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CONSUELO ALCIONI BORBA DUARTE SCHLICHTA
A PINTURA HISTÓRICA E A ELABORAÇÃO DE UMA
CERTIDÃO VISUAL PARA A NAÇÃO NO SÉCULO XIX
Tese apresentada como requisito parcial
para a obtenção do grau de Doutor em
História, ao Departamento de História do
Setor de Ciências, Letras e Artes da
Universidade Federal do Paraná.
Orientadora:
Prof.
a
Dr.
a
Helenice Rodrigues da Silva
Co-orientador: Prof. Dr. Jorge Coli
CURITIBA
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SISTEMA DE BIBLIOTECAS
COORDENAÇÃO DE PROCESSOS TÉCNICOS
Schlichta, Consuelo Alcioni Borba Duarte, 1956-
A pintura histórica e a elaboração de uma certidão visual para a nação
no século XIX / Consuelo Alcioni Borba Duarte Schlichta. – Curitiba, 2006.
296f. : il. algumas color.
Inclui bibliografia
Orientadora: Prof.
a
Dr.
a
Helenice Rodrigues da Silva
Co-orientador: Prof. Dr. Jorge Coli
Tese (doutorado) – Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências
Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em História.
1. Pintura histórica. 2. Pintura brasileira – Séc.XIX. 3. Arte e sociedade.
4. Arte e história – Brasil. I. Silva, Helenice Rodrigues da. II. Coli, Jorge,
1947- III. Universidade Federal do Paraná. Setor de Ciências Humanas,
Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em História. IV. Título.
CDD 758.99
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ii
TERMO DE APROVAÇÃO
CONSUELO ALCIONI BORBA DUARTE SCHLICHTA
A PINTURA HISTÓRICA E A ELABORAÇÃO DE UMA
CERTIDÃO VISUAL PARA A NAÇÃO NO SÉCULO XIX
Tese aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em
História, ao Departamento de História do Setor de Ciências, Letras e Artes da da
Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca examinadora:
Orientadora: Prof.
a
Dr.
a
Helenice Rodrigues da Silva
Universidade Federal do Paraná
Co-orientador: Prof. Dr. Jorge Coli
Universidade Estadual de Campinas
Curitiba, 5 de maio de 2006
iii
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora prof.
a
Dr.
a
Helenice Rodrigues da Silva, pelo
carinho com que acolheu meu projeto, assim como pela oportunidade intelectual
que me proporcionou compartilhando comigo as dificuldades inerentes às
pesquisas, cuja pretensão é pensar as relações entre arte, história e cultura.
Agradeço suas observações, desde a elaboração do projeto até a redação final
do trabalho, cruciais para que este trabalho ganhasse maior clareza, o que já
basta para tê-la em enorme consideração.
Dedico um agradecimento especial ao prof. Dr. Jorge Coli, co-orientador
nesta tese, pelas ricas sugestões de leituras e por compartilhar investigações suas
e de seus orientandos na UNICAMP. Nossa pesquisa sobre a Pintura Histórica, do
século XIX, muito deve, em seus acertos, à sua competência e seu conhecimento.
Aos membros da banca Prof.
a
Dr.
a
Cecília Helena de Salles Oliveira,
Prof Dr. Roberto Figurelli, particularmente aos professores Dr.
a
Maria José
Justino e Dr. Renato Lopes Leite, pela leitura atenta da tese no exame de
qualificação e pelas preciosas sugestões que, sem dúvida, enriqueceram e
tornaram possível a realização do trabalho que ora apresento.
Ao prof. Dr. Marcos Napolitano, pelas aulas, nas quais apreendi muito
sobre o fazer histórico, e pelo exemplo de dedicação. À prof.
a
Dr.
a
Judite M.
Barboza Trindade, pelo incentivo e suas sugestões de leituras.
Aos colegas do Departamento de Artes da Universidade Federal do
Paraná, pelo incentivo e pela liberação dos encargos didáticos, apesar da
sobrecarga que isso representou.
Às minhas colegas: Rose Meri Trojan, Isis Moura Tavares e Maria Inês
Hamann Peixoto, com quem dividi minhas inquietações.
A ajuda dos novos amigos historiadores.
À minha mãe e meu irmão, pelo afeto.
Às minhas filhas, Sara e Clara, pela paciência, e a Paulo Roberto, meu
amor, que acompanhou carinhosamente todos os momentos da pesquisa.
Estiveram presentes durante todos estes anos, oferecendo apoio e sempre
confiantes: uma tese, um dia acaba. A eles dedico este trabalho.
iv
O caso do Ipiranga data de ontem. (...) Houve uma resolução do
Principe D. Pedro, independencia e o mais; mas não foi
positivamente um grito, nem elle se deu nas margens do celebre
ribeiro. Lá se vão as paginas dos historiadores; e isso é o
menos. Emendam-se as futuras edições ... Mas os versos? Os
versos emendam-se com muito menos facilidade. Minha opinião
é que a lenda é melhor do que a historia authentica. A lenda
resumia todo o fato da independência nacional, ao passo que a
versão exata o reduz a cousa vaga e anonyma. (...) Eu prefiro o
grito do Ipiranga; é mais summario, mais bonito e mais generico.
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Crônicas (1859-1863).
São Paulo: W. M. Jackson Inc. 1938. 3v.
v
SUMÁRIO
DOCUMENTAÇÃO ICONOGRÁFICA ............................................................................. vii
RESUMO.......................................................................................................................... xii
ABSTRACT...................................................................................................................... xiii
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 1
CAPÍTULO 1 - AS REPRESENTAÇÕES ICONOGRÁFICAS DO SÉCULO XIX:
HISTÓRIA E CULTURA ......................................................................... 23
1.1 A ICONOGRAFIA PICTÓRICA COMO FONTE HISTÓRICA E PARTE
INTEGRANTE DO CONJUNTO DE ELEMENTOS SIMBÓLICOS E MATERIAIS
QUE REPRESENTAM UMA NAÇÃO ..................................................................... 27
1.2 A VINDA DA FAMÍLIA REAL EM 1808: O BRASIL PRECISA CIVILIZAR-SE........ 48
1.3 O APELO À MISSÃO ARTÍSTICA FRANCESA (1816): OS "SOCORROS DA
ESTÉTICA".............................................................................................................. 52
1.4 ESTÉTICA E (É) POLÍTICA: (EN)CENA A ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS
ARTES E O INSTITUTO HISTÓRICO GEOGRÁFICO BRASILEIRO .................... 59
1.4.1 A Academia Imperial de Belas Artes..................................................................... 64
1.4.2 O Instituto Histórico Geográfico Brasileiro: "Lembrar para comemorar,
documentar para festejar"..................................................................................... 67
CAPÍTULO 2 - CIVILIZAÇÃO E CULTURA DURANTE O IMPÉRIO (1822-1889) ........ 70
2.1 O ROMANTISMO: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS E ARTÍSTICAS...................... 79
2.2 O ROMANTISMO NO BRASIL: O NACIONAL E O UNIVERSAL........................... 89
2.3 A HERANÇA NEOCLÁSSICA DA ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES...... 105
CAPÍTULO 3 - A PINTURA HISTÓRICA NO BRASIL: DO NEOCLASSICISMO
AO ROMANTISMO................................................................................. 117
3.1 O LUGAR DA PINTURA HISTÓRICA NA ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS
ARTES .................................................................................................................... 117
3.2 JEAN BAPTISTE DEBRET: O BRASIL DE SUA VIAGEM PITORESCA E
HISTÓRICA............................................................................................................. 120
3.3 MANOEL ARAÚJO PORTO ALEGRE E SUA ICONOGRAPHIA BRAZILEIRA...... 139
vi
3.4 PEDRO AMÉRICO: A TRANSFORMAÇÃO DE FATO HISTÓRICO EM FATO
ESTÉTICO .............................................................................................................. 152
3.4.1 A Polêmica Artística de 1879................................................................................ 161
CAPÍTULO 4 - AS REPRESENTAÇÕES DA INDEPENDÊNCIA E SEUS HERÓIS
NA PINTURA HISTÓRICA DO SÉCULO XIX ........................................ 180
4.1 A JORNADA LIBERTADORA: DE EIXO GEOGRÁFICO A EIXO POLÍTICO......... 181
4.2 O SETE DE SETEMBRO TRANSFORMADO EM DATA NACIONAL DA
INDEPENDÊNCIA DO BRASIL............................................................................... 191
4.3 O SETE DE SETEMBRO SOB O OLHAR DE PEDRO AMÉRICO: UMA
CERTIDÃO VISUAL DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL ....................................... 206
4.3.1 O Diálogo de Pedro Américo com a Pintura Internacional.................................... 214
4.4 AS EXPOSIÇÕES ARTÍSTICAS: MONUMENTALIZAR O PASSADO E
ESTETIZAR A HISTÓRIA ....................................................................................... 238
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 251
REFERÊNCIAS................................................................................................................ 263
vii
DOCUMENTAÇÃO ICONOGRÁFICA
Figura 1 - Victor Meirelles. Moema, 1862. Óleo s/ tela, 129 x 190cm. MASP,
São Paulo..................................................................................................... 97
Figura 2 - José Maria Medeiros. Iracema, 1881. MNBA, Rio de Janeiro ..................... 98
Figura 3 - Rodolfo Amoedo. O último Tamoio, 1883. Óleo s/ tela. MNBA, Rio
de Janeiro .................................................................................................... 98
Figura 4 - Modesto Brocos. A redenção de Cam, 1895 ............................................... 101
Figura 5 - Jacques-Louis David. O juramento dos Horácios, 1784. Óleo s/ tela,
330 x 425cm. Museu do Louvre, Paris......................................................... 109
Figura 6 - Jean Baptiste Debret. Regulus voltando a Cartago, 1791. Óleo s/ tela
108 x 143cm. Museu Fabre, Montpellier...................................................... 122
Figura 7 - Jacques Louis David. Regulus e sua filha, c. 1786. Tinta negra e
aquarela s/ papel, 31,5 x 41,6cm. The Art Institute, Chicago....................... 122
Figura 8 - Jacques-Louis David. A coroação do imperador e da imperatriz, 1805-
1807. Óleo s/ tela, 642 x 979cm. Louvre, Paris ........................................... 124
Figura 9 - Jean-Baptiste Debret. Coroação de D. Pedro I, 1828. Óleo sobre tela,
340 x 640cm. Itamaraty, Brasília.................................................................. 124
Figura 10 - Jean Baptiste Debret. Retrato de D. João VI, s/ data. Óleo s/ tela,
60 x 42cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro ....................... 126
Figura 11 - Jean Baptiste Debret. Desembarque da Imperatriz Dona Leopoldina,
c. 1818. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro ............................ 126
Figura 12 - Jean Baptiste Debret. Pano de boca executado para a representação
extraordinária dada no Teatro da Corte por ocasião da coroação do
imperador D. Pedro I, Litografia s/ papel, 16 x 31,7cm. Viagem
Pitoresca e Histórica ao Brasil. Prancha 49................................................. 129
Figura 13 - Jean Baptiste Debret. Tipos de máscaras indígenas. Viagem Pitoresca
e Histórica ao Brasil. Prancha 27................................................................. 133
Figura 14 - Jean Baptiste Debret. Índios soldados da província de Curitiba escoltando
selvagens. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Prancha 20.................. 134
viii
Figura 15 - Jean Baptiste Debret. Execução do castigo de açoite. Viagem
Pitoresca e Histórica ao Brasil. Prancha 45................................................. 135
Figura 16 - Jean Baptiste Debret. Negros no tronco. Viagem Pitoresca e Histórica
ao Brasil. Prancha 45................................................................................... 135
Figura 17 - Jean Baptiste Debret. Colar de ferro. Viagem Pitoresca e Histórica ao
Brasil. Prancha 42........................................................................................ 136
Figura 18 - Jean Baptiste Debret. Um funcionário a passeio com sua família.
Litografia s/ papel, 15,3 x 22cm. Viagem Pitoresca e Histórica ao
Brasil. Prancha 5.......................................................................................... 136
Figura 19 - Jean Baptiste Debret. Uma senhora brasileira em seu lar. Litografia
s/ papel, 15,9 x 22cm. Viagem Pitoresca e Hisrica ao Brasil. Prancha 6 ...... 137
Figura 20 - Pedro Américo. A carioca, 1882. Óleo s/ tela, 205 x 135cm. Museu
Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro...................................................... 154
Figura 21 - Pedro Américo. Batalha de Campo Grande, 1871. Óleo s/ tela,
332 x 530cm. Museu Imperial, Petrópolis, Rio de Janeiro........................... 156
Figura 22 - Vitor Meirelles. Batalha dos Guararapes, 1875-1879. Óleo s/ tela,
500 x 925cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro ................... 162
Figura 23 - Pedro Américo. D. Pedro II na abertura da assembléia-geral, 1872.
Óleo s/ tela, 258 x 205cm. Museu Imperial, Petrópolis, RJ.......................... 174
Figura 24 - Pedro Américo. Casamento da Princesa Isabel, 1864. Óleo s/ tela,
69 x 51cm. Museu Imperial de Petrópolis, Rio de Janeiro........................... 176
Figura 25 - Pedro Américo. Paz e Concórdia, 1902. Óleo s/ tela, 300 x 431cm.
Museu Histórico e Diplomático do Itamaraty, Rio de Janeiro....................... 177
Figura 26 - Pedro Américo. Tiradentes esquartejado, 1893. Óleo s/ tela. 270 x
165cm. Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora, Minas Gerais.................... 178
Figura 27 - Caminho entre as cidades do Rio de Janeiro na época da Independência
do Brasil, 1972-1822. Cartograma do Itinerário da Independência.............. 183
Figura 28 - Maria Graham. Fazenda de Santa Cruz, 1823 ............................................ 183
Figura 29 - Debret. Vista de São Miguel de Areias, c. 1827........................................... 184
Figura 30 - Tomás Ender. Vista de Lorena, c. 1820....................................................... 184
Figura 31 - Debret. Vista do povoado de Guaratinguetá, c. 1827 .................................. 185
ix
Figura 32 - Ender. Vista da Igreja de Nossa Senhora de Aparecida, c. 1820................ 186
Figura 33 - Debret. Vista de Pindamonhangaba, c. 1827............................................... 187
Figura 34 - Debret. Vista de Taubaté, c. 1827................................................................ 187
Figura 35 - Ender. Vista de Jacareí, c. 1820 .................................................................. 187
Figura 36 - Debret. Vista de Mogi das Cruzes, c. 1827.................................................. 188
Figura 37 - Ender. Vista da povoação de Penha de França, c. 1820............................. 188
Figura 38 - J. Wasth Rodrigues. O Príncipe Regente D. Pedro é recebido em
São Paulo..................................................................................................... 189
Figura 39 - Foto de José Rosael. Autor desconhecido. Primeiro projeto para um
monumento do Ipiranga, 1826. Tinta ferrogálica e aquarela s/papel,
41 x 54cm. Acervo Museu Paulista, USP..................................................... 194
Figura 40 - Oscar Pereira da Silva. O Príncipe Regente D. Pedro e Jorge de Avilez
na Fragata União, 8 de fevereiro de 1822. Óleo s/ tela. Acervo Museu
Paulista, USP ............................................................................................... 200
Figura 41 - Augusto Bracet. D. Pedro compõe a música do Hino da Independência,
1992. Óleo s/ tela. Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro ..................... 205
Figura 42 - Debret. Desenho da primeira bandeira do Brasil. Viagem Pitoresca e
Histórica ao Brasil. Prancha 29.................................................................... 205
Figura 43 - Pedro Américo. Independência ou Morte, 1888. Óleo s/ tela,
760 x 415cm. Museu Paulista – USP, São Paulo ........................................ 207
Figura 44 - Jacques Courtois, il Borgognone. Cena de Batalha. Galeria da
Academia Nacional de São Lucas, Roma.................................................... 214
Figura 45 - Gustave Doré. Batalha de Montebello (20 maio 1859), 1859. Litogravura,
285 x 395cm. Impressão Lemercier, Paris, chez Bulla Frères. Civita
Raccolta delle Stampe "Achille bertarelli", Castelo Sforzesco, Milão........... 215
Figura 46 - Horace Vernet. La prise de la Smala d'Abd el-Kader par le duc
d'Aumele àTaguin, 16 de mai 1843, 1844. Óleo s/ tela, 488 x 2139cm.
Musée du Château de Versailles. Detalhe: Duque d' Aumale ..................... 216
Figura 47 - Pedro Arico. Batalha do Avahy, 1872-1877. Óleo s/ tela, 500 x 1000cm.
MNBA, Rio de Janeiro.................................................................................. 216
Figura 48 - Pedro Arico. Batalha do Avahy, 1872-1877. Detalhe: Duque de Caxias..... 216
x
Figura 49 - Horace Vernet. La prise de la Smala. Detalhe: Cego Sid-el-aradj............... 217
Figura 50 - Pedro Américo. Batalha do Avahy, 1872- 1877. Detalhe: Cego .................. 217
Figura 51 - Horace Vernet. La prise de la Smala. Detalhe: judeu .................................. 218
Figura 52 - Pedro Américo. Batalha do Avahy, 1872-1877. Detalhe.............................. 218
Figura 53 - Paul Delaroche. Charlemagne traversant les Alpes, 1847. Óleo s/ tela,
420 x 801cm. Musée du Château de Versailles........................................... 219
Figura 54 - Pedro Américo. Batalha do Avahy, 1872- 1877. Detalhe: General Osório ......... 220
Figura 55 - Pedro Américo. Batalha do Avahy, 1872- 1877. Detalhe: soldado paraguaio .... 220
Figura 56 - Géricault. Officier de chausseurs de la garde, 1812. Óleo s/ tela,
292 x 194cm. Musée du Louvre, Paris. Detalhe .......................................... 221
Figura 57 - Pedro Américo. Batalha do Avahy, 1872- 1877. Detalhe............................. 221
Figura 58 - Luigi Bechi. Il marchese fadini salva a Miontebello il colonello De
Sonnaz,1859 -1862. Óleo s/ tela, 173 x 232cm. Galeria d'Arte Moderna
do Pallazzo Pitti, Florença, Itália. Detalhe.................................................... 222
Figura 59 - Raphael. Constantino contra Maxencio, 1520-24. Afresco, Stanza di
Constantino, Palazzi Pontifici, Vaticani, Roma, Itália................................... 222
Figura 60 - Pedro Américo. Batalha de Campo Grande, 1871. Detalhe ........................ 222
Figura 61 - Jean-Louis Ernest Meissonier. Batalha de Friedland, 1875. Óleo s/ tela,
144 x 252cm. Metropolitan Museum of Art. Detalhe .................................... 223
Figura 62 - Jean-Louis Ernest Meissonier. Napoleão III na Batalha de Soferino,
1863. Óleo s/ tela, 44 x 76cm. Louvre, Paris ............................................... 223
Figura 63 - José Ferraz de Almeida Junior. Caipira picando fumo, 1893. Óleo
s/ tela, 202 x 141cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo.......................... 226
Figura 64 - Anônimo. Fundação da pátria brasileira. Óleo s/ tela inspirado na obra
de Eduardo Sá, s. d. CEA ............................................................................ 227
Figura 65 - François-René Moreaux. Proclamação da Independência, 1844. Óleo
s/ tela, 2,44 x 383cm. Museu Imperial de Petrópolis.................................... 229
Figura 66 - Pedro Américo. Independência ou Morte. Estudo. Museu Histórico
Nacional, Rio de Janeiro .............................................................................. 236
Figura 67 - Pedro Arico. Independência ou Morte. Estudo. Óleo s/ tela, 59 x 51cm.
Coleção Fadel, Rio de Janeiro..................................................................... 236
xi
Figura 68 - Harzal. O grito do Ipiranga, c. 1870. Xilogravura, 20,7 x 24cm.................... 237
Figura 69 - Anônimo. O grito do Ipiranga, c. 1840. Litografia impressa na França,
10,1 x 12,5cm............................................................................................... 237
Figura 70 - Convite à Exposição de Independência ou Morte, de Pedro Américo,
em Florença ................................................................................................. 242
Figura 71 - Luiz Carlos Peixoto. Monumento do Ipiranga, 1893. Óleo s/ tela,
77 x 110cm. Acervo Pinacoteca do Estado de São Paulo........................... 249
Figura 72 - Foto José Rosael. Vista geral do Salão Nobre ............................................ 249
Figura 73 - Foto José Rosael. Museu Paulista. Vista geral da escadaria central. No
alto a escultura de D. Pedro I, encomendada pela comissão, ao
escultor Rodolpho Bernardelli, que ficou pronta apenas em 1824.
representa o momento em que D. Pedro solicita a retirada dos laços
portugueses. "Na base da escultura, em ambos os lados, encontram-
se esculpidos os dragões da Bragança"...................................................... 250
xii
RESUMO
Esta tese aborda as relações entre arte e história a partir da análise da iconografia pictórica
do século XIX, que compõe o patrimônio "biográfico-visual" da nação e retrata os grandes
momentos históricos e seus heróis, com destaque para a tela Independência ou Morte
(1888), de Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843-1905). A pintura de gênero histórico é
fonte de compreensão e de representação dos acontecimentos históricos e, embora não se
configure em instrumento de mera legitimação simbólica do Império, encaixava-se
perfeitamente na idéia de formação de um corpo coeso moldado em torno de objetivos
comuns, contribuindo sobremaneira para a construção de uma leitura gloriosa de nosso
passado afinada com o discurso de duas instituições: a Academia Imperial de Belas Artes e
o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Independência ou Morte é uma obra nodal na
construção da nacionalidade conforme o discurso da época; é um dos exemplos mais
reveladores não só da articulação, mas também da tensão entre o pictórico e o histórico, e
seu autor, chave para a compreensão da Pintura Histórica brasileira na época.
Palavras-chave: História; Cultura; Iconografia Pictórica; Representação Iconográfica;
Pintura Histórica.
xiii
ABSTRACT
The present thesis aims at showing the interrelation between art and History through analyzing
the nineteenth century pictorial iconography comprising the Brazilian “biographical-visual”
inheritance, which portraits our History great moments and heroes. As a historical painting is a
source of knowledge on historical events and helps us understand History, we highlight the
historical painting Independência ou Morte (Independence or Death), (1888), by Pedro Américo
de Figueiredo e Melo (1843-1905). Although, it is not considered an instrument of mere
symbolic legitimacy of the Empire period, it fits into the idea of a cohesive body molded on a
basis of common goals, thus greatly contributing to building a glorious reading of our past, as
well as matching the discourse of two institutions: Academia Imperial de Belas Artes (Belles-
Letters Imperial Academy) and Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Brazilian Historical-
Geographical Institute). Independência ou Morte (Independence or Death) is a nodal work for
nationality building pursuant to that epoch discourse, it is one of the most revealing examples
of not just an interlink between Painting and History, but also tension between them, and in
addition, its author is a key for us to understand the Brazilian Historical Painting at that time.
Key-words: History; Culture; Pictorial Iconography; Iconographic Representation; Historical
Painting.
1
INTRODUÇÃO
O tema central de nossa tese é o projeto de Pintura Histórica no Brasil,
século XIX, partindo da hipótese de que a iconografia pictórica é fonte de compreensão
e de representação dos acontecimentos históricos. Contudo, ela não corresponde
inteiramente a uma memória nacional e, por isso, mais que compreender, a iconografia
conduz-nos a imaginar os sentidos dos acontecimentos que estão por trás do
processo de emancipação política do Brasil.
Nossa referência são as obras de gênero histórico que compõem o
patrimônio "biográfico-visual" da nação e retratam os grandes momentos históricos e
seus heróis, com destaque para a tela Independência ou Morte, de Pedro Américo
de Figueiredo e Melo (1843-1905), na qual ele dá visibilidade ao ato que anunciou a
emancipação nacional. Em nosso entendimento, esta obra é um dos exemplos mais
reveladores não só da articulação, mas também da tensão entre o pictórico e o histórico,
e seu autor, chave para a compreensão da Pintura Histórica brasileira, à época.
Tudo leva a crer que a iconografia é um poderoso elemento formador das
mentes e dos corações
1
, configurando-se em instrumento de legitimação simbólica
da nova Nação. Além disso, ela se encaixa perfeitamente na idéia de elaboração de
um corpo coeso moldado em torno de objetivos comuns, contribuindo sobremaneira
à construção, pelos artistas, nesse contexto, de uma leitura gloriosa do passado
brasileiro afinada com o discurso de outras instituições como, por exemplo, do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro criado em 1838, cujo modelo é o Institut
Historique, fundado em Paris em 1834.
2
1
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p.10.
2
Do conjunto de membros fundadores do Instituto francês, é digno de destaque o nome do
artista Jean Baptiste Debret, que, sem dúvida, é uma figura central no projeto de construção de uma
imagem do Brasil à maneira neoclássica.
2
Ao lado disso, as representações iconográficas, segundo Anne-Marie Thiesse,
como parte do conjunto de elementos simbólicos e materiais que representam uma
nação, são uma espécie de kit do-it-yourself que constitui "a alma nacional".
3
A princípio nos baseamos na abordagem dessa autora, ressaltando desse
kit as representações iconográficas que, a nosso ver, desempenharam um papel
significativo no enraizamento dos valores, dos interesses e das aspirações que
sustentaram a visão de império. Evidentemente, sem esquecer as especificidades de
sua abordagem, pois trata da criação das identidades nacionais, tomando a Europa
como seu objeto de análise.
A serviço da reconstituição da identidade nacional, não apenas oferecem
uma visão do processo histórico e político da sociedade brasileira, mas também
apresentam uma explicação às transformações artístico-culturais, fortemente
influentes no sistema de arte brasileira, associadas ao desenvolvimento das
sociedades, ao longo do século XIX. Depreende-se daí que a elaboração de uma
representação de nação é histórica, social e localmente enraizada, e, portanto, deve
ser explicada em termos desta realidade.
Com efeito, ao longo das últimas três décadas, a temática das identidades
ganhou cada vez mais destaque, tornando-se uma questão de interesse crescente
para os historiadores culturais. Sobre a qual Anne-Marie Thiesse chega inclusive a
afirmar: "nada de mais internacional que a formação das identidades nacionais".
4
Seguindo essa estratégia argumentativa, podemos introduzir um conjunto
de perguntas que perpassa a nossa tese de ponta a ponta, a começar pela pergunta
que é ao mesmo tempo a mais universal e secular, singular e contemporânea:
"quem somos nós?" Formulada na primeira pessoa do plural, denota a preocupação
3
A expressão "do-it-yourself", citada por Anne-Marie Thiesse, foi elaborada pelo sociólogo
Osvar Löfgren em sua obra The Nationalization of Culture. Ver: THIESSE, Anne-Marie. A criação das
identidades nacionais: Europa – séculos XVIII-XX. Lisboa: Temas e Debates, 2000. p.17-18.
4
THIESSE, op. cit., p.16.
3
em definir uma identidade, o que constitui esse "nós" em suas singularidades e
práticas – ideais de vida, padrões culturais, pensamentos e sentimentos estetizados
e submetidos a regras – aprendidas na "superfície da existência".
5
O "nós" em
contraposição aos "outros" traz para primeiro plano aqueles que são conhecidos, ou
melhor, que se tornaram "brasileiros"
6
e que pertencem a um lugar ou a uma
"comunidade imaginada"
7
chamada Brasil.
Nesse caso, outras perguntas não menos importantes são: quais visibilidades
foram elaboradas sobre esse "lugar" e das suas "singularidades", quais foram retratadas
pelos artistas? Respondê-las é tentar distinguir quais são os contornos definidores
da imagem de nação e da identidade nacional, estabelecendo: quem somos e o que
nos distingue do "outro" e do que nos é "estranho". Significa retirar o Brasil e os
brasileiros de seu "estado de dicionário", pois, como uma "comunidade imaginada"
ou uma construção histórica continuamente reinventada e reinvestida de significados,
o Brasil tem suas representações.
Tentaremos, pois, ao longo de nossas reflexões, examinar as representações
elaboradas sobre esse tempo e espaço, ou seja, como o Brasil, em razão de sua
5
Essa expressão, utilizada por Norbert Elias, é retomada também por Peter Burke em sua
obra: O que é história cultural? Rio de Janeiro: Zahar, 2005. p.21.
6
ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz. Refocalizar a imagem do "Brasileiro". In: ROCHA-
TRINDADE, Maria Beatriz; CAMPOS, Maria Cristina Siqueira de Souza (Org.). Olhares lusos e
brasileiros. São Paulo: Usina do Livro, 2003. p.131-146.
7
Benedict Anderson, evidentemente, amplia o conceito que grosso modo pode servir para
dar a idéia de "comunhão", do que é "comum", de "identidade", de "corpo social", de "grupo social
cujos membros habitam uma região determinada, têm um mesmo governo e estão irmanados por
uma mesma herança cultural e histórica", "qualquer conjunto populacional considerado como um
todo, em virtude de aspectos geográficos, econômicos e (ou) culturais", "grupo de pessoas que
comungam uma mesma crença ou ideal", "local por elas habitado" etc. (ANDERSON, Benedict.
Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática, 1989).
4
historicidade e dos seus bens simbólicos e materiais
8
ou das suas tradições,
9
destaca-se e se apresenta às outras nações.
Essas representações condensam as visões e os gostos da sociedade
brasileira e são construídas, é claro, sob as marcas do Neoclássico, do Romantismo
e das relações, evidentemente assimétricas, entre aqueles contidos no pronome
"nós" (o Brasil) e os "outros" (a Europa).
Por ora, é interessante lembrar que esse cenário reflete singularidades.
É singular, primeiro, porque após 1822, o Brasil embora se destaque e se apresente
às outras nações como um Estado político autônomo e independente de Portugal,
continuará sendo uma Monarquia, governada por um português. Uma monarquia
rodeada de países que, quando se tornaram independentes, adotaram o modelo
republicano de governo. Também é singular porque o Brasil, em segundo lugar,
como um país caldeado e miscigenado com diferentes raízes sociais e culturais,
carece de uma identidade nacional que emoldure um retrato de si e dos brasileiros,
de acordo com o espírito romântico da época, a partir da mescla de três raízes
vigorosas: o valente índio, o estóico negro e o intrépido lusitano. Esse anseio de
forjar uma identidade, como veremos, acabou por mobilizar os intelectuais, poetas e
pintores, ao longo do século XIX.
No entanto, é preciso frisar que nosso propósito não é discutir a fundação
da identidade nacional nem trazer para o centro de nossas reflexões o processo de
independência política do Brasil – um tema clássico sobre o qual, sabem os
historiadores, abundante pesquisa já se produziu e muito se escreveu. Pretendemos
8
THIESSE, op. cit., p.18.
9
Para Helenice Rodrigues da Silva, por intermédio dos "intelectuais", "as elites políticas
contribuíram, em grande parte, para o que Hobsbawn chama de 'invenção das tradições'. A nação
cria, assim, sua própria religião, com mitos, mártires e heróis, e as identidades se constituem através
dos caracteres nacionais específicos (hino, bandeira, folclore, lenda, etc.)". (RODRIGUES DA SILVA,
Helenice. Cultura, culturalismo e identidades: reivindicações legítimas no final do século XX? Tempo,
Revista da Universidade Federal Fluminense, Departamento de História. v.9, n.17, jul. 2004. Rio de
Janeiro: 7 Letras/ EdUFF, 2004. p.173-192).
5
sim pensar a implantação de um imaginário iconográfico, como parte integrante do
sistema simbólico elaborado em torno do ato de nossa emancipação política,
anunciada pelo gesto emblemático de D. Pedro, o primeiro imperador do Brasil.
Ao abrir esse acervo, guardado como patrimônio artístico nacional, caro a
todos os brasileiros, nosso intuito é fazer avançar o debate em torno da Arte,
problematizando seus poderes e limites no projeto de construção de um imaginário
de identidade nacional.
Na tarefa que nos propomos, recorremos a José Murilo de Carvalho, quando
afirma que, por meio do imaginário, pode-se penetrar não apenas nas mentes, mas,
fundamentalmente, no coração, isto é, nas aspirações, nos sonhos, nos medos e
nas expectativas de um povo. "É nele que as sociedades definem suas identidades e
objetivos, definem seus inimigos, organizam seu passado, presente e futuro."
10
Em sua análise sobre a batalha de símbolos e alegorias, como parte
integrante das batalhas ideológica e política, argumenta que o imaginário social é
produzido e se manifesta na forma de ideologias e utopias, mas também se expressa
por meios de símbolos, alegorias, rituais, mitos.
Símbolos e mitos podem, por seu caráter difuso, por sua leitura menos codificada, tornar-
se elementos poderosos de projeção de interesses, aspirações e medos coletivos. Na
medida em que tenham êxito em atingir o imaginário, podem também plasmar visões de
mundo e modelar condutas. A manipulação do imaginário social é particularmente importante
em mudanças política e social, em momentos de redefinição de identidades coletivas.
11
De fato, as representações artísticas revelam muito de uma época e, nesse
sentido, desempenham um papel decisivo no processo de construção visual do
passado. Essas imagens são, "geralmente e não necessariamente de maneira
explícita, plenas de representações do vivenciado e do visto e, também, do sentido,
10
CARVALHO, A formação..., op. cit., p.10.
11
CARVALHO, A formação..., op. cit., p.10-11.
6
do imaginado, do sonhado, do projetado. São, portanto, representações que se
produzem nas e sobre as variadas dimensões de vida no tempo e no espaço".
12
Por isso, se a Pintura Histórica como representação constitui um sistema
de crença coerente e completo, do campo comum de investigação dos historiadores,
interessam-nos, sobretudo, as reflexões sobre o simbólico e suas interpretações
13
:
as tradições culturais, os pensamentos e sentimentos específicos de uma época
incorporados às obras de arte.
14
Podemos dizer de antemão que a contribuição da
História Cultural em nossa tese vincula-se principalmente aos estudiosos da
hermenêutica visual – por exemplo, Erwin Panofsky –, cuja pretensão é mediante a
interpretação das imagens desvelar a visão de mundo de um grupo social ou de uma
cultura, adensada em uma obra.
15
Peter Burke, ao chamar a atenção para as estratégias de divulgação da
imagem pública de Luís XIV e sua permanente revisão, mostra que o êxito em "persuadir
o público da sua grandeza"
16
depende não só da atuação dos historiadores, mas
também dos pintores, escultores, poetas. A manipulação de símbolos e rituais, retomando
12
PAIVA, Eduardo França. História & imagens. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. p.13-14.
13
Peter Burke, que esboçou uma história da história cultural, distingue algumas linhas
principais, contudo, sem deixar de argumentar que elas se entrançam, enfatiza que o simbólico –
consciente ou não, que pode ser encontrado também na arte – e suas interpretações constituem uma
entre outras abordagens do passado em termos do que denomina História Cultural. Ver: BURKE,
O que é história..., op. cit.
14
Ao esboçar uma história da história cultural, Peter Burke afirma que a história pode ser
dividida em quatro fases: a "clássica", a da "história social da arte" (que iniciou na década de 1930),
da história da cultura popular (sua descoberta na década de 1960) e a "nova história cultural" (a partir
da década de 1980). O autor, no entanto, lembra que elas se entrelaçam, o que exige de nossa parte
atenção e cuidado constantes. Nosso problema, a princípio, é, a partir desse corpus, mostrar principalmente
as conexões em termos das relações entre a Arte e a cultura e o período em que foi produzida. Ver:
BURKE, O que é história..., op. cit.
15
Ver: PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 1991.
16
BURKE, Peter. A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Rio de
Janeiro: Zahar, 1994. p.19.
7
o sentido da persuasão por trás da noção de espetáculo de Burke, é fundamental
em momentos de redefinição política e social ou de construção de identidades.
José Murilo da Carvalho, nessa perspectiva, cita a atuação de David como
"o melhor exemplo no esforço de educação cívica mediante o uso de símbolos e
rituais".
17
Sem sombra de dúvida, sua tela O Juramento dos Horácios, uma das
principais obras do Neoclassicismo francês, reserva ao seu criador o lugar de pintor
oficial da Revolução. No entanto, o Classicismo, era para David um estilo, mas não
só. "Era também uma visão do mundo clássico como um conjunto de valores sociais
e políticos. Era a simplicidade, a nobreza, o espírito cívico, das antigas repúblicas;
era a austeridade espartana, a dedicação até o sacrifício dos heróis romanos".
18
O artista devia, então, usar sua arte para difundir tais valores. David
destinava à Arte um papel particularmente importante na produção de símbolos para
o novo regime. E mais: de acordo com as novas orientações para os artistas e as
novas premissas sobre a natureza e o papel da arte
19
, as artes não deviam apenas
encantar os olhos, mas, sobretudo, penetrar suas almas fazendo emergir o amor às
virtudes cívicas, ao heroísmo, a devoção à felicidade de seu país. Assim, podemos
concluir que David, concordando com José Murilo de Carvalho, foi talvez o primeiro
a perceber a importância do uso dos símbolos na elaboração de um novo arcabouço
de valores sociais e políticos.
20
Pelo quadro exposto, embora sem esquecer suas singularidades, mediante a
comparação do contexto político, social e artístico francês com o brasileiro, deduzimos
que os nossos artistas, brasileiros ou não, também foram chamados a ilustrar os
17
CARVALHO, A formação..., op. cit., p.11.
18
CARVALHO, A formação..., op. cit., p.11.
19
Como presidente do Comitê escolhido pela Convenção para indicar o júri que atuaria na
exposição de 1792, apresentou um relatório no qual estabelecia essas novas bases para a atuação
dos artistas e as novas premissas sobre a natureza e a tarefa da arte. Sobre David, ver: SAHUT,
Marie-Cathérine; MICHEl, Régis. David. L'art et le politique. Paris: Gallimard, 1988.
20
CARVALHO, A formação..., op. cit., p.10-11.
8
acontecimentos históricos e a retratar seus heróis, tornando-se os principais artífices
de um imaginário iconográfico cuja finalidade era atingir as mentes, mas, de modo
especial, o coração da sociedade brasileira. O objetivo: recriá-lo dentro das visões
de mundo e condutas modelares sob as quais se assentavam os novos alicerces
da Nação. Delegaram a si a missão de imprimir, por meio da pintura, o esplendor
necessário ao Brasil Império e com isso impulsionar a continuidade da Monarquia.
É nessa perspectiva que chamamos atenção para a eficácia da dimensão
imagética, quase litúrgica da Pintura de História e da sua exposição
21
– por vezes de
modo permanente
22
– como lugar privilegiado de exibição e diálogo sempre renovado
com o ideário que, ao longo do século XIX, confere sentido à nova Nação.
Em termos de recorte cronológico, a princípio, estabelecemos o período de
1822 a 1880, quando se elabora, segundo Dante Moreira Leite, uma imagem positiva
do Brasil e dos brasileiros, construída sob um ideário romântico
23
.
Esse recorte é apenas um marco referencial, pois a emancipação do Brasil,
como um processo político, econômico e cultural, a rigor, antecede o ano de 1822,
entrelaçando-se às razões do exílio da Família Real no Rio de Janeiro em 1808 e a
partir daí se explica. Por sinal, a transferência da sede da Monarquia para o Brasil
possibilita às classes proprietárias e às camadas urbanas alimentarem uma "idéia de
21
As primeiras exposições de Artes Plásticas no Brasil foram organizadas por iniciativa de
Jean Baptiste Debret, respectivamente, em 1829 e 1830. Contudo, essas exposições ficaram restritas
a professores e alunos da Academia. Somente em 1840 realizou-se a primeira Exposição Geral de
Belas Artes, inaugurando-se a partir daí uma série mantida pela Academia Imperial de Belas Artes.
Criadas por Felix Émile Taunay, então diretor da Academia, as Exposições Gerais possibilitaram a
formação de um magnífico acervo de pinturas do século XIX, hoje guardado principalmente no Museu
Nacional de Belas Artes. Ver: LEVY, Carlos Roberto Maciel. Exposições gerais da Academia
Imperial e da Escola Nacional de Belas Artes: período monárquico. Rio de Janeiro: Pinakotheke,
1990. Catálogo de artistas e obras entre 1840 e 1884.
22
É o caso de Independência ou Morte, a representação artística exemplar do episódio de
7 de setembro de 1822, pertencente ao acervo do Museu Paulista em São Paulo e aí exposto para
apreciação do público em geral e para pesquisa de estudiosos da História da Arte do século XIX.
23
LEITE, Dante Moreira. O caráter nacional brasileiro: história de uma Ideologia. São
Paulo: Pioneira, 1969.
9
Império", em outras palavras, um sentimento mesmo de nacionalidade,
24
exigindo a
montagem de um imaginário que mascara os antagonismos sociais e raciais
constitutivos da sociedade brasileira, encobertos pelos encantos e brilho dos
primeiros tempos da permanência da Corte em terras brasileiras.
Faz sentido então, para completar o conjunto de iniciativas que permitiriam ao
Brasil também respirar "ares civilizatórios", a vinda da Missão Francesa em 1816, pois,
desde o desembarque da corte em terras brasileiras, tornou-se necessária, além de
uma reestruturação administrativa, uma transformação cultural. Afinal, um país com tal
extensão, ainda mal provido de elementos civilizadores, com uma corte sem o luxo e
os encantos além-mares, precisava, antes de tudo, segundo palavras do próprio
D. João VI, dos "socorros da estética".
25
A medida tomada foi a criação da Academia
Imperial de Belas Artes, de acordo com o decreto de 12 de agosto de 1816.
Por outro lado, com a chegada da corte portuguesa ao Brasil também se
inicia uma história local propriamente dita.
26
Esse processo desencadeado por
D. João VI é implementado sobretudo nos anos de 1830 e 1840, época conturbada
24
Por exemplo, a Abertura dos Portos, mediante a Carta Régia de Janeiro de 1808, contrariando
o princípio monopolista, a redução da taxa sobre os produtos trazidos de Portugal em razão da
pressão dos comerciantes portugueses e a elevação do Brasil, a terra onde vivia a Família Real, em
dezembro de 1815, à categoria e graduação de reino, elevam juridicamente a importância do país.
O novo status, na medida em que respondia aos desejos dos súditos brasileiros de ver o Brasil sair
de sua condição de colônia, enfraquecia a onda de emancipação que corria o Novo Mundo.
Entretanto, a ameaça da restauração do sistema monopolista exclusivista do comércio colonial, após
o retorno de D. João VI para Portugal, a insegurança em relação às possibilidades de manutenção
dos lucros obtidos, desde a Carta Régia de 1808, são sementes lançadas no solo fértil das lutas pela
libertação da Colônia do seu jugo à Metrópole. Ver: MALERBA, Jurandir. O Brasil imperial (1808-
1889): panorama da história do Brasil no século XIX. Maringá: Eduem, 1999.
25
TAUNAY, Afonso de Escragnolle. A missão artística de 1816. Rio de Janeiro: MEC,
1956. (Publicações da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacinal n.18). p.2.
26
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão
racial no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.24. Essa autora ainda
destaca: "Data dessa época a instalação dos primeiros estabelecimentos de caráter cultural – como a
Imprensa Régia, a Biblioteca, o Real Horto e o Museu Real –, instituições que transformaram a
Colônia não apenas na sede provisória da monarquia portuguesa, como em um centro produtor e
reprodutor de sua cultura e memória".
10
na vida política brasileira, quando ocorreu o fim das Regências e a Decretação da
Maioridade de Pedro II, que resultaria na centralização do poder.
Voltando ao exemplo da fundação do IHGB (que coincide com o momento
de crise do Estado e a tentativa de consolidação do seu poder por esforço de
centralização) e da velha Academia Imperial de Belas Artes, também não se dá por
acaso a criação de outras instituições como, por exemplo, o Arquivo Público (1838) e
o Museu Imperial (1842), igualmente frutos da necessidade da elaboração da memória
e da preservação da história nacional.
É interessante destacar, ainda, a fundação do Colégio D. Pedro II em 1837,
cuja missão era educar os filhos da elite nacional. Nada mais coerente, pois, quando
tudo parece ter perdido sentido ou carece de significado, o domínio do imaginário e
do simbólico é um lugar estratégico na construção em "moldes visuais" da história da
nação brasileira. Evidentemente vinculada à interpretação oficial.
Por isso mesmo, no momento da independência política do país a missão
do artista parece somar-se à do historiador: dar uma feição ao Brasil, colocando-o na
marcha da civilização. E, ao afirmar sua feição civilizada, distanciar a monarquia
brasileira da idéia de anarquia. Supomos que a missão do Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro – no comando de um projeto de configuração da memória, de
preservação e de exaltação da história da pátria – estende-se à Academia Imperial
de Belas Artes.
Por isso, na tentativa de dar visibilidade à nova nação, desvinculada da
"pátria" que ainda era portuguesa, indagamos: seriam os artistas, ao longo do século XIX,
meros realizadores de uma simbologia que exibisse os heróis nacionais e seus feitos
e persuadisse o público da sua grandeza? As representações iconográficas mais
conhecidas dos heróis da Independência aproximam-se das interpretações históricas
que se fez deles e de seus feitos? Ou foram simplesmente um espelho daquilo que
os historiadores, do século XIX, elaboraram sobre seus líderes?
Assim, ainda que parcialmente, tentaremos situar os fatos políticos que
balizaram a vinda da Família Real para o Brasil, em 1808. Aprofundando a
11
investigação, verificamos ainda que é praticamente impossível pensar a construção
de um imaginário nacional sem evocar o ano de 1888, quando foi exposta, pela
primeira vez, a tela de Pedro Américo, Independência ou Morte, em Florença. Esta
pintura sintetiza a idéia de nação que o Império tentou sedimentar no pensamento e
coração da sociedade brasileira. Tal recorte, portanto, permite-nos evidenciar o
estreitamento dos laços entre política e arte – estética e (é) política – e da vinculação
da Academia Imperial de Belas Artes com o IHGB na construção de uma imagem
oficial pari passu a uma fala representativa da política imperial.
Pois bem, a partir da noção de iconografia pictórica como fonte histórica e
parte integrante do conjunto de elementos simbólicos e materiais que representam
uma nação, o Capítulo 1 tem como fio condutor da reflexão o conceito de representação
construído por Louis Marin
27
.
Para esse autor, a representação tem dupla função: "tornar presente uma
ausência, mas também exibir sua própria presença enquanto imagem e, assim,
constituir aquele que a olha como sujeito que olha".
28
Sobre essa base, o ato de ler
uma imagem é ao mesmo tempo assimilação da sua opacidade (do que não se vê) e
da sua transparência (o que se quer mostrar). Ler é compreender a imagem naquilo
que pretende exprimir, é indagar-se sobre os sentidos dessa construção, é
apreender as configurações históricas e culturais, ideológicas e políticas desvelando
o funcionamento refletido da representação. Ao expor aquilo que não se apresenta
imediatamente na imagem "torna presente, o que faz conhecer".
29
Na visão de Marin, com a qual concordamos, é legítimo falar tanto em
leitura de um texto quanto em leitura de um quadro, mas sempre levando "em conta
27
MARIN, Louis. Opacité de la peinture: essais sur la représentation au Quattrocento.
Paris: Usher, 1989. (Collection Histoire et théorie de l'art).
28
MARIN, Opacité..., op. cit., p.73.
29
CHARTIER, Roger. A beira da falésia: a história entre certezas e inquietude. Porto
Alegre: Universidade, 2002. p.168.
12
o que, na página escrita ou impressa, transborda a própria leitura graças a
elementos e efeitos de visualização ou de iconização que, embora sejam 'marginais',
não são de modo algum inocentes".
30
Além de Louis Marin, outros autores, embora com perspectivas diversas,
mas não necessariamente opostas, cujas pesquisas interessam, sobretudo, porque
rejeitam a idéia da representação como mero reflexo da realidade, são Erwin
Panofsky, citado anteriormente, e Carlo Ginzburg.
31
Esses autores também jogam luz sobre um velho equívoco: a crença no
realismo documentário, que tendia a apresentar o texto ou documento – rastro de
um acontecimento – como a descrição fiel da realidade e também a idéia da visão
como instrumento descritivo e não explicativo. Para os autores citados, a iconografia
pictórica, como "objeto de civilização", não é simples reprodução passiva – objeto
mimético – daquilo que alguém percebe, mas um sistema de significações: a obra de
arte é um monumento representativo da civilização na qual foi produzida.
Conforme argumentam esses autores, o conhecimento não é um reflexo da
realidade, uma duplicação fiel de uma parcela do real, mas uma representação
elaborada por alguém e para alguém. Como representação é prenhe de significados
que nascem, exatamente, da subjetividade e da objetividade que carrega e que
constituem as configurações sociais, políticas, conceituais próprias de um tempo ou
de um espaço.
Deduzimos, nesse sentido, que a discussão em torno do conceito de
conhecimento relaciona-se com a própria noção de representação e que não é neutra.
Em verdade, muitas vezes esquecemos que a imagem também é um discurso por
30
MARIN, Louis. Sublime Poussin. São Paulo: Edusp, 2000. p.19.
31
GINZBURG, Carlo. De A. Warburg a E. H. Gombrich: notas sobre um problema de
método. In: _____. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989. p.41-93.
13
meio do qual alguém tende a impor uma autoridade e legitimar uma visão e como tal
carrega conhecimentos e desconhecimentos ao mesmo tempo.
Por isso, valendo-nos das reflexões de Ginzburg, rejeitamos as
generalizações pretensamente seguras, pois "são demasiado freqüentes as
articulações entre obra de arte e contexto postas em termos brutalmente
simplificados".
32
Como chama a atenção, é preciso ver a iconografia pictórica na sua
complexidade, pois, embora silenciosa, é prenhe de significados. E, embora aspire à
universalidade, as imagens são marcadas pelos interesses daqueles que as produzem.
Outros autores não menos importantes são: Norbert Elias
33
que, dirigindo
sua atenção para o processo civilizatório, argumenta que a evolução dos gestos que
definem os "costumes" é indissociável da evolução da sensibilidade, e Clifford
Geertz
34
que, em razão das investigações realizadas sobre as práticas culturais,
resultantes de interioridades enriquecidas por experiências, pensamentos e
sentimentos de uma época, serão visitados a seu tempo.
Por último Hans Robert Jauss
35
, que lançou as bases de uma "estética da
recepção" que, como o nome indica, refere-se à forma como uma obra é recebida
pelo público. A respeito da historicidade da obra (o que, de fato, nos interessa aqui),
32
GINZBURG, Carlo. Indagações sobre Piero. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. p.24.
33
Ver: ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Zahar, 1993. 2v.
34
Duas obras de Cliford GEERTZ serão visitadas: sua Nova luz sobre a antropologia. Rio
de Janeiro: Zahar, 2000; e A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
35
Jauss valoriza a reação do leitor, seus julgamentos e suas expectativas diante das obras
na época do seu aparecimento e posteriormente. Para ele, a vitalidade da obra estaria relacionada à
sua capacidade de dialogar com o público através dos tempos. O leitor, nesse caso, é o agente da
leitura, com seus gostos, idiossincrasias, repertórios e subjetividade, no entanto, ele é antes de tudo
um ser coletivo. Com sua estética da recepção, procura entender os efeitos das obras e
acontecimentos do passado sob a perspectiva do leitor contemporâneo e, para isso, leva em
consideração o horizonte de expectativas segundo o qual um texto foi concebido e recebido no
passado, para verificar de que maneira ela correspondeu ao que o leitor esperava dele e como este
conseguiu compreendê-lo. (JAUSS, Hans Robert et al. A literatura e o leitor: textos da estética da
recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979).
14
Jauss afirma que a conexão entre uma obra literária e o contexto histórico não é
nenhuma sucessão de fatos, existente por si mesma, e que esta existe, também,
independente de um observador. Para esse autor, o acontecimento literário tão-só
pode seguir atuando, entre os indivíduos da posteridade, quando se encontram
leitores que queiram apropriar-se de novo da obra literária ou autores que queiram
imitá-la ou superá-la.
É importante ressaltar que, embora a maioria dos teóricos da leitura tenha
focalizado a literatura (como no caso desse autor), suas investigações podem ser
aplicadas, também, às obras de arte e às demais formas de expressão artísticas.
Sublinhamos, ainda, como fundamentais ao nosso trabalho, as investigações
de Jorge Coli, Cecília Helena de Salles Oliveira e Claudia Valladão de Mattos, sobre
a iconografia pictórica do século XIX. Vale a pena frisar que Coli em Como estudar a
arte brasileira do século XIX, por exemplo, afirma que é necessário pensar tanto a
obra, no contexto cultural em que o artista se banha, quanto o olhar que a apreende
e decodifica.
36
Cecília Helena de Salles Oliveira e Claudia Valladão de Mattos, em
O Brado do Ipiranga, construíram um rico diálogo entre a Arte e a História, identificando
fontes iconográficas e historiográficas em torno da formação de uma memória da
Independência; advogam que Independência ou Morte constitui a representação
iconográfica mais divulgada do episódio de Sete de Setembro de 1822.
37
Enfim, a partir desse corpus pretendemos mostrar, em especial, as conexões
entre produção artística e o contexto histórico e social em que foi produzida; afinal,
com a vinda da Família Real, o Brasil precisa civilizar-se.
É nessa perspectiva que se explicita a necessidade de pensarmos, no
Capítulo 2, a cultura e a arte que tiveram vigência sob o Império, indagando: seria
36
COLI, Jorge. Como estudar a arte brasileira do século XIX? In: O Brasil redescoberto.
Rio de Janeiro, 1999. Catálogo da exposição.
37
OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles; MATTOS, Claudia Valladão de (Org.). O brado do
Ipiranga. São Paulo: Edusp, 1999.
15
nossa história intelectual e artística, em grande parte, resultante da importação de
um ideário, de doutrinas, sobretudo de feição européia e simplesmente transpostos à
realidade brasileira, ou essas idéias e doutrinas aqui se conformaram às condições
de uma nova realidade?
A partir dessa problemática, abordaremos, sinteticamente, as correntes
principais do pensamento literário e artístico à época que nos parece imprescindíveis
à compreensão das nuanças que adquire o Romantismo no Brasil.
Evidentemente, na impossibilidade de formular uma definição a priori,
partimos de um conceito articulado à sociedade em que é produzido, para alcançar
uma compreensão de seus sentidos. Tentaremos tornar explícito que o Romantismo,
conforme observa Leite, "foi um movimento tão rico e tão contraditório e apresentou
tantas variações nacionais e individuais, que é provavelmente inútil pretender defini-
lo através de uma ou duas características".
38
Nosso ponto de partida, então, é a sua natureza multifocal: é uma escola,
uma tendência, um evento sociocultural, um estado de espírito? Pensamos que é,
ao mesmo tempo e separadamente, todas essas designações.
O Romantismo, como veremos, não é apenas uma configuração estilística
ou a antítese do Classicismo, e o estilo, no sentido mais rico da palavra, não é
apenas configuração de valores formais, mas também simbólicos.
É claro que a relação entre a arte e a política, muito vigorosa em terras
brasileiras, explicita-se na clara cooperação entre artistas e intelectuais, não
importando se neoclássicos ou românticos, vinculados ao Império e destes como
mediadores de uma política civilizatória. Por isso, ainda será objeto de reflexão, no
Capítulo 2, a herança neoclássica da Academia Imperial de Belas Artes que subjaz
ao seu projeto de Pintura de História.
38
LEITE, D. M., op. cit., p.163.
16
A montagem de um imaginário é particularmente importante na construção
simbólica de qualquer regime político, sobretudo em momentos de redefinição da
identidade nacional. E, assim como o tema da independência em meados do século XIX
ganhou destaque na historiografia, o Sete de Setembro, como momento fundador da
Pátria, e o ato do Príncipe constituíram objetos privilegiados da Arte nacional.
Deparamo-nos, então, com uma outra problemática instigante: entre os
criadores dessa iconografia celebrativa do novo Império do Brasil, quais artistas
tornaram-se absolutamente úteis à construção de um imaginário nacional?
Para examinar essa questão, no Capítulo 3, tentaremos pensar a participação
de Jean Baptiste Debret, Manoel Araújo Porto alegre
39
e Pedro Américo.
Mas, por que trataremos justamente desses artistas?
Primeiro, porque esses artistas abrem caminho para uma reflexão não
apenas no âmbito das relações de poder e dominação em que estão inseridos, mas
também fornecem uma interpretação do pensamento artístico à época.
Em verdade,
ao longo do século XIX, realizou-se uma iconografia que reflete traços, principalmente,
do olhar estrangeiro e neoclássico de Jean Baptiste Debret (1768-1848), e do ideário
romântico de Manoel Araújo Porto alegre
40
(1806-1879), da primeira geração de artistas
brasileiros. E, da terceira geração, destacamos Pedro Américo de Figueiredo e Melo
39
Segundo Maria Orlanda Pinassi, um pouco antes de partir para o Rio de Janeiro, em 14
de janeiro de 1827, o artista e um dos três libelistas da revista Niteroy começa a assinar com o
"topônimo Porto alegre com 'a' minúsculo". Ver: PINASSI, Maria Orlanda. Três devotos, uma fé,
nenhum milagre: Nitheroy revista brasiliense de ciências, letras e artes. São Paulo: Fundação
Editora da UNESP, 1998. p.38.
40
Foram encontradas fartas referências precisas e completas do artista em algumas obras,
das quais destacamos: CAMPOFIORITO, Quirino. A missão artística francesa e seus discípulos 1816-
1840. In: História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983. v.2.;
ANTUNES, de Paranhos. O pintor do romantismo: vida e obra de Manoel de Araujo Porto alegre.
Rio de Janeiro: Zelio Valverde, 1943. Dados sobre sua vida e obra foram levantados em DEBRET,
Jean Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP,
1989; da obra de TAUNAY, Afonso de Escragnolle. A missão artística de 1816. Rio de Janeiro:
MEC, 1956. (Publicações da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional n.18); outra obra já
citada é a de PINASSI, Maria Orlanda. Três devotos, uma fé, nenhum milagre: Nitheroy revista
brasiliense de ciências, letras e artes. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.
17
(1843-1905), em cuja obra Independência ou Morte está apresentada de forma sintética
uma visão ideal e eterna do acontecimento que sintetiza a fundação nacional.
41
Em segundo lugar, embora muitos artistas tenham se integrado a um circuito
de produção e perpetuação da memória nacional, ampliando, assim, as fronteiras de
circulação do saber histórico, um argumento-chave que desenvolveremos é que
esses três artistas são fundamentais para explicar o processo de "importação",
"assimilação" ou "tradução" de idéias européias.
E, ao tratar dessas três gerações, destacamos Victor Meirelles, autor da
famosa tela Primeira Missa, partícipe da ruidosa querela de 1879
42
, que exemplifica
de maneira lapidar que ambos estiveram na linha de frente no projeto de elaboração
de uma pintura nacional.
43
É claro que nos deparamos com um problema: se ambos participaram de
modo semelhante na produção artística da segunda metade do século XIX, cuja
intenção era fundar uma arte nacional, forjada a partir das singularidades locais,
vistas como padrões inconfundíveis de brasilidade, por que priorizar a atuação de
Pedro Américo?
Pois bem, não é por outro motivo se não o fato de que Pedro Américo é o
autor da obra que se tornou, senão a única, talvez a principal representação emblemática
41
Ver: MATTOS, Claudia Valladão de. Imagem e palavra. In: OLIVEIRA, Cecília Helena de
Salles; MATTOS, Claudia Valladão de. O brado do Ipiranga. São Paulo: Edusp, 1999. p.92.
42
A "questão artística" de 1879 é resultado de uma polêmica travada entre críticos
favoráveis a Pedro Américo e sua Batalha do Avaí e Vitor Meirelles e sua Batalha do Guararapes.
A crítica chegou, inclusive, a acusar de plágio a ambos os artistas. Dentre os autores que destacam a
famosa querela, ver MELLO JR., Donato. Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843-1905):
algumas singularidades de sua vida e de sua obra. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983. Ler
principalmente o Discurso sobre o plágio: uma tese singular, p.69- 74.
43
Evidentemente, tratando-se da produção artística de gênero histórico, no século XIX, não
podemos deixar de destacar o artista Victor Meirelles de Lima (1832 – 1903), também da terceira
geração. Dentre sua obras, citamos: Primeira missa (1861), tela exibida com muito sucesso no Salon
de Paris em 1861, Batalha dos Guararapes (1875-1879) e Passagem de Humaitá, c. 1868- 1870. Ver:
COLI, Jorge. Primeira missa e a invenção da descoberta. In: NOVAES, Adauto (Org.). A descoberta
do homem e do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.107- 121.
18
do Sete de Setembro. Optamos, pois, pela pintura que dá visibilidade à invenção de um
dos símbolos perenes da vida nacional: o imperador decretando a Independência.
Nossa tese é de que não são apenas três gerações artísticas singulares,
mas sim três momentos angulares de um projeto de construção em moldes visuais
da identidade nacional.
O primeiro momento, associado a Debret e à Missão Francesa, revela as
particularidades de uma sociedade – assim como de sua população igualmente
diversa – tão bem retratada nas imagens que compõem a sua Viagem pitoresca e
histórica ao Brasil, publicada em 1834.
44
Nesse sentido, pretendemos resgatar e, até mesmo, chamar atenção para
algumas imagens da sua Viagem pitoresca e histórica que dão visibilidade, sobretudo,
aos aspectos que "contribuem para uma visão do país como nação potencialmente
civilizável".
45
Como integrante da Missão Francesa de 1816, durante seus 16 anos
de permanência no Brasil, atuou como professor e dirigente da Academia Imperial
de Belas Artes, participando diretamente da formação da primeira geração de
artistas brasileiros. Foi também o idealizador e o responsável pelas duas primeiras
exposições artísticas no país, nos anos de 1829 e 1830.
O segundo universo iconográfico, estreitamente associado aos grandes do
Império, é voltado à construção de imagens que evocam ao mesmo tempo a
singularidade e a grandeza da nova Nação. Nesse momento, a contribuição de
Manoel Araújo Porto alegre é modular, pois seus escritos enfatizam a busca das
dimensões particularizantes do Brasil de modo a inseri-lo no universo das nações
modernas e ocidentais.
46
44
A edição original de Voyage Pittoresque et Historique au Brésil foi publicada em Paris, pela
Firmin Didot et Frères, em 1834-1839. Para nossas reflexões utilizaremos a tradução brasileira com
notas de Sergio Milliet, publicada em dois tomos pela Livraria Martins, de São Paulo, que data de 1949.
45
LIMA, Valéria. Uma viagem com Debret. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. p.49.
46
PINASSI, op. cit., p.28.
19
Sua atuação oferece elementos para o exame dos interesses em jogo,
principalmente no espaço político onde os artistas disputam aceitação, reconhecimento
e distinção. Antes de tudo, embora não possa ser colocado entre os maiores artistas
brasileiros, Porto alegre é o idealizador de um projeto de iconografia brasileira, cujo
objetivo era estender a arte, considerada um elemento civilizador, à juventude brasileira.
Em seu texto Iconographia brazileira,
47
publicado em 1856, sistematiza um
conjunto de medidas que serviriam de substrato à implantação de um sistema de
arte e, conseqüentemente, de um projeto de Pintura Histórica. De acordo com o
pensamento de Porto alegre, é fundamental um referencial simbólico à nação – uma
"colleção de imagens às quaes juntaria algumas noticias biographicas"
48
– a ser
celebrado e perpetuado. Como um forte defensor de uma cultura nacional, afirma
que a missão de artistas e intelectuais é elevar a imagem do Brasil colocando-o no
mesmo patamar das nações vistas como mais consideradas do mundo.
No caso de Pedro Américo, seu quadro Independência ou Morte e seu
texto O Brado do Ypiranga ou a Proclamação da Independência do Brasil
49
, publicado
pela primeira vez em 1888, mesmo ano da exposição, são provas cabais de sua
visão artística e compreensão dos cruzamentos entre Arte e História.
Américo leva em consideração os desígnios da arte: a intenção moral da
Pintura Histórica, as convenções da arte, os princípios do belo ideal. Por isso, cabe-
nos indagar: seria este conjunto de informações, fundamental à montagem da tela,
incorporado passivamente?
47
PORTO ALEGRE, Manuel de Araujo. Iconographia brazileira. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, Tomo XIX (Tomo VI da Terceira Série), n.23,
p.349-354, 3.
o
trimestre de 1856.
48
PORTO ALEGRE, Iconographia..., op.c it., p.353.
49
Esse texto – Algumas palavras acerca do facto historico e do quadro que o commemora
pelo Dr. Pedro Americo de Figueiredo e Melo, 1888 – foi reeditado na obra organizada por OLIVEIRA
e MATTOS, op. cit.
20
Nossa discussão irá, pois, necessariamente, ser seletiva e deixará de lado
outros artistas que mereceriam uma investigação mais completa, como é o caso de
Victor Meirelles. Queremos destacar os principais contornos, as linhas mestras do
projeto artístico-cultural de Pedro Américo já que sua obra e seus escritos são
reveladores das suas influências artísticas internacionais, as lições aprendidas ao
longo das viagens ao exterior que, em grande parte, foram financiadas pelos
prêmios instituídos – por D. Pedro II – à Academia.
Por ora, basta-nos chamar a atenção para a participação desses artistas e
suas contribuições na idealização de um imaginário de brasilidade.
Embora confrontados com diferentes versões dos fatos, eram chamados a
ilustrar o pensamento do poder instituído e ao qual, muitas vezes, aderiam. Sob
seus olhares como se fossem as peças de um puzzle – fixou-se um imaginário
comemorativo que testemunha os projetos de nacionalidade vitoriosos. Nesse
sentido, o documento iconográfico, ao lado das biografias e das sínteses históricas
escritas, foi instrumento não só de elaboração, mas também de assimilação de uma
identidade nacional.
Por isso, no Capítulo 4, buscamos pensar como o Brasil, em razão de sua
historicidade e dos seus bens simbólicos e materiais
50
ou das suas tradições,
51
destaca-se e se apresenta às outras nações. Sem perder de vista as singularidades
do processo de independência do Brasil – que evidentemente abordaremos de modo
parcial –, nossa preocupação é indagar: quais representações da Independência
serviram de fontes inspiradoras para os artistas, ao longo do século XIX?
50
THIESSE, op. cit., p.18.
51
Ver nota 9.
21
A criação de uma identidade nacional prescinde de uma iconografia
pictórica que dê visibilidade não só aos grandes eventos históricos, como as
imagens de batalhas, os retratos de homens ilustres e seus feitos, mas também à
paisagem nacional. Como veremos, os artistas retratam uma natureza que pouco a
pouco era disciplinada e embelezada, fato que nos leva a indagar: qual paisagem,
no caso do Brasil, é o resumo e emblema da nação?
Por outro lado, essa problemática, leva-nos a desvelar, primeiro, a crença
de que o amor a terra levou D. Pedro I a permanecer no Brasil. E, segundo, repensar
a "jornada libertadora" de D. Pedro que culminou no "Grito" às margens do riacho
Ipiranga, pois, mais do que um eixo espacial, define-se aí um eixo político.
52
Também será tema do último capítulo: as exposições artísticas, sobretudo,
pensadas como momentos de anunciação de lembranças transformadas, à maneira
artística, em imagens válidas para todos. Como destacamos no início desta introdução,
com atenção especial à exposição do quadro Independência ou Morte, na Itália.
Essa exposição, além de ser um momento único para rememorar o primeiro imperador
do Brasil D. Pedro I, como o grande herói da Independência, foi também uma
ocasião especial à exibição da Monarquia.
A fixação desse momento, e não de outro, do acontecimento – o instante
em que D. Pedro I às margens do Ipiranga pronuncia as palavras "Independência ou
Morte!" – apresenta uma determinada roupagem carregada de significado ou de
valor simbólico. Neste sentido, é um ensinamento, segundo Le Goff, cujo aspecto
corresponde ao que é escolhido para ser mostrado do acontecimento. Como objeto
de celebração "encarregado de simbolizar o invisível espacial ou temporal e de
celebrar a unidade indivisa dos que partilham uma crença comum ou um passado
52
SANDES, Noé Freire. A invenção da nação: entre a monarquia e a república. Goiânia:
Ed. da UFG: Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira, 2000. p.28.
22
comum",
53
Independência ou Morte produz e conserva um sistema de crenças. Pois
bem, é preciso pensar: qual?
Daí, talvez, uma indagação permaneça até o final de nosso trabalho: assim
como a Independência do Brasil não resultou exclusivamente de um gesto heróico
de D. Pedro I e não se deu pela via da ruptura revolucionária com a Metrópole, mas
por um processo que reflete mudanças importantes e também continuidades com
relação ao período colonial, Pedro Américo apenas reproduziu um ideário político e
cultural monolítico importado ou foi, pouco a pouco, incorporando às suas obras
certos aspectos da originalidade social e política brasileira, de modo a estabelecer
uma produção artística de cunho original, diferente da européia?
Por fim, ao problematizar os poderes e limites da representação do Sete de
Setembro e do seu herói, em Independência ou Morte, pretendemos chegar àquilo
que não foi revelado ou que ausente, em função das escolhas do artista, reclama
seu desvelamento.
53
CHAUI, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. 3.ed. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo, 2000.
23
CAPÍTULO 1
AS REPRESENTAÇÕES ICONOGRÁFICAS DO SÉCULO XIX:
HISTÓRIA E CULTURA
Lugares e tempos sempre revelam sua humanidade, pois refletem traços
singulares da experiência humana, sempre plena de representações sobre o cotidiano e
o histórico, o banal e o heróico, o singular e o universal. Pois bem, é justamente
sobre as representações – como parte do conjunto de elementos simbólicos e
materiais que representam uma nação e como fonte histórica
54
– que trataremos
inicialmente neste capítulo.
De acordo com Anne-Marie Thiesse, fazem parte do conjunto de elementos
simbólicos e materiais que representam uma nação:
uma história que estabelece uma continuidade com os ilustres antepassados, uma série
de heróis modelos das virtudes nacionais, uma língua, monumentos culturais, um folclore,
locais eleitos e uma paisagem típica, uma determinada mentalidade, representações
oficiais – hino e bandeira – e identificações pitorescas – trajes, especialidades culinárias
ou um animal emblemático.
55
Conseqüentemente, pensar a contribuição da iconografia pictórica na
formação de uma identidade nacional brasileira, enfoque aqui desenvolvido, exige
um diálogo permanente entre os campos da História e da Arte, desnudando as
"idéias-imagens através das quais a sociedade se dá uma identidade, percebe suas
divisões, legitima seu poder, elabora seus modelos formadores".
56
Uma vez que a
incorporação do legado iconográfico às pesquisas de antropólogos, sociólogos e
54
Existem, certamente, muitas maneiras diferentes de abordar a obra de arte. Mas, em
razão de nosso objeto de estudo – a iconografia pictórica, do século XIX, como fonte de compreensão
e de representação dos acontecimentos históricos –, a princípio, partimos da concepção de
documento-monumento, de Le Goff, buscando evidenciar que uma obra de arte, mais que
documento, em razão de sua especificidade, é monumento.
55
THIESSE, op. cit., p.18.
56
BACZKO, Bronislaw. Les imaginaires sociaux. Paris: Payot, 1984. (Mémoires et Espoir
Collectifs). p.8.
24
historiadores, "permite a realização de profundos mergulhos no passado"
57
, sem
sombra de dúvida, essas representações globais não são gratuitas nem arbitrárias.
E mais, como referências coladas à identificação também imaginária da história do
passado que se pretende comum a todos, são inventadas.
Aliás, como bem observa Noé Freire Sandes, em sua obra A invenção da
Nação, o ato de nossa emancipação política, por exemplo, recebeu grande dose de
"invenção" histórica; contudo, isso não deve supor a idéia de falseamento.
58
O autor
parte do pressuposto de que a construção da memória nacional, com o que
concordamos, distancia-se quer do marco da fidelidade e da vivência, como pensado
por Maurice Halbwachs
59
, quer da preocupação com a veracidade e a objetividade
postuladas pelo método científico.
Isso, longe de nos tranqüilizar, aviva nossa desconfiança em relação ao
que se apresenta como retrato de um determinado tempo e contexto, dos seus
atores, artistas ou não, da sua arte e da sua política.
A imagem não é o retrato de uma verdade, nem a representação fiel de eventos ou de
objetos históricos, assim como teriam acontecido ou assim como teriam sido. (...)
A História e os diversos registros históricos são sempre resultados de escolhas, seleções
e olhares de seus produtores e dos demais agentes que influenciaram essa produção. (...)
Isso significa que as fontes nunca são completas, nem as versões historiográficas
são definitivas. São, ao contrário, sempre lidas diversamente em cada época, por cada
observador, de acordo com os valores, as preocupações, os conflitos, os medos, os
57
PAIVA, op. cit., p.13.
58
SANDES, op. cit., p.14. A História, para Sandes, "ganha assim contornos de um discurso
mítico: a cada ano, rememoramos o Sete de Setembro como marco do nascimento da nação
independente. Faz parte do rito o debate sobre o significado da independência, ou seja, questiona-se
a realidade da nossa soberania, debate circunscrito ao desejo de reinvenção da nação. Enfim, o rito
comemorativo redefine o espaço simbólico no qual a nação emerge ora como dado historicamente
constituído, ora como utopia a ser conquistada".
59
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
25
projetos e os gostos. Fontes e versões carregam temporalidades distintas, porque são
construídas e reconstruídas a cada época. Devo insistir que a História é sempre uma
construção do presente e que as fontes, sejam elas quais forem, também. Elas são
sempre forjadas, lidas e exploradas no presente e por meio de filtros do presente. Por isso
as fontes também são construídas pelos historiadores, da mesma forma que ocorre
quando são escritas as versões da história.
60
Cabe a nós, então, decodificar esse retrato, torná-lo o mais inteligível possível,
mas, principalmente, tomá-lo como testemunha prenhe de vazios e de intencionalidades.
A imagem, se representação, revela facetas da realidade, dimensões ocultas,
perspectivas e, por isso, não se esgota em si mesma.
Além disso, como argumenta Alberto Manguel, "talvez todas as pinturas
sejam, em certo sentido, um enigma".
61
Entender, pois, por que algumas imagens
continuam sendo referenciais, levou-nos a tentar encontrar os enigmas existentes
nestas composições iconográficas.
Neste capítulo, portanto, esboçamos inicialmente um panorama histórico-
cultural configurador do cenário onde este projeto de Pintura Histórica se desenvolveu,
tomando como ponto de partida a vinda da Família Real em 1808, que impôs a
necessidade de o Brasil civilizar-se, fazendo apelo à Missão Francesa (1816).
Por outro lado, com base no entrelaçamento dos acontecimentos históricos
e culturais, um argumento-chave que desenvolveremos é que, a exemplo do Instituto
Histórico Geográfico Brasileiro, era preciso "bloquear o trabalho do esquecimento,
fixar um estado de coisas, imortalizar a morte, materializar o imaterial".
62
Nessa
perspectiva, uma instituição voltada ao artístico ou à "invenção" de uma "estética
brasileira", no momento da independência política do país, atrelou-se à necessidade
60
PAIVA, op. cit., p.19-20
61
Ver MANGUEL, Alberto. Lendo imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo:
Companhia das Letras, 2001. p.83.
62
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História.
São Paulo: Educ, 1993. p.11.
26
de construir uma história da nação, recriar um passado, solidificar mitos de fundação,
ordenar os acontecimentos.
Ao engajarmo-nos nesse esforço de compreensão das principais problemáticas
que perpassam as discussões, nas últimas décadas, começaremos pela reconsideração
do próprio conceito de representação precisando seus contornos, buscando romper
com a idéia de que os artistas apenas absorvem o que se passa diante deles. Esta
problemática, aliás, leva-nos a retomar uma questão ainda vigorosa nas discussões
referentes à teoria das representações: as articulações entre obra de arte e contexto,
como afirma Ginzburg
63
, postas de modo extremamente simplista.
O artista, em nosso entendimento, fornece uma interpretação que pode,
muitas vezes, realçar a posição ou divergir da compreensão que o poder tem de si
mesmo. Além disso, a compreensão do que é dito ou representado pela iconografia
pictórica é, ao mesmo tempo, um processo contínuo de formação e conhecimento da
sociedade e, embora implícita e quase que inconscientemente, um processo de
compreender-se a si próprio.
Nesse sentido, devemos examinar as práticas de produção e apropriação
destas mensagens evitando não apenas a falácia de tomá-las como supostas, mas
também o mito de que uma mensagem será entendida do mesmo modo por todos os
sujeitos em todos os contextos.
O processo de leitura ou de interpretação da imagem exige, como enfatiza
Ginzburg
64
, no mínimo, certo cuidado para não se usar a iconografia pictórica como
"retrato fiel" da "realidade objetiva". Colocando isso com mais precisão, como
discursos sempre evidenciam interesses dos grupos que as geram. Portanto, uma
obra de arte, como argumenta esse autor, não é um simples pretexto cuja razão de
ser restringe-se à investigação de uma realidade que lhe é exterior.
63
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989. p.24.
64
GINZBURG, Mitos..., op. cit., p.24.
27
Nesse caso, convém esboçar um breve panorama, precisando os diferentes
usos e as aplicações possíveis do conceito de representação.
65
1.1 A ICONOGRAFIA PICTÓRICA COMO FONTE HISTÓRICA E PARTE
INTEGRANTE DO CONJUNTO DE ELEMENTOS SIMBÓLICOS E MATERIAIS
QUE REPRESENTAM UMA NAÇÃO
As investigações sobre iconografia e leitura descortinam fronteiras e
imbricações existentes entre texto e imagem. Por outro lado, as discussões
referentes à teoria das representações abrem caminho às reflexões pertinentes às
tramas entre poder e dominação, seus pilares, suas premissas e os modos pelos
quais são sustentadas.
É preciso, no entanto, além de estabelecer vínculos ou destacar o
interesse contemporâneo dos sociólogos, historiadores e antropólogos pelo legado
iconográfico como fonte documental, definir quais são os níveis e os campos de
pertinência de um discurso, interrogando-se sobre as semelhanças e diferenças
entre leitura de uma página e leitura de um quadro, nas quais o legível e o visível no
quadro se ligam e se opõem de diversos modos.
66
O conceito de representação e o que se pode denominar "uma história
social das representações, ou, se preferirmos, uma história das representações
coletivas" – retomado no "contexto de renovações metodológicas que envolvem a
pesquisa histórica"
67
no final dos anos 80, na França –, consolidam-se
65
RODRIGUES DA SILVA, Helenice. A história como "a representação do passado": a
nova abordagem da historiografia francesa. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; MALERBA, Jurandir.
Representações: contribuição a um debate transdiciplinar. Campinas (SP): Papirus, 2000. p.84.
66
MARIN, Sublime..., op. cit., p.20. Sobre a noção de leitura aplicada à pintura, ver o texto
Ler um quadro em 1639, segundo uma carta de Poussin (p.19-37).
67
RODRIGUES DA SILVA, A história..., op. cit., p.82-83.
28
como complemento e como nova orientação da história cultural. Em resposta ao
paradigma subjetivista em vigor no campo intelectual (a partir dos anos 80) e à perda de
hegemonia da tradição dos Annales, a história das representações propõe introduzir
novas escalas de análise, capazes de integrar ao social e econômico os atores sociais.
Sem dúvida, o enfraquecimento do programa dos Annales, definido pela tríade
"econômico, social, mental", impõe uma reação, embora tardia, por parte de seus
herdeiros. Confrontados às incertezas metodológicas da disciplina, alguns dentre eles
buscam novas alternativas.
68
Passou-se a incorporar, então, nas investigações principalmente as obras
de arte. Contudo, além da confusão generalizada entre o sentido e o referente,
69
muitas vezes, por trás do discurso dominante – de que uma obra de arte tem seu
sentido sempre atrelado ao assunto que representa e de que este sentido pode ser
definitivamente identificável – uma outra problemática permanece latente: se a arte
tem algo a dizer como representação de uma época, de que maneira ela o diz?
E qual é sua forma peculiar de conhecimento da realidade?
A resposta pode parecer simples: ela o diz por meio de um procedimento
singular, o artístico. Mas é preciso buscar em tudo o que já se escreveu algo mais a
respeito desta singularidade. Em parte porque na leitura da arte não se supõe – ou
pelo menos não se deve supor – a passagem mecânica da noção de leitura do
"conteúdo" do texto para leitura do "conteúdo" da imagem, pois, o "conteúdo" de um
e o de outro, em razão da especificidade do seu objeto de conhecimento e de seus
métodos, apresentam-se sob uma forma específica. Assim, como usar a imagem na
leitura de um determinado contexto sem perder de vista a sua especificidade e sem
cair em articulações simplificadoras de obra de arte e contexto, conforme alerta o
historiador Carlo Ginburg?
Isso nos leva diretamente às reflexões de Panofsky, porque este autor põe
a nu a velha discussão forma versus conteúdo tornando claros os limites da tendência
68
RODRIGUES DA SILVA, A história..., op. cit., p.82.
69
BOIS, Yve-Alain. Viva o formalismo (bis). In: FERREIRA, Gloria; COTRIM, Cecilia. (Org.).
Clement Greenberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Funarte, 1997. p.246.
29
muito criticada de construir-se conhecimento por meio da utilização da dimensão
imagética como mera ilustração de textos verbais.
70
Sob a premissa da superação do "imperialismo das fontes escritas",
percebe-se em muitas pesquisas no campo das ciências sociais, fundamentadas em
Panofsky, uma clara opção pelas fontes iconográficas e pela interpretação do significado
ou conteúdo intrínseco da obra. É exemplar, neste caso, a investigação de Ronald
Raminelli, sistematizada em Imagens da Colonização.
71
Filiando-se à metodologia
do Instituto Warburg, ele propõe uma reflexão partindo do confronto texto-imagem,
caso raro, entre nós, como lembra Laura de Mello e Souza, ao prefaciar esta obra.
Seu argumento-chave pode ser sintetizado assim: "Se texto e imagem
podem dizer a mesma coisa, freqüentemente discrepam."
72
Em outras palavras, para
esse autor, perde-se da vista que a representação não se conforma plenamente ao
projeto que está na sua origem. Por exemplo: "o índio enquanto forma, como figura,
possui um significado, um sentido, diferente daquele das narrativas de viagens. Há
um descompasso entre o índio das telas e o índio dos viajantes e dos cronistas".
73
Isso quer dizer que, embora os discursos histórico e imagético se interpenetrem,
nunca se fundem, são singulares e, muitas vezes, diferem. Por isso, não se pode
delegar a este tipo de material um caráter meramente decorativo: a forma reforçando
o conteúdo, muito menos colado à estrutura explicativa; a forma representando-o
em imagem.
Estendendo esse raciocínio a nossa tese, outra pesquisadora cuja
investigação podemos relacionar, ainda que de modo indireto, à nossa investigação
70
FELDMAN-BIANCO, Bela; LEITE, Míriam L. Moreira. Desafios da imagem: fotografia,
iconografia e vídeo nas Ciências Sociais. Campinas (SP): Papirus, 1998. p.12.
71
RAMINELLI, Ronald. Imagens da colonização: a representação do índio de Caminha a
Vieira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
72
RAMINELLI, op. cit., p.155.
73
RAMINELLI, op. cit., p.155.
30
é Lilia Moritz Schwarcz.
74
Assim como Ronald Raminelli, em seu livro As barbas do
imperador, também se vale desta perspectiva metodológica. Ao fazer a opção pelo
conceito de iconografia de Panofsky, ela argumenta que, no caso de sua pesquisa,
importa pouco refletir sobre a qualidade pictórica das iconografias ou, por exemplo, sobre
a relevância artística das obras da Academia Imperial de Belas Artes. Ao contrário,
abrindo-se mão de qualquer pretensão crítica, ou de avaliação da maior ou menor
qualidade das obras, a opção é restringir a abordagem ao conceito que Panofsky deu à
iconografia: o ramo da história da arte que trata do tema ou mensagem das obras. Mais
interessante é recuperar o que este tipo de documento tem a nos dizer enquanto
representação de uma época.
75
Há uma prevalência do conteúdo intrínseco ou mensagem das obras na
leitura da iconografia pictórica nos seus argumentos, por isso, vamos considerá-los
por um instante.
Fundamentada em Panofsky, Lilia Schwarcz utiliza-se de um farto acervo
iconográfico – prioritariamente constituído por retratos – propondo-se a examinar as
potencialidades desse acervo como representação. Ao desenvolver sua argumentação,
diz optar pela investigação do "significado intrínseco" dos retratos abrindo "mão de
qualquer pretensão crítica, ou de avaliação da maior ou menor qualidade das obras".
76
Em que pese seu argumento de que não cabe a esse tipo de investigação
qualquer pretensão crítica, no caso da iconografia, cabe lembrar que, se quisermos
romper com o caráter meramente decorativo e colado ao conteúdo da imagem, é
fundamental um estudo das influências artísticas de seu autor. Em nosso entendimento,
"a qualidade pictórica" e a "relevância artística", no seu sentido mais amplo, não são
aspectos decolados da razão de ser da imagem ou do que ela quer nos dizer como
representação de uma época. E, neste ponto, discordamos da autora. Pensamos
74
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos
trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
75
SCHWARCZ, As barbas..., op. cit., p.32.
76
SCHWARCZ, As barbas..., op. cit., p.33.
31
que, para detectar se texto e imagem dizem a mesma coisa é preciso mergulhar na
imagem procedendo a uma interpretação tanto de sua forma como de seu conteúdo.
Para justificar nossa posição retomamos Panofsky, quando afirma que o
que está em jogo não é o que se vê aparentemente na imagem, mas a sua intenção,
o que essa imagem quer comunicar.
Para chegar ao conteúdo ou significado da imagem, segundo Panofsky,
parte-se da sua intenção, que pressupõe a maneira como este objeto é dado. Seguindo
esse raciocínio, Panofsky propõe-se a definir as características ou qualidades que
diferenciam o significado ou o conteúdo da forma. O ato de "confrontar" significa
simplesmente colocá-los em patamares contrários, o que não implica afirmar qualquer
grau de superioridade, importância ou relevância de um ou de outro como elemento
mais ou menos explicativo da obra de arte na sua totalidade.
Para a análise de uma obra de arte, Panofsky destaca três níveis distintos
no seu tema ou significado: o primeiro nível é o da identificação das formas;
o segundo é o factual, no qual se dá a percepção de que uma forma ou uma imagem
é uma invenção a partir de convenções ou características composicionais como
qualidades inerentes a ela; e o terceiro refere-se ao domínio dos princípios
subjacente a este objeto, seu "algo mais". Seus argumentos evidenciam que os
elementos representacionais são fundamentais para a compreensão de uma imagem
como imagem, no entanto, a forma ou a aparência não vem em primeiro lugar.
De acordo com o que propõe para analisar uma obra de arte, é necessário,
a partir da descrição temática, alcançar seu conteúdo intrínseco ou seus valores
simbólicos.
77
Por meio da descrição do tema ou conteúdo, sua pretensão é chegar
77
Panofsky parte do aspecto factual para chegar à interpretação do significado intrínseco da
obra, que contém três níveis de leitura: o primeiro, tema primário ou natural, subdividido em factual e
expressional; o segundo, tema secundário ou convencional; e o terceiro, significado intrínseco ou
conteúdo. Ao tratar do conteúdo intrínseco da obra, Panofsky não desprezou sua dimensão formal
(PANOFSKY, op. cit., p.50-53).
32
ao significado constituído pelo mundo dos valores simbólicos, e para isto advoga a
necessidade de uma história dos sintomas culturais.
Essa correspondência entre as formas simbólicas e os valores culturais é o
eixo central do pensamento de Panofsky. Ele argumenta, então, em favor de uma
história dos sintomas culturais: a compreensão da "maneira pela qual, sob diferentes
condições históricas, tendências essenciais da mente humana foram expressas por
temas e conceitos específicos".
78
Assim, quando afirma que a iconografia "é o ramo da história da arte que
trata do tema ou mensagem das obras de arte em contraposição à sua forma"
79
,
contrariamente ao que pressupõem muitos pesquisadores, não está considerando
um pólo em detrimento do outro. Sua preocupação central é, primeiramente, definir a
distinção entre tema ou significado, de um lado, e forma, de outro. Portanto, esse
autor não privilegia, apenas contrapõe significado e forma. E é nesta distinção entre
forma e significado que reside a base de seu método.
Em verdade, ao descartar em seu método – denominado iconografia – uma
abordagem da imagem restrita à forma, busca entendê-la pelo modo como é ela
constituída: o estilo.
É justamente o procedimento estilístico do artista, o estilo como instrumento
ou medium – ao mesmo tempo sensível e inteligível – que possibilita a compreensão
dos significados simbólicos. É por isso que a perspectiva não é apenas uma técnica,
para Panofsky, ela é uma "forma simbólica" resultante da interação entre um
conteúdo intelectual e um modo sensível de representação. A perspectiva, como
quaisquer transformações formais da representação, não é mera transposição de um
olhar atemporal, mas uma construção histórica.
80
78
PANOFSKY, op. cit., p.82-83.
79
PANOFSKY, op. cit., p.47.
80
PANOFSKY, op. cit., p.78.
33
Por outro lado, o significado ou conteúdo intrínseco, para Panofsky, é
essencial, enquanto os outros dois tipos de significado – o primário ou natural e o
secundário ou convencional são fenomenais. O fenômeno da representação está ligado
diretamente à percepção, no entanto, o que é percebido não é necessariamente a
mesma coisa representada pela imagem e nem mesmo idêntico ao que foi percebido
na representação.
A leitura dos significados das imagens só é possível dentro de um contexto
histórico-cultural específico, responsável pela atribuição de significados a partir de
uma dada linguagem representacional, também construída historicamente. De acordo
com esta concepção, no caso da leitura de um quadro em vez de privilegiar-se quer
o conteúdo, quer a forma, partindo das relações entre a arte, a ciência, a filosofia
etc., a estratégia é estabelecer a medição das duas facetas: de um lado, tudo aquilo
que interno à moldura constitui a obra, ou seja, o seu espaço semântico, suas estratégias
formais. E, de outro, tudo o que for externo à moldura da obra contribui para a
realização da sua dimensão epistemológica "(o mundo, a história, a luta de classes,
a biografia, a tradição, todo o resto)".
81
Ou seja, para desestruturar esta construção e
analisar as condições de produção de uma obra de arte, retomando uma velha
perspectiva marxista, a estratégia é a análise tanto dos aspectos ideológicos quanto
dos sociais e econômicos. Contudo, essa mediação é de ordem ideológica, mas, se
a forma é sempre ideológica, é primeiramente formal.
82
Nessa perspectiva, a obra de arte não é simples reprodução passiva
daquilo que alguém percebe, mas um sistema de significações: "A obra de arte
significa a civilização onde foi produzida".
83
81
BOIS, op. cit., p.248.
82
BOIS, op. cit., p.248.
83
NEIVA JR., E. A imagem. São Paulo: Ática, 1994. p.35.
34
Deve-se, portanto, ser prudente com a idéia de que ler a narrativa histórica
por trás de um quadro significa ler precisamente o seu conteúdo. De certa forma, é
preciso superar a idéia da visão como instrumento descritivo e "a crença no realismo
documentário, que tendia a apresentar o texto ou documento – rastro de um
acontecimento – como a descrição fiel da realidade"
84
, como observa Helenice
Rodrigues da Silva.
Isso não significa que as imagens, assim como as histórias, não nos informem.
85
Pensando desta maneira, tal como o faz Alberto Manguel, também indagamos:
Mas qualquer imagem pode ser lida? Ou pelo menos, podemos criar uma leitura para
qualquer imagem? E, se for assim, toda imagem encerra uma cifra simplesmente porque
ela parece a nós, seus espectadores, um sistema auto-suficiente de signos e regras?
Qualquer imagem admite tradução em linguagem compreensível, revelando ao espectador
aquilo que podemos chamar de Narrativa, com N maiúsculo?
86
Manguel afirma que as narrativas, formalmente, existem no tempo, enquanto
as imagens, no espaço. As molduras, nesse sentido, encerram as imagens em uma
superfície específica, mas as palavras escritas, diferentemente das imagens, rompem
os limites da página, e mesmo a capa e a "quarta capa" de um livro não determinam
os limites de um texto. As imagens, no entanto, apresentam-se a nós nos limites de
sua moldura. Mas, segundo esse autor, isto não significa que com o passar do
tempo não possamos estendê-la melhor por meio de combinações e associações
com outras imagens.
87
É desse ponto que partimos para começar a ver uma imagem: dos livros
de arte, dos catálogos que podem nos informar sobre as escolas e os estilos de
diferentes épocas e contextos. Podemos, ainda, conhecer o pintor, saber quais foram
84
RODRIGUES DA SILVA, A história..., op. cit., p.81.
85
MANGUEL, op. cit., p.21.
86
MANGUEL, op. cit., p.21.
87
MANGUEL, op. cit., p.25.
35
suas principais influências, partindo do repertório já incorporado ou do que já vimos
ou já conhecemos.
Manguel, para a compreensão da imagem como narrativa, ainda acrescenta:
Só podemos ver as coisas para as quais já possuímos imagens identificáveis, assim como
só podemos ler em uma língua cuja sintaxe, gramática e vocabulário já conhecemos. (...)
Quando lemos imagens – de qualquer tipo, sejam pintadas, esculpidas, fotografadas,
edificadas ou encenadas –, atribuímos a elas o caráter temporal da narrativa. Ampliamos
o que é limitado por uma moldura para um antes e um depois e, por meio de arte de narrar
histórias (sejam de amor ou de ódio), conferimos à imagem imutável uma vida infinita e
inesgotável.
88
A esse respeito, Vovelle afirma que "a imagem, no sentido mais amplo do
termo, transmite um testemunho privilegiado, tanto direto como oblíquo, massificado
ou único". A imagem, bem como todas as suas facetas constitutivas – o que contém
a moldura e o que, em razão das escolhas do artista, oculta –, tornou-se parte
integrante da elaboração de um discurso, que não pode prescindir dela.
89
Uma vez que a imagem é o "suporte gráfico do imaginário coletivo", ela
"reflete as agitações do tempo". Mesmo assim, ela não se reduz a uma "evocação
simplificadora da relação dialética entre a mentalidade de uma época, por mais
conturbada que seja, e as formas de expressão que esta produz".
90
Enfim, embora a concepção de que o artista apenas recolhe e interpreta o
fato ainda possa encontrar ressonância, como se pode deduzir, conteúdo e forma não
são sinônimos; portanto, é preciso investigar os significados das representações.
Afinal, como testemunha, que relata e que contribui para construir o acontecimento
em toda a sua espessura política, social e cultural permite-nos explorar e conhecer
um certo tempo e espaço culturais.
88
MANGUEL, op. cit., p.27.
89
VOVELLE, Michel. Imagens e imaginário na história: fantasmas e certezas nas
mentalidades desde a Idade Média até o século XX. São Paulo: Ática, 1997. p.31.
90
VOVELLE, op. cit., p.31.
36
Como alerta Bois,
91
não estamos interessados em categorizar e analisar a
iconografia, como um sistema simbólico fechado em si mesmo. Ao contrário,
interessa-nos os usos das representações artísticas, tendo em vista os contextos
sócio-históricos específicos nos quais são produzidas, persistem e servem para
estabelecer e sustentar relações de dominação. Diríamos mesmo que, na esfera da
investigação histórico-cultural, em que estamos procurando entender o uso da
iconografia, tudo o que temos são interpretações múltiplas que ora se desafiam
mutuamente, ora se complementam, porém sempre estabelecidas e sustentadas no
fluxo histórico.
Mas isso não é tudo. É preciso realçar que as definições de arte são, como
alerta Maria José Justino, “quase sempre empobrecedoras".
92
Aliás, diante da “difícil
tarefa de encontrar uma definição geral para a arte”, a autora sugere:
Antes de recorrer às muitas definições tradicionais e às de nosso tempo, comecemos por
dizer o que não é arte. Arte não pode ser confundida com a moral, com a religião, com a
ciência, tampouco pode ser reduzida à ideologia. Do mesmo modo, a arte não é o reflexo
do real, da verdade, ou mesmo da vida. É mais do que reflexo. A arte é o real; é uma
forma do ser: é vida. (...) Tradicionalmente, a definição de arte oscilou entre afirmar que a
arte é um fazer , arte é beleza, arte é forma, arte é comunicação, arte é representação.
Ou ainda, nos tempos modernos, entende-se a arte como uma forma especial de
conhecimento ou de expressão.
93
91
Conforme chama atenção Bois, uma "erosão da confiança dos jovens pesquisadores em
relação aos métodos tradicionais", embora tenha gerado alguns modismos, também possibilitou
"dinamizar o debate, levantar a hipoteca da pasmaceira universitária e revelar a natureza polêmica do
campo denotado história da arte", não recaindo em práticas de pesquisa no campo da arte restritas "a
um simples trabalho de arquivamento" (BOIS, op. cit., p.245).
92
JUSTINO, Maria José. A admirável complexidade da arte. In: CORDI, Cassiano et al. Para
filosofar. 3.ed. São Paulo: Scipione, 1999. p.193.
93
JUSTINO, op. cit., p.192-193.
37
Isso não significa que reprovamos ou invalidamos as definições e, novamente,
recorrendo a Justino, concordamos com a autora quando afirma:
Elas são necessárias, particularmente para o estudioso do fenômeno artístico. Cabe-nos
apenas afirmar que é uma ilusão tomar uma definição particular para abranger todo o
universo da arte. (...) Sem dúvida, todas essas definições de arte envolvendo beleza,
verdade, forma, expressão são sempre históricas, uma vez que estão ligadas a um
universo de valores culturais. Parece-nos impossível uma definição geral e única que dê
conta da própria universalidade da arte e de toda a experiência artística em todos os
tempos. Toda definição exige uma situação no espaço e no tempo.
94
É importante enfatizar, ainda, conforme aponta Manguel, que não há
nenhuma narrativa, "definitiva ou exclusiva" quando se trata de imagem. E isso nos
leva a tentar, a partir do diálogo permanente com o acervo iconográfico, "por meio
de ecos de outras narrativas, por meio de ilusão do auto-reflexo, por meio do
conhecimento técnico e histórico",
95
destrinçar a narrativa que uma imagem encerra.
Aplicando-se essa reflexão ao problema da leitura das representações
artísticas, podemos de antemão esclarecer a dupla finalidade da representação:
"tornar presente uma ausência, mas também exibir sua própria presença enquanto
imagem e, assim, constituir aquele que a olha como sujeito que olha".
96
O ato de ler
uma imagem, nesse sentido, é ao mesmo tempo assimilação da sua opacidade, isto
é, do que não se vê, e da sua transparência, o que se quer mostrar. Ler é
compreender a imagem naquilo que ela pretende exprimir, é indagar-se sobre os
sentidos dessa construção, é apreender as "figuras e configurações históricas e
culturais, ideológicas e políticas"
97
, desvelando o "funcionamento refletido da
representação" para expor aquilo que não se apresenta imediatamente na imagem.
98
94
JUSTINO, op. cit., p.199.
95
MANGUEL, op. cit., p.28.
96
MARIN, Opacité..., op. cit., p.73.
97
MARIN, Opacité..., op. cit., p.10.
98
CHARTIER, op. cit., p.168.
38
Sobre essa base, é legítimo falar tanto em leitura de um texto quanto em
leitura de um quadro, mas sempre levando "em conta o que, na página escrita ou
impressa, transborda a própria leitura graças a elementos e efeitos de visualização ou
de iconização que, embora sejam 'marginais', não são de modo algum inocentes".
99
Em toda pesquisa sobre representação histórica, percebe-se que a imagem,
deixando de ter função coadjuvante ou meramente decorativa, passou a ocupar o
seu devido lugar ao lado do documento escrito. Sinal evidente dessa prática de
inclusão de outros tipos de material, principalmente iconográficos, é o rompimento
com a exclusividade das fontes escritas, denominada por Le Goff "imperialismo dos
documentos escritos".
100
Para esse autor, os "materiais da memória podem apresentar-se sob duas
formas principais: os monumentos, herança do passado, e os documentos, escolha
do historiador".
101
O documento, então,
É antes de mais o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da
época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as
quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado,
ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o
ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados
desmistificando-lhe o seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta do
esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente –
determinada imagem de si próprias. No limite, não existe um documento-verdade. (...)
qualquer documento é, ao mesmo tempo, verdadeiro (...) e (...) falso, porque um monumento
é em primeiro lugar uma roupagem, uma aparência enganadora, uma montagem. É preciso
começar por demolir esta montagem, desestruturar esta construção e analisar as condições
de produção dos documentos-monumentos.
102
Seguindo esse raciocínio, se o documento reflete determinada "arrumação",
cujo processo implica seleção e coordenação das peças, como em um puzzle, de
99
MARIN, Sublime..., op. cit., p.19.
100
LE GOFF, Jacques. Documento/monumento. In: ROMANO, Rugiero (Org.).
Enciclopédia Einaudi. Memória-História. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1984. v.1.
p.95-106.
101
LE GOFF, op. cit., p.95.
102
LE GOFF, op. cit., p.103-104.
39
modo que possa preencher o fim a que se destina, a iconografia como objeto social
é um sistema de interpretação que, permeado por outras interpretações, representa
um interesse. Nessa perspectiva,"se trata de construir un verdadero aparato de
significado. El discurso, en definitiva, es el mundo explícito de la representación".
103
E, como todo discurso, não é inofensiva ou inocente, assim como não são neutras a
intervenção e a posição do historiador e do artista.
Diante disso, podemos afirmar que a iconografia ocupa um lugar estratégico
na construção de sistemas de interpretação e conhecimento da realidade, e que o
artista propõe, por meio de procedimentos artísticos, certo ordenamento à realidade.
No entanto, assim como aquilo que vemos em uma imagem tem por substrato o que
sabemos, "a reconstituição da realidade não passa de uma inferência, de uma
dedução: ela é o fruto de uma construção subjetiva; em outras palavras, ela reflete o
ponto de vista daquele que a relata".
104
E sob essa montagem há uma ordem que é
ao mesmo tempo cultural e social, formal ou estilística.
Por conseqüência, a exemplo da fotografia, a imagem democratizou a
realidade. Ou, como questiona Manguel, "a fabricou?". Com esta pergunta, rompe-se
com a velha crença na fidelidade do registro fotográfico, deixando claro que o
mundo, diferentemente da fotografia, não tem uma moldura.
Mesmo assim, muitas vezes, esquecemos que um documento tanto escrito
quanto iconográfico "podem suprimir (e suprimem) informações a partir da própria
obra, por meio da mão contida do artista, e também, em certas ocasiões, a partir de
fora da obra, por meio da mão coercitiva de um censor oficial".
105
Outras vezes,
retomando Raminelli, texto e imagem, embora possam dizer a mesma coisa,
103
ARÓSTEGUI, J. Símbolo, palabra y algoritimo. Cultura e historia en tiempo de crisis. In:
CHALMETA, P. et al. (Org.). Cultura y Culturas en la Historia: Quintas Jornadas de Estudios
Históricos. Departamento de Historia Medieval, Moderna y Contemporánea de la Universidad de
Salamanca. Salamanca: Universidad, 1995. p.213.
104
RODRIGUES DA SILVA, A história..., op. cit., p.81.
105
MANGUEL, op. cit., p.92.
40
freqüentemente divergem, não se conformando plenamente ao projeto que está na
sua origem.
106
Neste ponto, voltando à velha problemática discurso formalista versus
discurso sociopolítico, ao acentuarmos a dicotomia conteúdo-forma,
107
chamamos
atenção para as dicotomias subjetividade-objetividade, individualidade-coletividade,
indivíduo-sociedade, razão-emoção que matizam as velhas e novas perspectivas
teórico-metodológicas centradas na leitura e na interpretação da iconografia em
contextos históricos específicos e que dão origem às pesquisas de Panofsky.
E, embora já se tenha avançado muito nas pesquisas relativas ao campo
da História da Arte, buscando na leitura de um quadro apreender a sua singularidade,
algumas confusões precisam ser esclarecidas.
A primeira, como destacamos anteriormente, refere-se à passagem mecânica
da noção de leitura do conteúdo do texto para leitura do conteúdo da imagem,
esquecendo-se que, se a arte diz algo, ela o diz por meio de um procedimento
singular. Uma pintura "não é mera duplicação – mediante imagens, parábolas ou
símbolos – do que a ciência e a filosofia – mediante conceitos – já nos dão".
108
Portanto, se a arte é uma forma peculiar de conhecimento e não tem a pretensão de
rivalizar, duplicando em imagens, o discurso histórico, é preciso refletir sobre a
especificidade desse conhecimento.
106
RAMINELLI, op. cit., p.9.
107
PAREYSON, L. Os problemas da estética. São Paulo: Martins Fontes, 1984. Sobre a
questão, leia-se o texto Conteúdo e forma, no qual o autor apresenta pensadores e concepções que
fundamentam essa secular oposição. Ao finalizar a reflexão, observa: "Hoje a oposição entre as duas
correntes poderia ser representada, de um lado, pela escola semântica, que se preocupa com
esclarecer o que a arte significa e quer dizer, e atribui às obras de arte características senão
referenciais, denotativas, representativas, pelo menos emotivas, conotativas, presentativas, e, de
outro lado, por todas as correntes que insistem em afirmar que a arte não 'quer dizer' nada, mas é,
essencialmente, produção de objetos" (p.56).
108
VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. As idéias estéticas de Marx. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1978. p.35.
41
Para Vázquez,
a arte como conhecimento da realidade pode nos revelar um pedaço do real, não em sua
essência objetiva, tarefa específica da ciência, mas em sua relação com a essência
humana. Há ciências que se ocupam de árvores, que as classificam, que estudam sua
morfologia e suas funções; mas onde está a ciência que se ocupa das árvores
humanizadas? Pois bem; são precisamente estes os objetos que interessam à arte.
109
Mas, se a arte e a ciência são maneiras singulares de conhecimento, para
que serve esse novo conhecimento?
Para responder a essa pergunta, central à problemática da leitura da imagem,
é necessário lembrar que a especificidade da arte não reside na sua capacidade de
aproximar ou de distanciar as formas e figuras da realidade. Em verdade, a iconografia
pictórica só pode ser conhecimento caso parta da realidade, quer interior, quer exterior,
para "fazer surgir uma nova realidade, ou obra de arte".
110
Os objetos não humanos representados artisticamente não são pura e simplesmente
objetos representados, mas aparecem em certa relação com o homem; ou seja,
revelando-nos não o que são em si, mas o que são para o homem, isto é, humanizados.
O objeto representado é portador de uma significação social, de um mundo humano.
Portanto, ao refletir a realidade objetiva, o artista faz-nos penetrar na realidade humana.
111
No entanto, essa concepção de arte como forma de conhecimento, tão cara
ao marxismo, viu-se reduzida, durante muito tempo, ao conceito de representação
na arte a uma tendência particular de realismo. Por isso, ao caracterizar a arte como
meio de conhecimento da realidade humano-social, é necessário problematizar a
sua forma específica de refletir essa realidade, rechaçando uma segunda confusão:
a redução da forma na arte a um elemento decorativo, baseada na crença de que a
forma é simplesmente duplicação em imagem da narrativa histórica.
112
109
VÁZQUEZ, op. cit., p.35.
110
VÁZQUEZ, op. cit., p.36.
111
VÁZQUEZ, op. cit., p.35.
112
VÁZQUEZ, op. cit., p.33.
42
Devemos observar ainda que a interpretação do conteúdo de uma pintura
não se restringe à análise do que se vê do tema ou da mensagem das obras de arte.
Por isso, não basta apelar às formas visíveis da realidade exterior, à figura, para que se
possa ler uma pintura. É preciso superar a idéia de que ela é espelho da aparência
da realidade ou cópia fiel das figuras exteriores, e a noção de representação restrita
à figuração. Pois, como se afirmou anteriormente, na representação pictórica o
artista absorve as figuras e formas reais, chegando a uma síntese superior. Portanto,
a representação não é "propriamente figuração, mas transfiguração". Em outras
palavras, representar "é colocar a figura em estado humano".
113
Além disso, ao separar forma e conteúdo na análise das obras de arte,
esquecemos, muitas vezes, que a arte é conhecimento na medida em que é criação:
"O conhecer artístico é fruto de um fazer; o artista não converte a arte em meio de
conhecimento copiando uma realidade, mas criando outra nova".
114
Mas, além da ênfase no conteúdo, muitas vezes visto como "simples
assunto ou argumento tratado, que podia ser um objeto natural a ser representado,
uma história a ser contada ou um sentimento a ser cantado",
115
devemos
complementar essa reflexão acerca da inseparabilidade entre conteúdo e forma na
imagem considerando uma outra confusão, denominada por Pareyson de teoria do
"ornato". Nesta concepção, a forma é "vista na perfeição exterior da obra, isto é, no
esmero técnico e estilístico com que se tratava e se deveria tratar um determinado
argumento, isto é, naqueles valores formais nos quais reside a qualidade técnica da
obra e que a distinguem das outras obras não artísticas que, por ventura, tenham os
mesmos conteúdos".
116
113
VÁZQUEZ, op. cit., p.43.
114
VÁZQUEZ, op. cit., p.36.
115
VÁZQUEZ, op. cit., p.36.
116
VÁZQUEZ, op. cit., p.53.
43
Na teoria do "ornato", embora se mantenha a inseparabilidade de forma e
conteúdo, segundo Pareyson, a arte restringe-se a uma roupagem exterior, a mero
exercício técnico, "a uma questão de preceituário". Sob esse ponto de vista, a união
de forma e conteúdo é simplesmente uma junção: "a forma se acrescenta ao
conteúdo, vindo-lhe de fora e, por isso, permanecendo-lhe exterior; o assunto poderia
ser tratado de modo não artístico e a forma artística é um ornamento que o embeleza".
117
Ainda nessa vertente, quando a ênfase recai sobre o conteúdo, "fazer arte significa
'formar' conteúdos espirituais, dar uma configuração à espiritualidade, traduzir o
sentimento em imagem, exprimir sentimentos".
118
Pareyson argumenta que essa concepção encerra o perigo da
desvalorização do "aspecto físico e sensível da obra de arte"
119
, pois a forma é
entendida apenas como uma configuração conseguida por meio de formas, cores,
linhas. Perde-se de vista com isso que as obras de arte nem sempre representam
objetos ou exprimem sentimentos.
120
Podemos concluir que, ao fim e ao cabo, permanece uma oposição ou
uma ênfase, quer no conteúdo, quer na forma. E, embora de acordo quanto à
inseparabilidade de forma e conteúdo, ambos os lados discordam em relação à
perspectiva adotada, que é ora a do conteúdo, ora a da forma.
121
Mas, a operação artística, como bem observa Pareyson, implica dois
processos: "um processo de formação de conteúdo e um processo de formação de
matéria, uma relação conteúdo-forma e uma relação matéria-forma".
122
117
PAREYSON, op. cit., p.53.
118
PAREYSON, op. cit., p.54.
119
PAREYSON, op. cit., p.54.
120
PAREYSON, op. cit., p.54.
121
PAREYSON, op. cit., p.54.
122
PAREYSON, op. cit., p.57.
44
Na unidade forma-conteúdo, a personalidade do artista, colocada sob o
signo da arte, "torna-se ela própria energia formante, vontade e iniciativa de arte, ou
melhor, modo de formar, isto é, estilo". O estilo, nessa perspectiva, muito mais do
que um procedimento técnico é a maneira como "a personalidade e espiritualidade
do artista" tornam-se conteúdos de arte, a ponto de a "forma, entendida como
matéria formada, ser inseparável dele". Por isso,
se a forma é uma matéria formada, o conteúdo não é outra coisa senão o modo de formar
aquela matéria: o que não significa degradar o conteúdo espiritual em mero valor formal,
volatilizando-o e rarefazendo-o na abstração de uma forma pura, mas antes carregar as
inflexões formais de graves sentidos, estendendo o dever e a capacidade de exprimir e de
significar a todos os aspectos da obra, dos assuntos aos temas, das idéias aos valores
formais, todos resultantes dos gestos operativos do estilo.
123
Ao destacarmos essa argumentação, nosso principal objetivo é esclarecer
que a inseparabilidade não quer dizer absoluta correspondência entre forma e
conteúdo, nem mesmo "plena concordância com a realidade objetiva tal como existe
fora e independente do homem".
124
Para além disso, apropriar-se do sentido de um quadro exige uma reflexão
sobre os procedimentos formais: uma compreensão e interpretação dos cânones
estéticos de determinado momento histórico, mas também pela consideração,
podemos dizer, dos cânones políticos de determinado momento histórico que só
podem ser apreendidos a partir da compreensão de que a narrativa histórica, como
um discurso, é também representação.
Evidentemente, "a arte é filha do seu tempo", portanto, historicidade e
singularidade; compreender seus significados é indagar o que ela contém do processo
histórico, o que alcança como representação artística da realidade humano-social.
O que está em jogo, quando se trata da imagem como representação, é a
noção de reflexo. Retomando Manguel, uma imagem, como um reflexo no espelho,
123
PAREYSON, op. cit., p.57-58.
124
PAREYSON, op. cit., p.58.
45
traz em si mesma aquilo que representa; contudo, há uma diferença fundamental
entre ambos: uma coisa é a imagem e outra é o modelo. A imagem de alguém, nesse
sentido, por mais que se assemelhe ao seu modelo, ainda assim é uma representação.
De onde, também, a atenção dada por Marin aos aspectos reveladores do
funcionamento refletido da imagem: a moldura, ao cenário, aos ornamentos. Dar
atenção ao quadro e a partir das dimensões transitiva e reflexiva da representação
ver "os modos particulares da articulação da opacidade (a dimensão reflexiva
da representação) e da transparência (sua dimensão transitiva). Enfim, "as figuras
e configurações históricas e culturais, ideológicas e políticas que singularmente
essa articulação assumia em determinada obra, em determinada encomenda, em
dado programa".
125
Concordando com Marin, são essas facetas absolutamente indissociáveis da
representação que passam a primeiro plano na leitura. Concluímos, então, estendendo
essa perspectiva ao nosso estudo, que é preciso romper, ao mesmo tempo, com o
absoluto do texto sem materialidade nem historicidade, chamando atenção para os
sentidos encarnados nas formas, às relações da forma com a significação.
A partir desse corpus, podemos dizer que as representações artísticas
condensam as visões e os gostos da sociedade e são construídas, é claro, sob as
marcas do artístico e do político. É o caso do indígena como nosso herói lembrado
em prosa, versos e pinturas românticas, assim como dos "heróis" da pátria, não
importando se "brasileiros" ou não, por exemplo, o primeiro Imperador do Brasil que,
associado ao 7 de Setembro, terminou por se configurar no grande herói dessa data
transformada em nacional.
125
MARIN, Opacité..., op. cit., p.10.
46
As comemorações dos 150 anos de Independência, por sinal, intentam
relembrar a figura de Pedro I reconvertido em herói da nação:
a ditadura militar, com a anuência do governo português, transladou o corpo deste herói
nacional, recebendo-o com uma parada militar, aceno de bandeirinhas verde-amarelas,
crianças em seus uniformes escolares, militares com suas roupas de gala. Os restos
mortais de D. Pedro I, sobre um carro de combate urutu, desfilaram pelas avenidas de
São Paulo até chegar ao mausoléu no Ipiranga, como se o herói reencontrasse seu gesto
maior, o ato de fundação da nação brasileira no grito da Independência aí proclamado.
Duplica-se no presente a imagem do herói e do fato passados, celebrando-os e,
novamente, unindo-os. Para os brasileiros, a imagem heróica de D. Pedro sobrepuja a do
imperador. Em 1972, o herói reinou na festa da Independência.
126
Por outro lado, o culto ao passado por meio de ritos comemorativos mantém
viva uma memória histórica. A esse propósito, parece-nos significativo o episódio da
doação, em 1835, do coração de Imperador Pedro I à cidade do Porto.
127
Parece que o momento exigia um aparato, afinal era o "coração" de um
dos mais ilustres antepassados, aliás, um coração "real". Mas, quando o governo
brasileiro, 150 anos após a Independência, insistiu em trazer de volta o "coração" de
D. Pedro I, seus apelos foram em vão. Portugal não cedeu essa relíquia para sua
exibição no Brasil que, ironicamente, foi o centro do Império português no século
XIX. Apesar dos protestos do governo brasileiro, a relíquia continuou guardada a
"sete chaves" em Portugal.
126
SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo –
1780-1831. São Paulo: UNESP, 1999. p.37.
127
Segundo relatos: "com pompa, circunstância, cortejo, sob pálio, a câmara do Porto
recebeu, agraciada, o coração real, num estojo de veludo preto e dentro de um vaso de prata
dourado que até hoje permanece na capela-mor da Igreja da Lapa". Ver: SOUZA, I. L. C., Pátria
coroada..., op. cit., p.37-38.
47
Toda história oficial faz apelo ao ritual simbólico; nesse caso, a dimensão
quase litúrgica que circunscreve a doação do coração de D. Pedro I
128
e o esforço do
Brasil para trazer não só o "corpo", mas também o "coração" do herói nacional, são
provas cabais que mostram a força da simbologia nacional e seus usos pelo poder.
Pelo reforço de comemoração, consegue-se ainda elevar, muitas vezes, o
retratado a um status histórico do qual nem sempre foi merecedor.
E, se desta maneira adoramos [os cristãos] as santas imagens, considerando-as e seu
representado per modum unius (como falam os escolásticos), não há dificuldade, pois, a
adoração que se dá à figura é da mesma qualidade e grau que aquela que se dá ao
figurado; e, assim, adora ambas as coisas com adoração de culto; do mesmo modo que,
quem respeita ao rei vestido de púrpura, respeita também a púrpura; aquele como razão
principal e esta como coisa complementar.
129
E, embora seja imensa a diferença entre o modelo e sua representação,
fazendo uma comparação entre D. Pedro I e a idolatria de sua imagem, seu "corpo"
ou "coração" – a exemplo dos cristãos
130
que, quando abraçam e beijam as imagens
de Jesus e de seus santos, "fazem de conta" que abraçam e beijam o próprio Cristo
e os mártires da Igreja – parece evidente que nesses momentos comemorativos o
representado e sua imagem tornam-se um só.
A princípio, com a transferência da sede da Monarquia para o Brasil, em
1808 – fato político que impõe de imediato a criação não só de um novo aparato
administrativo, mas também cultural que evidencia o processo de uma futura
independência –, o Brasil colônia passa a fazer parte do cenário mundial. Nesse sentido,
128
Segundo relato da autora, o próprio imperador, ao morrer, em 1834, como D. Pedro IV,
doou "seu coração à mui leal cidade do Porto, que, heroicamente, sediou a sua batalha contra o
miguelismo e ancorou sua vitória. Na hora de sua morte, ao distribuir seu legado, D. Pedro brindou
essa cidade com o que de melhor podia deixar de herança: seu próprio corpo, o que é também um
modo de indicar sua noção de um bom governante". Ver: SOUZA, I. L. C., Pátria coroada..., op. cit.,
p.37-38.
129
PACHECO, Francisco. A arte da pintura. In: LICHTENSTEIN, Jacqueline (Org.). A pintura.
São Paulo: Editora 34, 2004. v.2. p.86-87.
130
Esse exemplo é citado por PACHECO, op.c it., p.86.
48
a montagem de um imaginário iconográfico é uma das medidas liberalizantes
necessárias para dar ao Brasil uma forma civilizada.
Evidentemente que o "processo civilizatório" que tem início nesse momento
no território brasileiro visa superar a imagem de obscuridade na qual o Brasil, em
razão da experiência de colônia, ainda estava mergulhado. Afinal, com a vinda da
Família Real é preciso cingir o Brasil com os "ornatos da civilização", lapidar uma
ordem social nutrida em outra: a política. Era preciso, antes de tudo, tornar a cidade do
Rio de Janeiro, sede do governo, digna de abrigar a corte e, mesmo, aformoseá-la.
Inscreve-se aí a necessidade, chamada por D. João VI, de "socorros da estética".
É o que passaremos a analisar.
1.2 A VINDA DA FAMÍLIA REAL EM 1808: O BRASIL PRECISA CIVILIZAR-SE
A vinda da Família Real e da corte portuguesa em 1808, a Abertura dos
Portos pelo Príncipe Regente D. João (apenas uma semana após sua chegada,
ainda em Salvador), em 1815, a elevação do Brasil à categoria e graduação de
Reino e, por fim, a Independência em 1822, são momentos históricos singulares que
marcaram o processo de uma autonomia política. Aliás, é praticamente impossível
pensar a construção da identidade nacional
131
sem evocá-los.
Retornando à questão da transferência da Família Real para o Brasil,
apesar das tentativas de Portugal de manter-se neutro no conflito anglo-francês, a
fuga foi inevitável, e a solução: transmigrar para a mais rica de suas colônias para
não cair nas mãos das tropas napoleônicas. Podemos imaginar as horas finais em
Lisboa: em meio ao pânico e alguns salamaleques, no cais de Belém, às margens
do Tejo, a Família Real e toda a Corte embarcam apressadamente. Ao chegar a
131
Nos seus estudos sobre o "caráter nacional brasileiro", Dante Moreira Leite, embora
argumente que as "datas não devem ser consideradas com muito rigor" e que é preciso cuidado para
não se "cair numa esquematização improdutiva", utiliza-se de alguns marcos históricos: de 1500 a
1822, de 1822 a 1880, de 1880 a 1950, de 1950 a 1960. Ver: LEITE, D. M., op. cit.
49
Salvador, no litoral nordestino (janeiro de 1808), a corte
132
foi recebida com
celebrações pela população baiana, em grande parte negra e mulata. Apesar dos
preparativos para pôr em funcionamento o aparelho administrativo que dá à Colônia
ares de "capital do Império", o choque cultural vivido pela Família Real parece inevitável.
O estranhamento é tal que a maioria da população, excluída de qualquer
participação e sem compreender os acontecimentos, assiste a tudo passivamente.
Para os habitantes de Salvador, depois do período festivo da acolhida, a cena deve
ter sido, no mínimo, incompreensível: "uma rainha louca, um regente obeso e milhares
de cortesãos desalinhados e consternados com o novo mundo que viam diante de
si, depois dos suntuosos palácios de Portugal".
133
Mas, a realeza portuguesa,
embora impressionada com a situação precária da cidade (em particular, das
acomodações), imediatamente confisca as melhores casas da Bahia.
134
Ainda na Bahia, apenas uma semana após sua chegada em Salvador,
D. João decreta, em Carta Régia de 28 de janeiro de 1808, a Abertura dos Portos às
"nações amigas", favorecendo, assim, uma nação em especial, mais uma vez, a
Inglaterra. Contudo, essa medida também põe fim ao monopólio comercial e a trezentos
anos de Sistema Colonial. Com a extinção do exclusivismo português desmorona o
"pacto colonial",
135
benefício que atinge primeiramente a Inglaterra. O Rio de Janeiro
transforma-se na porta de entrada de produtos manufaturados para abastecer não
só o Brasil, mas também as regiões do Rio da Prata e da costa do Pacífico.
Por outro lado, são beneficiados os proprietários rurais produtores de bens –
principalmente, de açúcar e de algodão – que passam a vender sem as restrições
132
A corte na sua viagem de Lisboa para o Brasil sobrevive a tormentas e infestações de
piolhos que atacaram inclusive a Família Real. Ver: SKIDMORE, Thomas E. Uma história do Brasil.
São Paulo: Paz e Terra, 2000. p.58.
133
SKIDMORE, op. cit., p.58.
134
SKIDMORE, op. cit., p.58.
135
Ver: MALERBA, O Brasil..., op. cit.
50
do antigo sistema colonial. Mas, essa medida não contentou a todos; por exemplo,
os comerciantes portugueses, inconformados com a perda do mercado exclusivo,
passaram a exigir do governo uma redução de 16% para os produtos trazidos
de Portugal.
Tudo isso põe a nu o sentido das medidas de D. João, evidenciando que
não foi a simpatia do regente pelo ideário liberal, então em voga, ou pelo liberalismo
econômico, que explica a Abertura dos Portos. Essa medida justifica-se pela situação
preocupante de Portugal, cujo comércio estava interrompido pela invasão francesa
no território metropolitano. Enfim, como afirmamos anteriormente, não isolar o Brasil
do mundo requer sua abertura à navegação internacional
136
, e, como outras medidas,
esta é também uma medida necessária ao poder da corte.
Outra conseqüência da vinda da corte é a necessidade de um novo aparato
administrativo na Colônia, resultando na fundação da Junta de Comércio, Agricultura,
Fábrica e Navegação do Brasil, na criação da Real Fábrica de Pólvora, na instalação
da Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica, contribuindo para a dinamização de várias
atividades, principalmente no Rio de Janeiro.
Isso significa que D. João VI não transfere para o Brasil somente a sua
corte, mas também o domínio metropolitano, e, embora a implementação de muitos
desses órgãos seja apenas um transplante do que havia em Portugal – como a
Mesa do Desembargo do Paço ou o Conselho da Fazenda –, não podemos esquecer
que é necessário, também, acomodar um número sem fim de fidalgos aqui chegados.
137
136
MALERBA, O Brasil..., op. cit., p.9.
137
De imediato, inúmeros imóveis foram desapropriados pela Coroa para alojar os milhares
de cortesãos e burocratas recém-chegados, terras férteis são concedidas a colonos estrangeiros que
pretendessem se fixar no Brasil. Além da criação de alguns órgãos, também se prevê a isenção do
serviço militar aos trabalhadores de fábricas e manufaturas. A implementação de outros órgãos, por
sua vez, tem por justificativa a necessidade de se empregar os milhares de fidalgos aqui chegados.
Afinal, qual a utilidade, por exemplo, da mesa do desembargo do Paço ou do Conselho da Fazenda?
Sobre a questão ver: MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder no Brasil às
vésperas da Independência (1808 a 1821). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
51
A Colônia não só respira novos ares, mas também assiste à montagem de
um conjunto de instituições existentes apenas na Metrópole. Visto por outro ângulo,
esse enorme aparato é fundamental após 1822, já que essa estrutura suportaria a
constituição da nova Nação no que diz respeito à sua administração.
Assim, podemos concluir que se todas essas medidas favorecem, de um
lado, o fluxo de toda sorte de mercadoria – chapéus, cervejas engarrafadas em
barris, caixas de vidro, cerâmicas etc. –, de outro, exigem a importação de uma certa
"civilização" como, por exemplo, o refinamento dos modos de comer, com o uso de
garfo e faca.
138
A elite volta-se para a Europa, principalmente para a Inglaterra e
para a França: por intermédio dos ingleses desembarcou o gosto por residências
bem divididas, mais higiênicas e distantes do centro da cidade e por produtos
superiores em qualidade – cristais e vidros, louças e porcelanas, panelas de ferro.
Em verdade, desde o desembarque da corte em terras brasileiras, tornou-se
necessária, além de uma reestruturação administrativa, uma transformação cultural.
Nesse sentido, como afirmamos anteriormente, a fundação de algumas instituições
como, por exemplo, da Real Biblioteca e da Imprensa Régia em 1810, e a
inauguração do Real Teatro de São João permitiriam ao Brasil também respirar
"ares civilizatórios". Foi providenciado até mesmo um compositor e maestro, Marcos
Antônio Portugal, que assumiria as funções de mestre da Capela Real e da Real
Câmara, em 1811.
139
Contudo, para completar esse conjunto de iniciativas, era fundamental a
criação de uma instituição de aprendizagem artística e técnico-profissional. Seu
objetivo: prover o Brasil de elementos civilizadores por meio dos "socorros da
estética".
140
E uma medida, nesse sentido, foi tomada: a criação da Escola Real das
138
MOTA, Carlos G. 1822: dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972. p.229.
139
MALERBA, O Brasil..., op. cit.
140
TAUNAY, A missão..., op. cit., p.2.
52
Ciências, Artes e Ofícios, de acordo com o decreto de 12 de agosto de 1816. Isso se
deve a D. João VI e a Antônio de Araújo de Azevedo, Conde da Barca, emigrado
com a Família Real, considerado um dos portugueses mais cultos de seu tempo.
141
Comecemos, então, analisando o significado dos "socorros da estética" para
o Brasil que, a nosso ver, tornaram-se um empreendimento perfeitamente legítimo,
indispensável. Cabe explicitar o porquê. É o que veremos a seguir.
1.3 O APELO À MISSÃO ARTÍSTICA FRANCESA (1816): OS "SOCORROS
DA ESTÉTICA"
A criação da identidade nacional está, sem dúvida, ligada a transformações
econômicas e políticas, acompanhadas de mudanças culturais que refletem senão a
importação, ao menos a "absorção" de novos modos de expressão artísticos.
As matizes do Neoclassicismo francês são transportadas, com a chegada da Missão
Artística Francesa, em 1816.
O grupo sob a direção de Joachim Lebreton, Secretário Perpétuo da Classe
ou Academia de Belas Artes do Instituto Real da França, era formado pelo pintor
histórico Jean Baptiste Debret, pelo arquiteto Auguste-Henri Victor Grandjean de
Montigny, pelo paisagista e pintor de história Nicolas-Antoine Taunay e seu irmão, o
escultor Auguste-Marie Taunay, pelo gravador de medalhas Charles Simon Pladier;
por François Ovide, especialista em mecânica; Charles Henri Lavasseur e Louis
Simphorien Meunier, especialistas em estereotomia, discípulos e ajudantes de
Grandjean de Montigny e François Bonrepos, escultor ajudante de Auguste-Marie
Taunay. Além dos artistas, em razão do plano de fundação de uma escola de ofícios
mecânicos, vieram também o mestre serralheiro Nicolas Magliori Enout, o mestre
ferreiro e perito em construção naval Jean Baptiste Level, e Louis-Joseph (pai) e
141
TAUNAY, A missão..., op. cit., p.8.
53
Hippolythe Roy (filho), carpinteiros e construtores de carros e, ainda, Fabre e Pilitié,
surradores de pele.
142
O objetivo da Missão Artística era edificar um Sistema de Belas Artes no
Brasil e, de acordo com Taunay, "abrir nova era à arte brasileira". A idéia era
"aproveitar", de imediato, as aptidões técnicas em benefício do país, implantando uma
"educação artística com caráter oficial".
143
No entanto, embora faltasse no Brasil "um
instituto teórico-prático de aprendizagem artística e técnico-profissional", esperou-se
até 1826 para ver uma escola, desses moldes, iniciar, oficialmente, suas atividades.
Para compreender as razões dessa demora, é necessário destacar alguns
dos acontecimentos ocorridos desde 1815, quando começaram as negociações para
a contratação do grupo de artistas e artífices, para a fundação de uma escola de
"ciências, artes e ofícios".
Durante os anos 1815 e 1816, as negociações ficaram a cargo do Conde
da Barca, mas sua tarefa passou às mãos do Marquês de Marialva.
144
Pois bem, trazidos no veleiro norte-americano Calpe, os membros da
Missão aportaram no Rio de Janeiro em março de 1816 e foram acolhidos
oficialmente pelo Conde da Barca e pelo Marquês de Aguiar. Em carta coletiva de 5
de abril de 1816, assinada por Debret, Pradier, Montigny e os dois Taunay, os
artistas recém-desembarcados agradeciam a Brito os cuidados e a atenção de
D. João e dos seus ministros, reafirmando o compromisso assumido: "Assim, o
142
Ver: CAMPOFIORITO, Quirino. A missão..., op. cit.
143
TAUNAY, A missão..., op. cit., p.18.
144
Antônio de Araújo de Azevedo, Conde da Barca, sucedeu ao Conde de Linhares,
Ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos, de 1814 até sua morte em 1817; foi interinamente
Ministro da Guerra e dos Assuntos Estrangeiros e também Presidente do Real Erário. O Marquês de
Marialva era, à época, embaixador extraordinário de Portugal junto à Corte de Luís XVIII e Estribeiro
Mor do Reino (TAUNAY, A missão..., op. cit., p.8- 9).
54
nosso dever é consagrar integralmente os nossos talentos respectivos à ilustração
do belo reino de Sua Magestade".
145
Prontamente instalados, com suas despesas correndo por conta do governo,
os esforços para a fundação de uma instituição de ensino artístico pareciam, enfim,
coroarem-se de êxito mediante o decreto de 12 de agosto de 1816
146
, que criava a
Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios. Conforme teor do decreto, ficou estabelecido:
Atendendo ao bem comum que provém aos meus fiéis vassalos de se estabelecer no
Brasil uma Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, em que se promova e difunda a
instrução e conhecimentos indispensáveis aos homens destinados não só aos empregos
públicos da administração do Estado, mas também ao progresso da agricultura,
mineralogia, indústria e comércio, de que resulta a subsistência, comodidade e civilização
dos povos, maiormente neste Continente, cuja extensão, não tendo ainda o devido e
correspondente número de braços indispensáveis ao amanho e aproveitamento do
terreno, precisa dos grandes socorros da estética para aproveitar os produtos, cujo valor e
preciosidade podem vir a formar do Brasil o mais rico e opulento dos Reinos conhecidos;
fazendo-se portanto necessário aos habitantes o estudo das Belas Artes com aplicação
referente aos ofícios mecânicos, cuja prática, perfeição e utilidade depende dos
conhecimentos teóricos daquelas artes e difusas luzes das ciências naturais, físicas e
exatas; e querendo para tão úteis fins aproveitar desde já a capacidade, habilidade e
ciência de alguns dos estrangeiros beneméritos, que têm buscado a minha real e graciosa
proteção para serem empregados no ensino e instrução pública daquelas artes: Hei por
bem, e mesmo enquanto as aulas daqueles conhecimentos, artes e ofícios não formam
parte integrante da dita Escola Real das Ciências e Ofícios que eu houver de mandar
estabelecer; se pague anualmente por quartéis a cada uma das pessoas declaradas a
relação inserta neste meu real decreto, e assinada pelo meu Ministro e Secretário de
Estados dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, a soma de 8:032$000 [oito contos e
trinta e dois mil réis] em que importam as pensões, de que por efeito de minha real
munificência e paternal zêlo pelo bem público dêste Reino, lhes faço mercê para a sua
subsistência, pagas pelo Erário Público, cumprindo desde logo cada um dos ditos
pensionários com as obrigações, encargos e estipulações que devem fazer parte a base
do contrato, que, ao menos pelo prazo de seis anos, hão de assinar, obrigando-se a
145
TAUNAY, A missão..., op. cit., p.19.
146
O documento foi transcrito na íntegra em TAUNAY, A missão..., op. cit., p.18-19.
Também foi transcrito em MORALES DE LOS RIOS, Adolfo. O ensino artístico: subsídios para sua
história. Rio de Janeiro: [s.n.], 1938.
55
cumprir quanto fôr tendente ao fim da proposta instrução nacional das belas artes e ofícios
mecânicos. O Marquês de Aguiar, do Conselho de Estado, Ministro Assistente ao
Despacho, encarregado interinamente da Repartição dos Negócios Estrangeiros e da
Guerra, assim o tenha entendido, e faça executar com os despachos necessários. Palácio
do Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1816. Com a rubrica de Sua Majestade.
147
Diante de tal empenho, não é de estranhar a demora de 10 anos para pôr
em funcionamento uma instituição considerada tão importante?
Segundo Taunay, dentre os motivos da demora pode-se incluir a
hostilidade de Maler, diplomata que representava a França na Corte de D. João VI, e
sua total desconfiança em relação a Lebreton. O Cônsul Geral, desde o desembarque
dos artistas, usou de toda a sua influência para impedir, principalmente, a nomeação
de "um antigo republicano". Para todos os efeitos, Lebreton era um "servidor
fidelíssimo de Napoleão I, e correligionário daqueles que haviam forçado Sua
Majestade Fidelíssima a embarcar para a América".
148
Tentou de todas as maneiras
impedir a nomeação, no entanto, foi derrotado, e Lebreton assumiu o cargo de
diretor do Instituto Artístico, até sua morte em 1816. Para substituí-lo foi nomeado
Henrique José da Silva, pintor português, recém-chegado de Lisboa e protegido do
Ministro Targini, Visconde de São Lourenço.
Isso ocasionou novas desavenças, agora entre o corpo de professores da
Academia (todos franceses) e o novo diretor, que tentou de todas as maneiras
demonstrar que a Missão Artística "não passava de mero agrupamento de aves de
arribação, choldra de pobres diabos a quem acudira a idéia de 'fazer a América' e
jamais convocada por inspiração régia como alardeada".
149
Para Henrique José da
Silva, a data do decreto de fundação da Escola (agosto de 1816), posterior à data da
chegada da Missão Artística ao Brasil (março de 1816), comprovava que a idéia da
fundação de uma Escola Artística, no Rio de Janeiro, e da vinda de um grupo de
artistas franceses fora plano de Lebreton e não do governo português, no Brasil.
147
TAUNAY, A missão..., op. cit., p.19.
148
TAUNAY, A missão..., op. cit., p.22.
149
TAUNAY, A missão..., op. cit., p.22.
56
Esse argumento encobria a razão pela qual Henrique José da Silva era
contrário à contratação de artistas franceses. Para o diretor português, o Brasil não
precisava recorrer a estranhos, pois entendia que, em Portugal, se encontrariam
profissionais notáveis. Estava enganado, e a precariedade do ensino das Belas
Artes em Portugal, à época, parece comprovar a impossibilidade de contar com
artistas portugueses.
150
Embora não pelas mesmas razões, outras vozes, contrárias à fundação da
Escola, uniram-se às de Maler e de Henrique José da Silva, o novo diretor da
Escola. É o caso de Ferdinand Denis que, comentando sobre a vinda dos artistas
franceses, escreveu na sua obra Le Brésil:
É contudo indispensável confessá-lo, talvez que o Brasil, liberto do regime colonial, não
tivesse ainda suficientemente aparelhado para colher tôda a utilidade possível de
semelhante instituição; e o pensamento que presidira ao seu estabelecimento, não
detendo de antemão em nenhum plano sólido, da chegada daqueles artistas obteve,
talvez, do governo menos proveito que os particulares, que souberam compreendê-los, e
aos quais infundiram pelo menos algum gôsto para as artes.
151
Outras opiniões divergentes são as de Francisco Solano Constâncio,
152
Oliveira Lima
153
e também de Spix e Martius, que, em sua obra Viagem pelo Brasil,
150
Por exemplo, a "Casa do Risco" fechou quando a Corte se mudou para o Brasil. Também
é exemplar a "Aula Régia de Desenho e Arquitetura", fundada por D. Maria I, em 1785, que passou a
funcionar apenas em 1800, assim mesmo, contando com apenas dois professores (um de arquitetura
e um de desenho e seus substitutos) e com um número inferior a 15 alunos nos seus cinco anos de
curso. A "Academia do Nu", "tivera a mesma sorte, ficando perdidos todo material escolar e as
valiosas cópias em gesso trazidas da Itália". Sua reabertura ocorreu só depois de 1820. A "Aula
Régia de Escultura" também se debatia com a falta de alunos, contando com apenas um professor,
pois, fundada em 1800, tivera em 1806 três alunos e, apenas um nos anos de 1812, 1813 e 1817.
Era
a única escola que os discentes tinham direito a material escolar e ainda a uma remuneração diária
de dois a dez tostões. Ver: TAUNAY, A missão..., op. cit., p.46-47.
151
Ferdinand Denis apud TAUNAY, A missão..., op. cit., p.48.
152
Na sua obra D. João VI no Brasil afirmava que o Brasil precisava mesmo era de artífices.
Ver: TAUNAY, A missão..., op. cit., p.48.
153
Autor da obra História do Brasil, desde o seu descobrimento por Pedro Álvares Cabral
até a abdicação do Imperador D. Pedro, publicada em 1839. Ver: TAUNAY, A missão..., op. cit., p.48.
57
declaravam-se contrários à contratação. Para os viajantes estrangeiros, "melhor teria
sido preparar o terreno com a estabilidade econômica e com o desenvolvimento das
artes mecânicas, deixando-se para mais tarde o estudo superior das artes".
154
Era,
nessa perspectiva, incoerente ensinar belas artes em um país onde faltavam os
pilares de civilização e de economia que lhe eram necessários.
155
Ora, ao defender a necessidade da contratação de mestres de ofícios
mecânicos, Henrique José da Silva esquecia-se que a Missão trouxera sete artífices
(práticos em mecânica) e, apenas, cinco artistas ou professores de "arte pura".
156
O próprio nome dado à instituição – "Real Escola das Ciências, Artes e Ofícios" –
revelava uma preocupação com um ensino técnico-profissional, por parte de
seus idealizadores.
Para D. João VI, os "socorros da estética" significavam principalmente a
promoção e a difusão da "instrução e conhecimentos indispensáveis aos homens
destinados (...) aos empregos públicos de administração do Estado que, reorientados
para as atividades técnicas e industriais, resultariam na subsistência, comodidade e
civilização dos povos".
157
Em outras palavras, a instauração da corte no Rio de Janeiro
154
Johann Baptista von Spix, zoólogo e Kal Friedrich Philipp von Martius, botânico, fizeram
extensas explorações pelo Brasil, no período de 1817 a 1820. A viagem permitiu a Martus construir
uma primeira visão do complexo campo das culturas e línguas aborígenes do território brasileiro e
estabelecer uma discussão sobre alguns dos problemas fundamentais da etmologia brasileira.
A viagem é descrita nos três volumes da Reise in Brasilien (Munique, 1823-1931). Ver: BUARQUE
DE HOLANDA, Sérgio (Dir.). O Brasil monárquico. In: História geral da civilização brasileira. São
Paulo: Difel, 1985. Tomo II, v.3. p.428.
155
BARATA, Mario. As artes plásticas de 1808 a 1889. In: BUARQUE DE HOLANDA,
Sérgio. O Brasil Monárquico. In: História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difel, 1982.
Tomo II, v.3.
156
Parece evidente, nesse contexto, o conflito entre a proposta de se estabelecer as bases
de uma política cultural mais pragmática (o desenvolvimento das profissões técnicas e científicas) e
as premissas de um ensino de orientação predominantemente artística: as Belas Artes. No caso do
Brasil, ensino de "arte pura" refere-se à escultura e à pintura, principalmente, em uma clara oposição
às artes decorativas ou aplicadas, como a cerâmica, a ourivesaria e as atividades técnicas e
industriais em geral (TAUNAY, A missão..., op. cit., p.48).
157
TAUNAY, A missão..., op. cit., p.2.
58
exigia homens preparados para fixar e consolidar uma ordem social e urbana que
refletisse os novos ares. Além dos valores e comportamentos condizentes com a
nova sociedade de corte, que levassem a "boa sociedade" à civilização, era preciso
transformar uma terra selvagem em um espaço civilizado, em outras palavras,
aformosear a cidade. A estética, assemelhando-se à noção de civilidade, revela um
sentido principalmente de "urbanidade"
158
.
Nesse caso, os "socorros da estética" serviriam para dar verossimilhança a
uma certa política da aparência, característica das "sociedades de corte", de modo a
despertar o Brasil de sua modorra secular.
159
Os artistas, ao assumirem o compromisso
de contribuir para a formulação de uma imagem da "realidade nacional" no sentido
de levar a "boa sociedade" de corte, por seu estilo de vida "civilizado", a se
diferenciar da velha elite colonial, ainda muito presa a seus costumes tradicionais,
assumiam acima de tudo a "missão" de priorizar as particularidades que distinguiam
o Brasil de seu antigo colonizador.
160
Parece evidente a necessidade de uma "Escola de Ciências, Artes e Ofícios"
e, em virtude da habilidade política e estética de seus membros, dinamizar a vida
cultural da corte carioca, participando ativamente nas decorações das festas públicas,
dos salões de baile e das coreografias. Assim, a Missão Francesa destinava-se a
colaborar, do ponto de vista artístico, na implementação de uma produção voltada
para a criação de retratos e de monumentos.
158
A definição de "civilidade" exprime bem esse modo de ser. De acordo com Norbert Elias,
a corte não é um lugar, porém um modo de ser que apresenta uma dupla faceta: primeiro, um modo
de ser, incorporado as maneiras de ver, sentir, gestos que modelam a sensibilidade, e segundo, um
modo de estar no mundo que reflete a aceitação de regras que se difundem no conjunto de
sociedade (ELIAS, N., op. cit., v.1).
159
TAUNAY, A missão..., op. cit., p.3.
160
MALERBA, O Brasil..., op. cit., p.110.
59
1.4 ESTÉTICA E (É) POLÍTICA: (EN)CENA A ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS
ARTES E O INSTITUTO HISTÓRICO GEOGRÁFICO BRASILEIRO
Em que pese, muitas vezes, a justificativa de que o convite aos artistas
franceses se deu principalmente em razão da "maturidade"
161
do Neoclassicismo
francês e da idéia de que à supremacia da Arte Renascentista italiana, mantida até o
século XVII, sucedeu-se a primazia da arte francesa a partir do século XVIII
162
, os
fatos parecem apontar em outra direção.
Em primeiro lugar, se a "missão" que aportou em 1816, precisou esperar
dez anos para o efetivo funcionamento de uma Academia de Belas Artes, parece
claro que na prática a "excelência da arte francesa" foi obscurecida, até certo ponto,
pelas desavenças entre artistas portugueses e franceses.
163
Uma das razões por
trás das críticas ferrenhas aos artistas franceses era o fato de que, como
"bonapartistas, cultores da glória napoleônica", nutriam uma simpatia pelo governo
diretamente responsável pela inevitável fuga da Família Real, em 1808.
Olhando a "missão", fora do contexto das relações diplomáticas entre
Brasil e França (apenas oito anos após a vinda da Família Real para o Brasil),
parece evidente que seus críticos não perceberam, a princípio, que o governo
161
LIMA, Uma viagem..., op. cit., p.23.
162
A idéia de que a vinda da Missão Francesa se dá principalmente em razão da
"maturidade" do neoclassicismo francês, e da primazia da arte francesa, a partir do século XVIII, é
argumento que perde de vista a força dos fundamentos éticos e formais do classicismo na pintura
francesa, jogando para segundo plano as razões também políticas por trás dessa "missão". Sobre
essa questão, ver: LIMA, Uma viagem..., op. cit.
163
O que de fato ficou em segundo plano foi o projeto artístico que envolvia um Sistema de
Arte que suportasse a Academia e a formação de artistas brasileiros. Além disso, os debates relativos
à renovação da tradição local ficaram quase que restritos as velhas desavenças entre artistas
portugueses versus franceses. Sobre essa questão, ver a tese de Mário Pedrosa que trata do embate
entre portugueses e franceses pelo controle do ensino artístico no Brasil. Da Missão francesa – seus
obstáculos políticos. Tese para o concurso da cadeira de História do Colégio Pedro II. Rio de Janeiro:
mímeo, 1955. Esse texto pode ser encontrado nas bibliotecas do MAC-USP e do IEB-USP, nas obras
completas (vol. X) de Mario Pedrosa organizadas em 12 volumes por Otília Beatriz Fiori Arantes.
60
brasileiro, simplesmente, aproveitou de imediato, "a capacidade, habilidade e ciência
dos estrangeiros para atender "ao bem comum que provém aos meus fiéis vassalos"
da Coroa portuguesa. D. João VI desejava não apenas promover e difundir a
instrução e os conhecimentos necessários aos homens ligados à administração do
Estado e implementar o desenvolvimento da agricultura, mineralogia, indústria e
comércio. Para o governo, esses conhecimentos eram indispensáveis, de um lado, à
subsistência e, de outro, ao processo civilizatório brasileiro, cujo objetivo final era
"formar do Brasil o mais rico e opulento dos Reinos conhecidos". Por isso, era
indispensável, a "instrução nacional das belas artes e ofícios mecânicos".
Mas, além da utilidade dos conhecimentos teóricos daquelas artes e difusas
luzes das ciências naturais, e uma evidente ênfase na prática dos ofícios mecânicos, no
caso brasileiro, os conhecimentos teóricos das Belas Artes significaram a substituição
de um ideário artístico colonial apoiado no Barroco, por outro fundamentado no
pensamento e na ação neoclássicos, cuja inspiração era a Academia de Paris.
No Brasil, em substituição às obras sacras dos artistas autodidatas do
Período Colonial e do Vice-Reinado, há uma assimilação da tradição clássica,
construída sobre o fundamento da raison e do bon sens.
A matriz artística da Missão Francesa, calcada no Neoclássico
164
, proporciona
aos artistas brasileiros um aprendizado que rompe com um passado artístico centrado
em temas religiosos e em uma concepção formal, em que prevaleciam o autodidatismo
e a cópia de velhas estampas.
Os "socorros da estética" vêm bem a calhar e, embora não se apague a
tentativa de imposição colonial de uma só língua, uma só religião, uma só cultura, a
164
A tradição, no caso, refere-se ao modelo greco-romano e às obras realizadas de acordo
com as regras da perspectiva, da técnica do chiaroscuro, do uso das sombras e luzes, com ênfase na
composição organizada a partir de princípios como harmonia, simetria e equilíbrio. É uma designação
que, grosso modo, abarca o período áureo da Arte Grega (os séculos V e IV a.C.) e do
Renascimento, movimento que se originou na Itália, no século XIV, atingindo seu apogeu no século
XVI (BENDALA, Manuel. Saber ver a arte grega. São Paulo: Martins Fontes, 1989. (Coleção Saber
ver a Arte)).
61
tentativa de retratar as diferenças freqüentemente levou a transformações do modelo
europeu, ao remanejamento das tradições européias. Nesse sentido, apoiar a
Academia e seus artistas foi uma maneira de o Estado-Imperial garantir uma farta
produção iconográfica sobre a Monarquia.
É claro que, para a nação manter-se viva, é vital a adesão coletiva às suas
tradições e a sua difusão; contudo, a sua assimilação e incorporação requerem um
saber e um aprendizado. Por outro lado, quanto mais rapidamente for assimilado e
interiorizado, mais o sentimento de pertença a uma nação torna-se natural ou
espontâneo.
165
Esses saberes necessários ao surgimento do sentimento de nacionalidade
são constituídos e se expressam por meio de um imaginário artístico. E, as pinturas,
talvez por sua capacidade de revelar e dar a ver aquilo que está oculto, tornam-se
poderosos instrumentos de projeção de interesses e de assimilação de visões
de mundo. É o caso de se perguntar, então, ao abrir esse acervo: quais assuntos
mereceram a atenção do pintor à época, quais as temáticas dignas da "grande arte"?
166
São dignos de uma iconografia os grandes momentos históricos da nação
e seus heróis; nesse caso, impõe-se aos artistas uma hierarquia de gêneros na qual
a Pintura Histórica mantinha a posição mais "elevada".
Ao que tudo indica, dentro desse contexto, há um esforço também dos
artistas no sentido de que se gravem as "imagens-síntese" que serviriam à assimilação
de uma identidade.
165
"O sentimento nacional só é espontâneo quando já totalmente interiorizado", contudo,
implica em um processo de ensino-aprendizagem (THIESSE, op. cit., p.18).
166
A "Grande Arte", no caso, é a Pintura Histórica. Sobre essa problemática ler: FRASCINA,
Francis. A prática e a política da arte no mundo artístico do século XIX. In: FRASCINA, Francis et al.
Modernidade e modernismo: a pintura francesa no século XIX. São Paulo: Cosac & Naify, 1998.
p.58-68.
62
Com a Missão Artística Francesa, procura-se adotar uma nova ordem,
fundamentada no méthode classique,
167
e décor que mobiliza artistas, engenheiros,
artesãos na missão de tornar a cidade digna de abrigar a corte e, mesmo,
aformoseá-la. Em verdade, aformosear a cidade é o primeiro passo para o
aperfeiçoamento de seu estado civilizatório, lapidado a partir de traços civilizatórios
europeus.
168
A Família Real trouxe igualmente os nobres,
169
os homens com cargos
públicos e toda uma estrutura econômica, política, cultural e social que transformou
o Rio de Janeiro em "capital" do futuro Império. Aliás, D. João VI trouxe com ele o
Príncipe Perfeito,
170
um manual de Francisco Antônio de Novaes Campos, que
descrevia num plano ideal a arte de bem governar.
Nessa linha, outros manuais de etiquetas são dignos de lembrança: a
Dissertação sobre as Obrigações do Vassalo, de Fernando Teles da Silva Caminha
e Meneses, o terceiro Marquês de Penalva, publicada em 1804 e reimpressa em
1819, na qual o autor chama a atenção para o papel do vassalo ou para seu lugar
167
A Raison, fundamental ao espírito acadêmico, está diretamente ligada aos princípios formais
e éticos da Pintura Francesa, cuja matriz é o Classicismo. O viés racional e moral da pintura de David
atravessa o Neoclássico brasileiro. Sobre os fundamentos éticos e formais do Classicismo na pintura
francesa, ver: FRIEDLAENDER, Walter. De David a Delacroix. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.
168
PECHMAN, Robert Moses. Cidades estreitamente vigiadas. Rio de Janeiro: Casa da
Palavra, 2002. p.75.
169
Nobre, longe de ser apenas uma denominação, é uma condição que encarna àqueles
que compartilham da presença do próprio rei. (ELIAS, N., op. cit., v.1).
170
O Príncipe Perfeito, de autoria de Francisco Antônio de Novaes Campos, é um manual
pedagógico destinado à educação do príncipe, à sua formação moral e política. D. João VI ganhou um
exemplar de Novaes Campos, trazendo-o quando veio para o Brasil. Segundo Souza, o presente ao
encontro de uma necessidade imediata: a incapacidade de a rainha mãe governar, por problemas de
saúde e a morte de D. José, seu irmão, que de fato recebera uma formação esmerada, sob a tutela de
Pombal, obrigou D. João a assumir a conduta própria de um governante. Sobre essa questão, ver:
SOUZA, Iara Lis Carvalho. O rei português: sua saúde, seu povo e a harmonia. In: SOUZA, Iara Lis
Carvalho. Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo – 1780-1831. São Paulo: UNESP,
1999. p.21-38.
63
como súdito na sociedade de corte. Outra obra, também de Caminha e Meneses, é
Dissertação a favor da Monarquia, publicada em 1799 e reeditada em 1818, na qual,
além de "defender a monarquia como o melhor e mais justo sistema de governo",
seu autor "queria também ensinar ao vassalo como se comportar e em que acreditar".
171
Os manuais de etiqueta
172
e civilidade, nesse contexto, são fundamentais à
difusão dos bons costumes e da normatização dos comportamentos requeridos ao
desempenho de bem viver em sociedade. Oferecem um aparato de prevenção dos
delitos e de tudo aquilo que impede a civilização, em outras palavras, eles visam à
uma regulação e uma contenção dos comportamentos. Essa foi uma preocupação
de D. João VI que, em abril de 1808 nomeou um Intendente Geral da "Polícia da
Corte", cuja missão era, em síntese, "chamar à ordem os que delas se desviam,
numa espécie de 'integração social' pela civilidade".
173
Nesse contexto de difusão de civilidade, o comentário feito, em 1768, pelo
então governador e capitão-geral da Bahia, Marquês do Lavradio, também é
revelador. O Marquês projeta uma atenção especial à noção de civilidade: a polidez,
o bom-tom, as boas maneiras, a etiqueta etc., tudo aquilo que o Brasil, ao se mirar,
não conseguia ver. Ele diz que "o tempo tem nos polido muito pouco" e critica o
atraso do Brasil: "este país o achei com pouco adiantamento que lhe estabeleceu
Pedro Álvares Cabral quando fez a descoberta desta conquista".
174
De acordo com o
Marquês, ocupar o lugar que deseja em meio às grandes nações exigiria do Brasil
um movimento em direção a essa civilidade além-mares. Compreendia a civilidade
171
SOUZA, I. L. C., Pátria coroada..., op. cit., p.25.
172
Segundo Norbert Elias, os primeiros manuais de civilidade ou "tratados de costumes"
conhecidos na Europa desde o século XII ou XIII são tratados de cortesia, regras de moral, artes de
bem viver. Sobre a questão, ler: ELIAS, N., op. cit., v.1 e 2.
173
PECHMAN, op. cit., p.84.
174
PECHMAN, op. cit., p.84.
64
como inerente à vida social e preservadora da paz social; nesse sentido, ser
membro da "boa sociedade" não significava apenas boas maneiras, requinte,
apresentação social, polimento dos costumes, mas, muito mais do que o amor pelas
artes e ciências, significava um maior gosto pelo conforto material, o luxo e os
encantos exteriores de vida social.
As próprias palavras de D. João VI não poderiam ser mais esclarecedoras:
se ele queria aproveitar de imediato a capacidade, habilidade e ciência dos artistas
estrangeiros
175
é porque considerava "os socorros da estética" e o "estudo das Belas
Artes" fundamentais, desde que compromissados com os ideais iluministas que
levariam o Brasil, sob um padrão civilizatório europeu, a traçar um caminho que o
conduzisse a um futuro de luz e de ordem.
Afinal, diante dos perigos dos conflitos que ameaçam o convívio harmônico
entre a Nação, o Estado e a Coroa, era preciso antepor um imaginário de brasilidade
fundado na crença em uma "civilidade imperial,"
176
cuja condução se daria
diretamente pelo ocupante do trono.
1.4.1 A Academia Imperial de Belas Artes
Quando em 20 de março de 1816, a pedido de D. João VI chegou ao
Brasil, a bordo do Calpe, a famosa Missão Artística Francesa, com ela vieram
também o gosto neoclássico e as decorações com "arcos de triunfo", submetendo-se
a paisagem carioca ao que deveria ser a cidade aos olhos da civilidade.
175
TAUNAY, A missão..., op. cit., p.18.
176
PECHMAN, op. cit., p.37.
65
No entanto, embora uma escola fizesse parte dos planos de melhoria das
condições de vida na capital da monarquia portuguesa, o decreto de sua criação
como Escola Real de Ciência, Artes e Ofícios, só foi promulgado em 12 de agosto de
1816, cinco meses após a chegada da Missão Francesa. Mas, nesses moldes a
Escola não chegou a funcionar.
Por novo decreto, de 12 de outubro de 1820, passou a se chamar: Real
Academia de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil. Sob essa nova
denominação, a Real Academia, de acordo com Campofiorito, pareceu aproximar-se
da Academia de Londres
177
evidenciando mais uma vez a velha prática de
importação de projetos artísticos que se tentou implementar.
Ainda em 1820, sob a tutela do Império e por decreto de 23 de novembro,
ocorre a criação da Academia Imperial de Belas Artes.
178
Mas, a Escola, de fato, só
viveria uma situação mais estável durante o Segundo Reinado, principalmente em
razão dos auxílios de D. Pedro II, que passou a distribuir bolsas para o exterior e
financiamentos. Em 1845, estabeleceu o Prêmio Viagem, aberto anualmente, para
custear pensionatos no exterior, geralmente durante o período de três anos, aos artistas
mais promissores, assim como passou a participar com assiduidade das Exposições
Gerais de Belas-Artes, promovidas anualmente, distribuindo medalhas ou entregando
insígnias das Ordens de Cristo e da Rosa aos artistas de maior destaque.
177
CAMPOFIORITO, A missão..., op. cit., p.24.
178
De acordo com o decreto de 23 de novembro de 1820, em razão das dificuldades em
organizar ainda uma Escola Real de Ciência, Artes e Ofícios, a partir daquele momento, pelo menos
algumas aulas de Desenho, Pintura, Escultura e "medalha" deveriam prontamente funcionar.
A Academia Imperial de Belas Artes é considerada a instituição-mãe desse ensino de desenho e de
pintura no Brasil. A Academia, a partir de 1842, passou a ser chamada de Escola Nacional de Belas
Artes. Ver: TAUNAY, A missão..., op. cit. e CAMPOFIORITO, A missão..., op. cit.
66
Como lugar de produção de uma arte nacional e, conseqüentemente de
uma "estética brasileira" que privilegiava os temas nacionais,
179
a Academia Imperial
de Belas Artes, conhecida a partir de 1842 como Escola Nacional de Belas-Artes,
em nada mudou o compromisso original que assumiu com D. João VI em 1816.
Ressaltamos que, ao destacar o papel dessa instituição e de seus artistas,
interessa-nos esclarecer a razão da implantação, desde 1826, de uma seção de
Pintura Histórica. Sua finalidade:
dotar de imagens a saga da constituição do estado nacional, que se pretendia dos
primórdios da descoberta aos "dias gloriosos" do Império. Pretendia-se, com isso, forjar
uma história do país, vis-à-vis àquela elaborada pelo IHGB em moldes estritamente
visuais, possibilitando uma leitura mais imediata e direta da epopéia nacional. Cumpre,
pois, à pintura histórica uma função estética e também, inegavelmente, educativa.
180
Como tentamos mostrar anteriormente, são evidentes os laços entre política
a arte, e a seção de Pintura Histórica é um sinal evidente desse vínculo. Com a
intenção marcadamente de dar forma aos grandes momentos históricos da Nação, a
seção de Pintura Histórica é um lugar estratégico importante na construção em
"moldes visuais" da história do Brasil.
Nesse caso, cumprindo uma função estética e também inegavelmente
educativa, afinada com o ideário de outras instituições nacionais, como o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, essa seção procura configurar uma memória e
preservar a história nacional.
181
É nesse sentido que a missão do Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro – exaltar a história da pátria – estende-se à Academia Imperial
de Belas Artes; nada mais coerente.
179
PECHMAN, op. cit., p.30.
180
PECHMAN, op. cit., p.36.
181
PECHMAN, op. cit., p.30.
67
1.4.2 O Instituto Histórico Geográfico Brasileiro: "Lembrar para comemorar, documentar
para festejar"
Com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil também se inicia uma história
local propriamente dita.
182
Um processo desencadeado por D. João VI e depois
implementado por D. Pedro I que, após a declaração da Independência, passará a
apoiar a fundação de novas instituições como no caso do primeiro Instituto Histórico
Geográfico, cujo modelo é o Institut Historique, fundado em Paris em 1834.
183
A fundação do primeiro Instituto Histórico Geográfico em 1838 responde também à lógica
do contexto que segue à emancipação política do país. Sediado no Rio de Janeiro, o
IHGB surgia como um estabelecimento ligado à forte oligarquia local, associada financeira
e intelectualmente a um "monarca ilustrado" e centralizador. Em suas mãos estava a
responsabilidade de criar uma história para a nação, inventar uma memória para um país
que deveria separar, a partir de então, seus destinos dos da antiga metrópole européia.
184
O IHGB tem como missão produzir uma história nacional, passando a ser
reconhecido pelo Estado imperial como o responsável pela formulação da história
oficial do país.
185
Pois bem, se no plano estético é preciso elaborar um imaginário que
integre o conjunto de representações por meio das quais o Brasil vai construindo sua
identidade como monarquia da Casa de Bragança, no plano político, é preciso criar
uma identidade, superando as desconfianças em relação a uma monarquia em meio
a repúblicas americanas. Isso significa que a criação da identidade nacional
182
SCHWARCZ, O espetáculo..., op. cit., p.24. Essa autora ainda destaca: "Data dessa época
a instalação dos primeiros estabelecimentos de caráter cultural – como a Imprensa Régia, a Biblioteca, o
Real Horto e o Museu Real –, instituições que transformaram a colônia não apenas na sede provisória da
monarquia portuguesa, como em um centro produtor e reprodutor de sua cultura e memória".
183
Do conjunto de membros fundadores do Instituto francês, é digno de destaque o nome
do artista Debret, sem dúvida figura central no projeto de construção de uma imagem do Brasil à
maneira neoclássica.
184
SCHWARCZ, O espetáculo..., op. cit., p.24.
185
PECHMAN, op. cit., p.29.
68
brasileira pressupõe a construção de um passado associado à Monarquia e, sob
esse ângulo, da soberania por meio do sentimento de pertença – índio, negro e
português – a uma mesma ordem social. Nessa perspectiva, uma instituição voltada
ao histórico e ao geográfico, no momento da independência política do país, atrela-se
à necessidade de "construir uma história da nação, recriar um passado, solidificar
mitos de fundação, ordenar fatos buscando homogeneidades em personagens e
eventos até então dispersos". Em síntese:
Como instituto geográfico, era sua atribuição o reconhecimento e a localização dos
acidentes geográficos, vilas, cidades e portos, conhecendo e engrandecendo a natureza
brasileira e definindo suas fronteiras. Como instituto histórico, cabia-lhe imortalizar os
efeitos memoráveis de seus grandes homens, coletar e publicar documentos relevantes,
incentivar os estudos históricos no Brasil e manter relações com seus congêneres
internacionais.
186
O IHGB como centro de estudos e pesquisas congregará, nesse contexto,
não apenas a elite econômica, mas também a artística e literária – e, sob o lema
"Lembrar para comemorar, documentar para festejar",
187
incentivar a vida intelectual
com a devida mediação desta com os meios oficiais.
Além de um levantamento documental, o IHGB tinha como missão a
afirmação de uma perspectiva teórica e a formação de uma historiografia brasileira
sob os princípios "da luz e da ordem": a luz de um saber que iluminasse o passado
brasileiro retirando-o da obscuridade e sob uma ordem social e política que livrasse
o país dos perigos da desintegração. A "necessidade de luz", concordando com
Pechman, refere-se à "razão e ao saber histórico" e a "necessidade da ordem" diz
respeito "ao controle político e social e à legitimidade". A "luz", nesse caso, retiraria a
"história brasileira do seu escuro caos" e a "ordem" levaria o país a superar os
conflitos que atravessava.
188
Fazer a história da pátria significava retirar o passado
186
CHAUI, Brasil..., op. cit.
187
SCHWARCZ, O espetáculo..., op. cit., p.104.
188
PECHMAN, op. cit., p.29.
69
brasileiro do caos ou de uma indefinição quanto à sua identidade, iluminar seu
passado obscuro para que pudesse atingir um patamar de nação civilizada.
189
Parece claro que a Academia Imperial de Belas Artes e o Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro fazem parte de um corpo de instituições nacionais moldado em
torno de objetivos comuns. É por isso que ao tentarmos compreender a contribuição
da Academia Imperial de Belas Artes na "invenção" de uma "estética brasileira"
procuramos evidenciar os laços entre estética e política.
Ora, muitas vezes, oculto por um discurso homogeneizador, que afirma que
toda pintura histórica do século XIX, é acadêmica, sinônimo de oficial e ufanista, esse
período, para Jorge Coli, é "carregado de preconceito".
190
Cabe, então, tentar entendê-lo.
189
Nas comemorações do segundo ano de fundação do Instituto Histórico Geográfico
Brasileiro, em 1840, o 1º secretário da Instituição, o Cônego Januário da Cunha Barbosa, assinalou
em seu discurso "que o Instituto deveria ser 'a luz a retirar a história brasileira de seu escuro caos,
superando uma época percebida e vivida como necessitada de luz e ordem'". Ver: PECHMAN, op.
cit., p.28.
190
COLI, Como estudar..., op. cit., p.131.
70
CAPÍTULO 2
CIVILIZAÇÃO E CULTURA DURANTE O IMPÉRIO (1822-1889)
A elaboração de uma imagem identitária nacional tem refletido, em grande
parte, uma assimilação das idéias e doutrinas, sobretudo, de origem européia.
Contudo, questionamos: teriam sido simplesmente transpostos à realidade brasileira?
Se a resposta for negativa e se "as novas formas de vida que a civilização
e a cultura européias produziram não se têm revelado apenas conservadoras de um
legado nascido em clima estranho, mas até certo ponto criadoras"
191
, como afirma
Sergio Buarque de Holanda, é necessário, pois, indagar sobre a nossa originalidade.
Por isso, começaremos abordando, neste capítulo, ainda que sinteticamente,
as principais correntes do pensamento literário e artístico "transplantadas" durante o
Império, buscando realçar suas singularidades. Em seguida, parece-nos imprescindível,
para a compreensão de nossa problemática, retraçar os diferentes usos, passados e
presentes dos conceitos de cultura e de civilização, acentuando que esse dois termos
não significam a mesma coisa e, por vezes, embora tratados como sinônimos,
apresentam diferenças brutais.
No início do século XIX, em alguns casos, o termo "cultura" foi usado em
contraste com a palavra "civilização". Derivado do substantivo masculino civis, is, que
significa cidadão foi, primeiramente,
usado na França e na Inglaterra no final do século XVIII para descrever um processo
progressivo de desenvolvimento humano, um movimento em direção ao refinamento e
à ordem, por oposição à barbárie e à selvageria. Por trás desse sentido emergente estava
o espírito do Iluminismo europeu e a sua confiante crença no caráter progressista da
Era Moderna.
192
191
BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio (Dir.). O Brasil..., op. cit., v.3, p.324.
192
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos
meios de comunicação de massa. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. p.167-168.
71
Segundo Thompson, na França e na Inglaterra, as palavras "cultura" e
"civilização" sobrepuseram-se e foram, progressivamente, utilizadas para descrever
um processo geral de desenvolvimento humano, de tornar-se "culto" ou "civilizado".
Em contrapartida, para os alemães, essas palavras contrastaram de tal maneira que,
freqüentemente, "Zivilization adquiriu uma conotação negativa e Kultur, uma positiva.
A palavra 'Zivilization' foi associada com polidez e refinamento das maneiras,
enquanto 'Kultur' era usada mais para se referir a produtos intelectuais, artísticos e
espirituais nos quais se expressavam a individualidade e a criatividade das pessoas".
193
Evidentemente não cabe aqui uma análise desses dois termos. É necessário
apenas destacar as singularidades entre os sentidos francês e inglês do termo
"civilização" e o conceito Zivilisation e Kultur.
194
Interessa-nos compreender as raízes
históricas e estéticas desses conceitos para melhor situar o nosso objeto.
Segundo Norbert Elias, o conceito de civilização "expressa a consciência
que o ocidente tem de si mesmo", pode-se até dizer: "a consciência nacional".
195
É o
corpus – "o que lhe constitui o caráter especial e aquilo de que se orgulha: o nível de
sua tecnologia, a natureza de suas maneiras, o desenvolvimento de sua cultura
científica ou visão do mundo, e muito mais"
196
– que sustenta a sociedade ocidental
dos últimos dois ou três séculos. Nessa linha, esse conceito permite aos indivíduos
diferenciarem-se e até mesmo se verem como superiores a outras sociedades mais
antigas ou mesmo contemporâneas, julgadas por eles "mais primitivas".
197
Mas o termo "civilização" não significa a mesma coisa para quaisquer
nações ocidentais. Como vimos, a maneira como os ingleses e franceses empregam
193
THOMPSON, op.cit., p.168.
194
Para um estudo das singularidades do conceito de Kultur e civilização, ver: ELIAS, N.,
op. cit., v.1, cap. 1.
195
ELIAS, N., op. cit., v.1, p.23.
196
ELIAS, N., op. cit., v.1, p.23.
197
ELIAS, N., op. cit., v.1, p.23.
72
a palavra é muito diferente do modo alemão. Para os primeiros, civilização significa
orgulho em razão da importância de suas nações para o "progresso" do Ocidente e
da humanidade. Em contrapartida, para os alemães "Zivilisation" significa algo de
fato útil, mas que tem apenas um valor de segunda classe, compreendendo apenas
a aparência externa de seres humanos, a superfície da existência humana. A palavra
pela qual os alemães se interpretam e que expressa, mais do que qualquer outra, o
orgulho em suas próprias realizações e no próprio ser, é Kultur.
198
Esse contraste entre Kultur e Zivilization estava associado à própria
estratificação social do início da Europa Moderna. Por exemplo: falar francês era
sinal de superioridade, pois, conforme argumenta Elias, a língua francesa, na
Alemanha do século XVIII, era o idioma da Corte e dos expoentes da burguesia.
Em contraposição a essas classes superiores, formou-se um grupo de intelectuais
de língua alemã, extraído da oficialidade cortesã e, por vezes, da nobreza rural.
Esse pequeno extrato de "intelectuais", concebendo sua própria atividade em termos
de suas realizações intelectuais e artísticas, criticava as classes superiores que nada
realizavam nesse sentido, mas despendiam suas energias apenas no refinamento
de suas maneiras e na imitação dos franceses.
199
198
ELIAS, N., op. cit., v.1, p.24.
199
O uso do termo Kultur possibilitava à intelligentsia alemã não só expressar sua posição
singular, mas também, a partir de suas realizações, diferenciar-se das classes superiores às quais
não tinha acesso. Nessa perspectiva, a posição da intelligentsia alemã era radicalmente diferente da
francesa. Na França, também havia um grupo emergente de pensadores, como Diderot e Voltaire,
porém eles foram absorvidos pela sociedade de corte de Paris, diferentemente dos intelectuais da
Alemanha, que foram excluídos. A intelligentsia alemã buscou então sua realização em outra
instância, no campo da Academia, da Arte, da Filosofia, ou seja, no âmbito da Kultur (ELIAS, N.,
op. cit., v.1).
73
Nesse sentido, o conceito francês e inglês de civilização pode aplicar-se
tanto a realizações materiais como a atitudes ou a comportamentos humanos, enquanto
o conceito alemão de Kultur refere-se ao valor de determinados produtos humanos,
e não ao valor intrínseco da pessoa.
200
Para o nosso trabalho é suficiente, além de chamar a atenção para os
diferentes usos desses dois termos, dar destaque ao conceito que emergiu no final
do século XVIII e início de século XIX e que pode ser apresentado como a
"concepção clássica" de cultura. A cultura, nessa perspectiva, definida de modo
amplo, "é o processo de desenvolvimento e enobrecimento das faculdades
humanas, um processo facilitado pela assimilação de trabalhos acadêmicos e
artísticos e ligados ao caráter progressista da era moderna".
201
Em outras palavras,
ela exprime a "ênfase no cultivo de qualidades e valores 'mais levados', seu apelo a
trabalhos da Academia e da Arte, sua ligação com a idéia de progresso do
Iluminismo".
202
A concepção clássica, na medida em que valoriza alguns aspectos
pelos quais os homens podem se tornar cultos, isto é, enobrecidos na mente e no
espírito, em detrimento de outros, reflete uma compreensão de cultura inerente à
intelligentsia alemã.
O termo "cultura" também é utilizado para designar histórias universais da
humanidade.
203
Essas "histórias" expressam a "crença iluminista no caráter progressista
da nova era, enquanto, ao mesmo tempo, concebiam a conotação positiva de 'cultura'
200
"Essa palavra, o conceito inerente a kulturell, porém, não pode ser traduzido exatamente
para o francês e o inglês". Ver ELIAS, N., op. cit., v.1., p.23.
201
THOMPSON, op. cit., p.170.
202
THOMPSON, op. cit., p.170.
203
Segundo Thompson, a expressão "história da cultura" apareceu pela primeira vez em um
trabalho de J. C. Adelung. Versuch einer Gerchite der Cultur des Menschilichen Gerchlects. Leipzig:
Gottieb Hertel, 1782. Apud THOMPSON, op. cit., p.169.
74
como o genuíno desenvolvimento e enobrecimento das faculdades humanas", em
outras palavras, o termo "cultura" era comumente usado no sentido de "cultivo".
204
Mas, a perspectiva etnocêntrica, característica de muitos trabalhos que se
apresentavam como histórias universais, foi muito criticada, por exemplo, por J. G.
von Herder, que preferiu falar em "culturas" no plural.
205
No contexto brasileiro, também se falou em cultura no plural. É o caso de
Alfredo Bosi que, em sua obra Cultura brasileira, argumenta que não existe uma
cultura brasileira homogeneizada, ou seja, uma matriz dos nossos comportamentos
e dos nossos discursos. Ao contrário, para este autor, "a admissão de seu caráter
plural é um passo decisivo para compreendê-la como 'um efeito de sentido',
resultado de um processo de múltiplas interações e oposições no tempo e no
espaço".
206
Mas, segundo Bosi, essa pluralidade de sentido pode produzir, às vezes,
"aparências de caos", por isso, para ele é necessário desvelar as superfícies, romper
com as visões modeladas no senso comum que, permeadas de "expressões jocosas"
207
,
tentam definir apressadamente o cadinho mental brasileiro. É preciso, pois, romper
204
Thompson afirma que o uso do termo "cultura" em trabalhos que buscavam oferecer
histórias universais da humanidade foi muito significativo em autores alemães como J. C. von Herder,
J. C. Adelung, Meiners e Jenischetc. Uma dessas primeiras histórias da cultura, de acordo com
Thompson, é a obra de J. G. von Herder, Idenen zur Philosofhie der Geschte der Menschheit,
originalmente publicada entre 1784 e 1789, em quatro volumes. Apud THOMPSON, op. cit., p.169.
205
John B. Thompson, destaca J. G. von Herder, Gustav Klemm e E. B. Tylor, entre outros.
J. G. von Herder, autor de uma das primeiras histórias da cultura, criticou severamente a perspectiva
etnocêntrica característica de muitos trabalhos que se apresentavam como histórias universais,
chamando a atenção para os aspectos singulares dos diferentes grupos. Esse novo sentido para o
termo "cultura" foi adotado e aprofundado, no século XIX, por Gustav Klemm e E. B. Tylor. Ver:
THOMPSON, op. cit., p.169.
206
BOSI, Alfredo (Org.). Cultura brasileira: temas e situações. 2.ed. São Paulo: Ática,
1992. p.7.
207
Expressões como "geléia geral" e "samba do crioulo", por exemplo (BOSI, Cultura...,
op. cit., p.8).
75
essa aparente impressão de caos e nonsense, para penetrarmos nos ritmos das
culturas no Brasil que são diversos, antevendo suas estruturas sociais diferenciadas.
208
Nesse quadro, tentamos realçar o conceito de cultura que, no final do
século XIX, despido de alguns traços etnocêntricos, passou a ser incorporado em
estudos antropológicos significando costumes, crenças e práticas de outras
sociedades que não as européias.
209
A noção de cultura passou a ser vista como co-
extensiva a antropologia, ou como um dos seus principais ramos. Nesse caso trata-se
de um estudo comparativo da cultura, por meio do qual se buscou oferecer uma
abordagem ampla e sistemática do desenvolvimento gradual da vida humana, a
partir da investigação das habilidades, artes, armas, ferramentas, práticas religiosas,
costumes e assim por diante, de diferentes povos.
210
Mas, para pensar o processo de elaboração da identidade nacional
brasileira, nos interessa, sobretudo, a concepção simbólica de Cliford Geertz.
Este autor nos oferece uma compreensão de que o estudo da cultura possibilita,
principalmente, uma explicação interpretativa dos significados incorporados nas
formas simbólicas. Ele argumenta que o homem é um animal amarrado a teias de
significados que ele mesmo teceu, assumindo a cultura como sendo uma dessas
teias. Assim, pensa a cultura, "não como uma ciência experimental em busca das
leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura de significados. É justamente
uma explicação que eu procuro, ao construir expressões sociais enigmáticas
na superfície".
211
208
BOSI, Cultura..., op. cit., p.8.
209
Gustav Klemm é citado como um dos historiadores culturais interessados na descrição
etnográfica de sociedades não-européias. Segundo Thompson, o trabalho de Klemm era conhecido
de E. B. Tylor, professor de Antropologia na Universidade de Oxford, cujo principal trabalho, Primitive
Culture: Researches into the Development of Mithology, Philosophi, Religion, Language, Art and
Custom, foi publicado em dois volumes em 1871 (THOMPSON, op. cit., p.171).
210
THOMPSON, op. cit., p.172.
211
GEERTZ, A interpretação..., op. cit., p.4.
76
A cultura é, nessa perspectiva, um todo complexo que diferencia uma
sociedade de outras e de épocas diferentes e, neste sentido, não constitui um mero
exercício classificatório dos tipos humanos e da flora e da fauna.
Tal perspectiva evidencia que falar de "cultura nacional" também não é tão
simples quanto se poderia pensar, pois essa expressão, muitas vezes, é manejada
sem muito rigor. É muito delicado falar, inclusive, de "cultura nacional" para o Brasil
oitocentista. Como vimos anteriormente, trata-se de um país que vive os conflitos de
uma pequena sociedade que se pretende culta, mas ainda na cadência dos
antagonismos sociais e raciais amortecidos pelo brilho da permanência da Corte no
Rio de Janeiro e até mesmo pelo projeto liberal de nação que prevaleceu a partir de
1822. Mas, esse projeto de nação, embora liberal (pois foi um movimento de
independência cuja finalidade era romper com a dominação colonial), foi também
conservador, já que manteve a escravidão e a dominação dos senhores de terra. Foi
a criação de uma "nação", ou melhor, uma "fabricação ideológica do senhoriato para
manter sua rígida dominação social e política"
212
, mas foi também um movimento de
caráter nacional.
Cumpre explicitar, portanto, como se vai forjando uma cultura nacional,
tendo em vista, como indica Mota e Novais, que a independência é um momento de
um longo processo de ruptura, ou seja, de dissolução do sistema colonial e,
conseqüentemente, de montagem do Estado nacional.
213
A idéia de "cultura nacional", fundamentada em uma concepção descritiva
de cultura remetia, nesse contexto, ao sentido do progresso científico e técnico por
meio do "labor civilizatório" e da transformação de uma "terra bruta num espaço
histórico".
214
Tem por trás a noção de transformação do Brasil – uma terra selvagem
212
MOTA, Carlos Guilherme; NOVAIS, Fernando A. A independência política do Brasil.
2.ed. São Paulo: Hucitec, 1996. p.18.
213
MOTA e NOVAIS, op. cit., p.18.
214
PECHMAN, op. cit., p.26.
77
– em um espaço civilizado, mas, igualmente, embora de modo incipiente, a noção de
cultura como "cultivo"
215
das virtudes humanas, por meio das quais os indivíduos
passariam da selvageria à vida civilizada.
216
Nessa perspectiva, a identidade brasileira vai tomando forma à medida que
a idéia de nação
foi se materializando num conhecimento da terra sobre a qual se assentaria e que seria a
base da riqueza, virtude e civilização. Não se trata, porém, de um chão qualquer, pois,
terras, o país sempre as tivera e em excesso. Trata-se de um solo amanhado pelo "labor
civilizatório", fertilizado pela potência reprodutora das idéias ilustradas, que teriam o
pendor de transformar uma enorme porção de terra bruta num espaço histórico, no chão
civilizado de uma nação.
217
Pensar o Brasil como "nação"
218
independente ou pertencente a um
império transcontinental significou, neste caso, o esforço de superação da imagem
de obscuridade e o estado de ignorância atribuídos à experiência da colonização,
que teria se caracterizado pela "negligência e descuido que tem havido em cultivar
as artes e as ciências".
219
Comecemos, pois, explicitando, ainda que sinteticamente, esse ideário que
subjaz a configuração de uma identidade à imagem e semelhança da civilização
européia, retomando nosso ponto de partida: no caso do Brasil, o Romantismo
215
THOMPSON, op. cit., p.167.
216
É somente a partir do século XVI que o sentido de cultura – "cultivo" – foi estendido da
esfera agrícola para o processo de desenvolvimento humano. Para aprofundar a reflexão, consultar:
THOMPSON, op. cit., p.167.
217
PECHMAN, op. cit., p.26.
218
Intelectuais e artistas brasileiros, presos ao "feitiço do transoceanismo", mostraram-se,
muitas vezes, "glosadores" do pensamento e da arte europeus. Se considerarmos o nosso
pensamento e a nossa iconografia pictórica a luz da filosofia e da arte que temos produzido, é
evidente a fragilidade de nossas raízes, resultado de nosso isolamento e afastamento das nossas
singulares condições de vida. "É um pensamento que 'não tem janelas para a paisagem natural nem
para a paisagem humana". A Arte, nesse contexto, também absorve um ideário de feição européia
(BUARQUE DE HOLANDA, O Brasil..., op. cit., v.3, p.323).
219
PECHMAN, op. cit., p.26.
78
brasileiro é uma renovação em relação a qual classicismo? Ao Neoclassicismo
brasileiro introduzido pela Missão Francesa?
Expressões como, por exemplo, "clássicos da pintura", "clássicos da
música", usadas para designar aqueles autores ou aquelas obras que passaram a
ser o cânone de um determinado período artístico e que, dadas as suas configurações,
alcançaram um estado de perenidade, a princípio, não respondem nada. Da mesma
forma, alguns termos como "romântico", "romantismo", com conotação de algo
voltado para os sentimentos
220
, apenas colocam em pauta uma problemática, por
isso, algumas lacunas precisam ser preenchidas.
A primeira lacuna diz respeito ao que se entende por Classicismo, pois, no
caso brasileiro, muitas vezes, é confundido com o período clássico, outras com
Neoclassicismo, e a segunda tem relação com as semelhanças e diferenças entre
Classicismo e o Romantismo – o europeu e o brasileiro.
Seja como for, embora não se possa ignorar que o pano de fundo é o
padrão civilizatório europeu, é preciso questionar: a articulação entre o nacional e o
universal, no Brasil, foi um processo de mera "importação" ou "absorção" do ideário
em vigor na Europa? Por outro lado, se o Romantismo e o Classicismo estão
inseridos na esteira dos acontecimentos históricos e artísticos de seu tempo, o fato
de haver oposição entre eles e não se confundirem, significa que ambos não se
avizinham? E, no caso do Brasil, não serviram de igual modo à reconstrução do
passado brasileiro no sentido de configurar uma biografia visual da nação?
Por fim, quais são as obras emblemáticas que, não importa se neoclássicas
ou românticas, além dos temas em si (recortes de momentos significativos na
construção da história nacional), dão visibilidade aos símbolos que legitimam e
consolidam uma identidade nacional?
220
BARBOSA, João Alexandre. Introdução. In: GUINSBURG, Jacó (Org.). O classicismo.
São Paulo: Perspectiva, 1997. p.11.
79
2.1 O ROMANTISMO: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS E ARTÍSTICAS
Como vimos anteriormente, todos os discursos são enraizados em um
determinado tempo e espaço e evidenciam mudanças e transformações em virtude
de interesses econômicos, políticos e culturais.
221
Estendendo esse raciocínio ao
nosso estudo, se é impossível formular uma definição a priori que enfeixe um
movimento tão rico e contraditório, partimos de um conceito articulado à sociedade
em que é produzido
222
para alcançar uma compreensão de seus sentidos.
Nesses termos, quando questionamos o que é o Romantismo, de imediato
nos deparamos com sua natureza multifocal: é uma escola, uma tendência, um
evento sociocultural, um estado de espírito? Pensamos que é, ao mesmo tempo e
separadamente, todas essas designações.
223
Isso significa que o Romantismo pode apresentar-se como um dentre
outros movimentos como, por exemplo, Classicismo, Barroco, Expressionismo, sem
esquecer que, por trás de cada uma dessas denominações, temos as obras de arte.
Mas não é apenas uma configuração estilística ou a antítese do Classicismo.
224
É um movimento que surgiu em um determinado contexto, cujas manifestações
estão inseridas não apenas em uma dinâmica dos estilos, mas, igualmente, no
processo histórico europeu e ocidental.
221
HOBSBAWN, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. p.18.
222
Conforme alerta Alfredo Bosi, "seria necessário ter perdido todo espírito de rigor para
querer definir o Romantismo" (BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo:
Cultrix, 1994. p.91).
223
GUINSBURG, Jacó (Org.). O romantismo. 2.ed. São Paulo: Perspectiva, 1978. p.13.
224
De acordo com Erwin Panofsky, podemos denominar "história dos estilos" a investigação, a
partir de um "princípio corretivo", dos modos pelos quais os objetos e fatos são expressos por formas
que variam segundo as condições históricas. Ver: PANOFSKY, Erwin. Iconografia e iconologia: uma
introdução ao estudo da arte na renascença. In: _____. Significado nas artes visuais. 3.ed. São
Paulo: Perspectiva, 1991. p.58.
80
Como a última afirmação deixa claro, pensado na esteira dos acontecimentos,
o Romantismo é um movimento que dominou a primeira metade do século XIX,
cujas origens evidenciam uma reação contra as academias e o intelectualismo do
século XVIII, igrejas, cortes.
225
Nesse caso, é o Romantismo pós-revolucionário que
se funda em uma maneira de ver o mundo que altera e subverte quase tudo o que
era tido como sagrado, seja no âmbito da política, seja na esfera da arte, no fundo,
um movimento de reação contra o próprio princípio de tradição, autoridade e regra.
Na Arte, o Romantismo ergue-se, sobretudo, contra as leis que dominaram durante
séculos o fazer artístico na Europa e que, na essência, constituíam "quase tudo o
que era tido como consagrado para todo o sempre no Classicismo".
226
O romantismo
pós-revolucionário, no fundo, "reflete uma nova concepção de vida e do mundo, e
cria, sobretudo, uma nova interpretação da idéia de liberdade artística. Essa
liberdade deixava de ser um privilégio do gênio para se tornar o direito inato de todo
artista e de todo indivíduo de talento".
227
Nesse contexto, é um movimento de reação
contra o próprio princípio de tradição, autoridade e regra.
No entanto, cabe distinguir entre o Romantismo alemão e o ocidental, pois,
como bem observa Hauser, o primeiro deriva das tendências reacionárias e o
segundo das tendências progressistas; o romantismo alemão é uma reação direta às
rupturas impostas pela modernidade ou pelas "revoluções": a Revolução Francesa,
225
HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes,
1998. p.651.
226
ROSENFELD, Anatol; GUINSBURG, Jacó. Um encerramento. In: GUINSBURG, Jacó
(Org.). O romantismo. 2.ed. São Paulo: Perspectiva, 1978. p.276.
227
HAUSER, História social..., op. cit., p.650-651.
81
de 1789 e a Revolução Industrial,
228
na Inglaterra. Esse cenário é, pois, pano de
fundo para nossa análise.
Aliás, tendo como horizonte as duas revoluções
229
que agitaram o período,
podemos entender melhor o espírito de época que invadiu, inclusive, as terras
brasileiras.
Essas revoluções e suas idéias que se alastrariam por outros continentes,
encontrando solo fértil, têm suas raízes na estrutura social, no desenvolvimento
econômico e na conjuntura política de seu tempo. Dentre elas, a Americana e a
Francesa, seriam as primeiras de uma longa série de revoluções que teriam como
fundo geral uma mesma causa: a luta contra o absolutismo monárquico.
É justamente contra o princípio político absolutista que vão atuar as idéias e os programas
políticos dos revolucionários do século XVIII, os quais fazem do ideal democrático sua
bandeira de luta, de forma que a história da humanidade caminha cada vez mais nesse
rumo e as massas populares participam mais e mais nas decisões políticas ligadas ao seu
próprio destino.
230
228
Evidentemente, a Revolução Industrial, que ocorreu a partir de 1750, não se produziu
sem deixar profundas marcas na vida social. De um lado, a crença na prosperidade e progresso
humanos cuja causa é a grande expansão econômica; de outro, os graves problemas de ordem
social que surgiram. De um lado, o enriquecimento rápido para alguns, e de outro, a pauperização
das massas de trabalhadores que esse mesmo processo mobilizava. É um tempo fértil para os
inventos e inovações no setor tecnológico, mas também de grande precariedade quer nas condições
de trabalho, quer nos ganhos desses trabalhadores, insuficientes (FARBEL, Nachman. Os fundamentos
históricos do romantismo. In: GUINSBURG, Jacó (Org.). O romantismo. 2.ed. São Paulo: Perspectiva,
1978. p.28).
229
As duas revoluções mais significativas que agitaram o período são: a Revolução
Americana (1770 - 1783), que resultou em um governo constitucional e democrático para os Estados
Unidos; e a Revolução Francesa (1789), que determinou de maneira indubitável os destinos das
nações européias. Nesse período, outras revoluções também importantes são: a série de agitações
revolucionárias, de 1787 a 1790, nos Países Baixos austríacos, que incitaram à revolta contra o
absolutismo ilustrado de José II; e a luta da Polônia, no período de 1788 a 1794, por sua liberdade
nacional. Muitas nações européias passaram a adotar a forma republicana de governo em substituição
às monarquias absolutistas (FARBEL, op. cit., p.24).
230
FARBEL, op. cit., p.24.
82
De acordo com a situação real, estabeleceu-se uma distinção do romantismo
tanto alemão quanto francês e inglês, um romantismo da primeira e outro da
segunda geração, que seguiram caminhos diferentes:
o romantismo alemão passou de sua atitude originalmente revolucionária para uma
postura reacionária, ao passo que o romantismo ocidental passou de um ponto de vista
monárquico conservador para uma concepção liberal. (...) Todo século XIX dependeu
artisticamente do romantismo, mas este era ainda um produto do século XVIII e nunca
deixou de ter consciência de seu caráter de transição e historicamente problemático.
231
Enfim, sem perder de vista as diferentes nuanças que nos permitem
contextualizar o Romantismo, para obtermos uma compreensão mais profunda do
ideário que permeia a herança neoclássica trazida pela Missão Artística Francesa
(1816), tentaremos retraçar algumas diferenças entre o Romantismo e o Classicismo
clareando o que vem a ser clássico ou classicismo. Para tal recorremos, a Anatol
Rosenfeld e Jacó Guinsburg, que, ao precisar o conceito de Classicismo, afirmam
que o termo, em primeiro lugar,
vem de classis, "frota", em latim, e refere-se aos classicis, aos ricos que pagavam
impostos pela frota. Um escritor "classicus" é pois um homem que escreve para esta
categoria mais afortunada e mais elevada da sociedade. Tal foi o sentido inicial
(...)
232
Depois o vocábulo sofreu várias transformações, passando a designar um valor
estético, ético, mas principalmente didático: um escrito "clássico" veio a ser uma
composição literária reconhecida como digna de ser estudada nas "classes" das escolas.
Nesta acepção, o termo é muito usado para vários fins. (...) Entretanto, do ponto de vista
estilístico, é possível que seu autor seja romântico e não clássico. Um terceiro significado
que se impôs, ligado ainda ao segundo, diz respeito ao período em que a literatura, as
artes, a cultura de uma nação ou de uma "civilização" alcançam um grande florescimento
ou então o seu apogeu. (...) Por fim, temos o nexo que nos incumbe definir mais de perto
[e o que nos interessa aqui], ou seja, o conceito estilístico do que vem a ser "clássico" ou
"classicismo". Sob este ângulo, a referência é a princípios e obras que correspondem a
certos preceitos modelares, os quais, por seu turno, derivam de certa fase da arte grega e
a tomam como padrão. Essa codificação ocorreu principalmente no Renascimento. Foi
então que a redescoberta da Antiguidade Greco-Latina ou, como passou a chamar-se,
231
HAUSER, História social..., op. cit., p.661-665.
232
Segundo Rosenfeld e Guinsburg, Áulio Gélio é a fonte da primeira menção da palavra
nesse sentido inicial: significando um autor de obras para as camadas superiores (ROSENFELD,
Anatol; GUINSBURG, Jacó. Romantismo e classicismo. In: GUINSBURG, Jacó (Org.). O romantismo.
2.ed. São Paulo: Perspectiva, 1978. p.262).
83
"Clássica", a revalorização de suas produções intelectuais e artísticas, conjugando-se com
um extraordinário surto de criatividade italiana e até européia, puseram novamente na
ordem do dia o pensamento e os problemas estéticos. Com base nas elaborações
[sobretudo de Aristóteles]
233
surgiu a idéia de que os princípios fundamentais depreendidos
da prática e da teoria helênicas constituíam um non plus ultra de todo fazer artístico, os
cânones imutáveis das condições e procedimentos que geram a obra de arte. Na medida
em que, a certa altura da história cultural de determinados países, sobretudo na França,
tal acepção tornou-se dominante e mesmo normativa, em função de um surto criativo que
produziu trabalhos notáveis em vários campos da arte, ela deu origem ao período
"clássico" do "classicismo" europeu, tendo a sua influência e o poder de suas regras se
espalhado no mundo ocidental, inclusive sob a forma de um "neoclassicismo" que
prevaleceu durante o século XVIII e fez par com o racionalismo ilustrado.
234
Com efeito, o Classicismo no que diz respeito a certos princípios formais,
tende para o equilíbrio, a proporção, a objetividade, a ordem, a unidade, a harmonia,
a disciplina, a moderação, "o desenho sapiente, o caráter apolíneo, secular, lúcido e
luminoso".
235
Mas há evidentemente outros aspectos relevantes: a natureza é
concebida fundamentalmente em termos de razão (regida por leis) e a obra de arte
reflete tal harmonia.
236
A obra de arte é imitação da natureza, e os artistas do
Renascimento, de fato, aprendem a vê-la, fazendo da imitação de seu concerto
harmônico, de sua racionalidade profunda, de suas leis o objetivo da arte.
237
Imitação, no entanto, não significa mimese, pois a idéia de beleza perseguida pelo
Renascimento pende para o ideal e não para uma concepção realista. A beleza,
neste sentido, segundo Annateresa Fabris, "é fruto de uma escolha, é constituída
pelos elementos mais belos existentes na natureza, que o artista reúne em sua obra,
233
Nesse campo, foram de particular importância o reencontro e a tradução direta do grego
dos textos subsistentes da Poética de Aristóteles, bem como o trabalho crítico efetuado, entre outros,
por Scaliger e Castelvetro. Ver: ROSENFELD e GUINSBURG, Romantismo..., op. cit., p.262.
234
ROSENFELD e GUINSBURG, Romantismo..., op. cit., p.262.
235
ROSENFELD e GUINSBURG, Romantismo..., op. cit., p.262.
236
ROSENFELD e GUINSBURG, Um encerramento, op. cit., p.283.
237
FABRIS, Annateresa. O classicismo nas artes plásticas. In: GUINSBURG, J. O classicismo.
São Paulo: Perspectiva, 1999. p.268.
84
atento às idéias de harmonia, ritmo, medida".
238
Mas, para a autora do texto
O Classicismo nas Artes Plásticas, o artista renascentista supera ao mesmo tempo a
teoria mimética de Aristóteles (no entanto de quem se origina o conceito de ordem) e
a idéia de emanação divina de Plotino, "transformando a arte num processo de
conhecimento da natureza a partir de princípios criados pelo homem".
239
O artista, nessa concepção, "apaga-se por trás de sua realização, não
pretende exprimir em primeiro lugar, na obra, a si próprio e a seu mundo interior.
Este não desempenha papel relevante, pois, seu interesse é o de representar uma
visão da natureza, do universo do homem e das coisas". É, sobretudo, "um artesão a
serviço da obra, cuja perfeição é a sua meta".
240
O propósito do Classicismo ainda se desdobra em dois outros, não menos
importantes: "a obra deve agradar e ser útil ao público. O primeiro – agradar – a
subordina a um juízo de gosto e a um consenso coletivos ou daquilo que exerce esta
função em seu nome, o segundo – ser útil – a um fim implícita ou explicitamente
programático, do qual o mais usual é o didático".
241
Sua finalidade, em suma,
desempenhar um papel moralizante e ajustador, quer por meio da catarse, quer em
função do caráter exemplar da configuração artística. Ao possibilitar um aperfeiçoamento,
a Arte, na visão clássica, exerce uma influência poderosa, pois pode "plasmar visões
de mundo e modelar condutas".
242
O modelo romano, nesse momento, segundo Fabris, é soberano, e Roma,
embora não se possa esquecer da Grécia, é o principal irradiador da arte antiga.
238
FABRIS, op. cit., p.268.
239
FABRIS, op. cit., p.269.
240
ROSENFELD e GUINSBURG, Um encerramento, op. cit., p.276.
241
ROSENFELD e GUINSBURG, Um encerramento, op. cit., p.276.
242
CARVALHO, A formação..., op. cit., p.11.
85
Podemos deduzir, nessa linha de pensamento, que da transformação do
artista em intelectual e da visão de que a arte constitui o ponto de encontro entre a
mão e o juízo, emerge o que conhecemos como "fenômeno acadêmico". Seu
principal objetivo: "formar as novas gerações de pintores, escultores e arquitetos a
partir dos exemplos dos grandes mestres, apresentados como paradigmas".
243
Pensado nessa perspectiva, o conceito de acadêmico tem sido usado,
muitas vezes, no sentido de restringir toda a produção dos artistas, ligados à
Academia, a uma fôrma única. Mas, ainda que rapidamente, é preciso frisar que o
"fenômeno acadêmico" é fruto das revoluções políticas que se fazem acompanhar
de transformações estéticas, não menos vitais. Afinal, para uma nova concepção do
mundo, são necessários novos modos de representação. E depois, do que inferimos
da Arte Clássica e de suas categorias – "medida, cálculo, simetria, geometria e
matemática, equilíbrio das proporções, harmonia das relações, domínio dos
impulsos, e dos caprichos, clareza, legibilidade, inserção na tradição – não resumem
em si a essência da expressão clássica".
244
Desse quadro de referências não se pode deixar de levar em consideração,
de acordo com Fabris, um fato incontestável: embora no momento neoclássico se
reconheça o espírito da Antiguidade que "o projeta diante de si como um futuro, um
valor graças ao qual se aperfeiçoa" e que o passado, transposto para o futuro, volta
a ser presente, a uniformidade formal e o esquematismo, por exemplo, que caracterizam
boa parte da arte neoclássica, acabam se revelando muito mais como normas e
convenções, aplicadas rigidamente, "do que como uma verdadeira compreensão do
espírito que animava os artistas da Antiguidade".
245
243
FABRIS, op. cit., p.269.
244
FABRIS, op. cit., p.284.
245
FABRIS, op. cit., p.282.
86
Se tomarmos em consideração a diversidade e complexidade de todo esse
ideário, é preciso ter em mente:
Transformada em categoria, em arquétipo, a tradição clássica deixa de ser uma
experiência renovada para afirmar-se como idéia, como abstração. Desse enrijecimento
não escapa nem mesmo um artista como David, freqüentemente cindido entre a
obediência e desvio da norma, entre uma visão realista e uma construção arqueológica, no
qual se aglutinam algumas contradições centrais do momento neoclássico, simultaneamente
retrospectivo e prospectivo, acadêmico e moderno.
246
Contudo, é evidente a impossibilidade de enfeixar o Classicismo na
categoria: "acadêmico". O problema clássico, então, colocado em uma moldura
histórica, pode nos ajudar a estabelecer a diferença nodal entre a criação de um
modelo – que se pauta por uma idéia de harmonia na qual a razão desempenha um
papel organizador – e a sua imitação. A questão do modelo a ser imitado, que traz
em seu interior a questão da repetição e da imitação, ajuda-nos a pensar uma
problemática do Neoclassicismo brasileiro: o que a Pintura Histórica no Brasil, do
século XIX, buscou na tradição clássica? Até que ponto a organização acadêmica,
no Brasil, e seus artistas se espelharam no modelo clássico?
Quer repouse na aceitação de uma ordem do sagrado, quer sacralize uma ordem
inteligível, a arte clássica, nesse aspecto, pode ser definida como uma arte para a qual há
sempre valores mais sagrados do que esse acidente, o artista, e mais importante que
esse transeunte, o ser humano. (...) a medida clássica é em primeiro lugar mensuração da
única relação que importa, a relação com o absoluto. Nem toda arte religiosa é clássica,
mas toda arte clássica pressupõe, imanente ou transcendente, aquela dimensão que
Rublov chama de deus e que Albert chama natureza.
247
Uma organização acadêmica – na qual impera uma estética cuja arte se
fundamenta em uma tradição formulada no passado por criadores divinos,
transmitidos aos artistas do presente, por vezes transformada em dogmas e cânones –
também se situa no tempo e no espaço. E a Academia Florentina do Desenho, neste
contexto, é exemplar.
246
FABRIS, op. cit., p.282.
247
ROY, C. L'árt à la source. Paris: Gallimard, 1992. v.2. p.164-171 apud FABRIS, op. cit., p.282.
87
Segundo Fabris, a Academia Florentina fundada em 1536, por Vasari, não
consegue pôr em prática o programa inicial do seu mentor: "formar os jovens artistas
na arte primária dedicando-se antes à defesa de interesses corporativos".
248
Outro
exemplo é a Academia de São Lucas que, a princípio, deveria estruturar seu ensino
em torno do trabalho de ateliê e de conferências e discussões a respeito da teoria da
arte. "Entre as diferentes práticas de atelier havia o desenho 'à antiga', isto é, o
estudo dos grandes mestres clássicos, o que evidencia a intenção da instituição
acadêmica de tornar-se guardiã de um certo número de normas derivadas da
história da arte, consideradas eternas e, portanto, válidas para o presente".
249
Considerando esses dois exemplos, é claro que o "fenômeno acadêmico"
não se restringe à fundação de uma academia, mas se estende ao diálogo que os
artistas travam com seu tempo. Por outro lado, comparando as duas escolas
anteriores – a de Florença e a de São Lucas – com a Academia de Pintura e
Escultura, fundada em Paris em 1648, as singularidades mostram-se com mais clareza.
Na Academia de Paris, a idéia clássica transforma-se em dogma e o artista
tem uma formação que inclui, inclusive, uma atuação na propaganda a serviço do
Estado. E é esta Academia que se apresenta no Brasil, com a Missão Artística
Francesa, como o modelo acadêmico mais acabado.
Evidentemente, compreender o Classicismo é importante, porém, cabe lembrar
que, neste estudo, limitado à compreensão da influência deste modelo na configuração
do Neoclassicismo brasileiro e a revisão da herança neoclássica que mantém a
Academia Imperial de Belas Artes. Essa herança tem origem no Neoclassicismo
francês, principalmente em razão do vínculo de Jean-Baptiste Debret, que estudou
com David e de quem recebeu forte influência. Debret – a exemplo do principal
representante do Neoclassicismo francês, Ingres, discípulo de David – guardadas as
devidas proporções, é considerado, no Brasil, o principal pintor neoclássico que se
248
FABRIS, op. cit., p.269.
249
FABRIS, op. cit., p.269.
88
impôs a partir da Missão Artística Francesa. Além de Debret, a título de informação,
destacamos também na pintura Auguste Taunay e na escultura Granddjean de Montigny.
Vale realçar que o Neoclassicismo francês não pode simplesmente ser
transposto para o Brasil do século XIX, pela simples razão de que é outro contexto
e um momento político, cultural e artístico muito diverso do francês. As premissas
daquele neoclassicismo nos ajudam, porém, a enxergar as singularidades da
experiência neoclássica brasileira.
A princípio, tendo como premissa a exaltação dos valores do cidadão, o
Neoclassicismo da metade do século XVIII às primeiras décadas do século XIX
representa, segundo Fabris,
uma reação moral, pois, se opõe à sociedade cortesã, e uma reação intelectual, pois visa
encontrar as fontes de uma civilização primitiva e verdadeira. (...) Trata-se de uma atitude
moral e política, da busca de novos padrões de comportamento, relacionados com um
ideal de vida estóico e republicano. É por isso que o neoclassicismo é associado à
revolução francesa e a independência norte-americana. (...) O novo gosto, que se instaura
a partir de meados do século XVIII, não pode ser dissociado da crise dos valores da
sociedade cortesã e da busca de novos modos de vida.
250
Sob esse ângulo, uma pintura neoclássica, cuja matriz é a observação de
regras, tem por fim manifestar a simplicidade, sobriedade e dignidade, pois no
Clássico o valor fundamental está situado na própria obra. O pintor, conseqüentemente,
busca, em especial, a forma, dá ênfase à linha contínua, à precisão do desenho, à
pureza do traço. A composição é sólida, pois a fonte maior de inspiração é a
escultura antiga.
Esse Classicismo que se estendeu pelo mundo ocidental prevalece no
Brasil, sob a forma de um Neoclassicismo. Mas, entre nós, o esforço para forjar uma
arte brasileira, segundo Antônio Candido, era visto como uma tentativa de afirmação
dos temas e peculiaridades do país. Portanto, produzir uma "arte nacional", a
exemplo do que ocorria na Europa, exigia uma renovação em relação ao classicismo,
250
Ainda de acordo com essa autora, essa reação encontra apoio nos enciclopedistas hostis
à corte, o que explica a diferença do neoclassicismo em relação aos classicismos anteriores
(FABRIS, op. cit., p.290).
89
propiciada por um novo olhar sobre o Brasil que tem origem em uma convergência
de fatores internos e externos que é, ao mesmo tempo, nacional e universal.
251
Ainda assim, tendo como pano de fundo um projeto de uma sociedade, que
vive os conflitos de uma nação que se pretende culta, no Brasil, o poder também se
serviu à larga das representações artísticas. As novas idéias, cujas raízes se
fortaleciam desde a Revolução Francesa, possibilitaram no plano estético, como
reflexo do ideário liberal que se implantava nas nações européias, um amplo movimento
de crítica aos padrões rígidos do classicismo e de incentivo à total liberdade de
expressão. Esse movimento, no Brasil, em meados do século XIX, apresentou-se
nas cores de um Romantismo centrado na valorização da originalidade, da visão
pessoal e das diferenças entre as nações.
2.2 O ROMANTISMO NO BRASIL: O NACIONAL E O UNIVERSAL
Como vimos, o Romantismo é um "movimento tão rico e tão contraditório e
apresentou tantas variações nacionais e individuais, que é provavelmente inútil
pretender defini-lo através de uma ou duas características".
252
Embora apresente
traços próprios do Romantismo europeu, convém lembrar que o Romantismo no
Brasil, que tem como marco fundador o ano de 1836,
253
é um movimento, cujas
nuanças refletem singularidades inerentes ao país, à época e até mesmo ao gênero
251
CÂNDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos
(1750/1836). 7.ed. Belo Horizonte (MG): Itatiaia, 1993. v.1. p.281.
252
LEITE, D. M., op. cit., p.163.
253
O ideário romântico tem como marco mais ou menos convencional o ano de 1836, em
razão do livro Suspiros Poéticos e Saudades, de Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882)
e da revista Niteroy, fundada e publicada também por Magalhães, Porto alegre e Torres Homem, na
qual tratam sobre uma reforma nacionalista e espiritualista da literatura brasileira O romantismo no
Brasil reflete um entusiasmo pela vida nacional, de confiança no futuro do jovem país, de celebração de
sua natureza, de elogios à inspiração dos seus jovens poetas, mortos na flor de idade, e perdura até
aproximadamente 1881, quando a obra O Mulato, de Aluísio Azevedo, traz em seu bojo as premissas
da tendência realista e naturalista que influenciarão as artes no Brasil, a partir de então.
90
artístico em vigor. É assim que a literatura e a pintura, concordando com Antônio
Cândido, inscritas nos movimentos históricos e estéticos, ao mesmo tempo, nacional
e universal, configuram um novo olhar sobre o Brasil e são recursos de valorização
do país.
254
Ocorre que essa pluralidade pode ser o indicativo, segundo Leite, de
uma unidade mais profunda nos vários romantismos. É que os românticos procuravam, mais
que os clássicos ou neoclássicos, a individualidade e a originalidade; à tradição clássica,
opunham as tradições nacionais; aos claros limites do estético ou não-estético, tentaram as
formas novas que permitissem exprimir o inexprimível, isto é, traduzir um domínio ainda não
tocado pela experiência coletiva ou ainda não dominada pelo lugar comum.
255
A primeira tarefa, então, é identificar as cores que adquire no Brasil, no
período de 1820 a 1880, recorte proposto no início de nossas reflexões.
Dessa unidade, extraída da pluralidade, emergem os princípios que diferenciam
a perspectiva neoclássica da romântica. No caso do Brasil, deduzimos que certos
valores, que sobressaem do Romantismo em sua expressão historicista, que se
alimenta da Revolução Francesa, resultam na idealização do passado representado
pelos grandes acontecimentos.
Mesmo assim, no Romantismo o valor básico não está na obra, mas no próprio
artista ou na sua subjetividade. O que importa é o artista e sua auto-expressão.
256
As grandes obras, desse modo, têm por substrato as visões extraídas da
imaginação do artista e sua compreensão dos acontecimentos históricos. Na criação
de símbolos ou mitos, os artistas românticos tentam justificar e explicar a
nacionalidade, de um lado, por meio da celebração da natureza tropical e do
indígena como o dono da terra e identificado com suas belezas. E, de outro, do culto
254
Ver: CÂNDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira. São Paulo: Martins, 1959. v.2.
255
LEITE, D. M., op. cit., p.164.
256
ROSENFELD e GUINSBURG, Um encerramento, op. cit., p.276.
91
a determinadas figuras como D. Pedro I e Tiradentes, que aos poucos emergiram
para a história e as comemorações patrióticas.
Essa noção de nacional, cujo horizonte é a dimensão universal, explicita
um aspecto tanto nacionalista quanto romântico. A busca das tradições e o culto da
história, por exemplo, evidenciam que o Romantismo brasileiro é tributário do
nacionalismo. Esmiuçando o nacionalismo, é possível distinguir duas tendências: o
nativismo e o patriotismo.
257
O nativismo, em sentido estrito e já então tradicional em
nossa cultura, ligado à celebração ou aos sentimentos de afeto pelo país, mais o
patriotismo, ou seja, o sentimento de apreço pela jovem nação e o intuito de dotá-la
de uma literatura independente. No nativismo, é predominante o sentimento da
natureza; no patriotismo, é o da pólis.
258
O nacional, no seu viés nativista, remete
àquilo que parecia ser o mais brasileiro: o índio e a natureza. É a partir deste índio
(idealizado como herói) e desta natureza (idealizada como paisagem nacional) que a
Arte retrata o nacional.
Por outro lado, a articulação do nacional com o universal "é perfeitamente
compatível com o espírito iluminista da época: 'com efeito, concebido e
esteticamente manipulado como se fosse um pastor arcádico, o índio ia se integrar
no padrão corrente do homem polido, ia testemunhar a viabilidade de se incluir o
Brasil na cultura do Ocidente por meio da superação de suas particularidades'".
259
Na Literatura, além do nativismo, prevalecerá um outro movimento entre os
anos de 1840 a 1860: o indianismo que, segundo Antônio Cândido, põe lado a lado
índio e conquistador, por meio de uma "crescente utilização alegórica do aborígine
257
CÂNDIDO, Formação..., op. cit., v.1, p.15.
258
CÂNDIDO, Formação..., op. cit., v.1, p.15.
259
PECHMAN, op. cit., p.32.
92
na comemoração plástica e política".
260
Um indianismo que se filia ao Romantismo
na medida em que se pretende portador da "brasilidade".
Resta-nos destacar, ainda, que a ameaça de estar condenado, de um lado,
à inautenticidade e, de outro, à ameaça de uma "reeuropeização" do país, leva
intelectuais e artistas, a partir do diálogo entre Arte e História, a produzir um rico
imaginário sobre as origens da nação brasileira, cujos temas centrais são: o índio, a
natureza, a busca das origens, os costumes. O índio, como o principal personagem
na elaboração de um passado mítico, anterior à colonização; a natureza, utilizada na
elaboração de uma paisagem na qual os índios, os seus verdadeiros donos da terra,
viviam em liberdade.
Se a Nação brasileira precisava encontrar um passado independente da
História Colonial que pudesse torná-la distinta de Portugal, visto, na época, como o
inimigo, a partir de 1822, a elaboração de uma cultura autêntica, nuançada pelo
ideário romântico, aparecia como a perspectiva mais favorável à expressão da alma
da nação recém-fundada. Embora as condições reais da vida nacional (a realidade
de um país escravocrata) ofuscassem os ideais nacionalistas
261
dos românticos
brasileiros, a volta à tradição, segundo Leite, pregada pelo nacionalismo europeu,
"aqui encontrará um símile na volta ao passado colonial, às vezes na celebração
do indígena".
262
260
CÂNDIDO, Formação..., op. cit., v.1, p.18.
261
Estamos nos reportando ao programa nacional de Ferdinand Dennis, para quem a raça e
o ambiente geográfico são as principais fontes de inspiração dos poetas românticos. Mas, não só
Dennis, Almeida Garret também exerceu grande influência sobre os românticos. Sobre a influência e
o significado das orientações desses autores, ver: CÂNDIDO, Formação..., op. cit., v.2, p.319-327.
262
LEITE, D. M., op. cit, p.32.
93
Nesse movimento em direção a uma nacionalidade, vem à tona o tema de
uma língua brasileira, para esse autor, "a única na qual o brasileiro poderia exprimir-
se e que, ao mesmo tempo, já seria expressão de nossas características mais
autênticas".
263
Como instrumento de individualização das nações, a língua, nessa
perspectiva, pode ser um estímulo ao surgimento do sentimento de nacionalidade.
Afinal, a língua nacional – e a sua difusão – é uma forma de despertar o sentimento de
pertença de um grupo e afirmar a unidade nacional. Mas, além de encarnar a nação
e tentar substituir uma diversidade caótica lingüística, deve assegurar, também,
a comunicação horizontal e vertical no seio da nação: seja qual for sua origem geográfica
e social, todos os seus membros devem compreendê-la e utilizá-la. Deve possibilitar a
expressão de qualquer idéia, de qualquer realidade; das mais antigas ás mais modernas,
das mais abstratas às mais concretas. Deve ser um espelho da nação e mostrar que é tão
grandiosa como as outras. Deve confundir-se com a nação – enraizar-se nas suas
profundezas históricas, possuir as marcas do povo.
264
A língua é "o repositório cultural de um povo, fruto do acúmulo de tradições
e criatividade durante séculos e séculos de história", contudo, a idéia de uma língua
nacional, pensada no cenário lingüístico brasileiro é, no mínimo, complexa.
A hipótese "uma língua, uma nação", de fato, evidencia a contribuição da língua
nacional na criação das nacionalidades, mas, também, traz à tona um velho
problema: a idéia de uma língua nacional. A nação, concordando com Anne-Marie
Thiesse, não existe porque possui uma língua; em verdade, se a nação existe é
preciso, então, dar-lhe uma língua.
265
263
LEITE, D. M., op. cit, p.32.
264
THIESSE, op. cit., p.74.
265
THIESSE, op. cit., p.74.
94
Nessa perspectiva, a nação é a matriz originária da História, da qual
ressurge o passado, de retorno às origens. Para o romântico brasileiro, que se vê
como "patriota", nada mais natural do que o culto à natureza, à língua nativa, ao
folclore, ao herói que encarna as qualidades do verdadeiro titã: aquele que carrega
as verdades e que realiza missões.
Nesse sentido, concordando com Malerba, "a questão 'nacional' é o centro
de toda a preocupação intelectual do período, seja na literatura, na filosofia, nas
artes plásticas ou na música".
266
Os "patriotas", de acordo com esse autor, "desejavam
complementar a Independência no plano estético; e como os moldes românticos
previam tanto o sentimento de segregação quanto o de missão – que o compensa –
o escritor podia apresentar-se ao leitor como militante inspirado na idéia nacional".
267
Por outro lado, os românticos brasileiros vivem também um conflito que diz
respeito ao estético: "momento em que os assuntos viram obras"
268
e que, no
período posterior à Independência, resulta na elaboração de uma imagem positiva
do Brasil e dos brasileiros.
269
É o momento em que,
fortemente pautada em uma agenda de festas, rituais e imagens, a monarquia brasileira
se serviu à larga das representações simbólicas que envolvem o poder monárquico e que
evocam elementos históricos de longa duração, associando o soberano à idéia de justiça,
ordem, paz e equilíbrio. Modelo suficiente para se opor à imagem das repúblicas
americanas, tão caracterizadas por guerras civis e associadas à anarquia; modelo para
impor uma imagem civilizacional "à européia".
270
266
MALERBA, O Brasil..., op. cit., p.110.
267
MALERBA, O Brasil..., op. cit., p.110.
268
"Obra", segundo Bosi, "um velho termo rico de significados humanos", existe apenas
quando "as idéias e os sentimentos de um grupo tomam a forma de composições, arranjos
intencionais de signos, estruturas" (BOSI, História..., op. cit., p.96).
269
LEITE, D. M., op. cit.
270
SCHWARCZ, As barbas..., op. cit., p.32.
95
Trata-se de um período de intensa criação artística que seja capaz de
celebrar um modelo político e de criar uma herança simbólica e material
representativa da alma nacional,
No Brasil, de acordo com Leite, podemos evidenciar dois programas
271
de
cunho nacional que respondem à necessidade de representações que sintetizem o
sentido da natureza tropical e do homem brasileiro: o primeiro, de Ferdinand Dennis,
cujo manifesto romântico foi publicado em 1824 e o segundo, de Almeida Garret,
publicado em 1826.
272
Suas principais orientações refletem um acento na raça e no ambiente
como fontes inspiradoras que permeiam a expressão romântica e ao apresentar
"uma imagem positiva do povo brasileiro: amor à liberdade, apêgo a terra e a valôres
individuais".
273
O brasileiro é representado como o indígena, o filho da terra que
convive harmoniosamente com a natureza e como o herói, valoroso e nobre que
forja com o branco e o negro a nacionalidade. Esses traços do Brasil e de sua gente
são eternizados nas obras do romancista José de Alencar e dos poetas românticos
como Gonçalves Dias (1823-1864) cujas poesias A Canção do Exílio e Saudades
274
e a de Casimiro de Abreu (1839-1860), Meu Lar,
275
são exemplares.
271
Ver: CÂNDIDO, Formação..., op. cit.,v.2, p.319-327.
272
É interessante observar a proximidade das publicações desses manifestos à proclamação
da Independência do Brasil em 1822, que é outro fato que torna evidente a ligação do ideário que
perpassa esses programas a um projeto identitário nacional.
273
LEITE, D. M., op. cit.
274
Ver: DIAS, A. Gonçalves. Poesia completa e prosa escolhida. Rio de Janeiro: Aguillar,
1959. p.103, 470-471.
275
ABREU, Casimiro de. Obras de Casimiro de Abreu. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1940. p.75.
96
Em Timbiras, Gonçalves Dias, considerado um dos maiores poetas do
Romantismo brasileiro, descreve os índios como
'capazes de civilização (...) e aptos para formar um povo esclarecido'. Ao contrário da
visão de Francisco Varnhagen, que admite 'o massacre dos índios em nome do
progresso', Gonçalves Dias rompeu com a dualidade bárbaro/civilizado, integrando esses
dois termos numa mesma ordem de desenvolvimento cultural que levaria da nacionalidade
à civilização.
276
Gonçalves Dias estreitou, assim como outros escritores, os laços entre
Literatura e História na busca de uma origem mítica ou histórica do país. De acordo
com essa tendência, é exemplar a exaltação das singularidades do país: a grandeza
da natureza tropical, a eterna primavera com suas flores exóticas, a beleza de rios e
montanhas
277
e da terra genuinamente brasileira em contraposição aos países onde
o frio, a neve, a névoa são constantes "como se a natureza fosse desagradável para o
homem ou, pelo menos, para o homem tropical".
278
Enfim, a terra selvagem, expressão
do nacionalismo é "a floresta virgem ou quase virgem, onde o homem reverte à sua
condição de inocência".
279
Criou-se não só uma representação do índio à imagem e
semelhança do homem forte e corajoso, mas também da natureza perfeita.
A obra Moema, de Victor Meirelles de Lima, pintura de 1862, exposta em
1866, é um dos muitos exemplos dessa idealização, pois reflete uma visão permeada
por um sentimento de amor à natureza representada nos planos longínquos, nos
céus cálidos e na vegetação tropical (figura 1).
276
PECHMAN, op. cit., p.33.
277
LEITE, D. M., op. cit., p.170.
278
LEITE, D. M., op. cit., p.170.
279
LEITE, D. M., op. cit., p.170.
97
Figura 1 - Victor Meirelles. Moema, 1862. Óleo s/ tela, 129 x 190cm.
MASP, São Paulo.
O propósito dessa pintura, na medida em que o artista vai alinhando a
grandiosidade da natureza, a cor local, o ambiente tropical que envolve a figura
feminina em sua exuberância de um exotismo espiritualizado, é dar visibilidade ao
passado e estabelecer uma direção para o futuro. O artista estabelece uma ordem
convencional que vai se tornando referência e a partir da qual condutas e
comportamentos sociais irão se alinhar: não se pode tocá-la e seu corpo inerte,
segundo Jorge Coli, de uma beleza quase abstrata, embora no primeiro plano, é
inacessível, pois habita um mundo entre a morte e o adormecer. Em primeiro plano,
Moema nos oferece o esquecimento da dor e da morte e, embora morta, afogada,
seu corpo permanece intacto.
280
Outro exemplo do indígena brasileiro representado em versos ou pinturas,
importante no projeto de construção da história brasileira, é a personagem Iracema,
do romance de José de Alencar, retratrada nesta pintura de José Maria Medeiros
(figura 2).
280
Ver: COLI, Jorge. A pintura e o olhar sobre si: Victor Meirelles e a invenção de uma
história visual no século XIX brasileiro. In: FREITAS, Marcos Cezar. (Org.). Historiografia brasileira
em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998. p.375-404.
98
Figura 2 - José Maria Medeiros. Iracema, 1881. MNBA, Rio de Janeiro
O indígena também é retratado como o modelo e a vítima maior a
simbolizar o novo Império em O último Tamoio, de Rodolfo Amoedo (figura 3).
Figura 3 - Rodolfo Amoedo. O último Tamoio, 1883. Óleo s/ tela.
MNBA, Rio de Janeiro
Mas, se a civilidade teria o poder de transformar a nação bárbara, esta
temática de cunho nacional coincidiu com um sentimento em voga entre os liberais,
principalmente, de salvar e preservar o que restava de nosso passado indígena.
Porém, pouco tinha a ver com a situação do índio ou do negro, ambos vivendo à
margem, e que bem pouco lembrariam a imagem, por exemplo, da beleza de um
exotismo espiritualizado da índia Moema de Victor Meirelles ou da valentia do indígena
brasileiro sintetizada no poema O Canto do Piaga, de Gonçalves Dias, que até hoje
permanece como poesia exemplar do indianismo e, talvez, de seu principal cultor.
99
No meio das tabas de amenos verdores,
Cercados de troncos – cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d'altiva nação.
(...)
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte,
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
281
É nesse sentido que o impacto das representações artísticas, sobretudo a
penetração de uma simbologia relativa ao Brasil como nação de inspiração romântica e
de cunho nacional, revela uma dimensão tanto estética quanto política: fixar uma
identidade cujo poder é assegurado, segundo Baczko, "pela fusão entre verdade e
normatividade, informações e valores, que se opera no e por meio do simbolismo".
282
Daí a sua força como meio de dominação simbólica e de controle pelo poder.
Cabe ainda destacar que alguns românticos, voltando-se para o passado
coletivo, buscavam "integrar-se na alma popular", enquanto outros se ocupavam de
"seus dramas pessoais". Há aqueles que "ampliaram" e outros que "fugiram da realidade
para o sonho, quando não para o mundo de fantasmas e sombras". Nesse sentido,
conforme argumentos de Leite, embora inútil pretender definir o Romantismo por
meio de uma ou duas características, para esse autor, "o conceito que, para quase
todos, representa mais de perto o romantismo é o de desequilíbrio".
283
Segundo essa
perspectiva, há, essencialmente, "o desequilíbrio entre o ideal do romântico e a realidade
que pode atingir", o que, em seu entendimento, pode levar a revolta do indivíduo perante
seu destino ou diante das restrições imputadas que resultariam em uma "atitude de
fuga, ora para o passado ora para a utopia e os movimentos de libertação".
284
281
RAMOS, Frederico José da Silva (Org.). Grandes poetas românticos do Brasil. São
Paulo: Edições LEP, 1954. p.39.
282
BACZKO, Les imaginaires..., op. cit., p.313.
283
LEITE, D. M., op. cit., p.163.
284
LEITE, D. M., op. cit., p.163.
100
Mas, como tendem ora para "a nostalgia do passado", ora para "um futuro
diverso", ao que tudo indica, entre os românticos
285
encontram-se "tanto os
libertários – capazes de dar a vida pela independência de um povo – quanto os
saudosistas, cujo ideal se localizaria na Idade Média ou ainda antes, no passado
mitológico".
286
Neste sentido, muitas vezes, a solução adotada foi celebrar o índio e
condenar o conquistador europeu.
Por outro lado, também retrataram os problemas históricos e sociais do
país, a começar pela escravidão que acentua, sem dúvida, a soberania portuguesa
sobre as terras brasileiras. Por vezes, reforçaram as diferenças entre os "naturais"
da terra, os "portugueses", aqueles que após 1822 "optaram então por ficar no Brasil
e passaram a ser cidadãos brasileiros", e os negros que sem opção, na perspectiva
de vários "intelectuais" nacionais, passaram a fazer do Brasil: "um país mestiço".
287
A redenção de Cam (figura 4), neste caso, é outra obra exemplar, pois, seu
autor Modesto Brocos,
288
afinado com o discurso da época (a teoria de que todos os
povos, embora diferentes, contribuíram igualmente), representa o Brasil como uma
sociedade de raças cruzadas que, por efeito de cruzamento, chegaria por meio de
uma seleção natural ou talvez "por milagre" a se tornar, algum dia, um país branco.
289
285
Para esse autor, Napoleão, em razão das suas contradições políticas insuperáveis,
apresentava-se ora como tirano, ora como libertador, configurando-se como um dos heróis prediletos
dos românticos.
286
LEITE, D. M., op. cit., p.163.
287
Ver: ROMERO, Silvio. História da literatura brasileira (1888). Rio de Janeiro: José
Olympio, 1949.
288
Modesto Brocos y Gómez nasceu em Santiago de Compostela, Espanha, em 1852 e
morreu no Rio de Janeiro, em 1936. Em 1872, quando ingressou na Escola de Belas Artes do Rio de
Janeiro, foi aluno de Victor Meirelles (1832-1903) e de Zeferino da Costa (1840-1915). Como artista,
realizou pinturas, gravuras, ilustrações, e em 1890, quando retornou ao Brasil, atuou como professor
na Escola Nacional de Belas Artes convidado por Rodolfo Bernardelli.
289
Esse quadro ilustra a tese: Sur les métis au Brazil, de João Batista Lacerda, diretor à
época do Museu Nacional do Rio de Janeiro, apresentada no I Congresso Internacional das Raças,
realizado em junho de 1911. A tese não podia ser mais clara: "o Brasil mestiço de hoje tem no
branqueamento em um século sua perspectiva, saída e solução". Acompanhava uma reprodução do
quadro de Brocos a seguinte legenda: "Le nègre passant au blanc, à la troisième génération, par
l'effet du croisement des races." (SCHWARCZ, O espetáculo..., op. cit., p.11).
101
Uma teoria da "mestiçagem espiritual", em destaque na seguinte afirmativa do crítico
Silvio Romero: "Somos todos mestiços, se não no sangue, pelo menos na alma."
290
Nesse sentido, a partir do ideal racial europeu, o Brasil atingiria um branqueamento,
tornando-se gradualmente mais claro, o que o faria avançar em direção à
"civilização", e isso ocorreria "naturalmente" por meio da mistura dos sangues
europeu e africano.
Dos debates acalorados a respeito da diversidade racial sobressai uma proble-
mática: quem é mais "brasileiro"? Qual é sua cor? Ou qual é a cor da "alma brasileira"?
Figura 4 - Modesto Brocos. A redenção de
Cam, 1895
Inúmeras representações iconográficas evocam um Brasil cujo futuro é
alvo e, a exemplo da pintura A redenção de Can, que torna visíveis o pretenso futuro
civilizado e o branqueamento do Brasil, transformam o mestiço em um personagem
exótico, de um passado atrasado, o "caipira" do interior do país, condenado à extinção
em um Brasil salvo pelo agente civilizador: o branco.
A começar pelo título da obra, seu autor estende a tragédia vivida por Can,
um dos três filhos de Noé, à história do Brasil. Can, filho de Canaã, por ter visto seu
pai nu, foi amaldiçoado. A história de Can e a sua maldição – ser escravo dos seus
290
Silvio Romero apud SCHWARCZ, O espetáculo..., op. cit., p.11.
102
parentes – perpetuam-se nos descendentes da Canaã e, utilizadas para legitimar a
condição dos negros, subentendem que a escravidão purgaria os pecadores e com
isso lhes salvaria as almas.
O artista por meio da imagem da Sagrada Família e do nascimento do
Salvador transforma a redenção do personagem bíblico na redenção do Brasil.
A pintura é uma alegoria, na qual vemos: uma negra (Sant'Ana), a Mãe, uma virgem
mulata (Nossa Senhora); o Pai, caboclo e europeu ao mesmo tempo (São José) e,
no centro do quadro, um menino branco (Jesus, o Salvador). Descrevendo a cena,
vemos uma Sant'Ana, à esquerda do quadro, que ergue as mãos agradecendo aos
céus o nascimento do menino branco, sem mácula ou pecado original. O pai, à
direita do quadro, em atitude de cuidadosa atenção, olha para o menino no colo da
mãe, uma mulata. Toda a cena, construída ao redor do menino, que ocupa o centro
da tela, representa o novo e o futuro Brasil que, no decorrer de um século seria,
nesta "visão mestiça", branco como a criança retratada.
291
Outros elementos dessa "visão mestiça" e singular do Brasil ainda são
representados por Brocos: na mão esquerda do menino uma laranja, talvez o símbolo
da fartura.
292
Ainda cabe destacar: "sua mãe aponta para a avó negra, como se
apontasse para a origem degradada do menino, agora redimida, e ele, então, sinaliza
a sua vitória e direciona sua bênção para esse passado terminado, quase extinto,
remido".
293
Enfim, nesse quadro de Brocos, o Brasil é livre e, sob a forma de Menino
Jesus, é branco. Segundo Paiva: A mestiçagem é aí, e, também, no pensamento
brasileiro desse final de século XIX, elevada à categoria de caminho da civilização.
294
291
PAIVA, op. cit., p.68-69.
292
Segundo Eduardo França Paiva, a laranja poderia estar substituindo o cacho de uva ou a
romã, ou, então, o pássaro, usados à maneira renascentista. Ver: PAIVA, op. cit., p.69.
293
PAIVA, op. cit., p.70.
294
PAIVA, op. cit., p.70.
103
O que se pode dizer, no esforço de contextualizar ou estabelecer correlações
entre esse tipo de pensamento racial – que justifica o domínio europeu sobre os
demais povos – e as práticas artísticas, é que a escravidão é encoberta pelo véu do
romantismo brasileiro. Por sinal, uma escravidão que não só se estende por toda a
Monarquia, mas também lhe dá sustentação. Nesse, como em outros casos, de
acordo com Leite, muitas vezes, a solução "foi ignorar o problema".
295
Por isso, retomando a problemática – quem é mais "brasileiro" – é interessante
observar que, de acordo com Maria Beatriz Rocha-Trindade, a denominação "brasileiro"
como "nacionalidade" diferencia-se da sua aplicação àqueles como "os imigrantes" –
que regressaram ao país de nascimento ou não – que ficaram conhecidos como
"brasileiros". É complexo distinguir, a partir do conceito de "brasileiro", quem de fato
o é: todos aqueles que ao longo da formação da sociedade brasileira vieram, por
vontade própria ou não, morar aqui, ou apenas aqueles que aqui nasceram?
Essa autora cita uma carta de Alexandre Herculano, datada de dezembro de
1873, dirigida ao Conselheiro José Bento da Silva que esclarece bem essa distinção:
A denominação de brasileiro adquiriu para nós uma significação singular e desconhecida para
o resto do mundo. Em Portugal, a primeira idéia talvez que suscite este vocábulo é a de um
indivíduo cujas características principais e qualidades exclusivas são viver com maior ou
menos largueza, e não ter nascido no Brasil; ser um homem que saiu de Portugal na puerícia
ou na mocidade mais ou menos pobre e que, anos depois, voltou mais ou menos rico.
296
Outro exemplo a destacar é a criação de uma poesia nacional. O Imperador,
em uma de suas participações nas seções do IHGB, em 1849, ao apresentar para
debate a seguinte proposta: "O estudo e a imitação dos poetas românticos promovem
ou impedem o desenvolvimento da poesia nacional?", evidencia sua preocupação
295
LEITE, D. M., op. cit., p.175.
296
Alexandre HERCULANO apud ROCHA-TRINDADE, op. cit., p.133. Rocha-Trindade
também destaca a definição de "brasileiro" da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, na qual
se lê: "Indivíduo que esteve no Brasil e que de lá voltou com mais ou menos dinheiro; refere-se ao
homem rico (...)". Enfim, os brasileiros eram aqueles indivíduos que se dedicavam vantajosamente ao
comércio e que "no Brasil são chamados portugueses e entre nós [os portugueses] brasileiros".
104
com a criação de uma poesia e, conseqüentemente, de uma arte nacional. "D. Pedro
e a elite política da corte se preocupavam, dessa maneira, com a elaboração de uma
cultura genuinamente nacional",
297
que refletisse traços inconfundíveis de brasilidade
e peculiaridades locais.
A tudo isso, acrescentem-se os símbolos representativos do novo Estado
nacional que passaram a vigorar, após a Independência. Por exemplo, a mudança
da cor da esfera armilar de ouro em campo azul, armas instituídas por lei de 1821,
para a cor verde, de acordo com o decreto de 18 de setembro de 1822:
Será de ora em diante o escudo de armas deste Reino do Brasil, em campo verde uma
esfera armilar de ouro atravessada por uma cruz da Ordem de Cristo, sendo circulada a
mesma esfera de 19 estrelas de prata em uma orla azul; e firmada a coroa real diamantina
sobre o escudo, cujos lados serão abraçados por dois ramos das plantas de café e
tabaco, como emblemas da sua riqueza comercial, representados na sua própria cor, e
ligados na parte inferior pelo laço da Nação.
298
Ao que tudo indica, ocorrem também a distribuição generosa de títulos e a
conseqüente ostentação de trajes nas cores oficiais. Passa-se a criar um verdadeiro
aparato imagético inspirado nas cores da terra, na flora e fauna locais e de
característica romântica. Os mais abastados, uma vez mais são privilegiados, pois,
com recursos fartos, podem recorrer aos serviços tanto do artífice quanto do escultor
e do pintor, na criação quer do brasão, quer das armas reproduzidas nas grades de
portões das residências, e até das fachadas dos edifícios, nas pinturas decorativas
dos salões e das capelas de famílias, no mobiliário, nas portinholas de carruagens,
nas baixelas de prata, nos cristais, nos utensílios domésticos, nas louças, nos papéis
de carta, nas jóias, retratos de família etc. E, embora a escolha dos motivos do
brasão fosse privilégio de seu proprietário, exigia-se mais do que nunca a habilidade
do especialista na criação de uma simbologia iconográfica, nesse caso, do desenhista
heráldico, profissão que existia no país.
297
MALERBA, O Brasil..., op. cit., p.110.
298
SCHWARCZ, As barbas..., op. cit., p.179.
105
Esses símbolos, ligados ao nascimento do Brasil-nação constitui, como
bem observa Marilena Chaui, verdadeiros semióforos nacionais
299
, tal a força
integradora encarnada e explicativa dos princípios definidores da nação como
Estado. Fiéis a esse projeto, na tentativa de retratar as diferenças, artistas e literatos
freqüentemente remanejaram as tradições européias.
2.3 A HERANÇA NEOCLÁSSICA DA ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES
Desde 1816, com a fundação da Academia Imperial de Belas Artes, filha da
Missão Francesa, é possível observar a importação de um passado representado
por três instituições francesas: a primeira é a Académie des Beaux-Arts, fundada em
1648, que é extinta durante a Revolução de 1789, principalmente em razão de sua
ligação estreita com a aristocracia; a segunda, a École des Beaux-Arts, fortemente
influenciada pelo Institut Français,
300
que é a escola do Estado, e, por último, a
exposição anual conhecida como Salon que, até a década de 1880, era a principal
exposição e "arena pública em que um artista podia construir sua reputação".
301
No início do século XIX, a herança dessas três instituições, que recebem
apoio político e econômico do Estado e desfrutam de prestígio na sociedade francesa,
impõe aos artistas um Sistema de Arte – noções do que era digno de representação
299
O semióforo constitui um signo trazido à frente ou empunhado para indicar algo que
significa alguma outra coisa e cujo valor não é medido por sua materialidade e sim por sua força
simbólica. Ver: CHAUI, op. cit.
300
É interessante lembrar que, desde 1795, o Institut Français tem sob sua
responsabilidade "a manutenção da vida cultural francesa". Um outro fato que merece destaque é a
criação, em 1816, no Institut, de uma seção reservada à Pintura Histórica rebatizada de Academie.
Sua finalidade era reinstituir a Pintura Histórica grandiosa – o style historique – representando cenas
da história clássica, bíblica e contemporânea. Ver: BLAKE, Nigel; FRASCINA, Francis. A prática e a
política da arte no mundo artístico do século XIX. In: FRASCINA, Francis et al. Modernidade e
modernismo: a pintura francesa no século XIX. São Paulo: Cosac & Naify, 1998. p.58-68.
301
BLAKE e FRASCINA, op. cit., p.58.
106
e de como fazê-lo – que se materializava em uma hierarquia de gêneros.
302
Nessa
ordem, a Pintura Histórica era considerada mais "elevada" que o Retrato, que por
sua vez mantinha-se em um patamar superior ao da Pintura de Gênero (cenas
retratando a vida cotidiana de pessoas comuns). A Paisagem estava ainda mais
abaixo, com a Natureza-morta no escalão inferior da hierarquia. Nessa seqüência,
as categorias "mais elevadas" de pintura exigiam uma maior perícia no desenho,
valorizando-se a habilidade "no acabamento perfeito e altamente refinado",
303
enquanto
os gêneros considerados "menores" poderiam ser realizados da maneira mais
esquemática. Essas distinções estendiam-se até mesmo às diferenças de escala e
formato, nesse caso uma pintura importante seria tipicamente grande.
304
Assim,
certos temas ou assuntos como, por exemplo, "violência, a plebe, o crime comum,
os vícios menos respeitáveis e assim por diante não deveriam ser mostrados; ou se
o fossem, como o eram a violência aberta e a atividade sexual, apenas na segurança
de contextos convencionais (e tipicamente mitológicos)".
305
Podemos deduzir, nessa perspectiva, que os grandes momentos históricos
da nação e seus heróis, são temas dignos da "Grande Pintura" caracterizada, no
século XIX, pela ambição de recriar o espírito heróico apoiada nos exemplos
proporcionados pelo mundo clássico greco-romano e na superação das soluções
formais barrocas e rococós. Esse "retorno ao mundo clássico", ao conjunto canônico
dos autores e das obras gregas e romanas que contribui no sentido de configurar o
que denominamos Neoclassicismo, é um movimento predominante na Arte européia,
do final do século XVIII e início do século XIX, cujos núcleos fundamentais são a
França e a Itália.
302
Sobre essa questão, consultar: BLAKE e FRASCINA, op. cit., p.59-60.
303
BLAKE e FRASCINA, op. cit., p.58.
304
BLAKE e FRASCINA, op. cit., p.58-68.
305
BLAKE e FRASCINA, op. cit., p.58-68.
107
Em Roma, contribuiu para "a luta em favor da 'nobre simplicidade' e da
'serena grandeza' do mundo antigo", Johann Joachim Winckelmann (1717-1768),
306
cujas obras Reflexões sobre a imitação das obras gregas, publicada em 1775, e
História da Arte da Antiguidade, de 1764, merecem destaque.
Outra figura angular na introdução das premissas formais e espirituais
helênicas na Europa é Anton Raffael Mengs
307
, discípulo de Winckelmann, que publicou
sua principal obra Reflexões sobre a beleza e o bom gosto na pintura, em 1764.
308
Em seus escritos, destaca como ideal da pintura: "a seleção das belezas
naturais, depuradas de toda imperfeição, vistas através do intelecto, e não com os
olhos".
309
Nesse ideal, os antigos gregos são os modelos estéticos e Raffaelo Sanzio
(1483-1520), conhecido mundialmente pelo primeiro nome de Rafael, é a referência
na composição, vestimentas e na expressão. Nos efeitos de luz e sombra, destaca-
se Antonio Allegri Correggio (1489-1534) e, finalmente, na cor e na construção da
306
Johann Joachim Winckelmann, historiador da arte e arqueólogo alemão, figura central no
desenvolvimento do Movimento Neoclássico e da História da Arte como disciplina independente, cujo
gosto pela Antiguidade Clássica levou-o a estudar grego. Realizou em 1755 uma viagem a Roma,
onde se tornou bibliotecário do cardeal Albani, conhecido colecionador. Em suas obras, Winckemann
enfatizou a superioridade da Arte e da Cultura gregas. Ver: WINCKELMANN, Johann J. Reflexões
sobre a arte antiga. Porto Alegre: Movimento, 1975.
307
Anton Raffael Mengs, pintor alemão, foi levado para Roma em 1741, tornando-se
conhecido pela reputação de jovem-prodígio. Sua obra mais famosa é o afresco Parnaso (1761), que
pintou em um dos forros da Villa Albani, do cardeal Albani, em Roma. Nessa obra, Mengs não
consegue se furtar do gosto dominante da época. A imagem do afresco evidencia um total
rompimento com o ilusionismo barroco, e a cena é representada com detalhes à maneira dos mestres
renascentistas. Ver: FABRIS, op. cit., p.263-291; e MIRABENT, Isabel Coll. A arte neoclássica. São
Paulo: Martins Fontes, 1989.
308
Nessa obra, de acordo com seu pensamento, a Beleza é, em primeiro lugar, a expressão
perfeita de uma Idéia; segundo, não aparece com perfeição na Natureza, que, por sua vez, pode ser
superada pela Arte. Mengs, por último, reflete sobre a perfeição humana como reflexo da perfeição
divina (MIRABENT, op. cit., p.47).
309
MIRABENT, op. cit., p.5.
108
idéia de verdade, o representante máximo, na visão de Mengs, é Ticiano (Tiziano
Vecellio, c. de 1485-1576).
310
A pintura deveria, então, basear-se em regras e em um método, tornando-
se fundamental ao artista: buscar a verossimilhança nas representações, representar
cada figura de acordo com sua forma particular, de modo claro e simples, evitando
os detalhes acessórios. Além disso, buscar a verdade até mesmo nos pequenos
gestos, nas cores, luzes e sombras, sem usar fortes contrastes, pois tudo deve se
subordinar à verdade, inclusive, a beleza. Mengs recomenda, ainda, o conhecimento
histórico dos grandes temas, argumentando que deveriam ser representados de
acordo com o modelo das grandes composições clássicas que, para dar maior
visibilidade a sua perfeição, apresentavam poucas figuras.
311
Nesse contexto, Roma é a urbs propulsora das novas idéias, mas Paris
também é um núcleo angular do Movimento Neoclássico
312
, onde Milizia
313
encontrou nas pinturas de Jacques-Louis David (1748-1825) uma de suas mais
fortes expressões. O Neoclassicismo francês, particularmente a arte de David,
reflete as teses de Mengs, fundamentadas na necessidade de uma proximidade
maior com a Antiguidade Clássica, na qual encontra uma visão ideal dos primórdios
da história. Davi, no entanto, encarna a faceta propriamente moral do Neoclassicismo;
por isso foram decisivos para o artista os anos em que residiu em Roma, quando
pintou O juramento dos Horácios (1784). O que se vê nessa pintura é o sentimento
sublime e patriótico que alcança uma concentração formal que realiza as exigências
da teoria do Classicismo.
310
MIRABENT, op. cit., p.5.
311
MIRABENT, op. cit., p.5.
312
Em Paris evidenciamos a presença de Charles Etienne Brisseux (1660-1754) e Jacques
François Blondel (1704-1774), que defenderam em seus escritos a Arte Clássica (MIRABENT, op. cit., p.5).
313
Além de Winckelmann e Mengs, outro representante desse movimento de renovação
artística é Francesco Milizia, cujo ideário também contribuiu para a compreensão da pintura da
segunda metade do século XVIII.
109
Segundo Fabris, David, influenciado pelas idéias de Winckelmann e pela
leitura de Plutarco, "transforma o ideal estético em modelo da polis ideal; o presente
revive o passado da história, concebido como valor a ser realizado; a arte é a
instância organizadora não só do gosto, mas do próprio comportamento social,
voltado para a recuperação daquela dignidade sublime expressa pela estatuária
grega".
314
O mais importante, então, nesta linha de pensamento, não era imitar as
soluções formais da Arte Clássica, mas levar em consideração o seu valor ético.
Figura 5 - Jacques-Louis David. O juramento dos Horácios, 1784. Óleo s/ tela, 330 x 425cm.
Museu do Louvre, Paris
Os Horácios (figura 5) expressam esse patriotismo acima e além de
qualquer aspecto pessoal e formal, por isso, quando exposta em Paris em 1785, foi
recebida com muito entusiasmo: "Trata-se de um heroísmo espartano e romano,
mesclado a mais sublime virtude cívica. Aqui se cria um símbolo político, num
momento de extrema exaltação – quatro anos antes de estourar a revolução. Com
314
FABRIS, op. cit., p.277.
110
este trabalho, David se tornou o verdadeiro pintor da nova França e o líder de uma
vigorosa escola que foi além das fronteiras de seu país".
315
A corrente neoclássica que ressurge, desde o final do século XVIII, como
uma nova maneira de adorar e igualar-se à Arte Clássica, era, portanto, em larga
medida, um caso moral. Não se pretendia imitar somente as soluções formais dos
gregos, o mais importante era o valor ético que se poderia extrair da arte da
Antiguidade, pois:
O heróico, agora, associava-se ao virtuoso. O herói – de preferência vestido em trajes
antigos – não era apenas alguém que realizava grandes feitos ou proezas físicas e cuja
força muscular e beleza física causavam admiração. Ele era, antes de mais nada, alguém –
e essa era uma concepção edificante de Hércules – cujo nobre corpo revestia uma alma
resplandecente de virtude e cujas realizações podem servir de exemplo como um ideal a
ser atingido. Ele tinha de ser um modelo de magnanimidade, espírito elevado, equilíbrio,
retidão, dignidade humana e auto-sacrifício – em suma, ele deveria possuir todas as
virtudes humanas imagináveis. Quanto mais forte o contraste com os afetados e
inconstantes céticos representantes da sociedade contemporânea, mais imponente e
virtuoso o herói se lhes afigurava. Acima de tudo, o rei e sua entourage tinham de ser
confrontados com um ilustre exemplo da decência romana republicana e da simplicidade e
estoicismo espartanos.
316
Se o classicismo ético assumiu, nessa perspectiva, um caráter eminentemente
político e, juntamente com a literatura e a filosofia moralizantes, preparou o caminho
para as grandes transformações do século XVIII, parece evidente que a Revolução
de 1789, não por acaso, utilizou formas clássicas.
Da mesma forma, a posição da Pintura Histórica como gênero hierar-
quicamente superior, no século XIX, torna evidente o vigor dessa política de arte,
sobretudo, no seu propósito de "edificação do público".
317
Nesse contexto, o dever
315
FRIEDLAENDER, op. cit., p.32-35.
316
FRIEDLAENDER, op. cit., p.17-20.
317
O projeto de arte por trás da Académie "garantia a adequação do currículo da École a
este fim". É interessante destacar também que, até 1863, o currículo de École – aulas de desenho,
anatomia e perspectiva – manteve-se praticamente idêntico ao estabelecido no século XVIII, com
apenas uma mudança significativa: a introdução de aulas de história antiga (BLAKE e FRASCINA,
op. cit., p.59- 60).
111
do "grande pintor" é apresentar uma história que "merecedora de elogio e
admiração, deverá com seus atrativos se apresentar de tal forma ornada e agradável
que conquistará, pelo deleite e movimento de alma, a todos que a contemplem,
doutos ou indoutos".
318
Essa concepção de Pintura Histórica, em nosso entendimento, põe a nu a
noção de que o pintor de história deveria ser um estudioso do legado clássico, um
pictor doctus. Assim, o pintor de história, tal como o poeta, "diferenciar-se-ia por
sua capacidade de invenção e não somente por sua técnica. Nossa admiração por
seu trabalho resultaria de sua capacidade de ser exemplum virtutis e não de
seu virtuosismo".
319
Ora, não podemos esquecer que a cultura, desde a época de Luís XIV, "fora a
arena central da política na vida francesa"
320
exigindo dos pintores acadêmicos uma
erudição que lhes garantisse prestígio e posição diante de sua clientela aristocrática.
Aliás, segundo Francis Frascina, esses acadêmicos, "viam a sim mesmos como
intelectuais, um status que os alinhava com seus influentes clientes".
321
318
Ver: MATTOS, Claudia Valladão de. O lugar da pintura histórica no edifício conceitual da
academia. In: OLIVEIRA, Cicília Helena de Salles; MATTOS, Claudia Valladão de (Org.). O brado do
Ipiranga. São Paulo: Edusp, 1999. p.121.
319
O conceito de invenção, diferentemente da concepção romântica, refere-se à capacidade
de compor uma quadro, a partir dos elementos da natureza e da tradição pictórica, que resultasse em
uma síntese de uma certa idéia exemplar. Ver: MATTOS, op. cit., p.121.
320
BLAKE e FRASCINA, op. cit., p.60.
321
BLAKE e FRASCINA, op. cit., p.60.
112
Isso explica a acentuada importância dada pela Academia
322
à erudição
clássica e bíblica e à Pintura Histórica, bem como seu interesse pelo desenho,
323
cuja ênfase recai sobre as capacidades intelectuais do artista. Nessa linha de raciocínio,
o que parece distinguir os artistas como intelectuais "era a sua capacidade de
projetar ou compor um quadro, de dispor ou ordenar os elementos de uma obra de
maneira a deixar clara a sua imporncia relativa e destacar os significados de uma
obra".
324
O "projeto", conseqüentemente, era um trabalho preparatório, realizado na
forma de esboços ou esquisses, a partir dos quais o artista "experimentava uma
idéia, com freqüência tentando várias concepções diferentes".
325
Porém, podemos deduzir que a ambição de ser uma instituição intelectual
exigia da Academia uma arte erudita, ou seja, que cultivasse um corpus teórico
sobre arte, na perspectiva da Cultura Clássica, cuja finalidade era pensar assuntos
como, por exemplo,
322
Na perspectiva que nos interessa, a primeira Academia, nos moldes de uma escola de
Artes, foi estabelecida em 1563, quando Cosimo de' Médici fundou a Accademia del Disegno, em
Florença. Giorgio Vasari, visando à emancipação dos artistas do jugo das Guildas, foi seu principal
promotor. Michelangelo assumiu como um dos dois diretores ao lado do Duque Cosico. Trinta e seis
artistas foram eleitos membros da Academia. Foram planejadas aulas de Geometria e Anatomia, no
entanto nenhum exercício substituía a prática regular de ateliê. A segunda Academia foi fundada em
Roma, em 1593, Academia di San Luca, presidida por Federico Zuccaro. E, embora a Academia
romana privilegiasse a instrução prática mais do que a florentina, as aulas teóricas também faziam
parte do planejamento. Na França, um grupo de pintores conseguiu convencer Luís XIV (1638-1715)
a fundar, em 1648, a Académie Royale de Peinture et de Esculpture. Pela primeira vez, uma estrutura
profundamente rígida obteve sucesso e apoio oficial. Nesse contexto, evidencia-se a visão de que
tudo aquilo que se relaciona tanto com a prática quanto com a fruição da Arte ou com o cultivo do
gosto podia ser compreendido por meio da razão e reduzido a preceitos lógicos passíveis de ser
ensinados. Em sua maioria, essas Academias, mantidas pelo Estado, evidenciam a consciência do
poder em relação ao papel que a Arte poderia desempenhar. O caso da França é exemplar: ao final
do século XVIII, David, tomado pelo sentimento revolucionário francês, que levava a uma crítica feroz
em relação aos privilégios que usufruíam os membros da Académie, exigiu sua dissolução, o que
ocorreu em 1793. No entanto, foi restabelecida em 1816 sob a denominação de Académie des
Beaux-Arts (FABRIS, op. cit., p.269-272).
323
BLAKE e FRASCINA, op. cit., p.60.
324
BLAKE e FRASCINA, op. cit., p.60-61.
325
BLAKE e FRASCINA, op. cit., p.61.
113
a mecânica da narrativa, as questões estéticas clássicas sobre ordem, clareza, harmonia, o
edificante e o "belo", conceitos considerados centrais para as tradições grega e romana.
Desse modo a Academia sustentava uma ideologia completa da arte: um conjunto de
premissas, crenças e atitudes sobre o que a arte deveria ser, o que fazia um pintor um artista,
onde a arte se enquadrava na sociedade e em que tipo de sociedade ela se enquadrava.
326
O cenário é a Cultura Clássica, cujo sentido ético reflete a busca de um
ideal estético na Antiguidade para representar, por meio da clareza expressiva e da
obediência aos cânones, os temas históricos. Os recursos de temáticas edificantes
preponderam, há ênfase no bem e na defesa do interesse comum e da igualdade.
Um elogio à virtude guerreira – pois, a sua forma ideal, como ação virtuosa, possibilita
o desenvolvimento e o aperfeiçoamento do espírito –, ao heroísmo dos episódios, ao
despreendimento em defesa da Pátria.
327
Parece evidente, nessa nova era clássica,
a influência do conceito de "placidez" ou "tranqüilidade" como requisito de beleza,
pois "esse conceito tinha um caráter ético e quase religioso; ele acrescentava algo
de novo à 'nobre simplicidade' e ao goût de grandeur que já caracterizavam a
postura do classicismo".
328
Se o espírito da época tendia a temas de natureza antiga, heróica e moral,
os problemas formais de estrutura da pintura deveriam ser retomados, tendo em
vista as novas exigências de simplicidade e da inteligibilidade na apresentação de
cenários. Por isso, outras características não menos importantes são a volta à
natureza, da qual a civilização afastara a humanidade, a grandeza e a beleza simples
de "cidadãos de Esparta", que eram buscadas nas figuras nobres da República
Romana. Além disso, panoramas de horizontes ilimitados, vistos em profundidade,
eram deixados de lado para criar o cenário da ação principal por meio de planos
espaciais paralelos, colocados um atrás do outro. Acessórios e quaisquer outros
elementos que pudessem distrair o olhar do essencial da pintura – a ação – eram
326
BLAKE e FRASCINA, op. cit., p.61.
327
FRIEDLAENDER, op. cit., p.20-21.
328
FRIEDLAENDER, op. cit., p.20-21.
114
rigorosamente evitados. E, por último, os contornos eram bem marcados, bem
definidos com o objetivo de construir figuras sólidas e exemplares.
Mas, a tentativa de desnudar o conteúdo por trás do Neoclassicismo,
entendido como um retorno ao mundo clássico, não deve nos levar a pensar que
esse "retorno" prefigurou um movimento com um corpus homogêneo. A arte francesa,
por exemplo, desenvolveu-se a partir das contradições entre duas correntes
principais: a racional e a irracional
329
, e do predomínio de uma ou outra tendência.
Com efeito, como argumenta Francis Frascina, se a aristocracia do século
XIX, não podia fugir dos conflitos com a burguesia e a intelectualidade, também a
Academia estava sujeita a críticas. Cabe lembrar que, embora extinta temporariamente
durante a Revolução de 1789, a Academia manteve-se cada vez mais forte, graças à
necessidade de a burguesia "perpetuar a ilusão de um gosto francês aristocrático e
superior que era uma arma necessária na crescente concorrência mercantil com a
Inglaterra e a Alemanha".
330
Essas críticas, em verdade, eram expressão das divergências entre os
interesses da Academia, da Escola e do Salão que permeavam os debates acadêmicos.
É exemplar, nesse caso, a batalha entre os poussinistes
331
e os rubénistes que, no
329
"A primeira tende a ser moralizante e didática; a segunda é livre dessas inclinações
éticas. A tendência racional deriva da época clássica francesa, o século XVII, e continua, com maior
ou menor força, pelo século XVIII; a corrente irracional é menos constante, mas se manifesta de
forma mais exuberante na primeira metade do século XVIII. Ambas, embora expressas numa grande
diversidade de transformações e cruzamentos, podem ser identificadas na complexa estrutura da
pintura francesa do século XIX e continuam até os nossos dias. O viés moralizante é mais evidente
na pintura francesa que na de qualquer outro país europeu, do norte ou do sul. No início do século
XVII surge na França uma tendência cuja preocupação fundamental é o conteúdo ético e didático de
uma obra de arte, o que, naturalmente, também se reflete na forma. O precursor foi Nicolas Poussin
(1594-1665). Seu famoso quadro Os pastores da Arcádia ou Et in Arcadia ego é um símbolo do
transitório." (FRIEDLAENDER, op. cit., p.11-12).
330
BLAKE e FRASCINA, op. cit., p.61.
331
Influenciados por Poussin, os pintores retomam um certo "laconismo" (rareté), que exigia,
conseqüentemente, que se colocasse no cenário pictórico um mínimo de figuras, enquanto os artistas
decorativos e os rubenistas enfatizavam muito mais os efeitos pitorescos do que a concentração de
ações individuais (FRIEDLAENDER, op. cit., p.12).
115
final do século XVII, produziu toda uma discussão.
332
E, embora as discussões,
aparentemente, girassem em torno das questões técnicas e visuais – desenho
versus cor, placidez versus movimento, ação concentrada em poucas figuras versus
dispersão das figuras –, no fundo, as divergências estavam entre disciplina e moral
versus afrouxamento das normas e subjetivismo.
333
Essa rivalidade chega ao século XIX com a sua famosa querela – dessin
ou linha versus pintura ou cor – que pode ser exemplificada com o conflito Jean-
Auguste-Dominique-Ingres (1780-1867) versus Eugéne Delacroix (1789-1863).
Delacroix, o maior pintor francês do Movimento Romântico, como mestre do
colorismo, era visto por Ingres como a "própria figura do demônio".
334
Vejamos,
"no credo acadêmico mais radical, a linha e a abstração linear encarnavam algo
pleno de significado moral, legítimo e universal, e qualquer concessão ao colorismo
e ao irracional era uma heresia e uma falha moral que deveria ser combatida com
todo rigor".
335
Ora, se o ideal de Ingres é a visão da natureza por intermédio dos
gregos (e de Rafael, como o maior representante do Neoclassicismo e como
332
Segundo Friedlaender, uma discussão mais calorosa que a "famosa querelle des anciens
et des modernes" (FRIEDLAENDER, op. cit., p.15).
333
Dentre as quais, talvez, a mais importante vinha dos românticos e de Eugène Delacroix
identificado, por muitos acadêmicos, com o lado esquerdo da política em razão da sua técnica: uso
das cores vivas e pinceladas perceptíveis que se contrapunha ao gosto da Academia "que
desdenhava os efeitos colorísticos e pictóricos por serem tradicionalmente associados à 'emoção' e à
'sensibilidade', ambas consideradas 'femininas' e destituídas de interesse teórico. Essa visão tinha
suas raízes no debate acadêmico, iniciado no século XVII, sobre o valor relativo do dessin (que com
freqüência era visto como expressão do controle 'masculino') e da cor. Para um acadêmico,
tradicionalmente, a cor servia para pouca coisa mais que 'preencher' um desenho e tinha escasso
valor de um acabamento fino, "le fini", uma qualidade de pintura que revela poucas marcas de
pinceladas, ao mesmo tempo que em que muitas vezes exibe diminutos detalhes pictóricos. Essa
técnica escondia todo traço de trabalho manual, que cheirava a ofício proletário" (BLAKE e
FRASCINA, op. cit., p.61).
334
FRIEDLAENDER, op. cit., p.16.
335
FRIEDLAENDER, op. cit., p.16.
116
discípulo de David), não foi apenas o defensor da pureza do traço e da tradição, mas
também da simplicidade, da dignidade e sobriedade.
É esse método, tanto em seus processos técnicos como de composição,
que se deixou em parte subordinar pela razão e que proporcionou à arte francesa
uma certa contenção formal
336
que se configurou em uma base para todo o
desenvolvimento da arte de Debret.
Uma última questão ainda se põe: se levarmos em conta que o estágio
clássico de um estilo, conforme argumenta Fabris, "não é uma conquista exterior: é
a maturação de um momento experimental, [visto que] a forma é dotada de uma vida
orgânica", resta-nos indagar: no Brasil, os artistas foram capazes de conciliar os
antagonismos entre os elementos compositivos do Neoclássico – herança de David
a seu primo Debret – e uma iconografia pictórica, sobretudo, legitimadora do status
do Brasil como nação civilizada?
E, imaginando-se um ritmo representado por uma curva, na qual os diferentes
aspectos de um estilo são inscritos: primitivo, arcaico, clássico, acadêmico, decadente,
como se inscreve o Neoclassicismo no Brasil, sobretudo, de Debret?
Visto como um "neoclássico de quatro costados"
337
, Debret, durante sua
permanência no Brasil, atinge com sua arte o máximo de coesão? Debret concilia uma
visão, descritiva e classificatória da natureza, da sua flora e fauna, à maneira dos
enciclopedistas, e antropológica, reveladora dos tipos humanos com as perspectivas
artísticas e históricas da França, tão diversas da realidade brasileira?
Esse é o quadro a construir.
336
FRIEDLAENDER, op. cit., p.16.
337
NAVES, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira. 2.ed. São Paulo: Ática,
1997. p.35.
117
CAPÍTULO 3
A PINTURA HISTÓRICA NO BRASIL: DO NEOCLASSICISMO AO ROMANTISMO
O processo de consolidação do projeto identitário nacional, após a
Independência, prescindia da eleição de "historiadores para cuidar da memória, de
pintores para guardar e enaltecer a nacionalidade, literatos para imprimir tipos que a
simbolizassem".
338
Inscreve-se aí a necessidade não só da elaboração de uma
historiografia brasileira e da criação de uma instituição dedicada à reconstrução do
passado brasileiro, no caso o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, mas também
da fundação de uma instituição cuja missão é a criação, em moldes artísticos, de
uma imagem oficial do Brasil. Seu nome: Academia Imperial de Belas Artes que,
embora fundada em 1816, passaria a funcionar, oficialmente, somente em 1826.
Pois bem, é justamente o projeto de Pintura Histórica que se instaura na
Academia Imperial de Belas Artes em razão do seu papel estético e, incontestavelmente,
político que será objeto de nossas reflexões, neste capítulo. Tentaremos, pois,
pensar as práticas artísticas como expressão dos interesses enraizados no projeto
de criação de uma imagem do Brasil que deveria servir de suporte para um discurso
sobre a nacionalidade.
3.1 O LUGAR DA PINTURA HISTÓRICA NA ACADEMIA IMPERIAL DE
BELAS ARTES
Para recuperar os sentidos por trás do projeto de Pintura Histórica, é
necessário pensar a contribuição da Academia Imperial de Belas Artes como locus de
criação de uma "estética brasileira",
339
seu corpus teórico, sua gênese e sua contribuição,
sem esquecer de suas contradições, na construção da identidade nacional.
338
SCHWARCZ, O espetáculo..., op. cit., p.104.
339
PECHMAN, op. cit., p.30.
118
Ao que tudo indica, a medida adotada para realizar tal projeto foi a criação
de uma seção
340
reservada à Pintura Histórica na Academia Imperial de Belas Artes,
que institui o style historique, à maneira do Institut Français, com a finalidade de dar
forma aos grandes momentos da Nação e seus heróis, por meio da representação
de cenas da história da pátria.
A seção de Pintura Histórica da Academia, em nosso entendimento,
afirmava esse propósito por dois motivos: ao forjar uma história do país pari passu
àquela elaborada pelo Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, em primeiro lugar, foi
artífice de uma "biografia" visual da nação. Em segundo lugar, como uma coleção,
representou "um esforço de construção e de perpetuação de determinada memória".
Não se trata de "um amontoado de imagens, mas de uma 'coleção' feita de muitas
lembranças e de várias lacunas"
341
e resulta de presenças e ausências, por isso, na
medida em que faz uma síntese visual daquilo que é considerado o sentido maior
dos acontecimentos históricos, caso tenha êxito, segundo José Murilo de Carvalho,
pode também "plasmar visões de mundo e modelar condutas".
342
Como já vimos anteriormente, o domínio do imaginário e do simbólico é
estratégico para o poder político que se cerca de representações produzidas em
cada momento da formação histórica; por isso, pensar a formação de uma
identidade nacional brasileira exige um diálogo permanente entre os campos da
História e da Arte, desnudando as "idéias-imagens através das quais a sociedade se
dá uma identidade, percebe suas divisões, legitima seu poder, elabora seus modelos
formadores".
343
Dito de outra maneira: essas representações globais não são
gratuitas nem arbitrárias, nem escolhidas livremente, são inventadas e, nesse caso,
340
A seção de Pintura Histórica foi criada em 1826, mesmo ano em que a Academia iniciou
efetivamente suas atividades.
341
SCHWARCZ, As barbas..., op. cit., p.32.
342
CARVALHO, A formação..., op. cit., p.11.
343
BACZKO, Les imaginaires..., op. cit., p.8.
119
são referências coladas à identificação também imaginária da história do passado
que se pretende comum a todos.
É a partir dessa perspectiva que intentamos pensar a atuação: primeiro, de
Jean Baptiste Debret (1768-1848), um dos fundadores da principal instituição
344
artística do Brasil, no século XIX, e autor de uma iconografia que reflete traços do
Neoclassicismo francês; segundo, a influência do pensamento romântico de Manoel
Araújo Porto alegre
345
(1806-1879), da primeira geração de artistas brasileiros; terceiro:
a busca de uma perspectiva nacional, cujo horizonte é uma dimensão universal, com
Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843-1905), da segunda geração.
346
Pedro Américo, tomando por referência a Questão Artística de 1879,
347
foi
um artista muito criticado. Seus quadros de Pintura Histórica que, a exemplo de sua
obra Independência ou Morte, retratam os grandes momentos da pátria, comprovam
344
Ora, "para entender a instituição, é preciso buscar as funções filosóficas que a informam
e nas quais funda sua legitimidade e, ao mesmo tempo, cruzá-las com o mundo das vissicitudes
políticas, entrelaçando-as com a sociedade na qual nasce e da qual depende". Ver a obra de
PRADO, Maria Ligia Coelho. América Latina no século XIX: Tramas, Telas e Textos. 2.ed. São
Paulo: Edusp, 2004. p.16.
345
Foram encontradas fartas referências precisas e completas do artista em algumas obras
das quais destacamos: CAMPOFIORITO, Quirino. A missão artística francesa e seus discípulos 1816-
1840. In: História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983. v.2;
ANTUNES, de Paranhos. O pintor do romantismo: vida e obra de Manoel de Araujo Porto alegre.
Rio de Janeiro: Zelio Valverde, 1943. Dados sobre sua vida e obra foram levantados em DEBRET,
Jean Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP,
1989; da obra de TAUNAY, Afonso de Escragnolle. A missão artística de 1816. Rio de Janeiro:
MEC, 1956. (Publicações da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional n.18).
346
Evidentemente, tratando-se da produção artística de gênero histórico, no século XIX, não
podemos deixar de destacar o artista Victor Meirelles de Lima (1832-1903), também da terceira
geração. Dentre sua obras, citamos: Primeira missa (1861), tela exibida com muito sucesso no Salon
de Paris em 1861, Batalha dos Guararapes (1875-1879) e Passagem de Humaitá, c. 1868-1870. Ver:
COLI, Primeira missa..., op. cit., p.107-121.
347
Dois quadros de batalhas – A Batalha do Avahy, pintado por Pedro Américo, e a Batalha
dos Guararapes, cujo autor é Vitor Meirelles – foram expostos lado a lado na Exposição Geral de 1879,
protagonizando a famosa polêmica de 1879, travada entre os grupos de intelectuais, alguns favoráveis
a Américo, outros a Meirelles. Ver: GUARILHA, Hugo Xavier. A questão artística de 1879: um episódio
da crítica de arte no segundo reinado. Campinas (SP), 2005. Dissertação (Mestrado) - Unicamp.
120
sua proximidade com o mecenato estatal. Essa proximidade com o poder,
exemplificado por amigos influentes no governo, faz crescer as críticas, como se
pode constatar nas palavras de Gonzaga Duque: "será um vencedor na vida, mas
nunca o artista vitorioso".
348
Enfim, a partir do quadro histórico e cultural brasileiro e europeu, do século XIX,
com o qual esses artistas dialogaram, tentaremos analisar a contribuição dessas três
gerações, na idealização de um imaginário de brasilidade.
3.2 JEAN BAPTISTE DEBRET: O BRASIL DE SUA VIAGEM PITORESCA
E HISTÓRICA
Afinal, quem era esse pintor que entre o convite do Tzar da Rússia,
Alexandre I e do seu amigo Joachim Lebreton, não hesitou em aceitar o segundo e
integrar a Missão Artística Francesa? Conhecido como um dos principais protagonistas
da Missão Francesa, quem era esse pintor histórico que participou da construção
pictórica da identidade nacional durante os 14 anos em que permaneceu no Brasil?
Pois bem, Jean-Baptiste Debret nasceu em 18 de abril de 1768, em Paris,
filho de Jacques Debret, escrivão do Parlamento francês, e de Elisabeth Jourdain,
comerciante de roupas brancas. Foi aluno de François Boucher (1703-1770) e de
Jacques-Louis David (1748-1835), figura central do Neoclassicismo francês, que
exercerá uma influência decisiva.
348
Em Mocidade Morta, publicado em 1900, enfatiza: "Há certas épocas que produzem
caricaturas de gênios; então, na história das artes os casos não são raros. Eis o seu mérito. Por si, o
esforço foi pequeno, tudo mais resultou de circunstâncias favoráveis – a falta de concorrência séria, a
proteção imperial, a apatia do meio... até a necessidade de vibrar na esmorecida fibra patriótica,
concorrendo para o prestígio da monarquia, quando as aspirações republicanas entram do domínio
das realidades". Para o crítico, Pedro Américo, não será um pintor vitorioso porque não chega a
formar uma escola (DUQUE-ESTRADA, Luis Gonzaga. Mocidade morta. São Paulo: Editora Três,
1973. p.128).
121
Após terminar seus estudos no Liceu Louis le Grand, Debret passa a
freqüentar o ateliê de David, seu primo, quando tem a oportunidade de viajar para a
Itália em sua companhia. David está partindo para sua segunda viagem a Roma, onde
irá pintar o Juramento dos Horácios, considerada a primeira pintura efetivamente
neoclássica, e Debret participa da execução dessa obra, fato que reafirma seu
conhecimento dos princípios éticos e estéticos e da influência de David sobre a pintura
de Debret.
É interessante lembrar que o Juramento dos Horácios, obra que celebra
a arte, a vida e a moral da Roma Antiga, encomendado por Luís XVI, foi pintado pouco
antes de 1789. No entanto, contraditoriamente, vai simbolizar, em estilo neoclássico, a
República da Nação-Estado, com seus ideais de liberdade, fraternidade e igualdade.
A questão, portanto, é compreender como Debret transpõe, como membro
da Academia Imperial de Belas Artes, o sonho artístico-político acalentado por
David, pois sua atuação nos dá a dimensão exata da função da Academia e da
Pintura de História, no contexto brasileiro do século XIX.
Debret, durante os anos de 1784 e 1785, vive em um momento cultural
ainda fortemente marcado pelo ideário de Johann Joachim Winckelmann e Anton
Rafhael Mengs, conhecidos representantes do Neoclassicismo, e tem contato com o
Renascimento, cujas obras testemunham a grandeza do ideal clássico.
Quando retorna a Paris, ingressa na École des Beaux Arts, em 1785, e sua
formação ocorre em um período conturbado pela Revolução Francesa. Em 1791, foi
admitido no concurso para bolsista em Roma e recebe o segundo Prêmio de Pintura
com a obra Regulus voltando a Cartago (figura 6).
122
Figura 6 - Jean Baptiste Debret. Regulus voltando a Cartago, 1791.
Óleo s/ tela 108 x 143cm. Museu Fabre, Montpellier
Observando-se um desenho de David, cujo tema também é o retorno de
Regulus a Cartago – Regulus e sua filha (figura 7) – parece evidente a sua influência
sobre Debret, inclusive na escolha do tema a ser representado e na construção da
cena: em ambas vemos a jovem, aos pés de Regulus,
349
implorando-lhe que não parta.
Figura 7 - Jacques Louis David. Regulus e sua filha, c. 1786. Tinta
negra e aquarela s/ papel, 31,5 x 41,6cm. The Art
Institute, Chicago
349
O episódio que envolve esse personagem – Marcus Atílius Regulus, Cônsul em 267 e
256 a.C. – é a primeira Guerra Púnica. Regulus é um dos comandantes romanos que, após uma
vitória sobre os cartagineses, é derrotado e feito prisioneiro. Cartago, tempos depois, é derrotada em
Palermo e, em 250 a.C., Regulus é enviado a Roma com a tarefa de obter a paz, sob juramento de
que retornaria a Cartago se a sua missão fracassasse. Regulus convence os romanos a não aceitar
os termos dos cartigineses e a continuar a guerra. Retorna voluntariamente a Cartago, onde é morto
(NAVES, op. cit., p.48-49).
123
A cena representada por Debret mostra exatamente o momento da partida
do general romano, cujos filhos, esposa e amigos imploram que permaneça em
Roma. O quadro, em síntese, dá visibilidade a uma atitude exemplar: "em defesa da
pátria, Regulus sacrifica a própria vida. Mas também em defesa de um ideal de
pátria. Poderia ter defendido a mesma posição, recusando-se no entanto a voltar.
A quebra da palavra empenhada, contudo, destruiria a nação modelar que o motiva –
uma Roma feita de romanos virtuosos".
350
Guiado por David, é exatamente essa atitude exemplar que Debret mostra
em sua tela. Afinal, se a finalidade da obra é despertar na alma popular "todas as
paixões da glória, de devotamento a sua pátria",
351
esse fim deve ser atingido por
meio da razão e, em benefício do tema predominante, sem decorações supérfluas.
Evidentemente, não cabe aqui uma análise do conjunto da obra de David e
das singularidades inerentes à iconografia pictórica de seu seguidor. Pretendemos
apenas chamar a atenção para algumas nuanças que matizam a arte de Debret,
evidenciando semelhanças e contrastes em relação ao Neoclassicismo de David.
Aliás, Debret é talvez o primeiro pintor estrangeiro a se dar conta do descompasso
entre o pensamento neoclássico e a experiência brasileira, desvelando essa contradição.
Afinal como representar, no estilo neoclássico, uma realidade totalmente estranha
aos seus pressupostos éticos e estéticos?
David no Salão de 1808 expõe A coroação do imperador e da imperatriz,
de 1805-1807 (figura 8), obra representativa de um projeto de pintura celebrativa
que muito influenciará Debret em sua Coroação de D. Pedro I, realizada em 1828,
na qual ele registra o momento da coroação e sagração do Imperador do Brasil
(figura 9).
350
NAVES, op. cit., p.49.
351
NAVES, op. cit., p.49.
124
Figura 8 - Jacques-Louis David. A coroação do imperador e da imperatriz, 1805-1807. Óleo s/ tela,
642 x 979cm. Louvre, Paris
Figura 9 - Jean-Baptiste Debret. Coroação de D. Pedro I, 1828. Óleo sobre tela, 340 x 640cm.
Itamaraty, Brasília
Em aquarela, Debret dá visibilidade à cerimônia realizada na Capela Real,
na antiga Rua Direita.
352
O artista diz:
D. Pedro, em grande uniforme imperial, com a coroa na cabeça e o cetro na mão, achava-
se sentado, recebendo o juramento de fidelidade prestado em nome do povo pelo
presidente do Senado da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Lúcio Soares Teixeira de
Gouveia; logo atrás dêste: o ministro da Justiça, Marquês de Praia Grande, com a fórmula
do juramento na mão e José Bonifácio da Andrada e Silva, primeiro fidalgo da Côrte cujas
352
SOUSA, Octávio Tarquínio de. História dos fundadores do Império do Brasil. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1972. Tomo 2, v.2. p.xxvi.
125
insígnias segura (bengala cujo bastão representa uma cabeça de negro esculpida em
madeira preta); em seguida a José Bonifácio, os membros do Senado e seu porta-
bandeira (no centro) colocados em fila até o pé do trono perante o qual devem
sucessivamente prestar juramento. No trono pontifício, à esquerda do Imperador, achava-
se sentado o bispo, capelão-mor, oficiando com tôda a solenidade e à direita, os dois
bispos assistentes. Archeiros e sapadores, e soldados da cavalaria de São Paulo e
caçadores da guarda imperial ladeiam a nave. Na tribuna da Côrte, à esquerda: Imperatriz
D. Leopoldina e a filha, Princesa D. Maria da Glória; em frente à tribuna da Imperatriz,
empunhando a bandeira imperial, vê-se o alferes-mor Marquês de Itanhaém.
353
A Coroação de D. Pedro I é apontada como uma das imagens que melhor
dá a ver uma face esplendorosa dos episódios do passado, talvez a justificá-lo.
Porém, seria engano supor que essa imagem não carrega outros significados. Afinal,
assim como um acontecimento se espraia em direção ao passado e ao futuro, a
Coroação extrapola sua moldura. Nessa imagem, vemos um retrato do Monarca, no
momento inaugural de seu governo, no estilo neoclássico de Debret, mas, se
comparado com A coroação do imperador e da imperatriz, de David, podemos
apontar de imediato algumas diferenças entre D. Pedro I e Napoleão.
Como se sabe, as ações de D. Pedro I em defesa dos interesses das elites
dominantes, durante o processo de Independência, renderam-lhe a continuidade do
regime monárquico e a função não menos importante de Imperador do Brasil. Mas
a importação do Neoclássico, abertamente edificante, exigia do Imperador uma
participação efetiva na vida pública, mesmo que mediante a evocação de um passado
exemplar, por isso, a grandeza e a solenidade que David obtém contrastam com o
acanhamento da cerimônia de coroação de D. Pedro, que se acentua com a
tentativa de Debret de engrandecê-la.
Debret, desde 1816, quando chega ao Brasil, realiza retratos da Família
Real e obras de cunho celebrativo como, por exemplo, as duas primeiras que lhe
foram encomendadas: um retrato de D. João VI (figura 10) e Desembarque da
Arquiduquesa Leopoldina (figura 11), na qual representa a Princesa Real, no Rio de
Janeiro, em 12 de Novembro de 1817.
353
DEBRET, J. B. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. 2.ed. São Paulo: Livraria
Martins, 1940. Tomo II, v. 3. p.272.
126
Figura 10 - Jean Baptiste Debret. Retrato de D. João VI,
s/ data. Óleo s/ tela, 60 x 42cm. Museu
Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
Figura 11 - Jean Baptiste Debret. Desembarque da Imperatriz Dona Leopoldina, c. 1818.
Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
127
Debret, assim como Montigny e Taunay, participa também da criação dos
monumentos comemorativos das festividades de aclamação de D. João VI, após a
morte de sua mãe, D. Maria I.
354
No entanto, parece impossível transpor a noção de
heroísmo, central à estética neoclássica, à realidade brasileira, sobretudo em suas
pinturas de gênero histórico e nos monumentos comemorativos. O aparato montado
para essa festa suntuosa não consegue encobrir a discrepância da situação em
razão da precariedade da vida na sede do Império. Afinal, a precariedade é reinante
e o Rio, "o mais imundo ajuntamento de seres humanos debaixo do céu".
355
Concordando com Naves, podemos deduzir que "as divindades, construídas
em madeira e papelão pintado, mais denunciam as agruras do Império português no
Brasil do que as glórias imorredouras do passado".
356
É evidente que, mesmo com a
experiência das festas em Paris, o que lhe dava um conhecimento e uma sensibilidade
para o sentido das festas como lugar de celebração quase litúrgica da realeza,
a feição rudimentar do Rio de Janeiro inviabilizava na prática uma atuação normal de
Debret e seus companheiros. O neoclassicismo francês defendia uma arte em que a
vontade conduzisse a natureza – sobretudo a natureza humana – a manifestações
virtuosas e belas. Sendo assim, a cidade, o convívio social, é necessariamente seu
domínio privilegiado, mesmo que eles apareçam sob a forma idealizada de episódios
passados modelares.
357
354
"Poucos dias antes da chegada do Calpe ao porto do Rio de Janeiro, trazendo os
artistas, morria D. Maria I, mãe de D. João. E nas festas da aclamação de d. João VI, em fevereiro de
1818, ele [Debret], Grandjean de Montigny e Auguste Marie Taunay ajudam a criar os monumentos
comemorativos. No largo do Paço concentraram o melhor de seus esforços. À beira do cais, erigem
um templo consagrado a Minerva, com 17,60 metros de altura e 63,80 metros de fachada. Sua
descrição é impressionante: 'Constituía-se de um vasto envasamento sobre o qual se erguia um
templo quadrado de arquitetura dórica, com doze colunas estriadas; no centro, internamente, estava
colocada uma estátua colossal de Minerva e debaixo de sua égide o busto do rei d. João VI sobre um
pedestal (...)'. Mais para o centro do largo, perto do chafariz, constroem um arco do triunfo, com 13,20
metros de altura e 15,40 metros de largura. (...) No centro da praça, surge um "obelisco de estilo
egípcio" (NAVES, op. cit., p.59-60).
355
NAVES, op. cit., p.67.
356
NAVES, op. cit., p.67.
357
NAVES, op. cit., p.67-68.
128
Era preciso, obviamente, a exemplo das cerimônias de coroação, casamentos,
aniversários, ao longo do século XIX, exibir aquilo que se quer lembrar, divulgar o
Império. A festa é, nesse contexto, um esforço de monumentalização do passado,
mas, diante da precariedade de nossa realidade social, como conferir ao Brasil uma
imagem afinada com a virtude e a civilização? Como transpor o modelo neoclássico
à sociedade brasileira que em tudo se diferenciava de uma cultura européia?
358
Inscreve-se aí uma contradição que não se restringia a Debret, mas que
perpassaria o imaginário identitário nacional elaborado ao longo do século XIX:
como imprimir uma face civilizada e constitucional a uma monarquia cuja identidade
vai se construindo sobre uma realidade escravocrata?
Na época, 45,6% de um total de 79321 pessoas eram escravos no Rio de janeiro, dando
às ruas um colorido especial. Nesse Império, o universo do trabalho resumia-se ao mundo
dos escravos. Vendedores ambulantes, negras quituteiras, negros de ganho oferecendo-
se como pedreiros, barbeiros, alfaiates, funileiros e carpinteiros eram figuras obrigatórias
nas ruas da cidade. Mas a vivacidade das ruas não correspondia à estrutura da sociedade
hierarquizada, violenta e desigual.
359
Se esse Império precisa dos ornatos da civilização para a elaboração de
sua imagem como nação civilizada, de acordo com a concepção herdada pela
Missão Francesa, "a arte – forçosamente ética – se constituía em suma e guia da
vida urbana".
360
Evidentemente, uma arte que se realiza na medida em que, por
meio de imagens, antecipa "uma cidade regenerada, lugar de um relacionamento
moral entre os homens".
361
Como vimos, a despeito dos conflitos inerentes ao
processo de construção da identidade nacional, profundamente marcado por
358
NAVES, op. cit., p.69.
359
SCHWARCZ, As barbas..., op. cit., p.42.
360
NAVES, op. cit., p.68.
361
NAVES, op. cit., p.68.
129
relações assimétricas, é evidente a participação também dos artistas, na montagem
de um espetáculo em que "representação e realidade se encontram articuladas".
362
Nessa perspectiva, a atuação de Debret mais uma vez é exemplar, pois,
como idealizador de um pano de boca
363
que celebrava a coroação de D. Pedro I,
primeiro símbolo oficial da realeza brasileira, o artista representa o Estado corporificado
no trono imperial, cuja missão é submeter a seu domínio um outro diferente de si,
elevando-o a um estado civilizado.
Figura 12 - Jean Baptiste Debret. Pano de boca executado para a representação extraordiria
dada no Teatro da Corte por ocasião da coroação do imperador D. Pedro I,
Litografia s/ papel, 16 x 31,7cm. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Prancha 49
Debret, como pintor de teatro, foi encarregado da nova tela, "cujo bosquejo
representava a fidelidade geral da população brasileira ao governo imperial, sentado
em um trono coberto por uma rica tapeçaria estendida por cima de palmeiras".
364
A alegoria passou pela inspeção e aprovação de D. Pedro I e de José Bonifácio e,
362
SCHWARCZ, As barbas..., op. cit., p.30.
363
O próprio diretor do teatro considerou necessária a substituição da pintura do antigo
pano de boca (a cortina ou a tela que, à maneira do teatro italiano, situada na interseção do proscênio
com a cena palco, serve para ocultar o ambiente cenográfico), representando um rei de Portugal
cercado de súditos ajoelhados (DEBRET, Viagem..., op. cit., 2.ed., p.326).
364
DEBRET, Viagem..., op. cit., 2.ed., p.326.
130
de fato, agradou, pois sintetizava uma série de elementos constitutivos da nova
nacionalidade. É o que revela a descrição de Debret:
O governo imperial é representado, nesse trono, por uma mulher sentada e coroada,
vestindo uma túnica branca e um manto imperial brasileiro de fundo verde ricamente
bordado a ouro, traz no braço esquerdo um escudo com as armas do Imperador e com a
espada na mão direita sustentando as tábuas da Constituição brasileira. Um grupo de
fardos colocados no envasamento é em parte escondido por uma dobra de manto, e uma
cornucópia derramando frutas do país, ocupa um grande espaço no centro dos degraus
do trono. No primeiro plano, à esquerda vê-se uma barca amarrada e carregada de sacos
de café e de maços de cana-de-açúcar. Ao lado, na praia, manifesta-se a fidelidade de
uma família negra em que o negrinho armado de um instrumento agrícola acompanha a
sua mãe, a qual, com a mão direita, segura vigorosamente o machado destinado a
derrubar as árvores das florestas virgens e a defendê-las contra a usurpação, enquanto
com a mão esquerda, ao contrário, segura ao ombro o fuzil do marido arregimentado e
pronto para partir (...) Não longe uma indígena branca, ajoelhada ao pé do trono e
carregando à moda do país o mais velho de seus filhos, apresenta dois gêmeos recém-
nascidos para os quais implora a assistência do governo (...) Do lado oposto, um oficial da
marinha (...) No segundo plano um ancião paulista, apoiado a um de seus jovens filhos
que carrega o fuzil a tiracolo, protesta fidelidade; atrás dele outros paulistas e mineiros,
igualmente dedicados e entusiasmados, exprimem seus sentimentos de sabre na mão.
Logo após esse grupo, caboclos ajoelhados mostram com sua atitude respeitosa o
primeiro grau de civilização que os aproxima do soberano. As vagas do mar, quebrando-
se ao pé do trono, indicam a posição geográfica do Império.
365
A monarquia é representada por meio de uma série de elementos tropicais
que, organizados em torno do trono, orientam o olhar do observador em direção à
representação do Imperador: O "P" e a "coroa" logo acima da imagem de uma
mulher que carrega a Constituição, o símbolo maior do progresso ocidental.
A montagem de Debret enaltece a Monarquia e a nova civilização que se
conforma nos trópicos representada por meio da indígena (de pele branca), que
carrega os filhos "ao modo do país", e do negro que viria a resultar, pela mistura de
raças defendida por José Bonifácio, no "povo brasileiro".
366
A imagem do Brasil seria
associada à figura do indígena em inúmeras ocasiões, legitimando-se uma iconografia
que representaria, ao longo do século XIX, um Império indígena, sim, mas não africano.
365
DEBRET, Viagem..., op. cit., 2.ed., p.327-329.
366
DEBRET, Viagem..., op. cit., 2.ed., p.327-329.
131
Logo atrás do trono, em contornos mais nítidos, vemos selvagens com
suas flechas posicionados ao lado de paulistas, mineiros e oficiais da Marinha.
As frutas tropicais, aos pés do Estado-Imperial, assim como as palmeiras e a
vegetação compõem um quadro claramente exótico. O mar, por sua vez, cujas
vagas deságuam muito próximas do trono, representa o Atlântico, como a lembrar a
união do Brasil à civilização e a sua separação.
Destacando a monarquia brasileira de sua matriz lusitana, os novos símbolos da terra
ganham um caráter inaugural, como se toda a história começasse no ato que constituía a
nação independente. Unidas e irmanadas por meio da realeza – representada pela figura
da mulher sentada no trono com o texto da lei nas mãos –, uma nação miscigenada arma-
se para defender a monarquia constitucional, legitimada pela adesão de "seu povo".
367
Mas, apesar da grandiosidade da representação do Império do Brasil e da
originalidade no pano de boca de Debret, como argumenta Naves, "há uma rigidez
mal resolvida, a produção de uma grandiosidade meio naïf fiel talvez ao espírito
acanhado da monarquia brasileira, mas muito limitada enquanto pintura".
368
Debret, que permanecerá no Brasil até 1831, trouxe como herança de
David, um corpus teórico referencial que colocava o passado greco-romano como
herdeiro – fantasiosamente ou não, pouco importa – de uma longa tradição
republicana e igualitária
369
e, conseqüentemente, uma Pintura Histórica que,
construída nessa tradição sustentava-se como um gênero, sobretudo, ligado a um
modelo ético de comportamento.
370
Artisticamente, essa concepção universalista
pedia formas idealizantes adequadas a uma temática modelar. E Debret, atento à
367
SHCWARCZ, As barbas..., op. cit., p.42.
368
NAVES, op. cit., p.37.
369
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.120.
370
Na França, algumas noções como, por exemplo, virtude, heroísmo, exemplo, adquiriam
pleno sentido histórico e, embora tendo raízes sociais bem marcadas, buscavam a regeneração de
toda a sociedade.
132
perspectiva clássica, não romperá a estabilidade desse corpus teórico que, nos
moldes de Jules Michelet,
371
sustentara a Pintura Histórica até então.
Podemos afirmar, assim, tendo em vista as nuanças apontadas, que é um
certo realismo, de inspiração neoclássica – que reconhece "a força da
verossimilhança mais do que a de um realismo de cunho naturalista"
372
–, que nutrirá
a experiência artística de Debret. Um realismo, em verdade,
cuidadosamente trabalhado pela razão e pela prática pictórica. Nesse processo, os
elementos e personagens devem, igualmente, emitir uma aura atemporal, o que explica a
idealização das figuras representadas e uma presença quase conceitual dos objetos.
Estes, muitas vezes, perdem suas funções naturais e assumem papéis discursivos que
transcendem sua época.
373
De acordo com essa vertente, trata-se de uma prática de representação
tributária da "tradição enciclopédica do século XVIII".
374
É possível observar essa
tradição enciclopédica na iconografia pictórica elabora por Debret, que, a maioria de
suas imagens, como testemunho, "carrega a marca de sua presença no Brasil, mas
não pode ser tomada como retratos de uma realidade".
375
371
Jules Michelet (1789-1874), importante historiador francês do século XIX, publicou em
1833 sua principal obra: Histoire de France, organizada em 20 volumes. Para Michelet, cabe ao pintor
de história manter a fidelidade absoluta ao fato histórico, uma vez que a representação é fonte
privilegiada para o estudo da própria história.
372
LIMA, Uma viagem..., op. cit., p.20.
373
LIMA, Uma viagem..., op. cit., p.19.
374
Segundo Valéria Lima, a finalidade da Enciclopédia, organizada e publicada por Diderot
e D'Alembert, a partir de 1751, era sintetizar todo o saber da época. Nesse sentido, reunia verbetes
sobre as ciências, artes e ofícios, ilustrados em 11 volumes separados dos textos. Seu modo de
organização e seus procedimentos ilustrativos serviram de exemplo para muitas obras publicadas
posteriormente, sobretudo para os relatos de viajantes. Além disso, essa maneira de organização
enciclopédica nivelou o status de todos os ramos do conhecimento. A Enciclopédia, nesse caso,
passou a constituir uma fonte de referência para a intelectualidade da época e um importante
parâmetro para as relações entre texto e ilustração (LIMA, Uma viagem..., op. cit., p.18-21).
375
LIMA, Uma viagem..., op. cit., p.20.
133
Nas máscaras, por exemplo, atribuídas aos índios do Pará e que
pertencem ao acervo do Museu Imperial de História Natural, Debret, a partir de um
olhar classificatório, organiza em uma única prancha diferentes desenhos sobre um
mesmo tema.
Figura 13 - Jean Baptiste Debret. Tipos de máscaras indígenas.
Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Prancha 27
Para Debret, a natureza é o lugar do homem brasileiro, mas, também,
cenário da ação civilizatória. É o caso da imagem Índios soldados da província de
Curitiba escoltando selvagens (figura 14), na qual o artista, de acordo com os seus
registros, retrata a natureza local, com o rio Paraíba do Sul correndo através das
matas virgens. Na mesma imagem reproduz um grupo de índios soldados que
caminham em fila sobre um tronco, escoltando prisioneiros.
134
Figura 14 - Jean Baptiste Debret. Índios soldados da província de Curitiba
escoltando selvagens. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil.
Prancha 20
O artista tenta romper com uma visão da população como "selvagem e
exótica" e, como outros viajantes, volta-se para os aspectos sociais e culturais
construíndo um novo olhar sobre um homem não-europeu. Debret considera as
populações não-européias capazes de integrar o conjunto das nações civilizadas;
assim, aproxima seu protagonista,
o Brasileiro – do campo da história, lugar do homem ativo e independente. A natureza,
espaço a partir do qual a idéia do homem brasileiro se constituiu entre a maioria dos
viajantes e intérpretes do país, era para ele igualmente domínio da ação do homem
civilizado. Sua riqueza e mesmo seu caráter selvagem e indomado deveriam, também
servir às suas necessidades, seja como espaços a cultivar, extrair e explorar cientificamente,
seja como modelos para a pintura de paisagem e de história.
376
Contudo, diferentemente dos românticos, Debret não pretende idealizar o
indígena, nem mesmo transformá-lo em um símbolo da nação que vê se formar.
Esse lugar, segundo Valéria Lima, estaria "reservado ao brasileiro mestiço, mistura
das raças que capacitariam a inteligência e o físico de uma população adaptada a
um meio específico".
377
Realiza um minucioso registro das figuras humanas,
descrevendo desde seus traços fisionômicos, suas vestimentas e seus hábitos até
376
LIMA, Uma viagem..., op. cit., p.41.
377
LIMA, Uma viagem..., op. cit., p.42.
135
seus meios de locomoção. Recupera usos e costumes de todos os grupos sociais e,
nessa perspectiva, busca construir uma imagem do Brasil a partir dos habitantes
nativos, dos colonizadores e escravos.
Algumas cenas urbanas mostram atividades fatigantes, outras revelam
castigos cruéis. É o caso das imagens Execução do castigo de açoite (figura 15) e
Negros no tronco (figura 16).
Figura 15 - Jean Baptiste Debret. Execução do castigo de açoite. Viagem
Pitoresca e Histórica ao Brasil. Prancha 45
Os castigos, nas cenas desenhadas por Debret, assumiam requintes de
crueldade como, por exemplo, no retorno à prisão, quando os ferimentos eram
lavados com vinagre e pimenta. Era comum também o açoite e nas fazendas, muitas
vezes, o suplício no tronco, onde eram aferrados pelas pernas, punhos e até mesmo
pescoço, permanecendo por vários dias em posições horrendas.
Figura 16 - Jean Baptiste Debret. Negros no tronco. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil.
Prancha 45
136
As correntes, as máscaras, os colares de ferro, usados em escravos fujões
caçados por capitães do mato, denunciam a face negra do Império (figura 17).
Figura 17 - Jean Baptiste Debret. Colar de ferro. Viagem Pitoresca e Histórica ao
Brasil. Prancha 42
Outras representações registram situações associadas à rotina diária
dos habitantes e as particularidades da sociedade brasileira. É o caso da imagem
Um funcionário a passeio com sua família (figura 18) e Uma senhora brasileira em
seu lar (figura 19).
Figura 18 - Jean Baptiste Debret. Um funcionário a passeio com sua família.
Litografia s/ papel, 15,3 x 22cm. Viagem Pitoresca e Histórica ao
Brasil. Prancha 5
137
Figura 19 - Jean Baptiste Debret. Uma senhora brasileira em seu lar. Litografia s/
papel, 15,9 x 22cm. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Prancha 6
Ninguém ilustrou, como Debret, de maneira tão abrangente e detalhada, os
contrastes presentes na realidade brasileira, seus componentes étnicos, sem deixar de
enfatizar as contradições que marcaram sua formação. Mas, além das representações
iconográficas em que evidencia a presença africana na cidade do Rio de Janeiro,
Debret realiza inúmeras imagens relativas aos pontos geográficos, frutos, plantas e
animais, evidenciando as singularidades do país e do povo brasileiro que, inclusive,
justifica o termo "pitoresco" de sua obra Viagem. Para Debret, essas singularidades
não se restringiam à mera descrição da natureza tropical e seus aspectos exóticos
que, tradicionalmente, eram objeto privilegiado dos artistas-viajantes. Com efeito,
buscando mostrar um país tão diferente da França, privilegiou aspectos que poderiam
fornecer um retrato dos costumes, da cultura, dos eventos comemorativos, inclusive
participando da preparação das festas do Império com a criação e divulgação de um
imaginário que figurasse um Brasil-nação, pitoresco e unificado.
Debret é exemplar, sobretudo, porque reflete a posição do artista
estrangeiro de formação acadêmica neoclássica, que se vê diante de uma outra
realidade. Como documentarista, é um dos maiores divulgadores da imagem do
Brasil, e seus relatos gráficos constituem um rico acervo iconográfico tanto para
pesquisas historiográficas quanto artísticas.
138
Cabe destacar que, em 1820, o artista em questão é nomeado professor
de Pintura Histórica na academia, mas somente após três anos consegue um ateliê
para trabalhar com seus primeiros alunos. Em 1821, com a partida de D. João VI,
Henrique José da Silva foi nomeado diretor da Academia, desta vez sob a hegemonia
dos artistas portugueses. Nicolas-Antoine Taunay, quando percebe o período de
incertezas e os conflitos internos, prefere regressar à pátria. Em 1829 e 1830, Debret
organizou as primeiras exposições de arte no país, mostras que deram origem à
Exposição Geral de Belas Artes, instituída em 1840. Debret, fortalecido por uma
relação pessoal com D. Pedro I (admirador de Napoleão), e com uma facção liberal
nacionalista e antiportuguesa da aristocracia, não seguiu Taunay. Com a
Independência do Brasil em 1822, tornou-se pintor da Corte Imperial, encarregado
de moldar sua imagem. Em 1831, quando Jean Baptiste Debret retorna à França,
Araújo Porto alegre, na qualidade de seu aluno dileto, o acompanha na viagem.
Em verdade, muitos dos desenhos realizados para compor futuramente a
Viagem, ou pelo menos parte significativa deles, "revelam o esforço de Debret para
ultrapassar seu dilema brasileiro, fazendo uma arte que mantivesse um vínculo com
a realidade do país, sem perder de vista a dimensão crítica da postura ética
neoclássica".
378
Ao retratar o cotidiano dos negros e expor um país, exótico aos
olhos do europeu, cuja economia precária girava em torno da mão-de-obra escrava,
sua obra põe a nu os conflitos vividos por Debret em relação à aplicação do sistema
neoclássico para a representação da realidade brasileira.
Por essas razões, a nosso ver, o trabalho brasileiro de Debret não se reduz
a uma aplicação restrita dos cânones da arte neoclássica francesa. No entanto, como
um dos membros mais representativos da Missão Francesa, teve sua obra "avaliada
mais pelos supostos resultados da academia do que pelos seus trabalhos individuais".
379
378
NAVES, op. cit., p.72.
379
NAVES, op. cit., p.45.
139
3.3 MANOEL ARAÚJO PORTO ALEGRE E SUA ICONOGRAPHIA BRAZILEIRA
Ao investigar a Pintura Histórica do século XIX, cotejando certas implicações
entre arte e sociedade, privilegiamos também a contribuição de Manuel de Araújo Porto
alegre.
380
Discípulo dileto de Debret, Porto alegre nasceu em São José do Rio Pardo
(RS), no dia 29 de Novembro de 1806. Para completar sua formação, aos 16 anos
muda-se para Porto Alegre onde estuda latim, filosofia, álgebra e geometria. Trabalha
como ourives na oficina de M. Gondret, que lhe ensina francês, língua que lhe será
muito útil no futuro. Na oficina de Gondret, conhece o jovem pintor Francisco Ângelo
Ther que havia estudado Artes Plásticas na França. Então, passa a estudar desenho e
pintura, fazendo rápidos progressos, o que levou Gondret a incentivá-lo a dedicar-se
totalmente às artes. Ainda em Porto Alegre conheceu o quadro O desembarque da
Imperatriz Leopoldina, de seu futuro professor Jean Baptiste Debret, e desde então
passou a acalentar o sonho de estudar com ele no Rio de Janeiro.
381
O envolvimento de Porto alegre em uma brincadeira
382
– um concurso para
apurar a moça mais feia da cidade – no ano de 1826, possibilitou a realização desse
sonho e definiu o seu futuro. Até mesmo sua mãe, que não era favorável a que o
380
De acordo com biografia escrita por De Paranhos Antunes, o nome de batismo do artista
era Manuel de Araújo tão-somente, mas, seduzido pelos ares nacionais, trocou o nome lusitano por
um genuinamente brasileiro e passou a assinar Manuel de Araújo Pitangueira. O novo sobrenome lhe
rendeu muitas chacotas, o que o levou a trocar por Porto alegre, conforme seu desejo, com "a"
minúsculo (ANTUNES, op. cit.).
381
Sobre Porto alegre encontramos referência nas seguintes obras: LOBO, H. Manuel de
Araújo Porto alegre. Revista da Academia Brasileira de Letras, 1938; ANTUNES, op. cit.;
CAMPOFIORITO, A missão..., op. cit.; DEBRET, Viagem..., op. cit., 2.ed.
382
Porto alegre participou destacadamente de um concurso para escolher a moça mais feia
da cidade. Ganhou o primeiro lugar a filha do capitão-mor João Tomás Coelho. O pai da jovem nunca
o perdoou e quando o brigadeiro Salvador José Maciel foi nomeado presidente da província, Porto
alegre foi incluído no recrutamento da Guerra da Cisplatina e vai sentar praça no Regimento de
Dragões do Rio Pardo. Conhece, na época, João de Castro do Canto e Mello, irmão de Domitila de
Castro, Marquesa dos Santos, a favorita de Imperador, o que acaba por lhe possibilitar afastar-se da
vida militar. Exatamente no dia em que Porto alegre seria reconhecido cadete, é visitado por João de
C. do C. Melo e "com a maior submissão, protestando inocência", consegue com o apoio de Melo a
sua baixa (MACEDO, F. R. Arquitetura no Brasil e Araújo Porto alegre. Porto Alegre: Editora da
Universidade, 1984, p.37. Apud PINASSI, op. cit., p.37-38).
140
único filho fosse estudar no Rio de Janeiro, concordou com a viagem do filho, afinal,
entre lutar na Guerra da Cisplatina, seria melhor que o filho fosse estudar no Rio
de Janeiro.
Transferindo-se para o Rio de Janeiro, em 1827 foi integrante da primeira
turma dos cursos de Pintura e Arquitetura da Academia Imperial de Belas Artes,
aprimorando seus conhecimentos de Pintura Histórica, e freqüenta as aulas de
Escultura com Auguste Taunay e de Arquitetura com Grandjean de Montigni. A partir
de 1828 assiste às aulas de Anatomia do Dr. Cláudio Luís da Costa, para aperfeiçoar
sua técnica de pintura, estuda Filosofia e cursa, ao mesmo tempo, a Academia
Militar. Em 1830, em virtude de sua aplicação, é premiado tanto no campo da pintura
quanto no da arquitetura.
Com base no que foi dito antes, parece evidente que a intelectualidade,
naquele contexto, era fruto "de uma urbanidade que, pouco a pouco, deixava de ser
incipiente cenário de incontáveis agitos políticos e culturais".
383
Porto alegre, fruto
desse contexto, foi beneficiado por uma educação escolar iniciada por D. João VI
que chegou ao seu ápice e decadência no Segundo Reinado. Embora clássica, sua
formação é permeada pelo ideário liberal que está na raiz de uma proposta de
educação voltada para a preparação profissional como, por exemplo, do Bacharel
em Direito. Mesmo assim, segundo Pinassi, o "conteúdo escolástico" que perpassa o
sistema educacional até a segunda metade do século XIX, parece ter impedido uma
atuação mais "rebelde" desse artista.
Tudo leva a crer que sua rebeldia se manifesta como atributo da representação de uma
parcela da pequena burguesia emergente marcada por oportunidades acadêmicas e,
sobretudo, da formação marcada pelas influências intelectuais e políticas do Rio e de
Paris. Entre a pequena burguesia urbana parece emergir uma rebeldia, uma criticidade
mais ou menos contundente em relação à sociedade brasileira da época. Opunham-se à
aristocracia agrária e abraçavam idéias favoráveis tanto à abolição do tráfico de escravos
como à nacionalização do comércio.
384
383
PINASSI, op. cit., p.40.
384
PINASSI, op. cit., p.41.
141
Porém, algumas diferenças distinguiam aqueles que eram favorecidos pelo
poder liberal-escravista daqueles que eram favoráveis às causas dos movimentos
insurrecionais como, por exemplo, a luta pela reforma agrária. Segundo Emília Viotti
da Costa, é o caso de uma pequena burguesia que – na esteira dos acontecimentos
do período entre o fim do Regime das Sesmarias (1822) e a regulamentação da Lei
da Terra (1850) – constituiria um conjunto de trabalhadores do campo.
385
É nesse contexto que podemos pensar a atuação de Porto alegre, pois,
além do seu contato efetivo com a cultura ilustrada dos grupos mais abastados do
Rio de Janeiro, tem acesso a uma prática política de bastidor
386
de uma pequena
burguesia radicalmente contra os levantes armados à época. O grupo a que ele se
unia era contrário a qualquer ação que ameaçasse a manutenção da unidade
nacional; portanto, evitando confrontar-se com a propriedade latifundiária limitou-se
a palavras de defesa das medidas de melhoria do trabalho no campo e
modernização da produção agrícola.
Um outro fato determinante na trajetória de Porto alegre ocorreu em 1833:
reuniu-se em Paris com Domingos José Gonçalves de Magalhães e Francisco de
Sales Torres Homem, os outros idealizadores da Revista Niteroy (1836). Configuram-se
nos primeiros românticos brasileiros que, segundo Pinassi, "aceitaram o desafio de
decodificar e criticar a superficialidade política do rompimento com o pacto colonial,
publicando um dos registros mais interessantes dessa fase particularmente rica da
história brasileira".
387
As reflexões de Porto alegre, de acordo com os ideais da jovem geração
liberal romântica, com as quais se identificava uma restrita elite intelectual urbana
385
De acordo com Emília Viotti da Costa, essa nova categoria – os posseiros –, ao colocar-se
claramente contra os interesses do latifúndio, poria em risco a estrutura fundiária vigente desde a
colonização. Consultar: COSTA, E. V. da. Da monarquia à república: momentos decisivos. 7.ed..
São Paulo: Fundação da Editora da UNESP, 1999.
386
PINASSI, op. cit., p.41.
387
PINASSI, op. cit., p.19.
142
favorável à criação de uma cultura nacional (inspirada no liberalismo econômico e no
romantismo francês), expressam um corpo de idéias calcado em quatro posições
fundamentais: em primeiro lugar, Porto alegre rompe com a poética neoclássica, no
campo das artes; em segundo, é favorável à luta pela independência política,
fazendo ver as diferenças entre os novos tempos – regências – dos tempos da
dominação colonial; em terceiro, faz uma opção pelo abolicionismo do trabalho
escravo e a sua substituição pelo braço livre e assalariado e, em quarto lugar, se
propõe a uma busca das dimensões particularizantes do Brasil para inseri-lo no
universo das nações modernas e ocidentais.
388
Ainda, segundo Pinassi, essas
premissas, não só de Porto alegre, mas também dos outros criadores da revista
Niteroy, "se interpenetram e resultam num projeto de fundo ideológico, político, cujo
pressuposto fundamental seria trilhar os caminhos do processo civilizatório,
adequados às primeiras décadas do século XIX".
389
Ainda na França, em 1834, no Institut Historique, faz seu famoso discurso
sobre o estado das Belas Artes no Brasil.
390
Um discurso que marca o surgimento da
crítica da arte brasileira, de modo a colocar, ao lado da literatura, as artes figurativas
no centro do processo de construção de uma identidade nacional.
Cabe antes destacar que, Araújo Porto alegre, quando retorna em 1837,
com a morte de Simplício de Sá, torna-se professor de Pintura Histórica da Academia.
De sua obra pictórica, destacamos o retrato de Debret, na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Pintura Histórica, Coroação de Pedro II
(inacabado), no Instituto Histórico e Geográfico, e a paisagem Uma Gruta, no Museu
388
PINASSI, op. cit., p.27.
389
PINASSI, op. cit., p.28.
390
Seu discurso sobre o estado das Belas Artes no Brasil marca o surgimento da crítica da
arte brasileira e, ao lado da literatura, coloca as artes figurativas no centro do processo de construção
de uma identidade nacional, dando-lhes o papel idealizado pelo mestre francês, porém um papel que
levaria um bom tempo para ser reconhecido no Brasil.
143
Nacional de Belas Artes.
391
Também atuou como desenhista, caricaturista, crítico de
arte, poeta, escritor, teatrólogo. Realizou como coreógrafo, no Teatro São Pedro de
Alcântara, as cenografias para a coroação de D. Pedro II (1841) e para o casamento
do soberano com Teresa Cristina de Bourbom (1843). E, em reconhecimento aos
serviços prestados à cultura brasileira, recebe de D. Pedro II, em 1874, o título de
Barão de Santo Ângelo.
Porto alegre, ao idealizar um projeto de Pintura Histórica, propõe a criação de
uma iconografia em moldes nacionais. Sua atuação mostra, sobretudo, um artista com
visão centrada no exame dos interesses em jogo no espaço político e artístico em que
se disputam aceitação, reconhecimento e distinção, e seus escritos evidenciam isto.
Nesse cadinho político e cultural, em que convivem grupos com características
singulares, Porto alegre, a julgar pela sua biografia, escreveu duas de suas mais
importantes reflexões: Apontamentos sobre os meios práticos de desenvolver o
gôsto e a necessidade das Belas Artes no Rio de Janeiro, publicado na Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838, e Iconographia Brazileira, em 1856.
Em Iconographia Brazileira,
392
levando em conta "um pensamento
nacional", seu objetivo era, por meio de "uma colleção de imagens, ás quaes juntaria
algumas noticias biographicas",
393
fazer com que os exemplos dessas figuras nacionais
frutificassem "no animo da mocidade outros de maior valia".
394
Para ele, era preciso
"reagir contra a escola do indifferentismo, contra o esquecimento dos mortos, contra
as praticas da ingratidão, que são a base da imprevidencia e decomposição
391
Outras obras de Porto alegre a destacar: Interior de Floresta, c. 1850. Aquarela, 29 x
21cm. Museu Júlio de Castilhos, RS; Paisagem Ideal, s/ data. Aquarela, 41 x 27cm. Museu Júlio de
Castilhos, RS; Floresta Brasileira, 1853. Sépia s/ papel, 54 x 82cm. Museu Nacional de Belas Artes e
Retrato do Visconde de Sapucaí. 38 x 30cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
392
PORTO ALEGRE, Iconographia..., op. cit., p.349-354.
393
PORTO ALEGRE, Iconographia..., op. cit., p.349.
394
PORTO ALEGRE, Iconographia..., op. cit., p.349.
144
social".
395
Em outras palavras: "combater este criminoso egoísmo" e, nessa tarefa,
entendia que o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro lhe dava total apoio.
Em sua crítica afirma: "O filho que não derrama uma lagrima, ou não lança
uma flôr sobre a sepultura de seu pai, ensina a seus filhos a ingratidão; assim como
a geração que não commemora os serviços de seus antepassados, prepara-se para
receber o mesmo esquecimento que a deslustra: a humanidade é uma cadêa de
idéas, cujos elos estão na memoria successiva do homem".
396
Argumenta que, para
superar "as más tendências, e guiar o espirito da mocidade, as grandes nações, que
são aquellas que tem severos e proveitosos pensadores, estabelecem prêmios aos
vivos, e um culto especial aos mortos; estabelecem pantheões diversos, afim de que
fallem ás vistas do povo, e ao coração do homem inteligente".
397
É preciso, enfim,
redimir os mortos do esquecimento ao qual foram relegados a fim de que possam
ser cultuados e tenham seus feitos projetados para o futuro.
Manuel de Araújo Porto alegre destaca a construção de uma estátua
eqüestre de D. Pedro I, como "o primeiro exemplo do reconhecimento publico, a
primeira pagina solemne que a cidade e província do Rio de Janeiro offerecem para
a edificação do futuro, e testemunho de gratidão nacional".
398
Contudo, ao elogiar
tão nobre gesto de doar à cidade uma estátua eqüestre de primeiro Imperador,
critica àqueles que não entenderam a amplitude do gesto de D. Pedro I, no momento
da abdicação. Para Porto alegre, o esquecimento e as "praticas da ingratidão" com o
herói da Independência levam à ruptura do elo entre o passado e o presente,
fazendo desmoronar os sustentáculos da civilização que se pretende construir.
395
PORTO ALEGRE, Iconographia..., op. cit., p.349-350.
396
PORTO ALEGRE, Iconographia..., op. cit., p.350.
397
PORTO ALEGRE, Iconographia..., op. cit., p.350.
398
PORTO ALEGRE, Iconographia..., op. cit., p.352.
145
Em sua crítica chama a atenção para tudo o que representa a estátua do herói, às
vistas de todos na praça pública, para a estabilidade da Monarquia.
O vento que lava a estatua do heróe na praça publica, leva em si aos confins do império
um fluido regenerador, um principio vital mais amplo, mais universal do que aquelle que
respiramos no ar do interior de um edificio, como o da santa casa, ou do hospicio de
Pedro II, onde em breve se collocará em marmore o resumo historico do provedor José
Clemente Pereira. As estátuas individualisam as grandes virtudes, e os escriptos as
generalisam e perpetuam.
399
Por outro lado, a mensagem é dirigida à "mocidade", pois é por meio dela
que a memória se estenderá às próximas gerações; portanto, se o objetivo é cultuar
civicamente os mortos, a iconografia pictórica cumpre um papel educativo. Conse-
qüentemente, a elaboração de uma galeria dos heróis nacionais, construída a partir
da "biographia de todos os homens salientes de uma épocha,"
400
é a prova de sua
visão atenta à formação da mocidade no Brasil, de acordo com os moldes das
nações avançadas, isto é, civilizadas. Afinal, conhecida a biografia,
seja qual fôr a sua acção civilizadora, está conhecida a historia d'aquelles tempos; porque
nos seus actos, nas suas idéias, nos seus resultados, está o movimento geral, as
peripecias do drama animado da sociedade, onde cada um d'estes individuaos foi actor e
compositor. Ao despontar de uma grande phase, de uma vida reorganisadora, encontram-
se vultos grandiosos, sentinellas que guardam as sagradas avenidas do futuro, e servem
de ostensores aos que o tempo vai incorporando na marcha dos acontecimentos.
401
Assim, nesse "pantheão, onde se recolham os restos mortaes dos nossos
benemeritos" e o Imperador vá "derramar flôres", o "Brazileiro" terá a oportunidade
de ver "a pobreza de um José Bonifácio de Andrada, a de um visconde de Cayrú, de
um São Leopoldo, de um padre Caldas, ou de um musico como José Maurício".
402
Para ele, essas são algumas das estrelas do céu da pátria que, acima do ouro,
399
PORTO ALEGRE, Iconographia..., op. cit.,p.352-353.
400
PORTO ALEGRE, Iconographia..., op. cit.,p.353.
401
PORTO ALEGRE, Iconographia..., op. cit.,p.353.
402
PORTO ALEGRE, Iconographia..., op. cit.,p.351.
146
jamais serão confundidas pela mocidade "com uma moeda brilhante que salta
das machinas de cunhar, na casa da moeda. Quando o ouro é um deus, o homem é
uma fera".
403
No projeto de Porto alegre, os escritos (a História) e as imagens (a Pintura
Histórica) são as únicas coisas que pertencem ao homem que cumpriu com a sua
missão civilizadora e podem, nesta perspectiva, servir de guia e fecundar novas ações.
Lembra, ao finalizar sua Iconographia, que uma obra com os retratos e a biografia de
todos os homens úteis ao Brasil seria bem digna da proteção do Império, pois nela a
mocidade encontraria "incentivos e esperanças para todas as vocações".
404
Em seu texto Apontamentos sobre os meios práticos de desenvolver o
gôsto e a necessidade das Belas Artes no Rio de Janeiro,
405
dirigido a D. Pedro II,
Porto alegre, delega a si e aos outros homens das artes, a missão de construir as
obras destinadas ao culto nacional. Para ele, esses artistas "não se formam nas
academias, mas, sim, nas obras públicas; o gênio se manifesta nas escolas e se
desenvolve no meio de sociedade".
406
Por outro lado, a história da Academia das Belas Artes é prova cabal do
estado provisório das Artes, no Brasil.
De 1816 a 1826, ficou o Corpo Acadêmico sem nada fazer, porque nunca se lhe deu uma
casa para trabalhar, nem mesmo àqueles que tanto a reclamaram. Houve o pensamento de
colocar as aulas na casa do Núncio, houve o de as mandar para a Guarda-Velha e houve o de
fazer um edifício próprio. Êste último, mesmo durante a construção do edifício atual, passou
por várias alternativas, a ponto de, em 1854, reaparecer a idéa de incorporar ao Erário Público
a Casa da Academia e mandar as aulas para a Guarda-Velha: o provisório renasceu!
407
403
PORTO ALEGRE, Iconographia..., op. cit.,p.351.
404
PORTO ALEGRE, Iconographia..., op. cit.,p.354.
405
PORTO ALEGRE, Manuel de Araujo. Apontamentos sobre os meios práticos de
desenvolver o gosto e a necessidade das Belas Artes no Rio de Janeiro. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v.166, p.600-611, 1935.
406
PORTO ALEGRE, Apontamentos..., op. cit., p.605.
407
PORTO ALEGRE, Apontamentos..., op. cit., p.607.
147
Em sua visão, o estado provisório deve ser combatido, porque leva o
cidadão a introjetar a idéia de que não há estabilidade. Mais adiante argumenta que,
nesse tipo de provisoriedade, "há sempre um sacrifício do futuro ao passado, o
triunfo da imobilidade e da rotina, e o cunho de uma decadência".
408
Porto alegre
percebe a ameaça deste ambiente na formação dos artistas e na criação de uma
arte que possa ser reconhecida como nacional.
De acordo com suas palavras, as artes não foram incentivadas, principalmente
nos governos anteriores ao de D. Pedro II.
O Govêrno d'el rei d. João VI teve o caráter provisório, mesmo em tôdas as grandes vistas
do ano de 1809, o rei e o seu ministro, que se mostraram dois homens progressistas,
tiveram que lutar com a côrte, com a metrópole, e com as idéias de uma época de
decadência. O Govêrno do senhor dom Pedro I não foi mais que o de uma época crítica,
que começou por uma revolução e acabou por outra: em tôdas as suas criações houve o
caráter do provisório; a confiança pública não tinha raizes no futuro. O Govêrno das
Regências continuou a época critica e foi de todos o mais provisório. As artes pouco
fizeram no reinado, nada aumentaram na criação do Império, e difinharam ou quási que
desapareceram na Regência. As tentativas que houve foram baldadas, porque não tinham
apôio no Govêrno. De 1841 para cá é que o espírito público começa a volver-se um pouco
para êste lado do belo, mas nada se tem ainda de positivo e de durável: o espírito do
provisório ainda paira sôbre a nossa atmosfera social.
409
Para romper com as idéias do provisório e para que as Artes possam
florescer, Porto alegre sugere ao Governo três medidas que amparem a ação daqueles,
como os pintores históricos, que vivem das suas obras públicas: a criação de uma
Pinacoteca, a construção de uma Necrópolis e a organização de uma Comissão Artística.
A edificação de uma Pinacoteca contribuiria para o ensino da Academia,
além disso, os pintores e escultores, com a criação de um Arquivo Nacional, trabalhariam
"com gosto e na esperança de aí deixarem um documento de sua perícia".
410
A exemplo das nações civilizadas, destaca a necessidade da manutenção de um
408
PORTO ALEGRE, Apontamentos..., op. cit., p.607.
409
PORTO ALEGRE, Apontamentos..., op. cit., p.606.
410
PORTO ALEGRE, Apontamentos..., op. cit., p.607.
148
acervo público – lembrando que é preciso adquirir outras obras além daquelas já
pertencentes ao patrimônio nacional – e de dotação orçamentária para tais
aquisições. Afirma, portanto, que cabe ao Governo a direção dos destinos da Arte e
da Cultura no país e aos artistas trabalhar nas obras públicas. Segundo Porto
alegre, os "verdadeiros artistas"
preferem antes trabalhar anos em uma obra, que seja guardada em um depósito público e
permanente, do que se sacrificarem às eventualidades de um resultado incerto, mormente
entre nós, onde tudo se conspira contra a esperança que faz as delícias da vida. Num país
como o nosso, onde Vossa Magestade somente compra paineis e estátuas, sem para isto
ter uma dotação, e onde as Secretarias de Estado, tribunais, e as casas dos grandes se
forram de papeis pintados, as artes não podem vigorar: a sua direção deve ser outra, e
marchar do alto para baixo, do Govêrno para o povo.
411
Ainda em seu texto Apontamentos sobre os meios práticos de desenvolver
o gôsto e a necessidade das Belas Artes no Rio de Janeiro, destaca uma segunda
medida que pode ser tomada pelo Governo: a criação de uma Necrópolis. Argumenta
que na construção de um cemitério, como o de Bolonha, na Itália, os arquitetos e
pintores "terão um vasto campo para suas creações e os particulares a constante
necessidade de chamarem as artes para materializarem a saudade e o amor".
412
Junto à criação da Necrópolis, sugere uma última medida: a formação de
uma Comissão Artística composta de dois engenheiros civis, dois arquitetos e de dois
pintores, unidas à Comissão de Saúde Publica, cuja missão seria "vigiar tôda a sorte
de construções e objetos d'arte que fôrem destinados para a vista do público".
413
411
PORTO ALEGRE, Apontamentos..., op. cit., p.608.
412
PORTO ALEGRE, Apontamentos..., op. cit., p.608.
413
Essa Comissão também inspecionará "para que não se introduzam aí cópias
desfiguradas, composições banais e repetições, e exercerá aquela direção que é concentânea com
as leis da Estética e do bom senso. A Comissão será autorizada a criticar e indicar os êrros em que
caírem os compositores dos monumentos fúnebres e, mesmo, recusar aqueles que estiverem fora
das conveniências locais e artísticas. Inspecionará e terá as mesmas atribuições sôbre todos os
edifícios que se levantarem na Capital e, seu têrmo, para que a Cidade se não vá enchendo de
disparates, e, peor ainda, consentindo na edificação de casas mal seguras, defeituosas na harmonia
das linhas, e insalubres para os habitantes" (PORTO ALEGRE, Apontamentos..., op. cit., p.609).
149
Ora, em primeiro lugar, por trás das leis da "estética e do bom senso",
inscreve-se uma determinada concepção de arte que, legitimada pela Academia das
Belas Artes, é vigente na época. Em segundo, podemos concluir que uma comissão
"composta de homens de ciência, arte e gôsto", assim como propõe Porto alegre,
muito poderá servir ao poder no sentido de legitimar a Monarquia. Além disso, não
podemos esquecer que tal missão encontra-se na origem da Academia Imperial de
Belas Artes e a transforma "em um dos órgãos fundamentais de legitimação do
sistema vigente. A Academia Imperial de Belas-artes nasceu, portanto, e se
desenvolveu ao longo de todo o Império, como um projeto político-estético".
414
É nesse contexto de luta pela sobrevivência
415
que a Reforma Pedreira em
1855, implementada quando diretor (diga-se de passagem, o primeiro do grupo dos
artistas brasileiros) da Academia Imperial de Belas Artes, no período de 1854 a
1857, é também um esforço no sentido da manutenção da Academia. Uma reforma
de fundo nacionalista com a finalidade de revigorar a Academia, em cujo texto define
os direitos e deveres tanto para alunos quanto para professores, cria novos cargos,
como o de restaurador, por exemplo. Uma reforma que, segundo Luciano Migliaccio,
apesar das intenções, "carecia da clareza necessária para distinguir a formação dos
arquitetos e dos pintores históricos daqueles artífices, para os quais esquecia a
necessidade da criação de laboratórios, de modo que a academia pudesse sair de
sua condição de escola da Corte, adquirindo um caráter mais moderno".
416
414
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.80.
415
Segundo Letícia Coelho Squeff, a Academia lutava com dificuldades pela própria
sobrevivência: "Mergulhada em brigas internas e problemas financeiros, sem um conjunto de regras
que a definisse de forma clara, a AIBA chegou a parecer, para muitos contemporâneos, um luxo
pouco justificável. Por isso, já no fim de 1848 o governo decretou uma lei que proibia novas
contratações de professores, até que fosse dado um novo rumo para a instituição. No acalorado
debate que precedeu a aprovação da reforma da Academia, as opiniões dividiram-se entre reformar a
instituição ou simplesmente fechá-la." (SQUEFF, Letícia Coelho. O Brasil nas letras de um pintor.
São Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado). História Social, USP. p.158).
416
MIGLIACCIO, Luciano. Arte do século XIX. São Paulo: Associação Brasil 500 anos
Artes Visuais, 2000. p 101.
150
Conforme argumenta Porto alegre, era necessário que se desenvolvesse o
"gôsto" para planejar, realizar "tôda sorte de construções e objetos d'arte que fôssem
destinados para a vista do público".
417
Parece evidente, portanto, que ambas estão
interligadas e perpassam não só o texto Apontamentos sobre os meios práticos de
desenvolver o gôsto e a necessidade das Belas Artes no Rio de Janeiro, mas também o
da Reforma Pedreira. Um artigo do texto que trata dos estatutos da Academia é,
neste sentido, exemplar:
Art. 78 As aulas de Matemáticas aplicadas, de Desenho geométrico, de Escultura de
Ornatos e de Desenhos de Ornatos, que fazem parte do Ensino Acadêmico, têm por fim
também auxiliar os progressos das Artes e da Indústria nacional.
Art. 79 Haverá sempre nestas três últimas aulas duas espécies de alunos: os Artistas e os
Artífices, os que se dedicarão às Belas Artes e os que professam as Artes mecânicas.
Os alunos desta segunda espécie terão um livro próprio de matrícula, na qual declarará a
profissão que seguem, para que os professores o saibam e possam dirigir os seus
estudos convenientemente.
418
No seu texto Apontamentos, também distingue os retratistas dos
arquitetos, escultores e pintores históricos, pois, de acordo com seu pensamento, os
retratistas realizam uma arte que "favorece as necessidades da família, o egoismo e
a vaidade pessoal",
419
enquanto a arte dos pintores históricos deve converter-se em
uma necessidade pública.
Isso não implica, porém, nenhuma restrição aos alunos artífices. Ao contrário,
sua preocupação é deixar claro que os interesses por trás da formação de cada
grupo são diversos. Para Porto alegre, as aulas de Matemática Aplicada, de Desenho
Geométrico, de Escultura de Ornatos e de Desenhos de Ornatos ampliariam
consideravelmente a formação dos artífices, na inspeção das obras de construção
de uma Necrópolis, por exemplo, e de todos os edifícios que se levantarem na
417
PORTO ALEGRE, Apontamentos..., op. cit., p.609.
418
MELLO JR., Donato. Manuel de Araújo Porto-Alegre e a reforma da Academia Imperial
das Belas Artes em 1855: a Reforma Pedreira. Crítica de Arte, Rio de Janeiro, ano II, n.4, 1981. p.43.
419
PORTO ALEGRE, Apontamentos..., op. cit., p.608-609.
151
Capital, evitando-se os disparates e a edificação de casas inseguras, "defeituosas
na harmonia das linhas, e insalubres para os habitantes".
420
Por trás dessa sugestão, podemos perceber que uma feição urbana
aformoseada faz parte da urgência de um projeto civilizatório. Ora, na visão de Porto
alegre, para romper com o fantasma do provisório e para que as Artes possam
florescer e espalhar "o seu benigno insuflo na moral pública, e na indústria",
421
a
"família artística" precisava do apoio do Governo.
Para aquele que chama a atenção para o fantasma do provisório que
continua a assombrar o Brasil, faz sentido a reestruturação da Academia, pois é ali
que o nacional é inventado como imagem. Não é sobre isso que trata, aliás, Martius,
quando aborda a relevância da história em texto escrito em 1843?
A historia é uma mestra, não sómente do futuro, como tambem do presente. Ella póde
diffundir entre os contemporâneos sentimentos e pensamentos do mais nobre patriotismo.
Uma obra histórica sobre o Brazil deve, segundo a minha opinião, ter igualmente a
tendencia de despertar e reanimar em seus leitores Brazileiros amor da patria, coragem,
constancia, industria, fidelidade, prudencia, em uma palavra, todas as virtudes cívicas.
422
Vista por este ângulo, a Pintura Histórica é o gênero que melhor dá visi-
bilidade a esse projeto artístico-cultural e Porto alegre, quem mais se aproxima das
preocupações, também do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, na elaboração de
uma história nacional.
420
PORTO ALEGRE, Apontamentos..., op. cit., p.609.
421
PORTO ALEGRE, Apontamentos..., op. cit., p.607.
422
MARTIUS, C. F. Ph. Como se deve escrever a historia do Brasil. Revista trimestral de
História e Geografia ou Jornal do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro, n.24, p.401, 1845.
152
3.4 PEDRO AMÉRICO: A TRANSFORMAÇÃO DE FATO HISTÓRICO EM
FATO ESTÉTICO
Pedro Américo de Figueiredo e Melo nasceu em Areia, na Paraíba, em 29
de Abril de 1843, era um dos seis filhos de Daniel Eduardo de Figueiredo e Feliciana
Cirne. Américo conheceu, em 1852, Louis Jacques Brunet, um naturalista francês,
chefe de uma Missão Científica, que chegou a Areia, com o encargo de estudar as
riquezas do solo paraibano, a pedido do Presidente da Província, Sá e Albuquerque.
O naturalista, empolgado com o "menino", encaminhou ao Presidente da Província,
uma carta – e dois desenhos de Pedro Américo – pedindo que o Governo se
encarregasse de sua instrução. Américo acompanhou Brunet em sua expedição e,
aproximadamente, durante dois anos viajou por toda a Província da Paraíba e
alguns lugares das de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí.
423
O presidente da província interessou-se pela sua educação que, graças a
uma subvenção anual confirmada pelo Ministro do Império Manuel Pedreira de
Couto Ferraz, foi encaminhado para a Corte. Em fins de 1854, com apenas onze
anos de idade, chegou no Rio de Janeiro e foi imediatamente matriculado no Colégio
D.. Pedro II.
424
Como aluno desse Colégio, durante uma visita do Imperador, Pedro
Américo desenhou, às escondidas, o soberano lendo um livro. Esse desenho foi
levado ao Imperador que, reconhecendo suas qualidades artísticas, promete-lhe
matrícula na Academia Imperial de Belas Artes. Pedro Américo passa, então, a
423
Sobre Pedro Américo foram encontradas referências completas e precisas nas seguintes
obras: MARTINS, Lincoln. Pedro Américo: pintor universal. Rio de Janeiro: L. M. Martins; João
Pessoa (PB): Governo do Estado; Brasília (DF): Fundação Banco do Brasil, 1994; MELLO JUNIOR,
Donato. Pedro Américo de Figueiredo e Melo 1843-1905. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983;
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit.; CAMPOFIORITO, Quirino. A proteção do imperador e os pintores do
segundo reinado 1850-1890. In: História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro:
Pinakotheke, 1983. v.4; e MIGLIACCIO, Luciano. O século XIX. In: AGUILAR, Nelson (Org.). Mostra
do redescobrimento: arte do século XIX. Fundação Bienal de São Paulo. São Paulo: Associação
Brasil 500 Anos Artes Visuais, 2000.
424
MELLO JR. Pedro Américo..., op. cit., p.15.
153
freqüentar a Academia em 1856 e, segundo Donato Mello Junior, para espanto de
seus mestres, dominou o curso em dois anos.
425
Em 1858, aos 15 anos de idade,
ousa requerer ao Imperador a concessão de pensão para estudos de aperfeiçoamento na
Europa. São suas próprias palavras: "agora pois tenho os conhecimentos que para a
Pintura poderia receber da dita Academia, para prosseguir na minha carreira
indispensável é uma viagem á Europa, e como a Academia não me pode facultar os meios
necessários para esta viagem, por ter ela preenchido o número de pensionistas, venho
confiado na extrema bondade de Vossa Majestade Imperial solicitar a graça de me
mandar particularmente acabar meus estudos na Europa, impondo-me qualquer condição
que será por mim aceita".
426
Pois bem, foi-lhe concedida uma mesada de quatrocentos francos e Pedro
Américo viaja para Paris, levando uma carta de recomendação, assinada por Manuel
de Araújo Porto alegre destinada a Victor Meirelles, pedindo-lhe que encaminhasse
Américo a M. Cogniet.
427
Na École de Beax-Arts de Paris, continua sua formação
nos moldes do ideal clássico da sua antiga Academia que, ainda, se mantinha forte
nos salons e nas orientações da Academia francesa e italiana. Aperfeiçoa-se com
Jean-Dominique Ingres, Hippolyte Flandrin, Horace Vernet, freqüenta o Instituto de
Física do Professor Ganot e na Sorbonne realiza estudos filosóficos, dominando
rapidamente o francês.
428
Durante seu curso executou algumas pinturas, obrigatórias para os pensio-
nistas, recebendo duas medalhas como prêmio por seus estudos da figura humana.
Aliás, como trabalho final de bolsista, realizou A carioca (1864), a pintura de um nu
425
MELLO JR. Pedro Américo..., op. cit., p.16.
426
Esse documento, autógrafo e inédito Arquivo Nacional, datado de 9 de setembro de
1858, refere-se ao despacho concedendo-lhe a importância de 400 francos "para ir a Roma". Apud
MELLO JR., Pedro Américo..., op. cit., p.18.
427
Vitor Meirelles, em final de pensionato, realizava sua famosa composição histórica:
Primeira Missa. Apud MELLO JR., Pedro Américo..., op. cit., p.18.
428
MELLO JR., Pedro Américo..., op. cit., p.20.
154
em formato e de acordo com os padrões acadêmicos vigentes (figura 20). O artista
procurou, nessa obra, "personalizar a beleza morena de uma náiade fluminense".
429
Figura 20 - Pedro Américo. A carioca, 1882. Óleo s/ tela,
205 x 135cm. Museu Nacional de Belas Artes,
Rio de Janeiro
Em verdade, esse é o segundo quadro com esse título, trata-se de
uma réplica. A tela original foi pintada em 1864, em Paris e, embora oferecida a
D. Pedro II, ela foi recusada pelo mordomo do Palácio Imperial porque "feria seus
preceitos moralistas e puritanos".
430
Mais tarde a Carioca foi enviada ao Imperador
da Prússia, Guilherme I.
429
MELLO JR., Pedro Américo..., op. cit., p.24.
430
MELLO JR., Pedro Américo..., op. cit., p.24.
155
Ao final de seu pensionato, Pedro Américo é pressionado a retornar, pois
vagara a Cadeira de Desenho Figurado, e a Academia, mediante concurso público,
deseja entregá-la ao artista. Aprovado e nomeado
431
por D. Pedro II, o artista, no
entanto, não tarda em solicitar sua primeira licença, sem vencimentos, pelo prazo
incomum de dois anos, depois prorrogada por mais oito meses. Segundo Mello
Junior, Américo solicitou inúmeras licenças sem e com vencimentos, no período de
1865 a 1890, evidenciando uma curta docência na Academia.
Com a Reforma Pedreira,
432
implementada na época em que Manuel de
Araújo Porto alegre ocupava o cargo de Diretor, foi criada a Cadeira de História da
Arte, Estética e Arqueologia. Pedro Américo, então, solicitou sua transferência para
esta que ainda estava vaga, conseguindo a aprovação imperial.
433
Licenciou-se
novamente em 1873 e, em razão de suas sucessivas licenças, solicitou seu
afastamento definitivo em 17 de junho de 1890.
A contribuição de Pedro Américo, ultrapassa sua atuação como professor
da Academia. Aliás, durante o período de 1870 a 1873, desenvolveu uma intensa
atividade artística e intelectual no Rio de Janeiro e, na época, decidiu pintar a
Batalha de Campo Grande (1871), registrando um dos acontecimentos de recém-
terminada Guerra do Paraguai: o último confronto importante.
434
Sua Batalha de Campo Grande (figura 21) foi exposta na 22.
a
Exposição
Geral da Academia Imperial das Belas Artes, inaugurada em 6 de março de 1872,
431
É nomeado mediante Decreto de 2 de outubro de 1865 (MELLO JR., Pedro Américo...,
op. cit., p.24).
432
Sobre a Reforma Pedreira, consultar: MELLO JR., Pedro Américo..., op. cit. e
CAMPOFIORITO, A proteção..., op. cit.
433
Foi nomeado para a cadeira de História da Arte, Estética e Arqueologia em 15 de
setembro de 1869 e tomou posse em 18 de Fevereiro de 1870 (MELLO JR., Pedro Américo...,
op. cit., p.25).
434
A batalha ocorreu em 16 de agosto de 1869 entre os Exércitos da Tríplice Aliança –
Brasil, Argentina, Uruguai – e os grupos remanescentes das forças de Solano López.
156
que também contemplou duas pinturas de Victor Meirelles com temas semelhantes:
o Combate Naval de Riachuelo e a Passagem de Humaitá, ambas realizadas por
encomenda da Marinha.
Figura 21 - Pedro Américo. Batalha de Campo Grande, 1871. Óleo s/ tela, 332 x 530cm. Museu
Imperial, Petrópolis, Rio de Janeiro
Américo, observando-se sua tela Batalha de Campo Grande, retrata a cena da
última batalha da guerra ocorrida em 16 de agosto de 1869, quando os paraguaios
com fúria contra-atacam, colocando em risco a vida do Conde d'Eu. Américo dá
destaque ao momento preciso em que o Capitão Francisco de Almeida e Castro, na
tentativa de protegê-lo, segura as rédeas do cavalo, impedindo-o de avançar.
435
435
A Batalha de Campo Grande, a primeira Pintura Histórica de Américo, no catálogo de
exposição de 1872, é assim descrita: "No alto e ao mesmo tempo no vertice da pyramide formada
pelas figuras principaes, está Sua Alteza, cujo cavallo é rigorosamente soffreado pelo Capitão (hoje
Major) Alemida Castro, que já traz ferida a mão esquerda, e o animal que cavalga prestes a sahir do
combate. A' direita do Conde, o Coronel de engenheiros Dr. R. Enéas Galvão, brada ao Capitão
Almeida Castro largue as redeas que tem presas, dando-lhe ao mesmo tempo voz de prisão por
ordem de Sua Alteza. No fundo, e no mesmo plano vertical que passa pelos olhos do observador e
pela dextra do General em chefe, vê-se o Major Benedicto de Almeida Torres; e um pouco á frente,
mais á esquerda do observador, o Capitão (hoje Major) de Engenheiros Dr. A. E. Taunay, tendo em
sua retaguarda o Tenente Coronel Moraes e mais além o clarim-mor do exercito, que tambem é
retratado. Na extrema esquerda vê-se, na parte superior do quadro, o Capitão de mar e guerra João
Mendes Salgado, precedendo um corpo de infantes, que carrega corajosamente por cima da macega
incendiada; na parte inferior o venerando Frei Fidelis d'Avila, em cujos braços expira exangue o bravo
157
O Visconde de Taunay (1843-1899), comentando a respeito da tela e do
fato histórico, critica o que considerou "exagerações de artista".
Depois da carga da brigada Hipólito e amortecido o fogo da bateria paraguaia, foi o passo
varado pelos nossos que assaltaram á baioneta as oito peças. Tomaram-nas, após não
pequena luta, corpo a corpo, e as foram atirando à água, cujo volume ainda mais cresceu
nesse ponto, atravancado de grande número de cadáveres, carros, carretas e bois mortos.
Foi quando o Conde d'Eu por seu turno tranpôs o ribeirão e, apenas do outro lado, correu
gravíssimo perigo. Um batalhão paraguaio, reformado a borda do mato, de lá saiu com
terrível fúria e caiu sôbre um corpo de infantaria atrás de cuja linha singela então nos
achávamos. Êste não resistiu ao ímpeto inimigo e debandou, deixando-nos absolutamente
sem proteção. Vi-me perdido. O Conde d'Eu sacou da espada, no que todos o imitamos e
pusemos os cavalos a galope, indo ao encontro da carga. Aí, porém, outro batalhão
nosso, em desapoderada marche-marche, pôde a tempo repelir o ataque, encurralar os
paraguios, de novo, junto à beira do mato, onde o fuzilou com a maior energia. Isto é o
que constitui o episódio do quadro de Pedro Américo, intitulado Batalha de Campo
Grande, inverossímil, sem dúvida, nas posições forçadas, impossíveis até dos cavalos
representados mas onde o risco foi, na realidade, muito grande para os que lá figuram.
O príncipe montava bonito cavalo rosilho, animal porém, muito manso, dócil e calmo, no
meio do fogo e que nunca se lembraria de empinar-se todo, tomando visos de verdadeiro
repuxo, como imaginou o pintor. O capitão de voluntários, Almeida Castro pegou, decerto,
no freio do animal, para embarcar o passo ao Conde d'Eu; mas, se bem me lembro,
estava então a pé e não cavalgava o foguíssimo e agauchado bucéfalo desenhado no
grande painel, pertencente hoje á Escola Militar da Praia Vermelha. Enfim exagerações de
artista. Nem lá havia frade algum, pois frei Fidelis de Avola se achava neste momento, no
Estado-Maior do general Vitorino, Barão de São Borja. Daquele segundo corpo de
Exército eram os tiros que ouvíamos a cada vez mais próximos a nos anunciarem o final
da vitória, após dia tão longo e cansativo, o triunfo da última das batalhas de toda a guerra
do Paraguai. Depois dela, com efeito não se deram senão combates parciais e tiroteios,
cada vez menos renhidos até o último da Aquidabanigui, em que foi morto Solano Lopez.
Assim se havia passado as coisas.
436
e jovem Capitão Arouca, ferido de uma bala paraguaya. A' direita do painel, e um tanto ao longe,
avista-se o General Pedra em luta com o barbaro que tentara perpassal-o com a lança; mais ao longe
no terceiro e quarto planos, brasileiros e inimigos na mais encarniçada luta; e um pouco á frente do
Pedra, quase no primeiro plano, muitos inimigos, que resistem, ou fogem aos golpes dos nossos
soldados. As figuras paraguayanas foram tiradas, mais ou menos esactas, mais ou menos
modificadas pelas exigencias da composição dos muitos prisioneiros, e outros paraguayos, que
estiveram nesta capital. Os uniformes e as armas brasileiras, bem como todos os objectos
paraguayos, foram fielmente copiados do natural. (Para maiores esclarecimentos, consultem-se as
primorosas descrições, apreciações ou analyses do painel, que correm impressas.)" (CATÁLOGO
das obras expostas no palácio da Academia Imperial das Bellas Artes em 15 de Junho de 1872 – Rio
de Janeiro. Typographia Nacional, 1872. p.23-24).
436
TAUNAY, Visconde de. Memórias. São Paulo: Melhoramentos, s/d. p.359.
158
É evidente nas palavras de Taunay uma crítica ao quadro, segundo ele,
"inverossímil". Além disso, é possível intuir nas suas observações que a escolha,
pelo artista, do momento em que os ajudantes impedem o avanço do comandante,
deixa transparecer uma certa fragilidade, nada apropriada à imagem daquele que
simboliza a figura do herói: o Conde d'Eu.
A composição piramidal, por outro lado, geralmente empregada com o
objetivo de destacar um personagem, no caso, o Conde d'Eu e seu grupo, em vez
de enfatizá-lo como aquele que está à frente do comando, mostra uma figura à
mercê de seus subalternos. O Conde d'Eu, segundo Gonzaga Duque, mais parecia
"um manequim vestido"
437
: não emana nenhuma energia daquele que deveria
representar a autoridade máxima das forças armadas, nada indica o heroísmo do
herói em combate.
É o que destaca em suas críticas:
Creio que mais criteriosamente teria procedido a crítica se censurasse a posição afetada e
muda em que o pintor colocou o herói do combate. Ai, sim, existe defeito. Américo
procurando destacar do grupo a figura do príncipe deu-lhe um aspecto de manequim
vestido. A cabeça é muda, nenhuma contração dos músculos da face indica o heroísmo,
ou a resolução; o seu olhar nenhuma relação tem com o que se passa; gesto do braço
direito é duro e inexplicável, no entanto a figura de Almeida Castro é soberba, o seu rosto
exprime coragem e audácia, a mão que agarra o freio do corcel montado pelo marechal é
de um desenho correto, e tanto o cavaleiro como o cavalo formam um todo admirável pela
fidelidade de desenho, pela verdade de expressão. Um lapso de revisão em uma obra-
prima é o desaparecimento de uma insignificante estrela no firmamento. Nada Vale. Dirão
muitos; mas se esta figura não representasse o ápice do grupo dominante, porque aí é
preciso pôr em prática o ditado – na guerra como na guerra, já que o artista foi
convencionalista, sejamos também convencionalistas com o convencionalismo. O grupo
principal deve ser perfeito, particularmente, na primeira figura. E foi aí, precisamente, que
o artista vacilou.
438
Mas, se levarmos em conta que esta obra é uma pintura comemorativa de um
feito histórico, a transparente fragilidade do herói seria apenas um vacilo do artista?
437
DUQUE-ESTRADA, Luis Gonzaga. Arte brasileira. Campinas: Mercado de Letras, 1995.
p.148. Edição aos cuidados de T. Chiarelli. (1.ed. 1888).
438
DUQUE-ESTRADA, Arte..., op. cit., p.148-49.
159
A nosso ver, duas questões permeiam este paradoxo: a primeira, diz respeito
às referências internacionais na arte de Pedro Américo. Afinal, o pintor quando em
Paris, por exemplo, foi discípulo de Horace Vernet, o grande pintor de batalhas,
cujas cérebres telas fazem a glória da Galeria de Vesalhes. Conseqüentemente, é
necessário pensar a atuação de Américo, situando-o ante os dilemas da Pintura
Histórica internacional. Um sinal de que Américo, talvez, encarne o artista
incompreendido por sua época é o seu método de trabalho que, em sintonia com o
seu tempo, levou muitos no Brasil a duvidar da qualidade de sua pintura, considerando
muitas de suas obras simplesmente plágio.
A segunda questão, como conseqüência da primeira, evidencia uma clara
tensão entre suas influências artísticas e a produção de quadros comemorativos para
um governo, cujo Imperador é seu amigo. Ora, em resposta às críticas de Quintino
Bocayuva, por ressaltar os soldados, tenta esclarecer sua escolha: "Esforcei-me, é
verdade, para honrar a arte brasileira e a nossa patria, aformoseando e reproduzindo na
tela, na tela que ha de ser contemporânea do porvir, um dos mais grandiosos
episódios de uma batalha na qual houve tanta bravura e tanto heroismo da parte do
general, quanto denodo e dedicação da parte dos soldados brasileiros (...)".
439
Imbuído
deste espírito, como poderia Pedro Américo não se empenhar na representação da
ação heróica?
Ao apresentar alguns comentários sobre Américo, nosso objetivo aqui é bem
limitado: fugir às generalizações reducionistas, o que significa dizer que compreender
a atuação de Pedro Américo na elaboração de mitos fundadores da nação não é
tarefa simples.
Ainda sobre sua Batalha de Campo Grande, cabe destacar que esta obra
não é fruto de uma encomenda, por isso, o artista, na tentativa de divulgá-lo, o
expôs em seu atelier, situado na AIBA. Usa ainda como estratégia opúsculos e
cartas favoráveis à obra, com o que conseguiu vendê-lo ao Ministro da Guerra,
439
AMÉRICO, Pedro. Resposta publicada no Folhetim da República, Rio de Janeiro, 25 de
outubro de 1871 e transcrita no Artista, Rio Grande do Sul, 19 de novembro de 1871.
160
Barão de Jaguaribe, em 28 de janeiro de 1872, por treze mil contos de reis
(13.000$000).
440
Enfim, é interessante destacar também que a exposição Batalha do Campo
Grande, de Pedro Américo, e das obras de Victor Meirelles Combate Naval de
Riachuelo e a Passagem de Humaitá na 22.
a
Exposição Geral da Academia Imperial
das Belas Artes, apesar do sucesso de público
441
e das premiações às obras
encomendadas pelo Estado-Imperial, as polêmicas e as críticas em torno dos
quadros evidenciam não só a crise que atinge o sistema de arte da Academia a
serviço da Monarquia, mas também as suas políticas culturais.
Com efeito, inicia-se a partir daí uma crescente rivalidade entre facções da
crítica e da imprensa: uns preferindo, segundo Donato Mello Jr., "o estilo dramático e
realista de Américo e outros a maneira convencional e idealizada de Vítor".
442
Essa rivalidade culminou com a 25.
a
Exposição Geral da Academia Imperial
das Belas Artes, na qual foram expostas a Batalha do Avahy (c.1872-1877), de
Pedro Américo, e a Batalha dos Guararapes (c.1874-1878), de Victor Meirelles, lado
a lado, gerando as mais ferrenhas críticas que passaram a guardar lugar na História
da Arte brasileira como a famosa "Questão Artística de 1879".
Evidentemente, não cabe aqui aprofundar a querela Victor Meirelles versus
Pedro Américo que, ao longo dos anos de 1872 a 1879, alimentou a famosa "batalha
de duas batalhas".
443
Mas, como dissemos no início deste capítulo, se nos interessa
rastrear o discurso sobre o herói circunscrito às obras em questão para, a partir daí,
pensar a figura do herói, D. Pedro, em Independência ou Morte, precisamos ver,
ainda que rapidamente, a Questão Artística de 1879.
440
A exemplo da publicação no Correio do Brasil, 25/01/1872 e no República, o fato foi
amplamente divulgado.
441
Segundo Mello Jr, foram 63.949 visitantes (MELLO JR., Pedro Américo..., op. cit., p.24.
442
MELLO JR., Pedro Américo..., op. cit., p.41.
443
MELLO JR., Pedro Américo..., op. cit., p.41.
161
3.4.1 A Polêmica Artística de 1879
444
Ainda em 1872, ano da 22.
a
Exposição Geral da Academia Imperial das
Belas Artes, o Ministro dos Negócios do Império, João Alfredo Corrêa de Oliveira,
encomendou a Pedro Américo um quadro de história a ser concluído em quatro
anos. O tema, embora não especificado no contrato, era o episódio da guerra de
expulsão dos holandeses no século XVIII: a Batalha dos Guararapes.
No entanto, em 20 de setembro, um novo contrato seria firmado com Victor
Meirelles para que representasse essa temática, agora, em um prazo de cinco anos,
pois, Pedro Américo, em carta ao Ministro João Alfredo, declarava "não poder
executar a obra combinada e que havia escolhido outro assunto, que era a refrega
de Avaí".
445
Ainda que contrariado, o Ministro "conformou-se com Pedro Américo, [e]
encarregou Victor Meirelles da execução da batalha dos Guararapes".
446
O tema, conforme enfatiza Carlos Rubens, não foi especificado, por isso, a
insistência de João Alfredo Corrêa de Oliveira na representação da expulsão dos
holandeses indica uma certa preocupação do governo na elaboração de mitos
fundadores do Império. A escolha de determinado tema, então, segundo Jorge Coli,
possui intenções evidentes: mito fundador, Guararapes opera uma síntese das raças na
mesma luta e funda a primeira legitimação de um país que se descobre senhor de seus
destinos. O feito guerreiro é batismo de fogo dessa solidariedade entre brasileiros, e
garantia de um sentimento inabalável. Avaí, por sua vez, instaura o heroísmo
contemporâneo de uma nação que se confirma pela vitória.
447
Seguindo esse raciocínio, Guararapes é uma idéia-imagem da luta de
negros e índios sob o comando de brancos brasileiros e portugueses, evidenciando
444
GUARILHA, op. cit. O autor trata da fortuna crítica dos dois quadros de batalhas pintados
respectivamente por Américo (Batalha do Ivahy) e Meirelles (Batalha dos Guararapes). Guarilha
reúne os principais textos do pensamento crítico do período.
445
RUBENS, Carlos. Vítor Meirelles sua vida e sua obra. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1945. p.65.
446
RUBENS, Vítor Meirelles..., op. cit., p.65.
447
COLI, Jorge. Vítor Meirelles e a pintura internacional. São Paulo, 1997. Tese (Livre
Docência) - USP. p.14.
162
uma intenção clara: recuperar um passado e celebrar um futuro para a nova nação a
partir de uma ascendência heróica. Esta perspectiva está bem definida na descrição
da obra no Catálogo da exposição:
Nobre e civico exemplo de amor da patria! Aquelle exercito que se erguera disposto a
morrer pela salvação do principio sublime da nacionalidade, compunha-se de três classes:
pretos, indios e brancos que embora bem distinctos pela côr, nem por isso daixávão de se
igualar pelo valor que se afinára nas amarguras da mesma diversidade. D. Antonio
Philippe Camarão era o governador dos Índios
448
, Henrique Dias governador dos pretos
minas e crioulos, André Vidal de Negreiros, João Fernandes Veira e Barreto de Menezes,
os mestres de campo, que commandávão os brancos, sendo este ultimo o General em
Chefe, que bem pouco havia, acabava de receber este cargo por ordem e nomeação, que
D. João IV, Rei de Portugal, antes lhe havia feito em 12 de fevereiro de 1647, a fim de
substituir a João Fernandes Veira.
449
O sentido maior da luta está explicitado na figura de Phillipe Camarão.
O momento representado não é simplesmente a imagem da violência ou o desejo
de matar, mas a escolha da luta que negros, índios e brancos travam pela salvação
da nacionalidade.
Figura 22 - Victor Meirelles. Batalha dos Guararapes, 1875-1879. Óleo s/ tela, 500 x 925cm.
Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
448
Índios, com inicial maiúscula.
449
Catálogo da Exposição Geral das Bellas Artes de 1879. Rio de Janeiro, 1879. Apud
GUARILHA, op. cit., p.9.
163
Nessa linha de raciocínio, no caso da Batalha dos Guararapes (figura 22),
de Victor Meirelles, segundo Mello Moraes, a história foi respeitada, pois o artista
"apenas separou-se do historiador apresentando Felippe Camarão, que já devera
ser bem velho, quando tomou parte d'essa guerra, com a robustez e o vigor dos
ardentes annos da segunda mocidade".
450
No entanto, é também criticado, pois,
para Moraes Filho, Meirelles não retrata uma verdadeira batalha. Justifica-se
dizendo: não há movimento, não há sangue, não há confusão.
O artista em resposta afirma:
Mais de uma pessoa me affirmou que o Camarão, que eu havia representado, apezar dos
seus 70 annos, não podia ser figurado como velho, porque era elle indio, e que essa raça
do norte, tão robusta, só começa a mostrar indícios de velhice depois de 100 annos, e
ainda em apoio de uma tal asserção temos o que nos diz d'Orbigny na sua obra O homem
americano da América meridional. O Sr. desembargador Tristão de Alencar Araripe, por
mais de uma vez honrando com sua presença o meu atelier, tambem manifestou o seu
pezar por ver assim caracterisado aquelle personagem. E eu, que só desejo acertar, já
pela fé que merecião as observações judiciosas, já por não parecer uma obstinação,
entendi dever ceder, modificando-o no sentido em que hoje o apresento.
451
A resposta é clara: Camarão, de fato, é velho, mas um índio robusto e jovem
para representar um dos grupos que lutaram juntos por um ideal de nação tem a ver,
exatamente, com essa crença no futuro. E, neste sentido, a figura representada tem
lógica, pois exprime força e fúria selvagens exigidas em uma reação, no caso, contra
o europeu invasor. Enfim, mesmo que fosse velho, não poderia ser representado
assim, pois o Império de D. Pedro II carecia de símbolos, e Victor Meirelles o criou
de acordo com um modelo emblemático: um bravo e jovem índio.
452
Rangel de S. Paio, na tentativa de pôr terra às críticas relativas à falta de
verdade histórica na obra, afirma que o pintor fundamenta-se em pesquisas, inclusive
a partir do testemunho ocular. E, no texto O quadro da batalha dos Guararapes, seu
450
MORAES FILHO, Dr. Mello. Folhetim Bellas Artes. Gazeta de Noticias, 16 abr. 1879. p.1.
451
PUBLICAÇÕES A PEDIDOS. A exposição das Bellas Artes. Ao Sr. Dr. Mello Moraes
Filho. Jornal do Commercio, 19 abr. 1879. p.3.
452
GUARILHA, op. cit., p.116.
164
autor e seus críticos, publicado um ano após a polêmica, ao falar sobre o processo de
pesquisa do artista, enfatiza que ele realizou estudos no próprio cenário da guerra.
Laborioso, descansava de um trabalho iniciando outro. Abandonava um croquis, para
emprehender uma jornada, afim de observar um quadro de que tinha noticia, ou uma
espada, um elmo, um escudo achados aqui ou além, nas immediações dos lugares dos
combates. Refocilava das fadigas diurna, consultando a historia ou pedindo episodios e
explanações ás tradições populares.
453
Nesse sentido, o quadro para S. Paio representa a verdade, pois o pintor
conhece os detalhes do episódio, os retratos dos personagens e a paisagem da
região. Seus comentários são uma tentativa de legitimar Meirelles como autoridade
em relação ao tema escolhido. Para o crítico, Victor Meirelles é o pintor de história
por excelência e suas habilidades técnicas, pesquisas históricas atestam isso.
Argumenta, ainda, que Victor Meirelles teve até mesmo o apoio do Instituto
Archeológico pernambucano para aprofundar seus estudos sobre os objetos
utilizados na batalha:
Engana-se, pois, quem pensar que Victor, por carecer de modelos para reprodução das
armas, vestuarios e outros acessorios do facto, a que deo o ultimo traço de immortalidade,
deixou alguma cousa a desejar a semelhante respeito. Se elle não os teve com
abundancia com que os na Europa, principalmente nos Paizes Baixos, não deixou de
obtel-os em Pernambuco. Há no Recife uma associação importante, que só não tem
comprehendido bem o seu papel civilisador, porque só tem olhos para o período holandez:
- É o Instituto Archeológico Pernambucano. Pois bem, nelle Victor Meirelles encontrou
armas e muitos acessórios de que teve necessidade. Para os vestuários Paulo Rembrandt
e Bartholomeu Van-der-Helst, pintores contemporâneos de batalha dos Guararapes,
prestaram-lhe fecundo manancial.
454
Paralela à crítica favorável de Rangel de S. Paio a Guararapes, começa,
porém, uma outra polêmica em reação às acusações de que Victor Meirelles é plagiário.
453
PAIO, Rangel de S. O quadro da batalha dos Guararapes, seu autor e seus críticos.
Rio de Janeiro:Typographia Serafim José Alves, 1880.
454
PAIO, O quadro..., op. cit., p.259.
165
No caso de Pedro Américo, em 1880, as acusações feitas ao autor de
Batalha do Avahy (figura 47), para Mello Moraes Filho, partiram dos membros
da AIBA. Por certo, o fato de serem "autoridades" no assunto contribuiu para a
sedimentação de um discurso oficial, da mesma Academia, de absolvição de
Meirelles da acusação de plágio.
Rangel S. Paio, contudo, esvazia o conteúdo das críticas argumentando
que, embora o anonimato seja um recurso permitido à imprensa no século XIX,
insinuações maldosas, cujo fim era apenas destruir a reputação do artista, só
poderiam partir de pessoas sem coragem de identificar-se.
Em 1879, no Jornal do Commercio, critica a leviandade desses detratores:
Sobre qualquer assumpto, a a respeito de qualquer personagem emitem opiniões, fazem
juizos, insinuão diffamações sem responsabilidade moral ou jurídica. Sem a primeira,
porque ainda quando suas idéas possão provocar a animadversão publica, ninguem atina
contra quem. – Como a um espectro impalpavel, não ha quem possa marcar-lhe a fronte
com o stygma de seus maos feitos. Elles fogem até ás proprias recordações, com um
simples movimento das lentes da machina fantasmagorica ou mudança da estampa a
projectar-se nelle – nesse caso chamada pseudonymo.
455
Enfim, de um lado temos a posição da autoridade, na figura de Bethencourt
da Silva, fundador do Liceu de Artes e Ofícios e professor da cadeira de Arquitetura
da AIBA, que argumenta: "A crítica maledicente com que entre nós se offende e
insulta um artista, e ás vezes uma corporação, não serve sinão para entumecer
odios esquinhos, nefandos e injustificaveis, de que se alimentam almas abatidas de
todo o sentimento moral e até de propria dignidade".
456
De outro, aqueles que não se
deixam revelar: X, Dr.Y, A. Gil, Cyneas, Z.
457
455
PAIO, Rangel de S. A exposição da Academia das Bellas Artes. Os quadros das
batalhas. Jornal do Commercio, Publicações A Pedidos, segunda feira, 28 abr. 1879. p.4.
456
SILVA, Bethencourt da. Bellas artes III. Revista Brazileira, p.363, ago. 1879.
457
Para aprofundar esta discussão, ver a pesquisa de Mestrado de H. X. Guarilha (op. cit.).
O autor recolhe um amplo conjunto de artigos que fundamentam a querela Meirelles versus Américo.
166
As críticas formam um conjunto amplo e complexo de reflexões evidenciando
duas correntes distintas: a oficial, representada pela AIBA, cujo principal artista é
Victor Meirelles, e a dos "dissidentes", cuja referência é Pedro Américo.
Porém, como já foi dito antes, um aprofundamento da polêmica constituiria
outro trabalho. A opção, então, é apresentar agora alguns recortes identificando
defensores de Pedro Américo, por exemplo, G. M., pseudônimo de José de Alencar.
Embora critique a falta de verdade na Batalha de Avahy, ele afirma que
nesse quadro "ha uma originalidade na esthetica; tem essa um cunho talvez
desconhecido até agora e sahe fora das convenções habituaes da arte...".
458
Para
Alencar, seria um erro tentar fixar o episódio de guerra do Paraguai após tão pouco
tempo do seu desfecho, pois a verdade, no seu entender, estaria comprometida com
os interesses do Império. Mesmo assim critica Américo, entendendo que o cenário
careceria de pesquisa mais profunda.
É esta a primeira observação que ocorre a respeito da – Batalha de Avahy –; o talentoso
pintor não foi ao lugar da acção, não perscrutou com o olho investigador aquelle terreno
ainda embebido de sangue, não tomou um guia que lhe mostrasse os pontos differentes
em que se passaram os varios episodios desta luta temerosa, que a historia chama –
batalha de Avahy. É o primeiro ponto fraco do do quadro do Sr. Pedro Américo; não póde
o artista responder pela fidelidade de pontos capitaes do seu trabalho; desde logo se fica
prevenido que alli ha muito esforço de imaginação, muita phantasia e idealismo.
459
Ora, é evidente que seu enfoque evidencia que a compreensão de um
quadro, como síntese, deve pautar-se na verdade e representar os aspectos essenciais
do episódio. Em sintonia com as correntes históricas da época, Alencar pauta-se
"na idéia ilusória de que é possível encontrar o fato bruto, cristalizado e sobre o qual
já não incide nenhum questionamento".
460
458
G. M. FOLHETIM. A Batalha de Avahy. O Globo, 5 out. 1877. p.1-2.
459
G. M. FOLHETIM. A Batalha de Avahy. O Globo, 5 out. 1877. p.1-2.
460
MORETTIN, Eduardo Victorio. Os limites de um projeto de monumentalização
cinematográfica: uma análise do filme descobrimento do Brasil (1937), de Humberto Mauro. São
Paulo, 2001. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação da Escola de Comunicação e Artes,
USP. p.61.
167
Pedro Américo, por sua vez, em resposta às críticas referentes a sua
Batalha do Avahy, parece ciente desta problemática.
Objecção muito mais importante seria a que põe em dúvida a situação real dos
personagens representados n'um quadro resultassem grandes perturbações para a
história, ou grandes desaires para a esthetica. No caso a que se applica esta observação,
direi que, tanto quanto pude, fui fiel á verdade. O general Barão do Triunpho não poderia
estar collocado no primeiro plano sem grande desprezo das informações que colhi da
fonte a mais autorisada e competente.
461
A concepção de História, presente nesta geração de pintores, particularmente
em Pedro Américo, será discutida no último capítulo.
Gonzaga Duque, por sua vez, embora critique a falta de verdade em
Avahy, como Alencar, enfatiza a originalidade alcançada pelo artista.
O artista abandonou as cediças linhas de composição acadêmica, e compôs o sujeito
como melhor entendeu, para transmitir mais diretamente a impressão recebida. Para
alguns constitui esse modo de proceder um imperdoável erro, porque é desprezar os mais
austeros princípios da arte. Se, entretanto, indagamos bem da causa que provoca a
impessoalidade em artistas de cuidados estudos e de inteligências assinadas, acharemos
como causa fundamental esses austeros princípios da arte, que tanto preocupam aos
críticos convencionalistas. Limitar o artista a copiar a linha de composição desse ou
daquele mestre antigo, de Rafael ou de Rubens, de Leonardo ou de Rembrandt, é negar o
direito do estilo, que é a afirmação da individualidade. Copiar as obras-primas é procurar
imitá-los, e a imitação não faz mais do que realçar o mérito do original.
462
Essas observações remetem às tradicionais oposições entre acadêmicos e
inovadores, entre imitação e originalidade. Parece se esboçar aí uma compreensão
de que o artista não deve nunca se submeter a quaisquer regras.
Cabe destacar, nesse caso, a ênfase de Fromentin – um "intelectual"
brasileiro, na esteira do pensamento de Eugène Verón
463
, influente no Brasil – na
noção de liberdade do gênio. Ele afirma:
461
BELLAS ARTES. O quadro histórico da batalha do Avahy. Jornal do Commercio, 27
out. 1877. p.2.
462
DUQUE-ESTRADA, Arte..., op. cit., p.152.
463
VÉRON, Eugène. A estética. São Paulo: Cultura, 1944.
168
A theoria do ideal estabelecida por Platão contém e resume todo o programma da escola
academica. É em nome do ideal, quase sempre mal comprehenddo, que o classicismo
ataca todas as innovações e renovações na arte, é em nome do ideal que Delacroix e os
coloristas, Courbet e Manet os naturalistas na pintura, Carpeaux e Barye na esculptura,
Viollet-le-Duc na architectura, Weber e Wagner na musica, Victor Hugo e os romancistas
Flaubert e Goncourt na literatura foram atacados pelos academicos com furos de quem se
sente vencido e ve fugir a direcção artística dos espíritos. O fundo das theorias
preconisadas pelo ensino academico é completamente falso, o systema de Platão foi
estabelecido sobre dois principios absurdos – passividade e inercia da intelligencia
humana.
464
Fromentin não defende o realismo, embora cite Courbet e Manet, e sua
ênfase, em uma série de artigos intitulada Esthetica Positiva, é no respeito da
individualidade do artista que "deve despresar todas as convenções e regras
academica; é completamente livre, comtanto que não copie ninguem, que se
abandone á sua emoção, que seja absolutamente sincero e que exprima sempre
idéas e sentimentos que lhe pertençam".
465
Fromentin extrai essa compreensão de gênio artístico, das críticas de Véron
ao modelo acadêmico:
O gênio é, antes de tudo, o poder de criar. Por aí, é que se revela a profunda diferença
entre o gosto e o gênio artístico. Todas as outras condições podem ser mais ou menos
idênticas. (...) o que constitui pròpriamente o gênio artístico é a imperiosa necessidade de
exteriorizar, por meio de formas e sinais diretamente expressivos, as emoções sentidas, e
a faculdade de encontrar esses sinais e essas formas, por uma espécie de intuição
imediata, onde a reflexão e o cálculo não intervêm senão por audição ulterior.
466
Com efeito, Verón em sua Estética ataca os limites impostos pelas regras.
Para ele:
O primeiro método é o acadêmico. Tem por princípio, mais ou menos latente, a negação
do progresso e mesmo de qualquer evolução intelectual, consistindo sua prática em forçar
os jovens do século XIX, a pensarem e sentirem como os do tempo de Péricles ou de
Leão X. Ora, como a coisa é impossível, resulta que a maioria dos artistas, submetidos a
464
FROMENTIN. Esthetica Positiva. In: Revista Musical e de Bellas Artes , Rio de Janeiro:
Arthur Napoleão & Migéz, maio de 1879, n.19, p.2. Apud GUARILHA, op. cit., p.121
465
FROMENTIN. Esthetica positiva. Revista Musical e de Bellas Artes, Rio de Janeiro,
n.20, p.3, maio 1879. Apud GUARILHA, op. cit., p.103.
466
VÉRON, op. cit., p.92.
169
esta disciplina, acham mais simples aliviar-se de todo pensamento e de todo sentimento,
limitando-se a estudar os processos, aplicar as fórmulas e elaborar imitações. Emoção,
convicção, sinceridade, espontaneidade, tudo o que constitui a verdadeira arte é eliminado
de uma vez. O efeito natural e lógico do ensino universitário e acadêmico, se não se chocasse,
por vezes, contra revoltas invencíveis, seria formar tradutores, mas não artistas.
467
Pedro Américo também percebe que o florescimento das artes extrapola a
atuação das academias, porém, em seu entendimento, o conhecimento que elas
oferecem por si só não é suficiente para que se produza um artista. Nessa
perspectiva, critica o desamparo das Artes no Brasil, concluindo: nos sete anos que
separam as duas exposições não surgiu nenhuma arte própria das salas da
Academia.
468
Eu repito que a arte brasileira ainda não foi creada, porque tão glorioso acontecimento
está reservado para a geração que amar verdadeiramente o artista, e cooperar com elle
nos commettimentos importantes, sem procurar pretextos para desamparal-o, como tantas
vezes se faz. Na verdade, não basta meia duzia de quadros e estatuas para caracterisar
uma eschola, que é sempre o resultado de uma tradição constante representada por uma
serie de grandes mestres. Reconheceis a eschola nacional somente quando nas nosas
galerias, nos nossos edificios e nas nossas exposições encontrardes quadros, estatuas e
outros artefactos de estylo das escholas estrangeiras, e tendo muitos pontos de contacto
entre si e as faces da vida, das crenças, da poesia e do ideal da nossa patria.
469
467
VÉRON, op. cit., p.19.
468
Em relação à Escola Brasileira, Américo retoma o ideário de Porto alegre e, em discurso
realizado na entrega dos prêmios da Exposição de 1872, assim justifica sua posição: "Ninguem pense
no Brasil que o ensino dado em uma cadeira de pintura, ou as doctrinas professadas em uma cadeira
de esthetica sejam suficientes para formarem uma eschola e desenvolverem o gosto geral.
As Academias preparam, mas não produzem artistas, nem ateam a faisca sagrada ao coração de
quem carece de exemplos visíveis para comprehender e amar o bello. A Academia de São Lucas, a
de Florença e a de Bolonha, que serviram de modelo ás escholas officiaes modernas, foram creadas
depois dos melhores dias da arte, e representam na historia a reação do bom senso e do methodo
contra a decadencia. É nos trabalhos públicos e monumentos, nas obras destinadas a commemorar
os grandes feitos e perpectuar as tradições gloriosas de um povo, que se desenvolvem as artes, e
não em torno das cathedras officiaes, que passam desapercebidas no meio dos factos da vida
tumultuosa das grandes capitães, como os diamantes illapidados nas areias dos nossos grandes
rios." (Discursos do Dr. Pedro Américo..., Florença. Apud, GUARILHA, op. cit., p.91- 92).
469
AMÉRICO, Pedro. Discursos do Dr. Pedro Américo..., Florença. Apud GUARILHA,
op. cit., p.92.
170
No interior das discussões que perpassam as críticas fecundadas na
Questão Artística de 1879, a Escola e a Arte Brasileira tornaram-se, portanto, temas
centrais. Em suma, parece-nos evidente que o problema aumenta quando a discussão
volta-se à polêmica realismo versus idealismo, também vigorosa no debate artístico
brasileiro à época. Neste ponto, é claro, os conceitos também não estão muito claros.
Artigos voltados à polêmica realismo versus idealismo se multiplicaram;
contudo, embora fundamentais à compreensão do ideário que impulsionou ora a
defesa, ora a condenação dos artistas que protagonizaram a questão artística de
1879, não cabem aqui maiores reflexões.
Em verdade, interessa-nos compreender o que significava o idealismo para
os críticos brasileiros e, neste caso, Rangel de S. Paio, é exemplar. Ante a polêmica
realismo e idealismo chegou a estabelecer, inclusive, uma classificação: clássica,
idealista, realista ou naturalista. Ele propõe,
imitando nisso á literatura, incluir a pintura e todas as outras bellas artes em tres secções
– Na primeira as produções dos artistas que, fielmente ligados ao ideal hellenico, ainda
buscão muitas vezes na mythologia assumpto para seus quadros, não admitem corpo
humano sem que meça de altura as sete cabeças e meia, perfil que não seja
rigorosamente modelado pelo Baccho em repouso. – É a escolha classica. – Ha a belleza,
ha elevação, mas ha menos naturalidade; não são homens represetados, são deuses...
A segunda afasta-se um pouco do ideal, retemperando-se com a verdade, modificando o
pelas impressões que da natureza recebe. Para ella, se nem todos os homens têm a
belleza ideal de Apollo de Belvedero, todas as mulheres tem as proporções e fórmas
corpóreas da Venus de Milo: – é a escola idealista – Ella, se acompanha a escola
romantica letteraria em ocupar-se com assuntos assumptos terrenos, se não busca
somente os céos ou os palacios regios, nunca se desce ao grotesco ou ao hediondo (...).
A terceira têm um por único ideal a verdade, tal como a natureza a apresenta. Julga-se
com direito a immiscuir-se em tudo e com tudo, não aceita limites ao seu imperio,
representa quer a mulher em toda a belleza natural, como a Recamier, quer a Venus
hothentote com sua nudez hedionda e suas anomalias physicologicas, fará um quadro tão
minucioso de um baile real, com seus convivas todos bordados, cobertos de cruzes e fitas,
e suas damas adornadas de velludos, gazes, brilhantes, flores e bellezas de artificio, com
o mesmo zelo e verdade que empregará transportando para a tela o necroterio em
occasião de exame cirurgico sobre o cadaver da vagabunda lazarenta encontrada em um
esgoto em estado de putrefação. É a escola realista ou naturalista...
470
470
PAIO, A exposição..., op. cit., p.4.
171
A classificação de S. Paio, a princípio, evidencia uma preocupação em
pensar as diferentes correntes artísticas às quais os artistas em questão se filiam, a
partir de uma fundamentação conceitual mais sólida. Porém, sem aprofundar a
questão, no final das contas, embora alguns considerem Américo um pintor realista e
Meirelles pertencente à escola idealista, para S. Paio, de acordo com seus
argumentos na Revista Musical, os dois pintores são filiados à "escola originada pela
transacção tacita entre o classicismo e o romantismo".
471
É claro, então, que a defesa tanto de uma ou de outra tela é apaixonada, e
os argumentos sobre o realismo versus idealismo são uma tentativa de defini-los,
sobretudo, por seus aspectos formais. Esquecem, neste sentido, de pensar a crítica
social presente nas obras e, embora o realismo ganhe força na Europa, para muitos
críticos brasileiros ele não passa de uma aberração.
Bethencourt da Silva, por exemplo, na esteira dessas discussões, valoriza
o ideal em detrimento do realismo e, respaldado pela Academia, afirma:
Si o genio imitativo do homem originou a arte, é também evidente que esta não consiste
sómente em imitar a natureza reproduzindo-a com mais ou menos perfeição, - ao
contrario, elevada á altura de um elemento civilisador, ella tem essencialmente por fim a
revelação do bello na sua absoluta plenitude, no esplendor do seu maximo
desenvolvimento, submetido ás exigencias philosophicas da razão e do gosto. Já
dissemos uma vez: a verdade na arte não é a mesma verdade da vida commum; nesta
quer-se por assim dizer a verdade material, naquella busca-se retratar a verdade do ideal.
A reproducção pfotographica de um assumpto no positivismo de uma verdade
mathematica inutilizaria a invenção imaginativa do poeta e o modo differente de cada
genio perceber e revelar a idea que lhe borbulhou no cerebro, ao devassar na revelação
de um thema os vastos dominios da sua phantasia. Na arte, como na eloqüência, a
belleza não está na verdade do mundo material; ao contrario a belleza natural do objeto
representado transporta-se ás regiões do sublime, une-se á belleza racional de execução
para elevar-se até aos dominios do ideal onde a obra humana se purifica livre dos
accidentes que acompanham os fructos da natureza real.
472
471
PAIO, R. de S. Academia de Bellas-Artes. Revista Musical, n.14, p.1-2, sábado, 5 abr. 1879.
472
SILVA, Bethencourt da. Bellas Artes. II 1. Revista Brazileira, p.285, jun. 1879.
172
O pensamento de E. Verón, que também perpassa o ideário dos intelectuais
brasileiros, tem como ideal de pintura uma teoria realista assim definida:
A teoria realista, levada a suas últimas conseqüências, reduziria o artista à condição de
copista. A perfeição da obra consistiria na ilusão completa e absoluta. Artista por excelência
seria aquêle que visse e compreendesse todas as coisas como toda a gente, e as fizesse
exatamente como um fotógrafo, o que tivesse achado o meio de reproduzir a cor tão
bem como a forma. O ideal, então, seria levar o homem à perfeição da máquina e a
sua impassividade. Felizmente para a teoria realista, esse aperfeiçoamento é impossível.
O homem, no que quer que faça, revela sempre algo de si próprio. Por mais que ele se
esforce em dar das coisas apenas a aparência visível, tal como toda a gente pode ver, tão
bem como ele, sempre lhe acrescenta alguma coisa que não está ante os seus olhos e que,
entretanto, êle vê em si mesmo, isto é, sua emoção, sua impressão pessoal.
473
Cabe ainda acrescentar que Taine, por sua vez, afirma:
Assim como há uma temperatura física que, por suas variações, determina o
aparecimento de tal ou tal espécie de plantas, assim também há uma temperatura moral
que, por suas variações, determina o aparecimento de tal ou tal espécie de arte. E, do
mesmo modo que se estuda a temperatura física para se compreender o aparecimento de
tal ou tal espécie de plantas, o milho ou a aveia, o aloés ou o abeto, é preciso estudar
também a temperatura moral para compreender o aparecimento de tal espécie de arte, a
escultura pagã ou a pintura realista, a arquitetura mística ou a literatura clássica, a música
voluptuosa ou a poesia idealista. As produções do espírito humano, como as da natureza
viva, só por seu meio se explicam.
474
A concepção de Hippolyte Taine,
475
sistematizada na sua Filosofia da arte,
pode ser apreendida em Bethencourt da Silva. Em um dos artigos, encontramos:
O característico da arte num pais não é obra da vontade de um homem, mas sim o fructo
de uma idea, que, sem pertencer a um individuo, é arrancada ás verdades eternas pelo
talento inspirado de um artista. Na historia do desenvolvimento da arte está a lei da
sociabilidade humana. o Egyto e a India, como a Grécia e o Occidente depois,
estabeleceram a sua arte, com um caracter tão peculiar, tão consequente do valor
daquellas eras, que ainda hoje se lê nella, como no melhor livro, a narrativa da sua vida
moral. Quando a idéa artística de um povo cresce e avulta constituindo-se na essencia
fundamental de uma geração ou de uma raça, ha tambem nella o grau qualificativo da sua
473
VÉRON, op. cit., p.19.
474
Taine, em sua Filosofia da arte, fundamentado em noções oriundas das Ciências
Naturais, propõe um método para a análise das obras de arte (TAINE, H. Filosofia da arte. São
Paulo: Cultura, 1944. p.17).
475
TAINE, op. cit.
173
intelligencia e da sua civilização. (...) Em cada povo ha um caracter artístico, porque em
cada homem ha uma maneira de sentir á moda de sua terra, filha das manifestações da
sua natureza...
476
Bethencourt da Silva, portanto, abre caminho para uma reflexão sobre a
arte nacional. Ele argumenta:
A arte nacional, a nossa escola de manifestar a vida interior da alma brazileira, o modo de
ver e de sentir dos filhos desta natureza perenne de formosura, é mais propensa ao ideal
do que á copia servil da natureza. (...) Sem prejudicar ou esquecer a pureza do desenho,
eleva-se nas pompas do colorido, no arroubo dos effeitos que naturalmente emanam das
crepitações harmoniosas da luz mirifica deste sol intertropical. O ideal tem aqui um dos
seus templos; e o romantismo que engrandeceu a arte na Europa ha de com mais razão
enriquecer os fructos da musa nacional.
477
Mesmo que o "Messias", para alguns, seja Victor Meirelles, como o líder de
uma escola, e, para outros, seja Pedro Américo, o crítico da Revista Musical põe em
dúvida a real necessidade de um "messias", responsável pelos destinos da Arte
Brasileira, afirmando: o que falta à pintura nacional é terreno fértil para o novo.
É interessante observar ainda que Pedro Américo, em resposta às críticas
à Batalha do Avahy, demonstra sua preocupação com a função social do artista. Sua
defesa evidencia uma clara compreensão da polêmica idealismo versus realismo,
acadêmicos versus inovadores, por exemplo, por trás da também polêmica equação:
verdade histórica e liberdade de criação.
Para o artista, a sua função é afirmar os "grandes principios da arte ou da
dignidade da historia". Meu idealismo, afirma Pedro Américo, é "muito mais positivo
do que o positivismo dos que negão e criticam sem saber; idealismo que basêa-se
nos factos essenciaes e só despreza ou transforma aquilo que pode ser alterado ou
omitido sem offensa dos grandes princípios da arte e ou da dignidade da história".
478
476
SILVA, Bethencourt da. Bellas Artes I. Revista Brazileira, p.128, jun. 1879.
477
SILVA, Bellas Artes III, op. cit., p.363.
478
MELO, Pedro Américo de Figueiredo. Seção de Belas Artes. Jornal do Commercio, Rio,
24 out. 1877. p.2. (publicado originalmente em 27 out. 1877).
174
Em vista dessas considerações, não podemos a priori, de acordo com um
pensamento simplista, afirmar que os artistas foram meros ilustradores da história e
comprometidos com a elaboração de uma história visual da pátria.
Destacaremos ainda outras de suas pinturas que envolvem "os grandes do
Império": Pedro II na Abertura da Assembléia-Geral (1872) e Casamento da
Princesa Isabel (1864). Na obra Pedro II na Abertura da Assembléia-Geral, Pedro
Américo retrata o Imperador na cerimônia ocorrida em 3 de maio de 1872 (figura 23).
A tela é também conhecida como "Fala do Trono", referindo-se à prática do Imperador
de só apresentar-se em trajes majestáticos, a partir dos anos de 1870, na abertura e
no encerramento da Assembléia.
Figura 23 - Pedro Américo. D. Pedro II na abertura da assembléia-
geral, 1872. Óleo s/ tela, 258 x 205cm. Museu Imperial,
Petrópolis, RJ
175
À esquerda, em segundo plano, destacados pela luz, o Visconde de
Abaeté, Presidente do Senado e, logo atrás dele, o Senador Caxias. Na extremidade
da mesa está o Visconde do Rio Branco, com o Ministro do Império, João Alfredo
Correia de Oliveira, à sua direita. Ao fundo, da direita para a esquerda, vemos:
Zacarias de Góis e Vasconcelos, Deputado pela Bahia, Francisco Otaviano de Almeida
Rosa e Jerônimo José Teixeira Júnior. Finalmente, na tribuna, também destacados
pela luz, vemos alguns membros da Família Real: a Imperatriz e, ao seu lado, a
Princesa Isabel que fala ao Conde d'Eu. Ao fundo, de pé, o Marquês de Tamandaré.
479
Na segunda obra, Pedro Américo registra a cerimônia de casamento da
Princesa Isabel, ocorrida na Capela Imperial (figura 24). É apenas um estudo para
uma outra obra que, de fato, não chegou a ser realizada. No primeiro plano, vemos
os noivos – a Princesa Isabel e o Príncipe Gastão de Orléans, Conde d'Eu –
ajoelhados. Logo atrás do noivo está o Duque de Saxe (de pé), ao lado da
Condessa de Barral e Pedra Branca, D. Luísa Margarida de Barros e Portugal (de
joelhos). No mesmo plano, mas à esquerda, vemos D. Manuel Joaquim da Silveira,
Arcebispo da Bahia, primaz do Brasil e Vice-capelão-mor, que ergue a mão para
abençoar os noivos. À direita, em destaque sob um dossel branco, está o grupo
principal: no trono D. Pedro II, a Imperatriz e a Princesa D. Leopoldina. À frente
desse grupo, vemos os nobres que serviram de testemunhas, ajoelhados.
480
479
MARTINS, op. cit., p.41.
480
MARTINS, op. cit., p.28.
176
Figura 24 - Pedro Américo. Casamento da Princesa Isabel, 1864.
Óleo s/ tela, 69 x 51cm. Museu Imperial de Petrópolis,
Rio de Janeiro
A destacar, ainda, da produção de Pedro Américo, dois quadros: Paz e
Concórdia, realizada em 1902, na qual o artista compõe uma "alegoria da
civilização", e Tiradentes Esquartejado, de 1893. Em Paz e Concórdia (figura 25)
simboliza o encontro de mundos diferentes: "um cortejo representando a sociedade
antiga encontra-se com outro representando a sociedade moderna".
481
Vemos, na
entrada do Templo, uma reprodução do seu quadro Independência ou Morte (figura
43). De um lado, a estátua de Colombo com uma âncora na mão esquerda e, de
outro, a estátua de Cabral erguendo a cruz e a espada, símbolos de conquista e
dominação. Mais abaixo, no topo da escadaria que segue para o templo, um coro de
vestais entoa um hino.
481
MARTINS, op. cit., p.103.
177
Figura 25 - Pedro Américo. Paz e Concórdia, 1902. Óleo s/ tela, 300 x 431cm. Museu Histórico e
Diplomático do Itamaraty, Rio de Janeiro
A Nação Brasileira, nessa alegoria, inspirada pelas duas tradições, cristã e
pagã, e coroada pela Glória, segue o caminho iluminado pela Civilização. Parece ir
ao encontro das principais Nações, das quais, o artista destaca a América do Norte
que, à frente das outras, pode representar, talvez, a mais forte do Continente. Dois
jovens lhes oferecem frutos e vinho espumante. Pequenos gênios carregam coroas
de louros espalhadas pelo caminho por onde passa o Brasil, que, na interpretação
de Pedro Américo, é vitoriado tanto pelos homens mais ilustres quanto pelos
mais obscuros. Para o artista, a "Arquitetura e a Pintura – as duas artes mais
desprezadas na nossa civilização – numa postura suplicante chamam para elas a
atenção da Grande Vitoriada".
482
Por último seu Tiradentes Esquartejado (figura 26), obra de cunho histórico
profundamente realista, que evoca a figura de Tiradentes e a cena de sua morte, o
esquartejamento de seu corpo, a exibição de sua cabeça às vistas do povo.
482
MARTINS, op. cit., p.103.
178
Figura 26 - Pedro Américo. Tiradentes esquartejado, 1893.
Ó
leo s
/
tela. 270 x 165cm. Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora,
Minas Gerais
Certamente, Tiradentes Esquartejado, tanto quanto Independência ou Morte,
é uma das mais reproduzidas em livros escolares. Mas, assim como a transformação
do Sete de Setembro em data nacional não ocorreu da noite para o dia e sim
mediante um longo processo de elaboração de um mito que tem a sua própria
história, é apenas no contexto da República que a figura de Tiradentes é alçada a
herói nacional. O sacrifício de Tiradentes, assumindo toda responsabilidade, e a
transformação da sua morte em um espetáculo, para intimidar a população, foram
decisivos para a sua mistificação e contribuíram para manterem-se vivas a memória
do acontecimento e a simpatia dos inconfidentes.
Mais importante ainda é observar que essas duas representações são
elaboradas, no caso da tela Independência, aproximadamente, um ano antes da
179
República e Tiradentes, poucos anos depois. Se voltarmos nossa atenção para
este fato, cai por terra a argumentação de que as representações são moldes que
se ajustam aos papéis que foram escritos para elas e, também para o artista, no
jogo social.
Se o artista propõe, em um momento celebrativo, um herói aos pedaços,
conforme investigação de Maraliz de C. V. Christo, Pedro Américo "só o representou
respaldado por um sentimento internacional de queda do herói, na esteira de um
movimento antagônico ao momento histórico vivido pelo Brasil, de formação do seu
panteão nacional".
483
Compreender, portanto, as representações de herói em Pedro
Américo, sem dúvida, traz importantes indagações que nos levam, de um lado, a
tentar identificar suas referências tendo em vista seu diálogo com a pintura francesa
e italiana, e, de outro, a partir da inserção da Pintura Histórica no processo social e
cultural, nacional e internacional, buscar os sentidos por trás de suas obras.
Podemos concluir afirmando que a "grande pintura", portanto, refere-se ao
gênero histórico como lugar de reencontro do passado com o presente a encorajar
por meio de ações exemplares dos feitos rememorados pelo pincel do artista. No
entanto, se bem lembramos, as obras públicas, requisitadas por Araújo Porto alegre,
foram conquistadas a duras penas. E, a julgar pelas críticas, a atuação de Debret,
Porto alegre e Américo foi marcada pelos conflitos, que se estabeleceram entre duas
culturas civilizatórias, vivenciados nos limites ilustrados da vida na capital do Império.
483
CHRISTO, Mariliz de C. V. Pintura, história e heróis no século XIX: Pedro Américo e
"Tiradentes Esquartejado". Campinas, 2005. Tese (Doutorado) - UNICAMP. p.10.
180
CAPÍTULO 4
AS REPRESENTAÇÕES DA INDEPENDÊNCIA E SEUS
HERÓIS NA PINTURA HISTÓRICA DO SÉCULO XIX
Na contemporaneidade, cada vez mais se amplia a utilização do imaginário
pictórico e das suas potencialidades como representação. Em razão de sua importância
como testemunha, a iconografia pictórica do século XIX – em que passado, presente
e futuro se encontram – tornou-se referência à posteridade.
Nosso objetivo, então, ao colocarmos tanta ênfase nos significados
culturais engendrados pelas imagens, é pensar o que está por trás da obra de Pedro
Américo, sobretudo, das suas representações do herói nacional. Antes, porém,
torna-se necessário mostrar os principais lugares por onde passou o príncipe.
A "jornada libertadora", transformada em um imaginário útil ao projeto de consolidação
ou de ordenamento da nação, ocupou lugar de destaque na arte de Jean Baptiste
Debret. Outros artistas-viajantes do século XIX como, por exemplo, Tomás Ender e
Maria Graham, também foram partícipes desse exercício de criação de uma ordem
visual à paisagem brasileira.
Otávio Tarquínio de Sousa, em sua obra Introdução à história dos
fundadores do Império do Brasil, utiliza paisagens desses artistas como referências
visuais da trajetória de D. Pedro, às vésperas de Independência.
Debret, convertido em uma espécie de cartógrafo, mais uma vez é
exemplar. As paisagens do artista, extraídas de suas viagens por terra ou das notas
descritivas, pranchas e mapas, elaboradas pelas mãos de outros naturalistas-
artistas-viajantes, descrevem, por assim dizer, os caminhos da brasilidade. São uma
espécie de escritura por meio da qual, Debret, em exercício de enquadramento e
aperfeiçoamento, vai dando visibilidade à transformação de uma terra selvagem no
chão civilizado da Nação.
181
4.1 A JORNADA LIBERTADORA: DE EIXO GEOGRÁFICO A EIXO POLÍTICO
Tarquínio de Sousa, ao descrever o caminho traçado entre as cidades do
Rio de Janeiro e São Paulo, na época da Independência do Brasil, põe em evidencia
o Príncipe que, na sua "jornada libertadora", percorreu 64 léguas, em 12 dias.
484
Esse autor faz uma descrição minuciosa dos acontecimentos que antecedem o Sete
de Setembro, contudo, como alerta Emília Viotti da Costa, é preciso ir além.
Viotti observa que, atendo-se aos documentos testemunhais e se
preocupando com a descrição dos acontecimentos e personagens em evidência no
contexto político, a historiografia tradicional permanece no limite da crônica
pormenorizada. De acordo com essa concepção, conforme Costa: "As coisas vão
simplesmente acontecendo: no jogo das circunstâncias e das vontades individuais,
no entrechoque de interesses pessoais, de paixões mesquinhas e de sonhos de
liberdade, faz-se a Independência do país".
485
Para essa autora,
muito do que se apresenta sob a forma de erudição e sob a pretensão de ciência, não
passa de uma lenda histórica do movimento da Independência. Fatos forçados pela
propaganda política, criados pela paixão dos participantes, sempre prontos a superestimar
a ação dos indivíduos e a conceder valor demasiado a episódios meramente circunstanciais,
são incorporados à historiografia, como fatos objetivos, quando na realidade, apenas
definem o estado de espírito, a opinião dos participantes. Procurando recuperar o passado
tal como ele foi, querendo retraçar a marcha dos acontecimentos segundo uma ordem
exclusivamente cronológica, assumindo a perspectiva de testemunho, os historiadores
ficaram freqüentemente, à mercê das interpretações subjetivas e contraditórias dos
personagens envolvidos nos acontecimentos.
486
Entre aqueles que repetem os mesmos fatos e as mesmas interpretações,
acrescentando aqui e ali um novo documento, contudo, sem alterar a versão tradicional,
484
Os 12 dias equivalem a 634km: 64 léguas (légua de 6.600m) percorridas a cavalo. Ver:
SOUSA, op. cit., p.x.
485
COSTA, Emilia V. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. In: MOTA, C. G.
(Org.). Brasil em perspectiva. 17.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988. p.65.
486
COSTA, E. V., op. cit., p.65.
182
a autora destaca Otávio Tarquínio de Sousa e sua Introdução à história dos fundadores
do Império do Brasil, publicada em 1957.
Ao formular o problema desta maneira, Emília Viotti da Costa indica um
caminho: "procurar na contradição interna do processo histórico brasileiro a
explicação para o movimento da independência".
487
É possível, então, seguindo essa trilha, ver por trás das viagens do Imperador,
conforme sintetiza Sandes: a definição do "eixo espacial e político de nação".
488
É nessa perspectiva que, atentos aos limites da descrição, a "jornada
libertadora" apresentada por Sousa, defendemos a idéia de que o itinerário das
viagens de D. Pedro I, às vésperas da Independência, funciona como uma espécie
de ordenação da história. Os onze "pousos" da jornada, descritos à maneira de
passagens, lembram uma espécie de Via Crucis. As paisagens de Debret, Maria
Graham e Ender, neste caso, compõem um cenário onde vemos surgir uma paisagem
natural que aos poucos vai sendo cuidadosamente substituída por um décor que
revela as figurações de uma nova identidade cultural.
Deixemos, então, que Debret, Maria Graham e Ender mostrem como
capturaram algumas das paisagens da jornada libertadora.
De acordo com o mapa do Itinerário da Independência, segundo Sousa,
D. Pedro partiu dia 14 de agosto, da Fazenda de Santa Cruz (figura 27).
487
COSTA, E. V., op. cit., p.65. Esta autora cita Caio Prado Jr. como um dos autores que
delineiam as novas diretrizes para o estudo, a partir da dimensão política, da Independência.
Evidentemente, não cabe aqui aprofundar uma investigação sobre a historiografia relativa ao
processo de Independência do Brasil, pois nossa tese limita-se ao estudo das representações
iconográficas com o objetivo de evidenciar a visão de independência e de seu herói representada,
sobretudo, por Pedro Américo na sua Independência ou Morte.
488
SANDES, op. cit., p.28.
183
Figura 27 - Caminho entre as cidades do Rio de Janeiro na época da Independência do
Brasil, 1972-1822. Cartograma do Itinerário da Independência
Em 14 de agosto, o Príncipe deixou a Quinta da Boa Vista e a cavalo
percorreu onze léguas, chegando ao primeiro pouso: a Fazenda de Santa Cruz,
residência de verão da Família Real (figura 28).
Figura 28 - Maria Graham. Fazenda de Santa Cruz, 1823
Saiu da Fazenda de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, chegando à Penha de
França em 24 de agosto, onde alguns dias depois concluiria o rompimento que
parecia inevitável desde 9 de janeiro de 1822 conhecido como "Dia do Fico".
O segundo pouso, no dia 15 de agosto, foi na Fazenda da Olaria, de
D. Pedro, na Vila de São João Marcos. No dia 16 de agosto, no seu terceiro pouso,
o Príncipe entrou em território paulista. Segundo Sousa, sempre a cavalo vai até a
Fazenda das Três Barras, em Bananal. No quarto pouso do Príncipe, em 17 de
184
agosto, passou pelos povoados de Bom Jesus do Bananal e São João do Barreiro,
pernoitando em São Miguel das Areias
489
(figura 29).
Figura 29 - Debret. Vista de São Miguel de Areias, c. 1827
Aí, novos animais foram oferecidos ao Príncipe, que partiu rumo a Lorena,
seu quinto pouso, em 18 de agosto (figura 30). Antes, porém, passou com seu séqüito
pelo povoado de Silveiras e jantou no Porto de Santo Antônio da Cachoeira. Sousa
chama a atenção para o seguinte fato: "Em Lorena 'fêz-se o decreto dissolvendo
o Govêrno Provisório paulista'". Depois afirma que, por todo o Vale da Paraíba,
"ia recebendo o príncipe acolhida espontânea e calorosa".
490
Figura 30 - Tomás Ender. Vista de Lorena, c. 1820
489
SOUSA, op. cit., p.xi.
490
SOUSA, op. cit., p.xi.
185
Em 19 de agosto, chega em Guaratinguetá (figura 31), seu sexto pouso,
"onde D. Pedro recebe 'ótimas cavalgaduras para tôda a comitiva, sempre mais
numerosa'. Passa na Igreja de Aparecida, onde por certo o religioso príncipe foi
rezar à Nossa Senhora que seria a Padroeira do Brasil".
491
Figura 31 - Debret. Vista do povoado de Guaratinguetá, c. 1827
Ora, o cenário que se vai delineando, por meio da narrativa de Souza,
retrata o príncipe como alguém virtuoso, mas, um olhar mais atento ao político por
trás das práticas comportamentais permite-nos vislumbrar o que foge a esse historiador:
a dimensão ritual implícita no modelo que um príncipe deve seguir. Lembremos que,
quaisquer atitudes, no campo do religioso ou do político, estruturam-se a partir de
regras que perpassam a dinâmica do poder. Por outro lado, o fato de reunir em torno
de si uma comitiva cada vez maior é prova de que o pacto que se vai elaborando é
uma opção pela manutenção da monarquia e pela sustentação da hierarquia.
Embora a narrativa de Sousa atribua ao Príncipe o papel de líder da
"jornada libertadora", alguns fatos evidenciam a insegurança de D. Pedro. As palavras
de Dona Leopoldina em carta a Jorge Antônio Schaeffer
492
comprovam isto:
"O Príncipe está decidido, mas não tanto quanto eu desejava; os ministros vão ser
491
SOUSA, op. cit., p.xi.
492
Ver: RODRIGUES, José Honório. A revolução americana e a brasileira: 1776-1820. In:
Brasil: tempo e cultura. João Pessoa: Secretaria da Educação e Cultura do Estado da Paraíba, 1978.
186
substituídos por filhos do país, que sejam capazes. O governo será administrado de
modo análogo aos Estados Unidos da América do Norte".
493
O desenho de Tomás Ender, por sua vez, mostra a Igreja de Nossa Senhora
de Aparecida, por onde o Príncipe passou em 20 de agosto de 1822 (figura 32).
É interessante chamar a atenção para o nome das vilas, evocando santos,
e o destaque as igrejas nas paisagens elaboradas pelos artistas são detalhes que
inscritos por um discurso visual encobrem sob uma "aparência de ordem" uma
"prática de desordem".
494
Figura 32 - Ender. Vista da Igreja de Nossa Senhora de Aparecida, c. 1820
Em 20 de agosto, chega em Nossa Senhora do Bom Sucesso de
Pindamonhangaba (figura 33), seu sétimo pouso, e, em 21 de agosto, na vila de São
Francisco das Chagas de Taubaté (figura 34), seu oitavo pouso. A recepção, mais
uma vez, foi "de grande efusão".
495
Sobre isso, Sousa destaca: "Sempre os
capitães-mores à frente da homenagem, sempre a comitiva a avultar pelo afluxo de
pessoas que a ela se ajuntavam".
496
493
MOTA e NOVAIS, op. cit., p.50.
494
CÂNDIDO, Antônio. O discurso e a cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1993. p.41.
495
SOUSA, op. cit., p.xiii.
496
SOUSA, op. cit., p.xiii.
187
Figura 33 - Debret. Vista de Pindamonhangaba, c. 1827
Figura 34 - Debret. Vista de Taubaté, c. 1827
Em seguida, D. Pedro dirige-se à Vila de Nossa Senhora da Conceição do
Rio Paraíba de Jacareí, seu nono pouso, no dia 22 de agosto (figura 35).
Figura 35 - Ender. Vista de Jacareí, c. 1820
D. Pedro e sua comitiva chegam na Vila de Santana de Mogi das Cruzes
em 23 de agosto, o penúltimo pouso (figura 36). Antes, passam em frente da Vila de
São José do Paraíba. Mas, D. Pedro, de acordo com Sousa, "recusa-se a receber
188
emissários do Govêrno paulista dissolvido e da Câmara e nomeia governador das
Armas de São Paulo o Marechal Cândido Xavier de Almeida Sousa".
497
Figura 36 - Debret. Vista de Mogi das Cruzes, c. 1827
Assim, após uma jornada de 12 dias, chega ao povoado de Penha de França,
no dia 24 de agosto, seu último pouso (figura 37). D. Pedro, na tarde de 24 de agosto,
fica acampado na Penha e somente na manhã do dia 25 entraria em São Paulo,
quando "ouve missa na capela de N. S. da Penha"
498
seguindo depois para a cidade.
Figura 37 - Ender. Vista da povoação de Penha de França, c. 1820
497
SOUSA, op. cit., p.xiii.
498
SOUSA, op. cit., p.xv.
189
No desenho de Ender vemos o Rio Tietê e, no fundo, a Capela de Nossa
Senhora da Penha. A população e as autoridades, conforme desenho de Wasth
Rodrigues, recebem-no com vivas no alto da Ladeira do Carmo (figura 38).
Figura 38 - J. Wasth Rodrigues. O Príncipe Regente D. Pedro é recebido em
São Paulo
Chegando à cidade, D. Pedro assiste ao Te Deum na Sé e depois recebe o
beija-mão de autoridades e povo. Wasth Rodrigues reconstitui a cena: na porta da
Catedral de São Paulo, membros do Senado da Câmara, com sua bandeira.
Oriundos de tradições diversas, os rituais vão marcando a presença do
Imperador. E, com base no relato de artistas-viajantes, vai se elaborando um
imaginário, no qual se destaca a figura do Imperador como representante máximo do
governo. Nessas imagens temos o cenário, a jornada libertadora, no qual se constrói
uma representação da monarquia. As imagens, neste sentido, transformam-se em
instrumentos estratégicos para a afirmação do Império.
A interpretação subjetivista de Octávio Tarquínio de Sousa na descrição,
pouso a pouso, do caminho trilhado por D. Pedro, construindo um jogo de referências
com os passos da Via Crucis, é uma tentativa de dignificá-lo.
190
Finalizando sua narrativa, lembra que D. Pedro ficou alguns dias em São
Paulo e que
antes de regressar ao Rio, quis ir a Santos a fim de examinar as fortalezas e visitar
pessoas da família de José Bonifácio. A 5 de setembro empreendeu a excursão, e a 7 de
setembro voltava o príncipe para São Paulo. Galopavam em sua busca os enviados de
José Bonifácio e logo o encontraram no alto de colina próxima do riacho Ipiranga. Dizia-
lhe J. B.: 'venha V. A. R. quanto antes e decida-se, porque irresoluções e medidas d'água
morna, para nada nos servem, e um momento perdido é uma desgraça'. Lendo os papéis,
e comunicando-os aos que o rodeavam, depois de um momento de reflexão, D. Pedro
bradou: 'É tempo! Independência ou Morte! Estamos separados de Portugal!'. – Concluía-
se a operação iniciada a 9 de janeiro.
499
Assim como nas palavras de D. Leopoldina, também se pode perceber em
José Bonifácio uma certa apreensão pela demora de D. Pedro em tomar uma
decisão. Segundo Sousa, os despachos que chegam de Lisboa revogando os
decretos do Príncipe regente e exigindo, mais uma vez, o seu retorno a Lisboa
tornavam inevitável o rompimento definitivo.
500
Princesa Dona Leopoldina e José
Bonifácio, então, "enviaram às pressas as notícias ao príncipe, em viagem a
caminho de São Paulo. As recomendações ao portador de que arrebentasse uma
dúzia de cavalos se fosse preciso, para chegar o mais rápido possível, indica o
interesse de José Bonifácio em apressar a independência e fazer de São Paulo o
cenário da ruptura final".
501
O "herói", no entanto, ao contrário da narrativa de Sousa, decide forçado
pelos acontecimentos. De acordo com sua descrição, "como que por milagre", breve
ninguém em São Paulo ignorava que o Brasil fora declarado independente,
e generalizava-se o entusiasmo.
502
Afirma, inclusive, que decretada a Independência,
499
SOUSA, op. cit., p.xvi- xvii.
500
É interessante destacar que Varnhagen, guiado pela procura e o exame "imparcial" dos
documentos, não confirma esta informação. As resoluções de caráter recolonizador das Cortes, que
teriam motivado a ação do herói, somente foram comunicadas oficialmente depois do 7 de setembro.
Esse dado traz um problema acerca da efetiva motivação do príncipe regente no momento tido como
delimitador de duas épocas distintas. Ver Tese de Doutorado de E. V. Morettin (op. cit.).
501
SOUSA, op. cit., p.xxiii.
502
SOUSA, op. cit., p.xxviii.
191
"D. Pedro, em seguida, tomou a direção da capital paulista, a galope, picando a sua
bela bêsta baia. Depressa se espalhou o que ocorrera no Ipiranga. Extravasava o
alvorôço dos que tinham presenciado a cena. (...) Mas o mais excitado dentre os
brasileiros era o irrequieto príncipe, que estava a preparar-se para a festa da noite,
no teatro."
503
Ora, o que ocorreu, de fato, é que às margens do Riacho Ipiranga, no dia
7 de setembro, um príncipe português, separava o Brasil de sua antiga Metrópole.
D. Pedro com o "Grito do Ipiranga" formalizava a independência do Brasil. Nascia
uma nova Nação, formulava-se uma identidade, mas se mantinha a fôrma
monárquica como modelo.
Além disso, somente em 1.
o
de dezembro o Príncipe era coroado Imperador
recebendo o título de D. Pedro I. Fato que comprova a incerteza que perpassou a
definição da data nacional a ser comemorada como marco da Independência. Aliás,
não só sua coroação, em 1.
o
de dezembro, mas as comemorações associadas à
Independência, especialmente, a festa de aclamação de D. Pedro, em 12 de outubro
(também aniversário do Imperador) e a outorga da primeira Constituição, em 25 de
março de 1824, também evidenciam tal incerteza. Isso comprova que a importância
simbólica atribuída ao Sete de Setembro como pretende fazer crer Sousa, não surge
como que por milagre. Não é um passe de mágica.
4.2 O SETE DE SETEMBRO TRANSFORMADO EM DATA NACIONAL DA
INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
O Sete de Setembro, feriado nacional, comemorado como a data da
Independência, em verdade, só foi transformado em data nacional a partir de 1870,
em razão da consolidação do Estado Nacional e da ampliação da importância
econômica e política de São Paulo.
503
SOUSA, op. cit., p.xxviii.
192
Segundo Lúcia Neves, O Espelho, jornal que circulou no Rio de Janeiro
entre 1821e 1823, editado pela Imprensa Nacional, foi o único a dar destaque ao
"Grito do Ipiranga".
504
Ela afirma, ainda, que a publicação de 20 de setembro
"exaltava o 'Independência ou morte!', como 'o grito [que] acorde de todos os
brasileiros'". Lúcia Neves acrescenta que o jornal "além de louvar o ato de d. Pedro,
atacava duramente o Congresso de Lisboa, que 'sacrificou a união de dois
hemisférios ao seu orgulho e ambição'".
505
Como a afirmação anterior deixa claro a proclamação de 7 de setembro de
1822 não provocou grandes repercussões e não mereceu atenção especial de
imprensa ou das autoridades, muito menos interpretada como marco definidor do
tempo histórico, conforme argumenta Cecília de Salles Oliveira. "E ao valer-se da
expressão 'independência ou morte', longe de referir-se a um fato consumado,
entrelaçou-se à efetiva possibilidade da deflagração de uma guerra civil, o que
indicava não só a fragmentação das forças políticas e fortes resistências à proposta
de romper com o Reino europeu como a indeterminação das lutas sociais naquela
época".
506
Oliveira argumenta ainda que nem mesmo D. Pedro na Carta dirigida aos
paulistas, datada de 8 de setembro, comentou a respeito do episódio do dia anterior.
...Quando eu, mais que contente, estava junto de vós, chegam notícias que de Lisboa os
traidores da nação, os infames deputados, pretendem fazer atacar ao Brasil e tirar-lhe do
seio seu defensor. Cumpre-me, como tal, tomar todas as medidas que minha imaginação
me sugerir; e para que estas sejam tomadas com aquela madureza que em tais crises se
requer, sou obrigado... a separar-me de vós indo para o Rio ouvir meus conselheiros e
providenciar sobre negócios de tão alta monta. ...Agora, paulistanos, só vos resta
conservardes união entre vós... porque a nossa pátria está ameaçada de sofrer uma
guerra que, não só nos há de ser feita pelas tropas que de Portugal forem mandadas, mas
igualmente pelos seus servis partidaristas e vis emissários que entre nós existem...
A divisa do Brasil deve ser – Independência ou Morte...
507
504
NOSSA HISTÓRIA, São Paulo, Ano 1, n.11., p.17, set. 2004.
505
NOSSA HISTÓRIA, São Paulo, Ano 1, n.11., p.17, set. 2004.
506
OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. Delimitação do lugar do "grito": propostas e
contradições. In: WITTER, José Sebastião; BARBUY, Heloisa (Orgs.). Museu Paulista: um monumento
no Ipiranga. São Paulo: FIESP, 1997. p.213.
507
OLIVEIRA, C. H. de S., Delimitação..., op. cit., p.213.
193
Cecília chama atenção, igualmente, para o fato de que a elevação do 7 de
setembro a data nacional comemorativa do "aniversário da independência brasileira",
em todo território do Império, surgiu pela primeira vez somente em setembro de
1823, à época dos embates relativos à Assembléia Constituinte Legislativa. Coincidiu
também com a proposição de membros do Governo Provisório da Província de São
Paulo de "erguer-se no 'lugar denominado Piranga um Monumento em memória
daquele episódio'".
508
Contudo, conforme argumenta Cecília, ambos os projetos não
se realizaram em virtude da dissolução da Assembléia Constituinte, em novembro de
1823, e em razão dos desdobramentos provocados pela outorga da Constituição,
em 1824, e pela Confederação de Equador.
O dia 7 de setembro, até 1826, não fez parte do calendário comemorativo
do Império, permanecendo sua celebração restrita ao âmbito de São Paulo. Entre
1824 e 1825, foram encaminhadas, pelo governo provincial e pela Câmara Municipal
da capital paulista, novas medidas com a finalidade de balizar o sítio do Ipiranga e à
construção de um Monumento. Somente a 2 de setembro de 1825, e contando com
o beneplácito do Imperador, as autoridades locais assinalaram o local preciso da
proclamação, conforme "testemunhas da cena" elimitando-se também o lugar mais
oportuno para a construção de um monumento.
...Acordou-se unanimamente que o lugar mais próprio para esse fim é o que se acha em
uma eminência, saindo da ponte do Ipiranga para o lado de Santos, na extremidade de
linha de 184 braças, tirada da dita ponte na direção de 10 graus de Norte a Este, visto
unir às vantagens locais o ser o próprio em que S. M. o Imperador deu o grito da
Independência política do Império...
509
508
OLIVEIRA, C. H. de S., Delimitação..., op. cit., p.213.
509
Ata da Vereança Extraordináeria da Imperial Cidade de São Paulo de 2 de setembro de
1825. Apud OLIVEIRA, C. H. de S., Delimitação..., op. cit., p.215.
194
Ainda no mesmo ano, em 12 de outubro, ocorreu a cerimônia de lançamento
da pedra fundamental do futuro Monumento: um tipo de obelisco que deveria ser
feito em cantaria, mas que, segundo Salles Oliveira, não chegou a ser realizado
(figura 39).
Figura 39 - Foto de José Rosael. Autor desconhecido. Primeiro
projeto para um monumento do Ipiranga, 1826. Tinta
ferrogálica e aquarela s/papel, 41 x 54cm. Acervo
Museu Paulista, USP
Outra baliza temporal a ser celebrada era o dia 25 de março, associada
à libertação política e carta constitucional. Nesse caso, a Câmara Municipal do Rio
de Janeiro propôs a realização de um Monumento na Corte que, mais uma vez, não
foi executado.
Cecília conclui que somente em 9 de setembro de 1826, em decreto
elaborado pela Assembléia Geral Legislativa, a data de 7 de setembro passou a
195
figurar entre os dias de "festividade nacional em todo o Império".
510
A decisão se dá
pari passu a momento político singular: o reconhecimento formal da Independência e
da legitimidade do governo monárquico no Brasil e a divulgação do relato, segundo
Salles de Oliveira, até então inédito, dos acontecimentos que tiveram lugar no
Ipiranga. Pela primeira vez, vinha a público, uma descrição detalhada do episódio
até então relegado a segundo plano, e quem o apresenta é o Padre Belquior Pinheiro
Ferreira, uma testemunha ocular.
...D. Pedro mandou-me ler alto as cartas trazidas pelo Paulo Bragaro e Antônio Cordeiro...
As Cortes exigiam o regresso imediato do Príncipe, e prisão e processo de José Bonifácio;
a Princesa recomendava prudência e pedia que o Príncipe ouvisse os conselhos de seu
Ministro; José Bonifácio dizia ao Príncipe que só havia dois caminhos a seguir: partir para
Portugal imediatamente e entregar-se prisioneiro das cortes... ou ficar e proclamar a
independência do Brasil, ficando seu Imperador ou Rei... D. Pedro, tremendo de raiva,
arrancou de minhas mãos os papéis e, amarrotando-os, pisou-os, deixou-os na relva. Eu
os apanhei e guardei. Depois, abotoando-se e compondo a fardeta (pois vinha de quebrar
o corpo à margem do Ipiranga, agoniado por uma desinteria...) virou-se para mim e disse;
'E agora, Padre Belquior?!'. E eu respondi prontamente: 'Se V.Alteza não se faz Rei do
Brasil será prisioneiro das Cortes e talvez deserdado por elas. Não há outro caminho
senão a independência e a separação'. D. Pedro caminhou alguns passos... De repente
estacou-se dizendo-me: 'Padre Belquior, eles o querem, terão a sua conta... De hoje em
diante estão quebradas as nossas relações; nada mais quero do governo português e
proclamo o Brasil para sempre separado de Portugal!'. ...O Príncipe diante de sua
guarda... desembainhou a espada e disse: 'Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu
Deus, juro fazer a liberdade do Brasil'. 'Juramos', respondemos todos. D. Pedro
desembainhou a espada, no que foi imitado pela guarda, pôs-se à frente da comitiva, e
voltou-se, ficando em pé nos estribos: 'Brasileiros, a nossa divisa de hoje em diante será
Independência ou Morte!'. Firmou-se nos arreios, esporeou sua bela besta baia, e
galopou, seguido de seu séqüito, em direção a São Paulo.
511
A narrativa acerca do "grito do Ipiranga" de Padre Belquior (que o transforma,
no mínimo, em personagem que infuenciou D. Pedro na sua decisão) tornou-se
referência na elaboração da memória do dia 7 de setembro, sendo citada em quase
510
OLIVEIRA, C. H. de S., Delimitação..., op. cit., p.216.
511
Apud OLIVEIRA, C. H. de S., Delimitação..., op. cit., p.216.
196
todas as obras historiográficas sobre o tema no século XIX, a exemplo de Francisco
Adolfo de Varnhagen.
512
Contudo, é somente no contexto da crise que envolve o Imperador na
sucessão do trono que as rememorações de Padre Belquior tornam-se providenciais.
É nesse contexto que se instaura uma tradição historiográfica que perpassa ainda
hoje as várias versões sobre a história da Independência. Entre as fontes
que contribuíram para a concretização e a transformação da "imagem heróica do
'grito' e de seu autor" em "verdade histórica", destacamos a obra de José da Silva
Lisboa, História dos principaes sucessos do Brasil dedicada ao sr. Pedro I, conforme
citado anteriormente.
Para Lisboa, D. Pedro é o "heroe do Brasil, a Quem se deve a elevação do
seo Principado, depois Reino, ao Predicamento do Imperio, tem direito á que o seo
nome se anteponha na Exposição Historica dos Sucessos, cuja Direcção para prospero
exito o Senhor dos Imperios em Sua inexcrutavel Providencia, tão manifestadamente
lhe confiou".
513
Seu livro contribui, sobretudo, para a cristalização de uma narrativa
que delega à figura de D. Pedro papel central na conquista da Independência.
514
Noé Freire Sandes, também nesta linha de raciocínio, argumenta: "A rapidez
com a qual o episódio foi descrito é um claro indicativo de que, passado apenas um
lustro do processo emancipador, ainda não se depositara no 'grito do Ipiranga' a
importância simbólica mais tarde atribuída ao evento".
515
512
VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História da independência do Brasil. 7.ed. Belo
Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1981. Obra historiográfica escrita na década de 1870 e publicada
pela primeira vez em 1916.
513
José da Silva Lisboa, História dos principaes sucessos do Brasil dedicada ao sr. Pedro I,
1827. Apud SANDES, op. cit., p.25.
514
José da Silva Lisboa, História dos principaes sucessos do Brasil dedicada ao sr. Pedro I,
1827, p.1. Apud SANDES, op. cit., p.25-26.
515
SANDES, op. cit., p.26.
197
A Independência – embora associada à idéia de liberdade
516
– realizada
por um personagem de origem portuguesa que assumia o comando do novo
país, por meio das intervenções das elites e sob aclamação popular, afastou os
riscos da recolonização. Contudo, nada se modificou em profundidade. De acordo
com Novais e Mota:
A independência era proclamada, considerando-se o Brasil "reino irmão" de Portugal.
A forma de governo já estava definida, uma vez que a fonte de legitimidade continuava
sendo o Príncipe, com a perspectiva de uma assembléia constituinte. A monarquia
evitaria, assim, os perigos de uma república. A proclamação do Ipiranga, a 7 de setembro
de 1822, surge como decorrência das tensões com as cortes e simboliza a vitória do grupo
liderado por José Bonifácio, conservador, monarquista e palidamente constitucionalista, e do
"Partido Brasileiro".
517
As bases sociais permanecem bem marcadas pela atividade agrícola
baseada em uma economia agrária pautada pela prática escravista. A bem entendida
"liberdade", segundo Mota e Novais, "somente poderia ser bem administrada pelos
representantes do senhoriato rural e por poucas expressões da 'boa sociedade' com
assento na constituinte. A solução histórica passaria, nessa medida, muito alta, com
as tinturas de um pálido reformismo liberalizante".
518
É interessante destacar ainda que, segundo Maria de Lourdes Viana Lyra,
em seus estudos sobre a memória da Independência, somente a partir de 1825, em
razão do desgaste da imagem de D. Pedro, ganha força um investimento simbólico
em torno do Sete de Setembro. Uma tradição historiográfica que permanece viva até
hoje, também refletida em toda a iconografia pictórica. Em outras palavras: por meio
516
Além de MOTA e NOVAIS, op. cit., ver também: SANDES (op. cit.) e OLIVEIRA, C. H. de S.,
Delimitação..., op. cit., p.216.
517
MOTA e NOVAIS, op. cit., p.54.
518
De acordo com os autores, esse reformismo liberalizante passaria longe dos princípios
da "revolução republicanista, nos moldes da revolução das ex-colônias inglesas da América do Norte
e da França", assim como do "revolucionarismo emancipacionista e popular do tipo haitiano". Ver:
MOTA e NOVAIS, op. cit., p.70-74.
198
da descrição minuciosa dos acontecimentos das primeiras décadas do século XIX,
também se fixou uma cronologia do movimento de independência.
A elaboração de um imaginário colado à cronologia, como bem observa
José Murilo de Carvalho, contribuiu para fixar nas mentes e nos corações de
todos os brasileiros uma memória nacional.
519
É neste sentido que o imaginário que
circunda a fundação da nação desempenha um papel fundamental: por meio de
sua capacidade de imprimir sentidos, conferir magnitude ao 7 de setembro
transformando-o no acontecimento fundador da Nação. É nesta perspectiva que a
Independência ou Morte, de Pedro Américo, tornou-se a certidão visual da nova
Nação. Independência ou Morte funcionou, pois, como uma espécie de síntese
visual que, pelo deslizamento do campo do discurso para o campo da imagem,
ordenou as "considerações que Joaquim Inácio de Ramalho formulou acerca do 'fato'".
520
Antes, porém, de nos debruçarmos sobre a imagem que se tornou a
representação emblemática do episódio de 7 de setembro,
521
gostaríamos de
chamar atenção para as datas que se tornaram referências a esta cronologia:
Tarquínio de Sousa, como vimos anteriormente, destaca na sua descrição da
"jornada libertadora" o dia 9 de janeiro de 1822, conhecido como "Dia do Fico", como
o marco inicial do rompimento que parecia inevitável e o 7 de setembro como a data
do rompimento.
522
Lisboa, por sua vez, para fixar uma cronologia parte de três
referências básicas: 13 de maio, quando D. Pedro aceita o título de Defensor
519
CARVALHO, A formação..., op. cit.
520
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.74-75.
521
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit.
522
SOUSA, op. cit., p.xi.
199
Perpétuo do Brasil; 3 de junho, quando ocorre a primeira reunião dos procuradores
gerais da província sob a liderança do Príncipe e Sete de Setembro.
523
A decisão de D. Pedro de ficar no Brasil solenizada no "Dia do Fico"
simboliza uma contraposição às Cortes e a opção pela independência.
Como sabemos, entre as novas medidas tomadas pelas Cortes, entre fins
de setembro e outubro de 1821, determinou-se o retorno do Príncipe Regente a
Portugal. Entretanto, ainda no dia 9 de Janeiro, D. Pedro ordena às tropas
portuguesas que se retirem do Brasil e, em carta a D. João VI, relata o fato:
Cansado de aturar desaforos, fui no dia 9 a bordo do União e mandei um oficial dizer de
minha parte à Divisão Auxiliadora que determinava que no dia 10 ao romper do sol ela
começaria a embarcar... A resposta foi virem todos os comandantes a bordo representar
inconvenientes e representarem com bastante soberba. Respondi-lhes: Já ordenei, e se
não executarem amanhã, começo-lhes a fazer fogo.
524
As tropas portuguesas que se recusaram a jurar fidelidade a D. Pedro foram
obrigadas a deixar o Brasil, esboçando-se, conseqüentemente, a necessidade da
criação de um exército brasileiro. Criou-se também um novo ministério, composto por
portugueses, mas sob a chefia de um brasileiro: José Bonifácio de Andrada e Silva.
O momento em que D. Pedro ordena às tropas portuguesas que se retirem
do Brasil é representado nesta tela de Oscar Pereira da Silva (figura 40). Este
documento iconográfico da ordem de expulsão das tropas portuguesas, por D. Pedro,
também ocorrido no dia 9 de janeiro de 1822 é prova visual de que a Independência
não foi aceita sem resistência.
523
José da Silva Lisboa, História dos principaes sucessos do Brasil dedicada ao sr. Pedro I,
1827. Apud SANDES, op. cit., p.26.
524
Palavras de D. Pedro em carta a D. João VI. Apud SOUSA, op. cit., p.xxiii.
200
Figura 40 - Oscar Pereira da Silva. O Príncipe Regente D. Pedr
o
e Jorge de Avilez na Fragata União, 8 de fevereiro
de 1822. Óleo s/ tela. Acervo Museu Paulista, USP
No centro da tela vemos dois grupos: o primeiro, à direita do observador, é
liderado por D. Pedro e, o segundo, à esquerda sob o comando do Tenente-General
Jorge de Avilez que recebe a intimação de D. Pedro para retirar as tropas
portuguesas do Rio. José Bonifácio de Andrada e Silva está logo atrás de D. Pedro,
entre o Marechal Oliveira Álvares e Morais Lamare, chefe da esquadra, atrás do qual
estão ainda o Marechal Curado, o Marquês de Queluz (de cartola) e o Coronel J. J.
de Lima e Silva.
525
Ora, como indica as palavras de D. Pedro, apesar da pressão para que
permanecesse no Brasil, ele ainda hesitava: "Convencido de que a presença de
minha pessoa no Brasil interessa ao bem de toda a nação portuguesa e conhecendo
que a vontade de algumas províncias o requer, demorarei minha saída até que as
Cortes e meu augusto pai e senhor deliberem a este respeito com perfeito
525
D. Pedro em carta a D. João VI. Apud SOUSA, op. cit., p.xxiii.
201
conhecimento das circunstâncias que têm ocorrido".
526
Suas palavras foram
publicadas em edital do Senado da Câmara do dia 9 de janeiro, lido e afixado nos
lugares públicos. No entanto, no dia seguinte, com a justificativa de que a resposta
de D. Pedro fora publicada "com notável alteração de palavras", novo edital do
Senado foi divulgado. Nesse segundo edital, divulgou-se então a famosa resposta
do Príncipe: "Como é para o bem de todos e a felicidade geral da nação, estou
pronto; diga ao povo que fico".
527
Mas a consolidação da independência seria um longo processo, cujos
limites seriam dados ainda durante 1822, com a convocação da Assembléia
Constituinte, a 3 de junho de 1822, sob a regência de D. Pedro. Para Lisboa, é o dia
da primeira reunião dos procuradores gerais da província sob a liderança do Príncipe.
528
Certamente a inclusão do 3 de junho de 1822 muito mais do que uma
simples referência cronológica é um marco que evidencia a luta política que se
estabelece na Assembléia. Neste caso, a definição da nova forma de Estado nascente.
Afinal, ampliar as atribuições da Constituinte, como bem observa Novais e
Mota, "seria usurpação".
O problema da legitimidade permanece e a luta política estabelece-se no interior da
Assembléia: Era a Assembléia, expressão da vontade popular, quem validaria o rei, ou
vice-versa? A lealdade dinástica pesava à Assembléia, mas os liberais remanescentes
procuravam legitimá-la por "direito próprio" e "emanado do povo". O presidente, Antônio
Carlos, definirá os limites da soberania da Assembléia, ao frisar a intocabilidade das
atribuições do imperador. Ampliar as atribuições da Constituinte "seria usurpação".
529
526
SOUSA, op. cit., p.xxii.
527
SOUSA, op. cit., p.xxii.
528
José da Silva Lisboa, História dos principaes sucessos do Brasil dedicada ao sr. Pedro I,
1827. Apud SANDES, op. cit., p.26.
529
É somente a 3 de maio de 1823 que se vai oficializar sua abertura, mas a fisionomia do
Estado não é alterada, pois se mantêm as disposições, os regimentos, as leis e os alvarás do período
joanino e de D. Pedro (MOTA e NOVAIS, op. cit., p.56).
202
A pretensão era eliminar privilégios e monopólios; contudo, o projeto
constitucional, sob a responsabilidade da Assembléia, era excludente, uma vez que
o critério de participação política dos cidadãos "era privilégio dos 'homens bons', de
alta renda. Definia ainda o projeto, segundo o qual as forças armadas ficariam
subordinadas ao parlamento e não ao imperador, e que o veto deste aos projetos
por ela elaborados seria suspensivo. A Câmara seria indissolúvel, e a ordem
escravocrata permaneceria intocada".
530
A José Bonifácio não agradou tais propostas e, em razão de suas posições
conservadoras, ficou isolado na Assembléia. Além disso, ao mandar seqüestrar bens
e mercadorias de vassalos portugueses no Brasil, indispõe-se com D. Pedro que, em
resposta anistia alguns presos políticos, deixando a José Bonifácio uma única
alternativa: demitir-se. É interessante destacar que José Bonifácio tenta recompor
seu prestígio mediante a publicação do Tamoyo, órgão de divulgação de suas
posições. Contudo, uma outra publicação no Tamoyo – o "retorno" ao absolutismo
531
– amplia os antagonismos entre portugueses e brasileiros, e entre D. Pedro e a
Constituinte. A crise se exacerba quando outro conflito envolvendo oficiais portugueses
e o periódico Sentinela da Liberdade, também ligado aos Andradas, critica fortemente
D. Pedro e os portugueses.
532
Esses fatos são indicadores do papel expressivo da imprensa, "não apenas
no sentido de dar fisionomia às posições políticas até então fugazes, como no
tocante à interferência direta na condução do processo emancipacionista".
533
530
MOTA e NOVAIS, op. cit., p.57.
531
De acordo com o Tamoyo é o movimento de retorno ao absolutismo que ocorre em
Portugal. Emissários são enviados ao Imperador com a missão de restaurar a união das duas Coroas
(MOTA e NOVAIS, op. cit., p.57).
532
É interessante destacar que, no período de 1808 a 1822, jornalistas como Hipólito José
da Costa, editor do Correio Braziliense (ponto alto de nossa Ilustração), só podiam divulgar suas
idéias fora do Brasil, principalmente em Londres. Ver: MOTA e NOVAIS, op. cit., p.48-58.
533
MOTA e NOVAIS, op. cit., p.48.
203
Parece-nos evidente que uma imprensa de inspiração política desempenha, nesse
contexto, um papel fundamental.
Da mesma forma, muitas obras de cunho histórico, integrando-se ao
circuito de produção e perpetuação da memória nacional, direta ou indiretamente,
ampliam as fronteiras de circulação da história do Brasil que é a história do Império.
Trata-se de uma verdadeira "coleção" que, feita de lembranças e de várias
lacunas, guarda em imagens "uma síntese histórica capaz de simbolicamente
explicar e fundar o Brasil: índios, negros, brancos, história e geografia, guerras,
acontecimentos, biografias, documentos, principalmente documentos. Todo esse
acervo, mais que compreender, quer predizer o sentido de nossa evolução".
534
Com o objetivo de dar visibilidade a muitos desses momentos do processo
de independência e seus principais atores, os artistas participaram como coadjuvantes
da construção da memória da independência.
Sob seus olhares, esses acontecimentos, como se fossem as peças de um
puzzle, serviram de fontes inspiradoras e geradoras de uma iconografia que circulou,
a partir de meados do século XIX, ao lado das biografias e das sínteses históricas.
Confirmando que, de acordo com o argumento de Porto alegre, quanto maior a sua
circulação, mais se solidifica o conhecimento da "historia d'aquelles tempos".
535
Afinal, o artístico, como um processo ao mesmo tempo histórico, reflete mudanças
importantes e também continuidades com relação ao político.
Esse repertório de monumentos em espaços públicos, de paisagens
emblemáticas ou pitorescas, cenas históricas, de relíquias em museus, amarrado a
um calendário de festas e datas memoráveis, projetou uma memória nacional para o
devir a fim de ser cultuada.
É nessa perspectiva que a batalha em torno da elaboração de uma
simbologia imperial deu-se também em relação ao hino e à bandeira nacionais. Não
534
SANDES, op. cit., p.10.
535
PORTO ALEGRE, Iconographia..., op. cit., p.350.
204
podia ser de outra maneira, afinal, "são esses tradicionalmente os símbolos nacionais
mais evidentes, de uso quase obrigatório".
536
A Bandeira e o Hino Nacional, nesse caso, como símbolos, à maneira de
um semióforo,
537
"servem para indicar algo que significa alguma coisa e cujo valor
não é medido por sua materialidade e sim por sua força simbólica".
538
Neste sentido,
impõem um vínculo com o passado que se conserva perenemente presente e
possibilita que "toda a sociedade possa comunicar-se celebrando algo comum a
todos e que conserva e assegura o sentimento de comunhão e de unidade".
539
A letra do hino era uma poesia de Evaristo da Veiga, criada em 16 de
agosto de 1822, cujo título original era Hino Nacional Brasiliense e que ficou
conhecido pelo povo como Brava Gente Brasileira.
540
Uma pintura de Augusto Bracet, realizada em 1992, evoca a tarde de 7 de
setembro de 1822, quando D. Pedro compõe a música do Hino da Independência
(figura 41).
Podemos concluir, conforme alerta Emília Viotti da Costa que, a narrativa
de Sousa, embora sob a pretensão de ciência, "não passa de uma lenda histórica do
movimento da Independência".
541
536
CARVALHO, A formação..., op. cit., p.109.
537
"Semeiofhoros é uma palavra grega composta de duas outras: semeion 'sinal' ou 'signo',
e phoros, 'trazer para a frente', 'expor', carregar', brotar' e 'pegar' (no sentido que, em português,
dizemos que uma planta 'pegou', isto é, refere-se à fecundidade de alguma coisa)". Ver: CHAUI,
Brasil..., op. cit., p.11.
538
CHAUI, Brasil..., op. cit., p.12.
539
CHAUI, Brasil..., op. cit., p.12.
540
Os originais do Hino, posto em música para canto e grande orquestra por D. Pedro,
foram doados ao Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, em 22 de novembro de 1861, pelo Maestro
Francisco Manuel da Silva (SOUSA, op. cit., p.xxviii).
541
COSTA, E. V., op. cit., p.65.
205
Figura 41 - Augusto Bracet. D. Pedro compõe a música do Hino da
Independência, 1992. Óleo s/ tela. Museu Histórico Nacional,
Rio de Janeiro
O desenho da bandeira entregue à nação, em 10 de novembro de 1822, foi
realizado por Debret a pedido de D. Pedro I (figura 42). O artista assim a descreve:
retângulo verde de primavera, nele inscrito um losango amarelo-ouro; ao centro,
encimando pela coroa real (substituída mais tarde pela coroa imperial); escudo também
verde com esfera celeste enfeixando a cruz da Ordem de Cristo; em círculo azul-celeste,
19 estrêlas de prata representando as províncias de que se compunha então o Império
brasileiro. Ladeando o escudo um ramo de café com flores e frutos e outro de tabaco em
flor, reunidos pela roseta nacional.
542
Figura 42 - Debret. Desenho da primeira bandeira do Brasil. Viagem Pitoresca e
Histórica ao Brasil. Prancha 29
542
DEBRET, Viagem..., op. cit., 2.ed., p.222.
206
Enfim, muitas paisagens reproduzem em moldes visuais as passagens de
D. Pedro na sua "jornada libertadora", outras, os símbolos que foram promovidos a
relíquias nacionais, contudo, dentro desse patrimônio identitário nacional
solidamente estabelecido e cultuado, nada se compara ao momento do "Grito do
Príncipe", retratado por Pedro Américo.
4.3 O SETE DE SETEMBRO SOB O OLHAR DE PEDRO AMÉRICO: UMA
CERTIDÃO VISUAL DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
Elaborada em 1888, a obra Independência ou Morte soma-se aos esforços
do IHGB no sentido de sedimentar uma história oficial para o Império em torno
da Independência.
543
É nessa perspectiva que o quadro Independência ou Morte, concebido nos
moldes do gênero histórico, adquire um sentido preciso: inventar uma independência.
Desafiando, como observa Noé Freire Santos, inclusive nossa descrença nas
instituições: "nos enfrentamentos das constantes 'crises' econômicas e políticas,
esses emblemas são lançados rememorando o fato de que formamos uma
nacionalidade – e por ela somos responsáveis".
544
A Independência e seu herói, que ganharam destaque na historiografia do
século XIX, também constituíram objetos privilegiados da Arte nacional. Contudo
indagamos: as imagens mais conhecidas desses heróis se aproximam das
interpretações históricas que se fez deles e de seus feitos?
543
É claro que esse desejo de memória presente no Império, a partir do qual se buscava fixar
uma diretriz para a compreensão da história do Brasil, foi acompanhado por um movimento de crítica às
próprias instituições imperiais. As charges de Ângelo Agostini, um desenhista de origem européia,
publicadas em meados da década de 1870 na Revista Ilustrada, descrevendo um "Pedro Banana" ou
um "Pedro Caju", são provas cabais da crítica, sobretudo a atitude oscilante que deixava mais evidente
as fragilidades reais do monarca ou de indiferença com que D. Pedro II encarava os negócios do
Estado. A imagem pública é de um D. Pedro II com aparência descuidada, é representado sonolento
em sessões do IHGB, por exemplo (SCHWARCZ, As barbas..., op. cit., p.405-464.
544
SANDES, op. cit., p.20.
207
Nesse retrato transformado em imagem oficial da Independência (figura 43), o
artista chama a atenção para a figura de D. Pedro que, no alto de uma colina verde,
em traje de gala e montado em um fogoso corcel, empunha uma espada e, sob o
olhar dos "dragões" de sua Guarda Real, proclama a Independência. À esquerda,
em um canto, na base do quadro, a figura solitária de um camponês – o famoso
"caipira" – que, em uma atitude de espanto e incompreensão, a tudo assiste.
Figura 43 - Pedro Américo. Independência ou Morte, 1888. Óleo s/ tela, 760 x 415cm. Museu Paulista – USP, São Paulo
Independência ou Morte se transformou, se não na única, talvez na principal
certidão visual do nascimento do Brasil Nação. Isto nos leva, conseqüentemente, a
indagar sobre a idéia-imagem da tela Independência ou Morte, de Pedro Américo.
Nos seus estudos sobre a memória artística, Cecília Salles Oliveira e
Claudia Mattos abordam as circunstâncias da produção do quadro e põem a nu os
meandros da luta de Pedro Américo para assumir uma encomenda, a princípio, não
destinada a ele. O artista, que retornara em início de dezembro de 1885, teria
208
contatado a Comissão Central dos assuntos do Ipiranga. Contou com o apoio do
Visconde de Bom Retiro, presidente da Comissão e, ainda, do Imperador.
O contrato para a realização da obra foi firmado em cartório, em 14 de
janeiro de 1886, mediante a aceitação de Pedro Américo, de proceder a algumas
mudanças no projeto original. No final das contas, superadas as indefinições,
por exemplo, custos da obra e divergências na concepção artística que, segundo
a Comissão, deveria ser fiel e traduzir o fato histórico tanto quanto possível, é de
supor que,
o recuo da comissão estivesse relacionado igualmente a um recuo do pintor em termos de
"concepção" artística inicialmente projetada, o que teria proporcionado uma conciliação de
interesses. E talvez essa injunção de circunstâncias tenha ensejado a iniciativa de Pedro
Américo a formular, simultaneamente à confecção do painel, um opúsculo destinado a
explicar os procedimentos e as opções que nortearam sua obra.
545
Para Cecília Salles Oliveira: "A descrição do 7 de setembro elaborada pelo
artista constitui a reiteração quase literal das considerações que Joaquim Inácio de
Ramalho formulou acercado 'fato' e que teriam servido de inspiração para a
concepção do palácio-monumento".
546
Essa versão, conclui Cecília, está presente no Relatório da Comissão em
1885, o que reforçaria a suposição de que o artista reviu sua proposta inicial tendo
em vista os desígnios dos idealizadores do edifício. É possível extrair, das palavras
de Afonso de Escragnolle Taunay, em sua Justificativa do Voto, favorável à proposta
de Ettore Ximenes uma aceitação da "bela tela de nosso ilustre artista".
547
545
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.73.
546
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.74-75.
547
Atas. Comissão de julgamento dos projetos apresentados para Construção do
Monumento da Independência. 1920. Justificativa do Voto. Esse documento, com algumas partes
manuscritas outras datilografadas, apresenta correções de Afonso de Escragnolle Taunay. Datado de
27 de março de 1920. Fundo Museu Paulista (Grupo História Nacional/ Monumento à Independência),
P 234, D 17 A 30, Serviço de Documentação Textual e Iconografia do MP/USP. Ver: OLIVEIRA e
MATTOS, op. cit.
209
De acordo com Taunay:
O projeto que, a meu ver, indiscutivelmente sobresahe em intensidade de evocação
nacional, com o valor que della se requer, é o do Snr. Ximenes. Sua lembrança de
transportar para a esculptura a idealização do quadro de Pedro Américo parece-me um
achado absolutamente feliz, sobretudo pelo facto de ter o seu alto relevo as a dimensões
em que o concebeu e a mestria com que o executou. Popular como é – e merece selo – a
grande e bella obra de nosso illustre artista não haverá brasileiro algum que de longe não
deixe de reconhecer no monumento, que o projeto Ximenes idealiza, uma representação
da scena magestosa do sete de setembro de 1822, cara a todos os corações. Dirão um ou
outro que lhe falta certa originalidade, poder-se-á responder lhes que ainda representa
uma homenagem, e das mais vigorosamente executadas, e até hoje realizadas, um
documento incontestavelmente notavel da arte brasileira.
548
Além do mais, mediante a comparação por contraste, a partir das críticas a
alguns projetos, é possível perceber qual o valor artístico e histórico de Independência
ou Morte para Taunay.
Ao criticar, por exemplo, o Projeto Brizzolara, ele afirma: "Falta-lhe a nota
brasileira e a prova de quanto avanço é o facto – somente justifica lhe pelo
desconhecimento da Historia Nacional – que levou o illustre artista a dar tão
extraordinaria importancia ao episodio do Fico pondo-o em pendant com o grupo dos
heróes da Independência (...)".
549
Também ao escultor Cintrati, de acordo com
Taunay, faltou "a capacidade de infundir á sua bella massa escultural a nota rapida e
intensa da vocação brasileira". Na sua concepção:
Varios autores nem se deram ao trabalho de saber que lingua se falla no Brasil,
inscrevendo dísticos em hespanhol. Entendo que semelhante descaso e postergação da
historia nacional é sufficiente para que se invalide um projeto. Cabe-me a impressão de
que estes autores tem aquelles projectos em reserva para, mudando lhes o rotulo, e os
548
Atas. Comissão de julgamento dos projetos apresentados para Construção do
Monumento da Independência. 1920. Justificativa do Voto. Afonso de Escragnolle Taunay. Datado de
27 de Março de 1920. Fundo Museu Paulista (Grupo História Nacional/ Monumento à Independência),
P 234, D 17 A 30, Serviço de Documentação Textual e Iconografia do MP/USP. Ver: OLIVEIRA e
MATTOS, op. cit., p 64.
549
Atas. Comissão de julgamento dos projetos apresentados para Construção do
Monumento da Independência. 1920. Justificativa do Voto. Afonso de Escragnolle Taunay. Datado de
27 de Março de 1920. Fundo Museu Paulista (Grupo História Nacional/ Monumento à Independência),
P 234, D 17 A 30, Serviço de Documentação Textual e Iconografia do MP/USP.
210
nomes dos personagens figurantes, aproveitalas aqui, ou acolá, se acaso o Equador, a
Costa Rica ou a Bolívia abrirem certamens como este que o Brasil neste momento realiza.
E além de tudo semelhante insciência não deixa de ser altamente depreciativa da
respeitabilidade da nossa tradição nacional.
550
Taunay, ao término de sua crítica à evidente falta de nota brasileira e
de desconhecimento da História Nacional em vários projetos, destaca o que
considera ideal:
O ideal, sob meu ponto de vista, é que, perante a representação de tal monumento, possa
logo todo e qualquer brasileiro, medianamente culto, imediatamente dizer: Isso é nosso!
Isto representa o sete de setembro! Isto diz respeito à Independência do Brasil. Entretanto
exactamente peccam, sobremaneira, muitos e muitos projectos, pela ausência da nota,
por assim dizer absoluta, do brasileirismo flagrante e expontaneo. Sente-se, em muitos
delles, que os seus autores nada sabem de nossas tradições, não se deram sequer ao
mínimo trabalho de ler alguma cousa sobre os antecedentes e o ambiente do sete de
setembro, os caracteristicos dos próceres da nossa Independncia e sua feição distinctiva.
Pediram uns tantos nomes, obtiveram alguns tantos esclarecimentos vagos e lançando
mão de elementos obtidos do seu arsenal de ficilles esculpturaes e architectonicas
compuzeram o seu esboceto, freqüentemente apresentado, aliás, com felicidade e dotado
de reace artístico mas inteiramente alheio á nossa nota nacional. E isto é em algumas
maquettes tão flagrante que até em uma dellas vemos o Marechal Deodoro da Fonseca
proclamando a Independência!! E em outras os lugares de maior destaque cabendo a
Lord Cochrane e Labattut e assim por diante.
551
É, pois, na esteira dessas críticas que se insere Independência ou Morte,
de Pedro Américo. O artista, em seu texto O Brado do Ypiranga ou a Proclamação
da Independência do Brasil
552
publicado pela primeira vez em 1888, afirma: um quadro,
como síntese, deve se pautar na verdade e representar os aspectos essenciais do
550
Atas. Comissão de julgamento dos projetos apresentados para Construção do
Monumento da Independência. 1920. Justificativa do Voto. Afonso de Escragnolle Taunay. Datado de
27 de Março de 1920. Fundo Museu Paulista (Grupo História Nacional/ Monumento à Independência),
P 234, D 17 A 30, Serviço de Documentação Textual e Iconografia do MP/USP.
551
Atas. Comissão de julgamento dos projetos apresentados para Construção do
Monumento da Independência. 1920. Justificativa do Voto. Afonso de Escragnolle Taunay. Datado de
27 de Março de 1920. Fundo Museu Paulista (Grupo História Nacional/ Monumento à Independência),
P 234, D 17 A 30, Serviço de Documentação Textual e Iconografia do MP/USP.
552
Esse texto – Algumas palavras acerca do facto historico e do quadro que o commemora
pelo Dr. Pedro Americo de Figueiredo e Melo, 1888 – foi reeditado na obra organizada por Cecília
Helena de Salles Oliveira e Claudia Valladão de Mattos (op. cit.).
211
episódio. O artista fala em nome da "verdade histórica" e que, por essa razão,
afastou do seu quadro apenas os "incidentes perturbadores" da sua clareza e
contrários à intenção moral da pintura e que não mereceriam à contemplação.
É difficil, senão impossivel, restaurar mentalmente, e revestir das apparencias materiais do
real, todas as particularidades de um acontecimentos que passou-se ha mais de meio
seculo, principalmente quando não nos foi elle transmitido por contemporaneos habeis na
arte de observar e descrever. A difficuldade cresce na proporção da necessidade que tem
o artista – espécie de historiador peado pelas exigencias da esthetica e pelas incertezas
da tradição – de individuar cincunstancias de cuja veracidade se póde duvidar, e que nem
por serem reaes merecem a attenção da historia e a consagração do bello. Um quadro
historico deve, como synthese, ser baseado na verdade e reproduzir as faces essenciaes
do facto, e, como analyse, em um grande número de raciocínios derivados, a um tempo,
da ponderação das circunstancias verossimeis e provaveis, e do conhecimento das leis e
das convenções da arte.
A realidade inspira, e não escraviza o pintor. Inspira-o aquillo que ella encerra digno de ser
offerecido a contemplação publica, mas não o escraviza o quanto encobre contrario aos
designios da arte, os quaes muitas vezes coincidem com os designios da historia. E se o
historiador afasta dos seus quadros todos os incidentes perturbadores da clareza das
suas lições e da magnitude dos seus fins, com muito mais razão o faz o artista, que
procede dominado pela idea de impressão esthetica que deverá produzir no espectador.
(...) Finalmente, comparando as tradições, as chronicas, as passagens historicas, os
dictos e presumções individuaes, os testemunhos artisticos e as diferentes opiniões
acerca do successo "que fez estremecerem de jubilo as margens do Ypiranga", consegui
compor a fraca obra que agora submetto ao benevolo juizo das pessoas illustradas do
meu paiz; certo de que, se não acertei, ao menos esforcei-me por ser sincero reproductor
das faces essenciaes do facto, sem esquecer totalmente as difficeis e severas lições da
sciencia do bello.
553
Nessa justificativa de Pedro Américo é possível perceber qual representação
pictórica do fato histórico, para ele, em sintonia com as correntes históricas à época,
passa pela crença "na idéia ilusória de que é possível encontrar o fato bruto,
cristalizado e sobre o qual já não incide nenhum questionamento".
554
Não há
qualquer tipo de menção a possíveis divergências em sua leitura, portanto, Américo
acaba atribuindo ao fato "um caráter redutor diante do qual a tela emergirá como
553
Algumas palavras acerca do facto historico e do quadro que o commemora pelo
Dr. Pedro Americo de Figueiredo e Melo, 1888.
554
MORETTIN, op. cit., p.61.
212
pura e simples ratificação".
555
Ele cruza os testemunhos artísticos fundamentados na
intenção moral da Pintura Histórica, nas convenções da arte, nos princípios do belo
ideal – com os testemunhos históricos cuja referência são os ditos e presunções
individuais, as diferentes opiniões a cerca do fato. Ao descrever o fato, por exemplo,
Américo menciona as cartas recebidas por D. Pedro no momento do "grito". De
acordo com o artista, esses documentos, a partir dos quais se fundamenta, "consistiram
em 4 decretos das Cortes de Lisboa, acompanhados de uma severíssima carta de
D. João VI, outra de Serenissima Princeza D. Leopoldina, e finalmente um officio de
José Bonifácio".
556
No entanto, Varnhagem, como observa Moretin, "orientado pela 'boa-fé' e
'imparcialidade' na procura e exame dos documentos, não confirma esta informação".
557
Esses decretos de caráter recolonizador, que teriam motivado a ação de D. Pedro –
romper com Portugal – foram comunicados oficialmente depois do 7 de setembro.
Se levarmos em conta estes matizes, o problema parece ampliar-se quando o
artista, ao finalizar seu texto, afirma categoricamente: "Eis o facto histórico".
558
Para o artista, a realidade não deve escravizar, contudo, esquece-se que a
escravização perpetrada pela realidade não significa coagir o artista a sua exata
reprodução. Por outro lado, é bom observar que, segundo Américo, o que deve ser
modificado, pois contrário aos desígnios da arte e da história, fica restrito à montaria
de D. Pedro, a fisionomia do futuro imperador, ao uniforme da guarda, número de
pessoas que acompanhavam o acontecimento, por exemplo.
555
MORETTIN, op. cit., p.61.
556
Algumas palavras acerca do facto historico e do quadro que o commemora pelo
Dr. Pedro Americo de Figueiredo e Melo, 1888.
557
MORETTIN, op. cit., p.62.
558
Algumas palavras acerca do facto historico e do quadro que o commemora pelo
Dr. Pedro Americo de Figueiredo e Melo, 1888.
213
A recusa do pintor-historiador de retratar D. Pedro I, montado numa "besta
gateada", embora este fato se repita "como coisa verídica em Pindamonhangaba"
tem por trás uma razão: como fazer sobressair o líder?
A estratégia encontrada pelo artista foi representar o Príncipe, "no momento
mais solene daquela tarde memorável", montado em um "belo cavalo castanho-
escuro sem mescla", criar um núcleo de destaque, além disso, situar o Imperador
em um ponto mais levado na topografia. Em verdade, é o restante do conjunto –
comitiva, soldados, caipira – que interage com ele e faz com que direcionemos
nosso olhar ao herói.
Pedro Américo diz ser guiado pelos princípios da tradição da Pintura
Histórica. Isso significa que chegar à imagem que melhor retrate o fato exige do
artista: "um conhecimento pelas estampas e pelos retratos literários" de D. Pedro I e
um estudo "dos costumes e da índole daquela época cerimoniosa e brilhante" para
que o uniforme da Guarda de Honra, por exemplo, não seja representado de modo
"demasiado modesto, e mesmo mesquinho", em uma tela "de grande caráter".
559
Sua intenção é construir uma imagem em concordância com a grandeza da
ação do herói. Afinal a lógica de Independência ou Morte é a do feito glorioso: o
momento em que o herói, levantando sua espada, em ato simbólico de rompimento
dos laços que uniam o Brasil a Portugal.
560
Resta-nos pôr a nu suas referências
artísticas na composição de Independência ou Morte.
559
Apud OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.20.
560
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.89.
214
4.3.1 O Diálogo de Pedro Américo com a Pintura Internacional
Destacaremos, ainda que do modo ligeiro, algumas referências de Pedro
Américo na composição de suas obras. Pretendemos apenas evidenciá-las, pois, o
que de fato nos interessa é aprofundar um pouco mais a evidente influência de Jean-
Louis Ernest Meissonier (1815-1891) na composição de Independência ou Morte.
Como bem observa Jorge Coli, Pedro Américo retoma em Batalha do
Avahy (figura 47) , a concepção de guerra com toda a sua hediondez, seus crimes e
barbárie, e para a composição de sua batalha encarniçada sem herói, o artista se
serve das composições de Jacques Courtois (1621-1676), il Borgognome (figura 44).
Foi Borgognone quem estabeleceu os focos constitutivos desse gênero, que se perpetuariam
até um Parrocel. Em relação a Falcone, ele inocula nova vitalidade às cenas. Estabelece
também recorrências visuais, por exemplo: grande bandeira oblíqua em primeiro plano;
cavaleiro que avança para o fundo, oferecendo, em escorço, a anca da montaria; cavaleiro
que estira o braço para disparar um tiro de pistola; sabre recurvado que se alça para desfechar
o golpe. Esses núcleos repetem-se da quadro em quadro, tornando-se instrumentos de
construção e da própria identidade do gênero. Eles não se encontram presentes na tradição
das batalhas do século XIX, particularmente as francesas para as quais a crítica brasileira
sempre remeteu a Batalha de Avahy. Nada, de Gros a Philippoteaux, de Gerard a Vernet,
revela a lembrança dos antigos batalhistas. No quadro de Américo, ao contrário, nada lembra
as composições compassadas, as cenas com personagens que se destacaram como num
baixo-relevo, tão presentes na tradição francesa dos oitocentos – com a exceção experimental
e isolada de Nazareth. Nada, também das batalhas "topográficas", como as de Coignet,
Lejeune ou, com mais arrebatamento, as de Decamps. Mas aqueles núcleos fixados por
Courtois estão em Avahy.
561
Figura 44 - Jacques Courtois, il Borgognone. Cena de Batalha. Galeria da Academia Nacional de
São Lucas, Roma
561
COLI, Jorge. O sentido da batalha: Avahy, de Pedro Américo. Projeto História (artes da
história & outras linguagens), São Paulo, n.24, p.120, jun. 2002.
215
Retomando as críticas à época da questão artística de 1879, são
Bethencourt da Silva e Mello Moraes Filho, particularmente, que destacam
semelhanças entre a obra de Américo A Batalha do Avahy e a gravura de Gustave
Doré, Bataille de Montebello (figura 45). Para Bethencourt da Silva: "A Batalha do
Avahy aproxima-se no todo a um reflexo vivo da Batalha de Montebello; e, em parte,
é cópia evidente".
562
Figura 45 - Gustave Doré. Batalha de Montebello (20 maio 1859), 1859.
Litogravura, 285 x 395cm. Impressão Lemercier, Paris, che
z
Bulla Frères. Civita Raccolta delle Stampe "Achille bertarelli",
Castelo Sforzesco, Milão
Pedro Américo utiliza ainda recorrências visuais do quadro La prise de la
Smala d'Abd el-Kader par le duc d'Aumele àTaguin, 16 de mai 1843 (1844), de
Horace Vernet (figura 46).
562
SILVA, Bethencourt da. Bellas artes V. Revista Brasileira, p.438-452, out. 1879;
MORAES FILHO, Dr. Mello. Folhetim. Bellas-Artes. Gazeta de Notícias, 1 de maio de 1879, p.1.
216
Figura 46 - Horace Vernet. La prise de la Smala d'Abd el-Kader par le du
c
d'Aumele àTaguin, 16 de mai 1843, 1844. Óleo s/ tela, 488 x 2139cm.
Musée du Château de Versailles. Detalhe: Duque d' Aumale
Figura 47 - Pedro Américo. Batalha do Avahy, 1872-1877. Óleo s/ tela, 500 x 1000cm.
MNBA, Rio de Janeiro
Figura 48 - Pedro Américo. Batalha do Avahy, 1872-1877. Detalhe: Duque de Caxias
217
Figura 49 - Horace Vernet. La prise de la Smala. Detalhe: Cego Sid-el-aradj
Figura 50 - Pedro Américo. Batalha do Avahy, 1872- 1877. Detalhe: Cego
Bethencourt da Silva em suas críticas a Pedro Américo refere-se a Smalah
e, associando o artista brasileiro a Horace Vernet, acusa Américo de plágio. Por exemplo,
as semelhanças entre as representações dos personasgens: Duque D'Aumale
218
(figura 46) e o Duque de Caxias (figura 47) e de um personagem cego, Sid-el-aradj
(figura 49), que também está representado na Batalha do Avahy (figura 50).
Figura 51 - Horace Vernet. La prise de la Smala. Detalhe: judeu
Figura 52 - Pedro Américo. Batalha do Avahy, 1872-1877. Detalhe
Embora Américo se aproprie, sobretudo, de alguns personagens e da mesma
maneira de situar o herói em segundo plano, a apreensão do caos em Américo
diverge de Vernet. Pedro Américo envolve tudo em um turbilhão e a tensão se sobrepõe
219
aos episódios. Vernet em Smalah, ao contrário de Américo, multiplica os episódios.
Além do mais, falta em Smalah, o caos próprio de uma batalha – a desordem, a
fúria, a atmosfera ardente da batalha – como Américo evidencia em Avahy.
Gonzaga Duque, diferentemente de muitos de seus contemporâneos,
captou essas diferenças: "...apesar de certos críticos ignorantes compararem Pedro
Américo a Horácio Vernet e outros certos críticos aconselharem-no que estudasse
bem o processo do autor de 'Batalha de Fontenoy' ele, na tela de Avaí, mostra ter
seguido processo diverso. O arabesco de 'Batalha de Avaí' não lembra, nem sequer
vagamente, nem uma das composições de Vernet".
563
Por outro lado, Gonzaga Duque, critica na execução da obra o modo como
Américo representou o General Ozório. Ele diz:
Mas nem todas as figuras satisfazem a execução da obra. O general Ozório está pousado
com afetação, metido em um espaço apertado, e montado em um cavalo que não tem
movimento. A ação do seu braço direito é frouxa e paralisada; o seu rosto nada exprime e
é tal a mobilidade que apresenta que, sem dúvida alguma, indica ser copiada servilmente
de uma fotografia mal feita.
564
No entanto, "a pose afetada", que parece copiada de uma fotografia, em
razão de sua imobilidade, o artista extraiu do quadro Charlemagne traversant les
Alpes (1847), de Paul Delaroche (figura 53).
Figura 53 - Paul Delaroche. Charlemagne traversant les Alpes, 1847.
Óleo s/ tela, 420 x 801cm. Musée du Château de Versailles
563
DUQUE-ESTRADA, Luis Gonzaga. A arte brasileira. Campinas: Mercado de Letras,
1995. (Coleção de Arte Ensaios e Documentos). p.157.
564
DUQUE-ESTRADA, A arte..., op. cit., p.161.
220
Figura 54 - Pedro Américo. Batalha do Avahy, 1872-
1877. Detalhe: General Osório
Figura 55 - Pedro Américo. Batalha do Avahy, 1872-
1877. Detalhe: soldado paraguaio
Pedro Américo, à figura de Carlos Magno (figura 53), parece ter sobreposto
a figura de Osório (figura 54). São idênticas: o rosto em posição frontal, o corpo de
perfil sobre o cavalo, o braço direito com a espada na horizontal. Ambos estão na
mesma posição. Além disso, a figura do guerreiro, abaixo da figura de Carlos
Magno, evidencia uma outra referência que Américo utilizou em sua Batalha do
221
Avahy (figura 55). Este guerreiro de Paul Delaroche aparece como o soldado
paraguaio que ameaça matar, com um golpe de sabre, o brasileiro que se apossou
das bandeiras do inimigo.
Evidentemente, podemos da mesma forma apontar outras referências
como, no caso de Géricault e sua obra Officier de chausseurs de la garde, de 1812
(figura 56).
Figura 56 - Géricault. Officier de chausseurs de la
garde, 1812. Óleo s/ tela, 292 x 194cm.
Musée du Louvre, Paris. Detalhe
Figura 57 - Pedro Américo. Batalha do Avahy, 1872-
1877. Detalhe
A Batalha de Campo Grande, de Américo revela uma clara semelhança com
a tela Il marchese fadini salva a Montebello il colonello De Sonnaz, de Luigi Bechi
(figura 58). Em primeiro lugar porque tratam do mesmo tema: a atitude protetora do
comandado para com o comandante e, em segundo, porque Américo utiliza a
mesma composição elíptica e noção de movimento que envolve os personagens,
de Bechi. Podemos ainda destacar as semelhanças entre a obra de Raphael
Constantino contra Maxencio (figura 59) e a Batalha de Campo Grande de Américo
(figura 60).
222
Figura 58 - Luigi Bechi. Il marchese fadini salva a Miontebello i
l
colonello De Sonnaz,1859 -1862. Óleo s/ tela,
173 x 232cm. Galeria d'Arte Moderna do Pallazzo
Pitti, Florença, Itália. Detalhe
Figura 59 - Raphael. Constantino contra Maxencio,
1520-24. Afresco, Stanza di Constantino,
Palazzi Pontifici, Vaticani, Roma, Itália
Figura 60 - Pedro Américo. Batalha de Campo Grande, 1871. Detalhe
Enfim, observadas algumas relações entre a obra de Pedro Américo e de
Horace Vernet, Paul Delaroche, Delacroix, Luigi Bechi e Raphael, voltamos nossa
atenção para a sua Independência ou Morte (figura 43), na qual é evidente uma
incorporação, por parte de Pedro Américo, de elementos específicos de Friedland,
de 1875, realizada por Meissonier (figura 61).
223
Figura 61 - Jean-Louis Ernest Meissonier. Batalha de Friedland, 1875. Óleo s/ tela, 144 x 252cm.
Metropolitan Museum of Art. Detalhe
Figura 62 - Jean-Louis Ernest Meissonier. Napoleão III na Batalha de Soferino, 1863. Óleo s/ tela,
44 x 76cm. Louvre, Paris
224
O quadro de Ernest Meissonier, Friedland, é "assim descrito por Octave
Gréard, em 1897: 'le destin s'est fixé. Le monde tourne autour de Napoléon comme
autour de son axe, L'Empereur est immobile au seconde plan; à ses pieds, um
torrent d'hommes enivres par la gloire défilient en lui jetant leur âme'".
565
A aproximação dos quadros é evidente, sobretudo, na estratégia de fazer
sobressair o líder. Em Messonier, os soldados saúdam Napoleão, no entanto,
parecem abandoná-lo, pois avançam freneticamente na direção do observador.
Pedro Américo, contudo, diferentemente de Messonier, recorre à composição
elíptica, mais eficaz na construção da idéia de integração de todos os personagens
ao grupo principal. A composição de Independência ou Morte é organizada em dois
grandes semicírculos: um evolui do centro de tela para a direita, no qual se inscreve
o grupo dos soldados, e o outro para a esquerda. As duas figuras que chegam a
cavalo, ao final do séqüito de D. Pedro, marcam o início do semicírculo que, em
movimento descendente, termina no eixo central que tange o limite da tela.
566
D. Pedro é representado por Pedro Américo, em segundo plano, mas no
centro da cena, ligeiramente deslocado para a esquerda, no momento em que
levanta sua espada, rompendo simbolicamente os laços com Portugal. O séqüito de
D. Pedro e os soldados repetem o gesto e, em vivas, acenam com seus chapéus e
lenços. Quase que interceptando o encontro dos semicírculos na base inferior do
quadro, um pouco a esquerda, vemos um caipira, com seu carro de boi. Ele observa
a cena.
565
GRÉARD, Octave. Messonier, ses souvenirs, ses entretiens. Paris: Hachette, 1897.
p.252. Tradução: "O destino está decidido. O mundo gira em torno de Napoleão, como em torno do
seu eixo. O Imperador está imóvel no segundo plano; aos seus pés, uma torrente de homens
embriagados pela glória desfilam, lançando-lhes as suas almas." (Apud CHRISTO, op. cit., p 215).
566
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.89.
225
Como bem observa Mattos, a função retórica desta figura é evidente:
Ela é a figura de delimitação do observador, tanto por sua posição, quanto por seu
tamanho e proximidade. Através de seus olhos, voltados para D. Pedro, participamos do
momento representado. É ela quem determina o ponto de vista do observador, contribuindo
assim para a interpretação heróica que Pedro Américo procurou fornecer do evento que
marca, como dissemos, sua pertença a uma segunda geração de pintores acadêmicos.
567
O caipira, "e com ele nós também", no comentário perspicaz de Mattos, é o
brasileiro. E aqui o artista coloca-o na ponta da diagonal do quadro, mantendo a
hierarquia das posições, protegendo o status do príncipe. O caipira que representa
todos os brasileiros pertence à massa que se movimenta em torno do herói, mas,
não pertence nem ao seu séqüito nem a sua guarda. O artista apresenta o caipira
como uma figura tosca, rota, pés descalços, cujo corpo robusto, com partes
descoberta, contrastante com a elegância do Imperador em seu uniforme. O artista
não lhe reconhece nenhuma dignidade.
O caipira de Independência ou Morte, como mero espectador, é forçado a
virar o rosto para ver o nascimento do Brasil, cujo destino foi decidido por D. Pedro,
o primeiro imperador do Brasil.
É possível estabelecer, nesse sentido, um diálogo com a obra A redenção
de Can (figura 4) de Modesto Brocos y Gomes, na qual vemos um São José entre
caboclo e imigrante europeu que observa o menino evidentemente branco, no colo
da mãe, que representa um Brasil jovem, novo, do futuro. Este homem bronco,
sobretudo mestiço, contrasta com a imagem de um brasileiro idealizado, civilizado.
Da série de pinturas que evocam a figura do caipira é exemplar uma das
telas mais conhecidas de José Ferraz de Almeida Junior: Caipira picando fumo, de
1893 (figura 63).
567
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.89.
226
Figura 63 - José Ferraz de Almeida Junior.
Caipira picando fumo, 1893. Óleo
s/ tela, 202 x 141cm. Pinacoteca
do Estado de São Paulo
Há na representação do caipira de Independência ou Morte uma evocação
do mito de nação: o brasileiro que contempla seu nascimento. A escolha, por si só,
do momento que precede o nascimento da nação nos parece muito favorável à
construção de uma imagem grandiloqüente para D. Pedro.
Cabe destacar que, segundo Marilena Chauí, a palavra nação, originária
de um verbo latino, nascor (nascer) e de um substantivo derivado desse verbo: natio
ou nação, que significa "parto de uma ninhada". Por extensão, passou a significar os
indivíduos nascidos de uma mesma mãe ou em um mesmo lugar. Pátria, por sua
vez, também deriva de um vocábulo latino pater, pai. Não se trata de um genitor,
mas de uma figura jurídica: o senhor, o chefe ou o "pai", o dono do patrimonium.
568
Uma pintura inspirada na obra de Eduardo Sá denominada Fundação da
pátria brasileira (figura 64) é, neste sentido, muito reveladora, pois dá destaque a
José Bonifácio de Andrade e Silva, o Patriarca da Independência, evidenciando que
ele dividiu a responsabilidade pelo "ato glorioso".
569
568
CHAUI, Brasil, op. cit., p.15.
569
PRADO, op. cit., p.32.
227
Figura 64 - Anônimo. Fundação da pátria brasileira.
Óleo s/ tela inspirado na obra de Eduardo
Sá, s. d. CEA
As posições de José Bonifácio, colocado no primeiro plano e de D. Pedro I,
no centro do quadro, lidas não apenas como uma solução formal do artista, dão a
ver a ambigüidade em torno de D. Pedro I, nem sempre aceito como principal herói
da emancipação.
570
Como sabemos, José Bonifácio foi um personagem central no processo
que resultou no rompimento com Portugal, no entanto, era fiel à identidade portuguesa
e a um projeto de Império luso-brasileiro. Favorável à Monarquia Constitucional,
vista por Bonifácio como a única forma de Governo que evitaria os extremos,
representados pelo projeto defendido pelo grupo de Joaquim Gonçalves Ledo, era
contrário à idéia de convocação de uma Assembléia Legislativa no Brasil. Esse fato
resultou na crença de que as discórdias entre Bonifácio e Ledo restringiam-se à
oposição Monarquia e República. Com efeito, esse embate é resultante do conflito
entre Gonçalves Ledo, favorável a um projeto nacional com base em uma representação
570
PRADO, op. cit., p.32.
228
popular, que se contrapõe a José Bonifácio e a sua posição fundada na legitimidade
dinástica e na idéia de soberania do Rei e da Nação.
571
A imagem, no caso, a tela Fundação da pátria brasileira (figura 64), mais
uma vez é reveladora. Podemos observar nessa pintura que, tanto a mulher negra
quanto o indígena guerreiro e o branco (representado pelo pintor Debret)
572
observam a cena cujas figuras centrais são José Bonifácio, no primeiro plano e, no
centro do quadro, D. Pedro I. A Fundação da pátria brasileira registra, ainda, a união
de diferentes personagens em um verdadeiro congraçamento, pondo em destaque
os tipos nacionais: o negro, o indígena e o branco, mas reflete também na atitude de
submissão da mulher negra (ajoelhada aos pés de José Bonifácio) que a ordem
escravocrata permanecia intocada.
Essa imagem é, talvez, a única em que Debret, autor de um imaginário
sobre a jovem nação que se emancipava, é convertido em representante do esforço
de todos – brancos, negros e índios – na construção de uma "civilidade imperial"
pautada na crença do trono como expressão da felicidade, da ordem e da harmonia.
Aparece ao lado de José Bonifácio, mitificado como o "Patriarca" e D. Pedro I que,
em 1822, levantava no Brasil a bandeira liberal.
Por outro lado, destacando agora a tela Proclamação da Independência
(1844) de François-René Moreaux (figura 65), observamos a mesma temática de
Américo em Independência ou Morte, no entanto, são quadros diferentes, pois Moreaux
agrega, exclusivamente, civis. Ao contrário de Friedland, de Messonier, na qual
vemos apenas militares, Pedro Américo, em Independência ou Morte, agrega civis.
571
MOTA e NOVAIS, op. cit.
572
Dentre os autores consultados, apenas Schwarcz afirma que o branco é representado
aqui na figura do pintor Debret. Ver: SCHWARCZ, As barbas..., op. cit., p.43.
229
Figura 65 - François-René Moreaux. Proclamação da Independência, 1844. Óleo s/ tela, 2,44 x 383cm.
Museu Imperial de Petrópolis
No centro da tela A Proclamação da Independência, de Moreaux, D. Pedro,
rodeado pela multidão, acena com seu chapéu. Segundo Mattos, essa pintura,
assim como outras tantas do período pré-Guerra do Paraguai, é "uma tentativa de
legitimar o governo monárquico por meio de um ato divino. Tanto o príncipe, quanto
várias figuras que o acompanham dirigem seus olhares para o céu, de onde desce
um raio de luz que ilumina a cena".
573
Seguindo esse raciocínio, D. Pedro é
representado como aquele que consuma uma vontade divina. O que está em jogo,
para Mattos, não é a habilidade política do Imperador, seu caráter ou, ainda, sua
capacidade de liderança.
A representação, realçando o vínculo de D. Pedro à vontade divina,
embora esmaeça o tom heróico e voluntarioso da figura do príncipe, reafirma a
legitimidade de D. Pedro ao trono do futuro império da casa de Bragança.
Podemos deduzir que Américo, diferentemente de Moreaux, representa
D. Pedro como um estadista determinado a realizar seu ideal, equivalente a um
573
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.90.
230
Napoleão. Assim, eleva D. Pedro pela coragem de seu ato, que, ao contrário dos
homens comuns, não mede esforços para, mais uma vez, sacrificar-se pelo Brasil.
O equivalente pictórico do sentido dado pelo artista ao gesto do herói,
segundo Mattos, emerge no texto de Pedro Américo, O brado do Ipiranga, no
seguinte trecho:
Apenas os leu [os documentos trazidos pelos mensageiros], como que concentrou-se
D. Pedro num desses pensamentos cuja impetuosa evolução mal cabe no curto lapso de
tempo que medeia entre dois instantes quase consecutivos da mesma impressão moral.
Depois olhou para seus companheiros de viagem, e disse comovido: "Tantos sacrifícios
pelo Brasil... e entretanto não cessam de cavar a nossa ruína!". Então expande a
fisionomia, acende o brilho dos olhos e, como se houvera descoberto o talismã da futura
grandeza da sua pátria adotiva, puxa pela espada e grita resolutamente: Independência
ou Morte!
Com efeito, Pedro Américo, absorvido pela missão de construir em uma
tela de grande caráter, uma imagem em concordância com a grandeza da ação do
herói, recorre ao testemunho daqueles que presenciaram o fato, para justificar sua
interpretação. Seu objetivo, guiado pelos princípios da tradição da Pintura Histórica,
é chegar à imagem que melhor retrate o fato. E isso, na visão do artista, exigia "um
conhecimento pelas estampas e pelos retratos literários" de D. Pedro I e um estudo
"dos costumes e da índole daquela época cerimoniosa e brilhante".
574
Aliás, além de igual destaque ao herói, é possível observar em Independência
ou Morte assim como em suas Batalha do Avahy e Campo Grande, uma placidez
contrastante com o movimento a sua volta.
Para Claudia Mattos, a rigidez do herói em contraste com o movimento que
o circunda representa um aprimoramento da forma de composição nos trabalhos do
gênero de Pedro Américo, o que a leva a filiá-lo a uma estética tradicional. Contudo,
como é frente de cada quadro que esse contraste adquire sentido, convém retomar
rapidamente o discurso de herói que corrobora Pedro Américo nestas pinturas.
574
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.20.
231
Como vimos, o artista é severamente criticado, pois a figura do comandante
(Conde d'Eu), em Batalha do Grande, que mais parece um "manequim", não é
condizente com a autoridade máxima das forças brasileiras. A ausência de determinação
esvazia a figura do herói.
A representação de um herói, do qual não emana nenhuma energia,
também surge nas críticas de um outro articulista, Luiz Barbosa. Ele assim indaga:
Debaixo das fardas de nossos intrepidos guerreiros vê-se que ha gente, um corpo
humano, que como que se sente mover dentro das roupas, e o único vulto de todo o
quadro que parece copiado de uma figura de barro e não modelado sobre o vivo, é o
príncipe. Será que a muita preocupação natural do artista, de sobreexceder-se na
representação do vulto principal da sua obra, prejudicasse a exactidão de seu pincel,
desviando-o das normas unicas de attingir o bello pela idealisação da natureza? Será que
a nossa incompetencia na materia não nos permitta enxergar a sublimidade da
idealisação? A outros cabe decidir.
575
No trabalho de representação o artista escolhe o exato momento em que
um ajudante-de-ordens tenta proteger o Conde d'Eu, segurando-lhe as rédeas do
cavalo, impedindo-o de avançar. A escolha desta cena, ao mesmo tempo, destaca e
enfraquece o herói.
Na Batalha do Avahy, o artista pretende destacar o herói, Caxias, como
protagonista da cena:
Quando bem observado, o quadro revela uma composição meticulosamente estudada e
inteiramente realizada de acordo com convenções estéticas da academia. Resumidamente,
Pedro Américo concebeu a cena de batalha a partir de duas diagonais que se cruzam no
ponto central da tela, sobre seu auto-retrato. A despeito deste pequeno capricho, as
diagonais são rigorosamente pesadas de forma a definir as duas posições da luta na cena
apresentada: do lado esquerdo, representado por Caxias e sua comitiva, os interesses do
Brasil, contraposto à posição exatamente simétrica dos paraguaios, demarcada por uma
bandeira vermelha.
576
A dinâmica básica do quadro, segundo Sonia Mattos, "resume-se, portanto,
no confronto entre os comandantes brasileiros, que vêem suas estratégias de guerra
575
BARBOSA, Luiz. Artes: a batalha do Campo Grande quadro de Pedro Américo.
A República, Rio de Janeiro, 3 set. 1871.
576
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.112-115.
232
coroarem-se de êxito, e a massa que sucumbe aos horrores da luta".
577
Reconhece
a autora, esta mesma estrutura em Independência ou Morte, porém, como uma
diferença: em Avahy, "Pedro Américo não pontuara tão claramente esta estrutura,
encobrindo-a com um número quase infinito de elementos ditos 'decorativos'".
578
Conclui, então, que placidez do herói versus agitação do campo de batalha são os
elementos dicotômicos organizadores da tela.
Sua conclusão é fundamentada na idéia de "que a Batalha do Avaí tem
uma estrutura criteriosamente composta segundo princípios que regiam a criação de
um quadro de história e que faziam deste, segundo tradição acadêmica, o mais
nobre dos gêneros da pintura".
579
Por fim, Sonia Mattos, conclui:
A recepção equivocada de seu quadro como uma obra antiacadêmica, deixou Pedro
Américo em situação bastante incômoda, pondo potencialmente em risco a própria ligação
que ele tinha com o imperador e este fato teria conseqüências para o desenvolvimento da
sua obra. Sabemos que, após a sua experiência com A Batalha do Avai, Pedro Américo
retorna à Europa, e aprofunda-se no estudo de algumas questões estéticas de grande
importância para o mundo acadêmico, publicando, ainda em 1879, seu Discurso sobre o
Plágio na Literatura e na Arte.
580
Na nossa visão, três questões surgem aqui: a primeira diz respeito à
estrutura organizacional de Avahy que, ao contrário de Independência, não permite
a apreensão imediata do herói, a menos que o observador conheça o fato histórico e
tenha visto um retrato de Caxias. A segunda refere-se ao contraste rigidez do herói
versus movimento que o envolve. A princípio, conforme observa Maraliz Christo:
"Um simples movimento de imaginação ajuda-nos a compreender a intenção do
pintor. Se retirarmos da cena a figura de Caxias, o quadro permanece em sua lógica
577
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.115.
578
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.115.
579
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.115.
580
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.115.
233
de exposição do caos, subsiste sem o herói. No entanto, se retirarmos D. Pedro,
para quem todos olhariam?"
581
Como bem observa Maraliz Christo, não falta domínio do artista sobre a
própria composição. A questão não é de aprimoramento da forma de composição, o
procedimento usado por Pedro Américo tem sentido inverso em cada quadro, porque
persegue intenções diferentes. Na Batalha do Avahy, "o herói contemplativo é
'engolido' pela agitação que o circunda, porque a ênfase do artista recai sobre o
caos e não sobre o herói".
582
Contudo, em Independência ou morte, a movimentação
em torno de Pedro I, em vez de ocultá-lo conduz nosso olhar diretamente para sua
figura. É por isso que, a nosso ver, a representação elaborada por Pedro Américo do
primeiro imperador do Brasil – no centro da cena, em sua atitude um tanto artificial e
pomposa, que mais se assemelha a uma estátua – corresponde a uma visão
afirmativa do herói.
Pedro Américo encontrou, ainda, outras estratégias para estabelecer a
hierarquia entre as figuras: D. Pedro, em segundo plano, é menor do que a figura do
caipira ou dos soldados, no primeiro plano; porém o desnível entre soberano e
súditos e a altura de D. Pedro, quando comparado com o caipira, reforça a posição
superior do herói, realçando a imagem de D. Pedro como o libertador que conduz os
destinos da nação.
A última questão refere-se aos estudos de Pedro Américo, quando retorna
à Europa, dos quais Mattos destaca o Discurso sobre o Plágio na Literatura e na
Arte, como de grande importância para o mundo acadêmico.
Pedro Américo, como pudemos ver, bebeu em múltiplas fontes para
elaborar seus quadros, fato que lhe rendeu, como um dos protagonistas da "Questão
Artística de 1879", muitas vezes, a acusação de plágio. O artista defendendo-se das
581
CHRISTO, op. cit., p.166.
582
CHRISTO, op. cit., p.166.
234
acusações, em 25 de junho de 1880, conferenciou na Associação dos Dramaturgos,
em Lyon. Seu discurso é prova de seu diálogo profícuo com a pintura internacional:
Senhores! (...) A que, pois, monta o aleive de plagiario, que com tamanha facilidade hoje
se assaca a quem quer que se eleve acima da mediocridade? Se por plagiato se entende
a imitação inconsciente, ou as coincidencias accidentaes do pensamento, ou a identidade
original do assumpto, ou finalmente as casuaes reminiscências que inevitavelmente se
encarnam nos grandes productos da intelligencia, qual é o autor, por mais illustre que
seja, que não incorreu no involuntario delicto de plagiario? O progresso da sciencia não é
mais do que a continuidade e a expansão da idéa atravéz dos tempos. (...) Mas se da
historia da sciencia passarmos á da arte, encontraremos logo os maiores mestres a se
plagiarem reciprocamente para attingirem a perfeição que buscavam. (...) Nas Camaras
do Vaticano encontram-se figuras de Raphael, que, no todo, reproduzem outras com que
Masaccio decorou a igreja e o claustro do Carmo em Florença. Por qual razão nenhum
critico viu nisso um fruto, um mero plagio? Porque a pintura do chefe da eschola romana é
mais sabia e mais expressiva, completando pela evidencia do desenho e do clar'escuro e
intenção revelada nas bonitas composições do ilustre precursor.(...) Ora, o estylo é o
homem, dizia Buffon; e o homem capaz de imprimir em um sujeito já explorado o cunho da
sua propria individuação, dando novo e formoso semblante a uma concepção
chronologicamente anterior, não é, por certo, equiparavel ao plagiário, cujo traço
característico é a ausencia constante de grandes qualidades individuais dominadoras. (...)
Não ha nisso usurpação fraudulenta á qual convenha o termo consagrado na lei Flavia
para denominar a apropriação, compra ou venda de pessoa livre, e que Marcial applicou
figuradamente ao auctor que, por não ter engenho proprio, rouba pensamentos e
expressões alheias; há, sim, transformação de idéas, progresso de invento, e
transmigração ascendente de uma mesma concepção em cerebros differentes, que a
comprehenderam tão diversamente quanto era nelles diversa a natureza psychologica e a
sciencia de que dispunham. (...) A originalidade não reside tanto na absoluta
independência da concepção quanto na fórma peculiar a cada auctor, e isto já o havia
dicto Victoriano Sardou defendendo-se do injusto labéu de plagiario, que lhe assacavam
por ocasião de dar ao público outra de suas melhores peças. E tanto é certo, que uma
figura de Miguel-Angelo differiria essencialmente de uma de Ticiano, ou de Correggio, por
maior que fosse a coincidencia dos seus contornos juxtapostos. (...) A identidade de
aspecto ou de situações na literatura, e nas bellas artes a semelhança de linhas ou de
attitudes entre duas ou mais figuras de composições diversas não constitue, pois,
depoimento valido contra a originalidade de qualquer dellas; e esta só se deve buscar na
indole particular dos meios de que se serviram os respectivos auctores, para comunicarem
o seu pensamento definindo-as. (...) A inferioridade relativa, a ausencia de engenho e de
progresso manifestada no proprio fructo da imitação, eis, Senhores, o caracter distintivo
do delicto litterario ou artístico, que muitos de proposito confundem com as coincidencias
de idéas ou de fórmas resultantes do facto de collaborarem, casual ou intencionalmente,
diversos auctores summos no aperfeiçoamento e na immortalização do mesmo ideal.
583
583
Discurso sobre o plagio. Proferido a 25 de Junho de 1880 em Lyão à Associação dos
Dramaturgos (MELO, Pedro Américo de Figueiredo e. Alguns discursos. 2.
a
parte. Florença:
Imprensa de l'Arte Della Stampa, 1888. p.91-124).
235
Podemos deduzir que, para o artista, a coincidência de contornos justapostos,
a semelhança de linhas ou de atitudes entre duas ou mais figuras de composições
diversas, não é o mais relevante e sim o resultado que, oriundo da assimilação
destes elementos submetidos ao seu estilo, é original.
Aliás, se levarmos em consideração o conteúdo do termo plagiat e certos
equívocos que, por vezes, perpassam este termo, veremos que o discurso de Pedro
Américo se nutre das reflexões elaboradas à época. No verbete do Grand dicionaire
universel du XIX Siècle, lemos:
Mais il faut s'entendre sur le mot plagiat et ne pás confondre le larcin de la pensée et du
style avec l'usage de ce fonds commun, de ces banalités inévitables auxquelles
l'intelligence est condamnée, comme le corps l'est aux lois du mouvement. Il ne faut pás
davantage confondre le plagiat avec les recontres du hasard, plus freqüentes qu'on ne le
croit et que ont donné lieu au proverbe: "Les grands esprits se recontrent", ni même avec
l'appropriation fécond et perfectionnée de ce q'um autre avait trouvé auparavant (...) Autre
chose est, nous le répétons, une imitacion feconde et une copie servile ou matériellement
déguisée, come c'est le cãs le plus fréquent des plagiaires.
584
Dentro desse quadro, cabe ressaltar que era preciso dar a conhecer a
história recém-nascida e, neste caso, como coadjuvante na elaboração da memória
da independência, Pedro Américo estabeleceu um diálogo permanente com a
História da Arte e com a grande tradição das pinturas de batalhas ocidentais de seus
antigos professores, sobretudo aquelas que enfatizavam o herói. Além disso,
salienta que é preciso atenção aos episódios:
584
Verbete do Grand dicionaire universel du XIX Siècle. Tomo 12, p.1108, coluna 1,
reproduzido na Tese Pintura, história e heróis no século XIX: Pedro Américo e Tiradentes
Esquartejado, de Maraliz de Castro Vieira Christo. Tradução da autora: "Mas devemos esclarecer a
palavra plágio e não confundir o roubo do pensamento e do estilo com o uso desse fundo comum,
dessas banalidades inevitáveis às quais a inteligência está condenada, como está o corpo às leis do
movimento. Também não se pode confundir o plágio com os encontros do acaso, mais freqüentes do
que se acredita e que inspiram o provérbio: 'Os grandes espíritos se encontram'; nem mesmo com a
apropriação fecunda e aperfeiçoada daquilo que outro encontrou anteriormente (...) São coisas
diferentes – repetimos – uma imitação fecunda e uma cópia servil ou materialmente disfarçada, como
é o caso mais freqüente dos plagiários." (CHRISTO, op. cit., p.226).
236
Minucioso até o escrúpulo, fui duas vezes a São Paulo, depois de compulsar na Biblioteca
Nacional, no Instituto Histórico e nas coleções particulares as obras nas quais alguma
passagem me podia auxiliar; visitei a gloriosa colina do Ipiranga em companhia do Sr.
Barão de Ramalho, o presidente da Comissão do Monumento que ali se está erigindo, sob
seus olhos desenhei de diversos pontos o sítio que serviu de cenário ao segundo e mais
grandioso canto da rápida epopéia, assim comodias antes, acompanhado do arquiteto
Dr. Tommazzo Bezzi e de diversos outros distintos diretores dos trabalhos do referido
monumento, o havia feito em relação aos horizontes do lugar em que se passou o fato
inicial, antes de reunir-se D. Pedro à guarda.
Cabe destacar, ainda dois estudos de Pedro Américo com a mesma temática:
Figura 66 - Pedro Américo. Independência ou Morte. Estudo. Museu
Hisrico Nacional, Rio de Janeiro
Figura 67 - Pedro Américo. Independência ou
Morte. Estudo. Óleo s/ tela, 59 x 51cm.
Coleção Fadel, Rio de Janeiro
Conforme lembra Cecília de Salles Oliveira, além da Proclamação da
Independência de François-Rene Moreaux, encontra-se também reproduzida na
obra de Stanislaw Herstal, D. Pedro: Estudo Iconográfico, outras idealizações do
"Grito": uma litografia anônima (figura 69), provavelmente da década de 1860, na
qual um índio é uma das figuras centrais da cena e uma xilogravura produzida por
Harzal, nos anos de 1870 (figura 68). Segundo consta, Harzal teria se inspirado em
esboço realizado por Pedro Américo.
585
585
HERSTAL, Stanislaw. D. Pedro: Estudo iconográfico. São Paulo/Lisboa, MEC/Casa da
Moeda de Lisboa, 1972. v.1. p.198 e 200. In: OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles; MATTOS, Claudia
Valladão de (Org.). O brado do Ipiranga. São Paulo: Edusp, 1999. p.63.
237
Figura 68 - Harzal. O grito do Ipiranga, c. 1870. Xilogravura, 20,7 x 24cm
Figura 69 - Anônimo. O grito do Ipiranga, c. 1840. Litografia impressa na França, 10,1 x 12,5cm
238
4.4 AS EXPOSIÇÕES ARTÍSTICAS: MONUMENTALIZAR O PASSADO E
ESTETIZAR A HISTÓRIA
A exemplo das cerimônias de coroação, casamentos, aniversários, era
preciso divulgar o Império, trazer a público um modelo de realeza a imagem da
"civilização à européia". Nesse sentido, as exposições artísticas, representativas
deste esforço de monumentalização do passado, assim como qualquer "discurso
divulgativo da história conduz, naturalmente, a uma memória histórica (...) que, como
todas as memórias, deforma, amplifica, esbate ou apaga, de acordo com a força de
recepção e da transmissão".
586
Evidentemente, para cada comemoração um determinado ritual, um adorno
ou uma roupa diferente. É o caso das festas do Império que se transformavam em
instrumentos estratégicos na afirmação da monarquia, constituindo-se em momentos
privilegiados de sua exibição e quando, se necessário, os pobres chegavam, às
vezes, a vender o seu último escravo, para comprar roupa nova, adornos e doces
para comemorá-las.
587
Aliás, como vimos, a criação de uma determinada memória passa a ser
uma questão quase estratégica à fundação da nacionalidade tanto para o IHGB
quanto à Academia Imperial das Belas Artes que passa a participar desse esforço de
construção e perpetuação de determinada memória nacional, sobretudo, se
levarmos em conta, o momento histórico crítico vivido pela Monarquia. A abolição da
escravidão em 1888, por exemplo, foi "um forte golpe no seio do Império, que, a
essas alturas, apoiava-se nos proprietários escravocratas cariocas". Além disso,
586
TORGAL, Luís Reis. História, divulgação e ficção. In: TORGAL, Luís Reis; MENDES,
José Amado; CATROGA, Fernando (Orgs.). História da história em Portugal: séculos XIX e XX,
1998. v.2. p.156-157.
587
KIDDER, Daniel Parish. Reminiscências de viagens e permanência no Brasil
(Províncias do Norte) (1845). São Paulo: Martins Fontes, 1943. p.80-81.
239
essa é também a época dos conflitos com a Igreja, dos embates entre a "guarda negra" e
os republicanos (...). Com efeito, a partir do segundo semestre, a cada dia um novo
acontecimento acirrava os ânimos, e, paradoxalmente, a monarquia sobrevivia apenas
timidamente, colada a representação pública de D. Pedro [II], que ainda era objeto de
simpatia. Se naquele contexto o fim do Império era discutido quase abertamente, vários
setores do exército e o próprio Deodoro preferiam aguardar a morte do "velho monarca" e
só depois precipitar o golpe da república.
588
Cabe lembrar que, no mesmo ano da inauguração da exposição do quadro
Independência ou Morte, de Pedro Américo, um dos mais empolgantes eventos
artísticos à época, segue-se um outro acontecimento: a Abolição da Escravatura, no
dia 13 de maio, assinada pela Princesa Isabel quando, mais uma vez, em razão da
ausência do seu pai, o Imperador D. Pedro II, ficava à frente do mando Executivo.
De acordo com o contexto apresentado por Lilia Schwarcz, não por acaso,
a exposição do quadro Independência ou Morte, que coincide com a aguda crise do
Estado, representa mais uma tentativa de celebração da monarquia no Brasil que,
"cai ou não cai". E exprime, de forma cabal, o caráter eminentemente político da
iconografia brasileira: "Era o símbolo que resistia diante da realidade decadente; a
imagem que persistia diante do contexto adverso".
589
Ao nosso entender, enquanto o ano de 1888 foi vivido de maneira privilegiada
pelo artista Pedro Américo, o ano em questão não seria dos melhores para um outro
Pedro: o Imperador D. Pedro II do Brasil, que, aos 63 anos, mais parecia a imagem
de "um velho consumido, marcado por profundas rugas e por imensas barbas
brancas".
590
O monarca, se já não fosse em si evidente, assemelhava-se a um mero
espectador em relação aos acontecimentos políticos, em especial a intensificação
dos movimentos abolicionista e republicano que desgastavam a monarquia.
588
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O olho do rei. As construções iconográficas e simbólicas em
torno de um monarca tropical: o Imperador D. Pedro II. In: FELDMAN-BIANCO, Bela; LEITE, Míriam L.
Moreira. Desafios da imagem: fotografia, iconografia e vídeo nas Ciências Sociais. Campinas (SP):
Papirus, 1998. p.132.
589
SCHWARCZ, O olho..., op. cit., p.132.
590
SCHWARCZ, O olho..., op. cit., p.132.
240
Assim, enquanto "a inauguração solemne da exposição do quadro
commemorativo da Proclamação da Independência do Brasil em presença de Suas
Magestades e Altezas Imperiaes e Reaes",
591
inclusive do Imperador D. Pedro II – é
um elogio a D. Pedro I, lembrado pelos brasileiros como o herói da Proclamação da
Independência do Brasil; o segundo acontecimento evoca um passado não tão
exemplar: a escravidão, uma herança que "deitou raízes tão profundas na sociedade
brasileira que ainda hoje se fazem sentir".
592
No final das contas, o "comércio de
almas" e o sistema escravocrata que a Independência sequer tocou, preservam
"intactos os três alicerces em que se fundou a produção colonial: o latifúndio, a
monocultura e a escravidão",
593
contrastando com os adornos da civilização, que
desembarcou com D. João VI, "seu séqüito de nobres, seus livros, suas carruagens,
seus cetins, suas delicadezas, seus manuais de civilidade".
594
Sem dúvida, não se pode deixar de notar o descompasso entre a
exposição, uma tentativa de fortalecimento do poder monárquico, nas mãos de
D. Pedro II, e a crise que acelera o processo de seu enfraquecimento político. De um
lado, a exposição, que traz a público a certidão visual do novo Império independente
de Portugal, celebra seu herói, resgatando as suas virtudes cívicas e construindo
referenciais iconográficos de valorização do passado e, de outro, a Abolição da
Escravatura, apenas alguns dias depois, que sela a queda do Estado imperial que
591
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit.
592
MALERBA, O Brasil..., op. cit., p.39.
593
MALERBA, O Brasil..., op. cit., p.35.
594
PECHMAN, op. cit., p.15.
241
se construiu até por volta de 1850 e que "teve como sustentáculo essas duas
instituições: a monarquia e a escravidão. Caindo a escravidão em 1888, desmoronou
o Estado imperial".
595
Com a abolição da escravidão, a crise institucional que o Brasil vive nos
anos que antecedem 1888 se aprofunda tornando evidente que, ao menos aos olhos
da monarquia, o contexto é completamente adverso e os ares não são para festas.
596
Assim, no dia 8 de abril de 1888, minutos antes das duas horas da tarde,
chegaram à Academia Real das Belas Artes de Florença, Suas Majestades o
Imperador D. Pedro II e a Imperatriz do Brasil para o ato de inauguração da
exposão do quadro comemorativo da Proclamação da Independência do Brasil. A tela
foi recebida com muita euforia e, além das "manifestações de apreço" das camadas
nobres da elegante sociedade italiana, foi admirada especialmente pela S.M. o
Imperador D. Pedro II, "que externou a todos a sua alta satisfação pelo mérito da
pintura, cujo aspecto pareceu-lhe corresponder escrupulosamente ao fato histórico da
proclamação da Independência política do Brasil".
597
O artista, também recebeu "os mais efusivos encômios das pessoas
competentes do país, as quais confessam jamais terem presenciado na antiga
capital da Itália e das belas-artes uma festa artística como aquela".
598
595
Certamente, a escravidão estava desgastada, tornando-se ineficazes as tentativas de
deter o processo de abolição desencadeado com o fim do tráfico negreiro em 1850. E, apesar das
pressões dos grupos ligados às formas tradicionais de produção e ao trabalho escravo, a partir de
1880, o movimento abolicionista fortalece suas raízes, cujo húmus é a introdução do trabalho
assalariado, as inovações técnicas, as atividades industriais e o crescimento da população livre e das
grandes cidades. De fato, nas últimas décadas do século XIX, as transformações econômicas
somaram-se às mudanças sociais e políticas, ganhando representação os interesses das camadas
médias urbanas e mais força, o movimento republicano, a partir de 1885 (MALERBA, O Brasil...,
op. cit., p.144).
596
SCHWARCZ, As barbas..., op. cit.
597
Apud OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.31.
598
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.31.
242
Pedro Américo, em meio a essa crise institucional, na qual se estabelecia
uma verdadeira batalha de imagens, conforme suas palavras, realiza a obra que
sintetiza o caráter ideal do "primeiro sopro de vida de nossa saudosa pátria como
nação livre e independente". Durante a solenidade de inauguração do quadro, dirige-se
à D. Pedro II dizendo sentir-se "altamente honrado de ter concluído uma página
destinada a comemorar um dos mais gloriosos feitos do Augusto Progenitor de
Vossa Magestade".
599
Figura 70 - Convite à Exposição de Independência ou Morte, de Pedro Américo, em Florença
599
Apud OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.31.
243
A partir da análise do convite à exposição (figura 70), percebemos que a
ordem estabelecida às autoridades põe a nu o lugar claramente demarcado às
figuras reais neste ritual, atestando o caráter aristocrático da exposição. Na abertura
do texto, diante das mais importantes autoridades, inscritas em primeiro lugar e em
letras maiores, lê-se que a inauguração do quadro se dá "em presença de Suas
Majestades e Altezas Imperiais e Reais, o Imperador e a Imperatriz do Brasil,
seguidos da Rainha da Sérvia, da Rainha da Inglaterra e Imperatriz das Índias", do
Príncipe D. Pedro, da Princesa Beatriz e do Duque de Leuchtenberg.
600
O convite estendeu-se a um segundo grupo, inscrito em letra menor, mas
ainda merecedor de certo destaque: as "principaes auctoridades civis e militares
presentes em Florença" e a "muitos príncipes titulares", lembrando-se ainda da
participação de um "numeroso e ilustrado auditorio". Por último, em letras menores,
a instituição a qual é confiada a pintura representativa da Proclamação da
Independência do Brasil: a "Academia Real das Bellas Artes de Florença".
601
Contudo, o que chama a atenção não é a presença e a distribuição
coerente das destacadas personalidades, mas a ausência do nome daquele a quem
coube dar a ver uma página considerada tão importante da história da pátria: Pedro
Américo. Subentende-se que o quadro, nomeado perante os nobres convidados,
ocupa uma posição nodal, enquanto Pedro Américo, de acordo com um código
ancestral de gestos e posições hierarquicamente determinadas, mantém-se em uma
posição inferior. Pode-se dizer que o quadro subordina o artista, no entanto, como
produto imediato do seu trabalho, prolonga-o.
Mas, se não consta o nome do artista e se um convite é "uma mensagem
oral ou escrita pela qual se formaliza este ato" quem, em nome do artista, formalizou
600
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.31.
601
Apud OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.31.
244
o convite? Além disso, o que esse convite tem a dizer como uma "convocação as
mais importantes autoridades"?
602
Segundo Cecília Salles de Oliveira e Claudia Mattos, o séqüito imperial – o
Imperador do Brasil D. Pedro II e a Imperatriz Teresa Cristina Maria, minutos antes
das duas horas da tarde, chegaram à cerimônia de inauguração da exposição,
acompanhados de outras figuras eminentes: D. Pedro Augusto de Saxe Coburgo
Gotha, os Viscondes de Nioac, de Carapebus e da Motta-Maia, a Viscondessa de
Carapebus – foi recebido à entrada da Academia Real das Belas Artes
pelos Srs. Prefeito da Província Senador Gadda, Presidente da Câmara Municipal
Marques Torrigiani, Diretor do Instituto Real das Belas-Artes Marques Ginori, Presidente
da Academia Real das Belas-Artes Comendador Francolini acompanhado por todo o
Corpo Acadêmico, General Comandante das Armas da Província, Questor da Cidade,
Presidente da Universidade e Diretor do Instituto Real dos Estudos Superiores, Senador
Alfieri, Príncipe Thomaz Corsini, Príncipe Pandolfini de S. Dino, Prícipe Strozzi, Príncipe
da Scilla, Senador Mantegazza, Presidente do Tribunal Superior de Justiça, Marquês Alli-
Macarani, Duque de Dino, Marquês de Laiatico, Deputado Peruzzi, Mestre de Cerimônias
de S.M. o Rei Humberto, Comendador Simão Peruzzi, Marquês Lottarigo della Stufa,
Gentil-Homem de S.M. a Rainha da Itália, Conde Ângelo De Gubernatis, Comendadores
Rossi e Salvini, e outras notabilidades da política, da ciência e das letras.
603
Comprova-se pelos relatos e pela ordem – nada aleatória! – quem são os
anfitriões e os convidados, mas, e Pedro Américo? Qual lugar é destinado àquele
que não pertence a nenhum dos outros segmentos, mas, é tão entusiasticamente
elogiado por ter concluído "aquela página de pintura histórica?"
604
As marcas de distinção, cuja lógica tem no papel social e político dos
participantes – convidados, anfitriões e artista – do evento e da instituição artística,
evidenciam posições antagônicas: de um lado, a presença de tão nobres figuras,
na condição de mentores e mantenedores e de outro a obra e por extensão o
seu realizador.
602
Apud OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.31.
603
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.29.
604
Apud OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.31.
245
Não é difícil deduzir que Pedro Américo, imerso nessa lógica da
classificação – assim como historiadores, pintores, escultores, poetas, coreógrafos,
dançarinos – é usado de forma quase instrumental e que, nesse ritual marcado por
uma teia de relações assimétricas, a Monarquia é a protagonista do mise-en-scène,
destinando-se ao artista um papel secundário. Em verdade, por trás da apresentação
da obra aos convidados importantes, avalia-se a competência do artista na
intermediação do fato histórico-fato artístico.
Para ilustrar essa questão é bom relembrar que S.M. a Rainha Vitória,
durante a inauguração de Independência ou Morte, dirigindo-se ao pintor disse "que
ele se podia ufanar de ter podido concluir aquela página de pintura histórica".
605
Para
a Rainha Vitória, o artista é uma autoridade, pois foi capaz de "concluir aquela
página de pintura histórica", de mostrar o herói ausente, substituindo-o por uma
imagem capaz de representá-lo adequadamente, por isso, ele podia ufanar-se.
Seu reconhecimento, portanto, se dá na medida em que, como artista,
quando requeridos seus serviços à criação e divulgação de uma representação da
realeza, tornou-se merecedor de tal distinção correspondendo à confiança do
Império. Nesse momento, como afirma Coli, "o ícone está terminado" e se a
representação elaborada por Pedro Américo é a certidão visual da Proclamação da
Independência do Brasil, resta exibi-la publicamente de modo a fixar uma imagem
visual da fundação da Nação.
606
Evidentemente, há uma interdependência entre o reconhecimento da obra e
do modus operandi
607
do artista que só existe, fundamentalmente, pelo reconhecimento
dos outros.
608
Essa auctoritas, por outro lado, estende-se à Academia Real de Belas
605
Apud OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.31.
606
COLI, A pintura..., op. cit., p.383.
607
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. p.61.
608
BOURDIEU, O poder..., op. cit., p.117.
246
Artes de Florença, pois, de acordo com o seu pronunciamento, Pedro Américo dá
mostras de sentir-se altamente honrado de "expor aos descendentes ou compatriotas
de Rafael, Leonardo Da Vinci e Michelângelo" a imagem do "primeiro sopro de vida
de nossa saudosa pátria como nação livre e independente", afinal, é o espaço
sagrado das Belas Artes.
Por outro lado, o quadro faz justiça às honras especiais – extensivas ao
artista – como um dos principais exemplos da pintura brasileira e os sinais de
reconhecimento como se pode deduzir são muitos: primeiro, o artista, de acordo com
a lógica que constitui essa sociedade, recebeu os cumprimentos dos grandes do
Império e, nesse momento privilegiado de promoção social, foi entusiasticamente
cumprimentado por todos os convidados, que com ele se "congratulavam pelo
esplendor daquela festa e pelo êxito da obra exposta".
O artista busca reconhecimento, mantém-se, porém, em uma posição
hierarquicamente inferior à sua obra. Quando tomavam a cena, os artistas o faziam
conforme os "papéis que eram minuciosamente regulamentados pela etiqueta",
reproduzindo e produzindo, a partir de uma ordem histórica e artística já definida, a
estrutura geral dessa sociedade.
Em segundo lugar, a exposição é o evento de apresentação pictórica do
fato histórico e o ícone foi recebido com euforia no panteão dos grandes mestres.
A pintura, além das "manifestações de apreço" das camadas nobres da sociedade
italiana, foi admirada especialmente pela S. M. o Imperador D. Pedro II, "que externou
a todos a sua alta satisfação pelo mérito da pintura, cujo aspecto pareceu-lhe
corresponder escrupulosamente ao fato histórico da proclamação da Independência
política do Brasil".
609
Mas, o que se pode extrair desta afirmação?
O Imperador D. Pedro II agradece a montagem realizada por Pedro
Américo, pois, para o velho Monarca, a tela corresponde "escrupulosamente ao fato
histórico" porque exibe a imagem da Monarquia com sua figura central: o Imperador
609
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.30.
247
D. Pedro I. Nesse sentido, não só divulga, mas exalta uma historiografia nacional,
cuja matriz é o ideal romântico que matiza o movimento de Independência,
valorizando o Imperador como o seu herói.
Assim, em terceiro lugar, pode-se perceber, pelas palavras do Imperador
D. Pedro II, uma avaliação positiva do artista em razão do resultado conseguido.
Nesse caso, é o Imperador do Brasil quem presta homenagem ao artista e ao evento
que também é elogiado pelas "pessoas competentes" do país, "as quais confessam
jamais terem presenciado na antiga capital da Itália e das belas-artes uma festa
artística como aquela".
Podemos concluir, então, que o artista, a partir de uma certa "economia
dos gestos", precisa atuar de forma hábil não apenas no fato de exibir, mas, em
saber qual realeza exibir. Em outras palavras, saber como representar o
acontecimento, definindo uma memória que se perpetuará, de modo a construir um
tipo de percepção e fazer com que a atenção se deixe absorver pela pintura.
Segundo Pierre Bourdieu, "o poder de manter a ordem ou de subverter, é a crença
na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não
é da competência das palavras"
610
. Nesse caso, a exposição é também a hora de
cada "ator" prestar contas de seu papel e se, no caso do artista, cumpriu a missão
que lhe foi destinada.
Pode-se afirmar, então, que "a representação já não se resume à exibição,
como na entrada triunfal do rei, que apenas reforça a idéia do poderio do seu
império ou o consagra por uma vitória militar: é isso e mais, presume a real
identificação, a repetição mística ou a reapresentação do acontecimento".
611
De acordo com o teor do convite, a exposição do quadro comemorativo da
Proclamação da Independência do Brasil não é só o ato inaugural de expor pela
610
BOURDIEU, O poder..., op. cit., p.186.
611
MALERBA, A corte..., op. cit., p.36.
248
primeira vez à vista ou ao uso do público uma imagem da Independência, digna de
se manter na memória nacional, mas é também, um ato rememorativo, visto que dá
início ao funcionamento de uma memória. A comemoração, nesse sentido, tem um
caráter fundamentalmente político – evento cultural de apresentação da pintura e ato
inaugural de representação – e exatamente aí está o seu poder.
A tela não reproduz o fato como se fosse mera projeção ou reflexo
imaterial de uma realidade material fundadora, a exposição de Independência ou
Morte pode produzir e conservar um sistema de crenças. Como em uma vitrine, cede
lugar à memória, informa, descreve, mas não duplica simplesmente o fato histórico.
Cede lugar a um determinado discurso que lhe serve de álibi.
Para finalizar, de acordo com Cecília Salles de Oliveira e Claudia Mattos:
Com o mesmo cerimonial da entrada foram os Augustos viajantes conduzidos a saída da
Academia, dando S.M. o Imperador o braço à S.M. a Imperatriz, o Presidente da Câmara
Municipal marquês Torrigiani à S. M. a Rainha da Sérvia, o Prefeito da Província Senador
Gadda à Ex.ma Senhora D. Carlota de Figueiredo, esposa do Dr. Pedro Américo, o
Cônsul Geral do Brasil em Gênova Comendador Rodrigues Martins à Ex.ma Senhora
Baronesa de Santo Ângelo; seguindo-se finalmente os principais titulares e mais
notabilidades, depois das quais diversos comandantes superiores do Exército, os
Carabineiros reais e a Guarda Municipal em grande uniforme.
612
Ao traçar os percursos de Pedro Américo, na construção de uma imagem
oficial pari passu a uma fala representativa da política imperial sem perder de vista
que o olhar do artista, entre tantas diferentes perspectivas acerca da memória,
privilegia e emoldura um recorte, esta análise nos ofereceu um pano de fundo sobre
o qual foi possível considerar o que está implicado no exercício do poder: há uma
forte tensão entre a capacidade criadora dos indivíduos e as normas, as
convenções, os cânones que dão suporte e aquilo que lhes é possível pensar,
enunciar e fazer.
612
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.31.
249
Figura 71 - Luiz Carlos Peixoto. Monumento do Ipiranga, 1893. Óleo s/ tela, 77 x 110cm.
Acervo Pinacoteca do Estado de São Paulo
Figura 72 - Foto José Rosael. Vista geral do Salão Nobre
A tela Independência ou Morte, uma das mais importantes obras do acervo
artístico nacional e que testemunha o sentido que a Independência adquiriu nos fins
do século XIX, pode ser apreciada no Salão de Honra do Museu Paulista: "edifício-
monumento construído para delimitar o lugar do 'grito' e que, desde os últimos anos
do século passado, abriga o Museu e suas coleções".
613
613
WITTER, José Sebastião. O brado do Ipiranga na Coleção do Acervo. In: OLIVEIRA,
Cecília Helena de Salles; MATTOS, Claudia Valladão de (Org.). O brado do Ipiranga. São Paulo:
Edusp, 1999. p.9.
250
Figura 73 - Foto José Rosael. Museu Paulista. Vista geral da
escadaria central. No alto a escultura de D. Pedro I,
encomendada pela comissão, ao escultor Rodolpho
Bernardelli, que ficou pronta apenas em 1824.
representa o momento em que D. Pedro solicita a
retirada dos laços portugueses. "Na base da escultura,
em ambos os lados, encontram-se esculpidos os
dragões da Bragança"
614
Finalmente, concordando com José Sebastião Witter, lembramos: "Nada
substitui uma visita ao Museu Paulista e o impacto provocado pelo encontro, ao vivo,
do painel Independência ou Morte!"
615
614
OLIVEIRA e MATTOS, op. cit., p.9.
615
MAKINO, Mioko. A ornamentação alegórica. In: WITTER, José Sebastião (Dir.);
BARBUY, Heloisa (Org.). Museu Paulista: um monumento no Ipiranga (História de um edifício
centenário e sua recuperação). São Paulo: Federação e Centro das Indústrias do Estado de São
Paulo, 1997. p.278.
251
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do mesmo modo que o visível comporta o invisível, a presença da imagem
assinala uma reinvenção do passado, que só se constrói sobre uma visão que
sempre comporta certa cegueira. Por certo, ler uma imagem pressupõe um movimento
de aproximação que, em alguma medida, é um inventário de indagações colocadas
às imagens. Assim, ao realizar uma espécie de arqueologia da Pintura Histórica, no
século XIX, estabelecemos um diálogo com as imagens que reapresentam a
realidade brasileira, afinal, para ler uma época, como bem observam Erwin Panofsky
e Louis Marin, é preciso decifrar as suas representações.
Não se trata, contudo, de considerar a arte como reflexo do social, muito
menos de buscar verdades absolutas e certezas normativas, mas sim de ver nas
imagens a vida, os sentimentos, as razões, os valores de uma outra época. Essas
figurações de memória, por meio das quais podemos reinterpretar e construir a
história, como registros históricos, muitas vezes, são tomadas como retratos fiéis de
uma época, de um acontecimento, de uma certa paisagem; contudo, são imagens
de patriotismo, de dor, de luta, de felicidade.
Nesse sentido, nunca é demais lembrar: ante os registros históricos,
iconográficos ou não, é fundamental perguntar-se sobre os silêncios, as ausências e
os vazios, que sempre compõem o conjunto e que nem sempre são facilmente
detectáveis. De fato, na crítica interna e externa das fontes iconográficas não aplicar
esse procedimento destinando-lhes um papel de ilustrações de fim de texto, de reles
gravuras das narrativas é emprestar-lhes uma equivocada autoridade: estatuto de
prova e de verdade irrefutável. É esquecer que essa fonte perigosamente sedutora,
segundo Eduardo Paiva, "nova vedete" da historiografia mais recente, traz embutida
as escolhas de seu autor e do tempo e espaço em que foi concebida ou inventada.
O que não deixa, por outro lado, de ter conseqüências na criação de um novo olhar
sobre os fatos e feitos dos heróis da nossa história a inventar e, especialmente,
tomar como modelos. Tanto mais que nas últimas décadas, a arte adquiriu um lugar
252
de destaque nas pesquisas que se valem da iconografia, desempenhando um papel
decisivo no processo de construção visual do passado.
Isso significa que o imaginário não é, como se poderia pensar, um mundo à
parte da realidade histórica, ao contrário, esse campo icônico e figurativo integra a
dimensão do real, do cotidiano, da história vivenciada e influencia, diretamente,
nossas formas de viver, de pensar e representar o mundo em que vivemos, em toda
sua diversidade e complexidade.
A partir deste quadro, coube a nós decodificar os ícones, identificar
transparências e opacidades e, a exemplo da tela Independência ou Morte –
imagem que suporta uma interpretação do passado –, decifrar os vazios e as
intencionalidades que carrega. Por essas razões, se as imagens não são retratos de
uma verdade, nem cópias fiéis de fatos históricos, assim como teriam acontecido,
nunca são completas nem definitivas e, de modo semelhante às versões históricas,
são sempre uma construção. Ao enfatizar que as fontes iconográficas, no conjunto
ou nos detalhes, carregam em si valores e significados temporais distintos, pois são
elaboradas e reelaboradas em cada época, é importante sublinhar que a iconografia
pode ser, então, mais "sedutora" que outras fontes. Segundo Eduardo Paiva, a
imagem, belo simulacro da realidade, como uma espécie de canto da sereia é capaz
de cegar, conduzindo a vítima diretamente ao seu colo traiçoeiro.
A imagem traz porções da realidade, dimensões ocultas, perspectivas,
porém não é a realidade histórica em si. Assim, a partir da leitura, da interpretação e
de um diálogo entre documentos verbais e iconográficos, tentamos questionar por
que e para que Independência ou Morte foi elaborada e indagar por que esta
imagem, ao ser lida a posteriori, continua sendo referencial para nós. Sem dúvida,
Independência ou Morte resistiu ao tempo e à crítica histórica: é talvez a mais
divulgada em manuais didáticos e associada a um discurso afirmativo sobre o papel
de D. Pedro I na fundação da Nação e, por representar em grandes dimensões o
momento de fundação nacional, é expressão da união de vários grupos em torno da
figura do príncipe.
253
Embora sua visibilidade se amplie, a partir da década de 1920, em razão
das comemorações do Centenário da Independência, momento da recuperação da
experiência monárquica, desde o final do século XIX, a presença do herói no
imaginário nacional traz para primeiro plano um debate sobre a formação das
identidades nacionais. Mas, o processo de construção coletiva das identidades
nacionais não apresenta um molde único e, no caso Brasil, é precisamente na
passagem do Império para República que entra em pauta a redefinição do Estado-
nação. Segundo Noé Sandes, a ausência do aparato jurídico e de controle sobre o
povo rude e as grandes distâncias inviabilizavam a construção de uma imagem
nacional calcada no ideário europeizante que dominava o país.
Qualquer certidão de nascimento, como bem observa Anne-Marie Thiesse,
estabelece uma filiação; nesse sentido, as representações artísticas, como uma
espécie de arqueologia, iniciada pelos artistas-viajantes em busca do "Graal
nacional", permitem-nos mergulhar nas profundezas da História e descobrir onde
reside a perenidade de uma nação: no Povo ou no Príncipe?
No caso do Brasil, a necessidade de definir as relações entre o universal e
o particular, vital à construção da nação, não se separa do esforço de construção e
perpetuação de determinada memória nacional. Esse esforço de construção da
memória da monarquia brasileira é acompanhado por uma dimensão estética não
menos importante, afinal, como vimos, uma nova concepção de mundo pressupõe
necessariamente novos modos de representação. A nosso ver, não restam dúvidas
de que a invenção das nações coincide com uma intensa criação de novas formas
de expressão literária e artística.
É nesse contexto que o patrimônio artístico nacional se fazia mais
necessário à formação identitária no Brasil. Porém, a elaboração de uma auto-
imagem positiva, como apregoada por Dante Moreira Leite, refletiu ambigüidades: a
paternidade européia, por exemplo, muitas vezes foi um obstáculo na elaboração de
um ideário próprio, outras vezes, guiados por um desejo de universalidade, no
confronto com o "outro", a Nação tentou se encontrar. Ao que parece, a constituição
254
do nacional, transcende a mera diferenciação externa e, como bem observa Noé
Sandes, há uma face interna que prescinde de uma feição específica. De fato,
enquanto na Europa o conflito se referia à luta entre o clássico e o romântico e que
os românticos criticassem a imitação do grego, no Brasil o conflito se deu entre o
universal e o nacional e, por isso, se criticasse e, talvez, ainda se critique a imitação
do europeu.
Mesmo assim, tal perspectiva deixa vislumbrar que o ideário e os temas de
nossa independência e o estabelecimento da identidade do Brasil se dão num jogo
de diferenças: de um lado "admiração" ou "desprezo" e, de outro, "aceitação" ou
"recusa" do "grupo estranho". A volta à tradição, por exemplo, será dada na perspectiva
da celebração do indígena, da língua nacional, a única na qual o brasileiro poderia
exprimir-se e que, ao mesmo tempo, já seria expressão de nossas características
mais autênticas.
Foi por isso que procuramos indagar mais acerca da conformação visual
de uma memória produzida sobre o processo de independência do Brasil que acerca
da história de D. Pedro I. Trata-se de dar lugar às imagens que, extraídas da
história, foram elaboradas desde a vinda da Missão Francesa, em 1816, visando
construir uma nova ordem social. Afinal, desde a chegada da Família Real, em 1808,
como vimos, era preciso estetizar, polir, adornar; enfim, impor uma ordem reguladora
de todas as esferas da existência. Segundo Robert Moses Pechman, forjar o "decoro
público", portanto, tornou-se o projeto civilizatório daquela corte que, da noite para o
dia, substituiu "o brilho dos pirilampos da mata tropical", pelo "luzir de seus oiros e
de suas sedas".
Podemos concluir, então, que os "socorros da estética" – como uma
espécie de exercício de valorização do pitoresco da paisagem e das gentes, do
indígena que não só encarnava o mais autêntico, mas representava o passado
honroso – contribuíram: em primeiro lugar, no sentido de transformar uma terra
selvagem em um espaço civilizado; em segundo, no aformoseamento da cidade; em
terceiro, na promoção e difusão da instrução e conhecimentos aos homens destinados
255
aos empregos públicos de administração do Estado e, por fim, em virtude da ambição
de dar autonomia cultural ao Brasil, para despertá-lo de sua modorra secular.
No caso brasileiro, portanto, a fundação da Academia Imperial de Belas
Artes, após a independência política do Brasil, atrela-se à necessidade de se criar
uma identidade e, em uma experiência compartilhada com o IHGB, por meio de uma
farta produção de imagens oficiais, sob uma perspectiva hegemônica cultural,
transformar o Império no grande tema, colocando-o acima das divisões partidárias e
dos conflitos representados por "Balaios", "Farrapos", "Cabanos" etc. É nesse
ambiente político conturbado, principalmente, a partir de meados do século XIX, que
se destinava à Academia o papel de criadora de um "imaginário da brasilidade" e a
iconografia do período ilustra bem a representação "a européia" de um D. Pedro I,
por exemplo. Em Independência ou Morte, o herói em pose altiva, réplica dos
modelos do velho Mundo, que se diferencia apenas nos detalhes.
Partimos da hipótese de que as representações iconográficas elaboradas
pelos artistas da Academia Imperial de Belas Artes foram úteis à construção da
identidade nacional e, talvez, em razão de seu caráter educativo e, inegavelmente,
político, ajudaram a forjar um imaginário nacional. Mas o exame, ainda que parcial,
de nossa história artística mostrou claramente que os estilos, sobretudo de feição
européia, aqui se conformaram às condições de uma nova realidade.
Isso não significa, porém, retomando Debret como exemplo, que ao romper
os contornos sempre tão marcados no classicismo, este artista tenha alcançado uma
nova arte brasileira. A menos que seu esforço para realizar uma arte que
incorporasse os traços singulares da dinâmica social brasileira, tão bem retratados
em sua Viagem, possa ser tomado como indicativo do surgimento de uma nova
produção visual brasileira.
Portanto, no final das contas, como um biógrafo visual, fixa sua atenção
nos aspectos pitorescos e históricos da realidade brasileira, extraídos da própria
observação ou das anotações e desenhos de outros artistas viajantes. Debret, sem
dúvida, é o primeiro artista a captar, sob um olhar, sobretudo, antropológico, as
256
imperfeições da dinâmica social exibindo-as. Seu protagonista é o "brasileiro", que o
artista aproxima do campo da história, lugar do homem ativo e independente.
A natureza, como para a maioria dos viajantes e intérpretes do país, é vista como o
espaço a partir do qual a idéia do homem brasileiro se constituiu e que, para Debret,
era igualmente domínio da ação do homem civilizado.
Evidentemente, outros dois personagens da Academia cumprem um papel
fundamental: Manoel Araújo Porto alegre, da primeira geração de artistas brasileiros,
e Pedro Américo de Figueiredo e Melo, da segunda. Manoel Araújo Porto alegre, por
sua vez, a partir da ruptura com o ideário neoclássico, tentou transpor para o plano
da cultura e das artes, a independência política e, em razão da marca fortemente
cultural de seu pensamento, permeado de traços próprios do Romantismo, buscou
as dimensões históricas, geográficas e culturais particularizantes do Brasil de modo
a inseri-lo no universo das nações modernas e ocidentais. Consolida, enfim, o papel
político das artes a serviço da formação moral e intelectual das novas gerações e
delega a si e aos outros homens das artes, a missão de construir as obras
destinadas ao culto nacional. Não sem razão, portanto, luta pelo estreitamento das
relações entre artista e governo, mediante uma produção iconográfica a serviço da
construção de um Estado forte no imaginário do povo.
É inegável, pois, a relação Arte Império e, por conta deste vínculo, o
projeto artístico-cultural de Porto alegre seria fundamental para a definição de
comportamentos e sensibilidades elaboradas através de um viés político afirmativo
da Monarquia.
Essa análise nos oferece um pano de fundo sobre o qual surge, como o
emblema maior do sentimento de nacionalidade, o quadro Independência ou Morte,
de Pedro Américo que, transformado em instrumento estratégico na afirmação de
D. Pedro como o grande herói nacional, simboliza a apoteose da monarquia. Américo,
na esteira do movimento histórico vivido pelo Brasil, de elaboração de seu panteão
cívico, aponta para uma temática de longa tradição na história extremamente atual
na historiografia da arte: a representação do herói. Como é evidente nas suas obras,
257
estabelece um diálogo com a pintura internacional e, no conjunto de sua produção, o
mito do herói é constante e se respalda em uma práxis artística cujas fontes
principais são a pintura francesa e a italiana.
Examinando a iconografia da fundação da nação, sobretudo aprofundando-
nos na estruturação de seus quadros: Batalha de Campo Grande e Batalha do Avahy,
Tiradentes esquartejado e Independência e Morte, mediante a comparação por
contraste, buscamos os sentidos por trás da representação do herói. Na Batalha de
Campo Grande vemos o Conde d'Eu, segundo comentário de Luiz Barbosa, que
mais parecia copiado de "uma figura de barro e não modelado sobre o vivo", um
"manequim vestido", no dizer de Gonzaga Duque; em Batalha do Avahy, Pedro
Américo enfatiza a luta escarnecida, em prejuízo do herói. Nesse caso, Duque de
Caxias, o herói contemplativo, na definição de Manuel Bandeira, mais parece um
"turista" que parece "engolido" pela agitação que o circunda. O herói na tela
Tiradentes Esquartejado é representado aos pedaços e, em Independência ou
Morte, a representação de D. Pedro I, corresponde a uma visão afirmativa do herói.
Evidentemente, o que está em jogo, no contexto da elaboração de uma
memória da Independência, é a eficácia simbólica e, nesse sentido, o tom heróico de
Independência dava colorido e sentido ao próprio ato de fundação nacional.
Os textos elaborados ao longo do século XIX – a exemplo da obra escrita
por Canto Mello – nos quais se descrevem detalhadamente os fatos ocorridos na
viagem de D. Pedro a São Paulo, demonstram que eram muitas as controvérsias em
torno do Sete de Setembro.
Assim como Machado de Assis, sem dúvida, nós também preferimos a
"lenda" à "história autentica" e concordamos com ele: o "grito" do Ipiranga "é mais
sumário, mais bonito e mais genérico". Assim como a lenda, a tela Independência ou
Morte é mais sumária, pois, converge para um único ato e seu protagonista, é mais
bonita já que reveste a cena de uma atmosfera heróica e, por fim, é mais genérica
porque eleva o gesto de D. Pedro, por meio de narrativa romântica, ao nível do
gesto libertador universal.
258
Certamente, o processo de heroificação impõe, é claro, a transmutação da
figura real, a fim de torná-la arquétipo de valores, esperanças e aspirações coletivas
e foi, talvez, imbuído deste espírito que Pedro Américo se indagava sobre os traços
que poderia distinguir a narrativa história da sua representação pictórica.
Enfim, partindo da hipótese de que a iconografia pictórica é fonte de
compreensão e de representação dos acontecimentos históricos, contudo, não
corresponde inteiramente a nenhum dos projetos que estão na sua origem e
compõem seus sentidos, nosso objetivo foi demonstrar que, embora não se
configure em instrumento de mera legitimação simbólica do Império, tudo leva a crer
que a tela Independência ou Morte – por ser mais sumária, mais bonita e mais
genérica – garante, ao episódio do Sete de Setembro, a eficácia simbólica e o seu
êxito em atingir não só as mentes, mas, sobretudo, os corações, conforme
argumentos de José Murilo de Carvalho.
Portanto, encaixa-se perfeitamente na idéia de formação de um corpo
coeso moldado em torno de objetivos comuns, contribuindo sobremaneira para a
construção de uma leitura gloriosa de nosso passado.
Na tentativa de garantir simbolicamente um lugar de destaque para o ato
de fundação da Nação, Pedro Américo elaborou a representação do episódio de
7 de setembro que, por força de sua divulgação, constitui não só a representação
iconográfica mais divulgada do episódio, mas, na medida em que obteve êxito na
definição da identidade nacional, serviu também para modelar condutas, plasmar
visões e, a exemplo do IHGB, dar visibilidade ao seu passado, presente e futuro.
Ora, segundo palavras de Afonso de Escragnolle Taunay, era uma
representação da cena majestosa do Sete de Setembro de 1822, cara a todos
os corações. Muitos dirão, no entanto, que lhe falta certa originalidade, ao que
se poderá responder: ainda assim representa uma homenagem, e das mais
impressionantes até hoje realizadas, um documento-monumento incontestavelmente
notável da arte brasileira.
259
A finalidade da imagem é propor sentidos, nesse caso, seu sentido
transborda a moldura do quadro. Isso significa que há uma forte tensão entre a
capacidade criadora dos indivíduos e da sociedade e as normas, as convenções,
os cânones que dão suporte – de acordo com a sua posição nas relações de
dominação – àquilo que lhes é possível pensar, enunciar e fazer.
Seguindo os debates travados pela crítica à obra de Pedro Américo, a
exemplo da Questão Artística de 1879, observamos que o artista era conhecedor e
partícipe das reflexões estabelecidas pela Pintura Histórica, nacional e internacional,
de sua época, cujo pano de fundo é a desconfiança em relação ao herói tradicional.
Se no período napoleônico, o herói era o grande protagonista e dele emanava toda
força dos quadros, pouco a pouco, era substituído pelo herói moderno. Exemplo
disso, na obra de Pedro Américo, é a representação de Tiradentes, cuja imagem é
absolutamente contrária à de D. Pedro como herói "à maneira" de Napoleão.
Ora, o fato de um artista extrair de maneira quase literal, conjuntos ou partes
inteiras de suas obras de outras, era para alguns vista como plágio, esquecendo-se
que, naquele contexto, o que se buscava num quadro histórico não era a originalidade,
mas, como vimos anteriormente, a transposição de modelos ilustres.
Conseqüentemente, ao investigar a visão do observador sobre o observado e
examinar a produção daqueles que foram hábeis na consolidação de um imaginário
nacional e, principalmente, analisar historicamente a constituição de um sistema de
Pintura Histórica no Brasil e a criação de uma iconografia brasileira, podemos cotejar
certas implicações entre arte e sociedade.
Ao finalizar este trabalho esperamos ter demonstrado que todo regime
político busca criar seu panteão nacional e forjar figuras que sirvam de modelos para
os membros da comunidade e que Independência ou Morte, de Pedro Américo, dá a
ver uma certidão visual elaborada em torno do Imperador D. Pedro I e da Monarquia
como expressão política para a nova Nação.
É interessante relembrar, mais uma vez, que a exposição da obra, em
1888, foi a cerimônia de consagração da imagem: o artista faz todas as partes, mas
260
não faz o todo, por isso, Independência ou Morte só surge, está pronta, nesse
derradeiro gesto. A exposição pressupõe o consumo e, nesse sentido, drena seus
significados em uma dupla direção: oferecer uma imagem para o consumo e, ao
mesmo tempo, estimular o consumo de uma determinada visão. Conseqüentemente,
outro objetivo deste trabalho foi evidenciar que não se consome a arte da pintura,
mas um discurso sobre a arte da pintura, olhamos o que é oferecido mediante um
discurso construído.
A exposição de Independência nos dá pistas para pensar o simbólico na
manutenção do poder político. Muitas vezes preparadas para se tornarem
espetáculos públicos, as exposições são momentos de anunciação de lembranças
transformadas, à maneira artística, em imagens válidas para todos, momentos de
exibição das virtudes dos heróis nacionais e dos eventos mais importantes. Mas, a
imagem não é transparente, comporta diversas facetas e tem camadas de
significação as quais nem sempre percebemos. Isto significa que a imagem é
múltipla, assim como há uma pluralidade de interpretações. Além disso, nem sempre
são as virtudes, mas os seus defeitos, o que não podem dizer, que explicam o poder
da imagem; as impotências dão a potência.
Embora a imagem seja pura afirmação, o mundo não é qualquer imagem é
isto e ponto final, por isso, pensamentos totalitários se apóiam em imagens. Esse
defeito é sua forma de colocar o possível e o real no mesmo patamar. Por outro
lado, a incapacidade de distinguir os tempos – Isto foi? Isto será? Não! Isto é! –
constitui a força de uma imagem, por exemplo, as imagens de Cristo, de Deus
mostram não o passado, mas o presente eterno, o único tempo de imagem.
A imagem permite fazer ver os mortos e existir os deuses: a foto de um homem pode
representar vivos como mortos, mortos como vivos.
Por outro lado, embora as imagens possam criar a ilusão, ninguém
confunde o ser com o parecer, mas há uma crença nos fantasmas e, neste sentido,
a ilusão é a imagem sagrada: a verdadeira ilusão, em verdade, possui esse poder de
representar as realidades que não estão presentes.
261
Mesmo assim, passariam alguns anos antes que – tal como Louis
Marin trata os diferentes discursos – compreendêssemos que não são imagens
que vemos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, tendo em vista o
contexto e o significado. Neste caso seu sentido transborda a moldura do quadro.
Isso significa que as imagens não são neutras, são testemunhas dos projetos de
nacionalidade vitoriosos.
Nesse sentido, esperamos ter demonstrado também que a imagem nem
sempre é transparente e que é, exatamente, sua opacidade que deixa ver que é
representação de algo: em outras palavras, em Independência ou Morte, vemos
Pedro I, reconhecemos D. Pedro, mas, assim como torna presente o primeiro
imperador do Brasil, também nos remete ao autor que é Pedro Américo, seu estilo,
sua época.
Isso foi discutido ao longo deste trabalho e parece-nos tautológico repeti-lo,
mas é justamente nesse ponto que, talvez, possamos situar a contribuição principal
desta tese: pensar o uso da iconografia tanto como objeto quanto como instrumento
de pesquisa. Nesse sentido, tentamos pensar as articulações entre Arte e História,
ressaltando a importância de dedicar mais atenção aos significados culturais
engendrados pelas imagens, bem como às maneiras pelas quais a produção e a
leitura da iconografia são mediadas. Portanto, mais do que nunca, faz-se necessária
uma maior interlocução dos pensadores da arte com aqueles que tratam, em
síntese, de história, cultura e poder. Como vimos, tais articulações são evidentes em
inúmeras pesquisas, por isso, ao seguir o conselho de Le Goff: "romper com o
imperialismo do texto escrito", tentamos mostrar que a leitura da imagem exige um
processo de "alfabetização visual" e isso implica aprender a ver e pensar
articuladamente: imagem, visão e conhecimento.
Enfim, além de examinar as potencialidades da iconografia pictórica,
buscando romper com a simples utilização da imagem como simples ilustração do
texto verbal, baseando-nos em pesquisas sobre a Pintura Histórica, do século XIX,
262
tentamos repensar essa não tão nova prática de pesquisa. Assim, agimos no sentido
de pensar o aporte da arte, sobretudo para o historiador, na tarefa de melhor
compreender a história. Esperamos ter realizado nosso intento: ter demonstrado,
ainda que parcialmente, a relevância da iconografia pictórica, sobretudo, para as
investigações de História Cultural.
263
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(Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História - UFPR.
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Brasileiro, Rio de Janeiro, v.279, p.177-82, abr./jun. 1968.
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Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v.335, abr./jun. 1957.
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do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, v.XVI, p.325-334, 1914.
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Fundação Biblioteca Nacional - RJ
Fundação Bienal - SP
279
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - RJ
Instituto Histórico e Geográfico Paranaense - PR
Museu Histórico Nacional - RJ
Museu Imperial de Petrópolis - RJ
Museu Nacional de Belas Artes - RJ
Museu Paranaense - PR
Museu Paulista – USP - SP
Pinacoteca do Estado de São Paulo - SP
Pesquisa bibliográfica
Biblioteca da Universidade Federal do Paraná - PR
Biblioteca de História da Arte da UNICAMP
Biblioteca Nacional de Belas Artes - RJ
Biblioteca Pública do Paraná - PR
Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo - IEB - SP
Museu Nacional de Belas Artes - RJ
Pesquisa iconográfica
Museu de Arte de São Paulo - SP
Museu Histórico Nacional - RJ
Museu Imperial de Petrópolis - RJ
Museu Nacional de Belas Artes - RJ
Museu Paulista - USP - SP
Pinacoteca do Estado de São Paulo - SP
280
Cd-ROM
Dimensões da independência. O Museu Paulista da USP e a construção da Memória
Nacional. Coordenação Geral do Projeto: Prof.
a
Dr.
a
Cecília Helena de Salles Oliveira e
Educadora Denise Peixoto. Museu Paulista - USP
LEITE, José Roberto Teixeira. 500 anos de pintura brasileira: uma enciclopédia interativa.
Raul Luís Mendes Silva e LogOn Informática Ltda., 1999.
Vídeo
Série Panorama Histórico Brasileiro – Tomo 1. Século XIX: A Colônia Dourada, Eduardo
Escorel, 1994. Independência, João Batista de Andrade, 1991. Os Reinados, Fernado
Severo, 1992. A Arte no auge do Império, Denoy de Oliveira, 1989. Nasce a República,
Roberto Moreira, 1989. Século XIX: Primeiros Tempos, Fernando Severo, 1993. Coleção
Itaú Cultural. Instituto Itaú Cultural. São Paulo.
Catálogos
ACADEMICISMO: marcos históricos. Cadernos História da Pintura no Brasil n.
o
1. São
Paulo: ICI, 1993.
BANDEIRA, Júlio. Debret: instantâneos de História. Rio de Janeiro, 1990. Catálogo da
exposição Jean-Baptiste Debret, um pintor de história no Brasil, organizada pelos Museus
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CATÁLOGO das obras expostas no palácio da Academia Imperial das Bellas Artes em 15
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Brasil 500 Anos Artes Visuais. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2000.
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de Janeiro, 1999. Catálogo da exposição.
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Martins, 1940. Tomo I, v.1 e 2.
DEBRET, Jean Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Trad. Sergio Milliet. 2.ed.
São Paulo: Livraria Martins, 1949. 2v.
EULÁLIO, Alexandre. O século XIX: tradição e ruptura – síntese de arte e cultura
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281
Documentos
CARTA DE PEDRO AMÉRICO AO BARÃO DE RAMALHO, datada de São Paulo, 14 de
julho de 1888. Livro para Transcrição de Offícios e mais Papéis Dirigidos pelo Presidente da
Província e outras autoridades à Comissão das Obras do Monumento do Ypiranga, p.35-36.
Texto da Coleção Barão de Ramalho, manuscrito, códice: D 358, Serviço de Documentação
Textual e Iconografia do MP/USP.
CARTA DE PEDRO AMÉRICO, provavelmente de 1887, de Pedro Américo ao barão
Homem de Mello. Transcrição datilografada de original pertencente ao acervo do Arquivo do
Museu David Carneiro, Coleção Monumento do Ipiranga.
COLEÇÃO BARÃO DE RAMALHO, códice: 537. Carta do Visconde de Cavalcanti, presidente
da Comissão Central Brasileira para a exposição Universal de Paris, datada de 20 de outubro
de 1888.
DEBRET, Jean Baptiste. Cartas a Araújo Porto- Alegre: remetidas de Paris, cujos manuscritos
se encontram na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. (as cartas de 17. 7.1841 e
de 13.5.1844 encontram-se reproduzidas no artigo "Achegas ao estudo de Debret, de
Mário Barata).
DIÁRIO DO CONSELHEIRO RAMALHO sobre as atividades da Comissão de Obras. Carta
que o Visconde de Bom Retiro escreveu a Ramalho, datada de 18 de janeiro de 1886,
referindo-se ao contrato com Pedro Américo. Coleção barão de ramalho, códice: 1459, e
cartas escritas em agosto de 1888, códice:1491, 1492.
ESCRITURA DE CONTRATO. Livro para Transcrição de Offícios e mais Papéis Dirigidos
pelo Presidente da Província e outras autoridades à Comissão das Obras do Monumento do
Ypiranga, p.16-17. Texto da Coleção Barão de Ramalho, manuscrito, códice: D 358, Serviço
de Documentação Textual e Iconografia do MP/USP.
JUSTIFICATIVA DO VOTO, Fundo Museu Paulista, Grupo História Nacional/ Monumento a
Independência, P 237, D 17 A 30, serviço de Documentação Textual e Iconografia do
MP/USP. (documento em parte manuscrito e em parte datilografado, com correções de
Afonso de E. Taunay, datado de 27 de março de 1920)
LIVRO PARA TRANSCRIPÇÃO de officios e mais Papéis Dirigidos pelo Presidente da
Província e outras autoridades à Comissão das obras do Monumento do Ypiranga, da
Coleção Barão de Ramalho, D 1487, Serviço de Documentação Textual e Iconografia do
MP/USP. (Escritura de Contrato que fez Pedro Américo com a comissão de Obras do
Monumento do Ipiranga representada por seu presidente o conselheiro Dr. Joaquim Inácio
de Ramalho. Transcrição manuscrita em Livro para Transcripção de Officios e mais Papéis
Drirgidos pelo Presidente da província e outras autoridades á Comissão das obras do
Monumento do Ypiranga)
MELO, Pedro Américo de Figueiredo e. Algumas palavras acerca do facto historico e do
quadro que commemora pelo Dr. Pedro Americo de Figueiredo e Melo. Florença:
Typographia da Arte della Stampa, 1888.
MELO, Pedro Américo de Figueiredo e. Alguns discursos. 2.
a
parte. Florença: Imprensa de
l'Arte Della Stampa, 1888.
282
MELO, Pedro Américo de Figueiredo e. O brado do Ipiranga ou a proclamação da independência
do Brasil. In: OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles; MATTOS, Claudia Valladão de (Org.).
O brado do Ipiranga. São Paulo: Edusp, 1999.
RELATÓRIO apresentado pelo conselheiro Joaquim Inácio Ramalho em 7 de setembro de
1885, p.5-11, da Coleção Barão de Ramalho, Serviço de Documentação Textual e Iconografia
do MP/USP.
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