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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
JOÃO ALBERTO MERGEN
ANÁLISE DE UMA INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA E SEU IMPACTO NA
SUBJETIVIDADE E PROCESSO DE TRABALHO DE UMA EQUIPE DO
PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA
Itajaí
2005
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1
JOÃO ALBERTO MERGEN
ANÁLISE DE UMA INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA E SEU IMPACTO NA
SUBJETIVIDADE E PROCESSO DE TRABALHO DE UMA EQUIPE DO
PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora,
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestrado Profissionalizante em Saúde e Gestão
do Trabalho, na Universidade Vale do Itajaí,
Centro de Educação de Ciências da Saúde
.
Orientador: Prof. Dr. João Carlos Caetano
Itajaí
2005
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2
JOÃO ALBERTO MERGEN
ANÁLISE DE UMA INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA E SEU IMPACTO NA
SUBJETIVIDADE E PROCESSO DE TRABALHO DE UMA EQUIPE DO
PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA
Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de Mestrado
Profissionalizante em Saúde e Gestão do Trabalho e aprovada pelo Programa de
Mestrado Profissionalizante em Saúde e Gestão do Trabalho, da Universidade Vale do
Itajaí, Centro de Educação de Ciências da Saúde.
Área de Concentração: Saúde da Família
Itajaí, 31 de maio de 2005.
Prof. Dr. João Carlos Caetano
UNIVALI – CE de Itajaí
Orientador
Profa. Dra Gladys Amélia Vélez Benito
UNIVALI – CE de Itajaí
Membro
Prof. Dr. Marco Aurélio Da Ros
UFSC – Florianópolis
Membro
3
DEDICATÓRIA
Ao meu pai, cuja ausência é uma presença constante em minha vida.
A minha mãe, certeza de carinho, dedicação e apoio em todas as horas.
A minha querida esposa Magali, meus filhos Alberto e Marjorie, companheiros de todos os
momentos e estrutura da minha vida.
4
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, pela convicção de mostrar-me a importância da educação na vida das
pessoas;
A minha querida esposa Magali pelo amor, carinho, dedicação e, principalmente,
compreensão nos momentos em que estive ausente;
Aos meus filhos Alberto e Marjorie, pelo incentivo e compreensão dos momentos de
ausência;
Ao meu orientador, prof. Dr. João Carlos Caetano, grande amigo que soube me levar
pelos caminhos desta pesquisa;
Agradeço de todo o coração a minha irmã Madalena, que me apoiou sem medir
esforços, com senso crítico e carinho, durante o processo de dissertação;
A toda equipe da Unidade Saúde Coletiva, a qual admiro muito;
A Secretaria Municipal de Saúde, pelo espaço e tempo cedidos, que tornou possível
esta dissertação;
A todos os amigos, colegas, professores e familiares que direta ou indiretamente,
contribuíram para a realização dessa dissertação;
A banca examinadora, pessoas ilustres que participaram do momento decisivo para a
concretização deste trabalho.
5
RESUMO
Esta dissertação em seu caráter mais distinto insere-se em um tema atual e de sentido
importante para o fortalecimento do processo de educação permanente em Unidades de Saúde
do SUS. Conceituada pela intervenção como a própria ação transformadora, com implantação
de auto-análise, avaliações e auto-gestão do processo de trabalho de uma equipe de Saúde da
Família. O ponto central da questão da pesquisa reside no impacto da própria intervenção
pedagógica sobre as categorias acesso, acolhimento e vínculo na subjetividade e processo de
trabalho da equipe. Na contextualização foi usado um aspecto crítico, quanto o ambiente do
campo assistencial e sua pertinência com a práxis, bem como possibilidades transformadoras.
A metodologia utilizada foi um estudo de caso, portanto uma pesquisa qualitativa, de campo,
que se fez via diversificadas formas de procedimentos, métodos e técnicas observação
participante, entrevistas semi-estruturadas, oficinas e grupo focal, que em triangulação
qualitativa sustentaram as análises de dados emergentes. Utilizei para análise dos dados,
conceitos advindos das teorias da Biologia do Conhecer (Maturana), mediação (Vygotsky), da
teoria da Atividade (Engeströn) e da teoria Comunidades de Práticas (Wenger). Procurei
demonstrar que a (trans) formação do processo de trabalho e da equipe ocorreu no processo e
pelo processo de intervenção pedagógica, em uma perspectiva que vem de encontro da idéia
de pesquisa-intervenção, como uma ação que cria possibilidade de interconexão entre
pesquisa e a extensão no viver universitário.
Palavras Chaves: educação permanente em saúde, educação dos profissionais de saúde,
formação e práticas de saúde, ensino em saúde, gestão do processo de trabalho.
6
ABSTRAT
This composition on its most distinct character is inserted in a current subject and of
important direction for the reinforcement of the process of permanent education in Units of
Health of the SUS. Appraised for the intervention as the proper transforming action, with
implantation of auto-analysis, evaluations and self management of the process of work of a
team of Health of the Family. The central point of the question of the research inhabits in the
impact of the proper pedagogical intervention on the categories access, shelter and bond in the
subjectivity and process of work of the team. In the context a critical aspect was used, how
much the environment of the assistance field and its relevancy with the praxis, as well as
transforming possibilities. The used methodology was a case study, therefore one searches
qualitative, of field, that if made way diversified forms of procedures, methods and techniques
- participant comment, half-structuralized interviews, workshops and focal group, that in
qualitative triangulation had supported the analyses of emergent data. I used for analysis of
the data, happened concepts of the theories of the Biology of to know (Maturana), mediation
(Vygotsky), of the theory of the Activity (Engeströn) and the theory Communities of Practical
(Wenger). I looked for to demonstrate that (the trans)formation of the work process and of the
team it occurred in the process and for the process of pedagogical intervention, in a
perspective that comes of meeting of the research-intervention idea, as an action that creates
possibility of interconnection between research and the extension in the university life.
keywords: permanent education in health, education of the professionals of health, formation
and practical of health, education in health, management of the work process.
7
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 10
2. OBJETIVO ............................................................................................................................. 16
2.1 OBJETIVO GERAL .............................................................................................................. 16
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................................... 16
3. CONTEXTUALIZAÇÃO ......................................................................................................... 17
3.1 Processo de trabalho .......................................................................................................... 17
3.2 O HumanizaSUS e AprenderSUS ........................................................................................ 20
3.3 Desenvolvimento organizacional ....................................................................................... 22
3.4 Cultura e Mudança ............................................................................................................... 33
3.5 O Espaço Microssocial ........................................................................................................ 38
3.6 O Trabalho em Equipe ......................................................................................................... 39
3.7 Comunidades de Prática ..................................................................................................... 40
3.7.1 Engajamento Mútuo .......................................................................................................... 42
3.7.2 Empreendimento Negociado ............................................................................................ 42
3.7.3 Repertório Compartilhado ................................................................................................ 43
3.7.4 Comunidades de Prática: participação e reificação ...................................................... 43
3.7.5 Comunidades de Prática: participação e não-participação .......................................... 44
3.7.6 Comunidades de Prática: níveis de participação .......................................................... 45
3.7.7 Comunidades de Práticas: fronteiras e conexões ......................................................... 46
3.7.8 Comunidade de Prática: identidade ................................................................................ 47
3.7.9 Comunidades de Prática: modos de pertencimento .................................................... 48
3.8 O Fluxograma Descritor ...................................................................................................... 49
3.9 O Acesso-Acolhimento ........................................................................................................ 50
3.10 O Vínculo e Identidade ...................................................................................................... 52
3.11 Integralidade na transversalidade do Acesso-Acolhimento e Vínculo-Identidade ..... 55
3.11.1 A integralidade como princípio estratégico ................................................................. 59
4. REFERENCIAL TEÓRICO ...................................................................................................... 61
4.1 A Epistemologia Co-construtivista .................................................................................... 61
4.2 A Cognição ........................................................................................................................... 63
4.3 Passeio no Pensamento de Maturana ............................................................................... 65
4.3.1 Evolução e Competição ................................................................................................... 67
4.3.2 A Educação ....................................................................................................................... 67
4.3.3 O Amor ............................................................................................................................... 69
4.3.4 Relações Sociais e não Sociais ....................................................................................... 69
4.3.5 A Ética ................................................................................................................................ 70
4.4 A Epistemologia e Ética da Organização Autopoiética .................................................... 71
4.5 Passeio no Pensamento de Vygotsky ................................................................................ 81
4.5.1 A Consciência como Estruturação dos Sistemas Psicológicos ................................... 87
8
4.6 Teoria da Atividade ............................................................................................................... 93
4.6.1 Teoria da Atividade de Engeström .................................................................................. 95
4.7 O Caminho da Intervenção Pedagógica ...................... ....................................................... 100
4.7.1 Desenvolvimento Atitudicional ........................................................................................ 108
4.7.2 Os dois instrumentos para intervenção educacional .................................................... 111
4.7.3 Enfoque globalizador (integralicista) da proposta pedagógica .................................... 115
5. METODOLOGIA ...................................................................................................................... 118
5.1 Tipo de Pesquisa .................................................................................................................. 118
5.2 Campo da Pesquisa ............................................................................................................. 118
5.3 Grupo Pesquisado ............................................................................................................... 119
5.4 A Questão Ética ................................................................................................................... 119
5.5 Instrumentos da Coleta de Dados ...................................................................................... 120
5.5.1 Observação Participante ................................................................................................... 120
5.5.2 Oficinas de Intervenção Pedagógica .............................................................................. 121
5.5.3 Entrevista Semi-estruturada ............................................................................................ 122
5.5.4 Grupo Focal ....................................................................................................................... 122
5.6 Sinopse dos encaminhamentos metodológicos da pesquisa ......................................... 124
5.7 Análise dos dados das oficinas ......................................................................................... 125
5.7.1 Análise do Discurso do Sujeito Coletivo ........................................................................ 125
6. O PROCESSO DE TRABALHO DA EQUIPE, ATRAVÉS DO FLUXOGRAMA DESCRITOR ................
127
6.1 Fluxograma Descritor da Entrada do Usuário na Unidade de Saúde Coletiva .............. 129
6.2 Fluxograma Descritor da recepção pós-consulta: prescrição de exames e remédios ...131
6.3 Fluxograma Descritor Recepção Pós-consulta: retornos e encaminhamentos ............ 134
6.4 Avaliação do Fluxograma Descritor ................................................................................... 135
6.4.1 Acoplamento Estrutural ................................................................................................... 135
6.4.2 Falta de Acoplamento Estrutural ..................................................................................... 136
6.4.3 Níveis de Contradição ...................................................................................................... 143
6.4.4 Comunidade de Prática .................................................................................................... 148
6.5 Objetivo da intervenção educacional ................................................................................. 152
6.5.1 Objetivo das Oficinas ........................................................................................................ 154
6.5.2 O Porquê das Oficinas ...................................................................................................... 155
6.5.3 Análise das Oficinas ......................................................................................................... 156
6.5.4 As Oficinas ........................................................................................................................ 166
6.6 Objetivo do Grupo Focal ..................................................................................................... 173
6.6.1 Discussão do Grupo Focal sobre as Questões - Problema ....................................... 173
6.6.2 Análise dos Acoplamentos Estruturais (Maturana) ....................................................... 179
6.6.3 Análise através da Teoria da Atividade – contradições (Engeström) .......................... 187
6.6.4 Análise através da Comunidade de Prática – Wenger (1998) ........................................ 195
6.7 Integração das fases da proposta pedagógica ................................................................. 202
6.7.1 Fase 1: Construção do Fluxograma Descritor e questões-problema .......................... 202
9
6.7.2 Fase 2: Realização das Oficinas de Capacitação Humana ........................................... 202
6.7.3 Fase 3: Análise pelo Grupo Focal do Fluxograma Descritor e questões-problema ... 204
6.7.4 União das Fases ............................................................................................................... 205
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................... 206
7.1 Ferramenta mediadora: Fluxograma Descritor ................................................................ 206
7.2 Ferramenta mediadora: Questões-problema ................................................................... 209
7.3 Ferramenta mediadora: Oficinas (temas sobre formação humana) ............................... 210
7.4 Ferramenta mediadora: Avaliação formativa .................................................................. 214
7.5 Ferramenta mediadora: reconstrução de uma comunidade de “Eus” e “Outros” ........ 215
7.6 Ferramenta mediadora: Quadrilátero da Formação ......................................................... 221
7.7 Ferramenta mediadora: Gestão do Conhecimento .......................................................... 222
7.7.1 A espiral do conhecimento no grupo ............................................................................. 225
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................... 227
10
INTRODUÇÃO
Mais de duas décadas de lutas pela construção do SUS, com muitas conquistas: o
direito à saúde reconhecido constitucionalmente; descentralização; aumento da capacidade de
gestão local; mecanismos de negociação entre os níveis de poder e governo; multiplicação dos
atores envolvidos e mobilizados em torno da questão saúde e dos mecanismos de controle
social e participação.
Apesar destes avanços no processo de construção do SUS, o acesso à atenção a saúde
de qualidade ainda não é direito real da maioria dos brasileiros. A desigualdade social é um
dos elementos fundamentais para explicar a dificuldade de garantir universalidade, eqüidade e
qualidade, bem como a falta e a distribuição inadequada de recursos, fazem parte para a não
concretização desses direitos.
Outra frente a ser analisada como fator fundamental para a implantação efetiva dos
SUS é a mudança do modelo de atenção. Sem o rompimento com o modelo vigente, baseado
na atenção especializada, no hospital, no uso indiscriminado de tecnologias, geradora de
demandas infinitas e incapaz de atender as demandas, não chegará a viabilizar um sistema de
saúde eficaz, eficiente e acolhedor.
O programa Saúde da Família e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde têm
sido reconhecidos como estratégias para transformar o modelo de atenção. Como proposta
substitutiva, reestruturação do modelo com novas dimensões técnicas, políticas e
administrativas, que se concretiza através da mudança do objeto de atenção, da forma de
atuação e organização geral dos serviços, possibilitando a reorganização da prática
assistencial.
A estratégia Saúde da Família está se constituindo numa expectativa de conversão da
porta de entrada do sistema, além de apresentar maior capacidade de resolver os problemas
mais comuns de saúde da população, produção de serviços mais integrais e principalmente
mais humanizados.
O problema mais importante que esta estratégia enfrenta, para sua consolidação e
ampliação está na área dos recursos humanos. Não profissionais formados com o perfil,
competências, habilidades e atitudes necessárias à sua implantação.
O reconhecimento da fragilidade na formação das profissões de saúde e
conseqüentemente da necessidade de mudanças na graduação e estímulo a programas de re-
qualificação profissional, levou o Ministério da Saúde encaminhar a proposta da constituição
dos Pólos de Formação Capacitação e Educação Permanente em Saúde da Família. As poucas
11
experiências no desenvolvimento de metodologias de Educação Permanente (EP), trazem
limitações a atuação dos Pólos e, com isto, o desenvolvimento de sistemas de EP.
Reconhece-se e valoriza-se com esta proposta de EP a dimensão subjetiva do
profissional, considerando como Guareschi (1998) que em toda relação está sempre um
“outro” e que só se desenvolvem relações éticas quando se o “outro” como interlocutor
válido e como agente social das próprias mudanças, por meio da reflexão consciente e
compartilhada do problema.
Existem também razões pragmáticas para agir assim, por entender que o envolvimento
e a participação são possíveis mediante um processo de diálogo entre saberes, no qual cada
um contribui com seu conhecimento peculiar da situação, acreditando-se que o
desenvolvimento efetivo dessa participação parte de práticas vivenciadas no cotidiano.
Concorda-se ainda com Campos (1997), quando afirma não acreditar na geração
espontânea da consciência sanitária, a qual define como uma “diretriz que objetivaria ampliar
a autonomia dos pacientes, dos grupos, da coletividade, reforçando a sua condição de sujeitos
sociais, capazes de se autocuidar e de cobrar das instituições o atendimento às suas
necessidades”.
O avanço do processo de EP demanda, de fato, uma permanente reflexão crítica sobre
as idéias e concepções que orientam as práticas de saúde entre os diferentes atores sociais
envolvidos.
Merhy (1997a) destaca ainda o modelo liberal-privatista de atendimento, vigente na
saúde pública, como responsável pela construção de uma determinada postura dos
trabalhadores de saúde, capitaneada pelo estilo médico-centrado, que procura tratar o usuário,
ou qualquer outro inclusive os próprios trabalhadores entre si de uma maneira impessoal,
objetivizante e descompromissada.
Segundo o autor, existe um processo de objetivização do usuário, reduzindo este a um
corpo com “problemas identificáveis exclusivamente pelos saberes estruturado que presidem
a relação”, além do processo de alienação (ou “fetichização”) do trabalhador da saúde, que se
torna mero depositário do saber que o comanda. Por isso, ele advoga que o profissional da
saúde deve mudar sua relação com o saber instituído e com o conjunto de atores sociais
lidando com a saúde, ou seja, com os outros trabalhadores e especialmente com os usuários do
serviço.
A principal conseqüência verificada em virtude do distanciamento observado na
relação entre profissional e paciente é o denominado “baixo comprometimento” do paciente
com o seu tratamento, imposta, na maioria das vezes, de forma verticalizada. O interessante é
12
que, apesar de óbvio, os profissionais, geralmente, têm dificuldade de entender o porquê desse
baixo comprometimento.
A comprovação de que esse modelo de atendimento possui limitações pode ser
percebida, tanto pelas constantes críticas e reclamações dos usuários, como por sua baixa
resolutividade, que fica cada vez mais clara a complexidade do processo de adoecer, bem
como a necessidade de o paciente comprometer-se com os cuidados com a sua saúde. Esse
reconhecimento vem implicando a necessidade crescente do resgate da subjetividade e da
relação dialógica entre o profissional e o usuário do serviço.
Essa proposta parte da convicção de que, entre profissional e paciente-cliente, não
existe um que não sabe, mas dois que sabem coisas distintas; decorrendo daí a necessidade de
superar essa visão antropocêntrica e individualista do modelo vigente, acreditando que o agir
do profissional de saúde deveria ser forçosamente mais humilde baseado na escuta, no diálogo
e não na imposição de receitas. (CAMPOS, 1997).
A necessidade de humanização da relação profissional-paciente, com base no
desenvolvimento de uma relação empática e participativa, é uma prioridade. De acordo com
Merhy (1997b), não basta nos preocuparmos com os procedimentos organizacionais e
financeiros das instituições de saúde, se não mudamos o modo como os trabalhadores da
saúde se relacionam com o seu principal objeto de trabalho: a vida e o sofrimento dos
usuários do serviço.
Essa preocupação com a qualidade da relação profissional - usuário torna-se tanto um
meio quanto um fim a ser alcançado. Na qualidade de “meio”, apresenta-se como uma
prerrogativa indispensável no processo de efetivação da garantia dos direitos estabelecidos no
plano legal pelo SUS, porém não correspondidos no cotidiano das práticas de atendimento.
O desejo é o de que as conquistas estabelecidas no plano legal sejam correspondidas
no cotidiano do atendimento. Sabe-se também, como foi dito, que tal avanço deverá ser
alcançado mediante o comprometimento de todos os agentes sociais envolvidos (usuários e
profissionais incluídos) na luta pelo cumprimento das diretrizes constitucionalmente
estabelecidas, sobretudo no espaço micro da participação representado pelas relações
cotidianas.
Reforçando o papel da experiência e das práticas cotidianas, Briceño-León (1996)
afirma que: “educação não é apenas o que se ensina nos programas educativos, mas o que está
sendo passado através de toda ação sanitária”, sugerindo, portanto, considerar “a dimensão
educativa não-intencional das ações cotidianas desenvolvidas nos programas de saúde”.
13
Não se nega a importância das “grandes” instâncias políticas de decisão, mas ressalta -
se aqui o papel do profissional na definição do tipo de relação estabelecida com o usuário nos
consultórios, ou onde quer que se realize a ação sanitária. O caráter humanizado e horizontal
desta relação tem, de fato, um importante papel na melhoria e transformação do atual quadro,
justamente pelo reconhecimento de sua relevante dimensão educativa.
São questões a serem indagadas: Como garantir o acesso aos usuários? Como
trabalhar com outros critérios, além da ordem de chegada? Como identificar situações de
risco, avaliar gravidade, permitir que todos expressem o seu sofrimento? Como a equipe pode
fazer uma abordagem integral, de maneira a contemplar aspectos biológicos, epidemiológicos,
psíquicos, culturais e sociais dos problemas dos usuários? Como garantir a atuação em
equipe? Como construir uma intervenção multiprofissional na assistência? Como repensar o
processo de trabalho atual para permitir que tudo isso ocorra? Como alterar a organização, a
gestão e o modo de trabalhar das unidades com ação conjunta dos trabalhadores em torno dos
novos lemas? Qual o efetivo lugar para os indivíduos neste novo formato organizacional? Que
significa afirmar a possibilidade de autodesenvolvimento do indivíduo no contexto
organizacional da aprendizagem? Quais os limites para o desenvolvimento humano?
Baremblitt (1992) define a Intervenção Institucional como ação de transformação
praticada segundo uma ética e uma política, formalizada em uma teoria que aplica, segundo
certas regras metodológicas, uma série de recursos técnicos. E que todo procedimento parte de
uma avaliação logística de disponibilidades e é planificado segundo uma estratégia que se
decompõem em táticas. Seu objetivo central é propiciar nos coletivos intervindo a ação do
instituinte-organizante e, no seu limite, a implantação de processos de auto-análise e
autogestão.
Na maioria das situações institucionais, o modelo gerencial hegemônico (Campos,
2000b), contribui para o estabelecimento de padrões de relacionamentos interpessoais muito
marcados pela ameaça que o outro representa. A maioria desses grupos que encontramos nos
serviços de saúde não o grupos, porém agrupamentos, ou não têm constituído uma área de
relações intersubjetivas que permita que a experiência da diferença não seja vivida como
mortal. O outro como ameaça. Para o autor a formação de compromisso e a construção de
contratos seriam as formas sob as quais se apresenta a relação entre sujeitos e as instituições.
Na primeira, predominariam os mecanismos inconscientes, e na segunda, processos
deliberados.
Campos (2003) coloca que para ter projeto muitas vezes um grupo precisará de
suporte e manejo que ajude a se estruturar como intersubjetividade (com um grau razoável de
14
circulação de afetos), e o planejamento começa e não depois, no plano. Sendo uma questão
que merece destaque, é a das formações de compromisso singulares (de cada um) atentando, o
tempo todo, contra a construção de contratos. Com efeito, o deslocamento do “eu” ao “nós” é
paradigmático da construção de um espaço intersubjetivo.
Se resgatarmos que a grupalidade que desejamos produzir nas equipes é uma
grupalidade operativa, em que as pessoas possam explorar autonomia e criatividade, e
assumam e se comprometam com a produção de mundo (diminuição do coeficiente de
alienação), então como propiciar o acontecer dessa grupalidade?
Entendo que quando uso a expressão intervenção pedagógica estou dando na realidade
significada de um “dispositivo” que busca subverter as linhas de poder instituídas, portanto
provocar mudanças. As mudanças têm sentido, vão para algum lugar. Testa (1997) nos diz
que todo sentido está amarrado a valores e subjetividades.
Campos (2000b) ampliou o conceito de núcleo e campo de competência e
responsabilidade, originalmente usados para estabelecer as atribuições especificas de
determinada categoria profissional (núcleo de competência e responsabilidade) e demandas
que extrapolam essas atribuições estabelecidas (campo de competência e responsabilidade),
extrapolando-os da esfera de categorias profissionais, para o domínio de práticas e saberes.
Para o autor a institucionalização dos saberes e sua organização em práticas se dariam
mediante a conformação de núcleos e de campos. O núcleo demarcaria a identidade de uma
área profissional; e o campo, um espaço de limites imprecisos onde cada disciplina ou
profissão buscaria em outras, apoio para cumprir suas tarefas teóricas ou práticas.
Campos (2003) afirma que a constituição de sujeitos, das necessidades sociais e das
instituições é produto de relações de poder, do uso de conhecimentos e de modos de
circulação de afetos. A política enfatiza modos de operar com o poder, a pedagogia com o
conhecimento, as terapias da subjetividade com o afeto. Assim a política teria no núcleo o
poder e teria em seu campo o cognitivo e o afeto, o conhecimento teria em seu núcleo o
cognitivo e teria em seu campo, o poder e o afeto, bem como as terapias da subjetividade teria
em seu núcleo o afeto e teria em seu campo o poder e o cognitivo.
Talvez a intervenção pedagógica deva estar em consonância com a definição de práxis
produzida por Chauí (2002): atuar segundo finalidades, construindo o sentido e significado
para a ação, agir sobre o mundo de modo reflexivo, alterando o agente junto com a
reconstrução do contexto. Assim o interesse essencial da intervenção pedagógica seria,
proporcionar mobilizar a equipe, constituindo-se um grupo, que pode se transformar em um
ator, sujeito capaz de mudanças. Nesse sentido a intervenção pedagógica deve levar a
15
repensar as ações de saúde dentro de um contexto, com suas determinações e subordinações,
re-significando a Unidade de Saúde e sua Equipe como lócus de formulação, como ator
sujeito e não somente sujeitado.
A pergunta central colocada nesta investigação é: A “intervenção pedagógica”
(entendida como dispositivo que gera acontecimentos) contribui para produzir
acontecimentos/processos de mudanças?
Nós propusemos analisar um arranjo metodológico que soma a competência racional
com manejo relacional, isto é, formação humana (subjetividade) e modelo de atenção
(processo de trabalho-gestão). Este arranjo metodológico se baseou na realização de oficinas e
realização de um grupo focal com os componentes de uma Equipe do Programa Saúde da
Família.
As oficinas foram baseadas na proposta apresentada por Maturana e Rezepka no livro
Formação Humana e Capacitação (2002). No quais os autores afirmam que a formação
humana tem haver com o desenvolvimento como pessoa, capaz de ser co-criadora com os
outros de um espaço humano de convivência social desejável. Afirmam que a tarefa da
formação humana é o fundamento de todo processo educativo, já que só se esta se completar é
que se poderá viver socialmente responsável e livre, capaz de refletir sobre sua atividade e seu
refletir, capaz de ver e corrigir erros, capaz de cooperar e de possuir um caráter ético, por que
não desaparece na relação com os outros.
Outra estratégica metodológica da intervenção pedagógica foi a utilização para
discussão em Grupo Focal, do processo de trabalho da equipe sob a forma de Fluxograma
Descritor de Merhy (1997a), obtida anteriormente através do método da Observação
Participante. Segundo Franco e Merhy (2003), na discussão coletiva do Fluxograma uma
acumulação de consciência da situação, bem como apropriação dos processos vividos pelos
trabalhadores; podemos dizer assim que se inicia a construção de sujeitos capazes de
influenciar na mudança do modelo de assistência.
Neste caso perguntas que recortam a análise do impacto desta intervenção pedagógica
são: houve “penetração” em quem a vivenciou? Re-significou as categorias Acesso-
Acolhimento e Vínculo? Gerou mudanças na organização do processo de trabalho?
Ao realizar esta tarefa acreditamos ter contribuído para um crescimento pessoal,
talvez, ajudar para que as pessoas envolvidas se tornem sujeitos de mudanças, em beneficio
próprio e da comunidade a qual servem, bem como, somar conhecimentos em relação ao tema
e que possam ser úteis para outros pesquisadores.
16
2. OBJETIVO
2.1 OBJETIVO GERAL
Analisar o impacto de uma intervenção pedagógica, na subjetividade e no processo de
trabalho, numa equipe do Programa de Saúde da Família - PSF.
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Investigar o processo de trabalho da equipe, através de um Fluxograma Descritor
previamente definido.
Experienciar e avaliar processualmente arranjo metodológico de uma intervenção
pedagógica, voltada para a formação humana e processo de trabalho.
Avaliar o impacto da intervenção pedagógica na re-significação do papel da equipe,
promovendo a incorporação das diretrizes de acesso-acolhimento e vínculo.
17
3. CONTEXTUALIZAÇÃO
3.1 Processo de Trabalho
Merece reflexão a atual tendência e as ações humanizadoras no tecido institucional em
que as ações de saúde e as próprias ações humanizadoras se veiculam. A teia interacional, ou
seja, o conjunto das relações que se estabelecem nas instituições - profissional-paciente,
recepção-paciente, profissional-equipe, profissional-instituição.
As reflexões sobre a tarefa assistencial conduzem também ao campo ético. A questão
ética surge quando alguém se preocupa com as conseqüências que sua conduta tem sobre o
outro. Para que haja ética, é preciso ver (perceber) o outro. E, se para a assistência
humanizada também é preciso perceber o outro, conclui-se que assistência humanizada e ética
caminham juntas.
O trabalho de um profissional, qualquer que seja sua atividade, depende tanto da
qualidade técnica como da qualidade interacional. Em saúde, a preocupação com a qualidade
faz com que, em cada especialidade, se busque desenvolver a capacidade técnica, que faz
parte do que chamamos de conhecimentos e habilidades relativos à área técnica; para a
capacitação interacional do profissional, de qualquer especialidade, torna-se necessária a
instrumentalização para reconhecer e lidar com os aspectos emocionais da tarefa assistencial,
isto é, o desenvolvimento de atitudes.
Nos dias atuais, é comum convivermos com uma gama de problemas que alteram
intensamente a capacidade dos serviços de saúde de responderem de forma eficaz às
demandas por saúde na vida individual e coletiva dos cidadãos brasileiros, o que pode ser
detectado através da pouca efetividade das ações de promoção e proteção dos indivíduos e da
coletividade.
Essa situação tem sido observada cotidianamente nas instituições de saúde do Brasil,
revelando-se através da insatisfação e insegurança dos usuários com o tipo de assistência
prestada e, também, com a forma como os profissionais de saúde operaram os serviços,
remetendo-nos a refletir sobre a necessidade de mudança no processo de trabalho em saúde.
Tal processo de trabalho compartilha características comuns a outros que se dão na
indústria e em outros setores da economia, ou seja, em todos eles existe uma divisão social e
técnica do trabalho. Entretanto, na saúde, essa divisão compreende três dimensões: a
formativa; a de gestão e gerência dos serviços; e a de produção dos serviços, na qual se
18
operam as ações promocionais, preventivas e curativas sobre a dor, o sofrimento e as
demandas de saúde da população.
Pretende-se aqui fazer algumas considerações acerca do processo de trabalho na
produção dos serviços. Para alguns, o objeto do trabalho em saúde é a cura ou a promoção e a
proteção da saúde. No entanto compartilho da idéia de que o objeto é a produção do cuidado,
através da qual poderão ser atingidas a cura e a saúde.
Para Merhy (1997a), esse processo está fundado numa intensa relação interpessoal,
dependente de vínculo entre os envolvidos, para a eficácia do ato. Pela sua natureza dialógica
e dependente, constitui-se também num processo de ensino-aprendizagem.
É um serviço que se realiza com base numa intersecção partilhada entre o usuário e o
profissional, onde o primeiro deve ser visto também como sujeito, e não como objeto desse
processo. Torna-se, assim, um co-partícipe do processo de trabalho e, quase sempre, um co-
responsável pelo êxito ou insucesso da ação terapêutica.
O processo de trabalho em saúde possui uma dimensão cooperativa, que integraliza a
ação e complementa o processo de produção; e uma direção técnica, que diz respeito aos
conhecimentos científicos e ao uso de tecnologias. A organização e a divisão do processo de
trabalho definem-se pelo objetivo final que se quer atingir. Nesse sentido, o modelo de
atenção centrada na concepção médico-curativa tem por finalidade a produção da cura,
orientado pela fragmentação dos procedimentos, a tecnificação da assistência e a mecanização
dos atos. um modelo assistencial produtor de saúde deve tomar por base a produção do
cuidado, com ênfase no trabalho em equipe, na humanização da assistência e na ética da
responsabilidade.
A estratégia Saúde da Família (EPF) traz em seu eixo um movimento que permite
reorientar as práticas nas unidades básicas de saúde, através de um projeto legitimado
nacionalmente, compatível com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde SUS,
reafirmando a universalização, a descentralização, a integralidade e a participação da
comunidade e resgatando elementos importantes de outras alternativas de modelos, como as
propostas de Sistemas Locais de Saúde SILOS Em Defesa da Vida. Essa reengenharia
trazida pela ESF na atenção básica leva à reflexão de que esse nível de atenção, quando
assumido de forma integral e resolutiva, exige dos profissionais que nele atuam um arsenal de
habilidades, atributos e recursos bastante diversificados. Dessa forma, requer como
pressuposto operacional, a cooperação entre aqueles que o executam, visando à integralidade
do atendimento, e o saber técnico específico para viabilizar a resolutibilidade das ações.
19
A estratégia Saúde da Família assume esse pressuposto operacional vislumbrando
duas perspectivas, que merecem ser trabalhadas: a primeira diz respeito à intervenção externa,
a partir da apropriação do território, da orientação por problemas e de atividades
intersetoriais; a segunda, de natureza interna ao processo de trabalho, exige o trabalho em
equipe (cooperativo), a construção de vínculos entre usuários e profissionais e a co-
responsabilidade sanitária, possibilitando a construção de um modelo mais racionalizador,
ético e humanizado.
Enfim, faz-se necessário à incorporação de tecnologias "leves" ao "novo" processo de
trabalho, apostando no diagnóstico sensível à subjetividade, às relações de afeto, aos códigos
familiares subliminares, ao acolhimento, ao vínculo e à responsabilização, ampliando a pauta
técnica para a pauta ética, baseada em solidariedade, humanização e cidadania. Esse é o
desafio!
Quando Marx fala de alienação mostra que o trabalhador não sabe “para que” trabalha.
Ele não sabe que ao mesmo tempo em que produz seu trabalho concreto, está cumprindo com
as regras de produção do trabalho abstrato. O que ele não sabe o que lhe foi retirado de sua
compreensão, é a possibilidade de entender que, ao mesmo tempo em que produz valor de
troca está produzindo valor de uso, e acumulação de mais-valia. “A utilidade de uma coisa faz
dela um valor de uso” Marx (2000). Esses valores são socialmente determinados e pensamos
que interrogá-los pode ajudar às pessoas que trabalham a procurar o sentido do seu trabalho.
A pergunta sobre o Valor de Uso do trabalho pode contribuir para indagar as finalidades, o
para quê do trabalho.
Campos (2000) propôs pensar as instituições de saúde como produtoras de Valor de
Uso, tanto no sentido da eficácia das práticas sociais que ali se desenvolvem, como da
possibilidade de produção nelas de novas formas de subjetivação, capazes de tornar aos
sujeitos que nelas trabalham mais livres e prazerosos.
Pensamos que este argumento e sua exploração têm conseqüências interessantes: os
sujeitos que trabalham são também objetivo e finalidade da organização, não podem mais ser
pensados e tratados como meios (a clássica definição dos recursos humanos). Pensamos que
estes movimentos de se voltar sobre as finalidades do próprio trabalho, e as suas
conseqüências são próprios da práxis, no sentido que lhe outorga Castoriadis:
Chamamos de praxis este fazer no qual o outro ou os outros são visados como seres
autônomos e considerados como agente essencial da sua própria autonomia. A verdadeira
política, a verdadeira pedagogia, a verdadeira medicina, na medida que algum dia existiram,
pertencem á práxis (CASTORIADIS, 1996).
20
Para esse autor, também a práxis não pode ser reduzida a um esquema de fins e meios.
A práxis jamais pode reduzir a escolha de sua maneira de operar a um simples cálculo, pois
ela não pode ser justificada por um saber prévio, à maneira da técnica (e isto não significa que
não possa justificar-se). Ela se apóia sobre um saber, mas este é sempre fragmentado e
provisório. É fragmentário, porque não pode haver teoria exaustiva do homem e da história;
ele é provisório, porque a própria práxis faz surgir constantemente um novo saber
(CASTORIADIS, 1996).
A práxis se apóia em um saber efetivo”, que é limitado e provisório como todo o que
é efetivo. A práxis pode existir na lucidez, sendo uma atividade lúcida, não pode invocar o
fantasma de um saber absoluto ilusório (CASTORIADIS, 1996).
A lucidez relativa relaciona-se com dois aspectos: o primeiro é que o próprio objeto da
práxis é o novo, que não se deixa reduzir a um decalque materializado de uma ordem racional
pré-constituída; o segundo é que o próprio sujeito da práxis é transformado constantemente a
partir da experiência na qual está engajado e que ele faz, mas pela qual ele é também feito.
Têm suas potencialidades inibidas, pois o acesso é restrito e direcionado para um ato médico,
pobre, simplificado e desarticulado do trabalho dos demais profissionais, sem ação de vínculo
e responsabilidade (MERHY, 1997b).
O entendimento simplista de que o problema trazido pelo usuário é sempre de ordem
biológica, sem perceber as outras dimensões (mental, epidemiológica, cultural e social),
definindo, portanto, um fluxo unidirecional de resposta, agendando-se para o médico todas as
demandas, o qual se torna o único profissional com real inserção na assistência, negando-se
todas as possíveis intervenções da equipe multiprofissional.
3.2 O HumanizaSUS e AprenderSUS
A partir da criação da Secretaria da Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde 2002,
o Ministério da Saúde assumiu seu papel de gestor federal do SUS no que diz respeito à
formulação das políticas orientadoras da formação, distribuição e gestão dos trabalhadores de
saúde no Brasil.
O Departamento de Gestão da Educação na Saúde é responsável pela proposição e
formulação das políticas relativas à formação e educação permanente dos trabalhadores de
saúde em todos os níveis de escolaridade e à capacitação de profissionais de outras áreas e da
própria população para favorecer a articulação intersetorial e o controle social no setor da
saúde.
21
Organizado em três coordenações Educação Técnica, Superior e Popular o
Departamento pretende trabalhar as especificidades desses três campos, alimentando sua
articulação por meio de três eixos fundamentais que são a relação entre educação e trabalho, a
mudança na formação e a produção de conhecimento. A adoção da educação permanente
como estratégia fundamental para a recomposição das práticas de atenção, de gestão e do
controle social no setor da saúde.
Na Oficina HumanizaSUS – Política Nacional de Humanização – Relatório Final
Versão (2004) o Secretário Executivo do Ministério da Saúde Dr. Gastão Wagner de Sousa
Campos teceu considerações sobre o SUS afirmando que o SUS é do Brasil, e, assim como o
país, ele representa continuidade e também mudança. Enfatizou que as ações de atenção e de
gestão da saúde precisam ser contaminadas pela humanização e pela promoção de saúde,
ajudando-nos assim a modificar nossas idéias e a pensar novos modelos de gestão e práticas
de atenção.
Como idéia inovadora, defendeu que os comitês de humanização atuem como “grupos
de agenciamento” que, contribuam com trabalho de incentivo às mudanças, podendo
influenciar amplamente, apoiando, estimulando, motivando, identificando os problemas,
preparando co-análises, co-estratégias e co-avaliações, provocando os coletivos a se
repensarem.
Salientou a necessidade de identificação de estratégias específicas em cada região que
garantam a concretude das ações para que a humanização não se reduza apenas a um discurso
moral. Apontou que a Qualificação e a Humanização devem ser entendidas como políticas
públicas permanentes.
Com a falta de interação entre os sujeitos, as ações de saúde perdem eficácia e as
pessoas são reduzidas a objetos: tanto usuários como trabalhadores e gestores ficam
submetidos a diferenciados coeficientes de desumanização. Acentuou que a humanização
passa por resgatar a condição de sujeito, tanto no atendimento individual como no coletivo, e
que, para efetivar ações de humanização teremos que reconhecer tanto na atenção como na
gestão – que lidamos com sujeitos e que estes buscam felicidade e qualidade de vida.
A Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde em um texto intitulado
Aprender SUS: O SUS e os Cursos de Graduação da Área da Saúde (2004) coloca que
formação para a área da saúde deveria ter como objetivos a transformação das práticas
profissionais e da própria organização do trabalho e estruturar-se a partir da problematização
do processo de trabalho e sua capacidade de dar acolhimento e cuidado às várias dimensões e
necessidades em saúde das pessoas, dos coletivos e das populações. A melhor síntese para
22
esta designação à educação dos profissionais de saúde é a noção de integralidade, pensada
tanto no campo da atenção, quanto no campo da gestão de serviços e sistemas.
Neste mesmo texto afirma-se que integralidade da atenção à saúde supõe, entre outros
aspectos, a ampliação e o desenvolvimento da dimensão cuidadora no trabalho dos
profissionais para que se tornem mais responsáveis pelos resultados das práticas de atenção,
mais capazes de acolhimento e de vínculo com os usuários das ações e serviços de saúde e,
também, mais sensíveis àquelas dimensões do processo saúde-doença não inscritas nos
âmbitos tradicionais da epidemiologia ou da terapêutica.
A atenção integral à saúde implica ampliação dos referenciais com que cada
profissional de saúde trabalha na construção de seu repertório de compreensão e ação e, ao
mesmo tempo, o reconhecimento da limitação da ação uniprofissional para dar conta das
necessidades de saúde de indivíduos e populações. Destaca-se que atenção integral implica
mudanças nas relações de poder entre profissionais de saúde (para que efetivamente
constituam equipes multiprofissionais interdisciplinares) e entre profissionais de saúde e
usuários (para que se desenvolva efetivamente a autonomia dos usuários).
A integralidade pressupõe práticas inovadas em todos os espaços de atenção à saúde,
práticas em diferentes cenários todos aqueles em que a produção da saúde e do cuidado
ocorre e conhecimento da realidade de vida das pessoas, bem como de todos os âmbitos do
sistema de saúde. Requer a implementação clara e precisa de uma formação para as
competências gerais necessárias a todos os profissionais de saúde, tendo em vista uma prática
de qualidade, qualquer que seja o local e área de atuação, uma formação que desenvolva a
capacidade de análise crítica de contextos, que problematize os saberes e as práticas vigentes
e que ative processos de educação permanente no desenvolvimento das competências
específicas de cada trabalho.
3.3 Desenvolvimento Organizacional
Segundo Chiavenato (2000) o conceito de organização para os especialistas em
Desenvolvimento Organizacional (D.O.) é tipicamente comportamentalista; uma organização
é a coordenação de diferentes atividades de contribuintes individuais com a finalidade de
efetuar transações planejadas com o ambiente. Esse conceito utiliza a noção tradicional de
divisão do trabalho ao se referir às diferentes atividades e à coordenação existente na
organização e refere-se às pessoas como contribuintes das organizações, em vez de estarem
elas próprias, as pessoas, totalmente nas organizações.
23
As contribuições de cada participante à organização variam enormemente em função
não somente das diferenças individuais, mas também do sistema de recompensas e
contribuições pela organização. Toda organização atua em determinado meio ambiente e sua
existência e sobrevivência dependem da maneira como ela se relaciona com esse meio.
Assim, ela deve ser estruturada e dinamizada em função das condições e circunstâncias que
caracterizam o meio em que ela opera.
Ainda segundo o autor o desenvolvimento organizacional adota uma posição
antagônica ao conceito tradicional da organização, salientando as diferenças fundamentais
existentes entre os sistemas mecânicos (típicos do conceito tradicional) e os sistemas
orgânicos (abordagem do D.O.). Os sistemas orgânicos tornam as organizações coletivamente
conscientes dos seus destinos e da orientação necessária para melhor se dirigir a eles.
Desenvolvem uma nova conscientização social dos participantes das organizações, os quais,
contando com sua vivência particular, seu passado pessoal e sua autoconscientização, definem
o papel deles em relação à sua organização.
DIFERENÇAS ENTRE SISTEMAS MECÂNICOS E SISTEMAS ORGÂNICOS
Sistemas Mecânicos Sistemas Orgânicos
- Ênfase exclusivamente individual e nos
cargos da organização.
- Relacionamento do tipo autoridade-
obediência.
- Rígida adesão à delegação e à
responsabilidade dividida.
- Rígida divisão do trabalho e supervisão
hierárquica.
- Tomada de decisões centralizada.
- Ênfase nos relacionamentos entre e dentro dos grupos.
- Confiança e crença recíprocas.
- Interdependência e responsabilidade compartilhada.
- Participação e responsabilidade multigrupal.
- Tomada de decisões descentralizada.
- Amplo compartilhamento de responsabilidade e de
controle.
Sistemas Mecânicos Sistemas Orgânicos
- Controle rigidamente centralizado.
- Solução de conflitos por meio de repressão,
arbitragem e/ou hostilidade.
- Solução de conflitos através de negociação ou de
solução de problemas.
Fonte: Chiavenato (2000)
Toda organização tem a sua cultura própria. Dá-se o nome de cultura organizacional
ao modo de vida próprio que cada organização desenvolve em seus participantes. A cultura
organizacional repousa sobre um sistema de crenças e valores, tradições e hábitos, uma forma
aceita e estável de interações e de relacionamentos sociais típicos de cada organização.
24
A cultura de uma organização não é estática e permanente, mas sofre alterações ao
longo do tempo, dependendo de condições internas ou externas. Algumas organizações
conseguem renovar constantemente sua cultura mantendo a sua integridade e personalidade,
enquanto outras permanecem com sua cultura amarrados a padrões antigos e ultrapassados.
Chiavenato considera que mudar a estrutura organizacional não é suficiente para
mudar uma organização. A única maneira viável de mudar uma organização é mudar sua
cultura, isto é, os sistemas dentro dos quais as pessoas vivem e trabalham. Para que as
organizações possam sobreviver e se desenvolver, para que exista a renovação e a
revitalização, deve-se mudar a cultura organizacional.
Além da cultura organizacional, Chiavenato em ênfase no clima organizacional. O
clima organizacional constitui o meio interno de uma organização, a atmosfera psicológica
característica em cada organização. O clima organizacional está intimamente ligado ao moral
e à satisfação das necessidades humanas dos participantes.
O clima pode ser saudável ou doentio, pode ser quente ou frio, pode ser negativo ou
positivo, satisfatório ou insatisfatório, dependendo de como os participantes se sentem em
relação à sua organização. A dificuldade na conceituação do clima organizacional reside no
fato de que o clima é percebido de maneiras diferentes por diferentes indivíduos. Algumas
pessoas são mais ou menos sensíveis do que outras em relação a alguns aspectos do clima.
Além do mais, uma característica que parece ser positiva para uma pessoa pode ser percebida
como insatisfatória ou negativa por outras.
Assim, o clima organizacional é constituído por "aquelas características que
distinguem a organização de outras organizações e que influenciam o comportamento das
pessoas na organização". O conceito de clima organizacional envolve diferentes graus, como
o tipo de organização, a tecnologia utilizada, as políticas institucionais, as metas operacionais,
os regulamentos internos - todos constituindo os fatores estruturais -, além de atitudes, formas
de comportamento social que são encorajadas ou sancionadas - que são os fatores sociais.
O clima resulta de um completo envolvimento de componentes relacionados com
aspectos formais e informais da organização, dos sistemas de controle, dos procedimentos de
trabalho, das regras e normas, e das relações interpessoais existentes na organização. Cada
organização é um sistema complexo e humano, com características próprias, com sua própria
cultura e seu próprio clima organizacional. Todo esse conjunto de variáveis deve ser
continuamente observado, analisado e aperfeiçoado para que resultem motivação e
produtividade.
25
Para mudar a cultura e o clima organizacionais, a organização precisa ter capacidade
inovadora, ou seja, deve ter as seguintes características segundo Chiavenato (2000):
Adaptabilidade, ou seja, capacidade de resolver problemas e de reagir de maneira
flexível às exigências mutáveis e inconstantes do meio ambiente. E, para ser adaptável, a
organização deve: - ser flexível, para poder adaptar e integrar novas atividades; - ser receptiva
e transparente a novas idéias, sejam elas intra ou extra-organizacionais;
Senso de identidade, ou seja, o conhecimento e a compreensão do passado e do
presente da organização, bem como a compreensão e compartilhamento dos objetivos da
organização por todos os seus participantes. Aqui não lugar para alienação do empregado,
mas para o comprometimento do participante;
Perspectiva exata do meio ambiente, ou seja, uma percepção realista a uma
capacidade de investigar, diagnosticar e compreender o meio ambiente;
Integração entre os participantes, de tal forma que a organização possa se comportar
como um todo orgânico.
Assim, não basta apenas mudar a estrutura. que se mudar a cultura. O processo de
mudança organizacional começa com o aparecimento de forças que vêm de fora ou de
algumas partes da organização. Essas forças podem ser exógenas ou endógenas à organização.
As forças exógenas provêm do ambiente, como as novas tecnologias, mudança em
valores da sociedade e novas oportunidades ou limitações do ambiente (econômico, político,
legal e social). Essas forças externas criam à necessidade de mudança organizacional interna.
As tentativas de mudança interna podem ser conscientemente planejadas para que o
ajustamento às novas condições externas se processe com a mínima perturbação do equilíbrio
estrutural e de comportamento existente dentro da organização. As forças endógenas que
criam necessidade de mudança estrutural e comportamental provêm da tensão organizacional:
tensão nas atividades, interações, sentimentos ou resultados de desempenho no trabalho. Estas
forças de mudança representam condições de equilíbrio perturbado dentro de uma ou mais
partes da organização.
O desenvolvimento organizacional é necessário sempre que a organização concorra e
lute pela sobrevivência em condições de mudança. Toda mudança é um problema que deve
ser solucionado de forma racional e eficiente. Enquanto a mudança genérica envolve
alterações no ambiente em geral, a mudança organizacional é um conjunto de alterações
estruturais e comportamentais dentro de uma organização. Esses dois tipos fundamentais de
alterações - estruturais e comportamentais - são interdependentes e se interpenetram
intimamente.
26
A tendência natural de toda organização é crescer e desenvolver-se. Essa tendência
tem suas origens em fatores endógenos (internos, sejam eles estruturais ou comportamentais,
e relacionados com a própria organização em si) e exógenos (externos e relacionados com as
demandas e influências do ambiente).
O desenvolvimento é um processo gradativo que conduz ao exato conhecimento de si
próprio e à plena realização de suas potencialidades. Assim, o desenvolvimento de uma
organização lhe permite:
um conhecimento profundo e realístico de si própria e de suas possibilidades;
um conhecimento profundo e realístico do meio ambiente em que opera;
um planejamento adequado e realização bem-sucedida de relações com o meio
ambiente e com os seus participantes;
uma estrutura interna suficientemente flexível com condições para se adaptar
em tempo às mudanças que ocorrem, tanto no meio ambiente com que se
relaciona como entre os seus participantes;
os meios suficientes de informação do resultado dessas mudanças e da
adequação de sua resposta adaptativa.
Chiavenato (2000) salienta que se encararmos as organizações como estruturas
orgânicas adaptáveis, capazes de resolver problemas, as inferências quanto à sua eficiência
não se devem basear em medidas estáticas de produção, embora estas possam ser úteis, mas
nos processos pelos quais a organização aborda os problemas. A eficiência da organização
relaciona-se diretamente com sua capacidade de sobreviver, de adaptar-se, de manter sua
estrutura e tornar-se independente da função particular que preenche. A fim de que uma
organização possa alcançar certo nível de desenvolvimento, ela pode utilizar diferentes
estratégias de mudança.
Assim segundo Chiavenato (2000), existem três diferentes tipos de estratégias de
mudança:
1. mudança evolucionária: "quando a mudança de uma ação para outra que a
substitui é pequena e dentro dos limites das expectativas e dos arranjos do
status quo". Geralmente a mudança evolucionária é lenta, suave e não
transgride as expectativas daqueles que nela estão envolvidos ou são por ela
afetados. Há uma tendência de se repetirem e reforçarem as soluções que se
demonstrem sólidas e eficientes e de se abandonarem as soluções fracas e
deficientes;
27
2. mudança revolucionária: "quando a mudança de uma ação para a ação que
a substitui contradiz ou destrói os arranjos do status quo". Geralmente a
mudança revolucionária é rápida, intensa, brutal, transgride e rejeita as
antigas expectativas e introduz expectativas novas. Enquanto as mudanças
evolucionárias, por ocorrerem aos poucos, não provocam geralmente
grande entusiasmo ou forte resistência, o mesmo não acontece com as
mudanças revolucionárias, geralmente súbitas e causadoras de grande
impacto;
3. o desenvolvimento sistemático: é diferente de ambos o tipo de mudança
citado. No desenvolvimento sistemático, os responsáveis pela mudança
delineiam modelos explícitos do que a organização deveria ser em
comparação com o que é , enquanto aqueles cujas ações serão afetadas pelo
desenvolvimento sistemático estudam, avaliam e criticam o modelo de
mudança, para recomendar alterações nele, baseadas em seu próprio
discernimento e compreensão.
Assim dimensões adicionais de comportamento e de experiência humanos são trazidas
para a dinâmica da mudança, o que não ocorre com os dois tipos de mudanças. As tensões
intelectuais e emocionais criadas entre todos os responsáveis pelo planejamento e
implementação estimulam a mudança. Essas tensões baseiam-se em compreensão,
discernimento, comprometimento e convicção quanto à correção da mudança do que é para o
que deveria ser. Assim, as mudanças resultantes traduzem-se por apoio e não por resistências
ou ressentimentos.
Segundo, Franco (2001), o que chamamos de desenvolvimento organizacional é o
processo de mudança pelo qual uma organização tende para uma entidade sustentável. O que
é sustentável a exemplo dos organismos vivos e dos ecossistemas é sustentável porque
conseguem formar um padrão, crescer mantendo esse padrão, se renovar e se reinventar (ou
seja, mudar esse padrão).
A mudança de padrão é requerida toda vez que se manifesta uma incongruência entre
a organização e o meio. Por isso o desenvolvimento depende, fundamentalmente, do ambiente
- do ambiente interno e do ambiente externo. Mas, fundamentalmente, da congruência
dinâmica, quer dizer, construída e reconstruída continuamente, entre o ambiente interno e o
ambiente externo. Se o ambiente interno não for favorável, não pode haver desenvolvimento.
Se o ambiente externo não for favorável, também não pode haver desenvolvimento.
28
E se a congruência entre o ambiente interno e o ambiente externo deixar de existir, a
organização deixa de se desenvolver. É a interação sinérgica entre a organização e o meio que
viabiliza o desenvolvimento.
Desenvolvimento da Organização
Ambiente Interno Ambiente Externo
Fonte: Franco, 2001
Durante muito tempo acreditamos que existia um tipo de capital, relacionado aos
bens e serviços que uma sociedade produzia e à renda da quais seus membros se apropriavam.
Franco (2001) afirma que existem outros tipos de “capitais” que também são decisivos no
processo de desenvolvimento. Além da propriedade produtiva, da riqueza, daquilo que
poderíamos chamar de “capital empresarial”, existem ainda o “Capital Humano”, o “Capital
Social” e o “Capital Natural”.
O Capital Humano se refere mais diretamente ao conhecimento, à capacidade de criá-
lo e recriá-lo o que envolve a educação, a saúde, a alimentação e a nutrição, a cultura e a
pesquisa, e várias outras áreas, sobretudo, o empreendedorismo. O Capital Social diz respeito
aos níveis de organização, de conexão horizontal e de regulação democrática de uma
sociedade. Existe uma relação direta entre os graus de associação, confiança e cooperação
atingida por uma sociedade democrática organizada do ponto de vista cívico e cidadão e a boa
governança. Tal relação pode ser compreendida como Capital Social. O Capital Natural diz
respeito às condições ambientais e físico-territoriais herdadas, regeneradas ou (re)
construídas.
Desta forma o desenvolvimento mesmo ocorrerá quando surgirem novos e
múltiplos laços de realimentação de reforço. Por exemplo, quando mais Capital Humano se
gerar mais Capital Social será criado, que gerará mais Capital Humano, etc. Quando isso
ocorrer, o sistema adquirirá vida própria e “rodará”, por assim dizer, sozinho, percorrendo
círculos virtuosos daquilo que chamamos de desenvolvimento humano e social sustentável.
O autor afirma que um ambiente interno favorável ao desenvolvimento da organização
é função do seu Capital Humano e do seu Capital Social. No que tange ao Capital Humano, o
29
principal fator é o Empreendedorismo. No que tange ao Capital Social, temos três fatores,
intimamente relacionados entre si: a Cooperação, a Rede e a Democracia.
Desenvolvimento
Capital Humano Capital Social
Rede
Cooperação Democracia
Empreendedorismo
é a capacidade que as pessoas têm de fazer coisas novas, exercitando a sua
imaginação criadora o seu desejo, sonho e visão e se mobilizando para adquirir os
conhecimentos necessários, capazes de permitir a materialização do desejo, a realização do
sonho e a viabilização da visão.
Fonte: Franco,2001
Se a organização tem uma “alma”, um propósito, uma missão, valores e crenças,
objetivos e metas, isso tudo só existe realmente na medida em que existam seres humanos que
incorporem essa “alma”, que convirjam no mesmo propósito, que assumam coletivamente a
missão, que compartilhem os valores e crenças e formem um consenso mínimo acerca dos
objetivos e metas. Por isso, o maior capital de uma organização é o seu pessoal: as qualidades
de cada uma das pessoas que a constituem e o modo como essas pessoas interagem, dentro e
fora da organização; ou seja, o seu padrão de organização e de relacionamento, interno e
externo.
Mas o desempenho da organização também depende do Capital Humano e do Capital
Social que está no ambiente no qual ela se relaciona. Como veremos mais adiante, uma
organização imersa num ambiente que apresente níveis baixíssimos de Capital Humano e de
Capital Social terá imensas dificuldades para se desenvolver, mesmo que seus estoques
próprios desses “capitais” sejam volumosos e de boa qualidade o que seria um caso raro,
uma vez que as pessoas que constituem uma organização em geral integram outras
instituições que compõem o ambiente externo da organização.
De qualquer modo, o desenvolvimento de uma organização depende sempre das
relações que ela estabelece dentro de suas fronteiras e das relações que atravessam essas
fronteiras. Ou seja, depende do ambiente interno e do ambiente externo e, sobretudo, das
relações que se efetivam entre o que está dentro e o que está fora.
30
Um dos principais elementos do Capital Humano é a capacidade que as pessoas têm
de fazer coisas novas, exercitando a sua imaginação criadora – o seu desejo, sonho e visão – e
se mobilizando para adquirir os conhecimentos necessários, capazes de permitir a
materialização do desejo, a realização do sonho e a viabilização da visão. Para Franco (2001),
isso tem um nome: chama-se “Empreendedorismo”.
Todavia, a organização é mais do que a soma das pessoas que a constituem e que se
relacionam com ela. A organização é uma realidade social e não apenas multipessoal. Isso
significa que a organização não depende apenas do fator Humano, mas também do fator
Social. E isso significa que um ambiente interno favorável ao desenvolvimento, além de ser
função do Capital Humano, é também função, como dissemos, do Capital Social. Uma das
principais características do Capital Social é a capacidade de comunidade, ou seja, a
capacidade de constituir e de viver em comunidades.
Do ponto do Capital Social, a criação de um ambiente interno favorável ao
desenvolvimento da organização depende de três fatores: as maneiras como as pessoas
convivem as emoções e as razões (extra-econômicas) pelas quais permanecem juntas
naquela organização, a forma como se relacionam e o modo como regulam seus conflitos e se
conduzem coletivamente.
Uma organização capaz de se desenvolver existe como tal na medida em que as
pessoas que a constituem tenham um propósito convergente, compartilhe valores e crenças e
formem algum consenso em torno de objetivos e metas. Em outras palavras, uma organização
capaz de se desenvolver existe na medida em que as pessoas nela envolvidas tenham um
projeto comum.
Além disso, é necessário, para qualquer organização existir, que as pessoas aceitem
conviver (ou pelo menos coexistir) o que implica algum grau de respeito à autonomia e
alguma disposição de aceitação das diferenças. Em outras palavras, a organização existe na
medida em que haja aceitação do outro. Isso, antes de ser fruto de um cálculo racional, é a
manifestação de uma emoção que permite a presença do outro no nosso próprio espaço de
vida.
Por último, para que a organização exista é preciso que as pessoas se relacionem de
uma determinada maneira estável, exercitando a complementaridade e a parceria e, enfim, que
sejam de algum modo, interdependentes.
Segundo Franco (2001), a combinação ou incidência simultânea de capacidade de
construir projetos comuns, aceitação do outro e dinâmica de interdependência tem um nome:
chama-se “Cooperação
”.
31
Portanto, do ponto de vista do Capital Social, a Cooperação é o primeiro fator para a
criação de um ambiente interno favorável ao desenvolvimento da organização. Para que esse
ambiente se forme e permaneça existindo ao longo do tempo é necessário que se instale,
dentro da organização, uma cultura de cooperatividade sistêmica.
Padrão vertical de organização, subordinação e dependência impedem a geração, a
acumulação e a reprodução do Capital Social. Para que o Capital Social possa ser gerado,
acumulado e reproduzido, é necessário que as pessoas se conectem, umas com as outras,
segundo um padrão horizontal de organização, que não sejam em tudo sempre subordinadas
umas às outras e que sejam interdependentes em vez de dependentes.
A capacidade de estabelecer ligações entre os seus membros a medida da
conectividade interna da organização. Se essas relações forem horizontais, temos uma
conectividade horizontal que enseja a circulação da informação, dissolvendo os núcleos
burocráticos baseados no segredo e favorecendo a desconcentração do saber.
A conectividade horizontal, combinada com a interdependência, leva as pessoas a
estabelecerem relações de parceria entre si. Conectividade horizontal e interdependência
conduzem à autonomia das pessoas e não à subordinação. Além disso, assim como para haver
Cooperação, é necessário que as pessoas compartilhem valores e objetivo comum, ou seja,
que tenham um projeto comum. Não se pode criar um clima interno favorável ao
desenvolvimento se as pessoas não participam voluntariamente de ações conjuntas. E isso elas
só farão na medida em que compreendam que estão compartilhando um (mesmo) projeto.
Para Franco (2001), projeto comum, conectividade horizontal e interdependência
levam, através da multiplicação de relações de parceria, à constituição de comunidade. Ora, a
combinação ou incidência simultânea de projeto comum, conectividade horizontal e
interdependência que, juntas, levam à constituição de comunidade tem um nome: chama-
se “Rede”.
Portanto, do ponto de vista do Capital Social, a Rede é o segundo fator para a criação
de um ambiente interno favorável ao desenvolvimento da organização. Para que esse
ambiente se forme e permaneça existindo ao longo do tempo é necessário que se instale,
dentro da organização, uma cultura de rede.
Do ponto de vista do Capital Social, a criação de um ambiente interno favorável ao
desenvolvimento da organização depende de três fatores. vimos o primeiro fator: a
Cooperação; e o segundo fator: a Rede. Estes dois fatores estão intimamente imbricados:
Redes só se formam com base na Cooperação. O exercício da Cooperação leva as pessoas a se
relacionarem segundo um padrão de Rede. Assim como Capital Social é Cooperação
32
ampliada socialmente, Rede também é Capital Social. Porque tanto Cooperação quanto Rede
formam comunidade (que, por sua vez, são usinas de Capital Social).
As comunidades se caracterizam por apresentar um padrão de rede: pessoas
conectadas horizontalmente com pessoas a partir de normas e valores comuns, por ligações
livres (isto é, não impostas por alguém que tem poder e não condicionadas por fatores imunes
à vontade do sujeito, como raça e parentesco), e não imediatamente interessadas (isto é, extra-
econômicas). Comunidades se formam a partir da Cooperação. O terceiro fator para o
autor seria: o modo pelo qual as pessoas regulam seus conflitos e se conduzem coletivamente,
que do ponto de vista do Capital Social, esse modo tem um nome chama-se: “Democracia”.
A criação de um ambiente favorável ao desenvolvimento da organização depende do
modo pelo qual as pessoas decidem o que vão e o que não vão fazer coletivamente. Isso nem
sempre é fácil. Porque as pessoas, em geral, têm opiniões diferentes, muitas vezes contrárias,
sobre qualquer assunto que está sendo objeto de decisão.
Podemos dizer a mesma coisa de outra maneira: um ambiente interno favorável ao
desenvolvimento da organização depende da existência de uma cultura empreendedora, de
uma cultura de cooperatividade sistêmica, de uma cultura de rede e de uma cultura
democratizante dentro da organização; ou seja: de uma cultura de desenvolvimento.
Ora, podemos falar de cultura se existem comportamentos que se mantêm por
transmissão não genética, que se reproduzem “automaticamente” em função de padrões de
normas e valores assumidos coletivamente em virtude dos indivíduos participarem das
mesmas redes de conversações. Através das conversações circulam emoções e idéias que
incentivam e avalizam certos tipos de atitudes e desestimulam e desaprovam outros tipos de
atitudes. Essa circulação de emoções e idéias obedece a certa regularidade, constituindo ciclos
fechados que caracterizam um determinado padrão. Se não fosse assim, não se poderia
distinguir uma cultura de outra.
Por isso é tão difícil mudar uma cultura. Por isso não basta fazer discursos dizendo
que é preciso mudar a organização. Os discursos, como se diz: “entram por um ouvido e saem
pelo outro”. Se as circularidades inerentes às conversações predominantes numa determinada
coletividade não se alteram, a organização não pode mudar. Por quê? Porque a sua cultura não
muda e enquanto não muda a cultura da organização não podem mudar as condutas das
pessoas que a integram.
33
3.4 Cultura e Mudança
Segundo Fleury (1996b), referindo-se a Philippe Zarifian (1992, 1994, 1995 e 1996),
os novos modelos organizacionais podem ser distinguidos entre organizações qualificadas e
qualificantes. A organização qualificada se caracterizaria pelo trabalho em equipes ou células;
a autonomia delegada às células e sua responsabilização pelos objetivos de desempenho:
qualidade, custos, rendimento, etc.; diminuição dos níveis hierárquicos e o desenvolvimento
das chefias para as atividades de "animação" e gestões de recursos humanos; a reaproximação
das relações entre áreas e funções da empresa.
A organização qualificante, ainda segundo Zarifian (apud Fleury, 1996b) incorporaria
outras características além das já citadas: a valorização da aprendizagem e da inovação
permanentes; devem ser centradas sobre a inteligência e domínio das situações de imprevisto,
que podem ser exploradas como momentos de aprendizagem pelo conjunto dos empregados; a
organização deve estar aberta para a explicitação da estratégia empresarial, realizada pelos
próprios empregados; deve favorecer o desenvolvimento da co-responsabilidade em torno de
objetivos comuns, entre as áreas de produção e de serviços; deve dar um conteúdo dinâmico à
competência profissional, ou seja, permitir que os assalariados invistam em projetos de
melhoria permanente de tal modo que eles pensem o seu know-how não como um estoque de
conhecimentos a serem preservados, mas como uma competência - ação ao mesmo tempo
pessoal e engajada em projeto coletivo.
Essa visão representa, sem dúvidas, uma evolução aos modelos de treinamento e
formatação característicos do taylorismo. Esses modelos reproduziam estruturas que
separavam o saber do fazer, o agir do pensar, a partir da idéia de que uma elite pensante (e
dominante) poderia atender às necessidades de descoberta e redefinição organizacionais; aos
demais, restava a tarefa de cumprir com o planejado. Também centravam o aprendizado
numa dimensão individual. Ainda que a empresa definisse o que deveria ser aprendido,
quando e como, esse aprendizado representava um reforço aos currículos individuais. A
valorização vinha geralmente do número de cursos e títulos acumulados e não da transmissão
e circulação do conhecimento.
Senge (1990), embora parta também do indivíduo e sua busca pelo autoconhecimento,
reforça a necessidade de um raciocínio sistêmico como forma de pensar e aperfeiçoar o todo
organizacional. A esse pensamento ele denomina a quinta disciplina (as outras seriam o
domínio pessoal, os modelos mentais, o objetivo comum e o aprendizado em grupo), instância
integradora que uniria teoria e prática.
34
Senge e Zarifian diferem, porém, em dois pontos cruciais: para Senge, de tradição
norte-americana, a responsabilidade sobre o aprendizado e a mudança organizacional recai
sobre o líder, transformada agora em facilitador; para Zarifian (apud Fleury, 1996b), o
processo de aprendizado e busca da competência deve basear-se na comunicação. Esse autor
trabalha com a teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas, que pressupõe a existência
de compreensão recíproca acerca dos fenômenos, e a criação de uma esfera pública, um
espaço público no interior das organizações propício ao intercâmbio de informações,
percepções, sentimentos e saberes.
Essa proposta, porém, necessita ancorar-se numa cultura organizacional calcada no
diálogo e na participação. Nas organizações marcadas pela hierarquia, pelo rígido controle da
informação e pela concentração de poder, haveria a necessidade de adaptar suas culturas.
Costuma-se definir cultura de uma forma simples, mas eficaz: é o modo como às
coisas são feitas num grupo, organização ou instituição. Se quisermos que algo se modifique
num determinado grupo, organização ou instituição é preciso mudar o modo como às coisas
são feitas nesse grupo, organização ou instituição.
Eis, portanto o nosso desafio: transformar nossa cultura de serviços de saúde,
modificar seus modos básicos de fazer, que como sabemos, inclui longas filas, demora nos
atendimentos, escassez de meios, desvalorização das pessoas (tanto os usuários como dos
profissionais), em muitos casos predomínio da frieza e da tecnoburocracia, em prejuízo do
humano. São o modo de fazer que caracterizam uma cultura de não acesso-acolhimento e
vínculo.
Segundo Varela (2001), a mente faz parte do cérebro; o rebro faz parte do corpo,
que faz parte do mundo, e como tal, a mente faz parte do mundo. E como tal, é parte
integrante dos grupos, organizações e instituições humanas.
Segundo Mariotti (2002), podemos falar das organizações como agrupamentos de
mentes que trabalham juntas visando objetivos comuns. É possível, pois, aplicar a elas o
modelo mental adotado pela maioria dos psicólogos e psiquiatras:
Nessa figura, a mente é dividida em consciência (representada pela parte acima da
linha horizontal) e inconsciente (à parte abaixo da linha horizontal). O pequeno retângulo
representa o Ego, como se vê, parte dele situa-se abaixo da linha do consciente, é semi-
35
consciente. Por consciência entende-se o estado vigil: o fato de darmos conta das coisas ao
redor e, além disso, a percepção que estamos tendo essa consciência. O inconsciente é a área
da mente que em geral não percebemos embora muitos dos nossos pensamentos e ações sejam
por ele determinados.
Segundo Mariotti (2002), tomando como base esse círculo, estudiosos das instituições
fizeram o seguinte raciocínio: se as organizações e instituições são formadas por pessoas,
pode-se concluir que existem uma consciência e um inconsciente institucional. Sendo, porém
a termologia diferente e a representação gráfica também. A metáfora utilizada é a do iceberg
organizacional.
Cultura Patente (formal)
Cultura Latente (informal)
Acima da linha d’água está a consciência organizacional (cultura formal), abaixo desta
está o inconsciente organizacional (cultura latente). A cultura patente comporta as estruturas
de superfície de um grupo, organização ou instituição. É a fachada e, do lado de dentro, a
pintura das paredes, os móveis, a decoração, os murais e quadros de avisos, o modo como as
pessoas se trajam, como elas se comunicam umas com as outras e com os visitantes. A cultura
patente representa o modo como à organização quer ser vista. É a cultura manifesta.
A cultura latente é o pólo oculto, inclui os conflitos, os problemas, as animosidades, as
dificuldades de relacionamento. Nela se encontra aquilo que a organização não quer que
apareça. Entretanto, se é ali que estão os problemas, é também nesse âmbito que estão à
criatividade, as possibilidades de negociações e mudanças. É por isso que a cultura latente é
também chamada de pólo instituinte em contra partida do pólo instituído que corresponde à
cultura patente. No pólo instituído estão as normas, as regras e regulamentos o que está
regulamentado. No pólo instituinte se encontram as possibilidades de criar algo novo, mudar o
instituído.
Conclui-se que a cultura patente reprime a cultura latente. Esta é uma contra cultura, e
por isso tende a resistir à repressão da cultura dominante. Esse equilíbrio entre repressão e
resistência é fundamental para o estabelecimento da tensão criativa e é dela que as
organizações tiram muito da energia necessária ao seu funcionamento e resolução dos
problemas.Para se fazer qualquer trabalho de mudança organizacional, é indispensável fazer o
diagnóstico de cultura. Um destes métodos é a culturanálise organizacional:
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INSTITUÍDO INSTITUINTE
Fonte: Mariotti, 2002
Mariotti (2002) afirma que numa organização em que a balança pender em excesso
para o pólo instituído será inevitavelmente rígida, burocrática e lenta. Será uma organização
difícil de administrar, além de pouco eficiente. Sendo que numa organização em que a
balança pender demais para o pólo instituinte será excessivamente fluída. No limite tenderá à
desorganização e à anarquia. Como no caso anterior, será uma organização de difícil
administração e baixa eficiência. Assim, deduz-se que o conhecimento do que acontece nos
pólos instituídos e instituintes de uma organização é a base de todo o trabalho de mudança
organizacional. Promover a harmonia entre: O instituído e o instituinte, o linear e o sistêmico,
a lógica e a intuição, a razão e a emoção.
Uma vez compreendidas as polaridades é importante colocarmos os componentes de
uma cultura organizacional. Num modo integrado segundo Mariotti (2002) pode ser
representado pelo esquema mostrado a seguir:
Valores compartilhados
(o que é importante para a organização)
Crenças
(como as coisas funcionam)
Pessoas, estruturas e sistemas de controle
Normas de comportamento
(como as coisas são feitas na organização)
Fonte: Mariotti, 2002
Sua análise mostra que em qualquer organização componentes como valores
compartilhados, as crenças, as normas de comportamento, as estruturas organizacionais e os
sistemas de controle. O ponto central, porém, é sempre representado pelas pessoas.
As organizações são sistemas dentro de sistemas mais amplos as sociedades. Estas
por sua vez, fazem parte de sistemas mais amplos, e desta forma chegamos ao âmbito
37
planetário. Fazer parte de um grupo, organização ou instituição requer, portanto, consciência
participativa, isto é, responsabilidade social, ambiental e planetária.
Por isso todo o processo de mudanças é necessariamente um empreendimento
comunitário – o que não quer dizer, porém que as pessoas precisam abrir mão de suas
individualidades. Ao contrário, um dos pontos mais importantes a compreender é tomar plena
a consciência da individualidade (que leva a solidariedade) é a melhor maneira de evitar o
individualismo (que leva a exclusão).
Assim, os focos mais importantes do processo de mudança organizacional são:
Desenvolvimento pessoal.
Desenvolvimento interpessoal.
Visão de comprometimento compartilhado.
Aprendizagem em grupo.
Compreensão da complexidade.
Sobre estas áreas é que são aplicados os métodos e técnicas de mudanças da cultura
organizacional.
O movimento institucionalista tornou-se um grande aliado na análise do objeto de
investigação deste estudo. Em suas características mais gerais, o movimento institucionalista é
o conjunto de escolas, comportando diversas tendências, mas independentemente das
divergências entre eles, todas se propõem propiciar, apoiar, deflagrar com comunidades, nos
coletivos, nos conjuntos de pessoas, processos de auto-análise e processos de autogestão
(BAREMBLITT, 1992).
Outro ponto em comum é a concepção da sociedade como uma rede, um tecido de
instituições, entendendo aqui por instituições, as composições lógicas que regem as relações e
o comportamento humano, as quais podem adquirir a configuração de leis, de normas, porém,
mesmo sem esta configuração, regulam as relações e os padrões de comportamento dos
homens na sociedade.Duas vertentes são plasmadas nas instituições, a do instituinte e do
instituído, consideradas como forças produtoras e produtos do processo das relações. A
instituinte, revestida de um caráter processual, significa as forças que tendem a transformar as
instituições ou também a estas forças que tendem a fundá-la, são as forças produtivas de
códigos institucionais. (BAREMBLITT, 1992).
Por instituído, temos o produto, o resultado das forças de transformação, “é o efeito da
atividade instituinte” apresenta uma característica estática, o que não deve ser entendido como
uma forma maniqueísta de valores, respectivamente, boa e ruim, pois segundo o autor, o
38
instituinte careceria completamente de sentido se não plasmasse, se não materializasse nos
instituídos. Por outro lado, os instituídos não seriam úteis, não seriam funcionais se não
estivessem permanentemente abertos à potência instituinte. Paralelamente, no nível
organizacional estão as atividades “organizantes” e as “organizadas”. As primeiras são
revestidas de criticidade e transformação, enquanto aquelas que até são necessárias, como os
fluxogramas, mas com tendência “natural” a cristalizar-se, são as “organizadas”. Estando a
vida social em processo constante de transformação na perspectiva de buscar realizações,
felicidade, prazer, faz-se necessário entender que esse processo é regulado por vertentes
relacionadas dialéticamente, sendo elas: instituído/instituinte; organizado/organizante
(BAREMBLITT, 1992).
3.5 O ESPAÇO MICROSSOCIAL
Observa-se, já há alguns anos, a crescente referência, na produção acadêmica da saúde
coletiva, de categorias como sujeito, subjetividade e autonomia, abordadas, seja do ponto de
vista teórico (Minayo, 2001), seja a partir de processos microssociais e/ou micro-políticos que
ocorrem no interior das organizações de saúde, tais como: o processo de trabalho como
“trabalho vivo em ato” (Merhy, 2002); a relevância das relações entre “gestão e
subjetividade” (Campos, 1997); a relevância dos processos pedagógicos (L’Abbate, 1998) e
da educação em saúde (L’Abbate, 1997); a inter-relação entre as dimensões analíticas,
pedagógicas e da gestão, na construção de um novo modelo de atenção para os serviços de
saúde (Campos, 2000).
Merhy (1997b), em relação aos modelos tecno-assistenciais para a saúde, tem insistido
na tese de que os mesmos assumem determinada configuração, de acordo com os processos e
tecnologias de trabalhos usados na produção da assistência à saúde. Notadamente, considera
que um modelo “produtor do cuidado”, centrado no usuário e suas necessidades, devem
operar centralmente a partir das tecnologias leves (aqueles inscritas nas relações, no momento
em que são realizados os atos produtores de saúde) e tecnologias leve-duras (as inscritas no
conhecimento técnico estruturado).
Por sua vez, as análises da mudança dos serviços de saúde, obedecem à lógica
estruturante de um ou outro método (lógica administrativo-financeira e intervenção na micro-
política de organização da assistência). No primeiro caso, bem estruturado a mudança é
facilmente capturável através de indicadores também bem estruturados, formulados de acordo
com as técnicas próprias da administração pública. No segundo caso, as análises de processos
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de mudanças de modelo assistencial, se tornaram um desafio, dado a dificuldade natural em
capturar movimentos instituintes em curso, especialmente no plano micro-político, para a
inversão dos processos e tecnologias de trabalho em saúde.
No entanto, a comprovação empírica de um processo de mudança nos serviços de
saúde, é importante para a condução do novo projeto assistencial, podendo contribuir para a
tomada de decisões em situações de incerteza, na atividade de planejar, na construção de um
novo devir para estes mesmos serviços.
3.6 O TRABALHO EM EQUIPE
Tanto na produção teórica, quanto na prática em serviços, predomina a concepção de
equipe do senso comum, onde equipe é representada como um conjunto de profissionais em
situação comum de trabalho. Convém destacar que a denominação de equipe, no processo de
produção em saúde, sempre fará referência a uma situação de trabalho e que este refere-se a
obtenção de bens ou produtos para a atenção às necessidades humanas. Cabendo a equipe a
responsabilidade pela obtenção de resultados que expressem a finalidade do trabalho que
produz.
Pichon (1988) afirma que as relações intersubjetivas no campo grupal são dirigidas e
se estabelecem sobre a base de necessidades, que é o fundamento motivacional do vínculo. O
vínculo assim entendido implica na existência de um emissor, um receptor, uma codificação e
decodificação de mensagens, pressupondo um processo comunicacional entre seus
integrantes. Neste interatuar dá-se a internalização dessa estrutura relacional, que adquire uma
dimensão intra-subjetiva que se constitui o vínculo. Postulando assim que no grupo exista
alteridade, a aceitação do outro enquanto sujeito pensante e autônomo, por cada um dos atores
sociais que mantém vínculos entre si e relações afetivas.
Na medida em que confrontação entre o âmbito intersubjetivo e o âmbito intra-
subjetivo seja dialético ou dilemática, é que a aprendizagem será facilitada ou obstaculizada.
Dependerá de que o processo de interação funcione como um circuito aberto e não como um
circuito fechado, viciado pela estereotipia. O papel a ser desenvolvido e potencializado em
todos os integrantes da equipe pressupõe a facilitação desse processo de interação e
aprendizagem de desenvolvimento de novas condutas e papéis, de modo ativo e participativo.
Peduzzi (1998), diz que há relação recíproca entre as dimensões complementares
trabalho e interação são o que caracterizamos como trabalho em equipe, neste sentido
considera-se duas dimensões inerentes ao trabalho em equipe: a articulação das ações e a
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interação dos profissionais. Este autor, afirma que quando a equipe é multiprofissional, a
articulação refere-se a recomposição de processos de trabalho distintos, em que devemos
considerar as conexões e interfaces, existentes entre as intervenções técnicas peculiares de
cada área profissional, bem como considerar a existência de valores sociais hierarquizados e
com grau disciplinador das relações de subordinação entre as diferentes áreas de trabalho.
3.7 COMUNIDADES DE PRÁTICA
O conceito de comunidades de práticas originou-se de estudos sobre o aprendizado
realizados pelo antropólogo Jean Lave junto com Etienne Wenger pesquisador do Instituto de
Pesquisas sobre Aprendizagem, da Universidade da Califórnia, no início dos anos 90.
O aprofundamento no estudo das relações sociais revelou uma maior complexidade
em relação a este assunto, a partir da visão social, ficou em evidencia a noção que o
aprendizado se encontra situado na troca de experiências com pessoas mais experientes e
aprendizes mais avançados. Assim, o termo de comunidade de práticas passou a ser utilizado,
designando a comunidade que opera dinamicamente em todos os lugares, mesmo quando não
existe uma relação sistemática formal entre as pessoas.
Wenger (1998) apóia sua abordagem sobre o aprendizado nas comunidades de prática
na Teoria Social do Aprendizado, na qual coexistem duas linhas sociológicas: as Teorias
sobre a Estrutura Social (que se preocupam com o estudo das instituições, normas e regras,
enfatizando o sistema cultural, os discursos e a história de uma sociedade) e as Teorias sobre
Experiências Situadas (que se preocupam com a dinâmica da vida diária, as improvisações,
enfatizando os agentes e as intenções). Havendo também as influências das Teorias sobre a
Prática Social (que se preocupam com as práticas diárias em relação ao sistema social e
compartilham informações a respeito da organização de grupos) e Teorias sobre Identidade
(concentra-se na formação social da pessoa).
Do cruzamento destas quatro linhas teóricas surgem novas áreas de estudos: Teorias
sobre Coletividades que se preocupam com o estudo das configurações sociais locais –
famílias, grupos, redes de trabalho, comunidade; e com as configurações sociais globais
estados, classes sociais, movimentos sociais, (organizações); Teorias sobre Subjetividade que
se preocupam com a dinâmica da vida diária, as improvisações, enfatizando os agentes e
intenções, tentando explicar como a experiência subjetiva faz surgir o engajamento no mundo
social; Teorias sobre o Poder que se preocupam em encontrar conceitos de poder que rejeitem
simples expectativa de conflito (dominação, opressão e violência) e rejeitem simples modelos
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consensuais (autoridade adquirida por meios oficiais, contratuais ou de coletividade); Teorias
sobre o Significado que se preocupam com as formas pelas quais pessoas produzem
significados sobre o que possuem. Muitas dessas teorias têm-se preocupado com produção
cultural local.
De acordo com o autor, o termo comunidade de práticas é distinto de cultura,
atividade, estrutura, grupo, time, rede de trabalho e também distinto de “comunidade” (se
usado isoladamente). O termo define antes um tipo especial de comunidade. Nas comunidades
de práticas, as pessoas que possuam os mesmos interesses compartilham suas competências
num determinado domínio/assunto e estabelecem assim uma prática. A prática ser vista como
um repertório compartilhado de recursos: experiências, estórias, ferramentas, formas de
resolver problemas, etc. (WENGER, 1998).
O termo “prático” segundo Wenger (1998), é geralmente utilizado com antônimo de
teoria, idéias ou conversas; porém as comunidades de práticas incluem todos esses
significados. Até mesmo as discrepâncias entre o que se fala e o que se faz. O que se aspira e
o que é possível de ser realizado, o que se sabe e o que se consegue manifestar, fazem parte da
prática. Todos têm teorias e formas de entender o mundo, e nossas comunidades de práticas
são lugares onde as desenvolvemos, negociamos e compartilhamos.
Para este autor, esse mesmo conceito pode ser explicado ao se dizer que a prática
inclui o explícito (aquilo que é dito) e o tácito (aquilo que não é dito). Inclui a linguagem, as
ferramentas, os documentos, as imagens, os símbolos, as regras, os contratos produzidos pelas
comunidades; e inclui também as relações implícitas, as convenções tácitas, as regras não
especificadas, as intuições que podem ser lembradas, crenças e visões compartilhadas de
mundo.
Uma comunidade pode ser considerada uma comunidade de prática quando um grupo
de pessoas que dividem interesses em uma mesma área se “engaja” em um processo de
aprendizado coletivo, que cria laços (vínculos) entre eles. Ao interagirem em atividades
conjuntas, criam um “negócio comum” (empreendimento negociado), e assim um “repertório
de recursos negociados”, acumulado ao longo do tempo.
Assim as três dimensões presentes numa comunidade de prática, segundo Wenger
(1998) são: o mútuo engajamento, o empreendimento negociado e o repertório negociado.
42
3.7.1 Engajamento Mútuo
Um dos pré-requisitos para, é que haja a possibilidade de interação enquanto se
trabalha. Ser membro em uma comunidade de práticas não é uma questão de categoria,
declaração de lealdade, ou posse de um título. Também não se trata de proximidade
geográfica. Ser membro em uma comunidade de prática é uma questão de engajamento
mútuo. Isso significa possuir a habilidade de se comprometer com outros membros e de
responder adequadamente às suas ações.
As comunidades de prática são grupos heterogêneos; os dilemas e as aspirações
diversificadas encontram respostas nas relações criadas através do engajamento mútuo. Cada
participante de uma comunidade de prática tem um lugar único e uma identidade única que é
definida pelo seu engajamento na prática. Essas identidades tornam-se inter-relacionadas e
articuladas com outras através do mútuo engajamento, porém não se fundem.
Pode-se pertencer a duas comunidades de práticas ao mesmo tempo para manter a
sinergia do engajamento.
3.7.2 Empreendimento Negociado
As comunidades de práticas encontram-se dentro de contexto históricos, sociais,
culturais e institucionais, levando em si todas as vantagens e desvantagem desses contextos.
Mesmo se tratando de uma comunidade de prática institucionalizada, ela nunca pode ser
determinada em sua totalidade por alguém de fora, por uma prescrição ou por um participante
individual. É na comunidade que se negociam as condições, os recursos e as demandas que
dão forma a prática.
Wenger (1998) define as comunidades de práticas como sendo resultado de processos
coletivos de negociação que refletem a máxima complexidade do engajamento mútuo. Não se
trata apenas de um objetivo, vai além porque cria, entre os participantes, relações mútuas de
confiança, que se tornarão parte integral da prática.
As responsabilidades em relação às tarefas a serem executadas dentro de uma
comunidade de prática podem ser diferentes, porém a responsabilidade de manter o
empreendimento é a mesma para todos.
Mesmo quando uma comunidade de prática fica exposta a um mandato externo ela se
organiza para gerar suas próprias respostas. Isto não quer dizer que ela não possa ser
influenciada, manipulada, intimidada, explorada, coagida à submissão. Porém, mesmo esse
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poder que as instituições, prescrições ou indivíduos possam ter sobre as comunidades de
prática é sempre mediado pela própria produção em relação a esta prática. Uma vez que a
comunidade de prática sempre está a negociar seu empreendimento.
Para Wenger (1998), o entendimento das pessoas sobre o empreendimento precisa ser
mantido o mais uniforme possível, quanto menos uniforme for menos substancial
(significativo) ele se torna.
3.7.3 Repertório Compartilhado
O empreendimento conjunto cria, com o tempo, um repertório que irá se constituir em
recurso para a negociação de significados. Esse repertório inclui as palavras, as ferramentas as
formas de realizar tarefas, histórias, gestos, símbolos, ações ou conceitos que a comunidade
de prática tenha criado ou adotado. Também inclui discursos e estilos. Através dos discursos
criam declarações significativas sobre visões de mundo e através dos estilos, eles se
expressam suas identidades. (WENGER, 1998).
Esse repertório diferencia membros de não membros, pois faz com que os de fora
percam certas referências compartilhadas. Wenger ressalta que nem todo repertório tem de ser
produzido dentro da comunidade de prática. Muitos repertórios são importados, adotados e
adaptados para o propósito do empreendimento. Porém, quanto menos repertório criado na
comunidade de prática, mais enfraquecida ela será em relação ao engajamento mútuo.
3.7.4 Comunidade de Prática: participação e reificação
Wenger (1998) conceitua participação e reificação como eventos inseparáveis dentro
dos empreendimentos negociados, como as comunidades de prática. Essa dualidade, cada vez
que a participação é discutida, precisa-se discutir a reificação em conjunto.
Neste sentido participação é definida como processo de tomar parte, sugerindo tanto
ação como conexão. O termo “participação” é usado por Wenger, para descrever a
experiência social de viver no mundo enquanto membro de comunidades sociais, como
envolvimento ativo em empreendimentos de caráter social. Participação assim é pessoal e
social. É um processo complexo que combina fazer, falar, pensar, sentir e pertencer. Envolve
a pessoa como um todo: seu corpo, sua mente, suas emoções e suas relações sociais.
Uma característica da participação é a possibilidade de desenvolver uma identidade de
participação, ou seja, uma identidade constituída através das relações de participação:
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participação pode envolver todos os tipos de relações (cooperativas ou competitivas;
conflituosas ou harmoniosas; intimistas ou políticas); nossa habilidade (ou inabilidade) de dar
formas as práticas da comunidade em que estamos inseridos é um aspecto importante em
nossa experiência de participação; a participação é maior que mero engajamento na prática.
Ela gera significado ao fazer parte da negociação de nossas formas de interação em várias
comunidades e ao mesmo tempo, assim ajuda a definir a nossa identidade.
Wenger (1998) conceitua reificação como processo de dar forma as nossas
experiências ao produzir artefatos que congelam a experiência. Escrever uma lei, criar um
procedimento, ou produzir uma ferramenta são reificações de idéias existentes.
Assim a reificação torna-se fator essencial a uma comunidade de prática a fim de
servir de congelamento daquilo que é produzido na prática. As abstrações, as ferramentas,
símbolos, estórias são formas reificadas que surgiram com o desenvolvimento da prática.
Por outro lado, toda vez que manipularmos uma reificação, estaremos através dela
dando forma às nossas experiências. Mas é importante perceber que a reificação nunca
consegue ser equivalente a experiência como um todo. Ao reificar, certos aspectos da nossa
experiência são deixados de lado outros irão ganhar ênfase. Isso por que é impossível haver
transladação do significado ao objeto. Todas as reificações são somente o topo do iceberg,
indicando contextos de significados amplos realizados na prática humana.
Wenger (1998) a respeito da participação e da reificação diz que projetamos nossas
idéias no mundo e então percebemo-las como existentes no mundo. Como possuindo sua
própria realidade. É como se a palavra passasse a ter vida própria, enquanto na participação
relembremos uns aos outros, na reificação nos projetamos no mundo; e ao não ter que nos
lembrar nós mesmos nessas projeções, atribuímos aos nossos significados uma existência
independente.
3.7.5 Comunidade de Prática: a participação e não-participação
Wenger (1998) descreveu participação como experiência social de se viver no mundo,
no sentido de se tornar membro em comunidades e envolver-se ativamente em iniciativas
sociais, sendo então a participação pessoal e social, exigindo assim um processo complexo
que envolve e combinam o fazer, o conversar, o pensar, o sentir e o pertencer.
Quanto à participação e a não participações referem-se somente a relações internas e
externas, elas refletem nossa associação em comunidades de práticas específicas. Wenger
aponta dois casos de interação entre participação e não-participação: periferalidade e
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marginalidade. No caso da periferalidade, um determinado grau de não-participação é
necessário para permitir um tipo de participação que não é uma participação completa. Aqui é
o aspecto da participação que domina e define a não-participação como um fator habilitador
de participação. No caso da marginalidade, uma forma de não-participação, previne uma
participação total, ou seja, o aspecto dominante é o da não-participação, o qual define uma
forma restrita de participação.
Wenger coloca quatro categorias para as formas de participação: participação total
(interna), não-participação total (externa), periferalidade (não - participação legitimada pela
participação, levando à participação total em uma trajetória periférica), e marginalizada
(participação restrita pela não-participação, levando à não-associação ou uma posição
marginal).
A não-participação pode, segundo o autor, como relação institucional, em uma
comunidade de prática sob diversas formas: não-participação como compromisso (a atmosfera
da não-participação é sustentada por um entendimento recíproco por parte de diferentes níveis
hierárquicos da instituição); não-participação como estratégia (construída como fonte de
desengajamento e aborrecimento); não-participação como cobertura (geralmente em situações
de dificuldade e problemas na instituição, esta forma de não-participação se apresenta como
escudo para conflitos mais amplos).
Nesta perspectiva, a não-participação, dentro da instituição, torna-se um aspecto ativo
da prática. Tanto a participação quanto a não-participação são constituintes de identidades de
forma inter-relacionadas. Ou seja, as identidades de não-participação que se desenvolvem
com respeito à instituição e ao conteúdo de trabalho são partes integrais de identidades de
participação nas comunidades de práticas.
3.7.6 Comunidade de Prática: níveis de participação
Segundo Wenger (1998), as comunidades de práticas envolvem múltiplos níveis de
participação. Pelo fato de que o envolvimento pode produzir aprendizagem de diferentes
formas, as fronteiras de uma comunidade de prática são mais flexíveis do que as instituições.
Típicas categorias de pertencimento e participação incluem: grupo nuclear (grupo no qual o
desejo e o engajamento energizam a comunidade); adesão completa (membros que são
reconhecidos como praticantes e definem a comunidade); participação periférica (pessoas que
pertencem à comunidade, mas com menos engajamento e autoridade, talvez por serem
novatos ou por que o tem muito compromisso pessoal com a prática); participação
46
transacional (pessoas de fora da comunidade que interagem com a comunidade
ocasionalmente para receber ou prover um serviço sem se tornar membro da comunidade) e
acesso passivo (um grande número de pessoas que tem acesso ao uso de artefatos produzidos
pela comunidade ou suas ferramentas).
Grupo Nuclear
Adesão
Completa
Participação
Peririca
Participação
Transacional
Acesso
Passivo
Representação gráfica níveis de participação - Wenger (1998)
3.7.7 Comunidades de Práticas: fronteiras e conexões
O pertencimento a várias comunidades de prática, ao mesmo tempo, leva a existência
de fronteiras entre elas, definindo uma constelação de comunidades de prática. Wenger (1998)
demonstra haver conexões que sustentam as relações entre as várias comunidades de prática,
colocando dois tipos principais: objetos fronteira (artefatos, documentos, termos, conceitos, e
outras formas de reificação, em torno das quais as comunidades podem organizar suas
interconexões); brokering (conexões oferecidas pelas pessoas que introduzem elementos de
uma prática em outra).
Através destas duas formas de conexões, as práticas influenciam umas as outras, e as
políticas de participação e reificação estendem-se através das suas fronteiras.
STAR (apud Wenger, 1998) apresenta quatro características que permitem artefatos
agirem como objetos fronteira: modularidade (cada perspectiva pode estar presente a uma
parte específica do objeto fronteira); abstração (todos os pontos de vista são apresentados ao
mesmo tempo pela eliminação das características que são específicas para cada perspectiva);
acomodação (um objeto fronteira combina-se com várias atividades); e padronização (a
informação contida em um objeto de fronteira está em uma forma pré-estabelecida de modo
que cada setor saiba lidar com ele localmente).
Segundo Wenger (1998), artefatos são objetos de fronteira e devem ser projetado pela
sua característica de participação mais do que seu uso. Conectar comunidades de prática
envolve compreensão de suas práticas, e o gerenciamento de fronteiras torna-se uma tarefa
fundamental.
47
Brokering é uma característica comum das relações de uma comunidade de prática
com o mundo exterior. Os brokers estão habilitados a fazer novas conexões entre
comunidades de prática, permitindo coordenação, abrindo novas possibilidades para seus
propósitos.
Assim o trabalho de brokering é complexo, envolvendo processos de tradução,
coordenação e alinhamento entre os vários pontos de vista, requerendo transparência para
influenciar o desenvolvimento de uma pratica. Também requer habilidade de conectar práticas
para facilitar suas transações e provocar aprendizagem pela introdução de elementos de uma
prática em outra. Assim o brokering fornece uma conexão participativa, pois sua experiência
de pluri-pertencimento e as oportunidades de negociação, inerentes na participação, para
conectar as práticas.
3.7.8 Comunidade de Prática: identidade
Wenger (1998) traça um paralelo entre prática e a identidade, afirmando que a
formação de uma comunidade de prática e também negociação de identidades.
PRÁTICA COMO... IDENTIDADE COMO...
Negociação de significados (em
termos de participação e reificação).
Experiência negociada de si próprio
(em termos de participação e reificação).
Comunidade. Torna-se membro de...
Histórias compartilhadas de
aprendizagem.
Trajetória de aprendizagem.
Fronteiras e territórios. Nexus (conexões) de
multipertencimento.
Constelações. Pertencimento definido globalmente,
mas experimentado localmente.
Fonte: Wenger, 1998
A identidade na prática aparece de uma reciprocidade da participação e da reificação
e, como nós atravessamos uma sucessão de formas de participação, nossas identidades
formam trajetórias, tanto no interior quanto permeando comunidades de prática.
48
3.7.9 Comunidades de Prática: modos de pertencimento
WENGER (1998) apresenta três modos distintos de pertencimento:
Por engajamento: envolvimento ativo nos processos mútuos de negociação de
significados, que seatravés de histórias compartilhadas de aprendizagem, relacionamentos,
interações e práticas comuns;
Por imaginação: como modo de pertencimento refere-se em criar imagens do mundo e
buscar conexões através de relações entre espaço e tempo, extrapolando nossa própria
experiência. Podemos criar imagens de possíveis cenários, imagens de mundo, imagens do
passado e futuro, e também imagens de nós mesmo, assim podemos nos localizar no mundo e
na história, além de incluir outros significados, outras perspectivas em nossas identidades.
Através da “imaginação” que visualizamos nossa prática como uma história contínua,
fundamentando a concepção de novos procedimentos, explorando alternativas e criando
cenários futuros. Por outro lado, caso a “imaginação” esteja baseada em estereótipos, ela
simplesmente projeta um mundo pré-concebido em outras práticas específicas e transfere este
mundo para a prática;
Por alinhamento: a coordenação da energia e atividade, de um grupo de pessoas, de
modo que se encaixem nas estruturas mais amplas, contribuindo com a amplitude de um
empreendimento. O qual se por meio dos discursos, estilos próprios, pela complexidade e
pela submissão. Está relacionado ao direcionamento e ao controle da energia de um
empreendimento e conseqüentemente implicitamente ao poder.
Pela ótica da Teoria Social do Aprendizado, o poder do conceito aprendizado nas
comunidades de prática, encontra-se na integração quatro componentes comunidade,
prática, significado e identidade, onde cada um representa segundo WENGER (1998):
Comunidade: uma forma de falar a respeito das configurações sociais nas quais os
empreendimentos são vistos como possuidores de valor, e a participação de um membro é
reconhecida como competente;
Prática: uma forma de falar sobre recursos historicamente ou socialmente
compartilhados, organizações de trabalho e perspectivas que podem sustentar o engajamento
mútuo nas ações;
Significado: uma forma de falar sobre as habilidades (individuais e coletivas) de
experimentar a vida e o mundo como significativos;
49
Identidade: uma forma de falar sobre como o aprendizado muda a pessoa e cria
histórias pessoais de “em que nos tornamos”, no contexto das comunidades nas quais se
participa.
3.8 O Fluxograma Descritor
O Fluxograma Descritor (Merhy 1997a; Franco & Merhy, 2003) consiste em uma
representação gráfica do processo de trabalho, buscando perceber os caminhos percorridos
pelo usuário, quando procura assistência e sua inserção no Serviço. O Fluxograma permite um
olhar agudo sobre os fluxos existentes no momento da produção da assistência à saúde, e
permite a detecção de seus problemas. É como se ao aplicá-lo, lançássemos luz em áreas de
sombra até então não percebidas, e que operam no sentido contrário a uma atenção com
qualidade, centrado no usuário.
Procura-se com o Fluxograma, interrogar a micro-política da organização, e assim
revelar as relações estabelecidas entre os trabalhadores e entre esses e os usuários, os nós
críticos do processo de trabalho, interesses, poder e os processos decisórios.
O Fluxograma Descritor é uma representação gráfica de todas as etapas de um
processo de trabalho, representado por símbolos convencionados universalmente: a elipse
representa sempre a entrada ou saída do processo de produção de serviços; o losango indica
onde deve haver uma decisão para a continuidade do trabalho; o retângulo que diz o momento
de intervenção, ação, sobre o processo.
Entrada e Saída
Decisão para a continuidade do trabalho
Momento de intervenção sobre o processo
50
3.9 O Acesso-Acolhimento
Adami (1993) e Unglert (1995) classificam o acesso em: acesso geográfico, acesso
econômico e acesso funcional. Nessas subcategorias são encontrados elementos geradores de
facilidades ou dificuldades.
O acesso geográfico foi caracterizado por forma de deslocamento, tempo de
deslocamento e distância entre a residência do usuário e o serviço de saúde. A forma de
deslocamento utilizada pelo usuário é fator que facilita ou dificulta o seu acesso ao serviço de
saúde.
O acesso econômico foi caracterizado a partir de facilidades e dificuldades que o
usuário encontra para obter o atendimento. Dentre as facilidades identificaram-se: forma de
deslocamento, procedimentos e obtenção de medicamentos.
O acesso funcional envolve a entrada propriamente dita aos serviços de que o cidadão
necessita, incluindo-se os tipos de serviços oferecidos, os horários previstos e a qualidade do
atendimento.
A facilitação do acesso ao uso dos serviços de saúde juntamente com outros fatores,
em especial o acolhimento, favorece o vínculo do usuário e, portanto, contribui muitas vezes
para o tempo de utilização do serviço e para a freqüência de procura pelo atendimento.
O estabelecimento de uma base territorial é fundamental para a caracterização dos
problemas de saúde de uma população, bem como para a avaliação do impacto do sistema
sobre aqueles e ainda para o estabelecimento da responsabilização pelos serviços sobre sua
população adstrita.
A categoria acesso deve, portanto, ser vista não somente como geográfica e
econômica, mas também organizacional e sócio-cultural. Ela pode descrever a capacidade que
um serviço tem de dar cobertura a uma determinada população, ou o obstáculo a sua
utilização, caracterizando uma interação que ocorre em um processo de produção de serviços.
Para Aday & Andersen (1992), foi Donabedian quem melhor definiu a categoria
acesso: “a prova de acesso consiste na utilização de um serviço, não simplesmente na sua
existência”. Dessa forma, “o acesso pode ser medido pelo nível de utilização em relação à
necessidade. Devemos reconhecer que a avaliação da necessidade dos clientes difere da dos
profissionais. Além disso, é preciso distinguir dois componentes na utilização do serviço: o
início e a continuidade”.
O acolhimento consiste na humanização das relações entre trabalhadores e serviços de
saúde para seus usuários. O encontro entre esses sujeitos se dá num espaço intercessor no qual
51
se produz uma relação de escuta e responsabilização, a partir do que se constituem vínculos e
compromissos que norteiam os projetos de intervenção. Esse espaço permite que o
trabalhador use de sua principal tecnologia, o saber, tratando o usuário como sujeito portador
e criador de direitos. O objetivo da intervenção seria o “controle do sofrimento ou a produção
de saúde”. (MERHY, 1997 b).
O acolhimento evidencia as dinâmicas e os critérios de acessibilidade a que os
usuários estão submetidos. Pode ser utilizado como um dispositivo interrogador das práticas
cotidianas, permitindo captar ruídos nas relações que se estabelecem entre usuários e
trabalhadores com o fim de alterá-las, para que se estabeleça um processo de trabalho
centrado no interesse do usuário. Assim, o acolhimento constitui-se em “tecnologia para a
reorganização dos serviços, com vistas à garantia de acesso universal, resolutividade e
humanização do atendimento” (FRANCO e MERHY, 2003).
Matzumoto (1998) apresenta o acesso aos serviços como uma primeira etapa a ser
vencida pelo usuário quando parte em busca da satisfação de uma necessidade de saúde. A
partir das relações que se estabelecem no atendimento, surge o acolhimento relacionado à
utilização dos recursos disponíveis para a solução dos problemas dos usuários.
Com base nos autores citados, entende-se por acesso à distância da unidade de saúde e
o local de moradia do indivíduo, tempo e meios utilizados para o deslocamento, dificuldades a
enfrentar para a obtenção do atendimento (filas, local e tempo de espera), tratamento recebido
pelo usuário, priorização de situações de risco, urgências e emergências, respostas obtidas
para demandas individuais e coletivas, possibilidade de agendamento prévio.
Por acolhimento entende-se a postura do trabalhador de colocar-se no lugar do usuário
para sentir quais são suas necessidades e, na medida do possível, atendê-las ou direcioná-las
para o ponto do sistema que seja capaz de responder àquelas demandas.
A caracterização do não acesso, essa dura realidade é sentida pelas diversas equipes e
pelos níveis diretivos. A maioria delas são bem conhecidas de todos nós e se caracterizam
por: longas filas de espera; os cartazes das portas das unidades de saúde informando o número
de vagas médicas, restringindo o acesso de grande parte dos usuários; a distribuição de senhas
que garantem o atendimento por ordem de chegada dos usuários; dificuldade em acessar
níveis hierarquicamente superiores do sistema.
Sem ofertar outras alternativas, como: a escuta das necessidades trazidas pelos
usuários, a avaliação da gravidade, o risco e a instalação de quadros agudos; as agendas dos
profissionais médicos restritivas e administradas de maneira privada, além de tomadas por
retornos e agendamentos prévios, mantendo uma clientela "cativa", que impossibilitam a
52
chegada de novos usuários; os guichês burocráticos treinados para dar o doloroso "não tem
vaga", "acabou a ficha", não se responsabilizando pela necessidade do usuário, bem como não
disponibilizar a integralidade de acesso a níveis de complexidade hierarquicamente superiores
do sistema.
3.10 O Vínculo e Identidade
Para Merhy (1997b), criar vínculos implica em ter relações tão próximas e tão claras,
que nós nos sensibilizamos com o sofrimento daquele outro, daquela população. É permitir a
constituição de um processo de transferência entre o usuário e o trabalhador que possa servir à
construção da autonomia do próprio usuário e sentir-se responsável pela vida e pela morte do
paciente, dentro de uma dada possibilidade de intervenção nem burocratizada, nem impessoal.
Ter relação, integrar-se, com a comunidade em seu território, no serviço, no consultório, nos
grupos, e se tornar referência para o usuário, individual ou coletivo.
Segundo Keleman (1996), transitamos entre diferentes lugares: sentir junto, ocupar
lugares complementares, diferenciar-se destes lugares, viver a alteridade. Qualquer uma
destas posições esclarece elementos importantes do vínculo. A sua discriminação e
operacionalização são um dos recursos preciosos da terapia. Em cada um destes modos de
relação estamos envolvidos e organizados somaticamente de um modo diferente, o que
implica em níveis diferentes de vínculo e diferentes qualidades de presença. Kelemann (1996)
classifica o vínculo em:
Eu sou o outro: Os sentimentos do usuário podem ser percebidos pelo profissional de
saúde em si mesmo, num fenômeno de identificação. Uma forma de compreender é saber se
colocar em seu lugar. Sair de nossa posição de outro e compartilhar o olhar, ir junto. Buscar
sentir o que o sente, pensar o que ele pensa, desejar e temer como ele. Assim, antes que ele
fale algo, você já sentiu, numa identificação de formas somáticas e experiências.
Eu para o outro: O profissional de saúde pode ocupar um lugar de complementaridade
aos afetos, ocupando um lugar em sua dinâmica (do usuário). Podemos perceber o modo do
usuário em relação a nós e observar a nossa tendência de resposta de complementar o seu
funcionamento.
O outro para mim: O profissional de saúde pode perceber o que a situação despertou
em si de conteúdos pessoais, com o usuário ocupando um lugar na dinâmica do profissional.
O usuário pode ser o nosso outro. Podemos nos perceber paralisados, por exemplo, e
explorando isto vemos o usuário ocupando um lugar em nosso teatro de dores pessoais.
53
Explorando as nossas reações, nossos esboços de respostas frente a ele, podemos aprender
sobre nós mesmos. E podemos compreender o usuário a partir da nossa dor, o que pode nos
permitir estar com ele de um outro modo. É a contraparte da complementaridade, agora a
partir do processo formativo do profissional.
Eu e o outro: O usuário é vivido como o outro, dois mundos diferentes. Percebendo
usuário “de fora” podemos apreender este “outro singular” por observações, descrições, um
olhar mais diferenciado sobre a pessoa à nossa frente. Na experiência da alteridade nos
aproximamos do limite de apreensão do que é um definitivamente outro. Neste momento
podem surgir experiências de estranhamento, susto, distância, respeito e o início de um
diálogo sujeito a sujeito, não mais sujeito - objeto.
assim um trânsito onde o profissional de saúde pode se sentir sendo o próprio
usuário, sentir-se e ser o outro do usuário na relação, sentir que o usuário seja o outro de si ou
ainda viver a experiência da alteridade. O vínculo ocorre dentro de um continuum que vai da
identificação à alteridade. (KELEMAN, 1996)
Outro conceito-chave, aqui, é o de identidade. Para Etkin e Schvarstein (1997), ela
surge como um elemento invariante, que marca uma característica intrínseca do sistema
organizacional. Surge, também, fortemente determinada pela estrutura, conceituada como a
forma concreta como um sistema ou organização se assume no tempo e no espaço. Algo que
faz paralelo com o conceito de determinismo estrutural, tal qual proposto por Maturana e
Varela (2001), para quem a estrutura de um sistema é a maneira como seus componentes
interconectados interagem sem que mude a organização. A organização surge, então, como
determinante da definição de um sistema, e a estrutura, como determinante operacional. A
primeira identifica o sistema, diz como ele está configurado. A segunda mostra como as
partes interagem para que ele funcione.
Quanto à construção de sentido em um ambiente de mudança nas relações de trabalho,
vimos que se dá em novas bases, no campo da fronteira de relacionamento sistema/ambiente e
sistema/sistema. A construção de sentido é influenciada pela própria auto-referencialidade e
em interação com as informações emanadas pelo ambiente. Aparece como uma seleção,
resultante de cognição, na busca de reduzir a complexidade. É um processo circular,
dialógico, que se dá, quase sempre, à margem das redes oficiais de comunicação.
Por isso, não é possível afirmar que essas mudanças geram reações negativas, uma
vez que foi possível perceber, nesse processo de cognitivo de percepção, interpretação e
seleção, que alguns mecanismos e comportamentos podem emergir como a adaptação
54
evolutiva, o distanciamento irônico, a libertação criativa e até mesmo a anulação ou a
eliminação, dependendo da estrutura do sistema em determinado momento.
A partir da autopoiese, via determinismo estrutural, acredito ser possível identificar o
recurso à auto referencialidade e à identidade como reação às mudanças. Ainda que em um
sistema a estrutura mude o tempo todo, num processo de adaptação às modificações também
contínuas do ambiente, o invariante, aqui, seria organização. Se desestruturada, pode levar o
sistema à extinção, mediante perda da identidade.
Iasbeck (1997), na sua tese “A Administração da Identidade”, detecta várias
dimensões para conceituar a identidade, e termina afirmando que é um processo relacional,
que se dá via cognição, na relação entre discurso (emitido) e imagem (percebida).
Pode ser entendidas de três formas diferentes e relacionadas entre si, a saber:
identidade em relação a si mesmo (auto-identidade), a identidade participativa vista de um
projeto comum) e a identidade relativa (diante de uma convenção ou um paradigma).
Esses três modos de identidade podem ser traduzidos em três estágios distintos
relacionados à formação da personalidade, quais sejam: a identidade do indivíduo para
consigo mesmo, a identidade com o meio social no qual interage, pelo compartilhamento de
signos comuns. A identidade do terceiro tipo que corresponde à forma reflexiva do verbo
identificar (identificar-se) é aquela que melhor corresponde aos propósitos da demonstração
de nossa hipótese por localizar-se não em referência ao indivíduo isolado de seu entorno, mas
à relação entre indivíduos, entre organizações e públicos, entre organização e outras
organizações, etc.
As relações entre seres vivos supõem aproximação, interação, e se instauram a partir
de uma situação comunicativa, seja ela motivada, desejada ou casual, aleatória.
O espaço da identidade nas situações comunicativas pode ser analisado à vista de
paradigmas lançados como referências de observação. Assim se pode dizer que o indivíduo X
possui alguma identidade com o indivíduo Y no que se refere à predileção pelas formas
estéticas abstratas; supondo que ambos não admirem a arte realista/naturalista, podemos dizer
também que eles mantêm identidade mais estreita ainda no que se refere à percepção estética.
A arte realista/naturalista e a percepção estética funcionam aqui como paradigmas em torno
dos quais é possível estabelecer graus de identidade numa relação que aproxime os indivíduos
X e Y.
A identidade pode ser assim, configurada como o espaço relacional das afinidades, das
semelhanças, das aproximações mais estreitas, das congruências (de interesses, objetivos,
gostos, desejos, etc.).
55
A afinidade entre dois participantes de um ato comunicativo (relacional) não anula
suas diferenças, razão pela qual continuam a ser dois elementos distintos numa situação de
encontro.
A identidade pode ser entendida, pois, como o espaço da afinidade num território de
diferenças.
À afinidade não se opõe à diferença, visto que necessita dela para evidenciar-se no
espaço identidário das relações comunicativas.
À afinidade se opõe a indiferença, conceito em desuso pelos novos paradigmas das
ciências, mas que segue operativa como pressuposição necessária da existência do não
representado, dos signos não atualizados ou, ainda, de modo mais circunscrito, dos elementos
que ficam de fora do paradigma de uma relação identidária singular.
O autor coloca que a separação, que apenas acontece na tese, entre sistema psíquico
(indivíduo) e sistema social (organização), é para fins didáticos, porque, no fundo, são
sistemas que se interconectam, que dialogam e que estabelecem semelhanças e diferenças a
partir dessa relação. Também devemos lembrar que a identidade faz sentido ao sistema que
representa, por que: o mundo em que vivemos é construído a partir de nossas percepções, é a
nossa estrutura que permite essas percepções. Por conseguinte, nosso mundo é a nossa visão
de mundo. Se a realidade que percebemos depende de nossa estrutura que é individual –,
existem tantas realidades quantas pessoas percebedoras. (MATURANA e VARELA, 2001).
3.11 Integralidade na Transversalidade do Acesso-Acolhimento e Vínculo-
Identidade.
Acreditamos que as categorias Acesso-Acolhimento e Vínculo-Identidade, dentro
da proposta desta intervenção educacional e no contexto institucional (equipe do Programa
Saúde da Família), atuam de maneira transversal sempre na perspectiva de buscar
compreender e praticar de forma eficaz as ações de saúde de modo integral. Ao colocarmos
isso, ligamos estas categorias ao princípio da Integralidade, que, para desenvolver práticas
de atenção integral à saúde, é preciso falar em uma aproximação também entre os sujeitos que
cuidam e os sujeitos que são cuidados. Porque não existem profissionais ou serviços de saúde
integrais, mas a forma como as pessoas vivem seus problemas é integral
Este trabalho parte da premissa de que, no cotidiano dos atores nas instituições de
saúde, encontram-se os elementos constitutivos das categorias Acesso-Acolhimento e
Vínculo-Identidade incorporado no processo de trabalho dando certa Identidade a equipe de
56
profissionais. Nesse sentido, utilizar as práticas do cotidiano dos atores em sua atuação na
relação a essas categorias como campo de estudo sobre os sentidos, limites e possibilidades de
re-construção da integralidade é útil e pertinente para avançarmos sobre o entendimento desse
termo na atenção e no cuidado em saúde por parte desta equipe.
A importância dada a essa questão deve-se ao fato de que a relação entre profissional e
serviços e destes com usuários envolve necessariamente intermediações e mediações de
conhecimentos distintos, por meio dos quais os atores se orientam diferentemente nos espaços
institucionais. Na verdade, esses espaços institucionais são lócus de decisão que no cotidiano
se revelam como espaços de poderes e interesses, que evidenciam projetos políticos
diferentes.
Programa Saúde da Família apresentou transformações significativas na reorganização
das práticas do trabalho em saúde, em pelo menos quatro direções: a primeira diz respeito à
mudança do objeto de atuação em saúde, sendo o fio condutor a família em seu espaço
domiciliar; segundo, ao resgate das ações de prevenção e promoção, numa concepção
ampliada, pela qual a saúde é concebida como um bem imprescindível à qualidade de vida e
um direito de cidadania a ser garantido pelo Estado e por seus representantes nas esferas de
governo correspondentes; terceiro, à priorização dos recursos humanos, no que concerne a sua
formação, capacitação e remuneração, com estabelecimento de novos vínculos profissionais e
de serviços; e quarto, a busca da satisfação do usuário, pelo estreito relacionamento da
comunidade e participação efetiva no planejamento e gestão das ações realizadas pelo
programa.
A nova política de mudança das graduações da saúde, o AprenderSUS, que tem a
Integralidade como referência, segundo Mattos (2001), pensar em como formar pessoas que
defendam certos valores no seu cotidiano é um grande desafio, porque isso não é uma questão
técnica, mas, fundamentalmente, de vivência e reflexão sobre o vivido.
Valorizar a prática, relacionar-se com os serviços, incentivar o diálogo e a capacidade
de ouvir o outro e discutir criticamente a produção e reprodução do conhecimento científico
são alguns caminhos que vêm sendo apontados, para uma formação profissional mais integral.
Para Mattos, o pontapé para essa mudança deve passar por processos de reflexão sobre
as experiências de encontro com o outro no ensino. Isso significa fazer todos os atores
envolvidos pensarem sobre o que estão fazendo e os valores que estão aplicando.
Cecílio (apud, Campos 2003) reconhece quatro conjuntos de necessidades de saúde. O
primeiro refere-se às boas condições de vida, entendendo-se que o modo como se vive se
traduz em diferentes necessidades. O segundo conjunto diz respeito ao acesso às tecnologias
57
que melhoram ou prolongam a vida. É importante destacar, nesse caso, que o valor de uso de
cada tecnologia é determinado pela necessidade de cada pessoa, em cada momento. O terceiro
bloco refere-se à criação de vínculos efetivos entre o usuário e o profissional ou equipe dos
sistemas de saúde.Vínculo deve ser entendido, nesse contexto, como uma relação contínua,
pessoal e calorosa. Por fim, necessidades de saúde estão ligadas também aos graus crescentes
de autonomia que cada pessoa tem no seu modo de conduzir a vida, o que vai além da
informação e da educação.
A partir dessa definição, pode-se pensar a idéia de integralidade em diferentes
dimensões. A integralidade focalizada é aquela que se dá nos diversos serviços de saúde, fruto
do esforço de equipes multiprofissionais. Nesse espaço, ela se pelo compromisso dos
profissionais de escutar atenta e cuidadosamente os usuários para identificar suas
necessidades de saúde. Uma segunda dimensão dessa idéia é a integralidade ampliada,
resultado da articulação de cada serviço com uma rede complexa composta por outros
serviços e instituições.
Mattos (2001) discutindo os sentidos da integralidade historicamente estão assim
colocados: num primeiro sentido da integralidade parte da crítica da Medicina Integral aos
currículos de base flexneriana, o qual era responsável pela formação de médicos que adotam
diante de seus pacientes uma atitude cada vez mais fragmentária. Inseridos num sistema que
privilegiava as especialidades médicas, construídas em torno de diversos aparelhos ou
sistemas anátomo-fisiológicos, os médicos tendiam a recortar analiticamente seus pacientes,
atentando tão-somente para os aspectos ligados ao funcionamento do sistema ou aparelho no
qual se especializaram. Isso significava ao mesmo tempo a impossibilidade de apreender as
necessidades mais abrangentes de seus pacientes. Além de fragmentária, aquela atitude
freqüentemente adotada por médicos era vista como reducionista, pois o conhecimento
médico nas diversas especialidades ressaltava as dimensões exclusivamente biológicas, em
detrimento das considerações psicológicas e sociais. Integralidade teria a ver com uma atitude
dos médicos que seria desejável, que se caracterizaria pela recusa em reduzir o paciente ao
aparelho ou sistema biológico que supostamente produz o sofrimento e, portanto, a queixa
desse paciente. Atitude essa que deveria ser "produzida" nas escolas médicas. Relacionava-se,
deste modo, com a boa medicina, ou melhor, com a boa prática médica.
Para Mattos (2001) defender a integralidade aqui não implica deixar de lado todo o
caudal de conhecimentos sobre as doenças que tem permitido tanto à medicina como à saúde
pública alguns significativos sucessos. O que significa isso sim, é um uso prudente desse
conhecimento sobre a doença, mas, sobretudo um uso guiado por uma visão abrangente das
58
necessidades dos sujeitos os quais tratamos. Buscar compreender o conjunto de necessidades
de ações e serviços de saúde que um paciente apresenta seria, assim, a marca maior desse
sentido de integralidade.
Um segundo conjunto de sentidos de integralidade para Mattos (2001) relaciona-se
diretamente com a organização dos serviços e práticas de saúde. O arranjo dicotomizado
Ministério da Saúde (saúde pública) e Ministério da Previdência (assistência médica) criado
na década de setenta, foi criticada por ter dado prioridade a assistência médica em detrimento
a saúde pública. Outra crítica era a conseqüência desta política de saúde sobre a organização
dos serviços e práticas de saúde, isto é hospitalocêntrica em detrimento a atenção básica. O
principio de integralidade em um dos seus sentidos correspondem a uma crítica da dicotomia
entre as práticas de saúde pública e práticas assistenciais.
O que foi sendo forjado nesse processo foi uma outra concepção de programação dos
serviços de saúde, horizontalizada, posto que pensada desde o plano de um serviço de saúde
que tem certa população-alvo. Programação que consistia em organizar o trabalho nesse
serviço de modo a responder mais adequadamente às necessidades de saúde dessa população,
apreendidas epidemiologicamente. As questões postas iam desde as formas de aproveitar as
oportunidades geradas pela demanda espontânea para aplicar protocolos de diagnóstico
precoce e de identificação de situações de risco para a saúde, a o desenvolvimento de
conjuntos de atividades coletivas junto à comunidade. Note-se que aqui a integralidade não é
mais uma atitude, mas uma marca de um modo de organizar o processo de trabalho, feita de
modo a otimizar o seu impacto epidemiológico.
Mattos (2001) aprofunda um pouco mais a reflexão sobre os sentidos da integralidade
ligada à organização dos serviços e das práticas de saúde a partir de duas críticas.
A primeira incide sobre o peso dado à epidemiologia. Não há dúvidas de que a
epidemiologia oferece ótimas ferramentas para uma das percepções das necessidades de
serviços de saúde de uma população, mas de modo algum ela oferece a única forma de
caracterizar tais necessidades, nem tais necessidades apreendidas epidemiologicamente são
mais reais do que, por exemplo, aquelas outras manifestas através da demanda espontânea.
Algumas necessidades simplesmente não podem ser apreendidas pela dimensão
epidemiológica, e ações que se justificam independentemente do impacto epidemiológico
que porventura produzam. Por sua vez, a demanda espontânea pode ser vista como a
expressão de uma outra forma de percepção das necessidades de saúde que de modo algum
pode ser ignorada quando se discute a organização de serviços de saúde.
59
E a segunda, sobre o risco da restrição no âmbito dos serviços ofertados. Por outro
lado, cada vez que uma equipe, a partir de certa apreensão das necessidades de saúde da
população, estrutura seu trabalho, definindo as ações prioritárias, ela corre o risco de romper a
integralidade, por restringir suas ações ao instituído, deixando de responder às necessidades
que lhes escaparam no momento da estruturação do serviço. Nesse sentido, a integralidade
pode se apresentar como um modo de organizar os serviços sempre abertos a assimilar uma
necessidade não contemplada na organização anteriormente dada.
O profissional, segundo o autor, que orienta suas práticas pelo princípio da
integralidade busca, sistematicamente escapar aos reducionismos. Analogamente, quando se
busca orientar a organização dos serviços de saúde pelo princípio da integralidade, busca-se
ampliar as percepções das necessidades dos grupos, e interrogar-se sobre as melhores formas
de dar respostas a tais necessidades. As necessidades de serviços assistenciais de uma
população não se reduzem às necessidades de atendimento oportuno de seus sofrimentos.
Como também não se reduzem às necessidades de informações e de intervenções
potencialmente capazes de evitar um sofrimento futuro. As necessidades não se reduzem
àquelas apreensíveis por uma única disciplina como a epidemiologia, ou como a clínica.
Novamente, o princípio da integralidade implica superar reducionismos.
Para este autor talvez, parte do reducionismo que contrasta com muitos dos sentidos
de integralidade, que defendemos, resultem de certa incapacidade: a incapacidade de
estabelecer uma relação com o outro, a não ser transformando-o em objeto.
3.11.1 A Integralidade como Princípio Estratégico.
A integralidade como princípio estratégico tem duas origens que a justifique. A
primeira refere-se à concepção da exclusão, quando a indicamos como resultante não de uma
única causa e sim resultante de várias causas, em que os processos que conduzem a esse
fenômeno são diversos e, muitas vezes são acumulativos, que tem caráter estruturante e que
suas manifestações podem ser sociais, políticas, econômicas e culturais.
A segunda origem que leva a adotar este princípio é um corolário do primeiro e situa-
se no campo da ação. Se a intenção é atuar estrategicamente para diminuir a exclusão e se
reconhece a sua múltipla dimensão, não se pode atacar apenas uma causa, um único processo,
uma determinada manifestação, é preciso fazê-lo a partir deste princípio da integralidade.
60
Ao adotar este princípio se consegue uma visão mais global da realidade, sendo
necessário adotar eixos estratégicos que atravessam as atuações (transversalidade), que no
presente trabalho são as categorias acesso-acolhimento e vínculo-identidade.
Etimologicamente o verbo integrar provém do latim (inteiro) e sua tradução dá sentido
a ação, através da qual as partes se formam de um todo e de alguma forma desaparecem nesse
conjunto. A integração no sentido mais sociológico como o processo através do qual se
ajustam as partes que compõem um sistema social ou quando elementos heterogêneos acabam
por se incorporar.
Ao adotar este princípio da integralidade através da transversalidade das categorias
acesso-acolhimento e vínculo-identidade indicamos os níveis de exclusão e com a capacidade
de articular as atuações que podem amenizar e combatê-las. Tentando assim globalizar a
perspectiva para que abarque todos os aspectos, e aplicando a transversalidade destas
categorias (atravessam todas as ações). Esta concepção deve distanciar-se da parcialidade da
visão de mera soma, coordenação e justaposição das intervenções.
De acordo com que a perspectiva que adotamos, o princípio da integralidade nasce, em
primeiro lugar, das várias dimensões e complexidades da exclusão. Através da análise do
processo de trabalho usando a transversalidade das categorias acesso-acolhimento e nculo-
identidade, acreditamos ser possível visualizar e refletir sobre os problemas e os fatores mais
significativos e importantes da exclusão.
Acreditamos que ao adotarmos tal perspectiva, estaremos criando as seguintes
potencialidades: capacidade de uma análise mais global do conjunto de causas, processos e
manifestações da exclusão; compreensão das relações e ligações entre elas; reconhecimento
do caráter pluridimensional, estruturante e acumulativo da exclusão; facilidade na tomada de
consciência do conjunto das implicações, por parte dos atores e da visão do seu papel; e
enriquecer os cenários dando opções e oportunidades para a planificação; aproveitamento dos
recursos, sinergias e efeitos multiplicadores entre as atuações.
61
4. REFERENCIAL TEÓRICO
4.1 A Epistemologia Co-construtivista
A própria epistemologia hoje hegemônica aplicada na área da saúde e na medicina
obscurece vários pontos críticos do saber científico e de sua aplicação na clínica, dificultando
uma melhor resolução cotidiana dos dilemas da atenção à saúde biomédica, seja na prevenção
ou promoção, seja na terapêutica. Iniciando uma discussão dos aspectos epistemológicos
desses problemas de harmonia clínica e de convivência entre categorias profissionais
diferentes.
Segundo os co-construtivistas, a realidade vivida é formada pela interação do ser vivo,
no nosso caso, do homem, com o mundo e não se pode mais requisitar a fidelidade a dados
independentes como único fundamento do saber.
Para eles, as realidades são acessíveis aos homens e aos cientistas através de ativa co-
construção perceptiva (cognitiva) dos que as estudam norteada, direcionada e limitada pela
estrutura biológica do homem, pelo modo como os cientistas pensam e agem, pelos seus
pressupostos cosmológicos, culturais e políticos, pelos métodos usados, pelos objetivos
aspirados, pelo estilo de pensamento presente e etc.
Baseados em trabalhos epistemológicos importantes, representados por autores como
Kuhn, Lakatos, Feyerabend e Fleck, que desenvolvem um enfoque epistemológico externo”
aos sujeitos cognoscentes, podemos afirmar que o conhecimento sob forma de representação,
mesmo o científico, está enraizado e ligado à comunidade humana específica que o produz,
em termos culturais e sociológicos, não sendo parecido com uma fiel representação da
natureza ou da realidade.
Tesser e Luz (2002) colocam que a partir dos conceitos desenvolvidos por esses
autores paradigmas de Kuhn (1986), programas de pesquisa científica de Lakatos (1979),
tradições de Feyerabend (1991) e estilos de pensamento e coletivos de pensamento de Fleck
(1986) podemos propor que não é possível no conhecimento representacional (ou sob a
forma de pensamento) um acesso puro a algo que seria uma realidade objetiva.
Segundo Tesser e Luz (2002), há esse intermediário seletivo e ao mesmo tempo
gerador, base de todo movimento cognitivo, que é a cultura, os interesses, os valores, as
tradições, os paradigmas, os estilos de pensamento, o treinamento e a aprendizagem que todas
as pessoas carregam que possibilitam o conhecimento desse tipo, do qual podem muito
62
parcial e precariamente se despir. Por mais honesta e esforçada que seja essa busca de um
puro conhecimento objetivo, ela está fadada a um insucesso, restrita à cultura, a certos
valores, objetivos e pressupostos filosóficos e metafísicos. Dessa forma, por estes autores que
têm um enfoque “externo” ao sujeito cognoscente, vêm que o próprio conhecer é cultural e
social e está já estruturando a realidade.
De forma convergente segundo Tesser e Luz (2002), por outra vertente que analisa a
cognição por um viés “interno” ao sujeito cognoscente, Maturana (2001) e outros autores
como Varela (1990) e Varela et al. (1991) chegaram a conclusões semelhantes. Maturana diz
que a fisiologia dos seres vivos e do próprio sistema nervoso é fechada funcionalmente sobre
si ao mesmo tempo em que continuamente em interação com o meio externo e que não é
possível a geração de representações ou linguagem de caráter objetivo, independente do
sujeito que faz a afirmação.
Esta conclusão radical faz o autor re-conceituar as noções de linguagem,
conhecimento, percepção etc., para propor a sua “biologia do conhecer”. Nela, mostra que não
é sustentável, biológica e neuro-fisiologicamente, qualquer argumento em favor de uma
objetividade; ou seja, em favor de uma referência a algo objetivo e independente,
transcendente ao sujeito que afirma, sujeito este que teria algum acesso privilegiado ao real.
Tal aspiração pode ser compreendida como um recurso político, de poder: um argumento que
exige submissão, que quer ser absolutamente convincente e único na definição de uma
suposta “verdade” (MATURANA, 1999).
As idéias destes dois grupos de autores mencionadas apenas brevemente, permitem
esboçar uma tendência inovadora em epistemologia que chamamos de co-construtivista. Pois
que, no co-construtivismo, a realidade é pensada sempre em co-construção pela interação do
ser cognoscente e seus pares com o mundo misterioso fora dele. (TESSER E LUZ, 2002).
Segundo Varela (apud Tesser e Luz, 2002), o processo de cognição nos seres vivos e
no homem apresenta certas características singulares diversas do senso comum e da maioria
das epistemologias. Uma delas é que a cognição não é a representação de um mundo pré-
dado, independente, mas, em vez disso, é a criação de um mundo. O que é criado não é “o”
mundo, nem uma representação “domundo, mas sim “um” mundo. É claro que não se trata
de sustentar que um vazio fora. um mundo lá, mas ele não tem nenhuma
característica pré-determinada. Ou seja, não se afirma que não nada, mas sim que não
existem “coisas”, que não um mundo que seja independente do processo de cognição. O
que ocorre é que os seres vivos e nós homens co-criamos um mundo na nossa interação com a
natureza, que nasce junto conosco e conosco se transforma. Não um mundo imaginário, nem
63
“o” mundo real (objetivo), mas um mundo que é o “nosso” mundo. A cognição não é
representação, mas co-construção misteriosa que se dá na interação do ser vivo com o mundo.
Tesser e Luz (2002) dizem que olhando para a área da saúde sob a perspectiva co-
construtivista esboçada, as realidades a serem investigadas ou tratadas pela medicina podem
se ampliar e se tornar mais complexas. Todo o instrumental teórico, conceitual, clínico e
tecnológico (duro) biomédico não reflete alguma evolução que finalmente desvenda a real
natureza das doenças e sua cura, porque as doenças são co-construídas pelos médicos e
doentes no seu processo de viver, sofrer, interpretar e curar. Trata-se, pois, da evolução da co-
construção de um mundo que se acopla a certo modo de viver, agir e perceber que gera
valores, técnicas, classificações de doenças, ações em saúde-doença etc. O instrumental
biomédico constitui-se numa interpretação possível dos fenômenos mórbidos e da vida, que
permite determinados tipos de sentido e ação em saúde e acabam afastando outros.
Segundo estes autores a epistemologia contemporânea co-construtivista pode
contribuir para a compreensão dos conflitos entre a medicina e as demais profissões na saúde
e terapias alternativas, ao esclarecer que diferenças de estruturas de saber e prática entre elas
não se relacionam em geral a hierarquias de veracidade (embora estas possam existir), mas
sim a perspectivas culturais e de valores distintas, cosmo visões e visões de ser humano
diferente, concepções de saúde e de doença diversas, bem como lutas políticas intensas,
algumas atávicas e outras recentes.
4.2 A Cognição
Frente ao exposto anteriormente, é preciso colocar em questão os paradigmas
cognitivistas que consideram o educador e o educando como um sistema de tratamento de
informações e, para esse projeto, a Autopoiese dos textos de Maturana e Varela, podem
ajudar, uma vez que afirmam que a cognição não se reduz aos processos de re-cognição, mas
é, principalmente, invenção do sujeito cognoscente e do mundo conhecido.
Para esses autores, o vivo não se define como sistema auto-regulador nem por uma
tendência ao equilíbrio, mas como um sistema autopoiético, ou seja, o sistema vivo é um
sistema cognitivo, os seres vivos estão em constante processo de produção de si, em
incessante engendramento de sua própria estrutura. Sabe-se que nosso mundo é sempre o
mundo que construímos com outros, toda vez que nos encontramos em contradição ou
oposição a outro ser humano com que desejamos conviver, nossa atitude não poderá ser a de
reafirmar o que vemos do nosso próprio ponto de vista e, sim, a de considerar que nosso ponto
64
de vista é resultado de um acoplamento estrutural dentro de um domínio experiencial tão
válido como o de nosso oponente, ainda que o dele nos pareça menos desejável. Caberá,
portanto, buscar uma perspectiva mais abrangente, de um domínio experiencial em que o
outro também tenha lugar e no qual possamos, com ele, construir um mundo (MATURANA e
VARELA, 2001).
A dissociação ontológica entre a matéria e o espírito e sua expressão contemporânea
na dicotomia cérebro-mente, embora cada vez mais nos pareça ingênua e anacrônica,
encontra, todavia uma larga aceitação em vários setores das práticas sociais, inclusive no
campo da saúde. A gradual superação dessa dicotomia vem ocorrendo em grande medida
graças a abordagens multi e interdisciplinares que conduzem a uma noção de mente
indissociável do corpo, de uma mente corporificada, no sentido atribuído por Maturana e
Varela, no campo da biologia da cognição. A teoria da cognição formulada pelos biólogos
chilenos vai adiante na direção de conectar sistemicamente o organismo ao meio, o que a
torna um dos exemplos mais importantes de ciência interdisciplinar. Trabalhando na interface
entre a biologia, a psicologia cognitiva e a epistemologia, estes autores desviam a noção do
“mental”, do domínio do “cerebral”, para associá-la aos processos comunicacionais comuns a
outros seres vivos e ao domínio da natureza. A cognição é integralmente identificada com o
viver, sendo entendida como a atividade que garante a autogeração e autoperpetuação das
redes vivas.
A cognição nos seres vivos está associada às formas como estes respondem às
influências ambientais e às mudanças estruturais que, por sua vez, alteram o comportamento
futuro do organismo. É a esta integração entre o organismo e o seu contexto que Maturana e
Varela (2001) denominam de “acoplamento estrutural”.
A cognição não é, portanto, a representação de um mundo que existe
independentemente e por si, mas antes a contínua produção de um mundo através do processo
de viver. Neste sentido, ela não pressupõe sequer a existência de um sistema nervoso central e
de um cérebro, embora o desenvolvimento destes, no ser humano, tenha permitido a
emergência de suas formas mais complexas: a linguagem, a consciência e a consciência auto-
reflexiva. A linguagem verbal é entendida como o modo especificamente humano de
comunicação, uma herança da evolução filogenética e um estágio avançado do
desenvolvimento de recursos de “acoplamento estrutural”.
65
4.3 Passeio no Pensamento de Maturana
Maturana (2001) salienta o quanto nossa cultura privilegia a formação do indivíduo
como um ser que necessita tornar-se competitivo para alcançar o sucesso. Para constatar isso,
nos diz que, basta observar o dilema atual dos estudantes entre preparar-se para o mercado de
trabalho competitivo versus o desejo de mudar uma ordem político-cultural geradora de
excessivas desigualdades que trazem pobreza e sofrimento material e espiritual com o qual
nos deparamos a todo o momento, nas ruas, nas revistas, nos jornais, na TV.
Para termos sucesso, temos que competir. Em sua visão, a competição é um fenômeno
cultural-humano e não biológico. E como fenômeno humano, a competição se constitui na
negação do outro, sendo, portanto, antiética. Como exemplo ele cita a mesmo as
competições esportivas valorizadas como um bem social, onde não existe na verdade uma
convivência sadia já que a vitória de um, surge da derrota do outro.
Mas se o campo profissional exige uma preparação, fica então colocada à questão:
Para que serve a educação, considerando o conceito de servir como conceito relacional (serve
para algo em relação a um desejo)?
Nossa educação hoje se encontra ainda voltada ao racional. Entretanto, todo sistema
racional tem um fundamento emocional. A grande dificuldade é que vivemos numa cultura
que desvaloriza as emoções. E nós, nos vangloriamos de sermos seres racionais!
Mas o que seria para Maturana uma definição de emoção? É importante ressaltar que a
emoção para Maturana (1999) não é sinônima de sentimento. Emoções são disposições
corporais dinâmicas que definem os diferentes domínios de ação em que nos movemos.
Apesar de insistirmos em definir que o que difere nossas condutas das dos animais é o fato de
serem elas racionais, todos sabemos que quando estamos sob determinadas emoções existem
coisas que podemos fazer e coisas que não podemos ou não aceitaríamos sob outras emoções.
Biologicamente, as emoções são dispositivos corporais que determinam ou especificam
domínios de ações. Isso fica evidente quando nos damos conta de como reconhecemos as
diferentes emoções em nós e nos outros: as reconhecemos observando o domínio de ações ou
fazendo uma apreciação sobre o domínio de ações que sua corporalidade conota.
Emoções, segundo MATURANA (1999) são os diferentes domínios de ações
possíveis nas pessoas e animais, e as distintas disposições corporais que os constituem ou
realizam.
A emoção é um fenômeno próprio do reino animal. O racional já se baseia em
premissas fundamentais aceitas a priori, porque queremos. Estas premissas são então o ponto
66
de partida de todo raciocínio racional que vai se seguir. Isto se nas questões ideológicas e
em qualquer outro domínio, como na matemática, literatura, física, filosofia, etc... A aceitação
apriorística das premissas que constituem um domínio racional pertence ao domínio da
emoção e não ao domínio da razão, mas nem sempre nos damos conta disto.
Por que então conseguimos chegar a um acordo em determinadas divergências e em
outras não? Maturana nos fala de dois tipos básicos de divergências: divergências lógicas e
divergências ideológicas. As divergências lógicas ocorrem quando um erro é cometido na
aplicação de coerências lógicas. Nunca brigamos quando o desacordo é apenas lógico. Ele
será esclarecido e o máximo que pode acontecer é ficarmos sem graça por termos nos
“enganado”. No erro lógico, no máximo acusamos o outro de burrice ou cegueira. em um
desacordo ideológico o conflito se estabelece e é a vivência do desacordo como ameaça
existencial que leva à explosão emocional. “Desacordos nas premissas fundamentais são
situações que ameaçam a vida, que um nega ao outro os fundamentos de seu pensar e a
coerência racional de sua existência” (MATURANA, 1999).
As divergências ideológicas ocorrem quando o desacordo parte de distintos domínios
racionais. Este tipo de desacordo se baseia em conflitos de emoção e não de razão, já que suas
premissas fundamentais não estão calcadas na razão, pertencem a diferentes domínios. A
colocação de que algum argumento é racional, apenas denota que todo argumento sem erro
lógico é racional para aquele que aceita as premissas fundamentais em que se baseia. As
premissas fundamentais de todo sistema racional o não-racionais. São verdades que
aceitamos a priori porque nos agradam.
Damos-nos conta então de que o humano se constitui no entrelaçamento do racional
com o emocional e não em sua dicotomia. O racional se constitui nas coerências operacionais
dos sistemas argumentativos que construímos na linguagem, para defender ou justificar
nossas ações (MATURANA, 1999).
Todos os nossos argumentos racionais e nossas ações têm fundamento emocional. E
isto não é uma limitação, mas sim sua condição de possibilidade. Como vivemos em uma
cultura que valoriza o racional e desqualifica o emocional, tememos que a partir do momento
em que nos deixássemos levar pela emoção nos perdêssemos no caos. Contudo o caos ocorre
exatamente quando perdemos nossa referência emocional, não sabemos o que queremos fazer
e nos encontramos recorrentemente em emoções contraditórias.
67
4.3.1 Evolução e Competição
Segundo Maturana (2002), no âmbito biológico a competição não acontece. Este é um
fenômeno cultural humano. Os seres vivos não humanos não competem. Fluem entre si e com
outros em congruência recíproca (autopoiese). Participam de um meio que inclui a presença
de outros ao invés de negá-los. No exemplo da caça podemos verificar que o animal caçador
se alimenta sem que seja necessário que, para que um se alimente, o outro não se alimente.
Não são ações necessáriamente excludentes. Não existe um que ganha e um que perde. Na
medida em que ele se satisfaz o outro pode ou não se satisfazer também. Já entre os humanos,
para que um ganhe é necessário que o outro perca. E esta é a diferença que faz diferença.
A evolução é entendida como um modo de vida, uma configuração de relações
variáveis entre organismo e meio. A evolução se quando se constitui uma nova linhagem
ao mudar o modo de vida que se conserva numa sucessão reprodutiva. O fenômeno evolutivo
está na mudança do modo de vida, e em sua conservação na constituição de uma linhagem de
organismos congruentes com sua circunstância, e não em desacordo com ela. A espécie que
estiver em desacordo com o meio se extingue. A história dos seres vivos não envolve
competição e a competição não tem participação na evolução do humano. Organismo e meio
vão mudando juntos de maneira congruente ao longo da vida. “... somos o que somos em
congruência com nosso meio e que nosso meio é como é em congruência conosco, e quando
esta congruência se perde, não somos mais”. (MATURANA, 1999). Este eterno fluir entre o
ser vivo e o meio é observado nas mais diferentes esferas de inter-relação e ocorre todo o
tempo.
4.3.2 A Educação
A educação é vista por Maturana, como um processo pelo qual a criança ou o adulto
convive com o outro e ao conviver se transforma de maneira que seu conviver se torna cada
vez mais congruente com o outro no espaço da convivência. O educar é, portanto recíproco e
ocorre todo o tempo. As pessoas então aprendem a viver e conviver da maneira pela qual sua
comunidade vive. A educação como “sistema educacional” configura um mundo, e os
educandos confirmam em seu viver o mundo que viveram em sua educação. Os educadores,
por sua vez, confirmam o mundo que viveram ao serem educados no educar. (MATURANA,
1999).
68
Fazendo uma distinção em relação à cognição ele nos fala sobre a objetividade entre -
parênteses e objetividade sem-parênteses, afirmando que os seres humanos, os seres vivos em
geral, não podem distinguir na experiência entre o que chamamos de ilusão e percepção como
afirmações cognitivas sobre a realidade. (MATURANA, 1999)
Nós não podemos distinguir na experiência entre ilusão e percepção. Isso pode
ocorrer a posteriori quando desqualificamos uma experiência por outra que é tomada então
como válida. Como podemos então definir uma realidade como independente de nós se para
podermos afirmar que temos acesso a essa realidade deveremos poder distinguir entre ilusão e
percepção? Partindo desta reflexão, Maturana (1997b) propõe os termos objetividade entre-
parênteses e objetividade sem parênteses.
Fonte: Maturana, 1997b
Na objetividade sem parêntese, o que eu estou dizendo é válido porque é objetivo e
racional, não porque sou eu quem está dizendo. Se disser que voestá errado, não sou eu
quem determina que você esteja errado, mas a realidade. Aqui os caminhos explicativos não
ocorrem na aceitação mútua, mas sim na exclusão do que é diferente da verdade. O que não
está com a “verdade”, está contra ela. Aqui sempre sou não responsável pela negação do
outro, porque é a realidade que o nega. Neste caso, o corpo surge como um instrumento de
expressão e também como limite à sua expressão. Se não damos conta da verdade é porque
temos alguma deficiência que necessita ser superada. Aqui a ilusão é a expressão de uma
limitação ou falha do observador.
Na objetividade entre - parênteses, posso pretender que eu tenha capacidade de fazer
referência a uma realidade independente de mim. Aqui não verdade relativa, mas muitas
69
verdades diferentes. Quando me oponho a um domínio de realidade diferente do meu, me
oponho a alguém que transita neste referencial de mundo que não me agrada. Esta seria então
uma negação responsável. Uma negação do outro e do mundo que ele traz consigo em seu
viver. Aqui o corpo surge como algo que nos constitui e que nos possibilita. A verdade é
nossa e faz parte de nosso modo de estar no mundo, como a dos demais. A indistinguibilidade
entre ilusão e percepção é uma condição constitutiva do observador.
4.3.3 O Amor
O amor é a emoção que fundamenta o social sendo que nem toda convivência é
social. Aqui o amor é entendido sem conotação religiosa. É visto como a emoção que
constitui o domínio de condutas em que se a aceitação do outro como legítimo outro na
convivência que chamamos de sociais.
O amor é a emoção que funda o social. Sem a aceitação do outro na convivência não
o social. Somos, sobretudo, animais dependentes do amor. É um fenômeno biológico
cotidiano. É um fenômeno tão básico e cotidiano no humano que o negamos culturalmente
para dar lugar a outras emoções. A criação de consciência de guerra pode ser um exemplo
disso. se na negação do amor cedendo lugar à indiferença e ao cultivo da relação de
rejeição e ódio que negam a diferença e permitem a destruição. Maturana (1999) diz que à
medida que isso não se dá, a biologia do amor desfaz o inimigo. Mas, existem relações que
não estão fundadas no amor. Estas não são relações sociais.
4.3.4 Relações Sociais e não Sociais
As diferentes relações se fundam em diferentes emoções. As diferentes disposições
corporais dinâmicas especificam diferentes domínios de ações (emoções). Portanto na medida
em que diferentes emoções constituem diferentes domínios de ações, haverá também
diferentes tipos de relações humanas dependendo da emoção que esteja subjacente. Basta que
observemos as emoções para que possamos distinguir os diferentes tipos de relações humanas.
Segundo Maturana (1999) medo é uma das emoções que nos retira das relações
sociais, principalmente o medo de não termos capacidade para convivência social. Ele nos
leva à negação do outro, à desconfiança, ao uso da autoridade. É a perda de nossa confiança
na capacidade de convivência democrática e da reflexão, conversação e aceitação do outro
como legítimo outro, como modos de convivência.
70
Confundimos domínios porque agimos como se todas as relações humanas fossem do
mesmo tipo. As relações que não se baseiam na aceitação do outro como legítimo outro na
convivência não são relações sociais. Em nossas vidas convivemos com relações de diferentes
tipos. Como exemplos de relações não sociais temos:
Relações de trabalho que se fundam no compromisso de cumprir tarefas.
Relações hierárquicas que se fundam na negação mútua. Fundam-se na
obediência e na concessão do poder (supervalorização de um e desvalorização
do outro).
Nós seres humanos não somos o tempo todo sociais, mas a biologia humana sim.
Como recursos de convivência surgem então as leis com o objetivo de dar conta das relações
não sociais. Surgem como coordenação de conduta entre pessoas que não constituem sistemas
sociais.
4.3.5 A Ética
Segundo Maturana (1999), o problema da ética e da política lhe diz respeito enquanto
parte da vida cotidiana de um cidadão que reflete sobre o social. Ética vista como a
preocupação com as conseqüências que nossas ações têm sobre o outro. Tem a ver com a
aceitação do outro e, portanto pertence ao domínio do amor. A ética não tem um fundamento
racional, mas sim emocional. A liberdade social depende da aceitação mútua para a
convivência harmônica.
Vivemos numa cultura que estimula a competição e a luta e, em última análise,
entendemos democracia como a livre disputa pelo poder. Entretanto este estilo de convivência
é incoerente com a extinção da pobreza, do abuso e da opressão como modo legítimo de vida.
Em síntese, não existe competição sadia nem disputa fraterna. Maturana reforça a necessidade
de uma democracia como um espaço político para cooperação na criação de um mundo de
convivência onde todos estejam incluídos. A democracia é uma obra de arte político-cotidiana
que exige atuar no saber que ninguém é dono da verdade, e que o outro é tão legítimo quanto
qualquer um. Além disso, tal obra exige a reflexão e a aceitação do outro e, sobretudo, a
audácia de aceitar que as diferentes ideologias políticas devem operar como diferentes modos
de ver os espaços de convivência, que permitem descobrir diferentes tipos de erros na tarefa
comum de criar um mundo de convivência, no qual a pobreza e o abuso são erros que se quer
corrigir. Isto é uma coisa diferente da luta pelo poder. (MATURANA, 1999).
71
A convivência democrática surge da aceitação mútua, não podendo acontecer de
maneira inversa. Só a aceitação mútua pode não permitir que o abuso possa ocorrer na
convivência. Mas se a construção da democracia depende fundamentalmente das emoções,
como mudá-las então? Podemos mudar as emoções apenas através da nossa própria reflexão.
Mas temos que acima de tudo querer fazer a reflexão e para querer fazê-la, tenho que antes de
tudo querer aceitar o outro.
Quanto à liberdade, Maturana (1999) tem a posição de que as idéias não devem ser
perseguidas, só as ações. No caso de um crime, o condenado deve ser aceito como um
legítimo outro em que sua ação é punida e não seu ser. Em sua visão, não é o medo do
castigo que impede o crime. Numa vida social, o crime simplesmente não aparece. O crime
surge depois que a convivência social já se rompeu. Não o crime, mas a maior parte das
enfermidades humanas surge a partir da negação do amor. Adoecemos se nos sentimos
rejeitados, se nos negam ou não nos querem, se nos sentimos injustiçados.
Como a ética pertence ao domínio do amor, as preocupações éticas nunca vão além do
domínio social em que surgem e têm formas diferentes em diferentes culturas. Por isso,
argumentos racionais sobre ética convencem aos convencidos. O comportamento ético é
emocional e é a partir do amor que o outro tem presença.
Se nos baseamos em ideologias para definir conceitos éticos, nunca poderemos entrar
em acordo com todos os seres humanos. Mas se partirmos do social, como Maturana o define,
poderemos encontrar fundamentos éticos que servirão a toda a humanidade. As emoções são o
fundamento de nossos afazeres, e o que nos cabe é estarmos atento a elas para que possamos
agir responsavelmente. Estarmos conscientes das conseqüências de nossos atos e decidindo se
as queremos ou não. A responsabilidade não pertence ao domínio da razão, tendo a ver com a
compreensão dos nossos próprios desejos e surgindo na reflexão sobre estes desejos. A
liberdade surge de nossa responsabilidade sobre nossos atos.
A posição de Maturana é sem dúvida um paradoxo na medida em que também é
ideológica. Entretanto o que chama atenção é a novidade da inclusão e da legitimação do
diferente em oposição à dialética tradicional.
4.4 A Epistemologia e Ética da Organização Autopoiética
A existência humana ocorre em um domínio lingüístico e cognitivo que é
constituitivamente social. São centrais para o entendimento da dinâmica do processo social as
respostas às seguintes questões: O que é um sistema social? Como ele pode ser caracterizado?
72
Como os sistemas vivos e os seres humanos em particular, participam na constituição dos
sistemas sociais que eles integram?
Distinguir um sistema social não é descrever um deles em particular, é definir um
sistema que se posto em operação geraria um domínio fenomenal indistinguível daqueles
próprios aos sistemas sociais. Maturana (1999) propõe, então, que tal sistema é composto por
uma coleção de sistemas autopoiéticos que, através da realização da sua autopoiesis,
interagem uns com os outros constituindo e integrando um sistema que opera como um meio
no qual eles realizam suas autopoiesis.
Daí decorreria segundo Mariotti (1999) que:
A realização das autopoiesis dos componentes é constitutiva do sistema;
Uma coleção de seres vivos integrando uma unidade composta através de
relações que não envolvem a sua autopoiesis não é um sistema social.
A estrutura de uma sociedade como um particular sistema social é determinado
pela estrutura dos seus componentes autopoiéticos e pelas relações que os
prendem enquanto integrantes daquele sistema social;
Numa sociedade, a todo o momento, a estrutura dos componentes determina as
suas propriedades, e estas compreendem a estrutura da sociedade. Esta
estrutura da sociedade, por sua vez, opera como um seletor da estrutura dos
seus componentes, na medida em que é o meio no qual realizam a sua
ontogênese;
Um sistema autopoiético participa de um particular sistema social, somente se
ele realiza as relações próprias dos componentes daquele sistema social. Nesse
caso, uma unidade autopoiética pode entrar ou sair de um sistema social a
qualquer momento e pode, ainda, participar de vários sistemas sociais ao
mesmo tempo.
O autor afirma que são as interações recorrentes entre os mesmos sistemas
autopoiéticos que constituem um sistema social e para que tais interações ocorram é preciso
uma estabilização biológica das estruturas. Nos seres humanos o fator de estabilização básico
é fenômeno do amor: a visão do outro como parceiro em alguma dimensão da sua vida.
A escolha por um particular meio de vida é uma escolha ética, cujo problema
fundamental é: a justificação das relações particulares de subordinação da autonomia e da
individualidade que ele demanda para ele próprio e para os outros membros da sociedade que
ele gera e valida com a sua conduta. Um sistema social é essencialmente um sistema
73
conservativo. A sociedade opera como um sistema homeostático que estabiliza as relações
que a definem como um sistema social de um tipo em particular, isto se porque ela é
gerada pelas interações dos mesmos componentes para os quais constitui o meio seletor dos
caminhos de mudanças estruturais ontogênicas.
Segundo Mariotti (1999) uma mudança nas relações que definem uma sociedade como
um particular sistema social, pode somente ocorrer a partir de uma mudança nas propriedades
dos componentes que a tornam real. Numa sociedade humana, mudanças só podem ocorrer na
medida em que as condutas dos homens mudem. As interações entre as unidades participantes
de uma sociedade devem confirmar as relações que a definem, noutro caso o organismo que
interage deixa de ser componente da mesma. Daí que a criatividade na geração de novas
relações sociais sempre implica interações fora da sociedade e gera novos modos de conduta
que mudam às relações definidoras da sociedade ou separa os indivíduos criativos da mesma.
O curso espontâneo das transformações históricas de uma sociedade humana como
uma unidade aponta para o totalitarismo; isto é assim porque as relações que produzem a
estabilização histórica são aquelas que têm a ver com a estabilidade da sociedade como uma
unidade em um meio dado, e não com o bem estar dos seus componentes humanos que podem
operar como observadores. Qualquer outra trajetória requer uma escolha ética; ela não se
espontânea, ela será um trabalho de arte, um produto do projeto estético humano
(MATURANA e MPODOZIS, 1987).
Nem todo ser humano apanhado pela malha de relações geradas num sistema social,
participa do mesmo como um ser social. Se sua participação não envolve a sua autopoiesis
como uma característica constitutiva do mesmo, este ser humano está sendo usado pelo
sistema social, mas não é um dos seus membros.
Apesar de que todas as sociedades sejam biologicamente legitimadas, em muitas delas
um ser humano não desejaria viver. O homem tem a capacidade, como um sistema social
centrado na linguagem, de se transformar num observador, que pode, se ele tem a experiência
adequada, contemplar esta sociedade que ele integra, como se fosse externa a situação em que
ele mesmo se encontra, e gostar ou não gostar dela (MATURANA, 1987).
Uma sociedade totalitarista restringe as experiências que os seus membros podem ter,
donde eles não podem funcionar como observadores, ou então são desacoplados como
dissidentes e não lhes permitem seduzir a outros. Quando um ser humano A encontra outro
ser humano B e o ama, ele B num contexto social e se transforma num observador da
sociedade que B integra. A pode gostar ou não do que ele em referência a B e agir neste
sentido, se transformando num ser anti-social se ele não gosta do que ele vê. Uma sociedade
74
totalitária absoluta deve negar o amor como uma experiência individual porque o amor, cedo
ou tarde, leva a uma avaliação ética da sociedade que o ser amado integra (MATURANA e
MPODOZIS, 1987).
Uma sociedade humana na qual ver todos os seres humanos como equivalente a si
próprio, e amá-los, é operacionalmente legitimado sem exigir dos seus integrantes
subordinação da sua autonomia e individualidade além do que eles estariam dispostos a
aceitar por si mesmo enquanto integrantes, é um produto da arte humana, isto é, uma
sociedade artificial que admite trocas e aceita cada ser humano como não dispensável. Esta é
necessariamente uma sociedade não hierárquica na quais todas as relações de ordem são
constitutivamente transitórias e circunstanciais para a criação de relações que continuamente
negam a institucionalização do abuso humano. Tal sociedade é na sua essência uma sociedade
anarquista, uma sociedade feita para e por observadores que não submetem a sua condição de
observadores enquanto clamam por liberdade social e respeito mútuo (MATURANA, 1999).
Uma forma didática de compreender o modelo sistêmico está no diagrama abaixo,
concebido pelos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela:
A B
Fonte: Mariotti, 2002
Nesse esquema, “A” representa um sistema vivo (seja uma célula, um tecido, ou
organismo em sua totalidade) e “B” representa um outro sistema vivo. A linha sinuosa
representa o meio ambiente. “A” e “B” interagem: tudo o que acontece em um reflete no
outro. Como os sistemas “A” e “B” estão em um meio ambiente, também interagem com ele.
Assim, qualquer alteração em quaisquer dos sistemas se refletirá em um, no outro ou
no meio ambiente (que por sua vez inclui outros sistemas). Desse modo, podemos dizer que
“A” acolhe “B” e vice-versa – e também que “A” e “B” são acolhidos pelo ambiente e por sua
vez, o acolhem. Para pensar em Acesso-Acolhimento e Vínculo-Identidade é preciso partir da
base – do modelo mental (ou modo de pensar, ou sistemas de pensamento) – por meio do qual
75
construímos nosso mundo. poucas esperanças de mudar o mundo que elaboramos, ao
longo de nossa interação com ele, se não modificarmos antes o modo de pensar que
utilizamos nesta construção. Assim do ponto de vista do Acesso-Acolhimento e nculo, o
pensar (que inclui o sentir), o fazer, e o viver seguem a dinâmica apresentada por Mariotti
(2002).
Mudar o modo de Sentir
Mudar o modo de Pensar
Mudar o modo de Falar
Mudar o modo de Agir
O diagrama acima mostra algumas das principais dimensões do ser humano: o sentir, o
pensar, o falar e o viver. Todas estão entrelaçadas, de modo que modificações em qualquer
uma repercutirão sobre as demais. Trata-se de uma abordagem integrada e integradora, na
qual tudo acolhe tudo e por tudo é acolhido.
Isso significa que é preciso, antes de qualquer coisa, compreender que o privilégio
dado por nossa cultura à tecnociência – em prejuízo das humanidades – é um dos obstáculos à
colocação práticas das iniciativas de Acesso-Acolhimento e Vínculo.
Portanto, desde o início convém ter em mente que aquilo que se deseja é introduzir
ações de Acesso-Acolhimento e Vínculo numa cultura que é basicamente não-acolhedora
uma cultura na qual a competição predatória, a devastação da natureza e a exclusão social não
recebem o grau de atenção e questionamento que deveriam.
Para por em prática o Acesso-Acolhimento e Vínculo-Identidade (isto é, para que a
tecnociência acolha o humano) é preciso mudar o modelo mental.
Como fiz questão de frisar, em outras passagens deste trabalho, o campo da saúde é
um ambiente de mudanças tão intensas que afetam o mundo do trabalho é um campo marcado
pela complexidade, devido ao desconhecimento dos destinos da mudança. É um campo
afetado diretamente pelas novas bases de relacionamento que se impõem entre os
profissionais e entre esses e usuários.
Se quebrados os antigos pilares do vínculo e da estabilidade, sobre os quais se
assentavam os discursos integradores e sobre os quais se construía o sentido do trabalho e da
vida organizacional, o desafio passa a ser identificar como os trabalhadores reconstroem o
sentido, reconstroem vínculos e relações no interior das organizações. Ao mesmo tempo,
76
renova-se o desafio de compreender como as organizações, entendidas como sistemas e como
culturas, reestruturam suas relações e redefinem sua interação com o ambiente.
A busca de respostas nos aproximou teoria dos sistemas, como construtos fechados,
auto-referentes e constituídos por e pela comunicação. Isso porque, a despeito de todas as
evidências, os sistemas organizacionais se mostravam vivos, ainda que o fosse com aquelas
características desenhadas pelos modeladores organizacionais.
O processo seletivo de redução de complexidade diante do ambiente, caracterizado
também como autopoiese, é em síntese um processo cognitivo construído social e
comunicativamente. É um processo que concebe a organização com um organismo, vivo,
dinâmico, ativo, que faz constantes seleções para manter a identidade e estabelecer fronteiras
e diferenças com o ambiente.
Ao reconhecer o processo de conhecimento como ativo individual, pessoal, e que se
baseia nos conhecimentos previamente adquiridos, o construtivismo questiona e expõe as
fraquezas de um conhecimento baseado na transmissão unilateral e na recepção passiva de
conteúdos.
A maior crítica às perspectivas cognitivistas e construtivistas vem da inevitável
comparação com a teoria evolucionista de Darwin, em função da metáfora da mente como
sujeito cognitivo corresponder a um organismo em evolução. Outra crítica centra-se na
própria vinculação com a biologia, considerada perigosa em razão de o determinismo
biológico ter inspirado sistemas opressores como o fascismo, o nazismo e, mais
recentemente, legitimado o que se convencionou chamar de neoliberalismo. Por fim, uma
outra crítica ao modelo do construtivismo volta-se para o fato de que delimita o processo de
cognição ao próprio sujeito, ao próprio indivíduo, reduzindo a importância da influência das
construções sociais sobre essa cognição.
Entretanto, a perspectiva do construtivismo vem ganhando novos contornos,
influenciada que é, também, pelos estudos em torno da autopoiese conduzidos por Maturana e
Varela. A informação, aqui, não existe mais como ordem intrínseca, pré-estabelecida, mas
emerge das próprias atividades cognitivas, que fazem emergir, fazem criar, um mundo e uma
representação, um sentido, em suma. Esse processo é conhecido, na biologia, como “enação”.
Em ntese, o processo que envolve autopoiese e enação tem o mérito de resgatar o processo
científico como experiência humana, como algo que não é aprisionável em regras e conceitos
objetivos, ao tratar da subjetividade e lembrar que as capacidades cognitivas além de se
vincularem a um cérebro dependem também de um corpo.
77
O resgate das “histórias de vida” profissional e organizacional através das oficinas e
do grupo focal também nos permite tratar de um dos níveis de autopoiese: a autopoiese no
sistema psíquico, que ocorre no nível da consciência. Cremos que, ao destacar esse processo
de construção do sentido, estamos cobrindo uma das áreas essenciais para a compreensão da
recepção, percepção, construção e reconstrução dos enunciados discursivos que vão ou não
atribuir sentido à experiência de vida social e organizacional, a partir do sujeito cognitivo.
É importante retomar o conceito de autopoiese, que surge como uma propriedade dos
sistemas de se produzirem continuamente a si mesmos, num processo auto-referente que faz
com que todo sistema, vivo, psíquico ou social seja ao mesmo tempo produtor e produto. Na
produção autopoiética, contudo, os sistemas, para serem autônomos, precisam recorrer a
recursos do meio ambiente. Isso pode ser paradoxal, uma vez que trata ao mesmo tempo de
autonomia e de dependência. Eis um dos principais componentes da complexidade do
sistema, da sua não-linearidade.
Ao definir o conhecimento como algo biológico, Humberto Maturana afirma que vida
é conhecimento. Nesses termos, o conhecimento pertence a qualquer forma de vida, não
provém de fora, realizando-se pela forma através da qual o indivíduo organiza suas relações
como externo. Nesta perspectiva, o conhecimento é compreendido como um processo de
auto-organização do indivíduo, isto é, ele se realiza pela e nas relações que o indivíduo
constrói com o seu entorno.
O que está colocado é que o indivíduo, frente aos estímulos, acaba por transformá-los
ativamente, segundo suas próprias exigências. Desta compreensão, segue a afirmação de que
o conhecimento não se organiza em função das exigências externas e sim de exigências
internas, do próprio indivíduo. Se o indivíduo, através de suas observações, introduz uma
ordem no que vê, que ele, ao olhar, reconhece semelhanças, regularidades, estabelece o que
é mais ou menos importante mais ou menos semelhante e regular, o processo de assimilação
de uma informação não está na dependência da qualidade da assimilação - como estaria o
pressuposto do processo conscientizador -, mas está relacionado, sobretudo, ao modo como
essa informação é “vista” pela dinâmica autopoiética do indivíduo. Assim, a organização
autopoiética tem como referência a sua identidade autoproduzida, isto é, ela se realiza
primeiramente pela sua capacidade de constituir significados próprios. Isto significa que o
processo autopoiético é um processo de individualização através do quais propriedades
intrínsecas da autonomia dos indivíduos não captam a informação do exterior, mas acolhem o
seu entorno como fenômeno interpretativo (MATURANA e VARELA, 2001).
78
A forma de dizê-lo pode parecer esquisita, mas de fato nós não
experimentamos o mundo tal como nos parece que o experimentamos.
Aquilo que experimentamos acerca da realidade está submetido a uma
espécie de artimanha ou truque da organização auto-referencial do
nosso sistema nervoso. Toda ação ou reação sobre a realidade é
mediada pelas estratégias do sistema vivo e auto-organizativo que
somos. Ele tem seus motivos para ‘ligar’ ou desconsiderar tais ou
quais níveis entre si. Enquanto organismo vivo, somos também um
sistema perceptivo e cognitivo. Em cima do que nos advém ‘de fora’,
construímos ativamente a nossa imagem do real. Somos criadores do
‘nosso mundo’, inventores do ‘nosso mundo’, fabuladores e
sonhadores do ‘nosso mundo’, transformadores do mundo real porque,
em primeira instância, transformadores do nosso próprio ‘mundo
interno’ mediante uma fantástica evolução intra-organísmica. Nossos
órgãos, e assim também nosso cérebro/mente o órgãos evolutivos,
cuja lei suprema é a adaptabilidade. Não no mundo para nós a não
ser mediante a ‘nossa leitura’ do mundo, corporalizada no sistema
auto-organizativo que somos (ASSMANN, 1998, pg.34).
Esta questão é fundamental porque desloca o eixo das nossas preocupações quando a
referência é a busca pela autonomia do indivíduo: nenhum organismo está interessado em
saber se o seu conhecimento corresponde ou não à verdade. Esta não é uma questão relevante
para sua sobrevivência. Tem-se como desafio, não mais pensar na apropriação de conteúdos
reveladores de uma verdade única e universal; trata-se de colocar como pressuposto a
pluralidade de idéias, a multiplicidade de verdades construídas individual e coletivamente.
Não basta apenas ouvir a palavra do outro para entendê-la. Para a compreensão, é
necessário atentar para um movimento silencioso e autopoiético, que confere e possibilita a
emergência do sentido traduzido numa linguagem. É possível afirmar também que o
entendimento de que o processo de conhecimento tem uma dinâmica autopoiética
descaracteriza e imobiliza, tornando até mesmo inoperante, a noção de senso comum que,
a princípio, todo o conhecimento se move no interior um uma complexa teia individual
despossuída de níveis hierárquicos.
Considerando essas descobertas, certamente está posta a necessidade de re-situar as
concepções de educação e as práticas educativas, desfazendo as estruturas ainda rígidas e
fechadas do fazer pedagógico. Se o que impulsiona a nossa reflexão é a idéia de que o
conhecimento se realiza por um movimento auto-organizativo e reside a possibilidade de
autonomia individual – torna-se necessário desenhar um novo perfil para a prática educativa.
Na contemporaneidade organizacional, percebe-se a necessidade de conviver com as
diferenças, aceitá-las, integrá-las e assimilá-las em novas propostas de estruturação
79
administrativa, absorvendo e questionando movimentos e reivindicações, sendo esse um dos
grandes desafios dos profissionais que trabalham na área da saúde.
Como se dá o processo autopoiético de construção de sentido e de formação de
identidade, em pleno ambiente de mudanças? É importante retomar o conceito de autopoiese,
que surge como uma propriedade dos sistemas de se produzirem continuamente a si mesmos,
num processo auto-referente que faz com que todo sistema, vivo, psíquico ou social seja ao
mesmo tempo produtor e produto. Na produção autopoiética, contudo, os sistemas, para serem
autônomos, precisam recorrer a recursos do meio ambiente. Isso pode ser paradoxal, uma vez
que trata ao mesmo tempo de autonomia e de dependência. Eis um dos principais
componentes da complexidade do sistema, da sua não-linearidade, e que vai aparecer de
forma muito forte nas declarações dos empregados.
Outro conceito-chave, aqui, é o de identidade. Para Etkin e Schvarstein (1997), ela
surge como um elemento invariante, que marca uma característica intrínseca do sistema
organizacional. Surge, também, fortemente determinada pela estrutura, conceituada como a
forma concreta como um sistema ou organização se assume no tempo e no espaço.
Algo que faz paralelo com o conceito de determinismo estrutural, tal qual proposto por
Maturana (2001), para quem a estrutura de um sistema é a maneira como seus componentes
interconectados interagem sem que mude a organização. A organização surge, então, como
determinante da definição de um sistema, e a estrutura, como determinante operacional. A
primeira identifica o sistema, diz como ele está configurado. A segunda mostra como as
partes interagem para que ele funcione.
O ambiente, como descrito, aparece como carregado de complexidade, de incerteza. A
tese da autopoiese entra aqui para explicar como os sistemas indivíduos buscam reduzir a
complexidade, a partir das seleções e das decisões que tomam, e que acabam por redefinir
suas narrativas. Assumir-se inseguro, já é resultado de um processo de cognição que interpreta
as ameaças do ambiente complexo como ameaças à própria estrutura do sistema. O
trabalhador que se identificou com o seu trabalho, a ponto de assumir uma identidade
vinculada, vê-se desestruturado em sua organização, em sua consciência, em sua
subjetividade?
É possível, então, observar a presença do que Maturana e Varela chamam de
acoplamento estrutural, por meio da visível incorporação de comportamentos identitários com
os princípios do Programa Saúde da Família (Acesso-Acolhimento e Vínculo-Identidade)?
Porém, essa visão do acoplamento imita o mundo natural, em que uma tendência
para a constituição de sistemas autopoiéticos de nível superior, mais complexos, em que
80
valeria o princípio da hierarquia dos sistemas. O sistema indivíduo aparece como inferior e
dependente do sistema organização, que, por sua vez, está inserida no sistema sociedade.
Em suma, a autopoiese das pessoas estaria subordinada à da organização, que estaria
subordinada à da sociedade. Os indivíduos, ao final da escala, seriam, portanto, descartáveis, e
dificilmente atuariam sobre a dinâmica autopoiética da sociedade.
Aqui, nos deparamos, também, com uma das constatações mais polêmicas de
Luhmann (1992), ao descrever os sistemas sociais como sistema autopoiéticos de
comunicação, acaba separando os indivíduos, as pessoas do ambiente organização, dizendo
que constituem por si outros sistemas. Nesse caso, as pessoas estariam para a organização
como ambiente, dos quais as organizações ainda dependem e com os quais estabelecem
constantes acoplamentos. Sua tese afirma que, antes de formadas por pessoas, as organizações
são constituídas de comunicação, que pode ser a comunicação entre as pessoas, mas que
ganha vida própria e reforça a autopoiese e a construção de sentido e de identidade
organizacional.
Luhmann não está fazendo aqui nenhum juízo de valor, sobre se suas afirmações vão
ou não justificar eticamente uma posição de descarte dos trabalhadores. Na verdade, ele está
interpretando um fato que também já foi descrito em outros termos por teóricos críticos.
Quando descrevem o trabalhador como dissociado do sentido do seu trabalho, teóricos críticos
também estão constatando o que observaram. É possível, como nós mesmos nos
posicionamos com relação a essa hipótese de Luhmann, rejeitá-la pelo que anuncia, mas não
podemos negar sua veracidade frente à observação do ambiente mutável das organizações.
As construções de sentido que emanam desse emaranhado de sentimentos, de dúvidas,
de complexidades, soam caóticas e díspares diante da insistência das culturas e dos sistemas
em continuar se orientando pela linearidade, pelo curto prazo, pela racionalidade mecânica,
que cria cenários nos qual o ser humano complexo aparece sempre dividido, utilizado e, por
fim, descartado, em um processo recorrente de supersimplificação da condição humana
(MARRIOTTI, 2001).
As organizações podem ser estudadas, como sistemas autopoiéticos gerados e
forjados em torno da comunicação, num processo auto-referente e autoconstruído por meio
das inúmeras e complexas relações que estabelecem com o ambiente.
Quanto à construção de sentido em um ambiente de mudança nas relações de trabalho,
que se dá em novas bases, no campo da fronteira de relacionamento sistema/ambiente e
sistema/sistema. A construção de sentido é influenciada pela própria auto-referencialidade e
81
em interação com as informações emanadas pelo ambiente. Aparece como uma seleção,
resultante de cognição, na busca de reduzir a complexidade.
A partir da autopoiese, via determinismo estrutural, é possível identificar o recurso à
auto-referencialidade e à identidade como reação às mudanças. Ainda que em um sistema a
estrutura mude o tempo todo, num processo de adaptação às modificações também contínuas
do ambiente, o invariante, aqui, seria organização. Se desestruturada, pode levar o sistema à
extinção, mediante perda da identidade.
4.5 Passeio no Pensamento de Vygotsky
O termo sócio-construtivismo (ou, como preferem alguns especialistas, sócio
interacionismo) é usado para fazer distinção entre a corrente teórica de Vygotsky e o
construtivismo Jean Piaget. Ambos são construtivistas em suas concepções do
desenvolvimento intelectual, ou seja, sustentam que a inteligência é construída a partir das
relações recíprocas do homem com o meio.
Os dois se opõem tanto à teoria empirista (para a qual a evolução da inteligência é
produto apenas da ação do meio sobre o indivíduo) quanto à concepção racionalista (que parte
do princípio de que já nascemos com a inteligência pré-formada). Para o ser humano, segundo
Vygotsky (1997), o meio é sempre revestido de significados culturais. Por exemplo, o objeto
(meio) não tem sentido em si. Só tem o sentido cultural que lhe damos, como ser útil ou inútil,
valioso ou não, rústico ou sofisticado e assim por diante. E os significados culturais são
aprendidos com a participação dos mediadores.
O fator cultural, básico para Vygotsky, e pouco enfatizado por Piaget, é a diferença
central entre os dois teóricos construtivistas. Ambos divergem também quanto à seqüência
dos processos de Aprendizagem e de Desenvolvimeto Mental, para Vygotsky (1997), é o
primeiro que gera o segundo. O aprendizado adequadamente organizado resulta em
desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de
outra forma, seriam impossíveis.
Piaget, ao contrário, defende que é o desenvolvimento progressivo das estruturas
intelectuais que nos torna capazes de aprender (fases pré-operatóra ou lógico-formal).
Estudou a relação entre desenvolvimento e aprendizagem (D e A) em várias teorias, entre
elas: behavorismo, epistemologia genética, e gestalt. E apresentou a sua teoria de como o
desenvolvimento e a aprendizagem estão inter-relacionados. Apresentaremos rapidamente
dessas teorias o relacionamento entre D e A , dentro de cada uma delas.
82
Piaget - Epistemologia Genética
D como processo maturacional que ocorre antes e independente da A
A como processo externo e sem papel ativo no D
A utiliza os resultados do D, mas não o influencia nem direciona.
Comportamentalistas
Gestalt
D e A processos independentes que interagem afetando-se mutuamente.
D = D <--->A
D= maturação + A
A incluída em D
Vygotsky
A e D são processos distintos e mutuamente dependentes. Inteligência é a habilidade
para aprender.
O Desenvolvimento acontece em dois níveis:
Desenvolvimento efetivo (DE): o que a criança consegue fazer sózinha.
Desenvolvimento Potencial (DP): o que é possível realizar com a ajuda dos
outros (interação).
Assim Vygotsky (1996) define a Zona de Desenvolvimento Proximal como a diferença
entre o que o sujeito consegue fazer individualmente e aquilo que consegue realizar com a
mediação social. ZDP= DP-DE (diferenças qualitativas do ambiente social)
A
é sinônimo de
D
.
D = acumulação de respostas aprendidas.
D ocorre simultaneamente ao A e sobrepõem-se
83
A história do desenvolvimento das funções psicológica superiores seria impossível
sem um estudo de sua pré-história, de suas raízes biológicas e de seu arranjo orgânico. As
raízes do desenvolvimento de duas formas fundamentais, culturais, de comportamento,
surgem durante a infância: o uso de instrumentos e a fala humana. Isso, por si só, coloca a
infância no centro da pré-história do desenvolvimento cultural. (VYGOTSKY, 1996)
Princípio do desenvolvimento: contínua interação entre as condições sociais
(mutáveis) e a base biológica. E suas raízes encontram-se na infância por duas formas
fundamentais: o uso de instrumentos e a fala.
O desenvolvimento da linguagem coloca-se como paradigma para explicar a formação
de todas as demais operações mentais que envolvem o uso de signos (ou seja, mediadas).
Assim como a linguagem todas as funções psicológicas superiores aparecem duas vezes no
curso do desenvolvimento da criança. Primeiro nas atividades coletivas (social -
interpsíquico) e logo nas atividades individuais (intrapsíquica).
Assim, os instrumentos de mediação formam uma fonte de desenvolvimento, pela
apropriação progressiva e interiorizada dos instrumentos existentes no meio social. Os
instrumentos são ferramentas mediadoras da cultura, que são dotados culturalmente de
significados para uso dos indivíduos, e através destes, os indivíduos influenciarem o meio
(cultura). Para Vygotsky, a criança antes de controlar o próprio comportamento, controla o
ambiente através do uso dos instrumentos. Isto produz novas relações com o meio, e uma
nova organização do comportamento.
Vygotsky (1996) define os instrumentos como sendo ferramentas de dois tipos:
físicos: ou apenas instrumentos. Sua função é servir como condutor da
influência humana sobre o objeto. É externo e orientado externamente
(mudanças nos objetos e não no homem, por exemplo, um arado). O
instrumento constitui um meio pelo qual a atividade humana externa é dirigida
para o controle e domínio da natureza. Lembrar que pela dialética ao mudar a
natureza o homem está se mudando.
simbólicos: ou também chamado de signos. Os Signos são estímulos artificiais
ou naturais dotados de significado, que constituem atividades mediadas. São
instrumentos psicológicos que tem por função afetar o comportamento
humano, e não modificar o objeto da operação psicológica, devido a que são
mediadores da atividade interna dirigida para o controle do próprio indivíduo.
A diferença entre instrumento e signo reside nas diferentes maneiras com que eles
orientam o comportamento humano. A função do instrumento é servir como condutor da
84
influência humana sobre o objeto da atividade, isto é, é orientado externamente. Por outro
lado, o signo é dirigido internamente, não modifica o objeto da operação psicológica, constitui
um meio da atividade interna para o controle do próprio indivíduo.
Na obra Historia del desarrollo de las funciones psíquicas superiores Vygotsky
(1987) estudou detalhadamente, a estrutura e a gênese das funções psicológicas superiores,
desenvolvendo para isso um método de investigação e análise. Definiu as funções
psicológicas superiores pela inter-relação com as funções psicológicas inferiores, mas sendo
genética, estrutural e funcionalmente diferentes. As funções psicológicas superiores não
resultam natural e espontaneamente das funções psicológicas inferiores, elas têm propriedades
e qualidades particulares específicas. A especificidade das funções psicológicas superiores é
que são mediadas. Caracteriza-se por serem operações indiretas, que necessitam da presença
de um signo mediador, sendo a linguagem o signo principal.
Todas as funções psicológicas superiores originam-se das relações reais entre
indivíduos humanos, com isso não são inventadas, nem aparecem de forma repentina e não
são funções a priori, ou seja, não existem independentemente das experiências. São funções
que apresentam uma natureza histórica e são de origem sócio-cultural, são mediadas.
Para compreender a relação entre as funções psicológica superiores e funções
psicológicas inferiores (ou elementares), Vygotsky utilizou uma expressão da dialética
hegeliana, a noção de superação. Hegel afirma o duplo significado da expressão alemã
superar, que quer dizer eliminar, negar e também conservar. Desta forma, as funções
psicológicas inferiores não são liquidadas no sentido de deixar de existir, mas sim incluídas,
são transformadas e conservadas nas funções psicológicas superiores, como uma dimensão
oculta. O nível inferior não acaba quando aparece o novo, mas é superado por este, é negado
dialeticamente pelo novo, passando a existir no novo. Vygotsky (1987) define dois tipos de
funções psicológicas:
1. As Funções Elementares (ou inferiores) que são total e diretamente
determinadas pela estimulação ambiental estão reguladas por processos
biológicos.
2. As Funções Psicológicas Superiores, que são o resultado da estimulação
autogerada (criação e uso de estímulos artificiais, ou seja, signos), dentro de
um contexto sócio-cultural.
As Funções Psicológicas Superiores (FPS) possuem quatro características que as
diferenciam das funções elementares, elas são:
constituídas no contexto social;
85
voluntárias, ao regularem a ação através de um controle voluntário;
intencionais, ou seja reguladas conscientemente, mesmo que automatizadas
(quando o desenvolvimento se deu num momento histórico muito afastado, a
função automatizou-se ou como Vygotsky afirma fossilizou-se confundindo o
pesquisador com funções automáticas como as funções elementares) ;
mediatizadas pelo uso de instrumentos (signos). Como o próprio Vygotsky
(1998) coloca que o uso de signos conduz os seres humanos a uma estrutura
específica de comportamento em que se destaca do desenvolvimento biológico
e cria novas formas de processo psicológicos enraizados na cultura.
O processo simples estímulo-resposta (S-R) é substituído por um ato complexo,
mediado por um estímulo auxiliar (X).
S ----------------------- R
X
Na dinâmica das funções psicológicas superiores não há predomínio exclusivo de uma
função, todas estão inter-relacionadas, no entanto, em determinados momentos, uma função
emerge mais fortemente, estabelecendo uma hierarquia entre as funções. Mas essa hierarquia
é circunstancial.
Para Vygotsky (1998), a percepção humana é a razão entre objeto/significado, assim
toda percepção humana é feita de percepções generalizadas e não isoladas. Nessa relação, o
objeto é dominante para a criança, enquanto o significado o é para o adulto. Assim, quando os
adultos fazem uso consciente dos signos, qualquer signo pode ser usado para representar um
significado determinado. É importante destacar que segundo Vygotsky (1998), percepção não
é apenas cor e forma, mas sentido e significado, sendo que toda percepção consiste em
percepções categorizadas ao invés de isoladas. A percepção é parte de um sistema dinâmico
de comportamento.
O sentimento, o pensamento e a vontade estão relacionados assim como todas as
funções psicológicas, ou seja, não existe uma função isolada, nem um pensamento puro e nem
um afeto sem alteração, mas sim interconexão funcional permanente na consciência, nas quais
os sentimentos quando conscientes são atravessados pelos pensamentos, e os pensamentos são
permeados pelos sentimentos, sendo que esses acontecem a partir dos e nos processos
volitivos. A função psicológica que potencializa as demais é à vontade.
86
A ênfase em uma ou outra função psicológica é orientada pela vontade, que se
constitui na atividade psicológica construtiva, no mecanismo de potencialização e de
realização da condição do ser humano; o mecanismo de partida e de execução, à vontade, é o
produto de relações sociais (VYGOSTKY, 1987).
Todo o processo psicológico é volitivo, sendo que a vontade é inicialmente social,
interpsicológica e posteriormente intrapsicológica. Nesta perspectiva o que determina o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores não é fundamentalmente a mudança
biológica - a evolução biológica das espécies animais -, mas primordialmente a utilização dos
instrumentos. Na ontogênese a questão essencial é os instrumentos, pois eles fazem a
mediação social.
É importante sinalizar que Vygotsky ressaltou o papel ativo do homem e da cultura: o
homem constitui cultura ao mesmo tempo em que é por ela constituído, entretanto, o
desenvolvimento cultural humano encontra sustentação nos processos biológicos, no
crescimento e na maturação orgânica, formando um processo complexo, em que o biológico e
o cultural constituem-se mutuamente no desenvolvimento humano.
Vygotsky trabalhou com o pressuposto de que o desenvolvimento biológico e o
desenvolvimento cultural formam uma unidade, na qual o processo de desenvolvimento
psicológico é determinado tanto pelo nível de desenvolvimento orgânico - biológico - quanto
pelo nível de utilização de instrumentos e signos - cultural.
Neste sentido, o sentimento, o pensamento e a vontade que formam a tríplice natureza
social da consciência são historicamente constituídos no contexto ideológico, psicológico e
cultural considerando o biologicamente constituído. No processo de constituição do sujeito, as
atividades humanas são operacionalizadas ao longo do desenvolvimento humano pelos signos,
que são meios de comunicações e meios de conexões das funções psicológicas superiores,
presentes em todo o processo de constituição do sujeito.
Neste processo, o sujeito controla a sua conduta através da linguagem que são signos
submetidos às normas sociais e às regras convencionais e não a linguagem baseada no
domínio arbitrário e autônomo do signo. As funções psicológicas superiores são mediadas,
isto é, nascem e vivem através da mediação dos instrumentos psicológicos, dos signos, sendo
assim, é "quase social". A conversão é o processo de constituição do sujeito no campo da
intersubjetividade.
Compreendido na totalidade da teoria vygotskiana, tal processo denota o movimento
de transformação, no qual o transformado passa a ser algo diferente sem excluir o que foi, e
esse movimento na sua gênese parte do social para o sujeito.
87
A complexidade das dimensões intrapsicológicas e interpsicológicas traduzida no
movimento, na transformação, na conversão e na reconstituição constante não possibilita
estabelecer relações dicotômicas e indiferenciadas entre o interno e o externo, mesmo porque
fazem parte de uma relação dialética que os diferencia e os aproxima.
4.5.1 A Consciência como Estruturação dos Sistemas Psicológicos
O conceito fundamental na teoria vygotskiana é o conceito de mediação. Vygotsky
(1996) expressou isso claramente no texto “O problema da consciência”: o fato central de
nossa psicologia é o fato da ação mediada, afirmando que o fato central da ciência psicológica
é o fato da mediação, desvelou que o objeto da Psicologia e da Psicologia Social era o
fenômeno psicológico, mas este existe pelas mediações, isto é, o fenômeno psicológico é
mediado e não imediato.
A mediação como pressuposto da relação Eu-Outro, da intersubjetividade, é a grande
contribuição de Vygotsky e caracteriza sua importância na perspectiva sócio-histórica. É um
pressuposto que se objetiva no conceito de conversão, superação, relação constitutiva Eu-
Outro, intersubjetividade, subjetividade, etc. A mediação é processo, não é o ato em que
alguma coisa se interpõe; mediação não está entre dois termos que estabelece uma relação. É
a própria relação.
A mediação pelos signos, as diferentes formas de semiotização, possibilita e sustenta a
relação social, pois é um processo de significação que permite a comunicação entre as pessoas
e a passagem da totalidade à partes e vice-versa. A mediação não é a presença física do outro,
não é a corporeidade do outro que estabelece a relação mediatizada, mas ela ocorre através
dos signos, da palavra, da semiótica, dos instrumentos de mediação. A presença corpórea do
outro não garante a mediação.
Entretanto, este autor reconheceu que durante certo período de tempo na sua produção
teórica considerou o signo apenas como estímulo auxiliar e como veículo para o controle do
comportamento, não priorizando o significado. uma superação no pensamento de
Vygotsky, qual seja do signo como instrumento auxiliar (algo que está no lugar de outro
algo), do signo como veículo (alguma coisa vazia que pode veicular alguma coisa), isto é, da
visão instrumentalista da palavra à visão discursiva da linguagem, ao significado e sentido das
palavras, à palavra como microcosmo da consciência.
Vygotsky conformou sua teoria dentro do campo da significação, somente nos últimos
trabalhos, principalmente na obra “Pensamento e linguagem” (1998). A consciência continua
88
sendo entendida como um sistema de integração dos diferentes sistemas psicológicos, mas
descentralizou a consciência das funções e das transformações das funções, priorizando as
alterações das interconexões e das infinitas possibilidades de conexões e de manifestação das
mesmas, ou seja, está além dos nexos das funções entre si, realiza e expressa as conexões dos
sistemas entre si.
Na dinâmica da consciência acontece um novo modo de operar da consciência, no
qual tanto os sistemas psicológicos quanto à consciência se modificam mutuamente.
Vygotsky (1996) complexificou a dimensão da consciência, na qual se encontra o psicológico
consciente e o psicológico inconsciente, ambas operacionalizadas pelas mediações semióticas,
na relação dialética da dimensão interpsicológica e da dimensão intrapsicológica no campo da
intersubjetividade e da intersubjetividade anônima.
Na relação entre o pensamento e a palavra, o significado faz o elo entre os dois,
vida aos dois por meio de um processo permanente de transformações, no qual um depende
do outro. Vygotsky (1996), indagando sobre o papel do significado na vida da consciência,
afirmou que conhecer o significado implicava conhecer o singular como universal. Com isso,
o significado da palavra é diferente do pensamento expresso na palavra e é diferente do
significado do objeto. Neste sentido, o sujeito estabelece a relação pela significação, que
esta transita nas diferentes dimensões do sujeito: ela atravessa o pensar, o falar, o sentir, o
criar, o desejar, o agir, etc.
A significação se constitui em termos de sujeitos e não em termos de significante e
referente, é um processo que tem como suporte o signo como materialidade e visibilidade.
Mas na significação a relação acontece entre sujeitos, sujeitos em intersubjetividade
pelas mediações semióticas em um mundo dos sujeitos, sujeitos não individuais e nem
abstratos, mas sujeitos constituídos histórica e socialmente.
No processo de significação encontra-se uma dupla referência semântica: o significado
e o sentido. O significado aparece como sendo próprio do signo, enquanto que o sentido é
produto e resultado do significado, porém não é fixado pelo signo sendo mais amplo que o
significado. O sentido predomina sobre o significado, pois é um todo complexo que apresenta
diversas zonas de estabilidade desiguais, nas quais a mais estável é o significado.
O significado de uma palavra é convencional e dicionarizado, portanto é mais estável
e preciso, enquanto que o sentido de uma palavra pode ser modificado de acordo com o
contexto em que aparecem, conseqüentemente, diferentes contextos apresentam diferentes
sentidos para uma palavra, o sentido não é pessoal enquanto individual, mas é constituído na
dinâmica dialógica.
89
O sentido de uma palavra modifica-se tanto dependendo das situações e das pessoas
que o atribuem que é considerado quase ilimitado. Desta maneira, as palavras e os sentidos
apresentam um grau elevado de independência entre si, fato que não ocorre entre palavra e
significado.
Embora o significado seja próprio do signo ele não se confunde com o significante,
são constituições diferenciadas. O significado não se restringe ao objeto, nem ao signo, nem à
palavra e nem ao pensamento, mas o significado pertence à consciência; não é ele que
determina a configuração da consciência e nem o sentido, mas a presença do significado e do
sentido impulsiona novas conexões e novas atividades da consciência, em uma dimensão
semiótica.
A consciência é um sistema integrado em uma processualidade permanente, em que
todos os diferentes componentes alteram sua composição ao mesmo tempo em que ela
também determina a estrutura do significado e a atividade formativa do sentido,
administrando sua dimensão semântica e, primordialmente, entra em contato com outras
consciências. Na discussão da significação o significado é o aspecto que torna possível a
relação social, e são significados produzidos nas relações sociais, em determinadas condições
históricas. Vygotsky (1996) colocou a questão da tensão permanente, na qual a consciência
era, ao mesmo tempo, tensionada pelos produtos históricos universais e pelas singularidades
dos sujeitos.
O sujeito é constituído pelas significações culturais, porém a significação é a própria
ação, ela não existe em si, mas a partir do momento em que os sujeitos entram em relação e
passam a significar, ou seja, existe significação quando significa para o sujeito e o sujeito
penetra no mundo das significações quando é reconhecido pelo outro. A relação do sujeito
com o outro sujeito é mediada. Dois sujeitos entram em relação por um terceiro elemento,
que é o elemento semiótico. E mais, a relação social não é composta apenas de dois
elementos, a relação social é uma relação dialética entre eu e o outro, ou seja, toda relação
implica o terceiro - tríade. O elemento semiótico que é constituinte e constituído da relação é,
portanto, mediação.
O eu não é sujeito, é constituído sujeito em uma relação constitutiva Eu-Outro no
próprio sujeito, essa relação é imprescindível para a constituição do sujeito, que para se
constituir precisa ser o outro de si mesmo. É necessário o reconhecimento do outro enquanto
eu, alheio nas relações sociais, e o reconhecimento do outro enquanto eu próprio, na
conversão das relações interpsicológicas em relações intrapsicológicas, mas nesta conversão,
que não é mera reprodução mas reconstituição de todo o processo envolvido, o
90
reconhecimento do eu alheio e do eu próprio e, também, o conhecimento enquanto
autoconhecimento e o conhecimento do outro enquanto diferente de mim. Porém, o
conhecimento não é só reconhecimento, o ato de conhecer pressupõe a experiência e a
imaginação, o mundo do imaginário e do possível diferente do mundo real, mas que está
estreitamente relacionado com a realidade social.
O sujeito constituído pelas conexões, relações interfuncionais, interconexões
funcionais que acontecem na consciência e que conferem as diferenças entre os sujeitos. Não
é a presença das funções psicológica superior que determinam à especificidade do sujeito,
mas a interconexões que se realizam na consciência pelas mediações semióticas que
manifestam diferentes dimensões do sujeito, entre elas: a afetividade, o inconsciente, a
cognição, o semiótico, o simbólico, a vontade, a estética, a imaginação, e etc.
O sujeito constituído e constituinte nas e pelas relações sociais, é o sujeito que se
relaciona na e pela linguagem no campo das intersubjetividades. O sujeito é uma unidade
múltipla, que se realiza na relação Eu-Outro, sendo constituído e constituinte do processo
sócio-histórico e a subjetividade é a interface desse processo. Nesta perspectiva, a
subjetividade não pode ser confundida nem com os processos intrapsicológicos nem com os
processos interpsicológicos, mas é através dela e nela que se processa a dialética da relação
interpsicológica e intrapsicológica.
A premissa vygotskiana é, a possibilidade humana do movimento, da transformação e,
seu vir-a-ser vai depender das alternativas históricas que foram sendo escolhidas e construídas
no processo real da vida. Relações estas sempre mediatizadas onde, os mediadores possuem
um papel central na escolha das alternativas que possibilita seu eu tornar-se outro,
qualitativamente superior. A apreensão dos problemas reais que se propôs estudar, tanto
teórico como práticos sempre foram aprendidos em sua processualidade, não apenas no
sentido de entender o que é e o que foi, mas, para extrair deste movimento histórico às
condições reais para mediatizar o desenvolvimento real dos indivíduos sociais.
Segundo Marx (2000) um ato histórico é um ato consciente e por ser consciente é um
ato humano que, sendo um ato consciente tende a superação, tendo em vista que é neste atuar
que o homem como ser genérico deve confirmar-se tanto em seu ser como em seu saber. É na
Práxis que o ser humano deve demonstrar a verdade, o saber, a efetividade e o poder, a
criterioridade de seu pensamento. A disputa sobre a efetividade ou não efetividade do
pensamento isolado da Práxis – é uma questão puramente escolástica.
São esses pressupostos filosóficos que orientaram Vygotsky (1996) em todos os
momentos de seu enfrentamento teórico-prático dos problemas a serem resolvidos. O caráter
91
processual e histórico dos fenômenos será o orientador da opção metodológica de todo o
trabalho de Liev Seminovich Vygotsky. Não é a identidade, nem a dicotomia, mas a
unitariedade da concretude do real o fundamento básico vygotskiano para o estabelecimento
metodológico ao estudo do fenômeno humano na sua condição específica de ser social.
Observa-se a manifestação das categorias sempre apreendidas em pares, como exemplos,
pensamento e linguagem, conhecimento cotidiano e conhecimento científico, funções
psicológicas elementares (ou inferiores) e funções psicológicas superiores, aprendizado e
desenvolvimento e sociedade e indivíduo.
A unitariedade e a processualidade com que estão relacionadas estas categorias, e a
centralidade do trabalho no estudo de Vygotsky da nese e o desenvolvimento do ser
humano e o seu tornar-se através da prática social leva-nos a entendê-lo no plano da ontologia
histórico-materialista. A dinamicidade do ser social no real concreto, no cotidiano,
mediatizando sua práxis pelo trabalho, pela linguagem, e pelo saber, são também, elementos
fundantes de sua ontologia e determinante de seu método. Para Vygotsky (1996) estudar algo
historicamente significa estudá-lo em seu processo de mudança, sendo isso, a exigência
fundamental do método dialético.
Segundo Vygotsky (1996), o domínio da natureza e o domínio da conduta estão
reciprocamente relacionados. Assim, a transformação da natureza pelo homem implica
também a transformação de sua própria natureza, isto é, a humanidade ao agir sobre a
natureza vai criar através das transformações nela efetuada, novas condições de existência.
É através do trabalho e dos instrumentos de trabalho que a humanidade vai produzir
suas mediações com o mundo material natural sendo que essa intervenção ativa quando posta
ao seu domínio produz novas formas de conduta e conseqüentemente novas formas de ser.
Neste contexto de reflexão Vygotsky vai afirmar que, enquanto o trabalho vai mediar as
trocas materiais do seres humanos com a natureza e pela ação dialética produz modificação
em ambos, o signo enquanto estímulos artificiais, produzidos pelo ser humano, vão
possibilitar as mediações sociais entre os seres humanos no interior de uma determinada
formação social.
O trabalho medeia às trocas materiais e produz modificações nos sujeitos que
trabalham, o signo vai ser utilizado como um princípio regulador da conduta humana
produzindo, também, novas significações, a partir, é claro das relações concretas de homens e
mulheres no contexto de uma sociedade determinada. No dizer de Vygotsky (1998) um
homem influencia outro através da linguagem. Quer dizer, no plano das relações sociais e
humanas, a linguagem torna-se responsável pela mediação social de comunicação e interação.
92
O trabalho e a linguagem, enquanto atividades mediadoras são determinantes para a
transformação ativa da natureza humana constituindo-se, segundo o autor, a base real de toda
a história humana. Parafraseando Marx, diríamos que quanto mais intensa e ativa as relações
humanas e quanto mais complexo o conjunto dos mediadores destas relações, maior será a
riqueza espiritual do ser humano.
Para evidenciar em sua ontologia a centralidade dos processos mediadores, tanto no
que diz respeito ao processo de desenvolvimento do ser humano, como ao processo de
apreensão deste vir-a-ser do humano na concretude da vida real e, aqui, Vygotsky vai
desenvolver um estudo sobre as afinidades e diferenças entre as categorias ferramentas de
trabalho e a função instrumental dos signos. Ao estudar esses processos de desenvolvimento e
apropriação Vygotsky (1996) elenca três teses que afirma serem fundamentais:
Semelhança entre signos e ferramentas de trabalho;
Diferenças entre os signos e as ferramentas de trabalho;
Relação psicológica entre as duas formas de atividade.
Buscando as diferenças desses processos mediadores, uso de ferramentas e uso de
signos, Vygotsky (1997) irá salientar que as ferramentas, funções mediadoras de algum objeto
ou o meio de alguma atividade, são meios de trabalho que servem para dominar a natureza e
produzir mudanças no objeto da atividade, enquanto que o signo provoca modificação no
objeto da operação psicológica, sendo o meio que dispõe o homem, para influenciar
psicologicamente sobre sua própria conduta e a dos outros, é um meio para produzir sua
atividade interior, dirigida para o conhecimento de sua própria forma de ser.
O trabalho é a manifestação histórica que torna possível o aparecimento da razão, da
reflexão ou a consciência humana, como produto também histórico desse processo relacional.
O ser humano torna-se ser consciente exatamente pelo fato de produzir, nesta forma de práxis,
a unidade real entre os objetos de sua atividade (o realmente existente) e os motivos de sua
ação (a prévia ideação).
Quando o trabalho deixa de ser uma atividade estranha e torna-se manifestação da
consciência de quem trabalha, torna-se mediador e formativo e aquele que trabalha torna-se a
verdadeira consciência, ou seja, independente. Segundo entendemos nesta análise subjetiva da
relação senhor-escravo, em Hegel, no momento em que o escravo se apropria
conscientemente do significado social destas relações o trabalho estabelece, socialmente e
individualmente, uma nova forma de produzir, produzindo assim um novo ser social que
trabalha.
93
A linguagem tem como objetivo principal a comunicação sendo socialmente
construída e transmitida culturalmente. Portanto, o sentido da palavra instaura-se no contexto,
aparece no diálogo e altera-se historicamente produzindo formas lingüísticas e atos sociais. A
transmissão racional e intencional de experiência e pensamento a outros requer um sistema
mediador, cujo protótipo é a fala humana, oriunda da necessidade de intercâmbio durante o
trabalho. (VYGOSTKY, 1998)
na visão contemporânea a construção dos sentidos, seja pela fala, pela escrita ou
pela leitura, está diretamente relacionada às atividades discursivas e às práticas sociais as
quais os sujeitos têm acesso ao longo de seu processo histórico de socialização. As atividades
discursivas podem ser compreendidas como as ações de enunciado que representam o assunto
que é objeto da interlocução e orientam a interação.
Nessa perspectiva, a evolução histórica da linguagem, a própria estrutura do
significado e a sua natureza psicológica mudam de acordo com o contexto vivido. A partir das
generalizações primitivas, o pensamento verbal eleva-se ao nível dos conceitos mais abstratos.
Não é simplesmente o conteúdo de uma palavra que se altera, mas o modo pelo qual a
realidade é generalizada em uma palavra. O significado dicionarizado de uma palavra nada
mais é do que uma pedra no edifício do sentido; não passa de uma potencialidade que realiza
de formas diversas na fala. (VYGOSTKY, 1998).

Aponta para a importância da linguagem como instrumento de pensamento,
afirmando que a função planejadora da fala, introduz mudanças qualitativas na forma de
cognição da criança, reestruturando diversas funções psicológicas, como a memória, a atenção
voluntária, a formação de conceitos, etc. Para ele, a linguagem age decisivamente na estrutura
do pensamento, e é ferramenta básica para a construção de conhecimentos. A linguagem, em
seu sentido amplo, é considerada por este autor como um instrumento, pois ela atuaria para
modificar o desenvolvimento e a estrutura das funções psicológica superiores, tanto quanto os
instrumentos criados pelos homens modificam as formas humanas de vida. Afirma que, num
primeiro momento, o conhecimento se constrói de forma intersubjetiva (entre pessoas) e num
segundo momento, de forma intra-subjetiva (no interior do sujeito).
4.6 Teoria da Atividade
A teoria da atividade pode ser utilizada em qualquer campo de atuação humana, tanto
com o objetivo de fornecer uma compreensão abrangente de suas relações internas, como,
94
principalmente, oferecer subsídios para intervenção voltada à construção de novas
ferramentas e formas de atividade.
Segundo a Teoria da Atividade uma atividade é uma forma de agir de um sujeito
direcionado para um objeto. No nível individual, uma atividade possui três elementos sujeito,
objeto e ferramenta de mediação. O sujeito é o agente que atua sobre o objeto da atividade. O
objeto é o elemento para o qual as ações da atividade estarão direcionadas, um objeto pode ser
algo material, ou algo menos tangível, como um plano ou uma idéia qualquer. O
relacionamento recíproco entre o sujeito e o objeto é sempre mediado por uma ou mais
ferramentas (também chamadas de artefatos de mediação), que podem ser instrumentos,
signos, procedimentos, métodos, leis, formas de organização de trabalho, etc...
Segue o esquema proposto por Vygotsky (apud Daniels, 2003):
ARTEFATO
SUJEITO OBJETO
Representação gráfica do esquema cognitivo proposto por Vygotsky
Leontiev (apud Daniels, 2001), argumentou que considerar somente a ação individual
mediada por ferramentas é insuficiente. Para ele, a unidade de análise fundamental deveria ser
a ação coletiva, orientada a um objeto. Segundo o autor, o objeto da atividade é seu motivo
verdadeiro. Neste caso, o sujeito do objeto pode ser entendido de modo coletivo, pois todas as
ações se voltam para a consecução do objeto maior.
Meios mediacionais (ferramentas)
Grupos, Indivíduo
Sujeito(s)
Representação gráfica da proposta de Leontiev
Objeto/Motivo?
Resultado(s)
95
De acordo com Leontiev (apud Daniels, 2001), existem três níveis de análise para a
teoria da atividade humana: atividade, ões e operações. A atividade está diretamente
associada à motivação, que surge na tentativa de se alcançar determinado desejo, que está
necessariamente ligado ao mundo objetivo. Seguindo esta motivação, o indivíduo precisa
realizar ações, que seriam planejamentos conscientes, que permitiriam o sujeito satisfazer o
seu desejo. Estas ações estão relacionadas a objetivos/metas. Uma vez definidos os
objetivos/metas conscientes, as condições externas vão determinar o conjunto de “passos” que
deverão ser realizados no sentido de atingir o que foi proposto. Estes passos são as operações.
Assim, podemos dizer que, uma ação é constituída de uma ou várias operações, do mesmo
modo que uma atividade pode estar associada a várias ações diferentes, ou ainda, que uma
ação pode ser útil a diferentes atividades.
Atividade - Motivo
Ação - Meta
Operação - Condições
Níveis hierárquicos de Leontiev da atividade
4.6.1 Teoria da Atividade de Engeström
Engeström (1987) desenvolveu a linha de pensamento iniciada por Vygotsky e
Leontiev, buscando articular as relações sociais fundamentais à análise da atividade. Embora
a representação do relacionamento mediado entre sujeito (s) e objeto seja útil, esta estrutura
era simples para representar as considerações de relações sistêmicas entre sujeito(s) e o seu
ambiente, uma vez que estas relações são encontradas em muitas atividades. Assim, um novo
elemento foi adicionado: a comunidade (formada por todos os sujeitos que compartilham um
mesmo objeto).
Quando se introduz o conceito comunidade novas formas de mediação aparecem
(além daquelas possibilitadas pelas ferramentas), estas novas formas de mediação são
ATIVIDADE
AÇÕES
OPERAÇÕES
96
denominadas regras (enquanto umas formas mediação entre sujeito e comunidade, são normas
implícitas ou explícitas estabelecidas por convenção e relações sociais dentro de uma
comunidade) e divisão de trabalho (enquanto forma de mediação entre comunidade e objeto,
se refere a forma de organização de uma comunidade, relacionada ao processo de
transformação de um objeto para um resultado).
Todas as formas de mediação (ferramentas, regras e divisão de trabalho) possuem um
desenvolvimento histórico próprio, com características particulares relacionadas ao contexto
em que foram desenvolvidas.
Produção
Ferramenta
Sujeito
Indivíduo/grupo
Regras
Comunidade
Divisão do Trabalho
Tarefas/hierarquias
Objeto
Resultado
Consumo
Troca
Distribuição
Instrumentos e signos mediadores
Representação gráfica da Atividade de Engestöm
Engeström (1999) resume os fundamentos desta linha teórica:
Princípios
Características
primeiro A unidade de análise do sistema de atividade deve ser sempre
considerada de modo integral, isto é, as ações farão sentido se forem
levados em conta suas interações com outros pólos do sistema.
segundo Multivocalidade dos sistemas de atividade. Um sistema de
atividade é sempre uma comunidade de pontos de vista, tradições e
interesses. A divisão de trabalho numa atividade cria posições diferentes
para os participantes; os participantes carregam suas próprias histórias
distintas, e o sistema de atividade possui, ele mesmo, múltiplas camadas e
filamentos de histórias gravadas em seus artefatos, regras e convenções.
97
terceiro O terceiro princípio é a historicidade. Os sistemas de atividade
assumem formas e são transformados em longos períodos de tempo. Seus
problemas e potenciais podem ser compreendidos com base em sua
própria história.
quarto O quarto princípio é o papel central das contradições como fontes
de mudanças e desenvolvimento. As contradições não equivalem a
problemas ou conflitos. São tensões estruturais historicamente
acumulativas nos sistemas de atividade e entre eles. Essas contradições
geram perturbações e conflitos, mas também renovam as tentativas de
mudar a atividade.
quinto O quinto princípio proclama a possibilidade de transformações
expansivas nos sistemas de atividade. Os sistemas de atividade atravessam
ciclos relativamente longos de transformações qualitativas. A medida que
as contradições de um sistema de atividade são agravadas, alguns
participantes individuais começam a questionar e se afastar de suas
normas estabelecidas. Um ciclo total de transformação expansiva pode ser
compreendido como uma Jornada Coletiva pela Zona de
Desenvolvimento Proximal de atividade.
Fonte: Engeströn, 1999
De acordo com o quarto dos princípios elencados por Engeström (1999) para definir e
delimitar a teoria da atividade, o papel das contradições como fonte de desenvolvimento e de
mudanças nos sistemas de atividade é central. Ele deixa claro que as contradições não são
sinônimas de problemas ou conflitos, mas sim de tensões estruturais historicamente
acumulativas nos sistemas de atividade e entre eles.
É somente por meio da fricção das unidades constituintes dos sistemas de atividades
representados pelas contradições neles presentes, que o sistema adquire e acumula energia
capaz de ensejar mudanças, de provocar o desenvolvimento do sistema. Quando essa energia
se esgota, devido à excessiva rigidez de um dos vértices ou por pura inércia, isso pode ser
prenúncio do esgotamento do sistema, levando a entropia.
Para Engeström (1987), as contradições não são apenas características inevitáveis da
atividade. Para ele, novos estágios qualitativos e formas de atividade emergem como soluções
das contradições do estágio precedente daquela forma.
Engeström (1987) encara sob outra ótica o próprio conceito de Zona de
Desenvolvimento Proximal, proposto por Vygotsky como a distância entre o nível de
98
desenvolvimento real, na qual é possível a solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob orientação de
um adulto ou em colaboração com os companheiros mais capazes. VYGOTSKY (1989).
A versão de Engeström (1987) destaca a natureza social dos processos culturais e a
importância do conflito nas transformações históricas da atividade. Ele define a Zona de
Desenvolvimento Proximal como a distância entre as ações cotidianas dos indivíduos e a
forma historicamente nova da atividade social que pode ser historicamente gerada.
Na ótica da teoria da atividade, a zona de desenvolvimento proximal pode ser
compreendida como o potencial de transformação expansiva possibilitada pelo conflito que
fatalmente acaba por reorganizar a atividade (que sempre está em constante mudança) dada
sua natureza histórica.
Aprofundando sua análise das contradições como motores da mudança, Engeström
(1987) propõem sua categorização em quatro instâncias.
Contradições primárias: dando seguimento ao diagnóstico marxista, considera básica
a contradição primária entre valor de troca e valor de uso, que permeia todos os sistemas de
atividade que se desenvolvem dentro do sistema maior do capitalismo. Essa contradição se
origina da contradição fundamental de qualquer atividade humana, quando se considera a
natureza intrinsecamente social do ser humano a relação da produção individual do homem
com a produção total de sociedade, regida pelas normas de divisão do trabalho, tal como
estabelecidas pela comunidade em questão. Em suma, devemos considerar a contradição
primária, compreendida como a exclusão mútua e a simultânea dependência do valor de uso e
do valor de troca em cada commodity (Engeström, 1987), como fonte de mudanças,
característica de todos os vértices da atividade.
Contradições secundárias: são aquelas que se manifestam entre os vértices do
sistema de atividade. Nesses casos, uma perturbação entre os pólos do sistema ameaça
interromper a atividade, alterando a trajetória de ações esperadas.
Contradições terciárias: dá-se quando uma forma culturalmente mais avançada da
atividade central, reconhecida por seu objeto e por seu motivo, é proposta por membros da
comunidade ou pelo sujeito.
Contradições quaternárias: acontecem entre a atividade central e as “atividades
vizinhas” a ela. Podendo esses relacionamentos serem da seguinte maneira:
a) atividades-objeto: as atividades nas quais os objetos imediatamente aparentes e os
resultados da atividade central estão entrelaçadas;
99
b) atividades produtoras de instrumentos: produzem instrumentos (artefatos)
essenciais à atividade central, mormente representada pela ciência e pela arte;
c) atividades produtoras de sujeitos: abrangem atividades como educação e
escolarização dos sujeitos da atividade central;
d) atividades produtoras de regras: atividades como administração e legislação, que
fornecem regras responsáveis pela regulação da atividade central.
Esquematicamente, pode-se representar do seguinte modo às contradições do sistema
de atividade (Engeström, 1987):
Representação gráfica das contradições do sistema de atividade – Engeströn, 1987
100
4.7 O Caminho da Intervenção Pedagógica
Nos discursos oficiais e não oficiais a Estratégia Saúde da Família tem como
pressuposto operacional duas perspectivas: a primeira diz respeito à intervenção externa, a
partir da apropriação do território, da orientação por problemas e de atividades intersetoriais; a
segunda, de natureza interna ao processo de trabalho, exige o trabalho em equipe
(cooperativo), a construção de vínculos entre usuários e profissionais e a co-responsabilidade
sanitária, possibilitando a construção de um modelo mais racionalizador, ético e humanizado.
Estratégia proposta como capaz de mudanças no atual modelo de atenção, centrado no
modelo biomédico, tendo por finalidade a produção da cura, orientada pela fragmentação dos
procedimentos, a tecnificação da assistência e a mecanização dos atos. Enfim, faz-se
necessário à incorporação de tecnologias "leves" ao "novo" processo de trabalho, apostando
no diagnóstico sensível à subjetividade, às relações de afeto, aos códigos familiares
subliminares, ao acolhimento, ao vínculo e à responsabilização, ampliando a pauta técnica
para a pauta ética, baseada em solidariedade, humanização e cidadania.
Merhy (1997a) demonstra que modelo liberal-privatista de atendimento vigente na
saúde pública é responsável pela construção de uma determinada postura dos trabalhadores de
saúde, capitaneada pelo estilo médico-centrado, que procura tratar o usuário, ou qualquer
outro inclusive os próprios trabalhadores entre si de uma maneira impessoal, objetivizante
e descompromissada. Existindo um processo de objetivização do usuário, reduzindo este a um
corpo com “problemas identificáveis exclusivamente pelos saberes estruturados que presidem
a relação”, além do processo de alienação (ou “fetichização”) do trabalhador da saúde, que se
torna mero depositário do saber que o comanda.
Esta diferenciação entre o discurso oficial e a prática observada, talvez possa ser
explicada pelo seguinte: que os processos de cognição, no nível do indivíduo, e de
comunicação, no nível organizacional, acabam refletindo certa “patologia” e colocando em
risco a própria identidade do sistema. Esses enunciados são percebidos e reconstruídos, por
fruto da experiência, em oposição a estes enunciados, nobres, mas inócuos, emanados dos
centros de comunicação organizacional, como os apelos à colaboração, à solidariedade, à
integração, à boa-vontade.
No campo das interações entre o sistema organização e o sistema indivíduo, esses
enunciados acabam ficando nas fronteiras dos sistemas, tal qual dissonâncias cognitivas,
rejeitadas em nome da identidade e da auto-referencialidade.
101
Como a construção de sentido em um ambiente de mudança no processo de trabalho,
se em novas bases, no campo da fronteira de relacionamento sistema/ambiente e
sistema/sistema, a construção de sentido é influenciada pela própria auto-referencialidade e
em interação, com as informações emanadas pelo ambiente e aparece como uma seleção,
resultante de cognição, na busca de reduzir a complexidade. É um processo circular,
dialógico, que se dá, quase sempre, à margem das redes oficiais de comunicação.
Por isso, não é possível afirmar que essas mudanças geram reações negativas, uma
vez que foi possível perceber, nesse processo cognitivo de percepção, interpretação e seleção,
que alguns mecanismos e comportamentos podem emergir, como a adaptação evolutiva, o
distanciamento irônico, a libertação criativa e até mesmo a anulação ou a eliminação,
dependendo da estrutura do sistema em determinado momento.
A partir da autopoiese, via determinismo estrutural, é possível identificar o recurso à
auto-referencialidade e à identidade como reação às mudanças. Mas essa mesma autopoiese
que rejeita, também cria, também constrói, também viabiliza a construção de sentidos a partir
de diálogos e de enunciações nos sistemas e para os sistemas.
Segundo a tese de Luhmann (1992), de que os sistemas sociais são constituídos de
redes autopoiéticas de comunicação, amplia muitas as opções de análise no campo da
comunicação organizacional, por exemplo, ao libertar a comunicação de seu caráter utilitário e
instrumental. Sendo a educação uma forma de comunicação, quando utilizada no nível
organizacional, está também sujeita as mesmas condições.
Assim conceito de autopoiese - desde Maturana, Varela e de Luhmann - pode
contribuir para a compreensão dos processos de construção de sentido e de identidade, não
nos sistemas vivos e psíquicos, mas também nos sistemas sociais e organizacionais.
Segundo Franco (2001), desenvolvimento organizacional mesmo ocorrerá quando
surgirem novos e múltiplos laços de realimentação de reforço. Por exemplo, quando mais
Capital Humano gerar mais Capital Social, que gera mais Capital Humano, etc. Quando isso
ocorrer, o sistema adquirirá vida própria e “rodará”, por assim dizer, sózinho, percorrendo
círculos virtuosos daquilo que chamamos de desenvolvimento humano e social sustentável.
O autor afirma que um ambiente interno favorável ao desenvolvimento da organização
é função do seu Capital Humano e do seu Capital Social. No que tange ao Capital Humano, o
principal fator é o Empreendedorismo. No que tange ao Capital Social, temos três fatores,
intimamente relacionados entre si: a Cooperação, a Rede e a Democracia.
Pode-se dizer a mesma coisa de outra maneira: um ambiente interno favorável ao
desenvolvimento da organização depende da existência de uma cultura empreendedora, de
102
uma cultura de cooperatividade sistêmica, de uma cultura de rede e de uma cultura
democratizante dentro da organização; ou seja: de uma cultura de desenvolvimento.
É importante destacar que segundo Vygotsky (1997), percepção não é apenas cor e
forma, mas sentido e significado, assim toda percepção consiste em percepções categorizadas
ao invés de isoladas, sendo parte de um sistema dinâmico de comportamento.
O sentimento, o pensamento e a vontade estão relacionados assim como todas as
funções psicológicas, ou seja, não existe uma função isolada, nem um pensamento puro e nem
um afeto sem alteração mas sim interconexão funcional permanente na consciência, nas quais
os sentimentos quando conscientes são atravessados pelos pensamentos, e os pensamentos são
permeados pelos sentimentos, sendo que esses acontecem a partir dos e nos processos
volitivos. A função psicológica que potencializa as demais é a vontade.
A ênfase em uma ou outra função psicológica é orientada pela vontade, que se
constitui na atividade psicológica construtiva, no mecanismo de potencialização e de
realização da condição do ser humano; "o mecanismo de partida e de execução, à vontade, é o
produto de relações sociais" (Vygotsky, 1997).
A premissa vygotskiana é a possibilidade humana do movimento, da transformação e,
seu vir-a-ser vai depender das alternativas históricas que foram sendo escolhidas e construídas
no processo real da vida. Relações estas sempre mediatizadas onde, os mediadores possuem
um papel central na escolha das alternativas que possibilita seu eu tornar-se outro,
qualitativamente superior.
Segundo Vygotsky (1998), o domínio da natureza e o domínio da conduta estão
reciprocamente relacionados. Assim, a transformação da natureza pelo homem implica
também a transformação de sua própria natureza, isto é, a humanidade ao agir sobre a
natureza vai criar através das transformações nela efetuadas novas condições de existência.
O trabalho medeia as trocas materiais e produz modificações nos sujeitos que
trabalham, o signo vai ser utilizado como um princípio regulador da conduta humana
produzindo, também, novas significações, a partir, é claro das relações concretas de homens e
mulheres no contexto de uma sociedade determinada. No dizer de Vygotsky um homem
influencia outro através da linguagem. Quer dizer, no plano das relações sociais e humanas, a
linguagem torna-se responsável pela mediação social de comunicação e interação. O trabalho
e a linguagem, enquanto atividades mediadoras são determinantes para a transformação ativa
da natureza humana constituindo-se, segundo o autor, a base real de toda a história humana.
Vygotsky (1998) irá salientar que a ferramenta se propõe a função mediadora de
algum objeto ou o meio de alguma atividade, e meios de trabalho que servem para dominar a
103
natureza e produzir mudanças no objeto da atividade, enquanto que o signo não provoca
modificação no objeto da operação psicológica e é o meio que dispõe o homem para
influenciar psicologicamente sobre sua própria conduta e a dos outros, é um meio para
produzir sua atividade interior, dirigida para o autoconhecimento .
Dentro disso voltamos a pesquisa para uma intervenção pedagógica numa equipe do
Programa Saúde da Família, temos que ter em mente que existem sistemas autopoiéticos:
Autopoiesis do sistema individuo: Se o indivíduo, através de suas observações,
introduz uma ordem no que vê, que ele, ao olhar, reconhece semelhanças, regularidades,
estabelece o que é mais ou menos importante, mais ou menos semelhante e regular, o
processo de assimilação de uma informação não está na dependência da qualidade da
assimilação - como estaria o pressuposto do processo conscientizador -, mas está relacionada,
sobretudo, ao modo como essa informação é “vista” pela dinâmica autopoiética do indivíduo.
Assim, a organização autopoiética tem como referência a sua identidade autoproduzida, isto é,
ela se realiza primeiramente pela sua capacidade de constituir significados próprios. Isto
significa que o processo autopoiético é um processo de individualização através do quais
propriedades intrínsecas da autonomia dos indivíduos não captam a informação do exterior,
mas acolhe o seu entorno como fenômeno interpretativo (Maturana e Varela, 2001).
Esta questão é fundamental porque desloca o eixo das nossas preocupações quando a
referência é a busca pela autonomia do indivíduo: nenhum organismo está interessado em
saber se o seu conhecimento corresponde ou não à verdade. Esta não é uma questão relevante
par a sua sobrevivência. Tem-se como desafio, não mais pensar na apropriação de conteúdos
reveladores de uma verdade única e universal; trata-se de colocar como pressuposto a
pluralidade de idéias, a multiplicidade de verdades construídas individual e coletivamente.
Não basta apenas ouvir a palavra do outro para entendê-la. Para a compreensão, é
necessário atentar para um movimento silencioso e autopoiético, que confere e possibilita a
emergência do sentido traduzido numa linguagem. É possível afirmar também que o
entendimento de que o processo de conhecimento tem uma dinâmica autopoiética
descaracteriza e imobiliza, tornando até mesmo inoperante, a noção de senso comum que, a
princípio, todo o conhecimento se move no interior um uma complexa teia individual
despossuída de níveis hierárquicos.
Autopoieses do sistema organizacional: Luhmann (1992), ao descrever os sistemas
sociais como sistemas autopoiéticos de comunicação, acaba separando os indivíduos, as
pessoas do ambiente e da organização, dizendo que constituem por si outros sistemas.
Nesse caso, as pessoas estariam para a organização com o ambiente, dos quais as
104
organizações ainda dependem e com os quais estabelecem constantes acoplamentos. Sua tese
afirma que, antes de formadas por pessoas, as organizações são constituídas de comunicação.
Que pode ser a comunicação entre as pessoas, mas que ganha vida própria e reforça a
autopoieses e a construção de sentido e de identidade organizacional.
As organizações como sistemas autopoiéticos são gerados e forjados em torno da
comunicação, num processo auto-referente e autoconstruído por meio das inúmeras e
complexas relações que estabelecem com o ambiente.
Em algum momento, e possível observar a presença do que Maturana e Varela
chamam de acoplamento estrutural por meio da visível incorporação de comportamentos
identidários do num jogo de mútua influência. Hoje, porém, essa visão do acoplamento imita
o mundo natural, em que uma tendência para a constituição de sistemas autopoiéticos de
nível superior, mais complexos, em que valeria o princípio da hierarquia dos sistemas. O
sistema indivíduo aparece como inferior e dependente do sistema organização, que, por sua
vez, está inserida no sistema sociedade.
Em suma, a autopoieses das pessoas estaria subordinada à da organização, que estaria
subordinada à da sociedade. Os indivíduos, ao final da escala, seriam, portanto, descartáveis, e
dificilmente atuariam sobre a dinâmica autopoiética da sociedade.
Como as novas complexidades que emanam do sistema organização afetam a vida
das pessoas (ex. na vida dos profissionais de saúde quando da introdução da Estratégia do
Programa Saúde da Família), essa situação de aumento da complexidade leva as pessoas,
como sistemas indivíduo, a se depararem com múltiplas e também complexas possibilidades
de seleção.
Algumas dessas possibilidades seletivas podem ser a submissões adaptativas, se
conscientemente a mudança não representar ameaça à identidade, além de gerar outras
estabilidades; a adoção do comportamento irônico ou cínico, que pode gerar “patologias”; a
libertação criativa, mediante o rompimento com o caráter opressivo do trabalho; e a mais
perigosa das decisões, que pode desaguar na auto-agressão, na anulação ou, mais
radicalmente, na eliminação.
Ajustar as possibilidades do Acoplamento Estrutural entre os sistemas autopoiéticos
dos indivíduos e do sistema organizacional é uma das principais funções da intervenção
pedagógica, quando se pensa em transformação e desenvolvimento organizacionais.
O esquema proposto por Franco (2001) afirma que um ambiente interno favorável ao
desenvolvimento da organização depende da existência de uma cultura empreendedora, de
105
uma cultura de cooperatividade sistêmica, de uma cultura de rede e de uma cultura
democratizante dentro da organização; ou seja: de uma cultura de desenvolvimento.
Sendo a cultura empreendedora (a capacidade que as pessoas têm de fazer coisas
novas, exercitando a sua imaginação criadora – o seu desejo, sonho e visão – e se mobilizando
para adquirir os conhecimentos necessários, capazes de permitir a materialização do desejo, a
realização do sonho e a viabilização da visão), formadora do Capital Humano, e que quando
mais Capital Humano se gerar mais Capital Social será criado.
Pode-se falar de cultura se existem comportamentos que se mantêm por transmissão
não genética, que se reproduzem “automaticamente” em função de padrões de normas e
valores assumidos coletivamente em virtude dos indivíduos participarem das mesmas redes de
conversações. Através das conversações circulam emoções e idéias que incentivam e
avalizam certos tipos de atitudes e desestimulam e desaprovam outros tipos de atitudes. Essa
circulação de emoções e idéias obedece a certa regularidade, constituindo ciclos fechados que
caracterizam um determinado padrão de atitudes em detrimento de outros.
Para pensar em Acesso - Acolhimento e Vínculo - Identidade é preciso partir da base
do modelo mental (ou modo de pensar, ou sistemas de pensamento) por meio do qual
construímos nosso mundo. poucas esperanças de mudar o mundo que elaboramos, ao
longo de nossa interação com ele, se não modificarmos antes o modo de pensar que
utilizamos nesta construção.
Assim do ponto de vista do Acesso-Acolhimento e nculo-Identidade, o pensar (que
inclui o sentir), o fazer, e o viver seguem a seguinte dinâmica segundo Mariotti (2002):
Mudar o modo de Sentir
Mudar o modo de Pensar
Mudar o modo de Falar
Mudar o modo de Agir
Ao analisarmos o esquema de Franco (2001), poderemos afirmar que o Capital Humano que
desejamos ter, depende do Empreendedorismo, isto é, do desejo do sujeito, e este de um Capital
Atitudicional, o qual será objeto da Intervenção Pedagógica.
106
Desenvolvimento
Capital Humano Capital Social
Rede
Cooperação Democracia
Empreendedorismo Capital Atitudicional Intervenção Pedagógica
Representação gráfica adaptada de Franco, 2001.
Segundo Tatagiba e Filartiga (2001), a construção do saber a partir da experiência e da
prática é possível pela vivência constante da busca individual e coletiva. Esta perspectiva
construtiva exercita a ação que permite transportá-lo para atitudes e comportamentos capazes
de transformar as práticas dos indivíduos para se tornarem agentes coerentes na reconstituição
operativa da realidade.
Para as autoras, detenção do saber, não garante a transformação do saber em fazer para
saber fazer. A transformação do saber em fazer é muitas vezes impactada, acreditando que a
valorização do conhecimento em detrimento dos aspectos comportamentais, bem como o
temor de investir no processo de autoconhecimento para reconhecer as limitações, erros e
possibilidades, dificultariam essa transposição.
Assim as autoras colocam que o “Capital Atitudicional” é o potencial resultante da
transformação do saber (conhecimento) em fazer (realização) e requer a busca de atitudes e
comportamentos que espelhem os saberes que construímos e os conhecimentos que
dominamos, conquistando um ambiente favorável para o desenvolvimento das habilidades
que promovam as ações transformadoras. A elaboração um método de trabalho que estimule e
facilite o processo dos grupos favorece a busca de ações conjuntas, capazes de transformar a
realidade. Através da vivência grupal promove-se a construção coletiva do saber e a
participação construtiva como um recurso que resulte no saber fazer. Esta perspectiva exercita
a atividade operativa que permite consolidar atitudes e comportamentos capazes de
transformar as práticas dos indivíduos ou grupos como agentes coerentes de sua realidade.
107
Para isso é preciso que as pessoas sejam ativadas em direção do querer fazer (TATAGIBA e
FILARTIGA, 2001).
Assim para propor um método de ensino dentro desta perspectiva foi necessário
proporcionar a identificação da realidade grupal, através da compreensão do processo que o
grupo está vivendo. Desta forma pode-se estimular o envolvimento/ comprometimento grupal
com a produção capaz de promover mudanças transformadoras na cultura, resgatando a
participação construtiva e os compromissos com atitudes e comportamentos capazes de
transformar suas práticas: provocar mudanças, afetar comportamentos, estimular a reflexão,
trabalhando para a mudança da mentalidade.
Para que isso aconteça é significativo levar as pessoas ao caminho da ão, superando
a passividade e a acomodação. Pensar formar idéias e raciocinar; Sentir unir a emoção e
razão; Refletir revelar e reproduzir de forma sensata e inovadora o que se pensa-sente; Agir
– viabilizar um projeto de forma prática.
O uso de métodos projetivos estimula em cada individuo a possibilidade de expressar
sentimentos, emoções, personalidade, momentos de vida, pensamentos, idéias e valores.
Sendo uma forma de propiciar a construção partindo das vivencias e percepções do grupo. As
atitudes expressivas refletem ou substituem, precedem ou acompanham a expressão do
material inconsciente. Sendo que quando o grupo reflete e analisa sua produção toma
consciência do que foi construído. O método projetivo é um instrumento que facilita o
exercício do construtivismo, por não apresentar modelos prontos e estimular a construção
coletiva. Sendo que após cada elaboração grupal o grupo é chamado a fazer uma análise do
que foi produzido.
Segundo Tatagiba e Filartiga (2001), as principais características do método projetivo
são: favorecer a exteriorização de idéias, valores, emoções do sujeito; liberdade de expressão;
promover maior descoberta de si e dos outros; estimular a diversidade e riqueza de
experiências; exercitar a criatividade e flexibilidade; partir do individual para o coletivo
gerando sinergia; menor direcionamento e interferência; maior envolvimento dos
participantes; extrair conteúdos mais ricos e profundos.
Assim sendo, a possibilidade de oferecer ao grupo uma participação ativa e efetiva
durante todo o processo (participação construtiva), possibilitando a adequação e
aplicabilidade resgatando os resultados aprendidos na interação com o outro, permitindo o
movimento dinâmico de construção e reconstrução do grupo na complexidade para percorrer
o seu caminho.
108
4.7.1 Desenvolvimento Atitudicional
Segundo Bolívar (2004), para uma explicação compreensiva do desenvolvimento de
atitudes é preciso, levando em conta seus fatores e componentes, uma integração e interação
entre os diversos aspectos, pois dependem do conjunto da personalidade, e não de um
elemento ou um fator. Representando pelo seguinte esquema:
DESENVOLVIMENTO
ATITUDE
EXPERIÊNCIAS DENTRO E FORA DO MEIO EM QUE SE ESTÁ INSERIDO
Fonte: Bolívar, 2004
De acordo com este esquema tem-se:
Três tipos de contextos com seu próprio desenvolvimento: cognitivo, sócio-
afetivo e moral; com suas características e seus aspectos.
As interações entre esses três domínios, que condicionam a ação e pensamento.
DESENVOLVIMENTO MORAL:
Valores
Justiça
Crenças
DESENVOLVIMENTO
SÓCIO-AFETIVO:
Auto-estima
Empatia
Relações interpessoais
DESENVOLVIMENTO
COGNITIVO:
Conhecimento conceitual
Raciocínio e capacidade
decisão
Habilidade metacognitiva
109
Os dois pontos anteriores, também comportam algumas interações entre
características individuais e suas experiências dentro ou fora do meio em que
está inserido.
Este esquema demonstra que as atitudes se formam fruto da interseção entre os três
campos e com as do seu meio ou contexto social. Proporciona uma visão geral das
competências que podem ser produzidas no desenvolvimento atitudicional.
Yus (1998), afirma que apenas uma aprendizagem significativa destes conhecimentos
poderá provocar mobilizações apropriadas nas atitudes. Ao formular um modelo referência de
formulação de atitudes, Yus, considera que a didática das atitudes deve observar os seguintes
elementos:
Deve considerar permanentemente que os processos de ensino-aprendizagem
afetam tanto o componente cognoscitivo como o afetivo. A aprendizagem
significativa deve provocar o interesse, partindo da crença, sentimentos e
aprendizagens prévias. O educando consciente disso pode avançar, através do
conflito, na mudança conceitual e atitudicional.
Conectar a aprendizagem de conhecimentos com os processos deliberativos.
Organização dos trabalhos de ensino em torno do debate, expressão pública e
envolvimento emocional em torno dos temas susceptível de fazer conexão com
a esfera de interesse dos educandos.
Permitir a participação ativa do educando, especialmente nos processos
deliberativos e investigativos.
Deve-se assegurar que a aquisição de atitudes se vincule a aprendizagem de
informações relevantes. Essas aprendizagens garantirão atitudes adequadas
para as tomadas de decisões em situações diferentes daquelas que foram
adquiridas.
Deve-se considerar o nível de desenvolvimento cognoscitivo na seleção e
seqüenciação de conteúdos, de forma que se assegure conhecimento
significativo, considerando também o nível de exigência cognoscitiva das
atitudes que se pretende em função do vel de desenvolvimento moral,
conectando mais efetivamente o domínio cognoscitivo e o afetivo.
Os problemas locais e pessoais são os mais adequados para propiciar
mobilizações no âmbito afetivo, devendo-se procurar vincular o local com o
global e o pessoal com o social, procurando uma visão holística.
110
Para Yus (1998), todas essas orientações podem ser potencializadas em enfoques de
ensino do tipo construtivista, em que se ênfase aos processos de construção de
conhecimentos e atitudes, a partir de idéias, crenças e atitudes prévias.
Para o autor as implicações didáticas das atitudes, apontam princípios de
procedimento: criar conflitos morais do tipo sócio-afetivo; estimular um nível superior de
juízo moral; orientação para a escolha e a criação de normas; fixar normas compartilhadas
pela comunidade; analisar situações morais e sistemas de valores; potencializar o raciocínio e
a mudança atitudicional; desenvolvimento ou incremento de conhecimento moral;
desenvolver a empatia moral; vincular a aprendizagem com tomada de decisões.
Escámez e Martinez (apud Yus, 1998) propõem sete princípios de procedimentos num
enfoque tecnológico na educação de valores e atitudes:
A atividade educativa está dirigida para provocar um conflito moral e estimular
um nível mais alto de juízo moral.
A atividade educativa está dirigida para desenvolver o posicionamento na
perspectiva do outro e a empatia moral.
A atividade educativa está orientada para a escolha e ações morais.
A atividade educativa está dirigida para o estabelecimento de normas
compartilhadas e para a criação de uma comunidade moral.
A atividade educativa está dirigida para a análise das situações morais e dos
sistemas de valores.
A atividade educativa está orientada para potencializar o raciocínio próprio do
educando e sua mudança.
A atividade educativa está orientada para o desenvolvimento ou incremento do
conhecimento teórico moral.
Segundo Alfayate (2002), os elementos de um projeto educacional a partir das suas
finalidades, podem ser representados pelo seguinte quadro:
SINAIS DE IDENTIDADE OBJETIVOS ESTRUTURA
Aprender a SER Aprender a se comportar Aprender a se organizar
Sistema Básico de
Valores
Atitudes concretas comuns
referentes aos valores
priorizados.
Necessária para reforçar esses
compromissos e essas
atitudes.
111
Para este autor sinais de identidade refere-se a quais valores e atitudes queremos
reforçar. Objetivos são as atitudes trabalhadas para influenciar a modificação de condutas ou
comportamentos. Estrutura é o que contamos como recursos temporais, espaciais e humanos.
Então tratamento dispensado à educação nas organizações precisa superar a razão
instrumental e linear e substituir os modelos de transmissão e controle por modelos mais
dialógicos, mais interativos e menos controlados.
4.7.2 Os Dois Instrumentos para Intervenção Educacional
Maturana e Rezepka (2002) colocam que a tarefa da educação, como um espaço
artificial de convivência, é permitir e facilitar o crescimento dos educandos como seres
humanos que respeitam a si próprios e os outros com consciência social e ecológica, de modo
que possam atuar com responsabilidade e liberdade na comunidade a que pertencem.
A responsabilidade e a liberdade são possíveis desde o respeito por si mesmo, que
permite escolher a partir de si não movido por pressões externas. Isto significa que a educação
deve estar centrada na formação humana e não técnica do educando. Ampliando assim a
capacidade de ação e reflexão no mundo em que vive, de modo que possa contribuir para a
sua conservação e transformação de maneira responsável em coerência ao seu meio. Neste
processo ocorre enriquecimento da capacidade de fazer e refletir do educando e não a
transformação ou mudança de seu ser.
Segundo os autores esta transformação ocorre tanto em dimensões explícitas
(consciente) como em dimensões implícitas (inconscientes), que surgem no conviver. Trata-se
de dimensões que modulam o emocionar e especificam momento a momento o que os
educandos podem ouvir, entender ou fazer a partir do raciocinar consciente ou inconsciente.
Para que isto ocorra, o que quer ser ensinado deve ser vivido pelos educandos como espaços
acessíveis ao seu fazer (seja prático ou conceitual), num convite a olhar esse fazer e suas
conseqüências com liberdade para mudá-lo.
Para Maturana (1999) as emoções são dinâmicas corporais que especificam as classes
de ações que se pode realizar em cada instante no âmbito relacional. Por isso as distintas
emoções podem ser caracterizadas segundo os domínios de ações que as constituem. Sendo
que toda a atividade humana ocorre em conversações, quer dizer, num entrelaçamento da
linguagem (coordenações de coordenações comportamentais consensuais) com o emocionar.
Por isso as conversações de capacitação entrecruzam-se com as conversações de formação
humana. Criar um espaço de ampliação dos conhecimentos reflexivos e capacidade de ação
112
apenas corrigindo o fazer e não o ser. É necessário treinar o olhar reflexivo que permita ver e
identificar sua própria emoção como espaço de capacitação em que se encontram a cada
momento sem perder o respeito por si mesmo.
As distintas emoções, segundo Maturana (1999), têm efeitos distintos sobre a
inteligência, por isso, para que o espaço educacional seja um espaço de ampliação da
inteligência e criatividade, não pode haver avaliações do ser do educando, só de seu fazer.
Para este autor adquire-se a capacitação como uma capacidade de fazer e refletir sobre
o fazer, apenas se o processo de aprendizagem ocorrer desde a possibilidade de ser
responsável pelo que se faz. Alguém é responsável quando é consciente das conseqüências
das próprias ações e atua de acordo com a decisão entre a pessoa querer ou não essas
conseqüências. A dinâmica das oficinas foi baseada na proposta apresentada por Maturana e
Rezepka no livro Formação Humana e Capacitação (2002).
OFICINAS PROPÓSITOS
O respeito por si mesmo e a
autonomia social
Criar condições experienciais a partir
das quais se viva o que acontece a alguém
em seu emocionar segundo a pessoa se
relacione ou não com respeito a si mesma e
pelo outro.
Emoção e ação
Criar condições experienciais a partir
das quais os participantes adquiram fluidez
no enxergar suas emoções e no ver os
domínios de ações que os constituem.
Correção do fazer e não do ser
Criar condições experienciais que
permitam distinguir o que acontece na
correção do fazer e do ser e por isso destina-
se a criar consciência do emocionar em cada
caso.
Biologia do amor
Criar experiências que permitam
refletir sobre o que acontece quando se
interfere com a biologia do amor, através da
criação de um espaço relacional no qual se
vive o que se quer conhecer.
113
Corpo e alma
Criar condições experienciais a partir
das quais se viva a aceitação do corpo do
outro em sua total legitimidade.
Ética e espiritualidade
Criar consciência de visão ou
cegueira ante o outro e de ampliação da
consciência de pertença.
Fonte: Maturana e Rezepka, 2002
Zanella (2004) afirma que da concepção de ser humano, desenvolvimento e história,
resgata-se a noção de ação mediada como fundante do psiquismo humano, o que contribui a
este caráter inexoravelmente social. À noção mediada articula-se o conceito de atividade, o
qual compreende ações, porém as transcende, na medida em que amplia, para o sujeito, as
possibilidades de leitura e intervenção na realidade. A análise da atividade, por sua vez,
pressupõe o olhar sobre as múltiplas relações que caracterizam a tríade sujeito/ações /contexto
social, relações estas singulares e coletivas, na medida em que se pautam nas significações ali
(re) produzidas, transformadas e apropriadas. Para a autora os aprendizes podem chegar a
diferentes resultados a saber:
A apropriação da(s) ação(s) entendida como a apropriação de parte da atividade
como um todo; apropriação da ação consiste a possibilidade e compreensão de parte(s), mas
isto não garante o domínio e a execução independente da atividade como um todo. Tão pouco
a possibilidade de criação, inovação e conhecimento das inter relações.
A apropriação da atividade em si envolve a apropriação do processo como um todo,
o que possibilita ao aprendiz compreender e saber fazer, utilizando adequadamente os
instrumentos mediadores da ação. É possível estabelecer relações entre diferentes ações que a
atividade compreende e seus instrumentos mediadores, consistindo assim em condição para a
emergência do novo. Aqui se apresenta o sujeito em sua plena condição de autor, que parte de
uma realidade conhecida e com ela dialoga, transformando-a e a si mesmo neste processo.
Destaca-se deste modo à dimensão histórica da atividade, o que a caracteriza como
manifestação cultural de um grupo social determinado que a execute/preserva/transforma e
neste processo, também se modifica, bem como os sujeitos que dele participam.
Méndez (2002), segundo termos habermasianos, propõem a partir dos pontos
diferentes que as avaliações respondem a tipos diferentes de racionalidades. Uma, prática
(ação comunicativa); outra, técnica (ação estratégica).
Para fins deste trabalho me interessa observar o que o autor tem a dizer sobre a
avaliação a partir da racionalidade prática.
114
A avaliação a partir da racionalidade prática
(Ação Comunicativa)
Avaliação formativa
Avaliação interna
Avaliação referida a princípios educativos
Avaliação horizontal
Avaliação dinâmica
Avaliação processual
Avaliação participada
Avaliação compartilhada
Avaliação contínua
Auto-avaliação, co-avaliação
Preocupação com a compreensão, com a bondade
Interesse pelo singular (estudo de caso)
Subjetividade reconhecida
Implicação/compromisso do professor
Avaliação da aprendizagem
Credibilidade
Atenção pontual a todo o processo de ensino e aprendizagem
Qualidade/eqüidade
Ensino dirigido à compreensão
O mais valioso é identificado por seu interesse formativo
Co-responsabilidade e compromisso
Coleta de informação por diferentes fontes
Fonte: Méndez, 2002
Usei como segundo instrumento educacional a avaliação do processo de trabalho
através do fluxograma descritor de Franco & Merhy (2003), que coloca o fluxograma como
uma representação gráfica de todas as etapas do processo de trabalho. É uma forma de olhar o
que acontece na operacionalização do trabalho cotidiano. Representado por três símbolos,
convencionados universalmente: a elipse representa sempre a entrada ou saída do processo de
produção de serviços; o losango indica quando deve haver uma decisão para continuidade do
trabalho; e um retângulo que diz respeito ao momento de intervenção.
Com o fluxograma procura-se interrogar a micro-política da organização do serviço,
revelar as relações estabelecidas entre os trabalhadores e destes com os usuários, os nós
críticos do processo de trabalho, o jogo de interesses, poder e processos decisórios. Ao retratar
115
todos os processos e interesses implicados na organização do serviço, revelar áreas de
sombras que não estão claras e explicitadas para os trabalhadores.
Na avaliação coletiva do fluxograma descritor uma acumulação de consciência da
situação do serviço bem como a apropriação dos processos vividos nas atividades do trabalho
pelos próprios trabalhadores.
4.7.3 Enfoque Globalizador (integralicista) da Proposta Pedagógica.
A presença de profissionais com diferentes formações e qualificações não é uma
garantia para assegurar a integralidade, mas pode ser uma condição necessária. O mais
provável é que cada profissional traga o seu vocabulário (sua fala), metodologia (seu agir), a
concepção do seu papel, cultura e suas expectativas (visão de mundo) em relação as ações a
realizar. Normalmente só irá realizar ações limitadas por esta lógica de pensamento, tendo
menor disposição em trabalhar tarefas que se afaste desta lógica (seu saber fazer). Cada
disciplina tem uma especificidade sendo assim a necessidade fazer uma aproximação conjunta
que destaque mais denominadores comuns que as diferenças, adotando um trabalho
cooperativo entre as diciplinas.
Zabala (2002) apresenta a importância das fases da intervenção pedagógica estar
dentro da concepção construtivista, provocar ampliação da aprendizagem significativa, re-
elaboração e a complementaridade do papel das disciplinas e relações disciplinares. Apresenta
então o seguinte quadro das relações disciplinares e as fases do enfoque globalizador:
Primeiro momento Segundo momento Terceiro momento
1-Motivação
2-Apresentação
3-Análise
4-Delimitação
5-Identificação dos
instrumentos
6-utilização dos
instrumentos
7-Integração
8-Visão global
ampliada
Situação da realidade Aprendizagem específica Integração
Perspectiva
metadisciplinar
Processo disciplinar Perspectiva
metadisciplinar
Fonte: Zabala (2002)
O autor apresenta o seguinte quadro das fases do enfoque globalizador da intervenção
pedagógica:
116
1
Fase de motivação
MOTIVAÇÃO
2
Apresentação do
objeto de estudo
SITUAÇÃO DA REALIDADE
3
Análise e
explicitação das
Questões
Questão A Questão B Questão C Questão D Questão E Questão F
4
Delimitação do
objeto do estudo
Questão A Questão B Questão C Questão D Questão E Questão F
5
Identificação dos
instrumentos
Instrumentos B Instrumentos D Instrumentos E
6
Utilização do saber
disciplinar
Processo específico de construção do conhecimento
7
Conclusão e
integração
CONCLUSÃO
8
Visão global
ampliada
SITUAÇÃO DA REALIDADE INICIAL AMPLIADA
Fonte: Zabala (2002)
Usando o quadro de Zabala podemos colocar assim as etapas pretendidas, a partir do
enfoque globalizador, pela nossa intervenção pedagógica:
117
OFICINAS
Fase de Motivação: Atividade motivadora que promova o fomento da atitude
favorável a aprender, dotar de sentido o trabalho a ser realizado, despertar a atitude de querer
aprender mais para melhorar o conhecimento sobre essa realidade.
GRUPO FOCAL
Fase de apresentação dos objetos de estudo em sua complexidade: situação da
realidade, entender que para qualquer situação real exige uma visão complexa. No caso
específico da intervenção pedagógica será a apresentação do fluxograma descritor do processo
de trabalho da equipe.
Fase de análise: identificação e explicação das diferentes questões colocadas pelo
conhecimento e pela intervenção na realidade. Criação do desequilíbrio, do conflito cognitivo,
do reconhecimento e da ativação dos conhecimentos prévios. Análise do fluxograma descritor
pelos membros da equipe.
Delimitação do objeto de estudo: identificação dentro do fluxograma descritor
questões- problema relacionados ao acesso-acolhimento e vínculo.
Identificação dos instrumentos conceituais e metodológicos que podem resolver
as questões - problema: A partir das idéias e do conhecimento que possuem os elementos da
equipe terão também de recorrer à busca de conhecimentos de meios conceituais e
instrumentais que permitam superar estas questões-problema.
Utilização do saber disciplinar para chegar a um conhecimento que é parcial:
cada elemento dentro do seu referencial disciplinar desenvolve a atividade mental necessário
para a construção de significado. Num processo específico de construção do conhecimento.
Integração das diferentes contribuições e reconstrução: dispõem, assim, das
contribuições das disciplinas na resolução das questões-problema num trabalho de
reconstrução, com aumento da capacidade explicativa e ampliação das respostas.
SITUAÇÃO DA REALIDADE INICIAL AMPLIADA
Adaptado de Zabala (2002)
118
5. METODOLOGIA
5.1 Tipo de Pesquisa
A presente pesquisa tem por objeto de estudo, o recorte na análise de uma intervenção
pedagógica. As categorias fundamentais desta investigação, a saber, Acolhimento-Acesso e
Vínculo-Identidade, sendo que se terá como pano de fundo o Processo de Trabalho, que serão
analisadas na forma de um discurso coletivo, que facilitará apontar a Identidade desta
coletividade em relação à Identidade das diretrizes de Acesso-Acolhimento e Vínculo da
Estratégia Saúde da Família. Sendo uma pesquisa de fundo qualitativo do tipo estudo de caso.
O termo ‘estudo de caso’ vem de uma tradição de pesquisa médica e psicológica, onde
se refere a uma análise detalhada em um caso individual que explica a dinâmica e a patologia
de uma doença dada; o método supõe que se pode adquirir conhecimento do fenômeno
adequadamente a partir da exploração intensa de um único caso. Adaptado da tradição
médica, o estudo de caso tornou-se uma das principais modalidades de análise das Ciências
Sociais (BECKER, 1999).
Optou-se pela pesquisa qualitativa, buscando trabalhar com o universo de significados,
motivações, crenças, valores e atitudes, correspondentes a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de
variáveis. Esta abordagem nos permite responder questões muito particulares, enfocando um
nível de realidade que não pode ser quantificado. Os dados, na pesquisa qualitativa, ao serem
coletados e analisados exigem do pesquisador flexibilidade e criatividade. A
representatividade destes dados está relacionada à sua capacidade de possibilitar a
compreensão do significado e a ‘descrição densa’ dos fenômenos estudados em seus
contextos e não à sua expressividade numérica (GOLDERBERG, 1997).
5.2 Campo da Pesquisa
Timbó localizada no Estado de Santa Catarina, na Região do Médio Vale do Itajaí,
pertencendo a Região Metropolitana do Vale do Itajaí que tem a cidade de Blumenau como a
principal cidade.
De acordo com dados do IBGE (2000), Timbó possui 29.295 habitantes, onde 91,16%
dos habitantes estão na área Urbana e na área Rural 8,84%. A Taxa de Crescimento da
População é lenta, ordenada e sustentável no município gerando assim um controle dos
119
problemas sociais futuros, ou seja, de 1996 a 2000 teve um acréscimo de 2,54% ao ano no
aumento populacional e a densidade demográfica é de 182 habitantes por quilômetro
quadrado.
Timbó, cidade formada por imigrantes alemães e italianos, foi classificada pela ONU
em 2003 como a 10
a
melhor cidade do país para morar. Economicamente ocupa o 14
o
posto
de arrecadação do estado. O índice de analfabetismo é de apenas 1,9%, sendo Timbó, em
nível estadual, a 3
a
cidade em qualidade de ensino.
O Programa Saúde da Família teve início no município em 1999, com a implantação
do PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde), as primeiras Equipes do Programa
iniciaram suas atividades em 2000. Hoje o nível de cobertura territorial atingida pelo
Programa é de 100%.
A Unidade de Saúde Coletiva está localizada no Bairro Quintino Bocaiúva, atendendo
uma população adstrita de 1125 famílias - conforme o Sistema de Informação da Atenção
Básica (SIAB) de maio de 2004 e totalizando 4112 pessoas. Este bairro tem uma população
de classe média-baixa, sendo a sua maioria trabalhadora da área têxtil e da metalurgia.
5.3 Grupo Pesquisado
A equipe do Programa de Saúde da Família da Unidade de Coletiva, é formada por um
Médico, uma Enfermeira, uma Odontóloga, uma Psicóloga, uma estagiária da Assistência
Social, duas Auxiliares de Enfermagem, uma Agente de Saúde Bucal, uma Auxiliar
Administrativa, uma Auxiliar Operacional de Serviços e seis Agentes Comunitários de Saúde.
Ao escolher a Unidade de Saúde Coletiva, uma das nove unidades de Equipes do
Programa de Saúde da Família da cidade de Timbó-SC, tem como principal argumento o de
pertencer a esta Equipe da qual participo como médico, mas escolher uma Equipe do PSF
como lócus a ser analisada justifica-se por sua valorosa missão no prevenir, no assistir e no
promover saúde e educar. Também aqui ressaltar seu papel de porta de entrada e
resolutividade do SUS, além de reconhecê-lo como lugar de produção de conhecimento.
5.4 A Questão Ética
Tomando por fundamento a Resolução do Conselho Nacional de Saúde 169/1996 e
as Diretrizes Internacionais para Pesquisa Biomédicas envolvendo Seres Humanos (CIOMS
1993) e o Regulamento da Comissão de Ética em Pesquisa da UNIVALI (Resolução nº
120
109/CONSEPE/99), aos implicados foi explicado o objetivo da pesquisa e a metodologia,
solicitando que os mesmos assinassem o Termo de Consentimento, deixando claro para eles o
grau de anonimato da pesquisa, sua total possibilidade de desistência ou não participação em
determinada etapa da pesquisa, bem como, informações em qualquer etapa da pesquisa e de
ter acesso aos resultados alcançados.
A pesquisa tem como métodos investigativos a observação participante, entrevistas
semi-estruturadas com questões abertas e do grupo focal. Solicitando-se a gravação, das
entrevistas e do grupo focal sendo explicitada a garantia da preservação do anonimato dos
depoimentos e a liberdade de recusar a responder qualquer uma das questões ou participar do
grupo focal.
5.5 Instrumentos da Coleta de Dados
5.5.1 Observação Participante
Adotamos a observação participante como procedimento metodológico utilizado nessa
investigação para confecção do Fluxograma Descritor da Unidade de Saúde, assumindo que
observador participante colete dados através de sua participação na vida cotidiana do grupo ou
organização que estuda. Ele observa as pessoas que está estudando para ver as situações com
que se deparam normalmente e como se comportam diante delas. Entabula conversação com
alguns ou com todos os participantes desta situação e descobre as interpretações que eles têm
sobre os acontecimentos que observou. A observação participante é uma forma de desvendar
os significados simbólicos, o que pode nos auxiliar a interpretar as comunicações simbólicas
que se estabelecem nas relações intersubjetivas. (BECKER, 1999).
Desta forma, para discutir a observação participante, nos referenciamos em Becker
(1999). A observação participante é muito mais do que mergulhar em dados; o pesquisador de
campo, devido sua presença constante, coleta muitos dados e, conseqüentemente, faz e tem
condições de testar mais suas hipóteses do que os pesquisadores que usam os métodos
formais. Ao pesquisador de campo, é possível perceber as relações sociais que permeiam as
pessoas; as opiniões e as ações destas com quem interagem, têm que ser consideradas, pois
afetam o estudo e tudo se passa no decorrer da observação. Becker considera que quanto mais
dados observados - sejam conversas, ações - que revelem a mesma perspectiva aumentam a
validade da conclusão do trabalho, ou seja, a partir de observações constantes torna-se difícil
para o observado, ocultar do observador seu modo de pensar e agir.
121
Em síntese, o grande número de observações que resulta em uma gama de
informações que poderá ou não sustentar a hipótese levantada, possibilita que as conclusões
finais possam ser testadas com mais freqüência do que em outras formas de pesquisa.
Buscamos, então, utilizar a observação participante no decorrer de toda pesquisa, pois,
enquanto funcionário da unidade de saúde foi possível observar as atividades e mesmo
participar de muitas delas, possibilitando verificar as condutas adotadas nos atendimentos, as
relações profissionais no dia-a-dia, as atividades priorizadas pela unidade de saúde; enfim,
esta observação permanente proporcionou uma verificação constante dos objetivos e hipóteses
da pesquisa e contribuiu efetivamente na análise dos dados.
5.5.2 Oficinas de Intervenção Pedagógica
A Oficina proposta é uma modalidade de formação contínua dominantemente realizada
segundo componentes do saber-fazer prático ou processual, orientada para:
Delinear ou consolidar procedimentos de ação ou produzir materiais de intervenção,
concretos e identificados, definidos pelo conjunto de participantes como a resposta
mais adequada ao aperfeiçoamento das suas intervenções educativas.
Assegurar a funcionalidade (utilidade) dos produtos obtidos na oficina, para a
transformação das práticas.
Refletir sobre as práticas desenvolvidas.
Construir novos meios processuais ou técnicos.
Para tanto, foram previstas sessões presenciais conjuntas, onde os participantes
relataram de forma interativa experiências, discutiram informações e problemas inerentes ao
processo de trabalho.
Como a pesquisa se volta para uma intervenção pedagógica numa unidade de saúde,
procurando desvelar os impactos que esta pode trazer para os sujeitos e seu processo de
trabalho, as oficinas se constituíram em práticas subjacentes e preparatórias para o
desenvolvimento de um espaço humano de convivência social desejável e aquisição de
habilidades e capacidades de ação reflexiva, cooperativa e ética.
Neste sentido foram desenvolvidas seis oficinas realizadas basicamente da mesma
forma. O pesquisador propunha um tema, seguido de exercícios de vivência prática, que
levavam os participantes a discutir em grupo o assunto abordado. A seguir o pesquisador a
partir de uma contextualização conceitual da temática central, incentiva um aprofundamento
122
das questões e solicita que registrem num instrumento próprio os sentimentos e opiniões
diante da experiência vivenciada.
O objetivo é levantar dados para análise, e a partir de questões chave e idéias centrais,
posteriormente avaliar, o impacto da intervenção pedagógica na subjetividade dos
profissionais como em seu processo de trabalho. Desta forma as oficinas serviram para
estabelecer os parâmetros esperados na humanização de uma equipe de trabalho de saúde da
família, e no final mensurar se houve efetivamente, um avanço positivo no aprendizado de
cada um e no fazer do grupo coletivo. Por que é preciso pressupor que se adquire uma
qualificação profissional mais significativa, como capacidade de fazer e refletir sobre o fazer
se ocorrer um real processo de aprendizagem.
5.5.3 Entrevista Semi-estruturada
Um outro procedimento utilizado na pesquisa é a entrevista, que foi utilizada após
cada oficina da intervenção pedagógica. Segundo Minayo, et al. (1996):
A entrevista é o procedimento mais usual no trabalho de campo. Através dela, o
pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores sociais. Ela não significa uma
conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere como meio de coleta dos fatos
relatados pelos atores, enquanto sujeito-objeto da pesquisa que vivenciam uma determinada
realidade que está sendo focalizada. Suas formas de realização podem ser de natureza
individual e/ou coletiva. MINAYO, et al. (1996)
As entrevistas foram individuais, realizadas com todos os profissionais da equipe que
participaram da intervenção pedagógica e que atendem aos usuários do serviço. Utilizamos
entrevistas semi-estruturadas, com algumas perguntas previamente formuladas e abertas.
Todas as entrevistas foram registradas em instrumento próprio, contribuindo também
para pontuar, no ato da transcrição, questões que pudessem ser posteriormente consideradas
na análise.
5.5.4 Grupo Focal
O Grupo Focal por ser uma técnica sócio-qualitativa, coletiva, dinâmica e que
promove a sinergia entre os componentes do grupo investigado, valoriza a palavra dos atores
sociais reconhecendo-os como expert de sua própria realidade o que propicia o Auto-
123
Desenvolvimento, tendo sido utilizado para analisar as questões problema apontadas na
avaliação do Fluxograma Descritor, servindo assim como certo balizamento.
O próprio ato de avaliar é um momento intencionalmente pedagógico e de
potencialização dos recursos humanos, tomando-se como Auto-Referência, e alcançando a
Auto-Análise para assim se desenvolver e buscar a excelência. O Auto-Desenvolvimento traz
as diretrizes para mudanças que contribuem para o aperfeiçoamento, desenhando políticas,
planejamentos, redimensionando recursos, acordos de cooperação interinstitucionais e outras
ações que incrementam a qualidade.
O procedimento utilizado ao optar pela metodologia do Grupo Focal (Dias, 2000) tem
estreita relação com os princípios metodológicos da Auto-Avaliação Institucional para
instrumentalização do processo avaliativo e se faz relevante quando da coleta e análise dos
dados e informações obtidas devido à interação e a intervenção dos sujeitos da realidade
estudada, assegurando participação ativa e co-responsável pelo processo, além de ser uma
nova e significativa forma de fazer ciência, frente à nova racionalidade científica que
vislumbra as possibilidades em detrimentos das certezas de outros momentos históricos.
A Metodologia do Grupo Focal apresenta-se como uma ferramenta extremamente útil
e viável, pois considera a instituição como um todo, atendendo ao princípio da globalidade e
integração de forma associada, permitindo uma visão geral e abrangente da instituição.
O Grupo Focal é uma modalidade de grupo que utilizada em processos de Auto-
Avaliação Institucional permite viabilizar o princípio do respeito à identidade institucional,
pois se constrói uma proposta avaliativa com um olhar interno e os indicadores são elencados
com a participação efetiva da comunidade acadêmica, debatendo o que valorar enquanto
indicadores do processo avaliativo. Respeito à identidade institucional remete a sua missão,
sua visão, suas pretensões, qualificação, cultura institucional, relevância social, enfim seu
histórico. A Auto-Avaliação Institucional a partir das contribuições da Metodologia do Grupo
Focal tem caráter pedagógico, formativo, pois é uma experiência social significativa que
forma valores e promove mudança da cultura avaliativa, potencializando o desenvolvimento
humano e institucional (DIAS SOBRINHO & BALZAN, 2000).
A ênfase do processo avaliativo é qualitativa, pois o Grupo Focal tem por propósito
entender processos de construção da realidade de um grupo social mediante coleta e
interpretação detalhada a fim de detectar comportamentos sociais e práticas cotidianas. Os
princípios da negociação e cooperação são relevantes em todo o processo avaliativo, seja no
planejamento, levantamento de dados, organização e desenvolvimento da proposta, pois
124
legitima o caráter pedagógico, transformador, formador de valores e princípios institucionais,
que promovem uma avaliação participativa, democrática e emancipadora.
Todas as falas foram gravadas em áudio e vídeo, e transcritas, contribuindo assim para
pontuar, no ato da transcrição, questões que pudessem ser posteriormente consideradas na
análise. O tempo para realizar o grupo focal não ultrapassou duas horas.
5.6 Sinopse dos Encaminhamentos Metodológicos da Pesquisa
Com o objetivo de dar maior visibilidade a metodologia da pesquisa, descrita de
forma mais ampla, delineamos a seguir, sucintamente os procedimentos adotados:
Parte I - Fluxograma descritor e sua análise:
Observação participante com o objetivo de visualizar a dinâmica de acesso-
acolhimento e vínculo do usuário da unidade de saúde onde se realizou a pesquisa.
Solicitação pelo pesquisador aos profissionais da unidade a descrição sumária do seu
processo de trabalho.
Definição do fluxograma descritor, para dar maior visibilidade do processo de trabalho
da unidade de saúde, e das questões-problema apontados em relação ao acesso-
acolhimento e vínculo com o usuário.
Análise das questões problema emergidas segundo a ótica do pesquisador, com base
em estudos de Maturana - Acoplamento Estrutural; Engeström - Teoria da Atividade
(Contradições) e Wenger - Comunidade de Prática. Nesta fase, focalizaram-se
especialmente o aprendizado relativo ao não acesso-acolhimento e vínculo.
Parte II – Desenvolvimento das Oficinas
Realização de seis oficinas com temas específicos, com base na Formação Humana e
Capacitação de Maturana e Rezepka.
Operacionalização das oficinas segundo procedimentos bem definidos, que iniciavam
com a vivencia de uma situação prática, partindo depois para uma conversação
interativa do grupo, com a participação do pesquisador que intervinha como
incentivador ao aprofundamento das questões, possibilitando desta forma, a
construção de expressões conceituais sobre o tema.
Exposição sinóptica dos conceitos apontados pelos autores e os propósitos de
aprendizado expressos na sua contextualização.
125
Registro dos significados e abordagens apreendidas pelos participantes da pesquisa em
instrumento próprio.
Análise das respostas individuais, retiradas das expressões chaves e idéias centrais
destas, para elaboração do Discurso do Sujeito Coletivo, pautado nas categorizações
expressas pelas temáticas das oficinas.
Parte III – Grupo Focal
Reunião sem a presença do pesquisador, dos profissionais da unidade de saúde,
participantes da pesquisa, para discussão das questões-problema apontadas pelo
pesquisador na análise do fluxograma descritor.
Divisão das questões-problema em duas partes, e apresentadas em dias diferentes, para
o grupo focal, com o objetivo de discutir de forma mais proximal os problemas e
levantar sugestões e alternativas de melhoria na dinâmica do processo de trabalho.
Cômputo pelo pesquisador dos elementos, que permearam a discussão do grupo focal,
com relação à dinâmica usual, dificuldades internas e variáveis de interferência
externa, com base nos registros escritos dos participantes, na filmagem e gravação das
falas dos debatedores. Tendo sido estes últimos recursos áudio visual, usado como
simples complemento das temáticas focalizadas, com vistas a não perder aspectos
importantes levantados durante a discussão.
Análise dos dados extraídos da discussão do grupo focal foi fundamentada novamente
em Maturana - Acoplamento Estrutural; Engeström - Teoria da Atividade (Contradições) e
Wenger - Comunidade de Prática.
5.7 Análise dos Dados das Oficinas
5.7.1 Análise do Discurso do Sujeito Coletivo
O discurso do sujeito coletivo (DSC) descrito por Lefèvre (2003) é uma estratégia
metodológica com vistas a tornar mais clara uma dada representação social. Consiste na
reunião, num discurso-síntese, de vários discursos individuais emitidos como resposta a
uma mesma questão de pesquisa, por sujeitos social e institucionalmente equivalentes ou que
faz parte de uma mesma cultura organizacional e de um grupo social homogêneo na medida
em que os indivíduos que fazem parte deste grupo ocupam a mesma ou posições vizinhas num
dado campo social. O DSC é então uma forma de expressar diretamente a representação social
de um dado sujeito social.
126
O sujeito social é discursivamente equivalente ao sujeito individual, portador e
emissor de um discurso concreto, atestado; é equivalente, ainda que não idêntico, na medida
em que o sujeito discursivo coletivo também é passível de ser visto como portador de um
dado discurso, ainda que não exista concretamente como emissor deste discurso, que se
trata de um sujeito abstrato, reconstruído; o DSC pode até conter contradições internas que,
neste caso, estão refletindo as tensões dialéticas internas ao setor do campo.
O conteúdo do DSC é composto por aquilo que um dado sujeito individual falou e
também por aquilo que poderia ter falado e que seu “companheiro de coletividade” atualizou
“por ele” já que o DSC é a expressão concreta do imaginário do campo a que ambos
pertencem e da posição que ocupam dentro deste campo.
Em síntese, o DSC é como se o discurso de todos fosse o discurso de um. Em termos
metodológicos, o processo da construção do DSC deve ser transparente aparecendo ele,
sempre que possível, ao lado das idéias centrais dos discursos individuais dos sujeitos, com
vistas a que a necessária arbitrariedade presente na sua construção possa ser avaliada e, se for
o caso, refutada pelo leitor.
Uma outra forma de teste de plausibilidade do DSC consiste na sua apresentação (ou
re-apresentação) para alguma instância que represente o coletivo dos indivíduos de onde foi
extraído a fim de que, através desta instância, o dito coletivo possa verbalizar se sente aquele
discurso como sendo representativo de seu universo de pertencimento.
Tendo como fundamento à teoria da Representação Social e seus pressupostos
sociológicos, a proposta consiste basicamente em analisar o material verbal coletado e
transcrito, extraindo-se de cada um dos depoimentos, as Expressões Chave e suas idéias
centrais correspondentes. Partindo das Idéias Centrais, Expressões Chave semelhantes
compõe-se um ou vários discursos-síntese que são os Discursos do Sujeito Coletivo.
Quanto à análise dos dados podemos assim sumarizar o percurso:
Antes de tudo resgatou-se a representação de cada indivíduo em particular para cada
uma das categorias propostas (temas das oficinas). Isto foi feito buscando-se, através da
utilização de quadros registrar as Expressões Chave que cada um desses indivíduos
apresentou em seus discursos. O passo seguinte foi o de listar em um único instrumento,
todas as idéias centrais de cada um dos sujeitos. A fase seguinte consistiu-se na transformação
e redução desta listagem a um discurso encadeado, como se houvesse apenas um indivíduo
falando e que fosse portador de um discurso-síntese de todos os indivíduos que compõe um
dado sujeito coletivo.
127
6. O PROCESSO DE TRABALHO DA EQUIPE, ATRAVÉS DO
FLUXOGRAMA DESCRITOR
Adotamos a observação participante como procedimento metodológico utilizado nessa
investigação para confecção do Fluxograma Descritor da Unidade de Saúde, assumido como
descreve Becker (1999).
O observador participante coleta dados através de sua participação na vida cotidiana
do grupo ou organização que estuda. Ele observa as pessoas que está estudando para ver as
situações com que se deparam normalmente e como se comportam diante delas. Entabula
conversação com alguns ou com todos os participantes desta situação e descobre as
interpretações que eles têm sobre os acontecimentos que observou. BECKER (1999).
Segundo o autor, a observação participante é uma forma de desvendar os significados
simbólicos, o que pode nos auxiliar a interpretar as comunicações simbólicas que se
estabelecem nas relações intersubjetivas, mas que, entretanto, deve ser completado pela
observação dos comportamentos e de sua recorrência. A observação participante é muito mais
do que mergulhar em dados; o pesquisador de campo, devido sua presença constante, coleta
muitos dados e, conseqüentemente, faz e tem condições de testar mais suas hipóteses do que
os pesquisadores que usam os métodos formais.
Ao pesquisador de campo, é possível perceber as relações sociais que permeiam as
pessoas; as opiniões e as ações destas com quem interagem, têm que ser consideradas, pois
afetam o estudo e tudo se passa no decorrer da observação. Becker (1999) considera que
quanto mais dados observados - sejam conversas, ações - que revelem a mesma perspectiva
aumentam a validade da conclusão do trabalho, ou seja, a partir de observações constantes
torna-se difícil para o observado, ocultar do observador seu modo de pensar e agir.
Ao construir o papel de pesquisador, um dos problemas enfrentados foi o
distanciamento necessário para que ocorresse um processo de investigação confiável, partindo
do pressuposto da minha não neutralidade. Sabedor que para o pesquisador inserido num
trabalho de compreensão de uma realidade a palavra chave é a complexidade, neste sentido, o
uso do Fluxograma Descritor (Franco & Merhy, 1999) serviu de balizamento, para clarear o
caminho de análise do processo de trabalho da Equipe do PSF da Unidade de Saúde Coletiva.
Ao focalizar o caminho percorrido pelo usuário em busca da resolução do seu problema,
mostrou os fluxos existentes na produção da assistência nos permitindo detecção de
problemas.
128
Outro recorte que facilitou meu olhar sobre o processo de trabalho da Equipe, foi
tomar como fruto de análise o caminho do usuário recebido na situação de demanda
espontânea. Usei este recorte, pois este a meu ver revela com melhor precisão um trabalho não
orientado por ações programáticas prescritivas de caráter verticalizado, próprio do Programa
Saúde da Família, como Mattos (2001) coloca que algumas necessidades simplesmente não
podem ser apreendidas pela dimensão epidemiológica, e ações que se justificam
independentemente do impacto epidemiológico que porventura produzam. Por sua vez, a
demanda espontânea pode ser vista como a expressão de uma outra forma de percepção das
necessidades de saúde, que de modo algum pode ser ignorada quando se discute a organização
de serviços de saúde. E a demanda espontânea não se reduz a um perfil de morbidade, pois
outras podem ser as razões dos que buscam os serviços de saúde (MATTOS, 2001).
Para o autor, isso nos remete a um outro sentido de integralidade que não é aceitável
que os serviços de saúde estejam organizados exclusivamente para responder às doenças de
uma população, embora eles devam responder a tais doenças. Os serviços devem estar
organizados para realizar uma apreensão ampliada das necessidades da população ao qual
atendem. (MATTOS, 2001).
Acredito assim, que o meu olhar sobre este recorte visualizou um processo de trabalho
não prescritivo, sendo originário somente da intervenção individual e coletiva da Equipe e da
organização institucional na qual está inserida. A minha inserção na Equipe como pesquisador
e pesquisado, para a construção do fluxograma descritor, não se deu sem momentos de
miopia, por esta posição ambígua, mas sem negar minha imparcialidade, procurei usar óculos
que aumentassem meu lado crítico (autores como: Merhy, Franco, Wenger, Campos, Mattos,
Maturana, Vygostky, etc...) e que possibilitassem distanciamento necessário. O próprio
processo de construção do Fluxograma Descritor, sendo uma representação gráfica do trânsito
dos usuários no decorrer da assistência a ele dispensada mostra o modus operandi da Equipe.
O fluxograma permite um olhar agudo sobre os fluxos existentes no momento da
produção de assistência à saúde, e permite a detecção de problemas. É como se, ao aplicá-lo,
lançássemos luz em áreas de sombra até então não percebidas, e que operam no sentido
contrário a uma atenção com qualidade, centrado no usuário (MERHY, 2003).
Meu conhecimento sobre o processo de trabalho (empregado pela Equipe, sendo
participante ativo) e da organização institucional na qual estamos inseridos, de certa maneira
nos ajudou na realização do fluxograma. Dividimos o fluxograma descritor do processo de
trabalho da Equipe em três etapas:
129
Entrada do usuário na unidade, recepção do usuário e seu destino dentro da
unidade.
Recepção dos usuários pós-consulta: prescrição de exames e remédios.
Recepção dos usuários pós-consulta: retornos e encaminhamentos.
Colocamos em destaque (textos dentro do fluxograma) o que consideramos questões-
problemáticas, apontadas pelo fluxograma, os nós críticos envolvendo o acesso-acolhimento e
vínculo-identidade.
6.1 Fluxograma Descritor da Entrada do Usuário na Unidade de Saúde Coletiva
O usuário dá entrada na unidade às 8 h, horário de início do expediente, após
enfrentar a primeira fila. Dirige-se a recepção para agendar a consulta, que será marcada no
limite das vagas disponíveis, para o período da manhã ou da tarde. Este limite se deve ao fato
130
da necessidade de dar prioridade as ações programáticas do PSF (atenção ao diabético-
hipertenso, pré-natal, crianças abaixo de 1 ano de idade, visitas domiciliares etc...), que tem
prioridade no agendamento. Após conseguir o agendamento o usuário acessa a consulta, que
será realizada pela manhã ou à tarde. Se a tarde o usuário enfrenta nova fila, a segunda fila é
por ordem de chegada.
Antes de realizar a consulta o usuário é encaminhado para realizar os procedimentos
pré-consulta (pesagem, temperatura, altura, pressão arterial), sendo então encaminhado para a
sala de espera, até ser chamado para a consulta conforme a ordem de agendamento.
Aqueles que ficam excluídos da consulta, caso estiverem “debilitados”, são verificados
pela enfermeira ou auxiliar de enfermagem, esta tenta encaixá-lo no horário do médico ou é
encaminhado para o serviço de urgência do Pronto-Socorro. Caso contrário, este usuário tem
de voltar, pela manhã, para a primeira fila, a fim de tentar conseguir agenda no dia seguinte.
Questões-problema detectadas pelo fluxograma descritor:
Vagas para a demanda espontânea contigenciadas (pelas ações programáticas),
gerando filas e exclusão de parte dos usuários.
O não acolhimento, apesar das tentativas de resolução dos problemas dos
excluídos, representa uma baixa oferta e baixa resolutividade, gerando mais
demanda reprimida.
Basicamente o processo de trabalho depende da consulta médica, os serviços
ofertados aos usuários de forma burocrática e sistemática, reduzindo a
capacidade de resposta do serviço à demanda, ou seja, os outros profissionais,
sobretudo enfermeira e auxiliares de enfermagem, não atuam na assistência
direta aos usuários, reduzindo a oferta e conseqüentemente o acesso aos
serviços.
131
6.2 Fluxograma Descritor da Recepção Pós-consulta: Prescrição de Exames e Remédios
Após a realização da consulta, o usuário volta à recepção para orientações e outros
encaminhamentos necessários. Nesta etapa, temos a representação de como se o
desenvolvimento do fornecimento de medicamentos, após a prescrição do médico. A recepção
132
verifica a existência do medicamento em estoque da farmácia e, tendo o medicamento, o
usuário recebe. O usuário tem por encerrado seu trajeto na Unidade.
Porém, se não o medicamento, o usuário será questionado pelo funcionário do
serviço, se pode comprá-lo. Se sim, é orientado a adquirir o medicamento em farmácia
privada. Se não, é orientado a procurar Assistente Social que vai julgar o seu “grau de
carência econômico-financeira”, e, se, estiver dentro dos critérios desta secretaria, ele poderá
receber o medicamento necessitado, se não, ele não será fornecido.
O outro serviço prestado, nesta etapa, diz respeito à prescrição de Exames
Laboratoriais ou Radiológicos. Após o usuário ter ido à recepção em busca de orientação, ali é
verificado se o exame é de urgência. Se for, é imediatamente encaminhado ao Pronto
Atendimento para coletar o material no mesmo dia. Depois de realizado o exame, o usuário é
encaminhado para internação ou procedimento (caso de fraturas por ex.), para o retorno ao
médico ou para a primeira fila no dia seguinte, para pegar nova “ficha” e agendar novamente
uma consulta médica, para ter acesso ao resultado do exame.
Se o exame não for de urgência, o usuário é orientado ir ao Laboratório no dia
seguinte, em horário prefixado (entre 8 h e 11 h) para agendar e posteriormente fazer coleta de
material. Após a coleta de material, repete-se o mesmo fluxo anterior. O mesmo acontece com
o serviço Radiológico, mas sem horário prefixado.
Questões-problema detectadas pelo fluxograma descritor:
O fornecimento do medicamento ao usuário é tratado de acordo com uma
lógica filantrópica, a partir da ação do Estado (no caso, a Prefeitura), parte dos
medicamentos é fornecida pela Secretaria de Ação Social e pelo fato do
julgamento da carência do usuário é feito pelo representante do governo
municipal (Assistente Social), que julga de acordo com os critérios desta
secretaria. O acesso ao medicamento neste caso, embora reconhecido
idealmente como direito de cidadania, é na prática, considerado como benefício
a ser concedido aos carentes, que são tidos como tal pela prefeitura através da
Secretaria de Ação Social.
O filantrópico, operando sobre questões dos medicamentos, gerando uma
lógica estruturante na organização do serviço, sobressaindo daí os interesses
racionalizadores, administrativos e financeiros, para economizar recursos com
medicamentos.
Parte dos usuários não tem acesso aos medicamentos, mesmo os de uso
contínuo, tendo que ser adquirido em farmácias privadas, levando muitos
133
usuários deixar de tomá-los e retornar ao serviço com seu estado de saúde
agravado por essa razão. Prejudicando assim o controle terapêutico e indicando
uma desresponsabilização em relação ao usuário.
O funcionamento da Unidade de Laboratório deixa claro o processo
burocrático, centrado nos interesses corporativos de quem está trabalhando ali,
um serviço pouco implicado com problemas de saúde dos usuários. As
evidências desta afirmação estão no restrito horário para coletas de exames.
Os usuários são levados a retornarem para a primeira fila de madrugada, para
disputar à nova “ficha” e nova “agenda de consulta” para acesso aos retornos.
A recepção recebe um acúmulo grande de fluxos administrativos burocráticas.
134
6.3 Fluxograma Descritor Recepção Pós-consulta: Retornos e Encaminhamentos
O usuário que necessita de encaminhamento, gerado pela consulta médica (ao
especialista ou para procedimentos ambulatoriais), passa pela recepção para ser orientado. Se
for encaminhamento para especialista, a primeira coisa a verificar diz respeito ao tipo de
procedimento. Se não for de alto custo, o médico preenche o formulário de encaminhamento
na própria Unidade e encaminha para a especialista de referência no próprio município ou
para a Secretaria Municipal de Saúde que passa a tomar as providências necessárias à
viabilização da consulta ou procedimento especializado, verificando disponibilidade de vagas
no serviço específico e viabilidade do transporte para o usuário.
Se for de alto custo, o usuário é encaminhado à Secretaria Municipal de Saúde, esta
fornece o formulário preenchido que retorna ao médico para a assinatura em seguida retorna à
135
Secretaria Municipal de Saúde para que esta tome as providências necessárias à realização do
procedimento especializado. Sendo que a maioria dos exames de alto custo poderá ser
pedida por especialistas da área a que o exame serve, burocratizando mais ainda o acesso do
usuário ao exame, pois isso demanda marcar consulta com o especialista.
Questões-problema apontadas pelo fluxograma descritor:
O usuário pode percorrer um caminho maior, visto que o formulário para
encaminhamento para algumas especialidades e exames de alto custo, não é
permitido sua guarda pela Unidade e nem mesmo o preenchimento pelo
médico, o que reduziria o esforço do usuário e garantiria agilidade no acesso a
procedimentos de alta complexidade/custo. A maioria dos exames de alto custo
pode ser pedida pelas especialidades, burocratizando e aumentando o tempo
de sofrimento do usuário.
Outro encaminhamento que se realiza aqui diz respeito aos da natureza
ambulatorial, em procedimentos que não são realizados pela Unidade e são,
portanto, encaminhados ao Pronto-Atendimento ou à outra Unidade de Saúde
do município, para que atendam ao usuário. Isto revela problema com
capacidade de oferta de serviço da Unidade.
6.4 Avaliação do Fluxograma Descritor
Na análise do processo de trabalho, via fluxograma descritor (questões problema)
usamos: acoplamento estrutural (Maturana), níveis de contradições conforme Teoria da
Atividade (Engeström) e comunidades de prática: participação - não-participação (Wenger).
6.4.1 Acoplamento Estrutural
Quando me deparei com as questões-problema, no fluxograma descritor, percebi a não
presença de acoplamentos estruturais entre o sistema organizativo sistema indivíduo, entre o
sistema individuo sistema individuo e entre sistema individuo meio. Que através da sua
autopoieses via determinismo estrutural, é possível identificar o recurso à auto-
referencialidade e à identidade como reação às mudanças.
No campo das interações entre o sistema organizativo (representada pelo princípio da
integralidade via acesso-acolhimento e vínculo-identidade) e os demais sistemas, esses
136
enunciados acabam ficando nas fronteiras dos sistemas, tal qual dissonâncias cognitivas,
rejeitadas em nome da identidade e da auto-referencialidade.
Como à construção de sentido em um ambiente de mudança no processo de trabalho,
se dão em novas bases, no campo da fronteira de relacionamento sistema/ambiente e
sistema/sistema, a construção de sentido é influenciada pela própria auto-referencialidade e
em interação, com as informações emanadas pelo ambiente e aparece como uma seleção,
resultante de cognição, na busca de reduzir a complexidade. Nesse processo cognitivo de
percepção, interpretação e seleção, que alguns mecanismos e comportamentos emergem,
como a adaptação evolutiva, como distanciamento irônico, raras vezes de libertação criativa e
até mesmo a anulação ou a eliminação, dependendo da estrutura do sistema em determinado
momento.
O indivíduo, através de suas observações, introduz uma ordem no que vê, que ele,
ao olhar, reconhece semelhanças, regularidades, estabelece o que mais ou menos importante
mais ou menos semelhante e regular, o processo de assimilação de uma informação não está
na dependência da qualidade da assimilação - como estaria o pressuposto do processo
conscientizador -, mas está relacionado, sobretudo, ao modo como essa informação é “vista”
pela dinâmica autopoiética do indivíduo. Assim, a organização autopoiética do individuo tem
como referência a sua identidade autoproduzida, isto é, ela se realiza primeiramente pela sua
capacidade de constituir significados próprios. Isto significa que o processo autopoiético é um
processo de individualização através do quais propriedades intrínsecas da autonomia dos
indivíduos não captam a informação do exterior, mas acolhem o seu entorno como fenômeno
interpretativo.
Observei através do fluxograma descritor que estas seletividades autopoiéticas do
sistema indivíduo (profissional) em relação ao sistema organizativo (representada pelo
princípio da integralidade via acesso-acolhimento e vínculo-identidade), entre o sistema
indivíduo e sistema indivíduo (profissional-profissional e profissionais-usuários), sistema
institucional (federal, estadual e municipal) com os demais sistemas, geram diferentes
possibilidades adaptativas entre estes sistemas que são dependentes dos acoplamentos
estruturais existentes; que contribuem para a compreensão dos processos de construção de
sentido e de identidade da equipe de profissionais entre si com a organização e usuários.
6.4.2 Falta de Acoplamento Estrutural
Questão-problema Vagas para a demanda espontânea cotigenciadas (pelas ações
programáticas), gerando filas e exclusão de parte dos usuários.
137
Neste caso a falta de acoplamento estrutural está no que Mattos discute como um dos
sentidos da integralidade, ou seja, entre ações de impacto epidemiológico e de demanda
espontânea. A não capacidade de resposta, a está questão demonstra que o processo de
trabalho da equipe esta carecendo de aberturas de acoplamentos estruturais entre o sistema
profissionais (equipe) e sistema organizativo (integralidade). Que por sua vez gera o não
acoplamento estrutural entre o sistema profissionais (equipe) e sistema indivíduo (usuário)
levando a exclusão de parte destes do atendimento.
Questão-problema - O não acolhimento, apesar das tentativas de resolução dos
problemas dos excluídos, representa uma baixa oferta e baixa resolutividade, gerando mais
demanda reprimida.
Aqui mostra que o acoplamento estrutural entre o sistema profissional (equipe) e
sistema organizacional (integralidade) se dá de maneira incompleta, de forma adaptativa
demonstrando uma re-interpretação conforme a possibilidade de percepção dos profissionais
dentro de uma auto-referencialidade e identidade.
Outra falta de acoplamento estrutural se entre o sistema profissional (equipe) e
sistema indivíduo (usuário), estruturação do serviço é feito não levando em conta as
necessidades dos usuários, restringindo seu acesso, acolhimento e vínculo.
Questão-problema - O processo de trabalho depende da consulta médica, os serviços
ofertados aos usuários de forma burocrática e sistemática, reduzindo a capacidade de resposta
do serviço à demanda, ou seja, os outros profissionais, sobretudo enfermeira e auxiliares de
enfermagem, não atuam na assistência direta aos usuários, reduzindo a oferta e
conseqüentemente o acesso aos serviços.
Nesta questão a falta de acoplamento estrutural se entre o sistema indivíduo
(profissional) e sistema indivíduo (profissional), onde ocorre uma anulação de parte destes
profissionais, conforme a estrutura do processo de trabalho é expresso no fluxograma
descritor. Isso decorre de uma interpretação histórica que envolve o desenvolvimento
estrutural da própria sociedade (papel privilegiado dado ao médico) e dos sistemas de
organização (sistemas de saúde, modelos de atenção, instituições de saúde, instituições
formadoras etc.) demonstrando também a falta de acoplamento destes com o sistema
individuo (profissional). Bem como a falta de acoplamento estrutural entre o sistema
profissional (equipe) e o sistema organizativo (integralidade) e deste com os sistemas de
organizações.
Questão-problema - O fornecimento do medicamento ao usuário é tratado de acordo
com uma lógica filantrópica, a partir da ação do Estado (no caso, a prefeitura), parte dos
138
medicamentos é fornecida pela Secretaria de Ação Social e pelo fato do julgamento da
carência do usuário é feito pelo representante do governo municipal (Assistente Social), que
julga de acordo com os critérios desta secretaria. O acesso ao medicamento neste caso,
embora reconhecido idealmente como direito de cidadania, é na prática, considerado como
benefício a ser concedido aos carentes, que são tidos como tal pela prefeitura através da
Secretaria de Ação Social.
Aqui a falta de acoplamento estrutural se entre o sistema institucional (Secretaria
Municipal de Saúde) e o sistema indivíduo (usuário), baseado na gica da dádiva, sendo
negado a condição de direito do usuário, negando a sua cidadania e direito constitucional.
Bem como a falta de acoplamento estrutural entre o sistema institucional (Secretaria
Municipal de Saúde) e sistema organizativo (integralidade).
Questão-problema - O filantrópico, operando sobre questões dos medicamentos,
gerando uma lógica estruturante na organização do serviço, sobre-saindo daí os interesses
racionalizadores, administrativos e financeiros, para economizar recursos com medicamentos.
Neste caso a falta de acoplamento estrutural se entre sistemas institucionais
(federal, estadual e municipal) e destes com o sistema individuo (usuário), que dentro desta
lógica racionalizadora privilegiam a cultura capitalista ocidental, de contenção de custo,
negando a lógica do direito e da cidadania. Também ocorre falta de acoplamento estrutural
entre os sistemas institucionais (federal, estadual e municipal) com o sistema organizativo
(integralidade).
Questão-problema - Parte dos usuários não tem acesso aos medicamentos, mesmo os
de uso contínuo, tendo que ser adquirido em farmácias privadas, levando muitos usuários
deixar de tomá-los e retornar ao serviço com seu estado de saúde agravado por essa razão.
Prejudicando assim o controle terapêutico e indicando uma desresponsabilização em relação
ao usuário.
Esta questão está relacionada com a falta de acoplamento estrutural entre os sistemas
institucionais (federal, estadual e municipal) bem como do sistema profissionais com o
sistema indivíduo (usuário). A questão da falta de acoplamento estrutural entre os sistemas
institucionais e o sistema indivíduo, foi descrito na questão anterior. Quanto à falta de
acoplamento estrutural entre o sistema profissional e sistema indivíduo se deve ao fato da
perde de controle terapêutico, pois a falta do medicamento, não pode ser considerada como
causa da perda do acolhimento, nem de desresponsabilização com o vínculo, para com este
paciente. Outra falta de acoplamento estrutural se entre os sistemas institucionais (federal,
139
estadual e municipal) e o sistema profissional (equipe) com o sistema organizativo
(integralidade).
Questão-problema - O funcionamento da Unidade de Laboratório deixa claro o
processo burocrático, centrado nos interesses corporativos de quem está trabalhando ali, um
serviço pouco implicado com problemas de saúde dos usuários. As evidências desta afirmação
estão no restrito horário para coletas de exames.
Nesta questão a falta de acoplamento estrutural se em três níveis, o primeiro entre
sistema profissionais (laboratório) e sistema profissional (equipe), embora pertencendo a
processo de trabalho (atividades) diferente, ocorre interferência do primeiro em relação ao
processo de trabalho do segundo. A segunda falta de acoplamento estrutural ocorre entre o
sistema profissional (laboratório) e sistema indivíduo (usuário) restringindo o acesso deste,
preservando a lógica de estruturação do processo de trabalho conforme suas necessidades e
vantagens do primeiro. A terceira entre o sistema profissional (laboratório) e o sistema
organizador (integralidade).
Questão-problema - Os usuários são levados a retornarem para a primeira fila pela
manhã, para disputar nova “ficha” e nova “agenda de consulta” para acesso aos retornos.
Esta questão diz respeito à falta de acoplamento estrutural entre sistema profissional
(equipe) e sistema indivíduo (usuário), prevalecendo à lógica de estruturação do processo de
trabalho conforme a visão dos profissionais em relação as suas necessidades, restringindo o
acesso do usuário ao serviço. Também entre o sistema profissional (equipe) e sistema
organizativo (integralidade).
Questão-problema - A recepção recebe um acúmulo grande de fluxos administrativos
burocráticas.
Nesta questão a falta de acoplamento estrutural se entre o sistema profissional
(equipe) e sistemas institucionais (federal, estadual e municipal), isto se deve ao fato que os
formulários, fichas cadastrais, sistemas de informações (municipais, estaduais e federais),
requisições de exames, medicamentos, referência e contra-referência, etc., preenchidos pelos
profissionais ou na própria recepção, acabam sempre sendo que administrados por este setor,
gerando assim um fluxo burocrático grande, gerando um tempo gasto muito grande dos
profissionais, dificultando o processo de trabalho, refletindo na questão do acesso,
acolhimento e vínculo, o que demonstra também uma falta de acoplamento estrutural entre os
sistemas instituições (federal, estadual e municipal) e o sistema organizativo (integralidade).
Questão-problema - O usuário pode percorrer um caminho maior, visto que o
formulário para encaminhamento para algumas especialidades e exames de alto custo, não é
140
permitido sua guarda pela Unidade e nem mesmo o preenchimento pelo médico, o que
reduziria o esforço do usuário e garantiria agilidade no acesso a procedimentos de alta
complexidade/custo. A maioria dos exames de alto custo pode ser pedido pelas
especialidades, burocratizando e aumentando o tempo de sofrimento do usuário.
Nesta questão a falta de acoplamento estrutural se em níveis, o primeiro entre o
sistema institucional (Secretaria Municipal de Saúde) e sistema indivíduo (médico), a falta de
autonomia do médico em realizar tais encaminhamentos revela uma lógica pautada pelo viés
econômico e representa ainda uma baixa capacidade de oferta de serviços. O segundo nível da
falta de acoplamento estrutural se entre o sistema institucional (Secretaria Municipal de
Saúde) e o sistema indivíduo (usuário), a lógica neste caso é pautada nas necessidades da
instituição e não na necessidade e direito do usuário, dificultando o acesso, acolhimento e
vínculo. O terceiro seria a falta de acoplamento entre os sistemas (federal, estadual e
municipal) e o sistema organizacional (integralidade), seguindo sempre a lógica
racionalizadora administrativa econômica, de contenção de custos, refletido assim pela falta
de oferta de serviços.
Questão-problema - Outro encaminhamento que se realiza aqui diz respeito aos da
natureza ambulatorial, em procedimentos que não são realizados pela Unidade e são, portanto,
encaminhados ao Pronto-Atendimento ou à outra Unidade de Saúde do município, para que
atendam ao usuário. Isto revela problema com capacidade de oferta de serviço da Unidade.
Nesta questão revela uma falta de acoplamento estrutural entre o sistema profissional
(equipe) e sistema indivíduo (usuário), pela baixa oferta de serviço, ocorre dificuldade de
acesso e acolhimento e vínculo com o usuário. Bem como a falta de acoplamento estrutural
entre o sistema profissional (equipe) e sistema organizacional (integralidade).
Discutirei a partir desta análise, algumas colocações que, a nosso ver são pertinentes
ao que iremos chamar de incongruências - falta de acoplamento estrutural entre os sistemas e
o que poderei chamar de certa congruência notada entre todos os sistemas - a falta de
acoplamento estrutural entre estes sistemas e o sistema organizativo (a integralidade sub-
entendidas nas categorias de acesso, acolhimento e vínculo, incorporadas no usuário). Pode-se
sugerir que esta congruência pode ser chamada de um sistema autopoiético?
Um sistema autopoiético é organizado como um sistema de produção de componentes.
Concatenados de forma a produzir componentes que geram processos (relações) de produção,
que os produzem por meio das contínuas interações e transformações e que a constituem como
unidade em um espaço físico. O sistema autopoético é dinâmico: as relações espaciais entre
componentes são especificadas pela rede de relação de produção (que constitui sua
141
organização), que estão em contínua troca. As operações dos sistemas autopoiéticos
estabelecem os próprios limites de sua unidade no processo de autopoiese. A criação das
próprias fronteiras define o sistema como unidade e especifica o domínio das operações da
rede.
CAPRA, (1996) resume o que foi exposto da seguinte forma:
Uma vez que todos os componentes de uma rede autopoiética são
produzidos por outros componentes na rede, todo o sistema é
organizacionalmente fechado, mesmo sendo aberto com relação ao
fluxo de energia e de matéria. Esse fechamento organizacional implica
que um sistema vivo é auto-organizador no sentido de que sua ordem e
seu comportamento não são impostos pelo meio ambiente, mas
estabelecidos pelo próprio sistema. Em outras palavras, os sistemas
vivos são autônomos. Isto não significa que são isolados do seu meio
ambiente. Pelo contrário, interagem com o meio ambiente por
intermédio de energia e fluxo. Mas essa interação não determina sua
organização eles são auto organizadores. Então a autopoiese é vista
como padrão subjacente ao fenômeno auto-organizativo, ou
autonomia, que são característicos de todos os sistemas vivos
CAPRA (1996, p. 140).
Diante do que foi exposto pode-se sim sugerir que esta congruência (falta de
acoplamento estrutural entre os sistemas e o sistema organizativo - integralidade via acesso,
acolhimento e vínculo corporificado no usuário) - é um sistema autopoiético.
Cabe agora perguntar como acontecem os processos de produção de componentes
(aprendizagem), para manter este sistema autopoiético (falta de acoplamento estrutural entre
os sistemas e o sistema organizativo - integralidade via acesso, acolhimento e vínculo
corporificado no usuário)? Se cada sistema vivo é um sistema autopoiético (auto-
organizativo), como que ocorre esta aprendizagem?
Pensar o conhecimento a partir da autopoiese é possível se entendemos cada ser
vivente como sistema fechado, auto-organizado e auto-organizável. Para Maturana isso é
possível por que cada ser é em relação. O que determina, em última análise, a organização do
vivo, é sua própria autopoiese. Mas o que desencadeia é a relação que se estabelece entre
vivo-meio-vivo. O organismo se autogere, mas o faz na relação com outros organismos.
Isto quer dizer que não é possível determinar quais as ações subseqüentes num processo
autopoiético. Mas é possível saber que o vivo age e reage diante das circunstâncias, já que vai
organizando seu conhecer a partir do próprio ato de viver. Conhecer neste sentido é condição
de vida na manutenção da interação ou acoplamentos integrativos com outros indivíduos e o
meio.
142
O viver-conhecer na relação significa neste caso a noção que estamos diretamente
vinculados aos modos como relacionamos e de como organizamos nossa relação. Não se
tratando de mera adaptação ao meio. O viver-conhecer na relação significa, ao mesmo tempo,
a criação/re-criação desse espaço relacional, e de outros, e a criação/re-criação do sistema de
relação, podendo incluir, em algum momento, a adaptação, mas vai além dela.
A teoria autopoiética está erguida em meio à interatividade. Conceito como
acoplamento estrutural e autopoiese, prevê um inter atividade do ser com o meio, portanto
entre ser inter atuantes que se modificam nesta inter-relação. É assim que os autores anunciam
o acoplamento estrutural como processo intrínseco a autopoiese do ser:
Cada vez que o comportamento de uma ou mais unidades é tal que
um domínio em que a conduta de cada uma é função das demais, se
diz que estas estão acopladas neste domínio. O acoplamento surge
como resultado das modificações mútuas que as unidades interatuantes
sofrem, sem perder a identidade, no decurso de suas interações
MATURANA (1997, p.132).
O pressuposto da afirmação da centralidade do conviver no processo de aprendizagem
reside no fato de que este conviver não constitui simplesmente em estado. Trata-se de uma
relação, por conseguinte, modificação, mais perceptível, dos sujeitos envolvidos nela. A
congruência reúne modos de proceder nesta relação que tornem as ações compreensíveis aos
integrantes deste lugar de convívio e que, em aspectos centrais, possuem um fio comum. A
congruência se dá, portanto, na linguagem, considerada como espaços construídos por ações
que se tornam comuns.
Trata-se de estabelecer o espaço de ações que, por lidarem com elementos comuns de
linguagem, são consensuais. A congruência, que é a comunicação mais inteira, vai
construindo os critérios de validade. No conviver, nesta congruência, a transformação
estrutural se a partir da compreensão sistêmica do estrutural, sendo que qualquer ação
comunicada interfere na totalidade do sujeito.
Neste sentido o “observador” (profissional da saúde), passa através desta linguagem,
modulando seus outros domínios (emoção e corporalidade) dando forma mais integral a esta
congruência (falta de acoplamento estrutural entre os sistemas e o sistema organizativo -
integralidade via acesso, acolhimento e vínculo corporificado no usuário).
143
Representação gráfica do observador
O corpo é modo e meio de interação do indivíduo a realidade do mundo, sendo
carregado de significação e meio de linguagem. O individuo aprende a fazer uso das
expressões culturais de acordo com os acoplamentos estruturais recebidos na sua interação
com a cultura e seu ambiente.
A emocionalidade constitui observadores diferentes: distintas emoções predispõem a
observar certos eventos e a não observar outros.
Dentro desta congruência o aprendizado, se na linguagem (na negação da palavra -
acolhimento), se na corporalidade (na negação do corpo - acesso) e também na emoção
(negação do sentir – vínculo).
6.4.3 Níveis de Contradição
A atividade humana é complexa e é uma realização evolutiva. Um sistema de atividade
não existe em um vazio, mas interage com uma cadeia de outros sistemas de atividade e
modelos, depende de regras e instrumentos de certos sistemas de atividade (administrativos,
gestacionais, leis, etc..) e produz resultados em outros sistemas de atividade (por exemplo:
usuários). Assim influencias de fora, “intromissão”, muitas vezes podem vir a desencadear
eventos surpreendentes e mudanças na atividade humana, ou seja, as influencias externas são
definidas pelo sistema de atividade, que é modificado por fatores internos causando certo
desequilíbrio. Este fator externo o que Engeström (1987) denomina de “contradições”.
Introduzi as categorias de analise Acesso, Acolhimento, Vínculo-Identidade (dando a
elas caráter indispensável ao principio da integralidade das ações), nas questões-problemas e
verifiquei os seguintes níveis de contradições.
Contradições primárias
: ocorre através das atividades em formações socioeconômicas,
isto é entre o valor de troca e o valor de uso estimado dentro de cada elemento constituinte do
144
sistema de atividade. Dentro do que foi proposto analisar, onde as categorias acesso,
acolhimento e vinculo estão incorporada no objeto/motivo da atividade, isto no usuário
podemos verificar que em todas as questões - problema apresentam esta contradição. Isto se
deve ao fato que a atividade em saúde tem como seu objeto/motivo o usuário individual ou
coletivo, seja em qualquer sistema de atividade (institucional administrativo ou formador e
profissional individual ou coletivo), e para isso o usuário individual ou coletivo não apenas
figura como mais um ser humano, mas sim alguém que ele necessita garantir acesso,
acolhimento e vínculo, assim o usuário passa a ser elemento da atividade de trabalho. O
sucesso nisso que irá fortalecer a atividade em saúde, garantindo a sua sobrevivência, que
este depende do sucesso do usuário, conforme suas necessidades.
Contradições secundárias: são aquelas que manifestam entre os vértices do sistema de
atividade, nestes casos, uma perturbação entre os pólos do sistema ameaça interromper a
atividade, alterando sua trajetória de ação esperada. Isto é uma contradição em todas as formas
de mediação (ferramenta (artefatos), regras e divisão de trabalho), que possuem um
desenvolvimento histórico próprio, com características particulares relacionadas ao contexto
em que foram desenvolvidas, bem como sujeito (individual e coletivo), comunidade e objeto.
Usei a numeração das questões-problema, dadas anteriormente, para não se tornar
repetitivo e facilitar o trabalho.
Questão-problema 1: a contradição se entre o(s) sujeito(s) da atividade, isto
é, profissionais da equipe e objeto/motivo que são os usuários, tendo como
mediador as regras para a marcação de consultas. Gerando assim uma
contradição em relação às categorias de análise acesso, acolhimento e vinculo,
incorporada no objeto/motivo (usuário).
Questão-problema 2: a contradição é idêntica a anterior.
Questão-problema 3: contradição é entre sujeito(s) (profissionais) e
objeto/motivo (usuários) tendo como mediador a divisão de trabalho.
Questão-problema 4: contradição está entre o sujeito (Secretaria Municipal de
Saúde) e o objeto/motivo, tendo como mediador a regra de distribuição de
medicamentos.
Questão-problema 5: a contradição é idêntica a anterior.
Questão-problema 6: a contradição está entre o Sujeito(s) (instituição federal,
estadual e municipal) e o objeto/motivo (usuário) tendo como mediador as
regras de distribuição de medicamentos. Bem como também entre o sujeito
145
(equipe) e objeto/motivo (usuário) tendo como mediador artefato que é seu
processo de trabalho.
Questão-problema 7: a contradição se encontra entre sujeito(s) (profissionais
do laboratório) e o objeto/motivo (usuário) tendo como mediador o artefato que
é seu processo de trabalho.
Questão-problema 8: a contradição é entre o sujeito(s) (equipe) e o
objeto/motivo (usuário) tendo como mediador o artefato que é seu processo de
trabalho.
Questão-problema 9: a contradição está entre sujeito(s) (equipe) e divisão de
trabalho tendo como mediador as regras institucionais (federal, estadual e
municipal).
Questão-problema 10: a contradição está entre sujeito (médico) e
objeto/motivo (usuário), tendo como mediador a regra institucional (Secretária
Municipal de Saúde), para realização de exames de alto custo e de
encaminhamento para especialidades.
Questão-problema 11: a contradição encontrada diz respeito ao Sujeito
(equipe) e objeto/motivo (usuário) tendo como mediador artefato que é seu
processo de trabalho.
3- contradições terciárias: dá-se quando uma forma culturalmente mais avançada
da atividade central, reconhecida por seu objeto e por seu motivo, é proposta por membros da
ou pelo sujeito.
Pode-se observar através das questões-problema oriundas do fluxograma descritor,
que a atividade central, isto é, o processo de trabalho do sujeito(s) (equipe) entra em
contradição com o artefato representado pelas diretrizes de atuação inseridas na estratégia
Saúde da Família. Isto fica claro nas questões-problema 1, 2 e 3, que trazem referencia ao
acesso, acolhimento e vinculo, como também a questão da atuação interdisciplinar e trans-
disciplinar. Bem como nas questões-problema 6, 8 e 11, que se refere ao acesso, acolhimento,
vínculo e responsabilização. Estas questões-problema ainda se encontram justificadas sob o
manto das antigas práticas.
4- Contradição quaternária: acontecem entre a atividade central e as “atividades
vizinhas” a ela. Esses relacionamentos podem ocorrer da seguinte maneira:
146
Atividade objeto as atividades nas quais os objetos imediatamente aparentes
e os resultados da atividade central estão entrelaçadas. As questões-problema 7,
9 e 10, referem-se a esta contradição. Na primeira a contradição está entre
atividade do laboratório e a atividade da equipe, mediatizada pelo processo da
primeira. Na questão-problema 9 a contradição se encontra entre a atividade da
equipe e a atividade das instituições (federal, estadual e municipal)
mediatizadas pela enorme burocracia existente (formulários, fichas cadastrais,
sistemas de informações, etc. Já na questão-problema 10 a contradição está
entre a atividade do sujeito médico e a atividade institucional (federal, estadual
e municipal) mediatizada pela regras burocráticas e oferta de serviços).
Atividades produtoras de instrumento: produzem artefatos essenciais à
atividade central, normalmente pela Ciência e pela Arte. Pela dificuldade em
podemos dar um exemplo pessoal desta contradição que como médico e
fazendo parte da equipe. A contradição estaria entre a atividade médica e a
atividade promoção de saúde, como mediador modo de vida do paciente, sob
pena de, ao investigar o paciente apenas sob a ótica de um conjunto abstrato de
sintomas e doenças, perde-se o fio da meada capaz de levar uma compreensão
mais ampla do desenvolvimento sistema de atividade do usuário.
Atividades produtoras de sujeitos: abrangem atividades como educação e
escolaridade dos sujeitos envolvidos na atividade central. As questões-
problema 1, 2, 3, 6, 8 e 11, referem-se a contradição entre a atividade da equipe
e atividades educacional, mediatizada pela formação educacional recebida.
Atividades produtoras de regras: abrange atividades administrativas e de
legislação, que fornecem as regras responsáveis pela regulação da atividade
central. As questões-problema 1, 2, 3, 6, 8 e 11, referem-se a contradição entre
a atividade da equipe e atividade estratégia Saúde da Família, mediatizada
pelas suas diretrizes. as questões 7, 9 e 10, referem-se a contradição entre a
atividade da equipe e atividade institucional (federal, estadual e municipal)
mediatizada por suas regras.
Cabe agora falar como ocorre o aprendizado dentro do referencial da Teoria da
Atividade. Vygotsky, que criou a idéia de mediação, ou seja, a relação entre ser humano e
objetos é mediada por meios culturais, ou seja, ferramentas e sinais. Leontiev deu ênfase à
atividade como processo histórico fundamental, pela evolução das funções mentais. O
147
trabalho mediado por ferramentas, distinguindo atividade, ação e operação. Assim essas duas
correntes são relevantes dentro da Teoria da Atividade. Inicialmente desenvolvida por
Vygotsky e após sua morte, seus colaboradores Leontiev e Luria deram continuidade ao seu
trabalho, tendo como propósito estudar as formas diferentes de práticas humanas em contextos
determinados, que pode ser vista como processo desenvolvido em diversos níveis individual e
social interligados entre si, a qual denominaram de sócio-histórica.
A aprendizagem nesta teoria prevê que ocorra uma reestruturação do aprendiz, ou seja,
o processo pelo qual o sujeito, como conseqüência de suas interações com os objetos, encontra
novas maneiras de organizar e estruturar seus conhecimentos, adaptados ao mundo externo.
Isto exigiria uma tomada de consciência do sujeito sem perder a noção da influencia dos
significados, que fazem parte deste cenário de aprendizagem. As abstrações psicológicas, tais
como pensamento, sentimentos, percepção, aprendizagem e comunicação devem alicerçar-se
na atividade sensorial viva.
A natureza sócio-histórica é modelada pela atividade e utilizada por seres humanos
para se orientarem em relação ao meio ambiente, não para adaptarem-se às condições, mas
para reestruturá-las. Os processos cognitivos, a percepção, a memória, a abstração e a
generalização, o raciocínio e a solução de problemas não são independentes e imutáveis, são
processos que ocorrem em atividades concretas, práticas, e que se formam dentro dos limites
desta atividade.
Esta linha teórica esta calcada nos fenômenos psicológicos, os quais são elaborados
humanamente à medida que os indivíduos participam de interações sociais e à medida que
empregam instrumentos e técnicas. Está embasada no desenvolvimento do individuo a partir
de seu relacionamento social, o qual é modificado com o decorrer do tempo pelo confronto
entre experiências individuais e coletivas através do trabalho, compreendido como, qualquer
atividade desempenhada pelo ser humano ao longo da sua existência.
A aprendizagem deve ser entendida como uma atividade social; uma atividade de
produção e reprodução de conhecimento mediante qual o sujeito assimila os modelos sócio-
espaciais e suas relações, intervindo sobre estes. Nesta concepção de aprendizagem destacam-
se três elementos fundamentais: o social, a atividade e a mediação.
A reconstrução interna das atividades externas é denominada de processo de
“internalização”, este processo implica em uma reorganização das atividades psicológicas e
para que seja possível a internalização e a construção das funções superiores (ou condutal
superior) é preciso a utilização de signos externos os quais se formam nas relações com os
outros. Sem o outro a atividade externa não se converteria em uma mediação significativa, isto
148
é, em signo. A internalização está relacionada com a reprodução da cultura. O ser humano
internaliza conhecimentos, conceitos, valores e significados, reproduzindo-os em suas
relações sociais. O processo de “externalização” está ligado à capacidade criativa do ser
humano, através do qual é possível transformar a realidade vivida.
6.4.4 Comunidade de Prática
Pode-se considerar a equipe do Programa Saúde da Família, uma comunidade de
práticas? Pelos critérios de Wenger (1998) para ser considerada como uma comunidade de
prática é necessária ter três características:
domínio ou seja, o domínio de conhecimento que aos membros um senso
de empreendimento comum e os mantém junto;
a comunidade em busca dos interesses no seu domínio, os membros
participam de atividades conjuntas e discussões, compartilham informações,
formando uma comunidade em torno do seu domínio e constroem
relacionamentos;
a prática uma comunidade não é simplesmente uma comunidade de
interesses, seus membros desenvolvem um repertório de recursos: experiências,
histórias, ferramentas, maneiras de resolver problemas recorrentes da prática,
ou seja uma prática compartilhada.
Essas características são pertinentes à equipe do Programa Saúde da Família, desta
forma pode-se afirmar que ela é uma comunidade de práticas. Mas esta comunidade de prática
(equipe do Programa da Saúde da Família), não pode ser vista como entidade isolada e
independente de outras práticas, pois ela faz parte de uma organização.
Segundo Wenger (1998) uma organização é uma constelação de comunidades de
práticas, estudadas como um complexo de comunidades de prática intercontadas, cada uma
com sua mini-cultura local. O termo constelação é usado para expressar que existem relações
entre as comunidades de práticas.
Segundo este autor, estas relações podem estar: no compartilhamento histórico, no
serviço da mesma causa, no pertencimento a uma mesma instituição, ter membros em comum,
no compartilhamento de artefatos em relações geográficas de proximidade ou interação (não
geograficamente próximas), ao ter discursos que se sobrepõem e ao competir com os mesmo
recursos.
149
Mas uma vez vistas como unidades que fazem parte da constelação as comunidades de
prática têm fronteiras definidas que delimitam o seu interior e o seu exterior, estas fronteiras
não são definidas por uma instituição. Fronteiras institucionalizadas não definem
necessariamente uma comunidade de práticas. Quem pertence e quem não pertence à
comunidade de prática, e como as fronteiras são definidas, são definidas no desenvolvimento
da comunidade de prática. Existem reificações que podem criar fronteiras e deixar claro quem
pertence e quem não pertence a uma comunidade de prática. (WENGER, 1998)
Ao verificamos através das analises anteriores que a prática de não acesso,
acolhimento e vinculo com o usuário, é uma prática reificada, em todos os níveis da
organização, podemos sugerir, dentro desta perspectiva, como sendo uma comunidade de
prática. A pergunta aqui é como nos tornamos membros desta comunidade de prática?
Cabe aqui discutirmos a questão da participação em comunidades de prática. Wenger
(1998) utiliza o termo participação para descrever a experiência social de se viver no mundo,
no sentido de tornar-se membro de uma comunidade de prática e envolver-se em iniciativas
sociais. Neste caso, a participação é pessoal e social. Num processo complexo que combina o
fazer, o conversar, o pensar, o sentir e o pertencer. Envolve todo o ser, incluindo nosso corpo,
mente, emoções e relações sociais.
Uma característica definitiva da participação é a possibilidade de desenvolver uma
identidade de participação, ou seja, uma identidade constituída através das relações de
participação.A participação segundo o autor pode envolver todos os tipos de relação:
competitivas ou cooperativas, conflituosas ou harmoniosas, intimista ou políticas. Nossa
habilidade (ou inabilidade) de dar formas às práticas em que estamos inseridos é um aspecto
importante em nossa experiência de participação. A participação é maior que mero
engajamento na prática. Ela gera significado ao fazer parte da negociação de nossas formas de
interação e assim ajuda a definir nossa identidade.
Wenger (1998) traça um paralelo entre a prática e a identidade, afirmando que a
formação de uma comunidade de prática é também uma negociação de identidade.
PRÁTICA COMO..... IDENTIDADE COMO....
Negociação de significados (em
termos de participação e reificação)
Experiê
ncias negociada de si próprio (em
termos de participação e reificação)
Comunidade Torna-se membro de
Histórias compartilhadas de
aprendizagem
Trajetória de aprendizagem
150
Fronteiras e territórios Nexos (conexões) de multipertencimento
Constelações Perte
ncimento definido globalmente mas
experimentado localmente
Fonte: Wenger, 1998
Wenger (1998) apresenta também três modos distintos de pertencimento: engajamento,
imaginação e alinhamento:
Por engajamento: entende-se por envolvimento ativo nos processos mútuos de
negociação de significados. Este envolvimento se através de histórias compartilhadas de
aprendizagem, relacionamentos, interações e práticas comuns;
Por imaginação: como modo de pertencimento refere-se em criar imagens do mundo e
buscar conexões através de relações entre espaço e tempo, extrapolando nossa própria
experiência. Assim, através da imaginação podemos nos localizar no mundo e na história,
além de incluir outros significados, outras possibilidades, outras perspectivas em nossas
identidades. Por outro lado, caso a “imaginação” esteja baseada em estereótipos, ela projeta
um mundo pré-concebido em outras práticas especificas e transfere este mundo para a prática
em questão.
Por alinhamento: é a coordenação da energia e atividade de um grupo de pessoas, de
modo que se encaixem nas estruturas mais amplas, contribuindo com a amplitude dos
empreendimentos. O qual se por meio de discursos, empreendimentos coordenados, estilos
próprios, pela complexidade e pela submissão. O alinhamento está relacionado ao
direcionamento e ao controle da energia de um empreendimento, por conseguinte, está
intimamente ligado ao poder.
Outra questão a ser levantada como nos apreendemos para tornarmos membros de
desta comunidade?
Lave (apud Wenger, 1998) argumenta que a aprendizagem normalmente ocorre em
função da atividade, contexto e cultura na qual ela ocorre, ou seja, ela é situada. A interação
social é um componente crítico da aprendizagem situada, pois os aprendizes estão envolvidos
em uma comunidade de prática que incorpore certas crenças e comportamentos adquiridos.
Como iniciante ou recém chegado a uma comunidade de prática move-se da periferia desta
comunidade ao centro, tornado-se mais ativo e engajado na sua cultura e, por conseguinte,
assumindo o papel de veterano ou experiente. Assim, a aprendizagem situada é usualmente
mais não intencional do que proposital. Wenger (1998) chama este processo de participação
periferia legitimada.
151
Wenger (1998) resume a perspectiva social da aprendizagem nos seguintes princípios:
a aprendizagem é inerente à natureza humana; á a primeira e principal habilidade para
negociar novos significados; cria estruturas emergentes; é fundamentalmente experimental e
social; transforma nossas identidades; constitui trajetórias de participação; significa lidar com
fronteiras; é uma questão de energia social e poder; é uma questão de engajamento; é uma
questão de imaginação dependente de um processo de orientação, reflexão e exploração para
colocar nossas identidades e práticas; é uma questão de alinhamento; envolve uma ação
recíproca entre o local e o global.
Cabe aqui discutir como é possível, então tornarmos membros mais participativos
nesta comunidade de prática, a partir de uma participação periférica legitimada?
Existem níveis de participação entre os quais nos deslocamos da periferia para o
centro, isto mostra que existem fronteiras entre esses níveis, pois eles são possíveis de
identificação, como unidade. Como se dá então o processo de aprendizado, já que este
depende de alguma forma de interação? Ou melhor, quais seriam as formas de conexões entre
os níveis de participação?
Wenger (1998) demonstra que existem conexões que sustentam as relações e apresenta
dois tipos: objeto fronteira e Brokenrig. O termo “objeto fronteira” foi concebido pelo
sociólogo Leigh Star (apud Wenger,1998) para descrever os objetos que servem para
coordenar e organizar o fluxo de informações entre diferentes práticas. Wenger afirma que o
trabalho do brokering e complexo, pois envolve processos de tradução, coordenação e
alinhamento entre os pontos de vista, fornecem uma conexão participativa, utiliza sua
experiência de pluripertencimento e as oportunidades e as propriedades de negociação,
inerentes na participação, para conectar práticas.
Assim cabe perguntar qual ou quais são o(s) objeto(s) ou brokering, que atuam no
processo de aprendizagem entre os níveis de participação nesta comunidade de prática?
Será que o usuário corporificado nas categorias acesso, acolhimento e vinculo - ou
melhor, dizendo, do não acesso, acolhimento e vinculo - poderia ser considerado um objeto
fronteira ou um broker?
Star (apud Wenger,1998) apresenta quatro características que permitem artefatos
agirem como objetos fronteira:
Modularidade: cada perspectiva pode estar presente a uma parte especifica do
objeto fronteira. As categorias acesso, acolhimento e vínculo incorporado no
usuário são pertinentes em todos os níveis de participação desta comunidade.
152
Abstração: todos os pontos de vista são apresentados ao mesmo tempo pela
eliminação das características que são específicas para cada perspectiva. As
categorias em questão fazem parte de uma unidade, mesmo que isoladas
subentende-se a existência da outra.
Acomodação: um objeto fronteira combina-se com várias atividades. As
categorias em questão são inerentes a todos os níveis de participação.
Padronização: a informação contida no objeto fronteira está em uma forma pré-
determinada. As categorias em questão trazem codificadas as informações
inerentes, isto é o não acesso, acolhimento e vínculo corporificado no usuário.
Observei desta maneira que as categorias de não acesso, acolhimento e vinculo
corporificada no usuário servem como objeto fronteira, sendo então uma veiculo de
aprendizagem entre os níveis de participação.
Mas pode supor também, que estas categorias não acesso, acolhimento e vínculo,
corporificada no usuário se se portam como broker, pois utilizando sua experiência de
pluripertencimento e as oportunidades de negociações inerentes a sua “participação” nos
diferentes níveis participatórios, são capazes de processos de tradução, coordenação e
alinhamento entre estes níveis, provocando então a aprendizagem, para conectar práticas.
Cabe agora me ater à questão do que energizaria estas práticas, qual seria o núcleo
central, o que levaria os indivíduos a permanecerem participativos nesta comunidade de
práticas?
Ao analisar anteriormente as questões das contradições, pode constatar que a
contradição primária (entre valor de uso e valor de troca) e inerente a todos os sistemas de
atividades, que se desenvolvem um sistema capitalista avançado. Esta contradição ocorre
através das atividades em formações socioeconômicas, isto é, entre o valor de troca e o uso
estimado dentro de cada elemento constituinte do sistema de atividade. Este tipo de
contradição permeia nossa atividade, fomentando e energizando a participação nesta
comunidade de prática, orientando a nossa imaginação estereotipada, o nosso engajamento e
alinhamento, com esta prática.
6.5 Objetivo da intervenção educacional
Talvez a intervenção pedagógica deva estar em consonância com a definição de práxis
produzida por Chauí (1997): atuar segundo finalidades, construindo o sentido e significado
153
para a ação, agir sobre o mundo de modo reflexivo, alterando o agente junto com a
reconstrução do contexto. Assim o interesse essencial da intervenção pedagógica seria,
proporcionar mobilizar a equipe, constituindo-se um grupo, que pode se transformar em um
ator, sujeito capaz de mudanças.
Propus um arranjo metodológico que soma a competência racional com manejo
relacional, isto é, formação humana (subjetividade) e modelo de atenção (processo de
trabalho-gestão).
Com o surgimento da re-organização do modelo assistencial no SUS, principalmente
na atenção básica, com a introdução da Estratégia Saúde da Família gerou um ambiente de
mudanças tão intensas que afetam o mundo do trabalho. Sendo o campo da saúde é marcado
pela complexidade, devido ao desconhecimento dos destinos das mudanças. É um campo
afetado diretamente pelas novas bases de relacionamento que se impõem entre os profissionais
e entre esses e usuários.
O ambiente, como descrito, aparece como carregado de complexidade, de incerteza. A
tese da autopoiese entra aqui para explicar como os sistemas indivíduos buscam reduzir a
complexidade, a partir das seleções e das decisões que tomam, e que acabam por redefinir
suas narrativas.
Assumir-se inseguro, é resultado de um processo de cognição que interpreta as
ameaças do ambiente complexo como ameaças à própria estrutura do sistema. O trabalhador
que se identificou com o seu trabalho, a ponto de assumir uma identidade vinculada, vê-se
desestruturado em sua organização, em sua consciência, em sua subjetividade.
Subjetividade dos trabalhadores
Emoções-linguagem
Ações e vinculos
Dinâmica grupal
Gestão
Modelo assistencial
Reorganização do
Processo de trabalho
154
Levando a quebra dos antigos pilares do vínculo e da estabilidade, sobre os quais se
assentavam os discursos integradores e sobre os quais se construía o sentido do trabalho e da
vida organizacional, o desafio passa a identificar como os trabalhadores podem ser ajudados a
reconstruir o sentido, reconstruir vínculos e relações no interior das organizações de acordo
com essas novas propostas.
Segundo Assmann (1998) educar significa propiciar e desenvolver processos de auto-
organização nos neurônios e nas linguagens das pessoas. Enquanto adquirem novas
informações e conhecem novas linguagens, os apreendentes devem também poder, deixar
soltos os laços de seus significantes. Quem ensina deve apenas mostrar pistas, insinuar ritmos
para a dança das linguagens. Domesticar e escravizar os significantes em sentidos unívocos
representa um atentado à plasticidade do cérebro/mente.
6.5.1 Objetivo das Oficinas
O resgate da formação humana, que de certa forma repercute na capacitação
profissional e organizacional, através das oficinas nos permitiu tratar de um dos níveis de
autopoiese: a autopoiese no sistema psíquico, que ocorre no nível da consciência. Creio que,
ao destacar esse processo de construção do sentido, estarei cobrindo uma das áreas essenciais
para a compreensão da recepção, percepção, construção e reconstrução dos enunciados
discursivos que vão ou não atribuir sentido à experiência de vida social e organizacional, a
partir do sujeito cognitivo.
Quis proporcionar aos educandos o maior numero possível da presença do que
Maturana e Varela chamam de acoplamento estrutural, por meio do qual será viável a
incorporação de comportamentos identidários com os princípios do Programa Saúde da
Família (Acesso-Acolhimento e Vínculo). Isto é, um investimento no caráter da formação
humana, para que haja mudanças no Capital Atitudicional (vontade de mudar: o pensar, o
sentir, o falar e o agir) e conseqüentemente um aumento no desenvolvimento do Capital
Humano possibilitando a geração de maior Capital Social.
Segundo Vygotsky (1987) sentimento, o pensamento e a vontade estão relacionados
assim como todas as funções psicológicas, ou seja, não existe uma função isolada, nem um
pensamento puro e nem um afeto sem alteração mas sim inter-conexões funcionais
permanentes na consciência, nas quais os sentimentos quando conscientes são atravessados
pelos pensamentos, e os pensamentos são permeados pelos sentimentos, sendo que esses
155
acontecem a partir dos e nos processos volitivos. A função psicológica que potencializa as
demais é à vontade.
O sujeito controla a sua conduta através da linguagem que são signos submetidos às
normas sociais e às regras convencionais e não a linguagem baseada no domínio arbitrário e
autônomo do signo. As funções psicológicas superiores são mediadas, isto é, nascem e vivem
através da mediação dos instrumentos psicológicos, dos signos, sendo assim, é "quase social".
A conversão é o processo de constituição do sujeito no campo da intersubjetividade.
No dizer de Vygotsky (1998) um homem influencia outro através da linguagem. Quer
dizer, no plano das relações sociais e humanas, a linguagem torna-se responsável pela
mediação social de comunicação e interação. O trabalho e a linguagem, enquanto atividades
mediadoras são determinantes para a transformação ativa da natureza humana constituindo-se,
segundo nosso autor, a base real de toda a história humana.
O trabalho é a manifestação histórica que torna possível o aparecimento da razão, da
reflexão ou a consciência humana, como produto também histórico desse processo relacional.
O ser humano torna-se ser consciente exatamente pelo fato de produzir, nesta forma de práxis,
a unidade real entre os objetos de sua atividade (o realmente existente) e os motivos de sua
ação (a prévia ideação).
6.5.2 O Porquê das Oficinas
Ao realizar a análise das questões problemas, através dos acoplamentos estruturais,
colocando as incongruências entre os diversos sistemas e o sistema organizativo
(representadas pelo usuário corporificado pelas categorias de não acesso, acolhimento e
vinculo), notei a presença, do que passarei chamar de subsistema autopoiético, representado
pela congruência existente, nesta incongruência dos diversos sistemas com o sistema
organizativo. Subsistema este formado por uma rede de “conversações” e interações numa
trajetória de co-deriva.
Entende-se por deriva a história das mudanças estruturais de um sistema dinâmico
conservando sua organização invariante ao operar, mantendo-se em congruência com sua
circunstância. Diz que uma co-deriva quando interações recorrentes entre dois ou mais
sistemas e, como conseqüências de tais interações recorrentes, eles se apresentam, mesmo
quando distintos, reprociprocidades congruentes.
Segundo Maturana (1997) sistema é qualquer coleção de elementos, que através de
suas interações, estabelece para si uma forma operacional, separando-o de outros elementos
156
com os quais, também podem interagir e que então, constituem o meio no qual tal coleção de
elementos opera como uma totalidade. Como totalidade, um sistema não existe por si próprio,
ele existe a partir em que o observador especifica uma fronteira, e ao, especificá-la o sistema
emerge, ressaltando-se do meio.
Coloquei naquela análise, que a rede de interligações destes sistemas para formar o
subsistema, estava no domínio da linguagem, por que se toda a distinção é feita pelo
observador e esta só pode ser feita pela linguagem retornam-se de novo ao domínio da
linguagem, quando colocamos, em nossas distinções, que o tipo de rede que caracteriza este
subsistema é uma rede de “conversações”, ou seja, uma rede lingüística. Por conversações,
como está definida por Maturana (1997), entendemos as coordenações de coordenações
condutais consensuais, que implicam tanto a reflexão como a ação.
Para Maturana (1997, p.177) “cultura é uma rede de conversações que define um
modo de viver, um modo de estar orientado no existir, um modo de crescer no atuar e no
emocionar”. Seguindo esta definição poderíamos inferir que neste subsistema a organização é
definida pelas relações e conversações interpessoais características do modo de viver deste
subsistema. E a sua estrutura seria uma das muitas atualizações possíveis deste tipo de
organização. No caso deste subsistema, em particular, acreditamos que sua estrutura é
identificada com as relações efetivas existentes entre os membros reais, facilitando os
acoplamentos estruturais. Por isso a organização (rede de conversações e relações) do
subsistema é necessariamente invariante, enquanto a estrutura pode variar. Quando há
mudanças de organização do subsistema, este se desintegra e outra emerge em seu lugar.
Desta forma poderíamos inferir que se esta organização do subsistema é formada pela
rede de conversações e interações, isto quer dizer, que é constituída na linguagem, uma
transformação na linguagem desta rede, levaria desintegração desta e conseqüentemente da
organização do subsistema. Exigindo, portanto um trabalho de des-construção da linguagem
desta rede de conversações para a construção de uma nova linguagem e desta emergiria uma
nova rede de conversações e uma nova organização deste subsistema.
6.5.3 Análise das Oficinas
Num primeiro momento se faz necessário definir claramente nossa intenção, em
relação à análise destas oficinas. O trabalho não busca analisar as falas dos participantes de
maneira a fazer generalizações posteriores, o que nos interessa é o processo de como ocorreu
157
a aproximação destas falas com os conceitos propostos para as oficinas. A análise do discurso
coletivo serviu para demonstrar estas aproximações.
O discurso do sujeito coletivo (DSC) descrito por Lefèvre (2003) é uma estratégia
metodológica com vistas a tornar mais clara uma dada representação social. Consiste na
reunião, num discurso-síntese, de vários discursos individuais emitidos como resposta a
uma mesma questão de pesquisa, por sujeitos social e institucionalmente equivalentes ou que
faz parte de uma mesma cultura organizacional e de um grupo social homogêneo na medida
em que os indivíduos que fazem parte deste grupo ocupam a mesma ou posições vizinhas num
dado campo social. O DSC é então uma forma de expressar diretamente a representação social
de um dado sujeito social.
OFICINA 1 – O RESPEITO POR SI MESMO E A AUTONOMIA SOCIAL
Propósito: criar condições experienciais a partir das quais se viva o que acontece a
alguém em seu emocionar segundo a pessoa se relacione ou não com respeito a si mesma e
pelo outro.
Atividades
exercício 1: um participante vai ao centro de um circulo de 4 a 5 pessoas que o incitam
a provar drogas, beber, a uma conduta inadequada, pegar algo alheio ou um ato
agressivo, privado ou coletivo. sendo que esta pessoa deve se comportar sem respeito
por si, aceitando passivamente tudo o que lhe é proposto, submetendo-se aos pedidos.
exercício 2: mesmo forma que o exercício 1, mas a pessoa ao centro responde ou se
comporta a partir do respeito por si mesma (a partir da escolha responsável sem exigir
justificação a si mesma nem do outro) e a partir do respeito pelo outro (sem
arrogância).
Trocou-se de papéis de modo que cada um dos participantes passou pelo centro do
circulo, e experienciou a situação.
Dinâmica:
Após a realização dos exercícios pedi ao grupo que sentassem em forma de um
circulo, e que conversassem sobre o que se tinha passado, com cada um nestes exercícios.
Procurando, conforme iam surgindo as “deixas”, provocadas pelas falas dos participantes, os
conceitos importantes e relevantes ao tema proposto para esta oficina, instigando-os a
158
percorrer o caminho, neste conversar, ao encontro destes conceitos. Conceitos esses que são:
que o respeito por si passa pelo respeito ao outro; que o respeito por si mesmo não constitui na
diferença com o outro; quem respeita a si mesmo faz o que faz a partir da liberdade de ser, isto
é, a partir de ser responsável pela própria responsabilidade; e que é responsável quando
consciente das conseqüências das próprias ações e atua de acordo com a decisão entre esta
pessoa querer ou não querer essas conseqüências.
Realizada esta fase procurei fazer um apanhado geral dos conceitos relevantes a esta
oficina, posteriormente solicitei que escrevessem com suas palavras o que significou para
cada um nesta oficina. Que resultou, após analise das respostas, no seguinte discurso do
sujeito coletivo.
Oficina 1 – Respeito por si mesmo e autonomia social
Descreva o que significou para você esta oficina?
Discurso do sujeito responsável por si e pelo outro
Idéias Centrais Discurso Coletivo
Pensar sobre as ações com responsabilização
Atitude correta
Situações novas
Respeito por si e pelo outro
Diferença gera reação diferente dependendo
da situação
Para mim, a oficina mostrou as diferenças que
existem em cada pessoa, quanto às formas de
abordagens e respostas de cada um. Foi bom
participar de uma discussão onde se
pode
visualizar cada pessoa na sua fala e no seu
modo de pensar. Ao me relacionar com elas
acabei vivenciando e passando por várias
situações novas, entre estas, o oferecimento de
drogas e álcool. As pessoas reagem de
ma
neiras variadas as colocações e
questionamentos dependendo das próprias
situações vividas. Acredito que a partir do
momento que se respeita a si mesmo qualquer
outro obstáculo inexiste. Como
eu tenho respeito
pelas minhas opiniões, devo ter respeito pelo
o
utro, ou seja, a minha verdade não é absoluta.
Devo agir conforme minhas convicções, mas
sempre aberto a novos horizontes, e, assumir
responsabilidades. Com certeza vou pensar
melhor nas minhas ações, em relação as minhas
responsabilidades (querer ou não q
uerer), tanto
no trabalho quanto em outras situações
cotidianas. A atitude da pessoa faz a diferença.
Não faça aos outros,
o que não queres para ti.
Diferenças sempre existirão tenho que saber
administrá-las. Assumir atos feitos.
159
OFICINA 2 – EMOÇÃO E AÇÃO
Propósito: é criar condições experienciais a partir das quais os participantes adquirem
fluidez no enxergar suas emoções e no ver os domínios de ações que os constituem.
Atividade: no exercício desta oficina pedi que fossem formados dois grupos, com um
mediador em cada grupo, participei em um dos grupos, como mediador, para completar o
número necessário, para a realização da tarefa. O mediador deveria aos participantes que
fizessem (um participante de cada vez) um pedido, uma exigência, um pedido a partir da
autoridade, um pedido a partir do amor e um pedido a partir da indiferença ao grupo,
orientando para que estes percebam o que acontece com as suas emoções, tanto quando esta
falando ao grupo, como quando está como membro do grupo recebendo os pedidos ou
exigência, em cada uma das etapas.
Dinâmica: como na oficina anterior, nós colocamos a conversar sob as situações
vivenciadas na oficina, procurando sempre ter uma atitude instigadora, frente as falas
conduzindo-as para o encontro a construção grupal (no conversar) dos conceitos propostos
pelos autores desta oficina. Os conceitos são os seguintes: que as emoções guiam o fluir do
comportamento humano e lhe dão o seu caráter de ação; e que a reflexão é um ato no qual se
abandona uma certeza e se admite que o que se pensa, o que se tem, o que se deseja, o que se
opina ou o que se faz pode ser olhado, analisado, e aceito ou rejeitado como resultado deste
olhar reflexivo.
Após esta etapa procurei fazer um apanhado geral dos conceitos, propostos pelos
autores, dando ênfase às distintas emoções possíveis de distinções, no viver cotidiano, e seus
distintos domínios nas ações relacionais.
Estes domínios, segundo os autores desta oficina, seriam: Amor domínio das
emoções relacionais através das quais o outro surge como legítimo outro em convivência com
alguém; Rejeição – domínio das condutas relacionais através das quais o outro é negado como
legitimo outro em convivência com alguém; Indiferença domínio das condutas relacionais
através das quais o outro não tem presença no espaço de convivência com alguém; e
Autoridade – domínio das condutas relacionais através das quais se nega ao outro a autonomia
de ação e reflexão em convivência com alguém.
Terminada esta etapa solicitei, como na oficina anterior, que descrevessem com suas
palavras o que significou, para eles, essa oficina.
160
Oficina 2 – Emoção e ação
Descreva o que significou para você esta oficina?
DISCURSO DO SUJEITO DA MUDANÇA: COM REFLEXÃO E EMOÇÃO
Idéia Central Discurso Coletivo
Colocar o outro na sua pertença pode
modificar a ação.
Reflexão como a emoção muda nossa ação.
Eu penso que a pessoa pode aceitar o que o
outro pensa, mas deve refletir sobre as
diferentes formas de agir e de pensar de cada
um. Sempre qu
e reflito sobre meus atos e
palavras, o que tinha como certeza, às vezes
deixa de ser, na medida em que
analiso e ouço
o outro. Assim, a conseqüência do meu ato
reflexivo pode ser a aceitação ou a negação do
outro. O certo é que ao refletir a pessoa se
per
mite abdicar de uma verdade pronta e
acabada. Ela consegue discernir erros de
acertos, reavaliar e corrigir atos e posições.
Tenho consciência de que sempre alguma
coisa a ser aprendida, e neste sentido percebo
a importância da emoção preceder a ação, p
or
que a emoção, assim como a reflexão pode
modificar positivamente a atitude de cada um.
O respeito às crenças, às culturas, a
individualidade de cada um deve permear a
análise reflexiva do contexto em foco.
OFICINA 3 – CORREÇÃO DO FAZER E NÃO DO SER
Propósito: é criar condições experimentais que permitam distinguir o que acontece na
correção do fazer e do ser e por isso destina-se a criar consciência do emocionar em cada caso.
Atividade: dividi os participantes em dois grupos, com as seguintes tarefas: escolher um
de seus membros e pedir para este se afastar do grupo, enquanto estes planejavam uma tarefa,
programada pelo, de forma que o membro afastado não conseguisse resolve-la. Em seguida
chamassem este membro, pedindo que este resolvesse a tarefa programada enquanto que os
demais membros do grupo ficassem observando e após corrigissem o seu ser. Usando
expressões como “você é um inútil”, “você não aprende nunca”, como você pode errar uma
coisa tão simples”, “você é....”. Após o grupo toma outra postura e se coloca a resolver o
problema conjuntamente com este membro, explicando os pontos de dificuldade encontrados,
161
por este membro. Procurei fazer o rodízio na participação, para que todos passassem pela
experiência de ser corrigido no seu ser e fazer, planejando sempre formas diferentes de
tarefas.
Dinâmica: como nas oficinas anteriores usei o mesmo procedimento, para que nas
“conversações”, fosse sugerindo caminhos de encontro entre o que se conversava e os
conceitos propostos nesta oficina pelos autores. Conceitos esses: que qualquer tentativa de
correção do ser é vivenciada como uma negação ou uma ameaça e leva a auto-desvalorização
do corrigido e ao incomodo da rejeição; que a correção do fazer feita no respeito ao outro
sempre abre possibilidades, ampliando a inteligência.
Depois de realizadas estas conversações”, coloquei novamente as idéias dos autores sobre os
seus conceitos, seja em relação à correção do ser, onde os autores alertam para o fato de que: em nossa
cultura, a pessoa vive o que chama de ser ou sua identidade, identificando-se com ela em seu sentir, de
modo que participa de sua conservação, por isso qualquer correção do ser é vivida como negação
terrível ou ameaça de negação; seja em relação a correção do fazer: em que a correção do fazer não
constitui uma ameaça, porque, ao fazê-la, são especificados limites, dentro dos quais seriam as
coerências próprias do fazer que deseja, sem referência à sua identidade. Terminada esta fase pedi para
os participantes para que descrevessem, conforme as outras oficinas, o que significou para elas esta
oficina.
Oficina 3 – Correção do Fazer e não do Ser
Descreva o que significou para você esta oficina?
Discurso do sujeito respeitador
Idéias Centrais Discurso Coletivo
Corrigir o ser leva a rejeição.
O respeito por si e pelo outro leva a
aprendizagem.
A modificação do fazer pode conduzir a um
crescimento pessoal.
Eu acho que é impossível corrigir o ser sem
antes corrigir o fazer,
por que o fazer pode
ser modificado, enquanto o ser envolve
a
história de cada um. A mudança do fazer pode
conduzir a um crescimento pessoal e
profissional, mas corrigir o ser pode levar a
rejeição, se as coisas são conduzidas com
imposição, desvalorizaçã
o e críticas
negativas. Na medida em que
se discute o
fazer com respeito por si mesmo e pelo outro
acontece um processo de aprendizagem
mútua, que possibilita uma modificação
saudável no agir de todos.
162
OFICINA 4 – BIOLOGIA DO AMOR
Propósito: destina-se a criar experiências que permitam refletir sobre o que
acontece quando se interfere com a biologia do amor, através da criação de um espaço
relacional no qual se vive o que se quer conhecer.
Atividades:
Exercício 1: solicitei a um membro participante da oficina que se afastasse da
sala, com a orientação que quando voltasse teria que participar das atividades
dos grupos. Dividi o restante dos participantes em três grupos, e determinamos
a cada um deles uma tarefa diferente a ser comprida. O primeiro grupo tinha a
tarefa de que quando, o participante que se afastou entrasse em contato com o
grupo, eles teriam que agir como se não o vissem. Ao segundo grupo solicitei
que quando este membro que se afastou entrasse em contato, agissem de forma
a formar uma barreira que impedisse o acesso dele ao que estavam fazendo. Ao
terceiro grupo solicitei que agissem de forma que o colocassem para fora do
grupo.
Exercício 2: terminada sua participação (ou melhor, seria dizer não-
participação) nos grupos, novamente solicitamos a este membro que saísse da
sala, e que após ser chamado repetisse a tentativa de participação. Orientamos
tarefas diferentes a estes grupos. O primeiro grupo agiria de forma que viria o
recém-chegado acolhendo com boas palavras, o segundo grupo teria a tarefa
agora de agir acolhendo o recém-chegado e convidando a participar das ações
do grupo e o terceiro grupo teria que acolhe-lo com abraços e palavras boas,
destacando a ele a como ele é amado e necessário a sua participação na
realização da atividade do grupo.
Por falta de tempo não consegui que todos participantes passassem pela experiência de
ser de ser ignorado ou excluído e de ser acolhido e prestigiado pelos grupos, mas seis dos dez
participantes realizaram por completo a oficina.
Dinâmica: após a realização da oficina, como das outras vezes colocamo-nos a
“conversar” sobre a vivencia de cada um, tanto como parte de grupos ou do afastado que
necessitava participar. Como nas demais oficinas procurei aproveitar as deixas” das falas e
encaminhar os participantes num “conversar” que ia de encontro aos conceitos propostos
pelos autores da oficina a negação é destrutiva, fecha a inteligência na autodepreciação e
163
centra-se na agressão; e que o acolhimento é construtivo, amplia a inteligência e a centra na
colaboração.
Terminando esta fase, reforcei o pensamento dos autores, quanto aos seus conceitos.
Após pedi que todos ao seu nodo, descrevessem qual foi o significado desta oficina para eles.
Oficina 4 – Biologia do Amor
Descreva o que significou para você esta oficina?
Discurso do sujeito apaixonado: feliz junto e triste separado
Idéias Centrais Discurso Coletivo
Acolher leva a participação; a
crescimento, o respeito e a felicidade.
A rejei
ção age negativamente, tanto nas
que
excluem, quanto nas que são excluídas;
leva a perda
; a negação de si mesmo; afeta o
ser e o fazer.
A dinâmica de grupo me faz vivenciar dois
aspectos completamente diferentes, que
fizeram emergir sentimentos também
di
ferentes. No momento em que fui recebida
com carinho, com amor, a aceitação conduziu
à participação e uma feliz interação. Mas
quando o momento foi de exclusão, senti que
não tinha importância, que minhas idéias e
opiniões não faziam a menor diferença. Senti-
me triste, inferiorizada, uma carta fora do
baralho. Talvez o comportamento diante da
rejeição dependa da personalidade de cada
um, mas com certeza é igualmente
desagradável, porque a exclusão leva a
negação de si mesmo, a perda de amizades e
relacionam
entos, inibindo a convivência
social. A acolhida inclui aceitação, respeito e
crescimento como pessoa e como grupo a que
pertence, traz bem estar, enquanto a rejeição,
a não aceitação, é um sentimento
desagradável, que precisa ser trabalhado para
não afetar o ser e o fazer de cada um.
OFICINA 5 – CORPO E ALMA
Propósito: é criar condições experienciais a qual se vive à aceitação do corpo do outro
em sua total legitimidade.
Atividade: solicitei que os participantes formassem duplas e que fossem para um lugar
distante dos demais pares, com a seguinte tarefa: que uma das pessoas do par dize-se alguma
coisa sobre a companheira (o) , que poderia neste caso poderia ser uma coisa boa ou ruim.
Primeiramente esta fala deveria ser dita sem contato visual, de preferência ao lado da pessoa,
após a mesma fala, olhando nos olhos da pessoa, depois repetida olhando nos olhos e
164
segurando nas mãos, repete-se a fala para a companheira (o), mas dando-lhe um abraço e por
ultimo, repete-se a mesma fala abraçando e dando um beijo na face desta pessoa. Após
trocam-se os papéis, de ator e receptor, para que todos participem das duas formas.
Dinâmica: o procedimento de “conversar” sobre o vivenciado, foi igual as demais
oficinas, sempre no intuito de instigar este “conversar” na direção dos conceitos dos autores
que nossa cultura separa corpo e alma como entes em oposição, mas que a aceitação ou
rejeição corporal é também aceitação ou aceitação da alma; e que aceitação ou rejeição da
alma são a aceitação e rejeição do corpo; e que as duas aceitações criam aproximações que
tornam possíveis a formação humana.
Depois desta fase de “conversações”, novamente fiz um apanhado dos conceitos relevantes
nesta oficina. Posteriormente solicitei que descrevessem o que significou para eles esta
oficina.
Oficina 5 – corpo e alma
Descreva o que significou para você esta oficina?
Discurso do sujeito carinhoso
Idéias Centrais
Discurso coletivo
Tocar na pessoa transmite melhor
aceitação; aprendemos a conhecer;
incentiva a emoção
e o afeto; um gesto
vale mais do que uma palavra.
Não olhar nos olhos transmite
indiferença
.
Percebi que quando não olhei nos olhos da
pessoa transmiti indiferença e que o olhar para
ela expressando interesse em ouvir, traz
segurança, aumenta o sent
imento de acolhida e
quando toquei na pessoa, demonstrei afeto e calor
humano. Acho que na verdade uma coisa está
ligada à outra. Não é possível ser receptivo, sem
olhar para a pessoa, sem tocar, sem se emocionar,
por que estas atitudes, com certeza, valem
mais
que palavras. O emocional traz sensações
gratificantes, se as pessoas agem de forma
simpática, passam simpatia e o contato aprofunda
o conhecimento, aproxima as pessoas.
165
OFICINA 6 – ÉTICA E ESPIRITUALIDADE
Propósito: é criar consciência de visão ou cegueira ante o outro e de ampliação da
consciência de pertença.
Atividade: fiz a seguinte colocação para os participantes: uma pessoa sai do
supermercado e verifica que recebeu dinheiro a mais de troco. A partir desta colocação pedi,
primeiramente, aos participantes que colocassem razões racionais, para que esta pessoa ficasse
com o dinheiro recebido a mais, sem preocupação com as conseqüências. Após um número
considerado de justificativas racionais – a pessoa era pobre, necessitava deste dinheiro, o dono
do mercado não ira sentir falta deste dinheiro, o dinheiro não foi roubado, foi dado, etc...,
anotadas deforma que todos os participantes pudessem visualizá-las.
Solicitei para que colocassem preocupações com as conseqüências deste ato
certamente a caixa do mercado teria que repor o dinheiro, o dono do mercado seria
prejudicado e agindo assim, não teria respeito por mim mesmo, escrevemos estas ao lado das
anotações colhidas anteriormente, para que todos visualizassem as duas respostas. Pedi, então,
para os participantes refletissem, sobre as duas situações de respostas. Primeira reflexão: por
que não houve preocupação ética no primeiro grupo de resposta? Segunda reflexão: porque
que houve preocupação ética no segundo grupo de respostas?
Dinâmica: neste “conversar” sobre o que leva a termos preocupações éticas ou não,
frente a determinadas situações, procuramos encaminhar os participantes para uma construção
conjunta de sentidos que aproximassem dos conceitos propostos pelos autores desta oficina
não há preocupação pelo que acontece a outrem com as próprias ações se o outro não
pertencer ao âmbito de existência social de alguém, isto é, não é visto como legitimo outro na
convivência; não visão do outro se não for ampliada à experiência de pertença, de modo
que o outro fique incluído no mundo de alguém; e a ética (preocupações com as
conseqüências das suas próprias ações) e a espiritualidade (experiência de ampliação, de
pertença a um âmbito maior), não têm a ver com a razão e sim com a emoção.
Depois deste conversar, procurei fazer um apanhado das idéias destes conceitos,
propostos pelos autores para esta oficina. Finalmente pedi que os participantes descrevessem o
que significou a oficina para eles
.
166
Oficina 6 – Ética e espiritualidade
Descreva o que significou para você esta oficina?
Discurso do sujeito virtuoso
Idéias Centrais
Discurso Coletivo
O respeito e ética são mediadores das
relações; a ética e a moral norteiam a
conduta.
Motivo racional para justificar atos.
Toda ação traz conseqüências.
A consciência do certo e do errado traz
responsabilidade.
Cultura base da ação.
Emoção antes da ação.
O respeito e a ética são elementos
necessários para a harmonia de um grupo.
Fui educada para agir correta
mente, minha
herança cultural me deu certa base, mas
depende do meu livre arbítrio, a formação do
caráter. Acredito que o caráter de cada um
seja influenciado por muitos fatores e que as
emoções envolvem diferentes reações, que por
sua vez determinam as
ões. Mesmo
inconscientemente ajo
pelo sentimento e a
consciência do certo e do errado determina
minha responsabilidade, como conseqüência
natural do meu ato. Penso que a ética deve
ser a mediadora das minhas relações e a
moral deve guiar a minha conduta. P
ela razão
procurei justificar muitas de minhas ações,
mas se usasse mais a emoção talvez agisse
mais corretamente em algumas
circunstâncias.
6.5.4 As Oficinas
Segundo a concepção da teoria de Maturana Biologia do Conhecer, que coloca o
conhecimento num sistema fechado para informações e aberto para a energia (interações), o
processo de aprendizado delineado pelo grupo que participou das oficinas, nos reporta as
seguintes questões. Como o grupo chegou a essas aproximações com os conceitos propostos?
Como se constituiu o sujeito conectivo neste grupo? Como ocorreram então os acoplamentos
estruturais entre o grupo e os conceitos?
Maturana (1997) coloca que a linguagem como coordenações consensuais de ações,
precede os símbolos, em decorrência disto, o mundo depende do observador. Ainda coloca
que nós seres humanos, como seres determinados estruturalmente, não podemos distinguir na
experiência entre ilusão e percepção. Surgindo daí dois aforismas: Todo fazer é conhecer e
todo conhecer é fazer (todo ato de conhecer produz um mundo) e Tudo o que é dito é dito por
alguém (quem conhece alguma coisa é sempre um observador). Compreende-se então, que o
observador surge no observar, e que o fazer e o conhecer nele operam ao mesmo tempo.
167
Maturana (1997) ressalta que conotamos como observadores no nosso conhecer, em
qualquer domínio particular, ações de distinções, operações, comportamentos, pensamentos
ou reflexões, adequadas naquele domínio, avaliadas de acordo com o nosso critério de
aceitabilidade. Surgindo então um terceiro aforisma: Cada ponto de vista é à vista de um
ponto. Compreende-se então, que diferentes observadores definem, de maneira diferente, o
âmbito das ações possíveis e atuam de modo diferente. Portanto, precisamos compreender por
que atuamos desta ou daquela maneira, visto que a forma como atuamos depende do tipo de
observador que somos.
Mas o que faz cada um de nós observarmos de maneira diferente uma mesma
situação? Como cada membro participante das oficinas pode ser um observador diferente,
diante de uma mesma situação proposta?
Echeverria (1998) coloca os domínios primários do observador, que o constituem: a
corporalidade, a emocionalidade e a linguagem. De acordo com as diferenças encontradas
neles, serão constituídos observadores distintos.
Corporalidade: o corpo é modo e meio de integração do individuo à realidade,
sendo veiculo e meio de linguagem e carregado de significações. É pela cultura
e pelo meio, que as expressões corporais são aprendidas, dando assim a cada
movimento um significado.
Emocionalidade: distintas emoções predispõem a observarmos nas situações
apresentadas certos eventos e outros não. Desta maneira um mesmo fato pode
ser observado de maneira diferente, dependendo da respectiva emoção dos
observadores. Sendo que todas as observações se produzem num espaço
emocional que as afeta. Ao alterar um determinado estado emocional do
observador, altera-se o tipo de observação que este experimenta.
Linguagem: é uma das fontes mais ricas das diferenças, sem menosprezar os
outros domínios. Esta capacidade é exclusiva dos seres humanos, tornando as
diferenças individuais muito maiores.
No domínio da linguagem encontramos os principais componentes da constituição do
observador: as distinções, os juízos e as narrativas.
Distinções: além da percepção do objeto pelos sentidos, o percebemos com
suas distinções. Muitos objetos que habitam o nosso mundo, não são
percebidos pelos nossos sentidos, mas surgem na linguagem, o que nos permite
168
a capacidade de distinção, por destacar o pano de fundo de algo que se torna o
objeto de nossa observação.
Juízos: não somos observadores neutros, descomprometidos com o que
observamos. O observador toma posição, é influenciado pelo que observa de
uma forma ou de outra e coloca em prática sua capacidade de fazer juízo sobre
o que experimenta. Somos seres lingüísticos e os juízos que emitimos nos
tornam observadores diferentes.
Narrativas: a linguagem nos permite estabelecer relações entre tudo o que se
distingue e dar sentido diferente as coisas, adquirindo assim conotações e
significados. Para isto elaboramos narrativas, dando explicações e contamos
histórias dos acontecimentos. Essas narrativas de cada um faz sermos
observadores diferentes e nos possibilitam distintas possibilidades de ações.
Segundo Echeverria (1998), ao falar, não se descreve o que se observa, mas se atua
no mundo e faz-se coisas acontecerem. Por meio da linguagem podemos modificar nossas
relações com os demais e desenvolver nossa identidade. Neste sentido a linguagem é
geradora, isto é, tanto no falar como no escutar, uma intervenção ativa na situação
enfrentada. Assim a linguagem é um tipo de ação, que modifica relações. Coloca ainda, que o
poder transformador da ação implica que toda atuação acarreta conseqüências, mas nem
sempre é possível antecipar os efeitos das ações, isto só é possível a posteriori.
Neste caso o observador tanto pode conduzir a atuação de uma determinada maneira,
como avaliar os resultados gerados, por suas ações. Esta avaliação cumpre um papel decisivo
no desenvolvimento pessoal na medida em que apresenta as seguintes possibilidades: se os
resultados obtidos são satisfatórios, segue-se atuando desta forma; se os resultados são
insatisfatórios adota-se a resignação ou aprendizado. O Echeverria (1998) coloca o quadro
explicativo.
Observador e a ação humana – Echeverria (1998)
Para Echeverria (1998) ao avaliar o resultado que não o satisfaz, o observador, pode
optar por duas possibilidades:
169
Resignação: quando considera que nada pode ser feito para modificar este
resultado, e mantém esta ação. A resignação pode ter origens distintas, mas, em
geral, combina emoções e juízos a respeito do resultado.
Aprendizagem: quando se acredita que o resultado pode ser modificado,
mudando de ação, e com isto, melhorar as conseqüências desta ação, gerando
resultados diferentes.
O autor coloca duas opções possíveis de aprendizagem para modificar a ação e
conseqüentemente os resultados:
Aprendizagem de primeira ordem: visa expandir a capacidade de ação, interferindo no
tipo de ações realizadas. Pode orientar a busca de alternativa ou competências especificas para
realização de ações antes não possíveis. Esta aprendizagem busca modificar a capacidade de
ação, permitindo obter um resultado satisfatório.
Aprendizagem de segunda ordem: visa transformar a atuação do observador, buscando
modificar o próprio observador. Este tipo de aprendizagem alcança um nível de profundidade
muito maior, visto que está direcionada aquela parte do ser humano onde se definem as
inquietudes e a maneira como são configurados os problemas, possibilidades e soluções.
Antes de se preocupar em modificar as ações em si, esta aprendizagem busca questionar as
suposições, as emoções, as distinções primárias, os juízos mestres, a partir dos quais são
moldadas as ações.
De acordo com Maturana e Venden-Zoller (1995), a existência humana se apóia num
espaço relacional denominado “conversar”, que são as interações que ocorrem entre a
linguagem, o fenômeno biológico relacional e as emoções, sendo então, pertencente a classe
de condutas do domínio das ações.
Maturana (1996) coloca que os seres humanos, principalmente ocidentais, devido a
uma tradição cultural que desvaloriza as emoções, declaram continuamente, que o homem é
um ser racional. Não vêm os entrelaçamentos constantes que ocorre entre razão e emoção, que
constitui a vida humana. O autor reconhece a importância do racional na vivencia humana,
mas que a primeira providencia a ser tomada para a valorização da emoção seria aceitar que,
entrelaçado, está sempre presente, o emocional.
Para Maturana (1999) são as diferentes disposições corporais dinâmicas que
especificam os diferentes domínios de ações. Ele distingue dois tipos duas emoções pré-
verbais que normalmente ocorrem: a rejeição e o amor. A rejeição constituída pelo espaço de
condutas que negam o outro como legitimo outro na convivência. O amor constitui o espaço
de condutas que aceitam o outro como legitimo outro na convivência. A rejeição e o amor, no
170
entanto, não são opostos, porque a ausência de um leva ao outro, e ambos têm como seu
oposto a indiferença. Mas rejeição e amor são opostos em suas conseqüências no âmbito da
convivência: a rejeição nega e o amor constitui.
Podemos inferir que no cotidiano ou no trabalho profissional, as nossas emoções
constituem espaços de interações recorrentes de aceitação, rejeição ou indiferenças. Portanto a
ética surge a partir da emoção que gera espaços de aceitação do outro como legítimo na
convivência.
Para Maturana (1999) a conversa, na ação educativa, é elemento central na relação que
produz conhecimento. Para ele “a palavra conversa vem de duas raízes latinas, ‘cum’, que
significa ‘com’, e ‘versare’ que significa ‘dar voltas com’ outro”. (Maturana, 1998, p.80). A
conversa constitui-se, assim, em um espaço relacional por excelência na ação educativa.
Se entendermos a importância do processo relacional na ação educativa, se a formação
do outro como totalmente outro se constitui como objetivo da educação, então é preciso
repensar as interações em que o educando confrontar-se como autônomo nas ações relacionais
e construa a sua autoconsciência, que se exercita na relação.
A biologia do Conhecer mostra-nos, ao observarmos o comportamento humano, uma
inseparabilidade entre o ser/fazer/conhecer/falar a partir dessa visão sistêmica. E é justamente
por isso que temos diante de nós a questão do observador, que não é mais alguém de fora do
sistema a observar uma realidade da qual não faz parte, mas um sujeito que tem que dar conta
de sua própria ação ao operar.
Esse observador pensa sobre seu pensar, sobre seu processo numa atitude meta-
cognitiva que é potencializadora à de ser/conhecer por que vai capacitando cada vez mais este
sujeito em termos de complexidade.
Baseamo-nos nos pressupostos de Humberto Maturana, para a realização das oficinas,
retiradas do seu livro “Formação Humana e Capacitação” (2002), que escreveu juntamente
com Sima N. Rezepka, e também na dinâmica de discussão das atividades, feita pelos
participantes, usamos o que este autor chama de “conversar”: “a esse fluir entrelaçado de
linguajar e emocionar”. ( Maturana, 1999, p.67)
A nossa postura durante o decorrer das conversações sobre as experiências, vividas
pelos participantes, mais indagar do que propor. A indagação é uma preparação para o escutar,
porque demonstra a preocupação com as inquietudes dos outros, abrindo espaço para que este
as exponha e as compartilhe com os demais. Meu objetivo com isto era incentivar, uma rede
de conversações entre os participantes, levando este grupo de encontro aos conceitos
171
norteadores das oficinas, isto é, sua autoprodução e reprodução coletiva. Provocando assim a
autovalidação individual e coletiva destes conceitos.
As oficinas eram compostas por temas, a saber: O respeito por si mesmo e autonomia
social; Emoção e ação; Correção do fazer e não do ser; Biologia do Amor; Corpo e alma;
Ética e espiritualidade. Cada tema tinha o seu propósito e sua atividade. Após esta atividade o
grupo, conversava sobre o que, cada um, experienciou durante a oficina. Isto possibilitou aos
participantes (observadores) dois níveis de explicações da experiência:
O primeiro nível quando este observador participou ativamente da atividade,
com o sua corporalidade, emoção e linguagem externa e interna fazendo as
suas distinções, juízos e construindo a sua narrativa.
Segundo nível onde este observador além de formatar a sua experiência em
forma de narrativa, teve que narrá-la, aos demais observadores; e depois
transformado em, observador ouvinte de outras narrativas, dos demais
observadores.
No primeiro nível a atividade (experiência), gerou em cada um dos observadores
percepções diferentes da realidade vivida, e que pertenceram somente a ele. Assim a
“informação” recebida somente adquiriu sentido num processo de conhecimento, que por sua
vez, foi apropria ação do sujeito cognitivo/ontológico. Essas “informações” somente se
constituem como tal num processo de conhecimento. E esse, por sua vez, é inseparável do
processo de ser/viver nas relações. Neste sentido a percepção do observador dependeu dos
acoplamentos estruturais anteriores que determinavam sua estrutura naquele momento,
levando o seu observar (na sua corporalidade, emoção e linguagem, fazendo as suas
distinções, juízos) a sua narrativa. Surgindo assim, observadores diferentes, de uma mesma
atividade, provocando experiências diferentes e conseqüentemente narrativas diferentes.
DETERMINISMO
+ = NARRATIVA
ESTRUTURAL
Representação gráfica do sujeito da observação no nível I
172
No segundo nível podemos considerar que realmente houve produção de
conhecimento pelo grupo, no processo inseparável de ser/conhecer nas relações. O sujeito
individual, neste caso era uma abstração, à medida que era possuidor de uma “informação”
(narrativa) desconhecida. Nós somente existimos na medida em que somos um numa rede
de conexões. É, pois na “conversação” das narrativas que construímos o conhecimento em
relação ao tema proposto. Partimos do pressuposto que não existe realidade pré-dada,
independente das ações dos sujeitos em interação. E este conhecimento foi constituído em
uma rede de conversações, tornando-se ação efetiva.
Nesta perspectiva o que ocorreu foi um acoplamento estrutural constante, em que
organismo (cada participante) e o meio (grupo de participantes), mudaram congruentemente,
na interação, pressuposto básico da autopoiese. O que é externo (ambiente) não determinava o
que acontecia individualmente com cada participante, apenas o perturbava, o que mobilizou
para uma construção pessoal, para autoria e singularidade. Ocorrendo assim conectividade e
singularidade ao mesmo tempo. A demanda autopoiética constante, provocada pelas
narrativas, se deu, então, em nível de subjetividade e conhecimento.
As narrativas passaram a expressar assim regularidades e recorrências,
comprovando a o processo de surgimento de acoplamentos estruturais, entre os participantes,
indicando uma modulação constante entre organismo (cada participante) e meio (grupo). Estas
regularidades não eram mais individuais, mas formavam um domínio coletivo que é sempre
relacional e histórico.
As narrativas expressadas geram então outras experiências nos demais
participantes, recriando a sua narrativa (expressa agora de maneira diferente), transformada
em cada recorrência de conversações. Mudando as estruturas (individuais), mas conservando a
organização (recorrência de conversações). A gica deste grupo de participantes não foi mais
linear, pois o que um narrou, teve conseqüências em todos os participantes.
Nas conversações do grupo, houve uma metacognição, por que, cada participante
atuando como observador, e acabou pensando o seu próprio processo de pensar e de construir
o seu conhecimento (narrativa), surgindo ai um sujeito epistêmico. Varela (2001) explica que
a experiência da consciência é um processo emergente e não está relacionada com dados
objetivos, mas sim com processos vividos. Consideramos que a consciência surgiu de uma
dinâmica não linear, e por isto, emergiu das redes de conversações criadas.
173
6.6 Objetivo do Grupo Focal
Ao propormos colocar no grupo focal, através do fluxograma descritor, o processo de
trabalho, expondo a sua micropolítica, retratandto as relações estabelecidas entre os
trabalhadores, os nós críticos do processo de trabalho, jogo de interesse, poder e os processos
decisórios.
Para Vygotsky (1998) o desenvolvimento acontece em dois níveis: Desenvolvimento
Efetivo (DE): o que se consegue fazer sozinho; e o Desenvolvimento Potencial (DP): o que é
possível realizar com a ajuda dos outros (interação). Assim Vygotsky define a Zona de
Desenvolvimento Proximal como a diferença entre o que o sujeito consegue fazer
individualmente e aquilo que consegue realizar com a mediação social.
Assim na discussão no grupo focal do fluxograma descritor, do processo de trabalho da
equipe, pretendemos formar o maior numero de zonas de desenvolvimento proximais, através
duma avaliação formativa do Capital Social (formação da rede, de cooperação e de atitudes
democráticas).
Possibilitando a passagem conforme Zanella (2004) da apropriação das ações para
apropriação das atividades em si. Para esta autora à noção mediada articula-se o conceito de
atividade, o qual compreende ações, porém as transcende, na medida em que amplia, para o
sujeito, as possibilidades de leitura e intervenção na realidade.
A análise da atividade, por sua vez, pressupõe o olhar sobre as múltiplas relações que
caracterizam a tríade sujeito/ações /contexto social, relações estas singulares e coletivas, na
medida em que se pautam nas significações ali (re) produzidas, transformadas e apropriadas.
Assim para fins da intervenção pedagógica nosso objetivo é formar o maior número
possíveis de acoplamento estruturais e zonas de desenvolvimento proximais que possibilitam
uma identidade coletiva com os princípios da Estratégia Saúde da Família em relação ao
Acesso-Acolhimento e Vínculo.
6.6.1 Discussão do Grupo Focal Sobre as Questões - Problema
Questão-problema 1 Vagas para a demanda espontânea cotigenciadas (pelas ações
programáticas), gerando filas e exclusão de parte dos usuários.
Questão-problema 2 - O não acolhimento, apesar das tentativas de resolução dos problemas
dos excluídos, representa uma baixa oferta e baixa resolutividade, gerando mais demanda
reprimida.
174
Os de participantes, lendo as questões-problema, resolveram discutí-las em conjunto
por acharem propostas intercorrelacionadas. Ao analisarem estas questões, inicialmente
discutiu-se o seguinte tema levando por um dos participantes: o número de vagas para o
médico e dentista, que estava sendo fixado, na parte externa da unidade. A justificativa que foi
dada colocava por um dos participantes era feito para que as pessoas não ficassem esperando a
Unidade abrir, pois se o número de pessoas fosse grande, maior que o número de vagas
existentes eles saberiam e não precisariam assim aguardar. Outro membro participante argüiu
se isso não seria uma forma de barrar o acesso destas pessoas. A concordância para esta
afirmativa foi geral no grupo que se posicionou que além do acesso também estava
comprometido o acolhimento e principalmente o vinculo. Resultado desta reflexão foi à
retirada desta informação ao usuário.
O segundo tema levantado no grupo foi sobre o acolhimento realizado, na fila da
recepção, pela enfermeira. As conversações giraram em torno da necessidade de
individualizar este acolhimento, que garantisse a privacidade do ato, que a pessoa acolhida
poderia sentir-se mais a vontade, para expor os motivos da sua procura a unidade. O resultado
desta discussão sobre este tema foi que o acolhimento, passaria a ser feito, pela Enfermeira em
sua sala, na sala de pré-consulta pelas Auxiliares de Enfermagem e também dentro do possível
pelos profissionais médico e dentista dentro da sua disponibilidade de tempo em seus
respectivos consultórios.
Outra questão levantada pelos participantes do grupo focal foi sobre o paciente que
chega fora de horário para marcação da consulta. Após serem colocadas a importância de uma
certa organização do atendimento aos usuários, o grupo se posicionou sobre a importância do
acolhimento deste usuário, que será então encaminhado a Enfermeira que irá conversar sobre
as necessidades do paciente em ser atendido naquele momento ou se no próprio acolhimento
existe solução para essas necessidades, dando assim encaminhamento para resolvê-las.
Outra colocação feita pelo grupo foi que algumas pessoas agendadas estavam faltando
para as consultas. As soluções do grupo em relação a esta questão foram: na marcação da
consulta agendada orientar o paciente que caso nesta data ele não poder comparecer a
Unidade, que se informa com certa antecedência, explicando para o usuário a importância
disto para o melhor funcionamento da Unidade para demanda espontânea e se fosse possível
fonte de contato telefônico; outra solução seria que se o usuário marcado não viesse a Unidade
na hora em que as consultas estavam sendo agendadas, se ligaria para este, caso houver fonte
de contato telefônico.
175
Outro assunto levantado pelos participantes foi sobre os picos de atendimento que
ocorrem inicio de atendimento manhã e a tarde, onde além da marcação de consultas e
acolhimento, outros procedimentos realizados pela Unidade (nebulizações, curativos,
verificação de pressão arterial, teste de glicemia, preventivo do câncer de colo de útero, etc...).
O que foi sugerido neste caso foi uma reorganização do processo de trabalho, estipulando um
horário diferenciado destes procedimentos em relação à marcação de consultas, o que
facilitaria o acolhimento neste momento.
Um dos participantes lembrou que os pacientes chegam cedo a Unidade, mas somente
são atendidos bem mais tarde, pois aguardam sua vez na sala de espera, gerando ansiedade e
impaciência. Nas conversações do grupo foram colocadas algumas formas para amenizar este
problema: colocar a televisão e o vídeo cassete que estavam na sala de reunião com os grupos
na sala de espera, possibilitando ao usuário assistir as fitas que a Unidade dispõe sobre os
assuntos discutidos nos grupos ou também a programação das emissoras de TV;
disponibilização para os usuários de revistas e livros infantis e adultos que poderiam ser
arrecadados entre os participantes do grupo ou na comunidade; discussão de temas com os
usuários; sempre que for possível os membros da equipe conversassem com eles; colocação
de uma mesinha com cadeiras para as crianças poderem desenhar; mudança dos bancos de
madeira por outros mas confortáveis; colocar ventiladores na sala de espera; verificar no
acolhimento ou durante a espera da consulta, se o usuário não necessita ser atendido antes que
os demais, comunicando a estes da necessidade deste ser atendido antes.
Questão-problema 3 - O processo de trabalho depende da consulta médica, os serviços
ofertados aos usuários de forma burocrática e sistemática, reduzindo a capacidade de
resposta do serviço à demanda, ou seja, os outros profissionais, sobretudo enfermeira e
auxiliares de enfermagem, não atuam na assistência direta aos usuários, reduzindo a oferta e
conseqüentemente o acesso aos serviços.
O grupo inicialmente colocou a importância da maior integração entre os diversos
profissionais, lembrando da necessidade da interdisciplinaridade como forma de melhorar o
atendimento, que a Programa Saúde da Família tem como meta mudar este modelo médico-
cêntrico e colocaram a não disponibilidade de tempo para o encontro entre os membros da
equipe. Como solução o grupo colocou a necessidade de que a Secretaria de Saúde permitisse
um espaço de tempo, para o encontro desta equipe para que fossem discutidos problemas de
processo de trabalho encontrados, estudos de casos em conjunto e abordagem de temas de
interesse das diversas áreas. Ficou definido pelo grupo à necessidade de se ter uma manhã e
176
uma tarde, em dias diferentes do mês, para poder realizar estas atividades e seria então
encaminhado o pedido e seu necessário motivo para a Secretaria de Saúde, solicitando este
espaço.
Um dos participantes lembrou que o acolhimento feito pelos demais profissionais
poderia ser uma forma de valorização destes profissionais perante os usuários, e que
aumentaria o vinculo dos usuários com estes profissionais.
Questão-problema 4 - O fornecimento do medicamento ao usuário é tratado de acordo com
uma lógica filantrópica, a partir da ação do Estado (no caso, a prefeitura), parte dos
medicamentos é fornecida pela Secretaria de Ação Social e pelo fato do julgamento da
carência do usuário é feito pelo representante do governo municipal (Assistente Social), que
julga de acordo com os critérios desta secretaria. O acesso ao medicamento neste caso,
embora reconhecido idealmente como direito de cidadania, é na prática, considerado como
benefício a ser concedido aos carentes, que são tidos como tal pela prefeitura através da
Secretaria de Ação Social.
Questão-problema 5 - O filantrópico, operando sobre questões dos medicamentos, gerando
uma lógica estruturante na organização do serviço, sobre-saindo daí os interesses
racionalizadores, administrativos e financeiros, para economizar recursos com
medicamentos.
Da mesma forma que as questões-problema 1 e 2, o grupo do discutiu as questões-
problema 4 e 5, por achar que estavam interligadas. O grupo inicialmente teceu criticas em
relação a esta forma atuação que menos prezava o direito constitucional do usuário, fez-se
críticas a falta de verbas para a saúde, referindo-se a todos os níveis gestores do sistema da
saúde, colocou-se então a necessidade da equidade das ações prestadas aos usuários do
sistema. Apontou-se ainda em relação aos serviços prestados pela Assistência Social do
Município certa iniqüidade dentro desta equidade. Um dos participantes colocou que a
Assistência Social estava vinculada a Secretária de Saúde, e que parte desta verba destinada
para ela ficava para suas atividades, era usado pela Secretaria de Saúde, o que comprometia
em muito que realmente deveria ser a atuação da Assistência Social como geração de renda,
aplicação de programas e outras atividades comunitárias. O grupo passou então a discutir
sobre a importância desta desvinculação para a melhoria dos serviços prestados aos usuários.
Outra questão levantada durante esta discussão foi a descentralização das atividades da
Assistência Social, sugerindo uma participação junto das Equipes do Programa Saúde da
Família, como uma forma de levar maior equidade as ações, possibilidade de inserção maior
177
dentro das comunidades, possibilitando o resgate daquelas ações que fazem parte do seu
arsenal de trabalho desvalorizadas atualmente. Outra sugestão levantada, após esta discussão,
foi à possibilidade que além da profissional da Assistência Social vir trabalhar dentro das
Unidades juntamente com os demais profissionais, se descentraliza a verba, que poderia ser
estipulada em um valor pré-fixado para cada Unidade de acordo com as suas necessidades.
Questão-problema 6 - Parte dos usuários não tem acesso aos medicamentos , mesmo os de
uso contínuo, tendo que ser adquirido em farmácias privadas, levando muitos usuários
deixar de toma-los e retornar ao serviço com seu estado de saúde agravado por essa razão.
Prejudicando assim o controle terapêutico e indicando uma desresponsabilização em relação
ao usuário.
Nesta questão-problema o grupo discutiu alguns casos de usuários em que isso havia
ocorrido, o grupo mostrou preocupação em como isto poderia ser evitado. Sugeri-se que
sempre em que o medicamento ou exame solicitado não estiver disponível na rede pública,
solicitar ao usuário se ele dispõe de condições financeiras para arcar com os custos, em caso
da resposta deste for negativa, referenda-lo para a Assistência Social através da guia de
referência e contra-referência, usada para o encaminhamento das especialidades, assim
possibilitando um melhor controle. Em casos de dúvidas ou não retorno da contra-referência
entrar em contato com o usuário.
Questão-problema 7 - O funcionamento da Unidade de Laboratório deixa claro o processo
burocrático, centrado nos interesses corporativos de quem está trabalhando ali, um serviço
pouco implicado com problemas de saúde dos usuários. As evidências desta afirmação estão
no restrito horário para coletas de exames.
Nesta questão-problema o grupo inicialmente comentou que não tinha reclamações
por parte dos usuários na questão do atendimento do laboratório de análise clinica, e que os
exames eram recebidos pelos usuários no dia seguinte após a coleta. Um dos participantes
colocou que alguns usuários comentaram a importância ampliação do atendimento para
aquelas pessoas que trabalhavam no período da manhã, que o horário de atendimento do
laboratório era somente pela manhã. Outro participante colocou que a própria Secretaria de
Saúde disponha de um laboratório e este funcionava à tarde, mas que não estava recebendo os
pedidos de exames solicitados pelas Unidades devido a um acordo com os laboratórios
conveniados para atender pelo SUS. O grupo colocou como uma possível solução para esta
questão-problema, o encaminhamento de um pedido para Secretaria de Saúde expondo a
178
situação e solicitando a ampliação do horário de coleta dos exames para o período da tarde por
parte do laboratório conveniado ou na negativa desta, fosse então permitida a utilização
principalmente nos casos mais necessários da utilização do próprio laboratório da Secretaria
de Saúde por parte do usuário.
Questão-problema 8 - Os usuários são levados a retornarem para a primeira fila de
madrugada, para disputar a nova ficha” e nova agenda de consulta” para acesso aos
retornos.
Os participantes colocaram que muitos dos retornos eram devido a exames
solicitados, para serem entregues na consulta ao médico, sendo que variavam de cinco a oito
exames por dia. Outro participante comentou que a maioria destes casos não era urgência,
muito deles eram originados pela demanda marcada, realizada para controle do usuário. Um
dos participantes então sugeriu que estes exames considerados não urgentes não poderiam ser
deixados na Unidade, e o médico poderia analisá-lo na parte da tarde após as consultas. Outro
participante colocou que o usuário tem direito ao retorno e falar com o médico. A solução
proposta para esta questão foi a que no retorno do usuário a Enfermeira conversa-se com ele
para saber deste se ele desejaria consultar para mostrar o exame ou se poderia deixá-lo para
análise deste pelo médico no mesmo dia da entrega, e se caso fosse necessário chamaria este
usuário para consulta ou deixaria por escrito se fosse necessárias informações sobre os exames
para o paciente. Caso o usuário optar pela necessidade de consulta esta é marcada caso a
segundo o exame é entregue para guarda da Enfermeira. O mesmo foi proposto para os casos
de contra-referência, levantado por um dos participantes.
Questão-problema 9 - A recepção recebe um acumulo grande de fluxos administrativos
burocráticas.
O grupo iniciou sua análise posicionando sobre a quantidade de papeis a serem
preenchidos por eles, referentes às exigências feitas pelos órgãos gestores do SUS, para os
sistemas de informação e controle de produção da Unidade. Um dos participantes colocou que
uma usuária, neste mesmo dia, reclamou da impossibilidade dela conversar, pois ela pedia
informações e anotava. Outro participante coloca que se isto, não for preenchido
corretamente, sempre é cobrado, que logo o SUS passaria a ser conhecido como SIS. O grupo
passou então para as sugestões possíveis de melhoria dentro da Unidade, uma das sugestões
foi que na hora da consulta o médico informa-se ao usuário se o remédio estaria ou não
179
disponível na Unidade e fossem confeccionados materiais explicativos das exigências
necessárias para realização de exames de laboratório para cada caso.
Questão-problema 10 - O usuário pode percorrer um caminho maior, visto que o formulário
para encaminhamento para algumas especialidades e exames de alto custo, não é permitido
sua guarda pela Unidade e nem mesmo o preenchimento pelo médico, o que reduziria o
esforço do usuário e garantiria agilidade no acesso a procedimentos de alta
complexidade/custo. A maioria dos exames de alto custo pode ser pedido pelas
especialidades, burocratizando e aumentando o tempo de sofrimento do usuário.
Nesta questão-problema o grupo colocou exemplos do calvário dos usuários em busca
das suas necessidades, das informações incorretas recebidas por estes, e após estas colocações
sugeriu-se que fosse encaminhada para a Secretaria de Saúde uma solicitação de uma revisão
destes encaminhamentos e se possível a liberação de alguns destes para que as Unidade
fizessem estes encaminhamentos, diminuindo assim o percurso do usuário pelo sistema.
Questão-problema 11- Outro encaminhamento que se realiza aqui diz respeito aos da
natureza ambulatorial, em procedimentos que não são realizados pela Unidade e são,
portanto, encaminhados ao Pronto-Atendimento ou à outra Unidade de Saúde do município,
para que atendam ao usuário. Isto revela problema com capacidade de oferta de serviço da
Unidade.
Nesta questão-problema o grupo colocou que existe por parte da Secretaria de Saúde
uma determinação que os usuários que sofrem acidentes sejam atendidos no Pronto
Atendimento, isto decorre do fato deste estar aparelhado para atender as intercorrências que
podem acontecer durante a prestação dos serviços aos usuários como, por exemplo, choque
anafilático. Na questão dos encaminhamentos dos usuários com problemas clínicos se o caso
requer urgência no atendimento a orientação da Secretaria de Saúde é o encaminhamento para
o pronto atendimento pelo mesmo motivo alegado anteriormente. A sugestão final para a
questão seria então para o grupo o aparelhamento das Unidades para o atendimento destes
usuários e também uma reciclagem em Urgência e Emergência para a Equipe.
6.6.2 Análise dos Acoplamentos Estruturais (Maturana)
Durante a análise das questões-problema do fluxograma, constatamos a presença de
um sistema autopoiético formada pela recorrência da falta de acoplamentos estruturais entre
os sistemas envolvidos e o sistema individuo (usuário) e com o sistema organizativo (acesso,
180
acolhimento e vínculo). Sistema este com uma estrutura dinâmica que lhes permitia interagir
entre si de modo recorrente, gerando um tipo de acoplamento estrutural ontogênico, com um
domínio consensual (do não acesso, acolhimento e vínculo), bem como a capacidade de gerar
outro tipo de acoplamento estrutural, que lhe dava capacidade de adaptação ontogênica, frente
a mudanças do meio.
Pode-se verificar que as categorias acesso, acolhimento e nculo corporificados no
usuário (sistema organizativo), aplicado para análise destes sistemas demonstraram a presença
uma organização constante, com uma fronteira definida pela produção contínua dos
componentes, representada pelo não acesso, acolhimento e vínculo, demonstrando o
acoplamento estrutural destes sistemas neste domínio. Como um sistema autopoiético,
existente um espaço físico é um sistema vivo, e se sua autopoieses é interrompida, a
organização do sistema sua identidade como classe particular de unidade se desintegra.
Assim o funcionamento deste sistema autopoiético dentro da sua deriva histórica, que
configura seu determinismo estrutural, mantém-se vivo pela produção de adaptações e
evoluções.
Observou-se ainda que estes sistemas estavam estruturalmente acoplados um domínio
consensual e autônomo capaz de especificar as suas próprias leis, ou o que era adequado para
si. Que este domínio de acoplamento estrutural consensual era aprendido principalmente na
linguagem, mas também pelo corpo e pela emoção, que são os domínios inerentes a todo
observador, utilizado por este nas suas distinções da realidade. Levando-o a um aprendizado
de primeira ordem, expandindo sua capacidade de ação, bem como a uma aprendizagem de
segunda ordem na qual o nível de aprendizado se nas suposições, nas emoções, nos juízos
mestres modulando assim as atuações, neste domínio consensual, de não acesso, acolhimento
e vínculo.
Quando da análise das respostas que o grupo focal ante as questões-problema,
verificamos o aparecimento de acoplamentos estruturais com o sistema organizativo (acesso,
acolhimento e vínculo corporificada no usuário). A questão posta aqui, é como estes
acoplamentos estruturais foram aprendidos pelo grupo focal (observadores)?
Maturana ao definir linguagem como coordenações consensuais de ações, ele legitima o
observador e a comunidade através da consensualidade que essa constitui ao constituir-se na
linguagem, dando assim ao observador a autonomia ao observar, pois é ele quem gera novos
conhecimentos no seu operar, no seu fazer. Alerta também, para o fato que, o observador
conota quando fala de conhecimento em qualquer domínio particular, sendo constitutivo do
que consideramos comoões distinções, operações, comportamentos, pensamentos ou
181
reflexões adequadas naquele domínio, avaliadas de acordo com seu próprio critério de
aceitabilidade.
Neste sentido para Maturana (1997b) a realidade é uma proposição explicativa, uma
teoria explicativa. Como existem várias teorias explicativas sobre a realidade, muitas
realidades existem. Maturana quer colocar é a necessidade do observador dar-se conta da
realidade que ele gera. Ao propor o Diagrama Ontológico (1997b) centrado no observador,
coloca dois caminhos explicativos:
Se o observador no seu viver acredita que o mundo ou a natureza independe dele, que
pré-existe, à distinção que ele na consensualidade de uma comunidade faz ao conhecer
ou falar do mundo, então, ele se encontra no caminho explicativo da Objetividade-
Sem-Parenteses (OSP).
Se o observador, por outro lado, acredita que o mundo ou a natureza que conhecemos
e falamos foi e é constituído na distinção que o observador faz na consensualidade de
uma comunidade, então ele encontra-se no caminho explicativo da Objetividade-Entre-
Parenteses (OEP).
Para o autor os dois caminhos explicativos trazem conseqüências distintas e
divergentes:
1. Na Objetividade-Sem-Parenteses (OSP), o observador não se dá conta de que o mundo
que ele gera não é a realidade, embora ele possa manipulá-la, então nega o outro que
não entende que a realidade é assim como ele diz, por que esta é a realidade, desta
forma ele se justifica e se livra da responsabilidade, pois não é ele quem o nega e sim a
realidade. Caminho explicativo das ontologias transcendentes – realidade única.
182
2. Na Objetividade-Entre-Parenteses o observador se dá conta que suas proposições
sobre a realidade não substituem a realidade, por que se torna consciente que sua
existência é uma existência na linguagem como coordenações consensuais de ações.
Caminho explicativo das ontologias constitutivas – várias realidades.
Para Maturana o observador não pode distinguir na experiência entre ilusão e
percepção como afirmação cognitiva sobre a realidade. A experiência na qual o autor se refere
é o existir na linguagem. Para ele existimos na linguagem em tudo que fazemos, pois nossa
experiência no mundo é um continuo fenômeno no mundo. Por isto, fazer a distinção entre
percepção e ilusão, erro ou mentira e verdade, é possível a posteriori. Mas este fato
peculiar e fundamental de não poder distinguir entre ilusão e percepção na experiência
depende da constituição estrutural determinada, formada pelas histórias de acoplamentos
estruturais vividas, do observador.
Esta consciência de não se poder distinguir entre ilusão e percepção é um convite para
o observador se colocar no caminho da Objetividade-Entre-Parenteses, dando-se conta de não
poder pretender ter a capacidade de fazer referencia a uma realidade independente dele. Mas
quando não se pergunta pela origem de suas habilidades cognitivas e as aceita como
propriedades constitutivas suas, ele atua como se aquilo que ele distingue preexiste à sua
distinção, isso implica poder fazer referencia a essa existência para validar seu explicar.
Para o autor nenhuma proposição explicativa é uma explicação em si mesma, é na
aceitação do observador que se constitui a explicação, que aceita ou rejeita uma explicação.
Para ele os sistemas racionais se baseiam em premissas fundamentais aceitas a priori, mas se a
biologia se altera, altera-se o raciocinar, isto é, se mudamos o domínio emocional mudamos o
nosso raciocinar. Como a razão se funda sempre em premissas aceitas a priori, esta aceitação
das premissas que constituem um domínio racional pertence ao domínio da emoção e não ao
domínio da razão. Assim o autor coloca em seu Diagrama Ontológico do observador, abaixo
do explicar, o emocionar, que faz a ligação entre os caminhos explicativos da OSP e OEP.
Sendo que no caminho da OSP o observador não se conta de que a emoção funda a razão e
que aceita certas premissas lógicas e não outras por que gosta. No entanto no caminho da OEP
o observador percebe dois tipos de divergências:
as divergências lógicas que efetivamente ocorre quando um observador comete um
erro na aplicação das coerências operacionais, nesta divergência a constatação do erro
é fundamental para a sua correção;
as divergências ideológicas surgem quando o observador tem um domínio racional
distinto de outro domínio racional mas atua como se estivesse no mesmo domínio,
183
nesta divergência a distinção está nas premissas que compõem cada domínio racional,
isto do que é aceito nestes domínios, portanto estas premissas estão num domínio
emocional e não racional. Com efeito, conseqüência de ações divergentes, sem
responsabilidade com que ocorre com o outro, fazem surgir preocupações éticas no
meio social.
Podemos constatar que para Maturana (2002) a ética não tem fundamento racional e sim
emocional, sendo que para ele emoções são as diferentes disposições corporais dinâmicas que
especificam os diferentes domínios de ações, em que os observadores se movimentam.
Diferentes domínios de emoções do observador determinam diferentes domínios de ações,
havendo assim diferentes tipos de relações humanas, dependendo da emoção que sustentam os
observadores.
O autor distingue duas emoções pré-verbais que normalmente ocorrem no observador: a
rejeição e o amor. A Rejeição constitui o espaço de condutas que negam o outro como
legitimo outro na convivência, assim é um espaço de interações recorrentes que culmina com
separação. O Amor constitui o espaço de condutas em que o outro surge como legitimo outro
na convivência, assim é um espaço de interações recorrentes, no qual se abre um espaço de
convivência onde podem dar-se as coordenações consensuais de conduta que se constitui na
linguagem. Portanto a ética surge a partir da emoção que gera espaços de aceitação do outro
como legitimo na convivência.
Maturana (1997) coloca que a escolha por um meio de vida (autopoiese) do observador
é uma escolha ética, cujo problema fundamental é a justificação das relações particulares de
autonomia e da individualidade que ele demanda para ele próprio e para outros membros da
sociedade que ela gera e valida com sua conduta. Um sistema autopoiético (observador)
participa de um sistema social, somente se ele realiza as relações próprias dos componentes
daquele sistema social. Uma mudança nas relações que definem uma sociedade como um
particular sistema social, pode somente ocorrer a partir de uma mudança nas propriedades dos
componentes que a tornam real.
Numa sociedade formada por observadores mudanças podem ocorrer na medida em
que as condutas destes observadores mudem, isto é, transformação na forma de observar dos
observadores. Daí que a criatividade na geração de novas relações sociais sempre implica
interações fora da sociedade e gera novos modos de conduta que mudam as relações
definidoras da sociedade ou separa os indivíduos criativos da mesma. Para o autor, o
observador centrado na linguagem tem a capacidade, de se transformar num observador da
184
sociedade que integra, podendo, se tem experiência adequada, contemplar esta sociedade,
como se fosse externo a ela, e gostar ou não dela.
Para Maturana (1999) o aprendizado não é um processo de acumulação de
representações do meio, mas é um processo continuo de transformação do comportamento,
através de uma troca na capacidade do observador em sintetizá-lo. A conduta não é uma
invenção do observador, é própria de qualquer unidade vista num meio onde se especifica um
domínio de perturbações e mantém sua organização como resultado das mudanças de estado
que estas provocaram. O acoplamento estrutural, gerado pela constante demanda autopoiética
(perturbações do meio), conduz a estrutura que determina o observador, gerando uma conduta
adequada ao meio (deriva), a partir de uma experiência previa, ou aquisição de uma
habilidade nova, como resultado da prática.
A partir da exposição das idéias de Maturana podemos inferir que o surgimento dos
acoplamentos estrutural entre o grupo focal e o sistema individuo (usuário) e também com o
sistema organizativo (acesso, acolhimento e nculo corporificadas no usuário) se deu num
processo de aprendizagem a partir de uma experiência previa (oficinas) e que levou a
aquisição de uma habilidade nova gerando os acoplamentos estruturais.
Essa nova habilidade ocorreu no grupo focal (observadores), a nosso ver, através de
um caminho explicativo da Objetividade-Entre-Parenteses, em que esses observadores se
deram conta que a realidade por eles produzida nas coordenações consensuais de ações
(linguagem) não substituía a realidade. Para que isto fosse possível, ocorrem mudanças nestes
observadores, isto é, nos domínios de operação do observador. Acreditamos que as Oficinas
foram fundamentais nesta transformação dos observadores, provocadas na linguagem,
emocionalidade e corporalidade.
Na linguagem as oficinas, a nosso ver, provocaram aprendizagem de primeira ordem,
constatada pela expansão da capacidade de ação, na busca de alternativas de ações ou de
adquirir competências especificas para realizar estas ações.
Mas foi na geração de aprendizagem de segunda ordem (visa a transformar a atuação
do observador) que as oficinas foram fundamentais. Creio que foram as oficinas que
provocaram a mudança nas distinções usadas por estes observadores na linguagem (seus
juízos mestres, suas narrativas, a maneira como eram configurados os problemas), fazendo
assim o surgimento de um leque de ações possíveis diferentes daquelas que se tinha
anteriormente. Muitas soluções do passado tornaram-se invalidas e outras possibilidades, até
então não observáveis, foram apresentadas como possibilidade para a solução dos vários
problemas expostos.
185
Podemos dizer que outra transformação e talvez a mais importante ocorrida nos
observadores, aprendidas nas oficinas, foi ao vel das emoções. Isto é evidente quando
percebemos que as emoções, agindo como uma ponte ajudou aos observadores (grupo focal) a
transpor o caminho das explicações das Objetividade-Sem-Parenteses para o caminho das
explicações das Objetividade-Entre-Parenteses, caminho das preocupações éticas, da
responsabilidade com suas ações e principalmente de colocar o usuário como legitimo outro
na convivência.
Para pensar em Acesso-Acolhimento e Vínculo foi necessário partir da base do
modelo mental (ou modo de pensar, ou sistemas de pensamento) por meio dos quais os
observadores, criavam seu mundo. Assim do ponto de vista do Acesso-Acolhimento e
Vínculo, o pensar (que inclui o sentir), o fazer, e o viver seguem a dinâmica apresentada na
próxima página segundo Mariotti (2002).
Mudar o modo de Sentir
Mudar o modo de Pensar
Mudar o modo de Falar
Mudar o modo de Agir
O diagrama acima mostra algumas das principais dimensões do observador: o sentir, o
pensar, o falar e o viver. Todas estão entrelaçadas, de modo que modificação em qualquer
uma repercutira sobre as demais. Trata-se de uma abordagem integrada e integradora, na qual
tudo acolhe tudo e por tudo é acolhido. Isso significa que era preciso, antes de qualquer coisa,
compreender que o privilégio dado por nossa cultura a tecnociência – em prejuízo das
humanidades é um dos obstáculos à colocação práticas das iniciativas de Acesso-
Acolhimento e Vínculo.
O que está colocado é que o indivíduo, frente aos estímulos, acaba por transformá-los
ativamente, segundo suas próprias exigências. Desta compreensão, segue a afirmação de que
o conhecimento não se organiza em função das exigências externas e sim de exigências
internas, do próprio indivíduo. Se o indivíduo, através de suas observações, introduz uma
ordem no que vê, que ele, ao olhar, reconhece semelhanças, regularidades, estabelece o que
mais ou menos importante mais ou menos semelhante e regular, o processo de assimilação de
uma informação não está na dependência da qualidade da assimilação – como estaria o
186
pressuposto do processo conscientizador, mas está relacionado, sobretudo, ao modo como
essa informação é “vista” pela dinâmica autopoiética do indivíduo.
Neste sentido os observadores, passaram através linguagem construída nas oficinas,
modular seus outros domínios, emoção e corporalidade, dando uma forma mais integral a esta
congruência de acoplamento estrutural com o sistema indivíduo (usuário) e o sistema
organizativo – integralidade via acesso, acolhimento e vínculo corporificado no usuário
Esquema das Mudanças Provocadas pelas Oficinas
Representação gráfica das mudanças no observador e acoplamentos
OFICINAS
OBSERVADOR
MUDANÇA NA
COM O ACESSO, ACOLHIMENTO E VÍNCULO
SENTIR
PENSAR
FALAR
AGIR
MUDANÇA NO
ACOPLAMENTO
ESTRUTURAL
187
6.6.3 Análise através da Teoria da Atividade – contradições (Engeström)
Quando da análise das questões-problema apresentadas no Fluxograma Descritor
podemos constatar varias contradições dentro dos sistemas de atividades ali envolvidos. Essas
contradições encontradas em todos os níveis: primárias, secundárias, terciárias e quaternárias.
Sistema da atividade da equipe com os quatro níveis de contradições.
De acordo com o quarto dos princípios elencados por Engeström (1999), para a Teoria
da Atividade, o papel das contradições como fontes de desenvolvimento e de mudanças nos
sistemas de atividade é central. Ele deixa claro que as contradições são tensões estruturais
historicamente acumulativas nos sistemas de atividade e entre eles. É somente por meio da
fricção das unidades constituintes dos sistemas de atividade representadas pelas contradições
neles presentes, que o sistema adquire e acumula energia capaz de ensejar mudanças, de
provocar o desenvolvimento do sistema.
Engeström(1987) sugere que essas contradições internas caracterizam o sistema da
atividade entende que o estudo das interações estáveis não deixa a pesquisa ganhar insights
significativos do sistema da atividade. Em vez disso, contradições manifestadas por meio de
problemas e superadas nas inovações são mais interessantes nesse sentido, pois fornecem uma
abertura para a compreensão mais profunda da atividade.
Esse autor enfatiza que, nos problemas do cotidiano, dever-se-ia distinguir entre
problemas e falhas latentes e escondidas da compreensão intersubjetiva e dilemas no
188
entendimento e no discurso. Além disso, há inovações, situações e trajetórias das ações nas
quais os autores tentam ir além do procedimento padrão para alcançar alguma coisa mais do
que o resultado rotineiro. Esse autor identifica três tipos de rupturas, que influenciam a
atividade nos três níveis hierárquicos.
 !
"#$
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'(
#%)*+&,-
Para Engeström (1987) as contradições não são apenas características inevitáveis da
atividade, para ele, novos estágios qualitativos e formas de atividade emergem como soluções
das contradições do estágio precedente daquela forma. O autor definiu a Zona de
Desenvolvimento Proximal como a distancia entre as ações cotidianas dos indivíduos e a
forma historicamente nova da atividade social que pode ser historicamente gerada. Na ótica
da Teoria da Atividade, a zona de desenvolvimento proximal pode ser compreendida como o
potencial de transformação expansiva possibilitada pelo conflito que fatalmente acaba por
reorganizar a atividade, dada sua natureza histórica.
Engeström (1997) aprofundou seus estudos sobre a atividade mediada, ao que ele
chama de mediação com artefatos, os quais podem ser usados para: prover conceitos,
descrever uma estrutura, desenvolver tarefas apoiadas por um sistema, podendo envolver
técnicas e métodos. A Teoria da Atividade considera a capacidade humana, dividindo-a em
três campos: físico (como nos somos constituídos e que habilidades sensório/motora
possuímos), cognitivo (como pensamos, como aprendemos a resolver problemas e que
habilidades cognitivas possuímos) e social (como nos relacionamos socialmente ou em
ambiente social, em dinâmica de grupo e em relação de poder).
Estas capacidades envolvem ‘ação’ e estão calcadas na meta e no objetivo que se quer
alcançar. As ações são processos funcionalmente subordinados às atividades: são digeridas às
metas conscientes, especificas, e por estarem inseridas no contexto do compartilhamento entre
indivíduos, caracterizam o contexto social. Cada motivo é um objeto, material ou ideal, que
satisfaz uma necessidade fundamental e levam em consideração dois princípios básicos: a
internalização e externalização. (ENGESTRÖM, 1999)
189
A internalização está relacionada com a reprodução da cultura. O ser humano
internaliza conhecimentos, conceitos, valores e significados, reproduzindo-os.
Representação gráfica da internalização de Vygotsky, 1987.
A externalização está ligada à capacidade criatividade, através da qual é possível
transformar a realidade vivida. No processo de externalização, poderão ser criadas novas
ferramentas técnicas ou psicológicas com papel de mediadoras na relação entre sujeito e
objeto, que potencializarão a reprodução do processo de reprodução cultural, caracterizando
um ciclo expansivo de desenvolvimento. (ENGESTRÖM, 1987)
Intra
ZDP
ZDP
ZDP
ZDP
REAL POTENCIAL

Situações de
aprendizagem/mediação
190
Engeström (1999) coloca que dum modo geral, o sujeito refere-se ao individuo ou o
subgrupo e sua maneira e a sua maneira de agir é orientada em relação ao objeto. O objeto
refere-se ao objetivo para o qual a atividade está direcionada e é mediado por ferramenta
física ou simbólica, externas ou internas. A comunidade refere-se a indivíduos ou subgrupo
que compartilham o mesmo objetivo. A divisão de trabalho refere-se tanto à divisão
horizontal das tarefas quanto à divisão vertical de poder e status. Regras referem-se ás normas
e convenções que restringem ações e interações no interior do sistema de atividade.
Produção
Ferramenta
Sujeito
Indivíduo/grupo
Regras
Comunidade
Divisão do Trabalho
Tarefas/hierarquias
Objeto
Resultado
Consumo
Troca
Distribuição
Instrumentos e signos mediadores
Representação gráfica da Atividade de Engestöm
Ao analisar as respostas das pelo grupo focal notei que em várias delas as contradições
foram superadas e em outras ocorreram tentativas de superação por este grupo. Mostrando
neste caso de externalização de um de um arsenal de ferramenta técnicas e psicológicas
usadas no papel de mediação entre a atividade desenvolvida pelo grupo e o objeto/motivo
(usuário), que potencializou o processo de superação das contradições, caracterizando um
ciclo expansivo de desenvolvimento. O que este grupo vez foi percorrer por Zonas de
Desenvolvimento Proximais representadas pelas as suas ações cotidianas apresentadas no
fluxograma descritor e questões-problema indicadas e a situação de ões propostas pelas
respostas a estas questões.
Se este grupo percorreu Zonas de Desenvolvimento Proximais, cabe aqui, perguntar
como isto foi possível?
A teoria da atividade enfatiza ainda a centralidade dos fatores sociais e da interação
entre os sujeitos e seu ambiente e explica por que os princípios da mediação por meio de
ferramentas desempenham um papel primordial nessa abordagem. Antes de tudo, as
ferramentas modelam a maneira como as pessoas interagem com a realidade e, de acordo com
191
os princípios da internalização e externalização, modelam as atividades externas, o que resulta
na modelação das atividades internas. Assim, as ferramentas não transformam a natureza e
o comportamento externo, mas também o funcionamento mental dos indivíduos.
De acordo com Vygotsky (1996), há dois tipos de ferramentas: as cnicas e as
psicológicas. As primeiras são destinadas à transformação dos objetos físicos, ao passo que as
últimas são usadas pelos indivíduos para influenciar outras pessoas ou a si mesmas. Por um
lado, as ferramentas expandem as possibilidades de se manipularem e de se transformarem
diferentes objetos; por outro lado, porém, os objetos são percebidos e manipulados não como
tais, mas dentro de limitações estabelecidas pelas ferramentas. Logo, ferramentas mediadoras
têm tanto a função de capacitar como a de delimitar.
Além disso, as ferramentas geralmente refletem as experiências de outros indivíduos
que tentaram resolver problemas similares antes e inventaram/modificaram essas ferramentas
para torná-las mais eficientes. Essa experiência é acumulada nas propriedades estruturais das
ferramentas (forma, material etc.) e também no conhecimento de como elas devem ser usadas.
Uma vez criadas e transformadas durante o desenvolvimento da atividade em si, carregam
consigo uma cultura em particular a remanescência histórica de desenvolvimento. Assim, o
uso de ferramentas representa acumulação e transmissão de conhecimento social e influencia
a natureza do comportamento externo e também o funcionamento mental dos indivíduos.
O princípio da orientação ao objeto é um dos mais importantes da teoria da atividade.
Contudo, é também controverso e descreve o ponto de vista específico dessa teoria sobre a
natureza dos objetos com os quais os agentes humanos interagem. Sendo baseada na filosofia
materialista do marxismo, essa teoria assume que os seres humanos vivem em uma realidade
objetiva material que determina e modela a natureza dos fenômenos subjetivos.
As propriedades dos objetos, determinadas socialmente, especialmente as dos
artefatos, e o envolvimento desses objetos na atividade humana são também propriedades
objetivas que podem ser estudadas com métodos objetivos. Dessa forma, o princípio da
orientação ao objeto propõe que as pessoas vivem uma realidade que é objetiva no sentido
geral; os objetos que constituem essa realidade não têm propriedades que são consideradas
objetivas de acordo com as ciências naturais, mas também possuem propriedades definidas
pelo contexto sócio-cultural.
Mediação é uma idéia central para a compreensão das concepções sobre o
desenvolvimento humano como processo sócio-histórico é a idéia de mediação: enquanto
sujeito do conhecimento o homem não tem acesso direto aos objetos, mas acesso mediado,
através de recortes do real, operado pelos sistemas simbólicos de que dispõe, portanto enfatiza
192
a construção do conhecimento como uma interação mediada por várias relações, ou seja, o
conhecimento não está sendo visto como uma ação do sujeito sobre a realidade, assim como
no construtivismo e sim, pela mediação feita por outros sujeitos. O outro social pode
apresentar-se por meio de objetos, da organização do ambiente, do mundo cultural que rodeia
o indivíduo. (VYGOTSKY, 1996)
A linguagem, sistema simbólico dos grupos humanos representa um salto qualitativo
na evolução da espécie. É ela que fornece os conceitos, as formas de organização do real, a
mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. É por meio dela que as funções mentais
superiores são socialmente formadas e culturalmente transmitidas, portanto, sociedades e
culturas diferentes produzem estruturas diferenciadas (VYGOTSKY,1998).
Para Vygotsky (1997) cultura fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos de
representação da realidade, ou seja, o universo de significações que permite construir a
interpretação do mundo real. Ela o local de negociações no quais seus membros estão em
constante processo de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significações.
Para o autor processo de internalização é fundamental para o desenvolvimento do
funcionamento psicológico humano. A internalização envolve uma atividade externa que deve
ser modificada para tornar-se uma atividade interna, é interpessoal e se torna intrapessoal.
Usa
o termo função mental para referir-se aos processos de: pensamento, memória, percepção e
atenção. Coloca que o pensamento tem origem na motivação, interesse, necessidade, impulso,
afeto e emoção. A interação social e o instrumento lingüístico são decisivos para o
desenvolvimento.
Existem pelo menos dois veis de desenvolvimento identificados por Vygotsky
(1987): um real, adquirido ou formado, que determina o que a criança já é capaz de fazer
por si própria, e um potencial, ou seja, a capacidade de aprender com outra pessoa.
A aprendizagem interage com o desenvolvimento, produzindo abertura nas zonas de
desenvolvimento proximal nas quais as interações sociais são centrais, estando então, ambos
os processos, aprendizagem e desenvolvimento, inter-relacionados; assim, um conceito que
se pretenda trabalhar, requer sempre um grau de experiência anterior para o educando.
O desenvolvimento cognitivo é produzido pelo processo de internalização da interação
social com materiais fornecidos pela cultura, sendo que o processo se constrói de fora para
dentro. Para Vygotsky (1987), a atividade do sujeito refere-se ao domínio dos instrumentos de
mediação, inclusive sua transformação por uma atividade mental. Para ele, o sujeito não é
apenas ativo, mas interativo, porque forma conhecimentos e se constitui a partir de relações
intra e interpessoais.
193
É na troca com outros sujeitos e consigo próprio que se vão internalizando
conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a formação de conhecimentos e da
própria consciência. Trata-se de um processo que caminha do plano social - relações
interpessoais - para o plano individual interno - relações intrapessoais
Como fator relevante para a educação, decorrente das interpretações das teorias de
Vygotsky, a importância da atuação dos outros membros do grupo social na mediação entre a
cultura e o indivíduo, pois uma intervenção deliberada desses membros da cultura, nessa
perspectiva, é essencial no processo de desenvolvimento. Isso nos mostra os processos
pedagógicos como intencionais, deliberados, sendo o objeto dessa intervenção: a construção
de conceitos. O educando não é tão somente o sujeito da aprendizagem, mas, aquele que
aprende junto ao outro o que o seu grupo social produz, tal como: valores, linguagem e o
próprio conhecimento.
Ao propor nas oficinas temas conceituais relativos à formação humana, tinha a
expectativa, que estes conceitos fossem internalizados pelos participantes, e que de certa
maneira fossem externalizados no grupo focal agindo como mediadores, aumentando a
capacidade do grupo em superar as contradições referentes às questões-problema, no seu
processo de trabalho, referentes às categorias Acesso, Acolhimento e Vínculo.
Que estes colocassem na sua pertença as necessidades dos usuários, quando fossem
discutir seu processo de trabalho. Que tivessem preocupações éticas com relação ao seu
processo de trabalho. Que tivessem uma atitude com os usuários e com os colegas que se leva
a um relacionamento humanizado. Que através das oficinas os participantes tivessem
oportunidades de modificar seu sentir para modificar o seu pensar, com isso, modificar o seu
falar e como conseqüência modificar seu agir.
Representação gráfica da atividade mediadora das oficinas
OFICINAS DE
FORMAÇAO
HUMANA
EQUIPE
PROCESSO DE
TRABALHO
Mudar o sentir
Mudar o pensar
Mudar o falar
Mudar o agir
194
Conforme Leontiev (1992), atividade surge de necessidades, que impulsionam
motivos orientados para um objeto. O ciclo que vai de necessidade a objetos se consuma
quando a necessidade é satisfeita, sendo que o objeto da necessidade ou motivo é tanto
material quanto ideal. O objetivo precisa sempre estar de acordo com o motivo geral da
atividade, mas são as condições concretas da atividade que determinarão as operações
vinculadas a cada ação. Há, então, uma dependência do objetivo em relação ao motivo, ou
seja, a atividade implica um sentido. Por sua vez, a ação é um processo cujo motivo não
coincide com seu objetivo, mas reside na atividade da qual faz parte. As operações consistem
no modo de execução de uma ação, é o conteúdo necessário de qualquer ação, determinada
pela natureza da tarefa.
Segundo este autor, cada tipo de atividade possui um conteúdo perfeitamente definido
de necessidades, motivos, tarefas e ações. Davidov (1999) concorda com Leontiev sobre o
entendimento de que a atividade é constituída de necessidades, tarefas, ações e operações,
mas, acrescenta um componente que modifica substancialmente a formulação inicial. Trata-se
do desejo enquanto núcleo básico de uma necessidade:
Acredito que o desejo deve ser considerado como um elemento da
estrutura da atividade. (....) Necessidades e desejos compõem a base
sobre a qual as emoções funcionam. (...) O termo desejo reproduz a
verdadeira essência da questão: as emoções são inseparáveis de uma
necessidade. (...) Em seus trabalhos, Leontiev afirma que as ações são
conectadas as necessidades e motivos. Discordo desta tese. Ações,
como formações integrais, podem ser conectadas somente com
necessidades baseadas em desejos e as ações ajudam na realização
de certas tarefas a partir dos motivos.(...) É esta a estrutura da
atividade que tentei apresentar-lhes. (...) Os elementos são os
seguintes: desejos, necessidades, emoções, tarefas, ações, motivos
para ações, planos (perceptual, mnemônico, pensamento, criativo)
todos se referindo à cognição e, também, à vontade (DAVIDOV,1999,
pg. 10-13).
A importância deste ponto de vista é óbvia, pois põem em relevo as relações entre a
afetividade e a cognição. A investigação de Gonzaléz Reis (2003) sobre a integração do
cognitivo e do afetivo na personalidade humana na obra de Vygotsky permite ver as
aproximações das idéias de Davidov com as de Vygotsky.
Ao outorgar à emoção um status similar ao da cognição, na
constituição dos diferentes processos e formas de organização da
psique, Vygotsky está sugerindo a independência das emoções, em
sua origem, dos processos cognitivos, e integrando as emoções dentro
de uma visão complexa da psique que representa um importante,
195
antecedente para a construção teórica do tema da subjetividade
(GONZALÉZ REIS, 2003, p 137).
Davidov (1999) reforça esta idéia quando escreve que, por detrás das ações humanas,
estão as necessidades e as emoções, antecedendo a ação, a relação com os outros, as
linguagens. Isso significa que as ações humanas estão impregnadas de sentidos subjetivos,
projetando-se em varias esferas da vida dos sujeitos.
A coisa mais importante na atividade cientifica não é a reflexão nem o
pensamento, nem a tarefa, mas a esfera das necessidades e emoções.
(...) As emoções são mais fundamentais do que os pensamentos, elas
são a base para todas as diferentes tarefas que um homem estabelece
para si mesmo, incluindo a tarefa do pensar. (...) A função geral das
emoções é capacitar uma pessoa à por-se certas tarefas vitais, mas é
somente meio caminho andado. A coisa mais importante é que as
emoções capacitam a pessoa para decidir, desde o inicio se, de fato,
existem meios físicos, espirituais e morais necessários para que ela
consiga atingir seu objetivo (DAVIDOV, 1999, pg. 7).
Como pode-se perceber os temas referentes às oficinas de formação humana, ligada
especialmente, a formação de um suporte “emocional” para os participantes, foi importante
para que estes pudessem superar as contradições da sua atividade. Este suporte emocional
agindo como mediador possibilitou a passagem de uma distância entre as ações cotidianas dos
indivíduos (representada pelo Fluxograma Descritor) e a forma historicamente nova da
atividade social que pode ser historicamente gerada (respostas do grupo para as contradições
da sua atividade). Isto é, facilitou o aparecimento de zonas de desenvolvimento proximal entre
os participantes da pesquisa e as categorias Acesso, Acolhimento e Vínculo. Possibilitando a
este grupo uma identidade com os princípios do Programa Saúde da Família.
6.6.4 Análise através da Comunidade de Prática – Wenger (1998)
Na análise que realizamos do Fluxograma Descritor, colocamos que a Equipe do
Programa da Saúde da Família era uma comunidade de prática, mas que esta não poderia ser
vista como entidade isolada e independente de outras práticas, pois fazia parte de uma
organização.
Que uma organização era uma constelação de comunidades de práticas, um complexo
de comunidades de prática intercontadas, cada uma com sua mini-cultura local. Que estas
relações podiam estar: no compartilhamento histórico, no serviço da mesma causa, no
196
pertencimento a uma mesma instituição, ter membros em comum, no compartilhamento de
artefatos em relações geográficas de proximidade ou interação (não geograficamente
próximas), ao ter discursos que se sobrepõem e ao competir com os mesmo recursos.
Que fronteiras institucionalizadas não definiam necessariamente uma comunidade de
práticas, quem pertence e quem não pertence à comunidade de prática, e como as fronteiras
eram definidas. A existência de reificações que podiam criar fronteiras e deixar claro quem
pertencem e quem não pertence a uma comunidade de prática. Verificamos através das
analises anteriores a prática de não acesso, acolhimento e vínculo com o usuário, era uma
prática reificada, em todos os níveis da organização, sugerindo, dentro desta perspectiva,
como sendo uma comunidade de prática.
Que o termo participação servia para descrever a experiência social de se viver no
mundo, no sentido de tornar-se membro de uma comunidade de prática e envolver-se em
iniciativas sociais. Neste caso, a participação era pessoal e social, num processo complexo
que combina o fazer, o conversar, o pensar, o sentir e o pertencer, envolvendo todo o ser,
incluindo o corpo, mente, emoções e relações sociais.
Que a participação era uma possibilidade de desenvolver uma identidade de
participação, ou seja, uma identidade constituída através das relações de participação. Que o
pertencimento a uma comunidade de prática se dava através de três modos distintos de
pertencimento: engajamento, imaginação e alinhamento.
Que a aprendizagem, deste pertencimento, ocorria em função da atividade, contexto e
cultura, ou seja, ela era situada. Esta aprendizagem era situada, mais não intencional do que
proposital, num processo de participação periférica legitimada.
Que existiam níveis de participação entre nos quais, ocorria um deslocamento da
periferia para o centro. Existiam fronteiras entre esses níveis, pois eles eram possíveis de se
identificar, como unidade.
Que as conexões existentes, entre estes níveis, que sustentam as relações eram de dois
tipos: objeto fronteira e Brokenrig. Que as categorias não acesso, acolhimento e vínculo
corporificado no usuário comportavam-se como objeto fronteira por suas características de
modularidade, acomodação, abstração e padronização e como broker por sua experiência de
pluripertencimento e as oportunidades de negociações inerentes a sua “participação” nos
diferentes níveis participatórios, sendo capazes dos processos de tradução, coordenação e
alinhamento entre estes níveis, provocando a aprendizagem, conectando as práticas.
197
E finalmente, que a energia deste processo de participação era a contradição entre
valor de troca e valor de uso, que fomentava a participação nesta comunidade de prática,
orientava a imaginação estereotipada, o engajamento e alinhamento, com esta prática.
Ao analisar as respostas do grupo focal, as questões-problema surgidas no fluxograma
descritor, pude perceber um “desvio” no comportamento do grupo em relação à “norma
padrão” (prática do não acesso, acolhimento e vínculo desta comunidade de prática), podendo
ser caracterizado como (des) identificação (não-participação), na medida em que é indicativo
que este grupo estar rejeitando a identidade vinculada a esta comunidade de prática, e também
(re) construindo uma outra identidade (prática do acesso, acolhimento e vínculo).
A não-participacão constituiu um momento do processo de (des) construção da
identidade do grupo nesta comunidade de prática (do não acesso, acolhimento e vínculo),
onde o grupo passou a experimentar alguma forma de exclusão à “norma padrão”. De maneira
contundente a não-participação revelou o “campo de batalha”, entre o grupo e sua atividade,
que emerge em meio a participação do grupo com o tipo curioso de conflito no qual estavam
enredas as ações da comunidade de prática (do não acesso, acolhimento e vínculo), onde
ocorreu uma separação entre as ações propostas pelo grupo e as ações exigidas por esta
comunidade de prática. A não participação do grupo indica luta com a possível identidade
vinculada, a esta comunidade de prática. A questão que estava em jogo é das relações
identificatórias que se moviam entre a (não) participação e a prática normativa.
O que ocorreu neste grupo focal, foi o conflito entre as relações identificatórias deste
grupo com as práticas normativas representadas pelas questões-problema. Onde o grupo
relutou em identificar-se com esta prática (tradições e práticas desta comunidade). O que
aconteceu neste momento foi que este grupo que estava “engajado” nesta comunidade de
prática experenciou um súbito instante de colisão com a sua presente “diferença”. Esta
“diferença” foi possível quando este grupo se colocou a margem (lugar do excluído) desta
comunidade de prática.
Neste sentido o grupo perdeu a qualidade de participação legitimada – ou consentida –
da comunidade de prática (do não acesso, acolhimento e vínculo) o que lhe dava uma
perspectiva de pertencimento, que oferecia uma possibilidade identificatória e conduzia este
grupo a um processo de adesão a esta comunidade.
Wenger (1998) esclarece que os aspectos que a legitimação da participação assume é
uma característica definidora dos modos de pertencimento do sujeito na comunidade de
prática, e não apenas uma condição fundamental para o aprendizado, mas um elemento
constitutivo dos conteúdos a serem aprendidos. Alem disto, a “filiação” - adesão não é
198
meramente uma condição para o pertencimento a comunidade de prática, mas um processo de
mudança de localização dos membros, que revela o aspecto transitório das suas participação e
oferecendo muitas possibilidades de identificação ou (des) identificação, ao longo do tempo.
“Pertencer”, portanto, é engajar-se como membro de um vasto e complexo conjunto de
relações que são, ao longo do processo de “filiação” na comunidade de prática, produzido e
reproduzido como algo socialmente desejável. Então o “pertencimento” e o desejo de
“filiação” a comunidade de prática esculpem e são esculpidos pela qualidade da participação
dos membros nesta comunidade.
O que vimos que as respostas dadas pelo grupo focal, apontam para uma não-
participação relacionadas às ações da comunidade de prática (do não acesso, acolhimento e
vínculo), indicando uma contradição de desejos. O grupo que se encontrava em uma posição
de participação periférica legitimada, onde o deslocamento desejável como membro desta
comunidade era em direção ao centro (participação plena), demonstrou um desejo de se
colocar a margem desta comunidade, quando das suas respostas as questões-problema,
demonstrando uma colisão de identidade. Esta colisão identidária foi demonstrada pelos
conflitos apresentados pelas ações antes praticadas e as ações propostas nas respostas,
demonstrando um comportamento “desleal” para com a comunidade de prática (do não
acesso, acolhimento e vínculo).
Wenger (1998) defende que as relações contraditórias, que são parte integrante de uma
comunidade de prática, solicitam a necessidade de explicitação destes conflitos ao longo do
processo participatório do membro na atividade, revelando, ao mesmo tempo a reprodução
social e a produção (transformação, criação) das práticas, por que o caráter contraditório das
relações exige a (re) construção (da comunidade e das práticas) a partir do desafio de se
destacarem os conflitos.
O caso de resistência” do grupo a este tipo de prática (do não acesso, acolhimento e
vínculo) mostra que este grupo desejou agir diferente, questionando o desejo de torna-se
participante da prática, deslocando a reflexão sobre esta participação para a pergunta “quem
estou me tornando”.
Segundo o autor tradições podem ser alteradas ao longo da participação dos membros
em uma comunidade de práticas, sendo transformações graduais e informadas pela
dominância de certas práticas organizadoras da comunidade. A tradição é um processo
deliberadamente seletivo e conectador que torna possível a reificação da ordem. Identificar-se
através da participação em meio a tradições de uma comunidade de prática pode envolver
199
uma relação conflitual na qual se encontram enredadas tanto as diferenças marginalizadora do
membro quanto a sua relação periférica na comunidade.
Neste caso a dificuldade é estabelecer distinção tida entre marginalização e situação
periférica. Ambos os tipos de localização e de relações que constituem a participação dos
membros implicam em modos de alienação das relações “centrais” da comunidade de prática;
tanto a marginalização como a situação periférica, está vinculada a práticas históricas e
tradições culturais que organizam a estrutura social na qual se dá a participação do membro na
comunidade. Todavia a situação periférica do membro na relação deste com a comunidade de
prática não é “alienada” ou “marginalizada”, porque revelam uma localização inclusiva do
membro dentro da comunidade, possibilitando uma espécie de momento necessário para o
aprendizado as práticas desta comunidade. Por outro lado a marginalização nunca é negociada
e nem conduz os processos de inclusão na comunidade, ao contrário, os marginalizados ficam
sempre de “fora” da estrutura social dominante da comunidade de prática. Embora todos os
que se encontram “marginalizados” possam estar participando ali de maneira “diferente”. A
marginalização tem assim um impacto social muito mais amplo em uma comunidade de
prática manifestado pelos reiterados momentos de exclusão e de afastamento desta
comunidade de prática.
O que se verificou no grupo focal foi à colisão entre a diferença (situação de
marginalização desejada do grupo) e a sua participação na comunidade de prática e suas
práticas normativas (do não acesso, acolhimento e vínculo), que desembocaram em uma
identificação com aqueles que tinham menos poder: os usuários. Um movimento
potencialmente transformador, mas em direção oposta de um movimento participação central,
ou melhor, em direção ao núcleo participativo desta comunidade de práticas. Seguindo por um
caminho que desembocou numa crise identidária com as práticas desta comunidade, que era
reforçada constantemente pelo processo de não-participação expressas em cada resposta as
questões-problema.
Podemos perceber isso, quando das respostas, os artefatos (mediadores) presentes no
processo de trabalho eram questionados, transformados e criados sempre visando a melhoria
da questão do acesso, acolhimento e vínculo. Wenger (1998) coloca que o conhecimento em
uma comunidade de prática - e os modos de pertencer e manipular objetos típicos do grupo
são codificados nos seus artefatos de maneira que e possível de alguma forma serem
reveladores das suas tradições. O autor ainda coloca que os artefatos empregados na atividade
do grupo não podem jamais ser pensados separadamente das práticas de uma comunidade,
que entender a tecnologia da prática é mais que aprender o uso de certas ferramentas, é uma
200
maneira correta de se conectar com a história de uma prática e de participar mais diretamente
de sua vida cultural.
Houve a percepção do grupo focal sobre a “história” dos artefatos usados, no seu
poder de mediação das suas ações presentes e futuras, como um processo que envolvia a sua
participação, nas quais estes artefatos desempenhavam papel de mediadores, nas tradições da
comunidade de prática (do não acesso, acolhimento e vínculo). Essa “transparência” dos
artefatos (mediadores) do processo de trabalho foi fundamental para o aprendizado, pois o
entendimento dos seus significados interagiu no sentido de contribuir para este processo de
mudança. Para o grupo foi de suma importância o entendimento que participar de uma
comunidade de prática que se vale do uso de artefatos (ferramentas) nas quais se
encontravam criptografadas determinadas práticas ideológicas da comunidade de pratica (do
não acesso, acolhimento e vínculo) reguladoras da “normalidade” requereu deste grupo
focal uma (des) identificação com as ideologias subjacentes ao uso destes artefatos.
Cabe um pergunta neste momento da análise, o que fazia esta equipe ser participante
desta comunidade de prática?
Talvez a resposta a esta indagação, no meu ponto de vista, que este grupo não se
perguntava em que estava se tornando, e sim em quem eu sou?
A verdadeira condição hegemônica é uma efetiva identificação da
pessoa com as práticas hegemônicas: uma internalização de uma
“socialização” muito especifica que se espera seja positiva, mas que,
quando isso não é possível, permanecerá como (re) conhecimento
resignado do inevitável e necessário (WILLIANS, 1977, p. 118).
Cabe colocar que o reconhecimento do self histórico é central para responder esta
questão, o trabalho de subversão dos construtos tradicionais que se referem a identidade como
algo fixo e estabilizado no interior do sujeito. Para responder esta questão desta natureza
sobre esta identificação teríamos que encontra-las a partir de redobrada atenção a detalhes
materiais do passado individual e grupal. Não queremos afirmar com isso um self
“absorvente”, mas a preocupação com isso, proporciona ao sujeito historicizado reconhecer
mudanças discursivas do self em si em direção ao self para si. Identificar as manipulações
pessoais do self e as manipulações que o self opera no sujeito, requer emprego de leitura
crítica e consciente do jogo de forças sociais interiorizadas na pessoa. Assim a importância da
localização ou contextualização do sujeito em uma comunidade de prática, como reconstrução
histórica do self, coloca-nos uma constante (re) leitura das dinâmicas relacionais que
impregnam os processos sóciopolíticos e histórico-culturais imcorporados.
201
No curso histórico da formação destes membros do grupo focal, participaram de uma
comunidade de prática (universidades, empregos etc...) a prática era organizada a modo de
contigenciar a sua participação através da sua identificação ou (des) identificação, no seio de
construtos ideológicos com a “normalidade”, e para pertencer a esta comunidade de prática
este sujeito deve aniquilar sua “diferença”.
Como afirma Wenger (1998), que o aprendizado implica em tornar-se uma pessoa
diferente, com respeito às possibilidades identificatórias oferecidas, em um sistema de
relações, e que ignorar este aspecto do aprendizado é não ver que o aprender interconecta-se
com a construção de identidades.
Cabe agora perguntar o que teria acontecido na história deste grupo, que mudou sua
conduta de participação nesta comunidade de prática (do não acesso, acolhimento e vínculo),
saindo de uma posição inclusiva periférica para uma situação marginalizada, ou melhor, o que
levou este grupo a desejar tal posição de não pertencimento - (des) identificação?
Wenger (1998) utiliza o termo participação para descrever a experiência social de se
viver no mundo, no sentido de torna-se membro em comunidades e envolver-se ativamente
em iniciativas sociais. Neste caso, participação é pessoal e social, num processo que envolve o
fazer, o conversar, o pensar, o sentir e o pertencer, envolvendo todo o ser, incluindo nosso
corpo, mente, emoções e relações sociais.
Podemos colocar, a partir desta opinião de Wenger que, ocorreu no sujeito e no grupo
um processo de (re) criação do fazer, do conversar, do pensar e do sentir que desembocou em
uma situação de não pertencimento, de (des) identificação ou marginalização deste grupo com
as ações da comunidade de prática (do não acesso, acolhimento e vínculo).
Conforme colocamos anteriormente o pensamento de Maturana sobre a importância de
percebemos que as emoções são domínios de ações condutais consensuais, que precedem as
ações racionais, bem de Davidov de que necessidades e desejos compunham a base sobre a
qual as emoções funcionariam e de Gonzaléz Reis comentando o pensamento de Vygotsky,
sobre a importância das emoções na cognição, dando um caráter independente a elas.
Podemos inferir que um componente importante desta mudança foi à participação deste grupo
nas Oficinas de Formação Humana. Onde este grupo provavelmente sofreu as transformações
necessárias em seu sentir, em seu pensar, em seu falar e em seu agir.
202
Representação gráfica da (des) identificação
6.7 Integração das Fases da Proposta Pedagógica
6.7.1 Fase 1: Construção do Fluxograma Descritor e Questões-problema.
O objetivo desta fase é apresentar um Organizador Prévio que pudesse explicitar idéias
preconcebidas do grupo em relação ao processo de trabalho, onde ficasse explicitada a
incongruência deste com as categorias Acesso, Acolhimento e Vínculo.
Representação gráfica da Fase I – construção e análise do Fluxograma
6.7.2 Fase 2: Realização das Oficinas de Capacitação Humana
O objetivo é de apresentar uma Atividade de Reestruturação que proporciona um novo
modo de Sentir, Pensar, Falar e Agir no grupo, em relação às categorias Acesso, Acolhimento
e Vínculo. Propondo os seguintes temas e propósitos:
OFICINAS PROPÓSITOS
O respeito por si mesmo e a
autonomia social
Criar condições experienciais a partir
das quais se viva o que acontece a alguém
em seu emocionar segundo a pessoa se
relacione ou não com respeito a si mesma e
pelo outro.
OFICINAS DE
FORMAÇAO
HUMANA
MUDAR O SENTIR
MUDAR O PENSAR
MUDAR O FALAR
MUDAR O AGIR
COMUNIDADE DE PRÁTICA
(DO NÃO ACESSO,
ACOLHIMENTO, VÍNCULO)
NÃO-PARTICIPAÇÃO
MARGINALIZAÇÃO
(DES) IDENTIFICAÇÃO
Atividade
inicial: Análise
do Fluxograma
Descritor
Organizador Prévio:
categorias Acesso,
Acolhimento e
Vínculo
Explicitar idéias
preconcebidas
Por
Para
203
Emoção e ação
Criar condições experienciais a partir
das quais os participantes fluidez no
enxergar suas emoções e no ver os domínios
de ações que os constituem.
Correção do fazer e não do ser
Criar condições experienciais que
permitam distinguir o que acontece na
correção do fazer e do ser e por isso destina-
se a criar consciência do emocionar em cada
caso.
Biologia do amor
Criar experiências que permitam
refletir sobre o que acontece quando se
interfere com a biologia do amor, através da
criação de um espaço relacional no qual se
vive o que se quer conhecer.
Corpo e alma
Criar condições experienciais a partir
das quais se viva à aceitação do corpo do
outro em sua total legitimidade.
Ética e espiritualidade
Criar consciência de visão ou
cegueira ante o outro e de ampliação da
consciência de pertença.
Esta fase tinha por objetivo propor problemas que se contrasta com as idéias prévias
existentes no grupo, sobre cada um destes temas, proporcionando uma construção conjunta de
Conhecimento, em busca de uma Mudança Conceitual, facilitadora para as alterações na
percepção e resolução de problemas com relação às categorias Acesso, Acolhimento e
Vínculo, no seu processo de trabalho.
Representação gráfica da Fase II da intervenção pedagógica – Oficinas
Atividade de
Reestruturação:
Oficinas
Problemas para
contrastar com
idéias prévias
Conhecimento
grupal
Mudança
conceitual
Propor
PROPORCIONAR
Alcançar
MUDAR O SENTIR
MUDAR O PENSAR
MUDAR O FALAR
MUDAR O AGIR
204
6.7.3 Fase 3: Análise pelo Grupo Focal do Fluxograma Descritor e questões-problema.
O objetivo desta fase era proporcionar uma Atividade de Aplicação das mudanças
conceituais no sentido de provocar contrastes e reforçar aprendizagem na forma de análise e
resolução das questões-problema. Possibilitando assim uma fase de Atividades de Revisão do
processo de trabalho e espaço para construção grupal de Conhecimentos, com relação às
categorias Acesso, Acolhimento e Vínculo.
Representação gráfica da Fase III da intervenção pedagógica – Grupo Focal
Atividade de
Aplicação:
Grupo Focal
Para contrastar e
reforçar a
aprendizagem das
mudanças
conceituais
Atividades de
revisão e
Construção de
conhecimento
Análise Fluxograma
Descritor e respostas
às questões-problema
Avaliação do processo
de trabalho em relação
às categorias Acesso,
Acolhimento e Vínculo
205
6.7.4 União das Fases
Atividade de
Aplicação:
GRUPO FOCAL
Atividades de
revisão e
Construção de
conhecimento
Análise Fluxograma
Descritor e respostas às
questões-problema
Avaliação do processo
de trabalho em relação
às categorias Acesso,
Acolhimento e Vínculo
Comparar
com idéias
iniciais
Atividade inicial:
construção do
Fluxograma
Organizador Prévio:
categorias Acesso,
Acolhimento e
Vínculo
Explicitar idéias pré-
concebidas
Por meio
P
ara
Atividade de
Reestruturação:
Oficinas
Problemas para
contrastar com
idéias prévias
Conhecimento
grupal
Mudança Conceitual
Mudar o Sentir
Mudar Pensar
Mudar o Falar
Mudar o Agir
Propor
PROPORCIONAR
Alcanç
ar
CONGRUÊNCIAS
Acomodação
Incongruências
Conflitos
Contr
astá
-
las
Para contrastar e
reforçar a
aprendizagem das
mudanças conceituais
Contrastá-las
206
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As profundas modificações ocorridas no mundo do trabalho determinaram novas
demandas de formação profissional. No contexto de flexibilização e integração dos processos
produtivos, a idéia de qualificação orientada pela perspectiva da escolarização e de posse de
atributos assegurados apenas pela titulação formal é progressivamente tencionada pela
valorização do saber tácito, e da subjetividade, que também se constroem em espaços laborais
e na vida do trabalhador. Tais questões implicam a revisão crítica dos princípios de seleção e
hierarquização de saberes com base nos quais estão organizados os sistemas educativos e o
desafio para a superação da relação de antecedência da educação em relação ao trabalho,
caminhando para uma relação de concomitância entre esses dois processos. Enfrentar estas
tensões, requer reconhecer a fratura existente entre os problemas do mundo real e a
organização disciplinar do conhecimento que orienta a formação profissional tradicional, bem
como situar a importância de que a formação possa incluir uma nova abordagem da relação
teoria prática em um contexto em que reconhecidamente assumimos a natureza complexa e
incerta dos problemas com que se defrontam os profissionais de saúde .
Propor a formação de profissionais capazes de desenvolver uma nova prática em saúde
pública implica, ao lado da definição de um novo perfil desejado, o aproximar-se dos
elementos constitutivos desse novo fazer e pensar.
Esta proposta pedagógica tinha propósito de enfocar não o aspecto de “fatores
humanos” dos profissionais da equipe, mais de “atores humanos” que são, nas suas
motivações individuais e coletivas com seu arsenal de valores. Atores humanos conotam
pessoas ativas, que possam controlar as suas situações de trabalho, enfatizando o foco na
pessoa como agente autônomo que tem capacidade de regular e coordenar seu
comportamento. Pessoas são mais que partes fragmentadas, têm conjunto de valores,
objetivos e conceitos a respeito da vida e do trabalho.
7.1 Ferramenta mediadora – Fluxograma Descritor
Procurei uma análise que pudesse dar ênfase na mudança de foco do produto para o
processo do trabalho. Substitui-se a formula estimulo resposta pela formula objeto
207
atividade – sujeito, ao incorporar a atividade como elemento básico para análise de um
processo de cognição, assumindo assim seu caráter fundamentalmente social. Assim a
cognição apareceu na interação “interpsicológica” do grupo, sendo internalizada na fase
“intrapsicológica”. Vygotsky (1998) afirma que no processo de internalização: “um processo
interpessoal é transformado num processo intrapessoal” e que “todas as relações superiores
originam-se das relações reais entre indivíduos humanos” VYGOTSKY (1998, p. 50). Como
a atividade é elemento principal do processo, necessitei desenvolver este meio para estudá-la,
isto foi possível através do Fluxograma Descritor. A complexidade das situações do mundo
real só pode ser “percebida” no dinamismo inerente às próprias áreas de trabalho.
Analisar o processo de trabalho existente para apontar melhoramentos nem sempre é
ideal, uma vez que a base pode estar erroneamente projetada. Assim achei mais interessante
nos focar em nova forma de projetar o processo de trabalho da equipe e o que deve ser
projetado, em vez de buscar nos existentes uma inspiração inadequada e pouco criativa para
as soluções, relação às categorias Acesso, Acolhimento e Vínculo. Cada contexto novo tem
variáveis únicas, onde o objeto e sujeito são definidos histórica e culturalmente. Assim
somente as condições do grupo e do momento puderam definir novas soluções.
O envolvimento de todos os membros da equipe do Programa Saúde da Família,
favoreceu uma forma de promover democratização no processo organizacional de mudanças.
A utilização do Fluxograma Descritor permitiu que cada membro mapeasse seus processos de
trabalho, sendo que as contradições experimentadas na prática corrente destacada e utilizadas
como material de trabalho para o aprimoramento do seu processo de trabalho. Assim os
membros da equipe puderam ter a experiência de se sentir em situações futuras, ou em
cenários aproximados, fazendo comentários demonstrando vantagens e desvantagens da
possível solução em desenvolvimento. Durante o processo de analise do Fluxograma
Descritor e questões-problema, pelo grupo focal, os membros descobriram os problemas
potenciais e fizeram sugestões de como redesenhar o processo de trabalho que estava sendo
projetado. Isso envolveu uma intensa interação entre os membros da equipe que resultou um
aprendizado de competências e limitações uns dos outros.
Ao propor trabalhar com a equipe do Programa Saúde da Família adotei uma
abordagem em que o conhecimento conjugado de várias disciplinas provocasse um processo
no qual cada membro articulasse interativamente seus próprios requerimentos com a equipe.
Acreditamos que isto facilitou o consenso sobre um “vocabulário de conceitos” (temas das
oficinas) que foi compartilhado pelos membros na solução das questões-problema.
208
ZONAS DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAIS DE CADA MEMBRO
ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL DO GRUPO
Representação gráfica da configuração da ZDP do grupo
KYNG (1996) coloca as diferenças de foco entre a abordagem tradicional de sistemas
de trabalho e a abordagem com foco na cooperação:
ABORDAGEM TRADICIONAL ABORDAGEM NA COOPERAÇÃO
Problemas Situações
Automação Suporte
Fluxo informativo Relações sociais
Procedimentos formais Trabalho situado
Habilidade descritível Habilidade tácita
Especialização em regras Especialização no ser humano
Comunicação individual Interação de grupo
Procedimentos baseados em regras Trabalho baseado em experiência
Fonte: King, 1996
209
Enquanto na abordagem tradicional o foco esta na tecnologia, na abordagem
cooperativa o foco esta deslocado ao ser humano e às suas relações de trabalho. A maioria dos
sistemas de análise tradicional do processo de trabalho envolve descrições e levantamento de
dados, com a perspectiva de transferir o conhecimento e o entendimento da prática do
trabalho para o individuo que irá desenvolver o trabalho. Sendo então o analista é ativo e o
individuo do processo de trabalho passivo. Adotei uma perspectiva onde a prática corrente
fosse analisada e discutida pelas diferentes interpretações dadas a ela pelos membros da
equipe, para obter o máximo entendimento sobre a situação do processo de trabalho. A
importância, de se desenvolver juntos as soluções para as questões-problema, encontradas no
processo de trabalho, uma vez que a análise pode ser vista como uma fase de experiência
reflexiva a respeito da organização do trabalho.
Enquanto de um lado foi possível a este grupo um aprendizado em relação à parte
tecnológica que envolvia o seu trabalho, o grupo também teve aprendizado da sua prática
corrente. Os conhecimentos compartilhados possibilitaram um espaço democrático de
aprendizagem tanto no processo (intervenção pedagógica) como no produto (respostas às
questões-problema).
Acredito que a análise, do processo de trabalho de forma grupal, facilitou a tomada de
decisões, a fim de trazer mudanças. Levando o grupo a colocar de lado algumas garantias da
prática corrente, e também a uma investigação grupal das limitações e das possibilidades de
mudanças.
O analisado pelo grupo foi às suas práticas (do não acesso, acolhimento e vinculo),
mostrando como o trabalho era realizado e como os artefatos eram utilizados. Pretendia-se
que este grupo levantasse os obstáculos e potencialidades para que ocorressem mudanças nas
práticas correntes. No momento da intervenção do grupo, mudanças surgiram ou foram
reprojetadas cooperativamente na prática corrente. Acreditamos que essas mudanças somente
foram possíveis por se tratar de um processo cooperativo, no qual os próprios membros
estavam ativamente inseridos.
7.2 Ferramenta mediadora – Questões-problema.
De acordo com a Teoria de Atividade, desenvolvida por Engeström, toda verdadeira
ação humana é analisada como uma estrutura mediativa. Em vez de uma estrutura dualista
sujeito – objeto, o comportamento humano é visto como uma tríade sujeito – objeto –
instrumentos mediadores (estes seriam ferramentas, símbolos, tradições, métodos, técnicas,
210
ect. Ao passar de uma atividade individual a uma atividade coletiva, a estrutura mediativa
persiste. A relação entre sujeito e comunidade é mediatizadas por regras, normas (linguagem,
rituais, etc.). A relação entre comunidade e objeto e mediatizada pela organização do trabalho.
A comunidade como um todo, completa o trabalho a ser feito ao delegar sub-tarefas a
membros individuais, que se utilizarão de instrumentos e ferramentas na execução de suas
tarefas. Cada atividade é sujeita a contradições internas, e estas contradições as forças
primarias do desenvolvimento.
A explicitação das contradições encontradas no processo de trabalho da equipe em
relação às categorias Acesso, Acolhimento e Vínculo, expressadas pelas questões-problema
decorrentes da análise do Fluxograma Descritor, possibilitaram aos membros da equipe uma
possibilidade de reflexão sobre suas práticas e adquirir zonas desenvolvimento proximais, que
geraram mudanças no processo de trabalho.
Para Engeström (1987) as contradições não são apenas características inevitáveis da
atividade, para ele, novos estágios qualitativos e formas de atividade emergem como soluções
das contradições do estágio precedente daquela forma. O autor definiu a Zona de
Desenvolvimento Proximal como a distância entre as ações cotidianas dos indivíduos e a
forma historicamente nova da atividade social que pode ser historicamente gerada. Na ótica
da Teoria da Atividade, a zona de desenvolvimento proximal pode ser compreendida como o
potencial de transformação expansiva possibilitada pelo conflito que fatalmente acaba por
reorganizar a atividade, dada sua natureza histórica.
7.3 Ferramenta mediadora – Oficinas (temas sobre formação humana)
Esta ferramenta mediadora possibilitou refletir os aspectos relacionados à
subjetividade / objetividade, à emoção, à razão, à linguagem. A partir dela criou-se condições,
na formação dos profissionais da equipe, de uma linguagem emocional, expressa na tentativa
destes em compreender a partir de suas interações na sua expressão e comunicação com o
outro e o mundo, o uso intencional da emoção. Neste processo de “emocionar” o grupo,
surgiu um linguagear emocional (condutas consensuais de ações) que pode representar um
diferencial significativo para a construção de conhecimento para mudanças no processo de
trabalho.
Segundo Pino (1997), os fenômenos afetivos referem-se às experiências subjetivas,
que revelam a forma como cada sujeito "é afetado pelos acontecimentos da vida ou, melhor,
pelo sentido que tais acontecimentos têm para ele" (PINO, p. 128). Portanto:
211
...os fenômenos afetivos representam a maneira como os
acontecimentos repercutem na natureza sensível do ser humano,
produzindo nele um elenco de reações matizadas que definem seu
modo de ser-no-mundo. Dentre esses acontecimentos, as atitudes e as
reações dos seus semelhantes a seu respeito são, sem sombra de
dúvida, os mais importantes (...). São as relações sociais, com efeito,
as que marcam a vida humana, conferindo ao conjunto da realidade
que forma seu contexto (coisas, lugares, situações, etc.) um sentido
afetivo (PINO, 1997, p. 130-131).
De acordo com Vygotsky (1996), a aprendizagem ocorre a partir de um intenso
processo de interação social, através do qual o indivíduo vai internalizando os instrumentos
culturais. Dessa maneira, pode-se supor que as experiências vivenciadas com outras pessoas é
que vão determinar a qualidade do objeto internalizado e que tais experiências acumuladas,
constituindo a história de vida de cada um, é que vão possibilitar a re-significação individual
do produto internalizado. Por isso, os processos de significação estão diretamente ligados às
interações sociais, ou seja, à mediação feita pelo outro. Portanto, a ação de conhecer é obra da
atuação do elemento mediador (PINO, 1997).
Maturana (1999) apresenta uma visão biológica do desenvolvimento humano,
defendendo a origem do homem como um ser emocional. Minimiza o papel da herança
genética e destaca como determinante na evolução do ser humano a sua inserção na cultura.
Dessa forma, salienta como fundamental no processo de desenvolvimento as interações
sociais, trazendo uma nova maneira de entender as relações humanas. Em seus estudos, adota
uma abordagem biológica para as emoções, referindo-se a elas como um aspecto
desenvolvido filogeneticamente.
Percebemos que desqualificar o ser humano é muito mais fácil, transferir a culpa para
quem está passando por problemas é mais confortável. Fala-se muito em sermos tolerantes
com o outro, sendo que no fundo toda tolerância traz consigo a negação do outro, o necessário
é aceitar o outro, mas para isso temos de ter o amor como emoção fundadora (MATURANA,
1999).
A desqualificação do ser humano tem aumentado a sua abrangência por estarmos
vivendo na era intensiva de conhecimento (DEMO, 2004), sendo que esse é um fator
diferencial e poucos têm acesso a uma formação humana de qualidade. As políticas públicas
são inoperantes e cínicas ao tratarem pessoas desiguais de modo igual, afirmando que
depende das pessoas a busca de qualificação. No entanto, o que temos visto é que pobre tem
escola pobre (DEMO, 2003).
212
Wallon (1971), afirma que a afetividade desempenha um papel fundamental na
constituição e funcionamento da inteligência, determinando os interesses e necessidades
individuais. Paulo Freire em seu livro “Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa”, explicita a impossibilidade de exclusão dos aspectos afetivos dos aspectos
cognitivos, e conclui: “ O que não posso obviamente permitir é que minha afetividade
interfira no cumprimento ético de meu dever de professor no exercício de minha autoridade"
(FREIRE, 1996, p.160).
A citação de Freire me remete a alguns questionamentos: entendendo o imbricamento
e a interdependência entre subjetividade/objetividade; razão/emoção; afeto/cognição; não
poderia supor que o cumprimento ético, apesar de aparecer sempre associado à racionalidade,
seria também emocional? Quando optamos pela "imparcialidade", por o devermos assumir
posturas e atitudes determinadas pelo querer ou não bem ao outro, mas sim buscando o ser
justo e ético, ainda assim não estamos sendo afetivo-emocionais? O ser ético é saber-se não
ser emocional? A emoção atrapalha o ser ético?
A ética de Dussel (2000) apresenta-nos a necessidade de desenvolvermos o olhar
legítimo e uma postura ativa, crítica e consciente frente ao modo de vida do ser humano,
buscando incessantemente o que ele chama de Ética da Libertação. "A Ética da Libertação
tem como ponto de partida preferencial (...) a ‘exterioridade’ do horizonte ontológico
(“realidade" além da "compreensão do ser"), o além da comunidade de comunicação ou de
uma mera sabedoria afirmada ingenuamente como autônoma..."(DUSSEL,2000, p. 421/422).
Dussel, em sua Ética da vida, propõe o olhar para o humano em sua totalidade e para
isso alerta-nos acerca dos estudos que a biologia cerebral vem realizando como referenciais
importantes para recuperar a dimensão da corporalidade com processos orgânicos altamente
auto-referenciais, tão deixadas de lado pelas morais formais, e para demarcar mais
estritamente as pretensões nem sempre válidas das éticas materiais.
A ética deve dar importância aos processos auto-organizados ou auto-
regulados da vida, que um certo ‘consciencialismo’ moderno
exagerado e unilateral faz perder o sentido da corporalidade orgânica
da existência ética (Dussel, 2000, p.94).
Assim, em seus estudos, o autor faz uma incursão aos aspectos neurológicos,
cerebrais, incluindo as manifestações emocionais como importantes fatores para a
compreensão da corporalidade.
A realidade da vida humana do sujeito ético-cerebral tem, em seus
sistemas avaliativo-afetivos neuronais uma permanente vigilância de
213
exigências, obrigações, um ‘dever-ser’ que incorpora internamente os
motivos, e que se integra constitutivamente em todas as atividades dos
níveis prático e teórico de toda conduta possível (Dussel, 2000,
p.107).
Segundo Bader (1999), autores como Heller, Espinosa e Vygotsky "concebem a
emoção positivamente, como constitutiva do pensamento e da ação, coletivos ou individuais,
bons ou ruins, e como processo imanente que se constitui e se atualiza com os ingredientes
fornecidos pelas diferentes manifestações históricas" (BADER, 1999, p. 100).
Esses e outros autores apresentam a emoção articulada ao processo histórico e como
fator ético-político. Podemos adiantar que a expressão das emoções é aprendida de acordo
com o meio, suas interações e circunstâncias; o que explica o pensamento exposto acima,
onde as manifestações históricas influenciam no processo de constituição, atualização e,
cremos, na valorização das emoções nas diversas culturas. Deve-se ressaltar que o ser humano
não aprende a se emocionar. São os aspectos culturais que influenciam a expressão das
emoções, e, portanto os indivíduos aprendem a expressar suas emoções de acordo com a
cultura e os valores sociais aos quais estão submetidos/inseridos. Concebemos que somos
seres emocionais e racionais e co-existimos por sermos relacionais. Tais relações se fazem no
conviver humano e, apesar de também compreendermos a emoção como fator biológico,
devemos percebê-la como constitutiva e "trans-formadora" também das esferas sociais nesse
processo. (BADER, 1999)
Essa visão me remete a refletir sobre o que move e o que imobiliza o humano a
perceber-se e agir como sujeito social crítico, consciente e ético. Poderia obter respostas
associadas a ideais, crenças, valores, etc., que são aspectos de ordem racional; porém acredito
que a ação dos sujeitos em interação com o outro e com o meio (social, inclusive) é
promovida, num primeiro momento, pela emoção.
Assim, posso inferir que a emoção pode estar associada, e ser um diferencial, aos
fatores que envolvem o processo de conscientização, ou seja, conscientizar para a ação deve
considerar os aspectos afetivo-emocionais, que envolvem os sujeitos, como propulsores desse
processo. Poder-se-ia pensar e propor o "emocionar" para conscientização.
Estou propondo através do emocionar o reconhecimento, a identificação e a
apropriação das emoções, enquanto manifestações afetivas, como estimuladoras de ações
conscientes que permeiem e conduzam ao processo de conscientização, uma vez que esse
movimento não se apenas na esfera racional/cognitiva. No processo de emocionar
214
pretendeu-se que os sujeitos em interação repensassem seu estado de introspecção e
caminhassem para o movimento de extrospecção coletiva, "contagiando" a todos socialmente.
Encontrei em Maturana a seguinte reflexão: “Todo sistema racional se baseia em
premissas ou noções fundamentais que aceitamos como ponto de partida porque queremos
fazê-lo, e com as quais operamos em sua construção” (MATURANA, 1998, p.16).
Poderia ainda refletir a citação acima como uma visão ingênua dos fatos, frente à
realidade social que nos cerca: produtora e reprodutora de seres humanos como vítimas do
arcabouço de dominação/exclusão, fruto do poder hegemônico ao qual estamos submetidos.
Mas Maturana em suas inclusões apresenta-nos tal afirmação não de forma harmônica,
apontando também a presença de conflitos recursivos que se estabelecem no relacionar
humano: “Desacordos nas premissas fundamentais (referindo-se aos conflitos ideológicos) são
situações que ameaçam a vida, que um nega ao outro os fundamentos de seu pensar e a
coerência racional de sua existência" (MATURANA, 1998, p.17).
Damásio afirma que "... quando há consciência, os sentimentos têm seu impacto
máximo e os indivíduos também são capazes de refletir e planejar. Têm como controlar a
tirania onipresente da emoção: isso se chama razão. Ironicamente, é claro, os mecanismos da
razão ainda requerem a emoção, o que significa que o poder controlador da razão é com
frequência modesto" (DAMÁSIO, 2000, p.83).
Maturana complementa apontando que “... todo sistema racional tem fundamento
emocional, e é por isso que nenhum argumento racional pode convencer ninguém que não
estivesse de início convencido, ao aceitar as premissas a priori que o constituem”
(MATURANA, 1997, p.171)
Se o fio condutor exclusão humana está concentrado na vida, no viver a partir do
conviver, fica mais uma questão: se emoção, razão e ética co-existem pela manutenção da
vida humana, individual e em comunidade, não caberia a nós, iniciarmos um movimento
prático de desfragmentação desses aspectos para um melhor viver e conviver humanos?
Talvez um dos caminhos a se considerar esteja no trabalho de desenvolvimento de
uma linguagem emocional na educação, ou seja, o uso intencional da emoção através da
linguagem em suas diversas manifestações/expressões.
7.4 Ferramenta mediadora – Avaliação formativa.
Minha intenção ao colocar para o grupo focal analisar o seu processo de trabalho,
mediante a apresentação do Fluxograma Descritor e questões-problema, era criar um espaço
215
que se propiciasse uma avaliação formativa e que levasse a este grupo aprendizagem. Destaco
as características apresentadas neste processo:
Democrática: fez alusão à necessária participação de todos os sujeitos que se viam
afetados pelas colocações das questões-problema, não como meros espectadores ou
sujeitos passivos “que respondem”, mas que reagem e participam das decisões que
foram adotadas e que lhes afetavam.
A serviço dos protagonistas: esteve continuamente a serviço da prática, para melhora-
la, e a serviço dos que dela participam e dela se beneficiam como recurso de formação
e oportunidade de aprendizado.
Negociação: oportunizou-se a este grupo a negociação de todos os pontos abarcados
pelas questões-problema, desde a forma que foram dadas as soluções até o papel de
que cada um deve desempenhar nesta nova solução.
Transparência: esta avaliação grupal do processo de trabalho demonstrou a
transparência no seu trajeto para as soluções, pois seus passos eram explicitados
publicamente e negociados pelo próprio grupo.
Formativa, motivadora e orientadora: a intenção sancionadora ficou longe desta
avaliação. Basta entendê-la na literalidade da expressão: ‘que forme’, intelectual e
humanamente. Na medida em que formou, esta avaliação foi parte integral de um
pensamento crítico.
Triangulação: este recurso de avaliação do processo de trabalho apresentou três
possibilidades avaliativas. A primeira foi o próprio processo de trabalho mediante a
apresentação do Fluxograma Descritor e questões-problema, segunda a auto-avaliação
de cada membro do grupo e terceiro a co-avaliação entre os membros. Estas três
avaliações constituíram os vértices do triangulo.
Responsabilização: a dinâmica provocada por este triangulo permitiu, ao grupo
assumir e exigir a responsabilidade, o que cada um deva desempenhar na solução dos
problemas.
7.5 Ferramenta mediadora – reconstrução de uma comunidade de “Eus” e “Outros”.
Em sua teoria da modernidade Habermas identifica o desengate entre o sistema e o
mundo da vida, possibilitando a invasão e colonização do mundo da vida. O mundo sistema,
armado de uma razão instrumental técnico-científica, submeteu o mundo da vida por meio da
216
dominação livre e desimpedida, pela ausência de uma ética reguladora das ações na vida das
sociedades, por isso propõem o re-acoplamento entre estes sistemas
desconectados(FREITAG, 1993).
O caminho desta reconstrução intersubjetiva passa pela mudança do paradigma da
modernidade centrado no “Eu” egoísta, individualista e único, que domina sobre objetos,
natureza e pessoas coisificadas.
Para Habermas (1989), chegou o momento de abandonar o paradigma da relação
sujeito objeto, que tem dominado grande parte do pensamento ocidental, substituindo-o por
outro paradigma: o da relação comunicativa, que parte das interações entre sujeitos,
lingüisticamente mediatizadas, que se dão na comunidade cotidiana. Dentro deste novo
paradigma, a racionalidade adere aos procedimentos pelos quais os protagonistas de um
processo comunicativo conduzem a sua argumentação, com vistas a um entendimento ultimo,
referindo-se, em cada caso, a três contextos distintos: o mundo objetivo das coisas, o mundo
social das normas e o mundo subjetivo das vivencias e emoções. É um conceito processual da
razão: serão racionais não as proposições que correspondem à verdade objetiva, mas aquelas
que forem validadas num processo argumentativo em que o consenso foi alcançado sem
deformações externas, resultantes da violência, ou internas, resultante da falsa consciência,
através de provas e contraprovas, de argumentos e contra-argumentos.
O que propus no decorrer de todo o processo pedagogia e de aprendizagem para este
grupo foi objetivando construir bases para essa mudança de superação da negação do “Outro”.
Que “Eus” e “Outros”, através da linguagem e símbolos propostos pela intervenção
pedagógica, entrassem em dialogo e construíssem consensos. Isso significa a possibilidade de
um retorno à comunidade, não ao mito da comunidade, mas no seu sentido de relações face a
face na quais os membros do grupo, dialogam e projetam o desenvolvimento do seu processo
de trabalho segundo o reino da ética não mais egoísta, mas perguntando-se sobre sua
finalidade, seus meios e contexto. Assim este grupo pode interagir sobre o seu fazer (objeto)
levando em conta a sua finalidade (motivo) que é as necessidades dos usuários. Numa relação
que poderei colocar da seguinte forma:
SUJEITO(S) (profissionais) SUJEITO(S) (usuários)
OBJETO(S) (processo de trabalho)
Representação gráfica das relações surgidas no grupo
217
A construção desta aprendizagem centrada numa linguagem intersubjetiva de
diferentes sujeitos possibilitou a retomada para o grupo, questões de justiça, do dever, da
verdade, da ética e da responsabilidade, criando a interação de elementos prático-morais e
estético-expressivo.
O que pretendi com esta aprendizagem foi que o grupo deixa-se o imperativo
categórico Kantiniano, em que o sujeito pergunta “o que devo fazer?”, passando para um
processo de sujeitos solidários plurais possibilitando emergir perguntas sobre “o que devemos
fazer?”, “como devemos nos comportar?” e “que valores e normas seguir?”.
Assim a intervenção educacional transformou-se num processo essencialmente
coletivo no qual a aprendizagem e a construção do conhecimento se efetivaram através dos
relacionamentos entre os membros do grupo e com o todo da vida.
A eticidade da educação compreende um processo aberto de construção e reconstrução
infinita diante das necessidades que a vida humana universal e seu ambiente determinarem,
superando, assim, os determinismos do cognitivismo do paradigma da consciência. Ë uma
eticidade implícita em todo o processo educativo, seja ele formal ou informal. Da mais tenra
idade até o fim da vida todo o processo de aprendizagem e construção do conhecimento traz
no seio de sua realização um desenvolvimento ético preocupado com a universalidade da vida
de todos os seres humanos. Esta ética pergunta constantemente sobre como devemos agir,
sobre normas e o conjunto de valores sem trazer qualquer prejuízo a nenhum ser humano
(AHLERT,1999).
Somente uma educação ética é capaz de questionar as verdades que
se querem absoluta. Por isso seu ethos se encontra na comunidade
enquanto ekklesia (esfera do público – público) que busca o bem
comum no qual se constrói o conhecimento através da argumentação e
da defesa pública de interesses de todos os concernidos, contra o
ágoras (esfera público privada) e óikos (esfera privada), que são
espaços da discussão voltados apenas aos grupos interessados nos
seus próprios projetos e em manter seu lugar e bem estar
(AHLERT,1999, p.160).
Pretendi, neste trabalho, estabelecer correlações entre gestão e subjetividade e o
fizemos através da aprendizagem. Meu objetivo foi colocar a subjetividade como categoria ou
instância não separada dos processos interativos de comunicação, importantes para a gestão
do trabalho. As ferramentas mediadoras utilizadas constituíram instrumentais de reflexão, de
dialogo e de negociação, de questionamento dos fundamentos cognitivos e emocionais do
perceber e do agir.
218
Aprendizagem, para os teóricos da learning organization, deve ser
vista como um processo continuo com as seguintes etapas: aprender a
perceber ou a reinterpretar uma situação, aprender como aplicar esta
percepção para uma formulação de política e especificação de uma
ação, aprender como implantar estas políticas e ações pretendidas, e
manter estes três últimos itens ativos, vivos, e abertos a constante
revisão (RIVERA, 2003, p.246).
Esta afirmação se aproxima significativamente do processo de intervenção
pedagógica, proposta neste trabalho, na qual desenvolvi minha reflexão dentro de uma
perspectiva situacional e comunicativa. A intersecção está relacionada à percepção da
realidade como um processo mediatizado por recorte situacional que privilegia uma
determinada cultura, valores e crenças, determinando uma percepção interessada da realidade
como um filtro dos modelos mentais. Modelos mentais são definidos por Senger (1990) como
pressupostos profundamente enraizados, generalizações ou imagens que temos que
influenciam o modo como percebemos o mundo e agimos sobre ele.
Maturana (apud Rivera, 2003) defende a racionalidade é um plano constituído de
premissas que aceitamos porque nos agradam (idéia que reforça o predomínio das emoções
sobre o racional), e que o caminho que leva a percepção é da objetividade entre parênteses.
Significando que o ato de conhecer depende do observador e se estrutura enquanto um convite
ao outro, a um tipo de diálogo sobre a validade das coerências operacionais do conhecer.
A partir desta perspectiva, que o conhecimento absoluto independe do observador,
procurei propor nesta intervenção pedagógica, uma aprendizagem como um processo coletivo
ou organizacional. Processo de aprendizado que permitiu o afloramento e o questionamento
dos modelos mentais dos profissionais da equipe, abrindo a possibilidade de uma visão
compartilhada. Coloquei-me dentro de uma perspectiva sustentada por Geus (apud, Rivera,
2003), que o verdadeiro propósito do planejamento eficaz não é de fazer planos, mas mudar o
microcosmo, os modelos mentais que os tomadores de decisões carregam em suas mentes.
Maturana (1999) coloca que a aprendizagem é um processo de mudanças continuas de
comportamento produzido por uma necessidade de um acoplamento estrutural com o meio.
Assim aprendizagem corresponde às mudanças ocorridas ao longo da vida em função das
interações com outros e o meio, em um processo histórico onde ocorre (re) produção do
individuo e meio. Tanto a aprendizagem quanto à cognição estão voltadas para o fazer, e
aprender é mudar para fazer.
A produção da subjetividade neste grupo pesquisado, foi sem dúvida inseparável da
intersubjetividade levando a superação do aprendizado fragmentado e situacional dos seus
219
membros, possibilitada pelo diálogo e argumentação crítica, durante as oficinas e do grupo
focal. A aprendizagem embora individual, pressupôs uma relação permanente para fora com a
intersubjetividade e em relação a objetos em geral, em situações de práxis.
Tive o objetivo de caracterizar uma proposta de (trans) formação profissional
(processo de trabalho) desenvolvida com a equipe Saúde da Família. Pretendeu-se apontar os
alcances desta proposta de (trans) formação de natureza processual, fundamentada na reflexão
para/na/sobre as ações de acesso, acolhimento e vínculo . Nesse sentido, buscou-se explicitar
como o processo de desenvolvimento (formação humana), quando articulado em um projeto
de intervenção pedagógica sustentado por ações intencionais de elaboração, aplicação e
reflexão de atividades do processo de trabalho (categorias acesso, acolhimento e vínculo)
possibilitou ao profissional passar de um nível de conhecimento, para outro mais elevado.
Nesse sentido, a construção dos conceitos (sobre formação humana), tal como se defende,
justificou a opção metodológica adotada.
Para proposta de trabalho com o grupo de profissionais construiu-se uma dinâmica que
pudesse conduzir a elaborações de novos conhecimentos, referentes não apenas a
determinados conteúdos, mas à própria prática. Estabeleceram-se ações a serem
desenvolvidas com o grupo, que permitissem instrumentalizá-los para o exercício de ações,
que facilitassem o acesso, acolhimento e vínculo. O desenvolvimento desta (trans) formação
teve assinalado por situações de debates, perpassadas por atitudes de colaboração e de conflito
sócio-cognitivo, atribuindo-se à mediação do outro (colega ou usuário) um papel fundamental
no movimento de aprendizagem grupal.
Dessa maneira, o projeto de intervenção pedagógica constituiu-se em uma atividade
orientadora para a aprendizagem das categorias acesso, acolhimento e vínculo. Significou
partir de uma intenção, passar por uma adesão, para tornar-se decisão.
Em um primeiro movimento, inaugurado pela reflexibilidade (oficinas de formação
humana), foi necessário não apenas para aproximar-se de uma proposta do projeto, mas,
sobretudo, para sustentar o movimento de ação-reflexão-ação (grupo focal).
O processo pelo qual o grupo passou nas oficinas surgiu da necessidade de um
movimento primeiro de reflexão (apresentação dos referenciais de Formação Humana), para a
prática das categorias acesso, acolhimento e vínculo, apoiado nas experiências pessoais e
profissionais de cada membro do grupo.
Para Maturana e Rezepka (2002) a maior dificuldade na tarefa educacional está na
confusão entre duas classes distintas de fenômenos: a formação humana e a capacitação.
220
A formação humana tem a ver com o desenvolvimento da pessoa
capaz de ser co-criadora com outros de um espaço de convivência
social desejável. Por isso a formação humana como tarefa educacional
consiste na criação de condições que guiam e apóiam o
desenvolvimento de um ser capaz de viver no auto-respeito e no
respeito pelo outro, que pode dizer não a partir de si mesmo e cuja a
individualidade, identidade e confiança em si mesmo não se
fundamentam na oposição ou diferença com relação aos outros, mas
no respeito por si mesmo, de modo que possa colaborar precisamente
porque não teme desaparecer na relação (MATURANA, RESEPKA,
2002, p.11).
A capacitação tem a ver com a aquisição de habilidades e capacidades
de ação no mundo no qual se vive, como recursos operacionais que a
pessoa tem para realizar o que quiser viver. Por isso a capacitação
como tarefa educacional consiste na criação de espaços de ação onde
se exercitem as habilidades que se deseja desenvolver, criando um
âmbito de ampliação das capacidades de fazer na reflexão sobre este
fazer como parte do viver que se vive e deseja viver (MATURANA,
RESEPKA, 2002, p.11).
Seguiu-se, então, um movimento de ação, de nova reflexão, iniciando a lógica da ação-
reflexão-ação (grupo focal). Partindo das atividades dadas pelo processo de trabalho
(fluxograma descritor – categorias de analise acesso, acolhimento e vínculo) inicial -
conhecimento real, o grupo pode construir um processo de trabalho (respostas as questões-
problemas) “final” – zona de desenvolvimento potencial grupal, que se deu mediante a
dinâmica da ação-reflexão-ação (grupo focal).
Recorrendo a Vygotsky (1997), aonde o verdadeiro curso do desenvolvimento do
pensamento não vai do individual para o socializado, mas do social para o individual,
Atividade
reflexão-ação-
reflexão
ação-
reflexão-ação
i
n
i
c
i
a
l
f
i
n
a
l
Atividade de
Acesso
acolhimento
e vínculo
Movimento de (trans) formação do grupo
221
considera-se que, igualmente, a aprendizagem do grupo aconteceu, sobretudo no movimento
de fora para dentro. Cabendo às atividades da proposta de intervenção pedagógica, enquanto
elemento social, movimentar o desenvolvimento grupal, que, por sua vez, não dependeu
apenas dos investimentos recebidos, mas, também, dos investimentos que cada membro do
grupo realizou.
Os objetivos da proposta intervenção pedagógica materializaram-se por meio das
atividades do grupo focal. Onde a atividade de ensino proposta pode ser percebida na sua
dimensão transformadora como instrumento social desencadeador da (trans) formação de
uma linguagem de acesso, acolhimento e vínculo.
Segundo Vygotsky (1998), a aprendizagem deve-se incidir na zona de
desenvolvimento proximal que é o espaço entre o nível de desenvolvimento real e o nível
potencial. Assim, poder-se-ia compreender o conhecimento primeiro como o nível de
desenvolvimento real (cenário representado pelo fluxograma descritor); o cenário proposto
pelas respostas do grupo às questões-problemas como o nível de desenvolvimento potencial; e
o campo de possibilidades para a (trans) formação (oficinas de formação humana) como a
zona de desenvolvimento proximal.
7.6 Ferramenta mediadora: Quadrilátero da Formação
O conceito de quadrilátero da formação para a área da saúde, forjado por Ceccim e
Feuerwerker (2004), serviu de espelho para a construção e organização da proposta de
educação em serviço de saúde (equipe do Programa Saúde da Família).
Procurei extrapolar a educação para além dos domínios tecnicos-cientificos,
estendendo esta para os aspectos estruturantes das relações e práticas do processo de trabalho,
conforme Ceccim e Feuerwerker:
A atualização tecno-cientifica é apenas um dos aspectos da
qualificação das práticas e não seu foco central. A formação
engloba aspectos de produção de subjetividade, produção de
habilidades técnicas e de pensamento e o adequado conhecimento
do SUS. A formação para a área da saúde deveria ter como
objetivos a transformação das práticas profissionais e da própria
organização do trabalho e estruturar-se a partir da problematização
do processo de trabalho e sua capacidade de dar acolhimento e
cuidado às várias dimensões e necessidades de saúde das pessoas,
dos coletivos e das populações (CECCIM e FEUERWERKER,
2004).
222
Neste trabalho coloquei uma prática de experimentação que acolhesse esta exigência
“política”, possibilitando uma gestão do processo de trabalho que proporcionasse
transformação das práticas profissionais, baseada na reflexão critica do seu processo de
trabalho e a experienciação da alteridade com os colegas de trabalho, bem como, com os
usuários (representados pelas categorias Acesso, Acolhimento e Vínculo). Permitindo-se,
assim, que no cotidiano das relações da organização do trabalho (representado pelo
Fluxograma Descritor) fosse possível o aprender-ensinar entre os pares e destes com as
categorias (acesso, acolhimento e vínculo) que serviram como analise do processo de
trabalho. Estas categorias incorporadas no usuário, mesmo de maneira não presencial,
serviram de certa forma como um “controle social”, representando assim formas críticas de
não acesso-acolhimento e vínculo. Neste sentido procurei dar ênfase à necessidade de
interação entre ensino-gestão-serviço e controle social.
Segundo Ceccim e Feuerwerker (2004) cada uma das faces do quadrilátero libera e
controla fluxos específicos e configuram espaços e tempos diferentes com diferentes
motivações. Cada face composta de uma vocação pedagógica, uma imagem de futuro, uma
luta política e uma trama de conexões, cada uma das intersecções resultam em trajetos
formativos postos em atos. Merhy (1997) percebe isso quando afirma que a busca da
qualidade dos serviços de saúde está em aproveitar os ruídos do cotidiano dos serviços e
colegiadamente reorganizarem o processo de trabalho.
7.7 Ferramenta mediadora: Gestão do Conhecimento
O Construtivismo vem ganhando um espaço cada vez maior e indiscutivelmente é uma
tônica na área educacional. Pautado numa filosofia humanista, acredita nas pessoas e na sua
capacidade de construir o conhecimento através da própria experiência, estimulando a
criatividade, respeitando a individualidade e a unicidade do ser humano.
O desenvolvimento humano nas organizações precisa ser construído considerando
alguns princípios: a crença de que o grupo detém um saber; o estímulo à participação
construtiva; a projeção do individual na construção do grupal; a valorização da vivência e da
troca de experiências; o exercício da criatividade; a personalização de cada grupo
(TATAGIBA, e FILARTIGA, 2001). O grupo tem um papel fundamental na construção do
humano nas organizações.
Existem basicamente dois tipos de conhecimento: tácito e explícito (Nonaka &
Takeuchi, 1997). O conhecimento tácito é aquele disponível com as pessoas e que não se
223
encontra formalizado em meios concretos. Já o conhecimento explícito é aquele que pode ser
armazenado, por exemplo, em documentos, manuais, bancos de dados ou em outras mídias.
Nonaka & Takeuchi (1997) identificaram 4 modos de conversão entre conhecimento
tácito e explícito. O processo de externalização é a transformação do conhecimento tácito em
explícito. A internalização é o processo inverso. a combinação é o processo de interação
entre conhecimentos explícitos para geração de novos conhecimentos. Por sua vez, a
socialização é a interação entre conhecimentos tácitos.
DESTINO
Tácito Explícito
O
R
I
Tácito
Socialização
Externalização
G
E
M
Explícito
Internalização
Combinação
Fonte: Nonaka e Takeuchi, 1997
O objetivo e importância destes modos de conversão são transformar o aprendizado
individual em coletivo. A diferença é que o aprendizado coletivo permite efetuar tarefas que
não podem ser realizadas individualmente.
Socialização: Do Conhecimento Tácito em Conhecimento Tácito.
Nonaka e Takeuchi (1997) definem a socialização como um processo de
compartilhamento de experiências, e d a criação do conhecimento tácito, como modelos
mentais ou habilidades técnicas compartilhadas. Adquire-se conhecimento tácito diretamente
de outros. Os aprendizes trabalham e aprendem não através da linguagem, mas pela
observação, imitação e prática. A mera transferência de informação fará pouco sentido se
desligada das emoções associadas e dos contextos específicos nos quais as experiências
compartilhadas são embutidas.
Externalização: Do Conhecimento Tácito em Conhecimento Explícito.
De acordo com Nonaka e Takeuchi (1997) a externalização é um processo de
articulação do conhecimento tácito em conceitos explícitos. É um processo de criação do
conhecimento perfeito, o conhecimento tácito se torna explícito, expresso por metáforas,
analogias, conceitos, hipóteses ou modelos. Para conceitualizar uma imagem que é expressa
através da linguagem - a escrita é uma forma de converter o conhecimento tácito em
conhecimento articulável. Muitas vezes as expressões são inadequadas, inconsistentes e
insuficientes. Essas discrepâncias e lacunas entre as imagens e expressões, ajudam a
224
promover a "reflexão" e interação entre os indivíduos. A externalização no processo da
criação do conceito, é provocada pelo diálogo ou pela reflexão coletiva. O método utilizado é
combinar dedução e indução. É normalmente orientada pela metáfora e/ou analogia - que é
muito eficaz no sentido de estimular o processo criativo.
A externalização é a chave para a criação do conhecimento, pois cria conceitos novos
e explícitos a partir do conhecimento tácito. Como converter conhecimento tácito em explícito
de forma eficiente e eficaz? No uso seqüencial da metáfora, analogia e modelo. A metáfora é
uma ferramenta importante para a criação de uma rede de novos conceitos.
Esse processo criativo e cognitivo continua à medida que pensamos nas semelhanças
entre os conceitos e sentimos um desequilíbrio, incoerência ou contradição em suas
associações, que leva à descoberta de um novo significado de um novo paradigma. As
contradições na metáfora são harmonizadas pela analogia, destacando o caráter "comum" de
duas coisas diferentes. Muitas vezes metáfora e analogia se confundem. Na metáfora a
associação de duas coisas é motivada pela intuição e por imagens holísticas e não objetiva
encontrar diferenças entre elas.
Na analogia a associação é realizada pelo pensamento racional e concentra-se nas
semelhanças estruturais/funcionais entre as duas coisas, daí suas diferenças. Ela nos ajuda a
entender o desconhecido e elimina a lacuna entre a imagem e o modelo lógico. Depois de
criados os conceitos explícitos pode-se modelá-los. Num modelo lógico, não deve haver
contradições e os conceitos e proposições são expressos em linguagem sistemática e lógica
coerente.
Combinação: Do Conhecimento Explícito em Conhecimento Explícito.
Segundo Nonaka e Takeuchi (1997) a combinação é um processo de sistematização de
conceitos em um sistema de conhecimento. Nesse modo de conversão a combinação de
conjunto diferente de conhecimento explícito. Os indivíduos trocam e combinam
conhecimento através de meios como documentos, reuniões, conversas ao telefone ou redes
de comunicação computadorizada. A reconfiguração das informações através da classificação,
acréscimo, combinação, categorização do conhecimento explícito leva a novos
conhecimentos; é o que acontece na criação do conhecimento através da educação.
Internalização: Do Conhecimento Explícito em Conhecimento Tácito.
Conforme Nonaka e Takeuchi (1997), a internalização é o processo de incorporação
do conhecimento explícito em conhecimento tácito. É o "aprender fazendo". Quando
internalizadas nas bases do conhecimento tácito dos indivíduos sob a forma de modelos
mentais ou know-how técnico compartilhado, as experiências através da socialização,
225
externalização e combinação tornam-se ativos valiosos. Para viabilizar a criação do
conhecimento organizacional, conhecimento tácito acumulado precisa ser socializado com os
membros da organização, iniciando uma nova espiral de criação do conhecimento.
Para que o conhecimento explícito se torne tácito, são necessárias a verbalização e
diagramação sob a forma de documentos, manuais ou histórias orais. A documentação
internaliza experiências, aumentado o conhecimento tácito, além de facilitar a transformação
do conhecimento explícito para outras pessoas, ajudando-as a vivenciar as experiências dos
outros (reexperimentá-las). A internalização pode ocorrer sem que se tenha de
"reexperimentar". Exemplo: se ler ou ouvir uma história de sucesso faz com que se sintam o
realismo e a essência; a experiência que ocorreu no passado pode se transformar em um
modelo mental tácito que, compartilhado, passa a fazer parte da cultura organizacional.
7.7.1 A espiral do conhecimento no grupo
Dessa forma oportunizei um espaço de diagnóstico, discussão e reflexão para que cada
um pudesse instrumentalizar-se para agir no processo de transformação das pessoas (inclusive
de si mesmo) e do processo de trabalho grupal.
A espiral da criação do conhecimento (Nonaka e Takeuchi, 1997) no grupo , surgiu
quando da interação entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito, elevando o
grupo dinamicamente de um nível ontológico inferior até níveis mais altos. A socialização foi
proporcionada pelo compartilhamento do conhecimento tácito que, isoladamente, constituía
uma forma limitada de criação do conhecimento. A não ser que tornasse explícito, o
conhecimento compartilhado não poderia ser alavancado para o grupo como um todo.
A criação do conhecimento grupal foi uma interação contínua e dinâmica entre o
conhecimento tácito e explícito. Essa interação foi moldada pelas mudanças entre diferentes
modos de conversão do conhecimento, induzidos pelas fases da proposta pedagógica (oficinas
e grupo focal), que proporcionaram espaço e tempo de participação, diagnóstico, reflexão,
discussão e criação de soluções.
1. O modo da socialização, nas oficinas e grupo focal, desenvolveu em um "campo" de
interação, que facilitou o compartilhamento das experiências e modelos mentais dos
membros. Assim socialização gerou um "conhecimento compartilhado", como:
modelos mentais ou habilidades técnicas compartilhadas, tanto nas oficinas como no
grupo focal.
2. O modo de externalização do grupo, nas oficinas e grupo focal, foi provocado pelo
"diálogo ou reflexão coletiva" significativas, onde a metáfora ou analogia ajudou a
226
articular o conhecimento tácito oculto que, de outra forma, era difícil de ser
comunicado. Assim a externalização gerou um "conhecimento conceitual" grupal
sobre os temas das oficinas de formação humana e no grupo focal de discussão sobre o
processo de trabalho, representado no Fluxograma Descritor, analisado
transversalmente pelas categorias de acesso, acolhimento e vínculo.
3. A combinação foi provocada pela colocação do conhecimento recém-criado, oriundo
das oficinas e do conhecimento existente proveniente da analise do Fluxograma
Descritor do processo de trabalho do grupo , cristalizando-o no grupo focal, assim, em
um novo produto, serviço e sistema gerencial. A combinação assim gerou um
"conhecimento sistêmico", como: geração de protótipos e tecnologias de novos
componentes do processo de trabalho em relação às categorias acesso, acolhimento e
vínculo.
4. "O aprender fazendo" provocou no grupo a internalização, que produziu um
"conhecimento operacional", como: gerenciamento de “projeto”, processo de
produção, uso de novos “produtos” e implementação de ações referente às categorias
acesso, acolhimento e vínculo.
Os conteúdos do conhecimento criados pelos quatros modos de conversão interagiram
entre si na espiral de criação do conhecimento. O conhecimento operacional baseado na
experiência deu origem a um novo ciclo de criação do conhecimento. O conhecimento tácito
dos indivíduos foi à base da criação do conhecimento grupal, que teve de ser mobilizado e
acumulado no nível individual; e que foi ampliado "grupalmente" através dos quatro modos
de conversão do conhecimento e cristalizado em níveis ontológicos superiores - a "espiral do
conhecimento", na qual a interação entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito foi
uma escala cada vez maior na medida em que subiram os níveis ontológicos.
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