69
Tivemos um fato ocorrido no Grupo C que nos chamou bastante atenção e por isso
será citado abaixo e discutido mais diante:
Uma senhora de 65 anos aguardava seu atendimento participando da Musicoterapia. Ela parecia tímida,
dizia que preferia observar... Percebi que ela mexia o tronco para as laterais dançando suavemente e às vezes
perguntava as pessoas presentes se sabiam do Dr. Wilson
27
, mas a resposta era negativa. Então, a senhora
voltava ao mesmo momento suave de antes.
Uma auxiliar de enfermagem se aproximou e avisou que o Dr. Wilson não viria a Unidade naquele dia,
então a senhora desabafou musicalmente a raiva que estava sentindo pelo Dr. Wilson ter faltado ao trabalho.
Quando percebi que a senhora iria embora daquele jeito puxei a música “Trem das Onze” trocando a
letra com o conteúdo que ela já tinha expressado durante a sessão e cantei: Não posso ficar nem mais um minuto
com vocês, sinto muito gente mais não pode ser, onde eu moro é contra mão, seu perder a consulta que estava
marcada agora só amanhã de tarde...
Nesta hora ela pegou a vez e voltou um pouco à melodia com outra letra dizendo: Eu perdi a consulta e
agora tenho muita coisa pra fazer... tenho muitos netos e cuido de tudo sozinha, preciso ir pra cozinha, é muito
chato vim à toa no posto...
Então cantei dizendo: então você é muito importante, cheia de compromissos e responsabilidade
Ela respondeu ainda cantando: sou é cheia de problemas e parou de cantar para tocar mais forte o
instrumento cabuletê, girou e canalizou sua angustia. Depois, levantou o cabuletê e perguntou:
_ Quem quer segurar neste pau? E aí vocês querem segurar no pau? Disse essas palavras rindo maliciando sua
conotação.
Ninguém aceitou o convite e então sugeri que ela escolhesse outra música para gente cantar. Ela
escolheu “Maria, Maria”
28
e cantou forte com vontade. No meio da música devolveu o cabuletê e voltou a
acompanhar balançando o corpo suavemente para as laterais. Depois disto foi embora.
Entendemos que diante desta situação, foi necessário fazer uma intervenção
musicoterapêutica. Mas, como esta intervenção escapa ao foco da pesquisa, este trecho não
foi categorizado. Está sendo citado, pois através deste dado percebemos que a musicoterapia
foi canal de expressão de afetos que precisavam ser acolhidos.
Outro momento que gostaríamos de expor refere-se à ajuda recíproca do grupo, da
importância que cada um dava ao outro em sua forma de expressão. Podemos perceber
também a interação de alguns profissionais com os usuários.
“... Adriana
29
dirigi-se a Aline perguntando:
_Como você está se sentindo?
_A mulher mais feliz do mundo! Não vejo a hora de ter ele nos meus braços! É um sentimento que eu
não sei explicar... Disse comovida.
Adriana então perguntou: _ Qual música gostaria de cantar para seu bebê?
_Eu sei que vou te amar.
27
Este nome foi adotado para preservar a identificação do ator social.
28
Maria, Maria – Milton Nascimento
Maria, Maria, é um dom, uma certa magia Mas é preciso ter força, é preciso ter raça
Uma força que nos alerta É preciso ter gana sempre
Uma mulher que merece viver e amar Quem traz no corpo a marca
Como outra qualquer do planeta Maria, Maria, mistura a dor e a alegria
Maria, Maria, é o som, é a cor, é o suor Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça
É a dose mais forte e lenta É preciso ter sonho sempre
De uma gente que ri quando deve chorar Quem traz na pele essa marca
E não vive, apenas agüenta Possui a estranha mania de ter fé na vida
29
O nome Adriana refere-se à pesquisadora, todos os outros são fictícios como foi comentado no inicio deste
item.