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de Jêje, em Rio Grande. Além das entrevistas, outro método de coleta
sistemática de dados de que me vali durante esses dois anos de pesquisa foi a
observação participante: em onze batuques
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, uma levantação e cinco rituais de
sacrifício – incluindo aqui ritos iniciáticos e obrigações de reforço da iniciação,
bem como um corte para exus. Os batuques se distribuíram em sete casas
verificadas, já que a mesma não se encontra entre as categorias de auto-definição, sendo mais
comum que os interlocutores se definam como “pessoas de religião” e seus templos como
“casas de religião” (expressões que englobariam as referências ao Batuque e à Umbanda).Por
exemplo, na casa de Roberta D’Iemanjá existe o salão dos Batuques, onde se localiza o
quarto-de-santo, que é o local onde ficam assentados os alcutás, pedras sagradas que
representam a materialidade de cada um dos doze orixás que cada filho-de-santo pronto
possui, além dos da própria mãe-de-santo. Além dos alcutás, é freqüente a presença de
imagens de santos católicos, que são “mera representação de algo que se singulariza mais
propriamente no acutá [grifo do autor]” (Anjos, 2006, p 79). É nesse salão que se realizam as
festas, os sacrifícios de animais e todos os demais rituais de culto aos orixás, exceto o orixá
Bará Lodê, que tem seu assentamento em uma casinha localizada na frente da casa. Lodê é
uma qualidade do Bará, o protetor do terreno, é o orixá tempestuoso, que deve ficar na rua.
Além do grande salão e do quarto-de-santo, destinados aos rituais do Batuque, existe na casa
de Roberta a terreira, um cômodo espaçoso onde fica o congá, espécie de altar onde, além de
algumas plantas litúrgicas e medicinais, cigarros, rosas e copos com cachaça, dispõem-se
imagens de santos católicos, de caboclos e de algumas sereias (indígenas), pretos velhos
(escravos ou ex-escravos), crianças (São Cosme e Damião) e ciganos, que seriam os espíritos
cultuados pelo que alguns autores designam como umbanda branca ou pura, ou seja, a
umbanda que só trabalha com “espíritos de luz”, espíritos evoluídos que se manifestam para
fazer o bem, o que exclui exus e pombagiras – essa noção de evolução espiritual também é um
elemento kardecista da umbanda. No entanto, na casa de Roberta, nunca ouvi falar dessa
separação, pois lá umbanda é um termo que abrange o culto das entidades que não são
cultuadas no batuque: a discriminação sendo feita apenas nas denominações povo de exu,
caboclos, povo cigano, pretos-velhos, cosmes. No entanto, nos dias de terreira – um dia por
semana – na casa de Roberta, na corrente as manifestações dos espíritos “no mundo” seguem
a ordem cronológica de caboclos, pretos velhos e exus, raramente acontecendo de
incorporarem as demais entidades, o que acontece normalmente nas festas destinadas às
próprias (casamentos ciganos, festas de Cosme e Damião etc.). Num outro cômodo bem
pequeno e separado dos demais, encontra-se o quarto dos exus, com as paredes internas e a
porta pintadas de vermelho. Nele ficam dispostas imagens com rostos distorcidos, corpos com
chifres, caudas e tridentes, mulheres de dorso nu, corpos disformes. Neste quarto predominam
as velas vermelhas e pretas, charutos, cachaça e rosas também vermelhas.
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Batuques são as festas realizadas após os rituais de sacrifício. Em Pelotas, nas casas de
nação Cabinda com as quais estudei, durante a rotina de reclusão após um corte, que se for de
quatro-pés dura em média oito dias, são realizadas três festas: o batuque de quatro-pés, que
ocorre um ou dois dias após o sacrifício das aves e animais de quatro patas; três ou quatro
dias depois, o batuque do peixe, celebrado na noite do dia em que se sacrificam peixes vivos
ao amanhecer, para Iemanjá; e por fim, encerrando o ciclo de festas, o batuque dos doces ou
terminação, no qual são ofertados muitos doces no quarto-de-santo, para os convidados e
principalmente para as crianças. Geralmente são festas muito opulentas, com grande fartura de
comida e muitos convidados de outras casas-de-santo, não excluindo a presença de pessoas
que não são de religião. Porém, pode acontecer de, não havendo recurso econômico para
realizar todas as festas, fazer-se apenas a terminação; quando isso acontece, raramente são
convidadas pessoas de fora do círculo mais familiar da terreira. Outra ocasião em que se faz
apenas o batuque de doces é no caso da festa de aniversário de aprontamento de algum filho-
de-santo ou de assentamento do orixá do dono da casa – estas festas são às vezes chamadas
de quinzenas de doces. Geralmente um pai ou mãe de santo passa por tais rotinas de
sacrifícios uma vez por ano, dado o dispêndio de axé para com os filhos e serviços religiosos;
já alguém que não tem filhos-de-santo nem terreira própria pode ter um intervalo de dois a três
anos, em média, entre um chão e outro.