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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
ANA CÉLIA DE SOUSA SANTOS
RELAÇÕES DE GÊNERO E EMPODERAMENTO DE MULHERES: A
EXPERIÊNCIA DA ASSOCIAÇÃO DE PRODUÇÃO
“MULHERES PERSEVERANTES”
TERESINA – PIAUÍ
2008
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ANA CÉLIA DE SOUSA SANTOS
RELAÇÕES DE GÊNERO E EMPODERAMENTO DE MULHERES: A
EXPERIÊNCIA DA ASSOCIAÇÃO DE PRODUÇÃO
“MULHERES PERSEVERANTES”
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal do Piauí, como requisito para obtenção
do título de Mestre em Educação.
Linha de pesquisa: Educação, Movimentos
Sociais e Políticas Públicas.
Orientadora: Profa. Drª. Maria do Carmo Alves
do Bomfim.
TERESINA – PIAUÍ
2008
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ANA CÉLIA DE SOUSA SANTOS
RELAÇÕES DE GÊNERO E EMPODERAMENTO DE MULHERES: A
EXPERIÊNCIA DA ASSOCIAÇÃO DE PRODUÇÃO
“MULHERES PERSEVERANTES”
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal do Piauí, como requisito para obtenção
do título de Mestre em Educação.
Dissertação de Mestrado aprovada em:____/_____/_____
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________________________________
Profª. Drª. Maria do Carmo Alves Bomfim – CCE/UFPI
Orientadora
______________________________________________
Profª. Drª. Maria Eulina Pessoa de Carvalho – UFPB
Examinadora Externa
____________________________________________
Profª. Drª. Maria Vilani Cosme de Carvalho - CCE/UFPI
Examinadora Interna
4
AGRADECIMENTOS
Este trabalho não seria possível sem a contribuição de inúmeras pessoas e instituições, mas,
em especial, agradeço a quem esteve presente mais fortemente no desenvolvimento dessa
pesquisa. Assim, parafraseando Lulu Santos, agradeço a todos e a todas, pois:
Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa
Tudo sempre passará
A vida vem em ondas
Como um mar
Num indo e vindo infinito
Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente viu a um segundo
Tudo muda o tempo todo
No mundo
Não adianta fugir
Nem mentir pra si mesmo agora
Há tanta vida lá fora
Aqui dentro sempre
Como uma onda no mar
1
Ao meu companheiro Elmo Lima, pela oportunidade que tivemos de, durante os sete anos
que estamos juntos, colocar em prática várias teorias de gênero, na tentativa de
construirmos, a partir das nossas vivências, novas relações entre homens e mulheres,
baseadas no companheirismo, na equidade, na solidariedade e, sobretudo, no amor e no
respeito pela pessoa humana.
À minha mãe, Maria dos Santos, e ao meu pai, João Benedito, pelo esforço imensurável
para que sejamos pessoas sábias e felizes.
Às minhas irmãs Eliane, Silvana, Regina, Mônica, Cláudia e o irmão Luciano pela torcida.
Ainda, aos cunhados João Florêncio e Edvaldo Moura e à cunhada Maríndia pela
amizade; aos sobrinhos/as Jorge Neto, Ana Karine, Ana Clara, João Pedro pelo carinho e
abraços. E a Ana Flávia que ainda vai nascer, mas já traz alegria.
Às/aos amigas/os que, direta ou indiretamente, torceram pela realização de mais essa
conquista.
1
Música “como uma onda” do compositor brasileiro Lulu Santos.
5
À Profª. Drª. Maria do Carmo Alves do Bomfim pela amizade, ensinamentos e
companheirismo partilhados, assim como, pelas orientações e pelos aprendizados e
saberes construídos durante a feitura desse trabalho de pesquisa;
À Profª. Drª. Maria Vilani Cosme de Carvalho pelo incentivo, na graduação, à iniciação a
pesquisa científica que de muitos trabalhos já resultou e pela sua disposição em contribuir
durante a qualificação e defesa desse trabalho;
Aos meus colegas e às minhas colegas da 14ª turma do Mestrado em Educação da UFPI
pelas conversas descontraídas e pelo “pacto da felicidade” para que os estudos e a prática
da pesquisa fossem momentos de prazer;
Aos Professores/as do Mestrado em Educação da UFPI pelas contribuições oferecidas nas
discussões teóricas, em especial, ao Prof. Dr. Antônio de Pádua Carvalho Lopes pela
colaboração direta durante a qualificação deste trabalho.
Ao Programa de Pós-graduação em Educação da UFPI e a CAPES (Coordenação de
Aperfeiçoamento Pessoal do Ensino Superior) pelo apoio dispensado para que, durante
um período, pudesse me dedicar integralmente ao Curso de Mestrado em Educação, assim
como, ao trabalho de pesquisa.
À Profª. Drª Maria Eulina Pessoa de Carvalho, da Universidade Federal da Paraíba, que
prontamente se dispôs em colaborar participando da banca de defesa deste trabalho;
Ao Projeto de Intercâmbio Científico Cultural “Sujeitos e Saberes na Mediação de
Práticas Sócioeducativas: auto-ativação de comunidades locais”, desenvolvido entre a
UFPI - Universidade Federal do Piauí/Brasil e a UNIVR Università Degli Studi Di
Verona/Itália, em especial, a Profª. Drª. Maria do Carmo Alves do Bomfim (Coordenadora
Geral - UFPI), Profª. Drª Jaíra Alcobaça Gomes (Coordenadora Adjunta - UFPI), Profª.
Drª Lídia Noronha (UFPI), Profª. Drª. Anna Maria Piussi (Coordenadora – UNIVR/Itália),
Profª. Drª. Antonia de Vita UNVR/Itália pelas contribuições e oportunidades de
aprendizado aqui, no Brasil, e na Itália.
Á Dinha Rodrigues e Luciano Pacchiani pelas oportunidades do reencontro durante esse
período que me realimentaram de velhos ideais;
Ás “Mulheres Perseverantes” D. Amparo, Marta, Edneide, Geane, Gorinete, Valdinéia,
Didi, Nilva, Amparo Evangelista, D. Zeca, Luciane, Ivanilde, Albaniza, Regina,
Aparecida e seus respectivos maridos/companheiros pelos vários encontros e
aprendizagens construídas juntas/os.
6
SANTOS, Ana Célia de Sousa. Relações de gênero e empoderamento de mulheres: a
experiência da Associação de Produção Mulheres Perseverantes”. 2008. 165f. Dissertação.
(Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Piauí, Teresina, 2008.
RESUMO
Este trabalho é resultado de reflexões e experiências desenvolvidas numa prática de educação
popular iniciados no final dos anos de 1980, de pesquisas anteriores realizadas na UFPI e da
aspiração de elevar a minha contribuição junto aos Movimentos Sociais Populares, no que
tange aos estudos que aprofundam o conhecimento das práticas sócio-educativas com
mulheres. É parte do Projeto de Intercâmbio Científico-Cultural “Sujeitos e Saberes na
Mediação de Práticas Sócioeducativas: auto-ativação de comunidades locais”, desenvolvido
entre a UFPI - Universidade Federal do Piauí/Brasil e a UNIVR Università Degli Studi Di
Verona/Itália, que mantém e acompanha o Centro de Vivência – “Infância/Mulher/Território”,
no Parque Eliane, zona sul de Teresina, cujas atrizes sociais participam da Associação de
Produção “Mulheres Perseverantes” e são sujeitas com seus respectivos
maridos/companheiros desta pesquisa. Neste trabalho utilizamos a pesquisa de natureza
qualitativa com a especificidade de pesquisa-ação que permitiu contato direto com as
integrantes do grupo pesquisado em todo o processo de investigação. Objetivou analisar como
as práticas educativas desenvolvidas junto à Associação de Produção Mulheres
Perseverantes”, contribuíram para a construção de um processo emancipatório e de
empoderamento desse grupo de mulheres nas dimensões humana, político-organizativa, de
incorporação da economia solidária e construção de um novo olhar sobre as relações de
gênero, por meio do uso das técnicas observação participante, questionário com perguntas
estruturadas e semi-estruturadas e o grupo focal. Na fundamentação teórica recorremos a
referências interdisciplinares destacando Andrade (1994), Barbier (2004), Certeau, Giard,
Mayol (1996), Flich (2004), Freire (1996, 2005), Gatti (2005), Gohn (1994), Larrosa (2001),
Louro (1997), Maturana (2004), Rodrigues (1991), Saffioti (1979), Singer (2005) e Tiriba
(2001), dentre outros/as. Num contexto de precariedade urbana, as mulheres demonstraram
que as práticas educativas contribuíram para seu empoderamento, pois evidenciaram melhora
da auto-estima, possibilitando-as compreender que a participação organizativa e política é
importante para o reconhecimento individual e coletivo, para o crescimento da comunidade e
para melhoria da qualidade de vida, através do aumento da renda familiar, do cultivo da
amizade, persistência, aprendizado técnico, enfim valores que respeitam os Direitos
Humanos. No que se refere às relações de gênero as mulheres e os homens demonstraram
que, apesar das dificuldades financeiras e do alcoolismo no meio deles, preservam suas
relações familiares, sendo que as mulheres são as que mais se preocupam com as/os filhos/as
e os homens mantêm seu papel de provedor, mas demonstrando traços de inovação na
interface com suas companheiras, a exemplo da divisão das tarefas domésticas. Assim,
discutir e analisar questões relacionadas ao gênero é imprescindível, primeiro por que é
eminentemente necessário que se pense um processo educativo que favoreça a construção de
relações mais humanas, justas e respeitosas e, segundo, por que nós mulheres precisamos nos
empoderar cada vez mais para juntas contribuirmos na feitura de outro mundo possível,
emancipando a nós mesmas e colaborando na emancipação dos homens.
Palavras-chave: Educação Popular, Gênero, Empoderamento, Práticas Educativas.
7
SANTOS, Ana Célia de Sousa. Gender Relations and women empowerment: the
experience of “Mulheres Perseverantes” Production Association. 2008. 165f. Dissertation.
(Master Degree in Education) Post Graduate Program in Education of Universidade Federal
do Piauí, Teresina, 2008.
ABSTRACT
This paperwork is result of reflections and experiences developed in popular education
practices initiated in the late 1980’, from previous research made at UFPI and from the
aspiration of elevate my contribution to Popular Social Movements, in relation to studies that
make the knowledge of women socio-educative practices deeper. It is part of the Scientific-
Cultural Exchange Program “Subjects and Knowledge in Socio-educative Practices: self-
activation of local communities”, developed between UFPI Universidade Federal do
Piauí/Brazil and UNIVR Università Degli Studi Di Verona/Italy, that supports the Centro
de Vivências “Infância/Mulher/Território”, in Parque Eliane, a neighborhood in the south
zone of the city of Teresina, in which the social actresses in the Production Association
“Mulheres Perseverantes” are the subjects with their respective husbands/partners of this
research. In this paperwork we used a research of qualitative nature with the specificity
research-action that permitted direct contact with group participants researching in all
investigation process. The objective was to analyze how the educative practices develop in the
Production Association “Mulheres Perseverantes”, contributed to the construction of an
emancipation process and empowerment in this women group in human, politic-
organizational, incorporation in solidarity economy and construction of a new look to gender
relation dimensions, throughout the use of participant observational techniques, question form
with structured and semi-structured questions and the focal group. In the theoretical
foundation we employed interdisciplinary references namely Andrade (1994), Barbier (2004),
Certeau, Giard, Mayol (1996), Flich (2004), Freire (1996, 2005), Gatti (2005), Gohn (1994),
Larrosa (2001), Louro (1997), Maturana (2004), Rodrigues (1991), Saffioti (1979), Singer
(2005) and Tiriba (2001), among others. In a context of urban adversity, these women
demonstrated that educative practices contributed to their empowerment, once these practices
promoted self-esteem improvement, allowing them to understand that political participative
organization is important to the individual and collective recognition, to the community
growth and to the improvement of life quality, throughout the increase of family income, the
cultivation of values like friendship, persistence, technical learning, ultimately all the values
that respect Human rights. In relation to the issue of gender relation women and men
demonstrate that, even with financial problems, alcoholism among them, they preserve their
family relations, being women the most concerned about children and men keep their
providing character, but already demonstrate traces of innovation in the interface with their
partners, for example dividing domestic tasks. This way, discuss and analyze questions
related to gender is urgent and important, first because it is eminently necessary to think an
educative process that favors the construction of more just and respectful human relations,
and secondly, because we women need empower ourselves more and more and together
contribute in the construction of other world possible, emancipating ourselves and
collaborating in men’s emancipation.
Key-words: Popular Education, Gender, Empowerment, Educational Practices.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01 – Ilustração do HP06
..............................................................................................19
Figura 02 –
Ilustração da MP05...............................................................................................19
Figura 03 - Ilustração sobre o Parque Eliane ...........................................................................37
Figura 04 - Ilustração sobre o Parque Eliane............................................................................37
Figura 05 – Planta de parcelamento do Parque Eliane..............................................................37
Figura 06 – Ilustrativa dos passos iniciais do processo educativo na APMP...........................71
Figura 07 – Ilustrativa do processo de envolvimento da pesquisadora.....................................72
Figura 08 – Ilustrativa dos passos da continuidade do processo educativo .............................78
Figura 09 – Organização das categorias e sub-categorias.........................................................81
Figura 10 – Organização das categorias e sub-categorias.........................................................82
Figura 11 – Ilustração da MP14..............................................................................................126
Figura 12 – Ilustração da MP05..............................................................................................126
Foto 01 – Casas antigas do Parque............................................................................................39
Foto 02 – Casas novas do Parque..............................................................................................39
Quadro 01Demonstrativo de técnicas utilizadas na Educação Popular................................91
Quadro 02 – Comparativo dos modos de vida patriarcal e matrístico....................................123
Gráfico 01: Onde residem as mulheres.....................................................................................56
Gráfico 02: Nível de escolaridade das mulheres ......................................................................56
Gráfico 03: Faixa etária das mulheres.......................................................................................57
Gráfico 04: Identificação étnico/Racial das mulheres..............................................................58
Gráfico 05: Estado civil das mulheres......................................................................................58
Gráfico 06: Situação de trabalho das mulheres.........................................................................59
Gráfico 07: Renda mensal das mulheres...................................................................................59
Gráfico 08: Faixa etária dos homens.........................................................................................60
Gráfico 09: Onde residem os homens.......................................................................................61
Gráfico 10: Nível de escolaridade dos homens.........................................................................61
Gráfico 11: Identificação étnico/racial dos homens..................................................................62
Gráfico 12: Situação de trabalho dos homens ..........................................................................62
Gráfico 13: Renda mensal dos homens.....................................................................................62
Tabela 01
-
Cidades com maior percentual da população vivendo em favelas.........................22
Tabela 02 - Expansão de vilas e favelas de Teresina................................................................24
9
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
APMP – Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”
AMOVPE – Associação dos Moradores do Parque Eliane
ABRRPE – Associação Beneficente e Recreativa dos/as Residentes no Parque Eliane
ADH – Agência de Desenvolvimento Habitacional do Piauí
CF – Constituição Federal
CAMP - Centro de Assessoria ao Movimento Popular de Parnaíba
CEF – Caixa Econômica Federal do Piauí
CEPAC - Centro Piauiense de Ação Cultural
CEPES - Centro de Educação Popular Esperantinense
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos
EFPT - Escola de Formação Paulo de Tarso
EP – Educação Popular
FAMCC – Federação das Associações de Moradores/as e Conselhos Comunitários do Piauí
FAMEPI - Federação de Associações de Moradores do Estado do Piauí
HP – Homem Perseverante
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MP – Mulher Perseverante
ONU – Organização das Nações Unidas
ONG – Organização Não Governamental
PEA – População Economicamente Ativa
PMT – Prefeitura Municipal de Teresina
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
SASC – Secretaria Estadual de Assistência Social e Cidadania
SEDUC – Secretaria de Estado de Educação e Cultura
SDU – Superintendência de Desenvolvimento Urbano
UESPI – Universidade Federal do Piauí/Brasil
UFPI – Universidade Federal do Piauí/Brasil
UNVR – Univercitá Degli Studi Di Verona - Itália
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
CAPÍTULO I - A REALIDADE URBANA: O SENTIDO DO TERRITÓRIO E AS
RELAÇÕES DE GÊNERO....................................................................................................16
1.1 Moradia, lutas urbanas e o direito à cidade...................................................................16
1.2 O sentido do território e sua relação com o desenvolvimento local e as relações de
gênero.......................................................................................................................................28
1.3 O Parque Eliane no contexto da falta de moradia e sua implicação nas relações de
gênero.......................................................................................................................................36
CAPÍTULO II - CAMINHOS QUE SE ENTRECRUZAM...............................................41
2.1 A opção pela pesquisa-ação e sua contribuição educativa............................................41
2.1.1 O papel da/o pesquisadora/o............................................................................................45
2.2 A construção e o levantamento de dados........................................................................47
2.2.1 A Observação participante...............................................................................................47
2.2.1.1 O Diário de um percurso...............................................................................................48
2.2.2 O Grupo Focal como experiência de aprofundamento....................................................51
2.2.3 O questionário..................................................................................................................52
2.3 Os Espaços de construção da pesquisa-ação..................................................................53
2.3.1 O espaço de investigação coletiva...................................................................................53
2.3.2 O espaço de produção coletivo do conhecimento............................................................54
2.4 As mulheres e os homens participantes da pesquisa......................................................55
2.5 O projeto de intervenção na Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”.....63
2.5.1 O projeto “sujeitos e saberes na mediação de práticas sócioeducativa autoativação de
comunidades locais”: dimensão intencional.............................................................................63
2.5.1.1 Concepção do projeto....................................................................................................64
2.5.1.2 Metodologia do trabalho educativo...............................................................................65
2.5.1.3 Centro “Infância/Mulher/Território”, no Parque Eliane...............................................66
2.5.2 Os passos iniciais do processo educativo.........................................................................69
2.5.3 Os passos da continuidade do processo educativo...........................................................74
2.6 Análise de conteúdo e sistematização dos dados............................................................80
11
CAPÍTULO III -
AS APRENDIZAGENS NA DIMENSÃO DO EMPODERAMENTO
DAS “MULHERES PERSEVERANTES”...........................................................................83
3.1 As práticas educativas não-sexista como instrumento de empoderamento.................83
3.1.1 A dimensão político-organizativa da ação das mulheres da APMP..........................94
3.1.1.1 As aprendizagens relacionadas à atuação político-organizativa e a noção da dimensão
coletiva .....................................................................................................................................95
3.1.1.2 As aprendizagens e a importância da participação.......................................................98
3.1.2 A dimensão da incorporação da economia solidária na experiência das mulheres da
APMP.....................................................................................................................................101
3.1.2.1 As aprendizagens relacionadas à atividade profissional e sua dimensão coletiva......104
3.1.3 A dimensão humana e as mudanças na prática das mulheres da APMP...............108
3.1.3.1 As aprendizagens transformadas em confiança em si mesma, nas outras mulheres e na
Associação..............................................................................................................................109
CAPÍTULO IV GÊNERO, PRÁTICAS EDUCATIVAS E EMPODERAMENTO DE
MULHERES: POSSIBILIDADES DE (RE)CONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES DE
GÊNERO...............................................................................................................................114
4.1 Gênero: uma construção sócio-cultural........................................................................114
4.1.1 A configuração das relações de gênero na família das “Mulheres
Perseverantes”.......................................................................................................................124
4.1.1.1 Relação das mulheres com seus maridos....................................................................125
4.1.1.2 Relação das mulheres com suas filha/os e netas/os....................................................130
4.1.1.3 Relação dos homens com suas esposas.......................................................................133
4.2 As relações de gênero construídas no contexto da APMP...........................................135
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................138
REFERÊNCIAS....................................................................................................................141
APÊNDICES..........................................................................................................................147
ANEXOS................................................................................................................................156
12
INTRODUÇÃO
Primeiro, nasci.
Depois me disseram que sou uma mulher.
Disseram-me que eu era sexo frágil.
Mas, como mulher, aprendi com minha mãe,
Margarida Alves, Rosa de Luxemburgo,
Olga Prestes e com as mulheres do
Parque Eliane que somos fortes,
Fortes para carregar, no ventre outra vida,
para amar, para brigar, para trabalhar
duramente e defender nossos ideais.
Fortes para construirmos outro mundo
e mudarmos os homens, inclusive!
Ana Célia de Sousa Santos
As inquietações e desejos expressos nesse trabalho são resultados de reflexões e
experiências desenvolvidas numa prática de educação popular, como profissional e militante
de movimentos sociais populares, iniciados no final dos anos de 1980. Resulta, também, de
pesquisas anteriores
2
realizadas na UFPI e, ainda, da prática do Núcleo de Estudos e
Pesquisas “Educação e Relações de Gênero”
3
, que reúne docentes, discentes da graduação e
da Pós-Graduação. É resultado, também, da aspiração de elevar a minha contribuição junto
aos Movimentos Sociais Populares, no que tange aos estudos que aprofundam o
conhecimento das práticas sócio-educativas com mulheres. É parte do Projeto de Intercâmbio
Científico-Cultural “Sujeitos e Saberes na Mediação de Práticas Sócio-educativas: auto-
ativação de comunidades locais”, desenvolvido entre a UFPI - Universidade Federal do
Piauí/Brasil e a UNIVR Università Degli Studi Di Verona/Itália, que mantém e acompanha
os Centros de Vivência “Infância/Mulher/Território”, no Parque Eliane, zona sul de
Teresina, cujas atrizes sociais participam da Associação de Produção “Mulheres
Perseverantes” e são sujeitas participantes desta pesquisa e o centro
“Juventude/Escola/Território”, na Escola Profissional Prefeito José Olimpio Mendes de Melo
– PREMEN, zona norte de Teresina.
2
As Representações Sociais que os homens do CCE/UFPI, curso de Pedagogia têm sobre as mulheres - Trabalho de
Iniciação Científica produzido por Ana Célia de Sousa Santos e Benedita Severiana de Sousa;
Pesquisa que resultou na monografia: Da invisibilidade ao tornar-se sujeitas: as práticas de empoderamento das mulheres do
Parque Eliane – Teresina/PI; Pesquisa sobre os Movimentos Sociais no Nordeste que resultou no livro: Movimentos Sociais e
Educação Popular no Nordeste, editado pela Escola Quilombo dos Palmares/ Recife-PE.
3
Vinculado ao Departamento de Fundamentos da Educação e ao Programa de Pós-Graduação em Educação CCE/UFPI e
ao Núcleo “Educação, Gênero e Cidadania” cadastrado no CNPq.
13
Discutir e analisar questões relacionadas ao gênero é imprescindível, primeiro porque
é eminentemente necessário que se pense num processo educativo que favoreça a construção
de relações mais humanas, justas e respeitosas. Desse modo, neste trabalho de intervenção,
proporcionado pelo Projeto “Sujeitos e Saberes”, fazemos uso de concepções e princípios da
Educação Popular, de forma que as práticas educativas desenvolvidas, seja em momentos
sistemáticos (oficinas, encontros, debates, estudos, produção) ou em momentos do cotidiano
(organização, participação política e convivência familiar) das mulheres, possam oferecer
subsídios para uma reflexão da condição e da posição ocupada por cada uma das mulheres.
Tomamos como categoria estritamente necessária o empoderamento, entendendo que é
a partir da consciência e do exercício do poder que poderemos deslocar e mudar o domínio
que os homens sempre mantiveram sobre as relações econômicas, sociais e políticas,
subestimando e invisibilizando as mulheres. E, segundo, porque a atual realidade brasileira
favorece os estudos sobre a condição das mulheres, instigando-nos a discutir a situação
econômica, profissional, relacional e o contexto onde estamos inseridas, possibilitando a
definição de políticas públicas, que colaborem para a transformação da realidade de
empobrecimento enfrentada pela maioria das mulheres e pelas suas famílias. Assim,
pensamos contribuir na feitura de outro mundo possível, emancipando a nós mesmas e
colaborando na emancipação dos homens.
Foi, então, com base nessas questões que resolvemos desenvolver esta pesquisa. O
ponto de partida desses estudos são os espaços educativos da Associação de Produção
“Mulheres Perseverantes”, localizada no Parque Eliane, em Teresina, tendo como período de
realização os anos de 2007 e 2008. Neste texto, refiro-me aos participantes da pesquisa como
mulheres perseverantes (MP) e homens perseverantes (HP). Assim, das observações
realizadas chegamos ao seguinte problema: como as práticas educativas desenvolvidas, a
partir do Projeto Sujeitos e Saberes na Mediação de Práticas Sócioeducativas: auto-ativação
de comunidades locais” vem contribuindo para o processo de empoderamento e emancipação
das mulheres da Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”?
O objetivo geral deste trabalho é, por conseguinte, analisar de que modo as práticas
educativas desenvolvidas junto à Associação de Produção “Mulheres Perseverantes” vêm
contribuindo para a construção de um processo de emancipação e empoderamento de
mulheres nas dimensões humana, político-organizativa, de incorporação da economia
solidária e construção de um novo olhar sobre as relações de gênero.
Para alcançarmos o objetivo geral, delineamos alguns objetivos específicos:
14
Identificar mudanças de comportamentos e atitudes (individuais e coletivas) das
mulheres, no que tange às práticas produtivas, político-organizativas e de economia
solidária;
Caracterizar a qualidade da participação das mulheres na Associação de Produção
“Mulheres Perseverantes” em atividades de produção;
Definir a configuração das relações de gênero (mulheres e homens) no espaço da
Associação de Produção “Mulheres Perseverantes” e destas/es com os seus/uas
maridos/mulheres, filhos/filhas;
Identificar o impacto das ações da Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”
na formação de novos grupos na comunidade Parque Eliane, visando a construção de um
novo olhar sobre as relações de gênero;
Como fundamentação teórica, utilizamos referências interdisciplinares, de forma que
destacamos Barbier (2004), Flich (2004) e Gatti (2005) com seus estudos sobre a pesquisa
qualitativa, pesquisa-ação e sobre o processo educativo implícito nesse modo de pesquisa;
Andrade (1994), Certeau, Giard e Mayol (1996), Haesbaert (2006) e Rodrigues (1991)
discutindo a importância do território como espaço de construção das identidades de homens
e mulheres; Freire (2005, 1996) chamando a atenção para que os processos educativos sejam
libertadores e não reforçadores da opressão; Larrosa (2001) discutindo a possibilidade de os
espaços educativos se tornarem lócus do exercício da linguagem; Louro (1997), Maturana
(2004), Saffioti (1979), apresentando as vertentes sobre a discussão de gênero, assim, como as
possibilidades de desconstrução de estereótipos construídos, durantes séculos, nos diferentes
modos de viver em sociedade; Gonh (1994) quando aprofunda a discussão sobre a ação
educativa dos movimentos sociais; Singer (2005) e Tiriba (2001) trazendo argumentos para o
fortalecimento da economia solidária como uma alternativa para a construção de novas
relações econômicas, dentre outras.
Desse modo, utilizamos a pesquisa de natureza qualitativa, considerando que ela nos
ajudaria a responder questões relativas, não só ao conhecimento ou à dimensão cognitiva, mas
também, à dimensão afetivo-volitivo que se refere à essência destas relações - os sentimentos
os desejos, as motivações, as atitudes, os hábitos - o que falam e sentem os/as
participantes/atores e atrizes desse processo. Essa escolha é também uma opção política, haja
vista que ela possibilitou uma convivência e uma militância no cotidiano do Parque Eliane de
forma a perceber a concretude das diferenças sociais e culturais.
15
Em particular utilizamos a pesquisa-ação como estratégia de aproximação, de vivência
e convivência com a Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”, permitindo com isso
a participação de todos/as os/as envolvidos/as no processo. A pesquisa-ação é, portanto, uma
ação pedagógica e política que pressupõe mudança, transformação de si, a partir da
consciência da existência do/a outro/a e do mundo a sua volta, permitindo com isso a
construção de outro ser humano, de outro mundo com possibilidades criadoras, autônomas e,
tendo como princípio a liberdade.
Dessa forma, os estudos empíricos e as contribuições dos teóricos nos deram
embasamento para estruturar este trabalho em quatro capítulos. O primeiro deles apresenta o
contexto e sua importância para a formação da identidade das atrizes e atores envolvidos
nesse processo, no território Parque Eliane.
No segundo capítulo traçamos os caminhos percorridos, demonstrando como eles se
entrecruzaram permitindo um vai e vem, em forma de teia, em todo o percurso do
desenvolvimento da pesquisa. Elencamos como técnicas e instrumentos de coleta de dados a
observação participante, o diário de um percurso, o questionário sócio-econômico e o grupo
focal.
No terceiro capítulo procuramos identificar as aprendizagens na dimensão do
empoderamento das “mulheres perseverantes” e quais suas contribuições para as mudanças de
comportamentos e atitudes (individuais e coletivas) e a incorporação de novas práticas
político-organizativas e econômicas no cotidiano dessas mulheres.
E por fim, no último capítulo, definimos a configuração das relações de gênero
(mulheres e homens) no espaço da Associação de Produção “Mulheres Perseverantes” e
destas/es com os seus/suas maridos/mulheres e filhos/filhas. Neste capítulo também trazemos
as análises realizadas a partir da dimensão das mudanças nas relações de gênero dentro do
espaço de atuação das mulheres e sua relação com os homens (maridos) e com as crianças
(filhos/as).
Entendemos que este é um trabalho de pesquisa-ação de muitos que virão e com
certeza contribuirá para que homens e mulheres possam usufruir de um mundo melhor. Sua
relevância se dá, também, porque é um tema em ascensão dentro dos espaços acadêmicos,
além de forte argumento para a organização de diversos movimentos sociais que defendem
uma sociedade mais justa, solidária e sustentável. Vamos à frente, pois temos muito que
construir e “nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia”!
16
CAPÍTULO I
A REALIDADE URBANA: O SENTIDO DO TERRITÓRIO
E AS RELAÇÕES DE GÊNERO
[...] a gente não quer só comida
a gente quer comida, diversão e arte.
a gente não quer só comida,
a gente quer saída para qualquer parte.
a gente não quer só comida,
a gente quer bebida, diversão, balé.
a gente não quer só comida,
a gente quer a vida como a vida quer.
[...] a gente não quer só comer,
a gente quer comer e quer fazer amor.
a gente não quer só comer,
a gente quer prazer pra aliviar a dor.
a gente não quer só dinheiro,
a gente quer dinheiro e felicidade.
a gente não quer só dinheiro,
a gente quer inteiro e não pela metade.
Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Brito
4
Neste capítulo, apresentamos uma breve contextualização do espaço onde se
desenvolveu esta pesquisa, destacando o território como o lócus de constituição de
identidades, tanto individuais, como coletivas. Abordamos ainda aspectos das lutas urbanas
para implementação da Reforma Urbana como estratégia de construção de cidades mais justas
e ecologicamente sustentáveis.
Além disso, destacamos a necessidade de inclusão da temática de gênero nas
discussões sobre o desenvolvimento local, ressaltando a importância da participação das
mulheres na construção de novas relações de gênero.
1.1 Moradia, lutas urbanas e o direito à cidade
Ao nascerem, os indivíduos machos e fêmeas mantêm relações que os definem
primeiramente como homens e mulheres. Depois os/as classificam como pertencentes a uma
classe social, a um grupo étnico/racial, a uma sociedade que possui história e cultura.
4
Compositores da Música Popular Brasileira
17
Nessa inter-relação social, histórica e cultural o homem e a mulher constroem sua
subjetividade, mediados pela linguagem, pelas ações que desenvolvem através da atividade,
das emoções e nas relações com os/as outros/as e com o mundo. Portanto, todos esses
processos se dão individual e coletivamente. Nesse sentido, Silva (2002, p. 147) afirma que:
Homem-mulher-natureza são sujeitos de um universo cultural em que as
relações que estabelecem uns-com-os-outros compõem um universo
semântico no qual a leitura e a problematização do mundo o específicas
da vida comum, tornam-se questões comunitárias nas quais a cultura local é
a maior, senão única, referência de amparo para a sustentabilidade na vida
no espaço em que estes estão inscritos.
Com base nesse pensamento entendemos, também, que a nossa cultura
5
introjeta
modos de vida que conservam e preservam a espécie humana, seja através dos hábitos,
comportamentos, seja pela manutenção das formas de moradia. Nesse sentido, os indivíduos
necessitam de um lar, de uma casa, de uma habitação que lhe segurança, aconchego,
comodidade para se deslocar para o trabalho e para a escola. De alguma forma é preciso
morar. O espaço da moradia a casa é para Certeau, Giard e Mayol (1996, p. 203-204) o
território,
[...] onde se desdobram e se repetem dia a dia os gestos elementares das
“artes de fazer” é antes de tudo o espaço doméstico, a casa da gente. [...]
Neste lugar próprio flutua como que um perfume secreto, que fala do tempo
perdido, do tempo que jamais voltará, que fala também de um outro tempo
que ainda virá, um dia, quem sabe.
No campo e na cidade morar é uma necessidade assim, como vestir, se alimentar. Não
é possível viver sem ocupar um espaço. É no espaço da casa que nos abrigamos e, às vezes,
produzimos nosso próprio trabalho para a subsistência. A casa na perspectiva de Da Mata
(1991) diz respeito a uma área especial que abriga iguais, na qual existem pessoas que se
relacionam entre si por meio de laços de sangue, idade, sexo, vínculo de hospitalidade e
simpatia, que permitem fazer da casa uma metáfora da própria sociedade brasileira. Segundo
este ponto de vista da palavra casa vem as palavras casamento, casadouro e casal denotando
atos e situações relacionais, plenamente coerente com a idéia de morada e residência. Nas
palavras de Da Mata (1991, p. 60),
5
Entendida como aquilo que diz respeito ao domínio material dos povos e grupos sociais e ao domínio simbólico, produtora
de sentidos e de saberes como práticas cotidianas, organizadas e vividas e que agem sobre a vida e sobre os modos de viver,
de se tornar o que se é (BERNARDO; GUARESCHI, 2004).
18
[...] ser posto para fora de casa ou sair de casa pode especificar rupturas
violentas, pois se somos expulsos de nossas casas, ficamos privados de um
tipo de espaço que nos concede intimidade e hospitalidade perpétuas. Esses
“direitos” que marcam o que chamamos de “amor”, “carinho” e
“consideração”. Do mesmo modo, estar em casa ou sentir-se em casa fala
de situações que indicam relações harmoniosas, em que as disputam devem
ser evitadas [...].
No entanto, a casa não se refere somente a espaços geográficos ou coisas físicas, mas
designa entidades morais, esferas de ação social, dotadas de ética e de domínios culturais
institucionalizados, capazes de despertar emoções, ações e reações (DA MATA, 1991). É
nesse espaço, também, que as relações entre homens e mulheres se constroem. Meninas e
meninos vão se tornando adultos e definindo seus modos de ser (pensar, sentir, agir). Nesse
lugar são manifestadas as várias formas de violência que fazem das mulheres, em alguns
casos, vítimas de seus maridos/companheiros.
Desse modo, as sociedades vão incorporado normas jurídicas que obrigam as
instituições a pensarem seus modos de vida. De acordo com estudos de Morais, Da Guia e
Paula (2006, p. 203),
O Direito à Moradia foi citado inicialmente na Declaração Universal dos
Direitos Humanos, aprovada em 1948, pela Assembléia Geral da ONU,
tendo o Brasil como um dos seus signatários. A declaração estabelece que
toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua
família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, moradia,
cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis.
Ao realizarmos o grupo focal com as mulheres e com os homens, maridos das
mulheres da Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”, sobre como retratavam suas
famílias e a relação entre eles e elas observamos que a casa aparecia na maioria dos seus
desenhos
6
.
6
Técnica utilizada no grupo focal para exprimir dos atores e atrizes desta pesquisa a visão a respeito da relação entre homens
e mulheres e destes com seus filhas/os no contexto da família.
19
Figura 01: Ilustração do HP06 Figura 02: Ilustração da MP05
Fonte: Grupo focal realizado com os homens Fonte: Grupo focal realizado com as mulheres
Estas representações (Figura 01 e 02) expressam o espaço da casa como o lugar de
encontro da família, de enfrentamento conjunto dos problemas, das angústias, do aconchego
com os filhos e filhas. Nesta perspectiva, Oliveira (2007, p. 70) afirma que:
A casa é um elemento constituinte da identidade e referência para a
cidadania. Também pode significar: refúgio, conforto, acolhimento, muito
trabalho, prazer e desprazer, insegurança, aprendizagens, silêncio e
construção de sonhos e de mudanças. Todavia, o espaço da casa,
tradicionalmente configurado por uma família patriarcal, é onde se
perpetuam também as relações de subordinação e poder, através da
reprodução dos papéis de gênero fundamentada numa educação sexista,
onde as meninas normalmente seguem o modelo da mãe e os meninos o
modelo do pai.
Assim, a casa passa a ter um importante sentido no estabelecimento das relações de
encontro e resguardo da família possibilitando às mulheres e homens uma apropriação de
diferentes modos de organização social. Ao se referi ao sentido que damos às coisas, Kosik
(1976, p. 23) reflete que:
[...] o conhecimento representa um modo de apropriação do mundo pelo
homem; além disso, os dois elementos constitutivos de cada modo humano
de apropriação do mundo são o sentido subjetivo e o sentido objetivo. [...] O
processo de captação e descobrimento do sentido da coisa é ao mesmo
tempo criação, [...] do correspondente sentido, graças ao qual ele pode
compreender o sentido da coisa. É possível, portanto, compreender o sentido
objetivo da coisa se o homem cria para si mesmo um sentido correspondente.
Estes mesmos sentidos, por meio dos quais o homem descobre a realidade e
o sentido dela, coisa, são um produto histórico-social.
20
A casa, além ter um valor simbólico e econômico, passa a ter um significado subjetivo
a partir do momento que aglutina as pessoas em torno de uma família, de um grupo de
amigos, do trabalho, do estudo, do lazer, enfim, do encontro, onde de acordo com Kosik
(1976, p 24),
[...] A casa diante da qual me encontro, não a percebo como um conjunto
de formas geométricas, de qualidades físicas do material de construção, de
meras relações quantitativas; dela tomo consciência antes de tudo como
habitação humana e como harmonia.
Todavia, a casa é também onde construímos as raízes das nossas auto defesas e nos
preparamos para a vida em comunidade, como afirma Silva (2002, p. 98),
A vida doméstica constitui a microfísica afetual da vida comunitária. Suas
arquiteturas misturam-se com a ecologia local, seus costumes tecem
vínculos entre os sujeitos e o ambiente, suas rotinas constituem as teias do
social, seus rituais promovem a fluidez dos sujeitos impregnando com suas
presenças os seus entornos. Os subterrâneos da vida doméstica são
atravessados pelas paixões do viver-com, que envolve e resolve conflitos
quando um-e-outro na familiaridade e no convívio constituem a
organicidade do social.
No entanto, possuir uma casa em perfeitas condições é privilégios de alguns. Em nossa
sociedade a maioria da população os/as das classes populares, os/as assalariados/as, os/as
sem empregos vive em péssimas condições de moradia. Mesmo nessas circunstâncias os/as
moradores/as se orgulham do espaço que tem, haja visto, que participaram de sua construção
e ali estabeleceram relações e instituem grupos que legitimam suas lutas. A MP11 afirma que
se orgulha de morar no Parque Elaine:
E nós do Parque Eliane nós tamos sendo vista longe. Sabe porquer? Porque tem Vila que
com dez anos, com doze e não tem nada. Eu me sinto orgulhosa, sou cheia de orgulho por
morar no Parque Eliane. Pra mim é o lugar que eu amo (Diário de um percurso - 09/01/2008).
No Brasil, como na maioria dos países capitalistas, a terra urbana e as edificações
integram as mercadorias do modo de produção capitalista. Nesse caso, tanto a terra como a
casa passam a ter um valor estipulado pelo mercado, pelo estatuto jurídico da propriedade da
terra e pela capacidade de pagar dos seus compradores/as. Há, também, uma produção da casa
e da cidade que o está vinculada ao circuito imobiliário oficial: são as favelas, vilas e as
21
ocupações de terras produzidas pela incapacidade de pagamento que a população assalariada e
sem emprego possui (RODRIGUES, 1991).
A realidade brasileira demonstra ainda, um alto déficit de moradia, em Teresina são
cerca de 47.311 moradias (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2005). A ausência de uma
Política Nacional de Habitação agrava, ainda mais, essa situação. Em 2000, de acordo com Da
Mata, Lall e Wang (2007, p. 48),
[...] cerca de seis milhões de habitantes das aglomerações urbanas do Brasil
viviam em favelas, o equivalente a 6% da população total das cidades. [...]
A população urbana e o número de residências localizadas nas
aglomerações urbanas aumentaram entre 1980 e 2000. A população nas
cidades aumentou de 52,4% para 57,1%, enquanto que o número de
residências passou de 55,4% para 59,6%.
Os dados, acima, demonstram um aumento no processo de urbanização do Brasil. De
acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1960 a
população urbana brasileira era de 45,10%, este percentual chega a 55,92% em 1970, e,
amplia-se para 67,59 em 1980. Em 2000, essa população atinge um número de 137.755.550
brasileiros vivendo em área urbanas, o que corresponde a 81% das populações habitando as
cidades (IBGE, 2000).
O crescimento das cidades indica, também, mais pessoas vivendo em péssimas
condições. Assim, as cidades maiores (em termos de tamanho populacional) possuem mais
favelas, assim como cidades mais ricas (em termos de nível de renda per capita). A
desigualdade de renda tem um papel importante: quanto mais desigual for a cidade, mais
favelas possui. A região Nordeste, a mais pobre do país, apresentou a segunda maior taxa de
crescimento de favelas.
O número de cidades com mais de 10% da população em favelas aumentou de dois
para seis entre 1980 e 2000. A cidade com o maior percentual dos habitantes em favelas, em
1980, era Fortaleza (10,2%). Em 2000, Teresópolis ocupou a posição, com 24,1% da sua
população habitando aglomeradas subnormais. Verifica-se que cidades de maior porte
populacional são exatamente aquelas que possuem o maior percentual de habitantes em
favelas. Comparando as posições nos rankings de 1980 e 2000, as cidades de Fortaleza,
Santos, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Manaus e São Paulo são as seis cidades que
permaneceram entre as dez com maior percentual. (DA MATA; LALL; WANG, 2007).
Assim, demonstram a Tabela 01:
22
TABELA 01
Cidades com maior percentual da população
vivendo em favelas
1980
Cidade Região Valor absoluto Percentual
Fortaleza Nordeste 174.885 10,23
Santos Sudeste 96.229 10,01
Vitória Sudeste 70.158 9,93
Rio de Janeiro Sudeste 724.779 8,26
Belo Horizonte Sudeste 201.471 7,69
Manaus Norte 62.384 7,07
Recife Nordeste 101.315 4,18
Campo Grande Centro-Oeste 11.969 4,10
Salvador Nordeste 68.574 3,75
São Paulo Sudeste 466.486 3,71
2000
Cidade Região Valor absoluto Percentual
Teresópolis Sudeste 33.291 24,11
Macaé Sudeste 21.237 13,72
Santos Sudeste 19.035 12,89
Fortaleza Nordeste 61.101 11,77
Rio de Janeiro Sudeste 1.246.430 11,44
Belo Horizonte Sudeste 430.404 10,08
Teresina Nordeste 95.437 9,92
São Paulo Sudeste 1.666.033 9,32
Manaus Norte 170.851 9,16
Ilhéus Nordeste 8.067 8,93
Fonte: Lall, Wang e Da Mata (2007).
Nesse sentido, as ocupações de terra aparecem a partir das sucessivas expulsões das
pessoas do campo para a cidade, das atrações oferecidas nos centros urbano, da incapacidade
de pagamento de aluguéis pela maioria da população que vive desempregada ou com baixos
salários. As favelas, vilas e as ocupações urbanas são definidas por Rodrigues (1991, p.36)
como:
[...] um aglomerado de pelo menos cinqüenta domicílios na sua maioria
carentes de infra-estrutura – e localizado em terrenos não pertencentes
aos/às moradores/as. [...] Tornam-se mais legitimadas a partir da atuação do
poder público, pois, sem poder resolver o problema da moradia e
23
pressionados pelos/as moradores/as mantém programas de regularização
fundiária e de urbanização.
De acordo com Façanha e Pintaudi (2003), o processo de favelização, em Teresina,
ganhou expressão nos anos 1980. O autor e a autora afirmam que:
A redemocratização do país foi um dos fatores que contribuiu para que os
grupos sociais excluídos contribuíssem para uma maior intervenção no
tecido urbano. Em meados da década, resultado das inundações ocorridas na
cidade, em especial na zona Norte, surgiram as ocupações de terras,
realizadas de forma organizada por grupos sociais excluídos, atuando de
forma articulada com os movimentos sociais urbanos (Organizações não
governamentais, associações de moradores, lideranças políticas etc.),
principalmente com a Federação das Associações de Moradores e
Conselhos Comunitários (FAMCC) e a Federação de Associações de
Moradores do Estado do Piauí (FAMEPI). Esse contexto cristalizou os
movimentos de luta em defesa da moradia (p. 06).
O processo de crescimento das cidades não parou na década de 1980. Acelerou-se,
contribuindo para o empobrecimento e desestruturação das condições de habitabilidade de
diversas famílias, como afirmam as “mulheres perseverantes” MP04 e MP11,
respectivamente:
Em 2001 foi um ano de muitas dificuldades. No Parque Eliane não tinha água e nem luz.
Alguns dias depois foi puxado luz de gambiarra e a água era de poço cacimbão e muitas
mulheres iam buscar água no rio (Diário de um percurso – 26/11/2007).
O nosso Parque Eliane precisa em primeiro lugar de um colégio, porque tem muitas crianças
sem estudar. São crianças de 2 a 5 anos, são pequenas e os colégios são longe. Precisamos
muito de ônibus. É muito triste ficar 2 horas esperando o ônibus da Cerâmica Cil. Pra quem
trabalha na CEAPI tem que ir de bicicleta, porque não tem ônibus. Precisamos de tudo,
saneamento básico, etc (Diário de um percurso - 26/11/2007).
Consideramos, de acordo com Rodrigues (1991, p. 37), que “as primeiras favelas
surgiram no Rio de Janeiro logo após a Guerra de Canudos e em São Paulo por volta da
segunda Guerra Mundial. Tornaram-se mais “visíveis” no período da industrialização. No
entanto, é por volta dos anos 70, por falta de alternativas de onde morar, que surgem as
ocupações de terras nas cidades”.
As ocupações, diferentes do processo de favelização, são caracterizadas por uma
mobilização social anterior, ocorrem em bloco de famílias que em conjunto se apropriam de
uma área e em um único dia, escolhido por todos/as, realizam a ocupação, sendo as
construções realizadas em mutirões. Para formar os grupos de ocupantes são reunidos/as
24
pessoas e famílias de bairros, municípios e cidades vizinhas que se aglomeram para resolver o
mesmo problema: falta de moradia. A MP11 relata sua experiência:
Em janeiro de 2001 começou a ocupação no Parque Eliane, o terreno era loteado mais não
tinha registro na prefeitura. Então foi reunido um grupo de pessoas que não tinham onde
morar e resolveram ocupar os lotes. Esse grupo tinha um líder [...] e junto com ele foi formada
uma comissão [...] e outros mais (Diário de um percurso - 26/11/2007).
Em Teresina, o surgimento de novos aglomerados vem evoluindo de forma acelerada,
principalmente, por ocupações em terrenos públicos e privados, cujas moradias, de acordo
com a Prefeitura Municipal, são classificadas em três categorias: vilas, parque/residenciais e
favelas (TERESINA, 1997b).
O Parque Eliane se autodenominou de Parque. No entanto, de acordo com
classificação oficial é enquadrada na categoria de Vila. Na categoria de Vila a Prefeitura
considera as “áreas de ocupação irregular do solo, caracterizadas inicialmente pela ausência
de infra-estrutura e precariedade da construção dos domicílios, mas que apresentam condições
para regularização fundiária e urbanização” (TERESINA, 1997b).
O período de maior expansão de vilas e favelas de Teresina foi entre os anos de 1991 e
1993 (TABELA 02), quando a taxa de crescimento foi de 151,79% tendo como maiores
responsáveis a zona Sudeste e a Leste, com percentuais de crescimento de 366,67% e
264,29% respectivamente. O menor crescimento deu-se entre 1996 e 1999, cuja taxa de
crescimento foi de 0,67%.
TABELA 02
Expansão de Vilas e Favelas de Teresina
Zonas
Quantidade
1991 1993 1996 1999
% de Crescimento por zona
1993 1996 1999
Leste
Sudeste
Sul
Norte
Centro
14 51 48 45
6 28 28 31
18 39 48 45
15 17 20 22
3 6 5 7
264,29 -5,88 -6,25
366,67 0,00 10,71
116,67 23,08 -6,25
13,33 17,65 10,00
100,00 -16,67 40,00
Total 56 141 149 150 151,79 5,67 0,67
Fonte: Teresina (1997b)
25
São nos vazios urbanos, gerados pela especulação imobiliária, que as ocupações têm
lugar. Estas alternativas de ocupação do espaço nas cidades produzem processos que fazem
nascer a solidariedade como instrumento para resolução das situações problemas, na área
ocupada. Refletindo sobre isso, Rodrigues (1991, p. 45) afirma que são:
[...] nesses vazios urbanos que as ocupações produzem uma cidade,
inclusive obedecendo até o que se chama de padrões urbanístico: largura de
ruas [...], lotes [...] e muita solidariedade. Solidariedade na procura de uma
solução de moradia, solidariedade na construção, processo calcado na
cooperação entre pessoas, na troca de favores, em compromissos familiares,
diferenciando-se, portanto, das relações capitalistas de compra e venda da
força de trabalho.
É ainda a partir da necessidade de luta pela terra, pela casa onde morar que as pessoas
e os grupos se articulam e criam novas formas de gestão do espaço urbano e dos problemas
sociais. O discurso da MP10 reflete sobre isto:
[...] de construindo esse grupo, de nosso grupo ser reconhecido, mais longe como grupo de
mulheres, de uma coisa que o pessoal joga pra baixo favela! Favela, mais que daqui
nascendo uma coisa muito importante que é um Grupo de “Mulheres Perseverantes”.
(Diário de um percurso - 09/01/2008).
As ocupações de terras urbanas demonstram a busca de moradia e, mais ainda, a
preocupação do como morar implica na luta pela sobrevivência, pela cidadania. A capacidade
de resistência que temos em não perder a esperança de um dia encontrar a estabilidade
também nos leva a acreditar que coletivamente podemos muito mais, inclusive contribuir para
uma cidade mais justa e solidária. Ao se referir a este assunto, Haesbaert (2006, p. 67) reforça
que:
Na sociedade contemporânea, com toda a sua diversidade, não resta dúvida
de que o processo de “exclusão”, ou melhor, de precarização socioespacial,
promovido por um sistema altamente concentrador é o principal responsável
pela desterritorialização. [...] Num mundo globalizado como o nosso, o
acesso pleno a um território como “experiência integrada do espaço” se
dará quando todos, de alguma forma, puderem vivenciar o mundo em suas
múltiplas escalas, pois o território é, hoje, multiescalar e um território-rede
.
No entanto, desde a Constituição de 1988 que a sociedade brasileira vem avançando
nessas questões relativas aos problemas urbanos. Nesse sentido, a Constituição Federal
garante, no seu Art. 29, que o “município reger-se-á pelo princípio da cooperação das
26
associações representativas no planejamento municipal”. Estabelecem, ainda, nos Art. 182 e
183 as diretrizes gerais da Política Urbana e a participação social no controle público
(BRASIL, 1988).
O Estado, a partir da Constituição Federal (1988) fica responsável de, nas suas três
esferas, promover programas de construção de moradias e melhoria das condições
habitacionais e de saneamento básico (artigo 23, inciso IX). O direito à moradia também faz
parte das necessidades básicas dos direitos dos trabalhadores/as urbanos e rurais, que devem
ser atendidas pelo salário mínimo (artigo 7º, seção IV).
Para concretizar de fato o envolvimento da sociedade civil no destino da cidade e dos
recursos público, o Art. 165 da Carta Magna criou, como garantia de uma maior transparência
na sistemática de elaboração dos orçamentos, instrumentos importantíssimo para a Reforma
Urbana e o Desenvolvimento Local. São eles:
Plano Plurianual Define as metas gerais da administração; é a lei que dará
continuidade à ação pública, a fim de evitar a paralisação de obras e serviços que
tenham sido iniciados na gestão anterior. Deve ser enviado até o dia 31 de agosto do
ano do primeiro mandato;
Lei de Diretrizes Orçamentária Lei que define as prioridades para o ano seguinte e
orienta o Orçamento Geral;
Lei Orçamentária Anual – Lei que apresenta a discriminação exata da Receita e
Despesa e evidencia a política econômica-financeira local, bem como o programa
concreto de trabalho, transformando as metas e prioridades em dotações orçamentárias
efetivas.
Com a pressão da sociedade civil organizada, vários instrumentos foram e são
criados para possibilitar a promoção do planejamento municipal. Recentemente, foi criada a
Lei nº 10.257/07/2001 que regulamenta os art. 182 e 183 da Constituição Federal. Ela
estabelece a diretriz para a Política Urbana e é denominada Estatuto da Cidade, que institui as
normas públicas e o interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem
coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos e cidadãs, bem como do equilíbrio
ambiental. A política urbana deverá, segundo essa Lei, ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes:
Garantia do direito a cidades sustentáveis;
Gestão democrática por meio da participação no desenvolvimento urbano;
27
Cooperação entre governos, iniciativa privada e os demais setores da sociedade no
processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;
Planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e
das atividades econômicas do Município, de modo a corrigir as distorções;
Oferta de equipamentos comunitários urbanos, transporte e serviços públicos,
adequados aos interesses necessidades da população;
Ordenamento e controle do uso do solo;
Proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do
patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;
Regularização fundiária e urbanização nas áreas ocupadas por população de baixa
renda.
Quanto ao planejamento e a participação, a supracitada Lei, no seu Art. 4, coloca o
Plano Diretor como um instrumento de relevância para o desenvolvimento das cidades. O
Plano Diretor é a lei que discute como a cidade vai crescer e como cada cidadão e cidadã
participam do seu crescimento. Deve ser elaborado nas cidades com mais de 20 mil habitantes
e aprovado na Câmara Municipal. Prevê, ainda, a implantação do IPTU Imposto Predial e
territorial Urbana progressivo, a desapropriação, o usucapião especial de imóveis urbanos
para o homem ou a mulher, independente do estado civil. Vale ressaltar que, em 2007, foi
aprovada no congresso Nacional, a Lei de Iniciativa Popular que cria Fundo de Moradia
Popular e o Conselho Nacional de Moradia Popular. Esta Lei permitirá a construção de
moradias populares para a população de baixa renda.
A moradia sempre funcionou como a referência central da família e está provada a
influência das condições de moradia nas condições de saúde física e mental, ao proporcionar
privacidade para o cumprimento das funções biológicas, oferecer infra-estrutura e recursos
para a higiene pessoal, doméstica e saneamento e favorecer a convalescença de enfermos.
Além disso, cada vez mais, a moradia tem funcionado também como ponto central de
desenvolvimento econômico, agregando novos processos ou resgatando práticas antigas de
gestão da e na moradia, com iniciativas peculiares ao trabalho formal e informal.
Atualmente, observamos com freqüência crescente a “moradia/oficina”,
“moradia/comércio”, “moradia/serviço de saúde”, “moradia/creche” e “moradia/confecção”,
entre outros modelos de produção no âmbito doméstico, transformando a residência em
ambiente de trabalho com a finalidade de atender, tanto aos programas sociais de geração de
renda e de atenção básica à saúde, quanto às iniciativas de pequenas empresas e aos processos
28
de terceirização industrial. Às funções gerenciais da moradia tradicionalmente exercidas pela
mulher, somam-se às do mundo do trabalho. Neste contexto, as relações de gênero têm um elo
cada vez mais forte com as questões de cidadania, trabalho e com as políticas urbanas, no
sentido de promover a inclusão social, a redução das desigualdades entre mulheres e homens
no território e contribuir para o processo de organização e emancipação das mulheres
(BRASIL, 2008a).
1.2 O sentido do território e sua relação com o desenvolvimento local e as relações de
gênero
Historicamente, a idéia de desenvolvimento está vinculada à satisfação das
necessidades fundamentais do(s) grupo(s) hegemônico na sociedade, visto sempre na
perspectiva econômica. Assim, só haveria desenvolvimento se fossem produzidos benefícios
para atender aos interesses do grupo social detentor do controle do processo econômico.
Ao longo dos anos, a reprodução deste esquema gerou uma grande massa de
excluídos, gerando, também grandes demandas nas áreas de habitação, saúde, educação, meio
ambiente e na garantia dos mínimos direitos sociais.
A partir de 1992, com realização da ECO/92
7
, introduz-se um novo conceito nas
discussões sobre desenvolvimento: o ambiental. O desenvolvimento, nesta nova perspectiva,
significa planejar definindo o que, como e para quem produzir, satisfazendo as necessidades,
hoje, sem comprometer as gerações futuras. Este planejamento deve ter como ponto de partida
uma visão mais global das relações, incluído as dimensões político-institucional, histórico-
cultural, econômico-social, geo-ambiental. Dos documentos elaborados na conferência sobre
o Meio Ambiente, realizados no Rio de Janeiro, a Agenda 21
8
foi um que destacou, em seu
capítulo 7, a importância da moradia adequada para o bem-estar das pessoas.
7
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como ECO-92, foi realizada
de 3 a 14 de junho de 1992. A convite do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro foi a sede do encontro que reuniu representantes
de 175 países e de Organizações Não-Governamentais (ONGs). Considerado o evento ambiental mais importante do século
XX, a ECO-92 foi a primeira grande reunião internacional realizada após o fim da Guerra Fria. Os compromissos específicos
adotados pela ECO-92 incluem três convenções: uma sobre Mudança do Clima, sobre Biodiversidade e uma Declaração
sobre Florestas. A Conferência também aprovou documentos com objetivos mais abrangentes e de natureza mais política: a
Declaração do Rio e a Agenda 21. Ambos endossam o conceito fundamental de desenvolvimento sustentável, que combina o
progresso econômico e material com a necessidade de uma consciência ecológica. (UNB, 2009).
8
Principal documento produzido na ECO-92, o "Agenda 21" é um programa de ação que viabiliza o novo padrão de
desenvolvimento ambientalmente racional. Ele concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica.
Este documento está estruturado em quatro seções subdivididas num total de 40 capítulos temáticos. Eles tratam dos temas
dimensões Econômicas e Sociais, conservação e questão dos recursos para o desenvolvimento, medidas requeridas para a
proteção e promoção de alguns dos segmentos sociais mais relevantes, revisão dos instrumentos necessários para a execução
das ações propostas e a aceitação do formato e conteúdo da Agenda. Com a adoção da Agenda 21, a Conferência estabeleceu
objetivos concretos de sustentabilidade em diversas áreas, explicitando a necessidade de se buscarem novos recursos
financeiros para a complementação em nível global do desenvolvimento sustentável. (UNB, 2009).
29
Em 1996, realizou-se em Istambul, a segunda Conferência da ONU sobre
Assentamentos Humanos (2ª Habitat), que aprovou a Agenda Habitat, adotada pelo Brasil. O
documento tem como principais objetivos a moradia adequada para todos/as e o
desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos num mundo em urbanização. A
Declaração de Istambul reafirmou o direito à moradia e reitera o comprometimento da
comunidade internacional com a realização completa e progressiva do direito à moradia
adequada. Para esse fim, os Estados que fazem parte desse acordo deveriam tomar
providências para garantir a segurança legal da posse, a proteção contra a discriminação e a
igualdade no acesso à moradia adequada e financeiramente acessível para todos/as.
(MORAIS; DA GUIA; PAULA, 2006).
Pensar o Desenvolvimento Local na ótica do planejamento é pensar Reforma Urbana,
que possibilita a participação no planejamento, execução, fiscalização, a promoção humana.
Reforma Urbana é, portanto, o planejamento da cidade, do município com participação e
transparência administrativa. É, sobretudo, a inversão de prioridades; é reverter o
investimento em políticas públicas para atender as demandas das classes excluídas. A reforma
urbana põe em pauta esses temas partindo dos movimentos sociais urbanos e da necessidade
do enfrentamento em relação ao poder público municipal.
Para além dessa idéia, existe hoje quase um consenso em torno da necessidade de um
novo modelo de desenvolvimento dotado de sustentabilidade. Ocorrem avanços na
recuperação de uma visão holística sobre a relação entre o meio ambiente natural e os seus
habitantes, superando a visão antropocêntrica que justifica a exploração ilimitada e a
depredação do meio ambiente, e avança na construção de postulados de sustentabilidade.
A II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres reconheceu, como um dos
eixos prioritários de intervenção pública na área de promoção da igualdade de gênero, a
questão do desenvolvimento sustentável na perspectiva de gênero e a conseqüente ampliação
da justiça ambiental. Foram aprovadas algumas prioridades relacionadas à necessidade da
universalização do direito à terra e à água, da garantia da segurança alimentar e de uma
educação ambiental que inclua ações de capacitação para o controle social, sempre na
perspectiva de garantir visibilidade e reconhecimento à contribuição das mulheres em todos
estes espaços, bem como, o respeito às diversidades étnico-raciais, de orientação sexual,
geracionais, entre outras (BRASIL 2008a).
Trata-se, então, da emergência de um novo paradigma. Novos conceitos, idéias e
percepções que tendem a orientar os processos de desenvolvimento que, na visão de Capra
30
(1999, p. 29), necessitam de “uma mudança profunda no pensamento, percepções e valores
que formam uma determinada visão da realidade”. Essas mudanças na visão de mundo
expressam o surgimento de uma visão holística e ecológica. Rompem com a visão
antropocêntrica, proporcionando a reconciliação das pessoas com o espaço onde habitam.
Diante desse pensamento, uma nova ótica marca a contemporaneidade, a busca de um
modelo de desenvolvimento implicada na relação direta com a realidade local. A economia
local ganha importância como alternativa diante da crise do trabalho nos centros urbanos
industrializados.
Na perspectiva cultural, o retorno ao “local” representa a valorização da diversidade
cultural, da recomposição e afirmação de identidades e territórios, como propõe Zaoual (2003,
p. 95):
[...] com o conceito de sítio simbólico de pertencimento: um espaço de
crenças e práticas ajustado às circunstâncias locais. Sua transversalidade
articula a cultura dos atores da situação, com a sociedade e o meio
ambiente. Contrariamente à exclusiva visão de mercado que subtrai o
homem do seu ambiente social, o sítio o inclui e o vincula a suas raízes,
dando sentido aos seus comportamentos
.
Considerando esse debate, o desenvolvimento local é uma forma de valorizar as
potencialidades locais (econômicas, humanas, ambientais), proporcionando o crescimento da
renda, a melhoria das condições de vida da população e o fortalecimento da cidadania.
Conforme Buarque (1997), o desenvolvimento local é um processo endógeno de mobilização
das energias sociais na implementação de transformações que possibilitam o aparecimento de
oportunidades sociais e de condições de vida no espaço local, com base nas potencialidades e
no envolvimento da sociedade nos processos decisórios. Reforçando essa idéia Silva (2004, p.
3) afirma que:
A lógica da solidariedade e da sustentabilidade do desenvolvimento implica
na humanização de todas as relações sociais e uma integração orgânica do
ser humano com a natureza. Passa pela formação de laços sociais de
solidariedade, nos quais o significado da cidadania vai do grau mínimo de
satisfação das necessidades básicas - condição para a participação cidadã
até a realização completa dos humanos-seres-solidários. Acreditamos ser
esse o caminho para chegarmos à verdadeira democracia que exige a
superação de todas as formas de discriminação e dominação: de classe, de
raça e de gênero.
31
De acordo com esses aspectos, podemos afirmar que as mulheres, em suas variadas
formas de organização, vêm demonstrando que possuem grande poder de mobilização e
articulação que concretizam novas formas de relações, partindo do espaço local, o que
contraria aquilo que a história da humanidade e das mulheres sempre demonstrou.
As mulheres representam 51,2% da população brasileira, sendo 46% pretas e pardas.
São aproximadamente 89 milhões, das quais, 85,4% vivem em áreas urbanas (IBGE, 2004).
No que se refere à chefia da família, os dados demonstram que houve grandes mudanças nos
últimos 10 anos. A chefia feminina no período aumentou cerca de 35%, passando de 22,9%
em 1995 para 30,6% em 2005. Por outro lado, o número de mulheres chefe de família
aumentou de 2,1 pontos percentuais na faixa etária de 40 a 49 anos enquanto houve uma
redução de 2,3 pontos percentuais entre as mulheres idosas. No entanto, cabe ressaltar que a
chefia feminina é mais expressiva entre as mulheres idosas (27,5%). Este resultado é reflexo
da maior expectativa de vida das mulheres. (IBGE/2006).
Dentre as conquistas alcançadas pelas mulheres nos últimos anos, destacam-se o
aumento da participação feminina no mercado de trabalho. De acordo com os dados do IBGE
(2005), entre os anos de 1995 e 2005, a população economicamente ativa (PEA) somava 96
milhões de pessoas na condição de ocupada e desocupada. Deste contingente de pessoas de 10
anos ou mais de idade no mercado de trabalho, 56,4% eram homens e 43,6%1 eram mulheres,
enquanto, em 1995, a distribuição da População Economicamente Ativa - PEA era de 59,6%
para os homens contra 40,4% para as mulheres. Desse modo, observou-se que nos últimos dez
anos a distribuição da PEA por sexo sofreu uma acentuada mudança com a redução da
participação masculina e aumento da feminina em 3,2 pontos percentuais (IBGE, 2006).
Desse modo, o processo de industrialização e a necessidade do aumento da renda
familiar levaram a mulher ao mercado de trabalho, no entanto, as brasileiras não m muito
que comemorar quando o assunto é emprego, uma vez que continuam ganhando cerca de 35%
menos que os homens no país, revelou uma pesquisa divulgada pelo Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE, 2008).
Esta realidade, entretanto, vem sofrendo modificações. Durante culos as mulheres
foram consideradas como inferiores, sexo frágil e submissa a diversas condições e situações,
principalmente, aos homens.. A conquista do direito de voto para as mulheres (de votar e ser
votada) significou a incorporação de metade da população à dinâmica da democracia
representativa. Inicia-se, assim, a aproximação das mulheres com os poderes do Estado,
32
abrindo-se a possibilidade de responderem pelo destino das nações e mudarem a gica do
desenvolvimento.
A promulgação da Constituição Federal (CF) do Brasil, em 1988, foi um marco para o
início destas transformações. Nela, os movimentos sociais tiveram grandes conquistas
colocadas em Lei. Algumas reivindicações como: garantia da participação no planejamento
das cidades, direito à liberdade de expressão e de organização, à moradia, educação de
qualidade, saúde, condições dignas para se viver melhor, foram acrescentadas no texto da
nova Carta Magna.
Essas várias alterações na CF foram marcantes para o atual enfoque da família
brasileira, concedendo direitos e deveres iguais a mulheres e homens na sociedade conjugal e
com relação aos filhos/as, além de considerar a união estável como entidade familiar, que
pode ser formada apenas pela mãe ou pelo pai e suas/seus descendentes.
No início do século XXI, o Brasil um salto no reconhecimento de que a relação
com as mulheres é injusta e causa desigualdade. Com um número, ainda não significativo de
mulheres no Congresso Nacional, aprovam-se modificações no Código Civil e as
responsabilidades, antes somente das mulheres, “passam a ser”, também, dos homens.
O Governo Federal, administrado pelo presidente Lula, criou a Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres e, ainda, a realizou conferências estaduais, regionais e duas
nacionais para discutir a realidade das mulheres no Brasil. Dessas conferências resultou o
Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, em edição. Nele estão contidos os
pressupostos, princípios e diretrizes gerais que definem ações e linhas que discutem a
autonomia e igualdade no mundo do trabalho e cidadania, a educação inclusiva e não sexista,
a saúde das mulheres, os direitos sexuais e reprodutivos e o enfrentamento à violência contra
as mulheres (BRASIL, 2004).
É, então, com um olhar nessa realidade histórica que as mulheres passam a
compreender que a luta por direitos e pela visibilidade de suas ações não deve ser encampada
somente por elas. Faz-se necessário envolver a sociedade e, principalmente, os homens.
É, portanto, nesta perspectiva, que as mulheres estabelecem outra lógica para a
discussão do território, do local como espaço de transformação das relações de gênero,
entendendo, aqui território como o espaço simbólico e cultural de redes de relações, onde se
reivindica o acesso, o controle e o uso desse espaço. Nesta perspectiva afirmam Bonnemaison
e Cambrèzy (apud HAESBAERT, 1994, p. 49):
33
[...] o pertencimento ao território implica a representação da identidade
cultural e não mais a posição num polígono: Ela supõe redes múltiplas,
refere-se a geossímbolos mais que a fronteira, inscreve-se nos lugares e
caminhos que ultrapassam os blocos de espaços homogêneo e contínuo da
“ideologia geográfica”.
Nesse sentido, é no espaço do bairro que, de acordo com Certeau, Giard e Mayol
(1996, p. 56), “circulam e, por conseguinte, se encontram e se reconhecem meninos e
meninas, rapazes e moças, homens e mulheres”. Para os autores, este reconhecimento ocorre
de acordo com um contrato estabelecido a partir das conveniências sociais que regulam
comportamentos de mulheres e homens. Reafirmando este pensamento, Certeau, Giard e
Mayol (1996, p. 55) reforçam que a conveniência é:
[...] a via régia para esse benefício simbólico, para a aquisição desse
excedente cujo domínio manifesta a plena inserção no ambiente social. Ela
fornece o léxico do consentimento, e organiza a partir de dentro a vida
política da rua. O sistema da comunicação no bairro é fortemente
controlado pelas conveniências. O usuário, ser imediatamente social
apanhado pela rede relacional pública, que ele não controla totalmente, é
intimado por sinais que lhe intimam a ordem secreta de comportar-se
conforme as exigências da conveniência. Esta ocupa o lugar da lei, lei
enunciada diretamente pelo coletivo social que é o bairro, do qual nenhum
dos usuários é depositário absoluto, mas aos quais todos os usuários são
convidados a submeter-se para possibilitar, simplesmente, a vida cotidiana.
Nesse caso, o bairro torna-se um elemento importante para a configuração das
identidades de gênero, tendo em vista que é no bairro onde os sujeitos mantêm relações com
os/as outros/as como ser social. Sair de casa, andar pela rua, é efetuar um ato cultural, sendo
sempre uma relação entre uma pessoa e o mundo físico e social. O bairro se inscreve na
história do/a sujeito como a marca de uma pertença indelével, na medida em que é a
configuração primeira do arquétipo de todo processo de apropriação do espaço como lugar da
vida cotidiana (CERTEAU; GIARD; MAYOL, 1996).
Pensando assim, é no espaço local, nesse território que as mulheres passam a construir
novas relações com os homens, com o espaço físico e consigo mesmas, pois, passam a
estabelecer redes de relações que possibilitam a (re)construção e a desconstrução das relações
de gênero instituídas. E nesse emaranhado de relações novas/os sujeitas/os vão surgindo no
processo de dialogicidade que permite o questionamento da atual situação de empobrecimento
e exclusão social, propondo alternativas de sobrevivência. Sobre isto Haesbaert (2006, p. 65-
66) afirma que:
34
[...] a precarização (“para alguns “exclusão”) social que lança de forma
crescente milhões de pessoas na miséria faz com que eles revalorizem seus
vínculos básicos como o “território”, mesmo no sentido mais elementar
como “terra”, “terreno”, como base primeira de reprodução social, como
abrigo fonte de sobrevivência. Mas do mesmo modo como o ser humano,
mesmo na condição econômica mais precária, não se reduz a um indivíduo
biológico, podendo se tornar alvo fácil dos identitarismos mais radicais, o
território também envolve sempre, em diferentes níveis, uma dimensão
simbólica identitária.
Nesse sentido, o reconhecimento de si mesma/o, da/o outra/o e da realidade na qual se
está inserida/o provoca a necessidade da criação de grupos e/ou movimentos que reforcem de
alguma forma esse desejo de mudança, de transformação, provocando um novo sentido do
“estar no mundo”. No entanto, os processos desenvolvidos, a partir dos ambientes locais, por
si só, de acordo com a concepção de Castells (1997, p. 73):
[...] não induzem a um padrão específico de comportamento ou, ainda,
justamente por isso, a uma identidade distintiva. [...] as pessoas resistem ao
processo de individualização e atomização, tendendo a agrupar-se em
organizações comunitárias que, ao longo do tempo, geram um sentimento
de pertença e, em última análise, em muitos casos, uma identidade cultural
comunitária. [...] para que isso aconteça se torna necessário um processo de
mobilização social, [...] as pessoas precisam participar de movimentos
urbanos pelos quais são definidos e defendidos interesses comuns, a vida é,
de algum modo, compartilhada e um novo significado pode ser produzido.
De acordo, ainda, com Andrade (1994, p. 214) “a formação de um território às
pessoas que nele habitam a consciência de sua participação, provocando o sentimento da
territorialidade que, de forma subjetiva, cria uma consciência de confraternização entre as
mesmas”.
A experiência da Associação de Produção Mulheres Perseverantes” demonstrou
nitidamente, no processo de acompanhamento e envolvimento proporcionados por esta
pesquisa, a complexidade desse processo. A Associação surge, inicialmente, com um grupo
de 12 mulheres em busca de uma renda, produzindo “panos de prato”, com apoio da
Fundação “Viver com Dignidade”. Posteriormente, organizam-se em uma Associação de
Produção, agora, com cerca de 20 mulheres e, como para realizarem seus trabalhos não
tinham onde deixar as crianças organizaram a Casa de “Artes e Culturas”
9
espaço de
oficinas para as crianças. Logo depois, preocupadas em crescerem juntas de seus
maridos/companheiros, que são na maioria desempregados, sugerem que seja realizado com
9
Espaço destinado às crianças, criado porque as mães não tinham onde deixá-las quando se dirigem a Casa das
Mulheres para produzir e encaminhando suas demandas.
35
eles atividades outras na perspectiva de geração de renda, assim como na tentativa da inclusão
deles na discussão de gênero. Percebemos assim uma rede de relações sendo estabelecida a
partir do espaço privado a família. Compartilhando com esse pensamento, Silva (2002, p.
98) coloca que:
A família, nas suas pequenas diversidades, nas diferenças e nas
complementaridades entre os seus membros, produz o sémen da vida em
comunidade. É nesse lugar que o valor de vínculo constitui o ethos da vida
comum, é também nesse lugar que as experiências do viver o mundo criam
múltiplas possibilidades de ensino-aprendizagem, no encontro e na troca
que se fazem no estar junto. O indivíduo, no interior das relações familiares
constitui-se como uma unidade ecológica fundamental que amplia, na
reiteração dos laços de uns com os outros, a multiplicação de ecossistemas
sócio-educativos.
Indo além do espaço da família, estas relações envolvem os/as vizinhos/as, as/as
amigas/os, os/as parentes residentes no bairro, envolvendo ainda, relações extra-bairro. A
senhora MP04 afirma essa constatação,
Eu entrei no grupo através da minha amiga [...]. Ela tava no grupo a uns dois meses. Ai
sempre ela me convidava [...] vamos, e eu [...] não vou agora não. [...] vamos eu comecei a
ir, é eu tava passando por um momento muito difícil na minha vida e a [...] vamos, ao invés
de tu ficar em casa pensando besteira, triste tu pode até ficar assim.... vamos lá pro grupo, lá tu
vai fazer crochê, porque eu o sabia. eu dizia: Ah! [...], deixa desse negócio, fica só me
chamando (rs,rs,rs). Aí eu terminei indo para o grupo e até hoje eu estou nele [...].
(Diário de um percurso - 29/10/2007).
As relações extra-bairro são estabelecidas a partir do contato com a Fundação “Viver
com Dignidade”, com a Universidade Federal e Estadual do Piauí, com órgãos do governo
municipal, como a Superintendência de Desenvolvimento Urbano da Zona Sul (SDU/Sul) e
Estadual, com a Secretaria de Assistência Social e Cidadania (SASC) e com a Secretaria
Estadual de Educação e Cultura (SEDUC). Sobre isto a senhora MP10 afirma:
Só os conhecimentos que a gente já tem que o nosso grupo já tem lá fora, através da Fundação
Viver com Dignidade, que foi como a gente chegou até a universidade vocês sabem disso, [...]
E também, é claro que eu não estou deixando de lado a nossa universidade que é quem
presente com a gente. Também através da SIFE/Ceut nosso nome já tá longe não como
mulheres perseverantes, com um nome que eles mesmos escolheram, mas nossas carinhas tão
e também o nosso trabalho. E pra resumir a história, diante de uma pessoa que representa a
UFPI, a gente sabe que o nosso grupo é apoiado pela ação social da SASC. Nós somos
apoiados por muita gente e através dessas criaturas a gente, tá sendo, o nosso grupo está sendo
conhecido, indo longe e tudo isso são razões pra gente (pausa) pra contar vitória cada vez
mais. E pra nós termos a nossa história e pra nós mesmas fazermos a nossa história, uma
36
história que vai ficar, que vai ficar pra todo mundo ver, pra todo mundo saber a história desse
grupo de mulheres perseverantes (Diário de um percurso - 29/10/2007).
Essas novas experiências representam iniciativas emancipatórias que vão desde as
mais simples às mais complexas formas de organização do trabalho e da produção,
protagonizadas por atores e atrizes sociais. Essas experiências coletivas de trabalho e
produção vêm se disseminando nos espaços rurais e urbanos, através das cooperativas de
produção e consumo, das associações de produtores/as e empresas de autogestão. Partem de
uma atitude crítica frente ao sistema hegemônico e têm como princípios e valores a
solidariedade e a democracia. Para Bertucci e Silva (2003, p. 19) essas formas de organização
são:
[...] uma nova forma de organizar a produção, a distribuição e o consumo
dos bens socialmente produzidos, o que significa redesenhar e exercitar, na
prática das experiências alternativas, um outro projeto de sociedade que
rompa com a lógica da competição monopolizadora excludente.
Neste contexto se insere a experiência desenvolvida no Parque Eliane, através da
Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”.
1.3 O Parque Eliane no contexto da falta de moradia e sua implicação nas relações de
gênero
Os conflitos gerados em torno do acesso à moradia e os problemas decorrentes das
ocupações de terrenos vazios são conseqüências intrínsecas ao crescimento das grandes
cidades. O Parque Eliane enquadra-se nesse contexto. A Comunidade é localizada na zona sul
de Teresina (Anexo 01), capital do Piauí, à esquerda da rodovia PI – 130, que liga Teresina ao
município de Palmeirais. A sua origem é resultado de uma ocupação. Os ocupantes são
provenientes de outros bairros como Angelim, Promorar, Comunidade Salobro, Nazária,
Cerâmica Cil e de cidades do interior do Piauí e Maranhão. O imóvel era de propriedade do
senhor Júlio Soares do Nascimento, que repassou os direitos de propriedade para Ciro
Nogueira Lima Filho, sem nunca ter feito isso de modo legal, pois o mesmo não possuía
nenhuma documentação de posse. A ilustração abaixo retrata os veis de conflitos
apresentados nessa realidade:
37
Figura 03: Ilustração sobre o Parque Eliane Figura 04: Ilustração sobre o Parque Eliane
Fonte: Produzido pela MP01 para ilustrar o livro Fonte: Produzido pela MP01 para ilustrar o livro
sobre a História das “Mulheres Perseverantes”. sobre a História das “Mulheres Perseverantes”.
De acordo com o parcelamento do terreno, realizado pela Prefeitura Municipal de
Teresina, a proposta de loteamento do Parque Eliane totalizava 52 (cinqüenta e duas) quadras,
08(oito) áreas verdes e 03 (três) para uso institucional, ou seja, para construção de escolas,
postos de saúde, etc. Possui ainda 30 vias de circulação e 03 (três) avenidas (TERESINA,
1997a), conforme planta abaixo:
O processo de ocupação ocorreu no ano de 2001 e, segundo relato da senhora MP11,
foram momentos de muitos conflitos que envolviam ocupantes, policiais e o proprietário.
Eu sou [...], cheguei no Parque Eliane no mês de Janeiro de 2001. Nós juntamos muitas
pessoas, brocamos e limpamos o terreno. Fizemos casa e antes de morar veio a derrubada.
Tinha mais de 100 homens derrubando tudo. Eu e minha mãe e mais pessoas passamos a noite
Figura 05 – Planta de parcelamento do Parque Eliane
Fonte: Secretaria Municipal de Habitação e Urbanismo - PMT
38
tirando madeiras e pedaços de pau da terra. No outro dia fomos fazer novas casas e passamos
logo pra debaixo. Cinco famílias ficaram logo morando de verdade até hoje. Depois foram
chegando mais. Hoje é o nosso Parque Eliane. Em janeiro de 2001 começou a ocupação no
Parque Eliane. O terreno já era loteado mas não tinha registro na prefeitura. Então foi reunido
um grupo de pessoas que não tinham onde morar e resolveram ocupar os lotes. [...] Foram
levantados os primeiros barracos, em fevereiro de 2001e logo veio uma ordem para desocupar
o terreno. Os soldados vieram armados e derrubaram os barracos. E destruíram muitas
madeiras e levaram as ferramentas de quem morava no local. Tivemos apoio dos padres,
seminaristas, [...]. Nesse dia foi feito um protesto na PI 130 foi colocado galhos de árvores,
troncos de palmeiras, tocaram fogo e chamaram a imprensa foi feita a reportagem; mas os
moradores não desistiram e foi levantados os barracos novamente na época foi feito um
barracão para abrigar os moradores (Diário de um percurso - 26/11/2007).
O conflito eminente da ocupação se estende para o processo organizativo. Logo após a
tentativa de desapropriação do terreno, forma-se uma comissão, composta por Antônio
Francisco da Cruz Dias (Caxibinha), Edílson dos Santos, Maria das Graças Araújo Rodrigues,
D. Zeca, Marcos Paulo, dentre outros. Esse grupo tinha um líder que era seu Geraldo.
Algumas divergências apareceram e da comissão surgiu duas Associações de Moradores/as: a
Associação dos/as Moradores/as do Parque Eliane (AMOVPE), presidida por Caxibinha e a
Associação Beneficente e Recreativa dos/as Residentes no Parque Eliane (ABRRPE),
presidida por D. Graça que, posteriormente, vem a ser dirigida por Neide de Jesus Carvalho e,
atualmente, filiada à Federação de Associações de Moradores/as e Conselhos Comunitários
do Piauí (FAMCC).
A comunidade é composta atualmente por 500 famílias com uma média de cinco
pessoas por casa, em uma área que corresponde a 72 hectares com 720 lotes. As famílias que
moram na ocupação não possuem o título de propriedade da terra.
A ocupação já existe há seis anos e não possui infra-estrutura básica como saneamento
básico, escola, posto de saúde, local para lazer, posto policial. A maioria das famílias (91,2%)
utilizava energia elétrica através de “gambiarras” (FEITOSA, 2006). A sede da igreja católica
era inicialmente o único espaço de reunião que a comunidade utilizava.
Algumas políticas públicas, após pressão das Associações de Moradores/as, estão
sendo desenvolvidas no Parque. A Caixa Econômica Federal (CEF), em parceria com o
Governo do Estado desenvolve, através da Agência de Desenvolvimento Habitacional (ADH),
o Programa de Construção de 103 unidades habitacionais no sistema de autogestão. Nesse
programa são envolvidas a Associação Recreativa e Beneficente dos Residentes no Parque
Eliane, os moradores através da Comissão de Fiscalização e de contratação de mão de obra
para execução do programa. O mesmo programa aprovou, via Prefeitura Municipal de
Teresina, a construção de mais 28 moradias (FEITOSA, 2006).
39
No início da ocupação, as casas eram predominantemente de taipa-telha (83,3%), com
piso de chão batido (Foto 01). Com a implantação dos programas habitacionais, as casas são
construídas de tijolos e telhas, permitido uma qualidade melhor de vida às famílias (Foto 02).
As fotos retratam os modelos das casas existentes na comunidade. Esses formatos compõem o
cenário e representam a passagem entre o modo de vida do início da ocupação e o que hoje se
configura no Parque Eliane, com o desenvolvimento promovido a partir da organização dos
membros desse território.
As famílias que residem no Parque Eliane não possuem renda fixa e 77,4% são
chefiadas por mulheres. Algumas desenvolvem atividades no setor de prestação de serviço,
como lavadeiras, empregadas domésticas, mas, em geral, são desempregadas, dedicando-se
aos cuidados de casa, dos filhos e das filhas (FEITOSA, 2006).
Diante desta realidade, algumas mulheres organizaram um grupo de geração de renda,
chamado Grupo de “Mulheres Perseverante”, que desde fevereiro de 2008, autodenominam-se
Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”, com o desejo de mudar a situação de
miséria e baixa estima da maior parte das mulheres desta comunidade. O grupo existe desde
2004 e, hoje, é composto por 20 pessoas, sendo 15 aquelas que mais freqüentam. O grupo tem
como objetivo organizar mulheres em torno de projetos de geração de renda para que possam,
juntas, desenvolverem-se, fazendo crescer a comunidade e a si mesmas.
O conflito inicial, gerado pela ocupação, a necessidade de geração de renda e o alto
grau de solidariedade por parte das pessoas desse território está fazendo brotar novas
perspectivas de relações entre mulheres e mulheres, mulheres e homens, mulheres e crianças
Foto 02 – Casas novas do Parque
Fonte: Arquivo da Pesquisadora
Foto 01 – Casas antigas do Parque
Fonte: Arquivo da Pesquisadora
40
e, ainda, entre elas e o espaço onde vivem. Foi através do Grupo de “Mulheres
Perseverantes”, que nasceu, com o apoio da ONG Fundação “Viver com Dignidade” e dos
Padres Italianos que residiam no Parque Piauí, o Projeto Doação a Distância
10
que oferecia
cestas básicas para as famílias carentes da comunidade. Com a saída dos Padres Italianos, as
mulheres decidiram que deveriam organizar uma forma de continuidade desse trabalho para
gerar renda a fim de libertar-se do Projeto Doação a Distância, dando essa oportunidade a
outras famílias.
Foi aí, então, que surgiu o grupo de produção artesanal de panos de prato, bolsas,
bordados e crochê. Por ausência de um espaço físico adequado, as mulheres se reuniam na
Igreja, único espaço disponível na comunidade e com estrutura e cadeiras. Atualmente, as
mulheres se organizam na Associação de Produção “Mulheres Perseverantes” e freqüentam a
Casa das “Mulheres Perseverantes”, cedida por intermédio da parceria com o Seminário
Maior, através do Instituto Superior de Ensino Católico (ISESC), ligada à Arquidiocese de
Teresina. Existe, ainda, naquela comunidade a Casa de “Artes e Culturas”, espaço de
realização de oficinas para as crianças filhas dessas mulheres.
As aprendizagens construídas ao longo dessas trajetórias demonstram que, diante dos
conflitos, das contradições e das possibilidades que se apresentam em cada situação e
momento, as mulheres envolvidas nesse processo fortalecem-se na esperança de um dia
mudar de vida, pois, as condições de habitabilidade, de segurança alimentar, de saúde, de
lazer, de transporte não são favoráveis, uma vez que a ausência de políticas públicas é muito
restrita. No entanto, o desejo de ver seus filhos/as estudando na própria comunidade, o grupo
crescendo, seus maridos/companheiros trabalhando e o Parque melhorando é o que faz as
mulheres se envolverem e continuarem na luta.
10
Este projeto se refere a doação de cestas básica oferecida por famílias italianas à comunidade carentes do Piauí. As
famílias recebiam as cestas por um ano, podendo ser estendida por mais seis meses. Em contrapartida a família deveria
desenvolver um trabalho comunitário. Depois do período estipulado pelo projeto, a cesta básica era repassada a outra família
necessitada, supondo que esta primeira já teria tido tempo suficiente para conseguir um trabalho.
41
CAPÍTULO II
CAMINHOS QUE SE ENTRECRUZAM
Se não amo o mundo,
se não amo a vida,
se não amo os homens (as pessoas),
não me é possível o diálogo.
Paulo Freire
Neste capítulo, discutimos sobre os caminhos percorridos durante a realização da
pesquisa-ação, destacando a contribuição educativa desse modo de pesquisa e o papel da
pesquisadora/o. Abordamos ainda as técnicas e instrumentos da construção e levantamento
dos dados com destaque para a observação participante, o diário de um percurso, o grupo
focal e o questionário.
Destacamos, também, os espaços de desenvolvimento da pesquisa, de investigação e
produção coletiva como um lugar privilegiado para a construção de “sujeitos e saberes” e o
perfil dos participantes, reforçando suas falas e conversas. E, por último, apresentamos o
mapeamento categorial que nos ajudou a fazer as análises e reflexões apresentadas no terceiro
e quarto capítulo.
2.1 A opção pela pesquisa-ação e sua contribuição educativa
Compreendendo a complexidade dos fenômenos sociais e a dialogicidade que
permeiam as interações entre as pessoas e os grupos, optamos pela pesquisa de natureza
qualitativa, considerando que ela nos ajudaria a responder questões relativas, não só ao
conhecimento ou à dimensão cognitiva, mas também, à dimensão afetivo-volitiva que se
refere, também, à essência destas relações - o sentimento, o desejo, as motivações, as
atitudes, os hábitos - o que falam e sentem os sujeitos/atores e atrizes desse processo. Essa
escolha é também uma opção política, haja vista que ela possibilitou uma convivência e uma
militância no cotidiano do Parque Eliane de forma a perceber a concretude das diferenças
sociais e culturais. Para Flich (2004, p.17-18), essa forma de pesquisa é relevante porque traz
à tona:
42
[...] a dissolução de “velhas” desigualdades sociais dentro da nova
diversidade de ambientes, subculturas, estilos e formas de vida. Essa
pluraridade exige uma nova sensibilidade para o estudo empírico [...] quase
sempre carece de familiaridade com o que de fato ocorre na esfera da vida
que ele/a se propõe estudar. [...] as narrativas agora devem ser limitadas em
termos locais, temporais e situacionais.
Assim, consideramos que as pessoas são munidas de recursos que as permitem agirem
como sujeitos/as autônomos/as em suas ações. Desse modo, as experiências individuais e
coletivas, no contexto da vida cotidiana, passam a ter importância significativa para a
pesquisa qualitativa. Na perspectiva de Melucci (2005, p. 29) uma dimensão crucial da
sociedade contemporânea é:
[...] a importância da vida cotidiana como espaço nos quais os sujeitos
constroem o sentido do seu agir e no qual experimentam as oportunidades e
os limites para a ação. Esta atenção para a vida cotidiana estende o foco
sobre [...] os detalhes e a unidade dos acontecimentos que dificilmente
servem para ser observados, contidos e organizados dentro dos modelos de
análises unicamente quantitativos. Na vida cotidiana, os indivíduos
constroem ativamente o sentido da própria ação, que não é mais somente
indicado pelas estruturas sociais e submetido aos vínculos da ordem
constituída. O sentido é [...] produzido através de relações e esta dimensão
construtiva e relacional acresce na ação o componente de significado na
pesquisa. Isto muda a atenção para as dimensões culturais da ação humana
e acentua o interesse e a importância da pesquisa de tipo qualitativa.
Essa forma de pesquisa responderá, também, segundo Minayo (1994, p. 21):
[...] a questões que se preocupam com um nível de realidade que o pode
ser quantificada, ou seja, trabalha com o universo de significados,
motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um
espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não
podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
A complexidade a que nos referimos corresponde na visão de Morin, Ciurana e Motta
(2003, p. 43-45) “à rede de eventos, ações, interações, retroações, determinações, acasos que
constituem nosso mundo fenomênico”, determinando o nosso jeito de agir diante dos fatos.
Complementando essa idéia, Melucci (2001, p. 136) afirma que:
As sociedades complexas são movidas pela necessidade de mobilizar os
recursos individuais para funcionar pequenas redes organizativas,
informativas, decisórias, para uma alta densidade e uma alta diferenciação.
Ao mesmo tempo, a ão individual assume uma dimensão eletiva porque
aos indivíduos é atribuída uma possibilidade crescente de controlar e definir
43
as condições da própria existência. O processo de individuação, isto é, de
atribuição individual de sentido ao agir social, tem uma dupla face: de uma
extensão do controle através do aumento das pressões socializantes sobre o
indivíduo e uma demanda de apropriação do espaço-tempo-sentido de vida
por parte dos indivíduos.
Para compreender tais processos complexos, utilizamos o princípio da dialogicidade
com o intuito de manter um diálogo permanente entre o saber existente na Associação
pesquisada, assim como para construir novos conhecimentos e possibilitar novas falas. Estes
processos devem estar vinculados à existência humana, como afirma Freire (2005, p. 90):
A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem
tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras,
com que os homens e mulheres transformam o mundo. Existir,
humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo
pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos
pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar.
No que se refere ao ato de falar, Larrosa (2001, p. 291) afirma que através da educação
deveremos introduzir os “novos” na linguagem e dar a palavra, fazer falar, deixar falar,
transmitir a língua comum para que nela cada um e cada uma pronuncie sua própria palavra.
Nessa processo de construção de novas falas, de novos/as sujeitos/as, de novos atores
e atrizes sociais estamos construindo outro mundo, no qual o diálogo se impõe como uma via
para consolidar essas novas relações. Reforçando essa idéia, Freire (2005, p. 91) assegura que,
“Se é dizendo a palavra com que, ‘pronunciando’ o mundo, os homens [e as mulheres] o
transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo quais os homens [e as mulheres]
ganham significação enquanto homens e mulheres
11
”.
Então, partindo da idéia de que o diálogo é consubstanciado pela palavra, criando
novas significações com a participação dos/as sujeitos/as do processo, entendemos que a
escolha pelo uso da metodologia qualitativa numa perspectiva dialética permitiu a construção
de novos conhecimentos, novos comportamentos, desfazendo o atual status quo, que permite
a submissão, a baixa auto-estima e o sentido de impotência vivenciado pelas mulheres da
associação pesquisada.
Essa metodologia permitiu a crítica e a autocrítica, de forma que todos/as os/as
envolvidos/as na pesquisa puderam ser partícipes nas tomadas de decisão e na construção
coletiva do conhecimento, vislumbrando o crescimento coletivo. Nesse sentido, o
conhecimento como uma construção que se fez com base em outros conhecimentos, sobre os
11
Acrescentei a palavra “mulheres” nas citações de Freire para alterar a linguagem de gênero, incluindo a
mulher como ser presente e participante.
44
quais se exercitou a crítica, a dúvida e a criatividade, facilitou a verificação do problema
proposto, proporcionando a construção de um diálogo participativo com os/as participantes
nas práticas educativas. Desta forma, Minayo (2002) considera que o fenômeno ou processo
social tem que ser entendido nas suas determinações e transformações dadas pelas/os
sujeitas/os. A autora compreende ainda que:
[...] uma relação intrínseca de oposição e complementaridade entre o mundo
natural e social, entre o pensamento e a base material. Advoga também a
necessidade de se trabalhar com a complexidade, com a especificidade e
com as diferenciações que os problemas e/ou “objetos sociais” apresentam
(
p. 25)
.
Com essa metodologia, foi possível analisar como as práticas educativas
desenvolvidas junto à Associação de Produção “Mulheres Perseverantes” contribuíram para a
construção de um processo de emancipação e empoderamento de suas integrantes, nas
dimensões humana, político-organizativa, de incorporação da economia solidária e construção
de um novo olhar sobre as relações de gênero. Dessa forma, de acordo com Flich (2004, p.
28), “a
pesquisa qualitativa é orientada para a análise de casos concretos em sua
particularidade temporal e local, partindo das expressões e atividades das pessoas em seus
contextos locais”.
Essa análise particularizada a que se refere Flich (2004, p. 30) não pretende ser a
imposição de uma nova cultura, mas a possibilidade de outra relação com o espaço onde se
inserem essas pessoas. Pensando assim, como uma forma de melhor adentrar no espaço
pesquisado, utilizamos a pesquisa-ação como estratégia de aproximação, de vivência e
convivência com a Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”, permitindo com isso a
participação de todos/as os/as envolvidos/as no processo. A pesquisa-ação, para Thiollent
(2007, p.16):
[...] é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e
realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um
problema coletivo e no qual os/as pesquisadores/as e os participantes
representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo
cooperativo ou participativo.
Sendo a pesquisa-ação uma ação pedagógica e política que pressupõe uma mudança,
Barbier (2004, p. 19) afirma que:
45
[...] Ela serve à educação do homem cidadão e da mulher cidadã
preocupado em organizar a existência coletiva da cidade. Ela pertence por
excelência à categoria da formação, quer dizer, a um processo de criação de
formas simbólicas interiorizadas, estimulado pelo sentido do
desenvolvimento do potencial humano.
A mudança a que se propõe a pesquisa-ação pressupõe uma transformação de si, a
partir da consciência da existência do/a outro/a e do mundo a sua volta, permitindo com isso a
construção de outro ser humano, de outro mundo com possibilidades criadoras, autônomas e,
tendo como princípio a liberdade, como registra Freire (2005, p. 103):
Os homens, pelo contrário, ao terem consciência de sua atividade e do
mundo em que estão ao atuarem em função de finalidades que propõem e se
propõem, ao terem o ponto de decisão de sua busca em si e em suas
relações com mundo, e com os outros, ao impregnarem o mundo de sua
presença criadora através da transformação que realizam nele, na medida
em que dele podem separar-se e, separando-se, podem com ele ficar, os
homens, ao contrário do animal, não somente vivem, mas existem, e sua
existência é histórica.
Nesse caso, a ação desenvolvida como estratégia na pesquisa-ação faz-se
imprescindível para marcar a diferenciação de práticas, tornando-se uma construção histórica
porque os atores e atrizes sociais passam a ter consciência de sua própria prática. Para Morin
(2004, p. 57), “a pesquisa-ação designa em geral um método utilizado com vistas a uma ação
estratégica e requer a participação dos atores e atrizes. É identificada como uma nova forma
de criação do saber onde as relações entre teoria e prática e entre pesquisa e ação são
constantes”.
2.1.1 O papel da/o pesquisadora/o
Na pesquisa-ação as/os pesquisadoras/es estudante e atores e atrizes sociais -
desempenham um papel que exige o diálogo e a participação permanente, tendo em vista que
as ações desenvolvidas deverão estar embuídas na prática cotidiana do grupo pesquisado.
Barbier (2004, p. 71) aprofunda essa idéia afirmando que não pesquisa-ação sem
participação coletiva e que é preciso entender o termo “participação” epistemologicamente em
seu mais amplo sentido, ou seja:
[...] nada se pode conhecer do que nos interessa (o mundo afetivo) sem que
sejamos parte integrante, actantes na pesquisa, sem que estejamos
46
verdadeiramente envolvidos pessoalmente pela experiência, na
integralidade de nossa vida emocional, sensorial, imaginativa, racional. É o
reconhecimento de outrem como sujeito de desejo, de estratégias, de
intencionalidade, de possibilidade solidária.
Nesse caso, os/as pesquisadores/as devem organizar a investigação em torno da
concepção, do desenrolar e da avaliação de uma ação. Assim, exige um papel ativo na
resolução dos problemas encontrados, no acompanhamento e avaliação das ações em função
dos problemas. Deve estar imbuído/a de capacidade reflexiva para aceitar as sugestões e
críticas, possibilitando uma interação entre pesquisadores/as e pessoas implicadas na situação
investigada (THIOLLENTE, 2007). Ainda de acordo com Barbier (2004, p.18), o/a
pesquisador/a:
[...] desempenha, então, seu papel profissional numa dialética que articula
constantemente a implicação e o distanciamento, a afetividade e a
racionalidade, o simbólico e o imaginário, a mediação e o desafio, a
autoformação e heteroformação, a ciência e a arte. [...] Ele/a é antes de tudo
um sujeito autônomo e, mais ainda, um autor/a de sua prática e de seu
discurso.
É importante, ainda, destacar como primordial, nessa relação entre os/as
pesquisadores/as, a atitude da escuta, que deve ser uma “escuta sensível”. Esse ato subtende-
se à atenção que devemos dar ao que ouvimos, ou seja, ver o interior do que se ouve. Na
perspectiva de Barbier (2004, p. 94) a escuta sensível:
[...] trata-se de um “escutar/ver”[...] A escuta sensível apóia-se na empatia.
O pesquisador deve saber sentir o universo, o universo afetivo, imaginário e
cognitivo do outro para “compreender do interior” as atitudes e os
comportamentos, o sistema de idéias, de valores, de mbolos e de mitos.
[...] A escuta sensível reconhece a aceitação incondicional do outro. Ela não
julga, não mede, não compara. A escuta sensível afirma a coerência do
pesquisador/a. Este comunica suas emoções, seu imaginário, suas
perguntas, seus sentimentos.
O comportamento exigido do/a pesquisador/a para se realizar a escuta sensível deve
ser de abertura para o novo, uma atitude holística (BARBIER, 2004). Essa atitude possibilita
identificar o “lugar” que cada sujeito criativo ocupa nesse processo de interação social, supõe
uma inversão da atenção para poder escutar a palavra, as falas do cotidiano no espaço
investigado. Supõe que os/as pesquisadores/as se abram para o desconhecido, respeitando a
realidade a ser pesquisada e reforcem sua intuição para lidar sem violência com essas novas
práticas.
47
2.2 A construção e o levantamento de dados
Como técnica de construção e levantamento de dados da pesquisa, utilizamos a
observação participante. Desse modo, o diário de um percurso foi instrumento primordial para
anotação dos fatos, impressões, sentimentos e conversas e falas do cotidiano das mulheres e
homens participantes desta pesquisa. Por outro lado, o grupo focal foi empregado para
aprofundamento de reflexão das vivências e das opiniões das/os mulheres e homens sobre
experiências na família e relação com os/as filhos/as. Empregamos ainda o questionário com
perguntas estruturadas e semi-estruturadas para levantamento de dados sócio-econômico e
percepção da importância e do impacto da Associação na vida das mulheres.
2.2.1 A Observação Participante
Esta etapa possibilitou maior aproximação com o objeto pesquisado, trazendo à tona o
significado do trabalho ali desenvolvido. Como sabemos, a observação participante consiste
no contato direto da/o pesquisadora/o com o fenômeno observado para obter informações
sobre a realidade dos atores e atrizes sociais em seus próprios contextos. De acordo com
Moreira e Caleffe (2006, p. 201), a observação participante:
[...] é uma técnica que possibilita ao pesquisador entrar no mundo social dos
participantes do estudo com o objetivo de observar e tentar descobrir como
é ser um membro desse mundo. São feitas anotações detalhadas em relação
aos eventos testemunhados. [...] A observação participante proporciona a
melhor maneira de obter uma imagem válida da realidade social.
Essa técnica proporciona um contato direto permitindo que a/o pesquisadora/o perceba
a diversidade de elementos passíveis de análise, de investigação e as possibilidades de
intervenções num dado contexto. Minayo (2002, p. 59-60) destaca que “a observação facilita
a captação de uma variedade de situações ou fenômenos, que não são obtidos apenas por meio
de perguntas, uma vez que, observados diretamente na própria realidade, transmitem o que há
de mais imponderável e evasivo na vida real”.
Nesta perspectiva, o diário de um percurso serviu para registrar as observações, a
partir do contato direto com os sujeitos envolvidos na pesquisa, além de possibilitar a
anotação das conversas e falas do cotidiano das mulheres e homens enredados nesse trabalho.
48
2.2.1.1 O Diário de um percurso
O diário foi uma ferramenta que, além de permitir uma visão do todo da pesquisa,
serviu para descrever as ações desenvolvidas cronologicamente, anotar as observações e
análises feitas e registrar as falas do cotidiano das mulheres e homens da Associação de
Produção “Mulheres Perseverantes”, durante o período de realização da pesquisa.
Barbier (2004, p. 133-134) refere-se a esse exercício de diário de itinerância, dizendo
que “serve como instrumento metodológico específico, porque fala da itinerância de um
sujeito (indivíduo, grupo ou comunidade) mais do que de uma trajetória banalizada”. Nele
podemos registrar os sentimentos, pensamentos, desejos, sonhos, não só do grupo pesquisado,
mas também do/a pesquisador/a.
As anotações feitas no diário de campo desta pesquisa foram utilizadas para, de forma
aleatória, condensar as informações; depois organizá-las e reforçar o estudo das categorias de
análise. Para enriquecer a escrita do diário foram utilizadas fotografias, desenhos, além de
textos gravados e escritos pelos/as sujeitos/as, registrando suas falas e conversas cotidianas.
Registramos no diário de um percurso momentos importantes das práticas educativas
das mulheres que gostaríamos de destacar. O primeiro diz respeito à realização das oficinas de
confecção de redes, bijuterias e material de limpeza, realizadas no ano de 2006, nas quais a
maioria das mulheres demonstrava ter vontade de mudar de vida a partir da geração de renda.
O texto de uma integrante da Associação, no estágio inicial, demonstra claramente esse
sentimento:
Eu gostei do curso porque estou apresentando várias peças que eu estou fazendo com minha
própria imaginação e por estar fazendo com minhas próprias mãos, estou muito orgulhosa,
isso pra mim é um orgulho estar com amigos e professores que tem imenso prazer de ensinar
com amor e carinho. Antes de fazer o Curso era muito ruim, porque tinha um tempo pra ser
ocupado, eu estou gastando esse tempo ocupada, estou adorando conviver com todas vocês.
Agradeço muito por estar aqui junta com vocês e fazendo novas amizade, com isso temos
muito o que aproveitar (MP07. Diário de um percurso - 15/07/2006).
O segundo momento, depois de um processo de longas caminhadas, concretizou-se no
dia 20 de outubro de 2007, com a inauguração da Casa das “Mulheres Perseverantes”
simbolizando para elas o início da concretização de um sonho, da consolidação de um projeto
que é bem maior empoderar as mulheres, através da geração de renda, para construir outra
realidade possível para as próprias mulheres, para seus maridos/companheiros, filhos/as e
para a própria comunidade.
49
o terceiro, diz respeito à Assembléia realizada em 23/02/2008 que tratou sobre a
criação da associação e aprovação do seu primeiro estatuto, quando o grupo passou a ser
denominado de “Associação de Produção Mulheres Perseverantes”. Essa nova fase, para as
integrantes do grupo, representa um passo que possibilitará mudança de vida e a realização de
um sonho. Significa, também, o reconhecimento de si, da organização e do trabalho do grupo.
Os sentimentos descritos a seguir expressam o que pensam as mulheres sobre a aprovação do
estatuto e a criação da associação:
[...] Pra mim significa muito coisa. Sabe por quê? Porque nós batalhamos muito. Então
agora, é a primeira coisa que representando o nosso esforço. É isso que tá acontecendo com
a gente. No dia que nós pegarmos o estatuto e dizer, está aprovado, hoje nós somos uma
Associação, nós somos uma Associação de Produção do Parque Eliane, a gente já vai trabalhar
com mais força, com mais garra pra mostrar o trabalho e o que a gente sabe e aprender mais.
Nós estamos querendo aprender mais, estamos precisando, ta entendendo? Então isso nós
vamos sorrir de alegre. Eu sei que não só eu que está gostando. Todas nós estamos gostando e
vamos sorrir maravilhadas porque é um esforço que levantando (MP11. Diário de um
percurso 09/01/2008).
[...] É um passo muito importante na nossa caminhada. Isso prova que nós evoluímos bastante
e que nós estamos mais confiantes no nosso trabalho. Pra mim, é uma forma de se sentir mais
digna, de agente poder ir reivindicar e ser reconhecida em qualquer lugar ou aqui no Estado ou
fora do Brasil, como diz aí no estatuto – internacional. Então, pra nós isso é muito gratificante,
nós daqui do Parque Eliane sendo reconhecida com o nosso trabalho, nosso esforço e que
isso não acabe. É claro que não vai acabar nunca vai se perseverar por quanto existir gerações
e gerações esse grupo vai existir e é isso. Que ele se fortaleça a cada dia (MP04. Diário de um
percurso 09/01/2008).
A aprovação do estatuto pra mim é muito importante porque é mais segurança pro nosso
grupo, é mais compromisso e responsabilidade pra cada membro que nele existe. É uma
maneira de fortalecimento pra nós, pra nós termos cartão aberto pra entrada e saída em
qualquer lugar e também a gente não vai mais se sentir insegura, a gente vai ter mais
confiança no nosso trabalho, a gente vai ter mais responsabilidade nesse grupo pequeno que
está sendo construído aqui. Se nosso estatuto for valer durante dois ou três anos, durante esses
dois ou três anos nós vamos cumprir com as nossos obrigações como membro desse grupo.
Com a mesma responsabilidade que nós tivemos na hora de criar esse grupo e também que nós
tivemos quando tomamos a atitude de registrar o nosso grupo de mulheres perseverantes
(MP10. Diário de um percurso 09/01/2008).
Desse modo, consideramos o diário imprescindível para o levantamento de dados,
informações e, principalmente, para descrição do que se passava por trás do olhar, das falas,
das expressões e das manifestações individuais, às vezes, aguerridas das diversas mulheres e
homens que estiveram presentes nesse caminhar.
Como a pesquisa-ação permite a utilização de diferentes técnicas e valoriza os
sentimentos, os comportamentos, os hábitos que, por sua vez, são expressos através das várias
formas de linguagem, reportamo-nos à importância que as conversas e falas do cotidiano,
50
registradas no diário, textos escritos e gravados, das mulheres da Associação de Produção
“Mulheres Perseverantes” e de seus respectivos maridos tiveram nesse processo de pesquisa.
Entendemos aqui linguagem como o lugar da pluralidade, do espaço da
descontinuidade, do múltiplo e do diferente (LARROSA, 2001). Nesse caso, podemos dizer
que a língua oral tem autores e autoras e que eles/as estão num espaço geográfico e
representam uma cultura e um jeito de viver que não está isolado das experiências de vida da
humanidade. Entretanto, suas falas e conversas estão embuídas pelas mais diferentes formas
de ver o mundo e as pessoas. Nesse trabalho privilegio as vozes de quem sempre foi excluído
do processo de democratização da linguagem, impedindo-as/os de registrarem suas ações e
pensamentos, daí a idéia de produzir um livro com a história da Associação de Produção
“Mulheres Perseverantes”, escrito por elas próprias. A oralidade desse grupo foi o que deu
mais sentido a este trabalho, tanto para percebermos suas idéias, como para desconstruir o
imaginário, que autoriza somente alguns a registrarem sua história os escolarizados, os
acadêmicos, dentre outros. Para Romão e Pacífico (2005, p.130), o conhecimento, os dizeres e
os sentidos:
[...] não são distribuídos de maneira homogênea nas sociedades capitalistas
(a invenção da democracia serviu mais para maquiar o processo de
dominação política e econômica do que para repartir espaços legítimos de
igualdade e de representação política); pelo contrário, o que movimenta a
dinâmica das classes sociais, assimetricamente dispostas, é a tensa luta
pelos espaços de dizer além do jogo político, que destina alguns ao lugar do
silenciamento e dá a poucos largos megafones de expressão.
Entendendo as/os autoras/es como sujeito do discurso, foram desenvolvidas práticas
educativas que permitissem uma reflexão sobre o sentido possível de suas falas, pois, como
assegura Spink e Medrado (2004, p. 41-42), o sentido:
[...] é uma construção social, um empreendimento coletivo, mais
precisamente interativo, por meio do qual as pessoas [...] constroem os
termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e
fenômenos a sua volta. [...] a produção de sentido é uma prática social,
dialógica, que implica a linguagem em uso. [...] é um fenômeno
sociolingüístico uma vez que sustenta as práticas sociais geradoras de
sentido e busca entender tanto as práticas discursivas que atravessam o
cotidiano (narrativas, argumentações e conversas) como os repertórios
utilizados nessas produções discursivas.
As práticas educativas desenvolvidas junto à Associação de Produção “Mulheres
Perseverantes” permitiram-nos perceber as práticas discursivas como linguagem em ação, a
partir das quais os homens e mulheres foram produzindo sentidos, ressignificações e rupturas,
51
posicionando-se em relações sociais cotidianas. Ao comentar sobre esta idéia, Spink e
Medrado (2004, p. 41-42) ressaltam que, “ao produzir um enunciado o/a falante utiliza um
sistema de linguagem e de enunciações preexistente e que, no cotidiano, o sentido decorre do
uso que fazemos dos repertórios interpretativos de que dispomos”.
Nesse sentido, em cada momento de encontro, as falas e conversas do cotidiano foram
sendo estimuladas para que expressassem o que pensam as mulheres e os homens sobre as
relações de gênero na família, na Associação de Produção “Mulheres Perseverantes” e dessas
mulheres e homens na comunidade. O significado dessas falas foi abordado, também, na
elaboração coletiva da história do grupo, narrativa em que, através da construção da linha do
tempo, cada mulher sistematizou sua própria história e da Associação, possibilitando a
identificação de sua participação e de seu pertencimento, inclusive, na comunidade Parque
Eliane. Este reconhecimento supõe uma ação que, na visão de Freire (2005), é uma ação
refletida, se não assim, torna-se uma palavra oca, da qual não se pode esperar a denúncia do
mundo, pois não denúncia verdadeira sem compromisso de transformação, nem este sem
ação.
2.2.3 O grupo focal como experiência de aprofundamento
O grupo focal é uma técnica de pesquisa em que os dados são coletados por meio das
interações grupais que ocorrem entre os sujeitos pesquisados e a/o pesquisadora/o. Nesse
processo de interação, a/o pesquisadora/o irá mediar as discussões a partir de tópicos
específicos e diretivos que levem cada participante a descrever e explicitar sua compreensão e
interpretação sobre os fatos e/ou questões colocados em debate acerca das experiências
vivenciadas pelo grupo (MORGAN apud GONDIM, 2007).
No caso pesquisado, realizamos dois encontros com as mulheres (29/10/2007 e
05/03/2008) e dois com os homens (04/11/2007 e 24/02/2008) com o objetivo de identificar
como são caracterizadas as relações de gênero na família das mulheres e homens, discutindo
sobre a igualdade de gênero de forma a construir um novo olhar sobre as relações de gênero.
As compreensões e interpretações sobre as relações de gênero, vivenciadas pelos sujeitos/as,
foram descritas através de desenhos e, posteriormente, narradas por cada autor e autora de
forma que, ao final, havia se montado um painel com os desenhos produzidos. Nele pudemos
perceber qual a visão que cada pessoa tinha de sua relação familiar, contribuindo para a
identificação da configuração do modo de família vivenciado neste contexto de estudo.
52
Assim, o grupo focal é uma técnica analítica que utiliza bases teóricas provenientes da
lingüística, psicanálise e sociologia para interpretar os conteúdos que aparecem nas opiniões
sociais. A premissa é a de que os pequenos grupos tendem a reproduzir nos jogos de
conversação, o discurso ideológico das relações macrossociais. Eles seriam, pois, uma forma
de desvelar este processo de alienação e torná-lo consciente para os participantes
desencadearem uma ação de mudança.
Desse modo, a experiência de trabalhar com grupo focal foi importante porque nos
permitiu perceber, através das diferentes linguagem, o que pensam homens e mulheres sobre
suas relações. Para Gatti (2005, p. 10) o trabalho com grupo focal:
[...] permite compreender processos de construção da realidade por
determinado grupos sociais, compreender práticas cotidianas, ações e
reações a fatos e eventos, comportamentos e atitudes, constituindo-se uma
técnica importante para o conhecimento das representações, percepções,
linguagens e simbologias prevalentes no trato de uma dada questão por
pessoas que partilham alguns traços comuns, relevantes para o estudo do
problema visado.
Dessa forma, o grupo focal pode facilitar a avaliação do confronto de opiniões, que
se tem maior clareza do que as pessoas isoladamente pensam sobre um tema específico.
Segundo Gondim (2007), a associação dos grupos focais com a observação participante
possibilita que a/o pesquisadora/o compare o conteúdo produzido na Associação com o
cotidiano dos participantes em seu ambiente natural.
Neste sentido, o grupo focal propiciou a criação de um espaço de discussão e
aprofundamento de reflexão coletiva sobre as vivências, as crenças e as opiniões das/os
mulheres e homens participantes desse processo, sobre experiências vivenciadas no grupo, na
família e na relação com os/as filhos/as.
2.2.4 O Questionário
O questionário com perguntas estruturadas e semi-estruturadas foi utilizado, no
decorrer da pesquisa, para realizarmos o levantamento de dados sócio-econômico e, ainda,
para percebermos a importância e o impacto da Associação na vida das mulheres. Assim,
construímos um mapeamento do perfil sócio-econômico das/os participantes da pesquisa-ção.
Dentre os vários tipos de questionário, optamos por trabalhar com um que permitiu
conhecer as atrizes e atores sociais envolvidos, pois, obtivemos dados sobre: escolaridade,
53
identificação étnico/racial, sexo, idade, situação de trabalho, renda, estado civil, data de
nascimento, identificação de onde residiam (zona urbana ou rural), além das contribuições
que o grupo trouxe para a vida e para as relações familiares. Enfim, essa ferramenta
possibilitou o levantamento de informações sobre a realidade concreta vivenciada pelas
mulheres participantes da Associação de Produção “Mulheres Perseverantes” e de seus
filhos/as e maridos/companheiros.
2.3 Espaços de construção da pesquisa-ação
Esta pesquisa foi realizada em dois momentos que consideramos importantíssimos
para o processo da pesquisa-ação. Primeiro aquele realizado durante os anos de 2005 e 2006,
por ocasião da implantação do Projeto “Sujeitos e Saberes na Mediação de Práticas
Sócioeducativas” no Parque Eliane por meio do intercâmbio desenvolvido entre a UFPI e
UNIVR/Itália, resultando no trabalho monográfico denominado “Da invisibilidade ao
Protagonismo: a experiência de empoderamento do grupo de mulheres do Parque Eliane
Teresina/PI” produzido durante o Curso de Especialização “Educação, Políticas Públicas e
Desenvolvimento Sustentável”. O segundo, realizado no mesmo bairro, nos anos de 2007 e
2008 durante o Curso de Mestrado em Educação da UFPI, momento em que demos
continuidade, aprofundando os estudos e análises que resultaram na produção do presente
texto.
2.3.1 O espaço de investigação coletiva
O Parque Eliane é uma comunidade localizada na zona sul de Teresina, possui 500
famílias com uma média de cinco pessoas por casa, numa área que corresponde 72 hectares,
720 lotes. A área foi conquistada através de uma ocupação, porém as famílias não possuem o
título da terra. A ocupação existe há sete anos, no entanto, não possui infra-estrutura básica
que propicie as condições mínimas de habitabilidade às pessoas que ali residem. A
comunidade é formada por famílias que não possuem renda fixa e a maioria tem as mulheres
como chefe da família, que não possuem nenhuma renda. Os homens trabalham como
autônomos na construção civil, desenvolvendo as funções de pedreiros ou serventes de
pedreiros.
54
O Parque Eliane possui várias potencialidades. Apresenta uma área significativa para
plantações, tem água enganada, energia, etc. Além disso, as mulheres envolvidas no processo
organizativo revelam disposição e coragem para vencer obstáculos tais como o analfabetismo,
fenômeno que a comunidade tenta amenizar organizando uma turma de alfabetização para
jovens e para as pessoas adultas. A ausência de políticas públicas que possibilitem às
mulheres outras condições de manterem-se e criarem suas/seus filhas/os é outro grande
obstáculo enfrentado por aquelas mulheres e suas famílias.
No tocante às políticas públicas, várias alternativas foram criadas para que as ações do
poder público chegassem ao Parque Eliane. Através da Associação de Moradores, que é
dirigida por uma mulher, as famílias envolveram-se no processo de construção de casas
populares em regime de mutirão. Na área da geração de renda, grupos foram formados para
desenvolver atividades na produção de bijuterias, confecção de redes, panos de prato e
material de limpeza.
Esta experiência partiu dos princípios da Economia Solidária que se propõe reforçar os
laços de solidariedade, companheirismo, partilha e introduzir a autonomia e a autogestão
como novas práticas nesse campo da geração de renda. Nesse sentido, este projeto foi uma
oportunidade de fortalecer a organização das mulheres, iniciada antes do projeto de
Intercâmbio, visando oferecer oportunidades de qualificação, além de viabilizar a geração de
renda para as componentes da Associação.
2.3.2 O espaço de produção coletiva do conhecimento
A pesquisa-ação é identificada como uma nova forma de criação do saber em que,
nesse exercício, as relações entre teoria e prática e entre pesquisa e ação são constantes. Nessa
perspectiva, tal modalidade de pesquisa permite aos/às sujeitos/as a construção de teorias e
estratégias que emergem do campo e que, em seguida, são validadas, confrontadas,
desafiadas, acarretando mudanças desejáveis para resolver ou questionar uma problemática.
A idéia de trabalhar com uma metodologia alternativa foi essencial porque supera a
fadiga das metodologias tradicionais, mas, sobretudo corresponde à busca persistente de
caminhos novos diante de uma realidade que é sempre nova. Assim, é nessa perspectiva que
trabalhamos com uma ação conscientemente política, no sentido de aliar conhecimento e
mudança.
55
É preciso reconhecer os saberes produzidos em pequenos grupos ou comunidades e,
ao mesmo tempo, confrontar o saber popular com o saber científico, construindo um diálogo
constante através de práticas educativas em que todas/os somos sujeitas/os na produção de
um novo saber.
Nesse sentido, as práticas educativas desenvolvidas durante a primeira etapa desse
processo contribuíram para mudanças significativas na vida organizativa das mulheres da
Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”. Essas ações fazem parte de um processo
educativo que une teoria e prática. Desse modo, o trabalho de pesquisa-ação desenvolvido
com a Associação de mulheres da comunidade Parque Eliane nos revelou que o poder pode
construir/reconstruir relações de gênero igualitárias. Por essa razão, as mulheres, sujeitos
desta pesquisa, são também protagonistas de novas relações sociais, que estabelecem com
os/as outros/as e com elas mesmas e vêm ocupando espaços que as reconhecem como pessoas
capazes e portadoras de iguais direitos entre mulheres e homens.
Teoricamente, a esfera privada ou doméstica, que é socialmente destinada às mulheres
vem sofrendo alterações significativas, desconstruindo o paradigma da impossibilidade de
conciliar trabalho doméstico com trabalho externo. Sem nenhum preconceito ou desprazer, as
mulheres do Parque Eliane colocam como prioridade o cuidar da família. E propõem como
alternativa a organização de grupos de produção na própria comunidade, facilitando o
acompanhamento do trabalho doméstico. Esse pensamento está presente nas falas e conversas
dessas mulheres que serão objeto de análise nos capítulos seguintes.
2.4 As mulheres e os homens participantes da pesquisa
Como dissemos, este trabalho de pesquisa-ação foi desenvolvido com 15 mulheres
da Associação de Produção “Mulheres Perseverantes” e seus respectivos
maridos/companheiros, totalizando 30 participantes. Os dados que apresentamos abaixo é
resultado do preenchimento de um questionário no qual solicitamos às/aos participantes a
identificação da escolaridade, identificação étnico/racial, do sexo, da idade, da situação de
trabalho, renda, estado civil, data de nascimento e residência (zona urbana ou rural). Partindo
desses dados, foi possível conhecer como cada pessoa se ver em relação consigo mesma/o,
com o espaço onde vive e com o outro/a e, assim, podemos relacionar os dados e comparar as
respostas das mulheres com as dos homens, de forma que pudéssemos perceber como se
diferenciam mulheres e homens em suas respostas.
56
Gráfico 01: Onde residem as mulheres
Fonte: Questionário da Pesquisa
Desse modo, das 15 mulheres que participaram dessa pesquisa, a maioria delas (71%)
afirma que reside na zona rural (Gráfico 01), apesar do Parque Eliane está localizado na zona
urbana. Nesse caso, podemos inferir que a falta de infra-estrutura como calçamento, posto de
saúde, casas mal estruturadas, ausência de escolas e de transporte urbanos, contribuem para
que as mulheres pensem dessa forma, além da forte ligação delas com suas origens rurais,
pois, a maioria das pessoas que residem no Parque Eliane, é oriunda de pequenas cidades do
interior do Piauí e do Maranhão, cidades essas com características eminentemente rurais.
Gráfico 02: Nível de escolaridade das mulheres
Fonte: Questionário da Pesquisa
Outro fator que pode estar contribuindo para a afirmação de que moram na zona rural
seja, talvez, o vel de escolaridade, pois, apesar dos índices de escolarização dos brasileiros
57
terem aumentado gradativamente, de maneira contínua na última década, sendo maior o ritmo
de melhora das mulheres, em comparação aos homens, o nível de escolaridade das “Mulheres
Perseverantes” continua baixo. Em 2006, a média de anos de estudo das mulheres, no Brasil,
era de 7 (sete) anos enquanto entre os homens esse valor foi de 6,6 anos. Em relação ao
analfabetismo, a taxa entre os homens com mais de 10 anos de idade foi de 9,9%, no mesmo
ano, enquanto entre as mulheres foi de 9,3%. De 2005 para 2006, a taxa geral de
analfabetismo diminuiu 0,6%, sendo que uma das quedas mais significativas ocorreu entre as
mulheres nordestinas de 25 anos ou mais, com redução de 1,6 ponto percentual (IBGE, 2006).
No entanto, as mulheres da Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”
apresentam um nível baixo de escolaridade (Gráfico 03). Apenas 27% concluíram o ensino
médio, 13% possuem o ensino médio incompleto, 20% são apenas alfabetizadas e 40%,
portanto, a maioria possui apenas o ensino fundamental incompleto. Estes dados nos levam a
constatar que a falta de acesso à informação e aos bens e serviços urbanos, que possam
caracterizar o que é zona urbana e zona rural tem dificultado, junto a essas sujeitas, o
entendimento do lugar onde estão inseridas.
Gráfico 02: Faixa etária das mulheres
Fonte: Questionário da Pesquisa
Gráfico 03: Faixa Etária das mulheres
Fonte: Questionário da Pesquisa
Os dados demonstram, também, que, a maioria das mulheres é jovem, pois, 60% delas
estão entre faixa etária de 20 a 40 anos. Apenas 20% estão na faixa etária que vai de 41 anos a
60 e 7% tem mais de 60 anos de idade.
58
Gráfico 04: Identificação étnico/Racial das mulheres
Fonte: Questionário da Pesquisa
No que se refere à identidade étnico/racial, a maioria (40%) das mulheres afirma ser
negra e 20% branca (Gráfico 04). No entanto, 40% delas dizem ser morena, mulata e/ou parda
ao invés de se assumirem como negra ou branca como a maioria. Isto nos leva a constatar que
é necessária uma conscientização maior da identidade étnico/racial para que elas possam
perceber que a sociedade é constituída de grupos integrados por brancos, negros e índios e
não por grupos de cor.
Gráfico 05: Estado civil das mulheres
Fonte: Questionário da Pesquisa
59
No caso do estado civil (Gráfico 05), 73% das mulheres são casadas oficialmente
12
e
somente 27% vivem em regime de união consensual. Possuem em média 8 (oito) anos de
casadas ou que vivem juntas e a maioria desses casais tem, em média, 3 (três) filhos (Anexo
02). O casal que tem mais anos de casado ou que vive juntos somam 22 anos e o mais jovem
7 anos. A partir destes dados e da convivência com aquelas mulheres, proporcionada pela
pesquisa-ação, foi possível inferir que elas, mesmo aquelas que estão no segundo casamento,
preservam a relação com o marido/companheiro e com as filhas e filhos e sempre que pensam
em mudar de vida e desenvolverem atividades na área da geração de renda, demonstram
preocupação com a inclusão de seus maridos/companheiros nas mesmas atividades ou na
possibilidade de criação de um grupo para os homens.
Gráfico 06: Situação de trabalho das mulheres
Gráfico 07: Renda mensal das mulheres
Fonte: Questionário da Pesquisa Fonte: Questionário da Pesquisa
No que se refere à situação de trabalho (Gráfico 06), apesar de desenvolverem
atividades como artesãs na Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”, a maioria das
mulheres (53%) afirma ser desempregada. Somente 27% dessas mulheres assumem que são
autônomas e desenvolvem atividades como artesãs. Do total de mulheres, 13% diz ser
empregada mesmo não ganhando 1(um) salário nimo (Gráfico 07) e não tendo carteira
assinada, apenas 21% afirmam ganhar este valor como renda mensal.
Esses dados (Gráfico 06) mostram-nos que a maioria das mulheres envolvidas com a
Associação de Produção e que desenvolve atividades de confecção de rede, bijuterias, panos
de prato não considera esta prática como o exercício do trabalho. Elas demonstram com isso
12
São casadas ou só no civil, ou só no religioso, ou nos dois ao mesmo tempo.
60
grande contradição entre o desejo de mudar de vida, o exercício do trabalho autônomo e a
consciência e aceitação do trabalho coletivo como prática que poderá contribuir para a
mudança da sua realidade e de sua família. Constatamos, ainda, que o trabalho “formal” com
carteira assinada, direitos trabalhistas ou mesmo o trabalho doméstico exerce uma grande
influência na opção das mulheres, pois, mesmo sendo exploradas, com baixa remuneração
preferem estar exercendo este tipo de atividade.
Desse grupo, 43% das mulheres ganham menos de um salário mínimo e 36% não têm
renda nenhuma (Gráfico 07), o que demonstra que a Associação de Produção tem um grande
desafio pela frente, preparar as mulheres para produzir, comercializar e fazê-las ultrapassar
esse patamar, atingindo uma renda igual ou superior a 1 (um) salário mínimo. Esse é o desejo
das cooperativas e associações de produção existentes pelo país a fora.
Gráfico 08: Faixa etária dos homens
Fonte: Questionário da Pesquisa
Ao contrário das mulheres, os homens estão numa faixa etária mais avançada. Dos
homens pesquisados, 67% estão entre 30 e 40 anos de idade, 25% entre 41 e 60 anos e apenas
8% estão com mais de 60 anos (Gráfico 08).
61
Gráfico 09: Onde residem os homens
Fonte: Questionário da Pesquisa
No que se refere ao local onde residem, os homens apresentam maior compreensão
sobre o que vem a ser zona rural e zona urbana. 67% deles afirmam residir na zona urbana e
apenas 33% na zona rural (Gráfico 09).
Gráfico 10: Nível de escolaridade dos homens
Fonte: Questionário da Pesquisa
No tocante à escolaridade (Gráfico 10), a maioria (55%) dos homens possui o ensino
fundamental incompleto. Do total de 15 homens, apenas 27% possui o ensino médio
incompleto, sendo 18% aqueles que são somente alfabetizados.
62
Gráfico 11: Identificação étnico/racial dos homens
Fonte: Questionário da Pesquisa
Observamos o gráfico 11, podemos perceber que a maioria dos homens (42%)
identifica-se com o grupo étnico/racial negro, sendo que 25% dizem ser mulatos, 8% mestiço,
17% pardos e apenas 8% brancos. Em relação às mulheres, somando-se negros e brancos, os
homens negros constituem a minoria.
Gráfico 12: Situação de trabalho dos homens Gráfico 13: Renda mensal dos homens
Fonte: Questionário da Pesquisa Fonte: Questionário da Pesquisa
Quando se trata da situação de trabalho, diferentemente das mulheres, os homens não
se declaram desempregados. 33% deles afirmaram ser empregado, ganhando 1(um) salário
mínimo como renda mensal e a maioria (67%) declarou ser autônomo, ganhando
mensalmente uma renda inferior a um salário mínimo.
63
Isto nos leva a constatar que a maior parte dos homens, maridos/companheiros das
“mulheres perseverantes”, vive de biscates, de serviços temporários, com baixa remuneração
e com péssimas condições de trabalho, vivendo do subemprego. Podemos, com isso, inferir
que a situação de baixa qualidade de vida acesso à alimentação, moradia, saúde e trabalho
de qualidade é conseqüência da situação cio-econômica a que estas famílias estão
submetidas, pois, além de possuírem baixo nível de escolaridade, ainda é negado-lhes, tanto
para homens quanto para as mulheres, o direito a um trabalho digno. Essa realidade faz com
que estas famílias submetam-se ao subemprego como única alternativa de sobrevivência,
tornando difícil, mas não impossível, a implantação de novas práticas, tanto econômica
quanto educativas.
2.5 O projeto de intervenção na Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”
O projeto de intervenção “Sujeitos e Saberes na Mediação de Práticas
Socioeducativas: autoativação de comunidades locais” tinha como estratégia a ação social,
dialógica, pedagógica e militante. Assim entendida, a ação passa a ser um princípio
primordial e a ter um caráter de intervenção que, nos estudos de Legendre (1993, p. 756),
significa:
[...] ação de agir conscientemente e voluntariamente dentro de um contexto
preciso com o objetivo de influenciar ou provocar mudanças. [...] visa
melhorar hábitos ou performances, onde existem dificuldades para evitar o
agravamento dessas dificuldades no futuro.
Na pesquisa-ação o processo de feitura do projeto de intervenção deve levar em conta
as demandas apresentadas pelo grupo e pela comunidade. Nesse sentido, a realidade sócio-
econômica é um aspecto importante nessa definição.
2.5.1 O projeto “sujeitos e saberes na mediação sóciaeducativa: autoativação de
comunidades locais”: dimensão intencional
Para entendimento do Projeto apresentamos a seguir sua concepção, explicitando a
metodologia, sua forma de organização, destacando o Centro de Vivência “Infância/Mulher/
Território como lócus de realização desta pesquisa-ação.
64
2.5.1.1 Concepção do projeto
O Projeto “Sujeitos e Saberes na Mediação Sóciaeducativa: Autoativação de
Comunidades Locais” é uma ação resultante de uma Cooperação descentralizada na
perspectiva do desenvolvimento sustentável, gestado pelo diálogo entre atrizes e atores da
Universidade Federal do Piauí (UFPI) e Università Degli Studi Di Verona (UNIVR/Itália).
Mantém e acompanha os Centros de Vivência – “Infância/Mulher/Território”, no Parque
Eliane, zona sul de Teresina e “Juventude/Escola/Território”, no Centro de Educação
Profissional Prefeito José Olímpio Mendes de Melo (PREMEN), zona norte de Teresina. Foi
estabelecido entre as duas universidades, em agosto de 2003, um Acordo de Cooperação
Internacional, no qual prevê a realização de atividades educativas e de profissionalização nos
dois centros, além da missão de intercâmbio entre docentes das duas instituições.
O Projeto, considerado de intercâmbio científico-cultural, tem como objetivo geral
“capacitar atores sociais, mulheres jovens e profissionais das entidades parceiras com o
objetivo de promover práticas associativas de autogestão, autodesenvolvimento e práticas de
produção de saberes, por meio de processos formativo e científico interdisciplinares, para
empoderamento e desenvolvimento sustentável. Como meta específica propõe-se a criar
uma oficina, em Teresina/PI, de experiência e elaboração de saberes teórico-práticos para
possibilitar aos atores e atrizes sociais e profissionais a construção de pesquisa e práticas
sócio-educativas, além de mapeamento, monitoramento e desenvolvimento de projetos e
ações de empoderamento e empreendedorismo social (UFPI; UNIVR, 2003).
As atividades da oficina prevêem o envolvimento, prioritariamente, dos segmentos
geracionais infância, juventude e adultos (mulheres), no âmbito das características culturais,
sociais, econômicas (potencialidades do território), e, ainda, a promoção do trabalho
feminino, com a criação e o desenvolvimento de empresas autogeridas, garantindo uma visão
que não se inspira somente na solidariedade, mas na capacitação dos e entre os sujeitos
(UFPI; UNIVR, 2003). As atividades previstas nas oficinas são desenvolvidas através de
parcerias com organizações governamentais e não-governamentais.
A intervenção, no contexto do Parque Eliane, vem acontecendo por meio da
manutenção de práticas e saberes, somados às experiências significativas realizadas naquela
comunidade. O que se busca é colocar os sujeitos (mulheres, jovens e crianças) em condições
de autosustentação de forma a gerar competências autônomas, podendo ser estas a base de
produção de renda e, ao mesmo tempo, funcionarem como multiplicadores no âmbito do
território (escola, bairro). Nesse sentido, essa ação estabeleceu uma relação dialógica com as
65
pessoas envolvidas, procurando respeitar a cultura do território, como assevera Freire (2005,
p. 99):
Por isto é que não podemos, a não ser ingenuamente, esperar resultados
positivos de um programa, seja educativo num sentido mais técnico ou de
ação política, se, desrespeitando a particular visão do mundo que tenha ou
esteja tendo o povo, se constitui numa espécie de “invasão cultural”, ainda
que feita com a melhor das intenções. Mas “invasão cultural” sempre.
Com esse cuidado, o Projeto “Sujeitos e Saberes” vem sendo desenvolvido
evidenciando conflitos e contradições que favorecem a reflexão sobre a prática e sobre os
saberes construídos naquele contexto.
2.5.1.2 Metodologia do Projeto “Sujeitos e Saberes”
A proposta do Projeto concretiza-se na efetivação de duas oficinas: uma em
Verona/Itália e outra em Teresina/Piauí/Brasil, além de representar o cleo de trabalho e
troca de saberes entre as duas universidades. Assim, é objetivo do projeto analisar, de forma
interdisciplinar, experiências originadas do território, demandadas pelos atores e atrizes
sociais às entidades que se agregam como parceiras do citado projeto, conjugando reflexão
teórica à prática e à produção de saberes, além do trabalho interno da Oficina, realizado
através de atividades de formação pós-universitária Curso de Especialização - e ações
formativas destinadas aos sujeitos envolvidos. A oficina, com duração de 03 anos, está sendo
realizada de forma transversal em todo o projeto e tem o papel de proporcionar a qualificação
dos/as operadores/as das entidades envolvidas (UFPI/UNIVR, 2003).
A opção político-metodológica do trabalho de pesquisa desenvolveu-se através da
pesquisa-ação. Nesta opção, todas as pessoas (estudantes, professores, mulheres, jovens,
crianças e homens) incorporaram-se de forma participativa. Desse modo, destacamos que o:
[...] nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão do mundo, ou tentar
impô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa. Temos de estar
convencidos de que a sua visão do mundo, que se manifesta nas várias
formas de sua ação, reflete a sua situação no mundo, em que se constitui. A
ação educativa e política não pode prescindir do conhecimento crítico dessa
situação, sob pena de se fazer “bancária” ou de pregar no deserto (FREIRE,
2005, p. 100).
66
Dessa forma, as oficinas, como estratégia de envolvimento de todas/os, têm como
função:
a) realização de atividades de estudos de pós-graduação (especialização e mestrado);
b) articulação das iniciativas de qualificação profissional das instituições e dos grupos
parceiros;
c) articulação entre os Centros “Infância/Mulher/Território e “Juventude/Escola/
Território.
E como linhas-guias, de acordo com o projeto, as oficinas previam:
» a criação de um laboratório, uma oficina para identificar, experimentar, elaborar
teoricamente, práticas inovativas de mediação educativa e social capazes de enfrentar
situações críticas e complexas nos vários âmbitos do viver individual e social;
» Garantir a participação de mulheres e homens com diversos papéis e competências
pertencentes às instituições e associações da sociedade;
» Entrelaçar de modo novo necessidades e recursos, necessidades e desejos
recolocando ao centro a inteligência política que vem das relações e da capacidade de mediar,
de criar ligações e conexões entre as partes diversas ou diferentes da sociedade e entre
âmbitos diversos da vida individual;
» Garantir o planejamento participativo criando contextos geradores de sujeitos
(espaços, instituições, bairros) capazes de contribuir a aprender e multiplicar os efeitos do
desenvolvimento local.
2.5.1.3 Centro “Infância/Mulher/Território” no Parque Eliane.
A inserção nesse espaço se deu com o intermédio da Fundação Viver com
Dignidade” que, após contato com a UFPI, abriu um canal de ligação com o Parque Eliane.
Neste Centro, inicialmente, realizamos um diagnóstico junto à comunidade para obtermos
dados acerca da situação sócio-econômica dos/as moradores e, posteriormente, o
levantamento das potencialidades e demandas para, assim, iniciarmos o projeto de
intervenção.
Após estes levantamentos, tomamos como grupo de referência “Mulheres
Perseverantes”, que decidiu pela realização de oficinas de geração de renda. Nesse processo
foram realizadas 03 oficinas (fabricação de bijuterias, redes de brim e material de limpeza)
67
para incentivar a geração de renda, exatamente porque o desemprego é um dos maiores
problemas das periferias urbanas de Teresina.
Desse trabalho inicial nasceu a Associação de Produção “Mulheres Perseverantes” e,
para aperfeiçoar e qualificar o trabalho dessas mulheres, foram realizados cinco outros cursos
(pintura, corte e costura, aperfeiçoamento em rede, comercialização e motivação); para
fortalecer e dar suporte às mulheres que não tinham onde deixar suas filhas e filhos, foi criada
a Casa de “Artes e Culturas; e em parceria com a Arquidiocese de Teresina, a Casa das
Mulheres. Ainda com o incentivo das mulheres, foram organizados 04 encontros com os
homens – maridos das mulheres perseverantes – e realizadas discussões sobre economia
solidária, gênero, violência contra a mulher, gravidez na adolescência, dentre outros assuntos.
As mulheres, nesse processo de articulação com outros movimentos e instituições, já
participaram de várias feiras, dentre elas a IV Feira da Economia Solidária, realizada em
Teresina e a Feira da Rua Climatizada.
13
Elas também possuem o cadastro como artesãs,
podendo utilizá-lo como identificação profissional.
Em conseqüência do conjunto de atividades no Centro Infância/Mulher/Território,
está sendo desenvolvida uma turma de pré-vestibular popular e há a previsão de uma turma de
alfabetização para jovens, mulheres e homens, tanto da Associação de Produção quanto na
comunidade, principalmente, para atender as/os filhas das mulheres perseverantes. Essa
iniciativa é uma parceria entre a Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade
Estadual do Piauí (UESPI) e Secretaria de Estado da Educação e Cultura (SEDUC).
O Parque Eliane tem servido como um espaço de troca de saberes que vão além da
proposta do Projeto “Sujeitos e Saberes”. Esse intercâmbio é fruto e razão do
desenvolvimento vivenciado por aquela comunidade. Nesse processo se envolveram
alunos/as dos cursos da UFPI de Serviço Social, Odontologia, Economia, Mestrado em
Educação e Mestrado em Meio Ambiente e dos Cursos de Pedagogia, Letras, Matemática e
História da Universidade Estadual do Piauí (UESPI).
Todas as práticas realizadas naquela região somente foram possíveis porque teve a
parceria de diversas instituições. Neste caso, destacamos a UFPI, UESPI, Fundação Viver
com Dignidade, Secretaria Estadual de Assistência Social e Cidadania (SASC), SEDUC,
Coordenadoria Estadual para a Inclusão da Pessoa com Deficiência (CEID), Programa de
Desenvolvimento do Artesanato do Piauí (PRODART) e Fórum Estadual de Economia
Solidária, dentre outras.
13
Espaço no centro de Teresina, destinado à comercialização de produtos.
68
Durante o processo de desenvolvimento das práticas educativas foram surgindo
conflitos relacionados às diferentes concepções e metodologias de trabalho com grupos
populares. Esses conflitos emergentes fizeram com que as mulheres tivessem que optar entre
uma proposta e outra. Uma delas se refere ao aparecimento de outra instituição que se
utilizava da organização das “Mulheres Perseverantes” de forma autoritária sem respeitar a
autonomia delas. Elas eram contratadas para fazer acabamento de confecção produzida por
outras pessoas e participavam de eventos, desfilando para pessoas de classe média. Tudo isso
foi percebido, e a partir de momentos de reflexão, o grupo da oficina “Teresina” optou por
fortalecer o grupo “Mulheres Perseverantes” ao verificar o caráter de exploração desses
sujeitos. Nesse sentido, as falas das mulheres expressam essas reflexões sobre a continuidade
do projeto “Sujeitos e Saberes” na comunidade Parque Eliane:
Eu fico muito confusa, porque o [...] não está presente junto com o grupo. É muito diferente.
Vocês se preocupam com as crianças, com a gente. Ele só quer que a gente produza. Vocês se
preocupam com a gente. Não podemos ter duas histórias, não podemos ser o projeto Sujeitos e
Saberes e Dona Filó. Quando você chegou à universidade já estava. No projeto D.Filó a
criação não é nossa, é da [...]. Não deram importância ao grupo Mulheres Perseverantes. Estão
sendo implantados outros espaços para juntar as mulheres e as crianças uma casa é cedida
pelo Seminário Maior, para o funcionamento do grupo de produção, o outro é comprada pelo
projeto onde funciona como a oficina Arte e Cultura para as crianças (MP05. Diário de
Campo - 23/08/2007).
Vocês estão preocupadas com as crianças, com o crescimento do grupo. Penso que devemos
ver sobre a parceria (MP12. Diário de Campo - 23/08/2007).
Pergunto: Qual dos dois projetos tem condições de se tornar empresa? Este grupo tem futuro,
é minha família. [...] O que vocês estão fazendo... Vocês vivem em função de nós. Vocês
não estão dando dinheiro, vocês estão dando oportunidade. Vocês perguntam o que nós
queremos, não trazem nada pronto. O outro projeto traz o material e quer a produção. Vamos
engatinhando até caminhar com nossos próprios pés (MP10. Diário de Campo - 23/08/2007)
Outra dimensão do conflito aflorou quando da definição da instituição que deveria ser
credenciada para firmar convênio com a Caixa Econômica Federal (CEF) visando à
construção do Centro de Vivências do Parque Eliane. Nesse momento, apareceram as duas
Associações de Moradores. Como havia, desde o início da ocupação, vários outros
problemas entre esses grupos, numa reunião em que estavam presentes as duas associações, as
mulheres, os docentes e discentes da UFPI e ainda representante da CEF, ficou decidido que
as mulheres criariam a sua própria instituição. Esta instituição seria responsável pelo
convênio. Foi, então, que as mulheres perceberam que precisariam ser reconhecidas
69
legalmente e começaram o processo de discussão, que culminou com a criação da Associação
de Produção “Mulheres Perseverantes”.
O posicionamento das mulheres frente a essas duas formas de trabalho comunitário
demonstrou o empoderamento delas, pois diante do conflito, optaram pela forma de trabalho
que lhes dava mais liberdade, autonomia; valorizava suas potencialidades e desenvolvia a
criatividade de cada mulher daquela comunidade.
Várias dificuldades ainda se apresentam e precisavam ser superadas, tanto no que se
refere às mulheres e ao trabalho com os homens, quanto na Casa de Artes e Culturas”. Um
dos limites, que consideramos relevante, era a dificuldade das mulheres em fazer avançar o
próprio negócio. As dificuldades eram freqüentes e muitas. O pouco retorno financeiro nas
vendas e na produção fazia com que as mulheres não encarassem esse ofício como um
trabalho, apesar de considerá-lo prazeroso e ainda saber que no futuro teriam um
empreendimento organizado, capaz de propiciar no futuro mais renda para sua família. Outra
dificuldade era manter a continuidade das mulheres na Associação após os processos de
qualificação profissional, pois, algumas se envolviam em outros afazeres e não priorizavam o
trabalho de produção.
No entanto, essa caminhada ainda tem muito que produzir para o crescimento da
Associação, das mulheres e da comunidade Parque Eliane. É imprescindível ainda o
acompanhamento sistemático, qualificação e formação do grupo para a consolidação do
processo inciado com energia e desejo de mudança.
2.5.2 Os passos iniciais do processo educativo
A situação econômica, sobretudo no que se refere ao emprego e à renda, tem sido
frustrante para a maioria da população brasileira. Apesar das iniciativas governamentais, da
implantação de programas como o Fome Zero e o Bolsa Família para minimizar a fome e a
miséria do povo brasileiro, o investimento em projetos de geração de emprego e renda no país
não tem dado conta do grande número de famílias que passam fome e não possuem
expectativas de conseguir um emprego.
Para enfrentar esta realidade vários grupos, cooperativas e organizações estão surgindo
e inovando as alternativas de sobrevivência. Sendo assim, a discussão em torno da Economia
Solidária ganha campo e espaço cada vez mais promissor em nosso meio. Esta experiência
surgiu como uma proposta de produção que tornasse possível a divisão da sociedade em
70
classes iguais e não em uma classe proprietária dominante e uma classe sem propriedade,
subalterna. Segundo Paul Singer (2005, p.19) a “Economia Solidária pautou-se pela prática da
democracia na tomada de decisão, em que todos possuem os mesmos direitos de decisão,
exige uma reeducação para a solidariedade e o companheirismo”.
Esta experiência tem como metodologia, na visão de Kruppa (2005), a vinculação
entre o pensar e o fazer. Para que isto ocorra, é necessário o assumir-se como sujeito,
recuperando a fala e produzindo novos conhecimentos. Assim, dar a palavra às mulheres tem
sido um desafio na atual realidade, pois, a maioria ficou à mercê dos avanços e nem mesmo
teve a oportunidade de estudar e qualificar-se para o mercado de trabalho, tendo sido
obrigadas a viverem desde cedo na dependência dos pais ou maridos.
Para contrapor essa realidade, a Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”
tem demonstrado interesse em reverter esse modo de viver, através da organização e do
desenvolvimento de cursos de aperfeiçoamento e confecção de bijuterias, redes e panos de
prato. Essa produção é, nos dias atuais, uma atividade bastante lucrativa. Desde que a moda
assumiu uma aparência artesanal, esses produtos têm se tornado um acessório indispensável
para as mulheres. A história conta a evolução das civilizações e não esquecemos que,
paralelamente a ela, as técnicas, as formas e os materiais utilizados para confeccionar tais
acessórios também foram mudando. Hoje temos bijuterias, redes e panos de pratos bem mais
trabalhados, elaborados e confeccionados com diversos materiais. Achegar ao que temos
disponível no mercado, devemos muito às influências indígenas e africanas, esta última vinda
para o Brasil com os escravos negros, que utilizavam variados tipos de ornamentos como
forma de dar mais criatividade às suas confecções. Por estar presente ao longo da história, a
bijuteria, a rede e o pano de prato são mais que acessórios, são artefatos que reflete a cultura
do povo.
Essa intervenção nasceu vinculada ao Projeto “Sujeitos e Saberes na Mediação Sóciae
Educativa: Autoativação de Comunidades Locais”, desenvolvido pela Universidade Federal
do Piauí e a Universidade de Verona, na Itália. O projeto foi articulado e planejado em
momentos de encontro com o grupo estratégico, no qual foram definidos, depois de vários
encontros, a realização de oficinas de fabricação de redes de brim, confecção de bijuterias e
produção de material de limpeza. O grupo estratégico das “Mulheres Perseverantes” ficou
com a tarefa de divulgar as oficinas, articulando, junto à comunidade, a participação de
outros/as integrantes.
71
Todo esse processo foi registrado em um cronograma de atividades. O grupo da UFPI,
formado pelas professoras, alunas do Curso de Especialização e mulheres do grupo “Mulheres
Perseverantes”, ficou encarregado da elaboração do projeto. Foi este grupo também que
articulou uma reunião na comunidade com as/os instrutoras/es das oficinas. Esta atividade
teve como objetivo sensibilizar as/os participantes da relevância deste trabalho e identificar as
pessoas que realmente tinham interesse e afinidade com as tarefas, relacionadas a cada
atividade de produção.
Partindo do diagnóstico da comunidade e do contato com o grupo “Mulheres
Perseverantes”, elaboramos um projeto de intervenção para esse território. As mulheres
optaram pela realização das oficinas de produção de material de limpeza, confecção de redes e
panos de pratos e, ainda, a de produção de bijuterias, intitulada “Uma semente, uma
esperança!”. Para que as mulheres conservassem o trabalho de cuidado com as/os filhas/os
que eram uma de suas maiores preocupações foi organizada, paralelamente ao trabalho das
mulheres, uma oficina para as crianças, sob a orientação da Profª. Drª. Maria Lídia Medeiros
de Noronha Pessoa e ministrada pela estudante do Curso de Especialização Luciana Maura
Sales de Sousa
.
Figura 06 Ilustrativa dos passos iniciais desse processo educativo
A equipe coordenadora da pesquisa-ação foi composta, inicialmente, por estudantes do
curso de Pós-graduação Lato Sensu “Educação, Políticas Públicas e Desenvolvimento
Sustentável” da UFPI, as mulheres do “grupo estratégico”, o grupo de jovens da igreja e uma
mulher da comunidade que não estava inserida em nenhum grupo.
GRUPO
“MULHERES
PERSEVERANTES
Oficina de
Bijuteria
Oficina
Confecção de
Rede
Oficina
Material de
Limpeza
O
ficina com
Crianças
72
Nesse primeiro contato tínhamos que reforçar os laços de amizade e de confiança para
que os objetivos da pesquisa-ação fossem atingidos, elementos fundamentais nas relações
interpessoais e que, consoante o pensamento de Freire (2005, p. 94), é essencial para que a
confiança se estabeleça:
A confiança vai fazendo os sujeitos dialógicos cada vez mais companheiros
na pronúncia do mundo. Se falha esta confiança, é que falharam as
condições discutidas anteriormente. [...] A confiança implica no testemunho
que um sujeito aos outros de suas reais e concretas intenções. Não pode
existir, se a palavra, descaracterizada, não coincide com os atos. Dizer uma
coisa e fazer outra, não levando a palavra a sério, não pode ser estímulo à
confiança.
Entretanto, a confiança vai se estabelecendo na medida em que há reconhecimento dos
limites e possibilidades individuais e coletivas que, na visão de Barbier (2004, p. 86), “trata-
se, por excelência, de reconhecer o pleno emprego das forças subjetivas, isto é, estar o mais
possível dentro dos efeitos de emergência e de auto-organização da complexidade do mundo”.
Nesta perspectiva, percorremos estágios (Figura 07) que permitiam a convivência, o
vivenciar e o assumir do projeto político da comunidade de forma que os trabalhos fossem
encaminhados e fortalecidos durante todo o processo.
Figura 07 – Ilustrativa do processo de envolvimento da pesquisadora
Desse modo, começa então a convivência” do grupo de pesquisadoras com as/os
integrantes das oficinas, no sentido de construir relações de familiaridade, ultrapassando o
limite de observadoras. Nesta etapa, aplicamos um questionário
14
sócio-econômico, através de
visitas às residências das mulheres inscritas na oficina de bijuteria. Estas visitas permitiram
14
Questionário feito no período da Especialização somente com as mulheres do grupo de bijuterias.
CONVIVER
VIVENCIAR
PROJETO POLÍTICO
DA COMUNIDADE
73
perceber a dimensão da organização do espaço físico e a relação social e afetiva dessas
famílias.
A dimensão do “vivenciar” teve como espaço a própria realização das oficinas, que
ocorriam nos finais de semana, nos turnos da manhã e tarde. Partindo desse momento,
buscamos um diálogo permanente e informal com essas mulheres, sobretudo no momento do
lanche, para conversarmos sem nenhum método rigoroso e formal, pois, como registramos,
existia certa resistência a perguntas formais, entrevistas com uso do gravador e outros
instrumentos que, para elas, representavam motivo de inibição ao falar.
Em um dos encontros da oficina de bijuteria, buscamos trabalhar uma dinâmica em
que, espontaneamente, as mulheres se manifestassem falando, escrevendo ou cantando o que
estavam sentindo no seu interior e o que mudou desde o momento em que decidiram estar ali,
fazendo parte da oficina. Aquele foi um momento muito rico porque, pelos depoimentos e
testemunhos percebemos o desejo daquelas mulheres em conduzir o seu destino, ou seja,
tornarem-se sujeitas de sua própria história. E o mais importante, propondo alternativas para
essa mudança.
Em outro encontro, através de levantamento escrito em fichas e seleção posterior,
identificamos como principal problema da comunidade, na visão das mulheres, o tema
gravidez na adolescência. No encontro seguinte fomos surpreendidas com o relato de vida de
uma jovem, sua experiência de gravidez indesejada e a realização de aborto. Apareceram aí
idéias conflitantes entre as gerações – mulheres jovens, adultas e idosas.
Neste debate, a preocupação com as outras famílias, com as jovens e com as crianças
ficou muito explícita na fala das mulheres. As jovens demonstraram que têm informação
acerca de métodos para evitar gravidez e as doenças sexualmente transmissíveis, mas
levantaram vários fatores que contribuem para a existência desse problema. Um deles é a
ausência de espaços de lazer para as/os jovens e a falta de um posto de saúde na comunidade.
Na dimensão de identificação ideológica prática, assumimos o projeto político das
mulheres e a idéia do trabalho coletivo como estratégia para a transformação real na
comunidade. Assim, após a realização das primeiras oficinas, realizamos a apresentação e
divulgação dos trabalhos confeccionados pelas/os participantes. Nessa primeira etapa do
Projeto “Sujeitos e Saberes”, foi concretizada a I Feira Arte Eliane. Nela as “oficineiras”
apresentaram suas produções e puderam comercializá-las. Esse momento contribuiu, também,
para a integração, descontração e comemoração pelo que foi realizado, incluindo apresentação
artístico-cultural dos grupos MP3 Movimento pela Paz na Periferia e Afoxá Grupo Afro
74
Cultural. Naquela ocasião ouvimos depoimentos das representantes das oficinas e assistimos a
um desfile, resultado da oficina de bijuterias. Percebemos então o quanto as mulheres estavam
orgulhosas de suas produções. Nas suas expressões faciais e gestuais, ao desfilarem, sentiam-
se empoderadas, criativas e valorizadas.
A experiência do conviver com as mulheres permitiu a busca da familiaridade,
ultrapassando a situação de visitante. Ao vivenciar o cotidiano, atravessamos o estágio da
familiaridade à intimidade, tornando-nos parte aceita do grupo, alcançamos, por fim, a fase
mais importante, através da qual assumimos o projeto político da comunidade.
No que se refere ao aspecto da continuidade, a pesquisa-ação designa em geral um
método utilizado com vistas a uma ação estratégica e requer a participação das atrizes e dos
atores (MORIN, 2004). Pensando assim, nossa investigação foi caracterizada como um
processo vivenciado num círculo em espiral
15
que aconteceu entre quatros momentos que se
entrelaçam: ação social, dialógica, educativa e militante, pressupondo o planejamento, a ação
e a avaliação sistemática, combinados com uma constante coleta de informações, no que diz
respeito ao grupo e ao seu próprio contexto.
2.5.3 Os passos da continuidade do processo educativo
A compreensão de que as relações de gênero o construídas social e culturalmente,
legitimando e perpetuando, na maioria dos casos, a dominação masculina e a invisibilidade
das mulheres no mundo público, sobretudo nas esferas de decisões política, econômica,
administrativa e cultural, emerge como elemento inicial para que se discutam as vivências e
experiências cotidianas.
Nesse sentido, este processo é marcado fortemente pela ampliação dos objetivos da
pesquisa e pelo aprofundamento de questões relativas às relações de gênero. Nesse caso,
incluímos os homens maridos/companheiros das “Mulheres Perseverantes” para que de
certo modo as aprendizagens apresentadas pelas mulheres fossem, também, percebidas pelos
homens e, desse modo, o crescimento ocorresse de forma coletiva. Para Thiollent (2007, p.
12):
Nos projetos cuja metodologia é baseada na pesquisa-ação, a principal
transformação que ocorre no decorrer do processo é a passagem da
constatação de fatos observáveis na situação para uma ação transformadora
15
Termo utilizado em Morim (2004).
75
apropriada. [...] Em matéria de pesquisa e aprendizagem, os resultados,
interpretáveis no referencial cultural compartilhado, devem fazer sentido na
prática dos grupos implicados.
O trabalho, realizado durante a pesquisa do mestrado, foi desenvolvido em momentos
que se articularam entre si e que, na tentativa de uma maior compreensão, foi dividido
didaticamente em três etapas. Assim, estivemos presente freqüentemente na realização das
atividades do Projeto de Intercâmbio desenvolvidas no Parque Eliane, como também
proporcionamos outros momentos de discussão e estudos junto à Associação de Produção
“Mulheres Perseverantes” e aos maridos/, companheiros dessas mulheres. Além disso,
procuramos estar presente em festas, atividades religiosas, visitas familiares, buscando a
dimensão da organização do espaço físico e da relação social e afetiva dessas famílias.
1ª etapa:
Esta etapa objetivou aprofundar os vínculos e observar as relações de gênero entre as
mulheres e seus companheiros, filhos/as e vizinhos/as, através da retomada dos contatos,
visitas familiares, elaboração do perfil das/os participantes, além da participação nas reuniões
da Associação.
2ª etapa:
Nesta segunda etapa desenvolvemos a observação participante para identificar
mudanças nas relações entre as mulheres e delas com seus maridos/companheiros e filhos/as,
no âmbito humano, da economia solidária, da organização política e da construção de um
novo olhar sobre as relações de gênero.
A discussão sobre estas temáticas apresentou-se como uma possibilidade para que
homens e mulheres, vinculados à Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”, através
de múltiplas atividades (palestras, debates, oficinas, exibição de vídeos, etc.), passassem a
elaborar uma nova compreensão de como se dão as relações entre homens e mulheres,
deles/as com seus filhos/as e, ainda, de como estas relações são cultural e socialmente
instituídas. Tais ações viabilizaram o despertar de novas formas de relacionamento na
comunidade Parque Eliane e de diferentes formas de entender a economia.
As atividades desenvolvidas caminharam na direção de estabelecer discussões que
causavam impacto na vida dessas mulheres, homens e crianças que estavam e estão engajados
no Projeto “Sujeitos e Saberes na Mediação Social e Educativa: Autoativação de
Comunidades Locais”.
76
Destacamos como prioridade a possibilidade de empoderamento das mulheres, para
que elas possam melhorar a auto-estima, gerar renda e, conseqüentemente, colaborar para a
melhoria das condições de vida na comunidade, aperfeiçoando significativamente suas
relações sociais.
Portanto, trabalhar com a perspectiva de gênero, da economia solidária e da
organização em grupos, no sentido de uma ação político-educativa transformadora, é trabalhar
com a consciência de que as mulheres são portadoras de um reduzido poder na sociedade e de
que esta realidade se constitui em elemento de injustiça social. Por esta razão, as atividades
político-educativas desenvolvidas junto à Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”
do Parque Eliane têm como principal preocupação instigar o envolvimento das mulheres, dos
homens e das crianças com as atividades desenvolvidas para que as mudanças ocorridas sejam
transformadoras da realidade social e cultural e propulsoras de relações de poder/saber
pautadas no companheirismo, na solidariedade, na justiça, substanciando a construção de
novas relações de gênero.
Com base nesta compreensão, priorizamos o trabalho cooperativo, o
comprometimento e a solidariedade entre as atrizes e os atores da pesquisa. Nossa meta era
identificar problemas e encontrar soluções, ou meios de desafiá-los, tomando como ponto de
partida as falas e conversas de homens e mulheres, acerca das relações de gênero vivenciadas
e experienciadas em família, junto à Associação e na própria comunidade, que vêm apontando
os temas e as reflexões apresentadas neste trabalho.
Um exemplo da articulação entre as ações desenvolvidas e a reflexão da realidade
específica da Associação das “Mulheres Perseverantes” foi a realizada na oficina sobre “A
Construção da História da Associação”. Nela as mulheres puderam sistematizar sua própria
história, possibilitando a identificação de sua participação e de seu pertencimento à
comunidade Parque Eliane. O relato da história foi iniciado a partir do ano de ocupação da
área, onde hoje é localizado o Parque Eliane. Esta oficina foi subsidiada pelo seguinte roteiro:
1º Momento:
- Dinâmica de relaxamento – o “Jardim” - neste momento as mulheres, com os olhos fechados
foram conduzidas por uma gravação a fazerem uma viagem para dentro de si, resgatando os
fatos marcantes de sua participação no grupo
- Descrição de um fato ou fatos marcantes de sua participação no grupo;
- Apresentação e discussão da proposta da oficina.
77
2º Momento:
- Construção coletiva da Linha do Tempo, resgatando a origem da comunidade, do grupo e
das práticas educativas desenvolvidas no contexto do grupo;
3º Momento:
- A partir da técnica de registro “Linha do Tempo”, elas deveriam descrever, individualmente,
cada prática educativa/ação desenvolvida no contexto do grupo;
4º Momento:
- Entrega dos textos escritos, discussão e ilustração de cada texto pelas mulheres.
5º Momento:
- Lançamento da publicação.
3ª etapa
Esta etapa tinha como intuito a proposição de atividades na área de saúde da mulher,
violência contra a mulher, gravidez na adolescência, cooperativismo, economia solidária, etc.
Para debater as questões relativas a essas temáticas, foram desenvolvidas discussões acerca da
importância da participação de homens e mulheres na elaboração e execução de políticas
públicas, no combate à violência contra as mulheres e na incorporação de outros conceitos
como economia solidária, cooperativismo, dentre outros. Tais discussões foram desenvolvidas
a partir da realização de palestras, cursos, seminários, debates, exibição de vídeos, oficinas
temáticas e outros.
A definição dos temas trabalhados partiu da necessidade da comunidade e tomou por
base as discussões que foram realizadas ao longo das atividades, bem como a partir dos
conteúdos significados e discutidos conjuntamente, buscando construir espaços alternativos
para:
discutir e aprofundar os problemas enfrentados na Associação de Produção;
propor a construção de estratégias para a superação dessas dificuldades sejam
elas de ordem pessoal ou coletiva;
exercitar novas práticas educacionais e sócio-culturais que contribuam para a (re)
elaboração de novas relações de gênero.
Nestas discussões enfatiza-se a importância do respeito às especificidades das
mulheres, da convivência com a diversidade e as múltiplas subjetividades, valorizando as
experiências e saberes das/os participantes para que estas/estes se sintam encorajadas/os a
expressá-los, confirmá-los, questioná-los, desafiá-los, reelaborá-los e/ou superá-los.
78
Estas etapas foram complementadas pela realização de grupos focais com a
Associação de Produção “Mulheres Perseverantes” e com o grupo de homens
(maridos/companheiros das “Mulheres Perseverantes). O quadro, a seguir, apresenta
sinteticamente como vem se dando o processo de empoderamento das mulheres do grupo
“Mulheres Perseverantes”.
Figura 08 – Ilustrativa dos passos da continuidade do processo educativo
Toda trajetória dessa Associação de mulheres foi marcado pelo desejo de mudar de
vida, conseguir uma renda e continuar cuidando de seus/suas filhos/as. Nessa perspectiva, o
projeto teve início com a realização das oficinas de confecção de redes, bijuterias, material de
Grupo “Mulheres Perseverantes”
Cursos de
Aperfeiço
amento
Oficina
com
Crianças
Oficina
Construção
da história
do grupo
Oficina
com
Homens
Oficina
Relações
de Gênero
Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”
Casa
Mulheres
Persevera
ntes
Casa
Artes e
Culturas
Grupo “Mulheres Perseverantes”
Oficina
confecçã
o de
redes
Oficina
de
bijuteria
Oficina
Material
de
limpeza
Oficina
com
crianças
Parque Eliane
Feira de
Economia
Solidária
Caminhada
contra a
violência à
mulher
79
limpeza e, considerando a necessidade das mulheres de ter alguém para ajudar no cuidado
dos/as filhos/as, foi construída a oficina com as crianças. Isto se deu inicialmente no único
espaço que a comunidade possuía para reuniões – a igreja católica.
Mesmo com algumas dificuldades, a Associação de Produção “Mulheres
Perseverantes” continuou se reunindo com aquelas que gostariam de gerar algum tipo de
renda. Foi definido, nesse percurso, que seriam realizados cursos de aperfeiçoamento em
fabricação de redes de brim. Simultaneamente, as mulheres participariam de oficina sobre
gênero, de construção da história do grupo, da feira de economia solidária e de caminhada
contra a violência às mulheres, organizada por vários movimentos sociais de mulheres e de
defesa dos direitos humanos.
Este momento foi importante porque possibilitou às mulheres, às crianças e aos
homens presentes a consciência de que existem outras pessoas lutando contra a violência e
que, somado à luta dos movimentos sociais, eles precisam se articular para juntos/as lutarem
contra a discriminação às mulheres e todos os tipos de violência.
Esta consciência de que precisam crescer e mudar de vida em comunhão com seus
maridos/companheiros, fez com que as “mulheres perseverantes” se motivassem para
participar das atividades propostas pelo projeto e planejadas conjuntamente. Isto fortaleceu a
integração entre elas, além de ter possibilitado a definição de ações a serem desenvolvidas
conjuntamente na melhoria da relação homens/esposas/companheiras/filhos/filhas.
O projeto tinha como estratégia realizar ações através de parcerias. Nesse sentido, para
construção do Centro de Vivência, destinado a toda a comunidade, foi elaborado um projeto
arquitetônico com a Caixa Econômica Federal do Piauí. Levando em conta que o Grupo
“Mulheres Perseverantes” não possuía personalidade jurídica para assinar o convênio
necessário para efetivar a construção do citado centro, as mulheres não pensaram muito e, por
unanimidade, decidiram pela criação da Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”.
Neste momento contaram com a consultoria de Paulo Bandeira, egresso do Curso de
Especialização “Educação, Políticas Públicas e Desenvolvimento Sustentável” e de Ana Lúcia
Gonçalves Sousa, Advogada/Assessora Técnica da ADH (Agência de Desenvolvimento
Habitacional). Em suas manifestações, as mulheres dizem que já têm conhecimentos que lhes
credenciam a ser uma entidade reconhecida legalmente, revelando tal fato um elemento
importante, que marca mais uma condição de empoderamento. Assim, vincularam-se à
Associação de Produção Mulheres Perseverantes a Casa “Mulheres Perseverantes” e a Casa
de “Arte e Cultura”.
80
2.6 Análise de conteúdo e a sistematização dos dados
Este procedimento metodológico visou sistematizar as informações e publicizar os
resultados da pesquisa, possibilitando uma reflexão das atividades do Projeto de Intercâmbio
Brasil/Itália “Sujeitos e Saberes na mediação de práticas sócioeducativas”, desenvolvido no
Parque Eliane e, ainda, um retorno imediato junto às mulheres participantes dessa pesquisa-
ação. Para que isto ocorresse, todos os passos foram discutidos e apresentados às mulheres da
Associação de Produção. A sistematização significa, para Holliday (1995, p. 28-29):
[...] interpretação crítica de uma ou várias experiências que, a partir de seu
ordenamento e reconstrução, descobre ou explicita a lógica do processo
vivido, os fatores que intervieram no dito processo, como se relacionaram
entre si e porque o fizeram desse modo.
Nesse sentido, não fugimos a formalizações porque são passos normais do tratamento
científico como, por exemplo, a elaboração de relatórios e gravações, anotação no diário,
fichas que sistematizavam as falas, mas, sobretudo, porque imprime o caráter dos
depoimentos das/os participantes, aquilo que têm de compromisso político, obtendo-se um
dado dialogal. Desse modo, os conteúdos registrados são implicações históricas, concretas de
vida de pessoas, de compromissos ideológicos em jogo, de lutas que envolvem o dia-a-dia, os
fins que perseguem, os resultados obtidos e assim por diante. O que mais procuramos foi
explorar vivências, que aparecem mais nas conversas, nas brincadeiras, nas piadas, nas
reflexões coletivas; que surgiam no depoimento espontâneo, fato que diferencia teoria e
prática, de tal sorte que aquilo que se disse foi aquilo que se fez.
Assim, como processo de sistematização da pesquisa-ação construímos de forma
coletiva, primeiro a história da Associação, destacando a origem da comunidade, suas
principais lutas e necessidades, sua articulação com as diferentes redes sociais para conseguir
sua organicidade. Este procedimento resultou no livro: Histórias da Associação de Produção
“Mulheres Perseverantes”, escrito e ilustrado pelas próprias mulheres. Segundo,
consideramos o Diário de um Percurso” como um instrumento importante para
compreendermos as partes e o todo desse processo de aprendizagem. Terceiro, esta
Dissertação, produto de todo uma ação social, dialógica, educativa e militante, escrita
individualmente como exigência acadêmica, mas produção coletiva na sua construção.
No entanto, para fazermos a sistematização dos dados no terceiro e quarto capítulo
desse trabalho dissertativo, utilizamos a técnica da análise de conteúdo proposta por Bardin
81
(1977), para analisarmos os dados do diário de um percurso e do grupo focal. Esta mesma
autora define a análise de conteúdo como “como um conjunto de técnicas de análises das
comunicações e de mensagens lingüísticas”.
Nessa perspectiva, seguimos os caminhos: 1) organização dos dados de forma a fazer a
unitarização; 2) ordenamento através da categorização, quantificando de acordo com o
número de vezes que apareciam os conteúdos; 3) organização do texto com a descrição,
inferências e as interpretações, de modo que,
[...] pela descoberta de conteúdos e de estruturas que confirmam (ou
infirmam) o que se procura demonstrar a propósito das mensagens, ou pelo
esclarecimento de elementos de significações susceptíveis de conduzir a
uma descrição de mecanismos de que a priori não tínhamos a compreensão.
(BARDIN, 1977, p. 49).
Assim, após organizar os dados coletados e proceder à leitura, delineamos um
mapeamento categorial elecando as principais categorias e subcategorias para, no terceiro
capítulo, identificar mudanças de comportamentos e atitudes (individuais e coletivas) das
mulheres, no que tange às práticas produtivas, político-organizativas e de economia solidária,
caracterizando a qualidade da participação das mulheres na Associação. Por fim, no quarto
capítulo, buscamos definir a configuração das relações de gênero (mulheres e homens) no
espaço da Associação de Produção “Mulheres Perseverantes” e destas/es com os seus/suas
maridos/mulheres, filhos/filhas, conforme figura abaixo.
Figura 09 – Organização das categorias e sub-categorias.
As aprendizagens na dimensão do empoderamento das “Mulheres Perseverantes”
O que
aprendeu
Responsabilidades
aprendidas
Tipo de atividade
aprendida
Aprendizagens
relacionadas à
atuação político-
organizativa e a
noção coletiva
Para além da
Associação
Aprendizagens
relacionadas à
atividade
profissional
Importância
da
participação
Aprendizagens
transformadas
em confiança
Em si
mesma
Nas outras
mulheres
Na Associação
82
Figura 10 – Organização das categorias e sub-categorias.
Desse modo, considerando as cinco categorias acima, desenvolvemos as análises de
modo que, ao final conseguíssemos atender aos objetivos propostos inicialmente. Vale
ressaltar que, pela própria dinâmica da metodologia da pesquisa-ação, os dados foram
incorporados e entrelaçados nos restantes dos capítulos.
Configuração das relações de gênero na família das “Mulheres Perseverantes”
Com o marido
Com os/as filhos/as
Formas de
relacionamentos
das mulheres
Formas de
relacionamento
dos homens
Com a
mulher
Com as/os
filhas/os
83
CAPÍTULO III
AS APRENDIZAGENS NA DIMENSÃO DO EMPODERAMENTO DAS
“MULHERES PERSEVERANTES”
Ninguém educa ninguém,
Ninguém educa a si mesmo,
Os homens e as mulheres
se educam entre si,
mediatizados pelo mundo
Paulo Freire
Neste capítulo, refletimos a cerca das concepções sobre a pedagogia feminista e a
educação popular como alternativa para a construção de processos educacionais nos quais
mulheres e homens se (re)fazem .
Apresentamos, também, as aprendizagens proporcionadas às mulheres da Associação
de Produção “Mulheres Perseverantes”, nas dimensões humana, político-organizativa e de
incorporação da economia solidária, que demonstram o empoderamento que os processos
educativos transformadores são capazes de efetivar.
3.1 Práticas educativas não-sexistas como instrumento de empoderamento
Os processos educativos aos quais nos submetemos, historicamente, são caracterizados
por uma educação sexista, que privilegia os homens e reforça a sociedade patriarcal. No
entanto, abordaremos aqui práticas que propõem uma Pedagogia Feminista, pedagogia essa
voltada para o empoderamento e emancipação das mulheres, desconstruindo paradigmas que
tornam as mulheres submissas, inviabilizando suas práticas (LOURO, 1997).
A Pedagogia Feminista parte do pressuposto de que vivemos numa sociedade marcada
por desigualdades nas relações entre mulheres e homens. Nesse caso, o controle masculino
sobre as mulheres é definido por relações de gênero desiguais, sendo, portanto, relações de
poder, podendo na maioria das vezes subordinar e invisibilizar as mulheres e suas práticas.
As relações de gênero produzidas por este modelo patriarcal que gera desigualdades
encontram suporte na discussão de classe social, surgida com o capitalismo. No entanto, uma
série de transformações nas relações de gênero é introduzida pela emergência das classes,
fomentada pelas mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais. Além disso, o
aparecimento de paradigmas, que questionam o patriarcado como categoria que situa as
84
mulheres muito abaixo dos homens em todas as áreas da convivência humana e a
racionalidade como conceito universal, introduzindo o estudo sobre a subjetividade e a
construção do psiquismo humano, como aspectos que definem a atuação de homens e
mulheres em sociedade, têm proporcionado novos estudos e discussões em torno desta
temática (SAFFIOTI, 2004).
Esse paradigma, resultado de uma sociedade complexa e composta de relações
dialéticas, encontra suporte nos estudos de Louro (1997, p. 112-113) que em sua análise
afirma:
[...] a lógica subjacente a esta proposta se assenta em alguns dualismos
“clássicos”: competição/cooperação; objetividade/subjetividade; ensino/
aprendizagem; hierarquia/igualdade dualismo em que o primeiro termo
representa o modelo androcêntrico de educação e o segundo termo aponta
para a concepção feminista.
O modelo feminista de educação propõe um conjunto de estratégias e procedimentos
que rompe com a lógica de que o saber encontra-se apenas naquele que é fonte de autoridade
e transmissores únicos de conhecimento. Propõe a valorização das várias vozes, sendo o
diálogo sua dinâmica problematizadora, no qual todas e todos são igualmente falantes e
ouvintes, capazes de expressar diferentes saberes. As situações de aprendizagens são
momentos privilegiados nos quais todos/as são levados a construírem conhecimentos de
forma cooperativa (LOURO, 1997). Nesta perspectiva, essas atrizes e atores sociais passam a
acreditar em seus saberes, dando sentido às suas falas e aos seus desejos.
A Pedagogia Feminista pretende ser emancipatória porque possibilita a
conscientização, a libertação e a transformação das/os sujeitas/os e de sua realidade. Essa
proposta encontra suporte em Freire (2005, p. 78), quando afirma que:
[...] a educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de
depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir “conhecimentos” e
valores [...] mas um ato cognoscente. Como situação gnosiológica, em que
o objeto cognoscível, em lugar de ser o término do ato cognoscente de um
sujeito, é o mediatizador de sujeitos cognoscentes, [...] a educação
problematizadora coloca, desde logo, a exigência da superação da
contradição educador-educandos. Sem esta, não é possível a relação
dialógica, indispensável à cognoscibilidade dos sujeitos cognoscentes, em
torno do mesmo objeto cognoscível.
Além de libertadora, transformadora e dialógica, essas práticas educativas devem dar
poder às mulheres de forma a permitir, tanto às práticas como às relações interpessoais, a
85
utilização de estratégias de “superação” do estado de submissão e de ausência do exercício do
poder entre elas. Dessa forma, Louro (1997, p. 119) reforça essa idéia afirmando que:
[...] as relações sociais são sempre relações de poder e que o poder se exerce
mais na forma de rede do que em um movimento indirecional, então não
será possível compreender as práticas como isentas desses processos. A
construção de uma prática educativa-não sexista necessariamente terá de se
fazer a partir de dentro desses jogos de poder.
Nesse caso, o espaço onde vivem as “Mulheres Perseverantes” e suas práticas
coletivas, torna-se o espaço político da prática do poder. Assim, as transformações produzidas
partem das práticas cotidianas e das vivências dessas mulheres, possibilitando, a elas mesmas,
um exercício de autocrítica.
Com essa perspectiva, faz-se necessário e importante analisar como as práticas
educativas em desenvolvimento no Parque Eliane - Teresina vêm contribuindo para o
exercício da cidadania e para as mudanças nas relações entre os homens e as mulheres. Desta
forma, a compreensão destas práticas revelou aquelas atividades como espaço educativo de
formação e elevação da auto-estima das mulheres daquela comunidade, incluindo-as nas
experiências de geração de renda, bem como, permitindo o questionamento do atual modelo
de gestão e produção das relações explícitas em suas práticas.
Reafirmando o pensamento de que essas práticas educativas são espaços de
aprendizagens e nelas se relacionam teoria e prática, Veiga (1992, p.11) corrobora afirmando
que:
[...] a prática pedagógica é uma dimensão da prática social, que pressupõe a
relação teoria-prática. A prática pedagógica é, então, atividade teórico-
prática, na qual está subjacente um lado ideal, teórico, idealizado, enquanto,
formula anseios onde está presente a subjetividade humana, e um lado real,
material, prático, objetivo. O lado teórico é representado por um conjunto
de idéias constituído pelas teorias pedagógicas. O lado objetivo da prática
pedagógica é constituído pelo conjunto de meios, o modo pelo qual as
teorias pedagógicas são colocadas em ação.
Assim, consideramos como parte integrante dessas práticas, junto às “Mulheres
Perseverantes”, o processo organizativo, a ação sistemática, a formação e capacitação para a
geração de renda, a produção e comercialização dos bens produzidos coletivamente. Estes
aspectos empoderam essas mulheres, tanto no que se refere à condição econômica quanto à
posição frente aos homens.
86
Nessa perspectiva, a Educação Popular (EP) traz uma enorme contribuição para a
consolidação do processo de empoderamento e emancipação dessas mulheres, haja vista que
se torna um espaço de aprendizagem, constituindo-se num referencial metodológico, um
modo de ser, que veio orientar os trabalhos das organizações populares, ajudando desde a
construção da estratégia geral que define o tipo de intervenção, até a instrumentalização
didático-pedagógica necessária para boa comunicação entre as/os educadoras/es e as/os
agentes sociais/populares.
A Educação Popular, de acordo com Freire e Nogueira (1999, p. 19-20), é o “esforço
de mobilização, organização popular do saber e o exercício do poder. É, ainda, capacitação
científica e técnica das classes populares e tem como ponto de partida a prática política, o
conhecimento do mundo feito através do mundo”.
Assim, a EP tem contribuído na mudança da histórica sócio-político e cultural do
Brasil. As mudanças conseguidas até hoje, como aprovação de leis no congresso, nas câmaras
e assembléias, que beneficiam as minorias, são frutos dos anseios da sociedade; as denúncias
contra corrupção; a organização da sociedade civil em diversos movimentos; a luta por
questões específicas, como a luta das mulheres, crianças e adolescentes, idosos; as discussões
acerca da livre orientação sexual, da preservação do meio ambiente, tudo isso é resultado de
anos de dedicação de militantes, ONG`s e, principalmente, dos movimentos sociais populares.
Neste cenário, muda-se o jeito de viver, a linguagem, os comportamentos, os valores e,
conseqüentemente, a sociedade.
Alguns estudiosos afirmam ter sido no início do século XX o surgimento da Educação
Popular. Segundo Costa (2000, p. 06), a primeira experiência autônoma de educação popular
no Brasil, aconteceu no contexto da industrialização com a chegada de italianos que, para
manter acesos seus valores e garantir a educação dos seus filhos e filhas, criaram escolas e
centros de culturas que cumpriam, também, o papel de propagação de suas idéias de
organização junto aos trabalhadores/as.
Nas décadas de 1960 e 1970 surgem outras importantes experiências de Educação
Popular, voltadas para a alfabetização
16
de pessoas jovens e adultas, pois o analfabetismo
sempre foi um dos maiores entraves para a participação social. Nesta experiência destaca-se o
educador Paulo Freire, que propunha, através da alfabetização, um processo de construção de
16
Alfabetização entendida como o processo de aquisição da leitura e da escrita e como o despertar para
participação crítica da realidade própria dos educandos(as), a fim de transformá-la.
87
um homem novo e de uma mulher nova, capazes de construírem suas próprias histórias, como
participantes da história de seu país.
A Igreja progressista, inspirada na Teologia da Libertação, incorporava o desafio do
exercício da Educação Popular, utilizando o método Ver-Julgar-Agir. Com essa concepção,
surgem no Piauí, na década de 1960, organismos de repercussão social e educacional de
pensamento progressista, como: Ação social Arquidiocesana, Movimento de Educação de
Base (MEB), além de organizações juvenis para leigos, com destaque para a Juventude
Agrária Católica (JAC), Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Independente
Católica (JIC), Juventude Operária Católica (JOC) e Juventude Universitária Católica (JUC).
Na segunda metade dos anos 1970, conforme Santos e Brito (2001, p. 33), chegaram
ao Brasil missionários italianos que, após a ditadura militar, retomam os trabalhos de
Educação Popular junto às CEB’S (Comunidades Eclesiais de Base), estimulando a
organização das lutas sociais a partir dos bairros de maior concentração de empobrecidos.
Neste período são gestadas novas práticas educativas no interior das organizações populares,
a exemplo dos atos públicos, seminários, encontros, debates, cursos de formação, dentre
outras.
Na década de 1980, com o processo de abertura política brasileira, surgem os
movimentos sociais populares que trazem para suas agendas novas temáticas como: saúde,
gênero, ecologia, raça/etnia, cultura, etc. Suas lutas e ações apresentam aspectos que vão além
da relação capital-trabalho. Incorporam a possibilidade de alteração das relações entre homens
e mulheres e deles(as) com a sociedade e com o meio ambiente. Esta incorporação provocou
mudanças significativas entre as pessoas, entre as instituições públicas, exigindo novas
posturas e comportamentos. Para Gohn (1994, p. 48) “trata-se do resgate da dignidade do ser
humano, perdida sob as condições indignas de sobrevivência no meio urbano do capitalismo
selvagem brasileiro”.
A partir de algumas lideranças destes movimentos de educadores/as ou assessores/as
que desenvolviam tarefas de animação ou educação junto às lutas populares, estruturam-se, no
Piauí, entidades de Educação Popular, hoje, conhecidas como organizações não
governamentais (ONG’s). Dentre elas podemos citar: o Centro Piauiense de Ação Cultural
CEPAC (Teresina); o Centro de Assessoria ao Movimento Popular de Parnaíba CAMP
(Parnaíba); o Centro de Educação Popular Esperantinense CEPES (Esperantina); o Centro
de Educação Popular de Valença CEPAVA, a Escola de Formação Paulo de Tarso EFPT
(Teresina).
88
A EP, na década de 1990, busca novas formas de se desenvolver, acompanhar e
contribuir com os movimentos sociais populares para o enfrentamento dos desafios apontados
pela atual realidade. Assim, no final dos anos de 1990 e início do século XXI tem início a
inclusão, no contexto da Educação Popular, de temáticas como: cidadania, políticas públicas,
participação popular, conselhos de gestão, orçamentos participativos, desenvolvimento local
sustentável, provocando alterações na relação com o Estado e com a sociedade, exigindo
maior qualificação técnica e política de seus militantes e adeptos, para propor alternativas à
sociedade, bem como, a construção de um projeto popular e democrático a partir do contexto
local. Para Costa (2000, p. 08), tal mudança, “exige um conhecimento acerca do programa,
projeto ou política pública em execução para que não ocorra uma desqualificação no poder de
barganha, despertada pela Educação Popular nos anos anteriores”.
Verificamos, portanto, mudanças de paradigma na EP. Nos primeiros anos, os
objetivos estavam, predominantemente, centrados no contexto geral, na política, na estrutura
da sociedade. Hoje, voltam-se, sem esquecer a perspectiva anterior, para os indivíduos
inclusão da subjetividade sua cultura e representação. Gohn (2002) ressalta que nesse novo
paradigma é necessário repensar a relação educador/a-educando/a-conteúdo e, ainda, provocar
reação nos/as sujeitos/as de forma que eles(as) confrontem o recebido com o que possuiem de
sua experiência anterior e visão de mundo e o reelaborem. Assim, organiza-se uma nova
forma de fazer educação, desenvolvida a partir dos movimentos sociais populares. São novas
concepções, jeitos, instrumentos. Essa construção é uma opção político-pedagógica que busca
desconstruir ideologias que durante séculos dominaram e oprimiram as classes populares.
Para Ferreira (1986), essa metodologia é a arte de dirigir o espírito na investigação de
verdades. Neste sentido, a Educação Popular deverá contribuir para que os Movimentos
Sociais Populares, nesta busca de verdades, encontrem novos jeitos e formas de construir uma
sociedade mais justa, fraterna, solidária e igualitária.
A metodologia da Educação Popular deve fundamentar a experiência de uma prática
educativa que tenha como ponto de partida a realidade e os interesses daqueles que a
compõem, buscando um processo de conhecimento e instrumentação que aumente o poder de
intervenção na realidade. Para Gohn (1994, p. 19), a prática da Educação Popular parte de
duas questões: a educativa – cujo produto é realimentado de novos processos – e a pedagógica
que são os instrumentos utilizados no processo. No entanto, compreendemos que o aspecto
político da EP é o que tem dado, fortemente, sentido a sua prática cotidiana.
89
A EP é, portanto, uma construção histórica permanente que se dá a partir da prática
dos sujeitos sociais. É um instrumento importante para construir um projeto sócio-político-
cultural alternativo, baseado nas dimensões de classe, gênero, étnica/racial, ambiental, em
valores libertários, solidários, fraternos, ecológicos e na reconstrução do ideário socialista
para enfrentar as estruturas capitalistas. Para tanto, temos que trabalhar os aspectos objetivos
e os subjetivos dos movimentos e de seus atores e atrizes e do contexto político, social,
histórico e cultural em que estão inseridos.
A prática da EP encontra suporte, também, na abordagem sócio-histórica de Vygotsky.
A base dessa abordagem constitui-se em explicar como se formam as características
tipicamente humanas e como elas se desenvolvem em cada indivíduo. O princípio orientador
da abordagem de Vygotsky (apud FONTANA; CRUZ, 1997) é a dimensão sócio-histórica do
psiquismo. Este autor considera que toda função psicológica se desenvolve em dois planos:
primeiro, na relação entre indivíduos e, segundo, no próprio indivíduo. O processo de
desenvolvimento vai do social para o individual, ou seja, as nossas maneiras de pensar, sentir
e agir são resultados da apropriação de formas culturais de ação e pensamentos contextuais.
Fontana e Cruz (1997, p. 57), ao explicitar uma idéia de Vygotsky, esclarecem que,
desde o nascimento, a criança está em constante interação com o adulto. Neste processo
interativo, as reações naturais – herdadas biologicamente – entrelaçam-se aos processos
culturalmente organizados e vão se transformando em modos de ação, de relação e de
representação das características humanas. A apropriação dos instrumentos e dos signos pelo
indivíduo ocorre sempre na interação com o/a outro/a. É na sua relação com o/a outro/a que o
indivíduo vai se apropriando das significações socialmente construídas. É o grupo social que,
por meio da linguagem e das significações, possibilita o acesso a formas culturais de perceber
e estruturar a realidade.
Pensando dessa forma é subjacente que, no processo formativo dos atores e atrizes
sociais, sejam trabalhados aspectos da subjetividade para reacender sonhos, utopias,
significados, na perspectivas da equidade e da solidariedade; capacitá-los nas políticas
públicas, ou seja, organizar politicamente os movimentos para a mobilização social, as
negociações, a construção de alianças e o sentido estratégico da participação. É estratégico,
também, construir alianças com os meios de comunicação alternativos e formais para obter
visibilidade para as conquistas que vão sendo obtidas.
Neste contexto, a Educação Popular deve ser pensada enquanto processo articulado a
uma definição estratégica de intervenção política pedagógica que lhe sentido e alcance
90
ético e ideológico. Deve partir de uma leitura crítica da realidade, da construção coletiva do
conhecimento, identificando a necessidade do grupo e construindo um diagnóstico do
contexto onde vai ser desenvolvida a ação. A ação deve ser planejada, monitorada,
sistematizada e avaliada constantemente.
A partir deste pressuposto, o/a educador/a popular deve trabalhar com os grupos a
construção de suas identidades e suas expressões políticas; desenvolver sentido crítico em
relação ao Estado, à cultura e suas expressões, desenvolvendo a EP nos processos de lutas dos
movimentos e no cotidiano de vida do povo. Deve, ainda, formar para a autonomia e para o
desenvolvimento da democracia e auto-confiança. O processo também avaliativo deverá ser
permanente.
Nesse caso, algumas técnicas facilitam e norteiam a prática da educação popular,
potencializando os/as sujeitos/as envolvidos/as:
ESTRATÉGIAS
VANTAGENS
POSSIBILIDADE
DE APLICAÇÃO
Sistematização
de experiências
- retoma as aprendizagens de
práticas históricas, contribuindo
para descobrir os elementos que
constituem a identidade coletiva e
aquilo que contribui para a
constituição dos sujeitos
históricos.
- deve ser utilizada no final ou
durante estudos e atividades.
- é necessário ser acompanhada
para ser sempre reelaborada,
aperfeiçoando-se o hábito da
escrita.
Pesquisa/projeto
- oportuniza ao educando a busca
da elaboração, da pesquisa, do
conhecimento;
- contato com diferentes fontes de
pesquisa;
- possibilita o contato direto com
o objeto de estudo do início ao
fim;
- pode ser aplicado em todos os
níveis;
- é necessário ser bem orientado e
acompanhado;
Simulação
- possibilita dar uma introdução
ao eixo temático, levando os
educando a refletirem, comparar
seus conhecimentos com os
elaborados e encontrar soluções
para as problematizações;
- deve ser trabalhado a partir da
idéia da construção do
conhecimento;
Estudo de texto
- possibilita o acesso a diferentes
tipos de texto;
- possibilita o contato com outras
visões;
- ajuda a interpretar;
- pode ser utilizado em diferentes
estudos; É necessário apenas ver o
nível da turma para escolher o
melhor texto;
91
- faz o educando realizar
comparações;
Estudo dirigido
- possibilita uma troca
texto/questões,
elaboração/reflexão;
- devem ser aplicados para
desenvolver o hábito de leitura e
não como obrigação ou sondagem
de aprendizagem;
Linha do tempo
- permite uma volta histórica ao
tempo;
- possibilita uma visão geral da
caminhada para poder analisá-la
como processo;
- pode ser utilizada para trabalhar
com qualquer grupo;
- é uma forma de elaboração
coletiva do conhecimento;
Mística
- através da simbologia permite-
se envolver os/as participante,
fortalecendo os laços que une o
movimento, as pessoas;
- despertar a sensibilidade para a
temática a ser trabalhada;
- é utilizada em qualquer tipo de
atividade, sempre no inicio, meio
ou fim.
Quadro 01 – Demonstrativo de técnicas utilizadas na Educação Popular
Fonte: Santos (2002, p. 09).
Entendendo educação como um processo histórico, amplo, contínuo e coletivo, que
acontece no cotidiano da vida dos indivíduos, podemos considerar que a prática dos
Movimentos Sociais Populares têm implementado uma nova forma de educação, denominada
de educação popular. Temos como exemplo o MST, a FAMCC, entidades como a Escola de
Formação Quilombo dos Palmares, o MEB - Movimento de Educação de Base, dentre outros.
Essa nova prática pedagógica se em momentos formais, como seminários, debates, cursos,
oficinas assim como nos momentos de embates e conflitos em manifestações, ocupações,
passeatas, shows culturais, participações institucionais.
A Educação Popular deve ser dirigida e construída juntamente com as classes
populares. É um ato político e de compromisso com a transformação da realidade. O/A
educando/a deve tornar-se sujeito de seu processo histórico, relacionando teoria à prática. O/a
Educador/a mediará a relação entre a prática política, a prática teórica e a prática formativa.
O/a educador/a não poderá ser neutro e deverá ter um engajamento social e político, de forma
que possa dar qualidade ao seu trabalho formativo.
Na perspectiva de gênero, Oliveira (2007, p. 128) “afirma que o trabalho educativo
implica, portanto, em reconhecer as assimetrias de poder entre mulheres e homens na
sociedade, no cotidiano e em todas as dimensões da vida. “Assim, a prática educativa
orientada por tal perspectiva corrobora para o alcance do empoderamento, de democracia,
autonomia e liberdade das mulheres e, conseqüentemente, para a justiça social”.
92
Nesse sentido, temos um grande desafio, como educadora/o popular, contribuir para a
construção de uma nova sociedade, como parte instituínte desse processo. Para Gohn (2002),
o processo de formação dos indivíduos deve ter quatro objetivos estratégicos: o ser, que se
refere às competências individuais; o conhecer, que diz respeito ao desenvolvimento de
competências para saber o que conhecer; o conviver, que está na esfera interpessoal, na
dimensão da sociabilidade dos indivíduos, no plano das relações que ele desenvolve com o/a
outro/a, com as pessoas, com a cidade, com a nação; e o fazer, que se relaciona às
competências produtivas, habilidades básicas, específicas e de gestão.
Esta autora destaca, ainda, a necessidade de que a metodologia da EP tenha mão dupla
em direção ao indivíduo e à estrutura da sociedade. Sobre isto, Paulo Freire (1980, p. 28)
esclarece que “A conscientização está evidentemente ligada à utopia, implica a utopia. Quanto
mais conscientizados(as) nos tornamos, mais capacitados estamos para sermos anunciadores e
denunciadores, graças ao compromisso que assumimos”.
Nesta perspectiva, trabalhar esse novo jeito de educação é um desafio prazeroso, pois,
leva-nos a identificar-nos com a possibilidade de nos relacionarmos com novos sujeitos
sociais, capazes de nos desafiar ao contínuo aprender e ensinar, lendo e relendo o mundo e as
pessoas com novo olhar. É o que oportuniza o trabalho com as mulheres do Parque Eliane,
pois, reafirma que é através da organização, do respeito às diferenças e dos processos
educativos críticos e reflexivos que construímos novas possibilidades de ver a vida com outro
olhar. Nisso consiste o nosso compromisso com a Educação Popular. Esse modo de ser,
também anima-nos para continuarmos contribuindo com a construção de uma nova sociedade.
Desse modo, de acordo com a concepção da Pedagogia Feminista e baseada nos
princípios da Educação Popular, podemos introduzir as/os sujeitas/os numa nova prática
social, sendo necessário, portanto, práticas cotidianas que envolvam processos de
empoderamento e de emancipação.
Com esse entendimento é imprescindível que se compreenda o que significa
empoderamento, buscando refletir sobre os seus múltiplos sentidos e conseqüências para um
projeto de intervenção. Empoderamento origina-se da palavra inglesa “empowerment” que, de
acordo com Laverack e Labonte (apud BECKER, et al, 2004, p. 657), pode ser definido
como:
[...] o meio pelo qual as pessoas adquirem maior controle sobre as decisões
que afetam suas vidas; ou como as mudanças em direção a uma maior
igualdade nas relações sociais de poder, por exemplo, nas relações com
quem detém recursos, legitimidade, autoridade e/ou influência.
93
Complementando essa idéia, Vasconcelos (apud BECKER, et al, 2004, p. 657),
conceitua “empowerment” afirmando que “significa o aumento do poder e da autonomia
pessoal e coletiva de indivíduos e grupos sociais nas relações interpessoais e institucionais,
especialmente daqueles submetidos a relações de opressão, discriminação e dominação social”.
Ainda, segundo o autor, um dos aspectos fundamentais do empowerment diz respeito às
possibilidades de que a ação local fomente a formação de alianças políticas capazes de ampliar
o debate da opressão no sentido de contextualizá-la e favorecer a sua compreensão como
fenômeno histórico, estrutural e político. O trabalho comunitário, que busca o empowerment,
contribui para o surgimento de um tecido social fortalecido pelas interações que promovem,
evidenciadas pelo caráter dialético e contraditório presente em todas as relações sociais e que,
essencialmente, confere poder ao sujeito social envolvido.
O "empowerment" é um conceito complexo, apresentando diversas maneiras de
interpretação. Para conceituá-lo, alguns autores utilizam-se de noções de distintos campos do
conhecimento. É uma idéia que tem raízes nas lutas pelos direitos civis, no movimento
feminista e na ideologia da "ação social", presentes nas sociedades dos países desenvolvidos,
na segunda metade do século XX. Nos anos 1970, este conceito é influenciado pelos
movimentos de auto-ajuda e, nos anos da década de 1980, pela psicologia comunitária. Na
década de 90 recebe o influxo de movimentos que buscam afirmar o direito da cidadania
sobre distintas esferas da vida social, entre as quais, a prática médica, a educação em saúde e
o ambiente físico.
Essa dificuldade de conceituação está refletida no modo com que esta categoria vem
sendo traduzida em textos nos idiomas português e espanhol: para alguns é sinônimo de
"empoderamento", "apoderamento" e, para outros/as, de "emancipación". Significados
distintos, uma vez que "apoderar" é sinônimo de dar posse, "domínio de", "apossar-se",
"assenhorear-se", "dominar", "conquistar", "tomar posse". São definições que diferem do
verbo "emancipar", que significa, por sua vez, "tornar livre, independente". A inexistência do
termo "empoderamento" na língua portuguesa e a diversidade de sentidos do termo
"apoderamento", ilustram a dificuldade de realizar a tradução fidedigna de "empowerment"
para o nosso
idioma
(CARVALHO, 2004).
No trabalho desenvolvido junto à Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”
utilizamos a palavra empoderamento para designar a passagem de um estágio de submissão e
auto-estima baixa para um estágio no qual as mulheres, mediante o processo de organização,
94
da geração de renda e discussões sobre as relações de gênero, pudessem sentir-se capazes de
mudar suas vidas através da conquista de sua autonomia pessoal, na relação com a família,
contribuindo para a transformação do contexto em que estão inseridas, no caso, o Parque
Eliane e nesse processo, ir conquistando sua emancipação.
3.1.1 A dimensão político-organizativa da ação das mulheres da APMP
A experiência de organização do território Parque Eliane, aconteceu desde sua
ocupação, em 2001 e vem demonstrando, de várias formas, como as mulheres têm alcançado
seu empoderamento por intermédio da organização política e da busca da melhoria da
qualidade de vida. Para estarem, hoje, residindo neste espaço, homens e mulheres começaram
juntos/as, uma luta pelo direito de ter onde morar. Assim, surgiram durante esse processo, 02
(duas) Associações de Moradores/as na comunidade, o grupo de Mulheres Perseverantes”,
um grupo de jovens vinculados à igreja católica e até outros que pouco conhecemos.
No entanto, destacaremos a trajetória do grupo de “Mulheres Perseverantes”, hoje
denominado Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”. Em 2004, após perceberem
que não mais receberiam a cesta básica do Programa Doação à Distância, coordenado pela
Fundação “Viver com Dignidade”, cerca de 12 mulheres se juntaram e começaram,
observando suas próprias necessidades, a produzir panos de prato. Passados quatro anos, as
mulheres sentem-se orgulhosas por pertencerem a uma Associação que elas viram nascer. A
Associação é composta por 20 integrantes. Tem como objetivo organizar as mulheres em
torno de projetos de geração de renda para juntas se desenvolverem, fazendo crescer a
comunidade e a si mesmas.
O processo de organização da Associação de Produção “Mulheres Perseverantes” se
deu a partir da organização de oficinas de capacitação para geração de renda. Nesse percurso,
o nível de organização das mulheres e as exigências institucionais fizeram surgir a
necessidade da criação de uma associação. Desse modo, as mulheres demonstraram-se felizes
com mais esse passo dado na caminhada.
Foi, portanto, através da organização do espaço onde hoje moram, da organização
política e social que as “Mulheres Perseverantes” transformaram suas vidas e o seu cotidiano,
reconhecendo-se como mulheres trabalhadoras. Oliveira (2007, p. 78), ao se referi a essa
questão assevera que:
95
[...] é na vivência da organização [...], das relações de trabalho, de produção
e geração de renda, bem como na convivência com outros sujeitos sociais,
dentro e fora do espaço territorial, e da apropriação dos seus direitos que
estas mulheres vão se reconhecendo nas suas múltiplas identidades (de
mulher, de mãe/avó, de trabalhadora – produtora).
Esta organização ocorre dentro de cenários marcado pela gica da dominação
masculina. No entanto, os processos que permitem o acesso da mulher ao campo político se
configuram como possibilidade de construção de empoderamento, autonomia e da liberdade,
aspectos intrínsecos para a ruptura das desigualdades de gênero e a concretização da
transformação da vida das mulheres (OLIVEIRA, 2007). Essas condições transformam as
mulheres em sujeitas políticas de sua própria história. Fischer (2006, p. 54), ao analisar essa
questão, afirma que:
[...] se por um lado, a ocupação do campo político pela mulher se faz em
conformidade com as estratégias de dominação masculina, por outro, abre
espaços de afirmação que a transformam em sujeito político. Nas relações
de poder estabelecidas no contexto do partido político, da organização
sindical ou do movimento social organizado, emerge uma nova maneira de
ser e de fazer política, uma prática integradora e inovadora que pode
produzir efeitos de emancipação sobre o modelo político. Ou seja, a
participação política da mulher no espaço coletivo pode contribuir para criar
uma nova hegemonia na relação de gênero, na medida em que ela se torna
sujeita de sua própria história.
Nesta perspectiva, o trabalho desenvolvido neste espaço de aprendizagem representa
uma possibilidade de construção de novos cenários, tendo as mulheres como protagonistas de
todo o processo.
3.1.1.1 As aprendizagens relacionadas à atuação político-organizativa e a noção da
dimensão coletiva
Durante o desenvolvimento da observação participante percebemos que as práticas
educativas (oficinas, encontros de estudos, encontro para produção, a comercialização, as
feiras, os intercâmbios e os momentos da vida cotidiana relacionados a essas práticas)
proporcionaram distintas aprendizagens às mulheres, demonstrando empoderamento e
sentimento de pertencimento a um território. Essas aprendizagens têm contribuído para que as
mulheres se organizem e sintam-se incluídas em sua própria comunidade.
Assim, pudemos observar que as respostas relacionadas à atuação político-
organizativa expressam que as mulheres pensam sua atuação para além da Associação. Ao
96
discorrerem sobre a atuação político-organizativa, elas evidenciam que se sentem mais dignas
e, por perceberem-se assim, sentem-se incluídas na sociedade, o que se reflete em um
compromisso maior com a comunidade, com o bairro e, também, com direito de votar para
escolher o presidente da Associação de Moradores/as. Desse modo, as mulheres MP04, MP10
e MP8, respectivamente, expressam sentimentos que demonstram uma vontade de atuarem
para além da Associação:
[...] me sinto uma pessoa mais digna, incluída dentro da sociedade... e lutar pelo
desenvolvimento da minha comunidade (Questionário).
[...] mas também é uma maneira de ajudar o próximo. Somos um grupo organizado bem antes
dos cursos. Somos um grupo e depois uma empresa (Diário de um percurso - 23/08/2007).
Ao discorrerem sobre a atuação na Associação, as mulheres afirmam que melhoraram
a auto-estima, passaram a acreditar que sozinhas não conseguem gerar renda e não crescem
tanto como pessoas como quanto organizadas em grupo e que este coletivo resultou num
espaço de trocas de saberes e aprendizagens. Esta compreensão demonstra fortes sinais de
empoderamento como expressam as falas a seguir:
Estou com auto-estima elevada. No início o grupo se dividiu em dupla para confeccionar as
redes. Um produzia a lona, outra os punhos e outra a varanda. Agora elas vão fazendo e
colocando no grupo e vão formando as redes coletivamente. (MP08. Diário de um percurso -
23/08/2007).
Estou com 3 anos. Já me acostumei com as mulheres que saíram, senti a falta delas e já me
acostumei com as que ficaram. Este grupo tem futuro, é minha família. Sou aposentada e
preciso de mais renda. As outras mulheres, as avós também precisam de renda. (MP10. Diário
de um percurso - 23/08/2007).
também eu acho que ele nunca deveria ficar com poucas mulheres sempre crescendo mais.
Às vezes eu conheço uma pessoa eu chamo pra entrar, às vezes as meninas querem desistir. A
[..] mesmo aí às vezes ela quer desistir e eu digo: Oh! [...] desistir não. Porque é uma coisa que
ela desistir parece que assim fica vago. Então fica vago. Aquele lugarzinho ali fica vago. Vai
chegar outra pessoa pra preencher, né? E gostei agora da [...] participando, porque ela tava
na bijuteria (rs,rs). Não se integrava muito com a gente. (MP12. Diário de um percurso -
23/08/2007).
[...] nós estamos querendo aprender mais, estamos precisando, tá entendendo? Então nós
vamos sorrir de alegria. Eu sei que não é só eu que está gostando. Todas nós estamos gostando
e vamos sorrir maravilhadas porque é um esforço que tá levantando. (MP11. Diário de um
percurso - 09/01/2008).
[...] pra mim é uma forma de se sentir mais digna, de a gente poder ir reivindicar e ser
reconhecida em qualquer lugar ou aqui no Estado ou fora do Brasil, como diz no estatuto
internacional Então pra nós isso é muito gratificante, nós daqui do Parque Eliane sendo
reconhecida com o nosso trabalho, nosso esforço e que isso não acabe. É claro que não vai
97
acabar nunca, vai se perseverar por quanto existir gerações e gerações esse grupo vai existir e
é isso. Que ele se fortaleça a cada dia. (MP04. Diário de um percurso - 09/01/2008).
O aspecto da dimensão coletiva da atuação das mulheres foi percebido também como
aprendizagem, quando da mudança do grupo para Associação de Produção “Mulheres
Perseverantes”, pois, ao aprovarem os Estatutos, ficou simbolizado o quanto isso representava
uma passagem que significou o reconhecimento do trabalho e do esforço que cada mulher
dispensava para mudar de vida, conforme demonstrado em duas falas:
Pra mim significa muito coisa. Sabe por quê? Porque nós batalhamos muito. Então agora, é
a primeira coisa que representando o nosso esforço. È isso que tá acontecendo com a gente.
No dia que nós pegarmos o estatuto e dizer, está aprovado, hoje nós somos uma Associação,
nós somos uma Associação de Produção do Parque Eliane, a gente vai trabalhar com mais
força, com mais garra pra mostrar o trabalho e o que a gente sabe e aprender mais (MP11.
Diário de um percurso - 09/01/2008).
Nós já existimos 03 anos e precisamos ser reconhecidas. Não temos retorno imediato, mas
temos prazer no que fazemos. Queremos ser reconhecidas pelo nosso trabalho. [...] É um
passo muito importante na nossa caminhada. Isso prova que nós evoluímos bastante e que nós
estamos mais confiantes no nosso trabalho (MP04. Diário de um percurso - 09/01/2008).
temos conhecimento, estamos organizadas, produzimos. Queremos ser reconhecidas,
ter o nosso grupo reconhecido. A aprovação do estatuto pra mim é muito importante porque é
mais segurança pro nosso grupo, é mais compromisso e responsabilidade pra cada membro
que nele existe. É uma maneira de fortalecimento pra nós, pra nós ter cartão aberto pra entrada
e saída em qualquer lugar e também a gente não vai mais se sentir insegura, a gente vai ter
mais confiança no nosso trabalho, a gente vai ter mais responsabilidade nesse grupo pequeno
que está sendo construído aqui. Se nosso estatuto for valer durante dois ou três anos, durante
esses dois ou três anos nós vamos cumprir com as nossos obrigações como membro desse
grupo. Com a mesma responsabilidade que nós tivemos na hora de criar esse grupo e também
que nós tivemos quando tomamos a atitude de registrar o nosso grupo de mulheres
perseverantes (MP10. Diário de um percurso - 09/01/2008).
O grupo tem que se fortalecer para fazer coisas pro bairro. As Associações fazem brigar.
[...] Nós queremos nos fortalecer para votar, escolher o/a presidente da nossa comunidade
(Diário de um percurso - 02/12/2007).
A atuação político-organizativa também é marcada pela mudança na vida cotidiana
das “Mulheres Perseverantes”, pois, a partir do desejo de mudar de vida, organizaram-se em
uma associação, estabeleceram um horário de trabalho, de cuidado das/os filhas/os e da casa.
Essa distribuição de ocupação inclui a articulação com outros agentes e instituições públicas,
a participação em feiras, reuniões e, ainda, em cerimônias religiosas que a maioria delas
está envolvida e/ou organizam missas, festejos, batizados, casamentos e outros eventos de
caráter religioso e festivo. Reforçando a idéia de que é na vida cotidiana que nos
98
empenhamos, mesmo de forma diferente entre mulheres e homens, para construir vínculos e
interações, Oliveira (2007, p. 104) faz a seguinte reflexão:
[...] a vida cotidiana faz parte da integralidade dos seres humanos, embora
vivenciados por diferentes sujeitos, de distintas maneiras e em contextos
diversos. [...] mesclam-se o sonhos, a realidade e a capacidade de
transformar as condições precárias de suas vidas, de suas famílias e da
comunidade onde vivem. Essa mistura é caracterizada pelo tempo do fazer e
de se fazer, sendo e aprendendo, seja através dos esforços e empenho de
cada uma, seja na troca de experiências, saberes e habilidades, no espaço
coletivo do grupo e na interação com outros sujeitos sociais.
Assim, entendemos que o processo de empoderamento destas mulheres vem
impulsionando a organização coletiva e o enfrentamento das dificuldades, principalmente, no
que se refere ao entendimento de sua participação política para além da Associação de
Produção, como para a necessidade de organização de suas atividades para garantir o aumento
da comercialização dos produtos confeccionados por elas e, conseqüentemente, para o
aumento da renda familiar, contribuindo significativamente para melhoria da qualidade de
vida, assim como das relações familiares. Sem esse entendimento, as mudanças não seriam
possíveis, pois, por mais incentivo e oportunidades que essas mulheres tivessem, era preciso
que elas se sentissem mobilizadas para que as mudanças acontecessem. Essa energia existe
em cada mulher, tornando-as “Mulheres Perseverantes”.
3.1.1.2 As aprendizagens e a importância da participação
Outro aspecto que caracteriza aprendizagens na dimensão coletiva da atuação e
empoderamento das mulheres diz respeito à importância que cada uma à sua participação
na Associação.
Ao discorrerem sobre a importância de sua participação, as mulheres afirmam que sua
participação é importante e demonstram ter atuação ativa para contribuir com o crescimento
da Associação e suscitar outros agentes comunitários a desenvolverem outros projetos, a
exemplo dos maridos. Isto nos leva a inferir que as mulheres já possuem compreensão da
importância de sua participação, além de perceberem que precisam ter maior inserção no
bairro e atuação expressiva para que sua participação seja importante e sua contribuição
possibilite o crescimento da Associação de Mulheres. Reiterando essa afirmação, a MP04
relata minha participação é importante dentro do grupo, eu me acho participativa dentro e
luto pelo crescimento do mesmo”; [...] “porque faço a minha parte, faço o melhor que posso
99
para que minha participação seja importante” (MP07); [...] “porque sou mais uma para
fortalecer o nosso grupo e conseguir mais conhecimento na busca do melhor para nossa
comunidade” (MP10).
Nesse caso, em análise, a participação das mulheres acontece quando estão integradas
nos grupos de produção de rede, panos de prato, bijuterias, confecção e, ainda, na direção da
Associação. A MP05 diz “eu contribuo com o que sei com as outras e aprendo com elas
também”. [...] “porque eu contribuo muito e gosto de ficar no grupo” (MP08). Oliveira (2007,
p. 89) reforça essa idéia afirmando que:
Historicamente, os grupos de mulheres são espaços privilegiados para que
as mesmas possam expressar sentimentos e emoções (medos, desejos,
dores), valores, idéias, assim como falar dos problemas enfrentados na vida
cotidiana e realimentar sua auto-estima. Também é nele e a partir dele onde
se reconstroem e se recriam novas formas de se relacionar consigo mesma,
com os outros e com
o mundo, respeitando suas diferenças e superando
limites.
No que se refere à gestão da Associação, as mulheres se dividem em cargos e funções
nos quais cada uma é responsável por uma atividade de coordenação, finanças, secretaria,
comercialização e produção, comunicação e, ainda, pelos cuidados com a Casa das Mulheres
e a Casa de “Artes e Culturas
17
. A Associação é organizada em cargos de coordenadora geral,
vice-coordenadora, secretária, secretária, tesoureira e tesoureira. A Assembléia
Geral é o órgão máximo de deliberação e todas têm o direito de votar e ser votada,
participando de todas as decisões, como afirma a MP10 “o nosso grupo nasceu assim,
tomando decisão conjuntamente. Foi levantado o que sabíamos fazer e depois foi escolhido os
panos de prato” (Diário de um percurso -16/02/2008).
Tanto nos grupos de produção como na direção da Associação as mulheres participam
ativamente, sendo que 15 mulheres são as que mais freqüentam e se tornaram, também,
integrantes desse processo de pesquisa-ação. Percebemos que as mulheres têm uma
participação considerada satisfatória, pois, conseguem ter voz expressiva em todas as
decisões, debates e encaminhamentos das demandas, dos conflitos e resolução das situações
problemas apresentados no processo.
Isto possibilitou inferirmos que as mulheres envolvidas nesse processo de pesquisa-
ação possuem grande sentimento de cidadania, pois, as práticas educativas nas quais estão
17
As mulheres estabeleceram uma escala semanal de cuidados que dividia o grupão em grupos de duas pessoas
para fazer o lanche das crianças e a limpeza das duas casas.
100
envolvidas despertaram nelas o desejo de organizarem-se e de participarem dos outros grupos
existentes na comunidade, como é o caso a Associação de Moradores que trata de questões
direcionadas à comunidade de modo geral. Foi possível inferir, também, que a atuação
política organizativa das mulheres fez surgir a consciência de si e a conscientização política
que as fizeram pensar num envolvimento maior, de forma que essa participação contribua
para o desenvolvimento da comunidade, do espaço onde vivem. Constatamos, então, que as
práticas educativas desenvolvidas, no contexto da Associação de Produção “Mulheres
Perseverantes”, têm sido um espaço educativo de construção do empoderamento e
fortalecimento de relações e da organização social das mulheres.
O modo de participação das mulheres é um ato político recheado de atitudes que
incorporara interesses, disposição, coragem e vontade de mudar. Refletindo sobre esse
aspecto, Rua e Abramovay (2000, p. 255) destacam que sob a perspectiva de gênero:
[...] participar expressa a busca de autonomia e pode envolver tanto
posições de enfrentamento, como de colaboração e composição de
interesses. Ou seja, a participação é sempre, de natureza política. Mas o
envolvimento com os processos coletivos [...] pode ser afetado por vários
outros fatores, não somente políticos, mas também atitudinais, além de
incorporar interesses, oportunidades e disponibilidades, e as diversas
configurações organizacionais assumidas pelo ambiente onde a participação
se realiza.
Esse processo de participação em que as mulheres estão inseridas apresenta fatores
atitudinais significativos, que as deixam, na maioria das vezes, impedidas ou com restrições
de participação devido às atitudes dos maridos/companheiros das MP. O olhar ou o que
pensam os homens passa a ter um valor, seja pelo consentimento da participação, seja pela
compreensão colaborativa que alguns homens apresentam na relação com a Casa das
Mulheres e com a Casa de “Artes e Culturas”, e, ainda, na relação de amizade com os outros
homens maridos das outras mulheres. Assim as mulheres refletem sobre essa questão:
Mesmo pobres mais eles não querem assumir as necessidades que tem. E aí, tem homem que
tem aquelas besteiras de não querer que a mulher por algum motivo por pequeno que seja ele
achar que a mulher não deve participar. [...] Não tinha que ter outra pessoa que dissesse não
por mim, porque ele não convivendo com a gente, quem convivendo somos nós
mesmas. [...] Teve também a [..] que é uma menina que faz crochê e borda muito bem, ponto
cruz, trabalha bem e trabalha ligeiro. Porque a ela não está aqui? Porque o marido dela
começou lá com umas besteiras, ela vinha pra cá e ai gente se juntava e ele achava que a gente
ia desviar a [...], fosse fazer alguma coisa errada porque convivia com nós. Ele passava
vigiando pra ver se tinha alguém diferente. Até que um dia tive uma conversa com ele. Olha
se você não fazendo nada, se você quiser acompanhar você é convidado a acompanhar
porque no nosso grupo também tem lugar para os maridos das nossas colegas. Agora não vale
101
a pena ir só um e os outros ficam pensando mal. A [...] também teve problema com o marido.
Por causa das dificuldades juntou uma coisa com a outra e ele exigiu muito dela e ela ficou,
acho quase perdida. Mas nesta história ficou indecisa não sabia se ia ou se ficava. Um dia
chamei ela pra conversar, chamei e lavei uma roupa bem lavadinha. E depois eu sei que ele foi
falar pra ela completamente diferente, mas tudo que eu joguei nessa história foi pra ver se ele
entendia como é que o grupo caminha. Mais aí ele contou pra ela uma coisa diferente, de uma
maneira diferente, mais mesmo assim eu não fui atrás não[...] (MP10. Diário de um percurso -
29/10/2007).
Percebemos, assim, que as mulheres desejam que os homens estejam presentes e
fazendo parte do crescimento que cada uma vem demonstrando. Elas sempre ressaltam a
necessidade de desenvolver um trabalho com os homens, tentam estabelecer uma escala,
também, de cuidados com a Casa de “Artes e Culturas” para eles. Constatamos, então, que
esse interesse demonstrado pelas mulheres confirma a idéia de que sem o envolvimento dos
homens não construiremos novas relações de gênero.
3.1.2 A dimensão da incorporação da economia solidária na experiência das mulheres da
APMP
A sociedade capitalista, na qual estamos inseridas/os, tem gerado sérios problemas
para a humanidade, especialmente, para as pessoas que residem nos países periféricos, assim
considerados pelas maiores potências capitalistas. Dessa forma, a crise no mundo do trabalho
provocada pela precarização das relações de trabalho e pela mundialização do capital,
consequentemente, tem aumentado o número de pessoas que estão abaixo da linha da
pobreza. Pobreza não econômica, mas de afeto, de proteção, de participação, de liberdade,
de autonomia, aspectos que dão o verdadeiro sentido à vida.
De acordo com o relatório do PNUD (1997), o conceito de pobreza humana diz
respeito à negação das escolhas e oportunidades básicas para o desenvolvimento humano
como falta de educação elementar, dos meios materiais, exclusão e falta de liberdade e
dignidade que é medida pelo índice de pobreza. O Índice de Pobreza Humana (IPH) mede as
carências quanto ao desenvolvimento humano básico. Essa linha de pobreza tem valores
distintos para as economias do primeiro mundo e para aquelas do terceiro mundo. Para o
primeiro mundo, uma pessoa é identificada como pobre quando a linha de pobreza é
estabelecida em U$ 1 (um dólar) norte-americano por dia e baseia-se no consumo de bens e
serviços. É sugerida para a América Latina e Caribe uma linha de pobreza de U$ 2 (dois
dólares) norte-americanos por dia. Para a Europa do Leste e repúblicas da antiga União
Soviética tem sido usada uma linha de pobreza de U$ 4 (quatro dólares) norte-americanos por
102
dia. Para a comparação entre países industrializados tem sido usada uma linha de pobreza
correspondente à dos Estados Unidos, que é de U$ 14 (quatorze dólares) por pessoa
correspondente a um dia.
Os países em desenvolvimento que estabeleceram linhas de pobreza nacionais
utilizaram, geralmente, o método da "pobreza alimentar". Estas linhas indicam insuficiência
de recursos econômicos para satisfazer as necessidades básicas mínimas de alimentação. Nos
países industrializados, as linhas de pobreza nacionais são utilizadas para medir a pobreza
relativa. Assim, esclaremos que uma pessoa ou uma família é pobre, ou socialmente excluída,
se ela não tiver acesso a serviços essenciais (água potável, saneamento, coleta sistemática de
lixo, educação) e não dispuser de renda monetária minimamente essencial para fazer face às
demandas familiares que lhes são corriqueiras.
Essa situação tem permitido, de acordo com Tiriba (2001, p. 24), dividir a sociedade
em 03 (três) camadas, uma composta pelas camadas sociais em ascensão e com poder de
consumo; outra precariamente incluída e satisfazendo suas necessidades básicas de forma
parcial; e outra excluída (desempregados/as, subempregados/as e aqueles que tentam
sobreviver do trabalho por conta própria).
É, então, sobre essa camada excluída, que direcionaremos nossos olhares a partir da
experiência do empoderamento de mulheres desenvolvido no contexto de produção de
alternativas de sobrevivência e de construção de uma economia que parte das necessidades
básicas, todavia vislumbra a autonomia, a organização e uma vida digna.
Diante desta realidade não é novo o fato de que as pessoas inovam em suas estratégias
econômicas para produzir sua própria sobrevivência. O que se apresenta como inovação na
nova ordem mundial é o fato de que o trabalho assalariado vem perdendo sua centralidade nas
relações capital e trabalho. É, pois, a partir desse fato que as mulheres e homens começam a
desenvolver as Pedagogia(s) da Produção Associada, mesmo que em alguns casos
reproduzindo a “pedagogia da brica” (TIRIBA, 2001). Para esta mesma autora, não basta
medir o grau de inserção destas atividades no mercado. É necessário:
[...] perceber os setores populares como sujeitos da produção social da vida
humana e, ao mesmo tempo, contribuir para que seus empreendimentos se
constituam em locus de criação e recriação de relações econômicas e sociais
que contemplem as necessidades da grande maioria da população hoje
excluída, inclusive, do direito à manutenção da própria vida (TIRIBA,
2001, p. 27).
103
Se, por um lado, esses processos de empreendedorismo podem satisfazer as
necessidades de sobrevivência, por outro, possibilitam, aos sujeitos envolvidos, a criação de
uma economia que tenta ser alternativa à lógica excludente, pois, está permeada pela
solidariedade, pela cooperação e, acima de tudo, por motivações que refletem valores e
concepções sobre a vida, o mundo e sobre as pessoas, aspectos que estão fora das
engrenagens capitalistas. Nesse sentido, a integração entre a dimensão econômica e a
educativa desse processo é fundamental para que tanto as questões objetivas quanto as
subjetivas sejam satisfeitas.
Outra questão relevante é que, no contexto de precarização do trabalho, na relação
com os homens, as mulheres têm sido as que mais sofrem. Mesmo sendo as mais
escolarizadas, as mulheres têm ficado fora do mercado de trabalho ou, na maioria das vezes,
ganhando menos do que os homens. Continuam ganhando cerca de 35% a menos que os
homens no país, segundo uma pesquisa divulgada pelo Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE, 2008).
Nas camadas populares, as mulheres passam a desenvolver atividades autônomas,
caracterizadas pela produção artesanal e/ou semi-industrial. Como autônomas, no Brasil, as
mulheres exercem, principalmente, as funções de costureiras, rendeiras, faxineiras. Esse tipo
de opção acontece, na maioria das vezes, porque esse trabalho, além de contribuir para o
aumento da renda familiar, é conciliado com os cuidados da casa e dos filhos/as, cuidados
esses culturalmente destinados às mulheres.
Essa realidade tem possibilitado, também, o surgimento de grupos que inovam no
modo de gestão e produção de economias, gerando renda e possibilidades de autonomia e
elevação da auto-estima. Esses grupos, associações ou cooperativas pautam-se por princípios
da economia solidária que, na visão de Paul Singer (2005, p.19), desenvolvem a prática da
democracia na tomada de decisão, todos/as possuem os mesmos direitos de decisão, exigindo
uma reeducação para a solidariedade e o companheirismo. Desses empreendimentos
participam cerca de 1,5 milhão de trabalhadores e trabalhadoras urbanas e rurais. Destes,
45% está distribuído, segundo pesquisa feita pela Secretaria Nacional de Economia Solidária
do Ministério do Trabalho e Emprego, nos 09 Estados do Nordeste e 23% na Região Sul.
Para fortalecimento dessas iniciativas é imprescindível que sejam realizados
acompanhamentos, formação e capacitação técnicas específicas para que mulheres e homens
das camadas populares se fortaleçam e cresçam, gerando alternativas, tanto econômicas como
de vida digna.
104
Na experiência em análise, o processo de organização, formação e capacitação técnica
possibilitou aprendizagens que vão desde habilidades profissionais até aprendizagens
relacionais.
3.1.2.1 As aprendizagens relacionadas às atividades profissionais e sua dimensão coletiva
No que se refere às aprendizagens relacionadas à atividade profissional,
proporcionadas pelas práticas educativas, pudemos observar que as respostas estavam
relacionadas ao que aprenderam, às responsabilidades aprendidas e ao tipo de atividade
aprendida. Estes dados nos revelam o quanto as práticas, desenvolvidas neste contexto, foram
importantes para aquelas mulheres, seja por proporcionarem oportunidades de
aperfeiçoamento, seja por proporcionarem-lhes mais responsabilidades e compromissos, ao
estabelecer um horário de trabalho, seja pelo fato de oferecer uma atividade profissional, ou
por ser um espaço de reconhecimento do esforço e do trabalho de cada mulher para gerar
renda e contribuir para a mudança de sua vida e de sua família.
Ao discorrerem sobre as aprendizagens profissionais, as mulheres evidenciaram estar
vivenciando experiências que as identificam como artesãs, porque essas novas práticas lhes
trouxeram novas aprendizagens ou aperfeiçoamento das habilidades adquiridas.
Constatamos, também, que as mulheres consideram o espaço da aprendizagem como um
espaço de reconhecimento individual e coletivo.
Nesse sentido, é possível inferir que essas aprendizagens estão proporcionando às
mulheres oportunidade de qualificação e, como conseqüência, uma atividade profissional. As
aprendizagens reconhecidas pelas mulheres nos mostram que faltam a elas tanto trabalho
quanto qualificação para as que possuem alguma habilidade profissional. Assim, essas
oportunidades referem-se tanto ao aperfeiçoamento como à aquisição de novas técnicas e
aptidões. Esta constatação confirma o fato de que às mulheres de baixa renda devem ser
oportunizadas políticas públicas que possibilitem a geração de renda para melhoria da
qualidade de vida de sua família. Devem garantir também tanto a qualificação quanto a
formação de valores inerentes à construção de uma personalidade persistente e de busca de
aperfeiçoamento profissional para que elas saiam da condição de submissão, seja em relação
ao homem, seja em relação à condição sócio-econômica.
O que notamos, no caso em análise, é que os projetos de intervenção desenvolvidos
junto a esses grupos têm proporcionado às mulheres conquistas em vel de autonomia e
progressivos avanços político-psicológicos, através do empoderamento e da organização
105
empreendedora em torno de grupos de geração de renda. Como conseqüência desse processo
de aprendizagem e organização, as mulheres demonstravam ter consciência de, não apenas
produzir renda, mas organizarem-se, melhorar a auto-estima e construir autonomia a partir de
seu empoderamento. Esse pensamento gerou o processo educativo que deslanchou na
organização de grupos de produção, grupo de homens, grupo de crianças, além de outras
atividades que surgiram a partir dessas iniciativas.
Essas práticas educativas proporcionaram às mulheres o aprendizado de uma atividade
profissional e a oportunidade, tanto de qualificação como de organização coletiva. Sobre essas
oportunidades de aprendizagens, as mulheres se expressaram afirmando, “consegui
aperfeiçoamento em vários cursos e a venda de alguns materiais meus”. (MP01); “eu aprendi
fazer rede. Estou aprendendo agora fazer pintura e crochê. “Pra trabalhar ter uma renda”
(MP03); conhecimento de aprender as coisas que eu gosto e também as oportunidades que a
gente tem, pra aprender e conquistar uma renda, pois vivíamos de uma cesta básica” (MP08).
“Quando tiver a casa vamos ter que ir mais vezes. Pois é o nosso trabalho” (MP11).
Ao se referirem às suas habilidades, as mulheres destacaram as que estão ligadas
diretamente às atividades reprodutivas: trabalhos ligados aos afazeres domésticos, isto, talvez,
pela pouca expectativa que a maioria das pessoas das classes populares possui em exercer
funções que exigem um nível maior de escolaridade ou por não vislumbrarem outra vida
senão a que permite o cuidado dos filhos/as, da casa e dos maridos/companheiros.
Confirmando este pensamento as mulheres afirmaram:
Cozinhar, fazer carvão, lavar roupa, limpar casa; gostaria de aprender costura, corte e costura.
(MP15. Diário de um percurso - 16/06/2007).
Vender verduras, fazer crochê. (MP06. Diário de um percurso - 16/06/2007)
Produzir bastante com qualquer trabalho que aparecer (crochê, bijuterias), ser uma boa mãe,
boa dona de casa
(
MP06. Diário de um percurso - 16/06/2007).
[...] fazer rede e participar de palestras educativas, cuidar de casa e de vender (MP04. Diário
de um percurso - 16/06/2007).
Varandas de crochê, redes, culinária (MP08. Diário de um percurso - 16/06/2007).
Produzir bijuterias. A minha habilidade maior é ser mãe, pra falar a verdade eu não sei fazer
quase nada. Preciso de uma oportunidade para descobrir as minhas habilidades. (MP07. Diário
de um percurso - 16/06/2007).
Essa noção de habilidades vinculadas à atividade doméstica demonstra o quanto essas
mulheres ainda estão voltadas ao mundo privado. Desse modo, suas práticas cotidianas, após
106
o envolvimento com a Associação, trouxeram-lhes uma sobrecarga de trabalho, pois, tem que
conciliar o trabalho reprodutivo e o trabalho produtivo (trabalho de geração de renda) e,
ainda, o envolvimento com a vida social da comunidade, como Oliveira (2007, p. 120) reflete:
O não reconhecimento e a não-valorização do trabalho (re) produtivo são
maiores ainda porque histórica e culturalmente é considerado como
obrigação da mulher desempenhá-lo. Essa divisão entre trabalho produtivo
e reprodutivo e a visão de que é no âmbito público que a produtividade
acontece e que esta se apenas pela mão-de-obra masculina, precisa ser
desconstruída, porque é no espaço doméstico que todos se beneficiam da
mão de obra feminina e de sua produtividade: da comida feita, da roupa
costurada, da casa limpa, da produção artesanal, entre outras coisas. A
diferença é que essa mão de obra feminina não é remunerada e tampouco é
reconhecida e valorizada como força de trabalho, mesmo que haja dispêndio
de energia e tempo de investimento e de dedicação.
Mesmo diante destes obstáculos, aos poucos a discussão do modo de produção das
redes, da divisão da renda e da dimensão coletiva do trabalho, que faz parte do mundo
produtivo das mulheres, vai surgindo e permitindo que elas reflitam sobre esse assunto. Com
isso, os conceitos sobre economia solidária vão se estabelecendo, vão aparecendo e o
entendimento sobre diferentes processos vai sendo percebido. Assim, as mulheres vão dando
sua opinião sobre o que pensam e como devem ser os procedimentos dentro da Associação
para que todas tenham direitos:
Acho que a gente não deve se preocupar com a produção individual, mas com o que o grupo
produz para dividir o dinheiro. Se for falar do valor do trabalho todos têm valor, porque todos
têm responsabilidade (MP10. Diário de um percurso - 23/06/2007).
Nós somos um grupo, sabemos fazer a rede e a varanda. Acho que devemos dividir
igualmente. Acho que a produção da rede vale mais que a varanda (MP11. Diário de um
percurso -21/01/2008).
No decorrer da pesquisa, percebemos um crescimento significativo das mulheres e da
Associação, no entanto identificamos ainda algumas fragilidades no que se refere à
organização, à produção e ao interesse e motivação para o trabalho. As questões familiares
como os trabalhos doméstico, cuidado dos/as filhas/os e do marido prendem muito as
mulheres ao lar. Consideramos que no estágio em que se encontra a Associação é necessário
uma organização maior para que elas possam sentir-se seguras ao fazer opção de se dedicar à
sua organização e à produção e comercialização. Consideramos, ainda, que o primeiro estágio
foi o de identificação das necessidades e definição dos grupos de produção e qualificação a
partir das definições por áreas. Depois, momento de organização do grupo por produção,
107
definição do plano de ação e a montagem de estratégias de comercialização. Para que isso
ocorra, é preciso mais empenho das mulheres e maior apoio para que elas não desistam.
Nesses momentos de discussão, as mulheres concluem que a Associação deve ser
espaço da prática solidária e de entendimento das dificuldades, porém, todas devem se
esforçar para cumprir a sua parte na produção.
Como forma de articulação com outros grupos, as mulheres participaram da IV Feira
da Economia Solidária, organizada pelo Fórum Estadual de Economia Solidária, articulação
que congrega diferentes associações de produção e do Encontro da Rede de Mulheres
Produtoras do Nordeste. Percebemos como isto foi significante, porque elas puderam fazer
intercâmbio, perceberam-se em relação com as mulheres de outras comunidades que desejam
o mesmo que elas. Nessa relação/comparação testemunharam da seguinte forma:
Foi muito boa, pois, nos encontramos com outras comunidades. Estava a nossa barraca no
meio das outras comunidades. Tivemos a troca solidária onde nós trocamos um dos nossos
produtos pelo de outra barraca (MP10. Diário de um percurso - 12/12/2007).
Participamos das oficinas. Foi muito legal, apesar de não vendermos muito. A nossa rede era a
atração da feira, era a mais bonita (MP04. Diário de um percurso - 12/12/2007).
No que se refere às condições de permanência na Associação, um aspecto foi decisivo:
a criação da Casa de “Artes e Culturas”, espaço onde as mães deixam suas filhas e filhos
enquanto vão à Casa das Mulheres para produzirem. Sobre esse aspecto as mulheres dizem
que:
[...] E é muito bom isso acontecer, pra gente não ter mais desculpa não fui porque não posso
levar as crianças, não fui porque não tinha com quem deixar as crianças. Bom, vai ser uma
coisa boa, pra mim é uma boa mesmo, porque não tem condição da gente fazer um trabalho
que nós faz aqui com as crianças no meio, porque a gente fica preocupada. Elas têm que
brincar, elas fazem barulho, a gente tá aqui ligado em outra coisa, uma cai, uma puxa o cabelo
da outra, lá vem! A gente não pode deixar essa porta aberta que deus o livre. (MP10. Diário de
um percurso - 21/01/2008)
Eu gostei do funcionamento da casa. Apesar de que o [...] me deu mais uns probleminhas.
Notei que ele mudou mais um pouco nessa questão de se relacionar assim mais com outros
colegas, né. Eu tinha falado que ele tinha muita dificuldade. Ele achava que ninguém gostava
dele, que a professora não gostava dele. Ele assim um pouco assim mais diferente. Nesse
ponto eu gostei ele mudou mais um pouco e eu espero que nesse ano ele continue assim
cada ano mudando mais. com a [...] também foi tudo bom (MP04. Diário de um percurso -
21/01/2008).
Os meus eu gostei muito, ele, também. Choravam no dia que a professora não vinha, estavam
acostumados ir. Aí, eles gostaram também eu gostei do ano passado. Espero que esse ano seja
melhor ainda pra eles aprenderam muito, ficaram mais educados mais, ainda. E ai pra mim,
108
também. O comportamento dele mudou um pouquinho, ficou mais calmo, ele era muito
agitado. Mas é isso ai, gostei muito (MP05. Diário de um percurso - 21/01/2008).
Podemos inferir a partir destas falas que é extremamente necessário que sejam
oferecidas condições para que as mulheres saiam de uma situação de baixa auto-estima, de
submissão e que tenham alternativas para o cuidado dos filhos e das filhas, de forma a
garantir segurança e tranqüilidade ao realizarem seus trabalhos. Nesse sentido, é
imprescindível que o poder público assuma com mais afinco essa tarefa, na medida em que
investe em políticas públicas, como creche, por exemplo, para que as mulheres possam
desenvolver algum trabalho fora do espaço doméstico.
3.1.3 A dimensão humana e as mudanças na prática das mulheres da APMP
As mudanças exigidas pelo contexto de empoderamento das mulheres necessitam de
novas práticas, nas quais a reeducação e a desconstrução sejam paradigmas orientadores.
Diante disto, as mulheres passam a se assumir como protagonistas de sua própria história e
conduzem seus destinos participando ativamente das mudanças. Paulo Freire (1996, p. 46), ao
se referir ao papel das práticas educativas críticas, afirma que:
[...] uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é
propiciar as condições em que [...] a relação de uns com os outros [...]
ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social
e histórico, como ser pensante, comunicativo, transformador, criador,
realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar.
Nesse processo, que implica mudança, faz-se necessário uma releitura do mundo, a
confiança em si mesma e, conseqüentemente, a confiança de que a mudança é possível. Isto
implica em uma ação política que dialetiza a denúncia da situação desumanizante e anuncia a
sua superação, expressando através desse ato sonhos e desejos de alteração da realidade
(FREIRE, 1996).
A realidade a que nos referimos é desumanizante, oprime e subjuga as mulheres como
seres incapazes. No entanto, a mulher é ser gerador de vida, capaz de criar condições para
alteração de sua consciência de oprimida e, ao mesmo tempo, envolver os seres ao seu redor
para uma transformação coletiva. Nesta perspectiva, Roger (apud, MENESES, 2001, p. 133),
reafirma esse pensamento advertindo:
109
Qualquer situação de opressão, de dominação, fere o princípio de evolução
da vida. Cada ser é gerador de vida, sendo importante desenvolver uma
sensibilidade consciente, a fim de que o ser humano seja capaz de criar
condições de vida favoráveis para si mesmo e para os outros, levando a uma
transformação do pensamento oprimido, onde a sensualidade, a sexualidade,
a inteligência, o poder, a maternidade, o trabalho, a comunidade, a
intimidade assumirão novos significados.
A sensibilidade necessária para essa nova prática gera outra afetividade, na qual as
mulheres passam a sentir a falta da convivência com outras mulheres, sentindo-se mais
integradas, cooperativas e solidárias com os problemas e situações de superação
proporcionadas pelos momentos de encontros. A afetividade é uma vivência que significa
proteção, cuidado e possibilita o fortalecimento e a formação de vínculos necessários à
sobrevivência, segurança e crescimento dos seres humanos. Meneses (2001, p. 132), ao tratar
desse assunto, diz que a maior expressão de afeto é a vivência de amar e ser amado. Isto
constitui o grande sentido da perpetuação da vida humana”.
3.1.3.1 As aprendizagens transformadas em confiança em si mesma, nas outras mulheres
e na Associação.
Quando nos referimos à dimensão humana e às mudanças no cotidiano das mulheres,
observamos que as práticas educativas, desenvolvidas junto à Associação de Produção
proporcionaram às mulheres aprendizagens que foram transformadas em confiança em si
mesmas, confiança na relação com as outras mulheres e na Associação.
Assim, pudemos observar que as respostas, relacionadas às transformações da relação
consigo mesma, após o envolvimento das mulheres com a Associação de Produção,
demonstram que essa participação permitiu-lhes ter mais confiança em si mesma, pois se
consideravam muito tímidas e, hoje, não o são mais, passando a ter mais coragem para
enfrentar qualquer obstáculo e, em alguns casos, a Associação serve como uma terapia,
fazendo com que as mulheres se sintam numa família, como reforça a MP14:
Ah! deu vontade de sair desse grupo, mais é como a [...] falou mesmo, a gente não
consegue se desgarrar umas das outras (rs, rs), porque a gente se encoraja, assim como se
fosse a família da gente, a gente gosta não é falsidade. Eu, pelo menos, gosto delas não é com
falsidade, é como amiga mesma. Até assim pra contar um problema, posso chegar pra essa
aqui, pra essa aqui e contar um problema que acontece na vida da gente. Eu acho que esse
grupo aqui, eu gosto e acho... Ah! Quando eu comecei a estudar eu achei muito ruim porque
eu não tava participando mais. Eu achava que tinha perdido alguma coisa. Então, eu ...
Apesar de que o estudo é muito bom, né. Eu fiquei com vontade de voltar e não prentendo sair
e já aconteceu muita coisa boa nesse grupo comigo (Diário de um percurso - 29/10/2007).
110
Podemos analisar nesta fala que as mulheres, ao desenvolverem algum tipo de trabalho
no espaço público, transferem as experiências do espaço doméstico, como cuidado com a/o
outra/o, atenção e manejo ao lidar com certas dificuldades, para esse espaço como umas
expansões de suas vidas, assim, acabam expressando aquilo que sentem com a família. Em
alguns casos, a Associação é um espaço que serve como terapia, significando que elas
necessitam de momentos de relaxamento e descontração de dupla, às vezes, tripla jornada de
trabalho, como afirma Oliveira (2007, p. 89):
Nesse lugar, começam a tomar consciência de suas múltiplas identidades de
mulher mãe, esposa, trabalhadora, cidadã e sujeito político a colocar
para fora a criatividade e adquirir confiança em si mesmas, a exercitar suas
capacidades de recriar e produzir, a romper com a fala silenciada e
compartilhar através da escuta dos problemas cotidianos umas das outras,
que se misturam e que as aproximam, num processo de fortalecimento
mútuo. Mas é, sobretudo, um espaço de reconhecimento e valorização de
seu trabalho e de descoberta do poder e da força dentro de cada uma.
Ao se referirem à forma de se relacionar com as outras mulheres, demonstram que
esse relacionamento acontece de forma normal. Todas se tratam igualmente, respeitando as
diferenças e tentando compreender as dificuldades umas das outras. Assim afirmam esse
comportamento: “é do mesmo jeito de sempre. Quando encontro em casa e na Casa de Artes e
Culturas” (MP02); Boa, apesar de algumas discussões tudo termina bem, isso faz parte da
convivência de todas as mulheres do grupo” (MP04); “Normal, como qualquer outra pessoa.
Não tem diferença nenhuma” (MP05); “Igual trato todas igualmente” (MP06); “Uma boa
relação, trato todas iguais, tanto na casa como fora dela(MP07); “A minha relação com as
outras na casa é a mesma, para mim não tem diferença” (MP10); “Somos amigas, dentro e
fora da casa” (MP15).
Podemos observar, também, que as respostas referentes às formas de relacionamento
com a Associação demonstram que ela contribui para que as mulheres aprendam a conviver
em grupo e possam construir mais amizade. Ao discorrerem sobre as formas de
relacionamento pessoal e coletivo, demonstram ter melhorado sua auto-estima e que a
participação no grupo e as novas amizades contribuíram muito para que isso acontecesse.
Nesse caso é possível inferir que as práticas grupais têm um papel fundamental na construção
do empoderamento e da autonomia de grupos excluídos, como é caso das mulheres.
Nesse caso, as práticas educativas, desenvolvidas no Parque Eliane, junto à
Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”, têm demonstrado que as mulheres
111
envolvidas nesse processo sentem-se mais fortes, seguras e confiantes, pois, juntas, elas estão
transformando a si mesmas e dando sua contribuição para transformar a comunidade em que
vivem. Constatamos, também, que a organização na Associação foi um aspecto que
contribuiu para a mudança de percepção. Retratam a contribuição que a Associação tem para
construção de outra auto-estima desse modo:
Passei a ter mais confiança em mim mesma e me relacionar melhor com as pessoas [...]. E ser
um exemplo para meu filho. (MP04. Questionário).
[...] eu ter conhecido muitas amigas (MP03. Questionário).
[...] uma contribuição muito boa porque eu era muito tímida e hoje não sou mais (MP06.
Questionário).
[...] contribui para que eu aprenda a conviver em grupo (MP07. Questionário).
O grupo contribuiu bastante com o meu bem estar, conquistei outras amizades tendo
conhecimento de cada uma delas e mi sinto muito bem em estar participando do grupo
“Mulher Perseverante” (MP013. Questionário).
[...] sinto mais coragem de enfrentar qualquer obstáculo. Para mim é uma terapia
. (
MP10.
Questionário).
Podemos perceber nas falas supracitadas que a maioria das pessoas que, de alguma
forma passaram ou estão passando por um processo de exclusão e, principalmente, de
discriminação, aproveitam as experiências e práticas coletivas para se auto-afirmarem e,
conseqüentemente, serem reconhecidas em suas potencialidades, pois, necessitam de afeto, de
atenção, de sentir que são únicas e que seus desejos não se esgotam na luta pela sobrevivência
biológica. A MP10 descreve como se sente na interação com as mulheres e com o grupo:
O que eu queria é que cada uma dessas meninas, que pra mim são umas meninas, elas
sentissem pelo menos um terço do que eu sinto, feliz com a existência desse grupo. Na certeza
que ele só tem a crescer e esse grupo só cresce, só progride com o interesse e o amor de vocês.
Tudo que a gente faz com amor, minhas filhas, é bonito e é reconhecido. Então nós devemos
ser felizes, nos sentir feliz por ter essa oportunidade. De tá construindo esse grupo, de nosso
grupo ser reconhecido, mais longe como grupo de mulheres, [...]. A [...] é uma pessoa
fundadora desse grupo que eu conhecia, assim muito distante da gente ela não tinha esse pique
que ela tem hoje, ela não era uma pessoa espontânea, ela era um pouco isolada. Eu conheci ela
no grupo de evangelho a gente fazendo encontro na casa dela, ela assim uma pessoa tão
humilde, ela o se aproximava muito da gente. E, hoje, eu acho que ela mudou muito no
meio da gente, e nós ganhamos. Tem tanta coisa boa nesse grupo até eu acho que a metade das
coisas boas pra encobrir as coisas ruins que aconteceu. E eu acho que é o seguinte: se a
gente passou por tudo isto, hoje, a gente tem milhares de motivo pra andar de cabeça
erguida e crescer mais (Diário de um percurso - 29/10/2007).
112
Nesse depoimento podemos perceber como a interação grupal traz felicidade e
reafirma a necessidade de que os seres humanos têm de amor, aconchego, ternura,
compreensão e afeto. Para Sawaia (2003, p. 55), a alegria, a felicidade e a liberdade são
necessidades tão fundamentais quanto aquelas conhecidas classicamente como básicas:
alimentação, abrigo e reprodução.
Desse modo, podemos afirmar que as práticas educativas transformadoras contribuem
para o desenvolvimento da consciência autônoma, pois, envolvem não somente os aspectos
objetivos da prática, mas, primordialmente, os processos subjetivos, porque abarcam
sentimentos e desejos. Diante disso, Meneses (2001, p. 131) afirma que a “consciência
emancipatória surge da ação, da reflexão sobre essa ação e da apropriação dos seus
sentimentos, enquanto expressão da identidade”. Reforçando essa idéia, Sawaia (2003, p. 60)
afirma que, “quando uma ação transformadora, o afeto é indissociável da reflexão crítica,
pois as idéias da alma são as afecções do corpo e não idéias inadequadas, impostas
socialmente”.
Destacamos como relevantes ainda que, ao longo desse processo no qual foram
realizados encontros, reuniões, cursos, feiras, almoços coletivos, festas, oficinas, foram
também cultivados e vivenciados valores como amizade, solidariedade, companheirismo,
cooperação e trabalho coletivo. Assim, Espinosa (apud SAWAIA, 2003, P. 61) assevera que
“só as pessoas livres são gratas umas às outras e estão ligadas por fortes laços de amizade e as
servis ligam-se por recompensa e medo”, reafirma que esses laços e valores, vivenciados
pelas mulheres tornam-se a base para a construção de relações duradouras e saudáveis, que
poderão manter o trabalho iniciado.
Verificamos como outro aspecto que caracteriza o nível de crescimento das mulheres
em sua dimensão humana, a solidariedade e a aceitação das pessoas como elas são, com suas
deficiências, com suas dificuldades na produção e falta de agilidade na hora de resolver os
problemas. A MP10 ilustra em sua fala como deve ser essa atitude:
Eu acho que eu tenho meus defeitos, mas mesmo assim a gente tem que saber conviver com as
pessoas, tem que saber aceitar as pessoas, tem que saber que no momento difícil da minha
companheira eu tenho que ali junto com ela honestamente. Por mais pequeninha que ela
seja, por mais humilde que ela seja, por mais dificuldade que ela tenha eu tenho que está lado
a lado, me aproximar cada vez mais. Tanto é que aconteceu da [...], ela fez um negócio que
não deu certo no grupo, mas ela deve chance ainda de participar e eu acho se ela quisesse
voltar ela voltaria. Também aconteceu com a [...]. Aconteceu teve revolta e tudo, mais sempre
a gente dava com aquela coisa: falta alguém. Ah, se fulano estivesse aqui! Até que [...] chegou
a oportunidade. Hoje, a [...] tá aqui no nosso meio (Diário de um percurso - 29/10/2007).
113
Percebemos, então, que as integrantes da Associação de Produção “Mulheres
Perseverantes” possuem potenciais e sonham em construir sua emancipação sem, no entanto,
esquecer seus filhos e filhas, seus maridos/companheiros, outras mulheres e sua própria
comunidade. Dessa forma, o sonho passa a não ser somente individual, mas ganha dimensão
coletiva e transformadora que, conforme Meneses (2001, p. 137), é importante:
[...] atrever-se a sonhar, imaginar, encorajar a sonhar, fantasiar, desatar
temores e medos das possibilidades da criação, da arte. Não ter medo do
que pode o pensamento imaginoso. Conscientizar-se de que possui um
hemisfério direito com potencial à espera de sua utilização. Não há ação,
realização, empreendimento, ato, sem desejo, um sonho sonhado antes,
realizado de forma antecipada, na mente.
Nessa perspectiva, as “Mulheres Perseverantes” prosseguem na superação de sua
condição cultural de submissão pelo empoderamento que estão se apropriando, ao elevarem o
seu saber-fazer, sua competência técnico-política no processo de construção das utopias e das
esperanças de libertação de mulheres e homens protagonizando suas vidas e suas histórias de
humanização de si mesmas, das/os outras/os e do próprio espaço onde estão inseridas/os.
114
CAPÍTULO IV
GÊNERO, PRÁTICAS EDUCATIVAS E EMPODERAMENTO DE MULHERES:
POSSIBILIDADES DE (RE)CONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES DE GÊNERO
Os recursos naturais só existem
à medida que desejamos o que chamamos
de recursos naturais. O mesmo acontece com
as idéias, os valores ou os símbolos, vistos
como elementos que orientam a nossa vida,
mas que só o são até o ponto em que
aceitamos o que eles conotam ou representam
.
Humberto R. Maturana.
Neste capítulo, apresentamos um breve histórico da construção do conceito de gênero,
demonstrando suas diversas concepções e a contribuição dos movimentos sociais feministas e
de mulheres para a implementação de novos modos de ser e estar no mundo.
Além disso, analisamos a configuração das relações de gênero no contexto da
Associação de Produção Mulheres Perseverantes”, enfatizando a relação estabelecida entre
mulheres e homens e destes com seus/suas filhos/as.
4.1 Gênero: uma construção sócio-cultural
Para pensar em novas relações de gênero é preciso entender o que é e como se
construiu o que, hoje, denominamos de relações de gênero. A história da construção e do
entendimento sobre o que é gênero está intimamente vinculada à luta das mulheres e aos
estudos sobre essa temática, desenvolvido por diversas estudiosas feministas.
No entanto, esta discussão não se configura num contexto teórico de consensos, pois,
os estudos e as próprias relações têm se demonstrado complexas. Assim, as concepções sobre
essa categoria de análise têm modificado seu enfoque, deslocando-se do objeto empírico,
mulheres, para o objeto teórico, gênero. Colling (2004, p. 28) ressalta que:
A história do gender das norte-americanas, do genre francês, do genere
italiano, do geschlecht alemão e do gênero português, tem um objetivo:
introduzir na história global a dimensão da relação entre os sexos, com a
certeza de que esta relação não é um fato natural, mas uma relação social
construída e incessantemente remodelada, efeito e motor da dinâmica
social. Relação que produz saberes, como visão nova do passado, e
categoria de análise que permite reescrever a história levando em conta o
conjunto das relações humanas.
115
Utilizando-se das idéias de Simone de Beauvoir (1980), no seu livro o Segundo Sexo,
quando afirma “não se nasce mulher torna-se mulher”, os estudos feministas procuram
compreender a condição das mulheres em suas variadas dimensões e contextos.
Assim, nas duas últimas décadas esses estudos têm sido ampliados, incluindo-se
outros sujeitos, como homens, gays, lésbicas, transexuais, na perspectiva de compreender
como se dão essas relações num contexto que não é supostamente homogêneo. Para Colling
(2004, p. 28), o termo gênero:
[...] tem sido utilizado para teorizar a questão da diferença sexual,
questionando os papéis sociais destinados às mulheres e aos homens. A
categoria de gênero não se constitui numa diferença universal, mas permite
entender a construção e a organização social da diferença sexual. A história
das mulheres e a história de gênero estão interligadas, este se situa no
campo relacional.
Para compreender o processo de construção do conceito de gênero, que implica uma
concepção de como se pensa o mundo e as relações que se estabelecem neste espaço,
utilizamos os estudos de Pereira (2004). Nestas discussões podemos perceber como se
construiu e quais os fundamentos das concepções de gênero, que inspiram os estudos sobre
essa temática. Sendo assim, a autora discute a concepção de gênero a partir de quatro
conceitos: 1) o conceito sistema sexo/gênero, que expressa o esquema de pensamento
marxista das décadas de 1960, 1970 e 1980 e reforça a idéia de que o substrato biológico
existe e não pode ser colocado de lado nos estudos sobre gênero; 2) o conceito de gênero
como construção cultural e como categoria radicalmente arbitrária, na perspectiva
interdisciplinar; 3) o conceito de habitus em Bourdieu e os estudos da psicanálise
contribuindo para as interpretações sobre as estruturas simbólicas, fundamentando as
construções subjetivas das relações de gênero; e 4) O conceito de construcionismo e o
desconstrucionismo de gênero, perspectiva de análise que ressalta a reprodução das estruturas
socioculturais subjetivas.
Para compreendermos melhor este estudo, Rubin (apud, PEREIRA, 2004) apresenta o
conceito de gênero como um sistema que assegura a compreensão dos sujeitos sociais
sexuados, entrelaçados ao sistema de sexualidade. Nesse caso, o sistema a que se refere a
autora é como um conjunto de arranjos pelo qual a sociedade transforma a sexualidade
biológica. As relações não resultam da existência de dois sexos e sim de um sistema
sexo/gênero. De acordo com Pereira (2004, p. 179), a análise de Rubin faz rupturas com a
116
teoria funcionalista, na qual os princípios dos arranjos de gênero se destinam a assegurar a
reprodução social. Reflete, ainda, a teoria marxista que marcou o princípio da igualdade”,
sendo influenciada pela abordagem da dialética do materialismo histórico.
Ainda, sobre o conceito sistema sexo/gênero, Pereira (2004) afirma que outras autoras
feministas dão novas dimensões ao biológico, percebendo-o como significado sensível e
simbólico, mesmo expressando o gênero como o conhecimento sobre a diferença sexual. Para
reforçar essa idéia, Scott (1990, p. 197) conceitua gênero como “elemento constitutivo das
relações sociais, baseado em diferenças percebidas entre os sexos e gênero, é a maneira
primordial de significar relações de poder”.
É importante, ainda, analisarmos as diferenças entre sexo e gênero na medida em que
sexo diz respeito às características fisiológicas relativas à procriação, à reprodução biológica.
As diferenças sexuais são encontradas em todos os mamíferos, porém, não determinam o
desenvolvimento posterior em relação ao comportamento, interesses, estilo de vida,
responsabilidade ou papéis a desempenhar, nem tampouco determinam o sentimento ou a
consciência de si mesmo, nem das características da personalidade. Enquanto as diferenças
sexuais são físicas, as diferenças de gênero são socialmente construídas, referem-se às pessoas
e às relações delas entre si (STREY, 1998).
É com essa compreensão que Butler (apud PEREIRA, 2004) afirma que a diferença
entre sexo e gênero está no significado social que o sexo assume, no interior de cada cultura;
enquanto o gênero emerge, não como um termo em uma permanente relação de oposição ao
sexo, mas como elemento que absorve e desloca o sexo.
No que se refere ao conceito de gênero como construção cultural e como categoria
radicalmente arbitrária, na perspectiva interdisciplinar, Rago (apud PEREIRA, 2004) parte de
aporte pós-estruturalista de Foucault e afirma ter a categoria gênero vocação relacional,
sobretudo cultural, trazendo outras representações sociais como: as questões relativas à
constituição dos valores culturais, à instituição do imaginário social, à produção das
identidades sociais e das subjetividades.
Vendo por este prisma, os aspectos culturais, sociais e econômicos passam a ter
importâncias significativas, pois, é a partir desse olhar que várias pesquisadoras feministas
passam a enfocar seus estudos, valorizando a interdisciplinaridade. Apresenta, também, a
possibilidade de reconhecimento de vários sujeitos/objeto de análise, além de não reduzir as
discussões ao estudo da dominação patriarcal. Corroborando com esse pensamento, Maturana
(2004, p. 17) afirma que:
117
As diferenças de gênero (masculina e feminina) são somente formas
culturais específicas de vida, redes específicas de conversações. É por isso
que os diferentes valores que nossa cultura patriarcal confere às diferenças
de gênero não têm fundamento biológico. [...] distinções sexuais entre
homem e mulher são biológicas, mas o modo como as vivemos é um
fenômeno cultural; [...] tais diferenças, próprias de nossa cultura patriarcal,
referem-se ao modo como vivemos culturalmente nossa diversidade
biológica, a partir de um fundamento de igualdade em nosso biológico
cultural.
A contribuição do conceito de habitus, em Bourdieu, para os estudos de gênero
representa um aporte desvendador da origem da desigualdade entre os sexos, partindo da
oposição entre o masculino e o feminino. Essa oposição, segundo Bourdieu (1995, p.139):
[...] provoca uma divisão arbitrária das coisas e das atividades que sendo
semelhantes na diferença, são suficientemente concordantes para se sustentar
mutuamente. Oposições essas, representativas das estruturas simbólicas,
produzidas para diferenciar homens e mulheres, inculcando normas e valores
e se encarnando nas estruturas mentais”.
Outra linha de estudo, a das feministas influenciadas pela psicanálise lacaniana,
considera que a determinação sexual está no inconsciente. Isto não elimina a possibilidade de
criticar a definição patriarcal do “feminino” na ordem simbólica; ao contrário, muitas
psicanalistas iniciaram uma busca para registrar esta alteridade” ou “diferença” que não é o
feminino tal como é dito na cultura masculina. Esta corrente defende que a diferença sexual se
funda, não apenas em anatomias distintas, mas em subjetividades vinculadas a um processo
imaginário: o sexo se assume no inconsciente, independente da anatomia (LAMAS, 2000).
De acordo com Lamas (2000, p. 20), “ainda que o gênero esteja inscrito culturalmente
e inculcado inconscientemente, ele é transformável, alterável e reformável, não pela vontade,
mas sim histórica, cultural e psiquicamente”.
Outras abordagens de destaque para os estudos de gênero são os conceitos de
construcionismo e o de desconstrucionismo de gênero, perspectivas de análise pós-moderna
que ressaltam a reprodução das estruturas socioculturais subjetivas e resistência na subversão
de novos modelos interpretativos de gênero. Partem de estudos sobre as sociedades
complexas, nas quais a realidade das relações de gênero, segundo Pereira (2004, p. 185), tem
mostrado que cada grupo humano elabora estruturas sistêmicas e que as relações de gênero,
em seus papéis, são determinadas por convenções sociais. Este conceito tem como princípio a
118
luta pela igualdade e defesa do direito à diferença e que, segundo Bernardes e Guareschi
(2004, p. 200):
[...] oferece-nos a idéia de uma desnaturalização da realidade, ao entender
que a realidade é uma proposição explicativa, através da qual o mundo não
estaria anterior à experiência que fazemos dele, mas a de que construímos
conhecimentos acerca desse mundo ao mesmo tempo em que este constrói
conhecimentos a nosso respeito.
É, então, nessa lógica que os movimentos feministas se inserem de forma toda especial
no processo de construção do conceito de gênero e, necessariamente, de cidadania das
mulheres. Como discute Touraine (2007, p. 19), [...] “o movimento feminista transformou
profundamente a condição das mulheres em diversos países e permaneceu mobilizado onde
a dominação masculina ainda conserva sua força”.
Os movimentos de mulheres assumem uma visão crítica das contradições e das
limitações das grandes transformações históricas, a exemplo das revoluções americana e
francesa que excluíram as mulheres dos parlamentos e dos governos, negando-lhes o direito
básico de votar e de ser votada. Essa luta emerge em meados do século XIX e se consolida na
primeira metade do século XX, período em que as mulheres começaram a dar visibilidade às
suas reivindicações, garantindo esse direito em praticamente quase todos os países do mundo,
o que na visão de Rago (1998, p. 28), é:
[...] na luta pela visibilidade da “questão feminina”, pela conquista e
ampliação dos seus direitos específicos, pelo fortalecimento da identidade
da mulher, que nasce um contradiscurso feminista e que se constitui um
campo feminista do conhecimento. É a partir de uma luta política que nasce
uma linguagem feminista.
Ainda conforme Rago (1998, p. 30), “as mulheres incorporam a dimensão subjetiva,
emotiva, intuitiva no processo do conhecimento, questionando a divisão corpo/mente,
sentimento/razão. O pensamento feminista trouxe a subjetividade como forma de
conhecimento”.
As conquistas obtidas pelas mulheres se devem às suas organizações em movimentos
sociais. A organização da luta feminista teve início nos Estados Unidos, sendo que no Brasil
os movimentos sociais populares têm efervescência maior a partir dos anos de 1980. Esse
período, pós-ditadura, caracteriza-se pela luta de rua, pelas grandes manifestações, pelos
embates políticos, que objetivavam a melhoria das condições de vida da população.
119
Reivindicavam-se escolas, creches, postos de saúde, transporte. Nesses momentos, a presença
da mulher partia de necessidades imediatas, daquelas ligadas ao seu cotidiano, ao seu bairro.
Na cada de 1990, as ações dos movimentos sociais caracterizavam-se pela
institucionalização de suas bandeiras de luta e de sua organicidade, garantindo o
desenvolvimento de ações e agendas mais articuladas e propositivas em âmbito regional,
nacional e até mundial. Nessa perspectiva, foram realizadas conferências internacionais, como
a de Beijing
18
, em 1995, na qual foi elaborada uma plataforma de reivindicações, com o
compromisso dos países presentes em assumir a luta pela melhoria da condição de vida das
mulheres. Neste período, no Brasil, foram aprovadas cerca de 30 leis voltadas, direta ou
indiretamente, para a afirmação e ampliação dos direitos das mulheres, podendo-se destacar a
legislação sobre: planejamento familiar, união estável; cotas por sexo para as eleições
proporcionais, proteção ao mercado de trabalho das mulheres; registro de paternidade.
Diante desse contexto, as mulheres passam a compreender que a luta por direitos,
cidadania e igualdade não está restrita somente ao sexo feminino, que é necessário envolver
diversos segmentos e, prioritariamente, os homens. A temática sobre a mulher passa, então, a
ser discutida a partir das relações de gênero, compreendida como as relações entre mulheres e
homens, mulheres e mulheres, homens e homens que, na idéia de Saffioti (2004, p. 44),
implica “o respeito a uma categoria histórica que pode regular não apenas relações entre
homem-mulher, mas também relações homem-homem e relações mulher-mulher e é uma
construção social do masculino e do feminino”.
Esclarecendo essa questão, Strey (1998) afirma que a construção cultural do gênero é
evidente quando se verifica que ser homem ou ser mulher nem sempre supõe o mesmo
significado em diferentes sociedades ou em diferentes épocas. Ou seja, ser homem ou mulher
depende dos costumes de cada lugar, de cada sociedade, da experiência cotidiana das pessoas,
variando de acordo com as leis, as religiões, a maneira de organizar a vida familiar, a vida
política de cada povo ao longo da história. As relações de gênero e as representações de
gênero também não variam apenas de um povo para outro, que dentro de uma mesma
sociedade elas também podem mudar de acordo com a classe social, com a raça, com a idade.
18
A Quarta Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, realizada em Beijing, China, de 4 a 15 de setembro de
1995, reuniu 189 países com representantes de cerca de 180 delegações governamentais e 2.500 organizações não-
governamentais para discutir várias questões relacionadas com a mulher. Neste evento foram abordados os temas: Igualdade,
Desenvolvimento e Paz. Nesta ocasião, foram assinados dois documentos: o primeiro de natureza política a Declaração de
Beijing; e o segundo a Plataforma de Ação, que identifica os obstáculos que existem para o pleno desenvolvimento das
mulheres e traça estratégias e ações com vistas a sua superação, dando condições para a ampliação dos mecanismos de
pressão política (BRASIL, 2008b).
120
Nesta perspectiva, podemos assegurar que as relações de gênero construídas social e
culturalmente vêm ao longo do tempo sofrendo modificações. Para os gregos, a mulher era
excluída do mundo do pensamento, do conhecimento, tão valorizado pela sua civilização.
Com os romanos é instituído juridicamente o “paterfamília”, legitimando a discriminação
feminina e atribuindo ao homem todo poder sobre a mulher, os/as filhos/as, os servos e os
escravos (COLLING, 2004).
Recorrendo a Reis (1992), podemos fazer breve análise sobre o papel desempenhado
pela mulher nos diferentes tipos de família para compreendermos como a visão que temos
relativa a esse assunto foi se formando. O autor, em seu texto "Família, Emoção e Ideologia",
analisa quatro tipos de família, ressaltando os diferentes papéis da mulher.
Assim, na família aristocrática a mulher tinha como função a organização da vida no
castelo e o seu trabalho era desvalorizado. na família camponesa, o trabalho feminino
passou a ser valorizado, não pela sua importância, mas pela necessidade da presença da
mulher no trabalho do campo. É na família proletária que a mulher começa a se dedicar ao lar,
dedicação essa que foi reforçada no século XIX com o surgimento da família pequeno-
burguesa. O lar passou a ser o espaço exclusivo da mulher, com a função de cuidar da casa, do
esposo e da educação dos filhos, tornando-se dependente exclusivamente do marido. Foi
nesse tipo de família que a mulher passou a ser considerada angelical, frágil, incapaz de
resolver qualquer tipo de problema sem orientação do pai ou do marido/companheiro.
Essa compreensão da mulher como sexo frágil, incapaz de sobreviver sem ajuda do
homem, que se consolidou no século XIX, no seio da família burguesa, sobressaiu-se das
demais e predominou, por muito tempo, sendo presente até hoje.
De acordo com Anyon (1990), a visão tradicional a respeito da questão de gênero que
enfoca o homem como provedor, administrador da vida familiar e a mulher como sexo frágil,
submissa e restrita ao espaço doméstico, está desconectada das necessidades da realidade
atual e acrescenta ainda que:
A contradição predominante enfrentada por muitas das mulheres da classe
trabalhadora e da classe média baixa consiste em que a carga de
feminilidade (ser submissa, subordinada ao homem, dependente e
doméstica) está em franca desconexão com as necessidades cotidianas de
suas vidas [...] manifesta-se na ruptura entre a vontade de seus maridos de
que permaneçam em casa e sejam submissas e a necessidade de
reconhecimento de sua competência e de auto-estima (p. 14).
121
Para compreendermos em que se fundamentam essas mudanças, lembramos Saffioti
(1979, p. 181) quando registra que:
[...] é com base na análise das flagrantes incongruências entre um mundo
em mudanças e idéias consagradas sobre a condição da mulher nas
sociedades competitivas, que poderemos elaborar argumentos contra a
sabedoria convencional, na medida em que esta faz parte constitutiva do
conjunto de mitos que situam a mulher, direta ou indiretamente, consciente
ou inconscientemente, num plano inferior àquele que coloca o homem e que
tentam explicar tal inferioridade em termos de uma evolução desarmônica
da sociedade.
Frente a esses elementos de análise, pressupomos que é imprescindível procurarmos
desconstruir essa realidade para que se construa uma relação na qual haja igualdade e, de fato,
homens e mulheres exerçam verdadeiramente a cidadania, pois, não existe democracia sem
direitos sociais iguais, voltados para todos/as os/as cidadãos e cidadãs de acordo com suas
necessidades, pautadas pelas suas diferenças (LOURO, 1997).
Ainda com relação à desconstrução do real, Louro (1997, p. 31-32), em seu texto
“Gênero, sexo e sexualidade”, explicita a necessidade da desconstrução do gênero,
acrescentando que:
Desconstruir a polaridade rígida dos gêneros, então, significa problematizar
tanto a oposição entre eles quanto a unidade interna de cada um. Implica
observar que o pólo masculino contém o feminino [...] e vice-versa;
implicaria também perceber que cada um desses pólos é internamente
fragmentado e dividido. [...] a desconstrução faz perceber que a oposição é
construída e não inerente e fixa. A desconstrução sugere que se busquem os
processos e as condições que estabeleceram os termos da polaridade. Supõe
que se historicize a polaridade e a hierarquia nela implícita.
Para essa mesma autora, as relações de nero carregam uma lógica dicotômica, na
qual a idéia que prevalece é a de que a relação masculino-feminino constitui uma oposição
entre um pólo dominante e outro dominado. No entanto, o processo de desconstrução permite
perturbar essa idéia de relação de via única e observar que o poder pode, na verdade, fraturar e
dividir internamente cada termo da oposição dessa relação.
É a partir da perspectiva da discussão de gênero como construção cultural que este
trabalho de dissertação está sendo realizado, pois compreendemos que as relações são
construídas socialmente e a cultura passa a ter uma significativa importância para a definição
dos papéis sociais de mulheres e homens. Este estudo é, também, fundamentado em aspectos
122
dos estudos da psicanálise, porque parte da compreensão da articulação entre aspectos sociais,
culturais e psíquicos capazes de serem transformados, alterados e modificados.
Entendemos, portanto, que, para mudarmos qualquer situação de subordinação e
exclusão existente em nossa sociedade, é imprescindível que nossas emoções, e não só a razão
determinem o que fazemos ou deixamos de fazer. Nesse caso, podemos afirmar que
precisamos modificar a nossa forma de ver e estar no mundo para assim modificar as relações
entre mulheres e homens. Nesta perspectiva, Maturana (2004, p. 33) afirma que:
[...] o fluxo do emocionar muda com o fluir das coordenações de ações.
Portanto, ao mudar o significado das palavras modifica-se o fluxo do
emocionar e nesse caso a cultura passa a exercer um papel de construção
desse novo emocionar, pois, ao surgir uma comunidade humana começa-se
a conservar umas redes de conversações como a maneira de viver dessa
comunidade, desaparecendo ou mudando quando tal rede de conversações
deixa de ser preservada.
Para compreendermos as mudanças culturais ocorridas em uma determinada sociedade
ou grupo social é preciso entender como ocorrem as mudanças no emocionar, as mudanças
nas subjetividades. Por isso, devemos, então:
[...] ser capazes de caracterizar a rede fechada de conversações que [...]
constituem a cultura que vive tal comunidade. Devemos também reconhecer
as condições de mudança emocional sob as quais as coordenações de ações
de uma comunidade podem se modificar, de modo a que surja nela uma
nova cultura (MATURANA, 2004, p. 35).
Assim,
entender como se formou a cultura patriarcal é indispensável para compreender
como é possível a construção de novas relações de gênero. Na cultura patriarcal discutimos
como lutar contra a pobreza e o abuso, combater a contaminação ou enfrentar a agressão da
natureza. Vivemos como se todos os nossos atos necessitassem do uso da força e como se
cada ocasião para agir fosse um desafio. Tentamos o controle do mundo natural, dos outros
seres e de nós mesmos e ao tolerar a diferença pensamos que poderíamos levar o/a outro/a ao
bom caminho. Em nossa cultura patriarcal vivemos na desconfiança da autonomia dos/as
outros/as, vivemos decidindo pelas outras pessoas o que é bom para elas e estamos em
constante respeito às hierarquias, que exigem obediência. Estamos sempre prontos a tratar os
desacordos como disputas ou lutas (MATURANA, 2004).
Ao se contrapor a esse modo de vida patriarcal, Maturana (2004) apresenta a cultura
matrística como uma alternativa em que mulheres e homens constroem juntos os rumos da
123
sociedade e de sua cultura inspirados nos povos agricultores e coletores que viveram entre
sete e cinco mil anos antes de Cristo. Segundo esse mesmo autor (2004, p. 39), tais:
[...] povos não fortificavam seus povoados, não estabeleciam diferenças
hierárquicas entre os túmulos dos homens e das mulheres, ou entre os
túmulos dos homens, ou entre os mulos das mulheres. [...] esses povos
não usavam armas como adorno, e que naquilo que podemos supor que
eram lugares cerimoniais místicos (de culto), depositavam principalmente
figuras femininas. [...] as atividades de cultos eram centradas no sagrado da
vida cotidiana, num mundo penetrado pela harmonia da contínua
transformação da natureza por meio da morte e do nascimento [...].
Assim, ao introduzir a cultura patriarcal, que é um pensamento linear e que ocorre
num contexto de apropriação e controle, construímos conversações que refletem sentimentos
de guerra, luta, negação mútua na competição, exclusão, autoridade e obediência e poder, o
bom e o mau, tolerância e intolerância. Ao contrário, a cultura matrística ocorre num contexto
de amor e consciência da interligação de toda a existência, desenvolvendo sentimentos de
participação, inclusão, colaboração, compreensão, acordo, respeito e co-inspiração.
Para melhor compreendermos as idéias de Maturana (2004), apresentamos, a seguir,
um paralelo desses dois modos de vida:
NA CULTURA PATRISTICA
NA CULTURA MATRÍSTICA
Conversações
Apropriação Participação
A fertilidade surge como uma noção que
valoriza a procriação, num processo
contínuo de crescimento;
A fertilidade surge como uma visão da
abundância harmoniosa de todas as
coisas vivas, numa rede coerente de
processos cíclicos de nascimento e
morte;
A sexualidade das mulheres se associa à
procriação e fica sob o controle do
patriarcado;
A sexualidade das mulheres e dos
homens surge como um ato associado à
sensibilidade e à ternura;
A desconfiança é vista como um a
priori nos relacionamentos
interpessoais.
A confiança é vista como um a priori
nos relacionamentos interpessoais;
As relações interpessoais são baseadas
no modelo autoritarismo-obediência-
vigilância-controle; desejo de
domínio;
As relações interpessoais são baseadas
no modelo amizade-cooperação-
companheirismo-consenso; desejo de
interpessoalidade;
A guerra e a competição são encaradas
como virtudes e modos naturais de
convivência;
Questionamento da guerra como
instrumento de solução de desavenças;
O pensamento é o linear. Não aceita O pensamento é o sistêmico: aceita
124
refletir sobre os paradoxos e diferenças,
e valoriza a seqüencialidade e a
repetição;
refletir sobre os paradoxos e
diferenças, e valoriza a circularidade e
a diversidade;
Não aparece uma posição intrínseca
entre homens e mulheres, mas estas são
subordinadas aos homens em função da
apropriação da procriação como um
valor;
Não aparece uma oposição entre
homens e mulheres nem
subordinação de uns com os outros.
O viver patriarcal de homens, mulheres
e crianças surge, ao longo de toda a
vida, como um processo natural.
O viver matrístico de homens,
mulheres e crianças surge, ao longo
de toda a vida, como um processo
natural.
Quadro 02 – Comparativo dos modos de vida patriarcal e matrístico.
Fonte: Maturana (2004, p. 75-76).
Ao analisar esses dois modos de vida podemos afirmar que, construir novas relações
de gênero implica em mudanças culturais que subtendem alterações no modo de convivência
cotidiana das pessoas, de forma que essas possam modificar suas subjetividades tendo como
ponto de partida as mudanças nas relações com as crianças, jovens e com os idosos, pois, é
nas relações intergeracionais que uma cultura se mantém e se preserva.
Com a intenção de provocar mudanças na prática, tanto individual quanto coletiva, o
projeto de intervenção “Sujeitos e Saberes”, através da pesquisa-ação, procurou em todo seu
processo envolver mulheres, homens, crianças, jovens e idosos num contexto em que as
relações se configuram numa cultura patriarcal.
Desse modo, consideramos que, aos poucos, as atividades desenvolvidas nesse
processo de pesquisa-ação vêm colaborando para o empoderamento das mulheres da
Associação de Produção “Mulheres Perseverantes” na dimensão em que possibilita a
construção de novas relações de gênero. Destacamos a seguir como se relacionam mulheres e
homens, nesse contexto.
4.1.1 A configuração das relações de gênero na família das “mulheres perseverantes”
A configuração das famílias
19
brasileiras vem aos poucos sofrendo variações, são
famílias chefiadas por mulheres, famílias sem filhos, famílias compostas pelo pai e seus
19
Diferentes pensamentos expressam o conceito de família. Para uns o conceito de família nos remete à idéia de um grupo
de parentes co-residentes, cujo parentesco pode advir de consangüinidade, aliança ou adoção. Para esse grupo, a finalidade
precípua de sua existência é a manutenção econômica, a identificação individual e coletiva. É, também, o espaço
indispensável para a garantia da sobrevivência, do desenvolvimento e da proteção integral de seus membros,
independentemente do arranjo familiar ou da forma como vêm se estruturando. É a família que propicia os aportes afetivos e,
sobretudo, materiais necessários ao desenvolvimento e bem-estar de seus componentes (SILVEIRA, 2000). Para outros a
“família é quem você escolhe pra viver. Família é quem você escolhe pra você, não precisa ter conta sanguínea. É preciso ter
sempre um pouco mais de sintonia” (RAPPA, 2005).
125
filhos/as, famílias recompostas. Dentre os múltiplos fatores, a participação efetiva das
mulheres no espaço público tem contribuindo significativamente para que mulheres e homens
atuem de outro modo nesse novo redesenho. Portanto, do singular família passa-se a utilizar o
termo famílias para demonstrar outras composições familiares. Apesar de, nessas novas
configurações, ser exigido aos homens a colaboração no trabalho doméstico e no cuidado com
as/os filhas/os, ainda é da mulher a tarefa de cuidado dos/as filhos/as, mantendo-se os homens
apenas como coadjuvantes.
Assim, na pesquisa realizada junto às mulheres da APMP e seus respectivos
maridos/companheiro podemos observar que a maioria dos casais preserva a relação e tentam
de alguma forma dividir responsabilidades. A seguir, veremos, a partir de dados dos grupos
focais realizados com mulheres e homens, separadamente, como se configuram suas relações
no espaço da família.
4.1.1.1 Relação das mulheres com seus maridos
As famílias das “mulheres perseverantes” mantêm o padrão da família nuclear
formada pelo marido, esposa e os/as filhos/as. Em alguns casos os/as filhos/as são acrescidos
pela presença de netos ou netas. São famílias pequenas, em média formadas por 05 (cinco)
pessoas.
Ao desenharem e, posteriormente, descreverem suas famílias nos encontros do grupo
focal, as mulheres e os homens, citam componentes como filhos, netos, afilhado adotivo,
maridos, um cachorro de estimação e uma árvore, figuras que compõem o quadro familiar.
Em algumas vezes, a presença do cachorro é tão importante que o comportamento desse
animal chega a ser comparado com o da criança.
Aqui é minha casa. Aqui é uma palmeira. Ela tem dois cachos de coco. Aqui é meu marido
saindo e eu também, aqui é a [...] e aqui é o Deque (cachorro) e outro pé de planta. Lá em casa
nós somos três. Dois adultos e uma crianças, quatro com o Deque. O Deque é atencioso
mais a [...] não, mas com fé em Deus ela vai melhorar. (MP11)
Aqui é eu e meu marido. Aqui é minha casa eu estou sentada fazendo crochê. Minha pitbul
Lilica (rs,rs,rs). (MP01)
Aqui é minha casa, minha esposa [...] e a menina (HP01).
Eu desenhei eu, meu marido e meus dois netos, mas são doze pessoas dentro da minha casa.
Estão juntos na hora do almoço e do jantar. (MP15)
Aqui sou eu, a mulher e os dois meninos e o pé de cajá (HP03).
126
Aqui é minha família. Aqui é um adotadinho, meu afilhado que tá sempre na minha casa.
(MP14).
Figura 11: Ilustração da MP14
Fonte: Grupo focal realizado com as mulheres
Eu desenhei eu, mamãe e o [...]. Tem mais gente em casa mais se for botar tudinho precisa
ser três cartolinas. (MP03)
Não consegui me expressar através do desenho, minha gente. Mas em casa é eu, meu
esposo, duas crianças. (MP04)
Fiz eu, o [...], a [...], a neném, o cachorro. Estamos em frente a casa. Estamos aqui reunidos
olhando para o pancada (HP05).
Aqui é minha família. Família unida. Aqui sou eu fazendo crochê de tarde, aqui é a nenê,
brincando de boneca. Aqui é [...] andando de bicicleta. Aqui é o [...] lavando o carro. (MP05)
Figura 12: Ilustração da MP05
Fonte: Grupo focal realizado com as mulheres
127
Constatamos, a partir desses depoimentos, que as mulheres embora vivendo em
condições muito contraditórias, possuem uma visão aparentemente harmônica do espaço onde
vivem mantendo uma relação integrada com a natureza e com os animais. Essa relação
demonstra certo distanciamento de alguns valores do mundo capitalista (desrespeito com o
meio ambiente, por exemplo) e forte vínculo com as origens rurais de onde a maioria dessas
famílias veio.
Demonstram, ainda, em seus desenhos, a importância que a casa tem para formação da
identidade da família no território Parque Eliane. Uma das mulheres apresenta sua casa e
expressa seu sonho, que é o da maioria dessas mulheres de um dia poder vê-la em melhores
condições:
Sejam bem-vindas a minha casa. Eu sonho de ver minha casa como eu gostaria dela ser. Mas
um dia nós chegamos lá, ainda falta muita coisa. Aqui é minha família, meu esposo, meus dois
filhos. Aqui é o [...] mais a [...] e a mimosa. Aqui é eu e o [...]. Plantei meu pezinho de manga,
daqui uns dias vou botar uma redinha (rs,rs,rs). Eu tou sonhando em botar a rede lá,
(MP08).
Possuir uma casa em boas condições passa a ser, neste contexto, uma das prioridades,
pois, como nos referimos no Capítulo I, o déficit habitacional em Teresina chega a ser de
47 mil casas.
No que se refere à configuração da relação das “mulheres perseverantes com seus
maridos, podemos observar que se apresentam através de várias formas de relacionamentos.
Estas formas, numa cultura patriarcal, se configuram com traços explícitos de conservação do
papel da mulher, traços que demonstram dureza na relação e traços que evidenciam a
cooperação na relação entre eles e elas.
As falas abaixo demonstram traços explícitos de conservação do papel da mulher
como a responsável pelo cuidado de casa e dos filhos/as. Na maioria das vezes, as mulheres
abdicam do próprio lazer e da companhia do marido para cuidar dos filhos/as e da casa.
[...] em casa às vezes o marido acha que tem que ir pra festa, sai euo vou. Ele faz muito
isso. As pessoas têm até vergonha de dizer: Ele vai é muito pra festa. As pessoas dizem: por
que tu vai? Ele diz assim: ah! sou homem, eu posso ir. Eu não vou deixar meus meninos
sozinhos pra ir pra festa (MP04).
Ele trabalha de noite e eu trabalho de dia, mas ele me ajuda de dia. A gente se encontra dia de
segunda a noitinha. Ele gosta mais quando eu passo o cafezinho, ali ele acha que eu fiz o
almoço, a janta, tudo, ta entendendo, ele gosta. Na hora que ele chega do serviço o café
no ponto, ele gosta (MP06).
128
Verificamos, nesse caso, que as mulheres acabam não dando prioridade ao descanso e
ao lazer, preferindo cuidar dos filhos/as. Isto ocorre, de acordo com Oliveira (2007, p. 110),
porque “o tempo das mulheres para descanso e lazer não acontece na mesma freqüência e
qualidade vivenciadas pelo homem. Tal discussão sobre o tempo tem facilitado a percepção
de como as mulheres organizam a vida cotidiana em torno do trabalho reprodutivo e como a
divisão sexual é alimentada, no âmbito familiar, pela separação cultural entre trabalho de
homem e trabalho de mulher”.
as expressões relatadas, a seguir, apresentam como algumas mulheres enfrentam
situações problemas em relação a seus maridos. Na maioria das vezes, chegam a ser violentas
para marcar posição diante de situações como o alcoolismo, a ausência do marido em casa e
em momentos importantes da caminhada dessas mulheres como expressam as falas das
MP15, MP10 e da MP05, respectivamente:
Eu brigo muito, sou muito abusada, muito antipática. Até com o meu marido. No dia que eu
me zango, pego o facão vou atrás dele. Ele entra dentro do quarto e eu fico no da porta.
em casa o negócio é quente (rs,rs,rs). Quando os filhos é pequeno a gente é mandada,
humilhada, a gente é pisada. A gente aquenta tudo porque tem os filhos. Depois quando os
filhos crescem é que a gente se liberta. É como aquela história. O que vir é lucro. No meu
caso eu digo isto. Eu sempre digo pra [...]: O que vir é lucro. A gente não trabalha, é
sustentada por ele.
Nosso relacionamento é médio. Existe um pouco de incompreensão porque. Então é um pouco
assim meio ruim porque ele não me acompanha, nos lugares que eu vou, principalmente, nos
lugares que eu preciso de uma companhia, né. Ele nunca pode me acompanhar. Tem
momentos que ele não quer aceitar a minha caminhada, mas ele aceita porque ele me achou
caminhando na comunidade. Quando eu comecei com o grupo ele achou que não dava certo,
que eu não me aquietava. Ele bebia muita cachaça e me desaquietava, foi capaz.... Nunca me
bateu, graças a Deus nunca chegou a esse ponto mais a bebida, chegava a me dizer coisa que
eu nunca tinha ouvido quando eu era sozinha. E por isso chegou o dia de eu sair de casa,
passei uns dias fora de casa. Ele andava choramingando, se mal dizendo das coisas. Disse que
ia vender a casa, era pra mim assinar pra vender a casa, que não dava pra ele ficar aqui. Eu
imaginei! Se ele vender essa casa ele vai morrer no meio da rua ou vem então, ele vem de
novo pra onde eu to, pra minha casinha.
O relacionamento na família é bom. Eu brigo assim com ele quando eu não quero que ele
vá pra Palmeirais, fico zangada, mas dentro de casa é bom.
No entanto, alguns traços de inovação são demonstrados quando as mulheres se
referem à divisão das tarefas. Assim relata uma das mulheres:
[...] E a minha convivência com meu marido... Todo casal briga, tem dificuldade, mas em
termos assim, de ser um bom pai, um bom marido ele é. Ele me ajuda. Se eu estou lavando
129
uma roupa ele faz o almoço, se eu estou limpando a casa ele faz o almoço. Ele presente em
tudo. [...] Minha família é tudo, minha casa. Minha família em primeiro lugar. (MP08)
Esta constatação nos leva a pensar que, a atitude das mulheres em organizarem-se, ter
mais acesso à informações e por serem casais mais jovens (73% estão na faixa etária de 20 a
40 anos) tem interferido no comportamento dos homens, no que se refere à divisão das
tarefas, mesmo que não haja uma mudança radical na divisão sexual do trabalho.
As falas relativas a esta questão apresentam, ainda, a preocupação das mulheres com
as dificuldades financeiras e com o alcoolismo. Segundo vimos, estes aspectos trazem grandes
ameaças para a relação conjugal, na maioria das vezes, é o grande causador de desavenças na
família e brigas entre o casal, determinando o grau de satisfação ou não com a relação. As
MP04, MP08, MP11 retratam essa situação:
[...] A convivência é boa. A gente tem algumas dificuldades, assim financeiras, mais nada que
possa dizer que a convivência seja ruim [...].
[...] Mas tem um defeito, gosta de uma cachacinha. Nossa briga maior é por causa da
bebida, mas não porque ele chega em casa bagunçando, é porque eu não gosto que ele beba,
né. A antipática mesmo sou eu, da história.
Eu mais o [...] não andamos brigando não, graças a Deus. brigamos por causa dumas
cervejinhas, mas eu que falo. Ele chega se joga em cima de uma cama, o diz nem um,
nem dois. Quem quiser falar que fale. Ele não tá nem aí. Só vai dormir e comer [...]
Ao discorrerem sobre suas famílias constatamos a existência de dois grupos de casais:
um formado com casais mais jovens (73% na faixa etária de 20 a 40 anos) e outro por casais
mais idosos (27% na faixa etária entre 41 a mais de 60 anos). No grupo mais jovem, os dados
nos revelam um nível maior de conflito entre a possibilidade de construção de uma relação
mais cooperativa e a conservação do papel da mulher como a responsável pelo cuidado da
casa, do marido e dos/as filhos/as. No grupo de casais mais idoso/a, observamos a
manutenção de traços de conservação do papel da mulher caracterizando uma relação que
parece já estar no fim e que por isso não poderá mais ser modificada e o que importa é aceitar
e tolerar um ao outro. Assim demonstram os depoimentos:
[...] o nosso relacionamento é obrigado ser eterno, porque nós dois já somos idosos. Nós não
podemos mais se largar um pro lado outro pra outro porque não tem quem queira nós, .
Então nós vivemos se tolerando e tentando [...] (MP10
).
[...]Não venha dizer que você nunca foi humilhada. Tem palavra que dói mais do que uma
pancada. O mundo vai se acabar não. Nós vamos se acabar, o mais novo e o mais velho e
130
nunca vai ter igualdade. Tu entende, nós com os homens. Eu acho que nunca vai ser igual.
Porque foi uma coisa que ficou do começo do mundo, não foi? Muda alguma coisa, mas não
muda tudo (MP15).
Nesse sentido, é possível inferir que a maioria das mulheres está casada muitos
anos, pois, possuem em média 8 anos de casadas ou que vivem juntos, sendo que o casal que
tem mais anos de vida conjugal possui 22 anos de casados ou vivem em união consensual e o
mais jovem 7 anos. Assim, constatamos que essas mulheres preservam a relação conjugal
apesar das dificuldades financeiras e do alcoolismo como conseqüência das condições cio-
econômicas. Tentam incluir os homens na divisão das tarefas domésticas, mesmo que eles
encararem essa função apenas como “ajuda” às mulheres e não como responsabilidades.
4.1.1.2 Relação das mulheres com suas/seus filha/os e netas/os
Os discursos referentes à configuração das relações das mulheres com seus/suas
filhos/as demonstram que as mulheres da Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”
mantêm seu papel de cuidadora dos/as filhos/as ou dos netos/as como sua maior preocupação.
No entanto, embora de forma incipiente, há demonstração de algumas mudanças quais sejam,
no compartilhamento com o marido das responsabilidades do cuidado, encarada, pelo homem,
como “ajuda” à mulher e não como cooperação na divisão da responsabilidade pela educação
e cuidado com as/os filhas/os e netos/as. Ao se referir à relação materno-infantil, Maturana
(2004, p. 15) afirma que este:
[...] é um fenômeno biológico humano que envolve a mãe, não como
mulher, mas como um adulto numa relação de cuidado. Nessas condições,
tanto a mulher quanto o homem estão, em igualdade de condições,
biologicamente dotados. Desse modo, [...] a maternidade é uma relação de
cuidado, não uma tarefa associada ao sexo.
Estes atos de compartilhamento resumem-se ao fato dos pais irem deixar as crianças
na escola, após as mães terem preparado o café, dado banho e arrumado as crianças como
relatam as falas, a seguir:
Aqui é o [...] quando sai pra escola com o pai dele, com os colegas deles, quando vai pra
escola pela manhã. [...] dentro de casa, deitada na rede. E eu estendendo as fraldas e
lavando as roupinhas dela (MP12).
A convivência é boa. Acordo bem cedo pra fazer o café, acordo os meninos pra tomar banho,
tomar café ir pra escola. vou deixar a [...] na escola de bicicleta. E assim é minha vida, o
131
relacionamento de pais e filho eu acho que não é muito diferente não. A gente conversa
bastante, eu brinco com meus filhos. União também (MP04).
Eu era sustentada pelo meu marido com cinco filhos. No dia que ele me agredir, pode sair de
casa. Ou você sai ou eu saiu (MP11).
Tenho 04 filhos, ele vai deixar os meninos no colégio, aí eu chego meio dia tudo em casa e
todo mundo tem obrigação de ajudar um ao outro (MP06)
Aqui é minha família. Família unida. Aqui sou eu fazendo crochê de tarde, aqui é a nenê,
brincado de boneca. Aqui é o [...] andando de bicicleta. Aqui é o [...] lavando o carro (MP05).
O cuidado é uma atividade indispensável para a sobrevivência da humanidade. Sendo
assim, é necessário que se desenvolvam novas aprendizagens em torno desta questão para que
homens e mulheres se tornem responsáveis por essa função. Corroborando com as idéias de
Maturana (2004), Boff (1999, p. 90) define a palavra “cuidado”, afirmando que este é um
termo derivado da palavra latina cura, que em sua forma mais antiga se escrevia coera e era
usada num contexto de relações de amor e de amizade. Outros derivam cuidado de cogitare-
cogitatus e, ainda, coyedar, coidar, cuidar que tem o sentido de cura: cogitar, pensar, colocar
atenção, mostrar interesse, revelar atitude de desvelo e de preocupação. O autor afirma ainda
que existam dois modos de ser no mundo: o modo de ser trabalho e o modo de ser cuidado.
Para ele essa atitude de trabalho-poder sobre o mundo corporifica a dimensão do
masculino no homem e na mulher e o modo de ser cuidado revela a dimensão do feminino no
homem e na mulher (BOFF, 1999). Neste caso, o fato de o cuidado estar restrito às mulheres,
como conseqüência de um modelo de sociedade, que privilegia a relação capital-trabalho em
detrimento das funções de trabalho-cuidado, podemos perceber claramente a divisão sexual
do trabalho, na qual mulheres e homens são submetidos, através das várias práticas e espaços
educativos a manterem tais relações.
Assim, muitas barreiras deverão ainda ser rompidas, pois impedem as mulheres de
construir novas relações, sendo uma delas a maneira de educar as crianças. Para Boff (1999,
p. 97):
[...] o grande desafio para o ser humano é combinar trabalho com cuidado.
Eles não se opõem, mas se compõem e ao mesmo tempo se complementam.
Juntos constituem a integralidade da experiência humana, por um lado,
ligada à materialidade e, por, outra, à espiritualidade.
Outro fator a ser destacado diz respeito ao fato de que, sendo a Associação formada
por dois grupos de casais um mais jovem e outro mais velho e com mais tempo de casado -
132
forte presença, junto a esses casais de relações intergeracionais, de outros membros que
não apenas pais e filhos, em decorrência do cuidado dispensado aos netos, filhos adolescentes
e, até mesmo, pelo contato que as crianças mantêm ao freqüentarem a Casa de Artes e Cultura
e se encontrarem com crianças de diferentes idades. A fala da MP15 expressa de forma
significativa este fato:
A convivência mesmo é o [...] o que fica dentro de casa, passa o dia, dorme e a confusão é
grande porque eu brigo muito, sou muito abusada, muito antipática. No dia que vou pescar,
porque eu não tou mais pescando por causa do negócio das redes, não tou mais pescando. [...]
Agora ele vai mais com o neto. O neto grandinho, ele vai com ele botar os anzóis de tarde,
agora pescar mesmo longe ele vai com o irmão. É isso, a gente vive da pesca. E os filhos
que ajuda (MP15).
Nessa perspectiva, os dados demonstram, também, uma preocupação dessas mulheres
com os/as filhos/as adolescentes expressando o desejo de que eles/as encontrem um rumo que
lhes segurança e estabilidade e não caiam na marginalidade com o uso de droga, como é o
que tem acontecido com a maioria dos jovens
20
. O depoimento a seguir demonstra esta
preocupação:
A convivência com meus filhos e com meu esposo é boa, mas com meus adolescentes é muito
difícil, porque quem tem filhos adolescentes, sabe?. Teimosos. Mas, sei que eu tento mostrar o
lado bom, o lado bom. O trabalho. Tento mostrar a ele que o trabalho é ótimo. Não importa
que trabalho seja, mas que o trabalho é ótimo (MP14).
Nesse caso, a relação entre mãe e filhas/os e netos, pais e filhas/os e netos se resume
em dizer o que os/as filhos/as devem fazer e não em ouvir o que pensam e desejam os/as
filhos/as.
Constatamos, também, que a maioria das mulheres, mesmo desejando se organizar,
aumentar a renda familiar mantém uma dependência dos maridos, principalmente, se as/os
filhas/os ainda são pequenos e necessitam de uma maior atenção. Em alguns casos, por super-
proteção às/aos filhas/os se recusam a sair para o lazer com seus maridos para ficar com as/os
20
De acordo com Kouri (2004, p. 2), “a violência juvenil é normalmente entendida através das atitudes transgressoras físicas,
verbais e simbólicas de jovens contra outros jovens, contra pessoas da vizinhança nas ruas e bairros onde moram, contra
colegas ou autoridades nas escolas e, inclusive, contra os pais, e contra a sociedade em geral”. De acordo com dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maior parte das vítimas de homicídios executados concentra-se na
população masculina com idade entre 15 a 24 anos, mortos através de disputas entre gangues e, sobretudo, nas chacinas
envolvendo grupos de extermínio, cujos agentes são, muitas vezes, recrutados entre as polícias civis e militares dos estados,
quando não pelas ações das próprias polícias. No Brasil, entre dezembro de 1987 e novembro de 2001, 3.937 crianças e
adolescentes morreram na cidade do Rio de Janeiro, por ferimentos à bala. Em São Paulo, apenas no ano de 2002, foram
registrados 66 chacinas com um total de 219 mortes, com mais de cinqüenta por cento dos casos envolvendo crianças e
adolescentes, e na cidade do Recife, de janeiro de 2001 a dezembro de 2002, 332 pessoas foram vítimas de grupos de
extermínio, grande parte delas constituída por jovens de até 25 anos (KOURI, 2004).
133
filhas/os em casa. Dessa realidade, podemos inferir que os/as filhos/as têm determinado, de
certa forma, o tipo de relacionamento que a mulher mantém com o marido. Na maioria das
vezes, as mulheres se submetem a determinada situação para preservar as/os filhas/os.
4.1.1.3 Relação dos homens com suas esposas
Os discursos referentes à configuração das relações dos homens, maridos das mulheres
da Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”, demonstram que os homens têm uma
visão positiva do relacionamento com suas esposas, pois, a maioria compreende que tem uma
família unida, vivem bem, em paz e na harmonia e que as crianças possuem seus espaços e
momentos de alegria e prazer, assim demonstram as falas:
Uma família unida, todo mundo junto, vive bem, eu e a mulher se entende dar muito bem...
[...] (HP02).
Graças a Deus nós vivemos na paz, na harmonia boa, não tem muitas brigas. [...] Então na
minha casa, aqui, demonstrando que nós temos a união, sempre alegria, as crianças
brincando. E é um lar de paz, graças a Deus (HP06).
Meu relacionamento é o seguinte (rs,rs,rs). No caso... a gente se dá superbem (HP01).
O relacionamento com minha nega é bom. Eu saio de manhã cedo, chego de noite, ela
dormindo, mas as vezes ela tá acordada. Aí... A convivência lá é beleza demais, melhor do que
aquilo ali estraga. Estamos levando a vida. Estamos com sete anos, estamos entrando nos oito
anos. Namorei seis anos com ela e ela não queria casar comigo não. (rs,rs,rs) (HP05).
Verificamos que a idéia de paz e harmonia demonstrada pelos homens é muito
limitada. O simples fato de não haver grandes brigas e violência física não significa
necessariamente estar em paz e em harmonia, porque a violência manifesta-se de várias
formas, dentre elas a violência simbólica, presentes sempre de forma camuflada nesse tipo de
relação.
Tais discursos demonstram também, que ao admitirem haver pequenas brigas no
relacionamento, os homens afirmam que esses tipos de comportamento são comuns.
Podemos, então, inferir que, eles fazem confusão entre divergências, natural entre pessoas que
pensam diferentes e conseguem expressar suas idéias e as pequenas brigas, que poderão ser
conseqüência de situações constrangedoras, como eles mesmos se referem quanto citam o
desemprego como um dos maiores causadores de problemas na família. Esses
desentendimentos são provocados tanto pelos homens como pelas mulheres e são
conseqüência, na visão dos homens, da inexistência de dinheiro, provocada pelo desemprego,
134
pois, a maioria dos homens é desempregada e vive do subemprego (53% são desempregados,
27% são autônomos e apenas 13% são empregados) e pela convivência, dentro da família,
com pessoas que pensam diferentes uma da outra. Essas análises estão expressas nos
depoimentos a seguir:
Às vezes uma briguinha, mais é difícil, mas só quando a gente tá sem dinheiro mesmo, a gente
começa a se esquentar e esquece o amor (HP01).
Nós não temos briga em casa. Temos 23 anos de casados, às vezes a mulher fala um
pouquinho mais alto, mas é difícil, só quando ela se zanga, quando faço uma coisa que ela não
quer, mas o mais tá bom (HP02).
[...] o mais a vida boa, o desemprego que atingindo a gente, a família, o resto bom
(HP04).
E sobre a convivência com minha mulher, eu respeito muito ela, nós brinca muito e briga
também, mas só que briga razoável, mas toca a vida pra frente (HPO3).
As brigas o poucas. Mas sempre tem uma discussãozinha porque são cabeças diferentes,
nunca são cabeças iguais, não é o mesmo raciocínio, sempre de um lado tem uma
desavençazinha, mas se o tiver estraga. Nunca a gente sabe o que passa pela cabeça do
outro. As vezes a gente nasce da mãe da gente e ela não sabe o que se passa na cabeça da
gente (HP06).
No que se refere à divisão das tarefas, em casa, a maioria dos homens admite que
fazem trabalhos domésticos lavam louças, limpam a casa, fazem comidas - admitindo até o
cuidado com a mulher. Essa mudança no comportamento dos homens com relação ao trabalho
doméstico também é apontada pela pesquisa do IBGE (2006). De acordo com os dados da
pesquisa, entre 1995 e 2005 observou-se um tímido aumento da participação dos homens no
cuidado de afazeres domésticos de cerca de 2,0 pontos percentuais na população de 10 anos
ou mais de idade e uma variação um pouco menor entre a população ocupada (0,8 pontos
percentuais). A análise destes percentuais entre a população masculina revela uma maior
participação dos homens no cuidado de afazeres domésticos, um aumento de 5,1 pontos
percentuais entre os homens ocupados, mas ainda longe de se afirmar uma divisão de tarefas
entre homens e mulheres no ambiente doméstico. Em média as mulheres gastam 25,2 horas
semanais no cuidado de afazeres domésticos contra 9,8 horas dos homens.
Podemos constatar que o trabalho doméstico, mesmo tendo a participação dos
homens, não é executado em regime de colaboração, pois, a maioria se refere a este trabalho
como momentos de “ajuda” e são realizados quando o homem está sem nenhum outro
trabalho para ser executado fora de casa, como é relatado nas falas abaixo:
135
Ajudo nas tarefas domésticas. Às vezes eu ajudo, quando ela está muito aperreada, ajudo. As
vezes, também, quando ela com preguiça eu: por deixa que faço aí. não sei fazer
comida, mais limpo a casa. (HPO3)
Eu sei cuidar de casa e da mulher. Sempre quando estou em casa, de manhã tem sempre muita
vasilha pra mim lavar, sempre deixo tudo lavado. (HP04)
Verificamos ainda que esta “ajuda” nas tarefas domésticas não chega a ser um trabalho
em colaboração ou de co-responsabilidade para com a mulher, pois, como defende Maturana
(2004, p. 18):
[...] a colaboração é um fenômeno puramente biológico quando não
implica um acordo prévio. Quando o faz, é um fenômeno humano. Ela
surge de um desejo espontâneo, que leva a uma ação que resulta
combinado a partir do prazer. Na colaboração não divisão de trabalho.
A emoção implícita na divisão do trabalho é a obediência.
Assim, é o modo patriarcal de como são realizados os afazeres domésticos que nega a
colaboração como princípio valorativo nas relações entre homens e mulheres, definindo
atividades associadas ao gênero masculino ou feminino. No caso desse estudo, que é uma
intervenção, consideramos ser imprescindível buscar discutir estes conflitos a partir de
práticas educativas, nas quais, entre vários assuntos, as tarefas domésticas e os cuidados com
as/os filhos sejam refletidos e passem a ser assumidos pelos homens, em regime de
colaboração e co-responsabilidade com as mulheres.
4.2 As relações de gênero construídas no contexto da APMP
As relações construídas, no contexto da cultura patriarcal, que se expressam no
resultado desta pesquisa, demonstram que as mulheres e homens envolvidos nesse processo
submetem-se a variadas situações que demonstram que o homem, ainda, mantém seu poder
de provedor, mesmo que em poucas situações apareçam sinais de renovação e de conflito
eminentes da possibilidade de mudanças. Vimos também que são as mulheres quem mais se
preocupam com os filhos e as filhas e com o relacionamento na família.
É perceptível que a cultura patriarcal está estabelecida como regra, contudo, os
diferentes modos de apresentar ações e emoções podem ser modificados e transmitidos às
crianças como novo modelo a ser vivenciado. Maturana (2004, p. 43) reforça esse pensamento
afirmando que:
136
[..] uma cultura é uma rede de coordenações consensuais de ações e
emoções [...]. Quando estas também começam a ser conservadas
transgeracionalmente, na rede de conversações que define essa comunidade,
ocorre uma mudança cultural. [...] O patriarcado como modo de vida não é
uma característica do ser do homem. É uma cultura e, portanto, um modo de
viver totalmente vivível por ambos os sexos. Homens e mulheres podem ser
patriarcais, assim como ambos podem ser e foram matrísticos.
Dessa forma, o crescimento da criança passa, segundo Maturana (2004), por duas
fases opostas: 1) ocorre na infância de meninos e meninas, como membro da cultura de suas
mães, num viver centrado na biologia do amor como domínio das ações que tornam o outro
um legítimo outro em coexistência conosco; 2) começa quando a criança principia a viver
uma vida centrada na luta e na apropriação e subordinação. A criança vive em contínuo
esforço pela apropriação e controle da conduta dos outros, lutando sempre contra novos
inimigos.
Assim, podemos afirmar que essa experiência mostra as mulheres e os homens,
participantes desta pesquisa-ação, vivendo em conflito entre a cultura matrística e a cultura
patriarcal instituída no cotidiano deles, seja por conservar o patriarcalismo seja por apresentar
traços de inovações.
Diante desse contexto, o emocionar patriarcal é reforçado porque o que existe mais
forte em nossa sociedade são experiências nas quais as crianças e os adultos se engajam,
como forma de sobrevivência, dentro de arranjos sociais criados para a sustentação do
patriarcado, partindo de modos de vida baseado na hierarquia, dominação, verdade e
obediência, caracterizando-se como autonegação e negação do/a outro/a.
Ao apresentar essa discussão, verificamos que a relação de gênero estabelecida entre
homens e mulheres preserva o machismo e que as mudanças ocorridas, até agora, não
significam necessariamente modificação na relação de poder estabelecida, há séculos.
Fruto de uma sociedade patriarcal, o machismo se tornou um comportamento não
dos homens, mas, também, das mulheres que, ao educar filhos e filhas, vão preservando esse
comportamento. Entendemos, portanto, que o machismo é uma construção histórico-social.
Como tudo que é social é passível de transformações, percebemos hoje modificações na
forma de como homens e mulheres se relacionam. Esta nova forma de relacionamento tem
gerado explícitos conflitos e novas relações. Supomos que o conflito representa o ponto de
partida para a mudança, pois compreendemos ser este um passo para a desconstrução das
137
representações sociais
21
machistas que há séculos dominam as relações de gênero existentes
na nossa sociedade.
Entretanto, as práticas educativas desenvolvidas junto a grupos sociais devem servir
como tentativas de construção de alternativas que se contraponham a este sistema instituído e
contribuam para a elaboração de discurso contra-hegemônico. Dessa forma, as mulheres,
através de suas organizações, carregam consigo o desejo de transformação, de mudança ao se
tornarem protagonistas de sua própria história, como reforça Touraine (2007, p. 23):
[...] as mulheres [...] não acreditam no necessário desaparecimento da
identidade feminina, não se consideram vítimas, até mesmo quando sofrem
injustiças ou violências e, nos convenceremos disso rapidamente, as
mulheres carregam dentro delas projetos positivos, bem como o desejo de
viver uma existência transformada por elas mesmas.
Para que um novo modelo se estabeleça como nova cultura, tornando-se prática social
essas mulheres deverão garantir, por meio de processos de reflexão e de ações intencionais,
que esse novo modelo se torne característica da forma de vida cotidiana, assim como das
idéias, verdades ou crenças. Essas experiências se tornam práticas na medida em que, em
conexão com o sistema nervoso, valores, imagens, temores, aspirações e desejos, façam parte
da vida pessoal de cada ser. Conforme nos informa Maturana (2004), é por causa dessa
relação entre o funcionamento do sistema nervoso de uma pessoa e a cultura à qual ela
pertence que se estabelecem modificações consistentes, que são mantidas de modo
transgeracionais. Então, para construirmos novas relações de gênero deveremos ter outras
experiências que nos levem a vivenciar outros modos de vida diferentes do patriarcado.
21
Conceito definido por Moscovici, (1978, p. 42), que "corresponde, por um lado, à substância simbólica que entre na
elaboração e, por, outro, à prática que produz a dita substância” e, segundo Jodelet (2001, p. 17), "serve como guia no modo
de nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária, no modo de interpretar esses aspectos, tomar de
decisões e posicionar-se frente a eles de forma defensiva".
.
138
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas análises desenvolvidas durante o processo de pesquisa-ação realizado
no Parque Eliane, junto à Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”, verificamos que
a maioria das mulheres e homens, que residem naquela comunidade são oriundos das cidades
do interior do Estado do Piauí e do Maranhão. Essas famílias deslocaram-se para Teresina em
busca de melhores condições de vida e, através da ocupação da terra, começaram a construção
de uma nova identidade, agora, urbana. Assim, esse território tornou-se espaço tanto de
construção como de afirmação de identidades individuais e coletivas.
Sendo a realidade urbana caracterizada por inúmeros problemas, a grande maioria
dessas famílias é desempregada ou vive do subemprego. As mulheres comercializando
cosméticos, produzindo artesanato como redes, bijuterias, panos de prato, pinturas, bordados e
crochês e os homens trabalhando como biscateiros, pedreiros, pintores, dentre outras
atividades.
Assim, diante dessa realidade, as mulheres organizaram-se numa Associação de
Produção com intuito de reverter essa situação. Nesse sentido, a Associação de Produção
“Mulheres Perseverantes” tornou-se instrumento importante para modificação do modo de
vida dessas mulheres. Desse modo, ao considerar as mudanças ocorridas na dimensão
político-organizativa podemos constatar que a Associação contribuiu significativamente para
melhorar auto-estima dessas mulheres, acabando com a timidez, proporcionando mais
amizades, segurança, fazendo com que se sintam numa família. A maioria das mulheres
revelou que o ambiente da Associação é espaço importante para a construção de novas
relações de amizade, companheirismo e organização, elementos que as fortalecem como
mulher e como grupo de produtoras em busca de autonomia e cidadania, como afirma a
MP10:
E outra coisa boa que eu vejo nesse grupo pra mim é esse aconchego que a gente tem aqui. Eu
tenho muito motivos pra me afastar dele mais eu não tenho força de me afastar, porque eu
tenho minhas filhas que moram longe, elas têm mais dificuldades de vir aqui mais do que eu
de ir lá, mas eu me apeguei muito a esse grupo, me apeguei muito, acho se a maioria dos
membros desse grupo tivesse apego por ele a metade do que eu tenho, muitas coisas que
acontece a gente deixava, levantava a cabeça e seguia em frente sem nenhum temor a nada
porque sinceramente eu aprendi muito pouco materialmente, mais, assim fazer as coisas, mais
com as pessoas eu continuo aprendendo muito mais porque apesar da minha pouco leitura eu
tenho assim uma maneira de aprender a conviver com as pessoas do jeito que elas são.
139
A Associação torna-se espaço, também, de construção da consciência de si e da
consciência política, que leva estas mulheres a preocuparem-se com o espaço onde estão
inseridas. Essa consciência política está recheada de atitudes, que incorporam desejos,
interesses, disposição e desejo de mudança.
Constatamos que as práticas educativas desenvolvidas naquele espaço, através do
Projeto “Sujeitos e Saberes na Mediação de Práticas Sócioeducativas: autoativação de
comunidades locais”, demonstrou que as aprendizagens tornaram-se instrumento de superação
da relação de submissão e baixa auto-estima, através do empoderamento e elevação da
autonomia das mulheres. Percebemos, ainda, que as atividades ali desenvolvidas são vistas
como oportunidades para auto-afirmação, reconhecimento de si e da/o outra/o, de formação e
capacitação técnica para o trabalho, contribuindo para o desenvolvimento da consciência
autônoma, porque envolve aspectos da prática, assim como dos processos subjetivos.
Representam, também, a possibilidade de construção de novos cenários, tendo as mulheres
como protagonistas.
No que se trata da configuração das relações entre mulheres e homens, a experiência
desenvolvida junto a esse grupo demonstrou que, apesar de se conservarem como famílias
nucleares, apresentam modificações na forma de se relacionarem. Além de preservarem suas
relações familiares, os homens mantêm seu papel de provedor e falam de modo positivo das
relações com suas esposas, sendo ainda as mulheres as que mais se preocupam com a relação
e com os problemas familiares.
As mulheres confirmaram através de suas práticas, que sem o envolvimento dos
homens no debate dessa questão não conseguirão instituir outra cultura, pois, é nítido que a
discussão de novas relações de gênero compreende a construção de novas referências
culturais, nas quais os homens passam a agir em colaboração com as mulheres, assumindo
tarefas como co-responsáveis pela família.
Dessa forma, constatamos que são as mulheres quem mais necessitam de condições
que garantam segurança e tranqüilidade para realizar seus trabalhos, sejam longe ou próximo
de suas residências. É imprescindível que o poder público assuma essa tarefa e invista em
políticas públicas, como a implantação de creches, por exemplo.
Observamos, assim, que o projeto de intervenção, proporcionado pelo Intercâmbio
Científico Cultural, desenvolvido entre a UFPI/Brasil e UNIVR/Itália, no Parque Eliane, a
partir da pesquisa-ação, tem contribuído para uma ação conscientizadora e militante e, ainda,
140
para o exercício da prática da educação popular, na qual se mostrou possível a relação entre
teoria e prática e a produção coletiva do conhecimento.
Consideramos importante, também, lembrar que é essencial reforçar práticas
educativas que tragam à tona questões de gênero, pois se aflorarmos os conflitos e refletirmos
sobre eles, poderemos perceber as contradições existentes e, desses conflitos, quem sabe, uma
nova cultura poderá surgir.
Por fim, podemos afirmar, que apesar das limitações, este trabalho vem colaborando
no desenvolvimento de estudos e pesquisas, oportunizando às mulheres, crianças, homens e
jovens, envolvidos no projeto, o fortalecimento da organização, a partir da qualificação
profissional e capacitação política oferecida na perspectiva de fomentar a geração de renda e o
fortalecimento do protagonismo de cada sujeita/o envolvida/o. A contribuição também ocorre
pela possibilidade de construção de outra cultura, na qual a prática social e a educação das
crianças se construirão com o intuito de transformar a realidade, modificando as
subjetividades e o modo de pensar o mundo e a relação nele e com ele.
Vale ressaltar, enfim, que algumas dificuldades se apresentaram no percurso do
processo, no entanto, esse trabalho de pesquisa-ação abriu caminhos para novas pesquisas e
aprofundamentos acerca de temas como a educação infantil, educação e masculinidades, a
contribuição das avós na educação dos netos, a inserção dos jovens através da educação, além
das relações de gênero, na perspectiva da educação infantil como prática matrística, dentre
outros. Basta adentrarmos este universo e persistir na caminhada.
141
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Paulo: CENPEC/ Fundação Itaú Social/ UNICEF, 2003.
SILVA, Álamo Pimentel Gonçalves da. O elogio da convivência e suas pedagogias
subterrâneas no semi-árido brasileiro. Porto Alegre, 2002.
SILVA, Roberto Marinho Alves da. A Economia Solidária e os Novos Paradigmas de
Desenvolvimento: sustentabilidade, solidariedade e territorialidade. Brasília, 2004.
SILVEIRA, Maria Lúcia. Família: conceitos sócio-antropológicos básicos para o trabalho em
saúde. Família. Saúde Desenvolvimento. v.2, n. 2, p.58-64, jul./dez. Curitiba, 2000.
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SINGER, Paul A. Economia Solidária como Ato Pedagógico. In: SINGER, Paul A. (Org.)
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SPINK, Mary Jane P. e MEDRADO, Benedito. Produção de sentidos no cotidiano: uma
abordagem teórico-metodológica para análise das práticas discursivas. In: SPINK, Mary Jane
P. (Org.) Práticas Discursivas e Produção de Sentidos no Cotidiano. São Paulo: Cortez.
2004.
SCOTT, J. Gênero uma categoria útil para análise histórica. Educação e realidade. v.16, n.2,
Porto Alegre, jul./dez. 1990.
STREY, M. N. et al. Psicologia Social Contemporânea: Livro-texto. Petrópolis, RJ.
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TERESINA. Prefeitura Municipal de Teresina. Secretaria Municipal de Habitação e
Urbanismo. Parecer Técnico, processo: 074-1829/97. Teresina, 1997a.
TERESINA. Prefeitura Municipal de Teresina. Secretaria Municipal de Habitação e
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TIRIBA, Lia. Economia popular e cultura do trabalho: pedagogia da produção
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TOURAINE, Alain. O mundo das mulheres. Vozes, 2007.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 2007.
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ESTUDOS DE VERONA. Projeto Científico-cultural “Sujeitos e Saberes na Mediação de
Práticas Sócioeducativas autoativação de comunidades locais”. Teresina, 2003.
UNB. Universidade de Brasília. Desenvolvimento sustentável: Eco 92. Disponível em:
<http://www.unb.br/temas/desenvolvimento_sust/eco_92.php. Acesso em: 25 jan. 2009.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro. A prática pedagógica do professor de didática.
Campinas/SP: Papirus, 1992.
ZAOUAL, Hassan. Globalização e Diversidade Cultural. São Paulo: Vozes, 2003.
147
APÊNDICE
148
APÊNDICE A
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROF. MARIANO DA SILVA NETO
PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - PPGEd/ UFPI
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO
O Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Piauí vem
ampliando as atividades de pesquisa com o intuito de contribuir com a melhoria das práticas
educativas de professores e professoras e, conseqüentemente, com qualificação da atuação
político-pedagógica de vários agentes sociais no Estado.
Neste sentido, gostaríamos de convidar-lhe para participar, como voluntária, de uma pesquisa
que será realizada sobre as práticas educativas do Projeto de Intercâmbio Científico-Cultural
“Sujeitos e Saberes na Mediação de Práticas cio-educativas: auto-ativação de comunidades
locais”, desenvolvido entre a UFPI - Universidade Federal do Piauí/Brasil e a UNIVR
Università Degli Studi Di Verona/Itália, desenvolvido no Centro de Vivência
“Infância/Mulher/Território”, no Parque Eliane, zona sul de Teresina.
Este trabalho de pesquisa será realizado pela mestranda Ana Célia de Sousa Santos, sob
orientação da Professora Drª Maria do Carmo Alves do Bomfim. Em caso de dúvida, você
pode procurar o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí.
ESCLARECIMENTOS SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto: Relações de gênero e empoderamento de mulheres: a experiência da
Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”
Pesquisadora Responsável: Ana Célia de Sousa Santos
Professora Orientadora: Drª. Maria do Carmo Alves do Bomfim
Endereço: Universidade Federal do Piauí – Centro de Ciências da Educação Programa de
Pós-Graduação em Educação.
Telefone para contato: (86) 3227-8549 / 9976-8944
DESCRIÇÃO DA PESQUISA
Este trabalho de pesquisa pretende analisar como as práticas educativas desenvolvidas junto à
Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”, vêm contribuindo para a construção de
um processo de emancipação e empoderamento de mulheres nas dimensões humana, político-
149
organizativa, de incorporação da economia solidária e construção de um novo olhar sobre as
relações de gênero.
Para concretização dessa investigação, iremos trabalhar com os seguintes procedimentos
metodológicos, nos quais precisaremos de sua colaboração:
Observação participante: estarei integrada no projeto de intercâmbio, participando
assiduamente de todos os momentos realizados pelo projeto e pela Associação de
Produção “Mulheres Perseverantes” de forma que atendam aos interesses do problema
da pesquisa. Esta observação seguirá com anotações feitas através do diário de um
percurso.
Questionário com perguntas semi-estrutura: para levantamento de dados sócio-
econômico e informações que ajudem a analisar a importância da Associação na vida
das mulheres e de suas famílias;
Grupo Focal: será utilizado para aprofundamento de temas relacionados aos objetivos
e para responder questões que não foram respondidas com as técnicas citadas acima;
Espero com esse trabalho de pesquisa colaborar na construção de reflexões políticas e
pedagógicas que poderão ser significativas na construção de novas relações de gênero, seja na
academia, na escola ou nos movimentos sociais.
A sua contribuição será de grande importância para a realização desse trabalho de pesquisa,
no entanto, a participação é voluntária e você terá toda a liberdade de desistir quando assim
avaliar necessário. Como também podese recusar a responder a qualquer questionamento
que possam causar-lhe algum constrangimento.
As informações obtidas, durante os vários procedimentos da pesquisa, serão mantidas em
sigilo, a menos que requerido por lei ou por sua autorização. O acesso aos dados para verificar
informações somente será permitido à própria pesquisadora, a equipe de estudo e ao Comitê
de Ética.
__________________________________________________
Ana Célia de Sousa Santos
Coordenadora da pesquisa
150
APÊNDICE B
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROF. MARIANO DA SILVA NETO
PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - PPGEd/ UFPI
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
TERMO DE CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO COMO
COLABORADOR NA PESQUISA
Eu ____________________________________________, RG _________, abaixo
assinado, concordo em fazer parte do estudo: Relações de gênero e empoderamento de
mulheres: a experiência da Associação de Produção “Mulheres Perseverantes” na condição de
colaboradora, fornecendo as informações necessárias para o desenvolvimento da investigação
acerca das práticas educativas desenvolvidas junto à Associação de Produção “Mulheres
Perseverantes”, pelo Projeto de Intercâmbio-Científico Cultural “Sujeitos e Saberes na
Mediação de Prática Sócioeducativas Autoativação de comunidade locais”. Tive pleno
conhecimento das informações que li ou que foram lidas para mim, descrevendo o estudo
citado. Discuti com a mestranda Ana Célia de Sousa Santos sobre a minha decisão em
participar neste estudo. Ficaram claros para mim quais são os propósitos do estudo, os
procedimentos a serem realizados, as garantias de confidencialidade e de esclarecimentos
permanentes. Ficou claro também que minha participação é isenta de despesas.
Concordo, voluntariamente, em participar deste estudo e poderei retirar o meu consentimento
a qualquer momento, antes ou durante a sua realização. A retirada do consentimento da
participação no estudo não acarretará em penalidades ou prejuízos pessoais.
Teresina, ______de _______ de _______.
Nome do responsável: ANA CÉLIA DE SOUSA SANTOS
Assinatura___________________________________________________
151
APÊNDICE C
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – CCE
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Questionário/Perfil
11. Quais as contribuições, do grupo, para sua vida pessoal?
Nome:
Endereço
Bairro
Município/Cidade UF
CEP
Telefone para contato Celular próprio
E-mail:
1 – Data de Nascimento: ______/______/______ 6 – R.G. Nº ____________________ - ______/___
2 – O lugar onde você reside é:
7 – Escolaridade?
1) Zona urbana ( ) 2) Zona rural ( ) 1) Analfabeto ( )
2) Alfabetizado ( )
3 – Qual é a sua raça/cor? 5) Médio incompleto ( )
6) Médio completo ( )
1) Amarela ( ) 5) Índio ( ) 7) Superior incompleto ( )
8) Superior completo ( )
2) Branca ( ) 6) Mestiço ( )
3) Negra ( ) 7) Mulata ( )
4) Pardo ( ) 8) Outra:
9 – Situação de trabalho
1) Empregado ( ) 3) Desempregado ( )
4 – Sexo: 2) Autônomo ( ) 4) Aposentado ( )
1) Masculino ( ) 2) Feminino ( ) 5) Outra: ___________________________________
5 – Qual é seu estado civil? 10. Renda
1) Sem renda
1) Solteira/o ( ) 4) Separada/o ( ) 2) Menos de 1 Salário Mínimo ( )
2) Casada/o ( ) 5) Vive junto ( ) 3) 1 Salário Mínimo ( )
3) Viúva/o ( ) 4) mais que 1 Salário Mínimo ( )
5) mais de 2 Salário Mínimo ( )
152
12. Você considera importante a sua participação no grupo “Mulheres Perseverantes” ?
13. Quais os tipos de atividades que você já participou ?
14. Qual a relação que você mantém com as outras mulheres fora da Casa ?
15. Qual atividade de lazer você participa ?
15.2 – Quanto você se diverte você vai com marido/companheiro e filhos/as ?
( ) Sim
( ) Não
153
APÊNDICE D
GRUPO FOCAL 01 – COM AS MULHERES
OFICINA: A HISTÓRIA DO GRUPO “MULHERES PERSEVERANTES”
Objetivo:
- Sistematizar a história construída pelas mulheres participantes do Grupo “Mulheres
Perseverantes”, possibilitando a identificação de sua participação e de seu pertencimento.
Dinâmica:
- Construção da Linha do Tempo
1º Momento:
- Dinâmica de relaxamento – o jardim
- Descrição de um fato ou fatos marcantes de sua participação no grupo;
- Apresentação e discussão da proposta da oficina.
2º Momento:
- Construção coletiva da Linha do Tempo, resgatando a origem da comunidade, do grupo e
das práticas educativas desenvolvidas no contexto do grupo;
3º Momento:
- A partir da Linha do Tempo construída, descrever, individualmente, cada prática
educativa/ação desenvolvida no contexto do grupo;
4º Momento:
- Entrega dos textos escritos, discussão e ilustração de cada texto pela mulheres.
5º Momento:
- Lançamento da publicação.
Material:
- tarjetas – 4 cores (rosa, amarela, azul, verde)
- pinceis
- cd
- som
154
APÊNDICE E
GRUPO FOCAL 02 – COM OS HOMENS
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – CCE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
OFICINA
Data: 24/02/2008
Local: Casa das “Mulheres Perseverantes”
Objetivo:
- Integrar, os homens (maridos e companheiros das mulheres do grupo “Mulheres
Perseverante), de forma a definir ações a serem desenvolvidas conjuntamente;
- Construir uma idéia sobre a relação desses homens com suas esposas/companheiras, filhos e
filhas;
Programação
1º Momento:
- Dinâmica de integração com o palito de fósforo.
2º Momento:
- Através do desenho todos os homens deverão expressar como é sua relação com suas
esposas/companheiras, filhos e filhas;
- Socializar o desenho através da fala, apresentando suas idéias;
- Organizar um mural com os desenhos apresentados;
3º Momento:
- A partir das expectativas, definir quais ações/atividades serão realizadas.
Material:
- Som
- CD
- Papel em branco
- Pincéis
- Coleção de cera ou madeira
- Fita Gomada
155
APÊNDICE F
DIA INTERNACIONAL
DA MULHER
PALESTRAS
Temas:
- Violência contra a Mulher
Dia: 28/03, às 15h
Delegada Drª Eugênia
- Alcoolismo na Família
Dia: 30/03, às 9h
- Doenças Sexualmente Transmissíveis
Dia: 04/04, às 15h
Enf. Mestranda Anneth
- Gravidez na Adolescência
Dia: 11/04, às 15h
Profª. Mestranda Mirian
Local: Igreja São Sebastião
Promoção: Associação de Produção “Mulheres Perseverantes”
156
ANEXO
157
ANEXO 01
Mapa de Teresina: localização do Parque Eliane
Parque Eliane
158
ANEXO 02
RELAÇÃO DAS FAMILIAS DA ASSOCIAÇÃO DE PRODUÇÃO
“MULHERES PERSEVERANTES”
MÃE
PAI
FILHOS/FILHAS
IDADE
SEXO
ESCOLARIDADE
1 Nilva Maria Roberval Geovana
Jéferson
8 anos
7 anos
F
M
Ensino Infantil
2 Ivanilde Silva Flávio Flávio
Ivonara
2 anos
5 anos
M
F
Ensino Infantil
3 Luciane Rodrigues Henrique Luiz
Fábio
2 anos
7anos
M
M
Ensino Infantil
4 Maria Valdinéia Edivan 3 13, 13,
15 anos
2M e
F
Ensino
Fundamental
5 Albaniza Morais Gilberto Jackson
Jeferson
Jaciara
8 anos
2 anos
9anos
M
M
F
Ensino
Fundamental
6 Gorinete Edinaldo Mateus 8 anos M Ensino
Fundamental
7 Maria Aparecida Gilvan Isaque 6 anos M Ensino Infantil
8 Maria José - avó Paulo Suiany 2 anos F Não frequenta
9 Geane Rodrigues Francisco Gleiciane
Geisiane
7 anos
4 anos
F
F
Ensino Infantil e
Fundamental
10
Edineide(Neide) Francisco Pedro Henrique
Iasmim
7anos
4 anos
M
F
Ensino
Fundamental
11
Regina Maria Raimundo
Nonato
(falecido)
Edilene
Erenilson
Natália
Abraão
21
20
19
18
F
M
F
M
12
Amparo
Evangelista - avó e
Isolda (mãe)
Antonio Railane
Rubens
Ronei
9anos
7anos
5anos
F
M
M
Ensino
Fundamental
13
Marta Jailton Não tem filho
14
Maria do Amparo Adonato Não tem filho
15
Joseni (Didi) Antonio 02 filhos 16 e 18
anos
M Ensino Médio
159
ANEXO 03
DESENHO PRODUZIDO DURANTE O GRUPO FOCAL COM OS HOMENS
160
ANEXO 04
DESENHO PRODUZIDO DURANTE O GRUPO FOCAL COM OS HOMENS
161
ANEXO 05
DESENHO PRODUZIDO DURANTE O GRUPO FOCAL COM AS MULHERES
162
ANEXO 06
DESENHO PRODUZIDO DURANTE O GRUPO FOCAL COM AS MULHERES
163
ANEXO 07
DESENHO PRODUZIDO DURANTE O GRUPO FOCAL COM AS MULHERES
164
ANEXO 08
DESENHO PRODUZIDO DURANTE O GRUPO FOCAL COM AS MULHERES
165
ANEXO 09
DESENHO PRODUZIDO DURANTE O GRUPO FOCAL COM AS MULHERES
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo