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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
CURSO DE MESTRADO
DE JOÃO À JOANA: GÊNERO E BRINCADEIRAS – ATRIBUIÇÃO DE
SIGNIFICADOS NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
FLORIANÓPOLIS
2009
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ii
LUCIANA DE BEM PACHECO
DE JOÃO À JOANA: GÊNERO E BRINCADEIRAS – ATRIBUIÇÃO DE
SIGNIFICADOS NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Dissertação apresentada como requisito
parcial à obtenção do grau de Mestre em
Psicologia, Programa de Pós-Graduação
em Psicologia, Curso de Mestrado, Centro
de Filosofia e Ciências Humanas
Orientador: Profa. Dra. Maria Juracy Filgueiras Toneli
Co-Orientador: Prof. Dr. Adriano Henrique Nuernberg
FLORIANÓPOLIS
2009
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iii
TERMO DE APROVAÇÃO
LUCIANA DE BEM PACHECO
DE JOÃO À JOANA: GÊNERO E BRINCADEIRAS – ATRIBUIÇÃO DE
SIGNIFICADOS NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Dissertação aprovada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre no
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Curso
de Mestrado, Centro de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal de
Santa Catarina, pela seguinte banca
examinadora:
_________________________________________
Orientador: Maria Juracy Filgueiras Toneli
Departamento de Psicologia, UFSC
_________________________________________
Co-Orientador: Prof. Dr. Adriano Henrique Nuernberg
Departamento de Psicologia, UFSC
_______________________________________
Membro: Prof.
Dr. Leandro Castro Oltramari
Departamento de Psicologia, UNISUL
_________________________________________
Membro: Prof. Dr. Mauro Luiz Vieira
Departamento de Psicologia, UFSC
Florianópolis, 27 de fevereiro de 2009
iv
Porque na vida, o bom mesmo é cirandar...
Melissa Haimés
v
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 1
1.1. A HISTÓRIA DESTE TRABALHO .................................................................... 1
1.2. OBJETIVOS.......................................................................................................... 5
1.3. O ESTADO DA ARTE ......................................................................................... 6
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA........................................................................... 13
2.1. CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO À LUZ DA ABORDAGEM HISTÓRICO-
CULTURAL............................................................................................................... 13
2.2. O BRINCAR PARA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL...................... 18
2.3. EDUCAÇÃO INFANTIL E INFÂNCIA: ALGUNS OLHARES...................... 24
2.4. A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL: HISTÓRIA DOS LUGARES DA
INFÂNCIA BRASILEIRA ........................................................................................ 27
2.5. CONCEITUANDO GÊNERO............................................................................ 29
3. MÉTODO.................................................................................................................. 37
3.1. REFLEXÕES INICIAIS ..................................................................................... 37
3.2 SUJEITOS DA PESQUISA ................................................................................. 38
3.3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS........................................................ 38
3.3.1. O recurso do Estudo de Caso........................................................................ 38
3.3.2. Coleta de Informações.................................................................................. 39
3.3.2.1. Detalhamento do processo de videogravação........................................ 40
3.4. FUNDAMENTO TEÓRICO-CONCEITUAL DE ANÁLISE DAS
INFORMAÇÕES ....................................................................................................... 41
3.4.1. A Análise Microetnográfica ......................................................................... 41
3.5. ASPECTOS ÉTICOS.......................................................................................... 44
4. CONTEXTO E CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS .................................... 45
4.1. O CONTEXTO.................................................................................................... 45
4.1.1. A Cidade....................................................................................................... 45
4.1.2. A escola em Blumenau................................................................................. 47
4.2. CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO IMEDIATO DA PESQUISA............ 50
4.2.1. O bairro onde localiza-se a escola................................................................ 50
4.2.2. A Escola propriamente dita .......................................................................... 50
4.2.3. Processo de chegada da pesquisadora à Escola............................................ 52
4.2.4. A formação do vínculo com o campo de pesquisa....................................... 53
4.2.4.1. Primeiro contato com as crianças......................................................... 55
4.2.5. Rotinas da Turma ......................................................................................... 57
4.3. CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS............................................................. 59
4.3.1. Considerações gerais .................................................................................... 59
4.3.2. As crianças.................................................................................................... 60
4.3.3. As professoras .............................................................................................. 64
4.3.3.1. Professora Titular – Renata.................................................................. 64
4.3.3.2. A Professora Auxiliar - Valéria............................................................. 65
4.3.4. As relações interpessoais no contexto da turma pesquisada......................... 66
4.3.4.1. Criança-Criança.................................................................................... 66
4.3.4.2. Crianças-Professoras............................................................................ 67
5. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS EPISÓDIOS............................................. 68
5.1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.............................................................. 68
5.2. EPISÓDIO DO LANCHE................................................................................... 69
5.2.1. Análise e discussão do Episódio do Lanche................................................. 69
5.3. EPISÓDIO DA ESCOLHA DOS NOMES......................................................... 71
5.3.1. Análise e discussão do Episódio da escolha dos nomes............................... 84
vi
5.4. EPISÓDIO DA MAQUIAGEM.......................................................................... 88
5.4.1. Análise e discussão do Episódio da Maquiagem.......................................... 90
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 96
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 101
ANEXOS ..................................................................................................................... 108
vii
Agradecimentos
Abracei o mar na lua cheia e nada pedi, só agradeci.
Gerônimo e Vevé Calazans
Foram tantos anos envolvidos na realização deste trabalho que se torna muito
difícil nomear todas as pessoas importantes que participaram deste processo, mas, a
tentativa é válida, sendo assim, agradeço:
Ao Rudi, meu marido, amor e companheiro, por suportar os meus humores com
amor.
À minha família: Mãe, Pai, Lela, Memi, Gugão, Braz, Ício, Dani, Marcos, Jô,
Bê, Glauco, Jussara, Rodolfo, Léo e Carol por suportarem pacientemente minhas
ausências. Tio Lê, Tia Nina, Guris por abrir sua edícula no fundo de quintal, me abrigar
em Floripa e tornar este projeto possível; Tia Luiza, Tio Coca; Tio Manoel pelos
“engasga-gatos”, cuidados e olhares.
Às amigas de Blumenau: Gika, Biba, Lela e Carla por estarem, paciente e
carinhosamente, presentes nas minhas repetições.
Aos amigos de Floripa Sandra, Mônica, Cristiano, Vitor, Márcia Helena (in
memorian) e Priscila: em minhas páginas contém o convívio com vocês.
Aos amigos do Mestrado: Carol, Isabel (Bel), Giovana, Gustavo, Marivete,
Jaison, Suzana e Rita (Ritinha). Companheiros de estudos, caronas, discussões, alegrias,
cafés, cervejas e angústias da construção da trajetória acadêmica.
Deixo aqui um abraço e um beijo especial de agradecimento à Ritinha pela
leitura deste trabalho, por ajudar-me com questões burocráticas, pelos ouvidos
carinhosos e atentos e pelo Chalé da Montanha sempre de portas abertas, com cerveja
gelada e pizza no forno.
Ao meu querido Mário: Mago das palavras, meu amigo querido, agradeço pelas
palavras, empurrões, acolhidas em Floripa, pelos risotos e pela poltrona vermelha.
Agradeço, também, por se deixar acolher na minha casa e por ser meu companheiro de
trabalho na Faculdade: “Lá onde somos um, somos muitos”.
À grande Catarina (Cata) interlocutora, professora, cuidadora revolucionária.
Você me ensina a beleza das utopias e como são necessárias para concretizarmos nossos
projetos. Obrigada por tudo!
À Professora Juracy (Jura) por acreditar em mim.
Ao Professor Adriano pelo de rigor acadêmico. Um exemplo a ser seguido.
viii
Ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC pela oportunidade de
realização deste trabalho.
ix
PACHECO, Luciana de Bem. De João à Joana. Gênero e brincadeiras – atribuição
de significados no contexto da educação infantil. Florianópolis, 2009. 130 f.
Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Programa de Pós-Graduação em Psicologia,
Universidade Federal de Santa Catarina.
Orientadora: Maria Juracy Filgueiras Toneli
Co-orientador: Adriano Henrique Nuernberg
Defesa: 27/02/09
RESUMO
O presente trabalho de dissertação constitui-se como um esforço compreensivo em
torno das vivências de gênero experimentadas por crianças em situação de brincadeira
no contexto da Educação Infantil. Em se tratando de um estudo fundado na perspectiva
histórico-cultural, também as vivências dos adultos/educadores tomam parte da
compreensão elaborada na dissertação. O materialismo histórico-dialético, conforme
presente nos estudos de Lev S. Vigostsky (1896 1934) constitui a base epistemológica
sob a qual este trabalho de dissertação se sustenta. A idéia de que os seres humanos
constituem-se, a um tempo, a si mesmos e ao mundo a partir de um complexo de
relações sociais e mediação do outro, constitui umas das mais importantes contribuições
desta referência epistemológica ao desenvolvimento da Psicologia contemporânea.
Como tal, ela determina o processamento do presente trabalho onde pode ser verificada
uma busca constante em estabelecer diálogo entre o conceito analítico de gênero e a
interface nero e educação-infantil escolar. A pesquisa foi realizada em uma escola da
rede privada de Educação Infantil em Blumenau (SC). Os sujeitos foram 14 alunos -
entre 2 e 4 anos de idade - e duas professoras. Os registros foram feitos em 22
encontros, com observações do seu cotidiano, seguidas de filmagens, perfazendo 8
horas de gravações bem como anotações em diário de campo. Após a etapa de
videogravação, foi realizada uma descrição detalhada do material filmográfico e
construído um inventário das filmagens, que possibilitou selecionar dois (2) episódios
gravados – Episódio da escolha dos nomes e Episódio da maquiagem - e um (1)
episódio observado Episódio do lanche - sem o auxílio da câmera e descrito no diário
de campo. A abordagem metodológica utilizada para a análise das informações foi a
Análise Microetnográfica. Os episódios analisados indicam que as crianças
participantes de nossa pesquisa estão expostas às marcas de gênero que organizam a
vida cotidiana. Contudo, foi possível observar que nas situações de brincadeira, as
crianças encontram espaço e possibilidade para vivenciar marcas de gênero que não
necessariamente correspondem aos limites impostos pela cultura e executados pelos
adultos. As crianças, no momento da brincadeira, encontram espaço de autoria social e,
como isso, ampliam os limites impostos desde as vivências do mundo adulto em relação
às marcas de gênero. Considerando o postulado vigotskiano da mediação semiótica do
psiquismo humano foi possível perceber em nosso estudo que as marcas de gênero na
situação em questão crianças que freqüentam o ensino infantil não constituem uma
produção inerente ao humano, mas que, a partir dos significados sociais atribuídos aos
caracteres sexuais, são constituídas as referências de nero que as crianças apropriam-
se de forma singular. Elas são, sim, construções sociais produzidas historicamente e,
como tal, precisam ser consideradas tanto pelos psicólogos quanto por educadores e
pais.
x
Palavras-chave: Psicologia Social; Psicologia histórico-cultural; Constituição do
Sujeito; Análise Microetnográfica; Gênero; Brincadeira.
ABSTRACT
This dissertation is constructed as a comprehensive effort about the Gender experiences
of children at playtime inside the child scholar education. And since it is a study based
in a historical-cultural perspective, adults/teachers experiences also take part on the
comprehension elaborated on this dissertation. The dialectic and historical Materialism,
according to Lev S. Vygotski (1896-1934), constitutes the epistemological base on
which this paper sustains itself. The theory in which human beings are building, at the
same time, by themselves and to the world, from a complex of relationships that
depends on the mediation between them in everything, is one of the most important
contributions of this epistemological reference to the development of contemporary
Psychology. As such, it drives the present dissertation process and it can be verified on
the ceaseless attempts on establishing a dialog between the analytical concept of Gender
and the interface Gender and child scholar education. This research took place in a
private child school in Blumenau (SC). The subjects were 14 students (aged between 2
and 4 years old) and 2 teachers. The records were made in 22 meetings, with everyday
observations followed by footages, in a total of 8 hours of recording as well as notes
taken in a field diary. After this stage, a detailed description of the recordings was
written, building a filming inventory that resulted in two (2) recorded episodes The
Name Choice Episode and The Make-up Episode and one (1) observed episode The
Snack Episode without camera support and described in the field diary. The
methodological approach used to analyze the material was the Microethnographic
Analysis. The experiences observed through the footages and then analyzed according
to the Microethnographic Analysis shows that the children that participated in this
research are exposed and understand the Gender characteristics that organize everyday
life. Nevertheless, it was possible to percept that in playtime situations, kids find room
and possibilities to experience Gender characteristics that not necessarily correspond to
the limits set by culture and effectuated by adults. Children, at playtime, find room for
social responsibility and hence can expand the limits imposed by the experiences in the
adult world related to the Gender characteristics. However, this move is not integral,
since the adult interference – in this particular case, the teachers – works as a restrictive
feature over the children spontaneous experiences relating to the questions that involve
Gender. Considering the Vygotski an definition that the action world defines the
language, thoughts and emotional possibilities, it became clear in our study that the
Gender characteristics in the present situation children that attends to a child school
does not constitutes a result that can be comprehended as something intrinsic to the
human being. They are, for sure, social constructions produced historically and, as such,
need to be considered by psychologists, educators and parents.
Keywords: Social Psychology; Historical-Cultural Psychology; Person Constitution;
Microethnographic Analysis; Gender; Playtime
1. INTRODUÇÃO
1.1. A HISTÓRIA DESTE TRABALHO
O presente trabalho de dissertação traz como questão central a articulação das
ações das crianças em seu contexto escolar, tendo como foco de análise a constituição
dos sujeitos histórico-culturais, atravessados pela categoria gênero, observada,
principalmente, nos momentos de brincadeira.
A temática desta pesquisa não é um interesse recente. Após o término da minha
graduação, optei pela Psicologia Clínica e, dentro desta, pelo atendimento infantil.
Nesta experiência, que já possui uma história de treze anos, recebi para atendimento
alguns casos de meninos de três e quatro anos de idade cujos pais tinham receio de que
fossem homossexuais. Ainda hoje me lembro do primeiro caso que atendi, quando
trabalhava em um município da Grande Florianópolis. Era o de um menino de quatro
anos cujos pais queixavam-se de que ele gostava das heroínas da televisão -
enfatizando bem que estas eram do sexo feminino - gostava de vermelho e cor-de-rosa,
de pentear os cabelos das mulheres da família. Queixaram-se de que havia
comentários, no âmbito familiar e na cidade, sobre o jeito afeminado do filho.
Os casos se repetiam o que me chamava a atenção. No entanto, os pais pediam
auxílio baseando-se na preocupação com os comportamentos dos filhos/as quando
estes/as apresentavam alguma “tendência” que dava indícios de que poderiam ser, ou
tornar-se, homossexuais. Tais indícios referiam-se geralmente a brincadeiras,
experiências relacionadas ao próprio corpo ou de amigos/as, e preferências por
brinquedos que apresentavam um significado historicamente demarcado pelo gênero,
por exemplo: bonecos de super-heróis, armas e carros como adequados aos meninos e
bonecas de princesas, bonecas-bebê, réplicas de utensílios domésticos como brinquedos
adequados para meninas.
Mais tarde a minha inquietação intensificou-se quando trabalhei em uma escola
da rede privada de Florianópolis. Deparei-me com as preocupações de professoras da
educação infantil a respeito da orientação sexual de seus alunos. As professoras ficavam
tão atônitas quando percebiam e classificavam alguma criança de afeminada ou
2
masculinizada
1
que não sabiam como agir. Apenas conversavam com suas colegas,
dizendo-se profundamente preocupadas e impotentes frente aos outros alunos que
estavam comentando que a criança era bicha. O interessante é que os meninos eram
mais visados do que as meninas, sendo os comentários acerca destas bastante raros,
além de não conterem caráter depreciativo. Muitas vezes entre as professoras, aparecia a
seguinte fala: “A gente não deve reprimir. Se ele for mesmo homossexual, deixa né?”
Quando indagadas sobre como haviam chegado a essa suspeita de que uma criança era
homossexual, as respostas centravam-se geralmente na observação das brincadeiras e
nos comentários pejorativos dos colegas.
Ao entrevistar pais e professores naquela ocasião, e também observando o
brincar das crianças, obtive algumas descrições às quais se relacionavam com a história
de vida, o grupo cultural e a rede de relações estabelecidas pelas crianças. Sentia que
tais descrições ainda não me permitiam explicar as concepções de “brincadeira de
menino e de menina” daqueles sujeitos, bem como o referencial teórico por mim
utilizado mostrava-se insuficiente.
O que na verdade me incomodava no discurso, tanto dos pais como dos
professores, era perceber certa rotulação, às vezes não explícita, referente à orientação
sexual de crianças tão pequenas. Fiquei durante muito tempo pensando como tais
crianças poderiam apropriar-se das significações de gênero atribuídas a elas.
Senti nessa época a falta de subsídios teóricos para entender e descrever a
realidade que a mim se apresentava, pois era de meu conhecimento que o
posicionamento sexual das crianças de quatro anos ainda não estava definido, bem
como a grande maioria de suas posições sociais. Porém havia alguns detalhes que
escapavam ao discurso da psicologia clínica, a única ferramenta teórico-metodológica
que utilizava até então.
Em função disso, fui buscar referenciais teóricos que me auxiliassem a entender
este contexto. Iniciei pelo historiador Ariès (1981), o qual ressalta que a distinção entre
mundo adulto e mundo infantil foi algo que surgiu ao longo da história, mais
precisamente na França no final do século XVI, e durante o século XVII. Até então as
crianças eram vistas/consideradas como “adultos em miniatura”. Essa distinção foi
progressivamente incorporada à vida social em seus vários âmbitos, como por exemplo,
1
Vê-se o ponto de uma determinação de subjetividades generificadas na fronteira entre o dentro e fora
do corpo; masculinidades e feminilidades não como algo que precede, mas como o efeito de uma
ordem - discursiva - que as constitui e relaciona. (Butler 2003)
3
na educação, na qual as crianças passaram a ser compreendidas desde então como
pessoas com necessidades diferentes das dos adultos.
Ao entrar em contato com essa concepção de que as posições sociais e os
significados e sentidos a elas atribuídos se modificam dentro de um processo histórico e
cultural, fui buscar uma especialização em Psicopedagogia que pudesse me ajudar a
construir um referencial para complementar minha concepção de homem e mundo.
Nesta, tive meu primeiro contato com a matriz histórico-cultural, que tem em Vygotski
seu grande mentor, a qual enfatiza a grande importância da história do grupo social ao
qual o sujeito pertence, bem como o ambiente cultural no qual está imerso seu grupo.
Ou seja, o ser humano se constitui através de atividades mediadas semioticamente, ao
mesmo tempo em que constitui o seu contexto. Isto é, ao mesmo tempo em que a
criança é construída por um mundo, por uma cultura, esta também participa ativamente
dessa construção. Neste sentido, pensando em direção à teoria histórico-cultural e, mais
especificamente, tomando por apoio o pensamento de Vygotski (1987), é possível
compreender que é no significado
2
que se localiza a integração de duas funções básicas
da linguagem: o intercâmbio social e o pensamento generalizante. Assim, são os
significados que vão tornar possível a mediação simbólica entre o ser humano e o
mundo material, constituindo-se como um dispositivo que permite absorver lentamente
as indicações culturais presentes neste mundo e permitindo, ao mesmo tempo, as ações
do sujeito sobre o referido mundo.
A produção teórica de Vygotski relativa à formação do psiquismo está
intrinsecamente ligada às práticas sociais de sua época. Em que pese que aos primeiros
tempos da Revolução Bolchevique de 1917, Clara Zetkin (1857-1933) já trazia para o
debate
3
com Vladimir Lênin (1870-1924) a problemática da questão implicada às
singularidades que envolvem a condição da mulher – e inclusive, Lenin ter dedicado seu
tempo a produzir uma série de documentos que foram tornados um livro que tratava da
questão da mulher - essa ordem de preocupações ainda não alcançava os estudos de
Psicologia realizados por Vygotski e seus colaboradores.
2
O conceito de significado por se tratar de fundamental importância para o presente trabalho será
discutido com mais detalhamento no capítulo 3.
3
“O camarada Lenin falou-me várias vezes sobre a questão feminina, à qual atribuía grande importância,
uma vez que o movimento feminino era para ele parte integrante e, em certas ocasiões, parte decisiva do
movimento de massas. É desnecessário dizer que ele considerava a plena igualdade social da mulher
como um princípio indiscutível do comunismo.” Extrato do diário de Clara Zetkin publicado como
apêndice no livro de Vladimir Lênin intitulado: O socialismo e a emancipação da mulher, de 1956.
4
As discussões de gênero foram historicamente pautadas em um tempo diverso ao
de Vygotski porém, seu legado metodológico teórico permite-nos articular o conceito
analítico de Gênero e Psicologia histórico-cultural, principalmente nas dimensões como
apropriação de signos e produção de significados e sentidos.
A historiadora Scott (1995), apresentando o conceito de Gênero como uma
categoria de análise, vem questionar os significados da condição biológica primeira
permitindo, assim, o enfrentamento da incompletude presente nas análises
naturalizantes que, via de regra, no espectro da vida cotidiana mediam as vivências de
gênero.
No ano de 2002 iniciei o mestrado em Psicologia na UFSC com o desejo de
pesquisar a relação entre crianças e suas brincadeiras na definição dos papéis de
meninas e meninos. Na medida em que os estudos foram avançando, fui entrando em
contato com a concepção de que as crianças se constituem nas relações intersubjetivas e
passei novamente a questionar, dentro de minha prática clínica, a preocupação tácita
daqueles pais que me procuravam, ou seja, a de que seus filhos não poderiam apresentar
características comportamentais que desviassem daquelas definidas socialmente de
acordo com critérios biológicos para homens e mulheres, isto é: se tivessem pênis,
deveriam brincar com coisas de meninos, como carros, lutas etc.; se tivessem vulva,
então, as brincadeiras se voltariam para as coisas da casa e da maternidade. Assustou-
me a grande distância entre o discurso e a prática dos pais, porque enquanto falavam de
direitos humanos e defendiam direitos iguais, no contexto familiar (principalmente no
que se refere ao lúdico) eles forçavam seus filhos a brincar de coisas relacionadas ao
padrão esperado para cada sexo. Para compreender isto precisei buscar embasamento
nas discussões de gênero e resgatar a própria história desse conceito como uma
categoria de análise (Scott, 1998) em que:
Gênero não se refere apenas às idéias, mas também às instituições, às
estruturas, às práticas quotidianas, como também aos rituais e a tudo que
constitui as relações sociais. O discurso é um instrumento de organização
social da diferença sexual. Ele não reflete a realidade biológica primeira,
mas ele constrói o sentido dessa diferença. (Scott 1998, p 115)
Durante as atividades do mestrado, depois de ter qualificado o projeto, mais
precisamente de setembro a dezembro de 2003, procedi o levantamento de informações
em uma escola de educação infantil. Infelizmente, por questões pessoais, não pude
terminar as análises na data regulamentar, sendo assim desligada do programa.
5
Em 2006, depois de passar por um novo processo seletivo, fui aprovada pelo
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC e voltei às atividades do mestrado.
À medida que fui me inteirando do tema, pude perceber o papel da Psicologia
nos estudos de Gênero, isto é, como a Psicologia vem sendo historicamente construída e
como o conceito de Gênero se relaciona com tal ciência. Neste sentido, a Psicologia
como ciência foi se consolidando, dando braços ao positivismo e contribuindo para
pensar o ser humano de forma categorizada e a-histórica. Para (Toneli-Siqueira, 1997),
a Psicologia ajudou a disseminar um padrão que contribuiu com o pensamento
hegemônico com relação às questões de Gênero:
Pode-se dizer, contudo, que em todas as áreas da Psicologia, o pensamento
hegemônico desconsiderou a alteridade no sentido do gênero. Por
desconhecimento, superficialismo ou preconceito, a humanidade e os seres
humanos, as funções psíquicas e suas etapas evolutivas foram estudadas como
se as diferenças de gênero não existissem, ou melhor, como se existisse apenas
um gênero, o masculino (Toneli-Siqueira, 1997, p.275).
1.2. OBJETIVOS
O presente trabalho surgiu com a preocupação de pesquisar as relações de
gênero durante a infância. Tem como objetivo geral a investigação das significações
atribuídas às questões de gênero, por parte de crianças, em situações de brincadeira no
contexto da Educação Infantil.
Como objetivos específicos deste estudo constam: a identificação e análise das
práticas sociais e discursos relativos às relações de gênero produzidas pelas crianças e
professoras em situação de brincadeira; a compreensão de como as práticas sociais
funcionam nos processos significação que constituem os sujeitos; o levantamento do
panorama da Educação Infantil no que diz respeito às questões de Gênero e a
demarcação de como a Psicologia se insere na condição de um campo de saber na
discussão e compreensão do cenário constituído pelos estudos de Gênero.
6
1.3. O ESTADO DA ARTE
A pesquisa de revisão bibliográfica, em que pese a absoluta necessidade de
acesso aos livros, aos autores que produzem/produziram estudos relativos ao tema em
questão e que podem ser considerados como clássicos, não pode deixar de lado os
estudos mais recentes da área, o Estado da Arte. A produção dos programas de pós-
graduação especializações, mestrados e doutorados -, as publicações presentes em
revistas produzidas via meio material ou eletrônico, a assistência a congressos e
documentários videográficos, pode ser de grande utilidade na aproximação com as
produções mais recentes em torno do tema a ser pesquisado.
No presente trabalho a circulação pelo contexto do Estado da Arte se deu por
meio do processo explicitado a seguir. Inicialmente foram estabelecidos os descritores
“psicologia e gênero”, “gênero e educação”, “constituição do sujeito e infância”,
“gênero e brincadeiras”; em seguida foram realizadas buscas nas bases Scielo e Banco
de Teses e Dissertações CAPES
4
, a fim de tomar conhecimento em que contexto de
produção acadêmica minha dissertação se inseria. Os textos, para utilização neste
trabalho de dissertação, foram inicialmente selecionados seguindo critérios de
conformidade com a perspectiva histórico-cultural de constituição dos sujeitos.
Cumprido este primeiro requisito, os textos deveriam atender os critérios de inter-
relação apresentados pelos descritores utilizados no levantamento do material nas bases
de dados. Relativo à data dos estudos levantados nas bases de dados, foi utilizado como
critério o período compreendido entre 1999 e 2007. Apenas um texto foi utilizado sem
que se cumprisse a regulamentação do critério de datação. Foi um texto apresentado por
Maia (1993) e que tratava, de modo bastante preciso, a questão das inter-relações entre
o conceito de criança, gênero, poder e subjetividade.
Para efetivo trabalho no processo de elaboração da dissertação, foram utilizados
os textos que, além de cumprirem todos os critérios acima mencionados, possibilitassem
uma aproximação reflexiva mais efetiva com a realidade do cotidiano escolar e
possuíssem um foco bastante detido nas inter-relações produzidas nesse ambiente – suas
4
A seleção foi realizada pela leitura dos resumos constantes no banco de teses e dissertações (realizada
em janeiro de 2007 e atualizada em janeiro de 2009). Com o descritor psicologia e gênero, foram
encontrados 539 trabalhos. No entanto, os especificamente envolvidos com o tema em questão, somaram
7 trabalhos. Em gênero e educação, encontrei o total de 239 trabalhos, destes 17 foram selecionados. Em
constituição do sujeito e infância, 80 trabalhos, 5 foram escolhidos. E em gênero e brincadeiras, encontrei
67 trabalhos, dos quais 16 foram selecionados. A referência completa dos trabalhos encontra-se listada no
final da dissertação. Confeccionei também tabelas de acordo com os descritores, que se encontra em
anexo.
7
rotinas e regras, por exemplo- com especial destaque àquelas que demonstrassem as
questões das marcas de gênero e a relação adultos-crianças no tocante às situações de
brincadeira.
O que foi possível depreender dos trabalhos localizados é a mobilização das
diversas áreas disciplinares em torno da temática que articula gênero, infância e
educação. Isto é reflexo de uma tendência que acompanha o movimento histórico da
própria constituição do campo em questão, “em que políticas públicas estaduais e
municipais, implementadas na década de 80, se beneficiaram do agudo questionamento
proveniente de enfoques teóricos de diversas áreas do saber” (Kramer, 2004, p. 18). No
caso da presente pesquisa, são predominantes as áreas da Educação, Antropologia,
Sociologia, Psicologia, Educação Física e em alguns pontuais estudos, as áreas de
Comunicação e Letras.
alguns indicadores dos interesses que a temática vêm despertando de acordo
com as produções acadêmicas encontradas nestas áreas. Existem trabalhos dedicados a
explorar conceitualmente as noções de infância e criança (Amadeu, 2001; Moraes,
2005; Maia, 1993) Também tem aumentado nos últimos anos a produção científica que
aborda gênero e sexualidade nos contextos escolares (Nunes, 2002; Ribeiro, 2003;
Guerra, 2005; Sayão, 2005; Wenetz, 2005); e os trabalhos que têm nas brincadeiras o
foco de análise para pensar sobre as diferenças de gênero (Sales, 2002; Daniel, 2005;
Gomes, 2005; Castro, 2006; Fernandes, 2006; Finco, 2004). Há ainda estudos que
trabalham com as questões do fracasso escolar (Brito, 2004) e, numa perspectiva de
Michel Foucault, trabalham com gênero, poder e processos de subjetivação (Wenetz;
2005). Destacam-se também os estudos que m seu foco na masculinidade (Bello,
2006).
Nestes estudos, a articulação teórica com os/as autores/as dos estudos de gênero
permite que se problematizem as diferenças até então naturalizadas entre os sexos. Na
área da psicologia uma forte presença dos estudos desenvolvimentistas, em que o
sexo das crianças aparece como “variável” de estudo, mas não de forma a se refletir
sobre ela. Por outro lado, os estudos em psicologia que se localizam numa vertente
histórico-cultural e de constituição do sujeito estabelecem com o campo do gênero e
com as teóricas feministas um diálogo comprometido e ímpar, no sentido de promover o
diálogo interdisciplinar e marcar, na própria psicologia, um espaço para que se possa
trabalhar o gênero e suas interfaces (Silva, 2004, Gomes, 2005). Predominam os estudos
de abordagem qualitativa.
8
Na grande maioria destes trabalhos a infância é entendida como uma produção
histórica, em que se pesem as diferenças culturais. Deste modo, há uma preocupação em
cercear um campo teórico em que as crianças e suas produções devem ser consideradas
como importantes focos de análise nos processos investigativos (Breganholi, 2002).
Metodologias de inspiração etnográfica, observações participantes, filmagens, utilização
de desenhos produzidos pelas crianças, jogos propostos como acesso às oralidades
infantis e aos modos como as crianças significam o gênero são predominantes nestes
trabalhos citados.
Alguns dos trabalhos encontrados compõem discussões onde a categoria gênero
manifesta-se relacionada às categorias de classe, etnias e gerações. O trabalho de Souza
(1999) na Antropologia Social é um exemplo ao analisar o gênero e a infância como
categorias que não escapam destes marcadores. A questão racial é especificamente
discutida por Nunes (2004), um dos poucos trabalhos encontrados que relaciona gênero,
trabalho e etnia. Na relação entre infância e trabalho, o gênero foi articulado aos espaços
por onde as crianças circulam, definindo fronteiras identitárias e de gênero, bem como a
expectativa destas crianças em relação à escola e ao futuro. O trabalho de Nunes é
interessante para entender o gênero como inserido no campo dos discursos, das práticas
e instituições.
Principalmente na área da educação gênero e infância vêm associados à
sexualidade, bem como ao papel/formação de professoras/es. São portanto esferas que
não podem ser entendidas separadamente.
Para Kramer (2004), na medida em que o debate sobre a educação de crianças de
0 a 6 anos se faz necessário, tornou-se urgente também a necessidade de formular
políticas de formação de profissionais e de estabelecer alternativas curriculares para a
educação infantil. Muitos deslocamentos em torno deste campo podem ser observados
nos debates e produções acadêmicas sobre o assunto. Entre eles, a estreita relação das
mulheres com a educação, vista como um desdobramento do caráter essencial da
maternidade; a relação da educação infantil com a extensão da maternagem; bem como
as significações de gênero e de sexualidade dos/as educadores/as baseadas em um
padrão heteronormativo de sexualidade que é reproduzido na relação com as crianças. A
discussão destes temas é de grande relevância, pelo fato dos/as educadores/as também
fazerem parte das relações intersubjetivas que mediam o processo de constituição das
crianças como sujeitos generificados.
9
Neste cenário teórico, Sayão (2003) aponta para a escassez de trabalhos
acadêmicos versando sobre nero/sexualidade na infância, como também a
importância da abordagem interdisciplinar para demarcar os estudos nessa área. “A
intersecção que o estudo da infância possibilita entre vários campos disciplinares
reconfigura muitas das visões naturalizadas sobre as crianças e as instituições
educativas” (p.69). Articula, através de suas experiências como educadora, a categoria
gênero e educação infantil.
Alguns estudos (Rosemberg, 1985; Bruschini, 1981), têm como objetivo
instrumentalizar educadores e educadoras no planejamento de políticas e ações sobre
educação sexual. Estes encontram eco na visibilidade que o tema ganhou na década de
1980 ao investigar questões importantes que refletem a própria história/trajetória da
educação infantil e como esta se articula ao campo dos estudos de gênero
5
.
A própria concepção do que seja criança, infância, educação infantil - e o que
dela se esperou e se espera - é colocada em xeque, já que educadores/as se deparam com
estas problemáticas em seus cotidianos nas instituições. Como lidar com estes
desconfortos? É a pergunta de fundo, e que remete à preocupação em saber como os
adultos estão lidando com estas questões para então perceber algumas dinâmicas de
gênero que são reiteradas, afirmadas ou negadas, no âmbito escolar.
Ainda com relação à escassez apontada anteriormente por Sayão (2003), o
trabalho de Guerra (2005) teve o objetivo de discutir as questões em torno da
sexualidade e da identidade de gênero no universo de crianças de 4 a 5 anos de idade.
Neste estudo, a preocupação da autora esteve pautada na reflexão sobre os planos
pedagógicos e a sexualidade. O título é sugestivo, pois fala dos “segredos sagrados”
para abordar gênero e sexualidade no cotidiano de uma escola de Porto Alegre.
Nesta corrente de questionamento, o trabalho de Maia (1993) articula gênero,
poder e subjetividade em uma perspectiva histórico-dialética para refletir sobre o
conceito de criança na pré-escola. De protótipos de adultos a sujeitos de direitos no
campo da educação, estas questões estão relacionadas ao meu próprio incômodo diante
das queixas e modos daqueles adultos (pais e professores) ao falarem sobre as crianças e
suas “manifestações”.
Os trabalhos mais contemporâneos têm suas reflexões menos centradas na idéia
de papéis sexuais e de gênero. Eles refletem em termos de matrizes binárias,
5
Assim como a inclusão da sexualidade como um dos temas transversais dos Parâmetros Curriculares
Nacionais os modos como esta foi concebida e sua importância atual.
10
heteronormativas, em que as questões de gênero podem tanto reiterar determinadas
posições frente ao masculino e ao feminino quanto apresentar alguma possibilidade para
questionar — e mesmo subverter — os significados estereotipados e culturalmente
aceitos do gênero. Esta circularidade movimenta inclusive as metodologias utilizadas
nestes estudos, pois passa a considerar as relações de forma não-linear, incluindo-se
então as rotinas escolares de forma mais fluida, em que os sentidos do gênero não se
encontram fixados seja na criança, seja no professor, seja nos planos pedagógicos.
Pode-se perceber o interesse destes estudos pelas reflexões de Butler (2003), por
exemplo, é uma autora que problematiza o conceito de gênero.
A presença de um maior número de homens nestes trabalhos também é uma
informação importante, que pode ser lida como uma conseqüência da maior visibilidade
que o campo do gênero vem propiciando. Inclusive, destaco a tese de doutorado de
Sayão (2005), uma das pioneiras a investigar a presença de homens professores no
contexto escolar.
No traçado deste campo do fazer pesquisa com crianças, aos saberes focados nos
adultos - pais, professores - somou-se o saber produzido pelas crianças, e como este
saber poderia ter seu lugar nas pesquisas. Ao lidar com a brincadeira como uma forma
de performatizar o gênero (Butler, 2003), encená-lo em sua vertente ficcional, um
indicativo de que a brincadeira infantil também está sendo vista de outras formas. Uma
“coisa de criança” que tem um significado importante nas relações de gênero, pois faz
repetir determinadas dinâmicas, explicita os jogos de poder envolvidos, sendo uma
facção da fantasia na realidade e vice-versa. Bezerra (2006) discute o ato de brincar
infantil como uma forma de estabelecer a relação entre gênero e ideologia, em estudo
realizado com crianças na pré-escola. Ou seja, pensar a brincadeira como via de entrada
aos modos e aos processos de significação infantil na cultura, que perpassa
invariavelmente a participação dos adultos, chamando-os à tona em seus modos de ver
as questões que envolvem o gênero e seus desdobramentos.
Em muitos trabalhos que articulam gênero e brincadeiras, esta é tida também
como uma via de subversão dos significados do gênero, nos processos e cotidianos
escolares em que estes significados adquirem sentidos ou não, na relação entre crianças
e destas com os professores. A preocupação parece não ser tanto as brincadeiras em si e
se elas se referem a meninos, ou a meninas, mas o modo como ganham forma nas
relações entre as crianças e os adultos. Alguns estudos têm o conflito como alvo de
investigação das questões de gênero (Silva, 2004). As brincadeiras, portanto, promovem
11
a observação das disputas por espaços e legitimidade entre as crianças, que por vezes
reivindicam romper com as significações do gênero atribuídas aos brinquedos ou às
brincadeiras, e uma nova configuração do gênero deve ser formulada tanto pelas
crianças como pelos adultos.
É então que uma possibilidade de análise dos episódios se faz presente, a partir
da brincadeira e daquelas cenas em que o gênero movimenta o próprio conflito. O
brincar e suas implicações em uma cultura generificada podem ser entendidos como um
processo performático do gênero, em que crianças e adultos, ao nomear brinquedos,
cores, brincadeiras, tarefas, etc., estão nomeando o que cabe a cada “sexo”. As crianças,
ao subverterem estas nomeações, por vezes lineares e simplistas, exigem que a estas
performatividades constituídas se criem outras. Temos que considerar que as
brincadeiras acontecem em um campo discursivo delimitado, em que as possibilidades
estão restritas aos usos do gênero na linguagem. Destaco o trabalho de Ileana Wenetz
(2005), ao analisar que "no espaço escolar pesquisado, o gênero inclui maneiras de
ocupação, imposição, negociação ou recriação dos próprios espaços e das brincadeiras".
Nas divisões sexuais entre meninos e meninas, nas escolhas com o que brincar
(carrinhos, bonecas, atividades dentro e fora da sala, cores azul e rosa, etc.), as
limitações e as definições de quem brinca com o quê. A atividade lúdica não apenas
movimenta a brincadeira, mas o modo como o brinquedo é visto e significado, preterido
ou não na vivência de meninos e meninas.
A questão da performatividade é recorrente em muitos estudos. Destaco o estudo
de Baião (2006). De cunho etnográfico, a autora discute a “co-construção” das
identidades “performáticas” de gênero entre meninos e meninas durante as atividades de
roda e de apresentação de brinquedos (o dia do brinquedo). A autora reflete sobre a
reprodução de modelos hegemônicos e as maneiras de reformulá-los, em um contexto
escolar marcado pelos binarismos e dicotomias do gênero.
Finco (2003) em seu artigo sobre educação infantil, relações de nero, meninos
e meninas, brincadeiras e cultura infantil, busca questionar “o fato natural” como são
tratados os papéis e comportamentos pré-determinados de menina e menino em relação
a brincadeiras em um contexto pré-escolar. Apresenta uma reflexão sobre o que é
adequado para menina e o que é adequado para menino brincar. Em suas análises, a
autora se contrapõe “às pesquisas que consideram que meninos e meninas demonstram
comportamentos, preferências, competências, atributos de personalidade mais
apropriados para seu sexo, seguindo, desde bem pequenos, as normas e padrões
12
estabelecidos” (Finco, 2003, p.89). Procura sair do olhar que chama de “adultocêntrico”
apontando que as “transgressões dos papéis de gênero” seriam a possibilidade de
apresentação de novas formas de ser menino e menina.
Dentro deste panorama gênero, infância, papéis sexuais e estudos histórico-
culturais Minella (2006) analisa, partindo da perspectiva de gênero, algumas das
principais contribuições da área da História Social e da Sociologia Histórica
relacionadas à infância no Brasil. As obras analisadas, tendo como suporte alguns
aportes da epistemologia Feminista, datam dos períodos Imperial e Colonial. As
discussões do artigo giram em torno de questionar e problematizar os conceitos de
infância e criança.
Faria (2006) inclui os temas pequena infância, movimento feminista, relações de
gênero, educação infantil, creche e pré-escola em seu artigo. Aponta que foi somente
nos últimos 30 anos que as pesquisas observam o que as crianças pequenas fazem
quando estão entre elas num ambiente coletivo organizado por profissionais adultos
e/ou adultos com intencionalidade educativa. “Ainda com forte viés na psicologia essa
pesquisa vai se tornando multidisciplinar para conhecer o ‘cidadão de pouca idade’
(como diz Benjamin) para além da patologização, do higienismo, da incompletude, do
apenas um vir-a-ser” (Faria, 2006, p.282-3).
Portanto, a pesquisa realizada no Scielo e na Base de Dados da Capes
demonstrou um grande aumento da produção teórica relacionada a gênero, brincadeiras
e educação. Os trabalhos produzidos evidenciam um posicionamento desnaturalizante
da constituição do sujeito na dimensão de gênero evidenciando o quanto este é marcado
pelo contexto histórico-cultural.
13
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O presente trabalho tem como marco teórico as proposições da Psicologia
histórico-cultural, que entende o sujeito como ser histórico e social, imerso em um
processo contínuo e recíproco de construção de si e de seu mundo. Lev Semiónovich
Vygotski (1896 1934) é o principal autor da Psicologia Histórico-Cultural, trazendo
como pilares fundamentais o materialismo histórico e dialético.
2.1. CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO À LUZ DA ABORDAGEM HISTÓRICO-
CULTURAL
O referido autor critica a psicologia praticada na sua época
6
e as que o
antecederam. Estas críticas são dirigidas ao método adotado pelos psicólogos em suas
pesquisas. Suas pesquisas tiveram como base a história e a dialética marxista, levando-o
à constatação de que o desenvolvimento humano é mediado pela cultura.
Em toda sua obra defende a tese de que o sujeito é constituído a partir dos
processos de apropriação
7
das especificidades do contexto histórico e cultural. Por meio
desta premissa, rompe com as concepções maturacionistas, essencialistas e naturalistas
de sujeito e de subjetividade (Molon, 2003).
O conceito de funções psicológicas superiores articula-se com os outros
conceitos, igualmente fundamentais. Para ele, o desenvolvimento cultural da conduta, a
aquisição das funções psíquicas superiores e o domínio do próprio comportamento são
processos interligados. Ou seja, essas funções se constituem por meio dos processos de
apropriação, que são mediados pelo grupo cultural e que configuram a conduta humana.
Assim podemos depreender que o desenvolvimento do ser humano não pode ser
entendido à margem da cultura, que o ser humano é um ser social, que se relaciona com
outros. Segundo Vygotski (2007), o ser humano constitui-se como tal pelas relações que
estabelece com os outros, que são mediadas semioticamente.
6
Vigotski nasceu na Rússia em 1896. Sua maior produção e contribuição à Psicologia foram entre os
anos de 1924 e 1934, ano de sua morte. Dialogou e analisou trabalhos de colegas psicólogos de sua época
tais como: Freud, Stern, Kofka, entre outros. Vide Zanella, 2001.
7
O conceito de apropriação, com base na Psicologia Histórico-Cultural de Vygotski, refere-se ao
movimento do sujeito no sentido de tornar intrapsicológico o conhecimento culturalmente produzido e
compartilhado. A apropriação do conhecimento promove a reconstrução de todas as funções psicológicas
(SMOLKA, 2000).
14
Desde o nascimento o ser humano é dependente dos outros, é recebido e recebe
um mundo histórico e culturalmente constituído, e ao mesmo tempo tem a
possibilidade de constituí-lo, como também, sua visão pessoal de mundo.
Vygotski(2007) considera o ser humano nos seus processos de desenvolvimento como
ontologicamente social, pois reforça a importância da participação do outro nos
processos de construção da própria história. Assim, ao mesmo tempo em que o ser
humano vai construindo sua história, contribui com a construção coletiva da mesma,
colaborando para o patrimônio cultural da humanidade, bem como e simultaneamente
serve-se do que já está construído até então. Portanto, o sujeito recebe um mundo
cultural e historicamente estabelecido e, ao mesmo tempo em que se “nutre” desta
estrutura, contribui também com ela devolvendo as apropriações individuais que faz
deste processo. Neste sentido, os processos, o ato, a ação são os focos de trabalho de
Vygotski.
No processo de construção das posições sociais, o ser humano é dependente de
outras pessoas, não apenas no que diz respeito à satisfação de necessidades fisiológicas
essenciais - principalmente quando criança - mas também, cultural e ideologicamente. É
o outro que inicialmente atribui significado às coisas/pessoas/situações/ações para a
criança. Ou seja, a criança apreende de suas relações sociais os significados produzidos
e partilhados pelo grupo cultural, atribuindo sentido pessoal às
coisas/pessoas/situações/ações. Neste processo dialético o sujeito constitui-se - porque
existe uma elaboração individual dos sentidos - e simultaneamente constitui sua
realidade social (Pino, 1996).
De acordo com Martins (1997), a concepção de desenvolvimento humano de
Vygotski baseia-se na idéia de um organismo ativo em interação com o ambiente
existente. Sendo assim, Vygotski postula que o desenvolvimento do pensamento se
em relação com o ambiente posto que, conforme Martins (1997), “... a criança
reconstrói internamente uma atividade externa, como resultado de processos interativos
que se dão ao longo do tempo” (p.114). Assim, diferentemente do que vinha sendo
estudado pela “velha Psicologia” - como se referia Vygotski à Reflexologia e também à
Psicologia praticada por Piaget -, Vygotski verificou que o processo de internalização
constitui-se a partir das atividades externas, das relações que as crianças estabelecem
com o mundo e com os outros, ao contrário do que queriam fazer crer os referidos
autores da Psicologia do desenvolvimento humano.
15
Uma das mais importantes categorias
8
de estudo de Vygotski (2007) é a
linguagem, sua relação com o pensamento e o desenvolvimento das funções
psicológicas. Para este autor, “a fala tem um papel essencial na organização das funções
psicológicas superiores” (Vygotski, 2007, p.30).
No estágio inicial do desenvolvimento humano o Vygotski constata um período
pré-verbal no processo de formação da linguagem, e um período pré-intelectual no
processo de formação do pensamento. O pensamento e a palavra não estão relacionados
entre si através de um nculo primário, sendo que tal relação surge, muda e cresce no
processo do desenvolvimento do pensamento e da palavra. Assim, Vygotski verifica que
não elos entre pensamento e linguagem no começo do desenvolvimento humano,
mas sim na medida em que as crianças vão se desenvolvendo e se apropriando da
linguagem, este elo vai se compondo.
Smolka, Góes e Pino (1998), autores brasileiros que trabalham na perspectiva
histórico-cultural, afirmam que “na interpretação de Vygotski, o desenvolvimento
humano envolve processos mutuamente constitutivos de imersão na cultura e
surgimento simultâneo de individualidade única no contexto da prática social” (p.154).
Eles reafirmam o importante papel da mediação semiótica como fator crucial que
permite ao ser humano a transformação, ainda que paulatina, de ações compreendidas
como tendo gênese nas relações sociais, para ações internalizadas.
É, decididamente, com seus estudos e seu exercício de pesquisar a psicologia,
tendo como base o Marxismo, que Vygotski (1982) vem pensar a psicologia como
ciência em que os processos psicológicos são construídos em mutualidade com o
envolvimento social dos indivíduos. De acordo com Zanella: “Para Vygotski a
psicologia deveria consistir na ciência capaz de explicar como as características
singulares humanas, os processos psicológicos, são produzidos a partir das relações
sociais, isto é, do convívio com outros indivíduos da espécie humana, capazes de
elaborar cultura e fazer história.” (Zanella, 2001, p.74).
A mediação assume importância crucial no desenvolvimento infantil, como
afirmou Vygotski: “Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas
vezes: primeiro, no nível social, e, depois no nível individual; primeiro entre as pessoas
(interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). [...] Todas as
8
As categorias estudadas por Vigotsky nunca eram estanques, fixas. Eram sempre relacionais, históricas e
dialéticas. Chamo de categoria aqui por simples questão didática.
16
funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos.” (Vygotski
1998, p.75).
Para explicar o processo de mediação é necessário apresentar o conceito de
signo para a psicologia histórico-cultural. De acordo com Vygotski, signo opera como
uma ferramenta para auxiliar na solução de problemas do campo psicológico. “O signo
age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel do
instrumento no trabalho” (Vygotski, 1998, p.70).
Como a mediação assume importância crucial no desenvolvimento infantil
(Vygotski, 1998), o desenvolvimento de sinais acontece através dos significados
atribuídos pelos outros às ações da criança. Ao mesmo tempo, no processo de
constituição do sujeito, em um movimento dialético, este também produz sinais para
outros de modo que a pessoa se torna “o que ela é através do que ela produz para os
outros” (Vygotski, 1981, p.162 conforme Smolka, Góes & Pino, 1998, p.155). Por isso,
autores como Zanella (2000) afirmam que o processo de constituição do sujeito se
em um movimento em que este ao mesmo tempo é constituído e constituinte, ator e
autor.
Góes (1992, 1993 e 1995) pesquisou os modos de participação do outro nos
processos de significação do sujeito. Nas palavras da autora: “Assumimos que a relação
entre a ação do outro e a ação do sujeito é de caráter constitutivo” (1993, p.3). Com esta
afirmação chega a dois pontos fundamentais. Em primeiro lugar, explica que a ação do
outro não determina de forma gida o funcionamento do sujeito. A ação do outro tem,
sim, direcionalidade limitada, isto é, não é porque o outro age de tal forma na presença
do sujeito que este irá responder, ou agir respondendo ou imitando ao que o outro
espera como resposta às ações daquele. A noção de “constitutividade” pressupõe uma
não direcionalidade, isto é, o sujeito na relação com o outro constrói significados, mas
não se pode dizer o quê, ou melhor, quais foram os elementos nesta interação que
produziram tais significados.
Em segundo lugar, visto que as ações se dão de forma imediata, não é possível
predizer ou qualificar o que seria adequado ou não, por exemplo, nas ações entre
professoras/es e alunos/as. Além disso, a autora aponta que metodologicamente se
pode analisar as evidências do caráter constitutivo da interação outro-sujeito, bem como
qualificar a mediação desta interação, de forma retrospectiva, isto é, analisando a
história, os fatos ocorridos, para tecer interpretações. E que a psicologia tem função
17
não-prescritiva e sim, de projetar possibilidades de ação baseando-se em um olhar
retrospectivo.
A autora afirma ainda que, na tentativa de pesquisar novas metodologias para
entender as interações outro-sujeito pode-se chegar a polaridades incongruentes com a
perspectiva dialética, a qual a abordagem histórico-cultural se propõe. Tal
incongruência pode aparecer na supervalorização da condição do outro, tendo como
conseqüência a fragilização do sujeito. Nesta ordem é que se tende a prender os
indivíduos em pólos opostos, não deixando transparecer a inter-subjetividade
constitutiva e a singularidade dos sujeitos que se encontram em um mesmo plano. Para
Góes, (1993) “... a tendência crescente para examinar o indivíduo concretamente
constituído nos leva a conceber a individualidade como processo, construída
socialmente e a singularidade como conjugação de elementos nem sempre convergentes
e harmoniosos” (p.5).
O ser humano possui uma característica que o torna único: o uso de instrumentos
simbólicos como mediadores. Vygotski (1998) postula que a atividade é constituidora
do sujeito e que os instrumentos possuem função mediadora nesse processo. Os
instrumentos mediadores podem ser de duas naturezas: “a) física, como no caso de
ferramentas, que modificam o meio físico e o sujeito da ação; e b) representacional, que
seriam os signos, os quais incidem e modificam a relação do homem consigo mesmo e
com os outros homens” (Zanella, 2001, p.76).
Os signos na obra Vygotskiana são instrumentos simbólicos, criados pelo ser
humano, que permitem o conhecimento a e transformação do meio, a comunicação entre
os sujeitos, como também o desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Vygotski faz um paralelo entre a invenção dos signos e dos instrumentos. Ele diz que
os signos são instrumentos simbólicos que auxiliam o sujeito a solucionar problemas
psicológicos. Embora haja tal comparação, signo e instrumento - que auxiliaria o sujeito
a solucionar problemas “físicos”- não são conceitos idênticos.
A diferença mais essencial entre signo e instrumento, e a base da divergência
real entre as duas linhas (...). A função do instrumento é servir como um
condutor da influência humana sobre o objeto da atividade; ele é orientado
externamente; deve necessariamente levar a mudanças nos objetos. Constitui
um meio pelo qual a atividade humana externa é dirigida para o controle e
domínio da natureza. O signo, por outro lado, não modifica em nada o objeto
da operação psicológica. Constitui um meio da atividade interna dirigido para
o controle do próprio indivíduo; o signo é orientado internamente. Chamamos
de internalização a reconstrução interna de uma operação externa. (Vygotski ,
2007 p.55 e 56).
18
Segundo Oliveira (1997), os signos podem ser definidos como elementos que
representam ou expressam outros objetos, eventos, situações. Como exemplo a autora
cita o signo mesa que representa o objeto mesa; o símbolo 3 é um signo para a
quantidade três; assim como o desenho de uma cartola na porta de um sanitário é um
signo que indica “aqui é o sanitário masculino”.
Portanto, os signos são produções sociais que: “(...) no caso da linguagem oral,
por exemplo, esta se constitui enquanto signo se fizer sentido para o outro, se for
partilhada” (Zanella, 2001, p.77).
Assim sendo, nesta matriz de pensamento, o ser humano transforma o seu meio
via instrumento, ao mesmo tempo em que é transformado por este. A atividade
instrumental compreende tanto o indivíduo quanto o meio, e isso se em um
movimento recíproco. O ser humano apropria-se dos signos de forma ativa, através das
relações que estabelece com a cultura, e com os outros com os quais convive. Ele não
copia simplesmente, ele se apropria de acordo com suas possibilidades, suas relações
com a cultura, porém, de forma singular.
De acordo com Oliveira (1995):
Para Vygotski, os signos não são criados ou descobertos pelo sujeito, mas
por estes apropriados, desde o nascimento, na sua relação com parceiros
mais experientes que emprestam determinadas significações a suas ações em
situações objetivas, nas quais determinadas formas de relações sociais e de
uso de signos na execução de tarefas se fazem presentes (p. 52).
Deste modo, nas situações intersubjetivas vividas pelas crianças, o que é
considerado signo para o parceiro vai sendo apropriado gradativamente pela criança em
relação, constituindo-se aos poucos em signo para a própria criança. Neste sentido, a
brincadeira é considerada atividade mediadora do processo de constituição do sujeito
em suas diversas dimensões.
2.2. O BRINCAR PARA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL
A atividade é considerada ponto crucial para se compreender o processo de
desenvolvimento humano na teoria histórico-cultural. É na atividade ou seja, na ação
sempre mediada semioticamente, que o ser humano se transforma e transforma o seu
19
entorno. Considerando a brincadeira - o brinquedo ou o brincar -
9
como sendo uma
atividade fundante do sujeito humanos, cabem algumas considerações importantes,
principalmente quando se trata do contexto educacional da criança.
Segundo afirma Vygotski (1998), não se pode definir o brincar única e
simplesmente como atividade que prazer à criança. De acordo com ele, existem
outras atividades que dão muito mais prazer, como a atividade de sucção, por exemplo.
Existem também, jogos e brinquedos cujos resultados não são agradáveis para a criança.
Assim, Vygotski (2007, p. 107) assegura que “(...) o prazer não pode ser visto como
uma característica definidora do brinquedo (...)”. Para o autor a atividade de brincar
preenche necessidades da criança, colocando-a em ação, isto é, motivando-a a agir sobre
seu mundo. Quando uma criança muito pequena
10
sente a necessidade de ocupar algum
espaço social que não o seu, ela envolve-se em um mundo imaginário no qual pode
realizar tal desejo. Neste mundo imaginário, no qual ela faz-de-conta que é o que não é,
explora suas possibilidades de ação sobre o meio circundante. Tal mundo onde se
podem satisfazer tais necessidades é o que Vygotski chamou de brincadeira.
Porém, nem todas as necessidades não satisfeitas dão origem à atividade de
brincar, como também a presença de necessidades satisfeitas no brincar não significa
que a criança entenda as motivações que a levam a realizar tal atividade. Não é uma
relação de causa e efeito, isto é, as crianças não sabem por que e pra quê brincam. Elas
simplesmente o fazem. Os motivos que as movem também são cambiantes e não
passam pelo entendimento cognitivo.
À medida que vão crescendo e se apropriando da cultura, as motivações das
crianças mudam sendo essencial o papel destas nas brincadeiras.
A imaginação é um processo psicológico novo para a criança; representa
uma forma especificamente humana de atividade consciente, não está
presente na consciência de crianças muito pequenas e está totalmente
ausente em animais. Como todas as funções da consciência, ela surge
originalmente da ação. O velho adágio de que o brincar da criança é a
imaginação em ação deve ser invertido; podemos dizer que a imaginação,
nos adolescentes e nas crianças em idade pré-escolar, é o brinquedo sem
ação. (Vygotski, 2007, p.109)
9
Vygotski (1998) parece utilizar os três termos indistintamente. Outros autores da perspectiva histórico-
cultural como Elkonin (1998) usa o termo jogo. Utilizarei os termos atividade de brincar e brincadeira,
por considerar mais abrangente.
10
Vygotski (1998) refere-se a brincadeiras de crianças em idade pré-escolar. Pode-se inferir que quer
dizer crianças que operam instrumentos e entendem signos. Crianças de 1 ano e meio
aproximadamente.
20
Desta forma, chama a atenção para as explicações que colocam a imaginação
como uma subcategoria do ato de brincar. Para o referido autor, a imaginação é que
define o brinquedo, a ação de brincar, e também defende que o brincar difere de outras
formas de atividade.
Vygotski levanta críticas a respeito da concepção do brincar como instrumento
simbólico, informando que que se ter cuidado, pois as características simbólicas do
brinquedo são muito específicas e fogem do termo propriamente dito. De acordo com
ele, o brincar “pode ser considerado como um sistema de signos que generalizam a
realidade, sem nenhuma característica que eu considero específica do brinquedo”
(Vygotski, 2007, p.110). Deste modo, o esforço do autor em suas pesquisas sobre o
brincar é o de demonstrar que as generalizações não são estanques, e sim produzidas a
cada ato de brincar — portanto, construídas durante a brincadeira. Por exemplo, a
generalização está presente quando a criança escolhe uma tampa de panela como
suporte de representação de um volante de automóvel; tanto está que a escolha não é
aleatória e sim conduzida pelas características do objeto. Porém, a tampa deixa de ser
um volante quando a brincadeira termina.
De acordo com Góes (2000), na visão de Vygotski : “(...) no início da infância, o
contexto perceptual e os objetos como que determinam a ação da criança. Os objetos
são explorados e manipulados conforme suas características físicas ou funcionais;
motivação e percepção estão, de certa forma, superpostas”. (Góes, 2000 p.1) Porém, na
medida em que a criança começa a brincar de faz-de-conta, ocorre uma separação entre
percepção e motivação. Neste momento do brincar, as ações passam a ser simuladas e
uma coisa passa a significar outra. Ocorre, segundo a autora, uma mudança no
tratamento da significação.
Ao referir-se ao conceito de significação na abordagem histórico-cultural,
Zanella (1997,
p.67) afirma que:
... a significação refere-se a ‘o que as coisas querem dizer’, aquilo que alguma
coisa significa. Como as coisas não significam por si , e nem tão pouco
significam a mesma coisa para indivíduos diferentes, depreende-se que a
significação é fenômeno das interações, sendo, pois, social e historicamente
produzida.
Segundo Pino (1993), remetendo-se a Vygotski, o sujeito apropria-se do
significado da ação e não da ação em si mesma. Neste sentido a brincadeira se apresenta
para a criança pequena como uma necessidade de lidar e agir sobre os objetos, e
21
também de experimentar o mundo dos adultos. Porém, tal mundo é experimentado da
maneira que é percebido, visto e transformado em ação através do brincar.
O mesmo autor diz que o jogo simbólico favorece a possibilidade das fronteiras
entre o real e o imaginário se diluírem e se interpenetrarem. Ele descreve em seu artigo
a observação de crianças (de pré-escola) durante uma situação de jogo simbólico. Em tal
situação, elas montam um episódio familiar a qual o autor analisa e afirma que: “(...) o
jogo simbólico permite à criança internalizar a significação das relações sociais em que
está inserida na vida real, mas conferindo-lhes um sentido pessoal que esteja em
sintonia, ao mesmo tempo, com sua história e com a história dos seus desejos” (Pino,
1996, p. 21).
Assim, Pino (1995, 1996) permite que se avance no que se refere às reflexões
sobre o jogo simbólico, trazendo os conceitos de apropriação de significados de
Vygotski, e vai mais além quando afirma a existência de um sentido pessoal atribuído às
situações de jogo.
Para apresentar a brincadeira, - principalmente em um contexto escolar, que é
uma das funções deste trabalho - considera-se importante discutir a relação
desenvolvimento/aprendizagem, para a matriz histórico-cultural.
O desenvolvimento humano não se processa de modo contínuo e linear, e sim,
na perspectiva do autor, através de saltos qualitativos. Significa que através de crises,
impasses, necessidades o sujeito se compelido a buscar novas formas de lidar com
determinada situação. O salto qualitativo ocorre, pois ao se apropriar de uma nova
forma de mediação, o sujeito se modifica, modificando o seu meio. De acordo com
Zanella (2001, p.95): o principal fator de desenvolvimento, portanto, consiste na
apropriação, pelo sujeito, de novas formas de mediação, de novos signos (...)”.
A aprendizagem, por sua vez, consiste na apropriação da cultura, suas
determinações de gênero, raça/etnia, classe social, gerações, religião, na qual o sujeito
está inserido. Destarte, esse processo não ocorre de forma passiva, pois ao mesmo
tempo em que se apropria se transforma.
Vygotski (2007), para melhor especificar a relação mutuamente constituída entre
desenvolvimento/aprendizagem, destaca que é preciso considerar dois veis que fazem
parte do processo de desenvolvimento. O primeiro refere-se ao nível que uma criança
consegue realizar sozinha, isto é, ela apropriou instrumentos mediadores que a
permitem realizar determinada atividade. O segundo refere-se às atividades que a
criança não consegue realizar sozinha, porém consegue com o auxílio de um parceiro
22
mais experiente
11
ou de um adulto. Este segundo nível de desenvolvimento é o que
Vygotski chamou de “Zona de Desenvolvimento Proximal” (ZDP). O conceito deu ao
autor a possibilidade de entender os processos de constituição das funções psicológicas,
tais como o papel do jogo e da fantasia. Assim, pôde observar que no jogo (nas
brincadeiras) o fator preponderante é a imitação. Neste sentido, Zanella declara: “Em
razão da imitação, capacidade que constitui o principal mecanismo do desenvolvimento
cria-se a Zona de Desenvolvimento Proximal: quando a criança imita alguém, ela está
agindo de forma superior às suas condições reais de atuação, fato que remete
imediatamente à noção de ZDP.” (Zanella ,2001, p.99).
Sendo assim, a brincadeira é considerada, nesta perspectiva, como constituidora
de ZDP por excelência. Desta forma, entende-se que as situações de brincadeira são
vividas pelas crianças como algo em processo de construção. A gica e as regras são
criadas na própria brincadeira, sendo também reformuladas à medida que se tornam
menos funcionais. Para Vygotski (1998), não brincadeiras sem regras, mesmo as
brincadeiras surgidas nas situações imaginárias possuem regras. Deste modo pode-se
dizer que, ao mesmo tempo em que as crianças imitam, elas criam durante a atividade
de brincadeira.
Vygotski (2006) chama de atividade criadora todo o fazer humano capaz de
realizar algo novo. Considera esta como atividade exclusivamente humana que pode
manifestar-se “(...) tanto no que se refere a reflexos de algum objeto do mundo exterior,
quanto determinadas construções cerebrais ou sentimentos (...)”. (Vygotski 2006, p.7
tradução minha)
12
. Assim, tal atividade pode se manifestar em forma de reflexões ou
recriações de algum fato ou objeto existente (isto é, retratado na coletividade)
como também criações, construções e sentimentos singulares. A constituição dos
sujeitos é social sempre — tanto na coletividade como na singularidade: ele tanto
constrói como é construído pelo meio que o circunda, portanto sua singularidade é
constituída no âmbito social e objetivada nele.
O autor afirma que, ao observar as condutas humanas podem-se distinguir dois
tipos de impulsos básicos: o impulso reprodutor e o impulso criador. O primeiro está
11
Parceiro mais experiente, não significa alguém mais velho, necessariamente, mas alguém que tenha
experiências diferentes, que não faça o papel de supervisão do adulto. “(...) na medida em que
oportunizam a confrontação de diferentes pontos de vista sem a postura tutorial – o que leva nãoa uma
maior discussão e negociação de significados como, também, à alternância na coordenação de papéis
sociais, visto crianças vivenciarem práticas sociais diferenciadas” (Oliveira & Rosseti-Ferreira in Zanella,
2001 p.108)
12
“(...) ya se trate de reflejos de algún objeto del mundo exterior, ya de determinadas constucciones del
cérebro o del sentimiento que viven e se manifestan sólo em el próprio ser humano.” (Vigotsky, 2006 p.7)
23
intimamente ligado à memória. O segundo refere-se a toda “atividade direcionada a
produzir algo novo através de novas imagens e novas ações”. (Vygotski, 2006, p.9
tradução minha)
13
Nesta direção o cérebro é capaz de reproduzir experiências passadas através da
memória. Contudo, o que Vygotski (2006) chama de atividade criadora é a capacidade
de, através de dados obtidos ao longo da história de vida, o sujeito conseguir ir além do
conhecido, superar o posto, e criar o que está por vir. A esse respeito, o autor afirma
que: “É precisamente a atividade criadora do homem que faz dele [o ser humano] um
ser projetado para o futuro, um ser que contribui na criação e que modifica o presente.”
(Vygotski, 2006, p.9, tradução minha)
14
.
Portanto, as questões que se referem à criação como memória, imaginação,
fantasia
15
entre outras fazem parte do processo criador humano. E assim entendendo
a criação não como um dom, nem como algo pré-estabelecido, mas como uma
construção cotidiana, Vygotski, observando as brincadeiras, constata que tal processo
acompanha o ser humano desde sua infância.
Além disto, o autor aponta que as crianças imitam sim, e muito, o cotidiano do
qual participam, porém sempre acrescentam algo de novo, de singular a tal experiência.
Por exemplo, as crianças que fazem um monte de areia imaginando ser um bolo, e
depois fingem que estão comendo-o. Como este, existem outros exemplos de
reproduções cotidianas que as crianças transportam para suas brincadeiras. Pode-se
dizer que isto é somente reprodução, que a criança apenas copia o que vê. Porém, o
próprio autor pode esclarecer: [As crianças] “Não se limitam em seus jogos a recordar
experiências vividas, mas sim, elaboram-nas criativamente, combinando-as entre si e
construindo com elas, novas realidades de acordo com suas afinidades e necessidades”
(Vygotski, 2006 p.12 tradução minha).
16
É, então, também através das brincadeiras que as crianças vão constituindo seu
processo de desenvolvimento e apropriação dos elementos da cultura, dentre eles, as
13
“Toda actividad humana que no se limite a reproducir hechos o impressiones vividas, sino que cree
nuevas imágenes, nuevas acciones, pertenece a esta segunda función creadora o combinadora.”
(Vygotski, 2006, p.9)
14
“Es precisamente la actividad creadora del hombre la que hace de él um ser proyectado hacia el futuro,
um ser que contribuye a crear y que modifica su presente.” (Vygotski, 2006, p.9)
15
Funções Psicológicas superiores seriam também: percepção em categorias, memória lógica, atenção
focalizada, emoção, imaginação criadora e auto-regulação da conduta. (Vigotski, 1987)
16
“No se limitan en sus juegos a recordar experiências vividas, sino que las reelaboran creadoramente,
combinandolas entre sí y edificando com ellas nuevas realidades acordes com sus aficiones y necesidades.
(Vygotski, 2006 p.12)
24
significações de gênero. Na brincadeira é possível romper com normas/determinações
instituídas de tal modo que a intervenção/controle do mundo adulto funciona como
reguladora dos possíveis rompimentos, em relação ao que é socialmente aceito/tolerado,
no tocante às questões de gênero.
2.3. EDUCAÇÃO INFANTIL E INFÂNCIA: ALGUNS OLHARES
De acordo com Ariès (1981) o sentimento da infância teve sua construção lenta e
gradual na realidade ocidental, mais precisamente na França, entre os séculos XIII e
XVII, como demonstram as obras de arte e as imagens que retratam tal época. Antes
disso, as crianças eram tratadas como adultos em miniatura, e estavam sujeitas a toda
ordem de tratos e maus-tratos relativos aos adultos, como exposições a orgias,
execuções, trabalhos pesados dentre outros costumes da época.
A análise de Áries (1981) traz uma forma crítica de compreensão histórica em
que se ressalta a diferença entre contar a história das coisas e mostrar o quanto as coisas
são, elas mesmas, históricas
17
. Assim, a preocupação de Áries (1981) centra-se
sobretudo no processo em que a infância - enquanto etapa da vida - desponta num
horizonte de historicidade, ocupando uma posição central na constelação familiar
burguesa, que passa a organizar-se em torno da criança, deslocando-a do seu, até então,
silencioso anonimato.
Ergue-se uma nova orientação do sentimento de infância em que, na transição de
uma família medieval - caracterizada pela total participação das crianças na vida adulta,
posto que a própria noção de idade não fazia sentido - para a família burguesa, família e
escola compõem uma mesma engrenagem que retira a criança do mundo dos adultos e a
coloca como alvo de um regime especial que a prepara para a vida adulta, num processo
que demanda etapas e cuidados onde o infante desenvolve-se protegido pela intimidade
da vida privada que caracteriza a célula familiar burguesa.
Aponta-se então para a necessidade de uma formação para essa criança apartada
do mundo adulto, e cuja inocência
18
precisa ser preservada. E esse processo formador
17
Também indo nessa direção, a historiadora Elisabeth Badinter (1985) problematiza a noção de amor
materno, tomando esse como um construto histórico-social que se contrapõe, assim, a noção de instinto
materno, conceito marcado por um claro viés biologizante. Tal como o sentimento de infância, a
experiência materna também se constitui historicamente na medida em que a criança passa a ocupar o
centro do projeto familiar e estatal, passando a ser alvo de interesse e preocupações.
18
O discurso moralista que caracteriza a criança como inocência a ser preservada remonta, segundo
Áries, ao século XV e encontra no Renascimento o seu auge. Forja-se, assim, um laço indelével entre
fraqueza e inocência constituindo a infância como lugar que precisa ser preservado de toda a sujeira do
mundo adulto.
25
demanda a diferenciação da massa escolar que, até então, era desorganizada. Configura-
se, assim, uma crucial articulação entre sentimento de infância e classe social, pois o
mesmo gesto que opera a separação da criança do mundo adulto também diferencia
pobres e ricos, povo e burguesia. Segundo Ariès, “chegou um momento em que a
burguesia não suportou mais a pressão da multidão, nem o contato com o povo. Ela
cindiu: retirou-se da vasta sociedade polimorfa para se organizar à parte, num meio
homogêneo, entre suas famílias fechadas, em habitações previstas para a intimidade, em
bairros novos, protegido contra toda contaminação popular. A justaposição das
desigualdades, outrora natural, tornou-se-lhe intolerável: a repugnância do rico precedeu
a vergonha do pobre.” (Ariès, 1981, pg. 279)
Há, ainda no século XVIII, a especialização de dois tipos de ensino: um para o
povo e outro para a burguesia. Mas se por um lado a educação aparece como um valor
universal, por outro se limita apenas às classes burguesas o privilégio do ensino longo e
clássico, condenando as camadas populares a um ensino inferior, voltado sobretudo a
questões práticas, consolidando, de uma forma ou de outra, a base escolar que
caracteriza a sociedade moderna.
Mais precisamente nos séculos XVI e XVII, com o nascimento do movimento
pedagógico moderno, emergiram novas formas de educar as crianças que foram ao
encontro das idéias tecnológicas que estavam em voga no período.
A idéia de estender a educação às crianças de todas as classes sociais é
apresentada por Comenius (1592-1670), que sugeria um processo de aprendizagem
começando pelos sentidos, isto é, pelas sensações proporcionadas pelo contato com
objetos, que seriam internalizadas e depois entendidas pela razão.
As linhas teóricas propostas no século XIII traziam uma visão de que a criança
nascia em pecado e por isto, precisava ser disciplinada. Tal abordagem versava sobre
condutas de comportamento, e de obediência, que suprissem castigos físicos, mas ainda
assim era coercitiva e disciplinadora.
Por sua vez, Rousseau (1712 1778) lançou o pensamento a respeito de que as
crianças deveriam aprender experimentando, respeitando seu próprio ritmo
maturacional. Quer dizer, que o disciplinamento de acordo com necessidades externas
não atenderia o ritmo da natureza da criança (Oliveira, 1995).
Foi no sentido do pensamento de Rousseau e Comenius que Pestalozzi (1746-
1827) pensou os métodos de ensino para as crianças pequenas. Defendia a idéia de
26
formação para os professores, e que a educação deveria acontecer em ambiente
amoroso.
Discípulo de Pestalozzi, o filósofo alemão do período romântico Froebel (1782-
1852) iria contribuir significativamente, provocando uma mudança na pedagogia pré-
escolar da época. Ele apresentou a noção de perfeição das crianças, enaltecendo a
expressão da natureza infantil por meio de brincadeiras e jogos. Extremamente
religioso, fora influenciado pelo romantismo alemão, pela ciência botânica e pela
matemática. Percebem-se tais influências em sua obra, quando compara as crianças a
sementes, que bem adubadas, em condições ambientais favoráveis, m a chance de
desabrochar e desenvolver-se de acordo com sua natureza. A partir daí emerge a idéia
de Jardins-de-Infância nos quais as professoras eram as jardineiras.
Nesse clima de liberdade, Froebel afirmou o valor do jogo na educação infantil.
Apesar de não ter sido o primeiro estudioso a analisar a importância pedagógica do jogo
para a educação infantil, ele utilizou-os como parte importante do fazer pedagógico,
criando o Jardim-de-Infância, no qual jogos e brincadeiras eram as principais atividades
propostas às crianças (Oliveira, 1995).
Froebel defendia a liberdade de ação no ser humano, afirmando que com ela se
manifestaria a livre representação do divino, e que este era o objetivo de toda a
educação e o destino no ser humano. Isto posto, afirma que as crianças têm a qualidade
divina de serem criativas e produtivas, ou seja, que criatividade é algo inato (Kishimoto,
1998).
Benjamin (2002) critica o pensamento Iluminista rousseauniano, e com ele a
Pedagogia e a Psicologia Individualista, dizendo que as crianças não precisam de
objetos e pantomimas criados especificamente para elas. Segundo esse pensador:
Trata-se do preconceito de que as crianças são seres tão distantes e
incomensuráveis que é preciso ser especialmente inventivo na produção do
entretenimento delas. É ocioso ficar meditando febrilmente na produção de
objetos material ilustrado, brinquedos ou livros que seriam apropriados às
crianças. Desde o Iluminismo é esta uma das mais rançosas especulações do
pedagogo (Benjamin, 2002, p.57).
Benjamin desenvolve seu pensamento dizendo que as crianças estão inseridas na
cultura e que elas mesmas se servem de objetos expostos e espalhados em seu ambiente
cotidiano, sem necessitar que o adulto transforme tais objetos em coisas que considera
adequado às crianças. De acordo com o referido autor, “a criança exige do adulto uma
27
representação clara e compreensível, mas não ‘infantil’. Muito menos aquilo que o
adulto costuma considerar como tal” (Benjamin, 2002, p.55). O autor remete-nos às
representações sociais das crianças levantadas por Áries (1981), quando ao analisar
os brinquedos antigos, constata que as bonecas eram sempre cópias de mulheres adultas:
“demorou muito tempo até que se desse conta que as crianças não são homens ou
mulheres em dimensões reduzidas para não falar do tempo que levou até que essa
consciência se impusesse também em relação às bonecas” (Benjamin, 2002, p. 86). O
autor continua suas observações quando diz que foi somente no século XIX que as
roupas infantis se diferenciaram das adultas, “pode parecer às vezes que o nosso século
tenha dado um passo adiante e, longe de querer ver nas crianças pequenos homens ou
mulheres, reluta inclusive em aceitá-las como pequenos seres humanos” (Benjamin,
2002, p. 86).
Como afirmado por vários teóricos, dentre eles Vygotski, é através da história
que se pode compreender os fazeres atuais. Este breve histórico sobre a educação
infantil, reflete também a concepção de infância veiculada ao longo da história como
construção humana.
2.4. A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL: HISTÓRIA DOS LUGARES DA
INFÂNCIA BRASILEIRA
Entende-se por Educação Infantil, a instituição escolar que atende crianças de
zero a seis anos. No Brasil, a lei que regulamenta a educação infantil nas Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, data de 1996
19
. Porém, a importância dada à expansão
deste tipo de educação, neste país, vem desde os anos 70 do século passado. O processo
de institucionalização da educação infantil, como dever do Estado, foi conquistado a
partir das lutas da sociedade civil organizada, bem como das lutas das mulheres. No
Brasil, o trabalho realizado com crianças em idade pré-escolar passou a contar com a
participação direta do setor público a partir de 1930. Antes desta data havia uma
preocupação com a infância, porém era por grupos particulares de cunho
assistencialista.
19
“A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, tem como finalidade o desenvolvimento
integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade.” (Lei das diretrizes e Bases da Educação Nacional
de 1996 - Lei 9394 de 96, artigo 29)
“A Educação Infantil será oferecida em: creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos
de idade; pré-escolas, para crianças de quatro a seis anos de idade”. (Lei das diretrizes e Bases da
Educação Nacional de 1996 - Lei 9394 de 96, artigo 30)
28
Historicamente a educação oferecida, bem como os cuidados das crianças
pequenas, eram assumidos pela família. Quando isso não era possível recorria-se à rede
social, como parentes, conhecidos, instituições designadas a cuidar de crianças. Porém,
o modelo seguido era o de cuidados direcionados ao atendimento de necessidades
fisiológicas essenciais, seguindo padrões de acordo com a concepção social de infância
entendidas em cada época. Neste sentido, as crianças foram vistas e pensadas de formas
distintas ao longo da história da humanidade.
No Brasil, a luta para conseguir que educação seja direito de todos e dever do
Estado é mais recente que na Europa. O direito à educação das crianças pequenas está
estreitamente lidado à luta pelo espaço feminino nos espaços públicos, principalmente
no trabalho. De acordo com Faria (2006), o primeiro movimento brasileiro de
orientação e reivindicação de educação das crianças em creches, chamado “Creche
Urgente”, foi feito pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e pelo Conselho
Estadual da condição Feminina nos anos 1980.
Com a promulgação da Assembléia Nacional Constituinte em 1988, as lutas em
torno do Estatuto da Criança e do Adolescente, as discussões do Ministério da Educação
nos anos 1990 as discussões avançaram. Porém, somente depois da nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação de 1996 que se define a Educação Infantil em creches e
pré-escolas para crianças de 0 a 6 anos como a primeira etapa da Educação básica.
A história da Educação Infantil, como exposto, tem estreitos laços com a
condição feminina. As mulheres precisavam lutar por equipamentos auxiliares que
cuidassem de seus filhos para que pudessem trabalhar. Tais equipamentos foram
criados, também ligados à lógica da natureza feminina. As escolas de educação infantil
foram criadas como um reduto feminino (Carvalho, 1999; Afonso, 1995; Sayão 2005).
Porém esta idéia de natureza feminina era utilizada nas escolas, como
fundamento organizador da força de trabalho. Existia a concepção de que as mulheres
estavam naturalmente preparadas para cuidar das crianças e, em função de tal
concepção, não se faziam necessários investimentos em formação profissional destinada
aos processos vinculados à Educação de modo geral e, de modo mais específico, à
Educação Infantil. Sendo um espaço de trabalho marcadamente ocupado por mulheres
e, por decorrência, marcado por uma concepção naturalizadora acerca das relações entre
o fazer próprio das mulheres e suas relações com o mundo das crianças, os modos de
produção da vida e dos significados; da linguagem, do pensamento e da emoção (Lane,
1983) inegavelmente serão afetados.
29
2.5. CONCEITUANDO GÊNERO
Não se pode falar de gênero sem que nos remetamos à história do Movimento
Feminista que em suas lutas por direitos e dignidade, constituiu as bases sob as quais se
erguem e desenvolvem as reflexões em torno deste conceito. De acordo com Louro
(1997), o Movimento Feminista como fenômeno social organizou-se, no mundo
ocidental no século XIX, embora o movimento organizado de mulheres tenha seu início
no século XIX com a luta pelo direito ao voto que foi sancionado, sob a forma de lei, no
Brasil, em 1934.
Os anos 60 do século XX foram marcados por intensos movimentos sociais de
contestação no mundo ocidental. Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e França, foram
os países pioneiros nas lutas por direitos humanos e igualdades sociais. As contestações
emergentes nesta época permitiram a constituição de vários movimentos específicos, a
saber: gays, lésbicas, índios, negros, entre outros. O cerne do descontentamento era a
condição de opressão a qual se encontravam tais grupos/segmentos sociais.
Assim, é neste contexto de insatisfação que o Movimento Feminista intensifica
sua organização, tendo como pontos chave, produções acadêmicas relacionadas às
mulheres, além das preocupações e inserções sociais, culturais e políticas. As
manifestações de descontentamento e luta social abarcavam tanto homens quanto
mulheres. No entanto, as mulheres passaram a perceber que mesmo em luta por
melhores condições e contra a exploração engendrada pela sociedade capitalista, sua
visibilidade e representação política eram reduzidas em relação aos homens. A este
respeito, é importante considerar que: “(...) raramente elas eram chamadas a assumir a
liderança política: quando se tratava de falar em público ou ser escolhida como
representante do grupo elas eram esquecidas e cabia-lhes em geral o papel de secretárias
e ajudantes de tarefas consideradas menos nobres como fazer faixas ou panfletear.”
(Grossi, 1998, p.2)
O intuito buscado pelo público feminino residia no cerne de tal movimento,
procurando apontar a desigualdade e construir formas legítimas de igualdade de direitos,
quais sejam oportunidade e justiça no que diz respeito à educação e trabalho, luta por
salários equivalentes aos dos homens, enfim, igualdade de direitos.
Com a (re) organização do movimento, houve também uma outra reivindicação,
pois as feministas articularam-se teoricamente e lançou-se no meio acadêmico-científico
com uma forma diferenciada de fazer ciência. Era uma forma de exibir a condição das
30
mulheres, livros e artigos escritos na primeira pessoa, pontuando importantes questões
referentes às mulheres. De acordo com Louro (1997), “objetividade e neutralidade,
distanciamento e isenção, que haviam se constituído, convencionalmente, em condições
indispensáveis para o fazer acadêmico, eram problematizados, subvertidos,
transgredidos” (p.19).
Deste modo, o Movimento Feminista, enquanto produção de conhecimento
inaugura uma forma de fazer científico que lança mão de uma posição de “não
neutralidade” com relação às próprias produções acadêmicas: “assumia-se, com
ousadia, que as questões eram interessadas, que elas tinham origem numa trajetória
histórica específica que construiu o lugar social das mulheres e que o estudo de tais
questões tinha (e tem) pretensões de mudança” (Louro, 1997, p.19).
O feminismo radical postulava que não se podia pensar em direitos iguais
partindo da lógica existente, a masculina. Propunha uma forma de pensamento e de
análise da condição feminina, que fosse estritamente feminista. Passou a se contrapor
ferrenhamente a tudo o que fosse masculino, postulando que a destruição de tal gica
culminaria na aquisição dos direitos das mulheres com mais propriedade.
No Brasil, os estudos sobre a condição feminina mudariam seu rumo nos anos
80 do século XX, a partir de pesquisas realizadas na década anterior. Tais pesquisas
apontavam não existir uma condição feminina brasileira, existia sim, inúmeras
diferenças no que concerne a classe, etnia, faixa etária, e outras (Grossi 1998).
Mesmo havendo críticas com relação ao conceito de condição feminina, é na
década de 80, do século XX, que os estudos sobre as mulheres se fortaleceram no
Brasil. Porém, as formas como elas se identificavam e se reconheciam, ainda remetiam
às questões orgânicas, isto é, mulher é mulher por apresentar genitália feminina, não se
levando em conta sua condição social, origem, idade e etnia. Ainda nesse período, mais
precisamente em 1987, a revista da Associação Nacional de Pesquisadores de Pós-
graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), divulgou o artigo: Gênero: uma categoria
útil de análise histórica, da historiadora anglo-saxã Scott. Somente a partir desta
publicação, as/os pesquisadoras/es brasileiras/os passaram a utilizar tal categoria em
suas análises.
O texto de Scott aprofunda e amplia o conceito de gênero, rompendo com a
visão dicotômica de masculino/feminino na medida em que tal conceito vai resgatando
o caráter social das relações, tem-se a intenção de afastar o olhar organicista e
biologicista implicado nesta convenção. A ótica passa a ser dirigida para um processo,
31
uma construção, e não para algo que exista a priori, como ela mesma menciona, de
forma que:
Gênero é a organização social da diferença sexual. Ele não reflete a realidade
biológica primeira, mas ele constrói o sentido dessa realidade. A diferença sexual
não é a causa originária da qual a organização social poderia derivar. Ela é antes
uma estrutura social movente, que deve ser analisada nos seus deferentes
contextos históricos (Scott, 1998, p. 115).
O Gênero é aqui proposto, sobretudo, como uma categoria de análise capaz de
lançar um olhar sobre a compreensão das práticas sem precisar partir de um sujeito
natural. Não há um sujeito na origem, não se pode chegar a um sujeito a não ser pelas
relações e práticas que o constituem inclusive em posições de gênero.
E enquanto categoria de análise, enfatiza Scott (1998), o Gênero requer a
aproximação de outros conceitos diferenciadores tais como etnia, geração e classe social
de modo a não pensar a necessidade de colocar um determinado problema, mas
localizar esse problema remetendo-o ao lugar historicamente produzido que ele ocupa.
Desta forma, o conceito de gênero passa a exigir pluralidade demonstrando que
os projetos e as concepções sobre masculinidades e feminilidades são diversos, pois se
intercruzam com outros aspectos dos vários grupos que compõem uma sociedade, tais
como: raça/etnias, classes e gerações. Demonstra assim que as concepções de gênero
diferem de acordo com a dinâmica de cada sociedade e também de acordo com seu
momento histórico e cultural (Louro 1997). Tal categoria auxilia no pensar sobre o ser
humano constituído histórica e socialmente, onde homens e mulheres vivem sua
masculinidade ou feminilidade independentemente das características anatômicas que
apresentam como também, não existe somente uma forma de ser homem ou mulher.
O Movimento Feminista contribuiu para cunhar o conceito de gênero, como
demonstrado anteriormente, e ainda auxilia mais amplamente num pensar sobre as
mulheres em relação, ou seja, não se pode pensar em mulheres sem nos remetermos aos
homens. O conceito de gênero, enquanto categoria relacional procura ir além das
diferenças entre os sexos, dando sentido a essas diferenças (Scott, 1995). Para a autora:
[...] O termo ‘gênero’, além de um substituto para o termo mulheres, é também
utilizado para sugerir que qualquer informação sobre as mulheres é
necessariamente informação sobre os homens, que um implica no estudo do
outro. Essa utilização enfatiza o fato de que o mundo das mulheres faz parte do
mundo dos homens, que ele é criado nesse e por esse mundo masculino. Esse
uso rejeita a validade interpretativa da idéia de esferas separadas e sustenta que
32
estudar as mulheres de maneira isolada perpetua o mito de que uma esfera, a
experiência de um sexo, tenha muito pouco ou nada a ver com o outro sexo
[...] (Scott, 1995, p. 75)
Se o gênero é uma categoria tipicamente relacional conforme Scott (1995)
assinala, De Lauretis (1994, p. 208) argumenta que os estudos feministas, na cada de
1980, conceberam o sujeito e suas relações sociais e subjetivas como constituídos no
gênero não somente pela diferença sexual, mas por meio de “códigos lingüísticos e
representações culturais; um sujeito ‘engendrado’ não na experiência de relações de
sexo, mas também nas de raça e classe: um sujeito, portanto, múltiplo em vez de único,
e contraditório em vez de simplesmente dividido” (De Lauretis, 1994, p. 208). De
Lauretis (1994) volta seu olhar para a necessidade de pensar um conceito de nero que
não esteja tão ligado à diferença sexual, isto é, que não esteja preso aos corpos, mas sim,
representado por práticas do discurso cotidiano e institucionalizado. É dizer que o
conceito não vem “colado” aos corpos femininos e masculinos, mas o construídos
socialmente através do discurso.
A partir da discussão que o conceito de gênero traz não se pode afirmar que o
sexo biológico é o que determina homens e mulheres de forma integral, isto é, pode-se
nascer com a genitália ou os aparatos fisiológicos característicos de cada sexo em
questão, mas, porém, o mundo simbólico do indivíduo - sentimentos, emoções, desejos -
, constituído socialmente,- como aponta Vygotski - pode ser de características múltiplas.
Neste sentido, Sartori (2004) menciona que:
A distinção entre sexo e gênero tem sido aceita como forte argumento para
enfrentar as idéias biologicistas. Assim, não se pode aceitar que as mulheres
sejam “por natureza” (isto é, em função de sua anatomia, de seu sexo) o que a
cultura designa como “feminina” (passivas, vulneráveis), passando-se a
reconhecer que as características chamadas “femininas” (valores, desejos,
comportamentos) se assumem mediante um complexo processo individual e
social – o processo de aquisição de gênero (Sartori, 2004, p.32).
Para Nicholson (2000): “gênero é uma palavra estranha ao feminismo.(...) na
verdade ela é usada de duas maneiras diferentes, e até certo ponto contraditórias” (p.9).
Em uma direção está o gênero utilizado como explicador ao que é socialmente
construído e sempre manifestado em oposição à sexo e às situações biologicamente
dadas. Ainda para Nicholson (2000): “aqui, ‘gênero’ é tipicamente pensado como
referência a personalidade e comportamento, não ao corpo; ‘gênero’ e ‘sexo’ são
portanto compreendidos como distintos” (p. 9).
33
Em outra direção está o gênero sendo empregado para se referir às inúmeras
construções sociais referentes à diferenciação masculino/feminino relacionadas,
também, aos pensamentos que separam corpos femininos de corpos masculinos. “Este
último uso apareceu quando muitos perceberam que a sociedade forma não a
personalidade e o comportamento, mas também as maneiras como o corpo aparece”
(Nicholson, 2000, p. 9).
Nicholson (2000) indica que, ainda que os discursos dos movimentos feministas
tenham acolhido a segunda definição de gênero, resquícios muito fortes da primeira
definição entre o movimento. “(...) o sexo permanece na teoria feminista como aquilo
que fica de fora da cultura e da história, sempre a enquadrar a diferença
masculino/feminino” (p.10).
De acordo com Citeli (2001, p. 132), a partir dos anos 1970, uma das diretrizes
mais importantes dos estudos de gênero tem sido “[...] desnaturalizar hierarquias de
poder baseadas em diferenças de sexo [...]”. As associações organicistas relacionadas a
sexo, e a visão de gênero atrelada ao social/cultural trazem um quadro que denota
polaridades o qual foi e ainda é utilizado pelos estudiosos de gênero para enfatizar e
denunciar o determinismo biológico
20
que contribui para desqualificar as mulheres. Para
Citeli (2001):
[...] Estabelecer a distinção entre os componentes natural/biológico em
relação a sexo e social/cultural em relação a gênero foi, e continua sendo, um
recurso utilizado pelos estudos de gênero para destacar essencialismos de toda
ordem que séculos sustentam argumentos biologizantes para desqualificar
as mulheres, corporal, intelectual e moralmente [...] (p.132).
Entendendo gênero como elemento constituidor e fundante do ser humano,
passa-se o olhar às crianças e seus espaços. Ao focar o conceito de gênero nos
ambientes educacionais, é preciso, em concordância com Louro (1997), se estar atento
aos espaços e fazeres do cotidiano escolar, posto que o conceito de gênero transpassa
tanto na sutileza das relações vividas pelos sujeitos, quanto nos lugares impostos pelo
processo educativo, como também na delimitação de espaços físicos de meninas e
meninos.
A escola não é somente um espaço de aprendizagem curricular, atua também na
constituição cultural dos sujeitos - pelo tempo que as crianças passam na escola -, bem
20
De acordo com Citeli (2001, p.134) “[...] entende-se por determinismo biológico o conjunto de teorias
segundo as quais a posição ocupada por diferentes grupos nas sociedades - ou comportamentos e
variações das habilidades, capacidades, padrões cognitivos e sexualidade humanos derivam de limites
ou privilégios inscritos na constituição biológica”.
34
como na naturalização e perpetuação de comportamentos sociais considerados ideais.
Os lugares de meninos e de meninas ainda são bem marcados, assim como, a
observação dos comportamentos esperados para cada sexo e idade. Isto é, no espaço
pedagógico, ainda é comum esperar-se certos comportamentos condizentes para
meninas de determinadas idades e meninos de determinadas idades.
Entretanto, não existe uma só maneira de ser homem ou mulher, um único modo
de se fazer feminino ou masculino. As pessoas constituem-se de formas múltiplas,
diversas, sendo, acertadamente multifacetadas. Neste contexto, cabe um
questionamento, qual seja, como a escola e se apresenta frente à diversidade
apresentada com relação ao gênero?
Na formação de professores e nas discussões realizadas nos espaços escolares,
nota-se um aumento de pesquisas e discussões a respeito de preconceitos com relação a
diferentes raças/etnias, bem como questões pertinentes à deficiência, limitações físicas e
mentais.
E em relação às discussões que envolvem questões de gênero? Em relação a isto,
Sartori (2004) manifesta-se da seguinte forma: “... com relação à discriminação de
gênero parece existir um silêncio sobre as diferenças entre meninos e meninas que
perpassa toda a prática pedagógica (...). Se prestarmos mais atenção, poderemos
observar que a escola produz e reproduz os modelos de masculinidade e feminilidade da
sociedade” (p.36). Assim sendo, muitas vezes as escolas têm o intuito de homogeneizar
o educando, sem levar em conta a diversidade social que perpassa a sua constituição.
Sendo assim, alguns pesquisadores apontam (Louro, 1997; Finco, 2003; Motta,
2004) que sem perceber as escolas representadas por seus professores geralmente,
reproduzem visões dicotomizadas e incentivam, nos subtextos, o antagonismo
masculino/feminino como se este fosse natural nas relações sociais. Esta
incompatibilidade é, muitas vezes, utilizada como instrumento pedagógico, como por
exemplo: as/os professoras/es ao promoverem jogos, confrontam meninos e meninas,
escolhem os ajudantes discriminando as tarefas relacionadas ao que convencionalmente
é atribuição de cada sexo - meninos encarregados de carregar coisas pesadas, meninas
de limpar, por exemplo -, acirrando ainda mais a incompatibilidade entre os sexos.
Parece que uma forte tendência, de certa forma problematizada na produção
da área acerca das práticas cotidianas em creches, a conceber cuidado e educação como
transposição de saberes do feminino, em parte adquiridos pelas mulheres na sua
socialização primária, assim como nas experiências provenientes do universo doméstico
35
(Carvalho, 1999). também conhecimentos e saberes que a instituição, por meio das
profissionais, produz como práticas que igualmente são caracterizados como
pertencentes ao mundo feminino e que conformam uma espécie de cultura institucional.
O discurso das feministas que se situam no debate engendrado pelo chamado
pós-modernismo como Flax (1994) e Butler (2003), coloca a própria categoria gênero
sob questão. Butler (2003), dialogando com Foucault, ressalta a sexualidade enquanto
dispositivo histórico e não como uma realidade subterrânea a ser apreendida com
dificuldade. É justamente através do isolamento, intensificação e consolidação de
sexualidades periféricas que as relações de poder se ramificam e multiplicam, dando
medida ao corpo e penetrando nas condutas. Essa é a tênue linha pela qual caminham os
estudos de gênero, que correm o risco de terminar apenas sobrescrevendo o lugar que
pretendiam problematizar e dissolver.
O desafio dos estudos de gênero para Butler (2003) está em evidenciar os
processos pelos quais as posições de gênero se constituem, situando-se na margens dos
sistemas de produção que fundam os discursos. Lançando um olhar sobre o não
possível, o abjeto, problematizamos também o possível, olhando àquilo que lhe escapa.
O gênero, conforme problematizado por Butler (2003), aparece no sentido de práticas de
decifração que traçam um sistema de interpretação que compõe - e não revela - o sujeito
generificado num horizonte ético, político e histórico. Trata-se de pensar as posições de
gênero sem remetê-las a qualquer lei essencial, mas apenas ao próprio movimento
político que as constitui não como uma representação de quem o sujeito é, mas como
uma performatização.
Corpo e sujeito são o resultado de uma articulação discursiva que, ao mesmo
tempo lhes interpreta e lhes forma. E a partir daí que os estudos de gênero devem
apresentar suas problematizações. Não cena, sujeito ou mesmo um corpo completo,
mas corpos que, liberados de suas amarras orgânicas, vão inventando corpos em seu
movimento errante. Vê-se aí, segundo Butler (2003) o ponto de uma injunção de
subjetividades generificadas na fronteira entre o dentro e fora do corpo; masculinidades
e feminilidades não como algo que precede, mas como o efeito de uma ordem -
discursiva - que as constitui e relaciona.
Se o gênero é constitutivo das relações sociais entre homens e mulheres,
obviamente pensar as ações no interior da creche implica pensar em relações
engendradas não do ponto de vista da identidade dos/as profissionais, mas também
do ponto de vista das ações que os/as mesmos/as exercem sobre as crianças, e dos
36
efeitos de ser a escola mesma uma instituição atrelada a uma dinâmica feminina, um
espaço assim constituído histórico e socialmente.
Neste sentido, tendo como base a diversidade que compõe a constituição
histórico-cultural dos sujeitos, este estudo sustenta-se nas perspectivas teóricas
anteriormente apresentadas, buscando investigar as significações atribuídas às questões
de gênero, em contextos de brincadeiras.
37
3. MÉTODO
3.1. REFLEXÕES INICIAIS
A questão dos significados de gênero implica uma expressão metodológica
capaz de acompanhar a idéia de processualidade (Rey, 1977) que a existe implicada à
esta categoria de análise do real.
Considerando o método como um conjunto de regras lógicas que guiam o
pensamento e a prática, é na perspectiva dialética e, mais especificamente, sob a matriz
histórico-cultural, que vamos encontrar a possibilidade de unificar um processo de
investigação histórica ao mesmo tempo em que se produz uma investigação lógica e
exposição dos resultados obtidos seguindo o percurso concreto-abstrato-concreto. A
produção do conhecimento, deste modo, é dependente do ponto de partida que é a
sociedade real. É a partir desta dimensão, da sociedade real, que se produzem as
abstrações teóricas, as categorias, hipóteses e conceitos. Esse esforço se desenvolve de
maneira a retornar à sociedade real que as originou, de modo a intervir em suas
contradições. À compreensão de que a sociedade se constitui como uma totalidade está
implicada a idéia de que o desenvolvimento histórico se estabelece justamente a partir
das contradições da sociedade real.
A matriz histórico-cultural leva em consideração a interatividade existente entre
o pesquisador e os sujeitos pesquisados. Isso significa que o pesquisador não é neutro
no local de pesquisa e precisa estar ciente dessa condição.
(...) para cada tipo de investigação se apresenta um método que responde às
perguntas específicas formuladas pelo pesquisador. Assim sendo, não podemos
dizer se um ou outro método é pertinente sem conhecer as pretensões de um
determinado estudo científico. (...) Portanto, cada proposta de investigação
dispõe de um conjunto de estratégias e procedimentos adequados aos
respectivos objetivos de investigação. (Nuernberg 2005, p. 9).
Martín-Baró (1998) defende que é inevitável que os psicólogos acabem
envolvidos com os fenômenos a que se dedicam enquanto estudiosos. Para o autor é
impossível que o pesquisador em Psicologia não tome postura diante dos diversos
fenômenos sociais em que a condição humana se encontra degradada.
Resulta absurdo y aun aberrante pedir imparcialidad a quienes estudian la
drogadicción, el abuso infantil o la tortura. Lo que puede y debe exigirse es
que se analicen esos fenómenos con todo rigor y con apertura total a los datos
38
de la realidad. Es decir, que objetividad no es lo mismo que imparcialidad. (...)
en la alternativa de si la Psicología debe buscar explicar o comprender me
inclino por la comprensión y, mejor aún, por la interpretación (...) Uma ciencia
que se quiera histórica debe mirar tanto al pasado como al futuro y, por tanto,
no puede contentarse con reconstruir más o menos fielmente lo que se da, sino
que debe esforzarse por contruir aquello que no se da, pero debiera darse; no
los hechos sino “los por hacer”. (Martin-Baró, 1998, pp. 332 e 333)
A compreensão de que a categoria de gênero se constitui como um
instrumento de análise do real no qual é produzido evidencia enquanto produção de
um estudo em Psicologia – que a implicação do pesquisador com o universo pesquisado
não é apenas inevitável, mas, por certo, ponto de partida para realização do estudo.
Deste modo, o conjunto de procedimentos utilizados para levar à termo a presente
investigação procurou prover-se das condições necessárias a fim de produzir rumo e
direção não à compreensão das significações de gênero no contexto da Educação
Infantil, mas de um diálogo aberto e franco acerca da produção destas significações.
3.2 SUJEITOS DA PESQUISA
21
No processo de produção do presente estudo, em sua etapa de campo,
constituíram-se como sujeitos: uma professora que ocupava a função de professora
titular e outra professora, que desenvolvia atividades como professora auxiliar da titular
da turma. A turma compunha-se de quatorze crianças sendo dez meninas e quatro
meninos, com faixa etária de 2 anos e 9 meses a 4 anos e 10 meses. Também a
pesquisadora pode ser considerada como um sujeito da pesquisa
22
, na medida em que a
mesma esteve inserida na cotidianidade do grupo formado pelas crianças e suas
professoras.
3.3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.3.1. O recurso do Estudo de Caso
Regularmente a estratégia do Estudo de Caso serve aos pesquisadores que
pretendem adentrar um campo de produção de conhecimentos em que as situações
21
A descrição detalhada dos sujeitos da pesquisa encontra-se no capítulo 4 do presente trabalho de
dissertação.
22
Partindo da concepção de envolvimento, tal como proposta por Martín-Baró (1998) seria inadequado
deixar de considerar a pesquisadora como parte significativa do universo de produção de significado pelo
grupo formado pelas crianças e professoras.
39
experimentais não conferem proximidade mediadora para compreensão do fenômeno
que está sob análise.
Considerando os objetivos levantados para a elaboração do presente estudo, o
recurso do Estudo de Caso mostrou-se como o mais adequado à produção de uma
pesquisa de caráter exploratório-descritivo-compreensivo. A esse respeito é importante
considerar que:
(...) o estudo de caso qualitativo constitui uma investigação de uma unidade
específica, situada em seu contexto, selecionada segundo critérios
predeterminados se, utilizando múltiplas fontes de dados, que se propõe a
oferecer uma visão holística do fenômeno estudado. Os critérios para
identificação e seleção do caso, porém, bem como as formas de generalização
propostas, variam segundo a vinculação paradigmática do pesquisador, a qual
é de sua livre escolha e deve ser respeitada. O importante é que haja critérios
explícitos para a seleção do caso e que este seja realmente um “caso”, isto é,
uma situação complexa e/ou intrigante, cuja relevância justifique o esforço de
compreensão. (Alves-Mazzotti, 2006 p.650)
A decisão pelo uso da estratégia do Estudo de Caso tem, no presente estudo, a
marca de uma inegável busca pelo estabelecimento de uma coerência epistemológica, na
medida em que o que se pretende é dar ênfase ao processo, ao como ocorrem as relações
sociais, incluindo-se aí as significações de gênero.
Fonseca (1999) sublinha que, partindo da perspectiva etnográfica, a própria idéia
de caso e o vetor de representatividade que ela tradicionalmente implica, pode ser
pensado de maneira crítica apontando para a complexidade que caracteriza a
constituição do sujeito, extrapolando a dicotomia eu - outro. Nesse sentido, cada caso
não é um caso individual, isolado, não representativo, mas evidencia todo o jogo
social que o constitui.
3.3.2. Coleta de Informações
A coleta de informações foi iniciada a partir da apresentação do projeto de
pesquisa à diretora da escola
23
. Após a escolha da turma - e antes de dar início às
filmagens e observações foi realizada uma reunião com as duas professoras da turma
para explicar o trabalho, relatar intenções, bem como apresentar uma proposta de
cronograma das atividades.
Ao longo de quatro semanas a turma escolhida foi observada pela pesquisadora,
por meio da convivência com as rotinas das crianças em todo o processamento de sua
23
Este processo encontra-se detalhado no capítulo 4.
40
cotidianidade na escola. Neste período, o registro das observações era realizado ex-pos
facto, por meio da utilização da técnica do Diário de Campo.
As observações estiveram concentradas em torno das situações de brincadeira, das inter-
relações criança-criança, criança-professora e criança- brinquedos/brincadeiras.
Terminado o período inicialmente planejado para a produção das
observações/interação com a turma, teve início o período de registro videográfico das
situações supra citadas. Tal forma de registro se consolidou num total de oito horas de
videogravação.
3.3.2.1. Detalhamento do processo de videogravação
Tomando por base as observações realizadas durante as quatro semanas
anteriores ao início da videogravação optou-se, metodologicamente, por inserir a
câmera de vídeo filmagem por meio de uma apresentação da mesma às crianças. Por
tratar-se de um equipamento de pequeno porte
24
e de fácil manejo, logo em seguida a
apresentação do mesmo, as crianças puderam manejá-lo e, a seu modo, até mesmo
filmar os colegas, as professoras e a pesquisadora.
Passado este contato inicial das crianças com o equipamento - e superado o
estranhamento diante da presença do mesmo no cotidiano da turma - seu uso tornou-se
um elemento a mais na rotina da turma. A câmera, assim como a pesquisadora, convivia
com o grupo de forma integrada na cena.
Levando-se em conta que um dos objetivos da presente pesquisa é a produção de
significados em situações de brincadeira e considerando que as crianças brincam na
maior parte do tempo - não somente nos momentos em que a escola autorizava a
brincadeira - as filmagens foram realizadas durante todo o período da aula e não
somente nos momentos formalmente designados para a brincadeira. Importante indicar
que o registro videográfico não aconteceu durante todo o tempo da presença da
pesquisadora junto à turma
25
. Situações em que alguma das crianças demonstrava
necessitar de auxílio para subir em um brinquedo do parque, para superar o susto de
uma queda durante as correrias do horário do pátio ou, até mesmo, quando uma das
crianças da turma achegava-se à pesquisadora com pedidos específicos como beber
24
Handycam Sony DCR-HC96.
25
Nos momentos em que a câmera ficou desligada, o registro era produzido por meio de anotações da
pesquisadora no Diário de Campo. O Episódio do Lanche, conforme consta no capítulo 5, é um exemplo
de tal forma de registro.
41
água, ir ao banheiro ou apenas conversar, implicavam que a pesquisadora decidisse por
desligar a câmera. Em específico a câmera era desligada, de antemão, quando a turma
sujeito da pesquisa estava em situação de pátio com outras turmas da escola e também
no momento do Lanche Coletivo, no refeitório da escola. Ambas as situações não
dispunham de autorização dos responsáveis pelas crianças para realização das
filmagens.
O processo de registro videográfico, em seu primeiro dia de realização, tornou-
se objeto do interesse das crianças da turma. Estas pediram para assistir as imagens do
que havia sido filmado no dia anterior. A turma, juntamente com as professoras e a
pesquisadora, dirigiu-se à sala de vídeo da escola e teve sua solicitação atendida. Em
meio a um burburinho, as crianças riam e vibravam diante da exposição de sua imagem
na tela da televisão; comentavam as imagens dos colegas e o clima de camaradagem e
diversão entre as crianças era nítido. Durante a exibição do primeiro dia de filmagens,
enquanto as crianças estavam totalmente envolvidas com o que era visualizado na
televisão, as professoras mantinham-se pouco implicadas com o movimento de
construção de juízos e atribuição de valores por parte das crianças.
3.4. FUNDAMENTO TEÓRICO-CONCEITUAL DE ANÁLISE DAS
INFORMAÇÕES
3.4.1. A Análise Microetnográfica
Microgênese como um momento da apropriação é o momento em que o sujeito
se constitui, é o momento de avanço da sua formação subjetiva. Conforme Zanella
(2004): “Aspectos fisiológicos e psíquicos de toda e qualquer atividade psicológica
humana, a partir do referencial Vygotski ano, são entendidos não como esferas
dicotômicas que interagem, mas como instâncias de um mesmo e único processo
histórico que os constitui e inexoravelmente os relaciona.” (p.128)
As considerações em torno na Análise Microetnográfica devem ser feitas
tomando em paralelo as compreensões derivadas da Análise Microgenética, na medida
em que:
nota-se uma proximidade da análise microetnográfica com a microgenética, pois
esta última está igualmente orientada para os detalhes das ações; para as
interações e cenários sócio-culturais; para o estabelecimento das relações entre
microeventos e condições macrosociais. Por outro lado, uma primeira
característica distintiva pode ser identificada, não no termo micro em si, mas na
sua qualificação como genética, o que parece estabelecer um contraste com o
aporte etnográfico. A visão genética ai implicada vem das proposições de
Vygotski (...) sobre o funcionamento humano, e, dentre as matrizes
42
metodológicas que ele explorou, estava incluída a análise minuciosa de um
processo de modo a configurar sua gênese social e as transformações no curso de
eventos. Essa forma de pensar a investigação foi denominada por seus seguidores
como “Análise Microgenética”. (Góes, 2000, p.11)
Importante considerar, como bem aponta Góes (2000), que estudos produzidos a
partir da Análise Microgenética têm em sua elaboração uma minuciosa descrição dos
eventos sob observação. Em que pese que as correntes comportamentalistas e etológicas
também lancem mão do uso da descrição minuciosa em seus estudos, tal recuso se
distingue do que a Análise Microgenética alcança realizar que é justamente uma
compreensão que leve em conta, para além da mera descrição, as dimensões cultural,
histórica e semiótica na produção de conhecimentos acerca da gênese dos processos
psicológicos humanos.
A compreensão da gênese social dos processos psicológicos para Vygotski ,
conforme Meira (1994), está relacionada à formação destes em um tempo muito curto
que pode ser medido em minutos ou mesmo segundos. Neste tempo muitas vezes
ínfimo, a necessidade de se estar atento aos detalhes bem como produzir um recorte
de episódios interativos. Tal perspectiva é defendida por es (2000) que, a ela
acrescenta a idéia de que a análise produzida deve, necessariamente, estar orientada para
o modo de funcionar dos sujeitos em situação, para suas relações intersubjetivas e,
também, para as condições sociais que estão implicadas à situação conformando-lhe o
funcionamento.
Frequentemente, dadas as demandas de registro implicadas, essa análise [a
análise microgenética
26
] é associada ao uso de videogravação, envolvendo
domínio de estratégia para filmagem e a trabalhosa atividade de transcrição. A
análise microgenética pode ser o caminho exclusivo de uma investigação ou
articular-se a outros procedimentos, para compor, por exemplo, um estudo de
caso ou uma pesquisa participante. (Góes, 2000, p.10)
O desafio presente na compreensão dos significados de gênero atribuídos por
crianças e professores no contexto da Educação Infantil objeto de trabalho da presente
dissertação – implica a necessidade de se assumir que a gênese das funções psicológicas
superiores está em relações sociais constituídas historicamente.
As funções psicológicas superiores, em sua complexificação
27
, constituem a
possibilidade de uma espécie de salto qualitativo filogenético do ser humano diante
26
Inclusão de referência da pesquisadora.
27
As funções psicológicas superiores não são consideradas por Vigotski como sendo estáticas. Elas são
determinadas por mediações sociais que estão em constante processamento. Desse modo, as funções
43
das demais espécies animais, em especial, dos demais primatas. E, acerca disto é
importante considerar que:
Vygotski aponta que o desenvolvimento das funções psicológicas superiores não
se dá aprioristicamente, ou como simples movimento reflexo, mas sim através de
uma atividade do sujeito, atividade esta de apropriação e utilização de
instrumento e signos que, por sua vez, farão o papel de mediadores desta
atividade, das interações. A auto-regulação da conduta e a transformação
ambiental, frutos da construção da consciência, surgem como possibilidade
advinda da utilização de instrumentos socialmente construídos.” (Machado,
1995b, p.29)
A utilização do recurso da videogravação permite a tomada tantas vezes
quantas se fizerem necessárias de um determinado evento que, em que pese sua
fugacidade, pode muito e bem explicar a concepção presente na compreensão proposta
pela análise microgenética. De acordo com Oliveira (1995a), “o fator básico para a
compreensão da ontogênese dos processos psicológicos é o estudo das interações
sociais” (p.54) e estas interações, quando dispostas ao olhar, a partir das repetições do
material filmado, permitem uma melhor compreensão dos elementos constituintes dos
episódios sob análise.
Vygotski (1987) parte por conceber o ser humano como geneticamente social,
isto é, o crescimento e desenvolvimento humano estão intensamente articulados aos
processos de apropriação dos elementos da cultura.
A perspectiva teórico-conceitual de Vygotski , conforme Machado (1995), ao
assumir a perspectiva sócio-histórica para considerar o desenvolvimento humano e,
também, ao assumir o método dialético para com vistas à elaboração de uma
compreensão dos problemas sob estudo, acaba por romper com formas amplamente
utilizadas e reconhecidas de elaboração científica acerca dos fenômenos humanos na
medida em que o estudo isolado do psiquismo não alcançava sentido.
(...) Somente o método de análise em unidades permitiria captar o funcionamento
dos elementos que se encontram presentes na vida psíquica do homem, no seu
processo de gênese, desenvolvimento e mudança. Este método permitiria,
também, observar a interação permanente pensamento/atividade humana: suas
contradições, sua interdependência e influência mútua. (Machado, 1995b, p.28)
De acordo com André (1997) o uso da microetnografia tem o vídeo como fonte
primária de análise. Diferentemente da etnografia, o foco da análise não é o que
psicológicas superiores estão, o tempo todo, em evolução e, nas palavras de Góes (2000) estão,
continuadamente em revolução.
44
acontece, mas como acontecem os eventos sob consideração. O texto base passa a ser a
transcrição da videogravação realizada em campo, que pode ser combinada com as
anotações em diário de campo e de tal combinação o que decorre é a produção de uma
análise mais convergente com a expressão total da realidade sob estudo, na medida em
que as interpretações dos eventos são tornadas mais consistentes.
Reforça-se, portanto, a escolha do caminho metodológico da Análise
Microetnográfica para a realização de um movimento de aproximação das informações
produzidas nas situações observadas informações videoregistradas - onde o que se
quer observar é o interjogo, a interação, o que acontece na relação criança-
criança/criança-professoras/criança-professoras-criança; de que modo, nas ações, que
têm como base as relações sociais, se produz significados no caso deste trabalho,
significados de gênero.
3.5. ASPECTOS ÉTICOS
O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina. Os sujeitos
participaram mediante a autorização de seus responsáveis, o anonimato dos
participantes foi garantido utilizando-se pseudônimos por eles escolhidos (Anexo III),
conforme norma estabelecida pelo Comitê de Ética desta Universidade, parecer
consubstanciado do Projeto nº 307/07.
45
4. CONTEXTO E CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS
4.1. O CONTEXTO
4.1.1. A Cidade
Partindo da compreensão de que a história é fundante da condição de ser do
sujeito humano, optamos por apresentar um breve traçado da história do hoje município
de Blumenau. Pretende-se, com isso, demarcar que as significações de gênero
constituem-se em uma intrincada trama na qual se relacionam tempo e espaço; uma
trama na qual os homens e as mulheres vão aprendendo a condição de gênero ao mesmo
tempo que vão criando a cidade como possibilidade de vida e morte; que vão, enfim,
construindo-se como história.
A cidade de Blumenau ocupa a região do Médio Vale Itajaí e se faz reconhecida,
ao longo de seus 158 anos, por sua capacidade de produção industrial têxtil e metal-
mecânica. Sua história teve início em 1850, quando uma empresa colonizadora28
composta por um grupo de imigrantes alemães, liderado por Hermann Bruno Otto
Blumenau chegou à região com a autorização do Governo Imperial de D. Pedro II para
se estabelecer. De acordo com Samagaia (1997), a partir do referido ano, vários núcleos
colonizadores foram se formando o que mais tarde transformaram-se em cidades -
aumentando assim, a colonização européia no sul do país. O favorecimento para a
formação destes núcleos se deu devido à promulgação da “Lei de Terras” e à
estruturação de uma política mais clara de imigração. “Os núcleos estabelecidos nesta
época foram mais promissores, desenvolvendo-se aos poucos na direção de uma
estrutura econômica e social com bases mais sólidas”. (Samagaia 1997, p.34)
Os imigrantes29 pretendiam trabalhar na terra tornando-se proprietários dela,
como também, planejavam exercer suas profissões tal como faziam na Europa. “A
28
Dentro da política de povoamento do Sul, muitas terras foram concedidas a Companhias particulares,
que se obrigavam a trazer e instalar os imigrantes. A estas Companhias interessava não só o lucro
imediato, mas divisas econômicas e fortalecimento das relações com seu país de origem. Estas sociedades
colonizadoras de caráter privado tiveram apoio do Governo Imperial para estabelecer no país colônias
produtivas.
29
“A característica principal do sistema de colonização, pelo menos até o final do século XIX, foi seu
isolamento e sua homogeneidade étnica. Nas colônias homogêneas, muito depois é que foram sendo
introduzidos imigrantes de outras origens.” (Saccom, 2000, p.243) O núcleo colonizador estabelecido em
Blumenau foi construído por colonos alemães e muito tempo depois recebeu imigrantes italianos e
poloneses.
46
motivação dos imigrantes europeus em virem para o Brasil era a possibilidade se
tornarem proprietários da terra, que na Europa estavam submetidos a duras privações
(SIEBERT, 1996)”. E assim, para erguer a colônia e sobreviver, trabalhavam na
agricultura e exerciam suas profissões nas horas vagas. “Estava bem claro, portanto,
desde o início, que as intenções da Colônia eram basicamente como empreendimento
econômico, que viabilizasse no Brasil o que estas pessoas não conseguiam mais ter em
seu país: possibilidades de ascensão econômica e social.” (Samagaia, 1997 p. 45). Deste
modo, dentre 1850 e 1880, a atividade laboral da colônia se caracterizou,
principalmente, pelo desenvolvimento da agricultura de subsistência. Esta foi a
característica da primeira fase da história da colônia. Conforme Tomio (2000): “Nessa
fase, os camponeses colocavam no mercado o excedente de suas pequenas propriedades
através do ‘vendeiro’, o comerciante que funcionava como um banco primário
(acumulando as mercadorias e exportando-as para fora da colônia), numa relação não
monetária.” (p.69)
A necessidade de transposição da atividade de agricultura de subsistência e
trabalho artesanal para outra fase econômica de Blumenau se deu por alguns fatores,
dentre eles a acumulação de capital pelos vendeiros e seu investimento em atividades de
formação da pequena indústria. Tal ordem de acumulação está na base de uma das mais
recorrentes imagens pela qual Blumenau tornou-se reconhecida nacional e
internacionalmente, qual seja: sua potência no campo da produção industrial.
A concretização e instalação formal do governo de Blumenau se deu no ano de
1883 e coincidiu com a criação das primeiras indústrias na cidade. “Todavia, o que à
primeira vista pode parecer coincidência é, na verdade, a comprovação do próprio
desenvolvimento de uma colônia, que passou a ter maior complexidade social e a
necessitar, conseqüentemente, de uma estrutura jurídico-política para garantir o
atendimento dos interesses da classe que já apontava como socialmente hegemônica.”
(Simão, 2000, p. 15). A cidade, diferente de outras cidades nascidas dos imigrantes
europeus chegados ao Brasil no século XIX, não teve seu núcleo populacional firmado
em torno da Igreja Matriz e sua praça. Blumenau torna-se cidade a partir da rua do
comércio conhecida à época da colônia como Wurststrasse – Rua da Lingüiça – e hoje é
a Rua XV de Novembro.
O interesse da empresa colonizadora não era somente econômico. Era, também,
de alcançar poder político, como demonstra Simão ( 2000 p. 15): “O Bloco hegemônico
tinha como objetivo alcançar a representação política e, consequentemente,
47
representações de interesses no Estado.” Pensava-se em organizar um Estado Totalitário
onde os alemães e descendentes constituiriam a direção política. Mesmo havendo
resistência de alguns segmentos, que defendiam uma forma mais democrática e
nacionalista, entre 1883 e 1940 os interesses econômicos e político-culturais estavam
ligados ao empresariado e por sua vez à preservação das tradições culturais e
econômicas da nacionalidade alemã.
Neste sentido é interessante atentarmos para o fato de que a constituição do
empreendimento colonial do Doutor Blumenau esteve revestida de um particular
desafio: produzir um plano urbano europeu com todos os seus componentes:
comércio, igrejas, escolas, espaços de produção de roupas, alimentos e cultura entre
outros - em uma geografia marcada pelas características dos trópicos. Enfrentar o calor
intenso e a excessiva umidade tropical em uma área montanhosa recoberta por espessa e
exuberante flora e diversificada e desconhecida fauna por certo que colaborou para o
desenvolvimento do mito heróico do alemão forte, empreendedor, capaz de vencer
quaisquer adversidades.
Mas, por certo, é preciso considerar que a experiência do período da Colônia Dr.
Blumenau progrediu por conta do processo de enlaçamento social da vida cotidiana
acontecido nos espaços da casa, da pequena oficina e da vivência comunitária religiosa.
Estes espaços, na medida em que o projeto colonial ia absorvendo a multiplicidade
étnica de outros grupos que chegavam à região italianos, poloneses, portugueses
ampliaram-se marcados por uma lógica de restrição: os clubes de caça e tiro passaram a
ser o outro espaço, para além dos acima mencionados, de vivência comunitária e
integração social dos alemães. Ainda que muito interessante possa ser a história de cada
um dos elementos fundantes do município de Blumenau, por conta da dimensão do
presente trabalho, optamos em seguir um detalhamento do elemento vinculado à
educação escolar das crianças desde o tempo da colônia Dr. Blumenau até o período dos
anos 1990.
4.1.2. A escola em Blumenau
O início das atividades educacionais na Colônia de Blumenau data de 1854, ano
em que se registra a fundação de uma escola, para meninos, dirigida pelo professor
Ferdinand Ostermann (Cipriani, 2006). Depois de diversos pedidos ao governo da
província por uma escola para atender às meninas, no ano de 1863, a solicitação foi
atendida e a colônia passou a ter duas escolas. Porém, Hermann Blumenau havia se
48
dado conta que apenas duas escolas seriam insuficientes para atender às necessidades
educacionais da colônia e, a exemplo dos reiterados pedidos ao governo da província
para que fosse aberta uma escola para as meninas e da demora de nove anos para ser
atendido, ela insistia na solicitação.
Com a demora ou, melhor, o não atendimento à solicitação de mais escolas
públicas, os moradores da colônia se organizaram e fundaram as “Comunidades
Escolares”.
Tratava-se de escolas privadas dirigidas por professores de cultura alee que
absorveu e atendeu ás necessidades educacionais da maioria das crianças no final
do século XIX na colônia de Blumenau. Essas comunidades eram compostas por
colonos que se organizavam e, por conta própria, construíam casas que serviam
provisoriamente como educandários em localidades onde se encontrasse um
significativo número de famílias, cuja idade dos filhos permitisse freqüentar a
escola elementar e aprender as primeiras letras. Além disso, as próprias
“Comunidades Escolares” contratavam seus professores e pagavam seus
ordenados
.
(CIPRIANI, 2006, p.32)
Neste sentido, a história da escolarização na região do Vale do Itajaí foi se
construindo com a marca germânica e à margem do poder público tanto que, por volta
de 1916, cerca de 40% das escolas do município de Blumenau era de ensino privado, e
destas, 80% eram administradas por famílias de origem alemã e que o ensino oferecido
era em idioma alemão.
Porém, com a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial contra a
Alemanha
30
, em 26 de outubro de1917, o governo provincial voltou os olhos para
Blumenau, fechando 113 escolas particulares. Esse ato da administração pública era
para averiguar e comprovar se os professores falavam corretamente a língua portuguesa.
Essa medida também se estendeu às escolas dirigidas por religiosos, as chamadas
escolas confessionais católicas, e não apenas às laicas e Luteranas. (Emmendoerfer,
1950)
Com o chamado perigo alemão que era um receio do poder público de que as
idéias nacionalistas alemãs se infiltrassem no país - justificaram-se as leis que foram
criadas para conter um possível avanço das escolas particulares - de tradição, currículo e
Língua Alemã - e, acima de tudo, era a oportunidade que surgia para se implantar uma
cultura nacional.
30
Com a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial ao lado da Tríplice Entente (França, Inglaterra,
Rússia, Estados Unidos) contra a Tríplice Aliança (Alemanha principal expoente), em 1917, uma série
de medidas legislativas foram tomadas, afetando a educação nas regiões de imigração, principalmente, a
alemãs.
49
Mesmo com a tentativa de estabelecer leis coercitivas para a implantação de um
nacionalismo levando, por exemplo, ao fechamento de escolas de tradição germânica,
em 1918, Blumenau apresentava 30 escolas particulares com 1300 alunos matriculados.
Dois anos depois, já estavam em funcionamento 40 instituições privadas, encontrando-
se matriculados, nestas, cerca de 3500 alunos. No ano de 1922, 32 escolas paroquiais
ofereciam seus serviços educacionais, com um total de 1416 alunos e 77 escolas
pertencentes a sociedades escolares com 3141 alunos matriculados. (CIPRIANI, 2006,
p.42)
Contudo, mesmo com o final da Primeira Guerra em 1919, os anos vinte e trinta,
do século passado, foram de paz armada. Foi um período belicoso em que a Alemanha,
derrotada na primeira grande guerra, sofria graves restrições. Assim, se reconhecia,
no ano de 1934, a possibilidade de eclosão de outra grande guerra. Além disso, com a
ascensão política dos regimes nazi-fascistas europeus, ressentimentos que, porventura,
permaneceram relativos à guerra que aconteceu entre 1914-1918, poderiam motivar um
novo conflito entre as nações. Também, o ano de 1934 marcou pela emancipação de
uma série de municípios por ordem do Interventor Federal do Estado. Enfraquecia-se a
Colônia de cultura germânica desmembrando seu território com o governo controlando
os educandários. “Sanções contra educadores, exonerações e aposentadorias
compulsórias foram estratégias utilizadas pelo governo contra aqueles que
representavam uma ameaça ou que fossem simpatizantes de uma “pedagogia de
desordem”. Desse modo, o estado encontrava uma maneira de manter sua autoridade e
diluir seu comando infiltrando-se nas escolas de todo o estado. (CIPRIANI, 2006, p.53)
Deste modo, foi se construindo a história educacional do Vale do Itajaí
obedecendo às imposições do governo Federal, pois, em 1937, Getúlio Vargas assumiu
o governo Federal, de forma ditatorial, implantando o Estado Novo. Em decorrência
disso, a repressão aos costumes e cultura alemã se acirrou, porém, havia resistência das
escolas na preservação da cultura e língua alemã.
Uma das intervenções do estado foi firmar um convênio, entre governo Estadual
e Federal, para a implantação de escolas blicas nas regiões de colonização
estrangeira, bem como a criação de uma Inspetoria que regulasse e vigiasse os
conteúdos ensinados nas escolas implantadas nas referidas regiões. Assim, qualquer
atividade cívico-cultural que fosse realizada na escola e/ou associações deveria ter seu
programa comemorativo apresentado antecipadamente ao Inspetor Escolar.
50
Desta forma foi se construindo a história da vida educacional de Blumenau.
Primeiramente sem incentivo governamental, os moradores da colônia fundaram e
mantiveram as próprias escolas. Depois, durante as duas grandes guerras e no período
entre elas as escolas sofreram perseguições por parte de governo a mando de Getúlio
Vargas.
No ano de 1942 as ações públicas no campo da educação em Blumenau ganham
um impulso decisivo com a fundação Escola Normal Pedro II que, antes de ser
assumida pelo poder público, existia por iniciativa dos descendentes dos imigrantes
alemães e se chamava Neue Deustche Schule da Vila Blumenau.
Os empreendimentos privados de educação passaram a proliferar na cidade de
Blumenau a partir de fins dos anos 1970. Tais empreendimentos deram-se inicialmente
no campo das escolas privadas confessionais luteranas e católicas e, apenas na década
de 1990, iniciativas de caráter laico vão marcar o desenvolvimento de serviços
educacionais no Município, com destaque à Educação Infantil.
4.2. CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO IMEDIATO DA PESQUISA
4.2.1. O bairro onde localiza-se a escola
O Bairro onde se localiza a escola pesquisada chama-se Jardim Blumenau.
Recebeu este nome motivado pela tradição dos imigrantes, em ter jardins à frente de
suas casas (IPPUB, 1997). O Presente bairro foi criado por uma lei municipal em 1956,
localiza-se na região central do município constituindo-se como um bairro residencial.
Após as enchentes de 1983 e 1984, grande parte das residências foram transformadas
em casas comerciais e prestadoras de serviços surgindo também grandes prédios
residenciais e serviços de saúde. Pode-se constatar por observação informal que a
grande maioria das crianças não mora no bairro, algumas têm pais que trabalham nas
proximidades, mas o que se pode perceber é que as crianças freqüentadoras da escola
estão lá pelo reconhecimento da qualidade do ensino na referida escola.
4.2.2. A Escola propriamente dita
Ao tempo de realização da etapa de campo da pesquisa, a escola estava
localizada na esquina de uma rua estreita, de um bairro residencial rico na região central
de Blumenau. O espaço físico da escola em nada destoava das demais construções da
rua em que estava localizada: uma casa ampla, com jardins bem cuidados e tendo em
contigüidade um pequeno bosque e uma outra casa, onde também se realizavam
51
atividades educativas da escola. De tal modo incorporada à paisagem do bairro, pouco
era evidente que ali havia uma instituição escolar.
A entrada principal se dava por um portão que levava a uma ampla garagem,
onde pude ver cartazes com desenhos fixados nas paredes, bancos de madeira e,
também nas paredes, um quadro negro e um quadro com avisos. Certifiquei-me, assim,
que ali era uma instituição escolar. Havia, no canto esquerdo da garagem, uma escada
com uma placa e uma seta indicando a secretaria.
31
Como referido anteriormente, o espaço escolar é composto por três casas que
compõem um espaço único onde está o pátio gramado. Há, também, neste espaço
externo um ambiente com areia onde se encontra balanços, escorregadores, brinquedos
feitos de tubos de concreto coloridos de forma que representa um trem e uma casa de
madeira pequena. Havia no pátio, um outro ambiente com gramado mais extenso.
Neste gramado havia uma árvore grande onde foi construída ma casa pequena com
varandas. Ao lado, está ma roda de concreto com o desenho de um caracol.
No pátio havia também uma quadra para prática de esportes, arvores frutíferas
(pitangueiras, jaboticabeiras, videiras) uma estufa para as aulas dês jardinagem,
composteira, minhocário, horta, viveiro com coelhos e uma piscina.
As casas que compõem a escola são de tamanhos diferentes. A maior é a da
entrada da escola e é onde fica a Educação Infantil. fica, também, a garagem onde as
crianças fazem educação física nos dias de chuva e onde elas esperam o começo da aula
quando chegam cedo demais e onde esperam seus pais ao final da aula. A estes dois
momentos na garagem a escola chama de Plantão. São momentos em que ficam 2
professoras auxiliares cuidando e as crianças brincam e interagem com todas as crianças
da escola que porventura estão à espera.
Ainda nesta mesma casa, está a secretaria da escola, o depósito dos uniformes,
recepção, a sala do maternal com um banheiro, a sala do pré, sala da diretora, biblioteca,
um banheiro coletivo no corredor, sala de computadores, sala de vídeo e a sala do
jardim com banheiro. No segundo andar ficam duas salas de aula com a 5ª e 6ª séries.
31
Essa estrutura chamou-me a atenção inicialmente. Fiquei curiosa para entender o que aquela estrutura
poderia me dizer a respeito da instituição e, apenas mais tarde pude compreender que ela estava de acordo
com uma das características da abordagem educacional que a escola seguia, ou seja, as crianças deveriam
ver na escola a continuação da sua casa, desenvolvendo experiências com os objetos e amigos baseadas
na afetividade, por meio das quais ocorreria a construção do conhecimento. Insinua-se, assim, a extensão
entre família e escola, que constituem uma mesma engrenagem pedagógica e disciplinar
.
52
A segunda casa, era de aparência mais antiga com uma varanda grande contendo
uma mesa com bancos. Nesta casa ficava o refeitório, a cozinha, havia um banheiro
coletivo, a sala de música e a sala da 4ªsérie.
A terceira casa ficava mais nos fundo to pátio e era onde estava a sala da terceira
série, um banheiro e um depósito para os materiais de jardinagem.
4.2.3. Processo de chegada da pesquisadora à Escola
Nas primeiras discussões sobre o campo de pesquisa chegou-se a cogitar que
seria interessante fazer no Núcleo de Desenvolvimento Infantil da Universidade Federal
de Santa Catarina (NDI-UFSC). Isso se deu devido ao fato da referida escola possuir um
Projeto Político Pedagógico (PPP) estruturado, ser uma escola pública e gratuita.
Porém, por motivos pessoais, a pesquisadora precisou mudar de domicílio passando a
residir na cidade de Blumenau/SC.
Então, surgiu a seguinte questão: como encontrar uma escola nos “moldes” do
NDI, que fosse pública, gratuita, com um projeto político pedagógico estruturado e que
fosse aberta à pesquisa?
Foi, portanto, através de discussões nos momentos de orientação, sobre a
possibilidade de mudança de campo de pesquisa, que chegou-se à conclusão de que este
não precisaria ser em uma escola pública como é o caso do NDI-UFSC. O que era
necessariamente importante é que a escola escolhida possuísse um PPP
32
estruturado,
pois este deve nortear a prática do professor em sala de aula, bem como discutir as
concepções de ser humano, de mundo e, conseqüentemente, o papel da educação na
escola. Em outras palavras, o projeto político pedagógico é um documento que ratifica
teoricamente a prática escolar. Partindo dessa concepção, o importante é analisar que
lugar as discussões de gênero ocupam dentro de uma escola com um PPP estruturado.
Tomando como referências tais questões dediquei-me à busca de uma instituição
escolar que pudesse viabilizar o estudo pretendido. Após algumas visitas realizadas a
escolas que se encontravam potencialmente nas condições requeridas pela pesquisa
pretendida, optei pela escola onde a pesquisa foi levada a termo por, justamente, ter
recebido da mesma a abertura – através de seu corpo diretor – necessária a um estudo de
caráter qualitativo-participativo dado que o delineamento pedagógico da unidade
escolar mostrava-se convergente aos propósitos da pesquisa.
32
Tal documento, embora tenha solicitado, nunca chegou às mãos da pesquisadora.
53
4.2.4. A formação do vínculo com o campo de pesquisa
Bati palmas, uma moça veio atender. Apresentei-me e disse que tinha uma
reunião com a Diretora. Esperei alguns minutos e a Diretora chegou, e conduziu-me a
sua sala, deixando a porta aberta.
Falei novamente que eu era mestranda do curso de Pós-Graduação em Psicologia
da UFSC, e que tinha interesse em realizar minha pesquisa na escola. Expliquei-lhe que
o meu desejo seria fazer um estudo de caso, e que para isso, teria que fazer observações,
gravações e filmagens da rotina das crianças, principalmente durante as brincadeiras.
Especifiquei, ainda, que as idades visadas seriam de 3 e 4 anos.
Ela, então, me informou que as crianças, nessa faixa etária, freqüentavam as
turmas do jardim. Perguntei quantas turmas de jardim havia na escola, e ela respondeu
que havia duas turmas, uma no turno matutino, e outra no vespertino, e que, no
momento, havia estagiárias no turno vespertino. Assim, eu poderia fazer a pesquisa com
o jardim matutino.
Ela alertou para a possibilidade de alguns pais não permitirem a filmagem de
seus filhos e que, para isso, seria necessário que eu redigisse um termo de autorização
(vide anexo II e III) para que eles tomassem consciência da pesquisa e dessem a sua
aprovação. Contudo, antes, ela gostaria de ver meu projeto e de conversar com a
professora do jardim. Fiquei de levar o projeto e marcamos outra reunião para a semana
seguinte a fim de discuti-lo.
Foi marcada para a semana seguinte uma nova reunião para a apresentação e
discussão do projeto. No dia agendado, houve o esclarecimento de algumas dúvidas da
diretora relacionadas ao projeto. Tais dúvidas eram as seguintes:
Você vai usar os nomes reais das crianças e o nome da escola? Vai fazer
uma pesquisa em outra escola também?
Caso os pais não autorizem a realização das filmagens, como você irá
fazer a pesquisa?
Expliquei que não iria usar os nomes reais das crianças e que minha pesquisa
não seria comparativa, e sim um estudo de caso etnográfico, e caso não conseguisse a
autorização para realizar as filmagens, teria que discutir com minha orientadora de que
forma eu faria.
Pediu-me que não comentasse sobre nenhuma criança fora da escola, pois a
cidade é pequena e já houve casos de estudantes que fizeram trabalhos na escola,
54
fizeram comentários ditos inocentes sobre as crianças, e tornaram-se fofoca pela cidade.
Ela tinha muita preocupação com a exposição das crianças e da escola.
Ainda nesta reunião, tivemos uma conversa informal sobre psicologia, relação
professor-aluno, a importância das emoções mediando tal relação e sobre formação
continuada de professores. Ela relatou que fazia mestrado também, em educação em
outra universidade e, por isso, não estaria na escola quintas e sextas. Então, caso eu
precisasse de algo era pra procurar a Maria, e levou-me para conhecer as dependências
da escola.
Neste mesmo dia, a diretora solicitou o envio, à escola, de uma carta da
coordenadoria de Pós-Graduação, com papel timbrado da universidade que eu
representava, solicitando aos pais autorização para a realização da pesquisa. Somente
com a autorização deles a pesquisa seria viabilizada. Caso algum/a pai/mãe de alguma
criança não autorizasse a observação e filmagem de seus/suas filhos/as, a pesquisa seria
cancelada nesta escola, e eu teria que procurar outra. As cartas teriam que ser assinadas
por minha orientadora e coordenadora do mestrado (vide anexo I).
Passadas três semanas da reunião realizada com a diretora Elaine, recebi a
notícia de que todos os pais haviam assinado as cartas autorizando a pesquisa com seus
filhos. Então, em concordância com a diretor Elaine
33
, eu compareceria à escola às
quartas e sextas pela manhã. Elaine disse que avisaria Renata
34
, professora do jardim, e
que eu poderia começar no dia vinte e seis de setembro.
Meus registros foram feitos do dia 26/09/2003 ao dia 12/12/2003, em vinte e dois
encontros. Nos primeiros oito dias, permaneci na escola observando a rotina. Queria
entender como era o funcionamento da escola, conhecer as crianças e ter uma noção de
como realizaria as filmagens. A partir do oitavo dia de observação e vivência da rotina
escolar com o grupo de crianças a partir do qual seriam produzidos os registros, iniciei o
trabalho de vídeogravação
35
que totalizou, ao longo da etapa de campo, 8 horas de
filmagem.
33
Nome fictício indicado pela autora.
34
Nome fictício indicado pela autora.
35
O processo de realização deste trabalho está descrito no capítulo 3, referente ao método utilizado para
construção da presente dissertação.
55
4.2.4.1. Primeiro contato com as crianças
Como será que as crianças me receberiam? Será que eu veria alguma
significação de gênero nas suas brincadeiras? Como seriam essas crianças? Será que as
observações dariam certo? E as filmagens?
Foi com todas essas questões que cheguei à escola. A secretária atendeu à porta,
me apresentei, dizendo que havia falado com a diretora, que realizaria uma pesquisa
no jardim, e que ela me havia orientado a procurar a coordenadora quando ela não
estivesse na escola.
Quando a coordenadora chegou, me apresentei e ela disse que sabia do que se
tratava a minha presença. Pedi a ela o projeto político pedagógico da escola e alguma
bibliografia sobre a metodologia pedagógica seguida pela instituição. Ela disse que,
sobre o projeto e a bibliografia, eu teria que falar com a Diretora. Disse isso e foi
chamar a professora.
A professora chegou sorrindo e se apresentou. Apresentei-me e perguntei se eu
poderia entrar naquele instante em sala de aula pois já eram 8h15min, e as aulas haviam
começado às 7h30min. A professora respondeu que sim, pois as crianças estavam
curiosas.
Quando cheguei à sala, as crianças estavam sentadas em almofadas no chão,
formando um círculo. Renata apresentou-me ao grupo dizendo: “Luciana, este é o
grupo Berbigão! [As turmas tinham nomes de animais]. Grupo esta é a Luciana, ela vai
ficar conosco dois dias na semana, ela vai olhar e filmar o nosso grupo! Vamos dizer o
nosso nome pra Luciana, grupo?
36
”.
Interessante observar que no primeiro encontro já há, na produção de uma
resposta à minha presença na turma, um chamamento das crianças enquanto grupo. É
em coro e a partir da pertença ao “grupo berbigão” que se faz ouvir a voz das crianças
pela primeira vez.
As crianças então se apresentaram, e a professora auxiliar que chamei de
Valéria a qual estava também na roda, fez o mesmo. Depois disso, Renata pediu-me
que explicasse meu trabalho a eles e perguntou-me se poderiam ver as filmagens.
Expliquei que sim, que poderiam ver as filmagens e o que eu queria aprender com eles é
como as crianças brincam. Disse que iria observar e olhar para aprender e que,
36
A partir deste momento do trabalho os trechos grifados em itálico constituem material oriundo do
processo de observação e videoregistro conforme constam no Diário de Campo.
56
posteriormente, escreveria um trabalho para ensinar a outras pessoas o que eu
aprenderia com eles.
Quando terminei de explicar, Renata perguntou: “Alguém tem alguma pergunta
pra Luciana? Um menino (André) levantou a mão e perguntou: Como as crianças
brincam?” Eu respondi: “Não sei muito bem, vim aqui aprender melhor com vocês!”
Uma menina (Alícia) levantou a mão, a professora deu permissão, e ela falou: Olha
a minha meia nova!”, falou, apontando para o pé. Um dos meninos levantou a mão e
falou que eles tinham adquirido brinquedos novos. Uma delas levantou-se e foi buscar
na estante da sala um urso de pelúcia e um morango de borracha, com um rosto
desenhado, pernas e braços. Então a Renata perguntou: Com que dinheiro nós
compramos os brinquedos?As crianças responderam: - Com o dinheiro da culinária!.
Renata explicou-me que, toda sexta-feira, um grupo da escola é responsável por fazer o
lanche. Assim, as crianças cozinham e vendem o lanche para os colegas. Do dinheiro
arrecadado, uma parte é para pagar os ingredientes, uma parte vai para escola e outra
parte o grupo decide o que fazer. O Grupo Berbigão decidiu comprar brinquedos
disse a professora.
A culinária corresponde, então, a uma prática inserida na rotina pedagógica
escolar que implica numa relação comercial entre os alunos, institucionalizada, com a
anuência e participação da escola. Uma idéia é o fazer coletivo, - o que vai ao encontro
das políticas pedagógicas escola-novistas - outra é sobrescrever esse fazer numa
interação já operada pelo crivo do capital, entre crianças em idade pré-escolar.
Depois que Renata me explicou como funcionava a culinária, ela deu a idéia de
as crianças brincarem com os brinquedos da sala. As crianças se dirigiram à estante e
pegaram os brinquedos. Falei para Renata que eu gostaria de interferir o mínimo
possível e que eu observaria e acompanharia qualquer atividade que eles fossem fazer, e
que não era necessário criar momentos de brincadeira se esse não era o objetivo da sua
aula. Respondeu-me que já havia se organizado para aquela atividade naquele dia.
A primeira impressão que tive da turma foi de que era composta por crianças
que não se incomodaram com a minha presença. As crianças chamavam a professora
pelo nome, que parecia ter uma relação tranqüila com elas, exercendo sua autoridade de
uma forma discreta, sem ser ríspida com elas nem tampouco maternal.
Quanto à professora auxiliar, ocupava-se de coordenar os momentos de higiene,
recolher as louças e sobras do lanche, ou lavar alguma criança que fizesse as
57
necessidades nas próprias roupas. Acompanhava, também, as aulas de educação física e
às vezes era chamada para ajudar a professora do maternal.
4.2.5. Rotinas da Turma
As aulas começavam às 7h30min. As crianças que chegavam antes desse
horário, ficavam no pátio brincando sob os cuidados de Valéria. Às 7h30min iam para a
sala e começavam as atividades. Primeiramente, sentavam em assembléia
37
, cada um
contava as novidades, e a professora escolhia algumas crianças para realizarem
atividades específicas do dia: um era o ajudante, outro era o maquinista, e o terceiro
escrevia o livro da vida. A fim de dirimir qualquer dúvida, faz-se necessário explicar o
que era cada atividade:
Ajudante do dia: Auxiliava as professoras a distribuir folhas aos colegas, a
organizar as almofadas depois das assembléias e a distribuir as escovas-de-
dentes durante a higiene;
Maquinista: era o primeiro da fila. Faziam fila para ir lanchar e ir para as
aulas de educação física;
O responsável pelo livro da vida fazia - algum desenho ou ilustração - em
um diário que a professora escrevia sobre o grupo.
Depois da escolha dos responsáveis pelas atividades do dia, todo o grupo era
convidado a realizar tarefas pedagógicas direcionadas pela professora: desenho de
alguma história contada em sala, identificação de formas geométricas em blocos de
madeira ou trabalhos sobre percepção corporal.
À medida que iam terminando as atividades, as crianças eram autorizadas a
brincar com os brinquedos da sala. Caso alguma criança tivesse trazido brinquedo de
casa, esta somente poderia brincar o emprestasse aos amigos. Depois que todos
terminavam a atividade, brincavam um pouco. A finalização dessa atividade dava-se,
geralmente, quando Renata falava: “Patrulha da limpeza! E as crianças se apressavam
em guardar os brinquedos.
Por volta das 9h15min., era a hora de fazer a higiene para ir lanchar. As crianças
iam para o banheiro, sentavam-se no chão e Valéria ia chamando um por um, para lavar
37
Assembléia era a roda que faziam quando realizavam trabalhos em grupo. A professora geralmente
pedia “Eu quero que vocês façam uma assembléia bem redonda”, e as crianças pegavam almofadas e
sentavam-se em círculo.
58
as mãos. Ela supervisionava a lavação, entregava as toalhas de cada um e mandava ir
para a fila para irem ao refeitório. Geralmente, Renata ficava na sala redigindo alguns
dados das crianças no livro da vida ou organizando coisas da rotina pedagógica.
Nem todas as crianças ficavam prontas na mesma hora, então enquanto
esperavam os colegas, elas brincavam na sala. Elas, na verdade brincavam o tempo
todo, enquanto esperavam tanto a sua vez para lavar as mãos quanto os colegas para
irem lanchar. Quando a maioria estava pronta, a professora chamava o maquinista e
começavam a formar a fila e iniciavam o seguinte canto: “Tchec, tchec, vai sair o trem.
Vai levando quem eu quero bem!” As crianças repetiam a canção, e saiam em direção
ao refeitório. Alguma criança sempre ficava no banheiro e era autorizada a ir depois.
O lanche era servido por volta das 9h30min., e acontecia no refeitório, em mesas
e cadeiras próprias para as crianças. Cada dia a família de uma delas era responsável por
fornecer o lanche que era servido para a coletividade por Renata e Valéria. O cardápio
era previamente combinado com a família e sempre tinha que conter uma fruta, suco e
algum carboidrato como sanduíche, bolo ou biscoito. O lanche era sempre coletivo
como também as louças que as crianças usavam. Eram pratos e copos de plástico de
várias cores.
Depois do lanche, - por volta das 10h - quando não estava chovendo, elas eram
autorizadas a brincar no pátio - caso contrário voltavam para brincar na sala. No pátio
havia uma casa da árvore, parque de areia com escorregador, casinha de madeira,
balanços e túneis coloridos. Cada dia a brincadeira se dava em um lugar previamente
orientado por Renata. o se podia escolher brincar em todos os lugares no mesmo dia.
Geralmente estes momentos no pátio eram acompanhados pelas turmas do maternal e do
pré.
Quando estava chovendo, as crianças voltavam para sala e brincavam lá, ou
assistiam a um vídeo. Em seguida havia outro momento de higiene, - às 10h 30 min.-
quando o grupo se reunia, novamente no banheiro sob a supervisão de Valéria, quando
escovavam os dentes. Na seqüência, na medida em que iam terminando, voltavam a
brincar na sala. Quando a maioria acabava, Renata propunha alguma atividade: lia uma
história, colocava uma fita de vídeo com desenho animado ou fazia alguma atividade
em grupo com quadrinhas e canções.
Às sextas-feiras, às 10h30min, era a aula de educação física. A higiene, as
sextas, acontecia depois da Educação física, por volta das 11h. A professora de
educação física vinha na sala buscar as crianças que eram acompanhadas por Valéria.
59
Sempre tinha duas professoras trabalhando com grupo Berbigão, com exceção dos
momentos de higiene que eram feitos apenas por Valéria.
A rotina, pelo menos nos dias que eu estava na escola, era cumprida rigidamente
da forma descrita acima. As atividades antes ou depois do lanche que variavam às
vezes, como por exemplo, um dia que a professora levou as crianças para colher e
comer jabuticaba de um que havia na escola. Outro dia, antes da aula de educação
física, tomaram banho de mangueira. Quando tinham passeio, geralmente voltavam
antes do lanche. Vale a pena ressaltar que a escola não seguia rigidamente métodos
disciplinares de outras escolas que conheci. As crianças tinham muitas atividades ao ar
livre, eram incentivadas a conhecer os alunos de outras classes, e desfrutar dos espaços
da escola.
O papel das professoras, neste contexto, era diferenciado: Renata cuidava dos
recursos pedagógicos tais como as rotinas de aprendizagem dos conteúdos formais da
educação escolar e Valéria dos recursos vinculados ao campo dos aprendizados
disciplinadores do comportamento tais como os hábitos de higiene e os processos de
interação social das crianças durante o período que as mesmas estavam brincando no
pátio.
4.3. CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS
4.3.1. Considerações gerais
A caracterização das crianças não possui uma linearidade. As mesmas são
apresentadas pelas evidências constantes nos registros vídeográficos e pela depuração
que a pesquisadora reflexivamente elabora das imagens. Partindo do suposto de que em
um estudo de caso o papel do investigador é regulado, também em termos do
ordenamento de suas percepções, pelo processo de interação com os sujeitos - conforme
presente nos estudos do sociólogo colombiano Orlando Fals Borda, em específico nos
apontamentos presentes em seu livro Historia de la Doble Costa de 1979 compreendo
que a ausência de linearidade no processo de caracterização dos sujeitos não
compromete a posterior compreensão dos episódios sob análise neste trabalho.
60
4.3.2. As crianças
Isabela nasceu em 11 de novembro de 2000. À época da etapa de campo contava
com a idade de 2 anos e 10 meses
38
. De baixa estatura, fala mansa e pouco audível,
recorrentes vezes demonstrou preferência por brincadeiras organizadas em torno da
imitação de animais a partir das quais se incluía nas brincadeiras dos colegas. Costuma
falar sozinha e inventar palavras. Tem uma irmã mais velha na escola, na turma do pré.
Os colegas gostam de fazer-lhe cócegas.
Érica nasceu em 15 de dezembro de 2000. Quando a pesquisa foi iniciada
contava 2 anos e 9 meses. Apresentava baixa estatura para a média de idade da turma
vindo, inclusive, a ser a menor entre todos. Falava pouco e sempre estava envolvida nas
brincadeiras com as demais crianças da turma. Não desempenhava nenhum papel
específico de liderança entre seus colegas, transitando com facilidade entre os diversos
sub-grupos que se formavam nos momentos de brincadeiras. Regularmente assumia
uma postura de passividade nas atividades de brincadeira, mostrando especial
predileção por deixar-se cuidar, pentear, durante os momentos em que a situação de
brincadeira reproduzia o ambiente do Salão de Beleza.
Alícia nasceu em 29 de outubro de 1999 e contava 3 anos e 11 meses quando do
início da pesquisa de campo. De compleição longilínea; de cabelos negros, longos e
lisos, destacava-se no contexto da turma por um papel de liderança ativa entre os
colegas. Possuía relações preferenciais com duas outras colegas: Bianca e Sabrina. Os
brinquedos que traz para escola são divididos com os demais membros da turma não
sem, entretanto, deixarem de estar sob sua atenção. Nas atividades de brincadeira
mostra gosto em usar batom durante os momentos em que organizam o Salão de Beleza.
Tem uma irmã mais velha na escola, na turma do pré.
Regina nasceu em 3 de abril de 1999 e, no período inicial da etapa de campo da
pesquisa, contava 4 anos e 5 meses. No período que durou a pesquisa de campo, Regina
– que estava em seu primeiro ano na Escola de Educação Infantil XX estava passando
por um período de intensa adaptação. Chegara pouco tempo dos Estados Unidos e
possuía muita dificuldade para comunicar-se em Português fato este que provocava
muitos risos em seus colegas de turma. Nos momentos de atividade no pátio da escola,
Regina interagia intensamente com sua irmã mais velha que freqüentava a turma do pré.
38
As idades indicadas das crianças referem-se a idades completas até o dia 26 de setembro de 2003,
data de início do primeiro contato com a escola das mesmas.
61
Quando se encontravam no parque, geralmente, falavam inglês. Regina costumava
brincar e falar sozinha e, também, fazia algumas tentativas de se inserir nas brincadeiras
iniciadas pelos colegas. Pedia, com freqüência, para entrar nas brincadeiras, tentando
entender as regras e inserir-se nas atividades em curso. Diante da câmera mostrava
desenvoltura, pedindo frequentemente pra ser filmada. Quando isso acontecia, sorria
para a câmera e mostrava, desinibida, o dente que faltava.
Bianca
39
nasceu em 01 de abril de 1999 contando com 4 anos e cinco meses no
momento de início do estudo de campo da dissertação. Sua compleição física a destaca
dos demais da turma: tem uma estatura corporal comparativamente maior que seus
colegas de sala, cabelos loiros encaracolados, longos e com franja. De expressão facial
severa, exercia com autoridade a função de liderança durante a criação e vivência das
brincadeiras na turma. Mostrava-se arredia diante da câmera, esquivando-se sempre que
percebia-se sendo filmada. Organizava em torno de si um grupo fixo de pares para
brincadeiras no qual incluía regularmente Mariana, Alicia, André e Guilherme.
Jaqueline nasceu em 06 de outubro de 2000 e possui 2 anos e 11 meses no início
do trabalho de pesquisa de campo. De estatura diminuta e comportamento introspectivo,
estava sempre às voltas com comportamentos de auto-cuidado como por exemplo o
trato com seus cabelos que, frequentemente, tirava dos olhos com um movimento de
cabeça pendendo para um dos lados do corpo. Sua inteiração com o grupo se dava por
meio de uma postura passiva diante dos colegas de turma: nos momentos de brincadeira
era mais procurada do que procurava os companheiros para brincar. Frequentemente
escolhia o papel de filha nas brincadeiras em que se reproduziam os contextos
familiares da vida cotidiana.
Joana [João]
40
nasceu em 26 de julho de 1999, tendo 4 anos e 2 meses no
período em que o estudo de campo foi iniciado. De compleição longilínea e magra,
possuía gestos lentos e delicados e os cabelos loiros e lisos lhe chegam à altura dos
ombros. Mostrava-se inventiva na proposição de brincadeiras e, sem grandes conflitos
com os demais colegas, cedia o lugar de comando das brincadeiras. Possuía uma relação
de preferência com Jaqueline quando a questão era o brincar. Nas ocasiões em que o
39
O nome fictício de Bianca foi escolhido pela pesquisadora em função de sua ausência no dia da
atividade de escolha de nomes. A escolha foi feita em concordância com a professora e a turma. O
episódio da escolha dos nomes será relatado e analisado posteriormente.
40
O nome inicialmente escolhido por Joana foi João. Entretanto, a partir de considerações da professora
acerca da inadequação de uma menina referir a si mesma um nome masculino, Joana acabou por
concordar com a argumentação da professora e, com isso, assumiu a forma feminina de João. Tal fato
constitui-se como objeto de análise da presente dissertação no Capítulo 5.
62
brincar era uma vivência das experiências cotidianas familiares, optava regularmente
pelo papel de mãe. Diante da câmera não se intimidava, mantinha as atividades que
estava fazendo quando se percebia filmada e, de vez em quando, destacava algo que
estava fazendo, como por exemplo, quando mostrou sua escova de dentes quando de
uma filmagem que foi realizada no momento em que as crianças faziam a higiene oral
no banheiro da Escola.
Mariana nasceu em 23 de setembro de 1999 e, na data de início da pesquisa de
campo, contava 4 anos. De compleição física diminuta para a média dos tamanhos dos
colegas da mesma idade. Seus cabelos loiros e lisos chegavam aos ombros. De olhos
castanhos arregalados e bochechas proeminentes, se assemelhava a um bebê grande.
Envolvia-se em um grupo que regularmente estava formado por Alicia, André, Bianca e
Guilherme. O processo de inteiração com os membros da turma demonstrava uma
peculiaridade no momento do lanche: Mariana não se alimentava de sólidos; tudo que
comia precisava ser anteriormente liquefeito. Enquanto seus colegas comiam o lanche
do dia, ela ficava olhando. Tal comportamento não possuía nenhuma sustentação de
ordem médico/nutricional e era fruto de hábitos consentidos pela família. A este tempo
as professoras vinham fazendo um trabalho de orientação com a família no sentido da
importância da ingesta de alimentos sólidos para o bom funcionamento do sistema fono-
articulador da menina. Tal situação, por peculiar que se mostrasse, não impedia que
Mariana empenhasse relações de companheirismo e trocas simbólicas com os demais
integrantes da turma.
Daniela
41
nasceu em 04 e janeiro de 2000 então contava 3 anos e 8 meses
durante o período inicial da pesquisa de campo. De compleição franzina, tez morena,
cabelos pretos, crespos e curtos. Regularmente brincava sozinha, manifestando
expressões que demonstravam uma significativa riqueza criativa em termos de oralidade
gestualidade. Ocupava-se prazerosamente da imitação de animais. Possuía o hábito de
falar sozinha que somente era posto em suspenso quando contava histórias, geralmente
envolvendo conteúdos fantasiosos. Nas vezes que se dirigiu à pesquisadora, o fez de
modo a reclamar de algum colega.
Guilherme nasceu 05 de outubro de 1999 e no tempo que a pesquisa de campo
foi iniciada contava 3 anos e 11 meses. De porte físico longilíneo, bastante magro e
muito ágil. De cabelos castanhos e curtos cortados à moda índio -, rosto e olhos
41
Seu nome foi escolhido pela pesquisadora posteriormente à atividade, porque houve esquecimento de
incluí-la na escolha, pois estava ausente da escola no momento da atividade.
63
miúdos manifestava poucas expressões de riso mostrando, na maior parte do tempo,
uma expressão facial muito mais ligada à observação circunspecta do que propriamente
à observação interativa de quem pretende imediatamente tecer contato. Mostrava
interesse por brincadeiras já iniciadas, raramente criando novos episódios. Entretanto,
ao interessar-se por uma brincadeira em específico, a ela se vinculava de modo
cooperativo, colaborando para o andamento da mesma. Nos episódios que as meninas
brincavam com maquiagem, Guilherme manifestava muito interesse nas pinturas
pedindo, inclusive para que as meninas o maquiassem
42
.
André nasceu em 01 de janeiro de 1999 e, no início do trabalho de campo,
contava 4 anos e 8 meses. Seu porte físico alcançava destaque pela altura que superava a
altura média da turma. Era um menino longilíneo, magro, de cabelos loiros cortados ao
estilo militar. Movia-se com agilidade e mostrava-se muito comunicativo, perguntando
acerca de elementos próprios à vida da pesquisadora, querendo saber, por exemplo, se
poderia visitá-la em sua escola. Percebia e alertava o grupo acerca da chegada da
pesquisadora e sua filmadora. Inúmeras vezes pedia para ser filmado. Permanecia na
escola em tempo integral e mostrava grande domínio do espaço e das rotinas da mesma.
Seus comportamentos indicavam grande autonomia nas interações tanto com os
meninos quanto com as meninas da turma. Era extremamente autônomo, interagia muito
bem com as meninas, incluía-as nas brincadeiras. Sempre que percebia a câmera ligada,
pedia para ser filmado.
Paulo nasceu em 25 de novembro de 1998 e, no início da pesquisa, contava 4
anos e 8 meses. De estatura física baixa, pele negra, cabelos rente ao couro cabeludo,
Paulo era bastante magro e muito ágil. Buscava integração na turma passando por todas
as brincadeiras que ali aconteciam. Aquele era seu primeiro ano na
Escola e na turma do Jardim Matutino – Grupo Berbigão. Tinha um irmão mais novo na
escola e sempre nas situações de pátio buscava cuidar do irmão, acompanhando-o no
balanço, no trepa-trepa, etc. Tanto Paulo quanto seu irmão haviam sido recentemente
adotados e, em seu contexto familiar, havia a espera de autorização judicial para que
outro irmão, o mais velho dos três, que ainda permanecia em situação de tutela estatal,
também viesse para a família na condição de filho. Paulo buscava constantemente a
atenção da pesquisadora, mostrando-lhe diversos brinquedos e pedindo colo. Quando
começaram as filmagens, Paulo pulava em frente à câmera e pedia para utilizá-la.Era
42
Tal situação é relatada no Episódio da Maquiagem, no Capítulo 5.
64
preciso constantemente lembrá-lo de que todas as crianças haviam tido a chance de
experimentar o equipamento e que, naquele momento, havia um trabalho que a
pesquisadora necessitava realizar com a câmera.
Roberto Carlos nasceu em 18 de novembro de 1999 e no início da pesquisa de
campo contava 3 anos e 10 meses. De compleição física atarracada, cabelos pretos bem
curtos, cortados à moda militar, gostava de brincar de correr. Envolvia-se em um tempo
significativamente grande, em brincadeiras solitárias onde imitava os personagens do
desenho animado Power Rangers. Não tinha um grupo fixo de relações no contexto da
turma, brincando com todos de maneira bastante interativa. Era filho adotivo e na época
das filmagens estava vivendo a situação da chegada de uma irmã recém-nascida,
também adotiva.
Sabrina nasceu em 20 de outubro de 1999 no momento inicial da pesquisa de
campo contava 3 anos e 11 meses. De compleição física de reduzidas dimensões – baixa
e magra para a média da turma, de pele extremamente branca e cabelos loiros, muito
lisos e que lhe chegava aos ombros. Seus olhos de um azul intenso se destacavam nas
formas longilíneas de sua face. Demonstrava predileção pela companhia da colega
Mariana, mas não deixava com isso de estar envolvida nas brincadeiras com as outras
crianças. Permanecia na escola em tempo integral. Articulava com clareza suas idéias,
por meio de frases expressivas e bem pronunciadas. Exercia liderança no grupo e criava
muitas das brincadeiras com as quais todos acabavam se envolvendo. No processo de
filmagem mostrava interesse em ser focalizada e, freqüentemente, diante da câmera
dizia: “Oiêê!”
4.3.3. As professoras
4.3.3.1. Professora Titular – Renata
A professora titular, Renata, 26 anos, formada em pedagogia, com habilitação
em Educação Infantil. Possui 10 anos de experiência profissional com a educação de
crianças . Em relação à escolha da profissão, relatou em entrevista: “Quanto à minha
escolha, eu caí bem de pára-quedas, assim na educação. Eu queria ser psicóloga
(risos)... até que um dia eu fui convidada pra trabalhar como auxiliar numa escola em
Porto Alegre e me encantei! desisti de fazer vestibular pra psicologia.... esperei,
fiz pra pedagogia e assim... direto na educação infantil. Nunca quis trabalhar... nunca
tive muita afinidade com crianças de ensino fundamental, sempre educação infantil”.
Sobre sua trajetória, conta ter trabalhado em escolas particulares de “ensino bem
65
tradicional”, trabalhou em outras escolas pequenas em Porto Alegre. Em Blumenau,
trabalhou com aulas particulares para pré-adolescentes, e depois vinculou-se
profissionalmente à Escola de Educação Infantil XX.
Sobre sua história, Renata relatou ser a irmã mais velha dentre dois irmãos. Seu
pai faleceu quando tinha oito anos e os irmãos tinham cinco, e dois. Nasceu em Santa
Maria no Rio Grande do Sul, morou uns tempos em Santo Ângelo (RS) e depois foi pra
Porto Alegre. Seu pai era militar e foi transferido para Foz do Iguaçu/PR, onde passou
seus primeiros anos de educação infantil. Depois seu pai foi transferido para Blumenau
onde passou a infância e, na adolescência, voltou para Porto Alegre. 2 anos voltou
para Blumenau.
4.3.3.2. A Professora Auxiliar - Valéria
A professora auxiliar, ao tempo de nosso trabalho de campo, contava 21 anos e
era estudante de Pedagogia, em um curso à distância, de habilitação específica na área
de Educação Infantil. Cursou magistério em seu período de formação do Ensino Médio
e, desde que acabara o curso, iniciou trabalhar na área da educação. Está na Escola de
Educação Infantil XX desde agosto de 2000, perfazendo um total de três anos quando
do início da pesquisa de campo desta dissertação.
Sobre sua escolha profissional relata que sempre quis ser professora, inclusive,
em suas brincadeiras quando criança era esta posição que gostava de representar. No
período de formação do curso de Magistério, não tinha a idéia de que acabaria
trabalhando com a área da Educação Infantil, pois sua experiência como estagiária no
sempre fora com crianças maiores, do ensino fundamental. Relata que essa paixão pelos
pequenos da Educação Infantil veio depois que começou a trabalhar na atual escola.
É a irmã mais velha dentre duas mais novas, disse que sempre teve jeito para
cuidar de crianças, que era chamada a fazer isso nos aniversários e reuniões. Os adultos
sempre confiavam a ela tal tarefa, por ser mais velha que suas irmãs e primas. Sempre
morou na Região de Blumenau e foi aluna da escola que trabalha atualmente por dois
anos, durante o pré-escolar.
66
4.3.4. As relações interpessoais no contexto da turma pesquisada
4.3.4.1. Criança-Criança
A relação entre as crianças demonstra dois padrões básicos de interação. Em um
destes padrões foi possível registrar que em sala de aula, as interações possuem um
caráter mais formal, designado por atividades propostas e conduzida, na maior parte do
tempo, pelos adultos. Demonstram cooperação e interesse quando solicitadas a executar
tarefas em conjunto, em que pese que em alguns momentos a atenção se disperse
durante as atividades coletivas. As crianças, nestes momentos de dispersão da atenção,
vagam o olhar pela sala de aula, ocupando-se de considerar o que o outro está fazendo;
muitas das vezes envolvem-se, a partir desse momento dispersivo da tarefa orientada,
com a atividade que outro colega está realizando individualmente como, por exemplo,
nas situações de desenho quando uma das crianças acaba com a atenção presa pelo
trabalho do colega e tenta por ali um traço ou cor que lhe são próprios. Também nos
momentos em que a turma é solicitada a realizar uma atividade de caráter grupal como,
por exemplo, o cantar de alguma canção, é rotineiro o comportamento de tentativa de
fazer valer para o coletivo uma canção que em específico agrade a alguém
individualmente.
Em outro padrão estão localizados aqueles processos de interação sem a
demarcação de regras reguladas pelos adultos. Geralmente acontecem nos momentos de
brincadeira, tanto no pátio como no próprio espaço da sala de aula. Nesses momentos a
pluralidade de atividades favorece a formação de subgrupos espontâneos que variam tão
e somente em função do interesse das crianças. As atividades expressivas que, por
exemplo, envolviam a imitação de animais, eram as que segundo nossas observações
– agregavam um interesse permanente de cooperação livre entre as crianças. Essa
cooperação livre - que compreendo como sendo a compreensão não regulada por sua
origem no mundo dos adultos, no caso da escola, o mundo representado pela
intervenção direta e dirigida das professoras permitia um tipo de contato direto e
duradouro entre as crianças; permitia trocas expressivas e, inclusive, auto-regulações
quando acontecia de aparecer algum comportamento discrepante
43
em relação à
atividade em curso.
43
Por comportamento discrepante podem ser compreendidas situações como as que durante um momento
de brincadeira com a idéia de imitação de animais alguma das crianças propunha o som ou a gestualidade
de algo que não fosse animal. Logo que percebido que alguma criança não seguia a regra estabelecida
para a brincadeira, ela era chamada atenção para retomar a idéia original. Na maior parte das vezes essa
67
4.3.4.2. Crianças-Professoras
O processo de interação entre as crianças e as professoras era basicamente
demarcado pela idéia da autoridade do mundo adulto sobre o mundo infantil. As
professoras faziam, na grande maioria das vezes, o papel de vigias das crianças e
reguladoras dos comportamentos das crianças no sentido não dos cuidados
necessários à segurança pessoal de cada uma das crianças, mas também, de
instituidora de padrões de ordenamento moral/comportamental dos pequenos. As
professoras raramente participavam das brincadeiras das crianças e quando faziam
sempre ocupavam a condição de reguladoras dos conceitos e comportamentos, das
opiniões e das ações executadas a partir de tais opiniões.
chamada de atenção era uma recriminação direta daquele que desviava do sentido original da brincadeira
e este, de imediato retomava o jogo que estava em curso, seguindo-lhes as regras.
68
5. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS EPISÓDIOS
5.1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Inicialmente os registros videográficos foram assistidos em sua totalidade e de
modo ininterrupto. A partir daí elaborou-se um inventário das filmagens relativos às
crianças em inter-relação. Tal inventário contava, primeiramente, com a descrição das
imagens.
Em seguida, passou-se a uma nova assistência dos vídeos, agora delimitadas
pelo inventário. A separação dos episódios seguiu os seguintes critérios: Quando por
exploração da câmera, a pesquisadora chegou a focalizar uma dupla ou um grupo de
crianças em interação. Esta interação era filmada no seu processo, na sua ação. A
pesquisadora percebia as regras da interação como, por exemplo, a criação da
brincadeira de imitar animais. Quando da confecção do inventário das filmagens, foi
possível perceber que as atividades tinham começo, meio e fim. Assim, era possível
anotar, assistindo as gravações, o começo e o fim dos episódios bem como a duração de
cada episódio. Por meio desse processo, conseguiu-se definir os episódios que
respondiam às questões de pesquisa elencadas no projeto desta dissertação. Em seguida,
os episódios escolhidos foram analisados sempre a partir das reflexões realizadas com
base na categoria gênero.
A repetida assistência aos vídeos permitiu uma compreensão de dupla-ordem.
Ao mesmo tempo que as situações de interação e significação próprias da análise
microgenética iam sendo localizadas e compreendidas, a pesquisadora ia dando-se conta
de que ela mesma constituía parte integrante e inegável do processo sob análise. Tal fato
se sustenta na idéia de que os elementos sob análise localizavam-se em tal condição por
conta de critérios externos ao evento propriamente dito. Daí se depreende que os
episódios escolhidos para serem analisados não eram conclusivos, mas sim constituíam
um demonstrativo do olhar da pesquisadora, respaldado obviamente, pelo aporte teórico
acumulado ao longo dos anos de estudo da graduação e do próprio mestrado. Também,
e porque não mencionar, da experiência que a pesquisadora adquiriu ao longo de seus
anos como psicoterapeuta infantil.
69
5.2. EPISÓDIO DO LANCHE
O episódio a seguir não foi gravado em vídeo, pois ocorreu antes do começo
das filmagens. Portanto, foi observado e relatado no diário de campo cuja
transcrição encontra-se abaixo:
Fui acompanhar o grupo na hora do lanche. As crianças chegaram ao
refeitório e foram sentando em volta de uma mesa retangular, grande e baixa, com
cadeiras também baixas. Valéria
44
começou a distribuir pratos e copos de plástico
coloridos. Percebi que a professora os entregava aleatoriamente, atenta ao objetivo
da atividade, sem se dar conta das diferentes cores das louças que as crianças
recebiam. Assim que as crianças pegavam os pratos e copos, começavam a
compará-los entre si. Diziam “Olha, o meu é igual o teu”! Havia pratos azuis,
verdes, rosas e amarelos. Além da comparação, algumas crianças solicitavam a
troca das cores entre seus colegas. Alguns aceitavam trocar, outros, não. Ao final
deste episódio de comparação e troca, quando as crianças estavam comendo,
pude observar que os quatro meninos tinham pratos azuis, ao passo que as meninas
ficaram com as outras cores, inclusive a azul.
5.2.1. Análise e discussão do Episódio do Lanche
A trama relatada neste episódio é composta em um cenário de reunião para
realizar uma refeição. Percebe-se que as crianças constroem, também, um micro-
momento de trocas e comparações. Este episódio não ocorre especialmente em um local
e em um momento institucionalmente marcado como hora de brincar porém, mesmo
assim, as crianças ao realizarem esta negociação dos seus pratos e copos, transformam
esse momento e lugar em possibilidades de brincadeira, questionando as cores das
louças que lhes são designadas. A concepção de que os signos derivam propriamente da
ação do ser humano e, por decorrência, do acúmulo de apropriações que vão se tornando
possíveis ao longo da história da humanidade vai ser responsável, conforme Zanella
(2004), pela condição sígnica do psiquismo humano. Essa condição gnica, também
presente em Lane (1985), constitui o referencial interativo das ações propriamente
humanas. É da negociação de distintas posições e das tensões geradas neste processo
44À Professora auxiliar foi atribuído tal nome por escolha da pesquisadora, conforme indicado no
capítulo 4, página 65.
70
de estar com o outro que se forma a trama da experiência social; é neste processo que
se pode constatar, entre outras coisas, a característica da reversibilidade (Pino, 2000). A
mobilidade do signo, via a condição da reversibilidade, indica que: “... o fato de
representar algo tanto para quem o recebe quanto para quem o emite, não
necessariamente coincide, posto que os sujeitos em relação, atribuem sentidos diferentes
àquilo que vivenciam.” (Zanella, 2004 p. 131)
A escolha do Episódio do Lanche constitui-se como pertinente por evidenciar as
interações como um momento que transcende as representações sociais de gênero no
contexto escolar. Por meio do jogo de negociação direta, possível de ser constatado na
relação criança-criança, a escolha das cores das louças plásticas permite pensar que a
tolerância não tem qualquer relação com as múltiplas possibilidades de posições de
gênero, com as marcas, ou cores, que tornam algo impossível naquele lugar; nesse caso,
a opção de um garoto por um copo que não seja o azul.
As crianças, aceitando ou não a troca de cores dos seus copos, efetuam um gesto que
as colocam no limite das regras que fundam os discursos de gênero, dando a ver um
campo fértil de análise, cujo foco recai sobre o caráter dialético das posições de gênero,
onde a intolerância desponta como o gesto que barra, impede, não deixa aparecer outras
possibilidades que não a hegemônica.
Nas brincadeiras e em outros espaços interativos é que podem ocorrer tais processos
de apropriação, bem como a subversão de algum deles, deixando bem explicito a
expressão da reversibilidade presente nos estudos de Pino (2000).
Não seria o termo intolerância, muito forte para um contexto de brincadeira e de
simples troca de cores? Neste sentido, não seria de maior propriedade pensar numa
condição de tensão como própria às negociações das crianças em torno dos
objetos/situações que implicam força de reversibilidade de perspectivas e ações? A
condição da tolerância, da tensão própria a uma situação de potencial reversibilidade é,
de fato, produzida em contextos sócio-histórico bem definidos e, portanto, está tomada
de sentidos de generificação. A escolha de certos objetos físicos para brincar – os
brinquedos bem nos pode funcionar como um sinalizador dessa tal condição. A esse
respeito é proveitoso tomar em conta as considerações que seguem:
Certamente, depois de terem suas escolhas recusadas, meninos e meninas fazem
pedidos apenas dos brinquedos que aprenderam a reconhecer como aceitos: os
brinquedos “certos”, porque sabem que não irão receber o brinquedo “errado”.
Tais imposições, feitas às crianças, desde muito pequenas, assumem o caráter de
preferências e gostos. É necessário, portanto, refletir sobre a categorização dos
71
brinquedos para meninos e meninas e de tudo que está implícito nesta distinção”.
(Finco, 2004 p.72)
Ainda discutindo a questão da intolerância/tolerância/tensão oriunda e
própria das situações implicadas à reversibilidade, caberia trazer em questão a
condição das meninas acatarem estar com quaisquer cor de louça enquanto os
meninos, em sua totalidade, se apropriaram das louças de cor azul. A pertinência do
processo social, de negociação sígnica, experimentado por crianças que
desenvolvem suas pautas interativas vinculadas à perenidade do modus operandi
herdado do funcionamento cultural trazido pelos imigrantes alemães - em que pesem
terem se passado 160 anos da chegada das primeiras famílias de imigrantes alemães
à região do município de Blumenau – tem as marcas profundas de um tipo de
regulamentação onde a passividade dos sujeitos, de saída compreendidos menos
qualificados para assumir o controle dos processos em curso no caso do Episódio
do Lanche, as meninas - acaba por naturalizar/acatar elementos convergentes ao que
é estruturante no modo de ser da sociedade local. Fica aqui a questão: a pertença a
contextos sócio históricos demarcados por regras funcionais quase nunca explícitas
mas, ainda assim, possuidoras de uma alta força de regulação do processo de
reversibilidade, pode se constituir como um elemento de alta capacidade de
naturalização de processos sociais construídos historicamente como os relacionados
às significações de gênero em crianças do período da Educação Infantil
45
?
5.3. EPISÓDIO DA ESCOLHA DOS NOMES
O Episódio que segue, ocorreu no dia sete de novembro de dois mil e três,
com início às 11h15min30seg e duração de 17min35seg.
45
A esse respeito um interessante estudo feito na cidade de Assunção (Paraguai) realizado pela
coordenadora do Núcleo de Psicologia Comunitária da Universidade Nacional de Assunção, a professora
Panambi Rabito, que demonstra que a experiência das residentas - mulheres que assumiram a frente de
batalha na Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, quando os homens para defender o território
paraguaio haviam, em sua grande maioria, perecido diante da fúria de brasileiros, uruguaios e
argentinos ainda possui forte impacto na constituição de gênero experimentada no Paraguai. Para ela
existe, ainda, um impacto muito forte em termos de regulação das negociações gnicas entre homens e
mulheres no País, ficando às mulheres, a inegável assunção de um papel diretivo e dominante das
relações de gênero na cotidianeidade. O estudo desenvolvido por Rabito (2004) é parte mencionada nos
estudos de doutorado em Psicologia Social, da professora Catarina Gewehr, vinculada ao Programa de
Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da PUCSP e professora do Departamento de Psicologia da
Universidade Regional de Blumenau.
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As crianças haviam acabado de fazer a higiene após o lanche e Renata
46
propôs a atividade. A idéia de realizar tal atividade partiu de Renata após ouvir um
comentário meu sobre a necessidade de criar nomes fictícios para as crianças a fim
de relatá-las no meu trabalho. As crianças foram saindo do banheiro e sentando-se
no chão, formando um círculo para realizar a Assembléia
47
.
Quando estavam quase todos na sala neste momento ainda faltavam
duas crianças tomarem assento na Assembléia - a professora começou a explicar a
atividade. Ela estava olhando para ‘N’
48
, que estava no seu lado esquerdo, e
começou dizendo que tinha uma atividade bem divertida pra fazer com eles. Depois
disso explicou que “no trabalho da Luciana, os nomes verdadeiros das crianças não
podem aparecer...
Segue abaixo o episódio descrito na íntegra.
1. (Professora) -... porque vocês são crianças e ela não pode expor vocês, ela não pode
mostrar pros outros quem são vocês...
2. (‘N’ – menino) – Por quê?
3. (Professora): - Porque a lei não permite!
4. (Eu) {... e isso que eu estou filmando de vocês eu também não vou mostrar para
ninguém além de vocês e da minha professora. Eu vou escrever tudo isso que eu
estou filmando, eu vou ter que escrever...}.
5. (‘N’ – menino) – E a gente não pode ir lá?
1. (Eu)Na minha escola?
2. (‘D’ – menina) – Eu, eu, quer ver eu aqui? Eu, eu, eu, eu ...
3. (Professora) - Aonde, no trabalho dela, onde ela vai apresentar?
4. (‘N’ – menino) – É!
5. (Professora) É que não é aqui, é lá em Florianópolis! Aí, por isso a Luciana teve
uma idéia. Nós vamos fazer uma coisa...
46
À Professora titular foi atribuído tal nome por escolha da pesquisadora, conforme indicado no capítulo
4, página 64.
47
Estratégia pedagógica de tomada de decisões referentes ao funcionamento cotidiano da sala de aula,
assumida pelo referente pedagógico da escola.
48
Para cuidar das identidades das crianças pesquisadas, escolhi denominá-las com letras na sua primeira
aparição no trabalho, enquanto não havia decidido seu nome fictício.
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A professora explica para as crianças que eu tenho que trocar os nomes delas no meu
trabalho. Uma das crianças quer saber por que (turno 2) e ela responde (turno 3). Será
que a criança entendeu? O que é a lei, o que ela permite ou não e o que eles têm a ver
com isso? Crianças de tão pouca idade teriam acúmulo cognitivo-racional suficiente
para incorporar a noção de a lei não permitecomo um nexo explicativo capaz de
resolver a incompreensão presente na pergunta lançada por “N”? É possível que a
incompreensão da criança diante da explicação da professora seja produto/produtora de
processos relacionais que passam a ser assumidos na perspectiva de naturalização:
naturaliza-se o domínio do mundo adulto sobre o mundo infantil, a dominância do
masculino sobre o feminino, dos ricos sobre os pobres. Essa naturalização, por certo,
cumpre um papel importante nos dispositivos que regulam a alienação que, em uma
determinada perspectiva, pode ser compreendida como a banalização das competências
de análise do sujeito que põe ou às vezes, nem chega a fazê-lo em questão um
determinado acontecimento.
Busquei explicar como era o meu trabalho (turno 4), mas fui interrompida por
uma curiosidade que pareceu mais urgente (turno 5). A proposta pedagógica naquela
época era aprender sobre profissões e, usavam com recurso de aprendizagem a visita ao
local de trabalho de seus próprios pais e dos colegas. A professora esclareceu onde
ficava meu trabalho (turno 10). As crianças se remetiam à professora como detentora
das regras da atividade, pois esta era quem tinha o poder instituído como tal.
6. (‘D’ – menina) – Luciana, agora eu! (olhando para a câmera e sorrindo).
7. (A professora olha para D’ que está à sua direita e fala) Ela está filmando todo o
mundo, tá ‘D’ Não precisa ficar chamando!
8. ‘D’ continua sorrindo e olhando para a câmera e eu a filmo enquanto a professora
fala:
Como percebido no turno 7, a menina reivindica para si a atenção, que não é
ouvida em um primeiro momento pela professora e no turno 11, quando acontece
novamente, a professora se manifesta. O que representa essa
intervenção/pedido/interrupção da menina na relação com a atividade e com a
professora no cenário que se apresenta? O que se manifesta nas vozes desta criança que
propõe uma atenção sobre si, reivindicando uma direção que difere da atividade
proposta no momento?
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9. (Professora) Então olha só. Sabe qual é a tarefa divertida e engraçada que vocês
têm que fazer agora? Pensar um nome pra vocês, que não seja o nome de vocês.
Será que é uma atividade divertida e engraçada? A professora indexa a atividade
proposta a algo que poderia surgir espontaneamente como resultado da atividade. O que
tal enunciado quer propor?
10. (‘N’ – menino falou) – André!
11. (Professora) – Só quero ver! Se você não fosse ‘N’ como você ia se chamar?
12. (‘N’ repetiu): - André!
13. (Professora): - André, o ‘N’... Então no teu trabalho, quando a Luciana falar de ti
ela não vai escrever ‘N’, ela vai escrever André! (Falou a professora sorrindo e
olhando nos olhos no menino que estava sentado no seu lado esquerdo).
14. (Professora) -... Aí só a gente vai saber que o André é o ‘N’. Legal, né?
“N” manifestou-se, primeiramente, no turno 2 perguntando à professora sobre os
motivos da atividade e a ela respondeu que seria porque a lei não permitiria que seus
nomes reais estivessem no meu trabalho. A maneira como apareceu a comunicação
trazida nos turnos 15, 16 e 17 deixou escapar, também em resposta a “N”, outro
objetivo da atividade. Isto é, não seria somente porque a lei não permitiria (turno 3)
seria também, para saber o que eu iria falar” na minha pesquisa sobre cada aluno. Esta
resposta é dada à “N”.
Neste interjogo, apareceram, também, as regras e significados da atividade que a
professora deixou transparecer na sua postura corporal (sorrisos e entonação de voz)
bem como, nos adjetivos usados para justificar a atividade (Atividade divertida e
engraçada, legal).
15. E a professora continua seguindo a seqüência das crianças sentadas em círculo:
16. (Professora) – E tu ‘M’, que nome tu querias ter no trabalho da Luciana?
17. (‘M’ – menino) – Guilherme! (Ele responde com a jaqueta na mão.)
18. (Professora) – Tu queres te chamar Guilherme? (Diz a professora sorrindo)
A professora baixa os olhos e anota.
19. (Neste momento as crianças riem e ‘C’ diz) – Eu quero me chamar Alicia!
20. (professora) – Pera lá! [não dá atenção à ‘C’ e pergunta para outra criança:]
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‘M’ parece compreender a atividade proposta e responde com rapidez (turno 22).
A Professora sorri (turno 23) e seu sorriso “provoca” o riso coletivo. ‘M’escolheu um
nome igual ao de seu irmão
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(aluno de outra turma na mesma escola). ‘C’faz o mesmo
escolhendo o nome Alicia (é o nome de sua irmã, aluna de outra turma). O que
aconteceu no turno 23? O sorriso da professora parece provocar o riso dos alunos? A
escolha rápida de um nome provoca riso na professora que provoca riso nos alunos?
Alunos percebem que os nomes dos irmãos podem servir à brincadeira e fazer rir a
professora? A atitude das crianças imprime um ritmo à atividade, que agrada à
professora?
A professora estabeleceu uma forma de cumprir a atividade em uma ordem
marcada e resolvida por ela, não consultando as crianças e não negociando as regras de
seqüenciamento com elas. ‘C’ manifestou-se sobre sua escolha, (turno 24) mas como
não era a vez dela, a professora não anotou sua resposta (turno 25) passando a palavra
para a próxima criança na seqüência da roda.
21. (Professora) – E você ‘O’, que nome tu queres ter, ‘O’!
22. (‘O’ – menino responde com uma pergunta) – Guilherme também?
23. (Professora) – Não!
24. (‘O’) – André!
25. (Professora): - Não, André já tem o ‘N’. Outro nome. Tem tantos nomes.
26. (‘André’ falou) – Tem Luciano...
27. (Professora) – Tem Luciano, tem Henrique, tem Paulo, tem João, tem Pedro, ãnh!
28. (‘O’ responde) – Paulo!
29. (Professora) – Paulo? (Depois baixa a cabeça e anota).
‘O’ escolheu um nome idêntico ao do colega (turno 26) e frente à negativa da
professora, fez outra tentativa (turno 28) e a professora também disse que não. Os
jogos de força que parecem manifestar-se neste recorte é que não seria possível um
exercício pleno de escolha. As escolhas estariam previamente determinadas. Parecia,
também, que estando ‘O’ em evidência, era incômodo tanto para ele, como para a
professora que precisava cumprir a tarefa e também para os colegas que estavam
49
Como me inseri no cotidiano da escola, convivi com as outras turmas de educação infantil, (uma turma
de Maternal e uma turma de Pré) do período matutino. Tal convívio se deu, principalmente, nos
momentos de brincadeira no parquinho e nos momentos do lanche. Assim, foi possível tomar contato com
sua rede de relações e parentesco.
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esperando a sua vez. Assim, a professora começa a dizer nomes para que ‘O’
escolha, e ele escolhe: “Paulo”.
30. (Professora) E a ‘A’, a ‘Azinha’, a ‘A’? Se tu não te chamasse ‘A’, como é que tu
ia querer chamar?
31. (‘A’ – menina responde) – ’A’!(o próprio nome)
32. (Professora) – Tá, mas outro nome inventa um outro nome pra ti (Silêncio).
33. (Professora) - Hein? Tem Isabela, tem Isabel, tem Letícia...
34. (‘A’ respondeu) – Eu quero Isabela
35. (‘I’ fala – menina) – Sua bolacha Isabela! (‘I ‘, ‘F’ e ‘C’ riem)
Estes turnos (35, 36 e 37) indicam uma possível falta de compreensão da
criança em relação à atividade, ou talvez esta não faça sentido para ela. Novamente
a professora direciona a tarefa, dando uma dupla informação, pois ao mesmo tempo
em que pede pra criança pensar, não lhe dá tempo para isso. A professora dá,
novamente, exemplos de nomes, e a criança escolhe o nome que faz sentido para
ela: Isabela é o nome da sua irmã.
Vale demarcar, a relação que ‘I’ faz entre o nome escolhido pela colega ‘A’
e uma marca de biscoitos famosa no mercado consumidor brasileiro. Tal
demarcação indica a pluralidade de sentidos que uma palavra pode ter para
diferentes pessoas o que possivelmente tenha mobilizado o riso das demais crianças
conforme pode ser vistos no turno 40 denotando diferentes sentidos de uma palavra
para as diferentes pessoas.
36. (Professora) – ’B’?
37. (‘B’ – menina respondeu) – Erica!
38. (Professora) – E tu ‘G’, que nome tu queres ter ‘G’?
39. (‘G’ – menina responde) – João!
40. (Professora) – Aãnh?
41. (‘G’ – menina repete) – João!
42. (Professora) Mas João é nome de menino, pode ser Joana. Pode ser Joana? Ou
outro nome?
43. ‘(G’ – menina responde) – Joana!
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Fiquei curiosa para saber por que a menina gostaria de chamar-se João e por que
a professora não explorou isso? (Eu não possuía a informação de como se chamava
seu pai e irmãos). Por que a criança não poderia ter o nome de um menino no meu
trabalho? O que parece é que menina com nome de menino não é natural, como
também era preciso acabar aquela tarefa, pois já estava quase na hora de ir embora.
Somando-se à “proibição” de haver nomes repetidos, menina não podia ter nome
de menino.
44. (Professora) – ‘P’?
45. (‘P’ – menino responde) – Roberto Carlos!
46. (Professora) - Ô! Roberto Carlos, tu queres te chamar?...(Falou rindo)
47. (Professora) – ‘F?’
48. (Professora) Senta ‘Q’, na assembléia... (a professora falou dirigindo-se a
uma menina que estava voltando do banheiro naquele momento).
49. (Professora) – E tu, ‘F’, que nome tu queres ter, ‘F’... (Silêncio de ‘F’).
50. (Enquanto ao fundo ‘N’ fala para ‘Q’) - Ô ‘Q’, quê nome tu queres. Nós vamos no
trabalho da Luciana e tem que escolher um nome diferente!
51. (A professora repete) – Quê nome tu quer ter, ‘F’?
52. (‘C’ fala ao fundo) -... Ou Érica...
53. (Professora) -... Iihhh! Vamos ajudar? .Érica foi! Vamos ajudar a ‘F’! Quê nome
tem de menina? (A professora pede que as crianças digam nomes)
54. (‘O’ responde) – Tem... Princesa!
55. (Professora) – Princesa é nome?
56. (As crianças continuam) – Tem ‘B’, tem ‘D’. (Repetindo os próprios nomes)
57. (Professora) - ‘D’ já é você! (Diz a professora Conversando com ‘D’)
58. (As crianças) ’B’ também tem aqui na sala, vamos ver outros nomes que não
tenham aqui na sala...
A professora pergunta para F’ e esta não responde, fica olhando para
professora e para os alunos sem falar nada. Quando chega ‘Q’, a professora não
explica a atividade a ela. Quem o faz é ‘N’. ‘Q’ estava com os olhos inchados, pois
havia chorado por ter sido deixada de castigo pela professora auxiliar. Por este
motivo que chegava à assembléia naquele momento.
Frente ao silêncio de ‘F’, a professora convida o grupo a ajudar, porém não
ouve as sugestões (turno 58) ou as corrige (turno 60).
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As crianças começam a dizer os nomes dos colegas, e a professora diz que
não poderia nomes da sala, que teriam que escolher nomes diferentes. Porém uma
das crianças escolheu o nome de um colega que estava faltando à aula naquele dia, a
professora não se deu conta, e deixou.
59. (uma criança fala enquanto a professora está dando os exemplos de nomes)
Mateus!
60. (Professora) -... Tem Ana, tem Claudia...
61. (Uma das crianças fala ao fundo enquanto a professora está falando) -... Mateusa...
62. (Professora) -... Mateusa não existe...
A criança fala Mateus, e a professora não ouve e continua falando nomes
comuns. Quando ela fala o feminino de Mateus, Mateusa, a professora ouve e logo
corrige. Por que Mateusa não existe?
63. (Neste momento, ‘C’ interrompeu, falando) - ...Ah, olha uma coisa, tem uma
moça que cuida um pouco de nós...
64. (Professora pergunta) – E como é que é o nome dela?
65. (‘C’ responde) – Ana!
66. (Professora) -... Ana?
67. (‘N’ diz) -... Ou Ana Paulinha!
68. (A professora prossegue) -... pra botar Jaqueline, pra botar Luciana, Lucia,
Mônica, Magali...
69. (as crianças riram e falaram ao mesmo tempo) -... Magali? Magalinha, Cascão....”
70. (a professora interveio) -... A gente tá falando de nomes e não dos personagens...
Não existe nenhuma confirmação e acolhimento da novidade que ‘C’ trouxe
(turnos 68 a 71), bem como às sugestões de nomes apresentadas no turno 74. Por que
será que eles não poderiam escolher nomes de personagens? Será que a forma como a
professora apresenta os nomes não lembra o nome dos personagens?
71. (Professora) Queres pensar mais um pouquinho? (‘Fpermanecia quieta, sorrindo
e não respondendo à pergunta da professora, que passou a perguntar para outra
criança)
72. (Professora) -... ’I’ que nome tu queres, ‘I’?
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73. (‘I’ – menina respondeu) -... Mariana!
74. (Professora pergunta) - Mariana?
75. (Eu) – Que nome bonito!
76. (Professora) – E tu ‘C’? Quê nome tu queres ter?
77. (‘C’ respondeu) – Eu já disse?
78. (Professora) – Ah, tu não queres mudar? Não vai querer ter outro?
79. (‘C’ balançou a cabeça para um lado e para o outro, dando a entender que não havia
mudado de idéia).
80. (Professora) – Alicia?
81. (‘C’ balançou a cabeça para cima e para baixo, sorriu e repetiu o nome em voz alta).
Vale lembrar que quando a atividade começou, Alícia foi a terceira criança a
escolher o nome como aponta o turno 24.
82. (Professora perguntou para ‘D’ – menina) – E o teu nome, como é que vai ser?
83. (‘D’ permaneceu em silêncio, sorrindo e olhando para os colegas. ‘D’ estava sentada
do lado direto da professora e esta continuou, dizendo) -... Tem Déborah, tem
Regina, tem Rafaela...
84. (‘D’ fala baixinho olhando pra professora) -... Regina...
85. (A professora continua com seus exemplos) -... tem Bruna....
86. (‘D’ fala novamente) -... Eu disse Regina!
87. (Professora) – Regina? (a professora anota)
Os episódios acima, (turnos 87 a 92) parecem demonstrar a pressa da
professora em cumprir e terminar a tarefa. Não deu tempo para ‘D’ pensar e
começando a dizer os nomes (turno 88) e não ouve quando a criança fala.
88. (Professora) – Tem Bianca, tem Sabrina,
89. (Uma das crianças olha para cima diz) – Olha lá!
90. (Professora) – O quê?
91. (Uma das crianças diz) – É um bicho!
92. (Professora) Não é um bicho! É a fita que grudada. (referindo-se a uma fita
adesiva que estava grudada no teto da sala)
93. (Professora) – E ‘Q’? E tu ‘Q’, se tu não te chamasses ‘Q’ como é que tu ias querer
te chamar? Como é que você quer que seja o teu nome no trabalho da Luciana?
80
(Começa a falar os nomes escolhidos por cada criança do círculo, começando pela
sua esquerda): Oh, aqui é o André, aqui é o Guilherme, é o Paulo, depois tem a
Isabela, a Érica, a Joana, o Roberto Carlos... a ‘F’ também não escolheu, ‘F’, quê
nome? Tem que escolher um nome, então Oh, tem Luciana, Viviane, Lúcia, Maria...
94. (‘C’ falou) -... A minha mãe tem uma empregada com esse nome...
95. (Professora prossegue) –... tem Juliana, tem Júlia...
96. (Alguma criança fala) – Maria Chiquinha!
97. (Professora) Maria Chiquinha não é nome, né?... hein ‘F’ como é que tu qué que
seja o teu nome....?...Vamos sentar de perna de índio todo o mundo?... hein ‘F’,
como é que tu quer que seja o teu nome, ‘F’... tem Laura, tem Regina... Regina
tem... Luciana, Juliana, Júlia, Bianca, Laura, Aninha, Jaqueline...
98. (‘F’ – menina deu um sorriso)
99. (Professora perguntou) – Quer Jaqueline?
100. (‘F’ balançou a cabeça para cima e para baixo)
101. (Professora continuou) -... quer Jaqueline? O nome da Mamãe?
A criança não contesta o lugar de saber da professora, pois após o turno 97,
não se falou mais no assunto bicho no teto, pois a professora disse que não era
(turno 97). E a atividade precisava seguir adiante. Depois de escrever o nome de
Regina, continua dando exemplos (turno 93). A professora começa a perguntar para
‘Q’ e muda de idéia no meio do caminho (turno 98), e começa a perguntar pra ‘F’
novamente. Recomeça a dar exemplos de nomes (turno 100). Notei que a menina
não disse uma palavra, mesmo quando escolheu seu nome fictício (turnos 101-
104). E a professora lhe escolheu um nome familiar, o da mãe (turno 104) Percebi
bastante paciência com ‘F’, bem como tentativa de respeitar seu tempo de escolha.
Porém, parece que ‘F’ não escolheu por conta própria.
102. (Professora) - ‘Q’ e tu, ‘Q’ como é que tu vai querer que seja o teu nome?
103. (‘Q’ não respondeu, ficou séria olhando pra professora)
50
104. (Professora) - Se você não escolher, a Luciana vai escolher um nome pra você!
Todos os teus amigos escolheram! [falou de forma ríspida]
105. (‘Q’ – menina respondeu) – Sabrina [Falou baixo]
50
Sabrina parecia chateada, pois tinha sido repreendida na hora da higiene, e havia chegado à assembléia
depois de todos os colegas.
81
106. (A professora perguntou) Anh? [professora indica que não tinha escutado a
menina]
107. (‘Q’ repetiu) – Sabrina!
108. (A professora perguntou novamente, já fazendo a anotação) – Sabrina?
109. (Eu) – Que nome bonito, ’Q’!
Parece que ‘Q’ também precisava de um tempo para entender o que era a
atividade e para se recompor de repreensão. Havia um tom de cobrança na fala da
professora (turno 107). A menina cumpriu a tarefa da maneira que pôde, falando
baixinho (turno 108). Como a professora parecia não estar disponível para acolher
Sabrina, pediu que ela repetisse (turno 109).
110. (Professora pergunta pra turma) – E que nome a gente vai escolher pra ‘E’?
111. (Crianças falam ao mesmo tempo) – Eu já sei! Eu já sei!
112. (Uma das crianças diz) – Jaqueline!
113. (A professora fala) – Jaqueline já tem, a ‘F’!
114. (Roberto Carlos diz) – O Roberto Carlos...
115. (André fala) – Ou Roberta Carla, ou Roberta!
116. (A professora chama a atenção de Alícia que estava conversando) – Deu amiga?
117. (Professora) Que nome a gente vai escolher pra ‘I’... pra ‘I’ não, pra ‘E’?
Roberta?
118. (Roberto Carlos diz) – Não, Pulga!
119. (Professora) – Não, pulga não é nome de gente, tem que ser nome de gente...
Uma criança deu uma sugestão, (turno 120) que não foi acatada
imediatamente, foi conferida com o grupo (turno 122). Novamente a professora
ouve uns e não ouve outros, André fala “Roberta Carla”, a professora transforma em
Roberta, mais ainda tem dúvidas se dará o nome de Roberta à ‘E’. Quando Roberto
Carlos se manifesta, (turno 123) a professora rapidamente o ouve e corrige (turno
124).
120. (Professora Chama a atenção de Joana) – Joana! Deu?
121. (Professora) – Hein, Isabela, um nome pra ‘E’, como é que a gente pode chamar
a ‘E’?
122. (Guilherme fala) – Mariana!
123. (Eu) – Mariana já tem!
82
124. (Professora) – Mariana, não... ah, já a ‘I’ é a Mariana!
125. (Alguma criança falou) – Maria!
126. (Roberto Carlos) – Mariquinha!
127. (Professora) – Não, Mariquinha não é nome....
128. (Eu) – Que tal Bianca, o que vocês acham?
129. (Alguma criança falou) – Horrível!
130. (Professora) – A ‘E’ tem cara de Bianca?
131. (André) – Tem!
132. (Alguma criança falou) – Não!
133. (Professora) – Tem? (Verificou nas anotações e acatou.)
Novamente aparecem as correções e regras e parece que as idéias das
crianças não têm importância. (turnos 128 a 130). Eu me manifestei, (turno 133) uns
não concordaram, outros sim (turnos 134 e 136). A professora acatou a minha idéia
sem mais questionamentos.
134. (Professora) – E pra ‘H’, que nome pra ‘H’? Pra ‘H’ quê nome?
135. (Professora chama a atenção de Sabrina) – Sabrina vamos sentar, Sabrina?
136. (Professora) – Eu posso escolher um nome pra ‘H’
51
?
137. (Paulo) -... o meu nome é Paulo...
138. (A professora) – Então eu acho que o nome da ‘H’ vai ser...
139. (Uma das crianças falou) – Jaqueline!
140. (A professora continua) – Não... Eu acho que o nome da ‘H’ vai ser... Claudia!
141. (As crianças riram, repetiram e bateram palmas) – Claudia, Claudia...
A professora faz um pedido, (turno 141) mas não percebo nenhuma criança
aceitando tal pedido. Mesmo assim a professora se autoriza a prosseguir e o
nome à ‘H’. Claudia era o nome de uma das professoras da escola. As crianças
parecem comemorar o nome (turno 146).
142. (Professora pergunta) E o nome do ‘L’, que também não veio hoje? Posso
escolher um nome pra ele?
51
A menina aqui denominada H’ havia faltado à escola, não participando da atividade.
83
143. (Paulo fala) – André!
144. (Pergunta a professora, sorrindo) – André?
A professora pergunta sobre o nome de mais um membro que não foi à aula,
(turno 146) e Paulo fala rapidamente (turno 148) e a professora acata a idéia de
Paulo, parecendo estar surpresa (turno 149)
145. (Professora) – Agora só falta a ‘J’ escolher o nome dela!
146. (Uma das crianças fala) – Barrigudo!
147. (A professora levanta-se do círculo e diz) – Grupo, tá na hora de ir embora!
Chamou-me a atenção que a menina ‘J’ não havia escolhido seu nome e a
professora encerrou a atividade. ‘J’ havia feito suas necessidades na roupa e não
participou da atividade. Será que ela não merecia um nome?
148. (Eu) – E pra Professora, qual é o nome?
149. (Professora, já de pé.) – Escuta, e o meu nome? Como vai ser?
150. (As crianças, pegando suas mochilas, algumas saindo) – Pulga! Luciana! Leona!
Leandra!
As crianças pegam suas mochilas e vão embora. Não ficou claro o nome
escolhido para a professora. Ela também não se manifestou quanto a isso. As
crianças foram falando e ela não corrigiu, apenas sorriu.
Possibilitar que cada um escolha o nome fictício que será adotado na
pesquisa parece ter sido uma idéia oportuna da professora, pois o apenas
aproximou a pesquisadora das crianças, mas o fez de uma maneira que conferiu a
elas uma participação ativa, com o poder simbólico de nomeação de si na narrativa
que pode representar um trabalho de pesquisa no imaginário delas.
Esse processo de nomeação ativa um jogo interessante por onde é possível
fazer a análise passar. Se por um lado, a proposta da professora permitiu a formação
de um laço coletivo que criaria um código próprio, uma linguagem secreta,
compartilhada apenas por nós; esse processo também trouxe pontos de tensão na
relação da professora com a turma a partir das negociações de situações imaginárias
como também nas negociações de gênero geradas pela escolha desse “novo” e
fictício nome a ser utilizado por mim na pesquisa.
84
5.3.1. Análise e discussão do Episódio da escolha dos nomes
As situações acima descritas permitem várias análises. Enfocarei, porém, o
lugar social que as crianças ocupam no contexto escolar tendo como “olhar”
analítico as relações de gênero.
Os primeiros turnos do episódio acima descrito (turnos 1 a 14) trazem a
reflexão sobre o lugar social ocupado pelas crianças. Por que e para quê trocar os
próprios nomes? Por que a lei não permite? Os adultos sabem sobre lei e o que esta
permite, mas o que as crianças têm a ver com isso? E se elas quisessem ir com seus
próprios nomes no trabalho de pesquisa, o que a lei faria? Neste sentido, começo a
discussão, perguntando: será que estas crianças tiveram a chance de refletir? De
serem levadas a perguntar os por quês da atividade?
Neste sentido, remeto-me a Charlot (1986) que reflete, em contraposição à
idéia de condição humana apregoada pelo aporte histórico cultural, a respeito da
natureza da criança, dizendo que se a criança tem a natureza de ser sempre um ser
necessitante e carente - idéia alicerçada também no senso comum - o adulto,
naturalmente, precisaria assumir o papel de provedor, mandante e o detentor das
informações, sejam elas quais forem.
Os adultos em questão, neste momento, são as professoras do jardim de
infância, detentoras de um lugar de saber que o estudo da pedagogia lhes colocou.
De acordo com Neurnberg (1999) a professora ocupa o lugar social de autoridade,
por possuir uma formação, experiência e posição que ocupa na escola. A professora
fala em nome da escola, do saber e da disciplina. Deste lugar social, quais são as
visões das crianças a sua frente? No referido episódio, vários turnos deixaram claro
o lugar de saber que a professora ocupa em conseqüência, o lugar de não saber
ocupado pelas crianças. E não apenas este lugar-de-não-saber, mas o lugar de
necessidade, de disciplinamento, do ponto de vista da professora.
Charlot (1986 p.99) afirma que a educação não considera o conceito de
infância como um conceito de base. Não pensa a educação a partir da infância e sim,
pensa a infância a partir da educação. Em suas palavras: “A teoria da educação não é
fundamentalmente uma teoria da infância; é essencialmente uma teoria da cultura e
de suas relações com a natureza humana. Por isso a pedagogia não considera a
educação a partir da criança, mas a criança a partir da educação concebida como
cultura...”. Tal reflexão nos remete à necessidade de assumir que o processo social é
85
desigual em termos das oportunidades/possibilidades materiais e de elaboração
simbólica. Louro (1997) defende a idéia de que a escola e seus recursos técnicos
constituem parte importante do processo de naturalização daquelas condições
sociais que, históricas, feito as marcas de gênero são capazes de viabilizar a
reversibilidade indicada por Pino (2000) do signo.
No tocante a essa condição de perpetuação da desigualdade de sua
naturalização - e, portanto, de diminuição das possibilidades de reversibilidade para
grupos determinados no contexto da escola, somente uma elevada disposição de
negação da realidade poderia admitir a escola como neutra em tal processo.
Tal “naturalidade” tão fortemente construída talvez nos impeça de notar que, no
interior das atuais escolas, onde convivem meninos e meninas, rapazes e moças,
eles e elas se movimentem, circulem e se agrupem de formas distintas.
Observamos, então, que eles parecem “precisar” de mais espaço do que elas,
parecem preferir “naturalmente” as atividades ao ar livre. Registramos a
tendência nos meninos de “invadir” os espaços das meninas, de interromper suas
brincadeiras. E, usualmente, consideramos tudo isso de algum modo inscrito na
“ordem das coisas”. Talvez também pareça “natural” que algumas crianças
possam usufruir de tempo livre, enquanto que outras tenham de trabalhar após o
horário escolar; que algumas devam “poupar enquanto que outras tenham
direito a “matar” o tempo. Um longo aprendizado vai, afinal, “colocar cada um
em seu lugar”. Mas as divisões de raça, classe, etnia, sexualidade e gênero então,
sem vida, implicadas nessas construções e é somente na história dessas
divisões que podemos encontrar uma explicação para a “lógica” que as rege. (...)
Gestos, movimentos, sentidos são produzidos no espaço escolar e incorporados
por meninos e meninas, tornando-se parte de seus corpos. Ali se aprende a olhar
e a se olhar, se aprende a ouvir, a falar e a calar; se aprende a preferir. (...)
Evidentemente, os sujeitos o são passivos receptores de imposições externas.
Ativamente eles se envolvem e são envolvidos nessas aprendizagens- reagem,
respondem, recusam ou as assumem inteiramente. (Louro, 1997, pp. 60/61)
Embora a idéia de infância não seja fundamental na pedagogia, não é
possível conceber uma teoria da educação sem nenhuma referência à infância. Esta
viria para a pedagogia, através de significações que resultam de interpretações
acerca da natureza e da cultura. O autor afirma que os próprios conceitos de
natureza e cultura recebem da pedagogia um sentido temporal, isto é, a infância
seria concebida como um espaço de tempo na vida humana que precede a idade
adulta, um tempo que precede a maturidade. Isso não é suficiente para definir a
infância, mas traz a idéia do tempo e a concepção da natureza da infância. A
articulação da idéia de tempo e natureza da infância lançada pela pedagogia, em
função também, do desenvolvimento fisiológico das crianças, mantém a confusão
entre natureza humana e natureza no sentido biológico do desenvolvimento infantil.
86
Assim, o conceito ideológico de natureza infantil nos diz muito pouco sobre
a condição de ser criança em uma determinada cultura, em uma determinada cidade,
em uma escola específica, com amigos, família, etc. Pode-se perceber que as
crianças não são iguais, pois algumas tiveram a chance de escolher os próprios
nomes fictícios e outras não. Os turnos onde as crianças escolheram seus nomes sem
a interferência da professora: 15; 22; 42; 50; 78. Um episódio com 155 turnos,
apenas cinco deles refletem as escolhas das crianças, sendo que a consigna da
brincadeira era de que elas iriam escolher seus nomes (turno 14).
Mobilizadas pela possibilidade de escolha dos próprios nomes a serem
utilizados para relato na presente dissertação, a relação entre crianças e professora
demonstrou certo tensionamento quando, por exemplo, uma menina reivindicou
para si o nome masculino “João”. Por contigüidade, a professora sugere o nome
“Joana” que é imediatamente acatado pela aluna em questão. O modo pelo qual a
professora adentra o campo da tensão acima mencionada demarca uma importante
condição nos processos relacionais e de posição de gênero; a professora sugere o
nome “Joana” que é imediatamente acatado pela aluna em questão. De João à Joana,
evidenciam-se as posições de gênero em negociação numa classe pré-escolar, num
processo resultante de um conjunto de forças que se colocam em relação e tensão,
de maneira que as falas, da criança e da professora, se ligam à série de
acontecimentos que as subjetivam nas relações sociais, dentre elas as posições de
gênero, no instante mesmo em que são realizadas.
O turno 44 indica que a menina infringiu normas tácitas pré-estabelecidas;
norma prescritiva de que menina não pode ter nome de menino nem de brincadeira,
podendo assim, ser considerado um “desvio”. É possível perceber, também, que a
professora, assumido a posição de autoridade diante das crianças, não toma em
conta como válido o querer de “G” que, diferentemente dos demais colegas queria
para si o nome de “João”. Neste sentido, Motta (2004) aponta que:
A diversidade presente nos ambientes educacionais dificilmente é percebida
como positiva, na sua dimensão e riqueza. Ao contrário, nas escolas
tradicionais e nos currículos mais conservadores, e mesmo em escolas ditas
‘alternativas’ as diferenças (de gênero, étnicas, de credo, raça, classe social,
etc.) entre os sujeitos são ignoradas através de um processo homogeinizador
que não as especificidades de cada sujeito ou grupo social. Frequentemente
as diferenças são transformadas em estigma, ou seja, a diferença é sublinhada
como negativa” (Motta, 2004, p.54).
87
De acordo com Vygotski (1998), na brincadeira as crianças experimentam o
que não podem ser/ter naquele momento. Elas aproximam-se do que querem
experimentar, mas não sabem as motivações que as levaram a experimentar; elas
simplesmente o fazem. Ainda no turno 44 temos, por exemplo, uma menina que
escolhe para si o nome de João. Ante o argumento apresentado pela professora de
que João é nome de menino e, diante da sugestão, efetuada pela professora, do
feminino deste nome: Joana é possível perceber que a menina em questão
rapidamente incorpora a sugestão da professora.
A regulação proporcionada pela professora, neste caso, muito bem pode
levar a consideração de que o contraditório na criança é algo a ser dominado,
regulado e regularizado. Toda a possibilidade que se abre no mundo infantil pelo ato
do brincar passa a ser uma condição a ser enfrentada, de maneira singular, pelo
mundo adulto, via sistema escolar.
A idéia de que a criança é um ser contraditório e que precisa ser dominado -
idéia expressa por Charlot quando diz que “(...) a criança é inocente e má; a criança
é imperfeita e perfeita; a criança é dependente e independente; a criança é herdeira e
inovadora.” (idem, p.101) - reforça a concepção de que o adulto precisa salvar a
criança dela mesma e da corrupção do mundo. No referido episódio se reflete nas
atitudes de correção que a professora impetra às crianças.
Encerrando o episódio que se fazer o registro da não auto-nomeação da
professora. A mesma não se integra à “(...) tarefa divertida e engraçada (...)” (Turno
14), como ela mesma inicialmente havia indicado. Essa não integração à lógica do
que havia sido proposto pela professora, pode ser considerada não apenas como um
gesto de recusa a participar do próprio jogo, mas, e talvez, sobretudo, pode ser
considerado como a demarcação de uma espécie de dissociação entre aquilo que ela
diz e o efeito que seu ato de fala instaura entre os alunos da turma.
A regulação do espaço de possibilidades das crianças, por parte do exercício
de autoridade da professora, concretizada por meio de uma proposta de brincadeira
para a escolha dos nomes, reproduz aqueles saberes focados no mundo dos adultos.
Tais saberes, estes do mundo adulto, foram enfrentados pelas crianças no
Episódio dos Nomes, no breve tempo do aparecimento daquele momento em que
uma menina pretendia-se com o nome de João e disso rapidamente foi demovida
pela professora. A consideração de Bezerra (2006) de que o ato de brincar infantil
constitui uma forma de estabelecer relações entre gênero e ideologia pode ser
88
retomada aqui na condição de um questionamento importante: o fato da professora
propor uma brincadeira e não vincular-se ao sentido indicado inicialmente por ela
mesma de que seria uma brincadeira engraçada e divertida, se impõe com que
qualidade e força sobre as possibilidades de reversibilidade dos signos relativos às
marcas de gênero das crianças? Em específico: o afastamento da professora da
situação de brincadeira, no momento em que ela se defronta com o não aceitável
socialmente que meninas tenham nome de meninos e assume não a posição da
criança que no momento da escolha do nome está brincando mas, assume a posição
de contrariedade a essa à escolha criança não constituiria um ponto de
significativa contrariedade ao despontar de uma nova configuração de gênero a ser
vivenciada, conforme Bezerra (2006), tanto por crianças quanto por adultos?
5.4. EPISÓDIO DA MAQUIAGEM
O presente episódio ocorreu no dia vinte e seis de novembro de dois mil e três às
10h02min51seg tendo a duração de 2 minutos e 40 segundos. A filmagem foi feita no
momento de brincadeiras após o lanche. As crianças não foram brincar no pátio, porque
havia chovido e os ambientes externos estavam molhados. Assim, foram brincar em sua
própria sala.
Eram autorizadas a usar todo o espaço, os brinquedos da própria sala e os que
trouxeram de casa. Naquele dia, elas estavam distribuídas pela sala e brincavam de
formas muito diversificadas: umas com blocos de madeira, outras na penteadeira de
brinquedo, outros com seus próprios corpos, imitando animais ou doentes.
Explorei com a câmera os vários espaços e atividades dos grupos de
brincadeiras, andei pela sala, passando de grupo em grupo, de brincadeira em
brincadeira. Foi quando percebi um grupo formado em torno de Renata (a professora
titular). Ela, sentada em um pequeno círculo, com Mariana, Bianca, Alícia, Jaqueline,
Joana e duas meninas do maternal estavam em olhando. Paulo brincava com um
carro de brinquedo por perto, e olhava o que elas faziam.
Renata segurava uma pequena maleta com maquiagem de brinquedo trazida, de
casa, por Alícia. A professora passava um pincel no estojo, esfregando nas pálpebras
das meninas que comentavam sobre os produtos que continham na maleta. Enquanto a
professora pintava uma menina, a outra pedia para ser pintada. Foi neste momento
que Guilherme chegou ao grupo. Os turnos a seguir relatam o episódio na íntegra:
89
1. (Joana) – Eu também quero passar!
2. (Renata) – Calma, eu sou só uma! ( Diz Renata enquanto maquia outra menina)
3. Guilherme chegou ao grupo e perguntou:
4. (Guilherme) – O quê que vocês tão fazendo?
5. (Renata) Pintando as meninas. Tu queres te pintar? (Renata fala sem parar de
pintar as pálpebras de uma menina)
6. (Guilherme) – Ahãn! (falou afirmativamente)
7. (Mariana) – Os meninos, claro que não, né?
8. (Guilherme) Eu também quero. (Falou abaixando-se próximo à Joana que
havia pedido segundos antes dele e estava sendo pintada)
Guilherme perguntou sobre a atividade que via sendo realizada (turno 4). A
professora respondeu o que estão fazendo e ofereceu a Guilherme a oportunidade de
participar da brincadeira. O pedido de Joana (turno 1) fora atendido em segundos. O
que aconteceu com o pedido de Guilherme? O que representa a fala de Mariana
(turno 7)?
9. (Alícia) – Não, tu não pode!
10. (Renata) – Por quê que ele não pode? (Renata faz tal pergunta sem olhar para as
crianças em interação, continua o que estava fazendo: pintando outra menina)
Alícia era a dona do brinquedo e se manifestou contrária à participação de
Guilherme. (turno 9). A professora lançou, neste interjogo, um questionamento
(turno 10).
11. (Alícia) – Porque ele é menino.
90
12. (Renata) Nem de brincadeira, ele não pode? (Renata não olha para as
crianças)
Frente à resposta de Alícia (turno 11) professora continuou seu questionamento
na tentativa de introduzir um novo cenário com novas regras incluindo o menino na
brincadeira de maquiar.
13. (Enquanto isso, outras meninas foram chegando e pediam para serem maquiadas
e a professora atendia. Guilherme ficou quieto, parado olhando as colegas serem
maquiadas. Depois de olhar por alguns segundos, perguntou):
14. (Guilherme) – Eu não posso passar?
15. (Pergunta olhando para Renata que não responde, e continua maquiando outra
criança.)
16. (Alícia) – Não! (Ela era a dona do brinquedo)
17. (Guilherme observou mais alguns segundos e mudou de lugar, enquanto Renata
oferecia o batom para as colegas e mandava algumas lavarem a boca para passar
o batom. Guilherme aproximou-se de Alícia, sentou-se ao seu lado, chegando
mais perto de Renata.)
18. (Guilherme está com a mão esquerda na perna de Alícia, projeta o corpo pra
frente apoiando-se nela. Assim, Guilherme apertou a perna de Alícia)
19. (Alícia falou alto olhando para Guilherme)
20. (Alícia) – Aiê! Tu não vai passar.
21. (Guilherme permaneceu sentado, quieto, olhando para elas. Três colegas
levantaram-se para lavar a boca.)
22. ( Alguém gritou) Olha a lagartixa Renata.... Fim do episódio. O grupo se
desfez.
5.4.1. Análise e discussão do Episódio da Maquiagem
91
O que se observa neste episódio é Guilherme insistindo na participação da
brincadeira da maquiagem. A professora abriu uma brecha para a participação dele com
seu questionamento (turno 5). Mariana tenta vetar essa possibilidade (descrição do turno
7), seguida por Alícia, a dona do brinquedo (turno 9). A professora insiste no
questionamento (turno 10) e Alícia insiste na negativa, como aponta o turno 11.
Tal brinquedo ou brincadeira, compreendida como elemento da cultura, é
portadora de significados que encontra seus elementos em um enredo social
generificado, sendo comumente autorizado às meninas. Nesse sentido a idéia de
Vygotski de que o desenvolvimento cultural da conduta associa-se à aquisição das
funções psíquicas superiores e ao próprio comportamento indica que a condição de
possibilidade ou restrição experimentados pela criança em um momento de brincadeira
são, de fato, produções complexas e de extensas raízes no modo mesmo de funcionar da
cultura. Muito possivelmente o fato de que no cotidiano destas crianças, são as mulheres
que fazem uso da maquilagem caracterizando como pouco usual este comportamento
entre os homens funcionou com um elemento decisivo na exclusão de Guilherme da
brincadeira.
De acordo com Oliveira (1996), a necessidade de diferenciar, e até classificar as
coisas como sendo de menino ou de menina, ocorre em função de a criança precisar
encontrar apoio para a construção de seus papéis no faz-de-conta. O que é possível
inferir a partir desse episódio é que as meninas estavam fazendo de conta que eram
mulheres, e isso - no seu meio - não é coisa de meninos, de homens, isto é, esta regra
não se aplica aos meninos. Assim, a afirmação de Mariana “Os meninos é claro que não,
né?” (turno 7), indica uma clara demarcação de que o uso da maquiagem possui a
função de mediar sua entrada lúdica no mundo das mulheres adultas e,
simultaneamente, indica uma interdição deste caminho aos meninos. A relação direta
entre feminino e a idéia do belo construído desde a externalidade - no caso do Episódio
da Maquiagem, como ato possível de ser tornado concreto pelo uso das cores – funciona
como indicação do quanto, em tão tenra idade, os processos de naturalização das marcas
de gênero estão operando. Por isso mesmo a defesa que Scott (1998) realiza em torno da
importância de se produzir uma historicização como modo de problematizar conceitos
que se desdobram de modo essencialista e naturalizadores no cotidiano, nos parece
absolutamente plausível. “Não creio que exista uma essência das mulheres, uma
subjetividade feminina ligada ao corpo, à natureza, à reprodução, à maternidade. Mas
acho que existe uma subjetividade criada para as mulheres, em um contexto específico
92
da história, da cultura, da política.” (Scott, 1998 p.116) Neste sentido, pode-se pensar
que partindo do princípio que há uma subjetividade criada para as mulheres, e as
mulheres se relacionam com os homens, há também uma criada para os homens.
De acordo com Louro (1999) “Evidentemente, os sujeitos não são passivos
receptores de imposições externas. Ativamente eles se envolvem e são envolvidos
nessas aprendizagens – reagem, respondem, recusam ou as assumem inteiramente”.
(Louro 1999, p.61) Pois da mesma forma que Mariana e Alícia não queriam permitir
que Guilherme brincasse de se maquiar e a explicação acima se construiu, o que fez,
Guilherme, que faz parte da mesma cultura, da mesma turma, tem a mesma idade,
mesma classe social, enfim, o que fez esse menino querer brincar de maquiagem?
Para Finco (2004), “É possível compreender a positividade das transgressões,
nos momentos de brincadeiras, percebendo como meninos e meninas resistem aos
padrões pré-estabelecidos, expressando seus desejos, recriando e inventando novas
formas de brincar, novas formas de ser. Assim, as crianças estão conhecendo, nas
relações com outras crianças, a possibilidade de “fazer diferente”, de usar os brinquedos
de formas diferentes daquelas que a sociedade lhes impõe”. (Finco, 2004 p. 68) Esta
posição vai ao encontro ao que a Psicologia Histórico Cultural, nas palavras de
Vygotski apregoa, dizendo que nem sempre as crianças compreendem as motivações
que as levam a brincar. Existem regras nas brincadeiras e há, também, o aporte cultural
que sustenta a brincadeira, mas as regras são construídas durante ou dentro da
brincadeira e o aporte cultural é manipulado pelas crianças. O que quer dizer que o
significado do que se entende por lugar de menina e de menino pode ser colocado na
brincadeira sem que possamos prever se as crianças vão ou não se transformar em homo
ou heterossexuais. O brincar, segundo Vygotski (2007) permite à criança, por meio da
ação, a experimentação de um processo psicológico superior que, em crianças muito
pequenas não se faz presente e que é a imaginação. Em se tratando das marcas de
Gênero nos fica a questão: a não autorização manifestada por Alícia de que Guilherme
pudesse também fazer uso da maquiagem poderia ser considerada como um
impedimento significativo ao desenvolvimento do processo de imaginação presente na
brincadeira? Esse impedimento poderia funcionar como mais um sedimentador de
marcas de gênero que fazem proliferar as condições de desigualdade e subserviência
entre os sujeitos humanos?
Considerando que as formas de brincar implicam a criança com o mundo dos
adultos - que, via de regra, experimentam relações interpessoais em que as marcas de
93
gênero se cristalizaram em uma perspectiva naturalizada/naturalizante dos limites
vivenciados cotidianamente - os conteúdos sexistas manifestados pelas crianças podem
ser compreendidos como uma espécie de reprodução de identidades sociais, bem como
apontado por Teixeira (2008, p.35): “A aparente inocência do brinquedo contribui para
(re)produção de identidades sociais, ensinando as crianças sobre os modos de ser
homem ou mulher, e seguem construindo um discurso que determina um
comportamento, uma forma de ser, naturalizando assim, atributos instituídos, e
“quase” universais na determinação do feminino, masculino, homem e mulher”.
No Episódio da Maquiagem a professora, de certa forma, abriu espaço para que
fosse introduzida uma nova regra, como demonstra o turno 5 e 12. A postura dela
demonstra que parece haver uma contradição no que diz respeito às opções das crianças,
pois o menino do episódio pediu para experimentar ser maquiado (como apontam os
turnos 6, 8, 13, 14, 17 e 22). De acordo com Finco (2003) as relações entre as crianças,
no contexto determinado pela Educação Infantil, constituem uma forma de introdução
dos meninos e das meninas na vida social mais ampla. Quando as crianças passam não
apenas a fazer contato com as regras e valores em seus sistemas complexos mas, no
tempo exato do processamento da vivência pela criança, acontece a incorporação de
valores e regras do mundo adulto com, por exemplo, toda a gama de estereótipos de
papéis sexuais, preconceitos e discriminações.
Caberia aqui a questão acerca da concepção de educação que acompanha as
práticas da educadora no Episódio da Maquiagem. Estaria ela de fato possibilitando
negociação, reversibilidade na situação demarcada pelos turnos 10 e 12, ou nestes
turnos estaria reforçando posições que comporiam uma condição de naturalização das
marcas de gênero. Quando Renata intervém perguntando por que Guilherme não pode
usar a maquiagem, e nessa intervenção continua ocupada em maquiar uma outra
menina, sem olhar para Guilherme, Alicia e Mariana protagonistas do Episódio da
Maquiagem ela não demonstra uma clara implicação em fazer reverter a posição de
impedimento manifesto pelas meninas quanto a possibilidade dele poder participar da
brincadeira. Ainda que a professora Renata insista com a argumentação dirigida as
meninas (turno 10) que se nem de brincadeira Guilherme poderia acompanhá-las na
brincadeira da maquiagem ainda não olhando para as crianças que protagonizam o
episódio ela parece estar indicando que a condição do menino com relação ao uso de
marcadores de gênero próprio ao mundo feminino mantém-se a mesma na medida em
que o Nem de brincadeira, ele não pode?encontra-se na função de delimitar que
94
meninos apenas poderiam participar como sujeito de ação em uma brincadeira de
meninas por conta da mais absoluta condição de consentimento por parte das meninas
da quebre de regras impostas pelas marcas de gênero experimentadas pela própria
professora.
De acordo com Vygotski (1998) as crianças não buscam satisfazer necessidades
previamente planejadas antes da brincadeira, suas ações vão acontecendo
simultaneamente às motivações que as levam a brincar. Não como separar ato de
motivação/emoção/volição. Neste episódio, embora a professora faça um movimento
discursivo de distender as regras de lugares marcados de gênero, sua concepção de
educação/desenvolvimento infantil/brincadeira parece demonstrar um recuo
principalmente, no ato de não ouvir os reiterados pedidos de Guilherme e não insistir
em questionar as negativas das meninas representadas por Alícia, a dona do brinquedo.
Ao considerarmos a referência de Vygotski acima indicada, é possível pensar que o ato
do brincar com a situação da maquiagem, requerido por Guilherme, recusado pelas
meninas e contraditoriamente defendido pela professora Renata, é um ato em que a
possibilidade da reversibilidade no tocante às significações de gênero poderia ter se
efetivado caso a professora desenvolvesse uma atitude de fato mediadora, dialógica e
possibilitadora de uma nova vivência para Guilherme, Alicia, Marina e, inclusive, a
própria Renata.
O que aconteceria se a professora tivesse maquiado este menino. Como ele
reagiria? Como reagiriam seus/suas colegas? Que repercussões teria na escola?
Frente aos pais? Imagino que tudo isso passa pela cabeça da professora. Será que se
fosse outro brinquedo que não tivesse uma “carga de gênero tão forte” como um
estojo de maquiagem, a professora teria orientado a sua prática de outra forma?
Neste sentido, as palavras de Sayão (2004) são bastante elucidativas:
Quando nos permitimos ouvir ou observar as crianças com quem trabalhamos,
nós, professoras e professores, nos deparamos com situações inusitadas, com o
inesperado, com o imprevisto. Muitas vezes, não conseguimos dar respostas às
questões e, em alguns casos, não sabemos como intervir em uma determinada
situação. Então, muitas vezes fingimos que não vemos... (p. 41)
O Episódio da Maquiagem nos põem diante de um desafio no que toca às marcas
de Gênero: como alcançar expor as diferenças, seus modos de operação e, até mesmo,
os mecanismos repressores implicados à situação de modo a, ao compreender seu
funcionamento interno ou a sua lógica (Scott, 1999) tornar tal conquista um aliado na
95
superação das condições que impedem o pleno desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores que constituem o requisito de base para uma existência
humanamente possível?
96
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A investigação das significações atribuídas às questões de gênero, por parte de
crianças, em situações de brincadeira no contexto da Educação Infantil constituiu-se ao
longo da presente dissertação como um grande desafio. Foram duas as ordens de base a
constituir o panorama deste desafio. Na primeira delas estão todos aqueles elementos
que inscrevem a pesquisadora no mundo dos trabalhadores que, por sua ação concreta e
cotidiana, alcançam a possibilidade de sobrevivência. Na segunda destas ordens,
localiza-se aquela que propriamente tem relação com as características específicas do
estudo aqui apresentado: o tema das significações de gênero constituídas por crianças no
contexto da Educação Infantil, por si só, apresenta-se como envolto em tensões com as
quais se necessitou aprender a lidar ao longo do processo. Em particular encontra-se a
dificuldade de manter um processo reflexivo continuado em torno do tema, na medida
em que a leitura dos textos selecionados a partir das bases de dados, do Portal de Teses
e Dissertações da Capes e de inúmeros livros, requeria um tipo de riqueza de abstrações
que somente alcança se produzir em um debate constante com os estudiosos da área.
Entretanto, o trabalho ora findo, possui as características de um trabalho feito
nos limites de seu possível. Sua busca fundamental foi regulada por um pensar a
problemática que gira em torno da questão das significações de gênero no contexto da
Educação Infantil e, desse modo ir criando reflexões que possam auxiliar na superação
do que, em tal contexto, aparece como cerceador dos processos de desenvolvimento
integral dos sujeitos. Neste esforço há, também a necessária demarcação do
compromisso ético-político da Psicologia com os que, conforme Sawaia (2001), vivem
cotidianamente o peso das questões sociais dominantes em uma determinada época
histórica. Para Sawaia (2001, p.102) essa vivência está marcada “...pela dor de alguém
ser tratado como inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade.” E a
Psicologia, como área de produção científica e de possibilidade técnica de intervenção ,
não pode furtar-se ao compromisso de constituir premissas, categorias, explicações que
permitam os seres humanos viver sua inteireza.
Por esta razão a escolha e utilização da Análise Microetnográfica constituiu-se
em uma grande aliada para que fosse possível verificar indícios das ações construídas
em um âmbito social mais amplo. Ao levar em conta o desenvolvimento ou maturação
biológica, permitiu uma apropriação das significações atribuídas nos micro-eventos
97
analisados sob a forma de episódios, dos elementos da vida bio-psico-social das
crianças construindo significações de gênero em situação de brincadeira no contexto da
Educação Infantil.
A condição sígnica presente nas situações de brincadeira analisadas ao longo da
produção dessa dissertação confirma o pressuposto demarcado por Zanellla (2004) de
que o acúmulo de apropriações ao longo das vivências é que vão formar a regularidade
que conformam o signo como expressão direta do objeto a que se referem. Também a
perspectiva da condição necessariamente interativa da experiência humana, conforme
Lane (1985), vem reafirmar que é nas relações experimentadas pelas crianças, mediadas
pela presença reguladora dos adultos representantes autorizados pelo modo de
funcionar da cultura que se formam as bases das significações de gênero que guiarão
as pautas interativas de meninos e meninas em seu percurso de desenvolvimento e
humanização.
A compreensão das significações de gênero estabelecida desde a perspectiva
histórico-cultural perspectiva fundante da presente dissertação demonstra um modo
singular de refletir sobre os processos de interação propriamente humanos. A premissa
de que os sujeitos se constituem nas relações sociais, ao mesmo tempo em que as
constituem, e que estas relações trazem a marca do feminino e do masculino permitiu
compreender que, mesmo que as crianças ao chegar ao mundo o encontrem
“generificado”, elas se permitem brincar com estas marcas.
Os marcadores de gênero têm a inegável condição de um processo histórico
atravessado de contradições. Na medida em que a sociedade vai mudando, os
marcadores de gênero vão se constituindo/reconstituindo. Essa mudança não acontece
como obra do acaso e nem por mera vontade dos sujeitos humanos. O que é uma
relação direta entre o significado e o mundo/relações de onde este se erige. Para
Vygotski, segundo Oliveira (1997), o significado define um modo de organizar o
mundo real por meio de palavras, que se referem aos objetos em termos de suas
especificidades. As palavras, desse modo, estão carregadas de sentidos que amalgamam
pensamento e linguagem. O significado constitui, então, uma generalização, um
conceito que por acontecer inscrito no mundo humano e, portanto, histórico, encontra-se
em constante transformação.
Ao longo dos episódios selecionados para análise da problemática existente em
torno das significações atribuídas às questões de gênero, por parte de crianças, em
situações de brincadeira no contexto da Educação Infantil, é possível perceber a
98
existência de momentos que chamamos de “tensão”. Nestes momentos onde as crianças
estão brincando elas estão, também, experimentando aquilo que elas não podem ser
naquele momento.
Desde a perspectiva vigotskiana alcançamos compreender que as crianças,
quando em situação de brincadeira, experimentam uma simultaneidade entre ações e
motivações e tal simultaneidade pode ser considerada como o fundamento do ato de
brincar. Tomando o Episódio do Lanche e a negociação de cores das louças nele
presente, podemos perceber que a negociação em torno da troca das louças que acabou
por configurar uma situação onde os meninos todos da turma ficaram com pratos azuis e
as meninas ficaram com pratos de todas as outras cores inclusive azul indica uma
condição de passividade nas meninas no tocante à posse da louça com a cor capaz de
demarcar sua condição de gênero. Essa condição vai ser retomada no Episódio da
Maquiagem, quando duas das meninas não autorizam um dos meninos a se envolver na
brincadeira.
Parece existir, nestes dois episódios, um reconhecimento tácito por parte das
crianças de que em situações de escolha/disputa de objetos no caso: dos pratos por
suas cores os meninos têm a predominância da ação; e no caso da maquiagem a
predominância da ação, do direito ao controle da brincadeira, está sob controle das
meninas. Nestes dois episódios podem ser encontrados dois marcadores de gênero que
muito bem localizam no contexto da sociedade local o que são as coisas próprias do
mundo masculino e aquelas próprias ao mundo do feminino.
Aos meninos a predominância da ação quando o foco da brincadeira gira em
torno da disputa. Ali as meninas se retraem e aceitam as condições impostas pelos
meninos como executantes da ação. Para as meninas a predominância da ação acontece
quando o objeto mediador é, reconhecidamente, um item vinculado à propriedade do
mundo feminino adulto; mas ainda assim, em que pese a recusa explicita de Alicia e
Mariana acolher Guilherme na situação de brincadeira ele, reiteradas vezes, tenta tomar
parte no que elas estão fazendo.
Como é possível perceber, as significações de gênero ratificadas pelo modus
operandi conservador da sociedade contemporânea, estão operando fortemente sobre o
movimento das crianças nos episódios trabalhados, mas nem por isso estão operando de
modo fechado e imutável. Vê-se claramente um feminino marcado pelo recuo, pela
passividade e aceitação no Episódio do Lanche em especial e um masculino que
experimenta sua preponderância na escolha das cores dos pratos sem causar com isso
99
maiores polêmicas ou tensões. O masculino, em ambos os episódios acima citados,
aparece sempre na condição da ação; quando impedido de brincar com a maquiagem
Guilherme não recua, não assume uma forma passiva diante da ação proibitiva de Alicia
e Mariana. Sua aceitação da negativa das colegas parece funcionar como um recuo
apenas estratégico para logo em seguida voltar à carga e insistir no uso da maquiagem.
Pertencer a contextos sócio-históricos demarcados por regras funcionais quase
nunca explicitas mas, ainda assim, possuidoras de uma alta força de regulação da
capacidade que os seres humanos têm de problematizar a realidade - que, a um só tempo
os constitui e por eles é constituída é algo que precisa ser levado em conta no que diz
respeito às significações de gênero em crianças do período da Educação Infantil. Nesse
período inicial do processo de escolarização é que se dão, de modo organizado e
rotineiro, importantes apropriações relativas ao modo de funcionar do mundo e daquilo
que é adequado/inadequado, aceitável/inaceitável, requerido ou abominado no tocante à
inserção da criança em um mundo de significados ainda que mutantes, operam sempre
no sentido de sua manutenção.
A compreensão da homofobia, por exemplo, pode ser feita a partir dessa idéia de
que as apropriações feitas sem o exercício da competência reflexivo-crítica
52
que se
desdobra das localizações que o sujeito humano alcança produzir diante das situações
vividas. Aqui se torna possível, por exemplo, compreender que os preconceitos, a
discriminação e toda a variedade de comportamentos que denotam a intolerância com
distintas possibilidades de significação de gênero como nos casos de homofobia
inicialmente implicam uma incongruência entre ação e pensamento. Essa incongruência,
ao longo do tempo e da repetição das experiências que reafirmam no campo da
linguagem os significados reconhecidos como os socialmente aceitáveis significados
esperados, recompensados, legitimados converge para um ordenamento que,
paulatinamente, vai reduzindo a tensão existente no sistema ação-pensamento-
linguagem ao ponto de homogenizar todo o sistema e, dessa forma, criar
comportamentos cada vez mais intolerantes diante do que se levanta como potencial
destruidor da estabilidade tão duramente alcançada.
52
Essa competência caracteristicamente humana é aquela que desenvolvemos diante dos problemas que o
mundo nos propõe. Quando nos localizamos diante do mundo e de nós mesmos, compreendendo os
limites entre ambos e, desse modo, compreendendo os limites, as possibilidades e os desafios implicados
à situação com a qual estamos envolvidos superamos a condição de passividade que nos coloca a
alienação.
100
Não é possível encerrar o presente texto sem que se ponha em atenção que,
relativo às discussões que envolvem questões de gênero, a escola ocupa um lugar
estratégico. A produção e reprodução da vida social dependem, ainda hoje, em grande
medida, das possibilidades e limites que o mundo escolar – com suas tecnologias
pedagógicas tornam cotidianos. Não problematizar que esse espaço é atravessado por
severas contradições no que tange aos lugares de gênero – tal pode ser visto em diversos
momentos dos episódios relatados/analisados neste trabalho é, de certo modo,
contribuir para que o silêncio sobre as questões de gênero (Sartori, 2004) faça por
aumentar a discriminação, o preconceito e o isolamento dos seres humanos.
Considerando que as diferenças entre meninos e meninas perpassam toda a prática
pedagógica também isto pode ser apreendido nos episódios relatados ao longo desta
dissertação – compreendemos que esta requer ser repensada crítica e criativamente. Esta
constitui uma das intenções/indicações deste trabalho: que os professores as
professoras – e todo o restante do corpo técnico da escola, conjuntamente com os
gestores e pensadores da Educação possam elaborar sobre as questões de gênero a
noção de que os modelos de masculinidade/feminilidade constituem construtos sociais
impregnados de apropriações que são históricas e, desse modo, o tempo todo, podem vir
a ser outra coisa.
Ao longo dos anos que passei na elaboração desta temática firmou-se, cada vez
mais, a certeza de que as significações de gênero em uma sociedade desigual ocupam -
desde as instituições reguladoras do modo de viver de homens e mulheres um lugar
decisivo no projeto da felicidade humana. Deixar de considerar isso é, forçosamente,
deixar para trás centenas de milhares de seres humanos que padecem sob o peso e a dor
da discriminação, do silêncio e do isolamento.
101
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108
ANEXOS
109
ANEXO I
REVISÃO DE LITERATURA
110
Tabela 1. Descritor: Gênero e Educação
(239 resumos/ 17 selecionados)
Ano Área do
conhecimento
Autor Título Instituição
1.
1993
Educação Denise da Silva Maia O conceito de criança na pré-
escola: gênero, poder e
subjetividade.
Universidade
Federal do Rio
Grande do Sul –
UFRGS
2.
1999
Antropologia
Social
Érica Renata de Souza Questões de gênero na infância e
na escola
Universidade
Estadual de
Campinas
3.
2002
Antropologia Lilian Silva de Sales Escola mista, mundo dividido:
infância e construção de gênero
na escola
Universidade
Federal do Pará –
UFPA
4.
2002
Educação Maria Dolores de
Figueiredo Nunes
Relações de gênero e
sexualidade no cotidiano
escolar: concepções de duas
professoras do ensino
fundamental
Universidade
Federal de São
Carlos
5.
2003
Ciências Sociais Jucélia Santos Bispo
Ribeiro
“Menino-macho” e “menina-
fêmea”: a socialização e a
sexualidade infanto-juvenis em
Itaparica – BA
Universidade
Federal da Bahia
6.
2004
Educação Georgina Helena Lima
Nunes
Práticas do fazer, práticas do
saber: vivências e aprendizados
com a infância do Corredor.
Universidade
Federal do Rio
Grande do Sul –
UFRGS
7.
2004
Educação Marta Regina Alves
Pereira
No jogo das diferenças: nuances
de gênero e prática docente na
educação infantil e ensino
fundamental
Universidade
Federal de
Uberlândia
8.
2004
Educação Rosemeire dos Santos
Brito
Significados de gênero do
fracasso escolar: quando os
modelos polares de sexo não são
suficientes
Universidade de
São Paulo – USP
9.
2005
Educação Deborah Tomé Sayão Relações de gênero e trabalho
docente na Educação Infantil:
um estudo a partir de professores
da creche
Universidade
Federal de Santa
Catarina – UFSC
10.
2005
Educação Judite Guerra Dos “segredos sagrados”: gênero
e sexualidade no cotidiano de
uma escola infantil
Universidade
Federal do Rio
Grande do Sul –
UFRGS
11.
2005
Ciências Sociais Laura Daniel Menino brinca de bola; menina
de boneca e casinha: transmissão
de experiências e relações de
gênero nas brincadeiras infantis
Universidade
Estadual Paulista
Julio de Mesquita/
Marília
12.
2005
Psicologia Renata Fernanda Gomes Infância e diversidade: um
estudo sobre significações de
gênero no brincar
Universidade
Estadual Paulista
Julio de Mesquita
Filho/ Assis
111
13.
2006
Educação Alexandre Toaldo Bello Sujeitos infantis masculinos:
homens por vir?
Universidade
Federal do Rio
Grande do Sul
UFRGS
14.
2006
Economia
Doméstica
Ana Paula Pereira de
Castro
Relações de gênero na educação
infantil: uma análise a partir da
atividade lúdica
Universidade
Federal de Viçosa
– UFV
15.
2006
Educação Carlos Castilho Wolff Como é ser menino ou menina
na escola: um estudo de caso
sobre as relações de gênero no
espaço escolar
Universidade
Federal de Santa
Catarina - UFSC
16.
2006
Letras Jonê Carla Baião “Tia, existe mulher bombeira?”
Meninas e meninos co-
construindo identidades de
gênero no contexto escolar
Pontifícia
Universidade
Católica do Rio de
Janeiro – PUC –
RJ
17.
2006
Ciências Sociais Josenildo Soares Bezerra Escola e gênero: representações
de gênero na escola
Universidade
Federal do Rio
Grande do Norte –
UFRN
112
Tabela 2. Descritor: Psicologia e Gênero
(539 resumos/ 7 selecionados)
Ano Área Autor Título Instituição
1.
1998
Educação Raquel Gonçalves Concepção histórico-cultural de
ser humano e a educação
escolar: contribuição para um
diálogo entre a pedagogia
histórico-crítica e a psicologia
histórico-cultural
Universidade
Estadual Paulista
Júlio de Mesquita
Filho/ Marília
2.
1999
Psicologia Elaine Cárdia Laviola Sexualidade infantil através de
relatos de educadoras de creche
Pontifícia
Universidade
Católica de São
Paulo – PUC/SP
3.
1999
Educação Física Gildo Volpato O jogo, a brincadeira e o
brinquedo no contexto sócio-
cultural criciumense
Universidade
Federal de Santa
Catarina - UFSC
4.
2003
Educação Waldenice Maria de
Mendonça Pereira
O lugar de meninas e meninos
do ensino fundamental de rede
municipal do Recife no contexto
de sala de aula
Universidade
Federal de
Pernambuco -
UFPE
5.
2004
Educação Tânia Mara Cruz Meninas e meninos no recreio:
gênero, sociabilidade e conflito
Universidade de
São Paulo - USP
6.
2004
Psicologia Daniela Magalhães da
Silva
Gênero, poder e educação: uma
análise das relações na escola
Universidade do
Estado do Rio de
Janeiro - UERJ
7.
2006
Psicologia Odará de Sá Fernandes Crianças no pátio escolar: a
utilização dos espaços e o
comportamento infantil no
recreio
Universidade
Federal do Rio
Grande do Norte
UFRN
8.
2006
Psicologia Juliana Amazonas
Gouveia.
Stress em escolares: Percepção
do professor e diferença entre os
gêneros
Pontifícia
Universidade
Católica
Campinas - SP
113
Tabela 3. Descritor: Constituição do Sujeito e Infância
(80 resumos/ 7 selecionados)
Ano Área Autor/a Título Instituição
1.
2001
Psicologia Virginia Maria Amadeu A creche e a construção social
da infância
Universidade do
Estado do Rio de
Janeiro UERJ
2.
2003
Psicologia Lisange Tucci A educação infantil e a cultura
atual: o brincar e sua influência
na formação de um indivíduo
autônomo
Universidade de
São Paulo
USP
3.
2004
Educação Marta Lúcia Mendes Brinquedos e brincadeiras no
recreio escolar: significados e
possibilidades
Universidade
Federal de Goiás –
UFG
4.
2005
Educação Andréa Alzira de Moraes Educação infantil: uma análise
das concepções de criança e de
sua educação nas produções
acadêmicas recentes (1997-
2002)
Universidade
Federal de Santa
Catarina
UFSC
5.
2006
Educação Erica Atem Gonçalves de
Araújo Costa
Elementos para uma genealogia
da subjetividade infantil a partir
da análise dos discursos crítico-
científicos sobre a infância
Universidade
Federal do Ceará
– UFC
6.
2006
Comunicação e
Semiótica
Sandra Pavone Brinquedos e cultura: o universo
lúdico na contemporaneidade
Pontifícia
Universidade
Católica de São
Paulo
PUC/SP
7.
2007
Educação Zínia Fraga Intra A constituição do eu entre
crianças na educação infantil:
diferentes modos de ser menina
e de ser menino
Universidade
Federal do
Espírito Santo
UFES
114
Tabela 4. Descritor: Gênero e Brincadeiras
(67 resumos/16 selecionados)
Ano Área Autor/a Título Instituição
1.
2006
Educação Alessia Costa de Araújo
Cravo
Brincadeiras infantis e
construção das identidades de
gênero.
Universidade
Federal da Bahia
UFBA
2.
2003
Psicologia Andréa Ferreira Silveira Estereótipos de Gênero em
brincadeiras infantis.
Universidade
Federal do Pará
UFPA
3.
2004
Educação Daniela Finco Faca sem ponta, galinha sem pé,
homem com homem, mulher
com mulher: relações de gênero
nas brincadeiras de meninos e
meninas na pré-escola.
Universidade
Estadual de
Campinas
UNICAMP
4.
2005
Educação Deborah Tomé Sayão “Relações de gênero e trabalho
docente na educação infantil: um
estudo a partir de professores na
creche”.
Universidade
Federal de Santa
Catarina
UFSC
5.
2000
Educação Flávia Bonsucesso
Teixeira
Meninas e meninos na educação
infantil: uma aquarela de
possibilidades
Universidade
Federal de
Uberlândia
UFU
6.
2005
Ciências do
Movimento
humano
Ileana Wenetz Gênero e sexualidade nas
brincadeiras do recreio
Universidade
Federal do Rio
Grande do Sul
UFRGS
7.
1996
Educação José Luiz Ferreira As relações de gênero nas aulas
de educação física: estudo de
caso em uma escola pública de
Campina Grande – PB
Universidade
Federal da Paraíba
UFPB
8.
2006
Psicologia Lúcia Isabel da Conceição
Silva
Papagaio, pira, peteca e coisas
dos gêneros.
Universidade
Federal do Pará
UFPA
9.
2004
Psicologia Maria Lima Salum e
Morais
Conflitos e(m) brincadeiras
infantis: diferenças culturais e de
gênero.
Universidade São
Paulo USP
10.
2003
Ciência da
Motricidade
Humana
Nilton César Spinelli Posso brincar? Brincadeira de
menino ou de menina.
Universidade
Castelo Branco
11.
1999
Ciências do
Movimento
Humano
Paula Cristina dos Santos
Rodrigues
Crianças não segregadas por
gênero no jogo livre.
Universidade
Federal do Rio
Grande do Sul
UFRGS
115
12.
2005
Psicologia Renata Fernanda
Fernandes Gomes
Infância e diversidade: um
estudo sobre significações de
gênero no brincar
Universidade
Estadual Paulista
Júlio de Mesquita
Filho
UNESP/ASSIS
13.
2004
Educação Física Sissi Aparecida Martins
Pereira
O sexismo nas aulas de
educação física: uma análise dos
desenhos infantis e dos
estereótipos de gênero dos jogos
e brincadeiras.
Universidade
Gama Filho
14.
2003
Educação Tânia Maria Cordeiro de
Azevedo
Brinquedos e gênero na
educação infantil. Um estudo do
tipo etnográfico no Estado do
Rio de Janeiro
Universidade de
São Paulo USP
15.
2003
Antropologia Valdonilson Barbosa dos
Santos
“A construção social da
masculinidade sob o foco das
atividades Lúdicas Infantis”
Universidade
Federal de
Pernambuco
UFPE
16.
2007
Educação Jussara Pietczak Appelt O cravo e a rosa: identidades
generificadas na educação
infantil
Universidade
Regional do
Noroeste do
Estado do Rio
Grande do Sul
116
ANEXO II
Cartas de autorização de uso das informações levantadas pela pesquisadora, com
aceite do curso, da escola e dos pais dos alunos sujeitos da pesquisa.
117
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
Blumenau, março de 2007
Senhores Pais,
Solicitamos autorização de V. para que Luciana de Bem
Pacheco, aluna regularmente matriculada sob o 200606263, no Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, possa dar
continuidade à sua pesquisa, intitulada “Gênero e Brincadeiras: Atribuição de
Significados no Contexto da Educação Infantil”, desenvolvida junto à turma do Jardim
que seu/sua filho/a freqüentou em 2003. Conforme a própria pesquisadora esclarece em
documento anexo, tal autorização já havia sido concedida pelos senhores e arquivada na
Secretaria da Escola, por exigência da mesma. No entanto, com a mudança das
instalações, os documentos foram descartados. Como nesse ínterim, foi deliberado que
todos os projetos de pesquisa desenvolvidos junto ao Programa de Pós-graduação em
Psicologia devam ser submetidos ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
da UFSC, tal documentação é imprescindível para os trabalhos da mestranda.
Agradecemos antecipadamente sua atenção e colaboração.
__________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Juracy Filgueiras Toneli
Professora Orientadora
Luciana de Bem Pacheco
Mestranda Pesquisadora
Aos Pais das Crianças
Freqüentadoras do Jardim Matutino
da Escola de Educação Infantil XX no ano de 2003
118
ANEXO III
Carta de esclarecimento acerca da pesquisa enviada aos pais das crianças
participantes no início do processo de trabalho da etapa de campo da pesquisa
119
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
Senhores Pais
No mês de setembro do ano de 2003 encaminhei, via escola de Educação Infantil
XX, um pedido de autorização solicitando que assinassem um termo de consentimento
informado, para que seus filhos/as, na época cursando o jardim matutino, participassem
da minha pesquisa de mestrado. A escola recebeu as autorizações assinadas e solicitou a
mim que estas permanecessem junto aos documentos de cada criança na própria escola.
Contudo, eu tive alguns problemas de saúde que me impediram o término do mestrado
na data prevista: fevereiro de 2004 podendo retornar às atividades do mestrado somente
em março de 2006. Sendo assim, busquei junto à Escola de Educação Infantil XX os
documentos de autorização para poder proceder às análises dos dados, mas, com a
mudança de prédio, tais documentos foram descartados. Reafirmo que é de extrema
necessidade que eu disponha destes documentos assinados, pois se trata de uma
exigência formal do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade.
Assim, venho através desse re-envio solicitar novas assinaturas para que eu possa
cumprir tal exigência e terminar o curso.
Considerando a necessidade de prestar alguns esclarecimentos, explico
brevemente os procedimentos que envolvem minha pesquisa de Mestrado.
A referida pesquisa tem como objetivo verificar como meninos e meninas
escolhem suas brincadeiras e quais são os fatores que influenciam esta escolha. Para
tanto as crianças (de 3 e 4 anos de idade) foram observadas nas situações de brincadeira.
Tais observações contaram com o auxílio de uma câmera de vídeo (para a filmagem das
situações de brincadeira) e de um diário de campo onde foram anotadas a rotina da
escola e as falas das crianças durante as brincadeiras.
A pesquisadora visitou a escola no período matutino, duas vezes por semana
durante os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro do ano de 2003.
O material coletado (os registros em vídeo e o diário de campo) está em
processo de transcrição preservando a identidade das crianças filmadas, isto é, não
120
haverá citação de nomes, nem mesmo o da escola, assim como as filmagens serão
utilizadas expressamente para finalidades acadêmicas.
Pretende-se com este trabalho trazer à tona reflexões e discussões acerca das
questões de gênero, na comunidade escolar, bem como contribuir para a formação de
professores.
Agradeço sua atenção e conto com a sua colaboração, salientando que estou
disponível para apresentar mais informações que se façam necessárias.
Atenciosamente,
___________________________________
Luciana de Bem Pacheco
Pesquisadora
Luciana de Bem Pacheco
e-mail: ludebem[email protected]
121
ANEXO IV
Termo de autorização
122
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
AUTORIZAÇÃO
Autorizei meu/minha filho/a
____________________________________________ a participar das observações e
filmagens para pesquisa que tem como título: GÊNERO E BRINCADEIRAS:
Atribuição de significados no contexto da educação infantil, que foi realizada na turma
de Jardim Matutino da Escola de Educação Infantil XX, no ano de 2003. Tal trabalho
tem como responsável a pesquisadora e mestranda do curso de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina: Luciana de Bem Pacheco. Tenho
ciência de que havia autorizado a participação na época da coleta de dados, que a escola
exigiu que ficassem sob sua responsabilidade e que, na ocasião da mudança das
dependências da escola, tais documentos foram descartados. Estou ciente de que tais
imagens serão manuseadas apenas pela pesquisadora e que sua reprodução não será feita
em público, de modo a garantir qualquer tipo de exposição das crianças que aparecem
nas filmagens.
________________________
Pais ou Responsáveis