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FELÍCIA DE OLIVEIRA FLECK
A PROFISSIONALIZAÇÃO DO
CONTADOR DE HISTÓRIAS
CONTEMPORÂNEO
Florianópolis
2009
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FELÍCIA DE OLIVEIRA FLECK
A PROFISSIONALIZAÇÃO DO CONTADOR DE
HISTÓRIAS CONTEMPORÂNEO
Dissertação de mestrado apresentada
à Banca Examinadora do Programa de
Pós-Graduação em Ciência da
Informação do Centro de Ciências da
Educação da Universidade Federal de
Santa Catarina, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre
em Ciência da Informação.
Linha de pesquisa: Profissionais da
informação.
Professora Orientadora: Drª. Miriam
Vieira da Cunha
Florianópolis
2009
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FELÍCIA DE OLIVEIRA FLECK
A PROFISSIONALIZAÇÃO DO CONTADOR DE
HISTÓRIAS CONTEMPORÂNEO
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Ciência da Informação do Centro de Ciências da Educação da Universidade
Federal de Santa Catarina em cumprimento a requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Ciência da Informação.
Florianópolis, 21 de maio de 2009
Profª. Lígia Maria Arruda Café, Drª.
Coordenadora do Curso
Comissão Examinadora
____________________________________________________________
Profª. Drª. Miriam Vieira da Cunha – PGCIN/UFSC (Orientadora)
____________________________________________________________
Prof. Dr. Marco Antônio de Almeida – USP
____________________________________________________________
Profª. Drª. Gilka Elvira Ponzi Girardello – PPGE/UFSC
_____________________________________________________________
Profª. Drª. Magda Teixeira Chagas – PGCIN/UFSC
A maior parte dos habitantes da minha terra não sabe ler
nem escrever. Mas eles sabem contar histórias. E sabem
escutar. São pessoas que guardam essa meninice dentro de
si e acreditam que esse olhar de criança é importante para
ser feliz e produzir felicidade para os outros.
(MIA COUTO, 2008, p. 38)
FLECK, Felícia de Oliveira. A profissionalização do contador de
histórias contemporâneo. 89 f. 2009. Dissertação (Mestrado em Ciência
da Informação). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2009.
Resumo:
A informação ocupa um papel central na contemporaneidade e é a base
para a tomada de decisões nas várias esferas sociais. Ao mesmo tempo, o
excesso de informação e da oferta de estímulos tecnológicos e visuais faz
com que o sujeito sinta-se incapaz de acompanhar as mudanças e
transformações da vida e da sociedade, que acontecem em velocidade
vertiginosa. As pessoas sentem necessidade de romper com aspectos como
o imediatismo e a descartabilidade, experienciando um tempo distinto do
cronológico e vivenciando o encontro, a troca e a partilha. Contar histórias,
dando vazão às necessidades de comunicação, traduzindo por meio de
palavras, acontecimentos cotidianos, memórias, angústias, alegrias e
prazeres da existência, é uma das maneiras de vivenciar esse encontro. A
presente dissertação discorre sobre o reaparecimento do contador de
histórias, em sua configuração contemporânea, a partir das últimas décadas
do séc. XX, buscando averiguar como eles compreendem a
profissionalização do seu fazer, a partir dos pressupostos que definem uma
profissão na visão do sociólogo Eliot Freidson (1998): expertise,
credencialismo e autonomia. Para tanto, realizou-se uma pesquisa
exploratória e descritiva. O universo da pesquisa abrangeu os contadores de
histórias brasileiros, que se auto-identificam como tal e desenvolvem a
contação como atividade remunerada. Os instrumentos utilizados na coleta
de dados foram: questionário com vinte contadores que divulgam o seu
trabalho em meio eletrônico e entrevista com dez contadores de histórias
residentes na Grande Florianópolis. As entrevistas e o questionário foram
analisados por meio da técnica da análise de conteúdo de Bardin, que é o
tratamento das informações contidas nas mensagens, com o objetivo de
verificar hipóteses e descobrir o que está por trás dos conteúdos
manifestos. Tendo em vista os três pressupostos de Freidson, contar
histórias ainda não pode ser considerada uma profissão, que não a
obrigatoriedade de um treinamento formal nesta arte e tampouco maneiras
de credenciá-lo. No entanto, os contadores de histórias que exercem
trabalho remunerado podem ser considerados profissionais, por sua relação
de troca com o mercado, fato que se confirmou na fala dos entrevistados. A
autonomia parece ser uma condição indispensável do seu trabalho, pois o
contador desenvolve sua performance de acordo com escolhas ideológicas,
gostos pessoais e conhecimentos técnicos.
Palavras-chave: Contador de histórias; Profissionalização; Profissões.
FLECK, Felícia de Oliveira. Professionalization of the contemporary
storyteller. 89 f. 2009. Dissertação (Master in Information Science).
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.
Abstract:
Information has a main role in contemporary life and is the base for
decision-making in several social spheres. At the same time, excess of both
information and technological and visual stimulus makes the individual feel
incapable of following changes and transformations in life and society;
changes that occur in a vertiginous way. People feel the need to break
values such as immediatism and discardability, thus experiencing a non-
chronological time, having encounters, exchanges and sharing. Storytelling,
by opening space to needs of communication, translating daily events,
memories, anguishes, joys and the pleasures of existence through words is
one way to experience this encounter. The following dissertation concerns
the reappearance of the storyteller, in his/her contemporary configuration,
during the later decades of the 20
th
century, aiming to inquire how
storytellers comprehend their professionalization through the
presuppositions that define a profession under the perspective of sociologist
Eliot Freidson (1998): expertise, accreditation and autonomy. For such
reason, an exploratory and descriptive research was carried out. The
universe of the research comprised Brazilian storytellers that auto-identified
themselves as such and developed storytelling as a paid activity. The tools
used for data collection were: questionnaires given to twenty storytellers
that have promoted their work through the internet and interviews with ten
storytellers living in Greater Florianopolis. The interviews and questionnaires
were analyzed through Bardin’s content analysis technique, which involves
treatment of the information contained in the messages, aiming to verify
hypotheses and discover what is hidden behind the manifested content.
Taking under consideration Freidson’s three presuppositions, storytelling
can not yet be considered a profession, given that formal conducts are not
obligatory in this art and there are no ways of accreditation. However,
storytellers that exercise their paid jobs can be considered professionals,
due to their relation with the market, fact that was confirmed by the
interviewees. Autonomy seems to be an indispensible condition in their
work, due to the fact that storytellers develop their performance according
to ideological choices, personal preferences and technical knowledge.
Keywords: Storyteller; Professionalization; Professions.
FLECK, Felicia de Oliveira. La profesionalización del cuentacuentos
contemporáneo. 89 f. 2009. Disertación (Maestría en Ciencias de la
Información). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.
Resumen:
La información desempeña un papel central en la contemporaneidad y es la
base para la toma de decisiones en las diversas esferas sociales. Al mismo
tiempo, el exceso de información y de la oferta de estímulos tecnológicos y
visuales hace que no sea posible al sujeto, vigilar los cambios y las
transformaciones de la vida y de la sociedad, que se producen en velocidad
vertiginosa. Las personas sienten necesidad de romper con aspectos como
la inmediatez y la descartabilidad, experimentando un tiempo distinto del
tiempo cronológico y vivenciando el encuentro, intercambio y partición. La
narración de cuentos atiende las necesidades de comunicación, por medio
de la traducción de palabras, los acontecimientos, recuerdos, temores,
alegrías y placeres de la existencia, es una manera de vivenciar este
encuentro. Esta tesis analiza el resurgimiento del cuentacuentos en la
contemporaneidad, desde las últimas décadas del siglo XX, intentando
averiguar cómo ellos entienden la profesionalidad de su trabajo, a partir de
los supuestos que definen a una profesión en la opinión del sociólogo Eliot
Freidson (1998): expertise, autonomía y credencialismo. Para eso, se ha
realizado una investigación exploratoria y descriptiva. El universo de la
investigación abarcó los cuentacuentos brasileños, que se auto identifican
como tales y desarrollan la narración como actividad remunerada. Los
instrumentos utilizados en la recolección de datos fueron: cuestionario
dirigido a veinte cuentacuentos que difunden su labor en los medios de
comunicación electrónicos y entrevistas a diez cuentacuentos que viven en
Florianópolis. Las entrevistas y cuestionarios se analizaron mediante la
técnica de análisis de contenido de Bardin, que es el tratamiento de la
información contenida en los mensajes, con el fin de verificar las hipótesis y
descubrir lo que está detrás del contenido manifiesto. Según los tres
supuestos de Freidson, la narración de cuentos no puede considerarse una
profesión, ya que no existe aún, una obligatoriedad de capacitación formal
en el arte, ni la forma de credenciar la misma. Sin embargo, los contadores
de historias que llevan el trabajo remunerado pueden considerarse
profesionales, por su relación de cambio con el mercado, que fue
confirmado en el discurso de los entrevistados. La autonomía parece ser un
requisito indispensable de su trabajo, una vez que el cuentacuentos
desarrolla su actuación de conformidad con opciones ideológicas, gustos y
experiencia personal.
Palabras clave: Cuentacuentos, El profesionalismo, Las profesiones.
SIGLAS UTILIZADAS
CBO – Classificação Brasileira de Ocupações
CED – Centro de Ciências da Educação
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
PROLER - Programa Nacional de Incentivo à Leitura
SESC – Serviço Social do Comércio
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina
UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí
SUMÁRIO
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS.............................................. 9
2 OCUPAÇÃO, PROFISSÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO........... 14
2.1 Histórico....................................................................... 17
2.2 Profissionalização do artista......................................... 22
3 CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS, ARTE E IDENTIDADE............. 26
3.1 Narrativa, informação e experiência............................. 29
3.2 O ressurgimento do contador de histórias.................... 34
3.2.1 O contador de histórias no Brasil............................... 40
3.2.2 O contador de histórias em Florianópolis................... 42
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS................................ 45
5 ANÁLISE DOS DADOS....................................................... 51
5.1 Caracterização do grupo estudado................................ 51
5.2 Motivação..................................................................... 52
5.3 Formação...................................................................... 54
5.4 Autonomia.................................................................... 61
5.5 Profissionalização......................................................... 65
5.6 Identidade.................................................................... 70
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................. 76
REFERÊNCIAS..................................................................... 80
APÊNDICES........................................................................ 85
APÊNDICE A - ROTEIRO PARA ENTREVISTA E
QUESTIONÁRIO.................................................................. 86
APÊNDICE B TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO..................................................................... 87
ANEXOS.............................................................................. 88
ANEXO 1 – CARTA DE SÃO PAULO....................................... 89
9
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
muitas designações para caracterizar o momento presente:
sociedade líquida (BAUMAN), sociedade em rede (CASTELLS), sociedade
pós-industrial (DE MASI); pós-capitalista (DRUCKER), ou hiper-capitalista
(MOORE); sociedade s-moderna (LYOTARD), hiper-moderna
(LIPOVETKSY), ou da modernidade tardia (GIDDENS; HALL); sociedade do
espetáculo (DEBORD), da informação (TOURAINE; BELL), do conhecimento
(MACHLUP).
Diante de tantos rótulos, deparamo-nos com a angústia de uma
época onde os conhecimentos adquiridos num passado recente não são
suficientes para antecipar e prever o que nos espera, assim como não
explica a complexidade do que vivemos hoje. Em nenhuma outra época,
estivemos tão confusos, comenta De Masi (2006). Por isso ele prefere
utilizar o termo “pós-industrial” ao se referir à sociedade contemporânea,
um “nome que não ousa dizer o que seremos, mas se limita a recordar o
que já não somos” (DE MASI, 2006, p. 170).
Para Leão (2003, p. 12), essas designações remetem a uma mesma
idéia: “os recursos do conhecimento vão controlando, transformando e
substituindo, em ritmo crescente, todos os demais recursos, sejam
materiais, sejam energéticos”.
A informação é a base para a tomada de decisões nas várias esferas
sociais, que por funcionarem em rede, possibilitam a qualquer um ser
produtor, intermediário e usuário de conteúdos na Internet. Miranda (2000)
acredita que a penetrabilidade das tecnologias da informação na vida das
pessoas e na transformação da sociedade é um dos principais indicadores
de que vivemos numa “sociedade da informação”.
Barreto (2000) ressalta, entretanto, que o crescimento dos grandes
estoques de informação, pode degenerar a vivência cotidiana do
conhecimento em nossas vidas, fazendo com que nos deparemos com uma
imensa quantidade de informações irrelevantes e inúteis.
Esse quadro, além de suscitar ondas de confusão, incerteza e
insegurança em relação à veracidade e confiabilidade das informações,
produz também em algumas pessoas aquilo que Wurman (1991) nomeia
“ansiedade de informação”: o sujeito sente-se oprimido pela infindável
10
gama de informações que se apresentam a todo momento e de modo
incessante busca manter-se atualizado sobre tudo o que acontece a sua
volta.
A imensa oferta de estímulos tecnológicos e visuais parece fazer com
que as pessoas entrem em pânico diante da possibilidade de se perder no
tempo e de se verem incapazes de acompanhar as mudanças e
transformações da vida e da sociedade, que acontecem em velocidade
vertiginosa.
Para Bauman (2007) a época atual, chamada por ele de
“modernidade líquida”, é caracterizada pela insegurança, pela constante
incerteza e pela sucessão de reinícios. Para que existam reinícios, é
necessário que se esqueça e descarte o passado. É preciso que o velho seja
ignorado e rapidamente substituído pelo novo, pelo que acabou de surgir e
que, por sua vez, rapidamente se tornará defasado e terá de ser também
trocado pela última inovação.
Para ele, a impermanência é o valor vigente, tudo é efêmero, nada é
feito para durar, nem produtos tecnológicos, nem bens materiais, nem
relações sociais. A vida se baseia no consumo, na morte das utopias e na
eterna insatisfação dos desejos. Tudo e todos somos objetos e produtos de
consumo. É por isso que o lixo é o principal e mais abundante produto da
modernidade líquida.
Mesmo que o quadro apresentado por Bauman, Wurman e Barreto
possa parecer desolador, Maffesoli (2004, p. 24) ressalta que, no fundo, o
mais importante dessa sociedade “é a partilha cotidiana e segmentada de
emoções e de pequenos acontecimentos. Mesmo na Internet o aspecto
interativo predomina sobre o utilitário”.
As pessoas sentem necessidade do encontro, da troca, da partilha.
De vivenciarem um tempo distinto do cronológico, batizado por Etchebarne
(1991, p. 10) como “tempo afetivo”, onde o ontem e o hoje não existem e
só importa a permanência dos valores.
Contar histórias, dando vazão às necessidades de comunicação,
traduzindo por meio de palavras os acontecimentos cotidianos, as memórias
transmitidas pelos ancestrais, às dúvidas, angústias, alegrias e prazeres da
existência, é uma das maneiras de experienciar esse tempo afetivo.
11
Nas últimas décadas do século XX, a figura do contador de histórias
1
reaparece com nova roupagem e grande vigor, com a ampliação do número
de pessoas interessadas em aprender técnicas desta atividade (MATOS,
2005; SISTO, 2001).
Se em tempos passados era ao redor de uma fogueira que as pessoas
se reuniam para escutar os mais velhos narrarem suas aventuras,
lembranças e ensinamentos, hoje
Modelada pelo turismo cultural, ressurge a contação.
Adaptada aos novos tempos, ressignificam-se aspectos da
tradição e se realojam antigas práticas sociais. Antes
relacionada à totalidade do modo de vida caipira e desligada
do aspecto das trocas monetárias, a contação de histórias
2
vêm aos poucos se tornando uma atividade profissional,
entendida e exercida dentro dos parâmetros próprios da
modernidade, ou seja, da remuneração pelo trabalho
realizado (GERALDO TARTARUGA apud CATENACCI, 2008, p.
89, grifos do autor).
Embora nem todos tenham objetivos profissionais ou monetários ao
contar histórias, parece haver uma demanda das instituições escolares pela
contação de histórias e abre-se um espaço no currículo escolar para esta
atividade. ainda um estímulo para capacitar professores e bibliotecários
escolares a incorporar essa prática no seu cotidiano, e não raro, contratam-
se pessoas especialmente dedicadas a esta tarefa (SISTO, 2001; RIBEIRO,
2006).
O contador de histórias contemporâneo é um animador cultural, um
artista performático que em seu fazer propicia o encontro do homem com a
linguagem poética, que segundo Paz (apud FARIA e GARCIA, 2002):
volta a ser física, corporal: a palavra nos entra pelos ouvidos,
toma corpo, se encarna. Não é menos revelador que a
recepção de poemas tenda a ser um ato coletivo: à
substituição do livro por outros meios de comunicação, e do
signo escrito pela voz, correspondem a corporização da
palavra e sua encarnação coletiva.
A arte nos permite vivenciar a diversidade cultural e possibilita que
nos (re)conheçamos nesse processo criativo. Extirpando o etnocentrismo
que nos conduz a visões estereotipadas do outro, incorporamos, pela arte, a
1
Denominado por muitos de “contador de histórias contemporâneo” (SISTO, 2001;
BUSATTO, 2005; MATOS, 2005), ou seja, o contador urbano, em diferenciação ao
narrador tradicional.
2
Neologismo referente ao ato de contar histórias (nota minha).
12
nossa pluralidade, com suas diversas formas de construir e reconstruir o
mundo (FARIA; GARCIA, 2002).
Dessa forma, a contação de histórias, entendida como arte, pode
contribuir para o reencantamento, construção ou reconstrução do mundo.
Para isso, faz-se importante conhecer como o contador de histórias atua e
orienta a sua prática. E, a partir disso, investigar a contação de histórias
como profissão. Neste sentido, este trabalho intentou responder à seguinte
questão: contar histórias pode ser considerada uma profissão?
Tendo em vista que as profissões voltadas à área artística são pouco
abordadas na sociologia do trabalho (COLI, 2003), acredito que este estudo
possa contribuir para ampliar essa discussão. Minha motivação parte da
identificação com o movimento dos contadores de histórias, que em
Florianópolis parece encontrar um espaço propício para ancorar-se, aliada
ao interesse no desenvolvimento profissional dos contadores e enraizada na
crença que
uma história, se for contada com jeito, palavra atrás de
palavra, o corpo todo acompanhando, de modo que o outro
escute inteiro com a cabeça, o coração e as tripas, pode até
valer dinheiro, e vale mais do que dinheiro (REZENDE, 2005,
p. 121).
Acredito, ainda, que a análise do viés profissional do contador de
histórias seja um dos caminhos possíveis para investigar sua identidade.
Dessa maneira, tem-se como objetivo geral da pesquisa: analisar o
fazer do contador de histórias contemporâneo a partir da teoria das
profissões. Segundo essa teoria, atualmente existe uma crise das
profissões, onde algumas tarefas “desaparecerão totalmente, outras se
fundirão em novas combinações, outras retornarão a amadores que
trabalham sozinhos ou com outros, e outras mais deixarão as mãos de
amadores e serão profissionalizadas” (FREIDSON, 1998, p. 150).
Os objetivos específicos são: averiguar como os contadores de
histórias compreendem a profissionalização do seu fazer, a partir dos
pressupostos que definem uma profissão na visão do sociólogo Eliot
Freidson (1998), um dos principais autores da sociologia das profissões:
a) Expertise: é a autoridade implícita de um segmento profissional,
pressupondo que este segmento pode realizar determinado
trabalho. Alguns tipos de expertise são tão valiosos que os
13
consumidores vêem-se incapazes de escolher profissionais
competentes sem a ajuda de atestados formais de competência e
confiabilidade.
b) Credencialismo: é a institucionalização do treinamento. O
credencialismo pressupõe um sistema organizado de formação,
bem como algum método de certificar e intitular especialistas por
associações ocupacionais ou pelo Estado.
c) Autonomia: é o controle e a regulação do trabalho. Os próprios
profissionais determinam que trabalho fazem e como o fazem, sob
a justificativa de que seu trabalho é complexo e não deve ser
padronizado.
O universo da pesquisa abrange os contadores de histórias
brasileiros, que desenvolvem a contação como atividade remunerada e se
auto-identificam como contadores de histórias. Os instrumentos utilizados
na coleta de dados foram: entrevista com dez contadores de histórias
residentes na Grande Florianópolis e questionário com vinte contadores que
divulgam o seu trabalho em meio eletrônico no Brasil.
A presente dissertação estrutura-se da seguinte forma: no primeiro
capítulo apresenta-se um panorama geral da sociologia das profissões, um
breve histórico de sua evolução e em especial os pressupostos definidos por
Freidson. O segundo capítulo lugar às relações entre contação de
histórias, arte e identidade, enfocando o ressurgimento do contador de
histórias em sua configuração contemporânea. Em seguida, expõe-se a
descrição dos procedimentos metodológicos utilizados neste trabalho. O
quarto capítulo é a análise das falas dos trinta contadores de histórias
brasileiros que participaram da pesquisa. E por fim, as considerações finais.
14
2 OCUPAÇÃO, PROFISSÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO
Segundo Dubar (2005, p. 164), as profissões e os ofícios no Ocidente
têm uma origem comum: as corporações. Na Idade Média, a partir do
século XI, diferenciavam-se aqueles que tinham “direito ao corpo”
(corporação reconhecida) dos que não o tinham (trabalhadores braçais,
pessoas sem qualificação).
A palavra profissão deriva de “profissão de fé”, cerimônias rituais de
admissão nas corporações. Os juramentos, nestas cerimônias,
comportavam três compromissos: observar as regras; guardar os segredos
e honrar e respeitar os jurados (inspetores eleitos e reconhecidos pelo
poder real).
Com a consolidação das universidades criou-se uma oposição entre
as profissões (ensinadas na universidade) e os ofícios (oriundos das artes
mecânicas); entre a cabeça e as mãos; entre o trabalho intelectual e o
trabalho manual (DUBAR, 2005).
Foi Flexner quem criou, em 1915, a primeira definição sistematizada
do que é uma profissão. Para ele
uma profissão fundamenta-se numa atividade intelectual,
requer de seus membros a possessão de um conhecimento,
tem objetivos bem definidos, possui técnicas que podem ser
comunicadas e uma organização própria, motivada pelo
desejo de trabalhar pelo bem estar da sociedade (FLEXER
apud CUNHA, 2000, p. 2).
Não parecemos estar mais próximos de uma definição do termo
“profissão” do que em 1915; alguns analistas, inclusive, condenam a
própria prática de tentar uma definição. Entretanto, Freidson (1998, p. 49)
acredita que “para se pensar de maneira clara e sistemática sobre algo, é
preciso delimitar o assunto a ser tratado”. O esforço para se chegar a uma
definição única e aceita globalmente parece não resolver o problema.
Freidson pontua que os autores devem expor aos leitores o que têm em
mente quando usam o termo “profissão”.
Wilensky (apud MARINHO, 1986, p. 27), por exemplo, acredita que
toda profissão baseia-se em um corpo de conhecimento sistemático ou
doutrinário adquirido por meio de um treinamento formal e o profissional é
orientado por um conjunto de normas profissionais.
15
Moore (apud MARINHO, 1986, p. 28) trata mais detalhadamente o
conceito, definindo profissão a partir de uma série de características. Toda
profissão, segundo ele:
a) é uma ocupação de tempo integral;
b) é caracterizada pela vocação profissional;
c) possui organização e, em geral, adota um código de ética, que
normatiza a conduta profissional;
d) possui um corpo de conhecimento formal (adquirido por meio de
formação universitária);
e) possui orientação para o serviço;
f) possui autonomia.
Ao diferenciar ofícios e profissões, Freidson (1998) considera que os
profissionais têm um maior controle sobre o seu trabalho, pois o
conhecimento adquirido em instituições formais lhe confere o direito
exclusivo de exercer sua profissão. Além do que, para este autor, “é mais
provável que o conhecimento das profissões, aprendido em instituições
formais de educação superior e expresso em termos abstratos, consiga
sucesso na reivindicação de privilégios”. O privilégio tem um alicerce
político, “é o poder do governo que garante à profissão o direito exclusivo
de usar ou avaliar um certo corpo de conhecimento e competência”
(FREIDSON, 1998, p. 104).
Para Freidson (1998, p. 33), profissão designa “uma ocupação que
controla seu próprio trabalho, organizada por um conjunto especial de
instituições sustentadas em parte por uma ideologia particular de
experiência e utilidade”.
De acordo com a Classificação Brasileira das Ocupações (CBO, 2002),
ocupação é um conceito sintético e não natural, artificialmente construído
pelos analistas ocupacionais. Segundo esta classificação “ocupação é a
agregação de empregos ou situações de trabalho similares quanto às
atividades realizadas”. E empregos ou situações de trabalho são,
respectivamente, o “conjunto de atividades desempenhadas por uma
pessoa, com ou sem vínculo empregatício”.
O mundo das ocupações é complexo e altamente dinâmico, sendo
“permanentemente afetado pelo contexto social e econômico mais amplo e
ao mesmo tempo capaz de afetar esse próprio contexto” (NOZOE;
16
BIANCHI; RONDET, 2003, p.237). As ocupações parecem estar sujeitas a
um ciclo de vida, elas nascem, crescem, transformam-se e eventualmente
declinam e morrem.
Para Freidson (1998), uma forma de tentar resolver o problema da
definição foi caracterizar uma profissão como uma ocupação que adquiriu
status profissional. Este autor sugere que o melhor é substituir a concepção
estática de profissão como um tipo distinto de ocupação pela análise do
processo pelo qual as ocupações reivindicam ou conquistam um status
profissional.
Em relação a isso, Wilensky (apud MARINHO, 1986, p. 31) afirma, a
partir do estudo da história de dezoito profissões, que o processo de
profissionalização de uma ocupação, via de regra, cumpre algumas etapas:
“o trabalho torna-se uma ocupação de tempo integral; criam-se escolas
para treinamento; cria-se associação profissional; a profissão é
regulamentada e adota-se um código de ética”.
Nas sociedades contemporâneas, é um princípio dominante a idéia
de ganhar “status” por intermédio do trabalho. Tendo isso em vista, poder-
se-ia designar como “sociedades profissionalizadas” aquelas em que
predominam princípios de classificação social baseadas no mérito da
ocupação. Daí destaca-se a importância da educação, especialmente de
nível superior, como fundamento de posição social (BARBOSA, 1998, p.
132).
na sociedade brasileira atual alguns indícios de um significativo
movimento de profissionalização, apresentados por Barbosa (1998, p.136):
a) O crescimento do contingente populacional portador de diplomas
de curso superior, assim como a dependência em relação aos
saberes profissionais;
b) a intensificação da busca de controle dos profissionais sobre seu
trabalho;
c) a reorganização do Estado no Brasil: um processo de
delimitação de áreas de jurisdição, a partir de um conjunto de
conhecimentos específicos em determinados assuntos e o
reconhecimento da competência por meio do credenciamento em
instituições de ensino superior, bem como a organização das
17
carreiras e dos seus mecanismos de mobilidade de forma
estritamente profissional;
d) a exigência de qualificação demandada pelas empresas (a
escolarização de terceiro grau é requisito mínimo para seleção);
e) o crescimento da População Economicamente Ativa de classe
média.
2.1 Histórico
O funcionalismo, tendência teórica da sociologia das profissões,
abarcou desde os trabalhos iniciais de Flexner em 1915 até o final da
década de 60 do século XX, defendendo o estudo das profissões de maneira
isolada. Parsons (apud DUBAR, 2005), por exemplo, um dos teóricos dessa
abordagem, acredita que o papel das profissões resulta de uma dupla
necessidade entre o mercado (cliente) e o profissional e que se sustenta na
legitimação do saber profissional científico e não só prático.
Segundo a perspectiva funcionalista, as profissões constituem
comunidades cujos membros partilham uma mesma identidade, valores,
linguagem e um estatuto adquirido para toda a vida; têm poder de controle
sobre si e seus membros, sobre a seleção e admissão de novos membros,
bem como sobre a sua formação (RODRIGUES, 2002).
Essa abordagem baseia-se em três pressupostos que definem uma
profissão:
1. o estatuto profissional resulta do saber científico e prático e do
ideal de trabalho, corporizados por comunidades formadas em
torno da mesma classe de saber, dos mesmos valores e ética de
serviço;
2. o reconhecimento social da competência é adquirido por meio de
uma formação longa. O conhecimento é a variável central. Para se
alcançar o estatuto de profissão, são necessários elevados níveis
de conhecimento e dedicação;
3. as instituições profissionais respondem às demandas sociais:
ocupam uma posição intermediária entre necessidades individuais
e sociais (RODRIGUES, 2002).
18
Outra teoria da sociologia das profissões, o interacionismo simbólico,
fundamenta-se na divisão do trabalho resultante de interações e processos
de construção social e na idéia que cada grupo profissional partilha uma
filosofia e visão de mundo, além de interesses e linguagens comuns
(DUBAR, 2005).
A perspectiva funcionalista, ao contrário, tem implícita uma visão
naturalista do fenômeno, isto é, a divisão do trabalho como resultado da
capacidade técnica de responder a necessidades sociais.
Os interacionistas enfatizam a diversidade e o conflito de interesses
dentro das profissões e analisam as implicações e alterações decorrentes
desses processos no que diz respeito à situação dos grupos ocupacionais.
Neste sentido, as profissões não são blocos hegemônicos, comunidades
cujos membros partilham identidades, valores e interesses por força dos
processos de socialização sofridos nas instituições de formação, como
aborda o funcionalismo. De acordo com Rodrigues (2002, p. 17):
Dentro das profissões existem segmentos ou grupos
constituídos a partir da diversidade das instituições de
formação, de recrutamento e das atividades desenvolvidas
por membros do mesmo grupo ocupacional, pelo uso de
diferentes técnicas e metodologias, pelo tipo de clientes e
pela diversidade de sentidos de missão, sendo que tais
diferenças podem até corporizar diferentes associações de
interesses no interior do próprio grupo.
Na teoria interacionista, a formação profissional passa a ser um meio,
um recurso e não um atributo. As profissões são apenas ocupações que
adquiriram e mantêm a posse de títulos honoríficos. A abordagem
interacionista não incide sobre a análise dos privilégios profissionais, nem
sobre as condições estruturais da sua existência; a ênfase é colocada no
processo de transformação das ocupações, nas interações e nos conflitos,
bem como nos meios e recursos mobilizados nesse processo, chamando
atenção para o papel das reivindicações e dos discursos sobre o saber, na
transformação de uma ocupação em profissão (RODRIGUES, 2002).
A partir da evolução do interacionismo, surge um movimento crítico,
decorrido entre as décadas de 70 e 80 do século XX, concomitante com a
emergência de uma pluralidade de orientações paradigmáticas e
metodológicas: se a explicação do fenômeno das profissões na perspectiva
funcionalista repousa sobre critérios de legitimidade social e na
19
interacionista, nas relações de negociação e conflito desenvolvidas pelas
ocupações, agora os critérios passam a ser relacionados com o poder
profissional, econômico, social e político dos próprios grupos (RODRIGUES,
2002).
Dentro desse movimento crítico, a análise de Freidson (1998) sobre o
poder profissional centra-se nas vantagens (autonomia e poder sobre o
próprio trabalho) conferidas por monopólio do conhecimento (expertise) e
por gatekeeping (credenciais), que são os principais recursos ou fontes de
poder profissional, isto é, criam a base de grande parte dos poderes
profissionais, incluindo a capacidade de definir como o trabalho deve ser
realizado.
Segundo Freidson (1998), os principais pressupostos que definem
uma profissão são: expertise, credencialismo e autonomia.
A expertise diz respeito à competência superior, uma combinação
entre treinamento e experiência. Ao se perguntar se ela é necessária,
Freidson acredita que sim, argumentando que desde o começo da revolução
industrial o crescimento do conhecimento e da técnica tornou impossível a
possibilidade de qualquer indivíduo se especializar em qualquer assunto.
O credencialismo pressupõe um sistema organizado de treinamento
convencional, bem como algum método de certificar e intitular especialistas
potenciais por associações profissionais ou pelo Estado.
O credencialismo é necessário? É difícil separar o credencialismo da
expertise, que para garantir um trabalho competente é necessário
credenciá-lo de alguma forma. Esse credenciamento acaba passando por
uma institucionalização, que oferece um atestado de confiabilidade à
profissão (FREIDSON, 1998).
Ao mesmo tempo em que o credencialismo protege, também exclui.
Duas pessoas concorrentes a uma vaga de trabalho, por exemplo, podem
ter as mesmas qualificações técnicas e, portanto, possuírem a expertise
necessária para a realização da função. Mas o fato de terem se credenciado
em instituições diferentes pode fazer com que uma delas seja privilegiada. E
o fato da instituição A, ter mais “credenciais” aceitas convencionalmente do
que a instituição B, não garante que o “credenciado” por ela seja o mais
competente.
20
Além disso, um indivíduo que não tenha passado por nenhuma
instituição de educação formal talvez pudesse desempenhar a mesma
função, mas ele está automaticamente fora do processo por lhe faltarem
credenciais.
E a autonomia profissional é necessária? A autonomia está ligada ao
ideal, à antítese da alienação do trabalho, já que pressupõe ao profissional
o controle de seu trabalho e também exige dele uma visão global e ao
mesmo tempo um entendimento das particularidades de sua prática.
A autonomia, para Freidson, é fundamental, quando obedece aos
seguintes critérios: estimule o compromisso em vez da alienação; produza
bens e serviços que se adaptem aos consumidores individuais; tenha valor
para a melhoria das vidas de seus consumidores (FREIDSON, 1998).
Diniz (2001) pontua que as teorias funcionalistas atribuem à
autonomia uma posição central no tratamento das profissões, autonomia
esta, fundamentada no conhecimento adquirido pelo profissional durante
um longo período de treinamento devidamente atestado por exames e
credenciais.
Em sua forma mais pura, a autonomia se expressa no
exercício das profissões liberais clássicas –medicina e direito-
no qual o cliente contrata livremente no mercado os serviços
de um profissional, exercendo sua prerrogativa de escolha,
submete-se à sua autoridade funcional específica para a
solução do problema e o remunera diretamente pelos
serviços prestados. No nível coletivo, a autonomia se
expressa na capacidade das organizações profissionais de
estabelecerem, também sem interferência externa, critérios
de admissão à comunidade profissional, normas de conduta e
procedimentos profissionalmente corretos e controle sobre o
conteúdo do treinamento profissional (DINIZ, 2001, p. 40).
Entretanto, a autonomia vem sendo reduzida pela ação de fatores ou
processos sócio-econômicos mais amplos que resultam no surgimento,
expansão e fortalecimento de formas de controle externo sobre as
profissões (DINIZ, 2001).
Exemplos desses processos são a inovação tecnológica e a
especialização, fatores de desprofissionalização que debilitam a autonomia e
a autoridade profissionais, tornando o conhecimento profissional mais
racional, preciso e específico. Quanto mais racional, específico e preciso
esse conhecimento, mais suscetível ele se torna de redução a
procedimentos padronizados e a rotinas técnicas, diminuindo as aspirações
21
dos profissionais “à autonomia e ao monopólio da prestação de serviços,
visto que ambas as pretensões assentam-se na natureza supostamente
complexa da base de conhecimento e no caráter não-rotineiro das soluções”
(DINIZ, 2001, p. 41).
Muller (2004) analisa a teoria de Abbott (1988), que se diferencia das
demais por considerar que todas as profissões fazem parte de um sistema e
são interdependentes.
Dentro da proposta de Abbott, cada profissão, mantém domínio e
controle de uma “jurisdição”, que para ele, é a relação entre a profissão e a
sua prática profissional
3
. Ele propõe uma teoria alternativa, começando por
transferir o focus para o trabalho e não para a estrutura dos grupos
profissionais, pois acredita que analisar o desenvolvimento profissional é
analisar como esta ligação é criada no trabalho, como é ancorada em
estruturas sociais formais e informais, e como o jogo das ligações
jurisdicionais entre profissões determina a história das próprias profissões
(RODRIGUES, 2002).
Para Rodrigues (2002), essa abordagem realiza uma síntese
integradora dos vários paradigmas presentes na sociologia das profissões:
teorias funcionalistas (importância e centralidade do conhecimento como
atributo ou traço característico das profissões); paradigma interacionista
(segmentação intraprofissional e de processo) e o paradigma do poder
(conceito de poder, auto-interesse e ação política – fixação da jurisdição).
As profissões, segundo Abbott, estão em constante disputa para
garantir a sua reserva de mercado. Essa é uma disputa de poder, em que
as profissões consolidadas e melhor organizadas têm mais força. Nesse
sentido, as profissões se fortalecem quando seus integrantes reconhecem-
se como semelhantes (WALTER, 2004).
3
Jurisdição é o laço que liga um grupo profissional ao seu campo de trabalho, sendo
um conceito que estabelece vínculos mais sociais que propriamente técnicos entre
os grupos profissionais e as tarefas por eles desempenhadas (BARBOSA, 1998, p.
131).
22
No modelo de Abbott, o domínio de uma jurisdição pode ser
exercido por um grupo profissional de cada vez. Esse domínio envolve o
controle social e cultural. A exclusividade é a base da teoria de Abbott, pois
são as disputas dela decorrentes que explicam como as profissões se
formam (MULLER, 2004).
Na teoria de Abbott, o conhecimento mantém-se como um elemento-
chave do sistema, ditado pelos acadêmicos, cumprindo duas funções: a
legitimação do trabalho dos profissionais e o desenvolvimento/produção de
novos diagnósticos, tratamento e métodos de inferência. Abbott considera
que o sistema de conhecimento abstrato pode definir os problemas e
tarefas dos profissionais, defendê-los dos competidores e ajudá-los a
conquistarem soluções novas para problemas novos o conhecimento é
assim a peça fundamental da autonomia profissional, das posições de poder
e privilégio na sociedade e nas organizações, assegurando a sobrevivência
no sistema de profissões (RODRIGUES, 2002).
2.2 A profissionalização do artista
A arte é uma atividade “reconhecida, apreendida, organizada,
celebrada. Como toda atividade, obedece a regras, a constrangimentos,
insere-se em organizações, profissões, relações de emprego, carreiras
profissionais” (BECKER, apud SEGNINI, 2007).
Entretanto, das profissões reconhecidas na contemporaneidade,
àquelas ligadas as artes são as menos estudadas talvez por trazerem em
torno de si problemas e ambigüidades conceituais que normalmente não
são tratados pela sociologia, e que fogem, especificamente, ao quadro
teórico estudado pela sociologia do trabalho (COLI, 2003).
Pichoneri e Segnini (2007) em estudos realizados acerca dos artistas
trabalhadores no Brasil constataram que:
um elevado índice de escolaridade dos artistas e de processos
de formação profissional que demandam longas trajetórias,
muitas horas de estudos, ensaios, muita dedicação. Trata-se de
uma formação altamente qualificada. Além disso, o processo de
aprendizagem do artista é continuado. Cada espetáculo consiste
em novos desafios, que podem ser superados em cursos
23
específicos, ensaios. “A aprendizagem do artista re-significa e leva
às últimas conseqüências, as palavras de ordem ouvidas na
atualidade, tanto na educação como no trabalho: aprender a
aprender” (SEGNINI, 2006, p. 11).
um acelerado crescimento do número de pessoas neste grupo
quando comparado com o conjunto das ocupações no país: a
população ocupada no período de 1992 a 2001 cresceu 16%,
enquanto os grupos de profissionais “dos espetáculos e das artes”
4
67% (PNAD/IBGE, 2006).
Para Segnini (2007) as ocupações do artista constituem “verdadeiros
laboratórios de flexibilidade”, tendo em vista as formas intermitentes e
algumas vezes precárias de trabalho. Embora esta instável condição de
exercício profissional seja historicamente reconhecida no país, na
contemporaneidade ela se mostra mais intensa, em decorrência do
crescimento das formas precárias de trabalho.
Apoiados no avanço das tecnologias, as empresas flexibilizaram sua
produção em busca de novos mercados, cada vez mais segmentados e
mundiais: novos setores de produção, novos serviços financeiros e um
aumento significativo no chamado “setor de serviços”. Junto com os
processos de trabalho, também se flexibilizam as relações deles decorrentes
expressas por meio do desemprego, subemprego e trabalho em tempo
parcial (PICHONERI, 2007).
No caso dos artistas profissionais, essas relações parecem ser
dominantes, como aponta Menger (apud PICHONERI, 2007, p. 8):
O auto-emprego, o freelancing e as diversas formas atípicas
de trabalho – trabalho intermitente, trabalho a tempo parcial,
trabalho multi-assalariado constituem as formas
dominantes de organização do trabalho nas artes, e têm
como efeito introduzir nas situações individuais de atividade
a descontinuidade, as alternâncias de períodos de trabalho,
de desemprego, de procura de atividade, de gestão de redes
de interconhecimento e de sociabilidade fornecedoras de
informações e de compromissos, e de multi-atividade na
e/ou fora da esfera artística.
4
Segundo a Classificação Brasileira das Ocupações 2002, constituídos pelas
ocupações dos Produtores de Espetáculos, Diretores de Espetáculos e afins,
Cenógrafos, Atores, Artistas de Dança, Músicos Compositores, Arranjadores,
Regentes e Musicólogos, Músicos Intérpretes (SEGNINI, 2007).
24
Isso se evidencia ao considerar que 84,8% do trabalho na área de
artes e espetáculos no Brasil não têm vínculo empregatício (sem carteira
assinada e por conta própria) enquanto que as demais ocupações
representam 40% (SEGNINI, 2006).
A Classificação Brasileira de Ocupações, documento que reconhece,
nomeia e codifica os títulos e descreve as características das ocupações do
mercado de trabalho brasileiro, não registra o contador de histórias como
uma profissão. Entretanto, sob o código 2625-05, apresenta-o como um
sinônimo para a ocupação de “ator”
5
.
O ator é aquele que “interpreta e representa um personagem, uma
situação ou idéia, diante de um público ou diante das câmeras e microfones,
a partir de improvisação ou de um suporte de criação (texto, cenário, tema
etc.) e com o auxílio de técnicas de expressão gestual e vocal” (CBO,
2002).
Em relação às condições gerais do exercício profissional, o ator pode
trabalhar nos mais variados veículos de comunicação como
rádio, TV, cinema, teatro, bem como em estúdios de
dublagem, manipulando bonecos etc. Algumas de suas
características principais são o trabalho em grupos ou
equipes, em horários noturnos e/ou irregulares e a
multifuncionalidade, ou seja, a atuação, muitas vezes
simultânea, em diversos veículos de comunicação ou
aplicando seus conhecimentos de representação em
diferentes contextos, por exemplo em eventos, recursos
humanos, atividades terapêuticas diversas, atividades
recreativas e culturais, ensino, pesquisa. A grande maioria
dos profissionais trabalha como autônomo (CBO, 2002).
A CBO especifica ainda que
não exigência de escolaridade determinada para o
desempenho da ocupação. Atualmente, seguindo tendência à
profissionalização na área das artes, é desejável que a sua
formação mínima se por meio de cursos
profissionalizantes de teatro, com carga horária entre
duzentas e quatrocentas horas. É na prática, junto com um
grupo com o qual possa trocar experiências, exercitando o
trabalho, que o ator completa sua formação (CBO, 2002).
5
São sinônimos da ocupação de ator: artista de cinema, artista de rádio, artista de
teatro, artista de televisão, artista dramático, ator bonequeiro, ator de cinema, ator
de rádio, ator de teatro, ator de televisão, ator dramático, ator dublador,
coadjuvante (artístico), comediante, contador de história, declamador, figurante,
humorista, mímico, rádio-ator, teleator, teleatriz, vedete (CBO, 2002).
25
A contação de histórias, algumas vezes, parece (con)fundir-se com as
artes cênicas. alguns que defendem a todo custo a demarcação entre
um campo e outro, como Céspedes (2003). Para ele, apesar do ator e do
narrador usarem os mesmos recursos expressivos (palavra, voz, linguagem
do corpo), têm modos, propósitos, resultados e pontos de partida distintos:
a oralidade narrativa é anterior à encenação teatral.
A preocupação em estabelecer delimitações quiçá seja reflexo de uma
busca maior: a da própria identidade. Para Dubar (2005, p. xxv) “a
identidade de uma pessoa é o que ela tem de mais valioso”
6
. A identidade é
formada por processos sociais, é produto das sucessivas socializações,
sendo mantida, modificada e até mesmo remodelada nas relações sociais
(LUCKMANN; BERGER, 1985).
Embora existam algumas diferenças entre o trabalho de atores e
contadores de histórias (questão desenvolvida no item 5.6 Identidade),
eles encontram-se muito próximos. Neste estudo, o ator enquanto
profissional é utilizado como referência na análise do contador de histórias,
tendo em vista que ambos desenvolvem um trabalho artístico.
6
A perda da identidade pode ser, inclusive, sinônimo de alienação, sofrimento,
angústia e morte (DUBAR, 2005).
26
3 CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS, ARTE E IDENTIDADE
“O real dever do artista é salvar o sonho” (Modigliani)
A arte pode possibilitar o diálogo entre as diferentes formas de ver a
realidade e as diversas culturas que coabitam o planeta. O indivíduo pode,
por meio da arte, aprender a negociar com mais leveza os variados e,
muitas vezes, divergentes aspectos que constituem sua identidade,
encontrando equivalências e adequações a suas inúmeras facetas.
Para Faria e Garcia (2002, p.39)
A arte tem sido o registro de várias civilizações, documento e
testemunho, desempenhando um papel fundamental no
desenvolvimento humano e cultural. Hoje, mais do que
nunca, com a crise civilizatória, e o conseqüente monoteísmo
da razão, a linguagem da arte talvez seja das poucas que
fala diretamente ao coração das pessoas, particularmente
dos jovens. Além de impulsionar transformações sociais,
pode contribuir para reencantar o mundo a partir do
estabelecimento de fortes trocas simbólicas e formar, assim,
uma comunidade de emoção.
Estes autores desenvolvem a idéia de “reencantamento do mundo”
em oposição à Max Weber (1982) que definiu o desencantamento do mundo
como a possibilidade de o homem dominar todas as coisas por meio do
cálculo. Nesse mundo desencantado, os sentidos da existência, do tempo e
do conhecimento, tomaram outros rumos.
E o que seria o mundo encantado? Para Mircea Eliade (2006), nas
civilizações em que o mito era plenamente vivido, o mundo se comunicava
com o homem e o homem o reconstruía e reconstruía a si mesmo por meio
da linguagem dos símbolos. Tudo tinha sentido nesse cosmo vivo: o homem
revelava o mundo por meio da linguagem.
Para que o reencantamento se manifeste não se faz necessária a
volta a um passado mítico, “embora se possa pensar em um mito
restaurado que reaproprie o presente naquilo que o presente ofereça como
possibilidade de encanto”, acreditam Faria e Garcia (2002, p.30), por meio
de uma reaproximação do homem com a linguagem poética.
A arte permite que o homem entre em contato com o lado lúdico de
sua existência, que vazão ao seu imaginário e desenvolva um olhar
27
sensível à realidade. A criatividade, tão valorizada nesses tempos, pode ser
estimulada pela aproximação com as manifestações artísticas.
Essas manifestações são inerentes ao homem; todos podem
expressá-las de alguma maneira, inserindo-as em seu cotidiano. Para isso,
é essencial que se desvincule a idéia de arte como algo sagrado ou como
um dom atribuído ao indivíduo, concedendo a poucos o direito de serem
artistas. Faz-se indispensável admitir que todos, potencialmente, podem ser
criadores, já que a arte, fundamentalmente, relaciona-se à criação.
Criação esta que também pode ser atribuída à construção da
identidade, tendo em vista o seu caráter maleável e mutante. A princípio,
cada um pode ser o que quiser, ou ao menos, pode acreditar ser o que
quiser. Essa visão, amplia radicalmente as possibilidades do indivíduo de se
auto-definir, que não precisa se fixar no interior de uma única categoria
ao longo de toda vida.
Mesmo que a possibilidade de construção da identidade possa vir
acompanhada de insegurança e perda de referências, os benefícios que a
liberdade proporciona às pessoas são compensadores. Bauman (2005)
acredita que o recurso à identidade poderia ser considerado como um
processo contínuo que possibilita ao sujeito redefinir-se, inventar e
reinventar a sua própria história.
Não se pode esquecer, entretanto, que a identidade não resulta de
uma construção individual e descontextualizada; ela depende da relação
com o outro.
É nessa concepção, que se pode atribuir à arte um de seus muitos
papéis: a de comunicadora entre o eu e o outro, o de troca de
conhecimentos, experiências e sensações, e também de integração, entre
as diversas faces que fazem parte da história de vida, das crenças e
experiências de um indivíduo.
Dentro dessa perspectiva, contar histórias, como expressão artística,
pode configurar-se como uma forma de construção e (re)construção da
identidade, quer a do contador e a do ouvinte, quer da comunidade onde se
habita.
Como nos lembra Umbelino (2005, p.16) “quando alguém narra uma
história, ela não é apenas absorvida, ela é reelaborada”. E essa
28
reelaboração se tanto a partir de quem ouve, quanto a partir de quem
conta.
Durante a narração, a troca não ocorre apenas no plano da
linguagem, mas também através do ar: pelo sopro
compartilhado em que vibra a voz de quem fala no ouvido de
quem escuta, pelo calor físico gerado pelos gestos de quem
conta e de quem reage, pela vibração motriz involuntária
arrepios, suspiros, sustos causadas pelas emoções que a
história desencadeia. Chegaremos ao plano da conspiração,
onde poderemos entender a partilha narrativa como um
“respirar junto” cuja intimidade irrepetível gera uma forma
muito particular de confiança (GIRARDELLO, 2003, p.3, grifos
da autora).
O contar e o ouvir histórias também permitem ao sujeito a
apropriação de sua própria história. É uma forma de auto-expressão e de
encontrar o seu lugar no mundo, de entrar em contato com as suas
verdades, desejos e, especialmente, de dar significado à sua existência.
A palavra do contador de histórias é “viva e mutante, ela pulsa,
respira e escorrega quando se tenta prendê-la, mas pode ser muito
generosa com aqueles que sabem respeitá-la em suas particularidades”
(MATOS, 2005, p. 51).
Um espaço por excelência onde se pode visualizar a força dessa
palavra, são as oficinas de contação de histórias, uma invenção
contemporânea cada vez mais procurada por pessoas em busca de
formação nas artes da narrativa.
As oficinas de contação de histórias, na visão de Matos (2005, p.
xxxvii), são lugares ricos de “experimentação de si mesmo”. Por isso,
acabam por se tornar espaços propícios para que os participantes conheçam
seus limites e suas potencialidades, tendo por pano de fundo o trabalho da
própria evolução no processo criador em torno da palavra oral.
Meneguel e Iñiguez (2007, p. 1815) consideram que estas oficinas
são “dispositivos de trabalho, determinados pelas práticas histórico-sociais,
que buscam reforçar a autonomia dos participantes por meio da reflexão
crítica e da reinvenção do cotidiano”, estimulando a construção de
estratégias de resistência, por meio da crítica, da dialogicidade e da arte.
Apesar de muitas oficinas não terem por propósito constituir-se em
grupos terapêuticos ou psicoterápicos, acabam, muitas vezes, por
beneficiar emocionalmente seus participantes, uma vez que muitos
29
oficineiros
7
lançam mão de atividades lúdicas e artísticas, empregando
recursos tais como: artes plásticas, dança, teatro e expressão corporal,
escrita criativa, música, mímica... Intentando proporcionar ao indivíduo
mais consciência de si mesmo, de seu corpo, de sua voz, de sua maneira
de se expressar e também apostando no seu processo de mudança e no seu
próprio empoderamento
8
.
3.1 Narrativa, informação e experiência
Freire (2002) considera que a humanidade começou a produzir
artefatos materiais e simbólicos na pré-história com a força do trabalho e o
instinto de sobrevivência. O conhecimento criado pelo homem o auxilia a
conservar e transformar o mundo e tudo que nele existe. Esse
conhecimento “tem sido transmitido por meio de ‘narrativas ticas’ ou,
mais recentemente de ‘discursos científicos’, ambos contendo informações
sobre as diferentes formas de explicar o universo onde vivemos (FREIRE,
2002, p. 5).
A narrativa está em toda parte, desde as culturas primárias até a
cultura escrita e o processamento eletrônico da informação. Em certo
sentido a narrativa “é a mais importante de tantas outras formas artísticas,
muitas vezes até as mais abstratas. Até mesmo por trás das abstrações da
ciência está a narrativa” (ONG, 1998, p. 158).
Murray (2003) segue esta mesma linha de pensamento ao afirmar
que a narrativa é um de nossos mecanismos cognitivos primários para a
compreensão do mundo. E acrescenta que é também um dos modos pelos
7
São os responsáveis por ministrar as oficinas (sinônimo de curso; nas quais são
oferecidas atividades práticas que proporcionam novos conhecimentos e vivências,
e o contato com os mais diversos tipos de linguagens, técnicas e idéias).
8
Trata-se de um mecanismo pelo qual as pessoas, as organizações e as
comunidades assumem o controle de seus próprios assuntos, de sua vida, de seu
destino. Tomam consciência de sua habilidade e competência para produzir, criar e
gerir. O conceito de empoderamento surgiu nos movimentos pró direitos civis nos
Estados Unidos, na década de 1970 (COSTA, 2008).
Costa (2008) estabeleceu alguns parâmetros do empoderamento: construção de
uma auto-imagem e confiança positivas; desenvolvimento da habilidade de pensar
criticamente; construção da coesão do grupo; promoção da tomada de decisões;
ação.
30
quais construímos comunidades, desde aquelas agrupadas em volta da
fogueira até as reunidas diante da televisão.
Labov (apud VIEIRA, 2001) define narrativa como um método de
recapitulação de experiências passadas comparando uma seqüência verbal
de proposições com a seqüência de eventos que de fato ocorreu. Segundo
ele, a narrativa tem duas funções fundamentais: de referência (que aparece
na transmissão de informações, podendo ser de lugar, tempo, personagens
e eventos); e de avaliação (que transmite ao ouvinte o motivo da narrativa
ter sido contada, tanto na forma da expressão explícita da importância da
história para o narrador, como na dos juízos de valor emitidos ao longo da
narrativa).
Ricoeur (apud VIEIRA, 2001, p. 604) critica a definição da
narrativa enquanto representação do tempo em uma seqüência ordenada
de eventos. Para ele, a narrativa continua sendo uma forma privilegiada de
representação do tempo, embora tal representação seja demasiadamente
complexa para ser expressa em termos de uma ordenação de eventos com
caráter linear.
Bruner (1997, p. 46) expõe algumas das propriedades da narrativa:
1. Uma narrativa é composta por uma seqüência singular de
eventos, estados mentais, ocorrências envolvendo seres humanos
como personagens ou autores. Esses constituintes não têm vida
ou significados próprios. Seu significado é dado pelo lugar que
ocupam na configuração geral da seqüência como um todo, seu
enredo ou fábula.
2. A narrativa pode ser real ou imaginária sem perder seu poder
como história: o significado e a referência da história guardam um
relacionamento desigual entre si.
3. A narrativa forja ligações entre o excepcional e o comum: a
função de uma história é encontrar um estado intencional que
atenue ou pelo menos torne compreensível um afastamento de
um padrão cultural canônico. É essa conquista que
verossimilhança à história.
4. A narrativa é sempre a história de alguém, inevitavelmente tem
uma voz narrativa: os eventos são vistos através de um conjunto
específico de prismas pessoais.
31
Em síntese, a narrativa
lida com o material da ação e da intencionalidade humana.
Ela intermedeia entre o mundo canônico da cultura e o
mundo mais idiossincrásico dos desejos, crenças e
esperanças. Ela torna o excepcional compreensível e mantém
afastado o que é estranho, salvo quando o estranho é
necessário como um tropo. Ela reitera as normas da
sociedade sem ser didática. (...) Ela pode até mesmo
ensinar, conservar a memória ou alterar o passado (BRUNER,
1997, p. 52).
Hartmann (2005) assegura que para muitos pesquisadores o estudo
das narrativas está sempre relacionado à problemática da experiência.
Segundo essa perspectiva, uma das principais maneiras que o ser humano
teria de manifestar, comunicar e até mesmo compreender a experiência
seria colocá-la sob a forma narrativa.
A experiência não se apenas através de dados, da cognição ou da
razão, mas também envolve sentimentos e expectativas. Toda experiência é
exclusivamente pessoal, individual, única e nunca poderá ser totalmente
partilhada. A chave para transcender essa limitação seria interpretar as
expressões da experiência (performances, narrativas, textos) que as darão
forma e significado (BRUNER, 1997).
Benjamin
9
(1993) sentencia que a arte de narrar está em vias de
extinção, pois cada vez menos se encontram pessoas que saibam narrar
devidamente, ou seja, rareiam aqueles que são capazes de exercer a função
utilitária da narrativa: dar conselhos. Bruner (1997, p. 51) acrescenta que
“contar uma história é inescapavelmente assumir uma posição moral,
mesmo que seja uma posição moral contra as posições morais”.
Para Benjamin (1993), a vida humana está pobre em experiências
extraordinárias, pouco o que contar, há pouco o que trocar. Tendo em
vista que é a experiência própria ou relatada por outros - a matéria-prima
a que recorrem os narradores na sua prática, e que estas experiências
encontram-se em baixa, o narrador está, consequentemente - nesta
perspectiva - fadado ao desaparecimento.
Este autor apresenta alguns indícios da morte da narrativa:
o surgimento do romance no início do período moderno.
9
em seu ensaio “O narrador”, escrito durante a Segunda Guerra mundial.
32
O que separa o romance da narrativa é que ele está essencialmente
vinculado ao livro. Sua disseminação só se tornou possível com a difusão da
imprensa. O romance nem procede da tradição oral, nem a alimenta.
A origem do romance é o indivíduo isolado, que não pode
mais falar exemplarmente sobre suas preocupações mais
importantes e que não recebe conselhos nem sabe dá-los. O
romance anuncia a profunda perplexidade de quem a vive.
(BENJAMIN, 1993, p. 201)
o surgimento de uma nova forma de comunicação: a informação.
Benjamin (1993) acredita que o saber do narrador tradicional
dispunha de uma autoridade que era válida mesmo que não fosse
controlável pela experiência. a informação aspira a uma verificação
imediata. Antes de mais nada ela precisa ser compreensível “em si e para
si”. Porém, enquanto os relatos do narrador recorriam freqüentemente ao
imaginário, é indispensável que a informação seja plausível. Nisso ela é
incompatível com o espírito da narrativa. Se a arte da narração é hoje rara,
a difusão da informação é decisivamente responsável por este declínio:
Cada manhã recebemos notícias de todo o mundo. E no
entanto, somos pobres em histórias surpreendentes. A razão
é que os fatos nos chegam acompanhados de explicações.
Em outras palavras: quase nada do que acontece está a
serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço da
narração. Metade da arte narrativa está em evitar
explicações (BENJAMIN, p. 203).
Girardello (1998, p. 73) relativiza esta visão nostálgica sobre o “fim
da narrativa”, enfatizando que ela o é exclusiva. No texto de Benjamin
também espaço para um tom “construtivo”: a narração aponta para
além dela própria, o ouvinte tem liberdade para chegar a suas próprias
explicações.
Maffesoli (2004, p. 21) acredita que informar
significa ser formado por. Trata-se da forma que forma, a
forma formante. Quer dizer que numa era da informação,
talvez a de hoje, não se pensa por si mesmo, mas se é
pensado, formado, inserido numa comunidade de destino.
Vale repetir: a forma é formante. A informação também liga,
une, junta.
Este autor atenta para o fato dos conceitos “informação” e “comunicação”
serem largamente utilizados atualmente. E considera que caso se à
informação seu sentido etimológico dar forma não haveria diferença
entre os dois termos. Claro que nuanças são possíveis; a comunicação,
33
antes de tudo, refere-se ao estar junto, enquanto a informação é utilitária.
Entretanto, o essencial para este autor, reside na ausência de diferença
profunda entre um e outro (MAFFESOLI, 2004).
Le Coadic (1996) define informação como o conhecimento gravado
sob forma escrita, oral ou audiovisual e que comporta um elemento de
sentido. É um significado transmitido a um ser consciente por meio de uma
mensagem.
Apesar de ser parte do processo de comunicação, a informação se
diferencia da mensagem. A informação objetiva a apreensão de sentidos em
sua significação, ou seja, o conhecimento; o meio é a transmissão do
suporte, da estrutura.
Barreto (2002, p.70) concede à informação a faculdade de
harmonizar o mundo:
Como elemento organizador, a informação referencia o
homem a seu destino; desde antes de seu nascimento, com
sua identidade genética, e durante sua existência pela
capacidade em relacionar suas memórias do passado com
uma perspectiva de futuro e assim estabelecer diretrizes
para realizar sua aventura individual no espaço e no tempo.
(...) As configurações, que relacionam a informação com a
geração de conhecimento, são as que melhor explicam sua
natureza, conforme finalistas, pois são associadas ao
desenvolvimento do indivíduo e à sua liberdade, pelo poder
de decidir sua vida. A informação é qualificada como
instrumento modificador da consciência do homem. Quando
adequadamente apropriada, produz conhecimento e
modifica o estoque mental de saber do indivíduo; traz
benefícios para seu desenvolvimento e para o bem-estar da
sociedade em que ele vive.
É essa última perspectiva, da informação como instrumento
modificador da consciência humana, a que melhor se aproxima das
características da narração de histórias. Não se pode negar que ao contar
histórias, inúmeras informações se transmitem, tanto informações
concretas (como um objeto mostrado à platéia), quanto aquelas que
conduzem à imaginação e que são de natureza subjetiva.
Se o narrador a que Benjamin se refere verdadeiramente
desapareceu, um novo narrador se apresenta na contemporaneidade, e é,
costumeiramente, denominado “contador de histórias”. Ele
34
pode ser visto como o interlocutor que ajuda o narrador a
reconstruir sua história, retomando experiências das quais foi
espoliado, construindo uma identidade e uma memória
coletiva. Todas as culturas conhecidas são contadoras de
histórias e qualquer experiência humana pode ser expressa
como narrativa. Não são apenas as narrativas que definem a
cultura, mas as culturas orientam as narrativas elaboradas
em seu interior. O interesse atual pelo estudo das narrativas
pode ser visto como parte das transformações que seguiram
a crise do conhecimento moderno (MENEGUEL; IÑIGUEZ,
2007, p. 1816).
3.2 O ressurgimento do contador de histórias
Segundo Matos (2005, p. xvii), este novo sujeito, o contador de
histórias, ressurgiu a partir da década de 1970, em vários países do mundo.
Foi um retorno, no mínimo, surpreendente, tendo em vista a
industrialização, a urbanização e a enorme gama de estímulos científicos e
tecnológicos que existem na sociedade contemporânea.
Em fevereiro de 1989, foi realizado um colóquio internacional em
Paris, no “Museé National des Arts e Traditions Populaires”, que reuniu 350
participantes, com representação de quatorze países, tendo como objetivo
avaliar o impacto social e cultural da volta dos contadores de histórias nos
lugares em que o fenômeno se manifestava com maior vigor (MATOS,
2005, p. xviii). Neste evento, os narradores afirmaram que esse retorno,
entre outras coisas, representava uma reação aos aspectos maléficos da
globalização e da tecnologia: consumismo, imediatismo, superficialidade e
descartabilidade das relações etc.
Embora o objeto de trabalho seja o mesmo, o contador de histórias
contemporâneo apresenta características distintas do contador tradicional.
Nas sociedades tradicionais, toda a comunidade participava dos
serões de contos, independentemente da idade ou do papel exercido por
seus membros. O conto “exprimia as aspirações mais profundas do grupo
social e assegurava sua coesão, em torno dos sistemas de valores e de
crenças que deveriam ser consolidadas para o equilíbrio e a sobrevivência
da comunidade” (MATOS, 2005, p. 38).
o contador de histórias do século XXI expõe seu trabalho por meio
de espetáculos de narração oral, performances artísticas elaboradas, com o
35
domínio de técnicas vocais e corporais e critérios de seleção para a escolha
de histórias (FLECK, 2007).
Shedlock (2004) acredita que contar histórias é uma performance de
alto padrão e muito mais difícil do que representar um papel no palco. O
contador de histórias atua numa área muito próxima das artes cênicas. A
diferença entre a narração de histórias e o espetáculo cênico é quase
imperceptível. A relação estabelecida pelo olhar de quem conta e seus
ouvintes provavelmente é a mais nítida. É o olhar o fio que conduz, o elo
que liga o narrador à platéia.
Além disso, não uma encenação e uma construção marcada de
personagens, e sim uma narração de fatos que, embora possa ser
exaustivamente ensaiada, se propõe a aparentar a mais perfeita
simplicidade e naturalidade. É por isso que Shedlock (2004, p.23) conclui
que “contar histórias é a arte de esconder a arte”.
A contação de histórias pode complementar-se ainda lançando mão
da música, da dança, da poesia, da declamação, da mímica, das artes
plásticas... Não existem regras fixas; alguns contadores utilizam objetos,
outros preparam cenários e figurinos sofisticados, enquanto aqueles que
empregam somente a sua própria voz com grande maestria e são capazes
de manter a audiência atenta por bastante tempo. Cada um determina a
sua maneira de narrar. Há contadores que se apresentam em grupos,
duplas ou mesmo sozinhos (FLECK, 2007).
O que define também o contador contemporâneo é o fato de ser
urbano, ou seja, vive e trabalha na cidade, ali também se manifestando. Ele
carrega consigo as marcas de seu tempo, apropriando-se dos recursos
tecnológicos e dos meios de comunicação em sua performance. Isso se
traduz na crescente comercialização de livros e multimeios (tais como VHS,
CD e DVD) produzidos por contadores.
10
(FLECK, 2007).
Além disso, uma proliferação de sites e blogs na Internet, com o
intuito de divulgar contadores e eventos, comercializar produtos e
possibilitar fóruns de discussão. Este é o caso do site
<http://www.rodadehistorias.com.br>.
10
Cito, a título de exemplo, contadores que documentaram seus trabalhos em CD,
DVD e VHS: Margarida Baird e Conta-contos (SC), Cléo Busatto (PR); Priscila
Camargo, José Mauro Brandt e Bia Bedran (RJ); Paulo Freire (SP); Roberto Carlos
Ramos e Roberto de Freitas (MG).
36
Estes sites oferecem: informações gerais (apresentação do próprio
contador ou do grupo, currículo); histórico (trabalhos realizados, notas na
imprensa); atividades em andamento (descrição de espetáculos ou sessões
de contos, oficinas, palestras, projetos); galeria de fotos e vídeos; agenda
de apresentações; textos e histórias (próprias ou não); sites relacionados;
bibliografias e informações para contato.
Paradoxalmente, a prática do contador de histórias, hoje, se apodera
dos recursos e meios de comunicação de massa para expandir e ampliar as
possibilidades de seu trabalho, ao mesmo tempo em que possibilita um
espaço de encontro com a diversidade e um tempo menos acelerado,
rompendo com alguns aspectos contemporâneos.
A cultura de massa é considerada por Morin (2007, p. 15) como “um
corpo complexo de normas, símbolos, mitos e imagens que penetram o
indivíduo em sua intimidade, estruturam os instintos, orientam emoções”. E
o seu consumo se registra em grande parte no lazer moderno. Entretanto,
ao fornecer “pontos de apoio imaginários à vida prática e pontos práticos à
vida imaginária, a cultura de massa se acrescenta, ao mesmo tempo que
compete e transforma outras culturas, mas não as aniquila”.
Em relação a isso, Catenacci (2008, p. 49) acrescenta que os artistas
da voz consideram que espaço tanto para as histórias narradas pela
televisão, pelo cinema, pelas mídias áudio-visuais, quanto para a palavra
que sai da boca do narrador oral. Tal afirmação “baseia-se na crença de que
a palavra viva da narrativa tem um potencial transmissor, relacionado à co-
presença do emissor e seus receptores, que os meios massivos de
comunicação não possuem”.
Para o desenvolvimento de seu fazer, o contador da atualidade utiliza
como fonte de pesquisa principalmente registros escritos, pouco fazendo
uso de memória auditiva como o contador tradicional (CATENACCI, 2008;
BELLO, 2004). O contador moderno baseia-se tanto em livros de contos
populares, que são registros de relatos orais e tradicionais de criação
coletiva recolhidos por folcloristas (como Lindolfo Gomes e Câmara
Cascudo, entre tantos outros no Brasil), como em textos autorais: contos,
crônicas, poesias, cordéis etc., de autores contemporâneos ou não, ou até
mesmo do próprio contador.
37
Patrini (2005, p. 149) acredita que a arte do novo contador, ao
contrário da arte da tradição, “exige uma passagem pelo texto antes de
viver no ato de contar. O contador contemporâneo, oriundo de diferentes
meios sociais, políticos e estéticos, conhece as novas práticas culturais. Ele
é um leitor, antes de ser um intérprete”.
Entretanto, esta não é uma regra. Effting (2007, p. 40) ao estudar
comunidades narrativas contemporâneas, afirma que ainda aqueles que
narram utilizando recursos mnemônicos: “buscam suas histórias no fundo
de seus arquivos de memórias. Eles se misturam aos contadores com
formação específica na arte de contar. E o que se observa é uma grande
confraternização e troca de saberes”.
Seu campo de atuação é amplo e variado, podendo apresentar-se em
eventos esporádicos, assim como regularmente em: hospitais, escolas,
bibliotecas, centros culturais, museus, teatros, empresas, cafés, livrarias,
lojas de brinquedos, festas de aniversário (infantis e adultas), casamentos e
reuniões familiares (BUSATTO, 2003:2005; RIBEIRO, 2006; SISTO, 2001).
Além desses, outros espaços menos convencionais parecem também
dar lugar às histórias. Murray (2003, p. 166), por exemplo, é uma
entusiasta da narrativa digital e interativa. Para ela, contar
pode ser um poderoso agente de transformação pessoal. As
histórias certas podem abrir nossos corações e mudar aquilo
que somos. As narrativas digitais acrescentam um novo e
poderoso elemento a esse potencial, oferecendo-nos a
oportunidade de encenar as histórias ao invés de
simplesmente testemunhá-las.
Ela cita quatro propriedades essenciais do ambiente digital, que o
caracteriza como um poderoso veículo de criação literária e, por
conseguinte, um meio instigante para se contar histórias:
1. Ambientes digitais são procedimentais: possuem a capacidade de
executar uma série de regras; o computador não é um condutor
ou caminho, mas um motor.
2. Ambientes digitais são participativos: permitem a organização
participativa e a reconstituição codificada de respostas
comportamentais.
3. Ambientes digitais são espaciais: têm a capacidade de representar
espaços navegáveis. Os meios lineares (livros e filmes) retratam
espaços tanto pela descrição verbal quanto pela imagem, mas
38
apenas os ambientes digitais apresentam um espaço pelo qual o
sujeito pode se mover.
4. Ambientes digitais são enciclopédicos: permitem armazenar e
recuperar quantidades de informação muito além do que antes era
possível (MURRAY, 2003, p. 78-93).
A capacidade de reunir enormes quantidades de informação incluída
na propriedade enciclopédica dos ambientes digitais, permite à narrativa
oferecer uma riqueza de detalhes, de representar o mundo
de modo tanto abrangente, quanto particular. Ao contar
histórias se apresenta uma vasta tábula rasa implorando
para ser preenchida com tudo o que interessa à vida. a
oportunidade de contar histórias a partir de múltiplas
perspectivas privilegiadas e de brindar o público com
narrativas entrecruzadas que formam uma rede densa e de
grande extensão (MURRAY, 2003, p. 97).
Esta autora vislumbra que cada vez mais haverá um enfraquecimento
contínuo das fronteiras entre jogos e histórias; entre filmes e passeios de
simulação; entre mídias de difusão (como TV e rádio) e mídias arquivísticas
(como livros ou videotape); entre formas narrativas (livros) e formas
dramáticas (teatro ou cinema); e mesmo entre o público e o autor
(MURRAY, 2003).
Na medida em que se apropria de um texto escrito, de origem
popular ou literária, o contador de histórias lhe uma nova roupagem,
reelabora-o, inserindo elementos muito particulares, quer seja por meio da
modulação da sua voz, pausas e gestos, quer pela alteração de palavras ou
da estrutura textual original.
Pode-se dizer que, de certa forma, o contador toma parte da autoria
das histórias que narra, ao mesmo tempo em que também oferece aos seus
ouvintes a possibilidade de apoderar-se delas.
Foucault assinala (1992, p. 22) que o nome de “autor” não é um
nome próprio como qualquer outro e sim um instrumento de classificação
de textos e um protocolo de relação entre eles ou de diferenciação face a
outros, que caracteriza um modo particular de existência do discurso,
assinalando o respectivo estatuto numa cultura dada: “a função de um
autor é caracterizar a existência, a circulação e a operatividade de certos
discursos numa dada sociedade”. Para ele
39
a função autor está ligada aos sistemas legais e institucionais
que circunscrevem, determinam e articulam o domínio dos
discursos, mas não opera de maneira uniforme em todos os
discursos, em todas as ocasiões e em qualquer cultura, não é
definida pela atribuição espontânea de um texto ao seu
criador e sim através de uma série de procedimentos
rigorosos e complexos, e não se refere puramente a um
indivíduo concreto, na medida em que a uma
multiplicidade de egos e a uma série de posições subjetivas
que podem ser ocupadas por todo e qualquer indivíduo
suscetível de cumprir tal função (FOUCAULT, 1992, p. 22).
A noção de autor constitui um momento forte da individualização na
história das idéias e da filosofia, das literaturas, e das ciências. A noção de
autor individual foi atribuída somente na medida em que o seu discurso foi
considerado transgressivo, e a partir do momento em que o autor se tornou
passível de punição.
Perrotti (2004, p.6) salienta a importância de se romper com as
vozes dominantes, concedendo um lugar para aqueles que não costumam
ser ouvidos:
Em um mundo onde a memória e o esquecimento são, cada
vez mais, uma questão de mercado - este decide conteúdos,
quem, como e com que meios contar a história aos jovens -
torna-se necessário criar outras alternativas discursivas que
permitam às novas gerações ter acesso às histórias, aos
discursos e aos saberes plurais, condição necessária à
produção de conhecimento e cultura verdadeiramente ricos e
significativos (grifos do autor).
As pessoas, muitas vezes, acreditam que uma voz de autoridade,
uma única maneira correta de ensinar, de organizar, de coordenar, de
contar histórias. E acabam por seguir essa voz, simbolizada pela palavra do
professor ou do oficineiro, por exemplo, em detrimento de sua própria voz e
subjetividade, como se fossem desprovidas de valor ou importância
(GIRARDELLO; COHEN, 2002). A contação de histórias, neste sentido, pode
auxiliar o despertar da autoria pessoal ou coletiva, inclusive pelo
surgimento da autoridade construída coletivamente.
Segundo Girardello e Cohen (2002), comunidades de todos os lugares
parecem estar clamando por histórias e por formas de contar suas histórias,
esperando, por meio disso, desenvolver maior autonomia e independência,
numa época em que se sentem excluídas dos processos de tomada de
decisões.
40
Contar histórias, portanto, é um “dispositivo de agenciamento de
subjetividades fluidas, permeáveis, nômades, em um exercício de práticas
subversivas e de resolução coletiva de problemas” (MENEGUEL; IÑIGUEZ,
2007, p. 1821).
A prática de contar histórias também pode ser vista como uma forma
de sistematizar, organizar e hierarquizar a experiência individual e coletiva,
tendo a pretensão de dar sentido ao mar de informações que se apresentam
e atribuindo significados à própria existência.
O verdadeiro contador de histórias, na visão de Hindenoch (apud
MATOS, 2005) é aquele que busca na memória aquilo que narra: suas
lembranças e sua visão de mundo. Ele é autor de seu próprio caminho por
meio das histórias que conta.
Nesse sentido, o contador parece utilizar-se das histórias para
expressar aquilo que é e aquilo em que ele acredita. As histórias podem ser
trampolins para que crenças e valores – tanto universais quanto
particulares - sejam partilhados.
3.2.1 O contador de histórias no Brasil
Ainda se encontra nos rincões desse país, a figura do narrador
tradicional, que continua a transmitir conhecimentos pela palavra oral.
Patrini (2005) afirma que desde os anos 80 do século XX era comum
professores da escola maternal contarem histórias, com o recurso de um
texto escrito, tanto nas bibliotecas, quanto nas escolas. Essa prática era
igualmente adotada pelos pais.
Mas é principalmente a partir da década de 90 do século XX, que o
boom dos contadores de histórias se manifesta no Brasil. Sisto (2001, p.
60) acredita que isso se deu por meio de uma maior difusão das bibliotecas
no país e pelo reconhecimento de que elas não poderiam ser apenas
depósitos de livros, mas organismos dinâmicos de promoção da leitura.
É possível que o PROLER, Programa Nacional de Incentivo à Leitura,
instituído pelo Decreto Presidencial 519, em 13 de maio de 1992 e
vinculado à Fundação Biblioteca Nacional, órgão do Ministério da Cultura,
tenha contribuído para a proliferação dos contadores de histórias no Brasil,
41
pois este programa considera essa prática fundamental para implementar
o gosto pela leitura e o consumo de livros.
O Proler tem como objetivo principal “promover o interesse nacional
pela leitura e pela escrita, considerando a sua importância para o
fortalecimento da cidadania” (PROLER, 2009). Um de seus eixos de ação é
justamente a formação continuada de promotores de leitura, oferecendo,
entre outros, cursos de contação de histórias.
O crescimento da figura do contador de histórias é uma constante na
maioria dos estados do país (SISTO, 2001), embora talvez os contadores de
histórias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, pelo fato de terem
mais visibilidade na mídia, destaquem-se um pouco mais.
Diversos encontros têm reunido contadores de histórias em todo o
mundo. Em 2007, por exemplo, doze eventos de porte internacional
ocorreram em países como Argentina, Bolívia, Espanha, Venezuela,
Uruguai, México, Cuba, Peru e Brasil
11
(RODA, 2008).
No Brasil, somente em 2006, ocorreram três encontros
internacionais: o “Boca do céu” em São Paulo e o “VI Simpósio
Internacional de Contadores de Histórias” no Rio de Janeiro, ambos
organizados pelo SESC de seus estados; e o “I Encontro Internacional de
Contadores de Histórias”, no Ceará. Em nível nacional, no ano de 2007,
ocorreram pelo menos dez encontros nos estados de Minas Gerais, São
Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Santa Catarina (RODA, 2008).
11
Cabe ressaltar aqui que não se trata apenas de um fenômeno latino-americano,
outros encontros têm ocorrido em diversas partes do mundo. Por limitações de
acesso aos dados e veracidade das informações, optou-se por citar somente os
eventos anunciados no portal Roda de Histórias.
42
3.2.2 O contador de histórias em Florianópolis
No município de Florianópolis, o Serviço Social do Comércio SESC,
vem desempenhando um importante papel na formação de contadores de
histórias.
Segundo seu material promocional
12
, é um programa que parte do
princípio “que a narração de fatos reais ou de ficção estimula a criatividade,
a concentração e o autoconhecimento”. O Sesc oferece dois cursos, cada
um de 60 h /a:
O Curso Básico, propõe a iniciação no vasto imaginário da
narrativa. É dividido em cinco etapas, que abordam: conceitos
básicos; identificação dos elementos da narração; técnicas vocais
e corporais; preparação para contar histórias e ao final, uma
apresentação pública.
No Curso Intermediário a abordagem teórica é aprofundada,
resultando na montagem de espetáculos.
Esta proposta parece ser exitosa quando se considera o número de
pessoas que se habilitaram na arte de contar histórias, em todo Estado,
cerca de quatro mil
13
. Participaram destes cursos: professores,
bibliotecários, psicólogos, recreadores, atores, mímicos, músicos,
estudiosos da literatura, escritores, aposentados, donas-de-casa, entre
outros (FLECK, 2007, p. 224).
Além desta formação, O SESC desenvolve também um programa de
circulação de espetáculos pelas suas unidades do estado, o “Baú de
Histórias - Circuito Catarinense de Narrativas”, que realiza duas ou três
turnês anuais. O circuito mantém diversos espetáculos de contação, tendo
por tema a literatura e a tradição oral.
seis anos consecutivos, o Sesc realiza a “Maratona de Contos de
Florianópolis”, onde diversos contadores se revezam entre uma história e
outra durante 12 horas ininterruptas. Há outras iniciativas de maratonas,
como a realizada anualmente no Rio de Janeiro, durante 24 horas, que
12
Disponibilizado no site http://www.sesc-sc.com.br
13
Dado disponibilizado em seu material promocional. Os cursos de formação de
contadores são oferecidos em várias unidades do SESC em Santa Catarina:
Blumenau, Brusque, Chapecó, Criciúma, Concórdia, Estreito, Florianópolis, Itajaí,
Jaraguá do Sul, Joinville, Lages, Laguna, Rio do Sul, São Bento do Sul, Tubarão e
Xanxerê.
43
acontece oito anos e a de Guadalajara, na Espanha, onde se narram
histórias por 46 horas, sem intervalos, e que se encontra em sua 17ª
edição (MARATÓN, 2009).
Outras iniciativas a destacar são:
a Oficina Permanente de Narração de Histórias, idealizada e
coordenada pela professora Gilka Girardello, do Centro de Ciências
da Educação (CED/ UFSC), que desde 1998, realiza reuniões
mensais na Universidade Federal de Santa Catarina. São
encontros informais com o objetivo de aprofundar e disseminar o
conhecimento e a prática da narração oral de histórias como
forma de comunicação e de expressão cultural, sem o objetivo
explícito de formar contadores profissionais.
o cleo de Estudos da Terceira Idade, também vinculado à
Universidade Federal de Santa Catarina, que desde 1982 oferece
diversas atividades à comunidade idosa. Desde 2004, existe o
Grupo de Contadores de Histórias que realiza, pelo menos, uma
reunião mensal e cumpre uma agenda repleta de compromissos,
muitos deles nas escolas da região
14
.
a Biblioteca Barca dos Livros, principal projeto da Sociedade
Amantes da Leitura (associação civil de direito privado, sem fins
lucrativos e de interesse público, criada em 2003), com sede na
Lagoa da Conceição, desenvolve, desde fevereiro de 2007, várias
atividades voltadas à formação de leitores, tais como: “Histórias
na Barca dos Livros” - passeios mensais de barco, na lagoa, com
livros, leitura, contação de histórias e música; o “Sarau de
14
Este núcleo desenvolve as seguintes atividades: Curso de
Especialização em Gerontologia; curso de formação de monitores da
ação gerontológica; grupo de encontro Avós na Universidade; grupos de
estudos em interações humanas; cinedebate em gerontologia;
intercâmbio comunitário em gerontologia; língua estrangeira (inglês,
espanhol, esperanto, francês e italiano); oficinas de informática e curso
de contadores de histórias (EFFTING, 2007).
44
histórias para adultos” - coordenado por Sérgio Bello, um
conhecido contador de histórias ilhéu e também “A Escola vai à
Barca” - onde as escolas com agendamento prévio visitam a
Biblioteca, participando de sessões de leitura e de narração de
histórias.
45
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para que pudessem ser cumpridos os objetivos propostos nesta
dissertação, foi realizada uma pesquisa exploratória e descritiva. A pesquisa
exploratória tem como finalidade proporcionar “maior familiaridade com o
problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses.
Tem como meta principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de
intuições” (GIL, 2002, p. 45).
a pesquisa descritiva intenta descrever as características de
determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de
relações entre variáveis (GIL, 2002). Salientam-se aquelas que têm por
objetivo estudar as características de um grupo, no caso deste estudo, os
contadores de histórias brasileiros.
Os instrumentos utilizados na coleta de dados foram: entrevista com
contadores de histórias que exercem trabalho remunerado, residentes na
Grande Florianópolis e questionário para contadores que divulgam o seu
trabalho em meio eletrônico, no Brasil.
O questionário é um instrumento de coleta de dados, constituído por
uma série ordenada de perguntas, que devem ser respondidas por escrito e
sem a presença do entrevistador. A entrevista é um encontro entre duas
pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de
determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional.
É um procedimento utilizado na investigação social, para a coleta de dados
ou para ajudar no diagnóstico ou no tratamento de um problema social
(LAKATOS; MARCONI, 2005).
O universo da pesquisa abrange os contadores de histórias
brasileiros, que desenvolvem a contação como atividade remunerada e se
auto-identificam como contadores de histórias.
Dentro desse perfil, foram identificadas, em setembro de 2008, para
a entrevista, dezoito pessoas residentes na Grande Florianópolis. Para se
chegar a esse número, considerou-se aqueles contadores que são
reconhecidos publicamente por sua atuação em diferentes espaços como:
escolas, bibliotecas, livrarias, feiras de livro, teatros, auditórios, órgãos
46
públicos, universidades, centros culturais, maratona de contos, unidades do
SESC e supermercados.
Destas, dez foram entrevistadas, em função de sua disponibilidade e
interesse em participar do estudo, no período de setembro a novembro de
2008.
As entrevistas foram feitas segundo a disponibilidade dos
entrevistados. Cada uma durou entre trinta minutos e uma hora. O
formulário da entrevista foi estruturado em onze questões (ver apêndice A),
abrangendo perguntas relativas à: locais de atuação e público; repertório e
motivações; formação, profissionalização e perspectivas futuras. Com o
intuito de manter sua identidade em sigilo (conforme o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, no apêndice B), foi lhes atribuída uma
identificação alfabética. Eles foram identificados com a letra “C” (de
contador de histórias), seguido das letras entre “a” e “j”.
As entrevistas foram transcritas na íntegra e enviadas a cada um dos
entrevistados, oferecendo-lhes a possibilidade de verificarem sua
autenticidade e fazer alterações.
Foram identificados sessenta e dois sites de grupos e de contadores
individuais no país; no período de fevereiro a abril de 2008, foi realizada
uma busca no Google com os termos “contadores de histórias”, “contador
de histórias” e “contação de histórias”, e também no portal “Roda de
histórias” que disponibiliza uma relação de sites de contadores brasileiros,
argentinos, portugueses, espanhóis e norteamericanos. Nesta busca, foram
encontrados cinqüenta sites
15
, nove blogs
16
e três fotologs
17
de contadores
de histórias brasileiros, assim distribuídos:
15
Conjunto de documentos escritos em linguagem HTML, pertencentes a um mesmo
endereço (URL), disponível na Internet. Erroneamente é empregado como sinônimo
de homepage (DICWEB, 2008).
16
Blog - abreviação de weblog, é uma página web atualizada freqüentemente,
composta por pequenos parágrafos apresentados de forma cronológica. O conteúdo
e tema dos blogs abrangem uma infinidade de assuntos que vão desde diários,
piadas, links, notícias, poesia, idéias, fotografias etc. Uma das vantagens das
ferramentas de blog é permitir que os usuários publiquem seu conteúdo sem a
necessidade de saber como são construídas páginas na internet, ou seja, sem um
conhecimento técnico especializado (BLOGGER, 2008).
17
Fotologs são blogs de fotos, sites que permitem que se coloquem fotos na
Internet com facilidade e rapidez (SOBRESITES, 2008).
47
Estados nº. %
Bahia 1 1,61
Ceará 3 4,84
Espírito Santo 1 1,61
Goiás 1 1,61
Mato Grosso do Sul 1 1,61
Minas Gerais 7 11,29
Paraná 3 4,84
Rio Grande do Sul 3 4,84
Rio de Janeiro 21 33,87
São Paulo 17 27,42
Santa Catarina 2 3,23
Pernambuco 2 3,23
TOTAL 62 100
Quadro 1: Distribuição dos sites de contadores e grupos de contadores de
histórias encontrados por estado.
Fonte: Elaborado pela autora.
Após análise mais aprofundada, percebeu-se que muitos deles não se
enquadravam nos critérios da pesquisa, especialmente por não
desenvolverem trabalho remunerado. Outros não continham dados de
identificação (endereço de e-mail), o que inviabilizaria o contato.
Depois dessa seleção, restaram trinta e dois sites. Os questionários
foram enviados por e-mail a estes endereços, juntamente com uma carta
de apresentação dos objetivos da pesquisa. Obtiveram-se, no período de
outubro de 2008 a fevereiro de 2009, vinte respostas.
Os vinte respondentes estão assim distribuídos:
Estados nº. %
Rio de Janeiro 8 40
São Paulo 6 30
Minas Gerais 2 10
Espírito Santo 1 5
Paraná 1 5
Rio Grande do Sul 1 5
Santa Catarina 1 5
TOTAL 20 100
Quadro 2: Distribuição dos respondentes por estado.
Fonte: Elaborado pela autora.
48
No intuito de também manter a identidade dos respondentes em
sigilo e ao mesmo tempo diferenciá-los dos contadores entrevistados, foi
lhes atribuída a seguinte identificação: a letra “C” (de contador de histórias)
seguida dos números entre 1 e 20.
Os questionários e entrevistas foram analisados por meio da análise
de conteúdo, definida por Bardin (2004, p.37) como:
um conjunto de técnicas de análise das comunicações,
visando, por procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens, obter indicadores
quantitativos ou não, que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção
(variáveis inferidas) das mensagens.
A análise de conteúdo é o tratamento das informações contidas nas
mensagens, objetivando verificar as hipóteses e/ou questões e descobrir o
que está por trás dos conteúdos manifestos. Pode ser quantitativa ou
qualitativa, sendo dividida em três fases (MINAYO, 1994):
a) pré-análise: organização do material a ser analisado; tem como
objetivo operacionalizar e sistematizar as idéias iniciais,
contribuindo para a elaboração de um plano de análise e para o
desenvolvimento das operações.
Esta primeira fase possui três missões: a escolha dos documentos a
serem submetidos à análise, a formulação das hipóteses e dos objetivos e a
elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação final (BARDIN,
2004). Estes fatores não têm de seguir obrigatoriamente, uma ordem
cronológica, embora estejam estritamente ligados.
Para a execução da pré-análise, Bardin (2004) estipula os seguintes
passos:
1. Leitura flutuante: estabelecer contato com os documentos a
serem analisados, deixando-se invadir por impressões e
orientações;
2. escolha dos documentos e constituição de um corpus (conjunto de
documentos a serem submetidos aos procedimentos analíticos),
tendo em vista as regras de exaustividade, representatividade,
homogeneidade e pertinência;
49
3. formulação das hipóteses (afirmação provisória que nos propomos
a verificar, confirmar ou refutar, recorrendo aos procedimentos de
análise) e objetivos (finalidade geral a que nos propomos, é o
quadro teórico e/ou pragmático, no qual os resultados obtidos
serão utilizados);
4. referenciação dos índices (menção explícita de um tema numa
mensagem) e elaboração de indicadores (freqüência do tema de
maneira relativa ou absoluta, em relação a outros);
5. preparação e reunião do material antes da análise propriamente
dita.
A leitura flutuante, primeiro contato com os textos (entrevistas e
questionários), foi realizada na medida em que as transcrições iam sendo
feitas, possibilitando a aproximação da analista com o texto.
A escolha dos documentos, delimitação do universo da pesquisa,
neste caso, representa o resultado das entrevistas e questionários
aplicados.
Logo após, foi efetuada uma categorização do texto, que consiste no
agrupamento em classes dos elementos convergentes em suas
características (BARDIN, 2004). Essas classes foram definidas tendo em
vista os objetivos da pesquisa: “averiguar como os contadores de histórias
compreendem a profissionalização do seu fazer, a partir dos pressupostos
que definem uma profissão na visão de Freidson (1998): expertise,
credencialismo e autonomia.”
As respostas dos contadores de histórias foram agrupadas nas
seguintes classes: motivação inicial (para contar histórias), formação,
autonomia e profissionalização.
b) exploração do material: aplicação do que foi definido na fase, é
a administração sistemática das decisões tomadas. É a etapa mais
longa.
Nesta etapa, foi operacionalizado o processo de leitura, agora mais
aprofundado, com vistas à extração dos elementos essenciais dentro de
cada categoria pré-estabelecida.
50
c) tratamento dos resultados e interpretação: revelação do conteúdo
subjacente ao que es sendo manifesto (ideologias, tendências).
Os resultados brutos são tratados de maneira a serem
significativos e válidos e o analista pode então propor inferências e
adiantar interpretações a respeito dos objetivos previstos ou a
descobertas inesperadas.
Os resultados (elementos essenciais) foram tratados objetivando
viabilizar a etapa final da análise de conteúdo, a inferência.
Perceberam-se especificidades nas respostas dos tópicos relativos à
motivação inicial para contar histórias, bem como ao processo de formação
dos contadores entre os entrevistados e os que responderam ao
questionário. Tendo isso em vista, optou-se por apresentar estes pontos
separadamente. Os demais estão expostos em conjunto.
A análise de conteúdo, segundo Bardin (2004) possibilita uma leitura
não-aderente, em que o leitor tem a oportunidade de se distanciar dos
textos analisados e captar informações suplementares. Os pólos de
observação para a interpretação da análise são: a mensagem (significação e
código), o suporte (canal) e o interlocutor (emissor e receptor). Neste
estudo, a análise focou a mensagem como pólo de observação, ou seja, o
que dizem os contadores de histórias brasileiros em relação à
profissionalização de seu fazer.
51
5 ANÁLISE DOS DADOS
5.1 Caracterização do grupo estudado
O universo da pesquisa abrange os contadores de histórias
brasileiros, que desenvolvem a contação como atividade remunerada e se
auto-identificam como contadores de histórias.
Em relação aos dez contadores entrevistados, residentes na Grande
Florianópolis, cinco são mulheres e cinco homens. Três têm graduação em
Artes Cênicas, dois em Biblioteconomia, um em Pedagogia, um em Ciências
Sociais e um em Letras. Dois entrevistados estão fazendo graduação em
Letras.
Três deles recebem remuneração para contar histórias pouco
tempo (entre um e dois anos), sendo esta uma de suas atividades
profissionais, dentre outras. Três contam histórias mais de dez anos e
dois deles afirmam viver exclusivamente da contação. Sete entrevistados
afirmam que também ministraram ou ministram oficinas ou cursos de
formação de contadores de histórias.
O público que costuma escutá-los é variado, desde crianças pequenas
até idosos. Entretanto, cinco dos entrevistados têm seu repertório voltado
ao público juvenil e adulto.
Entre os vinte contadores brasileiros que responderam ao
questionário, treze são mulheres e sete homens. Treze tem graduação em
Artes Cênicas, dois em Psicologia, dois em Pedagogia, um em
Biblioteconomia, um em Letras e um em Ciências Sociais. Nove deles são
pós-graduados (ou estão cursando pós-graduação): quatro em Educação,
três em Literatura, um em Lingüística e um em Teatro.
De maneira geral, o seu público é composto por pessoas de
diferentes faixas etárias e classes sociais. Apenas um respondente conta
exclusivamente para crianças e dois exclusivamente para jovens e adultos.
Seus locais de atuação são bastante variados: escolas, empresas,
instituições públicas, universidades, congressos acadêmicos, centros de arte
e cultura, teatros, unidades do SESC, museus, bibliotecas, livrarias, feiras
de livro, clubes, bares, praças, parques, shoppings, programas de televisão,
52
cursos de leitura e formação de professores, hospitais, abrigos, cadeias,
asilos e ônibus.
Dentre os contadores que responderam ao questionário, sete afirmam
contar histórias remuneradamente mais de dez anos e quatorze vivem,
hoje, exclusivamente da contação de histórias.
5.2 Motivação
Entre os contadores entrevistados, a motivação inicial para contar
histórias parece vir de três principais fontes:
A demanda profissional das instituições onde trabalham ou
trabalhavam. Cabe aqui ressaltar que quatro dos entrevistados
estiveram vinculados ao setor de cultura ou educação do SESC.
Dentre suas atribuições estava a atividade regular semanal de
contar histórias. Foram também incentivados a participar dos
cursos de formação de contadores de histórias oferecidos pela
instituição.
A grade curricular dos cursos de graduação cursados (Pedagogia,
Biblioteconomia e Letras) contém disciplinas que abordam o
assunto. Esse foi o ponto de partida, seguido pela busca de novas
qualificações.
A complementaridade do trabalho artístico desempenhado.
Alguns atuavam com teatro e/ou música. A contação de
histórias passou a ser mais uma possibilidade de expressão
artística ou, em alguns casos, a principal atividade profissional.
Benjamin (1993) reconhece a existência de dois grupos de
narradores: o camponês sedentário, aquele homem que ganhou
honestamente sua vida sem sair do seu país e que conhece suas histórias e
tradições; e o marinheiro comerciante, aquele que viajou pelo mundo e tem
muito que contar. Essa imagem do contador de histórias viajante, que narra
as suas aventuras, se expressa na fala de um entrevistado:
53
Quando eu comecei a ser artista, a trabalhar com arte, uma
coisa que me estimulou bastante, além do contato com a
religiosidade afro-brasileira e essa perspectiva de um mundo
mais fantástico e um mundo mais interessante que o mundo
cotidiano, foi ter viajado pelo Brasil. Isso me alimentava
muito, a idéia de que eu queria contar as experiências de
vida através da arte (Cf).
Os contadores que responderam ao questionário salientam a
influência familiar como motivação inicial para virem a se tornar
contadores:
Minha avó, minha mãe e meu pai foram os primeiros a me
contarem histórias, o que me fez gostar muito de ouvi-las.
Depois, na escola em que estudei, éramos muito
incentivados a contar as histórias, dramatizando-as ao som
dos disquinhos. Quando adulta, me tornei professora e
sempre contei histórias para os meus alunos. Depois fui
trabalhar na biblioteca escolar, e achando tudo muito parado,
resolvi criar a sexta-feira das histórias, quando fechava a
biblioteca para consulta e ficava contando histórias para as
crianças. Nessa época, tive contato com a coleção da Bruxa
Onilda e me apaixonei pela personagem. Costurei a roupa, fiz
a corujinha e comecei a contar histórias vestida como a
Bruxa. O sucesso foi tão grande, que as livrarias começaram
a me convidar para atuar em outros lugares. nasceu a
profissional (C13).
Sou neta de um contador de histórias, portanto, as histórias
entraram muito cedo na minha vida. Na infância elas faziam
parte do meu cotidiano. Fui redescobri-las quando estudava
arte em terapia e em psicopedagogia na França. (...) Na
Europa o movimento de revigoramento dos contos havia
começado na década de 70 do século passado e por volta do
final de 80 e início de 90 estava no auge. Quando fui para a
França ainda não havia algo assim no Brasil. Esse movimento
por aqui cresceu mesmo a partir dos anos 1993, embora
houvesse muita coisa acontecendo, mas ainda eram
iniciativas um pouco isoladas. Pois bem, fui ao teatro e
descobri que as histórias que meu avô me contava à beira do
fogão, em Paris eram contadas nos teatros e com platéia
cheia. Fiquei muito tocada e naquele momento decidi que
seria a herdeira do meu avô na palavra contadora (C7).
Venho de uma família que sempre contou histórias entre si, o
que foi importante na minha formação cultural e intelectual.
Em 1998, a convite de uma amiga, comecei a contar para
públicos mais específicos, aproveitando meu trabalho de
ator. Mas a partir de encontros com outros contadores,
passei a ter noção da força da palavra proferida pelo
contador (C19).
Gosto de contar. Sempre contei piadas, no entanto, como
naquele tempo eu pensava - como a maioria das pessoas
pensa - que se conta histórias apenas para crianças, posso
54
dizer que resolvi aprender a contar histórias para contar para
a minha filha (C6).
Outro contador aponta como motivação o contexto social em que
estava inserido
dezesseis anos conto histórias, não foi uma escolha
racional e sim contextual. Isto é, a minha trajetória pessoal e
profissional me tornou um narrador oral (C8).
5.3 Formação
Oito contadores entrevistados passaram por algum tipo de formação
específica em contação de histórias, em geral, oficinas curtas concentradas
em finais de semana ou à noite. Cinco deles fez um ou mais cursos de
formação oferecidos pelo SESC.
Além do SESC, atualmente, em Florianópolis, têm sido oferecidos
esporadicamente cursos de formação na Barca dos Livros, no Espaço
Cultural Sol da Terra e oficinas de curta duração em eventos acadêmicos
ligados à Literatura, Educação e Biblioteconomia, ou ainda, como conteúdo
integrante de disciplinas nos cursos de graduação destas áreas, na
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade do Estado de
Santa Catarina (UDESC), Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) e
Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
Percebeu-se, no decorrer das entrevistas, uma ênfase na referência
pessoal aos contadores-formadores, como legitimação de um saber
adquirido. Entre os formadores citados, sete residem na Grande
Florianópolis; dois viveram na cidade durante algum tempo; um vive em
Joinville, dois em São Paulo e dois no Rio de Janeiro.
Quatro respondentes também participaram de oficinas realizadas no
Simpósio Internacional de Contadores de Histórias (promovido com o apoio
do SESC Copacabana, no Rio de Janeiro) e em encontros do Proler (em Belo
Horizonte).
Indagados a respeito da importância dessa formação específica em
contação de histórias, há aqueles que a consideram imprescindível:
Acho que o curso te ensina a questão da postura, adequação
do repertório, expressão corporal. Acho que facilita muito,
além do fato de que nesses cursos tu conheces muita gente,
conhece histórias, um envolvimento maior. Não me
55
imagino contando histórias se não tivesse passado pelo curso
(Ch).
Ela é fundamental. Não tem como pensar em contação de
histórias sem pensar na teoria: o que está se falando sobre
contação, parte de onde, que culturas valorizam mais, o que
pode ser aproveitado dessas culturas (Cc).
Com certeza (...) é bom ter alguém para te avaliar, te dar
um retorno, algumas dicas para melhorar o trabalho. Acho
que é fundamental essa preparação (Cj).
Outros avaliam que a necessidade da formação varia de acordo com
os objetivos que se pretendem alcançar:
Depende do que tu queres com a contação de histórias. Para
mim é essencial, para a maneira que eu conto. Para um
contador que se propõe a fazer um espetáculo, enfrentar
uma platéia, eu acho essencial (Ca).
Depende, se o contador quer trabalhar no palco, ele tem que
ter uma formação para palco (Cf).
ainda os que consideram a formação importante, embora não
essencial:
Eu acho que é bom (...) mas, na prática se uma pessoa está
se doando inteira e está acontecendo uma coisa muito boa
entre ela e o público, este rigor [da técnica] não pode estar
na frente disso. Eu acho que a verdade é mais importante do
que alguém dizer que o pode ser assim porque não está
dentro deste ou daquele princípio (Cb).
Essencial eu não diria. Mas eu acho que ela é muito
importante. E hoje eu formo contadores também. Se eu
disser que é essencial eu vou negar todos os contadores
tradicionais, por quem eu tenho respeito e admiração e que
as vezes fazem coisas muito melhores do que eu faço e do
que outros contadores fazem, mesmo que não tenham o
mesmo aparato técnico. Porque a técnica é vazia se não tiver
coração. Então às vezes os cursos até atrapalham (...) Acho
que é importante gostar de olhar no olho, de estar passando
alguma coisa para as pessoas, que não tem a ver com
informação ou com mensagem, mas sim com o contato
humano, com laços que se estreitam através do olhar (Ce).
Eu acho que qualquer formação em qualquer área artística
não é essencial. Ela é importante, ela pode trazer milhões de
informações, bagagem, aprimoramento para todo e qualquer
artista. Mas tem muitos artistas que nunca estudaram nada e
fizeram coisas fantásticas (Cd).
Um dado que à primeira vista pode parecer contraditório é que
contadores que não fizeram formações específicas, não a consideram
56
essenciais e, no entanto, hoje são formadores em cursos de contação de
histórias:
A formação não é essencial. E eu faço formação de
contadores de histórias. O que eu faço nas minhas oficinas é
dividir com as pessoas a minha experiência. Na verdade, eu
parto do que a pessoa tem, para ela elaborar melhor aquele
contador que ela quer ser (Cg).
Na fala dos contadores, isso se justifica na medida em que se
evidenciam as inquietações com uma possível “homogeneização” do
contador de histórias, ou seja, o receio de que a formação seja um veículo
de padronização, desconsiderando a diversidade de experiências de cada
um e as variadas formas de contar:
Acho que é interessante que haja a formação, mas ao
mesmo tempo, vi uma “formatura” de um curso de
contação onde muitos contavam histórias da mesma
maneira, com a mesma entonação. Claro que são as pessoas
que tem que desenvolver um estilo próprio, algumas pessoas
têm, outras não. Mas não para pausterizar, formatar a
formação. Qualquer curso que tu faças vai te dar padrões,
mas como tu vais utilizar isso é uma questão pessoal. (Ci).
O que eu conheço das pessoas que são formadoras de
contadores de histórias é que não existe uma metodologia
fechada, as pessoas oferecem suas experiências. Cada um
vai ter o seu jeito e isso é o barato. Cada um tem a sua
maneira. Se houvesse um curso que tivesse uma receita, isso
estaria cristalizando o contador de histórias (Cf).
Machado (2004, p. 68) acredita que “ninguém pode ensinar uma
pessoa a ser uma boa contadora de histórias e, ao mesmo tempo, qualquer
pessoa pode aprender a contar bem uma história”.
Não existe, até o momento, no Brasil, uma formação regulamentada
nem diretrizes sobre requisitos relativos às competências e habilidades
necessárias a um contador de histórias.
Sisto (2001) entretanto, acredita que devido ao crescente aumento
da demanda pelo trabalho dos contadores de histórias, faz-se urgente o
surgimento de escolas de formação (assim como aconteceu com a arte
dramática). Segundo ele, um currículo mínimo deveria abranger disciplinas
como: História da Literatura, História da Literatura Infantil e Juvenil, Teoria
Literária, Crítica Literária, Expressão Corporal, Técnicas de Relaxamento,
Técnicas Vocais e Formação de Repertório.
57
Etchebarne (1991, p. 31) ao indagar “Que condições deve reunir
quem deseja aprender este ofício?” propõe uma didática da narração,
pressupondo que qualquer pessoa pode chegar a ser um excelente
narrador, desde que reúna qualidades naturais como amor ao próximo,
carisma e um total esquecimento de si mesmo.
Embora essas qualidades possam parecer subjetivas, a referida
autora lista também alguns requisitos práticos desejáveis: possuir boa
memória, não sendo necessário saber os contos de cor, mas sim recordar
sua linha argumentativa; ter uma voz flexível, cheia de matizes, além de
estar atento à modulação e dicção; conhecer bem o conto que se está
narrando e também ter a capacidade de lidar com dificuldades comuns,
como a timidez e o temor ao ridículo.
Machado (2004) acredita que um bom contador de histórias
precisa vivenciar um “estado de presença”, resultado de um processo de
aprendizado, feito de intenção, ritmo e técnica, que tem o efeito de produzir
em seus ouvintes uma experiência estética singular.
A intenção é o que move e sentido à experiência de contar
histórias; o ritmo é a cadência, a disposição interna em se deixar levar pela
“respiração” da história, pelo fluxo da narrativa, modulando voz, gesto e
olhar de acordo com os diferentes “climas expressivos” que o conto propõe.
É o que vida e verdade pessoal a essa experiência e a técnica é o
domínio do instrumental que permite a atualização da intenção e do ritmo,
combinando recursos internos e externos (MACHADO, 2004).
Dentre esses recursos internos, estão a capacidade de observação e
de percepção da expressão das coisas, curiosidade, senso de humor,
capacidade de brincar, de correr o risco, de perguntar, de ter flexibilidade
para ver as coisas de diferentes pontos de vista e ainda o contato com
imagens internas significativas (MACHADO, 2004).
Catenacci (2008) identifica uma necessidade comum aos contadores
contemporâneos: sentir prazer pela prática narrativa. O bom contador,
segundo a autora, é aquele que se mostra apaixonado pela história, que
aprende com ela e sente prazer em compartilhá-la com seus ouvintes.
Mesmo que alguns autores considerem que a formação do contador
de histórias ainda se na informalidade (como PATRINI, 2005), pode-se
dizer que um crescimento da institucionalização desse treinamento. O
58
SESC, como explicitado no subitem 3.4, credencia essa formação, na
medida em que passou a oferecê-la periodicamente e tornou-se uma
referência reconhecida. Ademais, suas oficinas de formação em geral têm
uma carga horária mais longa que outras ofertada e tem metas, objetivos e
conteúdo programático bem definidos.
Um resultado visível dessas oficinas são os grupos de contadores de
histórias que despontaram a partir daí, como é o caso, em Florianópolis, dos
grupos “História Fiada”, “Tenterê”, “Fuxicando”, “Do Arco da Velha” e
“Pópatapataio”. Atualmente, apenas este último ainda em atuação.
Especialmente entre os jovens contadores, parece haver uma busca
maior pela formação institucionalizada nas artes da narrativa. Três
entrevistados, por exemplo, passaram pelos cursos de formação do SESC
mais de uma vez (ministrados por diferentes professores). Um deles,
inclusive, cursou quatro vezes o módulo sico. Tal fato pode ser
demonstrativo do desejo e, até mesmo, da necessidade que os contadores
sentem de estar entre seus pares.
A expertise, que segundo Freidson (1998), é a autoridade implícita de
um segmento profissional, ou seja, a persuasão de que esse segmento
pode realizar determinado trabalho, se manifesta na fala de um contador:
Aqui em Florianópolis, eu sinto que uma postura de
alguns contadores dizerem “a gente é dono disso aqui”.
Parece que quem não fez a formação, não fez o curso, não
pode ser contador. E tem gente que é contador porque é,
porque tem isso. Pode haver pessoas que façam o curso e
não se tornem bons contadores, da mesma maneira que
algumas não façam o curso e se tornem bons contadores
(Ci).
Ao mesmo tempo, os contadores são unânimes em afirmar: os cursos
não são o único meio de formação, a busca autodidata pode ser muito
valiosa:
Não acho que a formação seja essencial, acho que pode ser
interessante. Acho que existem outros meios de se conseguir
os conhecimentos, as habilidades, têm muitos livros sobre o
assunto, artigos (Ci).
um material bibliográfico maravilhoso, muito vasto e as
pessoas precisam ter um pouco de noção disso, correr um
pouco atrás. Os meus cursos são eminentemente práticos, eu
não trabalho muito a teoria da contação de histórias, então
são exercícios para a contação partindo do teatro para a
contação, partindo do texto para os exercícios e eu faço
recomendações desse material. Porque é um mundo que
59
você mergulha e vai pesquisando e percebe que está sempre
no topo do iceberg (Ce).
Em relação aos vinte contadores que responderam ao questionário,
seis afirmaram não ter freqüentado, em nenhum momento, oficinas
específicas de contação de histórias. Dois deles relataram, inclusive, que
tais cursos ainda não eram oferecidos:
Minha formação é Artes Cênicas. Quando comecei a contar
histórias não havia formação do contador, ainda não se
configurava uma profissão (C2).
dezoito anos atrás não existiam cursos como agora.
Aprendi na raça, estudando, ensaiando e contando as
histórias. A Ong para a qual trabalho tem o lema “A melhor
história é aquela que se aprende contando.” Eu concordo
(C13).
Os demais (quatorze) participaram especialmente de oficinas de curta
duração, ministrados por dez diferentes formadores. Um deles considera
que
É difícil dizer o que é essencial no processo de construção de
um contador de histórias, mas estes cursos ajudaram, sem
dúvida alguma, com idéias, inspirações (C9).
De qualquer forma, faz-se importante assinalar que uma distinção
entre os contadores:
Os contadores contemporâneos m uma diferença dos
contadores tradicionais. Meu avô, por exemplo, contava
espontaneamente e interpretava todos os personagens, sabia
usar de todos os recursos físicos e vocais para encantar e
seduzir seus ouvintes. Nós, os “mais modernos” perdemos
muito dessa genuinidade com a palavra oral. Perdemos a
naturalidade, a espontaneidade, ficamos muito presos às
palavras configuradas pela escrita e com isso acabamos
tendo a necessidade de recorrer a oficinas e trabalhos assim
para melhorarmos nosso desempenho na poética da
oralidade. Mas muitos contadores que não fazem essas
formações (C7, grifo da respondente).
Segundo um respondente, a formação é essencial caso o contador
queira
(...) atuar além das fronteiras da sua família. O contador de
histórias deve conhecer um pouco mais a fundo a origem, o
sentido, as reflexões a respeito do tema, perceber algumas
técnicas, dicas de como preparar, memorizar uma história e
como lidar com o público (C1).
60
Parece, para alguns entrevistados, haver uma crença que a formação
não se dá apenas nos cursos específicos:
A formação específica é importante, assim como muitas
outras atividades sem relação direta com o tema, como meus
estudos de biologia, pedagogia, música, dança, teatro,
literatura, lingüística (C6).
Uma contadora mencionou ter feito um estágio de formação durante
quatro anos com Tarak Hammam, que desenvolve uma linguagem
específica de narração através de tapetes tridimensionais criados a partir de
ilustrações de livros. Segundo Patrini (2005) essa prática é bastante comum
entre os narradores franceses: numerosos estágios de iniciação bem como
estágios de aprofundamento da arte de contar foram organizados durante
as últimas duas décadas na França, sob diferentes formas. Durante tais
estágios, os contadores têm a oportunidade de difundir seus conhecimentos
entre seus pares e aperfeiçoar a sua forma de contar.
As vivências do cotidiano também ocupam seu espaço, poeticamente
manifestas na fala de um contador:
Vivi intensamente todas as coisas: cheirei todos os cheiros,
saboreei todos os sabores, chorei todas as dores e ri muito
de todas as graças (C16).
Além disso, a formação parece estar muito vinculada à prática,
segundo os respondentes, é contando que se aprende a contar melhor:
Na verdade quando fiz o curso atuava muitos anos e
sinto que a formação veio mesmo de meu professor de
teatro, o alquimista Ilo Krugli e do fazer, ou seja, contar
muito. A prática é fundamental (C17).
A formação é importante, mas não essencial. Todos podem
aprender com a experiência (C13).
Concordo quando Regina Machado, contadora de histórias
paulista, escreve: A formação do contador de histórias é o
tempo. É contando que se conta (C18).
61
5.4 Autonomia
A autonomia é a capacidade do profissional de controlar os recursos
do próprio trabalho, consolidada no conhecimento adquirido por ele durante
um período de treinamento e devidamente atestada por exames e
credenciais (FREIDSON, 1998; DINIZ, 2001).
No fazer dos contadores de histórias, uma das possíveis formas de
controle do próprio trabalho é a liberdade de escolha do repertório, assim
como a delimitação de determinadas condições em relação aos trabalhos
“sob encomenda”. Alguns contadores dizem que este tipo de prática, em
que os contratantes do serviço previamente solicitam uma temática de
repertório, ou mesmo histórias específicas, é pouco requerida:
Eu escolho sempre o que contar. Em alguns lugares as
pessoas sugerem alguma coisa. Nunca recebi uma
encomenda, se recebesse aceitaria se gostasse da proposta
(Cd).
Às vezes me pedem para trabalhar histórias que serão
lançadas em livros, mas na maior parte do tempo tenho
liberdade para escolher meu repertório (C13).
Fiz pouco trabalho por encomenda, acho que quando tens
liberdade de escolha o trabalho fica melhor. Acho que quando
a pessoa te faz um pedido, ela tem uma expectativa muito
grande e eu não consigo me soltar (Ch).
Não costumo trabalhar sob encomenda porque acredito que a
história tem que ter uma ligação forte comigo, acho que nem
sempre eu conseguiria “cumprir com a encomenda”, poderia
estar fora do meu domínio ou conhecimento (Ci).
Aqueles que trabalham ou trabalharam sob encomenda, de
qualquer forma, preferem ter liberdade em direcionar o seu próprio
trabalho:
Eu trabalho com dramaturgia, fiz muito trabalho por
encomenda, para empresa de luz elétrica, escolas, mas não é
o que eu mais gosto particularmente. Prefiro me aprofundar
em determinadas pesquisas e sempre tenho liberdade (Ce).
Eu só conto o que eu gosto. Não é muito comum, mas recebo
encomendas esporádicas. Eu trabalhei muito sob
encomenda fora daqui [de Florianópolis], para a Caixa
Econômica Federal, em Minas Gerais, eu montei a história da
Caixa. Eu acho bom a gente estar junto com as empresas, se
elas forem bacanas, se tiverem responsabilidade social,
investirem na área cultural (Cb).
62
Tenho liberdade de escolha, inclusive o faço na hora,
percebendo o que aquela platéia está interessada em ouvir.
Trabalho também sob encomenda, principalmente nas
empresas, normalmente eles me demandam um tema, por
exemplo, segurança e, a partir daí, vou selecionando do meu
repertório aquelas histórias que dizem a este respeito (C16).
Na medida em que os contadores se propõem a viver da prática de
contar histórias, a formação de seu repertório acaba se sujeitando às
requisições dos contratantes. Em seu estudo, Catenacci (2008, p. 80)
aponta que esse aspecto da profissionalização da prática narrativa
incomoda alguns contadores. Entretanto, apesar da “mercantilização” da
arte de contar, eles mesmos admitem que para viver da contação às vezes
é preciso “engolir alguns sapos pelo caminho”, até porque a preocupação
financeira está sempre presente. Para outros, o trabalho sob encomenda
apresenta-se como uma possibilidade de ampliação de repertório e de
tomar contato com temáticas e histórias que, sem uma solicitação externa,
não conheceriam.
Porém, deixam claro que para fazer esse tipo de trabalho são
necessárias algumas condições:
Tem encomendas que eu não faço, eu tenho uma postura
política bem definida, contação de histórias independente do
valor pago, para partidos de direita eu não faço, para
partidos de esquerda é uma coisa que eu penso até certo
ponto (Ce).
Na medida entre estar dentro da proposta, acreditar que é
uma coisa importante e ter uma remuneração que possa
sustentar o próprio trabalho, é possível trabalhar sob
encomenda (Cf).
A liberdade de escolha é uma condição do meu trabalho. (...)
Eu não vou aceitar um trabalho que me diga “conta uma
história da borboleta e da larva porque nós estamos
trabalhando esse conteúdo”. Isso não me bate, porque
dificilmente eu vou achar uma história que me encante que
vai estar dentro daquele tema explícito. Mas implicitamente
sempre tem relações que podemos estabelecer com o conto
e com aquilo que a pessoa está elaborando naquele
momento (...) Acho que essa é uma condição do contador de
histórias: contar as histórias que ele está precisando dividir
com o grupo e ele vai encontrar conexões com aquelas
histórias dentro do tema proposto. (...) Se uma pessoa me
pedir uma encomenda que eu tenho uma meia dúzia de
contos que eu gostaria de contar eu topo. Mas eu me adaptar
aquela encomenda forçando a barra, eu acho complicado,
não gosto de fazer. Não gosto dessa relação explícita, óbvia
da história com um conteúdo a ser ensinado. Acho que isso é
63
um empobrecimento de tudo: do contador que conta, da
utilidade que a história tem (Cg).
Todos eles consideram-se profissionais autônomos, que
geralmente trabalham sós, por conta própria e sem vínculo empregatício
com as empresas às quais prestam seus serviços:
Sou atriz e sempre fui profissional autônoma, fazendo
comerciais, espetáculos de teatro (que faço até hoje),
eventos, apresentações em escolas... Como contadora de
histórias faço a mesma coisa, que em outros tipos de
evento, outros contextos, mas a relação profissional funciona
do mesmo jeito. Emito nota do trabalho que executo, pago
imposto como todo autônomo (C1).
No meu caso, que sou autônoma, mantenho minha liberdade
em relação ao repertório, lugares e eventos que acho
oportuno realizar o trabalho (C4).
Como qualquer profissional liberal, o contador paga seus
impostos, organiza suas atividades e paga suas contas com o
rendimento dessa atividade (C7).
Ele trabalha por conta própria (...). Ele lida com flutuações,
pode ser que um mês ele trabalhe todos os dias, sábado e
domingo não pare, da mesma forma que ele pode ficar um
mês sem trabalhar, depende de mercado, de convites... (Ci).
As flutuações de trabalho a que os artistas estão submetidos acabam
lhes trazendo muitas limitações, como alega um contador:
Não tem uma constância, um projeto de uma dinâmica de
trabalho. (...) O seu potencial criativo acaba se condenando
a essa condição de ficar correndo atrás de merreca e não
potencializar tudo aquilo que você tem de capacidade
libertária, de libertar os outros de suas próprias amarras, de
se libertar, de criar experiências interessantes para todo
mundo, que a própria contação de histórias e a arte em geral
oferecem (Cf).
Para alguns, o contador de histórias, enquanto artista, parece sentir-
se fragilizado e reconhece a necessidade de referências mais sólidas para o
seu fazer
Seria bom ter algo que nos proteja. Eu acho que o artista
está muito desamparado (Cb).
O contador é ainda um profissional autônomo. Sonhando
muito, seria muito bom a gente ter uma carteira profissional,
como outras classes, os atores, por ex. Ou outras classes
que emergiram no c. XX, que eram consideradas um
“hobby”. Não sou contra os núcleos de terceira idade que
contam histórias, mas acho que eles contribuem para o
estereotipo da “vovó que conta”, não como uma pessoa que
64
estuda para isso, que tem uma fundamentação teórica. Eu
acho muito importante que os contadores se encontrem para
discutir essas questões, não para contar histórias como
acontece hoje. E futuramente criar um sindicato, por que
não? (Cc).
Este contador evidencia a questão da necessidade do surgimento de
uma comunidade profissional de contadores de histórias. Essas
comunidades, segundo Larson (apud RODRIGUES, p. 54), “são um
elemento essencial de delimitação do mercado de trabalho. O seu traço
característico é o monopólio e o fechamento de um mercado de serviços
profissionais”. Ou seja, os profissionais lutam para assegurar seu espaço no
mundo do trabalho, usando sua expertise e credenciais (autoridade e
formação) para legitimá-los.
Se muitas vezes o contador parece uma voz solitária na multidão,
que clama pelo apoio de outras vozes, Dubar (2005, p. 188) argumenta que
o reconhecimento de uma profissão “depende da capacidade de seus
membros de se coligar para ter uma argumentação convincente e para se
fazer reconhecer e legitimar mediante ações coletivas múltiplas”.
Os contadores de histórias reunidos no “Boca Do Céu III Encontro
Internacional de Contadores de Histórias”, realizado em São Paulo, em abril
de 2008, debateram a idéia da criação de uma Associação Brasileira de
Contadores de Histórias
18
e elaboraram uma carta deliberando (ver Anexo
1):
1. Encaminhar correspondência aos órgãos federais, estaduais e
municipais de cultura solicitando o “reconhecimento da profissão
do contador de histórias para efeito de formulação de políticas
públicas e designação formal de espaços em editais, projetos e
prêmios, ao lado das categorias contempladas, como atores,
dançarinos, palhaços e artistas plásticos”.
2. Informar que o Brasil já é referência internacional na arte de
contar histórias, pela realização de festivais e pela implementação
do site www.rodadehistorias.com.br, que congrega boa parte dos
contadores de histórias do país.
18
Essa associação, em processo de criação, foi denominada “Conta Brasil: Instituto
dos Contadores de Histórias do Brasil”, disponível em www.contabrasil.org (site em
construção).
65
3. Enfatizar que a arte de contar histórias deve ser valorizada,
preservada e promovida, tendo em vista “sua marcante influência
na constituição da identidade e da memória das comunidades; no
fortalecimento dos laços sociais por seu caráter de veículo de
transmissão de saberes, valores e tradições na educação”.
4. Esclarecer que o contador de histórias é “aquele profissional que,
por meio de narrativas orais, remunerado ou voluntariamente,
leva a literatura e os contos populares às escolas, creches, centros
comunitários, teatros, bibliotecas, empresas, asilos, hospitais,
penitenciárias e outros espaços públicos e privados” (CARTA DE
SÃO PAULO, 2008).
Sobre essa associação, um dos entrevistados pontua:
Estou participando da fundação da Associação Brasileira de
Contadores de Histórias, embora não encare
necessariamente como uma associação profissional, é mais
uma aglutinação das pessoas que praticam uma arte que
pode ser considerada um ofício (Cg).
5.5 Profissionalização
A profissionalização das ocupações faz parte de um movimento social,
transformador da sociedade e da natureza do trabalho. É um processo pelo
qual uma ocupação organizada obtém o direito exclusivo de realizar um
determinado tipo de trabalho, controlar o treinamento e acesso a ele e o
direito de determinar e avaliar a maneira como é realizado (FREIDSON,
1998).
Entretanto, uma sociedade profissional é mais do que uma sociedade
dominada por profissionais. Segundo Rodrigues (2002), é uma sociedade
imbuída do profissionalismo na sua estrutura e no seu ideal, identificando o
papel das profissões, do ideal profissional (valorização da expertise e da
seleção pelo mérito) e o ideal de cidadania (igualdade de oportunidades),
que por sua vez também levou à expansão das profissões.
66
Sobre a questão “contar histórias pode ser considerada uma atividade
profissional?”, apenas um dos entrevistados afirmou:
Eu acho que contação de histórias não é uma profissão. O
ato de contar histórias é uma coisa inerente do ser humano,
eu acredito. Todo mundo conta histórias (Ca).
Embora todos possam contar histórias, parece haver uma
diferenciação entre os que realizam essa atividade profissionalmente (vivem
disso, são remunerados) e os que se utilizam da contação como um recurso
para enriquecer a sua prática profissional (especialmente no espaço
escolar). Para os respondentes, também aqueles que querem contar
histórias na família, ou voluntariamente, sem a expectativa de se tornarem
profissionais:
Nem todo mundo vive da arte, tem gente que faz por hobby.
Na maioria das vezes, as pessoas que vão fazer curso comigo
não querem se profissionalizar, querem contar histórias na
sala de aula, em casa, querem melhorar essa prática (Cg).
Contar histórias é uma atividade profissional, não apenas no
meu entender, pois vários artistas vivem de contar histórias,
inclusive eu. Mas não acho que profissionais possam fazê-
la. Não podemos dizer que quem é artista plástico
profissional possa pintar quadros ou fazer esculturas...
espaços em que o contador de histórias amador não tem
preparo para atuar, mas ao da fogueira, num encontro
para troca de experiências, em casa, na sala de aula, enfim...
Infinitos espaços onde qualquer um pode contar histórias
(C1, grifo do respondente).
Penso que uma diferença entre uma pessoa que quer
aprender a contar para contar para seus netos, seus
familiares, seus alunos em sala de aula e outra que decidiu
viver desse ofício. Neste caso esta é sim, uma atividade
profissional e a mais importante até. No meu caso, por
exemplo, eu vivo disso. Esta é a minha principal atividade
(C7).
Os contadores vêem no investimento na formação e na preparação
de seu fazer, um indício de que a contação de histórias pode ser
considerada uma prática profissional:
Como qualquer outra profissão, requer estudo, preparação,
planejamento de atuação, investimento em material,
seriedade e pontualidade na atuação (C13).
É preciso um preparo para exercer esta atividade, que requer
também comprometimento e, porque não dizer, um tanto de
paixão (C9).
67
Eu acho que a gente investe um bocado nessa formação,
investe tempo, conhecimento, estudo, compra de livro, faz
curso. E acho que tem bastante gente disposta a pagar por
esse serviço, então tens que ter um comprometimento com o
trabalho que tu ofereces (Ci).
Muitos acreditam que essa preparação e comprometimento
necessários ao trabalho de contar histórias é possível na medida em que
haja uma troca financeira:
Deve ser considerado profissional, porque a preparação, o
tempo de estudo e dedicação é tempo de trabalho. Às vezes
não tem comoo ser remunerado. Às vezes te impossibilita
de te preparar se não for remunerado (Cj).
Todo o processo de pesquisa, formação e continuidade no
ofício exige investimento constante esobrevive em função
da remuneração recebida (C11).
Este é meu ganha pão e estou sempre estudando,
pesquisando, organizando ateliês em torno dos contos para
educadores, terapeutas etc. É como uma atividade qualquer
remunerada e na qual o profissional não pode parar de se
aperfeiçoar (C7).
Para os contadores pesquisados uma preocupação em diferenciar
o trabalho remunerado do não-remunerado; é o próprio contador que deve
assumir-se como profissional:
Pode ser considerada uma atividade profissional, desde que o
próprio contador esse tom de profissionalização, de saber
o que fazer e o que não fazer. No início, fiz muita coisa sem
remuneração para divulgar o trabalho (Cc).
Têm várias pessoas contando voluntariamente (...) Quando
tu ofereces um trabalho voluntariamente, me parece que não
o mesmo comprometimento com o trabalho que
apresentas. E entra numa questão de ética, até que ponto
quando eu ofereço de graça eu estou tirando o lugar de
pessoas que estão se dedicando profissionalmente a isso,
porque a dedicação é profissional (Ci).
A gente divide com as pessoas aquilo que estamos fazendo,
por mais que se acredite que não se tem experiência, é o
confronto com o público que essa experiência e se a
possibilidade que esse confronto seja remunerado, eu acho
que é uma coisa muito importante, é uma coisa de respeito.
(...) Esse profissional parece ter características ambíguas, às
vezes ele pode cobrar, às vezes ele pode se sentir a vontade
para fazer uma coisa sem cobrar, mas eu acho que o médico
também é assim. O médico cobra um preço alto pelo que ele
faz, mas se tem alguém precisando de socorro, ele socorre
aquela pessoa e muitas vezes ele não cobra. O policial é
assim, o professor é assim... (Ce)
68
Cabe ressaltar aqui que a compreensão em relação ao fato de ser ou
não profissional não se vincula necessariamente à qualidade do trabalho
apresentado, como muitas vezes o senso comum parece reforçar. A palavra
profissional é comumente usada como sinônimo de bom profissional ou
profissional eficiente. Acerca disso, Freidson (1998, p. 164) considera:
“noções de dedicação e habilidade profissional fazem parte de uma
ideologia que garantem interesses e não são características empíricas de
comportamento profissional”.
Essa ideologia se manifesta na fala de dois contadores:
Ainda não sou profissional, porque acho que me falta mais
conhecimento, mais segurança, mais domínio (conceitual, de
técnica, repertório). Acho que ainda não me dediquei o
suficiente ainda. O meu trabalho está mais próximo do teatro
do que da contação de histórias (Ci).
Ainda não sou profissional. Porque ainda me falta tempo para
vender a atividade. Falta preparar o meu blog, ter mais
repertório, ter mais tempo especificamente para desenvolver
essa atividade (Cj).
Segundo os contadores, ser profissional está atrelado à dedicação e
investimento no próprio fazer:
Sou profissional porque agendo, me preparo, invisto em
estudo e em material (livros e recursos para as narrativas)
sou pontual, eficiente e conheço muito bem o que faço
(C13).
É profissional, porque eu invisto naquilo que eu estou
fazendo, estou sempre em busca da profissionalização,
pesquisando, buscando formação (Ch).
Sou profissional exatamente na medida em que eu me nego
a fazer algumas coisas, que eu escolho o meu repertório
(Cc).
Além disso, a remuneração é o ponto fundamental na definição de um
profissional, para alguns entrevistados:
É uma atividade profissional se for remunerada. Nem todo
profissional é bom. O que define se é profissional ou amador
é a existência de remuneração (C3).
Eu considero profissional porque existe da nossa parte uma
preocupação com isso (...) A gente lê sobre, pesquisa,
discute, faz curso, muitas histórias, ganha dinheiro com
isso. Acho que um ponto forte de se considerar profissional
ou não é o fato da remuneração. Não temos um salário fixo
para fazer isso, mas temos um retorno financeiro, assim
como muitos atores, por exemplo (Ca).
69
Eu considero profissional porque eu sobrevivo e vivo de
contar histórias (Cb).
Freidson (1998) considera que o profissional é aquele que realiza
tarefas numa troca de mercado contratada na qual ele ganha a vida, guiado
por sua “vocação”; enquanto que o amador realiza tarefas sem uma
preocupação consciente e calculada com seu valor de troca no mercado,
encara seu trabalho como “passatempo”.
Alguns contadores declaram que sua renda advém parcialmente do
trabalho de contação de histórias:
(...) do dinheiro que eu ganho acho queuns 15% é com a
contação de histórias. (...) Acho que não existe em lugar
nenhum do Brasil alguém que seja contratado para contar
histórias (Cd).
eu ganho dinheiro com a contação de histórias. Hoje eu
ganho mais como formador, palestrante e contador de
histórias do que como professor (menos de 1/3 do que eu
ganho profissionalmente) (Cg).
Outros, afirmam viver exclusivamente da contação:
Vivo “maravilhosamente” bem, fazendo isto, mais de
vinte anos (C16, grifo do respondente).
No meu caso é total e completamente, não tenho outra
ocupação para me alimentar e alimentar os meus (...)
embora às vezes o faça de forma voluntária, sou remunerado
por isso, e exerço como atividade principal (C19).
Entretanto, nem todos desenvolvem a contação como atividade
principal:
Essa é uma questão que eu penso mesmo, será que eu sou
profissional? Eu não sei o que é ser profissional de arte no
Brasil, é uma questão muito complicada. Eu sou um
profissional da arte, porque eu vivo disso, embora eu
desenvolva outras atividades também, como professor, por
exemplo (Cf).
É uma atividade profissional acoplada à outra. Sozinha não
creio (...) além dela desenvolvo um trabalho de pesquisa na
elaboração dos roteiros que construo, das histórias que
escrevo e na formação do meu repertório. Além disso, tenho
um trabalho de formação do leitor (C12).
Se encaramos profissão como a expressão daquilo que é a
verdade mais profunda de cada um - de onde vêm os
profetas, que anunciam e denunciam através da palavra -
contar histórias, sem dúvida é uma profissão.
Se encararmos profissão no sentido que chamarei capitalista,
como atividade remunerada, exercida para garantir as
chamadas questões práticas da vida (pagar as contas, bem
70
entendido) hummm... Acho difícil. Somos professores, atores
e atrizes, terapeutas, avós, humanos, enfim, que contam
histórias.
Podemos trabalhar com histórias, ministrando cursos, em
settings terapêuticos, em sala de aula e por vai... Mas o
ato de contá-las, em minha opinião, faz parte da profissão de
(sem nenhuma vinculação a tradições religiosas
específicas). Se a profissão de pode ser remunerada?
Creio que até pode, mas O VALOR da remuneração segue um
caminho diferente da lógica do Sr. Mercado (C5, grifos do
respondente).
Segundo dois entrevistados, para que seja possível viver
profissionalmente de contar histórias, faz-se necessário
(...) que se crie um circuito que seja possível viver disso.
Mas isso não o contador de histórias, todas as atividades
artísticas (Cf).
Acho que vivemos numa cidade em que qualquer atividade
artística tem dificuldade de dar subsídios financeiros para
quem a pratica, não é no campo da contação de histórias
(Cd).
Um deles complementa ainda
A questão não é o profissionalizar, mas o como
profissionalizar. Porque aí surge uma questão básica que é: a
obra de arte não é um produto de mercado, não é um
produto cultural. Essa é uma questão importante. O que
seria esse profissionalismo? Ele estar inserido no mercado?
Ou ele alçar uma posição, um status de necessidade social?
O mundo é para desenvolver a liberdade do cidadão ou é
para aprisioná-lo no mercado, direcionado para a formação
de milionários, poucos milionários? (Cf).
5.6 Identidade
O contador de histórias contemporâneo tenta enaltecer e delimitar os
contornos de sua prática. Porém, ao assumi-la como profissional, se
obrigado a lidar com as oscilações e inconstâncias próprias do mundo
artístico: quer se mostrar como um artista polivalente, mas, segundo Patrini
(2005, p. 77) “está isolado, sem mestre, sem escola e sem guia, por isso
deve adaptar-se a tudo, rendendo-se as exigências do mercado”.
Para superar suas fragilidades, o contador de histórias empenha-se
na busca de sua própria identidade. E nesse momento se depara com
questões maiores que assolam o sujeito moderno: uma crise de identidade,
71
que segundo Woodward (2000) se globalmente, localmente,
pessoalmente e politicamente.
Essa crise de identidade faz parte de um processo mais amplo de
mudança, que está modificando as estruturas e processos centrais das
sociedades modernas e abalando os quadros de referência anteriores,
baseados na concepção de sujeitos integrados e estavelmente ancorados no
mundo social.
Mercer (apud Hall, 2005, p. 9) observa que “a identidade somente se
torna uma questão quando está em crise, quando algo que se supõe como
fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da
incerteza”.
Existem três concepções clássicas de identidade apresentadas por
Hall (2005):
a) Sujeito do Iluminismo: sujeito centrado, unificado, racional,
individualista, masculino. Seu centro consistia num núcleo interior
presente no momento de seu nascimento e que permanecia sem
alterações ao longo da sua existência.
b) Sujeito sociológico: o núcleo interior do sujeito não é mais
autônomo e auto-suficiente, mas estabelecido na relação com as
demais pessoas. Ou seja, a identidade é formada na interação
entre o “eu” e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou
essência interior, porém composto e modificado num diálogo
contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades
que esses mundos oferecem.
c) Sujeito pós-moderno: fragmentado, composto não de uma única,
mas de diversas identidades, algumas vezes contraditórias ou
não-resolvidas. A identidade não é fixa, essencial ou permanente
e é definida historicamente e não biologicamente.
72
Apesar da dificuldade em se auto-definir e de estar em constante
processo de transmutação, o sujeito moderno tem também a possibilidade
de romper com limitações do passado, criando novas articulações, novas
identidades e novas maneiras de interagir e de estar no mundo. De certa
forma, pela primeira vez, tem a chance de escolher como se auto-
identificar, já que no período atual, torna-se praticamente impossível
defender um discurso único e imutável em relação às identidades.
Alguns contadores também lidam com imprecisões na busca de uma
definição sobre si mesmos:
Eu sou um artista da palavra, eu não sou bem um músico,
não sou bem um contador de histórias, eu sou um cara que
se interessa pela palavra, oral ou escrita, é ela que me
motiva (Cd).
O contador de histórias pode ser um ator, e pode estar filiado
à categoria dos atores. Eu me sinto tanto atriz bonequeira
como contadora de histórias (Cb).
Não me considero contadora, mas uma atriz profissional
(C15).
Se por vezes parece difícil se auto-nomear, um dos caminhos
possíveis a serem trilhados é a definição do que um contador de histórias
não é. Observou-se, por exemplo, uma preocupação em diferenciar a
contação de histórias da animação de festas:
Contador é diferente de animador de festa, as pessoas
confundem muito isso (...) Acho que o chão da contação de
histórias ainda é a escola. Mas enquanto os professores
usarem a contação como meio de abaixar os ânimos quando
está chovendo, ou matar tempo quando a aula termina mais
cedo, enquanto houver essa perspectiva a contação não vai
ser considerada (Cc).
todo um discurso hegemônico que diz que a contação de
histórias é entretenimento, diversão, coisa que se faz em
mesa de bar, em festa de criança, em festa de adulto e de
maneira informal. Eu acho que não, acho que as cabeças
precisam mudar e a nossa posição diante do mundo é uma
coisa extremamente importante. Nós somos estes e assim e
temos um determinado preço (Ce).
73
Outra questão recorrente é a diferenciação entre a contação de
histórias e o teatro. Céspedes (2003, p. 113) apresenta oito distinções
entre as duas artes (a contação de histórias é nomeada por ele como
“narração oral cênica”):
1. O teatro não é a realidade colocada diante do espelho e sim a realidade
recriada dentro do espelho.
A narração oral cênica é a realidade fora do espelho, um momento de
verdade do narrador com seu público.
2. O teatro renasce a cada vez que uma determinada montagem volta a
adquirir vida na cena.
A narração oral cênica é a irrepetível narração do que é narrado.
3. A improvisação é uma possibilidade do teatro. No teatro a reinvenção
costuma existir apenas pela via da improvisação.
A reinvenção é a essência mesma da arte de narrar, inseparável deste
ato. A improvisação é uma das formas supremas da oralidade,
diretamente vinculada à invenção.
4. O ator costuma caracterizar personagens e construir fisicamente as
imagens essenciais.
O narrador oral cênico é sempre o próprio narrador e sempre sugere
todos os personagens do conto e as imagens.
5. O teatro em geral convoca o público como espectador
O narrador oral cênico convoca o público como interlocutor.
6. O espaço e o tempo do ator são os da obra e por tal não
necessariamente os do público.
O narrador oral cênico compartilha com o público um mesmo espaço e
tempo: o da criação conjunta da história.
7. O teatro é ação.
A narração oral cênica é sugestão.
8. O teatro é representação.
A narração oral cênica é apresentação.
Dois contadores falam sobre essa relação:
Eu vivo de Contar Histórias doze anos. O contador é um
profissional como outro qualquer. Pode ser um ator, ou não.
No meu caso, a minha formação é de Atriz. Eu também
posso, eventualmente, trabalhar como Atriz (C14).
A contação de histórias é uma atividade profissional porque
requer uma formação especifica de uma especialização
dentro das artes cênicas, por não ser teatro, mas se utilizar
de técnicas teatrais e cada vez mais necessita de material
humano capacitado (C17).
Matos e Sorsy (2007, p. xiv) têm a convicção de que esse tipo de
disputa é “tão irrelevante quanto um monte de poeira debaixo das patas de
um elefante”. Um dos contadores pesquisados também considera essa
discussão infrutífera:
74
Como em qualquer arte, as linguagens artísticas são
múltiplas, as coisas se misturam. Muitas vezes as fronteiras
se diluem porque as linguagens são muitas e às vezes elas
se aproximam do que seria em tese outra linguagem
artística. É difícil dizer o que é contação de histórias e o que
é teatro, mas acho que essa discussão é boba, porque na
verdade estabelecemos as fronteiras para tentar entender
alguma coisa (Cg).
Bauman (2001, p.97) explicita que a busca da identidade é “a busca
incessante de deter ou tornar mais lento o fluxo, de solidificar o fluido, de
dar forma ao disforme.” As identidades parecem fixas e estáveis somente
quando vistas de fora. É por isso que tendemos a ver a vida dos outros
como “obras de arte”, pontua ele. E todos querem construir a sua obra de
arte, nem que seja de maneira ilusória e fantasiada.
para Castells (2003) a identidade é a fonte de experiência e
significado de um povo, é o processo de construção do significado com base
num atributo cultural, ou ainda, um conjunto de atributos culturais inter-
relacionados que prevalece sobre outras formas de significado.
Para cada indivíduo pode haver múltiplas identidades; no entanto,
elas não devem ser confundidas com os papéis sociais (por ex.:
trabalhador, pai, vizinho etc.) que são definidos por normas estruturadas
pelas instituições e organizações da sociedade.
Além disso, a identidade é um conceito antes de tudo imaginado,
fantasiado e auto-atribuído. As pessoas são aquilo que acreditam ser. Ela é
“concebida no interior da representação” afirma Hall (2005, p. 48), ou seja,
o que se pode dissertar acerca das identidades são as representações
sociais a que correspondem, que não uma verdade absoluta e
tampouco uma pureza cultural. Não se nasce, portanto, com uma
identidade pronta, ela é algo a ser inventado e não descoberto.
Ao mesmo tempo, a identidade é também relacional, uma convenção
socialmente necessária, construída social e historicamente. O anseio pela
identidade vem da necessidade de segurança, do sonho de pertencer a algo
maior do que a si próprio, do desejo de sentir-se “em casa”, independente
de sua localização no globo terrestre. Bauman (2005) acredita que as
identidades flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras
infladas e lançadas pelas pessoas à nossa volta. As identidades, portanto,
75
são construídas pelo somatório daquilo que foi atribuído ao sujeito e aquilo
que ele se auto-atribuiu.
Patrini (2005, p. 125) acredita que ser contador, hoje
é querer dar vida ao conto, com suas palavras, com suas
experiências, com sua sensibilidade moderna (...). Ser
contador é buscar originalidade para encontrar sua
identidade. Apesar da instabilidade, do desconhecido e da
fragilidade que envolve seu universo, o novo contador torna-
se mais ou menos homem de espetáculo; busca a harmonia
e procura, ao lado de uma palavra quase extinta, sua fonte
de inspiração e de recriação. Uma vez longe da tradição, ele
parte em busca de fontes de seu tempo, solitário e sem guia.
Ao mesmo tempo, ele parece não estar tão longe da tradição, pois se
considera um legítimo herdeiro do narrador tradicional (CATENACCI, 2008),
ou, como pontua um dos entrevistados
Na mesma medida em que os contadores de histórias
espontâneos estão sumindo de nossas vidas, a gente está
reinventando essa prática. A figura do contador de histórias é
tão essencial na cultura que ele está sendo recriado, se ele
desaparece da espontaneidade ele é recriado
institucionalmente. Eu vejo o contador de histórias como
uma reencarnação do narrador tradicional, porque a gente
não pode ficar sem isso (C7).
Quer como herdeiro, quer como reencarnação do narrador
tradicional, o contador contemporâneo se esforça para manter o que mais
aprecia na arte narrativa: a naturalidade e a intimidade na relação com
seus ouvintes e com as histórias que conta.
76
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando a questão inicial, ponto de partida deste estudo,
“Contar histórias pode ser considerada uma atividade profissional?”, assim
como o objetivo de “averiguar como os contadores de histórias
compreendem a profissionalização do seu fazer, a partir dos pressupostos
que definem uma profissão na visão de Freidson (1998): expertise,
credencialismo e autonomia” e a fala dos contadores de histórias brasileiros
participantes da pesquisa, pode-se dizer que:
A expertise e o credencialismo são fatores difíceis de avaliar no
fazer do contador de histórias contemporâneo, tendo em vista que
a formação se principalmente de maneira informal, portanto
ainda não existem meios de garantir e certificar o treinamento.
Entretanto, a institucionalização da formação tem se expandido.
Em Santa Catarina destaca-se a ação do SESC.
Em relação à expertise, autoridade implícita e persuasão de que
apenas um segmento tem condições de realizar determinado
trabalho, parece haver um consenso de que a formação específica
nas artes narrativas não é imprescindível para a atuação como
contador de histórias. De qualquer forma, os contadores a
consideram importante e um meio legítimo de aprimoramento de
seu fazer. Ressaltam que este não é o único meio, outras
formações em áreas correlatas, a busca autodidata, a experiência
prática e as vivências do cotidiano também são valiosas na
formação de um contador de histórias.
A autonomia, o controle dos recursos do próprio trabalho, parece
ser uma condição indispensável da atividade do contador de
histórias contemporâneo; ele desenvolve sua performance de
acordo com escolhas ideológicas, gostos pessoais e conhecimentos
técnicos.
77
Tendo em vista estes três critérios (expertise, credencialismo e
autonomia), contar histórias ainda não pode ser considerada uma profissão,
que não a obrigatoriedade de um treinamento formal nesta arte e
tampouco maneiras de credenciá-lo.
No entanto, os contadores de histórias que exercem trabalho
remunerado podem ser considerados profissionais, pois para Freidson
(1998, p. 148) “o que faz de uma atividade um trabalho é seu valor de
troca. O que faz de seu executor um trabalhador ou profissional é sua
relação com o mercado” (grifos do autor).
Ficou evidente nas falas dos contadores participantes desse estudo
que eles consideram-se profissionais, querem ser reconhecidos como tais,
têm uma relação de troca com o mercado, são remunerados pelo que
fazem, vivendo parcial ou exclusivamente dessa atividade.
Em relação ao processo de profissionalização do contador de histórias
contemporâneo, as opiniões se dividem, alguns são contrários a esta idéia e
consideram que o artista não é aquele que se forma institucionalmente
na arte e que um bom contador de histórias pode não ter nenhum diploma.
Outros acreditam que os contadores deveriam se preocupar com a
profissionalização e em criar espaços de visibilidade para o seu trabalho.
Assumir-se como contador de histórias profissional pode ser uma das
maneiras de garantir e consolidar seu espaço, não o espaço profissional,
mas uma maneira de encontrar seu lugar no mundo, de encontrar sua
identidade de uma forma mais ampla:
Sou profissional pela minha trajetória, pela pesquisa
intermitente dos contos oriundos da Literatura Oral e pelo
tempo que dedico para pensar e honrar o meu fazer (C11).
Eu sou um contador de histórias profissional, por uma rie
de questões: eu tenho um cuidado com o meu trabalho,
compreendo um pouco a importância dele. Eu sou um
contador profissional porque justamente eu estou assumindo
isso e lutando contra esse senso comum, eu estou assumindo
uma postura diante do mundo em que eu digo “eu não conto
histórias de graça a não ser que eu tenha um motivo muito
bom e muito grande para isso”. (...) E eu sou um profissional
porque isso está no meu discurso, isso está nos meus
objetivos, isso está nas minhas metas, nas minhas
conquistas, enfim, eu sou visto como um profissional. (...)
contar histórias me transformou enquanto pessoa, enquanto
profissional, é uma postura diante do mundo inclusive para
provocar mudanças. Eu digo que sou profissional para
procurar uma mudança na lógica das coisas (Ce).
78
Contador de histórias é alguém que diz ser um contador de histórias
(PATRINI, 2005). Essa idéia se harmoniza com a concepção de Hall (2005)
sobre a identidade, que para ele, é auto-atribuída, as pessoas são aquilo
que acreditam ser.
As narrativas, entendidas como “espaços de criação imaginativa”
(GIRARDELLO, 1998, p. 57), oferecem subsídios para traçar a identidade
Nós obtemos nossas identidades pessoais e nosso
autoconceito através do uso da configuração narrativa e
transformamos nossa existência numa totalidade
entendendo-a como uma expressão do desenrolar e do
desenvolvimento de uma única história. (...) O si-mesmo,
então, não é algo estático ou uma substância, mas uma
configuração de eventos pessoais em uma unidade histórica
que inclui não apenas o que fomos, mas também
antecipações do que seremos (BRUNER, 1997, p. 100).
E o que os contadores contemporâneos antecipam sobre si mesmos e
sobre seu trabalho no futuro?
Eu cresci nos anos 60 ouvindo dizer que o Brasil era um ‘país
do futuro’. Fica muito difícil prever alguma coisa com este
futuro que é sempre adiado. Mas imagino que existe (e
continuará existindo) mercado para artistas que contam
histórias por editoras interessadas em vender metros de
livros coloridos como enfeite de estante de analfabetos;
existirão avós, mães, babás e outras figuras que contarão
histórias afetivas para massagear o coração; existirão
advogados, políticos, professores, terapeutas e governantes
que contarão tantas e tão diferentes facetas de uma mesma
história, que, até que chegue o futuro’, dela possivelmente
não restará nem mesmo o título; existirão cientistas que
contarão histórias concretas; existirão artistas, loucos e seres
utópicos que contarão fantasias como se fossem reais.
Existirão povos, existirá gente, que contará a história do seu
dia a dia para que todos saibam das histórias acontecidas
e para que nelas, não tentem objetivar o tão almejado futuro
(C10).
Contam alguns estudiosos desta área, que historicamente
todas as vezes que a humanidade passou por algum tipo de
crise, ressurgiam, antecipadamente, os contadores de
histórias para trazer algum tipo de alívio ou nos fazer
amadurecer diante destes obstáculos. Acredito e me cunho
nisto. E, continuarei, até o final neste trabalho, um pouco
missionário, de levar a cuia cheia das palavras encantadoras
para dar de beber aos desencantados, para que todas as
nossas histórias também tenham um final feliz (C16).
Eu imagino que seja uma prática que vai ganhar cada vez
mais espaço. E que aos poucos também pela formação de
público, as pessoas vão elaborando melhor os critérios de
avaliação do que é um contador de histórias. Eu acho que
79
ainda não uma avaliação mais apurada, mas é uma arte
nova, é uma arte que está se estruturando e o público
também está aprendendo a conhecer isso. E tem outra coisa
nesse campo especificamente: as pessoas às vezes gostam
tanto da história que o contador é de menos, então às vezes
um contador que tu consideras tecnicamente ruim pode
encantar uma platéia, porque a história que ele trouxe
encanta. (...) Hoje, especialmente na área da educação, as
pessoas sabem o que é contação de histórias. É uma
prática que nos últimos anos tem crescido muito e tende a
crescer e se institucionalizar (Cg).
O movimento tem crescido muito e acredito que por uma
necessidade dos tempos em que estamos vivendo o papel do
contador é muito importante. Falência de valores, retorno às
coisas que dão sentido à existência, mudança de paradigmas
à frente, crise global que começa na economia, mas está
bem mais funda. O contador tem muito a dizer num cenário
assim (C7).
Contar histórias, neste cenário contemporâneo, é uma maneira de
estar no mundo, é auto-expressão pessoal e coletiva, é legitimação da
própria história e das manifestações culturais. Um caminho por excelência
para o encontro com si mesmo e com o outro.
80
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85
APÊNDICES
86
APÊNDICE A
ROTEIRO PARA ENTREVISTA E QUESTIONÁRIO
Nome:
Grupo:
E-mail:
URL:
Telefone:
Área de formação:
1. Local(is) de atuação
2. Quem é o seu público?
3. Você tem liberdade para escolher seu repertório? Trabalha sob
encomenda?
4. O que o motivou a contar histórias?
5. Fez alguma formação específica em contação de histórias?
6. Considera que esta formação é essencial ao contador de
histórias?
7. É filiado a alguma associação profissional? Qual?
8. No seu entender, contar histórias pode ser considerado uma
atividade profissional?
9. Você considera que sua atividade de contador de histórias é
profissional?
( ) sim ( ) não Por quê?
10.Em sua opinião, o contador de histórias pode ser considerado
um profissional autônomo?
( ) sim ( ) não Por quê?
11. Em sua opinião, qual o futuro dos contadores de histórias em
Santa Catarina (ou no Brasil)?
87
APÊNDICE B
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Meu nome é Felícia de Oliveira Fleck. Sou bibliotecária e mestranda
do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação, da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Estou desenvolvendo a pesquisa “A
profissionalização do contador de histórias contemporâneo”, orientada pela
Profª. Drª. Miriam Vieira da Cunha. Esta pesquisa tem como objetivo
analisar o fazer do contador de histórias a partir da teoria das profissões.
V. Sa. está convidada a participar dessa pesquisa respondendo a uma
entrevista com perguntas estruturadas. Esclareço que as informações
fornecidas serão confidenciais e sua identidade não será divulgada. As
entrevistas serão analisadas no conjunto do conteúdo das respostas dos(as)
demais respondentes. Estou à sua disposição para quaisquer
esclarecimentos adicionais.
Eu, __________________________________________, fui esclarecido(a)
sobre a pesquisa “A profissionalização do contador de histórias
contemporâneo” e concordo que o conteúdo das minhas respostas seja
utilizado na realização deste estudo.
Data: ____/____/____
Assinatura: __________________________________________
88
ANEXOS
89
ANEXO 1
CARTA DE SÃO PAULO
Os contadores de histórias reunidos no “Boca do Céu” - III Encontro
Internacional de Contadores de Histórias, realizado em São Paulo, no
período de 29 de março a 06 de abril de 2008, após apresentação e debate
no Painel “A arte de Contar Histórias em seus aspectos institucionais” por
unanimidade deliberaram:
1 encaminhar correspodência ao Ministério da Cultura, FUNARTE,
Secretarias e Dundações Estaduais e Municipais de Cultura, para solicitar o
reconhecimento da profissão de Contador de Histórias para efeito de
formulação de políticas públicas e designação formal de espaços em editais,
projetos e prêmios, ao lado das demais categorias já contempladas, como
atores, dançarinos, palhaços e artistas pláticos.
2 informar que o Brasil é referência internacional na Arte de Contar
Histórias, notadamente pela realização de Festivais importantes, como o
“Boca do Céu”, em São Paulo, sob a coordenação e curadoria da Professora
Doutora da ECA-USP, Regina Machado e o Simpósio Interncional de
Contadores de Histórias, no Rio de Janeiro, na sua nona edição, sob
coordenação da atriz, narradora e produtora cultural, Benita Prieto.
Também a implementação do site www.rodadehistorias.com.br , sob a
coordenação do narrador Fabiano Moraes, do estado do Espírito Santo, que
congrega boa parte dos Contadores de Histórias do país, destaca-se
como iniciativa que fortalece um movimento que vêm crescendo nas últimas
três décadas.
3 enfatizar que a arte de contar histórias deve ser valorizada, preservada
e promovida, a exemplo de países como Estados Unidos, França, Inglaterra,
Bélgica e Canadá, entre outros, tendo em vista sua marcante influência na
constituição da identidade e da memória das comunidades; no
fortalecimento dos laços sociais por seu caráter de veículo de transmissão
de saberes, valores e tradições e na educação, uma vez que contadores de
histórias vêm atuando como agentes, mediadores e promotores de leitura
em escolas, bibliotecas e praças de todo país, sendo atividade prevista,
inclusive, nos
PCN´s – Paramêtros Curriculares Nacionais.
4 esclarecer que o Contador de Histórias é aquele profissional que, por
meio de narrativas orais, remunerado ou voluntariamente, leva a literatura
e os contos populares às escolas, creches, centros comunitários, teatros,
bibliotecas, empresas, asilos, hospitais, penitenciárias e outros espaços
públicos e privados, razão pela qual solicitam sua inclusão na página
www.brasilprofissoes.com.br.
São Paulo, 06 de abril de 2008.
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