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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA
Luciano Da Ros
DECRETOS PRESIDENCIAIS NO BANCO DOS RÉUS:
análise do controle abstrato de constitucionalidade de medidas provisórias pelo
Supremo Tribunal Federal no Brasil (1988-2007)
Porto Alegre
2008
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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA
Luciano Da Ros
DECRETOS PRESIDENCIAIS NO BANCO DOS RÉUS:
análise do controle abstrato de constitucionalidade de medidas provisórias pelo
Supremo Tribunal Federal no Brasil (1988-2007)
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciência Política da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Ciência Política.
Orientador: Prof. Dr. André Luiz Marenco
dos Santos
Porto Alegre
2008
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Luciano Da Ros
Decretos presidenciais no banco dos réus:
análise do controle abstrato de constitucionalidade de medidas provisórias pelo
Supremo Tribunal Federal no Brasil (1988-2007)
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciência Política da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Ciência Política.
Defesa pública em 28 de março de 2008.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Prof. Dr. André Luiz Marenco dos Santos – UFRGS
____________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Schmidt Arturi – UFRGS
____________________________________________________
Prof. Dr. Luis Gustavo Melo Grohmann – UFRGS/UFSM
____________________________________________________
Prof. Dr. Raúl Enrique Rojo – UFRGS
3
Dedico este trabalho aos meus avós,
Antonietta de Lourdes Da Ros e
Cyrillo Guerino Da Ros (in
memoriam), pelo permanente
incentivo e apoio aos meus estudos;
por terem me ensinado os
indispensáveis valores da dedicação
e da disciplina.
4
AGRADECIMENTOS
Como qualquer produto da atividade humana, esta dissertação não foi realizada
em isolamento. Ainda que momentos de relativa clausura tenham se afigurado
inevitáveis durante a elaboração deste manuscrito, seguramente muitos contribuíram,
direta e indiretamente, para sua realização. De início, cumpre agradecer ao Conselho
Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que me forneceu vital
aporte financeiro durante estes dois anos de imersão na pesquisa sobre parte
significativa da atuação do Supremo Tribunal Federal na política brasileira. Ainda no
plano institucional, recebe meu sincero sentimento de gratidão o Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que
soube compreender as razões de minha mudança de área, da ciência jurídica à política,
ainda que o objeto de estudo por mim pretendido formalmente autorizasse pensar que
esta mudança não fosse realmente necessária. Junto ao programa, agradeço
especialmente ao professor André Luiz Marenco dos Santos, meu orientador e exemplo
acadêmico de comprometimento com a missão institucional da Universidade de
produção criteriosa do conhecimento. Desde os tempos em que eu era aluno de
graduação na Faculdade de Direito, seus ensinamentos vem me auxiliando a
compreender a política e suas instituições, expandindo meu horizonte de análise para
muito além dos conhecimentos estritamente jurídicos. Ainda no programa, agradeço aos
professores André Borges de Carvalho, Céli Regina Pinto, Maria Izabel Noll e
Mercedes Cánepa, em cujas disciplinas vivi a grata oportunidade de debater e aprender
muito sobre a política do ponto de vista sério e rigoroso que o conhecimento científico
impõe. Ainda neste sentido, impõe-se manifestar minha gratidão aos professores Carlos
Schmidt Arturi, Luis Gustavo Mello Grohmann e Raúl Enrique Rojo por terem aceitado
o convite de integrar a banca de avaliação deste trabalho. Sou grato também aos
professores Fernando Limongi, Matthew Taylor e Maria Tereza Sadek, que me
acolheram em suas respectivas disciplinas junto ao Programa de Pós-Graduação em
Ciência Política da Universidade de São Paulo durante o ano de elaboração desta
dissertação. Suas sugestões e o interesse em ajudar no desenvolvimento de minha
pesquisa certamente contribuíram para a melhoria deste trabalho. Finalizando os
agradecimentos no plano das instituições, demonstro minha gratidão ao Grupo de
Pesquisa Constituição e Sociedade, que integro mais de três anos e cujos membros
têm sido importantes interlocutores para o aprimoramento dos trabalhos que
desenvolvo, entre os quais se inclui este próprio manuscrito que, de certa maneira, deu
seus primeiros passos no interior do grupo ainda sob a forma de uma pesquisa de
iniciação científica. Em especial, agradeço ao seu coordenador, professor Eduardo
Kroeff Machado Carrion, cujas reflexões sempre me impactaram positivamente no
sentido de compreender o direito sob uma perspectiva mais interdisciplinar e desgarrada
do tradicional formalismo jurídico.
Agradeço ainda a um conjunto imenso de colegas, tanto da Faculdade de Direito
como do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, bem como do Colégio
Rosário, e amigos de todos os lugares, cujas contribuições foram certamente
incorporadas a esta dissertação. Em especial, agradeço aos amigos Antônio Carlos Tovo
Loureiro e Paulo Baptista Caruso Mac-Donald, companheiros de Faculdade de Direito,
de vida, de peregrinação pelos bares da Cidade Baixa e de certa angústia quanto ao
futuro na carreira acadêmica. Manifesto ainda minha gratidão às minhas tias Elisabete e
Maria Beatriz. Sempre presentes, sabem me incentivar e auxiliar nas decisões dos rumos
que tomar por estes caminhos da vida. À minha querida mãe, não tenho condições de
5
agradecer por tudo que ela sempre me ensinou e ainda ensina. Quando penso nos
percalços que passamos esses anos todos, chego à conclusão que somos a prova viva de
um ditado muito comum por estas terras, afinal,
não está morto quem peleia. À minha
linda Marina, não tenho condições de reduzir a palavras para agradecer por tudo que
viver com ela me proporciona e pela eterna paciência com que sabe me compreender
quando as dificuldades surgem. Por tudo que vivemos juntos todos os dias, acredito que
terei de passar uma vida inteira agradecendo e retribuindo.
Agradeço finalmente às contribuições dadas por todos que, em razão do espaço
exíguo ou da falta de memória, não pude citar aqui. Suas sugestões, críticas, correções e
amizade, na medida do possível, foram incorporadas a esta pesquisa. Ainda em tempos
de Faculdade de Direito, lembro-me que um professor, comunicando-se à turma,
afirmou acertada e ironicamente que a mediocridade não comporta responsabilidade
solidária. Exatamente neste sentido operam os equívocos remanescentes no texto que se
segue. A responsabilidade por eles é inteiramente minha.
Porto Alegre, março de 2008.
6
“The constitution is not what the Court says
it is. Rather, it is what the people, acting
constitutionally through the other branches
eventually allow the Court to say it is.”
(John Rawls, Political liberalism, p. 237)
7
RESUMO
A presente dissertação analisa o controle abstrato de constitucionalidade exercido pelo
Supremo Tribunal Federal quanto ao poder de decreto do Presidente da República no
Brasil posterior à promulgação da Constituição de 1988, as medidas provisórias. Neste
sentido, o trabalho propõe-se a mapear e a fornecer uma explicação para os padrões de
acionamento e decisão da mais alta corte brasileira quando esta é chamada a julgar
Ações Diretas de Inconstitucionalidade sobre o instrumento unilateral de ação do Poder
Executivo no Brasil. A pesquisa parte da constatação de que boa parcela da literatura
existente tanto no direito como na ciência política não conferiu tratamento adequado ao
tema, adotando uma retórica no mais das vezes simplificadora da realidade, quando não
essencialmente normativa. Em vista da insuficiência das matrizes teóricas empregadas
naqueles trabalhos, parte-se para a exposição de outras vertentes analíticas, ainda não
incorporadas de modo satisfatório ao exame das instituições judiciais no período recente
de democracia no Brasil. Constitui-se a partir disso um modelo de análise centrado nas
relações estabelecidas entre os diferentes Poderes do Estado, em especial Poder
Executivo e Suprema Corte. A matriz teórica adotada é formada, portanto, tomando por
base o chamado modelo estratégico de separação de poderes ao qual se agregam
contribuições do neo-institucionalismo e dos estudos sobre a presença de organizações
de interesses junto ao Poder Judiciário. A hipótese formada a partir desse construto
afirma que a tendência geral a ser constatada é a não intervenção constante do Supremo
Tribunal Federal quanto ao poder de decreto do presidente brasileiro. Isso ocorreria
porque a corte, ciente de sua posição no sistema político, percebe que o risco de
apresentar-se como um entrave à ação governativa pelo Poder Executivo pode redundar
em embate com este, possivelmente resultando em saldo negativo ao tribunal. Em vista
disso, a corte adota uma postura de intervir de forma tópica e pontual, não se
apresentando como um obstáculo constante ao governo, mas nem por isso retirando-lhe
importância política. Em especial, de acordo com o modelo proposto, é de se esperar
que a corte intervenha apenas quando os riscos de sofrer sanções sejam minimizados, o
que se verifica quando o tribunal recebe alguma espécie de suporte político efetivo por
outros atores políticos de destaque, capazes de auxiliar na construção da respeitabilidade
das decisões e da própria instituição em questão. Quando se parte para a análise das
evidências empíricas, as hipóteses centrais são em grande medida confirmadas, visto
que a tendência geral ao não intervencionismo é a tônica. Semelhantemente, as
situações em que o tribunal intervém se dão majoritariamente em temas que não se
refletem diretamente sobre o próprio Poder Executivo, como também significativo
sucesso de proponentes como governadores de Estado, associações empresariais e
entidades de fiscalização da ordem jurídica, como o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil e o Procurador-Geral da República, o que corrobora a importância
de atores que possam fornecer apoio público às decisões da corte contrárias ao governo.
Por outro lado, partidos políticos – em especial aqueles envolvidos diretamente na
disputa eleitoral pela chefia do Executivo tendem a ter significativamente menos
sucesso na propositura das ações, o mesmo ocorrendo com associações profissionais,
possivelmente em função de seu menor peso político.
Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal; controle de constitucionalidade; medidas
provisórias.
8
ABSTRACT
The present dissertation analyses the judicial review exercised by the Supreme Federal
Tribunal over the Brazilian’s president executive decrees after the 1988 Constitution,
named provisional measures. It proposes to map and to explain the patterns of standing
and decision-making of the highest Brazilian court when it is called to judge Direct
Actions of Unconstitutionality (ADINs) about the unilateral instrument of action of the
Executive branch in Brazil. The research begins with the statement that large part of the
literature, both in law and political science, hadn’t conferred adequate treatment to the
theme, adopting a rhetoric usually simplifier of this reality, and sometimes essentially
normative. Considering the insufficiencies of the theoretical frameworks presented in
those works, other analytical theories are presented next, still not incorporated
satisfactorily in the exam of the judicial institutions in the recent period of democracy in
Brazil. By these terms, it is constituted a model of analysis centered in the relations
established among the different branches of the State, specially the Executive and the
Supreme Court. The theoretical framework adopted is formed, then, taking as basis the
so called separation-of-powers model, in to which are aggregated contributions of the
neo-institutionalism and the studies about the presence of organized interests before the
judicial branch. The hypothesis formed from this framework affirms that the general
trend to be found is the non-constant intervention of the Supreme Federal Tribunal over
the decree powers of the Brazilian president. This is supposed to happen because the
court, aware of its position in the political system, realizes that the risk of presenting
itself as a deadlock to the governmental action by the Executive branch may conduce to
a shock among them, possibly resulting in a negative balance to the court. Consciously,
the court adopts a posture of interfering by a punctual way, not presenting itself as a
constant obstacle to the government, but without removing its political significance.
Specially, according to the proposed model, the court is supposed to interfere only when
the risks of suffering sanctions are minimized by the presence of effective political
supports given by important political actors that can ensure the respectability of the
decisions and of the institution itself. Passing to the analysis of the empirical findings,
the central hypothesis is largely confirmed, since the general trend of non-intervention
of the court is the tonic. In the same way, the situations in which the court interferes are
preponderantly themes are not directly concerned to the immediate interests of the
Executive branch, and the most successful proponents are the state governments, the
business associations, and some significant entities of the legal arena, such as the
Prosecutor General and the Federal Council of the Brazilian Bar Association,
confirming the importance of those actors in giving effective support to the court’s
decisions against the government. On the other hand, the political parties – specially the
ones involved directly in the electoral competition for the Executive branch – tend to be
less successful in the proposal of those actions, the same happening to the professional
associations and unions, probably because of its lower political weight.
Key-words: Supreme Federal Tribunal; judicial review; provisional measures.
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 01.
Legitimados ativos para propositura de Ação Direta de
Inconstitucionalidade no Brasil antes e depois da Constituição de 1988.................. 29
Tabela 02. Quadro geral de medidas provisórias no Brasil (1988-2006)................. 38
Tabela 03. Comparativo entre os tipos-ideais de sistemas de controle judicial
de constitucionalidade das leis................................................................................... 102
Tabela 04. Comparação entre o rol de legitimados ativos brasileiro e o
usualmente presente nos países europeus para propositura de ações de
inconstitucionalidade direta e abstratamente ao mais alto tribunal do país............... 106
Tabela 05. ADIns propostas contra medidas provisórias por proponente
(1988-2007)................................................................................................................ 119
Tabela 06. ADIns propostas por partidos políticos contra medidas provisórias
(1988-2007)................................................................................................................ 120
Tabela 07. ADIns propostas por sindicatos e entidades de classe de âmbito
nacional contra medidas provisórias (1988-2007)..................................................... 125
Tabela 08. Divisão temática das ADIns propostas contra medidas provisórias
(1988-2007)................................................................................................................ 128
Tabela 09. Divisão temática das ADIns propostas contra medidas provisórias
por ano de propositura (1988-2007)........................................................................... 130
Tabela 10. ADIns propostas contra medidas provisórias, antes e depois da
Emenda Constitucional nº. 32, de 11 de setembro de 2001 (1988-2007).................. 135
Tabela 11. Resultados dos julgamentos de pedidos de liminar em ADIns
contra medidas provisórias (1988-2007).................................................................... 139
Tabela 12. Razões para a prejudicialidade e para o não conhecimento das
ações nos julgamentos de pedidos de liminar em ADIns contra medidas
provisórias (1988-2007)............................................................................................. 144
Tabela 13. Síntese dos posicionamentos firmados pelo Supremo Tribunal
Federal nos julgamentos dos pedidos de liminar em ADIns contra medidas
provisórias (1988-2007)............................................................................................. 153
Tabela 14. Tipos de decisão nos julgamentos de pedidos de liminar em ADIns
contra medidas provisórias no Brasil (1988-2007).................................................... 154
Tabela 15. Sucesso dos diferentes proponentes em ADIns contra medidas
provisórias (1988-2007)............................................................................................. 161
10
Tabela 16. Sucesso dos partidos políticos nas ADIns propostas contra medidas
provisórias (1988-2007)............................................................................................. 166
Tabela 17. Liminares deferidas pelo STF em ADIns propostas contra medidas
provisórias, antes e depois da Emenda Constitucional nº. 32, de 11 de setembro
de 2001 (1988-2007).................................................................................................. 170
Tabela 18. Regulação constitucional das medidas provisórias antes e depois da
Emenda Constitucional nº. 32/2001........................................................................... 188
Tabela 19: Medidas provisórias aprovadas com e sem alteração pelo Congresso
Nacional (1989-1994/2001-2006).............................................................................. 192
Tabela 20. Resultados dos julgamentos de mérito em ADIns contra medidas
provisórias (1988-2007)............................................................................................. 194
11
LISTA DEGRÁFICOS
Gráfico 01.
ADIns propostas por ano (1988-2007).................................................. 129
Gráfico 02. ADIns propostas por associações empresariais e profissionais
contra medidas provisórias por ano (1988-2007)...................................................... 132
Gráfico 03. ADIns propostas por partido políticos de esquerda, centro e
direita contra medidas provisórias por ano (1988-2007)........................................... 134
Gráfico 04. ADIns propostas por PT, PSDB e PFL contra medidas provisórias
por ano (1988-2007)................................................................................................... 135
Gráfico 05. Intervenção do STF por assunto em ADIns contra das medidas
provisórias (1988-2007)............................................................................................. 155
Gráfico 06. ADIns propostas contra medidas provisórias e liminares
concedidas por ano (1988-2007)................................................................................ 168
12
LISTA DEABREVIATURAS E SIGLAS
ADC – Ação Direta de Constitucionalidade
ADIn(s) – Ação(ões) Direta(s) de Inconstitucionalidade
AGU – Advocacia-Geral da União
AMB – Associação de Magistrados Brasileiros
CGT – Confederação Geral dos Trabalhadores
CNI – Confederação Nacional da Indústria
CNM – Confederação Nacional dos Metalúrgicos
CNPL – Confederação Nacional das Profissões Liberais
CNTM – Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos
CONFENEN – Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CPC – Código de Processo Civil
CSPB – Confederação dos Servidores Públicos do Brasil
CUT – Central Única dos Trabalhadores
CVM – Comissão de Valores Mobiliários
DF – Distrito Federal
EC – Emenda Constitucional
IOF – Imposto sobre Operações Financeiras
MP(s) – Medida(s) provisória(s)
EUA – Estados Unidos da América
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico
PASEP – Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público
PC do B – Partido Comunista do Brasil
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PFL – Partido da Frente Liberal
PGR – Procuradoria-Geral da República
PIS – Programa de Integração Social
PL – Partido Liberal
PMN – Partido da Mobilização Nacional
PNAB – Partido Nacional dos Aposentados do Brasil
PP – Partido Progressista
PPB – Partido Progressista Brasileiro
PPR – Partido Progressista Renovador
PPS – Partido Popular Socialista
PRONA – Partido da Reedificação da Ordem Nacional
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSDB – Partido da Social-Democracia Brasileira
PSL – Partido Social Liberal
PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PV – Partido Verde
SPSS – Statistical Package for Social Sciences
STF – Supremo Tribunal Federal
UNE – União Nacional de Estudantes
13
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 14
2 TRIBUNAIS, POLÍTICA E DECRETOS NOBRASIL CONTEMPORÂNEO... 22
2.1 Introdução............................................................................................................ 22
2.2 O Supremo Tribunal Federal e o controle de constitucionalidade de leis........... 23
2.2.1 Breve histórico das funções do Supremo Tribunal Federal............................. 24
2.2.2 Supremo Tribunal Federal na Constituição de 1988........................................ 27
2.3 O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política no Brasil................. 32
2.4 Relações Executivo-Legislativo e medidas provisórias no Brasil....................... 36
2.5 Medidas provisórias no Supremo Tribunal Federal: análises.............................. 44
2.5.1 A retórica estilizada nos meios jurídicos.......................................................... 44
2.5.2 Os trabalhos de cientistas políticos sobre o tema............................................. 49
2.6 Conclusões do capítulo........................................................................................ 54
3 PERSPECTIVAS TEÓRICAS NO ESTUDO DOS TRIBUNAIS......................... 56
3.1 Introdução............................................................................................................ 56
3.2 Além do formalismo, da visão normativa e da judicialização da política........... 58
3.3 As abordagens predominantes............................................................................. 70
3.3.1 O modelo atitudinal e sua difícil aplicação à realidade brasileira.................. 72
3.3.2 O modelo estratégico como modelo de separação de poderes......................... 83
3.4 Abordagens complementares............................................................................... 100
3.4.1 A presença do neo-institucionalismo nos estudos sobre o Poder Judiciário... 101
3.4.2 Interesses organizados e dinâmica judicial...................................................... 108
3.5 Conclusões do capítulo........................................................................................ 112
4 MEDIDAS PROVISÓRIAS NOSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL................ 114
4.1 Introdução............................................................................................................ 114
4.2 O controle de constitucionalidade de medidas provisórias em números............. 116
4.2.1 Padrões de acionamento do Supremo Tribunal Federal.................................. 117
4.2.2 O Supremo Tribunal Federal julgando decretos presidenciais........................ 137
4.3 Leading cases envolvendo o poder de decreto do presidente brasileiro.............. 171
4.3.1 O controle dos requisitos de urgência e relevância......................................... 172
4.3.2 Posicionamentos da corte sobre a reedição de medidas provisórias............... 175
4.4 Conclusões do capítulo........................................................................................ 180
5 CONCLUSÃO........................................................................................................ 183
APÊNDICE A Efeitos legislativos da Emenda Constitucional nº. 32/2001........... 187
APÊNDICE B – Julgamentos de mérito de ADIns contra medidas provisórias....... 194
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 196
14
1 INTRODUÇÃO
A análise relativa à dinâmica de órgãos jurisdicionais soa inicialmente estranha
aos debates fundamentais travados na ciência política. Todavia, embora se trate de tema
aparentemente mais afeito aos estudos jurídicos, este vêm gradualmente merecendo
atenção dos cientistas políticos brasileiros, especialmente a partir da década de 1990,
com freqüência sob o rótulo dos estudos envolvendo a chamada “judicialização da
política”
1
. Esta atenção recente à participação de tribunais no policy-making, entretanto,
não é uma particularidade brasileira e tampouco contemporânea. Pelo menos desde o
final da década de 1950 e o início dos anos 60, a literatura estrangeira, em especial a
estadunidense, vem se debruçando sobre o tema
2
. Atualmente este campo de estudos
mostra-se em fecunda expansão na ciência política desenvolvida em muitos países, em
especial naqueles de recente transição para a democracia e nos Estados Unidos da
América (EUA), terra de origem deste tipo de análise.
Mais do que inventariar o desenvolvimento desses estudos no interior da ciência
política ao redor do mundo, o objetivo da presente introdução é situar em meio a que
debates se insere a pesquisa político-científica das instituições judiciais. Basicamente,
tais estudos envolvem dois temas particularmente caros à disciplina. Em primeiro lugar,
a pesquisa de instituições judiciais é parte integrante do debate concernente à
institucionalização do Estado de Direito
3
. Nesse caso, frisa-se o impacto da
independência do Poder Judiciário em relação às demais arenas decisórias,
especialmente aquelas legislativas, como instância que aplica e interpreta regras que se
pretendem universais. Uma segunda arena à qual o estudo da dinâmica jurisdicional faz-
1
Entre estes estudos iniciais, certamente se incluem os trabalhos realizados por Ariosto Teixeira (1996),
Rogério Bastos Arantes (1997) e Marcus Faro de Castro (1997). Importantes contribuições, especialmente
no que se refere à coleta de dados empíricos, foram realizadas nos trabalhos resultantes do convênio
firmado entre a Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) e o Instituto Universitário de Pesquisas do
Rio de Janeiro (IUPERJ), que podem ser encontrados, entre outras, nas obras elaboradas em conjunto por
Luiz Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palacios Cunha Melo e Marcelo
Baumann Burgos (1996; 1997; 1999).
2
Os estudos empreendidos por Robert Dahl (1957) e Martin Shapiro (1964) sobre a Suprema Corte norte-
americana são especialmente relevantes neste período.
3
A expressão “Estado de Direito” será adotada doravante como a equivalente em português às expressões
rule of law e rechtsstaat, existentes nas línguas inglesa e alemã, respectivamente. Um conceito
minimalista de Estado de Direito define-o como uma propriedade de um dado sistema político no qual
obediência às leis quando estas são gerais, públicas, prospectivas, claras e estáveis, fixando limites à
atuação do Estado tanto procedimentais como substantivos e, na maioria dos casos, um conjunto de
direitos considerados fundamentais, de livre exercício por parte de todos os cidadãos (Weingast, 1997;
Sánchez-Cuenca, 2003). Integra, assim, debate afeito ao liberalismo político, entendido este como parte
fundamental do processo de institucionalização da poliarquia (Dahl, 1971; Arantes & Kerche, 1999).
15
se relevante é aquela que diz respeito àquilo que em tempos recentes se convencionou
chamar
accountability horizontal (O’Donnell, 1998). Vistos dessa perspectiva, os
estudos sobre o Poder Judiciário integram as discussões relativas às estruturas de
controle das atividades do governo e das demais agências estatais, em uma clara
referência ao clássico debate sobre separação de poderes e checks and balances. Além
dessas, pode-se mencionar obviamente outras áreas às quais a análise de órgãos do
Poder Judiciário é relevante à ciência política, embora se possa destacar esses dois
campos como os principais
4
. Como se percebe, a discussão envolvendo instituições
judiciais abrange importantes e largas parcelas de discussões não desinteressantes aos
analistas políticos. Na realidade, trata-se de debate bastante extenso e não se tem
nenhuma pretensão de exauri-lo nesta pesquisa. Ao contrário, a presente dissertação
busca debruçar-se sobre uma pequena fração desta imensa discussão, colocando-a junto
ao exame das instituições políticas brasileiras que emergiram da Constituição de 1988,
com foco especial sobre a conformação institucional do órgão de cúpula do Poder
Judiciário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal (STF). A presente dissertação trata,
enfim, do controle de constitucionalidade exercido por esta corte sobre as medidas
provisórias poder de decreto e poderoso instrumento de ação unilateral da Presidência
da República no Brasil contemporâneo. Desta forma, a presente pesquisa envolve dois
aspectos centrais oriundos da realidade constitucional brasileira consagrada em 1988.
Como sintetizam Maria Tereza Sadek e Rosângela Batista Cavalcanti:
Se a Constituição fortaleceu a estrutura de produção legal do
Legislativo e restabeleceu suas faculdades, ela não removeu a
habilidade do Executivo legislar através de ordens executivas
(medidas
provisórias)
. Ao mesmo tempo, ao Poder Judiciário foi dada grande
independência e conferida a prerrogativa de analisar a
constitucionalidade de atos legislativos e executivos
5
(Sadek &
Cavalcanti, 2003, p. 203, ênfases no original)
4
imensa gama de temas às quais a compreensão da dinâmica judicial se faz relevante, como, por
exemplo, a política econômica (Pinheiro, 2000; Feld & Voigt, 2002), as relações capital-trabalho (Horn,
2006), e as relações civil-militares (Zaverucha & Melo Filho, 2004). Todavia, o impacto dessas
discussões é marginal no que tange ao objeto imediato do estudo realizado na presente dissertação. Em
tempos recentes, outro tema ao qual os estudos sobre o Poder Judiciário têm se feito importantes é aquele
referente à chamada
accountability social, como atestam os trabalhos de Catalina Smulovitz (2001; 2006).
O autor agradece a Raúl Enrique Rojo pela lembrança deste importante campo de estudos ao qual o
exame da dinâmica judicial tem se feito crescentemente relevante.
5
Tradução livre do inglês a partir de: “While the Constitution strengthened the Legislature’s law-making
process and oversight its capabilities, it did not remove the ability of the Executive to legislate through
executive decrees (
medidas provisórias). At the same time, the judicial branch was given greater
independence and was conferred the prerogative of determining the constitutionality of legislative and
executive acts.”
(Sadek & Cavalcanti, 2003, p. 203, ênfases no original).
16
Por um lado, sabe-se que a nova Constituição alargou sobremaneira as
atribuições do Supremo Tribunal Federal, ampliando o rol de atores aptos a apresentar
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), criando, na expressão corrente, uma
“comunidade de intérpretes”
6
bastante propícia ao exercício do controle de
constitucionalidade dos atos emanados pelas diversas esferas do governo (Vianna et alii,
1999)
7
. Como se observa, portanto, o recorte dado abarca um modo bastante específico
de atuação do Poder Judiciário, qual seja, a possibilidade de revisar a adequação à
Constituição de diplomas legais emanados pelas diversas arenas decisórias do Estado e,
no caso específico, pelo Poder Executivo. Surgido nos Estados Unidos no célebre caso
Marbury vs. Madison, de 1803, o instituto da judicial review somente passou a ser
adotado ao redor do mundo com mais destaque ao longo do século XX, com impulsos
significativos a partir do final da II Guerra Mundial e, mais ainda, com a promulgação
de novas constituições oriundas da chamada third wave democrática, na qual América
Latina, Leste Europeu, Sul da Europa e mesmo países asiáticos ocuparam lugar de
destaque (Schwartz, 2000; Ginsburg, 2003; Couso, 2004; Navia e Rios-Figueroa, 2005;
Guarnieri; Magalhães; Kaminis, 2006). Hoje, fala-se em mais de 70 constituições
nacionais nas quais explicitamente prevista a possibilidade de controle de
constitucionalidade de leis por órgãos do Poder Judiciário ou de outras instituições
semelhantes, como o Conseil Constitutionnel francês (Abraham, 1998)
8
. Do ponto de
vista teórico, a possibilidade de instituições judiciais controlarem a constitucionalidade
das leis pode ser vista como uma questão que envolve tanto o debate relativo à
consolidação do Estado de Direito pelo Poder Judiciário preservar o princípio da
hierarquia legal, declarando inconstitucionais ou inaplicáveis leis que colidam com as
regras e princípios da Constituição como aquela outra discussão atinente ao exercício
6
A idéia de uma comunidade de intérpretes remete diretamente à noção de constituição e sociedade
abertas
de que fala o jurista alemão Peter Häberle (1997 [1981]). Trata-se de conceito análogo ao de
diálogo constitucional, elaborado pelo jurista estadunidense Louis Fisher (1988), semelhante também à
idéia de
construção constitucional, cunhada por Keith Whittington (2001) em obra mais recente. Em
comum, estas perspectivas assumem o caráter incompleto do texto constitucional quando considerado
apenas em si mesmo, visto que seu sentido final seria estabelecido por meio do debate público sobre o
significado final da Constituição, situação na qual o Poder Judiciário e o conjunto das demais instituições
políticas e organizações sociais ocupariam lugar de destaque. O autor agrade a Lucas Pizzolatto Konzen
pela lembrança destas questões pertinentes.
7
Como será visto com maior detalhamento adiante, até 1988 somente o Procurador-Geral da República,
nomeado e vinculado institucionalmente ao Presidente da República, podia contestar direta e
abstratamente a constitucionalidade de uma lei junto ao STF. A partir da Constituição promulgada
naquele ano, conforme consta em seu art. 103, o leque de propositores se estendeu massivamente,
passando a contemplar conjunto bastante amplo de possíveis proponentes.
8
Ainda que um tanto óbvio, vale lembrar que muitos países não permitem ao Poder Judiciário o exercício
destas funções. Como é de se esperar, isto diminui significativamente as possibilidades de participação
direta da magistratura no processo político (Guarnieri & Pederzoli, 1996).
17
de controles horizontais, haja vista a possibilidade de se acionar o Poder Judiciário para
que este atue de modo a evitar abusos na ação de outros órgãos do Estado. Como se
detalhará oportunamente, a realidade brasileira apresenta particularidades institucionais
que indicam a elevada importância política do exercício dessas funções pelo STF no
contexto democrático recente.
Por outro lado, entretanto, a mesma Constituição de 1988 não alterou
significativamente as prerrogativas legislativas do Presidente da República oriundas do
período autoritário, como foi sobejamente demonstrado pela literatura (Figueiredo &
Limongi, 1995; 1999; 2006). Desta forma, manteve-se a centralização da produção
legislativa em torno do Poder Executivo, o que suscitou e ainda suscita um sério
debate quanto às eventuais usurpações legislativas que o Presidente da República estaria
cometendo contra funções consideradas precípuas do Congresso Nacional. Nestas
situações, afirma parte da literatura sobre o tema, o STF seria chamado a intervir para
restabelecer o princípio constitucional da harmonia e do equilíbrio entre os Poderes do
Estado, presente no art. 2º. da Constituição brasileira, eventualmente evitando o que se
considera ser uma “verticalização” das relações entre os Poderes Executivo e
Legislativo, buscando controlar a atividade legislativa da Presidência da República.
O trabalho busca, portanto, contrastar a expansão de funções por que passou o
STF com a pujança legislativa apresentada pelo Poder Executivo. Deste modo, a
discussão aqui empreendida aproxima-se daquela que ressalta a importância dos
controles horizontais envolvendo a atuação do Poder Executivo na América Latina
(Figueiredo, 2001), para os quais contribuiria a participação do Poder Judiciário.
Especificamente, objetiva-se inserir esta dissertação no debate mais amplo do campo
recente de estudos que se convencionou chamar
relações Executivo-Suprema Corte
(Helmke, 2002; Chavez, 2004; Scribner, 2004), examinando-se como o mais alto
tribunal brasileiro se vale de suas prerrogativas constitucionais para controlar ou não a
atividade legislativa unilateral do governo, atuando como possível ponto de veto às
políticas veiculadas através daquele instrumento normativo específico. O objetivo de se
realizar semelhante exame é compreender como se processam as relações entre estes
dois órgãos fundamentais do Estado, verificando inclusive a correção de algumas das
leituras realizadas sobre o tema, tanto no campo da ciência política como da ciência
jurídica, mesmo que sejam poucos os trabalhos que se propõem explicitamente a
analisar este assunto em profundidade. Em contrariedade à maioria dessas leituras
realizadas, pretende-se argumentar que a atuação do órgão não é completamente silente
18
e tampouco linear, havendo variações relevantes que não podem ser descartadas se o
que se pretende é a compreensão mais aprofundada do tema proposto. Buscar-se-á
demonstrar que o tribunal é mais ou menos sensível a certos temas, atores e conjunturas
políticas, colocando-se não raramente como uma barreira à atuação unilateral do Poder
Executivo no Brasil. Ainda que a corte apresente, como a literatura estrangeira tem
sobejamente demonstrado em estudos envolvendo outros tribunais de funções
semelhantes às do congênere brasileiro, importantes constrangimentos institucionais
para rotineiramente se contrapor aos interesses do governo, deve-se perceber que o
tribunal não pode ser considerado insignificante ou completamente anuente com relação
à política conduzida pelo Poder Executivo por meio de medidas provisórias. O papel
exercido pelo corte brasileira, objetiva-se demonstrar, apresenta importantes flutuações
e não pode ser olvidado caso se busque uma compreensão mais acurada da política
nacional, inclusive no que se refere aos impactos dessa mesma atuação sobre as relações
entre os próprios Poderes Executivo e Legislativo. A análise comparativa entre certas
decisões do tribunal durante a década de 1990 e a ulterior aprovação da Emenda
Constitucional 32/2001 (EC nº. 32/2001) são diretamente úteis neste sentido, eis que
evidenciam o impacto de longo alcance de alguns julgamentos proferidos pelo STF.
Buscar-se-á esclarecer, no momento oportuno, que importantes parcelas das
modificações introduzidas pela referida emenda são na realidade uma cristalização de
posições que gradativamente foram sendo tomadas pelo STF ao longo dos 13 anos entre
a promulgação da Constituição e a aprovação daquela Emenda à Constituição.
A hipótese fundamental a ser trabalhada, portanto, é que a corte brasileira, em
sintonia com o que se observa em outras realidades, apresenta uma tendência
majoritária de não intervir fortemente junto à atividade legislativa do Poder Executivo.
O tribunal agiria assim por pretender evitar ser identificado pelo governo como efetivo
foco de oposição a ele, situação que o colocaria no risco de sofrer represálias dirigidas
tanto contra decisões específicas como contra a própria integridade da instituição. Ao
agir com cautela, o tribunal não se apresenta como ponto de veto constante à política da
Presidência da República, o que o habilita a intervir topicamente frente a temas e
propositores específicos, especialmente nos casos em que esses incrementem suas
chances de não se tornar alvo de ataques por parte das principais forças políticas do
momento. Esta postura de prudência, todavia, não impede a corte de se constituir em um
importante agente político, intervindo em situações que apenas de forma arbitrária
podem ser consideradas irrelevantes. Enfim, se é de se esperar que a postura da corte
19
não seja saliente de forma sistemática, ela também não pode ser classificada como
absolutamente permissiva com relação às políticas levadas a cabo pelo Poder Executivo
pela edição de medidas provisórias.
Como forma de abordar o objeto, preferiu-se primeiramente empreender análise
quantitativa do fenômeno, examinando-se todas as ADIns propostas contra medidas
provisórias desde a edição da Constituição de 1988 até abril de 2007, data em que se
encerrou a coleta de dados para esta pesquisa. Abordando-se de forma integral o
fenômeno discutido, busca-se evitar quaisquer problemas derivados de viés na seleção
dos casos empregados neste estudo. A esta análise pretende-se somar ainda o escrutínio
de alguns
leading cases
9
relacionados ao tema proposto. Ainda que exista uma sabida
dificuldade na identificação de julgamentos paradigmáticos no Brasil pela vastíssima
carga de julgamentos a que é submetido anualmente o STF (Rocha, 2006), o recurso a
obras jurídicas que dêem tratamento ao tema (e que trabalhem com base na
jurisprudência firmada pelo STF) e a publicações oficiais do próprio órgão são duas
estratégias que se pretende adotar para contornar as dificuldades derivadas do imenso
manancial de julgamentos realizados pela corte.
No que se refere à estrutura de apresentação do trabalho, preferiu-se dividir o
corpo da dissertação em três partes principais. Inicialmente se apresentará a
conformação institucional herdada pelo STF como resultado da Constituição de 1988.
Com isso, pretende-se expor as diferenças fundamentais na estrutura e nas atribuições
do órgão em relação ao modelo anterior que vigorou em tempos de autoritarismo, razão
pela qual se procederá a um brevíssimo histórico das funções e prerrogativas da corte.
neste ponto, buscar-se-á apresentar como a literatura nacional tem analisado o
desempenho do STF tanto no que diz respeito à missão que teria sido confiada ao órgão
pela nova Constituição quanto em relação à sua participação no processo político
nacional. Em seguida, pretende-se deslocar a discussão em direção às medidas
provisórias, localizando-as no debate sobre as relações Executivo-Legislativo no Brasil
contemporâneo de modo a aclarar a natureza do instituto e perceber os dilemas em meio
aos quais é colocado o STF quando chamado a intervir sobre os decretos do presidente
9
Leading case é uma expressão extraída do direito norte-americano e refere-se àqueles casos ou
processos nos quais pela primeira vez um tribunal se manifesta de modo explícito sobre uma determinada
temática, delimitando-lhe os termos de eventuais discussões futuras e marcando um posicionamento
pouco passível de modificação por outros atores, salvo tribunais de maior envergadura hierárquica. No
caso de Cortes Supremas (ou Constitucionais), dado que não possuem corte revisora que lhes seja
superior, uma vez que decidem sobre um tema, pacificam o assunto e uniformizam (ao menos em tese) a
jurisprudência.
Leading cases são, portanto, casos paradigmáticos que firmam um entendimento de um
tribunal sobre um assunto, entendimento este compreendido como passível de perenidade.
20
brasileiro. Feito isso, pretende-se passar à literatura que trata especificamente do tema
desta dissertação, focando-se nas leituras realizadas pelos autores que estudaram o
controle exercido pelo Supremo Tribunal Federal em matéria de medidas provisórias.
Para tanto, dois exames se farão necessários. Primeiramente apresentar-se-á como
parcela significativa da literatura jurídica tem tratado o tema, conformando o que se
designará a retórica estilizada sobre o assunto. Esta retórica afirma que a atuação do
Supremo Tribunal Federal, considerada excessivamente permissiva, conduz, entre
outros, à possibilidade de usurpação legislativa do Poder Executivo, em detrimento do
Poder Legislativo, condenando, portanto, a atuação dos magistrados daquela corte.
Conforme visto, uma parte dos esforços deste trabalho consiste justamente em mostrar
os equívocos dessa visão, não tanto por se advogar que o tribunal apresente elevados
índices de ativismo, mas sim no sentido de mostrar que o papel exercido pelo STF
apresenta variações importantes e que rótulos generalistas sobre a atuação da corte
impedem de ver em detalhe o modo como ela realmente se comporta. Finalizando o
capítulo, far-se-á necessário apresentar como a enxuta literatura em ciência política tem
tratado as medidas provisórias no plano das relações Executivo-Suprema Corte no
Brasil e como suas conclusões não são necessariamente muito diferentes daquelas
apresentadas por seus congêneres jurídicos. Pretende-se, com o panorama apresentado
nesta seção do trabalho, descrever o objeto de estudo da presente dissertação, bem como
as pesquisas já realizadas sobre ele.
Na segunda parte do texto, pretende-se expor as correntes teóricas que buscam
explicar como decidem os tribunais ante os temas que lhe são trazidos do mundo
propriamente político. O propósito desta seção é identificar tanto as matrizes analíticas
majoritariamente empregadas pelos analistas brasileiros nos estudos recentes sobre o
papel do STF no processo político nacional, como também construir um modelo de
análise apto a examinar em detalhe o objeto de estudo proposto. Para tanto,
primeiramente serão expostas as vertentes tradicionais da análise jurídica dos tribunais,
denominadas
modelo legal e visão normativa, em seguida passando-se àquela que se
afigura a mais difundida entre os cientistas políticos brasileiros, a da chamada
judicialização da política. Como se procurará demonstrar, essas abordagens são
sumamente insuficientes como instrumentos a serem empregados neste estudo. De
forma a contornar essa dificuldade, procurar-se-á apresentar os principais modelos de
análise presentes na literatura estrangeira sobre o tema (prioritariamente norte-
americana), que curiosamente pouco foram incorporados à análise da realidade
21
brasileira de forma sistematizada. Trata-se dos modelos atitudinal e estratégico que, até
certo ponto, rivalizam quanto à supremacia explicativa do comportamento judicial na
literatura especializada. Por motivos que se elucidarão quando o tema for efetivamente
discutido, a presente dissertação optou pela última destas escolas como instrumental
analítico a ser empregado no exame pretendido da dinâmica interinstitucional travada
entre STF e Presidência da República no Brasil contemporâneo. De forma a mediar a
aplicação desta matriz teórica à realidade nacional, far-se-á importante atentar para as
suas nuanças institucionais, ponto no qual leituras derivadas do neo-institucionalismo
serão importantes, eis que agregam ao estudo variáveis relativas ao acesso à Corte
Suprema que produzem incentivos a certos atores jurídicos, sociais e políticos para que
estes se dirijam ao tribunal com o fito de questionar a constitucionalidade dos decretos
presidenciais estudados. Neste mesmo sentido, será importante agregar outras análises
que fazem referência ao impacto de grupos de interesse sobre a dinâmica dos tribunais.
De posse destas considerações, espera-se construir um cabedal teórico apto a examinar a
realidade brasileira em detalhe.
Por fim, a terceira parte da dissertação volta-se diretamente à análise do controle
exercido pelo Supremo Tribunal Federal em matéria de medidas provisórias. Neste
momento, dois esforços serão empreendidos. Primeiramente, um exame propriamente
quantitativo buscará dar conta de apreender a totalidade do fenômeno estudado, isto é,
todas as 339 Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas contra medidas
provisórias editadas por governos em curso entre outubro de 1988 até abril de 2007.
Busca-se, com isso, apreender os padrões tanto de acionamento como de decisão do
tribunal ao longo de praticamente 20 anos de atividades. Objetiva-se delinear as
situações frente às quais o STF prefere adotar uma postura mais ou menos interventiva
quanto à atividade legislativa da Presidência da República. A compreensão do
fenômeno, todavia, não se exaure na mera análise estatística. Complementarmente,
buscar-se-á realizar a exegese de alguns casos paradigmáticos da corte no que se refere
ao assunto, mesmo porque muitos deles apresentam reflexos imediatos sobre a dinâmica
política, estabelecendo regras que afetam tanto o Poder Executivo como o próprio Poder
Legislativo. Ignorar estes posicionamentos poderia induzir a erro e, desta forma,
macular o pretendido aprofundamento da análise. Da confluência destas estratégias
analíticas, pretende-se apreender com acuidade o fenômeno observado. Espera-se, com
isso, sejam confirmadas as expectativas de atuação cautelosa, mas eventualmente
interventiva do STF ante os decretos presidenciais.
22
2 TRIBUNAIS, POLÍTICAE DECRETOS NABRASIL CONTEMPORÂNEO
2.1 Introdução
O presente capítulo pretende situar o debate a respeito da dinâmica das
instituições judiciais no que se refere à realidade política brasileira. Para o bom
andamento desta dissertação, faz-se importante desde apresentar tanto a configuração
institucional do Poder Judiciário brasileiro que emergiu da Constituição de 1988 e do
STF em particular como as leituras realizadas pela literatura que conferiu tratamento
ao tema. Para tanto, primeiramente será exposto o desenho institucional que veio a
caracterizar o mais importante tribunal do país após a Constituição de 1988,
explicitando-se as diferenças fundamentais na estrutura e nas atribuições do órgão em
relação às suas diversas modelagens institucionais anteriores, frutos de sucessivas
alterações em relação ao modelo original, que data da primeira Constituição da
República, de 1891. Ao contrário do que afirma Emília Viotti da Costa (2006),
importantes modificações ocorreram na estrutura e nas atribuições do STF ao longo dos
anos que se seguiram à criação do órgão, especialmente em 1988 com a promulgação da
nova Constituição
10
. Como oportunamente se observará, ante suas novas prerrogativas,
o STF foi elevado ao status de novo foro de discussões públicas, sendo catapultado para
o centro do debate político brasileiro. Procurar-se-á frisar como a nova conformação
institucional do tribunal fornece elevados incentivos para que ele passe a se tornar
instituição importante na definição das políticas públicas adotadas nacionalmente. Em
seguida, será apresentado como a literatura tem analisado a atuação do STF
especialmente no que concerne à sua participação no processo político do país, naquele
debate que se convencionou chamar sobre a judicialização da política. Uma vez
expostos estes enfoques, pretende-se passar ao tratamento conferido pela literatura
especificamente quanto às relações Executivo-Suprema Corte no Brasil, enfocando-se
os achados atinentes ao controle exercido pelo STF em matéria de medidas provisórias,
tema deste trabalho. Neste particular, dois exames distintos se farão necessários. Em
10
De acordo com a autora, e contrariamente ao defendido aqui: “O Supremo Tribunal Federal tem
mantido ao longo do tempo, com pequenas alterações, as características e funções que lhe foram
atribuídas em 1890, quando foi criado.”
(Costa, 2006, p. 23). Todavia, mais do que alterações de ordem
estritamente funcional, o STF sofreu também importantes modificações relativas aos seus instrumentos de
ação, cujos reflexos sobre a participação da instituição no
policy-making não podem ser ignorados.
23
primeiro lugar, apresentar-se-á como parcela significativa da literatura jurídica tem
discutido o tema. Neste ponto, será visto como estes autores são corrosivamente críticos
em seus comentários sobre a atuação do STF, formando o que doravante será
considerado a
retórica estilizada referente ao tema
11
. Esta abordagem existente
também em trabalhos de cientistas políticos afirma que a atuação permissiva da mais
alta corte brasileira quanto à utilização do poder de decreto pelo presidente conduz,
entre outros, à possibilidade de usurpação legislativa do Poder Executivo em detrimento
do Congresso Nacional, condenando, portanto, a atuação dos magistrados integrantes
daquela instituição. Uma parte dos esforços deste trabalho consiste justamente em
mostrar os equívocos desta visão, não necessariamente por se advogar que o tribunal
apresente elevados índices de ativismo, mas no sentido que o papel exercido pelo STF
possui variações importantes e que rótulos generalistas, quando não essencialmente
normativos, sobre a atuação do órgão impedem que seja compreendido em detalhe o
modo como ele realmente se porta ante os demais atores políticos, em especial o Poder
Executivo. Em segundo lugar, e finalizando o capítulo, far-se-á necessário apresentar
como a literatura em ciência política tem tratado as medidas provisórias no plano das
relações Executivo-Suprema Corte no Brasil contemporâneo. Esta literatura, embora
enxuta, faz-se presente tanto em trabalhos que tratam diretamente sobre o assunto aqui
abordado quanto em pesquisas que buscam analisar de modo abrangente a participação
do STF no processo político nacional. De posse desta visão, inclusive um tanto
panorâmica sobre o assunto, far-se-á possível indicar a fragilidade de parcela
significativa das matrizes teóricas empregadas pelos analistas brasileiros, apontando-se
para a necessidade da construção de um modelo alternativo de exame da realidade
nacional, objeto do capítulo imediatamente posterior ao que se inicia agora.
2.2 O Supremo Tribunal Federal e o controle de constitucionalidade de leis
O objetivo da presente seção é descrever as funções do STF no contexto
poliárquico recente do Brasil. Para tanto, procede-se inicialmente a um brevíssimo
11
A idéia de apresentação de uma retórica estilizada, praticamente como uma hipótese rival, foi extraída
da influente obra de John Huber (1996) sobre os procedimentos restritivos existentes no parlamento
francês da V República, especialmente o
package vote e o confidence vote procedure. As críticas
dirigidas a esses institutos, bem como as análises da literatura pertinente ao tema, assemelham-se a muito
do que é afirmado sobre medidas provisórias no Brasil contemporâneo.
24
histórico das atribuições do tribunal, passando-se em seguida ao delineamento das
novas prerrogativas conferidas à corte pela Constituição de 1988, que fez do órgão
arena pública de destaque no espaço político. O foco recai particularmente sobre as
formas de controle de constitucionalidade de leis disponibilizadas ao Poder Judiciário
brasileiro e ao STF em particular. De posse deste quadro, espera-se apreender a nova
missão institucional atribuída ao órgão, tornando-se mais facilmente perceptíveis os
dilemas políticos em meio aos quais veio a ser colocado o órgão no contexto recente de
democracia brasileira.
2.2.1 Breve histórico das funções do Supremo Tribunal Federal
12
Atribuição do Conselho de Estado durante o período monárquico, o controle de
constitucionalidade de leis por parte do Poder Judiciário somente veio a existir com o
advento da República no Brasil. Fruto da Constituição de 1891, onde também se
materializou a criação do próprio STF, a faculdade judicial de controlar a adequação das
leis emanadas pelos Poderes do Estado aos princípios presentes na Constituição do país
foi inicialmente instaurada sob o sistema dito difuso-concreto. Isto significa afirmar que
a declaração de inconstitucionalidade de uma lei, neste modelo, não era centralizada em
um tribunal específico, podendo ser realizada por qualquer magistrado que, no exercício
de suas atribuições funcionais, estivesse a julgar determinado processo judicial
ordinário que suscitasse eventual incompatibilidade de uma lei com a Constituição.
Neste cenário, o STF poderia vir a emitir juízo sobre a constitucionalidade das leis
apenas no momento em que, por meio do sistema de recursos judiciais, o processo
chegasse até ele. A exemplo do que ocorria com praticamente todo arcabouço
institucional do período, tratava-se de uma cópia do sistema original de controle de
constitucionalidade de leis dos Estados Unidos, em que inexiste possibilidade de
questionar-se a constitucionalidade de determinada lei direta e abstratamente à Corte
Suprema. Como será visto com mais vagar no momento oportuno, ao sistema
inaugurado na Constituição brasileira de 1891 opõe-se aquele outro dito concentrado-
abstrato, em que as contendas constitucionais são remetidas diretamente a um órgão
especial (geralmente denominado Tribunal Constitucional) para que este aprecie a
12
O presente histórico das atribuições do STF foi elaborado tomando por base as obras de Rogério Bastos
Arantes (1997) e Ernani Rodrigues de Carvalho Neto (2005).
25
questão abstratamente, isto é, sem que a questão precise ser suscitada em meio ao
trâmite de um processo judicial ordinário. Como se procurará frisar adiante, a diferença
entre estes dois sistemas de controle de constitucionalidade de leis, bem como o
afastamento do sistema originalmente existente no Brasil em direção ao outro, são de
fundamental importância para a compreensão relativa às diferentes performances
institucionais possíveis das Cortes Supremas nos diferentes contextos políticos.
O sistema republicano original brasileiro vigorou praticamente sem alterações
durante mais de quarenta anos, tendo sido modificado e de modo substancial pela
Constituição de 1934. Neste diploma legal, três alterações merecem ser destacadas em
vista dos reflexos que trouxeram sobre as atribuições do STF. A primeira delas atribuiu
ao Senado Federal a prerrogativa de suspender a execução, parcial ou integralmente, de
qualquer lei ou ato normativo que tenha sido declarado inconstitucional pelo Poder
Judiciário. Desde modo, facultava-se explicitamente a um dos poderes representativos a
possibilidade de intervir diretamente sobre decisões judiciais consideradas indesejáveis,
esvaziando parte relevante dos recursos de poder à disposição da magistratura. A
segunda alteração refere-se à redação do artigo 68 da Constituição, que vedava ao Poder
Judiciário pronunciar-se sobre questões consideradas exclusivamente políticas, retirando
temas de alta controvérsia pública da apreciação dos magistrados e praticamente
constitucionalizando a conhecida “doutrina das questões políticas”, de acordo com a
qual as cortes não podem se intervir sobre aqueles assuntos que integram a competência
exclusiva da outros órgãos do Estado
13
. A terceira e mais relevante alteração, todavia,
foi a criação do instituto da representação interventiva. Trata-se de uma atribuição
exclusiva do Procurador-Geral da República titular máximo da Procuradoria-Geral da
República, instância superior do Ministério Público da União e então representante do
13
Existente na literatura jurídica e na prática judicial brasileiras pelo menos desde a proclamação da
República, quando se criou o STF, a referida doutrina pode ser apontada também como resultado da
importação de conceitos e práticas jurídicas existentes previamente na realidade estadunidense, onde
surgiu concomitantemente ao próprio controle judicial de constitucionalidade das leis, no caso
Marbury
vs. Madison
(Cain, 2007). Em síntese, a doutrina das questões políticas apregoa que a corte não pode
intervir sobre determinados assuntos em função de estes dizerem respeito exclusivamente ao órgão que
emanou a norma questionada (Teixeira, 2005). Por serem assunto a ser resolvido no âmbito interno de
determinada instituição (matéria
interna corporis), ao Poder Judiciário estaria vedado pronunciar-se
nestes casos. Como se pode perceber, a doutrina prega a existência de uma fronteira rígida entre os temas
sujeitos e os não sujeitos ao controle judicial, podendo ser utilizada, conforme a situação, tanto como uma
espécie de justificativa para que os demais Poderes do Estado não sejam fiscalizados pelas cortes, quanto
como uma estratégia empregada pelos próprios magistrados de modo a não terem de se pronunciar sobre
determinadas questões politicamente sensíveis e custosas, que poderiam desgastar o tribunal frente às
demais instituições. Como se obserará com mais vagar ao longo do texto, não raramente o STF lançou de
recursos argumentativos semelhantes a este quanto buscou evadir-se de julgar determinadas medidas
provisórias.
26
Poder Executivo federal junto ao STF que versa sobre conflitos entre os entes
federativos e que possibilita a este suscitar a discussão sobre a constitucionalidade de
atos legislativos estaduais diretamente no STF sem que estes estivessem sendo
questionados em meio a qualquer processo judicial então em andamento. Como se pode
perceber, é um sinal de concentração do controle da constitucionalidade no órgão de
cúpula do Poder Judiciário brasileiro.
Uma vez superado o modelo autoritário da Constituição de 1937, que não
promoveu alterações dignas de nota sobre a estrutura e as prerrogativas do STF, em
1946 novamente o tribunal teve remodeladas suas funções. A Constituição daquele ano
reforçou o rol de temas sobre os quais o Procurador-Geral da República poderia
apresentar a representação interventiva, adentrando-se em temas que escapavam àqueles
primeiros, atinentes a conflitos federativos, e imiscuindo-se em outros assuntos
relevantes, como a independência e a harmonia entre os Poderes do Estado e as
garantias do Poder Judiciário, entre outros. Neste sentido, embora se tenha ampliado o
leque de temas, a estrutura constitucional continuou a priorizar a atuação do Procurador-
Geral da República, ator vinculado ao Poder Executivo da União, que poderia funcionar
como uma espécie de
gate-keeper quanto às circunstâncias nas quais efetivamente
seriam levados à apreciação do STF questionamentos diretos e em abstrato de leis
que se pretendesse verem declaradas inconstitucionais. Merece ser mencionado ainda
que a Constituição de 1946 deu fim tanto à possibilidade do Senado Federal suspender
decisões judiciais quanto à impossibilidade de apreciação de questões abertamente
políticas pelo Poder Judiciário, como verificado na Constituição de 1934.
Como conseqüência do golpe militar em 1964, as atribuições do STF novamente
vieram a ser alteradas, conforme efetivamente se realizou com a Emenda Constitucional
nº. 16, de 1965. Na referida emenda, além da representação interventiva, foi
efetivamente criado o controle abstrato de normas federais e estaduais, ampliando
enormemente o leque de temas a serem judicializados, mas mantendo-se ainda o mesmo
único legitimado ativo, o Procurador-Geral da República, sempre vinculado ao Poder
Executivo da União. Alteração posterior sobre as atribuições do Supremo Tribunal
Federal veio a ser realizada no ano de 1977, quando da aprovação da Emenda
Constitucional nº. 7, que permitiu ao mesmo Procurador-Geral da República apresentar
junto ao STF pedido de intervenção federal tanto nos casos de ofensa a princípios
politicamente sensíveis quanto nas situações em que esta se fizesse necessária para a
devida execução de lei da União. Pretendia-se, a exemplo da tendência observada,
27
reforçar a concentração do controle de constitucionalidade das leis no mais alto tribunal
do país.
Este quadro de atribuições do STF se manteve praticamente inalterado até a
promulgação da Constituição de 1988, que, conforme se adiantou, alargou
sobremaneira as possibilidades de atuação do órgão, aumentando em igual medida as
expectativas sobre a atuação da instituição, especialmente nos círculos jurídicos. Mais
do que pequenas nuanças procedimentais, o que é importante destacar neste histórico, é
como o sistema de controle de constitucionalidade de leis brasileiro gradativamente foi
se afastando de seu modelo inicial, de nítida matriz difusa, em direção a uma nova
configuração que prioriza substantivamente a atuação do STF (Arantes, 1997).
Fundamentalmente, deve-se observar que este percurso levou o tribunal a assumir
importantes funções, que foram potencializadas com a nova configuração institucional
conferida ao órgão na Constituição de 1988.
2.2.2 O Supremo Tribunal Federal na Constituição de 1988
Em 1988, a nova Constituição atribuiu inéditas e importantes funções ao STF,
redimensionando e ampliando sua missão institucional. Em alguma medida esta
reorientação funcional pode ser entendida como um reflexo das posições que a própria
instituição adotou no processo de transição para a democracia, no qual o STF buscou
deixar de ser identificado como órgão alheio à realidade nacional e passou a apresentar-
se como instituição fundamental ao desenvolvimento do país, projetando-se, desta
maneira, ao centro do debate político (Oliveira, 2004; 2006). Entretanto, em que pese
esta vinda a público de alguns Ministros integrantes do tribunal durante o período, o
debate em torno das novas funções STF durante a Assembléia Constituinte foi um
processo pouco controverso, não atraindo atenção maior de parte dos constituintes,
como bem detalhou o trabalho de Ernani Rodrigues de Carvalho Neto (2005). De modo
a sintetizar e facilitar a compreensão destas novas atribuições, pretende-se agrupá-las
em três categorias de análise, correspondentes a três movimentos básicos realizados pela
nova Constituição quanto à estrutura do órgão. O primeiro movimento consistiu na
ampliação do leque de atores aptos a questionar abstrata e diretamente junto ao STF a
constitucionalidade das leis, pondo fim à exclusividade que foi por décadas do
Procurador-Geral da República. o segundo movimento recaiu justamente sobre este
28
ator, que passou a ser desvinculado tal qual o próprio Ministério Público do Poder
Executivo, voltando sua missão institucional à defesa da ordem jurídica e à
representação funcional dos direitos difusos e coletivos. O terceiro movimento consistiu
na criação de novas figuras processuais capazes de acionar o STF ante determinadas
controvérsias constitucionais tidas como impassíveis de serem questionadas por meio de
ADIns. A análise de cada um destes movimentos é o que se passa a detalhar abaixo.
Conforme visto, até 1988, somente o Procurador-Geral da República, nomeado
pelo Presidente da República e vinculado institucionalmente a ele, estava autorizado a
contestar diretamente a constitucionalidade de uma lei junto ao STF. A partir da
Constituição promulgada naquele ano, conforme consta em seu art. 103, o leque de
propositores deste tipo de ação foi substancialmente ampliado, criando-se uma lista de
legitimados ativos como chamam os possíveis proponentes das ações no jargão
jurídico – de raro paralelo em outros tribunais de semelhantes funções no mundo. Trata-
se daquela que certamente pode ser considerara a principal alteração institucional do
STF decorrente da nova Constituição. Em razão dos importantes reflexos trazidos por
esta inovação sobre o sistema político como um todo, o foco a ela será especialmente
importante para o presente estudo. Isto porque a modificação estampada na Constituição
de 1988 rompeu com o até então criticado represamento de ações promovido pelo
Procurador-Geral da República e passou a incluir outras instituições de caráter nacional
(como órgãos dos Poderes Executivo e Legislativo federal), entes federativos (como
Governadores de Estado e Assembléias Legislativas estaduais), partidos políticos,
membros da comunidade jurídica (como o Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil) e mesmo grupos de interesse e sindicatos. Observe-se ainda, como afirmado
anteriormente, que outra importante modificação deu-se no plano da Procuradoria-Geral
da República, que deixou de ser subordinada ao Poder Executivo federal, de quem fora
representante legal até então. O quadro comparativo entre o leque de legitimados ativos
existentes no Brasil antes e depois da Constituição de 1988 pode ser observado na
tabela apresentada a seguir. Como pode ser visto, procedeu-se a verdadeira abertura da
instituição aos mais variados grupos políticos, passando o STF a deparar-se com os
mais variados interesses e dilemas constitucionais decorrentes desta característica
institucional fundamental. Observe-se que é precisamente neste cenário em que se
pretende analisar os possíveis controles exercidos pelo STF sobre os decretos do Poder
Executivo brasileiro. Isto significa verificar como os diferentes legitimados ativos
fazem uso de suas prerrogativas institucionais junto ao Supremo com o fito de tentar
29
frear a vontade da Presidência da República quando esta decide lançar mão de curso
unilateral de ação.
Tabela 01. Legitimados ativos para propositura de Ação Direta de
Inconstitucionalidade no Brasil antes e depois da Constituição de 1988
Antes da Constituição de 1988 (a partir da
Emenda Constitucional nº. 16/1965)
Após a Constituição de 1988
– Procurador-Geral da República
(vinculado ao Poder Executivo federal)
– Procurador-Geral da República
(desvinculado do Poder Executivo federal)
– Presidente da República
– Mesa do Senado Federal
– Mesa da Câmara dos Deputados
– Mesa de Assembléia Legislativa ou da
Câmara Legislativa do Distrito Federal
14
– Governador de Estado ou do Distrito
Federal
15
– Conselho Federal da OAB
– Partido político com representação no
Congresso Nacional
– Confederação sindical ou entidade de
classe de âmbito nacional
Fonte: tabela elaborada pelo autor, a partir de www.presidencia.gov.br, acessado em 20.11.2007.
Quanto ao segundo movimento decorrente da Constituição de 1988,
adiantado, cumpre observar que o Procurador-Geral da República deixou de exercer o
papel de representante dos interesses do Poder Executivo da União junto ao STF,
atribuição que restou transferida ao Advogado-Geral da União, representante máximo
da Advocacia-Geral da União, instituição criada para esta finalidade nos anos que se
seguiram à promulgação da Constituição. Desta maneira, o Procurador-Geral da
República bem como o próprio Ministério Público, do qual é representante máximo
conquistou vigorosa autonomia não apenas em relação ao Poder Executivo, mas ante
praticamente todas as outras instituições e grupos políticos (Kerche, 2007). De igual
forma, a instituição teve redefinidos seus objetivos funcionais, passando a se encarregar
da defesa da ordem jurídica e dos direitos difusos e coletivos, adotando inclusive, de
acordo com algumas leituras, forte tom de defensor único dos interesses da sociedade
(Arantes, 1999)
16
.
14
A Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal não constava inicialmente neste rol, fato que gerou
inclusive controvérsia junto ao STF. De modo a afastar esta dúvida, a possibilidade foi incluída no texto
constitucional após a promulgação da Emenda Constitucional nº. 45, de 2004, que versava sobre a
Reforma do Judiciário.
15
A exemplo da Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador do Distrito Federal
também estava excluído do rol inicial de legitimados ativos da Constituição. Semelhantemente, o acesso
ao STF via ADIn foi estendido a ele também como fruto da Emenda Constitucional nº. 45, de 2004.
16
Obviamente, esta leitura não é única. Outros autores ressaltam a importante presença do Ministério
Público como mediador entre interesses coletivos e institucionais (Maciel, 2006; Vianna & Burgos,
2005). Deve-se mencionar, todavia, que, se por um lado, a autonomia individual dos membros do
30
O terceiro e último conjunto de alterações refere-se à criação de novas formas de
acionamentos do STF. Para tanto, foram criadas novas figuras jurídicas – como o
Mandado de Injunção, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental e a
Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão destinadas a suprir lacunas
legislativas que obstaculizassem o exercício de direitos considerados fundamentais.
Estas novas modalidades de ações destinavam-se a assegurar o cumprimento de certos
direitos mesmo que não existisse regulação legislativa a respeito do direito que se
buscasse cumprir e colocam o tribunal no papel de legislador ativo, como vem sendo
devidamente frisado pela literatura jurídica (Ferreira Filho, 1994; Vieira, 1994)
17
.
Como conseqüência destas alterações, os diagnósticos correntes sugerem
vertiginoso incremento de demanda junto ao STF pela via direta (Vianna et alii, 1999;
Arantes, 2004). Aliada à crescente concentração de capacidade decisória realizada ao
longo do tempo, como se demonstrou anteriormente, o mais alto tribunal do país passou
a constituir-se, ainda que apenas potencialmente, importante ponto de veto do sistema
político brasileiro (Taylor, 2006; 2007). Como será visto posteriormente, isto se deve
em parte à ampliação do leque de atores aptos a acioná-lo, que realiza enorme pressão
sobre a agenda da corte e a coloca frente a um número imenso de temas a respeito dos
quais tem a possibilidade de pronunciar-se. Entretanto, antes que se passe a falar
diretamente sobre atuação do tribunal, faz-se importante descrever os modos através dos
quais este pode intervir na arena pública quando se depara com determinada ação. Há,
basicamente, dois momentos processuais em que o STF pode se pronunciar mais
decisivamente de modo a alterar o status quo de determinada questão. O primeiro é o
julgamento do pedido de liminar, que pode ser feito assim que se inicia a ação, com o
fito de suspender, até o julgamento final do processo, determinada lei ou parte de lei que
Ministério Público brasileiro é considerada extremamente elevada pela maior parte dos analistas, por
outro lado, o mesmo não ocorre na mesma medida com o representante máximo da instituição. De acordo
com parágrafo primeiro do artigo 128 da Constituição brasileira, o Procurador-Geral da República é
nomeado pelo Presidente da República, com a chancela de maioria absoluta do Senado Federal, dentre os
integrantes da carreira com mais de 35 anos de idade para mandato de dois anos. Sua destituição, por
iniciativa da chefia de governo, também está condicionada à idêntica autorização do Senado. Isto
significa que boa parcela de autonomia da chefia do Ministério Público em relação às forças políticas,
mesmo porque se verifica a necessidade de recrutamento endógeno desta, mas que ela não é tão acentuada
quanto nas outras instâncias da instituição. Reafirme-se, todavia, que isto não lhe retira força política e
independência funcional do Procurador-Geral da República, apenas as abranda em relação àquelas de
seus pares.
17
Além destas três características, deve-se atentar ainda para um quarto fator, certamente decisivo na
possibilidade de se submeter leis à apreciação do STF. Trata-se da extensão do texto constitucional
brasileiro, que regula em minúcia conjunto extremamente vasto de temas, permitindo, desta forma, que
leque igualmente extenso de leis possa colidir com o que se encontra na Constituição (Arantes & Couto,
2006).
31
se busca impugnar. Neste momento, o tribunal julga se a permanência em vigência de
determinada lei durante o processamento do conflito pode ou não afetar o próprio bem
que se busca proteger com a propositura da ação. Do ponto de vista político, como será
mais bem trabalhado quando se proceder à análise dos dados, este pode ser considerado
o momento principal, eis que tomado em meio ao debate sobre a adoção de determinada
proposição legislativa, permitindo que a corte constitua-se um ponto de veto do sistema
político. O segundo momento é o chamado julgamento do mérito da ação e diz respeito
ao pronunciamento final do tribunal a respeito de determinada ação. Como o
processamento integral de determinada ação geralmente se estende por horizonte
temporal longevo, a tendência é que o julgamento do mérito ocorra somente muito
tempo após o debate relativo à promulgação de determinada lei, sendo menos reduzido
o possível impacto político deste tipo de decisão. No que se refere ao controle de
constitucionalidade de medidas provisórias, importa observar que o primeiro momento
de intervenção do STF – o julgamento dos pedidos de liminar – é especialmente
importante, eis que, em decorrência da natureza não permanente do instituto, este tende
a ter vida legal efêmera, praticamente não havendo quaisquer pronunciamentos
significativos quando dos julgamentos de mérito do STF sobre os decretos do presidente
brasileiro.
Ainda em tempo, cumpre observar que STF não passou incólume à série de
Emendas à Constituição aprovadas no decorrer das duas últimas décadas. Exemplo
desse tipo de modificação é fornecido pela Emenda Constitucional nº. 3, que criou a
original Ação Direta de Constitucionalidade (ADC), assim denominada por permitir a
declaração de que determinada lei seja considerada constitucional pelo STF antes que se
pronunciem instâncias inferiores, possuindo a decisão efeito vinculante em relação
àquelas e virtualmente impedindo-as de agir em determinadas situações. Como se
observa, a aprovação da emenda constitui-se, novamente, ação claramente
concentradora do controle de constitucionalidade de leis em torno do STF, dando
seguimento à observada tendência histórica neste sentido. Observe-se que
recentemente esta mesma tendência foi novamente reforçada com a aprovação da
Emenda Constitucional nº. 45, de 2004, que instituiu a possibilidade, por parte do STF,
de editar súmulas com efeito vinculante para todo o Poder Judiciário. Até o presente
momento, contudo, esta possibilidade é mais potencial do que real. Desde o surgimento
deste instituto, apenas três súmulas com esta propriedade foram editadas.
32
2.3 O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política no Brasil
Uma vez delineadas as novas atribuições do STF, passa-se agora às leituras que
foram realizadas sobre os papéis político-institucionais efetivamente exercidos pelo
tribunal após a promulgação da Constituição de 1988. Em que pese a ampla
readequação institucional por que passou o STF na Constituição de 1988, as leituras
realizadas sobre a atuação do órgão no anos que se seguiram, ao contrário do que se
poderia esperar, sugerem que o tribunal pouco ou nada teria feito com relação a
projetar-se sobre a arena política. De modo geral, a maior parte das leituras considera o
STF órgão de apequenada participação no processo político nacional, exatamente no
sentido oposto às expectativas que muitos depositaram sobre ele em razão de suas
profundas alterações que, esperava-se, poderiam trazê-lo para o centro do debate
político. Um dos primeiros a realizar leitura mais detalhada sobre a atuação do tribunal
no flanco político certamente foi o estudo de Ariosto Teixeira (1996), um dos pioneiros
inclusive a aplicar o conceito de judicialização da política à análise das instituições
judiciais do Brasil contemporâneo e do STF em particular. De acordo com ele, a cautela
da Corte Suprema brasileira pode ser apontada como uma de suas principais
características, uma vez que o STF estaria sendo muito cuidadoso ao administrar as suas
relações com os demais Poderes do Estado, evitando o que a bibliografia pertinente
denomina ser o ativismo judicial, isto é, a forte tendência da parte dos magistrados de
valer-se de suas prerrogativas judiciais para intervir junto aos assuntos corriqueiramente
considerados políticos. Seu diagnóstico, embora restrito ao estudo das ADIns propostas
por partidos políticos, aponta para aquela que foi uma das tendências gerais de
praticamente todas as análises, qual seja, a de ler a participação do tribunal no processo
político nacional como relativamente discreta, em especial ante as expectativas sobre ele
postas.
Em sentido semelhante aponta o influente trabalho realizado por Marcus Faro de
Castro (1997). De acordo com o autor, há diminuto impacto público de longo alcance da
atuação do STF. Este padrão institucional de ação verificar-se-ia em razão do maçante
foco concedido pelo tribunal a questões meramente processuais e, sobretudo, àquelas de
natureza tributária. Este modo de agir privilegiaria, portanto, o efeito das decisões do
tribunal entre as partes de determinado processo, cujo impacto seria eminentemente
privado, em detrimento daquele de maior amplitude, isto é, público e eventualmente
33
político. A expectativa de que o tribunal se tornasse efetivo na implementação de
direitos fundamentais não estaria se verificando concretamente. No dizer do autor:
O STF tem feito uso parcimonioso de garantias constitucionais de
amplo alcance, limitando as medidas de impacto político mais visível a
decisões liminares. Contudo, a análise do tribunal revela que também a
produção jurisprudencial rotineira do STF tem uma direção marcante na
proteção de interesses privados e, portanto, de impacto negativo sobre a
implementação de políticas públicas. Isso se dá, porém, de maneira
concentrada nos processos em que se discute o pagamento de exações
fiscais (tributos e contribuições). Portanto, uma conclusão geral que se
pode extrair das análises acima, é que, com exceção da política
tributária, o STF preponderantemente não tem desenvolvido
jurisprudência em proteção a direitos individuais e em contraposição às
políticas governamentais (Castro, 1997, p. 154).
O autor, em parceria com Rochelle Pastana Ribeiro, retoma estas conclusões em
recente estudo sobre os padrões decisórios apresentados pelo STF, no quais os compara
aos posicionamentos da Suprema Corte dos EUA e do Canadá. De acordo com o autor,
haveria “diferença significativa no padrão de judicialização da política entre os dois
países da América do Norte e o Brasil” (Castro & Ribeiro, 2006). Isso porque o
maçante foco a questões tributárias e processuais do STF não seria observado nas
Supremas Cortes daqueles países, que se pautariam especialmente por construir
jurisprudência vinculada à interpretação de direitos fundamentais. Desta forma, a corte
brasileira estaria na contramão da tendência observada em outros países, nos quais a dita
judicialização da política estaria em curso. Por razões que não restam exatamente claras,
o padrão de atuação apresentado pela mais alta corte brasileira estaria em desacordo
com a tendência, afirmada pelos autores, de expansão global do poder judicial. Repete-
se, portanto, o tom que no STF um órgão voltado à participação em questões não
controversas e de reduzido impacto público.
Em sentido semelhante, outros autores têm salientado, inclusive, que a relativa
ausência do STF na arena política possui como contraponto uma participação mais ativa
na racionalização de outras esferas do espaço público, mormente aquelas relacionadas à
administração pública e aos temas especificamente jurídicos. De acordo com estas
leituras, o tribunal estaria se fazendo presente na arena pública, mas tão-somente em
temas pouco controversos ou de impacto político pouco significativo. Nesta toada, Luiz
Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palacios Cunha Melo e
Marcelo Baumann Burgos (1999) afirmam em influente trabalho que a atuação
prioritária do STF tem se dado especialmente no que se refere ao controle de normas
34
jurídicas e decisões judiciais emanadas pelos estados, e não por órgão federais, com
foco especial em temas afeitos ao controle da administração pública. Em função disso,
argumentam os autores, estaria a atuação do STF próxima daquela própria de um
Conselho de Estado, racionalizando e uniformizando as normas regentes da burocracia
estatal. Verificar-se-ia, desta maneira, certo alheamento do órgão em relação a temas
públicos que não aqueles afeitos a esta temática específica. A expectativa dos autores de
que o tribunal passasse a construir jurisprudência voltada à promoção da justiça social e
ao combate a problemas estruturais da sociedade brasileira leva-os a concluir em sentido
oposto ao esperado por eles. Neste sentido, impor-se-ia
“consignar o fato de que o STF
tem-se mostrado prudente na administração de seu papel de estatutário da insatisfação
social relativamente à produção de normas”
(Vianna et alii, 1999, p. 115). Observe-se
que novamente é mencionada a cautela do órgão em intervir na arena pública de modo
mais direito, muito embora os autores não escondam certo entusiasmo com relação aos
possíveis efeitos desta prática, uma vez que o tribunal poderia estar
“limitando o
império da vontade da maioria” (Vianna et alii, 1999, p. 119), em remissão à propalada
natureza contra-majoritária das cortes.
A racionalização de espaços da esfera pública também é mencionada por Ernani
Rodrigues de Carvalho Neto (2005) como uma das molas-mestras da atuação do STF,
muito embora sua ênfase recaia sobre a solução de controvérsias quase exclusivamente
jurídicas, de reduzido impacto propriamente político, portanto. De acordo com a leitura
do autor, haveria um foco temático essencial na atuação do STF, a gestão da estrutura e
dos benefícios judiciais, campo no qual o órgão estaria disposto a revisar a atividade
legislativa dos Poderes do Estado. Como afirma o autor:
(...) a tese de que o Supremo Tribunal Federal, com base na revisão
abstrata de legislação, vinha assumindo papéis importantes no processo
decisório fica seriamente comprometida. Os dados demonstram que o
único papel que a Corte Suprema indica almejar é o de dar a última
palavra em assuntos judiciais (Carvalho Neto, 2005, p. 148).
Desta maneira, estaria o STF a retirar-se do jogo político, voltando-se somente
àquilo que rotineiramente é uma de suas funções principais, isto é, a revisão
constitucional relacionada à uniformização de regras que dizem respeito ao exercício da
própria função judicial. Novamente, portanto, a conclusão aponta para um diagnóstico
que na atuação do tribunal distanciamento do processo político, ao que se contrapõe
a uma atividade ensimesmada, dirigida quase exclusivamente à regulação do
35
funcionamento do próprio Poder Judiciário. Ainda neste sentido, com relação à análise
do papel desempenhado pelo STF em meio a tema controverso e de amplo apelo
político as privatizações afirmou-se que os magistrados daquela corte pouco teriam
feito no sentido de intervir publicamente. O trabalho de Vanessa Elias de Oliveira
(2005) é bastante incisivo com respeito ao tema e frisa a convergência entre a política
do Executivo e a interpretação da Constituição dada pelo Supremo, que teria permitido
o prosseguimento do programa direcionado à desestatização da economia brasileira.
Como se pode perceber, a literatura apresentada que conferiu tratamento à
participação do STF no processo político no período recente de instituições poliárquicas
tem diagnosticado a atuação do tribunal, em geral, como cautelosa, apequenada, de
poucos reflexos no que se refere à condução da política nacional. De acordo com estas
leituras, o órgão estaria pouco disposto a apresentar-se como instituição central do
policy-making brasileiro contemporâneo, fazendo-se presente apenas em temas de
menor importância, relativos ao funcionamento do Poder Judiciário ou à padronização
da administração pública dos estados e pouco ou nada objetando às diretrizes da política
nacional, em especial aquelas capitaneadas pelo Poder Executivo.
Em tom de certa maneira discordante aos anteriores, e de modo praticamente
isolado, pode-se citar os trabalhos de Matthew Taylor (2004; 2006; 2006a; 2007), para
quem a política nacional dificilmente pode ser entendida sem o estudo do que ele
denomina ser o sistema de Justiça Federal, integrado pelas varas da Justiça Federal,
pelos cinco Tribunais Regionais Federais, pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo
Supremo Tribunal Federal, com especial atenção para este último. De acordo com a
visão defendida pelo autor, a presença dos magistrados far-se-ia especialmente saliente
no momento de implementação das políticas públicas de caráter nacional, com reflexos
relevantes sobre a condução da política nacional. Outra análise de certa maneira
discordante é aquela empreendida por Tatiana de Pino Albuquerque Maranhão (2003).
A autora observa que em certos temas específicos como naqueles relativos ao sistema
previdenciário e à administração pública, por exemplo a atuação do STF não foi
exatamente silente, sendo, na realidade, importante e cobrindo um leque relativamente
amplo de propositores beneficiados com os julgamentos realizados pelo tribunal. Estes
dois autores são, na realidade, uns dos poucos que tiveram o cuidado metodológico de
não imprimir julgamentos generalizantes sobre a atuação da instituição, atentando para
nuanças relativas a temas e proponentes específicos, aos quais o STF faz-se mais ou
menos sensível.
36
Em sentido semelhante, esta dissertação pretende seguir recomendação
recentemente feita no sentido de realizarem-se trabalhos menos generalistas e mais
precisos sobre as instituições judiciais, buscando-se fugir do rótulo, também genérico,
dos estudos sobre a chamada judicialização da política (Koerner & Maciel, 2002).
Ainda em tempo, e como observação relevante que será retomada adiante, cumpre
mencionar que muitos dos autores que escreveram sobre os novos papéis assumidos
pelo STF no contexto político recente realizaram tal tarefa tendo como referencial
teórico a obra de Tate e Vallinder (1995a), que busca analisar o que denominam ser a
expansão global do Poder Judicial. Muitos trabalhos partiram das considerações destes
autores e nem sempre foram coincidentes em suas respectivas leituras. Neste sentido, a
presente dissertação busca agregar ao acúmulo de conhecimento sobre o tema e
trabalhar com vertentes teóricas ainda não inteiramente incorporadas à análise do STF
no Brasil contemporâneo, em esforço que inclusive vem sendo sugerido por outros
autores que dão tratamento ao tema (Carvalho Neto, 2004; Koerner, 2006; Koerner;
Baratto; Inatomi, 2007).
2.4 Relações Executivo-Legislativo e medidas provisórias no Brasil
Antes de passar-se diretamente ao tratamento dado pelas analistas ao papel do
STF no controle da atividade legislativa da Presidência da República, faz-se importante
mencionar como vem sendo observada a edição de medidas provisórias no plano das
relações entre os Poderes Executivo e Legislativo. A importância de este debate fazer-se
presente nesta dissertação relaciona-se com a adequada compreensão relativa à natureza
própria do instituto das medidas provisórias. Este entendimento é fundamental para que
se possa vislumbrar em meio a que jogo de forças políticas eventualmente será chamado
a intervir o STF quando do questionamento de medidas provisórias pela via direta do
controle de constitucionalidade de leis. Longe de pretender colocar um fim ao vasto
debate presente na literatura, entretanto, o que se propõe na presente seção é tão-
somente apresentar as visões diferenciadas que pairam sobre o poder de decreto do
presidente brasileiro, de modo a perceberem-se as possíveis leituras quanto à eventual
participação do STF neste processo. Desta forma, observar como as diferentes correntes
da literatura têm tratado as medidas provisórias no Brasil contemporâneo auxilia a
perceber razões para certos posicionamentos travados por analistas no que se refere ao
37
padrão de atuação do tribunal. Pretende-se, desta maneira, apresentar apenas um
panorama geral da literatura que se dedicou ao assunto como forma de habilitar a
compreensão própria do objeto de estudo aqui examinado.
Descendentes diretas dos decretos-lei existentes na Constituição de 1967, as
medidas provisórias são certamente um dos institutos mais polêmicos da atual
conformação institucional brasileira. De acordo com a redação original do artigo 62 da
Constituição de 1988, o Presidente da República pode editar estes atos, que entram em
vigor automaticamente, em situações de urgência e relevância, devendo submetê-los
imediatamente à apreciação do Congresso Nacional para sua conversão ou não em lei.
Ainda que nominalmente trate-se de legislação de caráter emergencial, o fato é que as
medidas provisórias são instrumentos de ação do Poder Executivo pelos quais este pode
implementar sua vontade política provisoriamente, mas de modo unilateral e
instantâneo. Ao entrarem em vigor com força de lei imediatamente, portanto, as
medidas provisórias transferem os custos da rejeição da política adotada ao Poder
Legislativo, dificultando-lhe a rejeição à vontade do governo. É o que a literatura sobre
o tema designa ser o
poder de decreto constitucional do presidente brasileiro (Carey &
Shugart, 1998). Ainda que dependentes de ulterior aprovação do Congresso Nacional,
as medidas provisórias se tornaram rapidamente um dos principais instrumentos de ação
governativa no contexto recente da política nacional, nelas se veiculando diversas
políticas públicas de elevado impacto. Em vista disso, ainda cedo se constituiu um
profícuo e extenso debate entre os cientistas políticos sobre o papel desempenhado pelo
instituto no plano das relações entre os Poderes Executivo e Legislativo no Brasil
contemporâneo. De um modo geral, os analistas concordam em afirmar a ampla
utilização do instituto pelo Poder Executivo, tendo se tornado uma das principais formas
de atuação legislativa deste, eis que lhe confere importantes vantagens estratégicas em
relação à participação do Congresso Nacional no processo legislativo. Como a literatura
tem enfatizado, trata-se do principal instrumento a conferir poder de agenda àquele que
seguramente pode ser considerado o principal ator do processo político nacional
(Figueiredo & Limongi, 1999; Amorim Neto, 2004). Vale ressaltar, todavia, que a
regulação constitucional do instituto não se manteve estática desde 1988. Em 11 de
setembro de 2001, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº. 32,
conferindo nova redação ao artigo 62 da Constituição. Entre as alterações fundamentais
atribuídas à reforma encontra-se a obrigatoriedade da apreciação das medidas
provisórias pelo Congresso Nacional (sob pena de trancamento de pauta) visto que
38
muitas delas, antes da aludida emenda, eram sucessivamente reeditadas sem qualquer
manifestação por parte do Poder Legislativo. Outras alterações importantes dizem
respeito à limitação das reedições à apenas uma ocasião (antes ilimitadas na prática), à
impossibilidade do Poder Executivo reeditar medida provisória expressamente rejeitada
pelo Congresso Nacional, além da proibição de certos temas serem regulados por
intermédio deste instrumento normativo como, por exemplo, regras de processo civil e
penal, de organização do Poder Judiciário, entre outros. Todavia, mesmo que o artigo 62
da Constituição tenha ganhado muito em extensão se comparado à redação original, é
importante observar que os poucos estudos existentes sobre a aludida reforma
institucional apontam que esta não prejudicou em praticamente nada a posição vantajosa
do Poder Executivo no trato com o Poder Legislativo como decorrência da utilização
deste instituto (Pereira; Power; Rennó, 2006; Machiaveli, 2008; Da Ros, 2008). De um
modo geral, estes trabalhos afirmam que a importância estratégica das medidas
provisórias como veículo para aprovação da agenda prioritária do governo pouco se
alterou, visto que os custos da rejeição permanecem elevados e se mantêm em benefício
do governo. Os dados apresentados na tabela abaixo apenas servem como exemplos
destas mesmas conclusões, previamente alcançadas pelos trabalhos citados. A
persistência do elevado uso mensal do instituto, bem como o significativo índice de
sucesso do Poder Executivo na apreciação pelo Poder Legislativo depois da aprovação
da Emenda Constitucional nº. 32/2001 confirmam as tendências apresentadas,
corroborando a tese de acordo com a qual as medidas provisórias ainda se constituem
poderoso instrumento legislativo a serviço da Presidência da República.
Tabela 02. Quadro geral de medidas provisórias no Brasil (1988-2006)
18
Antes da
EC nº.
32/2001
Depois da
EC nº.
32/2001
Período compreendido (em meses) 156 61
Número total de medidas provisórias apresentadas no período 619 324
Média mensal de medidas provisórias apresentadas 4,0 5,3
Índice de sucesso do Poder Executivo na apreciação pelo
Congresso Nacional
86,4% 87,7%
Fonte: Da Ros, 2008.
18
Os dados aqui apresentados não pretendem, de forma alguma, exaurir o tema, mas apenas apresentar
um quadro geral com respeito à utilização do instituto pelo Poder Executivo. Informações mais precisas
sobre o tema encontram-se no trabalho conjunto de Carlos Pereira, Timothy Power e Lúcio Rennó (2006)
e naqueles de Fernanda Machiaveli (2008) e Luciano Da Ros (2008). O detalhamento das conclusões
sobre os efeitos da aprovação da Emenda Constitucional nº. 32/2001 sobre a edição de medidas
provisórias encontra-se exposto no Apêndice A, ao final desta dissertação.
39
Deixando de lado a discussão sobre os efeitos da Emenda Constitucional nº. 32 e
passando propriamente à discussão relativa à natureza geral do instituto das medidas
provisórias, deve-se notar que as análises existentes sobre o mesmo, embora coincidam
em apontar tanto a importância do instituto para compreensão do processo político
brasileiro como sua ampla utilização pelo Poder Executivo, apresentam clivagens
internas quanto ao significado último do instituto. De um modo geral, observa-se entre
os analistas um hiato, que acompanha a visão geral sobre o sistema político nacional:
com poderes mais ou menos concentrados em torno do Poder Executivo ou com maior
ou menor capacidade governativa da parte deste. Neste particular, quatro visões
distintas podem ser observadas
19
.
A primeira, aqui denominada
impositiva, afirma serem as medidas provisórias
verdadeiros instrumentos de império, isto é, recursos estratégicos a serviço do Poder
Executivo capazes de tornar praticamente verticais as relações entre os dois Poderes
representativos do Estado. Ao fazerem a balança pender em benefício do Poder
Executivo, as medidas provisórias estariam a dar continuidade a um processo histórico
de usurpação das funções legislativas em detrimento direto do Congresso Nacional.
Nesta corrente podem ser enquadrados os trabalhos de Acir Almeida (1998), Charles
Pessanha (1997; 2002) e Fabiano Santos (2003), que consideram as medidas provisórias
instrumentos aptos a dar ao Poder Executivo a possibilidade de impor unilateralmente
suas políticas, capacitando-lhe a alterar o
status quo praticamente sem o concurso do
parlamento. Uma segunda perspectiva sobre o tema se faz presente nos trabalhos de
Timothy Power (1998) e Scott Mainwaring (2001 [1999]) e enfatiza a passividade do
Congresso Nacional no exercício da produção legislativa, fator que conduziria o Poder
Executivo a assumir estas funções, editando medidas provisórias. Esta perspectiva pode
ser denominada abdicativa e centra sua argumentação nos problemas de ação coletiva
existentes na casa legislativa brasileira, decorrentes do que se alega ser a excessiva
fragmentação partidária nacional. Em vista disso, haveria dificuldade na formação de
maiorias parlamentares estáveis, o que geraria reduzida eficiência na produção
legislativa do Congresso Nacional, contexto em que os decretos presidenciais
assumiriam um caráter substitutivo à atividade parlamentar, que se afirma estar aquém
do desejado. O exercício destas funções pela Presidência da República, entretanto,
tenderia justamente a impedir a institucionalização do sistema partidário e do próprio
19
A classificação aqui adotada baseia-se naquela apresentada em artigo de Octávio Amorim Neto e Paulo
Tafner (2002), inovando ligeiramente em relação a ela.
40
Poder Legislativo, acarretando excessiva concentração de poderes em torno da chefia de
governo, efeitos considerados nocivos ao sistema político. A terceira visão sobre as
medidas provisórias é aquela defendida nos trabalhos conjuntos de Argelina Figueiredo
e Fernando Limongi (1999; 2003; 2006) e naquele de Gabriel Negretto (2004) e pode
ser classificada como
delegação implícita, ou tácita. Aqui, as medidas provisórias
possibilitam
political cover, isto é, cobertura política à base de sustentação do governo
na tomada de decisões eventualmente impopulares e controversas. Neste sentido, ao
assumir a condução da produção legislativa, a Presidência da República assume também
a responsabilidade pelo conjunto de políticas públicas praticadas, evitando que os
parlamentares tenham de se posicionar sobre muitos temas politicamente sensíveis e
custosos. A existência de um Poder Executivo forte resolve os problemas de ação
coletiva inerentes à composição colegiada do Poder Legislativo, mas o faz em benefício
dos interesses da maioria dos parlamentares, portanto. Aquele, agindo como
agenda
setter, antecipa os movimentos dos demais agentes políticos, o que lhe confere grande
margem de manobra na proposição de políticas, aproximando-as de seu ponto ideal.
Isto, entretanto, de acordo com os autores filiados a esta abordagem, não habilita o
Poder Executivo a impor unilateralmente quaisquer políticas que desejar,
desconsiderando as vontades existentes no Congresso Nacional. Apesar da larga
vantagem estratégica possibilitada pelas medidas provisórias, estas não permitem que a
Presidência da República dirija-se contrariamente às preferências majoritárias
verificadas no Poder Legislativo. Neste sentido, a delegação deste em relação àquele é
um processo que, embora existente, favorece o Poder Executivo por permitir a este
antecipar as preferências do Legislativo, transferindo os custos da rejeição ao
parlamentares. A quarta e última perspectiva também enfatiza o caráter delegativo
existente entre os Poderes Executivo e Legislativo na edição de medidas provisórias,
mas estabelece uma conexão entre a composição de uma base de sustentação do
governo e sua respectiva capacidade de editar decretos. Nesta ótica, a existência de
coalizões sobredimensionadas permitiria larga discricionariedade na edição de medidas
provisórias, ao passo que governos minoritários enfrentariam sérios óbices a este tipo de
prática. Portanto, seria praticamente imprescindível a obtenção de apoio da maioria
parlamentar para que se pudesse recorrer com freqüência à edição destes decretos com
força de lei. Em virtude disso, esta corrente pode ser denominada delegação explícita e
é exemplificada pelo trabalho de Vicente Palermo (2000) e pelo artigo elaborado
conjuntamente por Octávio Amorim Neto e Paulo Tafner (2002). Uma vez que a
41
governabilidade, aqui, é possibilitada pela realização de pactos entre o Poder
Legislativo e o Poder Executivo, as medidas provisórias funcionam dentro de um
acordo entre ambos, nos quais o primeiro autoriza o segundo a legislar com relativa
freqüência por meio de medidas provisórias. Como evidências de que o Poder
Executivo teria, com certa periodicidade, de atender a interesses dos congressistas da
coalizão governista, cita-se a existência de emendas às medidas provisórias e a
ocorrência de reedições de decretos com alterações em relação ao texto publicado
originalmente. Mesmo neste contexto, contudo, a possibilidade de abusos por parte
da Presidência da República na edição de medidas provisórias, momento no qual seriam
empregados mecanismos do tipo
alarme de incêndio como forma de monitorar o
comportamento do Poder Executivo (Amorim Neto & Tafner, 2002).
Ainda que estas variações sejam observadas, do ponto de vista específico desta
dissertação o relevante a ser frisado é que um importante ponto comum a todos os
enfoques apresentados. Como parece óbvio, merece ser destacada a visão corrente que
afirma serem as medidas provisórias poderoso instrumento a serviço do Poder
Executivo, facilitando a condução do governo por parte deste. Seja como fruto de uma
delegação (implícita ou explícita) ou de uma abdicação de funções do Poder Legislativo
ao Executivo ou mesmo uma imposição deste em relação àquele, todas as abordagens
concordam que as medidas provisórias, por serem instrumentos privilegiados para
condução do governo pelo Poder Executivo, permitem a este introduzir mudanças
fundamentais na política nacional, expressando suas preferências imediatas com grande
força. Na realidade, o impacto de muitas políticas adotadas por meio de medidas
provisórias deixa pouca margem para dúvida: ao lado de diversas Emendas
Constitucionais, elas geralmente servem como instrumento para adoção do que de
mais prioritário na agenda da maior parte dos governos. Como exemplo claro disto,
merece ser lembrado o fato de que todos os planos econômicos implementados após a
Constituição de 1988 foram levados a cabo pela edição de instrumentos normativos
deste porte, para não falar na definição do salário mínimo ou no manejo da estrutura
administrativa e financeira do alto escalão da administração publica, rotineiramente
definidos por medida provisória editada pela Presidência da República com esta
finalidade (Almeida, 1998)
20
.
20
Os planos econômicos propostos após a Constituição de 1988 por meio de medidas provisórias são os
seguintes: Plano Verão, de janeiro de 1989, Plano Collor 1, de março de 1990, Plano Collor 2, de
fevereiro de 1991 e Plano Real, de julho de 1994 (Almeida, 1998).
42
Estas são justamente as razões pelas quais as medidas provisórias foram
escolhidas como objeto da presente análise. Por geralmente refletirem as preferências
imediatas do Poder Executivo (ou algum ponto próximo a isso), o exame dos processos
em que o STF julga direta e abstratamente medidas provisórias pode ser considerado um
indicador bastante seguro sobre a forma como se processam as relações entre o Poder
Executivo e a Suprema Corte no Brasil contemporâneo
21
. Esta escolha permite ainda, e
aí reside a segunda justificativa para adoção deste objeto, observar como o STF porta-se
em meio ao processo legislativo em temas de elevada repercussão pública e
complexidade, tais como políticas de desestatização e de direitos previdenciários, entre
outras. Frise-se ainda que a detecção das visões divergentes sobre o instituto das
medidas provisórias, tal qual apontado acima, não é apenas ilustrativa, como se poderia
pensar, mas diretamente importante a esta dissertação porque, de acordo com qual delas
seja adotada, tem-se um posicionamento diverso, inclusive normativo, com relação à
conduta a ser eventualmente ser adotada pelo Poder Judiciário quando este avalia a
constitucionalidade de determinadas medidas provisórias. Desta forma, pode-se supor
que a visão outrora denominada
impositiva defendida inclusive por muitos juristas
prescreveria a constante intervenção do STF como forma de restaurar o princípio do
equilíbrio nas relações entre os Poderes do Estado, anuindo apenas com aquelas
medidas provisórias tidas como genuinamente urgentes e relevantes. Entre os adeptos
da visão abdicativa, a postura pujantemente interventiva do STF seria observada com
cautela, visto que poderia comprometer um dos únicos canais eficientes de produção
legislativa no Brasil. Por outro lado, em vista do risco de excessiva concentração de
poderes em torno da Presidência da República, provavelmente consideraria desejável a
intervenção da instituição judicial em conjunto não insignificante de situações. A
perspectiva da delegação implícita, por sua vez, sugeriria intervenção judicial quando a
atuação do Poder Executivo ultrapassasse os limites do acordo implícito e buscasse
impor políticas unilateralmente, contra a vontade do Poder Legislativo. a abordagem
da delegação explícita proporia a mesma intervenção quando houvesse violação aos
termos do acordo firmado entre Presidência da República e a coalizão governista. Seja
qual for a visão que se adote, entretanto, em praticamente nenhuma delas óbices
absolutos à atuação do STF nesta arena. Esta sempre pode ser considerada bem-vinda
em determinadas circunstâncias, colocando-o em posição de foro relevante para a
21
Esta abordagem é semelhante àquela adotada por Gretchen Helmke (2002) para identificação deste
mesmo tipo de relação na Argentina.
43
demarcação de limites à ação unilateral do Poder Executivo no Brasil pós-1988. Neste
sentido, a afirmação de Luiz Werneck Vianna e outros (1999), abaixo, é particularmente
explícita:
O cenário pós-constituinte, à exceção do governo Collor, tem sido a da
expressão concentrada da vontade da maioria, particularmente nesses
dois governos de Fernando Henrique, quando, pelo uso continuado e
abusivo de medidas provisórias, provoca-se a erosão das formas
clássicas de controle da lei. Foi nesse contexto que veio favorecer a
concretização dos partidos e dos sindicatos no exercício de intérpretes
da Constituição, convocando o Poder Judiciário ao desempenho do
papel de
tertius capaz de exercer funções de checks and balances no
interior do sistema político, a fim de compensar a tirania da maioria,
sempre latente na fórmula brasileira de presidencialismo de coalizão.
(Vianna et alii, 1999, p. 51, ênfases no original).
Ainda que as expressões empregadas pelos autores careçam de certa precisão
terminológica, pode-se perceber claramente o papel central do órgão no sentido de
imporem-se limites à atuação unilateral do Poder Executivo. Uma vez que as medidas
provisórias permitem utilização abusiva, como todas as abordagens parecem concordar,
e especialmente por veicularem alterações legislativas de elevado impacto político,
pode-se deduzir que o STF seria chamado com relativa freqüência a apreciá-las, seja
como forma de controlar os eventuais abusos decorrentes de sua utilização, seja como
forma de contraposição às políticas relevantes que se busca implementar. Em afirmação
posterior, tornam os autores mais claro que se pretende expor. De acordo com eles,
“pode-se concluir que as Medidas Provisórias se constituem no terreno específico em
que se realiza o processo clássico de judicialização da política, opondo interesses com
representação majoritária e minoritária” (Vianna et alii, 1999, p. 143). Por um lado,
trata-se de observar a existência de um poderoso instrumento legislativo de que dispõe o
Poder Executivo, que veicula parte significativa de suas preferências políticas mais
relevantes. Por outro lado, como vem sendo frisado desde o início desta análise, a nova
configuração institucional ampliou significativamente o acesso ao STF para que nele se
questionasse a constitucionalidade de determinadas medidas legislativas, entre as quais
se incluem, obviamente, os referidos decretos presidenciais. Em decorrência da ampla
utilização que o Poder Executivo vem fazendo deste instrumento normativo e do
elevado impacto público de seu respectivo conteúdo, dificilmente as medidas
provisórias escapariam de serem levadas à apreciação do mais alto tribunal do país, seja
como estratégia deliberada de grupos oposicionistas para incrementar os custos e o risco
44
da atividade governativa, seja por outros proponentes com interesses mais específicos e
localizados. Observar como tem se dado este processo de contraposição entre interesses
majoritários (ou governistas) e minoritários (partidários ou setoriais) é justamente o
objetivo da presente dissertação. Para tanto, primeiramente faz-se importante apresentar
as formas como a literatura sobre o tema tem encarado semelhante atividade.
2.5 Medidas provisórias no Supremo Tribunal Federal: análises
Embora muito se tenha escrito sobre o instituto das medidas provisórias no plano
das relações entre os Poderes Executivo e Legislativo, poucos foram os estudos
dirigidos a observar a participação exercida pelo STF neste particular. Ainda assim,
estes trabalhos são importantes pontos de partida para a análise que ora se pretende
expor. Dois flancos de análise, derivados de duas áreas do conhecimento distintas,
merecem ser destacados. O primeiro, próprio dos círculos jurídicos, voz às opiniões
de acadêmicos do campo do direito público, com destaque para aqueles vinculados ao
direito constitucional. Neste particular, buscar-se-á enfatizar o que anteriormente se
designou a retórica estilizada sobre o tema
22
. Por sua vez, o segundo grupo de análises
observa-se entre aqueles que vêm estudando o comportamento do STF sob ótica da
literatura referente à dita judicialização da política, na qual se destacam os trabalhos de
cientistas políticos. Apresentar essas abordagens é o que se passa a fazer a seguir.
2.5.1 A retórica estilizada nos meios jurídicos
Os círculos jurídicos vêm dando atenção destacada ao instituto das medidas
provisórias bastante tempo. O tom em geral é crítico à utilização que do instituto faz
22
Afirme-se desde que não se pretende considerar a aludida retórica estilizada representativa de toda a
abordagem jurídica sobre o tema. exceções importantes, como, para ficar com apenas um exemplo, a
obra de Leon Fredja Szklarowsky (2003), que considera as medidas provisórias instrumentos
asseguradores da governabilidade do Brasil contemporâneo, e não usurpações legislativas, como sugere
essa literatura. O fato de não representar a visão da comunidade jurídica de modo integral, entretanto, não
lhe retira representatividade. Na realidade, parcela verdadeiramente vasta destas análises adota visão que,
se não é idêntica, pelo menos se aproxima muito daquilo que aqui se está a denominar a retórica estilizada
sobre o tema. Observando-se do ponto de vista mais amplo a questão, constata-se ainda que essa
abordagem se encontra em grande parte subjacente às idéias que embasaram a campanha pública
promovida pelo Conselho Federal da OAB contra o uso de medidas provisórias pelo governo de Fernando
Henrique Cardoso (Taylor, 2004, p. 310-312).
45
o Poder Executivo brasileiro, apresentando por vezes o poder de decreto do presidente
como verdadeira exceção ao princípio da separação de poderes
23
. As prerrogativas
presidenciais existentes no processo legislativo nacional e as medidas provisórias em
especial – são apresentadas como fatores que levariam a uma suposta verticalização das
relações entre os Poderes Executivo e Legislativo, com reflexos inclusive sobre o
funcionamento do Poder Judiciário. Em geral, esta perspectiva assume que a arena
legislativa é fundamentalmente um jogo de soma zero, para o qual a utilização constante
de medidas provisórias contribuiria de forma significativa. Exemplo desse modo de
pensar pode ser encontrado na afirmação de Sérgio Resende de Barros, logo abaixo:
Tem recebido acolhida o termo presidentismo (sic), que cunhei, para
designar a degeneração do presidencialismo, no Brasil, pelo excesso de
poder concentrado nas mãos do Presidente da República. (...) Essa é
uma das causas dos males que afligem o Estado brasileiro, repercutindo
não nas relações entre o Legislativo e o Executivo, mas envolvendo
até o Judiciário (Barros, 2002, p. 285).
Como pode ser observado, além do tom severamente crítico às prerrogativas
legislativas presidenciais, verifica-se também excessiva carga normativa, de duvidosa
precisão conceitual. Ainda em sentido que não destoa do anterior, pode-se destacar a
afirmação de Daniela Câmara Ferreira, de acordo com a qual:
Para a instalação do costume inconstitucional no caso de medidas
provisórias colaborou tanto nossa tradição totalitária quanto a
dificuldade em exercer o controle de constitucionalidade. Em suma, o
costume instalou-se devido à inércia (Ferreira, 2000, p. 150).
A crítica aberta, novamente observada, neste caso começa a buscar formas de
corrigir a suposta irregularidade representada pelos abusos legislativos que se afirma
ocorrer em função da utilização freqüente do instrumento normativo examinado. Neste
sentido, mais do que ações de caráter político, o que propõem os acadêmicos de direito,
em geral, é a maior participação do Poder Judiciário e do STF em especial no
controle sobre a atividade legislativa da Presidência da República. De acordo com esta
visão, a atuação do órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro deveria se pautar por
maior rigor na apreciação dos pressupostos constitucionais de urgência e relevância para
edição de medidas provisórias pelo Poder Executivo, interpretando mais restritivamente
23
Os trabalhos de Marco Aurélio Stradiotto de Moraes Ribeiro Sampaio (2004; 2006; 2007) realizam
excelente revisão destes posicionamentos da literatura jurídica no que se refere à utilização de medidas
provisórias pela Presidência da República no Brasil contemporâneo.
46
o artigo 62 da Constituição. Semelhantemente, deveria ele coibir a prática da reedição
das medidas provisórias, impedindo supostos abusos na condução do governo. De
acordo com esta visão, o STF estaria sendo pouco rigoroso na interpretação
constitucional, não agindo, portanto, de acordo com sua missão institucional de defesa
dos princípios estampados no texto constitucional.
É nesse contexto que se faz presente o que anteriormente denominou-se a
retórica estilizada sobre o tema. Esta afirma que o silêncio e a inação do STF ante os
supostos abusos do Poder Executivo na edição e reedição de medidas provisórias tidas
como flagrantemente inconstitucionais levariam a uma violação dos princípios
constitucionais, especialmente daquele relacionado à harmonia e ao equilíbrio nas
relações entre os Poderes do Estado brasileiro. Não declarando inconstitucionais certas
medidas provisórias, o STF estaria anuindo com uma verdadeira usurpação legislativa
que a Presidência da República cometeria com relação ao Congresso Nacional. A corte
encarregada da guarda da Constituição não estaria correspondendo ao papel que lhe fora
atribuído, permitindo violações a princípios basilares da ordem política. Isto posto, o
tribunal deveria modificar seu entendimento sobre a edição e reedição dos decretos do
presidente brasileiro, sendo mais restritivo em relação a eles. Na visão de certos autores,
para que se possa romper com a prática reiterada de verdadeira imposição legislativa,
dever-se-ia passar inclusive a “(...) uma revisão da função do Supremo Tribunal
Federal como guardião da Constituição (...)” (Ferreira, 2000, p. 151). Neste sentido,
observa a autora, o STF teria de reorientar sua atuação, de modo a fazer-se mais
presente na arena legislativa, intervindo mais ante o que considera serem abusos
legislativos por parte do Poder Executivo brasileiro.
A referida retórica estilizada atua em basicamente dois flancos, criticando a
atuação do STF em ambos. A primeira crítica afirma que o tribunal é excessivamente
permissivo nas hipóteses em que autoriza o Poder Executivo a lançar mão de medidas
provisórias, não controlando os requisitos constitucionais de urgência e relevância para
edição dos referidos decretos. Já a segunda vertente crítica aponta para a permissividade
no que se refere às reedições, não previstas no texto original da Constituição e que
estariam a macular princípios sensíveis da separação de poderes.
Quanto à primeira, o problema central identificado pelos autores é o
posicionamento jurisprudencial de acordo com o qual são prerrogativas do próprio
Presidente da República dizer o que entende ser circunstâncias urgentes e relevantes.
Tratar-se-ia de um juízo de conveniência política e não jurídica somente objetável
47
por ação do Congresso Nacional. Nestes casos, frisa-se que STF teria sido chamado a se
pronunciar sobre isso em diversas ocasiões, mas que ele teria evitado emitir controle
mais severo sobre a atuação unilateral do Poder Executivo. A citação abaixo serve como
exemplo deste ponto de vista:
(...) o entendimento jurisprudencial permaneceu o mesmo, no sentido da
subjetividade da apreciação de tais pressupostos. Reiteradamente o
Supremo Tribunal Federal foi chamado a se pronunciar a respeito da
eventual ausência dos pressupostos constitucionais de determinadas
medidas provisórias e na quase totalidade dos casos pronunciou-se de
modo enfático no sentido de que tal análise deve ser feita
discricionariamente pelo Poder Executivo (Nicolau, 2006, p. 116).
Em sentido semelhante, Clèmerson Merlin Clève (2000) inclusive ressalta que a
literatura jurídica estaria postulando maiores controles jurisdicionais particularmente
do STF sobre a edição de medidas provisórias. O tribunal, entretanto, não estaria
correspondendo ao que seria sugerido pela bibliografia em direito público sobre o tema,
permitindo abusos por parte do Poder Executivo em sua participação no processo de
elaboração de normas. Veja-se a citação do autor, a seguir:
Analise-se o problema do tratamento, por medida provisória, de
determinado campo substantivo. Como visto, a doutrina tem procurado
delimitar o âmbito material de incidência das medidas provisórias. No
entanto, o esforço não tem sensibilizado o STF. (...) É indubitável que a
exagerada cautela no tratamento das questões constitucionais tem
contribuído, e muito, para o recorrente abuso do Executivo no
desempenho da função legiferante (Clève, 2000, p. 228).
Particularmente, a crítica do autor reflete o problema apresentado referente à
falta de consistência e rigor, por parte do STF, no que tange ao controle dos requisitos
constitucionais de urgência e relevância para edição de medidas provisórias pela
Presidência da República. O tom crítico do autor se faz ainda mais presente quando ele
afirma que “em relação ao controle dos pressupostos autorizadores da medida
provisória, a postura do Supremo Tribunal Federal tem sido, lamentavelmente,
acanhada” (Clève, 2000, p. 229). Tal acanhamento por parte do STF estaria permitindo
que o Poder Executivo lançasse mão, com freqüência muito acima da esperada, de
medidas provisórias para aprovação de suas políticas prioritárias. Ao agir assim, o
tribunal estaria anuindo com o amesquinhamento da participação do Congresso
Nacional no processo legislativo que ocorreria em razão do excessivo recurso à edição
de decretos por parte da Presidência da República.
48
Neste ponto, as críticas se dirigem a um segundo posicionamento firmado pelo
STF quanto ao tema, qual seja, a autorização de reedições com ou sem alteração de
medidas provisórias, prática sobre a qual a Constituição silencia e que acabou se
estabelecendo, na visão desta parcela da literatura, tanto pela ação impositiva da
Presidência da República como pelas chancelas conferidas pelo Poder Legislativo e pelo
próprio Supremo. Ao se autorizar semelhante procedimento não previsto na
Constituição, verificar-se-ia verdadeira frustração dos objetivos contidos no texto
constitucional, para o qual contribuiria a falta de rigor interpretativo por parte dos
ministros do STF. A crítica de Gustavo Rene Nicolau aponta justamente neste sentido,
conforme se observa abaixo:
Pela letra da Constituição de 1988, a medida provisória teria curta
duração e de fato serviria apenas como um instrumento excepcional de
legiferação pelo Poder Executivo, a regular situações de relevância e
urgência que não pudessem aguardar o processo legislativo ordinário. O
caput do art. 62 impunha ao presidente submeter de imediato a medida
provisória para apreciação do Congresso Nacional. O parágrafo único,
por sua vez, apresentava três regras básicas que se aplicadas
severamente transformariam tal espécie normativa primária em
instrumento democrático. Dessas três, duas perderam totalmente seu
valor por conta do expediente de reedições de medidas provisórias,
largamente utilizado pelo Poder Executivo e ratificado pelo Congresso
Nacional (Nicolau, 2006, p. 125, ênfase no original).
Mais adiante no texto, o mesmo autor reafirma a parcela de responsabilidade do
STF na frustração do que considera serem objetivos contidos inicialmente na
Constituição de 1988. Observe-se:
O expediente corriqueiro utilizado pelo Executivo (e chancelado pelo
Supremo Tribunal Federal) de reeditar seguidamente as medidas
provisórias não apreciadas pelo Congresso Nacional quebrou a estrutura
de toda segurança almejada com a redação original (Nicolau, 2006, p.
153).
Dois pontos merecem ser destacados destas análises. Em primeiro lugar, como
observa Marco Aurélio Sampaio (2004; 2007), é surpreendente que não se mencione
que eventual atuação para corrigir o suposto abuso possa ser tomada pelo próprio
Congresso Nacional. Curiosamente, apenas o STF é citado como possível revisor das
alegadas irregularidades. O Poder Legislativo, nesta visão, parece sequer ocupar algum
espaço no cenário político, salvo como vítima. Relacionando-se esta seção com a
anterior, pode-se deduzir que a leitura predominante na análise jurídica conclui ser o
49
instituto da medida provisória fruto de uma relação de usurpação das funções do Poder
Legislativo pelo Poder Executivo, que permitiria a este impor sua vontade
unilateralmente, contra a qual praticamente nada se poderia fazer, eis que os decretos
produziriam elevadíssimos custos de reversão quanto à situação de fato por eles gerada.
Em segundo lugar, deve-se mencionar que se, por um lado, o STF efetivamente
autorizou a prática das reedições, por outro, nem sempre se manifestou contra a
possibilidade de analisar os requisitos de urgência e relevância para edição de medidas
provisórias. Ao contrário do que foi afirmado pelos juristas citados, ver-se-á
oportunamente que a jurisprudência da corte apresenta flutuações e que não raramente o
tribunal apreciou estes quesitos em desfavor do Poder Executivo. Análise mais detida
sobre isto, entretanto, somente será levada a cabo posteriormente, quando se
examinarem os dados colhidos para a presente dissertação, no capítulo que encerra este
trabalho. Em que pese este conjunto de análises, o estudo relativo ao controle de
constitucionalidade de medidas provisórias pelo STF está longe de ser exclusividade
dos juristas. Alguns estudos realizados por cientistas políticos também já de debruçaram
sobre o tema.
2.5.2 Os trabalhos de cientistas políticos sobre o tema
24
Passando-se às análises realizadas entre os cientistas políticos, observa-se que há
também aqueles que empregam a referida retórica estilizada quando avaliam o controle
de constitucionalidade de medidas provisórias exercido pelo STF. Na avaliação
promovida por alguns deles, o tom normativo repete-se e algumas críticas tornam-se
inclusive mais agudas. Em especial, cumpre mencionar o trabalho de Ernani Rodrigues
de Carvalho Neto (2000), que aborda o período referente ao primeiro mandato do
governo de Fernando Henrique Cardoso e faz uso de método quantitativo para análise
do fenômeno discutido. Ao longo de seu trabalho, o autor busca demonstrar que o
Supremo Tribunal Federal não estaria funcionando de acordo com o que seria esperado
de um órgão comprometido com os controles horizontais no Brasil contemporâneo.
24
Ainda que Oscar Vilhena Vieira apresente formação nos dois campos do conhecimento aqui discutidos,
preferiu-se incluí-lo entre os cientistas políticos em razão de seu trabalho citado ser fruto de sua
dissertação de mestrado defendida junto a um programa de pós-graduação em ciência política. Presume-
se, portanto, que o viés próprio de sua abordagem na obra citada seja mais afeito a esta área do
conhecimento do que aos círculos jurídicos.
50
Neste sentido, após demonstrar seus achados empíricos, argumenta o autor que “(...) o
Supremo Tribunal Federal não vem funcionando como ‘freios e contrapesos’ do
sistema institucional”
(Carvalho Neto, 2000, p. 92). Adiante no texto, o autor acentua
sua crítica ao STF ante a alegada inércia apresentada por este no controle de
constitucionalidade dos decretos executivos do presidente brasileiro, afirmando que
(...) a atuação irregular do Judiciário (STF) no exercício do Controle de
Constitucionalidade afeta o fortalecimento da Democracia, como bem pode favorecer a
um retrocesso (...)”
(Carvalho Neto, 2000, p. 93). Neste sentido, fala o autor inclusive
em esfacelamento das regras do jogo democrático” (Carvalho Neto, 2000, p. 93), para
o qual contribuiria a falta de controle do STF sobre a edição de medidas provisórias
pelo Poder Executivo brasileiro. Juízo que não chega a ser inteiramente distinto pode ser
encontrado no trabalho de Oscar Vilhena Vieira (2002), de acordo com quem:
Em função da perversão do instituto da medida provisória, que passou a
ser mecanismo corriqueiro para a realização da vontade do Executivo,
que simplesmente desconsidera os requisitos de ‘relevância e urgência’
para que medidas provisórias sejam adotadas, a jurisprudência do
Supremo mostrou-se tímida. Muito embora alguns Ministros tenham
reiteradamente argumentado em favor da necessidade de se controlar os
pressupostos autorizadores das medidas provisórias, a maioria do
Tribunal vinha assegurando uma esfera de ampla discricionariedade do
Presidente da República (Vieira, 2002, p. 166).
Mais adiante no texto, o autor reafirma sua posição, asseverando que o STF tem
apresentado “(...) posição extremamente cautelosa e auto-restritiva de controlar os
requisitos de admissibilidade para a edição de medidas provisórias.” (Vieira, 2002:
168). A obra do autor merece destaque, eis que tece diversas considerações sobre o
assunto aqui abordado, ainda que não seja objeto da mesma a realização exclusiva desta
análise. Neste caso, a crítica às medidas provisórias recai tanto sobre a atuação do STF
quanto sobre os demais Poderes do Estado. As constantes edições e reedições dos
referidos decretos estariam levando a um abuso na produção legislativa por parte do
Poder Executivo, prática esta, segundo o autor, erroneamente autorizada pelo Congresso
Nacional e pelo Supremo Tribunal Federal, eis que tida como inconstitucional. As
opiniões do autor sobre o tema são bastante contundentes e estão em perfeita sintonia
com a aludida retórica estilizada, conforme pode se observar em outra citação, abaixo:
Não se deve esquecer que se o abuso foi responsabilidade primária do
Poder Executivo; o Congresso e o próprio Supremo Tribunal Federal
também devem ser responsabilizados pelo atentado à Constituição. O
51
primeiro por sua omissão em regulamentar a expedição de medidas
provisórias ou mesmo em apreciá-las com maior sistematicidade. O
segundo por, quando teve a oportunidade, ter se manifestado de forma
extremamente liberal em relação ao cumprimento dos requisitos
constitucionais para a edição e reedição das medidas provisórias (....).
Todos esses fatores; arbítrio legislativo, falta de autoridade dos tribunais
superiores e falta de seletividade por parte do Supremo Tribunal Federal
a respeito do que será ou não julgado por ele liberdade que não lhe é
dada pela Constituição –, contribuem sensivelmente para uma situação
de crise da nossa jurisdição constitucional, o que impede o Supremo de
desempenhar de forma mais adequada as suas atribuições propriamente
constitucionais (Vieira, 2002, p. 220).
Mesmo naqueles casos em que não se percebe crítica direta ao que se afirma ser
timidez do STF em controlar os decretos da Presidência da República, observa-se que o
juízo sobre o tema apresenta conclusões que não chegam a destoar inteiramente dos
pressupostos presentes naquelas críticas. Em análise bastante rica e abrangente referente
a todas as ADIns propostas contra leis federais leis ordinárias, leis complementares,
Emendas Constitucionais e medidas provisórias – no período abrangido entre os anos de
1988 e 2002, Matthew MacLeod Taylor (2004) também salienta o restrito controle
exercido pelo Supremo Tribunal Federal quanto a medidas provisórias. Avaliando os
extensos achados empíricos de sua pesquisa, afirma ele:
Em termos do tipo legal, os resultados são contrários às hipóteses
iniciais: tudo mantido igual, pequena relação entre a quantidade de
deliberação que a lei recebe e o sucesso das ADIns. A conclusão põe
abaixo qualquer assertiva de que o STF vê o uso de medidas provisórias
como inerentemente mais arbitrário ou menos constitucional que o uso
de outras formas de legislação, representando uma usurpação de poder
pelo Executivo
25
(Taylor, 2004, p. 179).
Em sentido um tanto diverso das análises anteriores, entretanto, parecem apontar
outros estudos. Ainda que seja breve a análise empreendida pelos autores, Luiz
Werneck Vianna e outros (1999) observam um ponto importante. Eles destacam a
importância do controle de medidas provisórias pelo STF, frisando a participação não
insignificante da instituição neste processo. Ao submeterem medidas provisórias à
apreciação do tribunal, os diferentes proponentes das ADIns estariam, por meio das
concessões de liminares pelo tribunal, a fazê-lo participar indiretamente da produção
25
Tradução livre do inglês a partir de: “In terms of law type, the results are contrary to the initial
hypothesis: other things equal, there is little relationship between the amount of deliberation a law
receives and the success of ADINs. The conclusion knocks down any assumption that the STF views the
use of provisional measures as inherently more arbitrary or less constitutional than the use of other forms
of legislation, representing a usurpation of power by the executive branch.”
(Taylor, 2004, p. 179).
52
legislativa, interferindo na esfera de atuação do Poder Executivo. Como afirmam os
autores:
(...) pela leitura do julgamento das liminares, pode-se conceber uma
outra hipótese sobre a politização do STF, a partir da constatação de que
ele se instituído como parte do processo de elaboração de leis: a
concessão de uma liminar pode importar a decisão do Executivo de
reapresentar a Medida Provisória, expurgada daqueles dispositivos que
o Supremo havia entendido, no julgamento da versão anterior, como
inconstitucionais (Vianna et alii, 1999, p. 143).
Desta maneira, o STF é visto como auxiliar na criação da lei, restando desafiada,
de certa maneira, a noção de que seria apequenada sua participação no processo político
nacional. A concessão destas liminares, ainda que não se possa falar em um processo
generalizado, apresenta reflexos que não podem ser excluídos da análise, de tal modo
que elas podem representar verdadeiras limitações – ainda que tópicas e restritas a
certos temas sobre a capacidade legislativa da Presidência da República. Em sentido
bastante assemelhado ao anterior, aponta análise mais recente de Ernani Rodrigues de
Carvalho Neto (2005) sobre o tema, como se depreende da citação abaixo:
(...) a concessão de liminar por parte do Supremo Tribunal pode ser
entendida como aviso aos governantes. Como a medida provisória é um
texto legislativo com força de lei de competência exclusiva do
Presidente da República, a concessão de liminares contra um texto
dessa natureza pode ser interpretada como um ‘sinal amarelo’. Nesse
sentido, caberia ao governo tomar as medidas de reestruturação do texto
legal, evitando com isso que ele venha a ser rejeitado de forma
definitiva em uma decisão de mérito. Essa estratégia foi utilizada nas
chamadas reedições, que tinham por finalidade protelar o tempo de
vigência das Medidas Provisórias e sanar eventuais
inconstitucionalidades (Carvalho Neto, 2005, p. 141).
Uma importante ressalva é realizada por ambos os autores, ponto até então
pouco mencionado nas análises. Trata-se da participação direta do STF na atividade de
criação legislativa, restringindo o leque de opções do Poder Executivo na promulgação
de decretos com força de lei, ainda que não necessariamente de modo severo. Em
alguma medida, a presente dissertação pretende se vincular a este tipo de exame,
analisando as situações, contextos e temas sobre os quais a atuação do STF se faz mais
ou menos presente quanto à atividade legislativa da Presidência da República.
Entretanto, vale ressaltar que embora as análises referentes aos julgamentos dos pedidos
de liminar apontem no sentido anteriormente citado, de relativa saliência do tribunal, o
53
exame dos julgamentos de mérito das ADIns apontam em sentido diametralmente
oposto. Isto porque praticamente inexistem situações, afirmam praticamente todos os
autores, nas quais o julgamento de mérito se em desfavor do Poder Executivo, o que
poderia aventar possíveis conclusões no sentido de considerar-se o tribunal menos
interventivo do que a análise dos julgamentos dos pedidos de liminar permite. Em
grande medida, contudo, essas mesmas análises afirmam que este tipo de
comportamento pode ser explicado mais em termos do tipo de instrumento normativo
em questão do que em referência aos posicionamentos próprios do tribunal. Isto é, a
natureza provisória dos referidos decretos – substituídos posteriormente por leis de
conversão ou por reedições sucessivas, com ou sem alterações dificulta sobremaneira
que estes perdurem até o momento, geralmente tardio, de julgamento final da ação.
Como bem afirma Ernani Rodrigues de Carvalho Neto:
A medida provisória tem um status diferenciado. Pelo seu tempo de
vida legal efêmero e por estar inserida em um cenário onde as decisões
judiciais são tomadas com certa parcimônia, é provável que, em boa
parte delas, o objeto jurídico em questão tenha perdido seu sentido
enquanto peça processual (Carvalho Neto, 2005, p. 141, ênfase no
original).
Em razão disto se entenderiam os motivos pelos quais os julgamentos de mérito
apresentariam resultados diferentes daqueles presentes nos julgamentos dos pedidos de
liminar. A suposta postura pouco interventiva seria reflexo mais do tipo legal em análise
do que um comportamento genuíno do tribunal. Desta maneira, o presente estudo filia-
se ao conjunto de autores para quem o verdadeiro filtro de análise do STF às medidas
provisórias e praticamente a quaisquer outros tipos legais pode ser considerado o
julgamento do pedido de liminar (Vianna et alii, 1999; Taylor, 2004). As razões para
esta escolha, contudo, somente serão apresentadas no momento oportuno, quando da
análise dos dados obtidos para esta dissertação.
Espera-se, pela exposição realizada, ter apresentado as leituras dos cientistas
políticos quanto ao tema. Como foi visto, os analistas não são exatamente convergentes
quanto às suas opiniões a respeito do tema. Observa-se, por um lado, aqueles trabalhos
que frisam a relativa falta de participação do STF no controle da atividade legislativa do
Poder Executivo no Brasil contemporâneo, alguns dos quais inclusive guardando
convergência com aqueles elaborados por juristas, apresentados anteriormente. Por
outro lado, certas análises têm afirmado papel que se não chega a ser mais fortemente
54
interventivo por parte do tribunal, possibilita classificá-lo como partícipe, ainda que
indireto, na elaboração de leis, através dos julgamentos de pedidos de liminar. Ademais,
parece haver também certa convergência quanto às razões da dificuldade no julgamento
de mérito das ações propostas contra medidas provisórias, o que se observaria em razão
das especificidades institucionais relativas a este instrumento normativo específico e seu
caráter essencialmente provisório.
2.6 Conclusões do capítulo
O presente capítulo apresentou os dois estados de coisas que se pretende
confrontar no curso deste trabalho. Por um lado, foram apresentadas as novas
atribuições do STF oriundas da Constituição de 1988, que o projetaram para o centro da
atividade política brasileira. A despeito disso, as leituras majoritárias apresentadas sobre
a atuação da instituição parecem apontar em sentido oposto. Conforme visto, grande
parcela da literatura tem concordado em afirmar que a participação do STF no processo
político brasileiro não pode ser classificada como intensa, sendo, na realidade, quando
existente, bastante tópica e restrita. Por outro lado, apresentou-se como o instituto das
medidas provisórias tem sido um poderoso instrumento para efetivação de políticas
relevantes na condução do governo pelo Poder Executivo. Ainda que existam
controvérsias quanto à natureza última do instituto, certeza quanto a este ponto
fundamental: ela consubstancia parte significativa dos interesses majoritários e
imediatos do principal ator do sistema político brasileiro.
Após estas exposições, foram apresentadas as interpretações derivadas do
encontro entre estes dois dados da realidade. Passou-se, portanto, a apresentar as leituras
realizadas, tanto entre os acadêmicos na área jurídica como entre os cientistas sociais,
sobre o controle de constitucionalidade de medidas provisórias exercido pelo STF.
Neste particular, foi apresentado o que se designou a
retórica estilizada sobre o tema,
na qual a leitura sobre a participação apequenada do tribunal cede lugar a um tom
abertamente crítico, que enxerga riscos inerentes à falta de participação deste na
correção do que considera serem abusos cometidos pelo Poder Executivo quando este
lança mão de seu instrumento unilateral de ação legislativa. Viu-se que esta forma de
encarar a questão não é exclusividade dos juristas, encontrando representantes também
entre os cientistas políticos que se ativeram ao assunto. Embora o tom desta vertente
55
analítica seja marcadamente normativo, um aspecto importante merece ser destacado
sobre ela: ao fazer eco dos estudos mais abrangentes sobre a performance institucional
do tribunal, esta assume como dada a participação praticamente nula do STF no controle
de medidas provisórias. A censura à atuação corte assenta-se, portanto, em um juízo
analítico sobre esta mesma realidade. Esta perspectiva subjacente à crítica, entretanto,
goza de dois problemas fundamentais. Trata-se, em primeiro lugar, de uma análise
generalista, que não percebe nuanças significativas no comportamento do STF, seja
como fruto da interação deste com os demais Poderes do Estado, seja como resultado do
perfil institucional da corte, não frisando importantes variações observadas nos
julgamentos realizados pelo tribunal. Adota-se, neste caso, uma visão unidimensional e
mesmo simplista do problema, deixando-se de perceber importantes aspectos do objeto
estudado, com reflexos imediatos sobre as conclusões alcançadas. Em segundo lugar,
esta mesma visão assume um comportamento essencialmente normativo, derivado tanto
de seu viés teórico, focado excessivamente em apenas uma corrente analítica, como de
seus pressupostos comparativos um tanto equivocados. Soma-se a isso a falta de filiação
explícita destes mesmos trabalhos a teorias mais amplas sobre o comportamento
judicial. Por curioso que possa parecer, ainda que haja conjunto significativo de estudos
sobre o STF, esta mesma literatura parece simplesmente ignorar as principais vertentes
de análise da literatura que tratamento ao tema, atendo-se fundamentalmente a uma
perspectiva, aquela da chamada judicialização da política.
Embora a leitura que identifica a participação do STF no controle de medidas
provisórias como mínima seja praticamente dominante, com presença importante
inclusive entre os cientistas políticos, ela não é única. Como foi visto, um esboço de
leitura divergente que considera a concessão de liminares pelo STF elemento de
participação deste no processo de elaboração de leis, ainda que de forma um tanto
indireta, intervindo sobre a atividade legislativa do Poder Executivo brasileiro. Esta
perspectiva diversa, contudo, é pouco profunda em sua análise, não avançando muito
em seus achados empíricos e considerações sobre o tema, mas fornece pistas
promissoras para compreender em detalhe a dinâmica que aqui se pretende examinar.
Entretanto, antes que se passe a trilhar este caminho, faz-se relevante evitar parte dos
equívocos presentes nas análises existentes sobre o objeto em estudo. Torna-se
fundamental, portanto, discutir conceitual e teoricamente o problema abordado, como se
passa a fazer a seguir.
56
3 PERSPECTIVAS TEÓRICASNO ESTUDODOS TRIBUNAIS
3.1 Introdução
Como abordar a contraposição entre, por um lado, os interesses imediatos do
governo professados em um poderoso instrumento legislativo e, por outro lado, os
interesses dos diversos grupos que fazem uso do controle abstrato de
constitucionalidade de leis para se contrapor àqueles primeiros? Neste sentido,
igualmente relevante é indagar: de que maneira um tribunal envolvido neste tipo de
conflito tende a agir? Parte da resposta a essas perguntas depende das lentes teóricas
empregadas para se realizar semelhante análise. A escolha do cabedal teórico traz,
portanto, inegáveis reflexos sobre a forma como este mesmo estudo é dirigido. Esta é a
tarefa para a qual a presente dissertação se volta agora. Para tanto, o presente capítulo
busca articular três objetivos distintos, mas conjuntos; um principal ao qual se somam
outros dois, complementares. O primeiro e fundamental consiste em apresentar as
teorias explicativas do comportamento dos tribunais existentes na literatura.
Secundariamente, busca-se identificar em meio à exposição das teorias básicas aquelas
que serviram como matriz para a maior parte das análises sobre a realidade brasileira.
Pretende-se, desta maneira, aclarar as razões para parte significativa das conclusões
alcançadas por aqueles estudiosos, que derivam largamente de uma leitura um tanto
particular das vertentes teóricas por eles empregadas. Outro objetivo secundário deste
capítulo consiste em apresentar, juntamente à exposição das teorias básicas, a
experiência vivida por outros países no que se refere aos mesmos dilemas institucionais
em que veio a ser colocado o STF nos anos recentes de democracia, em que foi
submetido à apreciação de mais de trezentas ações (somente pela via direta) cujos
objetos contestados eram medidas provisórias.
Voltado, portanto, a discutir o marco teórico que se empregará no exame
sistematizado do objeto em estudo, o presente capítulo desenrola-se como apresentado a
seguir. Parte-se de uma exposição sucinta das escolas que dão tratamento ao tema para,
posteriormente, se passar à apresentação da abordagem escolhida a ser empregada neste
trabalho. Para tanto, primeiramente serão apresentadas as visões tradicionais da análise
jurídica dos tribunais aqui denominadas, respectivamente,
modelo legal e visão
normativa professadas geralmente por acadêmicos oriundos de faculdades de direito.
57
Afastando-se dos círculos estritamente jurídicos, passa-se a apresentar a vertente teórica
majoritariamente empregada pela ciência política brasileira no estudo do STF no recente
período de democracia, aquela da chamada
judicialização da política. Objetiva-se
demonstrar não apenas os usos nem sempre adequados dessa literatura por parcela
significativa dos analistas brasileiros, como também a carência de outras fontes teóricas,
de ampla circulação internacional, que parecem ainda não haver se integrado de modo
sistemático aos estudos dos pesquisadores brasileiros. Neste ponto, frise-se desde já, o
texto se tornará um tanto repetitivo em relação ao capítulo anterior, eis que
necessidade de se aclarar as possíveis vertentes teóricas a que estão filiadas as análises
realizadas no Brasil sobre o tema deste trabalho.
A partir deste breve levantamento, busca-se expor a necessidade de expandir o
horizonte teórico a ser empregado no estudo do STF, e do Poder Judiciário em geral, na
análise política realizada no Brasil. Passa-se, então, a apresentar aquelas que vêm se
configurando as principais correntes teóricas no estudo do comportamento judicial em
outros países e nos Estados Unidos em particular, onde este campo de análise goza de
imensa produção teórica. A partir do resgate destas correntes teóricas, aqui consideradas
minoritárias entre os cientistas políticos brasileiros, pretende-se expor os principais
modelos existentes de estudo do comportamento judicial, as escolas atitudinal e
estratégica. Uma vez realizada a apresentação das diferenças fundamentais entre estes
dois enfoques teóricos, serão aduzidas as razões que levam à preferência por uma
variante do último deles. Especialmente, o fato de o modelo atitudinal ser de difícil
aplicação a outras realidades que não aquela específica dos Estados Unidos conduz à
opção por uma das leituras possíveis do modelo estratégico, aquela denominada modelo
de separação de poderes. Considerado isoladamente, contudo, este modelo contribui
apenas até certo ponto para a compreensão da dinâmica apresentada pela mais alta corte
do país. De modo a complementar esta perspectiva teórica, serão agregados achados de
outras abordagens voltadas a explicar o mesmo fenômeno. Trata-se de dois outros
enfoques que priorizam, por um lado, aspectos institucionais do Poder Judiciário e, por
outro, a influência de grupos de interesse junto a ele. Tomando por base, portanto, parte
dos pressupostos do modelo de separação de poderes, a ele se somando estudos recentes
do neo-institucionalismo e alguns outros sobre a presença de organizações de interesses
junto ao Poder Judiciário, acredita-se ser possível desenvolver um modelo de análise
que abarque as particularidades próprias da realidade brasileira, sem, contudo, perder-se
de vista o debate teórico sobre o comportamento dos tribunais. Por meio deste
58
construto, busca-se enquadrar o tema das relações entre Presidência da República e
Supremo Tribunal Federal no Brasil posterior a 1988. Antes de se passar a este ponto,
entretanto, procede-se à apresentação das abordagens tradicionais, de acordo com o que
foi inicialmente exposto.
3.2 Além do formalismo, da visão normativa e da judicialização da política
O estudo sistemático tradicionalmente relacionado à atividade dos tribunais,
como poderia se esperar, é aquele realizado no interior das faculdades de direito, dentro,
portanto, dos enfoques próprios da ciência jurídica. Ainda que estes sejam minoritários
do ponto de vista próprio das ciências sociais, faz-se importante mencioná-los, eis que,
entre outros fatores, eles evidenciam as dificuldades de se buscar compreender como
atuam os tribunais e seus magistrados sob os marcos únicos da ótica jurídica. Ao expor
estas abordagens, que pouco se parecem com qualquer forma de análise social moderna,
espera-se ainda compreender as razões para certos posicionamentos existentes na
literatura jurídica sobre o tema, conforme demonstrado no capítulo anterior. Pode-se
afirmar desde que a aludida retórica estilizada sobre o tema pode ser compreendida
como uma forma particular de combinação entre as duas visões tradicionais da literatura
jurídica. Esta ótica, além de extremamente simplificada para o estudo do problema
abordado, conduz quase invariavelmente a visões um tanto estereotipadas sobre a
questão, conforme visto anteriormente.
De modo conciso, pode-se afirmar que a abordagem tradicional da análise
jurídica de estudo sobre o comportamento judicial se divide em duas perspectivas
particulares, aqui denominadas modelo legal (legal model) e visão normativa,
respectivamente. Antes de se constituírem em dois modos apartados de compreender o
problema, ambas se articulam intimamente, como se verá a seguir. O primeiro destes
enfoques compreende a atuação dos juízes em uma perspectiva formal, ou mesmo
formalista, explicando as decisões judiciais como funções da aplicação direta de normas
jurídicas previamente existentes a casos específicos. O argumento que permeia esta
análise é ínsito ao exercício da própria função judicial e da posição que o Poder
Judiciário ocupa no sistema político, sendo inclusive vital ao discurso que legitima a
atuação deste ramo do Estado, assentado nas idéias de independência e neutralidade de
seus agentes e instituições (Shapiro, 1981). Trata-se, portanto, de visão firmada com
59
base na clássica predisposição de compreender a dinâmica política como produto
imediato de uma relação que se professa entre os três Poderes básicos do Estado, a
saber, Executivo, Legislativo e Judiciário. De acordo com este modelo, de nítida matriz
montesquieana, ao segundo caberia criar nova legislação, cuja implementação restaria
ao primeiro e cuja resolução dos conflitos decorrentes de sua aplicação seria objeto do
último. Neste arquétipo básico, a função propriamente inovadora, ou transformadora da
realidade, se limita à criação de novas leis, sendo, portanto, incumbência própria do
Poder Legislativo
26
. Aos Poderes Executivo e Judiciário pouco caberia além de tornar
concretos os comandos decorrentes das decisões tomadas na arena legislativa. Neste
caso, os magistrados não se distanciariam da formulação clássica de Montesquieu sobre
o tema, para quem os juízes
“não são (...) mais do que a boca que pronuncia as
sentenças da lei”
(Montesquieu, 1995 [1748], p. 337)
27
. Significa afirmar que o
posicionamento professado pelo juiz reflete ou deveria refletir somente a intenção
contida na lei, impessoal e geral, sendo ele seu mero aplicador frente a situações
concretas sobre as quais esta incide. Trata-se, portanto, de um magistrado
fundamentalmente apolítico. Inexistem, nesta abordagem, quaisquer considerações às
preferências próprias dos julgadores, às conseqüências das decisões judiciais ou aos
constrangimentos institucionais e sociais a que poderiam estar submetidos os juízes no
momento em que decidem. Neste sentido, frente a casos idênticos, os membros do
Poder Judiciário decidiriam de modo também idêntico
28
. Como parece óbvio, este
26
De acordo com Bernard Manin, a legitimidade para o exercício de semelhante função pelo parlamento,
não autorizada aos outros ramos do Estado, se daria pela existência do debate prévio à tomada de decisões
por um corpo coletivo de representantes eleitos (Manin, 1995). Estas duas características debate e
representatividade não se verificariam no Poder Executivo (geralmente representativo, mas unitário e,
portanto, não dialógico) e tampouco no Poder Judiciário (não eleito, muito embora às vezes suas decisões
resultem de debate). Por estas razões, o Poder Legislativo se constituiria o centro da idéia moderna de
governo representativo. Entretanto, vale lembrar que, de acordo com o próprio autor, este modelo é
válido, e com reticências, apenas para os regimes parlamentares prévios à emergência das democracias de
massas resultantes da ampliação do sufrágio, que reforçaram enormemente a importância dos partidos
políticos e retiraram boa parte do caráter dialógico do Poder Legislativo.
27
Tradução livre do francês a partir de: “Mais les juges de la nation ne sont, comme nous avons dit, que
la bouche que prononce les paroles de la loi; des êtres inanimés qui n’en peuvent moderér ni la force ni
la rigueur.”
(Montesquieu, 1995 [1748], p. 337).
28
Como se pode perceber, existe grande espaço de incerteza entre o significado concreto do conjunto de
normas jurídicas que opera sob um determinado caso e a decisão judicial efetivamente tomada. Não
raramente, recaem sob uma mesma situação normas jurídicas muitas vezes conflitantes ou pouco claras.
Nestas situações, os juristas buscam compreender a atuação dos tribunais como função não apenas da
aplicação de leis objetivas e claras dirigidas a casos previstos na legislação, mas como uma função da
interpretação de princípios superiores constitucionais ou fundamentais que forneceriam as respostas
buscadas pelos julgadores na ausência de normas diretamente aplicáveis à situação em questão. Trabalhos
clássicos como os de Ronald Dworkin (1999 [1986]; 2001 [1985]; 2002 [1977]) podem ser apontados
como exemplos desse enfoque. Mesmo neste caso, parece claro que o modelo formalista se preserva,
abrindo-se, contudo, espaço de indeterminação que mais prejudica do que auxilia na manutenção do
60
modelo enfrenta sérias dificuldades quando dele se tenta valer para explicar como
efetivamente decidem as cortes. Especialmente importante a esta dissertação é o fato de
que estas mesmas dificuldades se tornam ainda mais agudas quando se busca
compreender o comportamento de tribunais envolvidos diretamente no jogo político,
como no caso de cortes encarregas de determinar em última instância o significado da
Constituição, de que é exemplo, obviamente, o Supremo Tribunal Federal brasileiro.
Cumpre observar também que não diferentes tribunais podem apresentar variações
em posicionamentos com respeito a uma mesma questão jurídica, como também os
mesmos tribunais podem modificar suas próprias posições, anteriormente estabelecidas,
quando frente a situações ou contextos diversos.
Um exemplo diretamente relevante para esta dissertação da difícil aplicabilidade
do modelo formalista ao exame que se pretende pode ser fornecido pela análise da
realidade italiana. Se, frente aos mesmos casos e leis, magistrados decidiriam de modo
invariavelmente idêntico, seria de se esperar que não apresentassem variações nos seus
posicionamentos nem no tempo e tampouco no espaço. Todavia, observando-se o
controle de constitucionalidade exercido pela
Corte Costituzionale italiana quanto aos
provvedimenti provvisori adotados pelo governo, poder de decreto do Executivo
italiano, importantes alterações ocorreram ao longo do tempo. De uma posição
absolutamente silente desde o ano de 1956, época de instalação da corte, o tribunal
passou, a partir do final da década de 1980 e início dos anos 90, a ser cada vez mais
interventivo quanto às circunstâncias em que admitia ao Executivo o uso deste
instrumento normativo, até o ponto de constituir-se em ponto de veto bastante freqüente
a esta forma de legislar (Volcansek, 2001). Observe-se que esta modificação da corte se
deu sem que nenhuma alteração legislativa fosse verificada, decorrendo exclusivamente
de nova forma de interpretar a mesma questão, no caso, a possibilidade de controle dos
requisitos formais para edição e reedição de decretos
29
. Estas variações ao longo do
tempo dificilmente podem ser apreendidas tendo em vista o legal model. O mesmo
ocorre quando se considera um segundo aspecto. Como se sabe, o poder de decreto do
presidente brasileiro presente na Constituição de 1988 é praticamente uma cópia
aludido modelo de análise. Na realidade, a indeterminação do direito como um todo é motivo de críticas
deste modelo, como já foi apontado em outros estudos (Friedman & Burbank, 2002; Scheppele, 2002).
29
Um aspecto interessante sobre o caso italiano refere-se ao período de incremento da participação da
corte no controle dos decretos do Poder Executivo. Este coincidiu tanto com o generalizado
enfraquecimento da capacidade governativa do Executivo (Volcansek, 2001) quanto com a época em que
os magistrados daquele país passaram a ser vistos como verdadeiros heróis pela opinião pública quando
lideraram amplo processo de apuração da corrupção política naquele país, na famosa operação “Mãos
Limpas” (della Porta, 2001).
61
daquele que consta da Constituição italiana de 1947 (Ávila, 1997; Figueiredo &
Limongi, 2003). Novamente, de acordo com a visão formalista, seria de esperar que os
órgãos de cúpula do Judiciário dos dois países adotassem posturas idênticas. Sabe-se,
entretanto, que este não é o caso. Se, por um lado, a corte italiana foi incrementalmente
tornando-se mais restritiva, passando de um quadro em que não exercia nenhum
controle sobre os decretos a outro em que se tornou mais rigorosa na apreciação destes,
os posicionamentos jurisprudenciais do STF quanto ao controle de constitucionalidade
de medidas provisórias são cambiantes, dificultando inclusive a identificação de uma
linha jurisprudencial clara. À análise destes aspectos do caso brasileiro oportunamente
se retornará, mas parece claro que a visão formalista pouco contribui para esclarecer as
variações observadas entre a realidade brasileira e a italiana.
Na realidade, esta forma de compreender o funcionamento dos tribunais
encontra-se em desuso, ao menos por parte dos cientistas sociais, desde o final dos anos
30, quando nos Estados Unidos ficou clara a impossibilidade de explicar a alteração de
posicionamento da Suprema Corte com relação ao
New Deal com base neste modo
mecânico de compreender a atuação das cortes. Naquela ocasião, o presidente Franklin
Roosevelt buscava, desde o início da década de 1930, implementar seu programa de
reformas, sendo sucessivamente derrotado junto àquela corte. Quando, em 1936, o
Partido Democrata conquistou robusta maioria junto à House of Representatives, o
presidente e seus aliados abertamente pressionaram o tribunal para que este revisse seu
posicionamento e viabilizasse as alterações pretendidas na condução da política
macroeconômica. De fato, ante a ameaça da aprovação de um pacote legislativo que
elevava o número de membros do tribunal e que possibilitaria ao presidente obter
maioria favorável na composição do órgão, este modificou seu posicionamento no ano
de 1937, aceitando e de certa maneira legitimando as políticas sociais de combate à
depressão econômica que assolava aquele país desde 1929 (Rodrigues, 1992, p. 114-
122). Este episódio de enfrentamento entre o presidente e seus aliados, de um lado, e os
justices da Suprema Corte, de outro, tornou patente a inviabilidade prática deste modelo
explicativo. Este episódio demonstrou que os tribunais podem responder ao universo
político, até então considerado alheio ao julgamento de seus magistrados, que seria
realizado dentro dos limites de um direito considerado neutro, eis que aplicado por
agentes insulados das pressões políticas ordinárias. A situação tornou claro que a
dinâmica dos tribunais e aquela dos Poderes representativos do Estado dificilmente
poderia ser compreendida separadamente, isto é, como se instituições judiciais e
62
políticas representassem dois mundos completamente apartados, regidos por critérios
necessariamente diversos. As fronteiras existentes entre direito e política, portanto, não
poderiam ser consideradas tão rígidas como se costumava supor e propor.
Mais do que uma abordagem analítica a ser utilizada pelos estudiosos sobre o
assunto, na realidade, o modelo legal pouco passa hoje de uma lembrança histórica
pouco útil como efetivo instrumento de análise da realidade judicial, muito embora
ainda seja largamente reproduzido nas faculdades de direito. Como foi observado por
outros autores, a matriz analítica mais ampla em que se insere esta escola de análise do
comportamento judicial é justamente o chamado “velho institucionalismo”
(old
institutionalism), razão pela qual compartilha grande parte das deficiências analíticas
que permeiam este modelo (Clayton, 1999). O tratamento constitucional-legalista que
permeia esta escola dos primórdios da ciência política moderna reproduzia junto ao
estudo dos tribunais o mesmo mecanicismo que aplicava ao estudo das demais
instituições do Estado. Pelo menos desde os anos 40, face àqueles acontecimentos
políticos dos anos 30 nos Estados Unidos, o realismo jurídico (legal realism) buscou
contrapor-se a essa visão, observando que as decisões judiciais não buscavam responder
apenas aos ditames da lei, mas eram também – e especialmente instrumentos de
efetivação de preferências políticas próprias dos magistrados que as interpretavam no
julgamento de processos judiciais. Neste ponto, passava-se de uma visão mecânica a
uma ótica instrumental, na qual o cabedal de normas jurídicas aplicáveis a determinado
caso não serviria necessariamente como solução deste, mas como uma espécie de
justificativa hábil aos magistrados para que estes pudessem imprimir suas próprias
preferências políticas, ideológicas nos julgamentos por eles realizados. Como será
visto a seguir, esta lógica instrumental das normas jurídicas é uma espécie de
pressuposto comum a praticamente todas as escolas de análise do comportamento
judicial que se seguiram, sendo inclusive relevante para o tratamento teórico pretendido
na presente dissertação
30
.
O legal model, todavia, não é único nas academias de direito e compartilha seu
predomínio com outro enfoque também de ampla circulação, aqui denominado visão
normativa. Mais do que buscar compreender como e por que decidem os juízes nos
casos que se apresentam a eles, os operadores do direito adeptos deste modo de pensar
30
Obviamente, a discricionariedade dos magistrados na interpretação do direito não é absoluta – o mesmo
ocorrendo, consequentemente, à instrumentalidade das normas jurídicas. Em geral, entretanto, os estudos
têm concordado em afirmar que essa discricionariedade é tanto maior quanto mais indeterminado e pouco
claro for o conjunto de normas jurídicas relevantes à tomada de determinada decisão (Scheppelle, 2002).
63
voltam-se a prescrever como os juízes deveriam decidir, indicando inclusive que postura
deveriam adotar eles frente às outras instituições do Estado (Friedman, 2005)
31
. É nesta
toada que se articula a tradicional defesa normativa, de matriz especialmente
tocquevilleana, de acordo com a qual os tribunais deveriam se portar como instrumentos
contra-majoritários, isto é, como freios à ação de maiorias políticas potencialmente
tirânicas
32
. Neste caso, a ação do Poder Judiciário é interpretada como uma salvaguarda
do sistema político como um todo, oponível a movimentos que atentem não apenas
contra direitos de grupos minoritários, mas contra toda e qualquer forma de ação
política que coloque em risco princípios basilares da ordem política. Em um contexto de
instituições poliárquicas, isto significa afirmar que a incumbência das cortes passa a ser
fundamentalmente a preservação de direitos individuais, bem como a fiscalização das
formas de atuação dos órgãos do Estado, com o objetivo direto de assegurar que estas se
processem da forma mais democrática quanto possível. Evitar a ação tirânica da maioria
política significa, portanto, impedir que esta mesma maioria conduza o governo de
modo despótico, isto é, desrespeitando minorias e vituperando os procedimentos
ordinários da prática política. Por isso, inclusive, muito juristas afirmam que caberia aos
tribunais encarregar-se de garantir a efetivação do princípio da separação de poderes,
não permitindo que um ramo do Estado se projete sobre o outro
33
.
A formulação da retórica estilizada sobre o controle de constitucionalidade de
medidas provisórias pelo STF, conforme exposta anteriormente, se justamente
tomando por base estes pressupostos normativos, aos quais se somam considerações do
legal model, exposto há pouco. Pode-se compreender o posicionamento de muitos
31
Neste caso, ante o problema da falta de clareza do sistema jurídico, tal qual apresentado na nota
imediatamente anterior, buscam os juristas desenvolver técnicas de argumentação de modo a prescrever
que norma deve ser aplicada a cada caso, bem como qual interpretação exata deve ser emprestada a esta
em cada situação. Exemplo dessa abordagem pode ser encontrado na obra de Humberto Ávila (2003).
32
Cumpre observar, contudo, que a leitura realizada por Tocqueville (1996 [1835], p. 267-273) a respeito
da natureza contramajoritária dos tribunais, ao menos em princípio, não pode ser considerada uma defesa
desta, no sentido normativo do termo. Por outro lado, este enfoque prescritivo, que nos tribunais
contrapesos concretos a maiorias potencialmente tirânicas, constitui-se verdadeira obsessão nos trabalhos
jurídicos, como atestam os estudos de Barry Friedman (2001; 2002). Prova disso é a expressa filiação de
autores importantes e diversos, como Hans Kelsen (2000 [1929]) e Roberto Gargarella (1996), a esta
perspectiva. Há que se mencionar que, embora minoritárias, há vozes dissonantes mesmo entre os juristas,
como, para ficar com um exemplo, a de Tim Koopmans, para quem é inegável a dificuldade dos tribunais
cumprirem de modo efetivo semelhante função (Koopmans, 2003, p. 104-108). Para uma análise
estritamente política desta visão, bem como de suas respectivas contradições internas, consulte-se trechos
de influentes obras de Robert Dahl (1989 [1956], p. 13-40; 1989a, p. 187-191).
33
Para ficar apenas com os exemplos de alguns autores brasileiros, vale mencionar a obra clássica de
Pedro Lessa sobre as atribuições do Poder Judiciário (Lessa, 1915, p. 54-66), bem como a de José Luiz de
Anhaia Mello, para quem:
“Em havendo acúmulo de poder num dos ramos, ou excesso de poder pela
invasão, age o Judiciário no sentido de evitar a ruptura do postulado.”
(Mello, 1968, p. 67).
64
juristas e inclusive de alguns cientistas políticos que se voltaram ao tema desta
dissertação acessando esta matriz teórica, que provavelmente tinham em mente quando
escreveram sobre este assunto. Neste caso, a dinâmica política é considerada um
processo estabelecido a partir do arquétipo básico de relação entre os três Poderes do
Estado, cabendo ao Poder Legislativo, e apenas a ele, a função de inovação legislativa.
Imiscuindo-se rotineiramente nestas funções, como parece ser o caso das medidas
provisórias, o Executivo estaria ultrapassando os limites de suas atribuições funcionais,
conduzindo o governo em desacordo com o princípio da separação de poderes. Ao
impor unilateralmente suas políticas ao Congresso Nacional, o Poder Executivo
exerceria despoticamente o poder político, desrespeitando os procedimentos ordinários
de governo. Por esta razão, segue o argumento, far-se-ia necessária a intervenção do
Poder Judiciário de modo a restabelecer o equilíbrio e a harmonia na relação entre os
Poderes do Estado, salvaguardando em última análise a saúde democrática do governo,
supostamente abalada com a edição reiterada de decretos. Observe-se que, neste caso, o
tribunal não estaria apenas portando-se como uma instituição contra-majoritária, mas
estaria também simplesmente aplicando uma norma contida na Constituição aquela
relativa ao equilíbrio e à independência nas relações entre os Poderes do Estado. A
intervenção judicial estaria em acordo tanto com a missão institucional do tribunal
apregoada pela visão formalista como em consonância com o enfoque propriamente
normativo sobre o tema.
Como pode se observar, portanto, pouco contribuem os estudos estritamente
jurídicos para o entendimento do comportamento judicial quando se agrega a chamada
visão normativa ao exame proposto. Isto porque o foco desta perspectiva sequer é a
compreensão da realidade, mas antes a prescrição sobre como ela deveria ser de acordo
com determinados princípios desejáveis a partir da ótica estrita do direito
34
. Quanto ao
tema que se propõe esta dissertação, pouco sentido faria agregar este enfoque como
balizador teórico, eis que o objetivo da presente pesquisa não é perquirir sobre a
correção ou incorreção jurídicas do comportamento adotado pelo STF no controle de
constitucionalidade de medidas provisórias, mas apenas compreender as razões pelas
quais aquela corte tende a atuar de uma maneira ou outra frente aos interesses imediatos
34
Vale lembrar que a falta de comunicação entre as visões analítica e normativa de estudo sobre as
instituições judiciais não é uma via de mão única. Não os adeptos da abordagem normativa olvidam
seus colegas mais preocupados com o enfoque analítico propriamente dito, como também estes
geralmente deixam de contribuir para o debate de caráter normativo. Embora crescente, este diálogo ainda
se afigura bastante restrito (Friedman, 2006).
65
da Presidência da República no Brasil contemporâneo. Quer dizer, uma vez que o
esforço aqui empreendido é de matriz preponderantemente analítica, não razão para
se agregar qualquer espécie de valoração quanto aos objetos de estudo deste trabalho.
Desta maneira, pode-se perceber, os enfoques tradicionais das análises jurídicas pouco
auxiliam no sentido de explicar o comportamento adotado pelo Poder Judiciário e por
seus respectivos agentes. Estudar as decisões do STF com base nestas abordagens pouco
agregaria no sentido de entender as razões pelas quais os integrantes daquele tribunal
tendem a decidir de uma maneira ou de outra. Isto se deve especialmente ao fato de que
estes tribunais supremos ou constitucionais estarem em contato constante com o sistema
político, contato ao qual não passam incólumes. Formas especiais de acionamento do
tribunal, regras de seleção e recrutamento de seus integrantes, relações estruturais de
dependência orçamentária, para não falar nos efeitos de amplas conseqüências de suas
decisões judiciais, são apenas alguns dos exemplos de situações que colocam os
tribunais desta envergadura hierárquica em constante contato com o ambiente político
que os circunda, o mesmo não se verificando, necessariamente, nos tribunais que
integram os círculos inferiores da hierarquia judicial. Na realidade, é lícito afirmar que a
posição diversa em que os tribunais supremos ou constitucionais se encontram – no topo
da hierarquia judiciária, mas em constante proximidade à dinâmica política leva estes
a adotarem uma lógica de comportamento que dificilmente pode ser compreendida nos
mesmo termos que são, ao menos em tese, válidos para os tribunais inferiores. Se, por
exemplo, a lógica dos juízes como aplicadores imediatos da lei pode parecer real em se
tratando de magistrados envolvidos em lides de pequeno porte nas rebarbas do sistema
judicial, isto não é necessariamente verdadeiro no que tange aos tribunais superiores
35
.
Esta diferença de comportamento se deve especialmente pelo fato de suas decisões não
afetarem apenas duas partes em uma ação judicial específica, mas muitas vezes
importantes parcelas do processo político, com possíveis reflexos sobre a gestão
macroeconômica, a dinâmica parlamentar, as estratégias políticas dos partidos de
oposição, entre outros. Como será visto adiante, questões relevantes, como os planos
econômicos Collor I e Real, além das políticas de privatização de empresas estatais e
35
Estudos recentes têm demonstrado que a maioria dos magistrados brasileiros junto à primeira e à
segunda instância do Poder Judiciário tende a decidir tomando por critério básico os preceitos legais
(Sadek, 2006). Isto, entretanto, não impede o Poder Judiciário de apresentar padrões bastante distintos de
intervenção junto à arena política nos diferentes estados brasileiros. Estudos indicam que esta mesma
diferença está associada justamente às variações existentes no ambiente político, professada em variáveis
tais como competitividade eleitoral, relações Executivo-Legislativo, entre outros, em meio às quais se
insere a prática das cortes (Vianna et alii, 1997; Ingram, 2007; Da Ros, 2008a).
66
reformas estruturais das máquinas administrativa e previdenciária, são apenas alguns
dos exemplos sobre temas veiculados em medidas provisórias que foram direta e
abstratamente submetidos à apreciação do STF no curso dos últimos anos. O fato de as
decisões proferidas pela corte refletirem sobre toda dinâmica política e não apenas
sobre duas partes em um processo judicial específico empurra a instituição para o
centro das atenções públicas, passando esta a não se comportar necessariamente como
uma aplicadora mecânica de leis ou de princípios de sua exclusiva preferência, tal como
parece plausível acontecer a boa parte dos julgadores da base da hierarquia judicial. A
explicação relativa à dinâmica de Cortes Supremas ou Constitucionais permanece
sendo, enfim, problema para o qual as teorias propriamente jurídicas pouca solução
oferecem. Esta lacuna deixada pelos acadêmicos das faculdades de direito, entretanto,
não passou incólume a outras áreas do conhecimento. Entre os cientistas políticos,
merecem menção os trabalhos da chamada
political jurisprudence que, pelo menos
desde a década de 1960, têm buscado sistematicamente estudar os tribunais como parte
do sistema político, compreendendo as decisões judiciais além dos marcos estritamente
legais
36
. No Brasil, ainda que com certo atraso em relação a outros países, Estados
Unidos em especial, estes estudos também não tardaram aparecer. Pelo menos desde
meados da década de 90, a atenção de alguns cientistas sociais tem se voltado
crescentemente aos estudos referentes à interferência dos tribunais particularmente do
STF sobre o mundo político. Em sentido oposto a esta tendência, todavia, chega a ser
surpreendente o contraste entre esta atenção crescente, por um lado, e o que parece ser
uma minguada preocupação teórica no estudo dos tribunais, por outro. Neste caso, a
observação a ser feita é que a matriz analítica empregada por boa parte destes estudos
parece estar excessivamente concentrada sobre fração bastante restrita da literatura que
tratamento ao assunto, aquela referente à chamada judicialização da política
37
, com
especial atenção para a obra de Tate e Vallinder (1995a), frequentemente citada pelos
36
A expressão political jurisprudence pode mais bem ser traduzida por “teoria política do direito”
(Koerner, 2006), pregando esta abordagem a indistinção entre instituições judiciais e políticas e
colocando ambas no mesmo universo de estudo. Tal indistinção permite que seja empregado o mesmo
método de análise nos dois casos, qual seja, aquele corriqueiramente empregado pelos cientistas políticos
no exame das instituições representativas de praxe. Para uma introdução a esta abordagem, veja-se os
trabalhos do principal representante desta abordagem, Martin Shapiro (1981; 2002).
37
Apenas para esclarecimento, deve-se observar que o conceito de judicialização da política, adotado
largamente nas ciências sociais brasileiras a partir da obra de Tate e Vallinder (1995a), não é ponto
pacífico com relação ao fenômeno amplo que busca delinear. Alternativamente, propõe-se também aquele
de
jurisdicionarização da política e das relações sociais. Para maior detalhamento sobre esta discussão,
veja-se o estudo de Raúl Enrique Rojo (2004) sobre o tema. O presente trabalho preferiu não adentrar esta
discussão justamente por ter optado apresentar somente uma visão panorâmica sobre o assunto, adotando,
portanto, a expressão corrente entre os cientistas sociais do Brasil.
67
analistas brasileiros
38
. A esta concentração que por vezes beira à exclusividade na
referência à obra e ao enfoque por ela representado, some-se o fato de que as leituras
dos cientistas sociais pátrios, em certas situações, parecem apresentar desvios em
relação ao que pretenderam expor os autores daquele trabalho. Parcela importante dos
analistas brasileiros não apenas se concentrou excessivamente sobre este enfoque
olvidando outros tão ou mais importantes que este – como também aparenta destoar, em
grau e sentido, do que pretendiam afirmar os expoentes desta vertente teórica. O
raciocínio delineado por Tate e Vallinder (1995a) é relativamente simples e não
comporta boa parte das conclusões que alguns analistas brasileiros extraíram da obra.
Para os primeiros, a judicialização da política é um processo duplo, caracterizado pela
crescente influência do direito e de seus operadores sobre o universo político. Neste
caso, a expressão pretende significar tanto os casos de expansão da área de atuação dos
tribunais e dos juízes – passando estes a interferir sobre decisões políticas, quase sempre
em detrimento dos poderes representativos como também a propagação dos métodos
judiciais de decisão para outras arenas que não apenas as cortes (Vallinder, 1995). As
causas e condições mais imediatas deste processo de “expansão global do poder
judicial”
(global expansion of judicial power) estariam ligadas a fatores estruturais, tais
como a emergência da democracia em países anteriormente autocráticos, a existência de
regimes políticos que assegurem a separação de poderes, o uso de tribunais por grupos
de interesse e pela oposição, a inefetividade das instituições majoritárias, entre outros
(Tate, 1995).
Apesar de serem um tanto genéricas as colocações realizadas pelos autores, as
leituras feitas dessas afirmações pelos autores brasileiros levaram a conclusões bastante
díspares, tanto entre si como em relação ao que pretendiam afirmar os elaboradores da
dita obra. Em alguns casos, como no influente trabalho de Luiz Werneck Vianna, Maria
Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palacios Cunha Melo e Marcelo Baumann Burgos
(1999), a leitura derivada da obra é fortemente normativa, entendendo a judicialização
da política como algo desejável e benéfico à democracia brasileira, eis que permitira o
ingresso de minorias no processo político, que, de outra forma, restariam impotentes.
38
A título de exemplificação, os trabalhos de Ariosto Teixeira (1996), Marcus Faro de Castro (1997),
Luiz Werneck Vianna e outros (1999), Vanessa Elias de Oliveira (2005) e Ernani Rodrigues de Carvalho
Neto (2005), bem como aquele elaborado conjuntamente pelos dois últimos (Oliveira & Carvalho, 2006),
para ficar com alguns deles, fazem menção expressa a esta obra, se valendo do enfoque que dela consta.
Todavia, não se pretende afirmar que se realizam somente estudos com esta matriz teórica no Brasil. Os
trabalhos de Tatiana Maranhão (2003), Matthew MacLeod Taylor (2004) e Fabiana Luci de Oliveira
(2006) são algumas das exceções importantes e, especialmente, recentes a esta ênfase na literatura
sobre a chamada judicialização da política.
68
Curiosamente, esta literatura parece fazer eco do que anteriormente se denominou visão
normativa, enfatizando as potencialidades contra-majoritárias dos tribunais, no sentido
tocquevilleano do termo. Em outros trabalhos, como no artigo de Vanessa Elias de
Oliveira (2005), a leitura é absolutamente dicotômica, quase binária, indagando-se a
autora simplesmente se ou não a aludida judicialização da política e concluindo pela
inexistência deste processo no Brasil. Em sentido próximo a este se encontram também
os trabalhos pioneiros de Ariosto Teixeira (1996) e Marcus Faro de Castro (1997), que
sugeriram a inadequação do conceito à realidade brasileira, em vista das leituras que
realizaram sobre a atuação do STF no processo político nacional, que alegam ser
diminuta.
Fundamentalmente, o importante a ressaltar é que praticamente todos os estudos
que tomaram por base esta vertente, encararam-na não tanto como uma teoria
explicativa sobre a dinâmica judicial, mas sim como uma espécie de diagnóstico global
generalizado sobre o comportamento dos tribunais. De um modo mais geral, estes
estudos partem do pressuposto, afirmado naquela obra, de que estaria em curso um
processo mundial de expansão do Poder Judiciário, contrastam-na com um determinado
conjunto de dados coletados sobre o STF sem, entretanto, realizar qualquer
comparação efetiva com os tribunais de outros países
39
e finalizam afirmando
simplesmente que aquele quadro verificado em outros países não existiria no Brasil,
para o que, curiosamente, não fornecem nenhuma explicação. Em sentido semelhante
operaria o diagnóstico corrente sobre o controle exercido pelo STF em matéria de
medidas provisórias. A afirmada falta de controle desempenhada pela instituição iria de
encontro à expectativa gerada pelo estudo de que se encontrasse também no Brasil um
Poder Judiciário fortemente interventivo.
Contudo, mais do que acusar a literatura brasileira de dar tratamento limitado ao
tema, atendo-a a ótica exclusiva da judicialização da política, merece ser notado o fato
de que esta mesma literatura avança pouco em buscar explicar as razões do
comportamento judicial. Na realidade, conforme observado anteriormente, o argumento
desenvolvido por Tate e Vallinder (1995), bem como por aqueles que de sua obra se
valem, é bastante simples e mesmo pouco preciso na identificação de causas e efeitos do
aludido fenômeno que buscam constatar. Neste sentido, referindo-se a esta mesma
39
A exceção fica por conta do estudo de Marcus Faro de Castro e Rochelle Pastana Ribeiro (2006),
embora não fique muito claro como os autores construíram as amostragens das quais se valeram para
realizar a aludida comparação.
69
literatura, Ernani Rodrigues de Carvalho Neto (2004) atentou precisamente para a
circularidade do argumento, conforme se observa da transcrição abaixo:
No que diz respeito às causas geradoras da expansão do Poder
Judiciário, a literatura aponta para uma ampla gama de explicações:
colapso do socialismo, hegemonia norte-americana, evolução da
jurisprudência constitucional, as guerras mundiais, os direitos humanos,
o neoliberalismo, ativismo dos juízes, entre outros. Mesmo sem uma
justificativa causal para o processo de expansão do poder judicial, a
literatura avança a uma suposta caracterização das condições
institucionais. Quase que de maneira automática, as causas e as
condições são correlacionadas com o aumento da litigância processual
e, conseqüentemente, com um processo de judicialização da política.
Portanto, existe um argumento tautológico por trás da definição da
judicialização da política (Carvalho Neto, 2004, p. 122).
Posição semelhante é aquela desenvolvida em meticuloso artigo de Andrei
Koerner e Débora Alves Maciel (2002), para quem se deveria passar à utilização de
conceitos mais específicos e precisos, de modo a melhor compreender e estudar os
fenômenos analisados. Neste sentido, conceitos como este de “judicialização da
política” pouco contribuem para a compreensão da dinâmica das instituições judiciais
de modo mais acurado. Na palavra dos autores, “(...) é preciso tratar o tema das
relações entre judiciário e política na democracia brasileira sem o recurso ao conceito
pouco preciso, mas de rápida circulação pública, de judicialização da política”
(Koerner & Maciel, 2002, p. 130-131). É salutar que se observem vozes destoantes a
esta tendência. Entretanto, excluindo-se o enfoque centrado na judicialização da
política, que ainda se configura de certo modo predominante entre os analistas, pouco
mais se faz do que mencionar o arranjo e os instrumentos institucionais que o STF
herdou da Constituição de 1988. Em que pesem estas considerações, todavia,
praticamente nenhuma tentativa de integrá-las a teorias mais abrangentes sobre a
explicação do comportamento dos tribunais é feita salvo no caso daqueles que se
valem do enfoque da judicialização da política, que possui suas limitações, conforme
exposto. A obra de Luiz Werneck Vianna e outros (1999), por exemplo, enfatiza a
ampliação do leque de legitimados ativos para propositura de Ações Diretas de
Inconstitucionalidade e inclusive menciona o manancial de recursos institucionais à
disposição do tribunal como resultado da Constituição de 1988, mas nada disto é
empregado de modo sistematizado como um elemento teórico explicativo sobre a
dinâmica do tribunal. Na realidade, boa parte do juízo comum sobre o tema parece
indicar que esta nova configuração institucional do STF serve como uma espécie de
70
justificativa à expectativa de que o processo de expansão do Poder Judiciário se
encontraria também no Brasil.
Estas considerações institucionais atinentes à estrutura do órgão e às
possibilidades de acionamento deste por parte de outros atores políticos não passaram
incólumes a outros analistas, como será visto com mais vagar adiante, quando se der
tratamento às leituras derivadas do neo-institucionalismo. Alguns autores inclusive
afirmam ser este um enfoque teórico possível para dar tratamento ao tema (Bloom,
2001; Taylor, 2004; Taylor & Ríos-Figueroa, 2006). No caso, especificamente quanto à
realidade brasileira, a ênfase recai também sobre o aumento do número de legitimados
ativos para propositura das ADIns. Estas passam a ser vistas como canais institucionais
que possibilitam que diversos grupos ganhem voz, e, inclusive, possam adquirir poder
de veto sobre determinadas políticas que, de outra maneira, não possuiriam (Taylor,
2006; 2007). Estas considerações, entretanto, serão trabalhadas de modo mais preciso
quando se proceder à exposição desta vertente teórica, que, até o presente momento,
afora a literatura sobre a judicialização da política, é a única a dar tratamento teórico ao
comportamento apresentado pelo Supremo Tribunal Federal no contexto atual de
democracia. Em que pesem estes recentes e bem sucedidos esforços de se atentar para a
estrutura institucional do Poder Judiciário brasileiro, quanto às principais correntes
teóricas empregadas no estudo dos tribunais nos demais países, pouca ou nenhuma
tentativa mais sistematizada de aplicação à realidade nacional se verifica. Os modelos
atitudinal e estratégico, que serão apresentados pormenorizadamente a seguir, pouco
foram estudados com relação à realidade política nacional, muito embora sejam
praticamente dominantes nos estudos sobre a corte que mais atenção recebeu da
literatura especializada, a Suprema Corte dos Estados Unidos. Conforme será detalhado
a seguir, a opção da presente dissertação recaiu sobre um destes modelos, com as
devidas mediações e adaptações que a transposição para a realidade própria do Brasil
obriga, inclusive com contribuições importantes realizadas pelas leituras derivadas do
neo-institucionalismo no campo dos estudos sobre a dinâmica judicial.
3.3 As abordagens predominantes
Subprodutos do debate sobre o funcionamento da Suprema Corte dos Estados
Unidos, as escolas do modelo atitudinal (attitudinal model) e do modelo estratégico
71
(strategic model) rivalizam quanto à supremacia explicativa sobre o decision-making
judicial. Descendentes diretas da tradição analítica iniciada pelo legal realism e mais
diretamente pela political jurisprudence, ambas as escolas partem de um conjunto
relativamente uniforme de pressupostos, mas se diferenciam quanto às conclusões e
explicações que propõem quanto às razões da atuação das cortes. Os dois enfoques
assumem que os magistrados integrantes de órgãos de cúpula do Poder Judiciário
possuem preferências políticas e jurídicas próprias sobre determinados temas, em meio
às quais a aplicação da lei e dos demais precedentes judiciais são instrumentos aptos a
justificar e permitir a implementação dessas mesmas preferências. Dito de modo direito,
significa afirmar que, nesta visão, membros de Cortes Supremas ou Constitucionais são,
fundamentalmente, agentes maximizadores. Trata-se de afirmar que são indivíduos
preocupados com o seu próprio bem-estar, mas também em consubstanciar suas
preferências jurídicas e legais por meio das decisões que proferem. Essas abordagens,
portanto, passam longe da visão formalista que os juízes como aplicadores
mecânicos das regras presentes no ordenamento jurídico. No caso, estes magistrados
estariam interessados não apenas em aplicar a lei, mas em extrair do exercício de suas
funções prestígio e status, elementos intimamente ligados à performance e à imagem da
instituição que integram.
A diferença entre os dois modelos reside basicamente nos pressupostos em que
se assentam sobre a capacidade real que os juízes teriam de implementar, por meio de
suas decisões, suas preferências políticas e jurídicas. Por um lado, o modelo atitudinal
enfatiza a falta de constrangimentos sobre os julgadores, eis que eles estariam
protegidos por uma série de prerrogativas funcionais – tais como vitaliciedade dos
cargos e irredutibilidade dos vencimentos razão pela qual os juízes possuiriam ampla
margem de discricionariedade ao julgar, podendo decidir livremente, praticamente sem
referência ao contexto político em que operam. Por outro lado, parte substantiva do
modelo estratégico prioriza o conjunto de relações institucionais que os julgadores
travam entre si e com outros órgãos do Estado, além de grupos sociais relevantes.
Destas interações surgiriam forças capazes de influir no modo como decidem os
julgadores, retirando-lhes de uma posição de alheamento absoluto com relação ao
contexto político em que operam. As características e diferenças entre os dois modelos
estão expostas com mais vagar na seqüência, bem como a viabilidade na aplicação de
cada um deles ao exame a que este trabalho se propõe.
72
3.3.1 O modelo atitudinal e sua difícil aplicação à realidade brasileira
Surgido durante os anos 70, no bojo da chamada Escola de Michigan, que
aprofundou a introdução de métodos quantitativos no campo das ciências sociais, o
modelo atitudinal pode ser caracterizado como um construto teórico baseado no
pressuposto de que as preferências pessoais de cada um dos magistrados,
individualmente considerados, são capazes de indicar a forma como estes decidem. Esta
abordagem assume que os juízes são policy seekers e que buscam influir politicamente
por meio de suas decisões, através das quais veiculam preferências políticas próprias.
No caso, estas preferências geralmente são modeladas dentro de alguma forma de
alinhamento no
continuum unidimensional entre esquerda e direita, ou entre
conservadorismo e progressismo, no mais das vezes distribuídos neste espectro de
acordo com a filiação partidária do presidente que os indicou ao cargo ou de sua própria
filiação a uma agremiação política (Segal & Spaeth, 1993; 2001; 2002). Ainda que
possam ser percebidos traços de uma matriz comportamentalista
(behaviorista) nesta
teoria, o que parece constituir seu ponto mais forte de explicação são os laços de
lealdade política pretérita com o conjunto de forças que promoveu a nomeação ao cargo.
Isto é particularmente verdadeiro quando se toma a Suprema Corte dos EUA como
objeto de análise, como geralmente é o caso. Comumente, ao longo de suas carreiras, os
futuros integrantes daquele tribunal se manifestam a respeito de temas polêmicos,
indicando suas preferências políticas ao grande público e aos demais agentes políticos.
Some-se a isso o fato de que, na grande maioria dos casos, estes mesmos magistrados
apresentam alguma experiência política prévia, não raramente junto àqueles grupos
políticos que futuramente podem vir a nomeá-los (Wheeler, 1973; Epstein & Knight,
1998, p. 37; Epstein, Knight; Martin, 2003). Usualmente, o teste empírico desta
abordagem é bastante simples. Constitui-se de observar quantos justices podem ser
classificados como conservadores (eis que indicados por presidente do Partido
Republicano) e quantos podem ser considerados progressistas (eis que indicados por
presidente do Partido Democrata), extraindo-se daí, a partir de contagem numérica
elementar, o perfil médio da corte, capaz este de determinar como esta decidirá frente a
determinadas questões politicamente sensíveis, tais como liberdades civis,
segregacionismo e intervencionismo econômico, entre outras. Em que pese a relativa
simplicidade desta abordagem, trata-se provavelmente de um dos melhores modelos
preditivos quanto às decisões de mérito da U.S. Supreme Court, mostrando-se estes
73
indicadores, extraídos dos perfis dos justices que compõem o órgão, robustos proxies
relativos à atuação do tribunal como um todo. Talvez por isso, esta abordagem logre
saliente audiência junto aos acadêmicos norte-americanos dedicados ao tema
40
.
Há, todavia, sabida dificuldade na aplicação deste modelo ao caso brasileiro. A
literatura sobre o tema costuma apontar duas ordens distintas de dificuldades associadas
a esta abordagem: uma primeira decorre da natureza das indicações para o
preenchimento do cargo de Ministro do STF e uma segunda atenta para a natureza
institucional distinta de ambos os órgãos. Quanto à primeira, de acordo com Matthew
MacLeod Taylor (2004), a divisão das preferências dos julgadores brasileiros somente
de modo arbitrário pode ser agregada em um espaço unidimensional dicotômico. A
quantidade de
issues tratados pela corte nacional, aliada à imensa carga processual a que
é submetido o STF anualmente e à sabida fragmentação do sistema partidário
dificultam a identificação de quaisquer padrões decisórios por parte dos Ministros,
individualmente considerados. Nas palavras do autor:
(...) o modelo atitudinal não pode ser facilmente transposto ao Brasil,
dada a fragmentação do sistema político e o processo de seleção de
magistrados daí decorrente. Ademais, apenas um pequeno conjunto de
juízes federais são indicados, e mesmo entre estes a cultura interna
distinta do judiciário significa que as preferências políticas judiciais
dificilmente encontram paralelo nas preferências políticas do Executivo
que os indicou. Não é possível categorizar com facilidade os ministros
com base nas preferências políticas do presidentes que os indicaram; o
volume de casos julgados pelo tribunal é tão grande que desencoraja
qualquer análise geral de padrões decisórios; e mesmo quando é
possível dividir conservadores de liberais, estes rótulos pouco
significam do ponto de vista das muitas facetas políticas sendo
questionadas diariamente junto ao elevado volume decisões específicas
feitas pelos tribunais
41
(Taylor, 2004, p. 15).
Ainda que não haja grandes controvérsias entre o Presidente da República e o
Senado Federal quando da nomeação de um novo Ministro para o Supremo, sendo a
40
Semelhante audiência verifica-se inclusive nas análises realizadas por alguns juristas, onde esta
vertente teórica começa se expandir nos EUA. Exemplo disso é a recente obra elaborada em conjunto por
Cass Sunstein, David Schkade, Lisa Ellman e Andres Sawicki (2006).
41
Tradução livre do inglês a partir de: “(…) the attitudinal model is not easily transported to Brazil, given
the fragmentation of the political system and the resulting judicial selection process. Furthermore, only a
small subset of federal judges are appointed, and even among these, the judiciary’s own rather distinct
internal culture means that judicial policy preferences may have no parallel with the policy preferences
of the executive appointing. It is not possible to easily categorize the justices on the basis of the policy
preferences of the president who appointed them; the volume of cases heard is so great as to discourage
analyses of overall patterns of decision-making; and even where it is possible to divide conservative from
liberal, these labels mean little in light of the many facets of policy being questioned daily in the high
volume of very case-specific decisions made by the courts.”
(Taylor, 2004, p. 15).
74
preferência do Poder Executivo praticamente sempre atendida, não se pode deduzir
disso que os juízes nomeados sejam necessariamente alinhados politicamente a ele
42
.
Isto poderia se dever inclusive à falta de um alinhamento ideológico partidário rígido,
tal qual observado nos Estados Unidos, e à falta de correspondência direta entre o tipo
de preferências políticas do Executivo e o tipo de preferências desenvolvidas na seara
das profissões jurídicas brasileiras. Em razão disto, dificilmente conseguir-se-ia
transplantar o modelo atitudinal de modo satisfatório à realidade do STF. Que seja do
conhecimento deste autor, apenas um estudo que busca diretamente aplicar essa
abordagem ao exame da Suprema Corte brasileira no período recente de democracia.
Trata-se do trabalho elaborado conjuntamente por Eduardo Leoni e Antônio Ramos
(2006). Os achados do texto, entretanto, comprovam a mencionada dificuldade em se
estudar o STF sob este prisma. Fica claro que o alinhamento no espaço unidimensional
entre liberais e conservadores ou entre direita e esquerda não consegue categorizar
os Ministros integrantes do tribunal de modo satisfatório. Na realidade, em que pese o
imenso esforço apresentado pelos autores e o elevado refinamento metodológico por
eles empregado, as conclusões do artigo apontam no sentido oposto ao que parece ter
sido inicialmente pretendido por aqueles pesquisadores. Isto é, ao invés de efetivamente
terem corroborado a aplicabilidade do modelo atitudinal à realidade brasileira, os
autores parecem ter fornecido boas evidências da virtual impossibilidade desta
transplantação do marco teórico ao Supremo Tribunal Federal, ao menos nos moldes
tradicionalmente aplicados à Suprema Corte dos EUA. Na tentativa de categorizar os
integrantes da corte brasileira ao longo do continuum aplicado ao tribunal norte-
americano, os autores não logram encontrar, ao analisar as posições firmadas pelos
Ministros em ADIns no período entre 1989 e 2003, padrões verdadeiramente distintos
de posicionamento entre os diferentes integrantes da corte. O que se observa é uma forte
tendência centrípeta, que virtualmente impossibilita quaisquer tentativas de explicar a
atuação da instituição nos moldes prescritos pelo modelo. Mesmo Ministros nomeados
por presidentes bastante distintos entre si, como Ernesto Geisel e Fernando Henrique
Cardoso, não apresentam variação significativa a ponto de possibilitar a comprovação
da teoria. As únicas exceções ficam por conta do Ministro Marco Aurélio Mello, que
curiosamente se situa mais à esquerda, em que pese tenha sido nomeado por um
42
Somente cinco Ministros indicados ao STF pelo Presidente da República foram rejeitados pelo Senado
Federal, todos no período de consolidação da República, durante do governo de Floriano Peixoto
(Marenco dos Santos & Da Ros, 2007).
75
presidente claramente identificado com a direita, Fernando Collor de Mello, e do
Ministro Célio Borja, nomeado por José Sarney, localizado mais à direita no espectro
(Leoni & Ramos, 2006). Excluídos estes dois casos, os demais 16 (dezesseis)
integrantes da corte que atuaram durante o período analisado se situaram todos muito
próximos, constituindo-se um verdadeiro “centrão” que dificulta a identificação das
preferências individuais dos Ministros e que aponta para claros limites à aplicação desta
matriz analítica ao exame pretendido neste estudo.
Neste sentido, um ponto importante merece ser destacado. Estudo recente
demonstrou que, em que pese tradicionalmente ter se verificado o oposto na história
republicana do país, o perfil das indicações ao STF no período democrático recente
observou incremento significativo daqueles casos de recrutamento endógeno às
carreiras exclusivamente jurídicas, diminuindo-se os casos daqueles com experiência
política prévia à investidura no cargo (Marenco dos Santos & Da Ros, 2007). Significa
afirmar que, no período recente de democracia e em contraposição à tendência
observada desde a implantação do tribunal, os Ministros indicados para o cargo cada
vez mais apresentam um perfil propriamente profissional, não necessariamente
coincidente com as fileiras partidárias que dividem o sistema político. Se antes os
Ministros apresentavam carreiras em que a distinção entre os círculos políticos e
jurídicos ficava pouco clara, hoje essa mesma diferenciação é mais acentuada. Com
alguma liberdade, pode-se afirmar que esta profissionalização torna mais complexa a
formulação de preferências dos julgadores. Isto porque a ideologia do profissionalismo,
professada, entre outros, por magistrados portadores deste perfil, busca contribuir para a
idéia de separação entre política e direito. Neste caso, de acordo com Maria da Glória
Bonelli (2002), enfatiza-se a construção de um discurso apolítico em que a ação, ainda
que possua inegáveis contornos políticos, é intelectualmente orientada e, calcada na
neutralidade do conhecimento produzido, fundamenta uma ação desinteressada. Invoca-
se a
expertise do grupo como uma estratégia institucional para ampliar a independência
da instituição e de seus membros frente às demais forças políticas. Isto é, adota-se um
curso de ação em que se busca influenciar a política, mas sem se tornar um contendor
específico. Ao distinguir-se da política ordinária, apela-se ao conhecimento
especializado e a valores universalmente aceitos para que se possa tomar uma decisão
politicamente relevante. Trata-se, enfim, de uma estratégia que evita ao grupo em
questão ser identificado, pelos demais atores políticos, como uma contra-elite ou como
76
um foco de oposição
43
. Tomando por base a recente alteração de perfis dos integrantes
da corte brasileira, não parece certo que a lógica deste grupo de magistrados seja
encarada, pura e simplesmente, como uma decorrência do alinhamento partidário do
presidente que realizou a indicação ao posto, como pretendido pelo
attitudinal model.
Ainda neste sentido, vale lembrar que a escola atitudinal surgiu como tentativa
de explicar, entre outros, o incremento vertiginoso de decisões não-unânimes na
Suprema Corte dos EUA a partir do final da década de 1940. Daquele período em
diante, não mais de 40% das decisões, em média, se deram desta forma (Epstein; Segal;
Spaeth, 2001). O apelo ao estudo dos posicionamentos individuais dos justices era,
portanto, uma estratégia analítica plausível para responder à semelhante indagação, eis
que permitia explicar as fontes das divisões internas do órgão. Contudo, este mesmo
quadro não se verifica no Brasil, ao menos quanto ao objeto estudado, o controle de
constitucionalidade de medidas provisórias pelo STF. De acordo com o levantamento
realizado para esta dissertação, apenas 23% das decisões de liminares se deram por
maioria, sendo a grande maioria constituída por formas não-controversas de decisão,
consubstanciadas em decisões unânimes (27%) e monocráticas ad referendum (50%).
Neste caso, os índices de Rice
44
médios extraídos dos dados são de 0,82 nas decisões
colegiadas e de 0,91 no total das decisões
45
. Mesmo entre as decisões não-unânimes,
ampla prevalência de número minoritário de vozes discordantes. Mais de dois votos
discordantes em relação à maioria foram verificados em apenas 32,8% das decisões
majoritárias, gerando-se um índice de Rice médio de 0,60 quando se consideram apenas
as decisões controversas. Estes achados reforçam a idéia de acordo com a qual as
diferenças internas entre os Ministros do STF não são diretamente relevantes para
análise do desempenho da instituição, sendo mais interessante, portanto, abordar o
desempenho do tribunal como um todo, e não a partir de suas respectivas diferenças
internas
46
. Cumpre observar ainda que o estudo de outros Tribunais Constitucionais e
43
Como se pode perceber, este discurso se encontra em grande medida subjacente à perspectiva
formalista, anteriormente exposta, para a qual a função judicial é de natureza meramente intelectual: nela,
a atividade do magistrado resume-se a descobrir a melhor norma jurídica aplicável aos casos a serem
julgados.
44
O índice de Rice, frequentemente empregado para mensuração de disciplina partidária e legislativa, é
calculado subtraindo-se o percentual de votos minoritários daqueles majoritários.
45
Neste último caso, adota-se a decisão monocrática como forma não-controversa de decisão,
contabilizando-se o índice de Rice como 1 (um).
46
Estes achados são consistentes com aqueles apresentados no estudo realizado por Fabiana Luci de
Oliveira (2006). Analisando amostragem de 300 julgamentos do tribunal, a autora encontra que mais de
80% das decisões se deram de forma unânime. De acordo com a autora, isto se deveria ao
profissionalismo, entendido como elemento-chave do comportamento dos ministros do STF.
77
Supremas Cortes ao redor do mundo, que não aquela existente nos Estados Unidos,
também enfrenta dificuldade semelhante. Estes estudos exemplificam a virtual
exclusividade de aplicação deste modelo à realidade norte-americana. Percebe-se que a
mesma categorização dos integrantes destes tribunais com base no espaço
unidimensional descrito não se aplica a praticamente nenhuma outra realidade que não
àquela própria dos Estados Unidos. Mais do que um modelo teórico verdadeiramente
abrangente, parece tratar-se de uma teoria apta a explicar somente a realidade
estadunidense. Testemunhos sobre a difícil transplantação deste modelo a outras
realidades não faltam, como explicitamente demonstra a fala de Gretchen Helmke e
Mitchell Sanders:
No campo dos estudos norte-americanos sobre dinâmica judicial, a
questão relativa ao que se propõem os juízes está largamente
estabelecida. Estudiosos contemporâneos da Suprema Corte dos Estados
Unidos assumem que os
justices são primariamente policy seekers. (...)
Entretanto, além da realidade norte-americana, as metas que os juízes
buscam maximizar permanecem sendo uma questão aberta
47
(Helmke &
Sanders, 2006, p. 867).
Em face desta dificuldade, os modelos empregados por estes analistas
frequentemente se baseiam em considerações institucionais a respeito do tribunal, seja
no acesso a este por variados grupos políticos, seja no conjunto de relações estratégicas
estabelecidas entre a corte os demais Poderes do Estado. Na realidade, os acadêmicos
que recentemente estudaram outras Cortes Supremas que não a norte-americana se
valeram com relativa freqüência de alguma variante do modelo estratégico,
combinando-a com algumas considerações de ordem institucional. É neste sentido
inclusive que se pode apresentar a segunda crítica fundamental à transplantação do
modelo atitudinal à realidade brasileira. De certa maneira, estas observações já adiantam
as opções teóricas realizadas por esta dissertação, centradas no conjunto de relações
estratégicas e institucionais travadas entre a Corte Suprema e o contexto político
circundante. No caso, trata-se de observar o arcabouço institucional bastante distinto
apresentado entre a Suprema Corte dos EUA e o Supremo Tribunal Federal do Brasil,
que não conduz necessariamente a formas idênticas de abordar as duas instituições. Esta
dessemelhança pode bem ser observada pela diferença existente entre os sistemas de
47
Tradução livre do inglês a partir de: “In the field of American judicial politics the issue of what drives
judges is largely settled. Contemporary scholarship on the United States Supreme Court assumes justices
are primarily policy seekers. (…) Yet, beyond the confines of the United States, which goals judges seek
to maximize remains a wide open question.”
(Helmke & Sanders, 2006, p. 867).
78
controle de constitucionalidade de leis dos dois países, de que fazem parte ambos os
tribunais a respeito dos quais se discute. A partir desta distinção é possível traçar alguns
elementos que dividem estas realidades, ao que se somam outras variações
institucionais específicas das duas Supremas Cortes. Como se pretende demonstrar,
essas variações institucionais conduzem a diferentes modos de agir por parte dos dois
órgãos, reforçando a inviabilidade de se aplicar o modelo atitudinal ao exame do STF.
Em obra de referência obrigatória sobre os sistemas de controle de
constitucionalidade, o jurista italiano Mauro Cappelletti (1999 [1978]) cinde este
universo em dois mundos apartados, corporificados em dois tipos ideais básicos
48
. O
primeiro tipo de sistema de controle de constitucionalidade, denominado por ele de
sistema difuso, tem por protótipo básico o sistema norte-americano e se caracteriza pela
possibilidade de todo e qualquer juiz realizar a declaração de inconstitucionalidade de
determinada lei, desde que a questão se faça presente
concretamente no curso de um
processo judicial ordinário que suscite semelhante discussão. Neste caso, em razão do
sistema vinculante de julgamentos (o chamado princípio do stare decisis), estes
posicionamentos logram estabilidade e, especialmente, efeito universal (denominado
erga omnes), não sendo, portanto, válidos apenas para as partes do processo em que a
questão foi levantada, mas para todo o ordenamento jurídico. No pólo oposto se situa o
que o autor denomina ser o sistema concentrado, cuja matriz se encontra presente na
Constituição austríaca de 1920, projetada por Hans Kelsen e no qual a declaração de
inconstitucionalidade de determinada lei somente pode ser realizada por juízes
integrantes de tribunais especiais, ditos constitucionais. Neste caso, o questionamento
da constitucionalidade das leis pode ser realizado em abstrato, isto é, sem que a questão
tenha de ser suscitada em um processo judicial ordinário, do qual a querela
constitucional é apenas uma estratégia processual empregada pelo advogado de uma das
partes no intuito de lograr benefício para seu cliente. Neste modelo, geralmente consta
na Constituição de cada país um leque de atores aptos a apresentar esta ação de modo
direto e imediato ao tribunal, com o propósito de declarar inconstitucional determinada
lei.
Ainda que o Brasil constitua um sistema que a literatura tem acertadamente
considerado híbrido (Arantes, 1997), ele resguarda inegável aproximação com o
48
Trata-se da matriz analítica de muitos trabalhos realizados no Brasil e no exterior. Entre os primeiros,
pode-se mencionar o conhecido trabalho de Rogério Bastos Arantes (1997); entre os últimos, pode-se
citar aquele elaborado em conjunto por Lee Epstein, Jack Knight e Olga Shvetsova (2001).
79
congênere de matriz européia
49
. Isto porque o efeito da declaração de
inconstitucionalidade somente é universal
(erga omnes) nos casos assim definidos pelo
STF, não se encontrando aptos para determinar tal efeito os juízes ordinários, cujos
efeitos da declaração de inconstitucionalidade geralmente afetam apenas as partes do
processo em que se semelhante declaração, o chamado efeito inter partes (Alcalá,
2003; Navia & Ríos-Figueroa, 2005). Ademais, o constante acionamento do STF pela
via direta tem gradativamente empurrado este a se comportar mais com um tribunal
constitucional à semelhança dos existentes em muitos países europeus, mesmo porque
este é um ator de veto mais robusto que os juízes ordinários brasileiros, mais úteis como
instrumento de retardamento na implementação de políticas públicas e não como
bloqueadores das ações governamentais (Taylor, 2007).
Ao se colocar a Suprema Corte dos EUA e o Supremo Tribunal Federal nesses
dois pólos opostos, partes do sistema difuso e concentrado de controle de
constitucionalidade de leis respectivamente, algumas distinções importantes podem ser
elucidadas, de modo a tentar explicar as dificuldades de transposição do modelo
atitudinal ao Brasil. Basicamente, trata-se de buscar compreender as razões pelas quais
os justices norte-americanos se comportariam de modo sincero (buscando ao máximo
efetivar as preferências políticas identificadas pelo modelo atitudinal) e por que haveria
dificuldade de se identificar esse mesmo tipo de atuação por parte dos Ministros do
STF. Primeiramente, depreende-se destas diferenças uma distinção fundamental quanto
ao timing da tomada de decisão por ambas as instituições. Enquanto nos Estados Unidos
o pronunciamento de determinada questão pela Suprema Corte somente se faz após
longo percurso judicial que se arrasta, muitas vezes por anos, por meio de recursos pelo
Poder Judiciário federal dos EUA, no Brasil o acionamento do STF se faz de forma
49
O sistema de controle de constitucionalidade de leis brasileiro é considerado híbrido por conceder a
possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de leis tanto difusamente (junto aos diversos juízes
ordinários do país, desde que em meio às discussões sobre determinado processo judicial que suscite
semelhante questão) como em sede concentrada, junto ao Supremo (Arantes, 1997). Esta hibridez
brasileira, entretanto, não é exclusividade pátria. O próprio Mauro Cappelletti atenta para a hibridez dos
sistemas de controle de constitucionalidade de leis existentes em países como o México e a Irlanda, por
exemplo (Cappelletti, 1999 [1978], p. 67, nota de rodapé nº. 3). Trabalho mais recente deu seguimento a
esta observação e encontrou grande número de casos intermediários entre os dois sistemas típico-ideais
identificados pelo autor italiano (Navia & Rios-Figueroa, 2005). Mais do que encarar os modelos
analíticos do jurista italiano como duas formas mutuamente excludentes e absolutamente distintas, talvez
seja mais recomendável interpretá-los como dois tipos ideais, no sentido weberiano do termo, que
permitem um grande conjunto de variações intermediárias, alinhadas em um
continuum que se estende de
um pólo a outro. Por fim, quanto ao caso brasileiro, observe-se ainda que a esta hibridez do sistema
judicial como um todo, soma-se a hibridez do próprio STF, que se afigura como uma espécie de meio
termo entre uma Corte Suprema (ápice hierárquico de um sistema recursal) e Tribunal Constitucional
(instância de controle abstrato da constitucionalidade da legislação capaz de ser acionada diretamente).
80
direta e imediata, sem que nenhum lapso temporal seja gasto com recursos que se
estendam da base ao topo da hierarquia judicial. Esta distinção se deve justamente
porque no sistema de controle de constitucionalidade de leis existente nos Estados
Unidos, a discussão jurisdicional sobre essa mesma constitucionalidade se inicia nas
primeiras instâncias do Poder Judiciário, somente chegando à Suprema Corte por meio
de sucessivos recursos judiciais que superem os diferentes graus de jurisdição até chegar
ao seu ápice. Contrariamente, a discussão constitucional sobre determinada lei, no
Brasil, geralmente é alocada de modo imediato no mais alto tribunal do país. Isto
implica que o acionamento do STF se faz em meio ao calor do debate sobre a adoção de
determinada medida legislativa, e não anos após suas adoção, quando as tensões
relativas à alteração legislativa se encontram muitas vezes arrefecidas, como ocorre
na realidade norte-americana. Pode-se supor que essa diferença quanto ao
timing da
tomada de decisão pelo tribunal assegure à Suprema Corte dos EUA menos
constrangimentos sobre os julgadores no momento da decisão, eis que decorrido tempo
suficiente para o debate ter perdido seu caráter prioritário aos olhos de parte
significativa dos agentes políticos. No Brasil, entretanto, estas mesmas pressões tendem
a se apresentar de modo mais intenso, eis que o tribunal se depara com determinadas
leis no exato momento em que sua aprovação e implementação são prioridades
absolutas por parte do governo ou de outros atores políticos relevantes. Ressalte-se que
este caráter de imediatismo no chamamento do STF ao debate político é ainda mais
flagrante quando se tratam de medidas provisórias, objetos desta análise. Isto porque
elas são atos normativos urgentes, que consubstanciam interesses imediatos do governo,
mas que são, contrariamente, dotados de certa provisoriedade, eis que dependentes de
manifestação ulterior do Poder Legislativo, ao menos do ponto de vista formal
50
. Como
será observado adequadamente no capítulo seguinte, justamente este caráter precário
das medidas provisórias é usado de forma estratégica pelo STF, que não raramente se
vale das ações ou omissões por parte do Congresso Nacional como forma de se
50
Conforme visto no capítulo anterior e se encontra detalhado no Apêndice A desta dissertação, uma das
importantes alterações introduzidas no regime jurídico das medidas provisórias pela Emenda
Constitucional nº. 32/2001 foi justamente a obrigatoriedade da apreciação destes decretos pelo Congresso
Nacional. Ao tornar o Poder Legislativo partícipe necessário e compulsório no processo de edição de
medidas provisórias, a nova redação do artigo 62 deu fim à prática, antes corriqueira, de inércia
legislativa com relação a muitas medidas provisórias, especialmente aquelas de conteúdo amplamente
controverso. É sabido, portanto, que antes da promulgação da aludida Emenda à Constituição, muitas
medidas provisórias gozavam daquilo que se pode denominar uma “permanente provisoriedade”, eis que
jamais submetidas ao escrutínio da casa legislativa, sendo sucessivamente reeditadas para que
continuassem a vigorar.
81
abster da tomada de determinadas decisões delicadas em meio ao processo político
brasileiro
51
.
A esta questão relativa ao timing, some-se um fato que não pode ser
compreendido pela simples distinção entre diferentes sistemas de controle de
constitucionalidade de leis. Trata-se de uma particularidade institucional da U.S.
Supreme Court
, a existência do writ of certiorari, instituto que permite àquela corte
realizar plenamente o controle de sua agenda, explicitamente selecionando o que deseja
e o que não deseja julgar, indicando os temas políticos sobre os quais pretende se
pronunciar (Baird, 2004)
52
. Isto possibilita ao tribunal escolher os processos, temas e
interesses a respeito dos quais se pronunciar, muitas vezes selecionando o momento em
que pretende assim agir. Pode-se supor que a corte terá preferência por se pronunciar
somente quando se considerar razoavelmente livre de constrangimentos para julgar,
podendo, então, se comportar de modo sincero. Ao contrário, o STF é obrigado
constitucionalmente a se pronunciar sobre todas as questões a ele apresentadas. Esta
impossibilidade de selecionar o que julgar leva o STF a se deparar com duas sortes de
fatores inexistentes no congênere norte-americano. Primeiramente, em razão de ter de se
pronunciar sobre os diferentes temas no momento em que estes são debatidos na arena
legislativa, o STF muitas vezes lança mão de certas estratégias informais para evitar se
deparar com determinados temas particularmente sensíveis (Rocha, 2004; Pacheco,
2006), desenvolvendo estratagemas processuais que facilitam sua omissão sem que isto
arranhe flagrantemente a imagem pública de imparcialidade da instituição. Entretanto, a
corte não pode fazer uso deste curso de ação sempre, uma vez que se trata de estratégia
capaz de minar a própria credibilidade do órgão, caso sempre empregada. Desta forma,
por ter de pronunciar-se sobre todos os temas que a ela chegam, a Corte Suprema
brasileira vem crescentemente se deparando com verdadeira avalanche processual, que
dificulta sobremaneira qualquer tomada de decisões mais ágil e que desestimula
também qualquer tentativa de identificar padrões decisórios com base nas preferências
51
O desenvolvimento de estratégias informais de decisão, em que o STF simplesmente evita julgar ações
que lhe são apresentadas, foi observado pela literatura que se debruçou sobre o tema, como atestam os
estudos de Jean Paul Cabral Veiga da Rocha (2004) e Cristina Carvalho Pacheco (2006).
52
Fruto do Judiciary Act de 1925, aprovado pelo Congresso norte-americano por iniciativa de William
Howard Taft, então presidente daquela corte, este instituto confere amplo poder ao tribunal para julgar
somente os casos que ele próprio discricionariamente selecione. Na época de sua aprovação, tratava-se de
estratégia deliberada, por parte do tribunal, de escapar à parte de sua agenda, então considerada de
apreciação obrigatória, como demonstra o minucioso estudo de Justin Crowe (2007). Vale ressaltar,
contudo, que essa seletividade da pauta da Suprema Corte dos Estados Unidos não é exclusividade
daquele tribunal, existindo também, por exemplo, em outros países, como no Canadá.
82
dos magistrados individualmente considerados
53
. Para se ter uma idéia, o volume total
de processos julgados pelo STF apenas no ano de 2005 ultrapassa a marca dos cem mil
casos, dos quais a grande maioria é composta por processos ordinários oriundos do
sistema recursal, em que o STF constitui o ápice hierárquico. No transcurso do mesmo
período, a Suprema Corte dos Estados Unidos não teve de julgar mais de uma centena
de processos dos pouco mais de oito mil a ela apresentados. Como se vê, as diferenças
são significativas
54
.
Por este conjunto de razões, que coloca em posições bastante distintas a
realidade norte-americana e a brasileira, é de se supor que modelo atitudinal sirva a um
caso, mas não a outro. Isto porque a Suprema Corte norte-americana não tende a se
inserir no sistema político daquele país da mesma forma que o STF no Brasil. Na
primeira, os pronunciamentos são feitos de forma abertamente seletiva e somente após
bom tempo transcorrido dos debates legislativos sobre a adoção de certa política,
permitindo, entre outros, que os integrantes daquele tribunal se portem de maneira
sincera. No segundo caso, o tribunal se depara com leque imenso de temas e demandas
tendo de decidir sobre estes em meio às discussões propriamente políticas sobre sua
pertinência e cabimento, conduzindo a corte, não raro, a buscar escapar à tomada de
certas decisões politicamente sensíveis. Em vista dessas distinções, fica claro que o tipo
de relação travado entre o sistema político e esses tribunais é fundamental para a
compreensão do modus operandi destas instituições. Em certo sentido, estes tipos de
considerações são os objetos de preocupação de importante vertente da escola
estratégica, que, uma vez realizadas as devidas mediações institucionais, pode servir
como instrumento apto a analisar a realidade brasileira. É o que se passa a expor na
seqüência.
53
Ao que parece, trata-se de um problema organizacional semelhante àquele identificado por Argelina
Figueiredo e Fernando Limongi (1995) na dinâmica congressual brasileira, qual seja, a existência de
praticamente invencível agenda não-controversa, que dificulta inclusive o foco de ambas as instituições a
questões de amplo repercussão pública.
54
Os dados exatos para o ano de 2005 são os seguintes. No Brasil, 95.212 processos foram recebidos pelo
STF, havendo 103.700 julgamentos. Provavelmente o que explica essa diferença é o acúmulo de
processos do exercício anterior, não vencido naquela oportunidade. Nestes casos, os principais recursos
processuais oriundos da base do sistema judicial (Recursos Extraordinários e Agravos de Instrumento)
somam 77,9% dos processos distribuídos ao tribunal e 85,9% dos casos julgados, respectivamente. Para o
mesmo período, a Suprema Corte norte-americana recebeu 8.521 casos, somente se pronunciando em 87
deles. Os dados para o tribunal brasileiro foram extraídos do sítio da instituição na internet
(www.stf.gov.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica
). As informações para a corte norte-
americana foram extraídas do relatório anual elaborado pelo presidente da instituição
(chief justice), na
edição referente ao ano de 2006 (Roberts Jr., 2007).
83
3.3.2 O modelo estratégico como modelo de separação de poderes
Apesar da abordagem estratégica sobre o comportamento dos tribunais se fazer
presente pelo menos desde a obra fundamental de Walter Murphy, Elements of judicial
strategy (1964), somente a partir de meados da década de 1990 este modelo realmente
ganhou audiência junto aos acadêmicos da área e passou a se apresentar como uma
espécie de alternativa ao modelo atitudinal (Epstein & Knight, 2000). Amparada pela
crescente influência da positive political theory ou positive theory of institutions
sobre a ciência política em geral e sobre o estudo de instituições políticas em particular,
rapidamente esta abordagem passou a ganhar adeptos, com especial ênfase naqueles
casos em que o objeto de estudo se localiza
fora dos Estados Unidos
55
. Mesmo neste
caso, entretanto, a emergência da nova abordagem se fez presente. Crescentemente,
alguns autores passaram a apresentar críticas às leituras derivadas da aplicação do
modelo atitudinal, baseando-se em grande parte no modelo estratégico. Esta abordagem,
entretanto, não pode ser considerada um todo coeso e uniforme, visto que nela se
observam duas vertentes internas. Uma primeira que foi incorporada pela literatura
sobre a Suprema Corte dos EUA e outra que logrou sucesso, especialmente quando
empregada à análise das cortes existentes em outros países. No entanto, antes de se
passar à apresentação das diferenças existentes entre estas duas vertentes do modelo
estratégico, cumpre delinear os pontos comuns de ambas.
Como parece óbvio, esta escola é assim denominada em uma referência clara ao
paradigma da escolha racional, da qual extrai boa parte de seu referencial teórico. Desta
maneira, o modelo estratégico adota como pressuposto que o comportamento dos juízes
não é fruto apenas de suas crenças legais e políticas, capazes estas de serem alinhadas
em um espectro que vai do conservadorismo ao progressismo. Isto ocorreria porque os
juízes estariam aptos a se comportar estrategicamente, realizando cálculos como, por
exemplo, aqueles referentes ao controle da agenda, somente levando para julgamento
certos processos quando houvesse possibilidade destes serem julgados de acordo com
suas preferências. Trata-se, portanto, de modelo que pressupõe a conhecida distinção
entre comportamento sincero e comportamento sofisticado (ou estratégico), adotando
55
A aplicação desta abordagem aos estudos sobre a dinâmica de Cortes Supremas ou Constitucionais de
países como Argentina (Hemke, 2002; Iaryczower; Spiller; Tommasi; 2002; 2006), Chile (Scribner,
2004), México (Staton, 2006; Rios-Figueroa, 2007), Alemanha (Vanberg, 2000; 2001), além da União
Européia (Carrubba, 2003), para ficar com alguns casos, serve como exemplo da ênfase na adoção desta
teoria para abordar realidades que não aquela própria dos EUA.
84
este último como tendência entre os magistrados. Mais do que se portarem como
agentes que profeririam suas verdadeiras crenças a cada vez que julgam, os juízes
integrantes destes tribunais levariam em conta os posicionamentos de seus pares e dos
demais atores políticos ao decidir. Eles antecipariam as possíveis sanções impostas ao
tribunal pelos outros atores políticos e a derrota no debate com seus pares no
julgamento de determinados casos. O modelo estratégico atenta, portanto, para o fato de
que as escolhas realizadas por magistrados dos órgãos de cúpula do Poder Judiciário são
de natureza interdependente. Como bem sumarizam Lee Epstein e Jack Knight:
Esta abordagem se baseia em uns poucos pressupostos: justices podem
até ser
policy seekers, mas eles não agem livremente, baseados apenas
em suas próprias atitudes ideológicas. Ao contrário,
justices são atores
estratégicos que percebem que a habilidade de atingir seus objetivos
depende das considerações às preferências de outros atores, das
escolhas que eles esperam que os outros façam e do contexto
institucional em meio ao qual agem
56
(Epstein & Knight, 1998, p. 10).
Observe-se que dois elementos distintos se fazem presentes no modelo. O
primeiro é o que a literatura sobre o tema designa ser o jogo colegial (collegial court
game), isto é, a dinâmica de sinalizações e controle da pauta no intuito de fazer com que
a decisão judicial se aproxime daquela pretendida por determinados juízes ocupantes de
postos relevantes no curso do processo, tais como relatores e presidentes de corte. O
segundo fator é o relacionamento travado entre o tribunal, entendido como um órgão
unitário, e as demais instituições políticas, Poderes Executivo e Legislativo em especial,
mas também entes federativos, grupos de interesse e o público em geral. Trata-se do que
os autores denominam o modelo de separação de poderes (separation-of-powers
model). Tome-se primeiramente a literatura sobre o aludido jogo colegial. Neste caso, as
considerações estratégicas realizadas pelos julgadores não seriam feitas com base nas
correlações de forças existentes em vista de determinada ação judicial, mas sim
tomando por base o posicionamento dos diversos integrantes da corte sobre o mesmo
tema. As decisões deixam de ser interpretadas como meros agregados das preferências
dos julgadores, como defendido pelo attitudinal model, mas resultariam de determinado
padrão de interação travado entre eles. Os magistrados não seguiriam necessariamente
56
Tradução livre do inglês a partir de: “This account rests on a few simple propositions: justices may be
primarily seekers of legal policy, but they are not unconstrained actors who make decisions based only in
their own ideological attitudes. Rather, justices are strategic actors who realize that their ability to
achieve their goals depends on a consideration of the preferences of other actors, the choices they expect
others to make and the institutional context in which they act.”
(Epstein & Knight, 1998, p. 10).
85
suas preferências de modo mecânico todas as vezes que julgassem justamente porque
estariam em interação com seus colegas, moderando ou sinalizando decisões de modo a
buscar aquela que fosse mais próxima de seu ponto ideal. Operariam neste ponto
também constrangimentos derivados das regras sobre tomada de decisão, geralmente
consubstanciadas no regimento interno da corte. Normas referentes ao controle da pauta
por determinados magistrados, assim como regras de maioria diferentes da simples, para
não falar em regras de unanimidade, seriam diretamente importantes para se delinear o
modo como os tribunais decidem. Este modelo de abordagem estratégica, portanto, leva
em consideração, na feliz designação de Forrest Maltzman, James Spriggs II e Paul
Wahlbeck (1999), os
constrangimentos internos à tomada de decisão pelo tribunal, tais
como as preferências dos demais magistrados e os procedimentos internos de decisão. O
importante a se observar, portanto, é que não se trata de uma leitura necessariamente
oposta aos pressupostos do modelo centrado nas atitudes, diferindo apenas quanto à
abordagem. Isto porque, ao enfatizar as normas internas e procedimentos referentes à
tomada de decisão pelos tribunais, este modelo, ainda assim, torna-se igualmente
dependente do conhecimento das preferências dos julgadores individuais. Não incluir na
teoria ao menos uma aproximação sobre o que pretendem os magistrados ao julgar
praticamente inviabiliza a observação de como estes podem se valer dos procedimentos
e regras internas para tentarem atingir suas predileções. Isto permite afirmar, com
alguma liberdade, que esta abordagem é uma espécie de versão aprimorada, ou
sofisticada, da escola atitudinal. Ao invés de simplesmente se contar quantos
magistrados se situam mais à esquerda e quantos se situam no pólo oposto, passa-se a
uma situação na qual o procedimento de agregação de preferências não é apenas
considerado de forma mecânica, mas um conjunto de movimentos seqüenciais,
circunscrito por regras, sinalizações e beliefs, que conduz a determinado resultado final
não necessariamente coincidente com a usual soma das preferências dos magistrados
individuais. No que se refere ao caso específico da realidade brasileira, como buscou se
demonstrar na seção anterior, limites claros à adoção de um modelo que parta deste
conjunto de pressupostos, em que se adotam os julgadores individuais como unidades
básicas de análise. No Brasil, por não se conseguir acessar com clareza as preferências
dos magistrados, não se pode deduzir que espécie de interação estratégica se travaria
entre eles no contexto do aludido jogo colegial. Novamente, no plano da realidade
norte-americana, esta vertente do modelo estratégico logrou bons resultados. Todavia,
sua aplicabilidade a outros contextos dificilmente se verifica.
86
Desta virtual inaplicabilidade do modelo estratégico centrado no jogo colegial
surge a necessidade de se mover o foco dos magistrados individuais para a instituição
como um todo, naquilo que se tem convencionado chamar modelo de separação de
poderes. Neste caso, a atenção não mais recai sobre os aludidos constrangimentos
internos de tomada de decisão, mas especialmente sobre os
constrangimentos exógenos,
com especial atenção para a possibilidade de frustração das decisões do tribunal por
ações que venham a ser tomadas por outras instituições políticas, quando não sanções
de ordem diretamente institucional dirigidas às cortes (Maltzman; Spriggs II; Wahlbeck,
1999). De acordo com esta perspectiva, antes de se preocupar com a interação entre seus
pares, os magistrados, entendidos aqui como um todo razoavelmente coeso e dotado de
capacidade de ação coletiva, estariam preocupados com a performance e a preservação
da independência da instituição que integram, bem como com a capacidade de suas
decisões serem efetivamente respeitadas e implementadas em sua plenitude
57
. A
interação estratégica em questão desgarra-se da dinâmica interna do tribunal para
estabelecer-se diretamente com os outros Poderes do Estado, em especial com a
possibilidade dos Poderes Executivo e Legislativo imporem sanções às decisões e à
atuação dos tribunais em questão. Trata-se, portanto, de uma teoria que adota como
unidade de análise não mais os magistrados individualmente considerados, mas a
instituição integrada por estes, os tribunais e, no caso específico, as Cortes Supremas ou
Constitucionais, encarregadas de dar a última palavra em controvérsias judiciais que
versem sobre a constitucionalidade das leis.
Ainda que um tanto recente em sua aplicação mais geral, este modelo parte das
considerações realizadas por Alexander Hamilton sobre a natureza do Poder Judiciário
ainda no contexto do debate constitucional estadunidense. A visão hamiltoniana do
sistema judicial enfatiza a fragilidade deste ramo do Estado quando comparado aos
demais, por não controlar ele nem o uso da coerção, encargo último do Poder
Executivo, e tampouco o gasto público, função do Poder Legislativo (ao menos na
configuração institucional original daquele país). Somar-se-ia a isto a incapacidade dos
tribunais agirem de modo ativo, necessitando de provocação externa o acionamento
57
Com relação à capacidade autônoma (ou espontânea) de ação coletiva dos tribunais, vale lembrar
observação de Mancur Olson sobre os tamanhos dos grupos e suas respectivas capacidades de ação
coletiva. Nem todos os grupos são latentes e gozam, portanto, de problemas de ação coletiva. Grupos com
reduzido número de integrantes, nos quais a ação de cada indivíduo é perceptível aos demais, não
apresentariam este problema, podendo haver ação coletiva sem necessidade de recurso a uma estrutura de
incentivos seletivos e independentes (Olson, 1999 [1971]). Tribunais, com grupos não maiores que uma
dezena e meia de indivíduos, podem se enquadrar nesta categoria e apresentar, portanto, capacidade
autônoma de ação coletiva.
87
por meio de uma ação judicial para tomar qualquer decisão. Nas palavras do autor,
célebres na literatura sobre o tema, o
judiciário (...) não possui influência nem sobre a
espada, nem sobre a bolsa; nenhum comando sobre a força ou sobre a riqueza da
sociedade; e não pode tomar nenhuma resolução de modo ativo”
58
(Hamilton, 2003
[1788], p. 464). A fala de Hamilton é reveladora da importância concedida pelos
adeptos do modelo de separação de poderes à posição que os tribunais ocupam no
processo político e da relação que estes travam com as demais instituições do Estado.
Fundamentalmente, esta literatura destaca que, apesar de os magistrados serem
individualmente protegidos por uma série de prerrogativas ligadas ao exercício de sua
profissão, nada assegura que o conjunto de instituições em que eles atuam – os tribunais
e o sistema judicial como um todo disponha deste mesmo grau de insulamento com
relação à dinâmica política
59
. A existência de um Poder Judiciário mais ou menos
autônomo e o efetivo cumprimento das decisões judiciais passam a ser vistos como
dependentes da relação travada entre estas instituições e os demais agentes políticos,
Poderes Executivo e Legislativo em especial. Os autores alinhados ao modelo de
separação de poderes observam que o exercício da função judicial não é realizado no
vazio, mas que comporta uma série de reações, ou mesmo retaliações, por parte dos
outros Poderes do Estado, que podem atentar contra decisões judiciais específicas e
mesmo contra aspectos estruturais do próprio Poder Judiciário. No caso, estas ações dos
poderes representativos operariam como constrangimentos sobre a atuação de tribunais
que se envolvessem no jogo político, fazendo com que estes moderassem suas
preferências em direção àquelas dos primeiros. A literatura faz referência a uma série de
sanções que podem ser dirigidas às cortes tanto pelos Poderes Executivo e Legislativo
considerados separadamente, como por eles em conjunto. De modo a apresentá-las
organizadamente, preferiu-se agrupá-las em dois tipos básicos: sanções de ordem
decisória e sanções de ordem institucional. As primeiras são aquelas dirigidas contra
58
Tradução livre do inglês a partir de: “The judiciary (...) has no influence over either the sword or the
purse; no direction either of strength or of the wealth of the society; and can take no active resolution
whatever (…)”
(Hamilton, 2003 [1788], p. 464).
59
A referência fundamental sobre o tema fica por conta de John Ferejohn (1999), para quem há dois tipos
diferentes de relações de dependência travados neste plano, que nem sempre são apresentados como
distintos. O primeiro centra-se na independência dos julgadores individuais, em razão de seus privilégios
profissionais e corporativos. O segundo enfatiza as dependências estruturais do Poder Judiciário com
relação às demais instituições do Estado, tais como a necessidade das decisões judiciais serem efetivadas
pelo Poder Executivo, o controle orçamentário pelos poderes representativos, entre outros. É desta
distinção, inclusive um tanto simples, que o autor extrai sua famosa conclusão de que se trata, por um
lado, de
juízes independentes, do ponto de vista individual e profissional, e, por outro, de um Poder
Judiciário dependente
, como instituição e todo orgânico.
88
uma decisão judicial específica no intuito de frustrá-la, sendo as últimas interferências
diretas sobre prerrogativas judiciais ou sobre uma instituição específica do Poder
Judiciário.
Quanto às primeiras, dois cursos de ação distintos são mencionados pela
literatura. Um deles se pela possibilidade de não execução de determinada decisão
judicial pelo Poder Executivo. Esta perspectiva é tradicionalmente associada pela
literatura norte-americana novamente à visão hamiltoniana dos tribunais, para quem
estes não possuem poder político efetivo, posto que realizam o
“mero julgamento”,
dependendo, em última análise, do “auxílio do executivo para que seus julgamentos
sejam eficazes”
60
(Hamilton, 2003 [1788], p. 464). Os autores asseveram que o Poder
Judiciário goza, portanto, de uma posição delicada no sistema político por não ser ele o
responsável pela implementação de suas próprias decisões, razão pela qual se estabelece
uma relação de dependência das cortes com relação ao Poder Executivo
61
. A esta
possibilidade de inação do governo somar-se-ia outra sanção de ordem decisória. Trata-
se da possibilidade da decisão judicial em questão ser frustrada por ulterior decisão
legislativa, isto é, por aprovação de lei que simplesmente anule os efeitos decorrentes de
determinado julgamento dos tribunais, como ocorre, por exemplo, na superação de um
veto presidencial pela maioria congressual. Embora esta sanção seja frequentemente
associada à atuação do Poder Legislativo, é razoável supor que sua ocorrência esteja
associada também ao Poder Executivo, principal responsável pela produção legislativa
em diversos países, inclusive o Brasil. Neste caso, uma vez que a maioria legislativa
se formou para prévia aprovação da lei, não seria de se estranhar que ela pudesse fazê-lo
novamente no intuito de superar decisões judiciais, em especial se contasse com o
amparo do governo.
Nos dois casos, pelos julgamentos dos tribunais necessitarem de algum grau de
aquiescência dos poderes representativos, a probabilidade destes efetivamente
obedecerem às decisões judiciais torna-se consideração fundamental dos magistrados
60
Trechos extraídos e traduzidos livremente do inglês a partir de: “It may truly be said to have neither
FORCE nor WILL but merely judgment; and must depend upon the aid of the executive arm even for the
efficacy of its judgments.”
(Hamilton, 2003 [1788], p. 464, ênfases no original).
61
Não raramente, os autores que discutem o tema colocam esta relação de dependência em uma situação
tal qual a travada no modelo básico do tipo
principal-agent (Weingast; Noll; McCubbins, 2005). No caso,
a necessidade de execução das decisões judiciais pelo Poder Executivo conformaria verdadeira delegação
de funções do Poder Judiciário ao governo. Entendido nestes termos, portanto, o problema
fundamentalmente passaria a ser aquele de
obediência do Poder Executivo em relação às decisões
judiciais, o que passaria a conformar as preferências dos integrantes da corte no momento exato em que
julgam.
89
quando estes julgam. Como os tribunais apresentam, vis-à-vis os Poderes Executivo e
Legislativo, recursos institucionais bastante limitados, eles tendem a colocar-se
preponderantemente no interior do círculo de preferências destes Poderes do Estado,
apenas ocasionalmente desafiando suas diretivas. Para se contrapor aos interesses
majoritários, as cortes geralmente preferem fazê-lo quando suporte político para
tanto, no mais das vezes proveniente de outros atores políticos, institucionais ou não,
que as amparem e aumente a possibilidade destas decidirem com maior autonomia,
minorando o temor de possíveis represálias. Neste cenário, afirma esta vertente teórica,
certos atores e contextos impingiriam elevado custo político ao governo para que este
desobedecesse a decisões judiciais contrárias a ele
62
. Descumprir julgamentos das
cortes, bem como aprovar leis “maquiadas” ou mesmo de Emendas à Constituição
com o fito de anular os efeitos de certas decisões judiciais, possui um custo político que
por si é elevado, mas que certamente pode ser sensivelmente majorado pela presença
de forças políticas que forneçam suportes efetivos às decisões do tribunal e que possam
impor este mesmo custo às eventuais estratégias desviantes dos órgãos representativos.
Opinião pública, entes federativos, grupos de interesse, entre outros exemplos, estariam
aptos a amparar os tribunais para que estes tomassem determinadas decisões judiciais
em contrariedade ao governo. Todavia, a literatura costuma dar tratamento ao tema sob
a forma de um jogo de ações seqüenciais considerando tão-somente os três atores
institucionais fundamentais, Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. De acordo
com o modelo canônico, o problema fundamental a ser resolvido pelos magistrados
integrantes de Cortes Supremas é aquele, já apresentado, de obtenção de obediência dos
Poderes Executivo e Legislativo. Neste caso, em situações de governo unificado, a
tendência seria a postura mais silente por parte do Judiciário, eis que haveria
concentração de forças políticas capazes mais facilmente de impor sanções à postura
divergente da magistratura. No caso de governo dividido, o padrão a ser observado é
aquele mais interventivo por parte do Judiciário. Isto se daria especialmente em razão
do cenário de oposição de interesses entre Executivo e Legislativo, que forneceria
muitas situações de suporte às distintas decisões judiciais, dificultando inclusive a
coordenação entre ambos para aplicação de represálias às decisões judiciais. Situações
de paralisia decisória (gridlock), portanto, em que o custo para qualquer tomada de
62
Vale lembrar que frente à existência de semelhante estrutura de suporte, isto não significa
necessariamente que o tribunal passe a tomar todas suas decisões em contrariedade ao governo. Na
realidade, ante este cenário, é de se esperar que a aleatoriedade em seus julgamentos seja a tônica.
90
decisão é considerado elevado, dificultariam a aplicação de sanções desta monta ao
Poder Judiciário, de modo que este se encontraria mais livre para agir (Ferejohn, 2002;
Ferejohn & Pasquino, 2003). Observe-se que este mesmo argumento inclusive foi
bastante expandido por literatura adepta do método comparativo, que centrou sua
análise nas características estruturais dos diferentes sistemas políticos. Situações tais
como elevada competição eleitoral, existência de múltiplos veto players,
consociativismo, federalismo, inexistência de partido político dominante, polarização do
debate político, forte presença de grupos de interesse, entre vários outros fatores, seriam
todos elementos que contribuiriam para maior autonomia decisória do Poder Judiciário
e das Cortes Supremas em especial (Alivizatos, 1995; Cooter & Ginsburg, 1996;
Domingo, 2000; Tsebelis, 2002; Lijphart, 2003 [1999]; Chavez, 2004; Andrews &
Montinola, 2004). Em última análise, o argumento delineado é basicamente o mesmo
que advoga a maior independência dos tribunais em situações de paralisia decisória:
quanto mais distribuído se encontra o poder político, mais difícil é a imposição de
sanções às cortes e maior é o número de suportes políticos para suas diferentes decisões,
mais autônomos se tornando os magistrados em seus julgamentos, ocorrendo o contrário
em situações de concentração de capacidade decisória. Isto é, inexistindo os aludidos
suportes às decisões judiciais, é de se esperar que a tendência quase universal seja a não
confrontação dos interesses majoritários pelos tribunais.
Além destas reações dos Poderes Executivo e Legislativo dirigidas contra
decisões judiciais específicas, outras sanções podem ser impostas diretamente a um
tribunal, forçando-o a se comportar mais proximamente aos interesses majoritários.
Sanções de ordem institucional são, portanto, aquelas que se voltam diretamente contra
o Poder Judiciário, ou contra um tribunal específico, ameaçando sua independência,
estrutura e/ou prerrogativas
63
. Trata-se de uma interferência direta dos demais Poderes
do Estado sobre as atribuições ou mesmo sobre a composição do tribunal, naquilo que
ficou conhecido por court-curbing, ou court-packing
64
. Mais do que uma sanção
dirigida a uma decisão judicial específica, esta ameaça geralmente decorre do acúmulo
de julgamentos, por parte da corte, que se colocam como verdadeira afronta aos
63
Alguns autores consideram que a ameaça da imposição destas sanções voltadas contra a independência
do Poder Judiciário não pertenceria ao rol daquelas efetivamente integrantes do modelo de separação de
poderes, tratando-as como duas abordagens distintas (Clark, 2006; 2007). Para os efeitos da presente
dissertação, todas serão agrupadas no interior desta vertente analítica.
64
O nome por que é conhecida esta medida direcionada frontalmente contra a independência do Poder
Judiciário é uma remissão clara à ameaça de pacote legislativo que o presidente norte-americano Franklin
Roosevelt lançou sobre a Suprema Corte daquele país quando dos embates entre ambos com respeito à
aprovação do
New Deal nos anos 30 do século passado.
91
interesses contemplados no interior dos Poderes representativos do Estado. O tribunal
passa a ser visto, pelo conjunto de forças políticas dominantes, como foco de oposição e
entrave à capacidade governativa, sendo este tipo de retaliação ou sua sinalização uma
forma de enquadrar a instituição e permitir a adoção de políticas majoritárias antes
objeto de veto judicial. Neste caso, a corte não mais é considerada uma força política
exercida com neutralidade e imparcialidade, fundamentos últimos de sua legitimidade, e
passa a ser vista como verdadeiro núcleo oposicionista em razão de sucessivos
posicionamentos contrários à maioria governante. Sanções desta monta são,
obviamente, bastante mais custosas politicamente e, portanto, se realizam em conjunto
pelos Poderes Executivo e Legislativo, não raramente contando com forte apoio da
opinião pública. São, portanto, situações de enfrentamento entre as forças políticas
eleitas e os magistrados e frequentemente decorrem do elevado ativismo dos últimos.
Desta forma, os tribunais tenderiam a se colocar majoritariamente em sintonia com os
poderes representativos, evitando serem vistos como efetivo foco de resistência ao
governo, pelo que decidiriam contrariamente a estes apenas ocasionalmente, quando
apresentassem algum suporte para suas decisões ou considerassem prioritário.
Observe-se que estas duas formas de retaliação de ordem decisória e
institucional atentam contra o que geralmente os magistrados mais prezam: a
independência e a respeitabilidade das instituições que integram. Esta não é uma
observação meramente ilustrativa. Afirma-se, com razão, não haver controvérsia quanto
às motivações dos magistrados. Estas seriam sempre de natureza política e o papel das
normas jurídicas meramente instrumental em relação àquelas. Ainda que se possa
questionar esta visão, deve-se observar que a preservação, quando não ampliação, da
autonomia das instituições judiciais é uma preferência judicial prévia às outras, eis que
delimita o campo, futuro ou presente, de atuação dos magistrados integrantes da corte,
sendo uma espécie da pré-condição para sua atividade. Em razão disto, muitos analistas
afirmam que metas relativas à preservação da legitimidade institucional dos tribunais
constituem a preferência fundamental de seus integrantes (Hausseger & Baum, 1999;
Rogers, 2001; Vanberg, 2001).
Frente a semelhante conjunto de possíveis ameaças, tanto de ordem decisória
como institucional, afirmam os adeptos do modelo de separação de poderes, é de se
esperar que os tribunais moderem suas preferências e passem a atuar majoritariamente
dentro do campo de preferências dos elaboradores das leis. Este leque de retaliações que
as cortes poderiam sofrer afetaria diretamente a capacidade dos magistrados decidirem
92
com maior autonomia e discricionariedade. Neste caso, a tendência decisória do tribunal
a ser observada é aquela majoritariamente pró-governo, eis que em antecipação às
prováveis reações deste, contrariando-o freqüência reduzida. Por sua vez, é de se
esperar que os interesses majoritários sejam judicialmente derrotados principalmente
quando o tribunal contar com alguma forma de suporte para que possa decidir de forma
mais autônoma. Nestes casos, é de se esperar que o padrão de julgamento do tribunal
seja menos favorável ao governo e mais próximo à aleatoriedade. A estratégia de julgar
contrariamente aos interesses governistas majoritariamente quando lhe seja apresentado
algum incentivo por outros atores políticos relevantes é, portanto, interessante tanto
como forma do tribunal evitar a frustração de suas decisões judiciais, como uma
maneira da corte não ser vista como reduto oposicionista, tornando-se apenas uma
instituição que dá voz a agentes públicos relevantes, também não necessariamente
contrários a todas as políticas do governo. No caso da presente dissertação, como
oportunamente se demonstrará, embora a respeitabilidade às decisões e ao próprio STF
seja a tônica tanto do ponto de vista do Poder Executivo como do Legislativo, a análise
dos julgamentos de liminares em ADIns dirigidas contra medidas provisórias demonstra
claramente que o STF tem ciência, muitas vezes explícita, da importância dos
posicionamentos dos demais atores políticos no momento em que decide. Em mais de
uma ocasião, o tribunal esperou que o Congresso Nacional se pronunciasse quanto à
medida provisória atacada junto à corte, evitando ter de tomar decisões eventualmente
custosas, como, por exemplo, no caso da ADIn nº. 0359-3, proposta pelo PSDB contra o
artigo 1º. da medida provisória nº. 211, de 24 de agosto de 1990, que instituía regras que
flexibilizavam aos empregadores a obrigatoriedade do cumprimento da garantia de
salário efetivo aos trabalhadores. Frente ao pedido de liminar que pedia a suspensão
deste dispositivo legal, o STF declarou prejudicada a ação sem mesmo apreciar a
questão e declarou suspenso o processo, que veio a ser apenas julgado em 1993, quando
se encontrava revogado o dispositivo questionado. Ainda em outro conjunto
significativo de decisões, o tribunal desenvolveu estratégias para não ter de enfrentar os
temas que lhe eram apresentados pelos sucessivos proponentes de ADIns. Em diversas
ocasiões, a corte simplesmente evitou julgar ações que desafiassem os interesses do
Poder Executivo, manejando com habilidade a pauta e as regras processuais de modo a
escapar-se de tomar decisões controversas, o que inclusive sugere a ampla
maleabilidade das regras de decisão internas da corte por seus respectivos integrantes.
93
Ainda sobre a possibilidade de imposição de sanções ao STF, dois pontos
importantes merecem ser destacados. Primeiramente, uma consideração de ordem
teórica. Não é necessário às cortes que elas efetivamente sofram sanções dos outros
agentes políticos, Poderes Executivo e Legislativo no caso, para que adotem uma
postura mais comedida. Basta-lhes ter ciência de que isto é uma possibilidade concreta
para que respondam de forma antecipada, evitando atritos desnecessários e danosos. Em
segundo lugar, vale ressaltar que mesmo que o STF tenha passado em grande medida
incólume ao longo dos últimos anos à imposição de restrições pelos demais Poderes do
Estado, o mesmo não pode ser dito do Poder Judiciário como um todo. Desde o trabalho
pioneiro de Rogério Bastos Arantes (1997), sabe-se do permanente embate que as
autoridades políticas têm travando com os juízes integrantes dos círculos inferiores da
hierarquia judicial. Alguns episódios ilustram essa tensão, como o Plano Collor I, cujo
seqüestro de ativos financeiros foi grandemente frustrado pela enorme volume de
liminares concedidas junto à Justiça Federal desbloqueando contas de poupança, ou os
diversos leilões de privatizações que foram suspensos e postergados pela concessão de
liminares (Arantes, 1997; Oliveira, 2005). Como forma de evitar semelhantes
empecilhos, o governo vem gradativamente desenvolvendo instrumentos de controle
sobre estas atividades, por vezes até mesmo editando medidas provisórias que proíbam
a concessão de liminares sobre determinadas políticas adotadas pela chefia do
Executivo, como realizado durante o governo do Presidente Fernando Collor de Melo.
Neste processo, inclusive duas Emendas Constitucionais foram aprovadas buscando
limitar os possíveis desvios de juízes e desembargadores
65
. É de se supor, portanto, que
o STF, ciente dessas tensões e das iniciativas do governo para contorná-las, prefira, ele
próprio, não se colocar na rota de colisão com as forças políticas majoritárias,
moderando suas posições ante os interesses dos Poderes Executivo e Legislativo e
assumindo uma posição de mediação nos atritos existentes entre estes Poderes do
Estado e os círculos inferiores da hierarquia judicial. Mesmo neste sentido, é lícito
65
É o caso da Emenda Constitucional nº. 3, de 17 de março de 1993, que criou a mencionada Ação
Direta de Constitucionalidade, assim denominada por permitir a declaração de que determinada lei seja
considerada constitucional pelo STF antes que se pronunciem instâncias inferiores, possuindo a decisão
efeito vinculante em relação àquelas, o que evita possíveis complicações com outros integrantes da
magistratura que pretendam eventualmente deixar de aplicar a referida norma. A outra Emenda
Constitucional aprovada neste sentido é a de nº. 45, de 2004, que instituiu a chamada “Reforma do
Judiciário” e, com ela, a possibilidade, da parte do STF, de editar de súmulas com efeito vinculante para
todo o Poder Judiciário. Observe-se que, nos dois casos, o Poder Executivo parece contar de antemão com
a boa vontade do mais alto tribunal do país para que este discipline as demais instituições integrantes do
Poder Judiciário, pressupondo, de certa forma, que este esteja alinhado às suas diretivas.
94
afirmar que a aprovação da Lei nº. 9.868, de 10 de novembro 1999, de autoria do Poder
Executivo, que regulamenta, entre outras coisas, a concessão de liminares pelo STF em
Ações Diretas de Inconstitucionalidade, impondo-lhe um rito mais rigoroso, aponta para
certo disciplinamento da corte, podendo mesmo ser interpretada como uma espécie de
sinalização sobre as possibilidades de outras ações mais severas recaírem sobre o
tribunal, ainda que isso não se tenha realizado de forma aberta. A referida lei estipula,
entre outras coisas, que a concessão de liminares em ADIns seja realizada apenas pela
maioria absoluta dos membros da corte em sessão com pelo menos oito Ministros, salvo
nos períodos de recesso. A idéia, ao que parece, visava dar fim à prática de concessão
de liminares por decisões monocráticas
ad referendum. Vale ressaltar que a propositura
desta lei pelo Poder Executivo deu-se justamente em 1997, ano em que o STF concedeu
o maior número de liminares oito ao todo suspendendo parcial ou integralmente
trechos de medidas provisórias contestadas em ADIns, mesmo que nenhuma dessas
tenha sido julgada monocraticamente. Nos anos anteriores à lei, todavia, seis liminares
foram concedidas desta forma contra decretos do Poder Executivo, ainda que
majoritariamente durante o recesso. Ainda em tempo, é importante frisar que
recentemente projeto de lei do Senado Federal (PLS nº. 50/2006) foi aprovado na
Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça daquele órgão legislativo para estender
estes mesmos requisitos da concessão de liminares em ADIns a todas as decisões em
sede de liminar tomadas pelo tribunal, atestando que tal tema não se afastou da pauta
política e que as preocupações das forças políticas majoritárias em regular a atuação dos
Ministros da instituição não lhes é insignificante.
Dando prosseguimento às razões que pugnam pela utilidade do modelo de
separação de poderes à presente dissertação, vale ressaltar que as hipóteses levantadas
por esta abordagem são em grande parte confirmadas pela literatura que deu tratamento
ao tema exato do presente trabalho, ainda que em outras realidades nacionais. Ao
analisar o controle judicial da constitucionalidade de decretos executivos em diversos
países, a literatura não apenas confirmou a tendência majoritária ao não ativismo
judicial nesta seara, como também, não raro, observou a imposição de sanções diretas às
cortes que atuaram fortemente nesta arena
66
. Veja-se, por exemplo, os estudos de
William Howell e Terry Moe (1999; 1999a), bem como aquele de maior fôlego do
66
Vale notar que, em certos países, proibição expressa ao exercício de controle de constitucionalidade
de decretos do Poder Executivo. É, por exemplo, o caso do
Conseil Constitutionnel francês (Cappelletti,
1999, p. 30, nota de rodapé nº. 17).
95
primeiro (Howell, 2003) sobre o poder de decreto do presidente norte-americano e o
controle exercido por todo Poder Judiciário federal daquele país
67
. Os dados levantados
nestes trabalhos sobre a revisão judicial de executive orders
68
são bastante claros em
apontar a acentuada tendência à deferência judicial frente aos decretos editados pelo
presidente norte-americano
69
. Do total de 86 casos em que o Judiciário analisou
decretos, no período compreendido entre 1942 e 1996, apenas 14 (16,1%) foram
julgados, integral ou parcialmente, em contrariedade ao presidente, sendo os 72 (83,9%)
restantes totalmente favoráveis a ele. Como se verá no próximo capítulo, estes
percentuais são muito semelhantes àqueles existentes no Brasil, mesmo que por razões
institucionais os dados brutos apresentem variação. Ainda como afirma a teoria, o
exame da realidade norte-americana atesta que estes poucos casos de insucesso do
Executivo junto às cortes tenderam a se verificar especialmente quando estas se
67
O estudo é especialmente interessante porque o autor não se atém apenas ao papel da Suprema Corte,
mas estende o objeto de análise ao examinar o controle exercido por todo Poder Judiciário federal norte-
americano sobre as
executive orders. Este certamente é um indicador melhor do controle de
constitucionalidade exercido sobre o poder de decreto do presidente norte-americano, e praticamente
sobre o
judicial review de qualquer legislação que se queira analisar naquele país. Isto porque, como já foi
apresentado, a Suprema Corte apresenta ampla discricionariedade quanto ao controle de sua agenda,
somente julgando o que deseja de todos os processos que chegam até ela pelo sistema recursal. Desta
maneira, ao examinar os posicionamentos de todo Poder Judiciário federal (que possui sempre efeito
erga
omnes
, isto é, universal ao decidir), não restam olvidados os casos em que, ao não tomar uma decisão, a
Suprema Corte anui, ainda que não explicitamente, com o posicionamento tomado nas instâncias
inferiores do Poder Judiciário federal daquele país. Neste sentido, ao considerar apenas os dados relativos
ao controle exercido pelo mais alto tribunal do país, estar-se-ia omitindo situações importantes nas quais
um posicionamento judicial com respeito a determinado tema, ainda que este não tenha sido tomado
pela Suprema Corte, mas cujos efeitos da decisão são idênticos àqueles contextos em que esta se
pronuncia sobre determinado tema.
68
Apesar de não previstas constitucional ou legalmente, as executive orders, até recentemente ignoradas
na análise do sistema político norte-americano, podem ser entendidas como decretos inicialmente
voltados à execução de leis, dirigindo-se aos agentes do governo burocracia em especial para que
estes implementem as diretrizes políticas determinadas na legislação. Elas podem ser consideradas
instrumentos de ação unilateral do Poder Executivo em que este goza de imenso raio de
discricionariedade, dado que, por decisão da própria Suprema Corte, o presidente não precisa fazer
menção a qual lei está regulando quando edita um destes decretos. Áreas altamente sensíveis da política
norte-americana foram iniciadas desta maneira, como legislação ambiental, fim da segregação nas forças
armadas, além da recente tônica no combate ao terrorismo, não contando, portanto, com o concurso do
Congresso para que fossem adotadas (Mayer, 2001; Howell, 2003).
69
Na realidade, mesmo que se considere apenas a Suprema Corte, a mesma tendência ao favorecimento
do Poder Executivo se verifica, se estendendo inclusive a diversas searas que não exclusivamente aos
decretos executivos. É pacífica a posição da literatura de que o presidente daquele país é o principal
favorecido com os julgamentos da corte. Estudos que tomam com base o papel do
Solicitor General
espécie de representante, junto ao tribunal, dos interesses do governo federal, mas não necessariamente
adstrito aos interesses do presidente indicam ampla margem de sucesso deste em relação aos demais
requerentes que se colocam ante o tribunal (McGuire, 1998; Graham, 2002). O mesmo se verifica em
trabalhos que afirmam ser a Suprema Corte bastante útil ao Presidente daquele país quando este tem de
superar obstáculos decorrentes da natureza fragmentada do sistema político daquele país (Whittington,
2005), não sendo diferentes os estudos que indicam haver apoio expresso do tribunal à expansão dos
poderes presidenciais (Yates & Whitford, 1998)
96
encontravam amparadas, separadamente ou em conjunto, pelo Congresso, por grupos de
interesse ou pela opinião pública.
Discutida ainda no princípio deste capítulo, também a realidade italiana
encontra-se em sintonia com esta linha explicativa. Conforme observado, a
Corte
Costituzionale permaneceu em silêncio sobre sua possibilidade de controlar a
constitucionalidade dos
provvedimenti provvisori adotados pelo governo por mais de 30
anos. Somente quando a capacidade governativa do gabinete parlamentar se
encontrava bastante declinante, as posições da corte se inverteram, firmando-se em
contrariedade ao Executivo apenas no ano de 1996, quando o tribunal declarou
inconstitucional a prática, antes corriqueira, da reedição de decretos não apreciados pelo
parlamento no prazo constitucional de 60 dias. Como reflexo da dinâmica parlamentar e
partidária, no período compreendido entre 1957 (quando pela primeira vez se
questionou junto ao tribunal um decreto) e 1996, a pujança legislativa dos decretos
executivos, bem como do próprio gabinete, mudou de forma sensível. Se, naquele
primeiro ano, o sucesso do Executivo é a tônica, o mesmo não passa a ocorrer pelo
menos desde o final da década de 1980, justamente quando os primeiros
posicionamentos da corte contrários ao Executivo se fizeram presentes
70
. Em razão
disso, afirma-se que a mudança no posicionamento da corte pode ser interpretada como
uma espécie de reflexo do que se processava no interior da dinâmica entre gabinete e
parlamento (Volcansek, 2001).
Ainda mais significativos da veracidade desta abordagem teórica parecem ser os
eventos recentes envolvendo a revisão judicial dos decretos de necesidad y urgencia
pela Corte Suprema de Justicia na Argentina, como atestam os estudos de Vitor
Emanuel Marchetti Ferraz Júnior (2003; 2006). Estes decretos passaram, tal qual as
medidas provisórias no Brasil, a ser objeto de uso dos sucessivos presidentes quando
70
Os dados existentes nem sempre são perfeitamente coincidentes, mas apontam todos no mesmo sentido.
De acordo com Mary Volcansek (2001), no II gabinete parlamentar italiano, entre 1953 e 1958, o sucesso
legislativo dos decretos foi de 85%, não passando de 50,3% no X gabinete, de 1987 a 1992. Conforme
outro estudo, a conversão em lei dos decretos, que antes era de 100% passa a não mais de 34% no mesmo
período (Figueiredo & Limongi, 2003). De um modo geral, observa-se, portanto, que a queda da
eficiência governativa na Itália é a tônica desde meados da década de 1980 e especialmente a partir do XI
gabinete (1992-1994), quando a média mensal de aprovação de projetos de lei sofre sensível queda, como
atesta o estudo de Paolo Ricci (2006). Como já foi dito, este período de incremento do insucesso
governamental é também coincidente com a época em que os juizes italianos passaram a ser
considerados, por amplos setores da opinião pública, verdadeiros heróis nacionais, quando lideraram
significativo processo de apuração da corrupção política naquele país, a chamada operação “Mãos
Limpas” (della Porta, 2001). Com base nisso, pode-se afirmar que os juízes constitucionais possuíam,
além do apoio na arena legislativa, apoio disperso na população para se contrastarem ao Executivo, o que
dificultava ainda mais qualquer tentativa de imposição de sanção à corte por sua postura contrária ao
governo.
97
estes objetivaram implantar planos de estabilização econômica. Embora fossem
empregados desde pelo menos 1989, no início do governo de Carlos Menem, os
referidos atos normativos do Executivo somente passaram a ser previstos
constitucionalmente com a reforma constitucional de 1994. Os primeiros
pronunciamentos da
Corte Suprema de Justicia, todavia, vieram antes disso, no ano
de 1990. Naquela ocasião, o tribunal não se apresentou como obstáculo à ação unilateral
do governo, afirmando, em continuidade ao padrão jurisprudencial firmado no período
autoritário, que não cabia ao Poder Judiciário analisar a constitucionalidade de
semelhantes decretos
71
. Entretanto, em 1997, quando da edição do decreto de necesidad
y urgencia nº. 842, que concedia à iniciativa privada a administração dos aeroportos do
país, um grupo de parlamentares questionou junto à Poder Judiciário a legalidade do
decreto. Questionava-se a medida com base no art. 99.3 da Constituição, incluído na
reforma de 1994, que determinava a criação de uma Comissão Bicameral para receber
os decretos no Congresso argentino, o que não teria ocorrido por ocasião do decreto nº.
842. Em que pese a repercussão extremamente negativa do posicionamento judicial
sobre o caso, que anuiu com a edição do decreto, ela se sustentou até 1999, último ano
do governo Menem, quando a Corte Suprema revisou seu posicionamento e passou a
entender como passível de avaliação jurisdicional o controle dos pressupostos
constitucionais para edição de decretos, até então sempre evitados pelo tribunal.
Gradativamente, nos anos que se seguiram, o tribunal foi revendo suas posições e
tornando-se paulatinamente mais restritivo à ação unilateral do Poder Executivo,
declarando inconstitucional a edição de elevado número de decretos. A partir de 2002,
esta tendência se tornou ainda mais acentuada, afirmando o tribunal, ao declarar
inconstitucionais os decretos, que a Presidência da República estaria a invadir as
prerrogativas do Congresso, eis que concernentes ao exercício da função legislativa.
Deste momento em diante, a postura adotada pelo tribunal pautou-se pelo enfrentamento
sistemático ao Poder Executivo, passando a corte a exigir do governo uma série de
requisitos para que aceitasse a edição dos decretos de necesidad y urgência, o que
dificultou sobremaneira a possibilidade do uso deste instrumento normativo. Em parte
como resposta a isso, no mesmo ano em que se acirraram os ataques do tribunal às
incursões legislativas do Poder Executivo, foi instalada na Câmara dos Deputados uma
comissão permanente de “julgamento político” para investigar os integrantes do
71
Com respeito à linha jurisprudencial da Corte Suprema de Justicia argentina durante o período
autoritário, veja-se o trabalho de Enrique Groisman (1985).
98
tribunal, ante a alegação de desempenho inadequado de funções por aqueles
magistrados. A este fato se somou a eleição em 2003 de Nestor Kirschner, que buscou
minar focos considerados
menemistas dentro da Corte Suprema. Como resultado, todos
os nove magistrados da corte foram investigados, resultando no processo na renúncia de
cinco deles e na destituição de dois outros. Observe-se, portanto, que as tendências
interventivas apresentadas pelo tribunal levaram-no a ser colocado na rota de colisão
com os Poderes representativos do Estado Executivo em especial de tal modo que
estes em conjunto infligiram sérias violações à própria independência da corte. Como
era de se esperar, daquele momento em diante, o tribunal silenciou quanto à questão. A
experiência argentina serve para demonstrar, como atentam Javier Couso (2004) e
Ernani Rodrigues de Carvalho Neto (2005) e em sintonia com o modelo de separação de
poderes, que a introdução desmedida de processos vigorosos de ativismo judicial, ou o
enfrentamento sistemático, pelo Poder Judiciário, de atores políticos relevantes, Poderes
Executivo e Legislativo em especial, podem gerar fortes incentivos para que estes
intervenham no interior do próprio Poder Judiciário, inclusive frustrando os objetivos da
almejada participação dos magistrados no processo político. Como observa Ernani
Rodrigues de Carvalho Neto:
(...) a literatura é taxativa (...) quanto ao comportamento respeitoso que
os Tribunais Constitucionais deferem aos poderes representativos,
principalmente, ao Poder Executivo, seja ele um Gabinete Parlamentar
ou uma República Presidencialista. A história está repleta de exemplos
em que o acirramento entre esses poderes não produziu saldo positivo
para o Judiciário (Carvalho Neto, 2005, p. 141).
Neste mesmo sentido, Javier Couso (2004) observa que o caso argentino
anteriormente exposto está longe de se constituir um caso isolado. Ainda que, em
muitos países, o confronto entre Executivo e a Suprema Corte (ou órgão equivalente)
não tenha se dado especificamente em função do controle da edição de decretos, quando
este ocorreu, o resultado quase invariavelmente tendeu a beneficiar o governo, como se
deu recentemente em países como Peru, Venezuela e Rússia. Mesmo em países de longa
tradição democrática, este tipo de enfrentamento não é incomum, como atesta a história
política norte-americana, que experimentou quatro casos de court-packing
(Whitington, 2003). Trata-se de perceber, enfim, que a independência e a autonomia
judiciais estão sujeitas a uma gradação, sendo politicamente sustentadas e não um dado
inequívoco da realidade, mesmo em contextos poliárquicos consolidados. Neste caso, é
99
de se esperar que, ante o risco da imposição de sanções desta monta, bem como das
demais apresentadas anteriormente, os tribunais tendam a não se apresentar como
pontos de veto constantes à condução política do Executivo pela edição de decretos,
atuando neste terreno apenas pontualmente. A tendência geral predita pelo modelo e
indicada pelos exemplos, portanto, é a deferência judicial ao governo na grande maioria
dos casos e não o oposto
72
.
Pelas razões expostas, o modelo de separação de poderes parece estar apto a ser
empregado no exame pretendido da realidade brasileira. Por pautar-se pelo exame da
relação travada fundamentalmente entre Poder Executivo e Suprema Corte, ambos
entendidos como atores de certa maneira unitários, o estudo permite apreender qual
estrutura de incentivos perpassa o STF quando este se depara com interesses imediatos
do presidente brasileiro, consubstanciados no principal instrumento normativo deste.
Aplicando-se o modelo de separação de poderes ao exame pretendido nesta dissertação,
pode-se desde já aventar uma primeira hipótese fundamental. Trata-se de considerar que
a análise abstrata da constitucionalidade de medidas provisórias exercida pelo STF deve
dar-se preponderantemente, mas não integralmente, em favor do Poder Executivo,
especialmente como forma da corte evitar atrito direto com aquele que certamente é o
principal ator do sistema político brasileiro, como os estudos têm demonstrado não
apenas no que se refere às prerrogativas legislativas (Figueiredo & Limongi, 1999;
2006; Santos, 2003), mas também no que tange ao acesso a recursos institucionais,
centralizadas em torno da Presidência da República a ponto de torná-la, na acepção de
Octávio Amorim Neto (2004), o centro de gravidade do sistema político brasileiro.
Preocupado com a integridade tanto de suas decisões como com a preservação e o
incremento de sua autonomia, é de se esperar ainda que o STF contrarie o presidente
brasileiro, declarando inconstitucionais alguns de seus decretos, especialmente quando
conte com algum incentivo exógeno para que assim atue, consubstanciado no suporte
fornecido pelos proponentes de determinadas ADIns. Desta forma, parte importante do
esforço analítico empreendido no próximo capítulo centrar-se-á em observar mais do
que a simples tendência à aquiescência por parte do STF, mas também com que tipos de
72
Os exemplos fornecidos obviamente não são os únicos em que aquiescência dos tribunais ao Poder
Executivo. Na realidade, esta dinâmica de deferência judicial parece ser a regra. Outro estudo recente que
atesta isso é aquele realizado em conjunto por Erik Herron e Kirk Randazzo (2003). Analisando sete
poliarquias de recentes e diferentes níveis institucionalização no Leste Europeu – República Tcheca,
Rússia, Estônia, Geórgia, Lituânia, Eslovênia e Moldávia os autores concluem que a capacidade de
intervenção do Poder Judiciário é fortemente influenciada pelo Poder Executivo, sendo ainda mais
diminuta quando do julgamento dos aludidos decretos em todos estes países.
100
proponentes o tribunal estabelece parcerias de modo a declarar inconstitucionais,
integral ou parcialmente, medidas provisórias. Observe-se, portanto, que a estrutura de
incentivos no julgamento dos decretos do presidente brasileiro não passa apenas pelo
relacionamento estratégico travado entre a corte e os outros Poderes do Estado, mas
também, e significativamente, pelo acesso à via judicial para contestação daqueles atos
normativos. Isto é, uma vez que os tribunais dependem de provocação externa para
firmarem uma decisão, é fundamental para a atuação da corte que os diversos grupos
aptos a fornecer a aludida estrutura de suporte às decisões judiciais, dificultando a
imposição de sanções a ela, consigam acionar o tribunal e questionar os referidos
decretos. Neste caso, variáveis institucionais relativas ao acesso à corte não apenas por
instituições, mas também por diferentes organizações de interesses, são de fundamental
consideração ao exame proposto.
3.4 Abordagens complementares
Ainda que seja viável a adoção do modelo de separação de poderes ao exame
pretendido, esta não pode ser feita sem mediações. Fundamentalmente, trata-se de
observar as particularidades institucionais do STF relativas a seu acesso para a
contestação de medidas provisórias. Dois aspectos são centrais neste sentido e, em vista
deles, dois complementos teóricos merecem ser realizados. Em primeiro lugar, deve-se
atentar para o rol de legitimados ativos para propositura de ADIns que, conforme se viu,
sofreu significativo incremento com a Constituição de 1988. Em razão disso, a literatura
afeita ao neo-institucionalismo enfatiza que a estrutura existente no Brasil fornece
elevados incentivos para que vasto conjunto de atores proponha ações diretas
contestando diplomas legais, decretos presidenciais inclusive. A este volume de
demandas a atuação da instituição não passaria incólume, sofrendo significativa pressão
sobre sua agenda e aumentando na mesma medida as chances de declarações de
inconstitucionalidade. Em segundo lugar, deve-se observar que um leque
verdadeiramente extenso de atores aptos não apenas a propor ações, mas também, em
função disso, a fornecer suporte para que o STF possa atuar de maneira menos
constrangida pela força política do Executivo, podendo, caso pretenda, decidir de
maneira mais autônoma e eventualmente interventiva quanto ao poder de decreto do
presidente brasileiro. Neste caso, a literatura sobre a presença de interesses organizados
101
junto às instituições judiciais permite ampliar o leque de atores políticos considerados
no jogo de separação de poderes, viabilizando a adição de
proxies diferentes daqueles
centrados apenas nas relações entre os três Poderes do Estado. Esta mediação é
necessária porque, como foi visto, o sistema brasileiro permite a participação direta de
grupos de interesse e de partidos políticos, além de atores de fiscalização da ordem
jurídica, como o Procurador-Geral da República e o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, entre outros. Enfatizar alguns aspectos dessas duas correntes da
literatura interessantes ao exame pretendido, é o objetivo a ser atingido nesta seção.
3.4.1 A presença do neo-institucionalismo nos estudos sobre o Poder Judiciário
Com alguma liberdade, pode-se afirmar que se, por um lado, os adeptos do
modelo de separação de poderes centraram seus estudos na concepção hamiltoniana de
que o Poder Judiciário depende dos outros Poderes do Estado para preservar sua
integridade institucional e decisória, por outro lado, a literatura vinculada ao neo-
institucionalismo centrou-se na acepção, também derivada de Hamilton, de acordo com
a qual os tribunais necessitam de uma provocação externa para agir. Isto é, por não
poderem tomar nenhuma resolução de modo ativo e, portanto, dependerem de
acionamento externo para influir politicamente, as cortes dificilmente podem ser
compreendidas menosprezando-se as diferentes formas de acesso a elas. Desta maneira,
pode-se ressaltar que o modelo de separação de poderes e as leituras derivadas do neo-
institucionalismo são abordagens bastante complementares uma à outra, eis que ambas
centram suas respectivas análises em diferentes aspectos das relações de dependência
exógena dos tribunais.
Ainda que não esteja propriamente vinculado às tradições de análise política que
têm como marcos os trabalhos fundamentais de March e Olsen (1984), Skocpol, Evans
e Rueschmeyer (1985) e North (1990), como foi apresentado anteriormente, pelo menos
desde o final da década de 1970 o jurista italiano Mauro Cappelletti (1999 [1978])
atentava para importantes diferenças existentes entre os sistemas de judicial review
adotados por cada país. Exposta previamente, quando se apresentou a dificuldade de
transplantar o modelo atitudinal ao Brasil, sua classificação já permite identificar alguns
traços importantes cujos reflexos políticos não podem ser ignorados. Neste particular,
dois fatores diferentes, mas intimamente conectados, merecem atenção. O primeiro
102
refere-se ao tipo de acesso da via judicial para o questionamento da constitucionalidade
de uma lei, variando de acordo com a possibilidade e a forma de se levar determinadas
questões à apreciação das Cortes Supremas existentes nos diferentes países. Por sua vez,
o segundo fator relaciona-se aos atores aptos para tanto, isto é, ao leque de agentes
autorizados a acionar o mais alto tribunal e dele extrair um pronunciamento sobre a
constitucionalidade de determinada lei. Em síntese, o primeiro aspecto refere-se ao
modo de acionamento do sistema de revisão judicial, ao passo que o segundo relaciona-
se aos agentes habilitados para tanto. Atente-se primeiramente para as formas de acesso
aos tribunais. Esta pode ser apreendida pela distinção, exposta, dos diferentes
sistemas de controle de constitucionalidade de leis, como se encontra exposto na tabela
abaixo. Vale lembrar que esta classificação é uma tipologia e, como tal, centra-se
basicamente na apresentação de tipos-ideais, não pretendendo ser uma classificação
estanque desta mesma realidade.
Tabela 03. Comparativo entre os tipos-ideais de sistemas de controle judicial de
constitucionalidade das leis
Característica Sistema difuso-concreto Sistema concentrado-
abstrato
Estrutura institucional (quem
pode declarar uma lei
inconstitucional?)
Difuso. Qualquer juiz pode
realizar a declaração de
inconstitucionalidade com
efeito universal (
erga omnes).
Concentrado. Apenas o mais
alto tribunal pode realizar a
declaração de
inconstitucionalidade com
efeito universal (
erga omnes).
Tipo de revisão judicial (em
que situação pode-se
declarar inconstitucional uma
lei?)
Concreta. Decisão de
inconstitucionalidade de uma
lei pode dar-se apenas no
curso de processo judicial
ordinário.
Abstrata. Decisão de
inconstitucionalidade de uma
lei pode dar-se em abstrato,
isto é, na ausência de
processo judicial ordinário.
Acesso (quem pode pleitear a
declaração de
inconstitucionalidade de uma
lei?)
Somente litigantes envolvidos
em processo judicial
ordinário.
Rol de atores institucionais e
sociais é definido na
Constituição do país (há
diferentes arranjos)
Timing da decisão da
Suprema Corte (ou Tribunal
Constitucional)
(em que
momento decide o mais alto
tribunal do país?)
Posterior ao debate
legislativo.
Questão deve
percorrer todo sistema
recursal para chegar ao mais
alto tribunal, levando-se,
muitas vezes, anos para que
isto ocorra.
Concomitante ao debate
legislativo.
O acionamento do
mais alto tribunal é imediato e
dá-se em meio à discussão
legislativa sobre a adoção de
determinada medida.
Exemplos (onde existe?)
Estados Unidos Maioria dos países europeus
Fonte: tabela elaborada pelo autor, a partir dos trabalhos de Mauro Cappelletti (1999 [1978]) e de Lee
Epstein, Jack Knight e Olga Shvestova (2001).
Pelas razões já expostas, o modelo brasileiro, ainda que apresente traços de
hibridez, encontra-se bastante próximo daquele de matriz européia, dito concentrado-
abstrato. Como foi afirmado, este sistema possibilita o questionamento abstrato de certa
103
lei diretamente à mais alta corte do país, incrementando significativamente as
possibilidades de esta ser projetada instantaneamente ao cerne do jogo político. Neste
caso, novamente, dois fatores distintos se observam. O primeiro, já tratado, atenta para a
não existência de lapso temporal significativo entre a promulgação da medida
legislativa e sua apreciação pelo tribunal, dificultando o arrefecimento das pressões
políticas quanto ao que se julga. Em segundo lugar, este mesmo sistema permite o
questionamento em abstrato da lei. Quer dizer, no sistema concentrado
não
dependência da questão ser levantada em um processo judicial ordinário, situação em
que o questionamento da constitucionalidade da lei se “em concreto”, isto é, ante um
caso em que a norma dita inconstitucional obstaculiza o exercício de certo direito por
parte de particular proponente de ação judicial instalada junto às primeiras instâncias do
Poder Judiciário. No caso de revisão judicial abstrata de legislação, como são as ADIns
brasileiras, não se faz presente qualquer necessidade da querela constitucional surgir em
meio a um processo ordinário, podendo ser remetida à Corte Suprema “em abstrato” – e
diretamente, como afirmado anteriormente. Como parece claro, trata-se de outro fator
que mais aproxima do que afasta os tribunais do jogo político. No dizer de Alec Stone:
(...) é crucial notar que, quando juízes constitucionais estão engajados
em revisão abstrata de legislação, seu processo de tomada de decisão é
bastante próximo daquele da tomada de decisão legislativa, muito mais
do que quando estão aplicando um código, ou mesmo a constituição,
para decidir controvérsias derivadas de litigância concreta. Isto é, nos
processos de revisão abstrata, a função legislativa destas cortes é muito
mais importante do que a função de resolução de controvérsias. Ainda
mais porque a ‘controvérsia’ em questão é primeiramente político-
partidária, ao invés de judicial
73
(Stone, 1992, p. 54-55).
O fato do questionamento junto ao tribunal dar-se em abstrato aproxima-o
sobremaneira de dinâmica análoga à legislativa, sendo em razão disto seguidamente
identificado como uma espécie de “terceira câmara” nos países em que existe (Stone,
1995; Sweet, 2000). Este fato se relaciona intimamente com o segundo aspecto para o
qual se buscava conferir atenção anteriormente, qual seja, o leque de atores aptos a
questionar abstrata e diretamente a constitucionalidade de certa lei junto a estas cortes.
73
Tradução livre do inglês a partir de: “(...) it is crucial to note that when constitutional judges are
engaged in abstract review, their decision-making processes are closer to legislative decision-making
processes than when they are applying a code, or even the constitution, to decide disputes arising from
concrete litigation. That is, in abstract review processes, the lawmaking function of these courts is far
more important than the dispute-resolution. Moreover, the ‘dispute’ at hand is primarily political-
partisan, rather than judicial.”
(Stone, 1992: 54-55).
104
Trata-se, portanto, da extensão do rol de legitimados ativos para propositura dessas
ações. Neste sentido, como demonstraram Matthew MacLeod Taylor e Júlio Rios-
Figueroa (2006) na comparação entre os casos brasileiro e mexicano, de um modo geral,
quanto mais extenso o leque de atores aptos a propor essas ações, mais serão os casos
em que o tribunal será chamado a se pronunciar sobre temas diretamente pertinentes ao
processo político. Na palavra dos autores:
Acesso ao tribunal é provavelmente o meio mais influente através do
qual a estrutura institucional pode predeterminar a influência judicial de
atores políticos específicos. Diferenças neste quesito apresentam
impacto não apenas sobre os diferentes tipos de requerentes das ações,
mas também e isso é importante porque afeta diretamente as
estratégias de judicialização da política o número de caminhos pelos
quais o mesmo tópico pode ser levado aos tribunais
74
(Taylor & Rios-
Figueroa, 2006, p. 753).
Neste caso, quanto maior for a possibilidade de acionamento da corte pelos
diversos proponentes, mais situações ocorrerão em que esta se verá envolvida com a
discussão política do momento. A tendência, neste sentido, é que a agenda do tribunal
passe a ser em grande parte ditada por este conjunto de atores, apresentando-se aos
tribunais temas de elevada repercussão política sobre os quais este se obrigado a
decidir
75
. Importante passa a ser, portanto, determinar quantos e em que situações estes
possíveis propositores de ações podem se fazer presentes. Tomando-se por base os
levantamentos realizados por outros autores (Vanberg, 1998; Carvalho Neto, 2005),
coerentes com os demais estudos sobre o tema, nota-se que o Brasil é um dos casos-
limite, eis que vastas são as possibilidades de acionamento direto do STF para
questionar abstratamente a constitucionalidade de um dispositivo legal. Como se viu, a
Constituição de 1988 ampliou significativamente o rol de atores aptos a apresentar
ADIns, anteriormente reservadas ao Procurador-Geral da República, então subordinado
ao Presidente da República. Esta ampliação teve a propriedade não apenas de
74
Tradução livre do inglês a partir de: “Standing is perhaps the most influential means by which
institutional structure can predetermine the judicial influence of specific policy actors. Differences in
standing have an impact not only on the types of plaintiffs heard but also and this is important because
it directly affects strategies of policy judicialisation in the number of ways the same topic can be raised
in courts.”
(Taylor & Ríos-Figueroa, 2006, p. 753).
75
Vale lembrar que no Brasil vigora, bem como na maior parte dos países, a obrigatoriedade da tomada
de decisão sobre todas as ações apresentadas às cortes o que juridicamente se denomina “proibição do
non liquet”). Desta maneira, ao menos do ponto de vista formal, não é permitido ao tribunal determinar
sobre quais casos ele decidirá e sobre quais outros ele silenciará. Como se viu, todavia, a possibilidade
ampla de elaboração da própria pauta é um traço característico fundamental da Suprema Corte norte-
americana.
105
desvincular a propositura deste tipo de ação do representante legal do governo, mas
também de ter criado no Brasil um dos sistemas em que mais atores aptos a
apresentar estas ações. De modo a melhor apreender as particularidades institucionais
brasileiras, a tabela apresentada na seqüência compara o rol dos legitimados ativos
existente na maioria dos países europeus com aquele próprio do Brasil. Naqueles casos,
de um modo geral, os agentes que individualmente estão habilitados a apresentar
semelhantes ações são os governadores e assembléias de entidades sub-nacionais
(estados, províncias, regiões, etc.), uma parcela (geralmente um terço) dos membros da
Câmara Baixa e/ou da Câmara Alta (quando existente), além do próprio governo e/ou
seu representante legal. Há, como parece óbvio, variações neste quadro e mesmo
situações extremas, como no caso da Hungria, em que todos os cidadãos do país estão
habilitados a levar seus questionamentos direta e abstratamente ao mais alto tribunal do
país, o que vem conduzindo aquela corte constitucional a exercer poderosíssimas
funções no sistema político existente (Scheppele, 2002; 2004). A tônica, contudo, é
que o quadro se atenha ao conjunto de instituições políticas apresentadas. Se comparado
à maior parte realidade européia, portanto, a situação existente no Brasil é bastante
diversa. O rol de legitimados ativos aptos a apresentar ADIns é muitíssimo amplo,
sendo, na realidade, um dos mais extensos do mundo (Taylor & Ríos-Figueroa, 2006).
Ao se analisar com vagar a tabela, alguns traços importantes podem ser destacados
quanto à realidade nacional. Primeiramente, deve-se mencionar que a maior parte do
conjunto de instituições básicas dos países europeus também se faz presente aqui. As
diferenças fundamentais, entretanto, ficam por conta de três elementos importantes,
quais sejam, o modo de participação dos parlamentares (bastante mais amplo aqui e
potencializado pela fragmentação do sistema partidário), a presença de sindicatos (rara)
e a menção explícita à associação de classe dos advogados (praticamente inexistente em
outro país que não o Brasil). Como será visto com mais vagar no capítulo seguinte, o
impacto destas particularidades brasileiras não é pequeno, sendo significativo do ponto
de vista quantitativo. Para se ter uma idéia, do total de ações apresentadas contra
medidas provisórias, menos de 5% foi feito pelos legitimados ativos usuais, ao passo
que mais de 95% se realizaram pelos três outros tipos, próprios do Brasil
76
.
76
Foram considerados legitimados ativos usuais: Presidente da República, Mesas da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal, Governadores de Estado e do DF, Mesas de Assembléias Legislativas
estaduais e do DF, além do Procurador-Geral da República. Por sua vez, aqueles particulares do Brasil
foram considerados os seguintes: partidos políticos, confederações sindicais e entidades de classe, bem
como o Conselho Federal da OAB, como se observa na tabela apresentada abaixo.
106
Tabela 04. Comparação entre o rol de legitimados ativos brasileiro e o usualmente
presente nos países europeus para propositura de ações de inconstitucionalidade
direta e abstratamente ao mais alto tribunal do país
77
No Brasil Nos países europeus
Presidente da República Freqüente
78
Governadores de Estado e do DF Freqüente
Mesas de Assembléias Legislativas estaduais
e do DF
Freqüente
Procurador-Geral da República Freqüente
79
Mesa do Senado Federal Relativamente freqüente. Predomina,
entretanto, a fórmula que atribui a uma
parcela (geralmente 1/3) dos parlamentares
poder para apresentar este tipo de ação.
Mesa da Câmara dos Deputados Relativamente freqüente. Predomina,
entretanto, a fórmula que atribui a uma
parcela (geralmente 1/3) dos parlamentares
poder para apresentar este tipo de ação.
Partido político com representação no
Congresso Nacional
Diferente, eis que geralmente apenas 1/3 dos
parlamentares podem propor este tipo de
ação
80
.
Confederação sindical ou entidade de classe
de âmbito nacional
Raro, existindo apenas em países como
Polônia e Eslovênia.
Conselho Federal da OAB Praticamente inexistente
81
.
Fonte: tabela elaborada pelo autor, a partir de www.presidencia.gov.br, acessado em 20.11.2007, e dos
trabalhos de Georg Vanberg (1998) e Ernani Rodrigues de Carvalho Neto (2005).
Por estas razões, as variações institucionais devem ser levadas em conta no
presente estudo, motivo pelo qual estas leituras derivadas do neo-institucionalismo
devem ser agregadas ao exame pretendido. Especialmente, é de se esperar, por um lado,
que o STF seja bastante acionado especialmente por partidos políticos oposicionistas
que busquem marcar posição propondo ações, mas que, por outro lado, o tribunal adote
uma postura ainda auto-restritiva como afirma o modelo de separação de poderes
por não pretender, ele, apresentar-se como ponto de veto poderoso ao governo, correndo
77
A título de exemplificação, países como Áustria, Alemanha, Espanha, França, Itália e Portugal
apresentam quadro que, se não é idêntico, ao menos se afigura próximo a este considerado usual entre os
países da Europa. Vale ressaltar ainda que mesmo nações não-européias, como o México, apresentam
conformação institucional semelhante. Por outro lado, tribunais constitucionais de países sul-americanos
como Colômbia e Venezuela apresentam listas de legitimados ativos bastante extensas, inclusive maiores
do que a brasileira (Alcalá, 2002; 2004). O autor agradece a Lucas Pizzolatto Konzen por esta última
importante observação de caráter comparativo.
78
Geralmente o governo e/ou a chefia do Executivo (presidente e/ou primeiro ministro) tem poder para
propor estas ações.
79
Ainda que o grau de insulamento do Ministério Público seja elevado, o mesmo não se aplica
necessariamente ao Procurador-Geral da República, eis que nomeado pelo Presidente da República por
mandato de apenas dois anos. Observe-se ainda que órgãos como o
ombudsman ou a auditoria-geral
aparecem com freqüência no rol de propositores das constituições européias.
80
Em alguns países, todavia, a fração de parlamentares é bastante menos restrita, chegando, por exemplo,
a 10% em Portugal e a 14% na Espanha (Carvalho Neto, 2005, p. 72-74).
81
Que seja de conhecimento deste autor, não se observa nenhuma Constituição européia que
explicitamente poderes à associação de classe dos advogados para questionar direta e abstratamente a
constitucionalidade das leis. Pode-se pensar, contudo, que esta possa ocorrer naqueles casos raros de
países em que as associações de classe ou entidades sindicais de âmbito nacional podem apresentar
semelhantes ações. Se isso efetivamente ocorre ou não, todavia, não se obteve informações a respeito.
107
o risco de ser identificado como foco de efetiva oposição. Neste cenário, é de se esperar
que a tradução jurídica do conflito político fique sobremaneira dificultada. Isto porque
os embates em questão chegam ao tribunal de maneira inequívoca como uma
confrontação direta entre governo e oposição, seja esta última composta por associações
de classe, grupos de fiscalização da ordem jurídica, ou, especialmente, partidos políticos
excluídos da coalizão governista. Esta possibilidade da disputa político-partidária ser
travada diretamente dentro de determinado processo judicial, supõe-se, deve conduzir o
tribunal a adotar uma postura ainda mais cautelosa, buscando reforçar, mesmo que
formalmente, a feição de imparcialidade na tomada de suas decisões (Blair, 1978).
Como foi visto, isto evita que o tribunal seja imediatamente identificado como favorável
ao governo ou, especialmente, à oposição, posição em que a corte passa a ser
considerada foco de atividade oposicionista, podendo tornar-se alvo das práticas do
governo. Entretanto, mesmo a identificação com os interesses do governo não pode ser
completa. Isto se deve geralmente ao fato de o tribunal não saber se os grupos que ora se
encontram na oposição não integrarão futuramente o governo, podendo estes adotar
alguma postura eventualmente revanchista com relação às práticas pretéritas da corte
82
.
Observe-se, entretanto, que estes fatores são ainda mais agravados em razão do sistema
de revisão judicial de natureza abstrata e concentrada forçar os tribunais a tomar
decisões em meio às próprias discussões legislativas sobre a medida, uma vez que uma
lei pode ser questionada junto à corte tão logo seja editada. Isso é ainda mais acentuado
em um sistema como o brasileiro, em que muitos atores aptos a apresentar estas
ações. Neste caso, amplas possibilidades do uso político do direito como arma de
estratégia política, capazes dar vazão à emergência de pontos de veto às políticas
majoritárias que, de outra maneira, não existiriam (Maravall, 2003; Dotan & Hofnung,
2005; Taylor, 2006; 2007)
83
.
82
Não se trata de um temor infundado. Como demonstrou Grtechen Helmke (2002) em seu estudo sobre a
realidade argentina, muitas vezes os magistrados da Corte Suprema daquele país temiam os possíveis
governos seguintes e passavam a se posicionar em prol deles desde o final do mandato dos governos
imediatamente anteriores àqueles que se apresentavam como futura ameaça ao tribunal. É o que a autora
denominou ser a lógica da defecção estratégica
(logic of strategic defection).
83
A idéia central é que os tribunais são uma das vias políticas, dentre outras possíveis (parlamentar,
burocrática, etc.), pelas quais os diferentes atores buscam atingir seus objetivos, pleiteando ações junto
aos diversos órgãos do Poder Judiciário (Taylor, 2007). No caso, a estrutura institucional de acesso às
cortes é a variável central a explicar este comportamento, incrementando ou diminuindo as chances de
que os atores políticos possam fazer uso desta estratégia. Deve-se lembrar, entretanto, que esta não é uma
via de mão única, apenas favorável aos grupos oposicionistas. Na realidade, muitos esforços recentes dos
analistas têm buscado demonstrar que os tribunais são também instituições utilizáveis no processo
político em favor do próprio governo, tomando decisões custosas favoráveis àquele, mas não diretamente
em seu nome. Argumenta-se, com razão, que os tribunais podem ser relevantes tanto na implementação
108
3.4.2 Interesses organizados e dinâmica judicial
A atuação de interesses organizados junto aos órgãos do Poder Judiciário é tema
vasto a respeito do qual muito já se escreveu. Expressões como mobilização legal (legal
mobilization) ou mesmo lobby judicial (judicial lobbying) geralmente se prestam a
identificar a presença de grupos de interesse ante os tribunais em uma literatura que, não
raramente, faz remissão expressa ao pluralismo (Epstein, 1991). A pertinência em trazer
esta perspectiva ao exame proposto refere-se à possibilidade institucional
consubstanciada nos incisos VII e IX do artigo 103 da Constituição brasileira de 1988.
Neles constam como legitimados ativos aptos à propositura de ADIns, respectivamente,
o Conselho Federal da OAB e as confederações sindicais ou entidades de classe de
âmbito nacional. Estudá-los sob o prisma estrito do arquétipo básico do modelo de
separação de poderes conduziria a uma lacuna que dificilmente poderia ser sanada sem
o amparo devido da abordagem que ora se expõe. Não é, portanto, novamente, uma
perspectiva conflitante com aquele modelo, mas sim um complemento a ele,
especialmente como forma de identificar outras fontes de suporte a decisões judiciais
eventualmente contrárias o Poder Executivo.
Como seria de se esperar, esta literatura é também de matriz norte-americana e
dedica-se geralmente a estudar o sucesso dos diferentes tipos de organizações de
interesses junto ao Poder Judiciário e, especialmente, à Suprema Corte daquela nação.
Uma vez que inexiste a possibilidade de acionamento daquele tribunal diretamente por
estes atores, eis que vigora no país o sistema difuso-concreto de revisão judicial, estes
trabalhos geralmente se articulam de duas formas. A primeira prioriza aqueles contextos
em que determinadas organizações politicamente engajadas assessoram juridicamente
indivíduos, ou grupos de indivíduos (afro-descendentes, mulheres, réus no processo
penal desprovidos de recursos financeiros, etc.), na propositura e acompanhamento de
ações junto às cortes. Trata-se geralmente de entidades politicamente comprometidas
com a defesa de uma causa específica de ampla repercussão pública, como a luta pelo
fim da segregação racial, a ampliação dos direitos das mulheres ou o respeito aos
direitos humanos. Em conjunto com outras atividades relacionadas à promoção de seus
de uma agenda, como na legitimação do processo político (Shipan, 2000; Gillman, 2002; Whittington,
2005). No presente estudo, entretanto, é de se esperar que este comportamento judicial de auxiliar do
governo na implementação de determinadas políticas públicas somente possa ser observado quando este
não obstaculiza o uso de medidas provisórias pelo Executivo. Não se trata de uma ação positiva do
Judiciário como auxiliar do Executivo como pretendem aqueles estudos mas sim uma postura de não
intervenção que, obviamente, privilegia o governo.
109
interesses específicos, estes grupos buscam defender suas respectivas causas também
através da militância judicial, promovendo a defesa de indivíduos envolvidos em ações
judiciais diretamente relacionadas àquelas pretensões políticas prioritárias. Agindo
assim, muitas dessas associações desenvolvem ampla estrutura organizacional que as
permite amparar juridicamente significativo número de indivíduos, recebendo a atenção
tanto de importantes parcelas dos círculos judiciais quanto da própria opinião pública.
Neste processo, ao ganharem destaque, estes grupos frequentemente passam a exercer
pressão sobre a agenda de Cortes Supremas para que estas revisem posicionamentos
previamente estabelecidos ou interpretem o direito de maneira mais favorável às causas
que pleiteiam. Trata-se, enfim, do que a literatura costuma denominar
mobilização
legal
, isto é, uma opção deliberada pela via judicial como forma de afetar áreas políticas
específicas, angariando apoio de setores da opinião pública e de indivíduos diretamente
envolvidos com os objetivos da organização (Zemans, 1983; Epp, 1998). A seu turno, a
segunda corrente de estudos enfatiza a atuação explícita de organizações de interesses
quando do julgamento de determinadas ações pela Suprema Corte dos EUA. Neste caso,
a presença destes grupos junto àquele tribunal é possibilitada por um instituto,
praticamente universal, denominado
amicus curiae. De antemão, observe-se que a
tradução direta do latim pode conduzir a engano quanto ao significado concreto desta
prática. Ainda que literalmente o termo signifique “amigo da corte”, o instituto na
realidade assegura que praticamente qualquer um de indivíduos ao governo federal,
passando por sindicatos, conglomerados empresariais e governos de entidades sub-
nacionais declare-se interessado no julgamento de determinada ação e coloque-se ao
lado de uma das partes do processo, manifestando sua opinião e inclusive podendo
assessorar juridicamente as partes e o próprio tribunal. Assumindo um papel claramente
informacional, muitas organizações participam do processo e buscam influir na decisão
judicial de modo a aproximá-la de suas preferências ótimas. É o que muitas vezes se
denomina lobby judicial, mesmo que nem sempre se torne explícita esta nomenclatura
(Epstein & O’Connor, 1984; Epstein, 1991; Epstein & Rowland, 1991; Sheehan;
Mishler; Songer, 1992; Epstein; Kobylka; Stewart Jr., 1995; Caldeira & Wright, 1998;
Collins Jr., 2004, 2007).
Ainda que sejam abordagens diferentes entre si, nos dois casos uma discussão
fundamental ao objeto desta dissertação se faz presente. Trata-se do sucesso que
diferentes tipos de organizações obtêm quando atuam pela via judicial, questão sobre a
110
qual ampla controvérsia entre os acadêmicos que abordam o tema
84
. Por um lado,
autores como Marc Galanter (1974), Charles Epp (1998), Lee Epstein, Joseph Kobylka
e Joseph Stewart Jr. (1995) afirmam que a capacidade organizacional dos grupos e sua
disponibilidade e acesso a diferentes recursos dinheiro, tempo, pessoal, contatos, etc.
– são aspectos determinantes no sucesso judicial alcançado por eles. Entre outras razões,
costuma-se observar que a litigância judicial está longe de ser uma atividade gratuita,
uma vez que demanda conhecimento técnico especializado cujo acesso, tanto em
qualidade como quantidade, é diretamente proporcional à capacidade financeira e
organizacional dos diferentes grupos
85
. Neste sentido, Marc Galanter (1974) elaborou a
tipologia, bastante conhecida na literatura, entre one-shotters e repeat players,
distinguindo os diferentes tipos de organizações e grupos que podem se fazer presentes
na arena forense. Os primeiros são considerados atores de reduzida experiência judicial,
dotados de poucos recursos organizacionais e financeiros que, em vista disso, apenas
raramente atuam junto aos tribunais. Por sua vez, repeat players podem ser
caracterizados como agentes judicialmente experientes, eis que amparados por amplos
recursos financeiros e burocráticos, que os possibilita acesso contínuo e qualificado aos
tribunais. Justamente em razão deste conjunto de diferenças o autor atribui o sucesso
significativamente maior dos últimos
86
. Nesta mesma toada, à larga vantagem do
sucesso judicial dos últimos, o autor atribui a causa fundamental que impediria os
tribunais de funcionarem como instituições efetivamente redistributivas, que se deveria
84
Vale lembrar que nem toda esta literatura sobre o tema volta-se a discutir esta questão. Na realidade,
muitos autores simplesmente pretendem indagar se a presença de grupos, quaisquer que sejam eles,
influencia no acesso e no julgamento de questões pela Suprema Corte dos EUA (Epstein, 1991; McGuire,
1994; Collins Jr., 2004; 2007). No caso, a questão trabalhada diz respeito não às possíveis distinções
quanto ao sucesso destes grupos, mas ao grau de insulamento das instituições judiciais às pressões
exercidas por organizações de interesses nesta arena.
85
A presença de advogados experientes e vistos com credibilidade pelo tribunal está intimamente
relacionada à presença de interesses organizados junto às cortes. Não apenas estes últimos se valem dos
primeiros, como também, no caso de
amicus curiae, muitos advogados experientes, cientes do impacto da
presença de grupos sobre o tribunal, buscam angariar apoio de diferentes organizações como estratégia
deliberada para influir nos julgamentos da corte (McGuire, 1994; 1995).
86
Ainda que esta perspectiva possa ser considerada predominante, vale lembrar que alguns autores
buscam contrariá-la, apontando dados de julgados que não permitiriam associar tão diretamente
capacidade organizacional e sucesso judicial (Epstein & Rowland, 1991; Sheehan; Mishler; Songer,
1992). Como explicação a isso, os autores frequentemente apontam que os julgadores, protegidos por uma
série de prerrogativas profissionais e funcionais, possuem bastante independência para decidir, de modo
que podem julgar tomando por base apenas suas próprias preferências pessoais e ideológicas, em uma
clara aproximação com o modelo atitudinal. Neste particular, percebe-se uma espécie de reprodução da
rivalidade teórica anteriormente apresentada entre os modelos estratégico e atitudinal, a primeira
atentando para os constrangimentos a que estariam submetidas as cortes pela presença dos grupos e a
segunda afirmando a quase completa independência dos julgadores, razão pela qual estes poderiam
considerar apenas suas próprias predileções ao decidir.
111
a uma espécie de reconversão de recursos sociais, políticos e econômicos em recursos
jurídicos e capacidade de influência junto às cortes
87
.
Ainda que um tanto fora de propósito, cumpre observar que muitos teóricos
afirmam que a presença de entes federativos sub-nacionais junto às cortes pode ser
estudada de maneira semelhante a esta que examina interesses organizados junto aos
tribunais (Epstein & O’Connor, 1988; Bednar; Ferejohn; Eskridge, 2001). Alguns textos
inclusive tornam explícita essa alternativa metodológica e adotam-na de modo quase
direto, apontando estados, províncias ou regiões como atores amparados por amplos
recursos financeiros e organizacionais, contando com assessoramento jurídico vasto,
permanente e de elevada qualidade técnica, razão pelas quais frequentemente associam
a eles razoáveis índices de sucesso judicial.
No que concerne a esta dissertação, o importante é determinar se o maior ou
menor sucesso dos diferentes grupos pode ser apontado como maior ou menor
probabilidade destas organizações aportarem suporte ao STF para que este decida em
contrariedade aos interesses do Executivo, eventualmente declarando inconstitucionais
seus decretos. Portanto, o que se pretende destacar com esta literatura é que, ao invés de
simplesmente se catalogar em uma mesma categoria entidades absolutamente díspares
como a Confederação Nacional da Indústria, a Associação dos Notários e Registradores
do Brasil, a Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Empresas de Crédito, além
do próprio Conselho Federal da OAB, preferiu-se desagregar os dados, de modo a
permitir melhor apreendê-los, inclusive como forma de perceber em conjunto com quais
sortes de propositores o tribunal prefere estabelecer curso de ação contrário ao Poder
Executivo, suspendendo a vigência dos decretos editados por este. Se a hipótese
fundamental desta literatura estiver correta, é de se esperar, por exemplo, que
associações empresariais sejam mais bem sucedidas em contrariar as pretensões
unilaterais do governo do que aquelas compostas por trabalhadores ou entidades
profissionais, justamente por terem ao seu dispor mais recursos que as outras, que se
presume, sejam mais limitadas neste sentido.
87
A questão sobre as possibilidades e os limites da mudança social a partir da atuação de interesses
organizados junto a instituições judiciais é tema amplamente discutido pela literatura, com conclusões
que geralmente apontam a capacidade organizacional dos litigantes como variável causal para o sucesso
deste curso de ação. Como exemplos, podem ser citados os famosos trabalhos de Gerald Rosenberg
(1992) e Charles Epp (1998), além daquele mais recente elaborado em conjunto de Jeb Barnes e Thomas
Burke (2006). Em sentido de certa forma discordante aos anteriores, veja-se o trabalho de Kim Lane
Scheppele (2004).
112
3.5 Conclusões do capítulo
O objetivo deste trabalho é compreender como se comporta o STF quando este é
levado a colocar-se diante dos interesses imediatos do Presidente da República. Como
se viu ainda no princípio deste capítulo, as vertentes analíticas que vêm sendo
empregadas pela maior parte das análises que deram tratamento ao tema da presente
pesquisa, tanto entre os acadêmicos de direito como entre os cientistas políticos, são
sumamente insuficientes para explicar e discutir em detalhe o problema que se propõem
discutir. Construir um modelo apto para tanto foi o objetivo percorrido ao longo das
páginas que se seguiram. Neste sentido, como se buscou deixar claro ao longo deste
capítulo, duas análises fundamentais a serem realizadas. Uma primeira que observa
os usos políticos do direito, isto é, a adoção da via judicial como estratégia deliberada
dos diferentes grupos políticos para objetar políticas prioritárias do Poder Executivo.
Uma segunda focaliza o modo como o tribunal encara este uso e responde a ele por
meio de suas decisões. De acordo com as vertentes teóricas adotadas, o primeiro aspecto
é facilmente apreendido ao se observar a conformação institucional do STF que emergiu
da Constituição de 1988. Esta diminuiu sensivelmente os custos de acesso à corte de
modo praticamente sem paralelo no mundo, incrementando as chances do mais alto
tribunal do país vir a ser projetado para o centro do processo político brasileiro.
Entretanto, ainda que a abordagem neo-institucionalista se preste a explicar os usos
políticos da arena judicial, esta mesma vertente analítica não é completa no que se
refere a compreender como o STF responde a essas mesmas provocações, julgando
medidas provisórias no caso. Neste particular, deve-se primeiramente compreender se o
tribunal prioriza ou não o enfrentamento aos atos do Poder Executivo federal e as
situações nas quais pretende adotar cada um destes comportamentos. Em vista das
considerações desenvolvidas ao longo do capítulo, é de se esperar, em sintonia com o
modelo estratégico de separação de poderes, que o STF não se apresente
constantemente como entrave à ação governativa, apenas pontualmente declarando
inconstitucionais medidas provisórias. Visto que a Presidência da República no Brasil
concentra grande capacidade decisória em relação ao Congresso Nacional (Figueiredo
& Limongi, 1999; 2006; Santos, 2003) e se constitui na principal força política do país,
a deferência judicial à chefia do Executivo é o padrão de comportamento esperado na
grande maioria dos casos a serem analisados na seqüência. Vale frisar, todavia, que esta
forte preponderância não é esperada em todos os contextos de forma invariável. Neste
113
ponto, portanto, o problema passa a ser explicar porque o tribunal não aquiesce sempre
ao Poder Executivo. De modo a tratar este outro conjunto de situações em que o tribunal
julga, parcial ou integralmente, inconstitucionais decretos do presidente brasileiro,
preferiu-se agregar ao modelo de separação de poderes contribuições da abordagem
institucionalista e da literatura que tratamento à presença de organizações de
interesses junto ao Poder Judiciário. A hipótese que se destaca deste modelo de análise
apregoa que os casos em que o STF confronta o Presidente da República se dão
majoritariamente quando os proponentes das ações são poderosas organizações de
interesses e instituições políticas importantes, servindo como amparos ao tribunal e
evitando-lhe ser identificado como foco efetivo de atividade oposicionista. Desta forma,
tomando por base os pressupostos do modelo estratégico, a ele somando-se
considerações do neo-institucionalismo e sobre a presença de grupos de interesse junto
às instituições judiciais, pretende-se oferecer uma explicação que abarque o fenômeno
estudado na sua totalidade. O modelo teórico apresentado, portanto, se diferencia
daquele que em geral é empregado pelos que se valem da obra de Tate e Valinder
(1995) sobre a judicialização da política justamente porque se pretende enfatizar a
explicação detalhada da realidade, não se atendo a um diagnóstico generalizado e
mesmo pouco preciso na identificação das causas do fenômeno discutido.
Semelhantemente, o construto teórico proposto diferencia-se daquelas outras leituras
que enfatizam apenas as particularidades institucionais do STF e que lançam boa luz
sobre o processo de propositura das ADIns, mas que deixam quase sempre sem
explicação os julgamentos efetivamente realizados pela corte. Ainda neste sentido, o
modelo de análise proposto prescinde de trabalhar, conforme defendido pelo modelo
atitudinal, com base nas preferências dos magistrados individuais, que são de difícil
acesso e mesmo pouco relevantes ao presente exame. Por fim, uma vantagem desta
filiação teórica expressa às correntes apresentadas diz respeito à articulação, até então
pouco realizada de forma explícita nas análises do caso brasileiro, com as vertentes
explicativas mais abrangentes sobre o comportamento do Poder Judiciário. Procedendo-
se desta forma, não se perde este importante horizonte de vista, mas se propõe
igualmente um modelo apto a explicar o caso brasileiro de acordo com suas
particularidades, sem a necessidade de constituir-se de um modelo
ad hoc para a
realização do objetivo proposto.
114
4 MEDIDAS PROVISÓRIASNO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
4.1 Introdução
O presente capítulo realiza a análise das evidências empíricas do objeto de
estudo desta dissertação. Para tanto, o controle abstrato da constitucionalidade de
medidas provisórias exercido pelo STF é analisado tanto à luz do cabedal teórico
apresentado no capítulo imediatamente anterior como em face das análises realizadas
sobre o tema, expostas na primeira parte deste trabalho. Como forma de abordar a
questão de maneira abrangente, mas sem perder acuidade analítica, o exame realizado
articula-se em duas etapas. Na primeira e principal parte, enfatizam-se os achados
puramente quantitativos da pesquisa realizada, observando-se os padrões de
acionamento e decisão do STF quanto ao tema abordado. Em segundo lugar, aprofunda-
se a análise de julgamentos específicos realizados pela corte com relação a aspectos
qualitativamente importantes para a presente dissertação. Em relação à primeira, de
modo a não incorrer em riscos de viés na seleção dos casos empregados para a análise, o
estudo aborda
todas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas contra
medidas provisórias de outubro de 1988 (ano de promulgação da nova Constituição) a
abril de 2007 (data final da coleta de dados). No período compreendido, foram
propostas 339 ADIns, das quais 292 apresentam alguma decisão tomada pela corte. Pela
extensão dos dados e para maior clareza da exposição, preferiu-se examinar as
informações colhidas sob duas perspectivas distintas. Primeiramente, analisa-se o
processo de propositura das ADIns, identificando os usos políticos da via judicial como
instrumento para contestação da política majoritária pelos diversos legitimados ativos
presentes no artigo 103 da Constituição. Uma vez que o tribunal, como tal, depende de
provocação externa para decidir, passa a ser importante compreender os padrões de
acionamento da corte, que influem diretamente sobre a formação da agenda do tribunal
e são condicionantes indispensáveis que permitem ou não a interferência judicial sobre a
arena política. Neste sentido, em razão da característica institucional do STF que
apresenta amplo rol de possíveis proponentes de ADIns, bem como em função da
relevância das políticas veiculadas em medidas provisórias, é de se esperar que a
faculdade de contestar esses atos normativos junto ao STF seja amplamente utilizada
pelos diversos legitimados ativos presentes na Constituição. A seu turno, a segunda
115
parte de análise quantitativa do estudo destina-se a examinar os julgamentos das ADIns
efetivamente realizados pelo tribunal. Neste particular, pretende-se identificar os
padrões decisórios da corte de modo a cotejá-los com as assertivas do modelo
estratégico de separação de poderes, apresentadas anteriormente. É de se esperar,
portanto, que a corte apresente interferência bastante restrita em relação à atividade
legislativa da Presidência da República, voltando-se contra ela apenas ocasionalmente.
Como forma de complementar o exame quantitativo do julgamento das ADIns,
realiza-se uma análise sumária de julgamentos paradigmáticos da corte sobre o tema.
No intuito de cumprir este propósito, dois exames são pormenorizados. O primeiro
debruça-se sobre o embate envolvendo a possibilidade de controle jurisdicional, pelo
próprio STF, dos requisitos de urgência e relevância para edição de medidas provisórias,
analisando os padrões decisórios da corte sobre o assunto em perspectiva histórica,
comparando-os com aqueles referentes ao decreto-lei da Constituição de 1967.
Semelhante análise de viés temporal se justifica porque auxilia a desvelar mudanças
importantes na jurisprudência da corte que não podem ser ignoradas caso se pretenda
compreendê-la em detalhe. A seu turno, o segundo exame enfatiza os posicionamentos
do STF com relação às reedições de medidas provisórias, prática não autorizada
expressamente pela Constituição e com reflexos imediatos sobre a dinâmica travada
entre os três Poderes do Estado. Neste caso, o recorte histórico não se faz necessário,
realizando-se o estudo de casos julgados pela corte nos anos recentes de democracia.
Frise-se que estes dois pontos iniciais são especialmente relevantes porque eles
permitem visualizar elementos importantes de estratégia empregados pela corte ao
julgar sobre o instrumento de ação unilateral do Presidente da República, mesmo porque
eles ocuparam a pauta das discussões entre cientistas políticos e juristas no Brasil
contemporâneo, como se demonstrou no primeiro capítulo. Por fim, nas conclusões do
capítulo, realiza-se uma síntese dos principais achados empíricos da pesquisa, frisando-
se alguns julgados da corte que firmaram posicionamentos restritivos à prática
legislativa do Executivo, alguns dos quais foram inclusive incluídos no texto
constitucional em setembro de 2001, quando da aprovação da Emenda Constitucional
nº. 32. Espera-se demonstrar, com a apresentação de posicionamentos do STF incluídos
no texto da própria Constituição, que a atuação da corte, apesar de tópica quanto aos
casos de objeção aos decretos presidenciais, não pode ser rotulada como irrelevante ou
como completamente anuente com respeito à utilização de medidas provisórias pelo
Poder Executivo.
116
4.2 O controle de constitucionalidade de medidas provisórias em números
Esta parte da dissertação analisa do ponto de vista prioritariamente quantitativo
tanto os padrões de acionamento do STF quanto os julgamentos efetivamente realizados
pela corte no que se refere ao controle abstrato de constitucionalidade de medidas
provisórias no Brasil desde 1988. A consulta às informações que constam desta seção
foi realizada por meio do organizado sítio mantido pelo próprio STF junto à rede
mundial de computadores, no qual consta a grande maioria dos dados que se fizeram
necessários a esta pesquisa
88
. Apenas suplementarmente foram solicitadas algumas
informações diretamente a setores do tribunal, como forma de suprir lacunas de uma ou
outra ação presente naquele sítio cujo detalhamento não se encontrava suficientemente
realizado como nas demais
89
. Foram procuradas somente ADIns que questionassem
diretamente medidas provisórias, não sendo analisadas aquelas ações voltadas a
questionar leis que resultavam da conversão de medidas provisórias ou mesmo de leis
que revogavam estes mesmos decretos
90
. A intenção era isolar apenas os casos em que
era contestado, parcial ou integralmente, o interesse imediato do Presidente da
República, não havendo ainda manifestação da casa legislativa, o que se constitui
provavelmente um indicador mais seguro sobre as relações Executivo-Suprema Corte
no Brasil. Na situação que se pretende analisar se encontravam exatas 357 ações.
Destas, todavia, 18 mereceram ser excluídas do cômputo geral para o presente trabalho.
Isto ocorreu porque no ano de 2001 a Emenda Constitucional nº. 32 deu vigência
permanente e contornos de perenidade àquelas medidas provisórias não apreciadas pelo
88
O endereço do sítio da instituição é www.stf.gov.br e foi acessado uma única vez, no dia 04.04.2007
(quatro de abril de dois mil e sete), sendo todas as informações colhidas transformadas em arquivos
permanentes de computador naquela mesma ocasião, apenas posteriormente construindo-se o banco de
dados que serviu de base para esta pesquisa, com base nas ações arquivadas eletronicamente. A busca
pelas ADIns cujo objeto de questionamento eram medidas provisórias foi realizada na seção “Pesquisa
Simultânea de Jurisprudência” da página eletrônica da instituição. Lá foram digitadas as expressões
“medida provisória” e “medidas provisórias” e marcada a opção pela busca apenas em “Ações Diretas de
Inconstitucionalidade”. Disto resultaram 464 ações que mencionavam as expressões citadas, das quais
apenas 357 dirigiam-se diretamente contra medidas provisórias. Nas 107 ações restantes, as expressões
figuravam apenas como referência a medidas provisórias que regulavam assuntos atinentes ao tema
discutido na ação, não sendo elas próprias objeto de questionamento, entre outros casos semelhantes.
89
Esta solicitação de informações complementares também foi realizada pelo sítio do tribunal na internet,
através da seção “Contato”.
90
Ao todo, foram encontradas dezoito ações dirigidas contra leis que resultavam da conversão de medidas
provisórias previamente editadas pelo Poder Executivo. Trata-se das ADIns nº. 42-0, 43-8, 49-7, 108-6,
288-0, 457-3, 534-1, 547-2, 931-1, 1005-1, 1033-6, 1110-3, 1831-3, 1896-8, 1923-5, 1933-1, 2380-2 e
3144-9. Por sua vez, havia sete ações que questionavam a constitucionalidade de leis que revogaram
expressamente determinadas medidas provisórias, no caso as ADIns nº. 1878-0, 1885-6, 1940-6, 1943-1,
2310-1, 2315-2 e 3526-6. Conforme afirmado, estas ações não se somam àquelas efetivamente analisadas
na presente dissertação.
117
Congresso Nacional até então, ainda que não as tenha propriamente convertido em lei,
permitindo regulação posterior tanto do Executivo quanto da própria casa legislativa
91
.
As dezoito ADIns excluídas questionam justamente medidas provisórias nesta
situação
92
. Por não se tratarem de questionamentos dirigidos a atos do governo em curso
no momento de propositura da ação, mas sim uma tentativa de censura à obra de
governo anterior, preferiu-se desconsiderar essas ações, mesmo porque se voltam contra
atos do Executivo implicitamente aceitos pela própria casa legislativa quando esta
aprovou a Emenda à Constituição em questão
93
. Uma vez levantadas todas estas Ações
Diretas de Inconstitucionalidade dirigidas apenas contra medidas provisórias de
governos em curso, as informações coletadas foram catalogadas em banco de dados do
Statistical Package for Social Sciences (SPSS) elaborado exclusivamente para esta
pesquisa, cujos resultados encontram-se expostos na seqüência.
4.2.1 Padrões de acionamento do Supremo Tribunal Federal
O primeiro dado importante a ser percebido quanto à propositura de ADIns é a
ampla utilização desta estratégia pelos diversos legitimados ativos como forma de
objetar decretos presidenciais. Entre outubro de 1988 e abril de 2007, período que cobre
aproximadamente dezenove anos de atividade da corte, foram propostas exatas 339
Ações Diretas de Inconstitucionalidade contestando parcial ou integralmente medidas
provisórias editadas pelos diferentes governos então em curso. Ainda que importantes
variações temporais sejam observadas, a média chega a 17,8 ações propostas por ano,
ou seja, mais de um acionamento do STF por mês contra ato unilateral do governo. Se
comparados, por exemplo, à realidade norte-americana, estes números são certamente
elevados. Tomando-se por base o levantamento realizado por William Howell para todo
o Poder Judiciário federal norte-americano, incluída a Suprema Corte, entre 1942 e
1996, período que se estende por exatos 54 anos, o total de ações judiciais movidas
contra executive orders foi de apenas 86 casos, alcançando uma média anual
91
Dispõe a Emenda Constitucional nº. 32/2001, em seu artigo 2º.: “As medidas provisórias editadas em
data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as
revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.”
.
92
Encontravam-se nesta situação as ADIns nº. 2588-1, 2595-3, 2621-6, 2658-5, 2736-1, 2852-9, 2853-7,
2888-0, 3003-5, 3127-9, 3153-8, 3346-8, 3527, 3540-1, 3577-1, 3578-9, 3620-3 e 3740-4.
93
No mesmo sentido opera o trabalho de Gretchen Helmke (2002) sobre as relações entre a Suprema
Corte e o Poder Executivo argentinos, entre 1976 e 1995. A autora excluiu da análise todas as ações que
questionavam decretos editados por governos anteriores àquele em curso (Helmke, 2002, p. 294).
118
sensivelmente inferior à brasileira, de 1,6 ações apresentadas por ano (Howell, 2003)
94
.
Se, por um lado, estes dados podem refletir as diferenças existentes entre Brasil e
Estados Unidos quanto ao tipo de acesso ao sistema de controle de constitucionalidade
(direto e abstrato no primeiro, difuso e concreto no último), por outro lado, eles também
podem ser apontados como um reflexo imediato do extenso rol de propositores
permitido pela Constituição do Brasil. Em razão da escassez de dados sobre o
questionamento judicial de decretos do Poder Executivo em outros países no quais
existe a possibilidade de ação direta, a constatação desta assertiva pode ser feita apenas
indiretamente, comparando-se o total de ações propostas contra leis de alcance nacional
nos diferentes países, com base nos estudos existentes. Tomando-se por base, por
exemplo, o levantamento realizado por Alec Stone Sweet sobre Conselho
Constitucional francês, cujo leque de propositores é bastante próximo daquele
usualmente presente nas Constituições dos demais países europeus, observa-se, de
acordo com os dados apresentados pelo autor para o período compreendido entre os
anos de 1981 e 1993, que aquela instituição foi acionada 234 vezes com o propósito de
declarar inconstitucional uma lei de caráter nacional, o que representa média de 19,5
ações por ano (Sweet, 1999)
95
. No Brasil, no período de 14 anos entre 1988 e 2002,
foram nada menos de 1.011 ADIns propostas contra leis federais, o que equivale a uma
média de 72,2 ações por ano, mais de três vezes superior àquela da corte francesa, de
acordo com os dados meticulosamente levantados por Matthew Taylor (2004). O efeito
causado pelo amplo rol de proponentes existente no Brasil é confirmado ao se
discriminarem os propositores das ADIns dirigidas apenas contra medidas provisórias,
conforme se observa na tabela apresentada na seqüência. Como é possível constatar, as
particularidades institucionais no acesso à Suprema Corte brasileira apresentam elevado
94
Ainda que os dois países apresentem sistemas de controle de constitucionalidade distintos, sendo os
EUA integrantes do modelo difuso e o Brasil afeito àquele concentrado, a comparação pretendida é válida
e possível. A razão para tanto reside no tipo de efeito da decisão judicial. Este é universal
(erga omnes)
apenas nas decisões do STF no Brasil e em qualquer decisão de todo Poder Judiciário federal nos EUA.
Do ponto de vista da interferência judicial sobre a produção legislativa, este é possivelmente o melhor
indicador a ser empregado na referida comparação, uma vez que atenta para os efeitos concretos das
decisões judiciais, universais nos dois casos.
95
Estão aptos a propor ação direta para declarar inconstitucional uma lei junto à corte francesa o
presidente do país, o primeiro-ministro, os presidentes da Assembléia Nacional e do Senado, além de
grupos compostos por 60 deputados ou 60 senadores (Sweet, 1999). Ressalte-se, todavia, que o
questionamento da constitucionalidade de uma lei naquele país se
a priori, isto é, antes da efetiva
promulgação da lei, o que possivelmente pode dificultar a comparação pretendida. Semelhantemente, em
razão da existência de governo unitário naquele país, não há, como parece óbvio, entidades sub-nacionais
aptas a questionar a constitucionalidade das leis como se verifica no caso brasileiro, o que, novamente,
pode macular a comparação pretendida. Para o quadro geral sobre o rol de propositores dos países
europeus, de modo a cotejá-lo com o francês, veja-se a Tabela 04, no Capítulo II desta dissertação.
119
impacto sobre a agenda do tribunal. Os dados demonstram com clareza que os partidos
políticos, as organizações de interesses e, em menor medida, o Conselho Federal da
OAB respondem pela grande maioria das ADIns propostas contra os decretos editados
pelo Poder Executivo. Considerando-se apenas os dois primeiros, constata-se que eles
respondem por quase 90% do total. Ao se somar a entidade representativa dos
advogados, chega-se a exatas 95,2% das ADIns propostas contra medidas provisórias.
Isto leva a crer que se o arranjo de legitimados ativos brasileiro fosse mais próximo
daquele corriqueiro nos países europeus conforme exposto no capítulo anterior – seria
de se esperar menor freqüência na contestação de medidas provisórias junto ao STF,
concluindo-se, portanto, que o arranjo institucional brasileiro causa elevado impacto
sobre a agenda da corte.
Tabela 05. ADIns propostas contra medidas provisórias por proponente (1988-2007)
Proponente Freqüência Percentual
Presidente da República 00 0%
Mesa do Senado Federal 00 0%
Mesa da Câmara dos Deputados 00 0%
Mesa de Assembléia Legislativa estadual ou do DF 03 0,9%
Governador de Estado ou do DF 05 1,5%
Procurador-Geral da República 08 2,4%
Conselho Federal da OAB 22 6,5%
Partido político 180 53%
Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional 121 35,7%
Total 339 100%
Fonte: tabela elaborada pelo autor, a partir de www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
Ainda sobre as informações apresentadas acima, um outro dado merece ser
destacado, mesmo que sobre tema não diretamente relacionado ao presente trabalho.
Trata-se de observar que a disputa em torno das medidas provisórias é um conflito
travado verdadeiramente entre governo e oposição e não entre os Poderes Executivo e
Legislativo, como parece sugerir muitas vezes a literatura sobre dinâmica institucional
no Brasil contemporâneo. Fosse este o caso, era de se esperar que as Mesas do Senado
Federal e da Câmara dos Deputados apresentassem elevada propositura de ADIns contra
o referido instrumento normativo. Contudo, como os dados atestam com ampla margem
de segurança, esta afirmada confrontação entre a Presidência da República e o
Congresso Nacional quanto ao poder de decreto do primeiro simplesmente não ocorreu
na arena judicial. As ADIns propostas por parlamentares contra medidas provisórias se
concentram entre aquelas apresentadas por partidos políticos, majoritariamente aqueles
excluídos da coalizão governista. É o que se observa com maior clareza na
120
desagregação dos dados realizada na tabela abaixo, em que se buscou apresentar as
clivagens internas aos partidos políticos na propositura das ações estudadas.
Tabela 06. ADIns propostas por partidos políticos contra medidas provisórias (1988-
2007)
Critério Proponente Freqüência Percentual
Governo 06 3,3%
Oposição 174 96,7%
Posicionamento
96
Total 180 100%
Direita 28 15,6%
Centro 13 7,2%
Esquerda 139 77,2%
Ideologia
97
Total 180 100%
Pequeno 06 3,3%
Médio 14 7,8%
Grande 121 67,2%
Coalizão de partidos 39 21,7%
Tamanho
98
Total 180 100%
Fonte: tabela elaborada pelo autor, a partir de www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
Como seria de se esperar, os dados atestam que a propositura de ADIns
contestando a constitucionalidade de medidas provisórias é atividade por excelência de
partidos oposicionistas. vastíssima vantagem destes em relação aos integrantes da
base aliada, cujo acionamento do STF é significativamente mais restrito e pontual.
Mesmo neste caso, todavia, alguns pontos merecem ser destacados. Especialmente, vale
observar que a propositura de ADIns por partidos integrantes da coalizão governista é
sinal claro da fragilidade destes vínculos políticos. Três dos seis casos são
especialmente sintomáticos neste sentido. Trata-se da ADIn nº. 3112-1 proposta em
2004 pelo PTB contra a MP nº. 157, que dispunha sobre dispositivos do chamado
Estatuto do Desarmamento, da ADIn nº. 3385 apresentada em 2004 pelo PDT contra a
96
As informações foram coletadas a partir do estudo de Octávio Amorim Neto (2001) e de comunicação
com o autor realizada pelo Prof. André Marenco dos Santos para fornecimento de dados complementares,
que foram repassados a este autor.
97
O critério ideológico segue as classificações apontadas por Jairo Nicolau (1996) e Rogério Schmitt
(2000). Foram classificados como partidos de direita os seguintes: PMN, PL, PSL, PRONA, PFL,
PPR/PPB/PP e PTB. Como partidos de centro, apenas o PSDB foi enquadrado entre os que propuseram
ADIns contra MPs no período estudado. Por sua vez, os partidos de esquerda foram considerados os
seguintes: PNAB, PT, PSB, PPS, PDT, PC do B e PSTU.
98
O critério sobre o tamanho dos partidos segue também a classificação realizada por Jairo Nicolau
(1996). Desta forma, partidos pequenos são aqueles com menos de 1% de cadeiras no Congresso
Nacional, partidos médios são aqueles com o total de cadeiras variando entre 1% e 5% das cadeiras e
partidos grandes são aqueles com mais de 5% de assentos na Câmara Baixa brasileira. Para fins da
presente classificação, foram considerados partidos pequenos os seguintes: PMN, PSL, PSTU e PNAB.
Como partidos médios foram enquadrados PL, PSB, PPS, PV, PC do B e PRONA. Partidos grandes são o
PT, PSDB, PFL, PPR/PPB/PP, PTB e PDT. Como coalizões de partidos foram enquadrados todos aqueles
casos em que o propositor da ADIn não era um partido individual, mas dois ou mais deles que, em
conjunto, apresentavam a ação.
121
MP nº. 232, de natureza tributária, e da ADIn nº. 3505-3 proposta em 2005 pelo PPS
contra a MP nº. 242, que dispunha sobre planos de benefícios do sistema previdenciário.
Nos três casos, a simples propositura da ação poderia ser apontada como indício da
fragilidade dos laços entre o governo e estes partidos. No primeiro caso, a propositura
da ação pelo PTB dava sinais da instabilidade de seu vínculo com o governo que,
meses mais tarde, viria redundar em grave processo de denúncias de corrupção feitas
pelo presidente daquela agremiação contra o alto escalão do governo. No que se refere
ao PDT, poucos meses após apresentação da ADIn mencionada, o partido deixou a base
do governo, ocorrendo o mesmo no caso do PPS. Não se está afirmando, contudo, que a
propositura destas ações tenha sido a causa fundamental que levou à instabilidade das
relações entre estes partidos e o governo. Na realidade, o que se quer pontuar é que o
ajuizamento destas ações pode ser apontado como um indicador de que a
compatibilidade entre as duas partes não estava se processando da maneira esperada.
Cumpre mencionar, portanto, que este quadro não é particularidade do governo do
Presidente Luis Inácio Lula da Silva, embora nele se tenham dado cinco dos seis casos
em que partidos integrantes do governo propuseram ADIns contra medidas
provisórias
99
. Durante os oito anos de sua duração, o governo de Fernando Henrique
Cardoso enfrentou este desafio em uma única ocasião. Foi o caso da ADIn nº. 1636-9,
proposta em 1997 pelo PPB – ex-PPR e atual PP, que entrara na coalizão governista um
ano antes contra a MP nº. 1523, que dispunha sobre o recebimento de benefícios por
parte de segurados do sistema previdenciário. Vale lembrar que, neste caso, o partido
não rompeu com a coalizão majoritária, afastando-se desta apenas no ano de 2003, em
razão da eleição realizada no ano anterior que alterou o mandatário do Poder Executivo.
Dando prosseguimento à análise dos dados expostos acima, quando se considera
as distinções relativas ao alinhamento no espectro ideológico, é digna de nota a elevada
participação dos partidos de esquerda se comparada àquela dos partidos de direita e de
centro. Isto se deve em especial à acentuada participação do Partido dos Trabalhadores,
que sozinho propôs nada menos de 60 ADIns e que, ao integrar coalizões partidárias
formadas com o fito específico de contestar junto ao STF a constitucionalidade de
determinadas medidas provisórias, participou de outras 35 ADIns como proponente. É
99
Além dos três casos apontados acima, outras duas ações foram propostas pelo PV, em 2003 e 2004,
contra as medidas provisórias nº. 131 e 223 que versavam ambas sobre a comercialização de soja
geneticamente modificada. Trata-se, respectivamente, das ADIns nº. 3011 e 3328-0. É de se notar,
todavia, que esta postura não levou à ruptura entre o partido e a coalizão governista, embora possa
indicar, novamente, a relativa fragilidade destes vínculos.
122
lícito afirmar, portanto, que o PT foi responsável, individual ou coletivamente, pela
apresentação de mais da metade de todas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade
propostas por partidos políticos contra decretos presidenciais no período estudado,
precisamente 52,8% deste total. Observe-se ainda que o segundo partido político que
mais adotou esta estratégia foi também um partido tradicionalmente associado à
esquerda. O Partido Democrático Trabalhista propôs individualmente 29 ADIns e, em
conjunto com agremiações partidárias afins, outras 30 ações. Os dois partidos juntos
apresentam envolvimento em nada menos de 130 ADIns, soma equivalente a 38,3% do
total global de ADIns proposta contra medidas provisórias, 72,2% do total de ações
propostas junto ao STF por partidos políticos e 94,2% daquelas apresentadas por grupos
políticos de esquerda
100
. Se, por um lado, a elevada participação dessas agremiações no
processo de propositura das ADIns pode ser explicada pelo simples fato de PT e PDT
terem permanecido muito tempo excluídos da coalizão governista, por outro lado, pode-
se pensar em uma estratégia deliberada adotada por estes partidos como forma de
maximizar o custo da atividade governativa ao extremo, com inegável ganho de atenção
da opinião pública e provável benefício eleitoral da parte destes partidos. De certa forma
em contrariedade a esse argumento, deve-se mencionar que a aprovação da Emenda
Constitucional nº. 32, em 2001, pode ter tornado menos interessante a via judicial como
campo de obstrução política pela oposição a partir daquele ano, preferindo esta
concentrar seus esforços no próprio Congresso Nacional. A resposta a esta pergunta,
entretanto, não será realizada agora. A esta discussão se retornará logo em seguida,
quando forem apresentadas as variações temporais na apresentação das ADIns
estudadas, bem como os efeitos da aprovação da aludida Emenda à Constituição sobre o
uso da estratégia judicial como forma de contestar atos unilaterais do Poder Executivo.
Ainda em tempo, cumpre observar que a intensa participação de PT e PDT
explica também, em grande medida, a prevalência de partidos grandes entre os
propositores, ao que se soma ainda a presença de outros partidos de centro e direita,
PSDB e PFL especialmente, mesmo que em menor medida se comparada àquela dos
dois primeiros. Observe-se que figura apenas o PSDB entre os partidos de centro como
proponente das ADIns examinadas. É de se ressaltar, portanto, a inexistência de
contestação judicial de decretos presidenciais por um dos partidos mais relevantes da
100
Esta soma não é exatamente coincidente com os dados apresentados separadamente para cada um dos
partidos citados porque, em muitas ocasiões, PT e PDT firmaram coalizão um com o outro, muitas vezes
contando com o apoio de outros partidos de esquerda, como PSB, PC do B, PV e PPS.
123
cena política brasileira: no período coberto por esta pesquisa, não houve uma única
medida provisória contestada junto ao STF pelo PMDB, o que se explica grandemente
pelo fato de o partido ter integrado a base de sustentação do governo por período
bastante extenso de tempo. Neste mesmo sentido, merece ser realçada a reduzida
contestação judicial exercida por partidos frequentemente considerados “fisiológicos”,
tais como PTB, PPR/PPB/PP, além do próprio PMDB. Juntos, estes partidos, que
representam grande força política no Congresso Nacional, propuseram módicas 03 (três)
ADIns questionando a constitucionalidade de determinadas medidas provisórias, menos,
por exemplo, do que o total proposto por um partido como o PC do B, que sozinho
apresentou cinco ações. Isto reforça a idéia de acordo com a qual o acionamento do STF
possui uma conotação claramente eleitoral, sendo realizada, portanto, por aqueles
partidos que possam eventualmente se beneficiar junto à opinião pública pela atenção
obtida com este curso de ação, buscando demonstrar aos setores do eleitorado sensíveis
a essas agremiações partidárias que elas estão atentas às suas demandas e que irão,
portanto, esgotar todas as vias possíveis para defender seus respectivos interesses.
Ainda em tempo, merece destaque a estratégia de formação de coalizões entre os
partidos para propositura das ADIns estudadas. Parcela não insignificante destas ações
foram apresentadas por partidos que deliberadamente decidiram atuar em conjunto,
provavelmente com o fito de pressionar com mais força o STF para dele extrair uma
posição interventiva, inclusive podendo sinalizar para o grande público a existência da
referida aliança em outras arenas. Como se observa da tabela anteriormente apresentada,
mais de um quinto das ADIns propostas por partidos políticos foram feitas desta
maneira. Há, obviamente, variações internas neste quesito. Uma primeira observação
fica por conta do total de partidos que em conjunto decidiu postular a
inconstitucionalidade dos atos unilaterais do Executivo. Das trinta e nove ações que se
encontram nesta situação, 14 foram propostas por coalizões integradas por dois partidos
políticos, 15 foram postuladas por três partidos, 09 por quatro deles e uma ADIn foi
apresentada por um conjunto de cinco agremiações políticas distintas, o que resulta em
uma média de 2,9 partidos por coalizão nos casos em que esta se verificou. As coalizões
formadas observam ainda duas tendências que merecem ser frisadas. Primeiramente,
nelas se destaca o papel aglutinador de PT e PDT, partidos que não se fizeram
presentes nas três ações apresentadas em conjunto por PSB e PC do B, aparecendo pelo
menos um deles nas 36 ADIns restantes. Dentre essas, destaca-se um conjunto de 29
ações em que os dois partidos propuseram as ADIns conjuntamente, especialmente nos
124
períodos anterior e concomitante às eleições de 1998, em que os partidos concorreram
coligados para a Presidência da República. Por fim, o segundo aspecto que se busca
frisar sobre as coalizões formadas para a contestação judicial dos decretos do Poder
Executivo deve ter sido percebido. Trata-se do viés ideológico destas coligações,
sempre integradas por agremiações políticas de esquerda e tão-somente por elas. Do
conjunto de Ações Diretas de Inconstitucionalidade apresentadas por coalizões de
partidos políticos, percebe-se que todas, sem exceção, foram propostas apenas por
partidos vinculados ideologicamente à esquerda, inexistindo, neste particular, a
participação de quaisquer grupos políticos não pertencentes a esta faixa do espectro.
Em sintonia com as tendências observadas entre os partidos políticos parecem
estar os dados referentes à participação de grupos de interesse junto ao STF, conforme
facultado pelo inciso IX do artigo 103 da Constituição. A classificação adotada para
discriminar esses dados cinde o universo de análise em dois tipos básicos, como
realizado na obra de Matthew Taylor (2004), adotando ainda uma terceira categoria
residual, em que foram alocados os poucos grupos de interesse não enquadrados
naqueles primeiros tipos
101
. De alguma forma, esta categorização dual pretende
apresentar-se também como uma aproximação da distribuição das organizações
existentes de acordo com sua disponibilidade e acesso a recursos, conforme sublinhado
pela literatura que dá tratamento à presença de grupos de interesse junto ao Poder
Judiciário. Neste sentido, confederações de trabalhadores, tanto da iniciativa privada
como junto ao serviço público, além de associações de profissionais liberais e de
determinados segmentos específicos, entre outros, foram catalogados sob a forma de
associações profissionais
102
. Por sua vez, sindicatos patronais, associações comerciais,
101
Em sentido semelhante à categorização adotada encontra-se também aquela realizada no trabalho de
Cristina Carvalho Pacheco (2006). A autora adota como tipos básicos as associações empresariais e
trabalhistas, fazendo menção ainda a um terceiro conjunto de organizações, que ela intitula de caráter
associativo. Todavia, deve-se dizer que a classificação adotada diferencia-se em certa medida daquelas
realizadas nas obras de Luiz Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palacios Cunha
Melo e Marcelo Baumann Burgos (1999), que adotam maior número de tipos analíticos, bem como nos
trabalhos de Tatiana de Pino Albuquerque Maranhão (2003) e Fabiana Luci de Oliveira (2006), que não
adotam divisões entre esses propositores, classificando-os em conjunto simplesmente como “sindicato ou
entidade patronal” e “entidades de classe”, respectivamente. No que se refere à obra de Ernani Rodrigues
de Carvalho Neto (2005), o autor enquadra praticamente todos estes propositores junto ao tipo “atores
sociais”, excluindo deste rol apenas as associações de profissionais do direito, como entidades
representativas da magistratura ou do Ministério Público, que foram catalogadas à categoria “atores
jurídicos”, que incluía também a Procuradoria-Geral da República e o Conselho Federal da OAB.
102
Apenas para que fique claro, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em que pese seja
uma associação de profissionais liberais,
não foi incluído nesta categoria. O objetivo, com isso, é
apreender separadamente os padrões de acionamento e sucesso das ADIns propostas junto ao Supremo
por este influente segmento profissional que consta expressamente na Constituição como um dos
propositores possíveis destas ações, conforme consta do inciso VII do artigo 103 da Carta de 1988.
125
confederações industriais e afins foram classificados como associações empresariais.
Em vista da amplitude das categorias adotadas, apenas duas entidades não puderam ser
enquadradas nos grupos apresentados, a saber, a União Nacional de Estudantes e a
Associação Nacional de Devedores de Instituições Financeiras, que integram a categoria
residual
outras associações. Passando-se ao exame da pretendida discriminação dos
dados, conforme dispõe a tabela abaixo, observa-se que a participação de associações
profissionais foi bastante mais elevada no período recente do que aquela das associações
empresariais, verificando-se ainda nove casos (10,2% deste total) em que as associações
profissionais formaram coalizões para propositura das ADIns, o que não ocorreu uma
vez sequer entre as entidades patronais. A diferença na litigiosidade destes grupos pode
ser explicada pelo conjunto significativo de políticas levadas a cabo pela chefia do
Executivo ao longo dos anos 90 que buscaram flexibilizar determinadas prerrogativas
de setores do funcionalismo público e da classe dos trabalhadores em geral. Estas
assertivas encontram apoio nos dados apresentados anteriormente sobre a participação
dos partidos políticos na propositura de ADIns contra decretos presidenciais, em que
claramente se destaca a atuação dos partidos de esquerda, prováveis oponentes dessas
mesmas políticas de caráter liberalizante veiculadas em medidas provisórias.
Tabela 07. ADIns propostas por sindicatos e entidades de classe de âmbito nacional
contra medidas provisórias (1988-2007)
Proponente Freqüência Percentual
Associações empresariais 29 24%
Associações profissionais 88 72,7%
Outras associações
103
04 3,3%
Total 121 100%
Fonte: tabela elaborada pelo autor, a partir de www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
Em adição a estes dados, uma nota comparativa com a atividade do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil se faz importante. Individualmente
considerada, ela foi, com ampla vantagem, a entidade de classe que mais propôs ADIns
103
Conforme exposto, foram incluídas nesta categoria as ADIns nº. 428-0 e 1234-7 propostas pela UNE
contra as medidas provisórias nº. 290 e 932, respectivamente de 17.12.1990 e 01.03.1995, ambas
regulando o valor de mensalidades escolares. Pelas mesmas razões, foram também enquadradas neste rol
as ADIns nº. 2252-1 e 2326-8 propostas pela Associação Nacional de Devedores de Instituições
Financeiras ambas contra a medida provisória nº. 1963, de 30.03.2000, que dispunha sobre a
administração de recursos de caixa do Tesouro Nacional. Nos dois casos, entendimento da corte que
ambas as associações não são parte apta a propor ADIns junto ao STF, motivo pelo qual o julgamento das
ações restou prejudicado. Ao que parece, trata-se de uma interpretação restritiva do tribunal de modo a
evitar verdadeira explosão de demanda além daquela existente, sendo inclusive sugerido pela literatura
(Pacheco, 2006) que este controle rigoroso na admissão dos postulantes é uma das estratégias informais
de decisão empregadas pela corte como forma de evitar ter de decidir em determinadas situações.
126
contra medidas provisórias, totalizando 22 ações apresentadas ao longo dos dezenove
anos cobertos por esta pesquisa. Como se percebe, este número é bastante próximo
daquele conjunto de ações propostas por todas as associações patronais, que somaram
29 casos. Esta intensa atividade da entidade representativa dos advogados, contudo, é
ainda mais acentuada quando se consideram de modo individual as entidades
profissionais e empresariais. Neste particular, percebe-se que as associações que mais
ajuizaram ações contestando decretos do presidente foram a Confederação Nacional dos
Estabelecimentos de Ensino e a Confederação Nacional dos Trabalhadores
Metalúrgicos, com sete ADIns propostas por cada, seguidas da Confederação Nacional
do Comércio e da Confederação Nacional das Profissões Liberais, que propuseram seis
ações cada uma. Como se constata, a atividade do Conselho Federal da OAB é
sensivelmente superior à das demais entidades de classe, o que, por si é sintomático
da importância desta entidade tanto do ponto de vista do acionamento do STF, em que a
associação imiscui-se em temas não necessariamente afeitos à sua dimensão
propriamente corporativa, quanto sob a ótica de todo processo político nacional, como
estudos recentes têm sugerido (Bonelli, 2002, p. 29-81; Taylor, 2004, p. 283-330).
Neste mesmo sentido e em prosseguimento ao argumento esboçado antes, faz-se
importante observar com respeito a quais temas exatamente se busca mais
frequentemente a intervenção do STF. Neste caso, pela vastidão de assuntos tratados nas
medidas provisórias questionadas junto ao mais alto tribunal do país, o agrupamento
realizado demandou a utilização de número mais elevado de categorias do que aquelas
verificadas nas classificações previamente expostas. Tomando por base outros trabalhos
que deram tratamento ao tema (Vianna et alii, 1999; Taylor, 2004; Carvalho Neto,
2005) e inovando ligeiramente em relação a eles, subdividiu-se em oito áreas temáticas
as ADIns estudadas. A primeira delas, denominada
política econômica, agrega todos os
casos de regulação macroeconômica, entre os quais se incluem, por exemplo, a
definição da política salarial de caráter nacional (salário mínimo, etc.), políticas de
privatizações e desestatização, além da própria implementação de planos de
estabilização econômica, como os Planos Collor e Real. Por sua vez, a segunda
categoria aglutinadora adotada chama-se administração pública e busca apreender os
casos em que o tema discutido diz respeito à criação, regulamentação, definição de
competência, modificação e extinção de cargos e órgãos junto aos três Poderes do
Estado. Foram incluídas neste conjunto, portanto, todas as discussões atinentes à
regulação do funcionalismo público, inclusive no que diz respeito às definições de
127
remuneração, benefícios, encargos e aposentadoria destes mesmos servidores. Sob a
categoria
política tributária foram aglutinados todos os casos de discussão envolvendo
a regulação de alíquotas, bases de cálculo, entre outros, de impostos, tributos e
contribuições de competência da União, quando não a efetiva criação de tipos novos
destes. Trata-se, por conseguinte, do manejo da função extrativa do Estado, no qual
foram incluídos também os casos de concessão de incentivos fiscais. Inclusos em
gestão
financeira do Estado
foram os casos em que o tema discutido dizia respeito
fundamentalmente ao manejo do orçamento, à abertura de crédito extraordinário, à
alocação de recursos entre os diferentes órgãos do Estado, ao cadastramento de dívidas,
à realização de operações de crédito, além das situações em que o questionamento era
proposto contra a instituição de normas voltadas a regular e controlar o gasto público.
Como política social foram catalogadas as ADIns que discutiam temas como a
seguridade social (excluída aquela relativa aos funcionários públicos), políticas públicas
de educação e saúde, além da regulamentação da concessão dos diferentes benefícios
sociais. Sob o rótulo de relações trabalhistas foram aglutinadas as ações que discutiam
normas referentes às relações entre capital e trabalho, direitos trabalhistas e regras de
negociação coletiva (excluída a questão salarial, incluída sob a temática econômica). Na
categoria regulação social
104
foram incluídos tanto os casos de discussões envolvendo
regras que normatizam as relações entre particulares como aquelas que instituem
proibições, procedimentos sancionadores e punitivos por parte do Estado. São, enfim, os
casos em que o Estado institui limites e regras tanto à ação dos particulares entre si
como em relação à ordem pública. Entre as primeiras, devem ser destacadas as
controvérsias envolvendo a definição de mensalidades escolares, as normas relativas às
corporações de fiscalização do exercício profissional, além das regras de proteção do
patrimônio genético e intelectual. Entre as últimas, podem ser mencionadas as
contendas atinentes à proteção do meio ambiente, à comercialização de soja modificada
geneticamente e de armas de fogo, além daquelas que efetivamente criaram novas
sanções penais e administrativas. Por fim, em torno da temática administração da
justiça foram aglutinados os casos em que se debatia ante o STF a alteração das regras
104
Esta categoria é uma espécie de versão mais ampla daquela intitulada “regulação da sociedade civil”,
presente em outros estudos (Werncek Vianna et alii, 1999; Carvalho Neto, 2005). Nestes casos, a ênfase
recaía apenas sobre as disputas envolvendo normas jurídicas que regulam a relação entre particulares.
Como foram identificadas algumas ADIns que questionavam junto ao STF a validade de regras instituídas
por medida provisória nos campos do direito penal, do direito processual penal e do direito administrativo
sancionador, preferiu-se agrupá-las nesta categoria, criando-se, portanto, um subgrupo temático mais
amplo, relativo às discussões envolvendo normas que dispõem sobre as limitações à autonomia dos
indivíduos, bem como as possíveis sanções decorrentes das violações destas mesmas regras.
128
relativas à estrutura, ao funcionamento e ao acesso do próprio Poder Judiciário
105
. Nesta
situação encontram-se as ADIns que debatem as normas reguladoras dos processos
junto ao Poder Judiciário ordinário, geralmente em situações envolvendo o Poder
Público e não raramente estabelecendo vantagens para este. Por tratarem
fundamentalmente da mesma questão, os casos de modificação de regras atinentes ao
processo administrativo com teor semelhante a este também foram incluídos nesta
última categoria. Isto posto, pode-se passar à exposição dos resultados obtidos, como se
observa na tabela abaixo.
Tabela 08. Divisão temática das ADIns propostas contra medidas provisórias (1988-
2007)
Tema discutido Freqüência Percentual
Política econômica 66 19,5%
Administração pública 71 20,9%
Política tributária 28 8,3%
Gestão financeira do Estado 31 9,1%
Política social 38 11,2%
Relações trabalhistas 25 7,4%
Regulação social 48 14,2%
Administração da justiça 32 9,4%
Total 339 100%
Fonte: tabela elaborada pelo autor, a partir de www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
De pronto, impõe-se constatar certo equilíbrio na distribuição dos temas
presentes nos decretos questionados junto ao STF. Entre estes, com algum destaque
aparecem a política econômica, a regulamentação da administração pública e, com
menor vigor, a regulação social entre os temas sobre os quais mais se buscou a guarida
da corte. Somados, estes três temas constituem 54,6% do conjunto dos casos analisados.
Se, por um lado, a presença significativa de ADIns atinentes à administração pública e à
política econômica (muitos dos quais relativos à política salarial) corrobora a
expectativa de encontrar-se junto ao Supremo Tribunal Federal o questionamento de
políticas de caráter liberalizante que atacaram prerrogativas de trabalhadores e
funcionários públicos, por outro lado, é de se notar que chega a ser relativamente
reduzido o número total de acionamentos da corte para intervir sobre decretos
105
Quanto a esta categoria a analítica, vale frisar seu relativo ineditismo nos estudos dedicados ao tema,
exceção feita ao estudo de Tatiana de Pino Albuquerque Maranhão (2003), que cunhou a categoria “Poder
Judiciário”, semelhante à adotada. Apesar de aparentar certa semelhança com a categoria “administração
pública judicial”, proposta por Ernani Rodrigues de Carvalho Neto (2005), sua natureza é diversa. Se
naquele caso os temas englobados diziam respeito apenas à organização do serviço público no âmbito do
Poder Judiciário, na presente situação elas se referem às disputas envolvendo a organização, estrutura e
acesso ao exercício da função de resolução de conflitos pelo Estado, geralmente reservada à magistratura
e a setores da própria administração pública, como tribunais administrativos, por exemplo. Trata-se,
portanto, do conjunto de normas que regem a maneira como a própria função judicial é exercida.
129
presidenciais que regulem as relações capital-trabalho. Como se percebe na tabulação
dos dados, esta foi a categoria menos discutida junto ao STF nos casos estudados, o que
em certo sentido pode ser explicado como efeito das dificuldades encontradas pelos
sucessivos governos em levar adiante a agenda de reforma das relações de trabalho,
como demonstrou o trabalho de Simone Diniz (2005). Visto que muitas propostas sobre
o tema não foram aprovadas ou sequer foram apresentadas pelo Poder Executivo ao
longo dos anos, o mesmo não ocorrendo em mesma intensidade com a regulação das
áreas econômica e administrativa, é de supor-se que semelhantes políticas encontrassem
mais dificuldades de serem questionadas junto ao STF.
Uma vez realizadas as análises referentes às distribuições de proponentes e
temas na propositura das ADIns estudadas, faz-se importante apresentar as flutuações
temporais existentes. Entre outras coisas, este exame permite responder à pergunta
deixada anteriormente em aberto quanto às diferenças existentes entre os partidos de
direita e esquerda na intensidade com que lançam mão da estratégia judicial para objetar
decretos do governo. Primeiramente, contudo, faz-se importante observar as tendências
gerais de distribuição ao longo do tempo, conforme exposto a seguir.
Gráfico 01. ADIns propostas contra medidas provisórias por ano (1988-2007)
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
1
98
8
1
98
9
1
99
0
1
99
1
1
99
2
1
99
3
199
4
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
20
0
2
20
0
3
20
0
4
20
0
5
20
0
6
20
0
7
Fonte: gráfico elaborado pelo autor, com base em www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
Percebe-se inicialmente que as variações temporais na propositura das referidas
ADIns parecem estar correlacionadas, entre outros fatores, à mudança na composição da
elite política dirigente. Por sua vez, a leitura dos dados aponta que o uso deliberado da
via judicial pelos diversos legitimados ativos está fortemente vinculado aos períodos em
que as mudanças legislativas são mais intensas, ocasiões em que é de se esperar que o
130
próprio Presidente da República frequentemente lance mão de mais decretos como
forma de implementar parte de suas políticas de governo. Os picos de litigiosidade
apresentados nos anos de 1990, 1995 e 2004 sugerem que os novos governos eleitos nos
anos de 1989, 1994 e 2002, respectivamente, foram alvo de atividade oposicionista
junto ao Supremo Tribunal Federal, mesmo porque buscavam alterar parte das políticas
em curso editando os referidos decretos
106
. Por outro lado, a elevada propositura de
ADIns no ano de 1994 e ao longo de praticamente todo o período que se estende de
1997 a 2000 pode sugerir a presença de outros elementos relevantes, como variações em
função do recorte temático, por exemplo. Como forma de sanar esta dúvida, a tabela
abaixo apresenta o detalhamento destes dados.
Tabela 09. Divisão temática das ADIns propostas contra medidas provisórias por ano
de propositura (1988-2007)
107
Política
econômica
Administração
pública
Política
tributária
Gestão
financeira do
Estado
Política social
Relações
trabalhistas
Regulação
social
Administração
da justiça
Total
1988
1989 03 01 01 01 06
1990 08 02 01 02 01 11 25
1991 03 03 02 03 01 12
1992
1993 02 02 04
1994 15 04 03 02 03 04 01 32
1995 09 12 03 08 02 05 07 46
1996 11 02 01 02 03 01 01 21
1997 03 05 03 05 09 03 04 03 35
1998 02 04 02 03 05 07 06 03 32
1999 06 04 02 05 02 19
2000 04 02 01 06 03 06 04 26
2001 02 09 01 06 18
2002 05 02 07
2003 03 04 06 13
2004 05 05 06 06 22
2005 02 04 01 03 10
2006 02 02 02 06
2007 01 01 03 05
Total 66 71 28 31 38 25 48 32 339
Fonte: tabela elaborada pelo autor, a partir de www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
106
Estas variações parecem remeter ainda a períodos de intensa polarização política, podendo-se sugerir a
utilidade destes dados como indicadores da ocorrência deste fenômeno.
107
A presença de cédulas em branco indica a inexistência de casos, nos respectivos anos, envolvendo os
temas indicados.
131
Como indicam os dados, a variação na litigiosidade junto ao mais alto tribunal
do país também pode ser compreendida em função dos diversos assuntos tratados nas
políticas públicas implementadas por meio de medidas provisórias. A importância
concedida à regulação econômica na agenda política brasileira foi prioritária e altamente
controversa, por exemplo, nos anos de 1990 e 1991, em que foram apresentadas onze
ADIns contra medidas provisórias sobre este assunto, e especialmente no período que
vai de 1994 a 1996, quando foram propostas nada menos de trinta e cinco ações apenas
sobre este tema, praticamente uma por mês. Nesta mesma época é também digno de
nota, ainda que não com a mesma intensidade, o elevado acionamento da corte para
dirimir controvérsias de medidas provisórias referentes à regulação da administração
pública. Apenas no ano de 1995, foram doze ADIns levadas ao Supremo com este
propósito. Este tema, na realidade, é o que apresenta a maior constância e estabilidade
ao longo do período estudado. À exceção de 2007, ano para o qual os dados cobrem
apenas pouco mais de três meses, em todos os outros anos nos quais foram propostas
ações objetando decretos presidenciais este tema sempre se fez presente, o que se
explica em função das significativas alterações que se vem buscando realizar, em maior
ou menor medida, sobre a estrutura burocrática do país. É de se esperar que muitas delas
impliquem em reflexos sobre as prerrogativas do funcionalismo público, gerando as
demandas observadas ao tribunal. Ainda neste sentido, observando-se com vagar os
anos de 1997 e 1998, verifica-se também que estes foram os únicos em que todos os
temas foram contestados junto ao STF, o que reconfirma a elevada litigiosidade do
período. Por fim, com referência ao primeiro ano do governo Collor, deve-se sublinhar a
elevada presença da temática administração da justiça, com onze ADIns propostas. Isso
se deve, entre outras razões, aos apontados embates travados entre o governo e os
magistrados pertencentes aos círculos inferiores da hierarquia judicial, especialmente da
Justiça Federal. Neste período, considerável parcela das ADIns demandadas sobre este
tema dizia respeito às tentativas, por parte do Poder Executivo federal, de impor
restrições à concessão de liminares pelos juízes federais, o que foi objeto de acalorados
debates no STF, como demonstrou a pesquisa de Rogério Bastos Arantes (1997).
As tendências previamente delineadas são reafirmadas quando se atenta para
outro aspecto importante. Os dados apresentados na seqüência buscam apreender a
participação de associações empresariais e profissionais no ajuizamento das ações
estudadas e, como se pode perceber no gráfico abaixo, a participação destes grupos foi
mais intensa durante a década de 1990, especialmente até o ano de 1998 e com maior
132
vigor entre as associações profissionais, que incluem, entre outros, associações de
funcionários públicos e de trabalhadores em geral.
Gráfico 02. ADIns propostas por associações empresariais e profissionais contra
medidas provisórias por ano (1988-2007)
108
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
198
8
1989
19
9
0
1991
1992
19
9
3
1994
1995
1
99
6
1997
1998
1
99
9
2000
20
0
1
200
2
2003
20
0
4
2005
2006
20
0
7
Total Associações empresariais Associações profissionais
Fonte: gráfico elaborado pelo autor, com base em www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
Ao contrário do que inicialmente se poderia supor, as entidades patronais não
buscaram mais a censura do STF à atividade legislativa do Poder Executivo quando este
passou a ser chefiado por forças políticas de esquerda, em 2003. Na realidade, esta se
mostrou mais intensa durante o primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique
Cardoso, sendo bastante restrita tanto antes quanto depois deste intervalo de tempo.
Curiosamente, observa-se que as associações profissionais foram mais ativas também
durante esta mesma época, apresentando, contudo, pequenas elevações de litigiosidade
por ocasião dos dois primeiros anos do governo do Presidente Fernando Collor de Melo
e após 2004, sem, entretanto, serem propriamente assíduas nestes dois últimos períodos.
Ainda em tempo, dois aspectos importantes merecem ser destacados quanto à
participação do Conselho Federal da OAB. Primeiramente, no que se refere ao recorte
temporal, este desvela um aspecto no mínimo interessante sobre a organização. Sabe-se
que esta propôs 22 ADIns contra medidas provisórias no período estudado. O curioso é
que todas foram apresentadas até o ano de 2002, incluindo este, e nenhuma sequer após
a troca no comando do Poder Executivo em 2003, quando tomou posse o representante
da coligação liderada pelo Partido dos Trabalhadores. Os dados sugerem, portanto, certa
108
Observe-se que a categoria “outras associações”, antes presente englobando apenas as quatro ADIns
propostas pela União Nacional de Estudantes e pela Associação Nacional de Devedores de Instituições
Financeiras, foi excluída desta exposição dos dados justamente por sua reduzida significância estatística,
não sendo igualmente incluído o Conselho Federal da OAB, conforme já previamente ressaltado.
133
inclinação à esquerda da organização quando colocada no continuum ideológico
tradicional que se estende da direita à esquerda, o que pode ser explicado em alguma
medida pelo histórico recente da instituição, envolvida ativamente no processo de
transição para a democracia e na defesa de direitos humanos individuais. Neste sentido,
cumpre lembrar que a entidade colocou-se em rota de colisão direta com o governo do
Presidente Fernando Henrique Cardoso em diversas arenas, como a política de
privatizações, a reforma do sistema previdenciário e o próprio uso de medidas
provisórias, que considerava abusivo a ponto de representar uma usurpação de poderes
do Congresso Nacional, em uma linha argumentativa que se assemelha em muito à
retórica estilizada sobre o tema, exposta previamente. Em segundo lugar, vale enfatizar
que as ações propostas pela OAB nem sempre se vinculam diretamente aos seus
interesses mais imediatos, parecendo refletir, como identificou Matthew Taylor (2004),
pontos de vista e ideais que a entidade defende com relação à sociedade e à prática
política brasileiras. Este é o caso, por exemplo, da ADIn nº. 2601-1, que a entidade
propôs no ano de 2002 contra a medida provisória nº. 08, que criou a Comissão de
Valores Mobiliários, o mesmo ocorrendo em 1999, na ADIn nº. 2004-8, que questionou
a constitucionalidade da medida provisória n.º 1819, que reestruturou amplamente o
setor elétrico brasileiro, criando, entre outros, o Operador Nacional do Sistema Elétrico
(ONS). Por ter apresentado as referidas ADIns contra o inteiro teor daquelas medidas
provisórias e não somente contra os dispositivos que eventualmente pudessem colidir
contra os interesses daquele grupo de profissionais é de se supor que a entidade
estivesse defendendo suas próprias idéias sobre as políticas adotadas e não buscando
defender suas vantagens corporativas, como inicialmente se poderia pensar.
Por fim, resta responder a uma importante questão que foi anteriormente deixada
em aberto. Trata-se de saber se a menor intensidade na propositura de ADIns pelos
partidos políticos de direita e centro deve-se prioritariamente a uma preferência política
própria deste conjunto de partidos ou se isto pode ser creditado, na realidade, às
alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº. 32, aprovada em setembro de
2001, período próximo à troca na chefia do Executivo. Uma primeira aproximação que
se pode fazer do problema conta de observar as flutuações temporais na propositura
das ações pelas diferentes agremiações políticas e contrastá-la com a freqüência no
ajuizamento destas ações antes e depois da aludida alteração constitucional, conforme
consta dos gráficos e da tabela apresentados a seguir.
134
Gráfico 03. ADIns propostas por partidos políticos de esquerda, centro e direita contra
medidas provisórias por ano (1988-2007)
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
1
9
8
8
1
9
8
9
1
9
9
0
1
9
9
1
1
9
9
2
1
9
9
3
1
9
9
4
1
9
9
5
1
9
9
6
1
9
9
7
1
9
9
8
1
9
9
9
2
0
0
0
2
0
0
1
2
0
0
2
2
0
0
3
2
0
0
4
2
0
0
5
2
0
0
6
2
0
0
7
Total Partidos de esquerda Partidos de centro Partidos de direita
Fonte: gráfico elaborado pelo autor, com base em www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
De início, uma variação importante merece ser anotada, ainda que os dados
brutos sejam diminutos e não possam ser apontados como conclusivos. Impõe-se
constatar que a não insignificante presença de ADIns apresentadas contra medidas
provisórias por partidos de esquerda durante o próprio governo de esquerda do
Presidente Luis Inácio Lula da Silva sugere que a propositura destas ações tende a ser
uma estratégia utilizada com mais freqüência por agremiações desta faixa do espectro
ideológico
109
. Isto é ainda mais verdadeiro quando se observa a intensidade na
participação de partidos de direita e centro durante os anos em que estiveram à frente do
governo agremiações de mesma ideologia. Neste caso, o acionamento do STF foi
praticamente nulo, sugerindo que a ideologia é uma variável causal importante para
identificar a maior ou menor intensidade na propositura dessas ADIns. Ainda neste
sentido, quando se comparam os partidos principais destas três faixas do espectro
ideológico, fica claro que o Partido dos Trabalhadores, principal força política de
esquerda, questionou com muito mais intensidade junto a STF as medidas provisórias
quando esteve na oposição do que o fizeram PSDB e PFL, respectivamente. Quer dizer,
considerando-se apenas as forças políticas que efetivamente concorrem eleitoralmente
pela chefia do Poder Executivo no plano nacional, percebe-se que a esquerda tende a
recorrer mais assiduamente ao STF como forma de objetar a política majoritária do que
as forças políticas de direita e centro.
109
Deve-se constatar, todavia, que as ADIns propostas por partidos de esquerda contra o governo do
Presidente Luis Inácio Lula da Silva não foram obra do Partido dos Trabalhadores, mas sim de outras
agremiações, como PV, PPS e PDT, por exemplo. Como seria de se esperar, o PT não apresentou
nenhuma ação contra os decretos editados pelo chefe do Executivo de 2003 em diante.
135
Gráfico 04. ADIns propostas por PT, PSDB e PFL contra medidas provisórias por ano
(1988-2007)
110
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
1988
19
8
9
19
9
0
1991
19
9
2
19
9
3
19
9
4
19
9
5
1
99
6
1
99
7
19
9
8
1
99
9
2
00
0
2
00
1
2
00
2
200
3
2004
2
00
5
200
6
2007
Total PT PSDB PFL
Fonte: gráfico elaborado pelo autor, com base em www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
Neste mesmo sentido, o gráfico acima serve para corroborar a hipótese de
acordo com a qual a propositura dessas ações por partidos deste porte apresenta um
propósito fundamentalmente eleitoral, de marcar e reafirmar uma posição em relação às
políticas em curso, apresentando-se como uma opção a elas. Como se observa, estes
partidos somente propuseram ADIns contra atos unilaterais do governo quando
estiveram excluídos da coalizão governista e em hipótese alguma quando a integraram.
Contudo, como se observou, a intensidade com que o PT exerceu oposição ao governo
via STF é sensivelmente superior àquela desempenhada, por exemplo, pelo PSDB após
a eleição do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, em 2003. Estes dados sugerem,
portanto, a importância da variável ideologia no processo de propositura de ADIns.
Tabela 10. ADIns propostas contra medidas provisórias, antes e depois da Emenda
Constitucional nº. 32, de 11 de setembro de 2001 (1988-2007)
Freqüência Média
Antes da EC nº 32/2001 274 1,76/mês
Depois da EC nº 32/2001 65 0,97/mês
Índice geral 339 1,52/mês
Fonte: tabela elaborada pelo autor, a partir de www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
Todavia, quando se passa a comparar os efeitos globais da aprovação da Emenda
Constitucional nº. 32, constantes da tabela acima, os dados permitem afirmar maior
peso da variável relativa às regras do jogo. Neste caso, a variação poderia ser explicada
pelo fato de os partidos políticos e demais propositores, mas especialmente os
110
Entre as ADIns propostas pelo PT, foram incluídas aquelas em coalizão com outros partidos.
136
primeiros, terem passado a atuar mais vigorosamente na arena legislativa em razão da
obrigatoriedade de apreciação das medidas provisórias pelo Congresso Nacional, o que
possivelmente os fez adotar com menor freqüência a via judicial como estratégia
contestatória. Pode-se sugerir, neste sentido, que o alarde promovido em torno da edição
de determinadas medidas provisórias tenha se tornado mais intenso junto ao Poder
Legislativo, precisando-se menos do recurso às ADIns para obtenção do mesmo efeito.
Entretanto, em contrariedade a este argumento impõe-se observar que a presença dos
partidos políticos no STF durante o período posterior à emenda passou de 51,5% para
60% do total, ao passo que a freqüência dos demais grupos – considerados em conjunto
diminuiu de 48,5% do total para exatos 40%. Esta variação não pode ser explicada,
contudo, pelo incremento no uso da via judicial pelos partidos políticos, mas
especialmente pela queda praticamente geral na participação de certos grupos. Apenas
como exemplo, vale ressaltar que governadores de Estado e mesas de assembléias
legislativas estaduais, ainda que não sejam os órgãos mais ativos neste sentido, não
contestaram nenhuma medida provisória junto ao STF desde a entrada em vigor da
Emenda Constitucional nº. 32/2001. Ademais, a média mensal de propositura de ações
por partidos políticos sofreu importante queda, passando de 0,90 para 0,58 ADIns
propostas por mês contra medidas provisórias, o que indica um ritmo 35% inferior na
propositura de ADIns após a aprovação da emenda da parte dos partidos políticos.
Estes dados, portanto, parecem sugerir uma combinação de fatores explicativos.
Por um lado, não como negar que muitas medidas provisórias antes de setembro de
2001 restavam sem apreciação pelo Poder Legislativo, sendo sucessivamente reeditadas
para continuar a viger. Em razão desta inação do Congresso Nacional, possivelmente os
partidos políticos passavam a considerar o acionamento do STF a única forma de buscar
interferir concretamente sobre o conteúdo destes decretos. Como será visto no momento
oportuno, muitas ADIns propostas contra atos unilaterais do Poder Executivo foram
julgadas prejudicadas justamente porque as partes não aditavam a petição inicial com as
medidas provisórias posteriores que repetiam o conteúdo daquela contra a qual
inicialmente se havia proposto a ação. Trata-se de um indício forte da tese de que a
inexistência das reedições minorou a importância da via judicial para os partidos
políticos. Por sua vez, em prol da influência do critério ideológico, alguns estudos
apontam que o uso sistemático da via judicial especialmente pelo Partido dos
Trabalhadores foi uma estratégia política deliberada através da qual o partido buscou
angariar atenção do cenário político brasileiro, inclusive em função do eleitorado do
137
partido, composto por funcionários públicos e trabalhadores em geral, que foi, como se
viu, em grande parte objeto de regulação legal no período em que o PT se encontrava na
oposição (Taylor, 2004, p. 247-282)
111
.
Com esta exposição inicial dos dados, pretendeu-se apresentar a que diferentes
tipos de pressões está sujeita a agenda da mais alta corte do país em função das
particularidades de seu desenho institucional. Ao longo da exposição, viu-se que o
acionamento do tribunal para questionar decretos presidenciais vem sendo uma
atividade intensamente promovida especialmente por partidos políticos oposicionistas,
organizações de interesses (com destaque, entre estas, para as associações profissionais)
e, em menor medida, pelo Conselho Federal da OAB. Órgãos representativos de
entidades sub-nacionais (como Governadores de Estados e Mesas de Assembléias
Legislativas) e a Procuradoria-Geral da República também se fizeram presentes neste
processo, mas de forma bastante mais tópica e restrita. Ainda neste sentido, viu-se que o
tribunal também foi levado a ter de posicionar-se frente a uma enorme variedade de
temas politicamente significativos, com variações ao longo do tempo geralmente
associadas à implementação de novas políticas que promoviam importantes inflexões
em relação ao status quo. Verificar de que maneira a corte tem respondido a estas
provocações é o que se passa a fazer a seguir.
4.2.2 O Supremo Tribunal Federal julgando decretos presidenciais
De que forma tem o Supremo Tribunal Federal reagido à vigorosa pressão
exercida sobre sua agenda no intuito de objetar atos unilaterais do Poder Executivo?
Antes de responder à questão que ocupará a presente seção, todavia, uma breve nota
metodológica se faz necessária. Trata-se de esclarecer a melhor forma de abordar
semelhante problema, discutindo-se a adoção de um indicador seguro que não enviese
os resultados obtidos e que, por via de conseqüência, não macule as próprias conclusões
deles derivadas. Conforme afirmado ainda no primeiro capítulo deste manuscrito,
111
Poder-se-ia pensar ainda em uma terceira explicação óbvia para a diminuição de acionamento do STF
na contestação de medidas provisórias. Trata-se da possível queda no uso deste instrumento normativo
por parte do Executivo em razão da redação mais restritiva do artigo 62 da Constituição conferida pela
emenda de 2001. Entretanto, como alguns estudos recentes têm demonstrado, o sucesso legislativo em
medidas provisórias do Executivo aumentou ligeiramente com a aprovação da emenda, elevando-se
também a média mensal de edição de novos decretos, mantendo-se também estável a taxa de alterações
promovidas pelo Congresso Nacional na aprovação das medidas provisórias (Pereira; Power; Rennó,
2006; Da Ros, 2008). Para maiores detalhes, consulte-se o Apêndice A, ao final desta dissertação.
138
basicamente dois momentos em que a atuação do STF pode se fazer presente de modo a
objetar os decretos presidenciais. O primeiro se no julgamento do pedido de liminar,
veiculado na grande maioria das ADIns estudadas
112
, ocasião em que se pleiteia uma
intervenção preventiva da corte, buscando suspender determinada medida provisória, ou
trecho desta, até o processamento final da ação. Nesta ocasião, o tribunal decide se a
permanência em vigor do decreto questionado durante o processamento do conflito
pode ou não afetar o próprio bem que se busca proteger com a propositura da ADIn. Por
sua vez, o segundo momento é o chamado julgamento do mérito da ação e diz respeito
ao pronunciamento final do tribunal quanto à constitucionalidade das normas jurídicas
atacadas. A postura adotada nesta dissertação é que os julgamentos dos pedidos de
liminar são os indicadores mais adequados para serem tomados como efetivos
posicionamentos do tribunal frente às medidas provisórias naquelas ADIns cujo objeto
de questionamento eram diretamente estas. Observe-se que esta opção é realizada em
isolamento, sendo explicitamente adotada em outras análises importantes sobre o STF
(Vianna et alii, 1999, p. 134; Taylor, 2004, p. 169-170)
113
. Semelhante opção se
justifica porque, do ponto de vista propriamente político, este é o momento em que a
corte tem a possibilidade de efetivamente apresentar-se como um ponto de veto do
sistema político, podendo interferir de modo imediato sobre a produção legislativa da
Presidência da República. Como o julgamento de mérito de qualquer ação somente
ocorre depois de transcorrido tempo significativo de sua propositura, o eventual impacto
político dessa decisão torna-se bastante diminuto, restringindo a validade analítica de tal
tipo de pronunciamento. Como se percebe também, este fator é especialmente agravado
quando se trata de julgar institutos legais de vida efêmera e efeito legislativo imediato,
como as medidas provisórias. Prova disto é que praticamente não se observa nenhum
pronunciamento significativo do STF sobre os decretos do presidente brasileiro nos
julgamentos de mérito das ADIns estudadas. Do universo estudado de 339 ações, em
112
Do universo das 339 ADIns sob exame, apenas 14, ou 4,1% do total, não apresentavam este pedido.
113
O esforço aqui empreendido, todavia, vai de encontro à idéia defendida em alguns estudos que dão
conta de afirmar a centralidade dos julgamentos de mérito, como se apenas eles fossem indicadores
seguros do intervencionismo judicial. Este é o caso, por exemplo, dos trabalhos de Vanessa Elias de
Oliveira (2005) e de Tatiana de Pino Albuquerque Maranhão (2003). No primeiro deles, a autora trabalha
com a idéia de “ciclo de judicialização”, que se iniciaria com a propositura de determinada ação e
somente seria encerrado com um pronunciamento final de mérito sobre esta. Por sua vez, o segundo
trabalho analisa apenas as ADIns em que o Presidente da República aparece como réu, restringido o
exame aos pronunciamentos de mérito das referidas ações. O problema associado a estas duas abordagens
é que, ao restringirem as análises apenas aos referidos julgamentos de mérito da corte, elas incorrem em
certo enviesamento dos resultados, visto que excluem de suas análises aquele que certamente é o principal
conjunto de situações em que o tribunal intervém sobre o processo político.
139
apenas onze delas, ou 3,2% do total, chegou-se a um posicionamento final concreto com
respeito à constitucionalidade das medidas provisórias atacadas. Nos casos restantes,
elevada presença de ações em que o transcurso do tempo de fato impediu o tribunal de
tomar qualquer decisão politicamente relevante pela corte, retirando, portanto, qualquer
validade analítica destes julgamentos
114
.
Feitas as devidas ressalvas sobre os indicadores a serem empregados na presente
análise, pode-se passar à verificação empírica do modelo analítico construído no
capítulo que precedeu este. Como se expôs naquela ocasião, o construto teórico que
guia o exame do objeto desta pesquisa embasa-se em uma variante do modelo
estratégico o separation of powers model a ele aliando contribuições das análises
centradas nas características institucionais e na presença de organizações de interesse
junto ao Poder Judiciário e às Cortes Supremas em especial. Em vista do exposto,
deve-se esperar que o STF não priorize o enfrentamento ao Poder Executivo federal,
intervindo com relação aos atos unilaterais deste último apenas de modo pontual,
especialmente quando os proponentes das ações forem poderosas organizações de
interesses e instituições políticas importantes. Estas serviriam como suportes ao tribunal
e evitar-lhe-iam ser identificado como foco efetivo de atividade oposicionista,
facilitando-lhe o exercício do veto aos decretos do governo. Uma primeira síntese dos
resultados coletados aponta, ao menos inicialmente, para a confirmação de uma das
hipóteses principais, qual seja, aquela que aponta a reduzida, mas não insignificante
atividade do tribunal como entrave à edição de medida provisórias.
Tabela 11. Resultados dos julgamentos de pedidos de liminar em ADIns contra
medidas provisórias (1988-2007)
Resultado Freqüência Percentual
Deferida 26 7,7%
Deferida em parte 22 6,5%
Indeferida 83 24,5%
Prejudicada 156 46%
Não conhecida 05 1,5%
Sem pedido de liminar 14 4,1%
Aguardando julgamento 33 9,7%
Total 339 100%
Fonte: tabela elaborada pelo autor, com base em www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
De pronto, em vista das informações apresentadas na tabela acima, faz-se
importante constatar que em somente 48 situações (14,2%), de um total de mais de
114
A exposição dos dados coletados para os julgamentos de mérito das ADIns propostas contra medidas
provisórias encontra-se realizada no Apêndice B desta dissertação.
140
trezentas, o STF atuou efetivamente como ponto de veto, parcial ou integralmente, aos
decretos editados pelo presidente brasileiro. Se, por um lado, considerando-se apenas os
percentuais extraídos, tem-se que a corte não foi um ponto de afrontamento constante ao
Poder Executivo, por outro lado, uma breve comparação com a realidade estadunidense
pode sugerir exatamente o contrário. Adotando novamente o estudo de William Howell
(2003) e aqueles outros elaborados em parceria por este com Terry Moe (1999; 1999a)
como parâmetros e fontes de dados para o controle judicial exercido por todo o Poder
Judiciário federal norte-americano sobre
executive orders, observa-se, neste particular,
grandes diferenças entre aquela realidade e a brasileira. Naquele país, foram verificadas
exatas 86 ações que submetiam à revisão judicial atos unilaterais do Poder Executivo,
das quais em 14 o presidente norte-americano restou derrotado, o que significa
exatamente 16,1% do total, ou seja, taxa bastante semelhante àquela verificada no
Brasil. Todavia, mesmo que os índices percentualmente sejam próximos, vale observar
a freqüência anual com que o presidente de cada país foi derrotado quando submetido
ao controle de constitucionalidade de seus atos junto ao Poder Judiciário. Nos Estados
Unidos, observa-se média de 0,26 derrotas dos decretos do presidente junto às
instituições judiciais a cada ano, o que corresponde, aproximadamente, a um insucesso
do Poder Executivo a cada quatro anos. Estes dados, quando comparados àqueles
colhidos para esta pesquisa sobre a realidade brasileira, podem até mesmo causar
surpresa. Isto porque, no Brasil, a média anual de fracassos presidenciais sobe para 2,53,
o que equivale aproximadamente a cinco insucessos do Poder Executivo a cada dois
anos junto à mais alta corte do país, isto é, um taxa praticamente dez vezes superior
àquela existente na realidade estadunidense para todo o Poder Judiciário federal daquela
nação. Apenas para que fique claro, trata-se de uma diferença quanto à freqüência ao
longo do tempo com que as instituições judiciais intervêm ante os atos unilaterais da
chefia de governo. Não se está falando, portanto, em relação à probabilidade desta
mesma intervenção se verificar. Esta última, como foi visto, se mantém na casa de 80%
dos casos apresentados às respectivas cortes. De pronto, cumpre observar que a
significativa variação apontada não pode ser atribuída ao menor ou maior uso dos
decretos presidenciais em cada país. Na realidade, os dados existentes atestam que os
diferentes presidentes norte-americanos se valeram com mais freqüência de executive
orders do que os presidentes brasileiros recentes de medidas provisórias
115
. Parece
115
De acordo com o estudo de William Howell (2003), que não sabe precisar com exatidão os dados,
foram editadas aproximadamente 4.000
executive orders de 1942 a 1996, o equivalente a aproximados 74
141
claro, portanto, que estas flutuações podem ser atribuídas às diferenças verificadas entre
os sistemas de controle de constitucionalidade de leis existente em cada país. Ao
permitir que amplo rol de atores questione direta e abstratamente ao mais alto tribunal
do país se determinada norma se encontra em conformidade ou não com a Constituição,
o sistema brasileiro desvincula o exercício destas funções das lides processuais
ordinárias e torna possível que os decretos presidenciais (e quaisquer outras normas)
sejam objetados a qualquer tempo junto ao STF. Tal configuração institucional
contribui sensivelmente para o maior acionamento do tribunal e, por via de
conseqüência, incrementa as possibilidades da corte intervir com mais freqüência sobre
o processo político e, no caso, sobre os atos unilaterais do Poder Executivo. Por outro
lado, como o sistema norte-americano caracteriza-se pelo exercício da revisão judicial
apenas em concreto, ele restringe as possibilidades de revisão judicial das
executive
orders apenas àquelas situações em que semelhante questionamento se faz necessário à
solução jurisdicional do caso sob exame. Conclui-se, portanto, que a diferença no
acesso ao controle judicial de constitucionalidade das leis de cada nação explica em
grande medida a significativa variação existente entre um país e outro quanto à
assiduidade da intervenção judicial sobre os atos unilaterais do governo. Dito de outro
modo, a corte brasileira intervém mais frequentemente junto às medidas provisórias do
que o Poder Judiciário federal norte-americano ante as executive orders justamente
porque é também com maior freqüência chamada a se pronunciar sobre estes
instrumentos normativos. Por via de conseqüência, esta sumária comparação igualmente
atesta a validade de algumas considerações que enfatizam a importância das variáveis
institucionais neste contexto, como explicitado previamente. No caso, estas parecem
influenciar não somente o acesso ao Poder Judiciário pelos diferentes grupos, como
também, por conseqüência disto, a própria importância das instituições judiciais face
aos demais órgãos e agências do Estado, visto que podem pronunciar-se sobre os
diferentes diplomas legais com maior assiduidade.
Em retorno à análise dos dados presentes na tabela anteriormente exposta, outros
elementos importantes merecem ser destacados. Primeiramente, ainda em reforço à
idéia de acordo com a qual os julgamentos de mérito não são indicadores adequados do
fenômeno estudado, vale ressaltar a reduzida presença de ADIns em que não se faz
presente pedido de liminar pelos proponentes. Considerando-se que este é um pedido de
novos decretos por ano. No Brasil, como se viu no capitulo inicial, entre 1988 e 2006, foram editadas 943
novas medidas provisórias, perfazendo média de 49,3 novos instrumentos normativos deste porte ao ano.
142
caráter facultativo, que pode ou não constar em praticamente qualquer ação judicial, a
presença constante dele nos processos estudados atesta novamente a importância dos
julgamentos feitos em sede de liminar para abordar o problema. Em segundo lugar, deve
ser assinalado o grande conjunto de ações cujos julgamentos dos pedidos de liminar não
foram atendidos pelo STF, que totaliza 244 ações das analisadas na tabela acima, ou
72% do total, nas quais se fazem presentes 83 situações em que a corte diretamente
negou o que era requerido pelas partes, indeferindo o pedido de liminar. Se forem
considerados apenas os casos em que o STF efetivamente decidiu quanto ao pedido de
liminar, excluindo do montante as 33 ADIns que aguardam julgamento e aquelas outras
14 em inexiste tal pedido, o universo de análise restringe-se a 292 ações e este
percentual chega a exatos 83,6% do geral. Observe-se, portanto, que dentre o total de
ações julgadas em desfavor dos proponentes (e em benefício do Poder Executivo,
portanto), elevada presença daquelas cujo julgamento da questão proposta sequer foi
efetivamente realizado, como é o caso das ADIns que restaram prejudicadas ou não
conhecidas. Somados, estes dois tipos de resultados dos julgamentos de liminar
perfazem 161 casos, praticamente metade (47,5%) do total de ações propostas contra
medidas provisórias, ou ainda 55,1% destas ações quando se considera aquelas 292 em
que realmente houve um posicionamento tomado pela corte. Mesmo que inicialmente
estes casos pareçam julgamentos que não ocorreram por infortúnios ou mesmo por
tecnicalidades próprias do mundo do direito, a verdade é que sob este conjunto
significativo de decisões se escondem interessantes táticas evasivas adotadas pela corte
como forma de evitar ter de decidir sobre determinadas questões politicamente sensíveis
que lhe eram trazidas pelos diferentes proponentes. Como se pretende deixar claro no
decorrer desta seção, portanto, uma das estratégias fundamentais do tribunal frente às
medidas provisórias tem sido de modo sistemático não julgar efetivamente as questões
apresentadas. Agindo desta maneira, o tribunal preserva inalterado o
status quo
decorrente da edição do aludido decreto, mas não se pronuncia diretamente em
contrariedade ao que foi pleiteado pelo proponente da ação. Desta forma, a corte ainda
evita ser identificada seja como governista seja como oposicionista e preserva o
discurso e a feição de imparcialidade em seus julgamentos, administrando mais do que
decidindo o conflito que a ela chega. Exatamente neste sentido, um último dado
importante presente na tabela acima merece ser exposto de forma mais minudente.
Trata-se das 33 ADIns para as quais consta a informação “aguardando julgamento”.
Novamente, poder-se-ia cogitar que se trata de ações recém apresentadas ao tribunal e,
143
que, portanto, ainda não foram julgadas justamente porque a corte não teve a chance de
fazê-lo. Todavia, examinando com mais vagar estas informações, percebe-se que nada
menos que 27 destas ações, ou 81,8% deste conjunto, foram propostas antes do ano de
2005, isto é, pelo menos vinte e oito meses antes da coleta de dados. Quer dizer, deste
conjunto de 33 ações que aguardam julgamento, mais de oitenta por cento delas foram
apresentadas ao tribunal há mais de dois anos e ainda não há pronunciamento da corte a
seu respeito. Isto provavelmente significa que elas não estão exatamente aguardando
que a pauta do tribunal as alcance, mas sim que elas foram de certa maneira
“julgadas” pela corte, que simplesmente
decidiu não decidir, ainda que isto não tenha
sido exatamente explicitado em um julgamento realizado pelos Ministros do STF. Prova
disso é o fato de que em alguns casos, as ações foram propostas ainda nos anos de 1998
ou 1999 e não consta nenhum posicionamento expresso do tribunal quanto ao pedido de
liminar das referidas ADIns propostas contra medidas provisórias. A existência destes
casos evidencia alguns elementos importantes. Em primeiro lugar, não parece haver
muita clareza na forma como a pauta da corte se organiza. Ora, se a propalada
sobrecarga processual impedisse a corte de apreciar algumas ações em tempo hábil,
como explicar o fato de que algumas ADIns chegam a julgamento, ao passo que isso
não ocorre em outras? Neste sentido, pode-se sugerir haver uma espécie de seleção
informal dos casos que são efetivamente levados à apreciação do tribunal, o mesmo
ocorrendo com relação ao momento em que isto é feito. Não há, entretanto, como
precisar com clareza se isso ocorre a partir de decisão informalmente tomada pelo
conjunto de Ministros do tribunal ou se este controle é exercido pelos relatores dos
respectivos processos. Se este argumento estiver certo, portanto, é de se supor que as
regras internas de decisão da corte ressalvadas aquelas que definem a atuação do
órgão em relação a outras instituições, como a Lei 9.868/1999, por exemplo não
representam verdadeiros constrangimentos à ação dos integrantes daquele órgão, mas
significam pouco além de parâmetros gerais sujeitos constantemente a alterações
informais de acordo com as predileções dos integrantes da instituição, variáveis estas de
acordo com o ambiente político do momento. Tal constatação apenas reforça o caráter
instrumental do uso das normas jurídicas neste contexto, bem como a lógica
anteriormente esboçada de relativa capacidade autônoma de ação coletiva em corpos
políticos com reduzido número de integrantes, como é o caso de instituições judiciais
colegiadas com pouco mais de uma dezena de integrantes. Poder-se-ia inclusive explicar
essa relativa falta de regras internas rígidas em função da capacidade apresentada pelos
144
Ministros do STF de agirem coletivamente sem que precise se recorrer a um conjunto
de incentivos independentes e seletivos, como ocorre em outras instituições de maior
número de integrantes. Em segundo lugar, a existência deste lapso temporal tão grande
entre a propositura e o não julgamento das questões indica, ao que parece, mais do que
um simples esquecimento de se apreciar determinadas questões por parte daqueles
julgadores e sim um curso de ação condizente com a estratégia da corte de evitar ter de
se pronunciar sobre determinadas questões importantes, como se alinhavou. Todavia,
para apresentar adequadamente este argumento, é importante demonstrá-lo com mais
vagar. Uma forma de se observar isso é examinar justamente as razões apresentadas
pelos Ministros do tribunal para considerarem o julgamento dos pedidos de liminar
prejudicados ou para simplesmente optarem pelo não conhecimento das ações. A análise
feita a seguir pretendeu apreender estes padrões, conforme exposto na tabela abaixo.
Tabela 12. Razões para a prejudicialidade e para o não conhecimento das ações nos
julgamentos de pedidos de liminar em ADIns contra medidas provisórias (1988-2007)
Razão Freqüência Percentual
Estratégias evasivas por parte do tribunal 73 45,3%
Alteração legislativa prévia ao julgamento da ADIn 42 26,1%
Ilegitimidade ativa do proponente 23 14,3%
Julgamento prévio de outra ADIn com o mesmo teor 17 10,5%
Falha ou desistência do proponente 06 3,7%
Total 161 100%
Fonte: tabela elaborada pelo autor, com base em www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
Como se observa, os dados acima confirmam a tendência de que elementos
estratégicos se fazem presentes nos diferentes julgamentos realizados pela corte. Em
primeiro lugar, impõe-se observar a elevada presença de casos nos quais o tribunal
claramente empregou as regras processuais com habilidade para justificar o não
enfrentamento de muitas questões que lhe eram propostas pelas sucessivas ADIns
dirigidas contra medidas provisórias, como foi inclusive sugerido pela literatura com
relação à atuação da instituição em outros temas (Rocha, 2004; Pacheco, 2006). Como
se percebe na tabela acima, em pelo menos 73 situações, 21,5% do todas as ações (339)
e 25% daquelas julgadas em sede de liminar (292), o tribunal adotou este curso de ação.
Os dados sugerem, portanto, que a corte lança mão desta estratégia com uma freqüência
que chega a 3,84 vezes ao ano. Como forma de esclarecer o que foram consideradas
estratégias evasivas da parte do STF, algumas pormenorizações merecem ser realizadas.
Nesta categoria foram incluídas, por exemplo, as 59 ações para as quais o tribunal
desenvolveu interessante jurisprudência afirmando a necessidade de aditamento ao
145
pedido inicial daquelas medidas provisórias que eram reeditadas ou convertidas em lei,
mesmo que repetindo de forma idêntica o conteúdo do decreto anterior. Desenvolvido
desde cedo na corte, este posicionamento afirma que em caso da medida provisória
questionada ser reeditada ou convertida em lei, ainda que permaneça inalterado seu teor,
deve o requerente realizar um aditamento ao pedido inicial para que a ação continue
sendo processada. Desta forma, enquanto se aguarda que a questão seja incluída na
pauta do tribunal, os proponentes precisam juntar à ADIn todas as reedições que possam
ocorrer do ato normativo atacado, ainda que em nada se altere propriamente a questão
discutida. Neste caso, qualquer lacuna deixada pelo proponente é imediatamente
objetada pelo relator, que, por despacho, julga monocraticamente prejudicada a ação. O
interessante a se observar é que esta construção jurisprudencial parece ser acionada
como uma forma de arrefecer os ânimos dos proponentes, permitindo que o tribunal
prorrogue por tempo bastante razoável o julgamento da questão até o ponto em que o
próprio requerente desista ou se desinteresse da questão, deixando de aditar o pedido.
Quando isto ocorre, o tribunal, que não havia demonstrado qualquer interesse em julgar
a questão até então, a decide de pronto, optando obviamente pela não intervenção e
atribuindo a responsabilidade por isto, de certa maneira, ao proponente que deixou de
fazer as referidas adições. Veja-se, neste sentido, o exemplo fornecido ADIn nº. 1534-6,
proposta pelo Partido dos Trabalhadores contra trechos da medida provisória nº. 1523-1,
de 12 de novembro de 1996, que instituía regras relativas à contagem de tempo para a
aposentadoria de determinadas categorias de trabalhadores. O partido propôs a ação
com pedido de liminar pouco mais de duas semanas depois da edição do decreto, no dia
29 do mesmo mês, ocasião em que o processo foi distribuído ao Ministro Octávio
Galotti, que fora sorteado relator. Fundamentalmente, o PT alegava que os pressupostos
de urgência e relevância para expedição de medidas provisórias não se encontravam
presentes na ocasião, visto que o ato normativo editado revogava decretos em vigor
mais de 37 anos, sem que nenhum fato novo tivesse se verificado a ponto de justificar
abrupta intervenção do Poder Público. Visto que o tribunal não apreciou o pedido de
liminar logo na ocasião, o partido aditou sucessivamente a inicial com as reedições de
idêntico teor daquela primeira medida provisória, o que se deu por quatro ocasiões ao
longo dos quatro meses subseqüentes. Quando o partido se desinteressou pelo caso, em
vista provavelmente da perda de notoriedade pública da questão, o relator, que não
havia demonstrado até então qualquer interesse em decidir, declarou prejudicada a ação
pela falta de aditamento à inicial das novas reedições do decreto, em junho de 1997.
146
Este exemplo serve como ilustração de uma situação que se verificou em diversas outras
ocasiões e torna ainda mais patente a racionalidade da corte quando se considera que
outras ADIns foram efetivamente levadas a julgamento pelos relatores tão logo
propostas. Para que se elimine qualquer suspeita relativa às eventuais diferenças
existentes entre os integrantes do tribunal, veja-se, por exemplo, o caso da Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº. 1417-0, em que consta como relator o mesmo Ministro
Octávio Galotti. No caso, a ação foi proposta pela Confederação Nacional da Indústria
(CNI) contra a medida provisória nº. 1325, de fevereiro do mesmo ano de 1996, que
modificava retroativamente a 1º. de outubro de 1995 a base de cálculo das contribuições
para os Programas de Integração Social (PIS) e de Formação do Patrimônio do Servidor
Público (PASEP) a serem recolhidas pelos empregadores. Pouco antes de completar um
mês da edição do aludido decreto, os advogados da entidade apresentaram a ação, em
05.03.1996. Entre outras coisas, argumentavam que a pretendida alteração sobre o
tributo não poderia ocorrer, visto que a Constituição veda o estabelecimento de regras
sobre tributos de forma retroativa. De imediato, em quarenta e oito horas, no dia
07.03.1996, o relator a levou a questão ao plenário e, por votação unânime, a corte
deferiu parcialmente o pedido formulado, suspendendo a eficácia do trecho da medida
provisória que estabelecia o aludido efeito retroativo. Como se observa, o tratamento
diferenciado entre um caso e outro atesta a existência de uma espécie de seleção
informal das ADIns que são submetidas ou não a julgamento, permitindo que a corte
pronuncie-se sobre determinados casos e silencie sobre outros. Na ocasião, como se
argumentou, este curso de ação parece ser orientado estrategicamente como forma de o
tribunal evadir-se de decidir em contextos e situações politicamente sensíveis.
Além desta, outras estratégias, embora não tão freqüentes, também se fizeram
presentes como forma de o tribunal não apreciar as medidas provisórias que lhe eram
apresentadas. Em outras seis situações, por exemplo, a corte afirmou que não poderia
decidir com respeito a normas que considerou serem de caráter
concreto, como aquelas
que definem gastos da Administração Pública federal. De acordo com a corte, ela
somente poderia julgar Ações Diretas de Inconstitucionalidade quando a norma atacada
fosse de natureza abstrata, dotada de generalidade, portanto. Neste particular, um bom
exemplo fica por conta da ADIn nº. 1716-0, proposta em 25 de novembro de 1997 pelo
Partido Democrático Trabalhista contra a medida provisória nº. 1600, que determinou
que os recursos e dividendos originados do superávit financeiro da Administração
Pública federal fossem destinados à amortização da dívida pública da União. O
147
argumento observado pela parte que propunha a ação amparava-se em interpretação
aparentemente plausível da Constituição, de acordo com a qual a definição na alocação
dos recursos públicos é matéria orçamentária e, como tal, pode ser realizada pela Lei
Orçamentária Anual, necessitando, portanto, de prévia autorização do Poder Legislativo
para vigorar. Visto que a medida provisória impugnada determinava a forma como
seriam empregados recursos públicos, esta seria inconstitucional, eis que, como ato
unilateral do Poder Executivo, não havia sido endossada previamente pelo Congresso
Nacional. Como se tem sugerido, ao invés de enfrentar esta importante questão relativa
à definição dos limites materiais à edição de medidas provisórias, definindo as
fronteiras entre as prerrogativas dos Poderes Executivo e Legislativo, o tribunal
simplesmente preferiu não se pronunciar diretamente sobre a questão. Na ocasião, a
corte, com base em uma distinção no mínimo controversa, afirmou apenas que, como se
tratava de norma instituidora de comando concreto (a alocação de recursos) e não
abstrato, tratava-se de assunto não sujeito ao controle de constitucionalidade e que,
portanto, o tribunal não poderia intervir. Esta decisão se torna ainda mais curiosa se for
observada a nova redação do artigo 62 da Constituição, originada da Emenda
Constitucional nº. 32/2001 que, em seu § 1º., “d”, afirma serem vedadas as medidas
provisórias referentes a planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e
créditos adicionais e suplementares.
Ainda neste sentido, percebe-se que a corte vem adotando postura restritiva
frente à possibilidade de participação de organizações de interesses no processo de
questionamento abstrato de normas. Uma importante limitação que a corte tem
estabelecido a estes grupos diz respeito à pertinência temática, que, de acordo com o
tribunal, deve existir entre o proponente e o assunto tratado no ato normativo objetado.
Um exemplo fica por conta da ADIn nº. 1526-1 proposta pela Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Indústria contra a medida provisória nº. 1523, de outubro de 1996,
que definia regras para aposentadoria dos juízes classistas do trabalho. De acordo com a
corte, a aludida associação, embora estivesse apta a questionar a constitucionalidade de
leis diretamente ao STF, não poderia fazê-lo no caso em tela porque a norma jurídica
objetada não dizia respeito aos seus próprios interesses. Assim, o tribunal simplesmente
não analisou a questão relativa à constitucionalidade da medida provisória objetada,
circunscrevendo sensivelmente o leque de possibilidades de participação dos referidos
grupos. Isto é especialmente interessante quando se compara estas entidades de classe
com o Conselho Federal da OAB, que, conforme visto, propõe diversas ADIns a
148
respeito de temas pouco ou nada afeitos aos seus efetivos interesses imediatos. O
curioso a se considerar neste particular é que o STF anuiu com esta conduta e instituiu o
que pode ser apontado com um privilégio em prol desta organização frente às demais.
Com relação ainda às entidades representativas de interesses, outro ponto
importante da jurisprudência da corte foi se firmando de forma restritiva com relação à
participação destas no processo de questionamento abstrato da constitucionalidade de
normas. Neste caso, todavia, as limitações se dirigem a entidades específicas, que o
tribunal afirma não estarem aptas sequer a apresentar as ações, seja sobre quais temas
for. Trata-se dos casos de ilegitimidade ativa dos proponentes, com respeito aos quais
alguns pontos devem ser destacados. Primeiramente, como salientou Tatiana de Pino
Albuquerque Maranhão (2003), a definição do que vem a ser uma “confederação
sindical ou entidade de classe de âmbito nacional”
, conforme consta do inciso IX do
artigo 103 da Constituição, tem dado margem a ampla controvérsia entre a classe
jurídica e entre os próprios integrantes da corte, que não raramente modificam seu
entendimento com relação a determinadas entidades, ora encarando-as como legítimas,
ora como ilegítimas. Este é o caso, por exemplo, da Federação Nacional das
Associações dos Servidores da Justiça do Trabalho. Em um primeiro momento, na Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº. 37-3, de 1989, o STF considerou legítima a atuação
da entidade e até mesmo deferiu-lhe unanimemente o pedido de liminar formulado.
Todavia, apenas dois anos mais tarde, em 1991, quando o mesmo grupo propôs a ADIn
nº. 433-6 em conjunto com duas outras associações profissionais, a corte entendeu que
nenhuma delas possuía capacidade postulatória, razão pela qual o tribunal sequer tomou
conhecimento da ação. Em sentido semelhante, é válido ressaltar que a própria
Constituição teve sua redação alterada, permitindo, a partir da Emenda Constitucional
nº. 45/2004, a participação da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Até aquela
ocasião, constavam no inciso IV do artigo 103 da Constituição apenas as Mesas de
Assembléias Legislativas estaduais como possíveis proponentes de ADIns, motivo pelo
qual o próprio Supremo entendeu como ilegítima a participação daquele órgão, como
consta da ADIn nº. 1261-4, proposta em 1995 contra a medida provisória nº. 939, que
regulamentava a incorporação de gratificações aos salários de servidores públicos.
Todavia, em que pesem estas particularidades, um diagnóstico sobre a participação
destas entidades no processo de propositura de ADIns contra medidas provisórias
merece ser retratado de forma mais ampla. Se, por um lado, a prerrogativa de propor
Ações Diretas de Inconstitucionalidade tem sido utilizada com bastante intensidade
149
pelas mais variadas organizações de interesses, como se viu pouco, por outro lado, é
de se notar que o STF tem encarado semelhante uso de forma restritiva, portanto. Isso
porque a corte tem entendido que confederações sindicais e entidades de classe devem
ser compreendidas apenas em termos de classes econômicas definidas, uniformes e
dotadas de unicidade de representação (Maranhão, 2003: 107). Desta forma, a corte tem
excluído do rol de legitimados ativos entidades associativas da sociedade civil (como a
Associação dos Devedores de Instituições Financeiras, por exemplo), bem como
entidades muito abrangentes, que não possa se identificar com precisão o tipo de
atividade econômica a que estão vinculados seus membros de que são exemplos as
politicamente representativas Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Confederação
Geral dos Trabalhadores (CGT). Inversamente, grupos que agremiam trabalhadores
definidos claramente pela atividade econômica que exercem tendem a ser aceitos junto
ao tribunal, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) e
a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
116
. Em sentido
restritivo ainda, a corte tem interpretado que apenas confederações estão aptas a propor
estas ações, não analisando as ADIns propostas por federações, portanto. É por esta
razão, por exemplo, que a Federação Nacional dos Engenheiros e a Federação Nacional
dos Administradores não estão aptas a propor ações diretamente ao STF, mas,
contrariamente, a Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) está. Agindo
desta maneira, a corte tem limitado de forma importante o acesso que inicialmente se
pensaria existir. Deve-se notar que mesmo que se constatem casos flagrantes de falta de
capacidade postulatória dos proponentes das ADIns, como ocorre com as ações
propostas pelo Sindicato dos Empregados do Comércio do Rio de Janeiro ou pelo
Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Distrito Federal, que sequer são
entidades nacionais, que se lembrar também de outros casos que despertam mais
dúvida. É a situação em que se encontra, por exemplo, a Confederação dos Servidores
Públicos do Brasil (CSPB) que, a princípio, se pensaria estar apta a apresentar ADIns
117
.
116
Ainda que os integrantes do tribunal sequer percebam, ao privilegiar certos grupos em detrimento de
outros, a corte influi diretamente sobre aspectos importantes da política sindical. Por exemplo, ao permitir
que a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) participe da propositura das
ADIns, ela provavelmente exclui a Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM), cujo reflexo
imediato é conferir mais instrumentos de ação à Força Sindical à qual está vinculada a primeira em
detrimento da Central Única dos Trabalhadores, à qual se liga a última.
117
A lista completa dos proponentes de Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra medidas
provisórias que foram considerados ilegítimos em alguma ocasião pelo STF é a seguinte: Associação
Brasileira da Indústria Gráfica Nacional, Associação Brasileira de Comércio Farmacêutico, Associação
Brasileira dos Fiscais Tributários, Associação Nacional dos Devedores de Instituições Financeiras,
Associação Nacional dos Juízes Classistas do Trabalho, Associação dos Engenheiros da Petrobrás,
150
O que se extrai desta análise sobre os legitimados ativos admitidos e não admitidos pelo
STF, portanto, é que a atuação da corte tem se pautado por restringir o acesso a ela e,
desta maneira, declarando ilegítimos certos propositores de ADIns, o tribunal tem
deixado de enfrentar algumas questões que lhe são apresentadas. Por diversas ocasiões
em que medidas provisórias foram questionadas junto ao STF, o tribunal evitou ter de
pronunciar-se diretamente sobre estas, alegando as aludidas restrições a alguns
proponentes específicos. Ao que parece, semelhante comportamento também não é
isento de estratégia, visto que a corte limita o acesso à sua agenda e, desta forma,
incrementa o leque de situações frente às quais pode evadir-se de julgar.
Todavia, mesmo que as estratégias evasivas por parte da corte sejam
significativas, eles não esgotam todos os casos de ações julgadas prejudicadas ou não
conhecidas. Outros dados importantes se extraem da análise da tabela exposta
previamente. Em primeiro lugar, deve-se destacar que há situações cujo motivo pela não
apreciação da ADIn não pode ser imputado com tanta clareza ao tribunal, como nas
situações em que se observam alterações legislativas previamente ao julgamento, por
exemplo. Este quadro verificou-se em nada menos de 42 ADIns, 12,4% do total (339) e
14,4% deste universo, quando se considera apenas aquelas para as quais consta um
posicionamento firmado pela corte (292). Observe-se que em algumas dessas ocasiões,
semelhantes alterações se deram justamente em prejuízo do Poder Executivo e em
benefício do proponente, portanto. Neste conjunto, foram incluídos os casos em que o
Congresso Nacional expressamente rejeitou a medida provisória editada, como também
as situações em que o STF argumentou que a apreciação do decreto pela casa legislativa
alterou este a tal ponto que a própria ADIn proposta junto à corte ficou sem objeto. No
primeiro caso, isto se deu em cinco ocasiões, ocorrendo 37 outros casos em que a corte
afirmou que a ação proposta não mais podia ser julgada porque o dispositivo legal
atacado havia sofrido muitas modificações quando foi apreciado pelo Poder Legislativo.
Central Única dos Trabalhadores, Confederação Democrática dos Trabalhadores no Serviço Público
Federal, Confederação Geral dos Trabalhadores, Confederação dos Servidores Públicos do Brasil,
Câmara Brasileira da Indústria da Construção, Federação Nacional de Engenheiros, Federação Nacional
de Farmacêuticos, Federação Nacional dos Administradores, Federação Nacional dos Servidores das
Autarquias de Fiscalização do Exercício Profissional, Federação Nacional das Associações de Servidores
da Justiça do Trabalho, Federação Nacional dos Trabalhadores Ferroviários, Mesa da Câmara Legislativa
do Distrito Federal, Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, Sindicato
Nacional dos Servidores Administrativos e Auxiliares da Receita Federal, Sindicato dos Auditores-Fiscais
do Tesouro Nacional, Sindicato dos Empregados do Comércio do Rio de Janeiro, Sindicato dos
Servidores Públicos Federais no Distrito Federal, União Nacional de Estudantes, União dos Advogados
Públicos Federais da União. Destaque-se a presença não insignificante de entidades associativas da classe
jurídica. O fato de se fazerem presentes neste rol certamente afasta qualquer idéia de que eles seriam
privilegiados em relação às demais.
151
Para justiça do argumento, deve-se dizer que não como precisar com exatidão os
motivos que levaram a ação a ser decidida desta forma. Isto porque se pode afirmar,
com alguma razão, que a alteração legislativa prévia ao julgamento ocorreu justamente
porque o tribunal retardou a apreciação da ação e decidiu aguardar para vislumbrar qual
seria o resultado da medida provisória no âmbito legislativo, adotando o que aqui vem
sendo identificado como uma estratégia evasiva. Semelhantemente, não como saber
se as medidas provisórias questionadas sofreram realmente tantas modificações a ponto
de a ação proposta perder todo seu propósito. É lícito pensar que esta argumentação
desenvolvida pelo STF seja adotada em muitos contextos apenas como uma justificativa
para os Ministros da corte não terem de enfrentar os interesses imediatos do Presidente
da República, agora amparado pela força majoritária do Congresso Nacional
118
. Por
outro lado, o tribunal pode realmente não ter tido tempo hábil para apreciar a questão
que lhe foi suscitada, tendo se deparado, no momento em que foi decidir, com um
estado de coisas que o impedia efetivamente de julgar a questão, visto que as alterações
ocorridas na esfera legislativa retiram o sentido da ação que se pretendia julgar. Ainda
que os dados disponíveis não sirvam para apontar com clareza qual o sentido da ação da
instituição, eles servem, contudo, para demonstrar com clareza que o STF está sempre
atento aos posicionamentos adotados pelos outros Poderes do Estado com relação aos
temas que lhe são propostos.
Por fim, resta apresentar os casos em que a corte realmente não pode ser
responsabilizada pela não apreciação das ações que lhe foram propostas. Dois tipos de
situações são claros neste sentido. Em primeiro lugar, costuma ocorrer de muitos
proponentes acionarem o STF contra uma mesma medida provisória, mas possivelmente
por não se comunicarem o fazem em diferentes momentos, algumas vezes com poucos
dias os separando. Neste caso, quando os últimos proponentes apresentam suas ADIns,
muitas vezes a corte decidiu a primeira delas (ou as primeiras em conjunto),
impedindo-a formalmente de se pronunciar sobre as subseqüentes. Ainda que não se
trate de um universo propriamente expressivo, elas somam 17 casos e, portanto, não
podem ser computados como indicadores para os posicionamentos firmados pela corte
sobre os decretos presidenciais, até porque consta uma decisão para estas ações
aquela firmada nas ações previamente julgadas sobre a mesma questão. Neste mesmo
118
Observe-se, neste sentido, que as 18 Ações Diretas de Inconstitucionalidade não incluídas no cômputo
geral desta dissertação por terem sido propostas contra leis que resultavam da conversão de medidas
provisórias atestam em grande parte esta tendência da corte a não intervir frente à situação de fato gerada
pela casa legislativa. Deste total, a corte interveio em apenas 8,3% dos casos.
152
sentido, não devem ser adotadas nos indicadores das posições firmadas pela corte as
outras seis ADIns que restaram prejudicadas em função de falha ou desistência dos
proponentes. Ainda que o artigo 5º. da Lei nº. 9.868/1999 expressamente não autorize a
desistência em Ação Direta de Inconstitucionalidade, este pedido foi formulado, por
exemplo, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos na ADIn
nº.1031-0, de 1994, anterior àquela lei, ocasião em que, apesar de o relator ter afirmado
que semelhante desistência não seria possível, observou que a medida provisória
atacada não mais estava em vigor, razão pela qual julgou prejudicado o pedido. Isto
ocorreu, a exemplo de outras ocasiões, porque o prazo de validade da medida provisória
nº. 425, contra a qual se havia proposto a ação, havia expirado, sendo editada em seu
lugar a medida provisória nº. 446, vigente ao tempo do aludido pedido de desistência,
para a qual não havia o aludido aditamento. Nestes casos, portanto, o que se verificou
foram efetivas falhas dos requerentes, como a não apresentação de documentos
indispensáveis para o ajuizamento das ações ou a inobservância de procedimentos
básicos, entre outros.
Em vista do exposto, estas 23 últimas Ações Diretas de Inconstitucionalidade
apresentadas foram excluídas do cômputo geral de julgamentos que se segue para a
identificação das demais regularidades do comportamento judicial em questão. Isto
porque as informações seguintes buscam apreender somente os padrões decisórios da
própria corte, excluindo aqueles porventura decorrentes de atos que não lhe possam ser
imputados (os 06 casos em que há falha ou desistência do requerente), bem como
aqueles que apenas repetem objetos analisados pela corte (os 17 casos em que houve
julgamento prévio de outra ADIn com o mesmo teor). À semelhança destas, também
foram excluídas deste universo todas as 33 ações que aguardam julgamentos
(independentemente de quando tenham sido propostas), bem como, obviamente, as 14
outras em que inexiste pedido de liminar. Como forma de controlar os dados, tem-se,
portanto, um conjunto de exatas 70 ADIns que não podem ser integradas aos
indicadores do pretendido exame, visto que possivelmente enviesariam os indicadores
empregados. Em vista disso, o universo de análise que se segue trabalha com as 269
decisões restantes tomadas pelo tribunal em pedidos de liminar requeridos pelos
diferentes propositores. Agindo assim, acredita-se permitir uma exposição mais clara
dos dados gerais sobre os posicionamentos do Supremo Tribunal Federal no controle
que a instituição efetivamente realizou sobre decretos presidenciais, como se observa na
tabela apresentada logo abaixo.
153
Tabela 13. ntese dos posicionamentos firmados pelo Supremo Tribunal Federal nos
julgamentos dos pedidos de liminar em ADIns contra medidas provisórias (1988-2007)
Resultado Freqüência Síntese Freqüência
Deferida 26 (9,6%)
Deferida em parte 22 (8,2%)
Casos de
intervenção judicial
48 (17,8%)
Indeferida 83 (30,9%)
Tribunal evadiu-se de decidir 73 (27,1%)
Tribunal alegou a impossibilidade de julgar
em razão de alteração legislativa prévia
42 (15,6%)
Tribunal alegou a ilegitimidade ativa do
proponente
23 (8,6%)
Casos de não
intervenção judicial
221
(82,2%)
Total 269 (100%) Total 269 (100%)
Fonte: tabela elaborada pelo autor, com base em www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
Controlados os casos, portanto, observa-se que as conclusões gerais alcançadas
pouco se modificam. Analisando de forma dicotômica as informações, percebe-se que
as chances de se suspender parcial ou integralmente o efeito de uma medida provisória
junto ao STF chegam a pouco menos de uma em cinco, ao passo que o não
intervencionismo da corte pode ser esperado em mais de oitenta por certo dos casos. A
tendência fortemente majoritária de não confrontação com o Poder Executivo se
confirma, validando em princípio as conclusões esboçadas pelo modelo de separação de
poderes. Em reforço a essas considerações, observa-se ainda que o silêncio da corte nem
sempre se dá de forma direta, pelo indeferimento da liminar, mas em diversas ocasiões o
tribunal adota estratégias informais de decisão, evitando enfrentar as questões que lhe
são propostas, alegando que os proponentes são ilegítimos, que uma alteração na arena
legislativa impediu a apreciação da medida provisória, ou mesmo retardando a tomada
de decisões ao ponto destas se tornarem inviáveis, inúteis ou desinteressantes para quem
as propôs. Passando de imediato à utilização apenas dos 269 casos apresentados acima,
faz-se importante atentar para a forma como o tribunal toma as suas respectivas
decisões sobre os decretos do presidente brasileiro. Neste sentido, é digno de nota o fato
de que os julgamentos proferidos pela corte se dêem majoritariamente de forma pouco
transparente, isto é, por Ministros que decidem sozinhos em nome de todos. Ao que
parece, a ampla prevalência de decisões monocráticas pode ser apontada como um curso
de ação deliberado pelo qual muitas decisões são transferidas para ambientes em que a
corte sofre menos pressão e exposição públicas, evadindo-se de tomar decisões
politicamente custosas. Prova disso é que os casos em que a corte efetivamente firma
uma posição deferindo ou indeferindo as liminares se dão majoritariamente sob a
forma colegiada, ao passo que as estratégias informais de decisão ocorrem
prioritariamente de maneira individual. É o que se apreende na tabela a seguir.
154
Tabela 14. Tipos de decisão nos julgamentos de pedidos de liminar em ADIns contra
medidas provisórias no Brasil (1988-2007)
Decisão
monocrática
Unanimidade
Decisão
majoritária
Total
Deferida 07 12 07 26
Deferida em parte 03 10 09 22
Indeferida 19 31 33 83
Tribunal evadiu-se de decidir 50 14 09 73
Tribunal alegou a impossibilidade
de julgar em razão de alteração
legislativa prévia
38 02 02 42
Tribunal alegou a ilegitimidade ativa
do proponente
12 06 05 23
Total 129 75 65 269
Fonte: tabela elaborada pelo autor, a partir de www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
Nesta perspectiva, deve-se afirmar que das quarenta e oito situações em que a
corte decidiu intervir, em trinta e oito delas o fez julgando a ADIn de forma colegiada.
O peso desta variável se torna ainda mais claro quando se considera que os outros dez
casos restantes em que as liminares foram deferidas por decisão do próprio relator assim
ocorreram porque a corte estava em período de recesso ou muito próxima a isso, quando
tal prática é comum
119
. Em estudo sobre o Tribunal Constitucional Federal alemão,
Georg Vanberg (2001) observou que a presença de decisões contrárias aos interesses do
governo ocorria especialmente quando os membros do tribunal debatiam oralmente a
questão entre si, o que tendia a ocorrer em processos de maior saliência. De acordo com
o argumento do autor, este ambiente de transparência das decisões judiciais facilitava o
monitoramento da instituição pela opinião pública, incrementando igualmente o custo
político dos órgãos representativos tentarem impor sanções às decisões proferidas pela
corte. Era de se esperar, portanto, que nesses contextos o tribunal se fizesse mais
interventivo, o que foi grandemente confirmado pelos dados apresentados pelo autor.
Entre outros elementos, a estratégia adotada pela corte alemã consistia, portanto, em
chamar a atenção do grande público para determinados julgamentos, realizá-los de
forma mais pública e procedimentalmente correta quanto possível e, a partir disso,
buscar intervir politicamente quando assim o desejasse. Em alguma medida, os dados
apresentados para o controle de constitucionalidade de medidas provisórias no Brasil
apontam neste sentido, ainda que não se possa falar em uma predominância absoluta
119
De acordo com os dados obtidos, mesmo que a Lei 9.868/1999 tenha determinado que a concessão de
liminares em ADIns somente possa ser realizada pela maioria absoluta dos membros da corte, pelo menos
quatro liminares foram deferidas total ou parcialmente de forma monocrática após a aprovação da referida
lei. Trata-se das ADIns nº. 3068-0, 3467-7, 3473-1 e 3505-3, que foram concedidas por decisão
monocrática entre os anos de 2003 e 2005. Deve-se mencionar, todavia, que elas foram concedidas no
primeiro dia de julho de seus respectivos anos que não é, a rigor, período de recesso. Todavia, é de se
supor que a corte já se encontrasse assim funcionando, afinal este se inicia no dia dois de julho.
155
deste padrão. Isto é, ainda que a transparência criada pela discussão com os pares possa
ser apontada com fator importante para a intervenção da corte, esta não pode ser
indicada como decisiva para a ocorrência de veto judicial no Brasil. Ao que parece,
embora se trate de uma condição necessária, não é suficiente para tanto. Desta forma,
outras variáveis merecem ser pormenorizadas, como se passa a fazer na seqüência. O
exame dos níveis de intervenção da corte em relação às diferentes temáticas tratadas nas
medidas provisórias atacadas, por exemplo, é bastante importante neste sentido.
Inicialmente foi visto que a propositura de ADIns contra medidas provisórias não se
concentrava expressivamente sobre temáticas específicas, havendo uma relativa
distribuição das ações entre os diferentes assuntos, com destaque apenas para a
regulação econômica e burocrática, e mesmo assim de forma discreta. Todavia, quando
se passa a considerar os casos em que o STF efetivamente interveio quanto ao poder de
decreto do Presidente da República, tendência oposta se observa. Isto porque, de acordo
com as evidências empíricas obtidas, é claro o recorte temático nas situações em que o
tribunal se apresentou como uma barreira às políticas unilaterais do Poder Executivo.
Gráfico 05. Intervenção do STF por assunto em ADIns contra das medidas provisórias
(1988-2007)
120
42,9%
28,2%
26,3%
23,3%
16,0%
12,5%
9,7%
6,1%
Administração da justa
Regulação social
Relações trabalhistas
Política social
Gestão financeira do Estado
Política tributária
Administração pública
Política econômica
Fonte: tabela elaborada pelo autor, a partir de www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
120
Os percentuais indicados no gráfico foram construídos a partir das seguintes freqüências absolutas de
liminares deferidas parcial ou integralmente contra medidas provisórias pelo STF: política econômica, 03
intervenções em 49 julgamentos; administração pública, 06 intervenções em 62 julgamentos; política
tributária, 03 intervenções em 24 julgamentos; gestão financeira do Estado, 04 intervenções em 25
julgamentos; política social, 07 intervenções em 30 julgamentos; relações trabalhistas, 05 intervenções
em 19 julgamentos; regulação social, 11 intervenções em 39 julgamentos; administração da justiça, 09
intervenções em 21 julgamentos.
156
Examinando-se em conjunto as informações coletadas, um dado fundamental se
extrai dos julgamentos dos pedidos de liminares proferidos pela corte, elemento por
sinal revelador do tipo de racionalidade existente. Ao que parece, quanto mais os
interesses envolvidos na disputa judicial se aproximam do núcleo-duro da política
governamental (economia, manejo da máquina estatal, etc.), menos provável se faz a
intervenção do STF. Em sentido inverso, portanto, quanto mais os temas se afastam
daqueles verdadeiramente prioritários do Executivo passando a referir-se às relações
entre privados, por exemplo, como relações trabalhistas e sociais mais provável se
torna o uso do poder de veto constitucional pelo mais alto tribunal brasileiro. Isto
provavelmente ocorre porque tais medidas provisórias tratam de assuntos cujos reflexos
imediatos não se dão sobre a agenda prioritária da Presidência da República. Quer dizer,
como as conseqüências de tais decisões judiciais não são sentidas imediatamente pelo
próprio Poder Executivo, mas recaem primordialmente sobre particulares, é de se supor
que o STF sinta-se menos impedido de contrariar os decretos do governo, suspendendo
com maior freqüência medidas provisórias que tratem destes assuntos. De certa
maneira, a única exceção a essa tendência, ainda que não seja apreendida de pronto, é
justamente a matéria atinente à administração da justiça. Ainda que se possa apontar
esta temática como relevante apenas ao mundo do direito e de seus operadores, vale
notar que muitos interesses imediatos do Executivo buscaram alterar as regras de
processos judiciais e administrativos justamente em benefício direto de políticas
prioritárias do governo. Diferentemente do que propôs Ernani Rodrigues de Carvalho
Neto (2005), portanto, o controle exercido pelo STF quanto à administração da justiça
não pode ser considerado tarefa menor, referente apenas a tecnicalidades do mundo
jurídico e à defesa de privilégios próprios das corporações que integram este universo.
Na realidade, quando se examina mais detalhadamente estes casos, percebe-se que o
STF desempenhou papel politicamente relevante ao coibir certas medidas provisórias
editadas pela Presidência da República que regulavam, em especial, regras de processo
civil e administrativo. Como se afirmou, muitos destes casos escondem sob seu
manto uma estratégia sobejamente empregada na gestão das contas públicas e
vastamente ignorada pelos cientistas políticos brasileiros, vez que adotam o usual
ceticismo de encararem tais temas como meros formalismos jurídicos ou como simples
corporativismo. Muitas medidas provisórias objetadas pelo STF buscavam conceder à
Administração Pública um conjunto importante de privilégios processuais, muitas vezes
dificultando ou mesmo impedindo o controle jurisdicional de atos cometidos pelo
157
Estado, quando não o estabelecimento puro e simples de regras que abertamente
favorecem o Poder Público nesta arena. Intervir frente a estes temas não significa
pouco. Em tempos de preocupação com
accountability, isto significa vetar políticas que
pretendem dificultar ou mesmo impedir a responsabilização do Estado por atos
possivelmente lesivos de sua parte. Por conseguinte, atuar em contrariedade a estas
medidas não significa apenas controlar tecnicalidades do mundo jurídico que em nada
se relacionam ao mundo político. Diz respeito também a assegurar a lisura de
procedimentos e a igualdade formal, elementos centrais do regime poliárquico. Um bom
exemplo do que se pretende expor pode ser dado pelo artigo 4º. da medida provisória nº.
1577-6, editada em novembro de 1997. Tal dispositivo legal modificou as regras do art.
485 do Código de Processo Civil (CPC) e ampliou de dois para cinco anos o prazo para
a propositura de ações rescisórias pelo Poder Público, criando também novas hipóteses
frente às quais tal ação seria cabível, novamente em benefício do Estado
121
. Apenas para
que fique claro, ações rescisórias são aquelas voltadas a anular sentenças judiciais
previamente julgadas de forma definitiva, o que se justifica em razão de supostos vícios
de fato e de direito que possam ter se feito presentes naquele primeiro julgamento
122
.
Não se trata, portanto, de um recurso, mas de uma ação judicial autônoma que pode,
entretanto, ser claramente empregada com propósito protelatório, retardando a
implementação de decisões judiciais. Ao alterar as aludidas regras, provavelmente o que
pretendia o Poder Executivo era municiar os órgãos de assessoria jurídica do Poder
Público com uma lei que potencializasse ainda mais o retardamento da execução de
decisões judiciais que implicassem em incremento de gasto para o erário. Ao elevar o
referido prazo de dois para cinco anos, a medida provisória ampliava o leque de
sentenças passíveis de serem atacadas por ação rescisória pela Administração Pública,
121
Observe-se que os benefícios judiciais pretendidos com a medida provisória em questão não se
restringiam apenas à União, mas englobavam também os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, além
das autarquias e fundações instituídas pelo Poder Público.
122
Como forma de se suprimir qualquer dúvida, apresenta-se a seguir a regulamentação legal da ação
rescisória, de acordo com o Código de Processo Civil:
“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em
julgado, pode ser rescindida quando: I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou
corrupção do juiz; II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; III - resultar de dolo
da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada; V - violar literal disposição de lei; Vl - se fundar em prova, cuja falsidade
tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória; Vll - depois da
sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz,
por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; VIII - houver fundamento para invalidar
confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença; IX - fundada em erro de fato,
resultante de atos ou de documentos da causa; § 1
o
Há erro, quando a sentença admitir um fato
inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido. § 2
o
É indispensável, num
como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.”
158
possivelmente minorando a destinação de recursos públicos para atender a sentenças
judiciais contrárias ao Estado. Desta forma, retraindo o uso de dinheiro público nestas
situações, o dispositivo legal em questão contribuía para os ajustes pretendidos sobre a
máquina burocrática do governo então em curso. Ademais, a medida provisória em
questão estabelecia hipóteses antes inexistentes para a propositura deste tipo de ação.
Trata-se da possibilidade de propor semelhante ação contra sentenças que estipulem
valor indenizatório flagrantemente superior ao preço de mercado nos casos de
desapropriação e afins, razão pela qual se pode supor que a medida tinha destino certo,
qual seja, protelar o pagamento de indenizações em desapropriações de fim social ou
ambiental. Contra estes dispositivos legais foi proposta a ADIn nº. 1753-2 pelo
Conselho Federal da OAB, pouco menos de um mês depois de editado o decreto.
Fundamentalmente, a entidade dos advogados argüiu que semelhantes privilégios que o
Estado concedera a si mesmo ofendiam os princípios da isonomia e do devido processo
legal, argumento que foi acolhido de forma unânime pelo plenário do STF. O
interessante a observar é que aproximadamente um ano após a edição daquele mesmo
decreto, o governo lançou mão novamente de medida provisória, a de nº. 1703-18, para
propor alteração legislativa semelhante. De acordo com o novo decreto, o Poder Público
gozaria de prazo em dobro para recorrer e ajuizar ações rescisórias e em quádruplo para
contestá-las. Novamente, o Conselho Federal da OAB objetou a medida, pela ADIn nº.
1910-1, sendo mais uma vez derrotado o governo.
O exemplo é claro e serve para demonstrar um contexto frente ao qual o STF
efetivamente portou-se como um entrave à ação do Executivo em questão politicamente
relevante. Todavia, a instituição de vantagens nas regras processuais à Administração
Pública não se esgota naqueles casos em que esta pode protelar os efeitos de
determinadas decisões que lhe sejam contrárias. outros casos em que se tentou
limitar o acesso ao Poder Judiciário pelos particulares quando estes buscavam demandar
diferentes órgãos do Estado. Não raramente, entretanto, os decretos editados com esse
propósito esbarraram em posicionamentos contrários da corte. Veja-se, por exemplo, a
medida provisória nº. 2027, editada em 29 de junho de 2000. Em sintonia com a política
então preconizada de contenção dos gastos públicos, o aludido decreto diminuiu de
vinte para cinco anos o prazo para os particulares ajuizarem ação de indenização
decorrente de apossamento administrativo, desapropriação indireta ou restrições de atos
realizados pelo Poder Público. Em síntese, buscava-se limitar o período de tempo para a
propositura de ações que alegassem conduta inadequada do Estado em processos de
159
desapropriação por utilidade pública. Tal medida foi objetada no mesmo ano pela ADIn
nº. 2260-1, proposta novamente pelo Conselho Federal da OAB. A entidade argumentou
que a pretendida diminuição no prazo impediria que muitas pessoas que tivessem
sofrido danos em desapropriações realizadas pelo Poder Público pudessem contestá-lo,
conduzindo inclusive a casos extremos de pessoas que não teriam como demandar
valores muitas vezes não pagos pelo Estado, o que se caracterizaria verdadeiro confisco.
Como se observou no caso anterior, a corte se fez sensível ao pedido da entidade dos
advogados e a maioria dos Ministros da instituição suspendeu os efeitos decorrentes do
decreto. Neste sentido ainda, merece destaque a medida provisória nº. 1570, editada em
março de 1997. A referida norma estipulava que a concessão de liminares contra o
Poder Público ficava condicionada à apresentação de caução, isto é, a apresentação de
um bem ou o depósito de valores que funcionassem como garantias ao Estado caso a
decisão final lhe fosse favorável. Como fica claro, pretendia-se também evitar o
incremento do gasto público decorrente de decisões judiciais contrárias à Fazenda
Pública, estabelecendo-se novamente uma vantagem a esta em relação às demais partes
de um processo judicial. Como de praxe, a medida foi objetada junto ao STF, agora por
meio da ADIn nº. 1576-1, proposta pelo Partido Liberal apenas cinco dias após a edição
da medida. Em votação majoritária ocorrida duas semanas mais tarde, o tribunal deferiu
o pedido formulado para que se suspendesse o dito decreto, acolhendo a argumentação
do partido de acordo com a qual semelhante ato feria a independência do Poder
Judiciário e restringia o acesso à justiça, visto que a caução pretendida impediria muitas
pessoas de recorrerem às instituições judiciais com o objetivo de buscarem seus direitos
quando o Estado eventualmente os violasse. Um último exemplo fica por conta da
medida provisória nº. 375, de 23 de novembro de 1993, que limitou a trinta dias o efeito
das liminares concedidas contra o Poder Público, condicionando sua concessão também
à audiência do representante legal do respectivo órgão estatal demandado judicialmente.
Viabilizava-se, desta forma, duas restrições à concessão de liminares contra a
Administração Pública. Em primeiro lugar, pela necessidade de se ouvir o representante
judicial do Estado, criava-se uma condição inexistente para processos que envolvem
apenas particulares, restringindo a possibilidade de concessão destas decisões, o que
novamente poderia ser utilizado como instrumento protelatório. Por fim, o prazo
máximo de vigência de trinta dias da decisão liminar esvaziava tais decisões de
qualquer sentido útil, criando uma verdadeira proibição da concessão de liminares
contra o Poder Público, como a própria literatura jurídica observou (Carvalho, 2007).
160
Coube mais uma vez ao Conselho Federal da OAB questionar tais atos, propondo a
ADIn nº. 975-3, que foi deferida em parte pelo plenário do STF em votação majoritária.
Uma vez que o efeito pretendido pelas medidas provisórias expostas era
restringir o acesso ao Poder Judiciário pelos diferentes propositores, privilegiando o
Poder Público e facilitando-lhe o controle dos gastos, trata-se de temas cujo impacto se
estende para muito além dos meros formalismos jurídicos. Ciente, como afirma Zemans
(1983), que praticamente toda política pública depende em última análise do
enforcement do Poder Judiciário, o Poder Executivo buscou minimizar a intensidade do
gasto público não por meio de cortes sobre o orçamento, por exemplo, mas restringindo
a forma que os agentes privados teriam de influir sobre ele ao cobrarem pela via judicial
valores eventualmente devidos pelo Poder Público. Logo, ao coibir tais práticas, o STF
imiscuiu-se em um jogo de interesses diretamente importante ao Poder Executivo.
Nestes casos, estabeleceu-se uma espécie de campo de batalha entre a corte e o Poder
Executivo com o objetivo de determinar quais seriam a extensão e o conteúdo efetivos
das atribuições da magistratura. Neste contexto, provavelmente a corte percebeu, entre
outros, que para sair vitoriosa nesta arena, deveria fazer-se menos presente em outras.
Como em uma barganha horizontal de nítido recorte estratégico, o tribunal percebeu que
sua habilidade para obstaculizar a ação unilateral do governo no campo das atribuições
do Poder Judiciário deveria ser correspondida a um quase completo silêncio no campo,
por exemplo, da política econômica, área na qual o Poder Executivo poderia contar com
relativo silêncio judicial. Dito de outra forma, o tribunal, ao ter aberto mão de influir
com mais força sobre temas diretamente interessantes ao governo e frente aos quais se
desgastaria muito mais, como a administração pública e a regulação econômica,
habilitou-se a estipular um campo de atribuições junto ao qual o Executivo teria de
atender com maior freqüência aos ditames do STF. No caso, a opção da corte recaiu
justamente sobre aquela arena com a qual está historicamente familiarizada, qual seja, a
de exercer as funções de órgão de cúpula do Poder Judiciário que defende e
circunscreve cotidianamente o raio de atuação desta instituição em relação às demais
forças políticas. Ainda assim, explicar a razão pela qual o tribunal se apresentou mais
ativo frente a estas questões e não a outras não parece tão simples. Em primeiro lugar,
se for considerado que estas medidas institucionalizavam regras processuais com o
objetivo de beneficiar o Poder Público, elas, de certa maneira, integravam um conjunto
de políticas verdadeiramente prioritárias do Poder Executivo, afastando-as de seu
caráter de regulação entre privados, onde, de acordo com os dados expostos, era de se
161
esperar que a corte interviria com mais vigor. Por outro lado, como são casos em que a
discussão diz respeito aos limites de atuação do próprio Poder Judiciário, pode-se supor
que a corte, ainda que indiretamente, esteja julgando em contrariedade ao governo
porque nestes contextos isto lhe diz respeito, relacionando-se à sua própria capacidade
de intervenção sobre o universo político. Neste sentido, supõe-se ainda que o tribunal
esteja também adotando uma postura afirmativa em relação à política do Executivo,
delimitando um espaço de influência seu, junto os círculos inferiores da hierarquia
judicial e aos próprios profissionais do direito como um todo, tencionando pela
afirmação de uma fronteira entre um universo jurídico e outro dito político. De certa
forma, esta separação é condizente com os dados apresentados, ainda mais se for
considerado, como se deve ter percebido a esta altura, a importância da entidade
representativa dos advogados neste particular, cujo ativismo em relação aos decretos do
Presidente da República extravasou a via judicial e levou a organização sucessivas
vezes a se manifestar publicamente em contrariedade ao uso de tais expedientes
legislativos (Taylor, 2004, p. 310-312). Frente aos demais propositores, o Conselho
Federal da OAB é um dos mais bem sucedidos nos julgamentos de liminares pelo STF
em ADIns dirigidas contra decretos do presidente. Ao lado da Procuradoria-Geral da
República, das associações empresariais e especialmente dos governadores de Estados,
elas formam o conjunto de proponentes que possuem chances realmente elevadas de
obter um posicionamento favorável da corte, levando a atuação da corte a um perfil
próximo do aleatório. Por outro lado, partidos políticos e associações profissionais, em
que pese sejam os que mais contribuam para empurrar o STF para imiscuir-se na agenda
política da Presidência da República, apresentam índices percentualmente muito pouco
favoráveis. Por fim, as mesas de assembléias legislativas estaduais e as demais
associações não lograram sucesso em ocasião alguma, como se observa a seguir.
Tabela 15. Sucesso dos diferentes proponentes em ADIns contra medidas provisórias
(1988-2007)
Proponente Freqüência Percentual
Associações empresariais 10 em 22 45,4%
Associações profissionais 07 em 64 10,9%
Outras associações 00 em 04 0%
Conselho Federal da OAB 07 em 14 50%
Governadores de Estado 03 em 05 60%
Mesa de Assembléias Legislativas estaduais 00 em 03 0%
Partidos políticos 19 em 151 12,6%
Procurador-Geral da República 02 em 06 33,3%
Índice geral 48 em 269 17,8%
Fonte: tabela elaborada pelo autor, a partir de www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
162
De início, algumas conclusões importantes merecem ser destacadas quanto ao
sucesso dos diferentes propositores das ADIns. Em primeiro lugar, é importante
ressaltar novamente a significância da variável institucional, consubstanciada no
extenso rol de legitimados ativos existente no Brasil, que contempla tipos de
proponentes pouco usuais na maioria de países em que vigora o sistema abstrato de
controle judicial de constitucionalidade das leis. Como se observa acima, dos 48 casos
de intervenção da corte, 43 resultaram de ações propostas por partidos políticos, por
organizações de interesses ou pelo Conselho Federal da OAB. Pode-se afirmar,
portanto, que estes proponentes típicos do Brasil respondem por 95,2% das ADIns
propostas e por 89,6% das intervenções, corroborando a importância explicativa do
desenho institucional adotado no país. Em segundo lugar, do ponto de vista agregado, as
informações apresentadas confirmam grande parte das conclusões esperadas pela
abordagem teórica empregada. O elevado sucesso dos sindicatos patronais e de
governadores de Estado confirma a tendência de acordo com a qual as Cortes Supremas
preferem ou julgam mais prudente contrariar o governo sendo amparados por forças
políticas relevantes, que contribuam para assegurar a integridade do tribunal e de suas
próprias decisões. Neste caso, por exemplo, é sintomático o fato de que uma associação
influente como a Confederação Nacional da Indústria apresente 100% de sucesso em
seus cinco pedidos realizados junto à corte, ainda mais se for considerado que tais
intervenções ocorreram em quatro áreas temáticas distintas, atestando o peso deste
proponente específico junto ao STF
123
. Em sentido semelhante pode-se apontar ainda a
Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN), que aglutina os
interesses do setor de ensino privado no Brasil. O grupo propôs junto ao Supremo cinco
ADIns, restando vitorioso em quatro ocasiões, o que perfaz um índice de sucesso de
80%. No caso, todavia, a força do grupo não pode ser creditada somente ao seu peso
político (ainda mais se comparada à anterior), devendo ser atribuídos especialmente à
área temática em que se inseriu. Todas as ações propostas pela associação se voltavam a
questionar atos do governo que regulavam a fixação de mensalidades escolares,
inclusive em decorrência de planos de conversão de moeda que alteravam os valores
123
As áreas temáticas frente às quais a corte interveio a pedido da CNI são as seguintes: administração da
justiça (ADIn nº. 1055-7), política tributária (ADIn nº. 1417-0), política social (ADIn nº. 1659-8) e
gestão financeira do Estado (ADIns nº. 1454-4 e 1976-7). É no mínimo curioso perceber que este bom
desempenho das entidades patronais no STF seja acompanhado de uma avaliação positiva do tribunal
pelo empresariado brasileiro. Dentre todos os órgãos do Poder Judiciário brasileiro, aquele que é visto
mais positivamente pelos empresários nacionais é justamente o Supremo Tribunal Federal, como atesta o
estudo de Armando Castelar Pinheiro, Maria Tereza Sadek e Bolivar Lamounier (2000).
163
previamente existentes. Tratava-se, portanto, de ações condizentes com os interesses
mais imediatos e tangíveis da dita associação e cujo reflexo não se sentia de pronto
sobre o governo, visto que o tema é afeito à regulação das relações entre particulares.
Examinando-se as ações dos governadores de Estado, é interessante notar que sua
discreta, porém bem sucedida participação no processo de contestação da vontade
presidencial por meio de ADIns tenha se dado prioritariamente no campo da política
tributária. Quatro das cinco ações propostas versavam sobre este assusto, sendo três
delas apresentadas pelo governador do Estado do Amazonas, geralmente solicitando a
suspensão de determinados trechos de medidas provisórias que regulavam a tributação
da Zona Franca de Manaus. Ainda que um tanto distantes destas mesmas propriedades,
o que parece explicar a força das entidades jurídicas OAB e PGR é justamente o
recorte temático em relação ao qual elas foram bem sucedidas. Como foi visto, a
administração da justiça é o campo de atuação onde a corte mais intervém quanto aos
decretos do Presidente da República. Como essas entidades participaram ativamente na
propositura de ADIns que tratavam de tais temas, compreende-se em grande parte as
razões de seu respectivo sucesso, em especial no caso da organização dos advogados.
Em terceiro lugar, percebe-se que a influência das organizações de interesses
junto ao STF tende a ser correspondente às diferenças de recursos que as separam na
realidade, exatamente como aponta parte da literatura sobre
judicial lobbying e legal
mobilization. Como as associações patronais são, com maior freqüência, mais bem
assessoradas juridicamente e congregam em torno de si um peso político que geralmente
supera em muito aquele das entidades de trabalhadores e profissionais, é de se supor que
sua presença junto ao mais alto tribunal do país seja mais sentida e provoque maior
impacto, fazendo-se mais prováveis as intervenções da corte. O acesso à boa assessoria
técnica e jurídica parece ser decisivo neste sentido
124
. Como conseqüência, talvez por
isto seja elevada a incidência de casos de ilegitimidade ativa entre as associações
profissionais, o mesmo não ocorrendo em intensidade semelhante com as entidades
patronais. Em nada menos de 17 ocasiões, diferentes associações de trabalhadores,
funcionários públicos e profissionais liberais foram consideradas ilegítimas pelo
tribunal, situação que ocorreu apenas três vezes com aquelas de cunho empresarial.
Pode-se supor que esta variação significativa entre os distintos tipos de grupos de
pressão sinaliza tanto a assessoria jurídica de muitas associações profissionais
124
Neste sentido, é válido ressaltar que não raramente as entidades patronais e mesmo governadores de
Estado contratam advogados nacionalmente conhecidos com o propósito de ajuizar as referidas ações.
164
cujos advogados, possivelmente inexperientes nesta arena, se dispõem a ingressar com
as ações praticamente de qualquer forma quanto a política restritiva da corte em
circunscrever o rol de atores incluídos no inciso IX do artigo 103 da Constituição,
conforme já exposto.
Ainda do ponto de vista agregado, uma outra conclusão interessante se extrai da
tabela acima. Grosso modo, pode-se dizer que quem mais propõe ADIns contra medidas
provisórias, menos possibilidades tem de vê-las julgadas em seu favor. Contrariamente,
quem recorre ao STF apenas nas ocasiões em que seus interesses concretos estão
efetivamente em jogo, e não com o propósito de fazer oposição pura e simples ao
governo, tende a ser mais bem apreciado pela corte. Este elemento é revelador de um
traço característico fundamental da racionalidade adotada pelo tribunal, que se articula
diretamente com os motivos que levam à propositura de muitas ADIns, especialmente
aquelas da maioria dos partidos políticos. Neste sentido, é crível supor que o STF tem
ciência do uso puramente político que estes proponentes muitas vezes fazem da
faculdade de apresentar tais ações. Como parece claro, muitas dessas ações são
propostas não necessariamente com o fito de salvaguardar direitos supostamente
desrespeitados pela medida provisória editada, mas primordialmente como um meio
relativamente pouco custoso de dificultar a ação governativa. Mais do que um
julgamento favorável, busca-se, portanto, a externalidade propiciada pelo ingresso da
ação, tal como a exposição pública dos proponentes, a polarização do jogo político, a
produção de incerteza governamental, entre outros. Neste cenário, como salientaram
Alec Stone (1992) e Philip Blair (1978), ao colocar o confronto entre governo e
oposição de forma inequívoca ante a corte, esta tende a adotar ainda mais cautela ao
decidir, especialmente como forma de não ser identificada com nenhum desses grupos,
justificando sua imagem de independência e neutralidade frente aos conflitos que a ela
chegam. Em adendo a essas considerações, pode-se acrescentar que semelhante postura
auto-restritiva do tribunal deve-se também à percepção que os magistrados têm do uso
fundamentalmente midiático de muitas destas ações. À cautela afirmada pelos autores
soma-se, enfim, um juízo possivelmente existente entre os julgadores que com
menos seriedade tais ações, claramente instrumentalizadas com propósitos extra
forenses, quando não interesses diretamente partidários e eleitorais. Em diferente
posição se encontram, portanto, grupos que propõem ADIns somente quando seus
interesses mais imediatos e tangíveis estão em jogo, como associações empresariais e
governadores de Estado, por exemplo. Visto que eles questionam os decretos do
165
governo com menor freqüência, isto provavelmente ocorre apenas quando a medida
provisória em questão efetivamente lhes traz algum prejuízo, tendendo a serem
encarados com mais consideração e seriedade pela corte e, em vista disso,
incrementando-lhes a possibilidade de um julgamento favorável. No caso, inclusive, é
de se esperar que isto reforce a imagem da instituição como um árbitro efetivo de
interesses e não como um órgão partidarizado, mais sujeito à imposição de sanções.
Ainda neste sentido, pode-se afirmar que os dados corroboram a preocupação do
tribunal em não ser identificado como foco de atividade oposicionista ou mesmo de
radicalismo. A baixa concessão de liminares, do ponto de vista percentual, a partidos
políticos e entidades sindicais de trabalhadores, grupos geralmente associados a este
perfil, em grande parte confirmam esta tendência. Prova disso ainda é o fato que a corte
tende a agir de maneira estratégica com freqüência nos julgamentos destas ações. No
total de ADIns propostas por partidos políticos, ocorreram nada menos de 25 casos em
que a corte alegou alteração legislativa prévia ao julgamento e 50 outros casos em que
esta adotou estratégias evasivas como forma de não ter de decidir. Tem-se, portanto, que
praticamente metade das ações propostas por partidos políticos em que algum
posicionamento da corte sequer foram verdadeiramente julgadas por ela.
Comparativamente, observa-se que tal índice, de 49,7% de ações não julgadas pela
corte, é significativamente superior ao observado em qualquer outro tipo de proponente.
Próximo a isso se encontram apenas as associações profissionais, em que estes casos
ocorreram 12 e 13 vezes, respectivamente, gerando-se um índice de 39,1% que
grandemente se explica pela elevada presença de atores considerados ilegítimos pela
corte, como se demonstrou antes. Os demais proponentes, entretanto, sequer se
aproximam de tais valores, como atesta a reduzida presença de comportamento
estratégico da corte nos julgamentos de ADIns propostas por associações empresariais
(seis vezes, ou 27,3% do total) ou pelo Conselho Federal da OAB (duas vezes, ou
14,3% do total), por exemplo, para ficar apenas com os casos de proponentes que
propuseram com maior freqüência as referidas ações. Todavia, ainda que o sucesso
relativo dos partidos políticos não seja elevado, nota-se que, em números absolutos,
outras conclusões se impõem. Como se apreende dos dados apresentados antes, eles são
o grupo que mais vezes provocou a intervenção da corte. De forma a melhor apreender
estes padrões, procedeu-se a uma desagregação dos dados referentes aos julgamentos de
ADIns apresentadas por partidos políticos, conforme classificação exposta na análise
da propositura das referidas ações.
166
Tabela 16. Sucesso dos partidos políticos nas ADIns propostas contra medidas
provisórias (1988-2007)
Critério Proponente Freqüência Percentual
Governo 01 em 05 20%
Oposição 18 em 146 12,3%
Posicionamento
Índice geral 19 em 151 12,6%
Direita 04 em 16 25%
Centro 01 em 12 8,3%
Esquerda 14 em 123 11,4%
Ideologia
Índice geral 19 em 151 12,6%
Pequeno 01 em 04 25%
Médio 03 em 10 30%
Grande 08 em 105 7,6%
Coalizão de partidos 07 em 32 21,9%
Tamanho
Índice geral 19 em 151 12,6%
Fonte: tabela elaborada pelo autor, a partir de www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
Por curioso que possa parecer, provavelmente o elemento mais interessante que
se extrai da tabela acima diz respeito justamente ao tamanho dos partidos políticos que
são mais bem sucedidos na contestação de medidas provisórias junto ao STF. Como se
observa acima, partidos de porte médio e pequeno – ainda que nestes últimos o universo
de análise seja restrito e não permita muita segurança nas conclusões tendem a causar
com mais freqüência a intervenção da corte com o propósito de bloquear, parcial ou
integralmente, os decretos do presidente. Isto provavelmente se explica em função dos
tipos de interesses contemplados nessas ações, de caráter setorial, com efeitos
específicos e bem delineados. Não se trata, portanto, de ADIns propostas com um
objetivo puramente oposicionista, até mesmo porque estes partidos não possuem
densidade eleitoral a ponto de colherem frutos em função deste tipo de ação. Parece ser
mais o caso de uma defesa de interesses localizados que, por meio da ação destes
partidos, se faz possível. Por outro lado, o fraco desempenho dos partidos grandes traz à
tona a preferência da corte, exposta previamente, de não intervir em disputas que
envolvam de forma direta contendores da arena político-eleitoral. Especialmente, a
preferência por não julgar favoravelmente a grande maioria das inúmeras ações
propostas por estes partidos aponta, mais uma vez, para a estratégia da corte de não ser
identificada com nenhum desses grupos, resguardando certo alheamento com relação a
este tipo de conflito inclusive com o propósito de preservar-se. Por outro lado, o sucesso
quase três vezes maior de coalizões de partidos políticos na contestação de medidas
provisórias indica um dado interessante sobre o papel político exercido pelo tribunal.
Inicialmente, poder-se-ia pensar que nestas situações a corte preferiria adotar a
estratégia, sempre viável, de ver com cautela a propositura de tais ações, preferindo
167
resguardar-se. Todavia, a se julgar pelos dados apresentados, é de se supor que a corte
não tem apresentado esta postura, ao menos não com a freqüência observada nos
julgamentos de liminares em ações propostas por partidos grandes. A questão,
entretanto, é compreender porque este perfil de atuação se verifica. No caso, ainda que
os interesses de cunho eleitoral se façam presentes, provavelmente a corte age deste
modo porque são casos em que a questão em pauta é amplamente controversa,
mobilizando amplos setores da opinião pública para sua discussão, incrementando a
publicidade e a transparência das decisões da corte e, ao mesmo tempo, fornecendo-lhe
mais incentivos para decidir sem ter de levar em conta apenas a possível identificação
com o governo ou a oposição. Neste mesmo sentido, pode-se supor que coalizões de
partidos políticos sejam uma fonte poderosa de suporte às decisões dos tribunais, visto
que consubstanciam muitas vezes fortes alianças de interesses. Semelhantemente, pode-
se supor muitas vezes que as coalizões de partidos possam ser encaradas pelo tribunal
também com menos cinismo em relação às pretensões dos proponentes. A corte
possivelmente veria a ação em conjunto não apenas como forma de colher os frutos
eleitorais e midiáticos necessariamente presentes, mas como resultado da veiculação de
crenças políticas e jurídicas sobre o tema discutido, aproximando-se de uma ação mais
sincera do que simplesmente estratégica, sendo, portanto, mais bem avaliados pelos
Ministros da corte.
Quanto às outras categorias que constam da tabela acima, é de se notar, em
primeiro lugar, que a ampla prevalência de partidos opositores no processo de
propositura das ADIns estudadas dificulta sobremaneira a identificação de quaisquer
diferenças nos padrões decisórios da corte em relação a partidos governistas e
oposicionistas. Por outro lado, a variável ideologia desvela um dado discreto, mas
certamente interessante para as hipóteses já trabalhadas nesta pesquisa. Trata-se do bom
desempenho dos partidos de direita em relação àqueles de centro e esquerda. Lembre-se
de antemão que entre os partidos centristas, apenas o PSDB se fez presente na
propositura destas ações junto ao STF. O elevado insucesso deste partido, bem como de
seus imediatos contendores eleitorais as grandes agremiações de esquerda e
especialmente o PT
125
possivelmente ocorre em função do argumento exposto da
preferência da corte por retirar-se da arena propriamente político-partidária e não se
125
Observe-se que as ações propostas individualmente por este partido tiveram sucesso em apenas 5,3%
dos casos julgados pelo tribunal (03 em 57). Talvez por isso o partido tenha logo cogitado coligar-se para
propor as ADIns. Neste caso, o sucesso quase quadruplicou, passando para 20% do total (06 em 30)
168
inserir onde interesses de cunho puramente eleitoral estejam em disputa. Por esta razão
provavelmente é de se esperar que partidos de direita apresentem algum sucesso,
mesmo porque sua força eleitoral tem sido declinante especialmente quanto à
competição para o mando do Poder Executivo. Em reforço a isso vale ressaltar também
que dentre as quatro liminares concedida a partidos de direita, apenas duas se deram
quando o proponente era um partido político grande (PFL), sendo nas outras duas um
partido pequeno (PSL) e um médio (PL).
Finalizando o exame dos dados referentes aos julgamentos das ADIns propostas
contra medidas provisórias, faz-se importante observar as variações temporais existentes
nesse processo. Uma das primeiras análises a ser feita é a comparação entre o total
demandado pelos legitimados ativos e as respostas do tribunal a estes estímulos. Trata-
se, portanto, de uma comparação com o primeiro gráfico exposto, a ele se somando os
dados relativos às liminares deferidas no todo ou em parte pelo STF. Ainda que um
tanto óbvio, o gráfico serve para atestar que o tribunal, dentro de certos limites,
responde à pressão exogenamente sofrida sob sua agenda.
Gráfico 06. ADIns propostas contra medidas provisórias e liminares deferidas, total ou
integralmente, por ano (1988-2007)
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
1988
19
8
9
19
9
0
1991
19
9
2
19
9
3
19
9
4
19
9
5
1
99
6
1
99
7
19
9
8
1
99
9
2
00
0
2
00
1
2
00
2
200
3
2004
2
00
5
200
6
2007
ADIns propostas Liminares deferidas
Fonte: gráfico elaborado pelo autor, com base em www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
Como se observa, as flutuações da linha de liminares concedidas tende a
acompanhar aquela de ações propostas, indicando que a corte tende a intervir quando
mais é chamada a opinar sobre as diferentes medidas provisórias
126
. A tendência um
tanto óbvia é, portanto, que o tribunal contrarie o Presidente da República justamente
126
Apenas para corroborar o argumento, a regressão linear entre o total anual de ADIns propostas e as
liminares concedidas aponta um r2 ajustado de 0,624.
169
nos anos em que ele é mais trazido ao centro do debate político pelos diferentes
proponentes das ações. Colocando a afirmação nos marcos propostos pelo modelo
estratégico, pode-se dizer que em vista da enormidade de propositores e ações a serem
julgadas em alguns anos, a pressão exercida sobre a agenda da corte a coloca em
tamanha evidência no cenário político, incrementando a transparência de suas decisões,
que a conduz a uma postura mais interventiva ante os decretos do presidente. Por outro
lado, ainda que a relação seja forte, ela não é absoluta, o que demonstra a necessidade
de se atentar também para outros fatores que influam neste processo. Em contramão a
este padrão, por exemplo, observa-se que os anos nos quais o tribunal mais interveio
quanto aos decretos presidenciais 1995, 1997, 1999 e 2000 foram também anos em
que a Presidência da República contou com maioria robusta junto ao Congresso
Nacional. Em uma primeira impressão, este dado minaria importante elemento do
modelo de separação de poderes, qual seja, a necessidade dos tribunais de contarem
com apoio político da maioria do Poder Legislativo para agir em contrariedade ao Poder
Executivo. Todavia, como vem se demonstrando, os apoios estratégicos para decisões
interventivas da corte brasileira não se estabelecem necessariamente com maiorias
legislativas, mas especialmente com temas e proponentes específicos, especialmente em
contextos de maior transparência decisória. Os achados da presente pesquisa inclusive
indicam que o modelo básico desta vertente teórica é sobremaneira simplificado ao
restringir a arena política a um jogo seqüencial de apenas três atores os Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, respectivamente. Mais do que contrariar esta teoria,
portanto, parece ser o caso de enriquecê-la, ampliando-se o conjunto de elementos
considerados, abordagem inclusive adotada em outros trabalhos que se valem deste
mesmo modelo de análise (Vanberg, 2001; Helmke, 2002; Staton, 2006).
Ainda com relação às variações temporais dos julgamentos do tribunal, uma
última questão deve ser examinada. Trata-se de analisar os efeitos da introdução da
Emenda Constitucional nº. 32/2001 sobre os posicionamentos proferidos pela corte.
Como se apreende da tabela exposta na seqüência, uma queda importante na taxa de
intervenção do STF quanto aos decretos do presidente brasileiro após a aprovação da
aludida emenda. Do ponto de vista da assiduidade destas mesmas intervenções, observa-
se também que houve sensível diminuição neste ritmo. Se antes da reforma, a corte
suspendia em média 3,4 decretos ao ano (ou 0,28 ao mês), após sua vigência este
mesmo dado não passa de 0,7 suspensões ao ano (ou 0,06 ao mês), aproximadamente,
uma queda da ordem de 80%.
170
Tabela 17. Liminares deferidas pelo STF em ADIns propostas contra medidas
provisórias, antes e depois da Emenda Constitucional nº. 32, de 11 de setembro de
2001 (1988-2007)
Freqüência Percentual
Antes da EC nº 32/2001 44 em 226 19,4%
Depois da EC nº 32/2001 04 em 43 9,3%
Índice geral 48 em 269 17,8%
Fonte: tabela elaborada pelo autor, a partir de www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
Algumas explicações para estes decréscimos podem ser lançadas. Em primeiro
lugar, o tribunal provavelmente passou a ter uma postura menos saliente justamente em
razão de ter sido, com menor freqüência, trazido para o centro do debate político, de tal
forma que a agenda do tribunal foi menos pressionada pelos diversos propositores para
intervir contra os atos unilaterais do Poder Executivo. Como foi visto antes, houve
queda importante na propositura das ações depois da aprovação desta reforma
constitucional. Ainda neste sentido, merece ser considerado o fato que o incremento do
sucesso presidencial talvez tenha ocorrido porque muitas ADIns propostas antes da
aludida emenda se voltavam contra medidas provisórias não apreciadas pelo Congresso
Nacional, que acabavam sendo sucessivamente reeditadas pelo Poder Executivo. A
obrigatoriedade dessa apreciação, com a nova redação do artigo 62, provavelmente fez
com que os partidos preferissem manifestar suas opiniões na própria casa legislativa e
não mais no STF, onde antes buscavam guarida como único meio possível de objetar
esses decretos presidenciais. Por outro lado, justamente pelas medidas provisórias terem
de passar pelo crivo do Congresso Nacional, é de se esperar que esta mesma pressão
sobre a corte, para que ela estabeleça algum controle sobre a prática legislativa da
Presidência da República, seja minimizada, em razão justamente do maior controle
congressual supostamente existente
127
. Neste particular, é digno de nota o incremento na
média mensal de decisões que restaram prejudicadas pela existência de alteração
legislativa substancial prévia ao julgamento da ADIn, de 0,167/mês antes da EC para
0,238 no período posterior àquela Emenda à Constituição, variação importante, da
ordem de 42,5%. De um modo geral, parece que a aprovação desta reforma serviu como
uma espécie de justificativa hábil à corte para incrementar a transferência da
127
Todavia, como se buscou demonstrar anteriormente e encontra-se pormenorizado no Apêndice A,
parece ter ocorrido um acréscimo no uso deste instrumento normativo pelo Poder Executivo, o que
poderia sugerir que semelhante controle congressual tornou-se também mais restrito. Por outro lado, deve
ser lembrado o fato que a aludida Emenda Constitucional, ao regular mais detalhadamente as hipóteses de
admissibilidade para edição de medidas provisórias, incorporou à Constituição posicionamentos que
foram gradativamente sendo tomados pela corte frente a certos assuntos impassíveis de regulação por este
instrumento normativo, motivo pelo qual é de se supor que tais temas não passaram a ser mais objeto de
decretos editados pela Presidência da República, gerando menos demanda junto à corte.
171
responsabilidade de suas decisões para o Congresso Nacional. Se antes o tribunal era
buscado por muitos para objetar decretos que não poderiam ser barrados por ação
legislativa, agora, como esta é necessária, é de se supor que a corte queira se retirar
destas funções, que lhe foram vistas quase sempre com reserva. A aprovação da aludida
emenda não apenas arrefeceu as pressões sobre a corte, como também favoreceu a
postura dos Ministros de sequer julgar as ADIns dirigidas contra os decretos
presidenciais. Prova disso é o fato que nada menos de 81,4% das ações propostas no
período sequer foram efetivamente julgadas. Das 43 ADIns propostas no período, em
nada menos de 35 delas a corte alegou a ocorrência de alguma alteração legislativa
prévia, a ilegitimidade ativa do proponente ou desenvolveu estratégia de claro tom
evasivo para não apreciar a questão. Antes da aprovação da referida emenda, a soma
destes casos não passava de 45,6% do total, corroborando o desinteresse da corte em
apreciar essas questões no período recente, talvez justamente por considerar que essa
sensível função de controlar os atos unilaterais do Poder Executivo deva ser exercida
pelo Congresso Nacional e não pela corte, que se resguarda o direito de intervir ainda
mais pontualmente.
4.3 Leading cases envolvendo o poder de decreto do presidente brasileiro
O propósito da presente seção é duplo. Primeiramente, pretende-se demonstrar,
por meio de exames mais detalhados de ADIns específicas, como o STF se posicionou
quanto a temas politicamente relevantes e controversos com relação aos decretos
editados pelo Presidente da República. Entre estes, se incluem o embate em torno da
determinação jurídica dos requisitos de urgência e relevância para edição de medidas
provisórias, os limites para reedição destes atos normativos, bem como seus respectivos
reflexos sobre o processo legislativo ordinário. Neste caso, o que se propõe é a
ilustração de parte das conclusões alcançadas na seção que precedeu esta, demonstrando
pontualmente como a mais alta corte brasileira agiu estrategicamente face à regulação
dos limites procedimentais para expedição de medidas provisórias em dois aspectos que
ocuparam grande parte da agenda de pesquisa tanto entre os acadêmicos de direito,
como entre os próprios cientistas políticos. Espera-se, com isso, fornecer, ainda que
sumariamente, uma explicação para as posturas adotadas pela corte frente a tais
questões.
172
4.3.1 O controle dos requisitos de urgência e relevância
Pode o Supremo Tribunal Federal determinar quais condições são urgentes e
relevantes para dar ensejo à edição de medidas provisórias e, quando estas forem
inexistes, suspender os efeitos das referidas medidas? Provavelmente, a melhor forma
de abordar esta questão é colocá-la em perspectiva histórica, analisando-a sob o prisma
de um dos dilemas fundamentais da corte no período imediatamente posterior à
aprovação da nova Constituição, qual seja, o de administrar o uso da imensa gama de
poderes recém recebida pela instituição frente ao principal canal institucional de
implementação da vontade majoritária, vigente desde princípios do autoritarismo. A
questão é perceber, portanto, como o STF fortalecido e encarregado de resguardar
uma Constituição que regula tudo em minúcias se posicionou ante a sua própria
possibilidade de controlar o instrumento legislativo que descendia diretamente do
decreto-lei, veículo por excelência de legislação dos sucessivos presidentes militares.
Vista desta perspectiva, portanto, a questão assume um importante caráter transicional
que é diretamente relevante para esta pesquisa. Perceba-se, portanto, que atos
normativos unilaterais do Poder Executivo brasileiro não foram objeto de contestação
constitucional junto ao STF apenas no período recente de democracia posterior à
Constituição de 1988. Ainda durante o período autoritário, a corte foi chamada a se
manifestar frente à possibilidade de controlar jurisdicionalmente a edição dos decretos-
lei presentes na Constituição de 1967. Deu-se neste contexto, portanto, o primeiro
conjunto de manifestações do tribunal sobre o poder de decreto do presidente brasileiro
que, de certo modo, firmou os termos do debate que viria a ocupar a agenda dos juristas
brasileiros nos anos recentes. Trata-se da discussão em torno daquilo que costuma se
designar controle procedimental, isto é, o controle sobre os requisitos formais para a
edição do decreto e não exatamente o controle sobre o teor da nova legislação, que
poderia ser denominado controle substantivo
128
. Mais do que um simples relato do
passado, a reconstituição destes episódios auxilia a compreender em que jogo de forças
foi lançado o STF quando questionado sobre a possibilidade de determinar quais seriam
os casos de urgência e relevância de que fala o artigo 62 da atual Constituição.
No ano de 1967, o Supremo Tribunal Federal deparou-se com os Recursos
Extraordinários nº. 62.730, 62.731 e 62.739, decorrentes, como o próprio nome diz, do
128
Vale observar que John Ferejohn e Barry Weingast (1992) consideram a manifestação sobre
preferências procedimentais a maneira prioritária pela qual o Poder Judiciário atua politicamente.
173
sistema de recursos judiciais e não de um acionamento direto da corte, e neles teve que
decidir sobre a possibilidade de controle jurídico dos requisitos para a edição de
decretos com força de lei pelo Poder Executivo de então
129
. Informava o artigo 58 da
Constituição promulgada naquele ano que, em casos de “urgência” ou de “interesse
público relevante”, poderia o Presidente da República expedir tais decretos. A questão
que então se colocou ao tribunal era saber se haveria possibilidade de determinação e
controle jurídico destes requisitos constitucionais (urgência e/ou interesse público
relevante) para edição de atos normativos unilaterais pelo Executivo. Naquela
oportunidade, o tribunal manifestou-se de maneira peremptória. O julgamento dos três
recursos, realizado em conjunto pelo Tribunal Pleno no dia 23.08.1967, contou com o
Ministro Aliomar Baleeiro como relator e determinou, por maioria de votos, que a
apreciação de tais requisitos assume caráter político, estando entregue ao
discricionarismo dos juízos de oportunidade ou de valor do Presidente da República,
ressalvada apreciação contrária e também discricionária do Congresso Nacional. Assim
agindo, fica claro que o tribunal decidia retirar-se da função de apreciar os atos do Poder
Executivo, entregando a tarefa inteiramente ao Poder Legislativo, que à época se
encontrava bastante desprovido de poder político real, como é notório. O padrão
decisório estabelecido com o julgamento daqueles recursos, repetido pelo tribunal
também em outras ocasiões, firmou uma jurisprudência cuja possibilidade de
transplantação para o regime democrático não seria pequena
130
. Isto porque para a
edição de medidas provisórias, a Carta de 1988 fala em requisitos constitucionais
praticamente idênticos aos da Constituição que a precedeu. Em razão da clara
continuidade nas regras que regem as relações entre os Poderes Executivo e Legislativo
entre um período e outro, portanto, poderia se esperar pela inércia jurisprudencial,
optando o tribunal por permanecer sem se imiscuir na atividade legislativa da
Presidência da República. Não foi isso, entretanto, o que ocorreu, ao menos
129
Observe-se que os referidos Recursos Extraordinários não foram interpostos, ao menos aparentemente,
com o fito oposicionista de se barrar a atividade legislativa da Presidência da República, mas antes como
uma estratégia processual empregada pelos advogados de uma das partes do processo na tentativa de
melhor defender os interesses de seus clientes, que pouco ou nenhum interesse possuíam de se imiscuir no
jogo propriamente político do período.
130
Em 13.04.1973, no julgamento do Agravo de Instrumento nº. 53.955 pela Segunda Turma do STF,
contando com o Ministro Bilac Pinto como relator, bem como no julgamento do Recurso Extraordinário
nº. 71.039, também pela Segunda Turma do tribunal em 21.05.1973, com o Ministro Xavier de
Albuquerque como relator, o tribunal reafirmou seu posicionamento de não apreciar os requisitos formais
para expedição dos decretos do Poder Executivo. Nos dois casos, consta o entendimento jurisprudencial
de acordo com o qual os pressupostos de urgência e interesse público relevante escapam ao controle do
Poder Judiciário.
174
considerando um dos julgamentos que iniciou os debates sobre o tema no STF após a
promulgação da nova carta constitucional. Trata-se do julgamento do pedido de liminar
na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 162-0, movida pelo Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil contra a medida provisória nº. 111, de 1989, que
criava novas modalidades de prisão temporária, autorizando inclusive a
incomunicabilidade do réu preso em certas situações, tema altamente controverso no
que diz respeito à legislação que regula o processo penal. Naquela ocasião, o tribunal
manifestou-se contrariamente à tendência apresentada em tempos autoritários, mas
ainda assim de forma reticente. A corte autorizava-se a controlar os quesitos formais
para expedição de medidas provisórias, mas não realizava semelhante controle no caso
que se apresentava a ela. Ao decidir assim, o tribunal também não determinava de modo
suficientemente claro como poderia vir a intervir na atividade legislativa do Executivo.
Observou-se, portanto, uma inflexão em relação ao padrão delineado durante o
autoritarismo, muito embora os termos do debate tenham se fixado novamente em torno
dos requisitos constitucionais de “relevância e urgência” para edição dos decretos. Nas
palavras do acórdão que decidiu a questão, que contou com o Ministro Moreira Alves
como relator, afirmou-se:
Os conceitos de relevância e urgência a que se refere o artigo 62 da
Constituição, como pressupostos para a edição de Medidas Provisórias,
decorrem, em princípio, do juízo discricionário de oportunidade e de
valor do Presidente da República, mas admitem o controle judiciário
quanto ao excesso do poder de legislar, o que, no caso, não se evidencia
de pronto (ADIn nº. 162-1).
O fundamental a depreender-se da leitura é que o tribunal abriu-se à
possibilidade de controlar atos legislativos do Poder Executivo. Ainda que não tenha
intervindo no caso em questão, o tribunal modificou sua posição prévia, mas por outro
lado também não definiu por meio de quais parâmetros partiria para identificar como e
quando atuaria no sentido de considerar esta ou aquela medida provisória abusiva. É
lícito interpretar este espaço de incerteza produzido pela ausência de parâmetros claros e
seguros sobre o controle de constitucionalidade de medidas provisórias como um tipo
de estratégia do tribunal por meio da qual este ampliava o seu próprio leque de
discricionariedade. Trata-se, portanto, de um curso de ação que permite à corte se
manter aberta à apreciação dos decretos, mas somente analisá-los efetivamente e com
rigor quando assim considerar prioritário ou conveniente. Vale afirmar: agindo assim,
175
estrategicamente a corte não se retirou completamente do jogo político como fizera em
tempos autoritários, mas também não demonstrou que se apresentaria sempre como um
ponto de veto constante e desmedido à atuação legislativa do Poder Executivo. Como
foi constatado inclusive por parte da literatura jurídica, o surgimento deste espaço de
incerteza gerou basicamente dois padrões jurisprudenciais distintos (Kadri, 2004, p.
214-220; Sampaio, 2004, p. 171; Carvalho, 2007). Por um lado, certos julgamentos
posteriores proferidos pela corte afirmaram que os critérios de urgência e relevância
estão sujeitos somente ao juízo do Poder Executivo e que extrapolaria a competência do
STF analisá-los, em uma remissão clara à jurisprudência das décadas de 1960 e 1970.
Este é o caso, por exemplo, das ADIns nº. 1667-9 e 1700-2, julgadas em 1997. Por
outro lado, certas decisões voltaram à ADIn nº. 162-0, inclusive fazendo-lhe menção
expressa, e lhe resgataram o sentido, afirmando que possibilidade, ainda que não
necessariamente freqüente, de controle jurisdicional sobre a edição de medidas
provisórias, como se observa, por exemplo nas ADIns nº. 1647-4 e 2213-0,
respectivamente de 1997 e 2000. Estes padrões se intercalam de modo intermitente e
impedem, portanto, a criação de um parâmetro seguro, do ponto de vista qualitativo,
sobre como o STF decide em matéria de medidas provisórias. Neste particular, impõe-
se observar que parte dos trabalhos que integram a aludida retórica estilizada sobre o
tema, presente tanto nos círculos jurídicos como entre os próprios cientistas políticos,
recorta dirigidamente apenas alguns julgamentos do STF e deles extraem suas
conclusões, fazendo uma análise muitas vezes parcial do objeto que afirmam examinar.
4.3.2 Posicionamentos da corte sobre a reedição de medidas provisórias
Ainda que comumente a ciência política brasileira tenha tratado o tema da
reedição de medidas provisórias de forma um tanto unidimensional, enfatizando os
casos de decretos não apreciados pela casa legislativa, a verdade é que ele comporta
outros aspectos relevantes, alguns dos quais diretamente importantes a este estudo.
Neste sentido, ele comporta pelo menos outros dois ângulos de análise pouco
observados pelos estudiosos das relações entre os Poderes Executivo e Legislativo. Um
primeiro que foi detectado pela literatura brasileira que deu tratamento aos julgados
do STF (Arantes, 1997) e um outro que não parece ter sido captado por nenhum outro
trabalho, ao menos que seja de conhecimento deste autor. Trata-se, respectivamente, da
176
possibilidade de reedição de medida provisória expressamente rejeitada pelo Congresso
Nacional e da reedição destes mesmos decretos não expurgados de dispositivos
suspensos em virtude de liminar deferida pelo próprio Supremo Tribunal Federal. Os
dois primeiros casos, portanto, dizem respeito à regulação que a mais alta corte
brasileira estabeleceu para as relações travadas entre a Presidência da República e o
Congresso Nacional, ao passo que o último diz respeito diretamente às relações entre
Poder Executivo e STF. Como forma de expor organizadamente os posicionamentos do
tribunal frente a essas três sortes de situações, eles serão apresentados em separado.
Em primeiro lugar, atente-se para os casos de medidas provisórias reeditadas
ante a inação do Congresso Nacional em apreciar estes atos unilaterais expedidos
previamente pela chefia do Poder Executivo. Como foi visto, esta prática, levada a
cabo pelo governo apesar de não estar expressamente prevista na Constituição de 1988,
foi vigorosamente atacada por amplos setores do universo jurídico, passando pela
academia e pelo próprio Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Argumentava-se, em síntese, que semelhante prática permitiria ao Presidente da
República legislar de forma praticamente autônoma, visto que nela inexiste participação
explícita da casa legislativa. A questão foi colocada mais de uma vez sob avaliação do
tribunal, mas sua postura manteve-se sempre linear, pelo menos desde a ADIn nº. 295-3
proposta em meados de 1990 justamente pela entidade representativa dos advogados
contra a medida provisória nº. 186, fruto da reedição daquelas de nº. 173, 181 e 182. Na
ocasião, como em praticamente todas as que se seguiram
131
, a corte afirmou que se os
decretos não fossem expressamente rejeitados pelo Congresso Nacional, em princípio,
não eram vedados. Deve-se mencionar que o STF anuiu expressamente com esta prática
em parte por perceber que era do interesse da própria maioria integrante do Poder
Legislativo que a política fosse conduzida desta maneira. Vale dizer, portanto, que o
tribunal interpretou a existência de medidas provisórias sucessivamente reeditadas e não
apreciadas pelo Congresso Nacional exatamente como parte da literatura em ciência
política encarou o tema (Figueiredo & Limongi, 1999; 2003; 2006). O tribunal percebeu
que se tratava de uma prática implicitamente autorizada pela casa legislativa e que se
cabia a alguém objetá-la era ao próprio parlamento, mas não à corte. Trata-se de um
indício forte de que o STF percebia as medidas provisórias não apreciadas pelo
Congresso e, em razão disso, sucessivamente reeditadas pelo Poder Executivo,
131
Neste sentido, veja-se, por exemplo, as ADIns nº. 1533-8, 1610 e 1647-4.
177
exatamente como uma prática que vigorava por interesse imediato de setores do próprio
parlamento. Como parece claro, este posicionamento também não é isento de estratégia.
Ao não contrapor importante procedimento de tomada de decisão do governo, o tribunal
não apenas anuiu com os interesses do Poder Executivo, como também se colocou em
sintonia com os interesses majoritários dos parlamentares, que restavam protegidos pela
political cover propiciada pela edição de decretos em temas particularmente
impopulares e politicamente custosos. Por outro lado, significa dizer também que o
tribunal atuou afirmativamente em benefício do Poder Executivo, situação que o
avalizou contraditá-lo em algumas situações. Ao não restringir esta prática, não prevista
na Constituição, o STF avalizou boa parte da estratégia política majoritária. Tal endosso
à prática conjunta dos Poder Executivo e Legislativo ocorreu, contudo, apenas algumas
semanas depois do julgamento da polêmica questão relativa à reedição de medida
provisória rejeitada expressamente pelo Congresso Nacional. Esta foi realizada quando
do julgamento da ADIn nº. 293-7, proposta pelo Procurador-Geral da República contra
a medida provisória nº. 190, que reeditava, com algumas modificações de forma, mas
não de conteúdo, a medida provisória nº. 185, rejeitada de forma expressa pelo Poder
Legislativo alguns dias antes. Nesta ocasião, a corte agiu afirmativamente contra o
Presidente da República, impedindo que este impusesse sua vontade ao Congresso
Nacional. Neste caso, vale lembrar, o tribunal tinha diante de si um verdadeiro e raro
confronto entre Poderes do Estado, consubstanciado na contrariedade da maioria do
Poder Legislativo aos interesses do governo. Para impor semelhante sanção ao Poder
Executivo, portanto, o STF contou com o apoio político explícito da maior parte do
Congresso, tornando-se menos desgastante semelhante decisão para a corte. Em mesmo
sentido, observe-se que a medida provisória nº. 190 foi atacada no STF por amplo arco
de forças políticas em outras quatro ADIns que se somaram àquela proposta pela
Procuradoria-Geral da República. São elas as de nº. 294-5 (proposta pelo PDT), 298-8
(proposta pelo PSDB), 300-3 (proposta pelo PC do B) e 302-0 (proposta pelo Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil), como bem percebeu Rogério Bastos
Arantes (1997). Como se observa, portanto, os dois casos julgados ainda durante o
princípio do governo do Presidente Fernando Collor de Melo estabeleceram limites à
atuação unilateral do Poder Executivo em relação ao Poder Legislativo. No caso, o que
de mais interessante se observa é que a corte percebeu o jogo de forças políticas nos
dois contextos e em nenhum dos dois contrariou os interesses efetivamente majoritários.
No primeiro caso, percebeu que o silêncio do Congresso Nacional era até mesmo
178
interessante à maioria dos parlamentares, ao passo que na segunda ocasião poderoso
conjunto de interesses se articularam para contestar a vontade presidencial, tornando
mais simples a referida decisão.
Por fim, o último caso diz respeito não às relações travadas entre os Poderes
Executivo e Legislativo, mas sim à possibilidade do primeiro frustrar decisões do
Supremo Tribunal Federal reeditando medidas provisórias com trechos rejeitados pela
corte. Observe-se, portanto, que se trata de uma situação em que o tribunal, a princípio,
tem suas decisões desrespeitadas pela chefia do Poder Executivo, que não toma
conhecimento do julgamento realizado e reedita o decreto sem retirar dele dispositivos
impugnados pela corte. Como se pode notar, este tipo de interação é especialmente
importante para as pretensões teóricas desta dissertação, sendo inclusive um exemplo,
ainda que um tanto incomum, de confronto entre as vontades do Executivo e do
Judiciário. Como se argumentou ao início deste trabalho, na maioria dos casos o
Presidente da República tende a reapresentar o aludido decreto desprovido das normas
objetadas pelo STF, como inclusive foi observado pela literatura pertinente (Vianna
et alii, 1999, p. 143; Carvalho Neto, 2005, p. 141), demonstrando quase invariavelmente
respeito às decisões do tribunal
132
. Nestes casos em particular, todavia, parece se tratar
de uma tentativa discreta, por parte do Executivo, de não implementar integralmente a
vontade judicial. Que tenham se identificado, duas situações apresentaram este perfil.
Entretanto, para justiça do argumento, nos dois casos, a solução da controvérsia não foi
conflituosa, mesmo porque, ao que parece, não se tratava necessariamente de uma
afronta pura e simples da Presidência da República às decisões da corte, mas sim uma
espécie de desconsideração temporária e transitória aos referidos julgados. Este é o
caso, por exemplo, da ADIn nº. 1117-1, ajuizada contra a medida provisória nº. 575, de
agosto de 1994, pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino com o
objetivo de contestar regras de conversão de valores de mensalidades escolares em
função do Plano Real. Uma vez apresentados os argumentos pelo advogado da parte, o
conhecido constitucionalista José Alfredo de Oliveira Baracho, a liminar foi deferida
para suspender a eficácia de alguns itens do decreto, fato comunicado uma semana
depois à Presidência da República. Ocorre, contudo, que em setembro do mesmo ano
o Poder Executivo reeditou aquela primeira medida provisória sob o nº. 612, sem
132
A título de exemplificação, veja-se, neste sentido, as ADIns nº. 1176, 1309 e 1753, que foram
reapresentadas pelo Poder Executivo desprovidas dos dispositivos impugnados pelo Supremo Tribunal
Federal.
179
suprimir os trechos suspensos pelo STF, o mesmo ocorrendo nos meses de outubro e
novembro, com as medidas provisórias nº. 651 e 697, respectivamente. Quase
imediatamente, a CONFENEN encaminhou petição ao relator solicitando que a
suspensão se estendesse às novas medidas, o que foi atendido de pronto pelo Ministro
Paulo Brossard, que inclusive observou na decisão que semelhante procedimento
deveria ser observado nos casos análogos pela corte pelos próprios relatores. A decisão
foi novamente comunicada à Presidência da República, ocasião em que esta finalmente
reeditou o decreto subtraindo os trechos julgados suspensos. O outro caso neste mesmo
sentido é o da ADIn nº. 1799-2, em que a corte deferiu liminar ao governador do Estado
do Amazonas com o fito de suspender alguns dispositivos legais integrantes da medida
provisória nº. 1614-16, de março de 1998. Ocorre, todavia, que o Presidente da
República reeditou a medida provisória em questão no mês de abril sob o nº. 1614-17 e
novamente não a expurgou dos dispositivos suspensos pela corte. De forma quase
imediata, o advogado contratado
133
pelo Estado do Amazonas informou o fato ao
Supremo e este, em tom claramente apaziguador e citando a ADIn de 1994 proposta
pela CONFENEN, estendeu o efeito à nova medida provisória
134
. Quando a reedição
sob o nº. 1614-18 se fez presente no mês subseqüente, não mais constavam do decreto
os dispositivos objetados pela corte. As posturas firmes do tribunal, bem com a
obediência do Executivo a estes comandos, atestam a tônica quanto à respeitabilidade
de suas decisões. Por outro lado, não se pode olvidar o fato de que nos dois casos a
corte se encontrava amparada por dois agentes públicos de relevo uma associação
patronal e um governo estadual para assim decidir. Mais uma vez, portanto, atesta-se
o peso de proponentes específicos como elemento decisivo para a corte estabelecer um
curso de ação contrário à Presidência da República.
133
Apenas para que fique claro, o governador do Estado do Amazonas não utilizou diretamente o pessoal
da Procuradoria do Estado, mas contratou Ives Gandra da Silva Martins, conhecido jurista das áreas do
direito constitucional e tributário, para propor a referida ação. Ao que parece, esta estratégia de empregar
nomes conhecidos dos círculos jurídicos na propositura de ADIns vem sendo utilizada pelos diversos
legitimados como forma de incrementar a seriedade do pedido, que passa a ser visto com melhores olhos
pelo corte e, desta forma, incremente as chances de sucesso. Como parece claro, trata-se de um curso de
ação disponível apenas a proponentes que tenham acesso significativo a recursos, especialmente
financeiros, visto que tais advogados não exercem semelhantes funções de forma gratuita.
134
O referido tom apaziguador empregado pelo relator, Ministro Marco Aurélio, se nota pela seguinte
afirmação quando estendeu os efeitos da sentença ao decreto posterior:
“Em primeiro lugar, não vejo no
ato de Sua Excelência o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, desrespeito à decisão
desta Corte. Frente ao princípio da razoabilidade, conducente a presumir-se o que normalmente ocorre e
não o excepcional, o extraordinário, o absurdo, o teratológico, tenho que passou despercebido à Sua
Excelência, quem sabe por falha da assessoria, a recente decisão do Plenário deste Tribunal, por sinal
prolatada a uma só voz”
(ADIn nº. 1799-2).
180
4.4 Conclusões do capítulo
O presente capítulo realizou a análise empírica do objeto proposto. Mais do que
simplesmente sumarizar as evidências encontradas, entretanto, o objetivo destas
conclusões é atestar, por um lado, a validade de boa parte do construto teórico
desenvolvido para esta pesquisa, bem como, por outro lado, fazer uma observação final
quanto aos efeitos de longo prazo das decisões proferidas pela corte em contrariedade
ao Poder Executivo.
Primeiramente, quanto às implicações teóricas da análise empreendida, cumpre
observar que os dados apresentados corroboram o peso das variáveis institucionais
presentes no caso brasileiro. A enorme pressão exercida sobre a agenda do tribunal em
vista do amplo leque de possíveis proponentes de ADIns é notória, em especial quando
se observa a elevada presença de partidos políticos, organizações de interesses e, em
menor medida, do Conselho Federal da OAB. Em segundo lugar, pode-se afirmar que
as hipóteses geradas pela adaptação do modelo estratégico de separação de poderes à
realidade brasileira foram em grande medida confirmadas no exame dos julgamentos de
Ações Diretas de Inconstitucionalidade que questionavam medidas provisórias. Viu-se
que a corte efetivamente não prioriza o enfrentamento constante com a Presidência da
República, inclusive adotando estratégias informais de decisão que a previnem sequer
de analisar muitas das ADIns propostas contra aqueles decretos. Todavia, disto não se
pode concluir pela insignificância da instituição neste cenário, como muitas vezes
parecem sugerir as análises existentes de juristas e mesmo de cientistas políticos. Os
casos de intervenção da corte não foram exatamente raros, visto que o tribunal brasileiro
com relativa freqüência suspendeu no todo ou em parte medidas provisórias editadas
pelo Poder Executivo. Neste sentido, tais casos de veto judicial que contrariam a
tendência majoritária ao não ativismo da corte se explicam pela natureza do tema, pelos
respectivos proponentes das ações e mesmo pela forma com que a corte realiza tais
julgamentos. Viu-se que o tribunal tende a se apresentar como um entrave às políticas
do Poder Executivo especialmente quando os assuntos tratados nas medidas provisórias
objetadas não implicam de forma direta e imediata em conseqüência para o próprio
governo, mas se refletem primordialmente sobre as relações entre particulares, como
são os casos de relações trabalhistas e de regulação social. Um pouco distante dessa
regra se encontram os julgados na temática da administração da justiça, em que se sente
com mais força a presença do tribunal, ainda que estes casos envolvam aspectos
181
importantes da política prioritária do Poder Executivo. Como explicação para tanto se
sugeriu que a corte opta por atuar mais nesta arena justamente por retirar-se
praticamente por completo das demais, em especial naquelas mais prioritárias do
Executivo, como a política econômica e a administração pública, como em uma forma
de barganha horizontal com a Presidência da República. Quanto aos proponentes,
observou-se que a corte busca resguardar-se de intervir em relação aos casos de
natureza propriamente político-partidária, cujos reflexos eleitorais são mais imediatos e
cuja atuação da corte seria possivelmente mais custosa a ela mesma. Em vista disso, o
sucesso de partidos políticos foi apontado como diminuto, especialmente com relação
àqueles que efetivamente disputam a chefia do Poder Executivo, como PT e PSDB, por
exemplo. Associações profissionais, possivelmente por seu reduzido acesso a recursos e
menor influência política, também não se destacam entre os proponentes com maior
sucesso. Por outro lado, sindicatos patronais, governadores de Estado, bem como
entidades de fiscalização da ordem jurídica com OAB e PGR tendem a não acionar
com grande freqüência a corte, mas seu sucesso é percentualmente elevado, sugerindo
que a corte as encara com maior seriedade, inclusive porque o peso político de tais
proponentes é maior, facilitando-lhe um curso de ação contrário ao Executivo. Por fim,
em todos esses casos, a deliberação pública, evidenciada na natureza colegiada de
alguns julgamentos, tende a incrementar as chances de uma intervenção da corte,
mesmo porque reforça a transparência da decisão, desestimulando quaisquer ações
porventura contrárias da parte do governo. A adoção deste conjunto de cursos de ação
sugere, portanto, que a instituição tem consciência do jogo de forças que a circunda e
que se torna prudente nesse contexto sinalizar uma postura de independência em relação
aos conflitos diretamente processados entre os principais atores políticos, razão pela
qual a objeção direta a interesses efetivamente majoritários não se constitui uma
constante. Prova disso são, por exemplo, as posições apresentadas pormenorizadamente
quanto ao controle dos requisitos de urgência e relevância para edição de medidas
provisórias, bem como as diferentes questões relacionadas à reedição destes decretos.
Em segundo lugar, outro aspecto importante a ser ressaltado nestas breves
conclusões diz respeito ao impacto das decisões proferidas pela corte em longo prazo.
Neste caso, é importante apresentar, ainda que sumariamente, como alguns dos
posicionamentos restritivos firmados pelo tribunal quanto ao poder de decreto do
presidente brasileiro foram incorporados ao texto constitucional com a aprovação da
Emenda Constitucional nº. 32, de setembro de 2001. Ao observá-la com mais vagar,
182
percebe-se que importantes modificações presentes naquela reforma são na realidade
uma cristalização de posições tomadas pelo STF ao longo dos 13 anos que separam a
promulgação da Carta de 1988 e a aprovação daquela Emenda Constitucional. No caso,
pelo menos quatro novos requisitos para edição de medidas provisórias incluídos na
nova redação do artigo 62 decorrem diretamente da jurisprudência firmada pelo STF,
especialmente ao longo da década de 1990. As duas primeiras se encontram presentes
nas alíneas “b” e “c” do inciso I do parágrafo 1º. daquele dispositivo constitucional. De
acordo com ele, ficam vedadas medidas provisórias que versem sobre a organização do
Poder Judiciário e do Ministério Público, bem como sobre direito penal, processual
penal e processual civil. Ora, semelhantes restrições aos decretos presidenciais podem
apenas ser compreendidas tendo em vista os julgamentos realizados pelo STF no que se
refere à temática da administração da justiça que, como se viu, conformaram a área
prioritária de objeção da corte ao Poder Executivo. Por sua vez, o parágrafo 2º. daquele
mesmo artigo dispõe agora que medidas provisórias que impliquem a instituição ou
majoração de impostos, somente produzirão efeitos no exercício financeiro seguinte à
edição do decreto. Novamente, a inclusão de semelhante dispositivo pode ser entendida
somente se for considerada a decisão que vedou a retroatividade de instituição ou
majoração de tributos, conforme julgado na ADIn nº. 1417-0 proposta pela CNI no ano
de 1996, como se viu anteriormente
. Por fim, uma última importante vedação
fundamental diz respeito ao parágrafo 10º do novo artigo 62 da Constituição. Nele, fica
expressamente proibida a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória
que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. Mais
uma vez, portanto, a objeção a esta prática, feita pela corte ainda durante o governo do
Presidente Fernando Collor de Melo, atesta que as decisões do tribunal possuem
impacto efetivo sobre a arena política, a ponto de serem incorporadas ao próprio texto
da Constituição. Tal juízo demonstra, entre outras coisas, a importância política de
determinados julgamentos realizados pela corte, em contrariedade ao que afirma a maior
parte da literatura que deu tratamento ao tema, que aponta a atuação do tribunal como
excessivamente comedida nos casos de objeção aos decretos do Poder Executivo. Em
alguma medida também isto auxilia a explicar por que o impacto da aludida emenda foi
diminuto quanto ao uso de medidas provisórias pelo Poder Executivo. Ao incluir na
Constituição esses posicionamentos da corte, apenas se formalizavam regras
existentes no sistema político.
183
5 CONCLUSÃO
Não sem razão, em tempos recentes parte da ciência política brasileira vem se
voltando a examinar as instituições que integram o Poder Judiciário. Frente ao que se
afigura ser uma crescente influência destas arenas decisórias junto ao conjunto do
sistema político brasileiro, busca-se compreender as dimensões e a extensão deste
mesmo processo. Em geral, os trabalhos realizados se concentram sobre o exame de
uma instituição em particular, o Supremo Tribunal Federal, frequentemente tendo em
vista uma única matriz teórica, aquela da chamada judicialização da política. Com isso
em vista, a presente dissertação pretende inserir-se no debate sobre este mesmo objeto,
mas analisá-lo sob uma perspectiva diversa e, de certa forma, ainda inédita. No caso,
parte do esforço empreendido nas páginas anteriores conta de buscar integrar a
discussão sobre o órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro a outras vertentes
analíticas ainda pouco estudadas no país, mas de ampla circulação na literatura
internacional. Desta maneira, ao enfocar o controle de constitucionalidade exercido pelo
mais alto tribunal brasileiro quanto às medidas provisórias editadas pelo chefe do Poder
Executivo no contexto recente de instituições poliárquicas, este trabalho pôde adentrar-
se em duas discussões distintas, mas necessariamente relacionadas. Uma primeira,
diretamente importante à compreensão da dinâmica política do Brasil contemporâneo,
refere-se à avaliação do desempenho institucional e do papel exercido pela mais alta
corte brasileira frente às demais instituições políticas e em especial no que se refere ao
controle exercido sobre a Presidência da República e seu principal instrumento de ação
legislativa, a medida provisória. Por sua vez, outra importante conseqüência do tipo de
exame realizado diz respeito às implicações teóricas deste mesmo estudo, especialmente
no que se refere aos padrões decisórios de tribunais envolvidos em contextos
semelhantes ao do congênere brasileiro. Como forma de apresentar organizadamente os
desdobramentos do presente estudo frente às duas discussões citadas, passa-se à
exposição de cada uma delas separadamente.
Em primeiro lugar, portanto, considere-se o que toca ao exame propriamente
dito da participação da corte brasileira no controle do poder de decreto do Presidente da
República. Neste particular, o estudo apresenta-se com uma contraposição às visões
existentes nos trabalhos de muitos juristas e mesmo de alguns cientistas políticos sobre
o tema, que vêem com linearidade a atuação do STF, como se este órgão praticamente
184
nenhum controle exercesse sobre os atos unilaterais do Poder Executivo brasileiro.
Como foi visto, a visão destes trabalhos está longe de ser verdadeira. Mesmo que
percentualmente as intervenções do tribunal nesse quesito não sejam elevadas, a
freqüência com que o Presidente da República é submetido a veto judicial não pode ser
apontada como irrisória, como parece sugerir aquela literatura. Como foi visto, em pelo
menos cinco anos (1994, 1995, 1997, 1998 e 2000), a chefia de governo sofreu
praticamente uma derrota a cada dois meses junto ao tribunal. Neste sentido ainda, é
válido lembrar que algumas decisões da corte apresentaram impacto de longo prazo
sobre as relações entre os Poderes Executivo e Legislativo, circunscrevendo o leque de
políticas que aquele primeiro pôde implementar por meio deste instrumento normativo,
como atestam as decisões do tribunal incorporadas ao texto da própria Constituição com
a aprovação da Emenda Constitucional nº. 32, de setembro de 2001. Mais do que um
desempenho institucional insatisfatório ou inexistente que constituiria uma verdadeira
excepcionalidade da corte brasileira em relação àquelas de outros países, a participação
do STF no período recente de democracia parece corresponder exatamente ao que se
espera de uma instituição judicial que é chamada a enfrentar questões deste porte. O
controle jurisdicional intensivo da atividade política do governo não é, a rigor, a tônica
na maior parte mundo, mas sim uma prática tópica e seletiva que demanda prudência e
cautela dos magistrados nela envolvidos. Isto ocorre inclusive porque os integrantes
desses tribunais têm ciência que o grau de independência e o rol de prerrogativas das
instituições que integram não são dados inequívocos da realidade, mas atributos cuja
consolidação é uma tarefa permanente e cotidiana e que enfrentar sistematicamente
atores políticos relevantes é uma estratégia que põe em risco estes propósitos. A postura
de não enfrentamento sistemático do STF às medidas provisórias, portanto, antes de ser
classificada como um atentado ao equilíbrio nas relações entre os Poderes do Estado,
contribui neste sentido, ao evitar atritos muitas vezes desnecessários que poderiam
conduzir a rupturas capazes de violar aqueles mesmos objetivos.
Como se observou, portanto, o propósito da presente dissertação não se
restringiu simplesmente à realização de um diagnóstico sobre os padrões de
acionamento e decisão da corte brasileira, mas disse respeito também ao fornecimento
de uma explicação para estes mesmos fenômenos, ponto a respeito do qual pouco se
discutiu nas análises existentes do Supremo Tribunal Federal, em especial no que se
refere aos julgamentos efetivamente realizados pela corte. Grande parte do esforço desta
dissertação, afinal, consiste em buscar compreender as razões que levam o tribunal a
185
decidir de certas maneiras e não buscar apenas as causas imediatas do acionamento do
tribunal pelos diferentes proponentes. Para tanto, o cabedal teórico construído a partir
do modelo estratégico de separação de poderes – ao qual se agregaram contribuições do
neo-institucionalismo e dos estudos sobre organizações de interesses junto ao Poder
Judiciário foi diretamente relevante. Em vista disso, impõe-se realizar algumas
considerações de ordem teórica quanto a algumas conclusões alcançadas na análise
empírica do objeto proposto. De início, um ponto a respeito do qual pouca
controvérsia restou novamente comprovado. Trata-se do efeito do amplo rol de
legitimados ativos existente na Constituição de 1988, que permitiu o acesso à corte
pelos mais variados grupos, propiciando a contestação freqüente de muitos dispositivos
legais e, no caso, de inúmeros decretos do Poder Executivo. Por outro lado, se as
principais hipóteses geradas pelo modelo estratégico de separação de poderes restaram
corroboradas, a explicação dos casos em que o tribunal apresentou-se como um entrave
às diretivas da Presidência da República demandou maior aprofundamento analítico e,
em vista disso, mediações na aplicabilidade de tal construto teórico à realidade própria
do Brasil. Em função destas adaptações, todavia, interessantes implicações para aquele
modelo teórico basilar podem ser apontadas. Em primeiro lugar, o recorte temático,
geralmente pouco tratado nos estudos que adotam o modelo estratégico de separação de
poderes, revela uma opção interessante da corte por recortar assuntos frente aos quais
intervir, abrindo mão de posicionar-se em determinadas áreas para que se torne possível
fazê-lo em outras. O fato é revelador, portanto, de uma preferência do tribunal por
deixar certos temas quase inteiramente a cargo do Presidente da República, viabilizando
sua interferência em outros, possivelmente considerados prioritários. Os casos da
política econômica, responsabilidade do Poder Executivo na maior parte dos países, e da
administração da justiça, encargo de praxe dos órgãos de cúpula do Poder Judiciário no
mundo, ilustram bem essa espécie de delimitação de espaços de influência dos
respectivos Poderes do Estado. Neste mesmo sentido, os achados do caso brasileiro
demonstram uma constante preocupação da corte em não ser identificada nem com
grupos oposicionistas e tampouco com o próprio governo, mesmo que decida em favor
deste com maior freqüência. O diminuto sucesso de partidos políticos, especialmente
daqueles envolvidos com maior saliência na disputa pelo mando do Poder Executivo,
atesta a importância que o tribunal em passar uma imagem de independência ante os
conflitos, preferindo intervir pontualmente em algumas questões importantes, mas desde
que estas não se relacionem diretamente às lutas político-partidárias de caráter eleitoral.
186
Trata-se possivelmente de uma estratégia de que preza pelo resguardo ante os possíveis
ocupantes da chefia do governo, motivo pelo qual muitas vezes, como se viu, o tribunal
sequer julga efetivamente estas ações. Por outro lado, a consideração que a corte
confere aos argumentos de proponentes que a buscam com o propósito de dirimir
controvérsias concretas que envolvam seus interesses mais imediatos e específicos
parece sugerir que ela está atenta à intenção não midiática da maior parte destes
proponentes. Tal fato apenas reforça a tendência esboçada de acordo com a qual uma
das estratégias da corte constitui em sinalizar aos principais atores políticos a sua não
partidarização mesmo nos casos em que esta objeta decretos presidenciais. A aludida
necessidade de apoio de agentes públicos relevantes como justificativa para semelhantes
intervenções é fundamental, portanto, mesmo porque torna mais robusta a decisão da
corte e lhe contornos de interesse público e não de simples oposicionismo. Em vista
destes argumentos, pode-se sugerir que a posição das cortes não é tão passiva como
parece apregoar o protótipo básico do
separation of powers model. Mais do que
simplesmente calcular as possibilidades de suas decisões serem implementadas em
plenitude, medindo as forças políticas em disputa, os tribunais parecem também
construir um conjunto significativo de estratégias que trabalhem para passar às demais
instituições políticas uma imagem de atuação independente. Buscam as cortes, portanto,
reafirmar constantemente o quesito último sobre o qual se assenta a legitimidade de suas
ações, qual seja, a imparcialidade de suas decisões. Neste sentido, que se considerar
ainda que frequentemente esta vertente do modelo estratégico é empregada pelos
autores como forma de abordar a atuação de tribunais em cenários de recente
institucionalização democrática. Em tais contextos, as preocupações constantes desses
órgãos são a conquista e preservação de seus poderes frente às instituições
representativas. Como bem observou Matthew Taylor (2007), o possível dilema da corte
brasileira no contexto recente de democracia tem sido um tanto diverso, qual seja, o de
administrar com cautela o uso dos poderosos instrumentos que ela recebeu na
Constituição de 1988, evitando atritos desnecessários com o conjunto de forças políticas
majoritárias que possam eventualmente redundar em embates quase invariavelmente
prejudiciais à autonomia da própria instituição judicial.
187
APÊNDICE A Efeitos legislativos da Emenda Constitucional nº. 32/2001
Tema tratado um tanto superficialmente no Capítulo I desta dissertação, os
efeitos da Emenda Constitucional nº. 32/2001 sobre a edição de medidas provisórias
foram descritos como limitados, modificando apenas pontualmente as relações entre os
Poderes Executivo e Legislativo neste particular, mantendo praticamente inalterada a
vantagem estratégica do primeiro em relação ao segundo. O objetivo deste apêndice é
apenas corroborar, com maior profundidade e riqueza em dados, o que foi afirmado no
início do trabalho. Como se trata de tema relacionado ao objeto desta dissertação, mas
cujos efeitos não são diretamente relevantes para o desenvolvimento deste trabalho,
preferiu-se agrupar neste apêndice o detalhamento das conclusões relativas ao assunto,
evitando ruptura muito brusca no ritmo de leitura do capítulo inicial.
Ao que parece, a Emenda Constitucional nº. 32, de 11 de setembro de 2001, é
fruto de um raro momento em que o Congresso Nacional, por meio de um longo e
demorado caminho, superou seus dilemas de ação coletiva e seus elevados custos de
transação, agindo com motivações mais institucionais do que propriamente partidárias.
Para corroborar essa assertiva, pode-se recorrer às votações realizadas para a aprovação
da referida emenda à Constituição. Em praticamente todas uma manifestação
expressiva em seu favor, com margem restritíssima para oposição, quase beirando a
unanimidade: em praticamente todas as situações, os votos favoráveis ao projeto
atingiram a casa dos 400 (quatrocentos), ao passo que os votos contrários não
ultrapassaram um único dígito sequer em nenhuma vez. Apresentado através da
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº. 472, em maio de 1997, o projeto da
referida emenda tramitou na Câmara dos Deputados e no Senado Federal por mais de 50
(cinqüenta) meses, com significativos adiamentos de votação e de discussão,
corroborando a tese de acordo com a qual os projetos de iniciativa do próprio Poder
Legislativo tendem a ser de lento percurso até sua aprovação final por ambas as casas
(Amorim Neto & Santo, 2002; 2003). Em que pese esta demora, salta aos olhos a
extensa regulação conferida pelo Congresso Nacional à nova redação do artigo 62 da
Constituição, que disciplina a matéria, como se pode observar na tabela apresentada na
seqüência.
188
Tabela 18. Regulação constitucional das medidas provisórias antes e depois da
Emenda Constitucional nº. 32/2001
Artigo 62 da Constituição antes da EC
32/2001
Artigo 62 da Constituição após a EC 32/2001
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o
Presidente da República poderá adotar medidas
provisórias, com força de lei, devendo submetê-
las de imediato ao Congresso Nacional, que,
estando em recesso, será convocado
extraordinariamente para se reunir no prazo de
cinco dias.
Parágrafo único. As medidas provisórias
perderão eficácia, desde a edição, se não forem
convertidas em lei no prazo de trinta dias, a
partir de sua publicação, devendo o Congresso
Nacional disciplinar as relações jurídicas dela
decorrentes.
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o
Presidente da República poderá adotar medidas
provisórias, com força de lei, devendo submetê-
las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias
sobre matéria:
I - relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos,
partidos políticos e direito eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual
civil;
c) organização do Poder Judiciário e do
Ministério Público, a carreira e a garantia de
seus membros;
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias,
orçamento e créditos adicionais e
suplementares, ressalvado o previsto no art.
167, § 3º;
II - que vise a detenção ou seqüestro de bens,
de poupança popular ou qualquer outro ativo
financeiro;
III - reservada a lei complementar;
IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado
pelo Congresso Nacional e pendente de sanção
ou veto do Presidente da República.
§ 2º Medida provisória que implique instituição
ou majoração de impostos, exceto os previstos
nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá
efeitos no exercício financeiro seguinte se
houver sido convertida em lei até o último dia
daquele em que foi editada.
§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o
disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia,
desde a edição, se não forem convertidas em lei
no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos
termos do § 7º, uma vez por igual período,
devendo o Congresso Nacional disciplinar, por
decreto legislativo, as relações jurídicas delas
decorrentes.
§ 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á
da publicação da medida provisória,
suspendendo-se durante os períodos de recesso
do Congresso Nacional.
§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do
Congresso Nacional sobre o mérito das medidas
provisórias dependerá de juízo prévio sobre o
atendimento de seus pressupostos
constitucionais.
§ 6º Se a medida provisória não for apreciada
em até quarenta e cinco dias contados de sua
publicação, entrará em regime de urgência,
subseqüentemente, em cada uma das Casas do
Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até
que se ultime a votação, todas as demais
deliberações legislativas da Casa em que estiver
tramitando.
189
§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual
período a vigência de medida provisória que, no
prazo de sessenta dias, contado de sua
publicação, não tiver a sua votação encerrada
nas duas Casas do Congresso Nacional.
§ 8º As medidas provisórias terão sua votação
iniciada na Câmara dos Deputados.
§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e
Senadores examinar as medidas provisórias e
sobre elas emitir parecer, antes de serem
apreciadas, em sessão separada, pelo plenário
de cada uma das Casas do Congresso Nacional.
§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão
legislativa, de medida provisória que tenha sido
rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por
decurso de prazo.
§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se
refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição
ou perda de eficácia de medida provisória, as
relações jurídicas constituídas e decorrentes de
atos praticados durante sua vigência conservar-
se-ão por ela regidas.
§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão
alterando o texto original da medida provisória,
esta manter-se-á integralmente em vigor até que
seja sancionado ou vetado o projeto.
Fonte: autor, a partir de www.planalto.gov.br, acessado em 05.10.2006.
Como se observa, houve preocupação acentuada em regular aquilo que
juridicamente são designados os requisitos materiais para edição das medidas
provisórias, isto é, os temas específicos sobre os quais elas podem ou não versar. Desta
forma, observa-se que certos assuntos deixaram de ser passíveis de regulação via
medidas provisórias. Entre eles, cumpre-se destacar: matéria orçamentária, direito
penal, direito processual penal, direito processual civil, organização da estrutura do
Poder Judiciário e do Ministério Público, seqüestro de ativos financeiros, entre vários
outros, como se pode extrair da leitura do § 1º. do referido artigo da Constituição.
Percebe-se que grande parte destas restrições materiais impostas ao Poder Executivo
com a promulgação da Emenda Constitucional nº. 32/2001 decorrem diretamente da
experiência vivida nos anos anteriores nas relações entre os três Poderes do Estado. Se,
por um lado, a proibição de edição de medida provisória que institua seqüestro de ativos
financeiros somente pode ser compreendida tendo em vista os conflitos gerados entre
Executivo e Legislativo durante o governo Collor, por outro lado, a vedação de decretos
que versem sobre matéria processual penal e processual civil pode ser explicada apenas
tendo em vista decisões do próprio STF, como se demonstrou no terceiro capítulo.
Pode-se afirmar, portanto, que a emenda tornou claros certos posicionamentos
previamente firmados ao longo dos anos tanto no âmbito do Poder Legislativo como em
190
sede jurisdicional. Em face disto, uma primeira conclusão quanto ao teor da emenda
pode ser apresentada: ao invés da reforma ter promovido alterações profundas no
sistema político, ela teria, ao invés disto, apenas consolidado posições que viriam se
solidificando ao longo dos anos nas relações travadas entre os três Poderes do Estado.
Caso contrário, como entender a falta de manifestações do Poder Executivo e o elevado
grau de consenso quanto à aprovação da emenda?
Vale enfatizar, contudo, que a EC nº. 32/2001 não introduziu apenas alterações
materiais, mas também procedimentais referentes ao processo legislativo diferenciado
do instituto da medida provisória. Neste particular, algumas modificações devem ser
destacadas. Observe-se que a referida emenda não restringiu integralmente a
possibilidade de reedição de medidas provisórias, o que ainda pode ser realizado por um
período limitado de tempo. Antes, as medidas provisórias deveriam ser apreciadas pelo
Congresso Nacional em trinta dias, ou perderiam eficácia. Agora, o prazo estendeu-se
para sessenta dias, prorrogáveis por mais sessenta, quando, então, a medida provisória
ingressa automaticamente em votação no plenário, trancando a pauta até o momento de
ser apreciada. São, portanto, cento e vinte dias possíveis de vigência sem manifestação
da casa legislativa, o equivalente a uma edição acrescida de três reedições do período
anterior (Sampaio, 2006).
O principal ponto, entretanto, é que, com o trancamento de pauta, as medidas
provisórias passam a ter necessariamente de passar pela apreciação do Congresso
Nacional, extinguindo-se aquelas medidas provisórias que ganhavam vigência e
continuavam reiteradamente a viger sem qualquer manifestação do Poder Legislativo. A
obrigatoriedade de manifestação do Congresso Nacional quanto aos decretos executivos
extinguiu aqueles casos nos quais havia medidas provisórias sucessivamente reeditadas
que vigoravam sem conversão em lei. Um efeito importante a ser mencionado, portanto,
diz respeito a esta impossibilidade, ao menos do ponto de vista formal. Isto pode levar a
crer que tenha ficado evidente o incremento de controle que pode ser exercido pelo
Poder Legislativo. Uma parcela da literatura (Pereira; Power; Rennó, 2006), que
estudou a emenda mais a fundo, esperava, pelo que dispõe o novo texto, maior controle
e menos ativismo presidencial, tendo-se surpreendido com os dados que observou,
como, por exemplo, aqueles apresentados no capítulo inicial, que dão conta de expor a
persistência (quando não o incremento) do uso de medidas provisórias pelo Poder
Executivo no período posterior à aprovação da emenda. No âmbito específico das
alterações procedimentais, cumpre observar ainda que houve revogação da Resolução nº
191
01/1989, do Congresso Nacional, que regula o trâmite legislativo das medidas
provisórias, tendo sido substituída pela Resolução nº 01/2002, regulando a mesma
matéria. Embora não haja alterações substantivas, vale ressaltar que dobrou o número de
parlamentares integrantes da Comissão Mista encarregada de emitir parecer sobre os
atos unilaterais do Poder Executivo. De 12 (06 senadores e 06 deputados) passou-se a
24 parlamentares (12 senadores e 12 deputados), o que, ao menos em tese, pode
significar maior controle sobre a utilização do instituto, posto que possibilita a
participação de um maior número de partidos políticos na referida Comissão Mista. Isto
poderia significar também, e novamente do ponto de vista especulativo, mais
dificuldades do Poder Executivo em fazer sua agenda ser aprovada por meio de medidas
provisórias, posto que demandaria mais negociações decorrente dos dilemas de ação
coletiva inerentes ao incremento do número de atores envolvidos. Como se viu na
Tabela 02 do Capítulo I, a comparação entre as taxas de sucesso e de insucesso
presidencial dos períodos anterior e posterior à aprovação da emenda aponta para a
estabilidade no sucesso da Presidência da República em legislar através de MP’s.
Igualmente, aquelas informações registram incremento na média mensal de medidas
provisórias apresentadas, o que dificilmente pode sugerir diminuição da importância
estratégica do instituto do ponto de vista do Poder Executivo. Vale ressaltar que a
obrigatoriedade da apreciação de tal instrumento normativo pelo Poder Legislativo não
escapa às prerrogativas regimentais que a Presidência da República concentra dentro do
próprio parlamento. Especialmente, cumpre observar que o trancamento de pauta não é
exclusivo da atual sistemática das medidas provisórias, mas que se encontra presente
justamente em um outro instrumento que costumeiramente tem servido ao comando do
processo legislativo pelo Poder Executivo, qual seja, o pedido de urgência na tramitação
de certos projetos, como faculta o art. 64, § da Constituição de 1988. Argelina
Figueiredo e Fernando Limongi (1995) demonstraram que o governo apresenta elevada
taxa de sucesso na aprovação de seus projetos por meio deste procedimento, pelo que
inclusive se verifica certa aproximação entre os dois tipos de instrumentos emergenciais
à disposição do Poder Executivo. A diferença, entretanto, apesar da aproximação,
permanece clara, posto que somente as medidas provisórias podem alterar
unilateralmente o
status quo e, além do mais, somente elas impõem ao Congresso
Nacional o eventual custo pela rejeição dos medida proposta. De fato, o trancamento de
pauta havia sido corretamente apontado por Carlos Pereira, Timothy Power e Lúcio
Rennó (2006) como um dos elementos explicativos para o incremento da taxa de
192
apresentação mensal de medidas provisórias. A razão para tal incremento, entretanto,
pode ser creditada à extinção da possibilidade de se reeditarem ilimitadamente certas
medidas provisórias. Pode-se explicar o acréscimo mensal da edição de decretos após a
aprovação da Emenda Constitucional nº. 32/2001 pela extinção da possibilidade de se
introduzirem alterações unilaterais em medidas provisórias reeditadas, simplesmente
porque estas não mais existem. Pode-se deduzir, portanto, que aquelas alterações
unilaterais veiculadas através mudanças em MP’s reeditadas foram direcionadas à única
forma agora disponível ao Poder Executivo para promover alterações unilaterais do
status quo, isto é, através da edição pura e simples de medidas provisórias novas. Em
contrariedade ao argumento até agora exposto, poder-se-ia aventar que a
obrigatoriedade de passagem das medidas provisórias pelo Congresso Nacional teria
incrementado o número de alterações que o Poder Legislativo faria sobre o decreto do
Executivo para que este fosse aprovado. A tabela abaixo, entretanto, comprova que isto
não ocorreu. Verifica-se novamente a referida tendência à estabilidade na dinâmica
entre os dois Poderes do Estado.
Tabela 19: Medidas provisórias aprovadas com e sem alteração pelo Congresso
Nacional (1989-1994/2001-2006)
Sem alteração Com alteração Totais
1989-1994
113
49,1%
117
50,9%
230
2001-2006
122
47,3%
138
52,7%
260
Fontes: Da Ros, 2008.
Outro fato que eventualmente se aventaria sobre as modificações introduzidas
pela Emenda Constitucional 32/2001 seria a possibilidade de que o incremento de
apresentação de medidas provisórias fosse uma função de um novo governo, posto que
a mudança na composição da elite política não foi pequena no ano de 2002, com a
eleição do candidato do Partido dos Trabalhadores para a Presidência da República.
Nesta visão, o uso de medidas provisórias seria uma estratégia para contornar os
obstáculos que os demais atores políticos (institucionais e partidários) impingiriam ao
novo governo. Novamente, contudo, esta hipótese não se verifica. O trabalho de Carlos
Pereira, Timothy Power e Lúcio Rennó (2006) argutamente demonstrou que a média
mensal de apresentação de medidas provisórias foi maior durante os anos de 2001 e
2002 – durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, portanto – do que no período
posterior a 2003, quando assume a administração petista. A média mensal de
193
apresentação de medidas provisórias, em verdade, foi bastante mais acentuada no
período final do governo Fernando Henrique Cardoso – 6,8 por mês, em média – do que
durante o governo Lula, que apresentou média de 4,8 medidas provisórias por mês.
Concluindo a exposição, pode-se afirmar que a aprovação da Emenda
Constitucional 32/2001 não alterou substancialmente as relações entre os Poderes
Executivo e Legislativo no que concerne ao uso do poder de decreto do presidente
brasileiro. Lembre-se especialmente que a principal vantagem estratégica do uso deste
procedimento restritivo por parte do governo se mantém inalterada: tanto antes quanto
depois da Emenda Constitucional nº. 32, a vigência da medida provisória se de
imediato, sem interferência do Poder Legislativo, colocando em evidência a aventada
questão dos eventuais custos da rejeição da medida proposta pelo Executivo.
194
APÊNDICE B – Julgamentos de mérito de ADIns contra medidas provisórias
Conforme exposto no capítulo que finaliza este manuscrito, a análise dos
julgamentos de mérito de Ações Diretas de Inconstitucionalidade dirigidas contra
medidas provisórias e contra praticamente todos os tipos legais questionados junto ao
STF não são um indicador adequado para a análise relativa à participação política da
instituição. Isto é especialmente verdadeiro porque os posicionamentos realmente
restritivos à atuação unilateral da corte firmados em contrariedade ao Poder Executivo
deram-se em sede de julgamentos de pedidos de liminar. Na realidade, a baixa
incidência de tomada de qualquer posicionamento efetivo pela corte com relação às
referidas ADIns atesta a reduzida importância destas para a presente análise. É o que
atesta com mais vagar a tabela abaixo.
Tabela 20. Resultados dos julgamentos de mérito em ADIns contra medidas
provisórias (1988-2007)
Resultado Freqüência Percentual
Procedente 02 0,6%
Procedente em parte 02 0,6%
Improcedente 07 2%
Prejudicada 166 48,9%
Não conhecida 38 11,2%
Negado seguimento 51 15%
Extinto o processo 13 3,8%
Aguardando julgamento 60 17,7%
Total 339 100%
Fonte: tabela elaborada pelo autor, com base em www.stf.gov.br, acessado em 04.04.2007.
Como se observa, em apenas 09 ações verifica-se um posicionamento
efetivamente tomado pelo STF. Nas demais, o que se vislumbra é um conjunto bastante
grande de casos nos quais o tribunal sequer teve que verdadeiramente julgar. O imenso
conjunto de ações que restaram prejudicadas, que não foram conhecidas, cujos
respectivos processos foram extintos ou que tiveram seu seguimento negado se deve
quase exclusivamente à perda do objeto das respectivas ADIns. Nestes casos, isso se
deveu ao prolongado transcurso de tempo entre a propositura das ações e o julgamento
final destas. Apenas para se ter uma idéia do alegado, entre as ações que aguardam
julgamento, muitas foram apresentadas mais de dez anos, com destaque para uma
proposta ainda no ano de 1989 para a qual a decisão de mérito se encontra ainda
pendente. Como se percebe, a significância política destes julgamentos é mínima, sendo
195
eles, portanto, indicadores inadequados para a mensuração pretendida na presente
dissertação. O vasto horizonte temporal que os separa do momento em que os debates
legislativos sobre a adoção das medidas provisórias questionadas são travados reduz
praticamente a zero sua efetiva importância política.
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