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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS (MESTRADO)
TATIANA DE ARAÚJO SEVERO
DOS CATÁLOGOS DE LITERATURA JUVENIL
AO LEITOR EM CONTEXTO ESCOLAR.
Um estudo de recepção de Dom Casmurro, de Machado de Assis, por alunos de oitava
série de uma escola pública paulista
MARINGÁ, PARANÁ
2009
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i
TATIANA DE ARAÚJO SEVERO
DOS CATÁLOGOS DE LITERATURA JUVENIL
AO LEITOR EM CONTEXTO ESCOLAR.
Um estudo de recepção de Dom Casmurro, de Machado de Assis, por alunos de oitava
série de uma escola pública paulista
Dissertação apresentada à Universidade Estadual
de Maringá, como requisito parcial para a
obtenção do grau Mestre em Letras, área de
concentração: Estudos Literários.
Orientadora: Profª. Drª. Alice Áurea Penteado
Martha
MARINGÁ, PARANÁ
2009
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ii
Severo, Tatiana de Araújo.
S525d Dos catálogos de literatura juvenil ao leitor em contexto escolar.
Um estudo de recepção de Dom Casmurro, de Machado de Assis, por
alunos de oitava série de uma escola pública paulista / Tatiana de
Araújo Severo. – Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2009.
175 f.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Maringá.
Orientadora: Alice Áurea Penteado Martha
Banca: João Luís Cardoso Tápias Ceccantini, Vera Helena
Gomes Wielewicki.
Inclui bibliografia
1. Literatura Brasileira. 2. Literatura e Mercado. 3. Ensino de
Literatura. 4. Recepção I. Autor. II.
Universidade Estadual de Maringá.
III. Título.
CDD(18.ed.) 370
Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da Informação –
Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação - UNESP, Campus de Presidente Prudente.
iii
À minha mãe,
Maria Gorety, que me ensina todos os dias.
Aos queridos amigos,
José Candido da Silva (in memoriam) e Ricardo Pires de Paula,
porque acreditaram antes de mim.
iv
AGRADECIMENTOS
A Deus.
À minha orientadora Prof.ª Dr.ª Alice Áurea Penteado Martha, pelo carinho, dedicação e
orientação firme e segura.
Aos membros da Banca Examinadora, a Prof.ª Dr.ª Vera Helena Gomes Wielewicki e o
Prof. Dr. João Luís Cardoso Tápias Ceccantini, pelas valiosas contribuições prestadas ao
enriquecimento desta dissertação.
Ao meu pai Josino, aos meus irmãos Fit, Lucas e cunhada Iarinha, pelo apoio
incondicional.
À D. Elena, seu Roberto, que me acolheram como filha em Maringá.
Ao Luís Fernando, pelo ombro amigo e por alegrar meus dias.
Às “nannies” Zaia e Ângela, pelo amor e cuidado mais que especial.
Às irmãs do coração, Camila e Elaine, pela amizade desde o início.
Ao para sempre admirado Dom Sebastião.
Ao Sandro.
A todos os meus amigos que direta ou indiretamente me ajudaram.
Aos alunos que participaram da pesquisa.
Aos queridos colegas de trabalho da E. E. Dr. Marrey Júnior.
v
Leituras! Leituras!
Como quem diz: Navios... Sair pelo mundo
voando na capa vermelha de Júlio Verne.
Mas por que me deram para livro escolar
a Cultura dos campos de Assis Brasil?
O mundo é só fosfatos – lotes de 25 hectares
- soja, fumo – alfafa – batata-doce – mandioca –
pastos de cria – pastos de engorda.
Se algum dia eu for rei, baixarei um decreto
Condenando este Assis a ler a sua obra.
Carlos Drummond de Andrade
vi
RESUMO
DOS CATÁLOGOS DE LITERATURA JUVENIL
AO LEITOR EM CONTEXTO ESCOLAR.
Um estudo de recepção de Dom Casmurro, de Machado de Assis, por alunos de oitava
série de uma escola pública paulista
Esta dissertação relata resultados de uma pesquisa que se propôs a descrever e analisar a
recepção de Dom Casmurro, de Machado de Assis, por alunos da fase final do Ciclo Básico II
de aprendizagem de uma escola pública da rede estadual do Estado de São Paulo. Realizada
no ano de 2007, na cidade de Presidente Prudente (SP), esta pesquisa buscou ocorrências da
apreensão de leitura de um grupo específico de leitores, caracterizando-se, assim, como um
estudo de caso, de caráter fenomenológico. As ações contemplaram fases exploratórias e
descritivas. Todo o trabalho esteve fundamentado na teoria da Estética da Recepção e foi
complementado pela Sociologia da Leitura, sob a premissa da relação dialógica que se institui
entre literatura e leitor. O ponto de partida para a verificação da recepção do romance se
concentra em sua indicação de leitura aos alunos desse nível de escolaridade (fase final do
Ensino Fundamental) pelos catálogos de algumas editoras do país: Ática, Companhia Editora
Nacional, Companhia das Letras, Moderna e Scipione. O objetivo da investigação consistia
em verificar quais mecanismos poderiam interferir na recepção de um texto considerado
canônico no sistema escolar brasileiro. Inicialmente, o trabalho procurou refletir a respeito de
literatura, leitura e questões de mercado. Em um segundo momento, foi dividido nas seguintes
etapas: análise dos catálogos de literatura juvenil das editoras; o exame do perfil
socioeconômico e cultural dos alunos participantes da pesquisa; e o estudo da recepção da
obra. Os resultados demonstraram que poucos alunos conseguiram realizar a leitura do
romance e o fator preponderante para a construção desse índice reside em um quadro de má
formação das competências leitoras dos alunos, que muito têm a ver com as práticas
inadequadas (ou ausentes) de leitura promovidas pela escola, denotando a fragilidade do
processo educacional.
Palavras-chave: Literatura e Mercado, Ensino de Literatura, Recepção.
vii
ABSTRACT
FROM CATALOGS OF JUVENILE LITERATURE
TO THE READER IN THE SCHOOL CONTEXT.
A study of reading reception of Dom Casmurro, Machado de Assis, from students in the
eighth grade of a public school in the state of São Paulo
This dissertation reports results of a research that intended to describe and analyze the
reception of Dom Casmurro, Machado de Assis, from students of the final stage of the “Ciclo
Básico II” of learning from a public school in the state of São Paulo. The research was held in
2007 in the city of Presidente Prudente (SP). This research aimed for occurrences of reading
apprehension of a specific group of readers, characterizing, therefore, a case study of
phenomenological category. The actions covered descriptive and exploratory stages. All the
study was based on the Aesthetics of reception theory and it was complemented by the
Sociology of Reading, under the premise of the dialogical relation that is established between
the reader and the book. The starting point for checking the reception of the novel focuses on
the indication of this book to the students of a specific educational stage (end of elementary
school) by publishing catalogs of some publishers in the country: Atica, Companhia Editora
Nacional, Companhia das Letras, Moderna and Scipione. The objective of the research was to
determine which mechanisms could interfere in the reception of a text considered canonical in
the Brazilian school system. Initially, the study sought to reflect on literature, reading, and
market aspects. After, it was divided into the following steps: analysis of publishing catalogs
of juvenile literature, the examination of socioeconomic and cultural profile of students
participating in the research, and study of the reception of the book. The results showed that
few students succeeded in completing the reading of the novel and the main factor is the poor
reading skills of students which is determined by improper practices (or absent) of reading
promoted by the school, showing the fragility of the educational process.
Keywords: Literature and Market, Literature Teaching, Reception.
viii
SUMÁRIO
I CONSIDERAÇÕES INICIAIS ....................................................................................................... 10
1.1 ESTUDOS MACHADIANOS QUE INVESTIGAM OU DEMONSTRAM ALGUMA
RELAÇÃO COM O LEITOR........................................................................................................... 13
1.2 CORPUS ESPECÍFICO – DOM CASMURRO........................................................................... 21
1.3 ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA ............................................................................................ 22
II LITERATURA, LEITURA E MERCADO.................................................................................. 24
2. 1 LITERATURA: CONCEPÇÃO E FUNÇÕES.......................................................................... 24
2.1.1 (In)definindo literatura.......................................................................................................................24
2.1.2 Literatura e escola..............................................................................................................................30
2.2 TEORIAS DA LEITURA........................................................................................................... 44
2.2.1 Leitura.................................................................................................................................................44
2.2.2 Estética da recepção: a (re)descoberta do leitor................................................................................47
2.2.3 Sociologia da leitura...........................................................................................................................53
2.3 LITERATURA E MERCADO................................................................................................... 57
2.3.1 Algumas considerações sobre o mercado editorial brasileiro............................................................61
III METODOLOGIA DA PESQUISA.............................................................................................. 65
3.1 CONTEXTO DA PESQUISA .................................................................................................... 65
3.2 MÉTODO DE ABORDAGEM .................................................................................................. 66
3.3 COLETA DE DADOS - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS........................................ 67
IV DOS CATÁLOGOS AO LEITOR............................................................................................... 71
4.1 OS CATÁLOGOS DE LITERATURA JUVENIL .................................................................... 71
4.1.1 A formatação.......................................................................................................................................72
4. 1.2 As mercadorias..................................................................................................................................79
4. 1.3 A oferta do texto canônico.................................................................................................................83
4.1.4 Resenhas do romance .........................................................................................................................87
4.1.5 A circulação dos catálogos na escola estadual paulista.....................................................................89
4.1.6 Enfim...................................................................................................................................................92
4.2 A OITAVA SÉRIE B: PERFIL SÓCIOECONÔMICO E CULTURAL ................................... 94
4.3 DOS LIVROS UTILIZADOS NA PESQUISA........................................................................ 120
ix
4.3.1 Origem dos livros..............................................................................................................................120
4.3.2 Descrição dos exemplares ................................................................................................................122
4.4 A PALAVRA DO LEITOR...................................................................................................... 123
4.4.1 Primeira etapa do processo de recepção: a leitura primária...........................................................123
4.4.2 “Eu não fiz a leitura do livro”..........................................................................................................124
4.4.3 “Eu li uma parte do livro”................................................................................................................130
4.4.4 Completaram a leitura da obra ........................................................................................................133
4.4.5 Segunda etapa: a constituição coletiva do significado.....................................................................140
4.4.6 E o que disseram do romance os alunos que não integralizaram a leitura?.......................................139
V CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................ 152
REFERÊNCIAS................................................................................................................................ 157
APÊNDICES...................................................................................................................................... 162
APÊNDICE 1.................................................................................................................................. 163
APÊNDICE 2.................................................................................................................................. 168
APÊNDICE 3.................................................................................................................................. 170
APÊNDICE 4.................................................................................................................................. 171
x
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Dissertações de mestrado .................................................................................13
QUADRO 2 – Teses de doutorado...........................................................................................14
QUADRO 3 – Orientação teórica dos trabalhos ......................................................................15
QUADRO 4 – Agrupamento de trabalhos por corpus .............................................................16
QUADRO 5 – Estrutura dos catálogos.....................................................................................73
QUADRO 6 – Estrutura dos catálogos (continuação)..............................................................76
QUADRO 7 – Estrutura dos catálogos (continuação)..............................................................77
QUADRO 8 – As mercadorias dos catálogos ..........................................................................80
QUADRO 9 – As mercadorias dos catálogos – total geral ......................................................81
QUADRO 10 – Títulos clássicos que os catálogos apresentam...............................................85
QUADRO 11: Idade dos alunos...............................................................................................96
QUADRO 12: Sexo..................................................................................................................96
QUADRO 13 – Não fizeram a leitura do livro.......................................................................129
xi
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1: Em que bairro você mora?.................................................................................97
GRÁFICO 2:Onde você nasceu?..............................................................................................98
GRÁFICO 3 - Tipo de escola onde os alunos estudaram ........................................................98
GRÁFICO 4: Com quem você mora?.......................................................................................99
GRÁFICO 5: Quantos irmãos você tem?...............................................................................100
GRÁFICO 6: Escolaridade dos pais......................................................................................100
GRÁFICO 7: Quem lê com freqüência em sua casa?............................................................101
GRÁFICO 8: O que lê?..........................................................................................................102
GRÁFICO 9: Em sua casa há ................................................................................................103
GRÁFICO 10: Objetos de leitura das residências dos alunos...............................................104
GRÁFICO 11: O que você mais gostava de fazer na infância?.............................................105
GRÁFICO 12: Quem lhe contava histórias na infância?.......................................................106
GRÁFICO 13: Histórias ouvidas na infância ........................................................................107
GRÁFICO 14: Sentimentos que as histórias ouvidas causavam............................................108
GRÁFICO 15: Quantos livros você já leu até hoje?..............................................................109
GRÁFICO 16: Nomes dos livros que os alunos já leram.......................................................110
GRÁFICO 17: Motivação para ler.........................................................................................111
GRÁFICO 18: Formas de acesso aos livros..........................................................................111
GRÁFICO 19: Gênero de leitura que você mais tem feito ultimamente................................112
GRÁFICO 20: Você freqüenta a biblioteca da escola?.........................................................113
GRÁFICO 21: Tipo de leitura você procura na biblioteca da escola....................................113
GRÁFICO 22: Leituras que gostaram e que não gostaram...................................................114
GRÁFICO 23: Leituras que impressionaram positivamente .................................................115
GRÁFICO 24: Leituras que impressionaram negativamente ................................................115
GRÁFICO 25: Por que você fez essas leituras?.....................................................................116
GRÁFICO 26: Que tipo de leitura você prefere fazer atualmente?.......................................117
GRÁFICO 27: Você gosta de assistir a filmes?.....................................................................118
GRÁFICO 28: Você vai ao cinema? ......................................................................................118
GRÁFICO 29: O que você faz no seu tempo livre?................................................................119
GRÁFICO 30: Forma de acesso ao computador...................................................................119
GRÁFICO 31: Tipo de texto que preferem escrever..............................................................120
xii
GRÁFICO 32: Origem dos livros utilizados na pesquisa ......................................................121
GRÁFICO 33: Edições e editoras..........................................................................................122
GRÁFICO 34: Descrição dos exemplares .............................................................................123
10
I CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A idéia de investigar a recepção de Dom Casmurro, de Machado de Assis, por alunos
em fase final do Ciclo Básico II do Ensino Fundamental surgiu após a constatação de que o
romance aparece indicado à leitura de jovens dessa fase escolar, em catálogos de literatura
juvenil de várias editoras do país.
Pode-se dizer que três aspectos importantes justificam a proposição deste estudo. O
primeiro é o fato de que ainda há muito a ser explorado em matéria de estudos recepcionais no
Brasil. A esse respeito, Zilberman (1989)
1
observa que a tradição dos estudos literários
brasileiros se mostra fecunda em abordagens que propõem a junção entre o literário e o social,
entre texto e contexto, estética e história, entretanto não se pode afirmar o mesmo com relação
a estudos recepcionais: “Vinte anos após Hans Robert Jauss ter exposto a conferência depois
considerada o manifesto da estética da recepção, pode parecer tardia a tentativa de
familiarizar o leitor brasileiro com essa vertente da teoria da literatura.” (ZILBERMAN, 1989,
p. 5).
Pesquisas que colocam o leitor em pauta no ato da leitura são recentes não apenas no
Brasil, mas também nos estudos literários de um modo geral. Em 1983
2
, Terry Eagleton já
demonstrava isso. Em suas análises sobre a teoria da literatura, o autor, ao descrever uma
periodização para a história da moderna teoria literária, constata que do romantismo ao século
XIX houve uma busca pelo autor; posteriormente, com a Nova Crítica, estabeleceu-se uma
preocupação exclusiva com o texto; por último, surgiu uma acentuada preocupação com o
leitor: “o leitor sempre foi o menos privilegiado desse trio – estranhamente já que sem ele não
haveria textos literários.” (EAGLETON, 1983, p. 80).
Refletir sobre o leitor, a experiência estética e as possibilidades de interpretação no
ensino ou no meio (sociedade), de acordo com Zilberman (1986)
3
, possibilitaria alargar o
alcance das investigações de um estudioso. Desse modo, acrescenta-se o segundo aspecto para
a formulação desta pesquisa: a leitura realizada em contexto escolar.
1
Primeira edição.
2
Primeira edição.
3
Primeira edição: 1982.
11
A parceria entre escola e leitura remonta às origens da instituição desde os tempos
mais remotos, porém é o século XVIII que traz as mudanças mais significativas: a escola
passa a se ocupar da infância, tornando-se o agente intermediário entre criança e cultura,
sendo que o domínio da leitura configura-se como o emblema da expansão social.
Esse movimento ocasiona várias conseqüências: a democratização do saber, a cultura
massificada, a explosão de uma literatura popular, entre outros aspectos: “Enfim, desdobra-se
uma revolução cultural, (...) a ampliação do sistema escolar que propicia o aumento do
público leitor” (ZILBERMAN, 1986, p. 12).
Se, em seus primeiros anos, a escola pôde ser considerada um elemento de
transformação por desencadear um processo de democratização do saber, com o passar do
tempo ela automatiza suas funções, tornando mecânica e estática sua tarefa de ensinar a ler.
A escola entra em crise e, conseqüentemente, a leitura. Em um de seus estudos,
Zilberman (1986) esboça uma solução para a questão, ao propor a leitura do texto literário
como uma “unidade que mimetiza os contatos palpáveis e concretos do ser humano com seu
contorno físico, social e histórico” (ZILBERMAN, 1986, p. 19), em oposição às práticas de
transformá-lo em um objeto fixado pela escrita, muito longe daquilo a que originalmente se
destinava. Assim, ao elencar para objeto de estudo um grupo de leitores pertencente ao
universo escolar, este trabalho, obviamente, não desconsiderou esses aspectos.
Nos catálogos de literatura juvenil em questão, figuram muitos títulos, em textos
integrais, reconhecidos como “clássicos” da literatura brasileira, oferecidos a alunos em fase
escolar do final do Ciclo II do Ensino Fundamental. É dessa observação que surge a idéia de
verificar a recepção do texto canônico em contexto escolar. O passo seguinte foi selecionar,
daquela listagem de obras, um representante.
Como os catálogos apresentavam outros títulos de Machado de Assis, bem como
títulos diversos de outros autores, a eleição de Dom Casmurro aconteceu por dois motivos:
seu autor é, segundo a crítica, o maior representante do cânone brasileiro, e o fato de a trama
conter dois personagens adolescentes (ainda que retratados numa perspectiva de
distanciamento temporal e delineados pela visão adulta do narrador).
Faltava definir o grupo de leitores. Como a pesquisa transcorreria na cidade de
Presidente Prudente, optou-se por uma escola estadual, a E. E. DR. Marrey Júnior, que atende
a um corpo discente, constituído, em grande parte, por alunos oriundos de zonas periféricas da
cidade.
As condições que propiciaram a escolha dessa unidade escolar se concentram no fato
de a escola ser o local de trabalho da pesquisadora (angústia particular), seu perfil (ser
12
mantida por recursos governamentais) e seu corpo de alunos. Essas duas últimas apresentam
maior relevância, por aproximarem-na da maioria das escolas de um país, que ainda não
promoveu uma distribuição de renda justa nem investiu suficientemente em programas de
melhoria de estruturas básicas, tais como: educação, saúde, emprego, esporte, cultura.
Para a escolha do grupo de alunos que participaria da pesquisa, optou-se por uma
classe considerada “padrão”, ou seja, composta, em mais de sua metade, por alunos que não
apresentassem problemas mais graves quanto à aprendizagem e com desempenho que variasse
do razoável ao bom nas disciplinas de um modo geral. Diante desses critérios, a coordenação
da escola indicou a oitava série
4
B.
Tendo em vista as considerações acima expostas, o objetivo principal desta dissertação
é observar a recepção, em contexto escolar, de Dom Casmurro, de Machado de Assis,
observando o perfil socioeconômico e cultural dos alunos participantes e relatar as
ocorrências situadas no âmbito da recepção desses alunos quanto ao romance. Nesse sentido,
a teoria de Hans Robert Jauss e o legado dos estudos da Sociologia da Leitura vão ao encontro
dos objetivos pretendidos. Por sua vez, os pólos de produção, ou da análise e interpretação do
texto não foram enfatizados, até porque, com relação a Machado de Assis e/ou suas obras, e
no caso específico de Dom Casmurro, tudo parece ser sempre visto e revisto.
É o que se observa, por exemplo, nos resultados colhidos do meio acadêmico
brasileiro, mediante consulta ao acervo eletrônico da CAPES – Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, quando se buscou por estudos correlatos ao
problema sob investigação neste trabalho. Naquele momento, pôde-se constatar que trabalhos
referentes ao autor, no caso, Machado de Assis, são profícuos: 347 dissertações de mestrado e
134 teses de doutorado, totalizando 481 estudos catalogados.
Entretanto, até o momento, pesquisas que estudam a esfera do leitor existem em menor
quantidade, totalizando 22 trabalhos, entre dissertações e teses. Em valores percentuais,
representam 4,57% da produção acadêmica.
No tópico seguinte, os quadros 1 e 2 apresentam os 22 trabalhos referidos. São 18
dissertações de mestrado e 4 teses de doutorado que trazem o corpus em comum, ou seja, uma
investigação centrada no pólo do leitor.
4
Conforme a Lei Nº 11.274/2006, o Ensino Fundamental passa a ter a duração de nove anos; nesse caso,
mudam-se as nomenclaturas e a oitava série recebe a designação “9º ano” do Ensino Fundamental. Como as
escolas têm até o ano de 2010 para se adequar à lei, nas escolas estaduais de São Paulo a mudança ainda não
ocorreu. Por essa razão, esta dissertação utiliza a antiga terminologia “oitava série”.
13
1.1 ESTUDOS MACHADIANOS QUE INVESTIGAM OU DEMONSTRAM ALGUMA
RELAÇÃO COM O LEITOR
Dos trabalhos listados, nem todos refletem sobre o leitor à luz das teorias que o
referenciam, como é o caso do presente estudo. Contudo, tais pesquisas foram consideradas
para os fins desta coleta de dados, que objetiva apresentar a listagem dos estudos machadianos
interessados na esfera do leitor, independentemente do referencial teórico ou da área do
conhecimento ao qual pertençam.
Recapitulando, o critério estabelecido validou apenas o objetivo geral dos
pesquisadores, que deveria ser a observação do leitor. Os quadros 1 e 2 apresentam os
estudos:
Quadro 1 – Dissertações de Mestrado
Autor Título Instituição Ano
Nicea Helena de Almeida Nogueira
A fortuna crítica de “Memórias Póstumas de
Brás Cubas” e “Tristam Shandy”
UNESP –
São José do
Rio Preto
1993
Adriana Armony
As metamorfoses do leitor: o leitor em Machado
de Assis e Italo Calvino
UFRJ 1995
Eni de Paiva Celidônio Machado de Assis: um leitor dele mesmo UFSM 1996
Darisa Leonora de Matos Gravina
O leitor na obra de Machado de Assis UFF 1998
Valdira Meira Cardoso de Souza
O papel do leitor no conto fantástico de
Machado de Assis
UNESP -
ASSIS
1998
Adriana Dusilek
O mais austero crítico de si mesmo: um olhar
sobre a crítica de Machado de Assis
UNESP -
ASSIS
2000
Adriana da Costa Teles
A fortuna e o infortúnio crítico de Memorial de
Aires: um percurso de leitura
UNESP –
São José do
Rio Preto
2001
Débora Garcia Restom
Atravessando o espelho: a ficcionalização do
leitor em Missa do Galo, Agosto e Um crime
delicado
UERJ 2002
Jayme Eduardo Loureiro
O papel da crítica jornalística e da ficção na
educação do leitor: Machado de Assis e a
reforma do gosto literário
PUC - SP 2003
Cláudia Patrícia Athayde Bicca
A leitura de Machado de Assis na visão de
críticos sul-rio-grandenses
PUC-RS 2004
Daniela Magalhães da Silveira
Contos de Machado de Assis: leituras e leitores
do jornal do “Jornal das Famílias”
UNICAMP 2005
Francesca Barraco Torrico
“Presença italiana na obra de Machado de Assis
e recepção do escritor brasileiro na Itália”
USP 2005
Luiza Angelica Fonseca Caldeira
Em torno do real: a escrita de Machado de Assis
e o trabalho do leitor
UFMG 2006
14
Autor Título Instituição Ano
Márcia Schild Kieling
Quincas Borba, do folhetim para o livro: a
imagem do leitor
PUC-RS 2006
Mariângela do Nascimento
Sant’ana da Costa
Machado de Assis em Penápolis: percepção dos
leitores sobre a leitura das obras do escritor
UFMS 2006
Renato César Casimiro Lopes
Frívolos ou graves: leitores e leituras na
periferia do capitalismo
PUC - RJ 2006
Rodrigo de Avelar Breunig
Vosmecê assim fica cego: o personagem leitor
nos contos de Machado de Assis
UFRS 2006
Geraldo da Aparecida Ferreira
Memórias Póstumas de Brás Cubas e Coração,
Cabeça e Estômago – Machado de Assis e
Camilo Castelo Branco: leitores e críticos do
romantismo
USP 2007
Quadro 2 – Teses de Doutorado
Autor Título Instituição Ano
Hélio de Seixas Guimarães
Os leitores de Machado de Assis. O romance
machadiano e o público de literatura no século
XIX
UNICAMP 2001
Marisa Martins Gama Khalil
Por uma arqueologia do leitor – perspectiva de
estudo da constituição do leitor na narrativa
literária
UNESP -
Araraquara
2001
Verbena Maria Rocha Cordeiro
Itinerários de leitura: o processo recepcional de
Memórias Póstumas de Brás Cubas
PUC - RS 2003
Henriqueta do Coutto Prado
Valadares
Esaú e Jacó: olhares sobre a leitura UFF 2004
Das linhas teóricas que fundamentam os estudos arrolados, segundo informam seus
autores, aparecem a Literatura Comparada e a Estética da Recepção.
Do conjunto de pesquisas produzidas, destacadas no quadro 1, oito estão orientadas
pelos pressupostos da Estética da Recepção, conforme indicaram seus autores. As demais
estão ligadas à Literatura Comparada. Três trabalhos são de outras áreas do conhecimento,
como história e comunicação.
Por não dispor dos dados integrais acerca dos trabalhos, em uma pequena parcela deles
não foi possível identificar suas orientações teóricas.
15
Quadro 3 – Orientação teórica dos trabalhos
Autor Título Instituição Orientação teórica/
Área do conhecimento
Nicea Helena de
Almeida Nogueira
A fortuna crítica de “Memórias
Póstumas de Brás Cubas” e “Tristam
Shandy”
UNESP – São
José do Rio
Preto
LITERATURA
COMPARADA
Adriana Armony
As metamorfoses do leitor: o leitor
em Machado de Assis e Italo Calvino
UFRJ ESTÉTICA DA RECEPÇÃO
Eni de Paiva
Celidônio
Machado de Assis: um leitor dele
mesmo
UFSM
LITERATURA
COMPARADA
Darisa Leonora de
Matos Gravina
O leitor na obra de Machado de Assis UFF
RESUMO NÃO INFORMA
EXPLICITAMENTE
Valdira Meira
Cardoso de Souza
O papel do leitor no conto fantástico
de Machado de Assis
UNESP -
ASSIS
ESTÉTICA DA RECEPÇÃO
Adriana Dusilek
O mais austero crítico de si mesmo:
um olhar sobre a crítica de Machado
de Assis
UNESP -
ASSIS
LITERATURA
COMPARADA
Adriana da Costa
Teles
A fortuna e o infortúnio crítico de
Memorial de Aires: um percurso de
leitura
UNESP – São
José do Rio
Preto
RESUMO NÃO INFORMA
EXPLICITAMENTE
Débora Garcia
Restom
Atravessando o espelho: a
ficcionalização do leitor em Missa do
Galo, Agosto e Um crime delicado
UERJ
LITERATURA
COMPARADA
Jayme Eduardo
Loureiro
O papel da crítica jornalística e da
ficção na educação do leitor:
Machado de Assis e a reforma do
gosto literário
PUC - SP ÁREA DA COMUNICAÇÃO
Cláudia Patrícia
Athayde Bicca
A leitura de Machado de Assis na
visão de críticos sul-rio-grandenses
PUC-RS ESTÉTICA DA RECEPÇÃO
Daniela Magalhães
da Silveira
Contos de Machado de Assis: leituras
e leitores do jornal do “Jornal das
Famílias”
UNICAMP ÁREA DE HISTÓRIA
Francesca Barraco
Torrico
“Presença italiana na obra de
Machado de Assis e recepção do
escritor brasileiro na Itália”
USP
LITERATURA
COMPARADA
Luiza Angelica
Fonseca Caldeira
Em torno do real: a escrita de
Machado de Assis e o trabalho do
leitor
UFMG
RESUMO NÃO INFORMA
EXPLICITAMENTE
Márcia Schild
Kieling
Quincas Borba, do folhetim para o
livro: a imagem do leitor
PUC-RS ESTÉTICA DA RECEPÇÃO
Mariângela do
Nascimento Sant’ana
da Costa
Machado de Assis em Penápolis:
percepção dos leitores sobre a leitura
das obras do escritor
UFMS ESTÉTICA DA RECEPÇÃO
Renato César
Casimiro Lopes
Frívolos ou graves: leitores e leituras
na periferia do capitalismo
PUC - RJ ÁREA DA COMUNICAÇÃO
Rodrigo de Avelar
Breunig
Vosmecê assim fica cego: o
personagem leitor nos contos de
Machado de Assis
UFRS
RESUMO NÃO INFORMA
EXPLICITAMENTE
Geraldo da
Aparecida Ferreira
Memórias Póstumas de Brás Cubas e
Coração, Cabeça e Estômago –
Machado de Assis e Camilo Castelo
Branco: leitores e críticos do
romantismo
USP
LITERATURA
COMPARADA
TESES
16
Autor Título Instituição Orientação teórica/
Área do conhecimento
Hélio de Seixas
Guimarães
Os leitores de Machado de Assis. O
romance machadiano e o público de
literatura no século XIX
UNICAMP ESTÉTICA DA RECEPÇÃO
Marisa Martins
Gama Khalil
Por uma arqueologia do leitor –
perspectiva de estudo da constituição
do leitor na narrativa literária
UNESP -
ARARAQUA
RA
RESUMO NÃO INFORMA
EXPLICITAMENTE
Verbena Maria
Rocha Cordeiro
Itinerários de leitura: o processo
recepcional de Memórias Póstumas
de Brás Cubas
PUC - RS ESTÉTICA DA RECEPÇÃO
Henriqueta do Coutto
Prado Valadares
Esaú e Jacó: olhares sobre a leitura UFF
LITERATURA
COMPARADA
Apesar de contar apenas referências gerais dos trabalhos encontrados, foi possível
agrupá-los pela semelhança com o corpus literário pesquisado.
Para esta seleção, foram considerados os seguintes critérios: estudos que trazem a
recepção de críticos de literatura; estudos que tratam do leitor implícito (Iser) ou do leitor
modelo (Eco); estudos que investigam Machado de Assis enquanto leitor de si próprio; os que
examinam personagens leitores presentes nas narrativas machadianas e, por fim, estudos que
investigam grupos de leitores de origem diversa, que aqui serão denominados “comuns”, por
representarem os leitores não especializados em crítica literária.
O quadro 3, exposto a seguir, apresenta os números dessa divisão:
Quadro 4 – Agrupamento de trabalhos por corpus
Descrição do corpus Dissertações Teses Total
a) Recepção crítica 5 3 8
b) Recepção do autor (Machado) de si próprio 3 - 3
c) Leitor como estrutura narrativa 5 1 6
d) Estudo de personagens leitores 4 - 4
e) Recepção de leitores comuns 1 - 1
TOTAL DE ESTUDOS 22
Adiante, segue o detalhamento referente à organização dos trabalhos dentro da
subdivisão apresentada no quadro 4:
a) Estudos voltados à recepção de um público leitor específico: os críticos
Integram este grupo estudos voltados à recepção do público especializado em
literatura (críticos). Entre as dissertações de mestrado, há os seguintes trabalhos:
17
Adriana da Costa Teles, A fortuna e o infortúnio crítico de Memorial de Aires: um
percurso de leitura, UNESP – São José do Rio Preto, 2001, que discute artigos e ensaios que
lidam com Memorial de Aires, confrontando as múltiplas visões dos críticos desde o
lançamento do romance até a atualidade.
Cláudia Patrícia Athayde Bicca, A leitura de Machado de Assis na visão de críticos
sul-rio-grandenses, PUC-RS, 2004, que analisa a recepção de parte da obra de Machado por
críticos do Rio Grande do Sul, por meio de textos produzidos entre 1912 e 1976. Bicca utiliza
a Estética da Recepção para orientar seu trabalho.
Francesca Barraco Torrico, Presença Italiana na obra de Machado de Assis e
recepção do escritor brasileiro na Itália, USP, 2005, que, em um primeiro momento, destaca
a influência italiana na obra machadiana, e depois investiga sua recepção, através da fortuna
crítica referente ao autor, presente nas universidades e bibliotecas italianas.
Um trabalho da área da comunicação, de Jayme Eduardo Loureiro, O papel da crítica
jornalística e da ficção na educação do leitor: Machado de Assis e a reforma do gosto
literário, PUC-SP, 2003, cujo objetivo é descrever as funções desempenhadas pela crítica
jornalística e pela ficção machadiana no processo de formação estética do leitor do século
XIX.
Nicea Helena de Almeida Nogueira, A fortuna crítica de “Memórias Póstumas de
Brás Cubas” e “Tristam Shandy”, UNESP-SJR.Preto, 1993, que verifica como a crítica
literária observou a intertextualidade entre o romance de Laurence Sterne e o de Machado no
intervalo de 1881 a 1990.
Entre as teses de doutorado, há os seguintes estudos:
Verbena Maria Rocha Cordeiro, Itinerários de leitura: o processo recepcional de
Memórias Póstumas de Brás Cubas, PUC-RS, 2003, que, a partir do suporte teórico da
Estética da Recepção, mapeia a fortuna crítica de MPBC
5
, desde sua publicação em 1881 até
a contemporaneidade.
5
Memórias Póstumas de Brás Cubas.
18
Henriqueta do Coutto Prado Valadares, Esaú e Jacó: olhares sobre a leitura, UFF,
2004, que organiza o inventário crítico de Esaú e Jacó, procurando destacar as valorizações
do leitor e sua recepção.
Hélio de Seixas Guimarães, Os leitores de Machado de Assis. O romance machadiano
e o público de literatura no século XIX, UNICAMP, 2001, que procura rastrear o leitor
brasileiro do século XIX, interlocutor dos narradores machadianos. A pesquisa ainda traz
uma reunião de textos publicados na imprensa brasileira à época da edição dos nove
romances do autor, apresentando, assim, a recepção crítica daquele momento.
b) Estudos voltados à recepção do autor (Machado) por si próprio
Das pesquisas cujo corpus descreve a observação de Machado enquanto leitor de si
próprio, destacam-se as seguintes dissertações de mestrado:
Adriana Dusilek, O mais austero crítico de si mesmo: um olhar sobre a crítica de
Machado de Assis, UNESP, 2000, que seleciona vinte e sete ensaios escritos entre 1856 e
1884, averiguando, dentre outros aspectos, se os critérios utilizados por Machado para avaliar
uma obra literária condiziam com as qualidades que ele defendia em seu texto “O ideal do
crítico”, de 1865.
Eni de Paiva Celidônio, Machado de Assis: um leitor dele mesmo, UFSM, 1996, que
procura estabelecer parâmetros para a leitura comparativa entre os discursos crítico e o
literário do autor, considerando sua produção crítica e seus contos.
Geraldo da Aparecida Ferreira, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Coração,
Cabeça e Estômago – Machado de Assis e Camilo Castelo Branco: leitores e críticos do
Romantismo, USP, 2007, cujo objetivo central é verificar a postura dos dois autores enquanto
leitores e enquanto críticos. Para tanto, Ferreira compara as duas obras em questão, bem como
suas fortunas críticas.
19
c) Estudos voltados ao delineamento do leitor como estrutura narrativa
Nesta categoria, encaixam-se cinco dissertações de mestrado e uma tese de doutorado.
O ponto em comum entre todos os estudos é a consideração do leitor enquanto
estrutura narrativa, partindo dos pressupostos de Wolfgang Iser quanto à sua concepção de
leitor implícito, e/ou de Umberto Eco em relação à sua concepção de leitor modelo.
No que diz respeito às dissertações de mestrado, têm-se as pesquisas abaixo elencadas:
Adriana Armony, As metamorfoses do leitor: o leitor em Machado de Assis e Italo
Calvino, UFRJ, 1995, que utiliza o leitor modelo de Eco para estudar o papel do leitor em
Memórias Póstumas de Brás Cubas e em Se um viajante numa noite de inverno, de Italo
Calvino.
Márcia Schild Kieling, Quincas Borba, do folhetim para o livro: a imagem do leitor,
PUC-RS, 2006, que compara as duas versões do romance, no que concerne ao tratamento do
leitor textual.
Valdira Meira Cardoso de Souza, O papel do leitor no conto fantástico de Machado de
Assis, UNESP-Assis, 1998, que analisa a função do leitor, em conformidade com a
perspectiva da estética da recepção, nos contos “A chinela turca” e “Uma excursão
milagrosa”.
Luiza Angelica Fonseca Caldeira, Em torno do real: a escrita de Machado de Assis e
o trabalho do leitor, UFMG, 2006, que verifica as estratégias ficcionais que possibilitam a
implicação do leitor no romance Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Darisa Leonora de Matos Gravina, O leitor na obra de Machado de Assis, UFF, 1998,
que estuda a função do leitor-personagem em Helena, Memórias Póstumas de Brás Cubas,
Quincas Borba e Dom Casmurro.
A tese de doutorado é de Marisa Martins Gama Khalil, Por uma arqueologia do leitor
– perspectiva de estudo da constituição do leitor na narrativa literária, UNESP – Araraquara,
2001, que busca atestar o leitor ficcionalizado como um elemento fundamental da narrativa,
por meio da análise de vários textos e autores, dentre eles, Machado de Assis.
20
d) Estudos voltados ao delineamento dos personagens leitores presentes na obra
machadiana
Identificam-se, nesta categoria, as seguintes dissertações:
Daniela Magalhães da Silveira, Contos de Machado de Assis: leituras e leitores do
“Jornal das Famílias”, da área de História, UNICAMP, 2005, que estuda uma revista
feminina, “Jornal das Famílias”, para a qual Machado de Assis escrevia, chegando a ser
considerado o literato que mais lhe dedicou contos. Por meio dos personagens leitores
presentes nos contos destinados àquela publicação, a pesquisadora procura chegar a um
possível perfil de seus leitores.
Débora Garcia Restom, Atravessando o espelho: a ficcionalização do leitor em Missa
do Galo, Agosto e Um crime delicado, UERJ, 2002, que observa os personagens leitores do
conto de Machado e dos romances em questão, procurando revelar o papel de Machado como
precursor de concepções em voga, como os conceitos de “obra aberta”, bem como de “leitor
ativo”, por exemplo.
Rodrigo de Avelar Breunig, Vosmecê assim fica cego: o personagem leitor nos contos
de Machado de Assis, UFRS, 2006, que mapeia os personagens leitores dos 207 contos que
Machado de Assis publicou, com o objetivo de demonstrar o quanto e como esses tipos
humanos povoam as narrativas do autor.
Renato Cesar Casimiro Lopes, Frívolos ou graves: leitores e leituras na periferia do
capitalismo, PUC-RJ, 2006, área da Comunicação. O objetivo desse estudo é verificar quais
iniciativas buscaram constituir, no Brasil, um público de leitores; assim, Lopes procurou,
primeiramente, traçar o estereotipo de leitor que possivelmente os gestores tinham em mente.
Suas buscas pelas representações de leitor foram depreendidas de textos de diversos tipos: de
natureza política, jornalística e ficcional, e dentre eles, os romances de Machado de Assis,
recaindo sua atenção, mais especificamente, na composição dos personagens leitores.
21
e) Estudos voltados à recepção de leitores comuns
Neste grupo, enquadra-se apenas uma dissertação de mestrado, de Mariângela do
Nascimento Sant’ana da Costa, Machado de Assis em Penápolis: percepção dos leitores
sobre a leitura das obras do escritor, UFMS, 2006. Trata-se de uma pesquisa desenvolvida na
cidade de Penápolis-SP, em que a pesquisadora, sob a fundamentação da Estética da
Recepção, procura analisar a percepção de leitores designados por ela “formais” (ligados às
instituições escolares) e “informais” (indivíduos que não freqüentam escolas). Após uma
pesquisa de campo, Costa procurou refletir sobre questões como as práticas metodológicas da
sala de aula e a contribuição da biblioteca escolar para a formação do leitor. Esse trabalho,
dentre todos, é o que mais se aproxima da pesquisa proposta por esta investigação. Nesse
caso, procurou-se fazer a leitura da dissertação.
O trabalho de Mariângela aproxima-se deste quando verifica a recepção de obras de
Machado junto a leitores ligados à instituição escolar, que a autora designa de “leitores
formais” e se distancia ao focalizar os leitores “informais” e a questão das bibliotecas públicas
e particulares da cidade de Penápolis.
1.2 CORPUS ESPECÍFICO – DOM CASMURRO
As produções da academia relativas a Dom Casmurro apresentam um resultado tão
expressivo quanto a produção acadêmica dirigida ao autor, pois são 64 dissertações de
mestrado e 18 teses de doutorado, totalizando 82 estudos catalogados (conforme o portal da
CAPES).
Entretanto, após o exame dos dados, constatou-se que nenhum dos trabalhos dedicava
pesquisas especificamente interessadas no leitor ou na recepção do romance.
Por essas razões, um estudo que privilegia o estatuto do leitor, em uma situação de
contexto escolar, fundamentado nos pressupostos da Estética da Recepção, de Hans Robert
Jauss, pode ajudar a fomentar o debate sobre questões, tais como: a leitura de textos literários
na escola, a formação do leitor, a didática da literatura, as relações entre leitor e texto,
22
contribuindo, assim, com os estudos recepcionais, notadamente os relativos à obra de
Machado de Assis.
1.3 ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA
De acordo com os objetivos traçados, este estudo segue uma proposta metodológica
concentrada na junção entre teoria e prática. Assim, ele está subdividido em etapas que
refletem essa concepção; logo, há seções teóricas e depois a conjugação com resultados da
pesquisa empírica.
O capítulo 2 apresenta a fundamentação teórica. Nele são discutidas as diversas
concepções da literatura, leitura, a literatura no contexto da escola, os jovens e a leitura do
texto considerado canônico, a posição do leitor nos estudos literários, com destaque para a
Estética da Recepção e a Sociologia da Leitura e, por fim, uma breve reflexão das relações
entre literatura e mercado.
O capítulo 3 define o caráter da pesquisa, o seu contexto e expõe a metodologia, assim
como as técnicas aplicadas na realização da pesquisa.
Com o capítulo 4, intitulado “Dos catálogos ao leitor”, inicia-se a fase exploratória,
descritiva e analítica da pesquisa. É subdividido em quatro seções principais que apresentam a
análise dos catálogos de literatura juvenil, o perfil socioeconômico e cultural dos alunos
participantes da pesquisa, os livros utilizados e, finalmente, relata os resultados da recepção
do romance. A primeira seção se detém na descrição e análise dos catálogos de literatura
juvenil do ano de 2007
6
das editoras Ática, Scipione, Moderna, Companhia das Letras e
Companhia Editora Nacional. Procura-se mostrar o que eles oferecem, como o fazem, e num
segundo momento, busca-se evidenciar qual seu campo de atuação na escola estadual paulista.
A segunda seção faz uma apresentação do perfil socioeconômico e cultural referente aos 37
alunos da oitava série B. É certo que as questões às quais o grupo foi submetido não
permitiram seu delineamento exato, mas foi possível extrair algumas características e
6
Como a pesquisa de campo se iniciaria em 2007, optou-se pelos catálogos em vigência naquele momento.
23
informações importantes para a pesquisa. A terceira seção descreve a origem e o aspecto
material dos livros utilizados pelos alunos. Na quarta seção, são relatados os resultados das
análises da recepção dos alunos. As ocorrências apresentadas foram observadas e explicadas
do ponto de vista dos pressupostos teóricos da Estética da Recepção.
No capítulo 7, encontra-se a conclusão.
24
II LITERATURA, LEITURA E MERCADO
2. 1 LITERATURA: CONCEPÇÃO E FUNÇÕES
2.1.1 (In)definindo literatura
Dos gregos antigos aos pensadores modernos, a busca de uma definição para a
literatura tem rendido uma infinidade de concepções. Ao longo do tempo, as tentativas de
conceituação da arte literária fracassaram em seus objetivos e produziram mais polêmicas que
consensos. Desse modo, a literatura sempre oscilou entre isto ou aquilo, e essa carência de
uma acepção definitiva caracteriza a primeira da série de contradições que envolvem a
literatura.
As controvérsias são comprovadamente de tempos remotos. Na Antiguidade, o próprio
Aristóteles, na Poética, não fecha a questão: “a arte que apenas recorre ao simples verbo, quer
metrificado quer não, e, quando metrificado misturando metros entre si diversos ou servindo-
se de uma só espécie de métrica – eis uma arte que, até hoje, permaneceu inonimada”
(Poética 1447a).
Mais adiante, em seu texto, o pensador pontua um aspecto problemático: o que define
a literariedade de um texto? Para ele, um tratado de medicina ou de física, quando escrito em
versos, não relega ao seu autor o título de poeta: “nada há de comum entre Homero e
Empédocles, a não ser a metrificação” (Poética 1447b), e assim, Aristóteles introduz as
primeiras reflexões sobre o caráter literário de um texto.
Como se pode notar, contra-sensos em torno de um padrão de literariedade são velhos
conhecidos dos estudos literários.
O substantivo literatura surge no início do século XIX: “passaram-se muitos séculos
até a literatura adotar o nome que atualmente a identifica” (ZILBERMAN, 1990, p. 13); no
entanto, a criação do novo vocábulo passa longe de solucionar a problemática. Essa
configuração instável da literatura acaba por representar um grande desafio para a crítica e os
estudos literários.
25
Ao longo do tempo, direta ou indiretamente a literatura vai sendo explicada através de
modos variados, dependendo da focalização e dos muitos elementos que um especialista
utiliza para chegar a um possível denominador comum: “os estudos literários falam da
literatura das mais diferentes maneiras” (COMPAGNON, 2001, p. 29).
Após analisar a literatura dos povos primitivos, visando a compreender os aspectos da
criação literária “civilizada”, Candido (2000)
7
procura examinar a função da literatura oral,
apoiando sua investigação em três funções: total, social e ideológica. Após discutir as três
funções, o autor apresenta uma concepção para a arte literária.
Segundo Candido (2000), a função total é aquela que prevê a elaboração de um
conjunto de instrumentos expressivos adequados, ou seja, um sistema simbólico passível de
transportar certa visão de mundo. Apesar de ser mais favorável à literatura escrita, ela se faz
presente na literatura oral por meio dos mitos, quando estes são comuns a vários povos. A
função social comporta o papel que uma obra desempenha ao estabelecer relações sociais.
Para o autor, essa função prepondera na literatura dos grupos iletrados, diferentemente da
literatura erudita da atualidade, mais voltada à leitura individualizada. Já a função ideológica
se refere, de um modo geral, a um sistema definido de idéias, que pode partir das intenções do
autor ou da percepção do leitor: “esta função é importante para o destino da obra e para a sua
apreciação crítica, mas de modo algum é o âmago do seu significado, como costuma parecer à
observação desprevenida” (CANDIDO, 2000, p. 42).
Para Candido (2000), a junção equilibrada das três funções permite a compreensão
tanto da obra literária civilizada, como da primitiva: “se naquela os aspectos propriamente
estéticos sobressaem de maneira a realçar a função total, nesta a função social avança para o
primeiro plano” (CANDIDO, 2000, p. 42). Ao discorrer sobre concordâncias e diferenças
entre a literatura dos povos primitivos e civilizados, o autor chega a uma concepção de
literatura:
A arte, e portanto a literatura, é uma transposição do real para o ilusório por
meio de uma estilização formal, que propõe um tipo arbitrário de ordem para
as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se combinam um elemento de
vinculação à realidade natural ou social, e um elemento de manipulação
técnica, indispensável à sua configuração, e implicando uma atitude de
gratuidade. [...] Isto ocorre em qualquer tipo de arte, primitiva ou civilizada.
(CANDIDO, 2000, p. 47).
7
A primeira edição é de 1965.
26
Em outro momento, Candido (1995)
8
estuda a literatura em suas funções e estabelece
para ela uma atuação no subconsciente e no inconsciente, entendendo-a como um fator
indispensável de humanização por desenvolver a compreensão da condição humana em sua
relação com o meio: “Ela não corrompe nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si
o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz
viver” (CANDIDO, 1995, p. 244).
Essa função humanizadora confere à literatura o status de necessidade inerente a todos
os seres humanos. Nesse sentido, a definição de literatura proposta por Candido (1995) é
abrangente, universal, por abarcar as manifestações de todos os homens em todos os tempos:
Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, todas as criações de
toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade,
em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste,
até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes
civilizações. (CANDIDO, 1995, p. 242).
É possível investigar o enigma do que seja a literatura do ponto de vista histórico e
lingüístico. Esta é uma das propostas das análises de Compagnon (2001). O autor considera o
entendimento da literatura compreendido em duas extensões: uma de sentido amplo e outra de
sentido restrito. A primeira se traduz pela acepção clássica das “belas letras”, referente a tudo
o que é impresso, ou melhor, a todas as publicações de todas as áreas e especialidades e não
somente às obras de ficção.
A outra extensão, de sentido restrito, possui como princípio básico separar o literário
do não literário. Teoricamente, o princípio é simples e lógico, mas sua aplicação é
inversamente controversa, como bem apontara Aristóteles no século V, em sua Poética.
Para Compagnon (2001), a concepção de literatura no sentido restrito está
condicionada aos padrões vigentes de uma época. Até o romantismo, por exemplo, a
verdadeira arte poética, para a doutrina clássica, era o verso e um conjunto de obras-modelo
“a serem imitadas de maneira fecunda” (COMPAGNON, 2001, p. 33). Desse modo,
compunham o cânone clássico apenas algumas obras que se enquadrassem nesse perfil.
A ascensão do romance e da prosa, no século XIX, indica uma mudança radical para o
sentido restrito. Conforme Compagnon (2001), a concepção de literatura torna-se inseparável
dos propósitos românticos da relatividade histórica e de oposição à defesa da eternidade de
8
Publicado primeiramente com o título “Direitos humanos e literatura”. In: FESTER, Antonio Carlos Ribeiro.
Direitos humanos e... São Paulo: Brasiliense; Comissão Justiça e Paz/SP, 1989.
27
um cânone estético. O catálogo moderno é formado pelos escritores que melhor “encarnam o
espírito de uma nação” (COMPAGNON, 2001, p. 33).
Das análises sobre o sentido restrito da literatura, resultam diversas críticas do autor.
Em sua óptica, identificar a literatura através do valor literário não pode ser uma medida
razoável, pois quando se faz a eleição de uma obra, de certa forma se retira o valor de outras:
“Dizer que um texto é literário subentende que um outro não é” (COMPAGNON, 2001, p.
33). Assim, a literatura de que trata a forma restrita não engloba em seu cânone a literatura
popular. Mesmo o cânone dos grandes escritores não é estável, pois conhece o entrar e sair de
obras. Essa movimentação pode provocar rearranjos e até mesmo determinar novos padrões
para a tradição literária.
Ainda no sentido restrito, Compagnon (2001) reflete sobre a atualidade e chega à
conclusão de que houve um alargamento para o termo literatura, que passa a ter uma extensão
vasta, mais liberal (como as belas-letras), abrangendo dos títulos clássicos às histórias em
quadrinhos. Já os critérios utilizados para o julgamento de valor de uma obra são, conforme o
autor, extraliterários porque se valem mais da ética, do social ou do ideológico do que do
literário ou teórico. Nessa medida, Compagnon (2001, p. 34) não soluciona o caso e ainda
provoca: “pode-se, entretanto, definir literariamente a literatura?”.
As considerações de Compagnon (2001) revelam que a tentativa de encontrar uma
definição para a literatura pode se resumir no simples ato de seleção ou exclusão de textos sob
a alegação da ausência ou não de literariedade. Todavia, segundo o autor, a questão da
literariedade também reflete uma crise: o dilema referente ao fato de a literatura ser um
conjunto de características imanentes ao texto, ou um posicionamento político ou social. Este
segundo caso se aplica na maioria das vezes, sobretudo na atualidade.
A idéia de que a literariedade pode advir de um código lingüístico distinto que se
desvia de um código comum é endossada pelos formalistas russos. Segundo Eagleton (1983),
para esses estudiosos, o que distingue a linguagem literária de outros tipos de discurso é a sua
forma peculiar de dizer:
Os formalistas, portanto, consideravam a linguagem literária como um
conjunto de desvios da norma, uma espécie de violência lingüística: a
literatura é uma forma ‘especial’ de linguagem, em contraste com a
linguagem ‘comum’, que usamos habitualmente [...] (EAGLETON, 1993, p.
5-6).
Eagleton (1993) rebate, com certa dose de ironia, os argumentos dos formalistas, em
razão da impossibilidade de existir uma linguagem homogênea, usada igualmente por todos
28
os segmentos sociais e que proporcione condições pelas quais outra possa desviar-se. A
simples contraposição a certas normas lingüísticas não é suficiente para sancionar o que é
literário: “a ‘estranheza’ de um texto não é garantia de que ele sempre foi, em toda parte,
‘estranho’” (EAGLETON, 1993, p. 6).
Nesse aspecto, Compagnon (2001) parece ser partidário de Eagleton (1983), pois
segundo o autor, não existem elementos lingüísticos especificamente literários: “a
literariedade não pode distinguir um uso literário de um uso não literário da linguagem”
(COMPAGNON, 2001, p. 42).
A falha da teoria formalista consiste em não relativizar a ordem das coisas. Segundo
Eagleton (1993), todos os tipos de escrita podem ser considerados “estranhos”, dependendo
do modo como forem trabalhados. Logo, a definição de literatura não pode se concentrar na
natureza do que é lido, mas no modo pelo qual alguém resolve ler e, por essa razão, a
literatura não pode ser definida objetivamente:
Poderíamos dizer, portanto, que a literatura é um discurso ‘não-pragmático’;
ao contrário dos manuais de biologia e recados deixados para o leiteiro, ela
não tem nenhuma finalidade prática imediata, referindo-se apenas a um
estado geral de coisas. (EAGLETON, 1993, p. 8).
Nesse ponto, as considerações de Abreu (2006)
9
, que divulga no Brasil as idéias de
Eagleton (1993), exibem conformidade com as proposições apresentadas anteriormente. A
autora afirma que a literariedade de um texto não é dada por meio de suas características
internas, e sim pelo espaço que lhe é endossado pela crítica:
Uma obra fará parte do seleto grupo da Literatura quando for declarada
literária por uma (ou de preferência, várias) dessas instâncias de legitimação.
[...] a literariedade vem também de elementos externos ao texto, como nome
do autor, mercado editorial, grupo cultural, critérios críticos em vigor.
(ABREU, 2006, p. 40-41).
O estudo de Abreu (2006) demonstra a dificuldade de encontrar para a literatura uma
concepção universal. A princípio, esse posicionamento pode parecer contrário ao de Candido
(1995), que, como apontado anteriormente, descreve a literatura sob um caráter de
universalidade. Entretanto, o universalismo combatido por Abreu (2006) é aquele dado por
um grupo. Para a autora, a literatura é um fenômeno cultural e histórico, passível de receber
9
Data da primeira edição.
29
variadas definições, conforme determinada época ou grupo social. Logo, sua visão é tão
ecumênica quanto a tese de Candido (1995).
Assim, a proclamação de uma única verdade, indicando um padrão a ser seguido por
parte de um prestigiado grupo de intelectuais, não é suficiente para solucionar o enigma da
definição da literatura. Tais classificações são vagas e pouco aplicáveis, pois o próprio campo
de atuação científica é outro: “um médico não precisa discutir o que é um fígado ou o que é
um coração – pois eles têm existência física no mundo concreto. Nós temos que discutir o que
é literatura (ABREU, 2006, p. 41)”.
Os diferentes olhares para a literatura, bem como os diversos modos de descrevê-la ou
considerá-la se entrecruzam em alguns aspectos. Certamente, o que mais se repetiu no
decorrer do tempo é aquele em que a literatura erudita aparece como conceito modelar, ou
seja, o padrão para toda a literatura, situação que, infelizmente, gera a transferência do título
de inferioridade às obras não-eruditas ou populares.
Ao que tudo indica, uma constante em todos os autores comentados pode ser o apelo a
uma mudança de postura relativa à classificação do que seja literário. Talvez seja preciso pôr
de lado o velho costume de hierarquizar textos sob uma única apreciação. Isso implica
considerar que nem todas as obras compartilham dos mesmos critérios de avaliação, não
esquecendo que, se a questão é literatura e/ou valor estético, a terra firme ainda não foi
avistada.
Como atestam os argumentos citados, é necessário ressaltar o fato de que aquilo que se
considera literatura hoje não é o que se considerava no século XVIII, ou o que Aristóteles
vislumbrou na Poética. Estamos em meio à diversidade, em diferentes aspectos.
A capacidade de legislar instâncias reguladoras e legitimadoras, no caso da literatura,
não é total, e como aponta Candido (1995), cada grupo social, cultural ou uma época têm um
conceito sobre o que seja a literatura e seleciona a partir dele o que deve ser considerado
como tal. A esse respeito, acrescente-se um coerente posicionamento de Abreu (2006):
Agora você já sabe que a definição de literatura não é algo objetivo e
universal, mas sim algo cultural e histórico. [...] não há obras boas ou ruins
em definitivo. O que há são escolhas – e o poder daqueles que as fazem.
Literatura não é apenas uma questão de gosto: é uma questão política.
(ABREU, 2006, p. 109 e 112).
Classificar algo como literatura constitui-se em uma tarefa custosa, que deve levar em
conta toda uma gama de variáveis. Além disso, não se deve deixar de considerar que qualquer
30
sistema de classificação estará predestinado a apoiar-se em juízos de valor e, como se sabe, os
julgamentos de valor estão fadados à transitoriedade.
Assim como não há um discurso lingüístico propriamente literário, como queriam os
formalistas, por outro lado, não há julgamento ou interpretação crítica “puramente literária”:
“se não é possível ver a literatura como uma categoria ‘objetiva’, descritiva, também não é
possível dizer que a literatura é apenas aquilo que, caprichosamente, queremos chamar de
literatura” (EAGLETON, 1993, p. 17).
As indefinições da literatura permeiam todos os seus segmentos como uma espécie de
transmissão por herança genética. Sua conceituação é, e sempre foi, um problemático enigma
nunca desfeito. Desse modo, a medida mais coerente, quando se quiser discutir questões de
sua função didática, leitor, leitura, ou quaisquer outros de seus derivados ou categorias, sob
qualquer enfoque, é não perder de vista a constante da indeterminação.
Em última análise, pode-se atestar, e ao menos aqui sem ressalva para dúvidas, que
qualquer desdobramento da literatura, como, por exemplo, ensino, leitor, leitura, dentre
outros, são passíveis de levantar intermináveis discussões. Isto porque todos provêm de uma
base não totalmente caracterizável e ignorar o fato é estar sob pena de conduzir uma
argumentação unilateral ou fundamentada no senso comum:
Qualquer definição de literatura é o fim da literatura e não o seu fim, no
sentido de finalidade determinada em função dos dados literários indicados.
O mais facto mais belo [sic] de uma definição de literatura é a sua eterna
impossibilidade de poder a vir ser uma definição. (CEIA, 1999, p. 54).
A próxima seção versará, sobre a função formativa da literatura, procurando também
recuperar um pouco de sua relação com a instituição escolar ao longo do tempo. Para tanto,
serão tratados temas como a leitura de textos canônicos e a reflexão sobre as práticas
tradicionais de leitura no ambiente escolar, bem como os avanços que as teorias preocupadas
com o leitor podem trazer ao trabalho de leitura na escola.
2.1.2 Literatura e escola
31
A função formativa da literatura não deve confundir-se com uma missão meramente
pedagógica; ao contrário, ela representa um acesso ao interior, ao individual, a partir dos
estímulos gerados por uma realidade ficcional, proporcionando condições para uma
emancipação pessoal do indivíduo. Deve ser a resultante de um exercício de hermenêutica,
com efeitos que aparecem ao final de um processo de recepção que considere as relações entre
significação e o leitor, seja ele atual ou historicamente determinado.
Candido (1995) é um dos autores que trata das funções que a literatura encerra. Em um
de seus estudos, demonstra, por exemplo, que, em sociedades de todas as épocas, a literatura
foi utilizada como um poderoso instrumento de instrução e de educação. Para Candido (1995),
isso se explica pelo fato de a literatura ser uma necessidade que precisa ser satisfeita: “assim
como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar as vinte e quatro horas do dia
sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado” (CANDIDO, 1995, p. 242).
Segundo o autor, em “Literatura e a formação do homem”, de 1972, a literatura é uma
das modalidades mais ricas e eficazes de sistematizar a fantasia. Nessa proposição, ela integra
imaginação e realidade, de forma que as criações poéticas ou ficcionais podem atuar de modo
subconsciente ou inconsciente: “quero dizer que as camadas profundas da nossa personalidade
podem sofrer um bombardeio poderoso das obras que lemos e que atuam de maneira que não
podemos avaliar” (CANDIDO, 1972, p. 805). Assim, a literatura contribui para a formação da
personalidade. Isso indica que ela abriga uma função formativa, todavia diferente daquela
assumida pela escola:
[...] A literatura pode formar, mas não segundo a pedagogia oficial, que
costuma vê-la ideologicamente como um veículo da tríade famosa, - o
Verdadeiro, o Bom, o Belo, definidos conforme o interesse dos grupos
dominantes, para reforço da sua concepção de vida. [...] a literatura como a
vida, ensina na medida em que atua com toda a sua gama, é artificial querer
que ela funcione como os manuais de virtude e boa conduta (CANDIDO,
1972, p. 805).
Para Zilberman (1990), a literatura encerra uma função que ela designa “educativa”. A
autora afirma que basta observar o caso da Ilíada e da Odisséia, obras que representavam para
o povo grego algo semelhante ao que a Bíblia era para o povo hebreu, pois tratavam das
origens da nação, explicavam, justificavam modelos políticos adotados, previam normas de
comportamento. A autora considera que pode até não ser este o período em que se tenha
iniciado a história do caráter educativo da literatura, mas, certamente, as bases ali foram
lançadas.
Zilberman (1990) também compartilha da idéia de que o texto poético pode favorecer
32
a formação do indivíduo; logo, parece reiterar a concepção de que a literatura compreende um
caráter formativo.
Como a literatura, a instituição escolar data da Idade Antiga. No entanto, a escola
moderna herdou muito pouco de sua ancestral, que, na Antiguidade, caracterizava-se por um
lugar onde a aprendizagem poderia ocorrer de modo facultativo. A literatura integrava seu
currículo, mas era dissolvida entre outras disciplinas e tinha uma finalidade intelectual e ética.
Esse quadro muda radicalmente tempos mais tarde, no século XVIII, com o advento da
burguesia e a obrigatoriedade do ensino.
À época da Revolução Industrial, a sociedade européia vivia um período de profundas
transformações no campo político, social, econômico, cultural e ideológico. O movimento de
industrialização gerou o fenômeno conhecido como êxodo rural. A partir de então, o homem
do campo, atraído pela indústria e pelas oportunidades de emprego, começou a se deslocar
para os centros urbanos.
O novo estilo de vida urbana e suas formas de renda levaram a sociedade a um
processo de reestruturação que aconteceu de modo desigual em vários aspectos, estabelecendo
fortes diferenças sociais. O resultado consiste na bipartição das classes sociais: de um lado, a
burguesia; do outro, o proletariado.
A burguesia européia, apoiada nos lucros obtidos através do comércio marítimo e da
exploração das colônias americanas, também reavia poder político e assim financiava duas
instituições para trabalhar a seu favor: a família e a escola. A família, de acordo com os ideais
burgueses, passa a ter como base uma estrutura unicelular e privada, especialmente voltada
aos laços afetivos que se estabelecem entre seus membros, o que explica certo clima de
valorização dos filhos. Tal movimento é responsável pela cisão entre o mundo infantil e o
adulto, levando a uma nova acepção para o conceito de criança, faixa etária não compreendida
até então.
A escola, dispensável e facultativa até o século XVIII, converte-se em atividade
essencial e obrigatória às crianças de todas as camadas sociais e passa a desempenhar o duplo
papel de incorporar a criança à vida adulta e o de protegê-la das agressões do mundo exterior.
Segundo Zilberman e Magalhães (1982),
[...] o êxito no processo de privatização da família – maior na camada
burguesa, menor entre os operários – gerou uma lacuna, referente à
socialização da criança. Se a configuração da família burguesa leva à
valorização dos filhos e à diferenciação da infância enquanto faixa etária e
estrato social, há concomitantemente, e por causa disto, um isolamento da
criança, separando-a do mundo adulto e da realidade exterior. Nesta medida,
33
a escola adquirirá nova significação, ao tornar-se o traço de união entre os
meninos e o mundo, restabelecendo a unidade perdida (ZILBERMAN e
MAGALHÃES, 1982, p. 9).
Recebendo o patrocínio de uma burguesia emergente na incumbência de formar suas
crianças, a escola se apropria da literatura. A partir de então, configura-se uma problemática
relação em que a motivação educativa e pedagógica compromete o caráter estético das obras
literárias. Ao discorrer a respeito do aparecimento da literatura infantil, Zilberman (2003)
afirma que muito cedo ela serviu de mero instrumento da pedagogia:
[...] se decorre de uma situação histórica particular, vinculada à origem da
família burguesa e da infância como “classe” especial, participa desta
circunstância não apenas porque provê textos a esta nova faixa, mas porque
colabora em sua dominação, ao aliar-se ao ensino e transformar-se em seu
instrumento (ZILBERMAN, 2003, p. 44).
De fato, o ponto nevrálgico para a literatura, que agora passa a freqüentar a escola,
reside em sua associação com os objetivos doutrinários da instituição, tornando, repetidas
vezes, seu compromisso mais pedagógico do que literário. Ao discutir essa questão, Aguiar
(2001) traz um posicionamento esclarecedor:
Até a Idade Média os pequenos exercitavam-se para a vida adulta
participando de todas as atividades do grupo; aprendiam a viver vivendo,
dentro de uma cultura predominantemente oral. Com o advento dos tempos
modernos, surgiu a necessidade de investimento na educação infantil, de
modo a preparar as novas gerações para a sociedade letrada e competitiva
que se instalava. Dentre os materiais pedagógicos necessários para a
empreitada estava o literário, que se converteu em livro de leitura de uso
escolar.
Assim concebida, a obra teve desviada sua função estética e passou a servir
a propósitos educacionais restritos (
AGUIAR, 2001, p. 243).
Segundo Zilberman (1990), após a Revolução Francesa a literatura é introduzida como
disciplina no currículo escolar. Agora sistematizada como disciplina, obviamente adquire
outra função: a didática. Desde sua introdução como disciplina no currículo escolar, o ensino
de literatura oscilou entre duas instâncias: fazer conhecer a norma lingüística e contar a
história de um povo. Zilberman (1990) observa que, na formação do Estado burguês, a língua
de uma nação (a princípio, a França) ansiava por ser homogênea e nacional; logo, foi
conveniente unir a língua nacional à consagrada linguagem dos poetas. Zilberman (1990)
34
critica a ausência de fundamentação pedagógica dessas propostas: “estas convenções não têm
fundamento pedagógico, e sim ideológico” (ZILBERMAN, 1990, p. 16). O resultado é a crise
que hoje se estabelece no ensino de literatura.
Durante muito tempo, ler na escola se resumia a uma tarefa complementar que deveria
servir a objetivos fortemente marcados, dentre eles, a preocupação lingüística, a formação
moral e o acesso à cultura de raízes greco-latinas. Mas isso não garantiu que as obras literárias
fossem lidas na sala de aula, tampouco que sua leitura estivesse apta ao interesse ou à
capacidade dos alunos.
Na segunda metade do século XX, os avanços nas teorias lingüísticas e literárias
promovem uma nova reflexão sobre o que deveria “ser” a literatura e, conseqüentemente,
sobre o que seria “saber” literatura. As novas premissas teóricas resultaram em um
redimensionamento das práticas de leitura no ambiente escolar, que necessitou rever o que se
propunha a ensinar e quais seriam os melhores procedimentos para cumprir tal missão.
Nessa fase, as preocupações didáticas eram baseadas nos ideais formalistas e
estruturalistas sob dois aspectos principais: o diferencial “literário” de um texto e a análise de
sua construção. Porém, os avanços no campo teórico não culminaram em efetivas mudanças
nas práticas de leitura escolar. Uma das conseqüências foi o entendimento de que, por meio
do domínio das estruturas textuais, chegar-se-ia a um sentido do texto.
No terreno metodológico desse período, era muito comum que o saber enciclopédico
prevalecesse sobre o desenvolvimento da competência literária. Os alunos deveriam recordar
a biografia do autor, o estilo de época, o momento histórico, sem necessariamente aprofundar-
se na leitura da obra. O resultado foi o agravamento da crise do ensino de literatura, que se
estende até as gerações contemporâneas.
Seguramente um dos agentes que contribuiu (ou que contribui) para a instauração da
crise no ensino de literatura pode estar contido em um não-entendimento do sentido da
didática da disciplina e, conseqüentemente, em sua prática inadequada, ou melhor, o
somatório de práticas inadequadas não têm conduzido o iniciante em estudos literários à
reflexão e à problematização das idéias, tal qual um aprendiz de filosofia.
Mas o que perpetua nas práticas escolares é justamente, na maioria dos casos, o
contrário. A escola não tem proporcionado o ensino da literatura como arte, e sim a
normatização dos aspectos que a instituem e a disciplinam: “o que ensinamos, na verdade, é a
symphonia das opiniões ou das hipóteses formuladas em face do fenômeno conhecido como
literário” (CEIA, 1999, p. 55).
Os estudos de Bredella (1989) procuram captar o campo de atuação da didática da
35
literatura. Para o autor, a didática de qualquer disciplina deve reunir três fatores essenciais: o
objeto (a disciplina em causa), o discente (aluno e a sociedade) e o objetivo (fundamentos da
pedagogia). O sucesso de uma metodologia consiste, portanto, no modo pelo qual esses três
fatores serão articulados. E a didática da literatura não escapa desse esquema: “o significado
que a sociologia e a psicologia empírico-analíticas assumem na definição dos objetivos do
ensino acaba por depender da forma coerente como são fundamentadas as propostas da
didáctica da literatura” (BREDELLA, 1989, p. 16).
Entretanto, articular bem os três fatores entre si tem sido uma missão difícil para o
ensino da literatura porque as indefinições estão por toda a parte: na concepção de literatura,
na imagem do homem e nos objetivos da aprendizagem. Uma solução à questão seria a
compreensão de que a didática não está reduzida a uma noção de tecnologia do ensino, como
manda o figurino positivista. É preciso que a didática da literatura seja uma ciência prática, ou
melhor, que retire da observação da práxis sua orientação de sentido. É preciso que “anule
aquela divisão radical entre conhecer e agir, ser e dever ser” (BREDELLA, 1989, p. 22).
Assim, a didática da literatura não pode estar restrita apenas à análise da forma de
abordar a literatura, como se fez durante muito tempo, mas deve ser uma teoria que se
preocupa com a forma de se relacionar com ela: “Deverá, com isso, ter ficado bem claro que a
didáctica da literatura não é um auxiliar externo de decisões na aula de literatura, mas que ela
procura recuperar teoricamente o que acontece no estudo da literatura”. (BREDELLA, p.
148).
Com o advento das teorias da recepção e a assunção do leitor ao objeto de estudo
central, novas luzes são lançadas aos conturbados objetivos da disciplina e às atuações
docentes para o ensino de literatura. Há uma renovação no tratamento metodológico cuja idéia
nuclear consistia em centrar a atenção nas necessidades dos alunos. O objetivo principal era
buscar o desenvolvimento da competência interpretativa através da leitura, de maneira que se
distanciava consideravelmente do enfoque meramente patrimonial e historicista que havia
ditado as regras para a disciplina até então.
Delgado (2001) propõe que esse novo projeto educativo, desenvolvido a partir das
teorias recepcionais da literatura, seja também designado de modo diferente: em vez de
“ensino de literatura”, sugere a terminologia “educação literária”, expressão que a autora
retira de um estudo de 1996, de Tersesa Colomer, intitulado “O ensino de literatura: temas e
linhas de investigação”
10
. O excerto abaixo traz algumas palavras de Colomer (2007) sobre a
10
No original: “La enseñanza de la literatura: temas y líneas de investigacion e innovación”.
36
nova acepção:
[...] a educação literária serve para que as novas gerações incursionem no
campo de debate permanente sobre a cultura, na confrontação de como
foram construídas e interpretadas as idéias e os valores que a configuram [...]
o objetivo da educação literária é, em primeiro lugar, o de contribuir para a
formação da pessoa, uma formação que aparece ligada indissoluvelmente à
construção da sociabilidade e realizada através da confrontação com textos
que explicitam a forma em que as gerações anteriores e as contemporâneas
abordaram a avaliação da atividade humana através da linguagem.
(COLOMER, 2007, p. 29 e p. 31).
Entretanto, a reestruturação dos propósitos do ensino de literatura alicerçada
basicamente na formação do leitor, quando transferida para a escola, ainda não tem sido capaz
de solucionar a crise da disciplina. As novas concepções da disciplina parecem claras,
coerentes e afinadas aos objetivos, mas ainda não conseguem angariar mudanças nas práticas
escolares. Confusões, junções entre objetivos e práticas de modelos nem sempre compatíveis
ou a ingênua repetição de uma mesma rotina sob nova nomenclatura são alguns dos
problemas que se podem pontuar.
Estudiosos apontam que o problema da literatura na escola se inicia quando o texto
literário se escolariza. Mas há como evitar a “escolarização” da literatura quando esta
acontece no universo escolar?
Em um raciocínio lógico e ausente de preconceitos, deve-se considerar que tudo o que
a escola apóie, ou melhor, tudo o que seja veiculado pela instituição receberá,
inevitavelmente, a marca de seu tratamento. O caso da literatura não é diferente: em situação
escolar, será escolarizada. É este o pensamento de Soares (1999):
Não há como ter escola sem ter escolarização de conhecimentos, saberes,
artes [...] esse processo que se chama escolarização, processo inevitável,
porque é a essência mesma da escola, é o processo que a institui e que a
constitui. Portanto não há como evitar que a literatura, qualquer literatura,
não só a literatura infantil e juvenil, ao se tornar “saber escolar”, se
escolarize, e não se pode atribuir, em tese, como dito anteriormente,
conotação pejorativa a essa escolarização, inevitável e necessária; não se
pode criticá-la, ou negá-la, porque isso significaria negar a própria escola.
(SOARES, 1999, p. 21).
Em um posicionamento semelhante, Ceia (1999) defende a idéia de que a literatura
não está em crise com a pedagogia. Apesar de, em sua gênese, a literatura não se apresentar
vinculada a objetivos pedagógicos e de a pedagogia ser uma ciência independente, o encontro
37
entre as duas disciplinas pode ser amistoso e a convivência pode vir a ser pacífica:
[...] a literatura não se fez para ser ensinada, mas de certeza que se pode
ensinar sem com isso excluirmos a sua originalidade nem nos servirmos
deste facto de relação para a separarmos da pedagogia. É a reflexão sobre a
literatura que nos ensina. (CEIA, 1999, p. 58).
Desse modo, o que se deve discutir não é a escolarização do texto literário, e sim a
escolarização inadequada da literatura. O conjunto de inadequações metodológicas praticado
nas escolas é o principal agente causador da crise que se instaura na educação literária. E para
que as propostas traçadas a partir das concepções legadas das teorias que validam a atuação
do leitor na construção do significado do texto literário obtenham sucesso quando aplicadas a
uma situação de formação de leitores, são necessárias mudanças imediatas em algumas
práticas escolares.
Em primeiro lugar, a escola poderia desfazer-se de uma postura tradicionalista de
validar aquilo que é próximo de uma “normalidade” determinada pela classe social vigente e
mostrar-se aberta à diversidade cultural de sua clientela, respeitando e validando a
individualidade e, a partir desse pressuposto, eleger suas finalidades e estratégias de trabalho
quanto ao plano didático de literatura.
Não há meio de desenvolver a competência leitora dos alunos sem que estes leiam. A
proposição pode soar óbvia demais; entretanto, ao longo do tempo, a efetiva leitura das obras,
como já visto, era uma prática que passava despercebida. Por essa razão, a escola deve
preocupar-se em oferecer ao educando um espaço de leitura individual, autônoma,
continuada, silenciosa, onde o aluno tenha a oportunidade de aprender a ler em contato com o
texto: “é imprescindível que o próprio texto ensine a ler [...] é imprescindível para que os
alunos formem sua auto-imagem como leitores [...] se a escola não assegura um tempo
mínimo de prática para todas essas funções, quem o fará?” (COLOMER, 2007, p. 125).
No Brasil, a missão da escola é ainda ampliada, pois a maior parte dos alunos têm pais
com pouca escolaridade e baixo poder aquisitivo. Além disso, há um grande contingente de
alunos com um histórico de desestrutura familiar.
Uma atitude muito comum por parte dos docentes é a de colocar a falta de incentivo da
família para explicar o fato de os alunos não gostarem de ler; assim, acusam-na pelo insucesso
da disciplina. Tal justificativa demonstra desconsideração ou o desconhecimento a respeito da
realidade do país. É necessário observar que, nas famílias brasileiras, 58% dos pais têm o
Ensino Fundamental incompleto e apenas 3% têm diploma universitário. Três quartos nunca
38
ou raramente lêem jornais e livros, e apenas 7% acessam a internet.
11
Os professores não estão errados em aguardar que a família faça sua parte, afinal, a
literatura está além dos muros escolares, mas o que esperar de pessoas com baixíssima
formação acadêmica e restrito grau de informação?
A ausência de envolvimento da família pode não ser apenas o fruto do desinteresse ou
do desamor, e sim da falta de conhecimento suficiente aliado ao pouco acesso a fontes de
informação. Por essa razão, a escola brasileira não deve acusá-la ou esperar que ela forme
leitores.
Nos idos de 1986, Aguiar e Cattani (1986), no capítulo intitulado “Leitura no 1º grau:
a proposta dos currículos”, observaram que
[...] a experiência demonstra, portanto, que cabe à escola a formação e
o desenvolvimento do hábito de leitura, e seu papel é tão mais amplo
quanto mais restrito for o da família, condicionada a problemas sócio-
econômicos (AGUIAR, 1986, p, 24).
Isto posto, ao professor brasileiro resta a resignação e a certeza de que sua missão é
mais empreendedora do que poderia supor.
A valorização do “compartilhar livros” é outra prática importante para o processo de
formação do leitor, pois essa atividade possibilita ao aluno confrontar sua experiência de
leitura e produzir o seu entendimento. Também permite experimentar a literatura em sua
dimensão socializadora.
Colomer (2007) acredita que as atividades coletivas de trocas de leitura são as que
melhor atendem ao antigo objetivo escolar de “formar o gosto”, pois a comparação entre
leituras individuais é um meio seguro de levar à percepção da diferença entre a recepção
individual e a valorização social de uma obra.
Antes de iniciar o debate sobre o tema dos “clássicos” ou do “cânone literário” em
suas relações com a escola, é interessante refletir sobre a origem das terminologias cânone e
clássico, que possuem diferentes significados, embora seja aceitável que elas possam ser, em
determinado momento, compreendidas como sinônimos de padrão, modelo e rigor, por
exemplo.
A palavra “cânone” vem do grego kánon, que significa regra, modelo, norma. Na era
cristã, a palavra foi apropriada pelo direito eclesiástico e se referia a um conjunto de preceitos
11
IOSCHPE, Gustavo. De pais e professores. Veja, São Paulo, 5 de julho de 2008.
39
de fé e conduta. No catolicismo, adquiriu sentido de lista de santos reconhecidos pela
autoridade papal. Perrone-Moisés (1998) fornece uma explicação esclarecedora:
A palavra cânone vem do grego kánon, através do latim canon, e significava
“regra”. Com o passar do tempo, a palavra adquiriu o sentido específico de
conjunto de textos autorizados, exatos, modelares. No que se refere à Bíblia,
o cânone é o conjunto de textos considerados autênticos pelas autoridades
religiosas [...] Por extensão, passou a significar o conjunto de autores
literários reconhecidos como mestres da tradição (PERRONE-MOISÉS,
1998, p. 61).
De fato, o cânone importa o modelo teológico para a literatura no século XIX, época
da ascensão dos nacionalismos, em que os grandes escritores ascenderam como heróis e
passaram a simbolizar o espírito de suas nações:
Um cânone é, pois, nacional (como uma história da literatura), ele promove
os clássicos nacionais ao nível dos gregos e dos latinos, compõe um
firmamento diante do qual a questão da admiração individual não se coloca
mais: seus monumentos formam um patrimônio, uma memória coletiva
(COMPAGNON, 2001, p. 227).
Segundo Perrone-Moisés (1998), a primeira acepção de “cânone” no sentido de indicar
“relação de escritores” ocorreu no século IV. Como se vê, a atitude de estabelecer uma lista
de autores consagrados vem dos tempos mais remotos. Essas listagens são compostas segundo
critérios de valor estabelecidos em cada época; assim, um cânone é uma classificação
relativamente estável, e como afirma Compagnon (2001), “conhece entradas e saídas, mas
elas não são tão numerosas assim, nem completamente imprevisíveis” (COMPAGNON,
2001, p. 254). Não pode ser fixo nem tampouco aleatório, e, em certo grau, move-se
constantemente:
O cânone literário é função de uma decisão comunitária sobre aquilo que
conta em literatura, hic et nunc, e essa decisão é uma self-fulfilling prophecy,
como se diz em inglês: um enunciado cuja enunciação aumenta as suas
chances de verdade, ou uma decisão cuja aplicação não pode senão
confirmar a sua legitimidade, pois a de seu próprio critério. O cânone tem o
tempo a seu favor [...] (COMPAGNON, 2001, p. 254).
São nesses aspectos apontados anteriormente que a acepção do termo “cânone” se
aproxima de “clássico”, no sentido de obras-primas que perduram, continuam fora de seu
contexto de origem, como exemplos modelares, capazes de resistir às mudanças de valor na
passagem do tempo.
40
Voltando agora à discussão das origens do termo “clássico”, Perrone-Moisés (1998),
explica que a utilização do vocábulo ocorreu, pela primeira vez, em Roma, no século II, na
obra intitulada Noctes Atticae, de Aulo Gélio, que trazia uma classificação dos cidadãos
conforme sua fortuna. Portanto, desde sua origem, o termo latino classicus já assumia um
caráter de seleção, constituindo-se em um epíteto de classe que identificava os cidadãos que
possuíam certa renda e pagavam impostos em oposição aos proletarii. Como explica Antunes
(1997), “o termo clássico vem do latim classicus, que indicava o cidadão pertencente à mais
elevada das cinco classes de romanos” (ANTUNES, 1997, p. 4).
Os modos de conceber o que se adjetivava “clássico” dentro da perspectiva do
modelar-consagrado sempre foram passíveis de modificações no decorrer do tempo. Assim,
para os romanos, os clássicos eram os gregos. Na Idade Média e no Renascimento, as culturas
greco-romanas constituíam o referencial.
Segundo Compagnon (2001), no século XVII, “clássico” qualificava o que merecia ser
imitado, que servia de modelo, que possuía autoridade. Ao final do século XVII, adicionou-se
ao conceito nova acepção: tudo o que deveria ser ensinado em sala de aula. Mas é no século
XVIII que o termo passa a determinar obra literária da antiga Grécia e Roma, ou aquilo que
pertencia à Antiguidade grega e latina.
No entanto, segundo Perrone-Moisés (1998), é na segunda metade do século XVIII
que o juízo estético deixa de ser uma medida única e universal. A partir de então, os
“clássicos” perdem a condição de modelos absolutos e eternos. Uma das idéias responsáveis
pela mudança de paradigma do período é a teoria kantiana do julgar sem critérios (juízo
reflexivo), ou seja, acreditar que não se julga a partir de critérios, mas que, no julgar, é que os
critérios são criados.
Atualmente, uma das definições correntes comporta para o termo “clássico” as noções
de superioridade de obra ou autor, envolvendo, assim, obras que se espelham nos modelos
clássicos da Antiguidade, ou autor e obra que gozam de perenidade, ao serem lidos por
diversas gerações. Conforme Compagnon, “[...] clássico é um membro de uma classe, o elo de
uma tradição [...]” (COMPAGNON, 2001, p. 236).
Ao se perguntar sobre o que define um clássico, Calvino (1993) descreve alguns
conceitos, tais como: é uma obra sempre relida, nunca lida; é um livro que nunca termina de
dizer aquilo a que se propõe; é aquilo que persiste, mesmo diante da atualidade, dentre outros.
Coelho (2008)
12
explica que, assim como há um código genético (DNA) pelo qual a
12
COELHO, Nelly Novaes. “Os clássicos estão de volta”. Revista Discutindo Literatura – especial: literatura
infantil & juvenil. São Paulo, nº 3, p. 22-23, 2008.
41
natureza programa os seres humanos, deverá existir um “código genético” para a “alma da
humanidade”. Nessa proposição, a autora define como “obra clássica” aquela que consegue
resistir à passagem do tempo por carregar em seu tecido uma “verdade eterna”: “toda
literatura autêntica resiste à passagem do tempo e acaba se transformando em ‘obra clássica’
(a que guarda uma verdade eterna)” (COELHO, 2008, p. 23).
Desde o nascimento da literatura infantil, no século XVIII, a escola tem sido a
principal difusora de obras consideradas clássicas e, de fato, para a maioria dos jovens,
sobretudo no Brasil, a leitura dos clássicos começa na escola.
A promoção de leitura desses livros, conduzida pela instituição, quase sempre foi um
ponto nevrálgico, pois a metodologia aplicada quase sempre se resumiu a um processo de
leitura restrito ao mero cumprimento de exigências dos exames vestibulares. Isso, por sua vez,
condiciona os alunos a observar muito mais as qualidades externas à obra do que seu projeto
artístico.
Então qual deveria ser a postura mais coerente por parte da escola, com relação à
leitura de obras consideradas clássicas? A constatação a que se pôde chegar é somente uma: a
instituição deve continuar com a atribuição de difundi-las, mas precisa voltar-se, sobretudo,
para sua leitura.
Como a escola necessita promover atividades coletivas que privilegiem a troca de
experiências de leitura, deve atentar para o fato de que tais exercícios também propiciam aos
leitores um encontro com sua tradição cultural. Além disso, uma de suas competências é
assegurar às novas gerações o direito e o acesso à herança literária da humanidade: “sem ela,
as crianças se acham condenadas, como Peter Pan, a viver em um lugar de eterno presente, em
que tudo se esquece de imediato. (COLOMER, 2007, p. 152).
Machado (2002) também é partidária da leitura de clássicos pelas crianças. Segundo a
autora, cada um de nós tem o direito de conhecer as grandes obras literárias do patrimônio
universal ou, pelo menos, saber que existem: “[...] ler literatura é uma forma de acesso a esse
patrimônio” (MACHADO, 2002, p. 38). Pensando na relação da escola com a literatura, a
autora estende sua idéia:
É claro que hoje em dia o ensino é diferente e o mundo é outro. Não se
concebe que as crianças sejam postas a estudar latim e grego, ou a ler
pesadas versões completas e originais de livros antigos – como já foi de
praxe em várias famílias de algumas sociedades há um século – apenas não
precisamos cair no extremo oposto. Ou seja, o de achar que qualquer leitura
de clássico pelos jovens perdeu o sentido e, portanto, deve ser abandonada
nestes tempos de primazia da imagem e domínio das diferentes telas sobre a
42
palavra impressa em geral [...] o que interessa mesmo a esses jovens leitores
que se aproximam da grande tradição literária é ficar conhecendo as histórias
empolgantes de que somos feitos. (MACHADO, 2002, p. 11-12).
Quando examina a questão na escola, Calvino (1993) considera que a missão da
instituição consiste em garantir a preparação do leitor: “a escola deve fazer com que você
conheça bem ou mal um certo número de clássicos” (CALVINO, 1993, p. 13); contudo, na
visão do autor, o problema se instaura quando essas leituras são realizadas apenas para
cumprir uma obrigação: “os clássicos não são lidos por dever ou por respeito mas só por
amor. Exceto na escola...” (CALVINO, 1993, p.12-13).
O autor esclarece que a escola obriga-se a fornecer ao leitor ferramentas que o tornem
apto a fazer futuramente suas escolhas particulares, no sentido de eleger o próprio cânone: “a
escola é obrigada a dar-lhe instrumentos para efetuar uma opção: mas as escolhas que contam
são aquelas que ocorrem fora e depois de cada escola”. (CALVINO, 1993, p. 13).
Quando se verifica a relação estabelecida entre crianças, jovens e a leitura de clássicos
nota-se que alguns pesquisadores possuem visões diferenciadas. No caso de Calvino (1993), a
leitura de clássicos feita na juventude pode ser pouco fecunda pela inexperiência do jovem
leitor; já na idade madura, a leitura de um grande livro poderia traduzir-se em um prazer
extraordinário: “na maturidade apreciam-se (deveriam ser apreciados) muitos detalhes, níveis
e significados a mais” (CALVINO, 1993, p. 10). Sendo assim, o autor não descarta a
possibilidade de que jovens possam ler obras dessa linhagem, mas acredita que essa leitura
venha a ser muito mais formativa que fruitiva.
Ao refletir sobre a temática, Machado (2002) traz uma opinião diferente. A autora
acredita na permanência da memória infantil e que se deva garantir às crianças, logo cedo, o
acesso a essa categoria de obras. A memória virgem e disponível da criança é um terreno fértil
para que tais obras se instalem e se transformem em bagagem cultural e afetiva. Logo, ao
considerar que a leitura de clássicos deva começar na infância, Machado (2002) explica que
precisam ser observadas a idade e a maturidade do leitor e, por isso, não descarta o uso de
adaptações:
[...] não é necessário que essa primeira leitura seja um mergulho nos textos
originais. Talvez seja até desejável que não o seja, dependendo da idade e da
maturidade do leitor. Mas creio que o que se deve propiciar é a oportunidade
de um primeiro encontro (MACHADO, 2002, p. 12).
43
Os clássicos e a gama de possibilidades adaptativas que eles proporcionam, somadas à
sua utilização na escola, são a matéria-prima perfeita a um mercado que vislumbra ampliar
lucros. Disso resulta a grande quantidade de publicações dessa espécie, lançadas em número
crescente a cada ano pelas editoras. O ponto negativo desse processo é o de desencadear o
pensamento de que obras consideradas “clássicas” tenham de ser lidas a todo custo.
Por outro lado, não se pode desconsiderar o saldo positivo resultante da ampliação da
circulação que uma obra já não tão lida possa atingir: “E, historicamente o fenômeno se
repete: a cada adaptação bem realizada de um clássico (nas várias linguagens) é grande o
número de leitores que se dirige aos textos originais” (CECCANTINI, 1997, p. 7). Em vista
disso, o ideal é que os mediadores de leitura do ambiente escolar tenham discernimento para
saber o que, quando e como irão prescrever suas indicações. É evidente que a leitura de boas
adaptações, que tornem mais acessíveis as obras de referência, pode ser uma alternativa
quando a leitura direta do texto integral estiver muito afastada das capacidades lingüísticas e
culturais dos alunos.
Também é preciso usar várias estratégias. A esse respeito, Colomer (2007) sugere que se
amplie na escola a leitura compartilhada, além de indicar outros procedimentos:
[...] algumas obras podem ser narradas ou lidas pelos professores, outras
podem ser introduzidas fragmentariamente como uma simples prova, outras
podem andar por aí em projetos de trabalho e, inclusive, em muitos casos,
pode-se confiar em uma primeira apresentação através de versões
audiovisuais (COLOMER, 2007, p. 157).
Retornando à pergunta inicial sobre o posicionamento da escola quanto à leitura de
clássicos, a verdade é que não há uma só estratégia, uma vez que não há o certo. Como quase
tudo em literatura, nada está decidido e, nessa questão, a responsabilidade e o poder estarão
sempre, inevitavelmente e em última instância, nas mãos dos professores. O trecho a seguir é
o que melhor sintetiza esse pensamento, como também dá a tonalidade adequada para o final
da abordagem presente nesta seção:
Muitas estratégias pedagógicas de estímulo à leitura me parecem pelo menos
tão falíveis como quaisquer estratégias de sedução orientadas no sentido de
garantir uma hipotética «posse» ou «conquista» amorosa. Pelo contrário,
talvez a melhor estratégia consista, como no amor, em não termos estratégia
nenhuma, sem desistirmos nunca, todavia, de criar as condições mais
propícias à eclosão dessa espécie de encontro amoroso único, inesquecível e
viciante que corresponde à descoberta da literatura no momento mais
decisivo ou inesperado das nossas vidas. E se nem assim conseguirmos
evitar que o prazer degenere num suposto «dever» que deixamos por cumprir
44
talvez seja a forma de sermos fiéis a um outro dever mais errante e
misterioso que nos reclama e nos transforma nas criaturas mais instáveis,
problemáticas e contraditórias do mundo. É que, afinal, foi sempre dessa
instabilidade que viveu a melhor literatura... (AMARAL, 1999, p. 93).
Uma vez que já se discorreu sobre as (in)definições de literatura e de suas relações
com a escola, a leitura e o tratamento de duas teorias específicas – a Estética da Recepção e a
Sociologia da Leitura – serão os assuntos dos próximos tópicos.
2.2 TEORIAS DA LEITURA
2.2.1 Leitura
Provavelmente, motivos comerciais (lembrar o número de cabeças de gado)
determinaram a invenção da escrita. Tabuletas de argila foram os suportes dos quais se
serviram os primeiros registros. Mas escrever não foi o único ato que nasceu no instante
daquelas rudimentares incisões, pois outra criação aconteceu no mesmo momento: a leitura.
Ao compor as mensagens, criar signos no pedaço de argila, o escritor precisaria de
alguém que os decifrasse, que reconhecesse seu significado, que lhes desse voz: um leitor.
De lá para cá, escrever e ler se tornaram habilidades reconhecidamente poderosas.
Dessa forma, os suportes da escrita, desde suas primeiras representações, vieram a ser
sinônimo de autoridade intelectual. A associação entre livros e seus leitores tornou-se, desde
então, diversa daquela que se estabelece entre quaisquer outros objetos e seus usuários, como
ferramentas, móveis e roupas.
Desde que surgiram, os livros infligem aos leitores um simbolismo que ultrapassa ao
de meros objetos, pois sua simples posse pode implicar posição social e riqueza intelectual.
Mas entre leitores e livros há muito mais do que uma relação de decodificação ou
poder, existe uma relação de troca, no sentido de cumplicidade, de afeto ou, até mesmo, de
cobiça. Segundo Manguel (2001), o ato de ler determina uma relação íntima, física, na qual
trabalham todos os sentidos:
45
[...] os olhos colhendo as palavras na página, os ouvidos ecoando os sons que
estão sendo lidos, o nariz inalando o cheiro familiar de papel, cola, tinta,
papelão ou couro, o tato acariciando a página áspera ou suave, a
encadernação macia ou dura, às vezes até mesmo o paladar, quando os dedos
do leitor são umedecidos na língua (MANGUEL, 2001, p. 277).
À época dos antigos eclesiásticos, expõe Sartre (2004)
13
, a leitura era a técnica de um
grupo restrito que a usava com fins profissionais. No dizer do autor, sua prática não era
fruitiva ou um exercício do espírito: “os outros homens não aspiravam a possuir essas técnicas
profissionais, assim como hoje não aspiramos a adquirir as técnicas do marceneiro ou do
documentalista” (SARTRE, 2004, p. 67).
Hoje a situação é inversa: considerada um direito do homem, a leitura garante a
comunicação e o acesso à informação; assim, mesmo um inculto trabalhador do campo
potencialmente pode se tornar um leitor.
Mas o valor atribuído à leitura nesta ou naquela época não é, necessariamente, o ponto
específico que se quer mostrar, e sim a incontestável relação de troca entre leitor e escritura
no ato de ler, que acontece da mesma maneira quando do surgimento da leitura, nas antigas
comunidades sumérias.
Diferentes análises e modos de conceber a leitura ajudam a descrever esse importante
aspecto. Basta notar os pontos em comum nas abordagens que alguns autores fazem quando
refletem sobre a causa. Sartre (2004), por exemplo, afirma que ler é um exercício de prever e
esperar, enquanto Eco (1994) considera a leitura como um jogo em que se deve aceitar o
acordo ficcional. Jouve (2002) acredita na leitura como atividade complexa que envolve
vários processos, do físico ao simbólico, e para Larrosa (2006), a leitura é uma relação de
troca entre leitor e texto.
Sartre (2004) compreende que a arte de escrever é um excelente modo de demonstrar
uma manifestação dialética, e a leitura, como ato concreto, torna essa relação possível. É por
meio de sua intermediação que se produz o objeto literário. Para Sartre (2004), isso explica o
fato de um autor não poder ler seus escritos, pois ficaria impedido de estabelecer diálogo. O
trecho a seguir traz um pouco das considerações do autor sobre o ato da leitura:
Ler implica prever esperar. Prever o fim da frase, a frase seguinte, a outra
página; esperar que elas confirmem ou infirmem essas previsões; a leitura se
compõe de uma quantidade de hipóteses, de sonhos seguidos de despertar, de
esperanças e decepções; os leitores estão sempre adiante da frase que lêem,
num futuro apenas provável, que em parte se desmorona e em parte se
consolida à medida que a leitura progride, um futuro que recua de uma
13
A primeira edição é de 1948.
46
página a outra e forma o horizonte móvel do objeto literário. (SARTRE,
2004, p. 35-6).
No caso de Eco (1994), a leitura exerce a mesma função de um brinquedo infantil.
Para o autor, ler ficção é jogar um jogo: o leitor precisa aceitar tacitamente um acordo
ficcional [...] Quando entramos no bosque da ficção, temos de aceitar, por exemplo, que lobo
fala” (ECO, 1994, p. 81-3). Nesse caso, a leitura tem uma função “consoladora” e, segundo o
autor, isso explica por que a humanidade, desde a antiguidade, contou e não deixará de contar
histórias de ficção: “é nelas que procuramos uma fórmula para dar sentido a nossa existência”
(ECO, 1994, p. 145).
Ao indagar-se a respeito do que é a leitura, Vincent Jouve (2002) a define como uma
atividade envolta de complexidade, entendida na pluralidade, uma vez que se desenvolve em
muitas direções. O autor busca nos estudos de Gilles Thérien, “Pour une sémiotique de la
lecture”, fundamentos para chegar à sua essência e a descreve através de cinco processos:
neurofisiológico, cognitivo, afetivo, argumentativo e simbólico.
Segundo Jouve (2002), a leitura, por ser um ato concreto e observável, é um processo
neurofisiológico por carecer da visão, bem como de funções cerebrais para efetuar-se. Uma
vez que implica esforços de abstração, é um processo cognitivo. Por suscitar emoções e assim
influir na afetividade, a leitura pode também ser entendida como um processo afetivo. Como a
intenção de convencer está presente de certo modo em toda narrativa e como proclamar uma
ou outra tese como norma é impossível, dentro do que se considera o texto (aberto,
indeterminado), a leitura pode ser um processo argumentativo. Por fim, já que a leitura age
nos modelos do imaginário coletivo, pois o sentido que se tira instala-se no contexto cultural
de onde cada leitor evolui, a leitura pode ser um processo simbólico.
Observe-se agora o pensamento de outro autor, Larrosa (2006), que acrescenta
algumas considerações heideggerianas a respeito da experiência de leitura e do
comportamento do leitor diante da obra. Larrosa (2006) recupera a relação, sugerida por
Heidegger, dos vocábulos legein (grego) e leger (latim) em seus sentidos primitivos – “pôr
abaixo e pôr adiante que se reúne assim mesmo e recolhe outras coisas” – para explicar o ato
da leitura. O autor compara a leitura a um processo em que o leitor, após reportar-se ao texto,
capta os signos, junta-os e compõe um significado: “é como se a leitura fosse a que dá os
‘olhos dadivosos’ ao leitor, isso é, uma relação com o ‘existente’ em que o existente está aí
[...] oferecido ao olhar [...] O livro é aquilo que ensinou o leitor a ler o mundo poeticamente”
(LARROSA, 2006, p. 110).
47
Esses diferentes pontos de vista sobre a leitura assinalam uma característica comum: a
relação hermenêutica que é estabelecida entre leitor e texto no ato da leitura; logo, fica muito
difícil e pouco lógico desconsiderar a atuação do leitor na experiência literária.
2.2.2 Estética da recepção: a (re)descoberta do leitor
Ignorado ou colocado no centro das atenções, os estudos literários concedem ao leitor
espaços antagônicos. As análises de Compagnon (2001), por exemplo, indicam que as teorias
mais relacionadas à corrente positivista, como o Estruturalismo, o Historicismo e o
Formalismo, concordaram (ou concordam) durante muito tempo em eliminar a atuação do
leitor, mas o New Criticism é o movimento que decreta sua exclusão clara e expressa.
De modo geral, essas teorias compreendem a obra como uma unidade auto-suficiente e
a leitura como uma atividade fechada – close reading, objetiva, descritiva, cujo único
compromisso é chegar à interpretação fiel do texto sem reivindicar identificações por parte de
ninguém: “eles recomendavam a dissecção do poema em laboratório para dele retirar as
virtuosidades de sentido” (COMPAGNON, 2001, p. 141). O âmbito do leitor é circunscrito à
função do texto, diante do qual ele precisa se curvar. Ceder espaço à sua atividade implicaria
quebrar o equilíbrio do discurso positivista; logo, banir o leitor era inevitável.
A concessão de maior liberdade ao leitor, conforme Compagnon (2001), parece ter
começado com Proust. Em defesa de uma leitura que se realiza através da empatia, projeção e
identificação, conseqüentemente por um leitor mais independente, preocupado em
compreender-se pelo texto e não o contrário, Proust, certamente, contradiz a teimosia
positivista.
De acordo com Compagnon (2001), a partir do pioneirismo de Proust e das idéias da
Fenomenologia e da Hermenêutica, seguem teorias como o Reader Response Theory e a
Estética da Recepção. Interessando-se pela maneira como uma obra pode afetar o leitor, essas
teorias sagram seu retorno ao centro dos estudos literários.
A ascensão do leitor traz um redimensionamento ao texto, já que se abandona a
postura de identificá-lo como o “fornecedor” da verdade incontestável. Para as novas teorias,
a obra assume a posição oposta, concebida como uma estrutura potencialmente carregada de
48
“indeterminações” e dependente da interpretação do leitor para que se cumpra. Esse novo
posicionamento do leitor e a nova dimensão que a leitura adquire é a matéria-prima da
Estética da Recepção. Dentre os representantes dos estudos de recepção, os nomes
exponenciais são Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser.
A teoria da Estética da Recepção pode ser compreendida em duas vertentes: uma
ligada à fenomenologia, ao leitor individual, liderada por Iser; e outra interessada na dimensão
coletiva da leitura, fundada e representada por Jauss.
Em suas teses lançadas em 1967, Hans Robert Jauss revoluciona as concepções
vigentes nos estudos literários. O autor propõe um novo entendimento da história da literatura
e, conseqüentemente, da teoria literária, a partir de uma base fundamental: o leitor.
Até a (re)descoberta do leitor por Jauss, no século XX, a postura mais comum
consistia na valorização da obra de arte a partir do campo de atuação da estética da produção,
ou seja, do eixo das obras e de seus autores. O status de autonomia da arte era, portanto,
medido pela qualidade estética da obra, que, por sua vez, desconsiderava o pólo da recepção:
“o descaso do leitor se fazia em nome da importância estética da obra” (LIMA, 2002, p. 16).
14
Em seus ensaios, Jauss (2002)
15
procura definir uma nova concepção para a
experiência estética, que não pode mais limitar-se à compreensão e interpretação do
significado de uma obra, e menos ainda à reconstrução da intenção de seu autor, e sim
realizar-se na sintonia com seu efeito estético, ou seja, na “compreensão fruidora e na fruição
compreensiva” (JAUSS, 2002, p. 69). Em outras palavras, deve realizar-se no prazer gerado
pelo conhecimento e vice-versa. Logo, o autor valida o prazer gerado pela experiência
estética, contrariando o postulado de algumas teorias vigentes.
Ao investigar as manifestações da práxis estética na história da arte, Jauss (2002)
indica que os resultados confeririam importância decisiva para a teoria contemporânea, uma
vez que a teoria estética e a hermenêutica literária estiveram pouco inclinadas a essa questão
ao longo do tempo.
Jauss (2002) destaca, na Antiguidade, a Poética de Aristóteles e, na Idade Moderna, a
Crítica da faculdade de julgar de Kant, como as obras que cuidam da arte do ponto de vista
receptivo. Entretanto, tais obras, segundo o autor, são grandes exceções.
Ao longo do tempo, a percepção da arte sob seu aspecto receptivo cedeu espaço (se é
que obteve) à recusa dos efeitos da arte e à estética hegeliana, que “definia o belo como o
14
Primeira edição em 1979.
15
O texto é de 1977.
49
aparecimento sensível da idéia” (JAUSS, 2002, p.68). Isso abriu o caminho para as teorias
histórico-filosóficas da arte que surgiram no século XIX.
Para Jauss (2002), desde então, a estética se resumia à mera apresentação da arte e de
sua história como uma “história das obras e de seus autores” (JAUSS, 2002, p. 68), razão pela
qual sua função vital concentrava-se apenas em seu aspecto de produção e raramente, ou
“quase nunca”, em seu caráter receptivo.
Do historicismo até agora, a investigação científica da arte tem-nos
incansavelmente instruído sobre a tradição das obras e de suas interpretações
sobre sua gênese objetiva e subjetiva, de modo que hoje se pode reconstruir,
com mais facilidade, o lugar de uma obra de arte em seu tempo, sua
originalidade em contraste com as fontes e os antecessores, mesmo até a sua
função ideológica, de que a experiência daqueles que, na atividade
produtiva, receptiva e comunicativa, desenvolveram in actu a práxis
histórica e social, da qual as histórias da literatura e da arte sempre nos
transmitem o produto já objetivado. (JAUSS, 2002, p. 68).
Para o autor, a explicação está na predominância do legado platônico da primazia da
verdade (da arte) sobre sua experiência. Então Jauss (2002) propõe que a práxis estética da
arte deva ser reconsiderada: “por isso a pergunta pela práxis estética, de importância decisiva
em toda arte manifestada como atividade produtora, receptiva e comunicativa, permanece, em
grande parte, não esclarecida e precisa ser hoje recolocada” (JAUSS, 2002, p. 67).
Para o especialista em literatura, Jauss esclarece que uma interpretação que ignorasse
essa experiência estética primeira teria grande risco de incorrer em equívocos, pois “seria
própria da presunção do filólogo que cultivasse o engano de supor que o texto fora feito não
para o leitor, mas sim, especialmente, para ser interpretado” (JAUSS, 2002, p. 69).
Jauss (2002) acredita que a natureza transgressora e comunicativa da arte é alcançada
pela via da fruição estética. Assim, o autor introduz três atividades simultâneas e
complementares: Poiesis, Aisthesis e Katharsis, para explicar a concretização do prazer
estético.
A poiesis é entendida como o prazer realizado “ante a obra que nós mesmos
realizamos” (JAUSS, 2002, p. 100). Aqui Jauss (2002) oferece nova interpretação para as
proposições de Adorno, ao concluir que o experimentalismo das criações do século XX
propõe uma participação crescente do leitor no seu processo de criação. Nessa atividade, o
processo de criação artística em si, ou melhor, a conversão do material exterior em sua própria
arte é o que pode gerar fruição.
50
A aisthesis seria o prazer estético ante a percepção do imitado. Jauss (2002) procura
concordar com as acepções vigentes para aisthesis, sobretudo de Aristóteles, para quem o
prazer estético é gerado pelo reconhecimento diante do imitado. Assim, a atividade justifica a
finalidade de renovação da percepção da arte contemporânea. Nas palavras do autor, a
definição seria “o conhecimento sensível, em face da primazia do conhecimento conceitual”.
(JAUSS, 2002, p. 101).
Jauss (2002) empresta conceitos do sofista Górgias e de Aristóteles para a katharsis,
definindo-a como a ação decorrente do prazer, fruto do processo de comunicação entre obra e
receptor: “aquele prazer dos afetos provocados pelo discurso ou pela poesia, capaz de
conduzir o ouvinte e o espectador tanto à transformação de suas convicções quanto à
liberação de sua psique” (JAUSS, 2002, p. 101).
A visão de uma experiência estética genuína, elevada ao nível da reflexão pela
privação do prazer e de uma arte ascética foi, para muitos, o pensamento válido durante muito
tempo. No entanto, ao procurar reabilitar a experiência estética, Jauss (2002) tenta
desconstruir o discurso dos adversários do prazer estético, principalmente o de Adorno, que
rejeita a função comunicativa da arte por acreditar que ela seja sintoma de sua massificação
(estética da negatividade).
Portanto, o desprestígio do prazer estético, para Jauss (2002), determinaria a rejeição
da arte por inteiro. Esse posicionamento parece implícito nas teorias que se recusam a validar
a experiência do leitor.
Jauss (1994) faz críticas à escola marxista e formalista por não considerarem o leitor.
Na primeira, o leitor só é lembrado quando o objetivo é seu reconhecimento na estratificação
social; já a segunda o limita à simples função de um texto. Para Jauss (1994), o leitor é o
destinatário primordial que a obra deve buscar.
Segundo Jauss (1994), a obra literária deve ser vista como um fato experimentado e
não como um objeto autônomo e atemporal. Isso significa que ela só consegue resistir ao
tempo a partir do momento em que seu efeito é estendido às novas gerações.
É preciso refletir sobre o modo pelo qual as obras foram lidas, transmitidas e julgadas,
ou melhor, é através da recepção que se pode demarcar a trajetória de uma obra para
efetivamente chegar ao delineamento da história da literatura: “a historicidade da literatura
não repousa numa conexão de ‘fatos literários’ estabelecida post festum, mas no experimentar
dinâmico da obra literária por seus leitores” (JAUSS, 1994, p. 24).
O leitor na concepção de Jauss (1994) é o responsável pela produção do conhecimento
tanto histórico quanto estético, o que se explica pela relação dialógica que se institui entre
51
literatura e leitor. Essa relação, segundo o autor, traz implicações estéticas, conforme as quais
o leitor pode estabelecer juízos estéticos por comparação com outros textos lidos. Isso pode
ocorrer mesmo em uma situação de leitura primária e implicações históricas, que possibilitam
o enriquecimento e a continuidade da compreensão dos primeiros leitores, garantindo, assim,
a vivacidade da obra através das gerações.
Assim como em toda experiência real, também na experiência literária que
dá a conhecer pela primeira vez uma obra até então desconhecida há um
“saber prévio”, ele próprio um momento dessa experiência, com base no
qual o novo de que tomamos conhecimento faz-se experienciável, ou seja,
legível, por assim dizer, num contexto experiencial (JAUSS, 1994, p. 28).
Quanto ao processo de leitura, Jauss (1994) prescreve que o leitor, visando a alcançar
o sentido do texto, recorrerá ao seu conhecimento prévio. Esse saber prévio do leitor é
denominado por Jauss (1994) “horizonte de expectativas”. O estudioso empresta a noção de
seu mestre Hans Georg Gadamer
16
e a amplia.
O horizonte de expectativas pode ser definido como uma espécie de sistema histórico
e literário de referências, que, segundo Jauss (1994), são “objetivamente formuláveis”. Em
outras palavras, o horizonte de expectativas representa um conjunto de crenças, princípios
assimilados, idéias aprendidas, que tanto pode ser trazido pelo leitor, quanto ser evocado pela
obra. Compagnon (2001) o relaciona à noção de “repertório”
17
de Iser (1996).
Dessa forma, qualquer situação interpretativa fatalmente estará acompanhada de um
ponto de vista formado a partir dos princípios já assimilados, de um conhecimento de mundo
que, de certo modo, limitará a liberdade total do ato interpretativo. O leitor, ao deparar-se com
o texto literário, entra com seu horizonte de expectativas, ou seja, sua memória literária, suas
aquisições culturais, sua experiência de vida. Esse horizonte, sempre, atua com o horizonte do
texto e assim concretiza o ato da interpretação.
Da outra vertente da Estética da Recepção, em certo grau mais relacionada à
fenomenologia, Wolfgang Iser é o representante maior. De Iser (1996), descrevem-se, em
linhas gerais, algumas de suas considerações. Uma delas diz respeito ao fato de o objeto
literário não ser o texto objetivo nem a experiência subjetiva do leitor, mas a “virtualidade”,
16
Hans-Georg Gadamer foi professor de Jauss e Iser na Universidade de Heidelberg. Gadamer designa
‘compreensão’ (Verstehen) a fusão do nosso horizonte individual com o horizonte do outro (texto ou pessoa
individualizada). Esse processo é conhecido como fusão de horizontes, ou seja, a fusão do horizonte do presente
(do intérprete) com o horizonte do passado (inscrito no texto).
17
Na terminologia de Iser, ‘repertório’ significa o conjunto de experiências da vida social, cultural, comunitária
que podem estar no texto ou fora dele (trazidos pelo leitor).
52
ou seja, o produto da fusão entre esses dois pólos no ato da leitura: “A obra literária se realiza
então na convergência do texto com o leitor; a obra tem forçosamente um caráter virtual, pois
não pode ser reduzida nem à realidade do texto, nem às disposições caracterizadoras do leitor”
(ISER, 1996, p. 50).
O sentido é um efeito experimentado pelo leitor e não um objeto definido: “o sentido
do texto é apenas imaginável, pois ele não é dado explicitamente” (ISER, 1996, p. 75); assim,
o objeto estético não é dado, mas construído pelo leitor. Para Iser (1996), o texto necessita de
uma consciência receptora para se concretizar, de modo que seu caráter de virtualidade se
atualiza apenas no sujeito.
Os sujeitos receptores exercem papéis frente ao texto literário, que deve, por sua vez,
estar apto a proporcionar condições para essa atuação: “os textos contêm elementos de
indefinição. Essa indeterminação não é um defeito, mas constitui as condições elementares de
comunicação do texto que possibilitam que o leitor participe na produção da intenção textual”
(ISER, 1996, p. 57).
Portanto, o texto necessita disponibilizar “vazios”, ou melhor, indeterminações pelas
quais o leitor possa atuar: “As estruturas básicas da indeterminação no texto são duas: os
lugares vazios e as negações. Eles são essenciais para a comunicação porque põem em
movimento e até certo ponto regulam a interação entre texto e leitor” (ISER, 1996, vol. 2, p.
126).
O leitor de Iser (1996) pode ser identificado através de suas atuações principais: como
“estrutura do texto” e “estrutura do ato”. Na estrutura do ato, o leitor é real, ou seja, o sujeito
da recepção. Como uma estrutura do texto, o leitor é uma construção textual, disponibilizada à
apreensão do receptor. Observe-se o pensamento de Iser (1996), ao referir-se ao leitor
implícito:
[...] o leitor implícito não tem existência real; pois ele materializa o conjunto
das preorientações que um texto ficcional oferece, como condições de
recepção, a seus leitores possíveis. Em conseqüência, o leitor implícito não
se funda em um substrato empírico, mas sim na estrutura do texto. [...] A
concepção do leitor implícito designa então uma estrutura do texto que
antecipa a presença do receptor (ISER, 1996, p. 73).
Muito próximo de Wolfgang Iser, Umberto Eco (1994), em suas análises, faz uma
distinção de dois tipos de leitor: empírico e modelo. O leitor empírico é o sujeito, o leitor real,
aquele que abre o livro e o folheia: “o leitor empírico é você, eu, todos nós quando lemos um
53
texto” (ECO, 1994, p.14). O leitor empírico pode ler de várias formas, não havendo regras ou
limites que determinem como deve ser sua leitura e, através dele, o texto irá se realizar.
O leitor-modelo é aquele idealizado pelo autor no momento da composição textual,
equivalente ao leitor implícito de Iser (1996). Sua ação é orientada pelo autor e prevista pelo
texto: “o leitor-modelo que propus depois é, ao contrário, um conjunto de instruções textuais,
apresentadas pela manifestação linear do texto precisamente como um conjunto de frases ou
de outros sinais” (ECO, 1994, p. 22).
2.2.3 Sociologia da leitura
As primeiras teorias de leitura de que se tem registro datam da Antiguidade. Surgiram
com os gregos e partiam da alfabetização para o texto literário. E como já se expôs, durante
boa parte do século XX, a teoria da literatura privilegiava primordialmente o texto, como, por
exemplo, o New Criticism na América do Norte e do Estruturalismo na Europa.
Com o tempo, a economia capitalista impôs a necessidade de escolarizar a população,
surgindo, nesse período, a alfabetização em massa, fator responsável por mudanças na teoria
da literatura, que deixa de lado o âmbito exclusivamente literário, principalmente em países
mais pobres.
A valorização do texto pelas gerações anteriores não impediu o leitor de atingir
visibilidade. Um exemplo disso é o que ocorreu no século XVIII, em que novos gêneros
surgiram a partir do gosto do leitor, porém o acontecimento não impediu a crítica literária de
perpetuar seu não-reconhecimento. Contudo, é dessa fase a necessidade de buscar novas
medidas pedagógicas e, desde então, apareceram os primeiros estudos preocupados com a
análise das relações entre autor, obra e público.
Nesse contexto, surge a Sociologia da Literatura, disciplina que fornece suporte às
pesquisas da área da Sociologia da Leitura. Dessa disciplina, muitos autores e de variadas
épocas publicaram estudos direcionados à análise do literário com o social, porém Robert
Escarpit é o que alcançou maior projeção, representando, de certa forma, uma referência
inclusive para o ramo da Sociologia da Leitura.
Com a publicação em 1958 de Sociologia da Literatura, o autor deixa um legado de
54
preciosas contribuições à disciplina. Ele defende a idéia de que um estudo literário deva
interessar-se pela produção e distribuição das obras. Para ele, três elementos são importantes:
a produção, a distribuição e o consumo.
Também ligado ao grupo de estudiosos da Sociologia da Literatura, Gilbert Mury é
outro autor de reconhecido valor. Mury (1974) retoma o conceito lukaciano de “consciência
possível” e explica que é necessário utilizar a psicologia social para determinar o equivalente
psicológico de uma possível consciência individual e de classe, como estrutura historicamente
constituída pela literatura. Para ele, esse equivalente pode representar uma forma de mediação
entre obra, público e autor. Segundo Mury (1974), a sociologia da literatura é um processo
que pode ser explicado por meio da união do psicológico com o social.
No Brasil, os tratados de Antônio Candido, ligados à área da sociologia da literatura,
também alimentam as idéias dos estudiosos da Sociologia da Leitura. Com eles, o autor
defende a idéia de que a arte é um processo de comunicação que pressupõe um autor, uma
obra e um público e acrescenta que o fator social pode ser evocado para explicar a estrutura de
uma obra e seu teor de idéias.
Como Escarpit (1974), o autor também refuta a discussão relativa à questão do valor
estético. Para Candido (1976), há dois modos para o elemento social: um que ele classifica de
“externo”, que é importante não por funcionar como causa ou significado, mas por fazer parte
da constituição estrutural da obra, transformando-se, dessa maneira, em um elemento
“interno”.
Ao traçar um paralelo com o passado, Candido (1976) explica que antes o valor e o
significado de uma obra dependiam de sua propriedade de exprimir ou não certo aspecto da
realidade. Posteriormente, chega-se à posição oposta: a matéria de uma obra é secundária,
pois sua importância deriva das operações formais “postas em jogo”. Hoje o que se tem é que
a integridade de uma obra não permite uma dissociação dessas visões, sendo que seu
entendimento se dá através da fusão entre texto e contexto. Nessa perspectiva, o elemento
social que o autor chama de “externo” não é importante por funcionar como causa ou
significado, mas por desempenhar certo papel na constituição da estrutura, o que o torna um
elemento “interno”.
Pesquisas ligadas à Sociologia da Leitura trazem contribuições importantes aos
estudos literários. É o caso do norte-americano Robert Darnton, que se propôs a estudar as
histórias de leitura dos franceses do final do século XVIII. Após constatar um grande
consumo de obras “não-canônicas” e censuradas pelo Antigo Regime, o autor revela a
existência de uma contradição dentro da história da literatura, que sempre ambicionou perfilar
55
as épocas artísticas, mas nunca conseguiu dar notícias do universo das publicações e, muito
menos, dos efeitos produzidos por elas.
Com interesse pelo estudo da história do livro, da leitura e buscando recuperar o que
se opera entre os universos do texto e do leitor, um pesquisador que se destaca é Roger
Chartier. Para ele, o leitor assume condição de sujeito histórico cujo comportamento pode
condicionar-se às transformações sociais, adequando-se a elas. Chartier (1999) considera que
a forma em que se apresenta o texto, ou seja, o material que o sustenta, proporcionando-lhe a
disponibilidade para a leitura, também pode interferir no processo de construção do sentido
para o leitor. Em O desafio da escrita, de 2002, Chartier estuda a mediação editorial e
apresenta tais proposições.
Uma vez que textos são dependentes de suportes materiais para existir, a tese de
Chartier (2002) é a de que condições técnicas e materiais de produção ou mesmo difusão de
um objeto impresso podem interferir em sua estabilidade lingüística e semântica: “contra a
abstração dos textos, é preciso lembrar que as formas que permitem sua leitura, sua audição
ou sua visão participam profundamente da construção de seus significados” (CHARTIER,
2002, p. 62).
Ainda do conjunto de pesquisas da Sociologia da Leitura, participam trabalhos que
trazem como tema a democratização da leitura por meio de mediadores. Arnold Hauser, por
exemplo, define que o gosto e o juízo estético do público são influenciados por uma larga
série de intermediários. Segundo o autor, toda pessoa ou instituição que se coloque entre a
obra e seus receptores acabam por exercer uma função mediadora. Hauser (1977) estuda as
instituições mediadoras: teatro, salas de concerto, museus, bibliotecas, dentre outras.
No mesmo caminho, encontram-se as pesquisas de Michele Petit. A diferença é que
Petit (1999) discorre sobre a mediação por interferência humana. A autora crê na importância
do trabalho de professores e bibliotecários na formação do leitor. Ao tratar do papel dos
mediadores, Petit (1999) sugere um tratamento individualizado para cada tipo de leitor, a fim
de assegurar o sucesso da missão.
De acordo com Regina Zilberman, a Sociologia da Leitura divide hoje o cenário com
outras teorias focadas em reabilitar a função do leitor, como a Estética da Recepção de Hans
Robert Jauss, de 1967, e as coletâneas americanas de 1980 do Reader-Response Criticism, por
exemplo. Com relação à disciplina, Zilberman (2000) presta alguns esclarecimentos:
[...] a admissão do leitor na posição de fator determinante do sistema
literário sustenta a Sociologia da Leitura, que, enquanto campo de
56
investigação, não prescinde da pesquisa histórica, retomando dados e
acontecimentos do passado; além disso, lida prioritariamente com as
publicações consumidas, sobretudo pela classe trabalhadora (ZILBERMAN
2000, p. 77).
Ao conceber o público como agente do processo literário, a Sociologia da Leitura
prescreve um leitor ativo na comunicação literária; assim, o objetivo da disciplina é estudá-lo
enquanto fator ativo do processo literário, uma vez que as mudanças de gosto e preferências
interferem não apenas na circulação, mas também na fama e na produção dos textos.
Como disciplina de cunho científico, a Sociologia da Leitura não está preocupada,
necessariamente, com a orientação estética de uma obra. Interessa-se por todo
condicionamento que venha a atingir o leitor ou influenciar a leitura e que seja passível de
transformação na relação que se estabelece na tríade obra, autor e público.
Em síntese, a sociologia da leitura, desde que surgiu, esteve voltada para os estudos
que analisam a formação do público leitor. Entende o literário em seu sentido mais amplo, ou
seja, dispensa o valor literário, porque se preocupa, primordialmente, com o contexto da
circulação e o consumo de uma obra do ponto de vista do terceiro elemento da tríade de
comunicação – o leitor. Aguiar (2008) faz um delineamento dos temas que interessam à
disciplina:
Tem sido temas de estudo da sociologia da leitura todos os elementos
voltados para as questões de distribuição, circulação e consumo de livros.
Discutem-se, então, a função social do escritor, a história das obras junto aos
diferentes públicos, as características definidoras da cultura popular e
erudita, os processos de produção e popularização do livro, as políticas de
leitura, o êxito dos autores e dos textos. Paralelamente traçam-se as histórias
individuais e as práticas de leitura, recompõem-se o percurso do livro
historicamente e as situações humanas em que ele é objeto de disputa, culto,
censura, louvação, isto é, aquelas em que ele é o móvel da ação dos
indivíduos. (AGUIAR, 2008, p. 15).
O próximo tópico traz algumas ponderações a respeito de arte e da questão de sua
reprodutibilidade técnica. Seguidamente, a discussão se volta para as relações específicas
entre literatura e mercado editorial. Ao final, breves considerações sobre o mercado editorial
brasileiro encerram o capítulo.
57
2.3 LITERATURA E MERCADO
As concepções de arte enquanto evasão, fuga da realidade ou sua negação e enquanto
valor de culto para os objetos artísticos parecem muito distantes quando se vislumbra uma
mesma arte ligada a um sistema de relações de produção, circulação e consumo de bens
simbólicos.
De um modo geral, no decorrer dos anos, depois que a arte serviu-se das técnicas de
reprodução, imensas transformações foram introduzidas. Com a gravura na madeira,
conseguiu-se a reprodução do desenho; com a tipografia, transformou-se a literatura; com a
litografia (desenho sobre a pedra calcária), tornou-se possível ilustrar a atualidade cotidiana; e
décadas após essa descoberta, surge a fotografia, suplantando tal papel.
De acordo com Benjamin (1983)
18
, uma obra de arte será sempre susceptível de
reprodução. Ao longo do tempo, os contextos pelos quais uma obra de arte era acolhida foram
se modificando, à medida que se transformava o meio de vida das comunidades, seu modo de
sentir e perceber. Dessa forma, ora predominava um, ora valia outro aspecto, conforme o que
estivesse em vigência.
Segundo a tese de Benjamin (1983), destacam-se dois pólos em que a obra de arte
oscila: seu valor enquanto objeto de culto (valor de culto) e o de realidade exibível (valor de
exibição). O autor deseja mostrar, portanto, que as técnicas de reprodução dos objetos
artísticos proporcionam um pensamento dividido entre duas implicações: de um lado, a
desvalorização da arte em função de suas cópias; de outro, a possibilidade de democratização
estética.
As obras de arte mais antigas nasceram a serviço de um ritual, primeiramente mágico
e depois religioso. A presença, ou melhor, o caráter de imanência dessas imagens tinha mais
importância do que o fato de serem vistas. À medida que as obras de arte vão se emancipando
do seu uso ritual, as ocasiões de serem expostas tornam-se mais numerosas e as diversas
técnicas de reprodução só reforçaram esse aspecto.
Para Benjamin (1983), “o hic et nunc do original constitui aquilo que se chama de sua
autenticidade” (BENJAMIN, 1983, p.7). Em outras palavras, à mais perfeita reprodução falta
sempre algo: o hic et nunc (o aqui e agora) da obra, sua autenticidade perdem-se à medida que
18
A primeira edição do texto é de 1936.
58
se reproduz; assim, apesar das técnicas deixarem intacto seu conteúdo, de qualquer maneira,
acabam por desvalorizar sua aura.
A segunda implicação é ressaltada por Benjamin (1983) como um aspecto favorável.
A reprodutibilidade técnica possibilita o evento produzido apenas uma vez transformar-se em
um fenômeno de massas, democratizando a arte:
[...] Ao mesmo tempo, a técnica pode levar a reprodução de situações, onde
o próprio original jamais seria encontrado. Sob a forma de fotografia ou de
disco permite sobretudo a maior aproximação da obra ao espectador ou ao
ouvinte” (BENJAMIN, 1983, p, 7).
Além de proporcionar uma mudança nas relações sociais, com o acesso às obras,
mesmo àquelas que penetram nas massas, pode-se promover algo a mais que diversão: “o
público das salas obscuras é bem um examinador, porém um examinador que se distrai”.
(BENJAMIN, 1983, p. 27).
Em uma posição oposta, Adorno e Horkheimer (1969?)
19
consideram que toda
reprodução implica a perda da originalidade e está a serviço de uma elite manipuladora; logo,
as cópias feitas em série possuem um caráter massificador.
Os pensadores, em 1947, usam, pela primeira vez, o termo “indústria cultural” para
designar o sistema de produção de bens culturais com fins lucrativos. Para os autores, a
indústria cultural tolhe a consciência das massas e instaura o poder da mecanização sobre o
homem, criando condições cada vez mais favoráveis para a implantação do seu comércio
fraudulento: “quanto menos a indústria cultural tem a prometer, quanto menos está em grau de
mostrar que a vida é cheia de sentido, e tanto mais pobre se torna, por força das coisas, a
ideologia por ela difundida” (ADORNO e HORKHEIMER, 1969? p.182).
A função do indivíduo dentro do sistema sustentado pela indústria cultural, segundo os
autores, é reduzida à de simples objeto compreendido pelas funções de cliente ou empregado:
Como empregados são chamados à organização racional e pressionados a
inserir-se com sadio bom senso. Como clientes se vêem a si mesmos como
ilustração, na tela ou nos jornais, em episódios humanos e privados da
liberdade de escolha e como atração do que ainda não está enquadrado. Em
qualquer dos casos permanecem objetos (ADORNO e HORKHEIMER,
1969? p. 182).
19
Primeira edição em 1947.
59
Na visão de Adorno e Horkheimer (1969?), a indústria cultural não pode produzir nada
além da “atrofia da imaginação” e da espontaneidade. Disso resulta a atitude de passividade
do consumidor diante do efeito de padronização do consumo, em que tudo aquilo que não foi
experimentado é excluído:
de frente à trégua ideológica, o conformismo dos consumidores, assim como
a imprudência da produção que estes mantêm em vida, adquire uma boa
consciência. Ele se satisfaz com a produção do sempre igual (ADORNO e
HORKHEIMER, 1969? p.170).
As obras de arte, nesse sistema, são oportunamente adaptadas e levadas a preços
reduzidos a um público relutante, tornando-se acessível a todos. Conforme os autores, esses
fatores contribuem para a degradação dos bens culturais e à própria ruína da cultura:
a abolição do privilégio cultural por liquidação e venda a baixo preço não
introduz as massas nos domínios já a elas anteriormente fechados, mas
contribui, nas condições sociais atuais, à própria ruína da cultura, para o
progresso da bárbara ausência de relações (ADORNO e HORKHEIMER,
1969? p.195).
A crítica adorniana se concentra no Iluminismo, que tinha como finalidade libertar o
homem do medo, tornando-o um indivíduo autônomo, senhor de si, liberto do mundo da
magia e do mito. Essa finalidade poderia ser atingida por meio da ciência e da tecnologia.
Desse modo, tudo levava a crer que o Iluminismo instauraria o poder do homem sobre a
ciência e a técnica, mas, segundo Adorno, ao revés desses ideais, o homem tornou-se vítima
do progresso da dominação técnica.
Esse progresso transformou-se em poderoso instrumento utilizado pela indústria
cultural, que, de acordo com as proposições de Adorno e Horkheimer (1969?), impede a
formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e decidir
conscientemente: “o mundo inteiro passou pelo crivo da indústria cultural” (ADORNO e
HORKHEIMER, 1969? p.162).
Em síntese, para Adorno e Horkheimer (1969?), a sociedade moderna está fechada
para o surgimento de manifestações de originalidade. E isso se explica pelo fato de a cultura
moderna enquanto cultura de massa sempre produzir, na opinião dos autores, mercadorias
resultantes de um processo de fabricação padronizado e homogeneizado, fadadas, portanto, à
nulidade estética. É justamente nesse ponto que reside o radicalismo frankfurtiano de Adorno.
60
O posicionamento crítico dos frankfurtianos, especialmente de Theodor W. Adorno,
não deve ser desconsiderado. Porém, a cultura de massa pode deixar o banco dos réus, bem
como as desconfianças contra os elementos de massificação da indústria cultural.
Em Apocalípticos e integrados, de 2001, Umberto Eco, no capítulo intitulado “Cultura
de massa e ‘níveis’ de cultura”, relativiza o debate e sugere um proceder cuidadoso e
equilibrado. Inicialmente, Eco (2001) traz acusações à cultura de massa: a) dirige-se a um
público heterogêneo e procura especificar-se em “médias de gosto”, desconsiderando a
originalidade; b) ao difundir um padrão homogêneo, destrói as particularidades das diferenças
étnicas; c) tende a dirigir-se a um público inconsciente de si enquanto grupo social; d) tende a
repetir o gosto existente sem promover renovações; e) ao invés de sugerir, entrega pronto; f)
sujeita-se à lei da oferta e da procura; g) difunde produtos da “cultura superior” nivelados ou
“condensados”, a fim de não provocarem esforço por parte do fruidor; h) divulga os produtos
da “cultura superior” em uma situação de completo nivelamento com outros produtos de
entretenimento; i) encoraja uma visão acrítica e passiva do mundo; j) difunde imensa
informação sobre o presente; l) prioriza o entretenimento e o lazer e, por isso, empenha-se
unicamente no nível superficial da atenção; m) impõe mitos ou símbolos de fácil
universalidade; n) trabalha com opiniões comuns; o) desenvolve o conformismo, favorecendo
projeções orientadas para modelos “oficiais”; p) é instrumento educativo do capitalismo.
A seguir, Eco (2001) enumera a defesa: a) a cultura de massa não é típica de um
regime capitalista, apenas nasce inevitavelmente em uma sociedade industrial; b) o excesso de
informação sobre o presente com prejuízo da consciência histórica é recebido por uma parte
menos favorecida da humanidade que não obtinha nem esse nível de acesso; c) acredita que o
acúmulo de dados quantitativos pode gerar mutações qualitativas; d) difunde produtos de
entretenimento que ninguém ousaria julgar positivos; e) a homogeneização do gosto pode, em
certo nível, eliminar as diferenças de casta e unificar as sensibilidades nacionais; f) difunde,
em grande quantidade, valiosas obras culturais a um baixo custo; g) aumenta as capacidades
receptivas; h) oferece um acervo de informações e dados acerca do universo sem sugerir
critérios de discriminação; i) não é verdade que os meios de massa sejam estilística e
culturalmente conservadores.
Finalmente, Eco (2001) revela a existência de um pensamento que indaga sobre o
significado e o alcance da cultura de massa. Para ele, o erro dos apocalípticos aristocráticos é
pensar que a cultura de massa seja radicalmente má: “tudo isso serve apenas para provar-nos
que a cultura de massa é um fato industrial, portanto, sofre muito dos condicionamentos
típicos de qualquer atividade industrial (ECO, 2001, p. 49).
61
Como se percebe, o equilíbrio descrito por Eco (2001) é uma medida bastante razoável
e pode delinear uma postura comedida, como deve ser, quando se quiser analisar questões
como a arte e sua reprodutibilidade técnica. É preciso, pois, encontrar um meio-termo, um
tanto quanto apocalíptico, um tanto quanto integrado.
No campo especificamente literário, os conflitos são os mesmos. Wellershoff (1970)
dá o tom da questão, ao iniciar um de seus estudos: “Literatura e mercado, cultura e indústria
– não gostamos de ver estes conceitos lado a lado como que denunciando uma relação
suspeita” (WELLERSHOFF, 1970, p. 44). A afirmação do autor reflete a dicotomia que se
coloca à literatura quando se reflete sobre suas relações com a mal afamada indústria cultural.
De um lado, a literatura envolta em uma aura; de outro, aquela que se industrializa.
Nesse sentido, a presença de dicotomias no interior do campo literário remonta a
tempos distantes. Antes mesmo da época clássica, já se expressava pelo contraste entre
gêneros literários considerados nobres e uma literatura popular, basicamente centrada na
oralidade. É, portanto, da dissociação entre cultura letrada e não letrada, oralidade e escritura,
que se manifesta uma das primeiras dicotomias no campo literário.
A partir do século XIX, com o estabelecimento do mercado livreiro, mudam-se
perspectivas e formas de comportamento de leitores e escritores. A produção passa a abolir as
fronteiras e as editoras são forçadas a produzir permanentemente, em ritmo crescente. O
sistema da indústria cultural começa a ditar as regras também para as cooperativas livrescas.
Os editores se estabelecem e se organizam:
Mas as editoras também criaram novos processos para facilitar a venda
elaborando séries de preço uniforme e apresentação estandartizada,
sobretudo com a produção de livros de bolso mas também com outras séries
de livros baratos e em edição numerosa (WELLERSHOFF, 1970, p. 46).
2.3.1 Algumas considerações sobre o mercado editorial brasileiro
As pesquisas de Pellegrini (1999) sobre o mercado de livros no Brasil constatam que o
mercado tem evoluído: “de 43,6 milhões de livros publicados em 1966 para 245,4 milhões em
1980, passando pelos 300 milhões de 1989, até atingir 330 milhões, em 1996, com 40 mil
títulos” (PELLEGRINI, 1999, p. 148).
62
Desse total, uma grossa fatia é representada pelos livros didáticos e pouco mais de
12% são os que as editoras denominam “literatura”. Entretanto, o crescimento do setor não
indica que títulos nacionais estejam em alta. Segundo Pellegrini (1999), poucos brasileiros
figuram em noites de autógrafos ou em listas dos mais vendidos, comparados aos
estrangeiros, já que são poucos os best-sellers nacionais. Em virtude disso, a literatura
brasileira aparece de modo pouco relevante no cenário internacional.
No Brasil, há um desencontro entre realidade social e cultura. Convive-se, ao mesmo
tempo, com a fome, a miséria e o analfabetismo, ao lado do progresso e da sofisticação
tecnológica. Portanto, a lógica do descompasso entre o progresso e o atraso se interpõe entre
as relações obra/público, produção/consumo. Nessa medida, a situação do livro brasileiro
apenas reflete essas questões e as exemplificações abaixo atestam tais afirmações:
Em 1981, havia no Brasil, 1149 pontos de venda de livros, sendo que apenas
354 eram livrarias no sentido exato do termo [...] Enquanto isso algumas
capitais do nordeste, como Natal, por exemplo, não contavam com uma
livraria sequer [...] em 1989, o número de livrarias passou a 600, o de
“pontos de venda” a mais ou menos 1000 e o de editoras cresceu de 481 para
1160, todavia garantindo um abastecimento concentrado, em mais da
metade, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro (PELLEGRINI, 1999, p.
150).
Assim, o crescimento desigual do país explica as peculiaridades numéricas expressas
pelo mercado e revela que os problemas com a leitura ainda não encontraram solução: “pode
se enfatizar, portanto, que no Brasil, o descompasso entre a cultura e sociedade não logrou ser
abolido pelo milagre tecnológico e pela espetacularização do mundo” (PELLEGRINI, 1999,
p. 221).
Em dados mais recentes, divulgados pela segunda edição da pesquisa “Retratos da
leitura no Brasil”, lançada em 2008 e realizada pelo Instituto Pró-livro, confirmam-se as
proposições acima descritas. Segundo a pesquisa, a compra de livros é a principal forma de
acesso aos livros nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste do país. Já no Norte e no Nordeste,
o acesso aos livros pela distribuição do governo demonstra um percentual bem maior, quando
comparado às outras regiões.
A respeito da “posse de livros”, a pesquisa demonstra que 146,4 milhões de brasileiros
(85% da população estudada) afirmam possuir pelo menos um livro em casa. A proporção é
de 25 livros por residência. Esse montante é composto, em sua maior parte, por livros
indicados pela escola.
63
Houve, sem dúvida, um crescimento significativo no número de leitores. Comparando-
se os anos de 2000 e 2007, verifica-se que o número de 26 milhões de leitores e 1,8 livros
lidos por leitor ao ano sobe, em 2007, para 66,5 milhões de leitores e 3,7 livros lidos por leitor
ao ano
20
.
Em outra pesquisa, “Perspectivas do mercado editorial e livreiro para 2005”,
divulgada em março de 2005, os editores, ao relatarem fatos relevantes para o mercado em
2004, citaram 75 vezes a “desoneração fiscal” como uma medida importante para o
crescimento do setor. Além disso, o interesse do Governo na implantação de novas políticas
para o setor recebeu avaliação positiva, suscitando fóruns nacionais para uma política do
livro, o fortalecimento da Libre (Liga Brasileira de Editoras), congressos e feiras nacionais e
internacionais, a regulamentação da Lei do Livro, dentre outros aspectos.
Por outro lado, há uma enorme fatia da população brasileira que conhece pouco ou
quase nada os materiais de leitura. A pesquisa “Retratos de Leitura no Brasil”, de 2008, revela
que o brasileiro está distante dos livros, mesmo tendo-os por perto. A título de exemplo,
quando perguntados sobre o que fazem em seu tempo livre, “ver televisão” obtém o primeiro
lugar, com 77%; em segundo lugar, aparece “ouvir música”, com 53%; em terceiro,
“descansar”, com 50%; em quarto lugar, está “ouvir rádio”, com 39%; “ler” aparece em
quinto lugar, com 35% das opções. Entretanto, quando apontam as razões pelas quais não
leram livros no último ano, a resposta mais citada foi a “falta de tempo”.
Como se pode perceber, a preferência por outras atividades e o desinteresse pela
leitura justificam-se pela “falta de tempo”. Mas não é apenas isso. As “dificuldades de
acesso” estão entre as principais alegações de quem já é leitor; a “falta de dinheiro” aparece
com 18%; “de bibliotecas”, com 15%; e “de livrarias”, com 8%.
Outro aspecto apontado pela pesquisa são as dificuldades de leitura declaradas, o que
demonstra um quadro de má formação das habilidades necessárias à leitura: 17% lêem muito
devagar; 7% não compreendem o que lêem; 11% não têm paciência; 7% não têm
concentração. Esses problemas denotam a fragilidade do processo educacional.
De acordo com a pesquisa, muitos entrevistados afirmam que não lêem ou não vão a
bibliotecas porque “não estão estudando”, o que revela que, na percepção dos brasileiros, a
leitura está muito atrelada à escola. Também fica clara a progressiva valorização da leitura, à
medida que avança o grau de escolaridade dos entrevistados. Os dados apontam, portanto,
20
“Foi separado para estudo em cada amostra um grupo com o mesmo perfil: população acima de 15 anos com
pelo menos 3 anos de escolaridade que leu pelo menos 1 livro nos últimos 3 meses”. (Retratos da leitura no
Brasil, 2008, p. 120).
64
para a necessidade de a escola assumir verdadeiramente seu papel como formadora de
leitores, uma vez que as práticas de leitura na família brasileira, por uma série de fatores,
ainda não estão consolidadas.
Os números divulgados pelas pesquisas sobre o aumento de leitores, o crescimento do
mercado editorial e algumas medidas de incentivo à leitura por parte do Governo devem ser
vistos com otimismo, porém não se deve esquecer que o Brasil ainda é um país cuja
população comporta 12% de analfabetos, 32% com escolaridade até a 4ª série, 23% com
escolaridade de 5ª a 8ª série, 23% com o Ensino Médio e apenas 9% com o Ensino Superior.
Portanto, há no que se investir, há o que se mudar.
65
III METODOLOGIA DA PESQUISA
3.1 CONTEXTO DA PESQUISA
A pesquisa se realizou na cidade de Presidente Prudente-SP (fundada em 1921,
atualmente com aproximadamente 202.789 habitantes
21
), especificamente, na Escola Estadual
Dr. Marrey Júnior, que recebe alunos (em sua maior parte) de classe média baixa.
Embora não localizada na periferia da cidade, a escola atende muitos alunos de bairros
mais distantes do centro, por sua proximidade às linhas de transporte urbano, que atendem
algumas daquelas regiões.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Presidente Prudente
tem, aproximadamente, de acordo com dados do ano de 2007, 86 escolas de Ensino
Fundamental: 31 estaduais, 29 da rede municipal e 26 da rede privada, com um total de
26.723 alunos matriculados: 14.022 em escolas públicas estaduais, 6.859 em escolas públicas
municipais e 5.842 em escolas privadas.
Das classes de oitava série da escola, foi escolhida a oitava série B por tratar-se de
uma turma com rendimento satisfatório nas disciplinas, poucos casos de alunos com
defasagem no aprendizado e pequeno índice de alunos inclusos, a propósito, apenas uma
aluna.
As ações previstas para esta investigação aconteceram no ano de 2007, entre os meses
de agosto e setembro. E ficaram assim distribuídas: o mês de agosto para a leitura da obra e
realização do questionário socioeconômico e cultural
22
. E o mês de setembro, para os alunos
responderem a ao primeiro questionário de recepção de leitura do romance
23
. Uma semana
depois, participaram de uma discussão coletiva (troca de suas impressões de leitura)
24
, para
em seguida, responder ao último questionário (também das impressões de leitura)
25
.
21
Conforme dados do IBGE. Disponível em: <www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.html?1> Acesso em: 22
jan. 2009.
22
Ver apêndice 1.
23
Ver apêndice 2.
24
Roteiro disponível no apêndice 3.
25
Ver apêndice 4.
66
3.2 MÉTODO DE ABORDAGEM
Esta investigação se distingue por caráter fenomenológico, além disso, se constitui
num estudo de caso. A princípio adota um caráter exploratório e, num segundo momento, o
descritivo.
Sobre fenomenologia, Trivinos (1987) observa: “é o estudo das essências”, explicando
que seu princípio básico é a noção de intencionalidade, ou seja, a própria consciência dirigida
a um objeto que existe a partir do sujeito. O autor empresta estas idéias da corrente
fenomenológica de Husserl, que influenciou grande parte da filosofia contemporânea.
Husserl, segundo Triviños (1987), trata da “redução fenomenológica”, que se
caracteriza num processo que permite observar o fenômeno como ele se apresenta: puro, livre
dos elementos pessoais e culturais, tornando possível chegar-se ao nível das essências.
Assim, a fenomenologia pode apresentar-se como um método ou como uma maneira
de ver o dado. Dessa maneira, esta pesquisa terá o enfoque fenomenológico, uma vez que
estará direcionada à apreensão da leitura de um grupo específico de leitores.
Com relação ao estudo de caso, Triviños (1987) afirma que uma abordagem que
tenciona aprofundar a descrição da realidade encontrada também poderá ser designada por
“estudo de caso”. Assim esta pesquisa também pode ser reconhecida como um estudo de caso,
como define o autor:
No estudo de caso, os resultados são válidos só para o caso que se estuda (...)
aqui está o grande valor: fornecer conhecimento aprofundado de uma
realidade delimitada que os resultados atingidos podem permitir e formular
hipóteses para o encaminhamento de outras pesquisas. (TRIVIÑOS, 1987, p.
111).
O caráter de exploração de um estudo se efetua na medida em que o investigador
aumenta sua experiência frente a determinado problema para aprofundar-se em seu objeto, e
como este trabalho visa apreender informações de uma situação de recepção de leitura, dentro
de um contexto, sua fase inicial é, portanto, a de exploração:
Os estudos exploratórios permitem ao investigador aumentar sua experiência
em torno de determinado problema. O pesquisador parte de uma hipótese e
67
aprofunda seu estudo nos limites de uma realidade específica, buscando
antecedentes, maior conhecimentos [...] (TRIVIÑOS, 1987, p. 109).
Como a pesquisa também descreveu os fenômenos que ali estiveram reunidos, assume,
num segundo momento, um caráter descritivo: “O estudo descritivo pretende descrever ‘com
exatidão’ os fatos e fenômenos de determinada realidade” (TRIVIÑOS, 1987, p. 110).
O cruzamento dos dados obtidos deste estudo seguiu a uma abordagem
predominantemente qualitativa, todavia não descartou o quantitativo. Conforme Triviños
(1987) “toda pesquisa pode ser, ao mesmo tempo, quantitativa e qualitativa”.
Segundo o autor, na prática, o que comumente acontece, são investigações restritas ao
campo dos dados estatísticos, sendo raros os casos em que o pesquisador aproveita as
informações numéricas para avançar em uma interpretação mais ampla.
Nessa questão, Mury (1974) alerta que uma pesquisa que tenha suas bases na
sociologia do público literário deve privilegiar o qualitativo, e que a utilização de
questionários e dos métodos quantitativos não devem ser suficientes para discernir o que é
realmente fundamental. Encerrando o raciocínio, vale destacar o pensamento de Triviños
(1987):
Os investigadores pouco experientes, especialmente, que transformam a
estatística num instrumento fundamental de sua busca, quando ela realmente
deveria ser um elemento auxiliar do pesquisador, desperdiçam um material
hipoteticamente importante. E terminam seu estudo onde, verdadeiramente,
deveriam começar (TRIVIÑOS, 1987, p. 118).
3.3 COLETA DE DADOS - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A investigação contemplou várias etapas metodológicas: análise dos catálogos de
literatura juvenil, organização e distribuição dos livros aos alunos, leitura da obra, elaboração
e aplicação de questionários, realização discussão coletiva, registro das ocorrências e análise
dos resultados.
68
E para a coleta dos dados, a pesquisa se valeu de técnicas como: questionários, a
observação, a análise documental além de um debate
26
. Sobre as técnicas, Triviños (1987)
reflete:
a coleta e a análise de dados são tão vitais na pesquisa qualitativa, talvez
mais que na investigação tradicional, pela implicância nelas do investigador,
que precisam de enfoques aprofundados, tendo presente, porém, o que
acabamos de ressaltar: seu processo unitário, integral (TRIVIÑOS, 1987, p.
137).
Para traçar o perfil socioeconômico e cultural dos alunos, foram empregados
questionários, predominantemente fechados: “sem dúvida alguma, o questionário fechado, de
emprego usual no trabalho positivista, também o podemos utilizar na pesquisa qualitativa [...]
podemos usar como instrumento auxiliar na busca de informações” (TRIVIÑOS, 1987, p.
137).
Ao verificar os catálogos de literatura juvenil 2007, das editoras: Ática, Scipione,
Moderna, Companhia das Letras e Companhia Editora Nacional, a pesquisa desenvolve uma
etapa que pode ser considerada como análise documental.
Também se contou com a observação livre do investigador, sobretudo durante as fases
de leitura e no processo de recepção do texto. Segundo Triviños (1987), a observação livre é
um mecanismo que satisfaz as necessidades de uma pesquisa qualitativa porque através dela
um fato pode ser explicado, chegando-se mais facilmente à relevância do sujeito.
Com relação à aplicação metodológica empregada para apreender a recepção do texto
junto aos alunos, pode-se dizer que esta etapa do trabalho esteve dividida em dois
procedimentos: o primeiro, com a aplicação de um questionário (aberto), feito logo após a
leitura do livro, que objetivava captar as primeiras impressões de leitura; o segundo, com uma
discussão coletiva, em que os alunos trocaram suas experiências de leitura. E esta fase termina
com o preenchimento de um novo questionário.
Esses procedimentos fundamentaram-se nos estudos do alemão Hans Kügler,
discípulo da Estética da Recepção, que entende que o ensino da literatura deve ser constituído
de um processo de interação entre leitor e texto. Kügler (1987) divide o processo de recepção
literária em três etapas designadas: Leitura primária, Constituição coletiva do significado e
Modos secundários de ler
27
.
26
Trata-se da “discussão coletiva” de Kügler (1987), a ser detalhada pouco mais adiante.
27
Os Modos secundários de ler não foram considerados na pesquisa, o motivo será explicado adiante. Aparecem
citados no texto apenas para ilustrar o raciocínio completo do autor.
69
A primeira etapa do processo de recepção literária, concebida pelo autor, a chamada
Leitura primária (em que os alunos respondem ao primeiro questionário) é marcada por uma
leitura individualizada. O leitor se apresenta como o indivíduo do processo de recepção e a
compreensão do objeto, ou seja, a percepção do texto pode resultar em autoconhecimento.
Kügler (1987) separa a leitura primária em três momentos, a “Leitura não duplicada”,
fase em que a leitura é acrítica e afirmativa – o leitor adentra nas perspectivas textuais e se
recusa a parafrasear ou duplicar a linguagem original –; a “Projeção e auto-inserção
simulativa”, o leitor concretiza o texto, usa sua experiência para co-produzir o mundo
ficcional, simulando comportamentos, ações e argumentos a partir do texto, ocorre então o
“deslocamento” e a “condensação”. No “deslocamento”, o leitor se transfere completamente
para o cenário da ficção: “no deslocamento, o cenário ficcional é de tal forma ocupado pelo
leitor que todas as possíveis perspectivas, explicações e contradições são inteiramente
ofuscadas” (KÜGLER, 1987, p, 37), neste caso, o texto é deslocado somente conforme as
necessidades e expectativas do leitor. A “condensação” começa quando o leitor cria um
significado articulado depois de conjugar o espaço ficcional com reflexão, o texto deixa a
condição afetiva do “ser para mim” e esboça uma visão mais genérica, neste momento, o
leitor alcança a fase da “Ruptura da formação da ilusão” que marca a transição da leitura
primária para um processo de significação coletiva.
A segunda etapa do processo de recepção desenvolvido por Kügler (1987) (em que os
alunos trocam suas experiências de leitura) é conhecida como Constituição coletiva do
significado. Neste momento, os elementos pessoais são reforçados pela troca de experiências
de leitura: “a leitura de responsabilidade subjetiva entra, assim, no processo de significação
coletiva, realizado pelo grupo de aprendizagem” (KÜGLER, 1987, p. 37). O autor parece
indicar sua metodologia a um possível ambiente de aprendizagem. As problematizações, os
levantamentos de hipóteses originárias destas trocas de experiências de leitura podem trazer
acréscimos e criar uma espécie de “opinião pública” que o autor considera limitada, talvez
porque ela estaria entrecortada por uma provável perspectiva pedagógica.
A terceira etapa, prevista por Kügler (1987), Modos secundários de ler, se caracteriza
pelo alcance de uma leitura crítica decorrente do encontro entre textos e pessoas. Nesse
estágio o leitor está apto a estabelecer relações entre autor – texto – leitor, que o leva a situar
o texto-contexto da obra para finalmente produzir uma postura crítica e/ou crítica-ideológica.
Esse terceiro estágio não foi considerado para esta pesquisa em virtude da idade e fase
escolar dos leitores, logicamente, isso não significa que um leitor com este perfil não possa
atingir este nível de leitura.
70
Recapitulando, os procedimentos adotados para captar a recepção do romance se
organizam conforme a proposta de Kügler, apoiando-se, portanto, em suas duas primeiras
etapas: Leitura primária e Constituição coletiva do significado, em conformidade com as
concepções de literatura, leitura e leitor da teoria de Jauss (1994).
71
IV DOS CATÁLOGOS AO LEITOR
4.1 OS CATÁLOGOS DE LITERATURA JUVENIL
A partir da década de 60, a literatura infantil e juvenil, no Brasil, configura-se sob uma
infra-estrutura de modernização dos modos de produção e circulação que amadurece nos anos
vindouros. De acordo com Zilberman, “a partir dos anos 70 se escreve muito: entre 1973 e
1979, o número de títulos editados no Brasil saltou de 7080 para 13228 (ZILBERMAN, 2006.
p. 135). Esses números apontam um mercado editorial, já naquela época, atento à expansão do
ensino de primeiro grau e do ensino profissionalizante em 1970.
O alargamento do campo de atuação da escola impulsionava a modernização do
mercado livreiro, tanto, que no mesmo período, o segmento foi beneficiado por incentivos do
governo militar. Esses incentivos geravam facilidades que iam da produção à venda,
constituindo-se em medidas fundamentais para o crescimento do setor. A partir de então, as
relações entre escolas e editoras se intensificam no país.
Com a popularização do ensino, as escolas brasileiras têm sua abrangência ampliada e
passam a atender a uma clientela diversificada, composta em grande parte por alunos com
pouco ou nenhum acesso aos bens econômicos e culturais. Para esse novo público, a escola
era a principal via de acesso à leitura.
Desde então, o mercado escolar representa um vigoroso campo de atuação para as
editoras, que, atentas à mudança de perfil do público da escola, reformulam suas estratégias,
lançando mão de todos os mecanismos possíveis para o atendimento da demanda.
Surge daí a preocupação de compatibilizar produção com diretrizes e pressupostos
vigentes para a escola, que faz os editores repensarem suas fórmulas editoriais, como é o caso
do livro didático, por exemplo.
A euforia da expansão da escola, e conseqüentemente do mercado livreiro, abre uma
nova fase para editoras, que passam a se preocupar com investimentos em propaganda. E o
caminho para o sucesso encontrado pelos editores começava pelo professor. Era preciso, pois,
conquistá-lo.
72
Para atingirem os resultados almejados, uma das estratégias utilizadas pelos editores
concentrava-se em seus catálogos.
No passado, os livreiros utilizavam despretensiosas listagens para ordenar acervos e
também para organizar compras e vendas. Hoje, os atuais catálogos de literatura, sobretudo os
escolares, são muito mais do que meras listas de livros. Procuram não apenas oferecer
mercadorias, mas impingir uma marca, apresentar a identidade e a filosofia da editora, como
uma espécie de cartão de visitas.
Para os editores, quanto maior a credibilidade, a capacidade de se destacar dos demais
impondo sua marca e, especificamente no caso dos catálogos escolares, sua capacidade de
seguir os padrões de exigência estabelecidos pela escola, tanto melhor será o catálogo.
Entretanto, em que medida esse material realmente influencia professores da escola
estadual paulista na hora de indicar leituras? Qual é a sua atuação na mediação entre o
mercado editorial e a escola estadual de São Paulo no processo de aquisição dos livros de
literatura? Estas são as questões que a presente investigação procurava esclarecer.
Na busca para tais respostas, esta análise procura descrever o conteúdo e a circulação
de cinco catálogos de literatura juvenil das seguintes editoras: Ática, Cia. das Letras,
Companhia Editora Nacional, Moderna e Scipione, todos do ano de 2007. Esses catálogos
pertencem a algumas editoras que estão presentes nos títulos que compõem os acervos das
salas de leitura das escolas estaduais do Estado de São Paulo.
Este estudo dos catálogos compreende três processos. O primeiro cuida da formatação,
isto é, da descrição dos componentes estruturais. O segundo irá verificar o material ofertado.
A última etapa trará os resultados da investigação referente à circulação dos catálogos na
escola estadual paulista.
Na composição dos resultados, os números que ora serão apresentados funcionarão
apenas como suporte inicial às hipóteses que forem levantadas para a compreensão das
ocorrências encontradas, dado o caráter qualitativo da pesquisa.
4.1.1 A formatação
Através dos elementos de apresentação dos catálogos (capa, ilustrações, quantidade de
páginas dedicadas, uso de frases de efeito, dentre outros), é possível perceber o que as
73
editoras procuram destacar em sua produção, bem como apreender como constroem sua
identidade no mercado editorial. Os quadros 5 e 6 possibilitam uma visão geral sobre o modo
como os editores concebem seu catálogo.
Os dados apresentados nestes quadros revelam, por exemplo, quais editoras estão mais
organizadas com relação ao marketing. Ática, Moderna e Scipione parecem empatadas no
quesito. Seus projetos gráficos apresentam maior número de páginas, são repletos de textos
auto-explicativos, há seções dedicadas ao professor e oferecem serviços e projetos de apoio
pedagógico, além de divulgarem conteúdo on-line.
Outro dado interessante consiste no fato de as editoras Cia. das Letras e Companhia
Editora Nacional disponibilizarem, através da internet, propostas de atividades e assessoria ao
professor e seus catálogos não divulgarem esses serviços. Isso pode demonstrar que,
possivelmente, tais editoras não demonstram interesse, ou dispõem de um orçamento menor
para o segmento, ou a concepção para compor seus catálogos seja outra.
O quadro 5 apresenta a formatação de cada catálogo:
QUADRO 5 – Estrutura dos catálogos
ÍTENS Ática Cia. das Letras
Companhia
Editora Nacional
Moderna Scipione
Forma
1 livro –
brochura:205
X273 MM –
validade:
biênio:
2006/2007.
1 livro –
brochura:206
X206 MM –
(conjugado)
Anual.
1 livro –
brochura:190X230
MM
Validade:
semestral.
1livro – brochura:200
X270 MM - validade:
anual.
1livro –
brochura:250
X260MM –
validade:biênio:
2006/2007.
Título
LITERATURA
JUVENIL
2006/2007
CATÁLOGO
2007 – Cia. das
Letrinhas/Cia.
das Letras
CATÁLOGO
ESCOLAR –
JUVENIL – 1º
Semestre/ 2007
CATÁLOGO
2007/LITERATURA
– 5ª a 8ª séries/ Ensino
Médio
LITERATURA
JUVENIL/2006 -
2007
Páginas 167 51 128 144 140
Slogan
Todo mundo
aprende com
Ática
Não há Não há
Contigo criamos
leitores
Escrevendo o futuro
Capa
Imagem de três
adolescentes
deitadas lendo,
com a cabeça
em cima de uma
pilha de livros.
Fundo: azul.
Como o
catálogo é
híbrido, a capa
se divide ao
meio no
encontro das
cores vermelha
e azul. É
estampada com
ilustrações de
veículos de
transporte.
Capa laranja com
várias figuras de
personalidades
históricas,
mitológicas, etc.,
que se repetirão no
interior do catálogo.
Ilustração de cinco
jovens de diferentes
etnias, viajando no
espaço em cima de um
livro. Fundo: verde.
Ilustração de um
livro aberto
segurado por duas
mãos. Dele saem
vários outros livros
e uma menina. O
fundo é uma
estrada. Predomina
o azul.
Sumário/
Índices
Sumário e
índices: de obra,
autores e
consulta rápida.
Ao final, um
índice
remissivo.
Sumário e índices:
de títulos e
remissivo
Sumário e índices: de
títulos e autor
Sumário e índices:
de coleções e títulos
Coleções/Séries 26 9 19 13 23
74
Dos cinco catálogos analisados, quatro possuem capas, com destaque para livros e
adolescentes lendo. Um elemento comum a todos é a ideia de “viagem”, sugerida pelas
imagens ou ilustrações de veículos de transporte, estrada, espaço sideral, livro transportando
gente como se fosse um tapete voador ou livro no lugar de um travesseiro.
Essas imagens repetem um conceito genérico para a leitura, transformado em clichê
pelas campanhas publicitárias, principalmente as de iniciativa governamental, como “Ler é a
melhor das viagens”. Acreditar que a leitura se resuma a uma atividade meramente abstrata é
um simplismo. Na abordagem anterior, Jouve (2002) afirmava exatamente o contrário, ao
defender que a leitura é um ato concreto e observável, um processo neurofisiológico,
cognitivo, afetivo, argumentativo e também simbólico.
O fato de os editores se apropriarem da ideia para compor a capa de seus catálogos
demonstra que o mercado não desconhece as ações geradas e/ou provocadas pelo ato de ler. O
problema é não perceber que a leitura não fica restrita apenas à atividade simbólica.
Desconhecer os outros processos que envolvem o ato da leitura pode limitar o campo das
estratégias de um projeto de formação de leitores, por exemplo.
Figura 1: Capa do Catálogo
da editora Ática (2006/2007)
Figura 2: Capa do Catálogo da
editora Cia. das Letras, 2007.
75
O catálogo da Companhia Editora Nacional é dissonante do grupo, mostrando-se um
pouco mais conservador, ao compor sua capa com imagens de personalidades historicamente
reconhecidas, figuras consagradas da mitologia ou ilustrações retiradas de seu interior.
O quadro 6 indica a presença ou não de atividades de apoio pedagógico ao professor,
além de promoções, demonstrando o grau de acessibilidade e a quantidade de títulos totais de
cada catálogo.
Figura 4: Capa do catálogo
2007 da editora Moderna
Figura 5: Capa do catálogo
2007 da editora Scipione
Figura 3: Capa do Catálogo da
editora Companhia Editora
Nacional, 2007.
76
QUADRO 6 – Estrutura dos catálogos (continuação)
ÍTENS Ática Cia. das Letras
Companhia
Editora
Nacional
Moderna Scipione
Sugestões de
atividades
Sim Não o há Sim Sim
Promoções Sim Não Não há Não há Sim
Acessibilidade
Site; end. dos
distribuidores;
end. da editora;
números de
telefone/fax.
Site; endereço
dos
distribuidores;
endereço da
editora, números
de telefone/fax.
Dois sites; end.
dos
distribuidores;
end. da editora; 2
telefones; um
serviço de 0800 e
um e-mail.
End. dos
distribuidores; end.
da editora; um
número de
telefone/fax.
Site; end. dos
distribuidores, end.
da editora; números
de telefone/fax;
showrooms; serviço
de 0800 “Alô
Scipione”.
Títulos totais 553 161 204 338 112
Quanto à organização, o catálogo da editora Ática traz uma divisão feita por coleções,
ou seja, cada coleção intitula uma seção onde se apresentam os títulos referidos. Quase todas
as obras estão agrupadas em coleções/séries.
Há uma chamada especial para novos títulos denominada “Vitrine de lançamentos”, e
as obras indicadas ali tornam a aparecer na seção de sua coleção. As sugestões de trabalho ao
professor encontram-se espalhadas em quatro pontos diferentes do catálogo. Outras seções
são truncadas também; assim, por exemplo, uma coleção “x” tem seus títulos apresentados de
modo não contínuo, o que a torna pouco objetiva.
O sumário do catálogo da editora Ática apresenta todas as coleções que possui e traça
seus perfis, mas não fornece localização (páginas). No início, dividindo o espaço com textos
que explicam o catálogo, aparece uma mensagem dos editores aos educadores. De modo
geral, o catálogo é excessivamente auto-explicativo, o que não o livra de ser confuso e, às
vezes, pouco prático.
A Cia. das Letras apresenta um catálogo que começa na segunda parte da brochura
28
.
Sem sumário ou índice inicial, as obras aparecem umas após as outras. Não há divisões de
seções, embora as coleções/séries estejam especificadas. A maior parte das obras é avulsa, ou
seja, não pertence a séries ou coleções. Não há texto introdutório, sendo que, na abertura,
aparece uma frase de Borges e, ao final, em destaque numa página, duas frases: uma de Kafka
e outra de Manguel
29
. Os títulos são apresentados com resenha.
28
A primeira é dedicada ao catálogo de literatura infantil: Companhia das Letrinhas.
29
As frases: “Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, sem dúvida, o livro. Os outros são
extensões do seu corpo. O microscópio, o telescópio, são extensões da vista, o telefone é a extensão da voz,
temos o arado e a espada, extensões do braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da
inteligência” Borges; “Alguns livros funcionam como a chave para as salas desconhecidas do nosso próprio
castelo” Kafka; “A leitura é a mais civilizada das paixões” Manguel.
77
O catálogo da Companhia Editora Nacional aparece dividido em quatro áreas:
Literatura, Paradidáticos, Referência e Lazuli
30
. As obras são agrupadas em coleções/séries,
exceto as obras de referência. São apresentadas, obedecendo à ordem do sumário, com as
coleções dentro de cada grande área, sem interrupções. Não há texto de introdução ou
mensagens aos professores. Há resenha para as séries e títulos e destaque para os
lançamentos.
A editora Moderna dividiu o catálogo em modalidades: Arte, Ficção e Não-ficção. Sua
organização é feita através da seleção das obras por áreas do conhecimento, e, dentro delas,
vão aparecendo as coleções/séries. Quase inexistem obras avulsas, que aparecem sem muito
alarde no final. No início, apresenta texto introdutório de Walcyr Carrasco, destinado ao
professor.
O catálogo da Scipione é dividido pelas suas coleções/séries, sendo cada coleção
equivalente a uma seção, que se subdivide em gêneros textuais: contos, novelas, etc. Todas as
obras aparecem agrupadas em coleções/séries. As coleções/séries possuem índice separado,
com numeração de páginas. As seções são dispostas sem interrupções. Também apresenta a
seção “Estante de lançamentos”, onde novos títulos são divulgados separadamente,
aparecendo posteriormente em seu agrupamento dentro do catálogo. Há uma mensagem dos
editores aos educadores no início.
O quadro 7 apresenta, ainda, dados relativos à especificação do tipo de leitor e a
adequação às propostas dos PCNs sobre temas transversais e interdisciplinaridade que os
catálogos possam conter.
QUADRO 7 – Estrutura dos catálogos (continuação)
ÍTENS Ática
Cia. das
Letras
Companhia
Editora
Nacional
Moderna Scipione
Indicação de faixa
etária ou tipo de Leitor
Sim
Indicação por
série. 4ª a 8ª
Não há.
O catálogo não
faz qualquer
referência à
idade, série ou
categoria de
leitor.
Sim
Indicação por
série.
Sim
Indicação por série
e há divisão de
categorias de leitor:
leitor fluente (5ª e
6ª), leitor crítico (7ª
e 8ª) e leitor
crítico/jovem
adulto.
Sim
Indicação por idade:
11-12 anos; 13-14
anos; 16-17 anos.
Indicação de temas
transversais e
interdisciplinaridade
(PCNs)
Sim. Assuntos
e indicação de
temas
transversais.
Não há
nenhuma
especificação
ou indicação.
Sim, identifica
os temas e
correlaciona
com temas
transversais.
Sim, indicação de
temas transversais,
de trabalho
interdisciplinar.
Sim, especificação
dos assuntos tratados
nas obras e
interdisciplinaridade.
30
É uma série que se desdobra em várias outras: “Lazuli juvenil”; “Lazuli clássicos”, “Lazuli rupturas” e “Lazuli
imigrantes no Brasil”.
78
Em três catálogos, as prescrições sobre o tipo de leitor, indicações de temas
transversais ou de interdisciplinaridade são explícitas, aparecendo logo abaixo das resenhas
das obras e/ou em tabelas explicativas.
A editora Cia. das Letras é a única que não faz menção ao tipo de leitor. Em seu
catálogo, apesar de não se mostrar qualquer indicação de temas transversais ou
interdisciplinaridade, algumas obras trazem, em suas resenhas, prescrições sobre sua
utilização ou explicitação do que se pode aprender, ficando bem evidente sua “identidade -
paradidática”; todavia, poucos títulos compõem essa listagem.
A editora Moderna também divide os títulos por fase de escolaridade, mas diferencia
os leitores quanto à sua competência leitora. Desse modo, ela os separa em categorias assim
denominadas: “leitor fluente”, para alunos em fase escolar de quinta e sexta séries; “leitor
fluente e crítico”, para a fase escolar de quinta a oitava série; e “leitor crítico (jovem adulto)”,
para a fase escolar da oitava série e Ensino Médio. Assim, os editores discriminam, para os
textos, o nível de competência leitora que eles julgam necessária.
Além disso, dados como o grau de dificuldade do texto e datas comemorativas que
possam estar correlacionadas, bem como a temática abordada aparecem indicadas em tabelas
espalhadas ao longo das seções.
De modo geral, todas as editoras procuram mostrar adequação aos PCNs
31
,
principalmente no que se refere aos temas transversais. Mesmo aquelas que não trazem
marcas explícitas – “esta obra está de acordo com os PCNs” ou “atende aos PCNs” –
procuram, aqui ou ali, fazer recomendações. É o caso da Cia. das Letras: “(...) neste romance,
jovens e adultos descobrem os fundamentos históricos e espirituais das religiões mais
praticadas no mundo” (p.138) ou “(...) De ‘lição’ em ‘lição’ o leitor é convidado a trilhar toda
a história da filosofia ocidental” (p. 144) e “com informações e orientação prática, este livro
ajuda as meninas a se familiarizar com as transformações da puberdade” (p.147).
Nos demais catálogos, há séries inteiras totalmente vinculadas ao compromisso de
promover o aprendizado desse ou daquele componente. É o caso da “Coleção Desafios” da
editora Moderna, que, conforme dados fornecidos pelo catálogo, foi criada para atender à
demanda de “leituras úteis e agradáveis” (p.38) que o adolescente precisa fazer. Do mesmo
modo, ela “oferece diferentes temas complementares aos conteúdos curriculares e proporciona
ao leitor maior conhecimento sobre os assuntos e de forma multidisciplinar” (Catálogo:
Moderna, p.38).
31
Parâmetros Curriculares Nacionais.
79
Acrescente-se a série “Meu computador” da editora Ática, que, segundo os editores,
traz aventuras empolgantes com “conceitos fundamentais de informática passados ao longo da
narrativa” (Catálogo: Ática, p. 4) e tantas outras ocorrências, que a tabela 2 explicitará de
maneira detalhada.
4. 1.2 As mercadorias
Esta etapa vai tratar do que necessariamente é ofertado nos catálogos, possibilitando
uma visão sobre os gêneros mais contemplados e o modo como aparecem dispostos.
Chegar a esses resultados não foi tarefa das mais simples, visto que o procedimento
para a cotação dos títulos careceu de um exame objetivo e minucioso. O critério utilizado para
a coleta dos dados foi baseado exclusivamente nas informações prestadas pelos editores nos
catálogos, desprezando-se todo e qualquer julgamento do pesquisador ou fatores de outra
ordem.
O quadro 8 fornece levantamentos numéricos sobre os gêneros e algumas categorias,
contidos na maioria dos catálogos. Retome-se o pensamento de Darnton (1998), quando
precisou considerar que a tentativa de classificar uma obra pode ser uma medida arbitrária,
por serem infinitos os aspectos a serem levados em consideração nesse procedimento. Além
disso, explica que todo sistema classificatório estaria envolvido com certa dose de “juízo
subjetivo”.
Para tentar minimizar ao máximo o grau de subjetividade desta etapa, que apresenta e
reflete sobre o conteúdo dos catálogos por meio da qualificação e da quantificação dos títulos,
parte-se da seguinte consideração: o enquadramento de uma obra neste ou naquele
gênero/categoria será possível por meio das especificações recebidas do catálogo a que ela
pertence, como já se explicou.
Por outro lado, o processo de classificação dos títulos desses catálogos não pressupõe
que se esteja concordando com a divisão neles proposta. A especificação recebida da editora é
apenas a medida usada para que se obtenham os índices que serão apresentados a seguir. Um
bom exemplo é a categoria “adaptações”, apresentada no quadro 8.
Essa categoria está presente em todos os catálogos e só aparece na tabela em virtude
desse fato. Polêmicas à parte, os títulos quantificados ali são, simplesmente, os que recebiam
80
a prescrição “adaptação” de seus editores. E, mais uma vez, para sublinhar, afirmamos que
isso equivale a dizer que, no momento, não estão em jogo discussões referentes ao “ser ou não
ser”, pois o objetivo é chegar a um resultado, ainda que aproximado, das proporções das
mercadorias que os catálogos possam oferecer dentro das categorias que eles criam para
organizar seus acervos.
No quadro 8, constam ainda as categorias “Clássicos universais”, “Clássicos da
Língua Portuguesa” e “Paradidáticos/Referência”, que também estão presentes na maior parte
dos catálogos, inclusive, com a mesma terminologia. Tais categorias englobam boa parte dos
títulos, portanto, serviram para a verificação.
Das categorias “Clássicos universais” e “Clássicos da Língua Portuguesa” participam
obras com textos integrais. Por sua vez, para compor o índice “Paradidáticos”, foi cotada toda
sorte de títulos que recebiam tal qualificação dos editores. Fazem parte dessa lista
coleções/séries e títulos avulsos que tratam de comportamento, ética, cidadania ou aqueles
ligados às disciplinas escolares, bem como títulos de referência, como atlas, gramáticas,
dicionários etc.
Outro ponto a ser esclarecido é a questão numérica apresentada. A soma dos itens não
corresponde ao montante final dos títulos de cada catálogo, porque a mesma obra pôde
aparecer computada em dois ou mais índices, por haver recebido mais de uma especificação
dos editores.
O catálogo da Cia. das Letras não usa a classificação “Clássicos Universais” e
“Clássicos da Língua Portuguesa” ou termos semelhantes. Nele, há a presença marcante de
obras traduzidas e grande quantidade de escritores estrangeiros.
De um modo geral, todos os catálogos apresentam pouquíssimos títulos (ou sua
ausência total), em relação aos gêneros poesia, prosa-poética, novela, quadrinhos e teatro.
Ressalvas feitas, finalmente, eis o quadro 8:
QUADRO 8 – As mercadorias dos catálogos
Ática Cia. das Letras
C. Editora
Nacional
Moderna Scipione
1. Gêneros
Conto 68 12,29% 21 13,04% 24 8,21% 9 2,66% 18 6,16%
Crônica 26 4,70 % - - 3 1,02% 4 1,18% - -
Romance 405 73,23% 119 73,91% 118 40,41% 136 40,23% 177 60,61%
Novela 6 1,08% - - - - 6 1,77% - -
Prosa-poética - - - - 3 1,02% 1 0,29% - -
Poesia 16 2,89% 1 0,62% 6 2,05% 15 4,43% - -
Teatro 4 0,72% 2 1,24% 5 1,71% 1 0,29% - -
Quadrinhos 8 1,44% 18 1,18% 2 0,68% - - - -
2. Categorias
Adaptações 20 0,36% 5 3,10% 22 7,53 1 0,29% 112 38,35%
81
Ática Cia. das Letras
C. Editora
Nacional
Moderna Scipione
1. Gêneros
Clássicos Universais 31 5,6% - - 34 16,66% - - 8 2,73%
Clássicos/ L. Portuguesa 85 15,37% - - 15 5,13% 23 6,8% 16 5,47%
Paradidáticos/Referência 120 21,69% - - 111 38,81% 206 60,94% 120 41,09%
O quadro 9, apresentado a seguir, fornece valores gerais dos índices expostos no
quadro 8. Assim, o item “Narrativa” é o resultado do somatório compreendido pelos gêneros:
conto, crônica, romance, novela e prosa poética; “Outros gêneros” corresponde ao conjunto
compreendido por poesia, teatro e quadrinhos; e “Total de títulos” refere-se ao montante de
títulos oferecidos em todos os catálogos.
Como os números de cada categoria não correspondem ao valor exato do montante
final de títulos, visto que uma mesma obra aparece em mais de uma categoria, o valor total de
títulos só aparece para que as porcentagens sejam entendidas.
QUADRO 9 – As mercadorias dos catálogos – Total geral
TODOS OS CATÁLOGOS
Total de títulos 1548
1. Gêneros
Narrativa 1144 73,90%
Outros gêneros 78 5,03%
2. Categorias
Adaptações 160 10,33%
Clássicos universais 73 4,71%
Clássicos/ Língua portuguesa 139 8,97%
Paradidáticos/Referência 557 35,98%
Os dados coletados e expostos nos quadros 8 e 9 revelam que os catálogos de literatura
juvenil 2007 das respectivas editoras ofertam uma produção na qual reina a narrativa, com
73,90%, havendo, no quesito “categorias”, o predomínio dos “paradidáticos”, que
representam 35,98%, ou seja, pouco mais de um terço das ofertas.
Uma vez que os resultados aqui divulgados refletem única e exclusivamente uma visão
– a dos editores – é aconselhável desconfiar do montante de um terço. Nesse sentido, uma
análise que acrescentasse outros critérios para a classificação dos títulos presentes nos
catálogos e que não dependesse apenas da perspectiva do editores poderia contestar tais
valores.
82
Ao levar em conta, por exemplo, o conteúdo dos títulos ou sua finalidade
32
, poder-se-
ia detectar muito mais títulos dedicados ao apoio de conteúdos escolares que os números
apontados pelos editores.
O índice “Outros gêneros”, que engloba poesia, teatro e quadrinhos, representa apenas
5,03% do montante de títulos, deixando claro que há muito a ser explorado nessa área. Já no
caso da narrativa, a presença do romance se sobrepõe a todos os outros subgêneros.
Como se evidencia, as editoras buscam cada vez mais se adequar aos objetivos
previstos nos PCNs. Em todos os catálogos, mesmo aqueles que não especificam de forma
direta, foram encontrados títulos com marcada preocupação quanto ao atendimento dos temas
transversais.
À exceção do catálogo da Cia. das Letras, em todos os outros, foi possível perceber
uma constante: tudo parece girar em torno de temas. As obras são abarcadas em coleções
regidas pelo tema “n”, a divisão do catálogo obedece a um tema “y”, na apresentação das
obras tudo o mais pode faltar, menos a especificação de seu tema.
Uma dificuldade comum, presente em quase todos os catálogos, parte exatamente
desse aspecto, ou seja, se um professor precisar pesquisar uma obra pelo gênero (conto,
novela, poesia, quadrinho), deverá revirar o catálogo, pois os índices dos catálogos destacam
apenas os temas, sendo inclusive por eles que as obras aparecem agrupadas.
Novas séries ou coleções surgem e o tema está lá para atestar ou justificar sua
existência: “‘Está na minha mão’ é uma série inovadora que alia literatura e reflexão moral”
(MODERNA, 2007, p.115); “ ‘Coleção pare e pense!’ – temas como violência, preconceito
(...) estão presentes nos títulos desta coleção” (SCIPIONE, 2007, p. 107), “com temas
polêmicos, os livros da Sinal Aberto estimulam a reflexão dos alunos” (ÁTICA, 2007, p.
101). Resumindo, os aspectos apontados comprovam a forte preocupação e o caráter utilitário
de boa parte da produção para a literatura juvenil.
32
Alguns editores fazem especificações relativas à finalidade dos títulos ou séries, criados com o objetivo de
trabalhar os temas transversais: ética, comportamento, educação sexual, ou ambiental. Mas há inúmeras obras ou
séries em que se pode depreender a mesma intenção; no entanto, como os editores não as enquadram nesta ou
naquela categoria, não foram computadas no item “paradidáticos”, que traz, então, um índice aproximado de
35,98% do montante dos catálogos analisados.
83
4. 1.3 A oferta do texto canônico
Dos cinco catálogos analisados – Ática, Cia. das Letras, Companhia Editora Nacional,
Moderna e Scipione – quatro trazem indicações de leitura de obras por eles designadas como
clássicos da literatura, a saber: Ática, Companhia Editora Nacional, Moderna e Scipione.
O catálogo da editora Ática dedica seis coleções para essa modalidade: “Descobrindo
os clássicos”, “Eu leio”, “Bom livro”, “Clássicos em quadrinhos”, “O tesouro dos clássicos” e
“O tesouro dos clássicos juvenil”.
A série “Descobrindo os clássicos” é composta por adaptações de obras da literatura
luso-brasileira com “características da obra apresentadas de maneira fácil” (ÁTICA, 2007, p.
5). São indicadas à leitura de alunos de sétima e oitava séries, com o objetivo de estimulá-los
à leitura do texto original.
A série “Eu leio” traz os clássicos da literatura estrangeira em textos integrais, com
textos de apresentação assinados por renomados escritores brasileiros. A coleção também é
indicada à leitura de sétimas e oitavas séries.
Os títulos da “Série Bom Livro” são indicados à leitura de alunos em fase escolar da
oitava série e do Ensino Médio. É composta por textos integrais de obras reconhecidas da
literatura luso-brasileira: “os maiores clássicos da literatura brasileira e portuguesa, em
edições com textos integrais e comentários de especialistas, só na Bom Livro” (ÁTICA,
2007, p. 135). No catálogo, a editora justifica a escolha dos livros que compõem a série, ao
assinalar que são os títulos mais solicitados nos exames vestibulares do país.
A título de exemplo, participam dessa coleção obras, tais como: Lira dos vinte anos e
poesias diversas, de Álvares de Azevedo, Os Lusíadas, de Camões; Bom-crioulo, de Adolfo
Caminha; O cortiço, de Aluísio Azevedo; A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo; Os
sertões, de Euclides da Cunha; Canaã, de Graça Aranha; O guarani, de José de Alencar;
Senhora, de José de Alencar; O alienista, Helena, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom
Casmurro, dentre outras, de Machado de Assis; O primo Basílio, Os Maias de Eça de
Queirós, dentre inúmeros outros títulos.
As outras coleções da editora Ática – “Clássicos em quadrinhos”, “O tesouro dos
clássicos” e “O tesouro dos clássicos juvenil” – são compostas por adaptações de histórias
bíblicas ou de obras clássicas da literatura estrangeira ou nacional, sendo destinadas ao
público da quarta à sexta série.
84
Ainda sobre o catálogo da editora Ática, vale ressaltar uma curiosidade: o romance
Dom Casmurro, de Machado de Assis, figura entre os títulos mais adotados para as sétimas e
oitavas séries no já mencionado “ranking” dos livros mais adotados pelas instituições privadas
de ensino.
O catálogo da Companhia Editora Nacional oferece duas coleções. A primeira,
intitulada “Clássicos Nacional (sic)”, é formada por traduções de títulos de literatura
estrangeira, tais como: Caninos Brancos, de Jack London; Moby Dick, de Herman Melville;
As viagens de Tom Sawyer, de Mark Twain, dentre outros. A editora indica as obras por
idade, e essa coleção, por exemplo, é indicada para leitores a partir de onze anos.
A segunda coleção da Companhia Editora Nacional, intitulada “Clássicos da nossa
língua”, é indicada a leitores a partir de doze anos. Segundo os editores, a série tem por
objetivo oferecer as obras fundamentais da literatura brasileira e portuguesa. Fazem parte da
listagem autores, tais como: Álvares de Azevedo, Camilo Castelo Branco, Aluísio Azevedo,
Eça de Queirós, Joaquim Manoel de Macedo, Lima Barreto, Raul Pompéia, José de Alencar,
Bernardo Guimarães e Machado de Assis.
Para Machado de Assis, no catálogo da Companhia Editora Nacional, há uma seção
separada, dividida em partes, assim intituladas: “teatro”, “romances” e “contos”. Dois
volumes que reúnem peças de teatro do autor são oferecidos na seção denominada “teatro”.
Na seção seguinte, os romances oferecidos são: Ressurreição, A mão e a luva e Helena. E na
seção “contos”, aparecem as seguintes publicações: Contos fluminenses, Histórias da meia-
noite, Papéis avulsos, Histórias sem data e Várias histórias.
A última coleção da Editora Companhia Nacional é “Lazuli clássicos”, que reúne,
segundo os editores, grandes obras da literatura, indicadas ao público a partir de doze anos.
Os títulos da série são acrescidos de ilustrações e notas explicativas dispostas ao longo do
texto, que é integral. O excerto a seguir expõe a descrição da série na visão dos editores: “Os
títulos da Série Lazuli Clássicos são úteis tanto para o leitor iniciante quanto para o mais
experiente, além de um excelente auxílio para os vestibulandos” (COMPANHIA EDITORA
NACIONAL, 2007, p. 96). Os autores presentes na série são: Machado de Assis, Fernando
Pessoa, Antônio de Alcântara Machado, Gil Vicente, Eça de Queirós, Castro Alves, José de
Alencar, Lima Barreto, Manuel Antônio de Almeida e Aluízio Azevedo. Há indicação de
Dom Casmurro.
O catálogo da editora Moderna destina para as obras canônicas a “Coleção
Travessias”, que é indicada para o leitor a partir da oitava série, designado “leitor
crítico/jovem adulto”. A coleção reúne obras da literatura luso-brasileira e uma tradução (das
85
fábulas de Esopo) de obra de língua estrangeira. Participam dessa listagem os seguintes
autores: Gil Vicente, Mário de Sá Carneiro, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Joaquim
Manuel de Macedo, Manuel Antônio de Almeida, José de Alencar, Visconde de Taunay,
Bernardo Guimarães, Álvares de Azevedo, Aluísio Azevedo, Raul Pompéia, Domingos
Olímpio, Antônio de Alcântara Machado, Lima Barreto e Machado de Assis, que detém o
maior número de obras, dentre elas Dom Casmurro.
O catálogo da editora Scipione dedica duas séries aos clássicos: a “Coleção
Reencontro Literatura” e a “Coleção Clássicos Scipione”. A primeira traz adaptações de
clássicos brasileiros e estrangeiros para leitores entre treze e catorze anos de idade. Entre os
inúmeros títulos da coleção, podemos citar Drácula, de Bram Stocker, adaptado por Laura
Bacellar; Hamlet, de Shakespeare, adaptado por Leonardo Chianca; O ateneu, de Raul
Pompéia, adaptado por Carlos Heitor Cony e Memórias Póstumas de Brás Cubas, de
Machado de Assis, com adaptação de José Louzeiro, além de Dom Casmurro, adaptado por
Hildebrando de A. André.
A segunda coleção mencionada é endereçada a leitores entre 15 e 17 anos. Contém
obras da literatura brasileira e portuguesa em versão integral, e, entre os autores, temos:
Camilo Castelo Branco, Raul Pompéia, Aluísio Azevedo, Lima Barreto, Eça de Queirós e
Machado de Assis, com os romances Quincas Borba, Memórias Póstumas de Brás Cubas, O
alienista e Dom Casmurro.
Retomando agora os dados numéricos já apresentados, obtemos o quadro seguinte:
QUADRO 10 – Títulos clássicos que os catálogos apresentam
Ática
Cia. das
Letras
C. Editora
Nacional Moderna Scipione
Adaptações 20 0,36% 5 3,10% 22 7,53 1 0,29% 112 38,35%
Clássicos Universais 31 5,6% - - 34 16,66% - - 8 2,73%
Clássicos/ L. Portuguesa 85 15,37% - - 15 5,13% 23 6,8% 16 5,47%
A editora Companhia das Letras não apresenta produção específica nessas categorias,
salvo cinco adaptações. A Moderna não disponibiliza de uma seção destinada aos clássicos
universais e, no catálogo, foi encontrado apenas um título
33
que ali poderia se encaixar,
contudo os editores preferiram colocá-lo junto à seção dos clássicos de língua portuguesa.
33
ESOPO. Fábulas completas. Trad. Neide Smolka. São Paulo: Moderna, 2007.
86
As editoras Ática e Companhia Editora Nacional são aquelas que mais investem na
categoria. A Scipione se destaca por investir nas adaptações, que ocupam cerca de 38,35% de
sua produção.
O aspecto comum entre as quatro editoras – Ática, Companhia Editora Nacional,
Moderna e Scipione – é a preocupação em oferecer títulos pertencentes ao cânone de obras
luso-brasileiras e indicá-los à leitura de jovens em fase escolar, a partir do final do ciclo
básico dois de aprendizagem.
Como se pode atestar, especificamente o romance Dom Casmurro, de Machado de
Assis, aparece indicado a esse público-leitor em quatro catálogos: Ática, Companhia Editora
Nacional, Moderna e Scipione.
A única justificativa que se pode apreender dos catálogos para essa ocorrência está
contida no catálogo da editora Ática e da Companhia Editora Nacional, em que seus editores
explicam estarem atentos às cobranças dos exames de vestibular. No entanto, quais seriam os
critérios cotados por eles, ao fazer a indicação dessas obras a alunos de oitava série?
Indagadas a esse respeito, nenhuma editora respondeu à questão. A editora Moderna,
via correspondência eletrônica, disponibilizou um telefone, mas as atendentes do
departamento pedagógico não souberam ou não quiseram explicar.
Essas ocorrências deixam no ar a forte suspeita de que possivelmente as implicações
são mais mercadológicas que pedagógicas. O que é perfeitamente natural, afinal, livros
também são negócio, e preocupações pedagógicas podem e devem ficar para outra instituição.
Por outro lado, é possível supor que a publicação de obras canônicas por parte dos
editores e seu oferecimento às instituições de ensino é mais uma das estratégias do mercado.
Uma vez que as obras são de domínio público, não carecem de custos com direitos autorais;
logo, o lucro das editoras não é pequeno e a lógica, por conseguinte, é angariar mais leitores
para esse tipo de texto. A esse respeito, Perrone-Moisés (1998) observa:
Os catálogos das grandes editoras incluem os clássicos antigos (liberados de
pagamento de direitos autorais) e modernos, para os editores obstinados ou
curricularmente obrigados. Nenhuma grande editora pode, entretanto,
sobreviver comercialmente sem uma certa porcentagem de best-sellers de
entretenimento, de auto-ajuda ou de livros didáticos. Por quanto tempo os
clássicos ainda se venderão, é algo que não sabemos (PERRONE-MOISÉS,
1998, p. 178).
87
4.1.4 Resenhas do romance
Uma prática comum em todos os catálogos é a apresentação dos títulos por meio de
pequenas resenhas. Aqui serão observadas as resenhas referentes a Dom Casmurro, presentes
nos quatro catálogos (Ática, Companhia Editora Nacional, Moderna e Scipione) que oferecem
o romance.
No catálogo da editora Ática, a resenha é escrita de modo sucinto, pois os detalhes
referentes à estruturação da edição vêm especificados na apresentação da série a que o livro
pertence (Bom Livro): “A história é narrada por Bentinho, que fala de seu amor pela vizinha
Capitu, de sua paixão, seu ciúme e suas desconfianças”. (ÁTICA, 2007, p. 137).
Já a resenha da Companhia Editora Nacional traz detalhes do enredo (tempo e espaço,
por exemplo) e dos demais textos (notas explicativas, glossário, dentre outros) que a edição
do livro contempla:
A história se passa no Rio de Janeiro do Segundo Império, e conta a
trajetória de Bentinho e Capitu. A dúvida quanto à traição da mulher amada,
Capitu, é o motor do grande clássico de Machado de Assis. Trata-se de um
romance narrado em primeira pessoa por Bentinho, o que permite manter
questões sem elucidação até o final, já que a história conta apenas com a
perspectiva subjetiva de Bentinho. O romance Dom Casmurro, uma das
grandes obras da Literatura Brasileira, é considerado a obra-prima de
Machado de Assis. Este volume apresenta comentários e notas acerca de
estrutura literária, política e costumes, do professor Ricardo Leão, além de
um glossário. As ilustrações são de Eduardo Burato. Um livro indicado para
estudantes e aqueles que desejam conhecer mais profundamente a obra do
bruxo do Cosme Velho. (COMPANHIA EDITORA NACIONAL, 2007, p.
96).
A editora Moderna comenta o enredo e ressalta a importância da obra, no que se refere
à caracterização da sociedade do século XIX que ela também retrata:
O narrador Bentinho, apelidado Dom Casmurro por viver recluso e solitário,
conta os fatos de sua infância na casa da mãe viúva, dona Glória, e também
passagens de sua vida adulta ao lado de Capitu, que suspeita ser adúltera. Se
a figura fascinante de Capitu, que prende a atenção do leitor, transforma a
questão do adultério no ponto central do romance, não podemos nos
esquecer de que a obra oferece também um rico painel da sociedade
brasileira da época, revelando-nos as relações de classe e os meios de
ascensão social, a influência da Igreja na vida cotidiana, além de
observações desencantadas do narrador sobre a condição humana.
(MODERNA, 2007, p. 129).
88
A editora Scipione traz uma resenha centrada apenas na trama, não descrevendo, por
exemplo, detalhes da edição:
Bentinho, o narrador do romance, apaixona-se pela vizinha Capitu ainda
criança. Ao se tornar adulto, consegue escapar do seminário ao qual estava
destinado pela mãe e se casa com a bela moça. Quando morre seu mais fiel
amigo, Escobar, ele observa a esposa e passa a acreditar que ela amava o
morto. Obcecado, Bentinho começa a reunir indícios da traição da mulher,
colocando o casamento em crise. Ao leitor, resta a dúvida: Capitu traiu ou
não o marido? (SCIPIONE, 2007, p. 63).
É clara a intenção dos editores de facilitar o trabalho para o professor. Algumas
resenhas, como é o caso da editora Moderna, ressaltam o que se deve observar no romance:
“[...] não podemos nos esquecer de que a obra também oferece um rico painel da sociedade
brasileira da época [...]” (MODERNA, 2007, p. 129).
Se o professor não examinar bem, irá, conseqüentemente, adotar esses discursos e
guiará suas ações tal qual eles prescrevem. Isso não significa que as indicações ou o discurso
dos editores estejam errados. Abaixo todo julgamento de mérito da questão, o errado seria não
refletir.
Sem a reflexão, a atitude do professor será a aceitação passiva enquanto consumidor,
frente ao efeito de padronização do mercado. E esta é uma das armadilhas da indústria
cultural combatida por Adorno (1969?), que julga ser essa a causa da “atrofia da imaginação”.
E, em tal aplicação, a tese do autor se faz correta.
Entretanto, para que o professor reflita, ele necessitaria primeiro de uma boa
formação. Depois ele precisaria ser um leitor e, por fim, iria carecer de tempo. Será que os
professores das escolas de educação fundamental do Brasil podem se reconhecer nesse perfil?
Infelizmente, a resposta é um sonoro “não”. E, mais uma vez, é também desse modo que as
imposições do mercado adentram a escola.
O fato de as editoras indicarem a leitura do romance Dom Casmurro e de tantos outros
textos considerados canônicos, seja da literatura universal, seja da luso-brasileira, a alunos a
partir de 12 anos de idade
34
que estão entre a sétima e oitava série do Ensino Fundamental
implica as duas proposições de Benjamin (1983). Por um lado, a banalização de tais obras,
que poderia acarretar o enfraquecimento de sua aura frente às reproduções. Por outro, poderia
provocar sua democratização, em virtude da divulgação e da ampliação de seu campo de
34
Lembrar das indicações presentes no catálogo da Companhia Editora Nacional.
89
atuação, considerando esse público em potencial. Nesse caso, ao considerar, por exemplo, a
realidade do Brasil, não parece incoerente escolher a segunda opção e acreditar que a
imposição do mercado é uma medida razoável.
O problema é de fácil solução, pois basta que os alunos tenham bons mediadores de
leitura. Conforme apontou a pesquisa “Retratos de Leitura no Brasil”, de 2008, a escola ainda
é o principal agente mediador de leitura da sociedade brasileira. Mas para que ela tenha bons
mediadores, seriam necessários maiores investimentos, sobretudo na formação e na
valorização dos profissionais da área da educação.
4.1.5 A circulação dos catálogos na escola estadual paulista
Como o restante da pesquisa se desenvolveu em uma escola da rede estadual do
Estado de São Paulo, o ponto de vista da circulação dos catálogos de literatura juvenil
descritos considerou esse ambiente. O objetivo foi explicar como eles influenciavam (e se o
faziam) as escolhas de livros de literatura dessas escolas.
Para rastrear a trilha dos catálogos, foi necessário entender primeiro o funcionamento
do processo de aquisição de livros da rede estadual. De acordo com dados fornecidos no site
oficial da Secretaria Estadual de Educação, de 1995
35
, através do PNLD-SP – Programa
Nacional do Livro Didático, a compra de livros (em São Paulo, não só didáticos, mas também
de ficção e paradidáticos) até 2006 era feita pela própria Secretaria da Educação de São Paulo,
mediante um convênio assinado pelo MEC/FNDE e pelo governo do Estado de São Paulo.
Nesse sistema, os professores tinham a oportunidade de escolher os livros por meio de
pequenos acervos denominados “módulos”, que continham obras de ficção.
A partir de 2001, o Estado de São Paulo informatizou todo o processo de execução do
PNLD, que passou a realizar todas as etapas do processo de aquisição de livros via internet. A
escolha era feita pelos professores nas próprias escolas, através de listagem disponibilizada no
35
SÃO PAULO. Secretaria da Educação. “Apresentação do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD – em
São Paulo. Disponível em: <http://www.lendoeaprendendo.sp.gov.br/2006/subpages.htm>. Acesso em: 3 de
julho de 2007.
90
site oficial, por meio dos denominados “módulos”
36
. Também pela internet eram vistas a capa
e a resenha dos livros.
A seleção de obras que formavam os módulos era feita por uma equipe de especialistas
da CENP – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Os módulos agrupavam as
obras por série. Os professores deveriam optar entre esta ou aquela listagem, não podendo
escolher obras de módulos diferentes.
Catálogos de editoras? Não.
Em entrevista, a assistente técnica pedagógica de Língua Portuguesa da Diretoria
Regional de Ensino de Presidente Prudente esclareceu que, antes da internet, as escolhas eram
feitas por meio de impressos oficiais que vinham da Secretaria Estadual para as escolas. Este
material continha todas as informações referentes às obras (já selecionadas pela equipe da
CENP), assim como suas resenhas, e era por meio delas que os professores faziam suas
escolhas.
Catálogos?? Ainda não.
Para se chegar aos catálogos, foi preciso examinar vários documentos. Um edital,
publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo em 21/10/2006, Seção 1, Poder
Executivo, página 46, que tratava da convocação dos editores para a inscrição de obras de
ficção e não-ficção para as escolas públicas, como parte do processo de avaliação e seleção,
conseguiu explicar todo o processo, exposto a seguir.
Primeiro é aberta, em edital, a “temporada” de cadastramento ou atualização de
cadastro das editoras no site oficial da Secretaria. Em seguida, vem a fase de apresentação dos
livros, em que as editoras enviam um exemplar de cada lançamento a partir da data estipulada
(no caso desse edital, a partir de 2005).
Além dos livros, as editoras têm de cumprir várias exigências e também precisam
enviar, conforme o Artigo 6, parágrafo 6.1.2, “Um (01) catálogo
da editora”
37
. Finalmente, ali
aparecia o catálogo. Interceptado pela equipe de especialistas da Secretaria, não passava pelas
mãos dos professores da rede.
Em 2007, a forma descentralizada de compra de livros do Estado de São Paulo deixou
de acontecer
38
, ou seja, no que se refere ao PNLD-SP/2006, todas as escolas paulistas
(municipais, estaduais e federais) passaram a ser atendidas diretamente pelo FNDE – Fundo
36
Os módulos eram uma espécie de antologia, composta por obras de ficção e não ficção (referência), agrupadas
de acordo com o ciclo de aprendizagem (1 e 2) e o nível de escolaridade.
37
Edital divulgado no site: www.educacao.sp.gov.br/2006/Subpages/Comunicados.html – Acesso em: 3/07/2007
(grifo do autor).
38
Os documentos oficiais da Secretaria Estadual de São Paulo não especificam exatamente quando ocorreu a
volta da “centralização”, indicam apenas que, em 2007, a forma descentralizada já não está mais em vigor .
91
Nacional de Desenvolvimento da Educação, através do MEC. As compras, portanto, voltaram
a ser centralizadas em Brasília.
Entretanto, pode-se supor que uma saída foi encontrada pela Secretaria Estadual de
Educação de São Paulo, com a criação dos seguintes projetos de leitura: “Tecendo Leitura”,
“Hora da leitura”, “Lendo e Aprendendo”. Por meio deles, os livros de ficção e paradidáticos
chegavam às escolas da rede num processo de compras idêntico ao já descrito.
Encurtando a história, pôde-se constatar que, nas escolas estaduais paulistas, os
catálogos das editoras não estão nas mãos dos professores porque a compra de livros é feita
pela Secretaria Estadual de Educação, que, para isso, dispõe de um grupo de especialistas
encarregados de fazer a triagem dos livros e destiná-los às escolas. Nesse caso, como apontam
os indícios, essa equipe é quem faz as escolhas e, para tanto, utiliza exemplares dos títulos,
contando também com os catálogos de literatura das editoras.
Em vista dessa situação e do fato de poucos catálogos serem vistos circulando pelos
ambientes escolares (há, inclusive, professores que não os conhecem), tudo leva a crer que
catálogos de literatura não são utilizados por professores da rede estadual do Estado de São
Paulo.
Talvez essa realidade se repita em outros estados do país e, muito provavelmente, seja
por isso que tais catálogos, embora seus editores não assumam, procurem interlocução com
um tipo de professor específico: o de escolas particulares. Então, os catálogos escolares de
literatura são produzidos, preferencialmente, para os professores da rede privada? Em resposta
a essa pergunta, a supervisora de atendimento das editoras Ática e Scipione, por meio de
correio eletrônico, informou: “todos os catálogos da Editora Ática são voltados
principalmente às escolas e professores de todas as regiões do Brasil”.
Interrogada a respeito dos registros de envio dos catálogos, com o objetivo de
descobrir quem os recebe, ela respondeu: “não temos registro de distribuição deles, pois todos
são postados como ‘impressos’ no correio e não fica nenhum comprovante desta remessa com
a editora”
39
.
Entrevistado, um distribuidor da mesma editora disse: “enviamos os catálogos para
todas as escolas particulares, mandamos para as públicas também, mas as particulares são
nosso alvo principal”, o que contradiz a fala da supervisora e confirma as suspeitas acerca do
público-alvo em potencial dos catálogos.
39
LOURENÇO, Amália. Catálogos de literatura juvenil. Sistemas de ensino apoioescola (editoras Ática e
Scipione). [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <tatia[email protected]> em 29 de junho de 2007.
92
O catálogo da editora Ática ainda traz uma lista dos livros mais adotados, alegando ser
esse o atendimento a um pedido de muitos professores. Mas o aspecto intrigante é que esse
ranking é feito com base nas indicações dos professores da rede privada: “atendendo ao
pedido desses professores
40
, relacionamos então algumas das obras da Ática mais adotadas na
rede particular de ensino” (ÁTICA, 2007, p, 48).
Outro ponto que convém expor é a observação da correspondência anual das remessas
de livros, bem como de outros materiais da E.E. Dr. Marrey Júnior no ano de 2007. Nas
listagens, não foi detectado o envio de catálogos de qualquer editora, dado que confirma o
processo de aquisição de obras das escolas da rede estadual e atesta que esse material não
circula, ao menos por vias oficiais, nas unidades escolares
41
.
A hipótese de que os catálogos sejam produzidos levando-se em consideração a
realidade de professores da rede privada não pode ser descartada, porém necessitaria de mais
investigação, para ser comprovada. E outro detalhe a ser notado é que o exame contido nesse
texto dá indicadores do sistema de aquisição de livros de um Estado da Federação. Como os
catálogos circulam por todo o país, outras realidades seriam encontradas; logo, para que a
hipótese venha a se concretizar, muitos fatores entrariam em jogo. Por enquanto, ficam aí
modestos indícios.
4.1.6 Enfim...
A tendência dos catálogos em mostrar adequação aos PCNs pode ter relação direta
com as exigências das diretrizes que comandam a escola. Observe-se o recorte:
a avaliação das obras de ficção e não-ficção será realizada por uma banca
composta por técnicos da SEE/CENP e especialistas de diversas áreas do
conhecimento obedecendo aos seguintes quesitos: projeto gráfico (letra,
40
“Desses professores”: ali os editores estão se referindo aos professores que escreveram fazendo o pedido, não
necessariamente professores da rede privada.
41
Cada unidade escolar da rede estadual do Estado de São Paulo tem sua identidade, particularidades típicas da
região em que se encontra, clientela específica, dentre outros aspectos. No entanto, todas seguem um mesmo
padrão de gestão, ditado pela Secretaria Estadual, que padroniza todos os procedimentos administrativos. Logo,
na maioria dos casos, e sobretudo quando se trata do envio de materiais, a medida de uma escola é a de todas as
outras.
93
impressão, diagramação, ilustração, capa); textos de qualidade para um
trabalho diversificado em sala de aula com variedade de temas e linguagens
nas diferentes áreas do conhecimento; compatibilizarão da obra com os
pressupostos e princípios das Propostas Curriculares da SEE/CENP, dos
eixos organizadores dos PCNs, dos Temas Transversais (...) (Diário
Oficial do Estado de São Paulo em 21/10/2006, Seção 1, Poder Executivo,
página 46, artigo 8, parágrafo único).
Fica no ar a pergunta: em que medida a escola não influencia a produção? E a velha
máxima dos biscoitos pode ser adaptada: o mercado influencia as escolhas da escola, ou a
escola influencia a produção do mercado?
O fato de as editoras estarem afinadas com os aspectos pedagogizantes de certas
leituras que a escola promove não é de todo prejudicial, até porque essa é uma das funções da
instituição, especialmente em se tratando da escola pública brasileira, que atende, em grande
parte, a um público carente, tanto em termos de recursos, como de estrutura familiar.
Cumpre mesmo destacar que há certa coerência nessa relação, pois se de um lado está
o oferecimento, do outro existe a cobrança. O perigo reside no deixar-se seduzir pelo mantra
do texto como pretexto
42
em detrimento da literariedade. É preciso, pois, encontrar um meio-
termo.
Segundo Machado (1999), o papel da escola e do professor na sociedade brasileira é
primordial quando o assunto é a formação de leitores, pois é por meio da instituição que a
maioria da população do país consegue entrar em contato com os livros,
é de fundamental importância que a escola não desperdice essa oportunidade
e não recomende bobagens nem desenvolva atitudes que funcionem como
vacina contra a leitura (...) mas também não é preciso combater nenhum
livro (...) que existam todos, livres. MACHADO (1999, p. 88).
A missão de equilibrar as forças entre mercado/escola, texto literário/aluno é, sem
dúvida, do professor, afinal, suas escolhas são as que verdadeiramente irão atingir o aluno.
Catálogos, módulos, equipe de especialistas, assessoria on-line, suplementos de
leitura, livros premiados... Nada disso vai fazer a menor diferença se o professor não for o
primeiro leitor.
Se o professor não é leitor, pode virar armadilha fácil das ofertas mais tendenciosas
dos catálogos e seu projeto de leitura fracassará. Nessa condição, o melhor dos catálogos ou o
mais prático e perfeito guia de leitura não resolverão: “imaginar que quem não lê pode fazer
42
Expressão utilizada por LAJOLO, Marisa. O texto não é pretexto. In: ZILBERMAN, Regina (Org.) Leitura
em crise na escola. 5. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985. p. 51-62.
94
ler é tão absurdo quanto pensar que alguém que não sabe nadar pode se converter em instrutor
de natação”. (MACHADO, 2001, p. 122).
4.2 A OITAVA SÉRIE B: PERFIL SÓCIOECONÔMICO E CULTURAL
Conforme Jauss (1994), é preciso levar em conta o contexto social em que os leitores
estão inseridos para que se possa vislumbrar como se realiza seu diálogo com a obra. Assim,
nesta seção, serão apresentados dados referentes ao perfil social, econômico e cultural do
grupo de alunos que concordou em participar da pesquisa.
Feito o convite, os 37 alunos da oitava série B concordaram em participar da pesquisa.
Desse modo, foram tabuladas questões de 37 questionários. A tabulação dos dados coletados
foi possível através das informações que os alunos prestaram por meio de questões mistas
(abertas e fechadas)
43
. Ainda que nem todos os alunos tenham completado a leitura do livro,
nenhum questionário foi desconsiderado.
A pesquisa aconteceu na escola estadual Dr. Marrey Júnior, em Presidente Prudente-
SP, entre os meses de agosto e setembro de 2007. Especificamente, o questionário
44
que aqui
se apresenta (socioeconômico e cultural) foi aplicado no mês de agosto, no período em que os
alunos faziam a leitura do romance.
Os resultados descrevem um grupo de alunos entre 14 e 15 anos de idade, composto,
com pequena vantagem, de adolescentes do sexo feminino e moradores de regiões distantes
do centro da cidade e do bairro onde a escola se localiza.
Mais de 80% dos alunos mora com os pais, e as famílias são, em grande parte,
pequenas, com três filhos no máximo. Em termos de nível de escolaridade, de modo geral, os
pais têm formação média e não há registro de analfabetos.
As informações relativas às práticas de leitura do ambiente familiar indicam que as
mães e as avós são aquelas que mais lêem e, igualmente, aquelas que, de acordo com os
alunos, mais lhes contavam histórias na infância. Tamm é na listagem das leituras feitas
pelas mães que aparecem livros de literatura infantil e os escolares.
43
Ver apêndice 1.
44
Ver Apêndice 1.
95
Tais aspectos podem indicar que, nessas famílias, as mulheres exercem um papel
fundamental na educação dos filhos e no cuidado dos demais membros, a exemplo das
indicações de leitura de livros de receitas culinárias que aparecem nas listagens das mães e
das avós.
Com relação à motivação para fazer leituras, os índices apontam que a escola é o
elemento de maior influência. Contudo, os alunos demonstram um quadro de pouca leitura,
comprovado por suas modestas listagens de livros que ora se apresentam em algumas
questões.
A biblioteca
45
escolar é pouco aproveitada. Apenas uma aluna afirma freqüentá-la
sempre. Os alunos a utilizam de vez em quando e para fazer trabalhos escolares.
Aproximadamente um quarto do grupo declara não tê-la usado nunca.
Esses dados revelam que tal escola precisa intensificar seu papel na formação de
leitores e um ponto fraco, certamente, está em sua sala de leitura.
Os alunos também indicaram que não têm o hábito de freqüentar a biblioteca pública
da cidade. Uma explicação pode estar em sua localização, ou seja, no centro da cidade, e por
esse motivo, inacessível aos alunos, que, para freqüentá-la, precisariam de uma ou até duas
conduções. Uma solução seria a implantação de bibliotecas de bairro.
Dos objetos de leitura presentes nas residências dos alunos, a Bíblia está em quase
100% dos lares. É também o único tipo de leitura comum entre os membros familiares: pai,
mãe, avô, avó, irmãos. É a leitura preferida das mães e das avós e ocupa o quarto lugar na
ordem das leituras que os alunos faziam no momento.
Outro aspecto que merece destaque é relativo ao que informaram os alunos sobre seu
tempo livre. O grupo declarou que prefere, em primeiro lugar, assistir TV, perfazendo 20,96%
das respostas; em seguida, praticar esportes, com 12,79%; em terceiro lugar, com 11,62 %,
navegar na internet; em quarto, com 10,46%, encontrar os amigos; em quinto, com 6,97 %,
dormir; em sexto, com 5,8%, empatados, ouvir música e jogar videogame; em sétimo, com
4,6%, ajudar a mãe; em oitavo, com 3,4%, estudar e ouvir rádio e, em nona posição, ler, com
2,3%.
Esses dados atestam que tais alunos não têm o hábito de ler e que a leitura para eles
não está associada à idéia de lazer.
Quando interrogados a respeito das leituras que não os agradaram, os alunos se
mostraram temerosos em especificá-las. Muitos fizeram referências a um “certo livro” que
45
Nas escolas estaduais paulistas, esse espaço é oficialmente designado “sala de leitura”, muito embora a
expressão seja raramente empregada, salvo pelos documentos oficiais.
96
estavam lendo e do qual não estavam gostando ou que não estavam entendendo nada. No
entanto, não fizeram menções ao título, o que revela uma característica típica das leituras
realizadas no contexto da escola.
Abaixo, segue o detalhamento dos resultados de cada item pesquisado:
Participantes por idade e sexo
A classe, em idade, varia entre 14 e 15 anos. A maior parte dos alunos tem 14 anos,
porém a diferença é pequena. Dos 37 participantes, 21, o equivalente a 56,76%, informaram
ter 14 anos, e 15 alunos, 40,54%, informam ter 15 anos completos. Um aluno não respondeu à
questão.
Quadro 11: Idade dos alunos
IDADE Nº de alunos Percentual
14 anos 21 56,76%
15 anos 15 40,54%
Não informou 1 2,7%
TOTAL 37 100%
Alunos de ambos os sexos participaram da pesquisa. O grupo era formado por vinte
meninas e dezessete meninos. Como se nota, há uma pequena superioridade no número de
alunos do sexo feminino, cerca de 8,11% a mais.
Quadro 12: Sexo
SEXO Número Percentual
Masculino 17 45,95%
Feminino 20 54,05%
TOTAL 37 100%
Local onde moram
Os índices que demonstram a localidade em que residem os alunos da oitava série B
refletem o perfil do corpo discente da escola, forte incidência de alunos moradores de bairros
mais afastados do centro da cidade.
97
Dos 37 alunos da classe, somente 4, ou seja, 10,81%, moram no bairro São Judas
Tadeu, considerado não periférico e onde a escola se localiza. Os 33 restantes,
aproximadamente 89,19% dos alunos, são de outros lugares.
Gráfico 1: Em que bairro você mora?
Cidade onde nasceu, origem, tipo de escola onde estudou
Grande parte dos alunos nasceu em Presidente Prudente, o equivalente a 81%, sendo
que os demais, 19%, informaram outras localidades como origem.
5
5
4
2
2
1
1
1
2
4
2
2
1
1
1
3
0123456
J
d.
I
guaç
u
J
d.
H
um
ber
t
o
S
al
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ador
P
q.
S
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M
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eus
J
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E
s
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or
i
l
P
q.
S
ão
Luc
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F
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anc
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J
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S
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a
O
l
ga
J
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C
obr
al
B
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T
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J
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ar
a
S
ão
P
edr
o
J
d.
G
uanabar
a
N
ão
i
nf
or
m
a
98
Gráfico 2: Onde você nasceu?
Com relação ao tipo de escola em que estudaram no Ensino Infantil, 32 alunos
(86,49%) afirmaram ter freqüentado escola pública, 4 alunos (10,81%) estudaram em escolas
particulares e um aluno (2,7%) informa que não freqüentou esse tipo de escola.
No Ensino Fundamental de 1ª a 4ª série, o índice de alunos que freqüentaram escolas
particulares cai, pois são apenas dois, o equivalente a 5,41%. E quanto ao Ensino
Fundamental de 5ª a 8ª série, todos os alunos freqüentaram escolas públicas.
Gráfico 3 - Tipo de escola onde os alunos estudaram
0 5 10 15 20 25 30
Presidente Prudente
Cidades vizinhas
Capital
Não informa
Série1
30 5 1 1
Presidente Prudente Cidades vizinhas Capital Não informa
32
35
37
2
1
4
0
5
10
15
20
25
30
35
40
Escola infantil E.F. - 1ª a 4ª série E.F. - 5ª a 8ª série
Pública Particular Não fez
99
Com quem mora, quantos irmãos tem?
Para essa questão, a maioria dos alunos informou que mora com os pais (31 alunos ou,
aproximadamente, 83,78%). Três informaram morarem com os avós (8,11%). Um aluno
afirma morar apenas com o pai (2,7%), outro aluno informa morar apenas com a mãe e outro
com a tia.
Gráfico 4: Com quem você mora?
Sobre a quantidade de irmãos, os dados gerais informados pelos alunos apontam que
as famílias, em boa parte, são constituídas de dois a três filhos. Alunos de famílias com quatro
ou mais filhos totalizam 9, aproximadamente 24,32% do grupo, contra 70,27% de famílias
menores.
31
3
1
1
1
0 5 10 15 20 25 30 35
Pais
Avós
Apenas com o pai
Apenas com a mãe
Com a tia
100
Gráfico 5: Quantos irmãos você tem?
Nível de escolaridade dos pais
O gráfico abaixo demonstra o nível de escolaridade dos pais dos alunos. Considere-se,
para o Ensino Fundamental, o período da primeira à oitava série.
O índice do número do item “pai”, apresentado no gráfico, não corresponde a 37 (total
de alunos), pois conforme visto anteriormente, cinco alunos não moram com o pai.
Na oitava série B, pais e mães, em sua maioria, possuem entre o Ensino Fundamental e
o Ensino Médio completos, com uma pequena vantagem para o Ensino Médio.
Do grupo destacam-se alguns pais que completaram o Ensino Superior – 4 sujeitos, ou
seja, 10,81%, e aqueles que o atingiram sem completá-lo – 2 pais, isto é, 5,41%.
Embora a diferença seja pequena, as mães possuem maior escolaridade em relação aos
pais.
Gráfico 6: Escolaridade dos pais
Não tem irmãos; 4; 11%
Um iro; 11; 32%
Dois irmãos; 11; 31%
Três irmãos; 6; 17%
Quatro ou mais; 3; 9%
88
12
22
1
8
7
15
4
2
1
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Ensino Fundamental Fundamental incompleto Ensino Médio Médio incompleto Ensino Superior Superior incompleto
Pai Mãe
101
Quem mais lê com freqüência em sua casa e o que lê?
Ao informarem sobre quem mais lê com freqüência em seus lares, 21 alunos (56,76%)
afirmam que são as mães; 17 alunos (45,95%) disseram que são as avós; 13 alunos (35,14%)
disseram que são os irmãos; 12 alunos (32,43%) afirmaram ser o pai; 6 alunos (16,22%)
indicaram o avô; 5 alunos (13,51%) disseram “ninguém” e 1 aluno (2,7%) não respondeu.
Gráfico 7: Quem lê com freqüência em sua casa?
A segunda questão indagava aos alunos especificamente sobre o que liam os entes
familiares (pai, mãe, avô, avó, irmãos) dos alunos. O gráfico seguinte demonstra os tipos de
leitura informados pelo grupo:
1
5
6
12
13
17
21
0 5 10 15 20 25
Não respondeu
Ninguém
Avô
Pai
Irmãos
Avó
Mãe
102
Gráfico 8: O que lê?
72162
25
2111
1
65
56
44
2
1
1
1
2
54
0 2 4 6 8 1012141618
blia
Jornal
Revista
Livros religiosos
Livros escolares
Livros infantis
Livros de receita
Revistas de fofoca
Livros de animais
Revistas desica
Livros de poesia
Livros de atualizão profissional
Não especificam
Avó
Avô
Iros
Mãe
Pai
Em relação às avós, os alunos informaram: livros de receita, revistas e a Bíblia. Os
avôs lêem livros religiosos, revistas, jornais e a Bíblia. As mães lêem livros de poesia, de
animais, de receita, escolares, infantis, revistas de fofoca e a Bíblia, já os pais preferem livros
de atualização profissional, revistas de música, jornais e também a Bíblia.
Como se observa, a Bíblia é uma leitura comum entre os grupos, ainda que tenha sido
citada apenas uma vez em “irmãos”. As avós e as mães são as que mais procuram por esse
tipo de leitura, respectivamente nesta ordem, recebendo as avós 7 indicações e as mães 5.
Ao todo, a Bíblia recebe 18 indicações; em segundo lugar, empatados, vêm os livros
escolares e os livros infantis, com 11 indicações; e, em terceiro, aparecem os livros de receita,
com 8 indicações.
As mães possuem o repertório de leitura mais diversificado do grupo, pois, para elas,
aparecem indicados oito gêneros diferentes. Os mais citados são os livros infantis e os
escolares, que juntos somam 11 indicações. Tal fato evidencia o papel desempenhado pelas
mães na hierarquia familiar, já que se revela serem elas as maiores mediadoras de leitura entre
os membros da família.
Os tipos de leitura listados pelos alunos, na maior parte do tempo, se relacionam com
atividades profissionais, religiosas ou escolares. Desconsiderando a Bíblia, quase não há
espaço para a leitura de ficção, aliás, para o gênero, há indicações apenas para as mães e para
103
os irmãos, sob a designação “livros infantis”, que se pode entender como literatura infantil. A
leitura de poesia é quase inexistente, salvo por ser a preferência de uma mãe.
Em sua casa há
Dos dados informados para esta questão, pode-se notar que, nas residências dos
alunos, há presença maciça de aparelhos de televisão e som. A internet está presente em
menos da metade, ou melhor, 48,64% dos lares.
Gráfico 9: Em sua casa há
Objetos de leitura presentes nas residências dos alunos
Dos objetos de leitura presentes nas residências dos alunos, destaca-se a Bíblia, com
36 menções, ou seja, está presente em 97,30% dos lares; os CDs de música aparecem com
94,60%; e empatados, em terceiro lugar, estão os dicionários e os livros de receitas culinárias,
com 81,08%.
18
23
37
37
33
34
0 5 10 15 20 25 30 35 40
internet
computador
aparelho de dvd
rádio
aparelho de som
televisão
104
Gráfico 10: Objetos de leitura das residências dos alunos
O que você mais gostava de fazer na infância?
A questão trazia as seguintes proposições: jogar ou brincar, ouvir música, ouvir
histórias, ler, jogar videogame, navegar na internet ou outra/especifique, para as quais os
alunos deveriam elencar a ordem de preferência (do 1º ao 6º lugar).
Muitos alunos, ao responderem a questão, indicaram o primeiro lugar em mais de uma
opção (brincar, ouvir música), assim como repetiram mais de uma vez os outros números das
ordens de preferência, ou seja, assinalaram três, quatro vezes o segundo lugar para mais de
uma preferência. Também houve casos em que os alunos registraram apenas sua primeira
opção, ou a primeira e a segunda opção, deixando algumas preferências em branco. Assim, a
soma dos índices numéricos informados para as atividades preferidas da infância não
correspondem ao número total de alunos entrevistados (37).
O gráfico 11 apresenta os resultados.
3
5
8
11
11
12
12
13
20
22
26
29
30
30
35
36
0 5 10 15 20 25 30 35 40
Alamanaques
Livros de auto-ajuda
Revistas de atualidades
Romances
Livros religiosos
Revistas de fofocas
Enciclopédia
Revistas religiosas
Livros de poesia
Revistas em quadrinhos
Jornais
Filmes e documentários
Livros de receita
Dicionários
CDs - música
Bíblia
105
Gráfico 11: O que você mais gostava de fazer na infância?
Em primeiro lugar, aparece “jogar ou brincar”; em segundo, “ouvir música”; e, em
terceiro, “jogar videogame”. As posições seguintes são mais difíceis de perceber, mas ao se
considerar as atividades mais assinaladas, pode-se afirmar que, em quarto lugar, fica a
“internet”; em quinto, “ler”; e; em sexto; “ouvir histórias”.
A observação atenta do gráfico revela que somente um aluno aponta “ler” em primeiro
lugar, o que também ocorre para a segunda, a terceira e a quarta posições (das ordens de
preferência). Em contrapartida, o índice só vem a aumentar nos últimos lugares (quinto e
sexto), com sete indicações cada.
“Ouvir histórias” também não era a atividade mais querida. Foi citada em primeiro
lugar apenas por um aluno. Cinco alunos a colocam em segundo lugar. Em terceiro, não
pontua, aparecendo na quarta, quinta e sexta posição, com, respectivamente, 4, 5 e 2
indicações.
As duas atividades ficaram muito longe das preferidas, contudo “ouvir histórias” ainda
leva vantagem sobre “ler”.
1
5
4
5
2
1
1
1
1
7
7
1
1
3
4
8
4
3
3
6
9
6
3
5
1
10
5
9
8
5
3
1
6
9
13
9
0
10
20
30
40
50
60
1º Lugar 2º Lugar 3º Lugar 4º Lugar 5º Lugar 6º Lugar
Ouvir histórias Ler Andar de bicicleta Nadar
Assistir televisão Internet Desenhar Brincar de escolinha
Jogar videogame Ouvir música Jogar ou brincar
l
LER
106
Um dado interessante do grupo está contido nos números informados para a
proposição “assistir televisão”. De acordo com eles, ela não é a atividade preferida para a
maioria dos alunos, pois apenas três a colocam em primeiro lugar. Nas outras ordens de
preferência, a atividade sequer aparece. Nesse caso, a opção “ler” obteve grande vantagem.
Quem lhe contava histórias na infância?
De acordo com as informações prestadas no questionário para esta questão, pôde-se
constatar que as avós, o equivalente a 37,84% das indicações, e as mães, com 37,84%, são as
que mais contavam histórias para esses alunos na infância. Há uma boa quantidade de alunos
(oito), aproximadamente 21,62%, que informam que ninguém contava histórias para eles na
infância.
Gráfico 12: Quem lhe contava histórias na infância?
1
1
1
2
2
5
8
8
14
14
02468101214
Tio
Tia
Vizinha
Professora
Amigos
Avô
Pai
Ninguém
Mãe
Avó
107
Histórias ouvidas na infância
Das histórias ouvidas na infância, os contos de fadas representam a grande maioria,
com 26 indicações, o equivalente a 70,27% das respostas. Mas a listagem dos alunos traz
respostas curiosas como, por exemplo, o filme “Rei Leão”, indicado 5 vezes, ou seja, 13,51%
das respostas, ou o desenho “Bananas de Pijama”, que aparece em duas respostas, com 5,41%.
Gráfico 13: Histórias ouvidas na infância
Sentimentos que essas histórias causavam em você?
Alegria, medo e tristeza são os sentimentos mais assinalados pelos alunos para esta
questão. “Alegria” recebeu 30 indicações, aproximadamente 81,08% das respostas.
1
1
1
1
1
1
1
1
2
2
3
5
26
0 5 10 15 20 25 30
Não respondeu
Não lembra
De terror
Inventadas
101 Dálmatas
A ilha perdida
Lobo
A turma da Mônica
Bíblicas
Bananas de pijama
Fábulas
Rei Leão
Contos de fadas
108
Gráfico 14: Sentimentos que as histórias ouvidas causavam
Quantos livros você já leu até hoje? Cite os títulos ou faça referências daqueles
que você lembrar
As respostas dos alunos indicam pouca quantidade de livros lidos. Para facilitar a
análise, o grupo pode ser visto sob duas categorias: os que leram 10 ou mais títulos e aqueles
que informaram terem lido menos que isso. Seis alunos disseram “muitos”, portanto a medida
será desconsiderada para o cálculo em questão. Também não serão computados os que
disseram “mais ou menos 10” ou “não lembro”.
Desse modo, quanto à primeira parte do grupo, 6 alunos leram 15 livros e 2 afirmaram
terem lido 20, de modo que juntos somam 8, isto é, 21,62%.
A outra fatia do grupo leu abaixo de 10 livros, sendo que cinco alunos informaram
terem lido entre 6 e 9 livros, quatro disseram três livros, três disseram dois livros, também três
afirmaram não se lembrarem, dois leram um livro, um aluno informa ter lido quatro e um
aluno disse “nenhum”. O somatório totaliza 19 alunos, ou seja, 51,35% do grupo, que leram
abaixo de 10 livros.
1
1
1
8
11
30
0 5 10 15 20 25 30 35
Curiosidade
Aventura
Não respondeu
Tristeza
Medo
Alegria
109
Gráfico 15: Quantos livros você já leu até hoje?
Cite os nomes dos que você lembra
Os títulos lembrados pelos alunos revelam um repertório bem variado. Os mais citados
foram: Romeu e Julieta, citado por cinco alunos (13,51%); A árvore que dava dinheiro,
também mencionado cinco vezes; A metamorfose, de Kafka, citada por quatro alunos
(10,81%); três alunos (8,11%) citaram Ana Z. aonde vai você?, de Marina Colasanti; e outros
três mencionaram Menino de engenho, de José Lins do Rego.
Os índices do gráfico também revelam que poucos alunos responderam à questão e
que alguns deles novamente citam títulos de filmes, como “Um Shakespeare apaixonado” e
novamente “Rei leão”.
1
1
2
2
3
3
4
4
5
6
6
0123456
Quatro livros
Nenhum
Um livro
20 livros
Dois livros
Não lembra
Três livros
Mais ou menos 10
6 a 9
15 livros
Muitos
110
Gráfico 16: Nomes dos livros que os alunos já leram
Você costuma ler? Enumere a ordem de importância, sendo o número 1 para o
mais importante.
Quanto à motivação para ler, as informações dos alunos colocam em primeiro lugar a
exigência da escola, em segundo, a necessidade espontânea e, por último, aparecem
empatados exigência escolar e prazer pessoal. Assim, a escola é o fator que mais influencia a
leitura desse grupo, porém há um número considerável, 37,83%, que lê por motivação
própria.
5
5
4
3
3
3
2
2
2
2
2
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
0123456
A árvore que dava dinheiro
Romeu e Julieta
A Metamorfose
Ana Z. aonde vai você?
Ficar ou namorar?
Menino de engenho
A bela e a fera
Contos de fadas
O homem lua
Rei leão
Um sonho no caroço de abacate
A bolsa amarela
A casa maldita
A turma da Mônica
Aladim e a lâmpada mágica
O exorcista
O médico e o monstro
O poderoso chefão
Odisséia
Um shakespeare apaixonado
Contos de estimação
111
Gráfico 17: Motivação para ler
Acesso aos livros
A maior parte dos alunos, 78,38%, informou que os livros que já leram eram seus ou
de alguém da casa, ao passo que 59,46% foram emprestados de amigos, vizinhos ou
familiares. A biblioteca escolar foi a outra grande via de acesso, com 51,35% das indicações.
A biblioteca pública tem pouca influência, perfazendo 16,22%; dois alunos, ou seja, 5,41%
citaram o empréstimo por parte de professores; e dois não informaram.
Gráfico 18: Formas de acesso aos livros
19
6
10
6
10
14
8
12
9
Lugar Lugar Lugar
Para tarefas escolares Para se distrair Aprender coisas úteis
29
22
19
6
22
0
5
10
15
20
25
30
35
Eram seus ou de alguém
da sua casa
Emprestados Biblioteca da escola Biblioteca pública Professor Não respondeu
112
Gênero de leitura que você mais tem feito atualmente
Para essa questão, os alunos poderiam apontar mais de um item. As proposições que
poderiam assinalar eram as seguintes: livro, bíblia, jornal, revista, quadrinhos, almanaques e
enciclopédias e outro/especifique.
Segundo informaram os alunos, os suportes de leitura que eles mais têm utilizado
ultimamente são, em primeiro lugar, com 23 indicações (62,16%), as revistas; em segundo, os
livros, com 54,05%; em terceiro, os quadrinhos, com 48,65%; em quarto, a Bíblia, com
37,84%; em quinto, os jornais, com 21,62%; e dois alunos assinalaram o item “outros”, mas
não especificaram.
Gráfico 19: Gênero de leitura que você mais tem feito ultimamente
Você freqüenta a biblioteca escolar?
O grupo não tem o hábito de freqüentar a biblioteca escolar, pois a maioria,
perfazendo 28 alunos (75,68%), afirma ir de vez em quando; oito alunos (21,62%)
informaram que nunca foram; e apenas um (2,7%) afirma freqüentá-la sempre.
23
20
18
14
8
2
0
5
10
15
20
25
Revista Livro Quadrinhos blia Jornal Outros
113
Gráfico 20: Você freqüenta a biblioteca da escola?
Tipo de leitura procurada na biblioteca escolar
Pouco mais de um terço dos alunos, 43,24%, procura a biblioteca da escola para
trabalhos escolares. Com ressalvas para a poesia, que apresenta 37,84% de procura, outros
tipos textuais não oferecem grande motivação.
Gráfico 21: Tipo de leitura você procura na biblioteca da escola
0 5 10 15 20 25 30
Sempre
Nunca
De vez em
quando
16
14
8
3
2
2
1 1
1
1
1
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Escolar Poesia Detetive/policial Comédia Auto-ajuda Histórias
agitadas
Romance Aventura Qualquer umaNão respondeu Literatura Religiosa
114
Citar uma ou mais leituras que você tenha feito ultimamente e que o
impressionou (positiva ou negativamente)
Essa questão foi deixada em branco por nove alunos, ou seja, 24,32%. Um aluno não
especificou, mencionando apenas que estava lendo um livro difícil. Mais da metade dos
alunos, 59,46%, citaram as leituras das quais mais gostaram e apenas 16,22% indicaram
leituras que lhes decepcionaram. Isso significa que 83,78% (seis alunos) não quiseram
especificar as leituras das quais não gostaram.
Gráfico 22: Leituras de que gostaram e de que não gostaram
O pequeno índice de alunos (3%) que se propôs a citar as leituras das quais não tenha
gostado talvez possa não refletir a verdade. Certamente o ambiente escolar, local da pesquisa,
influenciou, de algum modo, as respostas. Talvez os alunos tenham ficado constrangidos ou
preocupados com eventuais conseqüências.
Há, por exemplo, alguns casos de respostas como esta do aluno RPA, de 14 anos:
“estou lendo um livro que eu não entendo nada. Fiquei bravo é chato”. Note-se que o
questionário foi respondido no dia 21 de agosto e foi este o mês que os alunos tiveram para
fazer a leitura de Dom Casmurro. Pela resposta, pode-se subentender que os alunos falavam
do romance, porém, sem mencionar seu título. Isso deixa claro o receio que os alunos tiveram
em expor o que realmente pensavam.
Das leituras que impressionaram positivamente, listadas pelos alunos, há três menções
para Dom Casmurro; três para Ficar ou namorar?, de Leonardo Antunes; e uma para Romeu
e Julieta, de Shakespeare. As demais ficam dispersas entre quadrinhos, jornais e internet.
Outro dado a ser observado se concentra no resultado final dessa listagem, que mostra
haver pouca leitura de livros de literatura. Considerando a quantidade de ficção informada, o
9; 24%
1; 3%
22; 57%
6; 16%
Em branco Não especificou Leituras que gostaram Leituras que não gostaram
115
contingente de 37 alunos e seu nível de escolaridade, o resultado (3 romances, 3 novelas, uma
peça teatral e quadrinhos) indica que os alunos leram e produziram pouco, ao longo da vida
escolar.
Gráfico 23: Leituras que impressionaram positivamente
3
4
15
2
2
3
1
1
2
1
1
1
1Romeu e Julieta
Menino de Engenho
Fofocas
Sesinho
Matérias de revistas
Horóscopo do jornal
Card Captor Sakura
Jornal
Gibis
Internet
Dom Casmurro
Ficar ou namorar
Não responderam
No gráfico das leituras que impressionaram negativamente, há somente quatro
indicações: duas para Dom Casmurro, uma para Baralho nas trilhas do tarô e outra para
Menino de Engenho. A respeito deste último, o aluno escreve: “livro chato, idiota um monte
de gente morre” (RPA, 14 anos). Entretanto, poucos foram tão corajosos. Como se pode
constatar, 89,19% dos alunos preferiu não responder à questão.
Gráfico 24: Leituras que impressionaram negativamente
11
2
33
0
5
10
15
20
25
30
35
Menino de Engenho Baralho nas trilhas do
tarô
Dom Casmurro Não respondeu
116
Por que você fez essas leituras?
A maioria dos alunos (64,87%) informou que fez as leituras para cumprir com tarefas
escolares. Em segundo lugar (43,24%), declaram ter sido a escolha espontânea.
Gráfico 25: Por que você fez essas leituras?
Que gênero de leituras você prefere fazer atualmente?
Os alunos indicaram mais de uma resposta para essa questão. Aventura, suspense e
policial são os gêneros preferidos de 40,54% dos alunos. Em segundo lugar, vem as histórias
de amor, com 37,83%, e a poesia aparece em terceiro, com 35,13% da preferência.
24
16
7
4
3
0
5
10
15
20
25
Trabalho escolar Escolha pessoal Indicação do professor Indicação de amigos Não responderam
117
Gráfico 26: Que tipo de leitura você prefere fazer atualmente?
Você gosta de assistir a filmes?
Para essa questão, 100% dos alunos responderam “sim”, gostam de assistir filmes.
Perguntados se preferem que sejam dublados ou legendados, um número significativo de
alunos – 32, ou melhor, 86, 49% – informou que filme dublado é melhor.
A justificativa é a dificuldade de acompanhar a legenda: “não gosto de ler porque eu
perco partes do filme, não consigo acompanhar a legenda, porque eu não gosto de ler”
(MVMO, 14 anos), “dublado, porque eu consigo entender o filme” (MS, 14 anos). Isso
evidencia um tipo de leitura no qual esses alunos sentem dificuldade, ou pode indicar também
que a atividade não seja tão freqüente.
15
14
13
6
6
3
3
1
1
1
1
0246810121416
Avent./policial/suspense
Romance
Poesia
Ficção científica
Teatro
Pesquisa escolar
Jogos
Livros de informação
Coisas tristes
Terror
Não respondeu
118
Gráfico 27: Você gosta de assistir a filmes?
0
5
10
15
20
25
30
35
40
Gosta de assistir filmes?
37 0
E você prefere...
32 5
Sim Não Dublado Legendado
Você vai ao cinema?
A maioria, 70%, raramente vai ao cinema e um aluno informou nunca ter ido. Apenas
27% costuma ir sempre.
Gráfico 28: Você vai ao cinema?
O que você faz no seu tempo livre?
Assistir TV é a atividade preferida dos alunos em seu tempo livre. A seguir, vem a
prática de esportes e navegar na internet. “Ler” ocupa a décima primeira posição na ordem de
preferência, junto com “andar de bicicleta”. Isso deixa claro que esse grupo de alunos parece
não ter o hábito da leitura.
Sempre; 10; 27%
Raramente; 26; 70%
Nunca foi; 1; 3%
119
Gráfico 29: O que você faz no seu tempo livre?
Você utiliza o computador? Onde? Para quê?
Do total de alunos, trinta e seis, ou seja, 97,3%, disseram que têm o hábito de utilizar o
computador, sendo que 51,35% afirma utilizá-lo para falar com os amigos e 48,65% para
estudar. Oito alunos, 21,62%, mencionaram outras opções de lazer, tais como: ouvir música,
jogar, fazer downloads diversos.
Quase metade dos alunos, 49%, possui computador em casa. Quem não tem
computador utiliza a lan house, outros meios (casa de vizinhos ou familiares) e a escola.
Gráfico 30: Forma de acesso ao computador
4; 11%
3; 8%
12; 32%
18; 49%
Em casa Lan-house Outros Escola
1
1
1
1
1
1
1
1
2
2
3
3
4
9
10
11
18
6
5
5
02468101214161820
Beber tereré
Brincar
Cuidar dos passarinhos
Escrever poemas
Estudar inglês
Estudar japonês
Soltar pipa
Não informa
Andar de bicicleta
Ler
Ouvir rádio
Tarefa escolares/Estudar
Ajudar a mãe
Jogar videogame
Ouvir música
Dormir
Encontrar amigos
Internet
Praticar esportes
Assistir TV
120
Qual tipo de texto você prefere escrever?
Com relação à modalidade textual que eles preferem escrever, as narrativas e a poesia
são as campeãs. Muitos alunos responderam a questão de forma errada, pois escreveram como
resposta “redação” e não especificaram mais nada.
Gráfico 31: Tipo de texto que preferem escrever
1
1
1
2
2
2
2
5
5
8
8
012345678
Ficção
Não sei
Triste de deprimente
Nenhum
De amor/românticos
Música
História em quadrinhos
Sobre minha vida/Diário
Responderam errado
Poesia
Narrativas
4.3 DOS LIVROS UTILIZADOS NA PESQUISA
4.3.1 Origem dos livros
Esta seção demonstra a origem e descreve o aspecto material dos exemplares do
romance utilizados na pesquisa. A orientação para essa ação pautou-se na tese de Chartier
(2002), para quem os suportes do objeto impresso podem vir a interferir no processo de
construção do significado.
121
Foram utilizados 37 livros. A escola dispunha de 12 exemplares (32,43%), de maneira
que faltariam 25 para contemplar todos os alunos da classe. A solução encontrada foi a
utilização dos recursos da própria rede de ensino. Para tanto, recorreu-se, primeiramente, ao
acervo do professor localizado na Diretoria de Regional de Ensino e, depois, à outra unidade
escolar
46
. Ainda assim, faltariam 12 livros. Esses últimos exemplares foram adquiridos por
meio dos recursos da pesquisadora no sebo da cidade.
Gráfico 32: Origem dos livros utilizados na pesquisa
12 12
8
5
0
2
4
6
8
10
12
14
Sebo Da própria escola De outra unidade
escolar
Da Diretoria de
Ensino
Do montante dos exemplares, 13, ou seja, 35,14%, eram da editora Ática, da série
Bom Livro, sendo edições muito antigas, datadas de 1970 a 1975. Esses livros, somados aos
da editora Paulus, com edições recentes, mas em papel jornal, aos 4 exemplares da Ciranda
Cultural, sem qualquer elemento extra-textual, e a um exemplar da editora Novo Século,
fizeram o gênero “velho, porém conservado” e totalizaram 25 unidades.
Assim, 67,57% dos livros utilizados na pesquisa não eram “atrativos” aos alunos, fato
confirmado no episódio da entrega. Os alunos não gostavam de recebê-los, solicitavam sua
troca, apontavam para os mais novos.
Nove exemplares, também da editora Ática, pertenciam à versão mais recente da série
Bom Livro (capa branca) e três eram da editora Moderna. Eram os livros mais desejados pelos
alunos, por possuírem melhor aparência, ou porque vinham acompanhados de elementos
extra-textuais (biografia do autor, imagens da época, notas explicativas). Contudo, eles
46
E. E. Profª. Maria Luíza Formozinho Ribeiro.
122
representaram a menor parte, 12 livros apenas, perfazendo 32,43% do montante de
exemplares. O gráfico 33 mostra essa distribuição:
Gráfico 33: Edições e editoras
13
9
7
4
3
1
0
2
4
6
8
10
12
14
Série Bom Livro -
Ática (edição antiga)
Série Bom Livro -
Ática (edição
recente)
Editora Paulus Ciranda Cultural Moderna Novo Século
S1
É interessante notar que a escola dispunha de pouco menos da metade dos livros
(32,43%) e a maior parte dos títulos de que possuía eram edições muito antigas. Esse dado
revela uma dificuldade enfrentada pelo professor, isto é, numa situação como essa, estaria
impedido de trabalhar a mesma obra com todos os alunos. Além disso, fica evidente que a
dinâmica da pesquisa (distribuir um exemplar da mesma obra para cada aluno) não é uma das
práticas de leitura recorrentes naquele ambiente.
4.3.2 Descrição dos exemplares
Com relação à presença de elementos extra-textuais (notas explicativas, biografia do
autor, resenhas, pequenos resumos, fotos ou ilustrações, enfim, os designados “paratextos”),
os exemplares utilizados na pesquisa estavam assim divididos: 62,16% possuíam paratextos
contra 37,84% que traziam apenas o texto integral.
Quanto ao estado de conservação, há quase um empate: 19 livros, ou seja, 51,35%,
eram de edições mais recentes e possuíam bom aspecto, enquanto 48,65% encontravam-se em
123
“mau-estado”, ou seja, capas envelhecidas, amassadas, soltas ou remendadas, páginas
amareladas.
Gráfico 34: Descrição dos exemplares
23
14
18
19
0
5
10
15
20
25
Com paratextos Sem paratextos Aspecto Conservado
- edição mais recente
"Mau estado"
4.4 A PALAVRA DO LEITOR
A análise que segue subdivide-se em categorias criadas pelo próprio grupo de alunos
participante da pesquisa: os que não fizeram a leitura de Dom Casmurro, os leitores de parte
ou partes do livro e aqueles que efetivamente integralizaram a leitura. A última seção
apresenta o que disseram do livro os alunos não leitores do romance.
4.4.1 Primeira etapa do processo de recepção: a leitura primária
124
Após a leitura do livro, em dia agendado, os alunos, sem a interferência do professor,
ou de qualquer exposição sobre a obra, fizeram por escrito um resumo da narrativa,
acompanhado de algumas questões
47
. Todos os alunos da classe responderam aos
questionários e a única orientação que receberam foi a de que, em caso da não leitura, ou da
leitura de partes do livro, procurassem fazer os registros dessas informações, especificando os
motivos.
Assim, foi possível organizar o relato dos incidentes ocorridos e da recepção de leitura
com os alunos agrupados, segundo os critérios das próprias autoclassificações. Os resultados
numéricos foram os seguintes: 11 alunos, 29,7%, declararam não terem feito a leitura do livro;
9, o equivalente a 24,3%, declararam ter lido partes do livro; e 17 alunos, 45,9%, afirmaram
ter realizado a leitura completa do livro.
Considerando o quadro das variáveis que cercaram o processo de leitura desses alunos,
esse resultado seria, no mínimo, razoável e, em uma postura mais otimista, satisfatório.
Entretanto, a análise qualitativa, que este estudo também considera, colocará em xeque este
primeiro anúncio numérico.
Recorde-se o pensamento de Mury (1974) a esse respeito. Ele expõe que, em um
primeiro momento, o fluxo de conhecimentos estatísticos permite que a investigação se
desprenda do terreno das impressões vagas, eliminando todo um fundo de preconceitos no
sentido cartesiano da palavra. Por outro lado, apenas conhecer a disposição numérica, ou seja,
os dados numéricos não são capazes de impedir o risco de o pesquisador projetar-se a si
mesmo no objeto estudado. Dessa forma, a utilização de questionários e dos métodos
quantitativos não possibilita discernir uma convergência fundamental dos sentimentos, dos
pensamentos e das necessidades.
4.4.2 “Eu não fiz a leitura do livro”
“Eu não fiz a leitura do livro...” foi o que declararam onze corajosos alunos.
Entretanto, muito mais alunos, que se “escondiam” entre os grupos dos que declararam ter
47
Ver apêndice 1.
125
lido parte da obra e entre os que afirmaram ter completado sua leitura, vêem alargar esse
índice.
Do grupo de nove alunos que disseram haver lido partes do livro, constatou-se que seis
não o fizeram. E quando se verificou o grupo dos declarantes da leitura completa do livro, que
totalizava dezessete alunos, verificou-se que onze deles não leram o livro. Assim, não foram
apenas onze alunos que não fizeram a leitura da obra, sendo o resultado bem maior.
Contabilizando, o índice inicial de 11 alunos, ou seja, 29,7%, com o acréscimo de 17
alunos, sobe para 28 alunos, isto é 72,9%. Esse expressivo número indica, já de início, que a
obra não foi aceita e mais: a maioria dos alunos não teve coragem de demonstrar esse
posicionamento.
Daqueles que, assumidamente, disseram não haver feito a leitura do romance – o
grupo dos 11 alunos – 01 aluno (9,09%) não justificou, outro explicou que não tinha
paciência, 08 alunos (72,72%) alegaram falta de tempo e 2 alunos (18,18%) não gostaram do
livro.
Segundo informaram os alunos no questionário socioeconômico e cultural, seu tempo
livre é ocupado, em primeiro lugar, com a opção “assistir TV”; em segundo, “praticar
esportes”; em terceiro, “navegar na internet”; em quarto, “encontrar os amigos”; em quinto,
“dormir”; em sexto, “ouvir música e jogar videogame”; em sétimo, “ajudar a mãe”; em
oitavo, “ouvir rádio”; e, em nono, “ler”. Portanto, fica difícil crer que realmente a “falta de
tempo” tenha sido o agente causador da não leitura da obra.
Dos alunos que afirmaram ter lido partes do livro, foi possível constatar que seis deles
tentaram omitir a verdade. A ausência quase que total de informação, as respostas inventadas,
as cópias de comentários da contracapa do livro, ou do início do primeiro capítulo, ou de
resumos retirados da internet, somados a respostas genéricas, ou totalmente equivocadas, ou
em branco, confirmam que esta não foi uma tarefa complicada. Três alunos, ao contarem o
resumo da história, optaram por copiar o mesmo texto da contracapa do livro:
E Bentinho vira casmurro. Fechado, solitario, corroído pela suspeita que
creceu verdade creceu ferindo, impiedoso e condenando a bela Capitu. Mas
o que é a verdade e a quem pertence? Quem é seu dono? Betinho. Não
terminei pois eu vou no treino de futebol diariamente e não deu tempo
(MSLF, 14 anos)
48
.
[...]
Eu não terminei de ler o livro não tive muito tem mas o que me lembro é que
Bentinho vira Casmurro fechado, solitário, corroído pela suspeita que
cresceu verdade, cresceu ferindo impiedosa, condenando a bela Capitu. Mas
48
Os depoimentos aparecerão transcritos ipsis litteris. As letras são das iniciais do nome do aluno.
126
o que é verdade e a quem pertence, quem é seu dono. Com seu estilo fino e
elegante. E o autor também participa da Narrativa (MVMO, 14 anos).
[...]
Eu me lembro que Betinho vira casmurro Fechado, solitario, corroido pela
suspeita que creseu verdade cresceu ferindo, impiedoso condenando a bela
Capitu! Mas o que é a verdade e o quem a pertence? Quem é Seu dono?
Betinho? Com Seu estilo fino e elegante (MAA, 15 anos).
Para outras perguntas do questionário, tais alunos deram respostas vagas. A respeito
das atitudes de Bentinho, MSLF, 14 anos, disse: “boas mas também teve seus defeitos”; o
aluno MVMO, 14 anos, respondeu: “não me lembro”; e MAA, 15 anos, falou: “Boas”.
Questionados sobre as atitudes de Capitu: “também foi boa” (MSLF, 14 anos), “não me
lembro” (MVMO, 14 anos) e “não Gostei” (MAA, 15 anos). Sobre as atitudes de Escobar,
disseram: “achei que não Tinha nada a ve ele foi muito loco de fazer aquilo” (MSLF, 14
anos), “não me lembro” (MVMO, 14 anos) e “legal” (MAA, 15 anos).
Outro detalhe interessante que pôde ser observado diz respeito à recomendação da
obra. Perguntados se indicariam o livro a alguém e a quem, mesmo sem terem feito a leitura,
os alunos recomendam-na e a bendisseram, contradizendo-se. É o caso do aluno MSLF, 14
anos, já apresentado, que “leu” o livro, mas copia a contracapa, justifica que não leu tudo por
causa do treino de futebol, classifica a leitura do livro como “mais ou menos” e dá respostas
evasivas; porém, ao informar a quem indicaria a leitura, diz: “A meus amigos pois é legal
diria que o livro iria ser demais, para ele ler, ele ia se surpreender”.
Uma aluna que respondeu no resumo do livro: “Eu li um pouco das, parte do livo não
entendi coisa ” (RMO, 15 anos) e deixa boa parte do questionário em branco, especificamente
as questões referentes à narrativa, para a solicitação: “comente o aspecto material do exemplar
de D. Casmurro lido por você”, ela declara: “Sim o livo era muito bom. eu gostei de ler e ele
me chamou a atenção”, e na questão que indagava sobre a indicação da leitura do livro e a
quem, a aluna completa: “indicaria para uma Amiga eu diria que ele é enteresante” (RMO, 15
anos).
Do total dos 28 alunos (46,42%) que não leram a obra, 13 repetiram essas ações, ou
seja, afirmaram que não gostaram, ou que não completaram a leitura, mas indicaram o livro e
ainda aproveitaram para elogiá-lo. Mais exemplos: “Pra mim foi meio difícil, nem cheguei a
termina de ler tudo”, e mais adiante a mesma aluna declara: “Sim indicaria, um livro bem
interesante legal...” (DG, 14 anos); “Eu gostei mais ou menos da história”, e quando
perguntada se indicaria o livro, a mesma aluna diz: “Sim a minhas amigas é uma história
127
muito bonita” (NDS, 1993); outra aluna: “Não, porque se eu fosse na Biblioteca eu não
pegava o Livro”, mas sobre a indicação da obra: “Para minha mãe. Que o Livro e ótimo e ela
Vai ficar mui Interessada .” (BCF, 15 anos).
O fato de a leitura ter sido realizada no contexto da escola pode explicar tais
comportamentos dos alunos. O jargão de uma metódica e tradicional prática escolar é visível
em uma aluna, que não tendo lido a obra, avalia o texto na qualidade de ensinamento do qual
seus pais poderiam tirar proveito: “Sim, indicaria para meus pais, e diria que é uma lição”
(TSC, 14 anos). O discurso escolarizado é explícito em outra fala. Observe-se:
Eu li o lirro até a pagina 15 mas eu não terminei de lê não por que eu não
quis é que não dava mesmo pra mim termina de lê, mas fiquei arrependida
pois se eu tivesse lido eu teria percebido que ele seria bom e não ficaria com
vermelho. (TRS, 14 anos).
No julgamento da aluna, o livro é “bom”, ela não precisa fazer a leitura para sabê-lo. É
uma posição de total valorização do texto. É o que alguns de seus colegas fizeram: não leram,
mas bendizem e recomendam a obra que classificam como “interessante”, “legal”, “uma boa
história”, “surpreendente”, “lição”. A condição do leitor como sujeito que participa da obra
parece, portanto, descartada.
As falas desses alunos reproduzem a recorrente ideologia da literatura como
representação do Verdadeiro, do Bom e do Belo. Os alunos parecem ter internalizado tais
conceitos, pois os utilizam mecanicamente para fazer suas apreciações. Esse comportamento
revela que eles estão habituados a práticas inadequadas de leitura, já que não demonstraram
estarem acostumados a se relacionar com os textos.
Para não entregar o questionário em branco, o que denunciaria a não leitura, alguns
alunos forçaram respostas, causando a impressão de que foram “pescadas” de conversas ou de
textos que não entenderam:
BSJ, idade não informada: Bentinho gostava de Capitu e fazia ciúmes para
ela [...] Escobar era um filho exemplar e não fazia nada de errado [...] eu
gostei que o livro e contado por um poeta [...] eu não termineia a leitura.
[...]
EMR, 14 anos, sobre Bentinho: Certo porque ele causava inveja e ciúmes
para Capitu. [...] As atitudes de Capitu eram muito errada porque mesmo
gostando do bentinho preferiu ficar com o outro (Escobar) [...] sobre
Escobar: Ele era muito inocente.
[...]
GLO, 15 anos, sobre Bentinho: Ele sempre tava fugindo do Realidade [...],
sobre Capitu: Ela Era muito falsa, já para Escobar: foi safadessa. (sic).
128
Quanto ao grupo de alunos que não fizeram a leitura do livro, mas declararam terem
feito a leitura completa da obra, as respostas são bem criativas.
A aluna RR, 14 anos, que parafraseou um resumo retirado da internet (quatro vezes
repetido na classe) sobre o que menos gostou, diz: “Da Capitu ter Engravidado de Escobar
edizer que a criança era de Bentinho”. LABR, 15 anos, sobre Capitu, declara: “Gostei
também. A hora que ela pensa em escrever uma história dos subúrbios”. PCS, 14 anos, sobre
o que mais gostou, responde: “O primeiro filho, porque eu gostei do que aconteceu”, e do que
menos gostou: “Os vermes, porque eu achei muito triste”. EZO, 15 anos, no resumo do livro,
diz: (sic) “O Dom Casmurro é ator poético fazia poemas de Romances. Um dia ele encontrou
o homem perto dele e ele conversario O dom Casmuro ele ficouaborrecido os inimigos dele
disse: dom Casmurro vamo jantar na tua Casa”. EPMA, 15 anos, sobre Escobar, comenta:
“Foi cachorada porque ele era amigo de bentinho se vc eu matava”. TSC, 14 anos, ao
descrever o aspecto material do seu livro e se seu aspecto a convidaria à leitura, afirma: “Sim,
porque é um livro que só de olhar da uma sensação de quer ler. A família de D. Casmurro”.
Recapitulando, dois aspectos ficam claros: muito mais alunos do que a princípio se
anunciara deixaram de fazer a leitura do livro e a maioria tentou maquiar os resultados. Essa
atitude fornece indícios sobre o modo como se sucederam, ou se sucedem, suas práticas de
leitura na escola. As informações colhidas do questionário socioeconômico e cultural ajudam
a reforçar tal perspectiva.
Quando perguntados sobre o que os motivava à leitura, 51,35% da classe, ou seja, 19
alunos elegeram o primeiro lugar para o item “cumprir com tarefas escolares”; 21,62%, isto é,
8 alunos, indicaram “para aprender coisas úteis”; e apenas 6, ou melhor, 16,21%, assinalaram
“para se distrair”
49
. Assim, pode-se notar que o público-alvo em questão tem uma visão
utilitária da leitura, concebida como uma espécie de tarefa que resulta em benefícios, ou como
uma atividade obrigatória, imposta e não fruitiva. Por outro lado, a escola é o principal agente
motivador de leituras desse grupo.
Do universo dos 37 alunos da classe que toparam a empreitada, 28 alunos,
contabilizando 75,67%, não fizeram a leitura da obra. Destes, 17, aproximadamente 60,7%,
tentaram esconder a verdade. O quadro 13 compila os índices:
49
Dados fornecidos pelo questionário socioeconômico e cultural respondido pelos alunos.
129
Quadro 13 – Não fizeram a leitura do livro
a. Assumiram 11 39,2%
b. Falsearam a leitura, dizendo terem lido parte da obra 6 21,42%
c. Falsearam a leitura, dizendo terem lido completamente
a obra
11 39,2%
d. Total dos que não assumiram (b + c) 17 60,7%
TOTAL DE NÃO LEITORES DO ROMANCE 28 75,67%
Das variáveis que explicam o grande índice de não-leitura da obra nessa classe, se
pode destacar a “materialidade” dos livros que foram destinados à leitura desses alunos.
Chartier (1996), ao estudar a história da leitura, assim como a do livro, considera que
as “apropriações” que os leitores fazem dos textos perpassam pela sua “materialidade”.
Segundo o autor, isso significa que o aspecto material de uma obra também é capaz de exercer
influência direta sobre a leitura. Desse modo, certamente tal aspecto pôde ter contribuído para
a construção do resultado encontrado, sobretudo porque grande parte dos alunos pertencentes
ao referido grupo recebeu exemplares de livros bastante manuseados e de edições antigas.
Os exemplares de livros mais antigos eram os da biblioteca da escola, que totalizavam
12 exemplares. Esses livros eram da edição mais antiga da série Bom Livro da editora Ática,
datados de 1970 a 1984, capa preta, páginas tipo jornal muito amareladas. A eles se somam
mais um livro (do conjunto de livros comprados no sebo) de semelhante aspecto e mais três
exemplares de capa e papel muito simples, sem paratextos, da editora Ciranda Cultural. Todos
juntos totalizaram16 livros de padrão envelhecido que ficaram nas mãos desses leitores.
A questão do aspecto do livro foi levada a todos os alunos que participaram da
pesquisa. O grupo foi quase unânime em afirmar que a aparência material convida “sim” à
leitura: “A capa do livro tem ilustração o livro é novo as páginas não estão amareladas, o livro
está bem novo. E também convidam a leitura sim, pois o livro com um aspecto bom atrai o
leitor” (MVMO, 14 anos).
Semelhantes a essa são todas as opiniões manifestadas pelo grupo, exceto a de uma
aluna: “Esses aspectos nunca me motivam ou não a ler, pois eu acredito que o conhecimento
contido no livro independe dessas características” (GFH, 14 anos). Essa aluna pertence ao
pequeno grupo dos leitores do livro. Em seu histórico de leituras, constam várias obras; além
disso, ela informa que escreve textos e troca-os com uma amiga estudante de Letras. De fato,
a aluna demonstra um nível de compreensão de leitura mais amadurecido, e talvez, para ela,
fatores como o aspecto material do livro não interfira em sua leitura.
130
Mas há algo a mais em suas considerações. A aluna parece considerar o texto como
uma entidade, uma fonte de conhecimento, capaz de manter sua estabilidade lingüística e
semântica, independentemente de seu suporte. Essa dissociação, segundo Chartier (2002), se
origina na dicotomia da pureza da idéia x sua corrupção pela matéria, pensamento perpetuado
pela tradição ocidental. É provável que a aluna tenha, de certo modo, cristalizado tais
concepções que a levam a não admitir que caracteres externos interfiram em sua leitura.
Ainda em relação a esse assunto, voltando agora os olhos especificamente para o
grupo dos alunos não leitores do texto, exatamente sobre o aspecto dos livros houve muitas
reclamações. Um aluno ficou indignado e, no início de seu questionário, quando era para
escrever sobre o resumo da história, disparou: “eu não fiz a leitura do livro porque eu não
gostei do livro. E também o livro tem muitas páginas e é velho não tem ilustração. Não atrai a
minha leitura eu só li até a página 17”, e completa, ao comentar os aspectos físicos de seu
exemplar: “não porque até a cor das folhas do livro não atrai a minha leitura”. (EMR, 14
anos)
50
.
Outra aluna expressa assim a sua análise: “Aspecto do livro = acabadinho”, e quando
teve que responder se os aspectos físicos de seu livro a convidavam para a leitura, declarou:
“Não porque a capa e feia e eu odeio Machado de Assis porque os livros dele são difíceis de
ler” (EPMA, 15 anos).
A última aluna foi a única que demonstrou possuir alguma experiência com textos de
Machado e, no seu caso, uma experiência negativa. Mas ela também reclama do aspecto do
livro.
Recordando a tese de Chartier (2002), “o ‘mesmo’ texto, fixado em letras, não é o
‘mesmo’ caso mudem os dispositivos de sua escrita” (CHARTIER, 2002, p. 62). E como se
pode comprovar pelos resultados, o uso de 16, ou seja, 42,24% de exemplares antigos
distribuídos aos alunos também pode ter contribuído para a formação dos índices que aqui se
apresentam.
4.4.3 “Eu li uma parte do livro”
50
Esse aluno recebeu um exemplar antigo da Série Bom Livro (capa preta, já descrito).
131
Esse grupo inicialmente apresentava nove alunos, mas um olhar mais acurado
demonstrou que dele fazem parte apenas quatro alunos, aproximadamente 10,8%. Destes
alunos foi possível perceber, pelos relatos, que, em algum momento, houve uma interação
com o texto, ainda que a leitura não tenha sido completa.
Nessa situação, três alunos dizem expressamente que a leitura da obra realizou-se até
certo ponto, havendo um aluno que considera a parte lida como a leitura do texto todo. Isso
demonstra que, mesmo nesse pequeno grupo, está presente o medo de se prejudicar.
No resumo da história lida, nesse caso, parcialmente lida, uma aluna procura delinear,
de modo muito modesto e confuso, a história como um todo. Primeiro, ela descreve cenas do
capítulo inicial: “O livro fala de um homem, que se chamara Dom Casmurro que uma certa
noite estava indo embora da cidade e encontrou um menino de seu bairro que ficou recitando
poemas para ele” (DG, 15 anos). Em seguida, mais solta, ela consegue relatar outros fatos:
“Betinho ia para seminário a mãe dele fez uma promessa que o segundo filha nascesse ia ser
padre mas ele não secretou padre e ficou com a Capitu e a mãe dele adotou um filho de
escravos e colocou no ceminario” (DG, 15 anos), causando a impressão de que sua leitura
tenha chegado até essa parte. Mais adiante, a aluna, ao falar de seu processo de leitura, expõe:
“Pra mim foi meio difícil, por causa do tempo, treino todo dia e ficou difícil, nem cheguei a
termina de ler tudo” (DG, 15 anos).
A segunda aluna, em relação ao resumo da história, diz: “Não li o livro completo,
quase a metade. Mas pelo que eu entendi foi tudo por amor, e depois tiveram um filho
(TGBA, 14 anos). Sobre seu processo de leitura, a aluna expõe: “difícil, porque as letras são
muito pequenas [...] Eu li um pouco cada dia, com muitas paradas [...] eu não sou muito de
ler” (TGBA, 14 anos). Quando analisou as atitudes das personagens, sobre Bentinho disse:
“Não lembro porque não li o livro completo, mas parece que ele tinha um amor proibido por
Capitu”. Ao falar de Capitu, observa: “Legal, porque ela começou nova, foi crescendo se
apaixonando, etc” (TGBA, 14 anos).
O único menino do grupo preferiu adotar a sinceridade e escreveu no resumo: “Eu não
terminei de fazer a leitura por isso não tinha respostas concretas” (LJP, 14 anos). Sobre seu
processo de leitura, o aluno afirma: “Difícil, porque eu não tinha muito tempo para fazer a
leitura [...] eu já fui lendo o final para ver como iria terminar” (LJP, 14 anos). Isso explica
porque o aluno respondeu: “Do romance, porque eu sou romântico”, quando questionado
sobre o que mais havia gostado. Já quanto ao aspecto de que menos gostou, respondeu: “Do
final, porque eles Não terminaram Juntos” (LJP, 14 anos).
132
Pelas respostas, os alunos parecem mostrar consciência de que seus processos de
leitura não se completaram. Eles refletem sobre suas posturas e tentam registrar a partir do
que apreenderam do texto. Entretanto, uma aluna não foi capaz de alcançar esse estágio.
Quando solicitada para contar resumidamente a história do livro, escreveu:
Eu achei muito interessante, porquê eu aprendi muito. Depois que eu li o
livo, a historia que eu gostei foi “uma égua” ela mexeu muito Comigo pois
ela fala, de uma égua que não conhecia a fantasia, depois de meito tempo a
égua poi conhecer a Sua fantasia. (MS, 14 anos).
Primeiramente, a aluna acredita que a obra é um livro de contos: “depois que eu li o
livo, a historia que eu gostei foi ‘uma égua’ ela mexeu muito comigo...” (MS, 14 anos).
Depois ela estende a história da égua
51
, compreendendo-a como o enredo do livro. A marca
do discurso escolarizado aparece em sua consideração inicial: “eu achei muito interessante,
porquê eu aprendi muito”. E a aluna prossegue, ao responder sobre o que mais gostou na
narrativa: “Eu gostei da fala do, texto, por que eu aprendi” (MS, 14 anos). A aluna tem medo
até de dizer do que menos gostou: “De nada, porque tudo era enteresanti” (MS, 14 anos).
Sobre seu processo de leitura, analisa: “Eu achei muito fácil, porquê eu aprendi muitas
coisas [...] Eu fiz a leitura com poucas paradas, tinha vezes que eu voltava atrás para ler o que
não tinha entendido” (MS, 14 anos). Sobre Bentinho, disse: “Eu achei que ele era muito
apaixonado”. A respeito de Capitu, respondeu: “Eu achei que ele era um minino curiozo”.
Quanto a Escobar, afirmou: “Muito interesante”. Em relação à mãe de Bento, disse: “Eu achei
que a mãe dele foi muito fiel com o apaixonamento dele” (MS, 14 anos). Por fim, ao indicar o
livro, a aluna cria um momento sui generis: “Sim, eu indicaria para todos que tem capacidade
de aprender, como eu tenho capacidade de ler” (MS, 14 anos).
Pela razão simples, pode-se entender que a aluna repete discursos como se tivesse uma
fita gravada na cabeça: “eu aprendi muito”, “o livo é enteresanti”, “capacidade de aprender”,
“capacidade de ler”. A aluna ainda não desenvolveu sua criticidade e tem medo de atuar como
sujeito diante do texto.
Fica agora o questionamento: que leitores a escola tem formado? Os discursos prontos
da aluna denunciam uma prática voltada à análise da forma de abordar a literatura e, de
acordo com Bredella (1989), a didática da literatura precisa ser uma disciplina prática. É
51
A égua citada pela aluna intitula o capítulo “XL – Uma égua”, no qual Bentinho faz digressões e compara seu
pensamento ao de uma égua ibera que, segundo um autor (Tácito ou outro antigo, Bentinho não se recorda), seria
capaz de dar à luz pelo vento. Bentinho diz que sua imaginação, naquele momento, era uma grande égua ibera e
que bastaria o menor vento para que gerasse um potro, um cavalo de Alexandre. Bentinho usa a metáfora para
explicar que, naquele momento, sua fantasia vai confessar à mãe seu amor por Capitu.
133
preciso conduzir o leitor, desde sua formação, a experimentar o texto, levá-lo à reflexão e à
problematização de idéias, a partir da troca de experiências.
Ainda sobre a passagem da égua, outro aspecto a ser notado está na projeção do
horizonte de expectativas. A aluna procura entender o texto a partir de suas experiências. E
suas experiências leitoras podem estar restritas ao universo das fábulas. Esse indício se atesta
pelo fato de a aluna preferir histórias em que as personagens são crianças e animais
52
. Logo, a
digressão de Bento Santiago, naquele trecho, representa uma “overdose” para o universo
dessa leitora, que conseguiu projetar na passagem apenas o que reconheceu. Em seguida, a
aluna utiliza o elemento reconhecido para criar uma psicodélica narrativa paralela,
demonstrando, por conseguinte, uma compreensão extremamente problemática do trecho.
Apesar dos equívocos da aluna, a ocorrência demonstra uma situação interpretativa
que se concretiza quando a ela joga seus princípios já assimilados, sua memória literária,
enfim, seu repertório em atuação com o horizonte do texto.
Em síntese, os alunos desta etapa mostraram-se, em sua grande maioria, mais
coerentes com suas dificuldades e com menos temor de se posicionarem em relação a si
mesmos diante da leitura da obra. Contudo, pairam dúvidas no ar: por que a leitura não foi
completada? Será que isso se deve ao fato de não ter havido identificação? E os motivos
alegados para a não completude da leitura? Será que foram realmente verdadeiros?
4.4.4 Completaram a leitura da obra
Seis alunos, o equivalente a 16,2%, verdadeiramente fizeram a leitura do romance.
Considerando o quadro inicial de 17 alunos, ou seja, 45,9%, o índice real é aproximadamente
pouco mais de duas vezes e meia menor.
Um detalhe desse grupo é que a maioria fez a leitura em livros sem paratextos,
precisamente quatro alunos. No entanto, todos afirmaram terem feito sua leitura e informaram
terem lido os exemplares dos colegas.
52
Dado informado no questionário socioeconômico e cultural.
134
Com relação à diferença de sexos, há empate: são três alunos do sexo feminino e três
do sexo masculino. Com relação à recepção da obra, também há empate: 50% gostou (duas
alunas e um aluno) e 50% não gostou (dois alunos e uma aluna).
Constata-se também que, dos seis alunos, quatro demonstram não terem maiores
problemas com a leitura, atingindo o nível de leitura primária; mas, para dois alunos, o
resultado não se mostrou tão satisfatório, conforme apontam as respostas de seus
questionários.
Na fase inicial do questionário, que solicitava o resumo da história, alguns alunos
registraram:
Bentinho é um menino normal que mora com sua mãe e um Agregado
chamado José Dias e sua mãe fez uma promessa quando Bentinho era bem
pequeno de entrar no seminário e se tornar padre. (RPA, 14 anos).
[...]
É a história de um menino chamado Bentinho que antes de nascer a mãe fez
uma promeça se le sobrevivesse ele seria padre (AFSS, 14 anos).
Os leitores utilizam o presente do indicativo – “Bentinho é um garoto”, “é a história de
um menino chamado Bentinho” – e o tratam como um adolescente. De fato, durante algum
momento da narrativa, personagens e leitores possuem a mesma idade, mas esses leitores
ampliam a projeção adolescente de Bentinho, como se o narrador não fosse o próprio Bento
amadurecido. Isso indica que a fase da adolescência pode ter sido aquela de maior impacto
para esses leitores, por ali se reconhecerem.
Alguns leitores demonstram compreensões equivocadas da história, pois acabam se
embaraçando, ao apresentarem a narrativa e ao seqüenciarem os fatos:
Dom Casmurro é uma história que há entre seus personagens havia
Bentinho um garoto que desde bebê sua mãe fez uma promessa para que ele
fosse padre. Então quando adolescente Bentinho vai para o convento, e la
conhece um amigo chamado Escobar que o ajuda a tudo.
Depois de Algum tempo Bentinho conhece Capitu e se apaixona por
ela, eis que é um amor proibido, mas não deixam de viver um amor.
Bentinho e Capitu acabam tendo um filho, que por tão semelhança do bebê
ao seu amigo Escobar, Bentinho suspeita que o bebê pode ser filho de
Escobar, então ele e Capitu se separam devido a isso (IES, 15 anos).
Segundo essa leitora, Bentinho conhece Capitu após a ida ao seminário. Apesar de se
confundir ao seqüenciar a narrativa, ela ainda consegue levantar alguns pontos mais visíveis
135
da trama. Outro demonstra que apreendeu os eventos relevantes da história, mas se perde na
seqüência das viagens:
Bentinho é um menino normal que mora com sua mãe e um Agregado
chamado José Dias e sua mãe fez uma promessa quando Bentinho era bem
pequeno de entrar no seminário e se tornar padre.
Ele tinha vizinhos e uma menina chamada Capitu por quem se
apaixonou e então ele não podia se casar com Capitu porque iria ser padre.
Então Bentinho vai para o seminário fica um tempo lá e José Dias consegue
tira-lo, mas José Dias convenceu sua mãe (D. Glória) de que as leis eram
ótimas e ele foi para o exterior levando Capitu e la eles encontraram Escobar
morre e o filho de Bentinho nasce e o filho dele é a cara de Escobar e a
revolta de Bentinho toma conta dele então ele larga Capitu e vem para o
Brasil. (RPA, 14 anos).
Um leitor descreve, com absoluta certeza, fatos inexistentes para o enredo. Esse caso é
intrigante. Pelo resumo, nota-se que esse leitor efetivamente passou pela leitura da obra, mas
seu texto dá indícios de que, no seu ato de leitura, uma opinião foi formulada e introduzida na
trama, formando um bloco indivisível:
Uma mulher faz uma promessa, que se ela tiver um filho colocaria ele em
um seminário. Então ela teve um filho que se chamava Bentinho, ele não
queria ir para o seminário, mas José Dias convenceu ele ir.
Bentinho se apaixonou por uma menina chamada Capitu, ai aumentou a sua
vontade de não ir para o seminário, e sua mãe também não agüentava de
saudades de seu filho quando estava no seminário.
Bentinho se casou com Capitu, e logo depois ficou grávida, mas o filho era
de Escobar, seu melhor amigo que tinha conhecido no seminário, Bentinho
ficou muito triste e se separou de Capitu.
Depois de tudo isso ter acontecido, a mãe de Bentinho morreu,
Escobar também, José Dias e Capitu e o filho de Escobar que se chamava
Ezequiel também morreu (LRL, 15 anos).
O trecho abaixo ilustra a atitude dos outros três leitores, que descrevem a narrativa
com maior desembaraço. O emprego de adjetivos: “incrível e enorme semelhança”, ou mesmo
os rápidos comentários conclusivos denotando reflexão: “contudo, ele não possuía vocação”,
“desde então, começou uma parte crítica da história”, denunciam uma leitura entrelinhas. Esse
tipo de leitura aponta para o alcance de uma leitura em fase de condensação
53
, dando indícios
de uma interação entre leitor e texto:
53
KÜGLER, Hans. Literatur ud kommunikation: Stuttgart, Ernst Klett. 1971. Trad. Carlos E. Fantinati. In:
MARTHA, Alice Áurea Penteado et al. O ensino de literatura. Relatório de pesquisa, 1987.
136
Bentinho era um garoto de 15 anos, sua mãe fizera uma promessa logo
que o filho nasceu: mandá-lo para um convento afim de que pudesse tornar-
se padre. Contudo, ele não possuía vocação para seguir tal carreira. [...]
Bentinho finalmente casou-se com Capitu e Escobar com Sancha. Juntos,
esses dois casais formaram grande amizade; tanto que a filha de Escobar
com Sancha recebeu o nome de Capitolina. Depois para compensar a
homenagem feita à Capitu, Bentinho e a esposa colocaram em seu filho o
nome de Ezequiel, primeiro nome de Escobar.
Desde então, começou uma parte crítica da história: Bentinho
desconfiava da traição de Capitu com seu amigo, devido à incrível e enorme
semelhança de seu filho com Escobar. O casamento já não podia suportar tal
desconfiança. [...] Após a morte de sua amada, Bentinho fica até o fim de sua
vida com a dúvida: Capitu o traiu ou não? (GFH, 14 anos).
Ao informarem sobre o que mais gostaram na narrativa, quatro dos seis leitores, ou
seja, 66,66% disseram ter sido o romance de Bentinho e Capitu: “A história de amor de Bento
e Capitu, pois ele lutou até o fim pra ficar com ela” (AFSS, 14 anos). Uma leitora declara ter
gostado da linguagem: “a maneira como o autor usou a linguagem” (GFH, 14 anos). E o outro
disse ter sido a promessa da mãe: “Gostei mais quando a mãe de Bentinho fez a promessa,
que se seu filho sobrevivesse Colocaria ele no seminário” (LRL, 15 anos).
Em relação ao que menos gostaram, os leitores têm opiniões diversas: “do José Dias,
pois ele é muito entrometido” (AFSS, 14 anos). Outra leitora indica a separação do casal:
“Quando Bentinho se separa de Capitu” (IES, 15 anos). Uma leitora não especifica e outro
declara: “nada no livro é muito legal” (LSK, 14 anos).
No entanto, dois leitores expressam opiniões contundentes e equivocadas sobre o que
não gostaram na história: “Da traição de Escobar ele era tão amigo de Bentinho, ele não
merecia isso por isso que eu não gostei Bentinho batalhou tanto para conseguir a Capitu e ele
foi traído...” (RPA, 14 anos). O outro leitor, cujo resumo já apontava indícios de uma junção
mal feita entre elementos reais da narrativa e seu posicionamento, vai mais longe: “foi quando
Escobar traiu seu amigo que era Bentinho e engravidou Capitu” (LRL, 15 anos).
Apesar de os indícios presentes nos resumos desses dois leitores denunciarem que a
leitura do livro tenha sido feita, a criação de elementos estranhos à narrativa demonstra que
prováveis falhas na compreensão do texto.
Com relação à leitura da obra, cinco leitores classificaram como “difícil” e apenas um
disse ter sido uma leitura “fácil”. Uma leitora comenta que há trechos de difícil compreensão:
“dificil pois é um livro meio perplexo, em partes imcompreensiveis” (IES, 15 anos). No
mesmo sentido, outra leitora acredita que se deva ter um conhecimento prévio da obra:
137
“Difiícil. Para pessoas que não tem conhecimento do livro, a história fica difícil de ser
interpretada de forma correta” (GFH, 14 anos).
A declaração da última leitora é resultado de uma série de inadequações
metodológicas cometidas pela escola. Primeiramente, ela acredita ser necessário um contexto
para compreender o texto; em segundo lugar, pensa haver uma interpretação correta para a
história. Essas concepções são fruto da má escolarização do texto literário, que reduzem o
ensino da literatura a um simples saber enciclopédico, o que compromete o desenvolvimento
das competências literárias.
Os demais leitores usaram a linguagem como critério para julgar o grau de dificuldade
de leitura da obra. Observe-se as seguintes respostas: “Difícil por que tem muitas palavras
diferentes que eu não estou acostumado” (RPA, 14 anos), “Difícil causa das palavras
complicadas” (LSK, 14 anos), “Difícil, pois eu precisei pegar o dicionário” (AFSS, 14 anos),
“achei o livro fácil de ler, pois não tinha muitas palavras dificil de entender o significado
(LRL, 15 anos).
Os leitores relatam que seus processos de leitura foram lentos, pausados, cheios de
consultas a dicionários, voltas para reler partes não entendidas e com pequenos momentos de
fruição: “Fiz muitas paradas, pois li pausadamente para que pudesse refletir sobre a história”
(IES, 15 anos), “Lenta, voltando atrás para reler o que não tinha entendido” (LSK, 14 anos),
“Todos os dias eu lia 10 páginas, e quando eu estava em uma parte da história enteressante eu
lia até enjuar” (LRL, 15 anos).
Sobre a leitura de paratextos, todos os leitores concordam que eles facilitam a leitura e
todos relatam que os leram, apesar de apenas dois alunos do grupo terem recebido livros com
paratextos. Indagados posteriormente a esse respeito, informaram que leram dos exemplares
dos colegas
54
. O depoimento a seguir é de uma leitora cujo exemplar recebido não continha
paratextos: “Li também os paratextos, como faço freqüentemente. Eu acredito sim que a
leitura desses, não só ajudam na compreensão, mas também no incentivo à leitura” (GFH, 14
anos). Vê-se também que a leitora se preocupa em demonstrar um discurso afinado com os
propósitos escolares de incentivar a leitura.
Quando questionados se conheciam pessoas que viveram situações semelhantes às
vivenciadas pelas personagens do romance, todos os leitores, sem exceção, responderam
negativamente. Isso pode indicar que, pelo menos no nível de uma leitura primária, não
conseguiram estabelecer relação da ficção com a realidade.
54
Informação retirada das observações registradas em diário de anotações, durante esta fase da pesquisa.
138
Com relação às personagens, a opinião de alguns leitores deixa algumas pistas que, ao
se somarem a outros dados, fornecem certa visão de mundo dos leitores, que pode servir para
explicar de onde eles partem e como “tocam” o texto. Foi solicitado aos leitores que
deliberassem sobre os comportamentos de Bentinho, Capitu, Escobar e D. Glória.
Ao analisarem as atitudes de Bentinho, as opiniões são diversificadas. Há os que
demonstram certa reprovação: “Ele era muito medroso” (AFSS, 14 anos), “Precipitadas. Ele
não tinha certeza de nada e já destruiu seu casamento devido a fatos incertos” (GFH, 14 anos),
“Primeiramente ele desonrou a palavra de Deus e foi ileal em suas atitudes de desconfiança”
(IES, 15 anos). E aqueles que o apóiam: “Em algumas partes achei legal em outras não gostei,
por exemplo de ele não querer ficar no seminário” (LRL, 15 anos). Há o caso de um leitor
que, além de aprovar suas atitudes, identifica-se com ele: “Ele lutou para não ir par o
seminário e ficar com Capitu eu acho que eu faria o mesmo foi certo” (RPA, 14 anos).
Segundo Jauss (1994), a história da literatura repousa no “experienciar”, que se
interpõe entre obra e leitor. Esse “experienciar” pode ser definido como um processo
dinâmico por seu caráter atualizável, ou seja, dependente do juízo de leitores de determinadas
épocas. E como este estudo trata de um grupo específico de leitores, inseridos num mesmo
contexto cultural de determinado eixo temporal, é entendível que se leve em conta aspectos
externos ao texto, isto é, o ambiente das experiências pessoais dos leitores, para observar
como dialogam com a obra.
Reportando-nos aos dados referentes ao que os leitores apontaram ter mais gostado na
obra, um deles afirmou ter sido a promessa da mãe em tornar o filho padre. Ao somarmos esse
dado ao fato de que 100% dos resumos contemplaram essa passagem da narrativa,
constatamos que os leitores conferem muita importância à questão da promessa e do
seminário.
Posteriormente, quando analisaram as ações das personagens, Bentinho foi criticado
por um leitor, por não ter permanecido no seminário. Acrescente-se ainda a visão de uma
leitora, que acredita que Bento tenha “desonrado a palavra de Deus” (IES, 15 anos).
Conforme dados fornecidos pelo questionário socioeconômico e cultural, foi possível
diagnosticar a presença maciça da Bíblia nos lares desses leitores, constatando-se um índice
aproximado de 97,29%. Em suas famílias, os membros que se destacavam como os que mais
liam eram as mães, com 56,75%, e, em segundo lugar,vinham as avós, com cerca de 45,94%.
Além disso, a Bíblia é o livro mais lido por elas.
139
Diante do quadro que se estabelece, pode-se, por conseguinte, apreender, ao menos,
parte do universo de que partem os leitores e afirmar que a presença da religiosidade e do
julgamento por esse prisma é um traço presente no horizonte de expectativas do grupo.
Retornando ao questionário, ao expor suas impressões sobre as atitudes de Capitu, a
opinião feminina é unânime na defesa da personagem: “Ela é uma pessoa decidida” (AFSS,
14 anos), “Foram justas, do que ela recebeu de Bentinho” (IES, 15 anos), “Ela foi alvo de
desconfianças” (GFH, 14 anos). Já a opinião masculina vai da relativização: “Mais ou menos
certas” (LSK, 14 anos), passa pela indignação, com uma dose de incompreensão dos fatos
narrativos: “Eu achei meio traidora ela amava Bentinho eu acho que ela não deveria ter feito o
que ela fez” (RPA, 14 anos), até a refutação completa de seus atos, criticada com uma pitada
de moralismo e total equívoco dos fatos narrativos: “Achei muito feia, porque ela traiu
Bentinho com o Escobar” (LRL, 15 anos).
Ao tratarem das atitudes de Escobar, as meninas relatam não haver nada de relevante
em seu comportamento ou dizem que ele foi um amigo leal, mas a opinião masculina
demonstra reprovação. Há novamente a gradação: “Quase todas certas” (LSK, 14 anos),
“Achei muito feia também, pois ele traiu o seu melhor amigo engravidando sua esposa”
(LRL, 15 anos) e o último leitor, adepto ferrenho de Bentinho: “Ele traiu Bentinho eu não
faria isso e ainda o meu melhor amigo mulher de amigo meu é homem foi errada” (RPA, 14
anos).
Estes últimos leitores não compreenderam o jogo dúbio da narrativa, no que se refere à
relação que se interpunha entre Bentinho, Capitu e Escobar. A impressão que se tem é a de
que projetaram seus julgamentos para dentro da narrativa e criaram um novo núcleo amoroso
para ele, como se o enredo contivesse todas as certezas, como se a trama estivesse fechada.
De acordo com a teoria de Iser (1996), os sujeitos receptores exercem papéis frente ao
texto literário. Por esse motivo, devem estar aptos e ter condições para exercer essa atuação;
logo, o objeto estético não é dado, mas construído. Contudo, o objeto literário não é o texto
objetivo nem a experiência subjetiva do leitor, mas a fusão entre esses dois pólos. É neste
ponto que os dois leitores se perderam, ou seja, o texto disponibilizou os vazios que os
leitores preencheram somente com aquilo que projetaram, ou seja, parece que
desconsideraram o repertório do texto. Isso também comprometeu o caráter de “virtualidade”:
“a obra não pode ser reduzida nem à realidade do texto, nem às disposições caracterizadoras
do leitor” (ISER, 1996, p. 50).
Dona Glória, a mãe de Bentinho, foi duramente criticada pelo fato de ser egoísta e não
considerar a vontade do filho, e também por “quebrar” uma promessa, ou por fazer uma
140
promessa envolvendo terceiros, o que vem a confirmar o perfil de religiosidade dos leitores:
“Não gostei, quando alguém faz uma promessa é para ela mesma ela colocou o filho dela no
meio dessa promessa isso é errado” (RPA, 14 anos), “Também eu não achei muito boa porque
ela fez a promessa de por seu filho no seminário, tudo bem ela colocou, mas depois ela tirou,
eu acho que a promessa não foi comprida direito” (LRL, 15 anos).
Com relação à indicação da obra, dois leitores responderam que a indicariam a
familiares e um deles diz ter gostado do livro. Uma leitora respondeu que talvez indicaria:
“depende do gosto da pessoa pois a história é diferente e complicada” (IES, 15 anos). Outro
leitor recomenda, mas adverte: “Sim, para as pessoas que realmente gostam de ler para jovens
eu não recomendo porque é muito complicado” (RPA, 14 anos). Uma leitora reproduz um
chavão escolar bem tradicional: “Eu indicaria a todos os alfabetizados, pois todos devem ler
uma das maiores obras literárias, de um dos maiores escritores de seu país”. (GFH, 14 anos).
Ao final, chega-se ao seguinte resultado: dos seis alunos que fizeram a leitura do
romance, quatro não gostaram da obra e o consenso geral foi o de uma leitura difícil.
4.4.5 Segunda etapa: a constituição coletiva do significado
Após um debate
55
do qual participaram os alunos que se declararam leitores de partes
da obra e os alunos que afirmaram terem lido a obra completa, o grupo respondeu a um novo
questionário
56
. Nesta seção, serão analisados apenas os questionários do grupo dos seis
leitores efetivos do romance, já apresentados no tópico anterior.
Retomando Kügler (1987), na Constituição coletiva do significado, é possível que os
leitores cheguem a uma opinião geral do texto literário, mesmo que seja circunscrita pelo
ambiente de uma sala de aula. Nesse sentido, foi possível apreender alguns aspectos gerais do
pensamento dos leitores em questão, a respeito do romance.
55
Roteiro presente no apêndice 3.
56
Durante a discussão, o pesquisador procurou apenas gerenciar o debate, trazendo questões sobre as quais os
alunos eram convidados a expor seus comentários. Mesmo em momentos de discussão mais acalorada, o
pesquisador procurou manter a neutralidade (se é que isso é possível), evitando demonstrar opiniões. Vez ou
outra, especialmente no início, necessitou-se “cutucar” os alunos para que falassem, porém tudo isso foi feito
muito discretamente. Disponível no apêndice 4.
141
Durante o debate, a linguagem foi o aspecto citado como um dos elementos que mais
trouxe dificuldades para a leitura do livro. E foi essa a pauta das justificativas, usada pela
maioria dos alunos, para o fato de não terem gostado da leitura do romance. Isso foi
observado até entre aqueles que leram partes do romance, bem como entre os que leram a
obra toda.
Com relação às personagens, a cisão que despontava na fase de leitura primária
concretiza-se: de um lado, as alunas defendendo a inocência ou adotando uma visão mais
equilibrada; de outro, os meninos muito solidários com Bentinho, desacreditando tudo em
Capitu, bem como em Escobar.
As garotas parecem expressar uma visão mais lúcida do romance que os garotos. O
trecho a seguir, de uma leitora, representa muito bem a opinião feminina:
Esse livro consegue reunir, na minha opinião, como nenhum outro, muitas
indagações, comentários, opiniões que nos levam a tentar entender o que de
fato se passou. Eu costumo dizer que Machado de Assis morreu e levou
consigo a resposta para todas essas dúvidas. [...] Gostei muito da dúvida que
Machado de Assis nos deixou, apesar de já ter meu ponto de vista: Capitu
não traiu Bentinho! Depois dessa leitura, agora possuindo mais compreensão
pretendo passar bom tempo de minha vida estudando a respeito. (GFH, 14
anos).
A mãe de Bento sofre mais críticas pela mudança na promessa, e a passagem de
Bentinho no seminário é um ponto destacado por mais de um leitor, como o trecho preferido
da narrativa. Confirma-se, assim, a marca da religiosidade presente no repertório desses
leitores, a qual parece condicionar a sua visão.
É possível afirmar que um leitor, precisamente aquele “fã confesso” de Bentinho, após
a discussão coletiva, continua a crer em uma narrativa em que a traição tenha existido.
A propósito, não apenas um, mas dois leitores reproduzem esse comportamento.
Mesmo após terem ouvido outras experiências de leitura, continuam a confundir suas opiniões
com os elementos que, de fato, fazem parte do enredo. Por pequenos indícios, é possível notar
que esses leitores percebem a unilateralidade do foco narrativo, mas a adesão à causa de
Bentinho é tão forte que os leva a misturar suas hipóteses com a ação dramática.
A primeira questão desse segundo questionário solicitava que elaborassem um
comentário sobre a obra. Uma das respostas foi a seguinte: “[...] eu não gostei das atitudes da
Capitu e de Escobar segundo Bentinho
57
os dois foram uns ordinários pois Bentinho não
57
Grifo do autor.
142
merecia isso”(RPA, 14 anos). Nota-se que o leitor toma ciência (ou pelo menos demonstra) de
que a versão apresentada para os fatos é a de Bentinho, mas reitera sua posição de adesão total
ao personagem, sendo o tom de seu discurso mais incisivo. O adjetivo “ordinários”,
endereçado aos “amantes”, é extremamente agressivo, e seu inconformismo, assim como sua
compaixão por Bentinho são visíveis quando termina dizendo que ele “não merecia isso”.
O segundo leitor, que já na leitura primária apresenta problemas na compreensão dos
fatos da narrativa, parece ter cristalizado aquela compreensão embaraçosa. Contudo, uma
expressão o faz escapar do lugar de “leitor-que-não-atingiu-a-condensação”
58
, de acordo com
a tese de Kügler (1987), que esta análise fatalmente iria lhe imputar. Inicialmente ele afirma:
“[...] As ações cometidas por Escobar eu não achei muito boom, pra mim ele não é verdadeiro
amigo de Bentinho, pois ele traiu Bentinho engravidando a esposa” (LRL, 15 anos).
Certamente deve-se perguntar a qual romance ele está se referindo, no entanto, mais adiante,
quando trata de Capitu, diz: “Capitu também participou da traição na minha opinião
59
” (LRL,
15 anos). As expressões grifadas abrem pequenos precedentes e dão pistas da entrada do leitor
no texto e revelam que, ao menos em algum momento, esse leitor teve ciência de que o texto
não trazia certezas.
O último leitor do grupo masculino também confirma sua adesão a Bentinho: “Estava
certo no ponto de vista dele porque ele que narrou a história” (LSK, 14 anos). A visão desse
leitor é interessante, pois ele confere veracidade a Bentinho pelo fato de ser sua a “voz do
texto”, ou melhor, pelo seu “poder”, já que é o narrador. Seu relato deixa pistas de que ele
talvez tenha o seu ponto de vista, entretanto prefere abdicar de sua atuação como leitor.
Em relação ao que mais gostaram na narrativa, um aspecto já presente nas primeiras
impressões agora ganha destaque. As críticas relativas à questão da promessa de D. Glória e a
ida de Bentinho ao seminário. Ao comentar sobre o livro, um leitor escreveu: “Uma passagem
que me marcou muito foi que ele ia para o seminário e nunca vou esquecer” (LSK, 14 anos).
Observe-se este outro comentário: “Pra mim Bentinho não cometeu ações fora do normal
além daquela que ele não quis continuar no ceminário, mas isso foi um erro de sua mãe
fazendo a promessa para ele, ela tinha que ter feito a promessa para ela” (LRL, 15 anos).
Note-se também este comentário de outro leitor: “Se uma pessoa faz uma promessa é para ela
a promessa, mas ela meteu seu filho no meio, não foi muito bom...” (RPA, 14 anos).
58
Retomando Kügler, a “condensação” começa quando o leitor cria um significado articulado depois de
conjugar o espaço ficcional com reflexão. Assim, o texto deixa a condição afetiva do “ser para mim” e esboça
uma visão mais genérica. Nesse momento, o leitor alcança a fase da “Ruptura da formação da ilusão”, que marca
a transição da leitura primária para um processo de significação coletiva.
59
Grifos do autor.
143
Como no primeiro questionário os leitores demonstraram certa dificuldade em
estabelecer relações entre a história narrada e casos semelhantes da vida real, a pergunta:
“Você já presenciou ou conhece histórias semelhantes a esta escrita por Machado de Assis?”
foi lançada no debate. Apenas uma aluna manifestou sua opinião, afirmando ser a história
“sem sentido”, acrescentando que se Bento estava com dúvidas, deveria ter recorrido a um
teste de DNA
60
. A aluna citou o próprio exemplo, expondo ter sido esta a “salvação” de sua
mãe.
Após a discussão, os leitores depararam-se novamente com a pergunta no
questionário. Novamente muitas respostas foram negativas: “Não, não conheço nenhum”
(LRL, 15 anos), responderam em uníssono. A resposta a seguir exemplifica como esse grupo
de leitores, ao menos em resposta à questão, se embaraçou ao correlacionar ficção e realidade,
dando pistas de que talvez não tenham feito uma leitura mais ampla: “não, nunca conheci
semelhante história contada por pessoas” (IES, 15 anos).
Ao final desse estágio, foi solicitado aos leitores para que opinassem sobre a questão
da indicação de Dom Casmurro para a leitura de alunos em fase escolar de oitava série do
Ensino Fundamental. Cinco dos seis leitores aprovam a indicação, apesar de alguns não terem
gostado da leitura. Alguns elaboram proposições que parecem retiradas de mofados manuais
de “boa conduta” escolar, ou de um “guia concentrado” de fórmulas para a leitura de um texto
valorizado apenas por seu grau de utilidade, ou qualquer coisa semelhante. Uma leitora diz:
“Importante, pois evidencia a necessidade de se ter um conhecimento acerca de Literatura
Brasileira e como é importante também o fato de se haver uma boa interpretação” (GFH, 14
anos) e outra: “Foi uma experiência nova para aprender novas palavras” (AFSS, 14 anos).
Para esses leitores, o prazer estético proporcionado pela leitura da obra parece fora de
cogitação. O texto é fonte de conhecimento e deve estar a serviço de alguma utilidade, como
“aprender novas palavras”. Essa postura, segundo Jauss (2002), pode determinar a rejeição do
caráter artístico e comprometer a função comunicativa da arte, neste caso, do texto.
Outro leitor julga o texto ajustado ao público em questão; em função de sua temática,
acredita estar a obra adequada a alunos de uma 8ª série: “É uma boa série para fazer essa
leitura, porque em uma 8ª série os alunos já entende de traição” (LRL, 15 anos). Um leitor
acha importante para o incentivo da leitura: “Muito bom causa que tem pessoas que nunca
leriam um livro na vida e mais pra frente pode ser um leitor de bastante livros”(LSK, 14
anos).
60
Informação retirada dos registros feitos durante a discussão coletiva.
144
O leitor que não concorda com a indicação do livro explica que sua leitura exige um
grau de compreensão que, para ele, é precoce aos alunos dessa fase escolar: “As pessoas mais
velhas que entende melhor o livro [...] Eu não aprovo essa leitura é muito cansativa para a
oitava série eu mesmo não gostei, deve ser para o colegial” (RPA, 14 anos).
Fica evidente que esses alunos não estavam preparados para a leitura do texto integral
do romance, pelos menos nas condições enfrentadas por eles: sem um trabalho de mediação
do professor, livros pouco atraentes, nenhum espaço para leitura individualizada na escola,
pouco tempo e poucas oportunidades para o compartilhar de experiências.
4.4.6 E o que disseram do romance os alunos que não integralizaram a leitura?
Os leitores de partes da obra participaram do debate e também fizeram novos registros
de suas considerações. Comparando o que responderam esses alunos ao primeiro questionário,
logo após o que conseguiram ler do romance, com as respostas prestadas após a discussão
coletiva, pode-se depreender um pouco das apreensões da trama que eles captaram aqui ou ali.
A observação dos dois questionários, bem com sua comparação puderam demonstrar
como tais alunos se apropriaram dos fatos presentes e como as converteram para assim
compor o disfarce da “leitura do livro”, presente na maioria das respostas. Essa atitude
denuncia, apesar de algumas destemidas exceções, o receio de uma provável repreensão, dado
o ambiente escolar em que se realizou a leitura.
A maior parte dos alunos demonstrou, por exemplo, que fez a leitura apenas do
primeiro capítulo, pois além de estendê-lo como o resumo do romance, não demonstrou
qualquer conhecimento acerca das personagens ou de outros aspectos da narrativa. É o caso
da aluna LABR, 15 anos, que, no primeiro questionário, escreve para o resumo:
O livro conta a história de um homem chamado Dom casmurro. Conta que
em uma noite ele estava indo embora da cidade e encontrou um rapaz do
bairro dele que comprimentou ele e ficou recitando versos. e foi ele que
colocou esse apelido nele de “Dom casmurro.” (LABR, 15 anos).
Percebe-se que a aluna leu apenas o início do primeiro capítulo. Quando explica sobre
o que mais gostou, diz: “Eu gostei mais da parte em que Dom casmurro estava indo embora e
145
encontrou um menino do bairro dele que ficou recitando versos pra ele” (LABR, 15 anos). Em
relação ao que menos gostou, completa: “Acho que eu gostei de tudo só achei que a história
tinha que ter mais ação ele é muito parado” (LABR, 15 anos). Aqui fica confirmada a leitura
restrita apenas ao trecho inicial do livro. Essa aluna achou a leitura do livro complicada e
encontra na linguagem sua principal barreira: “difícil porque tinha muitas palavras
complicadas” (LABR, 15 anos).
Ainda no primeiro questionário, a aluna redigiu comentários sobre as atitudes de
Bentinho: “achei muito legal e doida ao mesmo tempo. tinha algumas exgerações mais tudo
bem” (sic) (LABR, 15 anos). Quanto à Capitu, a aluna escreve: “gostei também a hora que ela
pensa em escrever uma história dos subúrbios” (LABR, 15 anos). A aluna não tem o que dizer
de Bentinho e sua consideração a respeito de Capitu é confusa. Quando analisa a respeito de
Escobar, é mais concisa: “foram quase todas certas” (LABR, 15 anos) e sobre as atitudes da
mãe de Bentinho, cansada de improvisar respostas, dispara: “Certa” (LABR, 15 anos).
Finalmente, quando indagada se indicaria a leitura do livro a alguém, a aluna não se acanha,
ao afirmar que não recomendaria sua leitura, pois, segundo ela: “é um livro muito parado e eu
gosto de livros de ação” (LABR, 15 anos).
Após o debate, a aluna escreve o seguinte comentário sobre o livro: “O livro conta a
história de Dom casmurro. Conta que o Bentinho desconfia da sua mulher. E de seu amigo
também. Desconfiava que os dois estavam traindo ele” (LABR, 15 anos). Aqui se observa
que, ao menos, a espinha dorsal da trama foi apreendida.
Com relação às personagens centrais, a aluna adquire opinião. Quando analisa
novamente as atitudes de Bentinho, considera: “foram certas porque ele tem todo o direito de
desconfiar dela (captu). E um pouco também foi ciúmes” (LABR, 15 anos). Quanto à Capitu,
a aluna também muda seu primeiro discurso: “Ela foi vítima do ciúmes de Bentinho” (LABR,
15 anos). Sobre Escobar, ela agora escreve: “foi neutro. Porque ele foi base de uma
desconfiança precipitada” (LABR, 15 anos). Já sobre a mãe de Bento, afirma: “mãe de
Bentinho tinha prometido que quando ele cresece ele iria pro ceminário” (LABR, 15 anos).
Comparando as respostas dos dois questionários, é notável como a aluna reproduz as
idéias trocadas no debate ou que possivelmente tenha ouvido de colegas. Ela adquire mais
informações sobre a trama e vai um pouco além, chegando a esboçar alguns julgamentos:
Capitu foi vítima, Escobar neutro, Bento agiu certo.
É interessante observar que ao primeiro questionário a resposta genérica da aluna para
as atitudes de Escobar – “foram quase todas certas” – se abre para uma análise ponderada:
“ele foi base de uma desconfiança precipitada”. O segundo comentário revela o julgamento da
146
aluna, expresso pelos termos: “desconfiança precipitada”. A aluna usa o termo “desconfiar”,
ou seja, Escobar foi o fator desencadeante para as suposições de Bento, que a aluna qualifica
como “precipitada”. Logo, na visão da aluna, Bento supôs ser verdadeira uma situação que
carecia de dados mais concretos para se confirmarem. Assim, Bento, nesse ponto, segundo a
aluna, agiu precipitadamente.
Para a grande maioria dos alunos que leu parcialmente o livro, a discussão em grupo
fez ampliar sua compreensão do enredo, de modo semelhante à aluna cujas respostas foram
pouco apresentadas. Observe-se agora outra aluna, BCF, 14 anos, que, em relação ao que
achou das atitudes das personagens, no primeiro questionário havia respondido sobre Bento:
“A atitude dele foi errada”; sobre Capitu: “eu acho que a atitude dele foi mais ou menos”;
sobre Escobar: “Normal. Porque é uma atitude que qualquer outra pessoa teria”; e sobre a mãe
de Bentinho: “Correta”. Mas após a discussão coletiva, BCF, 14 anos, na questão referente às
atitudes das personagens, escreve sobre Bento: “Eu acho a atitude dele muito parada porque
ele não enfrentou a mãe dele e não foi atrás para saber se e ou não filho dele o filho de
Capitu”. Sobre Capitu, diz: “Eu não gostei da atitude dela por que ela não Revelou de quem
era o filho e por Isso ficou Essa dúvida”. Quanto a Escobar, responde: “a atitude dele foi legal
de assumir o menino que ele não sabe se é ou não e filho dele”. E sobre a mãe de Bentinho,
afirma: “não gostei por que ela não quis saber se o filho queria Ir para o Seminário”.
Como no primeiro caso, a aluna BCF, 14 anos, após a discussão em grupo, também
alarga a compreensão da trama, sabendo, inclusive, posicionar-se de modo crítico em relação
às personagens. É evidente que isso fatalmente aconteceria, visto que esses alunos não
completaram a leitura do livro. Mas o que se deve ressaltar é o fato de que a grande maioria,
mesmo com uma leitura parcial do livro, tentou responder ao primeiro questionário como se
tivesse feito a leitura integral do romance. A mudança de postura dos alunos após o debate,
nas respostas prestadas ao segundo questionário, torna patente a ocorrência. Esse
comportamento dos alunos se explica pelo fato de a leitura acontecer no contexto da escola.
Um dado curioso na apreensão de alguns desses alunos refere-se aos equívocos quanto
aos fatos realmente presentes na ficção, não desfeitos mesmo após o debate. Alguns alunos
parecem confundir opinião pessoal com elementos deveras constitutivos da narrativa. É o que
se observa quando se analisam as atitudes das personagens centrais. Veja-se o que este grupo
disse no primeiro questionário:
Ele foi um cara muito legal com bentinho (NDS, 14 anos).
147
Ela foi muito falsa porque se ela gostava do Escobar ela não tinha que ficar
enganando o bentinho [...] foi cachorrada porque ele era amigo de bentinho
se vc eu matava (EPMA, 15 anos
).
as atitudes de Capitu eram muito errada porque mesmo gostando do bentinho
preferiu ficar com o outro (Escobar) (EMR, 15 anos).
Observe-se o que disseram os alunos em seus resumos da narrativa:
Bentinho morava na cidade de matacavalos com sua mãe ela tinha feito uma
promesa de o filho ser padre cando completou uma certa idade foi para o
seminário contra sua vontade porque tinha o sonho de se casar com Capitu
sua vizinha de infância Jose dias o namorado de sua mãe era contra o
romance e então concenceu (sic) Dona gloria a mandar o filho para o
exterior quando bentinho voltou ele se casou com Capitu e se tornou amigo
de Escobar. Capitu engravidou de Escobar e disse que o filho era de
bentinho, quando Escobar morreu Capitu não chorou Apenas teve expressão
triste ai bentinho percebeu que teria sido enganado por Capitu. Então foi
morar no Estrangeiro e quando voltou todos já tinham morrido. (EPMA, 15
anos).
Um garoto que sempre foi forçado pelos pais, para no futuro ser Padre, ele
só tinha uma pesssoa que-lhe entendia a Capitu a paixão da sua vida ela
sabia que ser padre não era para ele, um dia um homem importante pediu a
sua mãe que deixaria seu filho seguir sua vida. Bentinho e o pai de Capitu
não se davam muito bem. Capitu nunca deu um amor de verdade a Bentinho.
Capitu e Bentinho iam se casar mas Capitu não quis. (RAS, 15 anos).
E que quando ele nasceu a mãe dele fez uma promeça e que ele iria ser padre
e ir ao convento e a traição de Capitu etc. (BCF, 14 anos).
Betinho ia para seminário a mãe dele fez uma pormessa que o segundo filho
nascese ia ser padre mas ele não secretou padre e ficou com a Capitu e a mãe
dele adotou um filho de escravos e colocou no ceminario (DG, 14 anos).
Não li o livro completo, quase a metade. Mas pelo que entendi foi tudo por
amor, e depois tiveram um filho (TGBA, 14 anos).
As considerações demonstram que os alunos, apesar de não terem integralizado a
leitura, guardaram alguns episódios importantes da narrativa, mas apresentam compreensões
confusas ou, assim como os alunos leitores do livro, também misturam as próprias
conclusões, produzindo uma elaboração muito particular para os fatos narrativos. É
interessante notar como alguns alunos são categóricos em afirmar a traição de Capitu e que, a
propósito, seu filho era de Escobar.
148
O meu comentário é que o livro é muito grande e eu parei no meio então eu
peguei as partes que o Bentinho é forçado a ser padre pela mãe, só que ele
não queria ser, ele gostava de Capitu eles tiveram um filho que é filho de um
outro personagem (RAS, 15 anos).
Outro aspecto importante é que o discurso desses alunos, ainda ali, no momento do
registro das primeiras impressões de leitura, parece ecoar as idéias dos alunos leitores da obra.
Note-se que esses alunos (o grupo que completou a leitura) apontam os mesmos elementos da
narrativa em seus resumos, como a questão da promessa feita pela mãe de Bento, a ausência
de vocação de Bento para a vida eclesiástica e o triângulo amoroso: Bento, Capitu e Escobar.
Voltando aos resumos produzidos pelos alunos que não leram o romance, há pouco
apresentados, constata-se, portanto, que esse grupo de alunos destaca os mesmos incidentes
do enredo que os alunos leitores do romance apontaram. Isso pode revelar aspectos da leitura
coletiva.
Os traços da leitura coletiva podem ser confirmados pelas pistas contidas nas respostas
que o grupo de não-leitores forneceu em seus questionários, redigidos após o momento da
discussão coletiva, ao comentarem o livro:
Eu achei que é um livro que contem palavras muito difíceis. E fala de um
homen que pensa ser traído pela mulhe amada (EPMA, 15 anos).
Eu achei muito interessante porque ficou nesse mistério se a capitu trai
Bentinho. (RMO, 15 anos).
O livro conta uma história com muito ciúmes, muita traição. E também tinha
muita desconviação pelas pessoas (TSC, 14 anos).
Eu achei a história muito importante, porque tem um pouco de suspense se a
Capitu traiu ou não trai, etc. (TGBA, 14 anos).
A impressão que essas respostas deixam é que os alunos conseguiram captar uma das
características centrais da trama: a atmosfera de ambigüidade, ou melhor, a relatividade dos
fatos, gerada, sobretudo, pelo foco narrativo. Observe-se o aluno MVMO, 14 anos, que, no
primeiro questionário, confessa não haver completado a leitura do livro; para compor seu
resumo, copia a sinopse da contracapa; quando analisa personagens, escreve várias vezes:
“não me lembro”, no entanto, após participar da discussão em grupo, escreve:
O livro é muito bom de ler, mas é um pouco complicado porque nós não
estamos acostumados a ler literatura, porém é um livro com uma história
149
parada mas com muitos mistérios, pois ninguém sabe se Bentinho foi traído
ou não, porque o livro conta a história na visão dele mas não na da Capitu,
da para chegar a conclusão que na visão de Bentinho ele foi traído (MVMO,
14 anos).
Fica muito claro como o debate levou o aluno a captar uma visão até mais
aprofundada da ficção. Sua apreciação é, até certo ponto, mais qualificada que a de muitos
alunos que completaram a leitura do livro. A coletiva troca de idéias possibilitou a esse garoto
opinar criticamente sobre as atitudes das personagens:
Para Bentinho ele estava certo do que ele afirmava poi ele só queria saber de
uma coisa, que a mulher dele estava o traindo” [...] “No livro não mostra a
visão de Capitu, mas se ela tiver o traindo ela esta completamente errada”
[...] Ele pode sim ser um super amigo mas não chegar ao fato de fica sozinho
com uma mulher ainda casada ele não tem vergonha na cara” [...] Se ela fez
uma promesa tem que se cumprida (MVMO, 14 anos).
Um dado importante na fala desse aluno está na seguinte afirmação: “O livro é muito
bom de ler, mas é um pouco complicado porque nós não estamos acostumados a ler literatura”
(MVMO, 14 anos). Primeiramente, o aluno não desmerece o livro; ao contrário, mesmo sendo
difícil, o livro é “bom de ler”. Em um segundo plano, o motivo de o livro ser difícil, para o
aluno, é que a turma não está acostumada a “ler literatura”. Agora a questão é: o que seria a
“literatura” a que o aluno se refere?
Segundo o aluno, a leitura do livro foi difícil para a classe porque os alunos não estão
acostumados a realizar esse tipo de leitura, e o “tipo” de leitura proposto a eles foi um
romance considerado canônico para nossa literatura. Logo, quando o aluno afirma “não
estamos acostumados a ler literatura”, literatura para ele são os textos canônicos.
Conforme a afirmação do aluno, a classe achou o texto difícil porque não está
acostumada a ler textos com características semelhantes. Seu raciocínio é coerente, mas se
sabe que a questão é bem mais ampla. Muitos outros fatores contribuíram para a construção
desses resultados. Por ora, o que convém destacar é que o aluno joga para si e para os colegas
a culpa da rejeição da leitura do romance. Nesse ponto, seu comportamento reflete uma
postura gerada pelas práticas convencionais de leitura realizadas na escola.
Para a quase totalidade desse grupo de alunos, a leitura do livro foi difícil
principalmente por causa da linguagem e pelo fato de a trama conter pouca ação. Entretanto,
quando questionados sobre o que achavam de uma oitava série fazer a leitura desse livro, a
aprovação foi quase unânime e as justificativas foram surpreendentes, ao afirmarem que eles
precisam de leituras difíceis e igualmente precisam ler literatura brasileira.
150
Observe-se o que afirmaram os alunos para as perguntas: “Você acha que a leitura de
Dom Casmurro pode ser indicada para qual tipo de leitor? e “O que vocês acham de uma
oitava série fazer a leitura deste livro?
Eu indicaria o livro para pessoas que gostam de uma história parada pois
cada um tem seu gosto. [...] Que é bom por ser uma literatura brasileira, mas
quase ninguém gostou (MSLF, 14 anos).
Não por que não vai ser todos que vai ler [...] É uma boa porque tem bastante
linguagem difícil. (RMO, 15 anos).
Indicaria aos leitores mais velhos porque para eles é mais fácil ler literatura.
[...] Pelo desempenho da sala não foi muito bom, mas teve alguns alunos que
teve interesse em ler isso é um bom sinal, porque os alunos estão ficando
mais interessado em literatura. (MVMO, 14 anos).
Aquele leitor que gosta de livros de Época e curte esse tipo de leitura [...]
Legal, porque assim desenvolve mais a nossa capacidade de leitura. (EPMA,
15 anos).
Qualquer tipo de leitor que consiga compreender as palavras difíceis que o
livro tem. [...] Eu acho bom por ser uma Literatura Brasileira, mas em
relasão á história ninguém gostou. (LABR, 15 anos).
Nota-se, no discurso dos alunos, certa valorização do texto literário, sobretudo se este
for representante da literatura brasileira. Os alunos foram sinceros – “ninguém gostou”; por
outro lado, ponderam que a leitura é importante por se tratar de literatura brasileira e pela
dificuldade da linguagem que uma oitava série, segundo eles, deve enfrentar para desenvolver
melhor as habilidades de leitura.
Uma peculiaridade importante que se deve registrar desse grupo de quase-leitores do
romance é certa facilidade que eles demonstraram, ao correlacionarem a trama com a vida
real. E foi após a discussão coletiva que três alunos, quando indagados se conheciam pessoas
que viveram situações semelhantes as das personagens do romance, disseram:
Um tio meu, ele começou a namorar uma moça e ela engravidou, ele
assumiu a criança e a registrou só com seu nome, 11 anos depois ele
descobre que é Estéreo (sic) (EPMA, 15 anos).
O sujeito engravidou a menina e vive jogando na cara dela que o filho não é
dele (TGBA, 14 anos).
Meus tios e tias já viveram um romance igual (EMR, 15 anos).
151
Recordando agora o grupo dos efetivos leitores do livro, constatou-se que todas as
suas respostas foram negativas para essa questão. No entanto, ao que tudo indica, foram os
leitores parciais da obra que conseguiram estabelecer, ao menos com maior facilidade, um
contraponto mais ajustado entre ficção e realidade.
152
V CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] a literatura como a vida, ensina na medida em que
atua com toda a sua gama, é artificial querer que ela
funcione como os manuais de virtude e boa conduta
(CANDIDO, 1972, p. 805).
Desconsiderar que a função formativa da literatura possa transcender uma missão
meramente pedagógica equivale a negar seu estatuto de arte. A literatura deve representar
uma forma de acesso ao interior, ao individual e, no ambiente escolar, deve propiciar aos
estudantes, por meio de realidades ficcionais, condições de alcance da emancipação pessoal.
A leitura, portanto, deve ser um exercício de hermenêutica, cujos efeitos possam
aparecer após um processo de recepção que considere as relações entre significação e leitor,
seja ele atual ou historicamente determinado. Essa mudança no modo de conceber a literatura
deve constituir uma medida urgente para a escola brasileira.
As propostas de trabalho com o texto literário em sala de aula atingirão melhores
resultados quando seus objetivos estiverem concentrados, em maior grau, no prazer estético
das obras, que, conforme Jauss (2002) é fator determinante para que se possa atingir a
verdadeira natureza transgressora e comunicativa da arte.
Enquanto as práticas escolares de leitura estiverem restritas ao que Bredella (1989)
designa de “tecnologia do ensino”, ou seja, o conjunto de práticas ditadas pelo radicalismo
positivista da análise da forma de abordar a literatura, deixando para o segundo plano, ou em
lugar algum, a forma de se relacionar com o texto literário, a crise da disciplina estará muito
distante de seu fim.
A visão do texto como fornecedor de verdades incontestáveis e de uma atividade
passiva por parte do leitor, compromissada em chegar à sua interpretação fiel, desconsidera o
pólo da recepção e contraria a teoria da Estética da Recepção de Jauss (1994), para quem a
obra literária deve ser um fato a ser experimentado, em que o leitor é o destinatário principal a
ser buscado.
Para Jauss (1994), o leitor é o responsável pela produção do conhecimento histórico e
estético, que surge da relação dialógica que se institui entre literatura e leitor. Conforme sua
tese, ao adentrar no texto literário, o leitor faz atuar seu horizonte de expectativas com o
horizonte do texto e, a partir desse processo, concretiza-se o ato da interpretação.
153
Na recepção de Dom Casmurro de Machado de Assis por alunos de uma oitava série
do Ensino Fundamental de uma escola pública estadual da cidade de Presidente Prudente,
interior do Estado de São Paulo, uma série de aspectos pôde ser constatada. Com base em
respostas prestadas pelos alunos leitores e não-leitores a três questionários: socioeconômico e
cultural, das primeiras impressões de leitura e o último, respondido após uma discussão
coletiva, foi possível observar inúmeros aspectos, dentre os quais se ressaltaram: um
descompasso entre um discurso laudatório em defesa da leitura dos clássicos e o horizonte de
expectativas dos alunos; a tradição de atividades de leitura sob uma concepção do texto
enquanto instância transmissora de lições ou fonte de ensinamentos; um quadro de má
formação das competências leitoras dos alunos; a carência de projetos de leitura
verdadeiramente eficientes na escola; as barreiras da recepção.
O fato de as editoras indicarem a leitura de Dom Casmurro e de tantas outras obras
consideradas como clássicos da literatura luso-brasileira, bem como da literatura universal a
alunos já a partir dos 12 anos de idade é o grande golpe de mestre do mercado, ou melhor,
representa uma estratégia para angariar lucros gigantescos, uma vez que não há ônus com
direitos autorais tais obras serem de domínio público. Desse modo, a lógica se concentraria na
conquista de mais e mais leitores para o tipo textual em questão e, nesse caso, é fatalmente a
instituição escolar quem vem a se constituir no local mais propício.
De acordo com as análises que se apresentou dos catálogos, vale novamente destacar
como os editores discursam persuasivamente em favor da leitura do texto canônico, julgando
que ela deva começar o quanto antes: “são obras de referência, cobradas nos principais
exames vestibulares do país”, “fornecem retratos da sociedade brasileira de determinada
época” e assim por diante. Esse pensamento, que também recebe o aval de alguns críticos
literários, ou mesmo alguns estudiosos, está a ressoar na escola, que, por sua vez, se
acostumou a endossá-lo desde sua fase mais remota.
Recapitulando, conforme se afirmou anteriormente, o aspecto negativo de todo esse
processo é o desencadear do pensamento de que obras consideradas “clássicas” tenham de ser
lidas a todo custo na escola. Isso não é uma verdade. É claro que a instituição deve incentivar
os alunos a lerem os clássicos, bem como outros gêneros, mas deve-se combater a imposição,
sobretudo se os horizontes de expectativas dos leitores e da obra estiverem muito distantes.
É nesse ponto que entra a fundamental importância dos mediadores de leitura e, no
caso específico da escola, a maior parcela dessa incumbência recai sobre o professor. É por
meio de sua mediação que seus discípulos atingirão o caminho do amadurecimento. Para
cumprir com sucesso a tarefa da mediação, seria essencial que acontecesse, nesse processo, a
154
troca de experiências entre todas as esferas: alunotextoprofessor e vice-versa. O grande
problema é que essa relação dialógica nem sempre ocorre e, na maioria dos casos, os alunos
não são ouvidos; desse modo, o campo de atuação e mediação docente se restringe.
A este respeito, ficam algumas indagações: se o professor sabe pouco sobre os anseios,
preferências, inquietudes, dificuldades lingüísticas ou de outra ordem de seus alunos, como
poderá fazer uma boa indicação de leitura? Saberia como não ceder às pressões do mercado
ou da instituição escolar em relação a determinado tipo de leitura pelo fato de sua turma não
estar preparada, não ter a maturidade necessária ou certo domínio de competências leitoras
exigidas a determinada leitura? A resposta obviamente seria negativa e pode estar aí mais uma
das causas que se pode elencar para explicar a crise da leitura na escola.
Isso foi o que ficou evidente nas ocorrências que se registraram na recepção de Dom
Casmurro. Não que os alunos não tenham sido ouvidos; muito pelo contrário. Mas o que
ficou patente foi o fato de que, possivelmente, nem sempre (ou muito raramente) suas vozes
foram percebidas em outras situações de leitura ao longo de sua jornada escolar.
Além do descompasso em relação ao horizonte de expectativa da obra, os alunos
enfrentaram uma situação de leitura que se realizou no ambiente da escola, em uma atividade
que, segundo informara a professora, contaria pontos para a média bimestral. Muitos não
fizeram a leitura e, como já se observou o índice daqueles que fingiram ter feito a leitura do
livro foi muito maior. Essa postura já era esperada, afinal tratava-se de uma leitura realizada
em situação escolar e, portanto, escolarizada. Mas o resultado alarmante se concentra,
principalmente, na atitude passiva que os alunos, na maior parte do tempo, demonstraram
frente ao texto literário.
Quanto ao questionário socioeconômico e cultural, os alunos informaram executar
uma série de atividades em seu tempo livre, inclusive dormir. No entanto, muitas justificativas
como “não fiz a leitura do livro” ou “não completei a leitura porque não tive tempo” foram
registradas, revelando que o grupo não concebia a leitura como atividade de lazer, além de,
obviamente, não possuir tal hábito.
A linguagem extremamente cuidada de Machado, o ritmo lento da narrativa conduzido
pelo narrador-personagem Bento Santiago e todas as suas digressões, com uma trama
composta por uma ação única, dividida entre a ascensão, a plenitude e o declínio do casal,
bem como o distanciamento temporal e espacial que ajudaram a compor o horizonte de
expectativa do texto, foram aspectos muito criticados pelos alunos. Essas estruturas da
narrativa lideraram a listagem de justificativas utilizadas para explicar a rejeição pela obra e
indiciam os pontos pelos quais o repertório dos alunos não lhes permitiu maior atuação com o
155
texto. Os aspectos secundários e mais verticais da narrativa não chegaram a ser apontados,
com mais propriedade, pela maioria dos alunos.
A contradição entre o não gostar do livro, mas fazer a recomendação de sua leitura
com direito a generosas adjetivações, presente nas afirmações dos alunos, denota o
comportamento passivo desses leitores quanto ao texto. A maioria chega mesmo a reconhecer
que, apesar de a turma não ter gostado da leitura do livro, uma oitava série deveria fazer esse
tipo de leitura, pois assim melhorariam suas habilidades e seu nível de leitura. Como se pode
constatar, os próprios alunos parecem tamm endossar o falacioso discurso do clássico lido a
qualquer custo.
Reiterando uma das idéias mostradas nos capítulos precedentes, é claro que, no que
concerne à literatura, fica muito difícil afirmar categoricamente algo, sem que, ao menos, se
relativizem ou que se ponderem muitos aspectos. Assim, este estudo não pretende rotular os
alunos em categorias, e sim tentar explicar as ocorrências de um processo de recepção de um
texto canônico, com muitas barreiras a serem transpostas, à exemplo, uma recepção que se
captou por meio da escrita, o que, conforme se atestou, para muitos alunos, representou um
primeiro obstáculo.
Entretanto não foi somente o quadro de deficiências na formação das competências
leitoras e mesmo escritoras dos alunos que contribuiu para a construção dos resultados que se
apresentaram. Conforme as análises anteriores foi possível detectar que a escola não esteve
(ou está) totalmente preparada em termos de recursos físicos e materiais na tarefa de formar
leitores, em vista dos seguintes fatores: ausência ou melhor adequação de projetos de leitura
verdadeiramente preocupados com a formação do leitor, despreparo dos profissionais que
atuam (ou deveriam atuar) como mediadores de leitura na instituição, livros pouco (ou nada)
atraentes, quantidade insuficiente de livros, nenhum espaço para leitura individualizada na
escola, pouco tempo e poucas oportunidades para o compartilhar de experiências de leitura.
A pesquisa de Mariângela do Nascimento Sant’ana da Costa, de 2006, que se
assemelha a este trabalho, no ponto em que busca (muito embora não venha ser esse seu
objetivo principal) pelos leitores do ambiente escolar de Machado, fornece indicadores dessa
situação. A pesquisadora, ao comparar a recepção de leituras de Machado de Assis entre dois
grupos de leitores: do ambiente escolar (designados por ela “formais”) e os fora da instituição
(“informais”), ainda que com poucos dados, prenunciava prováveis falhas nas estratégias
pedagógicas utilizadas pela escola.
Após constatar que o grupo dos leitores informais obteve melhor desenvoltura no que
se refere ao jogo de identificações sugerido pelo texto e que uma situação oposta ocorreu
156
entre os leitores formais (do ambiente escolar), a autora questiona a eficácia das práticas
pedagógicas de leitura, que ora se apresentaram em seu trabalho, classificadas, em certo grau,
como “adequadas” no que se refere ao tratamento da leitura enquanto atividade de interação
entre texto e destinatário e vice-versa.
Conforme a pesquisa de Costa, os leitores informais das narrativas de Machado
estabeleceram contato dialógico com a obra por possuírem um horizonte de expectativas mais
amplo, ou seja, uma vivência literária mais diversificada e, em contrapartida, denuncia que a
escola, até o momento, não acertou o tom no trabalho de formar o leitor, certamente, porque
suas estratégias pedagógicas possivelmente ainda aconteçam de modo reprodutivo,
mecanizado, ou como no caso dos alunos que este presente estudo descreve, a instituição
esteja em dívida pela inexistência de projetos de leitura, motivo que pode justificar o
comportamento frio, ou mesmo ausente, que o grupo de leitores demonstrou frente ao texto
literário.
Apesar de todas as dificuldades relatadas neste trabalho e de um calamitoso índice de
não-leitura do romance, apenas 6 alunos de um universo de 37 participantes, há um saldo
positivo: ainda houve leitores para o livro, e, ao se considerar o universo dos mecanismos que
se dispuseram para a captar a recepção de leitura dos alunos, a atividade de troca de
experiências de leitura veio a se confirmar como uma forte aliada para um trabalho de leitura
que se queria consistente.
Das ocorrências presentes nessa pesquisa, outro aspecto que convém lembrar
concentra-se na falta de vínculos entre pesquisador e alunos se, por um lado, supostamente
pôde não induzir a leitura dos alunos, por outro, se atuasse como mediador de leitura, uma vez
que o professor da turma também esteve ausente desse papel, talvez pudesse mudar a relação
entre os alunos e o objeto artístico em questão.
De resto, cumpre destacar que é também tarefa da escola propiciar a leitura do texto
canônico a seus alunos, mas imposições de mercado ou do currículo escolar não devem e não
podem ser acatadas sem que se considere o universo dos receptores. É tarefa dos professores
fazer a mediação dessas leituras e buscar estratégias adequadas à realidade de suas turmas
quando precisar levar os clássicos à sala de aula, a fim de que o ensino desse tipo de obra se
torne uma tarefa mais frutífera, prazerosa e menos penosa.
157
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<http://www.lendoeaprendendo.edunet.sp.gov.br/2006/Subpages/Comunicados.htm>. Acesso
em: 3 jul. 2007.
162
APÊNDICES
163
APÊNDICE 1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
Projeto: “Dos catálogos de literatura juvenil ao leitor em contexto escolar. Um estudo de recepção de Dom
Casmurro, de Machado de Assis, por alunos de oitava série de uma escola pública paulista
1º Questionário
– LEVANTAMENTO DO PERFIL SOCIOECONÔMICO E CULTURAL DA 8ª SÉRIE B –
Data: ___/___/____
I) IDENTIFICAÇÃO
1) Nome:................................................................................................................................
2) Data de nascimento:........../........./...............
3) Cidade em que nasceu:...........................................................................................
4) Estado:...........................................................................................
5) Quantos livros você já leu até hoje? Cite os nomes dos que você lembra
.......................................................................................................................................................
.......................................................................................................................................................
.......................................................................................................................................................
6) Quem lê em sua família?
( ) Pai – O quê?..................................................................................................................
( ) Mãe - O quê?..................................................................................................................
( ) Irmã ou irmão – O quê?.................................................................................................
( ) Avô – o quê?..................................................................................................................
( ) Avó – o quê?..................................................................................................................
( ) Ninguém
7) Cite as escolas, cidades e estados em que cursou:
a) Escola Infantil:...................................................................................................
b) 1ª a 4ª série:.......................................................................................................
c) 5ª a 8ª série:.......................................................................................................
8) Tipo de escola em que você estudou:
164
a) Escola Infantil:
( ) pública
( ) particular
( ) não fez
b) 1ª a 4ª série
( ) pública
( ) particular
c) 5ª a 8ª série
( ) pública
( ) particular
II) A FAMÍLIA
1) Você mora com seus pais?
( ) sim
( ) não
Se não, com quem? Escrever
aqui..................................................................................................
2) Você tem irmãos? ( ) sim ( ) não / Quantos? ( )
3) Qual é o nível de escolaridade:
do pai:.....................................................................................................................................
da mãe:...................................................................................................................................
outro:.......................................................................................................................................
4) Em sua casa há:
( ) rádio
( ) TV
( ) aparelho de som
( ) computador
( ) internet
( ) aparelho de DVD
( ) outros: ................................................................................................................
7) Há em sua casa objetos de leitura?
( ) bíblia ( ) revistas de fofocas
( ) revistas religiosas ( ) livros de receita
( ) livros de poesia ( ) enciclopédia
( ) romances ( ) dicionários
( ) revistas de atualidades ( ) livros religiosos
165
( ) jornais ( ) livros de auto-ajuda
( ) revistas em quadrinho ( ) dvs (filmes ou documentários)
( ) almanaques ( ) cd (música)
III) A INFÂNCIA
1) O que você mais gosta de fazer? Numere de acordo com a ordem de preferência (1
para o que você mais gosta)
( ) jogar ou brincar
( ) ouvir música
( ) ouvir histórias
( ) ler
( ) videogame
( ) navegar na internet
( ) outra:......................................................................................
2) Quando você era pequeno(a) quem lhe contava histórias?
( ) o pai
( ) a mãe
( ) a avó
( ) o avô
( ) ninguém
( ) outros: ................................................................................
3) Cite uma ou mais histórias ouvidas na sua infância que você se lembra.
.................................................................................................................................................
.................................................................................................................................................
4) Que sentimento essa(s) história(s) causava(m) em você?
( ) medo
( ) alegria
( ) tristeza
( ) outros:...........................................................................................................
5) Que tipo de história você mais gostava de ouvir?
.................................................................................................................................................
.................................................................................................................................................
6) Atualmente que tipos de histórias você prefere?
.................................................................................................................................................
.................................................................................................................................................
7) Os livros que você já leu:
166
( ) eram seus ou de alguém da sua casa.
( ) foi retirado na biblioteca escolar.
( ) foi emprestado por um amigo.
( ) foi retirado na biblioteca da sua cidade.
IV) HOJE
1) Você costuma ler (numere a ordem de importância):
( ) somente para tarefas escolares
( ) para se distrair.
( ) para aprender coisas úteis.
2) Você freqüenta a biblioteca:
( ) sempre
( ) de vez em quando
( ) nunca
3) Que tipo de leitura você procura na biblioteca:
( ) detetive/policial
( ) poesia
( ) religiosa
( ) escolar
( ) auto-ajuda
( ) outra: ..................................................................................................................
4) Cite uma ou mais leituras que você tenha feito ultimamente e que o impressionou
(positiva ou negativamente):
.................................................................................................................................................
.................................................................................................................................................
5) Por que você fez essas leituras?
( ) trabalho escolar
( ) indicação de amigos
( ) indicação do professor
( ) escolha pessoal
( ) outro:....................................................................................
6) Que gênero de leitura você gosta de fazer atualmente?
( ) romance
( ) poesia
( ) teatro
( ) aventuras/policiais/suspense
( ) ficção científica
( ) religiosa
( ) pesquisa escolar
167
( ) outro(s):..............................................................................................
7) Você gosta de assistir filmes?
( ) Sim
( ) Não
8) E você prefere...
( ) Filme legendado
( ) Filme dublado
Por quê?
.....................................................................................................................................
.....................................................................................................................................
9) Você vai ao cinema...
( ) sempre
( ) ocasionalmente
( ) raramente
( ) nunca foi
10) Ao assistir filmes em casa, você:
( ) vai a locadora alugar um.
( ) empresta de alguém.
( ) compra o filme original.
( ) compra uma versão pirata.
( ) assiste com a família.
( ) n. d. a., pois não assisto filmes em casa.
( ) outro: ..................................................................................
11) Com quem você costuma assistir filmes?
( ) família
( ) amigos
( ) sozinho
( ) outro: .....................................................................................................
12) Que tipo de filmes você prefere?
( ) romance ( ) ficção científica ( ) policial
( ) comédia ( ) terror ( ) aventura
( ) drama ( ) suspense ( ) ação
168
APÊNDICE 2
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
Projeto: “Dos catálogos de literatura juvenil ao leitor em contexto escolar. Um estudo de recepção de Dom
Casmurro, de Machado de Assis, por alunos de oitava série de uma escola pública paulista
2º Questionário
– DAS PRIMEIRAS IMPRESSÕES DE LEITURA –
Aluno:..................................................................................................................................
Data:........................... série: 8ªB
1- Conte resumidamente a história do livro.
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2- O que você mais gostou? Explique.
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3- O que você menos gostou? Explique.
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4- Conte o que você achou da leitura do livro (fácil, difícil) e explique o porquê.
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5- Explique como foi o seu processo de leitura, ou seja, se você leu o livro todo de uma vez quase sem
parar, ou se fez muitas paradas, ou se foi logo verificar o final, ou se precisou voltar atrás para reler o
que não havia entendido. Enfim, descreva o seu processo de leitura, explicando-o.
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6- Você leu apenas a narrativa ou leu também os paratextos (contracapa, prefácio, biografia do autor,
notas, comentários, orelha do livro, etc.). Você acha que eles facilitam a leitura? Explique.
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7- Comente o aspecto material do exemplar de D. Casmurro lido por você (capa, editora, ano da edição,
ilustrações, aspecto do livro em geral). Esses aspectos convidam à leitura?
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8- Você conhece pessoas que viveram situações semelhantes a dos personagens do romance? Quem?
Comente.
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9- O que você achou das atitudes de Bentinho?
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10- O que você achou das atitudes de Capitu?
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11- O que você achou das atitudes Escobar?
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12- O que você achou das atitudes da mãe de Bentinho?
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13- Você indicaria a leitura deste livro para alguém? A quem? O que você diria para convencer essa pessoa
a ler o livro? Caso você acredite que o livro não deve ser indicado a alguém, explique o porquê.
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APÊNDICE 3
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
Projeto: “Dos catálogos de literatura juvenil ao leitor em contexto escolar. Um estudo de recepção de Dom
Casmurro, de Machado de Assis, por alunos de oitava série de uma escola pública paulista
Discussão coletiva
– ROTEIRO –
Data: 25/09/08
Responsável: Tatiana de Araújo Severo Rocha
Público-alvo: 8B – EE DR Marrey Júnior
Local: sala ambiente de informática
Participantes: 26 alunos (9 leram partes + 17 leitura completa) + pesquisadora
Questões
1. O que vocês acharam da leitura do livro?
2. Quais os pontos mais/menos interessantes da narrativa?
3. Foi detectado que alguns alunos acreditam que Bentinho foi traído por Capitu, isso é verdade?
Isto está realmente presente no texto?
4. Vamos falar das personagens principais: Bentinho, Capitu, Escobar, D. Glória.
5. Que temáticas são abordadas nesta narrativa?
6. Quando aconteceu esta história? Onde?
7. Você já presenciou ou conhece histórias semelhantes a esta escrita por Machado de Assis?
8. O que vocês acham da indicação deste livro a uma oitava série?
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APÊNDICE 4
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
Projeto: “Dos catálogos de literatura juvenil ao leitor em contexto escolar. Um estudo de recepção de Dom
Casmurro, de Machado de Assis, por alunos de oitava série de uma escola pública paulista”
3º Questionário
– QUESTÕES RESPONDIDAS APÓS O DEBATE –
Nome:......................................................................................................................................
Série: ........
Data: ___/___/____
1) Elabore um comentário sobre o livro que você leu:
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2) Comente as atitudes de:
a) Bentinho:........................................................................................................................................
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b) Capitu:............................................................................................................................................
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c) Escobar:.........................................................................................................................................
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d) Mãe(Bentinho):..............................................................................................................................
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3) Você conhece pessoas que viveram situações semelhantes a dos personagens do romance?
Quem? Comente.
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4) Você acha que a leitura de Dom Casmurro pode ser indicada para qual tipo de leitor?
Explique.
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5) O que vocês acham de uma oitava série fazer a leitura desse livro?Explique.
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