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dispositivo de produção de saúde. Ainda que, como lembra Cabral (2007), seja entre quatro
paredes que muitos acompanhamentos iniciam – uma instituição psiquiátrica, o quarto de um
usuário –, é sempre com o objetivo de ampliar o território de circulação do usuário: do quarto
à sala, da sala à rua, da rua à cidade. Mas a autora lembra que a prática do acompanhante
terapêutico (at) não pode ser medida ou compreendida pelos espaços que percorre e que
ganhar a rua não significa tirar o usuário de seu enclausuramento. Mas, para tirar o usuário
de seu enclausuramento, o AT se utiliza da potência terapêutica do contato com a
complexidade do espaço social e da experiência urbana, fazendo com que as intervenções
produzidas pela cidade tenham uma função terapêutica e criem um espaço para novas
produções de sentido (SILVA; SILVA, 2006).
O AT tem sua origem histórica na figura dos atendentes psiquiátricos das
experiências das Comunidades Terapêuticas, que surgiram na década de 1960
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, sendo que
a maior parte dos autores estabelece conexões com as diversas experiências alternativas de
cuidado com a loucura. Experiências que passam a existir a partir da década de 1950 e que
comportavam uma crítica ao modelo manicomial da psiquiatria clássica e a denúncia de que
o sistema de enclausuramento, além de violento, era ineficaz. Experiências essas que foram
aos poucos deslocando suas intervenções para as ruas (ARAUJO, 2005; SILVA; SILVA,
2006). Piccinini (2006), um psiquiatra que trabalhou como at na Clínica Pinel
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nos seus
primeiros anos de funcionamento, afirma que o surgimento do AT não tem relação alguma
com a Reforma Psiquiátrica e ocorreu em virtude da introdução da psiquiatria dinâmica no
Brasil nos anos 1960. Uma afirmação como essa, segundo Palombini (2007), demonstra o
campo de tensão que acompanha a história do AT. É justamente nesse campo de tensão,
nesse “espaço de fricção” do embate político entre as forças da psiquiatria clássica e as
forças dos diversos movimentos reformistas, que a autora situa seu plano de emergência.
Mas o que nos interessa no contexto deste estudo é entender a inserção da prática
dos ats nas políticas públicas de saúde. O AT ingressa nas políticas públicas no Brasil no
momento em que o manicômio é posto em questão. Desse modo, Palombini, Cabral e Belloc
(2005), e Palombini (2004, 2007) afirmam, a partir de suas experiências, que o ingresso do
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Essa função de um trabalhador que acompanha o usuário por suas incursões pelo espaço urbano já foi
denominada de atendente grude, depois atendente psiquiátrico, na Clínica Pinel em Porto Alegre na década de
1960, depois auxiliar psiquiátrico, na Clínica Villa Pinheiros, no Rio de Janeiro, entre os anos de 1969 e 1976. Na
Argentina, psicanalistas que trabalhavam em hospitais psiquiátricos acabaram criando novas funções para os
então chamados auxiliares psiquiátricos ou atendentes terapêuticos que passaram a ser chamados amigos
qualificados. Nome que chegou à instituição “A Casa” por intermédio de uma psicanalista argentina. Nos anos
1980, consolida-se a nomenclatura de acompanhante terapêutico como resultado da movimentação dos próprios
agentes dessa prática que, com uma nova nomenclatura, tinham o duplo objetivo de demarcar uma autonomia
em relação ao saber psiquiátrico e destacar o caráter terapêutico de sua função (REIS NETO, 1995; BARRETO,
1998; PALOMBINI, 2007; SILVA, A, 2005; CABRAL, 2005).
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A Clínica Pinel, ou Associação Encarnación Blaya, foi criada em 1960 por Marcelo Blaya e funcionou nos
moldes de uma Comunidade Terapêutica. Além de ter sido inovadora em muitos aspectos, é considerada a
pioneira no Brasil no uso de um trabalhador que acompanhava o louco nas suas incursões pela rua, os então
chamados “atendentes psiquiátricos”. Blaya fez sua formação nos Estados Unidos, onde se impressionou com o
trabalho de agentes que circulavam com os loucos nas ruas americanas (SILVA; SILVA, 2006; CABRAL, 2005).