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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
AJUDA MÚTUA NOS CAPS:
O PAPEL DOS SERVIÇOS NO EMPODERAMENTO DOS USUÁRIOS
RAFAEL DE ALBUQUERQUE FIGUEIRÓ
NATAL-RN
2009
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2
Rafael de Albuquerque Figueiró
AJUDA MÚTUA NOS CAPS:
O PAPEL DOS SERVIÇOS NO EMPODERAMENTO DOS USUÁRIOS
Dissertação elaborada sob orientação da
Prof.ª Dr.ª Magda Diniz Bezerra
Dimenstein e apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Psicologia, da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em
Psicologia.
Natal-RN
2009
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3
“Em situações de opressão o sujeito tem de se tornar revolucionário, não há
outra saída” (Gilles Deleuze).
4
Dedico este trabalho à Zaila,
minha filha, a única capaz de
me fazer esquecer algumas
coisas, e decolar.
Dedico também, à todas as
pessoas que passam por
situações de opressão, e àquelas
que, diante disso, agem.
À Zenildo, que com tão pouca
idade, soube mostrar tamanha
resisncia frente à nosso modo
de ser tão caótico.
5
Agradecimentos
À Magda pela paciência e pelas contribuições teóricas em minha formação. E acima
de tudo, por me fazer vivenciar a assertiva de Nietzsche: “o que não me mata me
fortalece”.
Ao CNPq, pelo apoio financeiro.
Aos CAPS leste e oeste de Natal, pela recepção e incentivo nesta pesquisa.
À meus pais, por terem possibilitado, com todas as dificuldades, que eu chegasse até
aqui. Em especial à minha e, pela força que tem me dado nos momentos difíceis
de minha caminhada.
À minhas irmãs queridas, pelo carinho, afeto, e pelo apoio, mesmo quando estão
longe.
À minha tia Marina querida, uma das primeiras apoiadoras dessa carreira que se
inicia. Pela carinhosa e preocupada tradução de meu ‘abstract’, e pelas lembranças de
infância.
À seu Umberto e dona Graça, pelo apoio e amor incondicional, desde sempre.
À meus amigos Felipe, Clóvis, Leonardo, Marujo e Heitor, pelo apoio e pela imensa
e constante troca de idéias.
À Kalliny, pela força, apoio, afeto. Por, com seu sorriso e firmeza, tornar possível
essa caminhada.
6
À Frederico Leão, por tudo que me ensinou, mas principalmente por ter me ensinado
o sentido da palavra ‘resistência’.
À minha companheira, Lilian, pela compreensão dos meus momentos de auncia e
isolamento, e pelo amor, sempre.
À Cida, pelo carinho para com minha filha, nos muitos momentos em que precisei
estar ausente.
À seu Francisco e dona Rosa, figuras responsáveis pela manutenção das estruturas
físicas do laboratório de Psicologia da UFRN, local onde, durante muito tempo,
estive compondo este trabalho.
À Germano, pela fé e luz que me passa através de seu mundo. À Daniel pelo
companheirismo de sempre.
À Cilene e Larissa, componentes da secretaria de pós-graduação em psicologia da
UFRN, pelo apoio e sorrisos de sempre.
À Soraya, pela paciente e carinhosa revisão deste trabalho.
À gina e Lúcia, funcionárias do departamento de psicologia, pelas muitas
‘impressões subversivas’.
À todos os músicos, pela inspiração cotidiana que me proporcionam, em particular à
Gilberto Gil, por tudo aquilo agencia em mim com a música “Cultura e Civilização”.
À Deus, por me presentear com todas essas pessoas, tornando alegre o caminhar.
7
Sumário
Resumo........................................................................................................................... 08
Abstract........................................................................................................................... 09
1. Introdução........................................................................................................................10
1.1. Objetivos..........................................................................................................................20
1.2. Justificativa......................................................................................................................22
2. Capítulo 1: Controle Social e participação do usuário no contexto da reforma
psiquiátrica.......................................................................................................................25
2.1 Reforma sanitária e psiqutrica: o controle social em questão.......................................28
2.1. Breve histórico sobre grupos e dispositivos associativos................................................36
3. Capítulo 2: Redes de cuidado em saúde e empoderamento em saúde mental.................47
3.1. Cuidado e redes de atenção em Saúde Mental................................................................57
4. Capítulo 3: Considerações Teórico/Metodológicas.........................................................64
4.1. Local e Participantes da pesquisa....................................................................................64
4.2. O processo de entrada em campo e seu desenvolvimento...............................................68
5. Capítulo 4: Resultados e análise......................................................................................76
5.1. Cotidiano dos CAPS .......................................................................................................76
5.2. Reunião da ABRASME...................................................................................................77
5.3. Oficina de ajuda mútua com usuários dos serviços.........................................................77
5.4. Roda de conversa com a equipe técnica..........................................................................77
5.5. Eixo 1: Dinâmica do CAPS.............................................................................................79
5.5.1 Uso do tempo e o modo como a clínica vem sendo operada..................................90
5.6. Eixo 2: Relação Usuário-Técnico/Serviço....................................................................117
6. Considerações finais......................................................................................................147
7. Referências bibliográficas.............................................................................................149
8
Resumo
Essa pesquisa objetivou investigar práticas de ajuda mútua entre usuários dos CAPS
leste e oeste da cidade de Natal-RN. No campo da saúde mental, observamos que o
cuidado proporcionado pelos serviços substitutivos tende a ser pautado pelo saber
técnico onde a figura do profissional predomina. A reforma psiquiátrica brasileira
tem investido em equipamentos e políticas de atenção em saúde mental, mas é
preciso investir mais fortemente em novas estratégias e atores capazes de agenciar
forças instituintes a esse movimento, tais como os usuários. Se um dos eixos da
reforma psiquiátrica consiste em uma mudança no tipo de relação que se estabelece
com o portador de transtorno mental, porque essa relação, nos dias de hoje, ainda se
configura de maneira técnica e desigual, onde de um lado um sujeito que sabe e
deve cuidar e de outro um que nada sabe, devendo, portanto, ser cuidado? Partindo
dessa problematização acerca dos modos tradicionais de cuidado em saúde/saúde
mental, buscou-se investigar de que maneira as práticas de ajuda mútua entre
portadores de transtorno mental podem agenciar potencialidades ainda não
exploradas no âmbito da reforma psiquiátrica. O objetivo da pesquisa foi mapear
possíveis práticas de ajuda entre os usuários, bem como a concepção dos técnicos
sobre tais práticas. Para isso, participamos cotidianamente das atividades
desenvolvidas nos CAPS, mapeando as experiências de ajuda entre os usuários.
Além disso, acompanhamos os usuários nos ambientes extra-serviços (volta para
casa, passeios, etc.), e realizamos rodas de conversa com os profissionais. A pesquisa
foi orientada pelo referencial teórico-metodológico da análise institucional. Os
resultados apontaram para uma falta de atitudes de ajuda ou suporte mútuo entre
usuários, provavelmente explicado pela dinâmica de funcionamento do serviço e pela
relação entre técnicos e usuários, que tende a dificultar encontros entre usuários,
além de não favorecerem o empoderamento dos mesmos.
Palavras-chave: reforma psiquiátrica; CAPS, usuários, ajuda mútua,
empoderamento.
9
Abstract
The research objective is explore practices to mutual help between CAPS users from
the east and west regions of the city of Natal, RN, in Brazil. In the mental health
field, we observe the care from substitutive services is based on technical
knowledge where the person of the mental health professional is predominant. The
Brazilian psychiatry reform invests in equipments and mental health care protocols,
but it is necessary to invest more vigorously in new strategies and actors capable of
obtaining resources to achieve this goal, such as the users. If one cornerstone of the
psychiatric reform consists of changing the type of relationship established with the
person with mental disorders, why this relationship, nowadays, is still dominated by
technique and unevenness, where on one side we have a person who knows
something and who needs take care of someone, and on other side we have another
who knows nothing and thus needs to be cared for? Starting from this
problematization of the traditional methods of health/mental health care, an attempt
was made to investigate in what ways the mutual help practices between people with
mental disorders can realize potential avenues not yet explored within the scope
of psychiatric reform. The objective of this research was to map possible mutual help
practices among the users, and the technical understanding of such practices. For
that, we took part in the daily activities of the CAPS, mapping the experiences of
mutual help among users. In addition, we accompanied the users in external activities
(such as return home, trips, etc), and we had roundtables with the professionals. The
research was guided by theoretical-methodological references of the institutional
analysis. The results pointed to a lack of behaviors of mutual help or support among
users, something that can probably be explained by the service work dynamics, as
well as the relationship between technicians and users, which has a tendency to
create hurdles for meetings among users, as well as being non-conducive to their
empowerment.
Keywords: psychiatric reform; CAPS, users, mutual help, empowerment
10
Introdução
Outubro de 2006, Residência Terapêutica (RT), Natal/RN. O momento que
descrevo a seguir trata de um almoço em que estão presentes dois estagiários de
psicologia, um técnico (técnico em enfermagem) e todos os residentes (ao todo, sete).
As pessoas na mesa conversam enquanto comem, o clima é de descontração e
amizade. Quase não se pode diferenciar técnicos de residentes. Quase. Não fosse a
forma como aqueles se dirigem a estes. “José
1
, eu falei mais de mil vezes, coma
com o garfo, essa sua mania de comer com colher!... Faz é tempo que eu tento e você
não aprende! Nessa hora, dentre tantas coisas pensei: Pra que serve uma
‘ferramenta’ se não para ser usada pelos homens da forma que ‘melhor lhes
convém’?”.
Meu interesse pela temática da loucura data de 2006, durante o estágio
curricular do curso de psicologia, da UFRN, quando tive a oportunidade de conhecer
o Hospital Psiquiátrico Dr. João Machado/HJM, assim como a Residência
Terapêutica de Natal/RT. Foi nessa última em particular, que tive minhas maiores
inquietações ao perceber que, apesar de se tratar de um serviço substitutivo aos
dispositivos manicomiais, a gica de funcionamento daquele lugar podia ser o
aprisionante e violenta quanto o manicômio. Lembro agora de outra cena, em que
uma estagiária de psicologia se preparava para mais um dia de trabalho na RT.
Tratava-se de um passeio que seria realizado em um conhecido parque da cidade. Os
residentes se vestiam para sair... “Essa blusa não, porque furada. Bote uma roupa
mais arrumada. Isso não é roupa de sair”. Isso me fez lembrar um pouco da minha
história, e de como essas questões também estiveram (e estão) presentes na minha
1
Todos os nomes de pessoas contidos nesse trabalho são fictícios.
11
vida, de como as pessoas se incomodam com um modo particular de se vestir, de
pensar, de viver... Cresci ouvindo frases semelhantes à desta estagiária. Mas, no caso
acima relatado, por se tratar de um louco, a estagiária julgou que o mesmo seria
incapaz de escolher uma roupa adequada, e que escolher a blusa furada tratar-se-ia de
um erro (a ser corrigido). Não passou pela cabeça da estagiária que essa escolha
poderia ser antes de tudo um acerto, uma afirmação da vontade, de um modo de
existir, uma escolha totalmente conectada com a vida daquela pessoa (em tempo: a
blusa fazia referência ao 18 de maio, dia nacional da luta anti-manicomial).
O que estes exemplos nos trazem para pensar é a capacidade que, muitas
vezes, o saber/fazer profissional tem de desqualificar modos de compreensão de
determinados fenômenos, no caso, a loucura. Um usuário da rede de saúde mental
muitas vezes tem seu potencial diminuído, seu saber desacreditado, enfim, sua forma
de lidar com questões de seu cotidiano não tem valor frente ao saber do
profissional/especialista. Dada essa falta de poder pessoal/cotidiano dos usuários,
urge pensar estratégias de empoderamento no contexto da saúde mental. Este termo
diz respeito ao aumento de força e poder de uma determinada coletividade,
favorecendo, por exemplo, o ganho de autonomia e o combate da relação de tutela
que historicamente abarca o fenômeno da loucura e, como tal, representa um
significativo avanço ao processo da reforma psiqutrica (Vasconcelos, 2008).
Durante a época de estágio também me chamaram atenção outros episódios.
Encontrava-me na sala de Terapia Ocupacional do hospital psiquiátrico Dr. João
Machado em um grupo de confecção em retalho. As pacientes trabalhavam na
confecção de tapetes, e estava também empenhado nessa tarefa (havia aprendido
12
duas semanas como trabalhar com retalhos). Havia uma técnica que coordenava as
atividades, responsável por conseguir o material necessário, bem como guardar e
zelar pelas produções. Havia sempre pessoas novatas nesse espaço (inclusive eu). As
pacientes com mais experiência ajudavam as recém-chegadas a se inserirem no
grupo, bem como orientavam sobre as atividades. Por mais que a técnica se
propusesse e estivesse disposta a esse fim, o que pude observar foi um predomínio
dos contatos entre pacientes e a capacidade que estes tinham de promover avanços
significativos no cotidiano uns dos outros. Talvez, o lugar de onde vinha essa ajuda,
bastante afastada de uma hierarquia de poder, fosse o principal diferencial ali.
Por último, gostaria de trazer um pouco da experiência que tive como
acompanhante terapêutico em 2007, de um caso bastante particular. Diz respeito a
um jovem de 16 anos, internado pela primeira vez no HJM. O jovem foi criado por
sua mãe adotiva que, após a primeira crise de seu filho decide desistir da criação do
mesmo passando a guarda para a mãe biológica, que até então era uma figura
desconhecida para o jovem. Minha função naquela ocasião era a de ajudá-lo em seu
processo de alta (através do programa Alta Assistida), acompanhando sua inserção
naquele novo contexto familiar, buscando, na medida do possível, dar um suporte
nesse processo. Foi nesse momento que comecei a perceber as potencialidades que
um tipo de intervenção mais solta, mais afastada da posição do saber técnico e mais
próxima de uma ajuda informal, cotidiana, pode representar. Ao circularmos pelas
ruas, pela cidade, quando conversávamos sobre um assunto qualquer, não era a figura
do psicólogo que estava em cena. O que essas situações exigiam era uma tomada de
posição, principalmente de ordem afetiva, para que algo pudesse ser produzido, para
13
que alguma mudança efetiva se processasse. Foi nessa direção que me afastei cada
vez mais da posição de um profissional, para me aproximar da de amigo, colega de
jornada. Foi nesse plano que mudanças efetivas se processaram, não só na vida
daquele paciente como na minha.
Esse jovem do qual falo chama-se Augusto, hoje, dois anos sem
internações psiquiátricas, membro da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins, de
Natal/RN, com dois livros de poesias publicados (o primeiro durante a época em que
lhe acompanhava no seu processo de alta), tentando lançar o terceiro. Nossas
relações se estreitaram ao longo desses anos, o que me fez refletir sobre esse tipo de
relação e as possibilidades que agenciam para a vida cotidiana das pessoas.
Quarta-feira, 24 de setembro de 2008, recebo uma ligação de Augusto.
Tratamos das questões de sempre: o lançamento de seu terceiro livro (que me
encarrego de tentar algum tipo de apoio por parte da editora da UFRN), suas
tentativas de conseguir um emprego para tentar financiar este projeto, etc. Porém,
Augusto traz também algumas de ordem pessoal, no intuito de que eu lhe ajude de
alguma forma... Conta-me sobre uma garota de sua escola, e de que teria vontade de
tentar se aproximar dela, mas não saberia como, já que é muito tímido... Pergunta-me
então o que fazer diante dessas circunstâncias. Vige, Augusto, acho que você
perguntou pra pessoa errada porque passo pelo mesmo problema, também tenho
essa mesma dificuldade...”, disse a ele. “Mas então eu faço o quê? Você não tem uma
dica?”. Rapaz, acho que talvez a idéia seja vose jogar, como quem se joga em
um abismo. na hora, na frente dela, alguma coisa vai sair, eu acho...”.
Encerramos a conversa marcando um almoço para a sexta-feira seguinte, para
14
conversarmos melhor e colocar os assuntos em dia.
Esse tipo de contato/intervenção só foi possível tendo em vista o tipo de
relação que desenvolvemos ao longo desses anos. Arrisco-me a falar, e falo do que
sinto e penso ser verdade porque me coloco (ou a situação me coloca) na posição de
amigo, de parceiro de caminhada. Minha relação com Augusto, hoje em dia, possui
muito pouco de um especialismo/tecnicismo, assunto que, aliás, no começo de nossa
relação era para mim uma questão difícil de resolver. Até onde pode/deve ir um
profissional? Até que ponto devo me afetar, falar do que penso e agir como sou? São
questões que vivi ao acompanhá-lo (na época de estágio) no dia-a-dia, pegando um
ônibus, ouvindo suas interpretações sobre seus delírios e sendo questionado sobre as
minhas interpretações. Em pouco tempo caiu por terra a posição do profissional,
insustentável na vida cotidiana, para dar lugar ao plano da ajuda informal, o que
permitiu (e permite até hoje) ações e invenções capazes de atuar aonde o profissional
não chega.
Os exemplos trazidos acima exemplificam uma problemática que atravessa o
campo da saúde mental e da reforma psiqutrica na atualidade: o cuidado
proporcionado pelos serviços substitutivos tende a ser sempre aquele pautado pelo
saber técnico, com a ação deste sobre o usuário. A figura do profissional, que
inevitavelmente se encontra atravessado pelo saber psiqutrico (e psi de forma
geral), ainda predomina quando se pensa em práticas de cuidado em saúde mental.
Pouco ou nada se fala acerca do potencial contido em outro tipo de relação com os
usuários ou até mesmo entre estes.
Apesar das inúmeras transformações ocorridas no campo da saúde mental no
15
Brasil e no mundo, o saber psiquiátrico continua sendo o mais importante pilar de
sustentação da rede de atenção em saúde mental. Porém, muitas vezes, esse saber
técnico-acadêmico o dá conta da realidade concreta de portadores de transtorno
mental, principalmente por se sustentar em representações muito particulares das
elites letradas de nossa sociedade (Vasconcelos, 2005). Esse saber profissional se
pauta em uma epistemologia científica, que abrange determinadas dimensões do
fenômeno da loucura, representando um determinado modo de compreender tal
fenômeno (técnico, acadêmico).
Ora, na medida em que temos em nosso país uma realidade sócio-econômico-
cultural extremamente variada, necessariamente teremos modos de compreensão,
bem como experiências diferenciadas acerca do fenômeno da loucura. É a essa
realidade diversificada, com questões cotidianas de diferentes ordens (necessidades
financeiras ou ainda as dificuldades particulares que cada caso de transtorno mental
implica), que o saber técnico o consegue atender. Nesse sentido, o referido autor
argumenta a favor da necessidade de se investir em novas estratégias e atores sociais
capazes de agenciar forças instituintes
2
ao movimento da reforma psiquiátrica
brasileira: usuários e familiares (Vasconcelos, 2008).
A Reforma psiquiátrica brasileira tem investido bastante em equipamentos de
atenção em saúde mental, em programas e políticas nessa área. A Política Nacional
de Saúde Mental visa reduzir progressivamente os leitos psiquiátricos, “qualificar,
expandir e fortalecer a rede extra-hospitalar” (Ministério da Saúde, 2008, s/p).
Segundo dados do Ministério da Saúde (2008), houve redução de trinta mil leitos
2
Por instituinte compreendo as forças que tendem a transformar (ou fundar) uma instituição.
Por instituição refiro-me às “lógicas (...) que podem ser leis, podem ser normas e, quando não estão
enunciadas de maneira manifesta, podem ser hábitos ou regularidades de comportamentos”
(Baremblit, 2002, p. 25).
16
psiquiátricos em aproximadamente dez anos (1996-2005), enquanto o atendimento
ambulatorial cresceu 180 %. O investimento federal tem recaído sua maior parte
(62,93% dos recursos do SUS) para a criação e manutenção da rede extra-hospitalar,
em detrimento da rede manicomial, situação que seis anos era exatamente oposta.
Em 2002 existiam 424 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em todo o país, hoje
o número é de 1198 (Ministério da saúde, 2008).
Além de investimentos em serviços de atenção em saúde mental, as diretrizes
atuais giram em torno da qualificação profissional (através da Escola de Saúde
Mental do Rio de Janeiro, por exemplo), buscando a formação de especialistas e a
melhoria do nível técnico dos profissionais.
No entanto, a atuação ainda é pensada de cima pra baixo. Fala-se dos
usuários, mas não com eles. Apesar de se criticar a desvalorização do discurso do
louco (que o manicômio opera), esse ainda não ocupa um lugar de destaque nas
políticas da reforma. Pelo menos o na prática. Pensa-se em novas políticas, criam-
se serviços, mas não se estabelece um diálogo efetivo com usuários acerca de suas
necessidades e desejos. Se um dos eixos da reforma psiquiátrica consiste em uma
mudança no tipo de relação que se estabelece com o portador de transtorno mental,
porquê essa relação, nos dias de hoje ainda se configura de maneira técnica e
desigual, havendo de um lado um sujeito que sabe e deve cuidar e de outro um que
nada sabe, devendo, portanto, ser cuidado? A experiência dos grupos de ajuda e
suporte mútuos tem mostrado que os portadores de transtornos mentais têm um saber
valioso acerca de seus problemas, e que, juntos, podem trocar experiências e
promover significativos avanços na vida cotidiana deles próprios, propiciando maior
17
qualidade de vida (Vasconcelos, 2003).
Um grupo de ajuda tua consiste na reunião de pessoas que passam pela
mesma problemática para que, juntas, possam desenvolver estratégias de
enfrentamento das adversidades ocasionadas pela doença/transtorno. Ajuda tua
diz respeito, particularmente, ao apoio emocional e acolhimento ao colega/indivíduo
em sofrimento. Esse tipo de atenção, eventualmente pode evoluir no sentido de
abarcar questões mais amplas como vida social, lazer, cultura, política e até mesmo
os projetos de vida das pessoas, sempre facilitadas e discutidas por aquela
coletividade, configurando assim uma prática de suporte mútuo (Vasconcelos, 2008).
Apesar de alguns notáveis avanços no âmbito profissional, pouco ou nada se
fala acerca das possibilidades de cuidado que uma relação usuário-usuário pode
engendrar. O saber do louco continua sendo desvalorizado, o sendo foco de
atenção nas propostas de cuidado em saúde mental, que é pensado exclusivamente
sob a ótica do saber técnico, especializado. Não se pensa na potencialidade que,
porventura, as estratégias de cuidado entre os usuários da rede possam ter.
O cuidado em saúde mental exercido por um profissional está geralmente
imbuído de poder, sendo difícil escapar da hierarquização que o saber do técnico
impõe ao (não) saber do usuário. Tal postura tende a distanciar o profissional da vida
cotidiana dos usuários, o que limita a esfera do cuidado ao que surge no interior dos
serviços. O avanço técnico científico tem gerado distanciamento do ato de cuidar em
relação às vidas das pessoas (já que nem tudo que é importante para o bem-estar
pode ser traduzido tecnicamente), vidas essas, aliás, que são a razão de ser de toda
prática em saúde (Ayres, 2004).
18
Dados esses pontos críticos presentes na dinâmica do cuidado profissional
tradicional, surge como desafio para a reforma psiquiátrica desenvolver outras
estratégias de atenção em saúde mental, nas quais as práticas de ajuda/suporte mútuo
venham a desempenhar importante papel. Vale salientar, porém, que não se trata de
desqualificar o cuidado profissional (que, aliás, é de suma importância para os
portadores de transtornos mentais), mas de apontar alternativas outras que façam
avançar ainda mais o processo de reforma psiquiátrica, bem como otimizem as
práticas de cuidado, proporcionando uma melhor qualidade de vida aos usuários da
rede de atenção em saúde mental.
No atual momento da reforma psiquiátrica nacional, a criação de serviços
substitutivos, como referido anteriormente, representa um avanço significativo na
luta antimanicomial. Além da criação de novos serviços de atenção à saúde mental, o
que está presente no discurso sobre reforma psiquiátrica é uma mudança na lógica do
cuidado, fato que muitas vezes, não é realidade em um serviço substitutivo. Serviços
residenciais terapêuticos ou outros tipos de dispositivos muitas vezes estão
atravessados por uma lógica manicomial de cuidado, conforme citado no início deste
trabalho.
Além disso, outras questões se colocam. Após quinze anos de existência, os
CAPS, por exemplo, vivem um momento de estagnação de seu potencial, com “uma
acentuada institucionalização de seu cotidiano, com tendência a perda de sua
vitalidade, do potencial de inovação e do espaço político dos profissionais”
(Vasconcelos, 2008, p. 125). O que se vê, em muitos casos, é um modelo de
intervenção de “tendência organicista-reparatória” (Vieira Filho & Nóbrega, 2004, p.
19
377), cristalizando formas de trabalho que impedem o surgimento do novo enquanto
possibilidade de invenção, “rigidificando os significantes discursivos, facilitando
assim, a autonomização dos atendimentos” (Vieira Filho & brega, 2004, p. 377).
Assim, investigar estratégias alternativas de cuidado entre usuários pode representar
um potencial ainda pouco explorado (e talvez instituinte) no âmbito da reforma, fato
que justifica a realização dessa pesquisa, sendo este o objetivo proposto.
Essas formas alternativas de atenção em saúde mental são mencionadas, por
exemplo, na III Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM). Além de propor
que se atue no nível de políticas de promoção a autonomia (com programas de
geração de emprego e renda), direitos e cidadania dos usuários, a III CNSM prevê a
criação e o fortalecimento dos grupos de ajuda e suporte tuos na rede de saúde
mental do país. Para que essa desejável realidade se concretize é de fundamental
importância a participação do usuário no cenário político da reforma, principalmente
atuando em nível do controle e participação social, fazendo com que seus interesses
sejam atendidos. Nessa direção, o acesso a informações de qualidade e articulação
em torno das questões da política de saúde de nosso país se torna elemento
fundamental para a ação deste coletivo (fato que corrobora a existência de
dispositivos associativos em saúde, por exemplo).
Assim, pensando essas duas problemáticas, uma atenção em saúde
tradicional, que contém alguns elementos críticos, e a política nacional de saúde
mental, que tem propostas muito boas, mas necessita de articulação política
(principalmente dos usuários, principais interessados) para sua efetivação, a idéia dos
grupos de ajuda e suporte mútuo pode se configurar enquanto importante dispositivo
20
alavancador desse processo de reforma psiquiátrica, colaborando para minimizar
esses dois pontos problemáticos.
É possível um tipo de cuidado que fuja a essa lógica
profissional/especializada? É possível que um usuário seja cuidado por outro? Minha
experiência, assim como a literatura, responde afirmativamente a essas questões, o
que faz com que eu me aproxime de outros questionamentos: que tipo de rupturas a
prática da ajuda mútua provoca em relação ao cuidado profissional? Que efeitos
produzem no cotidiano dos usuários, bem como no nível da reforma psiquiátrica? Em
última instância, como ocorrem as práticas de ajuda mútua entre usuários dos
serviços substitutivos tipo CAPS de Natal/RN?
Foi no intuito de responder essas questões que pensei a realização dessa
pesquisa, que teve como objetivo mapear tais práticas entre usuários da rede de saúde
mental de Natal/RN. Acompanhei as atividades dos CAPS Leste e Oeste,
aproximando-me de casos em que pudesse haver ajuda mútua entre usuários,
acompanhando-os dentro e fora dos serviços. Para refletir sobre esse fenômeno me
amparei no referencial teórico-metodológico da análise institucional, buscando
apreender as forças e instituições presentes nesse contexto.
1.1. Objetivos
Geral: Mapear práticas de ajuda e suporte entre usuários dos CAPS Leste e
Oeste, da cidade de Natal/RN e analisar as potencialidades de tal proposta no
processo de reforma psiquiátrica.
Específicos:
21
a) Identificar entre usuários dos CAPS possíveis práticas de ajuda e
suporte, atentando para as circunstâncias/contextos e modos em que se
davam essas práticas;
b) Investigar que efeitos esse tipo de atitude produziam no cotidiano dos
usuários;
c) Perceber como os técnicos se posicionavam em relação à proposta da
ajuda e suporte mútuo entre usuários;
Os objetivos acima mencionados se constituíram na proposta inicial desta
pesquisa. Porém, após algumas semanas de mergulho em nosso campo de pesquisa,
ao percebermos que as práticas de ajuda ou suporte tuo o se faziam presentes
nos CAPS, decidimos por investigar os fatores que ajudariam a explicar tal realidade,
para melhor compreendermos a ausência de tais comportamentos entre os usuários.
Neste sentido, este seria o principal objetivo deste trabalho.
22
1.2. Justificativa
Como produzir novos agenciamentos de
singularização que trabalhem por uma
sensibilidade estética, pela mudança da vida
num plano mais cotidiano e, ao mesmo tempo,
pelas transformações sociais em nível dos
grandes conjuntos econômicos e sociais?
(Guattari & Rolnik, 1986, p.22)
Penso que nos dias atuais vivemos uma situação (que vem se agravando ao
longo dos séculos) de crise, expressa nas diversas esferas de nossa sociedade: crise
econômica, política, e particularmente, subjetiva. Como afirma Guattari (1986)
“Trata-se de uma crise dos modos de subjetivação, dos modos de organização e de
sociabilidade (...)” (p.191). A exclusão da loucura e do louco, assim como a
necessidade que a sociedade tem de codificar esse tipo de fenômeno é um reflexo
dessa crise.
A reforma psiqutrica, tanto em vel mundial quanto local, operou e vem
operando mudanças significativas no campo da saúde mental. Em geral, essas
mudanças se traduzem em programas e políticas que visam à criação de
equipamentos e capacitação de agentes que atuem no sentido da substituição do
modelo manicomial por estratégias alternativas de cuidado. O papel do Estado aqui,
é o de mediar e modular a relação produzida acerca do fenômeno da loucura.
É a mediação do Estado entre sociedade e loucura que permite que essa se
relacione com o social de uma determinada forma (técnico-científica) e não de outra.
É o que Guattari e Rolnik (1986) conceituam como infantilização, em que se efetua
23
uma desvalorização de um determinado saber ou de uma determinada categoria
social. Segundo esses autores, o Estado cumpre um papel importantíssimo na
produção de subjetividade capitalística: “é um Estado-Mediador, um Estado-
Providência, pelo qual tudo deve passar, numa relação de dependência, na qual se
produz uma subjetividade infantilizada” (Guattari & Rolnik, 1986, p. 147). É através
dessa relação mediada, infantilizada, que a sociedade se conecta com as questões
referentes à loucura de uma determinada forma e não de outra qualquer. É
exatamente através de equipamentos coletivos, como os serviços substitutivos, que o
Estado consegue atuar de forma rizomática gerindo certos fenômenos, fazendo com
um determinado grupo se auto-discipline (Guattari & Rolnik, 1986). Então me
pergunto: como sair disso?
No intuito de tentar responder a essa questão, considero relevante mapear as
práticas de cuidado operadas nos serviços de saúde mental, na tentativa de perceber
brechas na gica tradicional do cuidado, atentando para a potência que experiências
de cuidado entre usuários podem representar, tentando perceber que tipos de
práticas/encontros conseguem fugir a essa captura do Estado.
Segundo Vasconcelos (2008), essa potência se traduz exatamente na
característica instituinte que os usuários e familiares podem representar no momento
atual da reforma psiquiátrica, em que cada vez há uma reafirmação técnico-cienfica
da psiquiatria. É nessa direção que a perspectiva do cuidado mútuo entre usuários
está sendo pensada, visando à ampliação da rede de atenção em saúde e a promoção
de avanços no processo de reforma psiquiátrica brasileira.
Dado o avanço da reforma psiquiátrica pela via técnico-científica, faz-se
24
necessário então o desenvolvimento de outras estratégias de cuidado, principalmente
tendo em vista as críticas apresentadas a esse viés de ação. Além disso, poucos
estudos têm pensado uma mudança em como se opera o cuidado em saúde mental
pela via do cuidado mútuo entre usuários, o que torna essa pesquisa importante
também para a comunidade científica.
Creio também que a presente pesquisa pode colaborar para uma mudança
quanto à postura dos usuários frente às questões da reforma, no sentido de que
adotem uma postura mais próxima da de ator em detrimento da de espectador, o que
a meu ver o vem acontecendo no cenário da reforma. Pensa-se em serviços e
políticas, mas não se estabelece um diálogo efetivo com os principais interessados
nisso tudo: os usuários. É no intuito de fazer emergir a posição e anseios destes que
esta pesquisa se torna importante.
25
2. Capítulo 1: Controle social e participação do usrio no contexto
da reforma psiquiátrica
A reforma psiquiátrica brasileira tem inspiração na experiência italiana,
particularmente pela figura de Franco Basaglia, psiquiatra italiano que provocou
rupturas paradigmáticas significativas para o campo da reforma psiquiátrica, com
repercussões mundiais. A experiência italiana, apesar de não ter sido a primeira, se
configura como a que mais avançou no que diz respeito à desinstitucionalização da
loucura. A particularidade do processo de reforma nesse país consiste na
desconstrução, não só do manicômio e de suas práticas coercitivas, como de um
modo dominante de se pensar a loucura, bem como o lugar do louco na sociedade.
No Brasil, a reforma psiquiátrica (RP) é amparada na Lei 10.216/2001. A
idéia é que se desconstrua a forma de atenção baseada no isolamento (característica
do hospital psiquiátrico) para agir na direção de uma atenção mais territorial, de
modo que o sujeito portador de transtorno mental possa ser assistido no próprio local
aonde vive, com apoio da família e comunidade. O atendimento deve ser feito nos
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Residências Terapêuticas, Ambulatórios,
Hospitais Gerais e Centros de Convivência. Além disso, a política nacional caminha
na direção da inclusão de ações de saúde mental na atenção básica, promoção de
direitos de familiares e usuários, incentivando a participação destes no cuidado
(Ministério da Saúde, 2008).
Menos de um ano após a aprovação da lei federal de saúde mental, realizou-
se a III Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM), cujas diretrizes giraram em
torno de: financiamento, recursos humanos, controle social, acessibilidade, direitos e
26
cidadania. Esses dois últimos pontos são de fundamental importância para se pensar
o papel do usuário no processo de reforma psiquiátrica no Brasil. Como pensar uma
possível participação dos usuários no processo de desinstitucionalização da loucura,
se estes, em sua maioria, o têm conhecimento das questões referentes a direitos e
cidadania? Essas discussões se encontram presentes, muitas vezes, em algumas
associações de usuários, mas essas constituem uma minoria, o que dificulta uma ação
de controle social mais efetiva. É justamente na realização deste controle social que a
articulação e ação dos usuários devem atuar, favorecendo a concretização das
propostas da reforma, bem como pressionando o Estado a favor dos interesses dos
usuários.
A III CNSM vem reafirmar a saúde como direito do cidadão e dever do
Estado, postulando que as políticas de saúde mental sigam os princípios do SUS de
atenção integral, acesso universal e gratuito, eidade, participação e controle social,
além de priorizar a construção da rede de atenção integral em saúde mental. Dentre
as propostas da Conferência, cabe destacar a criação de programas de atenção em
saúde mental com base nas necessidades dos usuários, o desenvolvimento de
estratégias diversas de serviços de saúde mental que possibilitem que os indivíduos,
familiares e serviços possam prestar cuidados.
A Resolução 52/2001 da III CNSM, afirma que é função da política e dos
serviços de saúde mental “criar mecanismos de avaliação, acompanhamento,
planejamento e fiscalização contínua da rede de serviços de saúde do SUS e incluir,
na Portaria GM 799/00, a participação da sociedade civil e, em particular, os
usuários e familiares” (Ministério da Saúde, 2009, p. 32). Os itens 58 e 59 tratam
27
também da fiscalização dos serviços de saúde mental, particularmente dos hospitais
psiquiátricos, no sentido de atentar para possíveis violações de direitos humanos. Tal
fiscalização deve contar também com a participação de usuários, o que é de
fundamental importância para que os serviços venham a atender os interesses destes.
No item 5.2, que diz respeito à organização e produção da rede e dos serviços
substitutivos, o relatório traz de maneira clara que cada município deve se organizar
a fim de criar dispositivos capazes de promover atenção integral aos usuários, 24
horas por dia e sete dias por semana. Tal articulão e produção de uma rede devem
partir das necessidades dos usuários. Sua história, seus contextos e particularidades
de suas vidas devem nortear essas questões. Dessa forma, os usuários têm um papel
fundamental na implementação dessas ações, devendo ser considerados como
personagens principais, e não coadjuvantes, nesse processo.
No tópico referente aos Direitos e Cidadania dos usuários, várias questões são
levantadas. Por exemplo, questiona-se a interdição dos direitos civis de um portador
de transtorno mental, incentivando usuários e a sociedade civil a combaterem tal
situação. Ou, por exemplo, a exigência de que as pessoas internadas
compulsoriamente tenham direito a recorrer judicialmente de tal ação, além da idéia
de que se aprove a Lei n10.216/01, que prevê a avaliação por outra equipe técnica,
nos casos de internações involuntárias, propondo estratégias alternativas a essa
medida.
As propostas da Confencia prevêem também a assistência em saúde
composta por CAPS e leitos em hospitais gerais, além da criação de centros de
convivência, programas de geração de emprego e renda, preferencialmente
28
articulados à proposta de ganho de autonomia por parte do usuário, em detrimento de
políticas assistencialistas de cuidado. Na direção desse ganho de autonomia, defende-
se também que egressos psiquiátricos de longa permanência, ou moradores de
serviços residenciais terapêuticos tenham direito a um benefício previdenciário ou
bolsa desospitalização (no caso de não haver outra possibilidade de sustento próprio),
o que ajudaria substancialmente na construção de um modo de vida mais autônomo,
fato que se configura como um campo problemático para a realidade dos portadores
de transtornos mentais. Ainda sobre essa questão da autonomia, cabe ressaltar o item
103, da referida conferencia, que pretende “Incluir os grupos de auto-ajuda na rede
assistencial” (Ministério da Saúde, 2009, p. 43), o que toca diretamente na minha
questão de pesquisa.
Se a idéia da formação de grupos faz parte da política pública, e a literatura
reconhece como sendo experiências positivas para a vida dos sujeitos em questão,
espera-se que essas discussões estejam presentes e sejam incentivadas por gestores e
trabalhadores de saúde mental. Dessa forma, pensar como a estratégia dos grupos de
auto-ajuda, ajuda e suporte mútuo se relaciona com as questões de saúde, em
particular no que diz respeito a controle e participação social, é imprescindível.
2.1 Reforma sanitária e psiquiátrica: o controle social em questão
A partir de 1985 o Brasil vive uma era de redemocratização iniciada com a
chamada Nova República, culminando na promulgação da constituição de 1988 e
ampliação de direitos (Fonseca, 2007). Datando do mesmo período (durante a
ditadura militar) e estando intrinsecamente ligados, os movimentos da reforma
29
sanitária e da reforma psiqutrica surgem a partir da articulação de alguns atores
sociais, em particular, daqueles ligados às universidades, aos movimentos populares
e trabalhadores em saúde, notadamente articulados em função de um momento
político bastante particular da história do país, de resistência ao regime autoritário e
luta pela democracia (Scarcelli & Alencar, 2009).
Seguindo essa direção, o Movimento da Reforma Sanitária surge
reivindicando a universalidade do acesso à saúde e o reconhecimento desta como
direito de todos (Martins et. al., 2008), tendo, dessa forma, os seguintes princípios
básicos: universalidade, acessibilidade, igualdade, equidade, integralidade,
descentralização, municipalização, intersetorialidade e controle social. Tais
princípios compõem também a proposta da atenção psicossocial, mote das políticas
de saúde mental (Yasui, 2009). A consolidação da reforma sanitária acontece em
1986, na VIII Conferência Nacional de Saúde, reunindo uma diversidade de
segmentos da sociedade. Nessa conferência foram ratificados os princípios básicos
da reforma sanitária, princípios sobre os quais, em 1990, se assentaria o Sistema
Único de Saúde (SUS) (Martins et. al., 2008), representando um marco na política de
saúde brasileira.
O SUS, instituído pelas leis federais 8.080/1990 e 8.142/1990, tem como
princípios básicos:
O acesso universal, público e gratuito às ações e serviços de saúde; integralidade
das ações, cuidando do indivíduo como um todo e não como um amontoado de
partes; equidade, como o dever de atender igualmente o direito de cada um,
respeitando suas diferenças; descentralização dos recursos de saúde, garantindo
30
cuidado de boa qualidade o mais próximo dos usuários que dele necessitam;
controle social exercido pelos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de
saúde com representação dos usuários, trabalhadores, prestadores, organizações
da sociedade civil e instituições formadoras. (Ministério da Saúde, 2004, p.13)
É dentro das propostas do SUS que se situam os CAPS, criados pela portaria
GM 224/1992, e hoje regulamentados pela portaria 336/GM de 19 de fevereiro de
2002 (Ministério da Saúde, 2004). Tais informações servem para nos lembrar que os
CAPS, assim como as políticas de saúde mental que orientam estes dispositivos,
fazem parte da rede de serviços/políticas do SUS, o que nos alerta para os princípios
que regem nosso sistema de saúde, presentes também (ou devendo estar presentes) na
atenção em saúde mental. Nesse sentido, é importante perceber que lutar pelo SUS é
lutar também pela Reforma Psiquiátrica (Delgado, 2008), por uma política de saúde
que atenda aos interesses da sociedade.
Através do SUS, a saúde se torna uma questão de cidadania e a participação
política uma condição para sua efetivação, em particular a partir da Lei Federal
8.142, de 28 dezembro de 1990, que instituiu os conselhos e as conferências de saúde
como espaço de representação e controle social (Guizardi & Pinheiro 2006). Porém,
o projeto de participação que marcou a VIII Confencia aos poucos vai perdendo
potência, e o que antes representava a capacidade de propor as diretrizes da política
em saúde se transforma em mera avaliação do, ao invés de sobre, o processo
(Guizardi, et al., 2004), refletindo-se assim, sobre algo pronto, ao invés de se
pensar também a formulação desse algo.
Os principais dispositivos de controle social na área da saúde, as conferências
31
e os conselhos de sde, recebem fortes críticas quanto ao seu funcionamento e
resolutividade. As conferências são de caráter nacional, e acontecem a cada quatro
anos, com o objetivo de avaliar e propor ajustes na política de saúde. Já os conselhos
se reúnem periodicamente para discutir e fiscalizar as propostas em saúde, fazendo a
ligação entre a população e os órgãos gestores da saúde. Além disso, podemos citar o
Conass Conselho Nacional de Secretarias de Saúde; e o Conasems Conselho
Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Sposati & Lobo, 1992). Todos esses
dispositivos visam otimizar a gestão da saúde, bem como proporcionar maior
controle e participação social sobre esse processo, particularmente através das
conferências e conselhos de saúde.
Dentre as principais críticas a esse dispositivo podemos citar a não
conformidade com os princípios de paridade (assim como obscuridade nos critérios
de escolha de seus membros); conhecimento insatisfatório, por parte de gestores e
população, sobre o papel e importância dos conselhos (Martins et. al., 2008);
incapacidade de se promover o diálogo entre comunidade e conselhos; componentes
que pertencem aos conselhos, mas na prática não comparecem as reuniões (Morita e
cols., 2006; Guizardi & Pinheiro, 2006); burocratização e irregularidade das
reuniões, muitas vezes restritas a questões orçamentárias, opinando sobre algo que já
chega pronto (Guizardi & Pinheiro, 2006; Martins et. al., 2008); silenciamento das
opiniões e experiências populares, principalmente através da posição ocupada pelo
discurso técnico-científico, o que acaba gerando um caráter meramente informativo
às reuniões, impossibilitando a elaboração de políticas públicas. Além disso,
denuncia-se a falta de infra-estrutura dos conselhos, no que diz respeito a transporte,
32
tempo disponível e assessoria institucional (Martins et. al., 2008).
Nesse sentido, tais instâncias de controle social não foram capazes de fazer
operar os princípios da reforma sanitária, propostos quase 20 anos (Ayala, 2008).
A autora argumenta que a ausência de uma estrutura organizativa composta por
indivíduos livremente associados é o principal fator responvel pela não
concretização das propostas da reforma sanitária. O descolamento das bases dos
movimentos sociais gera dispositivos (como os conselhos de saúde) bem organizados
juridicamente, mas incapazes de atender aos interesses da sociedade (Ayala, 2008).
ainda uma questão bastante pertinente a se considerar. Diz respeito ao
acesso a informações relevantes sobre aspectos que envolvem as questões de saúde
pública, principalmente por parte da população menos favorecida, principal parcela
usuária do SUS. Segundo Chauí (1993, citada por Silva e cols., 2007), a população
participa dos processos sociais na proporção em que tem acesso a informações (de
acordo com a qualidade destas), bem como condições favoráveis de aproveitamento
das mesmas, no sentido de poderem intervir politicamente.
A informação possui uma dimensão política e estratégica para os processos
decirios nos conselhos de saúde, fazendo-se necessária a existência de
mecanismos participativos e democráticos. O aparato que envolve a informação
em saúde necessita estar a serviço dos sujeitos políticos; sendo assim, o acesso
às informações precisa ser democratizado e as barreiras existentes, superadas.
(Silva e cols., 2007, p. 684)
Nesse sentido, cabe pensar o papel dos servos de saúde, em particular
daqueles referentes à saúde mental, no tocante à democratização dessas informações
33
em saúde. Como afirma Moraes (2005, citado por Silva e cols., 2007), tais
informações permanecem em poder dos técnicos, o que os coloca (assim como os
serviços) numa posição privilegiada frente às questões de saúde.
Levando em consideração que os CAPS se configuram enquanto principal
dispositivo de circulação dos usuários da rede de atenção em saúde mental (servindo
muitas vezes como um centro de convivência), há que se refletir sobre o papel deste
serviço no que diz respeito à ampliação do poder de luta dos usuários através do
manejo e distribuição de informações relevantes em saúde. Se o controle social se
configura enquanto um dos principais pilares do SUS, deve também estar presente
nas políticas e no cotidiano dos serviços de saúde mental, que esta não está, de
forma alguma, dissociada do nosso Sistema Único de Saúde.
Associado a essa discussão, podemos refletir sobre as condições em que a
democracia se exerce em nosso país. Talvez estejamos situados muito mais no nível
de um governo democrático em que as principais diretrizes seriam a existência de
procedimentos mínimos, formais, para a existência da democracia (voto secreto,
sufrágio universal, eleições regulares, etc.) - do que de um regime democrático, este
sim, bastante desejável por significar a produção de uma estrutura social capaz de
gerar comportamentos políticos democráticos (Gershman, 1995, citado por Guizardi
e Pinheiro, 2006). Ou seja, o que se defende aqui é a produção de sujeitos e relações
democráticas.
Assim sendo, levando em consideração que a questão da ressocialização em
saúde mental deve estar atrelada à discussão em torno de democracia, direitos, do
controle e participação social, deve-se ter em mente o abandono de atitudes
34
exclusivamente técnicas e valorizar posturas que promovam o surgimento de
experiências da loucura no cotidiano, de sua produção na cultura (Lobosque, 2001,
citado por França, 2008). É, inclusive, o que propõe a Organizão Mundial de
Saúde (2001): a inclusão dos usuários e seus familiares nas discuses sobre políticas
e práticas de saúde. Defende-se aqui, uma subjetividade que não está dissociada do
exercício cotidiano de cidadania (França, 2008).
Sposati e Lobo (1992) defendem que nos apropriemos das leis em vigência no
sentido de atuarmos de maneira mais incisiva nas questões relativas ao controle
social em saúde. Segundo os autores, as leis devem servir de instrumento de luta e
não somente como elementos formais do direito. Citam, por exemplo, o código de
defesa do consumidor, no sentido de fazer valer os direitos de nós, cidadãos,
consumidores de saúde. “Saúde é direito de todos na norma constitucional” (Sposati
& Lobo, 1992, p. 371), porém ainda não é reclamado nos tribunais, o que faz com
que os autores reflitam sobre o caráter simbólico de alguns aspectos de nossa
legislação, e sobre o papel do controle social de fazer valer a constituição. Fazem
referência ainda ao artigo que inaugura a constituição: “é ao povo que pertence todo
o poder. É ele quem deve exercitá-lo” (p. 370). Para isso, defendem que os conselhos
de saúde, mais do que fiscalizar, atuem de forma a propor, discutir, negociar, para
que não caiam no risco de se tornar mais uma insncia burocrática e sem potência.
Dentre as diversas formas de participação social, cabe pontuar aqui a
proposão de Martins et. al. (2008), que defende a “participação comunitária” (p.
111), que se constitui na organização de grupos com o intuito de obter recursos,
transmitir informações e tornar os sujeitos mais capazes e ativos no que diz respeito à
35
participação e controle social.
Ao pensarmos a respeito de toda essa discussão sobre controle e participação
social e, em particular sobre alguns pontos, a saber, a importância de estruturas
organizativas composta por indivíduos livremente associados, o acesso a
informações relevantes, a valorização das opiniões e experiências populares
(geralmente silenciadas no conselho de saúde) e a valorização de experiências não
necessariamente técnicas nas práticas de saúde, cabe pensarmos sobre algumas
estratégias de luta. Nessa direção, a potencialização dos dispositivos associativos de
usuários de saúde mental se torna de fundamental importância para um modo de vida
mais potente e cidadã. Principalmente tendo em vista que, muitas vezes, as relações
de poder no interior de espaços (como os conselhos de saúde) tendem a fazer valer a
voz de alguns à custa do silêncio de outros, geralmente favorecendo a elite política
local (Martins et. al., 2008).
A falta de conhecimento do funcionamento e importância de instâncias de
controle social como os conselhos de saúde, muitas vezes é usada como justificativa,
por gestores e autoridades públicas para desqualificar os representantes dos usuários,
afirmando-os incapazes de perceber a gica de funcionamento, bem como as
necessidades do sistema de saúde (Martins et. al., 2008). Mais um motivo para
reforçar as associações enquanto dispositivo de luta e participação popular,
principalmente tendo em vista a institucionalização sofrida pelos conselhos de saúde,
o que torna necessário o surgimento de outros atores e dispositivos capazes de
formular estratégias e atuar na direção de um maior controle social (Correa, 2005,
citado por Martins et. al., 2008).
36
Nessa direção, é importante frisar a importância dos dispositivos associativos
não como formas de luta e participação, mas como sendo capazes de promover o
empoderamento dos sujeitos envolvidos, no sentido de que estes tenham maior
participação e controle sobre as decisões relacionadas às suas vidas (Who, 1998,
citado por Martins et. al., 2008). Aliás, o que a literatura vem trazendo sobre o
assunto é que quando em uma sociedade se privilegia o controle social e a
participação em diversas causas e movimentos populares, se gera melhores condições
de saúde à população (Mercer & Ruiz, 2004).
2.2 Breve histórico sobre grupos e dispositivos associativos em saúde
Historicamente, esse tipo de cuidado/estratégia começa em outra áreas, como
por exemplo, o alcoolismo (Pistrang, Baker & Humphreys, 2008). Os grupos de
ajuda mútua de usuários de álcool se iniciam desde o século XIX, na Europa, e a
partir da segunda guerra mundial se constituíram principalmente no modelo dos
Alcoólicos Anônimos (AA) (Room, 1998).
A proliferação de grupos de suporte mútuo na área de saúde mental se deu na
década de 1980, em particular nos EUA, seguindo um movimento de crescimento de
tais iniciativas, que se davam principalmente entre pessoas com doenças crônicas ou
em situações de vida estressantes, geralmente insatisfeitas com os modos de cuidados
tradicionais (Chien, Thompson, & Norman, 2008).
A utilização de grupos como forma de cuidado é estudada desde o início do
culo XX, no atendimento de pessoas com diferentes necessidades, tendo em vista a
37
constatação de que o convívio entre pessoas que passaram por experiências
semelhantes pode ter resultados benéficos para as mesmas (Oliveira, Medeiros,
Brasil, Oliveira & Munari, 2008). A principal constatação por parte de quem
participa desses grupos é a de que é possível ser mais bem compreendido e ajudado
por quem já passou por experiências semelhantes (Oliveira et al. 2008), o que coloca
o sujeito participante em uma posição bem mais pxima de um protagonismo,
quanto ao seu processo de saúde/doença, redirecionando-o para um maior poder
pessoal quanto à sua vida.
A partilha e o convívio com pessoas que passaram pelos mesmos problemas e
hoje se encontram numa situação melhor serve de motivação aos que estão no início
da jornada (Pinheiro, Silva, Mamede & Fernandes, 2008). Além disso, a amenização
da sensação de exclusão social, pelo fato de pertencer a um grupo de suporte, está
presente nos relatos de quem já participou dessas experiências (Pinheiro et al., 2008).
Hoje em dia, é possível constatar, inclusive, a presença de grupos on-line, que se
comunicam via internet oferecendo ajuda e suporte tuo (Davison, Pennebaker &
Dickerson, 2000)
Geralmente, tais grupos se desenvolvem e são coordenados pelos próprios
membros, podendo haver, no entanto, em algum momento, a
participação/colaboração de um profissional (Davison et al., 2000). Um dos fatores
que contribuíram para a proliferação de grupos de ajuda mútua nos EUA é a
importância que os americanos dão às iniciativas da sociedade civil, incentivando a
cidadania (Sanchez Vidal, 1991, citado por Roehe, 2004). Além disso, surge um
senso de “igualitarismo, contribuindo, conforme Vattano (1972), para a queda em
38
importância da autoridade e do status tradicional (exemplo é o bordão "power to the
people")” (Roehe, 2004, p. 400), diminuindo o poder e o status das estratégias
oficiais de atenção a saúde.
A importância da constituição dos grupos consiste na formação de redes
sociais, ou seja, redes de apoio instrumental e/ou emocional às pessoas (Lewin, 1987,
citado por Dessen & Braz, 2000). Esse apoio se torna peça fundamental para a saúde
mental das pessoas no enfrentamento de situações estressantes (Dessen & Braz,
2000). Outros trabalhos ressaltam ainda os benecios de uma situação de grupo no
que diz respeito à auto-estima, ressignificação da vida (Rasera & Japur, 2003; Japur
& Guanaes, 2001), troca de experiências e práticas de suporte (Pinheiro et. al., 2008),
além de autoconfiança e demais benefícios físicos e psicológicos (Oliveira et al.,
2008).
Um estudo com grupos de suporte para pais de família de baixa renda revela
que a participação nos referidos grupos promove nos participantes ganhos de
conhecimento e habilidades sociais e parentais, além de maior auto-estima e
responsabilidade (Butcher, Khairallah & Bigelow, 2004). Em virtude disso, os
autores do referido estudo advogam a favor da inclusão deste tipo de intervenção
grupal na rede de assistência social e saúde.
Os grupos são capazes de fomentar o empoderamento e estimular a
participação social e política (Martins, 2003, citado por Meneghel et al., 2005). As
autoras citadas relatam experiências de uma oficina de narrativas com mulheres
negras na qual, através do processo grupal, foi possível promover empoderamento e,
em alguns casos, romper com situações de violência.
39
As atividades de suporte mais freqüentes nos EUA dizem respeito aos grupos
de portadores de HIV, pacientes com câncer, anorexia e esclerose ltipla (Davison
et al., 2000). No campo da saúde mental, o número de grupos de suporte vem
crescendo nos últimos anos (Kessler & McLeod, 1985, citado por Thomas,
Baumgarten, Courval & Rivard, 1988)
O suporte social é de fundamental importância para a manutenção da saúde
mental, principalmente no que diz respeito ao enfrentamento de situações
estressantes (Dessen & Braz, 2000), além de contribuir para o bem-estar e ausência
de desordens psicológicas (Kessler & McLeod, 1985, citado por Thomas et al.,
1988).
A questão dos grupos (seja de auto-ajuda ou não) é de particular importância
para o movimento da reforma psiquiátrica brasileira. Uma associação de usuários,
por exemplo, poderia se constituir enquanto importante dispositivo de luta e
participação política. Levando em consideração que a III Conferência Nacional de
Saúde propõe que se realize a divulgação dos direitos dos portadores de transtornos
mentais, bem como as leis que regulamentam a assistência em saúde mental, uma
associação pode e deveria ser o espaço para essas discuses, trazendo tais questões
para o cotidiano dos usuários, permitindo que estes se posicionassem, agissem,
pensassem sobre essas questões que dizem respeito às suas vidas, sendo por isso, de
fundamental importância.
Isso colaboraria para um maior controle social das políticas públicas na
medida em que permitiria que os usuários se apropriassem das propostas e da
legislação referente às questões de saúde mental, favorecendo a luta por melhores
40
condições de vida. Algumas iniciativas existem no país, principalmente através de
grupos de auto-ajuda e associações de usuários e trabalhadores em saúde mental.
A trajetória dos grupos e associações de usuários da rede de saúde mental no
Brasil pode ser datada na cada de 1980 com a fundação do Movimento de Luta
Antimanicomial, que impulsionou o surgimento de dispositivos similares, com a
participação de usuários, familiares e profissionais. A emergência de tais grupos tem
gerado mudanças no processo de reforma psiquiátrica, na medida em que as
lideranças de tais movimentos têm realizado um trabalho de milincia junto aos
conselhos de saúde, atuando no nível do controle social (Vasconcelos, 2008).
A história dos grupos de auto-ajuda no Brasil vem desde a década de 1940,
mais precisamente em 1947, ano de surgimento do primeiro grupo AA, no Rio de
Janeiro. Iniciado nos Estados Unidos em 1935, os Alcoólicos Anônimos têm como
princípio norteador os doze passos sugeridos para a recuperação, publicados em
1939. O movimento dos AA teve grande expansão no território brasileiro,
influenciando o surgimento de outras propostas como os Narcóticos Anônimos,
Neuróticos Anônimos e Psiticos Anônimos.
O AA considera o alcoolismo como uma doença incurável, passível de
tratamento pela abstinência total do uso álcool. Os encontros funcionam respeitando
o sigilo da identidade dos participantes, valorizando a história pessoal através de
relatos e atuando na perspectiva da ajuda mútua. O grupo tem um inegável sucesso
no tratamento da dependência química, com reconhecimento mundial. Porém, as
principais críticas ao AA dizem respeito ao seu fechamento para questões mais
amplas, como defesa de direitos e conquistas políticas. Além disso, uma clara
41
posição individualizante em suas práticas, na medida em que fatores sociais e
culturais que podem estar atrelados ao problema do uso do álcool são
desconsiderados durante os encontros, ou vistos como desculpa/racionalização para o
uso da substância (Vasconcelos, 2008).
O autor supracitado comenta ainda sobre outro importante movimento no
Brasil, o chamado Centro de Valorização da Vida (CVV), movimento que teve
origem no grupo denominado Os Samaritanos, que surgiu na Inglaterra na década
1950. No Brasil, o trabalho do CVV teve início em São Paulo, em 1962, ligado à
Federação Espírita do Estado de São Paulo. O trabalho do CVV é realizado
basicamente de maneira voluntária. Os voluntários realizam atendimentos pelo
telefone a pessoas que se sentem angustiadas/deprimidas, sempre partindo de um
posicionamento não diretivo, fundamentado basicamente nas idéias de Carl Rogers e
em elementos da doutrina espírita. Além disso, podem ocorrer atendimentos em
domicílio e reuniões com os trabalhadores no sentido de partilhar dificuldades e
angústias quanto ao trabalho. Dessa forma, o CVV extrapola um pouco a proposta da
ajuda mútua, incorporando elementos do suporte mútuo em suas práticas. Tanto o
AA quanto o CVV, permitem que haja um empoderamento por parte de seus
membros, no sentido de ganho de autonomia e maior qualidade de vida.
com relação aos grupos e associações de usuários da rede de atenção em
saúde mental, sua história é um pouco mais recente. Vasconcelos (2008) afirma que
o Movimento da Luta Antimanicomial surge em 1987, numa tentativa de ampliar o
poder de atuação do movimento, tendo em vista que grande parte de suas lideranças
haviam sido cooptados pelos serviços Estatais. Além disso, buscava-se a articulação
42
do movimento a outros segmentos da sociedade civil, fortalecendo-o. A partir daí,
vários núcleos de militância foram se formando, geralmente articulados aos serviços
de saúde mental, em particular aos CAPS. O ano de 2001 foi palco de uma ruptura
no movimento, quando este se dividiu, gerando a Rede Internúcleos e o Movimento
Nacional da Luta Antimanicomial (MNLA).
De uma forma geral, e de maneira bastante parecida com a experiência
italiana, os movimentos de reforma psiquiátrica e luta antimanicomial são liderados
por profissionais militantes dos ideais da desinstitucionalização. Porém,
recentemente o movimento tem presenciado um significativo aumento da
participação de familiares e usuários dos serviços de saúde mental, além de
simpatizantes da reforma psiquiátrica.
O que se tem percebido no cenário atual do país é uma multipolaridade de
tendências, geralmente com acentuado caráter pessoal em cada grupo, o que tem
dificultado maiores avanços em nível nacional do movimento, dada a dificuldade de
comunicação e articulação entre as diferentes correntes. Outro ponto crítico para
esses movimentos diz respeito a sua sustentação financeira. Em geral, o movimento
antimanicomial estabelece parcerias com os conselhos de psicologia (Federal e
Regionais), para a realização de eventos encontros, etc. o MNLA mobiliza tais
recursos apenas em vel local ou para a realizão de eventos específicos
(Vasconcelos, 2008).
Vasconcelos (2008) afirma que a parceria com determinadas categorias
profissionais pode ser vantajosa, no sentido de angariar forças que favoreçam
conquistas ao movimento, porém, há que se atentar para o risco de se concentrar em
43
uma categoria profissional em particular, o que pode levar a um distanciamento das
bases do movimento. O mesmo se passa no que diz respeito à gestão desses
movimentos pelo poder público.
Além das associações ligadas a algum tipo de serviço de atenção em saúde
mental, existem aquelas que não têm qualquer vínculo com serviços públicos ou
privados, tendo origem, geralmente, a partir de iniciativa própria de usuários ou
familiares pertencentes às classes média e alta, e com maiores recursos culturais.
Alguns exemplos desse tipo de iniciativas são a Sosintra no Rio de Janeiro; a
Associação de Familiares de Doentes de Saúde Mental (AFDM, que, aliás, assume
uma postura contrária a política da reforma psiquiátrica); a Apoiar, associação de
ajuda mútua fundada por Silvana Prado a partir de sua experiência pessoal com a
depressão e o transtorno do pânico; além disso, é possível encontrar sites e blogs
referentes à temática (Vasconcelos, 2008).
Geralmente tais iniciativas visam criar outras formas de cuidado (além das
oferecidas pelos serviços) no sentido de socializar uma atividade que geralmente fica
ao encargo de familiares, em particular das mulheres. Aqui no Brasil, as associações,
em geral, têm caráter misto, com a participação tanto de usuários quanto de
profissionais, sem apresentar uma postura de autonomia quanto aos serviços,
profissionais e demais interesses de outros atores (Vasconcelos, 2008).
Vasconcelos (2008) pontua que a maioria das associações são articuladas aos
serviços de saúde mental, em particular aos CAPS, surgindo principalmente a partir
da década de 1990, com a criação destes serviços. São também grupos mistos,
englobando usuários, familiares, profissionais e simpatizantes do movimento. Esses
44
dispositivos associativos o enfrentam os problemas presentes nas associações mais
independentes, porém, ao se vincularem a serviços como o CAPS, assumem
problemas específicos que muitas vezes dificultam a proposta do empoderamento por
parte dos usuários. Geralmente, tais associações são encabeçadas por profissionais,
dadas as condições financeiras, culturais e de tempo livre para se dedicar as
atividades de militância que os usuários possuem. Além disso, devido aos longos
períodos de internação que muitos usuários tiveram, suas capacidades cognitivas e
comunicacionais o, muitas vezes, bastante reduzidas. Outro aspecto a se considerar
diz respeito à sustentação financeira da organização, que muitas vezes encontra
dificuldades em se manter.
Nesse sentido, a parceria com setores e serviços profissionais pode ser
bastante válida, principalmente se tiver a intenção de em um futuro próximo colocar
os usuários na liderança de tais movimentos. Porém, muitas vezes, o que acontece é a
permanência desse estado de dependência em relação aos serviços por um longo
tempo, o que pode gerar distanciamento dos interesses dos usuários, centralização e
tutela política do movimento (Vasconcelos, 2008).
Em contrapartida, o referido autor revela a existência determinadas
associações que nascem no interior dos serviços, mas mantém um forte caráter
autonomista. Ainda que em menor número, tais dispositivos tendem a atuar de
maneira mais incisiva no que diz respeito ao controle social e movimentos
reivindicativos em saúde mental.
Recentemente foi proposta a criação de uma federação de associações de
usuários e familiares no campo da saúde mental. Tal proposta representa, sem
45
dúvida, uma potência. Porém se pensarmos nas conseqüências que tal atitude pode
ter, bastantes coisas a se considerar. A possibilidade, por exemplo, dessa
federação ser liderada por profissionais (movimento bastante comum nas associações
regionais) é grande, o que traria alguns prejuízos para as bases do movimento. Além
disso, grupos como a AFDM (que se posicionam contra a reforma), têm plenas
chances de, por exemplo, conseguir a diretoria da federação (Vasconcelos, 2008).
A experiência de associações e principalmente de grupos de ajuda e suporte
mútuo pode ser percebida principalmente na Europa, particularmente no Reino
Unido. O Hearing Voices Network (HVN) (Rede dos que Ouvem Vozes), por
exemplo, é um grupo surgido no final da década de 1980, com intenção de criar
estratégias de convívio com o problema da audição de vozes.
O grupo propõe ainda, uma nova forma de conceber tais fenômenos. Ao
contrário da psiquiatria, o HVN acredita que inúmeras explicações possíveis para
o fato de pessoas ouvirem vozes, e aceita a posição e interpretação particular de cada
um sobre o fenômeno. Negando o conceito da psiquiatria de alucinação auditiva, a
HVN acredita que essas vozes são algo de natureza similar aos sonhos, símbolos do
inconsciente, não devendo ser negadas ou caladas. O grupo propõe a troca de
experiências e informações sobre como lidar com as vozes. Além disso, permitem
que haja um espaço para se falar livremente sobre tais questões, além de
disponibilizar uma linha telefônica para informações e ajuda a pessoas necessitadas
(HVN, 2009).
O grupo surge a partir da experiência do médico Marius Romme, que, ao
receber um feedback de uma paciente, constata que, segundo esta, a psiquiatria e a
46
terapia farmacológica não teriam muito a oferecer em termos de tratamento. A partir
de então, inicia uma pesquisa sobre tais fenômenos, observando que em outras
épocas, outras formas de lidar com esses problemas (que não a exclusão social) eram
possíveis (HVN, 2009).
Mas o grande impulso à pesquisa de Romme foi dado em 1985, quando uma
mulher que ouvia vozes foi entrevistada em um canal de televisão inglês, afirmando
que a psiquiatria não lhe ajudava muito na sua situação peculiar de audição de vozes.
Centenas de pessoas em todo o país se manifestaram, e muitas destas relavam passar
por situação semelhante, estando, inclusive, bastante integradas à sociedade. Nesse
sentido, Romme sugeriu que se investisse em estratégias de como lidar com tais
fenômenos no dia-a-dia, ao invés de tentar calar as vozes. Surgem então grupos de
ajuda mútua por toda a Europa, como a HVN, e a Ressonância (HVN, 2009).
Tais grupos acima explicitados, além das diversas potencialidades que
trazem, se mostram potentes por se configurarem enquanto possibilidade de
criação/potencialização da idéia de rede, fundamental para as práticas em saúde, em
particular para o paradigma psicossocial de atenção em saúde mental. A seguir,
algumas considerações sobre isso.
47
3. Capítulo 2: Redes de cuidado em saúde e empoderamento em
saúde mental
Ao adentrarmos na era moderna, e em particular no paradigma racionalista,
de valorização do saber científico em detrimento de as outras esferas de compreensão
do mundo, a figura do especialista, do profissional, ganha espaço e reconhecimento
que lhe confere um poder muitas vezes inquestionável. “Nietzsche adverte: quem
inventa as palavras e o nome das coisas é quem tem o poder” (Vega, Taboada, Trejo,
López, Santarelli & Straface, 2000, p.16).
Autores como Coimbra e Leitão (2003) ao discorrerem sobre os diversos
dispositivos engendrados pelo sistema capitalista chamam a atenção, em particular,
para o saber-poder e o não saber. O primeiro seria o lugar da “competência, do
conhecimento/reconhecimento, da verdade, dos modelos, da autoridade, do
discernimento, da legitimidade e adequação de certos modos de ser” (Coimbra &
Leitão, 2003, p. 8). O segundo tratar-se-ia do “território da exclusão, visto ser
desqualificado, condenado, segregado, considerado, até mesmo, como danoso e
perigoso - o campo do desvio - necessitando sistematicamente ser acompanhado,
tutelado, monitorado e controlado” (Coimbra & Leitão, 2003, p. 8). É aqui que na
maioria das vezes, o saber e o fazer do louco são capturados e despotencializados.
Apesar desse movimento, tão comum na contemporaneidade, os autores defendem a
possibilidade de uma via de escape, que seria justamente o território da “criação e
invenção” (Coimbra & Leitão, 2003, p. 9): “Aqui, interessa a apropriação da
capacidade de movimentar-se, a possibilidade de sempre transitar, de ignorar cercas,
rearrumar e criar outros territórios” (Coimbra & Leitão, 2003, p. 14).
48
Barros, Oliveira e Silva (2007) vêm diferenciar cuidado e tratamento. Esse
último englobaria as práticas pautadas pelo cientificismo, nas quais tratar seria a
“objetivação de um corpo de conhecimentos, traduzida numa ação profissional
(Barros, Oliveira e Silva, 2007, p. 816). Para as autoras, o cuidado seria algo mais
abrangente, situado no nível da responsabilização pelo usuário, bem como de um
desenvolvimento afetivo para com o mesmo, colocando como pilar principal o
fortalecimento dos laços entre sujeito que busca cuidado, serviços e território. As
autoras conseguem escapar dos especialismos, tão comuns nas práticas de sde,
advogando a favor da tomada de responsabilidade (conceito derivado da Psiquiatria
Democrática Italiana), em que tudo que diz respeito ao sujeito deve dizer respeito
também ao profissional, desconstruindo a idéia de que determinados fenômenos
que dizem respeito somente a determinadas funções/profissões.
Mas, qual o papel do usuário nessa nova política? Ao que parece, a discussão
ainda gira em torno do profissional e de seu poder de ação. Aliás, as autoras
defendem que “algumas vezes é necessário utilizar o prestígio, a delegação social, o
saber reconhecido pela sociedade aos profissionais, para possibilitar relações e
experiências renovadas aos usuários” (Barros et al. 2007, p. 817). Provavelmente tal
estratégia consiga importantes avanços, que a posição do especialista é valorizada
em nossa sociedade, o que permite um maior poder de atuação. Porém, é preciso
estar atento para que tal postura não se torne rotina nas práticas em saúde,
cronificando os modos de atuação e impedindo o desenvolvimento de outras
estratégias, principalmente daquelas que caminham na direção de uma posição mais
autônoma por parte dos usuários.
49
Em outro trabalho, Pires (2005) discute o conceito de politicidade do
cuidado, que seria o valor ambivalente que a ajuda em saúde pode ter ao produzir
relações de dominação e ao mesmo tempo ter a potencialidade de libertar. Contra o
que vem chamar de institucionalização do cuidado, que seria aquele que prima pela
técnica e pela tutela em detrimento da autonomia dos sujeitos, a autora defende uma
produção de cuidado de caráter emancipatório, que vise à autonomia dos indivíduos.
Para isso, é preciso que se esteja aberto outros caminhos “aos desígnios do caos e da
incerteza” (Pires, 2005, p. 1028) para que se fuja da tecnificação do trabalho em
saúde e se opere pela via da reconstrução da autonomia dos sujeitos. Via essa que
talvez seja melhor acessada e potencializada pela possibilidade do cuidado mútuo
entre usuários de serviços de saúde, que é pautado por uma ação não técnica e
mais igualitária.
Merhy (2004b) já atentava para esses paradoxos contidos no cuidado em
saúde, tendo em vista que este pode se configurar como ato castrador ou
potencializador de um movimento de autonomia dos sujeitos envolvidos, ou ainda as
duas coisas em uma mesma situação. O autor coloca que nos encontros em saúde
operam micropolíticas por meio das quais sujeitos tendem a interditar outros sujeitos.
Nesse sentido, o outro é tido como incômodo, indesejado... Por outro lado, Merhy
(2004a) acredita na possibilidade de encontros autopoiéticos, termo que o autor toma
emprestado da biologia, para dar sentido ao encontro de duas ou mais pessoas, em
constante produção. Autopoiese seria então “um movimento de vida produzindo
vida” (Merhy, 2004a, p.3). Nesse sentido, o mesmo espaço que opera a interdição,
pode ser lugar de um encontro autopoiético.
50
Assim, podemos pensar o espaço do CAPS, ou qualquer outro serviço de
saúde, repleto desses paradoxos e desafios que compõem o cotidiano de seus
trabalhadores, mas creio ser necessário acreditar nesses espaços enquanto produtores
desses encontros autopoiéticos, e em última instância, enquanto espaços produtores
de vida.
Quando se pensa em atenção em saúde mental ou na palavra cuidado muitas
vezes estamos tratando de práticas atravessadas pelo saber psi (em particular, pela
psiquiatria), que devem necessariamente passar pela atividade de um profissional,
especialista provido de ferramentas teóricas que lhe capacitam (ou pelo menos lhes
dão legitimidade) a intervir nesse tipo de demanda. O cuidado geralmente é
concebido e praticado enquanto técnica, sempre a partir de alguém que detém esse
tipo de conhecimento/poder, para alguém que nada possui, geralmente posto na
posição de objeto, desprovido do processo de gestão de sua própria saúde.
Apesar das significativas mudanças no campo da saúde mental (criação e
ampliação da rede substitutiva, visão interdisciplinar da loucura, etc.), em particular
no processo de reforma psiquiátrica brasileira, a via pela qual se intervêm no cuidado
de pessoas com transtorno mental ainda é direcionada e regida pelo viés da técnica,
do saber especializado/profissional. Esse modo de intervenção técnica tem, inclusive,
se revigorado, fazendo com que haja uma reafirmação técnico-científica da
psiquiatria no cenário da reforma (Vasconcelos, 2008). Esse autor explica que essa
reciclagem do modelo biomédico se traduz, por exemplo, no avanço que as pesquisas
farmacológicas e neuro-químicas têm tido nos últimos anos, apesar da crítica dirigida
a esse tipo de intervenção terapêutica.
51
Ainda nessa direção, percebe-se que essa atenção especializada não consegue
dar conta de diversas demandas presentes no cotidiano dos sujeitos em questão.
Segundo Vasconcelos (2005) “os serviços e profissionais de saúde mental são
importantes, mas eles não viveram ‘por dentro’ essas experiências, ou, se o fizeram,
não podem falar dessas vivências abertamente” (p. 129). Sabemos que o usuário
enfrenta dificuldades que são mais bem compreendidas por quem as viveu (ou vive)
e que muitas vezes estão distantes da realidade do profissional. A psiquiatria não
consegue acessar a realidade concreta com que se defronta um portador de transtorno
mental, com seu sofrimento e suas dificuldades do dia-a-dia.
No campo da saúde mental, o que se percebe é o predomínio ainda do modelo
biomédico de atenção, bem como o privilégio da técnica em detrimento das relações
(Carvalho, Bosi, & Freire, 2004). Obviamente, não se pode negar as inúmeras
vantagens alcançadas pelo avanço da ciência tais como: “ampliação do poder do
diagnóstico, a capacidade de intervenção terapêutica cada vez mais precoce, o
aumento da eficácia do tratamento e de determinadas dimensões da qualidade de vida
dos pacientes” (Carvalho et. al., 2004, p. 702). Porém, os usuários geralmente são
tratados enquanto pacientes, logo, desprovidos da condição de sujeitos.
Nesse sentido, Carvalho et al. (2004) apontam para a necessidade de uma
tomada de posição crítica diante da temática da produção do cuidado, propondo
assim uma abertura ética e a possibilidades de criação de novas práticas. Então
porque não arriscar um cuidado que fuja da dimensão
técnica/biomédica/profissional? Porque não possibilitar um modo de cuidado que,
por operar por uma lógica diferente, talvez venha propor algo novo, resultando em
52
um avanço no processo de reforma psiquiátrica? Que potência pode ser ativada ao se
apostar no usuário enquanto cuidador? As já citadas vantagens das transformações no
campo da saúde o anulam o fato de que, cada vez mais, vivemos uma era de
autonomização dos atendimentos, segmentação dos pacientes, intervenções
exageradas e distanciamento das questões psicossociais do processo de adoecimento
(Ayres, 2004). Esses pontos, acredito, são suficientes para justificar as questões
acima apresentadas. A realidade dos serviços substitutivos não está livre disso. Ao
analisarmos alguns trabalhos sobre como se exerce o cuidado nos CAPS, podemos
perceber alguns pontos importantes a serem discutidos.
Em um estudo sobre as práticas de cuidado em CAPS do Mato Grosso,
Oliveira (2007) tece críticas sobre o modo de funcionamento do serviço, tanto em
nível de gestão política quanto dos modos de trabalho das equipes. Particularmente
no tocante aos diversos trabalhos grupais que o serviço oferece (por sua característica
excessivamente fechada, muitas vezes centrada na produção artesanal), o autor
pontua a possibilidade de um cuidado que aliena ao invés de promover mudanças.
Autores como Schrank e Olschowsky (2008), pensando as estratégias de cuidado do
CAPS apontam para a necessidade de se ampliar a rede de cuidado, atingindo, por
exemplo, a família dos usuários, fazendo com que técnicos, usuários e familiares se
comprometam com o cuidado em saúde mental. Para que isso aconteça, é necessário
que se construa uma rede articulada que possa dar apoio e suporte à família (e porque
não ao usuário?) enquanto dispositivo de cuidado.
Em outro artigo, intitulado Usuários de um Centro de Atenção Psicossocial:
um estudo de suas representações sociais acerca de tratamento psiquiátrico,
53
Mostazo e Kirschbaum (2003) discutem o ponto de vista dos usuários acerca do
tratamento psiquiátrico, apontando para três eixos principais com resultados: tratar é
ser medicado, tratar é ser cuidado/(des)cuidado, tratar é estar em atividade. Os
resultados mostram que a cultura da terapia medicamentosa é fortemente partilhada
também por usuários, o que colabora para que tal prática se perpetue como “condição
básica de tratamento psiquiátrico” (Mostazo & Kirschbaum, 2003, p. 789). Além
disso, foi possível perceber uma visão hierarquizada e centralizada na figura do
médico, em que enfermeiros e psicólogos são apontados como figuras secundárias, e
demais profissionais sequer são citados.
No que diz respeito às perspectivas do tratamento psiquiátrico, a pesquisa
aponta que os usuários partilham da crença de uma possível cura, entendendo esta
como a “não necessidade de medicação, o retorno ao convívio familiar ou a
conquista do próprio espaço de moradia e de trabalho” (Mostazo & Kirschbaum,
2003, p. 789). É nesse ponto, que se pode pensar as estratégias de cuidado entre
usuários atuando a favor desses objetivos. Ainda neste trabalho, e corroborando o
que acabo de dizer, as autoras relatam que o cuidado no tratamento psiquiátrico é
percebido pelos usuários (além da obtenção da medicação) como “suporte nas
atividades da vida prática” (Mostazo & Kirschbaum, 2003, p. 790), confirmando o
que foi dito acima, quanto ao fato de que os usuários poderiam representar um
importante movimento nessa direção de suporte e cuidado mútuo.
Por último, no tópico tratar é estar em atividade, as autoras trazem a
importante colocação acerca do significado que as atividades ocupacionais assumem
aos sujeitos da pesquisa ao significarem a “retomada da autonomia e das atividades
54
da vida diária” (Mostazo & Kirschbaum, 2003, p. 790). A consecução de atividades
cotidianas como higiene pessoal, alimentação, locomoção e comunicação
proporcionam um novo direcionamento no tratamento, assim como “reconhecimento
de suas próprias habilidades no seu próprio cuidado” (Mostazo & Kirschbaum, 2003,
p. 790). São exatamente esses tipos de atividades que podem ser potencializadas a
partir da prática de ajuda mútua entre usuários, favorecendo a emergência de uma
melhor qualidade de vida nas pessoas envolvidas.
Os CAPS devem ter como uma de suas metas principais o desenvolvimento
de uma maior autonomia por parte dos usuários, para que, na medida do possível, o
usuário possa cuidar de si (Silveira & Vieira, 2005). Autonomia aqui também pode
ser entendida como uma diminuição na freqüência com que um usuário necessita do
serviço, ao mesmo tempo em que é capaz de se articular e estabelecer relações com
outros dispositivos da sociedade.
Sobre esse aspecto, Merhy (2004b) atentava para a importância de uma
postura profissional que permita a produção de vida no cotidiano dos CAPS. O autor
defende um tipo de cuidado que caminhe para um ganho de autonomia por parte dos
usuários, sendo preciso, para isso, reconhecer e combater os modos de cuidado e de
existência produzidos pelo manimio. Merhy (2004b) acredita na possibilidade e na
capacidade de inovação e invenção das práticas em saúde operadas pelos
trabalhadores deste serviço. Mais que otimizar o serviço, interessa a ele a
possibilidade de se descobrir novos territórios, novas possibilidades de existência aos
usuários, e a produção de redes inclusivas que gerem, em última análise, vida. Nesse
sentido, a idéia de um cuidado operado por usuários pode ser uma importante
55
invenção/inovação a ser investigada e potencializada.
Apesar de ocorrer em menor número, é possível encontrar trabalhos como o
de Brêda e Augusto (2001), que, investigando o cuidado em saúde mental na atenção
básica, reconhecem que as amizades podem se configurar enquanto importante
recurso terapêutico, pontuando a importância de se valorizar recursos de ajuda
mútua. Mecca e Castro (2008), em um estudo sobre oficinas de bricolagem em um
CAPS de Guarulhos-SP, apontam para a potencialidade desse tipo de intervenção,
em que se propõe a consecução de atividades artísticas grupais (painéis, esculturas,
instalações, etc.), dentro e fora do serviço, fazendo com que os usuários se apropriem
daquele espaço de cuidado, expressando-se e modificando o ambiente. Tal proposta
chama atenção por ter sido pensada em conjunto com os usuários, trazendo-os para
uma posição mais próxima da de ator, em detrimento da de espectador dos processos
de cuidado.
Em Viajando não, sonhando!, Schmid (2007) aproxima a clínica da
proposta da reabilitação psicossocial, caracterizada por uma proposta mais ampla de
cuidado:
Falamos de uma outra clínica, de uma clínica de convívio, de um estar com o
sujeito portador de transtornos psiqutricos. Falamos de um cotidiano que se
partilha, de almoçar junto, de realizar passeios, de ouvir histórias nos
consultórios, mas também, nos corredores, na rua, nos espaços comuns de
informalidade. Falamos sobre um dividir cuidados com as famílias, de uma o-
perda de vínculos sociais, falamos de um trabalho de inserção e vida social.
Defendemos uma clínica plural, que se utiliza de vários recursos e saberes,
56
construindo seu caminho ao caminhar, lado a lado com quem sofre de um
transtorno psiquiátrico. Para denominar nosso trabalho, podemos dizer que
falamos de uma clínica de percursos. (p. 188)
Essa outra clínica, da qual fala o autor, talvez seja também o lugar para
outras práticas, outras vias de cuidado, vias essas construídas também pelos usuários.
Nesse sentido, e concordando com Pinheiro e Guizardi (2004), acredito na
potencialidade que pode existir no intercâmbio entre esses dois territórios, o saber do
profissional e do usuário, no sentido de se ampliar e inventar cada vez a mais aquilo
que dá sentido a qualquer serviço de saúde: o cuidado.
O desenvolvimento de saberes científicos por si só, não representa que esse
cuidado se efetive, de fato, atento à presença dessas diversas questões que
atravessam o campo da saúde. Se o que está em jogo quando se pensa em saúde é
muito mais do que aquilo de que a técnica conta, se a idéia de saúde extrapola o
contexto dos serviços destinados a este tipo de trabalho, então a atenção em saúde
não pode se restringir a um trabalho puramente tecnogico.
Faz-se necessário uma maior articulação com outros modos de agir, modos
não necessariamente técnicos (Ayres, 2004). Modos esses que englobariam, por
exemplo, o que Merhy (2004b) vem chamar de tecnologias leves, que compreende o
momento de encontro entre dois sujeitos, quando necessidades são postas, criando
momentos de fala, de escuta, de cumplicidade e de produção de responsabilização
em torno de um problema a ser enfrentado, enfim, “momentos de confiabilidade e
esperança, nos quais se produzem relações de vínculo e aceitação, interdições e
desinterdições” (Merhy, 2004b, p. 6). Momentos esses que acontecem nas atividades
57
de rotina dos serviços, ou nos corredores, dentro e fora dos diversos dispositivos de
saúde, e em encontros com a presença ou não de profissionais de saúde.
Os CAPS acabam sendo palco de diversas forças que agem umas sobre as
outras. Do saber-fazer dos profissionais (ou tecnologias leve-duras como afirma
Merhy (2004b)) à ação dos usuários, com suas falas, suas necessidades postas em
jogo, seus encontros (entre si e com os profissionais), o que temos é um campo de
forças, instituídas e instituintes, que ora resultam em interdão, ora dão vazão a um
processo de desinterdição e eclosão de outros modos de agir. Essa talvez seja a
potencialidade desse espaço em questão, potencialidade esta que pode ser ativada por
diversas maneiras, agenciando forças e linhas de fuga diversas, principalmente
aquelas que dizem respeito aos verdadeiros anseios e necessidades dos usuários.
3.1 Cuidado e redes de atenção em Saúde Mental
A idéia de rede formal de saúde pode ser entendida como a articulação de
serviços de saúde, assim como de demais dispositivos comunitários capazes de
contribuir com o cuidado em saúde de uma dada população. Quemesteve inserido
no campo de atenção em saúde mental, em particular nos serviços substitutivos
(como é o caso do autor deste trabalho), sabe que estes nem sempre escapam a uma
lógica manicomial de funcionamento. Vieira Filho e brega (2004) tocam nesse
ponto, a partir da idéia de instituição difusa, refletindo sobre como as instituições
totais podem difundir, através de suas práticas, conceitos e representações
excludentes e discriminatórias para com o usuário, “identificado como doente
mental/desviante” (p. 374). Nesse sentido, para atuar no desmantelamento dessas
58
redes de instituições totais, os autores supracitados ressaltam a importância de se
pensar estratégias que desmontem o sistema hospitalocêntrico, bem como suas
representações sociais excludentes. Para isso, apontam para a noção de rede,
enquanto possibilidade de questionar as “práticas recicladas de opressão, repressão e
exclusão social do usuário” (Vieira Filho & Nóbrega, 2004, p. 375).
Segundo os autores, “O novo sistema de redes institucionais deveria assim
funcionar como um circuito integrado de serviços de saúde mental” (Vieira Filho &
Nóbrega, 2004, p. 375), possibilitando a articulação tanto dos serviços de saúde e
equipamentos sociais diversos (escolas, igrejas, etc.), quanto de dispositivos
comunitários e territoriais. Os autores trazem a problemática dos modos de trabalho
nos CAPS, apontando que muitas vezes o funcionamento se atravessado por uma
lógica corporativista e de concentração de poder. Porém, atento a essas questões, os
autores colocam a possibilidade de se encontrar brechas nessa lógica, e de se
desenvolver
Caminhos alternativos para novas práticas de atendimento, dando lugar a
processos institucionais de autopoiesis (do grego poiesis: ação de fazer algo,
criação), entendidos como possibilidade de criação e invenção institucional
continuada, e dialeticamente opostos ao da instituição total. E cuja
processualidade inventiva permitiria evitar cristalizações burocráticas nas ações
profissionais, bem como mecanismos de reificação ideológica nas práticas
cotidianas. (Vieira Filho & Nóbrega, 2004, p. 375)
É nessa direção que penso o papel dos usuários nas práticas cotidianas em
saúde mental. Inse-los nessa noção de rede, fazendo responsáveis, ou reconhecendo
59
suas potencialidades no cuidado em saúde, pode gerar uma otimização das práticas
de cuidado, bem como da perspectiva da rede.
Outra idéia referente à noção de rede, diz respeito às redes informais de
cuidado, que podem também ser chamadas de rede social pessoal ou rede social
significativa (Sluzki, 1997). As origens do conceito de rede social podem ser
percebidas a partir das idéias de alguns autores como Barnes (1954, 1972), Bott
(1957), Lewin (1957), Lindemann (1979), Moreno (1951), dentre outros (Sluzki,
1997).
Ao pretender trabalhar com a idéia de rede social pessoal, pretendo pontuar a
importância de se promover articulações entre essas redes informais e a rede formal,
entendida como articulação dos diversos dispositivos de saúde com outros
dispositivos comunitários, culturais, etc., promovendo, quem sabe, uma maior
satisfação das demandas atuais em saúde mental.
A rede social pessoal pode ser compreendida como “a soma de todas as
relações que um indivíduo percebe como significativa ou define como diferenciadas
da massa anônima da sociedade” (Sluzki, 1997, p. 41). Segundo o autor, essa rede
seria um dos pilares mais importantes no que diz respeito ao bem estar dos sujeitos,
incluindo cuidados em saúde e capacidade de adaptação em uma crise. A rede social
pessoal inclui familiares próximos, amigos, relações de trabalho, vizinhos, etc., que
podem cumprir as funções de companhia social, apoio emocional, guia cognitivo e
conselhos, regulação social, ajuda material e de serviços e acesso a novos contatos
(Sluzki, 1997).
A importância de se fazer uma discussão em torno desta temática, de se
60
pontuar ou mapear a existência desse tipo de rede é a de se permitir o
desenvolvimento deste tipo de ação, ou, como afirma Sluzki (1997) falar sobre ela é
um primeiro passo para ter acesso a ela com fins terapêuticos” (p. 60). Além disso,
“o traçado dos mapas de rede permite decidir qual ou quais das muitas redes
intersectantes podem ser ativadas” (Sluzki, 1997, p. 60).
Algumas pesquisas mostram ainda que uma “rede social pessoal estável,
sensível, ativa e confiável protege a pessoas contra doenças, atua como agente de
ajuda e encaminhamento, afeta a pertinência e a rapidez da utilização de serviços de
saúde, acelera os processos de cura, e aumenta a sobrevida, ou seja, é geradora de
saúde” (Sluzki, 1997, p. 67), o que aponta uma correlação direta entre qualidade da
rede social e qualidade da saúde” (Sluzki, 1997, p. 67). O referido autor traz
inúmeras pesquisas que comprovam essa posição em torno das redes sociais,
afirmando a importância de se pesquisar e ativar experiências nessa direção. Sluzki
(1997) comenta uma interessante pesquisa feita por Spiegel et. al. (1989), que discute
os efeitos de um grupo de terapia de apoio com pacientes com câncer, na qual os
resultados apontaram para a formação de uma rede entre os pacientes, em que “os
problemas em comum se transformam em pontes empáticas” (p. 73). Os participantes
do grupo mostraram níveis mais baixos de ansiedade, depressão e dor física do que a
amostra controle. Nesse sentido, pensar a ajuda mútua entre usuários é pensar
também a produção e potencialização dessas redes sociais, que, conforme já
assinalado, podem trazer inúmeros benefícios para o a vida das pessoas.
Vieira Filho e Nóbrega (2004), pensando nessa mesma direção, trazem ainda
a noção de território, ampliando-a do que seria entendido para o campo da saúde
61
(normalmente concebido com a área de abrangência de uma determinada unidade de
saúde), partindo para uma compreensão mais ampla, ao entendê-lo como
microlocalismo
Gerador de uma dimica na qual os grupamentos humanos (famílias, creches,
associações de moradores) se organizam numa territorialidade geográfica,
política e simbólica. Nesta, pessoas e grupos estariam mais ligados ao espaço
simbólico e cultural (ou comunitário), e às relações de afetividade
vivenciadas, do que ao espaço geográfico em si. (p. 375)
Os autores ressaltam que a prática terapêutica que opera no território deve
operar por uma via distinta da dos consultórios. É por essa via que deve entrar a
perspectiva do trabalho comunitário com a população local, fortalecendo e fazendo
surgir a idéia de rede comunitária de serviços em saúde mental, em que cada nódulo
(Vieira Filho & Nóbrega, 2004) da rede representaria uma unidade sanitária, devendo
articular canais de comunicação e ações dentro e fora dos serviços. Penso que, nessa
direção, os usuários podem se configurar enquanto importante dispositivo,
facilitando e potencializando a comunicação e a articulação dos serviços em saúde
mental com os recursos da comunidade. Os usuários, ao se constituírem como
integrantes dessa rede de cuidados, podem representar um tipo de atenção que
extrapola os ambientes organizacionais dos serviços da rede de saúde, assim como
sua lógica tradicional de atenção em saúde, adentrando o espaço da vizinhança, da
amizade, da cooperação entre iguais, proporcionando (ou talvez ainda no campo do
virtual) um tipo de cuidado conectado com outras necessidades, mais cotidianas, das
quais os serviços não dão conta, ou sequer tem conhecimento.
62
Isso, a meu ver, tenderia a promover uma ampliação da rede de cuidados,
corroborando com os autores supracitados, ao apontarem a necessidade de se
“diversificar e integrar” (Vieira Filho & Nóbrega, 2004, p. 377) os diversos recursos
de intervenção, de modo a atender a maioria das demandas existentes. Para isso, faz-
se necessário a “flexibilização do poder e do saber profissional para que seja possível
enfrentar a complexidade e o desenvolvimento da capacidade de se fazer alianças e
invenções institucionais” (Vieira Filho & Nóbrega, 2004, p. 376). Essa flexibilização
deveria, por exemplo, considerar como válido o saber do louco, possibilitando essas
invenções.
Corroborando essa idéia, Vieira Filho (2005) pontua a necessidade de que as
diferentes práticas de cuidado coexistam sem diferenças hierárquicas, se interligando,
da melhor maneira possível, no sentido de servir como rede de apoio social. Garcia-
Calvente, Mateo e Gutiérrez (1999) também trazem contribuições para essa
discussão acerca da noção de rede social. As autoras comentam sobre a Primeira
Confencia Mundial sobre Promoção à Saúde, realizada em Ottawa, em 1986, em
que um dos pontos chaves da discussão girou em torno da importância do apoio
social como recurso para promoção à saúde.
As autoras partem de uma definição de apoio social que seria a interação
entre pessoas, em que ocorreria certa ajuda mútua que iria desde o plano espiritual ao
material, podendo ser efetivado por fontes profissionais ou não. Ressaltam a
importância de se discutir a idéia do apoio social em saúde, afirmando que os
diferentes níveis do sistema de saúde muitas vezes não atentam para o papel que
podem exercer as redes de apoio social no cuidado nesta área, principalmente tendo
63
em vista que os sistemas formais dão conta apenas de uma parte das demandas em
saúde, ficando o restante a cargo de familiares e demais cuidadores informais. Dito
isto, se o cuidado em saúde deve necessariamente (e em um volume significativo)
passar pelas mãos de sujeitos outros, que não os profissionais, é de suma importância
que se mapeie, compreenda e se potencialize práticas de cuidado dessa ordem.
As autoras apontam ainda algumas dificuldades que se apresentam à
valorização dessa rede de cuidados informais (no contexto da Espanha), dificultando
sua visualização enquanto “sistema de atenção à saúde” (Garcia-Calvente, Mateo e
Gutiérrez, 1999, p. 24). As principais seriam: a cotidianidade das ações realizadas
(alimentação, administrar medicação, ajudar no cuidado pessoal), o que acaba
convertendo-as em algo normal, e a característica não remunerada deste tipo de
trabalho, o que dificulta a valorização do sistema informal de saúde.
64
4. Capítulo 3: Considerações teórico-metodológicas
4.1 Local e participantes da pesquisa
O trabalho de campo consistiu na observação sistemática do cotidiano dos
CAPS II Leste e Oeste que compõem a rede de atenção em saúde mental da cidade
de Natal/RN. Tais serviços funcionam de segunda à sexta-feira, das 8 às 17 horas, e
se localizam, respectivamente, nas zonas leste e oeste da cidade do Natal. O primeiro
CAPS II a ser aberto em Natal foi o Leste, precisamente no ano de 1993. Dois anos
depois seria aberto o segundo serviço, o CAPS II Oeste, em 1995.
As observações foram realizadas entre o mês de dezembro de 2008 a março
de 2009. Minha presença nos serviços se deu, prioritariamente, pela parte da manhã.
Apenas quatro turnos vespertinos foram observados, sendo dois em cada serviço. As
atividades tinham início às 07h30min da manhã (quando podia observar o momento
de chegada dos usuários ao CAPS) e iam até as 13 horas (horário de encerramento da
reunião de passagem da equipe técnica). Minha participação consistiu da presença
nas oficinas (muitas vezes realizando, juntamente com os usuários, as atividades
propostas); nas assembléias que reuniam usuários, técnicos e familiares; nos
momentos das refeições e de intervalo entre uma oficina e outra, quando partilhava
de conversas e diálogos informais com alguns usuários e, às vezes, com cnicos. O
quadro a seguir permite uma melhor visualização das oficinas observadas, bem como
seus respectivos objetivos.
65
Segunda-feira
(CAPS Leste)
Terça-feira
(CAPS Oeste)
Quarta-feira
(CAPS Leste)
Quinta-feira
(CAPS Oeste)
Manhã Roda de Conversa
(Objetivo: Ouvir
os usuários
quanto ao fim de
semana e como
estão para o
começo da
semana)
Espaço Musical
(Objetivo:
proporcionar um
espaço de
ludicidade e
contato com a
música)
Caminhada
(Objetivo: realizar
caminhadas ou
atividades físicas)
Grupo Terapêutico
(Objetivo:
proporcionar um
momento de terapia
de grupo)
Saúde e Sociedade
(Objetivo: permitir
a discussão sobre
assuntos referentes
à saúde e questões
sociais)
Arte e Artesanato
(Objetivo: realizar
atividades artísticas
(em particular artes
psticas) e
produtos de
artesanato)
Artes (Objetivo:
proporcionar
contato com a arte
e produção de
artefatos
artesanais)
Teatro (Objetivo:
prática do teatro,
promovendo a
realização de
apresentações
teatrais)
Tarde Arte e Artesanato
(Objetivo: idem)
Escrita
(proporcionar o
contato e
desenvolvimento
da habilidade de
escrever)
Quadro 1. Esquema de observação das oficinas
Além desses momentos referentes à dinâmica interna do serviço, pude
acompanhar alguns eventos extra-serviço, como passeios e eventos. Mais
especificamente, participei de um passeio à Fundação José Augusto, junto com
usuários do CAPS Leste; um passeio à lagoa do Urubu (localizada no município de
Nísia Floresta, próximo à Natal) com usuários e técnicos do CAPS Oeste; um passeio
pelo rio Potengi, em parceria como o Projeto Chama-Maré (iniciativa do Instituto de
Desenvolvimento Econômico e de Meio Ambiente, que objetiva realizar aulas de
educação ambiental com alunos da rede pública e privada de educação); um passeio
66
de trem, com usuários do CAPS Oeste, fazendo a rota Natal/Ceará-Mirim (ida e
volta); e o evento do carnaval, quando ambos os serviços se reuniram em um bairro
da cidade, para festejar a data. Tive também a oportunidade, por duas vezes, de
acompanhar usuários de ambos os serviços em seus retornos para casa.
Ao todo foram observados 32 turnos (por turno entendo uma manhã ou uma
tarde), distribuídos da seguinte forma: quinze turnos pela manhã e dois à tarde no
CAPS Oeste; treze turnos pela manhã e dois à tarde do CAPS Leste. Além disso,
foram observadas vinte e duas reuniões de equipe, sendo doze no CAPS Oeste e dez
do CAPS Leste e três assembias (duas no CAPS Oeste e uma no Leste).
Os participantes desse processo de pesquisa foram: a equipe do CAPS Oeste,
composta por quatro vigias, uma terapeuta ocupacional, uma auxiliar de serviços
gerais (ASG), duas psilogas (sendo uma exercendo o cargo de coordenação e a
outra realizando dupla função de psicóloga e administradora), uma enfermeira, dois
psiquiatras, uma arte-educadora, uma nutricionista e dois técnicos de enfermagem.
Além disso, havia quatro profissionais que trabalhavam na cozinha, prestando
serviço por meio de empresa terceirizada. No CAPS Leste o quadro de funcionários
se configurava da seguinte forma: três auxiliares administrativos, duas psicólogas
(uma delas exercendo o cargo de administradora), duas enfermeiras, dois técnicos de
enfermagem, um farmacêutico, dois auxiliares de farmácia, uma psiquiatra, uma arte-
educadora, uma terapeuta ocupacional, um educador físico, uma nutricionista e cinco
ASG (sendo quatro terceirizadas).
A quantidade de usuários presentes em minhas observações se distribui da
seguinte forma: CAPS Leste - 13 usuários na segunda-feira e 11 na quarta-feira pela
67
manhã (à tarde o número é de 14 usuários). No CAPS Oeste participaram 26 usuários
na terça e 16 na quinta-feira pela manhã (à tarde o número é de 25 usuários).
As reuniões da Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME) também
fizeram parte de minhas observações. Nesse sentido, durante o período de trabalho
de campo, foram observadas três reuniões desta associação. Em geral, elas contavam
com a participação de técnicos da rede de saúde mental, com o presidente da
associação Plural (que congrega técnicos, familiares e usuários da rede de saúde
mental), usuários da rede, além de estudantes e simpatizantes da causa.
Além dessas atividades realizei uma oficina de ajuda mútua que teve por
finalidade fomentar entre os usuários a prática da ajuda/suporte mútuo, favorecendo
atitudes de empoderamento e articulação política entre eles, pensando principalmente
no fortalecimento da ABRASME-RN, associação cujas reuniões vinham tomando
caráter de encontros de troca de experiências e apoio emocional. A oficina de ajuda
mútua foi baseada nos modelos de reunião característicos dos grupos de ajuda e
suporte mútuo, e no manual de ajuda e suporte tuos em saúde mental, elaborado
pelo projeto Transversões, da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), coordenada pelo Prof. Dr. Eduardo Vasconcelos (2008).
Nessa direção, foram realizados dois encontros com a proposta de que fossem
partilhadas pelo grupo histórias e dificuldades que enfrentavam em seus cotidianos,
assim como aspectos relevantes de seus transtornos, problemas no que diz respeito à
autonomia, inserção social, etc. Meu papel enquanto facilitador era o de incentivar a
troca de experiências, apoio emocional e ajuda entre os participantes, no intuito de
que eles, que passaram por experiências parecidas (tendo, portanto, maior vivência
68
do que eu sobre a realidade de um transtorno mental), pudessem desenvolver
estratégias de enfrentamento de seus problemas.
Por fim, foi proposta ainda uma roda de conversa
3
com os técnicos dos
serviços, permitindo que esses agentes expusessem seus discursos, que é através
desses que uma instituição pode ser analisada (Altoé, 2004). Essa atividade girou em
torno da temática da ajuda mútua entre os usuários, tentando perceber como os
técnicos se posicionam diante dessa questão, além de promover uma devolução à
equipe dos resultados da pesquisa.
4.2 O processo de entrada em campo e seu desenvolvimento
O trabalho de campo teve início em dezembro de 2008, com a ida aos
serviços e com a participação progressiva nas suas atividades, com o intuito de ir
conhecendo seu funcionamento, assim como me aproximando do objeto de estudo.
Apresentei minha proposta de pesquisa a ambos os serviços e foi solicitado que
apresentasse na reunião de passagem da equipe, que ocorre geralmente ao meio-dia,
entre um turno e outro de trabalho. Tal momento foi de muita tensão, pois implicaria
em assumir a possibilidade de conflito de idéias. Mas, ao mesmo tempo, pensei na
perspectiva de uma pesquisa implicada, no sentido descrito por Lourau (1993), na
qual minha neutralidade se tornava impossível, quiçá desejada. Qualquer
repercussão/conflito em um momento como esses, além de ser muitas vezes
inevitável, se tornava parte preciosa da pesquisa. Conceber a pesquisa enquanto
3
Devido a dificuldades e falta de disponibilidade por parte da equipe do CAPS Leste, a roda
de conversa aconteceu somente no CAPS Oeste.
69
dispositivo ético-político era estar disposto a mudar algumas realidades, mas,
também, confrontar-se com as mesmas, assim como com seus representantes.
Ao apresentar o tema da ajuda/suporte mútuo, ficava feliz com os relatos dos
técnicos que me diziam que teria muito que observar, até demais, não faltariam
ocasiões... Chegam às vezes a invadir nosso espaço! [...]. Porque eu acho que tem
ser cada um no seu território”, dizia a técnica de um dos serviços. Esses relatos me
fizeram perceber que diferentes forças estavam em jogo naqueles espaços em que
conviviam usuários, técnicos e familiares; que estavam presentes a lógica do
especialismo, a clínica da psicose, dentre outras instituições que atravessam
historicamente o campo da saúde mental. Que forças estariam em jogo na
manutenção dessas instituões? Que mecanismos seriam responsáveis pela repressão
ao instituinte?
Na intenção de mapear essas forças, as intensidades e relevos, bem como sua
relação com o pesquisador, defini a cartografia enquanto método/guia na minha
inserção no campo. A cartografia, antes de ser um método, se situa enquanto uma
discussão metodológica, propondo uma revalorização da dimensão subjetiva em
pesquisa. Nesse sentido, tem sido pensada principalmente por autores como Gilles
Deleuze, Michel Serres, Felix Guattari, Suely Rolnik e Pierre Lévy, ao que se
convencionou chamar de filosofia da diferença, com inegável influência do
pensamento de Friedrich Nietzsche (Kirst, Giacomel, Ribeiro, Cota & Andreoli,
2003).
A cartografia, como o próprio nome indica, busca dar conta de um espaço
pensando as relações possíveis entre territórios, capturando intensidades e atentando
70
para o jogo de transformações desse espaço. A cartografia está interessada em
experimentar movimentos/territórios, novos modos de existência, sempre a favor da
vida, dos movimentos que venham a romper com o instituído (Kirst, 2003). Para
tanto, é preciso estar atento aos discursos, gestos, funcionamento, o regime
discursivo operante (Mairesse, 2003).
Minha apresentação à equipe seguiu. Relatei alguns exemplos de grupos de
ajuda e suporte mútuo, em particular o Hearing Voices Network, no qual pessoas se
reúnem para tentar discutir estratégias para melhor lidar com o fenômeno de ouvir
vozes... Coordenados por um profissional, né!?”. Tal pergunta de um técnico
indicava bem que o espaço/território do profissional é algo que não pode ser violado
e, para isso, seus defensores devem estar dispostos a laar mão das mais variadas
estratégias. Mais uma instituição se revelava.
Com a aprovação da pesquisa iniciei minha participação nas atividades
diárias dos CAPS anteriormente descritas (oficinas, grupos terapêuticos, reuniões de
passagem, etc.) no intuito de me aproximar e participar daquele cotidiano, perceber
as diversas formas de se relacionar entre os usuários e atentar para possíveis relações
de ajuda entre eles, terreno fértil para as práticas de suporte mútuo. Lembro de
minhas primeiras impressões desses primeiros momentos e lugares: pessoas apáticas,
prostradas na recepção à espera de alguma coisa, do café, do almoço, da definição
das atividades, etc.
Ao chegar no CAPS Oeste cruzo com um cabeludo... cabelos grandes,
escondendo o rosto... olhar tranqüilo... pensei na sua história, em que idéias
passariam por aquela cabeça. Mas aquele corpo me parecia sem vida. Andava
71
como quem suporta um grande peso. A pele, os olhos, o tinham mais viço.
Sentei a seu lado. Perguntei as horas, apesar de sabê-las. Queria mesmo era provocar
algum contato, dar chance ao acaso, ao encontro, enfim, jogar com as possibilidades
do devir... mas a impressão continuava... poucas palavras. Passaram-se 30 minutos,
ambos, eu e o cabeludo, nos encontrávamos na mesma posição. Olhei em volta e não
via muita diferea. Faltava alguma coisa, e alguma coisa me inquietava, apesar de
ainda não saber o quê. Havia uma apatia misturada a conformismo no ar. Pensei nas
infinitas possibilidades de funcionamento desse cotidiano e dessa coletividade da
qual agora fazia parte. Perguntava-me o que estaria contribuindo para essa apatia do
CAPS... Como essa composição se tornou possível? Como provocar mudanças nesse
quadro?
Esses questionamentos me impulsionam para uma atitude cotidiana de
atenção e intervenção. Intervenção no sentido de agir no nível micropolítico (e no
macro também), nas frestas, nas possíveis rupturas... provocando-as. Com o tempo, o
campo pedia mais que simplesmente conhecer as coisas, compreender o
funcionamento. Era preciso sentir. Afetar-se com as pessoas. Sentir qualquer coisa
que movesse mais. Amor ou ódio.
A partir desse momento, cada conversa, atividade, cada passo meu em
campo necessariamente estava atravessada por essas questões, por essa forma de
relação/implicação (Lourau, 1993). Nesse sentido, pesquisar exige uma tomada de
posição. Uma posição ética-estética-política. A minha estava conectada com o desejo
de fazer valer a regra nietzscheana de expansão da vida. “O compromisso do
pesquisador é com a vida [...] percebendo que linhas de força pedem passagem...”
72
(Fonseca & Kirst, 2003, p. 270). Dar passagem aos fluxos de vida/potência.
Pesquisa-implicação, pesquisa-intervenção. Nesse momento o existia outra opção.
Ou se entrava na guerra, ou se abria mão de um modo de vida mais permissivo à
diferença, às possibilidades outras, enfim, um modo de vida mais potente para
aqueles sujeitos e, porque não, para nós. Como afirma Rolnik (1996, p. 7, citada por
Kirst e Fonseca, 2003)
Trata-se [...] de ouvir as linhas de virtualidade que se anunciam e se perguntar:
[...] Que agenciamentos são passíveis de trazê-lo à existência, recompor um
mundo, relançar o processo? [...] Uma escolha ética, que é mais da ordem da arte
do que do método: o que ela visa é criar formas de existência, a favor do
processo vital. (p. 271)
Entendo por processo vital tudo aquilo que diz respeito ao aumento das
possibilidades/potência da vida, tudo aquilo que favorece o agenciamento de forças
instituintes, enfim, tudo aquilo que se conecta com forças de vida (Rolnik, 2006). Ao
pensar sobre esse meio, no qual me inseri, concebo o processo vital como a
articulação do coletivo. É a potencialidade do coletivo atualizada. Coletivo esse
composto, principalmente, pelos usuários de CAPS.
A proposta inicial, as diretrizes aos poucos vão se plastificando ao contexto
vivido. Novas cenas, algumas palavras despertavam em mim sensações diversas, que
me fizeram tomar uma direção. Era como estar numa guerra e, obrigatoriamente,
tomar partido. Inevitavelmente fui impelido ao front. Não se tratava de uma escolha
consciente, racional, sobre ir em direção à verdade, mas tomar partido naquilo que
ampliava minha potência, minha vida. Aquilo que fazia com que eu desejasse
73
caminhar, desejasse estar ali. No meu entender, a postura de um pesquisador não
pode passar longe dessas questões
E justamente, a tarefa do cartógrafo social é a de acompanhar os movimentos.
Perceber entre sons e imagens a composição e decomposição dos territórios,
como e por quais manobras e estratégias se criam novas paisagens. Quais linhas
predominam em sua articulação? Das linhas de fuga às linhas mais duras, qual
relação entre elas? O quanto as linhas de vida estão capturadas? Qual a força que
as mantêm? (Mairesse, 2003, p. 270)
Nesse momento, percebi que uma concepção teórico-metodogica não se
escolhe racionalmente, por ser mais coerente, ou por se adequar melhor a um dado
objeto de pesquisa. Escolhe-se porque está profundamente ligado com uma maneira
de viver, de enxergar o mundo.
Tomando essa perspectiva como referência, delineei algumas estratégias de
trabalho: a observação participante se mostrava apropriada à realização da pesquisa
por me permitir entrar e fazer parte do cotidiano daquelas pessoas, colocando-me
próximo aos discursos, práticas, afetos, enfim, por permitir o “encontro entre as
subjetividades” (Campos, 2007, p. 53). O diário de campo também se mostrou
bastante pertinente, tendo em vista que me interessavam questões de ordem mais
subjetiva/afetiva, que normalmente seriam deixadas em segundo plano. A intenção
do uso do diário de campo era trazer à tona afetos e, particularmente, o modo como
os fatos me afetam. Sensações/vibrações, geralmente mantidas às sombras (Lourau,
1993) que permeiam o ato de pesquisar.
Esse processo permite o surgimento de questões que atravessam tanto
74
usuários e técnicos, quanto o pesquisador e, nesse sentido, temos uma idéia da
dimensão das instituições que nos conectam a esse campo, e que atravessam a todos
os envolvidos no processo. A partir daí, o pesquisador concebe um projeto político
que pretende “transformar a si e a seu lugar social, a partir de estratégias de
coletivizão das experiências e análises” (Lourau, 1993, p. 85). Foi nessa
perspectiva que foram pensadas a realização da oficina de ajuda mútua com os
usuários dos CAPS e as rodas de conversa com os técnicos dos serviços.
A proposta desse tipo de grupo com usuários está diretamente ligada à noção
de empoderamento (Vasconcelos, 2008), que diz respeito ao aumento de força e
poder de uma determinada coletividade, favorecendo, por exemplo, o ganho de
autonomia e o combate à relação de tutela que historicamente abarca o fenômeno da
loucura, representando assim, um significativo avanço ao processo de reforma
psiquiátrico local.
As rodas de conversa com os técnicos objetivaram também fazer uma
devolução de minhas reflexões de pesquisa ao grupo, provocando, talvez, algumas
rupturas, proposta que se inspirou na idéia de restituição proposta por Lourau (1993),
possuindo um caráter essencialmente político. As discussões tinham como mote
algumas atitudes tomadas pela equipe, alguns pontos relacionados ao funcionamento
dos serviços, e, principalmente, falas de usuários que serviram de analisadores dos
processos pesquisados. Entendo por analisador aquilo que é capaz de revelar a
estrutura de uma organização, provocando-a, forçando-a a falar (Lourau, 1995).
As rodas de conversa consistiram, pois, em um tipo de dispositivo que visou
criar condições de diálogo entre os participantes, propiciando um momento de escuta
75
e de circulação da palavra (Afonso & Abade, 2008), promovendo a reflexão e
discussão sobre um determinado tema. Mais importante do que transmitir
informações/conclusões, interessava provocar discussões sobre questões pontuais.
Em ambas as estratégias acima apresentadas uma consonância de
pensamento/movimento desse tipo de intervenção com as propostas da
esquizoanálise, as quais, de certa forma, orientam essa pesquisa. A esquizoanálise
permite que se ponham em xeque as práticas instituídas, através da promoção de
processos auto-analíticos, no sentido de permitir que surjam e se afirmem linhas de
força instituintes (Baremblitt, 1998), que atuem a favor da “retomada das máquinas
técnicas pelas máquinas desejantes” (Guattari, 1981, p. 172).
A seguir, serão apresentados os aspectos mapeados nesse trabalho de
pesquisa que compõem a cartografia das práticas de ajuda mútua entre usuários dos
CAPS, bem como a concepção dos técnicos sobre as mesmas.
76
5. Capítulo 4: Resultados e análise
Esse capítulo objetiva descrever as principais questões identificadas no
trabalho de campo. Como referido anteriormente, essa inserção consistiu na
realização de uma série de atividades tais como: observação participante do cotidiano
dos CAPS, passeios externos, participação em eventos e reuniões da ABRASME,
oficina de ajuda mútua e roda de conversa com a equipe técnica. Para efeitos
didáticos, indicaremos a seguir os aspectos mapeados referentes a cada uma dessas
atividades, nos dois serviços indistintamente, que estão relacionados ao nosso objeto
de estudo: práticas de ajuda mútua entre usuários dos serviços.
5.1 Cotidiano dos CAPS
As observações evidenciaram que o cotidiano nestes serviços é regulado e
coordenado pelos técnicos, o permitindo que usuários participem ou co-gestionem
as propostas. Além da heterogestão
4
, foi percebido que as oficinas terapêuticas,
muitas vezes, servem principalmente para preencher o tempo, havendo pouca
articulação com o desejo/vida daqueles usuários. Com o tempo ocupado por oficinas,
propostas pela equipe técnica, sobra pouco espaço para o contato/articulação entre os
usuários.
A concepção da proposta terapêutico-clínica do serviço foi considerada um
elemento central de análise. Geralmente focada em questões individuais (com
embasamento predominante na psicanálise) e subjetivas (entendo subjetividade como
4
Entendo por heterogestão, a gestão de um determinado coletivo que se dá por sujeitos que
o pertencem ao mesmo, ou situam-se em uma posição de superioridade hierárquica, como gerentes,
chefes, coordenadores, etc.
77
algo interno e particular dos sujeitos), o direcionamento clínico dos serviços agiam
na direção contrária da articulação e empoderamento por parte dos usuários.
Por fim, foi percebido uma grande atribuição de poder aos técnicos e serviços
por parte dos usuários, ao lado de uma descrença/despotencialização das iniciativas e
posturas dos usuários por parte da equipe, o que torna os usuários sujeitos passivos e
apáticos frente às propostas cotidianas; além disso, possuir um diagnóstico e estar em
tratamento no CAPS são fatores que dificultam o empoderamento deste coletivo.
5.2 Reunião da ABRASME
O que mais chamou atenção durante minha presença nesse espaço foi a pouca
ou nenhuma participação dos usuários. O único usuário presente foi Bill, presidente
da associação Plural de técnicos, familiares e usuários da rede de saúde mental.
5.3 Oficina de ajuda mútua com usuários dos serviços
As oficinas realizadas trouxeram, através da fala dos participantes, a
importância da partilha de experiências (como lidar com a crise, por exemplo, um
dos temas abordados) e do aprendizado com colegas, usuários do serviço. Além
disso, foi corroborado pelos usuários a importância e o poder atribuído a equipe
técnica por parte daqueles.
5.4 Roda de conversa com equipe técnica
Na roda de conversa realizada no CAPS Oeste, foi percebido que alguns
conflitos em relação à temática da ajuda mútua entre usuários. Apesar de conceberem
78
o cuidado em saúde como algo amplo, abrangendo questões de ordem cio-
econômicas e familiares, os técnicos afirmam que deve haver um limite quando se
trata do cuidado proporcionado por um usrio, particularmente quando este prioriza
o cuidado e ajuda ao outro em detrimento do cuidado com sua própria
saúde/tratamento. Além disso, foram discutidos os resultados da pesquisa e das
oficinas de ajuda mútua, realizada com os usuários.
Com base nos aspectos acima indicados foi possível traçar um diagnóstico
acerca do foco da pesquisa. Percebemos que são muito tímidas ou praticamente
inexistentes as práticas de ajuda mútua entre os usuários dos CAPS pesquisados.
Praticamente não observamos atitude de ajuda e/ou suporte entre os mesmos. O que
vimos foram atitudes pontuais, geralmente vindas de usuários que,
caracteristicamente, adotam a postura de cuidadores. Dessa forma os fatos
observados consistiram, basicamente, em ajuda na hora das refeições a algum usuário
com algum tipo de dificuldade motora e conversas no sentido de promover apoio e
acolhimento em algum momento de sofrimento do colega.
Por terem acontecido em um número bastante reduzido (tendo em vista o
tempo de observação em campo), podemos refletir sobre a desarticulação e falta de
atitudes de ajuda mútua entre usuários. Corroborando essas assertivas, foram
observadas algumas ocasiões em que se percebeu a falta de acolhimento e apoio por
parte dos usuários frente a algum colega em sofrimento. Observamos ainda, no
cotidiano dos serviços, atitudes por parte dos técnicos que iam na direção de
impedir/dificultar uma possível articulação dos usuários em torno de atitudes de
ajuda e/ou suporte mútua.
79
Ora, tendo em vista o que aponta a literatura, podemos perceber que a maioria
das associações e grupos de ajuda/suporte mútuos surgem vinculados aos CAPS,
muitas vezes por incentivo dos profissionais, trazendo inúmeros benefícios para a
vida dos usuários (Vasconcelos, 2008). Nesse sentido, os resultados encontrados nos
CAPS de Natal contrariam esses dados, o que torna imprescindível pensar o
cotidiano desses serviços, bem como as atitudes dos profissionais, com vistas a
compreender porque isso se dá, favorecendo possíveis mudanças nesta realidade.
Os pontos acima elencados constituem um mosaico composto pelas
observações, discursos, afetos, ou seja, de informações diversas que indicam algumas
regularidades e também contradições acerca do objeto de estudo dessa pesquisa. Esse
refinamento dos dados contribuiu para elaboração de um diagnóstico e dos
enunciados de análise entendidos como pontos centrais que emergiram da imersão no
campo.
Nesse sentido, propomos três grandes categorias de análise para
problematizar a falta de práticas de ajuda tua entre os usuários dos CAPS, sobre
as quais discorremos a seguir.
5.5 Eixo 1: Dinâmica do CAPS
Começaremos este ponto chamando a atenção para o fato constatado de que
não há relações de ajuda entre os usuários. Segundo uma técnica, os próprios
usuários afirmam: cada um de nós é uma ilha.
A desarticulação vista no CAPS pode, talvez, ser explicada pelo modo como
esse equipamento opera e intervêm na vida cotidiana dos usuários. A dinâmica deste
80
serviço é algo de fundamental importância para refletir sobre a apatia e
desarticulação de seus usuários.
Um primeiro ponto a ser discutido aqui diz respeito à temática da
heterogestão, que no CAPS acaba fazendo funcionar um dispositivo de poder e,
conseqüentemente, de saber, sobre aquele coletivo. A posse dos meios de regulação e
funcionamento do serviço, ou seja, o controle sobre a vida cotidiana daquelas
pessoas é um elemento que opera, põe em ação um dispositivo de gestão de suas
vidas, pelo menos enquanto usuárias do serviço, o qual, muitas vezes, age na direção
da desarticulação e enfraquecimento deste coletivo.
O que se percebe nos CAPS pesquisados é uma estrutura gida, um
funcionamento estático e definido pelos técnicos, quando são os usuários quem
deveriam ter maior possibilidade de gestão e invenção das atividades, já que são as
suas vidas que estão em jogo.
Comecemos pelo que é proposto nos CAPS. Geralmente, as atividades
consistem em oficinas (duas em cada turno), com intervalo entre uma e outra.
Esporadicamente, acontecem ainda atividades como passeios e eventos internos
(aniversários, festas em datas comemorativas, etc.).
Durante a realização de minhas observações me deparei com um momento,
no início do ano de 2009, em que os técnicos propuseram se reunir para planejar as
oficinas, repensar o que vinha acontecendo até então, pensar outras estratégias para
se poder avançar nos projetos terapêuticos de cada usuário.
Nesse momento me senti feliz por poder participar desse planejamento, algo
que toca diretamente na vida dos usuários, e que poderia ser repensado, melhorado,
81
potencializado... No dia combinado, cheguei cedo a um dos serviços. Fui entrando na
recepção e estranhei um pouco o silêncio. Na minha cabeça, seria um dia de muito
barulho, muita conversa, discussão, etc. A decepção que sinto se explica pelo fato de
que, por mais incrível que isso possa parecer, naqueles dias de planejamento, o
havia usuários no serviço. A equipe decidiu fazer expediente interno, com os
técnicos, para pensar essas questões administrativas. Ao falar com a coordenadora do
CAPS sobre esse assunto ela responde que eles participam, algumas oficinas como a
de teatro eles foram quem propuseram. Mas quando pergunto sobre a participação
deles nesse momento, ela responde: não, esse momento é para as questões
administrativas, só com a equipe.
O mesmo acontecia no outro CAPS. O planejamento das oficinas se dava de
maneira bastante organizada, objetiva. Foi visível a dedicação dos técnicos deste
serviço neste momento, tentando planejar algo que funcionasse, que saísse da
cronificação e apatia já percebida pela equipe. O serviço estava vazio, sem usuários e
essa seria a condição durante toda a semana. Nestes dias de planejamento, andei
pelos corredores, percebi o silêncio, senti falta dos usuários, do burburinho, das
risadas, do cheiro de cigarro. Como pensar o cotidiano de um equipamento em
condições irreais? Irreal no sentido de extra-cotidiano, já que tal conjuntura, a
presença exclusiva de técnicos, não faz parte da realidade de um CAPS, e, em minha
opinião, nem deve fazer. Um equipamento de saúde só tem sentido com a presença
de seus usuários, principais atores (ou pelo menos assim deveria ser) daquele espaço.
Tal concentração de poder na figura do técnico já havia sido apontada por autores
como Vieira Filho e Nóbrega (2004).
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Para pensar essa questão convêm alguns apontamentos. Sabemos que,
historicamente, presenciamos um processo de invalidação do saber/fazer dos grupos
e coletivos humanos, e simultâneo surgimento e fortalecimento do lugar ocupado
pelos experts em nossa sociedade. Particularmente na modernidade, assiste-se a uma
descapacitação dos indivíduos e coletivos de gerirem seus próprios problemas, de
resolverem suas questões cotidianas, dada a posão ocupada pelos saberes ditos
científicos/especializados (Baremblitt, 1992). É nesse sentido que as diferentes
correntes da análise institucional, segundo Baremblitt (1992), se propõem a devolver
ou deflagrar os processos de auto-análise e auto-gestão (processos esses em contínua
inter-relação) a diferentes agrupamentos humanos, favorecendo, ou fazendo com que
sejam mais bem sucedidos os processos revolucionários. É partindo dessa
perspectiva que me inquieto com a postura da equipe técnica dos CAPS onde estive
presente.
O incômodo se justifica também por acreditar que aquelas pessoas possuem
um saber valioso sobre suas situações de vida (Vasconcelos, 2003), sendo capazes de
colocá-los em prática em seus cotidianos para pensar não sua condição de saúde e
respectivo tratamento como suas próprias vidas. A proposta da ajuda e dos grupos de
ajuda e suporte mútuos, por exemplo, poderia favorecer o empoderamento desses
sujeitos (Vasconcelos, 2003). Tais assertivas encontram amparo em diversos autores
que defendem que determinados coletivos, em particular aqueles compostos por
sujeitos que vivem uma mesma problemática, possuem um potencial de ajuda e
melhoria da qualidade de vida de seus integrantes (Chien et. al., 2008; Dessen &
Braz, 2000; Davison et. al., 2000; Japur & Guanaes, 2001; Oliveira et. al., 2008;
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Pinheiro et. al., 2008; Rasera & Japur, 2003; Roehe, 2004; Room, 1998).
Como pensar sobre o tratamento dos usuários, seus projetos terapêuticos, as
atividades que estarão realizando dentro do CAPS sem a presença dos mesmos?
Como pensar a realidade deste serviço em uma situação artificial?
Os objetivos das oficinas o bem interessantes. A questão é como acontecem
na prática, no nível da micropolítica, dos afetos, que relação têm com o projeto
terapêutico de cada usuário? E seus cotidianos atuam a favor de um empoderamento,
autonomia? Senti falta da presença dos usuários. Planejava-se, discutia-se sobre a
vida deles, e eles o estavam presentes. Acrescente-se a isso que as pessoas
encarregadas de gerir o cotidiano dos serviços e, porque não, a vida dos usuários, são
profissionais de diversas áreas, cada vez mais especializados (seguindo as exigências
do mercado) agindo de formas cada vez mais específicas e sobre recortes da
realidade, e cada vez mais distantes da realidade cotidiana daqueles sujeitos (Yasuí &
Costa-Rosa, 2008).
Dessa forma, o que acontecia ali era a invalidão da capacidade dos usuários
de pensarem seus cotidianos, refletirem sobre seu próprio tratamento, em última
instância, gerirem sua própria existência. O usuário encontrava-se ali infantilizado
frente a seu processo de tratamento (Yasuí & Costa-Rosa, 2008), o que dificulta
qualquer posição de autonomia e empoderamento frente à questões que dizem
respeito à sua própria vida. Segundo Guattari (1986), esse processo de infantilização
seria uma das funções mais importantes do processo capitalístico de subjetivação:
“Pensam por nós, organizam por nós a produção e a vida social (p. 41). A
infantilização consistiria na necessidade de mediação pelo Estado de toda e qualquer
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iniciativa e pensamento, construindo assim uma relação de dependência dos
indivíduos frente aos aparelhos do Estado. Dependência essa que é uma das
características essenciais da subjetividade capitalística (Guattari, 1986).
Para perceber como esse planejamento das oficinas se situou bem distante dos
desejos e realidade dos usuários, cabe aqui retomarmos a pergunta feita por uma
usuária do CAPS: Porque essa mudança nas oficinas?”. A resposta dada pelo
técnico também serve de analisador: “É por que ‘nós’ pensamos em propor algumas
coisas novas..., segundo ‘nossa concepção’, era necessário fazer algumas
mudanças...” (grifos nossos). Vale lembrar que a terceira pessoa do plural, aqui, diz
respeito somente a equipe técnica. Isso reflete de onde partiram as mudanças, e as
causas de um possível fracasso, principalmente pelo distanciamento das posições dos
usuários.
Tal processo de invalidação de um saber/discurso, de um modo de ser e de
inventar o cotidiano esteve presente também durante a realização das oficinas, de
uma forma não declarada, mas micropoliticamente, nos discursos, olhares, nas
brechas do cotidiano.
Em uma dada manhã me encontrava no CAPS. Começava um grupo que
tinha a intenção de ouvir os usuários quanto ao balanço do ano que passara e quanto
ao que viria. Ana é quem coordenava. Uma fala me chamou atenção. Após um relato
de um ano bom, de conquistas, um usuário complementa: Por enquanto! Ana
lembrou que não se deve falar dessa maneira, e sim, “Que bom! Que continue
assim!”. Ensina-se um modo correto de ser, uma existência a ser cultivada, uma
saúde/felicidade, obviamente inalcaável. Negava-se ali, a potência contida na
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tragédia, no erro, no caos, tão familiar à loucura.
Em outra oportunidade participei de um encontro que antecede o Carnatal
(carnaval fora de época que acontece anualmente em Natal/RN). Os usuários
estavam agitados, queriam falar a toda hora... Ana tentava manter o controle... um
usuário interrompia a todo momento... é grande, engraçado... Chama-se Germano. A
tentativa de manter a ordem da reunião chegava a ser engraçada. A idéia era que as
pessoas falassem como estavam, o que esperavam para esse fim de semana de
Carnatal... Germano disse que iria comprar camisinha, pegar vinte reais e levar uma
mulher para um motel. Ana perguntou o que mais faltava para isso acontecer... ele
disse toalha, roupa...”. Ela lembrou que faltava a mulher... Perguntou, então, como
iria conseguí-la. Lembra que tem que ser uma conquista, e que essa conquista tem
que ser carinhosa, respeitosa... O Estado ensina até a forma de amar, dizia
Guattari e Rolnik (1986).
Neste mesmo dia, já no final, antes de eu ir embora, estava na sala da direção
conversando com Ana. Nesse momento chega um usuário dizendo que vai embora,
quer os vales e a medicação... Ana nega. Eram 10h e 45min ainda, pediu que
esperasse mais, mas por quê? Porque essa obrigatoriedade de ficar no CAPS? Não
era pra ser uma coisa que funcionasse mais próximo a um centro psicossocial? Fiquei
pensando na situação da pessoa que vai ao CAPS, de manhã ou à tarde, sabendo que
não poderá sair antes do final do turno. Lembro da minha época de escola. Colégio
Militar de Salvador. Para sair só doente ou com o pai.
Em outro momento, participei da oficina Quem sabe canta, em um dos
CAPS. A dinâmica da oficina é muito boa, a galera se soltando mesmo. Pelo menos
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até os técnicos intervirem e regularem a atividade, o tempo que se usa pra cantar,
chegando inclusive a desligar o microfone em uma ocasião. Em outra, um usuário é
interrompido ao tocar pandeiro, para não atrapalhar a música do outro. Concordando
com Yasuí e Costa-Rosa (2008), acredito que tal postura coloca os sujeitos (equipe e
usuários) em um lugar de sujeição, produção e reprodução de subjetividades
enquadradas, conformadas e bem-comportadas: produção de afetos tristes, renúncia à
potencialidade criativa, ao desejo, à autonomia” (p. 32). Se o funcionamento de uma
oficina está conectado com o ritmo e funcionamento dos técnicos, é de se esperar, e
até fácil de compreender, o que diariamente se vê nos serviços: usuários sem vontade
de participar das oficinas, sendo muitas vezes induzidos com insistência a participar
das atividades. Isso quando não estão dormindo. Em uma manhã de observação no
CAPS Oeste, de doze usuários presentes, seis dormiam. Fato que nos faz pensar
sobre a pertinência daquelas atividades, bem como sobre a (des)conexão com o
desejo/vida dos usuários.
Um ponto que me chamou atenção, em ambos os CAPS, foi o modo como
ocorrem as assembléias, que geralmente reúnem técnicos, usuários e familiares para
discutir algum assunto ou passar algum informe. Participei de uma dessas
assembléias. Ao começar a reuno, Ana passou alguns informes: saída de Dr. G,
falta de água e carnaval. Quanto a este último, foram-lhes dadas duas alternativas: na
rua ou no iate club... pensei no poder político de uma assembléia, da importância de
uma tomada de decisão democrática... Os usuários queriam comemorar o carnaval?
De que forma? Por que os usuários não pensaram em seu próprio carnaval, nas suas
próprias alternativas para o evento? O que se viu foi a votação em torno de duas
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possibilidades prontas, que sequer envolveram a participação dos usuários em sua
proposão, em sua formulação... rua, praia, shopping, etc. Ou talvez no prédio na
Prefeitura de Natal. Ana falou ainda em gestão horizontal, coletiva. Todos os
técnicos sem distinção por categoria. Mas, como um psiquiatra trabalha apenas um
dia? E porque as funcionárias da limpeza e cozinha têm presença simbólica nas
reuniões de passagem? Para transparecer, talvez, alguma horizontalidade?
Dialogando com Marilena Chauí (1986), percebemos que o conceito de
Comunicação de Massa pode ser-nos útil para pensar sobre o modo como as
assembléias (e as próprias relações nos CAPS) acontecem. Segundo a autora, a
comunicação de massa tem como pilar central o pressuposto de que tudo é passível
de ser dito, comunicável, desde que fique claro quem pode dizer e quem pode ouvir.
O que presenciamos na assembléia pouco mencionada, em que discute-se sobre
algumas propostas previamente colocadas pela coordenação, nada mais é do que a
comunicação de massa posta em prática. Cria-se um espaço irreal, em que há a ilusão
de pertencer a um grupo (homogêneo e transparente), tal qual o s, brasileiros, nós
telespectadores (Chauí, 1986, p. 31) e, ousaria dizer, o s, usuários, mascarando o
fato de que os emissores autorizados a falar são os especialistas (tendo em vista os
conhecimentos que o autorizam a falar). Ao contrário dos receptores autorizados,
que têm a permissão de falar “como opinador ou como contraditor, com direito a
aceitar ou recusar, julgar e avaliar, interpretar o que recebeu, mas no interior do
espaço definido previamente pela própria estrutura da emissão” (Chauí, 1986, p. 31).
O que percebemos na assembléia que deu origem ao evento do carnaval é que
o termo horizontalidade aparece em forma de discurso, mas não se efetiva na prática.
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Para termos idéia da horizontalidade das relações no CAPS cabe trazer um momento
ocorrido durante determinado passeio, em uma lagoa próxima à Natal. Durante o
almoço, quando foi servida uma saborosa feijoada, me encontrava terminando a
refeição quando ouço, por parte de um técnico, a seguinte sugestão: Na cozinha tem
uma panela melhor, com mais carnes e tal, !. Obviamente, não quis
compartilhar da panelinha.
A superioridade hierárquica e a questão da gestão do coletivo de usuários
pelos técnicos ficam bastante evidentes nos momentos de reunião de equipe. Em uma
delas discutia-se para o mês de janeiro a redução dos pacientes (diminuição da
freência no CAPS). Estes, é claro, não estão presentes. No decorrer da reunião
usuários entravam e saíam, e a postura dos técnicos é de que estes estavam
atrapalhando a reunião. Entrou uma usuária chorando muito. Ela afirmava querer seu
dinheiro e sua medicação. Queria um salário por mês... A psicóloga interveio, tentou
tirá-la da sala. Ao que parece esse fato teve pouca importância para o grupo. É
estranho. Pessoas se reunindo para decidir a vida daqueles usuários e uma
intervenção como essa se torna algo pouco importante, ou pior, algo inconveniente.
Entrou outra usuária. Mas antes que adentrasse a sala, o vigilante do serviço tomou-a
pelo braço e disse: “Aí não, não pode entrar.
Tal realidade nos remete ao que foi já alertado por Foucault (2006), ao
descrever a estrutura de funcionamento de um manicômio, em que se tem, do diretor
aos vigilantes, uma configuração de poder que permite a ordenação e o controle dos
corpos e dos espaços. Essa reflexão nos faz problematizar o fato de que a criação de
serviços substitutivos, por si só, não garante uma mudança na lógica da atenção em
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saúde mental, questão de fundamental importância para a reforma psiquiátrica.
Merhy (2004b), importante pensador acerca dos modos de trabalho, também assinala
o fato de que nos serviços de saúde é possível encontrar práticas em que
determinados sujeitos interditam outros, conforme descrito no capítulo 2 dessa
dissertação.
Além disso, outras questões surgem. Novamente penso na questão do
empoderamento. A heterogestão e a superioridade hierárquica dos técnicos agem
exatamente no sentido de despotencializar, desempoderar aqueles sujeitos. Outro
ponto a se considerar aqui, é a não consonância dessas atitudes com o princípio da
porta aberta, proposta que deveria nortear a prática da atenção psicossocial. Na
medida em que espaços restritos por onde o usuário pode ou não circular, fica
difícil se pôr em prática esse princípio tão caro à proposta dos CAPS (Quintas &
Amarante, 2008). Segundo os autores citados,
A porta aberta delineia novas bases na relação com o usuário, em que a
acessibilidade e a permeabilidade do uso do serviço, por parte de qualquer
pessoa, traduzem uma flexibilidade em sua organização. Manter a porta aberta
implica na capacidade plástica de acolher a demanda, de forma a garantir
atenção a todas as pessoas que chegam ao serviço, oferecendo uma possibilidade
de resposta a sua questão, mesmo que seja sua escuta apenas (Quintas &
Amarante, 2008, p. 102).
A fala de um usuário também serve de analisador para pensarmos o papel e o
lugar que os profissionais ocupam em serviços como o CAPS. Miro, ao escrever uma
mensagem para um colega do CAPS, falecido recentemente, disse: A gente tem se
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encontrado, lutando contra a saúde... Mas a vida é assim, uns conseguem outros
não...” Um dos técnicos que coordenavam a atividade quer apagar, consertar o
contra a saúde, errado ?”. Também me peguei pensando nessa frase: lutando
contra a saúde. Como, em um serviço de saúde, um usuário luta contra a saúde?
Atento a isso, tentei me aproximar um pouco das idéias e concepções deste usuário
sobre aquele cotidiano. E na oficina Saúde e Sociedade percebi algo que talvez ajude
a esclarecer do que se trata essa luta. A proposta da oficina era que cada usuário
dissesse o que pensava sobre os seguintes itens: Saúde, Saúde Mental e Doença
Mental. Temas esses previamente escritos em uma cartolina. Então, Miro se
posicionou: “Eu vou dizer o que é saúde mental. É a família ajudar, e vocês
controlar...”. A luta contra a saúde, agora, parece ter mais sentido.
5.5.1 Uso do tempo e o modo como a clínica vem sendo operada
Outro ponto a ser pensado para explicar a falta de articulação e ajuda tua
entre os usuários dos CAPS é o modo como se utiliza o tempo no dia-a-dia dos
serviços. O tempo, no CAPS, é regulado e preenchido por oficinas. A todo o
momento os usuários estão envolvidos em alguma atividade proposta pelo serviço.
Assim, sobra pouco espaço para possíveis encontros/articulações entre eles.
Obviamente, o serviço poderia atuar no sentido de favorecer essa articulação, mas
não é o que acontece.
Em uma manhã de observação no CAPS, a questão da ocupação do tempo me
chamou a atenção. As atividades começaram perto de dez horas. Até então, os
usuários se encontravam na recepção, aliás, um ótimo ambiente para conversas,
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articulações. Não fosse a existência de uma TV, que roubava a atenção e energia dos
usuários, deixando-os inertes. Às dez horas, um grupo foi para o teatro e os restantes
foram impelidos a participar de outro momento, na mesa de refeições, jogando
alguns jogos, a maioria bastante infantil, e a sensação que tive foi a de que esta
atividade tinha por função ocupar o tempo. Vejo a caixa de um dos jogos, um resta
um, que diz: a partir de 5 anos. Penso na função desse momento para estes usuários.
Até então ficavam na TV, sem conversar. Agora se encontravam jogando bingo e
dominó. A estagiária lia com cara de indiferença os números do bingo. Imagino
como deveria estar sendo pra ela vir nas férias para aquele lugar, brincar de joguinho
com os usuários. A fala de Pimenta, cnica deste serviço, nos ajuda a pensar a
concepção deste cotidiano por parte dos técnicos: Vai ser servido o lanche
refoado às 11 horas e os usuários então estarão ‘livres’.”
Cabe pontuar aqui que o referido serviço passava, durante nossa coleta, por
um momento bastante particular. Com poucos funcionários e dado o período de fim
de ano, quando geralmente os profissionais tiram férias, o serviço muitas vezes se
obrigado a propor atividades/oficinas para que continue funcionando. Tal conjuntura,
apesar de ajudar a explicar alguns problemas deste cotidiano, não justifica o fato de
os usuários terem seu tempo ocupado com atividades sem a menor conexão com suas
vidas, seus projetos terapêuticos, seus desejos, e sem a menor possibilidade de operar
mudanças em suas realidades, conforme já assinalado por Oliveira (2007).
Com o tempo preenchido por oficinas e gerido pelos técnicos, sobra pouco
espaço para a atuação e invenção daquele cotidiano por parte dos usuários, fato,
aliás, apontando por autores como Quintas e Amarante (2008), quando a
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padronização das atividades, centradas em consultas, oficinas, assembléias, etc.,
tende a rigidificar o cotidiano.
No outro CAPS a sensação foi a mesma. Participei, em um dado momento, da
oficina do bom dia, coordenada por Sílvio. Como sempre, este manteve uma posição
caricata. A sensação que tinha é que estava em um talk-show. Sílvio ria, gesticulava,
interagia com os usuários. Mas, a sensação que tenho é a de que isso é uma atitude
forçada, para fazer funcionar uma oficina que talvez não tivesse o menor sentido,
pelo menos não da forma como era conduzida. Uma usuária falava de seu fim de
semana, que chorou por não conseguir se lembrar de sua família. A fala de Sílvio nos
mostra o quão desconectado este esda fala da usuária, ou de um possível diálogo:
Ah... se lembrou de sua família e ficou triste né...”. Ninguém corrigiu. Tudo se
passa como se pouco importasse que um diálogo efetivo ocorresse. O importante é
que a oficina aconteça, custe o que custar. Mais uma vez, a sensação que predomina
é a de ocupação de tempo. E o pior: coordenada e obedecida. Nenhum usuário
questiona. Nada. Nunca.
Na oficina de sica, bastante improvisada, Sílvio com um pandeiro na mão,
novamente estava na coordenação. Aqui, o que me deixou perplexo foi um fato
bastante particular. Ao começarmos a oficina percebeu-se que o microfone estava
quebrado. Mesmo assim, a oficina aconteceu, com os usuários passando um
microfone sem funcionar de mão em mão, cantando algumas coisas, sem motivação.
Mais uma vez a sensação de oficina passa-tempo. Um microfone sem voz. Pensemos
nisso enquanto analisador. Qual o significado de se passar um microfone que não
funciona, em uma oficina de música? Ao que se está dando voz? Quem escuta?
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Essa imagem diz tudo do modo de trabalho no CAPS. De alguns profissionais
em particular. Um microfone quebrado para quem quer cantar... Penso que, antes,
tentei arrumar o microfone, peguei uma faca na cozinha, tira parafuso, bota parafuso,
não deu certo. Mas o script continuou, seguiu a oficina, para que o se deixe
brechas, espaço vazio. Mesmo que custe o desejo, a vida daquelas pessoas. E penso
que, talvez, fosse justamente nessa brecha, em algum espaço vazio, sem a gestão dos
profissionais, que alguma articulação entre os usuários pudesse acontecer. Mas
como, se todo o tempo é preenchido por atividades que se configuram enquanto
terapêuticas e de tratamento? Para encerrar esse momento que descrevo, deixo-vos
com um produtivo diálogo, ocorrido entre Sílvio e uma usuária. A usuária começou a
cantar: Segura na mão de Deus...”, “Música evangélica não... tente outra mais
conhecida”.
Esses pontos nos remetem a uma questão bastante problemática nos CAPS. A
questão do modo de funcionamento de uma oficina. Questões como as apresentadas
acima, de rigidez e presença simbólica de técnicos em uma oficina, se repetem.
Falando novamente da oficina Saúde e Sociedade, Sílvio propôs que
falássemos sobre nossos desejos, particularmente sobre algum ainda não satisfeito,
que tínhamos planos de concretizar, etc. Golias afirmou que gostaria de estudar
música, que gosta, mas tudo que sabe aprendeu de ouvido... “Ah... então certo,
você gostaria de estudar musica! Aprender a ler, tudinho... muito bem...” A postura
de lvio, com um sorriso e uma simpatia que me soava forçada e
descontextualizada, é como se fosse parte de um espetáculo. “Então Golias, me diga
agora um desejo que você gostaria de realizar e que não realizou”. Golias havia
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acabado de falar algo nesse sentido. A presença de Sílvio parece ser simbólica. Não
há contato real entre duas pessoas. O importante é que a oficina aconteça. “Eu
gostaria de estudar música, tirar minha carteira, afirma Golias. A pergunta de
Sílvio nos mostra como essas duas pessoas estão distantes de um diálogo efetivo:
De motorista?” Não, de músico, responde Golias. “Ah sim, você queria ter sua
carteira, ai você apresenta, ‘tá aqui, sou músico, esta é minha carteira’, tudinho”.
Acredito que muito mais que adotar uma postura identitária, o que este usuário
pretende é dar passagem às intensidades que se fazem presentes, permitir o contato
com outros territórios e universos existenciais (Guattari, 1992; Rolnik, 2006), fato
não compreendido, ou minimizado por Sílvio.
Outro fator presente em uma oficina é a rigidez de seu funcionamento. Na
mesma oficina sobre a qual acabamos de discorrer, lvio conversava com outro
usuário, Andrew. Andrew iniciou sua fala falando de sua vida... Que era novo,
surfava, e quando tinha 18 anos a casa caiu. Afirma que a vida passou e ele não viu.
Nesse momento algo estranho vibrou em mim. Me peguei pensando em como teria
sido esse momento na vida de Andrew, as rupturas, a perda dos laços sociais, o
sofrimento. Porém, esses fatos parecem pouco importantes para o coordenador desta
oficina. Sílvio cortou a fala do usuário bruscamente. “Sim, mas fale algo tipo, um
desejo pequeno que não se realizou, ou que se realizou. Irrito-me.
No auge da minha curiosidade pela vida daquele sujeito, Sílvio cortou a fala
para perguntar o que menos importa: O objeto em si do desejo, de maneira
simplicada, objetiva, numa tentativa de manter a proposta inicial da oficina. Todo
processo de subjetivação referente a esse tema foi cortado. Atenção! Mantenham o
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script! Foi a mensagem que chegou pra mim. Senti-me mais uma vez em um
programa de TV. E cada vez mais essa sensação encontraria sítio. Território das
representações, dos encontros inautênticos. A rigidez no cotidiano dos serviços
impede que os usuários se apropriem das propostas, reinventando-as, produzindo
formas mais criativas e autônomas de funcionamento dos serviços.
Em outro momento, estávamos de volta de um passeio à fundação José
Augusto, aonde houve uma exposição de artes plásticas. Na conversa da volta, que
para mim, mais uma vez, soou mais como uma coisa burocrática, para preencher o
espaço vazio, Malthus começou a falar... sobre machismo, homem e mulher, que as
pessoas sentem penas de mendigas, mas não de mendigos, e que é péssimo “esse
monte de parideiras que tem por ai”, afirmando que é tão fácil abortar, é tomar
uma pílula. Essa, aliás, é uma questão bastante presente no discurso e na história de
Malthus. Contou-me que foi casado duas vezes. Na primeira teve duas filhas,
gêmeas. No segundo casamento sua esposa engravidou contra sua vontade e, também
contra a sua vontade, teve a criança. A partir de então, Malthus se torna, como ele
mesmo denomina, um masculinista, manifestando seu pensamento em camisetas
(como a que usa neste dia que relato), que ele próprio pinta: “Masculinista que se
preza é a favor do controle demográfico”. Nessa discussão que se iniciou, em que
Malthus se posicionou sobre o aborto, os outros usuários se posicionaram,
discordaram, se agitaram. Mas Amita F., profissional que coordenava a atividade,
cortou a conversa, retornando ao objetivo do encontro. Que objetivo?
A princípio, o objetivo desta oficina era fazer um desenho sobre o que os
usuários viram e sentiram durante a exposição da referida Fundação. Falar do
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desenho, do que sentiu... E aí? Se falar de algo que está mais conectado com a vida
do usuário, porque não? Aliás, uma das obras expostas apreciadas naquele passeio
era uma seqüência de fotos, em preto e branco, que mostravam um parto. Então
talvez Malthus não estivesse fugindo da proposta, mas mesmo assim foi barrado. Um
momento de discussão como esse, sobre o aborto... É abortado! A sensação é a de
que os técnicos fazem o possível para que não haja articulação (política, de ajuda...)
entre os usuários, além de conceberem a proposta de oficina terapêutica totalmente
descolada de questões políticas, quando na verdade, é justamente esse tipo de
conexão que pode fazer a reforma psiquiátrica avançar.
Esses fatos me chamam atenção em alguns pontos. O primeiro ponto a se
refletir diz respeito à capacidade que os técnicos/especialistas têm de se colocar em
uma posição de poder e a partir dditar um determinado funcionamento, coordenar
uma oficina segundo suas concepções/crenças do que seria melhor, ou terapêutico.
Por outro lado me espanta ver os usuários aceitarem isso passivamente, sem
questionamentos, sem raiva ou revolta. Obviamente, encontramos algumas
explicações ao pensarmos no processo histórico pelo qual o louco perdeu seu lugar,
seu espaço na sociedade (entendendo espaço como algo que vai além do território
físico/geográfico, abrangendo o lugar das trocas sociais e simbólicas). Percebemos
que linhas de força se afirmaram, retirando o louco da sociedade (principalmente a
partir do surgimento das internações), e naturalizando uma visão racionalista,
excludente e de não-lugar colocado à loucura (Foucault, 1961).
A figura do especialista tem lugar cativo nesse processo. O que antes era
cotidiano passa a ser silêncio e exclusão (Foucault, 1961), dada a captura do
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fenômeno da loucura pela psiquiatria. Nessa mesma direção, Chauí (1986) traz o
conceito de ideologia para explicar a postura de poder assumida por determinadas
elites frente às coletividades ou massas. Assim, a ideologia justifica tais diferenças
hierárquicas por afirmar que a elite está no poder não por possuir os meios de
produção e postos de autoridade, mas por ser detentora do saber e, concordando com
Foucault (1979) (citado por Chauí, 1986), ter capacidade de criar novos
conhecimentos, fortalecendo ainda mais essa relação de dominação. Nesse sentido, a
massa (leia-se aqui usuários) estaria esvaziada de saber/poder, “inculta,
incompetente, precisando ser guiada, dirigida e educada” (Chauí, 1986, p. 29). Isso
pode ser captado, em diversas situações, e principalmente nas oficinas terapêuticas
do CAPS. Os relatos acima, da dinâmica cotidiana das oficinas, nos trazem o
funcionamento de um dispositivo que tende a anular o lugar do usuário, tornando-o
receptor, observador passivo dos acontecimentos.
Porém, ao trazermos o conceito de ideologia para pensarmos esse campo
problemático nos deparamos com algumas indagações: Seriam os técnicos os únicos
responsáveis por essa configuração de poder? Seriam eles culpados por essa posição
de subserviência presente nos usuários? Estariam os técnicos isentos das
maquinações do poder?
A filosofia da diferença pode ajudar-nos a pensar sobre esse impasse. Guattari
(1986) ao pensar sobre a idéia de ideologia diz: “prefiro falar sempre em
subjetivação, em produção de subjetividade” (p. 25) (grifos no original). A produção
de subjetividade, ao contrário da ideologia, não é algo que é realizado por alguns na
direção de outros. É algo que atravessa todo o tecido social, todas as posições
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hierárquicas. A produção de subjetividade está interessada em produzir modos de ser,
de pensar, de sentir, de vestir, de viver... Assim, engendram-se representações nos
indivíduos sobre o que é ser mãe, ser criança, ser louco e, porque não, ser um
profissional, um especialista, um psicólogo, etc. Tal processo de produção de modos
de ser acontece semelhante ao modelo industrial, e, assim como este, também em
escala internacional, tendo como máquinas dessa produção não só a mídia, mas
instituições como a família, a linguagem e os próprios trabalhadores sociais
(psicólogos, assistentes sociais) (Guattari, 1986). Assim, talvez, o estejamos diante
de processos ideológicos. A ideologia talvez nem exista (Deleuze, 1992), e o que
assistimos na contemporaneidade é um processo de produção de subjetividade com
dimensões globais, e não restrito a determinadas classes sociais.
Sendo assim, o faz sentido culpabilizar quem quer que seja por
determinadas configurações de poder. O que os discursos dos diversos agentes nos
trazem é o modo de funcionamento das instituições (Lourau, 2004), e como estas se
articulam afim de instituir um determinado cotidiano, e não outro. Os profissionais,
conforme sinalizou Basaglia (1985), seriam talvez os primeiros a serem atingidos
por essa produção de subjetividade, reproduzindo em seus cotidianos, em seus locais
de trabalho, a mesma violência e captura pela qual passaram.
Dessa forma, percebemos que esses modos de ser não se dão apenas a partir
das ideologias, “mas no próprio coração dos indivíduos, em sua maneira de perceber
o mundo, de se articular com o tecido urbano, com os processos maquínicos do
trabalho, com a ordem social suporte dessas forças produtivas” (Guattari, 1986, p.
26). Tal olhar nos faz ficar atento ao fato de que qualquer mudança/revolução que se
99
pretenda efetivar, em qualquer lugar, deve levar em consideração a questão da
produção de subjetividade (Guattari, 1986), assim como o modo com esta opera.
Mais do que se pensar nas conseqüências que tiveram e têm as revoluções ao longo
da história, é preciso agenciar o “devir revolucionário nas pessoas. [...] A única
oportunidade dos homens está no devir revolucionário, o único que pode conjurar a
vergonha ou responder ao intolerável” (Deleuze, 1992, p. 211).
A rigidez presente no cotidiano deste serviço está presente até em oficinas
que se dizem de Relaxamento, por mais paradoxal que isso possa parecer. Nesta
oficina, conduzida por Sérgio, realizamos uma sessão de relaxamento, em que eu
talvez tenha sido o primeiro a dormir. Durante a oficina (até quando me encontrava
desperto pelo menos) Sérgio conduziu o relaxamento, pedindo-nos que
visualizássemos algumas imagens, cenas... Após o rmino, ele perguntou como foi,
o que os usuários tinham achado deste momento. Assim como eu, muitos dormiram...
Sérgio perguntou o que cada um viu na condução do relaxamento. Muitos
discordaram do que foi proposto, o que fez com que Roberto criticasse, dizendo que
isso era fruto da dificuldade dos usuários de abandonarem seus pensamentos,
egoísmo, tudo fruto do ego, “apego ao ego... é preciso sintonizar em outra
freqüência, assim o relaxamento não funciona...”. Até na hora de relaxar, existe um
caminho correto à trilhar. Mais uma vez lembro da fala de Miro: A saúde mental
[...] é vocês controlar...”. E lembro também de sua indignação expressa logo em
seguida: “Pra tudo tem jeito: pra o cabra que bebe, que é ladrão... E pra louco só
tem controle!?”.
Os passeios realizados pelos CAPS também se configuram enquanto
100
importantes analisadores para pensar a função que estes dispositivos operam na
sociedade, assim como o modo como o usuário é percebido e tratado nesses espaços
(e muitas vezes na própria sociedade).
Certa vez, organizou-se um passeio de trem até Ceará-Mirim. Participei desse
momento. O ponto de encontro foi na estação de trem da Ribeira, de onde
partiríamos até Ceará-Mirim. Estando nós reunidos, na estação da Ribeira, senti-
me um pouco angustiado. Achei estranho aquilo tudo, não havia muita liberdade...
Uma técnica organizava a fila, parece um passeio de pré-escola.
Penso nesse passeio. Um trem fechado, as paisagens passando... Chegaríamos
em Ceará-Mirim e voltaríamos sem sequer sairmos da estação. Não verba, por
isso o ficaríamos mais tempo, que os usuários precisariam almoçar. Germânia,
irmã de um dos usuários presentes, discutiu o sentido de um passeio como esse:
“Deveria ter pelo menos umas atividades culturais nos trens...”.
No trecho de volta, Ceará-Mirim/Natal, Germano dormiu. Não se podia
esperar outra coisa a alguém que passa o dia tomando psicotrópicos (Germano toma
nove por dia). Conversamos (eu e Germânia, sua irmã) com Germano sobre essas
questões do remédio. Ele havia dito recentemente que talvez não necessitasse de
medicação. Perguntei-lhe o que mais incomoda no fato de tomar remédios... É o
sono artificial...” diz ele. Penso sobre essas questões. No remédio, que induz a um
sono artificial, na loucura, que indica a necessidade de um tratamento, e no CAPS,
que se configura como o lugar para tal tratamento, sob a égide do paradigma
psicossocial, que abarca a inclusão social. Porém o que percebo, muitas vezes, é uma
rotina que obriga os usuários a percorrerem um circuito paralelo à realidade, não
101
menos artificial que o sono provocado pelo remédio. Esse passeio, por exemplo. Ir à
uma cidade próxima e voltar. Passar mais de uma hora sacolejando no trem. O que se
entende por tratamento psicossocial e inclusão social?
O carnaval, mencionado anteriormente, aconteceu em um bairro
movimentado da zona leste da cidade, próximo ao CAPS AD (CAPS destinado ao
tratamento de usuários de álcool e outras drogas), reunindo usuários destes serviços e
dos CAPS II. Ao chegar próximo ao local do evento, o que me chamou a atenção foi
a presença de um usuário, na parada de ônibus, com uma máscara de carnaval na
mão e foi este usuário que me indicou o local exato do evento. Mas a primeira
impressão deste encontro foi a de estranhamento. Aquela scara de carnaval, com
lantejoulas rosa, em meio ao cenário urbano cotidiano da cidade me fazia pensar
sobre a relação entre esses dois elementos. Aparentemente, era como se esse usuário
carnavalesco não fizesse parte deste cenário, como se fosse algo totalmente estranho
àquele cotidiano e, o que é pior, sem nenhuma inter-relação que pudesse propiciar
algum intercâmbio. Tais impressões se confirmaram quando cheguei ao local
indicado, e percebi um pequeno grupo de pessoas, que se aglomeravam atrás de uma
banda marcial de frevo, percorrendo um circuito circular e com proteção policial.
Quando o CAPS sai às ruas, nessa proposta de inserção social, é preciso estar
atento ao fato de que simplesmente sair do CAPS não se configura enquanto política
de inserção social. O evento do carnaval, relatado há pouco, nos mostra alguns
elementos analisadores do modo como a sociedade ainda se relaciona com a loucura,
modo esse que, muitas vezes, o CAPS não consegue combater e até mesmo reforça.
Um carnaval pensado fora da época oficialmente destinada a isso (pensado pelos
102
técnicos, diga-se de passagem) e que circula em um circuito fechado e pré-
determinado, minimizando a possibilidade de contatos entre os usuários e a
sociedade, não opera nenhum avanço significativo no que diz respeito à proposta da
reinserção social dos portadores de transtornos mentais.
Tal proposta deveria estar atenta à criação de novas relações sociais, criando
“campos de troca entre os diversos segmentos da sociedade, [interferindo] nos
processos de exclusão social (...).” (Quintas & Amarante, 2008, p. 104). O que assisti
no referido carnaval foi uma exclusão inclusiva, no sentido de que aquele coletivo
estava, do ponto de vista geográfico, dentro da sociedade, mas do ponto de vista das
trocas sociais, simbólicas, da proposta de tornar o meio social permeável à diferença,
o que se viu foi um desfile de loucos num bairro nobre e movimentado da cidade, em
uma quarta-feira com expediente normal de trabalho para a maioria das pessoas, que
assistiam surpresas ao passeio da loucura.
A postura dos técnicos e familiares nesses passeios também me incomodou
um pouco. Em outro passeio com o CAPS Oeste, desta vez pelo rio Potengi com o
projeto Chama-Maré, os técnicos organizaram o passeio, a ida, colocaram todos na
frente do CAPS, para a chamada. Fomos todos em um ônibus. Antes disso, percebi a
relação de um usuário com sua mãe, que o trata como se fosse criança, dando
orientações para fazer logo o xixi, não tomar muita água, etc.
O passeio todo funciona nessa lógica. A condutora, uma funcionária da
empresa organizadora do passeio, faz um tipo de condução talvez adequada a
crianças de pré-escola. As perguntas, o tratamento dispensado aos usuários..“alguém
sabe uma historinha do alecrim? Isso!, Muito bem! etc.
103
Na volta, a organizadora do evento resolve fazer uma gincana, no mesmo
modelo de pré-escola. Obviamente, em pouco tempo a gincana terminou, dada a falta
de adesão dos usuários a algo o sem prosito. Na verdade, esse tipo de condução
faz sentido tendo em vista a proposta do Projeto Chama-Maré, que é a de prestar
apoio às escolas da rede de ensino de Natal (principalmente aos níveis mais
elementares). Tal fato talvez ajude a explicar a postura, linguagem e condução da
organizadora deste passeio, que em nada diferiram de um passeio com crianças do
ensino básico, por exemplo.
A sensação que tenho de tudo isso é a de que estávamos numa creche.
Sensação essa reforçada, vez por outra, em alguma oficina. Como na oficina de
cinema, que apesar de motivar pelo nome, me decepciona quando participo e percebo
que a oficina consiste em ficar sentado na recepção assistindo a um lançamento do
cinema infantil: Kung Fu Panda. Ou em outro momento, em que devido à falta de
técnicos para coordenar a oficina que ocorreria naquele horário, alguém chega com
uns DVDs para que os usuários escolham. Apesar de alguns protestos, como o de
Joana (“filme eu assisto em casa”), um filme é escolhido (apesar de não ter percebido
participação dos usuários na escolha deste), na verdade um show. O show exibido é o
de Martinália, em Berlim, aliás, de muito bom gosto. A questão é que mais uma vez
se pretende ocupar o tempo (algo tão precioso para mim e para aqueles sujeitos) dos
usuários. Tempo que poderia estar sendo usado para coisas infinitamente mais
produtivas, como por exemplo, no aprofundamento das relações e articulações entre
os usuários. Para encerrar esse ponto, trago a fala de um usuário deste serviço: “Isso
aqui é uma creche pra louco”.
104
Outro elemento importante para se pensar a desarticulação dos usuários do
CAPS é a proposta e o modo como opera o que se chama de clínica das psicoses.
Muitas das atitudes dos profissionais do CAPS (em particular dos profissionais psi)
o em nome de um projeto terapêutico, ou de uma concepção do que seja
terapêutico neste serviço.
Nas reuniões de passagem surgiram alguns elementos para se pensar esse
fenômeno. Ao discutirem sobre o contrato de uma paciente, decidiram por reduzi-la
a dois dias, que não coincidissem com os dias de um outro usuário, que lhe é bastante
próximo. Segundo a coordenação a intenção é fazer com que ela se desligue mais
facilmente do serviço, já que “eles estão próximos demais”. Senti-me infiltrado numa
reunião de políticos que planejam o controle dos subversivos. Planejam a
despotencialização do coletivo. Pareceu-me uma grande reunião de uma elite normal,
tentando gerir a vida de algumas pessoas, que se encontram em uma clara posição de
inferioridade hierárquica.
Essa atitude tem espaço por se dar em nome de uma proposta terapêutica, de
uma determinada concepção de clínica para aqueles sujeitos. Então, se o objetivo do
CAPS é promover a alta do paciente e, se este se prende ao serviço por possuir
vínculos de amizade, estes se tornam agora um inimigo a ser combatido. Antes de se
pensar em saúde, o que acontece aqui é a produção de sofrimento, além da
desarticulação e enfraquecimento daquele coletivo, o que dificulta qualquer prática
com sentido de ajuda ou suporte mútuo.
A clínica, termo que vem do grego klinus e significa leito ou cama, abarcando
o sentido de inclinar-se sobre o outro, dia-a-dia, promovendo cuidados (Amarante,
105
2009), adquire aqui o sentido de controle, tutela. Inclina-se sobre o doente, mas com
uma vivel superioridade de poder, inclinando-se sobre alguém que se encontra
abaixo, como bem afirmou Ribeiro (2008). O que antes visava à saúde, agora
provoca sofrimento e despotencialização. Percebe-se aqui, a força da instituição Psi.
As forças instituintes bastante enfraquecidas. E aqui, também, os mecanismos de
enfraquecimento são visíveis. A sutileza de uma violência.
Algumas semanas depois, em uma assembléia realizada com usuários,
técnicos e familiares, uma usuária questionou o fato de alguns usuários terem sido
separados, achando que foi de propósito e, descontente, acusou a coordenação, que,
naquele momento negou o fato, alegando que se tratava apenas de questões
administrativas.
No outro CAPS as coisas o foram diferentes. Presenciei uma cena bastante
curiosa. Havia uma usuária, Laurice, bastante calada, ao lado de outra usuária, Joana.
Joana explicou que ela estava um pouco mal, triste e que cuidava dela, eram amigas
desde a fundação do CAPS, há 14 anos. Disse que a ajudava nesses momentos.
perguntara a sua amiga Laurice se ela se incomodava com essa atitude, mas Laurice
achava bom, prefere assim, disse Joana. Joana segurava na sua mão enquanto
conversávamos. Penso na simplicidade do gesto, mas ao mesmo tempo na
importância para aqueles sujeitos. Joana explicou que o ruim é quando as duas estão
mal... “Aí é cada uma em um canto!”. Contou que moravam longe e pegavam o
ônibus juntas. A gente se separa na guararapes, quando uma vai prum lado,
outra pra outro”.
Joana não tinha consulta naquele dia, mas estava esperando Laurice se
106
consultar para irem juntas. Porém, tal atitude incomoda um pouco a coordenação, em
particular à Ana, que passou e tentou fazer Joana ir , sem esperar a colega: Bora,
bora, quem não tem consulta pode indo... Joana você pode ir embora”, mas eu
vou esperar Laurice”, respondeu Joana. Mas Ana insiste na sua postura: Mas nós
conversamos Joana, você tem que aprender a questão dos limites, os limites que nós
colocamos a você. Você tem que tentar obedecer a esses limites”. E continuou:
Bora, bora! To tangendo vocês”. Ana ressaltava que não havia consulta para Joana
naquele dia, e que ela deveria ir embora, cuidar das coisas dela... Laurice iria depois,
sozinha. É preciso compreender os limites”, diz Ana. Esta inúmeras vezes afirma
ser adepta da psicanálise, enquanto corrente teórica, fato importante para se pensar
suas atitudes. Ora, se a psicanálise considera que a estrutura psicótica é marcada pela
ausência de lei, e a postura do psicanalista deve ser a de colocar essa lei ao sujeito, é
possível compreender de que lugar fala esta profissional. Nesse contexto, tal limite
assume a função de barrar o movimento/articulação dos usuários.
Apesar da postura de Ana, Joana resiste e diz que não sai. Enrolou de um
lado, fez um tempo ali, mas ficou esperando Laurice. Quando eu preciso de limites
ela não põe, agora que não to fazendo nada quer botar os limites...”. Joana disse que
não iria usar os banheiros, nem água, já que Ana não permitia que os usuários
usassem, devido à falta de água no serviço. Tomar água também não estava sendo
permitido, que provocava vontade de urinar. Joana permaneceu no mesmo lugar.
Sentei-me a seu lado. Ela disse que acontecesse o que acontecesse não sairia sem a
colega. s se separa na guararapes concluiu Joana. Diante disso, Ana
resolveu fazer vista grossa, já que não havia outra coisa a fazer.
107
Dado esse contexto, podemos pensar que a clínica, aqui, serve como
dispositivo de manutenção do instituído. Baremblitt (1992) já nos alertava sobre a
tendência presente nas instituições, de manterem a ordem estabelecida, barrando
qualquer movimento de caráter instituinte. Tendência esta, que levada ao extremo,
ocasiona atitudes de repressão, de microfacismos, como esta percebida na dinâmica
do CAPS em questão.
Pensemos no que significa o encontro entre dois usuários. A potencialidade
deste acontecimento reside no encontro de subjetividades e nos infinitos
agenciamentos que tal encontro pode provocar. Pélbart (2003) discutia sobre a
potência contida no coletivo, particularmente na forma de multidão (na qual a
introjeção da lei, da norma, o se faz presente), em detrimento da de povo
(entendido como coletivo institucionalizado em forma de regras, obediência, etc.). A
multidão proporciona o encontro de forças. Forças essas que se articulam no sentido
de romper barreiras, transpor limites, satisfazendo sua “avidez conquistadora”
(Pélbart, 2003, p. 72). Nesse sentido, percebe-se a potência contida no encontro e
agenciamentos de subjetividades. E aqui, a subjetividade toma o caráter de
uma força viva, até mesmo uma poncia política. Pois as forças vivas presentes
na rede social, com sua inventividade intrínseca, criam valores próprios, e
manifesta, sua potência própria. É o que alguns chamam de potência de vida do
coletivo, sua biopotência. É um misto de inteligência coletiva, afetação
recíproca, produção de laço. (Pélbart, 2003, p. 73)
É a favor dessa potência de vida do coletivo que se deve pensar os encontros
entre os usuários do CAPS. Acreditar que tal agenciamento é capaz de provocar
108
mudanças significativas no cotidiano, tanto dos usuários quanto do próprio serviço, é
um elemento que deve estar presente na proposta terapêutica dos CAPS. Se o
encontro com um colega, amigo, é um dos elementos que motiva os usuários a
freentarem o serviço, porque deixar de lado (ou até mesmo se opor a) essa
questão? Se esses encontros são fontes de satisfação, alegria por parte dos usuários,
porque pensar uma clínica distante disso? Conforme assinalaram Brêda e Augusto
(2001), as amizades podem se configurar enquanto importante recurso terapêutico
para os usuários.
Aliás, ainda nessa direção, Pélbart (2003) defende exatamente que são esses
laços, produtores de alegria, que se constituem enquanto dispositivos políticos,
atuando a favor da potência dos coletivos. Essa seria a função política da alegria para
este autor. O que Pélbart pretende, influenciado principalmente por Gabriel Tarde, é
articular a idéia de multidão funcionando principalmente pelo dispositivo da alegria.
Alegria essa, presente nos encontros, nas articulações, produtora de potência e
invenção dos/nos coletivos:
A multidão [...], é plural, centrífuga, ela foge da unidade política, ela não assina
pactos com o soberano, ela não delega a ele direitos, ela é resistente à
obediência. [...] Ora, com a desagregação das classes sociais e a emergência de
um proletariado imaterial, ou intelectualidade de massa, que trabalha com
informão, com programação, com imagens, com imaginação, essa pluralidade
de cérebros e afetividade conectadas em rede, um certo caráter da riqueza
coletiva vem à tona. (Pélbart, 2003, p. 76)
Nesse sentido, minhas impressões iniciais no CAPS, quando me deparei com
109
a imobilidade, monotonia e falta de vida daquele cotidiano, talvez se expliquem
justamente pela falta de articulação entre os usuários, o que reforça a idéia de que a
alegria e a potência dos encontros podem ser elementos importantes e produtores de
vida, o que faz com que pensemos na importância de uma mudança nessa direção, no
que diz respeito ao funcionamento deste serviço. Fazer do CAPS um espaço
favorável ao encontro, à produção de potência nos/dos usuários, deve estar presente
também na concepção terapêutica deste serviço.
A concepção terapêutico-clínica do serviço parece ser importante para nortear
também outras questões. Em uma das reuniões de equipe que participei surgiu o caso
do esposo de uma usuária que às vezes fica nervoso tornando-se agressivo, chegando
a agredir os filhos. Alguns profissionais sugerem uma comunicação ao Conselho
Tutelar, ou algum outro encaminhamento nesse sentido. A psicóloga deste serviço,
porém, defende que a postura do CAPS deve ser a de um serviço de saúde: escuta,
atendimento, psicoterapia. Concepção, em minha opinião, bastante limitada do que
seria saúde.
A própria proposta da EAPS (Estratégia de Atenção Psicossocial) exige que
superemos essas idéias que sustentam o paradigma médico-organicista, e afirmemos
outros valores, que sejam capazes de construir novos paradigmas que concebam a
doença como um processo complexo, atravessado por questões de diversas ordens, e
que exigem uma atenção inter/transdisciplinar, e principalmente, intersetorial,
atuando a favor de um cuidado em rede (Yasui & Costa-Rosa, 2008). Além desses
autores, podemos trazer aqui mais uma vez, Vieira Filho e Nóbrega (2004), quando
afirmam a importância da prática terapêutica territorial extrapolar o consultório,
110
fortalecendo a idéia de uma rede comunitária de serviços, para tentar atender a
maioria das demandas existentes. Rede essa que não se faz presente na concepção de
saúde da profissional referida acima.
Uma apreensão da saúde descolada do contexto social, de questões políticas,
econômicas, culturais, etc., tende a centrar no sujeito (individual, privado) e em suas
queixas ou sintomas toda a ação terautica. É importante atentarmos para o fato de
que, no âmbito da reforma psiquiátrica, tal proposta clínica contribui muito pouco
para o avanço do movimento. O que buscamos, nessa luta por outra relação com a
loucura, é uma clínica que possa atuar a favor da cidadania, da ampliação de
conquistas políticas, de mudanças culturais na sociedade para que se rompa com a
exclusão imposta à loucura, enfim, por uma sociedade e por relações sociais mais
justas.
Quando Basaglia (1985) realizava assembléias com os pacientes do Hospital
Psiquiátrico de Gorizia, na Itália, discutindo questões referentes à política, à cultura e
a questões internas ao hospital, ele estava sim fazendo clínica. Quando Pichón-
Riviere, após uma greve dos funcionários do Hospital de las Mercedes, na Argentina,
organizou os pacientes para que pudessem tocar adiante o cotidiano daquele
manicômio (Baremblitt, 1989), ele estava sim fazendo clínica. Precisamos nos dar
conta de que a reforma psiquiátrica exige que a clínica saia dos espaços instituídos de
seu exercício, que se arrisque a produzir movimentos diversos na sociedade, enfim,
que seja uma clínica nômade. Precisamos, conforme pontuado no capítulo 2, de
uma clínica que se permita inventar, que consiga ser plural, articulando diversas
instâncias e saberes (Schmid, 2007).
111
Não a psicologia, mas a psiquiatria, particularmente objetivada na figura
do psiquiatra, se configura enquanto importante analisador da clínica e do
funcionamento de um CAPS. Em uma reunião de passagem em um dos CAPS, Ana
queria discutir Lições sobre a clínica psicanalítica das psicoses (texto de Gabriel
Lombardi, 1994), o que mostra a direção/concepção de clínica adotada por esta
profissional. As pessoas pensam em como se organizar para discutir esse tipo de
assunto, aprofundando questões referentes à clínica. Mas o que mais me chamou
atenção é a fala do psiquiatra que questionava a chegada de novos usuários, em
particular aqueles que nunca passaram pelo HJM, ou outro manimio. Xaolin
acredita que ter sido internado deve ser critério para aceitar um novo usuário, já
que os CAPS devem funcionar para atenderem transtornos graves. Apesar de
algumas posições contrárias, como a da arte educadora, por exemplo, é provável que
a fala deste psiquiatra encontre lugar em meio àqueles profissionais. Principalmente
levando em consideração que a fala de Xaolin é bastante considerada e respeitada, o
que não acontece com as outras categorias profissionais. Uma prova disso é o modo
como o grupo se porta no momento em que Xaolin tece algum comentário, quando o
silêncio e a atenção da equipe são visíveis, fato que não ocorre em outras situões.
Então, o que se percebe aqui é que não se abandona a maneira
hospitalocêntrica de se pensar, ou seja, admite-se que se pense de maneira territorial
(na teoria, pelo menos), mas sem eliminar o dispositivo hospitalar, que acaba agindo
como elemento principal na atenção a saúde. Entendo que as duas posições são
inconciliáveis. Ou se pensa de maneira definitivamente territorial, ou se defende o
modo hospitalocêntrico de atenção em saúde mental. A dificuldade aqui reside em
112
implantar o paradigma psicossocial, haja vista, por exemplo, a concepção
terapêutico-clínica do CAPS, que não contempla a idéia de rede, de território, mas
uma clínica interna ao serviço, bem como ao sujeito que demanda cuidado. Uma
clínica mental e não social, não valorizando possíveis articulações do serviço (e entre
os usuários inclusive).
Além disso, temos nas propostas da política nacional de saúde mental, um
discurso de que devem ser atendidos nos CAPS, preferencialmente, “pessoas com
transtornos mentais severos e/ou persistentes, ou seja, pessoas com grave
comprometimento psíquico” (Ministério da Saúde, 2004, p. 15), geralmente
encaminhadas por outros serviços de saúde. Dada a situação que vivemos de
despreparo da rede básica de saúde em atender às demandas de saúde mental e fazer
articulações com a rede de serviços (fato corroborado por autores como Jucá, Nunes
& Barreto, 2009; Silveira & Vieira, 2009), a passagem por um manicômio acaba por
se tornar um critério seguro do que seria um transtorno mental severo. Ao afirmar
que se deve dar preferência a este público, a política de saúde mental permite um
fortalecimento dos equipamentos manicomiais. Nesse sentido, concordamos com
algumas idéias apontadas no capítulo 2, que tratam da importância de se afirmar e
potencializar a idéia de rede, criando assim, estratégias de desmantelamento do
sistema hospitalocêntrico (Vieira Filho & Nóbrega, 2004).
A dificuldade da psiquiatria se colocar a favor do paradigma psicossocial está
também expressa na fala de Xaolin, naquela mesma reunião, quando este comunica
que está saindo do CAPS e indo para o Ambulario de Saúde Mental porque,
segundo ele, no CAPSnão há espaço para fazer um serviço de psiquiatria mesmo”.
113
Xaolin, por defender a clínica no sentido clássico, de consultório, observação dos
sintomas, diagnósticos, etc., sente dificuldade em se adaptar à proposta de um
serviço substitutivo. Infelizmente, tal postura acaba sendo reforça pelos usuários, que
valorizam a terapia medicamentosa como principal recurso psiquiátrico, conforme
apontou o trabalho de Mostazo e Kirschbaum (2003).
Mas, onde está a conexão da psiquiatria com o social? Ao atentarmos para
surgimento da clínica, percebe-se que ela se funda em pilares como o isolamento e a
relação doea-cura (Yasui & Costa-Rosa, 2008). Segundo Amarante (2009), a
clínica nasce da relação do médico com a doença, doença essa observada no contexto
da internação, compreendida enquanto fenômeno naturalizado, apesar de se tratar de
um fenômeno produzido pela institucionalização da idéia de doença. Dessa forma,
para a perspectiva da clínica, a relação do observador com seu objeto (a doença) e
suas questões etiológicas são fundamentais. Porém, se partilhamos da idéia de uma
atenção psicossocial, e de uma crítica à idéia de doença (e seu modo de compreensão
orgânico, baseado na relação doença-cura), urge afirmarmos, ou melhor, inventarmos
uma outra clínica (Amarante, 2009), mais comprometida com uma proposta de vida
mais potente, descolada da noção organicista-reparatória e mais conectada com
linhas de vida, linhas de produção de subjetividade e de vida.
É fundamental sair do modelo dico de clínica e partirmos para uma clínica
atenta à construção de possibilidades, ocupando-se do sujeito em sofrimento e das
diversas conexões que este faz/participa. A idéia de clínica deve estar conectada com
os princípios da EAPS e da reforma sanitária, particularmente no tocante ao controle
social (Yasui & Costa-Rosa, 2008). Uma clínica que se distancie da disciplinarização
114
e normalização, e adote a cidadania enquanto princípio ético (Amarante, 2009; Couto
& Alberto, 2008). Nesse sentido, acredito, por exemplo, que a clínica deve estar
atenta à participação política dos usuários no cenário da reforma, fomentando a
articulação com as instâncias de controle social e a própria apropriação das questões
referentes à cidadania e saúde.
Para isso, não basta que reuniões de conselhos de saúde e associações
apareçam em informes burocráticos no interior dos serviços, mas que se construa
uma cultura político-cidadã; que no cotidiano dos serviços tais discussões estejam
presentes, não só entre a equipe, mas entre todas as pessoas que circulam nesse
espaço, para que assim, esses tipos de pensamento possam nascer entre os usuários.
O caráter terapêutico das oficinas não deve deixar de lado essas questões, sendo
capaz de provocar também processos de singularização nos sujeitos envolvidos
(Guattari e Rolnik, 1986).
A concepção de clínica apresentada pelo psiquiatra do CAPS nos remete a
uma idéia de subjetividade, de psiquismo concebido como algo particular, interno.
Tal idéia de psiquismo não é recente. Principalmente na modernidade a idéia de uma
subjetividade privada, de uma dimensão psíquica calcada na interioridade identitária,
se constrói e se consolida no âmbito das ciências humanas, fundando um
determinado modo de conceber a clínica, o que tornou possível uma “episteme do
particular” (Ribeiro, 2008, p. 88).
Foi essa clínica do particular, que, principalmente a partir da modernidade, se
constituiu enquanto pilar fundamental de uma nova forma de controle sobre os
sujeitos, agora não mais atrelada ao poder de vida e morte exercido pelo soberano,
115
mas sustentada num conjunto de saberes capazes de produzir e modular
subjetividades, além de ordenar o cotidiano. Não a justiça, mas também a ciência,
incluindo aqui a psicologia, se incumbem deste papel (Romagnoli, 2006). Porém,
refletindo com Deleuze (1992) e Hardt e Negri (2001) (citado por Romagnoli, 2006),
a autora nos convoca a pensar não só no poder que esses saberes articulam no
controle da vida, mas na potência contida na vida em resistir a esse poder. Potência
das subjetividades de, a partir da invenção e do acontecimento, virarem o jogo, num
dispositivo político de resistência. Deleuze (1988) nos diz: “A vida se torna
resisncia ao poder quando o poder toma como objeto a vida (p. 99)”.
Nesse sentido, o que Romagnoli (2006) propõe é uma clínica articulada a
esses princípios de resistência, agindo pelo princípio do acontecimento, que provoca
agenciamentos, rupturas com as forças repressoras instituídas trazendo o novo, a
invenção. E é justamente nos encontros, no entre, que o acontecimento tem a
possibilidade de se atualizar, passar do plano da potência para o plano do concreto,
inventando, resistindo (p. 51).
Criticando a clínica social que, muitas vezes, opera de maneira a-histórica,
adaptando subjetividades ao modo de ser dominante e psicologizando a vida
cotidiana, a autora defende uma proposta clínica, social, que atue provocando
acontecimentos, conexões, acreditando na singularidade dos territórios existenciais,
articulando potências. Clínica essa que é de qualquer lugar, qualquer clientela, uma
clínica nômade, que se exerce deixando um pouco de lado nosso aparato técnico psi,
acreditando no acaso, possibilitando contato e acreditando na potência da diferença.
Para isso, faz-se necessário perceber em nós e em nossos sujeitos-clientes as forças
116
que paralizam, emolduram e aquelas que fazem a invenção, a resistência, a alegria,
potencializando-as. “Resistir para inventar. Isso é o que a clínica exige hoje de nós”
(Romagnoli, 2006, p. 55).
O que me propus a discutir nesse eixo temático foram alguns elementos com
forte presença no cotidiano dos CAPS, que acabam por ditar em seus cotidianos um
funcionamento que barra as articulações entre os usuários, dificultando o surgimento
de práticas de ajuda mútua. A heterogestão, a ocupação do tempo, o modo de
funcionamento das oficinas terapêuticas e a concepção da proposta terapêutico-
clínica presente nos serviços são forças que se articulam cotidianamente formando
um cenário, uma composição de dispositivos que atuam na manutenção do instituído,
impedindo o caráter instituinte que pode ter o encontro entre usuários, e a idéia de
empoderamento destes.
Para resistir a isso, além das alternativas citadas ao longo deste trabalho,
defendemos uma gestão no interior dos serviços que o só considere a posição e
vontade dos usuários, mas que construa um cotidiano, uma cultura de co-gestão dos
serviços. Co-gestão no sentido de alcançar uma participão ativa dos usuários nos
processos decisórios, nas estratégias de saúde que tocam diretamente suas vidas, não
como um ator convidado a participar da gerência e funcionamento dos CAPS, mas
no sentido de propiciar uma apropriação destes espaços, práticas e saberes pelos
usuários. Aliás, o citado trabalho de Mecca e Castro (2008), aponta como os
trabalhos artísticos grupais, pensados em conjunto com os usuários, fazem com que
os mesmos criem e modifiquem o ambiente externo e interno ao serviço, propiciando
uma apropriação do espaço de cuidado que o CAPS representa, permitindo a
117
emergência de novos territórios, novas relações, geradoras de vida (Merhy, 2004b).
5.6 Eixo 2: Relação usuário-técnico/serviço
Outro eixo de fundamental importância para se pensar a desarticulação
observada nos CAPS diz respeito à relação usuário-técnico/serviço. O primeiro
elemento que gostaria de abordar aqui é uma atribuição de poder aos técnicos e
serviços por parte dos usuários. Começo a pensar sobre isso principalmente a partir
do carnaval, quando um diálogo em particular me chama atenção. Ao conversar com
Joana, esta se mostra bastante insatisfeita com o evento, reclamando, principalmente,
da pouca participação dos técnicos no carnaval. Bahia, arte-educadora, e duas
funcionárias da cozinha compareceram ao carnaval. Joana fala que essa equipe, em
particular, não se interessa muito pelas questões do CAPS. Acha que existe um certo
rancor quanto à equipe anterior, que segundo Joana era mais participativa, atuante.
Quando eu não queria fazer uma oficina, eles insistiam, pegava pelo braço, ‘vamos,
você consegue’, ai eu acabava indo. Mas hoje, basta dizer um ‘não’, e pronto. Fica
do mesmo jeito”. Essa fala me trouxe questões para pensar. Se essa postura (de
insistir ou não) é o importante para os usuários, é notório que há um poder
investido nesses técnicos, e nesse território de tratamento que os CAPS representam.
A sensação que tive, nos vários encontros que pude experienciar, foi a de uma
importância atribuída ao serviço e aos técnicos que chega ao ponto da anulação, ou
talvez minimização da potência daquele coletivo de usuários.
Ao colocarem nas mãos dos técnicos uma escolha como essa (participar ou
não de uma oficina), que diz respeito, fundamentalmente, às suas vidas, os usuários
118
abrem mão de escolherem caminhos mais potentes, abrem mão de seus destinos, de
suas vidas. Talvez isso se não como uma escolha consciente dentre tantas outras,
mas como a única possível. O que quero dizer com isso é que os portadores de
transtornos mentais se encontram em uma situação de falta de poder e autonomia
pessoal (Vasconcelos, 2003), o que talvez explique a atribuão de poder destes em
relação aos profissionais de saúde. Tal constatação é corroborada por algumas falas
de usuários, no cotidiano dos serviços. Miro, por exemplo, em uma oficina no CAPS
em que se discutia a necessidade de mudar algumas idéias partilhadas pela sociedade
acerca da loucura, afirma: “Mas a gente toma remédio, quem vai acreditar em nós?”,
e logo em seguida complementa: “a gente é desacreditado, a gente tem chance
com vocês”. Obviamente, não se pretende aqui menosprezar o papel que a atuação
profissional pode ter no que diz respeito à conquista de direitos, à
desinstitucionalização da loucura, enfim, ao movimento da luta antimanicomial de
uma forma geral. Aliado a isso, trata-se de afirmar a potência dos usuários nesse
processo.
Pensando que a loucura desde muito tempo vem ocupando essa posição de
subserviência, de falta de poder e de ilegitimidade de seu modus-operandi, sou
levado a pensar que muitas vezes, mesmo em serviços substitutivos, esse modo de
funcionamento tende a se repetir. E o usuário, como no mito da serpente (Amarante,
1996), acostumado a não escolher, tem essa capacidade atrofiada. Não que não seja
possível. É que um território se torna, muitas vezes, modo. Mas “não território
sem um vetor de saída” (Deleuze, 1990, s/p), disso sabemos. A questão é que “sair
do território é se aventurar” (Deleuze, 1990, s/p). De que poder partilham os usuários
119
para se aventurarem dessa forma? Que estratégias nos ajudariam nesse
empoderamento?
Foi a partir dessas indagações que tive a idéia de propor, como intervenção
de pesquisa, a oficina de ajuda mútua, que se realizou em dois encontros, tendo
como objetivo fazer com que os usuários refletissem e desenvolvessem estratégias de
enfrentamento acerca de seus problemas e dificuldades cotidianas. Tal proposta é
embasada principalmente nas idéias de Vasconcelos (2003, 2005, 2008),
particularmente no trabalho intitulado Manual de ajuda e suporte mútuos em saúde
mental, elaborado pelo projeto Transversões, da Escola de Serviço Social do Rio de
Janeiro (Vasconcelos et. al. 2008). Além de propiciar o empoderamento dos usuários,
essa intervenção pretendeu deflagrar nos profissionais do serviço uma reflexão sobre
a importância de atividades com essa perspectiva, propiciando, propiciando uma
mudança na dinâmica dos serviços, pois, conforme sinalizou Vasconcelos (2003),
a apropriação de abordagens ligadas ao ‘empowerment’, por profissionais de saúde,
pode cumprir um importantíssimo papel no empoderamento dos usuários.
A proposta da oficina de ajuda mútua também tem consonância com os
princípios da análise institucional, que tem como um dos pilares centrais a idéia da
auto-análise e auto-gestão, defendendo que os coletivos devem ter a capacidade de
avaliarem suas próprias demandas, bem como buscar solução para as mesmas, sendo
função de pesquisador/analista institucional provocar esses processos (Baremblitt,
1992). Aqui, a proposta da oficina enquanto intervenção não esdissociada do ato
de pesquise/análise, “a ação é a análise” (Lourau, 2004, p. 123).
Diversos elementos surgiram nos encontros da oficina de ajuda mútua. O
120
primeiro ponto que gostaria de destacar é a dificuldade do grupo em se perceber
capaz de pensar sobre seus problemas e proporem soluções. A atribuição de poder
aos profissionais se confirmou também nesse momento. Porém, aos poucos foi
possível desconstruir essa posição, provocando diálogos, fazendo-os falar sobre suas
experiências, seus fracassos e sucessos ao longo de suas jornadas. E o que surgiu
desses momentos foram reflexões sobre alguns temas freqüentes na vida daqueles
sujeitos. O assunto crise, por exemplo, foi uma das temáticas amplamente discutidas
pelo grupo. As discussões giraram em torno da importância de se auto- conhecer, de
conhecer a doença, para saber quando uma crise está próxima e como lidar com ela.
Conforme afirmou um usuário: “é importante conhecer a doença, pra não ser pego
de surpresa...”. E nessa direção diversos depoimentos trouxeram variados modos de
lidar com uma crise: por ter passado por muitas, hoje eu sei que é ruim,
angustia, mas vai passar”. Momentos de ajuda e apoio emocional também estiveram
presentes. Ao relatar, chorando, a necessidade de se internar no HJM, para controlar
a compulsão pelo uso do álcool, um usuário escuta de Joana, também usuária, a
colocação de que lá, no manicômio, não é o lugar dele, que ele deve ter força de
vontade e resistir, evitando passar em bares. Joana encerrou sua fala dizendo que
todos ali estavam dispostos a ajudá-lo caso precisasse. Outro usuário, ao avaliar a
importância daquele momento relatou: “a gente é como a palmeira, balança,
balança, mas não cai... E o que é esse balançar? É a vida... Juntos nossas raízes são
mais fortes”.
Assim, podemos refletir sobre a potencialidade desse tipo de encontro para os
usuários. Talvez possamos pensar essa oficina de ajuda mútua como uma via de
121
escape, um caminho alternativo e instituinte ao funcionamento dos CAPS,
articulando assim outras dimensões à perspectiva de um cuidado em saúde.
Ao final dos encontros todos avaliaram positivamente a oficina. Ressaltaram
o quanto é importante aprender com a experiência do outro, e o quanto é gratificante
poder ajudar um colega. Elvis, por exemplo, comenta que ultimamente tem sido
muito importante pra ele poder ajudar os colegas, apesar de reconhecer que muitas
vezes essa atitude não é bem vinda, sendo priorizado o cuidado profissional. Esse,
aliás, é um ponto a ser discutido melhor. Em nosso último encontro, da referida
oficina, ao discutirmos sobre o porquê da não articulação entre os usuários para
realizarem atividades de lazer, fora do contexto dos serviços, Elvis afirma
categoricamente: é mais cil um usuário chamar um técnico do que outro usuário
pra fazer alguma coisa”. Tal constatação me faz pensar: o que acontece com os
usuários que dependem tanto da intervenção profissional? Que poder é esse exercido
pelo especialista?
Para se ter idéia do poder que um profissional exerce na vida de um usuário,
trago um exemplo interessante. Em uma tarde de observação no CAPS, Jorge me fala
de um período em que se consultou com um psiquiatra, logo no começo de seu
transtorno... Dr. Igor teria dito que ele tem ausência de emoções. A partir de então,
tendo em vista que o contexto em que vivia era o de uma adolescência rebelde/difícil,
com forte ligação ao movimento musical do heavy metal, começa a achar
interessante esse diagnóstico: é, legal, não tenho emoções, sou frio...E, a partir
daí, a se comportar dessa forma. O que me impressiona aqui é o fato de um
profissional ter a capacidade de dizer que uma pessoa tem ausência de emoções e de
122
certa forma, criar essa realidade. É algo bastante curioso. Inúmeras outras falas
poderiam ser descritas aqui para ilustrar o que digo. Inúmeras foram as vezes em
que, conversando com algum usuário, obtinha como forma de apresentação acerca de
quem era aquele sujeito características de seu diagnóstico, e características de
comportamento e de personalidade decorrentes do mesmo.
Ao contrário do que acontece na maioria das vezes, Jorge me trouxe esse
relato de forma bastante consciente, atento ao que este profissional produziu em seu
modo de ser: depois de um tempo que eu percebi que eu não era assim, daquele
jeito”. Mas, como um saber alcança tal posição? Que forças contribuíram para o
fortalecimento dessa instituição, ao ponto dela ocupar esse lugar de saber/poder
sobre a vida de um sujeito? Convido-os a uma breve retrospectiva pela história.
A partir do século XIX, temos a ascensão da psiquiatria enquanto área de
conhecimento independente da medicina, ocupando, inicialmente, os asilos/
manicômios enquanto lugar de atuação e de produção de seu saber sobre o fenômeno
da loucura. Ao analisarmos a trajetória que a psiquiatria percorre até seu
fortalecimento dentro da sociedade moderna, cabe relembrarmos alguns fatores,
agenciamentos que, se não tornaram possível, pelo menos favoreceram o
fortalecimento do paradigma psiquiátrico, e o lugar que este ocupa até os dias de
hoje, que a meu ver, é o de produtor de verdades e de controle de subjetividade.
Voltemos então, ao fim do século XVII, na França, local de surgimento da
psiquiatria (Pessoti, 1996). Em sua tentativa de atenuar a problemática referente à
veracidade de seus milagres ( que o número de fenômenos como êxtases, visões e
possessões punham em risco a credibilidade da Igreja), a Igreja busca estabelecer
123
uma linha divisória entre o milagre e a doença mental (Pessoti, 1996) com o intuito
de frear o avanço das religiões protestantes. Para isso, faz-se necessário se amparar
em algo que legitime e dê um caráter de verdade a esse território. Ainda no culo
XVII caem por terra as explicações teológicas e a loucura é incorporada ao território
médico, passo importante para o surgimento de um saber psiquiátrico. A instituição
cristã fornece então o impulso necessário ao surgimento da instituição psiquiátrica,
que, aliás, caminha lado a lado com a primeira na direção de um controle dos
comportamentos.
No século XVIII, aliado ao direito, o saber psiquiátrico, com o seu estatuto
científico, vem legitimar uma prática há muito tempo em vigor. A política de
seqüestração, adotada pelos óros jurídicos, consistia em recolher sob ordem
judicial (geralmente a pedido da família) qualquer indivíduo que, de uma forma ou
de outra, ameaçasse a ordem social. Assim, comportamentos como euforia,
agressividade, atitudes bizarras, eram motivos para uma intervenção do poder
público. Porém, é com a legitimação da psiquiatria que essas práticas se tornam
justificáveis, que agora, a partir do diagnóstico e do mandato social conferido ao
cientista, a reclusão dos subversivos ou loucos encontra amparo, eliminando
qualquer possibilidade de parcialidade (Castel, 1978). Ao contrário do que acontece
na lógica contratual que pune o criminoso, na loucura o se está falando de um
crime, ou infração cometida. A especificidade da loucura exige o surgimento de um
novo estatuto que, aliado ao poder jurídico, dê conta desse tipo de subversão. Cabe
pontuar que estamos tratando de um período quando finda a hegemonia da Igreja na
detenção e produção de conhecimento e a ciência ganha espaço, sendo reconhecida
124
pela sociedade moderna.
Na tentativa de implantação de uma sociedade contratual, baseada na
economia de mercado/propriedade privada, livre circulação dos homens e
esquadrinhamento da sociedade, a loucura representa uma resistência, já que o louco
é aquele que foge a todas essas formas de captura (Castel, 1978), não se enquadrando
nos pressupostos capitalistas de trabalho, nem na lógica social de direitos e deveres.
É nesse contexto, nesse novo agenciamento de forças, que a psiquiatria ganha outro
impulso, fazendo surgir um novo estatuto, bem como um novo mandato social,
atendendo a interesses de um capitalismo emergente.
É nesse momento que percebemos um dos pontos-chave para compreender de
que maneira a psiquiatria e seu saber são aceitos e incorporados em nossa sociedade,
ocupando lugar de verdade, lugar que, durante décadas, poucos se atreveram a
questionar.
Ao ser capturada pelo saber científico (no caso a medicina), a loucura tem seu
potencial instituinte anulado, assim como outras formas de compreensão desse
fenômenoo invalidadas, já que agora, é a ciência quem vai dar conta do louco e da
loucura. Vale lembrar que estamos tratando de um momento histórico no qual impera
o racionalismo, ancorado nos pressupostos de um positivismo que serve de norte para
qualquer pretensão cienfica.
Bom, voltemos mais um pouco ainda. A loucura é incorporada ao território
médico, e é da medicina que surgem as primeiras tentativas de um saber psiqutrico.
Ou pelo menos, os primeiros psiquiatras eram médicos. Mas por quê? O que tem a
ver a medicina com a psiquiatria, em se tratando da que era praticada no século XIX?
125
É isso que se pergunta Foucault (2006), ao discorrer sobre as práticas manicomiais
do início do século XIX. Ao esmiuçarmos o que ocorria em um manicômio naquela
época (violência, contenção física, castigos, etc.), percebemos que se trata mais de
fazer imperar o poder do médico, a partir de uma ordem disciplinar, do que se
intervir na loucura a partir de pressupostos médicos, clínicos, de uma concepção
organicista do saber dico. Este “funciona como poder, muito antes de funcionar
como saber” (Foucault, 2006, p.5). Trata-se de uma batalha (Foucault, 2006, p.14),
na qual o poder tende a se apresentar de forma desequilibrada, concentrando-se na
instância médica. Obviamente, este poder não está presente somente na figura do
médico, que, como afirma Foucault (2006), o poder não é algo que se detém, mas
que se dispersa em múltiplos pontos. No caso do manicômio, essa dispersão torna-se
estratégica, permitindo que o poder atue de forma bem mais eficaz.
O que nos interessa aqui é o fato de a psiquiatria se apresentar ligada a
medicina, não por acaso, e a partir desse lugar produzir enunciados com valor de
verdade. Trata-se de compreender “o dispositivo de poder como insncia produtora
de prática discursiva” (Foucault, 2006, p. 14), e a partir daí pensar: Que verdades são
produzidas/inventadas por esse dispositivo? A que interesses atendem?
Ainda no século XX, assiste-se a um fenômeno, que a meu ver, representa um
revigoramento das velhas formas de controle, travestidas agora no emergente saber
psi. Tem-se um enorme avanço nas ciências, em particular aquelas que vão tratar do
homem a partir de uma perspectiva dita psicológica. As ciências médico-
psicológicas, a saber, a psiquiatria e demais práticas psi (psicanálise e psicoterapias
diversas), experimentam certa explosão na sociedade, e cabe pensarmos sobre as
126
conseqüências e atravessamentos que tal movimento implica. A psiquiatria, ao
propor inovações em suas práticas, como a psiquiatria de setor ou a psiquiatria
comunitária, não abandona a antiga lógica de funcionamento manicomial e de
controle (Castel, 1987). Pelo contrário, o que acontece é uma sofisticão de sua
práxis, no sentido de suavizar a forma como seu poder se exerce (a prática do open
door (Portocarrero, 2002) é um exemplo disso), extrapolando os espaços físicos, e
conquistando espaço no nível da disseminação de idéias, ou, como afirmam Guattari
e Rolnik (1986) da “produção de signo e subjetividade” (p. 27).
Toda essa perspectiva pode nos ajudar a compreender o que se passa, nos dias
hoje, nas práticas cotidianas dos serviços de saúde, em particular no contexto da
atenção em saúde mental. Ao pensarmos na característica técnica da atuação
profissional, cabe pontuar: Que tipo de conseqüências (macro e micro) esse tipo de
intervenção traz? A partir de que valores/saberes se alicerçam essas práticas? O que
está sendo produzido?
O poder que o serviço exerce na vida dos usuários pode ser visto quando
pensamos sobre a importância que o tratamento (e muitas vezes a alta) tem para
estes. A fala de Cláudio, usuário do Caps Leste, me mostra o que a alta (e
conseqüentemente, o serviço) representa para a vida de um usuário. Certo dia,
Conversando com Claudio, pergunto se ainda tem contato com seus amigos da época
do surf... afirma que não, mas que um dia encontrou um amigo da época do ginásio.
Pergunto se pegou o endereço, telefone, pra manter o contato, conversar... to
esperando a alta do Caps”. Mas para que? Pra viver? Pergunto-me. Esperando a alta
pra manter essas relações, rever os amigos... surfar? O que mais na vida de Cláudio
127
espera pela alta para se atualizar?
Minha aproximação com Andrew se deu, principalmente, em torno da
temática do surf. Ao longo do trabalho de campo, fomos nos aproximando,
estabelecendo alguns diálogos que propiciaram uma maior aproximação entre nós.
Conversando certa vez na recepção, comento que surfo às vezes, Andrew também
conta que já surfou muito quando era mais novo, morava em Ponta Negra, e segundo
a própria fala de Andrew, “era um rato de praia”. Trocamos algumas idéias em torno
disso, o que, a meu ver permitiu que tivéssemos uma proximidade diferenciada em
relação aos outros usuários.
A partir desse primeiro contato, a primeira pessoa que vinha falar comigo
naquele serviço era Andrew, sempre tocando no assunto do surf. Com o tempo,
percebi que toquei num ponto bastante importante para a vida de Andrew, ou seja, o
surf, e tudo o que esse território representa. Vez por outra, Andrew fala sobre sua
vontade de voltar a surfar, e ao mesmo tempo de sua impossibilidade de assumir essa
vontade, esse território. Eu sei dos meus limites”, dizia Andrew. Às vezes nossos
limites são maiores do que imaginamos”, tentava eu, de alguma forma, provocar
alguma revolução.
Acho que vou voltar a surfar... não sei, acho que não agüento mais, tenho 46
anos... eu sei dos meus limites... meu irmão disse que ia me arranjar uma
prancha e tudo... mas não dá certo não, minha mãe vai ficar preocupada.
Lembro das idéias de Rolnik (2006). Penso em como esse desejo de Andrew
de ir surfar não encontra território nessa sua atual condição, de usuário do CAPS,
portador de transtorno mental. Com certeza, assim como a noivinha que gora, ao se
128
deparar com um terririo (o de noiva) que o faz mais sentido para a passagem
de seus afetos, Andrew sente uma inquietação, uma coisa no tocante a esse tema
surfar, mas ao mesmo tempo, não encontra forma de canalizar, expressar, dar
passagem a essa intensidade, pelo menos não no atual território ocupado, de usuário
do CAPS... então gora, e gruda (Rolnik, 2006). Grudado em um diagnóstico, em uma
condição social imposta e aceita pelos usuários, a vida se torna limitada. Por isso a
necessidade da alta pra viver, experimentar territórios e intensidades que o têm
espaço no atual lugar ocupado, lugar esse, construído ao longo da história, assentado
sob o rótulo de Transtorno Mental.
Mas penso que talvez consiga fazer com que ele descole. Cartografia política.
Sempre. Política no sentido de potencialização do desejo (Rolnik, 2006). Às vezes
observo Andrew. Suas roupas. “Roupas de jovem”, como diria uma usuária. Bermuda
de surfista, camisa azul, parece um surfista mesmo. Penso em quanto essa fase foi
importante e talvez cortada abruptamente por sabe se o quê. Em uma oficina em
que estava presente, Andrew desenhou uma lua e uma estrela. Imediatamente pensei
na cidade de Canoa Quebrada-CE, ponto de encontro de surfistas de todo o mundo,
cujas falésias possuem o desenho de uma lua e de uma estrela. Ao acabar a oficina
vou até ele e falo de Canoa Quebrada e ele, que durante a oficina nada comentara, no
mesmo instante lembra e fala que tinha uma prancha de surf com esse símbolo. Até
quando vai suportar essa pressão? Enfim, o que se percebe em Andrew é um
território mal definido/resolvido. Uma virtualidade que não encontra meios de
atualização.
esperando a alta do CAPS”. Essa fala é realmente bastante forte. Para
129
pensar as questões envolvidas aqui, cabem algumas considerações. Conforme dito
anteriormente, podemos situar o surgimento da psiquiatria, tal qual sua ferramenta
mor, o diagnóstico, por volta dos séculos XVII/XVIII, com forte impulso de
instituições encarregadas de ditar regras e regular o cotidiano dos indivíduos, a saber,
a Igreja e o Direito. De forma não menos violenta, porém bem mais sutil, o que
temos hoje é um dispositivo capaz de acionar diversas outras instâncias/instituições,
interessadas na despotencialização do ser humano.
Dentre os argumentos que justificam essa prática médico-psiquiatra, podemos
trazer aqui aqueles que afirmam a necessidade de nomear e classificar fenômenos
parecidos, facilitando a comunicação entre os profissionais, auxiliando em pesquisas
na área e no próprio tratamento das doenças (Dalgalarrondo, 2000). Apesar, disso,
não podemos deixar de analisar os efeitos de tais práticas em nossos cotidianos.
O que salta aos olhos em nosso dia-a-dia é que diversas formas de exclusão
social são legitimadas pelo diagnóstico. No trabalho, o diagnóstico atesta a
periculosidade e incapacidade produtiva, justificando o afastamento do trabalhador,
marginalizando-o no processo de produção capitalista. Na família, a posição ocupada
já não é a mesma. Sem renda e demandando cuidados dos outros membros da
falia, o portador de transtorno mental se torna, muitas vezes, um fardo do qual
poucos partilham. Não muito diferente se passa em outras relações sociais, em que o
preconceito face à condição de sujeito em tratamento psiquiátrico afasta os antigos
amigos, colegas de trabalho, vizinhança, etc (Severo & Dimenstein, no prelo). Fatos
estes, percebidos no caso de Andrew, no qual a condição de sujeito em tratamento
psiquiátrico não o afasta dos amigos, como implica num posicionamento pessoal
130
de não poder se relacionar com o mundo.
Interessados na produção de um determinado modo de ser, de viver e de se
relacionar com a loucura, diversas instâncias se articulam para produzir a exclusão
social e o assujeitamento do louco frente a esse funcionamento social, em que o
diagnóstico, incorporado também pelo diagnosticado, legitima tais verdades.
Nessa direção, podemos pensar que o diagnóstico atende a uma política de
biopoder, que cada vez mais nos mostra o avanço de suas técnicas e dispositivos. O
controle dos corpos, controle sobre a vida das pessoas, pilar central do biopoder
(Foucault, 2002), é o que atualmente vemos prevalecer em nossa sociedade. Após
passarmos pelo regime de poder exercido pela figura do soberano, com poder de vida
e morte sobre as pessoas; pela sociedade disciplinar, em que o confinamento nas
bricas, escolas, família, etc., consistia a principal ferramenta; adentramos nos dias
de hoje na sociedade de controle caracterizada pelo “controle contínuo e
comunicação instantânea” (Deleuze, 1992, p. 216).
Interessa aqui a produção de informação, de signos, de subjetividade,
elementos que se articulam para produzir um determinado modelo de vida a ser
vivido, desejado, reproduzido, extrapolando os ambientes de confinamento, e
produzindo um controle em meio aberto, em rede (Deleuze, 1992). Ao contrário da
sociedade disciplinar em que os confinamentos se configuram enquanto moldes,
independentes entre si, as sociedades de controle operam por diferentes modos de
controle, todos articulados entre si, operando uma modulação das subjetividades
(Deleuze, 1992).
Dentre esses elementos podemos problematizar aqui o papel do diagnóstico
131
(e do próprio paradigma psiquiátrico), que se constitui enquanto importante
dispositivo de controle. Podemos nos referir à psiquiatria enquanto principal máquina
desse novo sistema. Máquina produtora de informações, de idéias, valores... de
diagnósticos. Mais do que analisar por si uma quina, é preciso investigar que
agenciamentos a põem em funcionamento (Deleuze, 1992).
A psiquiatria se insere no atual cenário do biopoder que, como foi dito, se
caracteriza por ser um poder sobre a vida, exercido por tecnologias disciplinares e
biopolíticas (Bernardes & Guareschi, 2007; Coelho & Fonseca, 2007; Foucault,
2002). Na modernidade, o poder está interessado em gerir os fenômenos relativos à
vida, ao controle de natalidade, qualidade de vida, longevidade, epidemias, etc.,
propiciando uma melhor forma de administrar as informações, gerir a vida das
pessoas, propiciando uma vida mais sadia (Coelho & Fonseca, 2007). O crescimento
desses mecanismos implica no surgimento do que se entende por biopoder, que se
conecta com as propostas de docilização e controle dos corpos, para que se adéqüem
aos padrões vigentes, configurando-se assim, enquanto biopolíticas (Coelho &
Fonseca, 2007). Padrões do que é ser homem, mulher e, porque não, do que é ter
saúde. É nessa direção que os autores acima citados argumentam que os cuidados
com a saúde têm assumido um lugar cada vez mais central nas práticas
contemporâneas, com característica marcadamente individual, íntima, distanciando-
se de relações mais coletivas/políticas.
Dentro desse cenário biopolítico, em que prevalecem práticas de biopoder, as
biotecnologias se tornam importantes dispositivos de normalização e controle. As
biotecnologias podem ser definidas como “tecnologias da vida que forjam
132
determinadas maneiras de o indivíduo relacionar-se consigo mesmo, tornando-se
objeto de si por meio de processos de biotecnologização - um ‘si-mesmo’ edificado
pela relação que se estabelece entre saúde, vida e tecnologias”
(Bernardes &
Guareschi, 2007, p. 152). As biotecnologias se configuram enquanto biopolíticas, na
medida em que se tornam estratégias de controle sobre a vida (Bernardes &
Guareschi, 2007).
Então, o que gostaria de trazer aqui para reflexão é o fato de que os CAPS e
suas propostas de cuidado, muitas vezes centradas no tratamento psiquiátrico,
acabam por adquirir o caráter de uma biotecnologia, na medida em que inserem nos
sujeitos modos de se relacionar com a saúde e com seu tratamento que atendem a
interesses biopolíticos. A fala de Andrew nos traz alguns elementos para pensar. A
mensagem que chega por trás da fala estou esperando a alta do CAPS [para manter
o contato com amigos] é a de que, com a alta do serviço, será dado o seguinte
comando: pronto, agora você chegou a um nível ideal de saúde e está apto a viver. A
compreensão deste fenômeno pode ser facilitada quando pensamos que a saúde, na
contemporaneidade, acaba sendo mais um artefato a ser consumido, a ser desejado, a
ser padronizado em níveis ideais, cada vez mais inalcançáveis.
Capturada pelas biotecnologias, a saúde se torna algo impositivo, tornando-
se, inclusive, objeto de consumo (Bernardes & Guareschi, 2007), algo que é preciso
ter para fazer parte do mundo, e, como foi dito, não é de qualquer saúde que
estamos falando. Trata-se de uma saúde que a partir das biopolíticas/biotecnologias e
da produção de subjetividades engendradas por aquelas, adquire um caráter
padronizado, modelizado, tornando-se modelo do qual os indivíduos, em qualquer
133
parte do planeta, partilham. O que se coloca cotidianamente a todos nós é que “viver
é ter que ser saudável” (Bernardes & Guareschi, 2007, p. 158), porém, como
característica desse novo controle produzido na contemporaneidade, nunca se
termina nada. O controle é contínuo e muda a cada instante (Deleuze, 1992), o que
faz com que, em nosso exemplo, criem-se constantemente novos métodos para
tornarmo-nos mais saudáveis (Bernardes & Guareschi, 2007).
Voltando ao caso de Andrew, percebemos que, inserido nesse mercado
biotecnológico, se diante do desafio de ter sde, através de seu tratamento no
CAPS, no intuito de voltar a viver. Sem perceber que tal processo o coloca num
espiral sem fim, Andrew, que desde sua primeira crise aos 18 anos perdeu boa parte
dos laços sociais, permanece à espera ainda hoje, com pouco mais de 40 anos de
idade, de uma condição de saúde que o permita fazer parte desse mundo. Espera essa,
que em tempos de sociedade de controle, é composta por um tempo, cada vez mais
regulado pelas demandas de mercado, mercado esse flexível e biotecnológico
(Bernardes & Guareschi, 2007).
Nesse sentido, as biotecnologias se configuram enquanto estratégias de
produção de subjetividade, com a vida passa a ser experimentada através da saúde e
das pprias biotecnologias, sendo através destas o modo pelo qual os indivíduos
compreendem e se relacionam consigo mesmos (Bernardes & Guareschi, 2007). É a
partir disso que vemos, como no caso de Andrew, como o sofrimento e a dor se
tornam temas inconvenientes, artefatos, mais que indesejados, inibidores da vida
(Coelho & Fonseca, 2007).
Isso nos traz para pensar as condições de permeabilidade de nossa sociedade
134
para com a loucura. Como alcançar tal patamar de saúde, de bem estar, se a loucura
está o tempo todo tendo que se relacionar com a dor, a solidão, o sofrimento? Porque
é tão difícil, nos dias de hoje, lidar com essas questões, com o caráter trágico que
necessariamente abarca dimensão do humano? O resultado disso é o que se percebe,
sem grandes dificuldades, no campo da sde mental: indivíduos que, há muito
tempo, se encontram percorrendo circuitos particulares, mundos à parte do convívio
com outras pessoas, com outras relações sociais ricas em trocas simbólicas.
Outro elemento que percebemos aqui é uma falta de poder, de
empoderamento por parte dos usuários e um investimento desse mesmo poder nos
técnicos/serviço. Obviamente, alguns mecanismos e dispositivos atuam aqui na
consecução deste objetivo. Vejamos por exemplo, a condução de um técnico no que
diz respeito ao passeio na Fundação José Augusto, aonde acontecia uma exposição
de artes plásticas de artistas locais. A postura do técnico que nos acompanhava
(farmacêutico, daquele serviço) era a de quem conduz uma turma de pré-escola.
Havia uma instalação com duas cabeças, que era possível abrir e ver o que há dentro
do cérebro. Uma das cabeças possuía um código de barras, outra possuía o símbolo
geralmente utilizado para significar que algo é reciclável. O técnico diz de maneira
pedagógica:Olha, gira! (referindo-se ao símbolo da reciclagem), “E aqui cada um
tem seu código... O difícil é decifrar!”. A idiotice da fala toma uma dimensão maior
pelo fato de ele ter reunido os usuários ali presentes para falar sua opinião, conduzir
os usuários a um modo de compreensão e percepção, a meu ver, bastante limitado,
daquela obra um tanto quanto peculiar. O que se questiona aqui é a capacidade deste
profissional de explicar o que não se explica. Conduzir os usuários a um modo de
135
percepção, de subjetivação de um fenômeno potente como a arte. O papel do cnico
aqui é o de delimitar o que deve ser apreciado e, acima de tudo, como deve ser
apreciado. A forma como a arte é utilizada aqui tende a esvaziá-la de seu caráter
instituinte para colocá-la na posição de mais um dispositivo de produção de
subjetividade modelizada.
Segundo Guattari (1992) o hierarquia definida entre os diferentes
registros semióticos que atuam na produção de subjetividade, assim como a ciência,
ou a mídia em dado momento ocupam posição privilegiada na produção de modos de
ser, a arte também pode ser incumbida dessa função. Dessa forma, o que se percebe
aqui é que a arte, capturada pela técnica, pela atuação profissional e terapêutica do
CAPS, se torna mais um dispositivo atuando a favor de determinadas concepções,
vies de mundo.
Pensemos no caráter potente e fundamentalmente instituinte que a arte pode
representar. Atento a isso podemos ter idéia de como esse elemento poderia ser
importante na vida dos usuários dos CAPS. Ao invés de se limitar à representação
que o técnico em questão fez daquelas obras, a arte, antes de qualquer captura,
poderia atuar propiciando o contato com outros Territórios existenciais
5
, Universos
de referência incorporais
6
(Guattari, 1992, p. 14). Para este autor seria essa uma das
funções primordiais da clínica. Atuar a partir do que ele chama de ritornelos
existenciais (Guattari, 1992), propiciando o contato de sujeitos, de universos, não
de “universos de referência ‘em geral’, mas de universos singulares, historicamente
5
Por território existencial compreendo as diversas formas de se canalizar/atualizar os afetos,
dar passagem às intensidades (Rolnik, 2006).
6
Universos de referência incorporais podem ser caracterizados como campos de sistemas de
valores, tendo caráter enunciador, “que pode ser descrito como uma potência divina, como uma idéia
platônica, pelo fato de pôr em jogo um sistema de valorização” (Guattari, 1992, p. 77).
136
marcados no cruzamento de diversas linhas de virtualidade. Um ritornelo complexo -
aquém dos da poesia e da sica - marca o cruzamento de modos heterogêneos de
subjetivação(Guattari, 1992, p. 28). Para que aquelas obras de arte, apreciadas
pelos usuários, cumprissem essa função, não poderiam ser explicadas/traduzidas.
Deveriam ser capazes de cumprir com sua função poética no sentido de “recompor
universos de subjetivação artificialmente rarefeitos e re-singularizados” (Guattari,
1992, p. 31). Nesse sentido Guattari (1992) afirma que
Essa catálise poético-existencial, que encontraremos em operação no seio de
discursividades escriturais, vocais, musicais ou plásticas, engaja quase
sincronicamente a recristalização enunciativa do criador, do intérprete e do
apreciador da obra de arte. Sua eficácia reside essencialmente em sua capacidade
de promover rupturas ativas, processuais, no interior de tecidos significacionais
e denotativos semioticamente estruturados, a partir dos quais ela colocará em
funcionamento uma subjetividade da emergência (p. 31)
Como um instrumento tão potente como a arte pode ser capturado a ponto de
ser capaz de operar despotencialização? Esse não é o único exemplo que sou capaz
de lembrar. Em uma das reuniões de equipe que participei neste serviço, discute-se o
caso de um usuário que compõe poesias. Márcia (auxiliar de farmácia) acha um
absurdo acharem suas poesias bonitas. São estranhas... Seria melhor dizer a ele que
melhorasse, ‘consertasse’ as poesias”. Obviamente tal comentário recebe críticas dos
outros técnicos, que não concordam com tal postura. Porém, tal embate de forças não
é suficiente para impedir que pensamentos e práticas deste tido circulem no
cotidiano, e operem modos de ser e de subjetivar.
137
Esse modo de operar e despotencializar esses sujeitos e seus cotidianos se
encontra presente, muitas vezes, até em oficinas que, a princípio, deveriam ser
extremamente produtivas e produtoras de vida. Uma das oficinas mais interessantes
das quais participei no CAPS foi a oficina do projeto terapêutico, que consistia em
reunir os usuários para discutir os planos que cada um tinha para seu projeto
terapêutico, bem como as estratégias para alcançá-los, as metas, etc. Nesta oficina,
em um dado momento, Bezerra, usuário do serviço, pontua sua vontade de trabalhar
e de voltar a estudar. Na verdade seu desejo era fazer faculdade, cursar engenharia
elétrica. Conta ser técnico em eletrônica, pelo CEFET, que estagiou na Cosern e,
nessa ocasião, teve a oportunidade de participar do projeto de instalação da
iluminação pública nos bairros da zona norte... ta vendo, quanto coisa boa vo
fez!?!
As técnicas consideraram esse objetivo algo muito grande, difícil de ser
realizado. Colocaram a possibilidade de Bezerra fazer algum curso no CEFET,
Senac... Seria mais fácil”, comenta uma das técnicas presentes. Mas qual o
problema com objetivos de vida difíceis? Talvez seja possível pensar que “só pode
desejar o impossível aquele para quem a vida cotidiana se tornou insuportável
(Yasuí, 2009, p. 6). Outra profissional propôs que ele tentasse trabalhar na área,
que tem um curso técnico, seria possível fazer algo na área já. Ao invés de pensar
nas coisas grandes, é preferível trazê-los para o cotidiano e pensar em algo menor,
mais possível”, explica a técnica. É a velha questão de se nivelar por baixo.
Minimizar o usuário, minimizar o potencial da loucura frente ao modo de ser
contemporâneo.
138
Basaglia (1985) já pontuava o quanto a técnica pode disfarçar a violência pela
qual perpassa toda a sociedade. Segundo o autor, a figura do profissional pode ter por
objetivo “mistificar a violência” (na qual o indivíduo está imerso) “através do
tecnicismo(Basaglia, 1985, p. 102), o que acaba colocando o ato terapêutico na
função de reeditar “a ação discriminatória de uma ciência que, para se defender,
criou a ‘norma’, cuja infração pressupõe uma sanção por ela ppria prevista
(Basaglia, 1985, p. 102). Os psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e demais
profissionais sociais acabam sendo os novos gestores da violência, na medida em que
consentem (através de suas funções técnicas, de amenização de conflitos e promoção
do bem-estar), com a violência social global (Basaglia, 1985).
Nesse sentido, creio que podemos também amparar essa discussão a partir do
que propõem Guattari e Rolnik (1986) ao discutirem sobre a produção de
subjetividade capitalística, em que os profissionais acima citados (responveis por
promover a saúde) seriam os principais agentes.
Segundo os autores supracitados, no modo de produção capitalista, o
indivíduo existe, essencialmente, enquanto consumidor de sistemas de representação,
de subjetividade. Esses sistemas de representação chegam aos indivíduos por
diversos meios, por diversos pontos - como os terminais (Guattari & Rolnik, 1986)
de um sistema de informação -, como por exemplo, a família, a mídia, equipamentos
de saúde e seus agentes (psiquiatra, psicólogo, assistente social, etc.).
Guattari e Rolnik (1986) refletem sobre a produção de indivíduos
normalizados, a partir de uma subjetividade que seria produzida/modulada através
desses diversos canais (ou seja, desses agentes, profissionais de saúde), aos quais um
139
indivíduo se conecta no campo social. o se trata de educar ou preencher
subjetividades, mas atuar no nível da produção, desde esquemas de conduta, como a
forma de amar, de trabalhar, até as instâncias intra-subjetivas como id, ego e
superego (Guattari & Rolnik, 1986). Isso representa um avanço em termos de
estratégia de manutenção do instituído, uma vez que o diferente, o subversivo, não
mais necessitará ser isolado, preso ou eliminado: para quê construir manicômio ou
presídios se o Estado “pode obrigar os homens a sonhar de certa maneira?” (Lourau,
2004, p.151). Criam-se campos de possibilidades, modos de captura capazes de
abarcar a experiência do singular, da diferença. Algo em que possamos nos encaixar,
ocupar um determinado lugar numa suposta ordem social.
No caso de Bezerra, descrito pouco, esse lugar é o de mais uma peça no
processo produtivo, ocupando uma posição elementar na hierarquia social que é
preferível pensar em algo menor, para que não haja riscos, talvez. Ninguém está
disposto a colocar em risco todo um ordenamento social. Mas, relembrando as idéias
de Guattari (1992), o que seria mais terapêutico, pensar em algo menor ou permitir o
agenciamento de infinitos universos de referência, territórios existenciais?
A despotencialização dos usuários se dá também através dos familiares, que
insistem num modo de se relacionar com a loucura de uma maneira tutelar,
infantilizadora. Isso me vem através de diversos fatos e falas cotidianas. Em uma
delas ouço a indignação de um usuário por o poder utilizar o dinheiro de seu
benefício. Sua tia é a responsável por sacar e administrar seu dinheiro, geralmente
sem lhe dar quantia alguma. Este usuário me fala de suas vontades, de comprar
alguns DVD’s, CD’s, etc. Porém, sua tia não permite que ele administre seu próprio
140
dinheiro, alegando que comprará besteiras, ou será roubado (tal qual uma criança). A
fala do usuário diz do lugar que ele ocupa nessa relação: Ela compra iogurte,
biscoito...”. E questiona:Eu sou criança é!?”.
O que se evidencia aqui é o que a maioria dos portadores de transtornos
mentais enfrenta no dia-a-dia: a falta de condições/poder para gerirem as próprias
vidas. Conforme vimos pouco, a loucura ao ser capturada pelo saber psiquiátrico
torna o louco um sujeito incapaz de pensar sobre sua própria vida, despossuído de
razão, infantilizado, acometido por uma minoridade social (Castel, 1987), o louco
passa a necessitar de alguém que responda por ele, alguém que, operando pela lógica
dominante, decida sobre sua vida, capturando-a.
Todos esses elementos, apresentados e discutidos ao longo deste eixo de
análise pretenderam mostrar de que forma a relão usuário-técnico/serviço se
apresenta como campo problemático, dificultando o empoderamento dos usuários e
possíveis práticas de ajuda tua. A atribuição de poder aos técnicos e ao serviço, o
papel destes enquanto dispositivos de uma biopolítica e a falta de empoderamento
dos usuários são pontos fundamentais para se pensar a vida dos usuários, e o
processo de reforma psiquiátrica que atravessamos na atualidade.
Tendo em vista essa realidade, se faz presente a necessidade de inventarmos
práticas de empoderamento entre os usuários. Práticas que permitam a re-
apropriação, por parte destes, de seus cotidianos, de suas vidas. As observações de
campo nos mostraram o quanto a relação usuário-técnico se apresenta de maneira
desigual, em que o usuário tende a ser visto como alguém incapaz de produzir e se
relacionar com o mundo, se o através da tutela. Esses elementos se confirmaram
141
durante a roda de conversa realizada no CAPS, quando, ao se posicionarem sobre a
proposta de ajuda mútua entre os usuários, os técnicos, apesar de reconhecerem-na
como válida, acreditam haver um limite. Limite esse, que deve ser observado pela
equipe para, em caso de necessidade, intervir.
Segundo os relatos da equipe, quando o usuário deixa de cuidar de si para
cuidar do outro é porque faz parte da patologia”. Nesse caso, a equipe reconhece
a necessidade de frear tal atitude, fazendo com que o usuário dê prioridade ao seu
tratamento. Tal posicionamento encontra amparo nas demais práticas de saúde, nas
quais, a partir da modernidade, percebe-se um foco cada vez maior no indivíduo, em
suas queixas particulares, tornando a saúde algo privado, individual, conforme
comentado anteriormente, devendo cada vez mais ser visto pelo viés da técnica em
detrimento das relações (Carvalho et. al. 2004). Aqui, o descrédito no usuário o
impede de decidir até que ponto gostaria de intervir no seu próprio tratamento, ou no
de outrem.
Tais constatações nos remetem as idéias de Coimbra e Leitão (2003),
discutidas no capítulo 2, quando os autores trazem o dispositivo do saber-poder e do
não-saber, por percebermos que o território da atuação técnica/profissional abarca o
primeiro dispositivo, enquanto que, quando se pensa no usuário como cuidador
adentramos no segundo dispositivo, reforçando-o como algo perigoso que deve ser
tutelado, controlado. Como escape a essas capturas, os autores pontuam a
necessidade de invenção nos cotidianos, admitindo a possibilidade de criar
territórios, movimentar-se por entre estes reorganizando-os, reinventando-os.
Na referida roda de conversa, ao discorrerem sobre o que entendiam por
142
cuidado, a equipe pontuou a necessidade de um olhar ampliado aos sujeitos que
demandam cuidado, de se articular outros elementos na prática do cuidado, como a
falia, a comunidade, etc. Mas em nenhum momento se questionou que tipo de
relação deva ser essa do cuidador para com o sujeito que demanda cuidados.
Concordando com Barros et. al. (2007), acredito que o cuidado deva passar pelo
âmbito da responsabilização para com o usuário, permitindo que se fortaleça a
relação usuário-serviço-território.
Estamos diante, conforme pontuado anteriormente por Pires (2005), do
caráter de politicidade do cuidado, pelo qual este pode se configurar enquanto prática
tutelar, ou enquanto prática emancipadora, ampliadora dos limites. Aqui também o
que se defende é a capacidade de invenção nos cotidianos dos serviços de sde,
permitindo talvez, a emergência de encontros autopoiéticos (Merhy, 2004a; Vieira
Filho & Nóbrega, 2004).
Acredito que, como alternativa aos serviços, seria fundamental articular ao
cuidado profissional/técnico outros modos de agir (Ayres, 2004), incorporando, por
exemplo, as tecnologias leves, conforme proposto por Merhy (2004b), em que o
encontro entre dois sujeitos é valorizado em sua dimensão afetiva e relacional.
Ao contrário do que foi percebido em minha inserção em campo, acredito ser
necessário que as diversas práticas de cuidado coexistam sem diferenças
hierárquicas, conforme já sinalizado neste trabalho por meio das afirmações de
Vieira Filho (2005), permitindo que outras formas de atenção e cuidado surjam e se
fortaleçam, favorecendo, por exemplo, uma maior autonomia por parte dos usuários
e, ao mesmo tempo, uma menor dependência do serviço, concomitante com uma
143
maior diversidade de relações com outros dispositivos (Silveira & Vieira 2005).
Pensando ainda alternativas à realidade observada nos CAPS, acredito que as
propostas de Ricardo Teixeira podem nos ser de bastante valia. Em sua tese de
doutorado, Teixeira (2003) vem colocar a potência que os encontros com outrem
pode representar. Afirma que tais encontros nos fazem experimentar desde potências
aumentativas até estados de servidões diminutivas. Tal reflexão parte das idéias de
Spinoza (1998) (citado por Teixeira, 2003) acerca da noção de afectos. Para Spinoza,
uma afecção é o estado de um corpo em um dado momento, “sob o efeito de um
mundo” (Teixeira, 2003, p. 27), ou seja, um mundo trazido (ou representado) pela
presença de outrem. É esse outrem, ou melhor, o contato que pode existir entre meu
corpo e o de outrem que vai produzir os afectos. São os afectos então, que vão
produzir estados diferenciados de potência:
Não é que comparamos os dois estados numa operação reflexiva, mas cada
estado de afecção determina uma passagem para um mais ou para um menos... A
afecção, pois, não é o efeito instantâneo de um corpo sobre o meu, mas tem
também um efeito sobre minha própria duração, prazer ou dor, alegria ou tristeza.
São passagens, devires, ascensões e quedas, variações contínuas de potência que vão
de um estado a outro: serão chamados afectos, para falar com propriedade, e o
mais afecções (Deleuze, 1997, p. 157, citado por Teixeira, 2003, p. 39).
Nesse sentido, que tipo de afectos permeiam o encontro entre dois ou mais
usuários de um serviço como o CAPS, por exemplo? Seriam estes afectos
aumentativos de potência? Se pensarmos no encontro entre usuário/profissional, e
ação (em geral) hierarquizada e objetificante, seria este um encontro disparador de
144
uma servidão diminutiva? Minha inserção no campo mostra que tanto um quanto o
outro se fazem presentes cotidianamente, fazendo-nos ficar atentos a essa conjuntura
de forças, ativando aquelas que tornem os serviços mais potentes.
Tal perspectiva sobre a posição e importância do outro é o que vai
fundamentar a discussão que Teixeira faz sobre as “redes de trabalho afetivo(2004,
p. 1), termo que o autor cria no sentido de ampliar a noção de saúde, bem como seus
desdobramentos práticos. O autor reflete sobre o caráter intersetorial do trabalho em
saúde, propondo discutir sobre a contribuição dos equipamentos de saúde para uma
saúde coletiva
Assim, quando falo em trabalho em saúde, não estou me referindo apenas ao
trabalho dos profissionais de saúde, mas a todo um esforço coletivo, envolvendo
a participação de múltiplos agentes sociais que, direta ou indiretamente,
contribuem para a melhoria das condições de vida e saúde de indivíduos e
populações. E é nesse sentido ampliado que estou pensando, quando falo em
redes de trabalho em saúde (Teixeira, 2004, p. 2).
A partir dessa idéia, Teixeira desenvolve algumas reflexões sobre o que ele
vem chamar de “técnicas de conversa” (2004, p. 1), tendo em vista que reconhece a
natureza conversacional do trabalho em saúde e a potência que tal perspectiva
assume quando se pensa em um acolhimento em sde. Nessa direção, o autor afirma
conceber as redes de trabalho em saúde como grandes redes de conversações,
particularmente no que diz respeito à prática do acolhimento, defendendo a idéia de
um “acolhimento-diálogo(Teixeira, 2004, p.2), ou seja, uma técnica de conversa
capaz de ser realizada por qualquer profissional, em qualquer tipo de encontro. O
145
acolhimento-diálogo consiste nos diversos encontros que se dão nos serviços nos
quais “identificamos, elaboramos e negociamos as necessidades que podem vir a ser
satisfeitas” (Teixeira, 2004, p. 2). Teixeira acredita, enfim, na dimensão afetiva do
trabalho em saúde, fortemente condicionado pelas técnicas de conversa. É assim, que
o autor chega ao conceito de redes de trabalho afetivo “no sentido que o essencial a
elas é de fato, a criação e a manipulação dos afetos” (Teixeira, 2004, p. 3).
Nessa rede, Teixeira (2004) ressalta a importância de se desenvolver afetos de
confiança, o que ele conceitua como “energia antropológica dos laços sociais” (p. 4),
pontuando que são precisamente esses afetos “que dão consisncia ao vínculo”
(Teixeira, 2004, p.5). O autor afirma ainda que são esses afetos que se qualificariam
como “aumentativos de potência, experimentados por pelo menos dois corpos
quando descobrem que mutuamente se convém” (Teixeira, 2004, p. 5). o seria
então a ajuda mútua entre usuários um tipo de encontro que favoreceria a emergência
desses afetos? Seria esse encontro, usuário com usuário, um encontro produtor de
potência? Ou ainda, como tornar os encontros entre técnico-usuário agenciadores
desses afetos/potências?
A partir dessas considerações é que pontuo a potencialidade inerente ao
encontro e a possibilidade de ajuda mútua entre usuários de serviços substitutivos em
saúde mental. Tendo em vista que a noção de acolhimento-diálogo pressupõe que se
conheça, ou venha a conhecer as necessidades do outro, quem melhor do que outro
usuário para ter acesso a uma dada realidade, realidade bastante próxima? É possível
que um movimento de usuários, ou simples encontros cotidianos, se configurem
enquanto uma rede de trabalho afetivo? Apesar de Teixeira (2004) indicar o
146
profissional enquanto agente dessas redes de trabalho, é possível pensar em uma rede
de trabalho afetiva que tenha como atores principais os usuários de serviços
substitutivos?
147
Considerações Finais
Essa pesquisa pretendeu investigar/mapear práticas de ajuda mútua entre
usuários dos CAPS Leste e Oeste da cidade de Natal/RN, atentando para os
contextos em que se dão essas práticas, os efeitos das mesmas na vida dos usuários,
bem como a postura dos técnicos frente a essas iniciativas. Respondendo a esses
objetivos, constatamos que há pouca articulação com sentido de ajuda mútua entre os
usuários. Apesar dos resultados positivos que tais atitudes resultam para a vida dos
usuários, o que percebemos foi que a dinâmica do serviço e a relação usuário-técnico
tende a barrar tais iniciativas e articulações entre os usuários, com os profissionais se
posicionando de maneira castradora e tutelar frente a isso.
Ao acreditar nos encontros entre os usuários de serviços de saúde mental,
defendo aqui a potência contida na loucura, historicamente despotencializada por
diversas instituições. Em última análise, trata-se de acreditar no ser humano, e em
sua capacidade de se apropriar de sua vida, vencendo obstáculos, transpondo limites,
atualizando forças a favor da expansão de possibilidades, de vida.
Acreditar no encontro entre potências, entre sujeitos, entre loucos... o nas
condições em que se efetivam atualmente, no interior (ou fora) dos serviços, sob
relações de tutela, mas em circunstâncias nas quais haja maior possibilidade para a
atualização de seus fluxos de potência, fluxos instituintes...
Nessa direção, acredito que futuras investigações sobre essas questões devam
levar em consideração o papel que a amizade pode representar no cotidiano e na vida
dos usuários, questão que não aprofundei por não ser este o objetivo deste trabalho.
Tendo em vista que as poucas práticas de ajuda mútua observadas se davam,
148
em sua maioria, no interior de relações de amizade, e o fato desta ser valorizada
como algo positivo pelos usuários, deve-se atentar para o caráter político e
essencialmente potente deste tipo de relação.
Os CAPS estudados se mostram, no presente momento, espaços de captura,
de anulação da potência dos coletivos de usuários. Enquanto essa for a realidade da
atenção em saúde mental, dificilmente conseguiremos relações potentes com a
loucura, relações que atuem a favor da desinstitucionalização da loucura, bem como
avanços nas dimensões culturais e de cidadania, referentes ao processo de reforma
psiquiátrica brasileira. Mudar essa realidade é tarefa não só de políticas públicas, mas
de atitudes cotidianas, de nós todos, para com o outro, quem quer que seja esse outro.
Ao refletir sobre o conflito de forças presentes no interior de serviços
substitutivos, devemos estar atentos a o que esse tipo de funcionamento tem a nos
dizer, não no nível individual, da ruptura que cada usuário provoca em nossas
vidas, mas da capacidade que a loucura tem de pôr em cheque nossos dispositivos,
engrenagens, instituições, etc., e de como tornar essas mesmas instituições mais
potentes.
A ave, um ninho; a aranha uma teia; o homem a amizade.
(William Blake)
149
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