado faz parte de tal inventário: Assim sendo o Barreado é e será objeto do
inventário. Na primeira fase foi identificado e cadastrado como uma das
referências passíveis de inventariação e consta do rol das próximas fases.
Entretanto, deve-se observar que o objeto do INRC é o município de
Paranaguá, e não sendo específico do Barreado (BAUMEL, 2008).
Segundo Hélina o inventário é uma decisão da regional do IPHAN, a
Prefeitura de Paranaguá tem participação no desenvolvimento das atividades,
pois é considerada fundamental a participação da comunidade e da Secretaria
de Cultura local. Sobre o Barreado de forma específica, a responsável
comenta:
[...] a análise do Barreado é uma das etapas das fases atual e
seguinte, mas não estamos ainda em fase de inclusão em Livro
de Registro. Sabemos apenas que após o Encontro Fandango
e Cultura Caiçara
18
, ocorrido em Guaraqueçaba, um grupo
interessado no registro, mas esta solicitação é realizada via
Brasília e até o momento a regional não recebeu nada neste
sentido (BAUMEL, 2008).
Acredita-se que o Barreado, por conta de suas características, possui
grande potencial para ser objeto de um inventário visando sua inscrição no
Livro de Saberes do IPHAN, tendo em vista que é entendido aqui como um
elemento de patrimônio imaterial. Entretanto, enquanto os estudos que
fomentam tal inscrição não são viabilizados, cabe refletir sobre as mudanças
na concepção de patrimônio bem como das políticas voltadas para sua
proteção, a fim de perceber como se construiu o quadro que terminou por
acolher os saberes-fazeres culinários como patrimônio histórico, artístico e
cultural do país.
18
O II Encontro de Fandango e Cultura Caiçara aconteceu em Guaraqueçaba de 24 a 27 de
julho de 2008 e teve como proposta reunir grupos de Fandango e de outras manifestações
ligadas à cultura caiçara, do litoral de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. O evento foi
marcado por apresentações, oficinas, mesas-redondas e bailes, contou com a presença de
mais de 20 grupos de Fandango das cidades de Guaraqueçaba, Morretes, Paranaguá,
Cananéia e Iguape, e foi promovido pela Associação dos Fandangueiros do Município de
Guaraqueçaba com patrocínio do Prêmio Avon Cultura de Vida e da Prefeitura Municipal de
Guaraqueçaba, com o apoio de diversas instituições das cidades envolvidas
(http://www.encontrodeFandango.com.br/site/index.php).
62
Verifica-se que o debate sobre as concepções e estratégias de
proteção do patrimônio cultural tem movimentado historiadores, antropólogos,
sociólogos e outros estudiosos brasileiros e estrangeiros várias décadas,
tendo em vista que:
[...] el patrimonio cultural no es un hecho dado, una realidad
que exista por si misma sino que es una construcción histórica,
una concepción y una representación que se crea a través de
un proceso en el que se intervienen tanto los distintos intereses
de clases y grupos sociales que integran a la nación, como las
diferencias históricas y políticas que oponen a los países
19
(ALVAREZ, 2002, p.12).
Argumentando que as políticas voltadas à proteção patrimonial são
alteradas de acordo com os conceitos de identidade nacional dos governos que
se sucedem no poder, Funari e Pelegrini (2006) observam que a Constituição
Federal de 1934 inaugurou a preocupação com o patrimônio cultural brasileiro,
declarando impedimentos à evasão de obras de arte do território nacional e
introduzindo o abrandamento do direito de propriedade nas cidades históricas
mineiras, que posteriormente se tornaria decisivo para a proteção do
patrimônio nacional.
Dois anos mais tarde, em 1936, o Ministro de Estado da Educação e
Saúde Gustavo Capanema solicitou a Mário de Andrade a elaboração de um
anteprojeto de lei visando à salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro, e, no
mesmo ano entrava em atividade, de forma experimental, o SPHAN, Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O ante-projeto de Mário de Andrade
foi preterido em favor do texto de Rodrigo M. F. de Andrade, que deu forma e
conteúdo definitivo ao Decreto-Lei 25, de 30 de novembro de 1937. Este
dispositivo legal, como aponta Maria Cecília Londres Fonseca (1997), explicitou
os valores que justificam a proteção, pelo Estado, dos chamados “bens móveis
e imóveis”, tendo como objetivo resolver a questão da propriedade desses
bens, organizando a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e
dando base para o início dos processos de tombamento (vide anexo I).
19
“O patrimônio cultural não é fato dado, uma realidade que existe por si mesma, é uma
construção histórica, uma concepção e uma representação que é criada através de um
processo no qual intervêm tanto os diferentes interesses de classes e grupos sociais que
integram a nação, quanto as diferenças históricas e políticas” [tradução livre].
63
Deve-se mencionar, porém, que o texto adotado possuía uma
concepção de patrimônio mais restritiva do que a originalmente pensada por
Mário de Andrade, mas, por outro lado, estava voltado para [...] garantir ao
órgão que surgia os meios legais para sua atuação num campo extremamente
complexo: a questão da propriedade (LONDRES, 1997, p.114), aspecto que
consistia no principal entrave à institucionalização da proteção do patrimônio
histórico e artístico nacional. Sobre a proposta de Mario de Andrade, a autora
esclarece:
[...] no seu anteprojeto Mário de Andrade desenvolveu uma
concepção de patrimônio extremamente avançada para seu
tempo, que em alguns pontos antecipa, inclusive, os preceitos
da Carta de Veneza, de 1964. Ao reunir num mesmo conceito –
arte
20
manifestações eruditas e populares, Mário de Andrade
afirma o caráter ao mesmo tempo particular/nacional e
universal da arte autêntica, ou seja a que merece proteção
(LONDRES, 1997, p.108)
Nota-se que, neste período, a concepção de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional era baseada nos bens móveis e imóveis de excepcional valor
arqueológico ou etnográfico e os processos de tombamento visavam à inclusão
em um dos quatro livros existentes: Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico
e Paisagístico (das coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica,
etnográfica, ameríndia e popular); Livro do Tombo Histórico (das coisas de
interesse histórico e as obras de arte histórica); Livro do Tombo das Belas
Artes (das coisas de arte erudita, nacional ou estrangeira) e Livro do Tombo
das Artes Aplicadas (das obras que se incluírem na categoria das artes
aplicadas, nacionais ou estrangeiras).
No que tange às demais Constituições brasileiras, verifica-se que o
tema patrimônio cultural tornou-se uma constante. A Constituição Federal de
1946 inaugurou a preocupação com a proteção de documentos históricos e
20
“A noção de arte no anteprojeto (“arte é uma palavra geral, que neste seu sentido geral
significa a habilidade com que o engenho humano se utiliza da ciência, das coisas e dos fatos”)
se aproxima da concepção antropológica de cultura. E uma análise de texto do anteprojeto em
seu conjunto deixa claro que a ênfase na noção de arte não significa uma posição esteticista. A
preocupação em explicitar o que entende por cada uma das oito categorias de arte (arte
arqueológica; arte ameríndia; arte popular; arte histórica; arte erudita nacional, arte erudita
estrangeira; artes aplicadas nacionais; artes aplicadas estrangeiras) e como elas se
agrupariam nos quatro livros do tombo e nos museus correspondentes, indica em Mário uma
visão abrangente e avançada para a sua época em relação às noções de arte e de história
vigentes, inclusive nos serviços de proteção já existentes na Europa” (LONDRES, 1997, p.108).
64
reafirmou o que havia sido prescrito na Constituição Federal de 1937. Em 1946
o SPHAN passou a denominar-se Departamento do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (DPHAN). A Constituição Federal de 1967, por sua vez, criou
novas categorias de bens a serem preservados, elegendo como patrimônio as
jazidas e os sítios arqueológicos, anteriormente classificados apenas como
locais de valor histórico.
Fazendo um balanço da chamada “fase heróica” (que corresponde ao
período entre 1937 e 1967, quando Rodrigo de Melo França esteve à frente da
direção geral do órgão), Maria Cecília Londres (1997) esclarece que
prevaleceu nitidamente uma apreciação de caráter estético baseada nos
cânones da arquitetura modernista, que terminou por privilegiar a proteção de
bens de “cal e pedra”
21
.
Em 1970 o DPHAN se transformou em Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional e a ampliação do conceito de patrimônio deu origem a
iniciativas como a criação junto à SEPLAN (Secretaria de Planejamento da
Presidência da República) do Programa de Reconstrução das Cidades
Históricas (PCH); elaboração da Política Nacional de Cultura pelo MEC em
1975 e a criação do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) no mesmo
ano.
O CNRC iniciou suas atividades com uma proposta de criar um banco
de dados sobre a cultura brasileira, um centro de documentação que utilizasse
as formas modernas de referenciamento e possibilitasse a identificação e o
acesso aos produtos culturais brasileiros (LONDRES, 1997, p.163), concepção
esta que foi sendo reelaborada e ampliada. Progressivamente, foi sendo
formulada a idéia de bem cultural, que surgiu como uma alternativa atualizada
e mais abrangente à noção de patrimônio histórico (LONDRES, 1997, p.171),
21
Nota-se que tal perspectiva de valorização do patrimônio histórico-arquitetônico identificada
no Brasil acompanhava discussões internacionais, como pode ser percebido nas Cartas
Patrimoniais até então elaboradas: Carta de Atenas (de 1931, focava na proteção de
monumentos de interesse histórico, artístico ou científico pertencentes às diferentes nações);
Carta de Atenas (de 1933, focava no diagnóstico e nas conclusões sobre os problemas
urbanísticos das principais e grandes cidades do mundo levantados durante o Congresso
Internacional de Arquitetura Moderna em Atenas, no mesmo ano); Recomendação de Nova
Delhi (de 1956, versa sobre pesquisas e bens arqueológicos); Carta de Veneza (de 1964, trata
da conservação e restauração de monumentos e sítios históricos, baseando-se nas
contribuições do Congresso Internacional de arquitetos e técnicos dos monumentos históricos
ocorrido em 1964); Recomendação de Paris (de 1964, recomenda medidas destinadas a proibir
e impedir a exportação e a transferência de propriedades ilícitas de bens culturais veis e
imóveis) (IPHAN, 2008).
65
sendo que, dentre tais bens, o CNRC se voltou prioritariamente para aqueles
até então excluídos das representações de cultura brasileira construídas pelos
demais órgãos oficiais.
Analisando a atuação do Centro, Maria Cecília pondera que a
valorização das raízes populares na construção da identidade nacional não
constitui a inovação da abordagem do CNRC, algo que alguns modernistas
haviam feito ainda na década de 1930. Entretanto:
O novo na proposta do CNRC era a perspectiva a partir da qual
se valorizavam estas manifestações, que não eram apreciadas,
via folclore ou etnografia. Tratava-se de revelar um interesse
até então não percebido: sua capacidade de gerar valor
econômico e de apresentar alternativas apropriadas ao
desenvolvimento brasileiro. Era introduzida, assim, uma
mediação politicamente relevante entre a cultura popular e o
interesse nacional (LONDRES, 1997, p.1972).
Em 1979 ocorreu a fusão IPHAN/PCH/CNRC e foi criada uma nova
estrutura, composta pela Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(SPHAN) e um órgão executivo, a Fundação Nacional Pró-Memória em 1979,
com o objetivo de driblar os entraves burocráticos e acelerar a captação de
recursos para realizar programas e projetos da área de cultura.
Segundo Funari e Pelegrini (2006, p.49), a abertura democrática no país,
vivenciada na década de 1980, permitiu o surgimento de revisões teóricas no
campo da preservação dos bens culturais e a superação das práticas limitadas
à conservação e recuperação apenas da imagem plástica e das feições
estilísticas dos conjuntos históricos, pois o reconhecimento de uma vasta gama
de bens procedentes, sobretudo, do saber popular alargou a concepção de
patrimônio agora assentada na diversidade cultural, étnica e religiosa do país.
Em termos práticos, na década de 1980 a proteção de
monumentos isolados, outrora priorizada, foi suplantada pela
preservação de espaços de convívio, assim como a
recuperação dos modos de viver de distintas comunidades,
manifestas, por exemplo, na restauração de mercados públicos
e de outros espaços populares (FUNARI e PELEGRINI, 2006,
p.49).
66
Em 1985 foi elaborada a Declaração do México, durante a Conferência
Mundial sobre as Políticas Culturais promovida pelo ICOMOS, Conselho
Internacional de Monumentos e Sítios. Neste documento a educação e a
cultura são apontadas como essenciais para o verdadeiro desenvolvimento do
indivíduo e da sociedade e é enfatizada a necessidade de estreitar a
colaboração entre nações para garantir o respeito ao direito dos demais e
assegurar o exercício das liberdades fundamentais do homem e dos povos, e
do seu direito à autodeterminação. No mesmo texto, é apresentado o seguinte
conceito de patrimônio cultural:
O patrimônio cultural de um povo compreende as obras de
seus artistas, arquitetos, músicos, escritores e sábios, assim
como as criações anônimas surgidas da alma popular e o
conjunto de valores que dão sentido à vida. Ou seja, as obras
materiais e não materiais que expressam a criatividade desse
povo: a língua, os ritos, as crenças, os lugares e monumentos
históricos, a cultura, as obras de arte e os arquivos e
bibliotecas (IPHAN, 2008).
Esta visão mais ampla de patrimônio cultural também deu base à
Constituição Federal de 1988, que no artigo 215
22
, reafirmou a ação em prol do
patrimônio cultural, no sentido de apoiar, incentivar e proteger as
manifestações das culturas populares indígenas e afro-brasileiras ou de
quaisquer outros segmentos étnicos nacionais, propondo, inclusive, a fixação
de datas comemorativas concernentes aos respectivos interesses, bem como
estabeleceu um Plano Nacional de Cultura de duração plurianual para dar
conta de tais objetivos.
O artigo 216 da Carta Magna
23
define como integrantes do Patrimônio
Cultural Brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
22
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às
fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações
culturais. §1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-
brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. § A lei
disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes
segmentos étnicos nacionais. § A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração
plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder
público que conduzem à: I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II - produção,
promoção e difusão de bens culturais; III - formação de pessoal qualificado para a gestão da
cultura em suas múltiplas dimensões; IV - democratização do acesso aos bens de cultura; V -
valorização da diversidade étnica e regional (BRASIL, 1988).
23
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
67
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação,
à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (BRASIL,
1988).
Neste conjunto de bens se incluem:
I- as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver;
III -as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as
obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais; V - os
conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico
(BRASIL, 1988).
Este artigo também estabelece que o poder público, com a colaboração
da comunidade, deverá promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro por
meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, além
de outras formas de acautelamento e preservação. Neste sentido, tal
dispositivo – juntamente com outras discussões que se deram nos planos
internacional e nacional
24
- foi fundamental para a criação de um novo
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as
formas de expressão; II- os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e
tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e tios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§1º O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegeo patrimônio
cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação,
e de outras formas de acautelamento e preservação.
§ Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação
governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.
§ 3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores
culturais.
§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.
§5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas
dos antigos quilombos.
§6º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à
cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de
programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: I -
despesas com pessoal e encargos sociais; II - serviço da dívida; III - qualquer outra despesa
corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados (BRASIL, 1988).
24
Pode-se citar aqui a Recomendação de Paris de 15 de novembro de 1989 (que ressaltava a
importância da cultura tradicional e popular e argumentava em favor de sua salvaguarda); a
Carta de Fortaleza de 14 de novembro de 1997 (produto do “Seminário Patrimônio Imaterial:
Estratégias e Formas de Proteção” promovido pelo IPHAN, documento que argumenta que os
bens de natureza imaterial deveriam ser objeto de proteção específica e que os institutos de
proteção até então em vigor no âmbito federal não tinham se mostrado adequados à proteção
do patrimônio cultural de natureza imaterial. Assim, dentre várias recomendações, a Carta
indicava a necessidade de um aprofundamento da reflexão sobre o conceito de bem cultural de
natureza imaterial, bem como a criação de um grupo de trabalho no Ministério da Cultura, sob
coordenação do IPHAN para propor um instrumento legal que tratasse da criação de um
instituto jurídico denominado registro voltado especificamente para os bens de natureza
imaterial); e a Carta de Mar Del Plata sobre Patrimônio Intangível de 17 de junho de 1997 (que
68
instrumento de preservação do país: o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial, implementado pelo Decreto nº. 3.551/2000, publicado em 4 de agosto
de 2000 e desde então em vigor (vide anexo II). Deve-se observar que tal
decreto recupera uma concepção ampla de patrimônio, já ensaiada por Mário
de Andrade em suas propostas apresentadas na década de 1930.
Assim, o Decreto nº. 3.551/2000 instituiu que o Registro dos Bens
Culturais de Natureza Imaterial sempre terá como referência a continuidade
histórica do bem e sua relevância nacional para a memória, a identidade e a
formação da sociedade brasileira, e poderá ser feito nos seguintes livros: Livro
de Registro dos Saberes (onde serão inscritos conhecimentos e modos de
fazer enraizados no cotidiano das comunidades); Livro de Registro das
Celebrações (inscritos os rituais e festas que marcam a vivência coletiva do
trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida
social); Livro de Registro das Formas de Expressão (inscritas manifestações
literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas) e Livro de Registro dos
Lugares (inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde
se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas). No Brasil, para que
seja realizado o registro de um bem cultural de natureza imaterial, alguns
requisitos precisam ser preenchidos, dentre eles a manifestação formal de
anuência com o processo de registro por parte da comunidade envolvida, além
do cumprimento das etapas de inventariação e de análise realizadas pelo corpo
técnico do IPHAN.
Fazendo uma análise do quadro geral do tratamento institucional dado
ao patrimônio no Brasil, Funari e Pelegrini escrevem:
Inseridas em um projeto mais amplo, devotado à prática social
integradora do governo Vargas, as primeiras ações em defesa
do patrimônio nacional incluíram a seleção de edifícios do
período colonial em estilo barroco- e palácios
governamentais, em sua maioria prédios neoclássicos e
ecléticos. Essas escolhas foram feitas devido a seus vínculos
com a História oficial da nação. Enquanto a arquitetura foi
elevada à condição de marca nacional capaz de promover a
imagem de solidez do Estado brasileiro, os bens culturais não
pertencentes às elites acabaram relegados ao esquecimento.
dentre outras recomendações sugere a ação conjunta dos países do Mercosul no sentido da
salvaguarda do patrimônio imaterial, principalmente o concernente às populações indígenas da
região) (IPHAN, 2008).
69
Tal premissa foi alterada mais de 60 anos após a criação do
IPHAN, mediante a implementação do Decreto nº. 3.551/2000,
que instituiu o registro de bens culturais de natureza imaterial
(FUNARI e PELEGRINI, 2006, p. 46).
Deve-se fazer constar que a ação do IPHAN se coaduna com os
preceitos da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura), entidade que estabelece as manifestações de Patrimônio
Cultural Imaterial como aquelas que incluem as tradições, o folclore, os
saberes, as técnicas, as línguas, as festas e diversos outros aspectos e
manifestações, transmitidos oral ou gestualmente, recriados coletivamente e
modificados ao longo do tempo. Por concepção, o Patrimônio Imaterial é
transmitido de geração em geração sendo constantemente recriado pelas
comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a
natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e
continuidade que contribui para a promoção do respeito à diversidade cultural e
à criatividade humana.
Esta compreensão inclui os saberes culinários tradicionais
reconhecidos como formas de expressão cultural e manifestações
características de determinados grupos sociais. Sobre a questão da
patrimonialização alimentar, Pierre Poulain escreve:
A patrimonialização do alimentar e do gastronômico emerge
num contexto de transformação das práticas alimentares
vividas no modo da degradação e mais amplamente no do
risco de perda da identidade. A História da Alimentação
mostrou que cada vez que identidades locais são postas em
perigo, a cozinha e as maneiras à mesa são os lugares
privilegiados de resistência (POULAIN, 2004, p.37).
Neste sentido, o autor argumenta que a patrimonialização
contemporânea da alimentação inscreve-se em um movimento que faz a noção
de patrimônio passar da esfera privada para a pública, do econômico para o
cultural. E complementa que o fenômeno da patrimonialização se coloca como
lugar privilegiado para a leitura de mutações sociais, tendo em vista que:
Ela consiste numa transformação das representações
associadas ao espaço social alimentar e coloca os produtos
alimentares (quer sejam ou não elaborados), os objetos e as
70
habilidades utilizadas em sua produção, em sua transformação,
em sua conservação e em seu consumo, assim como os
códigos sociais, “os modos de cozinhar” ou “os modos de
comer e de beber” o que no Ocidente chamamos de
“maneiras à mesa” como objetos culturais portadores de uma
parte da História e da identidade de um grupo social. Num
mundo em mutação, convém então preservá-las como
testemunhos de uma identidade cultural (POULAIN, 2004,
p.37).
Assim, em um contexto em que se verifica o avanço da industrialização
alimentar e a dissolução de muitas tradições da mesa em nome da rapidez e
praticidade, o registro dos saberes alimentares visa o apenas salvaguardar
técnicas e receitas, mas principalmente reconhecer tais práticas como
pertencentes a um contexto cultural maior e como uma forma de expressão
legítima do grupo social que a desenvolve.
Dentre os bens já registrados como Patrimônio Imaterial, pode-se citar
a Arte Kusiwa dos Índios Wajãpi, o Samba de Roda do Recôncavo Baiano, o
Círio de Nossa Senhora de Nazaré, o Frevo, a Cachoeira do Iauaretê (lugar
sagrado dos povos indígenas dos Rios Uaupés e Papuri), a Feira de Caruaru, o
modo de fazer Viola-de-cocho e o Jongo do Sudeste, além do Ofício das
Paneleiras de Goiabeiras
25
, o Ofício das Baianas do Acarajé
26
e, mais
25
O Ofício das Paneleiras de Goiabeiras foi o primeiro bem cultural inscrito no Livro de Registro
dos Saberes, em 20 de dezembro de 2002, e consiste na fabricação artesanal de panelas de
barro em Goiabeiras (também conhecido como Goiabeiras Velha), bairro de Vitória, Capital do
Espírito Santo. É uma atividade predominantemente feminina e constitui um saber repassado
de mãe para filha por gerações sucessivas, constituindo-se também no meio de vida de mais
de 120 famílias. As panelas de Goiabeiras são utensílios indispensáveis no preparo de peixes
e mariscos, especialmente para preparar e servir a Moqueca Capixaba, uma referência
obrigatória da culinária do Espírito Santo e um símbolo da identidade cultural regional. A
famosa Torta Capixaba também é tradicionalmente preparada nessas panelas. Dentre as
atividades que compõem o Ofício das Paneleiras constam: a extração da argila; preparação
das bolas e transporte até o local de trabalho; escolha e/ou limpeza do barro (retirada de
gravetos e outras impurezas com o mesmo sendo pisado até ficar mais homogêneo para sofrer
a modelagem); coleta da casca de mangue vermelho; confecção da tintura de tanino;
modelagem da peça; realização do acabamento da peça (colocação de orelhas, polimento);
queima das peças e açoite das peças (aplicação da tinta nas peças com a vassourinha de
muxinga). Observa-se que a descrição pormenorizada da modelagem e fabricação das panelas
de Goiabeiras consta no Processo nº. 01450.000672/2002-50 (IPHAN, 2002).
26
Segundo relato do Processo . 01450.008675/2004-01, o pedido de registro do Ofício das
Baianas do Acarajé foi inscrito no Livro dos Saberes como Patrimônio Cultural Brasileiro em 10
de dezembro de 2004. De acordo com o Livro de Registro dos Saberes, o Ofício das Baianas
de Acarajé, em Salvador, Bahia, consiste em uma prática tradicional de produção e venda em
tabuleiro das chamadas comidas de baiana ou comidas de azeite, em que se destaca o
acarajé, um bolinho de feijão fradinho, frito no azeite de dendê. O preparo do acarajé foi levado
para a região pelas escravas negras no período colonial e tem sido reproduzido no Brasil
desde então, tendo na transmissão oral sua principal forma de transmissão de receitas. De
origem sagrada, associada ao culto de divindades do candomblé, esta comida popularizou-se e
71
recentemente, o Modo Artesanal de fazer Queijo de Minas, nas regiões do
Serro e das serras da Canastra e do Salitre
27
.
Deve-se mencionar ainda que o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial também prevê a realização de Ações de Salvaguarda, que visam
apoiar a continuidade de um bem cultural de natureza imaterial de modo
sustentável, atuando no sentido da melhoria das condições sociais e materiais
de transmissão e reprodução que possibilitam sua existência. O Plano de
Salvaguarda do Ofício das Paneleiras de Goiabeiras, por exemplo, envolve
ações voltadas para a organização e a capacitação do grupo de paneleiras,
além de ações relativas à sustentabilidade ambiental deste ofício, tendo em
vista a utilização de insumos ambientais escassos na sua produção.
Confirmando a tendência de valorização do patrimônio culinário
nacional, além dos registros concretizados, se encontram em processo de
registro o saber fazer da Empada ou Empadão de Goiás GO e o saber fazer
do Arroz-de-cuxá MA e dos queijos artesanais de Minas MG, sendo que
não nenhum inventário dessa natureza sendo desenvolvido no Estado do
Paraná. Dentre os inventários em andamento, também se destacam alguns
bens gastronômicos, tais como: o Inventário Nacional de Referências Culturais
(INRC) do Tacacá PA, o INRC das Cuias de Santarém PA e o INRC da
Farinha de Mandioca – PA.
Traçado este panorama de aspectos conceituais que precisam ser
levantados para uma melhor compreensão do objeto de estudo, tem-se no
próximo item uma abordagem descritiva da culinária litorânea paranaense,
contexto alimentar do qual emerge o Barreado como símbolo máximo.
passou a marcar toda a sociedade baiana como um valor alimentar integrado à culinária
regional. Neste sentido, são considerados elementos essenciais do Ofício das Baianas do
Acarajé os rituais envolvidos na produção do acarajé, na arrumação do tabuleiro e na
preparação do lugar onde as baianas se instalam; os modos de fazer as comidas de baiana; o
uso do tabuleiro para venda das comidas; a comercialização informal em logradouros, feiras e
festas de largo e o uso da indumentária própria das baianas (IPHAN, 2004).
27
O Modo Artesanal de fazer Queijo de Minas, nas regiões do Serro e das serras da Canastra
e do Salitre foi inscrito no Livro de Registro dos Saberes, em 13 de junho de 2008, mediante o
entendimento de que o modo de fazer o queijo sintetiza um conjunto de experiências, símbolos
e significados que definem a identidade do mineiro. Trata-se, portanto, de um conhecimento
tradicional e um traço marcante da identidade cultural dessas regiões, sendo que cada uma
forjou um modo de fazer próprio, expresso na forma de manipulação do leite, dos coalhos e
das massas, na prensagem, no tempo de maturação (cura), conferindo a cada queijo aparência
e sabores específicos. Observa-se que a descrição pormenorizada do modo de fazer do Queijo
de Minas consta no Processo nº. 01450.012192/2006-65 (IPHAN, 2008).
72
2.3 DA CULINÁRIA LITORÂNEA
A convivência centenária entre índios, portugueses e povos
provenientes de outros fluxos migratórios, associada à sucessão das fases da
economia que impulsionaram o desenvolvimento do estado, possibilitou a
interpolação de costumes, tradições e inovações que permitiram a
transformação dos recursos da fauna e da flora locais em iniciativas de boa
mesa. Para o jornalista Eduardo Sganzerla e o chef Jan Strasburger:
A formação recente do Paraná, elevado à Província somente
em 1853, reflete na sua própria culinária. Nos primeiros
tempos, os habitantes desse território incorporaram os hábitos
alimentares dos índios e nativos, como é natural nesses
processos, e dos portugueses, nossos primeiros colonizadores.
Numa segunda fase, adotaram os costumes dos novos
imigrantes europeus. Isso tornou os hábitos culinários mais
ricos e variados (SGANZERLA e STRASBURGER, 2004, p.15).
A influência indígena na formação da culinária litorânea é visível até
hoje. A mandioca era o principal alimento, sendo que os carijós a consumiam
em grande quantidade nas suas mais diversas formas, tais como beiju (mbeiju
ou meiu), mingau, angu, caldos, tapioca, cauim
28
(uma bebida ritual) e ainda
como as versáteis farinhas. A farinha de mandioca era fundamental para a
subsistência dos índios, que a consumiam com água, com sucos, com frutas,
com caça e com qualquer outro coadjuvante alimentar (KOCH, 2004, p.16).
Segundo o estudioso da alimentação Ivan Mario Koch (2004), os
indígenas comiam ainda brotos da mandioca, batata-doce, cará, pimenta,
pinhão, palmito, guabiroba, palmeira juçara, feijão, amendoim, abóbora, cajá,
banana e milho. Bastante populares, os principais produtos derivados do milho
eram a kiréra utilizada no lugar do arroz, por eles desconhecido, a pamonha, a
acangic (canjica) e a popoka (pipoca) (CASILHO, 2005, p.17). O pinhão (fruto
do Pinheiro-do-Paraná, araucaria augustifolia) figurava também como
28
As mulheres faziam também grandes bolas com a massa de aypi (a mandioca mansa, sem
veneno), que espremiam com as mãos. O caldo cor de leite era colhido em vasilhas de barro e
exposto ao sol. O calor condensava e coagulava a beberagem, como coalhada (CASILHO,
2005, p.15).
73
importante elemento na alimentação indígena. Era preparado sobre as brasas
das grimpas (galhos) dos pinheiros, sapecado, cozido e pilado.
As sementes in natura eram guardadas em cestos submersos em água
corrente por quarenta e oito horas e na seqüência eram secas ao sol, para
posteriormente serem consumidas fora da época de safra. O pinhão era então
reduzido a farinha, que era degustada com a adição de carne e peixe
moqueados, ou um pouco de farinha de mandioca. Com as carnes originava a
paçoca (do verbo apaçoka, que quer dizer pilar) enquanto que, com a adição
de caldos quentes de carnes ou de peixes, obtinha-se o pirão e o mingau, que
eram também utilizados no preparo de sopas e pães (CASILHO, 2005).
A mesma publicação observa que, dentre as frutas, destacavam-se
abacate, ingá, araçá, pitanga, cajá, abacaxi, mangaba, goiaba, jaboticaba,
maracujá, carambola, jambo, além de frutos de palmeiras, sem falar nas
bananas, que eram consumidas ao natural, assadas, cozidas e em forma de
mingau. Bebiam o tererê (infusão de erva-mate em água fria) e o guaraná. As
carnes mais consumidas eram de caça, geralmente ingeridas assadas. Dentre
os animais mais degustados constam os porcos-do-mato, macacos, pacas,
capivaras e pássaros em geral. Alguns insetos também constituíam as fontes
de proteínas da alimentação indígena. Os peixes eram o alimento básico,
consumidos das mais diversas qualidades e pescados por vários métodos
29
.
Tanto as carnes de caça quanto as de peixe eram submetidas a técnicas de
cocção
30
, sendo geralmente moqueadas:
A palavra moquear deriva do verbo mbokaê ou mokaê, que
quer dizer secar, enxugar. O processo de moquear as carnes
consistia, portanto, em colocá-las para assar sobre uma grade
de madeira ou de taquaras ou ainda diretamente sobre as
brasas. Mais uma variante desse processo seria a de enxugar
as carnes através da defumação (CASILHO, 2005, p.17).
29
Eram caçados com arco e flecha, arpão ou com a ajuda do timbó, uma planta que, depois de
esmagada com as mãos, produzia um efeito entorpecente nos peixes, fazendo-os boiar,
facilitando o trabalho dos homens, que os pegavam com as mãos (CASILHO, 2005).
30
Dentre as técnicas de cocção tem-se a moqueca, que para o indígena paranaense é um
processo e não um conteúdo, como esclarece Koch (2004), consistindo em um embrulho feito
de folhas de bananeira ou de outra folha que suporte calor, que acondiciona uma massa a ser
assada em borralho, que por sua vez é a mistura das cinzas com as brasas, em que o pacote
de comida assa até poder ser aberto e seu interior consumido.
74
Animais de grande porte, contudo, eram preparados com uma técnica
diferenciada, com buracos revestidos de pedras que criavam um forno
primitivo. O fogo era então aceso até que as pedras se tornassem
incandescentes, as cinzas e as brasas eram removidas e a pedras recobertas
com folhas. Por cima delas, colocava-se a carne cuidadosamente envolta em
folhas (CASILHO, 2005, p.17). A folha de bananeira era bastante usada, por
ser muito comum na região e apresentar um grau de resistência adequado para
que os alimentos não queimassem.
As carnes eram geralmente degustadas com farinha de mandioca.
Entretanto, Koch (2004) alerta que o uso de farinhas não se restringia ao
acompanhamento de outras iguarias nem elas eram produzidas somente a
partir da mandioca, do milho ou do pinhão, pois em suas campanhas pelas
matas nos períodos de caça os índios levavam outros alimentos reduzidos a
farinha. A farinha de batata-doce, por exemplo, se chamava cuí, enquanto
piracuí era a farinha de peixe seco no moquém e socado no pilão.
Em solo brasileiro, ocorreu um primeiro grande passo rumo à evolução
dos hábitos alimentares. Sem saída, os portugueses incorporaram hábitos
indígenas, principalmente com relação aos procedimentos de obtenção de
alimentos (CASILHO, 2005, p.33). Defendendo que parte da ciência
colonizadora portuguesa se deu na alimentação, Câmara Cascudo considera
que na esteira da fusão da culinária do colonizador com os elementos
nacionais é fundada a culinária brasileira:
Essa adoção da fauna e flora locais valoriza a cozinha para as
descendências branca e mestiça sem que os pratos
passassem a constituir curiosidades toleradas e servidas como
quem apresenta exotismos folclóricos. A ciência colonizadora
do português atingiu o esplendor na transmissão do seu
paladar aos aborígenes e sucessores. O que não era brasileiro
e vinha de Portugal tornou-se brasileiro pela continuidade do
uso normal; toucinho, lingüiça, presunto, vinho, hortaliças,
salada, azeite, vinagre (CASCUDO, 2004, p.242).
Estudiosa dos países lusófonos, Cherie Hamilton (2005) destaca que
os portugueses não apenas foram os primeiros divulgadores inter e
intracontinentais, como também desempenharam a função de portadores de
culturas comestíveis, inclusive práticas culinárias específicas, sendo que a
75
própria mistura de produtos agrícolas, ingredientes e costumes
“socioculinários” em muitos casos resultou em comidas hoje características das
antigas colônias lusitanas na África e na Ásia e do Brasil, assim como de
Portugal e das Ilhas da Madeira e dos Açores.
Também ressaltando as várias influências que contribuíram para a
formação da culinária portuguesa
31
, a pesquisadora norte-americana
argumenta que a comida portuguesa, já híbrida, foi levada para a África, Ásia e
América do Sul, tendo os indígenas também influenciado na comida introduzida
pelos portugueses na Europa: no caminho contrário, os viajantes regressavam
a Portugal freqüentemente levando produtos agrícolas então desconhecidos na
Europa e, em alguns casos, comidas transculturais (HAMILTON, 2005, p.27).
No que tange à formação da culinária paranaense, também se percebe uma
grande influência portuguesa:
Dos portugueses, recebemos o gosto pelas carnes de carneiro,
porco, cabrito, além da galinha, dos ovos, peixes e mariscos.
Os temperos de origem européia são: alho, cebola, cominho,
cheiros-verdes e principalmente a vinha-d´alho. Devemo-lhes,
ainda, os recheados, conservas salgadas, açúcar, caldos e o
hábito de beber café. A doçaria lusitana nos trouxe os alfenins
e alféloas (puxa-puxa), fios ovos e o mel, que teve muita
importância na elaboração das sobremesas brasileiras
(CASILHO, 2005, p.32).
Os portugueses trouxeram vacas leiteiras, gado de corte, ovelhas,
cabras, porcos, patos, gansos; além de vegetais como pepino, gengibre,
coentro, alho, cebolinhas, poejo, mostarda, rábano, couves, alface, endro,
funcho, salsa, cominho, agrião, manjericão, alfavaca, cenoura, acelga,
espinafre, dentre outros; frutas como maçã, pêra, marmelo, figo, romã, laranja,
lima, limão, melancia, pêssego e videiras (KOCH, 2004).
No período colonial ocorreu, portanto, a fusão entre os saberes
culinários. Muitas vezes a estrutura culinária portuguesa foi mantida, mas os
ingredientes foram trocados. Nas grandes fazendas ou nas minas coloniais, a
31
“Se bem que Portugal seja visto como um país europeu com uma longa História de
etnicidade homogênea, havia uma presença significativa, nesse reino ibérico, de mouros e
sefardins. E verificam-se na cozinha tradicional de Portugal influências da antiga presença de
muçulmanos, judeus sefárdicos e cristãos-novos.[...] Os exploradores portugueses foram
responsáveis pela introdução de novos produtos agrícolas e culturas comestíveis das
Américas, por exemplo, o na sua própria terra e na Europa em geral, mas também na
África e na Ásia” (HAMILTON, 2005, p.27-28).
76
culinária ganhava feições próprias, variando de região para região de acordo
com os produtos disponíveis e as características dos povos presentes
(CASILHO, 2005, p.33).
A economia do Tropeirismo, importante para o desenvolvimento
paranaense, também influenciou a culinária do estado, deixando marcas
principalmente no primeiro planalto e nos campos gerais. Em seus
deslocamentos, os tropeiros não faziam muitas paradas durante o dia, e as
refeições se constituíam de manjares simples e de fácil conservação e preparo.
Desta forma, a base da alimentação dos tropeiros era formada por alimentos
não sujeitos à ão do tempo, como o feijão, o toucinho, o fubá, a farinha de
mandioca, o café e a carne salgada. Nas proximidades dos vilarejos mais
“desenvolvidos”, lingüiças, bacalhaus e outras carnes passavam a integrar sua
dieta:
A gordura era um elemento sempre presente na alimentação
do tropeiro. O feijão cozido com pedaços de carne gordurosa
32
e o largo uso da farinha de mandioca, inclusive substituindo o
pão eram evidentes. Era comum também a abundância no uso
de temperos aromáticos tidos como digestivos [...] A carne
seca ocupava lugar de destaque na refeição tropeira. O
conhecido charque era a principal mercadoria trazida pelos
gaúchos da região de Pelotas e da divisa do Brasil com o
Uruguai. De Jaguarão e outras localidades gaúchas provinha
todo o charque que abastecia o Brasil e também era produto de
exportação (CASILHO, 2005, p.57).
Comia-se feijão cozido com toucinho durante a noite, no pouso, e ainda
era preparado o arroz com charque, chamado charque carreteiro,
acompanhado de farinha, pão e café
33
. Como dito anteriormente, de maneira
geral, os ingredientes usados na alimentação cotidiana eram de fácil
conservação: feijão, farinha de milho, arroz, charque, toucinho, café, açúcar
mascavo ou cristal e rapadura. Durante as invernadas, dependendo das roças
32
A receita do feijão tropeiro é particularmente famosa e consiste em feijão cozido
acompanhado por farinha de trigo ou de mandioca, toucinho, carne seca de gado e/ou de porco
e lingüiça.
33
O café não era preparado como em casa, com o uso de coadores de tecido. A água era
fervida e nela o do café era acrescentado e misturado com o auxílio de uma colher. Após
ser adoçado, era despejada nele uma pequena quantidade de água fria para que o
decantasse e a bebida estivesse pronta para ser consumida. Ainda hoje, esse café é conhecido
como café tropeiro ou café turco, pois estes foram os primeiros a prepará-los dessa maneira
(CASILHO, 2005).
77
disponíveis, algumas verduras como a couve incrementavam determinados
pratos.
Escrevendo sobre o panorama da formação da culinária paranaense,
Sganzerla e Strasburger (2004) defendem que, se no início da colonização a
mandioca era a base alimentar na maior parte do território brasileiro, o milho
ganhou destaque a partir da ênfase da mineração no culo XVII e
transformou-se num dos elementos essenciais da comida nacional, inclusive no
Paraná. O feijão deixou as senzalas do Nordeste açucareiro e se espalhou pelo
país com o auxílio dos tropeiros que se deslocavam pelos caminhos de Minas
Gerais ao Rio Grande do Sul, e o gado começou a servir de fonte de alimento,
enquanto o trigo, o arroz e outros cereais consolidaram-se como culturas,
graças à vinda dos imigrantes, depois da segunda metade do século XIX.
Em seu estudo sobre os gêneros alimentícios no Paraná ao longo do
século XIX, Carlos Roberto Antunes dos Santos (1995) escreve que o milho, o
feijão, o arroz, a farinha de mandioca, a carne verde, o trigo, o centeio e o mate
eram itens básicos para o regime alimentar da população e ainda encontravam
expressividade no mercado de gêneros da época. O autor comenta:
O milho, o feijão, o arroz, e a mandioca compunham os
produtos picos do abastecimento doméstico e eram
considerados gêneros de primeira necessidade pelas Posturas
Municipais; o mate, por seu largo consumo entre a população e
ainda por estar inserido no fluxo internacional do comércio,
além de sua utilização pela indústria; a carne, pelas qualidades
nutricionais, mas de difícil acesso ao conjunto da população,
em virtude dos seus preços; e o trigo e o centeio, por se
colocarem numa posição intermediária entre esses grupos,
sendo que o trigo dependia, em larga escala, da importação
(SANTOS, 1995, p.124-5).
Não se pode deixar de citar a importância dos fluxos de imigrantes que
se dão nos finais do século XIX e meados do século XX para a conformação da
culinária paranaense, que o apenas introduziram novos alimentos e novas
formas de cultivo no cotidiano paranaense, como também diversificaram o
regime alimentar com receitas e técnicas trazidas, muitas delas adaptadas ao
que a nova terra lhes oferecia
34
. Verifica-se, no entanto, que mesmo diante da
34
“Os imigrantes europeus e asiáticos nos trazem diferentes manifestações culturais.
Diversificam o uso da terra, introduzem novas técnicas de produção. Bebidas como o vinho e a
78
introdução de novas técnicas de produção de alimentos, ingredientes e formas
de preparo, a culinária tradicional litorânea do Paraná manteve-se centrada nos
frutos do mar e nos derivados do milho e da mandioca.
Nesse sentido, a folclorista Roselys Roderjan (1981, p.53) escreve que
a alimentação litorânea é baseada no peixe e outros frutos do mar, nas
comidas dependentes do milho e da mandioca, na carne-seca (charque), no
arroz, no feijão e no que se cria ou planta nos quintais. Observa-se que a
utilização dos pescados e frutos do mar foi facilitada pela questão geográfica,
assim como pela ampla experiência dos portugueses com as comidas do mar:
Peixes como a pescada, o robalo, a perna-de-moça, a
prejereba, o badejo, a miraguaia e a garoupa são os mais
indicados para o preparo de moquecas e cozidos, mas o
caiçara prefere os de menor valor comercial, como bagres e
cações. Com estes dois peixes é preparado um delicioso caldo
acrescido de temperos como alfavaca, cebolinha, salsa, cebola
e alho. Todos os pedaços do animal são colocados na panela,
inclusive a cabeça e o rabo, pois são as partes ricas de sabor e
substâncias nutritivas (CASILHO, 2005, p.26).
Dentre os peixes, a tainha merece destaque no litoral do estado, sendo
que sua pesca se entre os meses de maio e agosto
35
. Segundo a crendice
local, esse peixe só pode ser pescado nos meses que o possuem a letra “R
(CASILHO, 2005, p.26). Da tainha provém a Cambira, outra iguaria pica do
litoral:
[...] nos balneários, do Pontal do Paraná até Guaratuba, e
também em Guaraqueçaba e nas Ilhas, é uma prática muito
comum entre os pescadores o preparo da Cambira. A Cambira
nada mais é do que o bacalhau paranaense. O peixe utilizado,
porém, é a tainha (Mugil brasiliensis), abundante em nossas
águas, que depois de salgada é seca ao sol durante o dia e
recolhida à noite para dentro das casas, onde é defumada,
graças ao calor do fogão de lenha (CASILHO, 2005, p.24).
cerveja começam a ser produzidas; inúmeros pratos europeus e asiáticos se incorporam à
culinária local. Os poloneses nos trazem o pierogi, os alemães, a diversificação dos pães, os
italianos, o uso das massas caseiras e o vinho de colônia. Os europeus acrescentam com
predominância o uso dos vegetais e dos derivados do leite na alimentação” (SECRETARIA DA
CULTURA DO ESTADO DO PARANÁ, 2004, p.17).
35
A pesca e o consumo da tainha ainda o bastante expressivos no litoral paranaense, sendo
que desde 1985 é promovida a Festa da Tainha em Paranaguá, entre junho e julho, com a
duração de quinze dias. A festa, de alcance regional, comercializa o peixe in natura e também
oferece diversos pratos à base de tainha picos das comunidades caiçaras, além de atrações
culturais e artísticas (MIZGA, 2008).
79
Os pedaços de Cambira são temperados com alfavaca e louro e
colocados numa panela com água, da qual são retirados após vinte minutos de
cozimento. Com o caldo é preparado o pirão de farinha de mandioca. A
Cambira atualmente é preparada nas residências do litoral, principalmente em
Pontal do Sul, e seu aproveitamento turístico vem sendo ensaiado nos últimos
anos.
Dos alimentos retirados do mar, destacam-se ainda ostras, mariscos,
bacucús, mexilhões, berbigão e ameijoas, além de camarões, lulas, polvos,
lagostas e lagostins. Esse complexo ambiente rico em fauna e flora é o meio de
sustento para diversas famílias da região e de deleite para os paladares dos
demais paranaenses (CASILHO, 2005, p.27).
A mesma publicação traz apontamentos sobre o caranguejo uca
(Ucides cordatus), espécie mais consumida em todo o litoral brasileiro,
inclusive o paranaense, cuja carapaça alcança cerca de dez centímetros de
diâmetro e as patas distendidas uma envergadura de cerca de trinta
centímetros. O preparo do animal envolve, além de muita paciência, alguns
segredos, recomendando-se que o caranguejo seja cozido com um pouco de
cachaça, para que a carne não fique dura e se desprenda do esqueleto
quitinoso, e muita alfavaca, cebola, cheiro-verde e sal, tendo como
acompanhamentos o feijão preto cozido, o molho vinagrete e a pimenta. Ao
lado do caranguejo, o siri azul ou pua (Callinectes sapidus)
também é bastante
consumido, principalmente na forma de “casquinha”, mas também refogado, ao
forno e à milanesa.
Escrevendo sobre a alimentação dos caboclos do litoral, a folclorista
Roselys Roderjan comenta:
Nas sopas brancas usam verduras e legumes do quintal. Para
os caldos, aproveitam as galinhas, os pombos, os peixes e os
camarões cozidos. Esses caldos, adicionados a ferver sobre a
farinha de mandioca, resultam nos pirões, para os quais se usa
também o feijão cozido. Os pirões acompanham a maioria dos
pratos, principalmente peixes e camarões, assim como o arroz
e a farinha de mandioca (RODERJAN, 1981, p.53).
80
Dentre os tubérculos e legumes mais presentes na mesa litorânea,
Roderjan (1981) observa que a batata do litoral é o cará, geralmente cozido
com carnes. Da mandioca até hoje se faz o cuscuz, o biju, a berereca e os
bolos de goma (de polvinho azedo), que são saboreados com o café, bem
como os bolos fritos, ou assados, e a pamonha. Dentre os legumes destacam-
se a couve, o repolho, o chuchu, a abóbora e o palmito, que aparecem nos
refogados ou nos ensopadinhos. A banana é usada nas refeições, frita, cozida
ou assada, ou ainda in natura como sobremesa.
A folclorista indica ainda como comida típica do litoral o biju de
mandipuva, feito à base de mandioca apodrecida na água envolta de folhas de
bananeira, misturada com sal, erva-doce e cravo, resultando em uma espécie
de bolo que, depois de assado, é fatiado e torrado no forno. A paçoca também
é mencionada pela autora, feita a partir do charque cozido com feijão,
misturado com torresmo e farinha de mandioca, socado no pilão. No entanto,
dentre todos os pratos característicos do litoral nenhum deles alcançou tanta
notoriedade ou é tão associado à região litorânea como o Barreado, prato que
será descrito e analisado no próximo capítulo.
81
3
COMIDA PARA A ALMA, COMIDA PARA O CORPO: PRATO
PRINCIPAL, O BARREADO
Neste capítulo o Barreado é apresentado e caracterizado como iguaria
culinária a partir da abordagem de sua receita, seus modos de preparo e de
serviço, e que procura mostrar, mediante esses elementos, a íntima relação do
prato com o contexto histórico-cultural do litoral paranaense.
O universo do Barreado é bastante amplo, sendo composto o
apenas por variações da receita e outras manifestações culturais associadas,
mas também por diferentes versões acerca de sua origem, que terminam por
compor e enriquecer o folclore vinculado ao prato. Não se tem a intenção de
tomar partido em relação a qual município detém sua paternidade, tampouco
apontar uma suposta receita “original”, justamente por acreditar que tais
lacunas e contradições não apenas constituem a tradição, mas também
permitem vislumbrar de que forma o Barreado permeia o imaginário popular.
Partindo dessa premissa, esta parte da discussão aborda a origem do
Barreado, seus ingredientes, suas formas de preparo, suas formas de serviço e
seus principais acompanhamentos (a farinha de mandioca, a banana e a
cachaça), bem como se examinam algumas adaptações e inovações
relacionadas ao prato, como a diminuição do uso da gordura, a substituição
das panelas de barro e as novas técnicas de vedação das panelas, dentre
outros aspectos.
Tais reflexões foram pautadas em fontes escritas e orais, estas últimas
consistindo na totalidade dos entrevistados. As fontes escritas dizem respeito a
livros, artigos em jornais e periódicos, documentos fornecidos pelas prefeituras
municipais, divulgação oficial do Governo do Estado e dos municípios sobre o
Barreado e folders/folhetos de divulgação dos restaurantes que servem os
pratos, estes dois carecendo, em sua grande maioria, da indicação da data de
impressão. No que tange aos livros, foram privilegiados os que tratam da
tradição do Barreado, e não apenas apresentam sua receita, de modo que
foram descartados livros de culinária que meramente indicam a lista de
ingredientes e seu modo de preparo.
82
Em relação aos livros que tratam do Barreado, destaca-se o texto de
Mariza Lira na obra Antologia da alimentação no Brasil, organizado por Câmara
Cascudo (1977); o livro de Roselys Roderjan Folclore brasileiro: Para (1981);
os livros do folclorista paranaense Inami Custódio Pinto Curso de introdução ao
estudo do folclore (1983) e Resgate do folclore paranaense (2005), este escrito
em parceria com Álvaro Borges Júnior; o livro de Caloca Fernandes Viagem
gastronômica através do Brasil (2001); o livro de Marly Correia Garcia O
Fandango que acompanha o Barreado (2002); o livro de Ivan Koch
Tradicionalismo e cultura alimentar paranaense (2004), a publicação da
Secretaria do Estado da Cultura Pratos Típicos Paranaenses (2004) e o livro de
Manoel Viana (também conhecido como Manoelito) intitulado Paranaguá na
História e na Tradição (1976). Têm-se ainda as contribuições da professora
Helmosa Salomão Richter, de Morretes, disponível em folders assinados por
sua irmã, Laurice Salomão De Bona.
3.1 ORIGEM (OU ORIGENS) DO BARREADO
Uma das peculiaridades do Barreado reside nas diferentes versões que
são atribuídas à sua origem. Motivo de debate acirrado entre capelistas
(antoninenses), morretianos e parnanguaras, que, ao reivindicarem para si a
paternidade do prato, terminam por costurar a origem defendida aos aspectos
históricos marcantes para seus municípios. Como explicitado anteriormente,
não se tem como objetivo determinar a “verdadeira” origem do prato, mas sim
apresentar as diferentes versões e discuti-las com base em critérios de
plausibilidade histórica.
Dentre as versões coletadas, há consenso que o Barreado é preparado
e degustado centenas de anos no litoral paranaense, especialmente em
Antonina, Guaraqueçaba, Guaratuba, Morretes e Paranaguá. A assertiva de
que de influência portuguesa, o Barreado, originário do sítio de pescadores,
passou para as cidades litorâneas com o decorrer do tempo, onde é consumido
aproximadamente 200 anos (SECRETARIA DO ESTADO DA CULTURA,
83
2004, p.21) também é uma constante. Vale a pena então iniciar a análise pelos
aspectos não controversos.
Como observado anteriormente, a ocupação territorial do Paraná
começa pelo litoral, mais precisamente pela região de Guaraqueçaba
(Superagüi), sendo que Paranaguá, Morretes e Antonina desempenharam
papéis importantes para o desenvolvimento do estado e tiveram suas
trajetórias políticas, administrativas e econômicas entrelaçadas em vários
momentos. Com uma população formada a partir do amálgama de índios,
negros escravos e europeus, verifica-se em vários momentos a predominância
portuguesa na região, mediante a imposição de costumes, que passaram pela
adaptação às novas condições de vida e às matérias-primas (inclusive as de
caráter alimentício) que as novas terras ofereciam.
Essa influência portuguesa é algumas vezes especificada, dizendo-se
ser dos açorianos as principais referências para o preparo do prato. As
pesquisadoras Helena Menezes e Joana D´Arc Menezes escrevem:
Os bandeirantes chegados de São Paulo de Piratininga, em
1578 [...] em busca do ouro de Paranaguá, uma das primeiras
minas do Brasil, atraiu os portugueses dos Açores, em 1720.
Eles legaram ao Paraná o prato que o representa: o Barreado.
Único em todo o Brasil, é testemunha do costume açoriano de
“barrear” a tampa com grude de farinha e água, descer a
panela amarrada com cordas até o centro dos vulcões inativos
para cozinhar até desfiar nos vapores quentes, carnes
temperadas com especiarias, servidas em dias de festas.
Barreada e enterrada nas areias do nosso litoral, sobre
fogueiras de brasas, a panela de barro abriga até hoje a
herança portuguesa (MENEZES; MENEZES, 2001).
O Arquipélago de Açores, composto pelas ilhas São Miguel, Santa
Maria (orientais), Terceira, São Jorge, Graciosa, Pico e Faial (centrais) e Flores
e Corvo (ocidentais), começou a ser povoado por Portugal por volta de 1432.
Como observa o historiador Walter Piazza (2002), no século XVIII os
arquipélagos de Açores e Madeira estavam com excedente populacional, além
de sofrerem com a falta de alimentos e extrema pobreza. Açores contava ainda
com a desvantagem das constantes erupções vulcânicas e eventuais tremores
de terra.
84
Os domínios portugueses e espanhóis na América Meridional,
notadamente na região do Rio da Prata, desde a assinatura do
Tratado de Tordesilhas, eram objeto de continuada
controvérsia. Acresça-se que tal território o tinha ocupação
humana que definisse a posse, por qualquer um dos
contendores. As povoações eram humildes e distanciadas
entre si, tornando-se óbvio o vazio demográfico. Daí a razão
política do povoamento da região que motivou a Coroa
Portuguesa (PIAZZA, 2002, p.170).
Assim, destaca o historiador, o envio de fluxos migratórios para terras
brasileiras terminaria por mitigar os problemas dos arquipélagos e ainda por
contribuir para a tomada efetiva da posse das terras na nova colônia. Em 1748,
o território que hoje é chamado de Santa Catarina recebeu as primeiras
famílias açorianas cujo destino era o sul do país, sendo que nos anos
seguintes alguns grupos migraram para o território que posteriormente formaria
o Paraná.
A “herança oriana” para o Barreado dar-se-ia na forma da utilização
de panelas de barro e o cozimento exaustivo de alimentos em fogões
improvisados nos vapores vulcânicos ou em valas aquecidas com brasas; e,
ainda, pela Alcatra, prato típico dos Açores que possui alguns pontos de
contato com o Barreado. A Alcatra é preparada com carne de vaca, cebola,
alho, pimenta, louro, manteiga de vaca (banha), toucinho defumado, vinho
branco e sal. A receita contemporânea estabelece que a Alcatra seja cozida em
um alguidar
36
de barro, considerado indispensável para o sabor final da iguaria.
O fundo do recipiente é totalmente coberto com uma camada de cebola e de
toucinho defumado. Põem-se por cima uma camada de carne, uma nova
camada de cebola e outra de toucinho. Juntam-se a manteiga de vaca, as
folhas de louro, o alho picado e a pimenta Jamaica, rega-se com vinho branco
ou vinho de cheiro e coloca-se por cima de tudo o sal. Cobre-se então o
alguidar com papel alumínio e coloca-se no forno, com fogo brando, onde deve
permanecer por cinco ou seis horas, quando está pronto e deve ser degustado
com pão de massa sovada. A utilização da carne de vaca, o toucinho, o louro,
a cebola, a disposição dos ingredientes em camadas, além dos citados
36
Segundo o Dicionário Houaiss, (2001, p. 155) alguidar é “um vaso de barro, metal, material
plástico, etc, cuja borda tem diâmetro muito maior que o fundo, utilizado em tarefas
domésticas”.
85
recipientes de barro e o cozimento exaustivo são pontos comuns entre os dois
pratos.
O historiador Henrique Carneiro também relata uma técnica de
cozimento popular na Europa que se assemelha ao princípio de cocção
exaustiva usado no Barreado, que foi adaptada e trazida para pelos
portugueses:
A panela ao fogo lento, tampada, com o conteúdo de um pot-
pourri, em que se destacam favas e carnes, é a base da
adafina judaica, assim como da olla podrida, do pot pourri e até
mesmo do stewpot inglês. Isso não significa que todos tenham
origem comum ou derivem da técnica judaica para manter a
panela quente no sabá, mas que representam uma solução
técnica adequada para utilizar alimentos misturados num
grande ensopado de lenta cocção, que é o tataravô de todas as
feijoadas (CARNEIRO, 2005, p.78).
A adafina, prato judaico popular na Espanha e cujo nome vem do termo
árabe dafana
37
(tapar), é um produto das técnicas culinárias judaicas,
constituído por um prato cozido num fogo muito lento, que era aceso antes da
noite de sexta-feira para poder durar todo o sabá, permitindo comer comida
quente sem ser preciso acender o fogo, proibido nesse dia como qualquer
outro tipo de “trabalho (CARNEIRO, 2005, p.78).
Além da influência portuguesa, transmissora também das tradições
ibéricas, uma informação que se repete é que o Barreado é consumido mais
de duzentos anos. Esta informação torna-se freqüente em publicações a partir
da década de 1970, inclusive nas de divulgação oficial do Estado do Paraná,
sem que tenha sido possível encontrar a fonte de tal datação. Segundo esta
versão, o início do preparo e da degustação do Barreado remontaria aos idos
de 1700, período importante para a história do litoral, pois foi neste século que
se deu a chegada dos jesuítas a Paranaguá, ocorreu a fundação de Antonina e
o início e fortalecimento do Tropeirismo, atividade essencial para o
37
“Outra interpretação atribui a origem dessa palavra à raiz hebraica d-f-n, com sentido de
“pressionar contra a parede”, que seria uma forma de se vedar um forno, lacrando-o com argila
úmida e apoiando-a num muro. Essa comida judaica possui outros nomes em distintas regiões,
entre os judeus asquenaze, é conhecida como chulnt, chulent, cholent ou shalet, palavras
derivadas do termo “quente” em hebraico, cham. Entre os sefarditas, utilizam-se os termos
hamin, matphonia (Curdistão), shahina e deffina (África do Norte), haris (Yêmem) e tabit
(Iraque)” (CARNEIRO, 2005, p.78).
86
desenvolvimento da economia e do povoamento do estado, bem como para a
fundação e progresso de Morretes.
A importância da atividade tropeira no período que é apontado como o
da gênese do Barreado provavelmente motivou a versão de que ele seria um
prato de tropeiros. Esta versão é sustentada principalmente pelo município de
Morretes:
O caminho do Itupava trazia tropeiros serra abaixo,
principalmente para o comércio da erva-mate com o litoral. A
penetração do Barreado deu-se por se tratar de uma
alimentação que permanecia sem se deteriorar durante um
longo período da demanda do planalto ao litoral que durava até
quinze dias. Os tropeiros em sua caminhada faziam uma
refeição diária ao final da tarde. Essa alimentação era a base
de carne gordurosa, usavam o louro como tempero porque é
um excelente digestivo. Era comido simplesmente, nenhuma
salada ou outro prato era acrescentado, apenas a farinha de
mandioca era escaldada pelo caldo grosso da carne, formando
um suculento e nutritivo pirão (PREFEITURA MUNICIPAL DE
MORRETES, 1989).
O folder da Chácara São Rafael reproduz a versão divulgada pela
prefeitura de Morretes:
A história do Barreado teve início no caminho de Itupava que
levava os tropeiros ao litoral, para comercializar erva-mate. A
disseminação desse prato surgiu com a necessidade de uma
alimentação forte e não perecível, já que as viagens, do
planalto ao litoral duravam até quinze dias. Os tropeiros em sua
caminhada faziam apenas uma refeição diária no final da tarde
(CHÁCARA SÃO RAFAEL, 1999).
A associação da origem do Barreado com o Tropeirismo é bastante
polêmica, tendo em vista os ingredientes utilizados pelos tropeiros (a carne
preferida por eles era o charque; o transporte, a conservação e a utilização da
carne verde, indispensável para o Barreado, traria dificuldades substanciais
considerando o modo de vida dos tropeiros), bem como o tempo necessário
para o cozimento adequado do prato e a sua durabilidade depois de pronto,
pois mesmo tratando-se de uma carne muito bem temperada, o resistiria a
períodos mais longos. A própria dificuldade em transportar os panelões e a
necessidade de incorporação de utensílios mais duráveis durante as viagens
deve ser mencionada, como é descrito abaixo:
87
Os trens de cozinha vinham no jaca de caldeirão
38
, alceado
sempre no burro culatreiro. Também no culatreiro vinha a
comitiva, saco de munição ou saco de mantimentos, ou jaca de
munição ou de mantimentos. O jaca de caldeirão era estreito,
“da largura mesmo de um caldeirão e comprido. Do próprio
trancado de taquara saia de um lado, a tampa, que se fechava
para fora”. Nele iam os trens de cozinha que eram de
responsabilidade do madrinheiro
39
: um caldeirão de ferro com
tampa, para o feijão; uma panela de ferro de três pés, sem
tampa, para fritar o torresmo e fazer o arroz; uma “ciculateira”
(chocolateira) de cobre ou de folha; coador e sua armação;
xícaras de folha, ferro batido ou canecas esmaltadas; cuia de
meia cabaça. Nos vãos, calcados com palha de milho, iam os
pratos louçados ou esmaltados, de agate, as colheres, canecas
de estanho e mesmo as lamparinas, com torcida de algodão
cru, para o querosene, que era levado em garrafas (MAIA;
MAIA, 1981, p. 73).
A professora Laurice Salomão De Bona (2008), de Morretes,
relembrando que o Caminho do Itupava era íngreme e difícil de ser percorrido,
comenta: eu não concordo que tenha origem no Tropeirismo, a não ser que
fosse um outro cozido que eles preparassem e no mesmo dia consumissem,
mas levavam semanas transportando gado então o acho que o prato durava
esse tempo todo. O empresário morretense Nelson Nei Souza da Silva (2008)
também comenta: a gente ouvia falar sobre isso, que os tropeiros iam viajando
e deixavam o Barreado, mas se eles estavam viajando, que tempo que eles
tinham para esperar o Barreado cozinhar?
O jornalista Ilson Almeida também questiona essa versão,
argumentando:
Quanto à origem, há quem diga que vem dos tropeiros, o que e
possível, mas de qualquer forma uma versão um tanto
estranha. Estranha tanto por ser um prato litorâneo e no do
campo, quanto pela forma de fazer, demorada, e pela
dificuldade de transporte. Considere-se que os tropeiros
transportavam gado e, portanto, locomoviam-se por vezes
centenas de quilômetros. Certamente não levavam consigo o
Barreado e quando acampavam, não tinham tempo suficiente
para fazê-lo (ALMEIDA, 2002).
38
Jaca de caldeirão: cesto baixo e comprido lateralmente, com tampa interiça e duas alças,
para ser preseo aos cabeçotes da cangalha.
39
Madrinheiro: geralmente um garoto que estava iniciando na tropa. Era o responsável pela
alimentação da tropa, chegando ao local de pouso e iniciando os preparativos das refeições.
Geralmente montava uma mula mansa, chamada madrinha, daí a origem de sua denominação.
88
Norma Santos de Freitas (2008) cozinheira e empresária, proprietária
da Casa do Barreado em Paranaguá, também comenta a associação entre
Barreado e Tropeirismo:
Se você estudar a História, o fundamento, vai ver que os
tropeiros vieram do Rio Grande do Sul, onde não está a origem
do Barreado, aonde tem o churrasco, o feijão tropeiro, o arroz a
carreteiro, mas não o Barreado. Então os tropeiros podem ter
adotado o Barreado, comido aqui no Paraná, mas não são
responsáveis pela origem (FREITAS, 2008).
A versão endossada por Norma é também a mais aceita sobre a
origem do prato, sendo aquela que foi apresentada pelo professor parnanguara
Manoel Viana em 1974 em uma sessão comemorativa do Dia do Folclore e
publicada em seu livro em 1976:
Contavam os antigos que os primeiros filhos de portugueses
com índios (mamelucos e depois caboclos), quando vinham à
cidade ficavam admirados com o guisado que se comia na
casa dos brancos. Resolveram então fazer o mesmo no sítio;
mas de acordo com as suas posses. Compravam carne de
peito (a mais barata) e cozinhavam por várias horas (com
toucinho e todos os temperos) a fim de amolecê-la bem.
Porém, como o cozido secava depressa, devido ao vapor que
saía, resolveram tampar a panela e passar a farinha de
mandioca com água ao redor, para não escapar ao vapor
(VIANA, 1976, p.191).
Esta versão se repete em inúmeras publicações
40
que complementam
os motivos da vinda dos mamelucos e caboclos para a vila (tal deslocamento
era feito para levar aos empregadores frutas e vegetais ou outros produtos
cultivados nos sítios, por exemplo) e caracterizam o “guisado” como uma
especialidade portuguesa. Um folheto da Diretoria de Cultura e Esportes sobre
40
Barreado. Governo do Estado do Paraná. Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo
(Governador Emilio Hoffmann Gomes 1973-1975). Versão em inglês; Primeira Festa do
Barreado. Primeiro Festival de Arte e Tradições Populares. Paranaguá, 30.09 a 01.10.1978.;
Agora é tempo de Barreado. Jornal Gazeta do Povo. Curitiba, Paraná, 24.06.1983. Receita
Tradicional; Agora é tempo de Barreado. Jornal Gazeta do Povo. Curitiba, Paraná, 24.06.1983.
Receita do Malu; Você conhece a origem do Barreado? Jornal Gazeta do Povo. Curitiba,
Paraná, 09/02/1986; Sem título. Governo do Paraná, Secretaria da Cultura e do Esporte,
Museu da Imagem e do Som, Governo do Estado do Paraná (Jo Richa 1983-1986);
Barreado, um pouco da nossa História. Jornal O Estado do Paraná. Curitiba, Paraná,
04.08.1989; Barreado. Release da Assessoria de Imprensa. Governo do Estado do Paraná,
Secretaria do Estado de Cultura e do Esporte, PARANATUR, 21.03.1991. Dentre outras...
89
o Barreado, assinado pela professora Laurice Salomão De Bona, faz alusão às
pesquisas da historiadora Helmosa Salomão Richter e traz uma versão muito
semelhante:
Sua origem, contada de pai para filho, é que mais de 200
anos, aqui em Morretes, quando os filhos de índios com
portugueses (mamelucos ou caboclos) vinham à vila trazer os
produtos da lavoura a seus patrões, ficavam para almoçar e
lhes era servido uma carne muito gostosa. Gostaram tanto que
levaram a idéia para o sítio onde moravam, e sempre que os
patrões iam visitar as plantações eles ofereciam aquele prato
saboroso, feito com carne de peito, toucinho e todos os
temperos disponíveis, que eles deixavam cozinhar por muitas
horas em panela de barro para amolecer bem a carne (DE
BONA, 2000).
Com pouca diferenciação na estrutura do texto, a versão de Marly
Correia também parece ser influenciada pela contribuição de Viana, mesmo
que não o cite como fonte:
Os primeiros filhos de índias com portugueses (mamelucos ou
caboclos) eram colonos, trabalhavam em sítios ou fazendas.
Sempre que vinham para a Vila trazer os produtos da lavoura
de seus patrões, ficavam para almoçar em suas casas, uma
vez que haviam se levantado muito cedo, caminhado e
trabalhado bastante. Não podiam retornar para os seus sítios
sem se alimentarem. Nessa ocasião comiam um saboroso
guisado, prato comum para os donos da casa, uma
especialidade portuguesa, feita de carnes nobres e temperos
sofisticados. Esse almoço era uma festa para eles, pois além
de diferente e saboroso, era forte (CORREIA, 2004, p.15).
Assim como as versões de Viana e Richter, Correia apresenta o
Barreado como uma adaptação do guisado português, inclusive no que se
refere às “tecnologias” usadas para o seu cozimento, como será discutido no
item 3.3. Outro consenso no que se refere à origem do prato é sua difusão e
popularização associada ao Carnaval, ou ainda, ao Entrudo:
O Barreado tem uma História. Sua origem, no entanto, perde-
se no tempo. Segundo as tradições mais fidedignas, ele se
confunde com o tempo em que no Brasil se falava em
“Entrudo” que, como se sabe, acabou dando no nosso profano
Carnaval de hoje. Durante os três dias de Entrudo, o caboclo
do litoral não fazia outra coisa a não ser dançar Fandango e
comer. O alimento desses três dias para quantos amanheciam
90
exaustos, sem energias para preparar o almoço, era o
Barreado, cujo grau de cozimento resistia às 72 horas de folia,
dispensando as senhoras caboclas de preparar o almoço para
dezenas de foliões. Hoje, o Barreado continua sendo, dentro da
melhor tradição, um prato que se serve à época do Carnaval
(BARREADO..., 1963, p.31).
O folclorista Alexandre José de Melo Morais Filho (1979) descreve o
Entrudo (do latim introitu, introdução) como um jogo herdado de Portugal que
acontecia no Brasil inteiro três dias antes do início da Quaresma. Sua
denominação fazia referência justamente ao período que introduz a Quaresma
(do latim quadragésima), data que marca o início dos quarenta dias que
antecedem à Páscoa. O Entrudo caracterizava-se então como três dias de
excesso que antecipavam um período de penitência e constrição.
O Entrudo foi introduzido no país no século XVII e ganhou força no
século XVIII. Muitas vezes significava uma brincadeira violenta que tomava as
ruas, com as pessoas atirando umas nas outras laranjas e limões de cheiro,
bacias d´água, polvilho e até mesmo terra. Sobre a alimentação durante os
festejos que antecediam a Quaresma no Brasil colônia, a historiadora Mary Del
Priore destaca as abundâncias sem peias que precediam a abstinência que se
seguia na Quaresma. E comenta: o comestível, a farinha, a cebola, a laranja
viram brinquedo durante o entrudo, mas um brinquedo cuja significação
simbólica é a vingança contra a abstinência obrigatória (DEL PRIORE, 2000,
p.107).
Descrevendo o Entrudo como um jogo brutal e alegre, Cascudo
escreve sobre a “munição” dos foliões:
Água, farinha do reino, fuligem, goma, ensopando os
transeuntes. Água molhando famílias e ruas inteiras, em plena
batalha. Criados, outrora escravos, carregando bilhas, latas,
cântaros, para suprimento dos patrões empenhados na guerra.
[...] Depois o Entrudo admitiu formas mais doces, com as
laranjinhas de cheiro e as borrachas com água perfumada
(CASCUDO, 2000, p.247).
Nota-se que as tentativas de conter o Entrudo começaram ainda no
Brasil Colônia, quando registros de avisos e alvarás contrários às
brincadeiras desde o século XVII. Entretanto, foi a partir de 1830 que tais ações
se intensificaram, inclusive com o apoio da imprensa do Rio de Janeiro e de
91
Pernambuco. Em 1853, como relata Mello Morais Filho (1979), o Chefe de
Polícia Alexandre Joaquim de Siqueira vetou tal prática e mandou publicar em
todos os jornais do Rio de Janeiro uma portaria
41
proibitiva. Como resultado, a
população impedida de praticar o Entrudo no ano seguinte já afluía aos bailes
públicos. As decisões que tiveram como foco o Rio de Janeiro foram acatadas
nas demais localidades, e o Entrudo foi sendo substituído pelo Carnaval.
Retomando a questão da popularização do Barreado no período
carnavalesco, verifica-se que ela é atribuída à praticidade de preparo (tendo
em vista que todos os ingredientes são adicionados de uma única vez e,
depois, a preocupação resume-se à manutenção do fogo aceso e à
necessidade de tampar os eventuais buracos causados pelo vapor); à
desnecessidade de outros alimentos como acompanhamentos (para os mais
tradicionalistas, a farinha de mandioca e a banana são suficientes) e à
preservação de seu sabor ao ser requentado (para a maioria dos entrevistados
o Barreado degustado no dia seguinte ao seu preparo é ainda melhor), além da
iguaria ser considerada um prato “forte”, capaz de repor as energias perdidas e
um prato coletivo, por ser preparado em porções que alimentam várias
pessoas. Somada a estas características, a associação do prato ao Fandango,
importante folguedo caiçara, também contribuiu para a consolidação da
popularização do Barreado:
Para não perder nada das festas carnavalescas, os caboclos
preferiam esse tipo de alimentação pela fácil conservação e
porque continuava saboroso mesmo se requentado. As
mulheres preferiam trabalhar bastante no sábado. Assim
ficavam livres de suas obrigações como donas de casa, pois
com a comida garantida teriam mais tempo para cair no
Fandango, junto com sua família, amigos e vizinhos.
Praticamente abandonavam até suas casas para não perder
nada da festança. Voltavam para elas para dormir um pouco
41
“Fica proibido o jogo do Entrudo; qualquer pessoa que jogar incorrerá na pena de quatro a
doze mil réis; e não tendo com que satisfazer, sofrerá de dois a oito dias de prisão. Sendo
escravo sofrerá oito dias de cadeia, caso o seu senhor não o mandar castigar no calabouço
com cem açoites, devendo uns e outros infratores serem conduzidos pelas rondas policiais à
presença do juiz para julgar à vista das partes ou testemunhas que presenciaram a infração. As
laranjas do Entrudo que forem encontradas pelas ruas ou estradas serão inutilizadas pelos
encarregados das rondas fiscais. Aos fiscais com seus guardas fica pertencendo a execução
desta pena. E para constar faço público o cumprimento da citada portaria. Rio de Janeiro, 4 de
fevereiro de 1853” (MELLO MORAIS FILHO, 1979, p.30).
92
e logo retornavam à comilança e ao Fandango (CORREIA,
2002, p.13).
Como observam a musicista Daniella Gramani e a gestora cultural
Joana Corrêa (2006) no livro Museu Vivo do Fandango, o Fandango é uma
manifestação cultural popular que reúne dança e música, praticado
centenas de anos no litoral sul de São Paulo e no litoral norte do Paraná, nas
cidades de Cananéia, Iguape, Morretes, Paranaguá e Guaraqueçaba.
Apesar de possuir regras estéticas definidas, características
específicas de cada localidade e variações das estruturas musicais e
coreográficas. Em um baile ou em uma apresentação, várias modas ou marcas
(como os fandangueiros chamam as músicas) são tocadas e dançadas. As
danças são classificadas em valsadas ou batidas, dançadas em pares, com os
homens batendo palmas e tamanqueando. Juntamente com o barulho dos
tamancos têm-se a viola e a rabeca, geralmente feitas de caixeta e
confeccionadas manualmente pelos próprios fandangueiros, além dos
instrumentos de percussão como o adufo (ou adufe) e o pandeiro.
Segundo o historiador Magnus Roberto de Mello Pereira (1996),
diversas leis foram promulgadas para proibir os bailes de Fandango nas
cidades e nas vilas. No Paraná as primeiras manifestações de censura
ocorreram em 1792 na Comarca de Paranaguá, quando foram proibidos os
Fandangos durante os Festejos do Divino com o intuito de preservar o caráter
religioso da devoção. O designer, artista plástico e estudioso do Fandango
paranaense José Augusto Rando (2003) comenta outras restrições impostas:
No século XIX, o Fandango foi liberado, desde que com a
autorização policial, mas sua prática passou a se restringir às
comunidades rurais, perdendo uma de suas características
originais. Se no planalto a forte influência européia e a
colonização pelos imigrantes praticamente acabaram com o
Fandango, no litoral a imigração foi um pouco menos densa e,
portanto, as alterações culturais não foram tão acentuadas,
permitindo que o Fandango resistisse por mais tempo nas
cidades litorâneas, principalmente naquelas nas quais o
isolamento era maior, como Guaraqueçaba (RANDO, 2003,
p.12).
Nota-se que, na entrada do século XX, o Fandango passou a ser
caracterizado como uma manifestação popular do meio rural, o que afastou
93
muitos dessa prática. Assim, os bailes de Fandango passaram a ter locais
determinados para sua realização, sendo dançado principalmente nas
festividades do Entrudo e em algumas festas de casamento, batismo,
aniversário, entre outras
(RANDO, 2003, p.12). Nestas ocasiões, segundo o
folclorista Inami Custódio Pinto (1983), eram servidos quentão, “mãe com fia”
(melado com pinga), licores e vinhos, diversas frutas, o biju de mandipuva, o
biju de cuscuz de tapioca, doces diversos e o Barreado. Baseando-se nos
relatos que colheu para a realização de seu livro, Correia comenta a
associação entre Fandango, Carnaval e Barreado na década de 1920 na Ilha
de Valadares:
As famílias parnanguaras se reuniam na Rua da Praia, à beira
do Rio Itiberê, para ouvirem as violas, cantorias e bateções do
Fandango que vinham da ilha. Como os moradores da cidade
eram de famílias abastadas e tradicionais, não podiam nem
falar em comer o tal Barreado ou dançar batendo os pés,
naquela dança prosaica e própria dos caboclos. Segundo os
nossos narradores, grande era a inveja do pessoal do lado de
da ilha. O Carnaval aqui era mais preso, sem graça, com
bailes comportados nas sociedades e clubes recreativos
tradicionais. A vontade era cair da pose e fandanguear com os
alegres caboclos caiçaras (CORREIA, 2002, p.14).
A popularização do Barreado para além dos sítios dos caboclos
também se deu no período carnavalesco, segundo relatos de Viana (1976) e
Correia (2002), ironicamente impulsionada pelo preconceito e pela repulsa de
certas famílias ao Fandango. O professor parnanguara escreve:
Como certas famílias austeras e cheias de preconceitos não
queriam que seus filhos se contaminassem com os folguedos
carnavalescos, que julgavam imorais, iam sempre passar esses
dias momescos nos "sítios" onde tinham suas casas e
plantações cuidadas pelos caboclos, seus empregados; ali
ficando, às vezes, uma semana. Não tendo o que fazer no sítio,
saíam visitar as famílias caboclas nos seus humildes casebres.
Quiseram então provar o "guisado" cozido em panela de barro,
tampada e barreada. Gostaram muito; convencendo-se que, de
fato, a comida assim preparada, tornava-se mais gostosa. Ao
voltar à vila, as donas de casa resolveram fazer o mesmo com
o guisado caboclo; preparando-o da mesma forma e achando
interessante a idéia do praieiro em barrear a panela e dar o
nome de "Barreado" à comida assim feita (VIANA, 1974,
p.192).
94
É importante observar que a relação entre o Fandango e o Barreado
transcende ao Carnaval. Romão Costa, ou, como é mais conhecido, Mestre
Romão, é nascido e criado na Ilha de Valadares e um dos mais antigos
mestres de sala, além de ser o fundador do Grupo Folclórico Mestre Romão.
Em depoimento ao livro Museu Vivo do Fandango, diz que dentre as muitas
lembranças de sua infância e juventude está a presença do valsado em datas
como Natal e festas juninas, além dos festejos carnavalescos
42
. O prato, por
conta das características descritas, também era elaborado quando se
promovia o mutirão ou pixirão
43
para o preparo da terra, para colheita ou ainda
para a “bateção do arroz”. Segundo Daniella Gramani e Joana Corrêa:
Ao longo dos séculos XIX e XX, no litoral sul e sudeste
brasileiro, em especial na região conhecida como Lagamar,
que se estende desde a Baía de Paranaguá até parte do litoral
sul de São Paulo, os Fandangos foram prática comum entre
pequenos agricultores e pescadores e aconteciam em diversas
ocasiões, especialmente ao final dos mutirões (GRAMANI;
CORREA, 2006, p. 28).
Nestas ocasiões se reuniam os amigos e os vizinhos para ajudar e, em
troca, se oferecia o Barreado. Nas regiões rurais, as festas de Fandango
estavam vinculadas ao calendário agrícola de subsistência, como o plantio e a
colheita, ocasiões em que o dono da lavoura convocava um mutirão e, ao final
do dia, oferecia um baile de Fandango (RANDO, 2003, p.12).
Segundo Gramani e Correia (2006, p.40), o Fandango em Morretes
historicamente esteve fortemente ligado aos pixirões e ao Carnaval. Com a
redução das práticas dos pixirões, os Fandangos tornaram-se raros no
município. Na década de 1970, entretanto, sob a organização da professora
Helmosa Salomão Richter, Morretes ganhou um grupo de Fandango formado
por fandangueiros tradicionais e jovens da cidade. Este grupo viajou pelo país
42
Segundo o fandangueiro “pelo Carnaval eram quatro noites de Fandango. Começava cinco,
seis horas da tarde e ia a oito, nove horas do dia. Naquele tempo, fazia o Fandango e
aproveitava e comia o Barreado também. Porque a comida típica do daqui do nosso litoral é o
Barreado, e o Fandango é a festa do caboclo” (COSTA, in PIMENTEL, GRAMANI e CORRÊA,
2006, p. 52).
43
Mutirão, pixirão, pixirunga, mitirão, multirão, mutirom, pixirom, puxirão, ademão são palavras
usadas para designar uma forma de trabalho coletivo, comum em toda a região, onde os
vizinhos se reuniam em prol da realização de uma empreitada. Um mutirão poderia ser
realizado, dentre outras coisas, para a derrubada da mata, para a limpeza de uma trilha, para o
plantio e a colheita de arroz, mandioca, milho, feijão e outros alimentos, para puxada ou
varação de canoa” (GRAMANI e CORRÊA, 2006, p. 28).
95
e teve grande importância na divulgação e no reconhecimento do folguedo,
inclusive na própria região litorânea
44
. Aliás, no que tange à recuperação e
valorização do Fandango, deve-se mencionar que Paranaguá foi a primeira
cidade paranaense a constituir um grupo de Fandango composto por
fandangueiros tradicionais, como o lendário Manequinho da Viola, sob
coordenação do folclorista Inami Custódio Pinto que, desde a década de 1950,
já realizava pesquisas sobre o litoral
45
O violeiro Rufino de França, nascido e criado em Morretes, atualmente
morador do distrito de Cruz Alta do mesmo município, em depoimento
publicado no livro Museu Vivo do Fandango, fala da presença do Barreado nos
mutirões que ele promovia, revelando alguns aspectos marcantes como o
uso da farinha – que serão explorados posteriormente:
Eu fazia pixirum e tudo. Cansei de fazer pixirum e Fandango.
Fazia Barreado. Dois pixirum que eu fiz lá, um tive oitenta e
sete pessoas e outro, oitenta e cinco. Dei o Fandango e dei
baile pra eles. [...] Comprava o boi, matava o boi de tarde,
deixava Barreado duas, três latas de Barreado cozinhando, de
hoje para amanhã. chegava ali, quando era amanhã, era o
dia de serviço. Os camaradas vinham bem cedo, tomavam café
e iam pra roça. Na hora do almoço iam duas pessoas com
Barreado na lata, no panelão, levava pra roça. Chegava lá,
atirava foguete. Atirava foguete para avisar. o pessoal
largava e vinha todo o bloco para almoçar. Agora, chega ali
uma panela ali, outra aqui, lata, o que for. pegava prato,
tudo, farinha dessa boa, feita em casa, torrada, saco de farinha
aberta ali. E agora, todo mundo se fazia. Comia à vontade. Ali
tinha nêgo que comia oito a doze pratos de Barreado. Mas era
Barreado, esse agora Barreado que se come em
Morretes. A minha mãe e toda a minha gente faziam Barreado.
44
Segundo Gramani e Corrêa (2006), com o falecimento da professora Helmosa o grupo teve
suas atividades encerradas. Entretanto, em 2001, sob a coordenação da professora Laurice
Salomão de Bona, irmã de Helmosa, foi criado o Grupo de Fandango Professora Helmosa, que
está em atividade até hoje.
45
“Segundo o professor Inami, nesta época os fandangueiros haviam se tornado raros, mas
através do contato com o violeiro Manequinho da Viola pôde registrar algumas marcas. Em
meados da década de 1960, o professor Inami convidou Romão Costa para formar um grupo
de Fandango. O grupo se apresentou em muitos lugares e deixou importantes registros
sonoros. O trabalho pioneiro tornou Paranaguá uma das cidades onde mais se encontram
grupos de Fandango. o grupo Folclórico Mestre Romão, o de Mestre Eugênio dos Santos, o
Pés de Ouro, os Caiçaras do Paraná e o grupo da Associação Mandicuéra. também alguns
estabelecimentos onde o Fandango ocorre com determinada freqüência, como a Casa do
Fandango, construída e dirigida por Eugênio dos Santos, e o Bar dos Artistas, de Pedro
Pereira. Bailes e apresentações são realizados no palco chamado de Tutóia”, à beira do Rio
Itiberê, e no Mercado do Café, ambos localizados no centro histórico do município”
(PIMENTEL, GRAMANI e FRANÇA, 2006, p.50).
96
Faziam um Barreado aqui, que da estrada chegava,
destampava a panela, aqui sentia o cheiro do Barreado. [...]
depois ali tinha Fandango. Se a casa do dono do pixirum
não era própria pro Fandango, então tinha casa escolhida.
Tava pronto lá, tudo em ordem, pra fazer Fandango
(FRANÇA in PIMENTEL, GRAMANI e FRANÇA, 2006, p.45)
A entrevistada Dona Maria da Glória Alpendre Silveira, de Morretes,
também foi testemunha dos mutirões na infância e compartilha suas memórias,
trazendo informações sobre o preparo do prato que serão resgatadas para
análise posteriormente:
Porque o meu pai, quando eu era pequena, eu lembro, eu tinha
uns seis anos, sete anos, e ele fazia esses mutirões que vinha
um pessoal de um sítio e de outro sítio, vinha o pessoal de tudo
quanto era sitiozinho e se juntavam todos aqui e iam para a
roça. Naquela época a gente dizia “pixirão”. Era a colheita do
arroz, por exemplo. Então todo mundo ia colher o arroz. E
depois ele também ia nos outros sítios, ajudar as outras
pessoas, fazer esse mutirão. E lá na roça eles faziam essa vala
na terra e punham uma panela bem grande em cima daquela
vala e punham fogo. Por isso que diziam “Ah, o Barreado era
enterrado”, “o Barreado é embaixo da terra”. Não é, era uma
vala que faziam embaixo da terra para colocar a panela em
cima. Eles colocavam o Barreado para cozinhar ali. Eles
punham, vedavam a panela com folha de bananeira, porque a
folha de bananeira você pondo do fogo ela fica que nem papel,
ela molda, você faz dela o que você quiser. Então punha
direitinho a folha de bananeira em cima da panela e daí
barreava, peneirava a cinza do próprio fogo que tinha, colocava
farinha de mandioca, colocava um pouco de água e aquilo
ficava que nem cimento, e você barreava tudo em volta da
panela. E ali em volta e meia eles vinha de e punham fogo,
volta e meia vinham de lá e alimentavam o fogo. Até que
cozinhar bem esse Barreado. Daí quando chegava à noite,
meu pai tinha uma casa que tinha uma sala grande no canto
do morro. E daí a noite eles penduravam um cacho de banana,
pegavam um garrafão de pinga e o Barreado, levava o
Barreado ali e todo mundo comia o Barreado. Tinha também o
Fandango, que eles batiam o pé, então dançavam um pouco,
tinha ali a violinha que fazia o toque deles, batiam o e vinha
um comia um prato de Barreado e tomava uma pinga. Daí
vinha outro e comia outro prato de Barreado, tomava uma
pinga e pegava uma banana. E eu dormia ali encostada na
parede, até eles terminarem. Quando eles terminavam daí é
que a gente voltava para casa, pelas duas horas da manhã,
eu nem lembro que horas eram. Mas dessa coisa de comer o
Barreado com Fandango eu lembro bem, eu era pequena, eu
lembre eu tinha uns cinco, seis anos, nem estava na escola
ainda (SILVEIRA, 2008).
97
Joaquim Gaspar de Abreu, de Antonina, também relembra seus avós,
que moravam na região e contavam histórias sobre o Barreado e o mutirão:
eles contavam que faziam o mutirão e os caboclos iam para o mato, na
derrubada do arroz, do feijão, do trigo e levavam a panela do Barreado
pronto em uma carroça [...] Eles ficavam no mato dois, três dias trabalhando e
comendo Barreado (ABREU, 2008).
Para encerrar a questão da origem do Barreado, é interessante
analisar o depoimento do empresário João Carlos Carmezim, do Restaurante
Danúbio Azul, de Paranaguá, que relata que sempre ouviu duas versões sobre
a origem do prato, sendo a primeira, a que ele acredita ser mais provável, a
que associa a iguaria aos açorianos. A segunda vincula a gênese do prato ao
aproveitamento das partes do gado que eram desperdiçadas pelos senhores
da terra:
No início do século os fazendeiros mandavam matar o boi e
pegavam a parte dura da carne, que era quase incomestível e
deviam para os colonos, mais ou menos a História da feijoada,
em que os fazendeiros davam para os negros, para os
escravos, o pé, o rabo, a orelha, tudo o que não presta do
porco e eles aproveitavam, misturaram com feijão e fizeram
aquele prato maravilhoso. No caso do Barreado, eles
misturavam essa carne em uma panela de carne fechada, com
muitos temperos, e aquilo desmanchava de tanto cozinhar, se
tornando um prato macio e gostoso (CARMEZIM, 2008).
Este depoimento se alinha com outra versão que é atribuída à origem
do Barreado, associando-o aos escravos. A reportagem A peleja do Barreado,
publicada no Jornal Gazeta do Povo, apresenta algumas possibilidades da
origem do prato, inclusive esta:
Barreado surgiu com os escravos, que pegavam sobras de
carne dos bois dos senhores da terra, colocavam em uma
panela de barro e a enterravam. Eles acendiam uma fogueira
em cima do local, e para disfarçar o que estavam fazendo,
dançavam a noite inteira ao redor do fogo (PELEJA,...2005).
Observa-se, porém, que tal versão não possuiu repercussão nos
depoimentos e nas demais fontes coletadas. Parece ser a transposição, para o
Barreado, de uma correlação estabelecida anteriormente para a Feijoada,
98
tendo em vista que os dois pratos típicos são preparados a partir de carnes
tidas atualmente como menos nobres. Outro aspecto que talvez tenha
contribuído para esta associação, considerada aqui equivocada, é a
divulgação, em 1991, de um release da Assessoria de Imprensa da
PARANATUR, que apresenta a origem do prato e sua receita para dez
pessoas. Nota-se que tal origem consiste na mesma versão que vinha sendo
divulgada pela PARANATUR desde antes; porém, a palavra “escravos”
aparece onde, em outras versões, aparecia a palavra “empregados” ou
“caboclos”:
Sabe-se que os primeiros filhos das índias casadas com os
portugueses sempre vinham para a Vila trazer os produtos da
lavoura de seus patrões, ficavam pra almoçar e geralmente
comiam o “guisado” comum feito em casa especialidade
portuguesa [...] Mais tarde, como as famílias tradicionais
achavam o Carnaval uma festa indigna para os seus filhos, iam
passar os quatro dias no sítio, acabando por provar a comida
de seus escravos (PARANATUR, 1991).
Norma Freitas (2008), de Paranaguá, comenta: quanto aos escravos,
que eu saiba eles não m participação. Porque como ele (o Barreado) está
ligado ao evento do Fandango que era dançado pelo caboclo do litoral eu não
sei onde o escravo entra nessa história!
3.2 DOS INGREDIENTES
Para os que desconhecem absolutamente o Barreado, muitas vezes
torna-se uma surpresa descobrir que, apesar de característico do litoral
paranaense, trata-se de um prato à base de carne bovina, cozida
exaustivamente com alguns temperos, processo que termina por criar a textura
que é sua marca mais característica: a da carne macia, desmanchando, com
sabor acentuado.
Sua receita provavelmente foi alterada ao longo dos anos, adaptada
aos produtos disponíveis, à tecnologia à disposição e também ao paladar dos
comensais, gerando em cada família uma versão do prato, numa lógica de
99
apropriação coletiva que permite a existência do Barreado da Dona Iza, da
Dona Glória e do Senhor Joaquim, dentre tantos outros, sempre tendo como
ingredientes indispensáveis a carne bovina, o toucinho (ou o bacon) e o
cominho.
A carne bovina se faz presente no território brasileiro desde 1532,
quando Martim Afonso de Souza desembarcou na Capitania de São Vicente
trazendo cabeças de gado (que haviam sido embarcadas em Cabo Verde,
África Ocidental) para a subsistência dos núcleos populacionais que aqui se
instalaram. Em uma região farta em pescados e frutos do mar, como é o caso
do litoral paranaense, observa-se que a possibilidade do consumo da carne se
deve à expansão do pastoreio e à presença da atividade tropeira nos caminhos
que cortavam a Serra do Mar.
A carne bovina in natura fazia parte apenas das mesas mais
privilegiadas. Ingrediente básico dos tropeiros, a carne salgada
e seca ao sol (charque) foi trazida por esses viajantes, na
esteira da rota comercial da erva-mate em direção ao Cone Sul
e da expansão da própria criação de gado. Este movimento
ajudou a modificar o panorama econômico da região Sul e
introduziu novos e importantes hábitos alimentares
(SGANZERLA e STRASBURGER, 2004, p.15).
Se uma ingerência cultural na definição do que é alimento e do que
se torna comida, no que tange à inclusão da carne na dieta de um grupo tal
influência apresenta um peso ainda maior. A psicóloga junguiana Eve Jackson
(1999) comenta que têm sido levantadas várias conjecturas relacionando o ato
de comer carne, usar instrumentos e ter habilidades para caça ao aumento do
cérebro e da inteligência. Para além do benefício da ingestão de gorduras e
proteínas animais, a pesquisadora acredita que o desenvolvimento de novas
habilidades para corresponder às exigências de uma nova fonte de alimento foi
um fator imensamente importante para a evolução humana, pois os animais de
grande porte precisam ser vencidos pela astúcia e por estratégia, e não apenas
pela força física.
Entretanto, a caça como forma de obtenção da carne terminou por
associá-la ao masculino, à força física e à virilidade: se a fruta tem algumas
nuances femininas, a carne tem associações masculinas, especialmente a
carne vermelha (JACKSON, 1999, p.64). As comidas à base de carne são tidas
100
como comidas substanciosas, capazes de dar força e energia, características
marcantes do Barreado. Outro aspecto freqüentemente associado ao consumo
da carne é sua ênfase ritual e de celebração. Escrevendo sobre o consumo da
carne no mundo mediterrâneo antigo, em especial o grego, o historiador
Cristiano Grottanelli escreve:
[...] a carne reveste-se de uma importância ideológica e
simbólica. Trata-se, com efeito, de um alimento excepcional
que necessita que se mate um animal. Reservada às grandes
ocasiões, às festas que servem para estreitar laços sociais e
para pôr em contato o mundo humano e dos deuses, a carne
está presente nos momentos fundamentais da vida social
(GROTTANELLI, 1998, p.121-122).
Esta restrição ao amplo consumo da carne bovina se dava pela visão
de que os bovinos são animais mais caros, não só porque podem fornecer uma
quantidade maior de carne, mas, sobretudo, porque são capazes de trabalhar e
são, por isso, companheiros de trabalho do homem no campo (GROTTANELLI,
1998, p.122) e também pelo simbolismo atrelado ao sacrifício destes animais.
Ainda, recusar-se a comer carne, principalmente em cerimônias públicas,
consistia não apenas uma oposição à carne, mas também aos sacrifícios e aos
valores políticos e dogmáticos que os sustentavam
46
.
No caso do Barreado observa-se que o consumo de carne pelos
caboclos era escasso, devido aos altos preços e à abundância de peixes e
frutos do mar, mais compatíveis com o poder aquisitivo e os costumes da gente
do litoral. Assim, a degustação do prato ganhava ares de festa pelo Fandango,
pelo Carnaval, pela convivência entre amigos e familiares e também pela
possibilidade de degustar um prato saboroso cujo consumo era pouco habitual.
faziam esse cozido no Carnaval, porquanto, durante o ano comiam apenas
peixe com farinha, como faziam seus antepassados. É que, nessa época, a
carne de gado era muito cara para eles (VIANA, 1976, p.192).
O folder Os segredos do Barreado de Antonina, editado pela
Associação de Preservação Cultural e Natural de Antonina e pelo governo
46
Grottanelli (1998, p.122) observa: “o mundo romano apresenta, no entanto, uma novidade
com relação ao Mediterrâneo oriental, uma característica que se tornará cada vez mais
sensível quando da passagem da República ao Império e, sobretudo, ao Baixo Império: a
importância crescente da carne na alimentação da população, em particular das classes
superiores urbanas”.
101
municipal, fala do comércio da carne na cidade às vésperas do Carnaval no
final do século passado:
A sexta-feira que antecede o Carnaval era o dia escolhido para
a matança das dezenas de bois, cuja carne seria utilizada na
preparação do prato. Do matadouro Municipal, no Batel, os
bois eram trazidos em “tocos-duros” para o velho mercado
municipal, no Centro, onde a carne era vendida para a
população sábado bem cedo. Desde a madrugada era grande
o movimento no Mercado, dezenas de canoas chegavam dos
sítios e o pessoal da cidade disputava com eles os pedaços
favoritos. Como por exemplo: os que preferiam um Barreado
mais gordo levavam carne de peito ou barrigada...
(ASSOCIAÇÃO DE PRESERVAÇÃO...,[198?]).
A carne bovina utilizada no Barreado é a de segunda, fato que
inicialmente parece ligado às limitações financeiras dos caboclos do litoral, mas
que encontra explicação também devido à boa resistência das carnes mais
duras ao cozimento prolongado. Dentre as cozinheiras tradicionais, a resposta
soa quase que uníssona: Barreado se faz com carne de segunda, pois esta é
mais saborosa. Dona Regina Maria diz que hoje se faz Barreado com qualquer
carne, mas boa mesmo é a carne de segunda! (PEIXOTO, 2008).
Dona Ieda Siedschlag, pioneira do Barreado servido em restaurantes
em Antonina, fala da carne que usava quando tinha o restaurante e a que usa
agora, enfatizando a necessidade de se escolher a carne adequada para um
bom Barreado:
Como naquela época <em que tinha o restaurante> eu tinha
quem me ajudasse a limpar a carne, eu trabalhava com lombo
agulha e a paleta, porque tem que ser carne de segunda, carne
que desfie <ênfase nessa palavra> e a carne de primeira não
desfia. Hoje, quando eu faço por encomenda eu faço com o
patinho, que é bem mais caro, mas de limpeza é ótimo. Eu
compro a peça inteira e ali no supermercado eles já sabem
meu estilo e me dão limpinha. Mas para restaurante o uso é
de lombo agulha e paleta. Músculo nem pensar, porque o
músculo é horrível, tem aquelas...aquilo não presta! E pra fazer
a limpeza da carne você tem que sempre tirar toda a pele, toda
a gordura, não fica nada, nada, nada! É a carne limpa!
(SIEDSCHLAG, 2008).
As carnes mais usadas segundo os levantamentos realizados são
Patinho, Peito, Paleta, Lombo Agulha, Coxão-mole e Alcatra (apesar destas
102
duas últimas não serem consideradas carnes de segunda). outras
recomendações, como a de usar qualquer carne de segunda magra, mas
também há outros cortes que são citados, tais como Coxão-duro, Granito,
Posta Branca, Matambre e Posta Vermelha.
Algumas receitas indicam a necessidade de se usar um pedaço de
carne com osso, nesse caso preferencialmente Paleta com osso, pois, nesse
caso, as substâncias que se desprendem durante o cozimento dão mais sabor
e maior consistência ao caldo. Lembrando de como preparava o Barreado
antigamente, Dona Maria da Glória fala:
Antigamente eu trazia carne com tutano, com caracu, com osso
e tudo. O Barreado fica mais gostoso ainda! Eu comprava com
todo o osso e punha todo o osso na panela, hoje eles nem
vendem mais o osso. Eu punha com osso e, nossa, aquilo
boiava assim, o tutano, o caracu boiava assim, e era uma
delícia, uma delícia! E ficava assim forte, forte! (SILVEIRA,
2008).
Outra indicação sugere a combinação de diferentes tipos de carne,
cada uma cumprindo uma função na formação do gosto do prato. Escrevendo
sobre como escolhe as carnes que compõem seu Barreado, Nair Welzel
(2007), cozinheira e proprietária do Restaurante Brisa do Mar em Antonina fala:
Eu uso coxão-mole, eu uso carne de primeira uma metade, e
carne de segunda na outra metade. Eu uso carne sete, paleta,
tiro toda a gordurinha, não deixo nenhuma sequer. Uso as duas
porque a carne de primeira fica muito seca e a carne de
segunda é mais saborosa. Então eu sempre uso 50% de carne
de primeira e 50% de carne de segunda, paleta ou carne sete
(WELZEL, 2008).
Nota-se que a questão financeira também pesa no momento de
escolher as carnes, principalmente para os restaurantes, que devem levar em
consideração a relação custo/benefício de forma mais cuidadosa, oferecendo
um prato saboroso e de qualidade a um preço adequado. Joaquim dos Santos
Filho, proprietário do Cantinho de Antonina, explica:
São três tipos de carne que eu uso, dentre elas o lombo
agulha, o patinho, que tamm é uma carne própria para o
Barreado e a paleta. O patinho hoje, dependendo da compra,
103
sai caro. Mas por outro lado ele mais rendimento, porque
tem menos sujeira e também menos osso. o lombo agulha
você ganha no preço, mas às vezes você tem muita perda
porque tem muito osso, muito sebo. Mas é importante ter essas
duas carnes, porque daí uma ajuda a outra, porque o patinho é
uma carne fibrosa, e o lombo agulha também e tem umas
cartilagens. E o peito que também se usa é uma carne muito
gordurosa, que a liga para se tornar um caldo bem
consistente. Faz um caldo saboroso. Se fizer só de patinho, vai
ficar um caldo aguado, sabe? (SANTOS FILHO, 2008).
Joaquim Carlos Alcobas, proprietário do Restaurante Caçarola do Joca,
um restaurante de Antonina que trabalha pelo sistema A La Carte
47
e busca um
maior refinamento nos pratos, comenta:
Eu conheço restaurante hoje que vai ao açougue e compra
músculo, faz um Barreado cheio de pelanca, porque o músculo
é uma carne muito gostosa, mas para determinadas coisas.
Nós não usamos músculo, nós usamos paleta. É a carne nobre
do dianteiro. Por duas razões é que eles usam músculo:
primeiro porque é rápido para cozinhar, o custo operacional é
menor. E o outro é porque ele é uma carne mole, que para
limpar o músculo é impossível! Tá certo? E limpar uma paleta é
muito possível (ALCOBAS, 2008).
Verifica-se que a escolha da carne e a combinação entre diferentes
tipos nasce das experiências práticas dos cozinheiros. Como observa Anny
Snoeyer (2007), proprietária do Restaurante Buganvil´s de Antonina: para
usar outra carne, paleta, capa de costela, várias carnes, lombo. que eu,
pela minha experiência, prefiro o músculo traseiro, aquela carne limpinha sem
gordura é a melhor carne para fazer um Barreado. Ana Eliza Correa de Souza
(2008), proprietária do restaurante Le Bistrot em Antonina, comenta:
A carne que a gente usa aqui é patinho. Mas na verdade assim
você pode usar qualquer carne. Eu adotei o patinho por conta
do custo benefício. O pessoal diz “ah, mas tem que fazer com
carne de segunda”. Tem que fazer com carne de segunda? Eu
acho que fica a critério. [...] Antes as piores carnes iam pro
Barreado, eram as carnes com mais gordura porque ia ser
cozida até se desmanchar. Mas hoje é mais uma comida para
se saborear, a escolha (da carne) não é mais por necessidade
47
Sistema de serviço por meio do qual a escolha do comensal é orientada por um cardápio
(carta), que elenca os pratos servidos pelo estabelecimento, indicando seu porcionamento e
valor cobrado. O cliente monta sua refeição escolhendo dentre os pratos que lhe são
apresentados, e que serão preparados (ou finalizados) a partir do pedido do cliente.
104
como era antigamente. Então eu acho que daí você começa a
dar uma melhorada, colocar uma carne um pouco mais
selecionada, essas coisinhas assim (SOUZA, 2008).
Abreu (2007), no entanto, é enfático quanto à escolha da carne: não é
alcatra, não é coxão-mole, não é maminha, não é nada de carne de primeira.
Barreado é com carne de segunda mesmo, a parte dianteira do boi que entra o
pescoço, o lombo, o patinho, tudo carne meio dura. entra carne dura do boi.
E continua:
E outra coisa: o caboclo vai ter dinheiro para comprar uma
carne de primeira? Não! Então você que a História é essa
mesmo. Come quem quer, não quer não come, mas o prato é
esse mesmo. Não adianta você querer inventar. “Ah, eu faço
Barreado com mignon!”, “Ah, eu faço Barreado com alcatra”.
Eu fico só olhando. Pô, o cara não entende nada de carne, com
todo o respeito! Porque se você vai fazer um prato desse aí ele
pede uma carne mais resistente. Então tem que ser carne de
segunda também para segurar, porque a carne de segunda
dura no calor. Se colocar alcatra ou mignon vai derreter depois
de duas horas no fogo, vira uma caca, não vai prestar. Então
tudo tem a carne certa para pôr. Não adianta você dizer “ah, o
meu eu faço com alcatra, o meu Barreado é isso...”. Não é isso!
Não pode fazer isso! Não é isso o Barreado, Barreado é carne
de segunda e pronto! (ABREU, 2008).
Se o tipo de carne utilizada pode variar conforme a preferência do
cozinheiro, um aspecto é indiscutível: a necessidade de realizar uma perfeita
limpeza na carne. Alcobas (2007), alertando que tem gente que não limpa a
carne, pica e põe para fazer. Então fica aquele sebo, aquela banha, aquela
coisa horrível, argumenta:
Porque existe dois tipos de limpeza da carne: a primeira no
açougue. A pessoa que corta corta anos para mim, eu
compro aqui em Antonina. Ela limpa toda a carne, tira o osso
bonitinho, vem aquele coração da carne. Chegando aqui a
limpeza é refeita, é refeita toda. Cada pedacinho que é cortado
é limpo. Então para chegar nessa qualidade final tem um custo
e tem um tempo. Mas vale a pena, porque com as palavras que
você escuta das pessoas está pago tudo <sorriso>
(ALCOBAS, 2008).
Sobre a questão da limpeza, Abreu (2007) também comenta que a
carne deve ser muito limpa e faz algumas observações sobre tal processo:
105
Você sabe que toda a carne tem aquela pelezinha fina,
transparente, você tem que limpar aquilo ali. E outra, na carne
de segunda aparece muito um tipo de uma capa, tipo um
músculo. Então primeiro você pega uma faca e tira toda aquela
capa envolta da carne. E sim, com a carne limpinha, você
começa a cortá-la para pôr no tempero. Tem que cuidar com
aqueles palmitos
48
que aparecem no Barreado, pois nessa
carne que a gente compra às vezes aparece. Ela já vem limpa,
mas nós damos uma revisão em tudo (ABREU, 2008).
Dona Ieda também ressalta um detalhe que julga ser muito importante:
a utilização de carne mais fresca possível, sem ter sido submetida ao
congelamento, pois este pode danificar a fibra da carne e seu sabor final: ela
não vai pro freezer, pro congelador. Ela chega, é limpa e não é congelada
antes de ser preparada. Não para comprar congelada, descongelar para
limpar, congelar, depois descongelar, cozinhar e d congelar de novo!
(SIEDSCHLAG, 2008).
A gordura do porco também é indispensável à receita. É importante
observar que o rebanho suíno foi introduzido no Brasil também por Martim
Afonso de Souza, na mesma oportunidade da entrada do rebanho bovino. A
gordura suína possui a missão de conferir sabor, dar corpo ao caldo e ainda
evitar que a carne e os demais ingredientes queimem: gordura está cada vez
mais fora de moda, mas um pouco de toucinho (bacon, talvez) para forrar o
fundo da panela é essencial. A carne, sem proteção, pode queimar (O
ESTADO DO PARANÁ, 1990). A gordura aparece em duas modalidades: como
toucinho (preferido pelos mais tradicionalistas) ou como bacon (adotado mais
recentemente). O toucinho consiste em um corte fresco de carne suína,
retirado geralmente da barriga do animal, que contém gordura subcutânea. O
bacon, por sua vez, é o mesmo corte, só que defumado.
A preferência de muitos dos entrevistados é pelo toucinho cru ou
branco, mas a dificuldade em adquirir toucinho cru de boa qualidade fez com
que muitos adotassem o bacon: como é difícil conseguir toucinho cru bom, de
confiança, nós fazemos hoje com bacon (ABREU, 2008). Mas para Dona
48
Abreu (2008) explica o que ele chama de “palmito”: tem uma parte no meio da carne, uma
parte que parece um nervo, uma coisa assim, mas uma parte meio amarelada, uma coisa
esquisita. E ela pode cozinhar, mas meu Deus, você pode cozinhar cinqüenta horas aquilo ali
que não vai amolecer nunca. Então isso você tem que tomar cuidado pra tirar”.
106
Regina Maria PEIXOTO (2008) tem que ser o toucinho branco, porque senão o
defumado tira o gosto da carne e dos temperos, porque o toucinho defumado já
tem outro gosto, já ficou todo sofisticado, virou bacon. Então tem que ser o
toucinho branco. Dona Laura Veiga de Camargo, de Antonina, ilustra sua
preferência pelo toucinho fresco narrando o seguinte episódio:
Tem um amigo meu que tem restaurante na Ponta da Pita,
ele foi meu aluno e ele faz um Barreado bom, a comida dele é
muito boa. Outro dia eu precisei do toucinho porque eu não
encontrei aqui no comércio e fui pedir. ele disse tia, eu
não tenho. Mas faça com bacon!E eu disse “Você faz com
bacon?” E ele “faço!” E eu disse Então é bom você me avisar
porque eu nunca vou querer comer o Barreado no seu
restaurante!”. Com bacon? O que é que é isso? Isso não é
mais o Barreado! O Barreado leva toucinho fresco!
(CAMARGO, 2008).
Continuando a falar sobre a sua preferência, Dona Laura argumenta
que enquanto o toucinho é fresco, o bacon é industrializado e que isso por si só
diferença. Assim o toucinho fresco é melhor, pois deixa o Barreado mais
saboroso, engorda o prato: porque eu gosto dele gordo. Tem gente que não
gosta muito, faz mais magro, coloca menos toucinho, mas daí eu digo “aí não!
Carne picadinha com cominho é outra coisa!”. Mas o Barreado tem que ter
toucinho fresco! (CAMARGO, 2008).
Welzel (2007) por sua vez afirma usar os dois: eu uso toucinho e
bacon. Só que eu não gosto de colocar o toucinho cru, frito antes. Eu frito e daí
eu jogo na panela. E o bacon tem que colocar porque como é defumado, dá um
toque de sabor. Dona Laurice De Bona (2008) por sua vez fala de sua
preferência: eu uso o bacon de boa qualidade, tem gente que coloca o
toucinho, mas eu como o gosto de Barreado muito gordo, eu não coloco o
toucinho. Gilberto Rolando Malucelli (2008), proprietário do Restaurante My
House, de Morretes, também possui uma opinião semelhante: eu captei a
receita que fazemos aqui da minha avó, ela sempre fazia Barreado, hoje a
única coisa que eu mudei da receita é que a gente não usa o toucinho, usa o
bacon, é um pouco mais light.
Norma de Freitas (2008), de Paranaguá, que utiliza o bacon, comenta:
isso (de usar toucinho cru) existia antigamente, mas hoje a gente substitui pelo
bacon, e é onde o prato ganha uma qualidade e não perde, porque eu acho
107
que com o bacon ele fica mais saboroso. Lembrando que a função primordial
da gordura do porco (seja bacon ou toucinho) é impedir que a carne queime, a
cozinheira e empresária argumenta que a preferência pelo toucinho se dava
diante da disponibilidade da matéria-prima:
Antigamente era usada a gordura do porco. Porque, por
exemplo, quando eu comecei a cozinhar, se usava banha,
não existia nem óleo como a gente tem hoje, para você ter uma
idéia. As pessoas usavam banha de porco para cozinhar tudo.
Então o que eles faziam: eles usavam a banha porque era o
que eles tinham. A partir do momento em que apareceu o
bacon defumado que deixa um sabor melhor ele passou a ser
colocado (FREITAS, 2008).
A antoninense Dona Ieda Siedschlag (2008) revela que ainda utiliza
banha de porco em seu Barreado, e que o ingrediente é o primeiro a ser
colocado na panela. A entrevistada também revela sua preferência pelo
toucinho cru, embora admita ser cada vez mais difícil de encontrá-lo nos
mercados e açougues:
No fundo da panela de barro você vai colocar a banha, não o
toucinho ou o bacon, é a banha de porco mesmo, dessas que
você compra em quilo [...]. A banha é pra ficar no fogo até ficar
bem escura, quando ela está bem escura você põe o toucinho
cru. Hoje já é o bacon, porque hoje já é difícil encontrar, em
cidades como aqui <Matinhos>, o toucinho cru. Ali no mercado
eles pediam pra mim o toucinho cru, porque uma diferença
de gosto em relação ao bacon. Então o toucinho cru cortado
em pedacinhos, daí joga naquela banha que está escura pra
ele fritar. Depois vai virando com a colher de pau e quando o
toucinho está escurinho também é que você vai pôr a carne
lá dentro (SIEDSCHLAG, 2008).
Rosana Abe, proprietária de um restaurante em Paranaguá, também
usa bacon e comenta que, na verdade, o bacon não é tanto para dar sabor,
mas sim é posto principalmente para que não queime a carne, compondo
inclusive a primeira camada que é colocada na panela. Depois, claro, ele acaba
sendo incorporado no sabor do Barreado [...] mas na verdade serve mais como
proteção, porque é colocada uma quantidade mínima em relação à quantidade
total de carne (ABE, 2008).
De maneira geral, os que preferem toucinho ao bacon defendem que
aquele possui um sabor mais suave, de modo que seu sabor não predomina
108
sobre o da carne. Ao mesmo tempo, admitem a necessidade de um açougue
de boa confiança, devido aos perigos do uso de carne de porco crua, sem
garantia de qualidade
49
. Os que adotam o bacon o fazem pela facilidade de
aquisição e pelo próprio sabor, que muitas vezes reduz a adição de sal ao
prato. Para evitar a predominância do sabor do bacon, o segredo consistiria em
dosar adequadamente sua quantidade
50
.
No que tange aos temperos adicionados, o cominho é um elemento
essencial. O cominho
51
, especiaria proveniente da África e do Oriente Médio,
tem como nome científico Cuminum cyminum, é da família das Umbelíferas, e
foi trazido para o Brasil pelos portugueses. Possui um sabor bastante
característico, entre a pimenta e o anis. Possui pouca aplicação medicinal, mas
lhe o atribuídas funções carminativas e digestivas. No Brasil, o cominho é
mais utilizado no nordeste brasileiro, basicamente no preparo de peixes e
frutos do mar.
O cominho é citado por muitos dos entrevistados como sendo o
segredo do bom Barreado. Um cominho de boa qualidade é fundamental. O
que dá o gosto diferente no Barreado é o cominho (CAMARGO, 2008).
Cominho é o principal tempero do Barreado, o destaque do Barreado é o
cominho (WELZEL, 2008). Entretanto, a preferência por cominho em grão ou
cominho em pó divide os entrevistados. Para Snoeyer (2007) deve ser usado o
cominho em pó, não pode ser o granulado porque senão desarranjo no
intestino. Welzel (2007) comenta: eu uso o cominho em pelo seguinte: o
49
Dentre os males causados pela carne de porco contaminada (principalmente se crua ou mal
passada) estão a teníase intestinal (quando o ser humano é o hospedeiro definitivo) e a
cisticercose (quando o ser humano é o hospedeiro intermediário, podendo evoluir para a
neurocisticercose, quando os cisticercos se alojam no sistema nervoso central) causadas pela
taenia solium, um tipo de verme. O Barreado, por ser um prato que é exaustivamente cozido,
em tese estaria livre deste tipo de problema. Entretanto, deve-se observar que tal possibilidade
os riscos acima indicados inibem a comercialização da manta de gordura crua do porco na
maioria dos açougues da região.
50
Um aspecto que deve ser mencionado é a preocupação com a ingestão de alimentos
gordurosos, o que tem alterado algumas receitas do Barreado, aspecto que será discutido
posteriormente no item 4.5.
51
“Essencial aos povos antigos na conservação dos alimentos, como condimento, remédio ou
ingrediente mágico. Na tradição indiana, sementes de kalo jiro, o cominho negro, postas nas
roupas do marido, o impedem de sair por se engraçando com a primeira sirigaita. Nos rituais
médicos, ainda praticados, o uso do óleo essencial traz a sonhada fidelidade amorosa, selando
a harmonia e a paz na casa [...] Indianos e africanos alquimistas dos sabores-, turcos e
persas sempre o usaram; mais tarde, também os latino-americanos, para aromatizar ervilhas,
lentilhas e feijões, vinhas-d´alhos, carnes (também de porco e cordeiro), pães, picles, repolhos,
queijos, molhos de tomate, cogumelos. E, claro, o cuscuz africano, os curries, o Chile com
carne dos mexicanos” (NEPOMUCENO, 2005, p.90).
109
cominho em grão não vai desmanchar, a pessoa vai comer e vai morder. Dona
Isa comenta que na época dos avós de seu marido o uso culinário do cominho
no Barreado às vezes era motivo de cautela:
O cominho durante um tempo era o grande vilão, porque
diziam que era o cominho que fazia inchar a barriga e fazer as
pessoas passar mal. Diziam que o cominho fazia mal. Mas o
cominho vai no Barreado e não pode faltar! (AZIM, 2008).
Para Dona Maria da Glória o segredo, no entanto, está em torrar o
cominho antes de moê-lo: o cominho se você não torrar dá dor de barriga, ele
empanturra, você fica se sentindo mal. E você torrando não dá. Eu compro
cominho importado, não compro de pacotinho. Ele um gosto bom
(SILVEIRA, 2008). Norma Freitas (2008) também revela que compra o cominho
em grão, mas o mói antes de usá-lo.
Welzel (2008) se mostra preocupada com a qualidade do cominho
vendido: tem que tomar cuidado porque tem cominho e tem cominho, tem
gente que mistura fubá, eu não sei. Entretanto, alerta que no momento de abrir
o pacote pode-se saber se o cominho é puro a partir da coloração e da mistura.
Abreu (2007) também é adepto do cominho em pó, mas desconfia da qualidade
do cominho vendido pela maioria dos mercados e fornecedores:
Tem muito cominho feculado. Cominho feculado é um cominho
misturado com outro produto <levanta e traz um pacote de
cominho, realmente bastante perfumado>. Olha, isso aqui eu
mando buscar em o Paulo. Isso aqui é a semente do
Barreado. Olha ali a semente. Sinta o cheiro <realmente
perfumado>. Não é isso que eles compram, eles vão no
mercado e compram aqueles pacotinhos, um produto
vagabundo, entende? Esse aqui você coloca umas pitadas na
carne e sai esse cheiro do Barreado (ABREU, 2008).
Continuando, o empresário e cozinheiro o apenas escolhe com
cuidado o tempero, como possui uma técnica própria para prepará-lo, pois
além de moê-lo exaustivamente ele ainda o coloca no liquidificador. Isso eu
aprendi com os antigos, que pegavam esse cominho moído e colocavam num
pano de louça, esses panos brancos. Eu nunca esqueço isso! Daí elas
pegavam o martelinho e ficavam <faz o barulho >, batendo, moendo essa
semente aqui (ABREU, 2008).
110
O consenso quando se trata do cominho é a necessidade de saber
dosá-lo e equilibrá-lo, como se com os demais temperos. Alcobas (2008)
prefere o cominho em grão e argumenta que cominho em amarga. Eu
compro cominho marroquino no mercado municipal de Curitiba que é muito
bom. Não necessidade de quantidade para dar o sabor. Porque o Barreado
com muito cominho também não funciona, é horrível. Rosana Abe (2008),
cozinheira e empresária de Paranaguá, comenta que aprendeu um truque com
o próprio Joca Alcobas: eu compro cominho em semente, no mercado
municipal de Curitiba e bato no liquidificador. Quando faço o Barreado uso
cominho batido fresco, que fica outro sabor. Quando esquento para mandar
para o Buffet
52
uso cominho batido que guardo em uma latinha. A preocupação
de Rosana com a quantidade de cominho também é evidente: tem que cuidar
porque o cominho é para ser saboroso e não atacar o fígado. Porque o
cominho é um condimento que ataca o fígado e se você colocar em excesso
algumas pessoas passam mal (ABE, 2008). Joaquim Abreu também comenta:
Tem que tomar cuidado com o cominho, porque se você
colocar demais ele amarga a carne. Então você tem que saber
colocar. Daí a quantidade você até pode me perguntar, mas
isso tem que ser na hora, de você pegar na mão assim ir
jogando e tal para ir sentindo [...] A gente está acostumado a
fazer. Por exemplo, se outra pessoa fizer aqui no restaurante já
não sai igual. é que está o negócio: segredo é o cominho
(ABREU, 2008).
O cominho e o louro são ingredientes importantes, responsáveis,
segundo muitos, pelo sabor autêntico e o perfume que é desprendido durante o
cozimento. Acrescenta-se umas folhas de louro e uma colher de cominho, que
perfumam e dão o sabor autêntico ao prato (COMISSÃO PARANAENSE DO
FOLCLORE, 1971). Junta-se o cominho e o louro, que proporcionam o sabor
autêntico e o perfume do cozimento se espalha pela redondeza (CORREIA,
2002, p.48).
52
Sistema de serviço por meio do qual é oferecido ao cliente um conjunto de iguarias já
prontas, que são disponibilizadas ao comensal para que ele escolha qual deseja consumir e
faça o seu porcionamento. O pagamento pode ser feito por pesagem (por quilo) ou por pessoa.
111
O louro
53
, cujo nome científico é Laurus nobilis, da família das
Laureáceas, consiste nas folhas de uma árvore de grande porte, originária do
Mediterrâneo. É usado como tempero por conta de seu aroma característico,
também possuindo funções medicinais, sendo utilizado como tempero em
função das propriedades digestivas, já que o Barreado é um prato “pesado”
(PREFEITURA MUNICIPAL DE MORRETES, [s.d.]). É justamente essa
combinação entre aroma e propriedades digestivas que ênfase à
incorporação do louro na receita.
Outros ingredientes bastante comuns nas receitas do Barreado são a
cebola
54
(Allium cepa, da família das Liláceas, proveniente do Afeganistão, Irã
e Sudoeste da Índia), o alho
55
(Allium sativum, da família das Liláceas,
proveniente da Europa Mediterrânea), a pimenta do reino
56
(Piper nigrum, da
família das Piperáceas, proveniente do Sudoeste da Índia), além do sal, trazido
pelos colonizadores europeus para o Brasil e rapidamente assimilado nas
novas terras.
53
“O louro é poderoso pela própria natureza, planta tão forte que, nas culturas mediterrâneas,
se uma árvore morre é sinal de mau agouro. [...] Na mitologia grega, representa Daphne, a
ninfa que foi transformada na árvore para escapar às perseguições amorosas de Apolo que,
desde então, passou a usar uma coroa de folhas de louro para lembrá-la. Na tradição grega, a
coroa de louro homenageou atletas e guerreiros, reis, príncipes e poetas” (NEPOMUCENO,
2005, p.140). “É um dos temperos básicos, indispensável aos mediterrâneos, indianos e povos
dos Mares do Sul, do Oriente Médio e das Américas. Brasileiros o amam nas carnes e cozidos,
arroz, feijões, molhos, sopas, peixes, caldeiradas do Norte. Com ele, os portugueses
inventaram a vinha d´alhos, que legaram aos indianos, com vinho, alho e ervas”
(NEPOMUCENO, 2005, p.141).
54
“Apenas na Idade Média passou a ser usada como tempero, antes era legume. Teve grande
importância entre os egípcios, uma espécie de marca de cheiro da população pobre, escravos
e prostitutas, que a comiam crua e em abundância para se prevenirem contra doenças. Foi
reproduzida nas pinturas murais e nos sarcófagos. Gregos e romanos conheciam e
glorificavam as qualidades medicinais do bulbo apreciado por tantos povos, mas rejeitado pelos
brâmanes, por inflamar o desejo sexual […] Cortada em gomos, rodelas ou picada, refogada ou
desidratada, é um dos temperos sicos da nossa cozinha, usada para quase tudo”
(NEPOMUCENO, 2005, p.74).
55
“Os grandes comedores de alho são os árabes, portugueses, espanhóis e provençais.
Amasse, pique e frija-o no azeite, fazendo toda a casa recender ao seu cheiro o mais típico
das cozinhas luso-brasileiras. Tempera tudo, de peixes a carnes, refoga feijões, legumes e
folhas, alma às chicórias e couves, berinjelas e chuchus, massas e molhos, aos pratos
nobres ou triviais de todos os santos dias” (NEPOMUCENO, 2005, p. 30).
56
“Colhidas verdes e secas ao sol, ficam enrugadas e escuras são as pimentas negras, as
mais consumidas; maduras, secas e descascadas, são as brancas, de sabor mais suave e
preço mais alto; colhidas verdes e tenras, empregadas ao natural ou em conserva, são extra-
fortes particularidades que confundiram muitos viajantes, que pensavam tratar-se de
espécies diferentes. Maceradas ou moídas, de preferência na hora, nas carnes e molhos,
peixes e ovos, sopas e recheios, dos pratos simples aos mais requintados” (NEPOMUCENO,
2005, p. 178).
112
O cheiro-verde, combinação de salsinha
57
(Petroselinum sativum, da
família das Umbelíferas, proveniente do Mediterrâneo) e cebolinha
58
(Allium
shoenoprasum, da família das Liláceas, proveniente da Europa, China e
América do Norte), é considerado por muitos uma inovação, mas possui
bastante aceitação entre os cozinheiros: salsinha e cebolinha comparecem
cada vez mais nos Barreados modernos (O ESTADO DO PARANÁ, 1990).
Entretanto, outros acreditam que o ideal é não acrescentar tais ervas, como
defende Maristela Julia Stopinski (2008), empresária de Morretes: tem algumas
receitas que levam cheiro-verde, não é uma coisa assim tão típica. Então uma
coisa assim, cheiro-verde seria um acompanhamento numa salada ou outra
coisa assim, mas não na carne.
A pimenta malagueta ou vermelha (Capsicum frutescens, da família
das Solanáceas, proveniente das regiões tropicais da América, incluindo o
Brasil), por sua vez, aparece nas receitas tanto como ingrediente como quanto
acompanhamento indispensável para a degustação.
Dos ingredientes que aparecem em menor freqüência, pode-se citar:
pimenta-de-cheiro (Capsicum odoriferum, da família Solanáceas, de origem
amazônica), orégano (Origanum vulgare, da família das Labiadas, proveniente
do Mediterrâneo), salsão ou aipo (Apium graveolens, da família das
Umbelíferas, proveniente da Europa), alho-poró (Allium porrum, da família
Lilácea, proveniente do Egito e Europa Antiga), noz-moscada (semente da
Myristica fragans, da família das Myristicáceas, originária das Ilhas Molucas),
hortelã (Mentha piperita, da família das Labiadas, originária da Europa, Ásia e
América do Norte), limão (Citrus limonum, da família das Rutáceas, originário
da Ásia), manjericão ou basílico ou ainda alfavaca (Ocimum basilicum, da
57
“Desde a Antigüidade expandida por toda a Europa e África mediterrâneas até a Ásia, foi das
mais usadas por gregos e romanos na sua medicina, especialmente como estimulante
cerebral. É a erva de Perséfone, a deusa do mundo subterrâneo, aquela que transformou a
ninfa Menta na planta rasteira. Foi usada nos funerais para purificar o ar e facilitar o trânsito do
morto para o outro mundo [...] A erva mais usada na culinária mediterrânea, fresca ou seca
melhor fresca, adicionada ao final do cozimento. Perfuma e acabamento aos pratos, usada
nas entradas, saladas, molhos, pastas, peixes e frutos do mar, aves, carnes, legumes,
recheios, ovos, arroz, queijos brancos” (NEPOMUCENO, 2005, p. 184).
58
“Há botânicos que a apontam como nativa também da Europa, embora apenas no século
XVI tenha florido e perfumado em seus jardins de ervas. Também surgiram espécies na
América do Norte […] Melhor fresca que seca, picada no final do cozimento. Par perfeito para a
salsinha no nosso cheiro-verde. É uma das fines herbes dos franceses, com o cerefólio, o
estragão e a salsinha. Tempera omeletes, molhos, legumes, peixes, queijos brancos, sopas, o
sauce tartar inspirado nos condimentos picantes dos tártaros e mongóis; nos pratos da cozinha
chinesa” (NEPOMUCENO, 2005, p.79).
113
família das Labiadas, proveniente da África, Índia e Pacífico Sul, trazido para o
Brasil pelos italianos), manjerona (Origanum majorana, da família das
Labiadas, originária do Mediterrâneo), coentro (Coriandrum sativum, da família
das Umbelíferas, proveniente do Mediterrâneo), canela (Cinnamomun
zeylanicum, da família das Laureáceas, originária do Sri Lanka, antigo Ceilão) e
cachaça.
Verifica-se que cada cozinheira ou cozinheiro, principalmente no
âmbito doméstico, seu toque pessoal ao prato. Dona Regina comenta
colocar mais temperos verdes (salsinha, cebolinha, manjerona) do que a
receita que aprendeu ainda moça, por adorar tais condimentos. Dona Isa
um depoimento ainda mais interessante:
Ponho um pouquinho de canela, canela vem do quibe, é um
pouco da influência da família do meu marido <descendente de
sírios-libaneses>. Eu aprendi com eles a temperar a carne com
canela e eu gosto bastante do gostinho dela na carne, então eu
acrescentei no Barreado. Porque eu não posso colocar
pimenta porque o meu marido não gosta, então a canela dá um
toque especial (AZIM, 2008).
Mesmo diante destas variações alguns ingredientes são bastante
polêmicos, mas aparecem em várias receitas, inclusive em algumas
divulgações oficiais. São eles: água, vinagre e tomate. Algumas receitas pedem
a inclusão de água quente ou fervendo quando a iguaria estiver em um
estágio avançado de cozimento, caso se verifique que falta água ao sacudir a
panela. Água tem que colocar um pouco, para um bom casamento do caldo
com a farinha de mandioca (O ESTADO DO PARANÁ, 1990). Coloco um
pouco de água só, porque a carne sozinha cria muita água (CAMARGO,
2008). Água eu coloco só um pouco, só até cobrir a carne (SILVEIRA, 2008).
Anny Snoeyer (2008) alerta: vi fazer com meia panela de carne e
joga o restante de água e não é assim. É mais um pouquinho de água só,
enquanto Welzel (2008) adota em sua receita um pouco mais de água, e
ensina: se você tiver um panelão de cinco litros, você coloca carne e temperos
até a metade e daí o resto você tem que pôr água, cobrir assim totalmente,
praticamente fechar a panela de água.
Relembrando como aprendeu a fazer o Barreado, Joaquim dos Santos
Filho analisa:
114
A água tem que acrescentar. Eu não lembro da minha mãe ter
dito que não podia acrescentar água, que não colocava água.
Pode ser que durante um tempo não se acrescentasse água,
porque havia um Barreado que se fazia no fundo da terra,
chamava-se o Barreado do Buraco” [...] E na verdade a carne
nada mais é do que um líquido, então ficava aquele Barreado
bem Barreado mesmo, ficava bem mole, mas não aguado,
como hoje é feito. Hoje se acrescenta água e ele fica um
Barreado aguado. Antigamente acredito eu ficava um Barreado
mais grosso, com um caldo mais consistente, feito com a
própria água da carne (SANTOS FILHO, 2008).
Por outro lado, algumas fontes tratam a adição de água quase como
uma heresia. Abreu (2008) afirma que tem a água da carne, a água da cebola,
das gorduras que estão ali dentro é como ela é cozida, então a panela não leva
água, não leva molho, não leva nada. Uma reportagem do O Estado do Paraná
publicada em 1989 diz: algumas pessoas que chegam até a colocar água
num desvirtuamento total das origens do Barreado, uma vez que a água é
totalmente dispensável, que o desprendimento do próprio líquido da carne e
o aproveitamento total do vapor da panela barreada são suficientes. A
estudiosa Marly Correia (2002, p.16) adverte que nenhuma gota d´água deve
ser colocada no utensílio, afirmando que a carne, fervida e refervida em seu
próprio suco, em panela hermeticamente fechada, quase que se desmancha
completamente.
A questão da água suscita discórdia, mas a polêmica sobre a utilização
do tomate, do vinagre ou qualquer outro elemento ácido, é ainda maior, sob a
alegação de que tais ingredientes modificam o sabor da carne e estragam o
Barreado. O caboclo do litoral (pelo menos o de Paranaguá) jamais usou
tomate, cebola de cabeça, alho e vinagre em sua comida (GOVERNO DO
ESTADO DO PARANÁ, 1986). Para Dona Laura:
Eu vi cada aberração! Pimentão eu já ouvi falar! O Barreado
não é isso, ele é simples, não tinha nada dessas coisas. O
cheiro-verde até vai, não ofende. Mas pimentão, tomate, purê
de tomate, vinagre...não, de jeito nenhum! De jeito nenhum
mesmo! Eu estava assistindo a um documentário sobre o
Barreado e daí me disseram que punham tomate, eu fiquei
furiosa! Eu não acredito numa coisa dessas! Uma senhora do
Porto de Cima, de uma pousada do Porto de Cima, pôs o
tomate e eu fiquei “não, não acredito!”. Puxa, não acredito!
115
Fiquei brava, fiquei brava mesmo. Porque não tinha isso, era
tudo bem simples, o mais simples possível (CAMARGO, 2008).
Norma de Freitas (2008), da Casa do Barreado de Paranaguá, também
é enfática: Não uso nem cheiro verde, nem tomate! Toda receita que você
olhar, que te derem e que tiver tomate você jogue no lixo, porque é um
desserviço à cultura que está sendo prestado! A empresária aborda as
inclusões que descaracterizam o Barreado e cita como exemplo um diálogo
que travou com um cliente:
Teve um senhor que chegou aqui e disse: “Olha, o seu
Barreado es bom, mas o meu fica muito melhor, porque eu
coloco pimentão, coloco tomate, coloco batata...” E eu disse a
ele: “o seu cozido de carne deve ficar muito bom, mas não é o
Barreado!”(FREITAS, 2008).
Como se verifica a partir desse depoimento, as discussões sobre o
tomate são ainda mais inflamadas, pois o uso do tomate é polêmico, tanto do
ponto de vista histórico quanto degustativo (O ESTADO DO PARANÁ, 1990). O
tomate (Lycopersicon esculentum L., da família das Solanáceas) é proveniente
da Cordilheira dos Andes, onde são encontradas várias espécies selvagens.
Observa-se que, segundo a equipe de pesquisa do engenheiro agrônomo
Waldemar Pires de Camargo Filho, a produção do tomate é determinada pelas
exigências climáticas da cultura, ou seja, o tomate é suscetível à geada e não
produz bem sob o calor intenso, características das solanáceas e plantas de
clima subtropical (CAMARGO FILHO et al., 1994, p.44).
O tomate, portanto, apesar de ser produzido na região, não é, por
natureza, um produto compatível com as características climáticas do litoral
paranaense. Deve-se considerar ainda que há indícios de que a cultura do
tomate tenha se desenvolvido no litoral com a chegada dos imigrantes
japoneses na região, ocorrida apenas no século XX, o que leva à conclusão de
que sua inclusão na receita constitui muito mais uma “modernidade” do que
uma forma de respeito às tradições.
Welzel (2008) não vê problemas na utilização do tomate, embora
admita com acanhamento seu uso, afirmando:
116
Nos primeiros Barreados que eu fazia eu nunca usei tomate.
Daí experimentei um com tomate. Mas o tomate se desmancha
de um jeito que você nem sabe que existe o tomate! Inclusive
nas receitas da internet você que tem uns que tem tomate,
outros que não tem tomate. Eu uso um pouco de tomate. Na
verdade eu comecei a usar o tomate faz pouco tempo
(WELZEL, 2008).
Dona Laurice De Bona, professora, historiadora e também cozinheira
de Morretes também usa o tomate e justifica a sua opção:
As pessoas falam muito do tomate porque tem que tomar muito
cuidado, não pode pôr a semente, você não pode pôr a pele
porque ela não desmancha. E tomate ele precisa ser de muito
boa qualidade, tem aqueles conservantes, tem aquela coisa de
veneno [...] Mas eu uso tomate, é para melhorar a coloração
um pouquinho. E eu coloco bem pouquinho, para seis quilos de
carne eu ponho uma latinha de trezentos e cinqüenta gramas
de massa de tomate. Mas não é para o sabor, é para cor, sem
o tomate fica feio o Barreado. Por isso que eu coloco (DE
BONA, 2008).
Para Nair Welzel, a opção pelo tomate também se para melhorar a
coloração do caldo, indispensável para o pirão:
O que o tomate faz, na minha opinião, é que ele dá um colorido
mais bonito naquele prato. No sabor ele não altera, eu não
acredito que ele altere assim o sabor. Tem gente que fala “ah,
mas o tomate é ácido!”, mas não vai aparecer nada. Eu não
coloco muito não e ele não tem característica nenhuma, não
fica nada! A característica do prato mesmo é o cominho que vai
ali, é o bacon defumado, é o alho esmagadinho (WELZEL,
2008).
O tomate aparece picado e como massa de purê, adicionado aos
ingredientes no início do cozimento. Mas também pode ser incluído no
momento de abertura da panela, para corrigir o sabor e a cor: algumas pessoas
usam abrir a panela uns quarenta minutos antes de servir, e ali juntar cerca de
duzentas gramas de tomate, voltando ao fogo, então com a panela apenas
coberta (GAZETA DO POVO, 1983). Maristela Stopinski, que não usa tomate,
argumenta que às vezes ele é colocado por aqueles que fazem um Barreado
mais rápido e o usam para dar cor ao prato:
117
O tomate deixa mais vermelhinho, para usar rápido, no caso de
quem faz durante o dia para usar de noite, ou à noite para usar
outro dia, então até dá, a carne fica vermelha. Mas aqui para a
gente é esse processo de cozimento demorado que dá a cor. E
usar tomate, como eu falei, tem o risco de perder, porque o
tomate fermenta muito rápido (STOPINSKI, 2008).
O chef e empresário Luiz Antonio Romanus (2008), proprietário do
Armazém Romanus, em Morretes, é contra o uso do tomate e também aposta
no cozimento prolongado para garantir a coloração do prato: é muito usado o
tomate, mas eu acho que o Barreado deve ser feito naturalmente, deve formar
o caldo natural pelo cozimento prolongado da carne. A empresária e cozinheira
Anny Snoeyer também defende a coloração natural do Barreado, adquirida
após várias horas ao fogo:
Você abre aquela panela e aquela cor, porque a gente não
coloca massa de tomate. Barreado não vai tomate nem massa
de tomate! Ele tem que pegar a cor no cozimento no fogão à
lenha. Na panela de pressão daí fica um Barreado
esbranquiçado. Ele cozinha bem, os temperos, tudo, ele até
pode ficar bom, mas para pegar eles colocam colorau, tomate,
massa de tomate, e não vai nada disso! Ele tem que pegar a
cor aos poucos, fervendo. Primeiro até pegar fervura a gente
põe pau de lenha, põe para pegar fervura! A mesma coisa se
você vai apurar uma geléia. A mesma coisa é a carne no
Barreado, você vai apurando de leve, de leve, com
determinadas horas. E nesse de mansinho ele pega uma cor
bonita, uma cor maravilhosa (SNOEYER, 2008).
Dona Ieda Siedschlag (2008) não utiliza e enfatiza que nunca usou o
tomate em seu Barreado, dizendo que azeda o prato, principalmente quando se
faz em grande quantidade e se tem que congelar, para servir em um evento,
por exemplo. A coloração do prato e a consistência do caldo ficam por conta da
banha de porco, do toucinho e da lenta e longa cocção de todos os temperos
juntos com a carne
Norma de Freitas também defende que a coloração do Barreado deve
ser conseguida naturalmente, sem acréscimo de tomate, colorau ou outro
ingrediente. Sobre a questão, ela afirma:
O colorau não interfere tanto no sabor quanto o tomate, mas eu
também não uso o colorau. A cor do Barreado vem do tempo
de cozimento. Se você faz na panela de alumínio, ele vai ficar
118
descorado, vai ficar assim esbranquiçado, então você acaba
tendo que jogar colorau para dar cor. Mas o meu Barreado
pega a cor pelo tempo de cozimento, que é bem lento, em
panela de barro (FREITAS, 2008).
Santos Filho analisa a questão, ponderando sua prática de cozinheiro
com as histórias envolvendo o Barreado que escutava na infância:
Eu acho isso incoerente. Eu falo isso como cozinheiro. Tomate,
para começar, é um produto que contém muita acidez. Quando
meus avós me falavam do Barreado e que eles convidavam as
famílias para comer esse prato, meus avós iam viajar
geralmente em carroça para subir a serra. Então se houvesse
tomate ele jamais chegaria na metade da serra, porque iria
azedar[...] Eu vejo que pessoas colocaram mais por conta do
aspecto, da cor do Barreado, sabe? Porque o turista ao olhar o
Barreado às vezes ele tem uma certa rejeição por conta da cor.
E a palavra Barreado traz para ele um preconceito, algo pré-
formado na mente dele. Então quando ele olha o vermelho, ele
começa a gostar (SANTOS FILHO, 2008).
O empresário inclusive narra um episódio em que participou e que teve
como foco o preparo do Barreado:
Um dia eu fui expulso de um curso porque eu discuti com o
professor porque ele falou que tinha que colocar tomate, e eu
falei “professor, não vai tomate no Barreado”. Era lá no SENAC
de Curitiba. [...] Quando chegou o dia de fazer o Barreado,
pensei, vou fazer de conta que eu nem sei como é que faz.
Mas quando eu vi o professor pegar a carne e socar, socar!
Isso não existe! Ele pegava aquele soquete de arroz, de pilão e
<faz o barulho da carne sendo socada>. Ah, isso não existe! E
daí eu vi ele acrescentando aquela montoeira de tomate e eu
disse: esse pode ser o Barreado que vocês criaram, mas não é
o prato pico original do litoral, aonde foi criado dentro dos
sítios, nas festas, nos Fandangos, nos bailes de Fandango
(SANTOS FILHO, 2008).
Sobre o uso do tomate, ABREU (2008) declara que não o usa e que
tradicionalmente o Barreado não leva tomate ou nenhum outro condimento
para melhorar a cor. Já ouvi inclusive na Ana Maria Braga (programa da TV
Globo) uma receita que vai massa de tomate, mas não vai! Neste sentido,
Abreu faz coro com Snoeyer e tantos outros que não usam “melhoradores” de
cor: a coloração do Barreado é produto do longo tempo de cozimento e nada
mais.
119
Dona Maria da Glória lamenta a popularização do uso do tomate no
Barreado servido por vários restaurantes, e comenta:
é absurdo! não é Barreado! acabou, acabaram com o
Barreado. Eu não sei, tem gente que põe cheiro-verde, tem
gente que põe hortelã, tem gente que põe tanta coisa. Isso é
um absurdo. Uma vez veio uma senhora aqui e disse “isso não
é Barreado!”. E eu perguntei se ela tinha comido e ela disse
que já. Daí eu perguntei onde e ela disse que era num
restaurante ali. Daí eu disse, a senhora não comeu aqui, então
a senhora não conhece o Barreado [...] Aqui é o único que
ainda é puro e ainda é à moda antiga, como era o Barreado
mesmo. A gente continua fazendo do mesmo jeito, com o
mesmo processo, em fogão de lenha (SILVEIRA, 2008).
O proprietário do Restaurante My House pondera: não usamos tomate.
Está fora de tradição antiga, não é? Embora não façamos crítica a quem usa,
pois o Barreado mudou, ele muda, mas tomate não usamos (MALUCELLI,
2008). Entretanto, os depoimentos enfáticos contra a utilização do tomate
predominam. Dona Laura, por exemplo, alerta: Tem gente que coloca
tomate, erradíssimo! Creme de tomate, pude tomate, não pode! Porque
senão não é o Barreado! Segundo Snoeyer (2008), o tomate azeda, ele
fermenta rapidinho e destoa o gosto. E ele é muito ácido também. E a massa
de tomate dá no mesmo. Esta questão de que o tomate é muito ácido e
fermenta muito rápido aparece em vários depoimentos, inclusive sob a
alegação de comprometer a conservação do prato. Sobre este argumento de
que o tomate compromete a qualidade e aumenta a perecibilidade do prato por
conta da acidez, a empresária Tania Bridaroli Madalozo Laffitte, filha do
fundador do Restaurante Madalozo, de Morretes, e atual gerente do
estabelecimento, defende:
Existe essa história, eu ouvi falar que o tomate azeda. Olha,
aqui nunca aconteceu, mas eu imagino que deva acontecer se
você não mantiver, como qualquer outra comida, aliás, bem
acondicionado, não refrigerado daí eu acho que pode ser que
ocorra a fermentação, mas nós nunca tivemos problema, pelo
menos, com o fato de colocar o tomate (LAFFITTE, 2008).
120
Refletindo sobre a qualidade do prato e o uso do tomate, Joaquim
Carlos Alcobas argumenta com veemência:
Não! Não, não! Tomate só funciona na salada do lado do
Barreado. Mais nada. Não, não! Porque no Barreado não vai
tomate. Tem gente que põe tomate, tem gente que põe
vinagre. Vinagre também não. Às vezes você põe um pouco de
vinagre na própria carne, como um tempero, né? Mas não
necessidade absurda não. Mas agora tomate....não tem! Eu
quando eu vejo um Barreado com tomate ou uma receita com
tomate eu fico até rindo, sabe? Eu penso “Meu Deus, como é
que vai ficar? É uma carne ensopada, ensopada”. Porque o
tomate é para você ensopar, concorda comigo? O Barreado
não é uma carne ensopada, é uma carne desfiada, certo?
(ALCOBAS, 2008).
O comentário do empresário é interessante, pois também aborda a
questão do vinagre. Embora alguns acreditem que um pouquinho de vinagre
também ajuda o sabor (O ESTADO DO PARANÁ, 1990) a presença do
tempero se dá geralmente na etapa anterior à montagem da panela, sendo
usado para temperar a carne em uma versão da vinha d´alhos, como será visto
a seguir.
3.3 DAS FORMAS DE PREPARO
Cooking is the human activity par excellence; it is the act of transforming
a product “from nature” into something profoundly different
59
(MONTANARI,
2004, p.29). A preparação de um alimento consiste em uma transformação que
altera não apenas sabores, texturas e o grau de maciez dos ingredientes, mas
também os transforma sob o ponto de vista do significado que lhes é atribuído.
Escrevendo sobre o preparo de alimentos, Maria Eunice Maciel defende que o
ato alimentar consiste em um ato culinário de transformação, pois a maneira de
preparar a comida implica [...] um determinado estilo de vida, produzindo uma
59
“Cozinhar é uma atividade humana por excelência, é o ato de transformar um produto “da
natureza” em algo profundamente diferente” [tradução livre].
121
mudança que não é só um estado, mas também de sentido (MACIEL, 2004,
p.26).
À vista disso, o estudo das formas de preparo do Barreado adquire
significado especial, não apenas por compreender uma série de técnicas que
terminam por transformar a carne tal como é servida, mas principalmente por
evidenciar as influências históricas e a engenhosidade humana na criação e
adaptação de técnicas que possibilitassem o cozimento mais adequado. Assim
sendo, apesar de tratar-se de uma receita que não exige procedimentos muito
elaborados, seu preparo caracteriza-se como um verdadeiro ritual devido ao
tempo que deve ser destinado ao cozimento e aos cuidados que precisam ser
respeitados antes e durante o processo.
Como o Barreado dificilmente é preparado em pequenas quantidades e
seu tempo de cozimento - como comentado - é bastante longo, muitos alertam
sobre a necessidade de começar a preparação no dia anterior ao serviço,
variando apenas a indicação sobre se a carne deve ser temperada na véspera
ou não. Algumas receitas indicam o corte e a limpeza da carne no dia anterior.
As carnes e o toucinho devem então ser cortados em pedaços pequenos,
adicionando-se a eles todos os temperos cortados e picados, que devem ser
colocados em uma vasilha que não seja de alumínio e deixados em repouso
até o dia seguinte (PINTO, 1983; CORREIA, 2002; PREFEITURA DE
PARANAGUÁ, 2003; dentre outros).
É neste pré-preparo que muitas vezes entra em cena a vinha d´alhos, a
qual é submetida apenas a carne, e não o toucinho:
A carne limpa é cortada em cubos de mais ou menos 10 cm e
deixada numa vinha d´alhos. Essa vinha alhos é feita com
vinagre, alho, cebola, um tanto de água. Nós deixamos aqui no
restaurante de um dia pro outro daí começamos a processar o
Barreado na panela, para ela tomar gosto desse tempero
(ABREU, 2008).
Sobre a disposição dos ingredientes na panela, uma vez procedida a
limpeza e o corte das carnes em pedaços pequenos e regulares, e do toucinho
em fatias finas, os ingredientes devem ser juntados diretamente na panela.
Outras receitas recomendam que o toucinho seja primeiramente frito para
depois receber os outros ingredientes. Outras indicam que tanto a carne, o
122
toucinho e os temperos sejam refogados juntos. Tem gente que prefere colocar
em camadas, o professor Manoelito (Viana) fala disso, mas eu acho que não
há necessidade, eu misturo todos os ingredientes, eu acho que colocando junto
até agrega mais o sabor (FREITAS, 2008).
Como menciona Freitas (2008), ainda a tradicional sugestão de que
os ingredientes sejam organizados na seguinte ordem: primeiramente, forra-se
a panela nos fundos e nos lados com as fatias de toucinho. Dona Ieda
Siedschlag (2008), que coloca inicialmente banha de porco na panela e nesta
banha frita o próprio toucinho, revela que essa história de forrar a panela com
bacon isso o precisa, eu nunca fiz isso e justifica sua opção pela preferência
pelo uso de panelas de barro “glazuradas”, cujo interior tem uma aparência
vitrificada que impede que os alimentos grudem.
Entretanto, para os que seguem a recomendação, a panela é forrada
com toucinho ou bacon e, em seguida, coloca-se uma camada de carne e
sobre ela, uma camada com os temperos (de preferência, bem picados), além
da sobra do toucinho, e assim sucessivamente, até alcançar ¾ da panela
(COMISSÃO PARANAENSE DE TURISMO, 1971; RODERJAN, 1981;
GAZETA DO POVO, 1983; PINTO, 2005, dentre outros). A gente tira aquela
manta do bacon, coloca no fundo da panela e vai colocando uma camada de
carne, cominho, louro e o bacon picado ali. Daí coloca mais uma camada de
carne, cominho, louro e bacon picado, até chegar em cima (ABREU, 2008).
Esse procedimento de forrar a panela tem como objetivo permitir que a
gordura do toucinho derreta uniformemente, protegendo assim a carne da
queima. A alternância em camadas, por sua vez, permite que os temperos se
misturem à carne de uma forma mais adequada, tendo em vista que, uma vez
lacrada, a panela será aberta somente quando a carne estiver pronta ou em
estágio avançado de cozimento. Por esse motivo, é grande a preocupação em
evitar que os ingredientes queimem, pois, caso contrário, o prato ficaria amargo
e horas de preparo seriam irremediavelmente perdidas.
Se você não colocar essa manta, se você pegar a carne e
colocar direto na panela ela agüenta pouco. Daí ela vai
começar a queimar, vai começar a fazer uma crosta embaixo
naquela carne e aquele sabor amargo vai começar a subir pro
Barreado e vai estragar, vai amargar o Barreado (ABREU,
2008).
123
Dona Maria da Glória, que em seu restaurante em Morretes prepara
Barreado sem toucinho mediante encomenda, fala da técnica que adota para
subtrair a gordura e manter a qualidade da iguaria:
Quando não uso o toucinho tem que cuidar muito para não
grudar na panela, porque se grudar já viu! Tem que cozinhar do
lado, em fogo bem lento, quando abre a panela tem que mexer
que nem mexe doce, porque se pegar no fundo da panela
perdeu a panela, um gosto de pêlo queimado. Fica horrível!
Muitas panelas de Barreado eu perdi, porque às vezes eu faço
e deixo na mão da empregada e ela não cuida, daí já viu. O
macete do Barreado é esse, cuidar dele! (SILVEIRA, 2008).
Queimou a carninha, queimou o toucinho, mesmo que um pouco, a
panela foi. Porque quando você abre panela e aquela cor assim meio
avermelhada, parece até que é bonito, mas pode ficar triste que queimou o
Barreado (AZIM, 2008). Além da coloração, o cheiro acre também é indicativo
de que a panela foi perdida. Dentre os cuidados para que isso não aconteça
estão: a camada de toucinho, a própria adição de água e a escolha correta da
panela de barro, pois se ela tiver um fundo muito estreito o cozimento não se
de forma adequada: tem que escolher bem a panela, nas com um fundo
estreito você pode colocar uns ossos embaixo para segurar o calor, mas
mesmo assim tem que cuidar, porque queima mesmo (AZIM, 2008).
Tradicionalmente, o Barreado é preparado em uma panela de barro,
recipiente apontado como o melhor para preservar o gosto dos alimentos. O
barro é matéria-prima bastante conhecida no litoral paranaense, sendo utilizado
desde os tempos de domínio indígena: os índios carijós [...] usavam as
panelas de barro como utensílios de cozinha. Até as urnas funerárias eram
feitas de barro. Esses usos e costumes passaram aos mamelucos e vieram até
os nossos caboclos praieiros, que ainda deles fazem uso (GOVERNO DO
PARANÁ, 1986). Na atualidade, sua extração está sujeita ao controle do
IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis).
Dos entrevistados que declararam utilizar panelas de barro, muitos
compraram seus utensílios na região, em Antonina, Morretes e Paranaguá,
embora alguns depoentes tenham apontado sua preferência pelas panelas de
124
barro do Espírito Santo, em especial a de Goiabeiras. Snoeyer, moradora de
Antonina, declara:
Tem uma loja em Morretes e eu compro as minhas panelas lá.
Na estrada Paranaguá-Curitiba [...] Eles sempre têm uns potes
ao lado da estrada e embaixo eles tem uma barraca onde
também eles fazem e você pode comprar ou encomendar lá.
Mas eu gosto mais das panelas capixabas, que duram mais e
reagem melhor ao calor (SNOEYER, 2008).
Dona Maria da Glória, de Morretes, tem em sua casa e em seu
restaurante panelas capixabas, e justifica:
O barro daqui não é muito bom, as panelas daqui trincam
muito, e o barro de parece que tem uma areia, parece que
tem ferro, não sei o que é, mas parece que tem cimento no
barro deles. Então a panela deles é bem melhor. Fui para e
trouxe o carro lotado de panela! (SILVEIRA, 2008).
Norma de Freitas, que prepara o Barreado em panelas de barro em
seu restaurante em Paranaguá, fala da origem das panelas que usa:
Geralmente a gente comprava aqui no Mercado Municipal. Mas
a senhora que fazia a nossa panela aqui no litoral se chamava
Dona Sinhoria, inclusive a Universidade tem trabalhos dela,
tem um registro bem grande do que ela fazia. Então essa
senhora faleceu e não houve continuidade. Ela era da Ilha de
Amparo, uma dessas nossas ilhas. Então hoje em dia a gente
compra em Santa Catarina, mas em Morretes também tem
(FREITAS, 2008).
Vale fazer o alerta de que as panelas que ainda não foram utilizadas
devem ser “curadas” com antecedência. Existem algumas formas
recomendadas, sendo a mais simples, a que manda untar com óleo por dentro
e levar a aquecer por um tempo, retirar do fogo e deixar esfriar, para lavar com
sabão e enxaguar bem. Deve-se deixar secar e só então colocar a panela em
uso.
Ressaltando que existem várias formas de preparar as panelas de
barro para o uso, Dona Laura compartilha como prepara as suas: Eu ponho a
farinha ali, ponho no fogo e deixo a farinha queimando, até ela virar brasa.
Quando ela vira brasa eu jogo fora, daí eu lavo a panela, e a panela está
125
pronta para ser usada. Anny Snoeyer também ensina a sua técnica, alertando
que se a carne for colocada diretamente na panela sem que esta seja
preparada, ela ficará com gosto de barro: eu passo óleo de cozinha por dentro
e por fora várias vezes, ela chupa a gordura. Daí eu ponho num canto do fogão
à lenha com água, azeite e eu ponho umas folhinhas de louro e um pouco de
cominho para a panela já ficar com gosto já de Barreado, de tempero de
Barreado (SNOEYER, 2008).
A parnanguara Norma uma instrução simples: eu passo óleo ou
gordura e daí fervo um pouco com temperos. Daí é jogar a água e depois
usar (FREITAS, 2008). A capelista Dona Regina explica como prepara suas
panelas, usando farinha e azeite:
Você põe no fogo a panela com um pouquinho de farinha de
mandioca e vai torrando aquela farinha no azeite, vai mexendo
e apaga o fogo quando estiver cor de caramelo. Daí você pega
a panela bem quente, tira tudo mas não lava. Limpa com esse
papel que a gente usa na cozinha para enxugar a mão, papel
absorvente. Antes usava pacote de pão. Então limpa bem, tira
toda aquela farinha (PEIXOTO, 2008).
A adoção das panelas de barro parece estar associada à abundância
do uso destes utensílios no litoral e também aos problemas causados pelas
antigas panelas de cobre, como relata publicação da PARANATUR, então
Empresa Paranaense de Turismo:
Primeiramente, segundo contam as pessoas antigas, o
Barreado era preparado em grandes tachos de cobre para que
pudesse suprir várias famílias ao mesmo tempo. Esse método
resultou o envenenamento em massa pois os tachos de cobre
produziam o azinhavre acumulado nas paredes dos tachos,
que com o cozimento se misturava ao alimento formando um
tóxico mortal. Devido a esse fato passou-se a usar panelas de
barro (PARANATUR, 1985).
Este aspecto da toxidez merece atenção, tendo em vista uma crendice
antiga de que a doença tratava-se de um castigo para os que abandonavam
seus afazeres em prol do Fandango e do Barreado durante o Carnaval, ou
ainda por conta de tratar-se de um prato inadequado para aqueles que eram
acostumados no dia-a-dia com pratos leves à base de peixe. Correia (2002)
descreve episódios nos quais muitos foliões adoeciam por conta da
126
composição pesada” do Barreado, o que durante muito tempo aumentou a
mítica relacionada à iguaria:
A inveja (da aristocracia) acabava na manhã de quarta-feira
de cinzas quando chegavam canoas carregadas de mortos e
doentes provenientes de Valadares e de outras ilhas. Era uma
correria até a escada do ancoradouro do Mercado Municipal.
Ninguém podia acreditar que eles tivessem morrido ou
adoecido de tanto comer Barreado. Dali seguiam para as vilas
de origem para serem sepultados ou tratados por suas famílias.
Era assim todos os anos. Os pescadores não estavam
acostumados com aquela comida tão gordurosa e
condimentada. Dava na fraqueza, diziam os moradores da
cidade, pois eles se alimentavam de alimentos leves nos
outros dias do ano. Isso era fatal (CORREIA, 2002, p.14).
A memória para as desgraças era muito curta. O importante mesmo
era manter a tradicionalidade da culinária, pois o Barreado, responsável pelo
envolvimento de toda a comunidade, tornava aqueles três dias o importantes
para todos (CORREIA, 2002, p.14). A autora relata que as autoridades,
preocupadas com as causas da mortalidade iniciaram algumas investigações.
As conclusões indicavam os recipientes de preparo como causa provável,
reiterando a versão apresentada em um documento da PARANATUR:
Primeiramente, segundo contam as pessoas mais idosas, o
Barreado era preparado em grandes tachos de cobre para que
pudesse suprir várias famílias ao mesmo tempo. Peças
descomunais, fora dos parâmetros normais, próprias para o
preparo de enormes quantidades de comida, pois como
sabemos, o Barreado era comunitário. Era mais prático e fácil
fazê-lo em tachos do que em várias panelas. Ficava mais fácil
para vigiar. Mas, eram exatamente os tachos de cobre, os
vilões responsáveis pela mortandade (PARANATUR, 1991).
Em seu depoimento, Dona Isa relata que ouvia na infância histórias
relacionadas aos perigos do Barreado que corriam em Antonina e região, e
comenta que sua avó paterna não preparava a iguaria por medo que lhe
fizesse mal:
Eu ouvia nas conversas que eu tinha com o meu pai e com o
meu avô. Teve um tempo
quando o meu pai era bem jovem
em que o Barreado era considerado perigoso, porque as
pessoas podiam morrer. Porque se você comesse o Barreado
e passasse no rio dava uma coisa que inchava a barriga e que
matava as pessoas. Mas como dizia o meu pai, ele achava que
127
não era nada disso, mas sim era o lugar onde eles guardavam.
Eles faziam o Barreado e costumavam pôr nos tachos de
cobre, que era uma vasilha grande. Então colocavam no tacho
e aquele ácido do cobre, aquele verde que se forma no cobre é
um veneno. Então naturalmente era aquilo que fazia com que
as pessoas morressem, e não comer Barreado e passar com o
pé no rio (AZIM, 2008).
As autoridades locais tiveram que intervir, condenando o uso do cobre,
pois concluíram que era o azinhavre, depositado nas paredes dos tachos, que
se misturava ao alimento durante o cozimento, criando uma substância tóxica
mortal. Para Correia, a introdução das panelas de barro se a partir daí,
diante da necessidade de criar um vasilhame mais adequado para tal
cozimento:
Os artesãos se reuniram, trocaram idéias e experiências e
chegaram finalmente a um consenso. Passariam a utilizar
panelas de barro feitas artesanalmente por eles. Eram, e são
até hoje, com leves variações, redondas, levemente achatadas,
com duas alças e uma tampa também de barro, geralmente de
cinco litros. Depois que adotaram esse tipo de material,
acabaram-se os problemas de saúde. O barro quanto mais
cozido, melhor fica, não interfere no sabor dos alimentos e é
próprio para requentá-los quantas vezes sejam necessárias.
Estava definitivamente resolvido um problema tão sério e que
quase interrompe uma tradição tão antiga (CORREIA, 2002,
p.15).
Todavia, deve-se observar que o preparo em tachos de cobre
praticamente o é comentado pelos depoentes. Tais tachos são apontados
basicamente como recipientes usados para armazenar a iguaria. Ou seja: o
recipiente original era mesmo a panela de barro, embora no livro Museu Vivo
do Fandango vários fandangueiros se refiram à comida (não o Barreado)
preparada em grandes latas de banha (PIMENTEL, GRAMANI e CORRÊA,
2006), que por sua vez também não eram feitas com cobre. Observa-se ainda
que a utilização contemporânea da panela de barro vem passando por
restrições, tanto no âmbito doméstico quanto comercial, como será discutido
posteriormente no item 3.5. Sabe-se porém que, preparado em panela de barro
ou em panela de alumínio, o segredo do prato repousa no tempo e na
qualidade do cozimento, sempre em fogo baixo, como será discutido
posteriormente.
128
Ingredientes refogados ou dispostos em camadas, a panela é levada
ao fogo e, na seqüência, lacrada. É exatamente este processo de vedação da
panela que confere à iguaria o nome de Barreado, embora exista a versão de
que o prato possui essa denominação porque é preparado em panela de barro
(RODERJAN, 1981) ou ainda que a panela é vedada com barro (CARNEIRO,
1983; PINTO, 1983; FOLHA DE SÃO PAULO, 1999). No início eles vedavam
com barro mesmo, mas por razões higiênicas passaram a usar farinha
misturada com água (CARMEZIM, 2008).
Falar das suas origens (da técnica) é muito difícil. Comidas
cozidas em panelas hermeticamente fechadas foram usadas
pelos romanos antigos. Em Portugal, barreava-se a panela de
certas iguarias. Chama-se o alimento cozido em panelas de
estufado. Barrear seria delimitar, demarcar com a barra,
interceptar, neste caso interromper a saída do vapor de dentro
da panela (RODERJAN, 1981, p.56).
Salienta-se, contudo, que a versão corrente (e também a atual) é de
que a panela é barreada” com uma mistura geralmente feita à base de água
(fria ou fervente, dependendo da receita) e farinha de mandioca, embora
variações com a inclusão de farinha de trigo e ainda cinzas de fogão à lenha
também sejam bastante populares. Dona Regina Peixoto (2008) se mantém fiel
à inclusão de cinzas na massa de barrear, mesmo não tendo mais fogão à
lenha em casa mas sempre tem uma churrasqueira por perto, então sempre
tem cinza! Dona Ieda Siedschlag é outra entrevistada que, mesmo privada de
fogão à lenha, não dispensa a cinza em sua massa:
Eu uso cinza e consigo cinza aqui mesmo <Matinhos>. Aqui
tem muita gente que tem fogão à lenha e eu consigo aqui. A
cinza é importante, porque com a farinha de mandioca ela
fica branca, e com a cinza ela fica com aquela tonalidade de
cimento, além de ficar mais forte (SIEDSCHLAG, 2008).
Enquanto algumas publicações como PARANATUR (1984),
PARANATUR (1985), Koch (2004) e Fernandes (2007) sustentam que tal
vedação se trata de uma influência portuguesa, de forma mais específica,
açoriana, outras fontes como Secretaria da Indústria, Comércio e Turismo
(1974), Paraná em Páginas (1982), Governo do Estado do Paraná (1983) e
129
PARANATUR (1991) argumentam que se trata de uma invenção cabocla para
conseguir preparar o cozido português de forma mais rápida e adequada, tendo
em vista que utilizavam carnes mais baratas e resistentes e o cozido secava
depressa, já que o vapor fugia da tampa da panela.
Resolveram fechar a tampa com uma massa feita de farinha de
mandioca e água fervente, o que resulta em um mingau. Com
ele foram barreando a tampa até vedar completamente,
resultando num aproveitamento total do vapor. Essa fantástica
descoberta originou o termo “Barreado”, contrariamente ao que
a maioria das pessoas imagina, que ele vem do barro usado
para a confecção das panelas. Muitos usam cinza de fogão
misturada à farinha de mandioca para vedar, método usado até
hoje (CORREIA, 2002, p.15).
Outra versão bastante popular dá conta da utilização de folhas de
bananeira
60
aquecidas para ficarem mais flexíveis que são amarradas na boca
da panela. Dona Maria da Glória Silveira (2008) esclarece: se veda com folha
de bananeira porque a folha de bananeira você pondo no fogo ela fica que nem
um papel, ela molda, você faz dela o que você quiser. Mas um cuidado básico
deve ser tomado: a folha de bananeira tem que estar inteira para essa
operação, sem estar rasgada ou rachada pela ação do vento. Como
observado, esse procedimento é feito antes da tampa ser fechada e tem como
objetivo contribuir para a não dissipação da umidade.
Assim, como indicam Koch (2004), Fernandes (2007) e vários
depoentes, tampa-se a panela com uma folha de bananeira previamente
sapecada na chapa para amolecer, amarra-se com um barbante grosso nas
bordas, coloca-se a tampa e barreia-se.
60
Roderjan (1981) relata que o processo de cozer os alimentos, enrolando-os em folhas e
colocando-os em covas previamente aquecidas, acendendo em cima uma fogueira, era comum
entre os índios que habitavam o litoral paranaense. Nota-se que tais folhas, por conta de suas
características físico-químicas protegem os alimentos e evitam que os mesmos queimem ou
fiquem muito secos.
130
FIGURA 1 PANELA DE BARRO VEDADA COM FOLHA DE BANANEIRA E MASSA
TRADICIONAL, HOTEL E RESTAURANTE NHUNDIAQUARA, MORRETES (PR)
FONTE: o autor (2008)
Tal iniciativa de vedação, que se assemelha a um dispositivo primitivo
equivalente ao de uma panela de pressão, tem como objetivo manter a
concentração de pressão e a umidade da carne em um ponto favorável ao seu
cozimento, devendo ser realizada com bastante precisão, pois como observa
Abreu (2008) não dá para deixar vazar aquele vapor para não deixar queimar a
carne dentro. Falando sobre a maneira com que veda as panelas, Snoeyer
(2008) revela que usa apenas farinha de mandioca: dou uma ferventadinha, ela
não fica bem cozida, para dar uma liga. Daí eu molho a mão e faço aquelas
cobrinhas assim. E vou encostando com os dedos e vou fechando e lacrando a
panela. Dona Regina também explica como procede:
Daí você pega uma folha de bananeira, corta redondinho do
tamanho da tampa da panela, tampa e faz um pirão, com
farinha de mandioca, água e cinza. Agora não faz no fogão à
lenha, mas sempre tem uma churrasqueira e você pega a
cinza. Daí você faz o pirão, mistura assim, faz uns rolinhos e
vai vedando a panela. E sempre deixa um pouco de pirão de
reserva. E daí você põe no fogo. Na hora que ele começa a
ferver você tem que ver se ele não essoltando o vapor. Daí
você pega aqueles buraquinhos que vão abrindo assim <faz o
barulho com a boca> que nem uma mangueira furada, você
pega e põe um pouco (de pirão) ali, fazendo um remendinho.
Mas tem que fazer uma camada bem boa, porque ele tem que
ficar que nem um cimento (PEIXOTO, 2008).
131
A folha de bananeira, apesar de ser usada por muitos, já foi substituída
por outros elementos. Dona Laura (2007) revela: tem gente que põe folha de
bananeira, tem gente que põe folha de parreira. Eu ponho couve à volta. Eu
coloco folha de couve, que é mais fácil de achar. Verifica-se que foram
identificadas outras cnicas de vedação das panelas, apresentadas no item
3.5.
Deve-se mencionar ainda que em algumas versões a panela é levada
ao fogo lacrada enquanto em outras variantes a panela é levada ao fogo
aberta, deixada em fogo alto até abrir o cozimento. Neste caso, quando o caldo
levanta fervura, a panela é lacrada e deixada cozinhando em fogo bem baixo.
Independente do momento em que a vedação da panela é realizada, observa-
se que a etapa do cozimento (e os cuidados que ela demanda) é essencial
para o preparo de um bom Barreado.
Ao se falar da etapa do cozimento vale a pena recuperar algumas
considerações do antropólogo Claude Lévi-Strauss (1997). Em sua proposta
sobre o triângulo culinário, o antropólogo propõe como vértices o cru (o
natural), o cozido (transformação cultural do cru) e o podre (transformação
natural do cru). Ao tratar das formas de cocção aplicadas aos alimentos, o
autor estabelece ainda uma diferenciação entre o assado e o cozido: o assado
é diretamente exposto ao fogo e com este estabelece uma imediata relação,
enquanto o cozido é duplamente mediado, tanto pelo líquido em que é imerso
quanto pelo recipiente em que é cozido. Continuando sua análise:
On two grounds, then, one can say that the roasted is on the
side of nature, the boiled on the side of culture: literally,
because boiling requires the use of a receptacle, a cultural
object; symbolically, in as much as culture is a mediation of the
relations between man and the world, and boiling demands a
mediation (by water) of the relation between food and fire wich
is absent in roasting (LÉVI-STRAUSS, 1997, p. 29)
61
.
61
Pode-se dizer que o assado está do lado da natureza, e o cozido está do lado da cultura
literalmente, porque cozinhar requer o uso de um recipiente, um objeto cultural;
simbolicamente, a cultura consiste em uma forma de mediação das relações do homem com o
mundo, e cozinhar demanda uma mediação (pela água) da relação entre a comida e o fogo
que é ausente no assado” [tradução livre]
132
Lévi-Strauss também estabelece uma associação de gênero entre o
cozido e o assado. Assim, o cozido estaria associado a uma endo-cuisine, e
por conseqüência, à mulher; enquanto o assado estaria associado a uma exo-
cuisine, e por conseqüência, ao homem. Refletindo sobre as contribuições de
Lévi-Strauss, Rolim escreve:
O cozido tem a conotação do estreitamento de relações e está
associado à vida na cidade, ao sexo feminino. Já o assado tem
a conotação de expansão dos vínculos familiares e sociais e
está estreitamente relacionado à vida na floresta e ao sexo
masculino. Essa atribuição do assado aos homens e do cozido
às mulheres é quase que geral para todas as sociedades
(ROLIM, 1997, p.10).
O cozido, portanto, representa uma intermediação cultural do alimento,
associado ao estreitamento de relações sociais e ao feminino. Nota-se que, no
que tange ao Barreado tal premissa se confirma, tendo em vista tratar-se de
um prato coletivo marcado pelo domínio feminino de seu saber-fazer e
principalmente por um longo processo físico-químico que transforma o alimento
em comida, dando-lhe novo significado.
No que se refere às formas com que tal cozimento se dá, observa-se
alguns depoimentos que evidenciam a questão dos avanços tecnológicos na
área da cozinha. o relato das histórias ouvidas dos “antigos”, em que o
Barreado era cozido em uma panela enterrada, criando uma espécie de fogão
primitivo. ainda a utilização mais recente, mas também considerada
tradicional, dos fogões à lenha, e de forma mais contemporânea a
popularização do fogão à gás, inclusive de fogões industriais, no preparo do
prato (vide item 3.5).
Mariza Lira (1977) traz em seu relato que o panelão de barro,
hermeticamente fechado, é enterrado e sobre ele se acende uma fogueira. Em
suas obras História da Alimentação no Brasil (2004) e Dicionário do Folclore
Brasileiro (2000), Luis da Câmara Cascudo também indica a preparação do
Barreado incluindo a panela que, depois de vedada, é enterrada e sobre ela é
aceso o lume. Segundo o autor, essa técnica, denominada “biaribi”, já era
dominada tanto por ameríndios quanto por africanos desde o século XVII. O
relato de Marcgrave, também incluído na obra Antologia da Alimentação, ilustra
133
a técnica praticada por ameríndios nordestinos
62
para preparar carne assada:
praticam um buraco, na terra, e no fundo põem folhas grandes de árvores;
sobrepõem a carne para ser assada; cobrem-na de folhas e, enfim, de terra.
Sobre esta ateiam uma fogueira, que vão alimentando até que a carne fique
assada (MARCGRAVE, 1977, p.241).
O empresário Luiz Antonio Romanus fala sobre o hábito de enterrar a
panela:
A tradição que ele era feito debaixo da terra devia-se ao fato de
que o caiçara, o caboclo não dispunha de fogão. Ele tinha as
taipas de barro, e essas taipas feitas de barro normalmente
tinham alguns locais para colocar o que chamamos de
chicolateira, onde eles ferviam a água para o chimarrão e onde
eles dispunham uma panela para cozinhar o feijão, mas não
tinham um local que coubesse um panelão como o de
Barreado, que era maior e se destinava pros três dias da festa
[...] eles tinham medo de que virasse, que quebrasse o
panelão, por isso eles faziam um buraco do lado da taipa,
punham o panelão dentro, depois o Barreado, cobriam com
folhas de bananeira e faziam o fogo na taipa e puxavam o
brasido para cima do panelão. Levava um dia em cozimento ali
sob o brasido (ROMANUS, 2008).
O hábito de preparar o Barreado em uma vala parece bem associado
aos festejos carnavalescos e aos bailes de Fandango realizados durante o
Carnaval e os mutirões. Dona Laura relembra: meus parentes mais antigos
faziam assim, a panela no buraco. Punham o fogo, a panela e tampavam. E
fica ali cozinhando a noite inteira, uma coisa assim. E quando terminava a
festa e vinham para casa estava pronta a comida, não tinha problema
(CAMARGO, 2008).
Recordando o que ouvia na infância, Joaquim, proprietário do Cantinho
de Antonina, fala:
Havia um Barreado que se fazia no fundo da terra, chamava-se
o Barreado do Buraco”. Feito aqui em Antonina nos sítios. Se
fazia um buraco na terra, se preparava um grande fogo nesse
buraco, para aquecer essa terra. Nisso pegava-se a panela de
barro, barreava essa panela, lacrava ela toda com farinha,
62
“[os índios] comem a carne cozida, assada ou tostada. Cozinham-na em panelas de barro,
redondas chamadas Camu (sabem fazê-las de boa argila) infundindo água. Comem-na cozida
com inquitaya, caldo de carimaciu misturando-a com mingau; ou às vezes misturam com ela o
viatâ para que se torne minpirô, que comem em vez de pão” (MARCGRAVE, 1977, p. 241).
134
cobria com folha de bananeira e barreava ela com essa goma
de farinha, misturada com cinza que tirava daquele fogo feito
no buraco. Retirava-se depois aquele braseiro, aquela cinza,
limpava, deixando o fogo quente ali e com aquela cinza se
preparava o pirão de mandioca que depois barreava a panela,
lacrava a tampa da panela. Após se executar esse processo
eles colocavam essa panela nesse buraco e cobriam com terra.
Em seguida eles faziam um grande fogo em cima desse
buraco. O fogo era colocado também em cima porque como
existia o calor em baixo e o fogo em cima ajudava a cozinhar a
carne (SANTOS FILHO, 2008).
Retomando o depoimento de Dona Maria da Glória Alpendre Silveira,
tem-se a associação do Barreado preparado na vala com os mutirões e
Fandango. Ela relembra sua infância:
Lá na roça eles faziam essa vala na terra e punham uma
panela bem grande em cima daquela vala e punham fogo. Por
isso que diziam Ah, o Barreado era enterrado”, “o Barreado é
embaixo da terra”. Não é, era uma vala que faziam embaixo da
terra para colocar a panela em cima. Eles colocavam o
Barreado para cozinhar ali. [...] E ali volta e meia eles vinham
de e punham fogo, volta e meia vinham de e alimentavam
o fogo. Até cozinhar bem esse Barreado (SILVEIRA, 2008).
Este hábito de manter a panela sobre brasas, sem que haja fogo
aberto, deu origem a alguns relatos, como “a lenda da panela que cozinha sem
fogo”, também conhecida como “A panela de Pedro Malasartes” em Antonina:
Contam os moradores de Superagüi (que quer dizer Rainha
dos Peixes em tupi-guarani) que pode ser encontrada em
nosso litoral uma panela mágica, que cozinha sem fogo.
Segundo a lenda, um viajante passara em frente a um caiçara
que vendia Barreado em uma grande panela de barro. Ao se
aproximar do sujeito, ficou impressionado em ver que a panela
fervia, sem que houvesse fogo debaixo dela. Imediatamente o
caiçara relatou a “magia da panela”, fato que atraiu o viajante e
o motivou a comprar a panela. Ao chegar em casa, o forasteiro,
ao tentar usá-la para preparar uma nova refeição, ficou sem
entender porque a panela que antes cozinhava sem energia,
sem fogo, agora não cozinhava nada. O que na verdade
acontecia, é que ela conservava por algum tempo o calor (pois
a cerâmica é um material refratário) e o Barreado continuava
fervendo, mesmo estando longe do fogo (CASILHO, 2005,
p.29).
135
Voltando à questão do cozimento, um aspecto que não pode ser
esquecido é a orientação para que a panela de barro não seja colocada
diretamente sobre o fogo, principalmente nos fogões à gás. Às vezes eu ponho
então um chapex para ela o pegar tanto o fogo, concordam Dona Laura,
Dona Maria da Glória, Dona Laurice, Dona Regina, dentre outros. Este
“chapex”, uma chapa de ferro, é bastante comum entre os usuários da panela
de barro. Dona Maria da Glória relata:
As primeiras panelas que eu fiz arrebentaram, estouravam
porque eu não tinha prática. Porque primeiro você tem que
colocar no fogo forte que é para carne ferver. Quando ela
começa a ferver, que começa a chiar, põe a panela do lado e
tampa o buraco da chapa do fogão, que é para cozinhar bem
lento, senão ela explode. Primeiro você faz no fogo direto e
depois você põe a tampa do fogão e ele fica só com o calor da
chapa. É por isso que leva uma noite inteira, uma manhã
inteira, porque ele vai bem suave, vem devagar. (SILVEIRA,
2008).
Fogo aceso, panela no fogo. Tem-se início o processo de cozimento,
etapa que Correia (2002) denomina vigília. O fogo que começa alto e cheio
deve ser mantido baixo e freqüente, o que é consenso em todas as fontes e
nas falas dos entrevistados. A vigília então consiste em vedar os buracos que
aparecem na massa (que devem ser imediatamente tampados) e também (no
caso do fogão à lenha) na manutenção do fogo. Para alguns, durante esse
período deve-se ainda, de vez em quando, verificar se o Barreado não secou:
uma vez ou outra sacuda a panela para ver se está com falta de água. Neste
caso, retire a tampa e ponha um pouco de água, não necessitando voltar a
barrear a panela (BARREADO..., 1961, p.5).
136
FIGURA 2 PANELAS DE BARRO VEDADAS NO FOGÃO À GÁS, RESTAURANTE
CASA DO BARREADO, PARANAGUÁ (PR)
FONTE: o autor (2008)
Várias publicações, dentre elas a Gazeta do Povo (1983), Menezes e
Menezes ([19- ]), Prefeitura Municipal de Morretes ([19- ]) e Fernandes (2007),
indicam que o período de cozimento do Barreado é de vinte e quatro horas. A
durabilidade do Barreado, pronto em quatro horas de cozimento, mas que se
presta a ficar vinte e quatro horas cozinhando no fogo lentíssimo das brasas
sem comprometer sua textura, era tudo que os Carnavalescos do Fandango
precisavam (MENEZES ; MENEZES, [19- ]).
Contudo, verificou-se que os Barreados contemporâneos demoram
menos tempo, provavelmente por conta da estabilidade e da potência da
chama dos fogões modernos, bem como pela substituição da panela de barro
pela panela de alumínio, que propicia o cozimento mais rápido. Antigamente
era feito no chão, num braseiro, então precisava vedar a panela e deixar vinte e
quatro horas, mas hoje não, nos fogões industriais não [...] hoje deixamos aqui
mais ou menos cinco horas (CARMEZIN, 2008).
Dona Regina é uma das poucas fontes que alegam deixar a panela por
tempo equivalente a um dia: antes deixavam no fogo vinte e quatro horas,
como eu faço até hoje, é vinte e quatro horas no fogo bem baixinho, porque ele
se cozinha, não vai água. Norma Freitas, do Restaurante Casa do Barreado,
que prepara o Barreado em panela de barro, também afirma deixar a panela de
137
um dia para o outro no fogo. Para Dona Isa, cada boi é diferente, então
depende muito da carne que se usa (AZIM, 2008).
Ingredientes cozinhando, existem algumas formas de atestar se o
Barreado já está pronto: pela coloração que a folha de bananeira passa a
apresentar: quando a folha de bananeira fica bem escura, bem mole de tão
cozida, é o sinal de que se pode retirar o Barreado do fogo. o tem erro. Está
no ponto (CORREIA, 2002, p.46); pela coloração do lacre, que fica também
bastante seco ou ainda pelo aroma exalado da panela. Contudo, a maioria dos
entrevistados declarou que pela prática no preparo e pelo tempo de cozimento
sabem que a iguaria está finalizada. Quando ele está cozido eu sei. A
gente tem uma base. Se a carne for macia em umas oito ou dez horas ele está
pronto (CORDEIRO, 2008). O proprietário do restaurante Caçarola do Joca
também dá seu depoimento:
Depois de um certo tempo que ele está você deslacra (sic) a
panela e prova com uma colher de pau, e você vai dosando
até ele começar a se desfiar. Não tem um tempo certo. O
nosso não fica vinte e quatro horas, deve ficar umas 18, 19
horas, que não é pouco. Porque a tradição diz vinte e quatro
horas, mas a tradição é a História do Barreado, é diferente,
isso é de antes. Antes ele era feito no chão, sobre um braseiro
(ALCOBAS, 2008).
Snoeyer (2008) também alega que é pelo tempo de cozimento que se
sabe se está pronto e explica a rotina de seu restaurante, relatando a última
vez que fez um Barreado, no final de semana anterior à entrevista (ela prepara
o prato em sua residência, antiga sede do restaurante, onde tem fogão à
lenha):
Eu fui para casa às três horas da tarde para cozinhar o
Barreado. Outro dia de manhã o Tony (filho) trouxe e estava
quente ainda. Mas é mais ou menos, entre limpar a carne,
deixar no tempero, cozimento, quase vinte e quatro horas,
porque você tem que deixar de um dia para o outro no tempero
também. E o cozimento dele é longo, pois para pegar
fervura demora mais ou menos três horas. E depois ele fica a
noite inteira, de manhã ele está pronto (SNOEYER, 2008).
Dona Maria da Glória, que também prepara o Barreado em fogão à
lenha, relata como controla o cozimento da iguaria:
138
A gente põe cedo de manhã, cozinha o dia inteiro, a noite toda,
à noite a gente coloca aqueles guarda-fogo, uns paus mais
grossos, e a gente acorda duas horas, três horas da manhã e
empurra o fogo para dentro, porque a boca do fogão é grande,
e ele fica cozinhando a noite toda. Então a gente abre no outro
dia às dez horas, dez e meia (SILVEIRA, 2008).
Dona Laura diz que deixa a panela do Barreado no fogo de seis a sete
horas e se orienta pelo aroma. Perguntada se não risco de abrir a panela
antes do tempo, responde com bom humor:
Às vezes acontece de abrir a panela e ter que fechar de novo
<risos>. Às vezes acontece. Às vezes a gente até abre umas
horas antes para ver como é que está o tempero, ver o sal, se
está bom. Daí a gente fecha e deixa no fogo brando. Lacra de
volta, outra vez. Porque não pode ter surpresa na hora de
servir! (CAMARGO, 2008).
O depoimento de Dona Laura, assim como outras fontes, indica que a
panela deve ser aberta antes do serviço ser iniciado, para que os temperos
sejam ajustados. Depois de várias horas ao fogo finalmente é chegada a hora
de servir e saborear o Barreado.
3.4 DAS FORMAS DE SERVIÇO E OS ACOMPANHAMENTOS
O serviço do Barreado também tem as suas especificidades. A
abertura da panela também requer uma certa prática. Com cuidado vai sendo
removida a massa que “barreou” a panela, retirada a tampa e em seguida, toda
a folha da bananeira (CORREIA, 2002, p.46). Como consenso, a panela de
Barreado deve ser, de preferência, mantida no fogo, para que conserve o seu
aroma e sua temperatura se mantenha adequada para a escalda do pirão.
Aberta a panela, é o momento da degustação da carne, que exaustivamente
cozida, praticamente se desmancha no prato. Sobre a textura da carne, Dona
Isa comenta:
Tem gente que desmancha a carne com a mão, não pode fazer
isso! Senão, fica aquele Barreado fiapento. A carne tem que
139
ficar assim, que você ponha no prato e com uma leve pressão
ela desmanche. Não pode ir fiapo, pois senão você vai estar
comendo o resto do Barreado (AZIM, 2008).
A textura da carne é realmente um aspecto de preocupação das
cozinheiras e, para muitos, indicativo da qualidade envolvida no processo de
preparo da iguaria. A empresária e cozinheira Maria de Lourdes Cordeiro
(2008) diz que não deixa o Barreado desmanchando, deixo com uns
pedacinhos de carne. Dona Regina esclarece:
O Barreado que eu faço você abre a panela e ele está meio em
posta, mas quando você coloca no prato ele desmancha [...]
Em muitos restaurantes ele vem parecendo um novelo de lã, se
desmanchando, sabe? Essa coisa de esquenta um pouco,
guarda um pouco. Congela, esquenta, guarda. Ele fica muito
mais apresentável com aquelas postas, e não naquela
embolação assim que parece um novelo (PEIXOTO, 2008).
O “ponto” ideal do Barreado é justamente esse: a carne
exaustivamente cozida se desmancha sem esforço, mas não vem em “fiapos”
nem em emaranhados, efeito que Santos Filho (2008) acredita ser causado
pelo soque da carne no pilão, o que considera uma heresia. Norma de Freitas
(2008) também comenta a consistência que julga adequada:
A carne não fica desfiada, ela fica em postas muito macias, ela
desmancha no prato, conforme você come. Em restaurantes
que atendem muita gente, como eles fazem em panela de
alumínio e ali cozinha muito depressa, eles acabam desfiando
a carne antes e ela fica toda enrolada, fica seca, parece um
novelo, não sei explicar. Quando você cozinha em panela de
barro ela fica na consistência certa, não fica seca e em fiapos
(FREITAS, 2008).
140
FIGURA 3 TEXTURA ADEQUADA DA CARNE, CASA DO BARREADO,
PARANAGUÁ (PR)
FONTE: o autor (2008)
Voltando ao momento em que a panela é aberta, um dado que o
pode deixar de ser mencionado é a sinalização sonora de que a panela foi ou
vai ser aberta. Várias fontes relatam o bito do espocar foguetes, dentre elas
Marly Correia, que escreve que, enquanto as mulheres vão arrumando as
mesas com as travessas de farinha de mandioca e banana alguns homens são
convocados para soltar os foguetes bem na hora da abertura da primeira
panela e bater um sino, festivamente. Faz parte da tradição (CORREIA, 2002,
p.45).
O historiador David Carneiro também escreve sobre a questão da
sonorização com foguetes:
Quase sempre por volta do meio-dia estoura enorme foguete. É
o chamado cabeça de negro: o maior que a arte pirotécnica
tenha fabricado para fins pacíficos e domésticos, (o autor
jocosamente exclui o polaris e o teleguiado atuais), mas os
foguetes ribombam, por vários pontos, parecendo aos
forasteiros que alguém fosse o acertador na sorte grande e
desejasse comemorar; ou que se festejasse a vitória de
candidato após luta penosa nas eleições interioranas. Os
estrondos avisam incontáveis de panelas de Barreado que
estejam sendo abertas (CARNEIRO, 1983).
Escrevendo sobre as festas coloniais no Brasil, Mary del Priore (2000)
chama a atenção para o espetáculo das luminárias e da decoração das ruas
141
somadas à queima de fogos, observando que a presença dos foguetórios fazia
parte das festas coloniais desde o século XVII:
Vinda esta tradição de Portugal, ela era a alegria das romarias
e das procissões. Sua origem é a China, onde constituía
característica das solenidades sagradas e profanas. Abrindo a
celebração da festa, os fogos anunciavam a partida dos
cortejos processionais mas também a sua chegada à igreja ou
à praça onde se davam os principais eventos da festa (DEL
PRIORE, 2000, p.38).
Para a historiadora os truques de pirotecnia estavam relacionados com
o desejo barroco de reformar a natureza, pois ao trocar a noite pelo dia a
escuridão era vencida pelo engenho humano:
No interior da cultura popular, o barulho dos fogos e o
resplendor de suas luzes tinham outra função [...] a
solidariedade entre o estampido, o barulho, o brilho e as luzes
significava para as populações carentes a vitória contra as
forças hostis da natureza e a escuridão da noite (DEL PRIORE,
2000, p.41).
Neste sentido, a pirotecnia passou a ser uma tradição associada aos
festejos e celebrações populares, abrindo oficialmente festas religiosas e
profanas, um hábito que permanece até hoje nos municípios enfocados por
esta pesquisa. Indagada sobre a origem do hábito de soltar foguetes em sua
cidade, Dona Regina diz que nós somos chamados de fogueteiros por causa
da igreja. Porque no Brasil tudo se faz aos pés da cruz. E aqui em Antonina
não ficou diferente. E continua:
Lá no alto do morro tinha uma casinha lá em cima. Lá tinha três
irmãs, uma chamada Maria, outra chamada Teresa e outra eu
não lembro o nome. E elas tinham uma estampa de Nossa
Senhora do Pilar. Então elas faziam cultos para Nossa Senhora
do Pilar. E quando elas faziam cultos, elas se reuniam lá, a
cidade tinha pouca gente aqui, não passava de cinqüenta,
porque muitos moravam para lá. Então tinha os faiscadores e
os mineradores que trabalhavam para fora, nos veios dos rios.
Então elas atiravam foguetes, fogos, para avisar que tinha
culto. Então tanto que a Festa de agosto aqui, a Festa do Pilar
que a gente chama de Festa de agosto, ela se caracteriza por
causa disso, por causa da queima de fogos, que é muito bonita
(PEIXOTO, 2008).
142
Sobre a tradição capelista de soltar foguetes, Dona Isa Azim (2008)
comenta: essa coisa do foguete é porque tudo em Antonina é foguete. Se
estourar um foguete a gente diz “o que será que aconteceu?”. Aconteceu
alguma coisa, alguém está alegre por alguma coisa, é um sinal, é uma
comemoração. É um sinal! A entrevistada também associa a disseminação do
hábito do foguetório pela popularidade alcançada pelas festas religiosas:
A festa da padroeira caracteriza-se pelo foguetório! Então
quanto mais foguete, foi mais bonita a festa. Isto é desde o
início do povoado. Porque são os primeiros que vieram, os
mineradores, do tempo de Valle Porto, então eles usavam os
explosivos. E o culto a Nossa Senhora do Pilar vem desde os
primeiros povoadores, começou com os primeiros povoadores
(AZIM, 2008).
A professora aposentada assegura que o foguete, como uma
manifestação também de alegria, ficou relacionado a tudo o que é gostoso. E o
Barreado é gostoso! (AZIM, 2008), e continua, também ressaltando a
importância da devoção a Nossa Senhora do Pilar na disseminação da tradição
do foguetório entre os capelistas:
A devoção começou com duas mulheres, elas tinham uma
estampa de Nossa Senhora do Pilar. Naturalmente com um
olhar político e também de devoção do Sargento, do Capitão
Mor Manoel do Valle Porto olhou assim com bom grado aquilo
a devoção, porque aquelas mulheres conseguiam reunir o
pessoal das redondezas para rezar o terço na frente da
estampa [...] E eles anunciavam a chegada explodindo os
foguetes. Era “estamos indo” de um lado e os daqui “podem vir”
e <faz o barulho dos foguetes estourando>. E daí o foguete
ficou (AZIM, 2008).
Abordando a devoção do povo antoninense a Nossa Senhora do Pilar,
Dona Regina relembra um episódio que ouvia na infância:
Quando o Sargento-Mor Manoel do Valle Porto pediu para
Portugal, para Espanha no caso, que eram mais ou menos
interligados, que fizessem uma imagem, encomendou uma
imagem de Nossa Senhora do Pilar. Mas a primeira que veio
não era a certa, eles mandaram uma imagem de Nossa
Senhora do Amparo, e daí o povo não quis saber! Não era a
Santa que eles queriam, eles queriam a Nossa Senhora do
Pilar, que mais tarde veio. continuou a festa, erigiram uma
capela maior, e hoje nós temos no outeiro, a Nossa Senhora
do Pilar (PEIXOTO, 2008).
143
Observa-se que em Antonina, além dos foguetes, algumas famílias
costumam cantar um hino à cidade no momento de abrir a panela do Barreado.
Leonidas de Abreu (2008) diz:
Logo perto do almoço, onze horas, onze e meia, o pessoal se
reúne, os amigos, a família. E aqui em Antonina tem um
ritualzinho para abrir a panela: eles batem um sino, que chama
todo mundo e é aquela alegria! E daí soltam foguete! Isso o
pessoal faz até hoje. Soltam os foguetes para abrir a panela.
Daí a dona da casa vai abrindo a panela e o pessoal vai
cantando o hino de Antonina. Antonina tem uns três, quatro
hinos aí. que esse é um hino bem antigo que o pessoal
canta (ABREU, 2008).
Também adepta à tradição de cantar o hino de Antonina, Dona Laura
relata que cantar o hino (não-oficial) da cidade é uma brincadeira relativamente
recente:
Fizeram um hino, um antoninense daqueles muito capelistas,
fez um hino que ao final fala “Antonina, orgulho do Brasil”
<risos>. Começou como gozação e tal mas daí ficou como o
hino do Barreado. Então cada vez que se abre a panela de
Barreado se canta esse hino de Antonina. Isso acontece aqui
em casa e em outras casas da cidade também (CAMARGO,
2008).
Dona Isa também comenta a questão do hino, e ainda comenta uma
provocação sofrida pelos habitantes de Antonina:
Lá no Clube Náutico eles tocavam o sino, então era o sino para
chamar o pessoal e daí cantavam o hino de Antonina “terra
abençoada” <cantarola>. Não era o hino oficial, saiu em um
disco para ajudar na reforma da Matriz. Esse hino termina
dizendo “Antonina orgulho do Brasil!”. O pessoal de Paranaguá
brincava, “ah, aí o orgulho do Brasil! Do orgulho, não! Do
gorgulho do Brasil!”, aquelas coisas de rivalidade de cidades
vizinhas. E então ficou. Eles tocavam esse hino, cantavam e
daí tocavam o sino. E foguete! Soltavam foguete, sino e o hino!
(AZIM, 2008)
O hino em questão se chama “O Hino à Antonina”, sendo a marcha, a
música e a letra de autoria de F. Roberto. Esta homenagem à cidade foi
idealizada e patrocinada pelo Sr. Alcides E. Carvalho e gravada em disco pela
144
gravadora Disco Continental pelos “Vagalumes do Luar”: A letra é a seguinte,
com destaque para os últimos versos:
O Hino à Antonina
1ª Parte
Terra abençoada
Recanto de amor e de felicidade;
A nossa Antonina
Viva ufana de sua brasilidade
Fé e esperança
São o esteio de todo o lar;
Sempre, sempre iluminado
Pela Senhora do Pilar
2ª Parte
Do litoral do Paraná
És o vigia secular
Sempre alerta a amparar
A integridade do solo nacional
Todo o Estado é nosso irmão
Cada cidade é uma glória
Que com todo o orgulho
Reflete em nosso pavilhão
3ª Parte
Teu céu
Oh! Antonina
É de um sem par
Linda safira
A reluzir
Seu brilho sobre o mar
Tudo é encanto
Deslumbramento!
Sempre pensando nessa terra gentil
Lutando, almejamos teu futuro
Antonina. Orgulho do Brasil!
Observa-se que a explosão dos foguetes também é associada a
Morretes e Paranaguá. A morretiana Dona Laurice lembra que o foguetório
está associado aos pixirões, quando as pessoas estavam trabalhando na roça
e soltavam os foguetes para avisar aos companheiros que o Barreado estava
145
pronto para ser degustado e chamar todos para a refeição. Dona Maria da
Glória, nascida e criada em Morretes, declara:
Antigamente atiravam foguete na hora que abriam a panela,
isso tem a ver com festa, com alegria, então abriam a panela e
as pessoas sabiam, mas hoje não fazem mais. Não sei por
que parou, vai ver que ficou perigoso, o pessoal andou se
queimando (SILVEIRA, 2008).
Esta associação entre o espocar de foguetes com os pixirões e o
Fandango no intuito de avisar que a comida estava pronta ou que o baile iria
começar - também aparecem no depoimento do fandangueiro parnanguara
Romão Costa, publicado no livro Museu Vivo do Fandango:
[...] Quando era mais ou menos onze e quinze, onze e meia, o
dono da roça vinha em casa ver se o almoço estava pronto [...]
Chegava lá, tava cozido. O que ele fazia? Ele atirava foguete
pra avisar pro pessoal que a comida tava pronta. Atirava três
foguetes. eles vinham, almoçavam, depois deitavam ou
começavam a contar uma história um pro outro (ROMÃO, in
PIMENTEL, GRAMANI, CORRÊA, 2006, p. 28).
Manoelito Viana (1976) também escreve sobre a tradição parnanguara
de espocar foguetes no momento da abertura da panela, também freqüente em
outras celebrações, como as de caráter religioso. Norma de Freitas, nascida e
criada em Paranaguá, comenta o hábito de sinalizar a abertura da panela:
Antigamente quando ia abrir a panela, eles soltavam fogos.
Então era costume, eu não sei a partir de quando, de ao abrir a
panela soltar fogos, foguetes. A panela ficava de um dia para
outro, então na hora de abrir a panela fazia parte do ritual soltar
o foguete. Mas eu não cheguei a presenciar isso, é um relato
mais antigo (FREITAS, 2008).
No livro Histórias, crônicas e lendas, edição comemorativa do primeiro
centenário do autor, Vicente Nascimento Júnior, o hábito de soltar foguetes
também é associado às manifestações religiosas em Paranaguá. A Festa do
Rocio
63
, além da programação de novenas e missas voltadas aos romeiros e
63
A Festa Estadual de Nossa Senhora do Rocio acontece tradicionalmente no mês de
novembro, durante quinze dias. Em sua programação constam um conjunto de atividades
religiosas (procissões, novenas, missas) e também de lazer (apresentação de artistas locais e
146
fiéis da cidade, era marcada pelo foguetório. Nascimento nior (1980, p.181)
escreve: raro o ano em que não havia fogos de artifício, atraindo considerável
multidão ávida de assistir ao espetáculo pirotécnico. Nas festas do Divino
Espírito Santo os foguetes também estavam presentes: tocavam os sinos e
estrugia a foguetada. A procissão percorria a cidade, onde em algumas ruas do
itinerário as famílias tapizavam o chão de flores e de folhagens, enfeitando
também as janelas com colchas da índia e outras alfaias (NASCIMENTO
JUNIOR, 1980, p.186).
Assim como aconteceu em Antonina e Morretes, em Paranaguá o
hábito de soltar fogos em situações festivas foi associado ao Barreado, por
este também ser considerado uma oportunidade de momento de celebração e
encontro de amigos e familiares. A poesia de Agostinho Pereira Filho publicada
em 1938 e copilada por Correia (2002, p.17) também fala da tradição do
foguetório em Paranaguá, associada inclusive ao Fandango:
Barreado
Da canoa subiu o primeiro foguete...
Alça um outro, outro mais...e do porto distante
Sobe riscando o céu na tarde agonizante
um rojão que no azul traça um alvo filete
Lá na praia distante, em meio a vazante,
junta o povo de casa e apresta-se o rolete
p´ra varar a canoa e aguardar o banquete,
o Barreado que chega – o “boi” – carne abundante.
é o cominho, a farinha, a banana, e a aguardente
p´ra a festança, ideal do caboclo praiano
que termina depois no Fandango dolente...
Torna ao canto a panela de barro inda um ano,
a esperar outro Entrudo, a alegria da gente
boa e simples que volta ao seu labor, insano.
Esta perspectiva de que o Barreado se trata de um prato saboroso,
festivo e diferenciado aparece também na poesia do folclorista Inami Custódio
Pinto divulgada amplamente em folhetos da PARANATUR no ano de 1985, e
que aborda a experiência de degustar o prato, associando-o ao passeio pela
Serra do Mar e resumindo sua forma de preparo:
de renome, montage de parquet de diversão, etc,…) Nossa Senhora do Rocio é a Padroeira de
Paranaguá e também do Estado do Paraná.
147
Barreado
“Minino vô te contá:
Fui convidado pra comê Barreado
Serr’abaixo em Paranaguá
Peguei “Maria Fumaça”
Varei a Serra do Mar
Tanta beleza junta, juro que nunca vi
Véu de noiva, Ferradura, São João
Pico do Marumbi
Depois veio Barreado
Mió gororoba que eu já comi
Hum, hum, eh...ah...Barreado de Paranaguá
Carne de gado talho de batame
Folhas de louro, pimenta e cominho
Alho, cebola e salsinha, e um pedaço de toucinho
De barro é a panela, pos tampada e “Barreado”
Dez hora de fogo nela
E só servir depois
Com farinha e arroz
Nas entrevistas e na leitura das fontes impressas, esta associação do
Barreado com situações alegres e comemorativas é uma constante que
perpassa o Fandango, o Carnaval, as festas religiosas e as comemorações
domésticas e se estende aos restaurantes. Como se repete nas publicações
oficiais que tratam do prato, o Barreado é símbolo de festa e fartura, seja pelo
caráter festivo da degustação que reúne amigos e familiares nas casas ou nos
restaurantes, ou pelo espaço que o prato ocupa em uma série de
acontecimentos programados. A festa do Barreado, por conseqüência,
atualmente não se prende a datas ou espaços pré-definidos.
Sobre a questão da festa em si, verifica-se que a historiadora Mona
Ozouf, em artigo publicado na coletânea organizada por Jacques Le Goff e
Pierre Nora Faire de l´histoire argumentava que a História muito tempo
vinha se preocupando mais com os trabalhos e os esforços dos homens do que
com os seus divertimentos, deixando de lado um objeto muito relevante
(OZOUF, 1976, p.216)
64
. Segundo a autora, a importância do estudo das festas
64
Sobre o despertar da História sobre a questão das festas, que envolve inclusive a influência
dos estudos do folclore e da etnologia, a autora escreve: “por freqüentar um ou outro campo, o
historiador aprendeu a levar em consideração a armadura que a ritualização à existência
148
reside no aspecto de que não existe festa sem reminiscência; repetição do
passado, freqüentemente anual, a festa traz consigo uma memória que é
tentador considerar como tal. Prenúncio do futuro, a festa fornece, por outro
lado, como que uma aproximação desse (OZOUF, 1976, p.217). O tempo da
festa é, portanto, um tempo regenerável, que permite uma conexão com o
passado mas que também reafirma o futuro que se pretende consolidar.
Escrevendo sobre a origem das festas coloniais brasileiras, Mary del
Priore (2000) destaca que as mesmas possuem uma origem européia comum.
Pautadas inicialmente na periodicidade agrícola, que levava os homens a se
reunirem para celebrar, agradecer ou pedir proteção, tais reuniões terminaram
por dar à festa uma função comemorativa:
As festas nasceram das formas de culto externo, tributado
geralmente a uma divindade protetora das plantações,
realizado em determinados tempos e locais. Mas com o
advento do cristianismo, tais solenidades receberam nova
roupagem: a Igreja determinou dias que fossem dedicados ao
culto divino, considerando-os dias de festa, os quais formavam
em seu conjunto o ano eclesiástico (DEL PRIORE, 2000, p.13).
Para a autora, considerando que as festas queimam o excesso de
energia das comunidades, elas se tornam indispensáveis ao equilíbrio social,
pois a alegria da festa ajuda as populações a suportar o trabalho, o perigo e a
exploração, mas reafirma, igualmente, laços de solidariedade ou permite
indivíduos marcar suas especificidades e diferenças (DEL PRIORE, 2000,
p.10). A autora sustenta:
Tempo de fantasia e liberdades, de ações burlescas e vivazes,
a festa se faz no interior de um território lúdico onde se
exprimem igualmente as frustrações, revanches e
reivindicações dos vários grupos que compõem uma
sociedade. Mas o tempo fáustico da festa eclipsa também o
calendário da rotina e do trabalho dos homens, substituindo-o
por um feixe de funções. Ora ela é suporte para a criatividade
de uma comunidade, ora afirma a perenidade das instituições
de poder (DEL PRIORE, 2000, p.9).
humana, mesmo que seja uma ritualização anônima, desprovida de regulamentação explícita
ou de coesão coerente. Acrescente-se que, com a psicanálise, a história aprendeu, ao mesmo
tempo, o interesse que pode ter a colheita do aparentemente insignificante” (OZOUF, 1976, p.
216).
149
Continuando seu raciocínio, Del Priore (2000, p.10) defende que
expressão teatral de uma organização social, a festa é também um ato político,
religioso ou simbólico no qual:
Os jogos, as danças e as músicas que a recheiam não só
significam descanso, prazeres e alegria durante a sua
realização; eles têm simultaneamente importante função social:
permitem às crianças, aos jovens, aos espectadores e atores
da festa introjetar valores e normas de vida coletiva, partilhar
sentimentos coletivos e conhecimentos comunitários (DEL
PRIORE, 2000, p.10).
Assim, a festa se estabelece como um espaço social de convivência e
de compartilhamento, propício para o exercício da sociabilidade e, por
conseqüência, para o fortalecimento dos laços sociais. Segundo o sociólogo
Jean Baechler (1995) sociabilidade pode ser definida como a capacidade
humana de estabelecer redes, através das quais as atividades - sejam estas
individuais ou coletivas - fazem circular as informações que exprimem seus
interesses, gostos, paixões e opiniões, passíveis de acontecerem nos mais
diferentes espaços, conectando, mesmo que momentaneamente, os indivíduos
envolvidos.
Nota-se ainda que uma das formas mais poderosas de sociabilidade
reside na comensalidade, a partilha de alimentos e/ou refeições. Para Maria do
Carmo Marcondes Brandão Rolim:
O comer entre amigos é uma forma de reforçar os laços sociais
da amizade, e é por isso que ocupa um espaço determinado na
relação da amizade. Quando o sair para comer junto
transforma a comida numa meta, sabe-se que a comida em si,
que é ingerida, não deixa de dissimular, muitas vezes, o prazer
de partilhar a amizade (ROLIM, 1997, p.209).
Del Priore, debruçada sobre as festas coloniais, comenta que a comida
representava um importante papel no sentido de reavivar tais laços de
solidariedade nestes acontecimentos, aspecto que até hoje é uma constante
nas festas populares espalhadas por todo o Brasil:
150
Na Colônia, parte da comida consumida em determinadas
festas tinha relações diretas com as colheitas. O beiju, a
canjica ou a pamonha, presentes no cardápio de algumas
regiões, tinham, por exemplo, maior consumo por ocasião de
festas. O cardápio tem assim a ver com a produção agrícola
que se colhe por ocasião da festa (DEL PRIORE, 2000, p.65).
Ressaltando que receber amigos em casa para comer, em dia de festa,
era igualmente comum, a historiadora observa que o espírito faústico da festa
sobrepunha-se à regra da abstinência (e a outras), fazendo com que as
práticas populares de comer e beber em excesso fossem bem absorvidas no
conjunto das celebrações (DEL PRIORE, 2000, p.67-68). Portanto:
A distribuição de comida tinha função tão importante na festa
que mesmo as irmandades religiosas que contavam com
recursos próprios para a realização dos rega-bofes sentiam-se
na obrigação de fazê-lo com a maior generosidade. O
banquete, a comilança coletiva, tinha forte expressão social e o
ato de comer juntos era remetido à aliança ou à força de
integração social que se gestava durante a festa (DEL
PRIORE, 2000, p.70).
Neste sentido, concorda-se com Del Priore (2000) e acredita-se que a
partilha de alimentos em circunstâncias festivas até hoje cumpre o papel de
estabelecer e reavivar laços sociais. Concorda-se também com Igor Garine
quando este defende que a perpetuação do estilo alimentar originada na vida
cotidiana ou no calendário das festividades é uma prova da autenticidade e da
coesão social e uma defesa contra as agressões externas, inclusive no caso da
imigração (GARINE, 1987, p.5). Como observa Marly Correia (2002), é difícil
imaginar uma festa em Antonina, Morretes e Paranaguá, principalmente
religiosa, sem o Barreado.
Essa interação permite criar e reforçar laços e possibilita a definição de
espaços sociais por meio da ão de redes sociais de algum modo
deliberadas. Assim, amigos, familiares e conterrâneos se aproximam a partir da
partilha do Barreado em diversas situações e locais, movidos pelo prazer da
degustação e pelo interesse em serem sociáveis uns com os outros, de
usufruírem da companhia uns dos outros, criando espaços sociais (em áreas
públicas ou privadas) que se convertem em espaços de lazer. Tais espaços
são compreendidos pelo sociólogo Joffre Dumazedier (1989, p.169) como
151
espaços sociais onde se entabulam relações específicas entre seres, grupos,
meios e classes, permitindo a prática de atividades livremente escolhidas em
um ambiente que propicia o contato entre as pessoas e, por conseqüência, a
sociabilidade.
O lazer, por sua vez, é compreendido por Joffre Dumazedier como
sendo
[...] um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode
entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para
divertir-se, recrear-se, entreter-se ou, ainda, para desenvolver
sua informação ou formação desinteressada, sua participação
social voluntária ou a sua livre capacidade criadora após livrar-
se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares
e sociais (DUMAZEDIER, 2000, p.34).
Desta forma, sob a perspectiva da festa, a degustação do Barreado
congrega comensalidade, sociabilidade e lazer para autóctones e turistas, nas
residências e nos restaurantes, nas festas privadas (casamentos, batizados,
aniversários) e públicas (eventos comunitários e/ou de caráter religioso),
durante todo o ano ou em datas específicas (como é o caso do Carnaval),
proporcionando prazeres vinculados à degustação, ao convívio, ao descanso e
ao divertimento.
Vale ressaltar que se a família, a boa conversa e o encontro entre
amigos participam ativamente da degustação do Barreado, também não se
pode esquecer dos acompanhamentos culinários que a tornam completa. Nota-
se que o arroz branco, onipresente na mesa dos brasileiros, também divide a
mesa com o Barreado, assim como laranjas e saladas (mistas ou de agrião).
Contudo, os mais tradicionalistas defendem que apenas a farinha de mandioca,
a banana e a cachaça do litoral (especialmente a de banana) são os
acompanhamentos adequados, como será tratado a seguir.
152
FIGURA 4 CACHAÇA, FARINHA DE MANIDIOCA E BALA DE BANANA,
PRODUTOS INTIMAMENTE LIGADOS AO BARREADO, MORRETES (PR)
FONTE: o autor (2008)
3.4.1 Farinha de mandioca
A farinha de mandioca é parte importantíssima! Porque o Barreado a
gente come com farinha de mandioca! A ênfase do depoimento de Dona Laura
se repete nas fontes e na fala dos outros entrevistados. O principal
acompanhamento do Barreado provém de uma das mais importantes heranças
indígenas para a culinária nacional: a mandioca. Maciel (2004) comenta ser
provável que a mandioca tenha sido domesticada na Amazônia mais de
quatro ou cinco mil anos, submetida a uma técnica extremamente complexa
65
sem a qual, no caso da mandioca brava, seria impossível seu consumo.
65
“A farinha-de-pau, de manic ou manibot, hoje chamada mandioca, era feita ralando-se a raiz
que cresce dentro da terra em três ou quatro meses. Depois de arrancá-la, secavam-na ao
fogo ou ralavam-na, ainda fresca, numa prancha de madeira cravejada de pedrinhas pontudas,
reduzindo-a a uma farinha alva e empapada. A farinha seguia, então, para um recipiente
comprido de palha chamado tipiti, para escorrer e secar. O que escorria era um veneno mortal,
dada a presença do ácido cianídrico, que o sol faz desaparecer em dois ou três dias, deixando
a manipueira livre de perigo. Gonçalves de Magalhães dizia que a extração de veneno da
mandioca revela tanta ciência que os índios mesmo atribuíam tão grande invenção a São
Tomé como os gregos atribuíam a Ceres o ensino da cultura do trigo” (CASILHO, 2005, p.15).
153
Muito mais que uma das muitas plantas nativas da América
adotadas pelos europeus que aqui chegavam, a mandioca foi a
base alimentar que permitiu a constituição do que viria a ser o
Brasil, e, ainda hoje, está presente na mesa do brasileiro de
norte a sul, perpassando as mais diferentes clivagens sociais
tais como classe e etnia (MACIEL, 2004, p.31).
A historiadora Luzinéa Alencar, em seu estudo sobre a formação da
culinária do Estado do Mato Grosso, também ressalta a diversidade
66
e a
importância da mandioca, considerando-a a mais nacional de todas as plantas
por conta de sua presença desde os primórdios do desenvolvimento histórico,
econômico e social do Brasil, dela se derivando os mais diversos pratos, que,
mesmo com o passar dos anos, persistem em fazer parte do paladar
contemporâneo (ALENCAR, 2002, p.92).
Segundo o historiador José Augusto Leandro (2007), a mandioca era
facilmente adaptável a quase todo tipo de solo, porém era plantada com mais
freqüência em solo arenoso, comum nas regiões litorâneas brasileiras. O
cultivo era relativamente fácil, raramente era acometida de doenças e pragas e
sua colheita era feita em um período de dois anos:
Não havia muitas variações regionais nas técnicas de plantio
da mandioca em diversas partes do Brasil do século XIX. Os
lavradores faziam diversas covas no terreno e, em cada “uma
delas, enterrava-se uma rama (denominação que se dá à haste
da mandioca) que [devia] ficar inclusa no solo uns 10 cm, de
maneira levemente inclinada”. De maneira geral, o cultivo da
mandioca, apesar de exigir certo esforço, não implicava
trabalho muito árduo (LEANDRO, 2007, p.263).
Observando que a farinha de mandioca constituía a principal atividade
de trabalho e principal referência alimentar dos trabalhadores rurais da
Comarca de Paranaguá na segunda metade do século XIX, o historiador José
Augusto Leandro comenta que essa “pequena civilização da mandioca” tinha a
seu favor a facilidade dos lavradores em desenvolver a cultura levando-se em
conta o tipo de solo litorâneo. A mandioca encontrava-se em todos os cantos
da baía de Paranaguá e Guaratuba. Além de assentada em terreno propício, a
66
ALENCAR (2002, p.91) escreve: “A mandioca é classificada em dois tipos: a brava (amarga)
e a doce (suave); na primeira, o ácido cianídrico, uma substância muito xica, tornando-a
assim pouco consumida em estado natural, e sim manipulada; a segunda não é venenosa,
sendo conhecida vulgarmente por aipim, macaxeira. Também a denominação Manihot
utilissima é usada para designar as amargas, enquanto que Manihot palmate é para os doces”.
154
cultura da mandioca não demandava grandes cuidados, era de fácil trato a todo
e qualquer lavrador que encontrasse um quinhão de terra para com ela
trabalhar (LEANDRO, 2007, p.264). E apesar de não se constituir em uma
cultura permanente, possui a característica de poder ficar até dois anos sem
ser colhida após o seu amadurecimento, podendo ser, portanto, armazenada
na própria terra.
Além da praticidade do cultivo, a diversidade de subprodutos contribuiu
para que a raiz ganhasse popularidade. Das derivações da mandioca, talvez a
mais famosa seja a farinha. Presente em todo o Brasil, com variações regionais
marcantes
67
, ela é acompanhamento de pratos como o Barreado, a feijoada e o
churrasco, além de ingrediente importante em pirões, virados e tutus de feijão,
fruto da união das tradições indígenas e da apropriação portuguesa, pois
satisfazer-se com carne salgada e farinha não é herança ameraba e sim
influência portuguesa (CASCUDO, 2004, p.243). Sobre a farinha de mandioca,
Maria Eunice Maciel escreve:
Mais do que qualquer outro alimento, a farinha de mandioca
acompanhou a formação do povo brasileiro. Adotada pelos
portugueses, era a “farinha da guerra”, que os acompanhava
nas expedições que desbravavam o território do que viria a ser
o Brasil. Nessas incursões, roças de mandioca eram deixadas
ao longo do caminho para que, ao retornarem, fosse possível
fazer a colheita, garantindo, assim, a alimentação e o sustento
da volta (MACIEL, 2004, p.31).
No que tange à produção de farinha de mandioca no litoral
paranaense, Marly Correia (2002) comenta que ela é obtida a partir da raiz
ralada, que é colocada em cestos apropriados, feitos de taquara e chamados
de tipiti. A massa é então levada à prensa, liberando um líquido chamado
mandiquera que pode ser venenoso, dependendo do tipo de mandioca. O
bagaço que sobra é levado então para um forno especial e o líquido é utilizado
em outras preparações. Salientando que com a farinha de mandioca o caboclo
fabrica uma série de iguarias, dentre elas o beiju (espécie de biscoito seco
cozido no vapor, cuja massa leva farinha de mandioca e, mais recentemente,
67
Dentre os vários tipos de farinha pode-se citar a farinha d´água (herança direta dos índios),
a uarini (amarelada e mais grossa), a suruí (bem branca e fina), dentre outros.
155
um pouco de coco ralado), a pesquisadora prossegue assinalando sua
versatilidade:
Na alimentação infantil a farinha de mandioca é indispensável e
obrigatória sob a forma de ralos
68
, quando a criança é recém-
nascida, e sob a forma de mingau, quando é crescida [...] A
farinha é muito consumida ao natural, misturada no feijão ou
em caldos quentes para fazer o pirão (como no caso do
Barreado) ou apenas mexida em água formando uma papa
gostosa a que dão o nome de jacuba. Ela também é
largamente usada na medicina caseira sob a forma de
cataplasmas quentes, feitos de farinha e água fervente
misturados para fazer pirão (CORREIA, 2002, p.10).
Indagados sobre qual é a farinha mais apropriada para se acompanhar
o Barreado, é consenso entre os entrevistados que as farinhas artesanais
produzidas na região são as melhores. Para Correia (2008), de preferência que
não seja daquela farinha fina. Acho que essas farinhas caseiras, artesanais
mesmo, porque as industriais são mais finas. As artesanais são um pouco mais
grossas, onde você consegue fazer que o pirão fique escaldado. Welzel (2008)
também prefere a farinha mais grossa, pois a fininha não é legal, não é a
mesma coisa. E argumenta:
A melhor é aquela artesanal que o nosso caboclo daqui
prepara. Mas eu tenho uma dificuldade muito grande de
comprar diretamente da fonte, tinha um senhor que me
fornecia, mas agora ele ficou sem matéria-prima e quebrou o
engenho dele e ele parou. Porque você tem que tomar cuidado
de quem você compra por causa da questão da higiene, outra,
pela maneira de preparar. Existe um tipo de mandioca que em
determinada época ela fica meio amarga, então, lógico, tudo o
que você tentar preparar com ela vai descaracterizar (WELZEL,
2008).
Dona Laura conta que compra a sua farinha no armazém do Jamil, que
é seu cunhado: eu costumo brincar que a farinha dele é tão especial que fica
guardada num cofre, que ele vende para as pessoas bem ligadas. Então
quando eu dou a receita eu ponho que é a farinha dele, que é mais
torradinha, artesanal, feita aqui em Antonina (CAMARGO, 2008).
68
Para fazer o ralo da mandioca, a farinha é socada, passada em peneira bem fina, colocada
dentro de uma vasilha com água e bem batida para soltar a goma. Em seguida, é coada em
pano ralo e reservada para que a goma se assente” (CORREIA, 2002, p.10).
156
A farinha é imprescindível para o preparo do pirão, acompanhamento
inseparável do Barreado. Escrevendo sobre o pirão, Luis da Câmara Cascudo
sustenta: pirão é sinônimo da própria alimentação brasileira. substância
total (CASCUDO, 2004, p.103) e comenta alguns dos adágios que refletem a
relevância da iguaria: Sem pirão, não vai não! Com mulher e pirão, faz-se a
função! Sem pirão, não há animação! Farinha pouca, meu pirão primeiro! O
folclorista fala sobre os tipos de pirão:
Os dois tipos clássicos são o escaldado e o cozido ou mexido.
O primeiro é a porção de caldo de peixe ou de carne
derramada sobre a farinha seca. É o nativo, anterior a 1500. O
segundo demanda preparação culinária mais apurada. A
farinha vai sendo lançada no caldo fervente até que tome a
consistência desejada. Que se aprume nos dentes do garfo ou
se empine no côncavo da colher sem desfazer-se (CASCUDO,
2004, p.104).
Continuando, Cascudo explica que o pirão cozido, não dispensando
garfo ou colher, explica sua distância etnográfica da parafernália ameraba,
sendo uma decorrência natural das papas e caldos engrossados de cereais,
base da alimentação camponesa da Europa. O português trouxe para o Brasil a
maneira e utilizou a farinha local, fazendo-o inteiramente ao lume (CASCUDO,
2004, p.105). Nota-se que tradicionalmente o pirão que acompanha o Barreado
é o escaldado, mais próximo da herança ameraba, embora o pirão cozido
também seja servido.
Para que o pirão possa ser feito Barreado tem que ter caldo. Se não
tiver caldo no Barreado você o pode fazer o seu pirãozinho, seja ele mole ou
duro, do jeito que você preferir (WELZEL, 2008). Segundo Souza (2008), o
acompanhamento do Barreado é a farinha de mandioca, principalmente. Não
existe isso de você comer o Barreado sem uma boa farinha de mandioca, para
poder fazer um bom pirão.
Essa preocupação com a existência do caldo para fazer um bom pirão
aparece nas palavras de Dona Isa, que revela ter um procedimento padrão
para que o caldo não falte: quem prepara o Barreado é que deve servi-lo.
Ela explica:
157
Eu aprendi uma coisa com uma senhora: quem faz o Barreado
é quem serve o Barreado. Porque a dona da casa tem que ficar
com a concha na mão e servindo, porque ela vai mexendo a
panela e vai pondo o caldo, vai caçando o caldo com a carne.
Senão, o que vai acontecer? Os espertinhos primeiro pegam
todo o caldo, o caldo rico, põe no prato, fazem o seu pirão e
depois pegam uns pedacinhos de carne, e depois quem for
comer vai comer aquelas fagulhas lá de baixo e daí geralmente
foi colocado mais água para poder render porque poucos
comeram e ainda tem gente para comer. Isso tem que ser
cuidado eu não sei se os restaurantes têm tempo de fazer isso
(AZIM, 2008).
Como se pode aferir pelos depoimentos a questão do caldo é bastante
importante e pode se tornar um problema quando o Barreado é servido para
várias pessoas, principalmente nos restaurantes. Abreu (2008) comenta: eu já
vi fazerem o seguinte: colocarem água com sal na panela. Pô, do Barreado
vai ficando aguado. A carne, que é, vai ficando branca, feia, vai perdendo
aquela cor e vai perdendo o sabor, o sabor da gordura. Esta repulsa em
relação à adição de água para aumentar o caldo durante o serviço é
compartilhada por outros entrevistados, que a consideram uma falta de cuidado
no preparo da iguaria que termina por comprometer em muito o sabor do pirão.
O empresário inclusive aprendeu com sua avó uma maneira de aumentar o
caldo do Barreado sem comprometer o sabor do prato, que ele ensina:
Você pega a banha do porco e derrete. Você pega o toucinho
do porco, todo picadinho em cubos e derrete naquela banha ali
para ficar mais saboroso. Daí você pega uns caracus
69
e frita
junto com essa gordura, com esse bacon ali e deixa fritando ali
aquele osso, fritando, fritando. Quando você vê que está
ficando assim meio marronzinho, já no ponto, então você joga
ali umas 20, 30 folhas de louro. você joga um tanto de água,
primeiro a metade, espera aquilo entrar em ebulição e daí você
coloca o cominho e mais louro naquele caldo. Quando estiver
em ebulição você joga mais meia panela de água, deixa ferver
tudinho e quando começar a entrar em ebulição você coloca de
quatro a cinco colheres de sal e vai vendo como está o
tempero. Põe um pouquinho de pimenta-do-reino, para dar
um ardidinho. E pronto! Daí você deixa de um dia pro outro
aquele caldo parado. No outro dia eu pego uns potezinhos
plásticos e coloco todo aquele caldo. Pego aqueles ossos, tiro
aquele tutano e pego todo aquele caldo, ponho dentro dos
tupperwares e coloco para congelar. Daí vira umas barras de
gelo de caldo. Daí aqui no restaurante, quando começa a sair o
69
Segundo Abreu (2008) “Caracu são as partes das canelas dos bois, que eles cortam assim
<mostra o corte com as mãos> e dentro ali tem o tutano”.
158
Barreado eu acrescento aquele caldo, ele forma um novo caldo
de novo com aquela carne que está ficando seca e ela volta
novamente a ficar boa (ABREU, 2008).
Abreu (2008) relata que quando o cozimento termina e se abre a
panela, o Barreado fica borbulhando, e se você passar a concha em cima, você
óleo, fica um azeitão meio amarelão, meio marrom. Então o que você faz?
Aquilo é muito forte, então a pessoa pega uma colher e mexe lá no fundão
(sic), dá uma mexida nele e depois faz o pirão. O entrevistado argumenta que o
pirão do Barreado o é o pirão cozido, mas sim o escaldado, feito ali na hora,
na hora em que abrir a panela:
Se eles me pedirem aqui “ah, eu quero um pirão cozido” daí eu
faço, pego o caldo e coloco no fogo, ponho a farinha e trago
bem molinho. É gostoso também, mas o pirão para você comer
o Barreado tradicional é aquele em que você põe a farinha no
prato e coloca uma conchada de Barreado, coloca mais um
pouquinho de caldo e ali mesmo você vai amassando com o
garfo, vai virando, amassando e tal (ABREU, 2008).
A empresária Ana Eliza Correa de Souza (2008) alerta que o pirão
deve ser escaldado para ficar saboroso e explica como reconhecer o pirão
escaldado, que é cozido pelo caldo fervente e fica naquela tonalidade mais
escurinha, se ele não for escaldado ele fica branco. Além das preferências pelo
pirão escaldado, a consistência do pirão também é motivo de debate: pirão
muito duro é ruim, parece que ele pára no estômago. E o mole ele é bem mais
gostoso (SILVEIRA, 2008). Fernanda Alpendre, neta de Dona Maria da Glória
Silveira, também critica o pirão duro que é oferecido em muitos restaurantes de
Morretes:
Esse pirão duro que fazem aqui em Morretes foi um
restaurante que criou, mas ele não é a História do Barreado. O
pirão duro é o que? Você comer uma farinha e quanto mais
farinha você colocar, mais duro ele vai ficar. Então você come
um concreto ali. Mas isso vai do gosto. Mas isso foi criado por
eles, é um entretenimento do restaurante que alguns estão
adaptando. É o “susto”. Isso não é a história, não é a tradição,
esse susto está surgindo agora com os restaurantes e a
maioria está adaptando (ALPENDRE, 2008).
159
Preparando o pirão e comentando sobre sua consistência ideal, Norma
de Freitas, da Casa do Barreado, aborda o assunto do pirão duro que acabou
sendo associado ao Barreado:
chegou gente aqui falando “ah, eu sei fazer o pirão: ele tem
que ficar consistente e não cair do prato quando virar!”. Não,
esse não é o pirão do Barreado, o pirão tem essa consistência
<mostra no prato>, tem que ser mais mole, para você
aproveitar e saborear o caldo, e não farinha. Esse susto que
o pessoal fala, que é o pirão duro, é uma brincadeira que foi
inventada por um garçom em Morretes e que acabou ficando,
mas esse não é o pirão do Barreado (FREITAS, 2008).
FIGURA 5 PREPARANDO O PIRÃO MOLE, RESTAURANTE CASA DO
BARREADO, PARANAGUÁ (PR)
FONTE: o autor (2008)
Deve-se mencionar que o “susto” é característico dos restaurantes de
Morretes e consiste em uma brincadeira que o garçom faz para o cliente que
vai degustar o Barreado pela primeira vez. O funcionário geralmente
simpático e falante - se oferece para preparar o pirão e na frente do cliente vai
misturando a farinha com uma certa quantidade de caldo, a atingir a
consistência desejada, mais endurecida. Nesse momento, com muito traquejo,
vira o prato sobre a cabeça do cliente, que se assusta com a possibilidade do
pirão cair, mas este não cai, por conta da consistência mais dura. O sucesso
do “susto” é bastante grande e em vários restaurantes morretenses pode-se
160
verificar vários clientes solicitando que ele seja dado em seus convidados ou
amigos.
3.4.2 Banana
A fruta também merece comentário, pois além de participar da mesa
do Barreado e tornar a cachaça litorânea única (em especial a morretense), é
um dos principais produtos agrícolas da região, especialmente do litoral norte,
formado por Antonina, Morretes e Guaraqueçaba.
A banana (ou Musa spp, seu nome científico) está presente em todo o
território brasileiro, existindo no mundo mais de uma centena de tipos. No litoral
paranaense a produção e o consumo se concentram na banana nanica, na
banana caturra e na banana imperial. Presentes na receita de outra iguaria
litorânea, o peixe com banana, a fruta pode ser degustada das mais diferentes
formas, variedade esta que foi ampliada nos últimos anos: in natura, frita,
assada, flambada, na citada cachaça de banana, ou ainda transformada em
balas, em chips (fatias muito finas de banana frita, disponíveis nas versões
salgada e doce) ou vendidas em passas, além de integrarem as receitas de
diversos bolos, tortas e sorvetes, além de doces de toda a sorte.
A banana crua servia para neutralizar ou amenizar o efeito do toucinho
(DE FREITAS, 1997). A banana ajuda a digestão (SANTOS FILHO, 2008). A
laranja te a sensação de que não ficou pesado e a banana é para
acompanhar o sabor forte do pirão (SOUZA, 2008). Banana é para tirar a
gordura do Barreado (CAMARGO, 2008). Eu gosto de botar laranja
descascada e bastante banana, porque como eu faço o Barreado gordinho, a
banana e a laranja tiram o exagero de gordura (PEIXOTO, 2008).
A banana, preferencialmente a da terra e a caturra, é servida com o
Barreado cozida na água, assada na chapa e até mesmo frita à milanesa,
embora os mais tradicionalistas prefiram a banana crua, como Norma de
Freitas (2008):
161
A banana do Barreado é a banana crua, não é a banana da
terra cozida. A crua casa melhor com a quentura do Barreado.
O Barreado está quente e a banana crua, na temperatura
ambiente, suaviza, ela um tempero, uma textura
diferente, embora a banana da terra seja uma delícia. Mas no
caso do Barreado tem que ser a banana ao natural (FREITAS,
2008).
FIGURA 6 – BARREADO SERVIDO COM PIRÃO E BANANA, RESTAURANTE CASA
DO BARREADO, PARANAGUÁ (PR)
FONTE: o autor (2008)
Dona Ieda faz recomendações sobre qual é a melhor banana a ser
degustada com o Barreado, alertando: eles usam banana da terra mas não é!
O verdadeiro Barreado é a banana caturra crua, faz toda a
diferença no sabor. Porque a banana da terra você tem que
fritar ou cozinhar e a banana caturra você come ela crua, bem
madura. Então o sabor na medida em que você vai
misturando com a carne do Barreado e a farinha
(SIEDSCHLAG, 2008).
A informação divulgada pela PARANÁ Turismo (2002) de que cachos
de banana eram pendurados no beiral da casa para serem servidos como
sobremesa do Barreado aparece em várias fontes. Segundo o folder O
Segredo do Barreado de Antonina:
No tempo certo, o “chefe da casa” cortava, de seu quintal ou
trazia de seu sitio, cachos de bananas caturra e maçã, que
162
eram pendurados no beiral da casa ou colocados em barricas,
na Casa da Farinha, a fim de amadurecerem para serem
servidas cruas como sobremesas do “Barreado”
(ASSOCIACÃO DE PRESERVACAO CULTURAL E NATURAL
DE ANTONINA, [198-]).
Dona Maria da Glória lembra que na sua infância, durante os mutirões
em que era servido o Barreado, a fruta sempre estava presente:
E daí à noite eles penduravam um cacho de banana, pegavam
um garrafão de pinga e o Barreado, levava o Barreado ali e
todo mundo comia o Barreado [...] Daí vinha outro e comia
outro prato de Barreado, tomava uma pinga e pegava uma
banana (SILVEIRA, 2008).
Sempre farta nos quintais e sítios do litoral, a banana consistia em um
complemento barato, de fácil acesso e bastante substancioso para o Barreado.
Dona Gene Feres (2008) comenta: o chefe da casa geralmente cortava de seu
quintal ou trazia dos seus tios cachos de banana que eram colocados na
mesa e comidas cruas junto com o Barreado ou como sobremesa.
Atualmente, a banana flambada é a sobremesa onipresente nos
cardápios dos restaurantes, principalmente em Morretes. Em seu depoimento,
Dona Izanete Isabel Bridarolli Madalozo, do Restaurante Madalozo, comenta
que a sobremesa começou em seu restaurante, há algum tempo:
Não sei se quando você chegou você viu um senhor moreno
que estava aqui, o João? Então, foi o sogro dele que começou
com a banana flambada. Ele não era aqui de Morretes, ele veio
para [...] conversou conosco e para ver se a gente queria
ajuda na sobremesa, daí a gente disse para ele que sim, e ele
começou com a banana flambada. ficou tempo aqui
conosco, depois deu uns probleminhas lá, não sei se com a
família dele, daí ele foi embora, foi para Curitiba. ele
trabalhou em uns restaurantes e nesse tempo que ele foi
embora a filha dele ficou trabalhando conosco fazendo a
banana flambada (MADALOZO, 2008).
A banana flambada, servida pura ou com sorvete, tornou-se uma
espécie de “sobremesa oficial”, famosa por seu sabor característico e pela
facilidade de se obter a matéria-prima, principalmente em Morretes.
163
3.4.3 Cachaça
A tradição manda que você sirva um aperitivo de “pinga” da boa, antes
de servir o Barreado (SESC PORTAO, ASSOCIACAO TRADICIONALISTA
GRALHA AZUL, 1982). A cachaça, outro acompanhamento fiel do Barreado, é
descrita por Cascudo (2000, p.214) como aguardente de mel da cana-de-
açúcar, outrora a cachaça legítima, ou do caldo de cana, cana, caninha. A mais
divulgada bebida brasileira no âmbito popular. O nome veio de Portugal onde
era conhecida nas quintas fidalgas do Minho.
O açúcar foi introduzido em terras portuguesas durante o domínio
árabe na Península Ibérica e a cana foi cultivada na Ilha da Madeira até a
ênfase na produção ser transferida para terras brasileiras, onde o fabrico foi
intenso e, por conta do fornecimento abundante e conseqüente queda de
preço, tornou-se popular na Europa. Observa-se que no velho mundo o açúcar
era considerado uma droga e era vendido em farmácias até o século XVIII,
exceto em Portugal (CARNEIRO, 2003). Em publicação do SENAC (2000)
sobre a culinária brasileira, a origem da denominação cachaça é discutida:
Quando e como a bebida passou a ser chamada de cachaça
permanece uma incógnita. Até o século XVII, cachaça era a
denominação dada à escuma que se forma na superfície do
caldo durante a fermentação e que, caindo em tanques rasos,
servia para alimentar animais domésticos. O destilado, então,
recebia o nome de jeribita, do mesmo modo que a bagaceira,
aguardente portuguesa feita de uva. Outra denominação usual
na época em que passou a ser produzida era vinho de mel
(SENAC, 2000, p.71).
Comentando que a cachaça tornou-se bebida nacional com os
movimentos pró-independência, quando foi adotada como bebida dos
patriotas” em detrimento dos vinhos estrangeiros
70
, Cascudo (2000, p.214)
destaca a presença da bebida no imaginário e no cotidiano popular, afirmando
70
No livro Multissabores – formação da gastronomia brasileira, também há menção aos dias de
glória da cachaça como elemento de resistência nacional (SENAC, 2000, p.71): “Foi durante o
período que antecedeu a Independência do Brasil, quando a [a cachaça] elevaram a um dos
símbolos do patriotismo. O padre João Ribeiro, mentor da Revolução Pernambucana de 1817,
chegou a recusar um cálice de vinho francês e a pedir cachaça para um brinde, pouco antes de
cometer o suicídio, abalado pela derrota do movimento”.
164
que a cachaça possui sinonímia infindável e seus bebedores guardam ritos
especiais para degustá-la, dependendo da ocasião e da pessoa, havendo
fórmulas velhas para convidar, beber, repetir e agradecer. Preocupado em
salvaguardar o produto nacional, principalmente a partir da intensificação das
exportações, o Governo Federal instituiu a denominação oficial da bebida pelo
Decreto nº. 4.851
71
de 2003, cujo artigo 92 estabelece:
Cachaça é a denominação típica e exclusiva da aguardente de
cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de trinta e
oito a quarenta e oito por cento em volume, a vinte graus
Celsius, obtida pela destilação do mosto fermentado de cana-
de-açúcar com características sensoriais peculiares, podendo
ser adicionada de açúcares até seis gramas por litro, expressos
em sacarose (BRASIL, 2003).
A cachaça que acompanha o Barreado (principalmente no município de
Morretes) é ainda mais singular: trata-se da cachaça de banana. Neste sentido,
vale elucidar sua forma de produção: a cana-de-açúcar passa pelos mesmos
processos de fermentação e destilação, mas, uma vez que a cachaça pura está
pronta, esta recebe banana triturada, que fica aromatizando a bebida até o
ponto desejado.
71
O texto regulamentar básico editado pelo Governo brasileiro para disciplinar a produção e
comercialização de cachaça no Brasil é a Instrução Normativa nº. 13, de 29 de junho de 2005,
baixada pelo Ministro da Agricultura e publicada no Diário Oficial da União em 30 de junho de
2005.
165
FIGURA 7 – VARIEDADE DE CACHAÇAS MORRETENSES, MORRETES (PR)
FONTE: o autor (2008)
Esta associação do Barreado morretense à cachaça se dá por conta da
ampla tradição dos alambiques na cidade e ao fato de muitas famílias
tradicionais (cujos descendentes são hoje donos de restaurantes) serem ou
terem sido produtores de cachaça.
Com o auge da produção de açúcar em todo o Brasil, foram
decretadas as implantações de engenhos centrais em
determinados pontos do país. Um deles foi introduzido na
cidade de Morretes. O engenho central foi implantado na
Colônia Nova Itália, com o apoio do poder público, e toda a
cana produzida era vendida somente ao engenho central
(CASILHO, 2005, p.23)
Descontentes com o baixo valor que recebiam pela cana-de-açúcar, os
produtores decidiram suspender a venda de cana ao engenho central e
pediram a construção de um engenho de aguardente, pois a colônia possuía
estrutura para tal. Os pequenos produtores de aguardente começaram a
concentrar-se por toda a região, a maioria ao redor do Rio Anhaia, e ali se
instalaram e desenvolveram seus alambiques, passando a produzir a famosa
cachaça morretiana (CASILHO, 2005, p.24).
Luiz Malucelli (2008), empresário morretense, afirma que Morretes é
sinônimo de Barreado e Cachaça, tendo em vista a tradição ligada às duas
iguarias Sempre, sempre Morretes, isso é da época dos meus pais, dos meus
166
avôs, sempre Morretes era vinculado ao Barreado e à cachaça. São os dois
ícones daqui. Segundo o entrevistado, a cidade produz cachaça mais de
200 anos e sua família foi dona de um engenho bastante tradicional.
Dona Laurice De Bona (2008) também fala sobre a produção da
cachaça na cidade, afirmando que ela ganhou impulso quando alguns
engenhos de soque da erva-mate, por questões de queda da produção,
passaram a ser transformados em engenhos de aguardente, devido ao
aumento do plantio de cana e dos preços alcançados pelo produto. A cachaça
de banana, segundo ela, foi celebrizada pela Família Gnatta, que a produzia
com excelente qualidade. Comentando a crise que assolou a produção de
cachaça na cidade, a professora comenta: A família Gnatta, os velhos que
vieram da Itália, morreram e ficou tudo parado. Hoje, os netos deles voltaram a
fabricar a cachaça.
Outro aspecto relacionado ao consumo da cachaça associada ao
Barreado são as superstições associadas à bebida. Mariza Lira escreve:
Conta-se que no litoral, os caboclos que se alimentam somente
de peixe, abusam do Barreado no Carnaval e morrem de
estupor, com o ventre inchado e empedrado. Manda a tradição
que não se beba água, nem durante a ingestão do “Barreado”
nem mesmo até duas horas depois da refeição. A única bebida
permitida é a cachaça. (LIRA, 1977, p. 81).
Correia (2002, p.46) também alerta para que não seja ingerida
nenhuma água durante a degustação do Barreado, pois ela “talha” a gordura, o
que resulta num desagradável mal estar, conselho que também aparece em
outras fontes: o se deve beber água admitindo-se, porém, algumas fortes
doses de cachaça (O ESTADO DO PARANÁ, 2002).
A estudiosa do Barreado
continua:
é por isso que a pinga vai tão bem. Ela, ao contrário da água,
desmancha a gordura, não o tornando um prato indigesto. Por esse motivo os
“pilequinhos são freqüentes nessas ocasiões (CORREIA, 2002, p.46). Norma
de Freitas, da Casa do Barreado, oferece uma seleção de cachaças para o seu
cliente, e comenta: cachaça não se toma antes nem durante, quer dizer, tem
gente até que gosta. Mas tradicionalmente se toma depois, para ajudar na
digestão do Barreado (FREITAS, 2008).
167
3.5 DAS INOVAÇÕES RELACIONADAS AO BARREADO
Considerando que os hábitos alimentares constituem práticas culturais,
torna-se natural a percepção de que o preparo e o consumo de determinados
pratos ao longo dos anos sofra adaptações e alterações. Observa-se que tais
inovações não se dão apenas no âmbito comercial, mas também são operadas
no âmbito doméstico, buscando inclusive a otimização das condições de
preparo.
Dentre estas inovações, que transcendem as pequenas adaptações
dos ingredientes e da forma de preparo de acordo com as preferências e
experiência dos cozinheiros, algumas merecem atenção especial, sendo elas o
tipo de panela utilizada, as novas formas de vedação das panelas, os fogões
utilizados, o hábito de congelamento para venda, a preocupação em relação à
gordura e as reinterpretações da receita.
3.5.1 Das panelas
As panelas de barro não são apenas consideradas as mais adequadas
para a preparação da iguaria, como também integram sua tradição,
participando de toda apresentação iconográfica (fotos ou ilustrações)
relacionada ao Barreado divulgada por restaurantes, prefeituras e governo
estadual. Inclusive, por conta desta íntima associação com o prato, ao ponto de
caracterizá-lo e representá-lo, verifica-se nos mercados e lojas de artesanato
das cidades pesquisadas a oferta de diversos souvenirs (as populares
“lembrancinhas”), confeccionados de forma artesanal ou industrial que
reproduzem as panelas barreadas em miniaturas, imãs de geladeira e em
outros objetos.
168
FIGURA 8 CHAVEIRO NO FORMATO DA PANELA DE BARREADO, MORRETES
(PR)
FONTE: o autor (2008)
FIGURA 9 IMÃ DE GELADEIRA NO FORMATO DA PANELA DE BARREADO,
MORRETES (PR)
FONTE: o autor (2008)
169
FIGURA 10 IMÃ DE GELADEIRA COM PANELA DE BARRO E BANANA,
ANTONINA (PR)
FONTE: o autor (2008)
FIGURA 11 – MINIATURA DE PANELA DE BARREADO, MORRETES (PR)
FONTE: o autor (2008)
170
FIGURA 12 MINIATURA DE PANELA DE BARREADO COM CASARIO,
PARANAGUÁ (PR)
FONTE: o autor (2008)
Segundo os cozinheiros mais tradicionalistas, a opção pela panela de
barro se por conta do sabor final conferido ao prato. A panela de barro dá
uma grande diferença, não tenha dúvida. A de alumínio peca um pouco, mexe
no gosto da carne (ALCOBAS, 2008). Norma de Freitas (2008), que também
usa panela de barro, argumenta:
Eu procuro manter a tradição e fazer em panela de barro.
Porque eu continuo fazendo em panela de barro? Porque eu
acho que é o diferencial do sabor. Não vou dizer que o outro
não fique bom, ele até pode ficar bom, mas com panela de
barro fica melhor. Tem algo diferente, tem um curtido diferente,
um toque diferente. Se a pessoa não conhece, conhece
do outro (feito em panela de alumínio), ela não consegue
diferenciar. Mas a partir do momento em que você experimenta
feito em panela de barro você sente a diferença, consegue
diferenciar. Então a gente procurou manter a maneira
tradicional (FREITAS, 2008).
Contudo, apesar de participar diretamente da história e do folclore
vinculado ao prato, o uso da panela de barro parece estar sendo abandonado
ou ainda ficando restrito ao uso doméstico (onde também se verifica o uso da
171
panela de alumínio) ou aos restaurantes que preparam porções menores de
Barreado.
Helena Maria Menezes, proprietária e cozinheira do Restaurante
Estrela da Terra, em Curitiba, especializado em cozinha paranaense, dá sua
opinião sobre a utilização desses utensílios na produção comercial:
A panela de barro tem vários problemas. Porque seu uso é
desaconselhado para restaurantes, pela Vigilância Sanitária.
No entanto, pode-se usá-la ao fazer a receita em casa, pois
nada indica que seu uso seja prejudicial. Este é um cuidado
mais para manter a higiene do local em que são servidas
muitas refeições. Então a gente, modernamente, tem que se
adaptar às regras (MENEZES, 2008).
Gilmar Cunha, proprietário do Restaurante Lubam de Morretes,
também desenvolve um raciocínio semelhante:
Usamos um panelão normal de alumínio [...] Colocar em panela
de barro não dá, porque hoje não existe um panelão no
tamanho suficiente, porque a quantidade que a gente faz é
muito grande. Trinta quilos de carne mais ou menos. É
perigoso trincar, é uma questão até de saúde, eu nem sei se a
Vigilância Sanitária permite usar panelão de barro. E facilita
mais, não tem o risco de estourar um panelão, de trincar a
panela no fogo (CUNHA, 2008).
Deve-se observar que a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária) não estabelece regras específicas em relação ao uso das panelas de
barro, portanto não proibição para tal. Entretanto, a Resolução nº. 216/2004
(vide anexo III), que define as chamadas Boas Práticas (denominação dada
aos procedimentos que devem ser adotados por serviços de alimentação a fim
de garantir a qualidade higiênico-sanitária e a conformidade dos alimentos com
a legislação sanitária) para serviços de alimentação, institui os seguintes
parâmetros:
4.1.17 As superfícies dos equipamentos, móveis e utensílios
utilizados na preparação, embalagem, armazenamento,
transporte, distribuição e exposição à venda dos alimentos
devem ser lisas, impermeáveis, laváveis e estar isentas de
rugosidades, frestas e outras imperfeições que possam
comprometer a higienização dos mesmos e serem fontes de
contaminação dos alimentos (ANVISA, 2004).
172
Assim, apesar de não haver uma proibição em relação ao uso da
panela de barro há restrições quanto à sua textura, pois a porosidade, as
imperfeições e a certa permeabilidade verificadas em tais utensílios impedem
ou prejudicam uma higienização adequada, constituída segundo a ANVISA por
duas etapas: a limpeza (operação de remoção das substâncias minerais e/ou
orgânicas indesejáveis, tais como terra, poeira, gordura e outras sujidades) e a
desinfecção (operação de redução por método físico ou agente químico, de
número de microorganismos em nível que não comprometa a qualidade
higiênico-sanitária do alimento).
FIGURA 13 PANELA DE ALUMÍNIO EM FOGÃO À LENHA, RESTAURANTE
MADALOZO, MORRETES (PR) (a panela de pressão é para o almoço dos
funcionários, não para o Barreado)
FONTE: o autor (2008)
Dona Maria da Glória (Silveira, 2008) pondera: quando faço Barreado
em pequena quantidade faço em panela de barro. Quando é em grande
quantidade faço na panela de alumínio. Mas o processo em panela de alumínio
é o mesmo! Na forma de montar a panela e na hora de fechar é a mesma
coisa! Aliás, observa-se que para a cozinheira do Restaurante Nhundiaquara o
importante é ater-se ao processo, não necessariamente ao utensílio:
173
Eu fui visitar o meu sobrinho em Belo Horizonte e preparei o
Barreado em panela de pedra. E eu achei a panela de pedra
uma maravilha, porque a pedra pega o calor. Fiz uns dez
quilos, quinze quilos de carne e ficou uma delícia. Porque é o
mesmo processo, é tudo a mesma coisa, muda a panela.
Não tem problema (SILVEIRA, 2008).
O empresário João Carlos Carmezim comenta que em seu restaurante,
em Paranaguá, o Barreado é preparado e servido em panela de ferro, e
argumenta:
Não é tradicional como deveria, ser feito em panela de barro.
Aqui nós fazemos numa panela de ferro, mas também não é
numa panela de pressão! Ela não é hermeticamente fechada,
então a gente cozinha um pouco mais. A tampa também é de
ferro, então ela quase veda, o vapor sai em volta dela, mas não
precisa lacrar (CARMEZIM, 2008).
Dona Isa Azim (2009), hoje usuária da panela de alumínio, comenta:
mudei de panela quando tive que fazer Barreado para muita gente. Porque daí
você corre um grande risco com as panelas de barro e também a gente o
encontra mais panela boa do tamanho que precisa. Curiosamente, Dona Isa,
que desenvolveu sua própria técnica de vedar a panela, não usa panela de
pressão por um certo pudor:
Eu não uso panela de pressão mais por uma vergonha de dizer
que foi em panela de pressão. É mais uma vaidade, porque na
verdade não teria porque, que não uso mais a panela de
barro [...] mas é mais porque aqui em Antonina a gente critica
muito “Ah, Barreado com panela de pressão...”, porque não é
um simples cozido, sabe? (AZIM, 2008)
Se o uso de panelas e panelões de alumínio parece bem assimilado, a
opção pela panela de pressão
72
é bastante polêmica e a afirmação publicada
na Gazeta do Povo (2005) hoje em dia, o Barreado não é mais feito em
72
“O físico francês Denis Papin (1647-1712) inventou a panela de pressão em 1679, batizando-
a inicialmente de ‘digestor a vapor’. Papin apresentou a novidade como um ‘aparelho para
amolecer ossos e cozinhar carne em pouco tempo’. Seu funcionamento baseia-se numa lei da
física segundo a qual quanto maior a pressão do ar, maior a temperatura de evaporação da
água. E, portanto, mais pido o cozimento. Para evitar a explosão do recipiente, válvulas de
segurança, acrescentadas aos modelos modernos, deixam o vapor escapar quando a pressão
atinge um valor limite. Papin previu a possibilidade de um veículo para estradas que utilizaria
princípios semelhantes da energia do vapor” (DUARTE, 1997, p.185).
174
panelas de barro. Costuma-se utilizar uma panela de pressão que acelera o
processo de cozimento para dez, doze horas “apenas não se mostrou uma
realidade nem na cozinha doméstica, nem na cozinha comercial. A panela de
pressão teve seu uso admitido apenas nos restaurantes Restaurante Estrela da
Terra (Curitiba), Restaurante Gusso (Antonina) e Restaurante Gruta da
Garoupa (Paranaguá).
Helena Menezes, cozinheira e empresária de Curitiba, utiliza panela de
pressão e justifica sua opção, comentando as restrições quanto à panela de
barro e falando de seus cuidados para manter a qualidade do prato:
Eu faço na panela de pressão que eu descobri que na verdade
o gosto se em função da cocção lentíssima, e não de ser
brasa ou chama de gás [...] Não tem outra explicação de uma
comida antiga ser tão mais gostosa que uma comida atual. A
explicação foi que a comida antigamente era feita lentamente
por causa das brasas (MENEZES, 2007).
Rosana Abe (2008), adepta da panela de pressão, reconhece que a
tradição reside na utilização da panela de barro, mas argumenta diante da
dinâmica de um restaurante comercial:
Eu faço em panela de pressão de vinte e cinco litros. Porque a
receita tradicional é em panela de barro, inclusive fica de um
dia pro outro. [...] a maioria diz que panela de pressão tira o
sabor e eu acredito que panela de barro faz sim toda a
diferença. Mas como pra nós ficaria muito difícil preparar em
panela de barro, então fazemos em panela de pressão mesmo
(ABE, 2008).
De forma geral, a utilização da panela de pressão é motivo de grande
rejeição. Barreado feito em panela de pressão é uma coisa muito rápida, não
tempo de formar aquele caldo, nada. E vai água. Daí não tem o que fazer!
(PEIXOTO, 2008). A panela de pressão apresenta a desvantagem de deixar
escapar o vapor (BARREADO..., 1961, p.41). Não usamos panela de pressão
porque vaza todo o tempero, perde todo o sabor, porque o tempero vai todo
embora, perde a qualidade do produto (CUNHA, 2008). Dona Maria da Glória
declara:
175
Eu não gosto de panela de pressão porque eu não gosto, fica
com um gosto ruim. Eu não faço em panela de pressão e
nunca fiz, e não faço, porque se você fizer Barreado em panela
de pressão você tem que cozinhar um tempo com a panela
aberta para sair aquele cheiro, eu não sei te explicar, mas eu
não gosto muito (SILVEIRA, 2008).
Proprietária de um restaurante por quilo em Paranaguá, o Gruta da
Garoupa, Rosana Abe serve o Barreado três vezes por semana, preparando-o
em panela de pressão e servindo-o no Buffet, junto com as demais comidas:
Nós colocamos na cuba porque o meu Buffet é um Buffet
elétrico, com as cubas em que são servidas as comidas. Ele
vem dentro da cuba porque assim ele se mantém quente. Não
fica tão charmoso, porque o Barreado eu acho que tem todo
um charme, com aquela mesa com a panela de barro, com a
farinha, com a banana. Isso sempre um charme, mas nós
servimos na cuba porque o nosso trabalho aqui é muito prático,
tem que ser tudo muito prático (ABE, 2008).
Argumentando que em seu estabelecimento o Barreado é oferecido
como uma opção dentre tantas outras, característica própria dos restaurantes
com este sistema de serviço, a empresária e cozinheira continua seu
raciocínio, afirmando:
Mas eu acho que servir em panela de barro faz toda uma
diferença. Eu percebo nos restaurantes onde servem com a
panela de barro, com a farinha. Eu já provei alguns Barreados
que não eram tão bons, mas eles acabam ficando bons por
isso, por todo um charme que você coloca. Porque para quem
gosta de comer tem tudo isso, vê tudo isso (ABE, 2008).
O serviço do Barreado no alumínio ou no inox é duramente criticado,
mesmo pelos que o preparam em panelas convencionais. Nair, que prepara o
seu Barreado em panela de barro, sustenta:
O Barreado servido em cumbuca de alumínio, ali no inox, você
assassina o Barreado. Você assassina o Barreado! Tem que
ser em cumbuca de barro, tem que ser! Até porque... como é
que você vai fazer um pirão com um Barreado que fica numa
cumbuca de inox? Tem que estar fervendo o caldinho dele para
você conseguir escaldar a farinha, do contrário tchauzinho
escaldar farinha! Aí fica aquele gosto de farinha crua e você vai
dizer: Ai que coisa horrorosa que é o Barreado! (WELZEL,
2008).
176
Ponderando sobre a incorporação da panela de alumínio no preparo do
Barreado, Norma de Freitas, usuária da panela de barro, analisa a situação:
logicamente, por questões operacionais, os restaurantes usam o que é mais
prático, porque é difícil deixar uma panela de um dia para o outro no fogo. E
eles têm um grande volume de atendimento, então eles têm que fazer mais
rápido. E complementa:
É muito mais fácil colocar num alumínio, como o pessoal faz,
ou colocar em uma panela de pressão, porque em vez de ficar
vinte e quatro horas cozinhando, em meia hora está pronto. Daí
a dificuldade dos restaurantes de manterem a tradição. Então
eles cozinham em panelas convencionais e colocam nas de
barro para servir (FREITAS, 2008).
Deve-se mencionar, porém, que fazendo alusão ao tradicional
cozimento em panela de barro, na maioria dos restaurantes a iguaria é levada
à mesa dos comensais em cumbucas ou recipientes de barro, para que o
cliente possa preparar seu próprio pirão e se servir conforme sua vontade. A
substituição da panela de barro pela panela de alumínio representa uma
adaptação diante da intenção de alcançar uma produção comercial em maior
escala, o serviço do Barreado em cumbucas de barro constitui uma forma de
apresentação que faz apelo às suas raízes mais tradicionais, retomando uma
idéia de passado que se deseja resgatar, numa tentativa de manter a aura de
tipicidade vinculada ao prato.
3.5.2 Das vedações das panelas
Como comentado anteriormente, a vedação da panela tem como
objetivo conter a saída do vapor e propiciar o lento e adequado cozimento da
carne. O pirão tradicional usado na vedação, composto por farinha de
mandioca, cinza e água, sofreu algumas alterações e hoje praticamente não é
feito com cinzas, provavelmente pela dificuldade de acesso a elas em uma
cozinha convencional (o fogão à lenha fornece a cinza, o que o fogão à gás
177
não proporciona). A farinha de trigo também aparece como ingrediente para
fazer a tal massa, mas às vezes é substituída pela farinha de milho ou
simplesmente excluída, sendo que apenas a farinha de mandioca parece ser
indispensável. Dona Laurice De Bona (2008), por exemplo, declara colocar
fubá na massa que usa para vedar a panela, juntamente com a farinha de
mandioca e a água:
Eu barreio com trigo com fubá, ou eu faço com cinza, como eu
ainda tenho fogão de lenha na minha casa, eu pego um
pouquinho de cinza para ficar bem original mesmo. Mas na
maioria das vezes eu uso trigo, fubá ou o trigo e a farinha de
mandioca. O trigo é fininho, o fubá e a farinha de mandioca são
mais grossinhos, então dá aquele ponto e não gruda na mão
(DE BONA, 2008).
A folha de bananeira, por sua vez, é o principal foco de substituição. As
folhas de bananeira, antes abundantes nos quintais e sítios da região, se
tornaram mais difíceis de serem encontradas, principalmente diante da
necessidade de se conseguir folhas frescas inteiras, sem rachaduras ou
rasgos. Dona Laura Camargo, por exemplo, trocou a folha de bananeira pela
folha de couve, mais fácil de conseguir na cidade. Dona Maria da Glória fala da
dificuldade de se usar folhas de bananeira e sua solução para quando o
consegue folhas de boa qualidade:
Não é sempre que tem folha de bananeira, porque a folha de
bananeira tem que ser inteira. O vento parte muito, ela abre. E
ela tem que ser fechada. Então a gente pega mais do broto,
porque ela é fechadinha e ela não parte. Então eu ponho ela na
chapa, porque eu cozinho com fogão à lenha. Eu tenho um
fogão à lenha aqui, aquele grande ali. Então eu coloco a folha
de bananeira na chapa e você molda do jeito que você quiser.
Fica um papel! Daí você põe na tampa e amarra com barbante
e daí veda com o pirão de cinza com farinha. E na panela de
alumínio eu faço a mesma coisa. E quando está ventando
muito e não tem folha de bananeira boa eu pego a folha de
papel celofane, que faz as mesmas vezes e é mais limpo. Que
é o único que segura o calor, pode colocar que não arrebenta
nem nada (SILVEIRA).
Dona Isa Azim (2008) compartilha sua técnica: eu fecho a panela com
papel alumínio e daí eu ponho aquele roloplak, aquele plástico filme. Esses são
a minha folha de bananeira e a minha massa de barrear. Gilmar Cunha, do
178
Restaurante Lubam, também prepara seu Barreado em panelas grandes de
alumínio, e comenta como as panelas são vedadas em seu estabelecimento:
Nós cozinhamos não na panela de pressão, mas sob pressão.
Antigamente era fechado em panela de barro. Hoje a gente
fecha com papel celofane, que é mais higiênico, amarra, põe
uma tampa e um peso para não vazar. Porque é o cozimento
sob pressão que o tempero vai concentrando na carne
(CUNHA, 2008).
Maristela Robassa, do Restaurante e Pizzaria Terra Nostra, também é
adepta da panela de alumínio, mas promove a vedação de uma forma próxima
à tradicional, subtraindo a folha de bananeira ou equivalente e amarrando a
tampa fortemente. Ela fala com bom humor:
Primeiro a gente amarra a panela com a tampa com fio de luz,
a gente brinca que a nossa panela é elétrica <risos>. Porque
quando ela levanta fervura <risos>, com a fervura ela vai se
soltar, então a gente amarra ela e faz a borda com a farinha de
mandioca, o trigo e água faz aquela massinha, faz a vedação
dela e daí na fervura ela vai procurar um furinho ali, daí a gente
abaixa o fogo, normalmente ela fura do lado que não está a
coifa, daí a gente tem que ir arrumar ela. Sabe que o cheiro
assim, é bem forte quando ela está levantando a fervura
(ROBASSA, 2008).
Observa-se que esta prática de utilizar a panela de alumínio vedada de
uma forma mais tradicional é comum em vários restaurantes de Morretes, tais
como o Madalozo, o Lubam, o Casarão, dentre outros, constituindo um
amálgama da tradição com a inovação que torna possível milhares de pessoas
degustarem o Barreado todos os finais de semana no município. Em Antonina
e em Paranaguá, deve-se observar, tal procedimento não foi identificado.
179
FIGURA 14 DETALHE DA PANELA DE ALUMÍNIO VEDADA
TRADICIONALMENTE, RESTAURANTE MADALOZO, MORRETES (PR)
FONTE: o autor (2008)
3.5.3 Dos fogões
O antigo hábito de cozinhar colocando as panelas em valas,
improvisando um fogão rudimentar, foi abandonado diante da praticidade do
fogão à lenha e da inviabilidade da manutenção desta tradição. Falando sobre
as adaptações que a receita tradicional da família de sua esposa sofreu para a
transposição da iguaria para a cozinha de um restaurante comercial, Luiz
Romanus (2008), proprietário do Armazém Romanus, em Morretes, responde:
fora enterrar a panela? Eu não enterro, porque isso eu não posso fazer.
Helena Menezes, do Restaurante Estrela da Terra, comenta um episódio
interessante envolvendo sua tentativa de reproduzir essa técnica de preparo:
Adaptei, mas não para o gosto dos meus clientes. Mas adaptei.
Por exemplo, eu não tenho como enterrar uma panela de barro
aqui em Curitiba. Eu até tentei, mas a primeira vez que eu fiz
fogo fora, foi aqui em baixo num buraco, lançou uma
fumaceira, uma fumaceira... e veio o fiscal do Meio Ambiente
(da prefeitura) e disse que eu não poderia fazer desse jeito
(MENEZES, 2007).
180
O cozimento em valas foi substituído com sucesso pelo fogão à lenha.
Nota-se que desde o primeiro momento, a invenção dos fogões
73
foi resultado
de esforços para tornar as técnicas de cocção mais rápidas e também mais
seguras para os cozinheiros. Entretanto, o uso do fogão à lenha tem ainda
alguns aspectos complicados, tais como o tamanho que ocupa em uma
cozinha, a necessidade de adaptá-la com chaminé e ainda a necessidade de
obtenção de madeira na quantidade certa. Falando sobre o que seria o ideal
vinculado à tradição e o que se faz necessário diante das exigências para a
manutenção de um restaurante comercial, Joaquim Santos Filho, do Cantinho
de Antonina, argumenta:
Eu não tenho dúvida de que feito na panela de barro e no
fogão de lenha o gosto ainda é mais diferente, é ainda melhor.
Porque o fogo de lenha tem outro sabor, diferente do fogão à
gás. Mas hoje é muito difícil, a gente quase que o tem muito
acesso a esses fogões. Você até pode ter, eu tenho meu fogão
de lenha, mas não tem como trabalhar com ele para a escala
restaurante. É difícil hoje, até por causa da própria madeira,
que barra você na frente com o IBAMA e com os órgãos que
fazem esse tipo de controle. Porque se você não tiver uma
madeira correta, ainda arrisca levar uma multa. E
principalmente no meu caso, por ter uma empresa e ter
atendimento de alta produção (SANTOS FILHO, 2008).
O pesquisador e cozinheiro Caloca Fernandes (2007) escreve que as
tentativas de preparo na prática panela de pressão e no contemporâneo fogão
à gás falharam: o tempo e a paciência são ingredientes indispensáveis para o
seu resultado final, opinião que não é compartilhada por Menezes (2007), que
defende o preparo em panela de pressão, pois considera, a partir de sua
experiência profissional, que o sabor do Barreado se em função da cocção
lentíssima e independe da fonte de calor ser brasa ou chama de gás.
73
“Em 1630, o inventor inglês John Sibthrope patenteou um fogão de metal, aquecido por
carvão. Sua idéia era cozinhar acima do fogo, e não mais dentro de uma chama acesa. O
processo de cozimento era mais lento, pois a chapa do fogão precisava ser aquecida primeiro.
Apenas em 1802, o também inglês George Bodley criou um fogão de ferro fundido e
aquecimento regular” (DUARTE, 1997, p.113).
181
Com a popularização do fogão à gás
74
, o uso dos fogões à lenha
terminou restrito às varandas das casas e a poucas cozinhas de restaurantes.
Em Antonina apenas um restaurante possui um fogão à lenha em sua cozinha
(Le Bistrot) e em outro o Barreado é preparado no fogão à lenha que a
proprietária possui em sua residência (Buganvil´s). Em Morretes, verificou-se a
existência de fogões à lenha no Restaurante Nhundiaquara, Restaurante
Madalozo e no Restaurante Vila Morretes, este, inclusive, com um fogão à
lenha no salão, destinado ao serviço do Barreado e preparação do pirão.
Verificou-se a partir dos levantamentos realizados que embora a visão
nostálgica do Barreado preparado em fogão à lenha permaneça, o uso do
fogão à gás é realmente disseminado e colocado em prática
contemporaneamente.
FIGURA 15 FOGÃO À LENHA, RESTAURANTE NHUNDIAQUARA, MORRETES
(PR)
FONTE: o autor (2008)
74
No mesmo ano (1802), o austríaco Zachaus Andreas Winzler foi o primeiro a utilizar gás
para cozinhar. Promoveu assim várias festas para popularizar seu fogão à gás. Há outros
estudiosos que afirmam que o autor da primeira refeição à gás foi o alemão Frederick Albert
Winson. Muitos dos fogões à gás experimentais eram perigosos, soltando fumaça e
explodindo. Um modelo seguro e prático foi projetado pelo inglês James Sharp, gerente
assistente da Companhia de Gás de Northampton, que o instalou na cozinha da sua casa, em
1826. Os primeiros modelos a ser produzidos com fins comerciais foram adquiridos pelo Hotel
Bath e pela Hospedaria Angel, em 1834. Dois anos depois, Sharp abriu uma fábrica de fogões
à s em Northampton, empregando 35 pessoas. Os primeiros fogões elétricos apareceram
inicialmente nos restaurantes, em 1889. Os modelos domésticos vieram dois anos depois,
desenvolvidos pela empresa Americana Carpenter Eletric Company” (DUARTE, 1997, p.113-
114).
182
Essa apreciação nostálgica do fogão à lenha parece inclusive ter
motivado uma especificidade do novo salão de refeições do Restaurante
Lubam, de Morretes. O espaço possui um grande fogão à lenha funcionando
como um Buffet de pratos quentes, dentre eles o Barreado. O detalhe que
chama a atenção é que, na verdade, se trata de um fogão à gás com fisionomia
de fogão à lenha.
FIGURA 16 – FOGÃO À GÁS, RESTAURANTE LUBAM, MORRETES (PR)
FONTE: o autor (2008)
FIGURA 17 – FOGÃO À GÁS, RESTAURANTE LUBAM, MORRETES (PR)
FONTE: o autor (2008)
183
Este fogão, que tem a praticidade da modernidade com feições
tradicionais, compõe o ambiente não apenas em termos decorativos, mas
também contribui para a idéia de tipicidade que se deseja consolidar junto ao
comensal.
3.5.4 Dos congelados
Analisando o consumo alimentar contemporâneo, Claude FISCHLER
(1998, p.851) considera que, além do preço, três são as dimensões essenciais
dos produtos a serem oferecidos aos consumidores que permitem avaliar seu
potencial de sucesso: em primeiro lugar, é claro, o sabor e as qualidades
organolépticas (valor do prazer); mas também o valor da saúde e a
comodidade de utilização. Argumentando que os dois primeiros fatores são
sujeitos a valores culturais, Fischler (1998) salienta que a comodidade de
utilização dos alimentos (subentendendo-se seu preparo e consumo)
desempenha hoje um papel determinante sob os olhos do consumidor. Neste
processo de “facilitação” das transformações culinárias tem-se os alimentos
desidratados, os semi-prontos e principalmente os congelados.
Bonin e Rolim (2008), analisando o consumo alimentar contemporâneo,
indicam uma série de mudanças sociais (como a entrada da mulher no
mercado de trabalho, o tempo reduzido para as refeições, o aumento do
número de pessoas que moram sozinhas, dentre outros) que terminam por
alterar os hábitos alimentares:
Tais mudanças vêm contribuir para a criação de novas
necessidades em torno da função alimentar: comodidade na
preparação dos alimentos; produtos com prazo de conservação
garantidos; industrialização das atividades da cozinha;
produtos fáceis de serem utilizados e de rápido cozimento;
utensílios de louça específicos; fornos de microondas e
alimentos congelados (BONIN; ROLIM, 1991, p.84).
Explicando a operacionalização de suas cozinhas, muitos cozinheiros e
empresários admitiram que preparam o Barreado em média duas vezes por
184
semana e congelam o excedente para usá-lo nos dias de maior movimento.
Todos que adotam esta prática a justificam diante da boa reação do Barreado
ao congelamento e a dificuldade (dado o grande tempo de cozimento) de
prepará-lo todos os dias, principalmente nos restaurantes que também
trabalham com outros pratos, em especial os que adotam o sistema À La Carte:
Não tem aquela regra “ah, tem que fazer o Barreado todo dia”.
Não tem porque, porque senão você se desgasta e desgasta a
sua cozinha, a sua equipe, porque na cozinha de um
restaurante você não tem isso para fazer, e o Barreado é
muito demorado. Então você tem que estipular os dias em que
você faz o Barreado (SOUZA, 2008).
Atendendo à demanda dos próprios clientes, alguns restaurantes
comercializam porções de Barreado, tiradas na hora da panela ou ainda
congeladas. Em Antonina, o restaurante Albatroz, que comercializa a iguaria
congelada para os clientes que se deslocam até o supermercado, planeja a
inserção de seu produto nos supermercados. O cozinheiro e empresário fala da
diferenciação de seu produto:
O meu Barreado vai para o mercado concentrado. Você chega
em casa, coloca um copo de água e daí você vai ver ele
dissolver.Daí você vai fazer o pirão, que o caldo vai estar bem
concentrado, pois ele sai direto da panela e vai direto para
embalar. Eu vou vender oitocentas gramas de carne, com o
suco do Barreado, só com aquela parte grossa e cremosa
(ABREU, 2008).
O restaurante Lubam em Morretes já industrializou sua produção e
mantém junto à sua sede um quiosque próprio para a venda direta do Barreado
congelado, comercializando porções de 800g e de 8 kg (esta última uma
grande barra que é adquirida inclusive por outros restaurantes):
A gente faz e se sobra a gente congela pros próximos dias.
Inclusive serve até para outros restaurantes quando eles
precisam, quando falta em feriados prolongados. Além dos
congelados de 800gr nós temos blocos de 8kg e nós servimos
inclusive em Curitiba, em restaurantes, porque facilita. O
Barreado é fácil de fazer, mas é demorado. Você tem que
cozinhar muito tempo (CUNHA, 2008).
185
FIGURA 18 EMBALAGEM BARREADO CONGELADO LUBAM (frente), 800g,
MORRETES (PR)
FONTE: o autor (2008)
FIGURA 19 EMBALAGEM BARREADO CONGELADO LUBAM (verso), 800g,
MORRETES (PR)
FONTE: o autor (2008)
Outras marcas que podem ser encontradas nos supermercados são a
Cidreira e a Morretes, ambas produzidas em Morretes. Diante da afirmação de
que o Barreado agüenta bem o congelamento e de que não vale a pena
preparar pequenas porções, inúmeros restaurantes, tanto de Antonina, quanto
186
de Morretes e Paranaguá adotam a prática de preparar o Barreado em porções
maiores e congelar o excedente para uso no próprio estabelecimento.
FIGURA 20 – EMBALAGEM BARREADO CIDREIRA, 800g, MORRETES (PR)
FONTE: o autor (2008)
FIGURA 21 EMBALAGEM BARREADO CONGELADO MORRETES, 800g,
MORRETES (PR)
FONTE: o autor (2008)
Tem-se claro que um prato congelado, por mais que seus produtores
sustentem um discurso de que é preparado artesanalmente, consiste em um
alimento industrializado, tendo em vista os processos (resfriamento,
187
embalagem, congelamento, transporte com controle de temperatura) aos quais
deve ser submetido para chegar em condições adequadas ao consumidor final.
Os sistemas de logística fazem com que tais produtos cheguem aos mais
diversos destinos e pontos de venda, promovendo uma desterritorialização da
iguaria. No caso específico do Barreado, uma iguaria sempre degustada
coletivamente, a perspectiva da comensalidade inerente ao prato também é
quebrada, diante do porcionamento que visa alimentar duas pessoas (a
embalagem de 8 kg do Lubam é uma exceção à regra).
Assim o Barreado chega às gôndolas dos supermercados e é vendido
ao lado das lasanhas, do frango xadrez e das pizzas congeladas, em um
panorama que converte tradições culinárias em comidas rápidas, pratos que
podem ser preparados em poucos minutos com o auxílio de um microondas,
deixando o ritual do cozimento prolongado eclipsado diante da rapidez e da
praticidade do preparo, e serem degustados sozinhos, individualmente, em
qualquer lugar, cidade, região ou país. Verifica-se, entretanto, a partir de uma
breve análise das embalagens dos Barreados congelados, uma tentativa de
conexão do prato com o contexto ao qual pertence. Os congelados Lubam, por
exemplo, mostram na frente da embalagem a panela de barro, a farinheira e a
banana, estes dois últimos elementos vistos apenas parcialmente. No verso,
está escrito “Barreado, o Prato Típico do Paraná” e a embalagem, que contém
também uma pequena porção de farinha de mandioca, ensina a fazer o pirão
(cozido, não escaldado) e instruções sobre como preparar o prato com o
auxílio do microondas ou do fogão convencional.
O Barreado Congelado Cidreira tem em sua embalagem uma imagem
de Morretes com o Rio Nhundiaquara em primeiro plano, sendo que, no centro
da foto, há um recorte apresentando uma panela de barro com a iguaria,
ingredientes como alho e cebola, banana e uma farinheira cheia. O Barreado
também é apresentado como “Prato Típico do Paraná” e ainda a inscrição:
“Morretes, capital gastronômica”. No verso, também instruções de preparo
em fogão convencional e microondas, orientações para preparar o pirão cozido
e ainda indicações de como servir: leve à mesa a cumbuca de Barreado
fervendo, o pirão, o arroz, laranja, banana, saladas e farinha.
O Barreado Morretes possui como logotipo da marca uma panela de
Barreado com uma imagem da cidade de Morretes. Em sua embalagem,
188
aparece a panela de barro, um prato com Barreado, uma farinheira, laranja,
banana e cheiro verde. ainda a indicação de que não contém conservantes
químicos e a observação tipo caseiro, produto artesanal. No verso,
instruções de preparo tanto em forno convencional quanto microondas,
orientações para fazer o pirão cozido e sugestões de serviço: ao formar o pirão,
sirva acompanhado de arroz, saladas, banana, laranja e pimenta (se preferir).
Tem-se, portanto, em termos de imagem, uma tentativa de apresentar
o prato associando-o a elementos que lhe são tradicionais, como a panela de
barro, a farinha e a banana. Da mesma forma, mesmo que indicando o preparo
de um tipo de pirão que é execrado pelos tradicionalistas, ele é ensinado,
buscando recriar minimamente as condições em que o prato seria degustado
em uma das cidades litorâneas. O Barreado Lubam, inclusive, eleva a
praticidade à potência máxima, incluindo em sua porção uma “dose” da farinha
de mandioca. Reproduzindo estes elementos, seja com o intuito de apresentar
o prato dentro de uma contextualização mínima, ou com a intenção de, a partir
de um verniz de tipicidade valorizar a iguaria, tais produtos submetem a
tradição à despersonalização da industrialização, e o fazem certamente porque
há uma demanda de consumidores ávidos por realizar tal consumo.
3.5.5 Da preocupação em relação à gordura
As preocupações dietéticas e o controle de ingestão de gorduras, tão
freqüentes na vida moderna, muitas vezes entram em conflito com a
apreciação de pratos mais tradicionais, concebidos em períodos em que tais
concernimentos simplesmente não existiam. Como alerta a socióloga Monica
Abdala em seu estudo sobre a culinária mineira ao analisar a permanência dos
pratos típicos no contexto contemporâneo:
Além das exigências que o preparo de pratos típicos demanda,
e que contribuem para a restrição de seu consumo, recai sobre
eles a atribuição de serem perniciosos à saúde e à silhueta. A
dieta dita as regras da boa saúde. A moda dita o corpo esguio.
O colesterol e a gordura são os maiores inimigos nestes
189
tempos. Carne vermelha e banha, nem pensar! (ABDALA,
1997, p.147).
A antropóloga Ana Maria Bonin e a socióloga Maria do Carmo
Marcondes Brandão Rolim também analisam a perspectiva da correlação cada
vez maior entre o comer e a saúde. Para as autoras, tal relação se fortalece na
medida em que os conhecimentos a respeito do organismo humano são
aprofundados e disseminados, bem como acompanha a mudança do padrão
estético, que valoriza cada vez mais corpos delgados e saudáveis.
Assim, as pessoas tendem a seguir também esse novo padrão
estético, atribuindo novos significados para a preparação e o
consumo de alimentos. Estes passam a ser objeto de saúde e
beleza do corpo, implicando numa sacralização do corpo e
dessacralização da comida (BONIN ; ROLIM, 1991, p.81).
Esta vigília em prol da saúde atinge o consumo e o preparo do
Barreado, que por essência é um prato rico em gordura, tendo em vista a
importância da gordura (na carne ou no toucinho/bacon) para sustentar o
cozimento em uma panela fechada, bem como para dar sabor ao prato. Como
alerta Abreu (2008), originalmente o Barreado é uma comida que não é nada
light viu? É gordurosa mesmo!
Tomando como base os entrevistados, nota-se que nas residências e
no âmbito privado tal preocupação não é tão evidente, provavelmente porque a
degustação do prato acontece geralmente em datas festivas, onde a atenção
se concentra mais na celebração e no convívio, e as pessoas se permitem
exceder alguns limites em relação ao ideal de uma “refeição equilibrada”. Além
do mais, verificou-se uma certa resistência entre os entrevistados em alterar
suas receitas de família. Entretanto, no âmbito comercial tal preocupação por
parte da clientela é evidente, sendo percebida e incorporada por vários
empresários do setor. Rosana Abe, proprietária do Restaurante Gruta da
Garoupa, em Paranaguá, afirma:
Tem gente que não come o Barreado porque diz que engorda,
e tem também muitos vegetarianos. Nem tanto vegetarianos,
mas principalmente pessoas que evitam comer carne por conta
da saúde. O meu forte em clientela é de pessoas que cuidam
(da saúde), pois como eu trabalho com uma quantidade de
190
saladas muito grande, muitos dos meus clientes vêm pela
salada e pelo grill (ABE, 2008).
Porém, acompanhando o cotidiano de seu estabelecimento, a
empresária e cozinheira reconhece que as pessoas estão sim preocupadas
com a qualidade e com as características dos alimentos que ingerem, mas
assegura: bem verdade, quem gosta de comer Barreado, quem quer comer,
come! Ele não pensa muito se vai engordar. Se naquele dia este está a fim de
comer, ele vai comer Barreado! E amanhã ele pensa se come um peixinho
grelhado com salada (ABE, 2008).
Norma de Freitas, proprietária de um restaurante em Paranaguá,
sustenta que o Barreado é um prato mesmo forte, calórico, tanto que mantinha
o pessoal com energia para dançar a noite inteira. Eu lembro que quando eu
era nova a gente comia o Barreado no almoço e nem queria jantar. Falando da
preocupação com a gordura por parte dos clientes, argumenta:
A gente procura deixar ele o mais light possível. A carne que a
gente usa é totalmente limpa, não vai nada de gordura, apesar
de ser uma carne de segunda. E depois que ele está pronto a
gente ainda tira o que é possível tirar. Mas ele tem uma certa
caloria por conta da própria composição do prato, por conta
dos ingredientes (FREITAS, 2008).
Ana Eliza Correa de Souza, proprietária de um restaurante em
Antonina, também verifica esta preocupação com os clientes e observa:
Hoje em dia o que as pessoas reclamaram muito é da gordura
da comida. Então você também tem que pensar que se você
coloca uma carne com muita gordura o Barreado vai ficar muito
pesado. E acabam não comendo e não se satisfazendo como é
para se satisfazer. Mas por quê? Por causa de toda uma
sociedade que fica patrulhando e divulgando que não se pode
comer gordura (SOUZA, 2008).
Ilustrando o crescimento deste concernimento pode-se mencionar que
durante o levantamento de fontes foram encontradas algumas receitas de
Barreado light
75
, como a publicada no Jornal do Estado em 1998, ensinada por
75
Produtos denominados light têm, em geral, pelo menos 25% de redução em relação ao uso
comum de determinados ingredientes calóricos, como carboidratos, gorduras e proteínas. São,
portanto, menos calóricos do que as receitas convencionais.
191
Luiz Romanus, proprietário do Restaurante Armazém Romanus em Morretes.
Na versão “normal” 100g de Barreado sem acompanhamentos possui 275 kcal,
enquanto a versão light possui 69,9 kcal:
O segredo da receita leve está no preparo. Carnes especiais,
sem gordura sete ou patinho são cozidas por 12 horas em
panela de barro, temperadas com alho, cebola, cominho e sal.
Para untar, bacon no fundo, produzido especialmente para o
Armazém Romano [Romanus] por um frigorífico de Curitiba
(ESMANHOTTO, 1998).
João Carlos Carmezim, proprietário do Danúbio Azul, em Paranaguá,
fala de algumas alterações que realizaram na receita do prato, buscando
melhor se adaptar ao perfil e às necessidades de sua clientela:
O nosso prato é um pouquinho mais light dos demais, porque
atendemos pessoas que estão sempre viajando, que almoçam
aqui e vão trabalhar. Nós fazemos o Barreado com a mesma
característica, mas um pouco mais light. Nós mexemos no
tempero e na gordura, é um pouco menos gorduroso e a
pimenta é mais sutil, não é como a receita tradicional em que o
prato é forte mesmo, picante. Ele até é picante, mas é mais
suave. E as vezes a pessoa até gosta mais assim, porque tem
muita gente que não gosta de muita pimenta (CARMEZIM,
2008).
Dona Maria da Glória é testemunha da influência das novas
preocupações relacionadas à saúde associadas ao preparo do Barreado. A
cozinheira recorda:
Antigamente eu trazia carne com tutano, com caracu, com osso
e tudo. O Barreado ficava mais gostoso ainda! Eu comprava
com todo o osso e punha tudo na panela, hoje eles nem
vendem mais osso. Eu punha com osso, e nossa, aquilo boiava
assim, o tutano, o caracu boiava assim, e era uma delícia, uma
delícia! E ficava assim forte, forte! Mas daí começaram essa
coisa contra a gordura, então a gente está tirando. Até toucinho
a gente está diminuindo. Porque hoje tem muito dessa coisa de
colesterol, gordura, engordar (SILVEIRA, 2008).
Nota-se que a senhora vive a contradição de ser portadora de uma
tradição, mas também empresária e principal cozinheira do Restaurante da
família. Assim, além de suas preferências pessoais, a entrevistada intermedia
192
também os desejos e as necessidades de seus clientes ao preparar o
Barreado. Admite, portanto, não colocar pimenta no Barreado por conta de
alguns clientes que possuem hemorróidas, bem como preparar o prato sem o
tradicional toucinho para seus hóspedes adventistas (cujo preceito religioso
impede a ingestão de carne de porco), clientes bastante habituais do Hotel e do
Restaurante Nhundiaquara. Mas de todos os cuidados, a redução de gordura é
a mais evidente: hoje a gente não faz mais o Barreado gordo. Porque todo
mundo tem problema de colesterol, o quer engordar. Porque antigamente o
Barreado era de peito, que é uma carne gorda e era mais gostoso
(SILVEIRA, 2008).
3.5.6 Das interpretações das receitas
Cada cozinheiro ou cozinheira termina por adaptar um pouco a receita
e seu modo de fazer conforme sua experiência prática e seu paladar. Mais alho
ou menos alho, inclusão ou não de cheiro verde e outras ervas aromáticas são
um grande exemplo. Entretanto, verifica-se que em algumas variações, mais do
que a inclusão ou exclusão de algum ingrediente, produzem verdadeiras
interpretações do prato, alterando sua composição principal ou propondo novos
acompanhamentos para a iguaria.
Dentre as variantes que foram levantadas, pode-se destacar receitas
em que a carne de gado é substituída, como é o caso do Barreado de Búfalo
(receita que substitui a carne bovina pela carne de búfalo, mais comum em
Antonina, onde criação de gado bubalino); o Barreado de Frango (receita à
base de peito de frango) e o Barreado Natalino (feito com lombo agulha e
alcatra picada, acompanhado por arroz branco, farofa de frutas secas e banana
da terra).
O Barreado também tem sido revisitado em vários festivais
gastronômicos. A receita “Ragu de Barreado com nhoquete de pinhão e
bananas cozidas no vapor de cachaça”, de autoria dos chefs Sandro Duarte e
Guilherme Baran, da Escola de Gastronomia Centro Europeu de Curitiba,
ganhou o prêmio Sabor Brasil 2005 (premiação organizada pela ABRASEL
193
Nacional). Por sua vez, o Barreado Tropical, por exemplo, foi concebido pelo
Restaurante Madalozo de Morretes para o Festival Brasil Sabor
76
em 2006, e
consiste no Barreado acompanhado de salada mista com maionese, arroz
branco, banana maçã, laranja, croquete de peixe, casquinha de siri, banana
recheada à milanesa e camarão à milanesa.
Durante o ano de 2008, no Festival Brasil Sabor, a receita do Penne ao
Barreado (uma porção de penne com molho de Barreado, creme de leite,
cebolinha verde e queijo parmesão), foi lançada pelo Restaurante Madalozo,
de Morretes. Tem-se ainda as releituras que se convertem em aperitivos nos
restaurantes, tais como o bolinho de Barreado (bolinho feito à base de
mandioca e recheado com carne de Barreado), a banana recheada de
Barreado e a pizza de Barreado.
Nota-se que tais interpretações e reinterpretações do Barreado
constituem um exercício da inventividade e criatividade de chefs e cozinheiros,
que se apóiam nesta receita tradicional para o exercício da arte culinária,
utilizando ingredientes e técnicas para criar sabores e exprimir emoções,
proporcionando releituras que terminam por apresentar o Barreado para novos
públicos e perpetuar o interesse vinculado ao prato. Tal qual outras receitas
celebradas da cozinha nacional e internacional, a identificação das novas
versões constitui uma prova irrefutável do sabor característico e da notoriedade
alcançada pelo Barreado, entretanto desperta reflexões acerca de até que
ponto pode se exercitar essa criatividade, sobre qual seria o limite entre uma
reinterpretação e uma desconstrução/descaracterização do prato, ao ponto de
torná-lo irreconhecível.
76
Festival Brasil Sabor: evento gastronômico realizado desde 2006, que em sua segunda
edição, mobilizou simultaneamente 1.528 restaurantes, em 177 destinos turísticos, de 26
estados do país. Promovido pela ABRASEL (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes)
em parceria com o Ministério do Turismo e o Sebrae e que integra um projeto maior, o
Movimento Brasil Sabor, uma ação conjunta que busca a valorização e promoção da
gastronomia brasileira como um diferencial competitivo para o setor de turismo no país. -
194
3.5.7.Tradições e inovações postas à mesa: algumas reflexões
Hoje em dia, muitas modificações foram feitas em sua
preparação e mesmo na maneira de servir, em grande parte
motivadas pela divulgação que o Barreado passou a ter de
alguns anos pra cá. Muitos substituíram a panela de barro pela
panela de pressão; as carnes de segunda, mais difíceis de
limpar e mais gordas, pelas de primeira, mais práticas; o
simples acompanhamento da farinha de mandioca e da banana
crua, por outros pratos. A sua preparação limitada ao domingo
gordo” acabou (ASSOCIAÇÃO DE PRESERVAÇÃO..., [198?]).
A citação acima, pertencente a um folder divulgado em Antonina
na década de 1980, ilustra bem algumas das alterações incorporadas
pelo preparo e consumo contemporâneo do Barreado. Contudo, antes
que a reflexão sobre tais modificações avance, é interessante recuperar
a afirmação de Ana Maria Bonin e Maria do Carmo Marcondes Brandão Rolim
que defendem: convivem em uma mesma sociedade, padrões ditos
“tradicionais e “modernos”, com a predominância de um ou de outro, conforme
a época. Isso se dá, em virtude da sociedade ter também sua dinâmica, e os
hábitos alimentares estarem incluídos nela (BONIN; ROLIM, 1991, p.79).
Assim, se a alimentação se constitui em uma prática cultural, torna-se
plausível que ela se configure e se reconfigure diante de mudanças históricas,
sociais, culturais, econômicas e tecnológicas, que terminam por atingir não
apenas a disponibilidade de produtos e os recursos técnicos para manipulá-los,
mas também os significados que são produzidos e reproduzidos a partir do
preparo e consumo do prato.
Neste sentido, concorda-se também com a antropóloga Maria Eunice
Maciel, que argumenta:
A cozinha de um povo é criada em um processo histórico que
articula um conjunto de elementos referenciados na tradição,
no sentido de criar algo único particular, singular e
reconhecível. Entendendo a identidade social como um
processo relacionado a um objeto coletivo que inclui uma
constante reconstrução, e não como algo dado e imutável,
essas cozinhas estão sujeitas a constantes transformações, a
uma contínua recriação. Assim, uma cozinha não pode ser
reduzida a um inventário, a um repertório de ingredientes, nem
195
convertida em fórmulas ou combinações de elementos
cristalizados no tempo e no espaço. (MACIEL, 2002, p.27).
Acredita-se que é justamente essa permeabilidade a adaptações sem
que seja perdida sua essência que torna as tradições culinárias tão poderosas
do ponto de vista identitário. Mesmo que se façam pequenas adaptações de
ingredientes ou na forma de preparo, os outros elementos que permanecem
tendem a manter o caráter tradicional da iguaria.
Contudo, fica evidente que cada inovação merece ser analisada de
forma pormenorizada, sem que haja generalizações, pois cada uma pode
implicar ou não na mudança de um sentido. Desse modo, a substituição do
toucinho pelo bacon, por exemplo, embora seja inadequada aos olhos dos mais
tradicionalistas, não descaracteriza o Barreado. Por outro lado, a inclusão do
tomate fere com mais voracidade alguns brios, pois representa um Barreado
mais pido, comercial, um elemento estranho à considerada receita original e
que remete à tentativa de “disfarçar” a coloração de um caldo que não passou
pelo processo de cozimento da maneira que deveria. A troca do toucinho cru
pelo bacon é entendida como uma troca de ingrediente, enquanto a inclusão do
tomate representa uma afronta às características consideradas essenciais ao
prato.
Analisando a questão da culinária tradicional em sua tese de
doutorado, Juliana Reinhardt escreve:
Normalmente a alimentação diária é compreendida por
produtos comuns da região e a elaboração é mais simples.
Tudo o que exige mais elaboração é transferido para o campo
da comida cerimonial que aparece, mais freqüentemente, nos
finais de semana e nas celebrações, mas também pode estar
presente no dia-a-dia (REINHARDT, 2007, p.128).
Sabe-se que a degustação do Barreado ficou associada ao período
carnavalesco por tratar-se de um prato cujo ingrediente principal era
considerado caro, pelo tempo destinado ao seu preparo e também pela
praticidade de serviço uma vez que a iguaria estivesse pronta, como foi
comentado no início deste capítulo. Com a ampliação do consumo de carne,
inclusive para grupos menos abastados, o Barreado acabou limitado a
determinadas datas e celebrações por conta da demora em seu preparo e
196
também por ser considerado um prato festivo. Segundo Luce Giard é
justamente a necessidade de técnicas, utensílios e equipamentos específicos,
atualmente bastante raros nos centros urbanos, que muitas vezes termina por
enfraquecer a cozinha regional:
[...] é verdade que os pratos regionais dependem muitas vezes
de uma cozinha rústica, exigindo um cozimento regular, lento e
longo, difícil de reproduzir hoje na vida urbana: nem o tempo
que se pode dedicar nem os aparelhos culinários disponíveis
(tipos de fogão, combustíveis utilizados) lhe convêm. Além
disso, um amplo domínio da cozinha regional se presta aos
banquetes de festa e exigem ingredientes caros na cidade
(caça, por exemplo) e um longo tempo de preparação.
Somando tudo isto, esses traços explicam a nítida
desregionalização das práticas culinárias, como se todo um
estrato histórico se apaziguasse de nossa memória (GIARD,
1994, p.241).
Contudo, no caso do Barreado, verifica-se que a expansão da oferta
comercial da iguaria, bem como o desenvolvimento de uma oferta turística
vinculada, termina por dar novo fôlego ao prato, como será discutido nos
capítulos seguintes. Assim, caso exista dificuldade no preparo (falta de
utensílios, de tempo disponível e até mesmo pouco domínio da receita), tal
degustação ganha as ruas e avança até os restaurantes, mesmo que esta
passagem entre o privado e o público termine por incutir novas contradições
nesse processo.
Verifica-se que algumas das inovações encontradas principalmente
as referentes às trocas de utensílios e equipamentos de cocção - destinam-se
à otimização do preparo e armazenamento da iguaria e ocorrem também no
âmbito doméstico, mas principalmente nos ambientes comerciais. Desta forma,
diante da praticidade, rapidez, higiene e até mesmo segurança dos
funcionários envolvidos em sua manipulação, panelas, fogões e lacres são
substituídos por suas versões mais modernas, proporcionando um predomínio
do “industrial” e da “eficiência” sobre o “artesanal” e o “rústico”. Quando se
observa a utilização de panelas de barro, fogão à lenha e lacres tradicionais em
ambientes comerciais verifica-se que tais permanências se dão também pelo
“gosto especial” que pode ser conferido à iguaria (principalmente no caso das
panelas e dos fogões), mas principalmente por fazerem parte de um discurso,
197
uma opção pela tradição, uma decisão pela reprodução de hábitos antigos que
se tornam pouco cômodos diante das facilidades modernas, mas que remetem
a um passado memorial que se pretende resgatar, valorizar e reviver.
Aos esperançosos em encontrar uma “receita original” ou ainda um
cozinheiro ou cozinheira que se mantenha totalmente fiel ao “modo tradicional”,
vale a certeza da frustração. Por mais que os entrevistados garantissem em
seus discursos uma opção pela maneira mais tradicional de preparo,
invariavelmente admitiam uma ou outra concessão, principalmente diante da
escassez de fogões à lenha. Não que pequenas adaptações excluam tais
tradições culinárias de se constituírem também como alimento-memória ou
ainda um alimento-signo. Estas tradições e inovações interagem, inventando”
novas tradições, que vão sendo gradualmente assimiladas, incorporadas e
assumidas como tal. Na verdade terminam por evidenciar na prática cotidiana
as dinâmicas que envolvem as tradições, demonstrando as negociações que
as mesmas fazem com a modernidade, a fim de permanecerem vivas e se
manterem – justamente - enquanto tradições.
198
4. DA CASA PARA A RUA: O INÍCIO DA MODERNA OFERTA COMERCIAL
DO BARREADO NO LITORAL PARANAENSE
Como pôde ser observado no capítulo anterior, o Barreado é um prato
tradicional, que possui íntima relação com a história e a cultura litorâneas e
cujo preparo transcendeu as casas e tomou as ruas, tornando-se, então,
acessível para pessoas que o desconheciam ou ainda não eram capazes de
prepará-lo em suas próprias cozinhas. Ao ocupar as mesas de restaurantes, o
Barreado transcendeu também o período carnavalesco, quando era (e ainda o
é, em muitas residências) costumeiramente preparado, passando a estar
disponível o ano inteiro, todos os dias da semana.
A passagem do Barreado das casas para as ruas provoca, ao longo
dos tempos, a incorporação de uma série de inovações, seja diante da
necessidade de ofertá-lo em escala comercial garantindo suas condições
higiênico-sanitárias, seja pela necessidade de facilitar e aumentar a produção
da iguaria. O fato é que, embora o Barreado mantenha seu “uso privado”, é no
âmbito comercial que ele ganha notoriedade e se torna um atrativo turístico,
caracterizando-se, por conseqüência, como um fator de desenvolvimento. É
certo que o prato está presente em cardápios de outras cidades. Entretanto, a
preocupação aqui é se debruçar sobre como se dá a oferta comercial da
iguaria – que termina por divulgá-la para além dos limites litorâneos e do
próprio estado do Paraná nos municípios historicamente relacionados a ele e
até hoje intimamente ligados ao seu preparo e a sua degustação.
Nota-se que, em um primeiro momento, diante da idéia de estudar o
Barreado e a sua consolidação como prato típico do Estado do Paraná,
imaginou-se que o processo havia sido promovido pela iniciativa e mediante o
apoio da gestão pública, do estado e dos municípios. Contudo, a partir da
análise das fontes (impressas e principalmente orais), descobriu-se que sua
exploração comercial originou-se da iniciativa de empresários e, apenas
quando muitos dos respectivos estabelecimentos comerciais possuíam uma
clientela formada - e, por conseqüência, um fluxo de visitação estabelecido –, é
que as prefeituras e o próprio Governo do Estado despertam para o potencial
de atratividade do Barreado, e incorporam-no em materiais promocionais e em
199
outras formas de divulgação. Assim, a oferta da iguaria nasce e desenvolve-se
a partir da iniciativa privada, sem a interferência, positiva ou negativa, de um
plano ou um programa de gestão pública.
Desta forma, se é impossível delimitar fatos concernentes à origem do
Barreado em termos de localização específica e data de origem, ficou evidente
a partir da pesquisa efetuada, que a moderna tradição do Barreado -
entendendo aqui esta moderna tradição como sendo a maneira que a iguaria é
preparada e servida comercialmente na contemporaneidade, envolvendo uma
série de tradições e inovações que se conjugam criando novas tradições
começa a ser desenhada em Morretes em meados de 1940 e ganha força ao
longo das décadas seguintes.
Este capítulo, então, tem como objetivo analisar como se deu a
construção da oferta do Barreado, tomando como linha mestra a oferta
comercial da iguaria nos municípios de Antonina, Morretes e Paranaguá e a
atuação dos empresários que participaram ativamente desse processo. Para
tanto, e diante das lacunas encontradas nos arquivos dos órgãos oficiais de
Turismo (do estado e também dos municípios), privilegiou-se as fontes orais,
mas também procurou-se o subsídio das fontes impressas (principalmente
periódicos de circulação no próprio Estado do Paraná) para melhor desenhar o
contexto em que a expansão da oferta do prato ocorre. O fio condutor,
portanto, é o crescimento dos estabelecimentos, tendo como pano de fundo o
panorama do turismo no estado, desde o início da oferta comercial do Barreado
até o final da década de 1970, sendo o período posterior tratado no próximo
capítulo.
4.1. DAS RESIDÊNCIAS PARA OS RESTAURANTES: PRIMEIROS
ESTABELECIMENTOS
A tradição moderna do Barreado não pode ser contada sem que sejam
mencionados três personagens fundamentais: o português Antonio Alpendre,
residente em Morretes, a capelista Ieda Siedschlag e o morretiano
descendente de italianos Honílson Fabris Madalozo. Antonio Alpendre é o
200
fundador do Hotel Nhundiaquara, que inaugura a oferta comercial do Barreado
em meados da década de 1940; Dona Ieda é uma das promotoras do resgate
do Barreado no final da década de 1960 em Antonina e uma das responsáveis
pela fama do prato na década seguinte, e Honílson Fabris Madalozo foi o
fundador do Restaurante Madalazo, primeiro restaurante “de rua” que incluiu o
Barreado em seu cardápio, responsável também por algumas inovações hoje
havidas como “tradicionais”.
Pioneiro da oferta comercial do Barreado, Antonio Alpendre chegou no
Brasil em 1902 e estabeleceu-se em Antonina, atuando como comerciante.
Primeiro manteve um bar, antes de entrar no ramo da hotelaria. Na década de
1920, casou-se com Amália Martinha Alpendre, capelista, com quem teve seis
filhos, sendo a mais velha Maria da Glória Alpendre Silveira, nascida em 1927
e que até hoje está à frente do Hotel e Restaurante da família. Dona Maria da
Glória fala da experiência da família no ramo da hotelaria e da alimentação em
Morretes:
[...] a gente foi o primeiro a ter hotel e restaurante aqui na
cidade. Quer dizer, o primeiro não, o segundo, porque tinha a
dona Martina que tinha o Hotel Central, o antigo Hotel
Central. E esse hotel ela vendeu pro meu pai. Aí meu pai
comprou e mudou dali, pois que eles precisavam da casa,
porque a casa era alugada. E passamos pra Rua XV, onde
hoje é a Caixa Econômica (SILVEIRA, 2008).
O novo empreendimento era também a residência da família, que sofria
assim como seus hóspedes - com as condições relativamente precárias do
novo endereço, conseqüência da pouca estrutura de Morretes na época:
E lá a gente ficou mais ou menos uns cinco anos ou mais, mas
tinha muito pernilongo, a gente não agüentava de tanto
pernilongo e a rua também tinha muito problema porque não
era calçada, e todo o movimento da serra, de Curitiba, era
obrigado a passar por Morretes, vinha pela Graciosa e ia até
Paranaguá. Não existia a BR 277 e passava na frente da onde
a gente morava (SILVEIRA, 2008).
A falta de uma estrada que fizesse a ligação hoje propiciada pela BR
277 colocava Morretes na rota obrigatória daqueles que então se dirigiam para
as praias ou para Paranaguá, a lazer ou a trabalho (principalmente transporte
201
de cargas). Isso fazia com que o fluxo de passantes fosse bastante grande,
garantindo inclusive a ocupação do Hotel Central. Falando das dificuldades da
residência na Rua XV de Novembro e da motivação para a mudança de
endereço, a entrevistada conta:
[a casa onde estava instalado o hotel] Ficava bem na esquina,
então um lado vinha da estação, do outro lado passava a Rua
XV que os caminhões eram obrigados a passar ali naquela rua,
porque era o caminho para ir pra Paranaguá. E dali era
pernilongo demais, ninguém agüentava, tinha cortinado, mas
os pernilongos entravam dentro do cortinado. Aí meu pai veio
aqui na beira do rio, era muito calor, faz muito calor, deitou aqui
na beira do rio ali no gramado e viu que aqui na beira do rio era
fresco e não existia pernilongo nem mosquito. ele olhou pra
cá, pra essa casa, viu que essa casa estava meio abandonada,
velha, meio caindo, aí ele procurou o dono da casa e negociou,
ele era até estrangeiro (SILVEIRA, 2008).
O casarão em questão, atual sede do Hotel Nhundiaquara, é uma
construção do século XVIII, sendo atualmente a mais antiga de Morretes e a
primeira a receber água encanada, em 1934. Tornou-se uma imagem
emblemática do município, freqüente em cartões postais e em divulgações
daquela cidade. Dona Maria da Glória comenta que as negociações
demoraram um pouco, pois o dono era estrangeiro e por conta da Quinta
Coluna naquela época um estrangeiro não poderia ser proprietário, comprar ou
vender imóveis, fazendo com que o Casarão estivesse em nome de outra
pessoa. Legalizada a situação, o negócio foi fechado em 1944. Aí ele [seu pai]
comprou essa casa, vendeu um sítio, vendeu outra casa que tinha e comprou
essa. E aqui ele reformou, reformou toda a casa e adaptou os quartos e o
restaurante (SILVEIRA, 2008).
Assim, em 1945, o casarão que já havia sido residência, cassino,
escola, fábrica de meias, centro espírita e sede da repartição geral dos
telégrafos (o primeiro telégrafo da cidade) foi inaugurado como Hotel
Nhundiaquara. Sobre o batismo do empreendimento, Dona Maria da Glória
revela:
Também era um hotel e restaurante lá [na Rua XV]. Só que lá o
nome era Hotel Central. Mas como a gente mudou pra e era
beira rio, meu pai mudou pra Hotel e Restaurante
Nhundiaquara, o nome do rio. Nhundiaquara quer dizer buraco
202
de peixe, rio de muitos peixes, então a gente mudou pra cá. E
aqui, a gente até hoje, graças a Deus, não tem um pernilongo,
não tem um mosquito, não tem nada! (SILVEIRA, 2008).
O novo empreendimento teve dias de grande prosperidade, motivados
pela dificuldade de acesso à Paranaguá e às praias, que se mantinha. O Hotel
passou então a receber diversas famílias de Curitiba e também de estados
diversos do Paraná, as quais se hospedavam em Morretes por conta do clima
agradável ou permaneciam no Hotel aguardando melhores condições da
estrada para descerem até os balneários:
[...] Tinha aquelas pessoas idosas, que tinham problema de
passar frio em Curitiba e tinha o professor Mancini que era um
grande maestro de Curitiba, tinha o Belmiro César que era de
um colégio muito grande que tinha em Curitiba também, tinha a
dona Elvira com o seu Elísio Viana, que era do Colégio
Estadual se eu não me engano e todo esse pessoal vinha pra
cá. Coronel Sampaio, todos eles passavam o inverno aqui, que
era mês de junho e julho. Então aqui ficava lotado de gente
idosa, porque as praias não davam pra ir, porque quando tinha
uma jardineira que vinha de Curitiba, vinha pela serra, então
fazia parada aqui, aqui eles almoçavam e iam pra Matinhos.
Mas Matinhos tinha que esperar a maré (SILVEIRA, 2008).
Dona Maria da Glória recorda que incluíram o Barreado no cardápio
por insistência de um familiar, ainda quando seu pai era vivo, porém com uma
certa desconfiança, devido ao fato de que todos de Morretes conheciam o
Barreado: era um prato das casas”, que não sabiam se iria agradar os
visitantes. Segundo ela:
Tinham várias famílias [que faziam], a família Negrão do
Anhaia já fazia, porque é uma comida que você fazia mais pro
Carnaval, então você deixava pronta e não tinha trabalho
depois pra estar fazendo, que assim guardando ela, ela fica até
melhor do que a que faz no dia. Então eles faziam muito isso aí
na época do entrudo, na época do Carnaval pra não dar
trabalho. Então deixavam pronto, pulavam o Carnaval e
vinham no outro dia e estava prontinho, comia, botava
farinha, cozinhavam arroz, banana e a laranja pra tirar aquele
gosto do Barreado. Era bem comum (SILVEIRA, 2008).
A entrevistada não se lembra do ano exato em que o Barreado foi
incluído no cardápio; recorda apenas que isto ocorreu no Hotel
203
Nhundiaquara e que foi antes de se casar, o que localiza o período na segunda
metade da década de 1940, entre 1945 e 1950. Sua memória, entretanto, é
bastante viva ao relembrar do sucesso alcançado pelo prato. Segundo ela,
para surpresa de todos, o Barreado foi tão bem aceito que passaram até
mesmo a atender pedidos para servi-lo em Curitiba e outras cidades:
A minha mãe fazia e eu ajudava e a gente começou com uma
panela pequena, foi aumentando a panela, foi aumentando a
panela e a gente depois fazia uma panela por dia. E logo
depois que eu me casei eu comecei também a viajar pra levar
o Barreado pra fora (SILVEIRA, 2008).
Dona Maria da Glória salienta que nesse período não tinha ninguém
que fazia o Barreado comercialmente:
[...] o Madalozo ainda não existia, o Seu Honílson Madalozo
naquela época, era alfaiate, não tinha restaurante ainda, então
foi a gente que começou. Morretes aqui tinha uma
pensãozinha que era a pensão da dona Adélia Leão, que era
na Rua XV, mas era só quarto. E aí a gente foi indo, foi
aumentando...(SILVEIRA, 2008).
Em 1947, com a morte do Sr. Antonio Alpendre, Dona Amália Martinha
assumiu o hotel juntamente com suas filhas. A demanda turística de Morretes
nesta época era pequena e se desenvolvia lentamente, sem investimentos ou
uma proposta de atração e permanência de visitantes, e se resumia às
pessoas que trabalhavam na cidade (gerentes, comerciantes, médicos, juízes,
professores, etc) mas que residiam em outros lugares e aos turistas que se
destinavam às praias, ou que procuravam na cidade um clima mais agradável
do que o de Curitiba.
A atividade turística em si, até meados da década de 1960, era
praticamente incipiente no Paraná, fato que, aliás, se verificava em diversos
outros estados brasileiros. A gestão pública da atividade custou a se
organizar
77
e a iniciativa privada manteve durante muitos anos uma atuação
77
Observa-se que a atividade turística enquanto objeto de estudo e de atenção de empresários
e gestores públicos no Brasil é relativamente recente e, embora possa se identificar algumas
menções legais no sentido de organizar segmentos da atividade, tais iniciativas ocorreram de
forma isolada e sem pensar o turismo como uma estratégia de desenvolvimento local, regional
ou nacional.
204
tímida, tendo em vista a inexistência de fluxos turísticos consistentes que
estimulassem investimentos mais concretos e volumosos no setor.
No plano federal, por exemplo, verificou-se hiato jurídico desde 1946,
que teve fim apenas com a edição do Decreto nº. 44.863 de 21 de novembro
de 1958, que instituiu a Comissão Brasileira de Turismo COMBRATUR
78
,
subordinada diretamente à Presidência da República. Em 1961, com a
reorganização do então Ministério da Indústria e do Comércio, foi criada a
divisão de Turismo e Certames, vinculada ao Departamento Nacional de
Comércio, que deveria atuar de acordo com os parâmetros estabelecidos pela
Verifica-se, por exemplo, que embora na esfera federal possa-se identificar a primeira menção
legal da atividade turística em 1938 (o Decreto-Lei nº. 406, de 4 de maio de 1938 estabelecia,
em seu artigo 59, que a venda de passagens para viagens aéreas, marítimas ou terrestres
poderia ser realizada mediante autorização do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio),
por um longo período a preocupação com a regulamentação da área restringiu-se apenas à
comercialização de passagens, não havendo dispositivos legais destinados aos demais
aspectos e serviços que compõem a atividade, muito menos estratégias para o
desenvolvimento do turismo como um todo. Por sua vez, o primeiro órgão nacional que
carregou em sua estrutura um núcleo dedicado à atividade turística surgiu a partir do Decreto-
Lei nº. 1.915, de 27 de dezembro de 1939, responsável pela criação do Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP), cuja estrutura compreendia uma Divisão de Turismo, que
absorveu a atribuição de fiscalização das agências de viagem e turismo. Esta perspectiva
meramente controladora das agências foi mantida mesmo com a publicação do Decreto-Lei nº.
7.582, em 25 de maio de 1945, que extinguiu o Departamento de Imprensa e Propaganda e
criou o Departamento Nacional de Informações, subordinado ao Ministério da Justiça e
Negócios Interiores. Esse Departamento possuía uma Divisão de Turismo que objetivava
superintender, organizar e fiscalizar os serviços de turismo interno e externo (de emissão para
destinos estrangeiros.
No Paraná, foi criado o Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP) aos moldes
do DIP, como aliás ocorreu em vários outros Estados. A diretoria do DEIP era composta por um
diretor geral, um diretor de imprensa e um diretor de turismo, cuja responsabilidade era
promover as belezas naturais do estado, selecionando zonas de interesse turístico, dotando-as
da necessária infra-estrutura para um perfeito entrosamento entre o homem e a natureza
(PARANÁ TURISMO, 2008). Durante o período de funcionamento do DEIP houve um rigoroso
controle da imprensa brasileira que incluiu ações como o fechamento de alguns jornais e
ocupação de outros, e, no âmbito do turismo, foi construído o Hotel Cassino (em Foz do
Iguaçu), o primeiro empreendimento voltado exclusivamente para o turismo. Com a queda do
Estado Novo Getulista e a reinstalação de um Estado democrático, o Departamento Nacional
de Informações foi extinto em 1946, e o DEIP teve que se adaptar às novas condições
políticas, passou a denominar-se Departamento Estadual de Informações e tornou-se o órgão
responsável por divulgar à imprensa as notícias oficiais e de promover a divulgação das
realizações do governo. Em 1953 no Paraná foi criada a Câmara de Expansão em substituição
ao DEIP, que manteve a Divisão de Turismo, agora subordinada à Secretaria do Governo. A
ação da CEE (Câmara de Expansão Econômica) preocupou-se mais em divulgar os pontos
turísticos, além de dar continuidade às obras iniciadas pelo antigo DEIP.
78
Esta comissão, concebida como um órgão colegiado de consulta e execução em matéria de
turismo passou a ser então responsável por coordenar, planejar e supervisionar a execução da
política nacional de turismo, ficando a questão das agências de viagens e turismo destinadas
ao Departamento Nacional de Imigração (posteriormente transformado em Instituto Nacional de
Imigração e Colonização), merecendo destaque justamente por caracterizar-se como a
primeira preocupação concreta no sentido de realizar um planejamento para a atividade
turística no Brasil, entendendo o turismo como uma atividade que extrapola a mera venda de
passagens.
205
COMBRATUR, assumindo uma função executiva no que concernia à política
nacional de turismo. Entretanto, em fevereiro de 1962, a Comissão foi extinta,
sem que nenhuma política nacional tivesse sido articulada. Em 1964, por sua
vez, a Lei nº. 4.504 transferiu para a Divisão de Turismo e Certames o registro
e a fiscalização das empresas de turismo e da venda de passagens, que
manteve o caráter controlador, sem incorporar, porém, nenhuma função de
planejamento e organização da atividade, o que continuaria a ocorrer nos
próximos dois anos.
Nota-se, porém, que nos primeiros anos da década de 1960 os
impasses institucionais não impediram que a atividade turística ganhasse
destaque e reconhecimento em alguns meios de comunicação. Em maio de
1960, por exemplo, a Gazeta do Povo publicou uma reportagem intitulada
Atrações turísticas (ATRAÇÕES Turísticas, 1960) em que enaltecia o potencial
turístico do Paraná, citando apenas atrativos de forte apelo natural, como as
Cataratas de Foz do Iguaçu, as Sete Quedas de Guaíra, o conjunto rochoso de
Vila Velha em Ponta Grossa, a Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá e as
formações rochosas de Campinhos. Este texto também analisava a infra-
estrutura turística:
[...] os governos Federal e estadual, têm procurado estimular o
turismo em nosso Estado, construindo hotéis em Foz do Iguaçu
e Guaíra. Fora isso, entretanto, nada mais existe praticamente,
que se possa classificar como estabelecimentos capazes de
receber e hospedar decentemente os visitantes que para aqui
afluiriam, certamente, caso eles existissem em quantidade
(ATRAÇÕES turísticas, 1960).
O artigo continuava, elogiando os esforços governamentais para a
divulgação do estado por meio de cartazes, guias turísticos, fotos e outros
meios de divulgação, mas ressaltando dois problemas que, na ocasião,
comprometiam o desenvolvimento turístico paranaense: a carência de hotéis e
as distâncias entre os pontos turísticos mais relevantes. Deve-se observar que
esse artigo reflete a forma com que acontecia a gestão do turismo no Paraná,
privilegiando os atrativos naturais e com ações isoladas, sem uma
compreensão global da atividade em termos de planejamento e organização. A
hotelaria durante muito tempo recebeu a maior parte das atenções, tendo em
206
vista que a criação de unidades habitacionais era vista como um elemento
fundamental para o desenvolvimento turístico. O investimento em novas
estradas também merecia destaque, como nos trechos Ponta Grossa-Curitiba e
Curitiba-Paranaguá, que representavam o apenas uma solução para o
escoamento da produção agrícola do interior do Estado, mas também uma
possibilidade de aumentar os fluxos de visitantes com destino ao litoral.
O litoral paranaense, porém, não sofria apenas por conta das más
condições das estradas. O jornalista Samuel Guimarães da Costa, na
reportagem Operação litoral, publicada em maio de 1961, argumentava que a
paisagem física e social do litoral paranaense praticamente não havia sofrido
alteração nos últimos quarenta anos, o que era deveras preocupante. Segundo
o jornalista, com exceção das cidades de Paranaguá (por conta das atividades
portuárias) e de Guaratuba (então principal centro balneário do Estado), as
demais localidades sofriam de problemas generalizados, que demandavam
tanto a recuperação do caboclo, pois a população litorânea estaria sofrendo
pela mortalidade infantil, pelo êxodo em busca de empregos e a pela falta de
estrutura local, quanto a valorização da região, mediante a criação de
empregos e estratégias de desenvolvimento para as localidades.
No mesmo ano, o Barreado, que até então era servido no litoral
paranaense apenas pelo Hotel Nhundiaquara, foi tema de um artigo publicado
na Revista O Itiberê, intitulado “O Barreado: um prato originário do litoral”. O
texto, entretanto, apenas apresentava-o como um prato litorâneo, sem
mencionar nenhum município, e divulgava a sua receita. O artigo sequer citava
algum estabelecimento onde a iguaria pudesse ser degustada, caracterizando-
a como um prato feito nas residências e preparado tradicionalmente no período
carnavalesco. Segundo o texto:
Provavelmente o único prato que o Paraná pode apresentar
como sendo uma novidade para o brasileiro de outras regiões é
o “Barreado”. Mesmo assim ele é pouco difundido entre os
próprios paranaenses, pois longe de ser um prato de todos os
dias, seu uso está circunscrito, pela tradição, a uma
determinada época do ano, como o peru natalino ou a peixada
da Sexta-Feira Santa (BARREADO..., 1961, p.41).
207
Observa-se que o próprio texto abordava a questão da pouca
divulgação do prato para além dos contornos litorâneos:
[...] o Barreado” é originário do litoral, mas muito
timidamente tem ultrapassado as fronteiras locais, certamente
por falta de quem o divulgue, pois se trata de um prato fácil de
preparar, relativamente barato e saborosíssimo, tendo portanto
todas as condições para merecer uma larga difusão
(BARREADO..., 1961, p.41).
A pouca popularidade do prato fora do litoral, segundo a reportagem,
se devia ao fato de sua circunscrição ao Carnaval e às residências. Dois anos
mais tarde, o Barreado foi objeto de um novo artigo, publicado pela Revista
Panorama, intitulado “Barreado, único prato típico do Paraná”. O texto
igualmente tratava de apresentar o prato, argumentando em favor de sua
originalidade, que em nenhum livro de receita culinária do Brasil poderá ser
encontrado o modo de fazer o único prato típico, que verdadeiramente se pode
considerar como originário do Paraná: o Barreado (BARREADO único..., 1963,
p.31). Defendendo a tradicionalidade do prato, o artigo justifica sua pequena
difusão, pois muitos talvez nem conheçam mesmo de nome. E é explicável que
isso ocorra, porque se trata de um prato preparado normalmente uma vez por
ano, numa determinada época, circunscrito às tradicionais famílias (originárias)
ou ligadas ao litoral paranaense, de onde ele procede (BARREADO único...,
1963, p.31).
O texto arremata que não será de se estranhar que o próprio
paranaense comum desconheça o Barreado, vivendo como vive numa área
ainda de visíveis influências européias, que ultimamente se vêm
acostumando aos tradicionais pratos brasileiros (BARREADO único..., 1963,
p.31), fala da origem do Barreado, relacionando-o ao entrudo e apresenta uma
receita para dez pessoas (receita que por sinal inclui o polêmico tomate), mas
não estabelece relação do Barreado com nenhum município específico do
litoral. Mais um indício de que no início da década de 1960, diante da ausência
de uma oferta comercial mais consistente, o domínio do Barreado era ainda
das residências.
Retomando a realidade morretense, em 1963, com o falecimento da
mãe, Dona Maria da Glória assumiu o Hotel Nhundiaquara. Nessa época, o
208
Hotel gozava de bons índices de ocupação, resultado mais vinculado à falta de
infra-estrutura do litoral paranaense do que a uma ação política ou planejadora
para o setor: a parada” quase que obrigatória, provocada pelos problemas no
acesso às praias, ajudou a popularizar o Hotel e a própria cidade. Observando
que muitas pessoas desciam de carro para as praias, a entrevistada
comenta:
Mas quando a maré estava baixa, eles passavam de Praia
de Leste pra Matinhos pela praia. quando chegava em
Matinhos, aí era obrigado, se ficava em Matinhos, até a hora da
maré baixar. Quando estava maré alta, não podia voltar. Tem
que esperar baixar, porque senão a água batia, ia fazendo
buraco e aterrava o carro. então tinha que esperar, então
esperavam bem na hora, sabia mais ou menos a hora em
que baixava a maré, eles voltavam, quando chegavam aqui
eles jantavam e subiam outra vez [para Curitiba] (SILVEIRA,
2008).
Complementando que essa espera dos carros é contemporânea da
transmissão exibição da novela Direito de Nascer, em 1964, pela Rádio Tupi de
São Paulo, a entrevistada comenta as condições de vida na cidade:
Em Morretes nem tinha luz direito, Morretes tinha umas
lampadazinhas pequenininhas, a gente quase não enxergava
direito, dava pra não ficar se batendo dentro de casa. Então
a gente tinha a Rádio Tupi, então todos os velhos ficavam perto
do rádio pra escutar a novela Direito de Nascer. E esses velhos
ficavam aqui, a família Branco, todas as famílias grandes de
Curitiba paravam aqui, inclusive as professoras, que àquela
época eram obrigadas a fazerem estágio. Pra se formarem
eram obrigadas a fazer estágio, então pegavam Morretes
porque era uma cidade mais perto de Curitiba e Paranaguá.
Então tinha aqui sempre quatorze, quinze professoras que
eram obrigadas a ficar quatro anos aqui [...] também umas
pessoas que trabalhavam na fábrica que tinha aqui e que
paravam aqui. Aqui parava sempre também o juiz, o promotor,
porque não tinha outro lugar onde eles ficarem. Era obrigado a
ficar em Morretes porque não tinha quase meio de condução. E
carro também em Morretes tinha um fordzinho, que era o
taxizinho, então vinha pra e pra lá, era bonito de ver. Não
tinha quase carro aquela época aqui, era carroça
(SILVEIRA, 2008).
Paranaguá, por sua vez, experimentava outro estágio de
desenvolvimento, impulso gerado principalmente pleas atividades portuárias.
209
Ainda em 1963, o Restaurante Danúbio Azul é reaberto sob nova direção, que
acreditava no potencial da cidade e do crescimento do ramo de alimentação
comercial. Quem relata é João Carlos Carmezim, maringaense que chegou
com a família a Paranaguá quando tinha sete anos, filho do empresário que
renovou o estabelecimento:
O Danúbio Azul foi fundado em 1954. Era um restaurante
pequeno, de uma porta só, tinha 60 lugares. E em 1963 meu
pai adquiriu e começou um novo negocio. Ele manteve o
nome. O restaurante servia mais refeições comercias, atendia
muita gente a negócios. Não pelo Barreado, mas por essa
estrada de ferro ai as pessoas vinham de todos os lugares do
mundo e do Brasil conhecer essa estrada maravilhosa. E o
trem chegava em Paranaguá onze horas da manha, então o
pessoal almoçava aqui obrigatoriamente. E nisso o turismo foi
crescendo e o restaurante também foi crescendo (CARMEZIM,
2008).
O restaurante, que apenas anos mais tarde incorporarará o Barreado
em seu cardápio, era inicialmente voltado para comerciantes, pessoas que
vinham a Paranagtrabalhar, mas começou a incorporar a demanda turística
com o aumento dos visitantes buscando lazer na cidade, o que ocorre a partir
da década de 1970. Atualmente é o restaurante mais antigo da cidade,
operando desde então sem nenhuma suspensão em suas atividades.
O turismo se desenvolvia no litoral paranaense sem incentivo ou
orientação concreta por parte do poder público. A administração do turismo no
estado era então objeto de crítica de rios artigos publicados em jornais e
revistas de alcance estadual, como no texto que o jornalista Domingos
Hernández Peña escreveu em maio de 1965, no qual afirmava que as
autoridades competentes da gestão do turismo no Paraná e no país deveriam
perceber que a atividade faz muito tempo, deixou de ser um complexo de
improvisações, para se transformar em algo eminentemente cnico. Têm
métodos promocionais próprios, canais de comunicação próprios, estágios de
evolução próprios (PEÑA, 1965, p.37). Ainda segundo o jornalista, de nada
adiantava os esforços de divulgação dos atrativos pelas agências se não havia
garantia da prestação de bons serviços, e que a função de um órgão oficial de
210
turismo seria justamente a de apoiar e incentivar a iniciativa privada, deixando
a cargo desta o desenvolvimento turístico do estado
79
.
As praias paranaenses, por sua vez, entravam em pauta todo início e
término da temporada de verão, por conta dos fluxos de visitantes crescentes e
dos problemas crônicos do litoral, que persistiam ao longo dos anos. Um artigo
publicado em 1965 mencionava o aumento do fluxo, que infelizmente não era
acompanhado pela solução de problemas como a falta de energia elétrica e de
saneamento básico da região:
Hoje as praias se tornaram locais de fácil acesso, com a
melhoria dos meios de transportes e o extraordinário
desenvolvimento dos recursos automobilísticos. Cada dia um
maior número de paranaenses está podendo realizar o seu
justo desejo de possuir automóvel e a casa própria na praia, o
que vem provocando um afluxo cada vez maior de banhistas
para os balneários do Atlântico (BORGES, 1965, p.71).
No início do ano seguinte, o Barreado voltava às páginas da Revista
Panorama com o texto “Carnaval, um grande prato”, que novamente se limitava
a apresentar a receita da iguaria, cedida por duas senhoras parnanguaras, as
irmãs Narcinda e Marcelina. O texto não fazia alusão a uma cidade específica
nem mencionava se era possível degustá-lo em algum restaurante,
caracterizando-o como uma iguaria tradicional de preparo e degustação
doméstica, evidenciando mais uma vez que, na época, a oferta comercial ainda
engatinhava e não havia iniciativa, de nenhum dos municípios diretamente
relacionados ao prato, de divulgá-lo dentre seus atrativos turísticos. Esta
invisibilidade provavelmente decorria também da preferência pelos atrativos
naturais, nomeadamente o litoral e suas praias (CARNAVAL um grande...,
1966).
O ano de 1966, entretanto, ficou marcado positivamente, do ponto de
vista da gestão da atividade turística no país e do fortalecimento da oferta
79
Esta reportagem ilustra bem os debates acerca do papel dos órgãos oficiais de turismo.
Enquanto a gestão pública investia em divulgação e em hotéis e outros meios de hospedagem
por acreditar que esta seria a forma de garantir o desenvolvimento da atividade diante do
pouco interesse da iniciativa privada em investir no Setor, tendo em vista os fluxos incipientes,
empresários e jornalistas, como é o caso de Peña (1965), defendiam a criação de uma
Secretaria de Turismo no Estado mas que: desde que o primeiro passo deve ser dado pela
iniciativa privada, a missão fundamental inicial de uma Secretaria de Turismo do Paraná tem
que ser, só, apoiar e facilitar os empreendimentos dessa iniciativa. Nunca impondo diretrizes
ou objetivos (PEÑA, 1965, p.38).
211
comercial do Barreado, embora tais acontecimentos não tenham se dado de
forma relacionada. No âmbito da gestão federal do turismo, deve-se destacar
que, em 18 de setembro de 1966, por meio do Decreto-Lei nº. 55 foram
lançadas as bases de uma nova postura em relação ao turismo, bem como
novas medidas de intervenção legal na gestão da atividade (até então voltada
de forma quase que exclusiva ao controle da iniciativa privada que atuava na
área).
Esse decreto merece destaque por ser o primeiro ato legal que
formulou um conceito de política nacional do turismo (que tantos anos era
apenas mencionada, mas nunca pensada ou organizada, pelos órgãos então
existentes), instituiu uma estrutura estatal especializada
80
, bem como indicou
objetivos e mecanismos dessa política. Por meio desse decreto também foi
criada a EMBRATUR – então Empresa Brasileira de Turismo - que até a
atualidade se constitui em um dos pilares da gestão pública da atividade.
No mesmo ano, no âmbito estadual surgiu o Departamento de Turismo
e Divulgação, sendo que pouco depois o Departamento de Turismo foi
desmembrado, tornando-se um departamento autônomo dentro da Secretaria
de Viação e Obras Públicas.
Enquanto isso, a divulgação do Barreado para fora dos contornos
litorâneos começava a se desenhar. O prato estava consolidado no cardápio
do restaurante do Hotel Nhundiaquara e ganhava popularidade cada vez maior
dentre os hóspedes e também junto aos “passantes”. Dona Maria da Glória,
inclusive, já viajava para preparar o prato, servindo-o sob encomenda em
eventos particulares, alcançando destinos que ultrapassavam Morretes e
Curitiba:
Eu comecei a fazer pro Palácio do Governo, levava muito
Barreado, aquela época não era assim, ninguém conhecia
muito, daí começou a ficar famoso. Então levava, tinha o
doutor Manancieri que pedia muito, levava pro Palácio do
Governo no tempo do Paulo Pimentel
81
[...] Depois a gente
80
A formulação da Política Nacional do Turismo foi confiada ao então instituído CNTur
Conselho Nacional de Turismo, posteriormente extinto na reorganização administrativa do
início do governo Collor; a execução, as diretrizes e o desenvolvimento do turismo ficaram por
conta da EMBRATUR- Empresa Brasileira de Turismo e o Ministério das Relações Exteriores
ficou encarregado da divulgação da atividade turística. Estes três órgãos formavam o Sistema
Nacional de Turismo, tríade responsável pelo planejamento e organização do turismo no país.
81
Paulo Cruz Pimentel governou o Paraná no período de janeiro de 1966 até março de 1971.
212
tinha muita encomenda ali daquela imobiliária antiga, do seu
Nelson Galvão [...] Eu comecei a sair, fiz em Belo Horizonte,
fui fazer em Cascavel, daí fui fazer em Foz do Iguaçu, não
conheciam o Barreado ainda e começaram a gostar,
Cascavel eu fui três vezes. a gente foi fazendo, levando em
Curitiba, encomendavam, levava a panela pronta e servia à
noite, o J. Malucelli, nós fomos diversas vezes aqui no
Malutrom, diversas casas, diversas famílias, que faziam seus
aniversários, então passando de 50 pessoas a gente ia servir
(SILVEIRA, 2008).
Em setembro de 1966, uma decisão do DER (Departamento de
Estradas e Rodagem), motivada por reformas em estradas, alterou o cotidiano
de quem se dirigia para as praias, aumentando a dificuldade do deslocamento
e contribuindo para que Morretes mantivesse sua posição de “parada
obrigatória” no trajeto até os balneários:
Agora, surgiu um problema novo, que talvez até a época da
temporada, seja mudado: são os horários impostos pelo DER
para subir e descer o trecho da Serra do Mar. De Curitiba para
a praia, o banhista tem que ir entre cinco e seis horas da
madrugada, ou então, entre nove e dez horas. Se perder estes
horários, terá que esperar muito tempo até conseguir descer.
Na volta, também, a dificuldade é a mesma (DESERTO das...,
1966, p.53).
Ainda em relação à oferta do Barreado em Morretes, é imprescindível
mencionar que ainda em 1966 outro personagem fundamental para a
divulgação e comercialização do Barreado entra no ramo da alimentação.
Neste ano, Honílson Fabris Madalozo, alfaiate, neto de imigrantes italianos,
nascido em 1929, casado com Dona Izanete Madalozo, nascida em 1938, com
quem teve três filhos. Residente em Morretes, insatisfeito com o furto de sua
alfaiataria, resolveu mudar de ramo e abriu um bar, chamado Bar e Snooker
Madalozo. Testemunha da trajetória do marido, já falecido, Dona Izanete é neta
de italianos que se estabeleceram na cidade de Morretes com um engenho de
aguardente e um moinho de arroz e casou-se com o Honílson quando tinha 22
anos.
Tânia Madalozo Lafitte, filha de Honílson e Izanete, nascida em 1962,
fala sobre o início do pai no ramo da alimentação:
213
[...] meu pai, na verdade, ele era alfaiate. Ele teve uma
alfaiataria na Rua XV, principal, ele ficou meio desanimado
porque entraram, furtaram umas duas vezes os tecidos dele,
enchentes também, daí ele ficou meio desanimado e resolveu
comprar um bar que tinha na XV, que fica embaixo do Clube
Sete de Setembro (LAFITTE, 2008).
Sobre os acontecimentos que levaram o marido a fechar a alfaiataria,
Dona Izanete recorda:
Eu lecionava e ele tinha a alfaiataria. Daí passou uns anos eu
tinha os três filhos já, a Cíntia, a Tânia e o Marcos, que é o
mais novo. Daí um dia meu marido chegou na alfaiataria,
aquela época mandavam fazer muita roupa, ternos para
formaturas, então ele tinha bastante casimira, cortes assim,
sabe? E tinha bastante fazenda, fazia muita coisa pra
formaturas de final de ano também. quando foi, eu lembro,
foi uma... foi quinta-feira pra sexta-feira, fizeram um roubo e
sabiam que ele não ficava ali à noite, a alfaiataria ficava [...]
Daí meu marido ficou muito desgostoso. Puxa, quando ele
chegou na alfaiataria pela manhã, que ele abriu a porta, que
ele olhou assim, estava limpo sabe, ele disse que os cabelos
dele levantaram tudo assim, sabe, ficou... daí ele começou a
ficar aborrecido, mas continuou ainda trabalhando. Daí ele
tinha terrenos na Rua XV, ele vendeu pra esse primo que tem a
sapataria hoje aqui. Bem ali embaixo do Clube Sete de
Setembro, de um lado tinha açougue e outro lado tinha bar. Daí
o rapaz que estava ali também acho que já estava aborrecido,
tem pessoas que não gostam muito de ficar preso. Então ele
ofereceu o ponto pro meu marido e daí o Honílson comprou o
ponto do bar (MADALOZO, 2008).
Dona Izanete diz que ele acertou, comprou o ponto e tudo, daí a gente
começou a trabalhar lá. Eu lecionava e depois do almoço eu ia pra ajudá-
lo.[..] Eu dava aula para as crianças. Mais tarde daí eu fiz a faculdade
(MADALOZO, 2008). Ela comenta como a mudança de atividade comercial
afetou a rotina de toda a família, que foi sendo gradualmente envolvida nas
atividades cotidianas do restaurante:
E mudou completamente, de ser alfaiate para trabalhar no
bar. Olhe, eu trabalhava à tarde, fazia bastante coisa, fazia
empadinha, eu fazia sonho, nós fazíamos sorvete, picolé, então
eu tinha a cozinha nos fundos, eu ficava mexendo aqueles
panelões de calda, pra fazer sorvete, pra fazer picolé e às
vezes eu colocava as forminhas pra fazer o picolé e tem que
ter o ponto certo pra você colocar o palitinho e às vezes eu
estava atendendo uma coisa e esquecia um pouquinho,
214
passava do ponto, daí tirava as formas de picolé, colocava fora,
enchia, ficava esperta, e eu já colocava os palitinhos e assim
a gente ficou, muitos anos ali. Daí minhas filhas foram
crescendo e ajudando (MADALOZO, 2008).
A filha também relembra: e a gente ia pra escola pela manhã e já ia pra
hora do almoço ajudar e minha e era professora. Então ela também ia pra
escola de manhã, chegava em casa ia pra lá também ajudar. Então sempre a
gente esteve envolvida no restaurante (LAFITTE, 2008). Tânia também fala
sobre as características do primeiro estabelecimento do pai e sobre como o
Barreado passou a ser incorporado ao cardápio, ainda no bar:
[...] e foi onde ele começou a servir café da manhã pro pessoal
que vinha e passava pela cidade, pois tinha a Graciosa.
Então na época tinha muitos caminhoneiros [que cruzavam a
cidade para chegar nas praias]. Ele começou a vender café da
manhã e depois, na seqüência, alguns anos depois comida
italiana (LAFITTE, 2008).
Enquanto o Bar e Snooker Madalozo começava a se enveredar no
serviço de refeições propriamente ditas e ainda não cogitava a inclusão do
Barreado em seu cardápio, em Antonina surgia um movimento de resgate da
iguaria, proposto e levado adiante por duas amigas. No final dessa década
Dona Ieda Siedschlag, capelista nascida em 1936, começou a perceber que a
tradição do preparo do Barreado estava enfraquecendo, na medida em que as
famílias gradativamente deixavam de prepará-lo:
Esse Barreado tradicional era feito muitos anos atrás em
Antonina, e eles faziam nas residências porque a família vinha
pro Carnaval em Antonina e queriam comer o Barreado. Depois
de uma certa época, poucas pessoas continuaram a fazer,
porque a carne passou a ter um preço muito alto, então não era
todo mundo que podia fazer. Quem fazia todos os anos era a
Dona Ione Witers, o marido dela o Sr. Edgard Witers era o
dono do porto de Antonina, morava em um morro lindo em
Antonina que hoje é do Francisco Cunha Pereira […]Se falava
Barreado, Barreado mas era nas casas, e o era todo
mundo mais que fazia (SIEDSCHLAG, 2008).
Dona Ieda conta que a idéia de recuperar a tradição do Barreado partiu
dela e de sua amiga, a antoninense Neréa Gomes Moreira de Moraes
215
Sarmento
82
, e foi implantada no Clube Náutico de Antonina. A entrevistada
relembra como começou a freqüentar o Clube:
Eu comecei a freqüentar o Náutico como associada, porque o
meu marido era sócio e depois eu fiquei sócia e daí eu peguei
o barzinho no Náutico, do Hangar, porque não tinha ninguém
pra tocar e o pessoal descia pra pescar, os sócios, e a Neréa
dizia: “Ieda, não quer pegar o barzinho pra me ajudar, até
aparecer alguém?”. E eu fazia feijoada, fazia peixada,
inventava comida e tudo, ate que o pessoal começou a falar
pra eu abrir um restaurante. E eu falava “vocês estão loucos!
(SIEDSCHLAG, 2008).
A idéia de resgatar o Barreado aconteceu em 1969, 1970 ou uns anos
antes, eu não me recordo direito, mas a Neréa, na época Comodoro do
Clube Náutico, abraçou comigo a idéia (SIEDSCHLAG, 2008):
E daí eu tinha uma amiga, a Neréa Sarmento. A Neréa era a
minha segunda mãe e foi eleita Comodoro do Clube Náutico
de Antonina. Comodoro é um capitão, um comandante […] .
Ela foi a primeira mulher no mundo a ser comodoro de um
Clube Náutico.. Então a Neréa foi Comodoro por dois anos,
mais dois anos e mais dois anos. Ela ficou seis anos como
Comodoro do Náutico. E nessa época, um dia conversando, eu
disse “Neréa, porque nós não trazemos de volta o Barreado?”.
Porque nessa época não se falava muito em Morretes,
Paranaguá então nem se falava então (SIEDSCHLAG, 2008).
Recuperando suas memórias, ela relembra:
[…] Nós tínhamos no Náutico um restaurante e tinha a nossa
cozinheira, que chamava-se Maria, ela era uma graça, ela era
bem morena e com os cabelos bem brancos. E ela fazia um
Barreado fora de série! E eu disse: “Neréa, vamos trazer o
nome do Barreado pra Antonina de volta?” E ela disse “Puxa
Ieda!”. Porque eu era Diretora Social, Butiquineira, Marinheira,
fazia tudo! Ela disse “Boa! Vamos sim!” (SIEDSCHLAG, 2008).
Segundo a entrevistada, seu próximo passo foi entrar em contato com
alguns colunistas sociais, como seu amigo Dino Almeida, que na época
escrevia para o Jornal Gazeta do Povo, divulgando que o Clube Náutico estaria
82
falecida, Dona Neréa foi figura marcante da sociedade Antoninense, Comodoro do Clube
Náutico de Antonina por seis anos seguidos, Vereadora em Antonina, Cidadã Honorária de
Curitiba, por proposição do então Vereador Neivo Beraldin, e Vulto Emérito de Antonina, uma
homenagem da então Vereadora Marigel Machado.
216
aceitando encomendas de Barreado para o final de semana. Sobre o primeiro
final de semana em que serviram a iguaria, ela comenta:
Olha, criatura do céu! O primeiro final de semana foi um auê!
Porque todo mundo ligava. Isso no Náutico, porque nessa
época eu não tinha restaurante, nem pensava em ter
restaurante. E fazendo encomenda, fazendo encomenda e nós
quase loucas lá, e o pessoal chegando, chegando. E a gente
fez aquela mesa bonita lá, com a frutas, com a farinha e tudo e
o pessoal vinha então em filas se servir na mesa. A Neréa
servia uma coisa, eu servia outra e tal. E o pessoal vinha
batendo garfo no prato! (SIEDSCHLAG, 2008).
Dona Ieda recorda que a amiga Neréa Sarmento, tocava o disco do
Hino de Antonina (transcrito no capítulo anterior) e soltava foguetes no
momento da abertura da panela, reproduzindo as tradições antoninenses que
estavam sendo deixadas de lado. Foi o sucesso do Barreado nos finais de
semana no Clube Náutico e a demanda contínua de fregueses que levou Dona
Ieda a abrir seu restaurante, anos mais tarde. Verifica-se que o Barreado no
Clube Náutico nasce como uma proposta efetiva de resgate, não apenas do
prato, mas também de outras tradições que lhe eram vinculadas. Segundo
Dona Ieda, [...] eu sempre dizia: “Gente, vamos fazer o verdadeiro Barreado
porque é o nome de Antonina que vai ser elevado” (SIEDSCHLAG, 2008)
Analisando o contexto turístico geral nesse período, o litoral
paranaense era então lembrado pelo patrimônio histórico de Paranaguá
(PARANAGUÁ..., 1967), pela movimentação nos balneários durante o verão,
além da inauguração da passagem através do ferry boat de Caiobá-Matinhos
para Guaratuba (GUARATUBA..., 1968)
83
, pelas discussões sobre a
legalização do jogo no Brasil - tendo em vista que a implantação de cassinos
começou a ser considerada estratégica para o desenvolvimento turístico do
litoral paranaense (REUNIÃO..., 1968) - e pelo desastre ocorrido na baía de
Guaratuba em setembro de 1968, quando quinze prédios foram dragados pelo
mar, e os esforços para repará-lo (ELES estão..., 1968).
83
“O turismo, de uns anos para cá, tem incentivado grandemente o desenvolvimento do
município, sendo Guaratuba prestigiada por paranaenses de todas as regiões, nas temporadas
dos banhistas. A prefeitura municipal de Guaratuba tem no turismo um dos mais importantes
meios de arrecadação, sendo as propriedades existentes no município, em sua grande maioria,
pertencentes a pessoas não residentes na cidade” (GUARATUBA...,1968, p.3).
217
Se Paranaguá era o local que concentrava as facilidades do litoral, pois
o município englobava a maior parte dos balneários, Morretes ainda era visto
como passagem para as praias. Analisando o perfil dos balneários, uma
reportagem da Revista Panorama afirmava: [...] os sofisticados ficam em
Caiobá. Quem gosta de mais movimento vai a Guaratuba. E para os que
desejam estar no meio de uma multidão incontrolável, o local indicado é
Matinhos (MARANHÃO, 1968, p.12). Por sua vez, Antonina era mencionada
apenas na proximidade da Festa de Nossa Senhora do Pilar, no mês de
agosto.
Em 27 de maio de 1969, durante a gestão do governador Paulo
Pimentel, a Lei nº. 5.948 criou o Conselho Paranaense de Turismo
CEPATUR e a Empresa Paranaense de Turismo - PARANATUR.
A
PARANATUR
84
foi concebida com o objetivo de fomentar a atividade turística,
atendendo as diretrizes indicadas pelo CEPATUR. É preciso mencionar que foi
justamente a criação da PARANATUR que iniciou uma concepção efetiva de
planejamento e gestão do turismo paranaense, que modificou o contexto do
estado a partir da década de 1970.
Com a inauguração da BR 277 pelo então presidente Costa e Silva em
1969, ainda em pista simples, mas com as obras de implantação previstas
para a duplicação, a qualidade do trânsito interno da cidade de Morretes foi
melhorada, bem como o acesso às praias, mas o comércio local, movimentado
por conta dos passantes, sentiu a diminuição do fluxo de carros e caminhões.
Deixando de ser um ponto de passagem praticamente obrigatório para os que
se deslocavam para Paranaguá e para os balneários, a cidade precisava agora
estabelecer novos atrativos e estratégias para que seus fluxos de visitantes
fossem mantidos, tanto do ponto de vista do turismo quanto do comércio em
geral.
Em outubro de 1969, a reportagem Eis o Paraná no roteiro da
PARANATUR tratava dos cem dias de atividades da Empresa e comentava
algumas de suas ações, como a inauguração do novo Parque Estadual de Vila
Velha, remodelado com um kartódromo (obra bastante polêmica, revertida
84
A PARANATUR era uma Empresa Pública que possuía patrimônio próprio e autonomia
administrativa. Sua diretoria, na época de sua concepção, era composta por um
superintendente, um diretor administrativo e um diretor técnico.
218
anos mais tarde), pátio de estacionamento e pista de acesso asfaltada; e as
estratégias de complementação das atrações existentes, como exposições
de pintura em Foz do Iguaçu e também as exposições itinerantes, que seguiam
de Guaíra a o litoral com o objetivo de divulgar o Paraná para todos os
paranaenses.
A campanha publicitária promovida pela Empresa com o objetivo de
conscientizar o empresariado estadual para a importância da atividade turística
também era destacada, bem como o trabalho de divulgação direcionado para
as agências de viagem de todo o país que procurava [...] tornar conhecidos
todos os pontos de atração de turismo e fazer com que as agências de viagens
os incluam em seus roteiros, pontos estes que haviam sido identificados [...]
após a realização de completo levantamento sobre o que cada um oferece ao
turista (EIS o Paraná..., 1969, p.14). Os principais atrativos turísticos eram
então o Parque de Vila Velha, Foz do Iguaçu e Sete Quedas por conta dos
aspectos naturais e paisagísticos, enquanto Paranaguá era citado por conta do
patrimônio histórico e de seus balneários. Outros potenciais haviam sido
identificados, tais como
Lapa e Morretes, cuja importância turística e histórica é apenas
avaliada pelos paranaenses, estão recebendo o “empurrão”
necessário, juntamente com Antonina, as praias, as estâncias
hidrominerais, as grutas de Campinhos e Bacaetava, além do
Bairro de Santa Felicidade, e as principais cidades do norte do
estado (EIS o Paraná..., 1969, p.15).
Paranaguá, Antonina e Morretes passavam então a ser mais
valorizadas por conta de seus aspectos históricos, sendo que o patrimônio
cultural no sentido amplo (abrangendo a culinária e os folguedos populares, por
exemplo) ficava ainda restrito aos festejos carnavalescos. O Barreado, como
visto, quando era divulgado era associado ao litoral como um todo e ao
Carnaval, sem que houvesse uma iniciativa de sinalizar a oferta comercial que
começava a se construir, que na época tinha como representantes o Hotel
Nhundiaquara e o Clube Náutico de Antonina.
219
4.2. POPULARIDADE SE FAZ À MESA: A OFERTA DO BARREADO NA
DÉCADA DE 1970
A PARANATUR abre a nova década com vários projetos em
andamento, inclusive no plano da divulgação do estado para os próprios
paranaenses e também para os brasileiros de outras regiões do país. O litoral,
contudo, continuava carente de obras de infra-estrutura, como saneamento
básico, como denunciava a reportagem da Gazeta do Povo:
[...] no começo da temporada, tudo foi alegria. Nem mesmo a
falta de água doce, para banhos e alimentação, transformou os
veranistas. Os dias foram correndo e o problema persistia.
Depois de um mês nessas condições, ninguém mais suportava
a situação e as reclamações surgiram violentas (PRAIA...,
1970).
Os problemas do litoral paranaense pareciam ter sido em parte
agravados pela inauguração da nova estrada Curitiba-Paranaguá, que facilitou
o acesso às praias paranaenses e terminou por aumentar de forma significativa
os fluxos durante a temporada de verão, principalmente nos finais de semana
(BALNEÁRIOS..., 1970). Mas enquanto a solução dos problemas de infra-
estrutura básica ficava por conta das prefeituras municipais, a PARANATUR
promovia algumas ações procurando melhorar a prestação dos serviços
turísticos
85
.
Enquanto a economia de Paranaguá era sustentada basicamente pelas
atividades portuárias
86
, principalmente de exportação, verifica-se que Morretes
e principalmente Antonina enfrentavam uma situação fragilizada no início dos
anos setenta. A edição de março de 1970 da Revista Panorama trouxe uma
85
Como o curso sobre orientação turística para motoristas profissionais (principalmente
taxistas) ministrados em Curitiba e outras cidades do Estado e que davam aos concluintes um
“selo de eficiência” para ser afixado no interior de seus veículos. (TURI-NOTAS, 1970).
86
“Assim como Antonina, a economia de Paranaguá gira em torno do Porto. Ele não
absorve uma grande quantidade de o-de-obra (tem 830 funcionários), como também
mantém um grande mercado de trabalho: o dos estivadores, arrumadores, conferentes, vigias e
consertadores. Sem contar o número de empregos criados pela instalação dos armazéns
gerais. O setor de serviços – hotéis, restaurantes, bancos, lavanderias, etc. – também depende
do movimento do porto. E a prefeitura arrecada o grosso do seu ICM das mercadorias que pelo
município transitam para exportação. ‘Se um dia o porto fechasse, Paranag acabaria em
nada’ assegura um comerciante”. Paranaguá, como fazer o ouro voltar? (PARANAGUÁ,
como..., 1970, p.34).
220
reportagem intitulada Morretes, esta cidade parou no tempo que tratava de sua
realidade. O texto argumentava que Morretes naquela oportunidade nem de
longe lembrava a cidade de 40 anos atrás, pois [...] no momento em que foi
inaugurada a estrada de ferro começou o declínio de Morretes: o comércio
local não teve condições de resistir à concorrência feita pelo de Curitiba
(MORRETES esta..., 1970, p.30). Segundo o artigo, a economia de Morretes
se encontrava fragilizada não apenas por conta da inauguração da estrada de
ferro:
Com o fim do ciclo da erva-mate, os engenhos perderam sua
utilidade. Porto de Cima, antes próspero lugarejo, hoje é
apenas um distrito judiciário sem nenhuma expressão. Os
alambiques, a concorrência de Piracicaba liquidou. O município
paulista, mais próximo dos centros de consumo, começou a
produzir cachaça em escala industrial, utilizando modernos
equipamentos. Conhecendo apenas os métodos primitivos, os
produtores de Morretes tiveram que sair do páreo. Hoje ainda
resistem oito alambiques no município, cuja produção é mínima
(MORRETES esta..., 1970, p.30).
A reportagem continuava, afirmando que a situação de Morretes era
delicada, pois a cidade o possuía porto, como Antonina e Paranaguá, nem
praias para atrair turistas, como Guaratuba e Matinhos. O que restava como
sustentáculo da economia da cidade era então a agricultura, também abalada
desde o fechamento da usina de cana-de-açúcar
87
, o que se tornava ainda
mais contrastante com os períodos áureos da cidade. A partir do depoimento
de Roberto França, então com 86 anos, o artigo ilustrava esse período:
[...] Morretes era uma espécie de empório do litoral. Tinha
grandes firmas atacadistas que compravam em Curitiba e,
depois, abasteciam todas as povoações, vilas e cidades da
região. As canoas desciam o Nhundiaquara carregadas de
mercadorias. Dinheiro não faltava, a cidade crescia. Havia mais
de 70 engenhos de beneficiamento de erva-mate. na
localidade de Porto de Cima funcionavam 35. Para não falar
das dezenas de alambiques – a cachaça criando fama em toda
parte (FRANÇA in MORRETES esta..., 1970, p.31).
87
A usina foi fechada por um impasse entre produtores e dirigentes da Usina, que estavam
pagando menos da metade do que havia sido combinado inicialmente. Em relação aos demais
produtos agrícolas, na oportunidade Morretes produzia banana e arroz, culturas que perfaziam
87% do valor do rendimento agrícola do município, cuja agricultura não era mecanizada
(MORRETES esta..., 1970).
221
A mesma edição do periódico trazia uma reportagem sobre Antonina,
intitulada Antonina, sem porto ninguém vive. O artigo fala dos problemas que a
oscilação do movimento do Porto trazia para a cidade:
Nos dias em que o Porto de Antonina pára, os ônibus circulam
quase vazios, o cinema da cidade suspende sua sessão
noturna. No cais, os estivadores, conferentes e carregadores
olham angustiados para o mar, à espera de que surja algum
navio e, com ele, trabalho. As casas comerciais que não
vendem a crédito ficam às moscas, enquanto que, nos bairros,
a carne, o pão e o leite cedem lugar à farinha e ao naco de
peixe seco. Antonina depende em 90% do movimento
portuário. “Talvez até 95%”, diz José Relece, técnico da
Divisão de Engenharia do Porto (ANTONINA sem...1970, p.32).
Esta situação de penúria, segundo o texto, é contrastante com a época
em que o Paraná produzia muita erva-mate e a exportava por Antonina: Os
navios chegavam carregados de açúcar e sal e partiam levando erva e madeira
[...] Havia engenhos de cana-de-açúcar e alambiques (ANTONINA sem...1970,
p.32). A reportagem continua, dizendo que a estagnação da cidade possui
várias causas, sendo uma das principais é a abertura da estrada entre Curitiba
e Paranaguá, o porto desta cidade, melhor situado, adquiriu sua hegemonia
sobre o de Antonina, que não permite a passagem de navios de grande calado
(ANTONINA sem..., 1970, p.32). E completa:
Na década de 30 verificou-se um grande êxodo rural para a
cidade. As condições de vida eram ruins e em Antonina, a
exportação de madeira exigia braços. Depois essa fonte de
divisas do porto caiu bastante, pois a produção de madeira
passou a ser conduzida aos outros estados, com maior
rapidez, por caminhões. Para o comércio o golpe mais rude foi
a inauguração da estrada de ferro. A partir daí tornou-se mais
barato comprar diretamente em Curitiba e os estabelecimentos
atacadistas desapareceram (ANTONINA sem...,1970, p.32).
A realidade de Antonina também foi tema de um artigo do jornalista
Murilo Moiry Benatto publicada em julho de 1970 na Gazeta do Povo:
A Antonina Imperial, que dividia com Paranaguá a primazia dos
embarques em níveis paralelos desapareceu. Em seu lugar
sobraram apenas quarteirões inteiros em ruínas. A Antonina
Republicana, com uma indústria moageira e grandes armazéns
também morreu, restando apenas as velhas estruturas
222
desabadas, ao longo dos trapiches. A Antonina de Manoel
Ribas, onde o curitibano ia veranear, fazendo da Ponta da Pita
a Caiobá dos idos de 30 a 50 esabandonada. A Antonina de
nossa juventude sumiu. Ou melhor, foi esquecida (BENATTO,
1970).
Dizendo que a falta de serviço e as melhores oportunidades em centros
maiores provocou o êxodo de seus filhos e a cidade foi minguando pouco a
pouco, tornando-se uma sombra do que foi (BENATTO, 1970), aponta a
pesca e o turismo como saídas para o município, e continua:
Os que ficaram cansaram das promessas políticas e
eleitoreiras e tornaram-se apáticos, não se entusiasmando
mais com coisa alguma. A própria parece ter diminuído a se
basear pelo número de igrejas abandonadas. A monotonia
contagiou de tal maneira a todos que quando o Estado uma
vez mais prometeu grandes atenções à cidade, principalmente
no desenvolvimento turístico da região, enquadrando-a no
esquema litorâneo, parece até que já anteviam que tudo não
passara de planos no papel, jamais traduzidos em realidades
palpáveis (BENATTO, 1970).
Diante de realidades tão fragilizadas, o turismo era freqüentemente
citado como uma opção para equilibrar o desenvolvimento socioeconômico dos
municípios em questão, pois representaria o aproveitamento do patrimônio
natural e também histórico que existia, e que merecia ser valorizado, embora
nenhuma ação sistematizada tenha sido proposta ou colocada em prática pelas
prefeituras envolvidas.
Paranaguá, entretanto, parecia estar à margem destes problemas. Em
1970, diante do bom movimento de clientes, o Restaurante Danúbio Azul, de
Paranaguá, passa pela sua segunda ampliação. Segundo João Carlos
Carmezim:
Meu pai ampliou, fez uma primeira ampliação para 120 lugares
foi em 1968 e depois outra ampliação para 240 lugares em
1970, porque o movimento era muito intenso. Daí de 1970 até
1979, o movimento era realmente muito intenso, daí ele
adquiriu essas propriedades todas que ficavam aqui, por que
no total eram cinco, pra poder construir esse restaurante. Ele
construiu aqui e passou o restaurante para cá. Essa sede aqui
foi inaugurada em 1980, com muito movimento, muito turismo
(CARMEZIM, 2008).
223
Deve-se observar, porém, que tal demanda era garantida a partir de
peixes e frutos do mar, pois o Barreado ainda não havia sido incorporado ao
cardápio, algo que acontece por apenas no final desta década.
A PARANATUR continuava focada nos destinos com atrativos naturais
mais exuberantes e voltava-se agora para o turismo social, investindo na
criação de campings clubs para democratizar o acesso ao turismo daqueles
com menor poder aquisitivo. Neste projeto constavam o camping de Foz de
Iguaçu (em funcionamento desde julho de 1970) e as unidades de Curitiba, Vila
Velha, Londrina, Guaíra e Matinhos, cujas previsões de inauguração se
dividiam por todo o ano de 1970 (JÁ no verão..., 1970).
Em relação a Morretes, um artigo publicado por Murilo Moiry Benatto
no Suplemento de Turismo da Gazeta do Povo, em 04 de outubro de 1970,
tratava dos benefícios trazidos pela construção da BR 277:
Morretes volta a se mostrar como atração turística, deixando de
ser uma simples passagem para acesso às praias. O Rio
Nhundiaquara volta a reconquistar freqüentadores não
residentes em Morretes, que para se dirigem a fim de passar
uma tarde agradável junto às suas margens (BENATTO, 1970).
Falando da melhoria do trânsito dentro dos limites do município, o
jornalista continua:
Desapareceu o pó, o barulho e a confusão das ruas centrais da
velha cidade e seu povo retorna o ritmo normal de vida sem,
contudo, ter voltado ao passado. O pouco de passado que
no Paraná poderá ser encontrado em seu litoral. [...] E, no
passeio, a oportunidade de voltar a ver a Serra do Mar, pela
Estrada da Graciosa. Pela primeira vez, sem as correrias de
antigamente, pode-se desfrutar a paisagem. Você descobrirá
que a Serra nesta época do ano se cobre de flores
multicoloridas, transformando seus vales e ribanceiras em
verdadeiros tapetes, cuja beleza você pode agora tocar, se
quiser. É o repouso visual que tanto carecemos após uma
semana agitada nos grandes centros urbanos (BENATTO,
1970).
Nota-se, porém, que é novamente o aspecto histórico e paisagístico
associado a Morretes que é divulgado, não havendo menção ao serviço do
Barreado. Em paralelo, a PARANATUR mantinha a estratégia de focar suas
atenções na ampliação do parque hoteleiro estadual e em setembro de 1970,
224
com base na lei 5.948, de 27 de maio de 1969, que previa isenções fiscais para
investimentos na área de hospedagem, o primeiro hotel de turismo paranaense
teve seu projeto de ampliação aprovado em sessão especial do Conselho
Paranaense de Turismo. O Hotel Carimã, em Foz do Iguaçu, obteve na ocasião
isenção de todos os tributos estaduais pelo prazo de 10 anos, a partir da
complementação de suas obras. O objetivo de tal estratégia seria:
[...] o incremento da indústria turística, para a qual a construção
de hotéis de categoria é o fator básico de desenvolvimento.
Essa política está sendo adotada em âmbito federal através da
EMBRATUR, e no âmbito dos municípios, com os quais a
PARANATUR mantém estreito contato para que a legislação
específica seja aprovada dentro do menor prazo possível.
Alguns municípios aprovaram a concessão dos incentivos
fiscais para a construção de hotéis (COM as insenções...,
1970, p. 90).
Em outubro de 1970, uma carta dirigida ao Suplemento de Turismo da
Gazeta do Povo assinada pelo diretor técnico da PARANATUR, Cleon Cordeiro
Ribas, informa sobre as prioridades e estratégias então adotadas pelo órgão
estadual de turismo no início da década: desenvolvimento de Vila Velha (com
planos de edificar no local um motel, um posto de serviço, uma lanchonete e os
reparos e melhorias que se fazem prementes no restaurante existente), a
inauguração de um camping na região e o desenvolvimento da Estância
Hidromineral de Santa Clara e do Hotel existente (RIBAS, 1970). A mesma
carta fala ainda dos estudos relativos à Ilha do Mel, cujo domínio está sendo
pleiteado pelo Governo do Estado junto ao Serviço de Patrimônio da União,
além da intenção de incorporação, pela PARANATUR, da Gruta de Campinhos,
então sob responsabilidade da Secretaria do Estado da Agricultura.
Em outubro de 1970, Morretes voltou a ocupar as páginas da Gazeta
do Povo, em uma reportagem que tratava do Rio Nhundiaquara, a calma da
cidade e a beleza dos recantos e do casario histórico, sem, entretanto,
mencionar o Barreado (RIO Nhundiaquara, 1970). No ano seguinte, contudo, a
oferta do Barreado recebia um reforço importantíssimo: é a partir de 1971 que
o Bar e Snooker Madalozo
,
em Morretes, começa a servir refeições em seu
cardápio, inicialmente oferecendo comida italiana e, na seqüência, o Barreado.
Com a introdução do serviço de refeições, o estabelecimento mudou sua
225
denominação, passando a ser chamado de Restaurante Madalazo. Perguntada
sobre os outros restaurantes morretianos que serviam o prato - além do Hotel
Nhundiaquara - Tânia comenta:
[...] eu lembro que quando nós nhamos o bar lá na XV tinha o
restaurante do seu Bolinha, como chamavam, e que nós
pegávamos comida lá pra almoçar, mas era aquela comida
caseira. Daí tinha um outro restaurantezinho também pequeno
do seu Zé, como chamavam, mas digamos [um restaurante
que trabalhava] em uma escala maior e que começou a servir o
Barreado, foi o do pai (LAFITTE, 2008).
Dona Izanete relembra que logo que iniciaram suas atividades no ramo
de refeições, inicialmente com a culinária italiana, o número de clientes cresceu
cada vez mais, inclusive nos fins de semana:
Daí começamos a servir as refeições. Naquele começo, o que
a gente fazia mais era comida italiana e tinha bastante
movimento no final de semana. foi indo, até que um senhor
que trabalhava conosco, era Reginaldo o nome dele, mas
chamavam de Ferro-Velho, já falecido hoje, daí ele disse:
“Puxa, Madalozo, a gente podia inventar um prato assim do
litoral e tal!”. E meu marido começou a pensar, pensar e
falou “Ah, então vamos fazer o Barreado, que é aqui do litoral!”.
Aí começamos a fazer o Barreado e olha, teve muito boa saída,
muito boa aceitação o Barreado (MADALOZO, 2008).
A entrevistada recorda ainda que o sucesso do Barreado foi tanto que,
mesmo após o falecimento de Ferro-Velho, a iguaria continuou sendo
preparada no estabelecimento:
Naquela época era esse senhor que a gente chamava de Ferro
Velho. Depois ele veio a falecer também, mas tinha uma
conhecida nossa, a dona Rosa, daí ela trabalhou muito tempo
de cozinheira conosco, ela fazia além do Barreado, pois a
gente continuava com a comida italiana. Era macarrão, era
nhoque, era empadão, todas essas coisas e daí foi indo, foi
crescendo a procura, as filas (MADALOZO, 2008).
A demanda de final de semana, de pessoas da região que se
deslocavam até a cidade para fazer suas refeições no estabelecimento do
senhor Honílson crescia a olhos vistos, gerando inclusive alterações na própria
226
estrutura física do estabelecimento, visando a melhor acomodação dos
comensais:
É uma coisa interessante, que eu acho que pra época isso aí
era bastante interessante: vinha muita gente de Curitiba e em
pouco tempo a clientela do restaurante aos domingos passou a
ser 90% pessoal de Curitiba. nessa época o pessoal vinha
pra cá, o restaurante tinha umas vinte mesas e o movimento,
era tanto que acabou toda aquela parte de snooker, a parte de
lanchonete mesmo e virou um restaurante (LAFITTE, 2008).
Contudo, estas adaptações iniciais ao longo dos anos se mostraram
insuficientes, e a família Madalozo começou a ventilar a hipótese de mudança
para uma sede maior, algo que só foi se concretizar anos mais tarde.
Em relação à Antonina, o Barreado continuava sendo servido apenas
no Clube Náutico, pois Dona Ieda, apesar da insistência dos clientes, ainda não
estava plenamente convencida de que deveria abrir um restaurante. O ano de
1972, porém, foi um ano bastante complicado para a economia capelista, pois
as Indústrias Matarazzo
88
encerraram suas atividades, o que reduziu em muito
as alternativas de emprego e renda para os moradores da localidade, criando
um panorama que mesmo o início das atividades da Fergupar Ferro Gusa
Paraná Ltda não conseguiu reverter. Entretanto, a crise não afetou a procura
pelo Barreado aos domingos no Clube, tendo em vista que os comensais eram,
em sua maioria, visitantes, e não residentes.
No início de 1973, uma lei que tinha como objetivo fortalecer o turismo
no Paraná terminou por acirrar os ânimos no litoral: a Lei Estadual nº. 6.342
declarou algumas cidades do Paraná como sendo de interesse turístico e,
nesta listagem, incluiu Paranaguá, mas omitiu Antonina e Morretes. A Liga
Municipalista de Antonina enviou na oportunidade uma carta à Gazeta do Povo
na qual manifestava:
Protestamos contra a Assembléia Legislativa do Estado do
Paraná e os Deputados que aprovaram tal lei, sem
conhecimento de causa: o turismo. Protestamos contra, ter o
Governador do Estado, sancionado tão injusta Lei, ciente de
88
Em 1917, a Indústria Matarazzo se estabeleceu em Antonina, em uma iniciativa de expansão
para além dos domínios do Estado de São Paulo, buscando extrapolar o âmbito comercial e
ingressar na área de produção de bens. Foram instalados um moinho para fornecer farinha de
trigo para os mercados do sul do país, além de casas para seus funcionários (vila de operários)
e uma escola, revigorando a economia local.
227
que, pondo Antonina e Morretes fora da mesma só iria causar o
refreamento turístico da região atingida (FOLCLORE..., 1973).
Tal estranhamento se deu em grande parte pelo fato das três cidades
em questão serem históricas e receberem fluxos turísticos, mesmo que tímidos
se comparados com Foz do Iguaçu, Curitiba e Ponta Grossa, por conta de Vila
Velha. Outro motivo para a indignação dos capelistas é que justamente no mês
de janeiro a Prefeitura Municipal de Antonina lançou o Calendário Promocional
de Antonina, divulgando dados históricos e físicos sobre a cidade,
apresentando também os acontecimentos programados que ocorreriam na
cidade no ano de 1973.
Deve-se mencionar ainda que, embora tal decisão não tenha surtido
efeitos muito concretos, o ano de 1973 foi definido por decreto baixado pelo
então presidente Médici como sendo o “Ano Nacional do Turismo” (o ano de
1971 havia sido o Ano da Eletrificação e o ano de 1972 o Ano das
Comunicações). Por tal ato, o Presidente pedia a reunião dos esforços de
todos os escalões do governo e também da iniciativa privada no sentido de dar
total prioridade à atividade turística, definindo-a como uma estratégia de
desenvolvimento nacional. Victorino Antonio, jornalista e colunista da Gazeta
do Povo, observou na oportunidade:
A preocupação do Governo é também infundir a mentalidade
dos brasileiros e conscientizá-los, de que o turismo é um
grande elemento socioeconômico e cultural, com profundas
implicações de natureza técnica, financeira, cultural e artística.
Entretanto, alguns governos regionais, pelo menos até agora,
ao que se sabe, haviam demonstrado pouco interesse quanto
ao turismo, inclusive, muitos deles, podando as verbas
previstas e até essenciais, para a atuação dos órgãos
específicos da política turística (ANTONIO, 1973).
O jornalista Murilo Moiry Benatto também comentou a decisão federal,
analisando que o turismo caracteriza-se como uma atividade muito complexa e
que seu desenvolvimento deveria incluir diferentes medidas, direcionadas aos
problemas de infra-estrutura, de qualidade de serviços e também de
divulgação, alertando também que os orçamentos estaduais não estavam
preparados para investimentos do porte necessário. As análises dos jornalistas
paranaenses parecem bastante adequadas, pois se por um lado tal iniciativa
228
deu amplitude ao tema turismo, inclusive como estratégia de desenvolvimento
nacional, por outro lado, poucos resultados práticos foram colhidos a partir
dela.
No Paraná, em maio de 1973, uma nova diretoria técnica e
administrativa assumiu a PARANATUR, e os novos responsáveis, Wilson
Portes e Jocy Ribeiro Bastos, divulgaram as novas prioridades da Empresa, a
saber: racionalização maior dos serviços especiais como estatística,
documentação, compilação e comparação de dados estaduais e nacionais;
formação de um corpo técnico especializado com a contratação de quatro
profissionais formados em turismo pela Universidade Federal de Santa Maria
(RS); conclusão da Estância Hidro-Climática de Santa Clara com apoio de
instituições financeiras como o BADEP (Banco de Desenvolvimento do Estado
do Paraná), o BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul) e a
Caixa Econômica Federal; criação de renda própria (por meio de pedágios,
como o que vinha sendo cobrado para acesso à Vila Velha) para
fortalecimento da Empresa, assegurando maior independência e flexibilidade
para suas ações, além de estudos de viabilidade para a implantação de um
Centro de Convenções em Foz do Iguaçu. Apesar das tantas fragilidades do
litoral paranaense, nenhuma ação específica para esta região constava dentre
as prioridades do órgão.
Em agosto de 1973 uma reportagem da Gazeta do Povo divulgava
Antonina, realçando a culinária dentre os atrativos da cidade:
Uma descida até Antonina num final de semana é um bom
programa. A cidade, que é uma das mais antigas, conserva
ainda alguns traços das civilizações que nos antecederam,
como as construções coloniais [...] Mas tem uma coisa: não
peça um churrasco, que é lugar de Pratos do Mar: mariscos,
camarões, caranguejos, mexilhões e muito peixe. Todos os
seus restaurantes, os melhores, são especialistas no preparo
desses pratos. Igual a esses o tradicional “Barreado”, rico
em condimentos, preparado com esmero e tempo, e muita arte.
O brasileiro, que é um típico, não deixa por menos: “A feijoada
anda preta de inveja do Barreado” (ANTONINA ainda..., 1973).
Neste ano toda a oferta do Barreado em Antonina se concentrava no
Clube Náutico, panorama alterado no ano seguinte, com a abertura do
Restaurante da Dona Ieda. Em de maio de
1974, Dona Ieda Siedschlag
229
incentivada pelos freqüentadores do Clube Náutico de Antonina, abriu seu
próprio restaurante:
no Náutico o sucesso foi muito grande. Porque a maioria
das pessoas gosta de Barreado, o Barreado verdadeiro. [...] E
nessa brincadeira toda o pessoal sempre dizia: “abra um
restaurante, abra um restaurante e eu fazia caranguejada, fazia
peixada. Daí eu comecei a amadurecer a idéia de montar um
restaurante do Barreado. Então comecei. Eu tinha uma
propriedade em Antonina de um alqueire, uma casa que foi o
primeiro projeto de arquitetura do Jaime Lerner no sentido ali
de quem vai para o Matarazzo. Então eu comecei a idealizar ali
o restaurante (SIEDSCHLAG, 2008).
A entrevistada continua:
A princípio eu não queria abrir, nunca tinha pensado em ter
restaurante. E as pessoas insistiam! Mas como eu tinha uma
casa desocupada, que era uma casa para os hóspedes, que
era no estilo chalezinho Suíço dentro da minha propriedade,
comecei a idealizar o restaurante. E daí o sangue alemão falou
mais alto. Eu fiz as toalhas todas em xadrez, branco e
vermelho, fiz as cortinas, tinha as coisinhas pra luz de palhinha
todas pintadinhas de branco, tinha a varanda. Depois pela
procura tive que fazer outra varanda (SIEDSCHLAG, 2008).
Dona Ieda recorda que abriu o restaurante com uma capacidade
restrita e uma pequena equipe de apoio:
Abri primeiro nessa propriedade e comecei com dez mesas e
quarenta cadeiras. Eu só tinha duas que me ajudavam na
limpeza da carne e um garçom que é meu primo e me chama
de tia e com ele o meu irmão, que de vez em quando me
ajudava. Porque o Barreado tem que ser feito com certa
antecedência, porque cozinha 24 horas. (SIEDSCHLAG, 2008).
O restaurante, que se chamava CACOAN - Campo de Concentração
dos Amigos de Antonina (mas que era chamado basicamente de Restaurante
da Ieda ou de Barreado da Ieda), rapidamente fez sucesso, reunindo novos e
antigos clientes:
Freqüentava toda a turma do Náutico, de Curitiba, as pessoas
que eu conhecia. Enquanto isso a Neréa continuava lá no
Náutico. Eu abri o restaurante pra servir frutos do mar e
Barreado. Você acredita que até na sexta-feira santa tinha
230
gente que descia pra comer o Barreado? No inicio eu nem
tinha, porque sexta-feira santa não é o dia de comer Barreado,
mas eu tive que incluir porque o pessoal descia pra comer. Eu
abria sábado, domingo e feriado e durante a semana eu fazia
por encomenda. (SIEDSCHLAG, 2008).
Analisando os restaurantes que então existiam na cidade antes de abrir
o seu, Dona Ieda ressalta que, com exceção do utico, nenhum outro se
dedicava ao Barreado:
Restaurante fazendo Barreado? Não em Antonina. Nessa
época tinha o Cruzeiro, que depois virou Cruzeirão. Mas
nenhum servia o Barreado. Na época, que eu me lembre, quem
servia o Barreado era o Hotel Nhundiaquara, mas não tinha
Madalozo, não tinha nada disso. Em Paranaguá nem se falava.
Quando o Barreado surgiu, veio à tona, ressurgiu das cinzas,
daí todo mundo começou a servir o Barreado. Ele ressurgiu!
Depois que eu inaugurei em 1974, começaram a surgir esses
vários outros restaurantes que se tem hoje (SIEDSCHLAG,
2008).
A oferta do Barreado no litoral paranaense contava então com três
representantes, dois em Morretes e um em Antonina. Contudo, mesmo o
número reduzido de estabelecimentos garantia uma visibilidade ao prato,
evidenciando seu potencial de atração de visitantes pois, durante o governo de
Emílio Hoffmann Gomes (1973 a 1975), a PARANATUR produziu folhetos em
português e inglês apresentando o Barreado, falando de sua história e
descrevendo seu modo de preparo (crédito de pesquisa para Marly Garcia
Correia). O Barreado era apresentado como um prato que tradicionalmente era
preparado e consumido em Paranaguá, Guaraqueçaba, Antonina, Morretes e
Guaratuba mais de 200 anos. Não era indicado onde a iguaria poderia ser
degustada, apenas apresentava-se o prato ao turista (PARANATUR, [197-]).
Contudo, merece atenção o fato de ter sido elaborado um folheto exclusivo
para a iguaria objetivando sua divulgação em eventos e feiras em que o destino
Paraná estivesse presente.
Ainda em 1974, por meio da Lei nº. 6.636, de 29 de novembro, foi
criada a Secretaria do Estado da Cultura e do Comércio, que terminou por
aglutinar a PARANATUR, sem que esta perdesse suas características (apenas
o Superintendente passou a ser denominado Diretor Presidente). Por sua vez,
231
o CEPATUR, presidido pelo Secretário de Estado dos Negócios do Governo,
passou a ser dirigido pelo Secretário de Estado da Indústria e Comércio.
Em 15 de dezembro de 1975,
foi inaugurada pelo então Governador do
Estado Emílio Gomes a Estância Hidro-Climática de Santa Clara, no município
de Guarapuava, tida na oportunidade como uma grande conquista que iria
impulsionar o turismo paranaense. Sua administração ficou sob
responsabilidade direta da PARANATUR, que depois a repassou ao Clube
Candeias por meio de uma licitação. Seguindo as prioridades que haviam sido
apresentadas ainda em 1973, as Grutas de Campinhos também passaram a
ser aproveitadas turisticamente, pois foram equipadas com campings, mesas,
churrasqueiras e rede d´água (BALANÇO..., 1975). A PARANATUR, que
buscava meios de obter receita própria, também tentava aglutinar sob sua
responsabilidade alguns atrativos turísticos importantes:
A fim de promover um aproveitamento integral, a PARANATUR
estuda com a Secretaria de Agricultura a transferência para a
sua administração das Grutas de Campinhos, bem como da
Gruta do Monge, na Lapa e de Furnas e Lagoa Dourada, nas
adjacências de Vila Velha (BALANÇO...,1975).
Destacando algumas obras de infra-estrutura realizadas no litoral
paranaense, como a melhoria do sistema de abastecimento de água, de
comunicações, de rodovias e a ampliação de rede de energia elétrica, a
reportagem destacava que a PARANATUR tem mantido entendimento com
empresários da área de serviços turísticos visando à implantação de hotéis,
motéis, restaurantes e equipamentos de recreação, além de pleitear junto aos
órgãos responsáveis melhorias no acesso às praias, como a estrada de
contorno entre Matinhos e Caiobá e a infra-estrutura geral na faixa de praias
entre Praia de Leste e Pontal do Sul (BALANÇO..., 1975, p.11).
Em 1976,
o Governo do Estado divulgava a “Rota Turística”
paranaense que incluía Foz do Iguaçu, Cascavel, Guarapuava, Ponta Grossa,
Curitiba, Morretes, Antonina e as praias. Dispondo de bons hotéis e
restaurantes, as praias de Paranaguá atraem ainda um incontável número de
turistas pelo sabor de seus pratos típicos, como a “peixada e o “Barreado”
(TURISMO, 1976, p.24). A divulgação da tal Rota tinha como objetivo atingir
232
turistas do próprio estado e também de todo o Brasil, buscando incrementar os
fluxos turísticos destinados a diferentes regiões paranaenses.
No mesmo ano, o Governo Federal, procurando equilibrar a balança
comercial do país, impôs dificuldades
89
para as viagens de fins turísticos que
tinham como destino o exterior, criando uma série de medidas equivocadas,
que incluíam não apenas o depósito compulsório, mas também a restrição de
gastos no exterior
90
. Segundo reportagem da Revista Paraná em Páginas:
O motivo maior que levou o governo a adotar essa medida foi o
déficit da balança de turismo, que vem aumentando
gradativamente, de ano para ano. O assunto é complexo,
dando margem para as mais diferentes interpretações, com as
quais a imprensa vem se ocupando, a partir da oportunidade
em que se deu ao conhecimento público os textos de
deliberações do governo (TURISMO, 1976).
As iniciativas de restrição ao turismo internacional foram
acompanhadas de medidas para incentivar o turismo interno. Desde o início
daquele ano vigorava a redução de 40% nos preços das passagens aéreas e
igual desconto nas diárias de hotéis, para grupos de 25 pessoas, no mínimo. A
redução não era subsidiada pelo governo, mas concedida pelas agências de
viagens, pelo setor hoteleiro e demais prestadores de serviço da área,
buscando o barateamento dos custos de uma excursão (TURISMO, 1976).
O discurso adotado pelo Governo era então o de incrementar o
desenvolvimento do turismo em todo o país, por um lado barateando as
excursões e, por outro, restringindo as viagens turísticas dos brasileiros ao
exterior, encarecendo tais viagens e restringindo ao máximo a possibilidade de
entrada de mercadorias adquiridas em outros países em solo brasileiro. As
medidas não pararam por aí e em julho do mesmo ano:
Em discreto e pequeno comunicado do Banco Central foram
estabelecidas restrições talvez mais sérias para o turismo:
89
O governo, através de um decreto-lei, adotou uma série de medidas, com algumas
complementares, emanadas de autoridades da área monetária, estabelecendo depósito
compulsório de doze mil cruzeiros para todos os turistas que queiram viajar ao exterior, com
pequenas exceções, estas ainda dependendo de processos próprios e de autorização dos
órgãos governamentais, em Brasília (TURISMO, 1976).
90
A quantia de 12 mil cruzeiros era recolhida em relação a cada pessoa que, além do titular,
constar no passaporte e será devolvida no prazo de um ano a contar da data de recolhimento,
não fluindo juros nem correção monetária (TURISMO, 1976).
233
proibição das excursões turísticas ao exterior, simplesmente
com a suspensão das autorizações para remessas destinadas
ao pagamento das despesas terrestres (hotéis, traslados,
recepções, bagagens, visitas, etc) (TURISMO, 1976, p.8).
A medida presidencial determinou o cancelamento de dezenas de
excursões e suspensão da ida de milhares de brasileiros para o exterior,
principalmente no mês de julho, período de férias escolares. Não obstante,
mesmo com o emprego de medidas tão restritivas para o turismo emissivo não
houve o prometido desenvolvimento do turismo interno no Brasil, tampouco no
Paraná.
Nota-se que em 1976 o litoral paranaense ainda era divulgado a partir
das belezas de suas praias e do casario histórico, havendo pouca atenção para
manifestações culturais, como os folguedos populares e a própria culinária:
[...] as velhas construções, as ruas centrais bem estreitas, as
antigas e espetaculares igrejas, tudo a constituir uma atração a
causar manifestações de surpresa e encantamento da parte
daqueles que procuram o litoral paranaense para ficar
conhecendo um pouco da própria história do Brasil (TURISMO,
1976, p.4).
Retomando a realidade morretense, em 1976, diante da grande
procura pelo restaurante nos finais de semana, o Senhor Honílson Madalozo
começou a planejar a expansão de seu estabelecimento. Segundo Tânia, nós
tínhamos fila de espera aos domingos, quando na realidade começou a idéia
de construir aqui, porque se tornou pequeno, quando tinha aquela fila de
espera, aí eu acho que em 1976, o pai resolveu começar a construir aqui [atual
sede] (LAFITTE, 2008).
Assim, a intensa procura pelo prato e as filas que se formavam nos
finais de semana e feriados, incentivaram a família Madalozo a abrir uma nova
casa, maior, construída às margens do Rio Nhundiaquara. Um dia Honílson
disse “puxa, mas o restaurante aqui está ficando pequeno”, o espaço do salão
não era muito grande. Pra você ter idéia, era eu e os meus filhos que
atendíamos lá (MADALOZO, 2008).
O Restaurante Madalozo foi o primeiro a se instalar nas margens do
rio, hoje uma região cobiçadíssima pelos demais empresários do ramo, que
234
reconhecem na vista para o Nhundiaquara um diferencial que agrada e atrai
– a clientela. Dona Izanete relembra como era o local antes da construção:
Olha, aqui não tinha esse restaurante, não tinha nada disso.
Aquele outro restaurante na frente que tem tamm ali não
tinha, sabe, aqui era bem tranqüilo, não tinha quase nada [...].
[A cidade] estava pra <aponta no sentido da outra margem
do rio, para a Rua XV>. Aqui era mais afastado, não era muito
movimentado. Porque aqui antes de nós construirmos, aqui
tinha muita areia ali embaixo e quando enche o rio traz
bastante areia. Então meu pai, eles tiravam areia daqui, dessa
parte pra assim, faziam uma enorme pilha de areia e eles
vendiam areia para as construções. E vendia muita areia. E
depois que a gente construiu daí parou (MADALOZO, 2008).
Sobre o processo de implantação do restaurante no novo endereço,
Tânia revela:
Esse terreno <o endereço atual do Restaurante Madalozo> era
da família da minha mãe, eles tinham parte da Vila aí. E foi
doado pra minha tia que cuidou da minha mãe, que ficou órfã
com um ano e oito meses
91
. E essa tia que cuidou dela. E era
uma tia solteira e tal e deu isso aqui, era um areal antigamente.
Era tirada areia pra ser vendida pela família deles. E ela doou
esse terreno pro meu pai. Na época ele foi taxado de louco
pelo pessoal todo, os amigos daqui de Morretes. Tá louco,
você vai construir numa Vila. Não existia nada aqui, isso aqui
eram tudo casas velhas, antigas, na realidade (LAFITTE,
2008).
A escolha da atual localização do restaurante, entretanto, não foi algo
planejado. Segundo a entrevistada:
91
O relato de Dona Izanete sobre o falecimento da mãe permite vislumbrar um pouco do
panorama da saúde pública em Morretes:Naquela época não tinha quase cura, ela faleceu de
tifo preto. Ela tinha febre muito alta assim, sabe, chegava a cair os cabelos dela e tinha um
senhor aqui em Morretes, na esquina ali, farmácia Roberto França ele preparava assim
remédios e tudo né, então aquela época muitas pessoas ficaram com essa doença e meu pai
trouxe um médico de Paranaguá pra atender minha mãe e ele o conseguiu salvá-la, minha
mãe veio a falecer. E um senhor que estava com a mesma doença o seu Roberto França aqui
da farmácia tratou, ele se salvou, sabe. Então outras pessoas vieram a falecer naquela época,
minha mãe faleceu, eu lembro que ela foi sepultada no último dia de carnaval, tinha um
corso na rua, tava bem movimentada, até pararam tudo e eu não lembro dela porque eu tinha
um ano e meio. Conheço através de fotografias e tudo, isso é o que eles me contam, meu pai,
minha tia contavam. E daí quando eu tinha oito anos, meu pai casou novamente. Então até
eu morava com minha ae minha tia, quando meu pai casou novamente eu vim morar com
ele, morava aqui na vila [...] Era aqui perto, não era muito longe. Daí eu fiquei até casar, eu
morei ali até 22 anos, meu pai tinha comércio também, eu ajudava ele, estudava e trabalhava.
Depois com 22 anos eu casei, meu marido era alfaiate” (MADALOZO, 2008).
235
Na realidade ele estava negociando um outro terreno, existe
um terreno bem na esquina aqui, quase em frente ao Hotel
Nhundiaquara, na esquina, esse terreno era do doutor Sidney e
meu pai estava comprando ali o terreno pra construir o
restaurante e fecharam o negócio no cartório, daí a dona do
terreno foi dizendo que alguém tinha oferecido um tanto a
mais no terreno e que se meu pai quisesse ele teria que cobrir
essa diferença. Ele falou que não então, que ele tinha uma
palavra, ele acertou, estava no cartório a carta pra pagar, então
ela que vendesse pra quem fez essa oferta. E na realidade foi
o que aconteceu, essa outra pessoa comprou o imóvel, não fez
nada e depois vendeu. Foi que surgiu a idéia da minha tia
doar esse terreno. E foi a melhor coisa, pois esta vista é
privilegiada! (LAFITTE, 2008).
A obra foi iniciada em 1976, mas por problemas com a empresa
contratada para a construção, atrasou dois anos, sendo inaugurada em 1978,
como será visto a seguir.
Retomando o contexto mais amplo da atividade turística no estado,
dentro da estratégia de incrementar o turismo interno, no verão de 1977 a
PARANATUR concebeu e publicou uma propaganda nas páginas da Revista
Panorama, assim como em outros meios de comunicação. Ilustrada com
imagens que fazem alusão às praias (uma mulher de costas, vestindo biquíni,
no mar), Guaratuba (vista do Morro), Curitiba (Teatro Guaíra), Ponta Grossa
(Vila Velha) e Foz do Iguaçu (Cataratas do Iguaçu), traz o seguinte texto:
O turista estrangeiro descobriu o Paraná...e você? O Paraná
quer receber você com o mesmo carinho , atenção e
cordialidade com que recebe os turistas estrangeiros que vêm
conhecer suas fabulosas atrações. No Paraná você vai ter
aquele encontro com a natureza. Venha ver! (PARANATUR,
1977).
Em abril de 1977, a Revista Panorama publicou uma reportagem em
que entrevistava alguns prefeitos do litoral sobre as perspectivas de
desenvolvimento de suas localidades. O turismo ganhou destaque tanto na fala
sobre Antonina quanto na de Morretes, embora nenhum dos dois dirigentes
municipais tenha apontado algum projeto mais definido.
Antonina prepara-se para competir no mercado do Turismo
Paranaense. O senhor Paulo Virgilio Savarin, Prefeito
236
Municipal, e o senhor Benito Montalto, Vice-Prefeito, estão
preparando diversos esquemas no campo do Turismo,
prometendo inclusive superar todas as outras festas
efetuadas de Nossa Senhora do Pilar (ANTONINA, 1977, p.38).
O progresso está de volta a Morretes, assim afirma o atual
prefeito Marcy Alves Pinto. Graças ao grande apoio que tem
recebido da PARANATUR, pois aquele órgão está cuidando do
embelezamento da Serra do Mar, trazendo de volta os turistas.
A cidade receberá ainda muitos melhoramentos nos próximos
meses, com a implantação de churrasqueiras, de playgrounds,
estacionamentos modernos, quiosques e arborização para o
embelezamento das áreas de recreação onde se destaca a
beleza natural; inclusive será atacado de imediato a limpeza
total dos lugares ideais para pescaria e o cuidado com as
águas do Nhundiaquara. Inclui-se nisso tudo os restaurantes
que aos sábados e domingos oferecem o prato típico
famoso: BARREADO (MORRETES, 1977, p.38).
Apesar do turismo ter sido apontado como uma estratégia de
desenvolvimento e pautado entre as prioridades de cada administração,
segundo Dona Maria da Glória, Dona Izanete e Dona Ieda, nenhuma das duas
administrações municipais produziu benefícios concretos, seja para a atividade
turística no sentido mais amplo, seja de forma específica para a divulgação da
culinária e dos restaurantes locais.
Em agosto do mesmo ano foi publicada uma reportagem da Gazeta do
Povo intitulada Litoral e Barreado (LITORAL e..., 1977, p.10) citando os
restaurantes que serviam os pratos típicos do litoral, especialmente o Barreado.
São citados cinco restaurantes de Antonina, dois restaurantes de Morretes e
nenhum de Paranaguá. De Antonina são citados o Restaurante Cruzeiro, o
Restaurante Caiçara (ambos especializados em frutos do mar) e o Restaurante
Tia Rosinha (também especializado em frutos do mar, servia o Barreado
apenas mediante encomenda). O Restaurante Tia Rosinha, inclusive,
apresentava uma curiosidade em seu cardápio: o prato “Turista Especial”:
peixe grelhado, maionese de camarão, camarão abraçadinho, marisco e ostra
ensopados, legumes, fritas e arroz mais casquinha de siri e camarão
ensopado.
Dos restaurantes capelistas especializados em Barreado o citados o
Restaurante do Clube Náutico (À la carte diversificado e frutos do mar, com
237
Barreado nos finais de semana e sob encomenda durante a semana) e o
Restaurante Cacoan, que é assim mencionado:
Restaurante Cacoan, que todos conhecem como Ieda (nome
da simpática proprietária). Fica no meio de um jardim tropical
que nos faz lembrar o Tahiti que conhecemos no passado. Aos
sábados e domingos serve o Barreado, o mesmo famoso
Barreado que é servido aos convidados do Jóquei Clube
Paranaense por ocasião de cada “Grande Prêmio Paraná”.
Cobrado Cr$ 60,00 por pessoa: pelo mesmo preço pode-se
desfrutar de uma refeição constituída de arroz, salada, peixe à
milanesa, camarão ensopado e casquinha de siri (LITORAL
e..., 1977, p.10).
Dos restaurantes morretenses, apenas o Restaurante do Hotel
Nhundiaquara (peixe e frutos do mar, churrasco e Barreado) e o Restaurante
Madalozo são citados. Sobre este último, o destaque são as características do
novo prédio:
cinco anos, Honílson Madalozo servia Barreado nos fins de
semana em seu concorrido bar e restaurante na Rua XV de
Novembro. A partir do primeiro domingo de agosto, está
atendendo no novo prédio, especialmente construído numa
curva do plácido Rio Nhundiaquara (a Cr$ 45,00 por pessoa,
numa fartura que gosto e água na boca) serve outros
pratos, e a vista para o rio, a ponte, a prainha particular, o
conforto das novas instalações (LITORAL e..., 1977, p.10).
Deve-se mencionar que o texto indica um aumento pela procura e pela
oferta da iguaria em Morretes: como a onda está alta e foi por nós
constatada, todos os restaurantes e bares da rua principal, a XV de Novembro,
tinham anunciado na porta “Hoje Barreado”, e podemos informar que no
conhecido Bar Barril o preço é Cr$ 35,00. Infelizmente tal reportagem, apesar
de apontar o aumento do serviço do Barreado na cidade, não identifica o nome
dos demais estabelecimentos que o serviam, da mesma forma que não foi
possível identificar, por meio das fontes orais, outros estabelecimentos
dedicados ao Barreado, ou ainda maiores informações sobre o Bar Barril.
Finalizando, o artigo que possui um caráter informativo bastante
evidente (apresentando os cardápios de forma resumida, os preços, os
horários de atendimento), conclama:
238
É chegada a hora de você, que é paranaense e nunca provou o
Barreado o único prato típico de nosso estado; ou você que
não nasceu mas vive aqui e nunca provou o Barreado; ou você
que já provou e há muito tempo não repete: enfim, é chegada a
hora de entrar na onda, ir a Morretes ou Antonina e fazer jus a
um gostoso Barreado (LITORAL e..., 1977, p.10).
Pela maneira com que as publicações passam a abordar o Barreado,
verifica-se que ele paulatinamente deixa de ser associado às residências e ao
período carnavalesco, e passa a ser empregado como um atrativo que
impulsiona deslocamentos e que pode ser degustado ao longo de todo o ano
nos restaurantes que o preparam e o servem.
Ainda na perspectiva da política de fortalecer o turismo no estado, a
PARANATUR colaborou com a ABAV (Associação Brasileira de Agência de
Viagens) Paraná para a captação do evento nacional da entidade, o V
Congresso Brasileiro de Agências de Viagens – ABAV, que aconteceu em
Curitiba em agosto de 1977. Na abertura, o então diretor-presidente da
PARANATUR, José Antonio Lobo Neto, apresentou os projetos em execução
pelo órgão, dando destaque ao plano de construção de terminais turísticos de
massa, seguindo a linha de ação em Turismo Social indicada desde o início
da década, e que seriam implantados primeiramente em Matinhos, Guaratuba
e Pontal do Sul. Na oportunidade ocorreu também o lançamento do “Guia
Turístico do Paraná para agentes de viagem”, que apresentava os roteiros e os
atrativos que eram trabalhados e divulgados pelo estado na época
(ENCONTRO da..., 1977).
No mês seguinte, foi implantada a primeira fase do Plano Diretor
Turístico de Vila Velha, etapa que previa o mapeamento do parque com base
em aerofotogrametria, levantamento topográfico e sondagem de solo das áreas
das Furnas e das piscinas naturais. No Plano Diretor também constavam os
estudos para a instalação de elevadores para visita às Furnas, a construção da
estação de informações, construção de um bar e lanchonete, de vestiários para
ambos os sexos, sala de estar com bancos, calçadão e playground no ponto
final do Roteiro dos Arenitos, próximo à piscina natural (VILA Velha..., 1977).
Tais propostas, que posteriormente foram questionadas por ambientalistas,
foram recebidas com entusiasmo e tidas como exemplo de uma postura ativa
adotada pelo Governo do Estado em relação ao turismo.
239
Em dezembro de 1977, na comemoração de 124 anos de emancipação
política do Estado do Paraná, no dia 19 de dezembro foi inaugurado o Parque
Turístico da Graciosa, que dota aquele trecho da Serra do Mar com toda uma
infra-estrutura turística e rodoviária (PARQUE da ..., 1977). O Parque foi
implantado pela Secretaria dos Transportes e do Planejamento, com a
colaboração do Departamento de Estradas e Rodagens e da PARANATUR,
sendo inaugurado pelo então governador Ney Braga. A nova configuração tinha
como objetivo propiciar aos paranaenses uma nova opção de lazer, pois foram
construídas áreas especiais para exposições, venda de artesanato,
churrasqueiras e quiosques, além da adequação das áreas existentes para
propiciar lazer e descanso nos finais de semana (PARQUE da..., 1977).
Em janeiro de 1978 foi lançada a primeira edição do Calendário Oficial
de Eventos Turísticos
92
, apresentando os eventos que aconteceriam naquele
ano. Sobre o primeiro Calendário de Eventos do Estado, Marilda Gadotti,
integrante da equipe técnica da PARANATUR desde meados da década de
1970, comenta:
O primeiro calendário nós fizemos em 1977. Foi o primeiro
calendário e nós distribuímos um certificado para todo o
questionário que vinha corretamente preenchido e que o
evento tinha uma conotação turística, que já levava grupos
para o município. Não eram muitos, na época começava a
nascer o concurso do Boi no Rolete
93
, tinha o concurso do
Porco no Rolete
94
, não existia ainda a festa do Carneiro no
Buraco
95
(GADOTTI, 2005).
Esta edição do Calendário indicava trinta e seis eventos de caráter
turístico. Dentre os eventos gastronômicos, constavam a Festa da Uva
(Colombo), a Festa da Laranja (Cerro Azul), a Festa do Ovo e do Pêssego
(Araucária) e a Festa da Ameixa (Mandirituba). Morretes aparecia com a Festa
do Divino Espírito Santo, Antonina com a Festa de Nossa Senhora do Pilar e
com a VII Exposição Fotográfica Litorânea de Arte Sacra e Paranaguá com a
92
Calendário Oficial de Eventos Turísticos: publicação anual de responsabilidade do órgão
estadual de Turismo, atualmente a Secretaria de Estado do Turismo. Tem como objetivo
divulgar os eventos com apelo turístico que se realizam no âmbito do estado do Paraná.
93
Festa Nacional do Boi no Rolete, de Marechal Cândido Rondon, realizada desde 1978.
94
Festa Nacional do Porco no Rolete, de Toledo, realizada desde 1974.
95
Festa Nacional do Carneiro no Buraco, de Campo Mourão, realizada desde 1990.
240
Festa de Nossa Senhora do Rocio e a Festa do Pescador (que também
acontecia em Matinhos, Guaratuba e Guaraqueçaba).
Ainda no mesmo mês, a PARANATUR inaugurou o Terminal Turístico
de Matinhos, implantado e administrado pela equipe daquela Empresa. O
Terminal era equipado com estacionamento para carros, ônibus, um vestiário
completo com guarda-roupa e guarda-volumes, além da praia protegida por um
guarda-vidas e visava também o atendimento ao campista (oferecia um
camping em local adequado, com luz, água, churrasqueira, vestuário, higiene e
vigilância) (PARANATUR, 1978). As instalações, vinculadas às ações voltadas
para o Turismo Social, foram divulgadas ao longo de todo o ano na Revista
Paraná em ginas e na Revista Panorama, com uma publicidade intitulada
Matinhos possui agora um terminal turístico. Acabaram as desculpas para você
não viver as delícias de nossas praias.
Em março, a PARANATUR, objetivando intensificar a divulgação do
estado, começou a distribuição de 40 mil cartazes que mostravam alguns
atrativos turísticos paranaenses, como a praia de Caiobá, Vila Velha, Cataratas
do Iguaçu e Curitiba (representada por uma imagem da Rua das Flores). Tais
cartazes foram enviados a outros destinos turísticos, agências de viagem,
empresas de aviação, prefeituras, agências do Banco do Estado do Paraná e
do Banco Bamerindus (TURI-NOTAS, 1978).
A PARANATUR também promoveu em parceria com a EMBRATUR,
entre os dias 4 e 8 de abril, o I Encontro Municipal de Conscientização Turística
do Estado do Paraná na cidade de Paranaguá. Dos trinta e nove municípios
convidados, trinta enviaram seus representantes, que assistiram a diversas
palestras ministradas pelos técnicos da PARANATUR e da EMBRATUR, e
também de outros órgãos ligados ao setor, como o Banco de Desenvolvimento
do Paraná (BADEP) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(SENAC). A finalidade do encontro, segundo José Antonio Santana Lobo Neto,
era o da conscientização das autoridades municipais dos objetivos reais da
EMBRATUR e da PARANATUR e da importância da integração União-Estado–
Municípios na consecução de objetivos comuns (CONSCIENTIZAÇÃO..., 1978,
p.45). Segundo o então secretário da Indústria e Comércio, Luiz Gonzaga
Pinto, também presente na solenidade de abertura, tal reunião buscava ainda
subsídios para a elaboração do Plano Estadual de Turismo que objetivasse:
241
[...] promover a exploração econômica dos recursos,
melhorando os fluxos de turismo, estimulando a implantação de
serviços básicos de infra-estrutura em áreas turísticas e
também apoiar a atuação da iniciativa privada na construção
de hotéis, restaurantes e outros empreendimentos turísticos
(CONSCIENTIZAÇÃO..., 1978, p.45).
A escolha de Paranaguá como anfitrião para este evento foi justificada
por tratar-se de uma cidade pólo da Região do Litoral do Paraná, cujo conjunto
representava o terceiro produto estadual em termos de atração turística e
também porque o local do encontro, o Dantas Palace Hotel, havia sido
recentemente inaugurado, sendo o primeiro hotel construído no Paraná com
recursos do FUNGETUR (Fundo Geral de Turismo) por meio de um contrato de
financiamento firmado pelo BADEP. Deve-se mencionar ainda que os
representantes de Antonina e Morretes também participaram do evento
(CONSCIENTIZAÇÃO..., 1978, p.46).
Como exemplo do fortalecimento das preocupações com o
desenvolvimento do turismo no estado, depois de muita negociação, em 1978
foi criado o primeiro curso superior de turismo do Paraná, na Universidade
Federal do Paraná, com sede em Curitiba. No mesmo período, também
ocorreu uma forte expansão da oferta de cursos para a área de turismo e
gastronomia no SENAC, além dos cursos técnicos em turismo que existiam
desde meados da década de 1970. Sinalizava-se assim no sentido da
profissionalização do planejamento e da gestão da atividade no estado.
Retomando a questão da oferta do Barreado em Morretes, deve-se
mencionar que em primeiro de agosto de 1978 a nova sede do Restaurante
Madalozo foi inaugurada, tendo capacidade para 250 lugares e servindo o
Barreado e a comida italiana. Devido à predominância de pedidos do Barreado
e de frutos do mar, nos anos seguintes a culinária italiana foi paulatinamente
sendo excluída do cardápio, até chegar à configuração atual, que inclui
também outros tipos de carne, apesar do Barreado ser a grande estrela da
casa. Anos depois, o Restaurante Madalozo introduziu uma nova opção de
refeição que foi muito bem aceita pelos clientes, e também copiada por
praticamente todos os restaurantes da cidade e da vizinha Antonina: o
combinado de Barreado com frutos do mar, servido no sistema de rodízio.
242
Ainda comentando a inauguração da nova sede, Tânia relata:
Na verdade a gente inaugurou com um casamento até de um
rapaz daqui, o Renato. O restaurante estava 90% pronto, não
100%, mas foi inaugurado. Até uma coisa interessante com o
casamento dele em um sábado e no domingo daí nós abrimos,
já pra atendimento. E foi um sufoco! (LAFITTE, 2008).
Dona Izanete também recorda este período, em que a família se dividia
atendendo em dois endereços: na Rua XV e às margens do Rio Nhundiaquara:
Nós continuamos atendendo também. Eu lembro o primeiro
dia que o Honílson quis que nós viéssemos atender aqui, não
estava tudo bem preparado, a gente tinha muita coisa. Eu acho
que até era durante a Festa em Antonina, em agosto, eu acho
que um domingo. Daí a gente veio atender para cá, mas eu me
senti assim, o primeiro dia que a gente vem pra atender e
tinham muitas mesas assim para gente atender e a gente, meu
Deus, achava o salão assim tão grande, que é da cozinha para
cá, que é diferente de lá, que era bem menor, eu me
atrapalhei assim, sabe, os primeiros dias eu me atrapalhei. Mas
depois a gente foi se ambientando direitinho, arrumando tudo,
aí foi dando certo. E eu continuando a lecionar, depois do
almoço eu vinha pra cá. E até trabalhei, lecionei 26 anos e
meio, daí esse tempo eu entrei na faculdade de Paranaguá,
meus filhos eram pequenos, daí essa dificuldade de ter com
quem deixar, uma pessoa de confiança, se conseguia uma,
mas daí não parava e foi aquela confusão. Daí eu tive que
trancar minha matrícula, eu fui o primeiro ano até outubro,
tranquei a matrícula, aí esperei meus filhos crescerem mais um
pouco, daí voltei a estudar (MADALOZO, 2008).
Em 1978, entre os dias 30 de setembro e de outubro ocorreu em
Paranaguá a Primeira Festa do Barreado e o Primeiro Festival de Artes e
Tradições Populares. O evento foi uma iniciativa conjunta do Ministério da
Educação e Cultura através da FUNARTE, da Coordenadoria da Área do
Trabalho, da Empresa Paranaense de Turismo PARANATUR, da Secretaria
da Indústria e do Comércio do Estado do Paraná, do Departamento de
Assuntos Culturais da Secretaria de Educação e Cultura e da Prefeitura de
Paranaguá. Durante a programação, além da abertura ritualística da panela de
Barreado com o espocar de foguetes e da degustação do prato, ocorreram
ainda um concurso de pesca, desafio de violeiros e apresentações de
Fandango e do Bloco do Boi de Antonina, além de uma regata pelo Rio Itiberê.
243
O evento foi originalmente concebido para ser itinerante, com suas edições
acontecendo em Paranaguá, Antonina e Morretes de forma alternada.
Entretanto, por motivos desconhecidos, tais municípios não entraram em
acordo em relação ao local da próxima edição, e a proposta não teve
continuidade (PRIMEIRA Festa..., 1978).
Em janeiro de 1979
a PARANATUR inaugurou obras no Parque
Estadual de Vila Velha e o terminal turístico de Guaratuba, ambos construídos
pela Empresa com recursos próprios e financiamentos do BADEP e do
FUNGETUR (TURISMO Vila..., 1979). No mês seguinte foi inaugurada pelo
Governo do Estado a nova estrada de acesso a Pontal do Sul, facilitando o
acesso de turistas àqueles balneários. Observa-se, contudo, que a década de
1970 chegou ao fim repetindo as críticas aos velhos e constantes
problemas do litoral (saneamento básico, qualidade das ruas, abastecimento
de energia elétrica, segurança e preços abusivos por parte dos comerciantes).
Verifica-se, também, que dentre as várias obras executadas pela
PARANATUR, algumas eram voltadas para o lazer da população autóctone e
que não necessariamente respeitavam o entorno histórico-cultural e ambiental
das localidades, fazendo com que várias intervenções realizadas na época
fossem posteriormente reavaliadas e, na medida do possível, revertidas. Como
observa Marilda Gadotti:
Na década de 1970 não se ouvia falar de meio ambiente, em
preocupação com o turismo, com as características geológicas
do lugar. Era intenção da gestão do Turismo do Estado fazer
daqueles pontos locais de lazer. Então se fazia piscina em Vila
Velha, cancha de esportes na Lapa, mesmo este sendo um
lugar predominantemente religioso. Pensava-se antes no lazer
da população local (GADOTTI, 2005).
No que se refere ao preparo e ao consumo do Barreado, a década de
1970 se encerra com quatro estabelecimentos oferecendo o Barreado
comercialmente, dois situados em Morretes (o Hotel Nhundiaquara e o
Restaurante Madalozo), um situado em Antonina (o Restaurante da Ieda) e
outro situado em Paranaguá (Danúbio Azul). Verifica-se que o mais importante
restaurante parnanguara incluiu o Barreado em seu cardápio apenas no final
244
da década de 1970. Segundo João Carlos Carmezim, seu pai resolveu incluir o
prato, pois:
Colocamos por ser um prato da região, e nos mantemos por
tradição. Existe uma disputa entre Antonina, Morretes e
Paranaguá então temos que ter o Barreado aqui. Morretes
hoje diz que e o pai do Barreado, mas trinta anos la quase
não tinha nada, mas hoje eles são realmente fortes,
principalmente nesse perfil para turistas. Mas veja: a nossa
especialidade sempre foi peixes e frutos do mar (CARMEZIM,
2008)
Deve-se mencionar ainda que, de todos os empresários, a mais
popular e carismática era Dona Ieda. Atuante na política capelista e com muitos
amigos, sempre recebendo em seu restaurante figuras ilustres das artes e da
política nacional, a degustação do Barreado no litoral era facilmente associada
ao seu nome. Pode-se observar também que no final dos anos setenta o
pequeno número de estabelecimentos dedicados à iguaria não era proporcional
à importância que já estava sendo atribuída ao prato, importância essa que
continuaria a crescer na década de 1980, como será discutido a seguir.
245
5. DA MESA AO IMAGINÁRIO: A CONSOLIDAÇÃO DO BARREADO COMO
PRATO TÍPICO
Como visto no capítulo anterior, a oferta comercial do Barreado
começa a ser desenvolvida timidamente por iniciativa isolada de alguns
empresários de Morretes e Antonina, e, de forma menos expressiva, de
Paranaguá. Sem apoio das prefeituras ou de outros órgãos públicos - ao
contrário da versão contada por muitos boatos-, os proprietários de diversos
estabelecimentos fizeram do Barreado parte de seus cardápios e logo ficam
surpresos com a boa aceitação da iguaria.
Nota-se que, se o Barreado no Clube Náutico nasce de uma proposta
de resgate da iguaria e das tradições capelistas, a introdução do prato nos
cardápios do Restaurante e Hotel Nhundiaquara e do Restaurante Madalozo se
deu com certa hesitação, pois como o Barreado estava presente na mesa de
muitas casas, temia-se sua rejeição.
Entretanto, por conta do perfil dos clientes dos próprios
estabelecimentos, em geral turistas, excursionistas, ou ainda pessoas que não
residiam, mas trabalhavam na cidade, a oferta do prato nasceu naturalmente
orientada para os visitantes. Na medida em que a procura se intensifica,
principalmente nos fins de semana, essa oferta vai ganhando amplitude e
visibilidade, assumindo cada vez mais sua vocação turística.
Neste sentido, a análise que segue, dando continuidade àquela iniciada
no capitulo anterior, procura avaliar como se dá a oferta do Barreado até a
atualidade, atentando para a trajetória dos principais restaurantes dedicados a
iguaria. Nota-se que restaurantes que incluem o Barreado apenas como mais
uma opção de carne em seu Buffet não são discutidos, apesar de serem
identificados e caracterizados no último item deste capítulo.
246
5.1. DÉCADA DE 1980: A ASCENSÃO DO BARREADO
No início da década de 1980, o Barreado era degustado nas
residências de Antonina, Morretes e Paranaguá principalmente no período
carnavalesco e em festas familiares, religiosas e comunitárias. Para aqueles
que não possuíam familiares no litoral, desconheciam a receita ou ainda não
dominavam a forma de preparo, a abertura de restaurantes que serviam o
Barreado ampliou enormemente o acesso à iguaria. O Restaurante do Hotel
Nhundiaquara, o Restaurante da Ieda, o Restaurante Madalozo e o
Restaurante Danúbio Azul abrem os anos oitenta funcionando em pleno ritmo e
conquistando um número cada vez maior de clientes. O Clube Náutico, que
atendia clientes e visitantes mediante reservas nos finais de semana,
continuava esporadicamente servindo o prato (também sob reserva), mas
desde o término da gestão de Neréa Sarmento em meados da década de 1970
e do afastamento de Dona Ieda, agora concentrada em seu próprio
restaurante, a iguaria perdeu destaque e também boa parte dos clientes.
No mesmo período verifica-se que, no âmbito institucional, a
PARANATUR seguiu investindo na administração de terminais de turismo de
massa e nos campings, buscando promover o turismo interno associado ao
Turismo Social, incentivando os paranaenses, inclusive os com baixo poder
aquisitivo, a conhecer o próprio estado. Como parte desta proposta, em março
de 1980, a Empresa publicou em periódicos de circulação estadual, dentre eles
a Revista Panorama, uma divulgação que incluía imagens de Vila Velha (Ponta
Grossa), Sete Quedas (Guaíra), Teatro Guaíra (Curitiba), Cataratas do Iguaçu
(Foz do Iguaçu) e a Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá, com o seguinte
texto: Americanos, argentinos, franceses, alemães, italianos, belgas,
canadenses, japoneses, sabem o que é bom. Melhor para você!
(PARANATUR, 1980).
Em paralelo às iniciativas de divulgação, verificava-se também uma
preocupação com a melhoria da infra-estrutura do estado. Em agosto de 1980
o BADEP divulgou que iria destinar 85 milhões de cruzeiros por meio da linha
de crédito FUNGETUR no prazo de um ano para o setor turístico paranaense,
247
dentro de um plano de prioridades estabelecido pela PARANATUR. Segundo a
Revista Paraná em Páginas:
Conforme plano aprovado em conjunto pelo BADEP e pela
PARANATUR a aplicação do dinheiro será bem diversificada.
Entre alguns empreendimentos turísticos classificados como
prioritários para o atendimento está o reaparelhamento da rede
hoteleira no interior do estado. Também, com destaque, o
revigoramento de estâncias hidrominerais, além do incentivo à
prática do turismo rural (implantação de hotéis fazendas) e
outros equipamentos de lazer, como centros de convenções,
tudo com o objetivo de fazer com que o visitante permaneça
por mais tempo no território paranaense (CONVÊNIO..., 1980,
p.10).
No quadro geral, os destinos turísticos de maior destaque continuavam
sendo Foz do Iguaçu e Ponta Grossa (em virtude do Parque Estadual de Vila
Velha), com a Lapa ganhando destaque por conta de seus aspectos históricos.
Paranaguá era divulgada por sua história e importância para o
desenvolvimento paranaense: cidade litorânea que se apresenta como o berço
da colonização paranaense (PONTOS turísticos, 1982). O litoral, de maneira
geral, continuava bastante concorrido durante a temporada de verão
96
, embora
vários entraves persistissem, incluindo agora a especulação imobiliária, os
problemas com ferryboats, a falta de saneamento básico e a qualidade das
vias de acesso. Outro aspecto que contribuía para fragilizar a realidade
litorânea era a falta de movimento na chamada baixa temporada”
principalmente nos balneários, o que terminava por prejudicar o comércio e
inibir maiores investimentos em restaurantes e meios de hospedagem.
Em
1981,
a oferta do Barreado ganhou reforço em Antonina. Nesse
ano foi inaugurado o Restaurante Caçarola do Joca, fundado por Joaquim
Carlos Alcobas, um paulistano que até então trabalhava no ramo da confecção,
chegou a Antonina em 1974 e se iniciou na área da alimentação com o próprio
Caçarola, cuja capacidade (quarenta e dois lugares “folgado” e cinqüenta
lugares “apertado”) e localização se mantêm inalteradas desde sua abertura. O
96
A partir do início da década de 1980 são promovidas pelo Governo do Estado, pelas
diferentes gestões, programas anuais que levavam atividades de lazer (e ainda levam) às
praias paranaenses durante o verão. Dentre os tulos dessas operações pode-se mencionar:
Verão Vivo, Operação Verão e Verão Vivo.
248
entrevistado, que comprou o restaurante, que já funcionava há dois anos, e fez
pequenas adaptações antes de reinaugurá-lo. Segundo ele:
Eu vim passear. Gostei e fiquei. Esqueci de voltar <risos>. E aí
acabei conhecendo a minha esposa aqui, eu vim solteiro.
Depois de um tempo eu conheci ela, ficamos juntos, casamos,
tivemos filhos, todas formadas já, tudo direitinho [...] Eu
resolve abrir um restaurante porque eu achei que era um ramo
que gostava, eu sempre fui um bom gourmet, sempre
freqüentei bons lugares então, eu falei, eu acho que vai dar
certo. No começo foi difícil, foi muito difícil. Teve época que eu
pensei até em desistir, mas a persistência e a vontade
sobrepõe, então deu certo. (ALCOBAS, 2008).
Falando da dificuldade de entrar em uma nova área, Joca, como é
conhecido por amigos e clientes, pondera:
[…] é difícil, você está entrando num ramo que você não
conhece. Porque todo o ramo tem o seu segredo e até você
descobrir o segredo talvez seja tarde. Então eu fui indo, fui indo
e até hoje, por exemplo, eu tiro isso aqui de letra, mas naquela
época eu não sabia que letra era. Mas deu certo. Os cinco,
seis primeiros anos foi muito difícil, depois começou a se
acomodar. Daí eu comecei a mudar o sistema, ver o que era
melhor tanto pro restaurante quanto pra mim, pra poder chegar
em um denominador comum. E desde 81 é esse espaço aqui,
só. Eu não aumento uma mesa! (ALCOBAS, 2008).
O empresário revela que sempre serviu o Barreado, desde o primeiro
dia em que abriu as portas, pois o Barreado é um dos carros chefes do litoral,
você não pode deixar de ter. Tal popularidade se reflete no fato de que, até
hoje, o prato figura entre os mais vendidos da casa, ao lado da casquinha de
siri. Falando de como era a oferta do Barreado quando abriu seu restaurante, o
entrevistado cita Ieda Siedschlag e seu restaurante:
Isso vem algum tempo, isso vem de uma precursora
chamada Ieda. A Ieda, pra você ter uma idéia, ela era uma
pessoa que tinha um pôster no aeroporto de Miami dizendo
que ela estava em Antonina com o Barreado. Ela era
conhecidíssima. Falava em Ieda, falava em Barreado. Isso foi
nos anos setenta, mais ou menos. Ela tinha um restaurante
chamado Restaurante da Ieda e ela acabou vendendo o
restaurante, vendeu a propriedade, se arrependeu
barbaridade. Mas aqui em Antonina quem é precursor disso é
a Dona Ieda e a Dona Neréa, que era uma pessoa muito
influente também na cidade, que não era dona de restaurante
249
mas que tinha muita influência e que era muito amiga da Dona
Ieda também. A Ieda hoje mora em Matinhos e a Dona Neréa
faleceu já, era muito idosa, faleceu já. A Ieda foi a precursora
do Barreado no litoral (ALCOBAS, 2008).
Verifica-se que, apesar de não ser a intenção inicial, o restaurante de
Alcobas também se orientou para o atendimento de visitantes, tendo como
melhores dias sábados, domingos e feriados. Segundo o próprio empresário: o
público daqui do restaurante sempre foi de fora. Digamos assim que, em
termos de ocupação, o pessoal da cidade que vem aqui não atinge um por
cento do movimento mensal (ALCOBAS, 2008).
No contexto estadual, em janeiro de 1981 o governo Ney Braga voltou
a promover o estado junto aos próprios paranaenses. Com o slogan “É hora de
viver Paraná” atrelado ao logotipo da administração vigente, o texto, intitulado
“Viva o verão do Paraná”, apresentava os destinos turísticos como opção para
o verão, citando a Ilha do Mel, Foz do Iguaçu, Sete Quedas e as facilidades
que as secretarias estaduais de saúde, bem estar social e de segurança
estariam viabilizando em todo o estado. O litoral era assim abordado: [...] ao
bucolismo de Morretes. Dos saborosos frutos do mar de Antonina e Paranaguá,
aos passeios pelas areias de Pontal do Sul, Praia de Leste, Matinhos, Caioe
Guaratuba (VIVA o..., 1981).
Em 1981, a legalização dos jogos de azar voltou à pauta em todo o
Brasil. A discussão logo foi trazida para o universo do turismo, pois a
necessidade de desenvolver a atividade turística acabou sendo arrolada como
uma das justificativas para tal aprovação. Uma reportagem da Paraná em
Páginas citava o posicionamento da EMBRATUR: no entender de Lauro
Guimarães, da EMBRATUR, os cassinos devem ser instalados apenas em
locais onde não entrem em choque com a cultura da região e assim não
modificando o modo de viver dos moradores (TURISMO, 1981, p.11). No
Paraná, Foz do Iguaçu, Guaíra e Guaratuba eram considerados os lugares
mais adequados para receber um cassino, e a própria Antonina chegou a ser
mencionada como um lugar privilegiado para instalação desse tipo de
estabelecimento (REABERTURA..., 1981). No entanto, apesar de discussões e
debates mais inflamados, a proposta não evoluiu e o jogo continuou proibido no
país.
250
Em julho de 1981, a Revista Paraná em Páginas publicou uma nota
sobre Antonina, caracterizando-a como uma cidade de muita história, ruas
estreitas, bonitas igrejas, casas do período do império....O prato típico do lugar
é o “Barreadoque os turistas podem saborear em restaurante especializado
que funciona normalmente” (ANTONINA e..., 1981, p.10). Tal informação vai se
repetir de toda a década de 1980 nas páginas da revista, sempre associando a
cidade a suas ruas estreitas, casario antigo, povo hospitaleiro e ao Barreado.
No ano seguinte, é a vez de Morretes ganhar um novo estabelecimento
voltado para o Barreado. É neste ano que o empresário Gilmar Cunha,
segundo ele mesmo morretense teimoso, nascido e criado, e sua esposa
Jeanete Cunha, natural de Campo Mourão, abriram o Lubam restaurante
especializado em Barreado. O Lubam, um restaurante cujo cardápio se resume
basicamente à combinação do Barreado com frutos do mar, surgiu a partir da
experiência do casal com um outro estabelecimento, o Tropical, onde
começaram a “testar” o Barreado. Sobre o início de sua trajetória no ramo da
alimentação, o empresário comenta:
Na realidade, o restaurante nasceu de um bar de sinuca, o
Tropical. Nós tínhamos um bar de sinuca, que daí passou a ser
a lanchonete e as pessoas pediam comida, porque na época
não tinha muito restaurante em Morretes. Hoje, se for fazer
uma pesquisa, nós somos o terceiro restaurante mais antigo, o
primeiro vem a ser o Madalozo, o Nhundiaquara, depois o
nosso. Agora não sei se é Madalozo ou o Nhundiaquara o
primeiro. Depois foram aparecendo os outros restaurantes.
Mas as pessoas no Bar pediam pra que a gente fizesse uma
comida. “Poxa, você não faz um peixe? Não faz um bife, uma
coisa assim?” Daí a coisa começou a tomar proporção mais
para o lado do restaurante, entendeu? Daí nós fomos criando
pratos e isolando aquela parte, tirando aquela parte de
lanchonete passou a ser restaurante. Foi uma coisa muito
rápida, mas a pedido da clientela. Daí nós fomos criando o
cardápio e começamos a fazer Barreado, fomos pesquisando o
Barreado e estamos até hoje (CUNHA, 2008).
O entrevistado revela que arrendou o Tropical de seu cunhado e que,
na época, não possuía nenhuma experiência com o ramo de alimentação.
Quando a clientela estava consolidada, comprou o estabelecimento e, como
anteriormente citado, transformou-o gradativamente em um restaurante. O
Restaurante Tropical funcionava então na Rua XV de Novembro, perto do
251
Clube Sete de Setembro, em um espaço alugado. Diante da idéia de começar
a trabalhar com o Barreado congelado, veio a necessidade de encontrar um
nome que fosse mais original do que Tropical, que estava associado aos
mais diferentes produtos, alimentícios ou não:
A gente começou com o Tropical mas quando lançamos o
Barreado congelado já lançamos como Lubam. Então a gente
criou essa marca, porque o meu sobrenome não marca, da
minha esposa também não, então criamos esse nome e
registramos como marca (CUNHA, 2008).
Com planos de expandir os negócios, o casal comprou o terreno em
que se encontra atualmente o restaurante, realizou as edificações e, em 1982,
inaugurou a casa, com a denominação de Lubam, com cento e trinta lugares. O
Barreado congelado da marca Lubam foi lançado em vários supermercados de
Curitiba e do Paraná, e também passou a ser vendido em um quiosque anexo
ao restaurante, em funcionamento até os dias de hoje.
O Barreado, que agora podia ser degustado em Antonina no
Restaurante da Ieda e na Caçarola do Joca, e em Morretes no Hotel
Nhundiaquara, no Restaurante Madalozo e no Restaurante Lubam, e em
Paranaguá no Restaurante Danúbio Azul, ganhou destaque em Curitiba
durante o Festival do Barreado e do Fandango. Realizado entre 29 e 31 de
outubro de 1982 nas dependências do SESC Portão, o Festival foi uma
promoção do SESC e da Associação Tradicionalista Gralha Azul.
Durante o evento, de divulgação estadual, foi distribuído um encarte
que trazia explicações sobre o Barreado, o Fandango e ainda algumas receitas
com pinhão. A história do Barreado era apresentada e ele era apontado como
um prato litorâneo, sem que se especificasse o município de sua origem ou
onde poderia ser degustado. Também constava do folheto uma receita do
prato, em que se mencionavam algumas peculiaridades de seu preparo -
inclusive o mode de fazer o lacre da panela (SESC, 1982).
Em 1982, com a morte de seu primeiro marido, o Barão André, Dona
Ieda passou o restaurante para sua residência, ao lado do Clube Náutico, o
que ampliou em muito a capacidade do estabelecimento:
252
Foi depois que o André morreu, eu passei o restaurante pra
minha residência ao lado do Clube Náutico. Antes era
mesmo, mas na casa pequena, na mesma propriedade.
Quando eu mudei pra minha residência, daí eu estava....eu
nem lembro a capacidade, mas fora as mesas de dentro, tinha
as da varanda. E veja, a minha casa tinha quatrocentos metros
de área construída, daí tinha a varanda toda e as pessoas
todas brigavam pra ver que ia ficar lá. Eram mesas de quatro
lugares, espalhadas pelo salão e pela varanda, fora as
pessoas que ficavam esperando. Era uma área muito grande,
com palmeiras, hibiscos, com piscina onde as crianças
brincavam, andavam de bicicleta (SIEDSCHLAG, 2008).
No mesmo ano, Dona Ieda levou o Barreado para São Paulo, para ser
servido na Primeira Feira de Artesanato e Comidas Típicas o Brasil, como
convidada da PARANATUR, na qualidade de representante do Paraná. Ela
comenta:
Quando me chamaram, eu disse “Mas eu? O menor
restaurante de Antonina?” Mas eles queriam o Barreado! Eu fui
para São Paulo antes de dar resposta, para ver como era o
Anhembi, e daí eu aceitei, porque eu tinha um amigo de São
Paulo que era representante da Skol pra grande São Paulo e
me disse “Olha Ieda, o que você trouxer aqui [de Barreado]
para vender você vende!”. Eu disse “Olha! Eu vou levantar um
papagaio [empréstimo] lá em Antonina na Caixa Econômica pra
poder fazer...” Porque eram cinco dias de feira e o pessoal
dizia que não podia faltar o Barreado (SIEDSCHLAG, 2008).
Do Paraná, foram dois representantes. O restaurante da Ieda e o
Restaurante Veneza, que servia comida italiana. Falando sobre como
conseguiu recursos para participar do evento, ela relembra:
Tinha vários estados e todo o tipo de comida que você pode
imaginar, e não podia faltar o Barreado pelo Paraná!. Então o
que eu fiz? Fui na Caixa Econômica falar com o gerente,
Josemir, uma criatura espetacular, falecida, e falei Josemir,
eu fui convidada para um evento assim e não tenho dinheiro!”
E ele “Você quer dinheiro?” “Claro!”. Daí ele coçou a cabeça,
pensou um pouco e disse “É, aquela sua propriedade lá é
grande, dá empinar um bom papagaio!”. Eu agora nem sei
quanto dinheiro peguei, eu só sei que emprestei um dinheiro da
Caixa, e encomendei 500kg de carne para Barreado. Preparei
tudo em Antonina! Eu tinha uma ajudante de cozinha, então a
gente preparava, congelava e levava na câmara fria do peixeiro
de quem eu comprava peixe. Eu trabalhava com os frutos do
mar e o Barreado. Mas a essa altura o Barreado passou a ser o
carro-chefe, e daí passou a ser Barreado e frutos do mar,
253
porque o pessoal queria mesmo era o Barreado
(SIEDSCHLAG, 2008).
Comentando sobre os resultados do evento, Ieda diz:
Vendi os 500kg de Barreado nos cinco dias do evento! Eu fui
com três carros pra São Paulo [...], levei Barreado, um saco
enorme de farinha de mandioca que eu encomendei no sitio e
as cumbuquinhas de barro que eu tenho até hoje. Porque
fizeram uma reunião comigo e com o dono do Veneza pedindo
para não levar prato nem talher, porque era uma feira,
quebrava, perdia. Prato, talher, era tudo de plástico. Comer
Barreado em prato de plástico, mas...não tinha outro jeito! Foi o
meu falecido irmão pra me ajudar de garçom, um amigo meu
que faleceu mês passado pra tomar conta do dinheiro, porque
o meu negócio era a cozinha! E uma auxiliar de cozinha que eu
levei. Chegando tive que contratar mais garçons, mais
ajudantes de cozinha, porque era uma loucura! A feira abria às
três horas da tarde até as onze horas da noite, então era
aquele pique. A Neréa ate foi pra São Paulo de ônibus para me
ajudar a servir o Barreado lá. Então foi um sucesso! Tanto que
no ano seguinte eu fui convidada a participar novamente, na
época o governador era o Maluf, porque foi realmente um
sucesso. O que eu vendi de cumbuca de barro e de farinha de
mandioca, meu Deus do Céu! Você não acredita! Mas eu
não aceitei, porque era muito trabalhoso e é muita
responsabilidade servir um prato desse, que tem que ser
preparado com alguma antecedência. Mas eu tinha clientes
que me conheceram e que vinham pra cá. Volta e meia
parava um carro de São Paulo na frente do meu restaurante e
“Dona Ieda!” “Você não foi mas nós viemos” (SIEDSCHLAG,
2008).
Perguntada sobre o apoio que recebeu da Prefeitura de Antonina, a
entrevistada responde:
Todos os jornais de São Paulo todo dia em primeira página. Do
Paraná, nenhum! Nenhum agradecimento do prefeito de
Antonina! Essa feira deo Paulo eu fui só com os meus
recursos, fiz um empréstimo como falei e nunca recebi um
agradecimento! Nem um “Ieda, obrigado por ter divulgado
Antonina”. Porque eu disse na época: eu venho com uma
condição, eu quero na frente do restaurante tenha escrito
“Barreado da Ieda, Antonina, Litoral do Paraná” e isso foi feito.
Mas nunca recebi nenhum agradecimento, nenhum obrigado!
(SIEDSCHLAG, 2008).
Mesmo não contando com o apoio da prefeitura de Antonina, Dona
Ieda passou os anos seguintes divulgando o Barreado em eventos de turismo,
254
sociais (inaugurações, premiações) e em ações beneficentes, sempre
promovendo em conjunto o nome de sua cidade natal.
Em abril de 1983, por meio da Lei nº. 356 o governador José Richa
vinculou a PARANATUR à Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte,
mudança administrativa que praticamente não alterou o seu funcionamento e
as ações que estavam em execução.
Em 24 de junho de 1983, a Gazeta do Povo publicou uma reportagem
intitulada Agora é tempo de Barreado em que apresentava o prato, falava de
sua história e apresentava duas receitas, uma dita tradicional e outra proposta
pelo publicitário e cozinheiro Malu Malluceli. O texto começava fazendo uma
alusão às comidas de festa junina, período da publicação:
O leitor dirá, ou pensara: agora e tempo de comer pinhão,
batata-doce, cocada, doce de abóbora, pé-de-moleque. Mas
acontece que agora é tempo de comer Barreado, como é
também o mês de abril, ou setembro, ou dezembro. Sempre é
tempo de provar (para quem ainda não conhece) ou de repetir
o único prato típico da culinária paranaense. Achamos também
que sempre e tempo de divulgá-lo mais, de falar dele a quem
nos visita, de servi-lo aos turistas (AGORA é..., 1983).
O artigo é interessante justamente por descolar o consumo do
Barreado da época do Carnaval, apresentando os restaurantes que na
oportunidade ofereciam o prato em Curitiba, Antonina, Morretes e Paranaguá e
informando os preços praticados. Segundo o artigo, em Curitiba o prato era
servido no Restaurante Escola do SENAC, no Thapioca, no Ao Barreado, no
Onha e no Carreteiro.
Argumentando que Prato nascido no litoral, preparado pelo caboclo
para os dias de Carnaval, muitos preferem comer o Barreado, acham até que
ele tem outro sabor, em Paranaguá, Morretes e Antonina (AGORA é..., 1983), o
artigo cita os restaurantes nessas cidades que oferecem o Barreado:
Em Paranaguá, os restaurantes Meu Cantinho e do Clube
Olímpico atendem a encomendas, apenas. Em Morretes, duas
casas disputam entre si servirem o melhor Barreado da cidade
são o Madalozo (diariamente a Cr$ 1.700,00 por pessoa) e o
Hotel Nhundiaquara (também diariamente, Cr$ 1.400,00)
(AGORA é..., 1983).
255
Verifica-se que se em Paranaguá a oferta comercial do prato sequer é
mencionada, provavelmente porque o único restaurante que o servia, o
Danúbio Azul, tinha como especialidade e se promovia em cima dos pescados
e frutos do mar, com o Barreado ocupando uma posição secundária. Morretes,
atualmente grande pólo do preparo e serviço do Barreado, contava com
apenas dois restaurantes que possuíam o prato no cardápio. Em contrapartida,
na ocasião Antonina dispunha de uma oferta bem mais desenvolvida:
O mais famoso Barreado de Antonina é preparado por Ieda
Siedschlag, que pode ser saboreado (Cr$ 2.000,00 por pessoa)
aos sábados, domingos e feriados em outros dias, sob
encomenda; no Capela Regency Hotel Barreado todos os
dias, preparado sob a batuta de Guilhobel Camargo, a Cr$
1.800,00 por pessoa; no Cruzeirão, o prato pode ser
encontrado diariamente, a Cr$ 1.300,00; no Tia Rosinha, sob
encomenda, a Cr$ 1.500,00. Temos a noticia de que os
restaurantes Solimar e A Caçarola também a preparam, mas
ficamos devendo ao leitor as informações mais precisas que
não conseguimos, sobre dias e preços (AGORA é..., 1983).
Em 15 de outubro de 1983, David Carneiro publicou um artigo na
Gazeta do Povo intitulado Culinária Paranista, que abordava alguns pratos,
como o bolo de goma da Lapa, mencionando a dificuldade de conhecer a
origem de pratos incorporados ao folclore, afirmando: no nosso estado
somente o “Barreado” parece haver entrado no conhecimento de todos os
conterrâneos como comida típica regional reconhecida, mesmo se tratando de
um prato feito com carne bovina, apesar de ser oriundo do litoral (CARNEIRO,
1983).
A PARANATUR, em suas estratégias de divulgação, lançou um folder
intitulado: “O mais saboroso prato do Paraná: Barreado”. Neste folder aparece
a afirmação Barreado e mbolo de fartura, festa e alegria, que se tornaria
constante em praticamente toda a divulgação do prato. O folder informava
sobre a razão do nome, a origem do prato e apresentava uma receita para
quatro pessoas, além do poema de Inami Custodio Pinto transcrito nesse
trabalho. A publicidade o caracterizava como prato do litoral paranaense de
origem polêmica, o Barreado é motivo de deliciosa discussão entre capelistas,
morretianos e parnanguaras (PARANATUR, [198-]).
256
Em março de 1984, a Revista Paraná em Páginas publicou uma
matéria intitulada Antonina, que ressaltava o empenho do então prefeito da
cidade, Joubert Gonzaga Vieira em preparar a temporada de verão da melhor
maneira possível, acreditando na presença de milhares de visitantes, nessa
cidade, nas próximas semanas (ANTONINA, 1984). Contudo, nenhuma
novidade em termos de programação ou de investimento era apresentada,
ficando a atratividade de Antonina restrita aos aspectos de pouca repercussão
comumente explorados, como as ruas estreitas, as casas antigas, o povo
hospitaleiro e a oferta de artesanato e comidas típicas. O Barreado, porém,
recebia ênfase e o restaurante de Dona Ieda era mencionado com distinção: o
Barreado é o prato mais famoso de Antonina. E os que “provam” não negam
elogios. Um restaurante da Ieda ficou famoso em Antonina pela
especialidade da casa: o “Barreado (ANTONINA, 1984).
Em abril do mesmo ano, diante dos altos índices de inflação e da alta
do dólar que culminava na queda do turismo emissivo, o turismo interno
novamente entrava em pauta nas ações da EMBRATUR e da PARANATUR.
Tais Empresas voltaram a dar destaque principalmente para as pequenas
viagens, o que terminou por privilegiar os municípios litorâneos, como
Antonina, apontada por uma reportagem da Paraná em Páginas como um bom
exemplo do turismo de final de semana (TURISMO, 1984).
Em junho de 1984, uma decisão judicial determinou a reversão das
modificações que o Governo Estadual havia realizado em Vila Velha na década
de 1970, exigindo a volta do caráter primitivo do Parque. Para cumprir tal
decisão, a PARANATUR teve que concentrar seus esforços e recursos na
erradicação das obras e dos equipamentos existentes na região dos arenitos,
tais como pólos comerciais, churrasqueiras, playgrounds, estacionamentos e o
correspondente mobiliário (JUSTIÇA..., 1984).
No mesmo ano, aconteceu a I Festa Feira de Morretes, evento que
durou dez dias e que reuniu uma série de atrações, dentre elas a
comercialização de produtos agrícolas, artesanato e comidas picas (como o
Barreado), além de atrações culturais e apresentações de músicos da região.
Esta primeira edição alcançou grande sucesso, garantindo inclusive as edições
dos anos seguintes.
257
Em janeiro de 1985, a PARANATUR publicou outro folheto de
divulgação Do Barreado, intitulado “Barreado, o prato típico do Paraná”, com
um desenho na folha de rosto e uma diagramação do texto diferente, mas com
conteúdo idêntico ao material de divulgação impresso anteriormente
(PARANATUR, 1985).
No mês de fevereiro do mesmo ano, a Revista Paraná em ginas
falava da atuação do governo José Richa na área de turismo, destacando os
principais atrativos do Paraná. Além de Guaratuba, apontada como o principal
balneário paranaense, o texto destacava:
Um estado que possui em seu território, como ponto de fixação
para visitas, as internacionais Cataratas do Iguaçu, em nada
pode se queixar. Paranaguá é um ponto obrigatório em todos
os programas, não apenas pelo o que oferece (casarões, ruas
estreitas, centenárias igrejas), mas também pela ferrovia que
liga a Curitiba, serpenteando a Serra do Mar no oferecimento
de panoramas inesquecíveis para os visitantes. No mesmo
estilo de Paranaguá, ainda no litoral, a cidade de Antonina
(TURISMO os ..., 1985).
Verifica-se que, de forma persistente, os textos publicados na Revista
Paraná em Página excluíam a cidade de Morretes nas menções que fazia
sobre o litoral paranaense, dando sempre destaque à Antonina. Da mesma
forma, quando citado, o Barreado era sempre vinculado as terras capelistas,
ignorando os restaurantes morretianos.
Em maio de 1985, a PARANATUR mudou-se para uma sede própria,
adquirida com recursos próprios da Secretaria da Cultura e do Esporte. Na
oportunidade de inauguração na nova sede, o então presidente da
PARANATUR, Julião Neiva de Lima, falou sobre as principais preocupações da
Empresa, citando o turismo interno, a terceira idade e a necessidade de
entrosamento com os setores de agências de turismo e hotelaria
(MELHORES..., 1985).
No mesmo mês, o então recém empossado presidente da
EMBRATUR, Joaquim Afonso Mac Dowell Leite de Castro, empresário,
comentou as diretrizes que orientariam sua gestão, tendo como prioridade a
atração de turistas estrangeiros; o ajuste da infra-estrutura da EMBRATUR; a
reformulação do calendário turístico, privilegiando os períodos de baixa
258
estação; a melhoria da segurança nos locais turísticos e a democratização do
turismo interno, inclusive para a terceira idade (MACDOWELL..., 1985). O
alinhamento entre as diretrizes de ação da EMBRATUR e da PARANATUR era
evidente, principalmente no que dizia respeito ao incentivo do turismo interno e
investimento no nicho da terceira idade.
Dentro dessa perspectiva de desenvolver o turismo interno em termos
nacionais, retomou-se a estratégia um tanto equivocada de restringir o turismo
dirigido ao exterior, e, a partir da diminuição forçada destes fluxos, desenvolver
o turismo interno no Brasil. Assim, em julho de 1985, foi divulgada pela
EMBRATUR a cobrança de uma taxa de 3% sobre o valor dos dólares oficiais
comprados por aqueles que fossem viajar para o exterior (TURISMO, 1985).
Tal decisão se reverteu em discussões acaloradas, sem benefício evidente
para o turismo interno nacional.
Em novembro do mesmo ano a oferta do Barreado em Antonina foi
fortalecida. Leônidas Gaspar de Abreu, nascido em Curitiba em 1953,
inaugurou o Restaurante Panorâmico Albatroz. O empresário, que até então
trabalhava como auxiliar de fiscal aduaneiro na Receita Federal, retornou à
Antonina por motivo de doença da mãe e resolveu estabelecer-se na cidade,
onde tinha passado sua infância e adolescência. Sobre a sua ligação com a
cidade e o seu retorno, o entrevistado comenta:
Sou nascido em Curitiba. A minha mãe é daqui. Passei quase
toda a minha infância aqui, um pouco acompanhando o meu
pai que era fiscal também da Receita Federal. Acompanhei
meu pai uns três, quatro anos. A gente morou em Santos e
daí eu trabalhei também um pouco no SERPRO, serviço de
processamento de dados em Belém do Pará. E depois que
eu vim pra pra abrir o restaurante. Eu vim em 83, daí eu
montei um barzinho aqui nesse espaço <atual sede do
Restaurante Albatroz> com o nome de Fim de Noite, daí eu
abria sexta e sábado. E depois eu abri o restaurante em 85,
dia 11 de novembro de 1985 eu estava iniciando com o
restaurante. E desde que eu abri o restaurante sempre foi aqui
(ABREU, 2008).
A opção por transformar seu bar em um restaurante se deu em virtude
da observação do bom movimento das casas já existentes na cidade:
259
Na época os restaurantes aqui em Antonina…. eu senti que
tinha uma oportunidade, sabe? Tinha o Cruzeirão, o antigo
Cruzeirão aqui na avenida principal, que não existe mais. E na
época tinha muita fila, fazia uma fila enorme. Pô, tinha fila até
cinco, seis horas da tarde pro almoço! Foi quando eu resolvi
abrir um restaurante também. Eu sempre gostei de estar na
cozinha, fazendo uma coisa ou outra. Daí eu conversei em
casa e falei “acho que eu vou tentar abrir um restaurante pra
mim, lá no espaço lá embaixo” (ABREU, 2008).
Falando sobre o panorama da oferta do Barreado quando abriu seu
estabelecimento, o empresário, assim como Joca Alcobas, cita Dona Ieda
como a pioneira na cidade:
Olha, o Barreado na verdade, quem começou... tinha o
restaurante da Ieda... foi ela que colocou o Barreado no
mercado [...] Ela abriu aqui do lado do Náutico, aqui na casa
um restaurantezinho e começou a divulgar o Barreado.
(ABREU, 2008).
O Restaurante Panorâmico Albatroz foi inaugurado com uma
capacidade para cento e quarenta pessoas (que se mantém até hoje),
atendendo principalmente turistas e visitantes, característica que ainda
prevalece: meu público sempre foi de fora. Pra você ver, eu pago setenta,
oitenta reais de água por mês e eu não pago essa conta com o povo de
Antonina que vem aqui. Eu não vivo daqui! Essa parte de restaurante aqui
sempre foi dependente de turista (ABREU, 2008).
Sobre o cardápio, Leônidas enfatiza que o Barreado sempre esteve
presente, desde o primeiro dia. Explicando o porquê da inclusão do prato, o
empresário defende de maneira até inflamada a ligação de Antonina com a
iguaria:
Resolvi incluir exatamente pelo fato do Barreado ser um carro-
chefe de Antonina e não do litoral. Isso eu falo não é pra
provocar nem nada, mas porque é verdade! Eu falo isso, eu
continuo dizendo, eu falo pra quem quiser ouvir que o Barreado
é de Antonina. Mesmo se eu não tivesse restaurante eu diria
que o Barreado foi criado aqui mesmo, é dos caboclos daqui
mesmo, o Barreado é de Antonina. Não é de tropeiro como
falam aí, não tem a ver com padre Anchieta aqui na Serra e
não sei o que... Eu acho que histórias que cada uma conta a
sua. Paranaguá conta a história deles, Morretes também.
[…] Mas quem sabe mesmo dessa história, que criou-se com
260
essa história do Barreado é o povo de Antonina, sempre
acostumado a comer o Barreado no Carnaval, e em outros
eventos familiares, porque as famílias mais tradicionais aqui
de Antonina sempre fazem o Barreado. Então não tinha como
não incluir no cardápio! (ABREU, 2008).
Sobre o bom momento de Antonina, que inclusive o motivou a abrir seu
restaurante, Leônidas relembra:
Quando eu abri o restaurante nós tínhamos assim um
movimento muito bom. E eu levei na verdade uns três, de três
a cinco anos, era bem diferente, as pessoas vinham. Nesse
período foi bem aquilo que eu pensei que iria acontecer,
entende? Um bom movimento, a gente trabalhou bastante, eu
consegui terminar o que eu queria aqui no Restaurante, fazer
investimentos. Mas cinco anos depois eu não conseguia fazer
mais, mais, a gente começou a sentir que o movimento
começou a decair (ABREU, 2008).
Nota-se que o período de decadência citado pelo entrevistado se
justamente no final dos anos oitenta, quando o município de Morretes começou
a investir maciçamente na divulgação do Barreado como prato típico, momento
que será mais bem discutido posteriormente.
No ultimo mês do ano, a Revista Paraná em Páginas publicou um
pequeno texto intitulado O gostoso Barreado de Antonina, que afirmava nessa
fase de viagens, com o calor e as férias, na cidade de Antonina os visitantes
estão encontrando a oportunidade para saborear o Barreado, prato típico do
litoral paranaense (GOSTOSO Barreado..., 1985).
Ainda durante o Governo José Richa (1983-1986), o Museu da Imagem
e do Som do Paraná, ligado à Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte,
publicou um encarte sobre o Barreado e o Fandango. Falando da origem e das
características das duas manifestações, bem como sobre a relação entre elas,
o texto afirma: nascido em Paranaguá, e a verdadeira comida típica do litoral
paranaense, passou dostios dos pescadores, através dos anos, para a
cidade. Hoje é tido como um excelente prato, realmente saboroso (GOVERNO
DO ESTADO DO PARANÁ, [1983-1986?]).
Sua origem perde-se na história do tempo. Sabe-se apenas
que somente em Paranaguá, Morretes, Antonina,
Guaraquecaba e Guaratuba preparam-no mais de duzentos
261
anos. É interessante dizer que, em nenhum outro lugar do país
se conhece e se comenta sobre tal comida tão apreciada. De
fato, e tradicional em todo o litoral paranaense (GOVERNO DO
ESTADO DO PARANÁ, [1983-1986?]).
Mais interessante ainda, e que no Carnaval se preparava
esse gostoso prato típico de nossa terra. Hoje é comum
apresentá-lo em qualquer época do ano porque é tido como um
<prato> fino. Entretanto, e tradicional comê-lo no <domingo e
terça-feira> do <Carnaval>, como dissemos, ao espocar de três
foguetes (GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ, [1983-
1986?]).
Em 09 de fevereiro de 1986, o professor Ernesto Christiano Aichinger
publicou um artigo na Gazeta do Povo intitulado Você conhece a origem do
Barreado? que trazia a versão de Manoelito Vianna:
Prato nascido no litoral paranaense, o Barreado era preparado
pelo caboclo para os dias de Carnaval. Mas isto não impede
que possa (e deva) ser comido em marco, abril, setembro,
novembro ou em todos os meses do ano. Sempre e tempo de
provar ou repetir o único prato típico da culinária paranaense
(AICHINGER, 1986).
No mesmo mês, o então presidente da EMBRATUR, Mac Dowell Leite
de Castro, divulgava os planos de atuação daquela Empresa, enfatizando que
o ponto básico seria a defesa da ecologia, além da ênfase no desenvolvimento
do turismo interno a partir da descentralização de suas atividades e da criação
de conselhos comunitários municipais de turismo (TURISMO, 1986).
Em agosto, em Antonina, durante a tradicional Festa de Louvor a
Nossa Senhora do Pilar aconteceu um encontro de capelistas que na ocasião
moravam em outras cidades. A divulgação desta edição da Festa reforçava os
laços capelistas, enfatizava a necessidade de valorização da cidade e dizia: A
cidade convida a todos a conhecerem Antonina e provarem o delicioso
Barreado, comida típica da terra (ANTONINA, 1986).
Na oportunidade da Festa do Reencontro (como os próprios moradores
chamavam esse encontro entre ex-moradores), foi divulgado o folheto O
Segredo do Barreado de Antonina, fruto do trabalho de pesquisa das
integrantes da Associação de Preservação Natural e Cultural de Antonina,
fundada em 1983 por Dona Gene Feres Stanicia. O folheto tinha como objetivo
262
falar da tradição do Barreado capelista e foi escrito com base nos depoimentos
coletados juntos aos moradores mais velhos da cidade, sendo reproduzido por
fotocópia com auxílio da prefeitura municipal.
Verifica-se, no entanto, que os discursos sobre a indispensabilidade de
desenvolver o turismo interno - tanto por parte da EMBRATUR quanto por parte
da PARANATUR pouco reverberaram em prol do litoral paranaense. Ainda
em 1986, a Revista Paraná em Páginas publicou o artigo Aos que mexem com
o turismo, que falava sobre a necessidade de incluir o litoral paranaense nos
planos de desenvolvimento do turismo interno no Brasil, destacando além de
Paranaguá, Matinhos, Caiobá, Guaratuba e Antonina, novamente lembrada
pela nostalgia, ruas estreitas, velhos sobrados, bonitas igrejas e ainda pela
grande oportunidade de saborear o prato típico “Barreado”. E quem provar
jamais o esquecerá (AOS que mexem..., 1986).
Em outubro desse ano, a prefeitura de Antonina acatou a sugestão da
Revista Paraná em Páginas, que vinha desde o início do ano fazendo uma
campanha para que fosse implantada uma linha turística entre Morretes e
aquela cidade, e formalmente solicitou à Presidência da Rede Ferroviária
Federal S/A (RFFSA) uma linha turística com uma Maria Fumaça
(
COLETIVIDADE de ..., 1986, p.22)
.
A máquina, entretanto, já estava destinada
para operação na Lapa, e a solicitação não foi atendida, mas mesmo assim as
reivindicações de Antonina se estenderam até 1987.
Como uma espécie de “prêmio de consolação”, a RFFSA, ainda em
1986, se comprometeu em promover as comemorações dos aniversários da
Estação Rodoviária de Antonina até que ela completasse 100 anos. Segundo
artigo publicado na Revista Paraná em Páginas:
[...] não é o que interessa a Antonina, ao seu povo, ao seu
comércio, aos seus restaurantes, que precisam de gente
visitando a cidade para que, como decorrência disso, haja
circulação de dinheiro que resulte em vantagens para sua
população. E o não aproveitamento do trecho ferroviário
Morretes-Antonina, nas condições sugeridas por esta revista,
agora oficialmente reivindicadas pela Prefeitura Municipal,
significa um tratamento diferenciado à coletividade capelista
(COLETIVIDADE de ..., 1986, p.22).
263
Em abril de 1986, foram promovidas mudanças no primeiro escalão da
EMBRATUR. João Dória Júnior, ex-dirigente da PAULISTUR (Empresa
Paulista de Turismo), assumiu a presidência da EMBRATUR no lugar de
MacDowell. O novo presidente assumiu a Empresa comprometendo-se a
incentivar o turismo nacional, aumentando os fluxos internos e atraindo turistas
estrangeiros por meio de uma divulgação mais eficiente e eficaz (OUTRA
mudança..., 1986).
A reportagem da Paraná em Páginas observava:
A reforma monetária é estimuladora para o turismo interno e
João Dória Júnior muito bem sabe disso. Os assalariados
podem, agora, com o congelamento de preços, programar suas
férias, suas viagens, escolhendo as melhores ofertas e
sabendo o quanto será gasto em cada programação turística.
Atento aos seus direitos, fiscalizando e comparando os preços,
os consumidores têm boa oportunidade para realizar as
almejadas excursões (OUTRA mudança..., 1986, p.2).
No Paraná, a gestão blica da atividade turística também sofreu
alterações, pois pela Lei nº. 8.388 de 20 de outubro de 1986, sob o governo de
João Elísio Ferraz de Campos, a PARANATUR passou novamente a vincular-
se à Secretaria de Estado da Indústria e do Comércio.
Ainda em 1986, outro restaurante que destacava (e ainda o faz) o
Barreado em seu cardápio foi inaugurado em Antonina. O Restaurante
Buganvil’s foi fundando por Hendrika Snoeyer, ou Anny, como prefere ser
chamada, uma holandesa que chegou com a família no Brasil em 1948 e, no
Paraná, em 1961. Conheceu o litoral paranaense por intermédio de seu ex-
marido, um belga apaixonado por barcos e se encantou pela cidade. Sobre
como surgiu a idéia de abrir um restaurante, relata:
A gente freqüentava o Clube Náutico e eu gosto muito de
cozinha. Então o pessoal do Clube sempre dizia “Ah, vamos
na casa da Anny“Vamos fazer isso, fazer aquilo”. “Vamos
ver se ela faz isso, se ela faz aquilo”. E eles diziam “Anny,
porque você não abre um restaurante?”. Até que chegou numa
hora eu que eu pensei: “Sabe de uma coisa? Eu não estou com
tanta coisa assim pra fazer, eu vou abrir um restaurante!”
(SNOEYER, 2008).
Anny mudou-se definitivamente para Antonina e adaptou a propriedade
que usava no período de veraneio para abrigar o restaurante:
264
Eu vim pra Antonina em definitivo em 1986. São os 22 anos do
restaurante. Porque eu vim em janeiro de 1986 e logo em
seguida fiz a reforma da casa pra restaurante. E eu comecei
realmente com um lugar pequenininho, com trinta e poucos
lugares, Daí construí um pouco mais, fui aumentando,
aumentando, aumentando...[…] Lá era muito bonito, porque era
ajardinado. Era um bem estilo colonial; Cortininha com xadrez
vermelho com babadinho. Era bem bonitinho, que o ponto
não era o ideal. Aqui [o endereço atual] fica mais central, então
a gente passou a ter bem mais movimento (SNOEYER, 2008).
A empresária salienta que, desde que abriu o restaurante, incluiu o
Barreado no cardápio porque tem muita gente que vem pelo Barreado, não
tem como não ter (SNOEYER, 2008). Nos pratos que sempre serviu, porém,
faz questão de manter um toque holandês:
Eu sirvo um grelhadinho de peixe com legumes, e tenho
também um toque holandês. Faço camarão com molho
holandês, o peixe com molho holandês, sempre bem regadinho
com legumes que o holandês gosta, batatinha que o holandês
come bastante também. Então a gente puxa sempre pro lado
europeu, um pouco. Coisa que a gente aprendeu em casa
(SNOEYER, 2008).
Durante sua entrevista, Dona Ieda comentou a inauguração do
Restaurante Buganvil’s, cuja primeira sede ficava muito próxima de seu próprio
restaurante:
A Anny fez uma guerra comigo. Porque ela tinha um
restaurante, na verdade primeiro ela não tinha restaurante, ela
fez aquela casa bem na entrada da minha propriedade, que
tinha o moinho Holandês e tudo. E ela era uma criatura muito
só, recém-separada, tinha um filho pequeno, o Tony. Ela era
casada com um rapaz da Brasolanda e ela saía muito pescar,
ela tinha barco. E eu dizia “Anny, abre um restaurante! Você
tem o seu estilo de comida!”. “Ah, mas você não vai ficar brava
comigo?” “Imagina, Anny. Eu tenho a minha clientela e tenho o
meu nome, e você vai fazer o seu nome” (SIEDSCHLAG,
2008).
Dona Ieda continua, revelando o motivo da cisma:
foi que ela idealizou, ficou bonitinho...hoje ela es na
praça. Mas era pequenininho e tal. Mas daí ela surge com o
265
“Barreado com toque Holandês”! Não tem nada a ver o toque
holandês e o Barreado. E uma vez uma menina que
trabalhava na minha cozinha saiu e ela pegou achando que
iria pegar...Porque o pulo do gato do Barreado sempre fui eu
que dei. Elas me deixavam tudo pronto, quando elas iam
embora é que eu ia preparar, sabe? (SIDSCHLAG, 2008).
Antonina, então, passava a contar com o Restaurante Caçarola do
Joca, o Restaurante Panorâmico Albatroz e o Restaurante Buganvil´s
divulgando e oferecendo o Barreado na cidade, além do Restaurante da Ieda, o
mais famoso e disputado. O Cacoan recebia excursões de ônibus, atendia
grupos que chegavam pelo trem e ainda estabeleceu importantes parcerias
com a VASP e a VARIG. Segundo Dona Ieda :
[...] era tipo uma parceria, PARANATUR, VASP, Ieda.
PARANATUR, VARIG, Ieda. Porque as companhias
aéreas traziam as pessoas, mas queriam um prato típico,
queriam o Barreado porque ele único. Então aquelas
excursões vinham direcionadas ao meu restaurante.
Eles vinham de litorina e depois o ônibus vinham
buscá-los pra dar uma volta em Paranaguá e em
Morretes (SIEDSCHLAG, 2008).
No início de 1987,
empresários da área do turismo mostravam-se
animados com os bons resultados iniciais do Plano Cruzado I : os brasileiros
aproveitando os notórios benefícios do “Cruzado I estão viajando de forma
impressionante, procurando desfrutar os bons momentos das programações
turísticas (NUNCA foi..., 1987). Outro aspecto que motivava o setor,
principalmente a área de hotelaria, era o fato de que, naquela oportunidade, o
Paraná era considerado o sexto estado brasileiro em termos ocupação
hoteleira, com destaque para as cidades de Foz do Iguaçu e Curitiba
(POTENCIAL..., 1987).
Em abril do mesmo ano, contudo, a euforia causada pelo Plano
Cruzado I começava a se dissipar. A revista Paraná em Páginas anunciava: o
tempo das “vacas gordas” para o setor de turismo brasileiro, acreditamos que
tenha acabado com o insucesso do “cruzado, plano que não deu certo por
culpa exclusiva do governo (IMAGINAÇÃO, 1987). Como resultado do fracasso
do plano, o setor turístico foi atingido diretamente. Nas férias de julho de 1987,
o Rio de Janeiro teve queda de 75% no seu turismo, a maior queda em dez
266
anos; e o turismo externo também foi atingido: as viagens para a Disney no
mesmo período caíram 50%.
A diminuição da movimentação interna dos brasileiros afetou bastante
o turismo no Brasil, não só no Rio, mas em todas as localidades brasileiras. Por
conseqüência, o setor de agências de viagens enfrentou uma séria crise: esta
situação faz com que se deteriore o trabalho das agências de turismo, em todo
o Brasil, respeitadas aquelas de maior tradição e com lastro para bancar
situações emergenciais como a que estamos atravessando.
Em março de 1987, uma decisão popular alçou Antonina às páginas
dos jornais do Brasil inteiro: a população vetou em um plebiscito a instalação
de uma indústria tida como poluidora (um laboratório e um depósito de dióxido
de titânio). Dona Gene Feres Stanicia, fundadora da Associação de
Preservação Natural e Cultural de Antonina, que organizou o movimento
contrário à indústria, relembra:
Nesse dia da votação, nossa, repercutiu tanto, veio reportagem
de São Paulo, Rio de Janeiro…Então veio uma pessoa ligada
ao meio ambiente pra falar em nossa defesa. E daí veio o
pessoal da indústria se defender. Daí eles falaram, falaram,
falaram. Eu sei que o povo que tava ali ia votar, e o voto era
aberto. No momento que começou a votação, o primeiro que
votou gritou um não tão forte! <risos> .Aquilo ressoou! Eu sei
que foram vinte e oito pessoas que foram compradas pra ir
dizer “sim” e o nosso pessoal, mais de cem, todos votaram
“não” (STANICIA, 2008).
O resultado final do plebiscito foi de duzentos e setenta e cinco
pessoas contra e vinte e oito pessoas a favor da implantação de tal indústria.
Este episódio merece ser comentado, pois, com a economia fragilizada, a
instalação da indústria representava, por um lado, uma opção para a geração
de emprego e renda para a cidade. Diante da impossibilidade de sua
implantação, o discurso da administração pública voltou-se para o turismo,
defendendo-o como a grande vocação antoninense. Uma reportagem da
Revista Paraná em Páginas analisava:
O povo de Antonina, quando do recente plebiscito que analisou
a instalação de uma indústria poluidora na cidade, decidiu seu
destino: o turismo. Cidade antiga, reservando muitas atrações
aos visitantes, povo hospitaleiro que agora luta para conseguir
melhor infra-estrutura e ao mesmo tempo receber mais apoio
267
para estimular a chamada “indústria sem chaminés”
(ANTONINA decidiu..., 1987).
Na mesma edição da revista era divulgada uma novidade: um passeio
de barco pela baía de Antonina, que acontecia de terça a domingo, em uma
embarcação com capacidade para trinta e três pessoas sentadas. Na rota,
faziam parte o Clube Náutico Antoninense, a prainha, a Ponta da Pita e a Ponta
do Félix (ANTONINA decidiu..., 1987).
Retomando a questão da demanda de Antonina junto à RFFSA, em
maio de 1987, o então presidente da EMBRATUR, João Dória nior,
encaminhou um ofício para o Ministro dos Transportes e para o presidente da
Rede Ferroviária Federal do Rio de Janeiro pedindo a implantação da linha de
Maria Fumaça entre Antonina e Morretes (ENTIDADE máxima..., 1987). Em 22
de maio do mesmo ano, foi aprovada a tal linha, notícia recebida com
entusiasmo pelas prefeituras locais e também pelo então presidente da
PARANATUR, Wadis Benvenutti, que a saudou como um grande incentivo ao
turismo estadual
97
.
No mesmo mês, a Revista Panorama publicou um artigo Turismo,
venha explorar Antonina enaltecendo as belezas naturais da cidade, tais como
a Ponta da Pita, o Mirante da Pedra Enfiada e o Rio do Nunes, mas não
menção ao Barreado (TURISMO venha..., 1987). Na edição seguinte,
correspondente aos meses de junho e julho, a mesma revista trouxe o artigo
Morretes para o inverno, que elogiava o Rio Nhundiaquara e os belíssimos
recantos locais, como a Prainha, Barreiros, Retiro Mãe Catira e a Graciosa,
além de pontos turísticos integrantes do limite urbano, como a igreja de São
Benedito, a igreja de Nossa Senhora do Porto, São Sebastião do Porto de
Cima e a Casa Rocha Pombo. O Barreado de Morretes era destacado:
Porém, o mais agradável deste passeio, principalmente agora
no inverno, é saborear um gostoso Barreado, prato típico do
Paraná, feito basicamente com carnes e temperos, numa
panela de barro que tem sua tampa lacrada com barro e é
97
A linha funcionaria da seguinte maneira: os vagões destinados à Antonina, nos domingos
determinados, sairiam de Curitiba integrando a composição férrea com destino à Paranaguá.
Em Morretes os vagões eram desengatados e, com o uso da Maria Fumaça, tracionados a
Antonina, trecho percorrido em aproximadamente trinta minutos. O Barreado era citado como
um dos atrativos do passeio.
268
cozida durante 24 horas. É um prato pesado, que cai muito
bem no inverno (MORRETES para..., 1987).
na edição de julho da Revista Paraná em Páginas, o conjunto de
restaurantes novamente era ressaltado, com menção especial ao Restaurante
da Ieda:
Em Antonina bons restaurantes. A cidade está bem servida
e em todos o Barreado figura no cardápio. alguns
especialistas neste prato, como o Restaurante da Ieda, que
ainda há pouco comemorou 13 anos de atividade em Antonina.
A simpática Ieda, além de muito bem servir, ainda por
diversas vezes preparou almoços especiais em Curitiba e
outras cidades, com o Barreado como prato especial
(RESTAURANTE..., 1987, p.2).
No mesmo mês, no dia 26, foi feito o passeio inaugural do trecho
Morretes-Antonina pela RFFSA. Um acordo entre a RFFSA, a Secretaria da
Cultura e a PARANATUR propiciou a instalação e a inauguração do “Museu da
Estação”, ocupando cinco amplas salas no prédio da histórica estação
ferroviária de Antonina. A “Maria Fumaça” como atração vai levar gente de
todas as partes a conhecer Antonina, a conviver com o seu hospitaleiro povo, a
saborear o seu famoso “Barreado (ANTONINA está..., 1987, p.3). A
reportagem da Paraná em Página afirmava que na oportunidade [...] havia
entusiasmo em todos os setores da cidade. As autoridades e lideranças
comunitárias, compreendendo o significado da “Maria Fumaça”, como incentivo
a melhores dias para a população capelista (ANTONINA está..., 1987, p.3).
O passeio de trem voltava às páginas da mesma revista em setembro,
associando a possibilidade de degustação do Barreado à Antonina:
O viajante, em um só domingo, vibra com as emoções da Serra
do Mar (centenária estrada de ferro Curitiba-Paranaguá),
conhece Morretes, fica entusiasmado com a velha máquina,
conhece Antonina e nesta tem a oportunidade de saborear o
famoso “Barreado” ou os saborosos pratos do mar
(SUCESSO..., 1987, p.3).
Tal menção se repete em novembro, quando a Revista aborda o
passeio de trem, com os seguintes dizeres: no almoço a escolha de bons
restaurantes é fácil, predominando nos mesmos pratos com “frutos do mare
269
também o “Barreado”, comida típica do litoral, e principalmente, de Antonina
(ÚLTIMO..., 1987, p.16).
No plano estadual, seguindo as diretrizes estabelecidas pela
EMBRATUR que enfatizavam a preservação da natureza, em novembro de
1987 a PARANATUR, em parceria com o órgão federal, lançou, em Foz do
Iguaçu, o programa de incentivo ao turismo denominado “Roteiro de Turismo
Ecológico”. Na oportunidade, a EMBRATUR pretendia aplicar Cz$ 100 milhões
na Campanha de promoção ao Turismo Ecológico. A PARANATUR
estabeleceu o roteiro turístico do Paraná Ecológico: Cataratas do Iguaçu e o
próprio Parque Nacional do Iguaçu, Serra do Mar, Vila Velha, Poço Preto, Salto
do Macaco, além de outros pontos turísticos (TURISMO, 1988). Por conta da
representatividade de Foz do Iguaçu para o turismo no estado e do parque
hoteleiro instalado, no mesmo ano foi assinado um convênio entre a
PARANATUR e o SENAC para a implantação de um hotel escola em Foz do
Iguaçu, nas dependências do antigo Hotel Casino, que foi concluído e
inaugurado em junho de 1988.
Em setembro de 1987, a Revista Panorama anunciava que, segundo
estatísticas divulgadas pela EMBRATUR, no Brasil o turismo constava entre os
cinco principais produtos de exportação, sendo Foz do Iguaçu o segundo pólo
de atração turística, tanto em termos nacionais como internacionais (PERFIL
do..., 1987).
No aniversário de 60 anos do BANESTADO, durante o governo Álvaro
Dias (1987-1991), foi divulgado um folder intitulado “Barreado, um mutirão
posto na mesa”. A primeira frase do folder revelava sua motivação: conhecido
como único prato característico do Paraná, curiosamente o “Barreado” não é
conhecido por muitos paranaenses (GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ,
[1987-1991].
No início de 1988, em 29 de março, houve uma reunião pública para
discutir o futuro do Porto de Antonina. Na oportunidade, o representante da
PORTOBRÁS
98
argumentou que o aprimoramento técnico de Paranaguá havia
tirado toda e qualquer justificativa para novos investimentos no Porto de
Antonina, e que este Porto poderia reconsiderado caso fossem feitas todas
98
PORTOBRÁS: Empresa Brasileira de Portos S.A., tinha como responsabilidade a
administração dos portos públicos brasileiros, até ser extinta em 1990.
270
as reformas necessárias, que por sua vez exigiriam recursos técnicos e
financeiros que a PORTOBRÁS não possuía. Segundo a Paraná em Páginas:
As propostas levantadas têm custo elevadíssimo e, portanto,
não reúnem a menor possibilidade de aceitação. O município
de Antonina tem é que partir para outros setores, como a
agricultura e o turismo, este, principalmente. As condições da
cidade, de muito valor histórico (o colunista Calil Simão, com
muita felicidade, batizou Antonina como Ouro Preto do Paraná)
recomendam esse caminho (PORTOBRÁS..., 1987, p.17).
Sem perspectiva de ter um porto competitivo, mais uma vez Antonina
se via diante da difícil tarefa de equilibrar sua economia fragilizada e, embora
não houvesse um posicionamento objetivo da prefeitura municipal, as
esperanças terminavam recaindo novamente sobre a atividade turística. A
edição de agosto de 1988 da Revista Paraná em Páginas divulgava um dos
principais atrativos turísticos da cidade (a lado do tradicional Carnaval): a
mencionada Festa de Nossa Senhora do Pilar. Dentre os demais atrativos,
comentava: Antonina está dentre as mais antigas cidades paranaenses. E a
festa, através dos anos, marcou sua importância, ganhou sua popularidade, o
interesse ultrapassou as fronteiras municipais. E, com ela, o “Barreado”, prato
típico antoninense (VISITE..., 1988, p.34). Este pequeno texto apontava a festa
religiosa como um dos vetores da popularidade do Barreado, que a iguaria
era servida em barracas durante o evento, e não apenas nos restaurantes.
Em abril, teve início a V Festa Feira Agrícola e Artesanal de Morretes,
que aconteceu entre os dias 30 de abril a 8 de maio de 1988, em um promoção
conjunta da Prefeitura Municipal de Morretes, da EMATER e com a
colaboração da Federação de Agricultura do Paraná e do Banco do Estado do
Paraná. Nas peças de divulgação (cartazes, propagandas e folhetos) constava:
os casarões coloniais, o manso Rio Nhundiaquara, a simpatia de um povo
simples, as boas frutas tropicais, o Barreado (FESTA Feira..., 1988, p.3).
Durante a feira, o prato era oferecido não apenas pelos restaurantes, mas
também em barracas pertencentes à própria feira.
Em julho de 1988, um dos principais atrativos paranaenses ganhou
novo fôlego, com a inauguração do Centro de Recepção de Vila Velha pelo
então governador Álvaro Dias. O Centro substituiu o restaurante, a lanchonete
271
e o estacionamento que existiam ao lado dos arenitos. Tal substituição foi
realizada como resposta a uma ação judicial que demandava que as antigas
instalações fossem retiradas.
Em consonância com a perspectiva ecológica, evidenciada pela
adequação do Parque Estadual de Vila Velha, em setembro do mesmo ano o
então presidente da PARANATUR, Wadis Benvenutti, falou à Revista Paraná
em Páginas, citando os principais atrativos paranaenses daquilo que ele
denominava turismo ecológico, ressaltando o Parque Nacional do Iguaçu
(Patrimônio da Humanidade pela UNESCO), a Ilha do Mel (pertencente ao
município de Paranaguá), o Parque Estadual de Vila Velha, a Serra do Mar e
mais outros pontos de limitada procura (PARANÁ e...., 1988, p.41). Nota-se
que a valorização da Serra do Mar contribuía para a divulgação de todos os
municípios litorâneos, especialmente Morretes.
Em agosto de 1988 a Revista Paraná em Páginas publicou uma nota
intitulada “Barreado”, que dizia:
Típico do litoral, hoje muito difundido nas principais rodas,
assunto para reuniões especiais de amigos quando algum
“mestre cuca” aparece para cuidar de sua feitura, assim e o
Barreado....Fora do estado e muito pouco conhecido, o que,
aliás, acontece em se tratando da grande maioria da população
paranaense (BARREADO, 1988, p.2).
A situação de carência de divulgação da iguaria seria alterada no ano
seguinte, com o maciço investimento do município de Morretes na divulgação
do Barreado.
Em maio de 1989 o governador Álvaro Dias sancionou a Lei nº. 8.986,
de 22 de maio, que extinguiu a PARANATUR, transferindo a competência
sobre a atividade turística para a Fundação de Esportes e Turismo - FESTUR,
vinculada à Secretaria Especial de Esporte e Turismo. No mesmo ano, era
divulgado o acordo entre a FESTUR, o Banco do Estado do Paraná e a VASP,
tendo como objetivo a divulgação do turismo paranaense em todo o território
nacional (PARANÁ vai..., 1989, p.2):
A potencialidade turística do Paraná é enorme, com atrações
naturais que não vem sendo a verdade é essa
convenientemente exploradas. O movimento dos turistas
272
aumenta, sem dúvida, mas isso é coisa natural decorrente do
próprio progresso do Brasil (PARANÁ vai..., 1989, p.2).
Em junho, é realizada em Morretes mais uma edição da Festa Feira
Agrícola e Artesanal, incorporada como um importante atrativo turístico da
cidade e grande motivadora da venda de produtos agrícolas e da produção
caseira de vime, barro e crochê. Como mencionava a divulgação: doces, frutas,
bebidas do litoral e tudo o mais que se pode imaginar. E para todos, o
tradicional Barreado (FESTA Feira..., 1989, p.4). O prato novamente tomava as
ruas, sendo servido nos restaurantes e também em barracas na própria feira.
Com vistas a otimizar o turismo interno, neste ano Edson Gradia, então
secretário especial do Esporte e também presidente da Fundação do Esporte e
do Turismo – FESTUR, lançou o projeto “Paraná, um bom negócio”, cujo
objetivo consistia em atrair visitantes das principais partes do país, e que foi
implantado com o apoio da VASP e do BANESTADO. Como ações vinculadas
a este projeto, foram realizados workshops com agentes de viagens e
jornalistas especializados em turismo de diferentes regiões brasileiras,
buscando fornecer informações e materiais com o objetivo de estimular as
excursões turísticas para o Paraná (PROJETO..., 1989, p.2). O material
promocional distribuído estava assim organizado:
As atrações foram reunidas em dois grupos, a primeira
reunindo tudo o que há de bom num raio de 100 km de Curitiba
(Parque de Vila Velha, Ferrovia Curitiba-Paranaguá e o litoral
com suas praias e as cidades da fase embrionária do estado).
No outro grupo, as Cataratas do Iguaçu, o lago de Itaipu e a
própria Usina; Londrina e a região norte. Referências especiais
a outros pontos turísticos, como, por exemplo, a histórica Lapa.
Comentários dos Centros de Convenções de Foz do Iguaçu e
de Curitiba, ambos merecendo a melhor atenção do governo e
dos empresários do turismo paranaense (PROJETO..., 1989,
p.2).
O ano de 1989 foi bastante marcante do ponto de vista da gestão
pública da atividade turística. Deise Maria Fernandes Bezerra (2008),
integrante da equipe técnica do órgão oficial de turismo desde o início da
década de oitenta, recorda um episódio importante dentro do processo de
redirecionamento do desenvolvimento turístico paranaense, envolvendo o
relacionamento da administração pública estadual com as municipais:
273
Logo no começo, quando eu entrei, não se trabalhava nessa
linha do planejamento participativo. Então, era o estado que
decidia. Quando fizemos um trabalho em 1989, nós tínhamos
uns quinze órgãos de turismo (municipais) no estado. Nós
tínhamos quinze municípios que desenvolviam atividades na
área. Nós fizemos uma reunião em Foz do Iguaçu com estes
municípios e eu acho que foi um marco para a atividade aqui
no Paraná. Nós trouxemos alguns exemplos. Foi quando surgiu
a München
99
em Ponta Grossa, foi quando surgiram atrativos
maiores no Estado do Paraná. Então eu acho que o final da
década de 1980 foi um marco para o turismo do estado
(BEZERRA, 2005).
Em 4 de agosto de 1989, o jornal O Estado do Paraná publicou uma
reportagem intitulada “Barreado, um pouco de nossa historia”. A reportagem
apresentava o Barreado como prato típico do Paraná, que nasceu do litoral do
estado, indicando os restaurantes em Curitiba e no litoral nos quais se podia,
na oportunidade, degustá-lo. A reportagem tem caráter informativo e turístico
evidente, identificando os estabelecimentos, inclusive informando endereço e
telefone.
Segundo o texto, em Curitiba o Restaurante Vaca Cherry, o
Restaurante Warsovia e o Restaurante do Pasquale (no Passeio Público)
serviam o prato. Em Morretes, os restaurantes indicados são o Restaurante
Serra e Mar, Restaurante (Hotel) Nhundiaquara, Restaurante Madalozo,
Restaurante Tropical, Casa do Barreado e Restaurante Gatão. Em Paranaguá,
apenas o Restaurante Danúbio Azul foi citado.
Em Antonina, novamente a oferta de restaurantes era maior:
Restaurante O Cruzeirão, Restaurante Caiçara, Restaurante do Hotel Regency,
Restaurante da Ieda, Restaurante Tia Rosinha, Restaurante Caçarola do Joca,
Restaurante Ao Barreado, Restaurante Clube Náutico e Restaurante Albatroz.
No final do mesmo ano, no mês de novembro, foi lançado o programa
“Meu Paraná que você precisa conhecer” com a presença do presidente da
EMBRATUR, Ricardo Mesquita Farias, do governador Álvaro Dias, e do
Secretário de Esporte e Turismo, Edson Gradia, do presidente do
BANESTADO, Carlos Antonio de Almeida Ferreira, e do jornalista Luiz Alfredo
99
München Fest: Festa criada em 1990 e que tem como principal atração o chope escuro e
atrações musicais, além da praça gastronômica e concursos como o do chope de metro e a
rainha da nchen Fest. É realizada anualmente no município de Ponta Grossa, na segunda
quinzena de novembro.
274
Malucelli, no ato representando o presidente da Rede Paranaense de
Televisão. O Programa foi um produto da cooperação entre o Canal 12, o
BANESTADO e o Governo do Paraná, através da Secretaria de Esporte e
Turismo, e tinha como o objetivo incentivar o turismo interno no estado, além
de mostrar aos paranaenses o muito que o Paraná tem a oferecer como opção
de turismo e lazer (PARANÁ você..., 1989, p.4).
Este Programa consistia na apresentação, todos os bados pela
manhã, de imagens de aproximadamente 19 municípios (um município por
sábado), mostrando suas respectivas atrações turísticas, inclusive as
relativamente desconhecidas.
Os clipes do projeto têm horário garantido nos sábados, com
chamadas durante a semana, o que vem acontecendo desde
outubro. Será mostrado um novo Paraná, repleto de atrações.
O projeto mostrará novas oportunidades e a facilidades com
que outros centros de turismo podem ser explorados, gerando
investimentos, movimentando a economia e dando maior
movimentação de progresso a regiões nem sempre
comentadas (PARANÁ, você..., 1989, p.5).
Na ocasião do lançamento, o governador Álvaro Dias ressaltou que a
oportunidade significava uma boa divulgação das atrações paranaenses aos
próprios moradores do estado, com isso despertando um prestígio regional em
relação a esses pontos de reconhecido valor turístico. Edson Gradia, por sua
vez, destacou que o programa teria como objetivo principal incentivar os
prefeitos e lideranças da iniciativa privada a investirem mais na área de
turismo, uma área que, na oportunidade, empregava quatorze mil pessoas no
estado, gerando mais de setenta mil empregos indiretos (PARANÁ, você...,
1989, p.5).
No final do ano, a Secretaria de Esporte e Turismo, em parceria com o
BANESTADO, iniciou a renovação de todo material promocional turístico, no
princípio com cartazes da Serra do Mar, Foz do Iguaçu e um folheto da cidade
de Morretes. O cartaz da Serra do Mar mostra imagens da Estrada de Ferro
que liga Curitiba a Paranaguá, o de Foz salienta as Cataratas e as belezas de
Itaipu e de seu lago artificial, o folheto de Morretes mostra as principais
atrações dessa cidade (Rio Nhundiaquara, as Igrejas Matriz de Nossa Senhora
do Porto e de São Benedito, além dos engenhos de açúcar). Foram produzidos
275
mais de quatrocentos mil folhetos e de quarenta mil cartazes na oportunidade
(MATERIAL..., 1989, p.4).
Arnaldo Abud, diretor técnico de turismo da Secretaria justificou
que essa renovação é necessária porque depois de alguns
anos de divulgação com o mesmo material as imagens ficaram
repetitivas. Renovando o material o interesse de jornalistas,
agentes de turismo e profissionais do setor, de outros estados
e países tamm se ajusta à nossa época, disso resultando
vantagens para o nosso estado (MATERIAL..., 1989, p 4)
.
Fazendo uma análise do movimento de seu restaurante na década de
1980, João Carlos Carmezim, do Danúbio Azul de Paranaguá, pondera:
É na década de 1980 é que houve uma explosão mesmo do
movimento aqui no Restaurante. Primeiro porque estávamos
com instalações novas e também porque o turismo estava no
ápice naquela época. A cidade vivia cheia de ônibus e nos
atendíamos a maioria. Depois que o Collor assumiu o governo,
em 1989, quando ele aprendeu a poupança, da noite pro dia
acabou o turismo. Ninguém podia mais viajar porque ninguém
tinha mais dinheiro (CARMEZIM, 2008).
Porém, a crise não atingia Morretes, que havia iniciado o ano dando
foco total à atividade turística e estava colhendo bons resultados,
principalmente por conta do Barreado. No que tange ao panorama da oferta
comercial da iguaria, o ano de 1989 ficou marcado por outro acontecimento,
além do inicio da gestão de Sebastião Cavagnolli na Prefeitura Municipal de
Morretes: o fechamento do Restaurante da Ieda, em Antonina.
O prefeito Sebastião Cavagnolli, falecido, é apontado, por
morretianos, capelistas e parnanguaras, como o grande responsável pelo
desenvolvimento do turismo em Morretes e sua associação ao prato. Contudo,
ao se falar da Gestão de Sebastião Cavagnolli, é impossível não comentar a
atuação de Orley Antunes de Oliveira Junior, responsável pela área de turismo
durante o governo daquele prefeito (Gestão 1989 – 1992).
Orley de Oliveira Junior (2008) nasceu em Curitiba em 1951, mas se
considera morretiano de alma e tudo! nasci em Curitiba porque a minha
mãe estava em trânsito! Durante a infância e a adolescência se dividiu entre
Curitiba e Morretes, mas ao se casar aos trinta anos, resolveu fixar-se na
276
cidade. Sempre atuou em comércio e, antes de ingressar na administração
pública, possuía uma ótica. Sobre como se deu sua entrada no mundo do
turismo, bem na época em que um desastre natural se abateu sobre a cidade:
Em 1989, assumiu a prefeitura um amigo meu, o Sebastião
Cavagnolli, um cara visionário, espetacular. E na seqüência
deu uma enchente gigante aqui em Morretes, que acabou com
a cidade. E Morretes era ate então uma cidade eminentemente
agrícola. E essa enchente acabou com agricultura daqui,
porque pior do que arrasar com a plantação, ela trouxe da
construção, da segunda via da BR 277, um barro diferente. Um
material mineral diferente, que acabou com a agricultura. Hoje
Morretes esta voltando a ser agrícola novamente, anos e anos
depois de muito tratamento. Ali de imediato seria praticamente
impossível recuperar as terras de Morretes, e a prefeitura nem
dispunha de todo o dinheiro que seria necessário (OLIVEIRA
JUNIOR, 2008).
Continuando a falar sobre o tal incidente, ele relembra:
No dia 04 de janeiro o prefeito passou na minha casa e me
chamou pra ajudar, porque tava chegando muito recurso pra
resolver o problema, muita gente doando coisa pra Morretes. E
ele disse “fui assumir e peguei logo uma bomba”. Ele assumiu
na madrugada do dia de janeiro e, no dia seguinte, nove
horas da manha, a água entrou na cidade. A cidade ficou cinco
dias embaixo d’água, a cidade inteira, a rua XV, tudo. Foi uma
loucura! Foi uma contingência em que todos os rios da cidade
encheram (OLIVEIRA JUNIOR, 2008).
Segundo o entrevistado, nesta conversa ele disse ao prefeito recém
eleito que considerava que o turismo era uma saída, porque ele não estraga a
cidade e como eu sou apaixonado por Morretes, eu o ia querer uma fábrica
de automóvel ou uma coisa assim aqui! A cidade pode ser gigante no turismo e
as pessoas ainda saberem que lá mora o Cavagnolli, ali mora a Dona Gloria
(OLIVEIRA JUNIOR, 2008). O prefeito se interessou pela proposta e fez o
convite para que ele assumisse a área de turismo, uma diretoria ligada à
Secretaria de Esportes.
Para compensar sua falta de experiência, dois dias depois de ter sido
empossado, no dia 6 de janeiro, Orley foi até Curitiba se apresentar para as
equipes da Secretaria responsável pela parte de turismo e da PARANATUR,
então presidida por Edson Gradia. Para Orley, o apoio da Empresa foi
277
indispensável para seu desempenho e para o desenvolvimento do turismo
morretiano. Falando do turismo na época em que assumiu seu cargo na
prefeitura, ele diz:
Aqui em Morretes, nessa época, não tinha nada. O forte era
Antonina. La tinha o Barreado, tinha o porto de mar, e aqui
nada. O Madalozo não tinha essa área da lateral, não tinha a
parte de cima. Era uma casa na altura da área. E nessa
área onde você come, ali estava cozinha, banheiro, tudo. Ali
era um quadrado. Não tinha o Ponte Velha. Ali ao lado do
Maurício [Restaurante Casarão], ali ao lado era uma ruína, eu
morei ali e arrumei tudo. Eu que arrumei pra mim morar. Essas
lojas de artesanato, não tinha nada (OLIVEIRA JUNIOR, 2008).
O entrevistado segue, falando de como surgiu a idéia de divulgar ao
máximo a cidade, mesmo diante de poucos atrativos:
Daí eu aprendi o seguinte: que a gente precisava divulgar
Morretes. Sentei com o prefeito, ele era um cara muito
engraçado, gordão, bonachão, mas um apaixonado pela
cidade. Mas não pela política. E ele era todo minucioso. Eu
cheguei pra ele e disse: Cavagnolli, nós temos que divulgar o
município a exaustão!E ele disse “Pois é, mas nós não temos
nada, a gente divulga e o povo vem, e daí?” E eu disse “Não
tem importância! A gente divulga, desenvolve internamente e o
fluxo traz o empresário! Nos temos aqui o Madalozo, na época
tínhamos mais uns dois restaurantes. Pra começar essa gente
garante a cidade” (OLIVEIRA JUNIOR, 2008).
A primeira ação de impacto da Gestão Cavagnolli procurou unir uma
atividade de lazer do morreteniano e a divulgação do município com a
amenização dos problemas causados pela enchente:
Ali no Porto de Cima, nós, os morretianos, gostávamos de
descer o rio de bóia. Mas como é que descia de bóia? Aqui na
entrada da cidade tinha uma borracharia que tinha quinze
câmaras de pneu. E cada um também tinha a sua, eu tinha a
minha, todos os morretianos tinham. E descia do Porto de
Cima pra cá. No Porto de Cima não tinha nada, nada! Muito
sério isso. Resolvemos usar o bóia-cross pra divulgar a cidade
[...] E o prefeito disse que o rio estava um lixo. Falou até pra eu
reunir uns amigos, fazer ir tirar um pouco do lixo e fazer um
churrasco pro pessoal. Daí, conversando com o pessoal da
PARANATUR, surgiu a idéia de fazer um bóia-cross ecológico
(OLIVEIRA JUNIOR, 2008).
278
A idéia deste bóia-cross não era premiar quem chegasse primeiro, mas
sim quem recolhesse mais lixo em sua bóia. Sobre os esforços para que o
evento saísse a contento, Orley comenta:
Daí eu fui na televisão, eu fui na Rede Globo, fui na imprensa.
Eu era muito amigo do pessoal [...] Entrei em contato para
divulgar o bóia-cross ecológico no dia 21 de fevereiro. No
domingo anterior ao bóia-cross, saiu em todos os canais de
televisão. Na sexta-feira anterior saiu no Jornal Nacional e no
dia 28 saiu no Fantástico. Para você ter uma idéia da violência
que foi a largada do negócio nosso, do tamanho da divulgação
que conseguimos! Imediatamente começou a encher a cidade
de gente. O bóia-cross foi um show! Quatro, cinco toneladas de
lixo foram tiradas do Rio. O Boticário entrou no jogo, deu
perfume, uns outros prêmios (OLIVEIRA JUNIOR, 2008).
Para Oliveira Junior (2008), entretanto, o grande resultado positivo do
evento foi a confiança adquirida a partir do sucesso da promoção: de tanta
gente que veio, mostrou para as pessoas que Morretes tinha muito carisma.
Mostrou para o próprio prefeito e para a própria cidade, deu aquele sentimento
de “nós podemos! Nós podemos mudar a cidade!”.
O bóia-cross ecológico, em sua primeira edição, reuniu quinhentas
pessoas na descida do rio, e o evento voltou a acontecer nos dois anos
seguintes. No último ano foi uma vitória, tinha 30kg de lixo! (OLIVEIRA
JUNIOR, 2008). Nota-se, porém, que a partir do sucesso do primeiro evento, as
atenções se voltaram para o Barreado. Divulgar a iguaria amplamente, no
Brasil e no exterior, era a meta a ser perseguida nos anos seguintes:
E a gente queria investir no Barreado. Então eu comecei a sair
pra fazer Barreado. Como eu conhecia muita gente em
Curitiba, conhecia os jornalistas daqui, então eles ajudavam na
divulgação. Na ABAV de Fortaleza eu fiz um Barreado
separado da Secretaria do Estado. A secretaria fez o jantar
dela e fui fazendo assim. Durante a gestão nos fizemos
Barreado em mais de 70 lugares diferentes, dentro e fora do
Brasil. Sempre divulgando o Barreado de Morretes. Barreado e
Morretes, sempre! Todas as minhas camisas tinham a marca
de Morretes, porque eu sou apaixonado por essa cidade!
(OLIVEIRA JUNIOR, 2008).
Com o slogan “Morretes, Terra do Barreado”, Cavagnolli começou a
divulgar maciçamente o prato associado à cidade. Um dos materiais
promocionais distribuídos nesses eventos era um folheto no formato A4
279
intitulado “Barreado: prato pico de Morretes”, estampando uma panela de
barro contendo a iguaria ao lado de uma farinheira. O texto tem apelo turístico
claro: aqueles que pela primeira vez visitam o Paraná, mais precisamente o
litoral paranaense, ficam conhecendo um prato muito gostoso que lhes e
completamente novo: o Barreado (PREFEITURA MUNICIPAL DE MORRETES,
1989).
Ilustrado com imagens da estrada de ferro Curitiba-Paranaguá, de
recantos da Graciosa e do Rio Nhundiaquara, o texto relaciona a origem do
Barreado com os tropeiros e o Carnaval e, apesar de abertamente vincular o
Barreado a Morretes, afirma: o Barreado é um prato muito simples, preparado
com carne, toucinho e temperos, típico da cozinha de Morretes, Antonina e
Paranaguá [...] hoje, o Barreado é servido todos os dias da semana devido à
divulgação que passou a ter de uns anos pra cá (PREFEITURA MUNICIPAL
DE MORRETES, 1989).
De acordo com Orley, algumas pessoas de Antonina não gostaram da
repercussão alcançada na vinculação do Barreado a Morretes. Segundo o
entrevistado, Antonina se incomodou, falando que a gente dizia que o Barreado
era nosso. A gente não fez nada disso. A gente divulgava Morretes, Terra
do Barreado, nem questionávamos Antonina. Nosso negócio era Morretes
(OLIVEIRA JUNIOR, 2008). E complementa:
Nessa época a gente divulgava Morretes principalmente pelo
Barreado. E nós matamos Antonina, cara! Nós destruímos
Antonina. Eu tenho essa dívida com Antonina. E eles sabem
disso. Os prefeitos não gostam de mim lá, ninguém gosta de
mim, algumas pessoas de restaurante gostam (OLIVEIRA
JUNIOR, 2008).
Contudo, Orley faz questão de comentar um antigo boato sobre as
razões que fizeram a oferta comercial do Barreado crescer tanto em Morretes:
Essa coisa que tem gente de Antonina que fala, que em
Morretes teve subsídio da prefeitura pra abrir restaurante, isso
nunca aconteceu. A gente divulgava a cidade e o prato, e o
resto ficava por conta deles. Não teve isenção de imposto,
nada disso. Isso é conversa deles, é uma forma que eles têm
de achar porque aqui deu certo e lá não. E se for esse o
caminho, porque não fazer? (OLIVEIRA JUNIOR, 2008).
280
Em 1989, a Gestão Cavagnolli também começou a investir no
artesanato, como complementação de sua atratividade turística. Orley recorda
a estratégia usada:
Morretes cresceu, cresceu. E começou o desenvolvimento. Os
restaurantes começaram a aparecer. Mas faltava a outra perna,
o artesanato. Criei aqui em Morretes uma associação de
artesanato. Mas era difícil articular o pessoal, porque quem iria
comprar? Então o que nós fizemos? Começamos a comprar.
Então, nos dois primeiros anos, a prefeitura comprou. Ela
comprava, mas na seguinte condição: ela comprava e pagava
dali 30 dias, e eu corria vender fora, porque a prefeitura não
podia pagar. Mas o cidadão ficava estimulado, porque ele
pensava: não, vou fazer porque a prefeitura vai comprar. Eles
usavam muita juta, muito cipó. Veja, o meu trabalho também
era artesanal, porque eu não tinha nenhum funcionário. A
minha equipe técnica era a equipe da PARANATUR, a melhor
com quem eu poderia contar. Eu não fazia nada sem falar com
eles (OLIVEIRA JUNIOR, 2008).
Dona Laurice De Bona, dentre tantos outros entrevistados, fala da
importância da gestão do Prefeito Sebastião Cavagnolli:
Ele transformou a nossa cidade em uma cidade jardim. Aquela
Rua das Flores ali [...] era praticamente um vaso de flores.
Antes era Rua Juvenal Carneiro e passou a ser denominada
Rua das Flores. E todo o Centro Histórico ali que vai beirando o
rio Nhundiaquara até lá em cima, onde tem o Restaurante
Casarão e a Praça Silveira Neto, eram só flores. Então com
isso atraiu muitos turistas pra Morretes (DE BONA, 2008).
Dona Laurice também recorda a atuação de Orley junto à área de
turismo, destacando o bom trabalho realizado principalmente na divulgação do
Barreado:
O Orley fez um trabalho muito bonito de divulgar o Barreado.
Ele fazia o Barreado aqui e levava pra Minas Gerais, pro
Ceará, sei lá, pra toda parte. Então ele fez conhecer o nosso
Barreado. E hoje nós recebemos turistas até do exterior pra
comer o Barreado de Morretes, é impressionante! (DE BONA,
2008).
Deve-se observar, porém, que, como o próprio entrevistado admite,
Orley é uma figura bastante polêmica. Para Joaquim Alcobas, Orley realmente
281
conseguiu associar Morretes ao Barreado, mas o fez em detrimento da
divulgação de Antonina. Ressaltando que o Barreado no litoral começou
mesmo depois da Ieda, o empresário continua: hoje Antonina é um centro de
gastronomia no qual se tem o Barreado. Existe o Barreado. Mas o mais
específico mesmo é Morretes. Porque falou em Barreado, todo mundo fala em
Morretes, ninguém fala em Antonina (ALCOBAS, 2008). Isso se deu justamente
por conta da atuação de Orley:
Essa associação com Morretes é porque fizeram um trabalho
muito bem feito lá. Bem feito e de cunho até baixo, posso dizer.
Na época em que começaram a falar em Morretes, Barreado e
tal, o Secretário de Turismo era o Orley. E eu sempre falei na
frente dele e de quem quiser ouvir: ele era um bom secretário.
Porque quando ele vendia a cidade de Morretes em cima,
em Curitiba, no Brasil inteiro, nas agências de turismo,
perguntavam pra ele se podia levar um Jet ski pra esquiar, se
tinha mar e tal, ele falava que tinha quatorze quilômetros da
cidade!!. Ele é um ótimo. Agora eu sempre digo pra ele
“sempre que me perguntam onde se come mal, eu sempre digo
‘volta quatorze quilômetros’!” <risos> Não deixo barato, não!
Você gostou dessa resposta que eu dei pra ele? Lógico! Uma
mão lava a outra e as duas comem ! (ALCOBAS, 2008).
Para o empresário, esta estratégia de divulgação das belezas naturais
de Antonina como um anexo de Morretes além da difusão de que o Barreado
era o prato típico morretiano surtiu efeito principalmente porque a gestão
pública capelista se omitiu em relação à organização do turismo na cidade e ao
que era divulgado pela cidade vizinha. Ana Eliza Correia de Souza, de
Antonina, tem uma opinião semelhante. Segundo ela:
Eles souberam aproveitar melhor. Morretes levou sorte por
causa de um secretário de Turismo que teve lá, foi o Orley,
que eu não me recordo todo o nome dele. Teve um evento se
não me falha a memória, uma ABAV e Morretes chegou com
tudo nesse evento. E Antonina não foi nesse evento. O
marketing que ele usou lá foi “Venha a Morretes comer o
Barreado e a 15km desfrute da melhor baía do litoral!”.Então
ele usou Antonina como quintal da casa dele, não é? Ele foi
esperto.O mundo é dos espertos e ele foi esperto. Você tem
que dar o mérito pras pessoas que são inteligentes, não
adianta. Antonina levou a pior nessa mas não é por isso que
ela deixa de correr atrás. sempre correndo atrás. Hoje eu
acho que Morretes adquiriu isso por causa de pessoas que
souberam aproveitar a grande oportunidade que estavam com
a faca e o queijo na mão naquela época (SOUZA, 2008).
282
Leônidas de Abreu, dono do Restaurante Albatroz em Antonina,
afirmou que, a partir do final da década de 1980, a procura pela cidade, e por
conseqüência o movimento dos restaurantes, inclusive o seu, sofreu uma
redução evidente.
Começou a mudar, a cidade meio que começou a degringolar,
porque logo em seguida...Veja, antes, o pessoal passava por
Morretes e vinha comer em Antonina. Direto isso acontecia. O
curitibano, ele vinha direto pra cá, passava por Morretes, vinha
comer em Antonina e depois na volta talvez passasse em
Morretes de novo. [...] Dassumiu um prefeito, o Cavagnolli, e
na época, o que ele fez? Ele injetou em Turismo, ele investiu.
Quando ele começou a injetar no turismo, ele colocou
esguicho de água colorido no meio do rio, começou a mexer
nas ruas, plantar flores, começou a movimentar a cidade
(ABREU, 2008).
Segundo o empresário, os investimentos no embelezamento da cidade
começaram a surtir efeito e a despertar o interesse das pessoas, até porque
em Antonina não havia nada similar. Leônidas continua:
O Madalozo, que era do Nilson, começou a crescer ainda mais.
E o Orley, que trabalhava pro Cavagnolli, começou a divulgar o
Barreado como se o Barreado fosse de Morretes! Daí ele
começou a comercializar o Barreado. Nós vendíamos o
Barreado aqui em Antonina, mas daí eles foram fundo nessa
coisa do Barreado como se o Barreado fosse de Morretes.
eles começaram a injetar no Barreado, investir, divulgar,
vender, vender, vender a imagem do Barreado de Morretes, da
Cachaça, tudo de Morretes, o passeio de Bóia, o Rio
Nhundiaquara e tal. Começaram a investir no turismo, e daí
eles começaram a decolar (ABREU, 2008).
Ponderando sobre o posicionamento de Antonina na época, Abreu
(2008) comenta: divulgação, foi isso que aconteceu, porque aqui em Antonina
nós temos tudo isso só que não é divulgado e também não foi divulgado
naquele tempo.
Como comentado anteriormente, Dona Ieda decidiu fechar seu
restaurante em 1989, pois estava cansada, foram dezoito anos de
restaurante! E sempre atendendo sábados, domingos e feriados!
(SIEDSCHLAG, 2008). Ela encerrou as atividades do estabelecimento e deixou
a cidade na seqüência, porém, a despedida não foi das mais fáceis:
283
Eu senti muito quando eu fui embora porque dezoito anos você
lidando com o público. Tinha gente que me abraçava e chorava
[ênfase na palavra] quando eu falava que ia desativar o
restaurante. Então eu fiquei na casa por mais um período e
pessoas que eu não tinha sido avisadas ainda chegavam lá. E
eu mandava tudo pro Joca, ele já tinha o Caçarola
(SIEDSCHLAG, 2008).
Sobre o processo de se desfazer do estabelecimento, ela relembra:
E eu até dei umas explicações pro Joca [sobre as razões de
fechar o restaurante]. Porque veja, eu não vendi, eu desativei
o restaurante, eu não passei pra ninguém. Meu filho podia ficar,
mas minha ex-nora não gostava muito de cozinha. E ele disse
“mãe, não dá, porque precisa ter uma mulher na cozinha”.
Então eu disse eu não vou vender, vou desativar. Então eu
desativei primeiro a firma e depois vendi a propriedade
(SIEDSCHLAG, 2008).
Com o fechamento do estabelecimento, o público de Dona Ieda se
distribuiu pela região, não só por Antonina. Ela recorda inclusive um episódio
que teve como protagonista seu amigo, Joca Alcobas:
Um dia eu cheguei lá, depois de muito tempo, e ele com um
carro novo e disse: “Tá vendo minha amiga esse carro?” Estou.
“A metade é teu”. Como a metade é minha?” Graças a você
mandar os seus fregueses pra mim eu pude comprar o meu
carro!” (SIEDSCHLAG, 2008).
Após dezoito anos preparando e servindo Barreado, primeiramente no
Clube Náutico, depois em seu próprio restaurante, além de em feiras e
eventos, atendendo políticos, ministros, atores, cantores e escritores (Paulo
Autran, Agnaldo Rayol, Carla Camuratti, Grande Otelo, foram algumas das
celebridades que estiveram em seu restaurante), Dona Ieda preferiu abandonar
o ramo da alimentação comercial. Segundo ela, o pessoal de Morretes dizia
assim Dona Ieda, depois que a senhora foi embora o Barreado de Morretes
pegou fama e ai Antonina ficou sem” (SIEDSCHLAG, 2008).
É fato que, com o fechamento do principal restaurante e a mudança de
Dona Ieda da cidade, Antonina perdeu também a principal personagem da
história do Barreado litorâneo. Por outro lado, a política de divulgação intensiva
da iguaria promovida por Morretes, fez com que na próxima década o prato
284
estivesse muito mais vinculado à Morretes do que à Antonina, revertendo o
quadro que se apresentava na década de 1970. Paranaguá, por sua vez,
mantinha uma oferta comercial inexpressiva, mantendo o Barreado nas
residências e, apenas em meados de 1990, teria uma divulgação mais
evidente, sempre associado ao Fandango.
5.2. DÉCADA DE 1990: A CONSOLIDAÇÃO DO BARREADO
No âmbito federal, o final da década de 1980 e o início da década
seguinte também são marcados por mudanças, principalmente reestruturações
na área institucional, que culminaram na Lei nº. 8.818 de 28 de março de 1991,
que deu nova denominação à EMBRATUR, além de tomar outras providências.
A EMBRATUR passou a ser denominada Instituto Brasileiro de Turismo, sendo
transformada de empresa pública em autarquia e adquirindo as atribuições de
formular, coordenar, executar e fazer executar a política nacional de turismo.
Na “nova” EMBRATUR, começaram a ser gestadas outras medidas
ligadas ao planejamento turístico, que por sua vez inauguraram novas
estratégias de atuação da União e dos Estados. Reverberando as mudanças
na estrutura federal, no primeiro ano do Governo Requião, em 1991, a
FESTUR foi transformada em Autarquia Estadual pela Lei 9.663 de 16 de
julho.
Para Marilda Gadotti (2005), é apenas na década de 1990 que o
Paraná começa a se posicionar estrategicamente para fazer frente a dois
importantes concorrentes, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. De acordo com
a entrevistada, esses dois estados investiram na diversificação de suas ofertas
turísticas durante a década de 1980, enquanto o Paraná se apoiava quase que
inteiramente em Foz do Iguaçu:
A partir da década de 1990 nós começamos a despertar para
um outro tipo de demanda, começamos a diversificar a nossa
oferta, despertar para o turismo rural, por exemplo. Nesse
período as próprias festas turísticas não têm a grandiosidade
das de outros estados, mas começam a motivar um fluxo.
285
Nossas festas, principalmente as festas gastronômicas,
começam a crescer (GADOTTI, 2005).
Fazendo uma análise mais geral das tendências turística observada no
Paraná, Deise Bezerra (2005) analisa:
Na década de 1980 a gente tinha a parte étnica, cultural
bastante forte. No final da década de 1980 e início da década
de 1990, a questão do ecoturismo ficou forte. Eu me lembro
que o nosso estado saiu dessa questão do cultural e se voltou
muito para a questão do natural, principalmente quando houve
a ECO 92
100
. Foi lançado no Brasil o ecoturismo e o estado
procurou também seguir essa linha (BEZERRA, 2005).
No início da década de 1980, deve-se mencionar a entrevista
concedida por Edson Gradia, então Secretário de Esporte e Turismo do Estado
à Revista Panorama (SECRETÁRIO..., 1991, p.4). O Secretário, citando dados
obtidos junto à EMBRATUR, divulgou que, no ano de 1989, a atividade turística
no estado do Paraná havia crescido 49%, enquanto a do Rio de Janeiro havia
caído 42%. Argumentando que no Paraná o turismo representava então a
quinta maior arrecadação, o entrevistado afirmava que o turismo:
[...] é uma das maiores fontes nesse sentido [geração de
emprego e renda]. Hoje é responsável por mais de 100 mil
empregos diretos e indiretos [...] Quando Álvaro Dias assumiu
o governo do Estado, em 1986, o Paraná contava com 169
hotéis. Hoje são 209 e até o final do governo mais oito serão
inaugurados. Houve um aumento de 23%, o que coloca o
Paraná como o terceiro Parque Hoteleiro do Brasil
(SECRETÁRIO..., 1991, p.4).
Ainda na gestão Álvaro Dias, em 1991, em um release da Assessoria
de Imprensa da PARANATUR, o Barreado era divulgado como sendo o prato
típico do Paraná, saboroso, substancial e um dos mais exóticos do Brasil
(PARANATUR, 1991), apresentando sua origem e receita.
No que tange à comercialização do Barreado, em
1991 a cidade de
Morretes teve sua oferta ampliada, com a inauguração do Restaurante
Panorâmico Ponte Velha, a partir de então o segundo maior restaurante da
100
ECO 92, ou ainda Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, foi realizada na cidade do Rio de Janeiro de 3 a 14 de junho de 1992, e teve
como principal objetivo conciliar o desenvolvimento cio-econômico com a conservação e
proteção dos ecossistemas.
286
cidade. Seu proprietário, Joaquim de Souza Júnior, parnanguara, descendente
de mãe polonesa e pai português, nascido em 1939, mudou-se para Morretes
em 1945, quando o pai veio abrir uma agência bancária na cidade: abriu uma
simples portinha para oferecer dinheiro, dinheiro para os produtores rurais, ali
onde é hoje a Galeria Trombini. Ele veio gerenciar, administrar as finanças da
população, principalmente a rural, que predominava (SOUZA JÚNIOR, 2008).
Joaquim residiu em Morretes até completar vinte e dois anos, quando
se mudou para Curitiba, para assumir um cargo de auxiliar de escritório, em
1962. Falando das razões que o fizeram se mudar para a capital, o empresário
declara:
Quando Morretes perdeu a condição de passagem para o porto
de Paranaguá, com a nova rodovia, caiu praticamente toda a
atividade econômica e prestação de serviço. Isso em meados
de 60, 1961 pra 1962. E as pequenas indústrias fecharam, não
tiveram condições de manutenção, de serem mantidas e as
famílias, inclusive minha família inteira, porque fomos todos,
foram na época procurar novos horizontes em Curitiba (SOUZA
JUNIOR, 2008).
O empresário ficou 22 anos em Curitiba, se aposentou como contador
do Ministério dos Transportes, Rede Ferroviária Federal e retornou na
seqüência para Morretes: fui desligado da empresa no dia 31 de Dezembro de
1984, dia 28, uma sexta-feira eu estava aqui com a mala e cuia. Pra morar
em uma casinha que eu comprei a beira-rio aqui, antes do restaurante (SOUZA
JUNIOR, 2008). Quando retornou, voltou com a esposa, e deixou o casal de
filhos estudando em Curitiba. Falando da motivação para sua volta, Joaquim
comenta:
Porque até hoje eu acho que Morretes está sendo
redescoberta. Porque é muito próxima da capital, tem
praticamente todas as condições de sobrevivência,
principalmente por prestação de serviço, uma indústria de
oportunidades. E morar numa cidade pequena, a cinqüenta
minutos, atualmente é melhor do que morar num bairro de
Curitiba. Ainda mais pra quem está liberado como
aposentado e não tem uma carga horária de oito horas dia e
adquiriu autonomia pra montar o próprio negócio. Foi o que
aconteceu comigo (SOUZA JUNIOR, 2008).
287
Ao voltar para Morretes, Joaquim procurou estabelecer um ritmo mais
calmo de vida, mas não abandonou totalmente suas atividades laborais,
montando inclusive um escritório de contabilidade na cidade. Adquiri um ano
antes uma casa, tudo “planejadamente”, aliás, eu me considero um idealista e
eu planejo, minha vida é uma vida planejada! A vontade de abrir um
restaurante, frisa o entrevistado, também nasceu de forma planejada. Ele
revela:
Resolvi abrir por pesquisa de mercado. Vi um horizonte.
Naquele ano, foi antes de 91... Foi em 1989 para 1990 nós
contratamos uma empresa pra fazer um estudo e um projeto de
um salão de eventos para as pessoas que quisessem fazer
aqui casamento, aniversários e outros. Tanto é que o projeto
na prefeitura é salão de eventos, porque a casa da pessoa
pode ficar embaixo, como aconteceu, nós fizemos a nossa
casa em cima (SOUZA JUNIOR, 2008).
O restaurante foi inaugurado com cento e cinqüenta lugares, na
localização em que está até hoje, que vem a ser na frente do Restaurante
Madalozo, o mais tradicional da cidade O restaurante fica no bairro que
antigamente chamavam de Vila de Santo Antônio, mas agora passou a ser
Centro, porque ele es localizado na parte central e o comércio e casas se
desenvolveram em volta (SOUZA JUNIOR, 2008). Como relata o entrevistado,
a demanda crescente que se avolumava às portas do Madalozo foi
determinante para a decisão de abrir o restaurante:
O meu amigo aqui da frente, que já é falecido, ele não estava
vencendo atender à demanda. daquilo veio, “puxa nós
temos que montar mais um espaço!”. Houve quem dissesse
“onde é que você estava com a cabeça de montar outro
restaurante na frente de um maior, com maior movimento?”.
Mas é assim é que funciona! Se ali não vence, está muito
movimento, então era o cliente atravessar a rua (SOUZA
JUNIOR, 2008).
Sobre a reação da concorrência, ele comenta:
Teve um dos proprietários do Hotel Nhundiaquara, que disse
assim: “o que você está na cabeça de montar um restaurante
bem na frente do outro, do Madalozo? Você quer matar o
homem de preocupação?”. Eu sei que qualquer restaurante
que abre ele divide [a demanda], mas depende muito da
288
maneira dos outros continuarem a trabalhar. Em qualquer
parte, é a livre concorrência! (SOUZA JUNIOR, 2008).
Não apenas pela localização, mas também pela capacidade de seu
salão, o Restaurante Ponte Velha tornou-se de imediato o principal concorrente
do Restaurante Madalozo. Joaquim relembra que, inclusive pela grande
procura por restaurantes na cidade, a inauguração da casa aconteceu antes do
planejado:
Recebemos a visita de vários proprietários de carros antigos de
Curitiba e de São Paulo, que foram os convidados para um
almoço especial num sábado. E eu disse “olha, o restaurante
ainda não abriu, ele vai abrir domingo que vem, porque nós
estamos em treinamento pelo SENAC/SESC. E falta completar
nossa estrutura mínima pra atender um evento”. Daí disseram
“mas vocês não podem perder essa oportunidade e nós
fazemos questão que seja nesse restaurante, nesse local e
façam um esforço e procurem nos atender!”. partimos pra
enfrentar o desafio, a vida é um desafio! [...] Casa cheia, todos
os calhambeques ali embaixo, no espaço que nós fizemos para
estacionamento. (SOUZA JUNIOR, 2008).
Como estratégia de lançamento do estabelecimento, Joaquim adotou
uma política de preços agressiva em relação ao seu principal concorrente,
acirrando ainda mais os ânimos junto ao restaurante Madalozo: nós tivemos a
idéia, vamos dizer, de abrir um prato que vem a ser o prato completo, Prato
Ponte Velha. Porque todos vêm à procura do Barreado e mais um
complemento, então os frutos do mar, à época só um real a mais no valor prato
principal (SOUZA JUNIOR, 2008). E exemplifica:
O restaurante Madalozo na época cobrava sete reais por
pessoa, nós abrimos com oito, foi uma surpresa quando
perguntaram. Porque o nosso produto é um produto mais
atualizado, é um produto novo, é inclusive uma marca
registrada (SOUZA JUNIOR, 2008)
O tino empresarial de Joaquim não se limitou ao registro do nome do
restaurante como propriedade industrial; ele registrou também o prato que ele
chama de Ponte Velha, ou ainda PV (Barreado, Frutos do mar e
complementos), cuja abreviatura gerou algumas situações inusitadas, como
a vez em que uma senhora de idade indagou se o prato PV era na verdade um
289
“prato pra velho”. Relembrando o dia da inauguração, em que contava com
apenas seis funcionários, ele fala inclusive da reação de Honílson Madalozo:
Música da velha guarda, salão cheio, o nível de freqüência foi
classe A e B, catalogado pelo SEBRAE [...] Uma semana
depois começou a funcionar com casa cheia e foguetório.
Mas no dia da inauguração, quando começaram a chegar os
calhambeques, eles passando na ponte, um monte de foguete
estourando... O vizinho daqui, meu amigo ficou doente. Mas é
de ficar mesmo, porque foi um choque pra ele. Hoje nós somos
grandes amigos, a viúva que está aí, nós fomos vizinhos muito
tempo, estudamos juntos no mesmo colégio, minha esposa
também era amiga dela, mas depois, com o tempo, é que
passou aquela preocupação (SOUZA JUNIOR, 2008).
Deve-se observar que o Ponte Velha foi concebido para servir o
Barreado, para atender uma demanda gerada pelo próprio prato, ao invés do
exemplo de alguns restaurantes anteriores, que primeiro incorporaram o
Barreado a seus cardápios e depois se especializaram nele. Isso se deu
porque, graças à clientela conquistada pelos outros restaurantes e à fama
adquirida com a divulgação promovida pela Gestão Cavagnolli, a imagem de
Morretes já estava associada e consolidada com o Barreado. Mesmo servindo
outros pratos, inclusive a Caldeirada que é servida apenas em seu restaurante,
o entrevistado, ao falar sobre a inclusão do Barreado, nos conta:
Sempre servimos e não pra tirar, muito pelo contrário! A
razão da existência desse movimento é o Barreado. Eu
perguntaria: “quem desceria a serra pra comer frango, polenta,
radiche e outras comidas italianas?” [...] Então Morretes tem
que manter essa tradição! (SOUZA JUNIOR, 2008).
Na cidade vizinha, Antonina, no mês de julho de 1991, aconteceu o I
Festival de Inverno de Antonina, uma realização da Universidade Federal do
Paraná por meio de sua Pró-Reitoria de Extensão. O Festival reunia uma série
de oficinas e apresentações culturais, destinadas aos mais diferentes públicos,
e promoveu o deslocamento, para a cidade, de professores, técnicos e alunos
da UFPR, além dos inscritos nas atividades, incentivando o turismo local e, por
conseqüência, os meios de hospedagem e os estabelecimentos de
alimentação.
290
No ano seguinte, Morretes ganhou mais um estabelecimento voltado
para o Barreado. Em agosto de 1992, foi aberto o Restaurante Casarão, por
Maurício Scucazo dos Santos, nascido em Morretes em 1965. Ele fala sobre a
sua relação com a cidade:
Eu ainda estava namorado minha esposa, eu fazia faculdade
em Curitiba, sou formado em Engenharia Química,
Administração de Empresas e Economia. E eu estudava em
Curitiba, dava aula particular, aula em cursinho, fui professor
assistente do Expoente, na época em que estava começando o
Expoente ainda e como a minha família é daqui, a gente
sempre estava aqui, então a minha idéia sempre foi terminar a
faculdade e vir pra Morretes, eu queria morar em Morretes
(SANTOS, 2008).
Continuando, revela que entrou no ramo da alimentação quase por
acaso, sem ter previamente orientado a sua carreira nesse sentido:
A minha esposa ela morava, o pai dela é comerciante na
cidade e tal, então eu sempre estava aqui. E na época, aqui no
Casarão, era bem pequenininho, tinham oito mesas só,
funcionava um pequeno restaurante [chamado Casa do
Barreado], que esse restaurante faliu. Os proprietários não
tinham muito cuidado, então por diversas razões ele faliu. O
meu sogro ele era avalista desse proprietário, e o proprietário
acabou passando para ele algumas coisas, entre essas coisas
o ponto aqui do restaurante. E ele nos chamou e perguntou:
vocês querem tocar, senão eu vou vender. E a gente resolveu
arriscar! Fechamos por três ou quatro meses, fizemos uma
pequena reforma aqui e abrimos como Casarão (SANTOS,
2008).
A casa, aberta com duzentos lugares, sempre teve o Barreado no seu
cardápio como carro-chefe:
As pessoas vêm pra comer o Barreado. Até pra fazer um
comparativo, o pessoal vai pra Santa Felicidade pra comer
frango com polenta e aqui ele vem pra comer Barreado. Tudo
acompanha o Barreado, tudo, vamos dizer assim, você agrega
ao Barreado. Os frutos do mar e outras coisas (SANTOS,
2008).
O empresário analisa o contexto morretense voltado para o Barreado,
que o influenciou a abrir o estabelecimento:
291
Quando começou isso tudo? mais ou menos uns trinta e
poucos anos atrás, dois lugares serviam Barreado aqui em
Morretes: era o hotel Nhundiaquara o seu Nilson Madalozo,
que hoje é o Madalozo, que tinha um, na verdade era um
barzinho, uma portinha na Rua XV, a rua principal. Então como
era caminho antes de abrir a 277, todo mundo passava por
aqui, viajantes, vendedores e tal, eles começaram a trabalhar
com isso e vender o Barreado. E daí foi acontecendo, o
Barreado foi, e como muita gente que mora em Curitiba e
região tem raiz aqui, a maioria dos italianos de Curitiba, se for
pegar as famílias de e puxar o pessoal daqui, todos eles
praticamente m raízes aqui em Morretes. Então o pessoal
sempre vinha, por um motivo ou outro, pra Morretes, vinham
pra cá. E daí o Barreado, ou faziam o Barreado lá em Curitiba e
ficou aquela coisa da tradição. E a partir do momento que o
Barreado foi instituído como prato típico do Paraná, pra nós
foi a glória (SANTOS, 2008).
O entrevistado continua sua análise:
Se bem que, vamos dizer assim, vinte anos atrás o forte do
movimento de restaurantes não era em Morretes, era em
Antonina, inclusive as pessoas de Morretes saíam daqui pra
comer Barreado, pra comer nos restaurantes lá. E eles
tinham um movimento semelhante ao que a gente tinha aqui ou
talvez maior. que pela cultura deles lá, eles não o
pessoas muito organizadas. Atendiam de qualquer jeito. Até
hoje se você for lá, você vai ver o que é um restaurante
montado em Morretes e o que é um restaurante montado lá.
Então tudo isso, quando as pessoas faziam um comparativo,
eles viam que Morretes atendia melhor, mais capricho, as
fachadas sempre pintadas, o restaurante sempre bem limpinho,
bem organizado e tudo foi a partir... e o que nos ajudou muito
também, a estrada de ferro, passeio de trem, sempre o ponto
em Morretes, todo mundo que descia a Graciosa e queria ir pra
praia obrigatoriamente passava por Morretes, Paranaguá é
final de linha (SANTOS, 2008).
Na fala de Mauricio, a importância da gestão Cavagnolli também
aparece. Para o entrevistado:
Teve um prefeito, falecido, o Sebastião Cavanholli. Ele como
era um empresário, não um político, ele tinha uma visão
melhor. E realmente, deu uma alavancada no turismo em
Morretes foi na administração dele. Ele que fez esse calçadão,
ele que embelezou a cidade, na época isso aqui era uma rua
das flores, hoje é rua da feira, está cheia de barraquinha, muito
feia, mal organizada, tudo, mas na época era rua das flores
mesmo. Todos os vasos, sempre com flores, flores de época,
tudo bem organizadinho. Então a gente pode colocar assim
como um marco a administração dele (SANTOS, 2008).
292
Em 1992, a Gestão Cavagnolli em Morretes chegou ao fim. Fazendo
uma análise do período, Orley comenta:
Foi a partir de 1990 que a coisa começa a pegar mesmo. Tanto
que tem muita gente que hoje tem restaurante hoje aqui que
nem morava aqui na época. O Mauricio do Casarão era
engenheiro, morava em Curitiba. O seu Joaquim, do Ponte
Velha, morava em Curitiba. Essas pousadas que tem aí hoje na
época eram tudo chácara, que a pessoa usava pra se divertir
(OLIVEIRA JUNIOR, 2008).
O ex-diretor de turismo relembra o último ano da gestão, destacando
um acontecimento de grande importância para o município:
Toda essa folia de Barreado culminou em Morretes fazendo o
jantar de encerramento da ABAV do RIO no Scala para mais
de quatro mil pessoas [...] Para o jantar dessa ABAV o
governador do Paraná na época colocou a verba lá pra baixo, e
eu peguei e falei: eu acho que sei um caminho. E o caminho
qual era? Servir Barreado. Fazer Barreado é relativamente
barato e vai ter o glamour de uma grande festa, porque e um
prato típico! E nos fizemos o Barreado! E foi quase como uma
copa do mundo encerrar uma ABAV, imagina, começamos do
zero quatro anos atrás e fechar um evento desse porte. E
isso praticamente sozinhos, eu mais uns seis, sete loucos
daqui (OLIVEIRA JUNIOR, 2008).
Fazendo uma avaliação geral, Orley enfatiza que não foi perdida
nenhuma oportunidade de divulgar o Barreado, e pondera:
Deu certo porque o Cavagnolli era um homem de visão,
apaixonado pela cidade. Éramos dois morretianos
apaixonados. E eu busquei essa ajuda na PARANATUR e
recebi essa ajuda, e isso foi muito importante. Mas eu busquei
a ajuda! E tive durante esses quatro anos a Secretaria aberta
pra mim. E eles ajudaram muito, foram muito importantes. Essa
força de hoje de Morretes no turismo aconteceu porque nessa
gestão a gente fez mais de 40 famtours, vinha gente do Brasil
inteiro, inclusive do exterior, Argentina, Paraguai, Uruguai,
Cuba, Colômbia, Costa Rica, Venezuela, México, etc
(OLIVEIRA JUNIOR, 2008).
No ano seguinte foi a vez de Paranag ter sua gestão do turismo
dinamizada. Em 1993, foi de grande relevância para a gestão do turismo de
Paranaguá. No inicio desse ano, assumiu o novo prefeito, Carlos Tortato, que
293
renovou o quadro administrativo municipal, chamando Sandra Leal para
presidir a FUMCULTUR Fundação de Cultura e Turismo e Dirce Felisbino da
Silva para integrar o corpo técnico da diretoria de turismo.
Dirce é parnanguara nascida em 1953, residiu dez anos em Curitiba
para estudar e retornou à cidade definitivamente em 1984, depois de ter se
formado na quarta turma do Curso de Turismo da Universidade Federal do
Paraná. Ao retornar, atuou como instrutora de cursos de qualificação do
SENAC, dentre outras atividades. Ao ingressar na FUMCULTUR, onde
permaneceu ate 2003, deparou-se com um departamento de turismo cujo
histórico se resumia a montar palco e arquibancada para os eventos que
aconteciam na cidade, como, por exemplo, o aniversário de Paranaguá e a
Festa do Rocio, porque na cidade também tinha esses dois eventos. E
complementa: as pessoas vinham de trem, almoçavam ou no Rocio ou aqui
no Danúbio Azul e voltavam de trem pra Curitiba. Então as pessoas vinham
para um lazer rápido. Não era nem turismo, era praticamente um passeio
(SILVA, 2008). Falando sobre as prioridades de atuação da FUMCULTUR na
nova gestão, ela comenta:
A primeira preocupação nossa foi o resgate da cidadania,
porque a gente percebeu que o ânimo da comunidade estava
em baixa. Então a gente precisava urgentemente fazer um
trabalho de mobilização, de conscientização, para dizer porque
era importante o turismo e principalmente essa parte da
manifestação cultural, essa parte do resgate da cidadania. Da
importância da história e da cultura para a auto-estima da
população mesmo. O Projeto 11
101
surgiu daí (SILVA, 2008).
De acordo com essa lógica de resgatar a auto-estima e a cidadania dos
parnanguaras, os esforços foram orientados para valorizar uma das principais
manifestações populares da localidade: o Fandango. Falando sobre a atuação
na época, revela:
Mas como trabalhar com Fandango? Fizemos um trabalho
cuidadoso, fomos falar com as pessoas, falar com o Seu
Romão [mestre fandangueiro]. Mas antes de mais nada
começamos a fazer seminários de folclore. Fizemos seminários
101
Projeto de sensibilização e conscientização concebido e executado pela Prefeitura Municipal
de Morretes e que tinha como base cartilhas que mesclavam o conteúdo programático de
disciplinas escolares com informações sobre a história, cultura e economia do município.
294
de folclore, oferecendo para os alunos de ensino médio. Isso
foi em 1993 mesmo. A gente trazia o Fandango de Morretes da
Dona Helmosa, trazia o Fandango do Seu Romão que e daqui
de Valadares. Eles já eram idosos, estavam desanimados,
estavam desacreditados, dava ate trabalho para eles aceitarem
dançar. Fizemos uns cinco seminários ao todo, com escola,
faculdade, jovens em geral (SILVA, 2008).
Na época, segundo Dirce, ainda não se trabalhava de forma específica
com o Barreado, mas na medida em que o trabalho com o Fandango ganhava
fôlego, uma coisa foi puxando a outra: já que a gente estava falando de
folclore, falando de Fandango e sabia que o Barreado era associado a ele,
então começamos a trabalhar ele também (SILVA, 2008).
Em 12 de agosto de 1993 a Gazeta do Povo publicou o artigo Os
pratos típicos do Paraná, visto que na abertura do XXI Congresso da ABAV,
domingo em Foz do Iguaçu, os participantes iriam degustar algumas das
comidas típicas mais comuns no Paraná. O Paraná é rico na área
gastronômica. A mistura das origens fez com que se pudesse identificar
características próprias em cada região. Assim é que o Barreado esta no litoral.
O texto apresenta o histórico do prato, relacionando seu consumo ao período
carnavalesco, mas enfatizando: Hoje o Barreado pode ser encontrado em
quase todos os restaurantes do litoral e também em Curitiba (PRATOS
típicos..., 1993). A reportagem cita ainda outros pratos típicos regionais” como
o Carneiro no Buraco de Campo Mourão, o Porco no Rolete de Toledo, o
Costelão de Santa Helena, o Boi no Rolete de Marechal Candido Rondon,
dentre outros.
Em 1993, a oferta do Barreado em Morretes foi fortalecida, com a
inauguração do Restaurante Armazém Romanus. Seu proprietário, Luis
Antonio Romanus, um ex-executivo de uma empresa de informática, nascido
em Curitiba, há vinte anos atua na área de gastronomia em Morretes. Falando
sobre sua mudança para a cidade, comenta:
O objetivo de vir para Morretes foi em função da origem da
minha esposa, que é natural de Morretes [...] Agora, a escolha
pelo ramo gastronômico, sempre havia, vamos dizer, uma
ligação da gente com a gastronomia, me era bastante
simpática a gastronomia, sempre cozinhei. Eu sou chefe de
cozinha formado e daí a idéia de abrir o restaurante,
295
procurando perseguir sempre a qualidade nos produtos
(ROMANUS, 2008).
Luis Antonio Romanus inaugurou o restaurante com capacidade para
cinqüenta pessoas, no endereço em que permanece até hoje. O público-alvo,
desde a abertura do estabelecimento, são pessoas que gostam de uma comida
elaborada, gourmets, quem procura ter uma refeição elaborada, feita na hora,
com exceção do Barreado que é um prato que se leva dois dias pra preparar,
os outros pratos são feitos na hora (ROMANUS, 2008). Com um cardápio
extenso, composto por mais de oitenta itens, que incluem pratos internacionais,
o chef e empresário observa que sempre teve no Barreado o seu prato
principal. Falando das razões que o levaram a incluir o prato, explica:
Porque o Barreado é um prato que na minha família sempre na
minha casa, com a minha esposa, sempre se consumiu em
casa. Sempre se fazia o Barreado que é uma receita de família,
de mais de cem anos. E o Barreado que nós fazemos aqui é o
Barreado que a bisavó da minha esposa fazia. É feito da
mesma maneira, com o mesmo tipo de corte de carne, os
mesmos temperos básicos, então é a tradição de geração pra
geração. Não tinha como não colocar (ROMANUS, 2008).
Na linha assumida pelo governo estadual de investir no potencial
cultural do litoral paranaense para desenvolver a atividade turística, a Revista
Panorama, na reportagem “O Paraná é a nova alternativa para a temporada de
verão”, divulgava os atrativos do litoral paranaense que iam além dos
balneários e que mereciam visitação na temporada de verão que se anunciava:
Mas o litoral não é só mar. Antonina, destaca-se pelo seu
aspecto histórico. Praticamente sem praia, oferece alternativas
que vão desde a comida típica ao seu Carnaval, considerado,
ao lado de Paranaguá, como o mais autêntico do Paraná.
Morretes (ao da Serra do Mar, a 68 km de Curitiba) tem
festa típica, comida e cachaça (sua marca registrada) para
compensar a falta de praias. O sinuoso rio Nhundiaquara que
desce a Serra com limpas corredeiras é escolhido para
veraneio-aventura, principalmente nas competições de bóia-
cross, corrida de caiaque e outras loucuras” do gênero
(PARANÁ é a..., 1993, p.16).
Em 1994,
Morretes ganhou mais um restaurante dedicado ao
Barreado, o
Restaurante My House, de propriedade de Gilberto Malucelli, filho
296
de uma tradicional família morretiana. Falando sobre a motivação que o levou a
abrir um restaurante na cidade, o empresário diz:
Eu resolvi, por um motivo muito simples: eu tinha uma casa
muito bem situada, que é essa casa. Veja, estamos olhando
aqui pro cartão-postal da cidade, que é o Rio e o Hotel
Nhundiaquara. Com esta vista ótima, eu enxerguei que seria
um bom ponto. E realmente é! E também porque depois de
aposentado...e pela minha tese pode ser aposentado
oficialmente, mas na prática você tem que ter uma outra
atividade pra trabalhar! E tenho origem aqui, nasci aqui, gosto
daqui, estou morando aqui, não quero sair daqui. Então eu
tinha casa e resolvi ter essa atividade, que nesses quatorze
anos vi que tinha futuro (MALUCELLI, 2008).
Gilberto era gerente de uma cooperativa agrícola em Cornélio
Procópio, norte do Paraná. Quando se aposentou, ponderou sobre o diferencial
que seu imóvel, inicialmente residencial, oferecia:
A localização é um diferencial [...] Se eu não tivesse aqui, eu
iria procurar o Rio, mas o Rio hoje custa muito caro,
principalmente na linha d’água que fica daqui até o Hotel
Nhundiaquara, ou até perto do Madalozo. E hoje na linha
d’água ninguém vende, se for vender, é um absurdo [...] Essa
casa eu construí com o intuito de lazer, porque eu vinha do
norte, e tinha aquela ligação com a cidade [...]. Ah, eu tenho
essa casa desde 87. Vinha pra cá, com os meus filhos. Quando
me aposentei, antes de me aposentar, na verdade, enxerguei
que aqui podia ser um local que eu gosto muito, minha cidade,
onde se tem uma vida excelente. É um negócio pra que a
gente possa, de fato, continuar trabalhando e estou gostando
muito e trabalhando até mais! (MALUCELLI, 2008).
O empresário fala do cardápio do restaurante no momento da abertura,
ressaltando que o Barreado sempre foi principal prato da casa, servindo
inclusive para algumas inovações:
Abri com um cardápio similar ao de hoje, com o Barreado como
carro-chefe. Depois introduzi frutos do mar como uma
alternativa e hoje nós temos um prato que é quase como um
prato padrão, o Barreado de frutos do mar [...] Eu sirvo também
algumas carnes, uma alcatra, um filé mignon, picanha. Tenho
também alguns pratos do mar, tipo moqueca, agora sirvo
côngrio rosa [...] Segui a linha que tinha com algumas
alterações, mas não saí muito. Exceto agora, questão de dez
dias, quando introduzi pizza também. E vou lançar a pizza com
Barreado! (MALUCELLI, 2008).
297
Em Paranaguá, no mesmo ano, o Barreado ganhava destaque a partir
de sua associação com o Fandango. Segundo Dirce Felisbino da Silva:
Em 1994 fizemos um Festival Internacional de Folclore aqui
em Paranaguá e nos mobilizamos a cidade. Numa quarta-feira
nos lotamos o ginásio com doze mil pessoas. Nós fizemos
apresentação com vinte e dois grupos de Fo clore. A
Associação Comercial da cidade pagou o Barreado, nos
fizemos um Buffet no Ginásio de Barreado, foi uma coisa muito
bonita. E através desse festival a gente conseguiu sensibilizar
o nosso jovem, que antes tinha vergonha do Fandango
(SILVA, 2008).
A ex-diretora de turismo de Paranaguá relembra que foi a partir do
sucesso deste evento que conseguiram despertar o interesse dos jovens para
o Fandango. A repercussão foi tanta que mais de oitenta jovens se inscreveram
para as doze vagas oferecidas no Grupo Folclórico Mestre Romão, que tinha
como objetivo resgatar e divulgar o folguedo. A divulgação do Barreado, por
sua vez, sempre acontecia conjugada com o Fandango. A entrevistada
comenta como foi feita a divulgação do prato:
Em cada salão de turismo, em cada evento que a gente levava
o Fandango, levava também o Barreado. O Seu Romão e que
preparava o Barreado. Daí viajávamos muito. Servimos o
Barreado em 1996, servimos, por exemplo, o Barreado no Rio
de Janeiro. A escola Unidos da Ponte do Rio de Janeiro para o
Carnaval daquele ano fez um enredo que dizia assim tem
Fandango no samba, Barreado e chimarrão, tem porco no
rolete, é do cacete, é muito bom. E nos fomos representar e
servimos Barreado na avenida, na Marques de Sapucaí. E foi
uma manchete internacional. Então qualquer brechinha a
gente tinha, aproveitava para fazer a divulgação do Fandango
e também do Barreado (SILVA, 2008).
Contudo, revela Dirce, a boa repercussão da divulgação do Barreado
em outros lugares não encontrava sustentação dentro do próprio município:
que a gente tinha um problema muito sério: a gente divulgava o Barreado
fora, mas as pessoas diziam “Tem Barreado em Paranaguá?” “Mas onde, se eu
vou e não encontro Barreado?” “Em que restaurante?” (SILVA, 2008). Ela
pondera:
298
Porque as pessoas ainda fazem o Barreado aqui. E nem
precisa ser no Carnaval, elas fazem quando sentem vontade.
Mas o turista vinha e não tinha onde comer. Aqui em
Paranaguá não tinha restaurante que servisse o Barreado.
tinha um box pequeno que servia aqui no Mercado. E Morretes
estava divulgando a todo vapor. Porque Morretes hoje vive
comercialmente do Barreado? Porque nenhum município mais
permaneceu nessa tradição. Então Guaratuba, Guaraqueçaba,
Antonina e Paranaguá que tinham também o Barreado
deixaram de fazer o Barreado, então Morretes muito esperto
fez do Barreado no turismo. Porque não e que as pessoas não
faziam, faziam, mas não comercialmente (SILVA, 2008).
Deve-se mencionar que o comentário de Dirce traduz algo que pode
ser percebido pela escassez de material promocional relacionando Paranaguá
ao Barreado ate a cada de 1990. Verifica-se ainda que o esforço do poder
público dirigido ao resgate da manifestação alcançou boa repercussão, mas foi
prejudicado pela falta de oferta comercial da iguaria. O Restaurante Danúbio
Azul, o mais antigo e prestigiado da cidade, servia o Barreado, mas tinha como
especialidade os pescados e frutos do mar, relegando o tradicional prato a uma
posição de pouco destaque. Apenas em 1996, como veremos posteriormente,
é que Paranaguá ganhou um restaurante especializado na iguaria.
No plano da gestão pública estadual, no início do governo Jaime
Lerner, em 1995, foi criada a autarquia PARANÁ Turismo
102
, vinculada à
Secretaria de Estado de Esporte e Turismo, com sede e foro na Comarca de
Foz do Iguaçu e sub-sede na cidade de Curitiba. A PARANÁ Turismo passou a
ser, então, o órgão oficial de Turismo do Estado e a desempenhar funções
ligadas ao planejamento e à execução da política estadual de turismo.
Deve-se mencionar que o ano de 1995 foi um ano de intensa atividade
da EMBRATUR, que começava a implementar o Programa Nacional de
Municipalização do Turismo
103
(PNMT), lançado em 1994. Este programa tinha
como objetivo descentralizar as ações de planejamento, sensibilizando,
conscientizando e capacitando gestores municipais para o turismo por meio de
102
Lei nº. 11.066 de 01 de fevereiro de 1995. A Para Turismo é uma entidade autárquica
estadual, dotada de personalidade jurídica de direito público, com patrimônio e receita próprios
e autonomia administrativa e financeira.
103
Durante seu período de implantação, o PNMT (1996-2003) envolveu 270 dos 399
municípios do Estado em ações que buscavam a mobilização, a sensibilização e a capacitação
de pessoas ligadas aos órgãos da administração e da iniciativa privada das localidades
participantes.
299
uma metodologia participativa
104
. Sobre o PNMT, Deise Maria Fernandes
Bezerra declara:
O PNMT foi um programa do Ministério do Esporte e do
Turismo, da EMBRATUR. Ele foi lançado em 1994 e tinha
como principal objetivo o de sensibilizar e mobilizar os
municípios, os gestores municipais para que eles fizessem o
seu planejamento e a sua organização municipal. A base do
processo foi o repasse de informações para que os municípios
fossem os detentores do seu futuro. A idéia não era o estado
ou o governo federal dizer o que deveria ser feito, mas mostrar
dentro da base da sustentabilidade e do planejamento
participativo, que na realidade eles deveriam ser os seus
próprios gestores, definirem qual a linha de desenvolvimento
municipal que eles gostariam de dar aos seus municípios
(BEZERRA, 2005)
.
Um dos aspectos marcantes do programa era o de formar
representantes de cada município, agentes multiplicadores que não
participassem necessariamente do poder blico, procurando dar continuidade
à discussão do turismo na cidade, independente de trocas ocorridas em
mudanças de gestão. A descontinuidade política na gestão municipal do
turismo e a sua influência no contexto estadual inclusive na implantação dos
programas e projetos de escopo estadual aparecia como um sério problema
não só para o Paraná, como para outros estados. Nota-se que a
implementação do Programa no Paraná sofreu um atraso de praticamente dois
anos. Sobre isso, Deise comenta:
Foi laado em 1994, mas nesse ano não houve nenhuma
atividade e em 1995 não entramos porque julgamos que havia
muita intervenção da EMBRATUR: queriam fazer os contatos
com os municípios, marcar as oficinas, ou seja, passar por
cima do estado. Nosso secretário na época era o Silvio Barros
II, um dos criadores do Programa, e julgou que dessa forma
não era interessante para o Paraná. Em meados de 1996, a
EMBRATUR deu autonomia e entramos no mês de setembro
(BEZERRA, 2005).
104
A metodologia que orientava os trabalhos do PNMT tinha como peça-chave oficinas
(reuniões) de enfoque participativo. Estas reuniões eram conduzidas por um profissional
designado pela EMBRATUR que moderava, a partir do método Zopp, trabalhos em grupo e
discussões relacionadas à questão do turismo. O grupo envolvido era composto por
representantes de diversos municípios, que atuavam na área pública e/ou área privada e que
estavam, de alguma forma, ligados ao desenvolvimento da atividade turística de seus
respectivos municípios.
300
Destaca-se que o PNMT gerou resultados bastante positivos no Paraná
inteiro e, no litoral, envolveu não apenas secretários e diretores de turismo,
mas também influenciou diretamente alguns empresários do ramo da
alimentação, como Norma Santos de Freitas. Parnanguara nascida em 1949,
abriu a Casa do Barreado, um restaurante que nasceu com a proposta de
recuperar e divulgar o tradicional Barreado. Falando sobre a sua entrada no
ramo da alimentação comercial, Norma relata:
Eu tenho quatro filhos e era dona de casa até os filhos
crescerem e irem embora para Curitiba, porque é o caminho
mesmo. A partir disso, aproveitando todo espaço, o meu
cunhado, o lson Antonio Consentino propôs: “vamos fazer a
Casa do Barreado em Paranaguá”, porque não tinha. Então até
pra aproveitar o espaço abrimos e passamos a fazer o
Barreado artesanal, como as famílias faziam, não naquele
volume comercial que é feito em grande proporção. A gente
sempre fez em panela de barro e manteve essa tradição
(FREITAS, 2008).
A casa, que inicialmente dispunha de capacidade para atender
quarenta pessoas, serve também frutos do mar e atende encomendas, mas
tem no Barreado o seu prato principal. A proprietária explica:
Quando nós comíamos o Barreado, ele era a estrela, ele era o
prato único, é como quando se come uma feijoada. Se você
vem comer uma feijoada, eu não vou colocar macarrão, peixe
junto. E eu fiz a mesma coisa com o Barreado. Eu sempre
servir o Barreado, eu não coloco peixe, camarão, etc, porque
ele, o Barreado, tem que ser degustado pra manter o sabor. Se
você quer peixe e camarão, eu coloco ali no Buffet (salão
anexo), mas aqui (salão principal) a estrela é ele! A gente abriu
mesmo pra fazer um resgate, pra fazer o Barreado tradicional
(FREITAS, 2008).
O Restaurante desde o início teve dentre seus freqüentadores turistas
e visitantes, o que estimulou a proprietária a se aproximar ainda mais da área,
inclusive por meio de participação nas oficinas do PNMT. O esmero em
preparar uma receita artesanal na tradicional panela de barro logo diferenciou
o restaurante dos demais da cidade, que muitas vezes oferecem o prato
apenas como uma dentre outras opções do buffet por quilo ou por pessoa.
Este cuidado inclusive chamou a atenção da PARATurismo, que passou a
301
convidar a cozinheira e empresária para servir o prato em vários eventos de
divulgação do estado no Brasil e no exterior.
Em 1996, Antonina promoveu a I Festa do Barreado, um evento que
objetivava atrair as pessoas para a cidade para a degustação da iguaria. O
Barreado foi servido pelos restaurantes da cidade que se dispuseram a
participar do evento (o Caçarola do Joca, por exemplo, se recusou por
discordar da organização do evento e por acreditar que a Festa não traria para
a cidade seu público habitual, mais elitizado), sendo que durante a Festa - um
fim de semana todos os estabelecimentos participantes ofereceram Barreado
pelo mesmo preço. Deve-se observar que esta festa teve sua última edição em
2003, mas parece não ter conseguido tanta repercussão, tendo em vista a
dificuldade de encontrar reportagens sobre ela e até mesmo a pouca
importância atribuída à festa pelos próprios entrevistados de Antonina.
Em dezembro de 1996, a Revista Panorama publicou uma reportagem
sobre os atrativos da temporada de verão:
Para o curitibano, a curtição do litoral começa ao sair de
casa, pelo menos para quem faz a opção Graciosa, a
centenária estrada que neste período do ano encontra-se plena
de flores da primavera. Ao fim da Serra do Mar, o visitante
chega a Morretes, a pequena cidade cheia de tradição, local
apropriado para comer o Barreado, prato típico paranaense e
saborear a gostosa aguardente de banana, que é exportada
para os melhores mercados, especialmente Estados Unidos e
Europa (PARANÁ praias..., 1996, p.11).
No ano seguinte, a Revista Paraná em Páginas publicou um texto
chamado Culinária Paranaense, em que o Barreado era apresentando como
prato típico do litoral paranaense, citando a receita do prato, além das receitas
do bolo de pinhão e o pudim de aipim (CULINÁRIA..., 1997, p.39).
Em 1997, Roberval de Freitas publicou “Coisas do meu litoral”, em que
escreve sobre a culinária paranaense e o Barreado, que foi caracterizado como
uma iguaria nascida em Paranaguá (nas ilhas) e a única e verdadeira comida
típica do litoral (DE FREITAS, 1997, p.48).
No mesmo ano, o governo federal colocou em leilão as linhas férreas
administradas até então pela RFFSA e, após o processo de licitação, o
consórcio formado pelas empresas Higiserv Limpeza e Conservação, Impexsul
302
Manutenção e Serviços e Região Sul Agência de Viagens e Turismo tornou-se
o novo responsável pela linha Curitiba-Paranaguá. O projeto para o transporte
de passageiros foi denominado Serra Verde Express e previa a melhoria da
qualidade do passeio, com um conseqüente aumento das tarifas:
[...] a freqüência das viagens devera ser diária, com duas
descidas e duas subidas. O consórcio vai dispor de três
litorinas [veiculo com motorização própria, janelas
panorâmicas, ar-condicionado e som ambiente], com
capacidade para 55 passageiros cada, e de 18 vagões de trem
que podem levar até 900 passageiros, sendo que dois vagões
são reservados para bagagem [...] no trem, os turistas vão ter a
oportunidade de escolher uma das classes para viagem:
primeira classe,intermediária e turística. Nos vagões da
primeira classe, o número de poltronas será reduzido para dar
maior comodidade aos passageiros. Vai haver um bar no
próprio vagão e guias orientando os turistas (NOVO passeio...,
1997).
O trem passou a funcionar todos os dias na alta temporada e na baixa
temporada de quinta a domingo, saindo às 8h da Estação de Curitiba,
chegando às 11h em Morretes e às 12h em Paranaguá; retornando de
Paranaguá às 15h, passando por Morretes às 16h e chegando em Curitiba às
18h. A Litorina, por sua vez, saia às 9h e retornava às 17h.
Ressaltando que o que sempre trouxe turista para Paranaguá foi o
passeio de trem, e não o Barreado, pois degustar o Barreado é só uma
conseqüência (CARMEZIM, 2008), o empresário João Carlos Carmezim, que
assumiu o Restaurante Danúbio Azul com a morte do pai em 1991, fala da
influência do passeio de trem no movimento de turistas na cidade e, como
resultado, em seu restaurante:
Quando teve a privatização, a passagem de trem quadriplicou
o preço. E houve também um certo lobby do pessoal de
Morretes, porque antes Morretes era um ponto de passagem
só. O trem passava às nove e meia da manhã lá. Como houve
um acerto político, aquela coisa toda, o trem começou a passar
às onze horas lá. E umas empresas que fazem receptivo e os
próprios hotéis começaram a fazer um trabalho para divulgar
Morretes e a trabalhar com gordas comissões pra quem
vendesse [...] e daí ficou mais difícil o pessoal vir pra
Paranaguá. Primeiro que a nossa comida aqui, o peixe e o
camarão são mais caros que o Barreado, o Barreado é um
prato bem mais em conta. E o translado de volta também
303
ajudou, porque, veja bem: desce de trem e vem um ônibus
buscar para levar de volta. Se for de Morretes, já se economiza
aí 40 km praticamente. Então é muito mais em conta para
esses agenciadores levar pra Morretes do que levar para
Paranaguá. O custo da refeição era praticamente metade do
preço daqui, esse retorno já economizava também, e eles
tinham que dar aquela propina pro pessoal do hotel pra poder
fazer esse trabalho. Então começou uma redução significativa
aqui na cidade (CARMEZIM, 2008).
Segundo Carmezim (2008), essa mudança no passeio de trem,
associadas a outras questões do turismo parnanguara, fizeram com que o
Restaurante Danúbio Azul mudasse de foco no ano seguinte:
Em 1998 desistimos do segmento turismo. Então resolvemos
voltar o restaurante pra quem vem pra cá a negócios, pra quem
vem pra cá a trabalho. Então nos fizemos uma transformação e
colocamos o Buffet, porque antes nos só tínhamos o A La
Carte, e hoje nós temos o Buffet. Antes o nosso melhor dia era
domingo, mas hoje não tem melhor dia, todo dia é casa
cheia, então foi uma mudança muito positiva (CARMEZIN,
2008).
Deve-se mencionar, porém, que neste mesmo período Morretes já
colhia os frutos da divulgação iniciada em 1989 que, em conjunto com a boa
atuação dos restaurantes, garantia um movimento cada vez maior na cidade.
Verifica-se, na década seguinte, o aumento de restaurantes especializados em
Barreado em Antonina e Morretes, enquanto em Paranaguá a Casa do
Barreado cresce em prestígio e começa a atrair turistas e visitantes
interessados em conhecer o tradicional Barreado parnanguara.
5.3. BARREADO: FESTA, CULTURA E TURISMO NOS TEMPOS ATUAIS
Dando continuidade à abordagem dos temas tratados nos itens
anteriores, esta parte do trabalho tem como objetivo caracterizar a atual oferta
do Barreado em Antonina, Morretes e Paranaguá, para dimensionar a
importância da oferta do prato.
304
Em 10 de janeiro de 2000, o jornal Gazeta do Povo publicou uma
reportagem intitulada Sabores do Paraná, que apresentava um roteiro
gastronômico do estado que perpassava diversos municípios. O roteiro
gastronômico do Paraná é indiscutivelmente um dos mais ricos do Brasil,
afirmava Ney Leprevost, Secretario do Esporte e do Turismo, na ocasião:
O Porco no Rolete, de Toledo, o Carneiro no Buraco, de
Campo Mourão, o Dourado no Carrossel, de Itaipulandia, o
Pintado na Telha de Guaira, a comida tropeira, dos Campos
Gerais, e os pratos das etnias que compõem Curitiba (italiana,
japonesa, polonesa, alemã e árabe) proporcionam um imenso
prazer a todos os que se dispõe a fazer uma viagem
gastronômica pelo Paraná. Cada região apresenta suas
deliciosas surpresas aos turistas que visitam o estado
(SABORES..., 2000).
Diante de tanta diversidade, a reportagem afirmava é no litoral do
Paraná que se encontra aquele que é considerado o único prato típico
paranaense, o Barreado. Em setembro, os municípios litorâneos festejam esta
criação culinária e oferecem, em feiras nas ruas, o Barreado a turistas e
moradores (SABORES..., 2000). O histórico do litoral (associando-o a
interpretação dos caboclos do cozido português e ao Carnaval) é apresentado
e o prato é diretamente indicado como atrativo turístico:
Além de se deliciar com o Barreado, o turista que visita o litoral
do Paraná tem inúmeras opções de passeios pelas praias,
ilhas e estações ecológicas. Entre esses passeios estão a
Estação Ecológica da Ilha do Mel, a Reserva Natural Salto
Morato em Guaraqueçaba e o Parque Nacional de Superagui,
também em Guaraquecaba (SABORES..., 2000).
Dentre os outros pratos que são citados, tem-se: a Quirera Lapiana
(Lapa), o Dourado Assado (Foz do Iguaçu), Pintado na Telha (Itaipulandia) e
Dourado no Carrossel (Guaira), Carneiro no Buraco (Campo Mourão), Porco no
Rolete (Toledo) e o Boi no Rolete (Marechal Candido Rondon).
Em Antonina, no ano 2000, foi inaugurado o restaurante Le Bistrot.
Antes disso apresentava essa denominação, mas funcionava como lanchonete
e pizzaria. Os proprietários que assumiram o estabelecimento na oportunidade,
Ana Eliza Correia de Souza e seu esposo Telmo de Souza, ambos capelistas,
305
introduziram o rodízio de frutos do mar, que era um prato pra ser servido por
pessoa e à vontade. Então esse foi o objetivo de abrir a casa pra trabalhar com
frutos do mar e Barreado, sendo comida típica da nossa região mesmo
(CORREIA, 2008).
Inaugurado com capacidade para cem lugares, chegando até a cento e
vinte pessoas, a casa abriu oferecendo Barreado e frutos do mar no sistema
rodízio e outros pratos no sistema A La Carte, incluindo algumas opções de
carne. Sobre a inclusão do Barreado desde a abertura da casa, Ana explica:
Porque é uma comida típica da região. Por mais que cada
restaurante puxe bairrismo, dizendo que é de Antonina,
Morretes, Paranaguá, mas é uma comida da região, do litoral
em si. Então não é falar que é de Antonina, mas é uma comida
da região. E eu acho que quem para a região do litoral do
Paraná quer comer Barreado. Então você tem que ter essa
possibilidade de oferecer isso para o turista, para aquela
pessoa que veio com o intuito de fazer isso mesmo (CORREIA,
2008).
Na Morretes, também no ano 2000, Nelson Nei de Souza da Silva e
sua esposa, Márcia da Costa Silva, inauguraram o restaurante Serra e Mar,
localizado na região central da cidade, mas longe das margens do rio. Ele, de
Campina da Lagoa, oeste do Paraná, chegou a Morretes no final da década de
1970 e conheceu sua esposa, natural do município. Falando sobre como
ingressou no ramo da alimentação, comenta:
Na verdade, nós trabalhávamos no sítio e um tio meu que tem
a lanchonete em Morretes aqui, foi lá e nos trouxe pra trabalhar
com ele. E eu fui aprendendo, fui pra Curitiba, fiquei um tempo
trabalhando de garçom, fiz curso e tudo. Daí voltei pra
Morretes, porque meu irmão já tinha uma lanchonete, ele quis
colocar pra arrendar. Arrendei dele e comecei minha carreira
de restaurante (SILVA, 2008).
Nei comenta que arrendou a lanchonete mais de 20 anos e que a
idéia de passar de bar para restaurante foi bastante positiva: Ah, foi bem
melhor! Um bar é mais agito, muita bebida, essas coisas assim. E o restaurante
é mais família, então fica mais fácil (SILVA, 2008). O empresário continua:
306
[...] eu tinha numa esquina ali o barzinho, daí eu comecei a
servir o almoço também. Começamos a servir o almoço, e
fomos aperfeiçoando o cardápio. O nome do bar era Nelson, as
pessoas de Morretes quando vem aqui até hoje não dizem “eu
estou no Serra e Mar”, dizem eu estou aqui no Nelson”
(SILVA, 2008).
O empresário revela que quando fez a transição do bar para o
restaurante, o Barreado não fazia parte do cardápio. Ele foi incluído quando o
Serra e Mar foi instalado no atual endereço:
Quando eu negociei essa outra casa lá, que era bar, eu já tinha
comprado esse terreno aqui. Construí tudo aqui e daí fomos
fazer um cardápio mais elaborado, mais para o turismo mesmo,
porque a gente antes atendia mais o pessoal da cidade. E para
o turismo tem que ter Barreado, frutos do mar. Então
começamos a fazer e ficou o carro-chefe do estabelecimento
mesmo (SILVA, 2008).
No âmbito institucional, em 2001, a PARANÁ Turismo sofreu nova
mudança jurídica, passando a ser vinculada à Secretaria de Estado da
Indústria, do Comércio e do Turismo – SEIT, pela Lei nº. 3.403 de 11 de janeiro
de 2001. Independente das mudanças administrativas, verifica-se que o
Barreado estava consolidado como representante do Paraná em eventos
turísticos e de divulgação do estado. Como exemplo, pode-se citar o jornal
Agente Urgente, informativo da ABAV Paraná de agosto de 2001. Na
reportagem sobre a ABAV 2001 em Brasília, falava da participação da
seccional Paraná e apresentava um quadro com o titulo de Barreado, com uma
foto de panelas de barro. O texto dizia:
O Paraná vai ocupar uma área de 120 metros quadrados na
Exposição de Turismo ABAV 2001. O stand que tem a frente
a PARANÁ Turismo, mas conta com o apoio do SEBRAE,
Serra Verde, Companhia de Desenvolvimento de Curitiba (CIC)
e Curitiba Convention & Visitors Bureau será constituído por
um vagão de trem, lembrando o tradicional passeio Curitiba-
Paranaguá, mas também contara com um protótipo estilizado
de uma estação tubo, um dos símbolos de Curitiba, que a
tornou conhecida internacionalmente. A exemplo do que
aconteceu no ano passado, novamente estarão presentes no
stand diversas secretarias municipais, prefeituras, entidades e
iniciativa privada, divulgando os atrativos do estado e visando a
realização de negócios. Uma das principais atrações será a
degustação de Barreado, prato pico do litoral paranaense que
307
promete fazer sucesso entre os visitantes da Feira (ABAV,
2001).
No mesmo ano, Morretes ganhou mais um reforço na oferta do
Barreado: foi inaugurado o restaurante Terra Nossa. A proprietária Maria Júlia
Stopinski, cujo pai e avó materna são de Morretes, vive na cidade desde os
seis anos. Antes de se aventurar pelo ramo da alimentação, trabalhava em um
cartório até sua segunda filha nascer, e comenta como se deu a entrada no
novo negócio:
Com a privatização do BANESTADO, com a venda para o Itaú,
meu marido entrou do PDV [Plano de Demissão Voluntária],
[...] Então resolvemos montar o restaurante, saiu o PDV, daí
vendemos casa, vendemos tudo de valor pra construir o
restaurante aqui. Nossa inauguração foi junto com a Festa-
Feira, porque antes as festas eram mais visitadas [...] A idéia
nossa original era abrir só à noite, porque naquela época não
tinha um lugar assim pra gente ir, pra fazer o aniversário de
alguém, por exemplo, pra reunir o pessoal. E aqui isso podia
acontecer (STOPINSKI, 2008).
A família (esposa, marido e dois filhos) foi totalmente integrada ao
projeto do estabelecimento, participando de cursos no SEBRAE e outras
instituições buscando informações que compensassem a falta de experiência
prática. Deve-se mencionar, no entanto, que antes de se definirem pelo ramo
da alimentação, o casal pensou em outras alternativas, inclusive na área de
vestuário. A sugestão de abrir um restaurante, mais especificamente uma
pizzaria, veio de um amigo do casal, Celso Malucelli, que tem uma pizzaria em
Matinhos, mas nenhum dos dois possuía experiência com cozinha comercial: A
sugestão inicial do amigo é que o casal investisse nas praias, mas a
preferência foi pela manutenção em Morretes. A entrevistada comenta:
Fizemos com a idéia de abrir um restaurante aqui em Morretes,
pras pessoas da cidade mesmo. Então daí a gente falava,
comentava com as pessoas mais próximas da gente, mas as
pessoas falavam “Ah, mas não dá! Morretes é turismo,
Morretes é turismo! “Tem que tentar mudar essa idéia”
(STOPINSKI, 2008).
A proposta inicial do casal teve que ser adaptada em vários aspectos
ainda no primeiro ano de funcionamento, diante da necessidade de garantir
308
uma boa cartela de clientes: inicialmente o restaurante era voltado apenas para
os moradores da cidade, mas logo na seqüência o turista virou objeto de
atenção da casa. A princípio a casa abriria à noite, mas logo passou a
funcionar também no almoço. E o Barreado passou a integrar o cardápio da
casa, inicialmente concebido para ser exclusivamente uma pizzaria. As
pessoas chegavam, perguntavam se tinha Barreado e muitas vezes iam
embora, porque não tinha (STOPINSKI , 2008).
A entrevistada observa que em 2001 o turismo estava em pleno
vapor em Morretes segundo a entrevistada, e continua:
Já tinha todos os restaurantes na margem do Rio, e o problema
que nos desvia mais da beira do rio são os valores altos, além
do fato de não estarem à venda. Daí resolvemos fazer aqui,
que provavelmente daria certo, pois quem está chegando na
cidade nós somos primeira construção grande que as pessoas
vêem (STOPINSKI, 2008).
A questão da localização do restaurante, ressalta a empresária,
termina por refletir no interesse gerado junto aos turistas e também na
preferência ou não das agências de viagens, que preferem os
estabelecimentos à beira do Nhundiaquara.
Em 2002, em Antonina, Joaquim Ferreira dos Santos Filho, nascido em
1961, em São Paulo, inaugurou o Restaurante Cantinho de Morretes. O
empresário mudou-se para Antonina aos 12 anos, quando a mãe, capelista,
resolveu retornar à cidade. Joaquim entrou no ramo da alimentação por
insistência de um grupo de clientes:
Na verdade eu tinha aqui um botequim, um botequinzinho
assim, sabe aquelas portinhas? E um grupo de amigos que
vinha da maré, que vinham de Curitiba de Guaraqueçaba,
passaram por minha casa e quando estiveram aqui eles
pararam pra tomar uma cerveja e, mortos de fome que
estavam, eu servi pra eles um caldinho de siri que eu fiz na
hora, porque eu tinha carne de siri e era muito pouca, não daria
pra servir casquinha de siri. Então eu tinha um pouco de molho
e eu levantei aquele caldo de siri e servi pra eles no copo com
um pouquinho de cheiro verde e foi o suficiente pra eles
dizerem que “você pode arrumar suas trouxas porque você vai
embora pra Curitiba, porque nós queremos que isso seja
servido em Curitiba”. E foi um sucesso quando eu cheguei.
Eu fiquei em Curitiba 15 anos com o Restaurante Cantinho de
Antonina (SANTOS FILHO, 2008).
309
O entrevistado relembra as razões que o fizeram retornar a Antonina:
Eu comecei a minha casa na Avenida São José, perto do
Hospital Cajuru, sabe a rua do Hospital Cajuru? Começou ali.
Foi um grande sucesso nessa época. Havia ali uma empresa
chamada Consórcio Nasser, e aquilo pegou fogo no meu bar
,
foi um movimento enorme!
E depois mais tarde eu fui
terminar na Visconde do Rio Branco esquina com a Vicente
Machado, no centro. E na verdade acabei me suicidando
indo para o centro, que a estrutura era outra, o público era
outro e eu não consegui manter custo mesmo da própria
instalação. E foi quando...como eu tava me separando eu falei
“sabe de uma coisa, acho que agora também chegou a hora de
retornar!” (SANTOS FILHO, 2008).
O Barreado, segundo o entrevistado, sempre esteve presente em seus
cardápios:
Eu servia em geral frutos do mar e o Barreado, que é o prato
típico. Foi o que eu lancei na minha casa o Barreado, porque
como era também um prato tipicamente aqui do litoral, eu levei
também exatamente essa característica daqui. Então eu servia
peixe, servia camarão, servia casquinha de siri, que modesta, é
a mais famosa e a melhor casquinha de siri do Paraná.
(SANTOS FILHO, 2008).
Joaquim, que foi para Curitiba em 1991, retornou para Antonina em
2002 e abriu na cidade o Cantinho de Antonina. Transparecendo um
entusiasmo incomum aos demais empresários da cidade, ele montou logo na
seqüência de sua mudança seu estabelecimento, e afirma: foi uma das
melhores coisas que eu fiz nesses últimos anos, porque cheguei numa hora
boa em Antonina. Essa área aqui é muito visitada por turistas, então acabei me
dando bem de novo com o meu restaurante (SANTOS FILHO). Para ele:
Estou me referindo na verdade a uma recuperação na área de
turismo, porque eu vejo que a cidade está começando a
enxergar que ela tem um potencial muito grande pra essa área,
coisa que eu vejo que durante muito tempo as pessoas
perderam essa referência em função de querer acreditar no
porto. Sempre se fala que emprego era Porto, Porto, Porto e
como Matarazzo foi uma referência durante muitos anos pra
várias famílias, então as pessoas sempre ficaram achando que
porto seria a única solução pra sobrevivência. E eu vejo que
agora, nesses anos em que a gente viu que a cidade faliu, não
310
é? Porque eu enxergo que a cidade teve uma falência muito
grande pós-Matarazzo, eu vejo que a cidade está se
recuperando justamente nessa credibilidade de ver o turismo
como um grande mercado. Como a nossa vizinha que é
Morretes que hoje está se dando muito bem e obrigado.
Morretes, diga-se de passagem, está muito bem (SANTOS
FILHO, 2008).
O restaurante, com serviço A La Carte e capacidade para sessenta
pessoas, foi inaugurado na Ponta da Pita, localidade bastante popular na
década de 1970 e 1980. Com o próprio Joaquim encarregado da cozinha, a
casa abriu com apenas três funcionários.
A repercussão e a fama do Barreado cresciam para além dos limites
litorâneos e despertavam o interesse de pesquisadores. Em 2002, Marly
Garcia Correia publicou o livro o Fandango que acompanha o Barreado.
Integrante por muitos anos da Comissão Paranaense de Folclore, a estudiosa,
amiga de Neréa Sarmento e Ieda Siedschlag, apresenta o Fandango e fala do
Barreado, sua origem e algumas receitas, sem, entretanto, identificar quais
foram as fontes que utilizou em seu trabalho. A obra, patrocinada pela Siemens
do Brasil e pela Fundação Cultural de Curitiba, órgão da Prefeitura Municipal,
carece de rigor cientifico, mas evidencia a importância e o prestígio que o prato
havia adquirido.
Entre 27 de abril e 05 de maio de 2002, aconteceu em Morretes a XIX
Festa Feira Agrícola e Artesanal de Morretes. Durante a festa foi distribuído um
folder com a receita do Barreado e sua história, que novamente era servido
também em barracas, além dos restaurantes. No mesmo ano, entre 10 e 13 de
outubro de 2002, Antonina promoveu a VII Festa do Barreado, uma promoção
dos proprietários dos restaurantes locais com apoio da prefeitura municipal. O
jornalista Ilson Almeida, do jornal Estado do Paraná, divulgou a festa, mas se
queixou: mesmo assim, esta coluna não recebe nenhum informe a respeito,
valendo-se de dados enviados a outros jornalistas (ALMEIDA, 2002). Em 8 de
outubro, o Estado do Paraná publicou o artigo Antonina promove a VII Festa do
Barreado, em que consta:
Em Antonina, o costume era fazer o Barreado somente no
Carnaval, tradição mantida por muitos anos. Somente a partir
da década de sessenta, quando grupos de pessoas saudosas
do Barreado passaram a solicitar seu preparo em outras
311
épocas do ano, alguns restaurantes capelistas se
especializaram no prato, transformando-o no carro-chefe de
seu cardápio [...] Na festa deste ano haverá, no dia 10, a
abertura da panela oficial com toque de sino e muito foguete.
Durante a Festa, o Barreado será servido nos restaurantes da
cidade ao preço de R$ 8,50 por pessoa, no almoço e no jantar
(ANTONINA promove..., 2002).
Também em outubro de 2002, a prefeitura de Paranaguá, pelo seu
órgão de turismo, FUMTUR, lançou um CD-ROM com a divulgação das
potencialidades do município, buscando aumentar o número de visitantes de
Paranaguá, trazendo informações de âmbito social, cultural e turístico. Dentre
os atrativos turísticos divulgados no material, novamente o Barreado e o
Fandango, consolidando o trabalho iniciado por Sandra Leal e Dirce Felisbino
da Silva na década anterior.
No plano estadual, não se pode deixar de mencionar que, no final de
2002, ocorreu uma importante mudança no âmbito institucional da gestão do
turismo: no dia 30 de dezembro de 2002, no final do governo Jaime Lerner, foi
criada a Secretaria de Estado do Turismo - SETU
105
e a PARANÁ Turismo
passou a ser vinculada a ela. Sobre a nova configuração da gestão estatal do
turismo, Deise diz: a secretaria hoje é a responsável pela política estadual de
turismo, então fica num nível mais estratégico, de definição das estratégias. E a
PARANÁ Turismo e a Ecoparaná
106
, são vinculadas à Secretaria e ficam num
nível mais operacional. A PARANÁ Turismo, inclusive, posteriormente teve
suas ões centradas no marketing e divulgação do turismo dentro e fora do
estado, repetindo na estrutura paranaense as novas configurações dadas à
gestão federal da atividade.
No dia primeiro de janeiro de 2003, deu-se outra importante mudança,
desta vez em âmbito federal. Por meio da Medida Provisória nº. 103, foi criado
pelo governo Luis Inácio Lula da Silva o Ministério do Turismo. Com a criação
do Ministério, cuja missão era desenvolver o turismo como uma atividade
econômica sustentável, com papel relevante na geração de empregos e
obtenção de divisas, as atribuições da EMBRATUR foram redesenhadas. O
105
Lei nº. 13.896 de 30 de dezembro de 2002.
106
A estrutura estadual vigente é composta pela Secretaria de Estado do Turismo, pelo
Conselho Consultivo de Turismo do Estado do Paraná, pela autarquia Paraná Turismo, pelo
Serviço Social Autônomo Ecoparaná e pelo Centro de Convenções Turísticas S/A.
312
Ministério tornou-se responsável pela formulação de políticas públicas voltadas
para o Turismo. As secretarias a ele vinculadas (Secretaria de Políticas
Públicas e Secretaria de Programas de Desenvolvimento do Turismo) ficaram
encarregadas de executar e implementar a política nacional de turismo. O foco
da EMBRATUR fixou-se na promoção, no marketing e no apoio à
comercialização de produtos brasileiros no exterior.
Deve-se salientar que a criação da Secretaria de Estado do Turismo,
bem como do próprio Ministério do Turismo refletiram o entendimento de que a
atividade turística poderia ser um instrumento de desenvolvimento regional e
nacional, e a necessidade de planejamento e monitoramento adequado por
parte dos governos
estadual e federal para que tais objetivos pudessem ser
alcançados. A ampliação da estrutura destinada à gestão da atividade
representou maiores recursos (embora ainda escassos), bem como a formação
de um corpo técnico que, se não especializado, tinha ao menos sua atenção
voltada exclusivamente para a atividade, em muito se afastando do período em
que o turismo era apenas um apêndice nas diferentes secretarias e/ou
departamentos.
Seguindo essa gica, constatou-se a continuidade na formulação de
políticas públicas e estratégias federais voltadas para o turismo. Na esfera
estadual, o destaque foi o lançamento da primeira política estadual para o
desenvolvimento turístico, que, segundo Bezerra (2005), teve três linhas
mestras orientando sua concepção: a Política Nacional de Turismo, as
estratégias de Governo do Estado do Paraná e as discussões do Fórum para
Turismo Sustentável
107
no Paraná.
Dentre os programas em fase de execução pelo Ministério e suas
secretarias, um que merece destaque é o Programa de Regionalização do
Turismo
108
, coordenado no Paraná pela Secretaria de Turismo do Estado e
107
O Fórum para Turismo Sustentável no Paraná foi criado com o objetivo de definir e
acompanhar a Política Estadual em 2001. Em 2003, com a criação do Ministério do Turismo, foi
solicitado que cada estado estabelecesse um Fórum ou um Conselho para servir como elo de
ligação entre o governo federal e o estadual, principalmente para analisar e redirecionar
recursos. Como alguns integrantes do Fórum se opuseram à ingerência do Ministério, foi criado
o Conselho Estadual de Turismo. O Fórum continua, mas a princípio suas ações principais
foram absorvidas pelo Conselho.
108
O Programa de Regionalização é descrito pelo Ministério do Turismo como um modelo de
gestão descentralizada que tem como missão transformar a ação centrada na unidade
municipal em uma política pública voltada para o desenvolvimento turístico local, regional,
estadual e nacional de foram articulada e compartilhada. Tem como objetivos ampliar e
313
pelo Conselho Consultivo de Turismo do Estado. Esta iniciativa foi considerada
um prolongamento do PNMT, tendo em vista que um dos quatro
109
projetos
vinculados, o de mobilização municipal, englobava ações já previstas na
proposta anterior. Esse Programa tem como objetivo desenvolver a atividade
turística no país a partir da caracterização das chamadas regiões turísticas, a
saber: Litoral, Curitiba e Região Metropolitana, Campos Gerais, Norte,
Noroeste, Oeste, Centro, Centro-sul e Sudoeste.
No que tange à oferta do Barreado no litoral, em 2003 a Prefeitura
Municipal de Paranaguá distribuiu um folheto intitulado Barreado: Prato típico
do Litoral do Paraná, apresentando um pequeno histórico do prato, sua receita
para dez pessoas e listando quais os restaurantes serviam o Barreado na
cidade: Casa do Barreado (almoço aos sábados, domingos e feriados),
Mercado Municipal do Café Box Santo Antonio (almoço A La Carte todos os
dias), Restaurante a Bonbonnee (Buffet no almoço aos domingos e A La Carte
todos os dias), Restaurante a Bombordo (somente por encomenda) e
Restaurante Camboa do Restaurante Camboa Hotel (almoço aos sábados) e
Restaurante Danúbio Azul (Buffet no almoço e A La Carte no jantar, todos os
dias). O folder, que tinha como objetivo tornar mais concreta a oferta do prato
aos olhos dos turistas e visitantes, foi assinado pela Prefeitura de Paranaguá,
FUMTUR/COMTUR e Barreado Paranaguá.
Neste ano aconteceu a última edição da Festa do Barreado em
Antonina, depois de edições que aconteceram nos restaurantes e também na
praça principal da cidade. Segundo João Ubirajara Lopes, ex-secretário de
turismo de Antonina (Gestão 2001-2004), comenta:
Se eu não me engano foram ao todo oito festas, a última foi em
2003. Parou justamente porque...a gente tentava fazer uma
estrutura de festa, mesmo. A gente convidava o povo para vir
pra Antonina e a festa era o que? O povo ia comer no
restaurante. A minha idéia era montar uma estrutura na praça e
colocar uma barraca do Le Bistrot, uma barraca do Albatroz, de
todos, colocar Fandango, colocar moda de viola, coisas assim
qualificar o mercado de trabalho, diversificar a oferta turística, ampliar o consumo turístico no
mercado nacional aumentando o tempo de permanência e o gasto médio do visitante,
aumentar a competitividade brasileira nos mercados internacionais, entre outros. O período de
implantação do programa foi de 2004 a 2007.
109
Os projetos vinculados ao Programa são: Inventariação da oferta turística, Mobilização
municipal, Roteirização e Comercialização.
314
que tivessem a ver com o Barreado e que chamassem as
pessoas. Coisas da terra que se apresentassem durante todo o
período. Mas não deu porque tudo envolvia custo (LOPES,
2008).
João continua falando sobre o término do evento, destacando a
desavença entre os empresários:
Faltou incentivo. Quem tem que abraçar a idéia é a prefeitura
junto com os empresários. Mas nunca tinha dinheiro disponível
pra bancar uma festa do Barreado. Então sempre era o
Carnaval, a Festa de Agosto, a Festa Junina. E também porque
entre todos os proprietários de restaurantes que se envolviam
com o Barreado... infelizmente eles não entravam em
consenso. Começando por conta do preço, por conta do local,
onde ia acontecer a festa, como ia acontecer a festa. Cada um
tentando puxar a sardinha para o seu lado. “Vamos fazer um
evento aqui na Feira Mar” Não, mas daí vai ficar pro Joca”.
E quando era em restaurante era complicado, por que o acordo
era trabalhar com a capacidade de cada restaurante. E tinha
gente que nos dias da festa alugava um salão, para atender
mais gente. Então era esse problema, o problema financeiro, o
apoio político e os próprios empresários (LOPES, 2008).
Ana Eliza, do Le Bistrot, relembra que participou de apenas uma
edição, pois o evento foi cancelado na seqüência. Ela comenta:
A pessoa chegava na cidade e todos os restaurantes que
estavam participando serviam o Barreado a um preço
combinado. Então as pessoas sabiam, e era divulgado na
mídia, e as pessoas vinham comer Barreado. E você atendia
as pessoas normalmente. E as pessoas chegavam e sabiam
que o Barreado no Le Bistrot ia estar naquele preço, assim
como o Buganvil´s, no Albatroz, em qualquer lugar. Mas tinham
uns estabelecimentos que não queriam participar e não
participavam (SOUZA, 2008).
Joca Alcobas (2008) declara que nunca participou porque ficavam
decidindo quanto ia ser cobrado, como ia acontecer e as pessoas queriam
dizer como é que teria que ser. E a única pessoa que diz o preço que tenho
que cobrar e o que tenho que fazer sou eu. Maria Lourdes Cordeiro, do
Restaurante Container, chegou a participar do evento, mas desistiu por
também não concordar com a administração do evento:
315
Participamos por dois anos, mas então não fizemos mais parte,
porque a gente pagava uma quantia para divulgação e coisa e
tal, mas eles, que comandavam lá, mandavam para os
restaurantes não tinham entrado, que não estavam
participando. Então a gente acabou desistindo, porque saía
caro, a gente tinha que pagar por várias coisas e tinha gente
que não participava e ainda recebia cliente (CORDEIRO,
2008).
Em 2004 foi lançada a publicação Caderno Culinária da Gente, o
primeiro título publicado pelo Projeto Paraná da Gente, da Secretaria do Estado
da Educação e Cultura. O Projeto, criado em 2003 e em funcionamento até a
atualidade, tem como objetivo a valorização da identidade cultural do Paraná. A
partir dos dados apresentados no “Formulário de Inventário Cultural” distribuído
pela Secretaria a todos os municípios do Estado, foi editado o livro com 72
duas receitas de todo o estado, que envolvem pratos bastante tradicionais
como o Barreado, pratos mais recentes como o Carneiro no Buraco (Campo
Mourão) e Carneiro ao vinho (Piraquara), além de abrir espaço para
estrangeirismos incorporados, como Sukiyaki, Eisbein, Koziá. Sobre as
diferentes receitas, que pela proposta deveriam representar os pratos típicos
do Paraná, Renato Carneiro Júnior, o então coordenador do Projeto explica:
É importante lembra que as receitas foram transcritas conforme
as recebemos dos agentes culturais, não sendo possível testá-
las uma a uma, muitas delas fazem parte de eventos
significativos de alguns municípios, como o Boi no Rolete, de
Marechal Cândido Rondon, que exige um boi médio, o que,
convenhamos, não é uma receita para ser feita na cozinha da
nossa casa. A intenção da equipe Paraná da Gente, repito, foi
deixar registrados pratos típicos e aqueles eleitos pela
população de alguns municípios, como Laranjeiras do Sul, que
realizou concurso público para eleger seu prato característico
(CARNEIRO JUNIOR, in SEEC, 2008).
Deve-se mencionar ainda que em tal publicação o prato é apresentado
como prato típico do litoral do Paraná, e com uma receita que leva o tão
polêmico tomate.
Ainda em 2004, o Restaurante Madalozo realizou mais uma de suas
ampliações. A casa, que começou com 250 lugares na sede às margens do Rio
Nhundiaquara, fez sua primeira ampliação em 1988, com a abertura de um
novo salão com sacadas que somavam mais 200 lugares. Em 1992 foi
316
construída uma sacada para a ligação entre os dois salões, acrescentando 40
lugares. Em 2000 foi construído o terceiro salão, somando mais 200 lugares à
estrutura existente. Na última ampliação, ocorrida em 2004, foi inaugurado
um quarto salão, com capacidade para 120 lugares, mas usado habitualmente
como sala de espera.
Em 2005 Morretes ganhou mais um restaurante, o Estação Graciosa.
Simone Aparecida Casilha (2008), sócia do restaurante junto com o seu irmão,
conta que nasceu em Antonina, mas porque a maternidade daqui não tinha
espaço! Eu nunca sai daqui! Ela comenta como entrou no ramo da
alimentação, por intermédio da família do ex-marido, proprietária do
Restaurante Ponte Velha: [...] me separei, e o que sabia fazer era tocar
restaurante, porque meu ex-marido é dono do Ponte Velha, o segundo maior
da cidade. Meu irmão também trabalhava comigo e eu falei: “vamos abrir um
pra nós, porque já sabíamos tocar (CASILHA, 2008).
A casa, com capacidade para oitenta pessoas, foi aberta com oito
funcionários, além de contar com os dois irmãos no gerenciamento e também
operacionalização. Direcionada para turistas e concebida inicialmente para
trabalhar com carnes nobres, principalmente na brasa, o Barreado foi
incorporado mais tarde:
No início a gente tentou fazer um diferencial, porque como não
tem churrascaria na cidade, a gente quis se especializar nas
carnes na brasa, porque a gente achava que era diferente e tal,
mas o público exigiu o Barreado. Caiu na mesmice de todo
mundo, Barreado e frutos do mar, mas é o que as pessoas
pedem mesmo [...] A gente tentou uns seis meses sem o
Barreado, mas daí não teve jeito. Todo mundo entrava e dizia:
“o que? Não tem Barreado? Eu vim para Morretes pra comer
Barreado!”. A gente manteve as carnes e elas saem bastante
também. Sai bastante, a carne também sai bastante, mas tem
que ter o Barreado, não adianta! (CASILHA, 2008).
Durante sete dias em setembro de 2005 o Resort Costão do Santinho,
em Florianópolis, Santa Catarina, ofereceu uma programação especial para
paranaenses, chamada Semana Vip Curitiba, cujo objetivo é oferecer ao
hospede, dentro do conceito de “all time resort, uma semana de lazer e
diversão com o melhor da gastronomia do Paraná e todas as atividades que
um resort de alto padrão pode oferecer (Paranaenses..., 2005). Como
317
representantes da gastronomia paranaense, foram preparados o Barreado e o
Porco no Rolete, mostrando o prestigio gozado pelos dois pratos.
No mesmo ano, como prova do prestígio alcançado pelo prato, uma
proposta aprovada junto à Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura
gerou como produto o documentário Antonina, Morretes e Paranaguá unidas
pela história. O filme, dirigido por Guto Pasko e Maria Fernanda Cordeiro,
ênfase ao preparo da iguaria e explora as divergências (ou as brigas) de
parnanguaras, morretianos e capelistas sobre a origem do prato.
Em 2005, em Morretes, foi fundada a ARSIM Associação dos
Restaurantes e Similares de Morretes, por um grupo de empresários do setor
de alimentação daquela cidade. Falando sobre a criação da Associação,
Mauricio Leite Laffitte, atual presidente, diz:
uns 12 anos atrás a Associação Comercial da cidade
tinha um grupo de pessoas que se reunia pra discutir a questão
dos restaurantes. Então as pessoas que compareciam eram
ligadas a restaurantes. E a Associação Comercial, até por não
ter uma grande atividade foi definhando, até chegar ao ponto
hoje de estar com um número de sócios reduzidíssimo. E o
pessoal acabou não indo mais. [...] Mas paralelamente a isso o
pessoal dos restaurantes sentia necessidade de conversar,
porque embora tenha a concorrência entre o restaurante aqui,
aspectos precisavam ser ajustados pra termos um
relacionamento bom e tudo mais. No inicio de 2005 as pessoas
iam ao banco, se encontravam e trocavam algumas idéias
sobre a questão dos restaurantes na cidade. Daí surgiu essa
idéia de fundar uma associação de restaurantes e eu acabei
participando. O Gilberto [Malucelli, do Restaurante My House]
foi o primeiro presidente (LAFFITTE, 2008).
Mauricio Scucazo dos Santos também fala sobre a criação da ARSIM:
A associação comercial foi fundada em 93 ou 94, inclusive nós
fomos fundadores também da associação comercial e dentro
da associação comercial, eu tinha criado câmaras setoriais.
Existia a câmara setorial dos restaurantes, mas que na verdade
era a única que funcionava. As outras todas o pessoal não
tinha muito interesse, não participava de reuniões, não se
uniam pra fazer as coisas em conjunto. E a câmara setorial dos
restaurantes na verdade era bem diferente. Era ativo, o pessoal
se preocupava, daí nasceu a condição de um restaurante
ajudar o outro. Hoje se tem liberdade, por exemplo, se o My
House ficar sem Barreado, ele me liga, Maurício você tem um
pouco de Barreado pra emprestar? Tenho, venha buscar aqui
(SANTOS, 2008).
318
Aliás, sobre a imagem de que a concorrência em Morretes é muito
acirrada e desleal, Mauricio comenta:
Sobre essa questão de concorrência, veja bem, até uma vez a
“Pequenas Empresas, Grandes Negócios” veio aqui em
Morretes fazer uma matéria justamente sobre isso. Porque
através do SEBRAE eles ficaram sabendo que aqui em
Morretes existe concorrência e não existe. Porque todo mundo,
como são todos os restaurantes são empresas familiares, de
famílias daqui, que se conhecem muitos anos, têm laços,
inclusive o Gilberto do My House, por exemplo, é meu primo, o
Edílson ali do Terra Nossa é meu primo [...] O pessoal do
Madalozo era vizinho de muro da minha esposa, foram criados
juntos, então o Jéferson do Ponte Velha, nós fizemos o ginásio
e o segundo grau todo juntos, então a gente tem bastante
união assim. E a partir daí a gente conseguiu trabalhar junto,
ficou mais fácil, porque havia uma confiança já anterior ao
negócio (SANTOS, 2008).
A ARSIM contava, na oportunidade de sua fundação, com seis
associados, sendo que três anos depois congregava o dobro de
restaurantes. A Associação, que desde sua criação funciona a partir de
reuniões mensais que acontecem nos estabelecimentos dos próprios
associados, trabalha principalmente com as questões de divulgação da cidade,
informação e qualificação de técnicas e serviços, alem de discutir questões de
caráter administrativo, como os preços praticados pelos fornecedores de
insumos em geral.
Em Antonina, em 2006, o Restaurante Buganvil´s se mudou para a
região central da cidade, próxima à Igreja Matriz, procurando, com a nova
localização, maior visibilidade e, por conseqüência, um maior público
consumidor. No mesmo ano, em dezembro, foi aberto em Morretes o
Restaurante Villa Morretes por Maurício Scucazo dos Santos, também
proprietário do Restaurante Casarão. Segundo o empresário, a motivação para
a abertura do restaurante se deu por conta da própria demanda dos clientes:
Nesses dezesseis anos que a gente está aí, a gente vinha
ouvindo dos clientes muita coisa, puxa, mas vocês podiam
trabalhar com um padrão de camarão melhor, a gente não se
incomoda de pagar um pouquinho mais, mas em um camarão
melhor, um peixe grelhado, mais variedades de peixe e muitas
319
vezes falavam ah, mas tudo em Morretes aqui é muito apertado.
Então tudo isso a gente foi gravando né e quando surgiu a
oportunidade da gente ter o Vila Morretes, a gente resolveu fazer
uma proposta assim, de vamos deixar bastante espaço pro
pessoal, vamos melhorar o padrão do que é servido, claro, vai
ter que ter um custo maior, mas existe público pra tudo e assim
que foi a proposta,. é um atendimento diferenciado, a área é
bem grande, mas eu tenho local pra cem, cento e vinte pessoas
contando a área externa, então a gente deixou assim, as
pessoas que vão lá curtem bastante, porque é um local amplo, é
perto, não sei se você chegou a conhecer lá (SANTOS, 2008).
O estabelecimento foi inaugurado com oitenta lugares no salão e
quarenta lugares no bosque, que é o grande diferencial da casa. Dentro da
proposta de apresentar outro padrão de atendimento, o Villa oferece o
Barreado em um Buffet em fogão à lenha e conta com uma pessoa para servir
o prato dos clientes e, caso eles desejem, preparar o famoso pirão escaldado.
Dizendo que abriu sem fazer propaganda alguma e que esta conseguindo
uma boa demanda, Maurício pondera:
E no Villa, até pelo estilo da casa e tudo, ele seleciona, por
si já seleciona as pessoas. Então o que nós temos notado é
que muitos freqüentadores dos outros restaurantes que são os
que têm mais movimento, que é Madalozo e Ponte Velha, todo
mundo não gosta desse negócio de aperto, correria e tal, estão
descobrindo o Villa. Então a gente está vendo que está
selecionando um público de um nível maior assim (SANTOS,
2008).
Em 2006, o Barreado Tropical, do Restaurante Madalozo de Morretes,
representou o Paraná no Salão do Turismo 2006, que foi realizado de 2 a 6 de
junho, em São Paulo. O Barreado foi escolhido juntamente com outros quatros
pratos para concorrer na eleição promovida pelo Ministério do Turismo. O
critério utilizado foi escolher pratos com ingredientes que melhor representam a
gastronomia paranaense, a saber: o Combinado de Talharim do Restaurante
Armazém Italiano, o Steak com Banana da Terra do Le Petit Bistrot, o Caldo de
Mandioca da Casa di Bel, e o Mango Chutney Steak do Mustang Sally. Os
pratos escolhidos participaram do Festival Brasil Sabor, realizado pela
Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (PARANÁ em..., 2006).
Em 12 de dezembro de 2006, a reportagem A charmosa Morretes
tendo como subtítulo viajar até o litoral por trilhos centenários e saborear o
320
prato típico da região é um programa imperdível, diz: descer a serra até a
cidade litorânea de Morretes para comer Barreado, o prato típico da região, é
um bom programa para o fim de semana (DIAS, 2006). A reportagem fala das
maravilhas do passeio de trem
110
e sugere:
Chegando em Morretes, ainda na estação, compre um pacote
de banana-chips (salgadinho de banana seca), por R$ 2,00. E
para abrir o apetite, que em seguida vem o almoço. As
opções para saborear o tradicional Barreado são muitas na
cidade. Duas boas dicas são o Madalozo e o Ponte Velha,
restaurantes para da antiga ponte que cruza o rio
Nhundiaquara (DIAS, 2006).
Em 21 de abril de 2007, foi inaugurado o Restaurante Olimpo, pelo
empresário Moisés Batista dos Santos, parnanguara que mora em Morretes
aproximadamente 20 anos. Chegou na cidade para trabalhar na Caixa
Econômica, onde permaneceu até dezembro de 2007, quando decidiu
abandonar a carreira de bancário para tornar-se empresário. Quando optou por
abrir o restaurante, Moisés era proprietário de três lojas na cidade, o Carmem
Maria Artesanato, o Carmem Maria Decoração e Presentes e o Armazém do
Artesanato, todas em sociedade com a esposa. Ele explica:
A minha esposa veio pra cá dezessete anos e posso dizer
que ela foi pioneira no artesanato em Morretes. Na época até
eu trabalhava na Caixa, minha esposa veio e resolveu montar
uma loja de artesanato. Ela na época tinha comércio em
Antonina, tinha um mercado que estava indo muito bem, era de
herança dos pais dela [...] Ela é de Antonina. E estava muito
bem o mercado lá, enfim, daí a gente casou, veio morar aqui e
foi aquela pressão. Eu disse “venha pra cá” e ela falou que
vinha se fosse montar alguma coisa aqui. um dia ela olhou,
gostou da casa, comprou e falou que ia montar uma loja Alguns
colegas meus disseram “Pô, louco, vai montar loja, nunca
110
“De trem, com ida e volta em classe econômica, o passeio ida e volta. De trem, com ida e
volta em classe econômica, o passeio custa R$ 86 para o casal. em classe turística, com
lanche, água, refrigerante e guia, o passeio sai por R$ 164 para duas pessoas, ida e volta.
Na litorina, uma espécie de trem motorizado, a ida ate Morretes custa R$ 224 o casal, com guia
bilíngüe, lanche, água, refrigerante e parada de 20 minutos em mirante para fotos não
volta nesse veiculo. No pacote fechado da Serra Verde Express, a viagem para o casal sai por
R$ 320, com translado ate a estação ferroviária, ida de trem em classe econômica, almoço em
Morretes, city tour com guia e retorno de van pela estrada da Graciosa. O trem sai diariamente
da Estação Ferroviária de Curitiba as 8h15. De segunda-feira a sábado, o retorno de Morretes
ocorre as 15 horas. No domingo, a volta para Curitiba e as 16 horas. a litorina sai da capital
apenas aos sábados, domingos e feriados, as 9h15. Tanto de trem quanto de litorina, a viagem
de Curitiba a Morretes dura cerca de três horas” (PARANÁ em..., 2006).
321
deu certo e tal”, porque realmente, não tinha ninguém, não
passava ninguém naquela rua, era complicado (MOISES,
2008).
Moisés comenta que começou a construção onde hoje se encontra o
restaurante (no primeiro piso possui uma de suas lojas de decoração) tendo
como idéia inicial arrendar o estabelecimento. Entretanto, surgiu por conta de
seu cargo como gerente de uma agência bancária a necessidade de mudar-se
para outra cidade. Decidido a não abandonar Morretes, abriu mão de seu cargo
e permaneceu como caixa e, logo depois, começou a considerar a
possibilidade dele próprio tocar o estabelecimento:
A gente observava já que as pessoas estavam procurando
mais Morretes e que fazia muita fila nos restaurantes. Então eu
vi uma possibilidade para explorar. Eu estou muito feliz, porque
em menos de um ano nós conquistamos na culinária,
Barreado, numa pesquisa realizada no final do ano passado, o
primeiro lugar, com 50% de votos. A gente ganhou um
certificado, é de uma empresa de Piraquara [...]. Então, quer
dizer, não é nenhum Ibope, nenhuma pesquisa, mas de certa
maneira ela reflete (SANTOS, 2008).
O Barreado consta no cardápio desde a inauguração do
estabelecimento. Sobre a inclusão do prato, o empresário comenta:
Olha, quem vem à Morretes procura pelo prato. Então eu tenho
amigos de outros restaurantes que até comentaram comigo
olha, Moisés, eu abri mais um restaurante, tentei fazer um
cardápio diferenciado, mais elitizado, com carnes diferentes,
preço diferente, mas eu fui obrigado a introduzir o Barreado
porque a família chega e pergunta: “você serve Barreado?
Não? Ah, então tá, obrigado!”. E sai! Quer dizer, você faz todo
um trabalho pra receber alguém e se você não tem você perde,
deixa de atender. Então quem vem procura, não tenha dúvida!
(SANTOS, 2008).
Moisés fala ainda sobre a idéia de fartura que ficou vinculada a
Morretes e da qual é difícil de se distanciar a partir da popularização do rodízio
de Barreado:
Esses dias a gente estava conversando sobre o tal do “à
vontade”. Quem vem pra cá tem esse conhecimento e quer à
vontade. Então você até tem um desperdício um pouco maior
322
na mesa, mas a pessoa quer entrar, sentar e que seja servido,
que venha sempre (Moisés, 2008).
Buscando reverter o quadro de abandono da gestão do turismo no
município, em 24 de maio de 2007 foi criada a AESTUR Associação dos
Empreendedores de Serviços Turísticos de Antonina, uma entidade civil sem
fins lucrativos que tem como objetivo, segundo seu presidente Eduardo
Nascimento (2008) fomentar o desenvolvimento do turismo em Antonina
incrementando as atividades oferecidas pela cidade e, dentre outros objetivos,
promover a qualificação profissional e funcional voltada para o tuirsmo. Dentre
os associados, donos de agências de viagens e turismo, proprietários de
restaurantes (dois deles integrando inclusive a diretoria), donos de pousadas e
representantes do comércio em geral.
No ano seguinte, a oferta do Barreado em Morretes ganhou mais um
reforço. Foi inaugurado o Restaurante Empório do Largo. O proprietário, um
jovem engenheiro civil chamado Luis Guilherme Camargo Peralta, nasceu e
reside em Curitiba. Sobre a iniciativa de abrir o estabelecimento, ele diz:
Eu sou de Curitiba, sou engenheiro civil e trabalho com obra
industrial e esta casa é da minha família desde 1980, meu
pai que recuperou o imóvel, porque quando ele comprou
estava fadado a ser demolido [...]. O imóvel ficou muitos anos
sem nenhuma locação, e lá, mais ou menos por 1995,
começou a ser locado por alguns proprietários de restaurantes
aqui da região. Primeiro foi o Noel do Serra e Mar, depois foi o
Gilberto do My House, e depois outras pessoas também
exploraram o imóvel como restaurante. Mas não investiram no
imóvel, até porque era locado, então era bem triste assim a
forma que eles exploravam o imóvel, tinham interesse do
retorno. Eu entendo isso até, porque era uma locação, mas eu
era pequeno quando meu pai comprou, eu tinha quatro anos e
desde o começo eu via...a gente tem uma chácara em
Antonina e todo final de semana a gente vinha, e até mesmo
na reforma eu ajudei , acho até que foi isso que me levou pra
engenharia [...] Eu sempre tive muito carinho pela casa e
sempre quis ter um restaurante, então trabalhei como
engenheiro, vim guardando alguma economia e depois, um
ano atrás eu peguei o imóvel de volta (PERALTA, 2008).
Utilizando sua experiência profissional, Luis Guilherme fez uma rie de
adaptações, criando um visual mais moderno conjugado com a arquitetura
mais tradicional da casa. Deve-se observar que a família Peralta não é da
região, e que seu pai comprou a casa praticamente por impulso. O empresário,
323
que pretende continuar residindo em Curitiba, fala sobre a motivação para abrir
o estabelecimento:
Na verdade acho que a minha vontade veio mais pelo imóvel
do que pelo restaurante, entendeu? Eu fiz curso de chefe de
cozinha há dois anos no Centro Europeu em Curitiba pensando
em abrir o restaurante. Mas se me chamasse pra abrir um
restaurante em Curitiba, acho que eu não abriria, eu abri mais
pelo imóvel do que pelo restaurante. E também porque o meu
avô, pai da minha mãe foi dono de restaurante em Curitiba,
eles tiveram um restaurante lá, então veio daí a vontade de
estar um pouco mais perto da natureza, um pouco numa
cidade mais calma. Eu não ficaria direto, porque nasci em
Curitiba, acho que não vou conseguir morar aqui, mas ter uma
parte da semana, principalmente final de semana parecia
interessante (PERALTA, 2008).
O exemplo de Luiz Guilherme deve ser comentado, pois além de
consistir em um restaurante que dá destaque ao Barreado, mostrando que a
iguaria tem demanda crescente e ainda fôlego para sua comercialização, trata-
se de um jovem empresário que o possui ligações familiares com a cidade e
possui outra atividade laboral que lhe sustento, e que está trazendo
recursos para a cidade, investindo por acreditar no potencial de Morretes.
Concluindo a análise da construção da oferta comercial do Barreado,
vale observar o quadro resumo dos restaurantes que, em outubro de 2008,
ofereciam o prato nas localidades estudadas. Deve-se mencionar que foram
listados aqui todos os estabelecimentos que oferecem a iguaria, incluindo
aqueles que não têm o Barreado como prato principal e não lhe atribuem
destaque em seus cardápios. Foram incluídos também os restaurantes de
meios de hospedagem, que não consistiam o foco deste trabalho, mas que
preparam e servem a iguaria.
324
QUADRO IV – RESTAURANTES QUE SERVEM O BARREADO EM ANTONINA
FONTE: o autor (2008)
A partir deste quadro verifica-se que, dos nove restaurantes que
oferecem atualmente o Barreado, cinco concentram-se na atividade turística e
no público que esta atrai para o município, os quais somam juntos quatrocentos
e trinta lugares. Considerando que nos períodos de maior procura (finais de
semana, férias escolares, Festival de Inverno de Antonina e Carnaval) todos os
estabelecimentos supracitados terminam por atender turistas e visitantes, a
Fund.
(ano)
Restaurante Endereço
Sistema
de Servico
Capaci-
dade/lu-
gares
Público
1981 Restaurante
Caçarola do Joca
Praça Doutor Romildo
Gonçalves Pereira, 42
Segunda a quarta das 11h30 às
14h, sábado das 11h às 16h e
das 19h às 22h30 e domingo
11h30
A La Carte,
Inclusive
Barreado
50 Turismo
1985 Restaurante
Panorâmico
Albatroz
Rua Marques do Herval, 14
Terça a domingo das 11h às
15h
A La Carte,
Rodízio de
Barreado
140 Turismo
1986 Restaurante
Buganvil´s
Rua Vale do Porto, 10
Terça a domingo das 11h30 às
22h
A La Carte,
Buffet de
Barreado
no final de
semana
80 Turismo
1995 Restaurante Badalo Av. Cândido Machado de
Oliveira, 120
Prainha/Ponta da Pita
Diariamente das 11h às 23h
Buffet e
Barreado A
La Carte
60 Moradores,
e turistas
no final de
semana
1998 Restaurante
Container
Rua Heitor Soares Gomes, 68
Diariamente das 10h30 até o
último cliente
Buffet e
Barreado A
La Carte
80 (salão
interno)
40
(mesas
na
calçada)
Moradores,
, e turistas
no final de
semana
1998 Restaurante Gusso Rua Cândido de Oliveira, 40
(Prainha da Ponta da Pita)
Todos os dias das 11h às 14h e
das 19h às 21h
A La Carte
(inclusive
Prato Feito)
50 Moradores,
Viajantes
(caminhone
iros) e
turistas no
final de
semana
2000 Restaurante Brisa
do Mar
Rua Heitor Gomes, 88
Domingo e segunda das 11h às
17h, terça e sábado das 11h às
17h e das 19h às 22h
Buffet e A
La Carte
(inclusive
o
Barreado)
60 Moradores,
turistas no
final de
semana
2000 Restaurante Le
Bistrô
Trv. Sete de Setembro, 01
Segunda das 11h30 às 15h,
quarta a domingo das 11h30 às
15h e das 18h30 às 23:30
A La Carte 100 Turismo
2002 Restaurante
Cantinho de
Antonina
Rua Salvador Graciano, 255
Ponta da Pita
Sábado e domingo almoço e
jantar
A La Carte 60 Turismo
325
capacidade de atendimento da cidade para o Barreado sobe para setecentos e
vinte lugares.
Muitos dos entrevistados depositam na gestão municipal parte
significativa da culpa pela falta de desenvolvimento turístico da cidade e, por
conseqüência, pelo reduzido movimento dos restaurantes. Com exceção de
Joca Alcobas (2008), que garante não depender da cidade nem da prefeitura
para manter o bom movimento de seus restaurantes, todos os demais
empresários que trabalham focados no turismo se mostraram insatisfeitos.
Apenas os restaurantes que trabalham com uma estrutura mais econômica,
como é o caso do Restaurante Brisa do Mar, do Restaurante Gusso e do
Restaurante Container, e voltados para os próprios moradores, declararam
estar sempre com a casa cheia.
Diante da consolidação da oferta do Barreado na vizinha Morretes,
alguns empresários como Leônidas Abreu, Elisabete de Fátima Carraro (que
atua no ramo das pousadas) e Eduardo Nascimento (ex-secretário de turismo
da cidade e empresário da área de agência de viagens) defendem que o futuro
gastronômico de Antonina está no siri, e não no Barreado, por conta da
abundância da carne e por ser um produto não explorado de forma organizada
pelos outros municípios da região. Eduardo Nascimento (2008) relembra que,
durante sua permanência na secretaria, foi desenvolvido um estudo, que
apontou como grande produto da cidade o siri. A partir dessa constatação, foi
realizado um curso para o aproveitamento da carne de siri em parceria com o
SEBRAE, bem como foi lançada junto aos empresários a idéia de incorporar
pratos à base do crustáceo, como a casquinha de siri, presente em
praticamente todos os cardápios e a lasanha de siri, um lançamento do
Restaurante Cantinho de Antonina. O empresário destaca que, embora não
haja controle rígido sobre a produção nem uma estratégia de proteção, como o
defeso do camarão, a produção de siri gira em torno de dois mil quilos por mês,
dos quais aproximadamente 80% são vendidos para São Paulo.
O Barreado continuaria sendo servido, mas o siri ganharia destaque,
de modo a despontar como um produto típico da localidade. Esta idéia, como
observado, foi adotada por alguns empresários da área de alimentação e está
sendo apoiada pela AESTUR, Associação dos Empreendedores de Serviços
Turísticos de Antonina, que tem buscado desenvolver o setor a partir de
326
acontecimentos programados e atividades de qualificação oferecidas a seus
associados.
No que tange à Paranaguá, verifica-se que, do ponto de vista
econômico, a cidade continua voltada para o Porto e a atividade turística possui
pouco destaque. Os fluxos turísticos são atraídos principalmente pela Ilha do
Mel e o centro histórico, além do chamado turismo de negócios, movimentado
principalmente por profissionais ligados às operações portuárias, as quais
constituem, sem dúvida alguma, o grande motor dos fluxos de visitantes para a
cidade. A oferta do Barreado continua sendo divulgada e desenvolvida de
forma bastante associada ao Fandango, e alguns restaurantes terminaram por
incluir a iguaria em seus cardápios, mesmo que apenas como um item
integrante de um extenso buffet.
Fund.
(ano)
Restaurante Endereço
Sistema de
Servico
Capaci-
dade/
lugares
Público
1963 Restaurante
Danúbio Azul
Rua XV de Novembro, 95
Horário de Atendimento:
segunda a sábado das 11h
às 16h e das 19h às 24h,
domingo das 11h às 16h
Buffet, Barreado
incluído no Buffet
e também A La
Carte
400 Pessoas
que vem a
trabalho e
turistas
1992 Restaurante
Divina Gula
Rua Nestor Victor, 282
Horário de atendimento:
diariamente das 11h às 14h
Buffet, Barreado
incluído no Buffet
85 Moradores
e pessoas
que vem a
trabalho
1993
(Hotel
Aracaria
Mar)
Restaurante
Camboa –
Camboa Resort
e Hotel
Rua Estevão, s/n
Diariamente das 12h às
15h, das 19h às 23h
A La Carte,
inclusive o
Barreado. Buffet
(para grupos).
180 Pessoas
que vem à
trabalho e
turistas
1996 Restaurante
Casa do
Barreado
Rua Antônio Cruz, 9 (Ponta
do Caju)
Horário de Atendimento:
sábado, domingo e feriado das
12h às 15h (durante a semana
com reserva)
Buffet de
Barreado
100 Turismo
Fund.
(ano)
Restaurante Endereço
Sistema de
Servico
Capaci-
dade/
lugares
Público
2000 Restaurante à
Bombordo
Rua Benjamin Constant,
423 (Iate Clube)
Horário de atendimento:
diariamente das 11h30 às
23h
Barreado incluído
no Buffet
180 Moradores
(sócios) e
turistas
2002 Restaurante
Vieira´s Grill
Rua Conselheiro Correia,
s/n
Horário de atendimento:
diariamente das 11h às 14h
Barreado incluído
no Buffet
150 Moradores
e pessoas
que vem a
trabalho
2005 Restaurante
Gruta da
Garoupa
Rua XV de Novembro, 120
Horário de atendimento:
diariamente das 11h às 15h
Barreado incluído
no Buffet
120 Moradores
e pessoas
que vem a
trabalho
327
QUADRO V – RESTAURANTES QUE SERVEM O BARREADO EM PARANAGUÁ
FONTE: o autor (2008)
Dos sete estabelecimentos identificados, nota-se que o único que
possui no Barreado seu carro-chefe é a Casa do Barreado, com capacidade
para cem lugares. Considerando os outros estabelecimentos que também
apontam nos turistas de lazer como seu público-alvo (Danúbio Azul e
Restaurante Camboa), tem-se mais quinhentos e oitenta lugares, contabilizado
uma capacidade de seiscentos e oitenta pessoas servidas simultaneamente.
Como mencionado, os demais estabelecimentos servem o Barreado, mas
praticamente não lhe dão destaque, oferecendo como mais uma opção, dentre
outros pratos. Da mesma forma, não são direcionados para o turismo, não
explorando esse potencial da iguaria.
Se em Antonina há uma oferta do Barreado que põe a iguaria em
relevo, mas que é prejudicada pelos pequenos fluxos de visitantes e em
Paranaguá, com exceção de um único estabelecimento, a iguaria tem pouco
destaque e é eclipsada pela oferta de outros pratos, que podem ser
consumidos em restaurantes de todo o país; por sua vez o município de
Morretes apresenta uma realidade bastante peculiar, de amplo destaque para o
Barreado.
Fund.
(ano)
Restaurante Endereço
Sistema de
Servico
Capaci-
dade/
lugares
Público
1945 Hotel e
Restaurante
Nhundiaquara
Rua General Carneiro, 13
Horário de atendimento: diariamente
das 11h às 23h
A La Carte e
Rodízio de
Barreado
200 Turismo
1967 Restaurante
Madalozo
Rua Almirante Frederico de Oliveira,
16
Horário de atendimento: terça a
domingo das 11h às 17h
A La Carte e
Rodízio de
Barreado
690 (mais
sala de
espera
com 120)
Turismo
1982 Restaurante
Lubam
Rua XV de Novembro, 1333
Horário de atendimento: diariamente
das 11h às 17h
Rodízio de
Barreado
310 Turismo
1991 Restaurante
Panorâmico
Ponte Velha
Rua Almirante Frederico de Oliveira,
13
Horário de atendimento: diariamente
A La Carte e
Rodízio de
Barreado
300 Turismo
328
das 11h às 17h
1992 Restaurante
Casarão
Largo Doutor José Pereira, 25
Horário de atendimento: quarta a
segunda das 11h30 às 16h30
A La Carte e
Rodizio de
Barreado
220 Turismo
1992 Restaurante
Pousada Dona
Siroba
Praça Comendador Macedo, s/n
(Porto de Cima)
Horário de atendimento: diariamente
das 9h30 às 22h
A La Carte,
(rodízio só
para grupos)
160 Turismo
1993 Armazém
Romanus
Restaurante
Rua Visconde do Rio Branco, 141
Horário de atendimento: terça a
sábado 11h às 22h e domingo das
11h às 18h
A La Carte,
70 Turismo
1994 Restaurante My
House
Alameda João de Almeida, 9
Horário de atendimento: quarta a
domingo das 11h às 16h30
A La Carte e
Rodízio de
Barreado
110 Turismo
1998 Restaurante
Engenho da
Serra
Acesso pela Rua Marcos Malucelli,
a 6 km do centro
Horário de atendimento: terça a
domingo das 11h30 às 22h
A La Carte, 80 Turismo
2000 Restaurante
Serra e Mar
Rua Visconde do Rio Branco, 145
Horário de Atendimento: terça-feira
a domingo das 11h às 15h e das
18h às 23h
A La Carte e
Rodízio de
Barreado
90 Turismo e
morado-
res
durante a
semana
2001 Restaurante e
Pizzaria Terra
Nossa
Rua XV de Novembro, 109
Horário de atendimento: diariamente
das 11h às 23h
A La Carte e
Rodizio de
Barreado
300 Turismo e
eventos
sociais
locais
2001 Restaurante
Rota do Sol I
Rua XV de Novembro, 633 Horário
de atendimento: diariamente das
10h às 24h
Buffet e
Barreado por
pessoa
80 Viajantes
e
morado-
res
(semana)
e turistas
(final de
semana)
2005 Restaurante
Estação
Graciosa
Rua Conselheiro Sinimbú, 271
Horário de atendimento: sábado,
domingo e feriado das 11h às 23h
A La Carte e
Rodízio de
Barreado
96 Turismo
2006 Restaurante
Villa Morretes
Rua Almirante Frederico de Oliveira,
155
Horário de atendimento: quarta a
segunda para almoço, sexta e
sábado para jantar
A La Carte 100 Turismo
2007 Restaurante
Olimpo
Rua Antonio Gonçalvez do
Nascimento, 17 Horário de
atendimento: segunda a quarta para
almoço
A La Carte,
Rodízio de
Barreado
250 Turismo
Fund.
(ano)
Restaurante Endereço
Sistema de
Servico
Capaci-
dade/
lugares
Público
2008 Restaurante
Empório do
Largo
Largo Dr. José Pereira, 192
Horário de atendimento: quinta a
domingo para almoço, sábado para
jantar
A La Carte 120 Turismo
2008 Restaurante
Rota do Sol II
Rua XV de Novembro, 148
Horário de atendimento: diariamente
das 10h às 24h
Buffet e
Barreado por
pessoa
110 Viajantes
(caminho-
neiros)
moradores
durante a
semana e
turistas no
final de
semana
2008 Restaurante e Rua Rômulo Pereira, 32 A La Carte 45
Morado
res,
329
QUADRO VI – RESTAURANTES QUE SERVEM BARREADO EM MORRETES
FONTE: o autor (2008)
De acordo com os levantamentos realizados, foram identificados
dezoito estabelecimentos que servem regularmente o Barreado. Destes, quinze
possuem como público-alvo o turista, e contabilizam um total de três mil, cento
e vinte e seis lugares. Considerando que nos períodos de maior procura (finais
de semana e feriados, férias escolares) todos os restaurantes terminam por
atender turistas, a capacidade total da cidade passa a ser de três mil, duzentos
e oitenta e um lugares. Deve-se mencionar que a expansão de restaurantes e
estabelecimentos comerciais similares vem sendo acompanhada pela
expansão de meios de hospedagem e lojas de artesanato, e que o sucesso
alcançado pelo turismo gastronômico, pautado justamente na oferta do
Barreado, tem sido utilizado para divulgar e desenvolver outras potencialidades
turísticas do município, como os passeios ecológicos (com o tradicional bóia-
cross) e a abertura de alambiques para visitação (nota-se aqui que o
Restaurante Engenho da Serra integra na verdade um complexo de produção
de cachaça do mesmo nome).
Merece destaque a atuação da ARSIM, a associação de restaurantes
que tem procurado melhorar as condições de produção e de atendimento dos
restaurantes associados, além de divulgar o Barreado e o município como um
todo. Dada a representatividade das empresas da área de alimentação para o
turismo e, por conseqüência, para a economia do município (o turismo, ao lado
da agricultura, constitui o pilar de sustentação para a economia do município),
a ARSIM tem se preocupado com questões que transcendem à alimentação,
como, por exemplo, a limpeza das ruas e a natureza do artesanato vendido
durante as feiras e festas, procurando manter uma certa tipicidade daquilo que
é oferecido.
Alguns entrevistados, como Maurício Lafitte, Joaquim Souza Junior e
Mauricio Scucazo dos Santos, dentre outros, referiram-se à Morretes como
uma “grande praça de alimentação”, pois, em um fim de semana ou feriado de
grande movimento, é como se toda a cidade se tornasse um único restaurante,
Lanchonete
Cantinho de
Morretes
Horario de atendimento: segunda a
segunda, das 10h às 22h
(inclusive o
Barreado) e
Buffet
turistas no
final de
semana
330
tamanho o fluxo de pessoas e a proximidade dos estabelecimentos. Assim,
mais do que nunca, no entendimento da ARSIM e de seus associados, é
necessário que todos os restaurantes assegurem produtos e serviços de
qualidade, de modo a deixar o visitante satisfeito e com a intenção de regressar
à cidade. A preocupação com a qualidade do turismo parece realmente ter sido
incorporada à mentalidade local, tendo em vista todos os restaurantes
direcionados para o turismo integrarem o Guia Quatro Rodas
111
e serem
associados à ABRASEL.
Ilustrando a realidade morretense, pode-se citar aqui duas reportagens
publicadas na Gazeta do Povo, uma em 2006 e outra em 2007. O artigo
publicado em 13 de fevereiro de 2006, intitulado Morretes recebe visitantes o
ano inteiro por causa do Barreado, afirma:
A prova de que um símbolo bem trabalhado pode ajudar a
atrair turistas e, conseqüentemente, incentivar o
desenvolvimento de uma cidade é o Barreado carne cozida
em panela de barro -, explorado como um dos símbolos de
Morretes. O município, de 16 mil habitantes, recebe durante o
verão 8 mil turistas por semana, principalmente para degustar a
iguaria. No resto do ano, são 2 mil visitantes por semana, o que
garante a Morretes a invejável posição, no litoral, de não
depender do calor para movimentar a economia (MORRETES
recebe..., 2006).
A outra reportagem, publicada em 6 de janeiro de 2007, se intitula
Turistas preferem Morretes a Antonina, afirma que as cidades, apesar de muito
parecidas e bastante próximas, possuem realidades bem diferentes, tendo em
vista que Morretes consegue atrair cinco vezes mais visitantes do que a cidade
vizinha. Segundo o texto:
A “capital do Barreado”, Morretes, fervilha de visitantes quase
todos os fins de semana do ano, em busca sobretudo dos
sabores do prato típico do estado. Enquanto isso, Antonina
parece mais uma típica cidadezinha do interior: tranqüila e com
poucos turistas exceção feita aos dois grandes eventos
culturais do ano, o carnaval (considerado o melhor do estado,
que chega a atrair 30 mil pessoas numa única noite) e o
111
O Guia Quatro Rodas é uma publicação renomada da Editora Abril para o segmento de
viagens rodoviárias. Publicado anualmente, sugere roteiros e informações turísticas sobre
localidades brasileiras, além de avaliar anonimamente meios de hospedagem e
estabelecimentos de alimentação.
331
Festival de Inverno da Universidade Federal do Paraná
(TURISTAS preferem..., 2007).
A partir do que foi constatado nesta pesquisa, verifica-se que o
sucesso alcançado por Morretes na divulgação do Barreado é evidente e,
deve-se mencionar, é também o resultado principalmente do bom trabalho,
organização e cooperação dos empresários locais, que souberam
profissionalizar seus estabelecimentos e a partir daí criar a estrutura que é
usufruída hoje por tantos turistas.
332
CONCLUSÃO
O tema alimentação, por estar tão evidente no cotidiano e tão presente
como extensão e manifestação de gostos, crenças e ideologias, mostra-se
fascinante para diversas disciplinas, e, dentre, elas destaca-se a História. Isso
se porque as dinâmicas alimentares se colam nas dinâmicas sócio-
econômicas e culturais daqueles que as praticam e as constroem, fazendo com
que a alimentação seja uma profícua fonte de informações para entender
processos históricos, grupos humanos e estruturas sociais.
Entretanto, mesmo dentro deste quadro dinâmico, verifica-se a
presença de algumas permanências, comidas e bebidas cuja degustação
atravessa os tempos e termina por identificar um grupo e até mesmo uma
localidade. Tais iguarias convivem com a pressão constante das inovações e
dos novos padrões alimentares, mas mesmo sofrendo adaptações, mantêm
características e significados reconhecíveis, fundamentos esses capazes de
remeter a um passado que se pretende valorizar, rememorar, reviver, qual seja,
recuperar os tempos da memória gustativa.
O Barreado, um inusitado prato litorâneo à base de carne, destaca-se
no contexto paranaense pela longevidade de sua degustação e pelos laços que
estabelece com outras práticas culturais, como o Fandango e o Carnaval.
Acredita-se, inclusive, que a íntima relação com outras manifestações
litorâneas, somada ao fato do prato ter como elemento principal um ingrediente
que durante muitos anos foi considerado “especial” (por conta de seu preço a
carne era reservada a ocasiões especiais), além de seu sabor forte e
característico (produto principalmente da ação do cominho), favoreceu a
popularidade do prato e facilitou seu destaque dentre os demais da cozinha do
litoral.
Evidencia-se também como um prato de notoriedade nacional
alcançada por meio da articulação e desenvolvimento da atividade turística na
região, sendo capaz de despertar o interesse para visitação e movimentar
economicamente as cidades associadas ao seu consumo, especialmente
Morretes. Neste sentido, o prato emerge como tradição, mas também como um
legado que é operacionalizado e ofertado em caráter comercial, sendo
333
divulgado e disponibilizado a um público ainda maior, mas também exposto
com maior intensidade aos perigos da descaracterização.
A partir da pesquisa realizada ficou evidente que o saber-fazer do
Barreado conjuga tradições e inovações tanto no domínio do privado, do
familiar, quanto no domínio do blico, dos restaurantes. Mesmo aqueles que
afirmam fazer o “Barreado tradicional” acabam não escapando de pelo menos
alguma forma de modernização, ou até mesmo atualizações da tecnologia,
como é o caso do uso do fogão à lenha. Dentre as alterações, a mais polêmica
mas talvez a mais difundida seja a substituição da panela de barro pela
panela de alumínio no preparo da iguaria. A obrigatoriedade de atender à longa
lista de exigências da ANVISA, a preocupação com a segurança dos
funcionários (de acordo com as panelas que trincaram ou quebraram no fogo) e
até mesmo a necessidade de preparar grandes quantidades são os
argumentos em favor desta mudança, detectada tanto nas casas quanto nos
estabelecimentos.
Contudo, a imagem da panela de barro é associada de forma tão
significativa ao Barreado que, mesmo diante da opção pela panela de alumínio,
muitos estabelecimentos ostentam em sua decoração e material promocional a
tradicional panela, da mesma forma que uma série de artesanatos remete a ela
no momento de caracterizar a iguaria. Até mesmo as embalagens de Barreado
congelado apresentam a panela, buscado estabelecer um elo com a idéia de
preservar a memória e destacar a tipicidade.
No que tange ao desenvolvimento da oferta comercial da iguaria, deve-
se observar que a hipótese inicial de que tal crescimento teria sido incentivado
de forma direta pelos governos municipais mostrou-se sem respaldo. Como é
relatado ao longo dos dois últimos capítulos, a comercialização do Barreado
começa de forma tímida e por iniciativa isolada de alguns empresários, como
senhor Antonio Alpendre, senhor Honílson Madalozo e dona Ieda Siedschlag.
Em termos de atuação pública municipal mais assertiva em relação à
promoção do Barreado pode-se mencionar apenas a gestão de Sebastião
Cavagnolli (1989 1992), que teve à frente do departamento de turismo Orley
Antunes de Oliveira Junior, que se dedicou intensamente à divulgação do
Barreado no Brasil e no exterior, mas tendo como base os restaurantes que
na época já serviam o prato.
334
Foi durante a gestão de Cavagnolli que o Barreado assumiu sua
vocação turística em Morretes, e houve um trabalho para ampliar e intensificar
os fluxos de comensais que até então aconteciam quase que naturalmente,
baseando-se na boa aceitação dos restaurantes e na propaganda boca-ouvido
diante da inexistência de ões administrativas promocionais dirigidas. A partir
de 1989 são abertos quinze dos dezoito estabelecimentos dedicados ao
Barreado em funcionamento na cidade, que combinado com passeio de trem
passa a ter como destino principal Morretes, onde as pessoas passam a
desembarcar para almoçar nos restaurantes da cidade. Tal demanda é
tamanha ao ponto de alguns estabelecimentos que originalmente não previam
o Barreado em seus cardápios terminarem por adotá-lo diante da exigência de
seus clientes.
Nesse período, Morretes consagrou-se como “Terra do Barreado”,
perspectiva que se mantém até hoje, dada a íntima relação que se estabelece
entre o município e a iguaria. A partir da popularidade do prato, cresceu não
apenas o número de restaurantes, mas também um ramo de hospedagem,
bem como verificou-se o crescimento das lojas de artesanato e o fortalecimento
do comércio em geral. Em síntese, em torno do Barreado se criou um intenso e
dinâmico quadro articulando comida, turismo e desenvolvimento.
Antonina, que já havia sido o principal local de degustação da iguaria,
principalmente por conta da popularidade de Dona Ieda, começa a perder
terreno, tendo em vista a falta de reação diante da campanha maciça
empregada por Morretes, a ausência de investimento no turismo e ainda o
fechamento de seu principal restaurante (O Restaurante Cacoan, ou como era
chamado, da Ieda). A oferta do Barreado permanece no município, ganhando
destaque na maioria dos restaurantes, mas se mantém a margem de Morretes
inclusive por conta da pequena opção de lazer que a cidade oferece.
Paranaguá, por sua vez, tendo o Porto como sustentáculo de sua
economia, sempre trabalhou o turismo de forma secundária, apoiando-se
principalmente em seus aspectos históricos e culturais. O Barreado ganhou
evidência quando o Fandango começou a ser recuperado pela FUMCULTUR,
visando o resgate da auto-estima e cidadania de seus habitantes, além da
complementação de sua oferta turística. Entretanto, mesmo sendo preparado
nas residências, a ausência de restaurantes especializados na iguaria terminou
335
por prejudicar as estratégias adotadas pelo poder público de divulgar
intensamente o prato. Outro aspecto que parece não ter favorecido o
fortalecimento da associação Barreado-Paranag é o fato de que,
tradicionalmente, os restaurantes locais possuem como carro-chefe os frutos
do mar e são conhecidos a partir de tal especialidade.
Analisando o quadro geral, observa-se a oferta comercial do Barreado
nasce voltada naturalmente para os visitantes, sem que houvesse um
planejamento turístico orientando o processo. Da mesma forma, pode-se
constatar que o Barreado realmente se constituiu como um elemento
estratégico para o desenvolvimento de Antonina, mas principalmente de
Morretes. Os restaurantes de Paranaguá, como mencionado, terminaram se
dedicando aos frutos do mar ou ao atendimento dos fluxos gerados pelo
próprio Porto, oferecendo uma comida mais convencional; enquanto a iguaria
Barreado era projetada do ponto de vista da gestão pública sempre associada
ao Fandango.
Do ponto de vista da gestão estadual do turismo, desde a década de
1970 o Barreado é divulgado como prato típico do estado, sendo apresentado
em vários materiais promocionais e levado para diversos eventos no Brasil e no
exterior que visam a divulgação e promoção do Paraná do ponto de vista
turístico (foi identificada a oferta da iguaria em inúmeros eventos da ABAV,
dentre outros eventos turístico, bem como a menção do prato em vários folders
e guias, bem como na própria página da Secretaria de Turismo do Estado).
Como cozinheiros “oficiais” pode-se citar, dentre os entrevistados, Dona Ieda e
mais recentemente Dona Norma, que inclusive foi agraciada com uma estrela
pelo Guia Quatro Rodas em 2006 em uma cerimônia realizada em São Paulo.
Pode-se afirmar, portanto, que a oferta comercial do Barreado não
apenas se estabelece graças a boa aceitação dos visitantes, mas é também
sob a ótica da atividade turística (mesmo nos momentos em que não uma
intervenção da gestão pública direta) que se expande, contribuindo para a
ampliação da divulgação da iguaria de uma forma que seria impensável caso a
mesma se mantivesse circunscrita às residências e festas populares. Neste
sentido, se por um lado a oferta comercial do Barreado termina por expor a
iguaria a uma série de possibilidades de alteração, por outro lado é justamente
esta ampliação da oferta que divulga e fortalece a tradição do Barreado,
336
inclusive incutindo nos moradores das localidades estudadas o desejo de
defender “o verdadeiro Barreado”, que geralmente consideram como aquele
preparado em seu município. O Barreado, nesse sentido, constrói identidades,
agregando significados e se caracterizando como um elemento identitário
representativo, reinvindicado como símbolo de um passado que se deseja
valorizar.
Em relação aos procedimentos adotados por esta pesquisa, deve-se
mencionar que, a partir da complexidade das relações que se estabelecem a
partir do Barreado e também com ele, procurou-se contemplar a visão dos
agentes diretamente envolvidos com o preparo e consumo do prato, tanto no
âmbito doméstico quanto no comercial, buscando traçar um panorama mais
fidedigno possível. Procurou-se também ampliar o escopo de fontes
pesquisadas, optando-se por trabalhar com livros, reportagens, documentos,
folhetos/folders e outras fontes impressas, além das orais, que pudessem
informar sobre a história e as características do prato.
Deste esforço, surgiram as primeiras adversidades, como: a) a
precariedade dos arquivos municipais, incluindo-se o acervo das bibliotecas
dos municípios; b) a inexistência de arquivos nos órgãos municipais de turismo,
sendo este aspecto reflexo da notória falta de consistência na gestão pública
de turismo, principalmente no município de Antonina, onde não há acervo
remanescente das gestões anteriores; e c) o grande volume de fontes (em
termos de livros e artigos de periódicos) sobre o litoral paranaense, mas que
não informavam necessariamente sobre o Barreado. Do ponto de vista das
fontes orais, outra dificuldade se mostrou derivada da popularidade do prato:
muitos conhecem alguém que prepara o Barreado e várias pessoas se
prontificaram a “ajudar”, exigindo cuidado redobrado na escolha das fontes que
pudessem realmente contribuir para a pesquisa.
Deve-se ressaltar, porém, que o grande desafio encontrado para a
execução deste trabalho deu-se justamente por conta da complexidade do
objeto escolhido. Ao se debruçar sobre as fontes documentais, bibliográficas e
transcrições das fontes orais, vários temas vinculados ao Barreado ganharam
relevo. A riqueza das festas religiosas, a produção de farinha e cachaça no
litoral, as provocações (não apenas em relação ao Barreado e inclusive por
meio de apelidos) entre parnanguaras, morretianos e capelistas, o artesanato
337
local e o próprio desenvolvimento da atividade turística no Estado do Paraná e
nos municípios eram aspectos recorrentes e que a todo o momento
despertavam a atenção e o interesse da pesquisadora.
Neste sentido, a maior dificuldade nasceu da necessidade de manter o
foco sobre o Barreado, seu significado sua produção e consumo, havendo uma
vigília constante para que a atenção não fosse desviada da proposta original:
um estudo sobre ótica da história e cultura da alimentação de uma iguaria que,
posteriormente, se torna um elemento estratégico para o desenvolvimento de
algumas localidades. Acredita-se, inclusive, que este seja o grande desafio da
micro-história: caracterizar o contexto para que o objeto faça sentido, mas retê-
lo sob o microscópio, mantendo-o como fio condutor e centro das atenções de
toda a pesquisa.
Como conclusão, esta tese apresentou uma série de possibilidades
para novas pesquisas, que, mesmo tratando de aspectos relacionados ao
Barreado e sua oferta comercial, possam ter focos e prismas de análise
diferenciados, gerando abordagens que venham a complementar ainda mais o
tema aqui contemplado.
Assim sendo, encerrando este trabalho, considera-se que o objetivo de
caracterizar o Barreado como iguaria e tradição culinária, levantando as
versões de sua origem, seus ingredientes e formas de preparo, bem como sua
relação com outras manifestações culturais que lhe o associadas,
entendemos ter sido alcançado.
Da mesma forma, pode-se afirmar que a oferta comercial do Barreado
começa a ser desenhada a partir de 1970 e que a atividade turística
desempenhou um papel determinante na construção da tradição do Barreado,
por promover seu resgate e divulgar a iguaria para além das fronteiras das
municipalidades. Este processo se intensifica com divulgação promovida pela
Prefeitura de Morretes a partir de 1989, estratégia esta que termina por
incentivar a expansão do setor de restaurantes nos municípios estudados,
principalmente em Antonina e Morretes, gerando, a partir daí, novas e
importantes ofertas de empregos e rendas para a região. Fica ainda evidente
que é o crescimento da oferta comercial do prato que termina por divulgá-lo,
dar-lhe notoriedade e reconhecimento enquanto prato típico.
338
Finalizando, deve-se mencionar que a partir da pesquisa realizada tem-
se claro que o Barreado é uma tradição viva em Antonina, Morretes e
Paranaguá, integrando o imaginário de seus habitantes e se fazendo presente
nas residências e festas comunitário-religiosas, transcendendo o período
carnavalesco e ocupando destaque nas mesas dos restaurantes que preparam,
servem e divulgam a iguaria para milhares de turistas e visitantes todos os
anos, o ano todo. A partir dessa constatação, acredita-se, na possibilidade de
reconhecimento do Barreado como patrimônio imaterial, reconhecimento que
daria maior divulgação à iguaria e que poderia inclusive suscitar a criação de
medidas de salvaguarda para tal manifestação.
Iguaria culinária, manifestação cultural, tradição centenária e elemento
de desenvolvimento sócio-econômico: a partir de uma perspectiva histórica, é
esta a amplitude que se desejou dar ao Barreado neste trabalho intitulado
“Cozinhando a tradição: festa, cultura e história no litoral paranaense”.
339
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gerações curitibanas. Curitiba, 2002. Dissertação (Mestrado em História) -
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.
_____. Dize-me o que comes e te direi quem és - alemães, comida e
identidade.. Curitiba, 2007. Tese (Doutorado em História) - Setor de Ciências
Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.
REVEL, J. Microanálise e construção do social. In Jogos de escalas. A
experiência da microanálise. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1998.
RODERJAN, R. Folclore brasileiro: Paraná. Rio de Janeiro:
MEC/SEC/FUNARTE/Inst. Nacional do Folclore, 1981.
ROLIM, M. C. M. B. Gosto, prazer e sociabilidade: bares e restaurantes de
Curitiba, 1950-1960, Curitiba, 1997. Tese (Doutorado em História) - Setor de
Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.
ROMANELLI, G. O significado da alimentação na família: uma visão
antropológica. In: SIMPÓSIO DE TRANSTORNOS ALIMENTARES, 3., 2006,
Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto, 2006, p.333-339.
ROUSSO, H. A memória não é mais o que era. In: FERREIRA, M. M.; AMADO,
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Saber, 1995.
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_____. Vida material, vida econômica. Curitiba: SEED, 2001.
_____. A alimentação e seu lugar na História os tempos da memória
gustativa. Campinas, ANPUH Nacional, 2004.
SARASWATI, A. Mitologia hindu. 2.ed. São Paulo:Madras, 2007.
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SCHNEIDER, C. R. Do cru ao assado: a festa do Boi no Rolete de Marechal
Cândido Rondon. Curitiba, 2002. Dissertação (Mestrado em História) - Setor de
Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.
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SGANZERLA, E.; STRASBURGER, J. Culinária paranaense. Curitiba:
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THIOLLENT, M. J. M. Crítica metodológica, investigação social e enquete
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WACHOWICZ, R. História do Paraná. 9.ed. Imprensa oficial: Curitiba, 2001.
367
APÊNDICE I ROTEIRO PARA GERENTES E/OU PROPRIETÁRIOS DE
RESTAURANTES
Nome do Estabelecimento:
Endereço:
Telefone:
Quem concede as informações: Nome/cargo, formação, quanto tempo
trabalha no restaurante?
Em que ano foi inaugurado o restaurante? Funciona neste endereço desde
então (senão, qual o antigo endereço?)? Como surgiu a idéia de abrir o
restaurante?
Dias e horários de funcionamento:
Capacidade da casa:
Perfil do publico que freqüenta o restaurante:
Sistema de serviço (Buffet, A La Carte, Rodízio):
Cardápio (o que é servido em termos de bebida e comida?):
Porque vocês servem o Barreado?
Quando é servido o Barreado?
Como foi a escolhida ou definida a receita do Barreado que vocês preparam?
Quem prepara o Barreado?
Preço médio dos pratos? E do Barreado?
Comidas e bebidas mais vendidas?
Formas de pagamento aceitas?
Número de funcionários do estabelecimento:
Como é o restaurante é divulgado?
Como o restaurante trabalha a questão do turismo?
Tem algum folheto/folder do restaurante?
368
Para quem se interessa pela origem do Barreado, oferece alguma informação?
Qual?
Existem vários restaurantes na cidade. Como o estabelecimento trabalha/vê a
questão da concorrência?
Como você vê o Turismo de Antonina?
Como começou essa divulgação do prato associado ao turismo? Quando as
pessoas começaram a procurar conhecer o Barreado?
369
APÊNDICE II – ROTEIRO PARA COZINHEIRAS DE RESTAURANTES
Nome e idade:
Nome do estabelecimento em que trabalha:
Onde nasceu e foi criada?
Como aprendeu a cozinhar?
Nome do restaurante em que trabalha? Há quanto tempo trabalha aqui?
Como começou a trabalhar como cozinheira?
Como aprendeu a fazer o Barreado?
O que você sabe da origem do Barreado?
Como é feito o Barreado servido no Restaurante? (ingredientes, tipos de
panela, detalhes do cozimento)
Qual é o segredo de um bom Barreado?
Quais são os acompanhamentos mais indicados?
Prepara o Barreado fora do restaurante? Em que circunstâncias?
O Barreado que você prepara em casa é diferente? Em que?
O que você acha do Barreado servido nos restaurantes?
370
APÊNDICE III – ROTEIRO PARA COZINHEIRAS TRADICIONAIS
Nome e data de nascimento
Formação/profissão
Onde nasceu e foi criada?
Como aprendeu a cozinhar?
Como aprendeu a fazer o Barreado?
Já ensinou o Barreado pra alguém?
O que você sabe da origem do Barreado?
Você tem o costume de preparar o Barreado? Em que circunstâncias?
Como você prepara o Barreado?
Qual é o segredo de um bom Barreado?
Quais são os acompanhamentos mais indicados?
E na hora de servir, existe algum truque?
O que você acha do Barreado servido nos restaurantes? Você come o
Barreado dos restaurantes?
371
APÊNDICE IV ROTEIRO PARA PESSOAS LIGADAS À ATIVIDADE
TURÍSTICA
Nome e data de nascimento
Formação/profissão, cargo atual
Quando ingressou na área de turismo?
Que cargos ocupou?
Leitura do desenvolvimento turístico do município/Estado (ênfase a partir da
década de 1970)
Leitura do panorama atual do desenvolvimento do turismo no município/Estado
Quando e como começa a questão do aproveitamento turístico do Barreado?
Como se deu esse processo?
372
APÊNDICE V – MODELO DA CARTA DE CESSÃO DE DIREITOS PARA
DEPOIMENTO ORAL
CARTA DE CESSÃO DE DIREITOS SOBRE DEPOIMENTO ORAL
Pelo presente documento, eu,
_______________________________________________________________
___________________________________________________________(nom
e),
_____________________(nacionalidade),_______________________(estado
civil),
___________________(profissão),CPF__________________,RG__________
____, emitido por _______, domiciliado e residente na cidade de
________________,_________________________________, declaro ceder à
Maria Henriqueta Sperandio Garcia Gimenes,a plena propriedade e os direitos
autorais do depoimento de caráter histórico e documental que prestei na cidade
de __________ em ___ de ___________ de 200_ perante a pesquisadora
Maria Henriqueta Sperandio Garcia Gimenes. Salienta-se que o material aqui
coletado fica sendo autorizado a ser utilizado, divulgado ou publicado, para fins
culturais e acadêmicos, sendo mencionado no todo ou em parte, editado ou
não.
______________, _______________________ de 200_.
__________________________________________
Depoente
373
ANEXO I – DECRETO-LEI Nº. 25 DE 30 DE NOVEMBRO DE 1937
DECRETO-LEI Nº. 25, DE 30 DE NOVEMBRO DE 1937.
Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional.
O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da atribuição que
lhe confere o art. 180 da Constituição,
DECRETA:
CAPÍTULO I
DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL
Art. 1º Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e
imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua
vinculação a fatos memoráveis da História do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
§ Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do
patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente num
dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei.
§ Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a
tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar
e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pelo
indústria humana.
Art. A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessoas naturais, bem como às
pessoas jurídicas de direito privado e de direito público interno.
Art. Excluem-se do patrimônio histórico e artístico nacional as obras de origem
estrangeira:
1) que pertençam às representações diplomáticas ou consulares acreditadas no país;
2) que adornem quaisquer veículos pertencentes a empresas estrangeiras, que façam
carreira no país;
3) que se incluam entre os bens referidos no art. 10 da Introdução do digo Civil, e que
continuam sujeitas à lei pessoal do proprietário;
4) que pertençam a casas de comércio de objetos históricos ou artísticos;
5) que sejam trazidas para exposições comemorativas, educativas ou comerciais:
6) que sejam importadas por empresas estrangeiras expressamente para adorno dos
respectivos estabelecimentos.
374
Parágrafo único. As obras mencionadas nas alíneas 4 e 5 terão guia de licença para livre
trânsito, fornecida pelo Serviço ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
CAPÍTULO II
DO TOMBAMENTO
Art. 4º O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional possuirá quatro Livros do
Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere o art. 1º desta lei, a saber:
1) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às
categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as
mencionadas no § 2º do citado art. 1º.
2) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interesse histórico e as obras de arte
histórica;
3) no Livro do Tombo das Belas Artes, as coisas de arte erudita, nacional ou estrangeira;
4) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das
artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras.
§ 1º Cada um dos Livros do Tombo poderá ter vários volumes.
§ Os bens, que se incluem nas categorias enumeradas nas alíneas 1, 2, 3 e 4 do
presente artigo, serão definidos e especificados no regulamento que for expedido para
execução da presente lei.
Art. O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se
fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas
deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa
tombada, a fim de produzir os necessários efeitos.
Art. O tombamento de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica de
direito privado se fará voluntária ou compulsoriamente.
Art. Proceder-se-à ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e a
coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio
histórico e artístico nacional, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à notificação, que
se lhe fizer, para a inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo.
Art. Proceder-se-á ao tombamento compulsório quando o proprietário se recusar a
anuir à inscrição da coisa.
Art. 9º O tombamento compulsório se fará de acôrdo com o seguinte processo:
1) o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por seu órgão competente,
notificará o proprietário para anuir ao tombamento, dentro do prazo de quinze dias, a contar do
recebimento da notificação, ou para, si o quiser impugnar, oferecer dentro do mesmo prazo as
razões de sua impugnação.
2) no caso de o haver impugnação dentro do prazo assinado. que é fatal, o diretor do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará por simples despacho que se
proceda à inscrição da coisa no competente Livro do Tombo.
375
3) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á vista da mesma,
dentro de outros quinze dias fatais, ao órgão de que houver emanado a iniciativa do
tombamento, a fim de sustentá-la. Em seguida, independentemente de custas, será o processo
remetido ao Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que
proferirá decisão a respeito, dentro do prazo de sessenta dias, a contar do seu recebimento.
Dessa decisão não caberá recurso.
Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. desta lei, será considerado
provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou
concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro do Tombo.
Parágrafo único. Para todas os efeitos, salvo a disposição do art. 13 desta lei, o
tombamento provisório se equiparará ao definitivo.
CAPÍTULO III
DOS EFEITOS DO TOMBAMENTO
Art. 11. As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios,
inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas entidades.
Parágrafo único. Feita a transferência, dela deve o adquirente dar imediato conhecimento
ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art. 12. A alienabilidade das obras históricas ou artísticas tombadas, de propriedade de
pessoas naturais ou jurídicas de direito privado sofrerá as restrições constantes da presente lei.
Art. 13. O tombamento definitivo dos bens de propriedade particular será, por iniciativa do
órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, transcrito para os
devidos efeitos em livro a cargo dos oficiais do registro de imóveis e averbado ao lado da
transcrição do domínio.
§ No caso de transferência de propriedade dos bens de que trata este artigo, deverá o
adquirente, dentro do prazo de trinta dias, sob pena de multa de dez por cento sobre o
respectivo valor, fazê-la constar do registro, ainda que se trate de transmissão judicial ou
causa mortis.
§ Na hipótese de deslocação de tais bens, deverá o proprietário, dentro do mesmo
prazo e sob pena da mesma multa, inscrevê-los no registro do lugar para que tiverem sido
deslocados.
§ A transferência deve ser comunicada pelo adquirente, e a deslocação pelo
proprietário, ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro do mesmo prazo e
sob a mesma pena.
Art. 14. A. coisa tombada não pode sair do país, senão por curto prazo, sem
transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art. 15. Tentada, a o ser no caso previsto no artigo anterior, a exportação, para fora do
país, da coisa tombada, será esta seqüestrada pela União ou pelo Estado em que se
encontrar.
§ Apurada a responsabilidade do proprietário, ser-lhe-á imposta a multa de cincoenta
por cento do valor da coisa, que permanecerá seqüestrada em garantia do pagamento, e a
que este se faça.
376
§ 2º No caso de reincidência, a multa será elevada ao dobro.
§ A pessoa que tentar a exportação de coisa tombada, alem de incidir na multa a que
se referem os parágrafos anteriores, incorrerá, nas penas cominadas no Código Penal para o
crime de contrabando.
Art. 16. No caso de extravio ou furto de qualquer objeto tombado, o respectivo proprietário
deverá dar conhecimento do fato ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
dentro do prazo de cinco dias, sob pena de multa de dez por cento sobre o valor da coisa.
Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou
mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cincoenta por cento do
dano causado.
Parágrafo único. Tratando-se de bens pertencentes á União, aos Estados ou aos
municípios, a autoridade responsável pela infração do presente artigo incorrerá pessoalmente
na multa.
Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a
visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra
ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cincoenta por cento do valor do mesmo
objeto.
Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder às
obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena
de multa correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido pela
mesma coisa.
§ Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará executá-las, a expensas da União,
devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis meses, ou providenciará para que
seja feita a desapropriação da coisa.
§ 2º À falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior, poderá o
proprietário requerer que seja cancelado o tombamento da coisa.
§ Uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e conservação ou
reparação em qualquer coisa tombada, poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional tomar a iniciativa de projetá-las e executá-las, a expensas da União,
independentemente da comunicação a que alude este artigo, por parte do proprietário.
Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná-los sempre que for julgado
conveniente, não podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar obstáculos à
inspeção, sob pena de multa de cem mil réis, elevada ao dobro em caso de reincidência.
Art. 21. Os atentados cometidos contra os bens de que trata o art. 1º desta lei são
equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional.
CAPÍTULO IV
DO DIREITO DE PREFERÊNCIA
377
Art. 22. Em face da alienação onerosa de bens tombados, pertencentes a pessoas
naturais ou a pessoas jurídicas de direito privado, a União, os Estados e os municípios terão,
nesta ordem, o direito de preferência.
§ Tal alienação não será permitida, sem que prèviamente sejam os bens oferecidos,
pelo mesmo preço, à União, bem como ao Estado e ao município em que se encontrarem. O
proprietário deverá notificar os titulares do direito de preferência a usá-lo, dentro de trinta dias,
sob pena de perdê-lo.
§ É nula alienação realizada com violação do disposto no parágrafo anterior, ficando
qualquer dos titulares do direito de preferência habilitado a seqüestrar a coisa e a impor a multa
de vinte por cento do seu valor ao transmitente e ao adquirente, que serão por ela
solidariamente responsáveis. A nulidade será pronunciada, na forma da lei, pelo juiz que
conceder o seqüestro, o qual será levantado depois de paga a multa e se qualquer dos
titulares do direito de preferência não tiver adquirido a coisa no prazo de trinta dias.
§ 3º O direito de preferência não inibe o proprietário de gravar livremente a coisa tombada,
de penhor, anticrese ou hipoteca.
§ 4º Nenhuma venda judicial de bens tombados se poderá realizar sem que, prèviamente,
os titulares do direito de preferência sejam disso notificados judicialmente, não podendo os
editais de praça ser expedidos, sob pena de nulidade, antes de feita a notificação.
§ Aos titulares do direito de preferência assistirá o direito de remissão, se dela não
lançarem mão, até a assinatura do auto de arrematação ou até a sentença de adjudicação, as
pessoas que, na forma da lei, tiverem a faculdade de remir.
§ 6º O direito de remissão por parte da União, bem como do Estado e do município em
que os bens se encontrarem, poderá ser exercido, dentro de cinco dias a partir da assinatura
do auto do arrematação ou da sentença de adjudicação, não se podendo extrair a carta,
enquanto não se esgotar este prazo, salvo se o arrematante ou o adjudicante for qualquer dos
titulares do direito de preferência.
CAPÍTULO V
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 23. O Poder Executivo providenciará a realização de acordos entre a União e os
Estados, para melhor coordenação e desenvolvimento das atividades relativas à proteção do
patrimônio histórico e artístico nacional e para a uniformização da legislação estadual
complementar sobre o mesmo assunto.
Art. 24. A União manterá, para a conservação e a exposição de obras históricas e
artísticas de sua propriedade, além do Museu Histórico Nacional e do Museu Nacional de Belas
Artes, tantos outros museus nacionais quantos se tornarem necessários, devendo outrossim
providenciar no sentido de favorecer a instituição de museus estaduais e municipais, com
finalidades similares.
Art. 25. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional procurará entendimentos
com as autoridades eclesiásticas, instituições científicas, históricas ou artísticas e pessoas
naturais o jurídicas, com o objetivo de obter a cooperação das mesmas em benefício do
patrimônio histórico e artístico nacional.
Art. 26. Os negociantes de antiguidades, de obras de arte de qualquer natureza, de
manuscritos e livros antigos ou raros são obrigados a um registro especial no Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cumprindo-lhes outrossim apresentar semestralmente
ao mesmo relações completas das coisas históricas e artísticas que possuírem.
378
Art. 27. Sempre que os agentes de leilões tiverem de vender objetos de natureza idêntica
à dos mencionados no artigo anterior, deverão apresentar a respectiva relação ao órgão
competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob pena de incidirem na
multa de cincoenta por cento sobre o valor dos objetos vendidos.
Art. 28. Nenhum objeto de natureza idêntica à dos referidos no art. 26 desta lei poderá ser
posto à venda pelos comerciantes ou agentes de leilões, sem que tenha sido previamente
autenticado pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou por perito em que o
mesmo se louvar, sob pena de multa de cincoenta por cento sobre o valor atribuído ao objeto.
Parágrafo único. A. autenticação do mencionado objeto será feita mediante o pagamento
de uma taxa de peritagem de cinco por cento sobre o valor da coisa, se este for inferior ou
equivalente a um conto de réis, e de mais cinco mil réis por conto de réis ou fração, que
exceder.
Art. 29. O titular do direito de preferência goza de privilégio especial sobre o valor
produzido em praça por bens tombados, quanto ao pagamento de multas impostas em virtude
de infrações da presente lei.
Parágrafo único. terão prioridade sobre o privilégio a que se refere este artigo os
créditos inscritos no registro competente, antes do tombamento da coisa pelo Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art. 30. Revogam-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1937, 116º da Independência e 49º da República.
GETULIO VARGAS.
Gustavo Capanema.
379
ANEXO II – DECRETO Nº. 3.551, DE 4 DE AGOSTO DE 2000.
DECRETO Nº. 3.551, DE 4 DE AGOSTO DE 2000.
Institui o Registro de Bens Culturais de
Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o
Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e
dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso
IV, e tendo em vista o disposto no art. 14 da Lei n
o
9.649, de 27 de maio de 1998,
D E C R E T A :
Art. 1
o
Fica instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro.
§ 1
o
Esse registro se fará em um dos seguintes livros:
I - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e modos de
fazer enraizados no cotidiano das comunidades;
II - Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que marcam a
vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida
social;
III - Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifestações
literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;
IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, santuários,
praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.
§ 2
o
A inscrição num dos livros de registro terá sempre como referência a continuidade
histórica do bem e sua relevância nacional para a memória, a identidade e a formação da
sociedade brasileira.
§ 3
o
Outros livros de registro poderão ser abertos para a inscrição de bens culturais de
natureza imaterial que constituam patrimônio cultural brasileiro e não se enquadrem nos livros
definidos no parágrafo primeiro deste artigo.
Art. 2
o
São partes legítimas para provocar a instauração do processo de registro:
I - o Ministro de Estado da Cultura;
II - instituições vinculadas ao Ministério da Cultura;
III - Secretarias de Estado, de Município e do Distrito Federal;
IV - sociedades ou associações civis.
380
Art. 3
o
As propostas para registro, acompanhadas de sua documentação técnica, serão
dirigidas ao Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, que as
submeterá ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.
§ 1
o
A instrução dos processos de registro será supervisionada pelo IPHAN.
§ 2
o
A instrução constará de descrição pormenorizada do bem a ser registrado,
acompanhada da documentação correspondente, e deverá mencionar todos os elementos que
lhe sejam culturalmente relevantes.
§ 3
o
A instrução dos processos poderá ser feita por outros órgãos do Ministério da
Cultura, pelas unidades do IPHAN ou por entidade, pública ou privada, que detenha
conhecimentos específicos sobre a matéria, nos termos do regulamento a ser expedido pelo
Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.
§ 4
o
Ultimada a instrução, o IPHAN emitirá parecer acerca da proposta de registro e
enviará o processo ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, para deliberação.
§ 5
o
O parecer de que trata o parágrafo anterior será publicado no Diário Oficial da União,
para eventuais manifestações sobre o registro, que deverão ser apresentadas ao Conselho
Consultivo do Patrimônio Cultural no prazo de até trinta dias, contados da data de publicação
do parecer.
Art. 4
o
O processo de registro, já instruído com as eventuais manifestações apresentadas,
será levado à decisão do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.
Art. 5
o
Em caso de decisão favorável do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, o
bem será inscrito no livro correspondente e receberá o título de "Patrimônio Cultural do Brasil".
Parágrafo único. Caberá ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural determinar a
abertura, quando for o caso, de novo Livro de Registro, em atendimento ao disposto nos
termos do § 3
o
do art. 1
o
deste Decreto.
Art. 6
o
Ao Ministério da Cultura cabe assegurar ao bem registrado:
I - documentação por todos os meios técnicos admitidos, cabendo ao IPHAN manter
banco de dados com o material produzido durante a instrução do processo.
II - ampla divulgação e promoção.
Art. 7
o
O IPHAN fará a reavaliação dos bens culturais registrados, pelo menos a cada dez
anos, e a encaminhará ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural para decidir sobre a
revalidação do título de "Patrimônio Cultural do Brasil".
Parágrafo único. Negada a revalidação, será mantido apenas o registro, como referência
cultural de seu tempo.
Art. 8
o
Fica instituído, no âmbito do Ministério da Cultura, o "Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial", visando à implementação de política específica de inventário,
referenciamento e valorização desse patrimônio.
Parágrafo único. O Ministério da Cultura estabelecerá, no prazo de noventa dias, as
bases para o desenvolvimento do Programa de que trata este artigo.
Art. 9
o
Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 4 de agosto de 2000; 179
o
da Independência e 112
o
da República.
381
ANEXO III – RESOLUÇÃO – RDC Nº. 216, DE 15 DE SETEMBRO DE 2004
RESOLUÇÃO-RDC N° 216, DE 15 DE SETEMBRO DE 2004
Dispõe sobre Regulamento Técnico de Boas Práticas
para Serviços de Alimentação.
A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no uso da atribuição que lhe
confere o art. 11, inciso IV, do Regulamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária,
aprovado pelo Decreto nº. 3.029, de 16 de abril de 1999, c/c o art. 8º, inciso IV, do Regimento
Interno aprovado pela Portaria nº. 593 de 25 de agosto de 2000, em reunião realizada em 13
de setembro de 2004, considerando a necessidade de constante aperfeiçoamento das ações
de controle sanitário na área de alimentos visando a proteção à saúde da população;
considerando a necessidade de harmonização da ação de inspeção sanitária em serviços de
alimentação;
considerando a necessidade de elaboração de requisitos higiênico-sanitários gerais para
serviços de alimentação aplicáveis em todo território nacional;
adota a seguinte Resolução de Diretoria Colegiada e eu, Diretor-Presidente, determino a sua
publicação:
Art. 1º Aprovar o Regulamento Técnico de Boas Práticas para Serviços de Alimentação.
Art. A presente Resolução pode ser complementada pelos órgãos de vigilância sanitária
estaduais, distrital e municipais visando abranger requisitos inerentes às realidades locais e
promover a melhoria das condições higiênico-sanitárias dos serviços de alimentação.
Art. Os estabelecimentos têm o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da data da
publicação, para se adequarem ao Regulamento Técnico constante do Anexo I desta
Resolução.
Art. 4º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Art. Fica revogada a Resolução CNNPA . 16, publicada no Diário Oficial da União em 28
de junho de 1978.
Art. 6º A inobservância ou desobediência ao disposto na presente Resolução configura infração
de natureza sanitária, na forma da Lei 6437, de 20 de agosto de 1977, sujeitando o infrator
às penalidades previstas nesse diploma legal.
CLÁUDIO MAIEROVITCH PESSANHA HENRIQUES
ANEXO
REGULAMENTO TÉCNICO DE BOAS PRÁTICAS PARA SERVIÇOS DE ALIMENTAÇÃO
1 - ALCANCE
1.1. Objetivo
382
Estabelecer procedimentos de Boas Práticas para serviços de alimentação a fim de garantir as
condições higiênico-sanitárias do alimento preparado.
1.2. Âmbito de Aplicação
Aplica-se aos serviços de alimentação que realizam algumas das seguintes atividades:
manipulação, preparação, fracionamento, armazenamento, distribuição, transporte, exposição
à venda e entrega de alimentos preparados ao consumo, tais como cantinas, bufês,
comissarias, confeitarias, cozinhas industriais, cozinhas institucionais, delicatéssens,
lanchonetes, padarias, pastelarias, restaurantes, rotisserias e congêneres.
As comissarias instaladas em Portos, Aeroportos, Fronteiras e Terminais Alfandegados devem,
ainda, obedecer aos regulamentos técnicos específicos.
Excluem-se deste Regulamento os lactários, as unidades de Terapia de Nutrição Enteral -
TNE, os bancos de leite humano, as cozinhas dos estabelecimentos assistenciais de saúde e
os estabelecimentos industriais abrangidos no âmbito do Regulamento Técnico sobre as
Condições Higiênico-Sanitárias e de Boas Práticas de Fabricação para Estabelecimentos
Produtores/Industrializadores de Alimentos.
2- DEFINIÇÕES
Para efeito deste Regulamento, considera-se:
2.1 Alimentos preparados: são alimentos manipulados e preparados em serviços de
alimentação, expostos à venda embalados ou não, subdividindo-se em três categorias:
a) Alimentos cozidos, mantidos quentes e expostos ao consumo;
b) Alimentos cozidos, mantidos refrigerados, congelados ou à temperatura ambiente, que
necessitam ou não de aquecimento antes do consumo;
c) Alimentos crus, mantidos refrigerados ou à temperatura ambiente, expostos ao consumo.
2.2 Anti-sepsia: operação que visa a redução de microrganismos presentes na pele em níveis
seguros, durante a lavagem das mãos com sabonete anti-séptico ou por uso de agente anti-
séptico após a lavagem e secagem das mãos.
2.3 Boas Práticas: procedimentos que devem ser adotados por serviços de alimentação a fim
de garantir a qualidade higiênico-sanitária e a conformidade dos alimentos com a legislação
sanitária.
2.4 Contaminantes: substâncias ou agentes de origem biológica, química ou física, estranhos
ao alimento, que sejam considerados nocivos à saúde humana ou que comprometam a sua
integridade.
2.5 Controle Integrado de Vetores e Pragas Urbanas: sistema que incorpora ações preventivas
e corretivas destinadas a impedir a atração, o abrigo, o acesso e ou a proliferação de vetores e
pragas urbanas que comprometam a qualidade higiênico-sanitária do ali-mento.
2.6 Desinfecção: operação de redução, por método sico e ou agente químico, do número de
microrganismos em nível que não comprometa a qualidade higiênico-sanitária do alimento.
2.7 Higienização: operação que compreende duas etapas, a limpeza e a desinfecção.
2.8 Limpeza: operação de remoção de substâncias minerais e ou orgânicas indesejáveis, tais
como terra, poeira, gordura e outras sujidades.
383
2.9 Manipulação de alimentos: operações efetuadas sobre a matéria-prima para obtenção e
entrega ao consumo do alimento preparado, envolvendo as etapas de preparação, embalagem,
armazenamento, transporte, distribuição e exposição à venda.
2.10 Manipuladores de alimentos: qualquer pessoa do serviço de alimentação que entra em
contato direto ou indireto com o alimento.
2.11 Manual de Boas Práticas: documento que descreve as operações realizadas pelo
estabelecimento, incluindo, no mínimo, os requisitos higiênico-sanitários dos edifícios, a
manutenção e higienização das instalações, dos equipamentos e dos utensílios, o controle da
água de abastecimento, o controle integrado de vetores e pragas urbanas, a capacitação
profissional, o controle da higiene e saúde dos manipuladores, o manejo de resíduos e o
controle e garantia de qualidade do alimento preparado.
2.12 Medida de controle: procedimento adotado com o objetivo de prevenir, reduzir a um vel
aceitável ou eliminar um agente físico, químico ou biológico que comprometa a qualidade
higiênico-sanitária do alimento.
2.13 Produtos perecíveis: produtos alimentícios, alimentos “in natura”, produtos semi-
preparados ou produtos preparados para o consumo que, pela sua natureza ou composição,
necessitam de condições especiais de temperatura para sua conservação.
2.14 Registro: consiste de anotação em planilha e ou documento, apresentando data e
identificação do funcionário responsável pelo seu preenchimento.
2.15 Resíduos: materiais a serem descartados, oriundos da área de preparação e das demais
áreas do serviço de alimentação.
2.16 Saneantes: substâncias ou preparações destinadas à higienização, desinfecção ou
desinfestação domiciliar, em ambientes coletivos e/ou públicos, em lugares de uso comum e no
tratamento de água.
2.17 Serviço de alimentação: estabelecimento onde o alimento é manipulado, preparado,
armazenado e ou exposto à venda, podendo ou não ser consumido no local.
2.18 Procedimento Operacional Padronizado - POP: procedimento escrito de forma objetiva
que estabelece instruções seqüenciais para a realização de operações rotineiras e específicas
na manipulação de alimentos.
3. REFERÊNCIAS
3.1 BRASIL. Decreto-Lei nº. 986, de 21 de outubro de 1969.
Institui Normas Básicas sobre Alimentos.
3.2 BRASIL. Lei nº. 6360, de 23 de setembro de 1976.
Dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os
insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos, e outras
providências.
3.3 BRASIL. Lei 6437, de 20 de agosto de 1977, e suas alterações. Configura infrações a
legislação sanitária federal, estabelece as sanções respectivas e dá outras providências.
3.4 BRASIL, Ministério da Saúde. Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Produtos
Saneantes Domissanitários. Portaria nº. 15, de 23 de agosto de 1988. Normas para Registro
dos Saneantes Domissanitários com Ação Antimicrobiana.
384
3.5 BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Organização e Desenvolvimento de
Serviços de Saúde. Programa de Controle de Infecção Hospitalar. LAVAR AS MÃOS:
INFORMAÇÕES PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE. 39 páginas na Impressão Original, il. -
Série A: Normas e Manuais Técnicos - 11, 1989.
3.6 BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária. Portaria nº. 1.428, de 26
de novembro de 1993. Regulamentos Técnicos sobre Inspeção Sanitária, Boas Práticas de
Produção/ Prestação de Serviços e Padrão de Identidade e Qualidade na Área de Alimentos.
3.7 BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária. Portaria nº. 152, de 26 de
fevereiro de 1999. Regulamento Técnico para Produtos destinados à Desinfecção de Água
para o Consumo Humano e de Produtos Algicidas e Fungicidas para Piscinas.
3.8 BRASIL, Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº. 3.523, de 28 de agosto de
1998. Regulamento Técnico contendo Medidas Básicas referentes aos Procedimentos de
Verificação Visual do Estado de Limpeza, Remoção de Sujidades por Métodos Físicos e
Manutenção do Estado de Integridade e Eficiência de todos os Componentes dos Sistemas de
Climatização, para garantir a Qualidade do Ar de Interiores e Prevenção de Riscos à Saúde
dos Ocupantes de Ambientes Climatizados.
3.9 BRASIL, Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução n° 105
de 19 de maio de 1999. Aprova os Regulamentos Técnicos: Disposições Gerais para
Embalagens e Equipamentos Plásticos em contato com Alimentos.
3.10 BRASIL, Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução .
211, de 18 de junho de 1999.
Altera os dispositivos das Normas para Registro dos Saneantes Domissanitários com Ação
Antimicrobiana.
3.11 BRASIL, Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução-RDC
nº. 18, de 29 de fevereiro de 2000. Dispõe sobre Normas Gerais para Funcionamento de
Empresas Especializadas na Prestação de Serviços de Controle de Vetores e Pragas Urbanas.
3.12 BRASIL, Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução-RDC
nº. 277, de 16 de abril de 2001.
Altera os dispositivos do Regulamento Técnico para Produtos destinados à Desinfecção de
Água para o Consumo Humano e de Produtos Algicidas e Fungicidas para Piscinas.
3.13 BRASIL, Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução-RDC
nº. 91, de 11 de maio de 2001. Aprova o Regulamento Técnico - Critérios Gerais e
Classificação de Materiais para Embalagens e Equipamentos em Contato com Alimentos
constante do Anexo desta Resolução.
3.14 BRASIL, Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução-RE nº.
9, de 16 de janeiro de 2003. Orientação Técnica Elaborada por Grupo Técnico Assessor sobre
Padrões Referenciais de Qualidade do Ar Interior em Ambientes Climatizados Artificialmente de
Uso Público e Coletivo.
3.15 BRASIL, Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº. 518, de 25 de março de
2004. Estabelece os Procedimentos e as Responsabilidades relativos ao Controle e Vigilância
da Qualidade da Água para Consumo Humano e seu Padrão de Potabilidade.
3.16 BRASIL, Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria de Segurança e Saúde no
Trabalho. Norma Regulamentadora nº. 7. Programa de Controle Médico de Saúde
Ocupacional.
385
3.17 CODEX ALIMENTARIUS. CAC/RCP 1-1969, Rev. 4, 2003. Recommended International
Code of Practice General Principles of Food Hygiene.
3.18 CODEX ALIMENTARIUS. CAC/RCP 39-1993. Code of Hygienic Practice for Precooked
and Cooked Foods in Mass Catering.
3.19 WORLD HEALTH ORGANIZATION. Genebra, 1999. Basic Food Safety for Health
Workers.
4 BOAS PRÁTICAS PARA SERVIÇOS DE ALIMENTAÇÃO
4.1 EDIFICAÇÃO, INSTALAÇÕES, EQUIPAMENTOS, MÓVEIS E UTENSÍLIOS
4.1.1 A edificação e as instalações devem ser projetadas de forma a possibilitar um fluxo
ordenado e sem cruzamentos em todas as etapas da preparação de alimentos e a facilitar as
operações de manutenção, limpeza e, quando for o caso, desinfecção. O acesso às
instalações deve ser controlado e independente, não comum a outros usos.
4.1.2 O dimensionamento da edificação e das instalações deve ser compatível com todas as
operações. Deve existir separação entre as diferentes atividades por meios físicos ou por
outros meios eficazes de forma a evitar a contaminação cruzada.
4.1.3 As instalações físicas como piso, parede e teto devem possuir revestimento liso,
impermeável e lavável. Devem ser mantidos íntegros, conservados, livres de rachaduras,
trincas, goteiras, vazamentos, infiltrações, bolores, descascamentos, dentre outros e não
devem transmitir contaminantes aos alimentos.
4.1.4 As portas e as janelas devem ser mantidas ajustadas aos batentes. As portas da área de
preparação e armazenamento de alimentos devem ser dotadas de fechamento automático. As
aberturas externas das áreas de armazenamento e preparação de alimentos, inclusive o
sistema de exaustão, devem ser providas de telas milimetradas para impedir o acesso de
vetores e pragas urbanas. As telas devem ser removíveis para facilitar a limpeza periódica.
4.1.5 As instalações devem ser abastecidas de água corrente e dispor de conexões com rede
de esgoto ou fossa séptica. Quando presentes, os ralos devem ser sifonados e as grelhas
devem possuir dispositivo que permitam seu fechamento.
4.1.6 As caixas de gordura e de esgoto devem possuir dimensão compatível ao volume de
resíduos, devendo estar localizadas fora da área de preparação e armazenamento de
alimentos e apresentar adequado estado de conservação e funcionamento.
4.1.7 As áreas internas e externas do estabelecimento devem estar livres de objetos em
desuso ou estranhos ao ambiente, não sendo permitida a presença de animais.
4.1.8 A iluminação da área de preparação deve proporcionar a visualização de forma que as
atividades sejam realizadas sem comprometer a higiene e as características sensoriais dos
alimentos. As luminárias localizadas sobre a área de preparação dos alimentos devem ser
apropriadas e estar protegidas contra explosão e quedas acidentais.
4.1.9 As instalações elétricas devem estar embutidas ou protegidas em tubulações externas e
íntegras de tal forma a permitir a higienização dos ambientes.
4.1.10 A ventilação deve garantir a renovação do ar e a manutenção do ambiente livre de
fungos, gases, fumaça, pós, partículas em suspensão, condensação de vapores dentre outros
que possam comprometer a qualidade higiênico-sanitária do alimento. O fluxo de ar não deve
incidir diretamente sobre os alimentos.
386
4.1.11 Os equipamentos e os filtros para climatização devem estar conservados. A limpeza dos
componentes do sistema de climatização, a troca de filtros e a manutenção programada e
periódica destes equipamentos devem ser registradas e realizadas conforme legislação
específica.
4.1.12 As instalações sanitárias e os vestiários o devem se comunicar diretamente com a
área de preparação e armazenamento de alimentos ou refeitórios, devendo ser mantidos
organizados e em adequado estado de conservação. As portas externas devem ser dotadas de
fechamento automático.
4.1.13 As instalações sanitárias devem possuir lavatórios e estar supridas de produtos
destinados à higiene pessoal tais como papel higiênico, sabonete líquido inodoro anti-séptico
ou sabonete líquido inodoro e produto anti-séptico e toalhas de papel não reciclado ou outro
sistema higiênico e seguro para secagem das mãos. Os coletores dos resíduos devem ser
dotados de tampa e acionados sem contato manual.
4.1.14 Devem existir lavatórios exclusivos para a higiene das mãos na área de manipulação,
em posições estratégicas em relação ao fluxo de preparo dos alimentos e em número
suficiente de modo a atender toda a área de preparação. Os lavatórios devem possuir
sabonete líquido inodoro anti-séptico ou sabonete líquido inodoro e produto anti-séptico,
toalhas de papel não reciclado ou outro sistema higiênico e seguro de secagem das mãos e
coletor de papel, acionado sem contato manual.
4.1.15 Os equipamentos, móveis e utensílios que entram em contato com alimentos devem ser
de materiais que não transmitam substâncias tóxicas, odores, nem sabores aos mesmos,
conforme estabelecido em legislação específica. Devem ser mantidos em adequando estado
de conservação e ser resistentes à corrosão e a repetidas operações de limpeza e
desinfecção.
4.1.16 Devem ser realizadas manutenção programada e periódica dos equipamentos e
utensílios e calibração dos instrumentos ou equipamentos de medição, mantendo registro da
realização dessas operações.
4.1.17 As superfícies dos equipamentos, veis e utensílios utilizados na preparação,
embalagem, armazenamento, transporte, distribuição e exposição à venda dos alimentos
devem ser lisas, impermeáveis, laváveis e estar isentas de rugosidades, frestas e outras
imperfeições que possam comprometer a higienização dos mesmos e serem fontes de
contaminação dos alimentos.
4.2 HIGIENIZAÇÃO DE INSTALAÇÕES, EQUIPAMENTOS, MÓVEIS E UTENSÍLIOS
4.2.1 As instalações, os equipamentos, os móveis e os utensílios devem ser mantidos em
condições higiênico-sanitárias apropriadas. As operações de higienização devem ser
realizadas por funcionários comprovadamente capacitados e com freqüência que garanta a
manutenção dessas condições e minimize o risco de contaminação do alimento.
4.2.2 As caixas de gordura devem ser periodicamente limpas. O descarte dos resíduos deve
atender ao disposto em legislação específica.
4.2.3 As operações de limpeza e, se for o caso, de desinfecção das instalações e
equipamentos, quando não forem realizadas rotineiramente, devem ser registradas.
4.2.4 A área de preparação do alimento deve ser higienizada quantas vezes forem necessárias
e imediatamente após o término do trabalho. Devem ser tomadas precauções para impedir a
contaminação dos alimentos causada por produtos saneantes, pela suspensão de partículas e
pela formação de aerossóis. Substâncias odorizantes e ou desodorantes em quaisquer das
suas formas não devem ser utilizadas nas áreas de preparação e armazenamento dos
alimentos.
387
4.2.5 Os produtos saneantes utilizados devem estar regularizados pelo Ministério da Saúde. A
diluição, o tempo de contato e modo de uso/aplicação dos produtos saneantes devem
obedecer às instruções recomendadas pelo fabricante. Os produtos saneantes devem ser
identificados e guardados em local reservado para essa finalidade.
4.2.6 Os utensílios e equipamentos utilizados na higienização devem ser próprios para a
atividade e estar conservados, limpos e disponíveis em número suficiente e guardados em
local reservado para essa finalidade. Os utensílios utilizados na higienização de instalações
devem ser distintos daqueles usados para higienização das partes dos equipamentos e
utensílios que entrem em contato com o alimento.
4.2.7 Os funcionários responsáveis pela atividade de higienização das instalações sanitárias
devem utilizar uniformes apropriados e diferenciados daqueles utilizados na manipulação de
alimentos.
4.3 CONTROLE INTEGRADO DE VETORES E PRAGAS URBANAS
4.3.1 A edificação, as instalações, os equipamentos, os móveis e os utensílios devem ser livres
de vetores e pragas urbanas. Deve existir um conjunto de ações eficazes e contínuas de
controle de vetores e pragas urbanas, com o objetivo de impedir a atração, o abrigo, o acesso
e ou proliferação dos mesmos.
4.3.2 Quando as medidas de prevenção adotadas não forem eficazes, o controle químico deve
ser empregado e executado por empresa especializada, conforme legislação específica, com
produtos desinfestantes regularizados pelo Ministério da Saúde.
4.3.3 Quando da aplicação do controle químico, a empresa especializada deve estabelecer
procedimentos pré e stratamento a fim de evitar a contaminação dos alimentos,
equipamentos e utensílios. Quando aplicável, os equipamentos e os utensílios, antes de serem
reutilizados, devem ser higienizados para a remoção dos resíduos de produtos desinfestantes.
4.4 ABASTECIMENTO DE ÁGUA
4.4.1 Deve ser utilizada somente água potável para manipulação de alimentos. Quando
utilizada solução alternativa de abastecimento de água, a potabilidade deve ser atestada
semestralmente mediante laudos laboratoriais, sem prejuízo de outras exigências previstas em
legislação específica.
4.4.2 O gelo para utilização em alimentos deve ser fabricado a partir de água potável, mantido
em condição higiênico-sanitária que evite sua contaminação.
4.4.3 O vapor, quando utilizado em contato direto com alimentos ou com superfícies que
entrem em contato com alimentos, deve ser produzido a partir de água potável e não pode
representar fonte de contaminação.
4.4.4 O reservatório de água deve ser edificado e ou revestido de materiais que não
comprometam a qualidade da água, conforme legislação específica. Deve estar livre de
rachaduras, vazamentos, infiltrações, descascamentos dentre outros defeitos e em adequado
estado de higiene e conservação, devendo estar devidamente tampado. O reservatório de
água deve ser higienizado, em um intervalo máximo de seis meses, devendo ser mantidos
registros da operação.
4.5 MANEJO DOS RESÍDUOS
4.5.1 O estabelecimento deve dispor de recipientes identificados e íntegros, de cil
higienização e transporte, em número e capacidade suficientes para conter os resíduos.
388
4.5.2 Os coletores utilizados para deposição dos resíduos das áreas de preparação e
armazenamento de alimentos devem ser dotados de tampas acionadas sem contato manual.
4.5.3 Os resíduos devem ser freqüentemente coletados e estocados em local fechado e isolado
da área de preparação e armazenamento dos alimentos, de forma a evitar focos de
contaminação e atração de vetores e pragas urbanas.
4.6 MANIPULADORES
4.6.1 O controle da saúde dos manipuladores deve ser registrado e realizado de acordo com a
legislação específica.
4.6.2 Os manipuladores que apresentarem lesões e ou sintomas de enfermidades que possam
comprometer a qualidade higiênico-sanitária dos alimentos devem ser afastados da atividade
de preparação de alimentos enquanto persistirem essas condições de saúde.
4.6.3 Os manipuladores devem ter asseio pessoal, apresentando-se com uniformes
compatíveis à atividade, conservados e limpos. Os uniformes devem ser trocados, no mínimo,
diariamente e usados exclusivamente nas dependências internas do estabelecimento. As
roupas e os objetos pessoais devem ser guardados em local específico e reservado para esse
fim.
4.6.4 Os manipuladores devem lavar cuidadosamente as mãos ao chegar ao trabalho, antes e
após manipular alimentos, após qualquer interrupção do serviço, após tocar materiais
contaminados, após usar os sanitários e sempre que se fizer necessário. Devem ser afixados
cartazes de orientação aos manipuladores sobre a correta lavagem e antisepsia das mãos e
demais bitos de higiene, em locais de fácil visualização, inclusive nas instalações sanitárias
e lavatórios.
4.6.5 Os manipuladores não devem fumar, falar desnecessariamente, cantar, assobiar,
espirrar, cuspir, tossir, comer, manipular dinheiro ou praticar outros atos que possam
contaminar o alimento, durante o desempenho das atividades.
4.6.6 Os manipuladores devem usar cabelos presos e protegidos por redes, toucas ou outro
acessório apropriado para esse fim, não sendo permitido o uso de barba. As unhas devem
estar curtas e sem esmalte ou base. Durante a manipulação, devem ser retirados todos os
objetos de adorno pessoal e a maquiagem.
4.6.7 Os manipuladores de alimentos devem ser supervisionados e capacitados
periodicamente em higiene pessoal, em manipulação higiênica dos alimentos e em doenças
transmitidas por alimentos. A capacitação deve ser comprovada mediante documentação.
4.6.8 Os visitantes devem cumprir os requisitos de higiene e de saúde estabelecidos para os
manipuladores.
4.7 MATÉRIAS-PRIMAS, INGREDIENTES E EMBALAGENS
4.7.1 Os serviços de alimentação devem especificar os critérios para avaliação e seleção dos
fornecedores de matérias-primas, ingredientes e embalagens. O transporte desses insumos
deve ser realizado em condições adequadas de higiene e conservação.
4.7.2 A recepção das matérias-primas, dos ingredientes e das embalagens deve ser realizada
em área protegida e limpa. Devem ser adotadas medidas para evitar que esses insumos
contaminem o alimento preparado.
4.7.3 As matérias-primas, os ingredientes e as embalagens devem ser submetidos à inspeção
e aprovados na recepção. As embalagens primárias das matérias-primas e dos ingredientes
389
devem estar íntegras. A temperatura das matérias-primas e ingredientes que necessitem de
condições especiais de conservação deve ser verificada nas etapas de recepção e de
armazenamento.
4.7.4 Os lotes das matérias-primas, dos ingredientes ou das embalagens reprovados ou com
prazos de validade vencidos devem ser imediatamente devolvidos ao fornecedor e, na
impossibilidade, devem ser devidamente identificados e armazenados separadamente. Deve
ser determinada a destinação final dos mesmos.
4.7.5 As matérias-primas, os ingredientes e as embalagens devem ser armazenados em local
limpo e organizado, de forma a garantir proteção contra contaminantes. Devem estar
adequadamente acondicionados e identificados, sendo que sua utilização deve respeitar o
prazo de validade. Para os alimentos dispensados da obrigatoriedade da indicação do prazo de
validade, deve ser observada a ordem de entrada dos mesmos.
4.7.6 As matérias-primas, os ingredientes e as embalagens devem ser armazenados sobre
paletes, estrados e ou prateleiras, respeitando-se o espaçamento mínimo necessário para
garantir adequada ventilação, limpeza e, quando for o caso, desinfecção do local. Os paletes,
estrados e ou prateleiras devem ser de material liso, resistente, impermeável e lavável.
4.8 PREPARAÇÃO DO ALIMENTO
4.8.1 As matérias-primas, os ingredientes e as embalagens utilizados para preparação do
alimento devem estar em condições higiênico-sanitárias adequadas e em conformidade com a
legislação específica.
4.8.2 O quantitativo de funcionários, equipamentos, móveis e ou utensílios disponíveis devem
ser compatíveis com volume, diversidade e complexidade das preparações alimentícias.
4.8.3 Durante a preparação dos alimentos, devem ser adotadas medidas a fim de minimizar o
risco de contaminação cruzada. Deve-se evitar o contato direto ou indireto entre alimentos
crus, semi-preparados e prontos para o consumo.
4.8.4 Os funcionários que manipulam alimentos crus devem realizar a lavagem e a anti-sepsia
das mãos antes de manusear alimentos preparados.
4.8.5 As matérias-primas e os ingredientes caracterizados como produtos perecíveis devem ser
expostos à temperatura ambiente somente pelo tempo mínimo necessário para a preparação
do alimento, a fim de não comprometer a qualidade higiênico-sanitária do alimento preparado.
4.8.6 Quando as matérias-primas e os ingredientes não forem utilizados em sua totalidade,
devem ser adequadamente acondicionados e identificados com, no mínimo, as seguintes
informações: designação do produto, data de fracionamento e prazo de validade após a
abertura ou retirada da embalagem original.
4.8.7 Quando aplicável, antes de iniciar a preparação dos alimentos, deve-se proceder à
adequada limpeza das embalagens primárias das matérias-primas e dos ingredientes,
minimizando o risco de contaminação.
4.8.8 O tratamento térmico deve garantir que todas as partes do alimento atinjam a
temperatura de, no mínimo, 70ºC (setenta graus Celsius). Temperaturas inferiores podem ser
utilizadas no tratamento rmico desde que as combinações de tempo e temperatura sejam
suficientes para assegurar a qualidade higiênico-sanitária dos alimentos.
4.8.9 A eficácia do tratamento térmico deve ser avaliada pela verificação da temperatura e do
tempo utilizados e, quando aplicável, pelas mudanças na textura e cor na parte central do
alimento.
390
4.8.10 Para os alimentos que forem submetidos à fritura, além dos controles estabelecidos
para um tratamento térmico, deve-se instituir medidas que garantam que o óleo e a gordura
utilizados não constituam uma fonte de contaminação química do alimento preparado.
4.8.11 Os óleos e gorduras utilizados devem ser aquecidos a temperaturas não superiores a
180ºC (cento e oitenta graus Celsius), sendo substituídos imediatamente sempre que houver
alteração evidente das características físico-químicas ou sensoriais, tais como aroma e sabor,
e formação intensa de espuma e fumaça.
4.8.12 Para os alimentos congelados, antes do tratamento térmico, deve-se proceder ao
descongelamento, a fim de garantir adequada penetração do calor. Excetuam-se os casos em
que o fabricante do alimento recomenda que o mesmo seja submetido ao tratamento térmico
ainda congelado, devendo ser seguidas as orientações constantes da rotulagem.
4.8.13 O descongelamento deve ser conduzido de forma a evitar que as áreas superficiais dos
alimentos se mantenham em condições favoráveis à multiplicação microbiana. O
descongelamento deve ser efetuado em condições de refrigeração à temperatura inferior a 5ºC
(cinco graus Celsius) ou em forno de microondas quando o alimento for submetido
imediatamente à cocção.
4.8.14 Os alimentos submetidos ao descongelamento devem ser mantidos sob refrigeração se
não forem imediatamente utilizados, não devendo ser recongelados.
4.8.15 Após serem submetidos à cocção, os alimentos preparados devem ser mantidos em
condições de tempo e de temperatura que não favoreçam a multiplicação microbiana. Para
conservação a quente, os alimentos devem ser submetidos à temperatura superior a 60ºC
(sessenta graus Celsius) por, no máximo, 6 (seis) horas. Para conservação sob refrigeração ou
congelamento, os alimentos devem ser previamente submetidos ao processo de resfriamento.
4.8.16 O processo de resfriamento de um alimento preparado deve ser realizado de forma a
minimizar o risco de contaminação cruzada e a permanência do mesmo em temperaturas que
favoreçam a multiplicação microbiana. A temperatura do alimento preparado deve ser reduzida
de 60ºC (sessenta graus Celsius) a 10ºC (dez graus Celsius) em até duas horas. Em seguida,
o mesmo deve ser conservado sob refrigeração a temperaturas inferiores a 5ºC (cinco graus
Celsius), ou congelado à temperatura igual ou inferior a -18ºC (dezoito graus Celsius
negativos).
4.8.17 O prazo máximo de consumo do alimento preparado e conservado sob refrigeração a
temperatura de 4ºC (quatro graus Celsius), ou inferior, deve ser de 5 (cinco) dias. Quando
forem utilizadas temperaturas superiores a C (quatro graus Celsius) e inferiores a 5ºC (cinco
graus Celsius), o prazo máximo de consumo deve ser reduzido, de forma a garantir as
condições higiênico-sanitárias do alimento preparado.
4.8.18 Caso o alimento preparado seja armazenado sob refrigeração ou congelamento deve-se
apor no invólucro do mesmo, no mínimo, as seguintes informações: designação, data de
preparo e prazo de validade. A temperatura de armazenamento deve ser regularmente
monitorada e registrada.
4.8.19 Quando aplicável, os alimentos a serem consumidos crus devem ser submetidos a
processo de higienização a fim de reduzir a contaminação superficial. Os produtos utilizados na
higienização dos alimentos devem estar regularizados no órgão competente do Ministério da
Saúde e serem aplicados de forma a evitar a presença de resíduos no alimento preparado.
4.8.20 O estabelecimento deve implementar e manter documentado o controle e garantia da
qualidade dos alimentos preparados.
4.9 ARMAZENAMENTO E TRANSPORTE DO ALIMENTO PREPARADO
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4.9.1 Os alimentos preparados mantidos na área de armazenamento ou aguardando o
transporte devem estar identificados e protegidos contra contaminantes. Na identificação deve
constar, no mínimo, a designação do produto, a data de preparo e o prazo de validade.
4.9.2 O armazenamento e o transporte do alimento preparado, da distribuição até a entrega ao
consumo, deve ocorrer em condições de tempo e temperatura que não comprometam sua
qualidade higiênico-sanitária. A temperatura do alimento preparado deve ser monitorada
durante essas etapas.
4.9.3 Os meios de transporte do alimento preparado devem ser higienizados, sendo adotadas
medidas a fim de garantir a ausência de vetores e pragas urbanas. Os veículos devem ser
dotados de cobertura para proteção da carga, não devendo transportar outras cargas que
comprometam a qualidade higiênico-sanitária do alimento preparado.
4.10 EXPOSIÇÃO AO CONSUMO DO ALIMENTO PREPARADO
4.10.1 As áreas de exposição do alimento preparado e de consumação ou refeitório devem ser
mantidas organizadas e em adequadas condições higiênico-sanitárias. Os equipamentos,
móveis e utensílios disponíveis nessas áreas devem ser compatíveis com as atividades, em
número suficiente e em adequado estado de conservação.
4.10.2 Os manipuladores devem adotar procedimentos que minimizem o risco de
contaminação dos alimentos preparados por meio da anti-sepsia das mãos e pelo uso de
utensílios ou luvas descartáveis.
4.10.3 Os equipamentos necessários à exposição ou distribuição de alimentos preparados sob
temperaturas controladas, devem ser devidamente dimensionados, e estar em adequado
estado de higiene, conservação e funcionamento. A temperatura desses equipamentos deve
ser regularmente monitorada.
4.10.4 O equipamento de exposição do alimento preparado na área de consumação deve
dispor de barreiras de proteção que previnam a contaminação do mesmo em decorrência da
proximidade ou da ação do consumidor e de outras fontes.
4.10.5 Os utensílios utilizados na consumação do alimento, tais como pratos, copos, talheres,
devem ser descartáveis ou, quando feitos de material não-descartável, devidamente
higienizados, sendo armazenados em local protegido.
4.10.6 Os ornamentos e plantas localizados na área de consumação ou refeitório não devem
constituir fonte de contaminação para os alimentos preparados.
4.10.7 A área do serviço de alimentação onde se realiza a atividade de recebimento de
dinheiro, cartões e outros meios utilizados para o pagamento de despesas, deve ser reservada.
Os funcionários responsáveis por essa atividade o devem manipular alimentos preparados,
embalados ou não.
4.11 DOCUMENTAÇÃO E REGISTRO
4.11.1 Os serviços de alimentação devem dispor de Manual de Boas Práticas e de
Procedimentos Operacionais Padronizados. Esses documentos devem estar acessíveis aos
funcionários envolvidos e disponíveis à autoridade sanitária, quando requerido.
4.11.2 Os POP devem conter as instruções seqüenciais das operações e a freqüência de
execução, especificando o nome, o cargo e ou a função dos responsáveis pelas atividades.
Devem ser aprovados, datados e assinados pelo responsável do estabelecimento.
392
4.11.3 Os registros devem ser mantidos por período mínimo de 30 (trinta) dias contados a partir
da data de preparação dos alimentos.
4.11.4 Os serviços de alimentação devem implementar Procedimentos Operacionais
Padronizados relacionados aos seguintes itens:
a) Higienização de instalações, equipamentos e móveis;
b) Controle integrado de vetores e pragas urbanas;
c) Higienização do reservatório;
d) Higiene e saúde dos manipuladores.
4.11.5 Os POP referentes às operações de higienização de instalações, equipamentos e
móveis devem conter as seguintes informações: natureza da superfície a ser higienizada,
método de higienização, princípio ativo selecionado e sua concentração, tempo de contato dos
agentes químicos e ou físicos utilizados na operação de higienização, temperatura e outras
informações que se fizerem necessárias. Quando aplicável, os POP devem contemplar a
operação de desmonte dos equipamentos.
4.11.6 Os POP relacionados ao controle integrado de vetores e pragas urbanas devem
contemplar as medidas preventivas e corretivas destinadas a impedir a atração, o abrigo, o
acesso e ou a proliferação de vetores e pragas urbanas. No caso da adoção de controle
químico, o estabelecimento deve apresentar comprovante de execução de serviço fornecido
pela empresa especializada contratada, contendo as informações estabelecidas em legislação
sanitária específica.
4.11.7 Os POP referentes à higienização do reservatório devem especificar as informações
constantes do item 4.11.5, mesmo quando realizada por empresa terceirizada e, neste caso,
deve ser apresentado o certificado de execução do serviço.
4.11.8 Os POP relacionados à higiene e saúde dos manipuladores devem contemplar as
etapas, a freqüência e os princípios ativos usados na lavagem e anti-sepsia das mãos dos
manipuladores, assim como as medidas adotadas nos casos em que os manipuladores
apresentem lesão nas mãos, sintomas de enfermidade ou suspeita de problema de saúde que
possa comprometer a qualidade higiênico-sanitária dos alimentos. Deve-se especificar os
exames aos quais os manipuladores de alimentos o submetidos, bem como a periodicidade
de sua execução. O programa de capacitação dos manipuladores em higiene deve ser
descrito, sendo determinada a carga horária, o conteúdo programático e a freqüência de sua
realização, mantendo-se em arquivo os registros da participação nominal dos funcionários.
4.12. RESPONSABILIDADE
4.12.1. O responsável pelas atividades de manipulação dos alimentos deve ser o proprietário
ou funcionário designado, devidamente capacitado, sem prejuízo dos casos onde previsão
legal para responsabilidade técnica.
4.12.2. O responsável pelas atividades de manipulação dos alimentos deve ser
comprovadamente submetido a curso de capacitação, abordando, no mínimo, os seguintes
temas:
a) Contaminantes alimentares;
b) Doenças transmitidas por alimentos;
c) Manipulação higiênica dos alimentos;
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d) Boas Práticas.
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