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FABIO PONTAROLO
DEGREDO INTERNO E INCORPORAÇÃO NO BRASIL MERIDIONAL:
TRAJETÓRIAS DE DEGREDADOS EM GUARAPUAVA, SÉCULO XIX
CURITIBA
2007
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2
FABIO PONTAROLO
DEGREDO INTERNO E INCORPORAÇÃO NO BRASIL MERIDIONAL:
TRAJETÓRIAS DE DEGREDADOS EM GUARAPUAVA, SÉCULO XIX
Dissertação apresentada ao Programa de s-
Graduação em História, Setor de Ciências
Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal
do Paraná, como requisito parcial para a
obtenção do título de mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Medeiros
Lima
CURITIBA
2007
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3
RESUMO
Esta pesquisa tem como premissa a reconstituição de trajetórias de vida de degredados
remetidos para a povoação de Guarapuava, na capitania e depois província de São Paulo,
durante o século XIX. Depois do desembarque da Coroa Portuguesa no Rio de Janeiro em
1808, o príncipe regente D. João assinou a Carta Régia de de abril de 1809, aprovando o
plano de povoar os Campos de Guarapuava. Dentre as ordens recebidas pelo governo da
Capitania de São Paulo, da qual faziam parte os campos de Guarapuava, está o envio de todos
os criminosos e criminosas condenados a degredo da Capitania para a região. Após a análise
dos aspectos institucionais que permitiram esses envios e a colonização da área, são
interpretados os dados sobre as trajetórias dos degredados enviados, os quais permitem
questionamentos e problematizações a respeito do processo de incorporação dessas pessoas
em meio aos demais colonos e aos indígenas kaingang do local. A reconstrução dessas
trajetórias proporcionou visualizar, sob outro ângulo, os processos incorporativos em uma
área de fronteira no Brasil oitocentista, envolvendo degredados, indígenas e colonos
residentes em Guarapuava.
Palavras-chave: Degredo, incorporação, povoamento, indígenas, colonos.
4
ABSTRACT
This research main reconstitute the way of life of the degredados (outcasts) remitted to the
population of Guarapuava, in the capitania and after province of São Paulo, during the
eighteenth century. After Portuguese arrives in Rio de Janeiro in 1808, the regent prince D.
João signed the Carta Régia of April first 1809, approving the plan to populate Guarapuava.
In spite of the demanding received by the government of the capitania of São Paulo, they
ordered to send all the criminals from de capitania to the new land. After the analysis of the
institutional aspects that permitted sending criminals and the colonization of the area, I
interpret the notes about the trajectories of degredados sent, which allow questions and
problematize about the incorporation process between local colonists and kaingang natives.
The reconstruction of these trajectories means to show, on the other hand, the incorporative
process on frontier areas in Brazil eighteenth century.
Key-words: Degredo, incorporation, populate, kaingang natives, colonists.
5
Dedico este trabalho a Benjamin Cardoso
Teixeira (In memoriam), pelo empenho e
dedicação que teve em arquivar um tesouro
precioso de documentos, com os quais a região
de Guarapuava tem sua identidade histórica
mais completa.
6
AGRADECIMENTOS
Durante todo o período do mestrado, dos créditos à escrita da dissertação, contei com a
ajuda de muitas pessoas. Mais que um esforço individual, essa pesquisa é o resultado de um
apoio coletivo. Agradeço primeiramente a Deus, por me conceder energia e disposição para
realizar esse trabalho, transpondo obstáculos e dificuldades. À minha família, pelo apoio em
todos os momentos. À Lui, por tudo e por compartilhar a vida comigo, me ajudando sempre.
Ao professor Carlos Alberto Medeiros Lima, dedicado e competente, por acreditar no
potencial da pesquisa e a quem devo muitas das reflexões que me foram fundamentais na
execução do trabalho. Deixo também meus sinceros e profundos agradecimentos a Murilo
Walter Teixeira, pela amizade, pelas conversas sempre muito agradáveis e por apresentar a
documentação fundamental à problematização da pesquisa, arquivada por seu pai, Benjamin
Cardoso Teixeira, sem a qual pouco saberíamos sobre esses degredados. À minha prima Lisa,
pela ajuda com o abstract da dissertação.
Ao professor Geraldo Pieroni, pelo apoio, leitura e sugestões ao projeto inicial de
pesquisa, e pelo fornecimento de textos importantes ao seu andamento. Ao professor Thimoty
Coates, pelos textos e pertinentes sugestões com relação aos primeiros resultados.
Às professoras Icléia Thiesen (UNIRIO), Ana Maria de Oliveira Burmester e Ana
Paula Vosne Martins, pelas sugestões e textos, assim como a todos os professores da s-
Graduação em História da UFPR com quem pude conviver durante o período dos créditos.
Agradeço especialmente aos professores José Roberto Braga Portela, Sérgio Odilon Nadalin e
Maria Regina Celestino de Almeida (UFF) que, seja no exame de qualificação ou na defesa,
contribuíram com ponderações pertinentes à melhoria do trabalho final.
À Fabrícia bia Guimarães de Souza Noronha e Silvana Cassab Jeha, pelo envio de
suas dissertações, fundamentais para o enriquecimento do debate na pesquisa. Agradeço
profundamente a Tatiana Takatuzi e a profª Zeloí Aparecida Martins dos Santos pelo envio de
seus trabalhos e pelas pias digitais dos documentos do Arquivo Público de São Paulo, onde
encontrei dados importantíssimos para a pesquisa.
À professora e amiga Terezinha Saldanha, pelos livros e palavras de incentivo. Aos
colegas da Unicentro e também pesquisadores da temática do degredo, Maristela Toma e
Francisco Ferreira nior, em especial ao Xico, pelas conversas e trocas de informações que
permitiram em muitos pontos o enriquecimento dessa pesquisa. Também agradeço
sinceramente ao amigo Cristiano Durat, pelos livros e dados importantíssimos para o
desenvolvimento do trabalho.
7
Não posso esquecer das pessoas que me receberam em todos os arquivos onde
pesquisei: Arquivo Público do Paraná, Catedral Nossa Senhora de Belém, Cartório de Notas
Gouveia, Arquivo da mara de Vereadores de Guarapuava, Museu do Tropeiro, rculo de
Estudos Bandeirantes, Arquivo Municipal de Guarapuava e Cedope, pela atenção recebida e
presteza no fornecimento das informações. Da mesma forma, agradeço à secretária da s-
Graduação em História da UFPR, Maria Cristina, pela ajuda nos tortuosos passos da
burocracia acadêmica.
Por fim, agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico Cnpq, pelo financiamento de boa parte da pesquisa, assim como a todos que
o estão nominalmente citados, mas que contribuíram de alguma forma para a realização
desse trabalho.
8
SUMÁRIO
Lista de abreviaturas........................................................................................................09
Índice de tabelas, gráficos, mapas e figuras...................................................................10
Introdução..........................................................................................................................11
1. Capítulo 1
Degredo, incorporação e povoamento na Capitania de São Paulo.........................24
1.1 As bandeiras militares para os Campos de Guarapuava no século XVIII..............27
1.2 A Junta da Real Expedição de Guarapuava no século XIX....................................35
1.3 A Junta de Justiça de São Paulo e as “Cartas de Guia”..........................................50
2. Capítulo 2
Processos assimilativos de degredados enviados para Guarapuava.......................58
2.1 Incorporação e casamento.......................................................................................59
2.2 Trajetórias de incorporação e casamentos pressupostos.........................................92
2.3 Trajetórias de incorporação desvinculadas de uniões matrimoniais.......................96
3. Capítulo 3
Processos assimilativos falhos ou pouco documentados........................................101
3.1 Alianças de Fuga: Relações e estratégias de fuga de degredados.........................101
3.2 Os tribunais da Corte e as comutações de pena....................................................112
3.3 Degredados com senteas curtas ou mistas........................................................122
3.4 Degredo e suplício: condenados ao baraço e pregão............................................125
3.5 Trajetórias indeterminadas....................................................................................132
4. Considerações Finais...................................................................................................136
5. Fontes Manuscritas.....................................................................................................142
6. Bibliografia..................................................................................................................144
9
LISTA DE ABREVIATURAS
AESP - Arquivo do Estado de São Paulo
DI - Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo
RIHGB -Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
ANRJ - Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
10
ÍNDICE DE TABELAS, GRÁFICOS, MAPAS E FIGURAS
Gráfico I: Freqüência de entrada de 48 degredados enviados para Guarapuava......................16
Tabela I: Formação populacional de Guarapuava (1825-1872)..............................................17
Mapa 1: Rota das expedições militares enviadas aos sertões do Tibagi – século XVIII..........33
Mapa 2: Caminho do Viamão e rota das tropas da Real Expedição e Conquista dos Campos
de Guarapuava no século XIX..................................................................................................40
Figura 1: Aquarela da Povoação de Guarapuava entre as décadas de 1820 e 1840.................49
11
INTRODUÇÃO
Este é um trabalho sobre a trajetória de vida de degredados remetidos para a
povoação de Guarapuava, ao sul da então capitania de São Paulo, durante a primeira metade
do XIX. Reflete também sobre a prática do degredo, mais especificamente sobre o degredo
interno no Brasil Colônia e Império. Para definir especificamente o objeto de estudo, vale
dizer que o degredo, conforme conceituação utilizada por Maristela Toma
1
, consistia numa
forma de expulsão penal prevista pela Justiça secular e eclesiástica da Coroa lusitana, onde o
condenado era obrigado a sair do local onde cometera seu crime, sendo enviado para outro
terririo pertencente ao reino, onde deveria permanecer por tempo determinado ou
perpetuamente. No caso do degredo interno praticado no Brasil oitocentista, os degredados
provinham de capitanias e depois províncias da própria colônia ou império.
Entretanto, o foco central da análise e a tipologia da documentação investigada
trazem diferenças fundamentais para este estudo em relação às pesquisas sobre o tema
realizadas, as quais encerram suas análises no momento do envio dos condenados para seus
locais de degredo
2
. Esta pesquisa tem seu foco maior de análise justamente a partir do
momento de chegada dos degredados ao local onde deveriam cumprir suas penas à
povoação de Guarapuava. As fontes utilizadas foram coletadas até que se formasse um corpo
documental, em arquivos blicos e privados das cidades de Guarapuava, Curitiba, Rio de
Janeiro e principalmente no Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Códigos penais e documentos governamentais expedidos pelo Governo Imperial e da
Capitania e depois Proncia de São Paulo e Proncia do Paraná, regulamentando ou
informando sobre o envio dos condenados para a região, além das cartas de guia de trinta e
um condenados, permitiram a análise dos passos da implantação e algumas diretrizes do
funcionamento da prática do degredo para Guarapuava, de sua instituição ao seu
encerramento.
Pessoas condenadas a degredo estiveram presentes nos Campos de Guarapuava desde
as primeiras tentativas de conquista e povoamento da região, ainda na segunda metade do
século XVIII. Malograda a primeira tentativa de conquista da região no século XVIII em
função da potica de povoamento pombalina, as próximas ações coloniais naquela porção do
1
TOMA, Maristela. Imagens do degredo: história, legislação e imaginário (a pena de degredo nas Ordenações
Filipinas). (dissertação de mestrado). Campinas: Unicamp, 2002.
2
PIERONI, Geraldo. Os excluídos do Reino. Brasília: Editora da UnB; 2000; e COATES, Thimoty J.
Degredados e Órfãs: colonização dirigida pela coroa no império português. 1550-1755. Lisboa: CNCDP, 1998.
12
Brasil meridional se deram com o desembarque da Corte portuguesa no Rio de Janeiro em
1808, através da Carta Régia de 1º de abril de 1809
3
.
Sessenta pessoas, na sua maioria homens, chegaram por ordens da Justiça secular do
Brasil Colônia e Império para cumprir suas penas de degredo em Guarapuava. A
periodicidade de envio vai desde o início do povoamento de seus campos, em 1812, até 1859
(período em que encontramos a primeira e a última carta de guia
4
de entrada de degredados
enviados para a região), seguindo a determinação imperial de 1809. Estas pessoas tiveram
suas experiências de vida marcadas por uma permanência temporalmente variada em
Guarapuava.
A documentação existente cartas de guia de chegada de degredados; listas de
habitantes de Guarapuava referentes às décadas de 1828 a 1863; Registros paroquiais de
casamento, batismo e óbito da Freguesia de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava no
século XIX; atestados de boa conduta emitidas para degredados comprovarem suas boas
condutas na região; um processo-crime por reincidência de um degredado; notas referentes à
negociações comerciais; além de uma série de correspondências enviadas e recebidas pelas
autoridades de Guarapuava com o governo de São Paulo, informando sobre o andamento da
Freguesia e do aldeamento indígena local - nos permitiram compor as trajetórias sociais dos
degredados a partir de dados referentes à origem e local de onde vieram, à família e idade que
possuíam na época do envio, ao crime praticado e a sentea recebida, ao crime que um deles
foi acusado de voltar a praticar, ao local onde estabeleceram moradia e aos ofícios e cargos
públicos que exerciam, ao casamento que chegaram a consumar com indígenas ou colonos do
local e às pessoas, em certos casos outros degredados, que foram padrinhos desses
casamentos, aos filhos que tiveram e aos agregados que chegaram a manter, à manipulação
identitária da cor que possuíam, à condição social e propriedades que mantinham, à fuga que
planejavam e tentaram levar a cabo, ao tempo que viveram e ao sepultamento após a morte
dessas pessoas.
3
A determinação é a parte final da Carta Régia de de abril de 1809, que Aprova o plano de povoar os
Campos de Guarapuava e de civilizar os índios bárbaros que infestam aquelle território. In: Collecção
Decisões do Governo do Império do Brasil de 1809. Typographia Nacional, RJ, 1891, p.136.
4
As “cartas de guia” eram documentos previstos no “Regimento dos degredados”, promulgado em Portugal,
no ano de 1582, com a intenção de regulamentar e ordenar o funcionamento do sistema de degredo, tornado mais
eficiente e abrangente em Portugal a partir das descobertas marítimas. Em seu conteúdo eram informados o
nome, cor, idade, condição social, filiação, crime e tempo de degredo a cumprir de cada condenado remetido. O
documento deveria permanecer em poder da autoridade responsável pela manutenção dos degredados nos locais
para onde eram enviados, devendo ser expedida uma carta de soltura quando da expiração das penas e da
liberação dos ex-degredados para se ausentarem da região de degredo, caso tivessem interesse em retornar à suas
vilas de origem Fazemos uma discussão sobre o conteúdo das cartas de guia ao final do capítulo 1 da
Dissertação.
13
Seis cartas de guia, fazendo referência às levas de degredados remetidos para
Guarapuava, foram encontradas nos arquivos pesquisados. Cinco delas, referentes a trinta
condenados, são datadas da década de 1821 a 1831. Apenas uma, relativa ao último
degredado a entrar na região, foi encontrada com uma datação posterior, referente ao ano de
1859. Entretanto, continuamos nossa busca pelos degredados através dos nomes e dados
relacionados nas indicações de “degradados” presentes nas listas de habitantes microfilmadas
de 1828 e 1835.
5
Também utilizamos as listas de habitantes de 1832 , 1833
6
e 1840
7
, assim
como as listas específicas aos indígenas aldeados e a seus maridos correspondentes aos anos
de 1830 e 1831.
8
As listas de habitantes trazem os nomes dos sentenciados presentes na povoação
seguidos da indicação “degradado”, e nos informam sobre o local de moradia, a família, a
propriedade e a produção dessas pessoas. Através dos registros de batismo, casamento e óbito,
também indicando a condição “degradado” para os indivíduos nessa condição, também
obtemos informações sobre o processo de incorporação dessas pessoas. O batismo dos filhos e
o falecimento dos mesmos também ficam disponíveis para a realização das trajetórias dos
condenados, a partir dos registros paroquiais da Catedral Nossa Senhora de Belém,
produzidos com essa finalidade.
Através desses documentos eclesiásticos, concluímos que ao menos outras vinte e
quatro pessoas adentraram na povoação como degredados até 1859.
9
Ainda sobre os registros
paroquiais, ressaltamos que os registros de casamento, batismo e óbito produzidos pelo padre
Francisco das Chagas Lima entre 1812 e 1828, e posteriormente, entre 1842 e 1878, pelo
reverendo Antônio Braga de Araújo, estão distribuídos em três tomos no arquivo da Catedral
Nossa Senhora de Belém, em Guarapuava. No interregno da saída de Chagas Lima da
Freguesia até a entrada do novo pároco, salvo alguns registros produzidos ocasionalmente nas
visitas do padre Francisco de Paula Prestes entre 1828 e 1832, são muito poucos os
5
Listas de Habitantes da Freguesia de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava, 1828 e 1835. Cópias
microfilmadas pertencentes ao DEHIS. Curitiba, UFPR.
6
LOURES, Antonio da Rocha. Lista dos Empregados nesta Expedição de Guarapuava e povoadores existentes
nesta Povoação aos 30 de março de 1832. AESP, caixa 230, ordem 987; e LOURES, Antonio da Rocha.
Relação dos Empregados, Povoadores, Índios e degredados nesta Povoação de Guarapuava, Janeiro de 1833.
AESP, caixa 230, ordem 1025.
7
BORBA, Oney Barbosa. “Lista Geral dos Habitantes da Freguesia de Nossa Senhora de Belém, em
Guarapuava, em o ano de 1840.” Dados transcritos do original da Câmara de Castro. RHGB. Curitiba: vol.
XXXIV, 1977.
8
LOURES, Antonio da Rocha. Relação dos Índios que se achão existentes na Freguesia de Nossa Senhora de
Bellem nos Campos de Guarapuava aos 19 de outubro de 1830. AESP, caixa 1025; e LOURES, Antonio da
Rocha. Relação dos Índios existentes nesta Freguesia de N. S. do Bellem aos 12 de novembro de 1831. AESP,
9
Cf. Arquivo da Catedral Nossa Senhora de Belém de Guarapuava. Registros paroquiais de batismo, casamento
e óbito. Livros nº 1 A e B, século XIX.
14
documentos eclesiásticos produzidos na Freguesia
10
. Para esta pesquisa também são utilizadas
as listas nominativas de paroquianos da Freguesia de Guarapuava, produzidas pelo padre
Antonio Braga de Araújo nos anos de 1842 e 1863.
11
Com a aprovação do Código Criminal do Brasil Império em 1830, percebemos uma
drástica diminuição no número de crimes legislativamente puníveis com o degredo e um
grande número de crimes punidos com a prisão com trabalho. Enquanto as Ordenações
Filipinas previam a pena de degredo a 256 crimes e heresias religiosas, o novo código penal
brasileiro restringia sua aplicação apenas aos crimes de estupro (art. 219, 220, 221 e 224) e
sobre o exercício ilegítimo de autoridade militar, com pena máxima de 20 anos de degredo
(art. 141).
12
No entanto, a essa grande diminuição do número de crimes puníveis com o
degredo no novo digo criminal não se seguiu uma conseqüente desarticulação da utilização
dos degredados nos processos incorporativos de Guarapuava. Comutar a pena daqueles
condenados que teriam maior utilidade em trabalhos públicos ou maiores possibilidades de
reincorporação nas novas povoações parece ter sido prática recorrente da justiça Imperial.
Na já citada lista de habitantes da Freguesia de Guarapuava de 1835
13
tamm
encontramos menção a outros degredados que não constam nas cartas de guia. Pelos indícios
dados pela lista, provavelmente outros nove degredados, entre eles duas mulheres, foram
remetidos para a povoação em épocas próximas daquele período, uma vez que estão
agrupados e contabilizados em um mesmo domicílio. Chegamos a essa posição em função dos
demais condenados presentes na povoação desde os anos 1820 estarem, diferentemente,
dispersos em seus domicílios próprios, alguns contando com pequena produção de animais e
alimentos, o que subscreve um processo de incorporação na povoação mais adiantado para
estes últimos.
10
Os registros de casamento e batismo produzidos pelo missionário Chagas Lima foram integralmente
transcritos e dispostos em diagramas e tabelas por Cristiano Augusto Durat, que disponibilizou o material para
nossas análises. Cristiano analisou os dados obtidos em sua dissertação de mestrado, dando ênfase aos processos
incorporativos dos indígenas da rego. Vide DURAT, Cristiano Augusto. Os processos incorporativos do
Indígena Kaingang de Atalaia à sociedade luso-brasileira: o papel do Catolicismo. (Dissertação de Mestrado
em História Regional). Passo Fundo: UPF, 2006.
11
ARAÚJO, Antonio Braga de. Rol dos Parochianos da Freguesia de Belém de Guarapuava, durante o
Parochiato do P. Antonio Braga de Araújo, 1842. Arquivo da Catedral Nossa Senhora de Belém de Guarapuava;
e ARAÚJO, Antonio Braga de. Rol de moradores da freguesia do Belém de Guarapuava, Bispado de São
Paulo, abril de 1863. Arquivo da Catedral Nossa Senhora de Belém de Guarapuava.
12
CORDEIRO, Carlos Antonio. Código Criminal do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia de Quirino
e Irmão, 1861.
13
Lista de Habitantes da Freguesia de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava, 1835. Cópia microfilmada
pertencente ao DEHIS. Curitiba, UFPR.
15
Nesse sentido, a afirmação de que estes nove degredados chegaram à povoação no ano
de 1835 é reforçada por outra lista de habitantes produzida para o mesmo ano,
14
onde
constam duas listas de degredados presentes no local. Aqueles que haviam sido remetidos na
década de 1820 estão relacionados na sessão “Degradados”, constando seus nomes, idades,
cor e estado civil, tal como os demais povoadores listados. No caso dos novos degredados,
estes estão indicados na “Relação das pessoas appresentadas neste Districto para comprirem
degredos”, onde, além de constar os nomes, idades, cor e estado civil, é informado o tempo de
pena a cumprir. Neste caso, é interessante notar que seis dos nove condenados tem como pena
o degredo perpétuo, devendo permanecer o resto da vida em Guarapuava.
Sete anos se seguiram sem indicações de entrada de novos degredados em
Guarapuava. O silêncio na documentação volta a ser quebrado nos documentos referentes a
entrada de degredados nos anos 1840. Além de atestados de óbito fornecendo a informação da
presença de alguns degredados nesse período, atestados de boa conduta, fornecidos a dois
degredados e à mulher de um deles para constar suas condições na cidade também atestam a
entrada de mais essas três pessoas na povoação durante a década de 1840. Esses documentos,
fornecidos pelo comandante Rocha Loures e - depois da elevação da Freguesia à Vila e
formação da mara municipal - pelos vereadores de Guarapuava, torna possível a
identificação dessas pessoas como degredados enviados para a região, assim como das datas
de entrada dos mesmos, descritos nesses documentos.
15
A correspondência enviada pelas autoridades de Guarapuava ao governo provincial -
em fuão da necessidade contínua de prestação da contas sobre o estado da colonização e
catequese dos indígenas da região -, encontrada no Arquivo Público de São Paulo, fornecem
detalhes importantíssimos sobre as trajetórias de incorporação dos degredados que se
encontravam na região.
16
Ademais, registros paroquiais de batismo, casamento e óbito da Freguesia de Nossa
Senhora de Belém de Guarapuava nos elucidam em que processos incorporativos estavam
inseridos os degredados, junto aos indígenas e demais povoadores da região. No caso dos
registros de óbito, na falta das cartas guia ou de outros documentos que informem a condição
de condenados, é a partir delas que descobrimos algumas pessoas degredadas, retrocedendo,
14
“População do Districto da Freguesia do Belem pertencente ao Municipio da Villa de Castro, 1835” Arquivo
Público Benjamim Teixeira, Guarapuava.
15
LOURES, Antonio da Rocha. Lançamento de um atestado, de Sabino José Maciel. Livro de Notas nº1 (1835-
1843). Tabelionato de notas Gouvêia. Guarapuava; e Atestado a Francisco José de Bittencourt e sua mulher,
Bibiana Berrièr de Bittencourt, 14 de janeiro de 1863. Arquivo damara Municipal de Guarapuava.
16
AESP, Caixa 192, Ordem 987; Caixa 193, Ordem 988 e Caixa 230, Ordem 1025.
16
com isso, a análise dos dados pertinentes ao período em que algumas destas pessoas estiveram
em Guarapuava. No cartório de Notas da povoação, hoje denominado Cartório Gouveia,
também foram encontradas informações que elucidam sobre alguns negócios de que
participaram os degredados remetidos para Guarapuava, assim como sobre pedidos de
atestados de boa conduta e encaminhamentos de pedidos de comutação de pena.
Por fim, um caso munido de documentos diversos, envolvendo o último degredado
enviado para Guarapuava, também conta com uma carta de guia individual repleta de
informações. Sobre o retratista português degredado por cunhar moeda falsa na vila de
Salvador, na Bahia, José Maria Cândido Ribeiro, temos dados de sua sentença, de sua
condição social e até mesmo de sua aparência física. O degredado foi julgado no Tribunal da
Relação do Rio de Janeiro, e enviado diretamente para Guarapuava.
Gráfico I: Freqüência de entrada de quarenta e oito degredados enviados para Guarapuava
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
1
8
1
1
1
8
1
4
1
8
1
7
182
0
1823
1826
1
829
1
832
1
8
3
5
1
8
3
8
1
8
4
1
1
8
4
4
1
8
4
7
1
8
5
0
185
3
1856
1859
mulheres
homens
Fontes: Cartas de guia, relações de presos sentenciados, registros paroquiais de óbito, listas de
habitantes, rol de paroquianos e atestados de boa conduta (ver fontes manuscritas).
Quanto ao afluxo de degredados para a rego, outros doze condenados, entre eles
duas mulheres, enviados até 1859, e constantemente relacionados nos documentos paroquiais,
o foram incluídos no Gráfico I por o ser possível presumir dos documentos as datas de
entrada dos mesmos. De qualquer forma, considero esses números no total de degredados
remetidos, contabilizando sessenta pessoas. Sobre os primeiros cinco enviados, todos prezos
em 1811 pelos capitães das Vilas do Príncipe, Curitiba e Castro,
o foram encontrados dados
sobre o tempo das sentenças a cumprir, e seus nomes não voltam a aparecer em nenhum
documento posterior, o que presume o pouco tempo de permanência desses condenados na
região.
17
Com absoluta maioria de envio de condenados homens (cerca de noventa por cento) e
sendo quase a metade deles de cor denominada branca, foi entre 1822 e 1835 que se
realizaram as remessas de degredados e degredadas com sentenças mais longas, alguns
chegando à perpetuidade (dez casos) e outros com vinte anos a cumprir (seis casos).
Listas de habitantes, paroquianos e votantes, registros de casamento e óbito dos
condenados, além dos registros de batismo de seus filhos, afilhados e netos, processos-crime,
registros de terra, atestados de boa conduta, assim como as correspondências em tons
literários enviados pelas autoridades locais - seculares e eclesiásticas - às autoridades da
capital paulista e da imperial permitem-nos traçar as trajetórias desses degredados, através da
rede de relações que estes mantiveram com uma pluralidade hierarquicamente diversificada
de habitantes locais, tais como índios, colonos e escravos.
Na junta de Governo da mesma cidade eram recebidas e respondidas as
correspondências oficiais enviadas pelas autoridades locais de Guarapuava o padre e o
comandante. Essas dezenas de documentos, encontrados e selecionados no Arquivo Público
de São Paulo, informam sobre os processos incorporativos e os problemas causados pelos
degredados no convívio com os indígenas aldeados e outros colonos na Povoação. De acordo
com essa documentação e com as correspondências de resposta das autoridades na capital
paulista, tentamos especificar as características e algumas diretrizes do processo assimilativo
dessas pessoas remetidas para Guarapuava.
Tabela I - formação populacional de Guarapuava (1825-1872)
POPULAÇÃO
LIVRES (INCLUINDO OS
DEGREDADOS)
ESCRAVOS
INDÍGENAS
CATEQUIZADOS
ANO
POPULAÇÃO
TOTAL
M F T % M F T % M F T %
1825
342
101
83
184
54,4
27 8 35 10 39 84 123 35.6
1835
688
299 248
547
79,5
46 30 76
11,05
16 46 65 9,45
1843
1621
766 591
1357
83,71
131 88 219
13,51
21 24 45 2,78
1853
2771
1251 1052
2303
83,11
240 161 401
14,47
18 49 67 2,42
1863
3036
1300 1124
2424 79,5 321 270 591 19,4 8 13 21 1,1
1872
8477
4059 3554
7613 89,8 426 423 849
10,02
4 11 15 0,18
Fonte: ABREU, Alcioly T. G. A posse e o uso da terra: modernização agropecuária em Guarapuava. Curitiba:
Biblioteca Pública do Paraná, 1986, p.129.
18
Conforme os dados da Tabela I, nota-se que o crescimento populacional de
Guarapuava teve como seu principal motivo o afluxo migratório de livres pobres e de colonos
juntamente com seus escravos - advindos de diversas Vilas do território paulista. meros
que permitem concluir que a proporção de degredados na população nunca ultrapassou três
por cento do total de habitantes, diminuindo mais ainda com o arrefecimento do processo de
envio dos condenados nos anos posteriores a 1835. Dessa forma, entendemos que o que
prevalecia nas ocasiões de envio era o intento de reincorporar os criminosos enviados na
povoação em formação, tal como veremos nesse estudo.
***
Ser condenado à pena de degredo durante o Antigo Regime português consistia, antes
de tudo, em ser obrigado a permanecer por um tempo determinado num local específico
prescrito pelas autoridades judiciais lusitanas. Tribunais civis e inquisitoriais estabeleciam as
condenações, baseados nos livros das Ordenações do Reino ou do Regimento do Santo Ofício
da Inquisição.
17
Dessa forma, criminosos e pecadores foram expulsos de suas terras natais e
pagaram por seus delitos em terras localizadas em alguma das possessões portuguesas do
além-mar, ou mesmo dentro do próprio terririo fronteiriço do Reino
.
18
Durante o período Moderno, principalmente entre os séculos XVI e XVIII, o Império
Português se utilizou da condenação ao degredo para a exclusão sistemática de seus
delinqüentes internos, transformando este termo num “conceito racional de colonização
forçada”
19
, de uma ou rias de suas colônias no além mar, ou mesmo de regiões fronteiriças
pouco habitadas, no território interno de Portugal. É nesse sentido que a pena de degredo se
diferencia de seus antecedentes na tradição penal ocidental.
Após as descobertas marítimas nos séculos XV e XVI, o Governo Português
potencializou a utilização de seus degredados como parte das tentativas de povoamento das
novas possessões, num esforço para extrair tudo o que podia de seus súditos, incluindo seus
criminosos. Entretanto, embora os estabelecimentos e poticas coloniais portuguesas tenham
estado sempre ligados à metrópole por um laço de qualquer tipo, concordamos com a posição
17
A legislação portuguesa onde se encontram elencados os crimes puníveis com o degredo corresponde às
Ordenações Afonsinas (1446), Manuelinas (1521) e Filipinas (1603). O Tribunal do Santo Ofício utilizava o
Regimento Inquisitorial de 1640 para condenar os criminosos e pecadores ao suplício do degredo.
18
PIERONI, Geraldo. Os excluídos do Reino. Brasília: Editora da UnB; 2000; e COATES, Thimoty J.
Degredados e Órfãs: colonização dirigida pela coroa no império português. 1550-1755. Lisboa: CNCDP, 1998.
19
COATES, Thimoty J. Degredados e Órfãs: colonização dirigida pela coroa no império português. 1550-1755.
Lisboa: CNCDP, 1998, p.28.
19
de Antonio Manuel Hespanha a respeito do projeto colonial lusitano. Ao evidenciar estatuto
colonial ltiplo e um direito pluralista - onde o princípio de que uma lei posterior revoga a
anterior não vigorava de forma muito rigorosa -, o autor nega a existência de um projeto
colonial sistemático em Portugal, ao menos no período da colonização do Brasil.
20
Os estudiosos do degredo no Império Luso vêm sugerindo que a pena de degredo
cumpria, dessa forma, funções tanto na normatização da metpole quanto na potica de
povoamento das terras de além-mar: ao invés de excluir os desclassificados, o Reino os
assimilava em outras áreas mais carentes de povoadores, reincorporando aqueles indivíduos
onde seriam mais úteis: nos locais distantes em que faltavam pessoas para a lide colonizatória.
A discussão historiográfica acerca do tema do degredo no Brasil demorou muito para
ocupar sistematicamente os olhares da historiografia brasileira. Como observa Maristela
Toma
21
, durante todo o século XIX e início do século XX duas linhas de observação se
formaram com relação às representações do degredo. De um lado havia historiadores como
Costa Lobo, Vicente Tapajós e Paulo Prado, matizando a visão do Brasil Colônia como
depósito de criminosos portugueses, e na outra linha, englobando nomes como Capistrano de
Abreu e Varnhagem, colocava-se em questão o tipo de criminosos enviados, numa tentativa
de apagar o estigma da colonização brasileira por marginais.
Entretanto, todos esses autores reservam apenas pequenos trechos de seus estudos
para a problematização do degredo. Somente a partir da década de 1940 é que começaram a
aparecer os primeiros trabalhos visando alterar o questionamento sobre o degredo na
historiografia brasileira. Nesse ponto, um texto de Emília Viotti da Costa,
22
escrito em 1956,
aparece como de fundamental importância no estudo sobre os degredados, modificando
questionamentos e evidenciando possibilidades de investigação sobre o tema.
A autora levanta as possibilidades de pesquisa através da documentação dispovel,
citando a importância das narrativas episcopais, das crônicas históricas e legislações, além de
fornecer questionamentos a respeito da relevância numérica dos degredados enquanto grupo
de elementos povoadores, do tipo de crimes puníveis com o degredo e da atuação como
elementos perturbadores ou regenerados creditada aos condenados.
20
Cf. HESPANHA, Antonio Manuel. “A constituição do Império Português: Revisão de alguns enviesamentos
recentes”. In: FRAGOSO; BICALHO; GOUVEIA (org.) O Antigo Regime nos Trópicos: A dinâmica Imperial
Portuguesa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p.170-172.
21
TOMA, Maristela. Imagens do degredo: história, legislação e imaginário (a pena de degredo nas Ordenações
Filipinas). (dissertação de mestrado). Campinas: Unicamp, 2002.
22
COSTA, Emília Viotti da. “Primeiros Povoadores do Brasil: o problema dos degredados”. In: Textos de
história: Revista do Programa de s-Graduação em História da UnB. Brasília: vol. 6, nº1-2 (1998), 1999.
20
Pesquisas históricas específicas sobre o degredo no período do Império Colonial
Português, fazendo do tema um objeto de estudos sistemático, começaram a se delinear a
partir de fins da década de 1980. As teses de Doutoramento de Thimoty Coates e de Geraldo
Pieroni constituem os dois trabalhos mais importantes sobre o tema.
23
Coates analisou o
sistema de degredo secular e o envio das órfãs da rainha. Sua investigação recaiu sobre o
funcionamento desse sistema em todo o império português, ou seja, na integração entre as
colônias da Ásia, África e América com a metpole. Suas principais fontes de pesquisa
foram as leis e decretos que coordenavam as condenações a degredo no período.
Pieroni se ateve com maior fôlego nos degredados da Inquisição enviados para o
Brasil Colônia, investigando como o degredo se inseriu no processo normatizador levado a
cabo pela Igreja. Sua análise privilegiou os Regimentos do Santo Ofício e os processos
inquisitoriais encontrados em Portugal. Através do estudo de grupos de degredados
processados pela Inquisição, o autor teceu os passos da prática jurídica do degredo desde a
prisão até o momento do envio dos condenados.
O estudo do autor traz ainda informações consistentes acerca do processo de
condenação e envio dos degredados portugueses para o Brasil, deixando abertas as
perspectivas de análise da sociabilidade dos condenados nas terras brasileiras:
Depois de definida a sentença, em geral o nome deles simplesmente desaparece dos arquivos. É no
Brasil que devemos agora segui-los, visto serem relativamente pouco numerosos. Nessa ordem de
idéias, pode-se abrir perspectivas para melhor compreender as adaptações ou inadaptações dos
banidos que chegaram às terras brasileiras. O que aconteceu com os degredados depois de findo o seu
tempo de desterro? Muitos não voltaram (…) e criaram vínculos de amizade na terra a eles imposta.
Constituíram famílias e deixaram descendências.
24
Mais recentemente, Maristela Toma revisitou toda a Historiografia sobre o tema e
delineou algumas especificidades do degredo português, “tal como se encontra instituído no
discurso legal”
25
. Através de análises paralelas de séries documentais referentes ao degredo
civil e religioso, Maristela levantou questionamentos acerca do imaginário que se criou acerca
dos degredados. Seu trabalho teve o foco dirigido não para a prática do degredo, mas sim para
a norma que o instituiu.
***
23
Vide PIERONI, Geraldo. Os excluídos do Reino. Brasília: Editora da UnB; 2000; e COATES, Thimoty J.
Degredados e Órfãs: colonização dirigida pela coroa no império português. 1550-1755. Lisboa: CNCDP, 1998.
24
PIERONI, op. Cit., p.281.
25
TOMA, Maristela. op. Cit., p.06.
21
No aspecto teórico-metodológico, acredito no valor dos dados coletados, procurando,
a partir da construção de trajetórias de casos individuais, lançar luz sobre a dinâmica social
em que esses homens e mulheres figuraram em Guarapuava e no Brasil oitocentista como um
todo.
Através da variação de escalas, utilizando-se dos indícios presentes na documentação,
pretendemos abordar o maior número de questões referentes aos processos incorporativos em
que os degredados enviados para Guarapuava estavam inseridos. A abordagem da micro-
história, de acordo com Jacques Revel,(...) consiste, afinal de contas, em levar a sério
migalhas de informações e em tentar compreender de que maneira este detalhe individual,
aqueles retalhos de experiências dão acesso a lógicas sociais e simbólicas que são as lógicas
do grupo, ou mesmo de conjuntos muito maiores”.
26
A abordagem proposta por Carlo Ginzburg
27
também se apresenta como metodologia
pertinente na realização da pesquisa, pois valoriza investigações sobre extratos subalternos da
sociedade, tendo os nomes dos até então “personagens anônimos” como fios condutores da
pesquisa histórica. Compreendendo o tipo de documentação selecionada para a pesquisa aqui
pretendida, Ronaldo Vainfas discorre sobre um dos pontos dessa metodologia, ao comentar
que a micro-história:
(...) de certo modo assume como um de seus pontos de partida metodológicos a busca de nomes [grifo
do autor], a pesquisa onomástica em arquivos notariais ou paroquiais, visando a reconstituição de
famílias, de seus recursos materiais e da vida material dos lugares onde viveram esses personagens. O
fio condutor é o nome, portanto, colhido em arquivos de fontes nominativas, às quais se somam, em
regra, como eixo documental, algum processo judiciário contra o(s) personagem(ns), central(is).
28
A periodização do trabalho, além de seguir uma ordenação cronológica, pretendeu
seguir também um agrupamento lógico, permitindo uma margem de oscilação para o
delineamento dos antecedentes nas trajetórias de vida dos degredados e da prática do degredo
e suas conseqüências, além de procurar compreender a inserção dos degredados nas categorias
de trajetórias elaboradas para os capítulos 2 e 3.
***
26
REVEL, Jacques (org.). Jogos de Escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: ed. Fundação
GetúlioVargas, 1998, p.13.
27
GINZBURG, Carlo. A Micro-História e outros ensaios. Rio de Janeiro: Difel, 1989.
28
VAINFAS, Ronaldo. Os protagonistas anônimos da história: microhistória. Rio de Janeiro: Campus, 2002,
p.138.
22
Nesse sentido, no primeiro capítulo analiso no processo de envio de pessoas na
Capitania de São Paulo, entre os séculos XVIII e XIX para povoar Guarapuava. O presídio do
Iguatemi e os Campos de Guarapuava foram alvos de poticas de ocupação que previam a
utilização dos vadios e criminosos das vilas paulistas no século XVIII. Malogradas as
tentativas de ocupação na década de 1770, foi após a chegada da família Real em 1808 que a
tentativa de ocupação da região específica dos Campos de Guarapuava foi retomada. Também
pesquisamos as diretrizes desse processo, encontrando o lugar dos vadios e degredados no
processo de assimilação das populações nativas da região.
No segundo capítulo tentamos traçar as trajetórias de degredados e degredadas com
séries documentais mais completas, e processos de incorporação perpassados pelo casamento
e pelo trabalho na povoação. Nesse capítulo, pretendemos analisar ainda os paradoxos da
incorporação desses degredados: uma vez punidos pela Justiça colonial, esses homens e
mulheres são levados à reincorporação através de uma nova inserção na hierarquia de pobreza
e estigmatização da cor.
Por fim, no terceiro capítulo do trabalho, estudamos as trajetórias de degredados que
tentaram a fuga, passaram pouco tempo para a região ou se envolveram novamente com a
justiça no período de seus degredos. Entendemos essas trajetórias como parte de processos
incorporativos falhos, ou que seguiram uma direção diferente. Abrir novas perspectivas para
melhor compreender as inadaptações dos degredados paulistas que chegaram às terras
guarapuavanas, especialmente as alianças e estratégias de fuga utilizadas pelos condenados
enviados pela Província de São Paulo e pelo Governo Imperial do Rio de Janeiro, durante as
décadas de 1820 a 1860, servirá também para entendermos um pouco mais sobre as
interferências e mudanças causadas pelas fugas e demais acontecimentos no processo de
degredo para a região.
Uma vez que, a partir da documentação relacionada, percebemos que boa parte dos
degredados remetidos para Guarapuava não retornam para suas vilas de origem depois de
expiradas as sentenças, vivendo como colonos enraizados na povoação, entendemos ser
possível traçar a trajetória desses homens e mulheres e da sociedade que foram enviados para
Guarapuava, enveredando por processos incorporativos juntamente com os indígenas e
colonos envolvidos na escala hierárquica da povoação em formação.
Boa parte da documentação referente ao estabelecimento e funcionamento do degredo
para Guarapuava come-se de legislação extravagante da Capitania e Província de São
Paulo, o que nos possibilita, em última análise, observar exemplos do dinamismo da
23
legislação colonial e imperial. Além de incidir sobre as trajetórias dos condenados enviados
para Guarapuava, em alguns momentos em meio ao texto, esse estudo também se atém na
dinâmica da potica do degredo interno no Brasil, analisada a partir da documentação que
toca diretamente sobre nosso objeto de estudo.
29
29
Um estudo sobre a legislação penal e os principais decretos de degredo interno no período imperial brasileiro
foi realizado por Patrícia Rúbia Guimarães de Souza Noronha, que pesquisou dados em todo o corpo documental
de leis e decisões do Império do Brasil no período 1822-1889. Com a proclamação da República e a elaboração
do código criminal republicano em 1891, o degredo foi definitivamente abolido da legislação penal brasileira.
Entretanto, nos arquivos vasculhados, a pesquisadora encontrou apenas um lacônico decreto com referência ao
degredo para Guarapuava. Isso se explica em função de historiadora ter centrado sua busca por documentos
sobre o degredo interno apenas nos arquivos do Governo Imperial, ou seja, pós-1822, e por ter limitando a
análise àqueles encontrados no arquivo da Câmara Federal de Brasília. Assim sendo, a autora se refere
brevemente à presença de degredados enviados para Guarapuava, deixando suas evidências como pistas para
pesquisas que pudessem sanar essa lacuna historiográfica. Ver NORONHA, Patrícia Rúbia Guimaes de Souza.
O Império dos Indesejáveis: Legislação brasileira sobre o degredo (1822-1889). (Dissertação de mestrado).
Brasília: UnB, 2003., p.128-129.
24
1. Capítulo 1
Degredo, incorporação e povoamento na Capitania de São Paulo
“Sua Majestade preza mais a perda de uma única légua de território
nas partes ao sul da América portuguesa, do que cinqüenta
léguas de sertão aberto pelos interiores (...)”.
30
Após a assinatura do Tratado de Madri - pretendendo pôr fim às disputas na área
platina - e a expulsão dos padres da Companhia de Jesus da região de Sete Povos das Missões,
ambas as ações acontecidas na cada de 1750, o Marquês de Pombal, no comando da
administração governamental do reinado de D. José I, tomou frente e tentou por em prática
um ambicioso plano para garantir a segurança dos territórios e riquezas da América
Meridional portuguesa.
Permeando uma estratégia de defesa mais eficaz, a Coroa procurou voltar suas
forças para a ocupação populacional e a colonização de áreas vulneráveis nas partes
meridionais da colônia com “soldados-colonos”. As instruções pombalinas de povoamento
vieram no sentido de que fossem abolidas todas as diferenças entre os indígenas nativos da
região e os povoadores portugueses, de modo a transformar os próprios indígenas em gente
del’Rey. Agindo como colonizadores, os indígenas poderiam ainda atrair os nativos do lado
espanhol das fronteiras, os quais também tenderiam a se tornarem colonos portugueses.
Para conseguir esse intento, os representantes da Coroa deveriam encorajar seus
homens a se tornarem soldados-colonos, casando-os com moças índias, e assim incorporando
índios e portugueses como povoadores. Dessa forma - através da formação de famílias para os
solteiros ou da transplantação das famílias daqueles que quisessem receber terras -, as tropas a
serem enviadas não precisariam ser formadas apenas por pessoas de posse, podendo agregar
quem pudesse desempenhar funções como o desenvolvimento de atividades de lavoura e
criação de gado, e, em possíveis confrontos, pudesse impor armas para a defesa do território.
Assim sendo, o projeto de Pombal não se limitava apenas de criar fortificações. A
família se tornara elemento fundamental no processo de povoamento e defesa, pois, sem
núcleos familiares, seria praticamente impossível a formação de núcleos populacionais, bem
como a permanência e consolidação das tropas estacionadas para esse fim.
30
Carta do Vice-Rei do Brasil, Marquês do Lavradio, ao Capitão-General Governador da Capitania de São
Paulo, Luís Antonio de Souza Botelho Mourão em 1765. Apud SEVCENKO, Nicolau. “O ciclo de Miranda:
utopia indigenista no Brasil pombalino”. In: AMOROSO, Marta Rosa; et. all. (orgs). Do Contato ao Confronto:
A Conquista de Guarapuava no século XVIII. São Paulo: Expomus, 2003, p.21.
25
Em 1765, a Capitania de São Paulo foi recriada, com inteões de reconstruir um
tampão defensivo entre a área hispano-americana e a região da mineração. Paralelamente,
cobriria a defesa da Capital recém-transferida”
31
. Nesse ínterim, à medida que se processava
a ocupação de novos espaços na América meridional portuguesa, formulava-se uma nova
noção de geografia, cuja concepção de espaço
32
mapeado, limitado, controlado e ordenado
estava definitivamente a serviço da Coroa, garantindo o domínio das terras e gentes. Para isso,
faziam-se necessários diversos agentes de colonização: além dos indígenas a serem
civilizados”, bandeirantes, padres, monçoeiros, soldados e, juntamente, degredados e vadios
deveriam ser remetidos ou arregimentados para as novas povoações paulistas.
Tendo em vista essa preocupação com a defesa, o governo da Capitania foi indicado
pelo ministro Pombal, que colocou no cargo D. Luís Antonio de Souza Botelho Mourão, o
Morgado de Mateus. Ao assumir o governo naquele ano, Morgado de Mateus recebera de
Pombal instruções no sentido de estender e defender os donios da região meridional da
América Lusitana até a região do Prata.
Conforme Maria da Glória Porto Kok, as metas de D. Luís Antônio de Souza eram:
exploração territorial, povoamento e urbanização, fomento econômico, fortalecimento militar
para a defesa do sul contra a ameaça espanhola e sedimentação das fronteiras na região dos
conflitos do Prata”
33
. A situação geográfica específica do Planalto de Piratininga - sede da
Capitania - favoreceu essa exploração, assumindo a fuão de cabeça-de-ponte para a
penetração em direção ao interior.
Nesse mesmo sentido, em uma década de sucessivas incursões desde a sua chegada
(1765-1775), o Morgado de Mateus também enviou expedições e remeteu vadios e criminosos
para os seres a oeste e ao sul da capitania, mobilizando milhares de pessoas, muitas vezes
com suas famílias. Ao sul, os sertões do Tibagi, mais especificamente os Campos de
Guarapuava, foram o alvo principal. O oeste, os sertões do Ivaí, através da Praça de Nossa
Senhora dos Prazeres do Iguatemi, recebeu maior atenção do governo colonial.
A fronteira do Iguatemi, nos limites das terras do Mato Grosso com o Paraguai, ao sul
do curso dos rios por onde transitavam as moões de Porto Feliz a Cuiabá, fazia parte da
estratégia de ocupação portuguesa no Brasil meridional setecentista. Sua função era impedir o
avanço dos espanhóis para a Serra de Maracaju, levando em conta que o avanço do
31
BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Autoridade e Conflito no Brasil Colonial: o Governo do Morgado de Mateus
em São Paulo (1765-1775). São Paulo, Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1979, p.47.
32
Entendemos a categoria ‘espaço’ como o resultado da ação humana sobre a superfície terrestre. Cf. MORAES,
Antonio Carlos Robert. Ideologias Geográficas. São Paulo: Hucitec, 1988, p.15.
33
KOK, Maria da Glória Porto. O Sertão Itinerante”: expedições da capitania de São Paulo no século XVIII.
(Tese de Doutorado). FFLCH-USP: São Paulo, 1998, p.70.
26
povoamento ditava os limites entre as duas Coroas, num período de fronteiras móveis e
provisórias.
34
As explorações oficiais por esse território ocultavam da população paulista os seus
reais prositos de demarcação de fronteiras com o pretexto de “penetrar os Sertões do Ivay
para os descobrim.tos, e haveres daquellas Campanhas em utilidade de estado, e do bem
commum”.
35
Famílias inteiras, advindas da população pobre, principalmente da população
negra ou mulata, foram povoar a região do Iguatemi.
Atraídos pela promessa de doação de terras e mantimentos, além da isenção do serviço
militar e o perdão de dívidas e crimes, ainda eram oferecidos como incentivos uma enxada,
uma foice, um machado, pólvora e chumbo para cada casal pobre que seguisse para a
fronteira. Além da caça, a defesa contra os indígenas também exigia armas de fogo sempre em
os. Por outro lado, essas pessoas ficavam presas à fronteira, uma vez que o comandante
responsável pela Praça tinha orientações expressas para não deixar “sair pessoa alguma para
fora do d.o Sertão”.
36
Formando ao mesmo tempo um local de fronteira e de conquista, utilizando-se da
população de livres pobres da capitania para o povoamento, o plano de ocupação do Iguatemi
foi posto em prática a partir de 1766. Ignorando as dificuldades impostas pela natureza, e
alheios às necessidades básicas dos povoadores, a ida ao Presídio do Iguatemi consistia numa
verdadeira luta pela sobrevivência.
Os moradores das vilas e freguesias paulistas de Itu, Sorocaba, Araraitaguaba e Santos
foram os mais envolvidos com as expedições ao Iguatemi
37
. Entretanto, a colonização desse
ponto da fronteira o ficou restrita aos povoadores pobres. Uma instrução de 1767 já
ordenava que “(...) criminosos e vagabundos dispersos se unão por modo de quem vay
fugindo ao castigo e vão viver naquellas Fronteiras”.
38
Dessa forma, percebemos na
documentação que a partir de 1770 o presídio começou absorver criminosos presos, vadios e
prostitutas remetidos para cumprir o castigo de viver na nova povoação fronteiriça. Muitas
vezes indesejados em suas vilas de origem, esses homens e mulheres seguiam para os
34
Cf. MELLO e SOUZA, Laura de. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. 3. ed. Rio de
Janeiro: Graal, 1990. Entenda-se aqui o termo fronteira, primeiramente no contexto relacionado ao sertão ainda
pouco conhecido; à condição de ponta-de-lança da povoação em relação ao território a ser conquistado e
povoado e à fronteira humana “civilizada” em relação ao indígena “bárbaro”, para figurar no sentido de
fronteira territorial com outros povos ibéricos.
35
DI, vol. V, p.12. Citado em KOK, Maria da Glória Porto. Op., cit., p.297.
36
Idem, p.316.
37
A luta dos povoadores pela sobrevivência no Iguatemi, incluindo os perigos da viagem, a carestia de alimentos
e das condições básicas de vida, além dos ataques indígenas e paraguaios sofridos, foi analisado por KOK, Maria
da Glória Porto. Op., cit., p.294-336.
38
DI, vol. IX, p.37.
27
domínios portugueses onde seriam úteis à Coroa. Para evitar fugas nas viagens, que seguiam a
barco, recomendava-se que os degredados deveriam seguir “seguros, e repartidos pelas
Canoas com grilhoens nos pés”.
39
No Iguatemi havia o início da obra de uma fortificação heptagonal, projetada para ter
cinco baluartes armados com quatorze bocas de fogo. Entretanto, a obra ficou parada por falta
de ferramentas, artífices e de sustento e vestuário aos homens remetidos para trabalhar na
construção da principal defesa do presídio
40
. Uma pequena capela e casas de taipa e capim
compunham as moradias da povoação. Com o tratado de Santo Ildefonso, em de outubro de
1777, a região do presídio e povoação passava a estar sob posse da coroa hisnica.
1.1 As bandeiras militares para os Campos de Guarapuava no século XVIII
“Dos bárbaros verás essa fereza
Por um Mavorte irado já rendido,
Para glória imortal da redondeza.
41
Fazendo parte dos planos da Coroa para assegurar a posse da América meridional
portuguesa a a região do Prata, Morgado de Mateus organizou e enviou sucessivas
expedições militares as regiões circunscritas aos rios Tibagi e do Registro, a oeste do atual
terririo do estado do Paraná. Para organizar e comandar tais bandeiras, D. Luiz encarregou
seu sobrinho, Affonso Botelho de Sampaio e Souza, chegado de Portugal junto com ele em
1765, que se encontrava trabalhando como ajudante de ordens do governador na direção dos
trabalhos de construção da fortaleza Nossa Senhora dos Prazeres, no Porto de Paranaguá, ao
mesmo tempo em que era Tenente-Coronel comandante das milícias de Curitiba e Paranaguá.
39
DI, vol. LXXVI, p.130.
40
Os presídios coloniais portugueses eram praças militares ou fortalezas localizadas em pontos estratégicos no
território colonial, para onde eram enviadas tropas regulares, muitas vezes complementadas por condenados civis
e militares que deveriam cumprir suas penas trabalhando no local. Nesses pontos afastados, seja no litoral ou
sertão adentro, soldados e degredados assumem a função de contato com os indígenas e defesa em casos de
ataque de outras nações colonizatórias interessadas na posse das terras ou de povos indígenas o assimilados.
No século XVI, as também chamadas ‘feitorias’ representaram a primeira iniciativa de caráter militar nas terras
brasileiras, sendo compostas, geralmente, por uma casa reforçada defendida por uma paliçada, onde se
abrigavam destacamentos de soldados, colonos e degredados sob ordens de um capitão ou vigia. Em tempos de
guerra, os donatários tinham ainda o direito de obrigar todos os moradores úteis das povoações a servirem ao
capitão das feitorias. Vide SALGADO, Graça (org.). Fiscais e Meirinhos: A Administração no Brasil Colonial.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p.98; e MELLO e SOUZA, Laura de. Desclassificados do ouro: a pobreza
mineira no século XVIII. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1990, p.77-81.
41
Soneto anônimo. Citado por SAMPAIO E SOUZA, Afonso Botelho de. “Notícia da Conquista e
Descobrimento dos Sertões do Tibagi, na Capitania de São Paulo, no Governo do General Dom Luís Annio de
Sousa Botelho Mourão, conforme às ordens de Sua Majestade.” In: Anais da Biblioteca Nacional. Rio de
Janeiro: Divisão de Publicações, vol. 76, 1962.
28
Entre 1768 e 1774, expedições sob o comando de Affonso Botelho foram enviadas ao
sertão do Tibagi. O motivo oficial dessas entradas, como explica um extenso documento sobre
as bandeiras produzido pelo próprio comandante, era a disseminação da fé entre os indígenas,
ou seja, “entroduzir a de Nosso Senhor Jesus Cristo naqueles incultos, e grandíssimos
sertões, para o que serão tratados os índios com afabilíssimo mimo, comprindo enteiramente o
que eles ajustarem, e tratarem, animando-os com alguns mimos, a que entrem no grêmio da
Igreja, e obedeçam a Nosso Rei, que os há de estimar, e honrar, como tem feito aos mais”.
42
Na verdade, ainda ocultavam-se por trás desse propósito o desejo de sancionar a posse
de novos territórios para a Coroa lusitana, na indefinição colocada entre o Tratado de Madri,
de 1750, e o tratado de Santo Ildefonso, em 1777, além do intuito de descobrir novas minas de
ouro. Ao descobrir os campos de Guarapuava - principal região dos sertões do Tibagi -,
Affonso Botelho foi recompensado da árdua jornada pelo privilégio de “ter acrescentado aos
domínios de Sua Majestade, no governo de V. Ex., estes grandiosos campos e dilatados
sertões.” Além dos campos férteis, o comandante via ainda “grandes esperanças de ouro para
a parte de oeste”.
43
Com o povoamento planejado do Iguatemi e dos Campos de Guarapuava,
a Capitania de São Paulo também buscava encontrar possíveis novos pontos de extração de
ouro, uma vez que o esgotamento dos veios de Minas Gerais já se mostrava em curso.
Segundo Maria da Glória Porto Kok
44
, cada companhia militar era composta por um
capitão-mor das ordenanças ‘da melhor nobreza e christandade’, um sargento mor, oficial de
infantaria, um ajudante, capitães ‘capazes’, alferes oficial encarregado de conduzir a bandeira,
sargentos, cabos de esquadras e então dos soldados, estes últimos em maior número e de
reduzidas posses, onde eram incluídos aventureiros e degredados.
Tendo em vista a falta de contingente nos postos de milícia e o pavor difundido entre a
população em relação aos sertões repletos do ‘gentio’, Morgado de Mateus incitou criminosos
da capitania a formarem uma bandeira rumo ao “vasto e incultosertão do Tibagi. Dessa
forma, em um bando (edital) de cinco de dezembro de 1766, o governador ordenava a
organização de bandeiras que quisessem rumar para aquelas partes do território. E, segundo as
ordens do monarca português, seria oferecida:
(...) ajuda e favor a todo o aventureiro que quiser ir descobrir quaisquer sertões desta capitania,
especialmente aqueles que se estendem desde o rio Tibagi até a Serra de Apucaranã, em virtude do que
ordeno a toda a pessoa que quiser levantar bandeira e juntar gente para penetrar os ditos sertões, me
42
Idem, p.71.
43
SAMPAIO, Afonso Botelho de. “A Descoberta dos Campos de Guarapuava”. In: RIHGB. Rio de Janeiro:
T.XVIII, 1896, p.263-264.
44
KOK, Maria da Glória Porto. Op., cit., p.78.
29
venha requerer para que examinando eu sua direção e possibilidade se conceda a licença necessária e
com aquelas restrições e cautelas que Sua Majestade na referida ordem me manda observar e para o dito
efeito poderá recolher e aproveitar os vadios e homens dispersos que pelo bando que se lançou no dia de
ontem (..)
45
De acordo com outro documento, tais serviços seriam recompensados com o perdão de
todos e quaisquer crimes, e “com grandes prêmios e mercês de senhorios de terras,
Alcaidarias mores, Foros de Fidaldo e hábitos de Christo, como o mesmo Senhor, pelas suas
Reaes Ordens, me permitte, além de terem preferencia nas datas de terras e agoas mineraes
que se descobrirem por aquelles setoens”.
46
A própria Coroa tinha como potica a concentração de terras nas mãos de poucos,
preferencialmente aqueles dotados de recursos próprios. Com referência ao povoamento dos
sertões paulistas no século XVIII, Maria da Glória Porto Kok afirma que, “como o projeto
colonial visava a produtividade da Colônia, eram contemplados, geralmente, os que tinham
condições de aproveitá-las, ou seja, os que tinham maior número de escravos e bens.”
47
À
medida que cresciam as dos paulistas enriquecidos com o comércio escravista, diminuíam as
terras produtivas disponíveis para a grande maioria da população pobre. Dessa maneira, a
falta de propriedades e de recursos constita no motivo para a itinerância dessa população
incômoda aos olhos do governo paulista.
Nesse sentido, em 1770 o Morgado de Mateus publicava outro bando exortando
pessoas de qualquer extrato social a irem explorar o sertão do Tibagi, então renomeado com o
nome sedutor de Minas dos Prazeres do Tibagi”.
48
Em carta do mesmo ano às autoridades
de todas as vilas de São Paulo, o governador determinava que se congregassem “todos os
vadios, e dispersos, ou que vivem em tios volantes, para morarem em povoações civis, em
q’se lhes pudessem administrar os sacramentos e estivessem promptos para as occasioens do
seo Real Serviço”.
49
Em março de 1772, Dom Luís mandava publicar um novo bando. Mandado publicar e
divulgado “a som de caixas em toda a Capitania”, fazia:
(...) saber a todos os moradores, principalmente dependentes deste Governo, e ainda aos de fora delle, q’
os q’ voluntariam.te quizerem entrar na d.ª conquista levantando bandeiras em Corpos suficientes de
45
Documento citado em CARNEIRO, David. Afonso Botelho de São Payo e Souza. Curitiba: Lítero-técnica,
1986, p.99.
46
DI, vol.XXXIII, p.50.
47
KOK, Maria da Glória Porto. Op., cit., p.34.
48
Cf. SAMPAIO E SOUZA, Afonso Botelho de. “Notícia da Conquista e Descobrimento dos Sertões do Tibagi,
na Capitania de São Paulo, no Governo do General Dom Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, conforme às
ordens de Sua Magestade.” In: Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Divisão de Publicações, vol. 76,
1962, p.118-119.
49
DI, vol. VI, p.117.
30
cem homens, lhes serão conferidas pelos seus serviços aquellas mercês, q’lhes competirem, conforme a
promessa q’ lhes tenho feito no Real Nome de S. Mag.e, e lhes seo perdoados quaesquer crimes, em
q’ tenhão incorrido, não sendo da primr.ª cabeça, e daquelles, q’ ao mesmo Snr. Compete o indulto
do perdam, ficando do mesmo modo izentos de qualquer execução q’ lhes façam seus credores, em
quanto andarem na mesma diligencia, de cujos privilegios, liberdades, e izençoens gozarão os
dezertores, que tem sahido desta Capitania, e tambem todos os Ventureiros q’ quizerem acompanha-los
(...).
50
Este trecho nos mostra implicitamente uma fração dos que eram preferidos nos
processos incorporativos utilizados pelo Estado nas expedições às novas terras coloniais. Os
limites da jurisdição do governador nos casos de indulto e a hierarquia do poder nessas
situações também são fatores importantes na hora de se determinar quem pode ser enviado
para as novas povoações.
Para evitar que se espalhassem boatos e notícias sobre as dificuldades enfrentadas
pelas primeiras bandeiras nos Campos de Guarapuava e demais regiões do sertão do Tibagi, o
Morgado de Mateus ordenava que aquelas pessoas “mal intencionadas, que com palavras
sediciozas entrem a embaraçar os progressos desta import.e diligencia, (...) sejam logo prezos,
e remetidos a minha ordem a este corpo da Guarda serem remetidos por tempo de dous
annos a trabalhar nas galés das Fortalezas, na forma das ordens de S. Mag.e (...).”
51
Aqui,
percebemos a existência simultânea de outras formas de utilização da mão-de-obra dos
vadios, e criminosos inmodos aos interesses do Reino. Quem tentasse atrapalhar o processo
de utilização desses extratos sociais nas conquistas ao sul da Capitania também tinha sua
utilidade dentro da hierarquia de trabalhos já propostos pela Coroa.
Um balanço dos contingentes utilizados, de acordo com Marta Rosa Amoroso, depois
de arregimentações e envios desse nero, “Nas onze expedições [aos sertões do Tibagi]
estiveram mobilizados por volta de quatro mil homens, atraídos por todo tipo de promessas:
terras, riquezas e tamm o perdão que a Coroa portuguesa oferecia aos criminosos que
adotassem a região para cumprir seu degredo”.
52
Por vias fluviais ou terrestres, grande parte das expedições que se dirigiam para os
sertões do Tibagi partiu da vila de Curitiba. Nas monções do Rio Paraná, na fronteira com a
Argentina e o Paraguai, Afonso Botelho mandava “práticos de embarcação” vindos
arregimentados ou degredados das vilas de Paranaguá, Iguape e Cananéia, enquanto aos
50
DI, vol.VII, p.91-92.
51
Idem.
52
AMOROSO, Marta Rosa. “Guerra e mercadorias: os Kaingang nas cenas da ‘Conquista de Guarapuava’” In:
AMOROSO et. all. (orgs). Do Contato ao Confronto: A Conquista de Guarapuava no século XVIII. São Paulo:
Expomus, 2003, p.36.
31
sertões do Tibagi, por via terrestre, foram enviados, entre os soldados, aventureiros e
degredados, principalmente mateiros e caçadores.
53
Elencados em forma numérica, incorporados nos quadros de “Ventureiros”
“Camaradasou “Gente que vai”, seus nomes não constam em trecho algum dos longos textos
de Afonso Botelho. Apenas os capitães, comandantes e guardas-mores têm denominação nas
listas. Somente nos dados de uma bandeira, realizada em março de 1771, encontramos entre
os números de uma tabela a especificação da participação de um “degradado” entre o
contingente comandado pelo tenente Felipe de Santiago.
54
A mais conhecida das expedições que seguiram para os sertões do Tibagi, além de
organizada, foi comandada pessoalmente por Afonso Botelho, tendo como destino os Campos
de Guarapuava. Além de relatar a topografia da região, o comandante se ateve ao encontro
que tiveram com os índios Xaklan,
55
também chamados na época de Coroados, em virtude do
corte que os mesmo faziam nos cabelos. Por haver entre os motivos da expedição a esperança
de encontrar ouro a oeste daqueles campos, Botelho elaborou diversos relatos e documentos
cartográficos, com a finalidade de especular e calcular a possibilidade da existência e
conseqüente exploração de minas naqueles campos inexplorados. Além disso, sua missão foi
a de inventariar os povos e recursos naturais da região, dando a localização precisa dos
aldeamentos indígenas.
Carregadas de forte simbolismo, as expedições sinalizavam a efetivação da posse e
domínio territorial pelas Coroas Ibéricas. Nas fronteiras entre as posseses de Portugal e
Espanha, por meio de marcas feitas nas pedras com esculturas de cruzes e outros caracteres,
cada reino marcava seu domínio e sua presença. No caso lusitano, a mensagem “Viva El-Rei
de Portugaldesignava suas posses. Cruzes fixadas pelos sertanistas indicavam os caminhos,
possíveis minas de ouro ou mesmo a sepultura de algum desafortunado que sucumbira no
sertão.
53
Cf. TAKATUZI, Tatiana. Águas batismais e santos óleos: uma trajetória histórica do aldeamento de Atalaia.
(Dissertação de Mestrado em História). Campinas: UNICAMP, 2005, p.16-17.
54
Cf. SAMPAIO E SOUZA, Afonso Botelho de. “Notícia da Conquista e Descobrimento dos Sertões do Tibagi,
na Capitania de São Paulo, no Governo do General Dom Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, conforme às
ordens de Sua Majestade.” Op.,cit., p.138.
55
“Os Xaklan de Guarapuava correspondem assim a um dos muitos grupos falantes de dialetos distintos, que
compunham a população Meridional na época colonial. A referência aos Xaklan na documentação pombalina
constitui registro valioso da diversidade dos grupos Meridionais no século XVIII, assim como das
transformações sociais pelas quais passou essa população na fase posterior a etnificação, que ocorreu no século
seguinte. Em meados do século XIX, os agentes do contato divulgaram o etnômino Kaingang, que permanece
ainda hoje em uso, com o qual se dava tratamento unificado à complexa composição social que caracterizava
essa fração da população Jê Meridional”. Cf. AMOROSO, Marta Rosa. Op., cit., p.29.
32
A presença lusitana nos Campos de Guarapuava também se fez por meio de
representações cristãs ou Reais – uma prática exigida pela Coroa às bandeiras militares.
Depois de um primeiro contato das tropas com os indígenas, foi erguida uma cruz de madeira
no local do encontro. Tal lugar, então denominado Santa Cruz, reiterava o predomínio da
Coroa nas terras habitadas pelos índios, sendo para “memória de que ali tinha chegado, sendo
o primeiro lugar onde Deus principiou a abrir as portas da sua Divina Miserirdia a este
gentilismo”.
56
Dessa forma, os gestos da conquista eram reiterados pelo discurso religioso e
subsidiados pelo discurso militar.
Uma das preocupações presentes nas expedições de Afonso Botelho era a necessidade
de realizar uma comunicação amistosa com os indígenas. Seguindo determinação a potica
indigenista estipulada pelo Marquês de Pombal, mesmo que estes fossem considerados
“bárbaros”, as ordens eram de não atacá-los, tentando manter um contato pacífico.
57
Como
escreveu o comandante Botelho, ainda que os índios, como bárbaros, lancem algua surriada
de frechas, deve o capitão ter instruído a sua gente, não atirem, nem façam mal, antes que lhes
batam as palmas, e procurem fazer aquêles sinais, que for possível, para mostrar-lhes
quererem paz, (...)”.
58
Ao final do reconhecimento da região e dos indígenas, após estes terem sido
presenteados e convencidos pelo discurso de brandura das tropas, a inteão seria a de
subjugá-los. Obtendo a garantia de obediência e vassalagem à Coroa portuguesa, os índios
deveriam tornar-se súditos de Portugal e guardiões das fronteiras do Brasil meridional,
juntamente com os povoadores pobres, vadios, degredados e demais pessoas que quisessem
povoar a região.
59
A representação formada nos anos anteriores às bandeiras organizadas pelo Morgado
de Mateus lembravam aos oficiais que seria necessário cautela no contato com os indígenas,
sendo-lhes essencial inculcar neles “uma lei, uma religião e um rei”.
60
56
Idem, p.36.
57
Cf. Diretório dos Índios. (1757). Documento anexado integralmente em DURAT, Cristiano Augusto. Os
processos incorporativos do Indígena Kaingang de Atalaia à sociedade luso-brasileira: o papel do Catolicismo.
(Dissertação de Mestrado em História Regional). Passo Fundo: UPF, 2006.
58
Cf. “Notícia da Conquista e Descobrimento dos Sertões do Tibagi, na Capitania de São Paulo, no Governo do
General Dom Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, conforme às ordens de Sua Majestade.” Op.,cit., p.79.
59
Cf. AMOROSO, Marta Rosa. Op., cit., p.36.
60
TAKATUZI, Tatiana. Op., cit., p.19.
33
Mapa 1: Rota das expedições militares enviadas aos sertões do Tibagi – século XVIII
Fonte: CARDOSO, Jayme Antonio & WESTPHALEN, Cecília Maria. Atlas Histórico do Paraná.
Curitiba: Livraria do Chain Editora, 2ª ed. ampl, 1986.
Segundo as descrições de Afonso Botelho, os índios kaingang da rego eram culpados
de atacar e matar muitos viajantes e povoadores que vinham de São Paulo para os Campos
Gerais a leste dos Campos de Guarapuava ou que seguiam para o Rio Grande,
prejudicando o comércio tropeiro: “As contínuas saídas do gentio, que ocupa os grandes
Sertões do Tibagi 9 anos a esta parte, tendo morto bastantes pessoas, (...): as muitas
fazendas, que se tem despovoado, e grandes riscos, que correm todas as mais destes Campos
Gerais, e viandantes, que passam por esta estrada, cujas causas, e outras infinitas, sendo o
principal o plantar a fé no meio destes sertões povoados de rias nasções do gentio (...)”.
61
61
Cf. SAMPAIO E SOUZA, Afonso Botelho de. Op., cit. “Notícia da Conquista e Descobrimento dos Sertões
do Tibagi, na Capitania de São Paulo, no Governo do General Dom Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão,
conforme às ordens de Sua Majestade.” Op.,cit., p.77.
34
Depois de meses caminhando pelos matos já reconhecidos nos quatro anos anteriores
pelas dez expedições que se sucederam, o processo de contato entre a bandeira de Afonso
Botelho e os indígenas nos Campos de Guarapuava finalmente aconteceu, em janeiro de 1772.
A ocasião foi intencionalmente retratada em quarenta estampas pelo oficial da expedição
Joaquim Jode Miranda, e recebeu legendas comentadas pelo próprio comandante Botelho.
A comunicação deu-se com certa reciprocidade nos contatos iniciais da tropa com os índios.
62
Entretanto, os primeiros “tratos de amizade” foram logo substituídos por um ataque indígena
mortal a sete soldados do destacamento de Afonso Botelho, obrigando a tropa a levantar
acampamento poucos dias depois de estabelecido o primeiro contato com o “gentio”. Em face
dos poucos recursos bélicos e alimentares que a tropa possuía para sustentar defesa em caso
de novo ataque dos índios, o comandante decidiu bater em retirada.
Acredita-se que o que ocasionou o ataque foi o interesse indígena em conseguir as
ferramentas e armas de fogo, o que demonstra seu conhecimento do poderio ofensivo das
tropas portuguesas
63
. Outra expedição foi ainda enviada por Afonso Botelho aos Campos de
Guarapuava em novembro de 1773, com a intenção de revidar as agressões sofridas no ano
anterior, retornando quarenta dias depois, após sofrer novas investidas indígenas.
Todavia, nesse meio tempo, a atenção das tropas militares da Capitania de São Paulo
voltou-se para as guerras contra os espanhóis que aconteciam nas fronteiras do Iguatemi e
mais ao sul. Em janeiro de 1774 o coronel Botelho recebeu ordens para socorrer o Rio Grande
com seu pessoal. Ao finalizar o relato, escreveu que naquele período estava se preparando
com as tropas:
(...) para estabelecimento daqueles grandes, e deliciosos Campos de Gorapuava, aonde se tendia entrar
novamente estabelecer-se, (...). E por continuar a guerra [no Rio Grande] e chegar novo general à
Capitania de S. Paulo, pararam tôdas as diligências de estabelecimento do campo, e da redução do
gentio, ficando a porta aberta para a toda a hora, que Deus for servido entrar por aquêle abismo a
redenção, e livrar do cativeiro a tantas almas como habitam aquêles sertões.
64
Dessa maneira, viu-se frustrada a primeira tentativa de domínio lusitano sobre os
Campos de Guarapuava. A impressão causada pelo incidente que vitimou sete soldados
lusitanos serviu para transformar a imagem do indígena local, passando de um possível
62
As quarenta cópias foram publicadas e analizadas na obra de AMOROSO et. all. (orgs). Do Contato ao
Confronto: A Conquista de Guarapuava no século XVII. Op., cit. Além desse livro, outros dois trabalhos
recentes contêm análises interessantes desse primeiro contato entre portugueses e os Kaingang nos Campos de
Guarapuava setecentistas. Ver TAKATUZI, Tatiana. Op., cit.; e DURAT, Cristiano Augusto. Op., cit.
63
TAKATUZI, Tatiana. Op., cit.
64
Cf. SAMPAIO E SOUZA, Afonso Botelho de. Op., cit., p.24.
35
colaborador para os serviços da Rainha” a um “bárbaro selvagem, ‘indômita fera’, desumano
e cruel, constituindo um obstáculo ao processo de expansão das posses coloniais”.
65
A incorporação dos vadios e criminosos degredados da Capitania não cairia em desuso
com o encerramento das expedições a Guarapuava e do povoamento do Iguatemi. Essa prática
seria novamente utilizada através do degredo previsto no novo plano de povoamento dos
Campos de Guarapuava, iniciado em 1808.
Desta forma, poderemos articular diferentes contextos nos processos incorporativos
dos degredados enviados para Guarapuava, os quais acontecem em sincronia com os
processos de contato do indígena Kaingang. O primeiro deles, como vimos, é o da época
pombalina e do movimento das tropas civis e militares que buscavam estabelecer
comunicação com a fronteira sul da colônia, alvo das disputas entre as duas Coroas ibéricas.
O segundo momento trata da guerra declarada contra o “gentiode Guarapuava, posto em
ação depois da chegada da família real portuguesa no Rio de Janeiro, como veremos a seguir.
1.2 A Junta da Real Expedição de Guarapuava no século XIX
Antes mesmo das expedições enviadas pelo Morgado de Mateus, os territórios a leste
dos Campos de Guarapuava, nos Campos Gerais, já vinham sendo ocupados por homens da
elite paulista, particularmente das Vilas de Paranaguá e Curitiba. Essa frente de ocupação deu-
se através de fazendas de criação de gado, as quais se iniciaram nos Campos Gerais e tendiam
a se expandir em direção aos “Coranbang-rê” denominação Kaingang dada aos Campos de
Guarapuava. Inicialmente, essas fazendas eram fundadas nas margens do caminho que ia de
Curitiba até Sorocaba e São Paulo, fazendo parte da rota do intenso comércio de gado entre a
Capitania do Rio Grande e São Paulo.
A atividade comercial de grande parte desses fazendeiros era o aluguel de pastagem -
mais conhecidas na época como invernadas - para as tropas de muares e bovinos vindas de
Vacaria, e que seguiam rumo à feira de Sorocaba, de onde seguiam na maioria das vezes para
Minas Gerais. Tal estrada era denominada “Caminho do Viamão”. Segundo o viajante francês
Saint-Hilaire, que esteve nos Campos Gerais no início do século XIX, as tropas de muares
65
Idem, p.27.
36
vindas do Rio Grande do Sul chegavam a invernar nos Campos Gerais entre quinhentas e
seiscentas mulas ao mesmo tempo.
66
Com a estrada das tropas, as cidades e fazendas do Caminho do Viamão estavam
direta ou indiretamente ligadas. Montados em cavalos ou burros, os tropeiros seguiam por
essa estrada, atravessando o planalto catarinense por Lages até chegar aos Campos Gerais.
Depois, alcançavam o Rio Iguaçu, em cujas margens estava instalado o Registro para
cobrança dos impostos sobre todos os animais. Seguindo por Ponta Grossa, Castro, Itapeva e
Itapetininga, chegavam finalmente a Sorocaba, onde o gado era vendido.
Com a cobrança de impostos no Registro e a movimentação da economia nas
invernadas, os negócios de gado se mostravam importante fonte de arrecadação de renda para
os cofres blicos do governo da Capitania de São Paulo. Além das condições naturais,
medidas oficiais estimulavam direta ou indiretamente a criação e comercialização de muares
do Rio Grande em São Paulo.
Dessa forma, os Campos Gerais e outras regiões de matas de araucária foram aos
poucos sendo ocupadas. Muitas dessas estradas e caminhos atravessavam os terririos onde
moravam os kaingang. Viajantes, tropeiros e fazendeiros relatavam que eram constantemente
atacados pelos indígenas. Alguns pontos da estrada para a Vila de Curitiba tiveram de ser
abandonados devido às investidas e ofensivas dos kaingang, tornando-se tão perigosos que
viajantes não se arriscavam atravessá-la. Para evitar ataques e incursões indígenas, os
tropeiros que passavam pela região procuravam viajar em grandes grupos: em tropas de 20 a
30 mulas, com cinco ou seis homens armados e acompanhados de cães.
67
Com efeito, por ocuparem terras consideradas importantes para os investimentos
lucrativos das invernadas, e tamm pelo fato de atacarem as tropas e abaterem cabeças de
gado para se alimentarem, os grupos indígenas acabaram sendo considerados obstáculo à
expansão das fazendas. As a tentativa frustrada de estabelecer comunicação com os índios
pelas tropas de Afonso Botelho, a necessidade de “desinfestar o terririo para os usos
comerciais da expansão pecuária se voltou para o extermínio dos indígenas.
Nesse sentido, no final do culo XVIII, a Câmara de Castro pedia provincia ao
governo da Capitania para que “com o auxílio das forças, o capitão mor da Vila, fizesse
estrada por Imbituva, ‘até chegar aos seus alojamentos [dos índios kaingang], fazendo-os
66
Cf. SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à Comarca de Curitiba (1820). Trad. Carlos da Costa Pereira. SP:
Companhia editora Nacional, 1964, p.24.
67
TAKATUZI, Tatiana. Op., cit., p.28.
37
retirar para mais longe, e, para isso, os moradores contribuiriam com lvora, chumbo e
mantimentos precisos’”.
68
Se comparada ao extrativismo e à agricultura, praticados em outros pontos da Colônia
com necessidades de mão-de-obra excedente e trabalho forçado, a política de ocupação e
extração econômica de terras pelos criadores de gado se diferenciava pela necessidade de
pouca gente para cuidar do gado e dos cavalos. Nesses locais, a agricultura se limitava à
produção da subsistência daqueles que residiam nas fazendas ou povoações que se formavam
entre os pobres livres e os fazendeiros com seus escravos.
Nesse sentido, em função das reclamações dos colonos instalados nos Campos Gerais
em relação à hostilidade dos grupos indígenas kaingang, para que se pudesse avançar na
ocupação nos Campos Gerais e dar início à ocupação dos Campos de Guarapuava, o governo
colonial deveria promover a retirada ou dizimação dos índios que habitavam essas áreas.
Nesse ínterim, para a efetivação da conquista de Guarapuava, D. João VI emitiu, em Carta
Régia assinada em cinco de novembro de 1808, uma verdadeira declaração de guerra aos
indígenas que habitavam os Campos de Guarapuava.
***
Logo após a chegada da família Real portuguesa ao Brasil em 1808, os Campos de
Guarapuava descobertos pelas expedições de Afonso Botelho voltaram a ser tema do interesse
das autoridades. Procurando incentivar o comércio estabelecido pelo tropeirismo e o
povoamento daquela região, D. João VI assina a Carta Régia intitulada “Sobre os índios
Botocudos, cultura e povoação dos campos geraes de Coritiba e Guarapuava”.
69
Encaminhada
ao governador da Capitania de São Paulo, Antonio Joda Franca e Horta, a Carta suspendia
a humanidade dos índios, declarando guerra a todos os “bugres” habitantes da região.
Pautando-se nos discursos sobre os constantes “ataques” que os índios travavam com
os povoadores que procuravam se estabelecer na região, através do documento o monarca
dava as ordens para iniciar a guerra contra aqueles “bárbaros índios”. A princípio, deviam ser
arregimentados os corpos de milicianos de Curitiba e todos aqueles do resto da Capitania que
68
Cf. MACHADO, Brasil Pinheiro. “Formação Histórica. Povoamento dos Campos Gerais” In: BALHANA &
MACHADO (orgs). Campos Gerais: estruturas agrárias. Curitiba: UFPR, 1968, p.35.
69
Carta Régia de 5 Novembro de 1808: “Sobre os índios Botocudos, cultura e povoação dos campos geraes de
Coritiba e Guarapuava. In: SIMÕES, Joaquim Isidoro. Collecção das Leis do Brazil de 1808. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1891, p.156-159.
38
voluntariamente quisessem se armar contra os indígenas, e com a menor despesa possível dos
cofresblicos, perseguir os índios “infestadores” do território do príncipe regente português.
Além disso, como sugere Tatiana Takatuzi, é possível que D. João VI tenha visto na
ocupação militar da região uma maneira de proibir a posse desordenada das terras pelos
fazendeiros dos Campos Gerais. Com o estabelecimento do domínio Real sobre os territórios,
a doação de sesmarias seria estipulada pela Coroa. Nesse sentido, a Carta Régia estabelece a
regulamentação das sesmarias, concedidas a partir da liberação das estradas e territórios
adjacentes proporcionalmente “às forças e cabedaes dos que assim as quizerem tomar com o
simples ônus de as reduzir a cultura.Para isso, havia uma pessoa de confiança do príncipe
regente encarregado da avaliação e destino das sesmarias. Na possibilidade de existência de
ouro ou pedras preciosas, também ficava estipulado o controle Real sobre estes, com a
proibição de sua extração sob severas penas àqueles que desobedecessem as ordens Reais.
Entretanto, no ano seguinte, o Príncipe Regente expediu uma nova Carta Régia
específica à colonização dos Campos de Guarapuava aprovando o plano feito pela junta
organizada pelo governador Franca e Horta como o plano Real de povoamento da região. Em
um tom mais brando em relação aos indígenas, ficava declarado que, caso os índios fossem
mansos, a expedição deveria tratá-los bem, vestindo-os com roupas, “fazendo-lhes viver em
paz com elles e defende-los dos seus inimigos, que então os largue e deixe ir livres para que
o dizer isso mesmo aos Índios da sua espécie com quem vivem (...).”
70
Caso os indígenas
fossem considerados hostis, continuava declarada a guerra e o aprisionamento dos grupos
nativos.
“Fundamentando-se nos mesmos principios do Marquez de Pombal”,
71
como escreveu
o missionário Chagas Lima, a nova Carta Régia também ordenava à expedição militar enviada
o intuito de “dar princípio ao grande estabelecimento de povoar os Campos de Guarapuava” e
civilizar os Índios bárbaros que infestam aquelle terririo”. A partir de então, o Príncipe
Regente almejava estabelecer o controle territorial definitivo da Coroa Portuguesa sobre
aqueles campos.
Para a missão da catequese indígena, foi designado como Capelão da Real
Expedição o padre Francisco das Chagas Lima, presbítero secular curitibano e o único
missiorio evangelizador de indígenas naquela época, tendo catequisado indígenas do grupo
70
Carta Régia de 1 de Abril de 1809: “Approva o plano de povoar os Campos de Guarapuava e de civilisar os
indios barbaros que infestam aquelle territorio”. In: SIMÕES, Joaquim Isidoro. Coleção das Leis do Brazil de
1809. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p.36-39.
71
LIMA, Francisco das Chagas. Memoria sobre o Descobrimento e Colonia de Guarapuava (1809-1827)” In:
SALLAS, Ana Luisa Fayet (org). Documentação sobre povos indígenas: Séculos XVIII e XIX . Curitiba: Editora
Aos Quatro Ventos, vol. 3, nº 9, 2001, p.57.
39
denominado “botocudo” em aldeamento na povoação paulista de Queluz, durante quatro anos.
Para planejar e administrar o empreendimento proposto na Carta Régia foi criada a “Junta da
Real Expedição de Conquista de Guarapuava”. A Junta era presidida pelo próprio governador
de São Paulo, e comandada pelo coronel Diogo Pinto de Azevedo Portugal.
Diogo Pinto era comandante do regimento de cavalaria da milícia de Curitiba, tendo
participado da última expedição enviada por Afonso Botelho aos Campos de Guarapuava. No
comando da expedição de 1809, o comandante organizou uma tropa formada por duzentos
homens armados, divididos em tropas milicianas, de linha e ordenanças
72
, além de cerca de
cem povoadores voluntários de Curitiba para rumar em direção a Guarapuava. Entre os
militares seguiam o comandante, tenentes, alferes, porta-estandartes, sargentos, cabos,
tambores, trombetas e soldados. Além de toda essa gente, seguia um cirurgo, ferreiros,
armeiros, alguns escravos, criados, linguarazes conhecedores de dialetos indígenas - para o
contato com os índios, práticos, lavradores de madeira e presos remetidos dos distritos
paulistas, estes últimos relacionados como “paisanos”, ou seja, indivíduos que o estavam
incorporados aos corpos militares.
O aparato militar era completado com obuses, mosqueteiras, chumbo grosso e balas de
diversos calibres, dando o tom à expedição.
73
Além dessas formas de envio para povoamento,
havia migrações internas para as regiões de fronteira aberta. Embora nem sempre essas
migrações possam ser consideradas realmente espontâneas - por haverem processos de
expulsão por mecanismos sócio-econômicos em funcionamento podemos considerar que a
fronteira agrícola sempre atraiu não-brancos livres pobres em busca de trabalho e de terras
para suas áreas.
74
72
Vale lembrar que a organização dos corpos militares no Brasil dos séculos XVIII e início do século XIX
“estava organizada em três escalões, a saber: exército de linha, ou tropa paga [os milicianos], recrutada entre os
solteiros; as forças auxiliares, constituídas por homens válidos, geralmente casados; e, finalmente, as ordenanças,
compostas pelos restantes homens militarmente úteis. Fora desse esquema, e para determinadas missões
específicas, eram contratadas, mediante a promessa de soldo, companhias de aventureiros, caçadores ou
voluntários”. MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. “A guerra e o pacto: a política de intensa mobilização
militar nas Minas Gerais.” In: CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik (org.). Nova História
Militar Brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, p.71.
73
PORTUGAL, Diogo Pinto de Azevedo. “Real Expedição de Goarapuaba Mapa das tropas meliciana, de
linha e ordenanças e mais pessoas empregadas na Real Expedição e Conquista dos Campos Geraes de
Goarapuava deq he comandante em xefe o Tem. Cor. Diogo Pinto de Azevedo Portugal”. Linhares, maio de
1811. Apud: FRANCO, Arthur Martins. Diogo Pinto e a Conquista de Guarapuava. Curitiba: tipografia João
Haupt & CIA, 1943.
74
Cf. LIMA, Carlos A. M. “Sertanejos e Pessoas Republicanas Livres de Cor em Castro e Guaratuba (1801-
1835)” In: Estudos Afro-Asiáticos. Ano 24, nº02, 2002, p.317-344.
40
Mapa 2: Caminho do Viamão e rota das tropas da Real Expedição e Conquista
dos Campos de Guarapuava no século XIX.
Fonte: CARDOSO Jayme Antonio & WESTPHALEN, Cecília Maria. Atlas Histórico do Paraná.
Curitiba: Livraria do Chain Editora, 2ª ed. ampl, 1986.
A tropa partiu de Curitiba em agosto de 1809, e, após realizar algumas paradas em
ranchos em meio ao sertão para abrir o caminho, chegou aos Campos de Guarapuava em 17
de junho de 1810. Ainda naquele mês, as tropas avançaram até os restos dos acampamentos
levantados por Afonso Botelho e ao último ponto alcançado pela expedição de 1774, no então
denominado Atalaia. Segundo o reverendo Chagas Lima, sem oposição dos indígenas, foram
feitos oito dias de reconhecimento da região até dez léguas de distância e, “não se tendo
encontrado habitante, passou-se a fundar, da parte d’alêm do rio Coutinho, a povoação da
Atalaia.”
75
75
LIMA, Francisco das Chagas. Op., cit., p.58.
41
A partir de então, como narra o missionário Chagas, todos os homens dedicaram-se ao
levantamento de uma fortificação pequena, com paredes de grandes troncos de árvore e quatro
esteios, denominada Fortim Atalaia, medindo quarenta palmos de altura - cerca de oito metros
- e espaço interno para construção de quatro casas para alojamentos, levantadas logo em
seguida.
Um soldado sentinela permanente, mantido em alerta no alto do fortim, podia
visualizar uma grande extensão de campo, precavendo possíveis ataques, tal como o
acontecido naquele mesmo ano, poucos dias depois do primeiro contato com um grupo de
indígenas kaingang da região ainda no mês de julho. Estes atacaram Atalaia com grande
número flechas durante toda a noite do dia 29 de agosto
76
. Sem conseguir adentrar no fortim,
ou mesmo ferir gravemente algum dos soldados aquartelados, os indígenas se retiraram sertão
adentro novamente, deixando dezenas de nativos mortos. Depois desse conflito, os indígenas
da região só voltariam a aparecer em agosto de 1812, quase dois anos depois.
***
Para fomentar a povoação de Guarapuava, am da doação de sesmarias aos
povoadores mais abastados, ficava autorizado o comandante Azevedo Portugalpara que
além das sesmarias concedidas ao Governo possa repartir os terrenos devolutos em
proporções pequenas pelos povoadores pobres, pois que estes não tem forças para obterem
sesmarias, e que reserve sempre uma legua de campo e mattos ao redor das povoações que for
estabelecendo para commum logradio
A catequese foi o instrumento de pacificação utilizado pela Coroa para que os colonos
pudessem povoar o território sem temer os “ataques” dos índios que vivessem nos arredores
de Atalaia. Nesse sentido, como explica Tatiana Takatuzi, “podemos entender a fundação do
aldeamento enquanto uma estratégia da Coroa em concentrar os índios, recolhendo-os dos
campos para que os colonos pudessem pacificamente ocupá-los”.
77
Convém lembrar que o que chamamos de aldeamento de Atalaia foi fundado
inicialmente como abarracamento e fortim militar de Atalaia, transformado em povoado misto
de soldados e indígenas em processo de catequização quando estes últimos começaram a ser
aldeados, a partir de 1812. Foi somente a partir da fundação da Freguesia de Nossa Senhora
76
Cf. FRANCO, Arthur Martins. Op., cit.
77
TAKATUZI, Tatiana. Op., cit., p.31.
42
de Belém por AlvaRégio em 1818, entre 1820 e 1821, que o Fortim Atalaia passou a ser
exclusivamente um aldeamento indígena.
Em 1821, com a transferência das tropas militares, a organização do núcleo urbano e o
levantamento da capela inicial da Igreja Paroquial de Nossa Senhora de Belém a cerca de uma
gua e meia do aldeamento, Atalaia passou a ter um contato menos direto e freqüente com o
pessoal das tropas e da povoação. Além dos indígenas aldeados, apenas alguns soldados e
povoadores casados com índias permaneciam no aldeamento. Até mesmo o reverendo
missiorio Chagas Lima não residia no local, seguindo rotineiramente do núcleo da
povoação ao aldeamento, onde foi o único vigário colado até 1828, e pernoitando com os
índios apenas em eventos especiais, como a semana santa, quando eram realizados vários
sacramentos entre os catecúmenos.
Uma das outras preocupações que permearam as duas Cartas Régias consistia em
estabelecer uma ligação da Capitania de São Paulo à Capitania do Rio Grande, com a
finalidade de facilitar o tropeirismo e aumentar os cofres Reais em função dos impostos sobre
o trânsito de gado. Para cobrir as despesas da expedição de Guarapuava, através da mesma
Carta Régia de 1º de abril de 1809 foi criado um novo ponto de registro, em Sorocaba, sobre a
criação de muares. Unida à construção de uma estrada que facilitasse a comunicação com a
Capitania do Rio Grande e região de Missões, estava planejada a fundação de outras
povoões e a concessão de sesmarias.
De acordo com Maria Thereza Schorer Petrone, com a vinda de D. João VI, o caminho
das tropas para o sul adquiriu importância maior em vista do crescimento do mercado
consumidor.
78
As primeiras sesmarias concedidas nos Campos de Guarapuava foram dadas
aos colonizadores da Expedição e alguns fazendeiros dos Campos Gerais que haviam
colaborado com os serviços da empreitada.
Como Iraci Del Nero Costa e Horácio Gutierrez apontam, a expansão da sociedade
campeira para o Terceiro Planalto contribuiu para um aumento populacional significativo da
região sul da Capitania de São Paulo. Nesse sentido, corroboram com a afirmação os mapas
populacionais do atual Estado do Paraná, que demonstram que a população beirava as 21.000
pessoas em 1798, crescendo para cerca de 36.700 já em 1830.
79
Como complemento das
ações de povoamento, a defesa do território tamm se consolidava com o aumento da
população.
78
PETRONE, Maria Thereza Schorer. O Barão de Iguape: um empresário da época da Independência. São
Paulo: Editora Nacional/Brasiliana, 1976.
79
COSTA, Iraci Del Nero da & GUTIERREZ, Horacio. Paraná, Mapas de Habitantes 1798-1830. São Paulo:
Instituto de Pesquisas Econômicas, 1985, p.14.
43
Assim sendo, podemos afirmar que a sociedade que se instalou nos Campos de
Guarapuava foi um desdobramento daquela que deu origem à organização do espaço do
Segundo Planalto paranaense, nos denominados Campos Gerais. Nas primeiras décadas do
século XIX, as famílias fazendeiras formavam “a parte socialmente mais importante dessas
cidades, embora as habitassem somente durante uma pequena parte do ano, residindo mais em
suas fazendas, eram a classe dominante, que exercia o poder político”.
80
No caso dos grandes
proprietários de fazendas de Guarapuava, as fazendas onde estes residiam ficavam geralmente
nas vilas próximas à Curitiba, onde encontravam maiores comodidades.
Estes proprietários constituíam uma classe senhorial patriarcal, baseada em relações
hierárquicas e apoiada no trabalho escravo e de agregados. Era comum encontrar apenas um
dos filhos do fazendeiro residindo em suas posses mais distantes, sendo este o responsável
pela organização da produção de subsistência e da criação dos animais. Dessa forma, a base
central da ocupação para fins ecomicos dos Campos de Guarapuava eram os membros da
família do colonizador, os quais, auxiliados pela mão de obra escrava, conseguiram abrir os
caminhos nos sertões, efetivando a moradia nos campos e aumentando a criação dos rebanhos
de gado vacum e muar.
81
Por outro lado, a expansão de fronteiras e o processo de estruturação da sociedade nos
Campos de Guarapuava também careciam de diversos moradores fixos na região, que
pudessem fazer uma primeira frente de defesa em caso de ataques indígenas ou invasões
castelhanas. Povoadores de poucas posses, envolvidos na agricultura de subsistência,
trabalhando como jornaleiros na época das colheitas ou como agregados dos grandes
proprietários, permanecendo nas fazendas para tratar o gado, além daqueles que realizavam
serviços indispenveis ao dia-a-dia da população, tais como carpinteiros, pedreiros e
alfaiates, eram de suma importância na ordem hierárquica da sociedade guarapuavana em
processo de formação.
Nesse sentido, o perdão das dívidas à fazenda Real pelo prazo de seis anos e a isenção
do pagamento do zimo referente às novas terras que fossem agriculturadas fazia parte das
benesses oferecidas pela Coroa para aqueles que viessem povoar a região, o que deve ter
atrdo diversos dos povoadores pobres presentes nas primeiras listas de habitantes da
Freguesia, já na década de 1820.
80
MACHADO, Brasil Pinheiro. Op., cit., p.40.
81
SANTOS, Zeloí Aparecida Martins dos. “Os ‘Campos de Guarapuava’ na Política indígena do Estado
provincial do Paraná (1854-1889).” In: Revista Analecta. Guarapuava: Gráfica Unicentro, v.2, nº1, 2001, p.104.
44
Como vêem sugerindo os estudiosos dos processos de imigração espontânea e de
incorporação de pessoas livres de cor nas fronteiras agrárias da colônia e do império
82
,
independentemente da necessidade de poticas específicas de povoamento, o fato da abertura
de uma nova fronteira agrícola aberta também atraía, sozinha, diversos povoadores pobres em
busca de terra. Estes, em sua maioria não-brancos livres pobres, aparecem nas primeiras listas
de habitantes de Guarapuava, nas décadas de 1820 e 1830, encabeçando domicílios, mantendo
lavouras de subsistência, e, conseqüentemente, esticando as fronteiras à medida que se
incorporavam como povoadores da região. De acordo com Hebe de Castro, caso de forros e
pardos livres, a mobilidade espacial e a migração para áreas de fronteira “era um recurso da
liberdade, primeira e fundamental marca do seu exercício”.
83
Como veremos na descrição das
trajetórias de diversos degredados, era comum se tratarem de migrantes internos, que já
haviam mudado de local de residência antes de se envolverem com a Justa.
Além disso, D. João VI também sancionou outro ponto indicado pela Junta da Real
Expedição de Conquista no plano de povoamento de Guarapuava que não estava presente na
Carta Régia de 1808: finalizando o documento, ficava ordenado o envio de todos os
degredados e degredadas sentenciados em São Paulo. Como expunha o Príncipe Regente,
Igualmente vos ordeno que façais remetter para os Campos de Guarapuava todos os
criminosos e criminosas que forem sentenciados a degredo, cumprindo alli todo o tempo do
seu degredo.
84
A ordem, referindo-se ao envio de condenados de ambos os sexos, acaba adequando o
envio de degredados para Guarapuava a uma condição constante das povoações de fronteira.
Nessa situação falta de mulheres em virtude do caráter militar do início da exploração, do
absenteísmo das famílias de grandes posses, do perigo indígena e das difíceis condições de
vida dos primeiros anos da povoação, o que inibe a participação feminina nos grupos de
aventureiros pobres que vão tentar a vida na nova povoação. Essa tendência fica reforçada
pela relação dos civis e militares enviada ao presidente da Capitania em 1811, onde dentre as
duzentas e trinta e duas pessoas que compunham a Expedição havia apenas oito mulheres,
todas elas esposas de militares da empreitada.
82
Cf. LIMA, Carlos Alberto Medeiros. “Sertanejos e Pessoas Republicanas Livres de Cor em Castro e
Guaratuba (1801-1835).” In: Estudos Afro-Asiáticos. Ano 24, nº 2, 2002, p.317-344; Vide também FARIA,
Sheila de Castro. A Colônia em Movimento: Fortuna e Família no Cotidiano Colonial. Rio de Janeiro: Editora
Nova Fronteira, 1998; e MATTOS, Hebe Maria. Das Cores do Silêncio: Os Significados da Liberdade no
Sudoeste Escravista (Brasil, séc. XIX). Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1998.
83
CASTRO, Hebe de. Uma experiência de liberdade. Rio de Janeiro: Mimeo, 1992, p.5.
84
Carta Régia de 1 de Abril de 1809: “Approva o plano de povoar os Campos de Guarapuava e de civilisar os
indios barbaros que infestam aquelle territorio”. Op., cit., p.39.
45
Neste sentido, vale lembrar que mesmo o degredo de mulheres condenadas foi muito
pequeno se comparado ao envio de indivíduos do sexo masculino: entre os cinqüenta e oito
casos documentados, constam apenas seis mulheres.
85
Outro ponto de análise nesse sentido
diz respeito à ordem para que todos os degredados e degredadas cumprissem todo o tempo de
suas penas na região, dando relevância para a longa permanência no local dos degredados
remetidos.
Quanto aos primeiros condenados enviados, na relação das tropas da expedição de
de maio de 1811 já constam quatro homens o nominados, um deles relacionado como
Prezo por ordem de S. Ex.ª” o governador da Capitania e aquartelado como paisano na
guarnição de Linhares – último abarracamento das tropas antes de chegar a Atalaia, e mantido
em atividade por algum tempo depois de levantado o abarracamento de Atalaia -, e outros três
mencionados como “Prezoz pelos Com.des dos Destritos”, estes relacionados nos efetivos da
guarnição de Atalaia.
86
Embora não tenhamos referência sobre o tipo de condenação desses
homens se eram vadios ou degredados condenados -, suas condições se encaixam
perfeitamente no perfil de mão-de-obra remetida para ser útil nos trabalhos da nova povoação.
A falta da referência aos termos degredo/degredados/vadios na documentação
produzida pelo Comandante Diogo Pinto de Azevedo Portugal persiste em outra carta ao
governador da Capitania, presidente da Junta da Real Expedição, informando sobre a entrada
nas tropas da Expedição de cinco presos por ordem do governador. Todos eles haviam
chegado à povoação entre janeiro e março de 1811, ou seja, antes da confecção do mapa das
tropas referida acima.
Entre os “Prezos”, desta vez relacionados pelo nome, o primeiro a chegar, ainda em
janeiro daquele ano, foi Francisco Vicente, remetido pelo capitão-mor de Curitiba. Duas
semanas mais tarde, em 13 de fevereiro, chegava o único condenado com referência à sua
condição social: mencionado como pardo forro” vinha Joaquim Rodrigues, da Vila de
Castro. Em 16 de março foi a vez de Francisco Rodrigues, também remetido pelo capitão-mor
de Curitiba. Finalizando a leva inicial de condenados chegaram em 23 de março José
Bernardes e Salvador José, ambos remetidos pelo capitão-mor da Vila do Príncipe, atual
cidade da Lapa.
87
85
A tentativa de formação de famílias no povoamento de Guarapuava acabou sendo também baseada na
facilitação e realização de uniões entre os degredados homens enviados e moças kaingang aldeadas, como
veremos mais a fundo no próximo capítulo.
86
PORTUGAL, Diogo Pinto de Azevedo. “Real Expedição de Goarapuaba Mapa das tropas meliciana, de
linha e ordenanças e mais pessoas empregadas na Real Expedição e Conquista dos Campos Geraes...”. op., cit.
87
PORTUGAL, Diogo Pinto de Azevedo. “OBSERVAÇÃO 16 de Maio de 1811”. In: FRANCO, Arthur
Martins. Op., cit, p.148.
46
Certamente, esses presos fazem parte dos quatro homens referidos nos trabalhos da
expedição da relação expedida em maio. Entretanto, onde estaria elencado o outro
condenado? Estaria o pardo forro Joaquim Rodrigues contado entre os criados e escravos da
Expedição? Ou haveria de ter “desertado” algum deles? Estes questões ficam sem resposta.
Até mesmo o tempo que estes homens permaneceram na Expedição é dado inexistente, uma
vez que a primeira lista de habitantes produzida data de 1828, e neste tempo já o constam
os nomes de mais nenhum destes cinco homens.
Entretanto, as ordens de envio dos vadios e degredados das vilas da Capitania para a
povoação continuaram a aparecer na documentação pesquisada. Logo a 13 de maio daquele
ano de 1811, Antonio José da Franca e Horta enviava uma carta ao ouvidor geral e corregedor
da comarca de Paranaguá, Dr. João de Medeiros Gomes, responsável pelo pagamento dos
gastos da expedição de Guarapuava. Entre outros assuntos, o governador da Capitania
ordenava ao ouvidor:
Pelo que respeita a poder Vmce. Mandar para Guarapuava alguns vadios e façinorosos que na sua
Comarca perturbão o Socego publico, as ordens que lhe mandei para administrar a expedicção forão
amplas, e como hum dos fins de S. A. R. hé promover o estabelecimento, e Povoação dos dittos campos
não sò deve Vmce. mandar os creminosos e criminosas que sentençear a degredo para ali os cumprirem
na forma da Carta Regia do primeiro de Abril de mil oito centos e nove, mas tambem os vadios visto
que S. A. R. na mesma Carta Regia convida até com premios a que vão povoar aquelles campos, como
terá sido prezente a Vmce. pela mesma Carta Regia que pela Junta da Expedicção havia de ter sido
remettida a seu Antecessor.
88
Dessa forma, percebemos que os planos de envio forçado para Guarapuava não
compreendiam apenas aqueles criminosos condenados por crimes que já previam o degredo
como pena. Além dos vadios da comarca, outros “facinorosos”, culpados por crimes mais
leves que o mereceriam o degredo pelo digo filipino, também deveriam ser remetidos.
Agrupados sobre o rótulo de perturbadores do sossego público, todas essas pessoas se
tornariam úteis no processo de povoamento da nova vila colonial, com possibilidades de
reincorporação na hierarquia social colonial como povoadores dos novos campos, convidados
até com prêmios” de Sua Alteza Real.
Em julho de 1812, o Inspetor Geral de Milícias, José Arouche de Toledo Rendon,
escrevia ao Conde de Galvêas sobre a situação e os possíveis avanços da Expedição de
Guarapuava. Com ordens de realizar um parecer sobre o futuro da povoação, após enaltecer
os trabalhos realizados pela Junta da Real Expedição, Toledo Rendon opinava ao governo da
Corte sobre algumas maneiras de fazer prosperar o local.
88
D. I. vol. CIX, p.230.
47
Longe de sugerir o fim da tentativa de povoamento de Guarapuava - ou sua
estagnação, o inspetor recomendava, além da necessidade de novas buscas de metais e pedras
preciosas na região e do redirecionamento de parte dos gastos com a Expedição para o
melhoramento urgente do Caminho de Viamão,
(...) q’ se adiantasse a Povoação começada, mettendo-lhe Povoadores de ambos os sexos da classe
d’aquelles q’ vagão pela Capitania de S. Paulo sem estabelecimen.to algum, vivendo agregados ora em
um sitio, ora em outro; pois q’ esta qualid.e de gente pela maior parte mixtiça, em nada serve ao Estado,
podendo n’aquelle lugar empregar-se em lavoiras, e creação de animaes debaixo da immediata
inspecção do Comand.e.
89
Como se vê, a utilização dos “mixtiços” itinerantes das vilas paulistas se mostrava
peça fundamental para a povoação de Guarapuava tornar-se próspera, num momento em que
estagnavam as ações da Expedição, apenas dois anos depois de levantados os primeiros
abarracamentos. A incorporação dessas pessoas e sua fixação na povoação se dariam, por um
lado, através dos trabalhos na agricultura e na criação de gado, por outro, através do envio de
indivíduos de ambos os sexos da classe d’aquelles qvagão” poderia potencializar as uniões
familiares na fronteira agrícola, constituindo a base do enraizamento e assimilação dos
soldados-povoadores, já almejados na época pombalina e mesmo em períodos bem anteriores.
Como explica Maria Beatriz Nizza da Silva, se o primeiro objetivo do envio dos
vadios e criminosos para as novas povoações se relacionava, sobretudo, ao desenvolvimento
da agricultura, o segundo motivo estava fortemente preso a uma política de incentivo ao
casamento. Melo Castro e Mendonça, governador da Capitania de São Paulo em 1800,
formulou a expressão máxima dessa potica nesse período: Todos os meios, que forem
próprios para facilitar os casamentos também o serão para promover a povoação”.
90
Ainda em 1812, houve uma drástica diminuição do mero de homens nos trabalhos e
guarnição da povoação para apenas oitenta pessoas entre milicianos e paisanos, em função das
baixas nos regimentos de milicianos. Com a necessidade de novos recrutamentos, o governo
da Capitania ordenou o envio de cem homens arregimentados nas vilas mais próximas para
formar tropas de ordenança. Não foram encontradas informações que nos elucidem, ao certo,
a condição desses soldados. Entretanto, relatos dessa atitude são encontrados nos textos do
vigário Chaga Lima. Tal atitude gerava diversas deserções nos corpos de guarda, gerando
comentários de desaprovação dessa medida por parte do padre, uma vez que os capitães-
89
D. I. vol.XV, p.84-85.
90
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de Casamento no Brasil Colonial. São Paulo: Edusp, 1978, p.22.
48
mores de Curitiba, Príncipe e Castro aproveitaram a oportunidade para expurgar suas vilas
dos seus elementos indesejáveis. Segundo o missionário:
Pelos fins de 1812 começou a declinar a expedição, e a enfraquecer d’aquelle vigor com que havia
começado. A causa tambem foi que fazendo-se, por Ordem Regia, recolher a seus regimentos os
soldados milicianos, foram estes suppridos pelos da ordenança, homens de infima plebe, sem estímulos
de honra. Iam como forçados adescubrirem occasião de se escaparem: uns fugiam em caminho,
outros no dia seguinte da sua chegada, outros chegavam miseraveis de roupa e de saúde, e tanto que se
viam sãos ou decentemente vestidos, desertavam; e outros mais remediados (estando disposto que de
tres em tres mezes seriam rendidos) faziam ò mesmo que aquelles, nunca solitariamente, porêm sempre
acompanhados de 4, 6, e 8 soldados, os quaes, tendo a certeza de que seriam perseguidos como
desertores, se passavam, com suas familias, para outros districtos que não eram seus dominilios,
majoritariamente para Viamão.
91
Nesse trecho, percebemos as condições dos homens arregimentados à força e
remetidos para Guarapuava pelas vilas de Castro, Curitiba e do Príncipe. Pobres e doentes, a
maioria não retornava para as vilas de onde tinham sido enviados. A chave da itinerância os
mandava para ainda mais longe, e, embora desapercebidos de posses, não deixavam de
retornar para buscar e levar consigo suas famílias. Talvez este seja o principal motivo dessas
levas de soldados não terem sido eficazes no fomento de povoação: soldados que possuíam
família eram obrigados a servir longe delas. Por outro lado, a necessidade de povoamento da
fronteira agrícola os lança para mais longe, causando migrações para a região do caminho de
Viamão, por onde transitavam as tropas de gado do Rio Grande até Sorocaba.
Entre 1812 e 1821, nenhum outro documento refere-se ao envio de vadios ou
criminosos degredados para Guarapuava. Na povoação, com a entrada de centenas de
indígenas de dois grupos kaingang no aldeamento e o início dos trabalhos de catequização por
parte do missionário Chagas Lima, podemos dizer que o aldeamento de atalaia prosperou
durante esse período, ganhando seqüência e grande número de catequizandos.
92
Por outro lado, a expedição declinou nesse período. Em 1817, uma ordem expedida
pelo governo de São Paulo mandava recolher todo o Trem Real e mais alguns empregados em
Linhares, antigo abarracamento situado na entrada nos Campos de Guarapuava, próximo dos
Campos Gerais e da vila de Curitiba. Somente alguns soldados e os povoadores que se
encontravam com terras permaneceram para dar prosseguimento à povoação. Dois anos
depois, em dezembro de 1819, toda a população luso-brasileira “branca” que se encontrava no
aldeamento começou a ser transferida para a recém-criada Freguesia de Nossa Senhora de
Belém de Guarapuava.
91
LIMA, Francisco das Chagas. Op ., cit., p.59-60.
92
Cf. LIMA, Francisco das Chagas. “Estado Actual da Conquista de Guarapuava no Fim do Anno de 1821;
Descripto por Ordem do Illm.º e Exm.º Governo Provisório desta Provincia de S. Paulo.In: FRANCO, Arthur
Martins. Op., cit., p.233-268.
49
Fundada em local escolhido e demarcado pelo padre Chagas Lima, a povoação estava
localizada, a partir de então, em local relativamente distante do aldeamento indígena de
Atalaia. Todavia, como perceberemos no próximo capítulo, embora a povoação estivesse
afastada, os contatos entre os índios aldeados e os povoadores permaneceram muito
freqüentes.
Logo após a criação da Freguesia por Alvará gio, o governo da Capitania de São
Paulo ordenou ao comandante Diogo Pinto de Azevedo Portugal que restituísse toda a tropa
que permanecia estacionada em Linhares, entregando um inventario de tudo que pertencesse à
Trem da Real Expedição ao Tenente Antonio da Rocha Loures. Nomeado comandante
interino da povoação, Rocha Loures seria a nova autoridade civil responsável pela povoação,
uma vez que Diogo Pinto não retornaria mais ao posto.
Dessa forma, na falta de listas de habitantes para a época, sabemos pelas anotações
do padre Chagas que, em fins de 1821, cerca de cem pessoas entre soldados, oficiais e
povoadores portugueses estavam transferidos para a nova sede da povoação nos Campos de
Guarapuava, concentrados no local onde havia se formado a Freguesia de Nossa Senhora de
Belém de Guarapuava. Coincidentemente, em 1820 era recriada a Junta de Justiça da
Capitania de São Paulo – importante instituição na prática do degredo para Guarapuava.
Convém discutirmos um pouco sobre o funcionamento desse órgão da Justiça paulista, antes
de nos aprofundarmos nas trajetórias de incorporação dos degredados remetidos para a rego
nas décadas de 1820 a 1850.
Figura 1: Aquarela da Povoação de Guarapuava entre as décadas de 1820 e 1840
Fonte: DEBRET, Jean-Baptiste (1768-1848) “‘Guarapuava’. s.d. Aquarela. 7,8 x 23,3 cm, Coleção Fundação
Castro Maia”. In: Pintores da paisagem paranaense. Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura/Solar do Rosário,
2..1, p.93.
50
1.3 A Junta de Justiça de São Paulo e as “Cartas de Guia”
A hierarquia dos cargos e órgãos responsáveis pelo funcionamento da Justiça no Brasil
colonial, a partir de 1750, procurava abranger os níveis administrativos gerais existentes. O
governo-geral englobava a jurisdição de todo o território da colônia; as Capitanias, com
espaço territorial demarcado, subordinavam-se - ao menos de maneira formal - administrativa
e juridicamente ao governo-geral; e o município ou comarca, abrangendo a vila e demais
freguesias, povoações e localidades próximas, compunham a menor divisão administrativa
colonial.
93
No momento de chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro, a estrutura judicial da
Colônia compunha-se da Relação da Bahia, responsável pela Justiça nas comarcas do norte;
da Relação do Rio de Janeiro, em funcionamento desde 1751 e abrangendo as comarcas do
sul; dos ouvidores-gerais das Capitanias; dos juízes de fora e ouvidores das comarcas e,
naqueles municípios que não eram cabeça de comarca, havia os juízes ordinários eleitos. Com
exceção desses últimos, todos os outros graus da hierarquia judiciária eram exercidos por
indivíduos letrados, ou seja, formados em Coimbra e membros participantes da magistratura
portuguesa. Com esta formação, como frisa Jo Murilo de Carvalho, estes oficiais eram
submetidos ao mesmo mecanismo de circulação de elites no poder.
94
Vale lembrar que as
duas Relações estavam submetidas às ordens da Casa da Suplicação e Mesa do Desembargo
do Paço de Lisboa, óro máximo da Justiça portuguesa no período colonial.
Entretanto, ainda em 1808 D. João VI criou os equivalentes da Casa da Suplicação e
do Desembargo do Paço no Brasil, com sede na Corte do Rio de Janeiro, através da criação de
Casa de Suplicação do Brasil, em substituição à Relação daquela cidade. Como deixa claro o
Príncipe Regente na ordem de criação da Instituição, “e será considerada como Superior
Tribunal de Justa para nele se findarem todos os pleitos em última instância (...). E terão os
Ministros a mesma alçada que têm os da Casa da Suplicação de Lisboa”
95
Esse novo órgão
ficava responsável por ações como as ordens para transferência de presos, o recebimento de
apelações das decisões judiciais e a comutação de certas penas, o que toca diretamente nas
situações de degredo.
93
Cf. SALGADO, Graça (org.). Fiscais e Meirinhos: A Administração no Brasil Colonial. Op., cit., p.21.
94
CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003, p.173-174.
95
Cf. NEQUETE, Lenine. O Poder Judiciário no Brasil a partir da Independência. Porto Alegre: Editora
Sulina, 1973, p.20.
51
A instituição de ação dos ouvidores nas Capitanias seriam as Juntas de Justa. Criadas
por alvará de 1765, suas atribuições buscavam agilizar a aplicação da Justiça nas localidades
do interior da Colônia. De acordo com Lenine Nequete, competia-lhes julgar os crimes de
deserção e desobediência de soldados e oficiais envolvidos em sedições, rebeliões ou crimes
de lesa-majestade, além de todos os crimes que eram contrários ao direito natural das gentes,
como homicídios voluntários, roubos e resistência às Justiças.
96
No caso da Junta de Justiça de São Paulo, criada em janeiro de 1775, a mesma havia
sido desativada antes da chegada da Corte ao Brasil. Todavia, por Carta Régia de três de
agosto de 1820
97
o governador da Capitania ficava autorizado a restabelecer esse órgão da
administração da Justiça criminal em São Paulo. D. João VI pretendia, com isso, diminuir o
número de réus enviados para a Casa de Suplicação da Corte, assim como a redução do tempo
de espera pelos julgamentos e do número de réus de São Paulo presos nas cadeias do Rio de
Janeiro.
Pelo documento, também ficava estabelecido o sistema de funcionamento da Junta de
Justiça. Nela, o governador exercia o cargo de Presidente, com voto de desempate. O ouvidor
da comarca de São Paulo seria o Juiz Relator, e dos juízes de fora daquela cidade e das vilas
vizinhas, ou de advogados “da melhor nota” ou vereadores na falta destes primeiros, se
formaria um corpo de seis votantes. Para condenações superiores a dez anos de degredo
seriam necessários no nimo quatro votos, para outras condenações, se deveriam somar com
no mínimo três.
Com funcionamento ocasional, a Junta poderia ser convocada pelo governador da
Capitania, devendo, para isso, levar em consideração a pertinência da atuação do órgão,
independentemente dos crimes a serem julgados. Dos distritos deveriam ser remetidos os réus,
juntamente com seus processos, enviados ao juiz relator. As condenações deveriam ser
sumárias, excluindo as situações que envolvessem militares com privilégio de foro, “sem
excepção de qualidade de Brancos, Indios, Mulatos e Pretos, sendo primeiro ouvidos com sua
defesa em tempo breve na forma da Ley do Reyno”. Entrando em funcionamento no ano
seguinte, a Junta de Justiça paulista teve logo suas primeiras atuações.
Em vinte e oito de junho de 1821, apenas uma semana após tomar posse o Governo
Provisório de São Paulo, aconteceu uma revolta militar em Santos, no litoral paulista.
Soldados do Primeiro Batalhão do Regimento de Caçadores, que compunham o corpo de
guarnição daquela vila, revoltaram-se a exemplo do que quase sucedera em semanas antes na
96
Idem, p.134.
97
D. I. vol. XXXVI, p.116-118.
52
cidade de São Paulo. Segundo Affonso de E. Taunay,
98
os soldados aproveitaram o momento
político conturbado para fazer a revolta contra o atraso no pagamento dos soldos, alguns deles
estando a anos arrolados pelo recrutamento sem receber. A situação piorou com a notícia do
decreto real de aumento do valor do soldo pago aos soldados que se encontravam em
Portugal.
Como descreve Taunay, submetidos a um regime de disciplina férrea e, ao mesmo
tempo, de incrível impontualidade no pagamento dos miseráveis soldos, os soldados
resolveram se revoltar. Apoderando-se do armamento da Casa do Trem e da Casa da Pólvora
do batalhão, levaram as peças de artilharia para a rua e ocuparam vários pontos da vila,
obrigando as autoridades a pagarem o que lhes constava, acrescido de novos abonos.
Entretanto, como segue a descrição de Taunay, por trás da revolta havia motivos
políticos, e, quando tudo parecia estar calmo, na madrugada do mesmo dia vinte e oito para
vinte e nove de junho, novos motins aconteceram, sendo atacada a casa do coronel do
Batalhão. Espalhando-se pela vila, os rebeldes haviam praticado roubos, estupros,
assassinatos e infanticídios
99
. Com a reação das tropas de ordenanças e dos marinheiros da
vila, outras mortes aconteceram. Uma semana depois, em seis de julho, chegaram a Santos os
soldados do Segundo Batalhão, enviados de São Paulo pela Junta Provisória. Um dia depois,
apesar da resistência, a revolta estava sufocada e os amotinadores, presos.
Depois de julgados pela Junta de Justiça de São Paulo, dos líderes do motim, sete
acabaram condenados à morte, e vinte foram remetidos para degredo perpétuo na África.
Outros cento e vinte e quatro condenados tiveram como destino o trabalho forçado nas obras
públicas, sendo alguns deles despachados em degredo para colonizar Guarapuava e a rego
de Ararapira, no litoral. Com referência ao envio dos condenados para os serviços blicos e
para o degredo interno, a Junta do Governo de São Paulo realizou uma sessão extraordinária
para decidir o destino destes, uma semana depois de encerrada a revolta, em doze de julho de
1821.
100
Pela ata da sessão, ficamos sabendo que os deputados comandantes das forças armadas
de Santos haviam enviado no dia anterior um ocio à Junta, pedindo que os menos culpados
dos soldados envolvidos na sedição fossem dispersos pela Capitania, uma vez que
permaneciam todos os envolvidos presos em Santos, aguardando a pena de morte prevista
pelo código de guerra aos insurgentes. Nesse mesmo tempo, a população fazia pressão para
98
TAUNAY, Affonso de E. História colonial da cidade de São Paulo no século XIX. São Paulo: Publicação da
Divisão do Arquivo Histórico, 1956, p.446-447.
99
Cf. idem, p.446.
100
D. I. vol.II, p.19-21.
53
que fossem todos degredados para as colônias lusitanas na África ou regiões que parecessem
mais convenientes.
Depois de madura reflexão,” o governo paulista expediu as sentenças coletivas.
Primeiramente, ficava ordenado que, depois de feitas as separações entre os cabeças da
revolta e os soldados menos culpados, “os cabeças de motim, e os malvados que commeterão
mortes e roubos” seriam castigados com a pena última, “para exemplo”. Como segunda
ordem, ficava decidido que aqueles que “merecessem clemencia” deveriam esperar a
aprovação da petição de comutação de pena enviada ao príncipe Regente D. Pedro, para
serem logo conduzidos em magotes de vinte, quinze, dez e cinco condenados, seguindo para o
trabalho forçado no conserto das estradas públicas da Capitania.
Entre os trabalhos previstos, estavam os da nova estrada que seguia de Curitiba para
Paranaguá, da melhoria do caminho de Mogi das Cruzes para São Sebastião, da recuperação
da estrada de o Paulo a Santos e do caminho para o Rio de Janeiro, além dos trabalhos nas
minas de ferro paulistas. Para se evitarem as fugas, a Junta ordenava que esses homens
passassem a noite nas cadeias mais fortes das vilas vizinhas aos lugares em que trabalhassem.
Os comandantes de Santos também ficavam autorizados a organizar uma nova tropa de
milicianos para aquela praça. Todavia, o que mais interessa nas decisões da sessão
extraordinária foi a decisão do destino seguinte dos soldados remetidos para os trabalhos
públicos forçados. De acordo com o documento assinado por JoBonifácio de Andrada e
Silva, entre outros, ficava ordenado que:
Depois de espalhados estes homens, e applicados aos ditos trabalhos, aquelles com que o andar do
tempo mostrarem mais morigeração, socego, e completo arrependimento, deverão trocar-se com os
Soldados casados d’esta Provincia, que se aco na Campanha do Sul. Outros que forem casados, ou
possão casar, ministrando-lhes o Governo, ou a Misericordia algum pequeno dote, serão empregados
como Colonos nas novas Povoaçoens de Guarapuava, e Ararapira, na Marinha, e na Povoação
abandonada do Tieté, fundada pelo General, que foi d’esta Provincia D. Luiz Antonio de Souza Botelho
Mourão
101
.
Como se nota, o degredo desses soldados como empregados para as povoações do sul
da Capitania, nelas incluída a de Guarapuava, obedecia a uma seleção daqueles que se
mostrassem mais aptos à incorporação nas novas vilas. O perfil do soldado-povoador, que
pudesse levar sua família ou que pudessem formar família nas novas povoações, aparece
como o mais útil a ser enviado para povoar os locais. Degredo, família e colonização
aparecem ligados pela figura do soldado-povoador, selecionado e enviado como o mais apto
para colonizar essas regiões de fronteira.
101
Idem.
54
Realmente, no caso do degredo para Guarapuava, em quinze de janeiro do ano
seguinte, 1822, eram remetidos oito soldados envolvidos na revolta de Santos. Não temos
informações sobre o cumprimento de trabalhos forçados desses soldados no interregno entre a
decisão da Junta de São Paulo e a expedição desse documento. Todavia, com penas de dois,
cinco, dez e majoritariamente vinte anos a cumprir, apenas dois deles eram casados, os demais
sendo jovens o bastante para formarem família, estando na média dos vinte anos de idade.
Juntamente com mais outros cinco degredados por crimes diversos, os oito soldados
constam na lista de remetidos a degredo para Guarapuava, denominada “Carta de Guia”,
102
encaminhada ao comandante da Freguesia de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava,
Antonio da Rocha Loures. O documento traz a “Relação dos Reos Sentenciados a Degredos
para a Freguesia de N. S. de Belém de Guarapuava por Acordão da Junta de Justiça de S.
Paulo de 19 de Dezembro de 1821 (...), [e] Em diferentes processos”.
As “cartas de guia” eram documentos já previstos no “Regimento dos degredados”
103
,
promulgado em Portugal, no ano de 1582, com a intenção de regulamentar e ordenar o
funcionamento do sistema de degredo, tornado mais eficiente e abrangente em Portugal a
partir das descobertas marítimas. Segundo as ordens contidas no Regimento, a cartas de guia
de cada leva de presos deveria ser preenchida pelo corregedor da comarca, e:
(...) assinada por elle na qual sera declarado quantos degradados manda. e os nomes e ydades delles e os
sinaes que cada um tem no Rosto, cabeça E mãos. e deformidades nos pes E pernas, e donde sam
naturais e m[orado]res e. onde forem presos e o degredo q[ue] cada hum tem e pera onde, e porque
casos lhe foi dado. por quantas e quem deu as taes s[e]n[ten]ças e ajuntarà todas as ditas s[e]n[ten]ças
com a dita carta de guia em hum maço carrapd e o sellado o qual emtregará ao dito juiz de fora ou
pessoa q[ue] conforme a este Regimento ouver de trazer os ditos degradados (...). e pedirão loguo Carta
de guia e os S[ente]nças q[eu] hão de vir no maço carrado e assi a outra carta deguia que há de vir da
fora, e com as ditas cartas de guia e S[ente]nças fará exame pera ver Se os degradados q[ue] lhe
empregando a nos proprios q[ue] Se contem as ditas Cartas de guia (...).
104
De certo modo, as informações contidas na carta de guia”, enviada junto com os treze
degredados em fins de 1821 para Guarapuava, seguiam o padrão prescrito no Regimento do
século XVI. Encabeçando a lista constava o crime conjunto dos soldados, “compreendidos na
Devassa a que se procedeo na Villa de Santos sobre o tumulto, roubos e mortes ali
perpetrados (...).” Vinham também anotados os nomes dos condenados, seguidas de suas
condições sociais (livre, liberto), do estado civil (solteiro, casado), naturalidade, ofício, idade
102
Cf. Relação dos Reos Sentenciados a Degredos para a Freguesia de N. S. de Belém de Guarapuava por
acóro da Junta de Justiça desta Província de S. Paulo de 19 de dezembro de 1821”. Arquivo Histórico
Benjamin Teixeira, Guarapuava, 4 folhas.
103
“Regimento dos degredados, de 27 de Julho de 1582”. In: Textos de história: Revista do Programa de Pós-
Graduação em História da UnB. Brasília: vol.6, nº1-2 (1998), 1999, p.265-279.
104
Idem, p.270-273.
55
e tempo de degredo a cumprir em Guarapuava. No caso dos cinco degredados civis remetidos
juntamente, também constam alguns dados sobre o crime específico praticado por cada um,
com o nome das pessoas lesadas, além do nome dos pais e mulheres daqueles que os tinham.
Assinava o documento o Ouvidor Relator da Junta de Justiça de São Paulo, José da
Costa Carvalho. Nomeado pelo Rei de três em três anos, o ouvidor da comarca era a
autoridade da Justiça paulista responsável por tirar devassas, ordenar prisões, fazer inspeções
no trabalho dos juízes ordinários e - como vimos - organizar as cartas de guia de envio dos
degredados da Capitania.
105
Ao final da carta de guia, foi anexado um novo documento assinado pelo comandante
Rocha Loures, denominado “Termo de apresentação dos Reos Seguintes”, relatando a
chegada dos condenados. Certamente, tratava-se da segunda via de uma espécie de recibo,
que deveria ser entregue ao oficial responsável pelo transporte do grupo de degredados, tal
como prescrito no final do trecho do Regimento transcrito acima. Embora os degredados
enviados constem numa única carta de guia, os mesmos chegaram em duas “levas”
106
mistas
de soldados e demais criminosos sentenciados.
A primeira leva, composta de oito degredados, chegou ao destino com apenas sete
deles, em dois de março daquele ano. Encontraram uma povoação com cerca de cem
habitantes entre colonos e soldados, além de uma população de pouco mais de quatrocentos
indígenas entre os aldeados, os “barbaros” e os “semi-barbaros”.
107
Esses homens andaram por mais de um mês até chegar a Guarapuava. Um dos
condenados, o oitavo degredado, soldado Francisco JoSoares, de vinte e quatro anos de
idade, sendo liberto, casado, e natural de Sorocaba, vinha condenado a vinte anos de degredo
105
NEQUETE, Lenine. Op ., cit., p.131.
106
As “levas” de criminosos consistiam em grupos de no mínimo seis degredados, transportados pelas estradas
até seu destino de degredo interno ou aa Relação de Lisboa ou aos portos brasileiros para envio ao ultramar,
juntamente com seus papéis. Os prisioneiros eram acorrentados pelos pés para mantê-los unidos e sob vigilância
do oficial responsável pelo transporte. Cf. COATES, Timothy. Degredados e Órfãs: Colonização dirigida pela
Coroa no Império Português (1550-1755). Op., cit., p.66.
107
A população e as denominações foram criadas pelo padre Chagas, em lista de dezembro de 1821. Cf. LIMA,
Francisco das Chagas. “Estado Actual da Conquista de Guarapuava no Fim do Anno de 1821”. Op., cit., p.248.
De acordo com Silvana Cassab Jeha, as categorias sociais aplicadas por Marta Rosa Amoroso para o sistema de
aldeamentos do Paraná, dividindo os índios em aldeados, agregados e do sertão, é bastante útil nas análises do
aldeamento de Atalaia. Os aldeados eram os que moravam nos aldeamentos, sendo contabilizados nos censos. Os
agregados eram os que freqüentavam os aldeamentos, participando de sua rede de trocas de mercadorias e
brindes. Finalmente, os “índios do sertão” eram aqueles “que freqüentavam as unidades do sistema para se
abastecerem de mercadorias, visitar parentes, participar das festas”. Cf. JEHA, Silvana Cassab. O Padre, o
Militar e os Índios. Chagas Lima e Guido Marlière: civilizadores de botocudos e kaingangs nos sertões de Minas
Gerais e São Paulo, século XIX. Dissertação de Mestrado em História. Niterói: Universidade Federal
Fluminense, 2005, p.32. Vide também AMOROSO, Marta Rosa. Catequese e evasão: etnografia do aldeamento
indígena São Pedro de Alcântara, Paraná (1855). Tese de doutoramento. São Paulo: Departamento de
Antropologia, FFLCH-USP, 1998, p.92-95.
56
para Guarapuava. Entretanto, Francisco o suportou a viagem, adoecendo nas alturas da
vila de Ponta Grossa, próxima a Castro. Permanecendo naquela vila até que pudesse seguir
viagem, o soldado degredado não resistiu à sua enfermidade não mencionada, falecendo cinco
meses depois da chegada de sua leva a Guarapuava.
Como indicam outros dados presentes no “Termo de apresentação dos Reos
Seguintes”, a segunda leva, com cinco dos degredados mencionados na carta de guia de 1822,
foi apresentada ao comandante Rocha Loures oitenta dias depois, em vinte e dois de maio
daquele ano. A intenção de dividir os degredados em duas levas pode estar ligada à
necessidade de manter o controle e evitar fugas durante o trajeto, além de permitir o preparo
do quartel da povoação para receber o efetivo extra.
De acordo com uma informação anotada no mesmo termo, os condenados rumaram
em direção a Guarapuava por várias semanas, até chegarem aos seus destinos “presos em
galés”, ou seja, acorrentados um ao outro por uma calceta de ferro e corrente que prendia um
condenado ao outro. O Regimento dos degredados prescrevia que os degredados fossem
transportados “presos em ferros”
108
até o local de cumprimento da pena ou ao embarque para
o ultramar.
Affonso de E. Taunay, em outra passagem sobre a revolta de Santos, também
discorreu sobre essa peculiaridade no envio dos degredados para Guarapuava: “Foram os
amotinados de Santos tratados com o maior rigor. Parte deles partiu degredada para o sertão
de Guarapuava com pegas aos pés requisitando o carcereiro a entrega de outros ferros em
lugar dos que por êles haviam sido levados.”
109
Havia, realmente, outros “ferros” para transporte de presos na povoação de
Guarapuava. Um episódio acontecido entre 1812 e 1818, ainda no aldeamento misto de
Atalaia, mereceu destaque na “Memória” do padre Chagas Lima. Segundo o missionário, uma
desordem travada entre os índios e parte da gente do destacamento da Real Expedição foi
resolvida com a prisão dos maiores envolvidos: “de maneira que foi necessario enviar tres dos
motores principaes em ferros para a cidade de S. Paulo: um d’estes, desconfiando da sorte que
o aguardava, matou a um dos da escolta, procurando assim meio, mas debalde, de se
escapar”.
110
Na falta de uma cadeia e ouvidor na pequena povoação, aqueles que infligissem a
lei ou perturbassem a ordem eram levados até a capital da Capitania ou até a comarca mais
próxima, nesta caso, a de Castro.
108
“Regimento dos degredados, de 27 de Julho de 1582”. Op., cit., p.267.
109
TAUNAY, Affonso de E. op., cit., p.240.
110
LIMA, Francisco das Chagas. “Memoria sobre o Descobrimento e Colonia de Guarapuava”. Op., cit., p.61.
57
Percebemos, assim, que além de serem utilizados no controle dos presos e degredados
na realização de certos trabalhos blicos durante o período colonial e no Império, o uso de
tais correntes de ferro era prática comum no transporte de presos, nos envios e na manutenção
de vadios e degredados nas povoações e presídios no interior das capitanias e províncias.
Laura de Mello e Souza também comentou esse método de transporte de presos e
degredados, fornecendo versões interessantes para tal necessidade. Nas Minas Gerais
setescentistas, os condenados eram transportados de um local para outros postos em correntes
e grilhões, seguindo sempre na companhia de uma força militar. De acordo com a
historiadora: “A justificativa para tal procedimento era rebuscada o suficiente para acabar
revelando sua verdadeira natureza: alegava-se que essas medidas eram tomadas em nome da
segurança dos presos, mas o que de fato buscavam era evitar fugas e desordens que poderiam
vir a cometer. Guardiã da Ordem e do privilégio, a justiça vestia, no entanto, a roupagem de
defensora dos povos, indiscriminadamente”.
111
em 1850, o médico Hermann Burmeister, de passagem pela província de Minas
Gerais, relatou essa prática: “Já descrevi um comboio de presos algemados aos pares, que vi
em Ouro Preto. Em Congonhas, outro desses comboios passou rumo a Sabará e, mais tarde,
encontrei um terceiro durante minha viagem. Os presos eram escoltados por homens armados,
mas não fardados. Tais tropas são geralmente comandadas por um militar a cavalo. Num dos
comboios vi também uma mulher, embora as criminosas sejam em número muito inferior.”
112
Entre a documentação pesquisada, outras cinco cartas de guia foram encontradas, as
quais serão descritas no decorrer do trabalho. Com relação, às mulheres degredadas, seu
número permanece reduzido no caso de Guarapuava, uma vez que, ente os sessenta
criminosos encontrados e pesquisados, encontramos apenas sete mulheres.
111
MELLO e SOUZA, Laura de. Op., cit., p.119-120.
112
BURMEISTER, Hermann. Viagem ao Brasil através das províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Tradução de Manuel Salvaterra e Hubert Schoenfeldt, notas biobibliográficas de Augusto Meyer. São Paulo:
Livraria Martins Editora, 1952, p.343.
58
2. Capítulo 2
Processos assimilativos de degredados enviados para Guarapuava
GUARAPUAVA (Campos de) Estendem-se desde o rio Itaté as cabeceiras do Uruguai (...) por
alvará de de abril de 1809, foi criada uma aldeia de índios, bem como um presídio para degredo de
criminosos. Mais tarde, por alvará de 11 de novembro de 1818, criou-se aí uma paróquia, sob a
invocação de Nossa Senhora do Belém; elevada à vila por lei provincial de 21 de março de 1849. Hoje é
uma importante cidade da Província do Paraná.
113
No trecho acima, retirado de uma espécie de dicionário de fatos históricos
considerados relevantes para a História da Proncia de São Paulo e publicado primeiramente
em 1879 pelo IHGB, nele, Manuel Eufrásio de Azevedo Marques, oficial da Secretaria de
Governo da Província de São Paulo, pela primeira vez numa obra destinada a noticiar fatos
históricos, além da localização geográfica dos Campos de Guarapuava, a povoação é
enfaticamente lembrada pelo aldeamento indígena e pelo afluxo de criminosos ali
estabelecido a partir da Carta gia assinada por D. João VI. De certo modo, como veremos
no decorrer desse capítulo, a incorporação dos degredados teve certa ligação com o processo
de catequização dos indígenas aldeados.
A própria natureza social dos degredados - pessoas pobres e, conseqüentemente, em
sua maioria analfabetas - diminui bastante a possibilidade de trabalharmos com documentos
elaborados diretamente por esses personagens, embora tenhamos encontrados um documento
nesse sentido.
114
Dessa forma, nos valendo da perspectiva da microhistória e dos trabalhos
sobre livres pobres, degredados e indígenas no contexto colonial e do Império, tentamos traçar
as trajetórias dos degredados enviados a partir de correspondências governamentais, registros
eclesiásticos e documentos judiciais produzidos pelas autoridades de Guarapuava e da capital
provincial de São Paulo. Com a finalidade de evitar o excesso de notas de rodapé, o
referenciaremos caso a caso os documentos eclesiásticos de batismo, casamento e óbito, assim
como as listas de habitantes de 1828 a 1863, todos já elencados na introdução do trabalho.
115
.
Os demais documentos seguem descritos separadamente para cada caso.
113
MARQUES, Manuel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos históricos, geográficos, biográficos, estatísticos e
noticiosos da Província de São Paulo: seguidos da Cronologia dos acontecimentos mais notáveis desde a
fundação da Capitania de São Vicente até o ano de 1876. São Paulo: Ed. Itatiaia, Vol. 1, 1980, p. 306.
114
MORONIS, Miguel. “Procuração em nome dos proprietários de Guarapuava, endereçada ao comandante da
Freguesia de Palmeira. 27 de janeiro de 1829”. AESP, caixa 192, ordem 987.
115
Estamos nos referindo aos seguintes documentos: Arquivo da Catedral Nossa Senhora de Belém de
Guarapuava. Registros paroquiais de batismo, casamento e óbito. Livros 1 A e B, século XIX; ARAÚJO,
Antonio Braga de. Rol dos Parochianos da Freguesia de Belém de Guarapuava, durante o Parochiato do P.
Antonio Braga de Araújo, 1842. Arquivo da Catedral Nossa Senhora de Belém de Guarapuava; ARAÚJO,
Antonio Braga de. Rol de moradores da freguesia do Belém de Guarapuava, Bispado de São Paulo, abril de
1863. Arquivo da Catedral Nossa Senhora de Belém de Guarapuava; Listas de Habitantes da Freguesia de Nossa
59
2.1 Incorporação e casamento
Baseados em relações hierárquicas que lhes conferiam estabilidade e status, no
incentivo ao casamento e na potica de doação de terras para o enraizamento à propriedade,
os processos assimilativos dos degredados em Guarapuava fizeram parte dos processos
incorporativos dos indígenas kaingang aldeados na região. Funcionando como um duplo
mecanismo de incorporação,
116
os casamentos entre degredados e indígenas aconteciam em
alguns projetos colonizadores do terririo paulista ainda no século XVI. Como explica
Geraldo Pieroni,
Apesar das [algumas] reclamações das autoridades coloniais a respeito do comportamento dos
degredados, eles eram muito úteis. Numa carta dos oficiais da Câmara de São Paulo destinada à rainha
Dona Catarina e datada de 20 de maio de 1561(...), os oficiais pediram à rainha que enviasse para a
cidade de São Paulo de Piratininga, na Capitania de São Vicente, ‘degredados que não sejam ladrões’, a
fim de que pudessem ser ‘trazidos a esta vila para ajudarem a povoar’. Acrescentam: ‘Há aqui muitas
mulheres da terra, mestiças, com quem casarão e povoarão a terra’.
117
Aos degredados solteiros enviados para o Brasil no período Colonial, por exemplo,
casar-se com uma das “órfãs do reidesembarcadas nos portos brasileiros também poderia ser
uma saída para pedir o perdão ou abrandamento da pena, ou mesmo para conseguir ascender
socialmente em cargos importantes nas Capitanias. Da mesma forma, em Guarapuava, o
casamento dos degredados com indígenas poderia significar para o condenado a aquisição de
status perante as autoridades paulistas na Povoação. Esse fato também encontra raízes no
período colonial. Por exemplo, “em 1568, o padre Nóbrega, então vigário do Rio de Janeiro,
celebrou o casamento de Maria Brás e Diogo Martines, um degredado que Mem de Sá
aprovou para ocupar um cargo político na condição de contrair matrimônio com essa moça.
Dessa vez, o perdão para esse condenado foi concedido graças ao casamento”.
118
Senhora de Belém de Guarapuava, 1828 e 1835. Cópias microfilmadas pertencentes ao DEHIS. Curitiba, UFPR;
“População do Districto da Freguesia do Belem pertencente ao Municipio da Villa de Castro, 1835 Arquivo
Público Benjamim Teixeira, Guarapuava; LOURES, Antonio da Rocha. Relação dos Índios que se achão
existentes na Freguesia de Nossa Senhora de Bellem nos Campos de Guarapuava aos 19 de outubro de 1830.
AESP, caixa 1025; LOURES, Antonio da Rocha. Relação dos Índios existentes nesta Freguesia de N. S. do
Bellem aos 12 de novembro de 1831. AESP; LOURES, Antonio da Rocha. Lista dos Empregados nesta
Expedição de Guarapuava e povoadores existentes nesta Povoação aos 30 de março de 1832. AESP, caixa 230,
ordem 987; LOURES, Antonio da Rocha. Relação dos Empregados, Povoadores, Índios e degredados nesta
Povoação de Guarapuava, Janeiro de 1833. AESP, caixa 230, ordem 1025; e BORBA, Oney Barbosa. “Lista
Geral dos Habitantes da Freguesia de Nossa Senhora de Belém, em Guarapuava, em o ano de 1840.” Dados
transcritos do original da Câmara de Castro. RHGB. Curitiba: vol. XXXIV, 1977.
116
Sobre processos de incorporação nas Américas iricas, ver MORSE, Richard M. O Espelho de Próspero:
Cultura e idéias nas Américas. São Paulo: Cia das Letras, 1988.
117
PIERONI, Geraldo. Vadios e Ciganos, Heréticos e Bruxas: Os degredados no Brasil Colônia. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil/ Fundação Biblioteca Nacional, 2000, p.64.
118
Idem.
60
No caso de Guarapuava, tais casamentos poderiam servir de exemplo para os outros
índios kaingang - os quais dificilmente aceitavam o casamento monogâmico em detrimento
dos costumes poligâmicos das tribos -, além de permitirem, pelo não uso de calcetas nos pés
durante a execução de trabalhos na povoação e no aldeamento, maior mobilidade para esses
homens condenados, certamente por se encontrarem casados. Os índios, tendo entre seus
parentes um português” responsável pela execução de determinados trabalhos, também
ficavam mais envolvidos com a rotina e o estilo de vida dos colonos portugueses nas
povoões, num processo incorporativo baseado no exemplo e na convivência.
Como notou Silvana Cassab Jeha em seu trabalho sobre o mesmo período e região
119
,
na década de 1820, quem explicitou com todas as letras os objetivos principais da civilização
de índios foi o indigenista e ex-deputado JoArouche de Toledo Rendon, em sua Memória
sobre as aldeias de índios da província de S. Paulo. Com a civilização, a assimilação dos
índios se daria de duas formas: a primeira seria pela mistura racial, ao transformar os índios
em brancos: “Vendo-se os mapas estatísticos da província de S. Paulo, encontra-se um grande
número de brancos. Mas o é assim; a maior parte é gente mestiça [...]. Eles já m
sentimentos, e quando na fatura das listas são perguntados [...] declaram que são brancos”.
120
A segunda seria pelo trabalho: Nas projeções de Rendon, repetindo a frase tantas vezes dita
naquele tempo, seu plano de civilização de índios daria “milhares de braços à agricultura” e
aliviaria o Brasil, “em parte, da necessidade do negro comércio da raça africana”.
121
Também o alvará de 4 de abril de 1755, depois incorporado ao Diretório Pombalino de
1757, incentivava os portugueses a se casarem com índias. É digna de nota a opinião de
Antônio M. Rangel, o almoxarife da expedição de 1810, sobre o assunto. Antes mesmo de
haver aldeamento, sugeriu ao então ministro da Guerra, conde de Linhares, a respeito das
“índias que se forem domesticando”, mover “algumas pessoas a se esposarem com elas, de
cujas alianças dimanariam felizes resultados”.
122
Os degredados enviados na década de 1820 foram os responsáveis pela maior parte dos
casamentos mistos realizados em Guarapuava, participando de sete das nove uniões desse tipo
documentadas pela Igreja nas décadas de catequese indígena dos kaingang na região, entre
1812 e 1840. Dessa maneira, pouco tempo depois da chegada da segunda leva de degredados
119
JEHA, Silvana Cassab. Op., cit.
120
José Arouche de Toledo Rendon, “Memoria sobre as aldeas de indios da provincia de S. Paulo, segundo as
observações feitas no ano de 1798 opinião do autor sobre a sua civilização”. Revista do Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro, v.4, 1842, p. 299.
121
Ibidem, p. 317.
122
Manuel Antônio Rangel, almoxarife da expedição. Carta para o ministro conde de Linhares, 22/7/1810.
AESP, Ordenanças de Castro, caixa 303.
61
da carta de guia de 1821 era realizado o primeiro casamento entre um degredado e uma índia
aldeada.
Entretanto, é importante salientar, antes de iniciar as trajetórias, que nem todas as uniões
de degredados foram do tipo misto, envolvendo indígenas. Também havia casos, em menor
número, como veremos, de casamentos homomicos - ao menos no tocante à cor, em dois
casos documentados - e ascendentes, envolvendo um degredado negro casado com mulher
branca.
José Gomes, o degredado precursor
A partir da trajetória de José Gomes, pretendemos apresentar as condições iniciais das
uniões entre degredados e indígenas. A partir de reflexos sobre os significados das relações
familiares, descrevemos processos incorporativos de degredados e indígenas, baseados nas
relações de compadrio e no convívio direto com os indígenas aldeados.
Segundo consta na carta de guia remetida junto com os condenados de 1821
123
, o liberto
José Gomes tinha dezoito anos e era solteiro quando foi degredado para Guarapuava. Soldado
no regimento de Santos, ele tinha se envolvido na revolta de julho de 1821, sendo condenado
a vinte anos de degredo para Guarapuava, chegando ali na segunda leva daquela carta de guia,
em maio de 1822. Menos de um ano depois de ser apresentado na povoação, em vinte e quatro
de janeiro de 1823, José se casava com a índia kaingang aldeada Barbara Gatén, com
cerimônia realizada no oratório da Freguesia, na sede da povoação. Foram padrinhos o
comandante Rocha Loures e o escrivão Francisco Aires Araújo. Seu casamento com a
indígena foi o primeiro casamento misto envolvendo um degredado e uma índia, porém,
outros cinco casamentos desse gênero – envolvendo colonos e mulheres indígenas – já haviam
acontecido, entre fins de 1812 e fevereiro de 1815.
Como explica Hebe Maria Mattos, o casamento tinha o significado profundo do
estabelecimento de relações com uma família ou um grupo delas na região onde os não-
brancos pobres estavam vivendo. Significava, em outras palavras, deixar de ser estranho à
comunidade, além da formar uma auto-imagem de respeitabilidade camponesa, permeada pela
obtenção de condições essenciais para o estabelecimento autônomo em um sentido
123
“Relação dos Reos Sentenciados a Degredos para a Freguesia de N. S. de Belém de Guarapuava por acórdão
da Junta de Justiça desta Província de S. Paulo de 19 de dezembro de 1821”. Arquivo Histórico Benjamin
Teixeira, Guarapuava.
62
econômico, onde a produção camponesa é baseada na produção familiar.
124
Por outro lado, a
incorporação dos degredados pelo casamento tamm significava a entrada do condenado
numa relação de pobreza, assim como na sujeição aos proprietários mais poderosos, com a
posse da terra. Dessa forma, os processos de incorporação pelo casamento também perpassam
uma incorporação na hierarquia de pobreza da povoação.
Convém também ressaltar que Barbara era filha do índio Antonio JoPahy, grande
aliado do padre Francisco das Chagas Lima no início da catequização a partir de 1812, morto
por índios não aldeados no final daquela década de 1810. Barbara Gatén foi a segunda
kaingang a ser batizada em Atalaia, enferma, ainda em fevereiro de 1812, quando lhe foi
referida a idade de quatro anos e meio. Dessa maneira, a índia deveria ter cerca de dezesseis
anos quando se casou com o degredado José Gomes, de dezenove.
A união pode ter sido facilitada pelo fato de, desde novembro do ano anterior ao
casamento, terem permanecido, com autorização do padre, dois soldados, um degredado - o
espanhol Miguel Morrones Galafre (de quem falaremos logo em seguida) - e um paisano
125
na
aldeia de Atalaia, em função de haverem apenas nove soldados na povoação. A estratégia de
colocar soldados para conviver com os índios aldeados parece ter sido aprovada pelo
reverendo responsável pela catequização, uma vez que depois do casamento de José e Barbara
e de outros três soldados degredados de Santos que também se casaram com índias até o final
daquele ano, e que mencionaremos à frente, foram feitas novas substituições na guarda de
Atalaia.
Em oito de março de 1824, em ofício ao governo da província, o comandante da
povoação, Antonio da Rocha Loures, informa que permaneciam na aldeia de Atalaia apenas
um soldado e, no lugar dele, ficavam, desde novembro de 1823, quatro degredados casados
com índias.
126
Entretanto, como veremos durante o decorrer do texto, esses degredados não
permaneram residindo todo o tempo em que estiveram em Guarapuava apenas no aldeamento
de Atalaia. Juntamente entre os soldados de linha e as tropas de ordenanças, os degredados
também eram responsáveis pela execução de trabalhos na povoação, tal como a preparação de
124
Cf. MATTOS, Hebe Maria. Das Cores do Silêncio: Os Significados da Liberdade no Sudoeste Escravista
(Brasil, séc. XIX). Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1998, p.28.
125
Estamos nos referindo ao soldado da tropa de linha Bento José Gonçalves, vindo do regimento de Curitiba, e
sendo casado com a índia aldeada Genoveva Gonçalves Fuiró em cinco de fevereiro de 1815, com celebração na
capela da aldeia de Atalaia, e apadrinhamento do comandante Diogo Pinto e do ajudante Inácio Pereira Bastoz.
O mesmo soldado continuava destacado na defesa dos índios em março de 1826, Cf. ARAÚJO, Elias de. (cabo
de esquadra da expedição de Guarapuava) Relação das Praças de Tropa de Linha, Ordenanças e Prezoz
Sentenseados que se axão nesta Povoação com de Claração dos Seos Empregoz, Como abaixo Semostra.”
Quartel da Freguesia de Nossa Senhora de Belém aos 13 de Marso de 1826. AESP. Caixa192, Ordem 987.
126
LOURES, Antonio da Rocha. Carta ao governo da Província de São Paulo, 15 de março de 1824. AESP,
caixa 192, ordem, 987.
63
alimentos e a assistência aos enfermos no quartel da povoação. Dessa forma, os processos
incorporativos dos degredados de Guarapuava também perpassavam a execução de tarefas de
responsabilidade do Estado.
127
Isso pode ser percebido pelos indícios presentes no relato de um fato bastante trágico
acontecido em Atalaia. Na noite do dia vinte e seis de abril de 1825,
128
deu-se um ataque de
grupos indígenas não-aldeados que viviam no sertão. Segundo o padre Chagas Lima, estes
índios “barbaros” eram inimigos dos indígenas aldeados. Ao final do confronto, somaram-se
vinte e oito mortes entre os mais de cento e trinta índios que se encontravam no aldeamento.
Na sua maioria, as timas eram mulheres e crianças que estavam dormindo no local. Isso se
deve principalmente ao fato de a maioria dos aldeados serem as índias e seus filhos, uma vez
que os índios homens permaneciam a maior parte do tempo no sertão, retornando ao
aldeamento apenas em determinados períodos do ano.
129
De acordo com os relatos do padre Chagas, que se encontrava pernoitando na aldeia
para realizar alguns sacramentos na época da Páscoa e escapou do aldeamento com seu
escravo às pressas logo que se viu sob ataque, a desastrosa defesa feita pelos indígenas
aldeados, ajudados por apenas dois soldados, um colono e um único degredado casado com
índia catequizada que morava em Atalaia deveu-se, sobretudo, à chegada inesperada e em
grande número dos invasores.
Os indígenas de Atalaia, convivendo com os degredados e soldados ali estacionados,
aprendiam a utilizar armas de fogo para situações de ataque. No entanto, como narra Chagas
Lima na mesma correspondência, a habilidade dos mesmos com as armas não era das
melhores. No início do ataque, um indígena sobrecarregou uma espingarda, que, ao ser
disparada, acabou retrocedendo e arrancando os dentes do índio que a disparou.
Como descreve o padre Chagas, após a matança, a aldeia foi incendiada e quase
completamente destruída pelos invasores. Os setenta e três indígenas que permaneceram na
catequese junto ao padre tiveram que ser levados para um lugar bem mais próximo dos
degredados. Primeiramente os nativos acabaram permanecendo na própria povoação, até que
127
ARAÚJO, Elias de. (cabo de esquadra da expedição de Guarapuava) Relação das Pras de Tropa de Linha,
Ordenanças e Prezoz Sentenseados que se axão nesta Povoação. Op., cit. A partir dessa altura do texto, toda vez
que citarmos a relação das Praças de 1826, estaremos nos referindo à esse documento.
128
LIMA, Francisco das Chagas. Carta ao presidente da Província de São Paulo, Lucas Antonio Monteiro de
Barros. Data: 20 de maio de 1825. AESP – Arquivo do Estado de São Paulo: Caixa: 192, Ordem: 987.
129
Uma discussão mais aprofundada a respeito da condição dos indígenas aldeados e dos então denominados
“semi-bárbaros”, que avançavam e retrocediam constantemente a fronteira borrada do sertão, vide TAKATUZI,
Tatiana. Op., cit.
64
pudesse ser construído, alguns meses depois, um novo aldeamento em separado, logo
nominado “aldeia de Nova Atalaia”, construído a apenas seis quilômetros da povoação.
130
Novos passos da trajetória de José Gomes, após o ataque de abril de 1825, foram
documentados dois meses depois, quando foi batizada solenemente no oratório da Freguesia a
primeira filha do degredado com Bárbara Gatén: Josefa, de seis dias, teve como padrinhos o
casal de povoadores José Caetano de Almeida e Anna Joaquina. Assim como nos outros
batismos descritos no decorrer do trabalho, todos os dados referentes aos nomes e datas aqui
citados são descritos na documentação eclesiástica da paróquia Nossa Senhora de Belém,
mencionada no início do capítulo.
Em 1826, numa relação das praças da tropa que se encontrava em Guarapuava, dos
vinte e oito soldados, dois eram índios de Atalaia, contados nas tropas de linha, e onze
ordenanças, responsáveis por vários trabalhos, como veremos no decorrer desse capítulo,
eram degredados.
131
Entre eles está relacionado novamente JoGomes, trabalhando sem a
utilização de calceta de ferro presa aos pés - como acontecia aos degredados solteiros ou sem
ofício específico - no “serviço da povoação”. Convém ressaltar nesse ponto, adiantando
algumas questões que serão tratadas no pico sobre os degredados fugitivos, que o uso de
calcetas de ferro presas aos pés e a ausência de uniões matrimoniais está diretamente
relacionado com as fugas perpetradas por um grupo de degredados entre 1827 e 1832, como
veremos num tópico à frente.
Na lista de habitantes de 1832, Jonão é inserido quadro de degredados, constando
como solteiro, mestiço e de apenas vinte anos de idade. Esses dados nos fazem acreditar que o
José Gomes referido a partir de então na documentação não é o mesmo degredado que chegou
em 1822, mas sim um soldado homônimo.
Após passar nove anos sem ser relacionado nas listas de habitantes da povoação, o
soldado José Gomes reaparece na lista de habitantes de 1835, constando como pardo”, livre,
de trinta e nove anos de idade, e estando como militar estacionado. Como de sua propriedade
consta a produção de trinta alqueires de milho e cinco de feijão além da posse de uma cabeça
de gado vacum. Entretanto, sua condição civil é a de solteiro.
130
LIMA, Francisco das Chagas. Carta do vigário ao governador da Província de São Paulo, Lucas Antonio
Monteiro de Barros. Data: 8 de abril de 1826. AESP Arquivo do Estado de São Paulo: Caixa: 192, Ordem:
987.
131
Cf. LOURES, Antonio da Rocha. Relação das Praças de Tropa de linha, Ordenanças e Prezos Sentenseados
que se axão nesta Povoasão com declaração dos seos empregos como abaixo se mostra. Quartel da freguesia de
Nossa Senhora de Belém aos 13 de marso de 1826. AESP Arquivo do Estado de São Paulo: Caixa: 192,
Ordem: 987.
65
Em 1842, o soldado José Gomes é novamente relacionado como soldado. De cor parda,
ele tem referida a idade de 38 anos, sendo morador do primeiro quarteirão da Freguesia. No
entanto, junto consigo vive uma índia, Francisca, relacionada como agregada do soldado.
Dado que nos faz acreditar que o degredado José Gomes faleceu antes de 1832 é o
registro do segundo casamento de Barbara Gatén, com outro degredado da mesma leva de
José, acontecido em janeiro de 1832, onde é relacionado o nome da índia como viúva. Não
encontramos o registro de óbito desse condenado, uma vez que a povoação ficou sem um
reverendo permanente entre fins da década de 1820, com a saída de Chagas Lima em 1828, e
a chegada de um novo pároco regular, acontecida somente em 1842.
Miguel de Málaga: de marinheiro a Diretor dos índios e Procurador dos proprietários
O percurso do marinheiro Miguel Morones Galafre denota, além de um processo
incorporativo transpassado pelo casamento homomico no tocante à cor, uma trajetória de
incorporação baseada no aumento do status em função da entrega de responsabilidades em
relação à administração indígena. Através de seu percurso na povoação, podemos perceber o
envolvimento dos degredados após a conclusão de suas penas com a mobilidade dos negócios
de tropas, e ponderar sobre a questão do status daqueles degredados que se envolviam com o
trabalho junto aos índios.
O marinheiro espanhol natural de Málaga, Miguel Morones Galafre foi o segundo
degredado a se casar em Guarapuava, apenas três meses depois de José Gomes, entretanto seu
casamento foi horizontal, ou seja, sua mulher tamm era branca, uma vez que em nenhum
documento é mencionada a cor dos contraentes. Miguel chegou em março de 1822, ainda na
primeira leva de degredados da carta de guia de 1821
132
. Solteiro, tinha vinte anos de idade e
era filho legítimo de Bernardo Morones e Antonia Munhós.
A bordo do bergantin “Alliança das Nações”, de Isidoro do Botelho, também chamado
Isidoro do Congo” Miguel foi acusado do furto de trezentos mil is, e depois condenado
pela Junta de Justiça de São Paulo em cinco anos de degredo para Guarapuava. Ainda em
novembro de 1822, Miguel Morones foi colocado junto com dois soldados e um paisano na
proteção no aldeamento de Atalaia, sob autorização do padre Chagas Lima, como citamos.
132
“Relação dos Reos Sentenciados a Degredos para a Freguesia de N. S. de Belém de Guarapuava por acórdão
da Junta de Justiça desta Província de S. Paulo de 19 de dezembro de 1821”. Arquivo Histórico Benjamin
Teixeira, Guarapuava
.
66
Suas ações junto aos índios podem ser notadas nos batismos de duas crianças kaingang
recém-nascidas, em março de 1823.
O compadrio foi realizado juntamente com duas índias kaingang, uma delas, Gertrudes
Ningá, sendo a futura esposa de outro degredado, cujo casamento aconteceu em dezembro
daquele ano, e do qual o degredado espanhol fora padrinho, como veremos no decorrer desse
capítulo. Em outro casamento, o padrinho referenciado junto ao degredado espanhol foi o
cabo de esquadra Elias de Araújo, funcionário responsável pela elaboração do termo de
apresentação de Miguel e dos demais degredados apresentados em 1822.
Um ano depois de sua chegada à povoação, em vinte e dois de março de 1823, casou
com Maria Joaquina Ferreira, filha de povoadores de Castro que haviam se transferido para as
novas terras em Guarapuava. Em seu registro de casamento é omitida a condição de
degredado do espanhol Miguel. Seus padrinhos foram as mesmas autoridades presentes no
casamento de José Gomes: o comandante Rocha Loures e o escrivão Francisco Aires Araújo.
Em correspondência já citada à Junta da Fazenda da província de São Paulo - órgão
responsável pelo pagamento dos soldos das tropas de Guarapuava em quinze de março de
1824, Antonio da Rocha Loures informava as autoridades paulistas da elevação do degredado
Miguel Morones ao cargo de Administrador e Diretor dos Índios, além de transferir outros
três degredados para a defesa do aldeamento. De acordo com Loures, a presença portuguesa
em Atalaia era imprescindível para evitar ataques de grupos indígenas rivais dos aldeados,
como segue:
Os Índios Cayerez, ou Macacos, seresentirão, huma vez que subirão estava guarnecida a Talaia degente
portuguesa, com hua pessa de Artilharia. Não avendo como a experiência tem mostrado no Destacamento
Soldado algum, que pudesse manter com honra este posto, senão hum de nome Joaquim Leite; em tal
cazo de acordo com o Revº Sr. Vigario a sentamos nestes últimos tempos mandar para commandamos
quatro homens, que vieo para esta Freguesia degradados pela Justiça, a saber Miguel Moraes Galafre
vencendo o soldo de 90 reis por dia, como Administrador e Diretor dos Índios, e os mais sem soldo
vensendo somente osmunicios, evistiario moderado, que precisarem, os quais todos os cazados levarão
suas mulheres consigo.
133
Nesse trecho, notam-se como os degredados estavam incorporados aos serviços próprios
do Estado na defesa do aldeamento. O fato de estarem casados com indígenas aumentou o
status dos condenados em relação aos soldados arregimentados na Povoação, sendo mais
confiáveis e mais úteis que estes militares sem o estigma do degredo na defesa do aldeamento.
Juntamente com suas esposas índias, os degredados também se mostravam úteis no
aldeamento ao servirem de exemplo de vida conjugal monogâmica aprovada pela Igreja e pelo
133
LOURES, Antonio da Rocha. Correspondência às autoridades do Governo da Provínvia de São Paulo em
quinze de março de 1824. AESP, Caixa 230, Ordem 1025.
67
projeto catequético e civilizatório de formação de casais portuguesesem meio aos indígenas
aldeados
Os Cayeres compunham um grupo kaingang não-aldeado e inimigo dos outros grupos
kaingang que se encontravam no aldeamento, sendo eles os responsáveis pelo ataque de abril
de 1825 que incendiou Atalaia e causou dezenas de mortes. Como podemos perceber, os
casamentos desses degredados com indígenas permitiu sua transferência da povoação, onde
teriam que permanecer trabalhando com calceta de ferro presa aos pés, para o aldeamento de
Atalaia, onde estariam envolvidos num processo de incorporação de mão dupla, envolvendo
degredados e indígenas, além de receberem os munícios e fardamento.
No caso do marinheiro espanhol Miguel Morones, que já se encontrava a mais de um
ano no aldeamento, pela agregação da função na Administração e Direção dos índios nos
trabalhos do aldeamento, foi incorporado um soldo do mesmo valor que o que era pago aos
soldados das ordenanças da povoação: Miguel passou a receber noventa is por dia.
Embora não estivesse casado com uma indígena kaingang, o degredado parece ter
participado diretamente dos processos da assimilação através dos ritos religiosos. Depois de
elevado ao cargo no aldeamento, o espanhol degredado foi padrinho de dois casamentos
indígenas. No primeiro deles, acontecido em junho de 1824 numa casa particular da aldeia,
Miguel apadrinhou os noivos kaingang aldeados juntamente com outro degredado casado com
índia, seu compadre Mariano Antonio, marido de Gertrudes Ningá.
Miguel Morones também atuou como padrinho em quatorze dos trinta e quatro batismos
de índios de diversas idades realizados na aldeia de Atalaia no ano de 1824. Desses batismos,
dez foram realizados com sua esposa Maria Joaquina e os outros quatro com índias aldeadas,
sendo dois deles novamente registrados em companhia da índia Gertrudes Ningá, casada com
outro degredado, dos quais Miguel era padrinho de casamento, como já mencionamos e
iremos tratar mais a fundo em seguida. Em março de 1825, juntamente com sua esposa Maria,
Miguel foi padrinho do batismo de uma menina recém-nascida, Cândida, de pai e mãe
kaingang, aldeados, com cerimônia solene no oratório da Freguesia, diferentemente das
quatorze cerimônias análogas de que participou no ano anterior, na capela do aldeamento de
Atalaia.
A incorporação dos ritos calicos junto aos indígenas na região de São Paulo no
período Colonial foi entendida por John Monteiro como um processo de socialização e
inserção do índio ao mundo hierárquico português, dito civilizado. Com efeito, o batismo
significava para os agentes religiosos a imposição de uma distância definitiva da sociedade
primitiva, e a introdução do cristianismo nas relações entre portugueses e indígenas tornou-se
68
legitimadora desse processo. Nesse sentido, a religião foi observada como a reafirmação das
relações de dominação, em que o batismo seria o primeiro passo para incorporar o índio numa
sociedade hierarquizada e subordinada por meio da tutela e do apadrinhamento.
134
Retornando à rotina da aldeia de Atalaia, ficamos sabendo pelos relatos da
documentação que, em maio de 1825, depois do ataque e destruição do fortim do aldeamento
de Atalaia, Miguel acabou sendo despedido do cargo, referido por Chagas Lima como “o
Diretor Português, de quem se queixavão” os índios. De certo modo, parece que havia
insatisfação do reverendo missiorio com relação à presença de não-índios no aldeamento de
Atalaia. Os moradores da região também criticavam o padre. Segundo Chagas Lima, em
1825, depois da luta que ocorreu no aldeamento que acabou completamente destruído —,
eles fizeram um requerimento a favor da extinção dos índios e da preservação dos menores,
para serem vendidos
135
. Em carta ao Governo paulista, o reverendo respondia aos moradores.
Nas palavras de Chagas Lima, seu sacerdócio era questionado em três artigos principais:
1.
o
) Por que, dizem eles, o nosso reverendo vigário não corrigia aos índios batizados em seus desvarios?
2.
o
) Por que não quer ele consentir, que se mandem na presente ocasião escoltas de gente portuguesa
sobre os selvagens malfeitores, que os extingam de todo?
3.
o
) Por que não tem aldeado; e agora mesmo não aldeia os índios dentro desta freguesia de Belém, ou
lugar a ela contíguo?
136
O padre responde à primeira pergunta argumentando que, em 1824, quando quase todos
os índios abandonaram Atalaia, ele foi a cavalo atrás deles, acompanhado de dois portugueses
(certamente o espanhol Miguel entre eles) e de uma índia “para servir de guia” —, e os
trouxe de volta. Rendeu o diretor português de quem se queixavam e doou terras com gado
contíguas à aldeia, doação semelhante a aquela que um pai faz aos seus filhos”, sempre
exortando o bem espiritual dos seus catecúmenos.
Em relação à segunda questão, argumentou que nas vilas de Lages e da Faxina os
portugueses faziam mortíferas entradas” contra o gentio, que tinham como retorno o medo
permanente de vinganças que sofriam os moradores e os viajantes, nas estradas. Além disso,
acusava-os de “querer tirar a sardinha das brasas com a mão do gato, na pretensão [...] de
adquirir a posse das terras de Guarapuava com a extinção dos selvagens”. A parte mais
contundente da resposta é quando ele explicita sua opinião a respeito dos soldados e sua
inabilidade em relação aos índios:
134
Cf. MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: Índios e Bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo:
Cia das Letras, 1995.
135
Carta ao presidente Lucas Antônio Monteiro de Barros. Freguesia de Nossa Senhora de Belém em
Guarapuava, 20/5/1826. AESP, Ofícios de Castro, caixa 192, ordem 987.
136
Ibidem.
69
Que pessoas quereis vós sejam empregadas para guias dessas entradas ao sertão em que moram os
selvagens? Porventura os índios restantes na Atalaya? Estes o não devem ser; porque seria isso concorrer
para sua destruição total. Quais hão de ser os agentes dessas invasões? Meia dúzia de soldados, outros
tantos de degradados, outros tantos de vadios dos campos gerais de Curitiba, que por aqui se juntam, dos
quais sendo uns efeminados e outros temerários, todos sem experiência, que partido terão com aquelas
feras humanas dentro dos bosques? Ali pereceo todos: entretanto rompida a boa inteligência em que
estão doze anos os selvagens com os portugueses, quem mais poderia parar em Guarapuava?
137
Finalmente, respondeu à terceira pergunta sem se dirigir aos colonos alegando serem
intrusos em matéria que o podiam julgar —, e sim ao presidente da província: “Os índios
foram aldeados na Atalaya dentro das terras que lhes foram consignadas para sua vivenda
como possuidores pririos e originários do país. Agora mesmo depois do abrasamento da
Atalaya não podem ser aldeados em outra parte senão nas mesmas terras suas (...)”
138
.
A opinião de Chagas Lima também se refletia sobre o comandante da povoação,
responsável pelo destacamento de degredados na aldeia. Quando tomou a frente da expedição
o tenente Antônio da Rocha Loures, Chagas Lima tinha com ele alguma simpatia e amizade.
Entretanto, alguns anos depois, Loures também foi alvo das reclamações de Chagas Lima, Já
mais não poderá ser conveniente, conservarem-se os comandantes de Guarapuava por muitos
anos neste emprego. Dos que tem havido passados cinco ou seis anos de comando,
discreparam bastantemente de seu primeiro zelo que todo se empenhava em promover com
fervor o bem blico da conquista”.
139
Todavia, mesmo com a destruição e mudança da aldeia e a exoneração do cargo junto
aos índios, o espanhol Miguel continuou participando de serviços na povoação, juntamente
com outros degredados, o que notas de que sua incorporação na aldeia e junto aos colonos
ultrapassava os limites do que prescreviam suas atividades remuneradas como administrador e
diretor dos indígenas.
Menos de um ano após sua saída da administração dos trabalhos no aldeamento de
Atalaia, na relação dos soldados feita em março de 1826, Miguel Morones é referido como
cabo alvorado”, a maior patente entre os soldados e degredados relacionados entre os
ordenanças, e indicado como “encarregado do serviço público”. Uma vez que outros dez
degredados são mencionados nessa mesma lista em outras funções na povoação, torna-se
possível afirmar que o cabo alvorado Miguel ficava responsável pelo trabalho dos demais
137
Ibidem, p. 11.
138
Ibidem.
139
LIMA, Francisco das Chagas. Carta ao presidente Lucas Antônio Monteiro de Barros. Freguesia de Nossa
Senhora de Belém em Guarapuava, 8/4/1826. AESP, Ofícios de Castro, caixa 182, ordem 987.
70
condenados na povoação, criando certa hierarquia de superioridade dentre os demais
degredados.
Outro sinal de diferenciação entre os condenados está no fato de apenas três deles
usarem calcetas de ferro presas aos pés. Essa diferenciação se aplicava justamente aos
degredados que não tinham se casado até 1826
140
ou que chegaram à povoação sem constar
que soubessem algum ocio. Dessa forma, a o-de-obra especializada também gerava
estratificações hierárquicas entre os degredados remetidos para Guarapuava.
Em 1827 se completavam os cinco anos da pena de Miguel Morones. Assim, na lista de
habitantes de 1828 não encontramos dados referentes à sua presença na povoação. Entretanto,
em 1829 o ex-degredado escreve e encaminha um ofício em nome dos proprietários de
Guarapuava, endereçado ao comandante da Freguesia de Palmeira, sendo relacionado como
procurador dos proprietários” da freguesia de Guarapuava, e também em nome do
comandante Francisco da Rocha Loures.
141
No documento, escrito e assinado de próprio punho por Miguel Morones, os
proprietários de Guarapuava pedem a manutenção da antiga picada aberta entre as duas
Freguesias, uma vez que o novo caminho que estava sendo aberto pelo comandante de
Palmeira possuía vários problemas. De acordo com o espanhol, escrevendo em bom
português, a nova picada não possuía águas suficientes para a marcha das tropas de gado,
além de atravessar uma região habitada pelos “Bugres bravos” e ser repleta de mato fechado.
Segundo os suplicantes representados na carta, o antigo caminho de nove ou dez léguas
entre as duas localidades era muito mais seguro, pois, além das águas para os animais, cortava
campos onde são a maior parte de descortinados matos” que evitavam os sustos com o
gentio. Esperando que fosse convencido da manutenção do caminho já existente, o qual
deveria passar por um serviço de conservação, Miguel Morones encerra a carta esperando que
se evitassem os prejuízos daquele grande e dispendioso trabalho.
O trânsito e comércio de gado entre as duas freguesias refletem a ligação dos
proprietários das duas localidades. Como escreve Miguel, diversos fazendeiros de Palmeira
haviam enviado prepostos para cuidar de novas terras angariadas em Guarapuava. De outro
modo, habitantes de Guarapuava sem ligação familiar direta com Palmeira aproveitavam a
existência de comerciantes e entrepostos comerciais na outra freguesia para comercializar
seus animais com outros fazendeiros, tropeiros e comerciantes estabelecidos em Palmeira.
140
ARAÚJO, Elias de. (cabo de esquadra da expedição de Guarapuava) Relação das Pras de Tropa de Linha,
Ordenanças e Prezoz Sentenseados que se axão nesta Povoação. Op., cit.
141
MORONIS, Miguel. “Procuração em nome dos proprietários de Guarapuava, endereçada ao comandante da
Freguesia de Palmeira. 27 de janeiro de 1829”. AESP, caixa 192, ordem 987.
71
Casado coma filha de ex-moradores de Castro, Vila bastante próxima da Freguesia
Palmeira, Miguel Morones deve ter entrado nos negócios da família, se valendo da rede de
relações de negócios existente por parte da família de sua esposa, passando a ser
proprietário e a “viver sobre si”, passando a ser morador itinerante das três localidades.
Não temos dados sobre suas idas a Palmeira ou Castro, entretanto, essa condição fica
clara na lista de habitantes de Guarapuava de trinta de abril de 1832, último documento que
faz menção a Miguel Morones em Guarapuava. Relacionado como branco e casado com
Maria Ferreira, ela com vinte e cinco anos de idade e ele com trinta e dois, Galafre “vive de
seus negócios” enquanto cria sua filha Valeriana, de três anos de idade.
Sua trajetória demonstra um processo de incorporação horizontal de profunda mudança,
uma vez que, de marinheiro de um bergantim, o espanhol Miguel Morones Galafre passou a
administrador e diretor civil de um aldeamento religioso indígena, depois a cabo alvorado
responsável pelo trabalho público de outros degredados, para então desaparecer da
documentação em meio a seus negócios como negociador de tropas, assimilado e sendo posto
como representante dos proprietários de toda a povoação nos trâmites de um processo movido
pela mobilidade do tropeirismo oitocentista.
Felix Pereira, o soldado jornaleiro e padrinho dos índios
A trajetória do degredado Felix Pereira também traz novas reflexões sobre os processos
incorporativos junto aos indígenas aldeados através dos sacramentos cristãos do casamento e
do batismo. A percepção de que, mesmo com o final de sua pena, Felix não se retira da
povoação denota um forte processo de enraizamento baseado na família, no trabalho na
agricultura.
Participante da segunda leva de soldados de Santos envolvidos no levante de 1821
142
e
condenados pela Junta de Justiça de São Paulo em dezembro daquele ano, Felix Pereira
chegou a Guarapuava em vinte e dois de maio de 1822 com seu processo na carta de guia
mencionando-o como homem livre, solteiro, natural da Vila de Conceição do Itanhaém,
povoação distante vinte e cinco léguas de Santos. Com vinte anos de idade, Felix poderia
retornar à sua terra natal quando tivesse o dobro de sua idade, ou seja, depois de cumprir vinte
anos de degredo.
142
“Relação dos Reos Sentenciados a Degredos para a Freguesia de N. S. de Belém de Guarapuava por acórdão
da Junta de Justiça desta Província de S. Paulo de 19 de dezembro de 1821”. Op., cit.
72
Menos de um ano depois de ser remetido preso em ferros até a povoação, e apenas um
dia depois do casamento do degredado Miguel Morones, Felix Pereira contraía matrimônio
com Genoveva Iagnan, índia de dezenove anos, batizada solenemente três anos antes na
capela de Atalaia. No registro de casamento do casal consta a paternidade do degredado e da
índia, sendo ele filho legítimo de Antonio Pereira e Filippa de Oliveira, e Genoveva
constando como filha dos índios Erarê e Iangrain. A relação dos padrinhos desse casamento
misto seguia o mesmo padrão descrito anteriormente: Antônio da Rocha Loures e o escrivão e
cabo da esquadra Elias Jodo Espírito Santo são relacionados na cerimônia, que aconteceu
no oratório da Freguesia.
Um ano depois, após ser transferido em março de 1824 juntamente com José Gomes,
Miguel Morones e outros dois degredados (dos quais trataremos mais à frente) para o
aldeamento de Atalaia, percebemos sinais da incorporação do degredado junto aos
indígenas. Dos trinta e quatro batismos de índios, entre recém nascidos e índias viúvas de
cerca de cinqüenta anos de idade, realizados pelo padre Chagas Lima naquele ano, sete
tiveram Felix Pereira como padrinho, todos eles realizados solenemente na capela da aldeia de
Atalaia.
Sua esposa Genoveva participou de cinco destes sacramentos, sendo madrinha também
em outro batismo de recém-nascido naquele mesmo ano, juntamente com o líder indígena que
postulou o lugar de Antonio José Pahy, o índio Luís Tigre Gacom. Da mesma forma, Felix
acompanhou outra índia, Andreza Grendoró no batismo de uma moça kaingang de dezessseis
anos, e, juntamente com a indígena Manuela Coctain, participou do apadrinhamento de
batismo de uma índia de mais de cinqüenta anos de idade ainda em 1824. A trajetória de Felix
se assemelha bastante com a de não-brancos livres pobres em processo de incorporação
estudados por Hebe Maria Mattos. De acordo Hebe,
A formação de uma família, sancionada pela Igreja Católica, implicava um certo tempo de permanência
na área, convivência e aceitação por parte das outras famílias existentes na região, formando um leque
de relações que tendia a se ampliar, através do batismo dos filhos e das relações de parentesco ritual
(compadrio) que gerava. A mobilidade em liberdade representava, assim, uma potencialidade de romper o
desenraizamento e de reinserção social no restabelecimento da trama de relações pessoais e familiares.
143
Após o ataque ao fortim Atalaia em 1825, Felix Pereira não voltou a participar dos
sacramentos de indígenas, sendo relacionado na lista das praças destacadas na Freguesia, em
143
MATTOS, Hebe Maria. Das Cores do Silêncio: Os Significados da Liberdade no Sudoeste Escravista (Brasil,
séc. XIX). Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1998, p.28.
73
1826, como soldado dos ordenanças, trabalhando sem o uso de calceta aos pés na “factura da
farinha”, na povoação.
Dois anos depois, quando, pelos cálculos da idade mencionada a Felix na carta de guia
de sua chegada, ele estaria com vinte e sete anos de vida, o mesmo é relacionado como
degradado” de quarenta e dois anos de idade. Pardo e casado com índia não relacionada, o
degredado de Itanhm é ainda distinto como “proprietário” nessa lista nominativa de 1828.
Em 1830, numa lista de indígenas aldeados, no tópico dos portugueses casados com
índias”, além de outro degredado e outros dois homens que o eram condenados e que
estavam casados com índias, está relacionada “Genoveva casada com Fellix”. Nas listas
nominativas seguintes, as mudanças em sua condição são apresentadas aos poucos.
Relacionado como marido de uma das indígenas em doze de novembro de 1831, com idade
declarada de quarenta anos, o soldado degredado está nominado com Genoveva sua mulher”.
Felix ainda é mencionado com uma agregada - a menina Anna, branca, solteira e de onze anos
de idade.
Na lista de empregados e povoadores existentes na povoação em trinta de março de
1832, feita pelo comandante Rocha Loures, a referência a Felix Pereira mantém a menção ao
casamento com índia. Relacionado com a mesma idade de quarenta anos, o que muda nesse
documento é a referencia à cor do degredado, denominada Mesta ou Mulata. No ano
seguinte, a listagem dos povoadores o menciona da mesma forma, acrescido de um ano na
idade.
Informações menos lacônicas são encontradas na lista de 1835, quando o degredado
Felix, com trinta e nove anos de idade mencionados, é denominado índio, livre, e de ocupação
descrita como “jornaleiro”. Sua mulher também sofre mudanças na descrição, sendo
nominada de Genoveva Joaquina, num claro processo de incorporação dos nomes portugueses
por parte dos índios, desprendendo-se até mesmo do sobrenome de descendência indígena.
Genoveva também é descrita como índia, com trinta e cinco anos de idade, no entanto, sua cor
denominada é “branca”.
Felix volta a aparecer na documentação com a descrição lacônica de sua condição de
degredado na lista de habitantes de 1840. Em 1842 sua pena de degredo expiraria, podendo
sair da povoação e retornar às vilas próximas a Santos, de onde veio remetido. Todavia, ele
permaneceu na povoação. Quatro anos depois de comprida sua pena, Felix deixava viúva a
índia Genoveva, em dezessete de outubro de 1846. Em seu registro de óbito, novamente a
idade do degredado é alterada, sendo relacionado como tendo mais de cinqüenta anos de
idade.
74
Athanazio Lopes, de soldado amotinado a “feitor das índias”
Através da trajetória de Athanazio Lopes, queremos realizar reflexões sobre os
processos de manipulação das identidades através da cor atribuída, assim como sobre a
acumulação de bens nas condições dessa situação que combina fronteira agrária, violência,
deslocamentos de pessoas e relações interétnicas.
Seguindo essa mesma linha de trajetórias de incorporação, encontramos indícios na
documentação referentes ao liberto Athanazio Lopes, com um processo de incorporação
bastante interessante do ponto de vista do status adquirido por um pardo pobre.
Solteiro e também natural da Vila de Conceição de Itanhaém, Athanazio era soldado na
praça de Santos em 1821, e esteve envolvido na revolta iniciada pelo primeiro batalhão de
caçadores, do qual fazia parte, quando foi preso. Condenado em dezembro de 1821
144
, o
soldado Athanazio, de vinte e seis anos de idade, deveria passar vinte anos em degredo na
Freguesia de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava.
Passados sete dias do casamento de Felix da Silva e Genoveva Iagnan, Athanazio Lopes
se casou com a índia kaingang Clemência Maria Aranheram, também de dezenove anos de
idade, batizada em 1815 aos onze anos de idade, tendo como padrinhos de batismo o então
comandante Diogo Pinto e sua esposa. Mostra-se instigante a constatação de que a índia
Clemência Maria já havia batizado um filho seu, o recém-nascido Manuel primeira criança
batizada no recém-constrdo oratório da Freguesia de Nossa Senhora do Belém de
Guarapuava, em julho de 1822. Filho de pai incógnito, o mesmo não mais aparece na
documentação que envolve sua mãe, o que presume sua crião por outras pessoas da família
ou outros indígenas do aldeamento, sob alguma forma de apadrinhamento de criação
indígena.
A cerimônia de casamento de Felix e Clemência foi também realizada no oratório da
Freguesia, em vinte e nove de abril de 1823, sendo a união apadrinhada pelo sempre presente,
comandante Rocha Loures e o ajudante de cirurgia Gabriel José Mendez.
É digno de nota o fato de Gabriel Mendez fazer parte do grupo dos nove soldados de
linha da povoação. Em 1826, ao enviar carta liberando um desses soldados que se encontrava
com enfermidade grave e necessitando de tratamento adequado, Rocha Loures acabou
explicando que todos aqueles nove soldados tinham sido enviados do “Regimento de
144
“Relação dos Reos Sentenciados a Degredos para a Freguesia de N. S. de Belém de Guarapuava por acórdão
da Junta de Justiça desta Província de S. Paulo de 19 de dezembro de 1821”. Op., cit.
75
Cassadores da Villa e Praça de Santoz”, estando ali estacionados desde 1816. Assim sendo,
percebemos que o envio dos soldados degredados da mesma vila em 1822 seguia um padrão
de envio já iniciado quase uma década antes.
Tal como os degredados já mencionados, Athanazio também passou um período
residindo na aldeia de Atalaia, entre fins de 1823 e início de 1825. Nesse tempo, não
apadrinhou nenhum catecúmeno kaingang. Tal evento só aconteceu depois da destruição de
Atalaia e da mudança dos aldeados que restaram para local mais próximo da sede da
povoação. Numa passagem da narrativa de Chagas Lima referente à fuga que teve que fazer
em meio ao ataque que destruiu Atalaia e matou mais de vinte índios aldeados em 1825, o
padre cita o texto de Santo Atanazio, “Apologia de sua fuga”, onde o doutor da Igreja, que
viveu em Constantinopla no século IV, narra as fugas que teve que realizar em meio aos
ataques e invasões das tropas de Jorge da Capadócia.
Coincidentemente, Santo Atanazio também fora sentenciado ao exílio durante sua vida,
passada a maior parte dela fora de Constantinopla
145
. O pardo Athanazio Lopes seguiu a
mesma proporção de tempo longe de sua terra natal, não retornando mesmo após seu degredo
ter acabado. Mas, será que ele queria voltar? Em junho de 1825, o degredado batizou
juntamente com sua esposa Clemência Aranheran a também índia Maria, recém-nascida, filha
de pai e mãe kaingang aldeados.
Na relação das praças da tropa de linha enviada às autoridades da província de São
Paulo pelo comandante Rocha Loures em março de 1826, Athanazio é relacionado entre as
tropas de ordenança como degredado trabalhando sem o uso de calceta de ferro presa aos pés,
“na factura da farinhada povoação. Dois anos depois em meio à lista de habitantes de 1828,
Athanazio consta como Pardocasado com índia não denominada, com quarenta e três anos
de idade, sendo “proprietário” na povoação.
Em outubro de 1830, o degredado pardo consta na relação de índios da Freguesia - tão
próxima da aldeia de Nova Atalaia que a mesma já era considerada parte da Freguesia – como
casado com Clemência, ela já com vinte e seis anos de idade e três filhos da união com
Athanazio. Francisco e Anna Maria tinham dois anos, outra menina, recém-nascida,
aguardava o batismo para receber um nome.
Um ano depois, na lista de índios existentes na povoação, Athanazio é relacionado
como marido de Clemência, e sua filha mais nova já consta com o nome de Vitorianna, de um
ano de idade, junto com seus irmãos mencionados, todos batizados. Três meses depois, o
145
Cf. ATANÁSIO, Santo. Apologia de sua fuga. São Paulo: Paulus, 2002.
76
condenado é referenciado na lista de degradados, em meio aos povoadores, como Mestiço, de
quarenta e seis anos de idade e, da mesma forma, casado com índia. Os mesmos dados se
mantêm na lista de 1833, com exceção da idade, que diminui cinco anos, e do fato de não
constar o nome dos filhos.
Anexo a essa mesma lista de 1830 segue um “Mappa da Força do Destacamento de
Guarapuava”,
146
escrito em outubro de 1834, que nos fornece uma importante informação
sobre a trajetória de Athanazio Lopes. Nesse documento, sem constar nomes, o mero de
degredados relacionados é maior que o de soldados destacados: enquanto este último grupo
come-se de treze homens, entre eles índios que também venciam soldo, os degredados
acabam por somar quatorze pessoas. Todavia, com referência aos degredados, três eram
mulheres (as quais estão relacionadas mais à frente), quatro degredados são isentos dos
serviços blicos e seis homens são empregados nos trabalhos da povoação, sem receber
vencimentos.
Entretanto, em nota de observação ao final do documento, ficamos informados de que
um degredado estava omitido desses números, pois exercia o cargo de Diretor dos Índios,
vencendo soldo de quatro mil is por mês. Seu salário era baixo se comparado ao do ferreiro
da expedição, que recebia o dobro, oito mil réis. Por outro lado, seus rendimentos eram
superiores ao dos soldados índios e da pequena tropa de ordenanças da povoação,
relacionados no mesmo “Mappa” com soldos de noventa is diários, não ultrapassando os
três mil is mensais. Enquanto o número de soldados mantidos nas ordenanças somava seis
pessoas, os índios em serviço não ultrapassavam três indivíduos, como explica Rocha Loures
em outro ocio ao governo, escrito em 1832. No entanto sua presença era fundamental nos
quadros da povoação.
Os indícios que nos levam a afirmar que o diretor dos índios aldeados em Nova Atalaia,
referido no documento acima, era o degredado Athanazio Lopes, estão presentes na lista de
habitantes de Guarapuava de 1835. Com quarenta e um anos de idade, e referenciado como
Índio livre”, o degredado tem como ocupação o cargo de “Feitor das Índias”. Além de
constar que o “índio” Athanazio recebia soldo, a lista também menciona a propriedade de um
prédio urbano onde mora com sua esposa, a índia Clemencia, com trinta e cinco anos de
idade e de cor denominada “branca”. É instigante percebermos nesse caso como se o
processo de manipulação das identidades e fronteiras nessa situação que combina fronteira
agrária, violência, deslocamentos de pessoas e “contatos” interétnicos e inter-situacionais.
146
LOURES, Antonio da Rocha. Mappa da Força do Destacamento de Guarapuava, outubro de 1834. AESP,
caixa 230, ordem, 1025.
77
Em 1835, a produção agrícola de Athanazio se resumia a vinte alqueires de milho e à
mesma quantidade de feijão. Também consta a propriedade de duas cabeças de gado e de três
porcos. Nessa lista, dos filhos que o casal tem são referenciados apenas dois, Uma delas com
nome diferente: Maria, de dez anos de idade, e Vitoriana, de apenas sete anos. Francisco, o
filho homem, pode ter sido enviado para trabalhar e viver como agregado na propriedade de
algum fazendeiro, ou mesmo ter falecido. Porém, uma lacuna nos registros de óbito da
década de 1830, em função da troca de sacerdotes, que impossibilita a avaliação desses dados.
Na função de diretor, vivendo em campos anexos ou próximos aos terrenos destinados
aos índios desde o início da colonização da rego, o destino da produção de Athanazio Lopes
pode ter sido a alimentação dos próprios índios aldeados. Era o que acontecia ao diretor,
anterior, que havia ficado no cargo depois da destruição do fortim de Atalaia e da dispensa de
Miguel Morones no cargo, entre 1825 e o início da década de 1830, quando Athanazio
assumiu o cargo.
Estamos falando de Antonio Villa Nova, homem pobre remetido sob ordens do
imperador D. Pedro I, ao que tudo indica sem crimes a pagar, juntamente com outros quatro
indivíduos, a fim de serem “úteis ao augmento dessa conquista”, em dezembro de 1822. No
mesmo documento em que comenta a chegada destes homens, Rocha Loures informa que
lhes fornecera terrenos para que comassem seus trabalhos
147
. Em ocio ao governo da
província escrito em outubro de 1830, o comandante Loures informa que, como administrador
das índias, Vila Nova recebia soldo de quatro mil reis mensais desde que assumiu o posto, em
abril de 1827.
148
Esse salário se manteve para Athanazio.
Todavia, como comenta Loures em outra correspondência ao governo paulista, era
muito pouco seu ganho, uma vez que gastava tudo com as índias. Com o elevado número de
mulheres aldeadas sem os maridos, ou viúvas em função da cultura bélica dos kaingang, eram
elas que compunham a parte aldeada que realizava trabalhos previstos pela administração
portuguesa aos índios. Nesse ínterim, a fuão de Villa Nova era a de administrar as índias
nos trabalhos na roça: “isto hé, colher, plantar, carpir, menos rossar”.
149
Não temos informações de até quando Athanazio permaneceu nessa função. Na lista de
habitantes de 1840, assim como para todos os degredados arrolados, as informações são
mínimas, constando apenas sua condição de degredado. Dois anos depois, em 1842, o
147
LOURES, Antonio da Rocha. Relação de Cinco Homens que vierão para esta Expedição. Ofício ao governo
da província de São Paulo em 10 de Dezembro de 1822. AESP, caixa192, ordem 987.
148
Cf. nota inserida no livro de batismos da paróquia de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava, Villa Nova
havia assumido o cargo de Diretor da Aldea de Atalaia em 30 de abril de 1827.
149
LOURES, Antonio da Rocha. Ofício ao governo da província de São Paulo em 26 de Outubro de 1830.
AESP, caixa192, ordem 987.
78
degredado feitor das índias completava seus vinte anos de degredo, podendo se retirar da
povoação, caso fosse de sua vontade.
Entretanto, no “Rol de Parochianos da Freguesia de Belém de Guarapuava” desse
mesmo ano, produzido pelo padre Antonio Braga de Araújo, Athanazio consta como morador
do primeiro quarteirão da Freguesia, com cinqüenta e oito anos de idade, casado com
Clemência, de quarenta anos, e com as filhas Anna Maria e Vitoriana com dezesseis e
quatorze anos, respectivamente. Além disso, são mencionados três agregados ao quadro
familiar de Athanazio: Manoel e Antonio do Amaral, de vinte e dois e vinte e sete anos de
idade, respectivamente, são arrolados juntamente com Francisco, criança de apenas quatro
anos de idade. Certamente, os dois mais velhos eram irmãos.
Para o jovem, migrante ou forro, capaz de realizar determinadas funções que exigiam
um certo nível de especialização, a forma mais fácil de se conseguir terras era através da
condição da agregados. Nesse caso, os agregados de Athanazio não poderiam exigir terras de
um não-branco livre sem muitas posses. Caso fossem recém-chegados à fronteira aberta,
trabalhando temporariamente para o ex-degredado, poderiam conseguir estabilidade e
conhecimento do sistema de acesso à terra na região, além de estarem afirmando suas
condições de liberdade frente à realidade da escravidão.
150
Vinte e um anos mais tarde, em abril de 1863, o padre Antonio Braga retornaria a listar
o Rol de moradores da Freguesia de Belém de Guarapuava, Bispado de São Paulo”. Nesse
documento, Athanazio, já com setenta anos de idade, continua mencionado como morador de
Guarapuava, estando ainda casado com a índia Clemência Maria. De quarenta e cinco anos de
idade presumidos na lista. Athanazio havia se mudado, passando a viver no segundo
quarteirão de Guarapuava, e, como agregado, mantinha Pedro, de dezoito anos e ainda
solteiro, e Raymundo, de nove anos de idade, ambos relacionados como netos do casal.
A trajetória de Atanazio em Guarapuava iria ter fim em 1869, vinte e sete anos
depois de concluída sua longa pena de degredo. Em vinte e seis de março daquele ano, em seu
leito de morte, já enfermo, recebeu a extrema unção e a absolvição sacramental dada pelo
padre Antonio Braga, não podendo se confessar, pois estava privado da fala. Athanazio
deixou a índia Clemencia viúva naquele mesmo dia. Constando em seu registro de óbito a
idade de mais de oitenta anos, o é mencionada a condição de ex-degredado, que o trouxe
para a região.
150
Cf. MATTOS, Hebe Maria. Op., cit., p.47.
79
Mariano Antonio: de padrinho de casamentos a viúvo precoce
Com a história de Mariano Antonio, queremos refletir sobre a violência presente nos
processos de contato em meio à fronteira aberta. Fechando o quadro dos quatro degredados
que se casaram com índias no ano de 1823, encontramos dados sobre a trajetória do soldado
do regimento de Santos, Mariano Antonio, apresentado em Guarapuava na segunda leva de
degredados descritos na carta de guia de 1821
151
. Depois de caminhar por meses acorrentado a
outros degredados, entre eles JoGomes e Felix Pereira, Mariano chegou à povoação em
maio de 1822, tendo sua condição denominada na carta de guia como sendo, liberto, solteiro,
também natural de Conceição de Itanhaém, no litoral paulista próximo de Santos, e de vinte
anos de idade. Envolvido na revolta de 1821 de maneira mais branda, o soldado deveria
passar dez anos em degredo na Freguesia de Guarapuava.
Em dezembro de 1823, pouco mais de uma semana antes de seu casamento, Mariano foi
padrinho de quatro crianças kaingang. Em dois casos, a madrinha foi sua noiva, a índia
Gertrudes Ningá. Em outras duas situações, o degradado acompanhou outras índias no
apadrinhamento dos neófitos kaingang. Uma semana depois do último batismo de que
participou naquele ano, em dezesseis de dezembro, casou-se com Gertrudes Ningá, índia do
aldeamento. Diferentemente dos três casamentos mistos anteriormente citados, Mariano e
Gertrudes se casaram na capela de Atalaia, e tiveram como padrinhos, além do cabo Elias de
Araújo, o degredado Miguel Morones Galafre.
O ritual realizado em meio aos indígenas aldeados poderia servir de exemplo a outros
casamentos cristãos entre os indígenas, fomentando a monogamia apregoada pelo padre
Chagas Lima. É digna de nota a constatação de que os únicos casamentos envolvendo
indígenas no ano de 1823 foram os quatro casamentos mistos dos degredados José Gomes,
Felix Pereira, Athanazio Lopes e, por último, de Mariano Antonio.
Ao que tudo indica, Mariano e Gertrudes permaneceram em Atalaia até o início de
1825. Em julho de 1824, o casal apadrinhava a índia Maria Mangrê, de vinte anos de idade,
numa cerimônia de batismo realizada solenemente na capela do aldeamento. Um mês depois,
foi a vez de o casal misto acompanhar o sacramento do menino kaingang Joaquim Pororom,
de oito ou nove anos de idade, também batizado em Atalaia.
151
“Relação dos Reos Sentenciados a Degredos para a Freguesia de N. S. de Belém de Guarapuava por acórdão
da Junta de Justiça desta Província de S. Paulo de 19 de dezembro de 1821”. Op., cit.
80
Outro ponto importante a ser notado em relação à incorporação de mão dupla de
Mariano nos processos incorporativos junto aos kaingang aldeados, diz respeito aos
casamentos realizados em 1824. Naquele ano, dos dezenove casamentos horizontais entre
índios sacramentados, nove tiveram apadrinhamento de degredados. Um em especial,
realizado “em casa particular da aldeia” no s de junho, entre o índio Custodio Frangrein e a
kaingang Ignes Guaiandó, teve como padrinhos dois degredados, Mariano Antonio e Miguel
Morones.
Mariano ainda participaria de sete casamentos no segundo semestre daquele ano. Quatro
deles foram apadrinhados no mês de agosto, em companhia de Manoel Antonio Villa Nova, o
mesmo povoador enviado da Corte, que anos depois se tornaria diretor das índias, e que
participou de outros seis casamentos e de doze batismos kaingang no mesmo período.
Mariano Antonio também apadrinhou, antes do final do ano de 1824, outros três casamentos
em companhia do cabo Joaquim Leite, mencionado no início daquele mesmo ano por Rocha
Loures como o único soldado que podia manter com honra a guarda de Atalaia presente no
aldeamento, também sendo padrinho de um batizado kaingang no oratório da Freguesia. Esses
dados nos revelam as sociabilidades mantidas pelos degredados com indígenas e demais
pessoas na povoação, permeando processos incorporativos múltiplos.
Referência que ressalta a incorporação do degredado Mariano no aldeamento está na
menção ao local de realização das cerimônias de casamento das quais foi padrinho no mesmo
ano. Todos os oito sacramentos foram os únicos ministrados por Chagas Lima na própria
capela da aldeia de Atalaia.
Convém lembrar que os dezenove casamentos entre indígenas aldeados realizados em
1828 equivalem a maior número que todos os casamentos dessa natureza realizados desde o
início da chegada dos índios à aldeia, em 1812, que somavam até então apenas dezesseis
uniões sacramentadas. Também é maior que os demais casamentos entre índios e índias
realizados no período posterior a 1824 até a última união kaingang documentada, referente ao
ano de 1856. Ao todo, nesse período de mais de trinta anos, foram registrados apenas outros
dezesseis casamentos monogâmicos sacramentados.
Retornando a focar a trajetória do soldado degredado Mariano Antonio, percebemos na
lista de praças das tropas de linha, ordenanças e presos sentenciados na povoação, que ele
permanece realizando serviços não estipulados na região. Assim como os demais degredados
casados em Guarapuava, depois da destruição do fortim Atalaia, Mariano não usava calcetas
de ferro presas aos s na execução desses serviços. Na lista de habitantes de Guarapuava
81
referente ao ano de 1828, já com vinte e seis de idade, o pardo Mariano continua casado com
índia não denominada, e mantém uma propriedade tamm não estipulada na povoação.
A trajetória de Mariano sofre modificações em outubro de 1830, quando sua esposa
kaingang, Gertrudes Ningá, foi assassinada por outros índios enquanto trabalhava no monjolo
da povoação, onde Mariano também ajudava na “factura da farinha”. Tal fato se deu no dia
doze daquele mês. Em carta narrando o fato às autoridades paulistas, o comandante Rocha
Loures afirma não saber se o ataque havia sido feito por índios “mansos” ou “bravos”, uma
vez que sete dias depois do assassinato de Gertrudes, um grupo de cinco índios “mansos” já
aldeados e evadidos de Atalaia anteriormente, tinham saído novamente da aldeia de Nova
Atalaia.
A suspeita sobre esses índios recaía no fato de que no mesmo dia em que se ausentaram,
haviam atacado a fazenda de Anna Maria de Jesus, a três léguas da Freguesia. Pelas três horas
da tarde, os mesmos chegaram à casa da fazenda, onde se encontravam três homens armados
de espingardas e duas mulheres. Dizendo que estavam seguindo para se apresentar na
Freguesia, os cinco kaingang pediram algo para comer, pedido que, pelo medo de o agradar
os mesmos, foi atendido prontamente pelos moradores. Entretanto, logo os índios
aproveitaram um momento de desatenção dos homens da casa para avançar sobre eles com
facas, lanças e porretes, matando um deles, José Francisco Ferreira, e ferindo outro com uma
lança no braço. O terceiro homem da fazenda, “peleando forte”, conseguiu tomar a faca da
o de um dos índios, matando-o logo em seguida com a mesma faca. Feito isso, os outros
índios fugiram, levando consigo duas espingardas.
De acordo com a narrativa feita por Rocha Loures para sensibilizar as autoridades
paulistas, desde a destruição do fortim de Atalaia, os ataques dos indígenas do sertão aos que
buscavam refúgio no aldeamento desatendido de proteção havia aumentado. Todavia a
proteção que os soldados da povoação poderiam dar se restringia ao período das colheitas,
pois os ataques e emboscadas aos povoadores também passaram a ser mais freqüentes,
atrasando a colheita e o feitio de novas roças naquele ano.
Com um mero de sete soldados e alguns ordenanças, Rocha Loures se queixava
daqueles números serem suficientes apenas para a guarnição da Freguesia. Assim,
comunicava sobre a necessidade de envio de maior número de soldados da vila de Castro,
entre trinta e quarenta homens, a fim de realizar diligências sobre os índios no sertão, assim
que estas fossem autorizadas pelo governo provincial. Ainda de acordo com Rocha Loures, os
povoadores de Guarapuava o poderiam fazer esse trabalho, pois deixariam suas famílias
desprotegidas, além de muitos deles estarem trabalhando na melhoria da estrada para Curitiba,
82
onde sete homens tinham sofrido uma emboscada dos índios, conseguindo, com sorte,
fugirem ilesos.
No entender de Rocha Loures, a povoação, já contando com mais de vinte mil animais
nas propriedades, não poderia retroceder por causa dos ataques indígenas. Nesse período entre
1826 e 1830, o medo grassava, a discórdia e a violência eram uma constante nas relações com
os índios do sertão. Conviver mais de perto com os kaingang, tal como os degredados casados
com índias ou no serviço junto dos aldeados não devia ser tarefa fácil. Tal sentimento por
parte dos povoadores pode ser sentido no seguinte trecho:
Mas sempre me desgosta a terra em razão de grande perigo de bugres em que sempre se vive [...] Eu vivo
em tal cautela que mudei a minha cama para o armazém que estou entregue dele por ser casa de pedra e
coberta de telha e logo que da Ave-Maria fecho-me e conservo uma arma de fogo carregada e vivo
sempre pronto para o que pode suceder.
152
Essas palavras são do Praça Francisco Manoel de Assis França, morador da Freguesia
de Nossa Senhora de Belém, Guarapuava, e foram escritas para sua mãe, moradora de
Curitiba, em 1828. Este também foi o ano em que o padre Chagas Lima interrompeu seus
relatórios sobre a expedição em Guarapuava. O tom apocalíptico de Chagas Lima se
encerrava, e a premência da violência ainda era um denominador comum daqueles que
moravam na região. Depois do fim de Atalaia e da saída do missionário Chagas, índios
considerados mansos e bravos se imiscuíam no mesmo grupo, vivendo cada vez mais
próximos e com contatos mais constantes e diretos com os demais povoadores. A fronteira,
borrada, entre aqueles que viviam no sertão e no aldeamento, era cada vez menos nítida.
153
Nesse sentido, podemos refletir sobre a motivão de cada ator para participar dessas
batalhas, fossem elas físicas, morais ou culturais. Os processos de incorporação que
envolviam os colonos, degredados e indígenas também consistiam num processo doloroso,
muitas vezes violento.
Como sugere Silvana Cassab Jeha
154
, admitir a violência é fundamental, mas deve-se
compreender como se a sobrevincia e incorporação desses grupos ou indivíduos em
processo de colonização, a fim de narrar também a história dos viventes e incorporados, e não
a dos mortos e mal adaptados. Os índios, apesar de todas as mudanças, mantiveram muitos
princípios básicos de sua cultura, entre eles, incluída a guerra.
152
“Carta de Francisco Manoel de Assis França, praça acantonado na freguesia de Nossa Senhora do Belém de
Guarapuava”. Apud. MOTA, Lúcio Tadeu. As guerras dos índios kaingang: a história épica dos índios kaingang
no Paraná (1769-1924). Maringá: EDUEM, 1994, p. 135.
153
Sobre as relações entre os indígenas aldeados e a fronteira borrada com o sertão, ver TAKATUZI, Tatiana.
Op., cit., especialmente o capítulo dois.
154
JEHA, Silvana Cassab. Op. cit.
83
Depois do acontecido, o degredado Mariano Antonio, viúvo, aparece na lista de
povoadores de 1832 com denominação de cor Mestiça ou Mulata, e trinta e cinco anos de
idade. Um ano depois, na lista de janeiro de 1833, ele é referenciado com a mesma
denominação de cor, de estado civil “solteiro”, e trabalhando como “jornaleiro”. No ano
anterior, sua pena de dez anos de degredo havia expirado. Sem dados que comprovem seu
retorno às povoações próximas de Santos, sabemos ao certo que Mariano Antonio não
permaneceu em Guarapuava por muito tempo depois disso. Viúvo e sem filhos, de viver de
seu trabalho em qualquer uma das vilas paulistas, uma vez que o mesmo não é relacionado
mais na documentação a partir de 1833.
José Moreira, “cidadão votante”
A partir da trajetória de José Moreira, podemos refletir sobre a incorporação dos
degredados que estavam presentes em Guarapuava na segunda metade do século XIX, e que
puderam participar do processo de escolhas das lideranças da então Vila de Guarapuava,
denotando a incorporação em meio aos ”homens de bem” da freguesia.
José Moreira da Silva foi o precursor de três degredados remetidos que se casaram com
índias kaingang em Guarapuava na década de 1830, além de ser o primeiro condenado que
o havia sido remetido por ser soldado sentenciado do regimento de Santos a formar esse
tipo de união. Solteiro, nascido na Vila de Guaratinguetá e de apenas dezoito anos de idade,
era também o degredado mais jovem enviado na primeira leva de condenados que chegaram
remetidos à povoação em março de 1822
155
.
Como nos outros processos das cartas de guia referentes a degredados civis, nos dados
de JoMoreira constam o nome de seu pai, denominado apenas pelo sobrenome, Brás e
Moreira”. O nome de sua mãe não é relacionado, o que sugere que já fosse órfão de mãe.
Condenado pela Junta de Justiça de São Paulo em dezembro de 1821, o rapaz chegava para
cumprir dez anos de degredo por assassinar Mariano Vaz em São Paulo.
Sem estar casado e não sabendo nenhum ocio em particular que fosse de primeira
necessidade, seus primeiros anos na povoação foram destinados aos trabalhos públicos,
sempre por uma calceta de ferro presa aos pés. Outros dois condenados também executavam
serviços dessa maneira. Em 1828, com vinte e cinco anos, de cor denominada branca e
155
“Relação dos Reos Sentenciados a Degredos para a Freguesia de N. S. de Belém de Guarapuava por acórdão
da Junta de Justiça desta Província de S. Paulo de 19 de dezembro de 1821”. Op., cit.
84
ainda solteiro, Moreira da Silva é listado entre os degredados presentes na povoação sem
posses ou produção nenhuma.
Todavia, sua condição mudaria consideravelmente a partir de 1832, quando contrai
matrimônio, em janeiro de 1832, com a índia aldeada de nome Maria Joaquina. Na lista de
habitantes de março daquele mesmo ano, JoMoreira consta como lavrador, de cor mestiça,
com vinte e oito anos de idade e casado com Maria, de sobrenome “da Costa”, também
referida como mestiça e de dezoito anos de idade. Nove meses depois, em janeiro de 1833,
José Moreira está relacionado entre os povoadores, fora da lista de degredados, sendo
registrado como jornaleiro casado com índia, de cor mestiça e com vinte e sete anos de idade.
A principal mudança em relação à sua condição mencionada em 1828 é descrita na
bastante completa lista de habitantes de Guarapuava de 1835. Aos trinta e dois anos de idade,
quatorze anos depois de chegar à região, JoMoreira é pardo livre, e tem criação de duas
cabeças de gado vacum, dois cavalos e dez porcos, além de ter colhido cinqüenta alqueires de
milho e quinze de feijão. Segundo a historiadora Hebe Maria Mattos, qualquer atividade
agrícola, mesmo a simples roça de subsistência, pressupõe a existência de uma família
constituída e do acesso costumeiro à terra. Para ambas as condições era necessário estabelecer
laços na região, o que demandava um profundo processo de socialização, incorporação e
permanência já enraizada na área.
156
Demonstrando a grande mudança em seu status na Freguesia na década de 1830, Jo
ainda consta como proprietário de um prédio urbano. Casado com a índia parda Maria
Joaquina, referenciada com dezoito anos de idade, tem também duas filhas Firmina e Rosa,
meninas pequenas, de seis e três anos de idade, respectivamente. Mesmo com oito anos de
degredo ainda por cumprir, ao invés de estar referido no rol dos “degradados” da Freguesia,
Moreira da Silva é registrado entre os demais povoadores, tendo como única observação em
sua listagem o fato de não saber ler. Num espaço onde mais de oitenta por cento da população
era analfabeta, não deveria ser vergonhoso estar nessa condição, principalmente com a
mudança de situação econômica e social sofrida por José em menos de uma década.
Em 1842, José Moreira termina de cumprir sua pena. Ao invés de se retirar da
povoação, o ex-degredado se preocupa em aumentar sua prole. Com descrição de habitação
no primeiro quarteirão da Freguesia, no “Rol de Parochianos da Freguesia de Belém de
Guarapuavadesse ano, José Moreira, com trinta e oito anos de idade, é citado com sua
156
MATTOS, Hebe Maria. Op., cit., p.41.
85
esposa Maria Joaquina e seis filhos - a filha primonita Rosa com dez anos de idade, e o
mais novo, José, com menos de um ano de idade.
As uniões matrimoniais estáveis e a formação de famílias numa região estavam
diretamente ligadas com a passagem dos primeiros anos da infância dos filhos do casamento.
Depois dessa difícil fase, os pais começavam a estabelecer relações de continuidade com a
posse da terra e relações de solidariedade horizontais e verticais com a vizinhança,
configurando-se definitivamente como lavradores incorporados e enraizados na rego,
mesmo que não contassem com a propriedade legal das terras.
157
Voltando à trajetória de José, onze anos depois, permanecendo em Guarapuava e já livre
do estigma oficialmente declarado do degredo, que o proibia por lei imperial de exercer os
direitos do “cidadão brasileiro”, JoMoreira da Silva consta na lista de “Qualificação de
Votantes” do ano de 1853, quando a província do Paraná estava em processo de emancipação
de São Paulo.
158
Residindo ainda no primeiro quarteirão da então Vila de Guarapuava, casado e já com
quarenta e nove anos de idade mencionados, o ex-degredado tinha como ocio o cabo da
enxada, trabalhando como lavrador. Depois de 1850, começam a desaparecer identidades
sócio-profissionais de homens livres expressas pelas expressões “viver de...”, que no início do
século XIX os diferenciavam do escravo que servia a...”.
Assim, progressivamente, designações profissionais substantivas, como “jornaleiro” e
“lavradorpassam a tomar conta nas designações de status social qualificado. Essa tendência
também pode ser notada no caso dos ex-degredados de Guarapuava, também livres pobres
incorporados, em suas designações na segunda metade do século XIX. A vida de José Moreira
se encerrou em Guarapuava, em onze de abril de 1874, passados trinta e quatro anos do fim de
sua pena. Falecido por enfermidade com mais de setenta anos de idade e quarenta de
casamento, como consta em seu registro de óbito.
Felisberto “vive de seu trabalho, carpinteiro”
Com os dados referentes a Felisberto Ferreira, podemos notar a importância da
existência de pessoas com ocios especializados nos trabalhos da povoação, o que lhes
157
Idem, p.58.
158
Lista de qualificação de votantes de Guarapuava, no ano de 1853. Arquivo Histórico Municipal, Guarapuava,
UNICENTRO.
86
conferia um status comparável àqueles degredados que acabaram se casando com indígenas
no primeiro ano de suas sentenças. Embora Felisberto não tenha se casado na primeira década
de sua pena em Guarapuava, enquanto permanecia no serviço da povoação, não precisou usar
calcetas de ferro na execução de seus trabalhos como carpinteiro.
A penúltima descrição da trajetória de vida referente a um degredado casado com
mulher kaingang aldeada é de um soldado de Santos, Felisberto Ferreira Campello. Remetido
na primeira leva de degredados da carta de guia de 1821, ao se apresentar junto com outros
seis condenados acorrentados em março de 1822, Felisberto era descrito na carta de guia
como homem “livre”, solteiro, nascido na própria Vila de Santos - onde se envolveu na
revolta de junho de 1821 -, com vinte anos de idade e vindo para passar outros vinte anos
como degredado em Guarapuava. Diferentemente dos outros degredados já relacionados, este
soldado de Santos tinha na carta de guia de seu envio a menção à sua mão-de-obra
especializada, sendo “official de Carpinteiro”.
Sem residir em Atalaia, Felisberto vivia no quartel da freguesia, juntamente com os
soldados estacionados, onde também havia uma sala destinada à cadeia e manutenção de
presos. Todavia, o degredado também participava dos ritos que envolviam os índios aldeados.
Alguns meses depois de destruído o fortim Atalaia, em outubro de 1825, Felisberto foi
padrinho de batismo da pequena Rosa, de apenas quinze dias de vida, filha de pais Kaingang.
Acompanhando-lhe no apadrinhamento do sacramento religioso estava Anna Quadros
Silveira, esposa do povoador Salvador Silveira Caldas, o qual também foi padrinho de
batismo de uma índia de vinte e quatro anos, um mês antes do batismo de Rosa, juntamente
com sua mulher, Anna Quadros.
Porém, o soldado degredado tinha suas ocupações no trabalho da povoação. Na relão
de Praças da tropa de Guarapuava de 1826 ele é mencionado como responsável pelo serviço
de carpintaria na povoação, e, mesmo sem estar casado ou residindo em local próprio,
trabalhava sem o uso de calceta de ferro presa aos pés. em 1828, Felisberto é relacionado
como pardo e viúvo, de idade de quarenta e oito anos. Diferentemente do degredado casado
Athanazio Lopes, por exemplo, que era relacionado na mesma listagem como proprietário”,
Campello nenhuma posse tem mencionada.
Sem constar nos registros de casamento, em novembro de 1831, Felisberto é
mencionado na lista de portugueses casados com índias como marido de Bárbara, índia de
vinte anos de idade, e com uma filha de nome Josefa, já batizada e de oito anos de idade! A
confusão foi clarificada quando encontramos o registro de casamento de vinte e sete de
87
janeiro de 1832, em que Felisberto contrai matrimônio com a viúva de JoGomes, a índia
kaingang Barbara Gatén, filha do também falecido cacique Antonio José Pahy.
Embora vivessem juntos pelo menos desde o ano anterior, a legalização da relação de
concubinato de Felisberto e Barbara através do casamento dos dois deveria ser bem
consentido na povoação: seus padrinhos eram o comandante Antonio e seu filho mais velho,
Francisco da Rocha Loures, (que mais tarde viria a se tornar figura importante na
administração do aldeamento de Guarapuava, a partir de fins da década de 1840).
Na listagem de povoadores de janeiro de 1833, Felisberto é mencionado como mestiço,
casado com índia e de idade de cinqüenta e um anos. Dados mais completos sobre sua
condição são mencionados em 1835. Na lista de habitantes desse ano, o degredado é
relacionado com quarenta e nove anos de idade, sendo pardo livre, assim como “vive de seu
trabalho, carpinteiro”. Para complementar a renda, ele e sua mulher também estavam fazendo
a colheita de doze alqueires de milho, além de possuir duas cabeças de gado e um cavalo. Sua
mulher, Bárbara Gatén, é relacionada como índia de cor branca. Quanto ao filho da índia, não
existe menção nenhuma.
A questão da utilização variável dos termos “pardo”, “mestiço”, ou mesmo “índio
servia para muito mais do que fazer referência à cor mais clara da pele do mestiço. Antes de
qualquer coisa, servia como forma de registrar uma diferenciação social variável da condição
geral de não-branco. Representando uma inserção intermediária entre os “homens bons” e os
escravos, fossem ou não mestiços, de acordo com Hebe Mattos, o qualitativo pardo
sintetizava, como nenhum outro, a conjunção entre classificação social no mundo escravista.
Para tornarem-se simplesmente ‘pardos’, os homens livres descendentes de africanos
dependiam de um reconhecimento social de sua condição de livres, constituído com base nas
relações pessoais e comunitárias que estabeleciam”.
159
Dessa maneira, mesmo que não
correspondesse, no caso dos degredados forros, a representação de suas condições de homens
livres, ao menos tendiam a ser um primeiro signo de status diferenciado dos escravos,
diminuindo as possibilidades de reescravização em meio a uma comunidade amplamente
composta por homens não-brancos livres pobres.
Nenhum dado referências sobre o paradeiro de Felisberto depois de 1835. A única
pista que temos é a de que estava morto antes de 1843, pois sua mulher, anotada como viúva,
casa-se novamente em 1843 com o povoador João Barros.
159
Cf. MATTOS, Hebe Maria. Das Cores do Silêncio. Op., cit., p.30
88
Felix da Silva, o pedreiro votante
A trajetória de incorporação de Felix da Silva nos leva a refletir sobre o vínculo entre a
prática de ofícios importantes para uma povoação em formação, e a incorporação social junto
aos “homens bons” votantes da região.
A sétima e última trajetória de um degredado enviado para Guarapuava atravessada
por uma união com índia kaingang é relacionada ao pardo Felix da Silva. Solteiro e com vinte
e quatro anos de idade, ele é mencionado no rol dos degredados com pena a cumprir em 1835.
Sem fazer menção ao crime ou ao local de onde veio remetido, sua sentença é o único dado
disponível na falta de uma carta de guia. Felix da Silva deveria cumprir dez anos de degredo
em Guarapuava.
Sete anos mais tarde, no rol de paroquianos de 1842, Felix da Silva é relacionado com
trinta e seis anos de idade pelo padre Braga de Araújo. Morando no primeiro quarteirão da
Freguesia na situação de povoador casado, o pardo Felix tem como esposa mencionada a índia
Symphorosa, de vinte e dois anos de idade. Como ocupação, é referido ao degredado o ocio
de pedreiro.
Em virtude da omissão de registros de casamento, óbito e batismos referentes a quase
toda a década de 1830, decorrente da falta de um sacerdote fixo na povoação, não temos
informações que nos elucidem as condições de realização desse casamento misto, tal como os
dados da noiva indígena e o local de origem do degredado.
Com o encerramento de sua pena em 1845, Felix da Silva continuou morando e
atuando com status social em Guarapuava, com sua mobilidade comprovada através da
menção a uma mudança de domicílio realizada antes do fim daquela década. Diferentemente
do rol de paroquianos de 1842, em ata de revisão dos votantes da Freguesia em 1848, o ex-
degredado é referenciado como morador casado do segundo quarteirão da Freguesia, além de
permanecer com o ofício de pedreiro.
O último indício da presença de Felix da Silva na Freguesia é referente ao ano de
1864. Em dez de outubro daquele outono, faleceu a filha recém-nascida de Felix com a índia
Symphorósa Maria. É digna de nota a constatação de que, filha de pai pardo e mãe kaingang,
a criança é denominada em seu registro de óbito como Maria, “índia” inocente.
89
Francisco, africano “preto degradado”, casado com mulher branca, pai de sete filhos
Outro caso interessante envolvendo o casamento de um degredado é descrito na década
de 1840, mais especificamente em 1847. Entretanto, dessa vez, a união do degredado se fez na
direção de uma mobilidade ascendente. Nesta situação, estamos falando do único de cinco
degredados, descritos como negros e remetidos para Guarapuava, que conseguiram arrumar
casamento na povoação.
Estamos nos referindo ao degredado Francisco, negro nascido em “Costa de Leste”,
também denominado gentio da Guiné, sem sobrenome, e batizado na Freguesia do Bom Jesus
do Brás, na cidade de São Paulo, de onde veio remetido por crime indeterminado. Assim
como outros cinco degredados sem cartas de guia de apresentação na Freguesia, o africano
Francisco tem seu nome citado pela primeira vez em documentação referente a Guarapuava
na lista de habitantes de 1835, provável ano de sua chegada à povoação. Nessa listagem, o
degredado, denominado na seção da lista intitulada de “Relação de pessoas appresentadas
neste Districto para cumprirem degredo”, Francisco é citado como de cor negra e com vinte e
cinco anos de idade, junto com outros quatro condenados a degredo perpétuo na povoação.
Como regra geral para o século XIX, os termos “negro”, preto” e “escravo” eram
utilizados como sinônimos,
160
da mesma forma, percebemos que a cor “branca” e, em lugares
como Guarapuava, o termo “pardoassumia a definição isolada do status social específico da
condição de liberdade, independente de qualquer outra relação social para ser reconhecida
como verdadeira.
Quanto à condição de Francisco, o mais impressionante a ser notado neste caso, no
entanto, diz respeito a um aviso publicado na “Coleção das Decisões do Governo do Império
do Brasil de 1836.”
161
onde o Coronel Francisco Alves Ferreira do Amaral, da província do
Rio de Janeiro, requeria ao governo regencial que seu escravo de nome Francisco, com pena
de morte comutada em degredo perpétuo “para a colonia de Guarapuava”, não fosse remetido
para a região sem que se tivessem “os meios necessários para se fazer conservar em perfeita
segurança” este seu escravo.
Com condenação a degredo perpétuo, o que interessava ao proprietário de Francisco
fazer impedir que sua propriedade fosse remetida para tão longe? Ele tentaria “reaver” a sua
posse? De qualquer forma, a Regência expediu esse requerimento, endereçado ao presidente
160
Cf, MATTOS, Hebe Maria. Op., cit., p,50.
161
“Aviso de 23 de março de 1836 N.º 185 Justiça Ao Presidente da Província de São Paulo
providenciando sobre a remessa de degredados para a colônia de Guarapuava.” In: Coleção das Decisões do
Governo do Império do Brasil de 1836. Tipografia Nacional, Rio de Janeiro, 1861. p. 117.
90
da província de São Paulo, a fim de garantir a segurança de Francisco e de “quaisquer outros
degradados para alli destinados”. Entretanto o coronel Francisco Alves do Amaral não veria
novamente seu escravo, ao menos nos trinta anos decorridos após sua petição.
Aos trinta e sete anos de idade, em julho de 1847, Francisco, degradado neste
Presídio”, se casou com a branca Feliciana Cardoza de Lima, filha de Anastácio Cardoso de
Lima e Joana Francisca, nascida em Guarapuava. Foram seus padrinhos os povoadores
Manoel Ferreira de Almeida e João Eduardo Pereira Ramos.
Em 1863, com idade presumida de sessenta e cinco anos de idade, o “preto degradado”
permanecia casado com Feliciana, de idade de trinta e dois anos, mencionados no “Rol de
moradores da Freguesia”, que ficava de posse do padre Antonio Braga, na paróquia de Nossa
Senhora de Belém. Na mesma relação, são citados sete filhos do casal três meninos com
idades de nove, seis e dois anos, e quatro filhas, duas delas moças, com quatorze e treze anos,
ainda solteiras. Duas meninas recém-nascidas também são nominadas: Benedita havia sido
batizada em maio daquele ano, enquanto Ygnes, colocada na lista em 1866, acabou falecendo
pouco tempo depois do batismo, em fevereiro daquele ano. Nenhuma outra informação sobre
o degredado Francisco foi anotada nos documentos consultados.
Maria Vieira, a viúva
Situação de casamento homomico, no mesmo sentido do caso descrito de Miguel
Morones Galafre, envolveu a degredada Maria Vieira de Lima. Na carta de guia de seu envio
em 1828, a degredada é descrita como branca, de vinte e seis anos de idade, era natural da
povoação de Parnaíba e tinha pais legítimos denominados Antonio Vieira Machado e Isabel
Moreira. Viúva, Maria era culpada de assassinato de seu marido Candido da Costa.
Não há informações na carta de guia que nos elucidem, ao certo, quais foram as
circunstâncias ou mesmo os motivos do crime, entretanto, nos diz a documentação que na
mesma cidade de São Paulo Maria Vieira foi presa e condenada pela Junta de Justiça da
província de São Paulo, em seis de marco de 1828, “a degredo por toda a vida para a
91
Povoação de Guarapuava [e] em cincoenta milreis para as despesas da Junta de Justiça e nos
custos dos autos”
162
.
Após a condenação, Maria Vieira de Lima permaneceu presa na cadeia da capital
provincial aguardando seu envio. Dezoito dias depois, em vinte e quatro de março de 1828,
saiu de São Paulo, chegando no início de julho daquele mesmo ano em Guarapuava, onde foi
apresentada acorrentada juntamente com outros seis condenados
163
ao tenente-comandante da
Povoação, Antonio da Rocha Loures. Seria ele, dali em diante, o responsável pelo
confinamento daqueles degredados recém-chegados na rego.
Na lista de habitantes de 1828, a branca Maria é relacionada com idade de trinta anos,
sem maiores informações. Quatro anos depois, em seis de março de 1832, ela se casava
novamente com Fortuoso José, nascido em Taubaté, e soldado da tropa de linha relacionado
na lista de Praças da povoação em 1826. No final do mês em que se casaram, Fortuoso,
descrito como jornaleiro, e Maria de Lima, de quarenta e cinco e quarenta anos de idade,
respectivamente, e de cor branca, são mencionados na lista de habitantes juntamente com três
filhos. Prudente, de doze anos, Maria e Anna, de três e um anos de idade, na respectiva
ordem. Prudente deve ter sido trazido por Maria de São Paulo, sendo fruto de seu primeiro
casamento. As outras duas crianças, nascidas depois de sua chegada na povoação, certamente
eram filhos de sua união com Fortuoso no período anterior ao casamento religioso, num
relacionamento de concubinato.
Esse tipo de relação se mostra bastante intrigante, uma vez que demonstra a
importância dos laços sociais na fronteira aberta. O ônus que se pagava pela migração
forçada ou voluntária gerava o afastamento da família num sentido amplo para os dois.
Neste caso, o afastamento por vários anos por parte do soldado Fortuoso José, e a falta da
figura do marido na família de Maria Vieira de Lima, faziam aquela união receber um caráter
substitutivo das relações abandonadas ou nunca experimentadas pelos dois contraentes desse
matrimônio.
Na lista de povoadores de janeiro de 1833, com os três filhos novamente mencionados
como seus, Maria Vieira de Lima é relacionada no rol de mulheres degredadas. Entretanto,
sua condição civil é declarada novamente como viúva, sem constar o nome de Fortuoso em
162
Dados transcritos da Carta de guia que acompanha os reos condenados em Junta de Justiça desta Imperial
Cidade para a Povoação de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava a degredo”.1828. Arquivo Histórico
Benjamim Teixeira, Guarapuava.
163
Entre os sentenciados havia penas entre 1 a 4 anos, ou ao degredo perpétuo (4 casos) na localidade.
92
nenhum outro documento. Em função da omiso dos dados referentes à década de 1830,
decorrente da falta de um sacerdote fixo na povoação, não temos informações que elucidem se
Maria foi abandonada ou se Fortuoso realmente faleceu. De qualquer forma, a degredada não
volta a aparecer na documentação. O destino desconhecido seguido por Maria Vieira e seus
filhos pode estar relacionado a um pedido de comutação de pena, ou de mudança no local de
degredo, uma vez que sua pena era de degredo perpétuo.
2.2 Trajetórias de incorporação e casamentos pressupostos
Outros cinco degredados apresentam trajetórias com possíveis casamentos não
relacionados na documentação da Paróquia Nossa Senhora de Belém. Tais casos podem estar
ligados com o interregno na documentação dos sacramentos da Igreja na região durante a
década de 1830. A possível condição de casados desses homens foi extrda das listas de
habitantes e de óbito. Entretanto, por questões de aproximação dos perfis das trajetórias,
elencaremos aqui esses casos. Como a documentação de cada um desses degredados é
limitada em comparação às trajetórias apresentadas até aqui, não faremos tópicos específicos
para cada caso.
O primeiro deles é o do “cabra natural da Villa de Itu”, Constantino Antonio. Descrito
dessa forma na carta de guia que o acompanhou juntamente com duas mulheres também
condenadas a degredo para Guarapuava em 1827, o degredado era acusado do assassinato de
Francisco de Paula em sua vila de origem, com culpa decretada pela Junta de Justiça de São
Paulo ainda em outubro de 1824
164
.
Na decisão da sentença de trinta e um de maio de 1827, conforme a prescrição que lhe
era reservada - ímpar entre todas as cartas de guia consultadas -, Constantino deveria seguir
de cadeia em cadeia até chegar à povoação de Guarapuava. Condenado a degredo perpétuo e a
pagar os custos dos autos de seu processo, sem outras informações na Guia, o criminoso
também é descrito como sendo casado na época de seu envio.
Não temos anotações quanto à data de chegada de Constantino Antonio em
Guarapuava. Na lista de habitantes de 1828 o mesmo já se encontra relacionado. Mencionado
164
“Guia que acompanha os Reos Constantino, Anna Gertrudes e Maria Ignacia (...) aos trinta e hum de maio de
1827 ”. Arquivo Histórico Benjamin Teixeira, Guarapuava.
93
como negro e com quarenta anos de idade, o condenado tem uma modificação em sua
condição descrita, sendo elencado como solteiro. Quatro anos depois, na lista de moradores da
Freguesia de março de 1832, o mesmo Constantino é descrito como homem pardo, com
cinqüenta e quatro anos de idade e, diferentemente das duas últimas descrições, como viúvo.
A condição de pardo e viúvo se mantém na lista de janeiro do ano seguinte, todavia
com a modificação de sua idade para quarenta e um anos. Dois anos depois, nas duas listas
referentes ao ano de 1835, sua condição descrita é modificada novamente, porém, mantém-se
um equilíbrio entre os dados das duas listas. Numa delas, Constantino Antonio é relacionado
como negro livre, de quarenta e cinco anos de idade. Brasileiro, o condenado trabalhava como
jornaleiro, e pela primeira vez na documentação produzida na povoação, é mencionado como
sendo casado, sem filhos e sem constar o nome da esposa
165
. Na outra lista de habitantes do
mesmo ano, Constantino mantém a descrição de negro casado, com idade de quarenta e
quatro anos.
Caso o degredado Constantino tenha tomado conhecimento de que se tornara viúvo da
união que deixara em Itu, nada o impedia de se casar novamente entre 1832 e 1835, período
em que faltam registros de casamento para Guarapuava. Entretanto, não podemos comprovar
essa hipótese. O último documento referente a Constantino não esclarece essa situação:
apenas atesta o triste fim a que levou esse degredado na povoação. Em cinco de setembro de
1842 o padre Antonio Brada de Araújo, sucessor de Chagas Lima, fazia seu registro de óbito.
Descrito como tendo cerca de sessenta e oito anos de idade, o degredado foi assassinado por
pessoa desconhecida.
Após missa de corpo presente, Constantino foi sepultado no cemitério da Freguesia
com todas as recomendações da Igreja, tal como descreve padre. Independentemente de seu
crime e do fato de não termos encontrado evincias de um segundo matrimônio, o rito de seu
sepultamento pressupõe uma aceitação do degredado pela Igreja, o que constitui parte de um
processo de incorporação pela sociedade oitocentista da povoação. Os motivos de sua morte
podem estar atrelados a vários fatores: vingança pelo crime passado em Itú ou novos
desentendimentos em Guarapuava. De qualquer modo, Constantino Antonio teve seu tempo
em Guarapuava marcado pela mudança de sua situação matrimonial.
Antonio José da Luz é o segundo degredado com um casamento pressuposto na
década de 1830. Sem uma carta de guia que relacione o tempo de degredo a cumprir, seu
165
Listas de Habitantes da Freguesia de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava, 1835. Cópia microfilmada
pertencente ao DEHIS. Curitiba, UFPR.
94
nome figura pela primeira vez na lista de habitantes de março de 1832 como sendo pardo,
viúvo e com cinqüenta e seis anos de idade. O condenado é novamente relacionado dez meses
depois, em janeiro de 1833. No entanto, além de sua idade diminuída em cinco anos, sua
condição matrimonial também aparece alterada nessa lista, mencionado como casado.
Nas duas listas de habitantes de 1835, Antonio tem suas referências como sendo negro
e casado. Numa delas, o condenado é descrito com idade de cinqüenta anos de idade
166
. Na
relação mais completa, além da idade de cinqüenta e um anos, o brasileiro, negro e livre
Antonio da Luz figura com a ocupação de jornaleiro. Além de não constar o nome de sua
esposa, fica ainda mencionado que o degredado não tinha filhos
167
.
Depois de ter o nome relacionado na lacônica lista de 1840, o degredado só tem outros
dados anotados com referência ao seu falecimento em onze de setembro de 1858. No registro
de óbito, Antonio é mencionado pelo padre Antonio Braga como viúvo, “preto” e tendo cerca
de noventa anos de idade. Ainda de acordo com o padre, o degredado era nascido em
“Baipendy”, Minas Gerais, e fora casado na cidade de Lorena, na Província de São Paulo.
Nesse ponto, convém ressaltar que Antonio era um migrante negro antes do degredo.
Nascido em Minas, casou no Vale do Paraíba paulista. Essa mobilidade como migrante
interno sugere a origem pobre e itinerante do degredado. Caso realmente tenha sido casado
em Guarapuava, isso não trazia necessariamente uma melhoria em sua condição social.
Embora o casamento também significasse, mesmo que pela indução, uma tentativa de inserir
o degredado numa vida “normal”, por outro lado, significava também uma vida continuada
em pobreza, estigmatização da cor e sujeição aos colonizadores de maiores posses.
Na sua enfermidade, Antonio se confessou e recebeu o sacramento da extrema unção.
Antes de falecer, pediu ainda ao padre que fosse realizada uma missa de corpo presente por
sua alma antes do sepultamento no cemitério da povoação. Nesse ponto, nota-se como alguns
níveis de incorporação também podem ser percebidos nos ritos fúnebres da Igreja.
João Francisco de Oliveira também come o grupo de cinco degredados com um
casamento pressuposto durante o tempo que estiveram cumprindo pena na povoação de
Guarapuava. Seu nome aparece na lista de pessoas apresentadas para cumprir degredo na
166
“População do Districto da Freguesia do Belem pertencente ao Municipio da Villa de Castro, 1835” Arquivo
Público Benjamim Teixeira, Guarapuava.
167
Listas de Habitantes da Freguesia de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava, 1835. Cópia microfilmada
pertencente ao DEHIS. Curitiba, UFPR.
95
povoação numa das listas de habitantes do ano de 1835
168
. Solteiro e com vinte e sete anos de
idade, o pardo João Francisco estava condenado a degredo perpétuo. Em outra lista de
moradores do mesmo ano, o degredado de nacionalidade brasileira é relacionado como
solteiro, com os mesmos vinte e sete anos e, de forma diversa, como índio.
Sete anos depois, o condenado a degredo perpétuo morria em Guarapuava, em doze de
novembro de 1842. Todavia, com idade mencionada de trinta e dois anos mais ou menos,
João Francisco é relacionado pelo padre Antonio Braga como sendo casado com Emília Maria
das Dores união que não podemos comprovar. Falecendo após ter se confessado, assim
como os outros condenados em sua mesma situação acima descritos, o degredado teve missa
de corpo presente e sepultamento no cemitério da Freguesia.
Outro caso de suposto casamento envolve o degredado Fellipe de S. Thiago.
Aparecendo pela primeira vez na documentação de Guarapuava na relação de pessoas
apresentadas para cumprir degredo na rego em 1835
169
. Negro e solteiro, estava condenado
a degredo pertuo. Contava com apenas vinte e quatro anos de idade.
Sem nenhuma outra informação sobre sua vida em Guarapuava no tempo em que
esteve na Freguesia, Fellipe volta a aparecer na documentação referente aos óbitos do ano
de 1878, em três de abril, quarenta e três anos depois de sua chegada. Descrito como preto
liberto, o degredado é mencionado pelo padre Antonio Braga como tendo mais de setenta
anos de idade, e sendo nascido na cidade de Caxias, na província do Maranhão. Ainda
segundo o padre, além de “viúvo por óbitode Maria Alves da Costa, também preta liberta,
Felippe era filho de Joaquim de S. Thiago e de Josepha, esta última escrava de José Ferreira
dos Passos”. Recebendo os sacramentos antes de seu falecimento, Fellipe teve missa de corpo
presente e foi sepultado no cemitério municipal. Sem constar maiores dados, encerra-se sua
instigante trajetória: teria Fellipe se casado com Maria Alves em Guarapuava? Qual foi seu
trabalho durante as quatro décadas em que esteve na região?
Tão lacônica e instigante quanto a história de Fellipe de S. Thiago é a trajetória de
Mariano Pereira. Sem nenhuma informação sobre sua chegada à Guarapuava, o único
documento que o relaciona como degredado é seu registro de óbito - feito pelo já citado padre
Braga de Araújo - em vinte e três de agosto de 1863. Descrito como degredado e com cerca de
sessenta e seis anos de idade, Mariano foi lembrado pelo padre como sendo nascido na vila de
168
“População do Districto da Freguesia do Belem pertencente ao Municipio da Villa de Castro, 1835” Arquivo
Público Benjamim Teixeira, Guarapuava.
169
Idem.
96
São Francisco, na província de Santa Catarina. Ainda de acordo com o padre, o condenado era
casado com Bárbara de Tal”.
Sem conseguirmos dados que evidenciem o casamento de Mariano Pereira em
Guarapuava, o que sabemos sobre a vida do degredado diz respeito à menção do padre de que
o mesmo não recebeu os sacramentos antes da morte por o o terem procurado. Sem mais, o
reverendo encerra seu registro de óbito informando que Mariano havia sido enterrado no
mesmo cemitério que os demais paroquianos, após missa de corpo presente na igreja da
povoação.
***
Através das trajetórias de degredados que tiveram uniões matrimoniais em
Guarapuava, podemos concluir, com a análise desses dados, que os processos incorporativos
dos degredados remetidos acabaram permeando a civilização dos índios kaingang da região.
Além de prestarmos atenção naquilo que as condições locais condicionavam os
degredados, podemos também inverter a questão e pensar no que a presença dos degredados
no Brasil meridional oitocentista influenciou sobre as condições vigentes em áreas de
fronteira não exportadora, tal como Guarapuava. Da mesma forma, essas trajetórias de
incorporação nos informam a respeito da sociedade brasileira de um modo mais geral,
tratando de questões referentes à violência, à relação e utilização dos degredados com
autoridades e Estado, à família, à relação e ao lugar da cor, assim como ao lugar da condição
jurídica desses condenados, e ao papel da autonomia na busca pela sobrevivência para aqueles
que conseguiram suas próprias terras, produziram sua própria subsistência, e voltaram a
migrar, tal como no caso do ex-marinheiro Miguel Morones, envolvido com o comércio de
gado ao final de sua pena.
2.3 Processos incorporativos desvinculados de uniões matrimoniais
Ezequiel: branco, pardo e índio
Nascido na Corte, Ezequiel Profeta tinha vinte e quatro anos quando foi remetido para
Guarapuava, em 1835. Sem uma carta de guia, ele é descrito na “Relação de pessoas
97
appresentadas neste Districto para cumprirem degredo”, em meio à lista de habitantes de
1835
170
. Com uma condenação estipulada em oito anos, Ezequiel deveria permanecer em
Guarapuava até o ano de 1843. Denominado como sendo de cor branca nesse primeiro
documento, Ezequiel é referenciado como “índioem outra lista de habitantes daquele mesmo
ano.
Tal como para os outros degredados citados na lista de habitantes de 1840, a
informão sobre sua situação na Freguesia se resume à lacônica referência de “degredado”
ao lado de seu nome. Dois anos mais tarde Ezequiel Profeta consta ainda como solteiro,
residindo sozinho em habitação de sua propriedade no primeiro quarteirão da freguesia. No
quesito cor, desta vez a referência à pele “parda” foi mencionada. No decurso de sete anos de
seu degredo, sua cor determinada na documentação foi alterada três vezes.
Embora não tenha se casado no decurso de sua vida em Guarapuava, Ezequiel não
deixou de realizar contatos com pessoas importantes na povoação e de adquirir confiança de
alguns povoadores. Em setembro de 1844, ele faz a intermediação de negócios em nome da
proprietária Maria Antonia, finalizando a compra de pedaços de terra nos campos e faxinais
próximos à região do Pinhão, então distrito da Freguesia Guarapuava, trocados por alguns
animais.
171
Depois de cumprida sua pena, o degredado poderia se ausentar da sede da povoação,
vivendo de suas ações e negócios realizados em todas as localidades próximas e mais
distantes. De qualquer forma, o ex-degredado permaneceu nas regiões adjacentes à povoação
até seu falecimento, já com mais de cinqüenta anos de idade, em vinte e três de dezembro de
1862. Natural do Rio de Janeiro, solteiro e sem família própria para chorar a sua morte ou ao
menos fornecer alguns dados sobre sua descendência ao padre responsável por seu registro de
óbito, Ezequiel Profeta terminou a vida sem que ao menos se fizesse constar o nome de seus
pais no documento.
Constantino, padrinho de indígena com pena dobrada
Alguns degredados remetidos para Guarapuava tiveram penas relativamente curtas
para cumprir, variando entre um e quatro anos de permanência. Entretanto a pequena estadia
na povoação entre a chegada e o retorno à suas vilas de origem não significaram uma
170
Idem.
171
Cf. Livro de Notas nº1, 16 de setembro de 1844, p.11-12. 1º Tabelionato de Notas Gouveia. Guarapuava.
98
participação apagada ou inexistente junto aos processos incorporativos que estavam
acontecendo na povoação.
Constantino Ribeiro era soldado em Santos, e também esteve envolvido na revolta que
ocasionou o degredo de sete praças para Guarapuava em 1821-1822
172
. De acordo com a carta
de guia de sua apresentação na Freguesia em vinte e dois de maio daquele ano, Constantino
era livre, casado e nascido na povoação de Conceição de Itanhaén. Com apenas vinte anos de
idade, o soldado degredado deveria passar apenas dois anos em Guarapuava. Permanecendo
nos trabalhos da povoação, Constantino Ribeiro foi o único padrinho de batismo do rapaz
kaingang Clemente Guengrexó, sacramentado em setembro de 1823, em situação ímpar de
“necessidadeo denominada no registro, com realização na capela de Atalaia.
Sua pena expiraria em 1824. Todavia, foi somente em março de 1826 que o
comandante Rocha Loures o liberou do degredo, aproveitando o despacho de outro soldado de
Santos, Manoel Lemes Gonçalves, que se encontrava destacado desde 1816 na povoação, e
que seguia para buscar tratamento médico para uma doença séria não mencionada. Juntamente
com o soldado dispensado seguia seu termo de dispensa e uma carta de guia de soltura
173
,
devendo Manoel e Constantino se apresentar com o documento anexo ao governo da
província, onde estavam guardados os documentos e processos dos dois soldados liberados.
Maria Ignacia, criadora de gado
A “cabra forra” Maria Ignacia chegou em Guarapuava no último dia do mês de maio
de 1827. Nascida na Freguesia de Cutia, de acordo com sua carta de guia, Maria esperava seu
envio para Guarapuava desde sua condenação em novembro de 1824. Culpada pelo
assassinato de Gertrudes Maria Joaquina, Maria deveria passar o resto da vida na região,
sendo apresentada ao capitão Antonio da Rocha Loures juntamente com outros dois
condenados que estavam na mesma condição de espera - Constantino Antonio e Anna
Gertrudes
174
.
172
Cf. Relação dos Reos Sentenciados a Degredos para a Freguesia de N. S. de Belém de Guarapuava por
acóro da Junta de Justiça desta Província de S. Paulo de 19 de dezembro de 1821”. Arquivo Histórico
Benjamin Teixeira, Guarapuava.
173
LOURES, Antonio da Rocha. “Corresponncia ao Governo Provincial de São Paulo, aos sete de março de
1826”. AESP. Caixa 192, Ordem 1025.
174
“Guia que acompanha os Reos Constantino, Anna Gertrudes e Maria Ignacia (...) aos trinta e hum de maio de
1827 ”. Arquivo Histórico Benjamin Teixeira, Guarapuava.
99
A carta de guia de Maria o informa sua idade ou estado civil. Entretanto, pela lista
de habitantes de 1828 ficamos sabendo que a degredada era solteira e contava vinte e cinco
anos de idade um ano depois de chegada na freguesia. Além disso, sua cor denominada é,
desta vez, denominada negra. Quatro anos mais tarde, em março de 1832, com trinta e
cinco anos de idade mencionados, Maria Ignacia é relacionada na lista de habitantes entre as
mulheres degredadas, constando como solteira, e, diferentemente de 1828, de cor parda. Essa
descrição é também mantida na lista de janeiro de 1833, mas com idade reduzida para trinta e
um anos.
Com relação a 1835
175
temos as informações mais reveladoras sobre as atividades da
degredada. Numa das listas, Maria volta a ser descrita como negra, mantendo a condição de
solteira, e com idade mencionada de trinta anos. Na relação de habitantes mais completa
produzida nesse mesmo ano, a condenada a degredo pertuo volta ser relacionada como
parda, livre, solteira e com idade de trinta e um anos.
O que nos chama atenção é o fato de estar mencionado que a degredada vive em uma
residência rústica” a favor de J. Antonio Miranda, além criar duas cabeças de gado vacum.
Nesse caso, mostra-se interessante a mistura entre dependência (mora de favor) e autonomia
(tinha umas cabecinhas de gado). De certa forma, a situação de Maria resume à sua maneira
todas as ambigüidades dos processos de incorporação. Depois de 1835, Maria não retorna a
aparecer descrita em nenhuma outra fonte de documentação. Entretanto, pelos dados que
foram encontrados podemos perceber o grau de incorporação em meio aos habitantes da
freguesia.
José Maria, jornaleiro
Nascido na Freguesia de São Miguel, José Maria é descrito como mulato forro na carta
de guia que o acompanhou, juntamente com outros quatro homens e uma mulher, condenados
em degredo para Guarapuava no dia vinte de dezembro de 1829
176
. Viúvo e de quarenta e oito
anos de idade, José era filho de Ignácio Pinto e Jeronima Antunes, vivendo “de fazer valos”
na vila de Nova Bragança. Culpado da morte de seu irmão Joaquim Maria, nessa mesma vila
175
Listas de Habitantes da Freguesia de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava, 1835. Cópia microfilmada
pertencente ao DEHIS. Curitiba, UFPR.
176
“Carta de Guia para os Reos abaixo declarados na Povoação de N. S. de Belém de Guarapuava (...) aos vinte
de outubro de 1829 Arquivo Histórico Benjamin Teixeira, Guarapuava.
100
foi preso e encaminhado, após uma devassa realizada pelo Juízo Ordinário dessa vila, à
decisão da pena de dez anos de degredo pela Junta de Justiça de São Paulo.
Diferentemente dos quatro degredados que também são mencionados na mesma carta
de guia – os quais foram apresentados juntos na povoação em vinte e seis de janeiro de 1830 -
, o mulato José Maria chegaria a Guarapuava em oito de maio daquele ano, quatro meses
depois de seus companheiros de sentença
177
.
Depois de sua chegada, o nome de José volta a aparecer na lista de habitantes de
março de 1832. Com idade mencionada de quarenta e cinco anos, o degredado continua sendo
descrito como mulato e viúvo. Dez meses depois, na lista de habitantes confeccionada em
janeiro de 1833, seus dados permanecem os mesmos. Percebemos modificações na condição
de José a partir das duas listas de habitantes de 1835. Numa delas, o degredado é relacionado
como índio, viúvo e de quarenta e seis anos de idade.
Em outra lista realizada naquele mesmo ano, José Maria é relacionado com quarenta e
sete anos de idade, sendo brasileiro, negro e livre. Viúvo e trabalhando como jornaleiro, o
condenado o é mencionado como degredado nesta lista, mesmo havendo tal nominação
para os outros condenados que, assim como José, ainda tinham pena a cumprir.
Depois de 1835, JoMaria reaparece mais duas vezes na documentação. Uma
delas é na lacônica lista de 1840, onde os degredados são referidos apenas pelo nome e pela
condição de condenados. A última notícia que temos sobre o jornaleiro José está relacionada a
seu registro de óbito, com seu falecimento datado em vinte e nove de outubro de 1842, quase
três anos depois de finalizada sua pena de degredo. “Estando nesse presídio cumprindo penna
de degredo”, como se referiu o padre Antonio Braga em seu obituário, José sucumbiu de
moléstia pouco depois de se confessar, tendo recebido missa de corpo presente antes de seu
sepultamento no cemitério da povoação.
177
Idem.
101
3. Capítulo 3
Processos assimilativos falhos ou pouco documentados
Através desse capítulo sobre os casos de fuga, buscamos esclarecer um pouco mais
sobre as múltiplas relações entre degredados, indígenas aldeados e outros colonos e
autoridades na povoação, assim como sobre os processos incorporativos incompletos, falhos
ou diferenciados dos degredados incorporados através do casamento ou dos trabalhos na
região.
3.1 Alianças de Fuga: Relações e estratégias de fuga de degredados em
Guarapuava
Tendo em vista as dificuldades de adaptação e aproveitando-se da precariedade do
sistema de guarnição dos condenados, alguns degredados tentaram a fuga de seus locais de
exílio. Todavia, como explica Geraldo Pieroni,
178
o não-cumprimento do tempo completo de
degredo também era considerado crime de lesa-majestade pela falta de respeito com as ordens
reais, o que poderia incorrer em aumento do tempo de duração da pena e mudaas do local
de cumprimento da sentença, ou - no caso de condenados à perpetuidade - em punição com a
pena de morte, conforme o tulo cento e quarenta e três do Livro V das Ordenações
Filipinas:
S
e algum degradado for achado fora do lugar para onde foi degradado, sem mostrar certidão publica,
per que se possa saber, que tem cumprido o degredo, seja logo preso, e o tempo, que ainda lhe ficar por
servir, posto que para sempre fosse degradado, se era degradado para o Couto de Castro-Marim, seja-
lhe mudado, e o cumprir, e servir a África. E se era para África, vão cumprir ao Brazil. E o que era
degradado para o Brazil, se por tempo, dobre-se-lhe o degredo, que tiver por cumprir. E se era para
sempre, morra por isso, o cumprindo o dito degredo. E fugindo do Navio em que stiver embarcado,
para ser levado para o Brazil para sempre, morra por isso.
179
Seguindo essa ordem de idéias, o objetivo desse tópico é abrir novas perspectivas para
melhor compreender as inadaptações dos degredados paulistas que chegaram às terras
guarapuavanas, especialmente as alianças e estratégias de fuga utilizadas pelos condenados
enviados de São Paulo para a povoação de Guarapuava.
178
PIERONI, Geraldo. Os Excluídos do Reino: A Inquisição portuguesa e o degredo para o Brasil Colônia.
Brasília/SP: UnB/ Imprensa Oficial do Estado, 2000.
179
Título 143 do Livro V das Ordenações do Reino digo Filipino. In: PIERANGELI, Jo Henrique.
Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2ªed., 2001, p.216.
102
Relações entre degredados fugitivos e indígenas aldeados
Protagonista do primeiro caso de fuga noticiado, Joaquim Martins Rodrigues, ao que
tudo indica de cor branca, nasceu e cresceu na Vila de Taubaté, na então Província de São
Paulo, sendo filho legítimo de JoFélix e Anna Francisca de Jesus. Em três de dezembro de
1821, solteiro e com dezenove anos de idade, Joaquim foi preso em sua Vila pelo porte de
uma faca de ponta.
180
Embora a documentação o traga maiores informações acerca de sua
prisão, fica bastante claro pelo Livro V das Ordenações Filipinas que o porte de arma branca
para defesa pessoal nas possessões do Reino era permitido até que o sino de recolher fosse
tocado no início da noite. “Para evitar os delitos à noite, quando a escuridão provavelmente
dificultava a identificação do criminoso, decretava-se toque de recolher e, para aqueles que
teimassem em permanecer nas ruas, a pena prevista era bastante dura (...)”.
181
A sentença para os que transgredissem essa norma consistia no pagamento de uma
pena pecuniária e no degredo para a África, neste caso, comutado pela Junta de Justiça de São
Paulo em degredo para Guarapuava conforme ordenava a Carta Régia de de abril de 1809.
Depois de ser levado até a Junta de Justiça da capital provincial, Joaquim foi condenado a
cinco anos de degredo para Guarapuava, e remetido em janeiro de 1822
182
.
Joaquim Martins Rodrigues deveria permanecer até dezembro de 1826.
183
Em março
do último ano de sua pena, com vinte e quatro anos, o degredado permanecia solteiro e
trabalhava com calceta de ferro
184
presa aos pés no serviço público da povoação, alojado junto
a outros degredados no aquartelamento dos soldados.
185
Nessa função, pelo que veremos,
mesmo trabalhando no local onde foi erigida a paróquia, ou seja, afastado do aldeamento
180
Cf. Arquivo Histórico Benjamin Teixeira. Relação dos Reos Sentenciados a Degredos para a Freguesia de N.
S. de Belém de Guarapuava por acórdão da Junta de Justiça desta Província de S. Paulo de 19 de dezembro de
1821. Guarapuava.
181
NEPOMUCENO, Gabriela Murici. Crime e Castigo no Antigo Regime Português: o degredo civil nas
Ordenações Filipinas. (Dissertação de mestrado). Brasília: UnB, 2003, p.123.
182
Cf. Arquivo Histórico Benjamin Teixeira. Relação dos Reos Sentenciados a Degredos para a Freguesia de N.
S. de Belém de Guarapuava por acórdão da Junta de Justiça desta Província de S. Paulo de 19 de dezembro de
1821. Guarapuava.
183
Cf. Arquivo Histórico Benjamin Teixeira. Relação dos Reos sentenciados a Degredos para a Freguesia de N.
S. de Belém de Guarapuava por acórdão da Junta de Justiça desta Província de S. Paulo de 19 de dezembro de
1821. Guarapuava.
184
Argola de ferro presa aos pés do condenado, juntamente com uma corrente presa à sua cintura ou a outros
encalcetados.
185
Cf. LOURES, Antonio da Rocha. Relação das Praças de Tropa de linha, Ordenanças e Prezos Sentenseados
que se axão nesta Povoasão com declaração dos seos empregos como abaixo se mostra. Quartel da freguesia de
Nossa Senhora de Belém aos 13 de marso de 1826. AESP Arquivo do Estado de o Paulo: Caixa: 192,
Ordem: 987.
103
indígena como pretendia o vigário Chagas Lima, Joaquim e os outros degredados a serviço da
povoação estavam freqüentemente em contato com os indígenas em processo de catequização.
Em princípio, deveria haver o afastamento dos indígenas em relação aos degredados e
demais colonos e soldados da povoação. Todavia, com a mobilidade dos indígenas e as
fronteiras pouco delimitadas entre o sertão, a povoação e a aldeia, eram comuns os contatos
dos nativos aldeados com os outros habitantes, resultado das idas e vindas pelo terririo que
abrangia os dois locais.
Após o ataque indígena que destruiu Atalaia em 1825, não foi construído um novo
fortim para guarnecer os ranchos indígenas. Os indígenas que permaneceram junto ao padre
Chagas foram alocados nas margens do rio Coutinho, numa distância bem mais próxima da
sede da povoação, a cerca de seis quilômetros. A maior proximidade entre o aldeamento e a
povoação poderia aumentar as chances de defesa em casos de novos ataques, e, da mesma
forma, aumentar o contato entre os índios aldeados com colonos, soldados e degredados.
O
vigário Chagas não se mostrava nem um pouco contente com os freqüentes contatos entre os
indígenas aldeados e os demais moradores da povoação.
Em documento datado de oito de abril de 1826, o cabo de esquadra da povoação, a
pedido do padre, escrevia numa folha anexada na carta do vigário às autoridades paulistas
uma cópia do Capítulo 5º” das regras de polícia prescritas na povoação em nove de
dezembro de 1819, onde se proibia a entrada de aguardente no local, comprada por qualquer
colono ou soldado que fosse, em função do prejuízo que as bebidas alcoólicas traziam aos
índios. Para reforçar o pedido de proibição de entrada de tais bebidas, como exemplo dos
danos, o padre cita as “inumeráveis desordens” provocadas pelos soldados embriagados, o
que presume o maior contato dos mesmos com os catecúmenos após a destruição do primeiro
aldeamento.
186
Após descrever algumas querelas nas relações entre as autoridades ligadas ao
aldeamento e os demais colonos e degredados na região, voltemos aos degredados. Além de
Joaquim Martins Rodrigues, outro envolvido diretamente no primeiro caso de fuga era o
liberto Francisco Manoel, com vinte e seis anos em 1821
187
. Não encontrei o nome de seus
pais, porém era solteiro e natural do Rio de Janeiro. Em dezembro do mesmo ano, Francisco
foi acusado de arrombamento e furto às casas de Delfino Pereira, na cidade de São Paulo.
186
Manuscrito anexado. In: LIMA, Francisco das Chagas. Carta do vigário ao governador da Província de São
Paulo... Idem.
187
Cf. Arquivo Histórico Benjamin Teixeira. Relação dos Reos Sentenciados a Degredos para a Freguesia de N.
S. de Belém de Guarapuava por acórdão da Junta de Justiça desta Província de S. Paulo de 19 de dezembro de
1821. Guarapuava.
104
Nota-se, neste mesmo caso, que se trata de outro negro que fora migrante interno: pobre e
itinerante. Nove dias após a condenação de Joaquim, Francisco também era condenado pela
Junta de Justiça da cidade de São Paulo a cinco anos de degredo em Guarapuava, sendo
enviado na mesma leva de condenados que trouxe Joaquim para a Povoação.
Faltando nove meses para o final de sua pena, em março de 1826, Francisco, com
trinta e um anos de idade, também continuava solteiro, e trabalha como servente dos
enfermoz”
188
da Povoação. Assim sendo, o degredado certamente havia entrado em contato
com os indígenas feridos, levados para a povoação após o ataque ao aldeamento um ano antes.
Mesmo assim, exercendo a função de enfermeiro e já na etapa final de sua pena, o condenado
também cumpria suas atividades com uma calceta de ferro presa aos pés.
Além de terem sido condenados ao mesmo tempo e local de degredo e de continuarem
solteiros e encalcetados nos últimos meses da sentença a cumprir, o que mais havia em
comum entre o livre Joaquim Martins e o liberto Francisco que pudesse diferenciá-los dos
nove degredados que também cumpriam suas penas no ano da fuga? Dentre eles, apenas mais
um condenado, também solteiro, trabalhava com calceta de ferro presa aos pés. Dos demais,
apenas o degredado Joaquim Antonio de Oliveira não era obrigado a usar calceta de ferro
presa aos pés
189
. O mesmo não realizava nenhum trabalho em 1826, permanecendo como uma
incógnita exceção sua condição na região. Entretanto, veremos mais adiante que este
degredado acabou tendo ligações com uma das situações de fuga.
Outros dois degredados que também realizavam trabalhos sem utilizar calcetas presas
aos pés, embora não estivessem no grupo dos casados, exerciam ocios considerados
importantes no dia-a-dia da povoação - um deles sendo alfaiate e cozinheiro dos soldados, e o
outro, carpinteiro - o que lhes permitia maior mobilidade na povoação.
190
Como vimos, Joaquim e Francisco pertenciam a uma minoria de degredados que
cumpriam suas penas em um regime diferente do restante dos sentenciados. Fechando o elo de
ligação entre os dois condenados solteiros e encalcetados no trabalho, encontrei duas cartas
enviadas às autoridades da capital provincial, responsáveis pelo envio dos degredados,
escritas pelo comandante da povoação, Antonio da Rocha Loures, dando conta de um caso de
fuga envolvendo Joaquim Martins Rodrigues e Francisco Manoel, acontecido em seis de
188
Cf. LOURES, Antonio da Rocha. Relação das Praças de Tropa de linha, Ordenanças e Prezos Sentenseados
que se axão nesta Povoasão com declaração dos seos empregos como abaixo se mostra. Quartel da freguesia de
Nossa Senhora de Belém aos 13 de marso de 1826. AESP Arquivo do Estado de São Paulo: Caixa: 192,
Ordem: 987.
189
Idem.
190
Sobre formas de mobilidade articuladas ao exercício de ofícios nos fins do período colonial brasileiro, ver
LIMA, Carlos Alberto Medeiros. Trabalho, negócios e escravidão: artífices na cidade do Rio de Janeiro (1790-
1808). (Dissertação de mestrado). Rio de Janeiro: UFRJ, 1993.
105
outubro de 1826, ou seja, a apenas dois meses da conclusão das penas dos dois sentenciados.
A primeira carta foi escrita em vinte e cinco de novembro daquele ano.
Alianças de fuga: rumo ao extremo sul
De acordo com o comandante, a pouco tempo de concluírem seus degredos, Joaquim
Martins Rodrigues e o Preto de nome Francisco Manoeldesertaram da Povoação, levando
consigo duas índias de nomes não descritos no documento, as quais foram retiradas do
aldeamento de Nova Atalaia, sendo uma delas viúva e outra - casada dentro dos ditames
eclesiásticos de catequização -, raptada de seu legítimo marido. A carta acaba sem relatar o
que aconteceu com as índias capturadas: Rocha Loures apenas informava que Joaquim se
encontrava preso na cadeia da Vila de Castro a mais próxima da Povoação -, enquanto
Francisco estava perto de ser recapturado. Não é informado onde o primeiro se escondia no
momento da recaptura ou em que região pretendia encontrar Francisco Manoel
191
.
Em outra carta do comandante, o mesmo descreve um ocio enviado para Rocha
Loures em seis de janeiro de 1827, informando que Francisco também havia sido recapturado,
e juntamente com Joaquim, remetido para a cadeia de Itapetininga, distante cento e sessenta e
seis quilômetros a oeste da cidade sede da capital provincial, São Paulo.
192
Porém, o que me
surpreende é o fato de, neste ocio, conforme descreve o comandante de Guarapuava, o
Governo de São Paulo informar que os dois degredados tinham fugido novamente desta vez
da cadeia de Itapetininga - poucos dias após chegarem à prisão.
Conforme segue a descrição na carta de Loures, embora tenham sido dadas ordens de
recaptura dos dois fugitivos, do liberto Francisco Manoel não mais se pôde descobrir o
paradeiro. Quanto ao degredado Joaquim, o mesmo estranhamente se reapresentou, por conta
própria, dois meses depois no aquartelamento dos soldados de Guarapuava, em vinte de
março daquele ano. Foi logo preso, até que pudesse ser remetido à capital provincial para
novo julgamento, conforme previam as leis para os degredados fugitivos.
Entretanto, menos de um mês após sua recaptura, perto das onze horas da noite do dia
vinte e um de abril de 1827, Joaquim tentou fugir novamente, desta vez levando consigo uma
arma de fogo com cartuchos para pólvora e balas, além de um machado de uso dos soldados.
191
LOURES, Antonio da Rocha. Carta ao presidente da Província de São Paulo, Lucas Antonio Monteiro de
Barros. Data: 25 de novembro de 1826. AESP Arquivo do Estado de São Paulo: Caixa: 192, Ordem: 987.
192
LOURES, Antonio da Rocha. Carta ao presidente da Província de São Paulo, Lucas Antonio Monteiro de
Barros. Data: 12 de julho de 1827. AESP Arquivo do Estado de São Paulo: Caixa: 192, Ordem: 987.
106
Segundo indícios contidos na carta, o degredado tramava, junto com outros condenados que
ali se encontravam, seguir para o sul pela “picada de Missoens caminho indígena rumo ao
extremo sul.
Até a década de 1840 povoado somente pelos nativos kaingang da região, essa vereda
passava pelos campos de Palmas, chegando até os campos de Vacaria, na Província do Rio
Grande do Sul, de onde gado e mulas eram levados por tropeiros até o registro de Sorocaba,
rumo ao Sudeste do Império. O uso desse caminho para o transporte de tropas encurtaria o
trajeto, trazendo novas possibilidades de enriquecimento para os colonos que se instalassem
na região por onde o caminho passava, tendo sido sua abertura planejada desde a primeira
década de colonização de Guarapuava.
No entanto, em 1827 o caminho ainda se mostrava impossível de ser atravessado com
vida sem o apurado conhecimento das passagens que os Kaingang aldeados percorriam antes
de entrarem para a catequese: os poucos colonos que o tentaram fazer sozinhos acabaram
mortos pelas tribos que habitavam e percorriam a região.
193
Sabendo dessas dificuldades,
Joaquim havia convidado Antonio Coverê, índio de cerca de vinte e oito anos de idade
batizado com nome português em 1814, com idade presumida de treze anos, e casado com a
indígena Caetana Hereicang em 1816,
194
conhecedor do caminho, para lhe servir de guia. Tal
atitude demonstra que o contato dos colonos e demais pessoas que se encontravam na
povoação não se restringia à catequização promovida pelo padre Chagas, existindo a
movimentação entre a aldeia e a povoação em ambos os sentidos.
Seguindo estratégias de penetração nos sertões parecidas com aquelas formuladas
pelos empreendimentos colonizadores paulistas, pela rota de fuga escolhida, o degredado
Joaquim não pretendia retornar para sua vila ou pedir o perdão ou comutação de sua pena.
Tais estratégias corroboram com o que foi esmiuçado por Maria da Glória Porto Kok sobre as
experiências comuns aos paulistas em seus deslocamentos pelo sertão adentro. Segundo a
autora “os paulistas desenvolveram estratégias de sobrevivências e sociabilidade originais,
193
Cf. RODERJAN. Raízes e pioneiros do Planalto Médio. Passo Fundo: Gráfica e Editora da Universidade de
Passo Fundo, 1991, p. 85.
194
Mostra-se interessante a constatação de que esse casal indígena Antonio e Caetana, teve, primeiramente, dois
filhos homens batizados em 1820 e 1822, ambos com poucos meses de vida na época dos batismos. Porém o
casal só voltou a batizar um filho seu em março de 1827, pouco mais de um mês antes da fuga de Joaquim, neste
caso, uma menina de dois anos de idade. Todavia, no mesmo mês do batismo da primeira filha documentada
do casal, Antonio Coverê batizou outro filho seu, um menino de oito para nove anos de idade, fruto de uma
relação sua com outra índia, a kaingang solteira Joanna Aranhohê. Pouco mais de um ano depois, Antonio
batizava sua segunda filha com sua mulher ‘oficial’, em abril de 1828: a pequena Gertrudes, com doze dias de
vida na ocasião do batismo. Como se nota, as uniões sacramentadas dos indígenas, mesmo aquelas realizadas
solenemente na capela de Atalaia, o impediam a continuação de suas relações poligâmicas, e mesmo as suas
saídas por longos períodos para o sertão, retornando ao aldeamento anos depois, com os filhos crescidos, e,
mesmo assim, apanhados pela tentativa de incorporação através do sacramento do batismo.
107
deixando as marcas de uma colonização singular, avessa, na maioria das vezes, aos padrões
litorâneos”.
195
A planejada fuga para o extremo sul, aliada ao índio Coverê como guia, demonstra
uma peculiaridade desses degredados paulistas. Ao contrário do que freqüentemente acontecia
nos casos de fuga dos condenados enviados de outras possessões lusitanas durante os três
primeiros séculos de povoamento das terras brasílicas, Joaquim conhecia bem as estratégias
de locomoção por um território vasto e semi-desconhecido. Após fugir de Itapetininga, ao
invés de retornar para sua vila natal de Taubaté, a trezentos quilômetros, e ter retornado por
conta própria ao aquartelamento, buscando ajuda do indígena e perfazendo aliaas junto a
outros degredados, o condenado pretendia seguir por caminhos pouco conhecidos, com
destino a lugares onde as possibilidades de escapar e mudar de vida poderiam ser melhores
que as encontradas no sudeste. Neste sentido, a itinerância significava o ‘remédio para a
pobreza’”.
196
Todavia, seus planos de seguir para o sul se viram encerrados na mesma noite da fuga.
Sendo perseguido pelos soldados e pelo comandante, Joaquim o se rendeu, sendo
necessário, às ordens do Rocha Loures, acertá-lo com chumbo pelas pernas para que se
rendesse. Três meses depois, já recuperado dos ferimentos que sofreu, Joaquim Martins
Rodrigues era remetido a São Paulo com a mesma carta em que Antonio da Rocha Loures
narra seus feitos e intenções, seguido do pedido de que o mesmo degredado fosse transferido
para outro local.
Seguiu juntamente um de seus mplices na última fuga, como explica Rocha Loures,
a fim de se evitarem outros danos. Tratava-se do já citado Joaquim Antonio de Oliveira,
também enviado em 1822, e que permanecia como exceção quanto ao uso de calceta presa aos
pés, ao trabalho e aos casamentos na povoação em 1826
197
. Tendo chegado aos vinte e oito
anos de idade, casado em São Paulo, de pais legítimos denominados e sendo natural da Vila
de Guarulhos, Joaquim Antonio cumpria uma sentença de vinte anos de degredo por
assassinato.
198
Nenhuma outra informação sobre o que aconteceu depois disso com Joaquim
Martins Rodrigues foi encontrada. com relação a Joaquim Antonio de Oliveira, o mesmo
195
KOK, Maria da Glória Porto. O Sertão Itinerante”: expedições da capitania de São Paulo no século XVIII.
(Tese de Doutorado). FFLCH-USP: São Paulo, 1998, p.36.
196
Idem, p.30.
197
Cf. LOURES, Antonio da Rocha. Relação das Praças de Tropa de linha, Ordenanças e Prezos Sentenseados
que se axão nesta Povoasão com declaração dos seos empregos como abaixo se mostra. Quartel da freguesia de
Nossa Senhora de Belém aos 13 de marso de 1826. op., cit.
198
Arquivo Histórico Benjamin Teixeira. Relação dos Reos Sentenciados a Degredos para a Freguesia de N. S.
de Belém de Guarapuava por acórdão da Junta de Justiça desta Província de S. Paulo de 19 de dezembro de
1821. Guarapuava, folha 6.
108
acabou sendo reenviado à Guarapuava. Tentando a fuga novamente, esse degredado não mais
fracassaria, como veremos a seguir.
Outra questão que deve ser levada em consideração para darmos sentido ao
movimento de fuga em direção à província do Rio Grande por estes degredados está
relacionada com as possibilidades de traçar uma nova vida em local onde não constariam seus
crimes no passado. O naturalista alemão Hermann Burmeister, de passagem pelas províncias
do Rio de Janeiro e Minas Gerais em 1850, percebeu as fendas na estrutura judicial, por onde
os degredados poderiam incorporar novos rumos: “A autonomia jurídica de cada Província
facilita tais empreendimentos, pois o Tribunal de uma não pode condenar o criminoso de
outra. Todo ladrão, assassino ou patife está livre ao pisar o território de uma Província na qual
o tenha cometido crime”.
199
Outro viajante, o francês Auguste de Saint-Hilaire, também percebeu essas fissuras na
estrutura judicial por onde os criminosos ainda sem julgamento ou condenação poderiam
imiscuir-se frente à autonomia de cada província. De passagem pela mesma região, entre os
anos de 1816 e 1822, ele narra seu encontro inusitado com alguns criminosos foragidos:
Um criminoso foge para algumas léguas de distância do local onde cometeu o crime, e está ao abrigo de
qualquer inquietação. Mais de uma vez, no decurso de minhas viagens, encontrei desses criminosos
foragidos, e não pude deixar de ficar surpreendido pela indiferença com que me confessavam a causa de
sua mudança de domicílio: pronunciavam essas palavras, sou criminoso, mais ou menos no mesmo tom
com que diriam, sou comerciante ou lavrador.
200
Depois de cumpridos cinco anos de seus tempos de degredo, na tentativa de burlarem
as autoridades ou na busca por novos horizontes, Joaquim Martins Rodrigues e Joaquim
Antonio de Oliveira optaram por uma rota inversa ao caminho de suas terras natais. As mal-
fadadas alianças feitas entre os condenados e posteriormente com o índio Antonio Coverê
podem ser interpretadas como estratégias utilizadas pelos fugitivos para o aumento das
possibilidades de êxito na tentativa de fuga rumo ao extremo sul, em meio às condições de
mobilidade e do conhecimento do território nessa região do Brasil meridional durante seu
processo de povoamento. Como veremos nas duas tentativas posteriores de fuga envolvendo
Joaquim Antonio e outros degredados enviados para Guarapuava, ocorreram configurações e
sortes distintas das que descrevi até agora.
199
BURMEISTER, Hermann. op. cit., p.342.
200
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Trad. e Notas de
Claro Ribeiro de Lessa. São Paulo: Editora Nacional, tomo I, 1938, p.299-320.
109
Alianças de fuga: rumo à terra natal
Corria o ano de 1828. Em onze de junho eram apresentados sete réus condenados a
degredo na povoação de Guarapuava.
201
Suas penas variavam entre um e quatro anos, além de
quatro sentenças de degredo perpétuo. Dentre os sentenciados à pena máxima estava Joaquim
Lemes Dias, de trinta e dois anos de idade. Além dessas informações, o degredado é
denominado na Carta de Guia trazida pelo soldado que o acompanhou até sua apresentação ao
comandante Rocha Loures como “branco”, casado e natural da Vila de Mogimirim, na
Província de São Paulo, onde morava, tendo sido filho legítimo de Gonsalo Leme e Garcia
Maria. Sem mais informações se tinha filhos ou ocupação estável -, Joaquim Lemes era
culpado pelo assassinado de Ignácio Dias Delgado.
Outro condenado à perpetuidade, o índio Timotheo Domingues, foi o único caso entre
todos os nomes das cartas de guia que encontramos fazendo referências a um indígena
degredado. Assim como o já citado Joaquim Antonio de Oliveira, Timotheo tinha mais de
trinta anos e era casado quando foi preso. Natural e morador de Itapetininga, sendo filho
legítimo de João Domingues e Maria de Lima, o índio de tribo não denominada no documento
tinha sido preso por uso de faca de ponta na mesma povoação onde se encontrava a cadeia que
aprisionou por alguns dias, até nova fuga, os degredados Joaquim Martins Rodrigues e
Francisco Manoel, entre fins de 1826 e os primeiros dias de 1827.
Condenado a “galés por dez annos de serviços blicos”, talvez sabendo do inferno
vivido pelos condenados ao trabalho no convés dos barcos, onde se morria aos poucos”, sem
perspectiva de sobrevivência por mais de três anos,
202
Timotheo entrou com pedido de
comutação na Junta de Justa de São Paulo, tendo seu pedido aceito e a pena substituída pelo
degredo para Garapuava por toda a vida” e o pagamento dos custos dos autos.
203
Três meses
após a chegada, aproveitando-se do momento de fuga para o sertão de cinqüenta dos cento e
trinta e sete índios, na sua maioria mulheres e crianças, que se achavam aldeados na povoação
201
Cf. Arquivo Histórico Benjamim Teixeira. Carta de guia que acompanha os reos condenados em Junta de
Justiça desta Imperial Cidade para a Povoação de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava a degredo. Data: 11
de junho de 1828. Guarapuava, folha 2.
202
Cf. COATES, op. cit.
203
Arquivo Histórico Benjamim Teixeira. Carta de guia que acompanha os reos condenados em Junta de
Justiça desta Imperial Cidade para a Povoação de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava a degredo, op. cit.,
folhas 2 e 3.
110
de Nova Atalaia em setembro de 1828, os dois degredados escaparam do exílio, levando
consigo uma arma de fogo e oito cartuchos de munição.
204
Não encontramos dados na documentação que explicitem para onde os dois fugiram,
porém, em carta remetida às autoridades paulistas, Antonio da Rocha Loures havia avisado
a todos os comandantes dos Campos Gerais – caminho ao norte de Guarapuava em direção às
vilas de Mogimirim e Itapetininga - que organizassem forte diligência em busca dos fugitivos,
entretanto, sem nenhum sucesso.
205
Fugir aos pares, levando consigo armas de fogo e
munição, mais do que um meio de dificultar a recaptura, pode ter funcionado como uma
estratégia vital para a sobrevivência dos degredados em meio às matas, repletas de animais
selvagens e sob ameaça indígena.
Em função dos perigos, o constante estado de alerta de muitos viajantes e moradores
nas matas paulistas resultavam em atitude parecida por parte dos degredados fugitivos:
armas sempre nas mãos, mesmo quando trabalhavam a terra; caminhando sempre aos pares,
mesmo quando iam buscar a água que tinham ao lado da casa.”
206
Outras necessidades
também exigiam o porte de armas de fogo no meio das matas. Com o intuito de evitar a fome,
os paulistas que se internavam no sertão praticavam a caça sempre que podiam, utilizando na
maioria das vezes o mesmo instrumento que levaram Joaquim Lemes e Timotheo Domingues:
uma espingarda munida de chumbo e pólvora.
Ao encerrar a carta, mais uma vez Rocha Loures pedia ao governo provincial que
cessasse o envio de degredados, desta vez dando como motivo a falta de soldados para fazer a
vigilância tanto dos sentenciados quanto dos indígenas que ainda permaneciam, cada vez em
menor número, no aldeamento.
207
Nenhum documento dando conta da possível recaptura de
Timotheo Domingues e Joaquim Lemes foi encontrado. Ambos tinham mais de trinta anos de
idade e, casados, cada um deles certamente também possuía filhos em seus povoados: pela
prematura fuga que tiveram e pela indicação da possibilidade de seus paradeiros nos Campos
Gerais caminho de volta para suas vilas próximas à capital provincial certamente seus
destinos pretendidos eram o retorno para suas famílias: são estes os indícios.
204
LOURES, Antonio da Rocha. Correspondência às autoridades paulistas. Data: 27 de outubro de 1828. AESP
– Arquivo do Estado de São Paulo: Caixa: 192, Ordem: 987.
205
Idem.
206
SOUZA, Laura de Mello e. “Formas provisória de existência: a vida cotidiana nos caminhos, nas fronteiras e
nas fortificações.” In: SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida
privada na América portuguesa. São Paulo: Cia das Letras, v. 1, 1997, p.66.
207
LOURES, Antonio da Rocha. Correspondência às autoridades paulistas. Data: 27 de outubro de 1828. AESP
– Arquivo do Estado de São Paulo: Caixa: 192, Ordem: 987.
111
Como estamos vendo, o planejamento das fugas em duplas de condenados tinha
melhores êxitos. É o que podemos observar no último caso de fuga noticiado, acontecido por
volta de outubro de 1829, ou seja, pouco mais de um ano após a escapada de Timotheo
Domingues e Joaquim Lemes. Dessa vez, Joaquim Antonio de Oliveira - que quase três anos
antes havia tentado fugir para o extremo sul acompanhado de outro degredado e do nativo
Antonio Coverê - utilizaria outro caminho, levando consigo um animal roubado na Povoação
e tendo como companhia uma mulher, a degredada Francisca Maria Constância.
A “branca” Francisca havia sido enviada para o local pouco mais de um ano antes.
Solteira, nascida em Iguape e de pais nominados na carta de guia trazida pelo oficial que a
acompanhou até Guarapuava juntamente com os fugidos Joaquim Lemes e o índio Thimoteo,
o encontramos a descrição de seu crime no documento, embora tenha sido sentenciada a
degredo perpétuo e no pagamento dos custos de seu processo à Junta de Justiça paulista.
Com vinte e seis anos de idade na época da fuga, aparentemente a degredada não
realizava nenhuma atividade específica na povoação: não encontramos nenhum documento
que conta de sua ocupação. O tipo de relação existente entre Francisca Maria e Joaquim
Antonio no período em que os dois permaneceram em Guarapuava também é omitida nos
documentos. Sabemos que ele era casado na cidade de São Paulo. Francisca permanecera
solteira.
Em outro trecho da carta, Rocha Loures ainda informa que todas as providências
haviam sido tomadas em avisar os capitães-mores de Curitiba, Castro e Lapa, a fim de que
fizessem “toda a dilincia de apreender” os dois fugitivos. Todavia, nenhum documento
posterior conta da recaptura de Joaquim Antonio e Francisca Maria. Fugindo, ao que tudo
indica em direção norte no rumo de suas Vilas natais, os dois degredados não escaparam de
os vazias. Segundo Rocha Loures, embora sem levar nenhuma arma, no momento da fuga
Joaquim acabou roubando um animal, o qualpresumimos - poderia servir de moeda de troca
por objetos de maior importância e alimentos.
Como já notou Laura de Mello e Souza em trabalho sobre o período colonial, também
referente aos livres pobres envolvidos com processos de migração forçada nas Minas Gerais
setescentistas, era comum que os condenados fugissem de seus locais de degredo, retornando
às suas antigas vilas: “No desterro, muitos, renitentes, voltavam para as Minas”.
208
Nestes
casos, o governo da capitania dava novo destino aos fugitivos, geralmente nos presídios em
meio ao sertão repleto de indígenas, com a finalidade de dificultar novas fugas.
208
MELLO e SOUZA, Laura de. Os desclassificados do ouro. Op. cit., p.197.
112
***
Como se pode notar na documentação dos degredados enviados no período posterior a
1835, as tentativas de fuga dos degredados paulistas, embora sem grande expressão numérica,
resultaram em mudanças no processo de envio dos condenados para a região. Observando
novamente o Gráfico I, nota-se a brusca diminuição do número de degredados enviados no
período posterior.
Analisando os documentos referentes aos condenados remetidos daquele ano até o
último envio em 1859, percebemos que a maioria das penas não apresenta mais a duração
perpétua, nem mesmo sentenças de cinco, dez ou vinte anos. Segundo relatos do presidente da
Província, Tobias de Aguiar, em 1835 e do ex-senador do Império Diogo Antônio Feijó, essa
mudança levava em consideração o maior mero de colonos na região e a maior facilidade
de evasão dos condenados após a abertura dos caminhos que ligaram Guarapuava às Vilas
próximas.
209
Entretanto, mais que as mudanças e adequações provocadas no processo de envio
subseqüente, a documentação disponível sobre os casos de fuga aqui descritos tem sua
importância maior a partir do momento em que permitem ao historiador descobrir de que
forma os degredados envolvidos nesses casos descritos articularam suas fugas através de
alianças com outros degredados e com indígenas aldeados em Atalaia.
3.2 Os tribunais da Corte e as comutações de pena
Artífices de todo o Império: os degredados com ofícios
Alguns degredados enviados para Guarapuava tinham ocios que lhes davam uma
condição diferenciada em meio aos outros condenados. Esse foi o caso de Isidoro Ramos,
soldado do Regimento de Santos remetido na segunda leva da carta de guia de 1821.
Chegando em Guarapuava acorrentado a outros quatro condenados, Isidoro era nascido em
209
Cf. COLLECÇÃO das Leis e Resoluções decretadas pela assembléia Legislativa da Província de São Paulo:
contendo os actos das secções de 1835-1836-1837. São Paulo: Typographia de Costa Silveira, 1837; e FEIJÓ,
Diogo Antônio. “Negócios gerais” (extraído de O Justiceiro, nº12, de 29 de janeiro de 1835). In: CALDEIRA,
Jorge (org.) Diogo Antônio Feijó. São Paulo: Coleção Formadores do Brasil, Editora 34, 1999, p.265-268.
113
Villa Rica, de condição civil não declarada, estando com vinte e um anos de idade e sendo
condenado a cinco anos de degredo na povoação.
Ao final da carta de guia, era informado o ocio praticado pelo soldado: Official de
Alfaiate”
210
, Isidoro, mesmo não se casando em Guarapuava no tempo em que permaneceu na
povoação, não precisava usar calcetas de ferro presas aos seus pés nos serviços da povoação,
tal como seus pares na já citada relação de Praças de 1826. Sem calceta, Isidoro trabalhava
como cozinheiro do Quartel enquanto esteve em Guarapuava. Com a expiração de sua pena
em 1827, não encontramos mais indícios documentais que indiquem sua permanência na
povoação depois de cumprida sua pena.
***
Outro caso interessante envolve a necessidade de um novo ferreiro para a povoação
em 1835. Em ocio ao governador Rafael Tobias de Aguiar em julho daquele ano, o
comandante Rocha Loures avisa da saída do ferreiro que se encontrava empregado na
povoação, pedindo o envio de outro oficial em seu lugar.
211
No mesmo documento, o
governador anotou com tinteiro diferenciado, uma petição a ser encaminhada ao inspetor da
casa de prisão da cidade de São Paulo, pedindo que ele o informasse se existia algum ferreiro
condenado na mesma cadeia, e qual era o tempo de sua condenação. Tobias de Aguiar ainda
questionava se, caso existisse tal ferreiro condenado, o mesmo era mestre ou “official bom”.
Independentemente do fato desse recado ter chegado até seu destinatário, o fato é que, ainda
naquele ano de 1835, de acordo com a Relação de pessoas appresentadas neste Districto para
Cumprirem degredos”, JoRodrigues Coelho havia sido apresentado para cumprir oito anos
de degredo em Guarapuava.
Solteiro, branco e de trinta anos de idade, em outra lista também já mencionada para
este mesmo ano,
212
José Rodrigues Coelho aparece com ocupação de “ferreiro e negociante”,
morando a favor na casa de Francisco Ferreira. Tão instigante quanto esta constatação é o fato
de que, no mesmo domicílio encabeçado por José Coelho, outros onze degredados são
listados como moradores. Quase todos eles apresentados na mesma relação de degredados de
210
“Relação dos Reos Sentenciados a Degredos para a Freguesia de N. S. de Belém de Guarapuava por acórdão
da Junta de Justiça desta Província de S. Paulo de 19 de dezembro de 1821”. Arquivo Histórico Benjamin
Teixeira, Guarapuava.
211
LOURES, Antonio da Rocha. Ofício ao Governador da Província, Rafael Tobias de Aguiar, em 08 de julho
de 1835. AESP, caixa 193, ordem 988.
212
Lista de Habitantes da Freguesia de Guarapuava de 1835. Cópia micro-filmada pertencente ao DEHIS
Departamento de História da Universidade Federal do Paraná – UFPR.
114
1835. Diferentemente dos demais degredados, que continuavam residindo cada um em seu
domicílio, tal como os degredados remetidos ainda na cada de 1820, casados na povoação,
e com processos incorporativos bastante avançados, estes condenados apresentavam uma
dependência hierárquica, ao menos formal, em relação ao degredado mais bem qualificado do
domicílio. Todavia, José Rodrigues não volta a aparecer em nenhum outro documento.
Comutações de pena
Degredados com processos na Corte do Império também poderiam ser remetidos para
Guarapuava. É o que percebemos no caso narrado do escravo Francisco, e nos últimos
quatro casos de remetidos para Guarapuava, principalmente na década de 1840 e 1850.
Segundo Timothy Coates
213
, vários fatores se relacionavam à questão dos perdões: pedidos de
perdão por parte da nobreza, comutação de pena para casos em que o criminoso fosse útil para
o Estado, ou perdões como forma de demonstração de misericórdia por parte do soberano.
O perdão para pena de morte só era concedido após seguir a burocracia jurídica
estabelecida em lei. A Regulamentação formal desse tipo de processo foi feita em 1832, com
a promulgação do Código de Processo Criminal do Império do Brasil
214
. Para que o réu
entrasse com recurso, deveria fazer primeiramente uma apelação ao Tribunal de Relação. Este
óro encaminhava o pedido à Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, pelo relator do
processo. Os juizes encaminhavam a apelação à Corte. O conteúdo de cada processo deveria
ser rigorosamente analisado, devendo constar uma narração dos fatos e das circunstâncias do
crime e da sentença, o exame das provas constantes nos autos, uma declaração das
formalidades que foram guardadas ou preteridas e, por fim, uma exposição da conduta e vida
pregressa do réu e suas circunstâncias pessoais.
Para se pedir a graça para outra sentença que o fosse a pena de morte, o recurso
deveria ser apresentado diretamente à Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, ou ao
Presidente de Província. O processo deveria conter a certidão de queixa, denúncia ou ordem,
e, se houvesse instalado o processo, uma certidão de corpo de delito, quando existente, uma
certidão com depoimentos das testemunhas de acusação e defesa, a certidão da sentença e, por
fim, todos os demais documentos que parecessem convenientes ao peticionário e aos
213
Coates, T. Op. Cit. p. 169 a 189.
214
‘Decreto de 29 de novembro de 1832 Promulga o digo do Processo Criminal de primeira instância com
disposição provisória da administração da Justiça Civil.” In: Coleção das Leis do Império do Brasil de 1832.
Parte 2
ª
Tipografia Nacional, Rio de Janeiro, 1874. p. 186.
115
respectivos juizes. A deliberação final sobre cada pedido de perdão, comutação ou anistia era
dada exclusivamente pelo Poder Moderador, assim como em Portugal no Antigo Regime,
cabia ao soberano.
Sabino José Maciel, de origem não declarada, teve uma pena de dois anos de prisão
comutada por um “Decreto de Sua Magestade” o imperador D. Pedro II, em degredo para
Guarapuava por igual tempo. Apresentado no “presídio” de Guarapuava no dia cinco de
setembro de 1846, em quinze de junho de 1848 Sabino pedia um atestado de boa conduta ao
comandante Rocha Loures
215
. A autoridade guarapuavana arquivou uma pia do documento
em meio ao livro de “escriturações de Notas Pendentes ao Juízo de s desta freguesia”,
denominado Lançamento”, o qual também esclarece que Sabino Maciel tivera que pagar
sessenta reis pelo selo do documento.
Certamente, nesta data se completavam os dois anos da pena a cumprir, a qual
considerava o tempo da viagem até o local da pena. Desta forma, tal documento deveria ser
levado pelo ex-condenado em sua reapresentação em sua cidade de origem, seja na Corte ou
na capital da província, São Paulo.
Também servindo como um salvo conduto em qualquer situação em que fosse
solicitada a documentação de origem durante a viagem de volta de Sabino José, Rocha Loures
atestava que no tempo que aqui tem estado tem se comportado como homem onrado”. Dessa
forma, o degredado estava livre para retornar à região em que praticara o crime, também não
mencionado no documento.
***
O degredado Francisco Jo de Bittencourt apresenta uma trajetória bastante
interessante para problematizarmos questões em torno dos processos de incorporação,
mobilidade e do próprio funcionamento da justiça no Segundo Reinado. Sem uma carta de
guia que indique seu crime, Francisco Jotem sua condição de degredado exposta pela
primeira vez no requerimento de um atestado de boa conduta à câmara de vereadores de
Guarapuava no ano de 1863. Alegando estar cerca de vinte anos cumprindo pena na
região, tal documento foi concedido em Sessão Ordinária do órgão municipal em quatorze de
janeiro daquele ano.
215
LOURES, Antonio da Rocha. Lançamento de um atestado, de Sabino José Maciel. Livro de Notas nº1 (1835-
1843). 1º Tabelionato de notas Gouvêia. Guarapuava.
116
Além de emitir parecer favorável ao pedido do degredado, a nota presente no livro de
atas da Câmara de Guarapuava elevada à categoria de cidade logo após a emancipação
provincial do Paraná, na década de 1850 ainda cita que a mulher de Francisco José, Bibiana
Berrièr de Bittencourt, exercia a vários anos o cargo de “professora de primeiras lettras do
sexo feminino d’esta Villa
216
.
A pena de degredo não era estendida à mulher do condenado. Entretanto, nada proibia
que um parente próximo rumasse para o local da pena juntamente com o ente. Desde que
houvesse condições financeiras para tal viagem.
A partir desse atestado, rastreamos a trajetória do casal no período anterior a 1863. O
primeiro dado encontrado se refere à compra de uma propriedade por Francisco em outubro
de 1844. Levando em consideração que, de acordo com o atestado de boa conduta, o
degredado estava na povoação há cerca de apenas um ano em 1844, e analisando o valor pago
pelo imóvel - 450 mil réis – supomos que o casal já possuía bens de valor na época anterior ao
degredo, trazendo consigo alguma quantia. Localizada na Rua do Comércio, nas ruas laterais
próximas à igreja Nossa Senhora de Belém, tal propriedade certamente era utilizada para
realização dos negócios não especificados de Francisco. Ou mesmo, em função da localização
central, poderia servir de sala para as aulas de Bibiana.
Cinco anos depois, ainda na cada de 1840, mais precisamente em trinta de abril de
1849, ficava registrada no livro de notas da freguesia a ordem de Francisco de Bittencourt,
enviando procuradores à Casa de Suplicação da Corte para resolver suas contendas cíveis e
criminais”. Os procuradores são os desembargadores Paulino José Suares de Souza e Manuel
José de Sousa França, enviados para, com todos os poderes necessários em direito, requerer
tudo quanto for a seo benefício em demandas civeis e crime em que for autor ou reo, seguindo
em tudo suas cartas”
217
.
Na década seguinte não encontramos nenhuma informão sobre a situação dessa
família. Será somente em 1863, atravessados pela petição do atestado de boa conduta e da
relação de moradores daquele ano, que teremos outras notícias da trajetória de Jo e
Bibiana
218
.
Todavia, o local de moradia do casal Bittencourt não permanecia o mesmo dois meses
depois da expedição do atestado de boa conduta e dos gastos com o envio dos
216
Atestado a Francisco José de Bittencourt e sua mulher, Bibiana Berrièr de Bittencourt, 14 de janeiro de
1863. Arquivo da Câmara Municipal de Guarapuava.
217
Livro de Notas nº2. “Francisco José de Bittencourt manda procuradores à Corte para resolver suas
contendas cíveis e criminais”. 30 de abril de 1849. 1º Tabelionato de Notas Gouveia, Guarapuava.
218
ARAÚJO, Antonio Braga de. Rol de moradores da freguesia do Belém de Guarapuava, Bispado de o
Paulo, abril de 1863. Arquivo da Catedral Nossa Senhora de Belém de Guarapuava.
117
desembargadores à Corte. No já citado “Rol de moradores da freguesia” de abril de 1863, a
família aparece na listagem dos paroquianos moradores do segundo quarteirão de
Guarapuava, localizado em local mais afastado da igreja, assim como da Rua do Comércio.
Nessa lista, Francisco Jo e Bibiana Berrièr constam com idades de quarenta e cinco e
quarenta anos de idade, respectivamente.
A partir desses dados, podemos concluir que o casal era bastante jovem quando
Francisco foi sentenciado a degredo, ambos em torno dos vinte anos. Com o registro de óbito
de Bibiana, em setembro de 1878, aos cinqüenta e seis anos de idade mencionados, ficava
pressuposta a origem do casal, pois Bibiana era nascida na província de Santa Catarina. As
a missa de corpo presente, Bibiana foi sepultada no cemitério de Guarapuava.
Da mesma maneira, descobrimos que Bibiana trouxera duas filhas pequenas para
Guarapuava. Uma delas veio com cerca de três anos de idade Pedra - já com vinte e três
anos de idade em 1863. Outra filha, Maria Virgínia, com cerca de vinte e seis anos na época
de confecção da lista, o constava residindo com os pais, casada que estava com
Bernardino de Serma Campos.
Os dados de Maria Virgínia de Bittencourt foram retirados de seu registro de óbito, no
ano 1884, então com quarenta e oito anos de idade, onde foram relacionados os pais Francisco
José e Bibiana. Além desses dados, é a partir do obituário de Maria Virgínia que podemos
encontrar nova menção à origem de seus pais, uma vez que ela era natural da “Cidade do
Desterro”, na província de Santa Catarina. Outros dois filhos haviam nascido na primeira
década de permanência do casal na freguesia: Francisca, de dezenove anos, e Hygino, com
quinze anos, ambos também solteiros e relacionados no rol de moradores da freguesia em
abril de 1863.
Embora vivendo a cerca de vinte anos na região, ainda em 1863, dez meses depois da
expedição do atestado de boa conduta pela câmara municipal, certamente enviado à Corte
juntamente com um pedido de perdão, o presidente da província do Paraná enviava o
conteúdo de um ocio do ministro da Justiça do Império a Francisco José de Bittencourt. De
acordo com o presidente provincial Sebastião Goalves da Silva, pelo ocio, ficava
indeferida a solicitão de perdão da pena de degredo perpétuo de Francisco Jo
219
.
Ao que tudo indica, Francisco vivia na Ilha do Desterro, onde cometeu certo crime.
Teve seu processo julgado na Corte, que o sentenciou a degredo perpétuo para Guarapuava.
219
SILVA, Sebastião Gonçalves da. “Ofício ao Juiz de direito de Guarapuava”. Data: 13 de maio de 1863.
Arquivo Público do Paraná.Ap. 170, pg. 08. Curitiba
118
Sem ter sucesso, o degredado tentou ao menos duas vezes, entre 1849 e 1863, rever sua pena
ou pedir o perdão pelo crime não mencionado.
Com os filhos crescidos e viúvo desde 1878, Francisco continuou vivendo em
Guarapuava. Não encontramos informações sobre o ano de sua morte. Até 1886 seu nome não
consta nos obituários da cidade. Em função da falta dos registros de óbito municipais entre
dezembro de 1886 e 1907, ficamos sem descobrir a data de seu falecimento. Com cerca de
sessenta e oito anos em 1886, Após permanecer muitos anos perpetrando recursos junto à
Casa de Suplicação da Corte para reaver sua pena, Francisco José de Bittencourt foi,
certamente, o último degredado a permanecer vivo em Guarapuava, falecendo, possivelmente,
no período republicano, ou mesmo nos primeiros anos do século XX.
Sua mulher, Bibiana Berrr de Bittencourt, permanece na história de Guarapuava
como a primeira professora da cidade. Uma escola municipal recebeu seu nome no final dos
anos 1990. Livros didáticos da hisria municipal não deixam de constar seu nome como
pioneira na educação regional. Independentemente do fato de ter chegado à região
acompanhando o marido sentenciado a degredo, Bibiana teve importância histórica
reconhecida em Guarapuava, exercendo um ofício que demandava certa imagem de
integridade pessoal junto à sociedade local, uma vez que o ensino de primeiras letras
preconizado pela professora estava direcionado às filhas dos grandes fazendeiros da região.
Entre retratos e moedas... De Salvador a Guarapuava
José Maria Cândido Ribeiro, português vivendo na cidade de Salvador, na província
da Bahia na década de 1840, tornou-se conhecido entre os artistas da região. Segundo Manuel
Querino, “não fôra consumado desenhista, mas reputado retratista a óleo”. Todavia, em
1848 José Maria estabeleceu secretamente uma oficina de gravura em Salvador, ali fabricando
moeda falsa em larga escala, “e tão perfeita era a imitação que se tornava difícil distinguir
uma nota falsa da verdadeira”
220
.
O português falsificador o deixara de desenhar retratos mesmo durante seus
depoimentos para a polícia local. Ainda de acordo com Querino, em um de seus
interrogatórios ao chefe de polícia, José Maria desenhou a lápis o retrato da autoridade, a
quem ofereceu. De qualquer modo, o artista e seusmplices acabaram presos e processados.
220
QUERINO, Manuel. A Bahia de Outrora. Salvador: Livraria Pogresso Editora, 1955, p.319-320.
119
De acordo com as leis do império, mais especificamente a Lei de três de outubro de
1833
221
, ficava especificado um local de degredo definido para o crime de falsificação de
moeda. Na primeira edição do Código, o crime era punido com prisão com trabalho acrescido
de multa pecuniária. Como explica Fabrícia bia Guimarães, a partir da promulgação da lei
citada, o crime de falsificação de moeda e todas as suas variações (falsificação de títulos
públicos, papéis fiduciários da Nação ou de bancos), passaram a ser punidos com galés
temporárias ou perpétuas para a Ilha de Fernando de Noronha, acrescido também de multa
para os reincidentes no mesmo crime
222
. Nas Ordenações Filipinas, o crime de falsificação de
moedas era considerado imperdoável, sendo sua pena a de degredo perpétuo para o Brasil,
acrescido de confisco de bens, e, às vezes, de degredo de 10 anos para a África.
Como relata sua carta de guia
223
, José Maria Cândido Ribeiro teve o crime julgado no
tribunal da Relação da Bahia, em Salvador, sendo sentenciado a galés perpétuas. Entretanto, o
condenado entrou com pedido de comutação de pena no tribunal da Relação no Rio de
Janeiro. No ano de sua condenação, José Maria contava quarenta e quatro anos de idade em
1848.
Segundo os dados da biografia de seu filho, Cândido Barata Ribeiro, podemos inferir
que José Maria já se encontrava em Salvador cinco anos antes de seu preso por cunhar moeda
falsa, uma vez que seu filho Cândido nascera na capital provincial baiana ainda em 1843
224
.
Casado com Veridiana Barata Ribeiro, o retratista lusitano chegou à Corte para aguardar o
resultado de seu pedido por volta de 1853, ano em que seu filho foi matriculado no Mosteiro
de São Bento, aos dez anos de idade
225
.
221
Coleção das Leis do Império do Brasil de 1833. Rio de Janeiro. Tipografia Nacional. 1873.
222
Cf. NORONHA, Patrícia Rúbia Guimarães de Souza. O Império dos Indesejáveis: Legislação brasileira sobre
o degredo (1822-1889). (Dissertação de mestrado). Brasília: UnB, 2003, p.63.
223
Carta de Guia que acompanha o Reo José Maria Candido Ribeiro 26 de janeiro de 1859. Arquivo
Municipal de Guarapuava. UNICENTRO.
224
Cf. SANTOS, Noronha. Esboço histórico acerca da organização municipal e dos prefeitos do Distrito
Federal. Rio de Janeiro: Of. Gfs. O Globo, 1945.
225
Op. cit., Ainda de acordo com essa biografia, ndido Barata Ribeiro residiu, por concessão especial, num
quarto dessa casa conventual durante alguns anos. Como estudante, lecionava cursos preparatórios a outros
alunos para se manter. Havendo conseguido os estudos básicos necessários, matriculou-se na Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, onde recebeu o grau de Doutor em Ciências Médicas e Cirúrgicas em dezembro de
1867. Depois de formado, passou a residir na cidade de Campinas, na província de São Paulo, onde foi nomeado
Diretor do Serviço Médico e Cirúrgico do Hospital de Caridade da mesma cidade, onde clinicou e também
fundou a escola de crianças pobres. Em decreto de 10 de janeiro de 1874, foi nomeado Comissário Vacinador da
província de São Paulo. Transferindo sua residência para a capital do Império, entrou em concurso destinado ao
magistério da Faculdade de Medicina, sendo nomeado Lente Catedrático, em decreto de 25 de março de 1883.
Partidário da abolição da escravatura, atuou na campanha que implantou o regime republicano. Com o advento
do regime, ocupou o cargo de Presidente do Conselho Municipal, em 1891, e foi o primeiro nomeado para
exercer o cargo de prefeito do Distrito Federal, em dezembro de 1892. Nesse cargo, iniciou melhoramentos na
cidade do Rio de Janeiro. Em decreto de 23 de outubro de 1893, foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal
Federal, preenchendo a vaga ocorrida com o falecimento do Barão de Sobral; tomou posse em 25 de novembro
120
Aguardando a decisão da Justiça na Corte, o artista português alugou o primeiro andar
de um sobrado localizado na Rua do Hospício, número duzentos e sessenta e seis, pela quantia
de oitenta mil is ao mês. Entretanto, em setembro de 1856, o proprietário do imóvel, Paulo
Roberto Ludwig, movia processo contra o inquilino Jo Maria no Juízo Municipal da
Segunda Vara Cível, pois este “tem não detonado todo o jardim como passara ao ponto de
arrancar parte do assoalho da casa para queimar!
226
.
De acordo com os autos do processo, José Maria estava “arrancando o assoalho para
queimar, e soltar quasi todos os dias uma imensidade de galhinhas no jardim; q o tem
estragado, dannificado por este modo todo o prédio em grave prejuízo do supplicante”
227
.
Como solução da querela, a favor do proprietário, eram dadas quarenta e oito horas
para JoMaria se retirar do sobrado, sob risco de ser despejado à força depois desse prazo.
Em outra página dos autos do processo, também era dada a alternativa do artista continuar
residindo no sobrado, desde que aceitasse o aumento do valor do aluguel para duzentos mil
is mensais. Após a interposição de rios recuros, depois de quase dois meses de
inquirições, em quatro de novembro, José Maria entregou as chaves do sobrado, pagando
seiscentos e vinte milis pelos prejuízos causados.
Sem informações sobre o paradeiro do retratista nos dois anos que se seguiram, os
próximos passos de sua trajetória são conhecidos a partir de sua carta de guia, expedida em
vinte de dezembro de 1858. Aos cinqüenta e quatro anos de idade, José Maria, de estatura
um pouco menor que a ordinária, cabelos e barbas brancos”, teve a pena de galés perpétuas
comutada em quatro anos de degredo em Guarapuava. De certa forma, podemos considerar
que sua pena foi em grande parte atenuada, ao menos em seu caráter temporal. Apresentado
na cidade de Guarapuava dois meses depois, em vinte e cinco de fevereiro do ano seguinte, o
retratista português deveria permanecer ali até fins de 1862.
Todavia, a cerca de um ano do encerramento da pena, José Maria enfrentaria outro
processo judicial, dessa vez no próprio local de degredo, em fins de 1861. Juntamente com
Serafim de Carvalho Batista retratista em vidro, de vinte e um anos, casado, português da
seguinte. Submetida a nomeação ao Senado da República, este, em sessão secreta de 24 de setembro de 1894,
negou a aprovação, considerando desatendido o requisito de "notável saber jurídico". Em conseqüência, Barata
Ribeiro deixou o exercício do cargo de Ministro em 29 do referido mês de setembro. Foi eleito Senador pelo
Distrito Federal em trinta de dezembro de 1899, sendo empossado em vinte e cinco de maio do ano seguinte e
tendo exercido o mandato a1909. Faleceu a 10 de fevereiro de 1910, na cidade do Rio de Janeiro. Foi casado
com Ana Borges Barata Ribeiro. Como percebemos, o estigma da condenação do pai, José Maria, não impediu a
ascensão social do filho.
226
“Processo contra José Maria Cândido Ribeiro” Rio de Janeiro, 26 de setembro de 1856. Juízo da Vara
Cível. ANRJ, Caixa M921, GAL: A.
227
Idem.
121
cidade do Porto e residente na Corte -, o degredado era acusado por Carlota Batista por cunhar
notas falsas do “Banco Commercial e Agricola”, no valor de duzentos mil is em
Guarapuava
228
.
Remetido à comarca de Justiça da Capital da Província do Paraná, em Curitiba para
ser interrogado, JoMaria declarou ao promotor público ser filho de Luiz Joaquim Ribeiro e
Anna Emilia Ferreira. Além de saber o ocio de “retratista e óleo e cravador”, também disse
ser natural da cidade portuguesa de Penafiel, e que sabia ler e escrever. Tendo permanecido na
Corte durante três anos e meio esperando sua comutação de pena para Guarapuava. Além de
ter morado no sobrado da Rua do Hospício, José Maria também declarou ter residido na Rua
do Rosário entre 1857 e 1858, “ou entre 1858 e 1859, tendo até uma sala onde tirava retratos,
com objecto de pintura”
229
.
Negando ter recebido chapas de cobre e reagentes para falsificar notas de duzentos mil
is do Banco Comercial, o retratista explicava que conhecera Serafim de Carvalho Batista
com quem mantinha correspondência - quando o hospedou em sua casa na Corte,
encomendando-lhe em sua partida o envio algumas tintas, pincéis, molduras douradas “para
daguerreotipo”, alguns agentes químicos e outros objetos para pintura.
Serafim de Carvalho, pelo depoimento de José Maria, também era retratista. De
acordo com o degredado, ele mesmo tinha realizado o convite a Serafim, por meio de
correspondências, a exercer seu ofício de retratista a óleo na região de Lapa e Morretes, onde
havia demanda por esse trabalho. De certa maneira, esse conhecimento denota a possibilidade
de José Maria ter passado pela rego em sua vinda à Guarapuava, ou mesmo que mantinha
contato com pessoas desses locais.
Em função de o degredado ter sua correspondência vasculhada para investigação, na
seqüência dos autos do interrogatório de JoMaria, o retratista foi questionado se conhecia
Guilherme Jorge de Noronha. Respondendo positivamente, explicou que dois anos antes, na
época de sua chagada a Guarapuava, em 1859, havia trazido uma carta do pai de Guilherme,
Felix “de tal” Noronha, que se achava estabelecido em Ponta Grossa, vila localizada no trajeto
de Curitiba até Guarapuava.
De acordo com José Maria, Guilherme Jorge se encontrava em Guarapuava cumprindo
pena de degredo. Tal degredado, Guilherme, não foi localizado em nenhum outro documento.
Como podemos sugerir, a carta foi entregue a José Maria durante o trajeto de sua vinda ao
228
Processo-crime por reincidência do degredado José Maria Candido Ribeiro. 1861. Arquivo Municipal de
Guarapuava, UNICENTRO
.
229
Idem.
122
local de degredo. Parando em Ponta Grossa para pouso, já a poucos dias de Guarapuava, Felix
Noronha pode ter interpelado o retratista letrado a escrever e a levar consigo a carta
endereçada a seu filho.
Na seqüência do interrogatório, o retratista português afirmou que, em Guarapuava,
em geral tudo era muito caro. Todavia, mesmo em tal “local de tão pequeno recurso, como é
Guarapuava”, no tempo em que estivera na região, pintara mais de cinqüenta gravuras em
sinetes para selos, cobrando por cada um dezesseis mil réis, e outros sete ou oito retratos a
óleo, a duzentos mil réis cada um. Ao final da inquirição do processo, sem maiores provas que
o incriminassem, o degredado José Maria recebeu ordem para retornar à Guarapuava, onde
deveria aguardar a decisão das autoridades judiciais. Entretanto, Jonunca mais voltaria ao
seu local de degredo.
De acordo com um ocio do delegado de polícia de Ponta Grossa, encaminhado ao
presidente provincial paranaense, José Maria, de passagem pela cidade em vinte e quatro de
outubro daquele ano de 1861, suicidou-se na casa em que passaria a noite para continuar sua
viagem de volta até Guarapuava. Com um pedaço de cianureto – substância utilizada na época
para dar brilho a bordas metálicas de pinturas - que o degredado havia recebido do padre de
Ponta Grossa, com quem mantinha contato em função do ofício de pintura, comum aos dois,
José Maria se envenenou, morrendo logo em seguida
230
.
3.3 Degredados com sentenças curtas ou mistas
Alguns degredados receberam penas com períodos de tempo relativamente curtos a
cumprir em Guarapuava. Todavia, essas penas eram geralmente acompanhadas do pagamento
de quantias em dinheiro para cumprir as despesas e custos dos autos do processo. Pela
quantidade diminuta de dados referentes a essas trajetórias - na maioria dos casos se
resumindo a um único documento, geralmente a carta de guia optamos por não elencar cada
caso em um tópico.
Essa é a situação de Joaquim Mariano. Considerado branco e nascido na vila de
Jacarehi, o jovem de dezoito anos era casado com Emerenes Anna Maria, sendo filho de
Hilário do Prado e Florinda Rodrigues.
230
SILVA, Sebastião Gonçalves da. “Correspondência ao Presidente da Província do Paraná”. Data: 31 de
outubro de 1861. Arquivo público do Paraná. Ap. 121, pg. 222. Curitiba.
123
Considerado culpado na devassa do juiz ordinário da vila de Jacarehi pela morte de
Antonio Jorge Silva, o réu foi sentenciado pela Junta de Justiça de São Paulo em quatorze de
fevereiro de 1828 em dois anos de degredo para Guarapuava e no pagamento de cinqüenta mil
is para as despesas e custos dos autos”
231
. Chegando à Freguesia em onze de junho daquele
ano, foi apresentado juntamente com outros seis condenados ao comandante Antonio da
Rocha Loures.
No mesmo ano, Joaquim Mariano foi mencionado na lista de habitantes da povoação
de Guarapuava como sendo solteiro, branco e de vinte e três anos idade. Com o fim de seu
degredo em 1830, ele certamente saiu da região, retornando para sua terra natal, ou migrado
para outra localidade.
Outro condenado nascido em Jacarehi é o denominado branco Joaquim Antonio dos
Santos. Sentenciado na mesma carta de guia de 1828
232
, o condenado era morador da
freguesia de Santa Isabel, tendo por pais Floriano José dos Santos e Maria Correa de Jesus.
Casado e com vinte anos de idade, não consta seu crime na carta de guia que o acompanhou
juntamente com Joaquim Mariano e outros quatro degredados – incluindo duas mulheres – até
Guarapuava.
Entretanto, pela condenação da Junta de Justiça de treze de março de 1828, Joaquim
Antonio era sentenciado a quatro anos de degredo contados do dia em que foi preso na
Cadea desta Cidade [de São Paulo] e em vinte milreis para as despesas da Junta de Justiça em
custos dos autos”. Ainda na carta de guia, fica explicitada a recusa do condenado em arcar
com esse dinheiro, e, “opondo-se com embargos” ao pagamento de tal quantia, lhe foi
revogado o ônus da pena pecuniária prevista. Chegando a Guarapuava em onze de junho
daquele ano não temos mais informações sobre a trajetória desse condenado
233
.
O alfaiate Galdino José Nonato tinha apenas dezessete anos quando foi degredado para
Guarapuava. Pardo, liberto e natural de Curitiba, era também morador dessa mesma cidade
onde se criou”, filho de Boaventura Monteiro do Espírito Santo e Maria Rodrigues de
França. Condenado pela morte de Fidelis José, o jovem foi sentenciado pela Junta de Justiça
de São Paulo em vinte e oito de fevereiro de 1828 a um ano de degredo em Guarapuava e no
pagamento de cinenta mil réis para as despesas do processo. Após sua apresentação na
231
“Carta de guia que acompanha os reos condenados em Junta de Justiça desta Imperial Cidade para a Povoação
de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava a degredo, 1828. Arquivo Público Benjamim Teixeira, Guarapuava.
232
Idem.
233
Ibidem.
124
freguesia em onze de junho do mesmo ano, foi ainda referenciado na lista de habitantes de
1828 como sendo negro, solteiro e com dezoito anos de idade
234
.
Bem mais velho era Mariano Rodrigues, remetido para Guarapuava em carta de guia
expedida em vinte de outubro de 1829 aos trinta e sete anos de idade. Casado e nascido na
vila do rio São Francisco, era filho de Sebasto Rodrigues e Thereza Maria de Jesus, vivendo
de lavouras”. Sem maiores informações, acabou sentenciado pela Junta de Justiça de São
Paulo por crime não mencionado a dois anos de degredo em Guarapuava em vinte e dois
de agosto de 1829
235
.
Apresentado na povoação em fins de janeiro de 1830 junto a outros dois degredados e
uma degredada com penas diferenciadas, sua trajetória junto à sociedade Guarapuavana
permanece omitida pelo pouco tempo que o mesmo condenado passou na região.
A expedição da carta de guia não significava que a ida de um condenado para seu local
de degredo estava irremediavelmente certa. Comutações de pena, perdões ou mesmo fugas
durante o percurso de ida aos destinos das sentenças eram comuns. Destro de alguma dessas
possibilidades está o destino de Manoel Adorno de Sampaio. “Branco”, casado e morador da
Freguesia de Mogimirim, onde - segundo a carta de guia que o relaciona em 1829 - também
tinha nascido, Manoel tinha sessenta e quatro anos quando foi preso e condenado
236
.
Filho de Antonio Correa da e Maria Nunes de Siqueira, Manoel foi sentenciado em
vinte e nove de agosto daquele ano a dois anos de degredo para Guarapuava por resistir ao
recrutamento - juntamente com seu filho junto às tropas de ordenanças em diligência. Em
meio ao combate travado com os soldados “encarregados da mesma diligência”, Manoel e seu
filho acabaram por matar o ordenança Francisco Bueno e ferir outros homens.
De acordo com a carta de guia que descreve os fatos, depois de muita resistência,
Manoel Adorno e seu filho o nominado acabaram presos por oficiais de Justiça. O idoso
acabou sentenciado em degredo, entretanto, Manoel é o único degredado o mencionado na
relação de presos que o acompanhavam, nominados na mesma carta de guia, apresentados em
janeiro de 1830
237
. Disso podemos inferir que o condenado conseguiu interpor recurso, fugir
ou ter a pena alterada de alguma outra forma. Com relação a seu filho, também o temos
informações de seu destino -, se acabou permanecendo na cadeia ou seguiu no trabalho junto
às tropas.
234
Ibidem.
235
“Carta de Guia para os Reos abaixo declarados na Povoação de N. S. de Belém de Guarapuava(...) aos vinte
de outubro de 1829 Arquivo Histórico Benjamin Teixeira, Guarapuava.
236
Idem.
237
Ibidem.
125
Antonio Pires Ramos é o último degredado com sentença relativamente curta e poucas
informações a ser descrito nesse momento. Mencionado na “Relação de pessoas
appresentadas neste Districto para cumprirem degredo”
238
, de 1835 como “branco”, solteiro,
com quarenta anos de idade e oito anos de pena a cumprir, o mesmo é relacionado em outra
lista de 1835 com os mesmos dados, sendo ainda “Português”. Três anos antes de completar
seu tempo de degredo, Antonio Pires é relacionado pela última vez na documentação
consultada, em meio à lacônica lista de habitantes de 1840.
3.4 Degredo e suplício: condenados ao baraço e pregão
A trajetória dos portugueses condenados a degredo para o Brasil era composta por um
tempo de espera nas prisões do reino até que houvesse lugar em um dos navios que saíam dos
portos em direção à Capitania de seu destino na Colônia, quando então se dava o embarque
para a viagem. No entanto, os condenados de estamentos desprivilegiados na época não
embarcavam sem antes passar pelas penas atrozes que acompanhavam o degredo.
No Livro V das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas estão enumeradas as
penas a serem aplicadas aos condenados de acordo com o grau de seus delitos. Na maioria
delas, as penalidades eram severas. Nas Ordenações Filipinas - que vigorou em Portugal de
1603 até a segunda metade do século XIX, e no Brasil até 1830
239
a mutilação, a marca de
ferro ardente e demais penas atrozes o aparecem com tanta freqüência quanto nas
Ordenações anteriores. No entanto, outras penas tortuosas herdadas do direito romano
continuaram a ser amplamente aplicadas.
A
aplicação da pena de açoites, prescrita às pessoas denominadas comuns, aparece em
quase todas as condenações, inclusive como complemento à pena de degredo, sendo aplicada
antes do embarque para as terras de além-mar. A pena filipina a todos os culpados por
assassinato (Título XXXV)
240
condenava, em julgamentos públicos, ao baraço e pregão pelas
ruas da cidade antes do embarque, seguido do decepamento de um membro do corpo do
238
Cf. “População do Districto da Freguesia do Belem pertencente ao Municipio da Villa de Castro, 1835
Arquivo Público Benjamim Teixeira, Guarapuava.
239
Vigorou até 1830 no que toca a questões criminais, pois então foi promulgado o código criminal do
Império. Quanto a questões cíveis, esteve em vigor, em sua maior parte, a1916, quando foi elaborado o
primeiro código cvil brasileiro.
240
“Ordenações Filipinas In: PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed., 2001, p.120.
126
condenado ou do açoitamento público
241
. Sobreviver a estes tormentos sofridos no embarque
e chegar vivo à colônia parece impossível, caso não houvesse abrandamentos nos suplícios
daqueles condenados que o Estado português pretendia projetar como povoadores das novas
terras.
Na época das Ordenações, a teatralização na execução das sentenças ocupava um
papel social fundamental: a economia da punição passava pelo espetáculo
242
. Sobre o corpo
incidem os supcios, a partir do qual se organiza todo o espetáculo punitivo. A encenação da
punição e a encenação do poder do rei se confundem tanto nos patíbulos de execução pública
quanto no próprio corpo dos condenados, onde se inscrevia a vontade e supremacia do
monarca – seu donio se dava sobre os corpos dos súditos
243
.
Tomado como lição pela platéia, o espetáculo punitivo vai além da intimidação,
assumindo outras funções de diferenciação hierárquica. A execução pública dos suplícios
também funcionava como marca de diferenciação pelas categorias estamentais nobiliárquicas,
isentas de tais estigmas em caso de condenação a degredo.
Os “homens de qualidade” de diferentes níveis, incluindo a nobreza, beneficiavam-se
de privilégios de linhagem como a ausência da aplicação de castigos sicos e da execução dos
autos-de-fé, além de, em alguns casos, poderem evitar o degredo para terras longínquas
coloniais, permanecendo nos coutos internos de Portugal. A humilhação ficava reservada às
pessoas comuns, nelas imprimindo o estigma da vergonha. O procedimento judiciário para os
nobres ficava suavizado pela própria Legislação, que lhes reservava determinados privilégios.
Todas essas punições, até então comuns e complementares à pena de degredo na
legislação portuguesa, haviam sido abolidas do leque de suplícios aplicados às pessoas livres
pelo governo luso-brasileiro a partir do Aviso expedido por Dom Pedro I, então príncipe
regente em 1822, o qual declarava que:
Nenhuma lei, e muito menos a penal, será estabelecida sem absoluta necessidade. Toda a pena deve ser
proporcional ao delito e nenhuma deve passar da pessoa do delinqüente. A confiscação de bens, a
241
O baraço consistia numa corda envolvida ao pescoço do condenado, enquanto a autoridade judicial ou o
inquisidor anunciava a pena pelo pregão (proclamação pública). No caso dos cristãos novos banidos do território
português, o suplício era seguido da exposição e cortejo ao longo do auto-de-fé, onde o público geralmente
participava do suplício lançando pedras, injúrias e lixo aos culpados pelas ruas que davam acesso ao porto de
embarque. Cf. PIERONI, Geraldo. Banidos: a Inquisição e a lista dos cristãos novos condenados a viver no
Brasil. Rio de Janeiro; Bertrand Brasil, 2003, p.22.
242
TOMA, Maristela. Op. cit., p.106.
243
Sobre a economia das punições no Antigo Regime, ver FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da
Prisão. Tradução de Lígia M. P. Vassallo. Petrópolis: Editoras Vozes, 1977.
127
infâmia, os açoutes, o baraço e pregão, a marca de ferro quente, a tortura e todas as mais penas cruéis e
infamantes, ficam em conseqüência abolidas
244
.
Todavia, como veremos quatro casos a seguir, tal suplício não deixou de ser aplicado
durante a década de 1820. Por motivos que independem do crime cometido uma vez que os
crimes de homicídio, cometidos em cada caso por uma mulher e outros dois homens
condenados, aparentemente não tiveram punição com tal supcio nos outros casos
documentados -, essas pessoas se tornaram protagonistas de uma forma de espetáculo punitivo
que caracterizou os reinados no Antigo Regime Português.
A carta de guia de três dessas quatro pessoas se inicia com palavras que justificam o
poder do imperador Dom Pedro I, tal como na Constituição de 1824, e finaliza remetendo à
organização judiciária da Província, que executara a condenação: “Dom Pedro pela Graça de
Deus e Unânime Aclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do
Império do Brasil, Faço saber a vós, Comandante Civil ou Militar da Povoação de Nossa
Senhora de Belém de Guarapuava, que das Cadeas desta Cidade se vos remettem degradados
os Reos seguintes (...)”, através do “Doutor” Rodrigo Antonio Monteiro de Barros, Fidalgo
de Sua Imperial Casa, Ouvidor geral desta Comarca, Juiz Relator na Junta de Justiça desta
Província e Juiz dos Degradados”.
245
Vale lembrar que, dos cinco degredados nominados nesta lista, referentes ao ano de
1829, apenas três tem o baraço e pregão como parte da pena. João José Maria é o primeiro a
ser elencado nessa condição. Casado, nascido na cidade de São Paulo e com quarenta e quatro
anos de idade, João era filho de Jacinto Joe Maria da Conceição e “vivia de lavouras”.
Culpado pelos ferimentos e conseqüente morte de Antonio JoGoalves, foi sentenciado
pela Junta de Justiça, na capital provincial, em dois de agosto de 1829 a andar de baraço e
pregão pelas ruas principais, e em cinco anos de degredo para Guarapuava”.
246
Certamente,
sua pena teve início com a expedição da carta de guia em vinte de outubro do mesmo ano.
Após passar pelo suplício do baraço e pregão, João José Maria caminhou por mais de
três meses até ser apresentado a Antonio da Rocha Loures, juntamente com outros dois
degredados e uma degredada, em vinte e seis de janeiro de 1830. Com pena a cumprir até
1834, João permaneceu em Guarapuava pelo menos até 1840, quando seu nome aparece
244
Apud ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. Processo criminal brasileiro. Paris: Typ. Aillaud, Alves & Cia,
vol.1, 2.ed, 1911, p.146. Vale lembrar que o castigo físico aos escravos sob a forma dos açoites foi mantido na
legislação brasileira até sua proibição em 1886
.
245
“Carta de Guia para os Reos abaixo declarados na Povoação de N. S. de Belém de Guarapuava (...) aos vinte
de outubro de 1829 Arquivo Histórico Benjamin Teixeira, Guarapuava.
246
Idem.
128
novamente na documentação, assim como todos os degredados relacionados na lista de
habitantes de 1840, de maneira pouco esclarecedora de sua situação.
Descrito como branco, Joaquim Antonio é o segundo degredado a receber os suplícios
do baraço e pregão antes de ser remetido para Guarapuava em 1829. Com idade mencionada
de mais de trinta anos, e sendo filho de Francisco de Paula Rosário e Marianna Custodia,
Joaquim morava com sua mulher Anna Leite no Bairro do Pouso-Alegre, na Freguesia de
Santa Isabel. Vivendo “do serviço da roça”, o u foi condenado pelas mortes do escravo
Antonio, propriedade de Gertrudes Maria, e do preto forro chamado Thomas, ambos os
crimes acontecidos no Bairro de Jaguari, em Santa Isabel, certamente no trabalho de feitio das
roças de Gertrudes Maria, do qual podem ter resultado desentendimentos entre o escravo da
proprietária, o escravo forro e o livre Joaquim Antonio
247
.
Julgado culpado em Mogimirim, Joaquim recebeu sua sentença da Junta de Justiça da
província em nove de setembro de 1829, condenado “a ser conduzido pelas ruasblicas com
baraço e pregão e dois anos de degredo para Guarapuava”
248
. Assim como João José Maria,
certamente, sua pena teve início com a expedição da carta de guia, em vinte de outubro do
mesmo ano. Após o suplício e quase três meses de viagem até chegar a Guarapuava, e
degredado foi apresentado junto a outros três sentenciados na Freguesia em vinte e seis de
janeiro de 1830. Com uma pena curta a cumprir, e sem nenhum incidente noticiado o
envolvendo durante o cumprimento da pena, não temos maiores informações sobre João José
enquanto esteve em Guarapuava. Com o fim de sua pena, entre 1831 e 1832, o branco livre
deve ter retornado à sua terra de origem, onde deixara família.
Joaquina Maria completa o trio de degredados sentenciados pela Junta de Justiça de
São Paulo a baraço e pregão pelas ruas da cidade de São Paulo antes de serem remetidos para
cumprir degredo em Guarapuava, em cinco de outubro de 1829. Descrita como branca, era
nascida na Freguesia de Juqueri, filha “legítima” de Joaquim Dias com Isabel “de tal
249
.
Viúva de José Francisco, Joaquina matara Ao Ribeiro, sendo presa na vila de
Atibaia, onde esperava sua condenação. Sentenciada “a ser conduzida pelas ruas públicas com
baraço e pregão, e em vinte annos de degredo para Guarapuava”, a condenada andou por mais
de três meses até chegar e ser apresentada na povoação, em vinte e seis de janeiro de 1830.
Com a maior pena entre os condenados a baraço e pregão remetidos pela carta de guia de
1829, a degredada volta a aparecer nas listas de habitantes da década de 1830. Em março de
247
Ibidem.
248
Ibidem.
249
Ibidem.
129
1832, Joaquina Maria é referida como branca, de quarenta e oito anos de idade, e como
solteira. Dez meses depois, em janeiro de 1833, o único dado que aparece alterado é sua
idade, diminuída para quarenta e um anos.
A idade de Joaquina se torna mais difícil de precisar nas listas de 1835, reduzida para
trinta anos na primeira delas, a degredada ainda é referenciada como parda e solteira. Em
outra lista do mesmo ano, Joaquina é referenciada como tendo trinta e um anos de idade,
estando na condição de solteira, e sendo, ainda, descrita como parda livre. Sem nenhuma
outra informação sobre a degredada, ficamos limitados a traçar sua trajetória até 1835.
***
José Manuel de Azevedo, descrito em sua carta de guia avulsa de três de janeiro de
1831 como filho de Manoel Jode Azevedo e Maria Angélica de Siqueira, casado, nascido
na vila do rio São Francisco e com vinte e sete anos de idade, vinha para cumprir cinco anos
de degredo em Guarapuava, após receber a pena em pregão público na Casa de Suplicação da
Corte. Numa carta de guia que vários detalhes do processo, a descrição física detalhada do
condenado chama a atenção: “homem branco, (...) de estatura medianna, coxo da perna
esquerda, olho claro, Rosto redondo, falto de dentes na frente do lado de cima, cabelos pretos,
pouca barba, sobrancelha cabeluda
250
.
Condenado “por Accórdão da Caza da Suplicação” em dois de setembro de 1826 pelo
homicídio de Antonio Rodrigues da Silva, JoManuel enfrentou o processo movido pela
viúva de Antonio, Rita Maria da Conceição, no “districto da Ilha Grande”. De acordo com os
dados do processo descritos na carta de guia, o falecido Antonio Rodrigues da Silva estava em
litígio com o “coxo” José Manuel de Azevedo e Antonio Rodrigues de Santa Anna este
último certamente mais velho -, por questões de posses de terras e colheitas de cafezais.
Incendiado em ódio” Antonio Rodrigues de Santa Anna havia jurado de morte a
Antonio Rodrigues da Silva, mandando seu genro e o “coxo Jo Manuel realizarem o
serviço, para isso fornecendo pólvora e balas a seu genro, não nominado no documento. No
entanto, foi José Manuel quem jurou de morte a Antonio da Silva, num encontro que tiveram
durante o serviço de tropas milicianas.
Tal ameaça foi levada a cabo na tarde de treze de fevereiro de 1825, quando Antonio
Rodrigues da Silva retornava de seu trabalho na lavoura de café. Passando próximo da casa do
250
“Guia que acompanha o Reo sentenciado JoManoel de Azevedo (...) 3 de janeiro de 1831”. Arquivo
Histórico Benjamin Teixeira, Guarapuava.
130
coxo” JoManuel, Antonio da Silva foi ferido com um tiro de espingarda, o qual não viu
quem o atingiu, vindo a falecer três dias depois na vila da Ilha Grande.
No resumo do processo, descrito na carta de guia de José Manuel de Azevedo, existem
descrições do julgamento, realizado na Casa de Suplicação da Corte. De acordo com as
testemunhas ouvidas, logo após o disparo, escravos de JoManuel correram atrás do ferido,
dentre os cafesaes”, com fins de matá-lo de uma vez, desistindo desse ato quando ouviram
outras vozes próximas do ferido. As isso, os escravos - não nominados ou ao menos
enumerados na descrição - se uniram ao seu proprietário e passaram a observar a
movimentação de um ponto alto localizado nos fundos da casa de José Manuel,
permanecendo armados
251
.
Naquela mesma noite, de acordo com o documento, “atravesando por matos para a
outra costa da Ilha”, José, sua mulher e seus escravos passaram para o outro lado do São
Francisco, na vila que levava o mesmo nome do rio, onde permaneceram contrariando as
testemunhas e alegando estarem a cinco léguas do local no dia do crime.
No entanto, as querelas e provocações de José Manuel junto a Antonio Rodrigues da
Silva já haviam se tornado publicamente conhecidos antes do crime acontecer, o que reforçou
sua acusação no julgamento em plenário blico, também conhecido como “pregão”, de onde
saiu sua sentença. Além disso, testemunhas haviam visto o translado de todas aquelas pessoas
naquela noite, assim como tinham visto as pessoas da casa do José Manuel em momentos
próximos do crime.
Ainda de acordo com testemunhas, fora o próprio José Manuel quem atirou em
Antonio. O fato de nenhuma pessoa da casa do réu ter auxiliado no socorro ao ferido também
pesou na decisão da Casa de Suplicação. Além disso, o também litigante e também mandante
do crime, Antonio Rodrigues de Santa Anna, tratou de negar o mandato do crime e provar que
se achava em local distante da casa de José Manuel no momento do crime, fazendo recair
sobre este último quase toda a culpa.
Sentenciado em pregão e audiência pública a cinco anos de degredo para Guarapuava,
José Manuel de Azevedo teve ainda que pagar duzentos mil is à viúva Rita Maria da
Conceição, além de outros cinqüenta mil is à Relação da Corte para os custos dos autos do
processo. O outro réu julgado no mesmo pregão, Antonio Rodrigues de Santa Anna, ficou
sentenciado apenas à pena pecuniária, alçada nos mesmos valores de José Manuel. Entretanto,
apesar de ter sua sentença pronunciada em cinco de setembro de 1826, foi somente em
251
Idem. Todos os dados do caso de José Manuel de Azevedo estão descritos em sua extensa carta de guia.
131
quatorze de outubro de 1829 que o réu iniciou a viagem para degredo, permanecendo, ao que
tudo indica, preso na Corte por quase três anos, possivelmente até o completo pagamento das
penas pecuniárias pela família. É importante frisar que a autoridade que assina a carta de guia,
José Alves Barros, é mencionada como “escrivão dos Degredados” na Corte, função prevista
no já citado Regimento dos degredados, ainda do século XVI.
Alguns sentenciados a degredo, vindos de fora da Corte, realmente amargavam tempos
de prisão até seguirem rumo ao destino da pena.
252
Ao aguardarem a decisão da última
instância de justiça da Capitania e do então Vice-Reino, a Casa de Suplicação, esses homens
permaneciam na prisão do Aljube, verdadeiro depósito e sepulcro humano. Lá, poderiam
construir solidariedades com seus pares, uma vez que os sentenciados eram sazonal ou
parcamente separados por cor, condição social ou condenão. De outra forma, poderiam se
envolver em conflitos entre os diversos detentos e transformar suas estadias num inferno,
como acontecera em 1813, quando o carcereiro foi acionado para encerrar um tumulto na cela
dos degredados brancos” que esperavam o envio para a Índia e Moçambique.
253
O episódio fez com que, três anos mais tarde, os presos que estivessem no Aljube à
espera de envio para degredo fossem transferidos para as Fortalezas de Santa Cruz e Ilha das
Cobras, a fim de aliviar a pressão dos profissionais que lidavam com a administração e guarda
das prisões.
Retornando ao caso de José Manuel de Azevedo, após três anos de espera, o
condenado a degredo seguiu, então, em embarcação até o porto de Santos, com sua carta de
guia indicando que ele deveria ser apresentado ao Ouvidor e Corregedor da Comarca da
cidade de São Paulo, responsável pelo seu envio para Guarapuava a partir de então. Na cidade
de São Paulo, conforme anotação presente na própria carta de guia, José Manuel ainda
permaneceu na cadeia até três de janeiro de 1835, quase cinco anos depois de expedida sua
sentença de degredo, para só então seguir para Guarapuava.
Chegando à povoação, a única informação sobre o período de permanência do
degredado no local diz respeito à lista de habitantes de março de 1832. Relacionado como
degredado casado, o mesmo teve sua idade modificada para vinte e cinco anos.
Independentemente de encontrarmos outros dados referentes a José Manuel, entendemos que
o simples fato desse degredado continuar vivo depois de passar tantos anos aguardando o
252
Sobre essas situações de prisão, ver ARAÚJO, Carlos E. M. de. O Duplo Cativeiro: escravidão urbana e o
sistema prisional no Rio de Janeiro (1790-1821). (Dissertação de Mestrado) UFRJ, Rio de Janeiro, 2004.
253
ANRJ. “Ofício enviado pelo Carcereiro José da Fonseca Ramos ao Corregedor do Crime em 12/05/1813.”
Casa de Suplicação. Caixa 774, pacote 3. Citado em ARAÚJO, Carlos E. M. de., Op., cit., p.106.
132
envio para Guarapuava, através do sistema prisional do império, constitui um processo de
luta pela própria sobrevivência e uma adaptação à vida no cárcere formidável.
3.5 Trajetórias indeterminadas
Anna Gertrudes, nascida na vila de Itu, foi condenada pela Junta de Justiça de São
Paulo a degredo perpétuo pela morte de Paula Maria de Oliveira, em vinte e cinco de outubro
de 1824. Com carta de guia expedida apenas em trinta e um de maio de 1827
254
, a “parda
forra” deve ter permanecido na cadeia da capital provincial até ser enviada para Guarapuava.
Pistas e peculiaridades em relação aos três degredados remetidos em 1827 foram também
relacionadas por Affonso de E. Taunay, ao relatar implicitamente a participação dos
degredados que seguiriam para Guarapuava em 1826, e que teriam permanecido algum tempo
entre maio de 1826 e o início de 1827 trabalhando na reforma do prédio da cadeia da capital
paulista.
Segundo Taunay, “Ficaram as obras concluidas e até 1827 foram aperfeiçoadas. (...)
Por esta ocasião o ouvidor mandou que a Câmara desse a cada degredado condenado para
Guarapuava 1$200 is como ajuda de custo
255
. De certa forma, estes degredados receberam
pelos trabalhos blicos realizados, sem serem dispensados seus destinos de degredo, onde
seriam úteis a partir de então.
Sem maiores informações sobre sua chegada e permanência na
povoação, entendemos que Anna Gertrudes pode não ter sido efetivamente remetida para
degredo em Guarapuava, utilizando-se das possibilidades de perdão e comutação de pena.
Antonio Francisco Sº. aparece pela primeira vez na documentação referente a
Guarapuava em meio a já citada “Relação de pessoas appresentadas neste Districto para
cumprirem degredo”, de 1835. Pardo, solteiro e de vinte e cinco anos de idade, o condenado é
mencionado com sentença de degredo perpétuo. Na outra lista de habitantes referente ao
mesmo ano, Antonio continua com a menção à sua condição de solteiro e de cor parda.
Completam a descrição a menção a sua nacionalidade brasileira, e a mudança abrupta na
idade para quarenta anos. A última refencia ao degredado é feita na pouco esclarecedora
lista de habitantes de 1840. Sem outros dados, ficamos sem saber que destino tomou o pardo
Antonio Francisco após essa data, embora sua pena fosse perpétua.
254
“Guia que acompanha os Reos Constantino, Anna Gertrudes e Maria Ignacia (aos trinta e hum de maio de
1827 ”. Arquivo Histórico Benjamin Teixeira, Guarapuava.
255
TAUNAY, Affonso de E. História da cidade de São Paulo sob o Imrio (1822-1831). São Paulo: Divisão do
Arquivo Histórico, 1956, p.414.
133
João Gonçalves é mencionado uma única vez na documentação guarapuavana,
justamente em seu registro de óbito. Na questão de sua condição de degredado, esse também é
o único registro de sua condição como tal. Em oito de novembro de 1872, João faleceu de
enfermidade o declarada após receber o sacramento da confissão pelo padre Antonio Braga
de Araújo. Descrito pelo reverendo como tendo mais de oitenta anos de idade, sendo solteiro e
natural da cidade de Campos, na província do Rio de Janeiro, João Gonçalves “se achava
muitos annos aqui cumprindo pena de degredo”.
Sem saber o nome dos pais do idoso degredado, o padre Antonio Braga encerra seu
registro eclesiástico referindo a missa de corpo presente e o sepultamento de João no
cemitério de Guarapuava.
Felix Antonio da Silva também tem sua trajetória documentada na Freguesia de
Guarapuava apenas através de seus últimos passos. Com o nome relacionado em meio aos
degredados na lista de habitantes de 1840, o último documento a lhe fazer referência é seu
obituário, feito pelo padre Antonio Braga em onze de dezembro de 1844. Lembrado como
tendo cerca de quarenta e seis anos de idade, também é mencionada sua cidade natal, São
Paulo, onde, segundo o padre, fora casado. Achando-se “neste presídio como degredado”, em
sua doença recebeu os sacramentos da “Penitência, Eucaristia e Extrema Unção” antes de
falecer. Antes de ser sepultado no cemitério da povoação, também teve missa de corpo
presente “por sua alma”.
Com menores informações sobre seu degredo em Guarapuava encontramos Joaquim
Maria, referenciado apenas na lacônica lista de habitantes de 1840
256
. Nenhum outro dado,
além de seu nome, nos esclarece sobre a situação desse condenado.
Francisco Borba também não tem carta de guia fazendo referência às condições de seu
envio para Guarapuava. Seus únicos dados são as listas de habitantes de março de 1832 e de
janeiro de 1833. Na primeira delas, sua descrição em meio ao quadro de degredados presentes
na povoação são a de sua condição de solteiro, de cor denominada branca e de vinte anos de
idade. Na lista produzida dez meses depois, sua condição de solteiro e branco são mantidas,
alterando sua idade para vinte e nove anos. Sem maiores informações sobre este caso,
acreditamos que Francisco tenha recebido um degredo curto, com cerca de dois anos a
cumprir em Guarapuava.
256
BORBA, Oney Barbosa. “Lista Geral dos Habitantes da Freguesia de Nossa Senhora de Belém, em
Guarapuava, em o ano de 1840.” Dados transcritos do original da Câmara de Castro. RHGB. Curitiba: vol.
XXXIV, 1977
134
Dois degredados de nome idêntico e penas similares, apresentados em épocas
bastante próximas, causam dificuldades na análise de suas respectivas trajetórias, uma vez que
as informações sobre cada caso também são diminutas e pouco reveladoras. Estamos nos
referindo a dois degredados de nome João JoRodrigues. O primeiro deles está relacionado
na mencionada relação de pessoas apresentadas para cumprir degredo em Guarapuava em
1835
257
. Pardo, casado e com quarenta anos de idade, João Jo chegava com degredo
perpétuo a cumprir. Em outra lista referente ao mesmo ano, o degredado continua descrito na
situação de casado e com idade de quarenta anos, entretanto, é acrescentada a nacionalidade
brasileira e alterada sua descrição de cor, mudada para índio.
A última informação referente a este degredado João José Rodrigues vem de seu
registro de óbito, em vinte e três de outubro de 1849. De acordo com o padre Antonio Braga,
na ocasião de sua morte, João Rodrigues era pardo, solteiro, de cerca de cinqüenta anos de
idade, e nascido “em uma das províncias do Norte deste império”. Enviado para esta
Parochia a cumprir pena de degredo”, antes de sucumbir a morte, João ainda se confessou
junto ao padre em casa e recebeu o sacramento da extrema unção. Antes de ser sepultado no
cemitério da povoação, o degredado teve ainda missa de corpo presente na igreja da
Freguesia.
Outro degredado de mesmo nome é encontrado pela primeira vez na documentação
referente ao mesmo ano de chegada do homônimo João José Rodrigues já descrito. Em meio à
lista de degredados que se encontravam na povoação a mais tempo, este João Jo
Rodrigues de que estamos tratando agora é descrito como solteiro, “branco” e de quarenta e
cinco anos de idade, além de ser relacionada sua pena , também de degredo perpétuo.
Em outra lista referente ao mesmo ano, este João José, mais velho, aparece com
quarenta e seis anos de idade, tendo sua descrição alterada para “pardo livre”, de origem
portuguesa, e sendo também elencado como casado, sem constar o nome da esposa e sem
filhos. Sem outras informações, encerramos a trajeria desse degredado apenas com os dados
de 1835
258
.
Outro degredado encontrado na documentação teve sua condição de sentenciado
mencionada no dia de Natal de 1845. José, conhecido por Icio Antônio Mascanha, de trinta
e sete anos de idade, foi “justiçado” na povoação de Guarapuava. De acordo com o registro de
257
“População do Districto da Freguesia do Belem pertencente ao Municipio da Villa de Castro, 1835” Arquivo
Público Benjamim Teixeira, Guarapuava.
258
Listas de Habitantes da Freguesia de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava, 1835. Cópia microfilmada
pertencente ao DEHIS. Curitiba, UFPR.
135
óbito anotado pelo padre Ponciano José de Araújo, o pseudônimo Icio, casado com Maria
Romana de Queis, estava degredado no “Presídiode Guarapuava havia três anos. Um ano
antes de ser assassinado, em vinte e dois de dezembro de 1844, sob o pseudônimo de Inácio,
José Antonio Mascanha apadrinhou sozinho o filho de uma família da freguesia, Salvador
Inácio de Oliveira e Francisca Rosa da Luz, batizado com nome homônimo ao verdadeiro de
seu padrinho, José, um mês após seu nascimento. Sem outras informações sobre este
condenado, limitamos sua trajetória ao registro de sua morte e à data presumida de sua vinda
para Guarapuava.
Doze degredados e uma residência
Na lista de 1835, juntamente com o já mencionado JoRodrigues Coelho, ferreiro e
negociante que chegava naquele ano para cumprir oito anos de degredo, estão referidos outros
onze degredados residindo na mesma casa. Além de José, encabeçando o domicílio, são
numerados os degredados Ezequiel Profeta, Felix da Silva, João Francisco de Oliveira,
Antonio Francisco, Antonio Pires Ramos, Francisco - o africano, e um dos condenados
chamado João José Rodrigues. Todos esses condenados já tiveram suas trajetórias descritas.
Entretanto, além desses oito homens, são citados outros quatro nomes o mais
encontrados nos arquivos pesquisados. Todos denominados brasileiros e pardos, são eles:
Manoel Rodrigues da Motta, solteiro e de vinte e cinco anos de idade. João Rodrigues de
Malta, também solteiro, com dezoito anos de idade. Maria do Pilar, casada e de idade de vinte
anos, e Rosa do Pilar, solteira de apenas doze anos
259
. Sem maiores informações sobre essas
quatro pessoas, além da especificação de suas condições de degredados, acabamos por
encerrar suas descrições nesse ponto.
259
Idem.
136
4. Considerações Finais
Com a aprovação do digo Criminal do Brasil Império em 1830, todo calcado no
código proposto por Pascoal de Mello e Freire em Portugal, e consequentemente seguidor das
idéias jurídicas de Beccaria, percebemos uma drástica diminuição no número de crimes
puníveis com o degredo e um grande número de crimes punidos com a prisão com trabalho no
código criminal do Império
260
. Enquanto as Ordenões Filipinas previam a pena de degredo
a 256 crimes e heresias religiosas, o novo código penal brasileiro restringia sua aplicação
apenas aos crimes de estupro (art. 219, 220, 221 e 224) e sobre o exercício ilegítimo de
autoridade militar (art. 141).
Posteriormente, os crimes de falsificação (art.173, 174. 175 e 176) tamm passaram a
incorrer na pena de degredo, especificamente para a Ilha de Fernando de Noronha
261
. No
local, os criminosos enviados eram obrigados a realizar atividades no interior e fora do
presídio que ali foi construído, porém, sem a utilização dessas pessoas como elementos
povoadores
262
.
Entretanto, a utilização do degredo para as novas povoações continuou sendo tema em
discussão em todo o Império. Os textos dos discursos de abertura das sessões legislativas
provinciais de São Paulo de 1835, 1836 e 1837
263
apontam para a necessidade de se transferir
o local de envio dos degredados de Guarapuava para além do rio Iguaçu, mais ao sul da
província, a fim de evitar fugas e povoar os Campos do Corvo, Palmas e Laranjeiras, ainda
desabitados e pximos à fronteira com argentinos e paraguaios, antes que os vizinhos
ibéricos resolvessem levantar pretensões territoriais sobre a região.
Uma tenncia, nesse sentido, se constitui no relatório sobre o estado dos negócios
públicos e sobre as provincias que entendia serem necessárias adotar em Guarapuava,
redigido pelo presidente da Província de São Paulo, Rafael Tobias de Aguiar, em 1835,
atribuindo o atraso em que se encontrava a lide exploradora dos Campos de Guarapuava à
260
CORDEIRO, Carlos Antônio. Código Criminal do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia de
Quirino e Irmão, 1861.
261
Lei de 3 de outubro de 1833. In: Collecção das Leis do Império do Brazil de 1833. Rio de Janeiro.
Typographia Nacional, 1873.
262
Ver PESSOA, Gláucia T. Fernando de Noronha: uma ilha-presídio nos trópicos 1833-1894. Rio de Janeiro,
Arquivo Nacional, 1994.
263
Collecção das Leis e Resoluções decretadas pela assembléia Legislativa da Província de São Paulo:
contendo os actos das secções de 1835-1836-1837. Typographia de Costa Silveira: São Paulo, 1837. A
província de São Paulo foi responsável pela administração do território paranaense e de parte do catarinense a
1853.
137
acanhada administração local e à decisão imperial de estabelecer uma Colônia de
degradados naquela região. O presidente provincial propunha mudanças na administração
guarapuavana e no local de envio dos condenados, pois:
A Expedição de Guarapuava não tem saído do estado de atraso em que uma acanhada administração a
reduziu, tendo sido ineficazes todas as providências que o Governo tem dado, porque não tem sido
possível afastar o Comandante de sua marcha rotineira, e por isso tenho em vista mandar para ali outro
oficial que prometa mais no desempenho de tão importantes obrigações, ainda que isto acarrete algum
aumento de despesa, o que se torna tanto mais necessário quanto ora se requer maior inteligência e
atividade no Comandante, visto que o Governo Imperial resolveu que naquele lugar se estabeleça uma
Colônia de degradados [grifo nosso], a qual julgo conveniente fundar além do rio Iguaçu, tanto para
dificultar a fuga que procurarem evadir-se, e povoar-se os campos do Corvo, Palmas e Laranjeiras que
apesar de quase desconhecidos, passam por bons e extensos, como evitarem-se contestações com os
vizinhos, que no volver dos anos podem suscitar as pretensões que tiveram sobre Vila Rica e Guaira,
outrora destruídas por nossos antepassados
264
.
Como se , a preocupação com as fugas ainda carregavam, no fundo, o caráter de
povoamento e incorporação do degredo colonial. Proteger as possessões imperiais fronteiriças
das pretensões espanholas estava nos planos do presidente provincial. Também se nota que a
criação e manutenção do degredo para a região extravasavam os limites do governo da
Província, seguindo os ditames do governo Imperial. De acordo com declarações do padre
Diogo Antonio Feijó, em janeiro do mesmo ano, essa preocupação já havia chegado aos
ouvidos da Regência. Porém, as mudanças a serem feitas o seguiriam as vontades de Tobias
de Aguiar.
Em artigo publicado no periódico paulista “O Justiceiro”, o senador e ex-ministro da
Justiça do Império expressava sua opinião sobre como deveria se dar o degredo para
Guarapuava: “Está a nossa bela povoação de Guarapuava destinada para degredo de
criminosos. Não achamos fora de propósito a escolha, contanto que para ela fossem somente
aqueles criminosos que merecendo alguma compaixão por suas tristes circunstâncias, não
fossem contudo daqueles que por sua perversidade ou atrocidade de seus delitos merecem um
verdadeiro castigo.
265
Enfatizando o fato de a região ser “país ameno, fértil e já povoado”, Feijó continua seu
artigo em tom de crítica às idéias do mencionado Rafael Tobias de Aguiar, alegando que, com
as facilidades que se encontravam em fugir do local por qualquer degredado que tivesse esse
interesse, ficava claro que Guarapuava não poderia servir de degredo senão aos condenados a
poucos anos de pena, ou a aqueles que não tinham recebido sentença por crime “horrendo”, e
que por esses motivos não pudessem ter intenção em fugir. Na seqüência do texto, o padre
264
Idem, p.69.
265
“Negócios gerais” (extraído de O Justiceiro, nº12, de 29 de janeiro de 1835). In: CALDEIRA, Jorge (org.)
Diogo Antônio Feijó. São Paulo: Coleção Formadores do Brasil, Editora 34, 1999, p.267.
138
ainda critica severamente o então ministro da Justiça do Império que havia comutado em
degredo para Guarapuava a pena de um soldado da Marinha, que a poucos anos com horror
de toda a corte deflorou ou antes assassinou uma criança de cinco anos de idade!”
266
Claramente indignado, Feijó termina o texto no jornal em tom inico, reforçando a
idéia de que os condenados a degredo para Guarapuava deveriam ser apenas os culpados por
crimes considerados leves, além de enfatizar seu repúdio à comutação realizada pelo ministro
da Justiça ao marinheiro culpado pelo horrendo crime.
Nesse sentido, em função das comutações de pena, podemos afirmar que a grande
diminuição do mero de crimes puníveis com o degredo no novo código criminal não se
seguiu a uma conseqüente desarticulação da utilização dos degredados nos processos de
povoamento e incorporação em regiões pouco habitadas ou ainda o inclusas no contexto
econômico/geográfico imperial. Corrobora com nossa perspectiva o decreto de criação da
segunda colônia de degredados em lugar bem especificado no território brasileiro, no período
regencial, em 1834. Nesse documento, a Regência, “em Nome do Imperador o Senhor Dom
Pedro Segundo” e a pedido do presidente da província do Mato Grosso, aprova o
estabelecimento de uma colônia de degredados em São João das Duas Barras, entre os rios
Araguaia e Tocantins, no limite daquela província com o Pará
267
.
A colônia deveria servir às duas províncias, que deveriam se articular com relação à
vigilância para que nenhum criminoso evadisse do local, além de serem responsáveis pela
segurança dos degredados sentenciados. Solicitava-se, ainda, que os governos dessem todas as
provincias necessárias para que “se realize quanto antes aquelle estabelecimento”, e que
fossem remetidas à Secretaria de Estado da Justiça as relações dos presos sentenciados à
prisão que quisessem ter as penas comutadas em degredo para a região, desde que as
autoridades locais os julgassem convenientes à intenção dos envios. Como observação, ao
final do documento a Regência requeria que as relações dos réus contivessem informações
sobre a conduta dos possíveis degredados durante o tempo de prisão e sobre as circunstâncias
agravantes ou atenuantes dos crimes cometidos, com a finalidade de selecionar os condenados
e melhor calcular o tempo comutado.
Nesse caso, podemos notar na flexibilidade da justiça brasileira permancias dos
modos de utilização do degredo no império português, que usava dessa flexibilidade típica do
266
Idem.
267
Aviso de 14 de outubro de 1834 N.º349 Justiça Recomenda todas as providências para o
estabelecimento da Colônia de degredados em São João de duas Barras.”In: Coleção das Decisões do Governo
do Império do Brasil de 1834. Tipografia Nacional, Rio de Janeiro, 1866. p. 261.
139
Antigo Regime para promulgar leis e decretos facilitadores do povoamento de territórios
coloniais, através da inclusão contínua de prisioneiros como mão-de-obra útil aos seus
intentos colonizatórios e incorporativos.
Encontramos, também, o decreto datado de 1835, autorizando a criação da terceira e
última colônia de degredo brasileira, entre os rios Muricy e de Todos os Santos, em Minas
Gerais, a pedido do presidente provincial. Para aquele local específico estavam previstos o
envio tanto de degredados quanto dos vagabundos da província. A Regência, “em Nome do
Imperador..., disponibilizava 4:000$000 is do Tesouro Público Nacional para condicionar
o presidente provincial mineiro
(...) a dar princípio ao ensaio do mesmo estabelecimento, do qual podendo resultar para o futuro grandes
vantagens ao Estado e aos indivíduos que para elle forem destinados, a mesma Regência espera que V.
Ex. procura dar-lhe todo o impulso, organizando as instruções e regulamentos que lhe parecem mais
convenientes para o seu bom regimen e prosperidade, dando a final de tudo conta por essa Secretaria de
Estado
268
.
Quando analisamos o caráter da assimilação social e da relativa liberdade que
gozavam os degredados e questionamos quais seriam os motivos que levaram o governo
imperial à utilização do degredo interno em determinados processos de povoamento – embora
a legislação penal apontasse para a substituição dessa pena pela de prisão com trabalho -,
chegamos à proposição de que os princípios de utilização do degredo interno no Brasil
oitocentista diferem bastante dos pressupostos do utilitarismo benthaminiano, sendo
decorrentes da existência de áreas despovoadas e com necessidades de serem interligadas aos
circuitos econômicos imperiais com o auxílio da incorporação de degredados e demais
criminosos nas lides colonizatórias, num período de escassez populacional anterior ao
incremento das taxas de imigração estrangeira estratégicas (o que aconteceu somente na
segunda metade do século XIX
269
).
A nosso ver, o critério de utilidade social desses degredados também está diretamente
ligado à incorporação social discutida por Richard M. Morse, baseada muito mais nos
princípios ibéricos de integração dentro de espaços coletivos” que ao encarceramento
268
“Aviso de 12 de junho de 1835 – N.º151 – Justiça – Aprovando que se estabeleça uma colônia de degredados
e vagabundos no termo que existe entre os rios Muricy e de Todos os Santos.” In: Coleção das Decisões do
Governo do Império do Brasil de 1835. Tipografia Nacional, Rio de Janeiro, 1864. p. 120.
269
O incremento do número de habitantes levada a cabo pelas levas imigratórias a partir da segunda metade do
século XIX a partir dos novos conceitos de população adotados pelos intelectuais brasileiros oitocentistas o
discutidos em PAZ, Francisco M. Na Poética da História: a realização da utopia nacional oitocentista. Curitiba:
Ed. da UFPR, 1996.
140
privado das sociedades de “indivíduos”
270
. Dentro desses espaços de liberdade - os locais de
degredo -, os degredados poderiam, com o passar do tempo, ser incorporados através de sua
inserção à organização hierárquica da sociedade.
Ao mesmo tempo, temos que atentar para as questões paradoxais que permeiam essa
forma de incorporação: ao mesmo tempo em que se buscava com ênfase introduzir os
degredados em uma vida normal, incorporada ao restante da sociedade, se reforça a tentativa
de reincorporar essas pessoas numa vida que é, na maioria dos casos, de pobreza quase
absoluta. Dessa forma, a relativa liberdade de que gozavam nas terras de degredo, como é o
caso de Guarapuava, era ao mesmo tempo marcada pela hierarquização social decorrente da
estigmatização da cor e da sujeição aos fazendeiros de grandes posses.
Em 1835, quando a população total de Guarapuava já beirava setecentos habitantes, o
padre Diogo Antônio Feijó expressava sua opinião sobre as situações em que se deveria ser
praticado o degredo para Guarapuava. Em artigo publicado no periódico paulista O
Justiceiro”, o senador e ex-ministro da Justiça do Império expunha sua posão mantida sobre
o assunto: Está a nossa bela povoação de Guarapuava destinada para degredo de criminosos.
Não achamos fora de propósito a escolha, contanto que para ela fossem somente aqueles
criminosos que merecendo alguma compaixão por suas tristes circunstâncias, não fossem
contudo daqueles que por sua perversidade ou atrocidade de seus delitos merecem um
verdadeiro castigo.
271
O padre ainda enfatiza o fato de a região ser “país ameno, fértil e já povoado”,
criticando severamente o então ministro da Justiça do Império que havia comutado em
degredo para Guarapuava a pena de um soldado da Marinha, que a poucos anos com horror
de toda a corte deflorou ou antes assassinou uma criança de cinco anos de idade!”.
272
Claramente indignado, Feijó termina o texto no jornal reforçando a idéia de que os
condenados a degredo para Guarapuava deveriam ser apenas os culpados por crimes
considerados leves - no seu entendimento passíveis de reincorporação na hierarquia social -,
além de enfatizar seu repúdio à comutação realizada pelo ministro da Justiça ao marinheiro
culpado pelo horrendo crime.
Assim sendo, compreendemos que o degredo para Guarapuava não deve ser entendido
como mecanismo de povoamento, mas sim como um movimento de inserção social, onde os
270
“O mundo ibérico no contexto da ilustração”. In: MORSE, Richard M. O Espelho de Próspero: Cultura e
idéias nas Aricas. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p.71-111.
271
“Negócios gerais” (extraído de O Justiceiro, nº12, de 29 de janeiro de 1835). In: CALDEIRA, Jorge (org.)
Diogo Antônio Feijó. São Paulo: Editora 34, 1999, p.267.
272
Idem.
141
degredados são reinseridos na hierarquia social através de processos incorporativos em novas
hierarquias na povoação em formação. Entendemos o envio dos degredados para Guarapuava
no século XIX como partes de processos de incorporação dos condenados junto à diversidade
constitutiva de povoadores pobres e indígenas em processos similares no aldeamento de
Atalaia. Nesse processo, todos os degredados, vindos de ‘fora’, recebem um novo lugar e
utilidade social dentro da ordem social da povoação. Reinseridos e responsáveis pela
elaboração de uma nova ordem hierárquica, a estas pessoas passa a ser atribuída – e é
adquirido na maioria dos casos – um novo lugar na ordem social.
142
5. Fontes Manuscritas
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Arquivo Histórico Benjamin Teixeira, Guarapuava.
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Notas nº1 (1835-1843). 1º Tabelionato de notas Gouvêia. Guarapuava.
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da 2ª Vara Cível. ANRJ, Caixa M921, GAL: A.
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de 1863. Arquivo Público do Paraná.Ap. 170, pg. 08. Curitiba
AESP – Arquivo do Estado de São Paulo
Caixa 192, Ordem 987.
Caixa 193, Ordem 988.
Caixa 230, Ordem 1025.
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