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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
ALESSANDRO DA SILVA SCHOLZE
MAPEAMENTO DAS REDES SOCIAIS E ITINERÁRIOS DE CURA E
CUIDADO PARA A CONFIGURAÇÃO DE UMA REDE DE APOIO
SOCIAL
Itajaí
2005
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1
ALESSANDRO DA SILVA SCHOLZE
MAPEAMENTO DAS REDES SOCIAIS E ITINERÁRIOS DE CURA E CUIDADO
PARA A CONFIGURAÇÃO DE UMA REDE DE APOIO SOCIAL
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre Profissional
em Saúde e Gestão do Trabalho – área de
concentração em Saúde da Família do Centro
Educação de Ciências da Saúde da
Universidade do Vale do Itajaí.
Orientadora: Profa. Yolanda Flores e Silva
Itajaí
2005
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6
RESUMO
O objetivo deste estudo foi configurar e elaborar um mapa das redes sociais da Barra
do Rio em Balneário Camboriú - SC, verificando neste os itinerários de cura e cuidado
utilizados pelas famílias atendidas no Programa Saúde da Família (PSF) da localidade.
Realizou-se uma pesquisa qualitativa utilizando o referencial holístico-ecológico em um
estudo de caso, com uma abordagem de cunho etnográfico. Os dados foram coletados
através de entrevistas com dez famílias moradoras da localidade, observação na
comunidade e em documentos referentes ao tema. As entrevistas foram analisadas
pela metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo, sendo contextualizadas pelos demais
dados. O mapeamento obtido mostrou a família como centro das redes sociais e dos
itinerários desenvolvidos. A partir da família, eram mobilizados recursos internos e
externos, envolvendo sistemas de saúde diversos, incluindo elementos da comunidade
e de organizações sociais ou governamentais. O PSF não foi citado diretamente, mas
se mostrou um dos elementos dos itinerários mais próximos dos informantes. O fator
tempo foi evidenciado como um dos determinantes das escolhas nos itinerários, tendo
sido pouco explorado em outros estudos sobre o tema. Os resultados sugeriram a
necessidade de maior divulgação da estratégia do PSF na comunidade. Estes podem
também ser úteis na capacitação da equipe de saúde, permitindo situar o PSF como um
entre vários recursos das redes e itinerários da população atendida, avaliando suas
ações e possibilitando o estabelecimento de novas relações no sistema: profissionais
de saúde–comunidade, com base na responsabilização entre estes, difundindo um
conceito ampliado de saúde.
Palavras-Chave: Família; Apoio Social; Programa Saúde da Família
7
ABSTRACT
The objective of this study was to configurate and elaborate a map of the social
networks found in Barra do Rio, Balneário Camboriú SC, verifying in this map the
routes of healing and care followed by the families which are users of the Family Health
Program (Programa Saúde da Família PSF) in that community. It was a qualitative
research, applying the holistic-ecologic referential in a case study, conducted in an
ethnographic approach. The data was collected in interviews with local informants; that
were analyzed by the application of the Collective Subject Speech method. Other data
were collected in observations within the community and by reading documents on the
theme; these data were analyzed employing a theoretical analysis. The mapping
conducted in this research showed the family as being the center of the social networks
and of the routes of healing and care. The internal and external resources utilized by the
families included different systems of health, including those found in the community
itself and those offered by social and State organizations. Regardless the informants
haven’t directly referred the PSF, its resources were among the elements of the routes
closest to the families. The notion of time didn’t seen to be taken in account on most of
the studies on this theme, but it revealed itself as being one major determinant of the
choices taken on the course of the routes. The results suggested the need to provide
information for the community about the PSF strategy. These results can be also useful
in educational programs for the professional health team, so they can perceive the PSF
as one among many resources of the networks and routes available for the population of
this area. By improving the team’s skills to work with social networks and routes of
healing and care, they could be able to evaluate their actions, establishing new
relationships on the system constituted by: health professionals community, so this
can be based on taking responsibilities between them, in a way to spread a broader
concept of health.
Keywords: Family; Social Support; Family Health Program
8
Lista de Ilustrações
Esquema 1 – Triangulação das informações no trabalho de campo..............................78
Figura 1 Mapas do Município de Balneário Camboriú e sua localização no Estado de
Santa Catarina.................................................................................................................86
Figura 2 - Mapa da região Sul de Balneário Camboriú...................................................87
Figura 3 - Igreja Católica da Barra do Rio.......................................................................88
Figura 4 - Chegada da balsa na Barra............................................................................89
Figura 5 - Rua na Barra...................................................................................................91
Figura 6 - Entrada do Cemitério Municipal na Barra do Rio............................................94
Figura 7 - Escola estadual próxima ao Posto de Saúde na Barra...................................95
Quadro 1 - Família 1........................................................................................................97
Quadro 2 - Família 2........................................................................................................98
Quadro 3 - Família 3........................................................................................................99
Quadro 4 - Família 4......................................................................................................100
Quadro 5 - Família 5......................................................................................................101
Quadro 6 - Família 6......................................................................................................102
Quadro 7 - Família 7......................................................................................................103
Quadro 8 - Família 8......................................................................................................104
Quadro 9 - Família 9......................................................................................................105
9
Quadro 10 - Família 10..................................................................................................105
Quadro 11 - DSC da questão 01: O que é saúde para você?......................................108
Quadro 12 - DSC da questão 02: O que é estar doente para você?............................109
Quadro 13 - DSC da questão 3.1: O que você faz quando precisa de alguma ajuda?
Apoio positivo................................................................................................................110
Quadro 14 - DSC da questão 3.2: O que você faz quando precisa de alguma ajuda?
Apoio negativo...............................................................................................................112
Quadro 15 - DSC da questão 4: Em situações de problemas de saúde, quem você
procura?........................................................................................................................113
Quadro 16 - DSC da questão 5.1: Você considera que essa(s) soluções foi(foram) a(s)
melhor(es) para seus problemas? - Resultados positivos.............................................114
Quadro 17 - DSC da questão 5.2: Você considera que essa(s) soluções foi(foram) a(s)
melhor(es) para seus problemas? - Resultados negativos...........................................116
Figura 8 – Mapa de redes sociais na Barra do Rio no modelo de Sluzki......................119
Figura 9 – Mapa adaptado das Redes Sociais na Barra do Rio...................................120
Figura 10 – Diagrama dos itinerários de cura e cuidado na Barra do Rio.....................122
Figura 11 - Posto de Saúde da Barra............................................................................132
Figura 12 - Córrego poluído na Barra............................................................................139
10
Lista de Abreviaturas e Siglas
ACS - Agentes Comunitários de Saúde
AVC - Acidente vascular cerebral
AVE – Acidente vascular encefálico
CAPs - Caixas de Aposentadorias e Pensões
CLS - Conselhos Locais de Saúde
DM - Diabetes Mellitus
DP - Diálise Peritoneal
DSC - Discurso do Sujeito Coletivo
HAS - Hipertensão arterial sistêmica
IAD 1 – Instrumento de Análise do Discurso 1
IAD 2 – Instrumento de Análise do Discurso 2
IAPs - Institutos de Aposentadorias e Pensões
INPS - Instituto Nacional de Previdência Social
OMS - Organização Mundial de Saúde
PAB - Piso de Atenção Básica
PACS - Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PIPG - Programa Integrado de Pesquisa Pós-Graduação e Graduação
PSB – Posto de Saúde da Barra
PSF - Programa Saúde da Família
SIAB - Sistema de Informação de Atenção Básica
SUS - Sistema Único de Saúde
UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................12
1.1 Considerações iniciais..............................................................................................12
1.2 Justificativa...............................................................................................................14
1.3 Objetivos...................................................................................................................17
2 PONTOS DE PARTIDA............................................................................................20
2.1 Uma rede de pensamento: ciência, arte e ética.......................................................20
2.2 Marco Conceitual: a abordagem antropológica dos itinerários de cura e
cuidado...........................................................................................................................31
3 SAÚDE DA FAMÍLIA: PROGRAMA OU ESTRATÉGIA? ......................................35
4 NOS CAMINHOS DAS FAMÍLIAS: REDES E ITINERÁRIOS.................................46
4.1 A Família: algumas reflexões...................................................................................46
4.2 O Cuidado na Família...............................................................................................52
4.3 Redes de Apoio Social e os Itinerários de Cura e Cuidado......................................58
5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E ÉTICOS...............................................73
5.1 Procedimentos Metodológicos..................................................................................73
5.2 Procedimentos Éticos...............................................................................................82
6 O LUGAR E AS PESSOAS.....................................................................................84
6.1 O Lugar: a Barra do Rio em Balneário Camboriú – SC............................................84
6.2 As Pessoas: os informantes no contexto pesquisado..............................................96
7 OS DISCURSOS E OS MAPEAMENTOS.............................................................107
7.1 Os Discursos do Sujeito Coletivo...........................................................................107
7.2 O Mapeamento das Redes Sociais e dos Itinerários de Cura e Cuidado..............117
8 DISCUTINDO OS RESULTADOS.........................................................................124
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................148
REFERÊNCIAS......................................................................................................153
APÊNDICES...........................................................................................................168
ANEXOS.................................................................................................................195
12
1 Introdução
1.1 Considerações iniciais
Durante a graduação em medicina, na Universidade Federal de Santa Maria, o
raciocínio clínico surgiu-nos como um elemento essencial no trabalho médico, uma
interface entre o contato com o paciente e o conhecimento técnico-científico. Essa
interface tornou-se ainda mais importante na abordagem de pacientes com distúrbios
funcionais, caracterizados pela ausência de achados positivos em exames
complementares, nos quais a história do paciente constitui-se na base do diagnóstico e
do tratamento. Diante desses interesses, a Clínica Médica e a Gastroenterologia foram
nossa escolha para a residência médica no Hospital Universitário de Santa Maria.
Ao término da residência médica, trabalhamos na assistência a militares e seus
familiares em um posto de saúde de guarnição do Exército, o que possibilitou o contato
com diferentes membros de famílias que compartilhavam um contexto social
semelhante. A relação entre a saúde desses pacientes, suas famílias e seu modo de
vida nos foram evidenciadas em várias situações, de forma que a família se mostrava
como uma ponte entre a visão clínica individual desenvolvida na especialização e a
saúde coletiva com a qual tivéramos contato em pesquisas durante a graduação.
A seguir, o Programa Saúde da Família (PSF) foi uma oportunidade de trabalho
que acabou por combinar nossos interesses anteriores quando passamos a residir em
Balneário Camboriú. Nos primeiros meses de trabalho no PSF, a participação em um
curso de formação realizado na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) permitiu um
contato com a complexidade do Programa, evidenciando a necessidade de
13
complementar a formação do curso de medicina e da residência médica. A criação, na
UNIVALI, do Mestrado Profissionalizante em Saúde e Gestão do Trabalho com área de
concentração em Saúde da Família veio ao encontro dessas necessidades.
O processo de seleção para o mestrado demandava a produção de uma
proposta de pesquisa. Nossa proposta inicial surgiu do interesse despertado pela
experiência no PSF em relação às diferentes formas pelas quais as pessoas buscam
resolver seus problemas de saúde, nem todas intersectando os serviços de saúde
formais. Essa proposta se encaixava na linha de estudo “A Família no Ciclo Vital”, cujo
enfoque inclui estudos envolvendo as famílias e suas relações ao longo do processo
saúde-doença.
Nas reuniões com a orientadora e os colegas de mestrado, buscou-se um
denominador comum para a construção de um projeto articulado
1
, combinando os
interesses manifestados por cada orientando em suas propostas iniciais. Esse ponto
em comum acabou por envolver o cuidado na família e os itinerários de cura e cuidado,
temas já abordados pela Dra. Yolanda Flores e Silva em pesquisas prévias.
O estudo desses temas no grupo de orientação do mestrado levou à produção
de reflexões teóricas apresentadas na II Jornada Interdisciplinar: a Família como Foco
do Ensino da Pesquisa e da Assistência, em Maringá PR, e no Encontro de
Pesquisa em Saúde Família em Debate, em Itajaí - SC. Recentemente finalizamos
uma pesquisa, financiada pelo Programa Integrado de Pós-Graduação e Graduação
(PIPG)
2
, denominada “Riscos Potenciais à Saúde em Itinerários de Cura e Cuidado
Observados por Agentes de Saúde que Visitam Famílias com Pessoas sob Cuidados
Domiciliares”. Esta pesquisa mostrou-se satisfatória enquanto estudo-piloto, sendo
possível sua viabilização como parte da fase de Entrada no Campo na proposta que
elaboramos para a dissertação de mestrado.
1
Projeto amplo construído a partir de um conjunto de propostas particulares de pesquisa (Colegiado do
Programa de Mestrado Profissionalizante em Saúde e Gestão do Trabalho da UNIVALI, 2005).
2
Programa no qual uma equipe composta por um doutor orientador, um mestrando como pesquisador e
um aluno de graduação como bolsista, desenvolve um projeto de pesquisa relativo a um segmento do
tema da dissertação, mas constituindo um trabalho diferente desta.
14
1.2 Justificativa
A área da saúde tem sido um espaço de conquistas e discussões ao longo das
últimas décadas, refletindo mudanças nas ciências e na sociedade como parte do
processo histórico. Os seres humanos sempre desenvolveram estratégias buscando a
resolução e a prevenção de problemas de saúde, o que foi progressivamente
organizado e desenvolvido por diferentes civilizações, com a conseqüente
profissionalização da saúde. Os modelos médicos sucederam-se, modificando-se
conforme as bases epistemológicas estabelecidas e as condições sócio-políticas
vigentes até a estruturação do atual modelo biomédico, base de sustentação do
complexo dico-industrial. No entanto, a contribuição para a melhora nas condições
de saúde das populações oferecida por esses diferentes modelos, incluindo o
biomédico, permanece questionável. Assim, as pessoas continuam buscando soluções
para suas necessidades em saúde conforme o contexto cultural e social em que se
encontram, utilizando-se dos recursos disponíveis, sejam provenientes do seu meio
familiar, de práticas tradicionais e alternativas ou dos serviços de saúde formais.
Nessa busca cotidiana por soluções para problemas de saúde, as pessoas criam
itinerários de cura e cuidado, traçados na utilização das diferentes alternativas
disponíveis a partir dos conceitos de saúde-doença adquiridos na família e no meio
social, os quais são adaptados conforme a vivência de cada um. Os itinerários
terapêuticos o objeto de estudo da Antropologia Médica, visando a interpretação dos
“processos pelos quais os indivíduos ou grupos sociais escolhem, avaliam e aderem (ou
não) a determinadas formas de tratamento” (ALVES; SOUZA,1999, p. 125).
O desenvolvimento dos itinerários de cura e cuidado percorre as redes sociais
formadas pelas famílias na comunidade, envolvendo seus próprios membros, amigos e
vizinhos, serviços públicos e privados, organizações civis ou religiosas, quaisquer
fontes de apoio nas quais encontrem o suporte necessário para o enfrentamento das
15
necessidades percebidas. A rede social de uma pessoa é formada por todos estes
elementos com os quais interage regularmente, realizando trocas que acabam por
definir sua própria realidade e identidade (SLUZKI, 1997). Assim, as concepções de
saúde-doença e as evidências empíricas desenvolvidas por certa comunidade podem
estruturar itinerários mais ou menos definidos ao longo das redes sociais nela
construídas.
Os serviços de saúde formais muitas vezes representam um dos passos dos
itinerários de cura e cuidado, não necessariamente o primeiro e, freqüentemente, não o
único. Essa situação pode passar desapercebida para os profissionais de saúde,
levando a uma concepção na qual o serviço de saúde ocupa o centro do sistema e que
ignora a existência de outros sistemas de saúde além do formal, os quais são
combinados por seus clientes de maneiras diversas. Os clientes dos serviços, por sua
vez, costumam omitir a utilização de tais alternativas ao sistema de saúde formal diante
de profissionais intransigentes quanto ao uso de outros sistemas de cuidados e que se
colocam numa posição de detentores do conhecimento.
Ao ignorar o desenvolvimento de diferentes itinerários de cura e cuidado, os
serviços de saúde perdem uma oportunidade para identificar os possíveis riscos e
benefícios neles envolvidos. Mesmo na utilização de recursos do sistema formal tais
riscos estão presentes e a eles se somam terapêuticas paralelas e o abandono de
tratamentos incompreensíveis para o paciente ou incompatíveis com sua realidade. O
conhecimento das redes sociais e dos diferentes itinerários de cura e cuidado permite a
elaboração de um mapa no qual estes possam ser visualizados e reconhecidos. Tal
mapa favorece a atuação dos profissionais de saúde na prevenção de riscos adicionais
e, além disso, possibilita a adequação de suas atividades e orientações de forma
culturalmente aceitável, até mesmo complementar àqueles itinerários potencialmente
benéficos.
Os serviços de saúde têm a possibilidade de adquirir confiança por parte do
paciente a partir do reconhecimento dos itinerários de cura e cuidado e da
demonstração de interesse pelas iniciativas deste, respeitando sua autonomia e
negociando alternativas que reduzam riscos à saúde. Esse ganho é especialmente
16
importante para o médico e demais profissionais da saúde, pois fortalece a relação
entre o paciente e a rede formal de atendimento, propiciando maior interação e
potencial terapêutico.
Nesse processo de reconhecimento dos itinerários de cura e cuidado, surge,
ainda, a oportunidade de conhecer as redes sociais importantes na comunidade ao
longo das quais eles se desenvolvem. A inserção dos serviços de saúde nessas redes
faz com que eles sejam reconhecidos como fonte de apoio, estabelecendo vínculos
com a população assistida, o que é essencial nas ações de serviços voltados para a
atenção primária como os do Programa Saúde da Família (PSF). No PSF, outro ponto
de interesse na organização das redes sociais surge da Vigilância à Saúde, na medida
em que a garantia de apoio social a famílias em situação de risco, através de uma
atuação intersetorial, pode prevenir e colaborar na resolução dos problemas de saúde.
Para isso, o conhecimento das redes sociais existentes é uma condição essencial.
A partir da identificão das redes sociais e itinerários de cura e cuidado em
determinada comunidade e de sua descrição, torna-se possível conhecer aqueles mais
utilizados. A explicação e compreensão dos itinerários constituem-se em fontes de
evidências úteis para a atuação dos profissionais e para a organização dos serviços de
saúde. Assim, segundo nosso entendimento, o estudo dos itinerários de cura e cuidado
em suas relações nas redes sociais contribui para uma visão integral do ser humano no
seu contexto social, superando as dicotomias entre o sistema formal de saúde e as
ações cotidianas de seus clientes diante do processo saúde-doença, de modo a
estabelecer um diálogo interdisciplinar entre o saber científico e o popular.
Considerando-se as reflexões aqui desenvolvidas, nosso problema de pesquisa
foi: um mapeamento dos itinerários de cura e cuidado desenvolvidos nas redes
sociais das famílias da Barra do Rio em Balneário Camboriú - SC pode favorecer
as atividades do PSF na localidade?
17
1.3 Objetivos
A partir dessa questão, formulamos os seguintes objetivos:
Objetivo Geral:
Configurar e elaborar um mapa das redes sociais da Barra do Rio, verificando
neste os itinerários de cura e cuidado utilizados pelas famílias atendidas no PSF da
localidade.
Objetivos Específicos:
1. Identificar as redes sociais mais significativas da Barra do Rio, a
partir das concepções das famílias atendidas no PSF da localidade.
2. Descrever os itinerários de cura e cuidado desenvolvidos nas redes
sociais identificadas.
3. Elaborar um mapa das redes sociais e respectivos itinerários de
cura e cuidado identificados para análise com os profissionais do PSF da localidade.
4. Propor ões para a integração das redes sociais e itinerários de
cura e cuidado nas atividades do PSF da Barra do Rio.
No decorrer da pesquisa, nosso objetivo relacionado com a análise
dos resultados junto à equipe de Saúde da Família local, bem como os objetivos de
aplicação imediata dos resultados de outros dois dos projetos articulados, passaram a
constituir os objetivos específicos do quarto projeto articulado do grupo de orientação.
Dessa forma, passamos a nos dedicar aos objetivos específicos relacionados à
construção do mapeamento, com base na identificação das redes sociais e da
descrição dos itinerários, e à formulação de propostas para sua integração nas ações
do PSF.
18
Ao buscarmos atingir tais objetivos, deparamo-nos com a necessidade de definir
qual a óptica através da qual pensaríamos os itinerários de cura e cuidado. Tanto o
relativismo extremado, e por vezes ingênuo, quanto uma visão biomédica estritamente
positivista, e tão ou mais ingênua, nos pareciam inadequadas diante da variedade de
elementos envolvidos nos itinerários de cura e cuidado e nas redes sociais. A ética foi,
então, uma opção para equilibrar tais extremos, o que, segundo Aristóteles (2003), é
sua contribuição básica à vida do ser humano. Desse modo, em “PONTOS DE
PARTIDA”, nos dedicamos a contextualizar nossa visão epistemológica neste processo
de pesquisa e, ao fim, estabelecemos aqueles conceitos centrais utilizados no trabalho
relativos ao estudo dos itinerários pela antropologia.
Em “SAÚDE DA FAMÍLIA: PROGRAMA OU ESTRATÉGIA?”, revisamos as
origens conceituais e históricas do PSF e do Sistema Único de Saúde (SUS) no qual
está inserido, uma vez que nossa pesquisa esteve intrinsecamente ligada a esse
programa. As reflexões que desenvolvemos se direcionaram no sentido de caracterizar
o PSF quanto as possibilidades e deficiências em sua implantação, de forma a permitir
uma posterior discussão da influência desses aspectos na inserção do PSF nas redes
sociais e itinerários de cura e cuidado identificados.
Também o capítulo “NOS CAMINHOS DAS FAMÍLIAS: REDES E ITINERÁRIOS”
constituiu-se de uma revisão bibliográfica a fim de embasar a discussão dos resultados
do estudo, incluindo material que nos serviu inicialmente para a construção do projeto
da pesquisa. Apresentamos nesse capítulo algumas das diferentes concepções
disponíveis na literatura sobre as redes sociais e os itinerários de cura e cuidado em
suas relações com a família, o cuidado e a antropologia.
Em “PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E ÉTICOS”, descrevemos os
procedimentos éticos e metodológicos utilizados ao longo do estudo, estabelecendo
também nesse ponto quais os pressupostos epistemológicos que conduziram às
escolhas feitas no sentido de abordar esse tema sob uma perspectiva qualitativa.
Nesse capítulo, integramos os aspectos da etnografia, do referencial holístico-ecológico
e da metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo dos quais nos utilizamos em nosso
percurso metodológico.
19
Os resultados da pesquisa, relativos à caracterização da comunidade onde a
realizamos e dos sujeitos que dela participaram foram reunidos no capítulo “O LUGAR
E AS PESSOAS”. A seguir, em “OS DISCURSOS E OS MAPEAMENTOS”, relatamos a
análise das entrevistas numa abordagem seguindo a proposta do Discurso do Sujeito
Coletivo de Lefévre e Lefévre (2003) e incluímos os diagramas resultantes do
mapeamento das redes sociais e dos itinerários identificados na comunidade.
No capítulo “DISCUTINDO OS RESULTADOS”, integramos esses resultados em
uma reflexão que buscou relacioná-los com o arcabouço teórico exposto nos capítulos
iniciais, de modo a realizar uma aproximação com os objetivos propostos, identificando
ações que possibilitem utilizar os resultados do estudo nas atividades do PSF. Por fim,
em “CONSIDERAÇÕES FINAIS”, elaboramos algumas considerações como forma de
fechamento e crítica ao trabalho realizado.
20
2 PONTOS DE PARTIDA
2.1 Uma rede de pensamento: ciência, arte e ética.
O contato do doente com o serviço de saúde, e com o médico em particular,
direciona-se, no mais das vezes, à apresentação de uma queixa a ser investigada,
diagnosticada e tratada. Esse processo, nos moldes vigentes na medicina ocidental,
prescinde do conhecimento relativo aos caminhos percorridos pelo doente até que este
tenha se apresentado ao médico, quais as iniciativas já tomadas na tentativa de
resolver os problemas de saúde que o afligem e, mesmo, qual a situação de vida em
que essa pessoa começou a sentir tais problemas. Ou seja, a queixa exposta, passa a
ser analisada conforme os procedimentos definidos em estudos científicos que
envolveram ramos diversos da ciência, desde a química até a epidemiologia, devendo
assim ser passível de uma abordagem que pouco varia de uma pessoa para outra.
Essa tentativa de normalizar a saúde pode ser vista como parte de uma
normalização da técnica que se na medida em que a ciência passa a influenciar os
procedimentos da técnica. Tal interação, e por vezes confusão, entre ciência e técnica
corresponde ao momento atual de uma progressiva aproximação entre estas,
identificável ao longo da história ocidental desde o Iluminismo, que, em suas origens
clássicas, o pensamento ocidental fazia uma distinção clara entre ciência e técnica.
Na Antigüidade Clássica, Aristóteles (2003) pode ser considerado um precursor
do raciocínio científico atual, acrescendo a obra de Sócrates e Platão com suas
próprias contribuições, ao se utilizar da observação do mundo e da sistematização do
conhecimento. Ele propôs uma série de disposições da alma que permitiriam a esta
possuir a verdade: a arte, o conhecimento científico, a sabedoria prática, a sabedoria
filosófica e a razão intuitiva. A ciência ocupava-se de objetos necessários e eternos na
existência, passíveis de observação e imutáveis, dessa forma o conhecimento científico
21
poderia ser ensinado e aprendido, permitindo que se identificassem os pontos de
partida do conhecimento, suas conclusões e como se chegou a estas. a arte
envolvia objetos variáveis, coisas que poderiam ser de outro modo e não eram
necessárias ou naturais. As artes abrangiam as capacidades de produzir diferentes
coisas a partir do raciocínio de quem as produz, sendo portanto variáveis. Dentre as
artes incluíam-se todas as coisas produzidas e praticadas, como a arquitetura ou a
medicina.
A arte, como concebida por Aristóteles (2003), identificava-se com a prática ou
técnica, enquanto a ciência aproximava-se mais da definição atual da teoria. E, desse
modo, o conhecimento continuou a ser visto ao menos até o início da Europa moderna,
quando a imprensa surgiu, favorecendo a padronização e o questionamento das
informações. Nesse momento, os acadêmicos passaram a escrever obras com a
colaboração de pessoas que possuíam um conhecimento prático e artesanal como
mestres-de-obras, curandeiros ou agricultores. As Universidades, que até então se
ocupavam de reproduzir o conhecimento clássico, na tradição escolástica, foram
renovadas primeiramente pelos humanistas no Renascimento e, com a Nova Filosofia
no século XVII, se tornaram promovedoras de um conhecimento prático e útil. Assim,
podemos considerar que no nascimento da ciência moderna houve um processo de
legitimação acadêmica de um conhecimento popular existente. Todos esses
movimentos de inovação tiveram origem fora das Universidades ou em pequenos
grupos menos conservadores destas que se tornaram capazes de romper com as
rotinizações recorrentes no conhecimento ao incorporar saberes alternativos, fossem
estes oriundos de autores clássicos ou da sabedoria prática (BURKE, 2003).
Ainda que o conhecimento científico tenha se apropriado de conhecimentos
técnicos prévios, o desenvolvimento da técnica ao longo da história foi autônomo, visto
que a técnica buscou soluções para problemas próprios, algumas delas tornadas
possíveis graças ao conhecimento disponibilizado pela ciência em determinados
momentos. Essas histórias paralelas da ciência e da cnica se tornaram mais
imbricadas com o passar do tempo, de modo que o avanço técnico passou a depender
mais freqüentemente da ciência que se tornou progressivamente mais especializada,
visando mais o sucesso nos resultados do que o esclarecimento na explicação,
22
contrariando as definições aristotélicas. Por outro lado, a progressiva normalização da
técnica foi uma necessidade para a aplicação do conhecimento científico, afastando-a
de suas origens artesanais para impregná-las com a regularidade da produção em
massa de nosso cotidiano (GRANGER, 1994).
Aquele doente submetido a essa abordagem técnico-científica, conforme o
modelo biomédico hegemônico, é, portanto, alvo de uma normalização. Tal
normalização favoreceu progressos evidentes nas terapias biomédicas, especialmente
no tratamento de problemas de saúde agudos, tais como doenças infecto-contagiosas
ou traumas. Entretanto, a mesma abordagem por vezes se vê frustrada diante de
problemas de saúde cujo tratamento e/ou prevenção devem envolver hábitos, estilo de
vida ou atividades rotineiras da pessoa, ou ainda quando a situação de doença
apresentada pelo doente foge às definições da ciência biomédica, além das
possibilidades de falta de resposta às terapêuticas instituídas e mesmo de reações
adversas inesperadas destas. Obstáculos individualmente estabelecidos como esses se
tornam mais prováveis diante de doenças crônico-degenerativas, a exemplo dos
cânceres ou patologias cardiovasculares, que tendem a predominar nos grupos sociais
de maior renda e a se associar a doenças infecto-contagiosas e traumas, ainda mais
prevalentes entre os mais pobres.
O modelo biomédico se estabeleceu a partir da ciência moderna, compartilhando
suas características básicas ao buscar o conhecimento da natureza para tratar das
doenças. Por sua vez, a base da ciência moderna foi constituída a partir da matemática,
tendo nesta um instrumento de análise, uma lógica investigativa e uma maneira de
representar a estrutura da matéria. Sob um ponto de vista matemático, o conhecimento
depende da quantificação, a qual é possível por meio da redução da complexidade
do mundo que, de outra forma, não é compreensível para o ser humano. Reduzida ao
quantificável e à simplicidade do que é regular, a natureza pode ser conhecida e
dominada (SANTOS, 1987). Essa proposta de dominação, desenvolvida originalmente
por Bacon no Novum Organum, visava solucionar os problemas da humanidade
aplicando a ciência como forma de poder por meio da técnica e da especialização. O
sucesso das aplicações técnicas da ciência ratificou essa crença, hoje formalizada no
23
cientismo
3
e no tecnicismo, disseminando a opinião segundo a qual é verdadeiro
aquilo que é objeto do método científico e, com a contribuição da mídia, vulgarizando as
soluções técnicas como conquistas científicas (REALE, 1999).
Apesar de seu sucesso prático, a ciência moderna passou a ser questionada por
diferentes autores, da mesma forma que ocorreu historicamente com as doutrinas
Escolástica, Humanista e com a Nova Filosofia. O que pode diferenciar a transição já
identificável no atual modelo dominante de conhecimento em relação aos seus
predecessores é exatamente a forma como o tecnicismo e o cientismo se constituíram
em partes indissociáveis dos modos de vida e de produção de grande parcela da
humanidade. Santos distingue certas condições sociais e teóricas que contribuem para
o que ele denomina “crise do paradigma dominante” (1987, p. 24). A insuficiência do
paradigma da ciência moderna, conforme esse autor, surge de contribuições da própria
ciência:
a) a inexistência de uma simultaneidade universal, limitando a validade das medições a
um caráter local;
b) a verificação da interferência estrutural do sujeito no objeto observado,
inviabilizando a proposta pela qual a realidade é redutível a uma soma das partes;
c) a possibilidade matemática de proposições que não são passíveis de demonstração
ou refutação, evidenciando o cririo de seletividade que permeia até mesmo o rigor
matemático;
d) além do surgimento de novas teorias como aquelas envolvendo a auto-organização
e a autopoiese, as quais levaram a uma reflexão epistemológica, sugerindo incluir a
análise das condições sociais que envolvem a própria ciência.
Sokal e Bricmont (1999), ao criticarem o relativismo que se desenvolveu como
reação à epistemologia vigente, referiram a obra de Popper como precursora dessa
crise epistêmica. Segundo esses autores, ao tentar estabelecer um critério de
demarcação entre o conhecimento científico e o não científico, Popper provocou uma
3
Mantivemos aqui o termo utilizado por Reale (1999), sinônimo de cientificismo.
24
rejeição de caráter anti-científico por parte de filósofos da ciência como Kuhn e
Feyerabend.
Feyerabend foi citado como exemplo de atitude relativista por Sokal e Bricmont
(1999), porém com a ressalva que seus violentos ataques contra a ciência não
deveriam ser tomados a sério como um todo. Essa ressalva foi feita pelo próprio
Feyerabend em “Contra o Método” (1977), quando ele solicitou a seus leitores que se
lembrassem dele como um dadaísta. Contudo, levando-se em conta a necessidade de
uma interpretação judiciosa, podemos encontrar nessa obra contribuições para a crítica
à ciência positivista e mesmo para o desenvolvimento de uma nova relação entre
conhecimentos de origens diversas.
Essas contribuições partiram de uma postura de dessacralização da ciência,
colocando-a sob um ponto de vista histórico, sujeita a influências além dos fatos
empiricamente verificáveis, pois a própria escolha dos fatos a serem considerados
dependia de uma teoria prévia e esta era um ato criativo e influenciado pelo contexto no
qual surgiu. A fim de evitar a defesa ingênua da ciência como uma tradição alheia a
críticas, Feyerabend (1977) propôs que se agisse contra-indutivamente, o que seria
uma prática corrente na ciência, ainda que não assumida, na medida em que o
progresso desta muitas vezes se deu às custas do rigor metodológico e pela criação de
hipóteses ad hoc. Além da busca por teorias contrárias àquelas estabelecidas, esse
autor também sugeriu que o conhecimento não se dava em uma progressão
cumulativa, mas se mostrava como um conjunto de alternativas que deveriam ser
levadas em consideração, ainda que envolvessem teorias incomensuráveis. Ou seja,
ele identificou a necessidade de um pluralismo metodológico, pelo qual o cientista
deveria considerar, em suas investigações, mesmo as formas de conhecimento não-
científico e reconhecer que todas as metodologias empregadas apresentariam alguma
limitação.
As limitações do método científico baseado no racionalismo cartesiano e o
empirismo baconiano evidenciaram-se mais no momento em que as ciências sociais
estabeleceram-se também em uma base empírica, inicialmente seguindo as regras das
ciências naturais, mas paulatinamente desenvolvendo uma tendência disposta a buscar
25
uma constituição própria tendo em vista a distinção entre o humano e a natureza. Uma
vertente das ciências sociais propõe uma ciência subjetiva, utilizando métodos
qualitativos que descrevam e compreendam o homem e a sociedade, a fim de superar
as limitações que a quantificação impõe ao desqualificar seu objeto, o que estabelece
obstáculos insuperáveis para o estudo de fenômenos intersubjetivos (SANTOS, 1987).
Outra crítica feita à obra de Feyerabend é a falta de propostas alternativas ao
método científico, ao que ele se limitou a definir seu repúdio a um método único
aplicável a todas as circunstâncias, restando apenas a adoção do princípio “tudo vale”
para aqueles que se prendessem à necessidade de um princípio único para a ciência
(FEYERABEND, 1977). Santos (1989) identificou Feyerabend como representante de
uma vertente de desdogmatização da ciência instituída por cientistas que refletem
sobre sua prática, com o objetivo de dar à ciência uma filosofia adequada a ela.
Colocando a si mesmo em uma outra vertente, cujos representantes provêm
basicamente da filosofia, Santos defendeu uma desdogmatização da ciência
caracterizada pela submissão desta à historicidade.
Em “Introdução a uma ciência pós-moderna”, Santos (1989) sugeriu submeter a
ciência a uma dupla reflexão hermenêutica, de modo a avaliá-la pragmaticamente.
Assim, seria possível utilizar a epistemologia como um contrapeso ao tecnicismo,
reconhecendo-se que a ciência hoje se justifica por suas conseqüências e voltando-se
a reflexão epistemológica justamente a essas conseqüências, que se dão tanto sobre
os cientistas quanto sobre os demais cidadãos como utilizadores dos produtos da
ciência.
Sendo a comunicação entre esses dois grupos dificultada pelo próprio discurso
científico em sua oposição ao senso comum, a reflexão epistemológica pragmática visa
democratizar e aprofundar uma sabedoria prática, refletindo sobre as conseqüências
sociais do fazer científico. Essa oposição entre ciência e senso comum constitui o que
Santos identificou como primeira ruptura epistemológica: a resposta à pergunta “para
que queremos o senso comum?” (2000, p.48), que está na origem da própria ciência. A
caracterização da ciência em suas origens se deu por uma confrontação com o senso
26
comum, criticando a realidade das práticas cotidianas com vistas à criação de uma nova
realidade.
Porém, para transformar a realidade não basta a ação dos próprios cientistas
que partilham de um mesmo discurso. Faz-se necessária uma segunda ruptura
epistemológica, buscando responder outra questão: “para que queremos a ciência?”
(SANTOS, 2000, p.48). A partir disso, o conhecimento é verdadeiro quando transforma
a realidade de acordo com as conseqüências sociais desejadas, tornando a prática
social o centro do conhecimento. Para isso, o conhecimento científico deve ter
reconhecidas suas características pragmáticas e retóricas de forma a promover sua
abertura a outros saberes não-científicos. O objetivo da dupla ruptura epistemológica é
transformar o senso comum ao transformar a ciência em um novo senso comum,
democratizando o conhecimento para proporcionar uma sabedoria de vida a exemplo
da phronesis aristotélica que orienta para o hábito de decidir bem.
Ao questionarmos a abordagem exclusivamente técnico-científica da medicina
em seus aspectos de normalização e reducionismo quantitativo como sendo insuficiente
para lidar com os elementos subjetivos e interpessoais intrínsecos ao processo saúde-
doença, ficamos diante da possibilidade temerária de aceitar os cuidados com a saúde,
incluindo os itinerários de cura e cuidado, sob um ponto de vista de relativismo extremo.
A aceitação de quaisquer formas de cuidado à saúde ou de quaisquer itinerários de
cura e cuidado, supondo que, por exemplo, os itinerários populares sejam livres de
risco porque embasados culturalmente, é no mínimo simplista, se não negligente.
Então, reconhecendo-se a possibilidade de riscos à saúde inclusa em itinerários
de cura e cuidado que perpassem os diferentes sistemas de saúde e considerando-se
as limitações dos métodos das ciências naturais para a compreensão de fatos sociais
como o processo saúde-doença, ficamos diante da questão: quais parâmetros
poderiam ser utilizados para embasar o profissional da saúde no momento de discutir
com o paciente a conveniência ou não de adotar um determinado itinerário de cura e
cuidado?
Podemos inicialmente identificar dois pontos de vista diametralmente opostos ao
buscarmos uma solução para esse impasse que se coloca para o profissional de saúde.
27
O primeiro é a imposição do modelo biomédico hegemônico como única alternativa,
ignorando a existência ou contra-indicando sistematicamente a utilização de outros
sistemas de atenção à saúde que não o formal. O ponto de vista antagônico a este
seria aquele de relativismo extremado, acolhendo indiscriminadamente como válidas as
iniciativas do doente para a resolução de seus problemas de saúde, inclusive aquelas
consideradas potencialmente danosas pelo conhecimento médico.
Uma vez identificados tais pontos extremos, podemos aplicar a forma de análise
utilizada por Aristóteles (2003) em suas investigações sobre a ética, qual seja a busca
por um meio-termo, que ele identificava como a virtude desejada, em oposição aos
extremos, que levariam ao vício e ao erro. Devemos ter claro o caráter ativo da busca
pelo meio-termo, não sendo este o resultado da inércia, mas de um constante esforço
por contrabalançar a atração que os extremos, mais cômoda e facilmente atingíveis,
exercem sobre o comportamento humano.
Ao decidirmos utilizar o meio-termo como parâmetro para avaliar e escolher um
determinado itinerário de cura e cuidado com o doente, estaremos diante de uma
escolha ética, pois “Ter um comportamento ético [...] significa fazer boas escolhas”
(CHALITA, 2003, p. 85). Nesse caso, buscando o bem do doente.
A escolha ética demanda o emprego conjunto e harmônico de emoção e razão
como condição para realizar bem a ação na realidade. Contudo, além da ão
individual do profissional que aconselha e do doente que procura resolver seus
problemas de saúde, devemos levar em consideração a comunidade onde se essa
escolha do itinerário, pois as conseqüências não estão sob controle total do indivíduo,
sendo menor a possibilidade de erro na medida em que conhecemos os valores e os
saberes dessa comunidade, em lugar de confiarmos tão somente no julgamento
individual (CHALITA, 2003).
Segundo a ética, o discernimento é uma condição necessária para deliberar
sobre decisões tomadas, como se ao longo dos itinerários de cura e cuidado. Mas,
determinar e reconhecer o bem para a vida independe do conhecimento e da instrução,
pois envolve verdades cambiantes, aquelas que não são objeto da ciência na visão
aristotélica. As verdades cambiantes são, entretanto, parte integrante das questões que
28
dizem respeito aos seres humanos, a fim de favorecer as escolhas que sejam boas
para a vida em geral. Então, ao fazermos escolhas éticas lançamos mão de
conhecimentos além dos providos pela ciência, fazendo uso da sabedoria que nos leva
a combinar diferentes formas de conhecimento visando o bem, conhecimento que por
sua vez envolve sabedoria quando usado para o bem (CHALITA, 2003). A sabedoria
prática diferencia-se da ciência e também da arte, sendo reconhecida naqueles
capazes de deliberar considerando o que é bom para si e para os outros. Essa
capacidade é exercida quando fazemos escolhas conscientes de quais são os fins que
visamos e quais as causas que nos induzem a buscar tais fins. Ou seja, as escolhas
éticas são feitas voluntária e conscientemente, tornando-nos responsáveis por nossas
escolhas (ARISTÓTELES, 2003).
Se Aristóteles não tomava a ciência como um conhecimento privilegiado com
vistas a tomar boas decisões na vida, devendo-se subordiná-las à ética como parte de
uma sabedoria prática mais ampla, o mesmo não se dá diante do cientismo. O
pensamento atual privilegia a ciência para a tomada de decisões, ou ao menos utiliza a
ciência para justificar as decisões tomadas. A ciência que adota um modelo
determinista exime-se de aplicar a ética para propor soluções aos problemas da vida,
pois se considera como detentora de um conhecimento verdadeiro uma vez que se
supõe baseado em fatos.
Os questionamentos que encontramos nas obras de diferentes autores dirigiram-
se exatamente contra essa posição privilegiada da ciência na sociedade como um
conhecimento derivado diretamente dos fatos. Mas, uma vez aceitas as limitações da
ciência, ela se estabelece como uma contribuição necessária ao conhecimento do
mundo e à vida do ser humano em um sentido prático. O profissional da saúde diante
dos itinerários de cura e cuidado se encontra numa posição na qual essa interface entre
saber científico e diferentes saberes populares não pode ser ignorada para
proporcionar a construção de uma sabedoria prática que contribua para a tomada de
decisões em conjunto com o doente, visando seu bem.
As ciências biomédicas de base positivista afastam-se de uma postura ética no
momento em que colocam o doente em uma posição de objeto, na qual mais que um
29
ser humano doente ele pode ser visto como um órgão ou um grupo de células doentes.
Essa é uma situação característica das ciências naturais, porém menos compatível com
as ciências sociais, cujo objeto de estudo são também seres humanos como os
pesquisadores, tornando a distinção entre sujeito e objeto menos dicotômica. A
antropologia, em especial, constituiu-se a partir dos estudos de europeus sobre povos
vistos como selvagens. Tal situação demandou a construção de uma metodologia
capaz de reduzir essa distância originalmente grande entre sujeito/objeto, o que acabou
por tornar o relativismo uma postura intrínseca à antropologia (SANTOS, 1987).
As metodologias desenvolvidas para esse fim deveriam transcender aquelas
formas de coleta de dados escritos ou verbais utilizados em sociedades alfabetizadas
para incluir não apenas a integração na cultura local bem como uma forma holística de
compartilhar a visão de mundo e as experiências da população estudada. A etnografia,
assim constituída, passou a estudar as relações entre comportamentos e crenças,
comparando o discurso das pessoas com suas ações visíveis. O objetivo da
antropologia se dirigiu tanto para a identificação dos elementos comuns nos modos de
vida de seres humanos com diferentes origens quanto para as diferenças entre eles. A
visão de mundo partilhada por um determinado grupo humano, e que influencia a forma
como as pessoas se relacionam entre si e com o meio que as cerca em seus aspectos
natural e sobrenatural, constitui-se no conceito de cultura (HELMAN, 1996).
Dentre os elementos que caracterizam a vida de diferentes grupos humanos, as
maneiras pelas quais as pessoas agem em relação à saúde e a doença são uma parte
integrante de sua cultura. O ramo da antropologia chamado antropologia médica estuda
“como as pessoas em diferentes culturas e grupos sociais explicam as causas da
saúde-doença, os tipos de tratamentos nos quais acreditam e para quem elas se voltam
quando ficam doentes” (HELMAN, 1991). Esse objeto de estudo inclui, também, a
influência que a organização social e cultural da própria comunidade biomédica tem
sobre as formas como os cuidados com a saúde são providos, o que varia em
diferentes países e não apenas em função de aspectos econômicos. Na atualidade, a
antropologia médica tem se voltado para os conflitos entre as diferentes perspectivas
sobre saúde-doença existentes na população em geral e na comunidade médica, os
quais acabam por comprometer a eficácia da medicina para lidar com problemas de
30
saúde em diferentes culturas. Esses conflitos resultam no mais das vezes da
normalização que permeia as ciências biomédicas, levando-as a ignorar o contexto no
qual se estabelecem os problemas de saúde, os quais o vistos como doenças com
características universais constituindo entidades ontológicas arbitrárias, sem levar em
conta os possíveis efeitos físicos e psicológicos de diversas visões relativas à saúde-
doença culturalmente estabelecidas.
A interação entre o profissional de saúde e o doente se constitui, portanto, em
uma forma de interação entre diferentes culturas, na qual uma perspectiva
antropológica que permita ao profissional compartilhar a visão de mundo do doente
pode proporcionar uma relação mais efetiva no sentido de intervir favoravelmente no
processo saúde-doença. O conhecimento dos itinerários de cura e cuidado utilizados
nesse processo traz consigo vários aspectos de interesse da antropologia médica,
possibilitando evidenciar discursos e práticas relativas à saúde da pessoa na
comunidade onde vive, a fim de esclarecer e mesmo antecipar conflitos com as
intervenções biomédicas propostas pelo profissional.
Uma abordagem adequada dos itinerários de cura e cuidado na relação entre o
profissional de saúde e o doente deve, em nosso entender, escapar às limitações do
cientismo e do tecnicismo. De acordo com nossas considerações ao buscarmos
respostas para a questão previamente proposta, os parâmetros necessários para
embasar o diálogo em torno dos itinerários de cura e cuidado incluem o reconhecimento
de sua natureza intrinsecamente intersubjetiva e a adoção de uma postura relativista,
envolvendo aspectos éticos e saberes não-científicos. A importância da ciência é
inegável, tanto pela efetividade de suas aplicações em situações diversas como por ser
um elemento central da formação do profissional e da estrutura dos serviços de saúde
existentes. Mas o saber científico deve ser abordado de forma pragmática,
estabelecendo-se como parâmetro de validade epistemológica a aplicação do
conhecimento na transformação do senso comum, visando uma sabedoria prática
disponível para desenvolver a capacidade das pessoas de fazerem escolhas éticas que
objetivem o bem-estar individual e da comunidade da qual fazem parte.
31
2.2 Marco Conceitual: a abordagem antropológica dos itinerários de cura e
cuidado.
Uma vez estabelecidos alguns parâmetros para a abordagem dos itinerários de
cura e cuidado, reuniremos a seguir os conceitos básicos dos quais nos utilizamos
neste estudo no que se refere à Antropologia Médica e aos itinerários de cura e
cuidado.
Como referimos acima, a Antropologia Médica é um dos ramos da Antropologia,
ciência que busca um entendimento holístico do ser humano através da compreensão
de suas diferentes formas de viver, a partir do estudo da evolução da espécie humana,
dos objetos produzidos pelos grupos humanos ao longo dos tempos e da comparação
entre sociedades e culturas atuais (HELMAN, 2003).
A cultura é, portanto, um elemento central na Antropologia, podendo ser definida
como “um conjunto de princípios (explícitos e implícitos) herdados pelos indivíduos
membros de uma dada sociedade” (HELMAN, 2003, p. 12). Uma determinada cultura
confere às pessoas uma forma específica de ver o mundo, o que se dá através de um
processo gradual de endoculturação. Em uma sociedade complexa, a cultura
estabelece divisões entre seus membros, criando categorias nas quais podem surgir
subculturas específicas de um grupo social que partilha características únicas em meio
aos princípios de uma cultura mais geral. Os profissionais médicos sofrem um processo
de endoculturação em sua formação, passando a compartilhar uma visão de mundo
que os torna parte de uma subcultura de cura.
O sistema médico oficial de uma sociedade complexa convive com outras
alternativas que podem ser utilizadas pelas pessoas que buscam ajuda para resolver
desconfortos físicos ou emocionais. Esse pluralismo médico envolve sistemas com
diferentes abordagens das doenças, o que interessa menos para o paciente que sua
capacidade de resolver seu problema de saúde. Mesmo assim, para compreender o
pluralismo médico é necessário considerar as características sócio-econômicas e
culturais das alternativas que estão ao alcance da pessoa doente (HELMAN, 2003). Na
32
Grã-Bretanha, estima-se que 75% dos sintomas que as pessoas apresentam são
levados à atenção do chamado Sistema de Saúde Oculto, compreendendo formas de
cuidado não-médico que o desde a automedicação até a consulta a representantes
de diversas tradições de cura (HELMAN, 1987).
A pessoa que adoece passa por um processo no qual define a doença (illness)
de forma subjetiva, o que envolve aquilo que está sentindo e o significado que atribui ao
que está acontecendo com ela com base em sua experiência pessoal, além da maneira
como as pessoas com quem se relaciona interpretam e respondem às manifestações
do doente. Os modelos leigos de saúde-doença costumam ser parte de uma forma mais
ampla de explicar infortúnios diversos em um determinado grupo social, entre os quais,
a doença. Assim, a doença é construída a partir das mudanças físicas e emocionais
pela experiência subjetiva do paciente e formalizada socialmente por outras pessoas
(HELMAN, 1991).
As explicações sobre as doenças em uma determinada cultura combinam
conceitos populares e aqueles provenientes da mídia e do modelo médico científico.
Assim, podem ser considerados diferentes universos de causas que se combinam de
acordo com cada cultura para explicar a etiologia das doenças com base no mundo
sobrenatural, no mundo social, no mundo natural ou no próprio paciente. Em geral, as
teorias leigas são complexas, variáveis e multicausais, no entanto, a procura de uma
alternativa específica de tratamento depende da percepção de sua causa, bem como
de sua acessibilidade para o paciente (HELMAN, 1987).
As escolhas das alternativas de tratamento, sob influência dos elementos
citados, envolvem o que Helman (2003) denomina rede terapêutica. Esse termo
aproxima-se da definição dos itinerários terapêuticos, os quais são estudados pela
antropologia visando a interpretação dos “processos pelos quais os indivíduos ou
grupos sociais escolhem, avaliam e aderem (ou não) a determinadas formas de
tratamento” (ALVES; SOUZA, 1999, p. 125).
Esses estudos da Antropologia originaram-se das investigações de Parsons na
década de 1950 sobre a enfermidade como uma realidade social, na qual o indivíduo
assume o papel de enfermo (sick role) em termos de direitos e deveres diante do
33
terapeuta e da sociedade. A partir disso desenvolveram-se pesquisas sobre as
diferenças entre grupos sociais norte-americanos quanto ao papel de enfermo, o que
resultou na denominação “comportamento do enfermo” (illness behavior). Mantendo-se
os conceitos de Parsons, ao longo das décadas de 1960 e 1970, modificou-se o
enfoque da análise macrossocial para a interpretação dos comportamentos individuais
ou grupais em diferentes contextos sociais. Esses estudos tradicionais envolviam
pessoas que haviam entrado em contato com serviços médicos, interessando-se
pouco pelas ações prévias a esse contato, e ligando-se, portanto, ao modelo biomédico
(ALVES; SOUZA,1999).
Para superar essa limitação, Friedson formulou o conceito de “sistema leigo de
referência”, produto das estruturas específicas de cada sociedade, cuja visão é
diferente daquela do modelo biomédico. Friedson denominou de career of illness a
seqüência de ações na busca de uma solução para a enfermidade, termo que Alves
(1993) traduziu como “itinerário terapêutico”. Alves, no entanto, discordou da visão de
Friedson quanto a passividade do doente diante do sistema leigo de referência, o que
leva a uma busca de regularidades nas ações humanas, negligenciando a utilização do
saber próprio do indivíduo e de seu grupo social, subentendendo uma estrutura objetiva
da realidade sociocultural a ser identificada pelo pesquisador a partir de relatos
subjetivos dos informantes. Essa discordância se baseou na dificuldade de
compreender os processos de escolha envolvidos nos itinerários terapêuticos com base
tão somente na descrição do que o meio social e cultural disponibiliza para o tratamento
da enfermidade (ALVES; SOUZA, 1999).
A denominação itinerários de cura e cuidado (SILVA, 1991) será aqui adotada
em lugar de itinerários terapêuticos ou redes terapêuticas a fim de enfatizar as relações
humanas presentes nos itinerários através dos elementos cura e cuidado, que
envolvem tanto componentes subjetivos como a inserção do indivíduo nas redes
formadas pelos membros de diferentes grupos sociais dos quais participa.
Faz-se aqui necessária a distinção entre os termos ingleses cure e healing,
sendo ambos costumeiramente traduzidos para o português como ‘cura’, mas que se
diferenciam no sentido que cure relaciona-se com a intervenção externa, geralmente de
34
modo artificial, enquanto healing implica uma autocura, a restauração da integralidade
do ser a partir de suas próprias forças (WALDOW, 1998, p. 74). O sentido em que nos
referimos ao termo cura nos itinerários de cura e cuidado é o de healing. O cuidado,
como elemento dos itinerários, será abordado de acordo com a definição de Waldow,
sendo o resultado do ato de cuidar visando o desenvolvimento das potencialidades
humanas no processo de viver e morrer, incluindo os conhecimentos, valores,
habilidades e atitudes utilizados para esse fim.
Os itinerários de cura e cuidado se dão em estreita relação com a rede social
pessoal ou significativa da pessoa. Esse é um conceito sistêmico que se situa em um
nível intermediário entre o individual e o social, estabelecendo as fronteiras entre estes.
A rede social de um indivíduo compreende todas as suas relações com outras pessoas
ou grupos, constituindo seu nicho interpessoal (SLUZKI, 1997).
35
3 SAÚDE DA FAMÍLIA: PROGRAMA OU ESTRATÉGIA?
O desenvolvimento desta pesquisa esteve intimamente relacionado com o
Programa Saúde da Família (PSF), desde o momento em que a atuação no PSF
motivou nossa participação no Mestrado Profissionalizante em Saúde e Gestão do
Trabalho. Naturalmente acabamos por relacionar o tema da dissertação às atividades
cotidianas da equipe de Saúde da Família e, por fim, o trabalho de campo foi realizado
na comunidade em que já trabalhávamos, envolvendo como informantes pessoas que
haviam tido algum contato com a equipe. Assim, consideramos importante situar o PSF
em suas relações com a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil e, nos
distanciamentos identificáveis entre as propostas do programa e as experiências vividas
em sua implantação.
Ainda que recente, tendo sido implantado há apenas 10 anos, o PSF mostrou um
crescimento quantitativo inegável, contabilizando-se, em 2003, 19.182 equipes no país,
que acompanhavam 66.177.900 pessoas, o que corresponde a 37,9% da população
brasileira (BRASIL, 2004a). Tais números não foram, entretanto, suficientes para
garantir ao PSF nem mesmo uma identidade definida: “Programa Saúde da Família” ou
“Estratégia Saúde da Família”?
O Ministério da Saúde caracteriza o PSF como uma estratégia com vistas a
integrar e organizar as atividades dos serviços de saúde, contrariando a definição usual
de programa por não ser uma intervenção vertical instituída paralelamente às atividades
conduzidas pelos serviços de saúde. Isso é estabelecido pelo objetivo geral proposto
para o PSF:
Contribuir para a reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica, em
conformidade com os princípios do Sistema Único de Saúde, imprimindo uma nova
dinâmica de atuação nas unidades básicas de saúde, com definição de
responsabilidades entre os serviços de saúde e a população. (BRASIL, 1997, p. 10).
36
A reorientação do modelo assistencial buscada pelo PSF foi estruturada a partir
de uma visão da assistência à saúde como forma de promover a qualidade de vida, em
lugar de uma assistência à doença, sem deixar de lado o tratamento dos problemas de
saúde mais prevalentes na comunidade, com o que se espera atingir a resolução de
85% destes (BRASIL, 2000). Essa visão do modelo assistencial embasado na atenção
básica de modo a atingir uma grande resolutividade com aplicação racional de recursos
desenvolveu-se a partir das propostas relativas à Atenção Primária, consagradas pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) como um princípio para todos os sistemas de
saúde na declaração de Alma Ata, em 1978, ao propor a “Saúde para todos no ano
2000” como meta para seus países membros. As origens da Atenção Primária, porém,
são encontradas na proposta de Dawson para a organização dos serviços de saúde na
Grã-Bretanha em 1920, os quais seriam distribuídos em três níveis de atenção de
acordo com as necessidades de serviços médicos: centros de saúde primários, centros
de saúde secundários e hospitais-escola (STARFIELD, 2002).
A Atenção Primária distingue-se dos níveis secundário e terciário de atenção à
saúde pelo modo como provê atenção continuada aos pacientes, a qual é centrada na
pessoa e não na doença, permitindo integrar ações preventivas e assistência a
problemas de saúde comuns, mesmo que indiferenciados. Dessa forma, a Atenção
Primária pode se constituir em um acesso preferencial ao sistema de saúde,
integrando-se aos níveis secundário e terciário a fim de orientar seus usuários,
responsabilizando-se por estes também no momento de gerenciar seu acesso a formas
de atenção mais especializadas quando necessário (STARFIELD, 2002).
A atualidade dessa proposta reside na verificação que os gastos com serviços de
saúde não se correlacionam diretamente a melhorias nos níveis de saúde, enquanto
diferentes medidas de morbidade concentram-se entre os socialmente desfavorecidos
mesmo nas nações industrializadas e, comparando-se diferentes nações, conclui-se
que a ocorrência de problemas de saúde é maior quanto maior for a desigualdade de
renda entre os indivíduos. Ou seja, maiores chances de uma saúde melhor estão na
dependência direta dos recursos sociais dos indivíduos e comunidades e das
37
características dos serviços de saúde, o resultando apenas do volume de recursos
financeiros investidos. A partir disso, a atenção primária busca atuar em um nível mais
próximo da comunidade, promovendo a saúde geral das pessoas, enfocando uma
relação custo-benefício mais vantajosa que na atenção especializada, a qual demanda
tecnologias caras para “manter viva a pessoa enferma” (STARFIELD, 2002, p. 20).
A Comissão de Avaliação da Atenção Básica do Ministério da Saúde salienta
alguns aspectos da atenção básica na forma proposta para o SUS, como aqueles
relacionados à sua dimensão coletiva além de individual, ao processo de trabalho
dirigido à integralidade e desenvolvido por uma equipe de saúde, devendo-se articular o
saber científico e técnico com habilidades interpessoais (BRASIL, [200?].). Esses
aspectos particularizam as definições de Atenção Primária no sentido de garantir a
conformidade da atenção básica com os princípios do SUS.
Os objetivos finais do SUS acabam por coincidir com os conceitos utilizados pela
Atenção Primária, na medida em que visa oferecer uma assistência baseada na
promoção, proteção e recuperação da saúde. A partir das bases jurídicas instituídas na
Constituição Federal de 1988, iniciou-se a implantação do SUS como resposta às
deficiências do setor saúde no país, que envolviam centralização, desintegração e
carência de controle e avaliação nos diversos níveis do sistema de saúde, contribuindo
para o desperdício de recursos já escassos, com baixa cobertura da assistência à
população e insatisfão por parte desta e dos profissionais de saúde (ALMEIDA;
CHIORO; ZIONI, 2001).
As propostas sedimentadas na Constituição de 1988 foram defendidas por um
grupo de parlamentares apoiados pelo movimento da Reforma Sanitária, tendo evoluído
a partir das críticas ao modelo médico-hospitalar a partir da década de 70 que
progrediram com a redemocratização no início dos anos 80, concretizando-se de forma
organizada através da VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986. Nesta, o
movimento sanitário desenvolvido por profissionais de saúde, os movimentos sociais
populares e o governo tiveram uma oportunidade de integração envolvendo maior
participação popular que nas conferências anteriores (ALMEIDA; CHIORO; ZIONI,
2001; PUSTAI, 2004).
38
O sistema de saúde brasileiro então vigente, que motivou as críticas desses
grupos havia se estruturado durante o século XX em consonância com as mudanças
políticas e econômicas do país, sendo identificáveis períodos com distintas
características na saúde pública, ainda que parcialmente superpostos no tempo.
O modelo agroexportador, predominante a partir do final do século XIX,
determinava a necessidade de sanear os espaços a fim de garantir a produção e
circulação das mercadorias destinadas à exportação. A erradicação e o controle de
doenças infecciosas foram os principais alvos do modelo hegemônico de então,
denominado sanitarismo campanhista, por meio de ações verticalizadas intervindo em
massa nas comunidades e cidades. Nessa época, a atenção à saúde individual era
provida por profissionais liberais ou, no caso de indigentes e pobres, por meio de
filantropia quando disponível, como nas Santas Casas de Misericórdia, do contrário
restava apenas a desatenção a quem não dispunha de recursos financeiros. Apesar do
sucesso alcançado em seus objetivos, esse modelo declinou a partir da década de 50
em razão do surgimento de pólos urbano-industriais, com uma população crescente de
trabalhadores assalariados, determinando a necessidade de sanear não apenas o
espaço, mas os corpos que constituíam a força de trabalho para a produção industrial
(ALMEIDA; CHIORO; ZIONI, 2001; PUSTAI, 2004).
A partir da instituição da Previdência Social, em 1923, criaram-se Caixas de
Aposentadoria e Pensões (CAPs) destinadas a categorias profissionais específicas,
fornecendo cobertura para atendimento médico a pequenas parcelas mais organizadas
da população. Essas organizações de classe foram transformadas em Institutos de
Aposentadorias e Pensões (IAPs), cujos recursos oriundos do Estado, das empresas e
dos trabalhadores financiaram, por sua vez, a própria industrialização do país, além da
criação de uma rede de hospitais públicos, seguindo o modelo de saúde
hospitalocêntrico norte-americano (ALMEIDA; CHIORO; ZIONI, 2001).
Esse modelo médico-previdenciário foi implantado concretamente a partir do
golpe militar em 1964, caracterizando-se pela centralização político-administrativa,
acesso não-universal, dicotomia entre ações curativas e preventivas e financiamento ao
setor privado de serviços e indústria médica. O Instituto Nacional de Previdência Social
39
(INPS), que concentrou os IAPs a partir de 1967, foi o centro de atuação da
tecnoburocracia que conduziu essas mudanças, possíveis em virtude do regime militar
autoritário apoiado por alguns setores da sociedade e do período de “milagre
econômico”. Tais ações ampliavam a cobertura das ações de saúde, porém
exacerbavam seu caráter discriminatório em termos de acesso e qualidade dos
serviços. A crise fiscal vivida pelo modelo médico-assistencial privatista com o fim do
milagre econômico a partir de 1974, juntamente com a crise do estado autoritário,
expôs mais claramente seus problemas envolvendo fraudes nos gastos com o setor
privado e custos crescentes, sem no entanto modificar os perfis de morbimortalidade e
de falta de atenção à saúde de grande parte da população (ALMEIDA; CHIORO; ZIONI,
2001; PUSTAI, 2004).
Nesse contexto de crise da Previdência concomitante com a redemocratização
do país na década de 80, o movimento pela Reforma Sanitária obteve sucesso na
instituição da base jurídico-institucional do SUS. Como reação aos modelos anteriores,
a proposta do SUS envolveu uma lógica de percepção do processo saúde-doença
socialmente determinado e histórico, que se estabeleceu em seus princípios
doutrinários e diretrizes: universalidade, eqüidade, integralidade, resolutividade,
hierarquização e regionalização, descentralização, controle social e complementaridade
do setor privado (ALMEIDA; CHIORO; ZIONI, 2001). Esse modelo de saúde abrangente
que integrava as ações preventivas até então exclusivas da saúde pública com a
assistência individual de caráter curativo, visando à adequação ao perfil de saúde da
população, deveria ser implementado pela transformação do modelo de atenção
médica prestador de serviços em um modelo de atenção integral à saúde, demandando
um nova gica de financiamento e pagamento dos serviços e mudanças nos
equipamentos e recursos humanos desses serviços. Além disso, a concepção de
Estado desenvolvimentista que inspirou a reforma sanitária, ainda que buscando um
maior controle por parte da sociedade através do poder local, mantinha sua ênfase no
poder Executivo, sem garantir a democratização da saúde (COHN, 2001).
Já trazendo consigo essas heranças dos modelos anteriores, a implantação do
SUS enfrentou ainda um contexto desfavorável ao fim da Nova República e com o
40
governo Collor. A Lei Orgânica da Saúde, aprovada em 1990, regulamentando as
condições para funcionamento dos serviços de saúde no SUS, sofreu veto presidencial
aos artigos que garantiam a participação popular, como forma de garantir o rígido
controle fiscal estabelecido diante do processo de globalização, resultando em limitação
dos gastos com saúde. No entanto, a participação popular acabou definida pela Lei
8142/90, determinando a obrigatoriedade das conferências de saúde e regulando a
criação dos Conselhos de Saúde, nos níveis federal, estadual e municipal
(WENDHAUSEN, 2002).
Ao longo da década de 1990 a estruturação do SUS como parte de um projeto
de proteção social permaneceu ameaçada por políticas de ajuste neoliberais. Tais
políticas direcionavam-se para uma transferência ao setor privado de atividades
passíveis de controle pelo mercado, inclusive setores da área social e da saúde,
abandonando a dimensão integradora destas por parte do Estado em troca de uma
responsabilização dos cidadãos em relação a sua saúde e bem-estar (NORONHA,
SOARES, 2001). Em lugar de mecanismos que garantissem financiamento estável e
regular aos estados e municípios, os repasses federais permaneceram sob uma lógica
macroeconômica, sujeitando o SUS a um controle central rígido. A centralização do
controle político sobre o sistema de saúde se perpetuou com a contribuição do
funcionamento dos Conselhos Municipais de Saúde em um caráter mais de
legitimadores dos atos do Executivo, que de órgãos deliberativos. Essa
desconcentração sem descentralização evidencia-se nas dificuldades que os
municípios ainda encontram diante da necessidade de responder à demanda por
serviços de nível secundário e terciário sem contar com recursos próprios para prover
tais serviços, o que acabou por gerar um hiato entre o nível primário e os demais. Isso
se principalmente diante da relação com serviços hospitalares privados que
deveriam ser complementares ao SUS e, no entanto, continuam sendo remunerados
por serviços prestados, em uma lógica de produção incompatível com o conceito de
Estado provedor de direitos em que está baseado o SUS (COHN, 2001).
Mesmo diante das dificuldades enfrentadas, o SUS permaneceu público e
buscando a universalização. Nesse sentido se deu a adoção do PSF em 1994, em um
41
cenário de organização neoliberal da economia, onde as tendências de privatização
sugeriam estabelecer serviços de ampla cobertura e baixo custo (MEHRY, FRANCO,
2002). Previamente, em 1991, foi criado o Programa de Agentes Comunitários de
Saúde (PACS), inicialmente na região Nordeste e visando estender as ações de saúde
a populações rurais e das periferias urbanas, sendo o agente um articulador entre a
comunidade e os serviços de saúde, para contemplar em especial o grupo materno-
infantil, agindo no sentido da universalização excludente, pela qual a oferta de serviços
públicos de saúde se volta para as populações mais pobres, enquanto aqueles que
detêm algum poder de compra devem pagar por convênios médicos privados ou
desembolso direto (PAIM, 1999). O PACS, o PSF e Piso de Atenção Básica (PAB), este
com critério de repasse de recursos per capita aos municípios, foram estabelecidos pelo
governo federal através de Normas Operacionais com a finalidade de universalizar o
acesso a ações de saúde básica. O PSF foi integrado a esses mecanismos de
universalização com o objetivo de inserir profissionais de nível superior na atenção
básica em ampliação através do PACS (ANDRADE, BARRETO, FONSECA, 2004).
Estas duas estratégias fazem parte do modelo de Vigilância à Saúde que contempla:
O enfrentamento de problemas contínuos, através da atenção programática;
a organização, controle e avaliação da oferta de serviços de saúde, de caráter
individual curativo, pelos serviços do SUS;
o desenvolvimento da chamada vigilância epidemiológica e vigilância
sanitária em horizontes mais ampliados e com especificidade necessária (CASTRO,
WESTPHAL, 2001).
O conceito de equipe de Saúde da Família em lugar de dico da Família ou
Medicina Geral Comunitária foi adotado mais facilmente diante das críticas durante o
processo de implantação do SUS que se dirigiam contra o modelo médico-centrado
(ANDRADE, BARRETO, FONSECA, 2004). Assim estabelecido, conforme a Norma
Operacional Básica/96, o PSF ênfase à epidemiologia e à Vigilância à Saúde, em
detrimento da clínica e de outros saberes, que seriam necessários à reorganização da
produção da saúde por meio da incorporação de diferentes campos de conhecimento
(MEHRY, FRANCO, 2002).
42
Mesmo que os documentos do Ministério da Saúde reafirmem o caráter o-
programático do PSF e neguem sua identificação com um sistema de saúde para
pobres, essas duas características são identificáveis no programa. Em relação ao
sistema para pobres, a universalização excludente se perpetua no PSF, o por
estar no mais das vezes restrito às periferias, mas também por ter sua cobertura mais
ampla nas regiões mais pobres do país, variando de 27,3% da população total coberta
na região Sudeste a 54,4%, na região Nordeste (BRASIL, 2004a). Além disso, o PSF
enfrenta ainda a concorrência com serviços de maior complexidade, as limitações do
sistema de referência e contra-referência que negam o caráter integral da atenção, e o
dilema de reproduzir um serviço de pronto-atendimento ou represar a demanda diante
do excessivo número de famílias estabelecido para cada área (PINHEIRO, 2001;
COHN, 2001).
Quanto a estruturação do PSF como programa, esta se dá na garantia de
incentivos aos municípios que implantarem o PSF/PACS, sem previsão de adaptações
às características locais, centralizando e verticalizando esse modelo de atenção
(MEHRY, FRANCO, 2002). Além disso, se o PSF não é incorporado de forma paralela a
outras atividades do serviço de saúde, as definições das responsabilidades dos
municípios em atenção básica, a serem executadas pelas equipes do PSF de acordo
com a Norma Operacional Básica de Atenção à Saúde de 2001, são
compartimentalizadas a exemplo dos programas clássicos da saúde pública, e mesmo
direcionadas especificamente para doenças:
a) ações de saúde da criança;
b) ações de saúde da mulher;
c) controle da Hipertensão;
d) controle da Diabetes Mellitus;
e) controle da Tuberculose;
f) controle da Hanseníase (BRASIL, [199?]).
43
Ainda assim, podemos identificar progressos no setor saúde nas áreas de
implantação do PSF. Estes incluem a redução na mortalidade infantil e desnutrição em
menores de um ano entre 1999 e 2001, crescimento maior que duas vezes no número
de consultas de pré-natal pelo SUS entre 1996 e 2001, e aumento em mais de 20 vezes
no número de coletas de colpocitologia nos municípios com cobertura do PSF maior
que 20% da população (SOUZA, 2002 apud ANDRADE, BARRETO, FONSECA, 2004).
E, considerando-se não apenas a ampliação da cobertura das ações em atenção
básica, um estudo realizado em São Paulo mostrou que a população de uma área
coberta pelo PSF não tem na renda e escolaridade fatores que influenciem a utilização
dos serviços de saúde, mas que esta depende do grau de morbidade, contrastando
positivamente com o comportamento da população de uma área não coberta, que
utiliza mais os serviços de saúde quanto maior o nível de escolaridade (GOLDBAUM et
al., 2005).
A continuidade de progressos como esses pode acabar por esbarrar nas
características negadas do PSF que identificamos acima. Se a estratégia Saúde da
Família deve imprimir “uma nova dinâmica de atuação nas unidades básicas de saúde,
com definição de responsabilidades entre os serviços de saúde e a população.”
(BRASIL, 1997, p. 10), como estabelece seu objetivo geral, e seu embasamento na
Atenção Primária prevê uma relação continuada entre os profissionais e usuários dos
serviços, inclusive para favorecer a responsabilização entre ambos, os esforços para
consolidar a estratégia devem estar centrados nas pessoas: profissionais e usuários.
A avaliação do PSF realizada pelo Ministério da Saúde entre 2001 e 2002
(BRASIL, 2004b) mostrou que a capacitação dos profissionais, que deveria atingir
100% ao menos no que se refere ao treinamento introdutório, ficou restrito a menos de
70% dos médicos e enfermeiras em relação a este. Quanto a outras áreas mais
específicas, como saúde da mulher ou diabetes e hipertensão, contavam-se pouco
mais de 40% dos profissionais de nível superior capacitados nas equipes. Tal situação
era compatível com o tempo de permanência dos profissionais nas equipes, verificando-
se que em 61% das equipes os médicos tinham tempo de trabalho inferior a seis
meses, mesma situação de 40% das enfermeiras. Portanto, se o tempo de integração
44
dos profissionais nas equipes pode ter comprometido até mesmo a capacitação
daqueles, é possível que tenha um impacto ainda mais negativo no estabelecimento de
uma relação adequada entre equipe e comunidade.
O curto período de nculo dos profissionais com as equipes é atribuível às
modalidades de contratação, sendo as modalidades precárias (contratos temporários,
verbais, prestação de serviços etc) realizadas na maioria dos casos, enquanto formas
de contratação estável (estatutário ou pela Consolidação das Leis do Trabalho)
incluíam apenas 25,4% dos médicos, 28,6% das enfermeiras, 45,9% das auxiliares de
enfermagem, e 27,7% dos agentes comunitários (BRASIL, 2004b).
Equipes formadas por profissionais sem capacitação específica e que não
contam com um tempo de convívio com a comunidade suficiente para o
estabelecimento de vínculos dificilmente serão capazes de definir bases para
responsabilização. Diante das limitações na atuação dos Conselhos Municipais de
Saúde que consideramos previamente, a atuação das equipes do PSF através da co-
gestão e do fomento à criação de Conselhos Locais de Saúde poderia surgir como uma
alternativa para a democratização da saúde, partindo das bases locais. Porém, isso é
também inviabilizado se os profissionais do PSF mantiverem vínculos de trabalho
instáveis que levem à grande rotatividade, impedindo um trabalho de sensibilização da
população a partir da confiança desta nos profissionais a fim de estabelecer sua
participação na construção do sistema de saúde como mais que meros usuários. As
ações dos profissionais no sentido de promover a responsabilização são também
limitadas na medida em que estimular atitudes reivindicatórias por parte da comunidade
ou da própria equipe pode ter como resposta a demissão por parte de uma
administração municipal que se sinta ameaçada, o que é grandemente facilitado pelos
contratos precários.
Assim, podemos considerar que o caráter ético necessário às relações entre
usuários, serviços de saúde e governo, limitando a fixação de um domínio das ações
deste sobre os demais (WENDHAUSEN, 2002), somente poderá ser viabilizado se
garantido o mesmo caráter ético nas relações de trabalho dos próprios profissionais do
PSF bem como nas relações que estes estabelecem como parte dos itinerários de cura
45
e cuidado da comunidade, onde a caracterização de superioridade dos conhecimentos
técnicos em relação aos dos leigos é ainda mais evidente que nos Conselhos
Municipais de Saúde. A inclusão de outros campos de conhecimento além dos saberes
hegemônicos da biomedicina é condicionante para que o PSF seja capaz de interferir
na lógica de produção atuando tanto na dimensão política quanto na assistencial das
práticas de saúde (PINHEIRO, 2001). Ao atuar em ambas dimensões, a Saúde da
Família poderá se constituir realmente em uma estratégia, superando a condição de
simples programa que seu contexto atual implica: temporário, verticalizado e
direcionado para a atenção simplificada a populações carentes.
A ética e a democracia na construção do sistema de saúde somente podem ser
implementadas a partir de uma vivência cotidiana, sendo refratários a quaisquer
implementações programáticas. Talvez a efetiva capacidade de contribuição do PSF
como estratégia para consolidar o SUS seja mais bem compreendida pela inversão dos
elementos que constituem seu objetivo geral, a partir do qual desenvolvemos esta
reflexão, e pela inclusão do profissional de saúde ao se utilizar o termo “equipe de
saúde da família” em lugar de “unidade básica de saúde”:
No momento em que as equipes de saúde da família sejam capazes de se
relacionar com a população definindo suas respectivas responsabilidades, elas estarão
atuando em uma nova dinâmica que esteja em conformidade com os princípios do SUS
e, assim, contribuindo para a reorientação do modelo assistencial a partir da atenção
básica.
46
4 NOS CAMINHOS DAS FAMÍLIAS: REDES E ITINERÁRIOS
4.1 A Família: algumas reflexões.
O termo família é definido de modo variável conforme o momento histórico, o
espaço geográfico e o contexto social considerados, podendo-se ainda levar em
consideração os conceitos criados pelas próprias famílias no desenvolvimento de suas
identidades e limites diante da sociedade. Nesse sentido, Osório (1997) sugeriu que,
mesmo não se permitindo uma conceituação única ou se admitindo um elemento
comum a todas as estruturas familiares identificáveis, existe a possibilidade de
descrever a família em sua heterogeneidade. Assim, ele propôs uma definição
operativa, partindo da idéia de família como unidade básica da interação social, a qual
assume certas funções que caracterizam-na como elemento central na manutenção da
espécie humana e agente de seus processos evolutivos (OSÓRIO, 1996).
O papel da família como elemento do processo evolutivo e de manutenção da
espécie humana foi proposto na hipótese pela qual a neotenia, ou seja, a manutenção
de aspectos característicos das fases iniciais da vida de uma espécie preexistente em
indivíduos adultos de uma nova espécie, desencadeou a progressiva diferenciação das
espécies do gênero Homo em relação aos símios antropóides. A prolongada
imaturidade dos humanos recém-nascidos demandaria um cuidado também
prolongado, favorecendo o sucesso de grupos nos quais novos arranjos sociais
criassem famílias capazes de prover o adequado sustento dos filhos, o que acabaria
por constituir os princípios da civilização (CAPRA, 2001).
Sejam as teorias sobre as origens da família fundamentadas em funções
biológicas ou psicossociais, as hipóteses costumam estruturar a família a partir da
47
parentalidade: os papéis paterno e materno no grupo, conforme ressaltou Osório
(1997). Na obra “A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, Engels
refere-se a alguns dos primeiros estudos sobre a história da família, publicados por:
Bachofen, em 1861; MacLennan, em 1886; e Morgan, em 1877. Todos estes autores
basearam seus diferentes modelos de família em aspectos de parentesco, divergindo
quanto a suas formas de evolução. Morgan, cujo ponto de vista foi defendido por
Engels, considerou os sistemas de parentesco passivos enquanto a família era ativa,
produto do sistema social, evoluindo de uma forma inferior a outra superior a medida
que se restringiam as possibilidades de relações sexuais entre os membros do grupo
social, desde uma promiscuidade primitiva até a gens de direito paterno que resultaria
na família nuclear patriarcal. Nessa obra, Engels identificou a origem do termo família
no latim fammulus, que significa escravo doméstico, indicando o grupo de escravos de
propriedade de um único senhor, origem compatível com as características do poder
patriarcal vigente na Roma Antiga (ENGELS, 2000).
Morgan foi um dos primeiros antropólogos a estudar os sistemas de parentesco,
considerando-os definidos pela filiação e resultantes de diferentes modalidades de
casamento. A regra central do casamento é a proibão do incesto, cujas poucas
exceções em algumas sociedades limitavam-se a determinadas minorias sob condições
específicas, como os faraós egípcios. Estudos antropológicos mais recentes viram a
proibição universal do incesto menos como uma restrição sexual que como um estímulo
à troca de mulheres entre os grupos humanos. Esta visão se opôs à de Morgan,
definindo o parentesco a partir da teoria da aliança, segundo a qual a proibição do
incesto corresponde à obrigação de obter esposas em troca de irmãs e filhas, uma
forma específica da reciprocidade e da troca que constituem o fundamento da
socialidade humana (MARCONI; PRESOTTO, 2001; LABURTHE-TOLRA; WARNIER,
1997).
O casamento e a família existem apenas na relação com outras famílias na sociedade,
reconhecendo-se que, além de laços naturais, também laços de aliança ou
afinidade. A antropologia aborda a família como uma forma de associação baseada nas
instituições do matrimônio e parentesco, sendo que diferentes conceitos de família
48
desenvolvidos pela antropologia concordam ao identificarem-na como um grupo ligado
pelos laços de parentesco e/ou por compartilharem uma moradia (MARCONI;
PRESOTTO, 2001; LABURTHE-TOLRA; WARNIER, 1997).
Na visão antropológica, as funções básicas da família compreendem a regulação
das atividades sexuais, a legitimação da reprodução, a função econômica de sustentar
e proteger seus membros e a educacional, incluindo o cuidado com as crianças. Pode-
se verificar, ainda, funções subsidiárias como a manutenção de normas que contribuem
para a formação do indivíduo: religiosas, políticas, jurídicas e recreativas, além do
cuidado com os idosos (MARCONI; PRESOTTO, 2001).
O modelo de família monogâmica e patriarcal persiste até hoje, atribuindo-se sua
permanência à possibilidade de transmissão dos bens e direitos aos filhos legítimos.
Essa função social favorável à evolução do capitalismo levou à idéia da família como
um grupo natural, colocando em segundo plano seu desenvolvimento histórico como
instituição social e estabelecendo-a como o que Mioto (1997) chamou de: o lugar da
felicidade. No entanto, a família não se restringe a estereótipos, mas constrói sua
própria dinâmica de relacionamentos cotidianamente nas negociações entre seus
membros e com o meio social onde se insere.
Mesmo que não se constitua necessariamente no lugar da felicidade, a família não
pode ser vista apenas sob seus aspectos repressivos ou em seu papel de manutenção
da lógica capitalista através da reprodução da força de trabalho. A análise não deve se
limitar à dinâmica econômica da sociedade, mas também considerar a família enquanto
espaço comum a partir do qual constroem-se as estratégias para a sobrevivência no
presente e os projetos para o futuro, avaliando-se o passado. Essa relativa autonomia
torna-se especialmente importante para as classes populares, contrapondo o espaço da
família às obrigações do trabalho, permitindo a experiência da coletividade e da
liberdade (VASCONCELOS, 1999). Nesse processo cria-se uma cultura familiar com
seus digos, interpretações, comunicações, regras, ritos e jogos próprios. Os
significados desse universo pessoal traduzem-se mais em ações interpretadas num
contexto emocional do que são propriamente expressos no viver da família. As
tendências atuais na área de família voltam-se para esse aspecto, propondo que suas
49
teorias e práticas não devem se ater a modelos rígidos e ações preestabelecidas
(SZYMANSKI, 1995).
Diante dessas contínuas modificações, um modelo de família ideal é tão
impraticável quanto uma definição única de família. Assim, numa perspectiva ampla,
Szymanski (2001) considerou como família a convivência de pessoas que se
comprometem a desenvolver uma ligação duradoura entre si, na qual se estabelece o
cuidado entre os adultos e destes para com as crianças e idosos que se incluam na
relação. Esta autora, em estudo com famílias da periferia de São Paulo de baixo nível
socioeconômico, verificou que cada pessoa traz diferentes expectativas para esse
compromisso inicial, do qual se espera o papel de transmissor da cultura dominante na
sociedade, constituindo um modelo de família divulgado pelas instituições como
referência. Esse ideal de família serve para comparações por parte das famílias na
realidade, uma “outra família” definida como família pensada. Mesmo buscando a
inserção nesse modelo, as pessoas vêem-se diante de adaptações cotidianas
necessárias, as quais solucionam problemas emergentes, mas ao mesmo tempo
afastam-nas da família pensada em direção à família vivida, onde as relações “(...)
refletem os significados que foram sendo atribuídos ao outro, ao mundo e à vida”
(SZYMANSKI, 2001, p. 30).
As adaptações surgidas relacionam-se aos esforços para a manutenção da vida
no grupo familiar, atualmente como grupo de renda e consumo, conforme observou
Marsiglia (2002) também em estudo com famílias de baixa renda em São Paulo. Esta
autora identificou diferentes organizações familiares, incluindo monoparentais,
extensas, idosos sozinhos e mesmo situações em que a residência era compartilhada
sem vínculo de parentesco. Ainda assim, neste estudo, predominaram as famílias
hierárquicas, com definições de papéis e posições baseadas no sexo e idade, nas quais
persistiam estereótipos de dominação masculina ao lado de relações marcadas pela
solidariedade e mais horizontais. A complexidade evidenciada em relação à família
sugere a necessidade de evitar idealizações e identificações dos profissionais de saúde
com seus próprios modelos de família a fim de evitar a estigmatização de outros
arranjos familiares possíveis.
50
A coexistência de relações familiares tão diversas ao considerar-se um mesmo
contexto espaço-temporal relaciona-se não apenas a especificidades no viver dos
membros de cada família, mas também refletem mudanças sociais econômicas e
culturais progressivas, particularmente nos países em desenvolvimento como os latino-
americanos. Ainda que os modelos tradicionais de família patriarcal continuem sendo
utilizados para a estruturação de políticas públicas, as relações conjugais e entre pais e
filhos tendem a adquirir maior igualdade, com isso há maior individualidade, a qual pode
se sobrepor aos interesses familiares. A valorização do indivíduo surge na inserção
profissional da mulher e em seu maior nível educacional, no cuidado com filhos através
de agentes sociais que implicam socialização precoce e mesmo nas formas de lazer
direcionadas mais ao indivíduo que à família. A globalização encontra-se na base
dessas mudanças, constituindo-se num processo não apenas econômico, mas
apresentando também dimensões culturais. Porém, a América Latina sofre as
conseqüências econômicas dos novos processos produtivos que geram padrões de
consumo incompatíveis com a renda da maioria da população, sujeita à instabilidade no
trabalho, sem beneficiar-se da modernidade cultural que sugere, no entanto, o fim do
poder patriarcal e a redução da importância da família (ARRIAGADA, 2000).
Na convivência em meio às transformações sociais, as pessoas passam a
construir novas relações e novas formas de vida familiar, não sendo, para isso, a
estrutura familiar um determinante tão importante quanto a própria história da família,
sua classe social, a cultura e a organização do mundo que se desenvolveu nesse
grupo. Desse modo, o contexto social afeta as práticas cotidianas da família, as
relações entre seus membros e a solicitude entre eles. A solicitude na família pode ser,
então, direcionada de forma positiva, como pelo respeito e tolerância, ou de modo
deficiente, como pela desconsideração, negligência ou mesmo impedindo o outro de
cuidar de si mesmo. Essa solicitude manifesta-se nas práticas cotidianas e nas formas
de socialização das famílias, sem uniformidade mesmo em classes sociais inseridas na
vida urbana, podendo estender-se desde uma solicitude extremamente controladora,
que reprime as expressões individuais de seus membros, criando dependência, até a
vivência da solicitude no reconhecimento da legitimidade do outro. Além disso, os
arranjos familiares experimentam, ainda, novas formas de vida conjugal e o
51
questionamento do casamento como instituição social, vivenciam a violência doméstica
e os efeitos do álcool, drogas, delinqüência e crime. Especialmente vulneráveis a essas
situações, as famílias das classes empobrecidas não podem ser responsabilizadas
pela proteção a crianças e adolescentes sem que lhes sejam disponibilizados meios
para isso (SZYMANSKI, 2002). No entanto, Rodrigues, Guedes Sobrinho e Silva (2000)
ainda consideraram que, como parte de suas competências, as famílias deveriam
prover condições materiais, emocionais e espirituais para garantir o bem-estar de seus
membros em um ambiente de convivência agradável, a fim de garantir a formação
adequada e a saúde das pessoas. Estes autores lembraram, a seguir, o papel da
sociedade na provisão de meios para a família satisfazer as necessidades de seus
membros e orientaram, entre outras coisas, que a família deve estimular o trabalho
voltado para alguma profissão, visando ter sucesso na vida e vendo o mundo de forma
positiva.
A família constitui-se, então, em um sistema único em relação a sua cultura,
estrutura, organização e funcionamento, porém interage com o meio em que se insere,
conferindo uma dinâmica a todos os seus elementos particulares através de limites
permeáveis com o mundo exterior. Abordando a família a partir de uma perspectiva
sistêmica, como um subsistema da comunidade e, por sua vez, constituída por
subsistemas, Althoff (2001) estudou o ambiente familiar identificando o fenômeno que
denominou “convivendo em família”. Esta autora verificou o “querendo viver em família”
como condição causal para o conviver em família, a partir do que se busca um espaço
para estabelecer essa convivência, no qual são constituídas maneiras de
relacionamento que implicam o estabelecimento de diálogo e relações de poder entre
os membros da família. Ao mesmo tempo em que estruturam as ligações familiares e
utilizam-se de uma estratégia para organizar a vida diária, compartilhando tarefas e
responsabilidades, as famílias constroem valores que servem de guia para o viver em
família e são transmitidos para as novas gerações. No entanto, como parte integrante
da sociedade, o grupo familiar se estabelece como parte da teia social, o que constitui a
condição interveniente na convivência familiar, através de ligações com as famílias de
origem, vizinhos, amigos, instituições sociais, entrelaçando-se em uma rede de relações
52
na qual existe interação e mesmo interdependência para a construção do conviver em
família.
4.2 O Cuidado na Família.
O cuidado foi identificado por vários autores como uma prática inserida na vida
familiar, assumindo características peculiares em diferentes épocas e culturas,
conforme as necessidades do indivíduo cuidado e as possibilidades do cuidador. Dentre
as funções da família propostas por Osório (1996) , o aspecto biológico foi dado pelos
esforços para garantir a sobrevivência de seus membros através dos cuidados
oferecidos, inicialmente aos filhos recém-nascidos e , eventualmente, aos idosos como
retribuição pelas funções cumpridas ao longo da vida. Mais que uma atividade da
família, Boff (1999, p.34) atribuiu ao cuidado a característica de ser “(...) a base
possibilitadora da existência humana enquanto humana.”
A origem da palavra cuidado pode ser identificada no latim cura, inicialmente
utilizada para expressar o cuidado em relações de amor e amizade, manifestando
preocupação e inquietação. Também de origem latina, a partir de uma versão grega, é
o mito do cuidado registrado por Higino. De acordo com este mito, o homem foi
moldado pelo Cuidado a partir do barro da Terra, recebendo seu espírito de Júpiter e
seu nome de Saturno. Assim, o homem fica entregue ao Cuidado ao longo de sua vida,
estando ligado à natureza pela Terra e, ao mesmo tempo, transcendendo-a até o divino
representado por Júpiter, enquanto tem sua identidade ligada à transitoriedade e ao
utópico, simbolizados por Saturno (BOFF, 1999).
A relação mais próxima das mulheres com a natureza, presente desde os
primórdios da divisão do trabalho entre os gêneros, favoreceu seu envolvimento com o
53
cuidado. A manipulação de recursos fitoterápicos permitiu que as mulheres
desenvolvessem conhecimentos terapêuticos diversos dos utilizados pelos homens
como religiosos e shamans (WALDOW, 1998).
Os conhecimentos adquiridos no cotidiano conviviam com as práticas mágicas e
religiosas de forma evidente desde os remotos achados paleontológicos das
civilizações egípcia e suméria. Os hebreus observavam regras práticas diversas quanto
a alimentos, prevenção de doenças infecto-contagiosas e cuidados sanitários, conforme
relatado no Antigo Testamento que se voltava principalmente para a saúde pública.
o Novo Testamento voltava-se para as curas milagrosas no âmbito individual. Este
exemplo foi seguido pelo mundo cristão na Idade Média, quando santos e relíquias
eram utilizados no tratamento de problemas de saúde a fim de conquistar mais fiéis. As
curas milagrosas possibilitavam descuidar das medidas da higiene e de outras formas
de cuidado. Entretanto, nesse período surgiram os hospitais como instituições mantidas
pela Igreja para o cuidado dos doentes (SCLIAR, 1987, 1996).
Ao fim da Idade Média, com o resgate dos conhecimentos médicos clássicos
preservados pela Igreja e pelos árabes, os cuidados com a saúde também foram
retomados, como nas orientações em versos do Regimen sanitatis salernitarum,
publicação que se popularizou na época pelo bom senso de seus conselhos para
preservar a saúde. No entanto, ainda na época das grandes navegações, os hábitos
higiênicos ainda não haviam sido incorporados pelos europeus, os quais estranhavam
os cuidado dos nativos americanos e africanos com o corpo (SCLIAR, 1996).
O contraste entre os nativos brasileiros e os europeus evidenciava-se na
literatura dos viajantes pelo relato da saúde e beleza física dos índios, os quais viviam o
cuidado desde a obtenção do sustento na natureza até a solidariedade da vida social,
mesmo os rituais antropofágicos visavam glorificar o inimigo morto e compartilhar suas
qualidades. As doenças e a escravidão introduzidas pelos europeus praticamente
extinguiram o modo de vida do indígena, cujas práticas mágicas e terapias naturais
foram preservados juntamente com os conhecimentos e rituais dos negros trazidos da
África, a salvo da perseguição movida pela Inquisição na Europa (RIBEIRO, 1995;
SCLIAR, 1987).
54
As contribuições de negros e índios para o cuidado no Brasil persistem na cultura
do país, permitindo questionamentos quanto a sua integração ao sistema de saúde
brasileiro (HELMAN, 2003). a integração das diferentes etnias presentes no povo
brasileiro evoluiu numa estratificação de classes desde a chegada dos europeus,
através da manutenção de uma prosperidade empresarial às custas das necessidades
da população (RIBEIRO, 1995). Ou seja, no Brasil o modo-de-ser-trabalho-dominação,
em sua visão do ser humano como força de trabalho para a produção e consumo,
historicamente supera o modo-de-ser-cuidado. O cuidado foi relegado a um segundo
plano, juntamente com a dimensão feminina do humano, mesmo não sendo oposto ao
trabalho, mas sendo capaz de complementá-lo com a valorização das relações
humanas e da convivência com a natureza (BOFF, 1999).
A atividade do cuidado foi definida por Leininger (GEORGE, 2000) como um
fenômeno abstrato e concreto relacionado com a assistência, o apoio ou a capacitação
de experiências ou de comportamentos para outros ou por outros com necessidades
evidentes ou antecipadas para melhorar uma condição humana ou forma de vida. O ato
de cuidar surge da incapacidade de um indivíduo para o cuidado consigo mesmo de
forma independente, assumindo uma atitude passiva diante da atividade do cuidador
(GONÇALVES, 2002).
A American Stroke Association (2002) definiu o termo caregiver, do inglês,
cuidador, como sendo a pessoa que provê cuidados diários que permitem a um
indivíduo fragilizado ou fisicamente prejudicado viver em seu domicílio apesar de sua
doença ou incapacidade.
Zimerman (2000), em um estudo sobre a velhice, considerou três diferentes tipos
de cuidadores. Os cuidadores institucionais trabalham em instituições, sendo
contratados pela família. Os cuidadores domiciliares também são contratados pela
família, entretanto trabalham na casa do paciente. Por fim, os cuidadores familiares
podem incluir quaisquer membros da família, especialmente aqueles que acompanham
o velho constantemente, devidamente treinados e supervisionados. A definição do
último grupo aproximou-se daquela de cuidador principal: a pessoa, familiar ou não,
com melhores condições de assumir responsavelmente o cuidado com o paciente,
55
apresentando possibilidades e disposição para a tarefa (CASTRO; PUERTA;
RODRÍGUEZ, 2001).
Os estudos sobre cuidado domiciliar voltam-se, atualmente, para as questões
relativas aos cuidadores, não apenas, aos indivíduos cuidados, identificando o
desconhecimento sobre as pessoas que realizam tais cuidados, porém evidenciando os
riscos para a saúde dos próprios cuidadores na realização de suas funções. O perfil
traçado por diferentes autores, trabalhando com populações diversas, foi semelhante,
mostrando uma predominância de mulheres, familiares dos indivíduos cuidados, na
quinta a sétima décadas de vida (PÉREZ et al 2001; GARRIDO; ALMEIDA, 1999;
LLEDÓS et al., 2002; SCAZUFCA, 2002).
Além do perfil demográfico, grande parte dos cuidadores, em diferentes contextos,
compartilhava uma situação de desgaste atribuída a suas atividades de cuidado,
apresentando uma série de sintomas físicos e psíquicos, no mais das vezes
subdiagnosticados.(PÉREZ et al, 2001; LLEDÓS et al., 2002; PARKS, NOVIELLI, 2000;
GONÇALVES, 2002). A Síndrome do Cuidador, nome dado a esse conjunto de
sintomas, teve origem no termo burden, utilizado na literatura anglo-saxã para identificar
os aspectos negativos da atividade do cuidador, referindo-se a situações objetivas,
como sintomas percebidos pelo cuidador, bem como a situações subjetivas, envolvendo
as limitações sociais e pessoais impostas pelo envolvimento com o ato de cuidar. Esse
conceito pode ser definido como a “presença de problemas, dificuldades ou eventos
adversos que afetam significativamente a vida das pessoas que são responsáveis pelo
paciente” (PLATT, 1985 apud GARRIDO, ALMEIDA, 1999, p. 428).
Diante do impacto a que o cuidador está sujeito, surge a necessidade de atenção
por parte dos profissionais de saúde. A identificação do nível desse impacto em cada
caso, a fim de preveni-lo, oferecendo estratégias de enfrentamento adequadas do ponto
de vista físico, psicológico e social, além do suporte técnico relativo à educação sobre
as necessidades do indivíduo cuidado, são atribuições dos profissionais de saúde
freqüentemente relegadas a um segundo plano em relação ao atendimento do próprio
paciente e, conseqüentemente, ameaçando a efetividade desse mesmo atendimento
(PARKS, NOVIELLI, 2000; CABALLERO et al., 2002).
56
A demanda por atenção e educação a serem oferecidas ao cuidador coloca-se
em um contexto de necessidade crescente na população, pelo aumento progressivo do
número de indivíduos cuidados, e de concomitante desconhecimento sobre a figura do
cuidador e dos desafios que este enfrenta diariamente. As propostas voltadas ao
atendimento das necessidades dos cuidadores consideraram essencial a participação
de equipes interdisciplinares, as quais poderiam ser baseadas nas estruturas das
unidades já existentes da rede pública (ZIMERMAN, 2000; GONÇALVES, 2002). Mas, a
implementação de quaisquer propostas nesse sentido depende do preenchimento das
várias lacunas existentes no conhecimento relativo ao cuidador familiar e seu fazer.
Cobos et al (2002) sugeriram que a abordagem da família deva ser aplicada
sistematicamente nas situações de cuidados ao paciente terminal. Para se intervir no
sentido de flexibilizar o sistema familiar quando sua estabilidade é ameaçada,
contempla-se a necessidade de conhecer a família, seu funcionamento e capacidade
de adaptação de acordo com situações prévias enfrentadas. A partir disso, a
intervenção dos profissionais de família visa favorecer a comunicação intrafamiliar
efetiva, a transição progressiva para novos papéis, a distribuição de tarefas, estimular
as capacidades do paciente para o autocuidado, reconhecer a importância do cuidador
familiar primário, identificar e executar atividades que reduzam a sobrecarga do
cuidador, manter a rotina familiar e o recebimento de apoio social interno a partir dos
membros da família e, de apoio externo, evitando o isolamento social. A informação é o
elemento central dessas intervenções, diferenciando-se quando dirigida ao cuidador
principal, cujo papel é reforçado positivamente, ou à família, estimulando a divisão de
tarefas e a valorização do cuidador principal. Em cada família são abordados de forma
específica os medos, sintomas emocionais e os riscos de claudicação familiar, ou seja,
a crise emocional com fragilização dos cuidados.
Algumas iniciativas de intervenção direcionadas à educação dos familiares
partiram da identificação de seus conhecimentos prévios, entretanto assumindo um
conceito predeterminado de “certo” e “errado em relação aos cuidados. Isso foi
realizado em um estudo cubano, onde foram avaliados os conhecimentos da família
sobre a atenção ao paciente idoso dependente e ao seu cuidador, no qual os
57
conhecimentos foram considerados inadequados em 100% dos casos antes do
programa educacional, passando a uma adequação de 85,48% após a intervenção. A
intervenção baseava-se em uma série de palestras, dinâmicas familiares e
demonstrações práticas, envolvendo os cuidados com o idoso e as relações familiares
(CABALLERO; ARROYO; GONZÁLEZ, 2002).
Já o estudo CUIDA’L, em implementação na Espanha, se propôs a avaliar a
eficácia de intervenções sobre cuidadores familiares de pacientes demenciados, a
exemplo das ões que vinham sendo executadas de forma autônoma por
profissionais de Saúde da Família de forma independente no país. A avaliação
continuada por três anos desses cuidadores através de indicadores de qualidade de
vida busca evidenciar diferenças entre um grupo controle e outro de familiares de
pacientes demenciados que será alvo de intervenção da equipe de atenção primária à
saúde. Estes últimos receberão visitas domiciliárias individuais e familiares por equipes
de profissionais da saúde, sendo incluídos em grupos de apoio com objetivo de
informar sobre a doença e seu tratamento, desenvolvendo e ensinando a utilizar os
recursos biopsicossociais disponíveis, controlar a ansiedade e conflitos gerais,
manejando pontualmente as situações de crise. As sessões grupais, inicialmente
quinzenais por quatro meses, envolverão exposição do tema, dinâmica semidirigida e
dinâmica aberta, sendo depois reforçadas com reuniões semestrais (VINYOLES et al.,
2001).
Vega, Wilson-Barnett e Razquin (2002) apresentaram a análise de um marco
conceitual para o processo de participação informal no cuidado do paciente pós-
acidente vascular encefálico (AVE). Seu estudo baseou-se em informações obtidas nas
entrevistas realizadas com pacientes pós-AVE e seus familiares, na Espanha. O marco
conceitual identificou quatro fases temporais:
a) hospitalização: da instalação do AVE aos primeiros dias de internação;
b) recuperação inicial: da estabilização do paciente até a alta;
c) alta e início do cuidado em casa: primeiros meses após a alta,
58
d) autocorreção: no quarto a quinto mês de cuidados em casa, quando paciente e
cuidadores tornam-se capazes de avaliar o cuidado.
Ao longo dessas fases, estabeleceram-se elementos comuns a todas: relações
familiares, apoio dos profissionais de saúde e delegação de autoridade dos
profissionais para os cuidadores. Outros elementos da participação informal nos
cuidados do paciente pós-AVE surgiram em diferentes momentos do processo,
representando demandas específicas percebidas pelos pacientes e familiares. Destes,
a necessidade de informação, o apoio emocional, a formação para o cuidado e o
assessoramento para a tomada de decisões quanto ao cuidado foram as principais
demandas dirigidas aos profissionais de saúde. Por outro lado, o estudo mostrou a
necessidade de desenvolver maior apoio sócio-econômico a partir de pessoas e
organizações.
Nesse sentido, Karsch (2003), considerando os cuidadores de idosos, lembrou a
importância de se desenvolver uma rede de organizações, sob forma de cuidado
comunitário, que apoio ao idoso, ao cuidador e a familia. Tais iniciativas receberam
investimentos públicos nos Estados Unidos e Europa, pois estudos já identificaram a
existência de redes informais de apoio como a principal fonte de suporte a idosos
(LECHNER; NEAL, 1999 apud KARSCH, 2003).
4.3 Redes de Apoio Social e os Itinerários de Cura e Cuidado.
Tanto na busca por cuidados à saúde como na própria aquisição do saber
relacionado ao cuidar, a rede de apoio social tem um papel importante, identificado
pelos próprios cuidadores na relevância dada ao envolvimento de outros familiares no
cuidado (DESSEN; BRAZ., 2000; SENA et al., 2000). A existência de uma rede de
59
apoio social é valorizada como um fator contribuinte para o bem-estar do cuidador,
permitindo que o cuidador principal tenha oportunidades para evitar o isolamento social,
dedicar-se aos seus papéis familiares conjugais e parentais, e mesmo cuidar da própria
saúde (PARKS, NOVIELLI, 2000; GONÇALVES, 2002).
O conceito de rede é utilizado tanto nos estudos sobre família como naqueles
dirigidos ao cuidado. Tal conceito insere-se numa epistemologia sistêmica, na qual
priorizam-se os princípios básicos de organização do todo e não suas partes, pois os
sistemas naturais constituem-se em totalidades integradas cujas propriedades não
podem ser apreendidas através de sua redução a partes menores como propõe a
abordagem cartesiana. Seja o sistema uma galáxia, uma célula ou uma organização
social, sua estrutura é caracterizada pelas relações e interdependência entre suas
partes de forma dinâmica (CAPRA, 1996).
O pensamento sistêmico entende o universo como uma rede dinâmica e
interligada de relações a partir das descobertas da teoria da relatividade e da física
quântica no início do século XX (CAPRA, 1996). A abordagem sistêmica desenvolveu-
se também na biologia, matemática e ciências sociais, entre outros ramos do
conhecimento que contribuíram para Norbert Wiener propor, na década de 1940, uma
nova ciência que denominou cibernética, a qual trataria dos processos que controlam a
comunicação, tanto em animais como em máquinas, voltando-se especialmente para
padrões dessa comunicação que geram laços fechados e redes (CAPRA, 2001).
Um observador ao tomar como objeto as correlações de condutas de ação de um
grupo de seres vivos, identifica um sistema social como resultante das interações
recorrentes entre tais seres vivos, constituindo uma rede na qual suas características
como seres vivos estão estabelecidas pela participação na rede, existindo em relação
com a manutenção da própria rede, conservando sua organização e adaptação. Os
diferentes sistemas sociais caracterizam-se pela rede de interações que realizam, seus
componentes são selecionados e mantidos na medida em que realizam as condutas
características do sistema em questão. Portanto, os sistemas sociais são
conservadores de suas características. Ao mesmo tempo, as sociedades são
dinâmicas, modificando-se pela perda e incorporação de membros ou pela mudança na
60
conduta de seus membros, o que pode gerar uma mudança no sistema em si
(MATURANA, 2002).
Os sistemas sociais, enquanto formados por seres humanos em seu modo de
viver, são constituídos no que Maturana (2002) definiu como conversação, ou seja, o
fluir do emocionar e do linguajar nas interações dos componentes do sistema ao
coordenarem suas condutas. O autor considerou como sistemas sociais aqueles
sistemas de convivência baseados no amor. Amor, neste sentido, é uma condição de
aceitação recíproca e dinâmica que surge espontaneamente entre seres vivos. A partir
do amor surgem a socialização e os fenômenos sociais. Outros sistemas de
convivência não constituídos sob a emoção do amor não são sistemas sociais. Isto se
com sistemas de trabalho, cujos membros associam-se pelo compromisso para a
realização de uma tarefa, e com sistemas hierárquicos, espaços configurados por uma
relação de ordem e obediência.
A família pode, então, ser descrita como um sistema social no entendimento de
Maturana, onde o mecanismo básico de interação é a linguagem, através da qual seus
membros adaptam-se mutuamente num acoplamento estrutural dinâmico através de
uma história de interações que constitui as características do sistema. Ou, conforme
Capra (2001, p. 172), “(...) uma rede de conversas que exibe circularidades inerentes
(...)”, construindo um conjunto de crenças, explicações e valores partilhados por seus
membros, o que define suas fronteiras com o restante da sociedade. No entanto, tal
fronteira, assim como os papéis dos membros da família, é objeto de constante
produção e negociação entre estes. Portanto, os papéis familiares e os laços de
parentesco podem variar em função do tempo, da cultura e da história da própria
família, caracterizando-a como um sistema conceitual, mas não necessariamente um
sistema biológico, onde os papéis dos componentes são objetivos e não negociáveis.
Assim como as fronteiras da família são variáveis, as fronteiras do indivíduo
podem, arbitrariamente, ser redefinidas para incluir a família em suas diferentes
configurações e diversas outras relações sociais até a inclusão de todos os vínculos
estabelecidos com outras pessoas que inserem o indivíduo no meio social. Essa rede
social é um território de conversação compartilhado, organizado em torno do consenso
61
entre seus membros, definido por Sluzki (1997, p. 41) como “a soma de todas as
relações que o indivíduo percebe como significativas ou define como diferenciadas da
massa anônima da sociedade”.
Ribeiro (2000) ressaltou a polissemia da noção de rede, compreendida ou como
instrumento analítico direcionado a objetos específicos ou como forma social. Mesmo
quando abordada especificamente sob o aspecto de forma social, a noção de rede na
atualidade passou a identificar predominantemente formas de organização social, ao
contrário de seu sentido clássico indicativo das relações interpessoais que estruturam o
tecido social. As redes enquanto organizações sociais tendem a uma ação técnica e
instrumental hegemônica, visando a sistematização e burocratização da vida social.
Contrariamente à rede como organização social, nas classes populares as redes
sociais existentes visam a defesa de sua sobrevivência, antagonizando as ameaças do
capitalismo e das práticas de controle das populações das periferias. Nas redes sociais
desenvolve-se o apoio social constituído por “(...) qualquer informação, falada ou não,
e/ou auxílio material, oferecidos por grupos e/ou pessoas que se conhecem, que
resultam em efeitos emocionais e/ou comportamentos positivos” (VALLA, 2000, p. 41).
Essa concepção de rede na qual se o apoio social aproxima-se do conceito de
sistema social baseado no amor de Maturana (2002) ao implicar a reciprocidade do
processo, com benefícios tanto para quem recebe quanto para quem oferece o apoio,
permitindo que ambos tenham maior controle sobre suas vidas e maior compreensão
da necessidade que cada componente da rede tem do apoio dos outros para a
manutenção de sua coerência estrutural para com o meio (MINKLER, 1985 apud
VALLA, 2000).
Teixeira (2002) apontou para a necessária diferenciação entre rede social e
apoio social, sendo que o apoio pode ou não ser provido pela teia de relações que
constitui a rede.
O apoio provido pela rede social pode assumir diferentes formas de acordo com
as funções da rede, estas são definidas pelo tipo de intercâmbio interpessoal mais
intensamente dirigido ao membro que é objeto desse apoio. Sluzki (1997) citou de
62
forma sintética as seguintes possíveis funções da rede: companhia social, apoio social,
apoio emocional, guia cognitivo e conselhos, regulação social, ajuda material e de
serviços, acesso a novos contatos.
Ao exercerem determinadas funções, as redes oferecem apoio que as capacitam
a atuarem como mediadoras em situações de estresse, contribuindo para a
manutenção ou favorecendo a recuperação da saúde (VALLA, 2000).
A influência das redes e do apoio social sobre a saúde contempla uma
concepção sistêmica de saúde, privilegiando seu aspecto dinâmico, a partir da
concepção sistêmica de vida. Nesse sentido, a saúde de um organismo vivo demanda
uma flexibilidade deste sistema vivo em suas relações para com os diversos sistemas
nos quais está inserido em seu meio, sejam físicos, sociais, econômicos ou ambientais,
de forma a adaptar-se às mudanças no meio que é, por sua vez, influenciado pelas
mudanças no organismo. Assim, a doença pode ser compreendida como a perda da
integração do organismo levando a sintomas como manifestação biológica desta
desintegração (CAPRA, 1996).
Como as redes sociais, incluindo a família, contribuem para a definição das
fronteiras do indivíduo e participam de suas relações com o meio, evidencia-se a
influência das redes sociais para a manutenção e recuperação da saúde das pessoas.
Por sua vez, as condições de saúde da pessoa influenciam a situação de sua rede
social. Dessa reciprocidade surgem círculos virtuosos, nos quais a rede é mobilizada
em uma contribuição positiva para a saúde, ou círculos viciosos, nos quais doenças e
limitações crônicas produzem efeitos negativos, contribuindo para a desintegração da
rede (SLUZKI, 1997).
Sluzki (1997) citou pesquisas que demonstraram a influência das redes sociais
sobre a saúde, considerando que a rede pode afetar favoravelmente a saúde da pessoa
através dos seguintes processos:
a) a presença de figuras familiares atenua a reação de alarme, o estresse diante do
desconhecido como nas situações de doença;
63
b) as relações sociais dão sentido e estimulam ações para o cuidado com a saúde,
ajudam a continuar vivendo;
c) a rede é ativada pelos problemas de saúde da pessoa, podendo sugerir a busca de
soluções;
d) atividades de cuidado com a saúde têm sua prática favorecida pela rede, como
dieta, uso de medicamentos ou exercício.
A medicina da família, utilizando uma abordagem sistêmica, reconhece a
importância da influência das relações familiares e sociais para a manutenção da
saúde, a recuperação mais rápida de doenças e maior longevidade. Os mecanismos
pelos quais essa inflncia se dá podem incluir pelo menos as seguintes vias:
a) via biológica direta: propagação de doenças infecciosas em membros da mesma
família, exposição aos mesmos agentes tóxicos ambientais, presença de uma carga
genética comum entre familiares;
b) via comportamentos de saúde: estilo de vida e cuidados de saúde são
compartilhados e influenciados pela família;
c) via psicofisiológica: as conseqüências fisiológicas de mudanças cognitivas e
emocionais influenciadas pelas relações familiares podem influenciar o estado de saúde
física e os resultados de problemas de saúde (CAMPBELL; McDANIEL, 2001).
A medicina de família ou medicina geral e familiar é uma especialidade médica
clínica voltada para a atenção primária à saúde. Os médicos de família dedicam-se à
prestação de cuidados continuados, de forma abrangente, sem limitarem seus
pacientes de acordo com sexo, idade ou problema de saúde, de modo a respeitar a
autonomia destes, atuando no contexto das famílias, suas comunidades e culturas
(WONCA EUROPA, 2002). Portanto, os médicos de família assumem uma posição
privilegiada para identificar estresses e problemas familiares capazes de influenciar a
saúde do indivíduo, sendo possível orientar tais tensões e reforçar os suportes sociais
disponíveis no sentido de afetar positivamente as situações de saúde-doença em uma
integração biopsicossocial (CAMPBELL, 1997).
64
Segundo um modelo biopsicossocial, no processo de adoecer o indivíduo sofre
um estresse, determinado por ou determinante do seu problema de saúde, ao qual
podem se somar outros fatores de estresse da sua experiência de vida. Uma vez que o
fator de estresse seja considerado ameaçador, será gerado um desequilíbrio
psicossocial. Nesse momento, o indivíduo se voltará para recursos reparadores: sociais,
familiares, culturais, religiosos, serviços de saúde e outros, de modo a gerar uma
adaptação. Estando disponíveis tais recursos, a adaptação poderá ser reparadora,
reintroduzindo o indivíduo a um equilíbrio psicossocial. Na indisponibilidade de recursos
reparadores, gera-se uma crise com a utilização de recursos paliativos e uma defesa de
adaptação ou inadaptativa, o que pode manter o indivíduo na situação de desequilíbrio
psicossocial (SMILKSTEIN, 1997).
A abordagem psicossocial na medicina desenvolve-se em um momento no qual
a prática clínica é beneficiada por inúmeros recursos tecnológicos, ao mesmo tempo em
que fica impotente diante dos problemas de comunicação entre médico e paciente,
gerando processos diagnósticos por vezes frustrantes ou mesmo iatrogênicos, a partir
dos quais são propostas terapêuticas freqüentemente não consensuais, caras e de
efetividade duvidosa. Tesser e Luz (2002) denominaram as tensões e dilemas
envolvidos na prática da biomedicina de crise de harmonia.
Estes autores atribuíram a crise de harmonia da biomedicina à postura
epistemológica hegemônica na ciência, a qual se baseia na noção positivista de uma
realidade objetiva passível de ser representada fielmente a partir da cognição. A
biomedicina, de forma errônea, reifica as doenças, as quais devem ser entendidas não
como entidades definidas, mas como construtos do relacionamento médico-paciente
que admitam situações não previamente estabelecidas na nosologia existente, sendo
tais situações normalmente ignoradas como erros, anomalias, idiossincrasias, num
processo de cegueira diagnóstica.
Uma alternativa possível diante do atual processo de desumanização e
tecnificação da biomedicina, segundo Tesser e Luz (2002), seria adotar uma
perspectiva epistemológica co-construtivista. O co-construtivismo entende a realidade
como o produto da interação do homem com o mundo, impossibilitando um acesso ao
65
conhecimento puro de uma realidade objetiva, mas incorporando as características
estruturais do observador ao conhecimento que este constrói em um processo de
cognição interagindo com o mundo que o cerca. Assim, a medicina teria a interpretação
biomédica como uma abordagem das doenças e da terapêutica entre outras possíveis a
serem co-construídas com as pessoas que ficam doentes, abrindo-se para as diferentes
práticas de cura existentes na sociedade e para as experiências dos pacientes que não
se enquadram nos diagnósticos pré-estabelecidos do instrumental teórico biomédico
vigente.
Helman (2003) compreendeu a experiência que a pessoa tem do problema de
saúde como envolvida num modelo conceitual que significado à doença (illness),
sendo esse modelo parte da cultura em que a pessoa vive. Ao buscar auxílio médico
para a situação de doença, o paciente tem suas queixas subjetivas identificadas como
sintomas que devem ser relacionados com alguma causa física a ser investigada
através de dados objetivos do exame físico e de exames complementares. A partir
disso, o médico busca identificar um desvio dos valores estabelecidos como normais
para os achados sicos e bioquímicos, indicando uma anormalidade do organismo em
sua estrutura e/ou funcionamento, o que ele define como enfermidade (disease), com
características universais, independente do contexto pessoal, social e cultural em que
surge. As formas de compreender um problema de saúde enquanto illness ou disease
divergem quanto ao modo de definir saúde e doença, quanto ao entendimento de como
o organismo funciona e de como a doença altera esse funcionamento.
Conseqüentemente, estabelecem-se perspectivas divergentes quanto a etiologias e
tratamentos adequados para as doenças.
Mesmo que a literatura médica costume basear-se na noção de o saber médico
cientificamente autorizado ser tão somente reproduzido pelas pessoas em seu contexto
sócio-cultural, as próprias crenças e valores médicos foram criados em resposta às
doenças de modo socialmente organizado. Sob qualquer ponto de vista, seja médico ou
leigo, a experiência da doença apresenta aspectos individuais e coletivos, constituindo-
se não apenas no sofrimento pessoal, mas estabelecendo-se como uma realidade
social. A maneira como o processo saúde-doença é abordado em um determinado
66
contexto determina um modelo explicativo, ou seja, a enfermidade é alvo de uma série
de proposições ou generalizações, sejam explícitas ou tácitas, no meio social em que
ocorre (ALVES, 1993).
No entanto, a experiência não constitui isoladamente a enfermidade. As
sensações de mal-estar que o organismo desenvolve no processo de adoecimento são
inicialmente heterogêneas e desconexas, sem um significado próprio. As percepções
isoladas dos sintomas devem ser, então, organizadas em um todo coerente, dotado de
significação. O significado sempre é construído subjetivamente de forma a ser dirigido
para alguém, a partir do que pode ser interpretado como real nas interações cotidianas
dos membros da sociedade. Ou seja, o mal-estar individual é concretizado em
enfermidade socialmente reconhecida na comunicação e interação com os semelhantes
que legitimam seu significado sócio-cultural (ALVES, 1993).
A enfermidade desenvolve-se a partir da subjetiva experiência do mal-estar como
um construto intersubjetivo dos processos de comunicação com outras pessoas,
envolvendo não apenas os significados cio-culturais atribuídos à experiência, bem
como as maneiras de lidar com a enfermidade criadas pelo doente e pelas pessoas de
suas relações envolvidas no processo. As respostas que os envolvidos no processo de
enfermidade dão aos problemas identificados fazem parte de um conjunto de práticas,
crenças e valores comuns que o formulados, reproduzidos e transmitidos através de
receitas, conselhos e proposições genéricas socialmente compartilhados (ALVES;
RABELO, 1999).
Rabelo (1993) identificou entre os terapeutas religiosos a necessidade de agir
sobre as percepções do doente e seus familiares em relação ao significado da doença
e da terapia, o que acontece ao longo de um processo contínuo de negociação desses
significados. Essa negociação se quando as pessoas passam a confrontar e
reinterpretar os símbolos adquiridos nos cultos religiosos de acordo com seus próprios
fins e interesses, ao mesmo tempo em que têm suas atitudes e percepções cotidianas
influenciadas pela religião. Portanto, o sucesso da cura nos cultos religiosos é um
produto de fatores envolvendo desde a história natural da doença, a visão de mundo
67
proposta pela religião até o contexto onde a pessoa age em seu evento de doença,
ressignificando-a.
O reconhecimento social deve ser atribuído ao terapeuta tanto quanto a doença
para possibilitar o sucesso do projeto terapêutico proposto. Somente aquelas pessoas
socialmente reconhecidas como aptas para conduzirem determinado ritual objetivando
a cura são capazes de construir junto com o doente uma explicação para sua
enfermidade. O sofrimento pode se tornar tolerável, mesmo não curado, quando deixa
de ser arbitrio e passa a integrar a história do paciente. As benzedeiras são um
exemplo de figura dotada de um papel social atribuído pelo reconhecimento do grupo
que lhe outorga as funções de cura, destinando seus rituais não apenas ao cliente, mas
também ao grupo, pois o sucesso da cura reforça o grupo em seu universo simbólico. O
reforço das idéias compartilhadas pelo grupo e a introdução da doença na história do
paciente formam um sistema integrado e coerente criado graças ao papel social
ocupado pelo terapeuta (QUINTANA, 1999).
Na benzedura, como noutras tradições de cura e cuidado, uma linguagem é
construída, indo ao encontro da necessidade humana de ordenar e interpretar a
realidade ao selecionar quais aspectos desta devem ou não ser significativos
(QUINTANA, 1999). Essas linguagens comuns construídas nas manifestações sociais
envolvendo o processo saúde-doença são representações sociais, formas de
conhecimento socialmente elaboradas para servirem à comunicação em um grupo que
partilha funções simbólicas e ideológicas. As representações sociais envolvem tanto
conteúdos estáveis como dinâmicos, combinando conteúdos antigos mantidos pelas
pressões do grupo com produtos da ciência e cultura transmitidos pela mídia. O
conhecimento prático estabelecido pelas representações sociais em sua diversidade e
contradição serve a funções sociais, afetivas e cognitivas. Desse modo, acontecimentos
estranhos podem ser inseridos nas representações preexistentes, sendo concretizados
pela objetivação de modo a serem transformados em novos elementos da realidade,
paralelamente são elaboradas estratégias para preservar as identidades ameaçadas
pelos novos eventos, sejam coletivas ou individuais (SPINK, 1993).
68
A seqüência do estabelecimento das representações sociais é partilhada pelo
processo saúde-doença, enquanto representação social. No processo denominado
itinerário terapêutico o doente e seu grupo social procedem à escolha, avaliação e
utilização ou não de determinada terapêutica, influenciados por seu contexto sócio-
cultural. As primeiras teorias voltadas para os itinerários terapêuticos, denominados
comportamento do enfermo (illness behavior) baseavam-se na idéia de uma avaliação
das escolhas em termos de custo-benefício, adotando uma orientação individualista e
pragmática segundo a qual as pessoas buscam satisfazer suas necessidades
racionalmente. Novos estudos enfatizaram a identificação de aspectos culturais e
cognitivos dos pacientes em relação à utilização dos serviços de saúde, incluindo uma
interpretação coletivista ligando a satisfação das necessidades aos condicionantes
financeiros. Estes últimos estudos utilizaram a racionalidade do modelo biomédico para
explicar as escolhas envolvidas nos itinerários terapêuticos (ALVES; SOUZA,1999).
Considerando uma sociedade complexa, com alternativas de recursos bastante
diversas conforme o contexto, Oliveira e Bastos (2000) citaram a classificação de
Kleinman para alternativas de assistência à saúde em três categorias: informal, popular
e profissional:
A informal, que corresponde ao campo leigo, compreende o auto-tratamento ou auto-
medicação, o conselho ou tratamento recomendado por um parente, amigo, vizinho,
grupos de auto-ajuda; aqui a família é o principal agente de cuidados. No auto-
tratamento, atua um sistema de crenças sobre a estrutura e funcionamento do corpo, a
origem e natureza das doenças, incluindo a prescrição, tratamento e modos
considerados corretos de evitar o adoecimento. A alternativa popular compreende os
tipos de curandeiros que existem em todas as sociedades, e seus métodos específicos
de cura. Finalmente a instância profissional compreende as profissões regulamentadas
como médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, etc (KLEINMAN, 1980 apud OLIVEIRA;
BASTOS, 2000).
69
Os estudos sobre redes sociais influenciaram as concepções sobre itinerários
terapêuticos a partir da década de 1970, atribuindo maior importância aos fatores
cognitivos e interativos do processo, especialmente quando estão disponíveis opções
terapêuticas diversas sem fronteiras definidas entre si, estabelecendo um pluralismo
médico (ALVES; SOUZA,1999).
As diferentes teorias sobre itinerários terapêuticos utilizam-se de conceitos pré-
estabelecidos para explicar os itinerários como regularidades da conduta humana,
perdendo de vista a complexidade circunstancial e dialógica na qual as pessoas
buscam resolver seus problemas de saúde. O curso das ações realizadas para tratar o
sofrimento constitui o itinerário terapêutico, porém este não segue um plano concebido
previamente. Ao longo da cadeia de eventos desencadeada no itinerário terapêutico,
cada ação é escolhida de acordo com um resultado esperado, mas apenas ao pôr em
prática a ão a pessoa poderá interpretar seus efeitos e discuti-los. Portanto, o
itinerário terapêutico constitui uma unidade somente de um ponto de vista retrospectivo,
interpretando-se uma série de atos fragmentados para lhes dar coerência. Essa
construção não é feita individualmente, mas sim com a participação da rede social do
doente mobilizada no processo, a qual legitima os tratamentos utilizados (ALVES;
SOUZA,1999).
O itinerário terapêutico percorrido ao longo da rede social não tem um caráter
linear. Pelo contrário, no diálogo com os outros envolvidos em seu processo de
adoecer, a pessoa constrói sua identidade de doente e passa a negociar, compartilhar
informações e reconstruir os significados dos diferentes tratamentos. As próprias redes
estabelecidas são transitórias, sendo influenciadas pela percepção da doença ao
mesmo tempo em que ressignificam essa percepção em processos de negociação
recorrentes (SOUZA, 1999).
O doente permanece como o centro do itinerário terapêutico ou, como Helman
(2003) denominou, rede terapêutica, através do qual relaciona-se com as três
alternativas de assistência à saúde. A utilização das alternativas acontece tanto em
seqüência quanto paralelamente enquanto o itinerário percorre as conexões da rede,
desde os conselhos familiares, passando por vizinhos, amigos, curandeiros de
70
diferentes tipos e pelo sistema de saúde formal. Ainda segundo Helman (2003), as
escolhas realizadas levam em conta o que faz ou não sentido em termos de
diagnósticos e tratamentos oferecidos pelos diferentes subsistemas utilizados.
No entanto, as opções feitas no itinerário terapêutico podem levar a projetos
terapêuticos discordantes ou mesmo contraditórios, sem que sua combinação faça
sentido fora da negociação intersubjetiva dos significados de doença e cura na rede
social do doente. Essa negociação cria uma imagem para embasar a escolha do que
deve ser o tratamento mais adequado, projetando um curso futuro para a realidade
exterior, mesmo que a alternativa escolhida aborde o sofrimento de acordo com um
modelo explicativo completa ou parcialmente desconhecido pelo indivíduo (ALVES;
SOUZA,1999).
Assim, um cliente de uma benzedeira pode já ter procurado um tratamento
médico, associando a benzedura para garantir que o primeiro funcione. Mesmo a
benzedeira acaba por buscar auxílio médico para si ou para seus familiares em
algumas situações, enquanto recorrem a rezas e receitas de ervas em outras ocasiões
e inclusive criticam os tratamentos médicos para seus clientes como uma forma de
demonstrar sua autoridade no tratamento das doenças. A coexistência de crenças
simultâneas, e mesmo incompatíveis, não se limita à benzedura, fazendo parte de
todas as camadas sociais, mesmo que de forma mais explícita nos grupos populares.
Evidencia-se nessa aparente contradição a tentativa de superar a fragilidade humana
diante de situações que não podemos influenciar. Ainda que diante de uma situação
impossível de modificar, as pessoas podem tomar atitudes para atingir seus objetivos,
apesar de saberem que não têm qualquer controle sobre seus fins (QUINTANA, 1999).
A doença relaciona a ordem biológica e a ordem social, fazendo com que as
pessoas busquem não apenas uma causa, como proposta pela biomedicina, mas
também um sentido integrado a sua história. As concepções de saúde e doença
legitimadas em um determinado grupo social refletem essa integração entre biológico e
social. Sartori (2002) verificou, ao estudar mulheres de uma comunidade de assentados
rurais, que o considerado “normal” relaciona-se não apenas com sinais e sintomas, mas
71
inclui a capacidade de realizar atividades cotidianas, como o trabalho no campo para o
homem, as brincadeiras para a criança e o cuidar da casa para a mulher.
Sartori (2002) observou que, uma vez percebendo-se o comprometimento da saúde
conforme as representações sociais vigentes, as soluções buscadas passavam quase
sempre pelas alternativas da medicina familiar, da medicina oficial e da medicina
religiosa. A família colocava-se invariavelmente no início do processo a partir do
diagnóstico que classifica as doenças em graves ou leves. Uma vez consideradas leves
ou rotineiras as doenças eram passíveis de tratamento familiar, fruto de experiências
comuns acumuladas por uma rede de relações. Estas alternativas familiares eram
consideradas mais lentas, porém mais saudáveis que os recursos formais, sem, no
entanto, contraporem-se aos últimos, mas complementando-os na maioria das vezes. A
medicina oficial costumava ser um recurso secundário na comunidade estudada, não
sendo questionada sua capacidade para tratar as “doenças de médico”, ainda que os
médicos pudessem ser criticados quanto ao seu procedimento pessoal se a cura não
fosse obtida. O uso da medicina religiosa, no mais das vezes a benzedura, se
justificava em casos de doenças reconhecidas como não sendo dos médicos (mau
olhado, cobreiro, bronquite etc) ou após falha no tratamento da medicina oficial. As
benzeduras, a exemplo da medicina oficial, também eram avaliadas de acordo com os
resultados obtidos. Se estes não fossem satisfatórios, poder-se-ia fazer o caminho
inverso e buscar o tratamento médico.
No âmbito familiar, a mulher mantém o controle do cuidado, sendo referência nas
questões de saúde, adquirindo o saber no contato com outras mulheres e difundindo-o
a partir da família para seu grupo social (BUDÓ, 2002). Tezoquipa, Monreal e Santiago
(2001) identificaram o modelo de autocuidado praticado pelas mulheres nos domicílios,
ao qual chamam medicina doméstica, como resultante de uma integração da cultura
popular e da medicina formal, aplicado na prática baseando-se em experiências prévias
avaliadas de forma pragmática, objetivando o bem-estar próprio e dos familiares.
Os cuidados em saúde e a mobilização das redes sociais a partir da família estão
centrados na mulher. Especialmente, as práticas populares de saúde como a fitoterapia
são utilizadas e divulgadas pelas mulheres em seu meio familiar e social ao buscar
72
ajuda ou informações em situações de saúde-doença, o que por sua vez contribui para
o estreitamento das relações dos membros da rede social (GUEDES et al, 1996).
73
5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E ÉTICOS
5.1 Procedimentos Metodológicos
A ciência pretende representar a realidade a partir da cognição de forma objetiva
(TESSER; LUZ, 2002). Na busca por imagens fiéis da realidade, a ciência desconfia
dos sentidos, embasando-se numa linguagem específica para representar a natureza.
O discurso científico define-se superior a outras formas de representação da realidade,
alegando não conter dogmas em seus resultados, pois suas representações
caracterizam-se por serem provisórias: as teorias vigentes são hipóteses ainda não
refutadas. No entanto, para manter a especificidade do discurso científico, o dogma se
estabelece no método. Os fenômenos que se prestam à abordagem pelo método
científico são definidos como científicos, ou seja, reais. Outros fenômenos, que estejam
além da capacidade de verificação do método científico, são definidos como não-
científicos, sem interesse para a representação científica da realidade. A linguagem
científica costuma aderir mais facilmente aos fenômenos quantificáveis em razão de
seu método (ALVES, 2003).
As tentativas de estudar as facetas não-quantificáveis da realidade constituem as
pesquisas qualitativas. As pesquisas qualitativas costumam ser criticadas quanto a sua
cientificidade pela imprecisão que lhes é característica, admitindo a impossibilidade de
representar objetivamente uma realidade externa, e por suas conclusões não serem
generalizáveis além de um dado contexto. Porém, avançam à medida que estabelecem
condutas mais precisas para sua orientação a cada passo e abordam uma porção
significativa do que é real. Essa realidade não-quantificável compreende os motivos
74
pelos quais as pessoas agem, inclusive pelos quais fazem ciência (ALVES, 2003;
MINAYO, 1994).
O estudo que propusemos buscava mapear os itinerários de cura e cuidado
desenvolvidos nas redes sociais das famílias atendidas pelo Programa Saúde da
Família (PSF), a partir da compreensão de como os itinerários eram construídos nas
redes sociais estabelecidas por essas famílias.
As famílias, incluindo seus membros cuidadores e sob cuidados, constituem-se
em sistemas sociais cujas relações são estabelecidas através de redes sociais. As
redes sociais são, por sua vez, sistemas de conversações nos quais se criam
consensos, inclusive no tocante aos comportamentos frente ao processo saúde-
doença. As narrativas criadas ao longo do processo de adoecer, a partir do contexto
sócio-cultural das famílias e suas redes, contribuem para a realização de determinadas
escolhas visando resolver os eventos de doença, possibilitando a reconstrução de um
itinerário de cura e cuidado ao se resgatar a seqüência de ações desenvolvidas e seus
significados nesse processo (MATURANA, 2002; SLUZKI, 1997; ALVES, 1993).
Desse modo, nosso estudo demandava um método qualitativo para que nos
aprofundássemos no conjunto dos significados das ões empreendidas nos itinerários
de cura e cuidado, os quais eram desenvolvidos através das relações humanas
compreendidas pelas redes sociais (MINAYO, 1994).
Para se compreender um fenômeno na visão da ciência, seja qualitativa ou
quantitativamente, a explicação científica envolve não apenas descrever o fenômeno
em questão, mas, essencialmente, propor um mecanismo que possa gerá-lo. Mais
ainda, o mecanismo proposto deve ser aplicável para a explicação de outros
fenômenos observáveis. O mecanismo explica o que acontece com o sistema que
constitui o fenômeno com base na estrutura do fenômeno, isto é, com base nas
relações entre seus componentes. Assim, o que acontece com o sistema do fenômeno
gerado pelo mecanismo proposto depende dos componentes que fazem parte da
estrutura do fenômeno observado (MATURANA, 2002).
75
Ao descrever e propor mecanismos para um sistema, devemos definir o que se
considera como significativo para os propósitos do estudo. Isso implica um processo de
recorte do sistema a partir do conjunto de sistemas supra-ordenados que incluem o
sistema estudado, a partir do conjunto de sistemas subordenados que fazem parte do
sistema estudado e, do conjunto de sistemas intersectantes que compartilham apenas
alguns elementos com o sistema estudado. As margens estreitas, para que esse
processo não resulte exaustivo ou pouco representativo, especificam os limites do
sistema estudado. Tais limites são estabelecidos pelo observador que identifica quais
os componentes, relações e qualidades do sistema são pertinentes ao estudo. Desse
modo, o observador passa a estar, ele mesmo, incluído no sistema (SLUZKI, 1997).
As definições desses parâmetros no estudo por nós proposto implicava, portanto,
uma delimitação dos sistemas estudados. Isso se tornava possível a partir da
compreensão da realidade sócio-cultural na qual os sistemas se incluíam. Assim, o local
de realização preferencial do estudo era o próprio contexto onde se dava o fenômeno
observado (PATRÍCIO, 1999). Neste caso, a escolha recaiu sobre as famílias do bairro
da Barra do Rio em Balneário Camboriú SC. Tal escolha partiu de nosso trabalho
como dico do Programa Saúde da Família na equipe do bairro da Barra do Rio
desde 2002, o que levou à realização de uma pesquisa sobre itinerários de cura e
cuidado na localidade através do Programa Integrado de Pesquisa Pós-Graduação e
Graduação (PIPG) denominada: “Riscos Potenciais à Saúde em Itinerários de Cura e
Cuidado Observados por Agentes de Saúde que Visitam Famílias com Pessoas sob
Cuidados Domiciliares” (SILVA; SCHOLZE; FAGUNDES, 2004). Tais fatores
contribuíram para nosso conhecimento prévio sobre a comunidade local. Além disso,
dentre os campos de estudo cogitados, este apresentava maior facilidade de acesso
para os pesquisadores que faziam parte do projeto articulado de mestrado no qual se
incluía nosso projeto.
Diante da complexidade inerente ao fenômeno estudo e suas múltiplas conexões
com o contexto das relações humanas na comunidade, o referencial metodológico
escolhido foi o Referencial Holístico-Ecológico (PATRÍCIO, 1999). Utilizando esse
referencial pesquisamos os itinerários nas redes sociais, identificando suas
76
possibilidades para o viver saudável. Dentre as técnicas compreendidas por esse
referencial, a abordagem do contexto específico das redes sociais das famílias da Barra
do Rio permitia a opção pelo estudo de caso.
A pesquisa de referências bibliográficas para um embasamento teórico,
envolvendo teorias e estudos prévios relacionados com os temas: família, cuidador,
redes sociais, apoio social e itinerários de cura e cuidado, constituiu um primeiro
momento do estudo. Essa revisão bibliográfica foi utilizada tanto para o PIPG quanto
para o projeto de pesquisa da dissertação.
Uma vez iniciada essa introdução ao trabalho de campo, desenvolveu-se a
entrada no campo, visando reconhecer o local de estudo, identificando e contatando os
sujeitos a serem envolvidos no estudo (PATRÍCIO, 1999). A amostragem no sentido
qualitativo visava contemplar a inclusão de informantes representativos do fenômeno
investigado (DESLANDES, 1994).
A entrada no campo se deu na realização da pesquisa do PIPG, precedida da
apresentação do projeto para a coordenação da Unidade Básica de Saúde da Barra do
Rio, a fim de obter seu consentimento para a realização do estudo. A população do
estudo do PIPG se constituiu de seis Agentes Comunitários de Saúde (ACS) que
atuavam na equipe do PSF. Foram entrevistadas em nossa amostra quatro ACS, pois
os outros dois estavam em férias no período disponível para realização das entrevistas,
sendo que o ACS da microárea que incluía as praias de Taquaras e Laranjeiras não
seria a princípio um informante da pesquisa em virtude da localização da microárea
potencialmente implicar uma diferença importante em relação ao acesso aos itinerários
de cura e cuidado comuns aos moradores do bairro da Barra.
As ACS que participaram da pesquisa do PIPG foram entrevistadas
individualmente, em um dos consultórios dicos do Posto de Saúde da Barra, ao final
de suas atividades de trabalho no período da tarde. Realizamos entrevistas semi-
estruturadas, que foram gravadas em fita cassete mediante consentimento verbal das
ACS, posteriormente transcritas e digitadas pelo pesquisador. A análise das entrevistas
do PIPG seguiu uma adaptação do modelo de descrito por Minayo (1994), no qual os
77
dados coletados foram submetidos às técnicas de descrição dos depoimentos,
avaliação dos mesmos, categorização de possíveis temáticas e discussão dos
discursos identificados à luz de referencial pertinente à temática.
Na pesquisa do PIPG, as observações no campo foram realizadas de forma
simples pelo pesquisador, durante suas atividades na equipe do PSF da Barra, tanto na
Unidade Básica de Saúde, quanto em visitas domiciliárias, sendo sistematizadas
somente no momento da transcrição dos resultados, juntamente com as entrevistas. A
coleta de material sob forma de documentos escritos foi realizada pela bolsista do
projeto. Os documentos utilizados incluíram material disponível:
a) nas Secretarias Municipais de Balneário Camboriú: Obras, Turismo e Saúde;
b) condensados dos relatórios do Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB)
das microáreas dos ACS da Barra do Rio participantes do estudo relativos ao período
do trabalho de campo;
c) obras sobre Geografia e História com informações sobre o local do estudo
encontradas na Biblioteca da UNIVALI.
O relatório resultante desse projeto nos permitiu definir qual o perfil desejado
para os informantes da pesquisa para a dissertação, levando também em consideração
os objetivos de cada um dos projetos individuais. As primeiras famílias escolhidas
caracterizavam-se por incluírem pessoas com problemas crônicos de saúde, sendo
cuidadas por seus familiares e recebendo visitas domiciliárias regulares da equipe do
PSF.
Desde a entrada no campo foram coletados dados no trabalho de campo através
da observação das pessoas e ambientes, passando-se no momento denominado
“ficando no campo” para a inclusão de entrevistas semi-estruturadas com as famílias
participantes (PATRÍCIO, 1999). Utilizamos, portanto, os procedimentos que compõem
a triangulação de informações (VÍCTORA, KNAUTH, HASSEN, 2000):
78
Dados de Observação
Dados de Depoimentos Dados Documentais
Esquema 1 – Triangulação das informações no trabalho de campo. (Fonte:
VÍCTORA, KNAUTH, HASSEN, 2000.)
Os instrumentos para realização das técnicas citadas formam o arsenal
organizado e preparado pelo pesquisador antes ou durante as primeiras observações e
contatos com os informantes e a localidade ou espaço escolhido para o estudo. Além
dessas técnicas, é importante que o pesquisador saiba o que ouvir, olhar e escrever,
visto que são os órgãos dos sentidos, e o treinamento dos mesmos para a pesquisa,
que fazem com que o pesquisador consiga realmente examinar todos os sentidos e
significados de um fato ou fenômeno social (OLIVEIRA, 1998). Para auxiliar o
pesquisador neste processo, este organiza com cuidado o seu diário de campo, um
bom roteiro de entrevistas e de observação. Entre os antropólogos, a construção deste
instrumental ocorre, na maioria das vezes, durante as observações de reconhecimento
da área de estudo e de potenciais informantes, bem como na apresentação do projeto
aos grupos interessados no estudo.
Segundo o referencial metodológico adotado, o processo de analisar os dados foi
paralelo à sua coleta. Com isso, a medida que novos dados eram coletados, estes
passavam a influenciar a análise dos dados prévios, podendo redirecionar as análises
feitas ou indicar a necessidade de obter informações complementares. Ao longo
desse processo, os dados em análise poderiam ser retomados junto a suas fontes para
validação e esclarecimentos necessários, podendo-se prosseguir a coleta de dados até
que se identificasse sua saturação, indicada pela repetição dos dados obtidos
(PATRÍCIO, 1999).
O passo seguinte foi a apresentação do projeto para os informantes inicialmente
selecionados como possíveis colaboradores, solicitando-se seu consentimento livre e
esclarecido para participação na pesquisa (Apêndice 1), estabelecido pela
concordância e assinatura do termo elaborado a partir do modelo disponibilizado pela
79
Comissão de Ética em Pesquisa da UNIVALI. Os informantes foram abordados pelos
pesquisadores para definição dos horários e locais convenientes para os encontros com
o pesquisador, que acabaram por se dar invariavelmente no período da tarde, nas
próprias residências dos entrevistados. O roteiro de entrevista semi-estruturada
(Apêndice 2) utilizado foi construído de forma comum para os projetos do grupo, de
modo a abarcar os objetivos específicos de cada pesquisador.
As entrevistas foram realizadas por três dos pesquisadores de nosso grupo:
Alessandro da Silva Scholze, médico do PSF da Barra; Dagoberto Mior de Paula,
professor do curso de enfermagem da UNIVALI; e Maria Isabel Fontana, professora do
curso de enfermagem da UNIVALI. A disponibilidade para presença de todos em cada
entrevista foi variável, de modo que realizamos algumas entrevistas individualmente,
mas preferencialmente estas foram conduzidas por dois ou três dos membros do grupo.
As entrevistas foram gravadas em fita cassete mediante consentimento verbal das
famílias, posteriormente transcritas e digitadas por um dos pesquisadores presentes.
Durante as entrevistas realizamos observações sistemáticas, visando a
caracterização das residências e seus entornos, além de aspectos da vida familiar, a
partir de um roteiro pré-estabelecido (Apêndice 3). Além dos dados de identificação
constantes nesse roteiro, cada pesquisador redigia uma observação pessoal
descrevendo o processo e o ambiente de cada entrevista de que participara,
preferivelmente logo após a realização desta. Esses dados para caracterização das
famílias participantes foram complementados por informações provenientes do
cadastramento utilizado pela Equipe de Saúde da Família, através das fichas A
preenchidas pelos ACS (Anexo 1).
Originalmente nosso grupo havia definido uma amostra com cerca de 15
famílias. Uma vez completadas as primeiras cinco entrevistas com aquele perfil inicial,
decidimos modificar as características dos informantes buscados, objetivando
evidenciar a heterogeneidade da população, pois os dados coletados já indicavam
saturação.
80
Assim, as entrevistas seguintes foram realizadas mediante o mesmo processo
anterior, porém buscando pessoas que tivessem uma participação mais ampla na
questão dos cuidados com saúde dentro da comunidade. Com base nos resultados da
pesquisa do PIPG e das observações durante o trabalho na equipe do PSF,
identificamos outras quatro famílias: a de uma participante da Pastoral da Saúde, a de
uma massagista que trabalhava com terapias espíritas, um casal de avós que cuidava
dos netos em razão do trabalho do filho, e a de uma moradora que costumava
acompanhar parentes nas consultas médicas.
Após conduzir essas entrevistas, identificamos a necessidade de modificar a
forma de acesso aos entrevistados, mais uma vez a fim de ampliar a visão sobre os
itinerários de cura e cuidado e as redes de apoio utilizadas pela comunidade. Nesse
momento, buscando obter concepções de pessoas não tão próximas à equipe do PSF,
solicitamos a duas ACS de microáreas menos representadas na amostra até então, que
apontassem famílias consideradas por elas como o sendo usuárias freqüentes do
Posto de Saúde da Barra. Essas entrevistas foram realizadas pela Profa. Maria Isabel
individualmente, também no sentido de identificar possíveis vieses relacionados a
nossa identificação como membro da equipe do PSF durante as entrevistas.
Uma vez que, mesmo mediante as mudanças no processo de amostragem, não
identificávamos maior variabilidade nas respostas, concluímos pela saturação dos
dados e encerramos as coletas de dados com 11 famílias entrevistadas. Destas, uma
acabou por ser excluída da análise, pois a gravação o pôde ser recuperada da fita
em que foi gravada, com o que passamos a trabalhar com uma amostra de 10 famílias.
A análise das entrevistas seguiu a metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo
(DSC). O DSC busca, inicialmente, as representações que cada informante apresentou
a partir de cada pergunta do roteiro de entrevista, descritas resumidamente nas idéias-
centrais. Para isso, identificaram-se expressões-chave, uma figura metodológica
constituída por trechos selecionados dos depoimentos que sedimentam as idéias-
centrais, esses elementos foram inscritos no Instrumento de Análise do Discurso 1 (IAD
1), separadamente para cada questão de cada informante. Essas expressões-chave
também podem demonstrar as ancoragens do discurso de cada informante para cada
81
pergunta respondida, relacionando-o com as experiências prévias, os pressupostos e
teorias que o embasaram (SIMIONI; LEFÈVRE; PEREIRA, 1996; LEFÈVRE, LEFÈVRE,
2003). Neste estudo, as ancoragens foram introduzidas somente na discussão, pois
não foram por nós consideradas como de interesse central para o mapeamento que
realizávamos, que nossos objetivos não contemplavam quais as motivações para
conduzir um ou outro itinerário nas redes sociais.
A seguir, as idéias centrais identificadas nos depoimentos de cada informante
foram listadas conjuntamente para cada pergunta respondida, como parte do
Instrumento de Análise do Discurso 2 (IAD 2). Aquelas idéias centrais identificadas
como equivalentes foram instituídas como categorias que somaram respostas de
diferentes informantes sob uma mesma denominação de modo a preservar a idéia
central de cada um deles. Com isso, foi possível chegar ao discurso do sujeito coletivo
em cada questão, ou seja, um discurso que sintetizava as falas de todos os indivíduos
entrevistados, encadeando-se as expressões-chaves de forma coerente. O DSC é
construído pelo pesquisador, o qual reúne diferentes fragmentos dos discursos
individuais, transformando-os em uma macroproposição. Desse modo, o DSC
constituiu-se daquilo que um indivíduo respondeu e das contribuições feitas por outros
membros da mesma coletividade, mas que poderiam ter sido daquele primeiro, já que
todos compartilhavam do mesmo imaginário (LEFÈVRE, LEFÈVRE, 2003).
De modo a exemplificar esse processo de construção do DSC, incluímos como
anexos a observação realizada (Apêndice 4) durante uma das entrevistas (Apêndice 5),
sublinhando na transcrição desta os trechos utilizados como expressões-chave para o
IAD 1 produzido para a questão três (Q 3), relativa ao apoio social (Apêndice 6). Essas
expressões-chave com as idéias-centrais correspondentes foram reunidas àquelas
fornecidas pelos IAD 1 dos outros informantes para a mesma questão três, constituindo
o IAD 2 para essa questão, representado no Apêndice 7 de forma subdividida entre
Apoio Social Positivo (Q 3.1) e Apoio Social Negativo (Q 3.2), na forma que precedeu o
DSC mostrado nos Quadros 13 e 14 em “DISCURSOS E MAPEAMENTOS”.
82
A análise teórica foi utilizada para os dados coletados a partir das observações e
documentos, sendo integrada à análise das entrevistas a fim de situar a fala dos
entrevistados no contexto de vida destes.
Nossa proposta inicial era desenvolver o momento determinado como “saída do
campo” (PATRÍCIO, 1999) com cada família participante quando as informações
oferecidas fossem consideradas suficientes para o processo de análise, solicitando-se a
contribuição dos sujeitos da pesquisa na validação dos dados. Porém, em razão da
dinâmica interna do grupo de orientação do projeto articulado e como resultado das
discussões em conjunto com a orientadora, o objetivo visando disseminar e discutir na
comunidade os resultados do projeto de cada um dos três pesquisadores que coletaram
dados foi transferido para o quarto membro do grupo, o psicólogo Luiz Antônio Vicente.
Esses objetivos que passaram a constituir os objetivos específicos do quarto
projeto individual diziam respeito ao desenvolvimento de atividades em grupo
envolvendo os profissionais do PSF da Barra e/ou as famílias que participaram dos
estudos. Pretendemos, desse modo retornar ao campo em conjunto através desse
quarto projeto com a finalidade de integrar os resultados de cada uma das pesquisas
individuais, realizando encontros com os interessados entre os profissionais de saúde
das equipes do Programa Saúde da Família e entre as famílias para uma devolução
dos dados e proposição de ações para a integração das redes sociais e itinerários de
cura e cuidado nas atividades do PSF da Barra do Rio.
83
5.2 Procedimentos Éticos
Os procedimentos éticos descritos no projeto a partir do qual conduzimos esta
pesquisa foram aprovados pela Comissão de Ética em Pesquisa da UNIVALI, através
do parecer número 208/2004 (Anexo 2).
De acordo com a resolução n
o
196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho
Nacional de Saúde, sobre pesquisa envolvendo seres humanos, as normas éticas
norteadoras deste trabalho foram as seguintes:
1. obtenção de consentimento livre e esclarecido dos sujeitos do estudo;
2. orientação aos sujeitos sobre a pesquisa, para que esta se processasse em
linguagem acessível e incluísse a garantia de esclarecimentos, antes e durante o curso
da pesquisa, sobre a metodologia do estudo e a liberdade do sujeito se recusar a
participar ou retirar seu consentimento em qualquer fase;
3. garantia de sigilo que assegurasse a privacidade de dados confidenciais;
4. garantia de os seres humanos envolvidos fossem tratados com dignidade,
respeitando sua autonomia;
5. garantia de danos previsíveis serem evitados e de a pesquisa ter relevância
social, com vantagens significativas para os sujeitos e minimização do ônus para os
mesmos, garantindo igual significação dos interesses envolvidos;
6. obediência ao processo metodológico específico do estudo, prevendo
procedimentos que assegurassem a privacidade e proteção da imagem dos sujeitos;
7. respeito aos valores culturais e sentimentos expressados pelos sujeitos;
8. garantia da inexistência de conflitos de interesses entre pesquisador e sujeitos.
84
Esses princípios foram apresentados aos participantes preferencialmente no
momento do convite para participação no estudo (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE,
1996).
85
6 O LUGAR E AS PESSOAS
6.1 O Lugar: a Barra do Rio em Balneário Camboriú - SC
O bairro da Barra constituiu-se como o núcleo original de povoamento europeu
da região onde hoje se encontra o município do qual faz parte, Balneário Camboriú, em
Santa Catarina. A Barra, como os habitantes locais costumam se referir ao bairro, situa-
se na região Sul da cidade, fazendo divisa com o município de Itapema, separado do
Centro ao Norte pelo Rio Camboriú. Ao Oeste, limita-se pela BR 101, a qual separa a
Barra dos bairros Nova Esperança e Vila Real. E a Leste, encontra-se o Oceano
Atlântico (SECRETARIA MUNICIPAL DE TURISMO E DESENVOLVIMENTO DE
BALNEÁRIO CAMBORIÚ, 2004).
Reunimos, inicialmente, algumas informações históricas, com base nas obras de
Correa (1985) e Rebelo (1997), de modo a retratar o desenvolvimento da comunidade
da Barra a partir da colonização portuguesa, cujas características culturais permanecem
marcantes entre a população local. Existem relatos referentes à colonização desde
1758, com algumas famílias de imigrantes portugueses que já moravam na margem
esquerda do rio Camboriú, mas somente em 1826 o colono Baltazar Pinto Corrêa
recebeu do Governo da Província de Santa Catarina uma área de terra para cultivo e
moradia, na localidade que hoje se chama Bairro dos Pioneiros, ao norte de Balneário
Camboriú. Por volta de 1840, foi autorizada pela Arquidiocese de Florianópolis a
construção de uma igreja, hoje tombada como Patrimônio Histórico Municipal, e a partir
disso foi criado o Arraial do Bom Sucesso. Paralelamente o governo provincial elevou o
local a Distrito do Arraial do Bom Sucesso, na localidade da Barra do Rio Camboriú e,
em 1884, criou-se o município de Camboriú. O nome do município, de origem tupi,
86
evolui a partir de citações como Camboriasu em 1779 até chegar a uma referência de
Henrique Boiteux como Camborihu; que significa rio de muito robalo ou criadouro de
robalo, peixe comum nesta região.
A forte economia cafeeira encontrou em Camboriú o lugar ideal, fazendo com
que por muito tempo o município fosse o principal produtor de café do estado. A
exploração das jazidas de mármore, granito e calcário também se destacaram na
atividade econômica. Como a agricultura era valorizada e a faixa litorânea desprezada,
a sede do município transferiu-se para o Arraial dos Garcias e a antiga sede na Barra
constituiu-se no Distrito de Paz.
No final da década de 1920, teve início o processo de desenvolvimento, quando
começam a surgir as primeiras casa de veraneio no centro da praia, pertencentes a
moradores de Blumenau. Em 1928 surgiu o primeiro hotel e, seis meses após, o
segundo empreendimento hoteleiro.
Os alemães do Vale do Itajaí trouxeram para a cidade o hábito de ir à praia como
lazer, pois até então só era conhecido o banho de mar como tratamento medicinal ou
pesca, os colonos achavam que mandar alguém para a praia era uma ofensa. Durante
a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) os alemães mantiveram-se afastados da praia
para não serem hostilizados, já que o exército brasileiro usou os hotéis e as moradias
da praia como observatórios da costa brasileira. Com o fim do conflito, reiniciou-se o
fluxo turístico.
Mas foi na década de 60 que a atividade turística tomou impulso, colocando a
localidade como grande centro turístico brasileiro. Em 20 de outubro de 1954 foi criado
o Distrito da Praia de Camboriú, mas foi somente cinco anos depois, através de uma
resolução aprovada pela Câmara Municipal de Vereadores, que a faixa litorânea tornou-
se de fato um Distrito da Praia de Camboriú em 04 de novembro de 1959.
Posteriormente, em 1964, foi criado o Município de Balneário de Camboriú. Quatro
anos após a instalação do município, a Câmara de Vereadores suprimiu o “de” do nome
do município e este passou a se chamar Balneário Camboriú.
87
Balneário Camboriú localiza-se no Centro do Litoral Catarinense, na Micro
Região da Foz do Rio Itajaí-Açú (Figura 01). Seu território é de pouco mais de 46 Km
2
,
dividida politicamente em 14 áreas, sendo o centro da cidade, 12 bairros e a região das
praias agrestes. Seus limites atuais são: ao Norte, Itajaí; ao Sul, Itapema; a Leste, o
Oceano Atlântico; a Oeste, Camboriú. A população estimada em 2004 era de 90.461
habitantes, vivendo todos em área urbana (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA
E ESTATÍSTICA - IBGE, 2005).
Figura 1 – Mapas do Município de Balneário Camboriú e sua localização no Estado de Santa
Catarina. (Fonte: <http://www.balneario.sc.gov.br>)
Estado de Santa
Catarina
Região da Foz do
Rio Itajaí-Açú
88
Figura 2 - Mapa da região Sul de Balneário Camboriú, localizando o bairro da Barra e,
neste a Praça do Pescador e o Posto de Saúde. (Fonte: Telelista 2005)
89
No bairro da Barra, encontramos o maior número de nativos de Balneário
Camboriú. Este bairro era a ligação da Linha de Acesso as Praias, ou Interpraias, a
todas as praias do sul do município. PossuÍa área territorial de 3.389.880,009 m
2
e
população de 4.220 habitantes, segundo Rebelo (1997).
Nessa região localizava-se o parque Unipraias, atração turística com acesso por
bondinhos aéreos partindo da Barra Sul de Balneário Camboriú, que se estendia até a
praia de Laranjeiras incluindo trilhas sobre os morros à beira-mar. Ao Sul de
Laranjeiras, para onde havia acesso terrestre pela Interpraias, chegava-se às praias de
Taquaras, Estaleiro e Estaleirinho e, seguindo pela BR 101, até Mato Camboriú. Outro
atrativo turístico era a Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, datada de 1857, em
estilo português, construída com argamassa de óleo de baleia.
Figura 3 - Igreja Católica da Barra do Rio . (Fonte: o autor.)
90
Figura 4 - Chegada da balsa na Barra, junto a Praça do Pescador, do outro lado do Rio
Camboriú, vemos o prédio branco de onde partem os bondinhos do Parque Interpraias.
(Fonte: o autor.)
Ainda que não fosse encontrada uma atividade turística intensa na Barra, que
servia mais comumente de caminho até as praias ao sul, a construção da Linha de
Acesso às Praias e a instalação do parque Unipraias tornou o fluxo de turistas e
moradores do centro mais intenso com a facilitação do acesso. A recíproca ainda não
era verdadeira, pois o trajeto para os moradores da Barra até o centro envolvia, para
aqueles que não dispunham de carro, o acostamento da BR 101 ou as bateiras
4
que
atravessavam o Rio Camboriú, recentemente reforçadas por uma balsa, além dos
limitados horários de ônibus.
4
Pequenas embarcações em madeira, com fundo achatado, movidas a motor de popa ou a remo,
também utilizadas para a instalação de redes de pesca.
91
Evidenciou-se, nos últimos tempos, a valorização imobiliária decorrente dessas
mudanças, principalmente nas áreas próximas ao rio, onde surgiram loteamentos
planejados e condomínios fechados, acompanhados de um comércio incipiente. No
entanto, os morros abrigavam, além das pedreiras para extração de granito, pequenas
favelas em franco desenvolvimento, configurando locais de risco ambiental. Também
nas áreas mais distantes do rio, proliferavam residências com estruturas precárias,
apesar da urbanização desenvolvida na última década. A infra-estrutura local era
bastante diversa conforme a região considerada, enquanto a maior parte das ruas era
de terra, as vias centrais próximas à Praça do Pescador, e servindo de caminho para a
Interpraias ou até a BR 101, eram asfaltadas. Os córregos encontrados no bairro
recebiam dejetos domésticos e das peixarias locais, como canais de esgoto a céu
aberto que desaguavam no rio Camboriú, exalando odores pútridos intensos,
especialmente em dias quentes.
As áreas mais distantes do rio, de povoamento mais recente, recebiam
migrantes, principalmente do interior de Santa Catarina e Paraná, além do Rio Grande
do Sul, atraídos pela possibilidade de melhor qualidade de vida. Muitos destes
permaneciam no local apenas enquanto havia trabalho durante a temporada de verão.
A influência dos trabalhos temporários era sensível nas atividades da população,
determinada tanto pelo aspecto turístico, quanto pelo trabalho na pesca e
processamento de frutos do mar. A Barra abrigava várias peixarias e locais de
construção de barcos em madeira para pesca, além dos próprios barcos de pescadores
que ficavam ancorados às margens do rio, junto à via de acesso principal do bairro.
Alguns dos pescadores dedicavam-se à pesca em alto-mar, permanecendo longos
períodos embarcados, longe das famílias. Além da indústria pesqueira, outra atividade
tradicional era a extração de granito dos morros, exercida pelos broqueiros
5
(AMBROZIO, 2003).
5
Essa denominação se deve à ferramenta chamada broca da qual os cortadores de pedra se utilizam
para iniciar a extração do granito, segundo Ambrozio (2003).
92
Figura 5 - Rua na Barra que conduz broqueiros e caminhões até um local de extração
de pedras, visível como uma clareira no alto do Morro da Pedreira. (Fonte: o autor.)
A atividade dos broqueiros chegou a ser a mais importante economicamente
para a Barra na década de 1950, motivando a chegada de migrantes atraídos pela
possibilidade de ganhos relativamente altos em uma profissão sem exigências de
qualificação, porém com risco constante de acidentes de trabalho provocando mortes e
seqüelas permanentes. Assim como algumas famílias de Camboriú e Balneário
Camboriú que se mantiveram na atividade, possuindo apenas a casa e o local de
extração, os migrantes que se fixaram, contribuindo para a formação da favela no Morro
da Pedreira, sofreram com as tentativas de regulamentação da exploração de granito a
partir da década de 90 (AMBROZIO, 2003).
93
Essa regulamentação por parte do poder público e órgãos ambientais visava
frear a exploração desordenada, o que resultou na criação de uma cooperativa dos
broqueiros, excluindo as empresas que anteriormente intermediavam a exploração das
pedras. Porém, as cerca de 400 pessoas, entre trabalhadores e familiares, ainda
envolvidas na atividade através da cooperativa permaneciam em situação de impasse,
em razão do prazo de dois anos de licença para a extração, que está condenada pelas
leis ambientais, sendo esse período determinado pelos órgãos governamentais para
que os trabalhadores e seus filhos busquem outras formas de sobrevivência
(AMBROZIO, 2003).
Outro aspecto da comunidade que chamou nossa atenção foi que, além da igreja
católica, abundavam diversas denominações de grupos evangélicos, desde aqueles
mais difundidos como a Assembléia de Deus e a Igreja Universal do Reino de Deus, até
algumas mais peculiares com a Igreja Missionária Primitiva e a Igreja Missionária
Primitiva Renovada, tendo sido possível identificar pelo menos seis templos diferentes,
excluindo-se a área do São Judas. Ambrozio (2003) apontou nessa segmentação uma
das fontes de conflitos entre os moradores, muitos dos quais abandonaram os
costumes tradicionais e festas ligados à religião católica pelas seitas evangélicas, cuja
heterogeneidade seria capaz de produzir discriminação e limitar a possibilidade da
construção de uma identidade comum na comunidade.
A Secretaria Municipal de Saúde mantinha uma Unidade Básica de Saúde
instalada no bairro, disponibilizando atendimento por dentistas, médico gineco-obstetra
e pelo Programa Saúde da Família (PSF). O PSF era desenvolvido quatro anos,
contando com duas equipes por ocasião da pesquisa, cada uma constituída por
médico, enfermeira, dois auxiliares de enfermagem e seis agentes comunitários de
saúde. A equipe da Barra abrangia a região central do bairro além da área da
Interpraias aTaquaras, enquanto a do São Judas atendia as microáreas mais ao Sul
e as praias de Estaleiro e Estaleirinho.
Na área da equipe da Barra, estavam cadastradas 3.331 pessoas em 902
famílias, estando 1554 (46,65%) dos indivíduos na faixa etária de 20 a 49 anos de
idade. Daqueles com 15 anos ou mais, 2.222 (94,43%) eram alfabetizados e 531
94
(95,16%) das crianças entre 7 e 14 anos estavam na escola. As pessoas com cobertura
por planos de saúde somavam 9,01%. O abastecimento d’água era feito pela rede
pública em 81,26% das casas, sendo a maioria destas (58,54%) construída com tijolos.
O lixo era objeto de coleta pública em 99,11% dos domicílios, dos quais 98,56%
recebiam energia elétrica, porém as fossas eram o destino do esgoto doméstico em
96,12% dos casos. Havia 190 (8,07%) pacientes hipertensos registrados no PSF e 47
(1,41%) diabéticos, além de 26 gestantes (nove destas com até 19 anos), conforme
dados do mês de julho de 2003 (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE
BALNEÁRIO CAMBORIÚ, 2003).
Nos mesmos registros de julho de 2003, a equipe do São Judas abrangia 3.076
pessoas em 806 famílias, concentrados na faixa etária de 20 a 49 anos: 1379 (44,83%)
indivíduos. Aqueles cobertos por planos de saúde somavam 9,01% das pessoas. Os
alfabetizados a partir de 15 anos somam 1.901 (93,23%) pessoas, contando-se 554
(96,01%) das crianças entre 7 e 14 anos na escola. A maior parte das casas era de
tijolos (59,31%), contanto com abastecimento d’água pela rede pública em 71,46% do
total de domicílios, energia elétrica em 99,38% e coleta de lixo pública em 99,5%,
enquanto 93,92% tinham seu esgoto doméstico coletado por fossas. O PSF registrava
123 (6,03%) pessoas com hipertensão arterial sistêmica e 6 (0,2%) diabéticos. Havia 28
gestantes cadastradas nesse mês, sendo sete destas com até 19 anos de idade.
Dados de óbitos hospitalares relativos ao município como um todo no ano de
2003, registraram 157 mortes, sendo 54 entre homens com 60 anos ou mais, 34 entre
mulheres com 60 anos ou mais, 14 em menores de um ano, e somente três mortos
entre um e 15 anos de idade. Dentre as causas de óbito hospitalar, destacavam-se 47
mortes relacionadas a doenças do aparelho circulatório; 35, a doenças do aparelho
respiratório; 19, a neoplasias; além de nove óbitos por doenças do período neonatal
(IBGE, 2005).
95
Figura 6 - Entrada do Cemitério Municipal, localizado na Barra do Rio.
(Fonte: o autor.)
Os atendimentos médicos no Posto de Saúde da Barra (PSB) evidenciaram
características de transição epidemiológica, envolvendo doenças infecto-contagiosas,
em especial infecções respiratórias e infecções/infestações gastrointestinais, doenças
crônico-degenerativas relacionadas a hipertensão arterial e diabetes, além de doenças
relacionadas ao trabalho, em sua maioria ósteo-musculares. Outros problemas de
saúde com impacto considerável na população da Barra eram acidentes de trânsito e
abuso de drogas. Os acidentes envolviam especialmente moradores conduzindo
motocicletas e bicicletas, meios de transporte bastante utilizados entre eles. O uso de
álcool, maconha e cocaína era comumente relatado, tanto por mães e esposas
sofrendo o estresse do convívio com o familiar usuário, geralmente homem, como por
96
parte dos próprios, geralmente apresentando conseqüências da drogadicção como
hepatopatias.
Um aspecto particular do uso de drogas nessa comunidade era a relação deste
com os períodos em que os pescadores ficavam embarcados, onde os tripulantes mais
jovens eram comumente citados como usuários de drogas nas embarcações.
Considerando-se os indivíduos que recebiam cuidados domiciliares por familiares, a
maioria apresentava doenças crônico-degenerativas, principalmente idosos, alguns
vivendo de forma itinerante entre as casas dos filhos.
Figura 7 - Escola estadual próxima ao Posto de Saúde na Barra. (Fonte: o autor.)
Junto ao Posto de Saúde encontrava-se uma creche municipal mantida pela
Secretaria do Trabalho. Também próximo ao Posto, havia uma escola estadual com
ensino fundamental e médio. Existiam três outras escolas, estas municipais de ensino
97
fundamental, uma na praia de Taquaras, uma na área do São Judas e outra próxima do
cemitério. O cemitério da Barra era, aliás, o único do município.
6.2 As Pessoas: os informantes no contexto pesquisado.
Nos dedicaremos, neste trecho, a traçar um breve perfil de cada família
entrevistada, com base nas próprias entrevistas, em dados de observação sistemática
durante estas e nas informações que coletamos nas Fichas A preenchidas pelos
Agentes Comunitários de Saúde, além de observações não-sistemáticas realizadas
durante nosso trabalho na equipe do PSF.
Utilizamos as seguintes siglas para identificar os membros das famílias:
P (n° da família): indivíduo masculino da primeira geração;
M (n° da família): indivíduo feminino da primeira geração;
Fo (n° da família) (posição em ordem cronológica crescente na geração): indivíduo
masculino da segunda geração;
Fa (n° da família) (posição em ordem cronológica crescente na geração): indivíduo
feminino da segunda geração;
No (n° da família) (posição em ordem cronológica crescente na geração): indivíduo
masculino da terceira geração;
Na (n° da família) (posição em ordem cronológica crescente na geração): indivíduo
feminino da terceira geração;
98
C (n° da família): cuidador contratado.
Na casa da Família 1 (F1) moravam:
Membros Sexo Idade (anos)
Alfabetizado Ocupação
P1
M1
Fa1
Fa2
No1
Na1
M
F
M
F
M
F
58
64
27
19
03
7 meses
Sim
Sim
Sim
Sim
Não
Não
Arquiteto
Prof.ª aposentada
Arquiteta
Estudante
Menor
Menor
Quadro 1: Família 1. (Fonte: o autor.)
A primeira família visitada foi escolhida em razão de M1 realizar diálise peritoneal
(DP), por insuficiência renal crônica resultante de pielonefrites repetidas, sendo
paciente de um serviço de nefrologia em Curitiba - PR. Eles moravam na Barra há cerca
de três anos, vieram de Curitiba após M1 iniciar a DP em 2001, sendo que sua
residência atual estava em construção e oferecia melhores condições para a realização
do procedimento seu antigo apartamento. A casa era própria, em alvenaria, tem 18
cômodos, localiza-se no início da Interpraias, em um dos terrenos deixados pelo
falecido pai de M1, cercada pela vegetação restante no do morro e com canteiros
esparsos ao redor. A família possuía carro, não contava com plano de saúde, recebia
energia elétrica, o lixo era coletado, enquanto o esgoto era direcionado para uma fossa.
A família tinha como principal fonte de renda as aposentadorias de P1 e M1. As duas
filhas foram adotadas. M1 e P1 se disseram católicos. A filha mais velha teve um filho e
uma filha. Eles seguiam uma linha de terapias de autocuidado de origem oriental
chamada unibiótica, da qual foram mais adeptos antes dos problemas de saúde de M1,
mas que ainda influenciava principalmente a alimentação da família. Eram usuários
eventuais do Posto de Saúde em relação ao atendimento médico, porém M1 costumava
ir ao Posto para verificar a pressão arterial e receber medicações parenterais. O casal
99
considerava que existia pouca interação social com a comunidade, pela população local
ser muito “bairrista” e, no seu caso, porque a moradia imponente fazia com que tanto os
vizinhos como serviços municipais considerassem-nos ricos.
Na casa da Família 2 (F2) havia um único morador (P2), tendo a entrevista sido
realizada com sua cuidadora (C2):
Membros Sexo Idade (anos)
Alfabetizado Ocupação
P2 M 84 Não aposentado
Quadro 2: Família 2. (Fonte: o autor.)
P2 e C2 eram naturais de Balneário Camboriú, esta era nora de P2 e foi
contratada pelos filhos dele como cuidadora em razão das seqüelas do acidente
vascular cerebral (AVC) que sofrera alguns anos, causando hemiparesia e afasia. A
esposa de P2 já cuidava dele mas, com a morte desta cerca de um ano antes, os filhos,
um dos quais mora na casa ao lado, assumiram o cuidado à noite, tendo contratado
outras pessoas para ficarem com P2 durante o dia. C2 tinha 49 anos, era branca, do
lar. A casa própria foi construída em madeira, não pintada, com um pátio de terra batida
onde havia árvores e canteiros de hortaliças, contando com oito peças. Ao fim da rua
sem calçamento e sem saída, existia um terreno onde era depositado o lodo dragado
do fundo do rio Camboriú, o qual exalava mau cheiro. O lixo era coletado e o esgoto da
casa, direcionado para uma fossa, a água provinha da rede pública, dispunham de
energia elétrica. O transporte preferencial era ônibus, não contavam com plano de
saúde, quando necessário buscavam inicialmente o hospital ou a unidade de saúde. A
família era evangélica, inclusive uma plaqueta na parede da frente da casa identificava-
a como local de reunião para orações. P2 recebia atendimento da equipe do PSF em
visitas domiciliárias, em razão de seu tratamento para hipertensão arterial sistêmica
(HAS) e por complicações das seqüelas de AVC. Posteriormente à realização da
entrevista, a cuidadora de P2 mudou, passando a ser uma sobrinha, mas devido a
dificuldades com os cuidados e pela ocorrência de períodos em que P2 ficava sozinho
em casa, como visto em visitas domiciliárias pela equipe do PSF, houve nova mudança,
100
retornando C2. Contudo, o estado geral de P2 decaía progressivamente, tendo morrido
alguns meses após a realização da entrevista.
A Família 3 (F3) era composta por:
Membros Sexo Idade (anos) Alfabetizado Ocupação
P3
M3
M
F
78
62
Sim
Sim
Aposentado
Costureira aposentada
Quadro 3: Família 3. (Fonte: o autor.)
P3 foi morador daquela região desde o nascimento, membro de uma família
tradicional da Barra, cursou até a quarta série primária. M3 era a sétima companheira
de P3, sendo na época sua cuidadora. P3 tivera o membro superior direito amputado
logo distalmente ao ombro em um acidente de trabalho na infância, o que não impediu
que trabalhasse no campo, em atividades de comércio e como vigia. Seus problemas
de saúde, nos últimos anos, envolviam doença broncopulmonar obstrutiva crônica,
bursite no ombro esquerdo e lombociatalgia. P3 disse ter oito filhos legítimos e alguns
não reconhecidos. M3 era a única pessoa de quem P3 aceita os cuidados, apesar do
oferecimento de suas filhas, o que a deixava esgotada em alguns momentos, além do
que, ela também sofria de lombalgia com artrose e fazia tratamento para HAS. A casa
de madeira, própria, ficava ao fundo do quintal em uma rua sem calçamento, contando
com cinco pequenas peças, tendo junto à porta da frente uma placa com o anúncio
“Costureira”. A frente do terreno era ocupada por árvores frutíferas e ervas medicinais
em vários canteiros. O lixo era coletado, a água vinha da rede pública e o esgoto
destinava-se a uma fossa séptica, contavam com energia elétrica. O transporte
preferencial era ônibus, não contavam com plano de saúde, quando necessário
buscavam inicialmente a unidade de saúde. O casal seguia uma religião evangélica, a
Assembléia de Deus, o que para P3 pareceu ter sido uma mudança realizada quando
passou a ter problemas de saúde, dizendo ter sido muito “brigão e namorador” na
juventude, sentindo que as doenças que lhe afligiam eram um castigo divino.
101
A Família 4 (F4) teve como entrevistada principal (M4) uma viúva que morava na
casa das filhas em um sistema de rodízio, sendo acompanhada por uma cuidadora
contratada (C4):
Membros Sexo Idade (anos) Alfabetizado Ocupação
M4 F 72 Sim Aposentada
Quadro 4: Família 4. (Fonte: o autor.)
Realizamos a entrevista na casa de uma das filhas de M4 onde se encontrava na
ocasião, próxima de sua própria casa, na qual ficaram morando um filho com netos de
M4, que cursara até a quarta série do ensino primário. A trajetória de M4 entre as casas
das filhas que moravam na Barra e no São Judas, entre os dez filhos que ela teve além
de um adotivo, se iniciara dois anos quando sofreu a amputação do membro inferior
esquerdo e, três meses depois, do membro inferior direito, ambos a um nível proximal
aos joelhos, em razão de doença arterial periférica, conseqüente a HAS e diabetes
mellitus (DM). Inicialmente, ela permanecera na casa de sua propriedade, construída
em madeira com oito cômodos, tendo energia elétrica, com abastecimento de água pela
rede pública e lixo coletado. Porém, as limitações progressivas de M4 e dificuldades
financeiras fizeram com que as filhas tivessem de assumir os cuidados com M4
juntamente com uma cuidadora contratada para o período do dia. C4 cuidara dela
anteriormente, tendo sido substituída durante algum tempo e retornando ao serviço
nessa época. A família de M4, assim como C4, era evangélica da Assembléia de Deus,
sendo moradores antigos do bairro da Barra. C4, por sua vez, tinha uma filha com
deficiências no desenvolvimento neuropsíquico e motor, a qual recebia atenção por
parte da assistência social e de um neuropediatra através da Prefeitura Municipal. Na
ficha A de M4, o hospital e a unidade de saúde constavam como instituições
procuradas em caso de doença, mas ela relatava contatos com médicos antigos da
cidade quando necessário.
102
A Família 5 (F5) tinha como moradores cadastrados na residência:
Membros Sexo Idade (anos) Alfabetizado Ocupação
P5
M5
M
F
52
55
Sim
Não
Construção civil
Massagista
Quadro 5: Família 5. (Fonte: o autor.)
Esta família foi procurada para o estudo em razão da atividade profissional de
M5 como massagista e, de acordo com o estudo realizado na entrada em campo, a
residência da família também abrigava as atividades de um centro espírita. A casa
própria, construída com tijolos, contava com quatro peças, estas se localizavam no
segundo piso, sendo o piso inferior ocupado por uma sala de espera com cadeiras
plásticas, um banheiro e duas salas destinadas às atividades de massagem. Ao fundo
do terreno estava em construção uma estrutura para abrigar as atividades sociais do
grupo espírita, como festas do dia das crianças. O lixo era coletado e o esgoto da casa,
direcionado para uma fossa, a água provinha de outras fontes de abastecimento e
dispunham de energia elétrica. A ficha A também relacionava que não contavam com
plano de saúde, procuravam o hospital em caso de doença, utilizavam
preferencialmente ônibus para o transporte. No entanto, M5 era usuária freqüente do
Posto de Saúde em razão de tratamentos para DM e HAS, além de ter sido assistida
em casa no ano anterior quando sofreu complicações pós-operatórias de uma
apendicectomia. na sala de espera, onde conduzimos a entrevista, havia uma
mistura de imagens católicas com livros espíritas expostos, o que nos pareceu
conflitante com a condição de M5 como não alfabetizada. A atividade de massagista
era anunciada numa placa sobre o portão da frente: “Massagem energética japonesa”,
tendo os horários de atendimento em outra placa no portão. Segundo M5, as
massagens eram realizadas de forma remunerada, mas também como parte de ações
de caridade, sem pagamento, juntamente com cirurgias espíritas, recebendo pessoas
de diferentes cidades e estados. Ainda que o casal morasse naquela residência,
103
durante a entrevista encontramo-nos com uma filha de M5 e com uma neta adolescente
que trazia consigo seu filho de cerca de três anos de idade.
Na residência da Família 6 (F6) entrevistamos:
Membros Sexo Idade (anos) Alfabetizado Ocupação
P6
M6
M
F
54
52
Sim
Sim
Motorista aposentado
Prof.ª Aposentada
Quadro 6: Família 6. (Fonte: o autor.)
O casal vivia na Barra quatro anos, quando vieram do interior do estado de
Santa Catarina acompanhados por um filho casado, a nora e um casal de netos. A
mudança se deu após a aposentadoria de M6 como professora de escola isolada. Em
virtude do trabalho do filho e da nora, M6 e P6 cuidavam dos netos de seis e cinco anos
a maior parte do tempo, sendo que estes geralmente viam os pais nos fins-de-
semana. A casa de madeira era alugada, em uma rua asfaltada pxima à saída para a
BR 101, com oito peças, o lixo era coletado, o esgoto da casa era destinado a uma
fossa e a água provinha da rede pública e dispunham de energia elétrica. A ficha A
declarava que não tinham plano de saúde, que recorriam ao hospital ou unidade de
saúde em caso de doença e que utilizavam ônibus como principal meio de transporte.
No entanto, o casal dispunha de carro naquela ocasião e contavam com plano de
saúde. Ambos utilizavam-se do Posto de Saúde para o tratamento de HAS. P6 era
atendido por ortopedista via convênio médico desde o acidente de trabalho que sofrera
dois anos, com seqüelas que lhe limitavam o movimento do ombro direito e
provocavam-lhe dores nas costas. Esse acidente motivou sua aposentadoria por
invalidez, tendo trabalhado como motorista de caminhões até então. O casal era
católico, durante a entrevista valorizaram muito a vida em comunidade, no entanto não
costumam participar das reuniões do grupo de hipertensos e diabéticos promovido pelo
PSF na localidade.
104
A Família 7 (F7) teve como entrevistada:
Membros Sexo Idade (anos) Alfabetizado Ocupação
M7 F 52 Sim Do lar
Quadro 7: Família 7. (Fonte: o autor.)
Ela morava nessa casa, própria, três anos, com uma filha de 20 anos e um
filho de 18 anos, sendo natural de Florianópolis. Era viúva há 6 anos, tendo completado
o ensino primário. Tinha também três outros filhos casados. Vários de seus familiares
eram moradores antigos do bairro, inclusive seus pais, e ela mesma morava no
centro da cidade 24 anos, como caseira. A casa fora construída com madeira nos
cômodos anteriores e tijolos na parte posterior que incluía a cozinha e banheiro,
contando com sete peças e um amplo pátio com garagem, junto a esta foi instalado um
canteiro com hortaliças e ervas medicinais, localizando-se em uma rua poeirenta
próxima ao Posto de Saúde. O lixo era coletado, o esgoto, destinado para uma fossa, a
água vinha da rede pública e dispunham de energia elétrica. Os registros na ficha A da
família indicaram que não contavam com plano de saúde, procurando o hospital ou a
unidade de saúde em caso de doença. Não participavam de grupos comunitários.
Utilizavam mais a bicicleta como meio de transporte. M7 foi convidada a participar da
pesquisa em razão das suas constantes atividades de cuidado com pessoas de sua
família com problemas de saúde, como sua mãe que sofria de coronariopatia, um primo
com ataxia espinocerebelar e a filha deste que recebeu transplante hepático,
acompanhando-os às consultas médicas e auxiliando-os na obtenção de benefícios
junto à assistência social do município e Instituto Nacional de Seguridade Social. Ela
mesma e os filhos que aí residiam eram usuários pouco freqüentes do Posto de Saúde.
105
Na casa da Família 8 (F8) estavam cadastrados:
Membros Sexo Idade (anos) Alfabetizado
Ocupação
P8
M8
Fo8
Fa8
No8
M
F
M
F
M
61
58
39
26
03
Sim
Sim
Sim
Sim
Não
Engenheiro aposentado
Do lar
Professor
Estudante
Menor
Quadro 8: Família 8 (Fonte: o autor.)
A entrevista foi realizada com M8 devido a sua atuação como representante da
Pastoral da Criança
6
no bairro da Barra. M8 completou o ensino primário. Ela era
natural de Fortaleza CE, tendo morado em diferentes estados em razão do trabalho
do marido, residindo na Barra havia oito anos. A casa era construída em alvenaria, com
um alto muro que só permitia avistar da rua o segundo piso da residência ao fundo de
um amplo pátio calçado, contando com oito cômodos além da garagem e do canil.
Segundo registro na ficha A, o lixo era queimado, o esgoto era recolhido por fossa, a
água vinha da rede pública e dispunham de energia elétrica. Essa ficha, no entanto,
não registrava informações quanto a recurso buscado em caso de doença, participação
em grupo comunitário ou meio de transporte utilizado. Porém, verificamos que
dispunham de carro e contavam com plano de saúde através da empresa pela qual P8
se aposentou. Além disso, M8 mantinha uma atuação constante na Pastoral da Criança
e em cursos do Centro de Treinamento e Capacitação da Prefeitura Municipal voltados
para alimentação alternativa, realizando pesagem das crianças em sua própria casa e
fornecendo a multimistura
7
, atendendo principalmente os moradores da favela no Morro
6
A Pastoral da Criança é um organismo de ação social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNBB, que desde 1983 realiza ações sociais visando o desenvolvimento integral da criança em seu
contexto familiar e comunitário, atuando desde a atenção à gestante até a vigilância nutricional através
de líderes comunitários capacitados (fonte: www.pastoraldacrianca.org.br).
7
A multimistura de alimentos preconizada visa enriquecer a alimentação do dia a dia com alimentos
disponíveis na própria região, além de acrescentar na comida uma mistura de farinhas de cereais, farelo
de trigo e de arroz, pós de folhas verde-escuras, de sementes e de casca de ovo, a farinha multimistura
(fonte: www.pastoraldacrianca.org.br).
106
da Pedreira. Mesmo porque, segundo ela, os nativos da Barra eram muito orgulhosos
para aceitarem os cuidados que ela oferecia e as igrejas evangélicas da localidade não
apoiavam seu trabalho vinculado à igreja católica.
A Família 9 (F9) registrava em sua residência:
Membros Sexo Idade (anos) Alfabetizado Ocupação
P9
M9
M
F
57
54
Sim
Sim
Pescador aposentado
Do lar
Quadro 9: Família 9. (Fonte: o autor.)
A entrevistada foi M9, por ser uma pessoa que pouco utilizava o Posto de Saúde,
apesar de ter HAS. Ela era natural de Balneário Camboriú, trabalhava em casa com a
produção de salgadinhos. O casal seguia uma religião evangélica. A casa era própria,
de tijolos, com seis cômodos, situando-se em um terreno cuja posse estava em litígio
pois se encontrava em terras de Marinha. Tal situação produziu desconfiança por parte
de P9 quando da chegada da entrevistadora. De acordo com os dados da ficha A, o lixo
era coletado, o esgoto seguia para uma fossa, a água vinha da rede pública e
dispunham de energia elétrica. Não contavam com plano de saúde, relatavam participar
de associação comunitária. Procuravam a unidade de saúde em caso de doença e M9
disse que participava do grupo de hipertensos promovido pelo PSF.
Na residência da Família 10 (F10) estavam cadastrados:
Membros Sexo Idade (anos)
Alfabetizado Ocupação
P10
M10
Fo10
Fa10
M
F
M
F
57
54
28
22
Sim
Sim
Sim
Sim
Autônomo
Do lar
Autônomo
Balconista
Quadro 10: Família 10. (Fonte: o autor.)
107
A escolha de M10 como entrevistada se deu também por seu padrão de usuária
pouco freqüente do Posto de Saúde, além do disso, P10 atua em uma associação de
moradores local. Ele mantivera um ponto de extração de pedras no morro, mas agora
trabalhava como autônomo. M10 tinha o ensino médio completo. A casa era própria, as
paredes construídas com pedras, num total de sete peças. O lixo era coletado, o esgoto
destinado a uma fossa, a água vinha da rede pública e dispunham de energia elétrica.
A família não contava com plano de saúde, segundo a ficha A, e utilizavam o hospital
em caso de doença. No entanto, P10 fazia acompanhamento por DM e HAS no Posto
de Saúde e M10, por HAS. M10 se mostrou muito reservada, relatando que não
costumava contar com apoio de ninguém, nem da família, nem da igreja evangélica da
qual a família participava.
108
7 OS DISCURSOS E OS MAPEAMENTOS
7.1 Os Discursos do Sujeito Coletivo
Os Discursos do Sujeito Coletivo (DSCs) foram organizados por questão,
apresentando uma indicação numérica que relacionou cada trecho do discurso a sua
idéia central, preservando a heterogeneidade de representações encontrada na
comunidade em torno de cada tema abordado nas entrevistas.
As indicações numéricas foram utilizadas ao longo da discussão para permitir a
referência a trechos específicos dos DSCs identificando a questão e a idéia-central nela
encontrada sob a forma: (Q número da questão.número da idéia central). As siglas
definidas anteriormente para cada família entrevistada e para seus membros
individualmente também foram utilizadas como referências na discussão dos dados
coletados.
109
Percepções de Saúde
Expressões
-
chave
Idéias centrais
(1) A saúde está em tudo, é tudo nessa vida, em
primeiro lugar é a saúde. (2) É viver bem, em paz,
numa família feliz, (3) equilíbrio perfeito, harmonia, se
sentindo bem em tudo: moralmente, espiritualmente,
bem com minha casa, meus filhos. Os três tem que
estar bem: alma, espírito, o corpo físico. (4) Tem ânimo,
tem vida, estou disposta a fazer as coisas, a gente
sente vontade de fazer e parece que sempre vem mais
vontade, mais ânimo. Vontade de chorar, a
indisposição não é saúde. (5) É uma participação
comunitária, lazer em comunidade, enquanto que se
você se isola é a pior coisa. diálogo entre as
pessoas, uma convivência melhor (6) Quando posso
ajudo os outros. (7) Uma coisa muito boa que a gente
valor quando perde. (8). O contrário da doença.
(9) Não sentindo nada eu to com saúde, não tenho que
me queixar da vida, me acho sadia, vejo pessoas mais
novas que reclamam muito mais. Saúde não é isso que
eu to vivendo quando começou a me vir as dores,
sempre no posto, reclamando, passado muito
trabalho (10) atrás de remédio. Não precisa de médico,
remédio, nunca mais fiquei boa depois da cirurgia. (11)
Sem não se faz nada, é poder andar, não ficar no fundo
de uma cama, a pessoa sair, trabalhar e não sentir
canseiras. Vou em qualquer lugar, trabalho, vivo, posso
me movimentar, dorme bem. (12) Cuidar de nós pra ter
saúde, prevenção, cuidado com corpo, o corpo manda
na saúde. (13) Boa alimentação vai ter uma boa saúde,
traz dos antepassados, cuidamos muito dentro de
casa, quem não sabe come tudo o que vê, amanhã a
saúde se acabou. (14).Deus permite saúde, pode
ajudar a nossa saúde, tem que agradecer. (15)
Saber se eu tenho saúde com exames periódicos. (16).
A pressão ta controlada com (17) remédio.
1.Saúde é tudo, é o mais importante na
vida.
2.Saúde é viver bem, em paz, em uma
família feliz.
3.Saúde é o equilíbrio perfeito da pele,
alimentação, membros e mente, em
harmonia com o universo.
4.Saúde é ter ânimo, ter vida. disposição
para fazer as coisas.
5.Saúde é participação comunitária sem
se isolar. com diálogo e boa convivência.
6. Saúde é ajudar os outros.
7.Saúde é uma coisa muito boa
que a gente só dá valor quando
perde.
8.Saúde é o contrário de doença.
9.Saúde é não sentir nada e tudo ser bom,
não passar trabalho nem reclamar.
10.Saúde é não precisar de médico,
cirurgia nem de remédio.
11.Saúde é poder trabalhar, viver, se
movimentar, comer e dormir bem, poder
sair, conversar.
12.Saúde é cuidado com o corpo e
prevenção.
13.A alimentação influencia a saúde.
14.Saúde é permitida por deus, o que
deve ser agradecido.
15.Saúde é fazer exames periódicos.
16.Saúde é ter a pressão arterial
controlada.
17.Os remédios fazem parte da saúde.
110
Quadro 11 – DSC da questão 01: O que é saúde para você? (Fonte: o autor.)
111
Percepções de Doença
Expressões
-
chave
Idéias centrais
(1) Doença é uma das piores coisas, (2) é desequilíbrio,
(3) entra no organismo (4) Veio da genética, (5) do modo
de vida, alimentação errada, morreu de relaxamento,
tivesse se prevenido talvez tivesse chance, doença é não
se cuidar com a saúde quando é mais novo. (6) Doença
acontece pela higiene bem precária. (7) Não tomar
remédio, não cuidar da pressão alta. (8) Não
conhecemos o poder que temos na mente, se a gente
conhecesse, não teria a doença. (9) Deus permite ficar
doente, eu pensei que deus não existia, ta me
castigando, ele ordem pro inimigo me prejudica com
enfermidade, porque tu é sem-vergonha. (10) Me faltando
alguma coisa, alguma coisa errada, eu sei que não estou
bem, (11) A gente sempre ruim, desanimada, sem
vontade, isolado triste. Uma pessoa doente não tem
ânimo pra conversar, pra rir, não tem coragem, não se
levanta, não se move, não fala. Às vezes uma pessoa
tem as duas pernas mas é doente, safenado o é
doente, caroço no seio não é doença, fez a cirurgia do
estômago precisa seguir uma manutenção não que seja
doença. (12) Quieta, nega comida, sentadinha ou
dormindo que não é horário, ver se tem febre, onde dói,
forma de a pessoa se apresentar, agir. Será que uma
mãe não vê que o filho ta com esse problema? Meu
corpo ta todo doente. (13) Não tenho força pra me
levantar, pra me virar, se continuo trabalhando, limpando,
lavando, ninguém nota. (14).Doente trabalho, (15)
tomando remédio. (16) Não me cuido, não me considero
doente. (17) A doença do corpo como a doença
psicológica, que a pessoa chega todo dia pra você diz
aquilo, todo dia a mesma coisa não tem nada a ver.
Fazer a diferença se ta mesmo passando pela doença ou
se é um problema psicológico. Gente que acha que está
doente, a cabeça não ajuda, procura uma dor. (18) Uma
doença periódica vai no dico que resolve é aceitável.
Uma doença que vai te levar a problemas maiores é bem
triste.
1.Doença é uma das piores coisas.
2.Doença é desequilíbrio.
3.Doença é algo que entra no
organismo.
4.Doença vem da genética.
5.Doença é resultado do modo de vida e
da falta de cuidado consigo.
6.Doença acontece por higiene precária.
7.Doença é não cuidar de si tomando
remédios e cuidando da pressão alta.
8.Doença é ignorar o poder da mente.
9. Doença é permitida por deus como
castigo por meio do diabo e deve ser
agradecida.
10.Doença é falta de algo, alguma coisa
errada, estar mal.
11.Doença são condições que
interferem na vida de relação.
12. A doença esno corpo e nas partes
do corpo, manifestando-se através de
sintomas e sinais.
13.Doença é não ter força para se
movimentar, não é notada quando a
pessoa continua trabalhando.
14.Doença é dar trabalho.
15.Doença é estar tomando remédio.
16.Doença é necessidade de cuidado.
17.Doença do corpo é diferente de
problemas psicológicos.
18.Doença pode ser resolvível e
aceitável ou levar a problemas maiores.
Quadro 12 – DSC da questão 02: O que é estar doente para você? (Fonte: o autor.)
112
Apoios Sociais Positivos Encontrados
DSC
Idéias centrais
(1) Doença a gente teve auxílio da família. Parei com tudo pra cuidar
da I., para estar junto. Um ajuda o outro, um cuida do outro. Com ele
dia e noite sentada numa cadeira, cuidava 24 horas. A família ajuda,
nora conseguiu remédio. Os filhos, minha nora, eu cuido dela e eles
de mim. Recorrer aos filhos. Ajuda converso com os filhos, o mais
velho me chego a ele, ligo pedir auxílio, pra pagar pra nós. Tem as
filhas que cuidam, filhas se combinam de trazer pra casa.
Alimentação é a gente que mantém, a gente protege ela. Genro levou
[para o hospital]. Recorro aos meus irmãos, me deram conselho,
tavam aqui com um monte de remédios. Sobrinho buscar remédio,
meu marido e meu filho buscar o medicamento. Filho que tenha carro,
os filhos levam ele. Meu irmão me levou, meu filho trouxe. Vim pra
casa da minha filha. Meu irmão viu na internet, ele tem o número do
processo, arrumou um advogado. Meu filho e eu tivemo no INSS. (2)
Primeiro de tudo, buscamos a deus, oro ao meu deus, com deus vou
o dia inteiro, tudo que eu dependo é de deus. Deus ajuda nossa
saúde, ta junto nas horas que mais precisamos. Pedi a deus que ele
deixe eu mais um ano. (3) Me sinto mal, sente os sintomas, vou na
farmácia, um salário a gente paga na farmácia por mês O pessoal vai
muito atrás de farmacêutico “foi na farmácia consultar, pedir um
remédio.”, compra o remédio que o farmacêutico mandou. (4) As
pessoas vem pedir oração, chega gente até de noite aqui, Tanta
gente que vem aqui, foi atendido ele aqui, Também ele fez a cirurgia
aqui (5)Corro no meu médico: Dr.A., corremos para ver se
conseguimos ele no posto, conversar comigo, disse que é normal.
Doutora é muito legal também. Dr. A. e duas meninas fazendo visita
vem em casa, as meninas tira a pressão. Grupo de hipertensos. (6)
Amigos para conversar, dialogar, desabafar, converso de tudo com
todo mundo, amigas mais experientes peço opinião. Tenho dúvida
vou procurar pessoa que sabe mais do que eu sobre aquele assunto,
preciso ter confiança. Liguei pruma amiga que ajudou quando precisei
de alimento, cesta básica. Amigos ajudam: “Bote dentro do carro”. (7)
Vizinho me socorreu, disse: “Tua mãe não passou bem”. Para fofocar,
conversar. (8) Ajuda do pastor, irmão vem orar, irmãs da equipe de
visita oram por ele. (9) Remédio, pedir calça plástica, procuro
assistente social. Programa pra se ativar, se abrir, receber conselhos
e conversar. (10) Cuidando de mim de dia, de noite minhas filhas,
com ajuda de empregada. Uma mulher sozinha não conta, cuido
dele durante o dia. (11) Recorro sempre ao dico. Temos um plano
de saúde, cada um tem seu médico. Vou no meu médico, médicos
particulares, quando não pode ir eles vem correndo. Meu netinho
seguiu acompanhamento médico, precisa fazer um exame, tem
qualquer coisinha, ligo para o pediatra. (12) Leva no hospital,
internada CTI, cirurgia o SUS paga. (13) Vereador, o carro dele tava
sempre à disposição, ambulância do corpo de bombeiros, ambulância
do central (14) L. voluntário, V., J. me ajudam, meu marido, essa
velhinha. Arrecado cesta básica, alimento roupa vou entregar pras
pessoas que precisa, não posso dar remédio, dou dinheiro, ou
preparo. Lembro duma pessoa tenho que ajudar, a doença vai
embora, cuido muito dos outros.(15) Igreja católica na Barra ajudaram
com comida. Me confessei com o padre na São Judas, na igreja me
sinto bem, peguei amizade com o padre, pode conversar tudo. (16)
Estava com a camiseta da Pastoral, ele viu e falou: “vamos tomar
1.Apoio saúde, transporte,
financeiro, emocional,
conselhos, informação
família.
2. Apoio – deus.
3Apoio saúde – farmácia.
4.Apoio saúde centro
espírita.
5.Apoio saúde equipe do
PSF, grupo de hipertensos.
6.Apoio socialização,
emocional, informação,
financeiro, transporte
amigos.
7.Apoio saúde, socialização
vizinhos.
8Apoio religioso, saúde
igreja evangélica.
9.Apoio financeiro,
emocional – assistente
social do programa
Sentinela e do PSC.
10.Apoio cuidado –
cuidadora contratada e
filhas, empregada.
11.Apoio saúde – médicos
particulares e convênios.
12.Apoio saúde hospital,
SUS.
13.Apoio transporte
vereador, ambulâncias dos
bombeiros e do PSC.
14. Apoio para família,
amigos, com ajuda de
voluntários para necessitados
– financeiro e saúde.
113
uma providência.”, caso não for atendida temos todos os direitos,
material da pastoral explicando. Mães vendo o problema não quer se
tocar, precisa a gente dizer, eu chamo, brigo, converso, digo o que é
certo, o que é errado. (17) Problema em casa, com crianças, marido
trabalha com o Conselho Tutelar. (18) Pela prefeitura no CTC cursos
de comida alternativa. (19) Pedir pro primeiro que aparecer.
15. Apoio financeiro,
emocional igreja católica
Barra e São Judas.
16. Apoio saúde Pastoral da
Criança.
17.Apoio trabalho pastoral
Conselho Tutelar.
18. Apoio técnico – prefeitura.
19.Apoio desconhecidos.
Quadro 13 – DSC da questão 3.1: O que você faz quando precisa de alguma ajuda? – Apoio positivo.
(Fonte: o autor.)
114
Apoios Sociais Negativos Encontrados
DSC
Idéias centrais
(1) A gente ajuda os filhos. (2) Fiquei com um neném nos braços
e a menina, cuidar dos netos, ao mesmo tempo que ta educando,
ta estragando.(3) O maior problema é meu irmão alcoólatra, me
incomodo por causa desse filho, tenho pena dos filhos dele que
eu crio. (4) Nunca nem mãe nem sogra cuidou dos meus filhos.
De fazer viagem fora e filho em casa tinha que levar pro hospital.
Meu médico pediu ecografia, não fiz, vou fazer quando meus
netinhos me deixarem sossegada. Sou a forte da família, não
quero falar, tem que ficar assim. Os filhos são tudo pobre, pouco
pode ajudar. (5) Não tenho com quem conta, ninguém ajuda. não
procuro ninguém, você tem que melhorar. eu mesmo faço as
coisas, não peço nada para os outros. (6) Nem com a igreja, falar
com o pastor ou outra pessoa, vão falar que é do maligno, são
doenças do físico, do psíquico, para os evangélicos é tudo coisa
do maligno. (7) Esgoto precário, sujeira cai no rio, o nativo acha
que é ontem com mais meia dúzia, tocava uma cabeça de peixe
no rio e ficava por isso mesmo. Lutamos, pediu para os
vereadores, fizeram o trabalho até na esquina custava puxar
um pouco mais? (8) INSS e a prefeitura não se bicavam, fica no
meio desse fogo cruzado.
1.Apoio financeiro para os filhos.
2. Apoio para filho
cuidando dos netos.
3 Apoio negativo filho
alcoólatra.
4.Falta de apoio da família para
cuidar dos filhos, para a saúde,
financeiro.
5.Não procura apoio Não tem
com quem contar.
6. A igreja evangélica não dá
apoio, atribui os problemas ao
maligno.
7.Falta de apoio dos nativos e
dos vereadores para
saneamento.
8.Falta de apoio INSS e
prefeitura.
Quadro 14 – DSC da questão 3.2: O que você faz quando precisa de alguma ajuda? – Apoio
negativo. (Fonte: o autor.)
115
Itinerários de Cura e Cuidado Percorridos
DSC
Idéias centrais
(1.1) Eu resolvo, uso fitoterapia, faço chá caseiro. Mijaram
dentro do pinico, botava sal, deixava ali pro outro dia passava
que abriu a carne, faixa achando que ia conseguir ficar. (1.2)
Outro foi tratado assim, essa tradição familiar, remédios
quem tem criança em casa sempre tem. (1.3) Comida
alternativa, que vosso alimento seja vosso remédio e vosso
remédio o vosso alimento, sem medicamento através dessa
alimentação, coisa boa que no corpo, mais vive quanto
menos come. (2) Se não puder resolver o problema dentro de
casa, a primeira opção é sempre o posto: corremos pro meu
médico. O Dr. A. sai do posto subir o morro, a enfermeira
vem em casa, as meninas que tira a pressão vieram,
remédios o posto fornece, grupo de hipertensos. (3) Vou no
meu médico, Dr. J. Sou muito atendida pelo P. [médico],
quando não pode ir ele vem. Esse cirurgião vascular, eles
vem correndo. (4) Dependo dos remédios, pra pressão alta,
dor nos nervos, no mais das vezes tomo os remédios. (5) Eu
recorro sempre ao médico, temos um plano de saúde, cada
um tem seu médico. (6) Fazer endoscopia no posto central,
ultrassom. O Dr. L., Dr. E. no posto central. Gestante no
Posto Central. Pegar o remédio na 1500 [Farmácia do
Município]. Pedir calça plástica na assistente social. (7) Me
sinto mal, vou na farmácia O pessoal vai muito atrás de
farmacêutico “foi na farmácia consultar, pedir um remédio.”
compra o remédio que o farmacêutico mandou. (8) Oro,
depois remédios, os médicos. Com oração curaram. Pedi,
deus escutou. Fui e botei a mão, pedi que Jesus viesse
curar, pedi pra Jesus me operar. (9) Massagem, emplasto
com a perna enfaixada. botei o no lugar com massagem e
água quente. (10) Estava com a camiseta da Pastoral: o que
é certo, o que é errado, que tiver orientado que penetrar, um
pouquinho eu consigo. Você registra, fazem um
acompanhamento. (11) Eu lembro duma pessoa que tenho
que ajudar, a doença vai embora. Essa participação me
ajuda. (12) Bombeiro com a ambulância, ambulância do
central ou a polícia, em emergência levar pro hospital, no
[hospital de Balneário Camboriú], no [hospital de Itajaí],
pronto-socorro.
1.Tentar resolver primeiramente em
casa:
1.1. Tentar resolver primeiramente em
casa: fitoterapia e tratamentos
caseiros.
1.2. Tentar resolver primeiramente em
casa: automedicação.
1.3. Tentar resolver primeiramente em
casa:alimentação.
2.PSF: Médico no posto, visitas do
médico, da enfermagem e ACS,
fornecimento de remédios, grupo de
hipetensos.
3. Médicos particulares antigos, por
relações familiares e amizade.
4. Remédios prescritos.
5.Convênios de saúde.
6. PSC e SS endoscopia, ultrassom,
reumatologista, pré-natal, farmácia
municipal, neuropediatra, assistente
social.
7.Farmácia.
8.Oração, imposição de mãos e
Cirurgia espírita.
9.Massagem.
10.Pastoral da Saúde.
11.Apoio Social.
12.Ambulância dos bombeiros, PSC
ou polícia para levar para hospitais em
emergências.
Quadro 15 – DSC da questão 4: Em situações de problemas de saúde, quem
você procura? (Fonte: o autor.)
116
Itinerários de Cura e Cuidado Positivos
DSC Idéias centrais
(1) Ta bom, né? (2) Sendo atendida, são soluções
ótimas. (3) Sempre fui bem sucedida. (4) As melhores
soluções são os chazinhos, faz muito bem. Quantas
vezes não levantamos da cama com remédio do meu
quintal. Chá nenhum faz mal, resolvo através de chás.
Fui curada com remédio feito em casa, dentro de um
mês tava curado. (5) As melhores soluções são as
orações, recebi cura através da oração, orei o senti
mais nada. (6) Se tem remédios em casa e serve,
então eu resolvo, tenho sempre para uma emergência.
(7) As pessoas vem pedir oração, deixaram de fumar e
se curaram de muitas doenças. (8) Chega aqui tem um
tanto assim de perna curta, então ele espicha e cura,
tinha tirado o do lugar, botei o no lugar. (9) Bons
resultados no sentido familiar sim, unibiótica é uma
coisa nova, não tem um médico que te esclareça.Tirei
todos os remédios, devia ter acompanhado pelos
menos exames laboratoriais, foi um erro meu. (10) O
médico ajuda. (11). Não saímos do Posto de Saúde
sem ser resolvido, atendem muito bem, não tenho
queixa de nenhum deles, nunca voltou dizendo que o
dr. A. não atendeu. A gente tem segurança no dr. A,
botei muita confiança, me ajudou muito. As enfermeira
tratam muito bem, com carinho, com amor. O dr. aqui é
nossa ajuda, o melhor médico, se não fosse o sr. o que
seria de nós?.dico do posto de saúde foi uma coisa
boa que fizeram pra gente. Dra. lá é muito legal. Ganha
o remédio, o posto fornece, No grupo de hipertensos
aprendi muitas coisas. (12). O ideal é quando você vê o
médico da família vindo, assistindo a tua família,
convivendo com você, esse tipo de profissional é
maravilhoso, sai do posto para me ver. (13) O que me
salvou foi a Unisanta. Elosaúde é atendido em todo o
Brasil, tão bem atendido. (14) Quando não pode ir lá,
eles vem correndo, é muito bom, cuida muito dele.
Precisa fazer um exame, tem qualquer coisinha, eu
ligo. Me atendeu na mesma hora, em dois dias tinha
melhorado. (15) Medicamento que me ajudou bastante,
tomo para controlar, dependo um monte dos remédios,
ele me deu o remédio a consoante que me abriu os
pulmão. (16) No Posto Central fez a infiltração, sumiu
tudo. (17) Remédio eu procuro numa assistente social.
(18) Caminhada é muito bom. (19) A ambulância do
corpo de bombeiros, a ambulância do central, veio
buscar ela, atenderam muito bem. (20) Hospital socorro
mais rápido, foi direto pra CTI, ortopedia tem
atendimento separado foi ótimo, gestante muito bem
atendida. No [hospital de Itajaí], tudo resolvido. (21)
Com a camiseta da pastoral me respeitam, pode ir toda
hora, me ouvem muito bem. (22). Eu lembro duma
pessoa que eu tenho que ajudar, a doença vai embora,
eu tenho muito mais vontade.
1.As alternativas encontradas
foram boas.
2.As soluções para problemas de saúde
são ótimas quando são atendidos.
3. Consegue ser bem sucedida na
procura de soluções para seus problemas
de saúde.
4. Fitoterapia e Medicina caseira
melhoram de problemas de saúde e o
fazem mal.
5.Oração traz cura.
6.Automedicação resolve problemas de
saúde.
7.A oração e cirurgia espírita ajudam na
cura de muitas doenças.
8.Massagem cura problemas nas pernas
e pés.
9.O uso da unibiótica em casa tem bons
resultados mas pode trazer problemas
pela falta de orientação profissional.
10.Consultar com médico ajuda.
11.O atendimento do PSB é muito bom,
oferece ajuda com atendimento médico e
de enfermagem confiável e atencioso,
fornecimento de remédios e grupo de
hipertensos.
12.A visita médica domiciliária é o ideal.
13.Convênios atendem bem em qualquer
lugar.
14.Médicos particulares e por convênio
são bons e disponíveis.
15.Remédios ajudam a controlar
problemas de saúde.
16.Infiltração do ombro feita no PSC
resolveu a dor que sentia.
117
17. Assistente social do programa
Sentinela se disponibilizou para obter
remédios.
18.Cardiologista orientou caminhada com
resultados muito bons.
19.As ambulâncias dos bombeiros e do
PSC transportam e atendem muito bem.
20.Hospital oferece socorro mais pido,
com internação direto no CTI, e bom
atendimento em ortopedia e obstetrícia.
O atendimento do Marieta resolveu tudo.
21.A Pastoral da Criança é bem aceita
por quem vem de fora.
22.Oferecer apoio a outras pessoas faz
com que a doença vá embora.
Quadro 16 – DSC da questão 5.1: Você considera que essa(s) soluções
foi(foram) a(s) melhor(es) para seus problemas? - Resultados positivos.
(Fonte: o autor.)
118
Itinerários de Cura e Cuidado Negativos
DSC
Idéias centrais
(1) Sou meio estourada, quero as coisas urgentes, às vezes
recebo um não, não sei baixar a cabeça, às vezes sou
sacaneada. (2). Os filhos são tudo pobre, muito pouco pode
ajudar, uma mulher sozinha o conta. (3).Continuo
trabalhando, limpando, lavando, ninguém nota, eles não
sabem como eu me sinto. (4) Cana-de-cheiro não posso
tomar, meu coração dispara. (5) Faixa achando que ia
conseguir ficar, mas não consegui. (6) Para os evangélicos é
tudo coisa do maligno e eu não concordo com isso. (7) Os
nativos não aceitam, são muito orgulhosos, é muito difícil,
eles fazem um acompanhamento e não aparecem mais.
(8).Os paramédicos não botaram a mão nela aqui dentro de
casa. (9) No posto de saúde não tem ambulância. (10) Esse
vereador agora perdeu, não leva mais ninguém. (11) Fico
assustada no [hospital de Balneário Camboriú], não acho
certo o atendimento, contaminação. Eu vi coisas terríveis,
falhas aqui, existe muito a necessidade de profissionais de
melhor qualidade. uma vez ela me deixou esperando umas
duas horas. ela me olhou e disse “É 180, dona.” Eu digo “Não
tenho dinheiro.” Ela disse “Não dá pra consultar.” pediram
150 pra me fazer injeção. Ela tava com bastante dor, a
enfermeira disse “Não adianta ta gritando, tem que trazer o
dinheiro que o médico te opera.” (12). Pega um feriadão,
com tudo fechado, o posto de saúde não tem. (13) Tem
medico que trata a gente tão mal, eu acho isso tão ruim,
médicos particulares mesmo, que era um cavalo vestido e
não médico. Ele disse: Vai ter que cortar a perna”. Eu digo:
“Não, de jeito nenhum”. Ele disse: “Então vou desistir, não
dou mais remédio.” (14) Ele não quis atender, fizemos
consulta pela Unimed pra ele atender, mas a consulta ta
muito cara, não vou mais faz tempo, tudo descontado em
folha de pagamento. (15) No Posto Central marcar uma
consulta são três meses, demora para a gente ser atendido,
ultrassom vai demorar. O médico queria exigir exames no
consultório dele que ela não podia pagar, ele disse que não
1.Atitude agressiva e pressa
trazem dificuldades ao buscar
atendimento.
2.Os filhos não tem condições para
cuidar dela sozinhos.
3.A doença não é notada pela
família.
4.Chá caseiro piora arritmia.
5.Tratamento caseiro não resolveu
o problema.
6.Não concorda com a visão da
igreja evangélica sobre doenças.
7.Os nativos são muito orgulhosos
para aceitarem o trabalho da
Pastoral da criança.
8.Os paramédicos não atenderam
a filha com câncer até que fosse
colocada na maca pelos familiares.
9.No posto de saúde não tem
ambulância.
10.O vereador deixou de oferecer
seu carro para transporte de
doentes quando não se reelegeu.
11.O atendimento do hospital
Santa Inês é assustador, há falta
de bons profissionais e só atende
quem tem dinheiro para pagar.
12.PSB não está sempre
disponível.
13. Médicos particulares podem ter
um atendimento falho e pouco
atencioso.
14.Médicos particulares e por
convênio são caros.
15. No PSC o atendimento e
exames são demorados, a
assistente social não obteve calças
119
adiantava. Uma mal-humorada, não sabem nem falar com
uma pessoa, ficaram prometendo de dar e o deram. Tem
uns que não ajuda muito, no Posto Central eu não quero
mais. (16) Não faria o que fiz, os gastos seriam menos, não
teria passado o que passei. Foi uma burrada muito grande
com auxílio da família. talvez teria até mais assistência.
plásticas, cobraram exames
particulares, foi mal tratada, não
adianta consultar, não quer mais
voltar lá.
16.A falta de informação dela e da
família pode ter feito com que
tivesse menos assistência do que
teria buscando informação no
hospital ou no posto de saúde.
Quadro 17 – DSC da questão 5.2: Você considera que essa(s) soluções
foi(foram) a(s) melhor(es) para seus problemas? - Resultados negativos.
(Fonte: o autor.)
No caso das questões três e quatro, relativas às fontes de apoio social e aos
itinerários de cura e cuidado, representando nossos objetivos específicos, os DSCs
resultantes mostravam um critério de distinção marcado pelo antagonismo. O mesmo
se deu com a questão cinco, na qual os informantes avaliavam os resultados dos
itinerários utilizados. A partir disso, a apresentação dessas questões foi sob forma de
dois DSCs diferentes, um com sentido positivo e outro com sentido negativo, para cada
questão. As demais questões, relativas às representações sobre saúde e doença
produziram DSCs únicos que foram incluídos na discussão como subsidiários aos
dados que diziam respeito às questões particulares de nosso projeto.
7.2 O Mapeamento das Redes Sociais e dos Itinerários de Cura e Cuidado
Os dados coletados dessa forma permitiram a identificação das redes sociais
mais significativas da Barra do Rio e a descrição dos itinerários de cura e cuidado
desenvolvidos nas redes sociais identificadas. A partir disso, elaboramos uma
120
representação gráfica dessas redes sociais, o que num primeiro momento tentamos
fazer segundo o modelo apresentado por Sluzki (1997) (Figura 8). No entanto, a ênfase
dada aos problemas de saúde esvaziava os setores do diagrama relativos a formas de
apoio mais procuradas em situações outras que aquelas de problemas de saúde,
concentrando-se nos setores “Família” e “Relações com Sistemas de Saúde e Agências
Sociais”. Nossa opção foi adaptar o diagrama original a fim de representar as fontes de
apoio sem discriminação de forma de apoio (Figura 9), relacionando a acessibilidade da
fonte de apoio como diretamente proporcional à distância do círculo na qual está
disposta até o centro do diagrama no qual localizamos a família, e diferenciando as
fontes de apoio positivo no formato de elipses, enquanto aquelas de apoio negativo
estão inscritas em retângulos.
121
Figura 8 – Mapa de redes sociais na Barra do Rio no modelo de Sluzki
(Fonte: Sluzki, 1997)
AMIZADES
FAMÍLIA
RELAÇÕES
COMUNITÁRIAS
RELAÇÕES DE TRABALHO
OU ESTUDO
C1
C2
A
S1
S2
S3
F1
F2
F1 - Filhos
F2 - Irmãos
A - Amigos
C1 - Vizinhos
C2 - Igreja
S1 - Equipe PSF
S2 - SS
S3 - Hospital
122
Figura 9 – Mapa adaptado das Redes Sociais na Barra do Rio.
(Fonte: adaptação do autor)
PSF
Famílias
Farmácia
Posto de Saúde
Central
Pastoral
da Criança
Hospital
Deus
Vizinhos
Amigos
Médicos
Particulares
Cuidadores
Contratados
Igrejas
Assistentes
Sociais
Prefeitura
Família
Vizinhos
Igrejas
Evangélicas
Prefeitura
e Vereadores
Centro
Espírita
Médicos
Particulares
123
No diagrama da Figura 8, que seguiu o modelo original proposto por Sluzki
(1997), nos limitamos àqueles apoios profissionais que não demandavam,
necessariamente, desembolso de dinheiro, excluindo os apoios profissionais que se
caracterizavam como alternativas pagas. Além disso, sintetizamos diferentes apoios
que poderiam ser incluídos sob um mesmo rótulo, sem diferenciar as igrejas ou os
diferentes recursos disponíveis através do Governo Municipal, reunidos sob o rótulo de
Secretaria da Saúde. Isso se deveu à característica desse diagrama de não diferenciar
os apoios entre negativos ou positivos.
Na construção do diagrama adaptado da Figura 9, como não estávamos restritos
à disposição por quadrantes, foi mais viável graficamente especificar as várias fontes de
apoio mantidas por organizações sociais, fossem elas governamentais ou não. Nesse
diagrama, reunimos os convênios médicos e os médicos particulares sob um mesmo
rótulo, pois se mostraram intercambiáveis em termos de acessibilidade para as famílias
quando dispunham de recursos financeiros para esses atendimentos, ambos fazendo
parte das alternativas pagas. Também aqueles médicos particulares que foram
identificados como sendo tradicionais no município, atendendo algumas pessoas da
comunidade por relações de amizade ou parentesco, foram integrados nesse rótulo,
visto não estarem amplamente disponíveis como fonte de apoio social.
A representação gráfica dos itinerários de cura e cuidados (Figura 10) foi dividida
em quatro quadrantes, parcialmente superponíveis às fontes de apoio social positivas,
com as quais são identificáveis através das cores utilizadas nos rótulos dos diagramas.
Como seria impraticável e pouco elucidativo representar cada itinerário particular, sendo
que cada informante descreveu, no mais das vezes, diferentes itinerários para
diferentes problemas de saúde, o diagrama que construímos buscava evidenciar quais
os elementos comuns aos itinerários de cura e cuidado na Barra do Rio. Esses
elementos eram combináveis em ordens diferentes ou em paralelo na reconstrução de
cada itinerário individual.
124
Figura 10
- Diagrama dos itinerários de cura e cuidado na Barra do Rio.
(Fonte: o autor)
Visitas da equipe
Posto de Saúde
da Barra
Fornecimento de
Medicação
Grupo hipertensos
dico no posto
Tentar resolver
em casa
Oração
Alimentação
Automedicação
Fitoterapia
Farmácia
dicos
Particulares
Convênios
Médicos
Alternativas
Pagas
Pastoral da Criança
Ambulâncias e
Hospital
Terapias
espíritas
Organizações
Sociais
Posto de Saúde
Central
125
O PSF foi representado como um único rótulo no diagrama de apoio social,
enquanto ficou subdividido na representação gráfica dos itinerários, de modo a
especificar ações desenvolvidas pela equipe que foram identificadas como elementos
isolados nos itinerários descritos pelos informantes.
Da mesma forma, aquelas alternativas que fazem parte do grupo “Tentar resolver
em casa” foram isoladamente representadas no gráfico dos itinerários, ao contrário do
diagrama de apoio social, considerando-se que estas foram incluídas sob o próprio
rótulo de “Família”.
126
8 DISCUTINDO OS RESULTADOS
O Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) sobre as redes de apoio social no bairro da
Barra identificou fontes de apoio diferentes de acordo com cada forma de apoio
buscado. Dentre essas fontes de apoio, a família se mostrou como a mais rica, tanto em
disponibilidade quanto em variedade de formas de apoio mediadas por ela. No entanto,
a abordagem inicial direcionada à saúde e doença, além da identificação dos
entrevistadores como profissionais da saúde que faziam uma pesquisa sobre cuidados
com a saúde, provavelmente foi determinante na ênfase que os informantes deram aos
apoios sociais buscados em situações de doença.
Na analogia de Elsen (2002), o cuidado familial estende seus ramos como uma
árvore de ações e interações entre os membros da família, enraizando-se no universo
biopsicossocial compartilhado por eles como uma cultura familiar, não sendo o cuidado
um fenômeno isolado. O cuidado familial constitui-se, então em um sistema de saúde
com um modelo explicativo de saúde e doença próprio que serve como um guia
internalizado para a promoção, prevenção e tratamento dos problemas de saúde.
Os membros das famílias entrevistadas contavam basicamente com o apoio
mantido entre os membros do casal em relação à saúde, visto que na maioria dos
casos a família se constituía somente do casal ou este coabitava com filhos e/ou netos
sob seus cuidados. Sluzki (1997) descreveu o ganho de importância da relação
conjugal na velhice, com sua eventual sobrecarga, resultante da redução da rede
social, enquanto as relações entre os pais idosos e os filhos modificam suas dinâmicas,
na medida em que os filhos passam a ter o papel de cuidadores dos progenitores. O
apoio para transporte, recursos financeiros, conselhos, informações ou de caráter
emocional costumava envolver uma rede mobilizada eventualmente, até mesmo via
telefone, da qual participavam basicamente filhos(as) e irmãos(ãs), com suas
respectivas famílias.
127
A mobilização da rede de apoio familiar em um caráter mais permanente se dava
em relação a pessoas com limitações importantes para a vida diária, incluindo a
contratação de cuidadoras e divisão de despesas entre os filhos(as), como nos casos
de F2 e F4. Essas duas famílias encontraram soluções diferentes para lidar com o idoso
dependente de cuidados diários em função de problemas crônicos de saúde. Mesmo
que as duas famílias mantivessem cuidadoras contratadas somente durante o dia,
enquanto os familiares assumiam os cuidados à noite, P2 permaneceu em sua casa,
diferente de M4 que passava por um rodízio entre as residências das filhas no próprio
bairro.
Os diferentes cursos dos problemas de saúde de M4 e P2 não permitiam
comparações diretas, sendo que P2 tinha 84 anos, mas apesar das seqüelas de AVC e
da HAS mantinha uma situação mais estável ao longo do tempo, até sua morte, em
relação a M4 que, com 72 anos, apresentava freqüentes complicações pelo DM. As
duas famílias vivenciaram mudanças de cuidadoras contratadas e, mesmo assim, as
dificuldades envolvendo a continuidade dos cuidados com saúde pareciam maiores
para M4, implicando um recomeço a cada mudança de residência sofrida. Porém, a
filha que cuidava de M4 na época da entrevista justificava a impossibilidade de mantê-la
em sua própria casa não pelos limites financeiros, mas também em razão dos
conflitos na convivência com o filho etilista que coabitava com M4 anteriormente e
permanecia na casa desta.
Ainda que a família fosse a principal intermediária dos problemas de saúde e que
o apoio disponibilizado pelas pessoas aos familiares se mostrasse gratificante, a família
também se constituía em uma fonte de apoio negativo ou uma limitação para obter o
apoio necessário. A sobrecarga sofrida no cuidado com os netos (F6 Q 3.2.2; F4
Q3.2.3; F8 – Q 3.2.4) e a simples incapacidade de identificar fontes de apoio mesmo na
própria família (F7; F9; F10 – Q 3.2.5) foram exemplos disso.
Essas informantes que contribuíram com a idéia central (Q 3.2.5) Não procura
apoio, não tem com quem contar.”, eram coincidentemente identificadas como usuárias
pouco freqüentes do Posto de Saúde. Isso pode ser indicativo de uma dificuldade no
acesso aos serviços de saúde, traduzido por F10 em sua atitude de deixar o
128
atendimento pelo médico do PSF para quem precisasse mais, enquanto o médico
particular se tornara muito caro, como pela demora e falta de resultados na utilização
dos serviços do Posto de Saúde Central (F9; F10 Q 5.2.15). Por outro lado, a
presença de uma rede consistente de apoio positivo é um fator capaz de afetar
favoravelmente a saúde no momento em que a busca por soluções para os problemas
de saúde pode ser estimulada pela rede (SLUZKI, 1997). Se essas famílias não
contavam com redes de apoio desenvolvidas, isso seria uma influência para seu
comportamento de não utilização dos recursos do PSF quando necessário.
Conseqüentemente a seu papel como fonte de apoio social em relação à saúde,
a família se constituía para os informantes como coordenadora dos itinerários de cura e
cuidado, bem como mantenedora de alternativas que foram incluídas sob a idéia central
“Tentar resolver em casa”. Estas alternativas se relacionavam à fitoterapia e outras
formas de medicina caseira, à automedicação e à alimentação. Sartori (2002) observou
que a medicina familiar era o primeiro recurso de saúde na comunidade rural
pesquisada por ela, praticada primariamente pelas mulheres, a partir de sua
experiência própria ou dos mais velhos, nos mesmos moldes das práticas de mulheres
no México descrita por Tezoquipa, Monreal e Santiago (2001). Segundo Sartori, a
medicina familiar não conflitava com a medicina oficial, estabelecendo seus limites de
forma bem definida como recurso para problemas de saúde leves ou simples, enquanto
os graves eram destinados à atenção médica formal.
As ancoragens da fitoterapia e da medicina caseira residiam em fontes diversas,
desde as tradições familiares e prescrições de médicos antigos, até programas de
televisão com a participação de médico naturalista, terapias orientais baseadas na
unibiótica, além de orientações da Pastoral da Criança e da Secretaria de Meio
Ambiente do Município. Esta última disponibilizava fitoterápicos que, de outra forma
costumavam ser cultivados pelas próprias famílias ou eram comprados no comércio
informal. De acordo com as ACS da Barra (SILVA; SCHOLZE; FAGUNDES; 2004), o
uso de plantas medicinais era mais significativo entre idosos e famílias de pescadores.
O conhecimento popular sobre plantas medicinais, segundo Queiroz (2003), estava
mais vinculado aos idosos, dependendo da inserção destes nas famílias para que seja
129
difundido, isso foi observado no relato de M6 que distribuía chás previamente
embalados e identificados para os filhos que não moravam com ela.
Com a exceção de C2 (Q 5.2.4), a fitoterapia foi relatada como uma alternativa
positiva nos itinerários de cura e cuidado, amplamente utilizada e isenta de riscos.
Queiroz (2003) também afirmou que um aspecto positivo das plantas medicinais era o
de serem menos iatrogênicas e com menores reações adversas que medicamentos
químicos. Ele apontou a incompatibilidade gica entre o uso de plantas medicinais e a
farmacologia, que na primeira uma erva pode ser benéfica para uma pessoa e não
para outra. A fitoterapia considera o valor terapêutico da planta como um todo no
sentido de restabelecer o equilíbrio do organismo, sem isolar um composto ativo, mas
manipulando-a de forma nima a partir de uma seleção baseada em experiência,
sensibilidade e intuição. Warber e Zick (2001) revisaram o uso de ervas medicinais e
sua relação com problemas cardiovasculares, relatando benefícios potenciais de
algumas delas, mas relacionando vários possíveis efeitos adversos, mais comumente
alergias, além de interações de ervas com medicamentos utilizados para doenças
cardiovasculares, podendo levar a redução de efeito das drogas ou aumento do risco
de sangramento se utilizadas concomitantemente com varfarina ou ácido
acetilssalicílico.
A automedicação também teve na tradição familiar uma ancoragem, destinada
especialmente a crianças. Os itinerários descritos por Scholze, Silva, e Fagundes
(2004) também apontavam para uma utilização maior da automedicação em famílias
jovens, menos comum entre idosos que mais comumente faziam uso de
medicamentos prescritos por doenças crônicas.
Em estudo que incluiu 775 indivíduos em uma cidade brasileira, Loyola Filho et al
(2002) observaram uma prevalência do consumo de medicações exclusivamente não
prescritas de 28,8%, considerando-se um período de 90 dias anterior ao estudo, sendo
que outros 17,2% utilizaram conjuntamente medicamentos prescritos e o-prescritos
no mesmo período. A maior freqüência de automedicação estaria relacionada com a
menor freqüência de consultas médicas, sugerindo que fosse uma alternativa à atenção
130
formal à saúde na comunidade estudada, o que estava de acordo com estudos
realizados em outros países.
Visto ser uma alternativa muito difundida, é possível que o emprego da
automedicação tenha sido menos relatado pelos entrevistados em nossa pesquisa por
se encontrarem diante de representantes do sistema formal de saúde. Isso se deu no
caso de F7, pois ela negava utilizar medicamentos sem prescrição médica e, mesmo
não sendo usuária de tratamentos para doenças crônicas, mantinha uma verdadeira
farmácia sobre a geladeira da cozinha.
Outra alternativa de cura e cuidado desenvolvida no ambiente familiar foi o uso
terapêutico da alimentação ou, mais amplamente, como forma de prevenção, tendo
ancoragens evidentes na unibiótica e na Pastoral da Criança. A alimentação errada fez
parte das idéias centrais segundo as quais a doença é resultante da falta de cuidados
(Q 2.5) e que ter saúde depende de saber se alimentar (Q 1.13), o que refletiu uma
ancoragem biomédica, constante nas recomendações alimentares repetidas ad
nauseum pelos profissionais da saúde que trabalham com pessoas em tratamento para
HAS e DM, situação vivida pela quase totalidade das famílias entrevistadas. Sartori
(2002) chamou a atenção para um possível conflito entre um padrão alimentar ditado
pelo saber oficial em saúde e aquele adotado no cotidiano das famílias que, mesmo
conhecedoras do primeiro, seguem critérios ditados por suas possibilidades aquisitivas
e por uma classificação entre alimento “forte”, necessário para manter o corpo
trabalhando, e alimento “fraco”, para aqueles com o organismo debilitado e muitas
vezes identificado com as orientações nutricionais da saúde formal.
A presença dos amigos e vizinhos na rede de apoio social foi identificada pelas
famílias sob formas variadas, mas pouco intensiva, mais em um aspecto de
socialização, para “fofocar, conversar”. Em alguns casos, o papel de amigos e vizinhos
foi o de fonte de apoio financeiro e transporte em situações de doença. Em nossa
pesquisa com as ACS da Barra, também não identificamos um apoio efetivo dos
vizinhos em situações de problemas de saúde, como na fala da ACS que atuava em
uma das áreas mais carentes: cada um assim procura ter a sua opinião, né? Antes do
131
outro saber mesmo eles fizeram alguma coisa. (SILVA; SCHOLZE; FAGUNDES;
2004, p. 47).
Deus foi um apoio onipresente, tanto em situações de doença como no dia-a-dia
das famílias, quer fossem católicos ou evangélicos. No caso das famílias evangélicas, a
religião foi uma ancoragem constante ao longo dos discursos, retratada em expressões
chaves como tudo o que eu dependo é de deus”, o que era identificado na
responsabilização do divino tanto pela saúde quanto pela doença. Mesmo que as duas
situações fossem apontadas como motivo para agradecer a deus, a doença era
creditada ao maligno, agindo para aplicar um castigo divino. Naturalmente, a oração
surgia como uma primeira opção nos itinerários de cura e cuidado, fosse ela uma ação
individual ou de um grupo de oração que se reunia na casa da pessoa doente.
Exceto pelos grupos de oração, as igrejas evangélicas não foram representadas
no DSC como uma fonte de apoio, até mesmo sendo rejeitadas como possibilidade de
apoio em relação a problemas de saúde, exatamente por atribuir as doenças ao
maligno(Q 3.2.6). Já a igreja católica, mesmo não constituindo uma ancoragem tão
presente quanto a evangélica, mostrou-se uma fonte de apoio social mais variada,
incluindo apoio financeiro e emocional, e com um aspecto de organização social
atuante no apoio à saúde através da Pastoral da Criança.
Aparentemente a ligação da Pastoral da Criança com a igreja católica acabava
mesmo por ser uma limitação a sua atuação nessa comunidade, como relatou F8, tanto
na falta de aderência dos nativos” ao acompanhamento nutricional das crianças,
quanto na ausência de participação das igrejas evangélicas nas reuniões desenvolvidas
pela Pastoral, ainda que estas procurassem demonstrar um caráter ecumênico.
Essa possibilidade de contribuição negativa das igrejas evangélicas ou
pentecostais para a constituição de redes sociais pode ser verificada também na
pesquisa de Ambrozio (2003), que as considerou um fator de desagregação da
comunidade, e nos relatos das ACS quanto a heterogeneidade das igrejas e seu papel
como fator contrário à participação dos moradores em atividades de educação e
promoção à saúde (SILVA; SCHOLZE; FAGUNDES, 2004). Valla (2000), por outro lado,
132
ressaltou o caráter de manifestação popular dos cultos evangélicos, que teriam sua
função terapêutica para a comunidade menos pela identificação com o grupo que pela
possibilidade de externar as frustrações que são cotidianamente somadas como fatores
de estresse. Esse sofrimento difuso na vida das classes populares, não expressado em
outros contextos, ganharia coerência na vivência das igrejas evangélicas em
concordância com a proposta do apoio social.
Os dados de uma pesquisa em áreas urbanas do Brasil em 1998 foram utilizados
por Almeida e Montero (2001) para investigar a migração entre religiões. Eles traçaram
um perfil dos membros do segmento pentecostal como uma maioria de mulheres,
chegando a 80% na Igreja Universal, adultos jovens das classes C e D, com ensino
fundamental incompleto, buscando uma rede de sociabilidade. As religiões pentecostais
foram as que mais ganharam fiéis, utilizando-se das crenças já existentes, a exemplo
da umbanda, e satanizando-as, como um sincretismo ao contrário. Eles propuseram um
caminho na migração mais comum, do catolicismo ao pentecostalismo, que poderia ser
visto como um itinerário de cura e cuidado religioso:
ao descobrir ser portador de uma grave doença recorrerá à fé católica, aos santos
milagreiros e a alguma devoção à Maria. Não conseguindo o seu objetivo, recorre à
umbanda que lhe promete a cura mediante à oferenda de sacrifício para alguma
entidade afro-brasileira. A cura, no entanto, não vem. Ele, então, assiste na televisão
os testemunhos de milagres que ocorrem a quem for à Universal; e se fixa o fiel-
doente. (ALMEIDA, MONTERO; 2001).
Guareschi (1995) distinguiu as igrejas evangélicas na América Latina em
pentecostais antigos, como a Assembléia de Deus, e os neopentecostais, como a Igreja
Universal do Reino de Deus, estas com maior crescimento nas últimas duas décadas e
que foram objeto de sua pesquisa sobre a ancoragem da questão financeira em suas
práticas religiosas. Ele também identificou as crenças afro-brasileiras como a
ancoragem do mal para os pentecostais, enquanto as graças de deus dependiam da
reciprocidade, muitas vezes antecipada, sob forma de “doações” em dinheiro para o
133
pastor, que garantiriam as benesses da divindade, da mesma forma que qualquer outra
força do mercado capitalista que trabalha em troca de dinheiro.
Esse autor observou que os fiéis constituíam uma massa anônima tratada de
forma a não questionar quais fatores perpetuavam a miséria humana, atribuindo tudo
ao “demônio”, a mesma abordagem da doença presente no DSC relativo à falta de
apoio em nosso estudo (Q 3.2.6). Valla (2000) atribuiu essa situação não a uma
manipulação externa do crente, mas a uma constatação coerente das classes
populares que a melhora da situação social é ilusória.
O papel das religiões como determinantes dos valores da sociedade foi, segundo
Santos (1987), apropriado pelo consumo cuja se instala nos objetos, alienando o ser
humano de modo a reduzir sua sensibilidade, individualidade e cidadania. Porém,
considerando os autores acima, o pentecostalismo e o neopentecostalismo foram
capazes de agregar o ópio da religião ao ópio do consumo. Mesmo que envolvessem a
pessoa em uma forma de rede social, essas religiões submetiam-na duplamente: à
lógica do consumo e à lógica da graça esperada. O crente, imobilizado pela sociedade
e pela religião, “só tem que agradecer”, como nas expressões-chave relativas à saúde e
doença.
As terapias espíritas não tiveram relatos por parte dos entrevistados na
qualidade de usuários, somente por F6 como proprietária da casa onde eram realizadas
as terapias. Isso estava de acordo com os resultados da pesquisa com as ACS (SILVA;
SCHOLZE; FAGUNDES, 2004) que desconheciam a prática dessa alternativa nos
itinerários da Barra, ainda que pacientes atendidos no Posto de Saúde tivessem se
submetido a tais tratamentos. Inclusive, essa residência era identificada como
estabelecimento dedicado a massagens, não como local de sessões espíritas. A
massagem foi relatada por F6 como uma alternativa terapêutica buscada por muitas
pessoas da comunidade e de outros locais, levando a resolução de problemas
ortopédicos.
Outra alternativa não relatada pelas famílias entrevistadas, mas identificada na
Barra pelas ACS foram as benzeduras, também presentes nas observações em nosso
134
trabalho na unidade de saúde e nas visitas domiciliárias, tanto através de pessoas que
relatavam ter levado crianças para benzer quanto por nosso contato com moradoras
idosas que praticavam as benzeduras. Estas, assim como as terapias espíritas,
estavam mais próximas da religião católica (QUINTANA, 1999), portanto tendiam a ser
negadas em uma comunidade com forte influência evangélica.
Figura 11 - Posto de Saúde da Barra, com diversas bicicletas no interior do pátio, meio
de transporte comum entre os moradores do local.
A presença do Posto de Saúde da Barra (PSB) como parte das redes de apoio
social e dos itinerários de cura e cuidado na Barra poderia ser atribuída a nossa
presença ou das ACS no momento das entrevistas ou, pelo menos, na marcação das
entrevistas realizadas pelos outros pesquisadores e, especialmente, pela inclusão dos
informantes a partir de uma população coberta pelo PSF. No entanto, o DSC referente
a resultados negativos nos itinerários somente relacionou o PSB no sentido de não
135
estar disponível à noite, em feriados e fins-de-semana (F1 Q5.12), enquanto os
elementos do discurso quanto aos aspectos positivos do PSB como parte dos itinerários
e das redes de apoio foram bastante enfáticos.
Utilizamos o rótulo PSF no diagrama de apoio social a fim de englobar os
diferentes membros da equipe citados nos discursos e os elementos disponibilizados
pelo PSB nos itinerários de cura e cuidado da comunidade: médicos, grupo de
hipertensos, visitas da equipe e fornecimento de medicação. Contudo, o Programa
Saúde da Família não se constituiu em uma expressão-chave encontrada nos DSCs. As
famílias se referiram principalmente à figura do dico do PSB como parte dos
itinerários e apoio em problemas de saúde, já as enfermeiras, auxiliares de enfermagem
e ACS foram citadas de forma mais conspícua em relação a visitas domiciliárias.
O mais próximo que se chegou de uma referência ao PSF foi a identificação feita
por P1 que caracterizou o dico de família como um aspecto positivo dos itinerários
na idéia central “A visita médica domiciliária é o ideal.” (Q 5.12). Mesmo assim,
permaneceu uma percepção do sistema de saúde centrado no médico, o que nega as
propostas do PSF como estratégia baseada na interdisciplinaridade das relações de
trabalho, devendo sempre realizar o atendimento por meio de uma equipe
multiprofissional (BRASIL, 1997, 2000). Ou seja, a equipe de Saúde da Família não
fazia parte das representações sociais de uma comunidade que convivia com o PSF
mais de quatro anos, sendo a atuação do PSF no campo da saúde, que deveria ser
integrada, vista sob forma de pessoas e ações desvinculadas, reunidas ora sob o teto
comum do posto de saúde, ora sob as prescrições médicas.
Assim, uma primeira razão para a falta de citações ao PSF nos discursos foi
identificável pela permanência do modelo médico hegemônico, simplesmente
replicando na nova Unidade de Saúde da Família o que a comunidade já encontrava no
antigo Posto de Saúde.
Outra razão para essa ausência do PSF como um elemento propriamente dito
dos itinerários e da rede social pode ser encontrada na falta de divulgação adequada do
programa na comunidade, o que deveria ser feito desde o momento prévio a sua
136
implantação. A continuidade dessa divulgação, como parte da reorganização das
práticas de trabalho no sistema de saúde, seria uma parte integrante do
planejamento/programação local, do acompanhamento e avaliação e do controle social
(BRASIL, 1997). No sentido de gerar novas práticas em saúde, aplicando uma noção
de saúde ampliada, o diálogo com a comunidade é essencial. Porém, como discutimos
em “SAÚDE DA FAMÍLIA: PROGRAMA OU ESTRATÉGIA?”, esta condição sine qua
non para mudanças mais viscerais no sistema de saúde a partir do PSF esbarra na
perpetuação de características programáticas e verticalizadas. Para isso também
contribui a limitação do desenvolvimento de uma responsabilização por parte das
equipes e dos usuários diante da rotatividade de profissionais que não receberam
capacitação adequada, trabalhando em comunidades que não são estimuladas para a
participação social, a exemplo do proposto sob a forma de Conselhos Locais de Saúde.
Mesmo visto de forma desmembrada, o PSF fez parte dos itinerários e da rede
social na Barra, ocupando uma posição bastante próxima à família, no mais das vezes
como a primeira opção após o “Tentar resolver primeiramente em casa”. Isso nos levou
a inscrever o rótulo PSF na circunferência mais próxima à família no mapeamento das
redes sociais da Barra.
As alternativas envolvendo o Posto de Saúde Central e outras unidades
mantidas pela Secretaria Municipal de Saúde, que corresponderiam ao nível secundário
do sistema de saúde, apareciam como fontes de apoio mais distantes das famílias,
adequadamente em termos de hierarquização no SUS. No que se refere aos resultados
obtidos nessas alternativas ao longo dos itinerários, algumas famílias consideraram-nos
como positivos através de reumatologista, assistente social e transporte em
ambulâncias. As críticas aos atendimentos realizados através do Posto de Saúde
Central, tanto exames quanto consultas médicas, foram direcionadas à demora,
solicitações para exames particulares por parte de médicos, até mesmo motivando
recusa a retornar a consultas médicas com especialistas. Os DSCs que se referiram a
tais resultados negativos incluíram-se no contexto de limitação dos mecanismos de
referência e contra-referência que contribuem para a universalização excludente no
SUS (COHN, 2002; PAIM, 1999).
137
Outro elemento dos itinerários centrado no médico foi aquele resultante do apoio
social de médicos particulares tradicionais no município, com relações de parentesco
ou amizade com as famílias entrevistadas (F2,F4; Q 3.1.11, Q 4.3) . Aparentemente, as
limitações financeiras no acesso aos médicos particulares não se repetiam em relação
a esses médicos tradicionais, que em alguns casos também realizavam consultas a
domicílio para os pacientes atendidos por eles. Esse apoio de caráter filantrópico
dificilmente seria estendido a parcelas maiores da população, persistindo como um
resquício da atenção aos pobres dos modelos de saúde existentes no Brasil na primeira
metade do século XX (ALMEIDA; CHIORO; ZIONI, 2001; PUSTAI, 2004).
Concomitantemente, a idéia de complementaridade do setor privado em relação ao
SUS e ao PSF era contrariada, diante da necessidade das famílias de atenção à saúde,
nem sempre provida pelo Estado.
Os médicos particulares e convênios dicos, por sua vez, constituíram uma
alternativa de atenção à saúde caracterizada pela limitação do acesso devido aos
custos envolvidos (Q 5.2.14). Mesmo assim, os discursos relacionando-os como
itinerários positivos, oferecendo bom atendimento e disponibilidade (Q 5.1.13, Q
5.1.14), contrastavam com expressões-chaves como era um cavalo vestido e não
médico”, referindo-se a resultados negativos obtidos nos itinerários que incluíram essas
alternativas (Q 5.2.13).
As condições econômicas, entretanto, não se constituíam nos únicos
determinantes na adesão a planos de saúde, segundo Farias (2001). Estudando
pessoas de camadas populares que aderiram voluntariamente a planos de saúde, com
eventual sacrifício do consumo de outros bens, ele verificou que a qualidade da
atenção, as condições de acesso e a segurança foram considerados superiores nos
planos de saúde em relação ao SUS, motivando a adesão. A qualidade de atenção não
se referia necessariamente à competência dos profissionais, era mais evidentemente
uma crítica dirigida às condições de trabalho, em volume e remuneração, a que os
médicos eram submetidos nos serviços públicos. As condições de acesso facilitadas e a
expectativa de maior previsibilidade na garantia de atendimento quando houvesse
138
necessidade atraíam as pessoas para os planos de saúde, especialmente aquelas
consideradas mais vulneráveis, como as mulheres e os idosos.
Os remédios prescritos pelos diferentes elementos dicos encontrados nos
itinerários constituíram-se em uma alternativa particular de cuidado. As representações
das famílias sobre saúde e doença apresentavam os remédios como um mal
necessário, que a idéia central Doença é estar tomando remédio. contrapunha-se a
“Os remédios fazem parte da saúde., concluindo-se na questão quanto aos resultados
dos itinerários com “Remédios ajudam a controlar problemas de saúde.
Além dos medicamentos prescritos e da automedicação, também foi identificado
o uso de medicamentos sob orientação de balconistas da farmácia existente na Barra.
Essa alternativa poderia ser incluída também como automedicação, porém diferenciava-
se do uso de medicamentos como parte de uma cultura de cuidado familial, tanto que
as famílias não relataram procurar a farmácia em busca de conselhos sobre o uso de
medicações, tendo uma ancoragem na biomedicina mais que em tradições familiares.
Tal relato foi feito somente por M8, referindo-se a uma estratégia comum na
comunidade pela qual até mesmo após receber uma prescrição médica havia o
costume de “foi na farmácia consultar, pedir um remédio. Esse elemento do itinerário
também esteve presente nas falas das ACS (SILVA; SCHOLZE; FAGUNDES; 2004),
inclusive motivando conflitos entre uma delas e os balconistas da farmácia pela venda
indiscriminada de medicações como antibióticos, principalmente nas situações de
problemas de saúde com crianças em famílias mais jovens.
A ampla utilização dos recursos dos itinerários envolvendo o consumo de
medicamentos, com ancoragem no modelo biomédico, pode ser relacionada com o que
Lefévre (1999) identificou como uma expectativa de consumir uma solução pronta. Isso
estaria psicogeneticamente relacionado com a satisfação da fome, que pode ser
saciada pelo comer, da mesma forma que a dor seria aliviada pela ingestão de um
medicamento. Contudo, a pressa não estaria motivada somente pelo alívio do
desconforto, mas faria parte de uma lógica de consumo tanto pela solução poder ser
comprada como qualquer objeto de consumo como também servindo à sociedade
139
capitalista de forma a promover o retorno do corpo à sua rotina de produção e consumo
após corrigir seus defeitos da forma mais rápida possível.
Os serviços de ambulância do Corpo de Bombeiros e da Secretaria Municipal de
Saúde eram parte da rede de apoio social nos momentos de problemas de saúde
emergenciais, integravam-se aos itinerários de cura e cuidado como um intermediário
para chegar ao hospital. Mesmo tendo sido apontada a dificuldade em se conseguir
uma ambulância através do posto de saúde (Q 5.2.9), os atendimentos e o transporte
foram avaliados como muito bons (Q 5.1.19), exceto em uma situação narrada por F3,
quando os próprios familiares precisaram colocar a pessoa doente na maca para ser
levada até a ambulância. Uma outra alternativa de transporte existente na Barra, o
carro disponibilizado por um morador durante seu mandato como vereador, foi retirado
do serviço à comunidade quando seu proprietário não foi reeleito (Q 5.2.10).
As ambulâncias e carros de familiares ou vizinhos serviam de transporte até um
hospital particular da cidade, cujo pronto-socorro recebia verbas da Prefeitura para o
pagamento de pessoal e era conveniado com o SUS. Algumas vezes, diante da
impossibilidade de atendimento nesse local, os moradores da Barra utilizavam-se dos
hospitais de Itajaí e Camboriú, cidades vizinhas, também conveniados com o SUS.
Essas eram opções de ancoragem biomédica para situações consideradas mais graves
e emergenciais, especialmente quando o PSB não estava em horário de
funcionamento, em concordância com os relatos das ACS, segundo as quais o hospital
somente era procurado Em último caso, eles morrem de medo de hospital.” (SILVA;
SCHOLZE; FAGUNDES; 2004 p. 43).
A principal vantagem identificada no atendimento hospitalar era a rapidez (Q
5.1.20). Porém, os DSCs relacionaram o atendimento no hospital da cidade conveniado
ao SUS como assustador, demandando uma melhor qualidade. Um agravante aos
problemas no acesso ao hospital era a cobrança por serviços, mesmo para pacientes
internados pelo SUS como retratado na expressão-chave “tem que trazer o dinheiro
que o médico te opera. Tais obstáculos ao atendimento hospitalar, segundo Cohn
(2001), constituem uma herança do SUS pela persistência de uma relação entre o setor
público e o privado na qual este é remunerado por serviços prestados, contrariando a
140
idéia de complementaridade segundo a qual a mesma lógica de universalização já
presente no nível primário deveria ser seguida também nos níveis secundário e
terciário.
O próprio apoio social acabou por fazer parte dos itinerários de cura e cuidado,
no sentido de promover o bem estar daqueles que ofereciam apoio (Q 4.11). Minkler
identificou nessa reciprocidade uma característica intrínseca das redes de apoio social
(1985 apud VALLA, 2000). Os benefícios da participação social para a saúde em
termos de redução na mortalidade, preservação e recuperação da saúde física e mental
foram objeto de revisão por Herzog, Ofstedal e Wheeler (2002). Os estudos incluídos
em sua revisão abordavam diferentes formas de participação social entre idosos, desde
atividades voluntárias até as de lazer e mesmo os cuidados com a casa ou familiares.
Um ponto ainda a ser esclarecido nas pesquisas foi a sugestão de que o mais
importante não seria o tempo dedicado à atividade, mas sim a realização de atividades
que incluíssem um propósito, um objetivo a ser alcançado.
Outra questão não resolvida nessa revisão dizia respeito às atividades de
cuidadores familiares, geralmente vistas sob um ângulo de sobrecarga negativa à
saúde. Porém, quaisquer atividades de apoio social pareciam ter aspectos negativos e
positivos, inclusive com relatos isolados de ganhos por parte dos cuidadores quanto a
satisfação pessoal, auto-estima e sentimentos de intimidade para com o ente cuidado.
A Prefeitura Municipal, através do Conselho Tutelar e de cursos de capacitação
oferecidos, foi citada como uma fonte de apoio positivo ao trabalho da Pastoral da
Criança. Em outras situações, no entanto, o governo municipal acabou incluído no DSC
sobre falta de apoio, tanto por conflitos em relação a outras instituições
governamentais, quanto por dificuldades na conclusão de obras de saneamento no
bairro.
141
Figura 12 - Córrego poluído que passa junto às moradias na Barra,
cuja canalização até o Rio Camboriú ficou incompleta
As dificuldades enfrentadas pela população local em relação ao saneamento
foram atribuídas não aos órgãos públicos, mas também ao comportamento dos
próprios moradores, de acordo com a expressão-chave “o nativo acha que é ontem com
mais meia zia, tocava uma cabeça de peixe no rio e ficava por isso mesmo.” Como
observamos, córregos como o Rio das Ostras levavam dejetos domésticos até o rio
Camboriú, acompanhados dos restos do processamento de frutos do mar em algumas
peixarias e também nas casas dos pescadores, além do uso de fossas para o destino
dos esgotos na localidade. M8, cuja residência era próxima de um dos córregos,
descreveu a proliferação de moscas e o cheiro fétido exalado principalmente em dias
mais quentes.
142
Elencamos até aqui os elementos constituintes das redes sociais nas quais
estavam inseridas as famílias participantes da pesquisa, considerando suas
experiências ao utilizarem tais elementos como suporte aos itinerários de cura e
cuidado. Os resultados efetivos desses itinerários e a percepção dos apoios disponíveis
como positivos ou negativos em experiências prévias podem permitir que as famílias
qualifiquem-nos de acordo com seu potencial para inclusão em itinerários a serem
percorridos quando se depararem com novas situações de problemas de saúde.
Ao considerarmos esses elementos discretos das redes e itinerários em um
conjunto, como representado nos diagramas das Figuras 9 e 10, delimitamos um
espaço relacional em conformidade com a nossa proposta de mapeá-los. Os mapas
surgiram da necessidade de localizar pontos no espaço terrestre, mas acabaram indo
além da localização elementar para se ocuparem do estabelecimento de relações entre
fenômenos no espaço, tornado-se uma linguagem a ser utilizada de acordo com as
necessidades que determinem sua elaboração (REYNAUD, 1986). A concepção de
espaço somente foi desenvolvida a partir do século XV, sendo objeto de definição
teórica por Leibniz e Kant no século XVIII. Para Kant (2002), o espaço era uma das
categorias ontológicas do ser, juntamente com o tempo, sendo ambos condições para a
ocorrência dos fenômenos. Em nosso estudo, nos preocupamos inicialmente com um
espaço, que não era físico como o objeto dos geógrafos, mas um espaço relacional das
redes sociais e itinerários de cura e cuidado nos quais ocorrem os fenômenos sociais
envolvendo o processo saúde-doença, porém acabamos por identificar o tempo como
um fator indispensável para a compreensão dos fenômenos estudados.
Isso se justificou inicialmente por uma inevitável associação entre tempo e
espaço em bases teóricas, mesmo que se prioridade a uma dessas noções que, em
conjunto, compreendem a totalidade de nossas percepções (REYNAUD, 1986). Mais
ainda, Kant considerava que o tempo “é condição formal a priori de todos os fenômenos
em geral” (2002, p.75). Os itinerários de cura e cuidado somente existem quando
reconstruídos por aqueles que os percorreram, assim, quando os retiramos da
experiência individual, como na criação do DSC, deixamos de lado a noção de tempo e
permanecemos apenas com a de espaço ou lugar, que Tuan (1983) entendeu como
143
sendo um conceito estático. Da mesma forma, vimos que as redes eram mobilizadas ao
longo do tempo em caráter mais duradouro ou mais fugaz, conforme as demandas e
possibilidades das famílias.
A mobilização das redes e o percurso dos itinerários se dão no espaço social
como “terreno das operações individuais ou coletivas” (SANTOS, 1997), que estabelece
as condições para as decisões e ações das pessoas. O uso do espaço e o uso do
tempo são as bases materiais para as realizações da humanidade, sendo integrados
pelas técnicas desenvolvidas pela sociedade. Santos (1997) considerou as técnicas
como um fenômeno histórico e, que as técnicas definem as medidas do tempo e do
espaço, estes acabam por ser percebidos de acordo com o viés do momento histórico
particular do grupo humano observado. Isso influencia nosso mapeamento de uma
forma ampla, quanto a inserção da comunidade estudada em um momento histórico
com sua própria percepção do tempo e, de uma forma mais específica, quanto ao
conflito potencial entre a proposta do PSF e essa percepção de tempo vigente.
As mudanças nas técnicas hegemônicas em diferentes períodos históricos,
desde a ferramenta, passando pela máquina até o autômato conferiram
sucessivamente as bases materiais para a vida da sociedade (SANTOS, 1997). Como
discutimos em “PONTOS DE PARTIDA”, as técnicas foram progressivamente
normalizadas pelo fazer científico e na sociedade atual adquiriram precedência sobre a
ciência, de forma a priorizar os resultados materiais em lugar das explicações dos
fenômenos. O sistema de técnicas hoje constituído por essa convergência entre técnica
e ciência é caracterizado pela rapidez com que se difunde. Ainda que a tecnologia mais
recente de escala global conviva com técnicas próprias de cada sociedade, ela se
impõe sobre estas, servindo a uma produção globalizada que visa tão somente
resultados materiais, sob forma de lucro, sem observar limites nacionais, ambientais ou
humanos. A tecnologia moderna, por sua vez, somente se tornou possível com a
disponibilidade da informática baseada na microeletrônica, permitindo uma revolução
nas telecomunicações.
A era das telecomunicações e da informação introduziu uma nova percepção e
um novo uso do tempo, condizentes com uma nova técnica. O espaço deixou de ser um
144
limite à difusão das informações, transmitidas sem defasagem significativa ao menos no
caso das grandes corporações que multiplicam a eficácia de seus processos produtivos.
O conhecimento em tempo real na informação instantânea estabeleceu a convergência
dos momentos e das técnicas difundidas globalmente. A partir da medição mais precisa
e da subdivisão do tempo em intervalos mínimos, a racionalidade do cálculo, a
artificialidade da produção e o consumo como elemento comum atuaram no sentido de
submeter a vida urbana ao ritmo da produção globalizada, estabelecendo a percepção
do tempo na sociedade atual.
Essa percepção do tempo é aplicada também nos itinerários de cura e cuidado
pelos usuários e se manifesta na organização dos serviços de saúde, especialmente
quando conduzidos em bases biomédicas e, portanto, submetidos à normalização das
técnicas. Ou seja, a pessoa doente procura o serviço de saúde na expectativa de
receber um tratamento padronizado que recupere sua saúde em um lapso de tempo
condizente com o princípio de just in time aplicado no sistema de produção no qual ela
trabalha, sistema onde a pessoa deve ser reinserida o mais prontamente possível, ou
ser substituída por outra peça sem defeitos.
Santos (1997) propôs que, se o mundo for visto como um conjunto de
possibilidades, o evento é a concretização de uma dessas possibilidades, um instante
do tempo acontecendo em um determinado lugar no espaço. O itinerário realizado pode
ser, então, compreendido como um evento, percorrendo uma dentre as possibilidades
de itinerários disponíveis nas redes de apoio social. A escolha de uma possibilidade em
particular é influenciável não apenas pelas experiências prévias em termos de
qualidade, mas também pela expectativa de tempo a ser gasto para solucionar o
problema de saúde, de acordo com a percepção de tempo vigente na sociedade.
Conforme discutimos em relação à automedicação, o tempo foi um dos
determinantes capazes de justificar essa escolha nos itinerários, mais prontamente
obtida que na ida ao médico, o que pode resultar em demora para a consulta e até
mesmo na solicitação de exames complementares. O mesmo se deu na representação
do hospital como um recurso positivo nos itinerários, qualificação relacionada com a
rapidez no atendimento. Por outro lado, o tempo foi um limitante para o acesso ao PSB
145
no discurso de nossos informantes (Q 5.2.12) e na fala das ACS (SILVA; SCHOLZE;
FAGUNDES, 2004) que apontaram a espera por uma consulta agendada como motivo
para não buscar o PSB ou mesmo para recorrer diretamente à farmácia.
Os próprios conceitos de corpo em diferentes culturas o moldados tanto por
noções de espaço como por noções de tempo, sendo no ocidente predominantes as
noções temporais que se guiam por um tempo linear, chamado monocrônico. O tempo
monocrônico é o tempo do relógio, característico da organização da sociedade
industrial, visto como menos humano que as noções de tempo policrônico, definido
pelas relações interpessoais e pelos ritmos biológicos. No entanto, o tempo
monocrônico é disseminado em praticamente todas as instituições de assistência à
saúde, o que pode ser visto pelos pacientes e suas famílias como uma maneira de
evitar o envolvimento com a pessoa e sua doença (HELMAN, 2003). Farias (2001)
apontou que a disponibilidade de tempo para a consulta médica era vista pelo paciente
como parte de um melhor atendimento, mesmo não sendo um critério “técnico” de
qualidade.
Além disso, a noção de tempo empregada na atenção primária à saúde
invariavelmente parte dos conceitos de tempo dos planejadores de classe média, nem
sempre adequados às populações a que se destinam os programas. Isso se no
sentido em que o horizonte temporal de uma comunidade de baixa renda pode ser
delimitado não pela expectativa e qualidade de vida, mas pela sobrevivência em termos
mais imediatos, invalidando estratégias de longo prazo como as medidas preventivas
para abandono do fumo (HELMAN, 2003). Valla (2002) apontou nesse conflito entre a
lógica de previsão” dos profissionais de classe média e de “provisão” das populações
de baixa renda, uma das razões para a aparente falta de participação popular nas
ações de saúde. As pessoas podem estar mais voltadas para as carências vividas no
passado e preocupadas com prover as necessidades do hoje, do que em se engajar na
participação popular voltada para a possível solução de problemas a médio e longo
prazos que as autoridades não conseguem resolver.
O PSF visa reorganizar a demanda e, para isso, estabeleceu suas bases na
assistência primária à saúde, com atendimento longitudinal aos usuários e buscando a
146
promoção da saúde, em lugar de oferecer somente atendimentos curativos de forma
pontual no tempo. Evidencia-se, então, um conflito com a visão imediatista imposta pela
noção de tempo na sociedade organizada de acordo com os princípios do modo de
produção capitalista moderno. As ações preventivas implicando mudanças em hábitos
de vida, o estabelecimento de uma relação entre a equipe de saúde da família e os
moradores de sua área de atuação, ou mesmo o diagnóstico e tratamento adequado de
problemas de saúde, muitas vezes requerem o investimento de um lapso tempo não
disponibilizado pelo modo de produção que envolve a comunidade e os serviços de
saúde.
Cecílio (1997) identificou o dilema que se impõe às unidades básicas de saúde,
como os serviços de PSF, na escolha entre atender todos os que chegam, atuando
como um serviço de urgência, ou dedicar seus recursos ao atendimento daqueles
grupos considerados vulneráveis na população num caráter mais programático de
atenção continuada que inclua eventuais intercorrências. Esse autor concluiu pela
segunda opção como mais desejável, a fim de consolidar a vocação das unidades
básicas de se relacionarem com uma população definida de forma longitudinal no
tempo, enquanto os serviços de emergência deveriam ser capacitados a também
funcionarem como uma porta de entrada adequada para o sistema de saúde,
redirecionando as pessoas atendidas para a atenção primária após tomarem as
medidas necessárias a curto prazo.
Essa nos parece uma solução apropriada para o conflito entre as propostas do
PSF e as exigências da sociedade no que se refere ao uso do tempo. Porém,
novamente deparamo-nos com o hiato entre a atenção primária e os outros níveis do
sistema de saúde, com limitações em investimentos e diante da carência de mudanças
organizacionais que os integrem efetivamente na construção de um Sistema Único de
Saúde. Apesar de sua implantação recente, o PSF sugere estar contribuindo para a
melhora da atenção à saúde em suas áreas de atuação, mas isso não pode justificar
que se espere o atendimento de toda a demanda nas unidades de saúde da família,
sob risco de, mantido o dilema apresentado por Cecílio (1997), não se concretizarem as
147
possibilidades do PSF e ainda se perpetuar um atendimento emergencial de baixa
qualidade sem impacto sobre as condições de saúde da população.
A responsabilização a ser estabelecida entre o PSF e a comunidade inclui
necessariamente o reconhecimento dos limites e das potencialidades de cada um. A
reorganização das práticas de trabalho no PSF envolve o diagnóstico de saúde da
comunidade, valorizando fontes qualitativas de informações na população local
(BRASIL, 1997). Se o conhecimento relativo ao contexto da comunidade é um dos
fundamentos das atividades da equipe de saúde da família, não menos importante é o
conhecimento da comunidade sobre os objetivos do PSF e sobre a concepção de
saúde envolvida nessa estratégia.
Assim, o princípio de qualquer proposta para integrar as redes de apoio social e
os itinerários de cura e cuidado nas atividades do PSF deve passar pelo esclarecimento
da comunidade quanto ao que é o PSF e, previamente, pela capacitação da equipe
para fornecer esse esclarecimento. A equipe, por sua vez, deve ser também capaz de
reconhecer os itinerários utilizados pela população, identificando qual a sua própria
inserção nesses itinerários, o que permite avaliar quais necessidades em saúde são
efetivamente atendidas pelo PSF e quais situações de problemas de saúde geram
carências que devem ser abordadas diretamente pela equipe ou ter suas soluções
buscadas por intermédio de outros apoios disponíveis nas redes sociais.
Esse processo de conhecimento mútuo não se exaure num primeiro momento,
pelo contrário, exige atualização constante, a ser garantida na própria convivência entre
equipe e comunidade. Nesse ponto, podemos resgatar outro dos fundamentos para a
reorganização das práticas de trabalho na estratégia Saúde da Família: o controle
social (BRASIL, 1997). Ainda que incipiente, a democratização no SUS tem bases
legais bem estabelecidas, sendo um papel do PSF o estímulo à criação de Conselhos
Locais de Saúde (CLS). Através de um CLS, e até mesmo de uma co-gestão da
unidade em parceria com a comunidade, cria-se um espaço privilegiado para a
divulgação das propostas do PSF e, reciprocamente, para o acompanhamento e
avaliação da atuação da unidade de saúde na visão de seus usuários.
148
Desse modo, a responsabilização da comunidade e da equipe pode adquirir um
caráter mais concreto, partindo do conhecimento mútuo para a busca de objetivos
comuns. Por um lado, a equipe estaria apta a buscar melhores condições para exercer
seu papel de intermediária entre o nível primário e o restante do sistema com o suporte
da comunidade junto ao governo municipal, por exemplo, reivindicando melhores
condições para um sistema de referência e contra-referência efetivo. De outra forma, o
entendimento por parte da população das práticas de trabalho no PSF favoreceria o
atendimento multiprofissional, não centrado no atendimento médico curativo, permitindo
à equipe redirecionar seus recursos de tempo e pessoal também no sentido de
estabelecer parcerias com a própria comunidade ao trabalhar com grupos terapêuticos
que se utilizem dos elementos disponíveis na localidade para integrarem redes de apoio
e itinerários de cura e cuidado.
Ao discutir a aplicação de recursos comunitários em programas de atenção
primária à saúde, Helman (2003) sugeriu os grupos comunitários de saúde não apenas
para a troca de informações, mas também para prover auxílio aos seus membros, a
exemplo de grupos direcionados para cuidados pré-natais.
A participação do serviço de saúde como intermediário na estruturação das
redes sociais em um momento de doença se justifica pelo impacto desta, especialmente
se crônica, nas relações interpessoais da pessoa doente. Sluzki (1997) identificou um
efeito interpessoal aversivo que se manifesta como inércia ou resistência na ativação
da rede social, até mesmo pela redução na iniciativa do doente. Dessa forma isolado,
são reduzidas as oportunidades para os contatos sociais e com estes, da possibilidade
da pessoa promover comportamentos de reciprocidade para com aqueles que cuidam
dele, isso pode produzir a percepção de o cuidado com a pessoa doente ser pouco
gratificante, levando ao esgotamento da rede social.
Nesse sentido, Wagner et al. (2004) descreveram uma experiência bem-
sucedida, trabalhando com um grupo de pessoas com hipertensão no desenvolvimento
de redes sociais, que contribuíram para a criação de uma parceria com a equipe de
saúde, além de favorecerem o controle da hipertensão utilizando os recursos dos
próprios membros do grupo. Esse é um exemplo de uma nova abordagem no
149
atendimento em saúde, sugerindo uma forma de apropriação e uso do tempo diversa
daquela mantida no modelo biomédico e difundida pelo modo de produção vigente. Em
lugar da subdivisão progressiva do tempo do profissional de saúde isolado diante do
paciente também isolado, este de sua rede social e aquele dos outros profissionais da
equipe, o grupo terapêutico conduz à possibilidade de reintegrar o tempo e o espaço
social.
150
9 Considerações Finais
Uma vez discutidos os aspectos teóricos e empíricos de nosso estudo,
retomemos agora nosso problema de pesquisa, que foi: um mapeamento dos itinerários
de cura e cuidado desenvolvidos nas redes sociais das famílias da Barra do Rio em
Balneário Camboriú - SC pode favorecer as atividades do Programa Saúde da Família
(PSF) na localidade?
Nossa resposta tende a ser afirmativa, visto que as características intrínsecas do
PSF solicitam o tipo de conhecimento advindo desse mapeamento para que o
programa possa ser aplicado efetivamente com base na reformulação das práticas de
trabalho vigentes no sistema de saúde, a fim de contribuir para a implementação de um
Sistema Único de Saúde como proposto em suas definições constitucionais. Nesse
sentido, o mapeamento dos itinerários de cura e cuidado e das redes sociais representa
uma forma de integrar informações qualitativas a serem utilizadas no diagnóstico da
comunidade, enriquecendo dados quantitativos como os do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística ou do Sistema de Informação em Atenção Básica.
Na perspectiva da equipe de saúde da família, esse mapeamento também pode
adquirir um aspecto de avaliação das atividades conduzidas até então, pois permite-nos
situar o PSF nos itinerários e nas redes pesquisadas. O que se observou foi o não
reconhecimento do PSF entre as famílias entrevistadas como uma estratégia da forma
em que foi proposto pelo Ministério da Saúde. O elemento médico na equipe
permaneceu como centralizador da atenção à saúde, enquanto os outros membros da
equipe pretensamente multiprofissional eram valorizados pelas famílias, mas estas não
os buscavam ativamente como parte dos itinerários que realizavam. O papel do PSF
como gerenciador do cuidado era barrado em um sistema de referência e contra-
referência que represava a demanda, conduzindo quando possível a um nível
secundário que os informantes descreveram como pouco resolutivo. Na verdade, esta
151
situação de limitação do atendimento no nível secundário acabava por contribuir para a
valorização do serviço no Posto de Saúde por parte dos moradores do bairro.
Para o profissional de saúde, a inserção do PSF no mapeamento realizado
refere-se também ao que Alves e Souza (1999) descreveram quanto a inexistência de
fronteiras delimitando os diferentes sistemas de saúde em uma comunidade envolta no
pluralismo médico. Assim, esse profissional se inserido em uma realidade da
atenção à saúde na qual ele não ocupa o centro, mas é uma referência dos itinerários
de cura e cuidado entre muitas outras. Tal visão permite que o profissional adquira uma
compreensão menos determinística dessa realidade, aproximando-o de uma
abordagem antropológica. Essa abordagem antropológica, que permeou nosso
trabalho, foi necessária para mapear os itinerários da forma como o fizemos, sem
descuidar de seu sentido individual para cada informante, mas descrevendo-nos como
possibilidades em uma lógica de incertezas.
Em meio às incertezas e expectativas que conduzem a pessoa doente em seu
itinerário de cura e cuidado, a noção de tempo se configurou como uma dimensão do
mapeamento não evidenciada inicialmente, mas que contribuía de forma determinante
para as escolhas realizadas. O tempo nos pareceu um fator pouco explorado na
literatura consultada sobre os itinerários, tendo em vista sua influência tanto na
percepção da comunidade sobre os resultados das alternativas encontradas, quanto na
organização dos serviços de saúde como parte dessas alternativas. Sugerimos que
futuros estudos sobre os itinerários incluam a noção de tempo como um de seus
aspectos básicos, aproximando-se dos conceitos utilizados na Geografia e na Filosofia,
a fim de melhor caracterizar a dinâmica dos mesmos.
Portanto, o mapeamento realizado foi evidentemente parcial, retratando os
itinerários como uma série de possibilidades estáticas que consideramos como mais
representativas da vida na comunidade estudada, dentre aquelas presentes nas
narrativas das famílias. O uso do DSC para a análise das entrevistas permitiu superar
em parte essa limitação contida no processo de transformar uma experiência individual
como o itinerário de cura e cuidado em uma narrativa comum a um grupo de pessoas.
Sluzki (1997) traçou um paralelo entre as redes sociais e as narrativas, as histórias
152
contadas no contexto da família ou da sociedade, por meio das quais as pessoas
constroem consensos sobre a realidade interligando diferentes narrativas. Nessa
perspectiva, as próprias redes sociais são sustentadas e geradas pelas narrativas nelas
produzidas. Nisso reside o potencial terapêutico do trabalho com as redes no PSF,
evidenciando os itinerários com as representações de saúde-doença que os embasam,
a fim de intervir não apenas individualmente, mas no contexto do grupo, identificando e
promovendo os elementos de itinerários de cura e cuidado situados nas narrativas que
possam favorecer as condições de vida da comunidade.
Porém, quaisquer aspectos dos itinerários de cura e cuidado e das redes de
apoio social somente poderão realmente contribuir para as atividades do PSF a partir
do momento em que forem divulgadas para os profissionais da equipe e sejam
aproveitados por estes na prática diária. A partir do que colocamos em “DISCUTINDO
OS RESULTADOS”, podemos sintetizar nossas propostas para essa aplicação do
mapeamento nos seguintes itens:
1. avaliação pela equipe de saúde da família sobre as redes sociais identificadas na
comunidade e os itinerários nela descritos, incluindo a inserção do PSF nestas;
2. capacitação dos profissionais para identificar as redes e os itinerários no contato
com os pacientes, verificando suas potencialidades, e para desenvolver atividades
com grupos acrescentando a estes um papel terapêutico além da educação em
saúde;
3. planejamento da divulgação continuada do Programa Saúde da Família para a
comunidade, visando a criação de um Conselho Local de Saúde que permita
adequar as atividades da unidade de saúde às necessidades locais seguindo uma
concepção ampliada de saúde.
O primeiro item de nossas propostas diz respeito aquele objetivo específico de
aplicação prática imediata, que foi redirecionado da nossa pesquisa para o quarto
projeto articulado do grupo de orientandos do mestrado. Nesse momento, se
estruturaria a capacitação da equipe em uma base o apenas biomédica, mas
153
também antropológico-social, colocando os profissionais diante de uma representação
da comunidade como um todo a partir do ponto de vista daquele que costuma ser
atendido na unidade de saúde como um paciente individual. Helman (1996) chamou a
atenção para as habilidades da pesquisa antropológica serem familiares ao médico
generalista em suas atividades diárias. Os profissionais da equipe do PSF poderiam
aproveitar-se, especialmente, do conceito de alteridade utilizado na antropologia a fim
de valorizar seu relacionamento com as pessoas sob seus cuidados.
As trocas com a equipe da Barra, que conta com moradores da localidade,
podem mesmo acrescentar novos elementos às redes e itinerários identificados por
nós. Ainda que tenhamos buscado diversificar as características dos informantes
buscados durante o trabalho de campo, além de nos valermos de nossa experiência
prévia no local e das informações das ACS resultantes de uma pesquisa anterior,
provavelmente alguns grupos da heterogênea população local não foram
representados, a exemplo de famílias jovens com filhos pequenos e aquelas vivendo na
chamada favela do Morro da Pedreira, a qual foi abordada através dos relatos de
M8. Novos estudos na mesma área poderiam ser direcionados para esses grupos na
comunidade, além de contarem com pesquisadores não ligados à equipe de saúde da
família e que não se utilizassem desta para estabelecer contato com os informantes,
evitando alguns vieses a que estivemos sujeitos.
No segundo passo, demandando uma capacitação mais específica dos
profissionais do PSF, seria possível nos utilizarmos dos resultados desta pesquisa
referentes à avaliação pelos informantes dos recursos das redes sociais e itinerários de
cura e cuidado. Pois, nesse processo de avaliação dos itinerários e recursos das redes
sociais, como propusemos em “PONTOS DE PARTIDA”, a ciência personalizada no
saber do profissional de saúde não deve se constituir em um critério arbitrário, mas ser
integrada a outras formas de conhecimento. Na verdade, como atividade em um grupo
terapêutico, a discussão dos riscos ou benefícios potenciais dos itinerários não se
esgota entre os membros da equipe de saúde, mas precisa ser conduzida junto à
população assistida pelo PSF, servindo a uma noção ética preponderante cujo objetivo
é contribuir para que cada pessoa desenvolva sua própria sabedoria prática, que lhe
154
permita deliberar o que é bom para si e para os outros de forma consciente e
responsável.
A terceira proposta originada deste estudo talvez devesse constar como a
primeira a ser implementada, porém como a equipe de saúde da família se constituiu
em nosso nicho por todo o percurso da pesquisa, aquelas propostas direcionadas a ela
nos pareceram mais acessíveis na prática. Esse critério, estabelecido na literatura
como etapas do planejamento de ações em saúde (TAKEDA, 2004), se através da
transcendência, no caso a importância de implantar o PSF de forma concreta, e da
vulnerabilidade do problema da capacitação, acessível aos conhecimentos técnicos
disponíveis. A caracterização das duas primeiras propostas como mais viáveis em um
primeiro momento, em relação às dificuldades envolvidas na criação de um CLS
envolvendo a participação popular (VALLA, 2002), não impede, porém, que a
divulgação do modo de trabalho e das propostas do PSF seja realizada
concomitantemente com as ações dirigidas para a equipe.
Mais ainda, na visão de Maturana (2002), um sistema pode ser modificado não
apenas pela troca ou retirada de um de seus elementos, mas também pela mudança na
conduta de um seus membros como resultado da reflexão. Essa mudança desejada na
implementação do PSF, que é a reorientação de um modelo assistencial em direção a
uma concepção ampliada de saúde, somente se torna praticável quando passa a
envolver as pessoas atendidas pelo programa. A reflexão para a mudança que parte da
equipe de saúde somente atingirá essas pessoas através das interações nesse
sistema: profissionais de saúde – comunidade, tais interações se dão nas conversações
cotidianas e estas devem refletir as mudanças na conduta da equipe para, então,
implementar a nova dinâmica no sistema social. Ou seja, para que uma proposta como
a criação do CLS seja acolhida pela população da área de atuação do PSF, esta deve
sentir que pode influenciar as ões do serviço de saúde e isso precisará ser
inicialmente percebido na mudança nas condutas tomadas pela equipe ao acolher as
pessoas no cotidiano. Até então, este trabalho estará em construção.
155
APÊNDICES
156
APÊNDICE 1

 !" #$#
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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DO PARTICIPANTE
Nome Sr(a). _______________________________________________________
Idade____________ Sexo _______ de naturalidade _______________________
Domiciliado(a) em __________________________________________________
De profissão ____________________________ e RG _____________________,
foi informado detalhadamente sobre a pesquisa intitulada “Mapeamento das Redes Sociais e Itinerários
de Cura e Cuidado Para a Configuração de uma Rede de Apoio Social”.
O(a) sr(a). foi plenamente esclarecido de que ao responder as questões que compõem esta
pesquisa estará participando de um estudo de cunho acadêmico, que tem como objetivo conhecer os
itinerários de cura e cuidado e as redes sociais estabelecidas por moradores da Barra do Rio, em
Balneário Camboriú - SC.
Embora o(a) Sr(a) venha a aceitar a participação nesta pesquisa, está garantido que o(a) sr(a).
poderá desistir a qualquer momento, inclusive sem nenhum motivo, bastando para isso, informar sua
decisão de desistência, da maneira mais conveniente. Foi esclarecido ainda que, por ser uma
participação voluntária e sem interesse financeiro, o(a) sr(a) não terá direito a nenhuma remuneração. A
participação na pesquisa não incorrerá em riscos ou prejuízos de qualquer natureza.
Os dados referentes ao sr(a) serão sigilosos e privados, sendo que o(a) sr(a) poderá solicitar informações
durante todas as fases da pesquisa, inclusive após a publicação da mesma.
A coleta de dados para a pesquisa será desenvolvida através de entrevistas individuais e observação nas
visitas domiciliárias, garantindo-se privacidade e a confidência das informações e será realizada pelo
mestrando Alessandro da Silva Scholze, sob a supervisão da Profª Drª. Yolanda Flores e Silva.
Balneário Camboriú (SC) ____________ de ________________ de 2004.
Assinatura (de acordo)
_______________________________________________
Participante do estudo
157
APÊNDICE 2
Questionário da Pesquisa
1. O que é ter saúde para você?
2. O que é estar doente para você?
3. O que você faz quando precisa de alguma ajuda?
(Especificar o tipo de apoio conforme a resposta.)
4. Em situações de problemas de saúde, quem você procura?
Cite alguns exemplos.
5. Você considera que essa(s) soluções foi(foram) a(s) melhor(es) para seus
problemas?
158
APÊNDICE 3
Roteiro de Observação
1. Iniciais:
2. Idade:
3. Escolaridade:
4. Profissão:
5. Religião/crença:
6. Cor:
7. Casa: Própria:
Cômodos:
Número de moradores:
Quem são:
159
APÊNDICE 4
Observação 6
11/11/2004
16h-17h15min
Chegando à casa de L., uma das duas entrevistas marcadas para essa tarde, fui
recebido por sua filha que me informou de sua viagem em razão da morte de um
parente. A filha disse-me que L. havia anotado o compromisso, porém retornaria na
próxima semana.
Frustrado minha primeira entrevista, para a qual fora apressado após descobrir
que meu gravador não funcionava e tendo comprado um novo no caminho, voltei para o
carro calculando que faltava uma hora para o horário marcado com I., a segunda
pessoa a ser entrevistada.
Eu havia marcado as entrevistas dois dias antes, mas ainda naquela manhã I.
ligara para o posto de saúde a fim de confirmar o horário marcado, dizendo que
provavelmente terminaria seus atendimentos como massagista às 16 horas, mas eu
lhe disse que provavelmente chegaria em sua casa por volta das 16 horas e trinta
minutos.
Na expectativa de encontra-la livre mais cedo, dirigi-me para a casa de IS.
Passei ao lado do cemitério, passando por alguns trechos de asfalto e ruas
perpendiculares à da casa dela com brita aguardando o asfaltamento. Na rua onde I.
mora, pom, a terra molhada pela chuva que persistiu durante todo o dia formava lama
e poças d’água.
Ao me aproximar vi um sedan com aparência de novo e placas de outra cidade
estacionado diante da residência da entrevistada. Imaginei que fosse a cliente da
massagem que iria até às 16 horas e parei atrás deste, diante de um terreno baldio
tomado por mato alto ao lado da casa.
Decidi esperar pelo horário no qual ela me dissera que estaria livre dentro do
carro. Dali podia ver a pequena casa em alvenaria de dois pisos, pintada de amarelo,
cercada por um muro também amarelo. No portão de metal, ao lado do encontrava-se
160
uma campainha com interfone, estava pendurada uma placa na qual lia-se “fechado”,
sobre este outra placa anunciava “Massagem energética japonesa” encimado pelo
desenho de mãos das quais saíam raios vermelhos e, junto a esta, um outro aviso
informava dos horários de atendimento e massagens.
Entre as árvores que se projetavam acima do muro podia ver uma sacada
voltada para a rua, que depois de entrar pude ver que dava a volta em todo o andar
superior, na parede da sacada uma pintura semi-encoberta pela vegetação sugeria um
motivo de ícone católico como a imagem de um santo.
Enquanto estava no carro várias pessoas transitando pela rua à ou de
bicicleta, alguns carros e dois ônibus também passaram por ali ao longo dos cerca de
vinte minutos que se passaram até que, às 16 horas, decidi tocar a campainha.
Falei pelo interfone com a filha de I. que me disse que sua mãe ainda estava na
massagem, mas que eu poderia entrar, pois o portão estava aberto e esperar na
salinha do andar inferior.
Imediatamente à esquerda do portão uma porta dava para uma escada que
subia ao piso superior e, ao lado desta, outra porta era a entrada da sala de espera. Do
lado de fora da sala de espera, um longo um banco feito com tábuas de madeira era
protegido da chuva pela sacada no alto, diante deste o corredor de cimento levava até
uma área ao fundo onde os pilares de concreto e materiais de construção sugeriam
uma obra em andamento. E, entre o corredor e o muro lateral se estendia uma estreita
área de terra onde cresciam árvores e folhagens baixas.
Entrei na sala de espera numa penumbra de luzes apagadas em dia nublado,
sentei-me em uma das cadeiras de plástico, na primeira de três filas com quatro
cadeiras cada uma. Das paredes brancas pendiam imagens de Padre Réus, Madre
Paulina e um perfil de Cristo com a coroa de espinhos. A estas faziam companhia
cartazes pedidos de silêncio e outros avisos dos horários de atendimento.
Sentado de frente para a porta, tinha à minha direita uma escrivaninha com
cadeira sobre a qual depositavam-se fichários e cadernos, dando um aspecto de
consultório à pequena sala. Em contraste, à minha esquerda uma estante de metal
expunha vários livros sobre espiritismo, como o “Livro dos Espíritos”, outros com a
imagem de Alan Kardek em suas capas e o que parecia ser uma pequena bíblia, além
161
de um caderno encapado com uma folha branca na qual se lia Livro de
Agradecimentos”.
No canto, entre a porta e a estante, havia outra cadeira de plástico com uma
caixa de madeira verde sobre o assento, atrás desta, outra caixa, uma grande de
papelão, vazia e virada de lado, com uma folha colada anunciando: “Doações”.
Encostada à parede nesse mesmo canto, uma mesa arrumada como um altar dominava
o cenário. Sobre a toalha branca, uma lâmpada com formato de vela vermelha fazia
companhia a uma imagem de Nossa Senhora Aparecida com cerca de 30 cm de altura,
cercada de outros pequenos enfeites e livros com aparência de bíblias.
Também à minha esquerda, uma porta dava acesso a um corredor terminando
em uma porta da qual provinham vozes, o que imaginei ser a sala na qual I. estava
atendendo.
A filha de I. apareceu na porta me cumprimentando com bandejas de plástico na
mão, informando que I. estava quase terminando. Ela aproveitou para me pedir uma
receita para solicitar à assistente social da secretaria de saúde que lhe fornecesse
medicação para dar continuidade a um tratamento prescrito pela outra médica do posto.
Esclareci-lhe que não dispunha de material para fazer a prescrição naquele momento,
perguntei-lhe sobre o tratamento e sugeri-lhe que fosse ao posto noutro dia e pedisse
ao pessoal da recepção para que me solicitasse a prescrição. Ela comentou que
estava bem melhor de seu problema desde que fizera um tratamento prévio orientado
por mim e que talvez não fosse necessário dar continuidade ao tratamento atual.
Reforcei para ela que estaria à disposição no posto caso fosse necessário.
Ela me explicou que fazia a faxina ali embaixo enquanto sua filha, neta de IS que
também tem um filho com cerca de três anos, fazia o mesmo no andar de cima onde
I. morava. Comentou que a pessoa atendida naquele momento vinha de Curitiba para
receber as massagens, nas quais I. utilizava preparados de ervas como emplastos.
Perguntei-lhe se ela não aprendera as técnicas que I. utilizava, ao que ela me
esclareceu que não, principalmente porque era necessário trabalhar com água quente
em compressas durante as sessões, o que prejudicava suas mãos. Disse-me que I.
também tinha problemas de pele nas mãos por esse motivo, mas não deixava de utilizar
162
os mesmo materiais. A neta de I., segundo ela, estava se interessando em aprender a
fazer massagens.
Ela deixou-me para continuar seus afazeres, voltou em seguida trazendo um
pote transparente contendo um material de aspecto gelatinoso amarelado e entrou na
sala de massagem, repetindo-me que estavam terminando a massagem. Logo saíram
da sala, sob as despedidas de I., uma senhora idosa que andava amparada por outra
mulher, aparentando ter uns 50 anos, ambas bem vestidas, a mais jovem carregando o
pote de conteúdo amarelado. Acompanhando-as até a porta veio I., baixinha e
visivelmente acima do peso, vestindo uma calça capri e uma regata. Ela me
cumprimentou e mostrou os cabelos curtos suados na nuca, comentando que está
fazendo calor e que na sala de massagem é ainda mais quente.
Desculpei-me por ter me adiantado e expliquei-lhe do cancelamento da
entrevista anterior. Ela disse-me que não havia problema e só que teria outro cliente
após as 17h30min, sentando-se na cadeira à minha esquerda.
Pensando em não ultrapassar esse período de tempo, comecei a organizar meu
material enquanto repetia-lhe as razões para essa visita e apresentava-lhe o termo de
consentimento para sua assinatura, esclarecendo os objetivos da entrevista. Nesse
ínterim, a filha de I. havia retornado e perguntado se poderia assistir a entrevista.
Respondi-lhe que sua participação seria bem-vinda, especialmente se também
respondesse às perguntas. Ela se sentou em uma cadeira diante de nós, porém não
ficou muito tempo mais ali, voltando para o andar superior logo no início da entrevista.
Ao informar I. dos objetivos da pesquisa envolverem saúde, esta referiu que
gostaria muito de participar, pois considerava que tudo o que envolvesse saúde era
muito bom e importante.
I. emocionou-se, chorando ao relatar dos momentos em que precisou da ajuda
de amigos que lhe deram cestas básicas quando chegou em Balneário Camboriú e
após uma cirurgia por apendicite aguda que apresentou complicações pós-operatórias
com infecção e deiscência da sutura, prolongando o tempo em que ficou sem trabalhar
na ocasião.
Ao longo da entrevista, a filha retornou para oferecer café e biscoitos e depois
anunciou que sairia para buscar a filha menor na escola, pois estava chovendo.
163
Terminada a entrevista, I. convidou-me para ver as outras peças junto à sala de
espera. Ao lado direito do corredor, uma sala estreita com maca servia de local para os
atendimentos realizados por auxiliares voluntárias, as quais não costumavam
permanecer muito tempo segundo I., geralmente por discordarem da não cobrança
pelos serviços de massagem. A sala no final do corredor, local de trabalho de I., era
provida de uma pia da qual pendiam várias toalhas de rosto coloridas molhadas durante
as sessões de massagem com a água que era aquecida em uma chaleira, também
sobre a pia, usando um aquecedor elétrico. No fundo da sala, via-se uma maca coberta
com lençol deixando um pequeno espaço entre esta e a parede com janela. Ainda no
canto oposto à maca, encontrava-se uma bancada com vários potes, faixas e toalhas.
Dentre estes, I. mostrou-me um pote contendo uma pasta branca com pequenos
fragmentos do que pareciam ser vegetais e com forte odor de gengibre, explicou-me
que esta era preparada por ela a partir da receita fornecida pelo japonês com o qual
fizera o curso de massagista cerca de 10 anos. Contou-me, também, que antes
disso trabalhara como faxineira e com vendas para diferentes empresas. Retornando
pelo corredor, diante da sala auxiliar, abriu a porta de um lavabo, cuidadosamente limpo
e cheirando a desinfetante de pinho.
Despedindo-me, saí da sala de espera, encontrando a neta de I., sentada no
banco de madeira, enquanto o filho desta, bisneto de I. pulava pelo corredor entre as
poças d’água. I. me disse que ela estava com uma tosse persistente. Dizendo que
naquele momento não estava com meu material de trabalho, sugeri-lhe que caso não
se resolvesse que o levasse ao posto, informando-lhe os horários do acolhimento. A
filha de I. concordou, ressaltando que naquele momento eu não era o médico, mas
apenas Alessandro.
164
APÊNDICE 5
Entrevista 6
11/11 16h15min-17h15min
A: entrevistador
I: entrevistada
F: filha da entrevistada
As expressões-chave utilizadas na questão sobre apoio social estão sublinhadas.
I: Aquela salinha ali, às vezes que tem uma que me ajuda daí eu passo ali pra
fazer.
A: Uma sala auxiliar.
I: Ao que quase nunca tem ninguém que goste de trabalhar pra caridade,
dificilmente.
A: Difícil conseguir ajuda?
I: Tem quem só se interesse em fazer dinheiro. Porque se a gente faz caridade não
pra pensar em dinheiro. Não leva nada quando morrer, não é dr. A., que é que nós
vamos levar? Só isso nosso corpo, nosso espiritual, nosso corpo, espírito, só. E nossa
roupa, o material fica tudo.
A: Temos de ter o necessário para viver, pelo menos.
I: Mas eu tenho, eu tenho o seu Lauro que trabalha voluntário aqui que me ajuda.
A: Ah, tem gente que ajuda, então?
I: Tenho ajuda voluntária do seu L...
F: É paraibano, né?
I: Paraibano. Tem a V., chilena, tem aí uma de Curitiba, a J., tudo elas me ajudam.
A: Várias que ajudam.
I: Ajudam.
F: E faz festinha, também.
I: É quando eu faço a minha festa de dia das crianças.
A: No dia das crianças...
I: Dia 12.
A: Organiza?
I: Pras crianças.
A: Pras crianças, coloca tudo aqui dentro?
I: Coloca aqui dentro e lá atrás, nós desmanchamos aquela casa lá...
A: Eu vi que tem uma construção ali.
I: Eu que fazer pra eles lá.
A: Vai fazer um salão ali atrás?
165
F: Aqui o bolo, ó. Esse ano não foi tão grande, né?
8
A: Um bolo enorme.
F: Bolo, refrigerante, cachorro-quente...
A: ...palhaço, balão.
I: Essa a minha festa que eu faço aqui, dr. A.
A: Que legal!
I: Todos os anos eu tenho, todo dia 12 de outubro.
A: No dia 12 mesmo que a sra. faz?
I: No dia 12, dia de N. Sra. Aparecida. Daí comemora o dia dela e o dia da festa
das crianças.
A: Da festa. E enche, hein?
I: Só que dá mais quase adulto que criança (risos).
A: Também quando fazem no posto vai a família junto.
F: Ah, é assim, né? Aí tem uma tropa junto de crianças.
A: Tem mesmo.
F: Quando faz festinha tudo quer participar.
A: Todos são voluntários que participam fantasiados?
I: Aqui tão eles. Deixa eu mostrar. Esses aqui ó: essa aqui me ajuda, esse aqui, o
seu L.. Aqui ta o meu marido e aqui essa velhinha, com 90 anos ainda arrecada
brinquedos pra trazer pras crianças aqui.
A: Noventa anos?
I: Noventa anos e vem me ajudar aqui.
A: Por isso está com 90 anos...l
I: Porque ajuda.
A: É ativa, se ficasse parada não tava com 90 anos.
I: Tava tudo em ordem, só estas sumiram. Aquela que eu queria mostrar, que tava
tudo nós.
A: Não era essa? Tinha mais gente que naquela lá?
(Procuram foto nos álbuns)
A: Algum dos fotografados levou de lembrança.
F: Não dá mais pra deixar ali.
(Silêncio)
A: Dona I., eu tenho umas perguntas aqui. A sra. responde como quiser, não tem
certo ou errado, não é prova nem nada assim.
I: Uhm-Hum (em afirmão).
A: A primeira pergunta é: o que é saúde para a sra.? (Voltando-se para a filha) Se
quiser responder também?
I: Meu deus do céu! A saúde é tudo nessa vida, porque se nós não tiver saúde, por
que nós vamos viver? Não poder trabalhar, não poder ajudar ninguém. E a saúde é
muito importante na nossa vida, porque se nós não ter essa saúde não vale a pena.
(Silêncio)
A: Como a sra. sabe que tem saúde?
I: A saúde a pessoa tem que ser disposta, ela tem que trabalhar e não sentir
aquelas canseiras. Eu nunca senti canseira na minha vida. Eu comecei a sentir
canseira foi depois que eu tive tudo essas cirurgias, porque antes eu nunca senti o que
8
Mostrando álbum de fotos com cenas de uma festa do dia das crianças no pátio da casa.
166
era canseira.
9
Eu trabalhava o dia todo fora, trabalhava dentro da minha casa. Então eu
não sabia o que era ter uma canseira, ter dores. Aí, eu comecei a ver
que não tava bem
de saúde, quando começou a me vir as dores na perna, no corpo, principalmente no
pescoço, né? Eu tenho essa dor aqui
10
por causa desse peito, né?
11
E a barriga que
nunca mais eu fiquei boa depois da cirurgia. Daí a gente que eu não to mais bem
de saúde, né?
A: Então, nesse sentido, o que é doença pra sra.?
I: O que é doença? Olha, eu sei que tem diversos jeito. Uns diz que é da gente não
se cuidar com a saúde da gente quando é mais novo, né? Outros diz que a saúde...
Claro que não é coisa de deus, mas se a gente também acreditar que deus pode ajudar
a gente um pouco a nossa saúde, eu sei que ele ajuda. Mas nós também temo que se
ajudar... a cuidar de nós pra ter saúde. Porque se nós não cuidar de nós, não tomar o
remédio, não cuidar também da pressão alta, não tomar os remédio na hora certa, é
claro que daí não tem saúde. Já me deu até derrame, foi o ano passado, foi por causa
que eu relaxei no remédio, né?
A: Uhm-hum.
I: Então, por isso sempre to dizendo pras pessoas quando tomam remédio, tomam
certo pra não dar mais isso aí, né? Sempre to aconselhando aqueles...
F: E a alimentação também, né?
I: É, e o alimento também, é claro, a primeira coisa também, né? É saber comer,
porque tem gente que às vezes mistura tudo a comida pensando que ta fazendo bem e
não é. Eu comecei a aprender na minha há saúde a primeiro comer uma coisa, depois a
outra.
A: É?
I: Que nem as verduras eu adoro, eu não sei comer sem verdura. Mas primeiro eu
como a verdura, depois eu como o alimento. E tem que cuidar pra poder ter saúde,
senão...
(Silêncio)
A: Em situações nas quais a sra. precisa de algum tipo de ajuda, o que a sra. faz?
I: (Silêncio) Que eu precise de saúde?
A: Não só de saúde. Ta num aperto, precisa de ajuda. Pra quem a sra. corre?
I: Olha, sobre a minha saúde, eu corro no meu médico, o dr. A, que é você, né?
Sem dúvida nenhuma, que eu botei muita confiança e sei que cada vez que eu vou
que o sr. me atende e me ajudou muito quando eu tava na cama, que nunca vou me
esquecer disso aí. E é onde eu tenho que correr no médico, né? Onde é que nós vamos
correr?
A: Em outras situações que não sejam problemas de saúde
(Silêncio)
Tem um problema que não é de saúde, tem que solucionar, não ta conseguindo
se virar sozinha...
I: Ah, tem tanta coisa, dr. A.
A: Teve algum problema nos últimos tempos que a sra. pediu ajuda pra alguém?
9
Ela sofreu uma apendicectomia há cerca de um ano, seguida de infecção na ferida operatória e
cicatrização por segunda intenção, reinternando a seguir com suspeita de obstrução intestinal.
10
Apontando a nuca.
11
Gigantomastia.
167
I: Tive, bastante.
A: E aí, pra quem a sra. foi?
I: Uma amiga.
A: Uma amiga?
I: Uma amiga minha me ajudou, ela tentou me ajudar quando eu pagava aluguel e
andei com umas crises brabas de coração e corria pra cá, corria pra lá e ninguém
resolvia. E eu precisei de alimento e comida. E graças a deus foi por essa minha amiga
até que eu voltei a trabalhar de novo. E pedi ajuda também pra Igreja Católica ali na
Barra, de cesta básica quando vim morar aqui eles também me ajudaram com a
comida.
A: A Igreja também.
I: Não tenho vergonha de contar, não.
A: Que bom.
I: Eu conto o que aconteceu comigo.
A: Que bom que conseguiu ajuda.
I: Consegui. Quando que, graças a deus, que cada vez que eu preciso de ajuda
sempre eu tenho um alguém pra me ajudar. E, não sei se é porque eu faço tanta coisa
pelos outros, nas horas que eu penso assim: Ah, meu deus, como é que eu vou
conseguir isso aqui hoje? Vem assim.
A: Dos amigos?
I: Dos amigos, da Igreja, da Igreja Católica ali me ajudaram muito com alimento
que eu tava operada, não podia trabalhar. Outra amiga minha também, naquela época
que eu morava de aluguel, também ela cansou de levar cesta básica pra mim lá.
Então, são as ajudas dos meus amigos que eu tenho que recorrer, né? E fui na Igreja e
aquele que atende lá, como é o... Que ele é ali? (Para filha) Aquele sr. que mora ali do
lado da Igreja?
F: Não é ministro?
I: Acho que é o ministro da Igreja. E ele me ajudou foi duas vezes que ele me deu
cesta básica pra me ajudar nas horas que mais precisei. Por isso que quando chega
agora dia de Natal, eu pra agradecer tudo que fizeram pra mim, eu faço aqui
arrecadamento de, arrecado cesta básica também pras pessoa que precisa agora.
F: Roupa usada também.
I: Roupa usada, eu pego, ali ta a caixinha, ó. É comida, alimento e roupa então
faço aquela junta e daí eu vou nas casas entregar pras pessoas que eu vejo que
precisa. Como eu passei agora também quero...
A: Aqui na Barra mesmo?
I: Aqui, to aqui com um casal da Paraíba, tem outro casal na Nova Esperança que
eu tam´bem ajudo e aqui nessa rua minha aqui, a Paula.
F: Até enxoval para recém-nascido ela consegue.
I: Pro recém-nascido também eu arrumo, vem as mães, dão o nome, diz o dia que
vão ter o neném, eu ajudo também. Esse é meu trabalho, também que eu faço aqui.
A: Que bom.
I: E me sinto bem, me sinto bem que às vezes quando que vir uma dor, uma
doença pra mim que eu lembro duma pessoa que eu tenho que ajudar, a doença vai
embora. Depois que eu comecei a fazer isso. Que às vezes não tenho tempo nem de...
F: Remédio, muitas pessoas vem pedir remédio tamm.
168
I: Remédio, quando não posso dar remédio dou dinheiro. Ou preparo que nem pra
essa sra. aí. Faz tempo que eu to recomendando pra ela usar aquele óleo de mocotó
que ela ta muito velhinha pra caminhar. Não sabem fazer, eu fiz agora aí. Então, são
coisas que eu gosto de fazer, né? De ajudar também, não só porque eu recebi agora eu
fico quieta, que agora eu não preciso mais. Agora eu tenho que ajudar também em
dobro aqueles que vem me pedir.
A: E assim como a sra... por exemplo, como com o óleo de moco e ajuda as
pessoas nessas situações com doença, existem situações em que a sra. trata os seus
problemas de saúde em casa?
I: Ás vezes, não é sempre. Que nem aquela vez lá, dr., agora eu vou contar... não
ta ligado, ta?
A: Ta, mas não vai (risos) aparecer seu nome nem nada, ninguém vai saber que é a
sra.
I: Agora eu vou contar, então, eu tava escondendo uma coisa faz tempo.
A: Agora é em sigilo, não sai da sala, só nós três sabemos (risos).
I: Não, por causa daquela vez que eu... lembra daquela vez que o sr. levou um
susto quando eu fui fazer aquele exame que deu um tumor que o sr. me mandou rápido
para ser internada?
A: Ahn-ham (em afirmação).
I: Eu fiz uma aquí. Pedi pra Jesus que ele viesse me operar daquele tumor que
tava ali bem antes do sr. me encaminhar para me internar, que foi no dia de pegar os
papel. Quando no outro dia o sr. me mandou os papel aqui pra eu me internar, eu
tinha feito aquilo. Mas eu quis ir, sabe por quê? Pra ver se deus tinha me ajudado. Me
ajudou. Quando eu fui lá no Marieta
12
não acharam mais para fazer.
A: Isso que a sra. foi aquela vez lá, ficou em observação alguns dias mas não
precisou de cirurgia em um segundo tempo.
I: Então é isso aí que eu tava escondendo.
A: Por que escondendo?
I: E agora é verdade que eu fiz aqui também pra mim também.
F: Do pé, né?
A: E funcionou.
I: veio cinco médico no meu quarto no Marieta que eu tava internada, eles
disseram “Mas olha, dona I., nós tamo apavorado!” Eu disse “Por que, dr.? Eu to bem!
“Mas onde é que ta o tumor que ta ali no seu exame, ali?” “Eu não sei!Eu disse “Dr, o
sr. acredita em milagre?” Ele disse “Pois olha, esse eu to acreditando, nós fizemos
exame.” Me botaram, me botaram dentro daquela máquina lá...
A: Tomógrafo?
I: É, duas vezes e as duas vezes não deu. E não me incomodou mais.
A: Essa resolveu, então?
I: Essa resolveu, essa sim.
A: Bom, a oração é uma coisa que já usou e deu resultado.
I: É e o meu pé também que o dr. G. disse que tinha que cortar também, bem aqui
o dr. marcou
13
.
A: O que que tinha acontecido?
12
Hospital de Itajaí.
13
Terço distal da perna esquerda.
169
I: Esse pé, agora não, agora não ta inchado mais. quando fico muito de aí.
Ele ficava inchado, inchado, dr. A. Que eu não podia andar, eu tinha uma bengalinha
que ta atrás que eu andava com ela. Não podia subir nem uma escada. o dr. G.
disse “Dona I., não vai dar mais pra mim tratar, a única coisa que eu vou poder fazer, a
sra. vai ter que cortar a perna, cortar.” Eu digo: “Não, de jeito nenhum. Não vou cortar,
não. Eu vou dar um jeito de curar porque mal ou bem eu quero ele.”
A: Ficar com o pé.
I: Daí ele disse “Então vou desistir, não dou mais remédio.” Ta bom dr. G., não
precisa mais dar. E daí, olha, fui curada também com remédio feito com álcool, a
cânfora, arnica e um pedaço de raiz daquela planta, da costela-de-adão. Eu curei meu
pé e curei também esse joelho de osteoporose com esse remédio.
A: Que a sra. mesmo preparou, e aprendeu onde?
I: Aprendi também com um curandor que me curou uma vez lá em Chapecó.
A: Chapecó?
I: Não era bem Chapecó, era vizinho a Chapecó. Em... como era aquele lugar de
atravessar o rio lá... Erechim!
A: Erechim.
I: Então, são coisas tudo que a gente vem, como é que se diz? Sofrendo, com dor
e aprendendo e previne agora pros outros que precisa.
A: Aprende e ensina.
I: E assim que eu to fazendo.
A: Alguma outra assim que a sra. lembre de ter aprendido e usou?
I: (Silêncio)
Ih, tem tanta coisa que eu já fiz...
A: Vai lembrando, daqui a pouco a sra. lembra e fala.
Dessas coisas todas que a sra. fez, o que a sra. achou dos resultados?
(Silêncio)
De todas as situações aí que falou?
I: Tudo essas situação, tudo eu acho assim que é uma coisa com deus. Porque
claro que nós temos que procurar nossos médicos. Se nós não tiver nossos médicos na
Terra, o que será de nós, né? Mas nós também temos que lembrar que deus também
tem que ta junto com nós nas horas que mais nós precisamos. Porque deus nos livre
que uma dor, uma coisa na gente tarde da noite, a gente não tem dinheiro pra ir
no médico. Chega lá, é de noite, eles não o chamar o médico, né? Então, a gente se
apega com o quê? Com deus e Jesus. E é o que eu faço. No meu trabalho, às vezes as
pessoas vem pedir oração aqui pra mim, eu digo que eu posso até fazer oração, ma
tem que ver se a tua vai até deus. Eu faço, tem aqui o livro que já deixaram até de
fumar bastante gente e se curaram de muitas doenças que nem o câncer que o sr. sabe
que é uma doença feroz, né? Diz eles que foi no médico, trouxeram exames pra mim,
não tem mais. ?E eu me confessei com o padre aqui da São Judas e o padre
perguntou pra mim na minha confissão “O que a sra quer se confessar?” e eu digo
“Padre, eu tenho uma coisa pra contar que eu não sei, eu tenho que contar.” Eu me
confessava muito com o padre em Chapecó e agora aqui eu não tive essa oportunidade
de confessar com um padre, ainda, o sr. é o primeiro.” ele me disse “O que
acontecendo?” Eu digo “Olha, me acontece coisa que eu não sei, muitos diz que não é
pra eu fazer, mas o meu coração diz que eu posso fazer.” , eu comecei a contar pra
ele tudo do meu trabalho aqui com tanta gente, tanta coisa assim de doença, e ele
170
disse “Filha, não pense duas vezes quando vier um te pedir. Procura fazer cada vez
mais. Mas tu usa como? A tua mente ou tu usa aparéelo, tem alguma coisa assim?” Eu
digo “Não, nada de aparelho, eu me concentro com a minha mente e com as mãos.”
As pessoas chegam dando resultado, que aqui eu mando no médico. Eu mando no
médico, mando depois de 40 dias, ver como ta a doença e eles voltam, chegam lá e
fazem.
A: Não tem nada.
I: Que nem aconteceu.
F: Querem um cafezinho?
A: Não se incomode.
F: Toma café?
A: Aceito um.
F: Preto mesmo?
A: Pretinho.
I: Já leva aqui já tem água quente, já faz mais rápido.
A: A sra. tava falando que quando é de noite e acontece alguma coisa... falou que
não tem dinheiro...
F: Nescafé ou café em pó?
Tem nescafé, não?
I: Acho que tem lá.
F: Nescafé com adoçante, né?
I: Com adoçante.
A: Pra mim pode ser açúcar mesmo.
I: aconteceu comigo, por isso eu falei em dinheiro. Porque uma vez que eu
tava bem mal, aquela dor que eu tinha antes de me operar, que eu tinha ido lá consultar
aquela vez, depois o sr. me deu o voltaren eu acho que é que eu tomei, fiquei bem. Foi
na quinta, sexta, sábado, domingo eu passei bem. Quando foi de noite, domingo, era
umas 10h30min da noite eu não agüentava mais a dor de novo, me puxava toda a
perna. Não podia andar daquela dor aqui. Aí, eu cheguei, fui no hospital, no Santa
Inês
14
. Eles me fizeram a ficha ali, ela me olhou e disse assim “É 180 dona.” Eu digo
“180?” Digo Não, não posso, o tenho dinheiro, não tenho mesmo, se eu tivesse, eu
trazia, não tenho.” Daí, ela disse “Daí, o pra consultar. A sra. não vai parar, não
posso chamar, não.” Aqui no Santa Inês.
A: Outras vezes que tenha precisado ir no hospital além dessa?
I: Doutra vez o meu genro me levou, o M. e a D., quando cheguei lá que me
botaram pra dentro pra fazer injeção, depois eles também pediram 150 pra eles,
porque chamaram o médico pra me fazer injeção porque não agüentava da perna.
que daí só me deram injeção quando o M. disse que não tinha dinheiro ali eles
disseram que não iam me dar.
F: Vou perguntar mais uma vez onde ta o Nescafé.
I: No kit lá em cima, aquele de latinha, o kit em cima do fogão.
Então, muitas vezes assim a gente se pega com a saúde assim que eu vi,
também, dr. A., não só por mim.
A: Outras pessoas?
14
Hospital de Balneário Camboriú.
171
I: Outras pessoas, dr. A. No dia que fui ali no Santa Inês, que foi no causo o dia
assim que aconteceu de me abrir a operação com o médico lá, né? Também tinha uma
sra. passando mal lá já fazia uns quatro dias quando me internei lá, aquela vez
também. Ela tava com bastante dor, sofrendo, ela gritava na cama. Daí, a enfermeira
disse lá “Não adianta ta gritando, teu marido tem que trazer o dinheiro
que o médico
te opera.” Daí ela olhou pra mim chorando e disse “Eu não agüento mais.” A dor era
tanta, ela tinha uma úlcera, parece que arrebentada no estômago. Daí ela disse “Ah,
não agüento mais!” Sabe o que eu fiz, dr. A.? Pedi pra deus, levantei daquela cama, eu
fui e botei a o naquele estômago dela e pedi tanto que Jesus viesse curar, tirar
pelo menos um pouco daquela dor, né? Que ela não tinha dinheiro pra pagar. O marido
dela vinha ali, o coitado, mas ele era pedreiro. Então, como ele não tinha aqueles 150
ali pra dar, os 150 que eles tinham pedido não sei porque pro internamento no quarto
lá, que daí a operação dela era R$4.000,00. Como naquela vez que me pediram os
2.800 que o sr. tinha me internado pelo INAMPS, ? E ele também me pediu, 15 para
meia-noite ele veio no quarto pedir pra mim se eu desse 2800 pra ele, ele me operava
no outro dia de manhã
15
. Então são coisas assim que revoltam às vezes com a área da
saúde e um que não tem nem sequer, não digo, R$5,00 pra pegar um táxi, um carro pra
ir lá, não tem carro. Como é que faz, então?
A: Como é que faz aqui?
I: É!
A: O que a sra. vê que fazem, aí?
I: Olha, eu aqui procuro chamar sempre um bombeiro, né? Com a ambulância que
vem mais rápido. Porque se ligar no hospital geralmente ou no posto de saúde não
tem ambulância.
A: No posto geralmente não consegue?
I: Sempre ta viajando ou eles levaram alguém pra longe. Então, essa é uma coisa
que nós não podemos contar. Então, o que eu conto aqui que aconteceu de eu
chamar bombeiro tudo pra levar uma cunhada minha que sofria de ataque que tava
aqui, eu chamei o bombeiro.
A: Chamou o bombeiro?
I: Eles vieram, atenderam muito bem, levaram ela, internei ela lá, só que morreu no
hospital.
A: É?
I: Travou a língua, deu um ataque muito forte. Não conseguiu soltar a língua, então
por isso a gente pensa assim na saúde que às vezes a saúde ela... um pouco ela ta
boa e um pouco ela ta ruim. Pra esse lado assim, dr. A., que nem o sr. se dedica, claro,
eu sei que o sr. se dedica tanto a esse povo. O sr. faz e trabalha, a gente conhece seu
trabalho, mas não é todo que faz assim. Tem médico que eles pensam, pelo
dinheiro.
A: Lá no hospital a sra. diz?
I: Não é assim pelo amor que eles tão trabalhando. O sr. ali não atende quanta
gente, sai dali não vai trabalhar lá em Taquaras? Vai trabalhar lá, vem ainda nas casas
que nem aquele dia que eu tava doente. Qual é sua obrigação de vim todo o dia me
cuidar ali?
15
Acontecimento inclusive noticiado em um jornal local na época, cujo recorte nos foi mostrado pela
informante, tendo sido resolvido com a intermediação da Secretaria de Saúde do Município.
172
A: Esse é o meu trabalho.
I: Mas outro não faz! Tem que ver isso também, porque vai perguntar prum outro
médico se faz? Não faz. Fala lá eles diz assim “Ah, se tiver R$200,00, ele vai agora.”
Que nem um dia lá que a V. disse que queria tanto que um médico viesse aqui me
olhar, né? Domingo eu tava com muita dor. Daí, a V.
falou “Não, ela tem o médico dela
ali na Barra que é o dr. A., que no domingo também chamar ele, ele ta todo dia lá.”
Daí ela telefonou pro hospital, disseram que se dessem R$200,00 vinha um médico
me olhar.
A: Do hospital?
I: Ali do hospital Sta. Is.
A: Fora o posto, fora hospital, mais algum lugar que a sra. tenha ido? teve
alguma experiência?
I: Olha, não é só aqui não, dr. A., eu já vi coisa feia também em Florianópolis.
Meu deus! Coisa horrível lá e mandararm pra casa. Então, onde é que mais que eu
vejo...
A: Ou coisas boas também.
I: Coisa boa tem muito também, tem muita coisa boa. Principalmente as pessoas
quando elas tem problema sério que ela acredita que ela fica curada, é tão bom a gente
ouvir aquela parte. Meu deus, eu to tão bem! Eu sarei, to ótima. E graças a deus e
Jesus que me curou. é um passo mais dado, que as pessoas tão dando certo
naquela cura que veio receber. Então, isso também é uma coisa que a gente guarda
de alegria, né? Porque, bah! Essa pessoa tava tão doente, veja como deus escutou, ela
ficou boa, aqui agradecendo. É uma coisa boa, eu fico feliz. Então, é isso que anima a
gente a trabalhar. Acho que a mesma coisa é você, se você trata, trata, trata o paciente,
o paciente ta sempre chegando lá doente, não dá não.
A: Acho que a sra. tem mais sucesso do que nós lá.
I: Eu sou assim, dr. se eu trato duma pessoa e essa pessoa chega cada vez mais
deprimida, cada vez mais dizendo que ta doente, eu me sinto mais mal com essa
pessoa se queixando que às vezes a pessoa não ta tão mal, fico eu. Porque eu penso
assim “Poxa, porque essa pessoa não se curou, meu deus? O que será que ta
acontecendo?” E quando chega e diz que se curou, pra mim, meu deus! É uma vitória e
tanto. Tenho aqui esse livro, dr. A., tem tanta coisa aqui, se o sr. visse! Ainda que não é
todo mundo, não é tudo que se escreve, né?
16
A: Nem todos anotam?
I: Não, não é todos. Tem gente que diz que tem vergonha, outros não sei o que.
Então, tem tantas coisas que eu botei aí pra ficar de lembrança, né? Uma coisa
assim tão boa, tão... é uma alegria pra mim que eu to fazendo isso aqui, to fazendo com
carinho, né?
A: Quem é que anotou?
I: Isso é cada um deles.
A: Cada um que faz a sua parte? Porque a letra é toda... toda bonitinha, quem é
que escreve? Tem alguém que escreve aqui?
I: Tem.
A: Uma pessoa específica? Quem é que faz?
16
Mostra-me o caderno de capa dura com a capa anunciando “Livro de Agradecimentos
173
I: Que pega os testemunhos agora foi embora, agora essa que escreveu tudo isso
foi embora pra Caxias. Mas ela vinha assim tirar o depoimento das pessoas, as
pessoas contava e ela escrevia aí.
A: Uma dessas que trabalha com a sra.?
I: É, agora ela foi embora.
Ela ta em... como é que eu disse?
A: Caxias?
I: Caxias do Sul, é.
A: Ta cheio o caderninho.
I: Aqui eu colei um negócio em cima
17
. Se o sr. visse o que fizeram nessa sal, isso,
dr. A.! Gente de mau gosto que veio aqui. Vou tirar só pro sr. ver. O que escreveram
todas essas bobagens, olha. Eu queria que o sr. olhasse aqui o que fizeram nessa
sala aqui. Coisas horrível. Eu tapeia até. Que deus tenha piedade dessa pessoa, né, dr.
A.? Que tenha dó dele.
A: Algum motivo pra terem feito isso?
I: Ele tava drogado.
A: Ah!
I: E ele não... eu não sabia que era drogado. E o pessoal todos aqui (Interrompe
a gravação para virar a fita)
O que acontece com as pessoas eu pra mim parece que é uma vitória pra mim.
Olha pro sr. ter uma idéia do meu trabalho
18
.
A: Esse é o fichário dos clientes?
I: Das pessoas que eu trato.
A: Ta cheio também. São duas caixas?
E essas são pessoas que costumam vir ou já veio uma vez e fica aqui?
I: Não. Vem de longe, às vezes vem de São Paulo, às vezes vem de... vem de São
Paulo, vem de Santos, Rio de Janeiro. É gente que vem assim por agora.
A: Não é só os pacientes atuais?
I: Não, não, tem gente que às vezes vem e eu nunca mais vejo. De vez em quando
eles me ligam pra dizer que tão bem, que não precisam nem vir aqui que o bem.
Também já é uma alegria pra mim, mesmo, sabendo isso aí.
A: E esses tratamentos que a sra. faz com as massagens, a sra. aprendeu onde?
I: Esse eu tirei o curso em Joinville.
F: Fiz café em pó.
A: Obrigado.
F: Com açúcar.
A: Ta ótimo.
F: Ta bom de açúcar, dr. A?
A: Ta bom, ta ótimo.
I: Quer bolacha?
A: Não, só o cafezinho já ta muito bom.
I: Tem aquela integral no pacote, tem naquele kit lá.
F: Não querem leite?
17
Mostra um trecho coberto por um recorte de folha de caderno colado com esparadrapo, sob o qual
foram escritos termos ofensivos e obscenos, posteriormente riscados.
18
Traz os fichários de cima da escrivaninha.
174
I: Não.
A: Não.
I: Essa massagem que eu fiz, eu fiz o curso em Joinville com um Japonês. Ele é
feito assim a massagem, né? Bem trabalhado no ciático que às vezes a pesssoa chega
aqui, eles tem um tanto assim de perna curta
19
, ó. E com essas massagens vai
espichando, então ele espicha e vai aqui no garrão
20
, ó. Daí, cura. Pega uma água
quente e vai uns ingredientes que a gente faz que ele ensinou, que é japonês, pra
colocar um emplasto na perna com a perna enfaixada, a pessoa dorme com aquilo, no
outro dia tira. Fica curado.
A; Usa o que no emplasto?
I: Uns ingredientes japonês
A: É japonês mesmo?
I: É japonês.
A: Além, assim, do que fou que teve problemas de saúde, falou quando precisou de
auxílio financeiro mesmo, e outras necessidades quando precisa de um conselho,
quando precisa de um apoio?
I: (Silêncio) Sobre saúde?
A: Decisões que tenha que tomar. Precisa decidir alguma coisa ou ta preocupada
com algum problema...
I: Ah, eu vou na Igreja. Eu amo ir na Igreja porque eu me sinto bem. E peguei
aquela amizade com o padre aqui da S. Judas, ali a gente pode conversar com ele,
tudo. Então, quando eu tenho um problema que às vezes eu to meio deprimida, com
muitas coisas que as pessoas vem me contar, com muita coisa assim, eu me preocupo
com muita coisa.
A: Vai absorvendo.
I: É, daí eu vou e converso com o padre, eu conto pra ele. Ele só me diz “Não
pare, filha. Faça mais. Cada vez que as pessoas vem aqui te procurar, nunca diga não.”
É o que eu faço. Ás vezes, chega gente até de noite aqui. Esses dias trouxeram um sr.
aqui que tinha tirado o do lugar e ele foi no hospital. E não atenderam porque ele
não tinha dinheiro. Até isso eu tenho feito aqui agora.
A: Virou hospital?
I: É hospital aqui agora (risos).
A: Pronto-socorro.
I: Pronto-socorro. Aí, eu peguei, botemo ele aqui pra dentro, botei o dele no
lugar com a massagem quente e água quente até que ele foi caminhando direito. Às
vezes também faço até esse trabalho aqui.
F: Olha, tem bolachinha, ó.
A: Coloca aqui em cima da cadeira.
I: Traz essa caixinha, bota aqui.
F: Olha a chuva!
A: Essa é boa.
F: Boa bolachinha, é integral,?
I: Ah, tem outra boa que aconteceu aqui já, de milagre.
19
Demonstra encostando as mãos e mantendo uma distância de cerca de 10cm entre as extremidades
dos dedos de uma e de outra.
20
Emparelhando quase completamente as mãos.
175
F: Mais cafezinho, dr. A?
A: Obrigado.
I: Uma vez meu marido veio do serviço e o patrão dele veio trazer ele aqui que ele
tava esvaído em sangue da próstata.
A: É?
I: Tinha estourado, eu queria que ele fosse pro hospital, não quis ir. “Não, não vou
no hospital.” Ele disse “Tanta gente que vem aqui por que que eu vou no hospital?” Não
sei quê, não sei quê. Eu vi aquilo e me assustei, aquele sangue, né? Daí ele não,
queria ser atendido aqui. Daí eu disse “Então ta.” Daí foi atendido ele aqui e ele ficou
bom também da próstata. Que nem muitos aqui foi operado, esse sr. que trabalha aqui
pra mim, ele atende com o fichário, ele tinha um câncer de próstata. Também ele fez a
cirurgia aqui e depois ele fez aquela terapia em Blumenau
21
e se tratou aqui. Agora
diz que foi no médico e o médico disse que não tem mais o câncer.
A: É?
I: E outra sra. também, do Estaleiro, que tinha um câncer no braço.
A: No braço?
I: Também são tudo coisas desligado, né? Não que eu faça. Eu não sei fazer nada,
eu sempre digo assim. Às vezes, eles vem e me abraçam “Ah, dona I., me um
abraço por isso, por isso...” Em mim? Agradeça a deus! De certo Jesus viu o pedido e
atendeu. Mas eu não, eu não faço nada. Ás vezes eu fico meio assustada com tanta
coisa, né? eu vou no padre, ele me entende, conto pro padre, ele conselho, vou
embora.
A: Estava vendo sua biblioteca, tem vários livros ali.
I: Tem bastante.
(Silêncio)
A: Na cidade natal de meu pai, os tios dele tem centros espíritas.
I: Ah, que coisa boa. De toda a minha família eu, dr. A., eu. Ninguém mais.
Porque isso eu tinha nove anos, eu me lembro como se fosse hoje. Eu tava carpindo
pro pai que deixava nós carpi assim, tava plantando milho, no sítio. Aí, tinha umas
mulher que morava assim, tinha umas popular. Aquela mulher olhou e fez assim pra
mim
22
. O que essa mulher quer, meu deus? Não vou pedir por pai. O pai não deixa ir
nem em casa de ninguém! Eu vou lá. Quando eu fugi indo lá, parou assim tipo uma
imagem na minha frente, eu fiquei toda perdida, não sabia o que ia fazer. Limpava
meus olhos e olhava de novo, limpava meus olhos, olhava. Digo “Meus deus, devo ta
variando, deve ser canseira da enxada que tava carpindo ali com aquela mulher me
chamando.” Eu limpava assim e não tinha jeito. Daí, baixei a cabeça e fiquei assim,
tempo, pra ver se esquecia daquilo. Daqui a pouco olhei de novo ali tava assim com a
bíblia e o rosário pendurado, assim. Mas ele tava tudo de preto: padre Reus
23
. Esse aí.
Sabe por que ele tava levantando aquela bíblia? Pra mim voltar em casa pra mim
buscar a bíblia da mãe, pra mim não ir sozinha lá no piá que tava com um, como é que
eles dizem... um encosto?
A: Um encosto.
21
Referência para quimioterapia de Balneário Camboriú.
22
Chamando com a mão.
23
Apontando a imagem na parede.
176
IL: Que tava com um encosto esse menino e não era pra mim ir sem nada. Que eu
tava sem nada, pois tava carpindo. Aí, quando cheguei lá, peguei a bíblia. Voltei de
novo pra aquela mulher, cheguei lá essa mulher tava cortada aqui, dr. A.
24
A: No rosto?
I: Tudo tirado o couro, aqui, tudo! E ela espiando, quando me chamou ela não tava.
Foi que eu demorei e aí o piá pulou de uma vez nela. Mas ele tirou tudo o couro assim
dela, tudo aqui, ó. Ele pegava assim, nela parece que não era a unha do guri aquilo.
A: Só arranhando?
I: Daí eu olhei assim pra ele, conversei com ele. Ele olhava assim pra mim. Me deu
vontade de abrir aquela bíblia ali, que eu não sei ler, né? Mas eu me deu vontade de
abrir aquela bíblia, á que aquela imagem me mostrou a bíblia, eu vou abrir. Quem sabe
se é pra abrir a bíblia, fiquei doida ali de ver a mulher ensangüentada. Quando eu abri a
bíblia, assim e o rosário assim, o menino foi deitando e foi deitando assim, ó. Foi
deitando no colo dela e dormiu. Ela ponhou na cama dormir, acho que era o quê? Umas
quatro, cinco horas, ele se acordou só no outro dia e não era o mesmo menino daí.
F: Vou lá buscar ela na escola.
I: A P.?
F: É.
I: A chave ta aqui no portão.
A: E essa era a mãe do menino?
I: Era.
A: E depois ele não atacou a mãe?
I: Nunca mais. Fui falar pro meu pai, o pai quase me matou (risos)!
A: Não era pra sair de casa foi se meter numa dessas!
I: E o meu pai era todo católico, daqueles que deus o livre. Porque eu lembro uma
vez que os espiritual falavam era do demônio, que era coisa de satanás. Tem também
esse lado, mas eu vi a bíblia, eu disse pro pai, o rosário. Então, coisa do satanás
não podia usar a bíblia, nem o rosário. Eu falei pro pai, o pai me surrou, me bateu.
Depois, a mulher veio um dia agradecer lá. Eu me lembro, quase 10 anos eu tinha
naquela época. “A sra. se suma daqui da minha casa.” O pai disse Se eu ouvir a sra.
conversar isso com a minha filha, a sra. vai sair de mudança de qualquer jeito dessa
casa aí, não vou deixar sossegar! Ela não sabe fazer nada, ela não é nada!” “Eu não
disse que ela fez, seu Dario, eu to dizendo que eu achei a coisa mais queridinha nessa
idade e ela abriu a blia e pegou o rosarinho na mão dela. Meu filho dormiu e se
acordou outro.” E o pai não deixava contar pra ninguém.
A: E a sra. continuou?
I: Não, tinha medo. Eu comecei mesmo a me dedicar à caridade, às pessoas, faz
22 anos. Se eu chegasse em uma casa e uma pessoa me dissesse que eu tinha que
fazer o bem e trabalhar, eu não passava na frente da casa. Eu tinha medo, eu sempre
andava assim com um medo, uma coisa, não porque era isso aí. Agora me sinto bem.
A: Se sente bem...
I: Sinto, cada vez que eu faço mais e mais pelas pessoas. Eu não penso em
dinheiro, eu não penso em nada, eu não penso assim de ficar rico. Não penso se tem
dinheiro, se o vindo a pé. Eu sei que no outro dia eles falam “Meu deus do céu!
Tinha carro ali na frente...” que eles diz que era uma fileira.
24
Mostra a face e o pescoço.
177
A: É, hoje tinha um de Curitiba, né?
I: Não sei, porque eu fico lá fechada. Não sei porque tão vindo. Até saiu
comentário aqui que eu trabalho pelo dinheiro, mas deus vai acertar com eles um dia.
Porque se eu tivesse trabalhando por dinheiro, já pensou que eu tirava disso aí?
Quanto dinheiro?
A: Já tava com uma mansão aqui com o salão terminado nos fundos há horas.
I: Meu deus do céu! Eu nem tava mais morando aqui, dr. A. Já tava lá de frente pra
praia, num bom luxo lá! Não, mas eu não penso em sair daqui, eu atendo tudo isso aí,
olha. E digo a real pra você, eu gosto, eu gosto do que eu faço, eu gosto do meu
trabalho e espero que um dia deus possa... como é que se diz... possa provar tudo que
eu fiz de certo aqui. Porque eu sou uma que não faz mal pra ninguém, porque faço o
bem, é impossível que um dia também, né? Espero que deus que tudo que estou
fazendo seja certo. Acho que ta certo, sim. Não devo nada de errado, não trabalho por
dinheiro, não tem cobrança, não tem nada aqui. Eu trabalho com meus voluntário, aqui
que tudo eles sabem e aqui ninguém paga nada. Às vezes tem algum voluntário que
não fica aqui, já tive bastante porque eles pensam em dinheiro. “Ah, mas tu ta errada, I.
Tu tinha que cobrar pelo menos R$5,00, R$10,00 a consulta.” Eu digo “Por quê?” Se
deus deu muitas curas pra mim de graça, pra que agora eu cobrar desse doentes
que tão aqui?: Se eles vêm é porque precisa. Eu não chamo, não largo propaganda pra
ninguém, ninguém sabe de mim. se um contar pro outro. Eu nunca fiz isso. Aqui
teve gente que quis trazer reportagem aqui pra fazer do meu trabalho.
A: E a sra.?
I: Não, não quero. “Ah, mas I., você curou fulano assim, assim com câncer.” Eu
não curei, gente, eu não curei. “Mas era bom a reportagem.” Eu digo, olha, não quero,
se vocês fizerem isso não atendo mais ninguém.
A: Se a sra. tem fila de carros sem fazer propaganda, fazendo não iria dormir.
I: Pois é, tudo esse povo que ta ali. Que tal se fizesse um papel, alguma coisa
aqui? Não, não posso.
A: Não ia parar mais. Bem, lembrou mais alguma coisa que tenha feito e que tenha
funcionado bem?
I: (Silêncio)
Fiz muita coisa, criança que nasceu de mulher que fazia muito tempo não
conseguia engravidar, nasceu também já por aqui.
A: Com oração?
I: Com oração feito e a gente preparando as mãos, mete as mãos na barriga, na
parte do útero, teve uma criança. A fé dela e a que eu tava fazendo se uniu. Porque
se ela não tem não adianta eu. Que adianta eu ta pensando que vai sarar daquilo
ali e a pessoa ta com a idéia não sei aonde? Não adianta nada. É a mesma coisa eu
ir lá no consultório do sr., roubar seu tempo, pegar a receita, jogar fora e não tomar o
remédioi.
A: A fé é o remédio?
I: A que o sr. ta me dando esse remédio que eu vou ficar curada. Eu vou lá,
dou um jeito. A fé que eu vou lá vou tomar o remédio que o sr. me deu a receita, eu vou
ficar boa, e fico. Olha meu joelho. Eu não podia caminhar, olha aí! O remédio também
tem que fazer o que ta ali certo, não adianta, é que nem aqui, eu digo “Olha, tem que
ter fé.” É como esse óleo de mocotó que eu sei que é bom que minha mãe usava pra
178
nossas pernas. Em criança que não pode caminhar é muito usado esse óleo pra pegar
vitamina nas pernas. Então é uma coisa que você tem que acreditar que você vai
conquistar. Aquele dia que o sr. mandou pegar o remédio lá no centro, tomei um par de
chateada e fiquei quieta. em Florianópolis, lá que eu disse que não entrei pela
internet, eu disse que entrei pela porta
25
. lá. Então, agora fui pegar o remédio na
1500
26
, cheguei com a receita que ela olhou, pediu minha carteira de identidade, eu
dei. Ela disse “Escuta aqui, a sra. não pode vir mais pegar remédio aqui.” Eu disse que
me mandaram de para aqui. Eles que façam o favor de mandar buscar aqui pra não
ta mandando gente de lá.” Uma bem mal-humorada que trabalha lá. Eu digo “Ta,
bom, obrigada! Obrigada pelo atendimento e pelo remédio.” Ela falou “Eu vou lhe dar só
um envelope porque aqui não pode pegar. Vai pegar lá aonde você mora.” Eu digo:
meu deus do céu, ainda arrumam emprego essa gente! Não sabem nem falar com uma
pessoa. Devia ter dito “Que não tem no posto, nós vamos mandar pra lá. Vou lhe
dar um, depois a sra. pega lá.” Mas não A sra. vai pegar que aqui não tem mais, eu
vou lhe dar só um.” Digo “Ta bem, obrigada.”
25
Encaminhada por engano para um cirurgião plástico especializado em queimaduras para ser avaliada
para mamoplastia redutora.
26
Farmácia do Posto de Saúde Central na rua 1500.
179
APÊNDICE 6
Instrumento de Análise do Discurso 1
IAD 1 - Q3: Apoio social
Expressões
-
chave
Idéias centrais
E6
1.seu L. que trabalha voluntário aqui me ajuda, a V., a J., tudo elas
me ajudam, o meu marido e essa velhinha, com 90 anos, arrecada
brinquedos
2.deus pode ajudar a nossa saúde, eu sei que ele ajuda, deus
também tem que ta junto nas horas que mais precisamos
3.sobre a minha saúde, eu corro no meu médico
4.amiga ajudou quando precisei de alimento e comida, outra amiga
cansou de levar cesta básica pra mim
5.pedi ajuda pra igreja católica na Barra, me ajudaram com a comida,
o ministro da igreja me deu cesta básica
6.arrecado cesta básica pras pessoas que precisa agora, alimento e
roupa vou entregar pras pessoas que vejo que precisa, quando não
posso dar remédio, dou dinheiro, ou preparo, não sabem fazer, eu fiz.
Eu lembro duma pessoa que eu tenho que ajudar, a doença vai
embora.
7.me confessei com o padre aqui na São Judas, me confessava muito
com o padre em Chapecó, eu comecei a contar do meu trabalho, na
igreja me sinto bem. E já peguei aquela amizade com o padre, a
gente pode conversar com ele, tudo.
8.meu genro me levou, o M. e a D.[filha] [para o hospital]
9.as pessoas vem pedir oração, chega gente até de noite aqui, Tanta
gente que vem aqui, foi atendido ele aqui, Também ele fez a cirurgia
aqui
10.o Dr. G.
1.Apoio trabalho -
voluntários
2.Apoio saúde – deus
3.Apoio saúde médico
PSB
4.Apoio financeiro – amigas
5. Apoio financeiro – igreja
católica Barra
6.Apoio para necessitados
financeiro e saúde.
7.Apoio emocional – padre
São Judas
8.Apoio transporte genro e
filha
9.Apoio saúde centro
espírita.
10.Apoio saúde médico
ortopedista
180
APÊNDICE 7
Instrumento de Análise do Discurso 2
IAD 2 – Q 3.1: Apoio social positivo
Expressões-chave
Idéias centrais
A
.ligar para eles (Pró
-
Renal em Curitiba).. psicóloga ajuda, nutricionista
está em cima.
B
.leva no hospital, internada CTI
C
.Dr.A., médico no posto, o dr. vem em casa, corro no meu médico. dr.A
disse que é normal. as meninas tira a pressão, grupo de hipertensos. corro
para o posto de saúde, o Dr. A. conversar comigo. corremos para ver se
conseguimos ele (A.), Doutora é muito legal, Dr. e duas meninas fazendo
visita
D
.poder orientar uma esposa, parei com tudo pra cuidar da I., para estar
junto. quer ser doadora, ta aplicando a insulina. O resto tudo ele faz .
cuidava 24h, correndo com ela, chamava ele pra ficar com ela. sobrinho
buscar remédio, filho que tenha carro, a família ajuda, nora conseguiu
remédio. filhos, o mais velho me chego a ele. se combinam de trazer pra
casa, alimentação é a gente que mantém. tem as filhas que cuidam, a
gente protege ela. genro levou [para o hospital]. ajuda converso com os
filhos, irmão que recorro,. ligo prum filho “a mãe precisa comprar remédios,
vocês arrumam”. pedir auxílio pro filho mais velho, pra pagar pra nós. liguei
pro meu irmão, minha cunhada, me deram conselho, tavam aqui com um
monte de remédios, minha cunhada pedir ajuda. doença auxílio a gente
teve da família. Um puxa pelo outro, um ajuda o outro, um cuida do outro,
um leva o outro. com ele dia e noite sentada numa cadeira. meu irmão me
levou. Meu filho trouxe. vim pra casa da minha filha. meu irmão viu na
internet, ele tem o número do processo, ele arrumou um advogado. meu
filho e eu tivemo no INSS. os filhos, minha nora, eu cuido dela e eles de
mim. recorrer aos filhos, os filhos levam ele, recorro aos meus irmãos
E
.cirurgia o SUS paga
F
.com deus vou o dia inteiro, tudo que eu dependo é de deus, deus ajudar
nossa saúde, ta junto nas horas que mais precisamos pedi a deus que ele
deixe eu mais um ano, primeiro de tudo buscamos a deus
G
.amigos ajudam “Bote dentro do carro
H
.vizinho me socorreu. disse tua mãe não passou bem, para fofocar,
conversar
I.
remédio procuro assistente social, pedir calça plástica
J
.programa pra se ativar, se abrir, receber conselhos e conversar
K
.cuidando de mim de dia, de noite minhas filhas, uma mulher sozinha não
dá conta. com ajuda de empregada, cuido dele durante o dia
L
.ajuda do pastor, dos irmãos pra orar. irmão vem orar, oro ao meu deus,
irmãs oram por ele, equipe de visita
M
.vereador, o carro dele tava sempre à disposição.
N.
ambulância do corpo de bombeiros, ambulância do central
O
.cirurgião vascular, vem correndo, cardiologista falou, vou na
cardiologista, o Dr. Ad., médicos particulares, vou no meu médico, Dr. J.,
meu netinho seguiu acompanhamento médico até fazer um aninho, duas,
A
.Apoio doença
-
Pró
-
Renal Curitiba
B
.Apoio doença
hospital
C
.Apoio doença -
médico do PSB
D
.Apoio saúde,
transporte, financeiro,
emocional, conselhos,
informação – família
E
.Apoio doença
SUS
F
.Apoio - deus
G
.Apoio amigos -
transporte
H
.Apoio vizinhos
saúde, socialização
I.Apoio financeiro:
remédios e calça
plástica –
assistente social
do programa
Sentinela e do
PSC
J.Apoio emocional
– programa
181
três vezes ao ano vai no médico, precisa fazer um exame, tem qualquer
coisinha, eu ligo para o pediatra. eu recorro sempre ao médico, temos um
plano de saúde, cada um tem seu médico. dermatologista em Itajaí me
atendeu na mesma hora. .Vou ser seu médico agora, dr. G..” Foi indicado o
dr. G. atendida pelo P., quando não pode ir lá ele vem. Esse que me
operou, cirurgião vascular, eles vem correndo, ver o que é que eu tenho.
Comecei com o P., quem cuidou dela foi o P.
P.L. voluntário, V., J. me ajudam, meu marido, essa velhinha
Q
.amiga ajudou precisei de alimento e comida, cesta básica
R.
igreja católica na Barra ajudaram com comida
S.
arrecado cesta básica, alimento roupa vou entregar pras pessoas que
precisa, não posso dar remédio, dou dinheiro, ou preparo,. lembro duma
pessoa tenho que ajudar, a doença vai embora. .cuido muito dos outros,
fiquei com uma amiga que fez ponte de safena, estou correndo atrás do
caso da T., levar ela para cardiologista
T
.me confessei com o padre na São Judas, me confessava com padre em
Chapecó, contar do meu trabalho, na igreja me sinto bem. peguei amizade
com o padre, pode conversar tudo.
U.
amigos conversar, dialogar, desabafar. converso de tudo com todo
mundo, amigas mais experientes peço opinião. tenho dúvida vou procurar
pessoa que sabe mais do que eu sobre aquele assunto, preciso ter
confiança. liguei pruma amiga
V
.mães vendo o problema não quer se tocar. Precisa a gente dizer. estava
com a camiseta da pastoral, ele viu e falou “vamos encaminhar ela, tomar
uma providência.” caso pior que está acompanhando não for atendida
temos todos os direitos, material da pastoral explicando. eu chamo, brigo,
converso, digo o que é certo, o que é errado. começar um trabalho
devagarzinho, sabendo como a pessoa vive.
W
.meu marido e meu filho buscar o medicamento
X
.problema em casa, com crianças, marido trabalha com o Conselho
Tutelar.
Y.
pela prefeitura no CTC cursos de comida alternativa
Z
.me sinto mal, sente os sintomas, vou na farmácia, um salário a gente
paga na farmácia por mês
AA
.pedir pro primeiro que aparecer
BB
.as pessoas vem pedir oração, chega gente até de noite aqui, Tanta
gente que vem aqui, foi atendido ele aqui, Também ele fez a cirurgia aqui
Sentinela
K
.
Apoio cuidado –
cuidadora contratada
e filhas, empregada
L
.Apoio religioso,
saúde igreja
evangélica
M
.Apoio transporte
vereador.
N
.Apoio transporte
ambulâncias dos
bombeiros e do PSC
O
.Apoio saúde
médicos particulares e
convênios
P
.Apoio trabalho -
voluntários
Q
.Apoio financeiro
amigas
R
. Apoio financeiro –
igreja católica Barra
S
.Apoio para
necessitados, família,
amigos financeiro e
saúde.
T
.Apoio emocional
padre São Judas
U
.Apoio emocional,
informação, conselhos
- amigos
V
.Apoio saúde -
pastoral
W
.Apoio saúde
família
X
.Apoio trabalho
pastoral Conselho
Tutelar.
Y
.Apoio técnico
prefeitura.
Z.
Apoio saúde
farmácia
AA
.Apoio
desconhecidos
BB
. Apoio saúde
centro espírita.
182
IAD 2 – Q 3.1: Apoio social negativo
Expressões-chave
Idéias centrais
a
.a gente ajuda os filhos
b
.maior problema meu irmão alcoólatra. me incomodo por causa desse
filho, tenho pena dos filhos dele que eu crio
c
.fiquei com um neném nos braços e a menina, cuidar dos netos é diferente
de ta cuidando dos filhos, eles têm uma prioridade, ao mesmo tempo que ta
educando, ta estragando
d
.nunca nem mãe nem sogra cuidou dos meus filhos. fazer viagem fora e
filho em casa tinha que levar pro hospital, meu médico pediu ecografia, não
fiz, vou fazer quando meus netinhos me deixarem sossegada, sou a forte
da família, não quero falar, tem que ficar assim. Os filhos são tudo pobre,
pouco pode ajudar
e
.esgoto precário, sujeira cai no rio, o nativo acha que é ontem com mais
meia dúzia, tocava uma cabeça de peixe no rio e ficava por isso mesmo.
lutamos, pediu para os vereadores, já fizeram o trabalho até na esquina
custava puxar um pouco mais?
f
.não tenho com quem conta, ninguém ajuda. não procuro ninguém, você
tem que melhorar. eu mesmo faço as coisas, não peço nada para os outros
g
.nem com a igreja, falar com o pastor ou outra pessoa vão falar que é do
maligno, são doenças do físico, do psíquico, para os evangélicos é tudo
coisa do maligno.
h
.INSS e a prefeitura não se bicavam, fica no meio desse fogo cruzado.
a
.Apoi
o financeiro
para os filhos.
b
Apoio negativo
filho alcoólatra.
c
.Apoio para filho
cuidando dos netos.
d
.Falta de apoio da
família para cuidar
dos filhos, para a
saúde, financeiro:
e
.Falta de apoio dos
nativos e dos
vereadores para
saneamento.
f.
Não procura apoio
Não tem com quem
contar.
g
.A igreja não
apoio, atribui os
problemas ao
maligno.
h
.Falta de apoio INSS
e prefeitura
183
ANEXOS
184
ANEXO 1
Ficha A (frente)
FICHA A
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE
SISTEMA DE INFORMAÇÃO DE ATENÇÃO BÁSICA
UF |__|__|
ENDEREÇO
NÚMERO
|__
|
__
|
__
|
_
_
|
BAIRRO CEP
|__
|
__
|
__
|
__
|
__
| -
|
__
|
__
|
__|
MUNICÍPIO
|__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__|
SEGMENTO
|__
|
__|
ÁREA
|__
|
__
|
__
|
MICROÁREA
|__
|
__|
FAMÍLIA
|__
|
__
|
__
|
DATA
|__
|
__|-
|__|__|
-
|__|__|
CADASTRO DA FAMÍLIA
PESSOAS COM 15 ANOS E MAIS
DATA
NASC.
IDADE
SEXO
ALFABETIZADO
OCUPAÇÃO
DOENÇA OU
CONDIÇÃO
REFERIDA
NOME sim não (sigla)
PESSOAS DE 0 A 14 ANOS
DATA
NASC.
IDADE
SEXO
FREQÜENTA
A ESCOLA
OCUPAÇÃO
DOENÇA OU
CONDIÇÃO
REFERIDA
NOME sim não (sigla)
Siglas para a indicação das doenças e/ou condições referidas
ALC - Alcoolismo EPI - Epilepsia HAN - Hanseníase
CHA - Chagas GES - Gestação MAL - Malária
DEF - Deficiência HA - Hipertensão Arterial
DIA - Diabetes TB - Tuberculose
185
ANEXO 1b
Ficha A (verso)
SITUAÇÃO DA MORADIA E SANEAMENTO
TIPO DE CASA
TRATAMENTO DA ÁGUA NO
DOMICÍLIO
Tijolo/Adobe
Filtração
Taipa revestida
Fervura
Taipa não revestida
Cloração
Madeira
Sem tratamento
Material aproveitado
ABASTECIMENTO DE ÁGUA
Outro - Especificar:
Rede pública
Poço ou nascente
Número de cômodos / peças
Outros
Energia elétrica
DESTINO DE FEZES E URINA
DESTINO DO LIXO
Sistema de esgoto (rede geral)
Coletado
Fossa
Queimado / Enterrado
Céu aberto
Céu aberto
OUTRAS INFORMAÇÕES
Alguém da família possui Plano de
Saúde?
Número de pessoas cobertas por Plano de
Saúde
Nome do Plano de Saúde |__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__
|
__|
EM CASO DE DOENÇA PROCURA
PARTICIPA DE GRUPOS
COMUNITÁRIOS
Hospital
Cooperativa
Unidade de Saúde
Grupo religioso
Benzedeira
Associações
Farmácia
Outros - Especificar:
Outros - Especificar:
MEIOS DE COMUNICAÇÃO QUE MAIS
UTILIZA
MEIOS DE TRANSPORTE QUE MAIS
UTILIZA
Rádio
Ônibus
Televisão
Caminhão
Outros - Especificar:
Carro
Carroça
Outros - Especificar:
O B S E R V A Ç Õ E S
186
ANEXO 2
Certificado de Aprovação do Projeto de Pesquisa pela Comissão de Ética em Pesquisa
da UNIVALI
187
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