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Universidade de Brasília
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo
ALTERAÇÃO DE USO DE IMÓVEIS URBANOS NO DISTRITO
FEDERAL: apropriação individual ou gestão social?
Josué Magalhães de Lima
Orientador: Prof. Dr. Benny Schasberg
Dissertação de Mestrado
Brasília, 2009.
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ii
Universidade de Brasília
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo
ALTERAÇÃO DE USO DE IMÓVEIS URBANOS NO DISTRITO
FEDERAL: apropriação individual ou gestão social?
Josué Magalhães de Lima
Dissertação apresentada como requisito
parcial à obtenção do grau de Mestre,
pelo Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de Brasília.
Orientador: Prof. Dr. Benny Schasberg
Brasília, 2009.
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iii
TERMO DE APROVAÇÃO
ALTERAÇÃO DE USO DE IMÓVEIS URBANOS NO DISTRITO
FEDERAL: apropriação individual ou gestão social?
Autor: Josué Magalhães de Lima
Dissertação de Mestrado submetida à Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de Brasília – UnB como requisito parcial à
obtenção do Grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo, área de
concentração “Planejamento e Desenho Urbano”.
Data da defesa: 26 de junho de 2009.
Aprovada por:
____________________________________________
Prof. Dr. Benny Schasberg
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, UnB
Orientador
____________________________________________
Prof. Dr. Paulo Castilho Lima
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, UnB
____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Lúcia Cony Faria Cidade
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, UnB
Brasília, 2009.
iv
À meria de minhae Dioclécia Martins
Arruda, por ter me cercado do que há de mais
importante: o amor.
À memória de meu pai José Magalhães de Lima,
por ter me convencido, desde sempre, que “para
ser alguém na vida é preciso estudar”.
v
Agradecimentos
Agradeço, primeiramente, a Deus, por me permitir mais essa importante conquista.
À Glorinha, pela companhia, pelo amor e carinho, sobretudo nos momentos mais
difíceis.
A minha família, pelo incentivo e por todas as preces que tanto me fortalecem.
Ao Professor Benny, pelas orientações, pelos conhecimentos compartilhados e pela
paciência nesses últimos dois anos.
Aos Professores Frederico Holanda, Claudia Amorim, Carpintero, Paulo Castilho e
Lúcia Cony, pelas orientações ministradas nas disciplinas da pós-graduação,
fundamentais para a formulação desse trabalho.
Ao Professor Edésio Fernandes, pelas generosas orientações jurídicas, que contribuíram
para as discussões acerca da função social da propriedade e da cidade.
Ao Lincoln Institute of Land Police, pelas oportunidades que proporcionou, na forma de
cursos de aperfeoamento e especialização em financiamento urbano, que contribuíram
para o embasamento teórico desse trabalho.
À Câmara Legislativa, à Administração Regional do Sudoeste/Octogonal e à
Coordenadoria das Cidades, pelas informações e dados disponibilizados.
Ao amigo Orivaldo Simão pela tolerância e paciência, que permitiram a conclusão desse
trabalho.
vi
RESUMO
O Brasil vem experimentando uma nova forma de planejamento urbano, centrada em
valores sociais e inclusivos e, sobretudo, no princípio constitucional da função social da
propriedade. Os instrumentos urbanísticos, em sintonia com esse momento, são as
ferramentas de que dispõem as cidades para materializar princípios cunhados no âmbito
de movimentos sociais, voltados para a gestão social e contrários à concepção
especulativa da propriedade urbana. A outorga onerosa de alteração de uso é uma dessas
ferramentas, disciplinadas pelo Estatuto da Cidade, à disposição das cidades para
dinamizar os espaços urbanos, tornando-os mais adequadas às necessidades coletivas.
Entretanto, o instrumento possui, do mesmo modo, potencial para incrementar o valor
das propriedades, o que o torna alvo de constantes ações de proprietários e do mercado
imobiliário e, em conseqüência, do jogo político. As condições urbanísticas peculiares
encontradas no Plano Piloto e noscleos urbanos mais próximos fizeram desses
espaços uma aspiração natural, o que resulta em estratégias de inserção e permanência
materializadas por alterações de uso. Conjugados - “quitinetes” - em zonas comerciais,
comércio em zonas residenciais, atividades produtivas licenciadas fora do zoneamento
original, intensa produção de leis que transformaram o uso de lotes comerciais para
abrigar postos de gasolina, decisões judiciais que reverteram os usos originais, etc. Há
um grande volume de conflitos que envolvem uma prática que contradiz as normas de
uso e ocupação do solo. Entretanto, se à primeira vista parece tratar-se de simples
formas individualistas de utilização das propriedades, por outro lado, parece questionar
a forma como o planejamento vem vislumbrando os espaços urbanos ao longo do
tempo. Ao analisar mais detidamente a ocorrência de alterões de uso de imóveis no
DF, os interesses e a “queda de braços” entre gestão social e práticas voltadas a
interesses individuais, existente nos bastidores da aplicação do instrumento, o trabalho
pretende contribuir com o entendimento e enfrentamento dos problemas urbanos por
parte dos órgãos de planejamento e gestão. Afinal, como se dá a captura dos valores
gerados com alterações nas regras de uso? Qual a lógica que fundamenta a aplicação
prática do instrumento? Apropriação individual ou gestão social?
Palavras chave: Estatuto da Cidade, Planejamento Urbano, urbanização, alteração de
uso do solo, outorga onerosa de alteração de uso.
vii
ABSTRACT
Brazil has been experiencing a new way of urban planning, centered on social and inclusive
values, above all on the constitutional principle of the social function of property. Urban
tools in sync with this moment are essential tools at the city’s disposal’s to materialize
principles grounded by social movements, leaning towards social management and contrary
to the speculative nature of urban property. The charged grant for altering the original use
of the land is one of these mechanisms, regulated by the City’s Bylaw, at each city’s
disposal to maximize the use of urban spaces – making them more adequate to the needs of
its citizens. However, this very mechanism can, in the same way, have the power to increase
the value of properties – which makes it the ideal target for constant lawsuits and real estate
speculator to juggle with the legislation as a consequence of the political game. The unique
urban conditions found in the Plano Piloto and in its closest surrounding urban areas have
made them, a natural contender to the ongrowing desire of real estate expansion, which
results in strategies of insertion and permanence made real by alterations in the usage of
these regulations. Kitchenettes located in commercial areas, shops in residential areas and
licensed labor activities out of their original designated plot zone in the original
configuration of the city – all these result from an intense production of laws and/or judicial
decisions which transformed the use of commercial areas into gas stations or even reversed
the primary uses of the original areas. There is an array of conflicts involving a practice that
contradicts the rules of usage and occupation of the above mentioned areas. In spite of what
it seems, if at first it seems to be an individualist take on how the properties are utilized, on
a second look, one is led to the questioning of the way this urban planning has been carried
out so far through a long time perspective. Throughout careful analysis of the frequency of
the alteration of the primary use of real estate properties in DF, personal interests and the
real ‘tug of war’: social management versus the practice focused on the individual agenda
which clearly exists behind the implementation of the instrument – this research intends to
contribute to the understanding and facing of urban problems met by urban planning and
urban management agencies. After all, how are resources generated and captured with
alterations in the rules of usage? What logic fundaments the practical application of the
mechanism? Individual appropriation or social management?
Keywords: City Bylaw, Urban Planning, urbanization, alteration in the use of property/land,
charged grant for alteration of usage.
viii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
(mapas, fotos, figuras)
Figura 1 Destaque da área delimitada pela Bacia do Paranoá.
73
Figura 2 Índice de dispersão urbana no mundo.
75
Gráfico 1 Estoque de empregos formais por Regiões Administrativas – 2003.
76
Gráfico 2 Gradiente de valor da terra 1991 e 2003.
78
Figura 3 Postos de abastecimento na Quadra 107 de Águas Claras e
faculdade na Quadra 03 do SMPW.
98
Figura 4
Indicação das áreas de coleta de dados.
99
Figura 5 Convívio entre habitações unifamiliares, ocupadas com atividades
comerciais, e prédios comerciais abandonados na W3 Sul.
100
Figura 6 Imóveis com uso institucional na Asa Sul utilizados como moradia.
100
Figura 7 Projetos de empreendimentos residenciais em imóveis institucionais
na Asa Norte.
102
Figura 8 Imóveis (uso institucional) utilizados para fins de moradia no STN.
103
Figura 9 Lote “J” do STN e impactos provocados pela alteração de uso
104
Figura 10 Atividades comerciais em habitões unifamiliares na Vila Planalto.
105
Figura 11 Imóveis à venda no SHTN.
105
Figura 12 ões de marketing e condomínios edilícios na QMSW 6 –
Sudoeste.
106
Figura 13 Igrejas e boates no S.I.G e faculdade no S.I.A.
108
Figura 14 Ações de marketing e condomínio edilício no CA 02.
109
Figura 15 Apartamentos em prédios industriais no Pólo de Modas – Guará.
110
Figura 16
Empreendimentos residenciais no SCEES e no SMAS.
110
Figura 17 Quadra 301 conjunto 08 lotes 2, 4 e 6; Quadra 301 Rua A conjunto
2 lote03 – Águas Claras.
111
Figura 18 Vista parcial da Quadra 301 – substituição de casas por
condomínios edilícios.
112
ix
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Renda por Regiões Administrativas – 2004.
75
Tabela 2 População por Regiões Administrativas – 2004.
77
Tabela 3 Projetos de lei complementar sobre alteração de uso no
Distrito Federal – 1997-2008.
82
Tabela 4 Projetos de lei sobre alteração de uso no Distrito Federal
1997-2008.
86
Tabela 5 Leis Complementares sobre alteração de uso no Distrito
Federal – 1997-2008.
86
Tabela 6 Leis Ordinárias sobre alteração de uso no Distrito Federal
1997-2008.
88
Tabela 7 Suspensão da eficácia de leis complementares que alteraram
uso de imóveis urbanos no Distrito Federal.
88
Tabela 8 Suspensão da eficácia de leis complementares que alteraram
uso de imóveis urbanos para permitir a instalação de postos de
abastecimento, lavagem e lubrificação (pac/pll).
90
Tabela 9 Suspensão da eficácia de leis ordinárias que alteraram uso de
imóveis urbanos no Distrito Federal.
91
Tabela-síntese 1
Relação de normas legais 1997-2008 que permanecem em
vigor.
93
Tabela-síntese 2 mero de projetos, leis e suspensões de eficácia por
legislaturas e governos – 1997-2008.
94
Tabela-síntese 3 Distribuição de leis por legislatura, usos e iniciativa – 1997-
2008.
95
Tabela-síntese 4 Distribuição de leis por legislatura, cidades e iniciativa
1997-2008.
95
Tabela-síntese 5
Distribuição de leis por cidades – 1997-2008.
97
Tabela-síntese 6 Distribuição de leis por usos/atividades – 1997-2008.
97
Tabela 10 Salas comerciais com cartas de habite-se e alvarás de
funcionamento expedidos pela Administração Regional do
Sudoeste/Octogonal (2007).
107
Tabela 11 Exemplo de acréscimo do número de unidades habitacionais - 112
x
remembramento dos lotes 2, 4 e 6 do conjunto 8 da Quadra
301, Alameda Gravatá.
Tabela 12 Projeção de arrecadação para imóvel na Asa Sul.
127
xi
LISTA DE ABREVIATURAS
ALT
Alteração de Uso
C.A
Centro de Atividades
CCSW
Centro Comercial Sudoeste
CLSW
Corcio Local Sudoeste
CODEPLAN
Companhia de Desenvolvimento do Planalto Central
EIV
Estudo de Impacto de Vizinhança
FUNDURB
Fundo de Desenvolvimento Urbano do Distrito Federal
IAPI
Instituto dos Aposentados e Pensionistas dos Industriários
IPHAN
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IPTU
Imposto predial territorial urbano
ITBI
Imposto sobre a transmissão de bens inter vivos
LC
Lei Complementar
LO
Lei Ordinária
LODF
Lei Orgânica do Distrito Federal
MNRU
Movimento Nacional pela Reforma Urbana
MPDFT
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
NGB
Norma de Edificação, Uso e Gabarito
ONALT
Outorga Onerosa de Alteração de Uso
ODIR
Outorga Onerosa do Direito de Construir
PAC
Posto Abastecimento de Combustíveis
PDL
Plano Diretor Local
PLL
Posto de Lavagem e Lubrificação
PU
Planejamento Urbano
PDOT
Plano Diretor de Ordenamento Territorial
xii
QMSW
Quadra Mista Sudoeste
RA
Região Administrativa
SAN
Setor de Autarquias Norte
SCEES
Setor de Clubes Esportivos e Estádio Sul
SCLN/ SCLS
Setor Comercial Local Norte/ Sul
SGAN/ SGAS
Setor de Grandes Áreas Sul/ Norte
SHN
Setor Hoteleiro Norte
SHTN
Setor de Hotéis e Turismo Norte
S.I.A
Setor de Indústria e Abastecimento
SIG
Setor de Indústrias Gráficas
SMAS
Setor de Múltiplas Atividades Sul
SMPW
Setor de Mansões Park Way
STN
Setor Terminal Norte
TJDFT
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
UNESCO
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
xiii
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................ vi
ABSTRACT............................................................................................................ vii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES (mapas, fotos e figuras)......................................... viii
LISTA DE TABELAS........................................................................................... x
LISTA DE ABREVIATURAS.............................................................................. xii
Introdução...............................................................................................................
1
PARTE I – REFERENCIAL TEÓRICO............................................................. 7
1 O papel do planejamento na configuração das cidades................................... 7
1.1 Das tentativas de enfrentamento dos problemas urbanos............................ 7
1.1.1 Da crítica ao urbanismo progressista.......................................................... 12
1.1.2 Da crítica ao planejamento urbano............................................................. 14
1.2 Das novas expressões de planejamento e gestão urbanos............................. 16
1.2.1 – O Planejamento estratégico....................................................................... 16
1.2.2 – Do ideário da reforma urbana ao planejamento politizado................... 19
1.2.2.1 – Do individualismo à função social......................................................... 21
1.2.2.1.1 Direito de propriedade e função social da propriedade urbana......... 22
1.2.2.1.2 A Função Social da cidade...................................................................... 23
2 Do espaço determinista à produção social do espaço urbano.........................
24
2.1 A Ecologia Urbana........................................................................................... 24
2.2 A Economia Política Marxista........................................................................ 28
2.3 A produção social do espaço urbano.............................................................. 33
2.3.1 A ação social para produção do espaço urbano......................................... 33
2.3.2 A estrutura capitalista e a (re) produção do espaço.................................. 35
2.3.3 Breve síntese.................................................................................................. 37
3. A Teoria da Renda Fundiária...........................................................................
40
3.1 - A formação do preço do solo......................................................................... 40
3.2 – A transposição da teoria para os espaços urbanos..................................... 44
3.3 - Solo urbano: valor de uso ou valor de troca? ............................................. 49
3.4 - Os movimentos de preço do solo................................................................... 50
3.5 - A gestão social da valorização da terra........................................................ 52
PARTE II – METODOLOGIA............................................................................
57
1 Considerações iniciais......................................................................................... 57
2 Recorte temporal................................................................................................. 58
3 Descrição do método........................................................................................... 58
4 Recorte espacial................................................................................................... 60
PARTE III – DESCRIÇÃO DA PESQUISA E SEUS RESULTADOS............
62
1 Pressupostos da Alteração de uso como instrumento de indução do
desenvolvimento urbano........................................................................................
62
1.1 Alteração de Uso de Imóveis: revitalização e apropriação de espaços
63
xiv
urbanos....................................................................................................................
1.2 Alteração de Uso como instrumento de financiamento das cidades............ 66
2 Alterações de uso no Distrito Federal: caracterização do território.............. 69
2.1 Contexto histórico............................................................................................ 69
2.2 Características morfológicas: seletividade e segregação.............................. 71
2.3 Uso do solo: setorização e rigidez................................................................... 78
3 Levantamento de dados...................................................................................... 81
3.1 Alterações formalizadas por instrumentos legais......................................... 81
3.2 Dados empíricos............................................................................................... 98
PARTE IV - ANÁLISE..........................................................................................
113
1 Estrutura e ação na produção dos espaços....................................................... 113
1.1 A atuação dos agentes políticos na configuração dos espaços...................... 116
1.2 A ação dos agentes econômicos....................................................................... 123
1.3 A ação da sociedade (des) organizada............................................................ 128
2 Alterações de uso - conceituações e classificação............................................. 132
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................
139
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................
146
ANEXOS.................................................................................................................
152
1
INTRODUÇÃO
A outorga onerosa de alteração de uso de imóveis é um dos instrumentos de
natureza urbanística contido na Lei n. 10.257/2001 - Estatuto da Cidade - voltado para a
ordenação das cidades e controle do uso do solo. Possui o potencial de induzir formas
adequadas e ordenadas de utilização dos espaços, ao potencializar o consumo e evitar a
subutilização da infra-estrutura. Aplicado em programas de intervenção urbana, tem
sido largamente utilizado, por exemplo, para reintegrar áreas degradadas ou pouco
utilizadas ao consumo coletivo, a partir de uma modificação nas atividades e usos que
passam a ser desempenhados nos imóveis. Como a aplicação do instrumento
desencadeia movimentos de valorização dos imóveis, que passam a abrigar usos mais
procurados pelo mercado, consolida-se como um potencial financiador de intervenções
urbanas, não somente em processos de revitalização como na redução das desigualdades
impostas por processos de urbanização, a partir de uma gestão social dos recursos
arrecadados.
Alteração de uso é uma ferramenta, desse modo, de indução do
desenvolvimento urbano e como tal, reforça o conjunto de instrumentos criados pela lei
nacional de política urbana com o intuito de promover a construção de cidades mais
justas e equilibradas, de promover intervenções urbanas que visem à qualificação de
espaços degradados ou subutilizados e de financiar o desenvolvimento das cidades.
Existem exemplos de aplicação bem sucedida de alterações de uso em
diversas cidades, onde intervenções urbanas, pensadas num contexto de reintegração de
grandes áreas ao consumo coletivo, promoveram atividades produtivas e dinamizaram o
turismo, devolvendo às cidades a urbanidade perdida
1
.
A aplicação dessa ferramenta para promoção do desenvolvimento das
cidades é importante, sobretudo, pelo seu potencial de captura de valorização
imobiliária pelo poder público - considerando que o preço dos imóveis é formado em
grande medida pelo uso que se pode conferir aos mesmos - o que o alça à condição de
ferramenta de financiamento do desenvolvimento urbano. A valorização gerada nos
imóveis particulares, por meio da permissão de novos usos mais rentáveis e dinâmicos,
além de financiar operações urbanas específicas, pode ser empregada na constituição de
fundos voltados ao equilíbrio dos espaços urbanos, notoriamente concentradores de
oportunidades.
1
Conforme veremos nopico 1.1 da Parte III.
2
Embora se trate, como visto, de uma ferramenta concebida para dinamizar o
funcionamento das cidades; como ocorre sua aplicação prática no âmbito local, onde
ocorre o jogo político e o conflito de interesses? De que forma os recursos gerados por
essa fonte de financiamento urbano vem sendo apropriados?
A possibilidade de induzir alterações nas normas de uso do solo mobiliza a
atuação de diversos atores sociais, que, motivados pela valorização imobiliária
provocada pela atribuição de usos mais rentáveis, vislumbram nas alterações de uso
uma forma de lograrem interesses individuais. A relação entre mercado, sociedade e
agentes políticos têm resultado numa quantidade significativa de leis que alteraram as
regras de uso e ocupação do solo, no que tange à destinação de imóveis no Distrito
Federal. Assim, um lote comercial se transforma num posto de gasolina ou um ivel
destinado originariamente à construção de um terminal de ônibus passa a abrigar um
shopping-center. Tem sido fartas, do mesmo modo, alterações de uso informais,
inúmeros casos de transformações de salas comerciais em unidades domiciliares
(quitinetes), além da produção, via mercado imobiliário, de novas opções de moradia
em setores destinados ao uso institucional ou comercial.
A análise é mais intrigante quando se trata especificamente da capital do
país, tombada pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade (Decreto nº
10.829/87 e Portaria IPHAN 314/92); cidade planejada para assegurar áreas bem
definidas para cada uma das funções urbanas e organizada em torno de regras rígidas de
uso e ocupação do solo, sob o argumento de se possibilitar adequadas condições de vida
urbana.
As características morfológicas do território do Distrito Federal, por outro
lado, caracterizado por uma ocupação horizontal e polinucleada, pela concentração
espacial de empregos e oportunidades, além de sua condição especial de capital da
república (abriga as representações diplomáticas e as sedes dos poderes), são fatores
que, do mesmo modo, precisam ser considerados nessa análise. São essas as condições
estruturais que possibilitam uma dinâmica ecomica ímpar, fato que estimula a atuação
dos agentes espaciais na apropriação e transformação dos espaços, além da apropriação
da renda do solo.
Se por um lado o instrumento pode dinamizar o consumo dos espaços,
sobretudo em setores com usos exclusivos, como ocorre no Distrito Federal, por outro
lado, a alteração de uso pode resultar uma privatização de lucros e uma socialização de
perdas. A depender dos pressupostos em que é entendida e aplicada – lógica
3
individualista ou atrelada aos princípios da função social da propriedade e da cidade -
pode favorecer a apropriação individual da valorização imobiliária e permitir que o
Poder Público arque individualmente com os custos de readequação da estrutura urbana,
em muitos casos necesria para abrigar os novos usos.
Diante desse contexto, a questão principal é esclarecer como se a
apropriação e gestão da valorização imobiliária, possibilitada por alterações de uso de
imóveis. Desse modo, identificar qual é o papel desempenhado pelos atores sociais
(governo, mercado, sociedade), de que forma promovem essas alterações de uso e se a
prática empírica se dá num contexto de promoção da ordem urbanística ou na lógica
individualista, voltada meramente à satisfação de interesses particulares.
A motivação maior deve-se ao fato de que se trata de um tema que tem
mobilizado sobremaneira a opinião pública, as autoridade e a sociedade nos últimos
anos. São fartas as matérias jornalísticas que tratam de “alterações de uso”, “mudanças
de destinação”, sobretudo para apontar desconformidades quanto ao uso de imóveis em
determinadores setores de Brasília ou a maneira como poticos fazem uso do
instrumento para proporcionarem usos mais dinâmicos a certos imóveis. A experiência
de trabalho em órgãos do Executivo local e, mais recentemente, no Legislativo
2
,
fortaleceu o desejo de procurar explicações coerentes para a ocorrência de alterações de
uso numa cidade pautada por regras rígidas de uso e ocupação do solo e por um
planejamento considerado modelo de organização para o país e para o mundo.
A relevância social do presente trabalho está em contribuir com o
entendimento sobre as causas e as implicações das alterações de uso de imóveis e,
assim, fortalecer práticas que impeçam a apropriação privada de instrumentos
urbanísticos, fontes potenciais de receita para programas urbanos com viés coletivo,
sobretudo em épocas de orçamentos escassos. Portanto, revelar a prática empírica de
aplicação de uma importante ferramenta de intervenção urbana e, dessa forma,
contribuir com o planejamento e a gestão das cidades, de modo que se voltem cada vez
mais para o “coletivo e sejam, em contrapartida, menos sujeitos a interesses
“individualistas”.
Nesse contexto, a pesquisa persegue alguns objetivos. O objetivo geral é
revelar a prática empírica de alterações de uso de imóveis, para concluir se esta se dá
2
Fiscalização urbanística nas Administrações Regionais do Núcleo Bandeirante e Guará, Assessoria
Técnica na Gerência de Normas e Procedimentos Regionais da Secretaria de Coordenação das
Administrações Regionais – SUCAR e, atualmente, atua como Consultor Legislativo na área de
Desenvolvimento Urbano da Câmara Legislativa do Distrito Federal.
4
num contexto de apropriação individualista ou coletiva (social). Para tanto, discute se a
aplicação do instrumento está inserida em programas urbanos orientados pelo
planejamento e se há apropriação coletiva dos recursos gerados a partir da destinação de
usos mais rentáveis aos imóveis. Desse modo, pretende-se contribuir com as análises da
aplicação dos instrumentos jurídico-urbanísticos regulamentados pelo Estatuto da
Cidade, norma nacional de diretrizes para a potica urbana concebida para fortalecer
práticas de planejamento urbano que materializassem o prinpio constitucional da
função social da propriedade. Os objetivos específicos concentram-se em (1) revelar as
dinâmicas (condições institucionais, políticas ou econômicas) que possibilitam a
ocorrência de alterações de uso em Brasília, (2) revelar quais são os tipos de alterações
de uso, as motivações e interesses que fundamentam cada uma delas, os agentes
envolvidos, para, ao final propor uma tipificação.
Assim sendo, na primeira parte do presente trabalho – Referencial Teórico -
inicia-se uma discussão acerca do planejamento urbano – O papel do planejamento na
configuração das cidades -, desde o pré-urbanismo, passando pelas concepções
idealistas do início do século XX, até os dias atuais. Brasília faz parte de um momento
especial para o urbanismo, em que teorias concebidas sob o ponto de vista da
modernização saíram do plano da abstração e passaram a se concretizar espacialmente.
Veremos que o planejamento urbano centrado na figura do Estado e atrelado ao modelo
econômico vigente não foi capaz de evitar a segregação de parte da população, a
favelização e soluções precárias de moradia, o que resultou no surgimento de
movimentos sociais reivindicatórios. A discussão sobre a reforma urbana, os direitos de
propriedade, e a função social da cidade e da propriedade resultaram na aprovação do
capítulo de política urbana, na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade,
posteriormente, e na formação de uma nova concepção de planejamento, mais inclusivo
e menos elitista. Entretanto, veremos, ainda, que as novas tendências ecomicas
promoveram também uma modalidade de planejamento voltada para os interesses do
mercado e para promoção do marketing urbano e que as ferramentas urbanísticas
aprovadas também contaram com a aprovação de setores econômicos, que
vislumbraram nelas novas oportunidades.
Ainda na primeira parte – Do espaço determinista à produção social do
espaço urbano - discutiremos as teorias sobre a formação espacial, a partir, sobretudo,
da proposta de Mark Gottdiener. O crescimento urbano e a mudança na configuração
das cidades foram interpretados ao longo do tempo, segundo a lente de várias teorias. A
5
primeira delas procurava associar a forma urbana, a configuração dos núcleos urbanos
com femenos biológicos e tecnológicos, de maneira que a configuração que os
núcleos urbanos assumiam seria fruto da acomodação social. Para além de uma
interpretação determinista, ou superando a explicação segundo a qual a formação dos
espaços seria o reflexo de interesses meramente capitalistas, os processos de construção
e reconstrução espaciais passam a ser tratados mediante o estudo de condições
estruturais e da ação dos agentes sociais, teoria que utilizaremos para as análises que se
seguirão.
Em seguida, discutiremos a teoria da renda fundiária, os processos de
formão do pro do solo, para compreendermos como o esforço coletivo agrega valor
à propriedade urbana. Sobretudo, como condições diferenciais de localização possuem o
escopo de favorecer propriedades individuais e, ainda, como os instrumentos
urbanísticos são importantes para liberar valorizações às propriedades, provocadas por
condições alheias a seu esforço pessoal. Essa discussão mostra-se essencial para que se
possa reforçar as bases em que devem ser superadas as concepções individualistas da
propriedade em favor de uma concepção voltada para a função social da propriedade,
que discutiremos no últimopico dessa primeira parte.
Na segunda parte, serão explicitados, com mais detalhes, os passos
metodológicos da proposta de investigação e análise. Sobretudo, será detalhado de que
forma se pretende chegar ao resultado da pesquisa, ou seja, concluir se os processos de
alteração de uso no Distrito Federal se dão sob a ótica da apropriação individual ou
coletiva. Para tanto, serão elencados dois indicadores: a apropriação coletiva de parte
dos valores gerados no processo e a inserção em programas urbanos com viés coletivo.
São duas condições importantes para que a prática de aplicação do instrumento seja
considerada de interesse coletivo, como expressado pelo Estatuto da Cidade
3
.
Na terceira parte, o trabalho se dedica ao relatório de pesquisa, a partir da
discussão de condições estruturais de formaçãocio-espacial do Distrito Federal, as
limitações impostas aos espaços, a rigidez quanto aos usos e o tombamento da cidade
como patrimônio cultural. Num primeiro momento, aborda as condições históricas de
concepção de Brasília e, na seqüência, procura analisar de que forma as características
morfológicas do território do Distrito Federal contribuíram para a seletividade do Plano
Piloto e a alta valorização das áreas próximas.
3
Lei n. 10.257/2001, arts. 29 a 31 c/c art. 26. Ver Box 2, p. 119.
6
Em seguida, são discutidas algumas aplicações práticas do instrumento, onde
serão enfatizados os trabalhos relativos à recuperação de centros urbanos, por meio da
atribuão de novas apropriações de espos deteriorados e subutilizados, e as
potencialidades do instrumento para geração de mais valias a serem aplicadas no
desenvolvimento urbano.
O próximo passo será explicitar e sistematizar os dados que servirão de base
para as análises que se seguirão. Os dados em questãoo originados de duas fontes
distintas: pesquisa de instrumentos legais que alteraram o uso de imóveis no DF entre os
anos de 1997-2008 e descrição de alterações de uso que, por seu caráter informal em
grande parte, somente foram identificadas a partir de visitas de campo, informações
colhidas em periódicos e junto a servidores dos órgãos do governo local.
Logo após, na quarta parte, o trabalho se dedica às análises dos dados
coletados e à discussão do papel desempenhado pelos atores sociais envolvidos com a
prática. A partir dessas discussões, propõe-se uma definição das alterações de uso,
segundo os interesses e atores envolvidos, a partir da qual é possível tipificar as
alterações de uso discutidas e estabelece as características e propriedades das mesmas
para, finalmente, expor os resultados do trabalho.
No último tópico, serão apresentadas as conclues do presente trabalho,
visando a trazer respostas para a pergunta de pesquisa, bem como serão explicitadas as
limitações encontradas e algumas recomendações que emergem desse esforço de análise
e interpretação.
7
PARTE I – REFERENCIAL TEÓRICO
1 O papel do planejamento na configuração das cidades
Neste tópico será realizado um breve relato das influências de teorias e
práticas de planejamento na configuração das cidades. A abordagem se inicia pela
chamada fase “pré-urbanista” (século XIX), contemporânea aos problemas provocados
nas cidades pelo desenvolvimento industrialista, para, em seguida, concentrar as
atenções no planejamento praticado no pós-guerra, período em que a vinculação com o
Estado teria importância fundamental na produção e configuração das cidades.
Torna-se necessário perpassar, mesmo que de forma sintética, as teorias e
práticas de planejamento urbano para que possamos discutir as atuais tendências de
planejamento, frutos da ctica ao planejamento praticado pelo Estado sob forte
influência modernista: o planejamento de cunho “mercadológico”, denominado
estratégico; e o chamado “planejamento politizado”, vinculado aos movimentos sociais
reivindicatórios.
Esse último foi definido a partir da inserção de um capítulo específico de
potica urbano na Constituição Federal e, posteriormente, pela aprovação do Estatuto
da Cidade, o qual disciplina parcialmente as condições para que a propriedade urbana
cumpra uma função social, de forma a romper com o direito de propriedade
individualista, predominante até então.
1.1 Das tentativas de enfrentamento dos problemas urbanos
Em seu ensaio sobre o urbanismo, Françoise Choay (2007) sintetiza as
propostas de planejamento que, desde o século XIX, procuraram dar resposta aos
problemas advindos da Revolão Industrial nas cidades. A planificação esteve, desde
sua origem, associada a tentativas de organização dos espaços urbanos que passavam
pela definição de modelos idealistas e que procuravam submeter a realidade social,
cultural e histórica.
Em meados do século XIX e início do século XX se situam os estudos mais
ousados, voltados à solução dos problemas encontrados nas cidades. A partir do século
XIX, peodo denominado “pré-urbanista, surgem as primeiras propostas com o
objetivo de dar resposta a problemas originados pelo elevado crescimento populacional
8
proporcionado pela industrialização em países como Grã-Bretanha, França e Alemanha.
A explosão demográfica resultou na transformação das velhas cidades medievais e
barrocas, dos meios de produção e transporte e no surgimento de novas funções urbanas
e, em conseqüência, novas estruturas sociais que obrigaram as cidades a se adaptarem.
As péssimas condições de higiene, as quais se submetiam os trabalhadores industriais,
as condições precárias de habitão e as distâncias entre moradia e local de trabalho são
denunciadas por diversos estudiosos. Dois modelos, em especial, procuraram dar
respostas à “desordem urbana”, ambos de base utópica
4
(CHOAY, 2007, pp. 5-10).
O modelo progressista passa a preconizar a idéia de que ciência e técnica
dêem soluções para os problemas oriundos da relação entre o homem e o espaço e entre
os homens em si, numa visão orientada para o progresso, para o futuro e sob a premissa
de que o homem possui “necessidades, gostos e inclinações inatos”. Essa constatação
(características inatas) vai permitir a concepção racional de uma “ordem-tipo”, capaz de
ser aplicada a qualquer homem e em qualquer lugar e tempo. A higiene, por exemplo,
seria uma dessas características inatas. Por isso o modelo defendia a criação de amplos
espaços abertos, marcados pelo verde e por vazios, que favoreceriam o ar e a luz. As
funções humanas (a moradia, o lazer, o trabalho, etc.)o separadas em espaços
específicos, de maneira a impressionar e satisfazer a visão (estética) e surgem propostas
de modelos - os modelos de habitação coletiva, os modelos de oficinas-tipo, etc. Ao
preconizar uma visão voltada para o progresso, para o futuro, rompe com todas as
“heranças artísticas do passado” e propõe novas formas, tidas como simples e racionais,
em substituição ao ornamento das formas tradicionais.
Enquanto conjunto, o modelo progressista representa um padrão esparso de
ocupação, onde predomina o verde e os vazios, o que rompe com padrões de densidade
- observada nos centros das cidades industriais e nas cidades tradicionais do ocidente –
que favorecem uma atmosfera urbana. Em suma, rompe-se com o conceito anterior de
cidade.
O segundo modelo, o culturalista, tem como focoo mais o homem no
sentido individual, mas o agrupamento humano. Nesse modelo, ao contrário do anterior,
o indivíduo é considerado em suas particularidades, em sua originalidade, tendo como
referência a cultura e não mais o progresso. Resulta que os espos são planejados de
forma menos determinadas (preconizam a irregularidade e negam o padrão) e mais
4
Idéias transcendentes e projeções de desejos que procuram transformar a realidade histórico-social (K.
MANNHEIM, Idéologie et utopie, in CHOAY, 2007, p. 7).
9
espontâneas, em espaços circunscritos, com limites sicos estritos que, como nas
cidades medievais, favoreciam uma maior urbanidade. “Enquanto fenômeno cultural,
ela deve formar um contraste sem ambigüidade com a natureza, cujo estado mais
selvagem tenta-se conservar”. Resulta que as populações fariam parte de núcleos
compactos, dispersos e separados pela natureza (CHOAY, 2007, p. 13).
O ponto comum, entre os modelos, é que ambos vislumbram a solução dos
problemas existentes na cidade industrial por meio de modelos, de concepções que
negam a cidade enquanto processo e a concebem de forma atemporal, utópica.
No início do século XX, novos fatores provocam a superação da fase pré-
urbanista: o primeiro deles refere-se ao fato de que a concepção das melhores formas de
organização dos núcleos urbanos passa a ser obra de um profissional, o urbanista, e não
mais de generalistas (médicos sanitaristas, economistas, poticos, etc.). Em segundo
lugar, o “pré-urbanismo” esteve sempre ligado a certas opções poticas, ao contrário do
urbanismo”, marcadamente despolitizado, fato devido principalmente à “evolução da
sociedade industrial nos países capitalistas”, que rompeu com as “idéias e propostas do
pensamento socialista do século XIX”. Por derradeiro, de simples projetos upicos,
projeções de cidade ideal, os urbanistas passam a materializar suas idéias, a torná-las
realidade, mantendo, entretanto, um forte caráter utópico. Resulta que o urbanismo do
século XX se reencontra com os dois modelos do século XIX, de forma “modernizada”
(CHOAY, 2007, p. 18).
O urbanismo progressista ganharia corpo após o fim da guerra de 1914, a
partir da vinculação com o racionalismo
5
e, sobretudo, a partir “do progresso técnico e
de certas pesquisas plásticas de vanguarda”, sobretudo o aço e o concreto, os quais
permitiram novas tipologias. A partir de 1928, os Congressos Internacionais de
Arquitetos Modernistas – CIAM tornam-se o principal divulgador do modelo
progressista.
Rapidamente os CIAM deixaram as preocupações com habitão para
dedicarem-se ao urbanismo a partir de 1930. Já em 1933, foi divulgada a chamada
“Carta de Atenas”
6
, documento que expressa as doutrinas do movimento. A iia
principal é a de modernidade, vista na indústria (padronização, protótipos, produção em
5
O racionalismo se baseia na dedicação a formas puras de constrão (sem ornamentação ou decoração
dos edifícios) e na exploração de técnicas industriais nas concepções urbanas (CHOAY, 2007, p. 19).
6
O nome se deve ao fato de que foi produzida a bordo de um navio no mar mediterrâneo, em direção à
Atenas, durante o 4º encontro.
10
série e mecanização) e na arte (na ocasião, o cubismo); o interesse principal
manifestava-se na técnica e na estética e não mais nas estruturas sociais e econômicas.
A beleza, a partir de movimentos artísticos como o cubismo
7
, passou a ser
vista como algo austero e racional e sua união com as concepções adotadas pela
indústria (protótipos: unidades de habitação, unidades de trabalho, unidades de cultura
do espírito e do corpo, etc.) resultam na formulação de um homem-tipo, que possui as
mesmas necessidades, as mesmas funções, sendo igual, portanto, em todas as culturas.
O mesmo plano de cidade é adotado em lugares com características as mais diversas
(cleos urbanos na França, no Japão, nos Estados Unidos, Brasil, etc.), sob o
argumento da eficácia e da estética. A estética passa a manifestar-se na importância
atribuída à saúde e à higiene, o que resulta na abolição da rua (tida como um “vestígio
de barbárie”), no isolamento de prédios (favorecer o sol e o verde) e na
desdensificação” provocada pelas construções ligadas umas às outras, passando a ser
projetadas em altura. O verde tem papel fundamental, pelo contato estimulado entre a
cidade (cidade-parque ou cidade-jardim) e o campo.
A eficácia manifesta-se na ordem rigorosa dos espaços, onde cada parte
possui uma função específica (separação entre zonas de trabalho, de moradia, de locais
de lazer, de centros cívicos, etc. e cada uma delas subclassificadas em novas zonas) e a
circulação submete-se ao automóvel, em detrimento da rua, abolida por razões de
higiene. O modernismo passa, portanto, a rejeitar quaisquer ligações com concepções
passadas, o que resulta na remodelagem de velhas cidades, mantendo-se apenas
construções tidas como símbolos ou valores museogicos, a partir de valores como a
“mecanização, padronização, rigor, geometrismo”, cuja adesão do público é
possibilitada por “uma visão de futuro”. Contraditoriamente, cidades projetadas pelos
modernistas para abrigar milhões de habitantes desfavorecem “um clima de
urbanidade”, devido às propostas de construção de prédios isolados no verde, de
cidades verticais”, arranha-céus, e a negação da rua enquanto espaço de convívio
(CHOAY, 2007, pp. 22-25).
7
O Cubismo – 1907-1917 - é um movimento artístico originário da obra de Cézanne, para quem a
pintura deveria tratar as formas da natureza como se fossem cones, esferas e cilindros. Os cubistas
retratavam todas as partes de um objeto num mesmo plano, como se estivesse aberto e apresentasse todos
os seus lados no plano frontal em relação ao espectador, sem compromisso com a aparência real das
coisas. O pintor tenta representar os objetos em três dimensões, numa superfície plana, sob formas
geométricas, com o predomínio de linhas retas (fonte: portal hisria da arte: www.historiadaarte.com.br
.
Acesso em 16/09/2008).
11
O zoneamento foi considerado um dos mais importantes instrumentos de
planejamento urbano nos Estados Unidos, como nos ensina Marcelo Lopes de Sousa
(1996, pp. 252-253), para quem a maior parte do planejamento naquele país foi
puramente a aplicação desse instrumento. Após uma “pré-história” (final do século XIX
– ordenação de São Francisco de 1867, que proibiu usos em certas partes da cidade) o
zoneamento conhece seu apogeu na Europa e nos Estados Unidos, onde foi utilizado
largamente para, ao excluir usos, excluir também grupos sociais
8
.
Na quarta edição do CIAM, o instrumento encontra seu ápice, ao ser adotado
pelo urbanismo modernista. A separação de funções – trabalhar, morar, circular e
recrear – deveria, na visão dos modernistas, ser imposta por razões de higiene
(insalubridade nos ambientes urbanos), o que já vinha acontecendo nos EUA e na
Europa. A separação higienista de usos atendia ao pressuposto de cidades como
organismos doentes” que, portanto, necessitavam de revitalização.
Essa inspiração euroia (especialmente a francesa) marcou o nascimento do
planejamento urbano no Brasil, preocupado inicialmente com o embelezamento e com a
infra-estrutura urbana (circulação e saneamento, em especial). O Plano Pereira Passos
9
(1903) para a cidade do Rio de Janeiro é o exemplopico dessa prática. A partir dos
anos 30 (ascensão da burguesia urbana) a ciência e a técnica passaram a substituir os
conceitos de embelezamento e melhoramento (MARICATO, 2007, p. 137-138).
A “nova versão do modelo culturalista”, por sua vez, assemelha-se ainda
mais ao modelo “pré-urbanista”, onde o todo (o aglomerado urbano) prevalece sobre as
partes (o indivíduo). Opõe-se ao modelo progressista na medida em que defende limites
precisos para a cidade, que passaria a ser delimitada por um “cinturão verde”, destinado
a impedir a conurbação. Atingidos os limites fixados, funda-se outra garden-city, a uma
distância que mantenha as características do modelo. O horror por parte de seu
idealizador (Ebenezer Howard) com relação à cidade industrial resulta por demonstrar
sua fragilidade diante da necessidade de desenvolvimento econômico manifestada pelo
8
Para uma análise mais aprofundada da utilização do zoneamento enquanto instrumento de segregação,
ver SOUSA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade: uma introdução crítica ao Planejamento e à Gestão
Urbanos. RJ: Bertrand Brasil, 2006.
9
O Prefeito Pereira Passos daria resposta aos problemas no centro do Rio (cortiços, epidemias de febre
amarela, abastecimento e escoamento de água e segurança) com uma grande reforma urbanística que,
“botou abaixo” casarões e prédios ocupados por uma população pobre, que deram lugar a amplas
avenidas e boulevares. O plano, por um lado, melhorou as condições de ventilação, iluminação e espaços
de uso coletivo (melhorias urbanísticas e sanitárias) e valorizou sobremaneira o solo; por outro, provocou
elevados custos sociais ao expulsar a população para favelas localizadas nos morros. Fonte:
http://www.rio.rj.gov.br/ipp/
, acesso em 08/11/2008.
12
modelo industrialista. Outra distinção refere-se ao fato de que, para os culturalistas,
cada cidade deve se organizar de modo particular (individualidade), embora deva reagir
contra o “isolacionismo”, sobretudo a partir do destaque na rua enquanto órgão
fundamental de encontro - ao contrário do modelo progressista, para quem os edifícios
eram o foco principal (CHOAY, 2007, pp. 26-28).
Na prática, houve uma forte manifestação do modelo progressista (em
número superior ao culturalista), sobretudo no movimento de modernização das
cidades, enquanto que o culturalista manifestou-se mais fortemente nas cidades inglesas.
O modelo progressista se firmou diante de regimes econômicos e políticos diversos,
adquiriu variações em virtude de particularidades locais (na Rússia stalinista, na
Alemanha Nazista e ainda nos Estados Unidos, p. ex.). Brasília representou a
manifestação do modelo progressista, com variações promovidas por Lucio Costa,
como a ocorrência de cinturões verdes e limitação de população, características típicas
do modelo culturalista, além da projeção de largas avenidas e espaços institucionais,
cujas características remontam ao “planejamento monumental do século XVIII”
(CHOAY, 2007, pp. 33-34).
1.1.1 Da crítica ao urbanismo progressista
A partir do desequilíbrio das cidades industriais e da fragilidade dos modelos
utópicos e apriorísticos desenvolvidos pelos pré-urbanistas, Patrick Geddes defendia a
necessidade de integrar a comunidade, o “homem real” na planificação urbana e não
somente o urbanista. Para ele, um projeto de cidade só deixará de ser abstrato se
considerar cada um dos setores da realidade, já que a crião de novos aglomerados ou a
remodelagem dos existentes pressupõe o conhecimento prévio de cada uma dessas
realidades (CHOAY, 2007, p. 39).
O pensamento de Geddes foi desenvolvido por Lewis Mumford, para quem o
urbanismo progressista rompia com as tradições culturais, submetia o homem à
maquina (planos concebidos para um uso potencial do automóvel), à rigidez dos
padrões, etc., o que tornava o modelo “mutilador” e “alienante”. Essas abordagens
situam o planejamento urbano num novo patamar, a partir do desenvolvimento de uma
gama de estudos sociológicos sobre a cidade e tentativa de ruptura com modelos
apriorísticos (CHOAY, 2007, pp. 40-42).
Já para a corrente denominada “higiene mental” a morfologia espacial
ressoaria nos comportamentos humanos. A homogeneidade e a estandartização geradas
13
pelo sistema de zoneamento, por exemplo, refletiriam nos comportamentos na forma de
monotonia, tédio e a em problemas psíquicos. Do mesmo modo, a existência de
espaços vazios, de amplos espaços verdes inativos seria uma fonte de angústia, o que
não ocorreria se esses espaços fossem dotados de atividade e localizados em pontos
onde pudessem favorecer a integração e o lazer.
Resulta que esses estudos fortaleceram a concepção de que o habitante não
deve ser colocado diante de decisões tomadas, devendo participar da planificação de
seus espaços, considerando que o meio construído poderia agir sobre o psiquismo
humano com um poder de agressão ou, pelo contrário, de integração...”. A associação
entre planejamento e participação social teve repercussão nos Estados Unidos
(remodelamento de cidades), sobretudo a partir das críticas formuladas posteriormente
por Jane Jacobs.
A crítica de Jane Jacobs (2007) voltou-se para os efeitos das renovações
urbanas modernizadoras das cidades. Para ela, instrumentos como o zoneamento resulta
na morte de bairros, que somente possuem vitalidade em horários determinados. A
pluralidade de usos, segundo a autora, restabelece a vitalidade, a vida urbana,
conferindo o consumo dos espaços em períodos distintos.
Françoise Choay (2007, p. 51), por sua vez, considera a idéia do urbanismo
científico, concebida pelos modernistas, um mito, já que por trás de toda proposta de
urbanismo encontram-se valores (no progresso, aversão às máquinas, ligação com o
passado, etc.), que se materializam em modelos e substituem a cidade real por uma idéia
de cidade ideal. A ciência (pesquisas demográficas e ecomicas) resultaria num
limitador do imaginário do planificador, não eliminando decisões arbitrárias, baseadas
em concepções ideológicas.
Entretanto, Choay (2007, p. 54) admite que hoje “a complexidade dos
mecanismos ecomicos, tecnológicos e administrativos exige que o cidadão delegue
seus poderes a um corpo de especialistas – ao urbanista, no que diz respeito ao
planejamento urbano”. Entretanto, a participação social, em contrapartida ao
tecnocratismo, é uma das apostas de uma nova tendência de planejamento urbano, de
cunho social.
A vinculação histórica entre Estado e setores econômicos não deixa dúvida
sobre a forte influência que os segundos exercem sobre os primeiros. Por melhores que
sejam as intenções e os modelos, os técnicos são, em muitos casos, apenas executores
de decisões tomadas, por essa razão a crítica social tem ganhado destaque.
14
1.1.2 Da crítica ao planejamento urbano
O apogeu do planejamento regulatório se deu entre o fim da Segunda Guerra
e os anos 70, entretanto suas bases seriam constrdas a partir da definição do
urbanismo como profissão na década de 40 e do fortalecimento de ideais modernistas ao
urbanismo. Embora tenha nascido primeiro (anos 20), o ideário do urbanismo
modernista é considerado a expressão maior do planejamento regulatório (SOUZA,
2006, pp. 124-125; MARICATO, 2007, p. 126).
Ao longo do período fordista
10
, as cidades dos países centrais capitalistas
passaram a distribuir mais oportunidades. O direito à moradia, reivindicado pelos
movimentos sociais foi perseguido pelas políticas públicas (meados dos anos 40), que
promoveram uma reforma urbana, embasada em alguns eixos, como a reforma fundiária
(a propriedade e as rendas fundiárias passaram a ser fortemente reguladas pelo Estado),
a extensão da infra-estrutura para produção de moradia em massa e o financiamento
subsidiado pelo Estado (MARICATO, 2007, p. 128):
Nos países periféricos, o regime de acumulação fordista manifestou-se de
forma incompleta, a partir de uma articulação diferenciada entre as questões econômicas
(produção) e de bem-estar social (reprodução). O rompimento com esse modelo, tornou-
se mais drástico ainda nesses países, a partir da separação com a lógica de crescimento
econômico pautada na incorporação crescente de força de trabalho e aumento do bem-
estar social (MONTE-MOR; COSTA, 2006, p. 30).
O planejamento acompanhou a evolução e as transformações do capitalismo,
firmando-se no pós-guerra como uma das instâncias a garantir as condições gerais de
produção, por meio da manutenção e desenvolvimento da eficiência econômica, de
investimentos em infra-estrutura e regulão das atividades privadas, da produção de
espaços adequados à reprodução ou, ainda, por meio de distritos industriais, bairros
operários, etc.
10
O fordismo é a expressão do chamado regime de acumulação (princípios de organização do trabalho,
das técnicas que constituem o modelo industrialização) intensiva., cujas características são:
estandardização da produção industrial, produção e consumo de massa, universalização do trabalho
assalariado e intervenção do Estado com vistas a regular a demanda. No plano político traduziu-se no
estado de bem-estar, na criação e manutenção de condições necessárias à acumulação por parte do Estado
(infra-estrutura, p.ex.); no urbanismo, na concentração espacial de atividades e no planejamento estatal
(cf. Cidade, 1999).
15
Brasília nasce como fruto desse período, onde ocorre a expansão de
atividades industriais para países periféricos e a necessidade de ampliar o território para
permitir novos investimentos e retirar do atraso a região centro-oeste.
Entretanto, da crise posterior sofrida pelo sistema capitalista resultou a crise
do planejamento, duplamente questionado, tanto pelos movimentos sociais quanto pelos
liberais. O antigo paradigma, marcado pela ideologia do Estado acima dos interesses
particulares e voltado para o bem comum se desmorona juntamente com a possibilidade
de fundar um estado de bem-estar (MONT-MOR; COSTA, 2006, p. 32).
O planejamento urbano regulatório resultou, portanto, de duas fontes: do
modernismo, ganhou a matriz positivista, “a crença no progresso linear, no discurso
universal, no enfoque holístico. Da influência keynesiana e fordista, o planejamento
incorporou o Estado como figura central para assegurar o equilíbrio ecomico e social,
e um mercado de massas”. O Estado, como portador da racionalidade, conduziria o
planejamento para que fossem evitadas as disfunções do mercado - desemprego,
exclusão, etc. (MARICATO, 2007, p. 126).
A partir da década de 70 inicia-se, então, um período de transformação
econômica a nível global que resulta no declínio da prosperidade ecomica, ocorrida a
partir dos-guerra. O colapso do planejamento urbano estatal teve como ponto central
uma forte estrutura internacional de poder, marcada por gigantescas corporações
econômicas (algumas maiores que a economia de muitos países periféricos) que
concentram a maior parte dos seus investimentos nas nações mais poderosas do mundo
– em especial a tríade formada por Estados Unidos, Jao e Alemanha. Para os
chamados neoliberais, a desregulamentação asseguraria liberdade às forças de mercado,
o que provocaria um maior equilíbrio da economia. Decorre dessa idéia o afastamento
do “intervencionismo, da burocratização, da ineficácia, do autoritarismo...” estatal
(MARICATO, 2007, p. 129).
O novo modelo – acumulação flexível – é marcado por uma crescente
internacionalização da economia, por inovações tecnológicas que refletem nos
processos produtivos e nas relações de trabalho, além do fortalecimento de corporações
internacionais e o enfraquecimento de cidades, estados e regiões frente à competição
global capitalista. Os serviços e tecnologias ligadas à circulação e à informação são para
Castells (in. MONT-MOR; COSTA, 2006, pp. 30-31) os elementos identificadores de
uma mudança no modo de produção capitalista (de modo “desenvolvimento industrial”
16
para modo de “desenvolvimento informacional”), marcado por uma incorporação de
conhecimento e informação em todos os processos de produção.
Surgem, como alternativas diante da nova conjuntura econômica e política,
duas novas propostas de planejamento.
A primeira, a partir de interesses do setor econômico, protagonizados na
forma do planejamento estratégico. A agenda, nesse caso, é definida pelos interesses
empresariais, mesmo que disfarçado sob o discurso de que “o favorecimento de
interesses empresariais, gerando crescimento econômico e melhorando a posição de
uma dada cidade em meio à competição interurbana, traz benefícios coletivos como a
geração de empregos e a maior circulação de riquezas”. A ênfase passa a ser o
embelezamento, a restauração, a revitalização, todas caras ao capital imobiliário
(SOUZA, 2006, pp. 137-138). Para Otília Arantes (2007, pp. 23-25), a fórmula para
conferir efetividade a esse intento veio dos Estados Unidos, por meio de propostas de
revitalização urbana” e “parcerias entre setor público e iniciativa privada”
11
. As
intervenções combinaram pesados investimentos públicos e privados para a promoção
de uma forte urbanização comercial, com o objetivo de produzir “locais de sucesso”, ou
cidades como “máquinas de fazer riqueza”.
Por outro lado, oriundo dos movimentos sociais reivindicatórios, nasce um
planejamento marcado pela horizontalidade entre técnicos e público, pelo rompimento
com formas de planejamento autoritárias e tecnicistas (ênfase no saber técnico, nos
instrumentos e distanciamento social) e pela definição de instrumentos urbanísticos e
prinpios jurídicos que consolidam um planejamento mais voltado a políticas
redistributivas e menos elitistas (MONT-MOR; COSTA, 2006, pp. 32-33).
1.2 Das novas expressões de planejamento e gestão urbanos
1.2.1 O Planejamento estratégico
O planejamento Estratégico é um modelo de planejamento urbano que
procura tomar o espaço deixado pelo tradicional planejamento tecnocrático, regulatório,
centralizado na figura do Estado. Para seus idealizadores, a cidade enfrenta desafios
11
Ainda na década de 60, projetos de requalificação urbana foram empregados em Baltimore,
considerados um grande sucesso, porém sem reflexos sobre a redução da pobreza e da segregação.
17
similares aos de grandes corporações, por essa razão deve ser encarada como empresa e
gerida segundo estratégias empresariais (VAINER, 2007, p. 75-76).
Para Castells (in VAINER, 2007, p. 76), a complexidade das relações
econômicas internacionais (globalização) exige que as cidades passem a adotar
“metodologia coerente e adaptativa”. A “cidade negócio” está ancorada na “mercadoria
cidade” e, do mesmo modo, no solo, o que explicita a contradição entre o valor de uso,
ou o que os lugares representam para os seus habitantes, e o valor de troca, o que os
lugares representam para aqueles interessados em extrair benefícios econômicos.
Embora as cidades modernas estivessem associadas à divisão social do trabalho e à
acumulação capitalista, o fato novo é que agora a própria cidade passa a ser considerada
uma mercadoria e, como tal, gerida e consumida. A forma da cidade passa a ser
conformada pelas diferentes configurações do conflito entre valor de uso e valor de
troca (ARANTES, 2007, p. 26).
Entretanto, a nova lógica de planejamento altera as prioridades: se antes o
planejamento se lançava a questões como crescimento desordenado, equipamentos de
consumo coletivo, movimentos sociais urbanos, racionalização do uso do solo, etc,
agora a problemática principal é a competição entre cidades para atrais investimentos
internacionais (VAINER, 2007, p. 76-79).
A cidade torna-se uma mercadoria a ser vendida num mercado onde há a
concorrência brutal de outras cidades que, do mesmo, modo procuram criar vantagens
diferenciais para o capital. Nesse sentido, o marketing urbano é uma ferramenta
indispensável ao planejamento e à gestão das cidades, na divulgação das vantagens
comparativas e também na ocultação das desvantagens. Entretanto, essa venda reduz-se
aos atributos valorizados pelo capital transnacional, como “parques industriais, espaços
para convenções e feiras, assessoramento a investidores e empresários, torres de
comunicação e comércio, segurança, etc.” (VAINER, 2007, pp. 78-79).
Há uma convergência entre governantes, burocratas e urbanistas em torno da
idéia de que as cidades, para se tornarem competitivas na “Idade da Informão”,
devem ter um “Plano Estratégico”, capaz de torná-las competitivas diante dos desafios
impostos pela globalização. Qualquer oportunidade de renovação urbana que signifique
vantagem comparativa em relação às demais cidades é bem-vinda.
O planejamento fundado no urbanismo modernista concebia a cidade como
protótipo de uma empresa privada, entretanto a ênfase era na empresa taylorista:
racionalidade, funcionalidade, regularidade, produtos estandardizados, como numa linha
18
de produção industrial. Para o planejamento estratégico, no entanto, a inspiração
empresarial é centralizada na gestão e nos negócios e não mais nas unidades de
produção. Administrar as cidades como empresa significa pensar como agente
econômico, que encontra no mercado “a regra e o modelo do planejamento e execução
de suas ações” (VAINER, 2007, pp. 85-86). Quando se fala em “fazer cidades” usa-se
cada vez menos expressões como “racionalidade”, “funcionalidade” e “zoneamento” e
cada vez mais expressões como “requalificação”. A máquina de
morar/trabalhar/circular, etc. moderna não mais se prestava a atender as necessidades da
nova fase de reestruturação capitalista e, portanto é substitda pela máquina de
produzir renda (ARANTES, 2007, P. 52).
Para assegurar que a gestão da cidade-empresa seja eficiente ela deve ser
gerida por aqueles que possuem conhecimento empresarial, de forma que alcance os
resultados econômicos desejados (produtividade e competitividade). A parceria público-
privada e a constituição de agências públicas com participação privada inserem-se no
contexto para assegurar a gestão dos planos e execução das poticas por parte dos
setores econômicos, sem intermediários, o que significa o afastamento das instâncias de
participação e a “transferência de recursos - financeiros, fundiários e políticos – para
grupos privados”. A cidade já não é pensada em termos políticos (polis) e democráticos
e sim em termos de gestão e resultados econômicos (VAINER, 2007, pp. 87-90).
A orientação dos investimentos públicos, nessa ótica, move-se pela
valorização das propriedades fundiárias ou imobiliárias, sobretudo na realização de
obras viárias, que potencialmente geram valorizações e criam as condições favoráveis
aos investimentos. São, portanto, obras mais imobiliárias que propriamente dito viárias,
conforme ressalta Cândido Malta Campos Filho (apud MARICATO, 2007, p. 58),
que o traçado, muitas vezes, não se prende à eficiência do sistema de transporte e sim a
abrir novas possibilidades ao capital imobiliário.
Entretanto, é possível pensar em um planejamento estratégico que possa ser
ao mesmo tempo persuasivo e atraente para o capital e que não omita as mazelas e os
conflitos sociais presentes nas cidades?
Para Marcelo Lopes de Sousa (2006, p. 304), sob o ponto de vista
empresarial, a não ocultação dos problemas sociais das cidades pode causar melhor
impressão que tentar escondê-los de forma dissimulada. O marketing urbano, desse
modo, se concentraria nos esforços das cidades em reduzir seus problemas (favelas,
trânsito, violência, etc.) e ressaltaria “os resultados alcançados na busca de um
19
desenvolvimento sócio-espacial autêntico”. Alcançado um maior patamar de
desenvolvimento social, certamente a cidade tornar-se-á mais atrativa a turistas e
investidores, sem que fosse necessário ser excessivamente generosa (subsidiar a
presença de investidores com impostos e terrenos, p.ex.) com o capital ou vender uma
imagem que de fato não possui.
1.2.2 Do ideário da reforma urbana ao planejamento politizado
O ideário da reforma urbana significou a apropriação do planejamento e da
gestão pelo pensamento crítico. Fala-se da reforma urbana enquanto movimento social
reivindicatório, que remonta a década de 60, fruto do acirramento dos problemas e
conflitos urbanos a partir da urbanização do Brasil, que passou a abrigar dois terços da
população em cidades na década de 80 (na década de 50 eram apenas um terço). A
expressão foi largamente utilizada até a década de 80 para caracterizar intervenções
sanitárias de ordem estatal, como a Reforma Pereira Passos e a remoção de favelas. A
apropriação social da expressão “reforma urbana” teve como referência um Projeto de
Lei de Reforma Urbana elaborado no Governo João Goulart (1961-1964) e o encontro
de Arquitetos no Hotel Quitandinha (Petrópolis/RJ) em 1963 (SOUZA, 2006, pp. 155-
157).
As reivindicações populares, entretanto, viram-se enfraquecidas com o golpe
militar de 1964, especialmente após a decretação do AI-5, em 1968. A iminência de
aprovação de uma nova Constituição fez recrudescer os movimentos pró-reforma
urbana, inclusive a partir da incorporação de novas questões além da moradia,
tradicionalmente o foco principal da reforma. Nos anos 80, o Movimento Nacional pela
Reforma Urbana foi sendo reforçado por entidades de classe, movimentos sociais,
organização de bairros, etc. até conseguir reunir assinaturas necessárias à apresentação
de uma emenda popular à Constituição Federal, que foi recebida pelo Congresso e
minimamente incorporada ao texto: “foram suprimidas as proposições referentes aos
transportes coletivos e serviços públicos...”, restando o capítulo de política urbana,
materializado pelos artigos 182 e 183 da Carta Magna e a transferência do
preenchimento do conteúdo da função social da propriedade para os planos diretores
(SOUZA, 2006, pp. 157-161).
O MNRU manteve-se ativo na busca de uma agenda potica que
contemplasse a reforma urbana, entretanto centrou suas atenções em propostas
20
legislativas. Para Ermínia Maricato (2007, p. 143) foi um equívoco, considerando a
exclusão social urbana, marcado pelo fato de que grande parte da população está fora do
mercado, não se deve a auncia de leis ou de novos instrumentos urbanísticos de
controle imobiliário.
Uma versão “progressista” da reforma urbana tomou corpo, a partir da
incorporação de novos valores, como a redução da injustiça social e democratização do
planejamento e da gestão urbanos, além da coibição da especulação imobiliária. Desse
modo, o ideário da reforma urbana passou a diferenciar-se tanto das reformas urbanas
higienistas e segregatórias do início do século, quanto do planejamento regulatório e do
planejamento estratégico. Não se trata de intervenções preocupadas com a finalidade, a
estética, a ordem e sim com a justiça social, a partir de programas específicos voltados
para correção dos desequilíbrios de oportunidades nas cidades (SOUZA, 2006, p. 158).
O ideário da reforma urbana resultou, portanto, numa nova modalidade de
planos de ordenamento, diferentes daqueles elaborados no contexto do planejamento
regulatório (sob influência do urbanismo modernista). A defesa de um modelo ideal de
cidade, a busca de padrões tidos como os mais convenientes de organização dos espaços
físicos (foco “no que falta” e não “no que existe de fato”), investimentos públicos
(transportes, saneamento, equipamentos, etc.) e ênfase na legislação de uso e ocupação
do solo, sobretudo o zoneamento, marcaram profundamente esses planos, disseminados
a partir da década de 70. Trata-se de um modelo baseado na visão tecnocrática de
planejamento, portanto, sem incluir a dimensão do conflito social e da diversidade,
típicos das cidades. Em contrapartida, o planejamento politizado concebe a cidade como
produto de múltiplos agentes, coordenados em virtude de um pacto, que corresponda
aos interesses da sociedade como um todo. Para tanto, define estratégias e objetivos que
se desdobram em instrumentos concretos de intervenção e financiamento da cidade,
sobretudo novos planos diretores concebidos nessa ótica (CÂMARA DOS
DEPUTADOS, 2002, pp. 38-39).
Entretanto, não se sabe, ainda, o quão progressistas podem ser esses novos
planos diretores quanto à incorporação e materialização efetiva do ideário da reforma
urbana. A avaliação de José Roberto Bassul
12
acerca do processo legislativo de
aprovação do Estatuto da Cidade (votação unânime pela aprovação), cujas diretrizes
12
Para uma avaliação do processo legislativo e do jogo de forças políticas envolvidas na aprovão do
Estatuto da Cidade, consultar BASSUL, José Roberto. Estatuto da Cidade: quem ganhou? quem perdeu?
Brasília: Senado Federal, 2005.
21
embasam a elaboração dos novos planos diretores, demonstra que o documento não
agradou apenas aos movimentos sociais, mas, ainda, ao setor imobiliário que viu nele a
manutenção de interesses econômicos, sobretudo do capital incorporador.
Das abordagens voltadas ao enfrentamento dos problemas urbanos, resulta a
conclusão de que o planejamento pode servir a objetivos diversos, a depender da forma
como é praticado. Instrumentos urbanísticos como o zoneamento, que, durante muito
tempo foi identificado como uma arma utilizada pelo planejamento para materializar
interesses ecomicos e de classes, hoje, sob a ótica do planejamento politizado, é
utilizado para assegurar espaços na cidade para moradia de interesse social, o chamado
zoneamento inclusivo” (SOUZA, 2006, pp. 217-218).
Enfim, o planejamento fundado na participação social surge como proposta
de enfrentamento das desigualdades sócio-espaciais, da segregação e da informalidade
urbana. Se antes “zoneamento”, ordem, “racionalidade”, “harmonia” foram as
expressões de destaque, agora a “orientação social dos investimentos públicos”, o
combate à especulação imobiliária”, a justa distribuição de benefícios e ônus”, dentre
outras expressões, passam a ocupar posição central no debate de uma concepção de
planejamento surgido no seio dos movimentos sociais.
1.2.2.1 Do individualismo à função social
O princípio da função social da propriedade urbana, juntamente com as
funções sociais da cidade, são os norteadores de todo o conjunto de diretrizes e
instrumentos de política urbana concebidos pelo planejamento politizado. A partir do
princípio da função social, a concepção dos planos e a aplicação dos instrumentos de
intervenção urbana têm por objetivo assegurar que a propriedade atenda não somente
aos interesses do proprietário, mas, ainda, aos interesses sociais. As funções sociais da
cidade se desenvolvem de forma plena a partir da redução de desigualdades, promoção
de justiça social e melhoria da qualidade de vida, sobretudo a partir do direcionamento
dos recursos e riquezas produzidas na cidade para combater a exclusão social
(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002, p. 45).
Trata-se de um conceito que vem acompanhando as mudanças potico-
ecomicas que influenciaram o desenvolvimento de formas alternativas de
planejamento, após a superação do planejamento vinculado à forte intervenção do
Estado. Presente nas Cartas Constitucionais desde 1934, somente após o
22
recrudescimento dos movimentos sociais vinculados à reforma urbana, o princípio da
função social da propriedade urbana ganhou contornos mais concretos. De um conceito
de propriedade quase intocável (uso e disposição conforme o arbítrio do proprietário), o
direito de propriedade passou a se submeter a uma função social.
1.2.2.1.1 Direito de propriedade e função social da propriedade urbana
O direito de propriedade foi tradicionalmente concebido como uma relação
entre o possuidor e a coisa, de caráter natural, absoluto e imprescritível. A Constituição
Federal, entretanto, ao mesmo tempo em que reafirmou o direito à propriedade privada
relativizou seu significado por meio da obrigação de cumprimento de uma função
social, função essa que interfere com a própria estrutura do direito de propriedade
(SILVA, 2006, pp. 72-75).
Segundo Liana Portilho Mattos (2006, pp. 37-39), para que a propriedade
urbana cumpra sua função social, é necessário que os direitos individuais caminhem
junto com os coletivos, sem sobrepor-se a eles. O princípio da função social condiciona
a propriedade de forma estrutural, atingindo não somente o exercício quanto o próprio
donio. Como se trata de um princípio estabelecido por meio da Constituição Federal,
tem natureza de norma, natureza impositiva, superior e hegemônica em relação às
demais normas do ordenamento jurídico que tratam da propriedade.
Para Edésio Fernandes (1998, p. 3-14), o tema principal, que deve ser
enfrentado, é o de se discutir os direitos de propriedade urbana, especialmente no que
tange às possibilidades de intervenção por parte do Estado no domínio da propriedade
privada imobiliária, considerando que toda legislação urbanística tem por obrigação
legal materializar o princípio da função social da propriedade. A abordagem
individualista da propriedade
13
foi superada pela Constituição Federal de 1988, que
distribuiu competências urbanísticas para os municípios e definiu o prinpio da função
social da propriedade urbana como o fator fundamental para o estabelecimento dos
13
Para Edésio Fernandes, a abordagem individualista da propriedade, na forma do Código Civil de 1916
(revogado pela Lei n. 10.406, de 2002 - Novo Código Civil), está pautada numa visão de cidade
enquanto conjunto de propriedades individuais e algumas áreas públicas, em que as relações entre os
indivíduos são o foco do Direito e as limitações ao pleno exercício dos direitos de propriedade
imobiliária são definidos meramente pelas limitações administrativas, principalmente em virtude das
relações de vizinhança, o que caracterizava uma condução do processo de urbanização na ótica dos
interesses privados (FERNANDES, 1998, p. 3-14).
23
direitos de propriedade e para o norteamento das ações do Estado e da sociedade na
adoção de poticas voltadas ao desenvolvimento urbano.
Se a função social inviabiliza a utilização da propriedade para fins
exclusivamente individualistas
14
, decorre que a valorização gerada pela imposição de
novos regramentos urbanísticos deve ser partilhada com a coletividade, não se
admitindo que o proprietário use, goze e disponha da propriedade segundo interesses
meramente pessoais.
1.2.2.1.2 A Função Social da cidade
A Constituição Federal ampliou o conceito de função social para incorporá-
lo à própria cidade e não somente à propriedade. O Estatuto da Cidade (Lei n.
10.257/2001) disciplinou o conceito, voltado ao desenvolvimento social das cidades e à
redução das desigualdades, por meio da persecução de diretrizes, tais como: garantia do
direito a cidades sustentáveis, ou a compatibilização do desenvolvimento urbano com o
direito ao meio ambiente - direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à
infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para
as presentes e futuras gerações –; a ordenação do controle do uso do solo - de forma a
evitar a utilização inadequada dos imóveis urbanos e a proximidade de usos
incompatíveis, etc. -; promoção da justa distribuição entre benefícios e malefícios do
processo de urbanização, recuperação dos investimentos públicos que agreguem valor à
propriedade privada e a redução da especulação imobiliária, dentre outros (artigo 2º).
O planejamento urbano, nessa concepção, passa a perseguir objetivos
sociais, a buscar a redução das desigualdades sociais e a melhoria das condições de vida
urbana, a partir da construção de uma ética urbana, pautada em novos paradigmas de
planejamento e geso.
14
Retenção de terrenos a espera de valorização futura, manipulação especulativa de instrumentos
urbanísticos - uso e ocupação do solo - a fim de dinamizar o uso da propriedade ou apropriação unilateral
da valorização gerada por investimentos suportados por toda a coletividade.
24
2 Do espaço determinista à produção social do espaço urbano
As análises urbanas de cunho sociológico, geográfico e ecomico foram
influenciadas por teorias que procuraram explicar a forma espacial em processos de
crescimento urbano e as razões que motivavam tais transformações espaciais. Nesse
segundo tópico, faremos um breve estudo dessas teorias, a fim de embasarmos as
análises que se seguirão na parte final do trabalho.
Desde concepções baseadas no “caráter de inevitabilidade” do crescimento
urbano, associadas a mecanismos deterministas biológicos ou tecnológicos, passando
por tendências que vincularam o crescimento urbano e a forma espacial resultante a uma
conspiração do capitalismo, foram diversas as tentativas de entender esse importante
processo.
Da ecologia urbana, que entendia a forma da cidade a partir da competição
espacial e da acomodação social, fruto de processos inevitáveis de crescimento e forma,
o espaço urbano passou a ser visto pela economia potica como o “palco” em que as
relações sócio-ecomicas aconteciam. Desse modo, numa perspectiva que buscava não
somente entender o processo, como promover intervenções na realidade para mudá-la,
considerando que nas cidades se materializavam profundas desigualdades sócio-
espaciais.
Ao analisar os padrões de reestruturação do espaço e de desconcentração
urbana, Mark Gottdiener propõe um novo paradigma, que colhe contribuições das
análises anteriores ao mesmo tempo em que faz a sua crítica. Para ele, a formação do
espaço é um processo derivado não somente de condições ecomicas, mas ainda de
pressupostos políticos e ideológicos, portanto um processo social.
Trata-se de uma abordagem que contempla as análises anteriores, pom
procura integrar não somente aspectos econômicos, tendentes a homogeneizar os
espaços. Integra, ainda, fatores locais que promovem características pessoais aos
espaços, o que parece coadunar-se com a análise de fenômenos que ocorrem em uma
cidade como Brasília, marcada por características próprias.
2.1 A Ecologia Urbana
A escola denominada “Ecologia Urbana” procurava vincular a organização
social à disposição espacial. A forma do meio ambiente construído seria uma
25
“manifestaçãosica de processos de organização social” e a disposição dos
assentamentos urbanos sintetizaria a acomodação da organização social ao meio
ambiente físico (cidades como órgãos do organismo social). Essa analogia biológica,
desenvolvida a partir dos estudos da denominada Escola de Chicago
15
, passou a nutrir
estudos econômicos, geográficos e sociológicos sobre o espaço (GOTTDIENER, 1997,
pp.35-37).
A ecologia urbana girou em torno de duas fases, anterior e posterior à
Segunda Guerra Mundial.
Na fase pré-Segunda Guerra, os pensadores entendiam que a cidade crescia
em torno de um núcleo central, que concentraria todos os elementos de diferenciação de
funções metropolitanas. A descentralização e o conseqüente desenvolvimento das áreas
contíguas ocorreriam por um processo de desdobramento de zonas funcionais, que
passariam a circundar o núcleo central. O crescimento seria uma resposta à necessidade
de expansão e ao crescimento populacional, para fora e por meio da sucessão/invasão de
áreas periféricas. Esse crescimento demográfico, aliado à possibilidade de locomoção
proporcionada pela introdução do automóvel, levaria a uma maior competição
econômica e funcional, por conseguinte, competição por espaço. Como resultado, surge
uma organização social mais complexa com a conseqüente expansão da área da
metrópole.
O quadro final desse processo seria representado por um “centro industrial,
comercial, administrativo especializado” (funções de nível mais elevado), que seria
circundado por uma zona de transição, e, a seguir, por uma zona externa com funções
residenciais especializadas e centros locais de atividade ecomica (GOTTDIENER,
1997, pp. 236, 237).
Para a primeira Escola de Chicago, desse modo, o espaço era o resultado da
competição ecomica e da seleção funcional. Por meio de um processo biológico de
“invasão”, “competição”, “sucessão” e “acomodação”, as populações disputavam as
melhores localizações, a partir de uma divisão ecomica do trabalho. Essa teoria
passou, desse modo, a explicar as formas de localização de grupos étnicos diferentes ou
15
Corrente de pensamento sociológico desenvolvido na Universidade de Chicago/EUA, que promoveu
uma das primeiras contribuições aos estudos dos centros urbanos e do crescimento metropolitano ao
defenderem “um claro entendimento de que a pesquisa concreta da cidade revelaria a ação organizada de
princípios formais de comportamento humano”. Os padrões espaciais deveriam ser explicados pela
“natureza humana”. Seus principais teóricos foram Robert E. Park, Ernest W. Burgess, Roderick D
Mackenzie (primeira escola) e Amos Hawley (segunda).
26
de funções econômicas distintas, como se movimentavam na cidade e (re) produziam
seus espaços.
O centro da cidade, como resultado de sua posição geográfica, dominava a
competição desencadeada em torno dele. O aumento de população provocaria uma
divisão do trabalho mais especializada e uma nova competição, resultando em
descentralização (uma analogia para o ciclo “invasão-sucessão” da Biologia). As
funções perdedoras no centro dispersavam-se para a periferia e assim a cidade crescia
de dentro para fora, onde o centro concentraria os preços mais competitivos e estaria
circundado por anéis concêntricos (GOTTDIENER, 1997, pp. 40, 41).
Embora houvesse diferenciação funcional, as partes gozavam de integração e
ajuste. A atuação impessoal do mercado, segundo a teoria, classificaria os indivíduos
por localização, de acordo com suas preferências e também por sua capacidade de
pagarem pelas melhores localizações. Se as periferias das cidades crescem por
competição espacial seria justo pensar que o centro também cresceria, a partir da
incorporação de usos mais dinâmicos e intensos da terra, o que provocaria a
reestruturação dos espaços centrais das cidades. Desse modo, a produção dos espaços
aconteceria sem conflitos, de forma espontânea.
Uma importante crítica, entretanto, veio da própria Escola de Chicago, no
s-guerra. Novas propostas passaram a defender que a diferenciação sócio-espacial e a
mudança na forma urbana derivariam de dois fatores: do crescimento populacional e do
desenvolvimento de tecnologias de transporte e comunicação. O transporte e as
comunicações explicariam a desconcentração populacional, ao facilitarem a
comunicação e os deslocamentos (GOTTDIENER, 1997, p. 49).
A descentralização industrial, nesse contexto, estaria ligada a mudanças
tecnológicas que influenciariam a tal modo o processo de produção industrial que
facilitariam a localização de atividades para fora dos lugares centrais. Estes funcionam
como base ecomica e no entorno deles se aglomerariam as demais atividades urbanas.
Fundamentados no papel desempenhado pelo centro, surgiram modelos
econômicos que associavam as decisões por localização residencial e comercial ao custo
de transporte, em que os tomadores de decisão deveriam optar por preços mais elevados
da terra no centro da cidade ou custos elevados de transporte na periferia
(GOTTDIENER, 1997, pp. 52 e 59).
Vemos, desse modo, que a segunda fase da ecologia urbana deteve-se sobre
a argumentação de que a sociedade cresceu e se tornou complexa, assumindo uma
27
forma urbana peculiar, motivada por inovações tecnológicas – transporte e
comunicação. Essa tecnologia permitiu que a sociedade migrasse e se integrasse em
áreas espalhadas, distantes e cada vez maiores, porém coordenadas com seu núcleo
central. Desse modo, a desconcentração passou a acontecer por meio de ferrovias,
depois foi facilitada pelas rodovias, considerando que o automóvel permitiu que a
habitação se separasse dos locais de trabalho e de compras, o que levou a cidade a um
grande diferencial espacial em termos de funções ecomicas e culturais. Esse fato
provocou segregação sócio-espacial entre aqueles que permaneceram mais próximos ao
centro e aqueles que se deslocaram para os subúrbios (GOTTDIENER, 1997, pp. 238 e
239).
As conclues dos pesquisadores da “ecologia urbana”, portanto,
permaneciam vinculados a fatores deterministas, sem vinculação direta com fatores
estruturais, com a economia ou com a ação de agentes interessados na dinâmica urbana,
muito embora as explicações já passassem a incorporar fatores tecnológicos na análise
em superação à competição biológica por espaço.
A partir da segunda guerra, houve uma mudança no perfil social das famílias
que ocuparam o centro das cidades. Segundo a análise convencional, esse fato se deu
em virtude de características da demanda, ou seja, do “exercício da preferência”
exercido pelas famílias que resolveram migrar-se para os subúrbios. Portanto, essa tese
não discutia as preses sofridas por populações que se deslocaram espacialmente,
motivadas por políticas de governo, reestruturações espaciais promovidas pelo setor
produtivo, relocalização de empregos, valorizão imobiliária, etc. (GOTTDIENER,
1997, p. 240).
Tratar os padrões espaciais (dispersão) como produto das decisões dos
proprietários sobre localização ime a idéia de que as transformações cio-espaciais
experimentadas pelas cidades são naturais, ou seja, uma representação material de
preferências sociais.
A explicação para o esvaziamento de áreas centrais, segundo os ecologistas,
se centraria, do mesmo modo, na perda de atratividade e no surgimento de
deseconomias de aglomeração que as tornaram menos atrativas para consumidores e
produtores em comparação às áreas suburbanas em desenvolvimento.
Portanto, para ambas as fases da corrente de pensamento denominadas de
ecologia urbana, o modelo de crescimento experimentado (pautado por desigualdades
28
sócio-espaciais) seria inevitável e até natural, de maneira que intervenções corretivas
o seriam bem vindas.
Os estudos ecológicos pautaram-se na distribuição espacial, sobretudo na
descrição das diferenciações espaciais. Por outro lado, não explicavam como padrões
sócio-espaciais marcados pela desigualdade eram produzidos por forças sistêmicas na
sociedade, ou seja, a relação entre a produção de injustiças sociais e suas manifestações
espaciais (GOTTDIENER, 1997, p. 23).
Para os ecologistas, ainda, a cidade monocêntrica é sucedida pelo espaço
policêntrico em virtude de terem as cidades antigas se tornado ultrapassadas do ponto de
vista tecnológico, o que resultou na perda de importância para os investimentos. Desse
modo, uma forma espacial substitui a outra e se sucedem seguindo uma analogia com a
biologia darwiniana. O “darwinismo social”, resultado da associação de análises sócio-
espaciais com mecanismos biológicos, resultou por afastar da interpretação as forças
sociais que contribuem para a produção e reprodução do espaço - a divisão do trabalho,
a acumulação de riqueza, a atuação do mercado imobiliário e do planejamento urbano
estatal, etc. (GOTTDIENER, 1997, pp. 238 e 266).
Se para a ecologia urbana, a desconcentração
16
e as transformações intra-
urbanas ocorreriam em virtude de inovações nos meios de transporte e comunicação
(determinismo tecnológico), a economia potica marxista centra sua análise no modo de
produção capitalista, no conflito e na apropriação da mais-valia para superar a
“ideologia ecológica”. Para os marxistas, o crescimento urbano pode ser explicado pela
necessidade de expansão capitalista e sua conseqüente busca de acumulação de capital,
não sendo admissível, desse modo, o caráter de inevitabilidade dos padrões espaciais
desiguais, derivado da análise anterior.
2.2 A Economia Política Marxista
Os economistas poticos marxistas, por sua vez, passaram a analisar o
desenvolvimento das cidades no contexto de uma sociedade capitalista, ao incorporarem
o processo de acumulação de capital e sua relação com a produção espacial. A cidade
para eles é vista como uma aglomeração que maximiza a riqueza por meio da
concentração de capital e força de trabalho, resultando em mudanças sócio-espaciais, ou
injustiças sociais espacialmente distribdas.
16
Em linhas gerais, o aumento de população e o aumento de densidade de atividades sociais em áreas
localizadas fora dos centros urbanos (GOTTDIENER, 1997, p. 19).
29
As primeiras contribuições trataram de classificar distintamente toda a classe
capitalista, de modo que seriam capazes de atuar uniformemente em defesa de seus
interesses e contra a classe trabalhadora. As mudanças na forma urbana e a segregação
seriam resultados dessa equação, da luta entre patrões e empregados, tendo como foco a
expropriação da mais-valia produzida socialmente, portanto, o espaço seria o palco onde
aconteciam os conflitos sociais.
As decisões por localização também implicariam considerações sobre a força
de trabalho. As atividades se localizariam predominantemente onde a oferta de mão-de-
obra se ajustasse melhor a suas necessidades e, preferencialmente longe das agitações
coletivas, o que traria reflexos diretos sobre a organização espacial.
A análise espacial de David Harvey (apud GOTTDIENER, 1997, p. 95),
trata a forma urbana a partir de dois importantes fatores: “acumulação de capital” e “luta
de classes”. Assim, o papel funcional da cidade é a acumulação de capital, um ambiente
constrdo que surge da extração e concentração de mais-valia. A cidade seria
produzida a partir das “possibilidades ecomicas, tecnológicas e institucionais que
regem a disposição da mais-valia concentrada dentro dela”.
Portanto, o autor propõe a explicação da forma urbana por meio de um
processo de acumulação de capital e seu reflexo dialético sobre o espaço, onde a
acumulação se manifesta e é afetada pelo desenvolvimento deste.
Desse modo, o trabalho usa o ambiente construído tanto para o consumo
como para sua própria reprodução. Esse ambiente é transformado pelos que se
apropriam de renda e lucros e que agem a partir da mediação do Estado, o qual atua de
maneira fundamental para a sobrevivência do capitalismo e para a redução dos
conflitos
17
.
Desse modo, a cidade passaria de lugar criado para estimular a concentração
e a apropriação de mais-valia, possibilitada pela produção industrial, para local de
estímulo ao consumo e manutenção de alta demanda, o que permitiria o pleno
funcionamento do sistema capitalista (cidade como sítio de circulação de capital).
Harvey defende, assim como Lefebvre
18
, que a competição desencadeada
por investidores capitalistas promove superacumulação financeira, o que resultaria na
17
Nesse contexto, administra o consumo coletivo, de modo a evitar a depressão econômica e assegurar a
propriedade particular da casa própria, para dividir os trabalhadores entre aqueles que a possuem e os que
não a possuem (GOTTDIENER, 1997, pp. 98 e 99).
18
Ver item 2.3.2, p. 35,A estrutura capitalista e a (re) produção do espaço”, onde a teoria dos ciclos de
acumulação de capital é desenvolvida.
30
necessidade de criação de novas oportunidades de investimentos. A solão encontrada
seria o desvio dos fluxos de investimentos do “circuito primário” (produção de bens em
troca de lucro) para o “circuito secundário” (ambiente construído, produção de ativo
fixo ou bens de consumo). Isso seria possível por meio da existência de uma rede
financeira e pelo livre funcionamento do mercado, além do suporte do Estado,
sobretudo no que tange a subsídios e isenções “pró-desenvolvimento”. Portanto, a
conexão entre ambiente construído e acumulação de capital se daria, modernamente,
pela articulação entre capital financeiro e Estado (GOTTDIENER, 1997, pp. 102 e 103).
A decadência de imóveis urbanos centrais, desse modo, se vincula
intrinsecamente à superacumulação de investimentos no circuito secundário,
considerando que esses investimentos alcançariam um limite, a partir do qual deixariam
de gerar lucro. O valor de troca dos imóveis passa a ser depreciado, a fim de possibilitar
novos investimentos no ambiente constrdo por meio da substituição do “velho
ambiente”. Desse modo, os ciclos de investimento de capital no espaço, ao provocarem
desenvolvimento espacial desigual e desvalorização do ambiente constrdo, são
importantes para o capital. Renovam as possibilidades de investimentos, ao mesmo
tempo em que provocam uma desvalorização do capital fixo, de maneira que para cada
área de investimento há uma área de transição. Portanto, para Harvey, a desigualdade
espacial é produzida por necessidades funcionais do capitalismo, ao desvalorizar seus
investimentos passados e criar novas oportunidades de investimento. Para Gottdiener,
entretanto, Harvey não ultrapassa a noção mais tradicional, que vislumbra o Estado
como um mero agente a serviço do capital, onde os interesses capitalistas, atuando de
maneira uniforme, dominariam uma classe trabalhadora, que também agiria de maneira
uniforme e, em conseqüência, seu espaço. Gottdiener acredita que o Estado persegue
também objetivos poticos, nem sempre voltados aos interesses do mercado, e que
possui certa liberdade de ação, constituindo-se, ele próprio, num agente produtor de
espaço.
Para Manuel Castells (apud GOTTDIENER, 1997, pp. 124, 141 e 143), por
outro lado, o urbano é “uma unidade espacial de reprodução da força de trabalho e os
problemas urbanos estão ligados aos processos de consumo coletivo. Os problemas
ditos urbanos, nessa perspectiva, eso vinculados diretamente ao consumo coletivo.
Nessa afirmação, se baseia a sua teoria de produção do espaço, que pretende mais
31
explicar a maneira pela qual problemas urbanos são produzidos que, propriamente dito,
explicar a maneira como se produz espaço.
Castells admite que a cidade é produto do Estado interventor e da economia.
A intervenção do Estado, diferentemente de Harvey, se faria necessário na medida em
que o desenvolvimento do capitalismo promove desigualdades, somente corrigidas por
meio dessa intervenção, na forma de bens de consumo coletivo. Esses bens não
promovem lucro, de forma que o capital não poderia satisfazer demandas sociais, sendo
necessária a atuação do Estado para a produção, distribuição e administração desses
bens e serviços coletivos, além da organização dos espaços que os contenham.
Desse modo, a responsabilidade do Estado na promoção do consumo
coletivo é fazer com que preocupações sociais e ambientais se tornem poticas e, assim,
temas como habitação, transporte, poluição, etc., passam a ser questões sujeitas à
condução do Estado. Modernamente, por outro lado, sabemos que o mercado também
promove bens de consumo coletivo, por meio de formas alternativas de assegurar lucro,
como ocorre nas privatizações, nas parcerias e na oferta de serviços.
A intervenção do Estado, ainda, possui dois efeitos diretos, segundo Castells.
Em primeiro lugar, os custos da atividade estatal, que promovem a reprodução da força
de trabalho, são transferidos para a sociedade como um todo. Além disso, os
investimentos do Estado impedem a queda na taxa de lucro, ao estimular a produção.
O planejamento urbano estatal, nesse contexto, representaria os esforços do
Estado para amenizar problemas ambientais trazidos à vida do trabalhador pelo
desenvolvimento econômico e, desse modo, reduzir os conflitos de classe. Além disso,
teria o papel de liberar terra para investimentos mais lucrativos (reestruturações de
espaços decadentes e novos empreendimentos) e seduzir a classe trabalhadora com a
crença de que a intervenção estatal representa os interesses sociais.
Henry Lefebvre (apud GOTTDIENER, 1997, pp. 127 a 135), por outro lado,
entende que o espaço não pode ser reduzido ao espaço da produção, do consumo e da
troca, como entende a economia potica tradicional. Esta reconhece apenas a
importância da terra, ao lado do capital e do trabalho, como meio de produção,
desconsiderando, portanto, o espaço produzido pelas forças produtivas da sociedade.
Nessa perspectiva, a cidade não pode ser vislumbrada como a mera soma dos locais de
produção e consumo, sendo fundamental sua importância como força de produção,
considerando, para tanto, o fato de que a posse do espaço gera poder econômico, já que
32
pode ser preenchido por atividades produtivas. Mais ainda, o espaço reproduz relações
sociais que reforçam a sobrevincia do capitalismo como modo de produção.
Além disso, o espaço não só constituiria parte das forças e meios de
produção como também seria produto delas, o que o torna local de consumo e produto a
ser consumido, como ocorre com o turismo (espaço consumido por meio da recreação)
ou com empreendimentos imobilrios.
A importância do espaço estaria na dialética relação entre os valores de uso
(espaço social, fruto da interação das classes) e os valores de troca (espaço abstrato,
produzido por práticas ecomicas). Lefebvre defende que o espaçoo seja
interpretado apenas por seu viés ecomico, onde todas as partes têm valor de troca. O
espaço possui valor de uso, que se opõe às generalizações promovidas pelo valor de
troca (formação de guetos, produtos padronizados, uniformização de gostos, etc.).
Trata-se de um pensamento que parece se coadunar com princípios
modernos, os quais concebem a necessidade de atribuir uma função social à
propriedade, de forma que seu valor não seja vinculado apenas á produção de vantagens
pessoais, como mercadoria que se reverte em lucro para seus donos.
O desenvolvimento do modo de produção capitalista, no entanto, exige a
predomincia dos valores de troca sobre os valores de uso. Surge, desse modo, um
conflito entre aqueles agentes organizados em torno dos “valores sociais de uso” e
aqueles interesses voltados ao espaço abstrato - desenvolvimento imobiliário,
administração governamental, fragmentação do espaço em classes, etc.
Quanto ao papel do Estado, Lefebvre (apud GOTTDIENER, 1997, p. 130)
defende que o desenho espacial é um instrumento potico de controle social, policial e
administrativo. Trata-se de um importante instrumento de poder, em que o Estado pode
fazer prevalecer seus interesses, o que torna a organização espacial uma verdadeira
“hierarquia de poder”. Desse modo, o papel principal do Estado seria, para os marxistas,
o de administrar as crises periódicas do capitalismo e exercer as funções tradicionais na
sociedade capitalista, ou seja, permitir a acumulação e legitimar o modo de produção. O
Estado não se configuraria, nesse ponto de vista, em um agente produtor de espaço.
Entretanto, observamos que o Estado capitalista desempenha um papel
bastante ativo, desde subsídios ofertados para a produção de habitação e incentivos à
indústria da construção civil até a produção direta de cidades, como ocorreu em
Brasília. Parece-nos que o Estado, mais que um mero agente a serviço do capital,
33
produz espaço segundo interesses próprios, o que o configura como um agente
autônomo.
2.3 A produção social do espaço urbano
A abordagem denominada “produção social do espaço urbano” procura
articular atividades sociais, poticas e ecomicas ao espaço para entender como esse
espaço é (re) produzido. Revelar a organização social pelos estudos das formas
materiais e penetrar na aparência/forma para descobrir as forças sociais que produzem
espaço: para Gottdiener (1997, pp. 195 e 207), esse é o princípio da ciência urbana.
A explicação das formas espaciais pela perspectiva da produção social do
espaço articula de forma dialética dois níveis, denominados ação (de grupos
organizados e do Estado na produção do desenvolvimento em lugares e modelos
específicos) e estrutura (do modo de produção capitalista).
2.3.1 A ação social para produção do espaço urbano
Gottdiener chama de “coalizão de crescimento” a composição formada por
grupos seletos de indivíduos, do setor privado e do setor público e a conjugação de
atores e interesses que exercem poder sobre o espaço e canalizam o desenvolvimento
para formas espaciais específicas. São essas forças envolvidas com a acumulação
capitalista que atuam no espaço, agindo em torno da propriedade para promoverem a
“ideologia pró-crescimento” (GOTTDIENER, 1997, pp. 220 e 224).
A lucratividade proporcionada pelo setor da propriedade aliada a condições
econômicas estruturais favoráveis se torna a motivão principal para que esses atores
ajam de forma ativa e promovam a produção do espaço.
Os atores envolvidos na produção -deres políticos, servidores públicos,
advogados, empreendedores, especuladores, etc. - se unem em “redes de crescimento
para promoverem a reestruturação espacial e justificarem seus interesses de forma
ideológica em torno da perspectiva de desenvolvimento econômico ou, como vemos no
caso brasileiro, geração de empregos.
Por outro lado, há grupos que se insurgem contra o controle ideológico da
comunidade, resultando num conflito fundamental para a produção do espaço
(comparado em importância ao conflito entre capital e trabalho). Essa resistência, que
Gottdiener chama de “ideologia do não-crescimento” defende a idéia de que o
desenvolvimento provoca um acréscimo populacional superior à capacidade das
34
instituições locais (escolas, hospitais, etc.). A elevação de impostos, suportada por todos
(inclusive os que já ocupam o espaço), é inevitável diante da necessidade de novos
gastos para adequar o consumo coletivo e enfrentar os efeitos perversos do
desenvolvimento (poluição, aumento da criminalidade, etc.).
Como os governos locais necessitam de legitimação potica passam a se
sensibilizar com a pressão vinda de moradores e setores sociais. Disso resulta a
importância das decisões tomadas a portas abertas, de forma a compatibilizar interesses
da comunidade com interesses dos negócios, inclusive para renegociar os custos do
crescimento – contrapartidas.
Um aspecto importante, segundo Gottdiener (1197, p. 222), é o de que a
composição das redes de crescimento pode variar segundo a realidade local, podendo
incluir também trabalhadores e sindicatos, portanto atores de fora da classe capitalista.
Essa argumentação, desse modo, parece contrapor-se às teorias econômicas
que relacionam a produção espacial estritamente à classe capitalista. Em cidades cuja
economia é voltada para atividade do terciário – administração pública, como Brasília, o
papel exercido pelos “atores poticos” parece se destacar, considerando que são por
meio dos investimentos públicos que os “efeitos perversos” do desenvolvimento serão
enfrentados.
Dentro das redes podem existir, ainda, interesses conflitantes em certos
aspectos
19
e, inclusive, mais de uma rede em determinadas cidades, exercendo poder
sobre processos públicos e privados, de forma a promover uma verdadeira competição
entre grupos rivais (GOTTDIENER, 1997, pp. 222 e 223). Desse modo, a forma do
ambiente construído adquire características próprias, marcadas, portanto, não somente
pelas redes de crescimento como pelas redes do não-crescimento, que forçam os
primeiros a negociarem seus interesses.
Para entender a articulação entre sociedade e espaço é necessário, desse
modo, compreender os interesses sociais organizados em torno do espaço. Esses
interesses envolvem o setor imobiliário e o capital financeiro e corporativo, além de
funcionários públicos, poticos, ambientalistas, proprietários, indivíduos que possuem
capital para investir em bens imóveis, etc.
A relação entre poticos locais, financiadores e proprietários ou
empreendedores representa uma aliança de interesses muito comum em torno do setor
19
Luta por espaço para atividades monopolistas (shopping-centers, p.ex.) e atividades competitivas pelas
melhores localizações, p.ex.
35
da propriedade. Poticos importantes podem ser donos de propriedade, ou os
proprietários de terras podem trabalhar em conselhos vinculados ao governo, ou, ainda,
todos podem se guiar pelo interesse comum, impedindo ações que possam prejudicar os
valores de troca da propriedade.
2.3.2 A estrutura capitalista e a (re) produção do espaço
Lefebvre (apud GOTTDIENER, 1997, p. 112, 113 e 243) explica que o setor
imobiliário ou o “circuito secundário da acumulação de capital” capta os excessos do
circuito primário (atividades industriais) por meio de uma estrutura que contempla a
atuação de um Estado intervencionista e de um mercado capitalista que funciona com
plena liberdade. Tanto a produção espacial quanto alterações na forma urbana são
resultados diretos desses ciclos de acumulação de capital
20
. Com Lefebvre, o espaço é
introduzido no processo de acumulação de capital, a partir de sua vinculação a crises de
acumulação e desacumulação periódicas de capital, deixando de ser (o espaço),
portanto, apenas um receptáculo, que apenas mantém e suporta as relações sociais. O
espaço, desse modo, torna-se parte integrante do processo de produção.
Desse modo, o investimento no circuito secundário, proporcionado pelo
aquecimento da lucratividade no circuito primário, implica uma reestruturação espacial
- mesmo que não haja necessidade real para tal reestruturação. Entretanto, os custos
ambientais de um rápido padrão de desenvolvimento costumam ocasionar deseconomias
– congestionamentos, poluição, crime, etc. – e uma elevação nos custos de produção
industrial, afetando, assim, o circuito primário de forma negativa, inclusive por meio da
relocalização de atividades. Desse modo, ao contrário de Harvey, o investimento no
circuito secundário pode trazer um duplo resultado, marcadamente contraditório: ora
benéfico às pretensões capitalistas, ora obstruindo o desempenho das atividades
(GOTTDIENER, 1997, p. 192).
Um sistema financeiro e de mercado imobiliário incontroláveis impedem a
organização do ambiente construído a um nível satisfatório que permita o desempenho
de atividades lucrativas, além de favorecer a reprodução de injustiças sociais. Por outro
20
A conexão entre “ciclos de superacumulação”, com o papel funcional do circuito secundário como
oão de investimento para o capitalismo, é desenvolvida com base na teoria das “ondas de Kondratief”.
Para essa teoria, a história do capitalismo é marcada por ciclos de 25 anos de acumulação de capital. No
ponto mais alto da onda é produzida uma crise de superacumulação no circuito primário que resulta em
vultosos investimentos no setor imobiliário (circuito secundário) e na especulação, o que afasta
temporariamente a ameaça de crise. Essa transferência pode gerar redução na disponibilidade de recursos
para a produção no período seguinte, na medida em que os recursos ficarão retidos na atividade
imobiliária, iniciando-se o movimento descendente da onda (GOTTDIENER, 1997, p.243).
36
lado, podemos concluir que os efeitos positivos costumam ser apropriados de maneira
privativa, enquanto que os efeitos maléficos parecem ser socializados.
Em períodos de crescimento econômico, nessa lógica, o volume de
investimentos no circuito secundário tenderia a crescer de forma rápida, o que resultaria
num acelerado processo de urbanização e numa forte atuação especulativa.
Em síntese, processos econômicos se manifestam espacialmente, provocando
padrões espaciais que refletem o desenvolvimento desigual, além de custos que são
compartilhados por todos (congestionamentos, poluição, etc.). São “efeitos colaterais do
desenvolvimento” promovidos pelo capitalismo, considerando que os interesses
privados não são chamados a participar da solução de problemas causados por eles
mesmos.
Trata-se da contradição básica do capitalismo: expropriação de riqueza por
um lado e socialização dos custos do crescimento por outro, que num cenário de crise
fiscal ou má gestão dos recursos públicos pode provocar efeitos catastróficos
(GOTTDIENER, 1997, p. 213).
Planejar o espaço nesse contexto, de forma a impedir a ocorrência de
desigualdades e as injustiças sociais deles decorrentes, para Gottdiener (1997, p. 260)
seria inviável, na medida em que as relões de prodão não permitem que se altere a
predomincia do interesse privado sobre a propriedade da terra. Desse modo, toda a
riqueza produzida socialmente é expropriada.
Entretanto, lógica diversa vem sendo perseguida, por meio do planejamento
de cunho social (politizado), inaugurado no Brasil e em países da América Latina a
partir da incorporação do conceito de função social da propriedade. Nessa concepção,
procura-se compatibilizar o direito de propriedade à função social, de forma que parte
da riqueza produzida seja compartilhada, o que significa existir um esforço por alterar
uma regra dada como “inevitável” pelo autor.
O setor da propriedade, por sua vez, conta com a atuação indispensável do
Estado, a quem compete promover o “planejamento urbano”, a aplicação de
instrumentos urbanísticos (mudanças de zoneamento, por exemplo), os investimentos
em infra-estrutura, a concessão de subsídios, estimulando o crescimento de
determinadas atividades em localizações específicas
21
. Portanto, a atuação dos agentes
21
A prodão de conhecimento relativo a atividades militares promoveu vultosos investimentos em áreas
suburbanas dos EUA, em detrimento da cidade central, o que resultou na mudança demográfica
suburbana experimentada nos anos 50 e 60 nos Estados Unidos (GOTTDIENER, 1997, pp. 212 e 213).
37
do Estado deve se configurar em uma preocupação constante por parte das análises
espaciais.
A forma contemporânea de espaço deve ser entendida, ainda, a partir da
análise de transformações estruturais por que passou o ocidente após a Segunda Guerra
Mundial, como, por exemplo, a produção e administração em estruturas complexas e
burocráticas de tomada de decisões, a intervenção do Estado e a emergência da ciência,
da tecnologia e de uma indústria do conhecimento (GOTTDIENER,1997, pp. 200 e
201).
Essas mudanças estruturais promoveram uma alteração significativa na
configuração das empresas a nível global
22
, prevalecendo organizações ecomicas
estabelecidas a nível global, o caráter interligado dessas organizações econômicas e seus
impactos sobre nações e até mesmo áreas localizadas. O ambiente construído está
inserido nessa matriz de organizaçãocio-econômica, que envolve interesses voltados
à acumulação de capital numa escala global e onde a grande maioria da riqueza do
planeta é controlada por esse sistema ecomico.
Os arranha-céus, os edifícios de escritórios, as sedes de grandes corporações
internacionais são manifestações espaciais visíveis dessa realidade, muito embora essa
matriz envolva todas as atividades, desde a agricultura até a cultura de massa, segundo
Gottdiener (1997, pp. 201 e 202).
2.3.3 Breve síntese
Desse modo, conclui-se que a junção entre as condições estruturais descritas,
em conjunto com a “ação” de grupos “pró” e “contra” o crescimento, discutidas no
pico anterior, são as condições que possibilitam o surgimento de formas espaciais
específicas, a produção e desenvolvimento de países, cidades e núcleos urbanos.
A perspectiva da produção social, como resultado da interação entre ação e
estrutura, defende, portanto, que os padrões espaciais são produtos de forças sociais
hierarquicamente estruturadas a processos globais – acumulação de capital, divisão
internacional do trabalho, reestruturação da força de trabalho, etc. Em outras palavras,
as mudanças observadas nos modos de acumulação de capital desempenham papel
22
Gottdiener (1997, p. 201) relata que as empresas nos EUA, p. ex., evoluíram de uma organização
familiar - que se concentrava em um único produto e atuava numa área restrita, onde coexistiam a
dimensão administrativa e a estrutura geográfica de operação - para a atual corporação multinacional -
opera com muitos produtos, muitas fábricas e é formada economicamente por um sistema de ações, além
de ter suas funções administrativas e industriais separadas.
38
importante na reestruturação do espaço, entretanto fatores econômicos não são os únicos
a serem considerados.
Para além de fatores meramente ecomicos, os padrões espaciais são
produzidos pelo sistema de organização social, o que envolve forças políticas e culturais
interligadas dialeticamente. A ação dos agentes envolvidos na ideologia pró-
crescimento, em contraposição àqueles que defendem o não-crescimento, formam os
movimentos essenciais para reprodução espacial.
O desenvolvimento de certas porções do espaço em detrimento de outras
provoca desenvolvimento desigual e seus efeitos perversos, o que prejudica, sobretudo,
os mais pobres, mas que também afeta negativamente as condições de acumulação.
Desse modo, a teoria da produção social defende que o espaço é mais o resultado de
processos contraditórios, caóticos do que propriamente ditos funcionais para a
acumulação de capital.
O setor imobiliário, integrado pelo capital financeiro e destinado a promover
os investimentos no ambiente construído, é o motor do processo de desenvolvimento
espacial capitalista. Aliado aos agentes imobiliários, o Estado também produz espaço ao
estimular o desenvolvimento em lugares distintos, seja por meio de incentivos
econômicos, tributários ou, ainda, ao estimular a demanda para evitar o desemprego e a
retração da economia.
A produção social do espaço avançou na compreensão dos processos de
produção espacial ao inserir considerações ideológicas
23
, sobretudo no que tange à
crença no crescimento econômico como objetivo principal a ser perseguido pelas
cidades, numa relação intrínseca entre este e o bem-estar. Essa ideologia favorece a (re)
produção espacial por meio da ação de agentes sociais ligados ao valor de troca da
propriedade.
A perspectiva da produção social do espaço entende, desse modo, que os
agentes modeladores do espaço tornam o cotidiano, ao mesmo tempo, particularizado e
afetado por relações globais de produção; fragmentado e ao mesmo tempo
hierarquizado, como ocorre com as periferias pobres e os centros desenvolvidos (em
termos de cidades e também de países).
23
Mascara, portanto, o fato de que crescimento também traz malefícios e que praticado sem critérios
resulta na produção de desigualdades (problemas ambientais, de trânsito, acesso inadequado a salários,
etc.) e na socializando das perdas, repassando o ônus para o Estado. Portanto, muitas vezes é utilizada
somente para camuflar interesses individuais.
39
Portanto, nações e lugares estão sujeitos aos mesmos processos
estruturadores do espaço, fato que permite identificarmos semelhança entre lugares tão
distantes, entretanto, é a forma como esses lugares se integram a essas relações globais e
como a ação dos agentes locais se desenrola que vai permitir características particulares
aos espaços.
Brasília é fruto do período desenvolvimentista brasileiro, que se deu por
meio do incremento das atividades industriais e pela integração do território, onde a
dinamização do centro do país, de base rural, se fazia necessário. A cidade nasce, desse
modo, como fruto da necessidade de se criar um Estado forte, capaz de conduzir o
processo de desenvolvimento, num momento em que se expandia para os países
periféricos a industrialização em massa.
O planejamento urbano regulatório, centrado na figura do Estado, optaria por
um modelo de ocupação territorial disperso, considerando que Brasília já sofria desde
suas origens as conseqüências da concentração de atividades industriais e a conseqüente
produção de subdesenvolvimento em outras partes do país, o que incrementou a
migração de grandes contingentes populacionais para a nova capital.
A relativa rigidez das normas de uso e ocupação do solo, de um lado, e as
tentativas de inserção por parte do mercado imobiliário, por outro, parecem configurar
os doislos que manterão características espaciais particulares. A junção de interesses
do mercado e do governo, do governo e de grupos que procuram impedir o crescimento
torna fundamental a análise do papel desempenhado por cada um dos agentes espaciais
envolvidos.
Discutiremos, na sequência
24
, as condições gerais de formação do território
do Distrito Federal, para, a seguir, analisarmos o objeto de pesquisa a partir das
condições fixadas pela teoria da produção social do espaço (estrutura e ação na
produção de alterações de uso no Distrito Federal).
24
Parte III, na caracterização do território do DF. Em seguida, na Parte IV será realizado um esforço para
aplicar a teoria na explicação de alterações de uso de imóveis urbanos, a partir da caracterização da
estrutura e da ação.
40
3 A Teoria da Renda Fundiária
A expansão urbana, a reestruturação de áreas urbanas degradadas ou mesmo
intervenções que visem a incrementar o uso de espaços urbanos podem provocar uma
dinâmica econômica que se reflete no espaço por meio do preço.
Buscar teorias que procurem explicar a lógica de formação e alteração dos
preços do solo é de fundamental importância para revelar o papel desempenhado pelos
agentes espaciais envolvidos no valor de troca. Mais ainda, para fortalecer os
mecanismos de apropriação pública de parte da valorização gerada por instrumentos
urbanísticos ou investimentos proporcionados pelo esforço de toda a coletividade
25
.
Conforme visto no tópico anterior, há múltiplos agentes interessados na
propriedade urbana. A terra é viável como mercadoria (valor de troca) em função de
características produzidas socialmente, como a localização. Se uma parte da demanda
por espaço urbano procura melhores localizações, outra busca manipular o
desenvolvimento a fim de provocar as condições necessárias para a realização de renda.
A teoria da renda fundiária, nesse contexto, procurar trazer explicações a respeito da
formação e transformação dos preços, bem como das razões ecomicas que motivam a
atuação dos agentes espaciais na produção e reprodução dos espaços urbanos.
3.1 A formação do preço do solo
Ao examinar a teoria da renda fundiária e os processos de formação de
preços de imóveis urbanos, Samuel Jaramillo (2003, p. 1) conclui que, a partir de uma
perspectiva econômica, o fato de que a terra tenha um preço é por si só um paradoxo. A
produção de mercadorias requer esforço dos produtores: seu preço se dá em razão da
quantidade que cada uma delas representa desse “trabalho geral”, sendo a expressão
desse trabalho, ou em linguagem econômica, o seu valor. Não se produz terra,
literalmente, por que a terra surge como algo disponível na natureza, entretanto, nas
sociedades capitalistas, opera como mercadoria, ou seja, tem preço monetário e é
trocada por outras mercadorias (essas sim verdadeiras). Indaga-se o autor: como a terra
possui pro seo tem valor?
25
Justa distribuição de benefícios e ônus, o que corrobora o prinpio da função social da propriedade em
contraposição ao direito individualista da propriedade, como discutiremos no último tópico.
41
Na tradição ecomica clássica, a formação do preço do solo é explicada por
meio da chamada Teoria da Renda Fundiária. Essa teoria parte do pressuposto de que
o preço pode ser constrdo por meio de um mecanismo de “capitalização de renda”. O
conceito que explica a capitalização de renda é o de que “os proprietários de terras,
através de seu controle jurídico sobre o solo, sob certas circunstâncias estão em
condição de capturar parte do valor gerado no processo produtivo que requerem o solo
para sua operação” (JARAMILLO, 2003, p. 1).
Numa sociedade capitalista, quem possui certa quantidade de dinheiro pode
colocá-lo à disposição do setor produtivo e obter em troca uma determinada
importância. O total dessa importância a ser recebida depende da quantidade inicial,
posta à disposição do mercado, bem como da taxa de juros praticada. Na capitalização
da renda, o proprietário da terra se imagina como um agenciador de empréstimos: a
renda que recebe se compara à percepção periódica de juros por um montante de
dinheiro colocado à disposição do mercado. Desse modo, a propriedade jurídica da terra
se converte no direito de perceber rendas, mesmo em se tratando de um recurso que não
disporia de valor (a terra)
26
.
A avaliação de Flávio Villaça (1998, pp. 70-71) é distinta, considerando que,
na sua visão, tratar a terra como um dom gratuito da natureza, comparável ao ar ou à
água, como são encontradas livremente, é um equívoco, pois “considerar a terra urbana
produto não produzido, só porque sua base material o é, é o mesmo que reduzir um
produto produzido à sua matéria-prima”.
Para Villaça (1998, p. 71), o solo é a matéria-prima, base material da
formação do espaço, o produto. Esclarece que a mobilização do espaço começa pela
adição de valor de troca ao solo. A troca resulta em “intercambialidade”, que torna o
bem uma mercadoria, comparável a um bem qualquer, cujo valor se exprime em
dinheiro. Se outrora se comprava e se vendia a terra, passou-se a comprar e vender um
volume (apartamentos, salas, terraços, piscinas, etc.), cuja formação do preço guarda
um vínculo elástico com oscustos de produção’”. Entretanto, neste, como em outros
casos, há fatores diversos que “perturbam e complicam essa relação” preço/custo de
produção, sobretudo a especulação, os quais provocam um distanciamento entre ambos.
26
O pro do solo (ps) passaria a expressar, imaginariamente, uma relação entre a renda fundiária (rf) e a
taxa (i) de juros praticada no mercado (rf = ps x i, decorre que ps = rf/i), similar ao que ocorre, portanto,
com o mercado de empréstimos, onde o juro recebido (j) decorre do capital (c) colocado à disposição a
uma determinada taxa (i) de juros (j = c x i, ou, c = j/i).
42
Nessa análise fica evidente a diferença entre solo (abordagem tradicional) e
espaço (produzido), e entre espaço social (o espaço como um todo) e objetos ou
estruturas espaciais (casas, edifícios, ruas, infra-estrutura) “fruto de um processo de
produção”, com seus custos, comparável à das mercadorias em geral (VILLAÇA, 1998,
p. 72-73).
Para Jaramillo (2003, p. 3) a simples propriedade jurídica da terra, ao
contrário da perspectiva tradicional, não seria condição suficiente para que o
proprietário pudesse lograr renda, considerando que se pode ser proprietário de muitas
coisas sem que essa propriedade tenha necessariamente implicações econômicas.
Portanto, torna-se necessário que a característica da terra, controlada pelos proprietários,
tenha condições de afetar a formação dos preços dos bens produzidos no mercado.
A tradição clássica de formação dos preços (num cenário de plena
competão entre os capitalistas, acesso a técnicas comuns e preços similares dos
insumos), de forma simples, indica a possibilidade de se chegar a um pro natural ao
longo do tempo, que seria igual aos custos de produção (o investimento) aumentados
por um lucro médio (preço de produção). A renda, entretanto, aparece quanto existem
circunstâncias que perturbam os mecanismos de formação de preços, como ocorre na
agricultura com as condições diferenciadas de produtividade do solo. Os estudos
originais sobre a Teoria da Renda Fundiária, referidos fundamentalmente à terra rural,
estabeleceram algumas modalidades de renda (JARAMILLO, 2003, pp. 13-14):
1. Renda Diferencial tipo 1: as distintas condições produtivas da terra resultam em
distintas rentabilidades e custos, em um cenário de investimentos similares.
Portanto, a fertilidade superior do solo e a sua melhor localização (esta reduz os
custos de transporte) são duas características marcantes dessa modalidade;
2. Renda Diferencial tipo 2: está associada à intensidade de investimento de capital
(maquinaria, insumos ou salários, por exemplo). Em determinados casos,
quando a terra já suporta a RD tipo 1, um investimento adicional proporcionaria
rendimentos superiores aos que se poderia obter com a terra marginal. Nesse
caso, haveria um ganho adicional que se somaria à RD tipo 1;
3. Renda Absoluta: não se baseia nas condões de heterogeneidade das terras, e
sim na simples propriedade do solo. Em países capitalistas, por mais periférica
que seja a terra, ela possui algum valor, de sorte que nenhum proprietário cede
gratuitamente a sua terra a alguém. Os proprietários, por outro lado, poderiam
reter o solo, impedindo que fosse disponibilizado à produção. Portanto, essa
43
renda significa o valor nimo que se paga por um lote, sobre as quais se
adicionam as rendas diferenciais;
4. Renda de Monopólio: condições excepcionais de terras, cujas características
poucos ou nenhuma outra possui (p.ex., o cultivo de uvas para produção de
vinhos, o qual requer solo com características muito específicas). Produtos
agrícolas, que requerem um tipo de solo que poucas propriedades possuem,
provocam uma demanda que supera a disponibilidade. Decorre que os
interessados pagariam um preço superior que se converte, portanto, em renda
para o proprietário.
Muito embora essas teorias tenham sido construídas originalmente para
explicar o preço do solo rural, passam a ser aplicadas às terras urbanas, guardadas as
características próprias dessas últimas, que as tornam bem mais complexas. Enquanto a
terra rural destina-se à produção agrícola, na cidade a terra destina-se a suportar o
espaço urbano”, o conjunto de atividades que se relacionam espacialmente. A terra não
é o espaço urbano, apenas seu suporte. É adaptada e construída para que se possam
realizar atividades urbanas, produzindo, portanto, edificações e imóveis. O processo
produtivo da terra rural é a agricultura e os bens são os produtos agrícolas. Para Samuel
Jaramillo (2003, pp. 18-19), ocorre algo similar na cidade, em que o processo produtivo
é a construção e o produto é o espaço construído. Em ambos os ambientes (rural e
urbano), o processo produtivo está organizado segundo a lógica capitalista, comandado,
portanto, por capitalistas agricultores ou construtores.
Na avaliação de Martim Smolka (1987, p. 42), a terra é um meio de
produção necessário e não reproduzível, ao contrário de outros meios de produção que
podem ser produzidos como mercadorias industriais. Portanto, o processo de formação
de preços de terrenos possui uma lógica própria, distinto de outros processos cujo
trabalho constitui-se no elemento fundamental. A aquisição de um terreno envolve a
compra de “qualificações” ou características singulares do terreno (fertilidade,
acessibilidade, urbanização, etc.) e uma localização.
O preço da terra, desse modo, seria determinado por dois fatores: capacidade
do proprietário em administrar a escassez e disponibilidade e capacidade dos usuários
em remunerar o proprietário. A escassez ocorre como “função do estoque de terras
aproximadamente substitutas disponíveis e, mais importante, das necessidades ou usos
para que é requerida ou destinada”. Por outro lado, os usuários “apreciariam o valor de
44
um terreno em fuão das vantagens, em termos objetivos monetários (lucros) ou
subjetivos (utilidade) que o lote em questão permite realizar quando comparado a outros
imóveis disponíveis” (SMOLKA, 1987, p. 42).
Entretanto, Smolka (1987, p. 43) ressalta que o mercado fundiário está
sujeito a outros pressupostos. O preço é determinado, em grande medida, por condições
exógenas, como atividades realizadas em outros imóveis próximos, e as características
das atividades que competem por seu uso. Disso decorre que a utilização de um terreno
altera características de outros terrenos (sinergias urbanas), afetando, portanto, os
próprios preços.
3.2 A transposição da teoria para os espaços urbanos
Há adaptações diversas da Teoria da Renda Fundiária para o meio urbano.
Iniciaremos pela análise de Samuel Jaramillo (2003, pp. 21-30), para quem as rendas
fundiárias urbanas são classificadas em primárias (produção) e secundárias
(localização/ usos).
As rendas primárias são compostas por dois conjuntos de rendas: as rendas
diferenciais e as rendas absolutas. As rendas diferenciais são definidas em virtude de
características similares à teoria aplicada às terras rurais, embora de magnitude menor.
A do tipo 1 refere-se à produtividade do solo urbano, considerando que nem todos os
terrenos oferecem as mesmas condições para produção de espaços constrdos,
variando, portanto, os níveis de construtibilidade (terrenos encharcados, com
declividade), o que implica em custos diversos. A do tipo 2 refere-se à construção em
altura. As maiores alturas na cidade refere-se aos lugares onde o preço do solo é maior,
onde os consumidores estão dispostos a pagar um preço mais alto por espaços
constrdos numa certa localização. O construtor, então, calcula o custo adicional de se
produzir maiores quantidades de área construída (considerando que o custo tende a
crescer à medida que se constrói verticalmente) e o lucro que teria na venda desse solo
adicional, a partir do sobre preço que os consumidores estão dispostos a pagar nessa
localização. Essa renda está ligada (assim como a sua correspondente rural) à
intensidade de capital aplicado a terra.
A renda absoluta urbana se manifesta no fato de que atividades urbanas
requerem um enlace com diversas outras atividades e imóveis, considerando que
“Mesmo que queira, um construtor não pode produzir imóveis destinados a atividades
urbanas em áreas rurais (...), pois não encontraria demanda para isso, e se vê obrigado a
45
fazê-lo em terrenos que gozam de relação de vizinhança”
27.
Se a demanda por imóveis
urbanos é forte, os consumidores de espaço urbano são obrigados a pagar um sobre
preço por esta localização, que se manifesta numa renda dos imóveis urbanos em geral,
comparável à sua correspondente rural. O limite mínimo da renda absoluta é o nível de
renda rural, ou seja, se o agente pode obter maiores rendas com atividade rural esse fato
desestimulará sua destinação para atividades urbanas.
As rendas urbanas secundárias decorrem do fato de as atividades
desenvolvidas na cidade
28
não encontrarem espaços homogêneos para se
desenvolverem. Há uma série de fatores que fazem com que os habitantes privilegiem
determinados espaços para desenvolver atividades em relação a outros. Fatores técnicos,
como acessibilidade, ou outros, que escapam ao controle de qualquer agente, como a
tradição dos locais ou a história. São, por outro lado, circunstâncias que exercem um
papel muito parecido com fatores agrícolas - fertilidade e os custos de transporte.
A Renda Diferencial de Comércio decorre do fato de que, em uma situação
de competição por espaço, os comerciantes procurarão os melhores lugares para se
instalarem, de onde possam obter as maiores lucratividades. Decorre que, para o
proprietário do solo, toda essa competição resulta em rendas, que vão diminuindo à
medida que as atividades se afastam do foco comercial. Quando desempenhadas em
lugares afastados daqueles espaços convencionais, as atividades comerciais encontram
dificuldades para atrair clientes que justifiquem sua manutenção.
O uso para moradias, do mesmo modo, não é auto-suficiente do ponto de
vista espacial. Depende de valores de uso do solo que são complementares, como
lugares de emprego, equipamentos de saúde, segurança, educação, etc. Como nem todos
os terrenos estão na mesma situação a esse respeito, decorre que há uma competição por
espaço para moradia nos locais melhores situados, que proporcionam economia de
tempo, reduzem os custos de transporte, etc. A Renda Diferencial de Moradia ocorre
nessa hipótese, em que os usuários estarão dispostos a pagar mais por moradias
melhores situadas, até o ponto em que são compensadas pelos custos adicionais de
residirem em lugares mais afastados. Segundo o autor (Jaramillo, 2003, p. 26), todos
acabam pagando preços similares, considerando que os situados em lugares mais
distantes arcam com preços menores de moradia, porém custos maiores de transporte;
27
Livre tradução do espanhol.
28
Para fins do presente trabalho, interessa-nos apenas as atividades de comércio, serviços e moradia. O
autor desenvolve outras, como a industrial.
46
os que estão melhores situados pagam um sobre preço pela moradia equivalente ao que
economizam por estarem em locais privilegiados. Trata-se, porém, de uma análise
meramente econômica, que não considera o custo social daqueles que se situam em
espaços urbanos periféricos, tampouco a atuação de agentes como o Estado
29
, que atua
de forma preponderante na localização de equipamentos públicos.
A partir de dinâmicas e características próprias, de “mãos dadas” com a
Renda Diferencial de Moradia, ocorre a Renda de Monopólio de Segregação. Esta
consiste no fato de que grupos sociais costumam localizar-se em espaços distintos,
próprios nas cidades. Os indivíduos que ocupam posições sócio-econômicas mais
elevadas procuram ocupar, também, lugares específicos, deixando clara a distinção
existente entre as classes. No sistema capitalista, um mecanismo eficiente para
conseguir tal intento é o consumo de luxo (gastos conspícuos), que consistem naqueles
gastos que realizam os indivíduos para demonstrar que possuem condições ecomicas
superiores, cujo padrão de vida não se identifica com padrões de consumo inferiores.
Estes grupos produzem espaços próprios, que sujeitam aqueles que neles pretendem
ingressar a determinados “sinais de pertencimento”. Dessa forma, a competição por
espaço nessas localidades sujeita os interessados ao pagamento de um sobre preço, que
aqueles que não pertencem ao grupo social, certamente, não terão condições de arcar.
Este sobre preço nada mais é que uma renda imposta pela diferenciação social, que
surge de um processo coletivo, onde se reconhece que um determinado lugar pertence a
um determinado grupo social.
Cada imóvel individual pode concentrar combinações de rendas, que
resultam numa Renda Urbana Total na base de preço do imóvel. Todos os terrenos
urbanos, a princípio, suportam a Renda Absoluta que pode ser somada à Renda Primária
Diferencial tipo 1, se há “fertilidade” do terreno para a construção e à Renda Diferencial
do tipo 2, quando é vantajosa a construção em altura, etc. Adicionadas às rendas
primarias surgem as secundárias. Jaramillo conclui que, a princípio, todos os imóveis
urbanos possuem aptidão para o desempenho de qualquer atividade, portanto suportam,
em potencial, tais rendas secundárias. Importante destacar que a renda que aparece
em cada terreno será a renda potencial que tiver a maior magnitude, desse modo, o
terreno tende a ser destinado ao uso mais vantajoso, que gere a maior renda
secundária.
29
Discutimos, anteriormente, o papel desempenhado pelos agentes espaciais na produção do solo urbano.
47
Portanto, a interação complexa entre usos e rendas condiciona as atividades
que serão desenvolvidas efetivamente nos espaços urbanos. Conclui-se que se o uso
comercial possui a maior renda potencial em lugares onde ocorre moradia, então, a
tendência é que afaste dali as moradias, ou vice-versa.
Na avaliação de Carlos Morales Schechinger (2005a, p. 5), há, no meio
urbano, uma intensa articulação entre proprietários, construtores, consumidores, que
proporcionam o surgimento de rendas tanto da relação entre proprietários e construtores
como da articulação com os consumidores finais. A modalidade mais conhecida é, de
fato, a renda diferencial por localização, que pode ser facilmente observada por meio
da diminuição de preço dos terrenos conforme eles se distanciam das zonas mais
almejadas na cidade.
Para Villaça (1998, p. 74), a importância da terra urbana também está na
possibilidade de acesso à localização. O valor reflete essa característica de acesso aos
efeitos úteis da aglomeração”, portanto, cada aglomeração reflete a quantidade de
trabalho social empregado na sua produção (quanto mais central a localização, maior o
trabalho social empregado). Como diferentes pontos do espaço urbano possuem
diferentes acessibilidades, então há diferentes valores de uso para a terra urbana.
O autor (VILLAÇA, 1998, p. 75) avalia que a expressão “ponto” retrata
como nenhuma outra a particularidade de que dispõe o solo urbano para descrever a
acessibilidade, em maior ou menor medida, dos imóveis urbanos. A expressão “passar o
ponto”, tão empregada no comércio, mostra que o objeto de transação não é apenas o
“produto em si”, a edificação, as instalações ou o terreno, e sim um “adicional de
localização”.
Villaça reconhece que todo terreno é único, em virtude de que, teoricamente,
não é possível haver dois terrenos com uma mesma localização e de essas localizações
serem irreproduzíveis. Entretanto, na prática, “só de maneira extrema é possível dizer
que não existem duas localizações iguais”, havendo muitas localizações extremamente
parecidas. A produção imobiliária oferece lotes, apartamentos, salas, praticamente
iguais em termos de localização e padrão construtivo (apartamentos de dois quartos, por
exemplo, na zona sul do Rio, ou na zona norte deo Paulo). Nesse sentido, a Renda de
Monolio somente pesaria nos preços em condões raras – como a vista para o mar.
Embora toda renda tenha algum grau de monopólio, para o autor, na maioria dos casos,
esse peso é bastante pequeno em relão ao preço.
48
É o valor do uso, proporcionado pela força produtiva social do trabalho, que
vai agregar valor real ao imóvel. Nesse contexto o “ponto” agregaria mais que o “valor
da infra-estrutura” ou o “valor dos edifícios”, muito embora ambos transfiram valor
para o ponto. Isso faz com que terrenos com padrões construtivos semelhantes ou em
locais que dispõem da mesma infra-estrutura tenham preços diferentes
30
.
O “ponto” proporciona o relacionamento entre os elementos da cidade por
meio de diversos fluxos (transporte de mercadorias, força de trabalho, comunicações,
etc.), não havendo na cidade a Renda Diferencial desenvolvida por Marx para a análise
das terras agrícolas. Torna-se um equívoco, na visão de Villaça (1998, p. 78), comparar
“fertilidade” com localização”, fruto do trabalho social. O que é tratado como “Renda
Diferencial” no espaço urbano, na verdade é meramente um diferencial de valor.
Portanto, “os terrenos têm preços diferentes porque têm valores diferentes, e não porque
produzem rendas diferentes”.
Nesse contexto, “as mudanças de uso ou transformações urbanas não geram
rendas diferenciais, mas reajustes ou atualizações de preço da terra, o preço oscilando
em torno do valor” (VILLAÇA, 1998, p. 79). Por exemplo, uma terra ocupada com uma
residência pode estar com seu valor obstrdo se houver demanda para outra atividade,
de maior valor. A utilização por esta última libera esse valor, ou seja, “quando
estiverem com o uso certo no momento certo, estarão com seu valor plenamente
realizado”.
O monopólio do espaço, ou a propriedade de certas porções de espaço, é o
traço comum de todas as formas de renda, na visão de David Harvey (1980 pp. 153-
165). “Qualquer que seja a forma específica de renda, todos os tipos têm isso em
comum: a apropriação da renda é aquela forma econômica na qual a propriedade do solo
se realiza...”.
Baseado nos estudos de Marx (O Capital, volume 3), enumera três espécies
de renda: a Renda de Monopólio, assegurada pela propriedade do solo; a Renda
Diferencial, propiciada por diferenciais de capacidade produtiva e localização e a
Renda Absoluta, que dá origem a um preço de monolio, em virtude da competição
espacial.
30
Villaça (1998, p. 77) cita o exemplo de um terreno no centro de São Paulo e outro no centro de
Campinas, que dispõem de condições semelhantes (padrões construtivos e disponibilidade de infra-
estrutura), porém o primeiro possui valores muito superiores ao segundo.
49
Concepções neoclássicas da renda do solo procuram atribuir a Renda
Absoluta à oferta fixa de solo, cuja escassez pode ser manipulada artificialmente.
Segundo Harvey (1980, p. 158), Marx interpreta a escassez apenas sob a ótica da
instituição da propriedade privada. Para ele, a propriedade confere ao possuidor a
possibilidade de retirar do mercado parcelas do solo até que as condições econômicas
lhe sejam mais favoráveis. Disso decorre que a renda é “furtada” por aqueles que detêm
a propriedade, já que não contribuem em nada para formação dessa renda, ao contrário
dos capitalistas que ao menos promovem a produção do solo.
3.3 Solo urbano: valor de uso ou valor de troca?
O usuário final, ao adquirir um imóvel urbano (produto), torna-se um
detentor da terra (pelo preço total do imóvel, o que inclui o terreno e a edificação,
condição rara no meio rural, onde se comercializa apenas a produção) e pode beneficiar-
se dos incrementos de preço. A dinâmica do usuário passa a ser identificada não
somente com o papel de “consumidor”, como alguém que busca espaço em virtude da
utilidade que pode proporcionar, mas também com o de “investidor”, considerando que
seu imóvel passa a ser um ativo que pode proporcionar valores adicionais de
rendimentos. Essa lógica (valores de uso e valores de troca) torna complexas as práticas
de consumo e aquisição de espaços urbanos. Portanto, se no campo os agentes
fundamentais do jogo de operação do mercado imobiliário são o possuidor da terra e o
capitalista, na cidade o usuário final passa a desempenhar um papel fundamental,
sobretudo por sua heterogeneidade. O usuário final pode ser um consumidor de
moradia, um comerciante, um industrial, um investidor, etc., de classes econômicas
distintas e, portanto, com interesses e necessidades também distintas, e em não raros
casos conflitantes (JARAMILLO, 2003, pp. 34-35).
A complexidade se agrava, ainda mais, quando se adiciona dois outros
agentes não menos importantes. O primeiro deles é o especulador, aquele que se insere
entre o proprietário original e o capitalista e se ocupada da atividade de comprar e
vender terrenos. O segundo é o arrendador, que diante das dificuldades financeiras dos
consumidores atua não na venda dos imóveis e sim no aluguel dos mesmos. Se no
campo o proprietário do solo é um agente homogêneo, com interesses de classe comum,
na cidade os interesses são, como dito anteriormente, bastante distintos. Políticas
aplicáveis ao meio rural, sobretudo que tenham por objetivo diminuir os privigios da
50
propriedade tendem a afetar um grupo homogêneo, diferentemente do que ocorreria na
cidade.
Para Carlos Morales Schechinger (2005a, pp. 1-2), esses agentes
modeladores do espaço se dividem em dois grupos: os que estão ao lado da oferta e os
que estão ao lado da demanda. Ao lado da oferta encontramos, por exemplo, os
proprietários de imóveis, representados pelos usuários (aqueles que perseguem valores
de uso, ou seja, quando oferece seu imóvel no mercado é unicamente para obter outro
imóvel), e pelos investidores (valores de troca, obtenção de lucro com a venda ou
aluguel dos imóveis). É difícil encontrar agentes que se comportem de modo exclusivo,
sendo comuns condutas que combinem ambos os comportamentos
31
. Dessa prática,
resulta que, entre dois imóveis que possuem condições similares de uso, os compradores
preferem aquele que proporcione o maior valor de troca
32
.
3.4 Os movimentos de preço do solo
Há vários tipos de movimento de preços que afetam os imóveis urbanos,
com características e dinâmicas próprias, das quais Samuel Jaramillo (2003, pp. 37-41)
destaca os “movimentos estruturais gerais”, “os movimentos conjunturais gerais”, “os
movimentos estruturais particulares”, além da “especulação imobiliária”.
Movimentos “gerais” são aqueles que afetam os terrenos urbanos e os preços
como um todo, ao contrário dos “particulares”, que se referem aos movimentos bruscos
que afetam terrenos específicos. “Estruturais”, porque embora lentos e graduais, os
movimentos são perenes. “Conjunturais”, por outro lado, são aqueles movimentos
associados a fenômenos transitórios. Embora tenham a capacidade de provocar
oscilações ascendentes e descendentes nos preços, a tendência e que essas oscilações
sejam ascendentes.
Os “movimentos estruturais gerais se referem aos movimentos globais da
economia e da estrutura urbana, que provocam mudanças nos preços dos imóveis. São,
31
Especialmente no Brasil, há uma tenncia geral em se investir em imóveis, o que resulta nas
preocupações de simples usuários com questões afetas aos movimentos dos preços do solo, ou uma
superposição das lógicas de uso e de troca.
32
As possibilidades futuras de se atribuir usos mais lucrativos aos imóveis, a possibilidade de cercar áreas
de uso comum (gramados e áreas verdes lindeiras) ou de infringir regras urbanísticas para posteriormente
recorrerem à potica de regularização, podem, do mesmo modo, provocar maiores valores de troca,
resultando em apropriação privada de ganhos de valorização. Não se trata, certamente, de um “privilégio”
da experiência encontrada em Brasília (e no DF), porém a prática é significativa numa cidade onde as
regras de uso do solo são consideradas rígidas e onde o planejamento urbano se fez presente de forma tão
intensa.
51
portanto, de longo prazo e perenes. Como exemplos, podem ser citados os “câmbios
tecnológicos” que reduzem o valor das mercadorias e aumentam o poder de compra de
outros bens; o “crescimento demográfico” e o “crescimento econômico”, que resultam
num acréscimo de demanda por espaço urbano e por usos urbanos, o que provoca um
aumento na Renda Absoluta Urbana (que, por sua vez, permite uma maior densidade
construtiva).
Os “movimentos conjunturais gerais” obedecem a femenos transitórios,
oscilações em mercados conectados com o mercado de terras. A “dinâmica financeira
introduz/retira recursos no mercado, o que reflete no aumento e na diminuição da
demanda por imóveis e terrenos e, por conseguinte, no aumento ou na diminuição dos
preços dos imóveis (ainda se as rendas não sofrem alterão). Outro fator são as
acelerações/ desacelerações da instria da construção civil”, que resultam em
oscilações na demanda por imóveis e, do mesmo modo, nos preços.
Os “movimentos estruturais particulareso o resultado, nos terrenos, de
alterações da estrutura urbana. A “alteração de uso” e “as alterações de potencial
construtivo” são os determinantes principais desse tipo de movimento.
Quanto ao primeiro, objeto do presente estudo, é importante ressaltar que na
cidade há uma hierarquia de usos, formada a partir do nível de renda que podem gerar.
Mutações na estrutura urbana (crescimento da mancha urbana, acréscimo de
investimentos em infra-estrutura, etc.) podem provocar mudanças no uso de
determinados terrenos para outros de hierarquia superior, o que resulta em incremento
de preços porque passam a suportar rendas de natureza distinta, como vimos
anteriormente
33
. A alteração de uso de um lote residencial para comercial (a depender
da demanda, o contrário), bem como de terrenos rurais para expansão urbana, desse
modo, faz com que esses imóveis passem a suportar rendas que antes não possuíam, de
hierarquia superior. A trajetória temporal do preço desses imóveis passa por uma fase
inicial, em que segue a tendência geral de movimento de preços; para uma segunda, em
que sofre uma alteração brusca no preço, provocada pela alteração nos usos e,
finalmente, uma terceira, em que o movimento passa a seguir novamente a tendência
geral.
33
Podemos citar como exemplos a expansão de áreas comerciais sobre setores destinados a moradia
,
ou a
expano da mancha urbana sobre áreas rurais, próximas às zonas urbanas.
52
3.5 A gestão social da valorização da terra
Os movimentos de preço do solo beneficiam proprietários com o acréscimo
de valor imobiliário, mesmo que esses proprietários em nada tenham contribuído para a
obtenção dessa vantagem, sendo suficiente apenas que se mantenham inertes, a espera
que as mutações nos preços dos imóveis ocorram e procurarem situações em que seja
possível captar para si essas valorizações.
Como se trata de um bem relativamente irreproduzível, o solo não dispõe de
um custo de produção que possibilite o preçonimo em que um proprietário deve
desembolsar para obtê-lo. Dessa forma, o preço é estabelecido pela competição entre os
demandantes por espaço, que recorrem ao solo, em busca das atividades que nele podem
exercer. Martim Smolka (1987, pp. 53 e 66) corrobora esse entendimento, ao afirmar
que o custo de produção de áreas constrdas não apresenta grandes variações entre
localidades, exceto se houver condições topográficas ou relativas à qualidade do solo
que imponham custos maiores. Resulta que os lucros não dependem propriamente da
diferença entre o custo e o preço de venda, e sim da diferença entre os custos e o
volume de rendas fundiárias extraídas.
Um elemento motivador importante é a expectativa de valorização futura.
Em outras palavras, se o proprietário de um terreno sabe que as rendas que percebe
serão incrementadas no futuro, então deixará de vender o solo pelo preço atual e passará
a incorporar as expectativas futuras, o que Samuel Jaramillo (2003, pp. 15-16) chama de
preço de antecipação
34
. Nessa perspectiva de mudança nas condições diferenciais
surge a possibilidade de controle do processo de valorização fundiária, subordinando-o
às aplicações de capital, ou seja, controle do “processo de criação de externalidades que
sejam internalizáveis.
Por outro lado, para Samuel Jaramillo (op. cit., pp. 44-49), o movimento de
preço dos terrenos faz surgir uma classe de agentes especializados na apropriação de
tais incrementos. Esses agentes criam as condições para que “movimentos estruturais
particulares” e “movimentos conjunturais gerais”, estes últimos quando positivos,
aconteçam, passando a adquirir terrenos antes desses incrementos para vender mais
tarde.
Alguns agentes se limitam a comprar e vender terrenos e imóveis (valor de
troca), não realizando nenhum investimento produtivo sobre os mesmos, portanto se
34
Concepção compartilhada por SMOLKA (1987, pp. 46, 47 e 49) e SCHECHINGER (2005a, p. 4).
53
beneficiam de valorizações imobiliárias sem darem causa às mesmas. Se os fenômenos
que geram valorizações nos imóveis não são controlados ou se, de alguma forma, esses
agentes não podem influenciar as decisões que resultam em valorização, então podemos
dizer que se trata de uma especulação passiva. Seu trabalho, portanto, é o de identificar
os lugares, situações e momentos onde sua atuação pode lhe garantir bons retornos
financeiros, devendo se valer de informações privilegiadas, da falta de transparência do
planejamento e da gestão urbanos, sobretudo no que tange à fragilidade de práticas
participativas. Por outro lado, a especulação é indutiva quando promovida por
construtoras e incorporadoras com potencial para investirem em grandes porções do
espaço urbano e, ao mesmo tempo, influenciar a ocorrência de “movimentos estruturais
particulares”. Podem, por exemplo, adquirir terrenos com preços de uso inferiores e
oferecem projetos para “desenvolverem” essas áreas, alterando seus usos e provocando
preços maiores para venda. Combina, portanto, estratégias de capitalista produtor
(conhecimento do mercado), que objetiva ganhos de produção imobiliária e
especulador, que busca capturar incrementos nos preços dos terrenos que adquire.
A atuação do Estado é de suma importância nesse contexto. Os
investimentos públicos produzem infra-estrutura urbana (sistema viário, equipamentos
públicos) e melhorias urbanísticas que agregam valor à propriedade urbana, em certas
situações
35
. Ao regular o uso do solo e definir as atividades a serem desenvolvidas nas
diversas áreas urbanas, o Poder Público, do mesmo modo, passa a agregar vantagens às
propriedades. Nesses casos, há uma transmissão dos valores investidos para essas
propriedades, que as torna mais valorizadas quanto aos aspectos financeiro (valor de
troca) e qualitativo (valor de uso).
Os investimentos e ações do Poder Público no meio urbano provocam
impactos diretos em termos de valorização da propriedade imobiliária urbana, como
esclarece Fernanda Furtado (2007, p. 243). A essa valorização imobiliária, decorrente
de ações públicas, dá-se o nome de “mais-valias fundiárias”, constituídas de
sucessivos “incrementos de valor da terra que vão sendo gerados no decorrer das
diversas etapas de produção e reprodução presentes no processo de urbanização,
entendido este como um processo permanente”.
35
Em bairros com características sociais de exclusividade, obras viárias – que teoricamente agregariam
valor aos imóveis – trazem maiores fluxos, barulho, poluição, além da presença indesejada de pessoas, o
que pode resultar em desvalorização imobiliária. Algumas obras, como viadutos, podem, inclusive,
reduzir o valor de troca.
54
A idéia de gestão social está embasada na idéia de recuperação pública de
vantagens produzidas socialmente, porém passíveis de apropriação individual. Desse
modo, aqueles que recebem benefícios diretos ou impactos diferenciados em certos
imóveis em comparação ao conjunto dos imóveis urbanos, provocados por
investimentos, regulação, planejamento ou gestão públicos, devem restituir parte desses
valores à coletividade.
O entendimento mais tradicional, entretanto, acerca da recuperação de mais-
valias vincula-se, mais efetivamente, à “contribuição de melhoria”, instrumento
tributário cujo fato gerador é a valorização causada a imóveis urbanos decorrente da
realização de obras e investimentos públicos. Por outro lado, instrumentos pouco
conhecidos e explorados, como a outorga onerosa de alteração de uso, assumem, do
mesmo modo, um papel importante. Trata-se de um instrumento que materializa a
concepção de que, ao atribuir diferentes aproveitamentos e usos aos terrenos urbanos, o
Estado confere a essas propriedades vantagens diferenciadas quanto aos demais imóveis
urbanos o que, portanto, torna as decisões administrativas vinculadas à concessão desses
benefícios especiais um objeto de interesse da potica urbana (FURTADO, 2007, pp.
246-249).
Entretanto, é preciso esclarecer que as rendas do solo envolvem duas
situões distintas: em primeiro lugar, ocorrem rendas de ações que não representam
esforço, risco, tampouco compromisso algum do proprietário; por outro lado, há
aquelas geradas por trabalho e esforço dos proprierios e investidores. Em ambos
os casos, porém, o Estado é beneficia com o acréscimo de valor do imposto predial.
As primeiras ocorrem devido ao esforço da sociedade (provenientes de
investimentos públicos), que melhora as condições urbanísticas (acessibilidade,
disponibilidade de equipamentos públicos, proximidade aos locais de emprego, etc.) e,
consequentemente, produzem rendas diferenciais. Em contextos onde há escassez de
recursos em outros espaços urbanos, resulta por tornar essas rendas diferenciais
verdadeiras rendas de monopólio. Outro exemplo são as vantagens que a localização
proporciona, que resultam em benefícios diretos aos terrenos melhor localizados. Um
terceiro são as destinações de usos do solo pelo Estado, geralmente proibindo usos
específicos e permitindo outros aos imóveis urbanos. Todas essas rendas (mais valias)
são proporcionadas pelo coletivo, porém, a depender do contexto potico, jurídico e
institucional são apropriadas de forma exclusiva pelos proprietários e empreendedores.
55
Por outro lado, há rendas proporcionadas por investimentos dos proprietários
e do mercado, que tornam os acréscimos de valor dos imóveis um produto do capital e
do trabalho (a dinâmica ecomica que, em alguns casos, pode ser proporcionada pela
instalão de um shopping-center, p.ex.). O que está em jogo, portanto, é a distinção
entre os fatores que agregam valor aos imóveis: o que cabe aos investimentos e às
condições diferenciais criados por investimentos particulares e a parcela de valorização
provocada por investimentos e esforços da coletividade (SCHECHINGER, 2003, p. 8).
Se considerarmos que o solo é um recurso estratégico, devemos admitir que,
como tal, necessita de regulação, como são regulados os recursos naturais escassos. A
regulação pode surgir de várias formas: cobrança de impostos prediais que reduzam a
retenção especulativa, obrigação de assumir custos de urbanização, venda de direitos de
uso ou de potencial construtivo, cobrança de outorgas de alteração de uso, etc. Segundo
Schechinger (2005c, p. 1-2), isso permite que o interesse coletivo sobre a propriedade se
sobreponha ao interesse privado, sem que haja uma real necessidade de socializá-la.
Para Vítor Carvalho Pinto (2005, p. 61), a possibilidade de obtenção de
vantagens urbanísticas, que se refletem na apropriação particular de rendas fundiárias,
está ligada à “captura dos órgãos públicos pelos segmentos mais organizados, que
muitas vezes deveriam ser por eles regulados e fiscalizados”, passando a favorecê-los
sob o pretexto de controlá-los. Segundo o autor
A influência excessiva dos segmentos que apresentam interesses
concentrados pode explicar muitas intervenções do Estado nas cidades. Um
exemplo são as freqüentes alterações nas regras urbasticas destinadas a
ampliar as possibilidades de uso dos lotes. O imenso impacto do
zoneamento sobre o valor das propriedades gera um forte incentivo no
sentido da organização de proprietários e empreendedores para influenciar
os políticos e burocratas locais. Proprietários de sítios rurais querem
transformá-los em lotes urbanos. Uma vez ocupados, o Poder Público será
pressionado pela população a investir em infra-estrutura e serviços.
Os investimentos em melhorias urbanas, capturados pelos empreendedores
privados e proprietários e as facilidades que encontram diante das normas urbanísticas
permissíveis aos interesses do mercado contribuem para tornar a valorização possível,
na visão de José Roberto Bassul (2005, p. 67 e 165). Entretanto, o direito de edificar
além do potencial construtivo permitido e o de atribuir aos imóveis usos mais
vantajosos aos atribdos no momento anterior ao da aquisição do imóvelo os fatores
56
mais importantes de agregação de valor aos imóveis: “o direito de construir mais e o de
promover usos mais valorizados no mercado têm sido comumente outorgados pelo
poder público a proprietários e incorporadores sem nenhuma contrapartida”. Não resta
dúvida, entretanto que “os direitos dependentes de autorização do poder público,
legislativas ou administrativas, necessárias ao processo de urbanização, configuram
patrimônio público e, nessa condição, não podem ser graciosamente transferidos ao
domínio privado.
57
PARTE II – METODOLOGIA
1 Considerações iniciais
Nos capítulos contidos no referencial trico foi apresentada uma análise do
planejamento urbano, desde suas origens até os dias atuais, para situarmos o marco em
que se dá os novos pressupostos de planejamento, embasados na função social da
propriedade e na superação da concepção individualista da propriedade urbana e da
cidade. Esses novos pressupostos fundamentam a adoção de práticas de gestão das
cidades voltadas para uma melhor distribuição dos benefícios e ônus do processo de
urbanização, para apropriação e gestão de parte da valorização gerada pelo esforço
coletivo para promoção do desenvolvimento urbano.
Vimos teorias que procuram definir como se dá o processo econômico de
valorização do solo, os efeitos sobre os preços dos imóveis gerados pelos instrumentos
urbanísticos e como a localização – “ponto- e os investimentos públicos são
importantes para a elevação dos preços dos imóveis.
Por fim, teorias que procuraram explicar a formação dos espaços urbanos, os
aspectos econômicos e sociais da formão dos territórios e da configuração espacial,
sobretudo a atuação dos agentes espaciais envolvidos com o valor de troca da terra. Para
os fins do presente trabalho, admitimos que os instrumentos urbanísticos são capazes de
promover variações de preços nas propriedades urbanas, desde que haja uma dinâmica
econômica capaz de demandar os novos usos e, desse modo, desenvolver a propriedade.
Nesse caso, os usos superiores estariam como que represados pela norma, que
promoveria a liberação desses usos segundo o interesse coletivo.
Esses esforços teóricos nos ajudarão a compreender em que contexto
ocorrem alterações de uso de imóveis no Distrito Federal: os pressupostos que
fundamentam a atuação dos órgãos locais de planejamento e gestão urbanos, os valores
(uso e troca) envolvidos na relação com a propriedade urbana, além da relação dos
atores com a produção e transformação do espaço.
O Distrito Federal ainda não possui um Plano Diretor Participativo, adaptado
às exigências do Estatuto da Cidade (aprovado em 2001) e concebido segundo suas
diretrizes. A gestão urbana está em parte fundamentada nos pressupostos do Plano
Diretor de Ordenamento Territorial – PDOT de 1997, instrumento que não logrou
ordenar totalmente o crescimento do território e reduzir as desigualdades sócio-
58
espaciais
36
, embora o DF já faça uso de alguns instrumentos de intervenção e gestão
previstos no Estatuto
37
.
Observa-se como conseqüência direta o fato de que não foram delimitadas as
áreas sujeitas à aplicação dos instrumentos urbanísticos e as estratégias que justificariam
tais intervenções espaciais, o que reduziria aquelas de caráter pontual (imóveis
isolados). Tampouco temos fixadas as condições que a propriedade urbana local deve
atender para cumprir uma função social, bem como o modo de utilização dos
instrumentos fiscais e urbanísticos para tanto. O uso individualista do direito de
propriedade favorece a especulação e a adoção de práticas contrárias aos interesses
coletivos, como a manutenção de vazios urbanos (anexo IX), além da adoção informal
de padrões urbanísticos mais favoráveis, etc.
2 Recorte temporal
A outorga de alteração de uso teve como marco jurídico no DF o PDOT de
1997, que passou a permitir sua aplicação apenas nas Regiões Administrativas que
dispusessem de Plano Diretor Local – PDL, com exceção dos casos em que a alteração
de uso fosse aprovada por meio de lei complementar e dos casos tratados por projetos
de lei em tramitação no Legislativo
38
. Considerando que apenas Candangolândia (LC
97/1998), Samambaia (LC 370/2001), Ceilândia (LC 314/2000), Taguatinga/Águas
Claras (LC 90/1998), Sobradinho (LC 56/1997) e, mais recentemente, Gama (LC
728/2006) e Guará (LC 733/2006) tiveram PDL´s, muitas foram as leis que, exógenas
aos instrumentos de planejamento local, promoveram alterações de uso de imóveis no
Distrito Federal.
Portanto, pelas razões expostas, a coleta de dados tem como marco inicial o
ano de 1997. Utilizaremos, para tanto, dados fornecidos pela Câmara Legislativa, por
meio do LEGIS (Sistema de Informações Legislativas) e informações colhidas em
visitas de campo.
3 Descrição do método
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, baseada em fontes secundárias (análise
de material bibliográfico, de leis, ordenamentos de uso e ocupação do solo e
36
Ver avaliação do PDOT/1997 no Documento Técnico que acompanha o PLC 46/2007 (revisão do
PDOT/97).
37
Instrumentos participativos (conferências, fóruns, audiências públicas) e de inclusão (ZEIS).
38
Artigos 52 e 78 da LC 17/1997, cf. Box 1, p. 117.
59
regulamentos) e primárias (levantamento de dados “in loco”, como localização, usos
aprovados e praticados).
A partir da coleta de dados e da confrontação com as normas de uso do solo,
foi possível identificar tanto alterações aprovadas pelo Poder Público quanto alterações
de uso informais e confrontar os novos usos com os anteriores.
Para fins do presente trabalho, a análise das práticas empíricas de alterações
de uso objetiva verificar se tais alterações estariam promovendo a gestão social ou
interesses individuais. Para isso, torna-se imprescindível investigar como se dá a
atuação dos atores sociais (os agentes poticos, o setor econômico e grupos de interesse,
de uma maneira geral). Essa interpretação se da com base nos interesses envolvidos na
propriedade (valor de uso e valor de troca), desse modo se pauta nas teorias estudadas
no referencial teórico.
Dois indicadores foram considerados para essa avaliação: (1) investigar se as
alterações de uso (ALT) ocorrem como fruto do planejamento urbano (PU), e (2)
investigar se a valorização gerada no processo é arrecada, em parte
39
, e destinada a fins
coletivos, conforme demonstrado no esquema explicativo abaixo.
A partir desses indicadores, as alterações de uso (ALT) passaram a ser
classificadas entre aquelas que foram inseridas ou não no planejamento urbano (PU).
Quanto as primeiras, o passo seguinte é investigar se há, nesses casos, apropriação
coletiva de parte da valorização gerada.
No segundo caso, quanto às alterações de uso encontradas em imóveis
isolados, portanto, desvinculadas de instrumentos de planejamento, investiga-se se
autorização legal para tais alterações. Em síntese, são consideradas as alterações
promovidas unilateralmente, sem respaldo legal (onde houve, portanto, apropriação
privada da valorização imobiliária e a desvinculação com instrumentos de
planejamento), e aquelas aprovadas por meio de instrumentos jurídico-urbanísticos.
Nesse último caso (aprovadas), a intensão é verificar a incidência de contrapartidas aos
cofres públicos.
39
A aplicação do instrumento por iniciativa do Poder Público e a partir do interesse coletivo deve ser
acompanhada de incentivos para adesão, por isso parte dos recursos são compartilhados com os
particulares (proprietários ou investidores, etc.). Entretanto, grande parte das alterações, como será visto
na Parte IV – análise, é de iniciativa do próprio mercado ou dos proprietários.
60
ALT inseridas em PU?
SIM NÃO
! !
Apropriação pública/coletiva?
Aprovação legal?
" # " #
SIM NÃO SIM NÃO
! ! ! !
Gestão social plena Gestão social parcial Apropriação pública/coletiva?
Apropriação individual
" #
SIM NÃO
! !
Gestão social parcial Apropriação individual
Definição de indicadores e passos metodológicos para se alcançar os resultados da pesquisa.
Como visto anteriormente, alterações de uso possuem o potencial de elevar o
valor de mercado dos imóveis urbanos. Partimos do pressuposto de que nenhum
proprietário atribuiria - unilateralmente ou por imposição de regras urbanísticas - usos
inferiores aos seus imóveis, que reduzissem seu preço de mercado. No segundo caso,
em particular, essa alteração não seria admitida pacificamente pelos proprietários, que
passariam a exigir compensações para tanto. Desse modo, vislumbra-se que todos os
casos inseridos no presente trabalho foram objetos de alguma soma de valorização.
A tentativa de identificação de valores arrecadados por outorgas de alteração
de uso se deu por meio de dados fornecidos pelo SIGGO-DF (Sistema Integrado de
Gestão Governamental do Distrito Federal), que proporcionaram a quantificação de
recursos ingressados no FUNDURB
40
(fundo de desenvolvimento urbano do Distrito
Federal).
4 Recorte espacial
Os dados empíricos foram coletados nas Regiões Administrativas de
Brasília, Sudoeste, Lago Norte, Águas Claras e Guará
41
, onde se observou - por meio de
anúncios em classificados, notícias nos órgãos de imprensa, propaganda de construtoras,
informações colhidas junto a órgãos administrativos – que práticas de alterações de uso
vinham ocorrendo. Trata-se de núcleos urbanos próximos ao Plano Piloto e que, por
essa razão, dispõem de preços elevados do solo, o que possibilita uma dinâmica
econômica ímpar.
40
O FUNDURB foi criado pela Lei Complementar n. 36/1997, alterada, recentemente, pela Lei
Complementar n. 800/2009. Ver Box 3, p. 137. A outorga onerosa de alteração de uso (ONALT) é apenas
uma das diversas fontes de ingresso de recurso no fundo.
41
Figura 4, p. 99.
61
O objetivo, entretanto, não é o de catalogar todos os casos existentes de
alteração de uso. O número de objetos de análise selecionados se deu por inclusão
progressiva, ou seja, foram inseridos até o ponto em que as concepções atribuídas aos
mesmos começassem a apresentar certa regularidade. Os objetos em questão não são os
sujeitos da pesquisa e sim o que eles representam, razão pela qual não é possível
selecionar, nesses casos, uma amostra representativa (MINAYO, 2007, p. 48).
Por outro lado, a delimitação de um perímetro de coleta de dados não
pareceu suficiente diante da farta produção de leis e projetos que tratam da matéria
objeto do presente trabalho. Por meio do Sistema Legislativo da Câmara Legislativa do
Distrito Federal – LEGIS e do acompanhamento de ações em trâmite no TJDFT foi
possível identificar, sistematizar e catalogar todo o conjunto de leis produzidas entre os
anos de 1997 a 2008, que tratavam de alterações de uso com finalidade econômica no
Distrito Federal, am de identificar as leis que foram julgadas inconstitucionais por
ações movidas pelo MPDFT.
Esse trabalho mostrou-se importante para identificar não somente os locais
onde as alterações de uso ocorriam, mas ainda conhecer os agentes envolvidos com a
prática e confrontar as referidas alterações com o interesse coletivo, por meio dos dois
indicadores da presente pesquisa: inseridas em programas urbanos? Retorno de parte da
valorização gerada ao FUNDURB?
62
PARTE III – DESCRIÇÃO DA PESQUISA E SEUS RESULTADOS
1 Pressupostos da Alteração de uso como instrumento de indução do
desenvolvimento urbano
O instrumento da alteração de uso, segundo a lei nacional de política urbana,
deve ser utilizado com vistas ao alcance do interesse coletivo. Além da apropriação de
parte da valorização gerada pelo instrumento, a ser aplicada no desenvolvimento das
cidades e na redução das desigualdades sócio-espaciais
42
, as alterações de uso são
indicadas em projetos de revitalização de áreas urbanas, reintegrando-as ao consumo
coletivo.
Ao aplicar os instrumentos urbanísticos, contidos no Estatuto da Cidade, os
municípios e o Distrito Federal devem pensar as intervenções como um objeto de
promoção da ordem urbanística, da função social da cidade e da propriedade e para a
ordenação dos espaços. Por essa razão, é necessário que as áreas sujeitas à intervenção
estejam inseridas em planos diretores que delimitem os espaços, para que, por meio de
leis específicas, discutidas com a coletividade, sejam realizadas alterações de uso. Desse
modo, seriam minimizadas as intervenções pontuais, que se prestam mais a gerar
valorizações artificiais nos imóveis que a promover a ordem urbanística.
A motivação, que impulsiona a aplicação do instrumento, deve ser sempre
coletiva. Equivale a dizer que o Poder Público, sobretudo no âmbito municipal
43
, volta
suas atenções para o território e vislumbra a possibilidade de que um conjunto de
imóveis, inseridos numa determinada zona, passaria a atender melhor ao interesse
coletivo se fosse utilizado para outros fins diversos dos atuais. A adoção de novos usos,
seria acompanhada do recolhimento de parte dos valores gerados aos cofres públicos,
restando aos proprietários um percentual a título de estímulo para que disponibilizem
42
Os recursos, segundo o artigo 31 c/c artigo 26, incisos I a IX da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade),
auferidos com a outorga de alteração de uso devem ser aplicados para as seguintes finalidades:
regularização fundiária, execução de programas e projetos habitacionais de interesse social, constituição
de reserva fundiária, ordenamento e direcionamento da expansão urbana, implantação de equipamentos
urbanos e comunitários, criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes, criação de unidades de
conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental, proteção de áreas de interesse histórico,
cultural ou paisagístico.
43
Compete aos municípios promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e
controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII da Constituição Federal) e a
partir de políticas de desenvolvimento urbano executadas sob diretrizes fixadas pela União (art. 21, XX
c/c 182 da Constituição Federal). O Plano Diretor, aprovado pelo legislativo municipal, é o instrumento
básico dessa política e a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às diretrizes nele
fixadas (art. 182, §§1º e 2º). Por meio do plano diretor, o Poder Público municipal pode, caso deseje
fazer uso do instrumento, fixar áreas nas quais serão permitidas alterações de uso do solo, mediante
contrapartida a ser prestada pelo beneficiário (art. 29 da Lei n. 10.257/2001 Estatuto da Cidade).
63
seus imóveis para tais fins. O ciclo de aplicação do instrumento se concretiza com a
disponibilização dos recursos arrecadados para fins estritamente coletivos.
1.1 Alteração de Uso de Imóveis: revitalização e apropriação de espaços
urbanos
Numa análise acerca da revitalização dos centros históricos das cidades
brasileiras, Bárbara Freitag (2007) traz algumas contribuições ao tema. A autora parte
da constatação de que na história brasileira houve o abandono de cidades, de vilas, de
aldeias para outros núcleos paralelos, para onde foram transferidas as funções
administrativas, poticas, econômicas e comerciais exercidas no antigo núcleo urbano,
resultando na sua quase estagnação ou até mesmo esquecimento. A cidade nova passa a
atrair toda a atenção, os investimentos e o prestígio, passa a abrigar a migração e
assumir as tradições, os costumes e a cultura (FREITAG, 2007, p. 1).
Cidades históricas – como Salvador, Recife e Fortaleza, dentre outras -
foram reconstrdas pela modernidade, por meio de critérios como a higienização, o
embelezamento e a funcionalidade, e adaptadas a condições modernas, com o
aperfeiçoamento do tráfego e a atribuição de usos mais racionais ao solo
(verticalização). Por meio dessas intervenções, transformaram-se em centros urbanos
caóticos, com problemas relativos à poluição, ao tráfego e à especulação imobiliária.
Entretanto, houve iniciativas relativamente bem sucedidas, como o Pelourinho e o
Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura
44
que foram revitalizados e inseridos
na paisagem moderna e pós-moderna, mantendo sua história. A casa da cultura em
Recife (até 1973 era uma prisão) foi preservada e transformou-se num grande centro de
cultura e artesanato, onde é possível conhecer a história e ao mesmo tempo adquirir
peças do artesanato e da cultura local, com reflexos positivos para as atividades
turísticas.
Em outro pólo, cidades como Parati, Tiradentes e Olinda sobreviveram às
intervenções modernistas e foram redescobertas e revalorizadas em sua beleza e
originalidade a partir da segunda metade do século XX. São cidades onde foram
descobertas minas de ouro, prata e jazidas de pedras preciosas no século XVIII ou,
como Parati, serviam de escoadouro desses minérios. Todo um conjunto social, formado
44
Casarões abandonados no centro de Fortaleza foram restaurados e sofreram um processo de
qualificação, a partir de regras de uso voltadas para a cultura e o entretenimento - teatros, cinemas,
galerias de arte, casas de show, restaurantes, bares, enfim umlo de lazer e turismo.
64
por administradores da Coroa Portuguesa, comerciantes e aventureiros deu vida às
cidades, que após o final do ciclo ficaram abandonadas. Entretanto, elas “sobreviveram”
e ganharam nova vida com a descoberta de sua arquitetura colonial e suas igrejas
barrocas, constituindo um patrimônio que revela um verdadeiro tesouro brasileiro, até
então esquecido ou pouco explorado. A sociedade passou a vislumbrar esses núcleos
urbanos a partir das potencialidades que apresentavam.
Afastadas da influência modernista, mas beneficiadas diretamente pelo
desenvolvimento de cidades próximas que assumiram o “ônus da modernização”,
puderam ser restauradas e preservadas. Essas cidades, portanto, expressaram sua
vocação histórica, descobriram a possibilidade de desenvolverem novas atividades
econômicas e transformaram-se em núcleos vivos de cultura, de lazer e de turismo,
certamente o que se pode chamar de uma “revitalização bem sucedida” (FREITAG,
2007, p. 5).
Portanto, não fossem transferidas as atividades para novas cidades, que
assumiram o ônus da modernização, provavelmente essas cidades bem como outras,
como Ouro Preto e Goiás Velho, teriam sucumbido, sob a devastação do seu patrimônio
histórico em nome da modernidade. Portanto, sua decadência inicial, ao que tudo indica,
contribuiu para sua preservação histórico-cultural inicialmente. A carência de recursos
para manutenção, provocada pelo esvaziamento de atividades e pelo abandono,
entretanto, teve de ser revertida posteriormente para que esse mesmo patrimônio fosse
preservado.
A expressão “revitalizar” significa, de fato, dar nova vida. Contrapõe-se às
tentativas de atribuir um valor “museal” aos objetos materiais, materializando-los de
forma pulsante, de maneira que possam ser efetivamente consumidos pelas pessoas.
Esse fato ocorreu nas cidades históricas citadas, onde suas construções históricas
passaram a abrigar confeitarias, choparias e cinemas, mantendo sua arquitetura e
passado histórico intactos.
Nesses casos, a aplicação de instrumentos urbanísticos teve como
pressuposto o interesse coletivo, onde as intervenções urbanas foram pensadas num
contexto de reintegração de grandes áreas ao consumo coletivo, promoção de atividades
produtivas (dinamização do turismo), o que resultou na reintegração de funções urbanas
outrora perdidas.
Em 1983, a Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), propôs uma
reciclagem urbanística” na zona portuária, onde foram previstos complexos comerciais
65
(bares, restaurantes, hotéis, auditórios e centros de convenção, lojas, escritórios, etc.)
com o objetivo de reforçar a vocação econômica da cidade como prestadora de
serviços e pólo comercial internacional do país” (BRASIL, 2005, p. 27). Trata-se de
uma intervenção que contou com a adesão do setor econômico, parceiro fundamental
para que as intervenções se auto-sustentem e minimizem os sempre escassos recursos
públicos, essenciais para aplicação em zonas mais carentes da cidade. Na mesma linha,
a utilização de prédios institucionais
45
subutilizados por parte do Governo Federal,
localizados em áreas urbanas dotadas de infra-estrutura e próximas aos locais de
emprego em programas habitacionais para comunidades que vivem à margem do
mercado imobiliário é uma iniciativa importante, que mostra o viés coletivo da
aplicação dos instrumentos urbanísticos, sobretudo da alteração de uso. Esse fato tem
demonstrado que a adaptação dos prédios (muitos deles outrora ocupados pelo INSS)
para o uso residencial possibilita que os imóveis em questão cumpram sua função
social. Em que pese a um custo financeiro superior a outras provisões de habitação para
finalidade social e em baixa escala, o fato é que o custo social é inferior ao das soluções
tradicionais, voltadas, em grande parte, à construção de casas e conjugados populares
em zonas periféricas, sem infra-estrutura e longe dos locais de trabalho.
São, portanto, experiências que reforçam o caráter social do instrumento e
demonstram que são uma alternativa a intervenções que ocorreram no passado, voltados
em grande medida para o saneamento e para o embelezamento das cidades e que
resultavam em um custo social considerável
46
.
Desse modo, é possível verificar que intervenções urbanísticas podem
possibilitar o alcance ou o afastamento dos interesses coletivos. As intervenções
urbanísticas que utilizam o instrumento da alteração de uso, por um lado, podem
respeitar as características históricas, culturas e artísticas dos núcleos urbanos e auxiliar
na busca de uma nova urbanidade, um consumo dos espaços e uma apropriação
45
Prédios do INSS em Porto Alegre (Avenida Borges de Medeiros) sofreram adaptação para abrigar
apartamentos de 1 e 2 quartos, com recursos do Programa Crédito Solidário do Ministério das Cidades.
Outros imóveis em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória e também em Curitiba estão sendo
adaptados para o mesmo fim. Fonte: http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/programas-
urbanos/programas/programa-de-reabilitacao-de-areas-urbanas-centrais/rede-centros/de-maio-2006-a-
dezembro-2007/rede-centros-no-14?searchterm=inss+moradia. Acesso em 05/01/2009.
46
Discutimos a crítica ao planejamento urbano na Parte I, onde foi abordado o planejamento sanitarista
do início doculo XX no Brasil. Essas experiências, inspiradas em modelos internacionais (cidades da
Europa e Estados Unidos) foram marcadas pela expulsão da população pobre das áreas centrais na medida
em que as novas intervenções urbanísticas públicas e privadas promovem a revalorização imobiliária,
processo conhecido como de “enobrecimento” espacial (BRASIL, 2005, p. 18).
66
pulsante” dos mesmos. Por outro, podem resultar no afastamento de moradores, num
processo de segregação, conferindo às cidades um caráter elitista e discriminatório, a
depender dos pressupostos que embasam tais intervenções (gestão social ou
individualismo).
Portanto, o grande desafio é reabilitar as áreas urbanas degradadas, como
uma estratégia de ampliar o espaço de urbanidade e consumo coletivo e maximizar o
aproveitamento de investimentos públicos em equipamentos e infra-estrutura. As
iniciativas voltadas para a recuperação e revitalização de áreas urbanas degradadas
demonstram que a preservação urbana deve ser considerada como um processo urbano
relevante, considerando os investimentos realizados nas áreas em questão (BRITO,
2003, p. 5).
Entretanto, torna-se fundamental garantir que uma parcela cada vez maior da
população possa ter acesso a áreas melhores equipadas e estruturadas e fazer com que a
propriedade atenda uma função social. Os imóveis que não cumprem mais as
finalidades para as quais foram edificados, que estejam vazios e sem interesse de uso
por parte dos seus proprietários, podem ser incorporados à cidade por meio do Plano
Diretor, de maneira que passe a cumprir sua função social a partir da incorporação de
novos usos.
1.2 Alteração de Uso como instrumento de financiamento das cidades
Os investimentos públicos no meio urbano provocam impactos diretos em
termos de valorização da propriedade imobiliária urbana
47
. Há diversos instrumentos
jurídico-urbanísticos, definidos pela legislação brasileira, que permitem ao Estado
recuperar parte desses valores e aplicá-los em políticas de desenvolvimento urbano
48
.
O imposto predial territorial urbano – IPTU, na forma progressiva, é um dos
instrumentos de que pode se valer o Poder Público para enfrentar a especulação
imobiliária, promover a captação de mais-valias
49
e, por conseguinte, o
47
Na Parte I discutimos os processos de formação e a alteração dos preços do solo.
48
Artigo 31 do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001).
49
Como vimos na Parte I, mais-valias sãoincrementos de valor da terra que vão sendo gerados no
decorrer das diversas etapas de produção e reprodução presentes no processo de urbanização, entendido
este como um processo permanente” (FURTADO, 2007, p. 243). O Estatuto tratou da questão da
recuperação de mais-valias fundiárias por meio de diretrizes gerais fixadas no art. 2º, incisos IX e XI. O
primeiro determina a “justa distribuição de benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização”, e
o segundo a “recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de
imóveis urbanos”.
67
desenvolvimento racional das cidades (DE CESARE, 1998). O imposto de
transferência de bens inter-vivos – ITBI, do mesmo modo, possui potencial para
restituir ao Estado parte dos investimentos aplicados na cidade e apropriados pelo
mercado imobiliário. Já a outorga onerosa do direito de construir é outro instrumento
que também possui potencial para restituir ao Estado parte dos investimentos aplicados,
sobretudo porque nesse instrumento o particular demanda ainda mais serviços,
considerando que cria solo e intensifica o uso dos equipamentos públicos, sendo justo,
portanto, o re-equilíbrio entre o ônus e onus do processo de urbanização (CÂMARA
DOS DEPUTADOS, 2005, pp. 143-146).
A contribuição de melhoria, por sua vez, é um instrumento tributário cujo
fato gerador é a valorização causada a imóveis urbanos decorrente da realização de
obras e investimentos públicos (FURTADO, 2007, p. 246).
Do mesmo modo, Fernanda Furtado (2007, p. 246) faz uma avaliação
bastante realista da “contribuição de melhoria”, enquanto instrumento com enorme
potencial na teoria, mas que não se confirma na prática. Para a autora, trata-se de uma
ferramenta pouco efetiva tanto no Brasil quanto na América Latina. Por um lado, devido
ao fato de que “as possibilidades de ação positiva do Estado para a recuperação de mais-
valias fundiárias ficavam limitadas às atuações públicas que envolviam efetivo e
imediato disndio de recursos”, ficando de fora, portanto, a valorização por mudança
de uso e outras decies administrativas. Por outro, “a parcela a ser recuperada foi
fixada como o montante equivalente aos custos do investimento público realizado, mas
também limitada à valorização percebida por cada proprietário”, o que resultou em
dificuldades técnicas e operacionais que, aliadas à rejeição cultural, praticamente
inviabilizaram a aplicação do instrumento.
Por outro lado, a autora (FURTADO, 2007, p. 247) reforça a idéia de que
devem ser aperfeiçoados os mecanismos que permitam ao Estado a aproprião das
mais valias geradas por atuação do Estado. Esclarece, ainda, que:
a própria noção de justiça distributiva, contida na idéia da recuperação
pública de algo produzido socialmente e passível de ser apropriado
privadamente, foi reduzida à idéia de que aqueles que recebam benefícios
especiais devam devolver à coletividade o custo correspondente a tais
68
vantagens, desconsiderando o importante aspecto das decisões, nem sempre
justas, para a (prévia) distribuição daqueles benefícios.
Muito embora haja argumentos de que os recursos gerados, por exemplo,
com a outorga onerosa do direito de construir, são limitados, a autora (FURTADO,
2007, p. 253) ressalta que são importantes quando se trata de finalidade redistributiva,
sobretudo quando nos atemos a cenários urbanos desiguais, como o brasileiro.
Em cada uma das etapas do processo de urbanização (planejamento,
provisão, regulação e gestão) são geradas mais-valias, ou seja, “incrementos pontuais de
valor às terras envolvidas em cada atuação específica”. Uma parcela que é incluída no
perímetro urbano é beneficiada em todo esse processo, com infra-estrutura e serviços
urbanos, acessibilidade e equipamentos, além de determinados potenciais de uso e
construtivo. Ao final, a parcela de terra urbana terá seu valor multiplicado, sendo esse o
fundamento para que seja parte da valorização distribuída para a coletividade em vez de
ser apropriada totalmente pelos proprietários urbanos (FURTADO, 2007, p. 244).
A outorga de alteração de uso, portanto, integra esse conjunto de
instrumentos que possuem o potencial de recuperar parte da valorização imobiliária,
nesse caso em específico provocada por regras de uso e ocupação do solo, e geri-la
segundo interesses sociais. Seu fundamento é o de que a concessão pública de novos
usos, que dinamizem o valor da propriedade imobiliária, deve ser embasada no interesse
coletivo, o que justifica a apropriação de parte da valorização gerada em nome da “justa
distribuição de benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização
50
.
2 Alterações de uso no Distrito Federal: caracterização do território
A formação dos espaços urbanos não está articulada somente a fatores
estruturais, como as condições gerais em que os países e as cidades se inserem no modo
de produção capitalista
51
. São formados em grande parte pela ação de forças políticas,
econômicas e sociais de âmbito local, que imprimem características individualizadoras
aos espaços e os contrapõem à tendência de homogeneização, provocada pelas
condições estruturais. Torna-se importante, desse modo, discutir as características
50
Art. 2º, IX do Estatuto da Cidade.
51
Para uma análise acerca da influência da sócio-economia mundial na organização espacial do DF ver
Cidade, Lúcia Cony Faria. Acumulação flexível e gestão do território no DF, in. Paviane, Aldo (org.)
Brasília – gestão urbana: conflitos e cidadania. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.
69
peculiares de formação dos espaços urbanos, para que se compreenda de que forma
esses espaços são produzidos. O Distrito Federal possui características próprias, que
formam o “pano de fundo” onde procuraremos caracterizar as alterações de uso.
2.1 Contexto histórico
Após mais de dois culos
52
, os ideais de transferência da capital para o
interior do país tomavam forma. Dentre 26 projetos apresentados, o Arquiteto Lucio
Costa venceria o concurso, ao apresentar a única proposta, no entendimento do júri do
concurso, condizente com a capital do Brasil. De um traçado simples, seria projetada a
cidade onde se instalaria a “capital do futuro”. Brasília simbolizou um evento somente
perceptível aos espíritos evoluídos, aos homens de idéias avançadas, aos
contemporâneos do futuro” (BICCA, 1985, p. 105).
Em que pese a integração do país conter uma perspectiva econômica, por
meio do fortalecimento das ligações entre o centro econômico mais dinâmico localizado
no sudeste e as demais partes do país, o que tornou possível a construção de Brasília
como parte do processo de reorganização do território, a cidade rapidamente foi
marcada por questões notadamente ideológicas (HOLANDA, 2002, pp. 290-294).
Reproduziu a idéia de um estado acima das classes sociais, autônomo, e o simbolismo
de uma nova era de modernização de um país até então agrário, portanto uma “cidade
nova para uma nova sociedade” (OLIVEIRA, 2005, p. 12-13).
As linhas arquitetônicas modernistas
53
transformaram-se num símbolo da
cidade e do país. O ideário modernista não se conteve em pensar uma nova cidade e foi
além, ao imaginar uma nova nação. Se para a política e a economia Brasília
52
A idéia da construção de uma nova capital para o Brasil remonta ao século XVIII, por meio do
Marquês de Pombal em 1761 e José Bonifácio em 1823, surgindo, dessa época, inclusive, o nome Brasília
(CODEPLAN, 1992, p. 15). A idéia foi apresentada à Assembléia Geral do Império no ano de 1823, por
José Bonifácio, com o fundamento de que a nova capital, além de absorver excedentes populacionais das
cidades litorâneas, permitiria uma maior segurança ao Estado e dinamizaria um novo mercado produtivo
no centro do país. (HOLANDA, 2002, p. 284). Em 1824, a Constituição Brasileira estabeleceu como meta
a implantação da capital do país no planalto central, o que somente foi materializado mais tarde, a partir
da Proclamação da República quando uma comissãocnica – a Missão Cruls – demarcou o quadrilátero
no centro do país que reuniria as condições geológicas, climatológicas e ambientais favoráveis
(HOLANDA, 2002, p. 284). A partir de então, a pedra fundamental foi lançada em 1922, na região onde
hoje está localizada a Região Administrativa de Planaltina. Novamente, a Constituição de 1930 previu a
implantação da cidade, fato que se repetiu na Constituição seguinte, de 1946, ocasião em que se
estabeleceu medida mais pragmática, voltada para a nomeação de especialistas técnicos que finalmente
fixariam a localização definitiva da futura cidade. Dez anos depois, o recém empossado Presidente
Juscelino Kubitschek de Oliveira, atendendo às disposições do seu plano de metas, faria publicas as
regras para o concurso que elegeria o projeto da nova capital.
53
Cf. Parte I.
70
representava a ocupação do interior, a integração do país e a meta-síntese do plano de
metas do governo Juscelino, para os modernistas a cidade simbolizava, tanto em termos
arquitetônicos quanto em termos urbanísticos, a construção de uma nova nação. Lucio
Costa traçou do vazio uma capital moderna, que aos seus olhos deveria ser capaz de
influir nos destinos da nação.
Nas palavras do próprio urbanista, cerca de um terço dos trabalhadores
deveriam retornar aos seus estados de origem. Os demais seriam empregados nas
atividades agrícolas do entorno do Distrito Federal e, outra parte, serviria à
administração federal. Havia a utopia de que um ministro de estado e um motorista
ocupassem o mesmo bairro. Lucio Costa agiu como um grande “intérprete de sonhos e
sentimentos” que contagiaram candangos e pioneiros, os quais trabalharam ativamente
na transformação da realidade, na construção da nação acima das classes, motivados
pela confiança inspirada por JK (OLIVEIRA, 2005, p.258).
Consolidada a capital, tornava-se urgente protegê-la, o que resultou na
inscrição de Brasília como patrimônio cultural da humanidade por meio de suas quatro
escalas de tombamento
54
. Como esclarece Campofiorito (2007, p. 2), havia a exigência,
por parte da Unesco, de que o poder público local protegesse a cidade, estabelecendo
defesas legais, o que veio a acontecer por meio do Decreto n. 10.829, de 1987. A
preocupação da Unesco era apenas com a proposição urbana e arquitetônica original,
por isso a cidade foi tombada de forma inovadora, a partir das quatro escalas que
expressavam as funções ou necessidades consagradas pela Carta de Atenas (habitação,
trabalho, cultura e circulação). Portanto o objetivo foi atender àquela instituição e
salvaguardar a cidade modernista, protegendo-a sem imobilizá-la fisicamente, pelo
contrário, permitindo, com a exceção do resguardo de alguns monumentos
54
O espaço mais destacado na paisagem da cidade tornou-se, sem dúvida, o eixo monumental, que
corresponde à faixa que compreende a praça dos três poderes, a esplanada dos ministérios, a catedral, o
teatro nacional, a torre de televisão, o centro de convenções até as proximidades da estação
rodoferroviária. A escala gregária, a seu turno, se mostra nos quatro cantos do cruzamento central dos
eixos rodovrio e monumental. Mas pode ser encontrada ainda no centro urbano, nos corcios locais e
na Avenida W3. Trata-se de espaços para agregar as pessoas, permitir a interação em torno de bares, de
cinemas, teatros, etc. A escala bucólica refere-se ao acesso ao lago, às amplas áreas verdes e a cobertura
vegetal que marca toda a paisagem urbana da cidade. Onde não houver terrenos comprometidos com a
edificação, ali estará uma faixa de terra non aedificandi reservada ao cerrado, aos bosques, à recreação e
ao lazer. Por fim, a escala residencial, que constava no projeto original por meio de dois tipos distintos, as
superquadras, compostas por habitação coletiva – blocos de apartamentos - e as habitações unifamiliares,
projetadas para abrigar as famílias de maior poder aquisitivo no Lago Sul e no Lago Norte
(CAMPOFIORITO, 2007, pp. 3-5).
71
excepcionais
55
, que as edificações ficassem liberadas para modificações que não
rompesse com a escala em que se inseriam (CAMPOFIORITO, 2007, pp. 1-2).
Embora tenham surgido algumas modificações ao projeto original, como,
por exemplo, a criação de novas quadras não previstas, a transformação de outras como
a avenida W3
56
e o superdimensionamento do comércio local (que passou a atender a
todo o Distrito Federal e não apenas às superquadras) as condições urbanísticas de
Brasília foram mantidas (HOLANDA, 2002, p. 325). A maior modificação ao projeto
foi social, a partir da criação precoce de cidades-satélites em áreas distantes do Plano
Piloto, para abrigar grande parte da população mais humilde que ajudou a construir a
cidade (PAVIANI, 1989, p. 65).
Materializou-se no espaço uma cidade seletiva, ao mesmo tempo em que
surgia uma ampla ocupação dispersa, formada pelas Regiões Administrativas do
Distrito Federal e por municípios goianos. Surgia a “Brasília Metropolitana”, composta
pelo Plano Piloto (Brasília 1) em conjunto com as cidades-satélites (Brasília 2) e o
Entorno do Distrito Federal (Brasília 3), segundo Paviani (1989, pp. 54-55).
2.2 Características morfológicas: seletividade e segregação
Durante as obras de construção da cidade, já havia uma multidão de
trabalhadores acumulados em alojamentos e invasões, enquanto levantavam, em ritmo
acelerado, os prédios da nova capital. Na chamada invasão do IAPI
57
já residiam cerca
de cinqüenta mil pessoas, o que obrigou o governo a criar, antes mesmo da inauguração
de Brasília, a primeira cidade-satélite (Taguatinga) em 1958. Após Taguatinga, foram
criados oscleos urbanos do Gama, Sobradinho e Ceilândia, também para abrigarem
famílias oriundas das invasões que não paravam de se formar devido aos intensos fluxos
migratórios que chegaram a proporcionar um crescimento populacional de quase cem
por cento ao ano (CODEPLAN, 1992, p. 19).
Os novos núcleos urbanos, criados para acolher esse intenso fluxo
populacional, localizavam-se em áreas muito distantes, separadas por zonas rurais,
55
Como, por exemplo, a Catedral, os pacios, a Praça dos Três Poderes, o Congresso Nacional, etc.,
muitos dos quais foram protegidos, inclusive, de forma individualizada.
56
Pensada para abrigar o comércio atacadista, de modo a servir às lojas da SCLS, am de granjas e
pequenas chácaras nas 700.
57
Assim denominada em função da proximidade com o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos
Industriários (IAPI).
72
amplos espaços verdes e estradas-parques. Sustentado por argumentos ambientais
58
,
esse fato resultou no surgimento de teses que associaram o movimento de erradicação
de invasões a formação de uma espécie de “anel sanitário”, que segregaria os pobres
para espaços distantes, enquanto que as faixas de terras localizadas na Bacia do Paranoá
(FIG. 1) estariam reservadas para as classes de renda mais elevadas. Dentro do anel
apenas as classes média e alta; fora do anel, os pobres (PAVIANI, 1989, p.66).
No perímetro do “anel”, entretanto, permaneceram dois núcleos urbanos que
resistiram ao processo de expulsão: a Cidade Livre, hoje Núcleo Bandeirante, e a Vila
Paranoá. A cidade satélite do Cruzeiro, cuja ocupação remonta o ano de 1955 para
abrigar servidores públicos vindos do Rio de Janeiro, o Guará, criada em 1968 para dar
vazão à demanda habitacional, assim como o Gua II, o primeiro empreendimento de
mercado destinado à moradia lançado até então, foram criados no perímetro interno à
Bacia do Paranoá (DISTRITO FEDERAL, 2004, pp. 115-116).
Milhares de trabalhadores não tiveram acesso a uma parcela de espaço na
cidade que ajudaram a construir, muito embora a intenção explícita de Lucio Costa
tenha sido a de não segregar (HOLANDA, 2003, 43).
As condições originariamente planejadas não foram implantadas em sua
totalidade, pois Brasília ainda hoje não abriga os quinhentos mil habitantes, como
estabelecido. A existência de vazios urbanos por um lado, e de núcleos isolados e com
infra-estrutura e equipamentos deficientes, por outro, tornaram o valor da terra bastante
elevado, resultando na ocorrência de centralidades geradoras de valorização imobiliária
e numa escassez de recursos nas demais cidades.
Para Paviani (1989, pp. 41-42), “A manipulação da terra urbana no mundo
ocidental capitalista obedece à mesma lógica do uso de qualquer recurso para a
produção e para o consumo”. Decorre que as atitudes dos agentes modeladores do
espaço resultam, dentre outros fatores, em especulação imobiliária e concentração de
58
O Plano Diretor de Água, Esgoto e Controle da Poluição, elaborado em 1970 pela empresa Planidro,
influenciou todo o processo de ocupação territorial que se seguia. Para atender aos condicionantes de
ordem sanitária desse plano (abastecimento de água e esgotamento sanitário) os núcleos foram orientados
para fora da Bacia do Paranoá e o eixo sudoeste foi escolhido como o mais propício para ocupação
urbana. O plano recomendava expressamente a não ocupação dos espaços livres da Bacia do Paranoá.
Por outro lado, como visto, o núcleo urbano de Taguatinga foi criado em 1958 (Sobradinho e Gama em
1960), antes mesmo da inauguração da nova capital, fora dos limites da bacia, o que sugere que a decisão
de segregar precede aos argumentos de ordem ambiental e sanitária. Lucio Costa, posteriormente,
recomendaria a criação de novos bairros no interior da bacia, como as Quadras Econômicas Lucio Costa
(QELC), o Setor Sudoeste e o Setor Noroeste.
73
equipamentos, serviços e melhores condições de moradia em determinados pontos,
ensejando inflação nos preços dos imóveis urbanos.
Figura 1 – Destaque da área delimitada pela Bacia do Paranoá. Mapa Rodoviário do DF.
DER/DF.
Ao arcar com os elevados custos da expansão dos serviços públicos e da
infra-estrutura física, o Estado provoca um impacto indesejável no orçamento público,
diante de uma ótica de recursos escassos. Segundo Paviani (1989, p. 56), entretanto:
Não faltará, por certo, recurso para polir o espaço do Plano Piloto, colocar
ou retirar mármore de monumentos ou palácios...Não faltará verba para
uma prematura renovação urbana, como cirurgia em equipamento tornado
obsoleto visando manter aquecida a indústria das reformas, um rico filão
para setores especializados dentro do quadro de terceirização, com inchação
da classe proletária.
O custo social para as os habitantes dos núcleos urbanos periféricos, sem
dúvida, é considerável. Enfrentam viagens longas, cansativas e caras até Brasília para
trabalharem e utilizarem equipamentos não disponíveis nas Regiões Administrativas e
se submetem a condições de trânsito cada dia mais deficientes e perigosas, devido ao
74
fluxo intenso de veículos que satura completamente as vias de acesso nos horários de
pico (PAVIANI, 1989, p. 57). Esse conjunto torna o índice de passageiro/km (ipk) do
Distrito Federal o mais alto do país (HOLANDA, 2003, p. 53).
Para Paviani (1989, p. 57), o poder político central e as elites locais e
federais concentraram as atenções de forma majoritária no Plano Piloto, onde, em
decorrência desse fato, estão materializados os melhores equipamentos físicos e sociais,
os melhores empregos e os mais elevados salários. Ressalta ainda estarem no Plano
Piloto os melhores hospitais, instituições de ensino superior, as mais equipadas escolas,
os grandes centros de negócio e os mais importantes veículos de comunicação de massa.
Toda essa concentração possibilitou, portanto, a criação de poderes econômicos e
poticos. Tudo isso contribui para conferir ao Plano Piloto (e aos espaços mais
próximos) condições de vida privilegiadas, o que reflete diretamente no pro dos
imóveis.
Outro dado importante para aferir o nível de seletividade de Brasília é o
nível de dispersão urbana
59
. Embora se concentre em uma região plana, o Distrito
Federal tem um dos maiores níveis de dispersão do mundo, superior a de cidades como
o Rio de Janeiro, marcada por um relevo extremamente acidentado (FIG. 2). Essa
característica acentua o custo social de se viver em núcleos periféricos, não somente
pela questão do transporte, como ressaltado, mais ainda pelo encarecimento da infra-
estrutura, o que acaba por valorizar ainda mais, do ponto de vista econômico, as áreas
centrais providas de oportunidades, de empregos e de acesso a equipamentos e serviços
não encontrados na periferia (SMOLKA, 1999).
59
O índice de dispersão urbana, desenvolvido por Bertaud e Malpezzi, compara núcleos urbanos a uma
forma hipotética de cidade, de forma circular e com área idêntica. São considerados três fatores: a
distância dos centros dos núcleos ao centro da cidade (no DF, o cruzamento dos eixos monumental e
rodoviário), as populações (dos centros e a total) e a distância. O método foi aplicado em 48 cidades de
todos os continentes. Frederico Holanda ampliou o estudo para 56 cidades, e concluiu que o DF é a
segunda mais dispersa.
75
Figura 2 - Índice de dispersão urbana no mundo. Fonte: HOLANDA, Frederico de. Brasília:
cidade moderna, cidade eterna. Brasília: s/n, 2006, p. 31.
Ocupar um espaço no Plano Piloto (ou nas proximidades dele) significa estar
inserido num ambiente urbano, portanto, diferenciado. Resulta numa aspiração natural
de muitos, o que se reflete num demanda potencial e na garantia de um sólido
investimento ecomico. Desse modo, a localização socioeconômica da populão do
Distrito Federal (TAB. 1) é marcada por uma concentração de famílias com padrões de
renda mais elevada no Plano Piloto e proximidades, caindo sensivelmente em direção às
áreas mais afastadas.
Tabela 1 – Renda por Regiões Administrativas – 2004, em salários mínimos.
RA´s Renda Domiciliar
Mensal (SM)
Renda per Capita
Mensal (SM)
Distrito Federal
9,0
2,4
RA I - Brasília 19,3 6,8
RA II Gama 6,0 1,6
RA III – Taguatinga 9,6 2,5
RA IV – Brazlândia 3,4 0,8
RA V – Sobradinho 9,2 2,4
RA VI – Planaltina 3,2 0,8
RA VII – Paranoá 5,2 1,2
RA VIII – Núcleo Bandeirante 8,3 2,4
RA IX – Ceilândia 4,7 1,2
RA X – Guará 12,3 3,3
RA XI – Cruzeiro 12,1 3,1
76
RA XII – Samambaia 4,0 1,0
RA XIII – Santa Maria 3,7 0,9
RA XIV – São Sebastião 5,2 1,4
RA XV – Recanto das Emas 3,9 0,9
RA XVI – Lago Sul 43,4 10,8
RA XVII – Riacho Fundo 5,9 1,5
RA XVIII – Lago Norte 34,3 7,8
RA XIX - Candangolândia 8,3 2,2
RA XX – Águas Claras 12,4 3,3
RA XXI – Riacho Fundo II 3,3 0,9
RA XXII – Sudoeste/Octogonal 24,1 8,6
RA XXIII – Varjão 2,8 0,8
RA XXIV – Park Way 19,6 4,9
RA XXV – SCIA (Estrutural) 1,9 0,4
RA XXVI – Sobradinho II 6,5 1,7
RA XXVIII – Itapoá 1,6 0,4
Fonte: SEPLAN/CODEPLAN – Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios – PDAD – 2004 apud DISTRITO
FEDERAL. Síntese de informações socioeconômicas. Brasília, 2006. Disponível em:
http://www.codeplan.df.gov.br/sites/200/216/00000005.pdf. Acesso em 02 de março de 2007.(1) Para a Região
Administrativa XXVII Jardim Botânico não existem informações por ter sido criada após o término da
pesquisa.(2) A Região Administrativa XXIX SIA foi criada em 2005 e não possui unidades residenciais.
Concentrou-se no Plano Piloto, ainda, cerca de 70% dos empregos formais
do Distrito Federal (GRAF. 1), além das melhores atividades (comércio, educação,
diversão, arte, lazer, cultura, órgãos públicos, etc.) e equipamentos públicos e
comunitários, embora abrigue apenas 9,5% dos habitantes do Distrito Federal (TAB. 2).
Gráfico 1 – Estoque de empregos formais por Regiões Administrativas – 2003.
Fonte: DISTRITO FEDERAL. Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal:
audiência pública. Brasília, 2005, p. 18. Disponível em:
http://www.seduh.df.gov.br/sites/100/155/Downloads/Apresentacao_1_Audiencia_Final1.pdf.
Acesso em 02 de março de 2007.
77
Tabela 2 – População por Regiões Administrativas 2004.
RA’s Total de
Habitantes
Percentual
Distrito Federal
2.096.534
100,0
RA I - Brasília 198.906 9,5
RA II Gama 112.019 5,3
RA III – Taguatinga 223.452 10,7
RA IV – Brazlândia 48.958 2,3
RA V – Sobradinho 61.290 2,9
RA VI – Planaltina 141.097 6,7
RA VII – Paranoá 39.630 1,9
RA VIII – Núcleo Bandeirante 22.688 1,1
RA IX – Ceilândia 332.455 15,9
RA X – Guará 112.989 5,4
RA XI – Cruzeiro 40.934 2,0
RA XII – Samambaia 147.907 7,1
RA XIII – Santa Maria 89.721 4,3
RA XIV – São Sebastião 69.469 3,3
RA XV – Recanto das Emas 102.271 4,9
RA XVI – Lago Sul 24.406 1,2
RA XVII – Riacho Fundo 26.093 1,2
RA XVIII – Lago Norte 23.000 1,1
RA XIX - Candangolândia 13.660 0,7
RA XX – Águas Claras 43.623 2,1
RA XXI – Riacho Fundo II 17.386 0,8
RA XXII – Sudoeste/Octogonal 46.829 2,2
RA XXIII – Varjão 5.945 0,3
RA XXIV – Park Way 19.252 0,9
RA XXV – SCIA (Estrutural) 14.497 0,7
RA XXVI – Sobradinho II 71.805 3,4
RA XXVIII – Itapoá 46.252 2,2
Tabela 1 - População Urbana do Distrito Federal segundo as Regiões Administrativas – 2004.
Fonte: SEPLAN/CODEPLAN – Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios – PDAD – 2004 apud
DISTRITO FEDERAL. Síntese de informações socioeconômicas. Brasília, 2006. Disponível em:
http://www.codeplan.df.gov.br/sites/200/216/00000005.pdf. Acesso em 02 de março de 2007. (1) Para
a Região Administrativa XXVII Jardim Botânico não existem informações por ter sido criada após o
término da pesquisa. (2) A Região Administrativa XXIX SIA foi criada em 2005 e não possui
unidades residenciais.
A criação da nova capital foi marcada, desse modo, por um contraste entre a
proteção da qualidade de vida no Plano Piloto e a fundação de núcleos urbanos
dispersos, em áreas distantes e sem uma preocupação aparente com a qualidade de vida
urbana - disponibilidade de empregos, equipamentos públicos, etc. – que as tornaram
menos cidades e mais cidades-satélites ou “cidades dormitório
60
.
60
Há uma série de definições e características associadas ao conceito. Para fins do presente trabalho,
entretanto, cidade-dormitório refere-se aos núcleos urbanos que apresentam economia pouco dinâmica,
78
O mercado de imóveis (GRAF. 2) não poderia deixar de refletir essa
disparidade marcante entre um “centro concentrador de oportunidade e uma periferia
segregada. O gradiente de valorização da terra aponta para preços mais elevados nas
áreas próximas aocleo central (Plano Piloto), diminuindo proporcionalmente à
medida que se distancia (BANCO MUNDIAL, 2003, p. 13). As condições urbanísticas
peculiares do Plano Piloto provocaram uma dinâmica ecomica responsável pelo
elevado valor dos seus espaços e dos núcleos urbanos mais próximos.
Gráfico 2 – Gradiente de valor da terra 1991 e 2003.
Fonte: Banco Mundial et al. Análise do mercado de solo urbano no Distrito Federal. Brasília, 2003, p.
90.
2.3 Uso do solo: setorização e rigidez
Os regramentos relativos ao uso e ocupação do solo são de extrema
importância para o planejamento urbano, considerando que se destinam a controlar o
uso da terra, a localização, a dimensão e o volume dos edifícios, visando sempre ao bem
estar da coletividade, segundo as diretrizes estabelecidas em planos diretores.
Mais especificamente no caso do Plano Piloto (Brasília), por tratar-se de uma
cidade projetada e tombada, há, entretanto, um sistema de zoneamento rígido, que afasta
a possibilidade, muitas vezes, de emprego de usos não-incompatíveis
61
, o que tem
resultado na ocorrência de críticas por parte do meio acadêmico.
com função, basicamente, de moradia, o que obriga grande parte da população a deslocar-se para outros
núcleos com o fim de trabalhar, estudar e até se divertir.
61
Recentemente, clínicas veterinárias e pet-shops, instaladas no comércio local das entrequadras do Plano
Piloto tiveram pedidos de licenciamento negados pela Administração Regional sob o argumento de que
não estavam contempladas pelo zoneamento do setor.
79
Para Holanda (2003, p. 50 a 58), por exemplo, um dos principais problemas
atualmente encontrados no Plano Piloto é a especialização de uso. O autor esclarece que
o projeto original da cidade, pautado em pressupostos modernistas, previa a
predominância de usos e não a especialização, como de fato ocorreu. Afirma que há
uma resistência ideológica para rever-se o zoneamento de áreas vazias no centro da
cidade, como o Setor de Autarquias Norte – SAN
62
, onde sugere a alteração dos usos
institucionais para residencial. Essa alteração contribuiria para equilibrar melhor a
cidade, considerando que, como dito anteriormente, há uma disparidade evidente entre o
número de empregos e habitantes no Plano Piloto.
Nesse sentido, é importante, mais uma vez, retomar os ensinamentos de
Campofiorito, no que tange ao tombamento. As escalas de Brasília estão tombadas pelo
Decreto nº 10.829, de 1987, que regulamenta a Lei Santiago Dantas (Lei nº 3.751, de
1960), a qual amparou a inscrição da cidade na UNESCO como patrimônio cultural da
humanidade e veio a conferir defesas especiais ao bem cultural em questão, sobretudo
porque preocupava à instituição apenas a “proposição urbana e arquitetônica original”.
Objetivava-se “atender a UNESCO e salvaguardar a cidade modernista”, tombá-la sem
imobiliza-lá de maneira física, “permitindo – com a exceção de alguns prédios
excepcionais, que as edificações se modifiquem e vivam sua vida e contingências
urbanas através do incessante passar do tempo...” (CAMPOFIORITO, 2007).
A necessidade de preservação se justifica, por um lado, como uma forma de
proteger a cidade de pressões que são comuns nas áreas centrais urbanas, resguardando,
assim os atributos espaciais que a torna interesse do patrimônio da humanidade. A
legislação do tombamento, portanto, não adentraria aspectos arquitetônicos (tratamento
de fachadas, qualidade plástica, por exemplo), preocupando-se apenas com a
concepção urbanística dos espaços da cidade no que concerne às suas escalas”. Por
outro lado, existem posturas conservadoras que buscam a perpetuidade do isolamento
de Brasília quanto aos demais núcleos urbanos, sob argumentos de preservação, de
maneira que a fronteira entre preservação e isolamento não estão bem definidas
(DISTRITO FEDERAL, 2004, p. 112).
O tombamento explicita, ainda, duas conseqüências interessantes ao
pretender preservar das pressões do mercado e controlar os processos de uso e ocupação
62
O SAN é um enorme vazio, considerando que, além de problemas de natureza administrativa,
urbanística e jurídico-fundiária que obstaculizam a ocupação do setor, houve uma significativa
diminuição da demanda por áreas para implantação de serviços públicos com o encolhimento do estado.
80
do solo a cidade de Brasília. Uma delas é a protão das características da cidade, o que
resulta na manutenção de uma das melhores qualidades de vida do país, porém, para
alguns poucos. A outra é o aumento da pressão, por parte da população, de
especuladores e de agentes do mercado imobiliário, que resulta num maior adensamento
e numa ameaça a essa qualidade de vida.
Considerando a existência de vazios e a baixa densidade encontrada no
Plano Piloto
63
, parece razoável admitir a necessidade de criação de novas opções de
moradia nesse núcleo e naqueles mais próximos. Essa medida, desde que acompanhada
da criação de alternativas de emprego e da melhoria e ampliação de equipamentos
(saúde, educação, lazer, etc.) nos núcleos urbanos periféricos, permitiria um melhor
equilíbrio do território, inclusive com reflexos na redução do número de viagens diárias
ao Plano Piloto.
Importante ressaltar que a “população central” (nesse caso incluindo as
Regiões Administrativas de Brasília, Lago Sul, Lago Norte, Sudoeste/ Octogonal,
Cruzeiro e Candangolândia, portanto, os “lagos” e as RA´s que preenchem o perímetro
da área tombada, segundo os dados de 2004, é de pouco mais de trezentos e quarenta e
sete mil habitantes, portanto inferior aos quinhentos mil habitantes previstos no projeto
original
64
.
Mesmo nos núcleos de renda mais elevada do Plano Piloto e RA’s
imediatamente contíguas há uma sensível diferenciação interna (Plano Piloto – 19.3
SM- , Lago Sul – 43.4 SM – Lago Norte – 34.3 SM- e Sudoeste/Octogonal – 24.1 SM).
Um paralelo com os dados de população demonstra que, somados os números desses
núcleos, chegaríamos a um quantitativo de 16% da população do DF, portanto, pouco
maior que a população de Ceilândia (15.9%).
Assim sendo, existe uma forte pressão por localização em Brasília e nas
áreas mais próximas e uma escassa oferta de novos espaços, devido à especulação
imobiliária e ao próprio tombamento
65
, que tornam o solo extremamente restrito e
valorizado.
63
Cerca de 30 habitantes por hectare. Documento técnico do PLC 46/2007 – Plano Diretor de
Ordenamento Territorial.
64
Tabela 2, p. 77.
65
O artigo 10 do Decreto n. 10.829/87 considerou non aedificandi todos os terrenos não destinados a
edificação. Existem ainda limitões de gabarito que impedem a verticalizão e uma melhor
produtividade do espaço (segundo o artigo 4º, II e III são permitidos seis pavimentos nas Superquadras
100, 200 e 300 e três nas Superquadras 400).
81
3 Levantamento de dados
a) Alterações formalizadas, identificadas nos normativos legais:
Por meio de pesquisa ao Sistema de Informações Legislativas
LEGIS/CLDF foi possível mapear os locais onde incidia a legislação voltada para
alterações ou extensão dos usos de imóveis em várias partes do Distrito Federal, am
de identificar os atores diretamente envolvidos.
b) Alterações informais e formais identificadas no decorrer da pesquisa:
Matérias jornalísticas, consulta a órgãos públicos, informações colhidas em
anúncios comerciais de imobiliária na internet e em classificados e visitas de campo
permitiram a elaboração de um rol de alterações de uso que, pelo caráter informal, na
sua grande maioria, não podiam ser identificadas por meio de consulta às normas legais.
3.1 Alterações formalizadas por instrumentos legais
A pesquisa na base de dados do LEGIS se deu por meio da inserção de
argumentos de pesquisa e da aplicação de filtros. É comum a referência ao tema, objeto
do presente trabalho, por meio de expressões como “alteração de uso” ou “mudança de
destinação”, por essa razão a pesquisa se deu pela combinação de argumentos distintos
(alteração/uso, alteração/destinação, mudança/uso, mudança/destinação, extensão/uso,
extensão/destinação).
A inserção dos argumentos “alteração” e “uso” resultou na identificação de
um total de 218 projetos de lei complementar e 31 projetos de lei, o que engloba aqueles
projetos rejeitados, prejudicados, arquivados, aprovados e retirados pelo autor. Desses,
resultaram 56 leis complementares e 6 leis ordinárias.
Os argumentos “alteração” e “destinação” resultaram em 151 projetos de lei
complementar (aprovados, rejeitados, arquivados, prejudicados, aprovados e retirados
pelo autor), ocasionando a produção de 42 leis complementares; 10 projetos de lei,
sendo 1 lei aprovada.
Por sua vez, os argumentos “mudança” e “uso” e “mudança” e “destinação”
resultaram, respectivamente, em 67 e 83 projetos de lei complementar e em 1 e 7 leis
complementares, todas de iniciativa de parlamentares. Além disso, em 4 e 5 projetos de
lei, tendo como resultado apenas 1 lei ordinária.
82
Excluídas as duplicidades – projetos contidos em mais de um argumento de
pesquisa – é possível concluir que entre os anos 1997-2008 foram apresentados um total
de 357 projetos de lei complementar e 46 projetos de lei que, de alguma forma,
propunham alterações de uso de imóveis no Distrito Federal. Eliminadas do total as
propostas aparentemente sem conotação econômica, que não correspondem, portanto,
aos objetivos da presente pesquisa
66
, a quantidade de projetos de lei complementar é
reduzida para 236 e os de lei ordinária para 23.
O número de projetos de lei complementar é reduzido, sensivelmente, a
partir do ano de 2003. Diante de reiteradas decisões judiciais, começa a se pacificar o
entendimento de que o processo legislativo de matérias que tratem de uso e ocupação do
solo em geral deve ser iniciado pelo Poder Executivo e não pelo Legislativo, como
vinha ocorrendo.
Do mesmo modo, ficou sedimentado o entendimento de que propostas que
tratassem de uso e ocupação do solo seriam tratadas por meio de lei complementar - que
exige 13 dos 24 votos possíveis para aprovação – ao invés de lei ordinária – exige o
quorum de 13 deputados presentes, podendo ser aprovada com o voto da maioria, ou
seja, 7 votos. Desse modo, houve algumas iniciativas, enquanto persistia a discussão,
até que, a partir de 2007, não foram apresentados nenhum projeto de lei ordinária sobre
o tema.
Os entendimentos acerca da iniciativa e do instrumento foram, finalmente,
inseridos formalmente na Lei Orgânica do Distrito Federal, a partir de outubro de 2007,
por meio da Emenda n. 49.
Tabela 3 – Projetos de lei complementar sobre alteração de uso no Distrito Federal – 1997-2008.
Projetos de Lei Complementar – PLC
Iniciativa
Ano
RA
Executivo Legislativo
Total
Guará 1 2
Taguatinga - 2
Samambaia - 2
1997
Ceilândia - 3
16
66
Alteração de uso para permitir a instalação de templos religiosos, de creches, de escolas, de
estacionamentos, de praças, para regularização de parcelamentos irregulares, bem como a desafetação de
bem público e a conseqüente definição de normas de uso.
83
Recanto das Emas - 1
Plano Piloto - 1
Riacho Fundo I - 1
Brazlândia - 1
Planaltina - 1
Núcleo Bandeirante - 1
Guará - 2
Sudoeste/Cruzeiro 1 1
Samambaia - 3
Ceilândia - 1
Recanto das Emas - 1
Plano Piloto - 1
Riacho Fundo I - 1
Brazlândia - 1
Planaltina - 1
Núcleo Bandeirante - 1
Lago Sul - 1
Gama - 4
Santa Maria - 1
SIA - 1
1998
Indefinido - 2
23
Guará - 3
Águas Claras - 3
Samambaia - 2
SCIA - 1
Plano Piloto - 2
Sobradinho - 1
1999
Planaltina - 3
80
84
Gama - 63
67
Santa Maria - 1
Taguatinga - 1
Guará - 2
Sudoeste/Cruzeiro 1 1
Samambaia - 12
68
Ceilândia - 3
Recanto das Emas - 1
Plano Piloto - 4
Riacho Fundo I - 1
Brazlândia - 1
Núcleo Bandeirante - 2
Lago Sul - 2
Gama - 8
Santa Maria - 1
Águas Claras - 4
Taguatinga - 3
2000
Sobradinho - 1
47
Guará 1 3
Samambaia - 1
Ceilândia - 3
Recanto das Emas - 1
Riacho Fundo I - 1
Lago Sul - 2
Gama - 1
Santa Maria - 3
Águas Claras - 2
2001
Taguatinga - 2
24
67
Os projetos em questão alteram individualmente o uso de quadras comerciais para permitir o uso
residencial.
68
Os plc’s 615/2000 e 666/2000 alteram o uso de imóveis em Samambaia e Gama e Samambaia e
Ceilândia, respectivamente.
85
Planaltina 1 -
Brazlândia - 1
Todo o DF - 1
Indefinido - 1
Guará - 6
Cruzeiro - 2
Samambaia - 4
Ceilândia - 5
Recanto das Emas - 2
Plano Piloto - 2
Lago Norte - 1
Lago Sul - 1
Gama - 4
Santa Maria - 2
Paran - 2
Taguatinga - 1
Águas Claras - 3
2002
Sobradinho - 1
36
2003 Lago Norte - 1 1
2004 - - - -
2005 Riacho Fundo I 1 - 1
Plano Piloto 1 - 2006
Lago Norte 1 -
2
Cruzeiro 1 -
Riacho Fundo I 1 -
2007
Lago Sul 1 -
3
SIA 1 -
Guará - 1
2008
Plano Piloto - 1
3
86
Tabela 4 – Projetos de lei sobre alteração de uso no Distrito Federal – 1997-2008.
Projetos de Lei – PL
Iniciativa
Ano
RA
Executivo Legislativo
Total
Recanto das Emas - 1
Gama 1 1
Planaltina - 1
Taguatinga - 1
1997
Guará 1 -
6
1999 Gama - 1 1
Plano Piloto - 1 2000
Núcleo Bandeirante - 1
2
2001 - - - -
2002 - - - -
2003 - - - -
2004 - - - -
Plano Piloto - 6
Lago Norte - 1
Sudoeste - 1
2005
Lago Sul - 1
9
Plano Piloto - 2
Cruzeiro (SIG) - 1
Núcleo Bandeirante - 1
2006
Lago Sul 1 -
5
2007 - - - -
2008 - - - -
Os projetos em questão, entretanto, resultaram na aprovação de 51 leis
complementares e 16 leis ordinárias.
Tabela 5 – Leis Complementares sobre alteração de uso no Distrito Federal – 1997-2008.
LC Ano Iniciativa RA Finalidade
19 1997 Executivo Guará Comercial
28 1997 Parlamentar Guará Comércio/ indústria
87
70 1998 Indefinido Ceilândia Comércio bens e servos
92 1998 Parlamentar Planaltina Posto abastecimento
95 1998 Parlamentar Guará Comercial e industrial
105 1998 Parlamentar Samambaia Posto abastecimento
150 1998 Executivo Cruzeiro e Sudoeste Residencial
157 1998 Parlamentar Gama Posto abastecimento
166 1998 Parlamentar Gama Posto abastecimento
170 1998 Parlamentar Samambaia Posto abastecimento
177 1998 Parlamentar Riacho Fundo I Hotelaria
186 1998 Parlamentar Plano Piloto Posto abastecimento
190 1999 Parlamentar Ceilândia Posto abastecimento
193 1999 Parlamentar Samambaia Posto abastecimento
194 1999 Parlamentar Gama Habitação coletiva
201 1999 Parlamentar Núcleo Bandeirante Institucional (educão)
228 1999 Parlamentar Guará Comercial e industrial
244 1999 Parlamentar Águas Claras Posto abastecimento
251 1999 Parlamentar Lago Sul Comercial
259 1999 Parlamentar Samambaia Posto abastecimento
279 2000 Parlamentar Gama Posto abastecimento
281 2000 Parlamentar Guará Posto abastecimento
282 2000 Parlamentar Gama Posto abastecimento
283 2000 Parlamentar Samambaia Posto abastecimento
284 2000 Parlamentar Samambaia Posto abastecimento
285 2000 Parlamentar Plano Piloto - SCES Comercial (hotelaria)
290 2000 Parlamentar Plano Piloto - SGAN/S Comercial
295 2000 Parlamentar Planaltina Posto abastecimento
297 2000 Parlamentar Águas Claras Posto abastecimento
299 2000 Parlamentar Guará Posto abastecimento
300 2000 Parlamentar Águas Claras Posto abastecimento
307 2000 Parlamentar Sobradinho Posto abastecimento
313 2000 Parlamentar Samambaia NGB 77/91
316 2000 Parlamentar Lago Sul Comercial (hotelaria)
333 2000 Executivo Sudoeste e Cruzeiro Habitação coletiva
348 2001 Parlamentar Núcleo Bandeirante Habitação coletiva e
comercial
366 2001 Executivo Guará Habitação coletiva e
comercial
374 2001 Parlamentar Plano Piloto Habitação coletiva
537 2002 Parlamentar Taguatinga Comercial
581 2002 Parlamentar Recanto das Emas Comercial
594 2002 Parlamentar Águas Claras Residencial
625 2002 Parlamentar Ceilândia Institucional (educão)
643 2002 Parlamentar Águas Claras Comercial e industrial
644 2002 Parlamentar Santa Maria NGB 77/91
652 2002 Parlamentar Guará Comercial
654 2002 Parlamentar Lago Sul Comercial
657 2002 Parlamentar Santa Maria Posto abastecimento
660 2002 Parlamentar Ceilândia Posto abastecimento
665 2002 Parlamentar Guará Habitação coletiva
731 2006 Executivo SMAS – Plano Piloto Comercial de bens e
serviços
88
757 2008 Executivo Riacho Fundo I Corcio e habitação
Tabela 6 – Leis Ordinárias sobre alteração de uso no Distrito Federal – 1997-2008.
LO Ano Iniciativa RA Finalidade
1471 1997 Parlamentar Gama Indústria, corcio de bens e
serviços
1504 1997 Executivo Taguatinga Posto abastecimento
1541 1997 Executivo Guará Posto abastecimento
1652 1997 Parlamentar Recanto das Emas Comercial
2047
69
1998 Parlamentar Sobradinho Posto abastecimento
2048
70
1998 Parlamentar Recanto das Emas Posto abastecimento
2118
71
1998 Parlamentar Núcleo Bandeirante Posto abastecimento
2215
72
1998 Parlamentar Lago Sul Clube esportivo, comercial de
bens e serviços
2120
73
1998 Parlamentar Taguatinga Posto abastecimento
2129
74
1998 Parlamentar Paran Posto abastecimento
2695 2001 Parlamentar Plano Piloto Comercial e institucional
3719 2005 Executivo Plano Piloto Comercial de bens e serviços
3747 2006 Executivo Plano Piloto Comercial e institucional
3753 2006 Executivo Lago Sul Institucional (ensino e saúde)
3759 2006 Executivo Lago Norte Comercial e institucional
3760 2006 Executivo Águas Claras Comercial
Por outro lado, muitas das leis (complementares e ordinárias) em questão
tiveram, posteriormente, a eficácia suspensa por decisões do TJDFT em Ações Diretas
de Inconstitucionalidade - ADI propostas pelo MPDFT. Ao todo foram 43 leis
declaradas inconstitucionais (sendo 10 delas referentes às leis ordinárias), que, em sua
grande maioria, promoviam alterações nos usos de imóveis para permitir a instalação de
postos de abastecimento de combustíveis.
Tabela 7 – Suspensão da eficácia de leis complementares que alteraram uso de imóveis urbanos no
Distrito Federal.
Norma Dispositivo Natureza
da Decisão
Finalidade
Lei Complementar nº 201, de 1999
Dispõe sobre a mudança de destinação do Lote
nº 11, Conjunto 01, da Quadra 03 do Setor de
Mansões Park Way, na Região Administrativa
do Núcleo Bandeirante – RA VIII.
(Autor do projeto : Deputado Manoel Andrade)
Texto integral Definitiva Institucional (educação)
69
O PL que deu origem a essa lei é de 1996 (PL n. 1921/1996).
70
O PL que deu origem a essa lei é de 1996 (PL n. 1971/1996).
71
O PL que deu origem a essa lei é de 1996 (PL n. 2499/1996).
72
O PL 731/1998 deu origem à lei n. 2.215/1998, entretanto o LEGIS aponta equivocadamente como
origem o PLC 731/1998 tendo como resultado a Lei Complementar n. 2.215. Por essa razão a referência a
essa lei é encontrada por meio da pesquisa a leis complementares e não a leis ordinárias, como devido.
73
O PL que deu origem a essa lei é de 1996 (PL n. 1709/1996).
74
O PL que deu origem a essa lei é de 1996 (PL n. 1803/1996).
89
Lei Complementar nº 251, de 1999
Dispõe sobre a alteração de uso do Lote C-3,
Área Especial, Trecho 7 da SHIS QI 21, na
Região Administrativa do Lago Sul – RA XVI.
(Autor do projeto : Deputado Daniel Marques)
Texto integral Definitiva Comercial
Lei Complementar nº 285, de 2000
75
.
Altera a destinação de uso e ocupação da área
que especifica do lote 1B do conj. 5 no Trecho
04 do Setor de Clubes Esportivos Sul – RA I, e
dá outras providências.
(Autor do projeto: Deputado Becio Tavares)
Texto integral Definitiva Centros de treinamento,
comercial, com
atividade de prestação
de serviços,
hospedagem, exceto
motel.
Lei Complementar nº 316, de 2000.
Altera dispositivo da Norma de Edificação,
Uso e Gabarito – NGB 122/96 – SHIS QI 01,
Lote B, da Região Administrativa do Lago Sul
– RA XVI.
(Autor do projeto: Deputada Distrital Lucia
Carvalho)
Texto integral Definitiva Comercial (hotelaria).
Lei Complementar nº 348, de 2001.
Altera as Normas de Edificação, Uso e
Gabarito – NGB 020/98 – da Área Especial nº
10 da Região Administrativa do Núcleo
Bandeirante – RA VIII.
(Autor do projeto: Deputado Jorge Cauhy)
Texto integral Definitiva Residencial coletivo e
comercial.
Lei Complementar nº 581, de 2002
76
Altera as Normas de Edificação, Uso e
Gabarito para a Região Administrativa do
Recanto das Emas - RA XV.
(Autor do projeto: Deputado Becio Tavares).
Texto integral Definitiva Comércio de bens e
serviços
Lei Complementar nº 594, de 2002
77
.
Dispõe sobre mudança de destinação de uso do
lote1 Rua 200 QS 06 Águas Claras na Região
Administrativa de Taguatinga – RA III.
(Autor do projeto: Deputado Gim Argello)
Texto integral Definitiva Uso residencial.
Lei Complementar nº 625, de 2002
Especifica a destinação e autoriza a doação
com encargos da área que especifica na QNM
12 da Região Administrativa de Ceilândia
RA IX.
(Autor do projeto: Vários Deputados)
Texto integral Definitiva Institucional (educação)
Lei Complementar nº 643, de 2002
Altera Normas de Edificação, Uso e Gabarito
da Área de Desenvolvimento Econômico –
ADE do bairro Águas Claras, da Região
Administrativa de Taguatinga – RA III.
(Autor do projeto: Deputado Gim Argello)
Texto integral
Definitiva
Comércio de bens e
serviços e industrial.
Lei Complementar nº 644, de 2002.
Altera a destinação de uso do lote que
menciona, em Santa Maria - RA XIII e dá
outras providências.
(Autor do projeto: Deputado José Edmar)
Texto integral Definitiva NGB 77/91.
Lei Complementar nº 652, de 2002.
Dispõe sobre a alteração da destinação das
áreas 27 e 28 do Parque do Guará, altura da
QE 17, na Região Administrativa do Guará
RA X.
(Autor do projeto: Deputado César Lacerda)
Texto integral Definitiva Uso comercial
(microempresas).
75
Confirmação da liminar concedida em 4 de maio de 2004
76
Confirmação da liminar concedida em 5 de abril de 2005.
77
Confirmação da liminar concedida em 9 de novembro de 2004
90
Lei Complementar nº 654, de 2002
Altera o uso e estabelece normas de edificação
e gabarito para o Lote “B” da Entrequadra
EQL 6/8, antiga QL 1, Trecho 1, do Setor de
Habitações Individuais Sul – SHI/S da Região
Administrativa do Lago Sul – RA XVI.
(Autor do projeto:)
Texto integral Definitiva Comercial de bens e
serviços, atividades
ligadas à saúde.
Dados obtidos com base no estudo: Leis distritais com suspensão de eficácia ou declaração de
inconstitucionalidade. Melo, Orivaldo Simão de. Ref.: 5 de outubro de 2008. Câmara Legislativa do
Distrito Federal – Assessoria Legislativa.
Tabela 8 – Suspensão da eficácia de leis complementares que alteraram uso de imóveis urbanos
para permitir a instalação de postos de abastecimento, lavagem e lubrificação (pac/pll).
Norma Dispositivo Natureza da
Decisão
Lei Complementar nº 92, de 1998
Dispõe sobre a mudança de destinação do Lote 16 da Quadra
121 do Setor Sul, na Região Administrativa de Planaltina – RA
VI.
(Autor do projeto: Deputado Daniel Marques)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 105, de 1998
Dispõe sobre a alteração de destinação do Lote 3 do Conjunto I
da QI 616 da Região Administrativa de Samambaia – RA XII.
(Autor do projeto: Deputado Edimar Pireneus)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 157, de 1998
Dispõe sobre a alteração da destinação de uso do bem imóvel
que especifica. Avenida Contorno, ch. 03 – Ponte Alta.
(Autor do projeto: Deputada Lucia Carvalho)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 166, de 1998
Cria lotes destinados a uso misto e a postos de abastecimento de
combustíveis no Setor Oeste da Região Administrativa do Gama
– RA II.
(Autor do projeto: Deputado Eurípedes Camargo)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 170, de 1998
Altera normas de uso, ocupação e edificação em lotes 1 e 2 do
Conjunto “B” da Quadra Norte 614 da Região Administrativa de
Samambaia – RA XII.
(Autor do projeto : Deputado Wasny de Roure)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 186, de 1998
Altera a destinação de uso de área que especifica no Setor de
Armazenagem e Abastecimento Norte, na Região Administrativa
do Plano Piloto – RA I. Lote n. 566, Quadra 3 /4.
(Autor do projeto: Deputado José Edmar)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 190, de 1999
Dispõe sobre a alteração de uso e ocupação da Área Especial
“F” da QNN 31 da Região Administrativa de Ceilândia – RA IX.
(Autor do projeto : Deputado Benício Tavares)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 193, de 1999.
Dispõe sobre a alteração de uso e ocupação do Lote 02,
Conjunto 10, Quadra QS 320, da Região Administrativa de
Samambaia – RA XII.
(Autor do projeto : Deputado Benício Tavares)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 244, de 1999.
Altera a destinação de uso da área que especifica na Quadra 107
LT 15, Alameda dos Eucaliptos de Águas Claras, na Região
Administrativa de Taguatinga – RA III.
(Autor do projeto: Deputado José Edmar)
Art. 1º
78
Definitiva
78
Art. 1° Fica alterada de sua atual destinação o Lote n° 15, da Alameda dos Eucaliptos, da Quadra 107,
do Bairro Águas Claras, na Região Administrativa de Taguatinga - RA III, passando à categoria de uso
comercal/posto de abastecimento, lavagem e lubrificão.
91
Lei Complementar nº 259, de 1999
Altera a destinação de uso de lote 2 conj. 10 da QN 320 da
Região Administrativa de Samambaia – RA XII.
(Autor do projeto : Deputado José Tático)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 279, de 2000
Altera a destinação de uso dos lotes n°s 180 e 200, da Quadra
Industrial 01, na Região Administrativa do Gama RA II.
(Autor do projeto : Deputado José Edmar)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 281, de 2000
Altera a destinação de uso do lote “A” da Área Especial 02, do
Setor Residencial Indústria e Abastecimento – SRIA, na Região
Administrativa do Guará – RA X.
(Autor do projeto : Deputado José Rao)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 282, de 2000
Altera a destinação de uso dos lotes 240 e 260 da Área
Industrial 1 na Região Administrativa do Gama RA II.
(Autor do projeto : Deputado João de Deus)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 283, de 2000
Altera a destinação de uso do lote 04 Quadra 122 conjunto 1 na
Região Administrativa de Samambaia – RA XII.
(Autor do projeto : Deputado ãse Lacerda)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 284, de 2000
Altera a destinação de uso do lote 1 conj. 21 QN 502 na Região
Administrativa de Samambaia – RA XII.
(Autor do projeto : Deputado Carlos Xavier)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 295, de 2000
Altera a destinação do lote 13 da Quadra 51 da Avenida
Independência, com a Rua 13 de Maio, da Região
Administrativa de Planaltina – RA VI.
(Autor do projeto : Deputado Daniel Marques)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 297, de 2000
Altera a destinação de uso do Lote 01 da Quadra 107, Rua “E”
em Águas Claras, na Região Administrativa de Taguatinga – RA
III.
(Autor do projeto : Deputado José Rao)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 299, de 2000
Altera a destinação de use do lote 8 conj. 2 Quadra 10 do SCIA,
Região Administrativa do Guará – RA X.
(Autor do projeto : Deputado Jose Edmar)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 300, de 2000
Altera a destinação de use do Lote 13 da Quadra 107, em Águas
Claras, na Região Administrativa de Taguatinga – RA III.
(Autor do projeto : Deputado Silvio Linhares)
Art. 1º
79
Definitiva
Lei Complementar nº 307, de 2000
Dispõe sobre a extensão de atividade para o lote que especifica
na Região Administrativa de Sobradinho – RA V.
(Autor do projeto : Deputada Anilceia Machado)
Texto integral Definitiva
Lei Complementar nº 657, de 2002
Altera a destinação de uso do lote H Quadra 210 Santa Maria.
(Autor do projeto: Deputado João de Deus)
Texto integral Definitiva
Dados obtidos com base no estudo: Leis distritais com suspensão de eficácia ou declaração de
inconstitucionalidade. Melo, Orivaldo Simão de. Ref.: 5 de outubro de 2008. Câmara Legislativa do
Distrito Federal – Assessoria Legislativa.
Tabela 9 – Suspensão da eficácia de leis ordinárias que alteraram uso de iveis urbanos no
Distrito Federal.
Norma Dispositivo Natureza Finalidade
79
Art. 1° Fica alterada de sua atual destinação o Lote 13, da Quadra 107, da Alameda dos Eucaliptos, em
Águas Claras, Região Administrativa de Taguatinga - RA III, passando a categoria de uso comercial -
posto de abastecimento, lavagem a lubrificão.
92
da Decisão
Lei nº 1.471, de 1997.
Dispõe sobre a alteração da destinação e das
normas de edificação, uso e gabarito dos lotes
lindeiros à Avenida Comercial dos Bombeiros na
R.A. II – Gama e dá outras providências.
(Autor do projeto: Deputados Geraldo Magela,
Benício Tavares e Manoel de Andrade)
Texto integral
Definitiva
Indústria, comércio
de bens, prestão de
serviços, hotel e uso
misto com habitação.
Lei nº 1.504, de 1997
Aprova a extensão de uso da Área Especial no 1
do Setor QNJ, Região Administrativa III –
Taguatinga, para posto de lavagem e
lubrificação.
(Autor do projeto: Poder Executivo)
Texto integral Definitiva Posto abastecimento
Lei nº 1.541, de 1997
Aprova a alteração de destinação de lotes que
menciona. Lotes industriais 2.140 e 2.150 do
SIA.
(Autor do projeto: Poder Executivo)
Texto integral Definitiva Posto abastecimento
Lei nº 2.047, de 1998
Cria lote de terreno destinado ao uso comercial
com atividades de prestação de serviços do tipo
posto de abastecimento, lavagem e lubrificação,
na Região Administrativa de Sobradinho - RA V.
(Autor do projeto: Deputado Odilon Aires)
Texto integral
Definitiva Posto abastecimento
Lei nº 2.048, de 1998
80
Dispõe sobre a destinação de áreas ao uso
institucional com atividades de prestação de
serviços do tipo postos de abastecimento,
lavagem e lubrificação de veículos, na Região
Administrativa do Recanto das Emas - RA XV.
(Autor do projeto: Deputado José Edmar)
Texto integral
Definitiva Posto abastecimento
Lei nº 2.118, de 1998
81
Altera a destinação do uso da área situada entre
os quilômetros um e meio e dois da rodovia DF
055, no sentido norte-sul, à margem direita, no
Setor de Mansões Park Way, na Região
Administrativa do Núcleo Bandeirante - RA VIII.
(Autor do projeto: Deputado José Edmar)
Texto integral Definitiva Posto abastecimento
Lei nº 2.120, de 1998
Destina área para a instalação de posto de
abastecimento, lavagem e lubrificação - PLL -
em área que especifica, no Setor M Norte da
Região Administrativa de Taguatinga - RA III.
(Autor do projeto: Deputado Odilon Aires)
Texto integral
Definitiva Posto abastecimento
Lei nº 2.129, de 1998
Dispõe sobre a concessão de direito real de uso
de lotes destinados a posto de abastecimento de
combustível, na Região Administrativa do
Paranoá - RA VII.
(Autor do projeto: Deputado José Edmar)
Texto integral Definitiva Posto abastecimento
Lei nº 2.695, de 2001
Dispõe sobre alteração de uso do Lote 2/12C do
Trecho 2, no Setor de Clubes Esportivos Sul,
localizado na Região Administrativa de Brasília
– RA I.
(Autor do projeto: Deputado Jorge Cauhy)
Texto integral Definitiva
Comercial e
institucional (lazer,
esporte,
hospedagem).
Lei nº 3.747, de 2006
Dispõe sobre a alteração de uso do Lote B,
Quadra 05, do SAL/N, Setor de Autarquias Norte
Texto integral Definitiva
Comercial de bens
e serviços e
institucional
80
O PL que deu origem a essa lei é de 1996 (PL n. 1971/1996).
81
O PL que deu origem a essa lei é de 1996 (PL n. 2499/1996).
93
da Região Administrativa de Brasília/DF- RA I.
(Autor do projeto: Poder Executivo)
Lei nº 3.753, de 2006
Dispõe sobre a alteração de uso do lote de
terreno n° 6 do Trecho CH-1 (Chácara Um), do
Setor Habitacional Individual Sul, da Região
Administrativa do Lago Sul –DF/RA – XVI.
(Autor do projeto: Poder Executivo)
Texto integral Definitiva Institucional (ensino
e saúde)
Lei nº 3.759, de 2006
Dispõe sobre a alteração de uso do lote SHIN –
Setor de Habitações Individuais Norte, da
Região Administrativa de Brasília/DF – RA-I.
(Autor do projeto: Poder Executivo)
Texto integral Definitiva Comercial de bens e
serviços e
institucional (lazer,
ensino)
Lei nº 3.760, de 2006
82
Dispõe sobre a alteração de uso do lote que
especifica, da Região Administrativa de
Brasília/DF – RA- I.
(Autor do projeto: Poder Executivo)
Texto integral Definitiva Comercial de bens e
serviços
Dados obtidos com base no estudo: Leis distritais com suspensão de eficácia ou declaração de
inconstitucionalidade. Melo, Orivaldo Simão de. Ref.: 5 de outubro de 2008. Câmara Legislativa do
Distrito Federal – Assessoria Legislativa.
Em que pese o controle exercido pelo MPDFT e as reiteradas decisões do
TJDFT, permanecem em vigor algumas leis que promoveram alterações de uso em
imóveis urbanos de forma individualizada.
Tabela-síntese 1 – Relação de normas legais 1997-2008 que permanecem em vigor.
LC’s Ano Iniciativa RA Finalidade
19 1997 Executivo Guará Comercial
28 1997 Parlamentar Guará Comércio/ indústria
70 1998 Indefinido Ceilândia Comércio bens e serviços
95 1998 Parlamentar Guará Comercial e industrial
150 1998 Executivo Cruzeiro e Sudoeste Residencial
177 1998 Parlamentar Riacho Fundo I Hotelaria
194 1999 Parlamentar Gama Habitação coletiva
228 1999 Parlamentar Guará Comercial e industrial
290 2000 Parlamentar Plano Piloto - SGAN/S Comercial
313 2000 Parlamentar Samambaia NGB 77/91
333 2000 Executivo Sudoeste e Cruzeiro Habitação coletiva
366 2001 Executivo Guará Habitação coletiva e
comercial
374 2001 Parlamentar Plano Piloto Habitação coletiva
537 2002 Parlamentar Taguatinga Comercial
581 2002 Parlamentar Recanto das Emas Comercial
594 2002 Parlamentar Águas Claras Residencial
82
Embora se refira à Brasília na ementa, na verdade o lote se localiza em Águas Claras: “Art. 1º Fica
alterado o uso do imóvel denominado RE – EPTG – RA I, Rua Quaresmeira 1, Lote 02, situado no Setor
RE –, EPTG Águas Claras, Região Administrativa de Brasília/DF, medindo 14.948,140m² (quatorze mil e
novecentos e quarenta e oito metros quadrados e quatorze demetros quadrados), para Comércio de bens
de serviço, Centro Comercial e/ou Supermercado, Prestação de Serviço do tipo: Financeiro, Educação,
seriada e não seriada, Academia de Ginástica, Lazer, Saúde e Indústria de Pequeno Porte do tipo
Artesanal – (exceto: combustível e derivados, armazenamento, atacadista ou qualquer tipo de atividade
que gere poluição).”.
94
660 2002 Parlamentar Ceilândia Posto abastecimento
665 2002 Parlamentar Guará Habitação coletiva
731 2006 Executivo SMAS – Plano Piloto Comercial de bens e
serviços
757 2008 Executivo Riacho Fundo I Comércio e habitação
LO’s Ano Iniciativa RA Finalidade
1652 1997 Parlamentar Recanto das Emas Comercial
2215 1998 Parlamentar Lago Sul Clube esportivo,
comercial de bens e
serviços
3719 2005 Executivo Plano Piloto Comercial de bens e
serviços
Os dados, classificados por legislaturas e governo, demonstram que na
terceira legislatura (1999-2002) ocorreu o maior número de projetos e também de
suspensões de eficácia de leis, por parte do TJDFT. Foi também nesse período a
ocorrência do maior número de leis que procuraram alterar o uso de imóveis para
permitir a instalação de postos de abastecimento de combustíveis.
Os dados mostram, ainda, que o Guará foi a região administrativa que mais
recebeu alterações de uso de imóveis, seguida do Plano Piloto e que, de fato, a maioria
das leis se prestavam a possibilitar a instalação de postos de abastecimento (43,3%
foram aprovadas com essa finalidade).
Tabela-síntese 2 – Número de projetos, leis e suspensões de eficia por legislaturas e governos
– 1997-2008.
Suspensões Legislatura
83
Governo Projetos Leis
Total (%)
Segunda (1997-1998)
84
Buarque 45 22 14 63.6
Terceira (1999-2002) Roriz 190 38 28 73.7
Quarta (2003-2006) Roriz 18 6 4 66.7
Quinta (2007-2008)
85
Arruda 6 1 0 0
67
46
68.6
83
A primeira eleição para Deputados Distritais ocorreu em 1990. Até então, o Legislativo era exercido
por uma Comissão do Senado Federal. Em 1991 começa a primeira legislativa, que se encerra em 1994.
84
A segunda legislatura se estendeu de 1995 a 1998, entretanto, para fins do presente trabalho, inserimos
apenas os dados de 1997 e 1998.
85
A quinta legislatura engloba o período de 2007 a 2010.
95
Tabela-síntese 3 – Distribuão de leis por legislatura, usos e iniciativa – 1997-2008.
Iniciativa Legislatura Usos Leis
Executivo Legislativo
Comercial (combustíveis) 13 2 11
Comercial/industrial 3 - 3
Comercial 4
86
1 2
Comercial (hotelaria) 1 - 1
Segunda
(1997-1998)
Residencial 1 1 -
Comercial (combustíveis)
16
-
16
Comercial 6 - 6
Residencial 5 1 4
Institucional (educão) 2 - 2
Comercial/industrial 2 - 2
Comercial/institucional 1 - 1
Comercial (hotelaria) 2 - 2
Residencial/comercial 2 1 1
Terceira
(1999-2002)
Indefinido 2 - 2
Comercial
3
3
-
Institucional
(ensino/saúde)
1 1 -
Quarta
(2003-2006)
Comercial/ institucional 2 2 -
Quinta
(2007-2008)
Residencial/comercial
1
1
-
Tabela-síntese 4 – Distribuão de leis por legislatura, cidades e iniciativa – 1997-2008.
Iniciativa Legislatura Ra’s Leis
Executivo Legislativo
Guará 4 2 2
Gama 3 - 3
Samambaia 2 - 2
Taguatinga 2 1 1
Segunda
(1997-1998)
Recanto das Emas 2 - 2
86
Não foi possível identificar a autoria da LC 70/1998.
96
Cruzeiro/ Sudoeste 1 - 1
Riacho Fundo I 1 - 1
Plano Piloto 1 - 1
Sobradinho 1 1
Núcleo Bandeirante 1 - 1
Lago Sul 1 - 1
Ceilândia 1 - 1
Planaltina 1 - 1
Paran
1 - 1
Guará
6
1
5
Águas Claras 5 - 5
Samambaia 5 - 5
Plano Piloto 4 - 4
Ceilândia 3 - 3
Gama 3 - 3
Lago Sul 3 - 3
Núcleo Bandeirante 2 - 2
Santa Maria 2 - 2
Planaltina 1 - 1
Sobradinho 1 - 1
Sudoeste/Cruzeiro 1 1 -
Taguatinga 1 - 1
Terceira
(1999-2002)
Recanto das Emas 1 - 1
Plano Piloto
3
3
-
Lago Sul 1 1 -
Lago Norte 1 1 -
Quarta
(2003-2006)
Águas Claras 1 1 -
Quinta
(2007-2008)
Riacho Fundo I
1
1
-
97
Tabela-síntese 5 – Distribuição de leis por cidades – 1997-2008.
Cidades Total (%)
Guará
10
14.9
Plano Piloto 8 11,9
Samambaia 7 10.4
Águas Claras 6 8.9
Gama 6 8.9
Lago Sul 5 7.5
Ceilândia 4 6
Taguatinga 3 4.5
Recanto das Emas 3 4.5
Núcleo Bandeirante 3 4.5
Sobradinho 2 3
Riacho Fundo I 2 3
Sudoeste/Cruzeiro 2 3
Santa Maria 2 3
Planaltina 2 3
Paran 1 1.5
Lago Norte 1 1.5
67 100
Tabela-síntese 6 – Distribuão de leis por usos/atividades – 1997-2008.
Usos Total (%)
Comercial (posto abastecimento de combustíveis) 29 43.3
Comercial (bens e serviços) 13 19.4
Residencial 6 8.9
Comercial e industrial 5 7.5
Residencial e comercial 3 4.5
Comercial (hotelaria) 3 4.5
Comercial e institucional 3 4.5
Institucional (educação e/ou sde) 3 4.5
Indefinido 2 2.9
67 100
98
Além de leis aprovadas no referido período permanecerem em vigor (tabela-
síntese 1), o que autoriza a aplicação das novas regras, atividades se mantêm em pleno
funcionamento até os dias atuais (FIG. 3), apesar de as leis que permitiram os novos
usos terem sido julgadas inconstitucionais pelo TJDFT. Esse fato ocorre, por exemplo,
em postos de abastecimento de combustíveis na Quadra 107 em Águas Claras (LC´s
244/1999 e 300/2000) e em uma faculdade na Quadra 03 do SMPW (LC 201/1999).
Figura 3 - Postos de abastecimento na Quadra 107 de Águas Claras e faculdade na Quadra 03 do
SMPW. Imagens obtidas em 31/03/2009.
3.2 Dados empíricos
Visitas de campo, análise de normas de uso e ocupação do solo e demais
fontes de pesquisa anteriormente mencionadas permitiram a elaboração, ainda, de um
rol de alterações de uso que, em grande parte, sequer gozam do respaldo de leis
autorizativas.
A coleta de dados se concentrou no Plano Piloto e nos cleos urbanos mais
próximos, onde se observa uma concentração de equipamentos públicos e oferta de
empregos, as quais resultam na dinâmica que estimula a prática de alterações de uso.
Trata-se de uma prática que, embora possa ser também observada em outros núcleos
urbanos, como vimos por meio da produção normativa, encontra maiores estímulos, de
fato, nas áreas onde são observadas condições diferenciais de localização.
Importante ressaltar que esse rol possui caráter meramente exemplificativo,
portanto não exclui a possibilidade de existirem outras alterações de uso, que porventura
não estejam citadas.
Asa Sul
1. Habitações unifamiliares das Quadras 700;
99
2. Prédios comerciais e institucionais das Quadras 900, Setor de
Grandes Áreas Sul – SGAS;
“Asa Norte”
1. Setor Comercial Local Norte;
2. Habitações unifamiliares – quadras 700;
3. Quadras 900, Setor de Grandes Áreas Norte - SGAN;
4. Setor Terminal Norte – STN;
5. Vila Planalto e Setor de Hotéis e Turismo Norte – SHTN.
Sudoeste
1. Corcio local, Quadras Mistas e Centro Comercial ;
2. Setor de Indústrias Gráficas – SIG;
Lago Norte
1. Centro de Atividades - CA
Guará
1. Pólo de Modas – QE 40;
2. SMAS, SCEES;
S.I.A
Águas Claras
1. Quadra 301.
2.
Figura 4 - Indicação das áreas de coleta de dados.
100
W3 Sul – Quadras 700
As habitações unifamiliares voltadas para a Avenida W3 estão pontuadas
com diversas atividades de comércio e serviços, contrastando com os prédios comerciais
da margem oposta, onde se observa um estado crescente de deterioração e abandono. É
possível identificar pensões, hotéis, lojas, oficinas, etc. em habitações unifamiliares.
Figura 5 - Convívio entre habitações unifamiliares, ocupadas com atividades comerciais, e prédios
comerciais abandonados na W3 Sul. Imagem obtida em 19/05/2007.
Quadras 900 Sul
Segundo as normas de edificação, uso e gabarito -NGB (anexo III) os usos
permitidos para os imóveis do Setor de Grandes Áreas Sul (SGAS) são institucionais
órgãos da administração pública, instituições educacionais, saúde, etc. Entretanto,
vários imóveis utilizados para fins de moradia. Nesses, houve a constituição de
condomínios, a fixação de guaritas para controle do acesso, segurança e
estacionamentos internos. São unidades de 29 m2 e 35 m2, na maioria dos casos, em
geral utilizados por casais sem filhos e por solteiros. Em um único imóvel, foi possível
contabilizar cerca de trezentas unidades, todas elas ocupadas.
101
Figura 6 - Imóveis com uso institucional na Asa Sul utilizados como moradia. Imagem obtida em
19/05/2007.
Há uma oferta considerável de imóveis para moradia nesses endereços,
disponibilizados na internet e nos classificados locais.
Comercio local – Setor Comercial Local Norte – SCLN
O Uso permitido para o corcio local das entrequadras é o comercial, de
apoio às superquadras, preferencialmente no que se refere a atividades como farmácias,
panificadoras, barbearias, óticas, etc. Os pavimentos superiores são destinados a
atividades complementares às lojas e a salas comerciais, enquanto que o subsolo a
depósito e atividades complementares (anexo IV).
Com o passar dos anos, entretanto, o comércio local passou a atender
consumidores de todo o Distrito Federal, o que motivou o surgimento de quadras
especializadas em determinados serviços e no surgimento de bares e restaurantes que se
estenderam para áreas públicas com efeitos diretos no trânsito e nas relações de
vizinhança.
Por outro lado, a ampliação e construção do Setor Comercial Sul/Norte e do
Setor Bancário Sul/Norte motivou a migração dos escritórios que ocupavam as salas do
comércio local (pavimentos superiores), o que provocou um volume considerável de
espaços ociosos
87
e motivou sua utilização como moradia.
87
Sousa, Jamilson Alves de. Domicílios particulares improvisados – avalião do desempenho ambiental
do uso residencial do comércio local norte (CLN) do Plano Piloto de Brasília. Dissertação (mestrado).
Universidade de Brasília. 2008, p. 3.
102
Habitações unifamiliares – Quadras 700 Norte
As alterações ocorrem de forma pontual, relacionadas principalmente a
serviços (cabeleireiros, cursos, escolas, etc.), portanto de forma distinta da parte sul,
considerando que a W3 Norte é margeada, em ambos os lados, por prédios comerciais,
institucionais e mistos.
Importante ressaltar que a mudança de perfil do comércio local, que passou a
ter um caráter mais regional, motiva a abertura de serviços nas áreas próximas para
atendimento à demanda.
Quadras 900 Norte
O uso permitido para os imóveis do Setor de Grandes Áreas Norte (SGAN) é
o mesmo da parte sul (SGAS), ou seja, institucionais – órgãos da administração pública,
instituições educacionais, saúde, etc. (anexo III). Do mesmo modo, há vários
empreendimentos residenciais em curso. Em um deles (quadra 911) foram identificadas
a abertura de aproximadamente 660 unidades habitacionais, de aproximadamente 30 m2
cada uma delas. A partir de informações coletadas no local, conclui-se que muitos
adquirentes são investidores, motivados pela proximidade do empreendimento com o
Parque Burle Marx, situado nas proximidades, e com a implantação do futuro Bairro
Noroeste, setor destinado a famílias de alta renda (FIG. 12). São empreendimentos
semelhantes aos encontrados nas quadras sul (entrequadras 700/900 e quadras 900).
103
Figura 7 - Projetos de empreendimentos residenciais em iveis institucionais na Asa Norte.
Setor Terminal Norte STN
Em regra os imóveis do STN são destinados a atividades diversas, como
comércio, órgãos da administração pública, hospitais, clínicas, etc. (anexo V). Existem,
entretanto,rios casos de utilização de imóveis de uso institucional para moradia (FIG.
13), com a transformação de prédios em condonios residenciais.
Figura 8 - Imóveis (uso institucional) utilizados para fins de moradia no STN. Imagens obtidas em 17/03/2009.
Nesse setor, um imóvel destinado à construção de um terminal de transporte
coletivo teve seu uso alterado para “comércio de bens e prestação de serviços”, por
meio da Lei n. 3.719/2005, o que permitiu sua comercialização para um hipermercado,
que já anunciou a inauguração de um shopping-center no local. Como resultado,
observa-se a ocupação de faixas de trânsito e áreas verdes por diversos veículos de
transporte coletivo.
104
Figura 9 - Lote “J” do STN e impactos provocados pela alteração de uso. Imagens obtidas em
17/03/2009. Matéria do Jornal Correio Braziliense, Caderno Economia, p. 20, 26/09/2006.
Vila Planalto
A via de maior acessibilidade e visibilidade da Vila Planalto, seguindo uma
tendência natural, impulsionou a liberação de usos superiores para as habitações
unifamiliares, que passaram a abrigar atividades exclusivamente comerciais, em alguns
casos, e de uso misto, em outros. Há lojas variadas, escritórios, prestação de serviços e,
principalmente, diversos restaurantes em toda extensão das vias principais.
Recentemente, o governo local tentou efetuar a cobrança do imposto predial
de alguns iveis da Vila Planalto pela alíquota comercial e o mais pela residencial,
como havia sendo feito (anexo XIII). Trata-se de uma forma de se resgatar parte da
valorização do imóvel, enquanto mantidos os usos desconformes. A medida, entretanto,
não teve sucesso, devido a repercussões políticas negativas.
105
Figura 10 - Atividades comerciais em habitações unifamiliares na Vila Planalto. Imagens obtidas
em 19/05/2007.
Setor de Hotéis de Turismo Norte - SHTN
Em geral, o uso permitido para o setor refere-se a hotéis de turismo e lazer,
apart-hotel, hotel residência, “flat-serviços” e atividades complementares de comércio e
prestação de serviços (anexo II).
Entretanto, está sendo criado todo um setor residencial por meio da venda de
unidades para habitação em empreendimentos supostamente hoteleiros. São imóveis de
altíssimo padrão, com dimensões variáveis (de 40 m2 a 100 m2).
Figura 11 - Imóveis à venda no SHTN. Imagens obtidas em 25/05/2007.
A construção desses imóveis no SHTN abriu um intenso conflito entre os
setores incumbidos da preservação de Brasília e o mercado imobiliário, com vitória do
segundo. As regras de uso e ocupação do solo não permitem moradia nos terrenos
marginais ao lago, exceto as habitações unifamiliares do Setor de Habitação Individual
Sul e Norte (Lago Sul e Lago Norte), na forma disposta no projeto original de Brasília.
Por outro lado, é possível verificar facilmente, por meio de uma simples abordagem aos
106
corretores de plantão e aos moradores, que se trata de empreendimentos residenciais,
apartamentos voltados para classes de alta renda, muito embora o mercado imobiliário
alegue tratar-se de hotéis com serviços, entendimento aceito pelas autoridades locais.
Sudoeste
As Quadras Mistas Sudoeste (QMSW) são destinadas ao uso comercial de
bens
88
. Os lotes n. 04 das quadras 1, 2, 3 e 4 do centro comercial (CCSW) e o comércio
local (CLSW) também possuem destinação comercial.
Entretanto, possuem em comum o fato de terem seus usos alterados para
abrigar unidades habitacionais (quitinetes). A Administração Regional aprova os
projetos comerciais e os usos são desvirtuados após a expedição da carta de habite-se,
lógica semelhante à encontrada em imóveis da Asa Norte e Lago Norte. Entretanto, é
possível verificar que as incorporadoras não fazem questão de esconder que a intenção
é, de fato, ofertar moradia e atender uma demanda não contemplada com as formas
tradicionais encontradas nesses núcleos urbanos.
Figura 12 - Ações de marketing e condomínios edilícios na QMSW 6 – Sudoeste.
Segundo levantamento efetuado recentemente nos arquivos da
Administração Regional do Sudoeste/Octogonal
89
(alvarás de funcionamento e cartas de
habite-se), há uma diversidade de imóveis comerciais (salas e lojas) utilizadas como
88
NGB das QMSW 4 e 6 no anexo XVI.
89
Vasconcelos, Sonia Mariza Abijaod de. Uso e ocupação do solo: do bairro Oeste Sul ao Setor Sudoeste.
Dissertação (mestrado). Universidade de Brasília. 2007, pp. 133 e 134.
107
moradia, como mostram os dados abaixo. De um total de 5.766 salas comerciais
concluídas e licenciadas, 5.351 são ocupadas com moradia, portanto mais de 90% dos
imóveis passam por desvirtuamentos nos usos.
Tabela 10 – Salas comerciais com cartas de habite-se e alvarás de funcionamento expedidos pela
Administração Regional do Sudoeste/Octogonal (2007).
Quadra Salas comerciais com
carta de habite-se
Alvarás de
funcionamento
expedidos
Salas comerciais
utilizadas como
moradia
QMSW
(exceto QMSW 2)
3.418 41 3.377
CCSW 5 e 6 e
lotes 4 das demais
1.402 70 1.332
CLSW 946 304 642
Total 5.766 415 5.351
Setor de Indústrias Gráficas – SIG e Setor de Indústrias – S.I.A
O uso permitido para os imóveis do SIG, em geral, são aqueles relativos à
atividade industrial gráfica (como o próprio nome não deixa dúvidas). A diversidade de
usos nesse setor, entretanto, é muito intensa. É possível identificar imóveis ocupados
como moradia, faculdade, boates, bares, igrejas, etc. A exemplo de outros setores
exclusivos em Brasília, a vida urbana do SIG, assim como do S.I.A, se limita ao período
diurno, o que resulta num abandono do setor em períodos distintos dos horários
convencionais de trabalho. As alterações de uso constatadas parecem conferir certa
urbanidade” ao SIG, considerando que estimulam uma maior utilização do setor e uma
maior apropriação dos espaços por outras atividades e durante períodos em que o setor
costumava ficar vazio. A utilização desse setor para atividades de lazer pode sugerir a
necessidade de um re-zoneamento, no sentido de que atividades não incompatíveis
sejam integradas, o que reduziria a pressão pelo segmento de diversão no comércio local
do Plano Piloto
90
.
O Setor de Industriais - S.I.A, do mesmo modo, está pontuado por atividades
consideradas alheias ao setor. É possível constatar o funcionamento desde faculdades
90
Matéria do Correio Braziliense de 11 de fevereiro de 2007 (Caderno Cidades, pg.32) intitulada “Tem
de tudo. Até gráficas”, denunciou a instalação de boates, bares e faculdades no setor, o que, segundo o
jornal, estaria inflacionando o preço dos imóveis.
108
até óros blicos
91
, instalados, em lotes onde a NGB 73/88 (anexo I) não permite o
uso institucional.
Figura 13 - Igreja e boate no S.I.G e faculdade no S.I.A. Imagem obtida em 17 e 31/03/2009.
Centro de Atividades – CA
No Centro de Atividades do Lago Norte, a alteração de uso comum é a
adaptação de imóveis comerciais para abrigar moradia, o que ocorre em grande número.
Os prédios do Centro de Atividades n. 02 estão destinados pela norma (anexo XVII) a
comercio, prestação de serviços e institucional (ou coletivo), entretanto, transformaram-
se em opção de moradia.
Assim como acontece nas quadras 900 da Asa Norte e no Sudoeste, no CA
houve a aprovação de projetos residenciais travestidos de comerciais – projetos que
sinalizam a construção de salas comerciais e que, na verdade, são destinados a ocupação
residencial.
Para as Administrações Regionais, trata-se de uma prática adotada
posteriormente, durante a fase de ocupação dos imóveis e que, portanto, não pode ser
detectada quando da análise dos projetos. Entretanto, a própria estratégia de marketing
das incorporadoras, como dito anteriormente, executada antes da aprovação dos projetos
denuncia a fraude, ao sinalizar até mesmo a disposição dos equipamentos domésticos e
das instalações hidráulicas e sanitárias, próprias do uso residencial. A diversidade de
casos pré-existentes à aprovação é suficiente para que se perceba o real objetivo das
novas edificações.
91
Defesa Civil, Administração Regional do SIA, etc.
109
Figura 14 - Ações de marketing e condomínio edilício no CA 02.
Guará - Pólo de Modas
O Pólo de Modas é um centro especializado, implantado com incentivos
fiscais do governo local por meio do Pró-DF. O setor é destinado à instalação de
empreendimentos ligados à moda, à implantação de gales e indústrias, com o objetivo
de alçar o Distrito Federal à condição de exportador, nacional e internacional, de
produtos e serviços. Foi planejado para abrigar aproximadamente 470 empresas.
Entretanto, apenas 225 lotes estão ocupados e, desses, apenas 120 abrigam efetivamente
atividades ligadas à destinação original do setor.
Conforme se observa nos anexos do PDL do Guará
92
, o coeficiente de
aproveitamentoximo (c.x.) do setor é igual 3. Os usos são comerciais e
industriais, em regra com a instalação da loja no pavimento térreo, da oficina/confecção
no primeiro pavimento e de uma unidade habitacional no pavimento seguinte.
Sinteticamente, investidores adquirem os imóveis dos beneficrios e iniciam
um processo que engloba o aumento do potencial construtivo (para 4 ou 5), a alteração
dos usos (incorporam habitações unifamiliares nos pavimentos superiores, a partir do
segundo) e a comercialização das frações (em regra quitinetes e pequenas unidades
compostas de um ou dois quartos), por meio de contratos de gaveta.
92
Aprovado pela Lei Complementar n. 733, de 2006.
110
Figura 15 - Apartamentos em prédios industriais no Pólo de Modas – Guará. Imagens obtidas em
11/07/2008.
Setor de Múltiplas Atividades Sul - SMAS
A aprovação do Plano Diretor Local do Guará, por meio da Lei
Complementar n. 733/2006, promoveu mudanças nas regras de uso e ocupação do solo
no Setor de Clubes Esportivos e Estádios Sul – SCEE/Sul e no Setor de Múltiplas
Atividades Sul - SMAS. O lote onde funcionou o estádio de futebol teve sua destinação
alterada para abrigar edifícios residenciais. Serão, ao todo, 14 blocos de apartamentos
(Superquadra Park Sul), com a previsão de oferta de aproximadamente 1.100 unidades e
preços por m2 variando entre 6.5 e 7.5 mil reais. Outros imóveis no setor passaram por
um processo de alteração nos usos, como resultado de uma estratégia do plano em
promover a ampliação de unidades habitacionais no Guará (anexo VII).
Figura 16 - Empreendimentos residenciais no SCEES e no SMAS. Imagem obtida em 30/03/2009.
Águas Claras - Quadra 301
Em Águas Claras, imóveis comercializados pela TERRACAP para habitação
unifamiliar foram transformados em habitação coletiva pelas construtoras que os
adquiriram dos proprietários originais e substituíram as casas térreas ou assobradadas
por edifícios de apartamentos.
111
O Plano Diretor Local – PDL, aprovado pela Lei Complementar n. 90/1998,
permite a construção de, no máximo, 2 (dois) domicílios por lote
93
. As construtoras
adquirem, por exemplo, dois lotes que abrigariam, portanto, quatro domicílios, porém
erguem um edifício residencial com 40 ou mais apartamentos. Em condições
excepcionais, a lei permite, mediante autorização das concessionárias de serviços
públicos, um número maior de domicílios por lote, o que encorajou interpretações
voltadas para a defesa de interesses individuais.
Sinteticamente, num primeiro momento, promotores imobiliários adquirem
os lotes da Quadra 301, ainda vagos ou ocupados com residenciais unifamiliares. Em
seguida, iniciam os procedimentos de aprovação de projetos para construção de
condomínios edilícios (habitação coletiva). Na terceira fase, a Administração Regional,
segundo os interesses dos novos proprietários, se vale da redação do parágrafo único do
artigo 87 do PDL para justificar a aprovação dos projetos e promover a “multiplicação
de domicílios”.
Figura 17 - O remembramento dos lotes 2, 4 e 6 do conjunto 8 da Quadra 301 - Alameda Gravatá
deu origem a um empreendimento de 15 pavimentos (Residencial Casa Bella). Quadra 301 Rua A
conjunto 02 lote 03 (Edifício Manacá): 36 unidades habitacionais em lote onde o PDL excluiu o
uso residencial. Imagens obtidas em 30/09/2008.
93
Seção V – Da quantidade máxima de domicílios por lote. Art. 86. Fica estabelecida a quantidade
máxima de dois domicílios por lote para os lotes anteriormente destinados à habitão unifamiliar,
conforme discriminado no Anexo VII. Art. 87. A quantidade máxima de domicílios por lote, nos casos de
remembramento de lotes ou naqueles cujo projeto arquitenico englobe um conjunto de dois ou mais
lotes contíguos, será o somatório da quantidadexima de domicílios permitida para cada lote.
Pagrafo único - Fica permitida, em caráter excepcional, quantidade maior de domilios nos casos
mencionados no caput, subordinada a permissão à anncia das concessionárias de serviços públicos do
Distrito Federal.
112
Figura 18 - Vista parcial da Quadra 301 – substituição de casas por condomínios edilícios.
Imagens obtidas em 30/09/2008.
Tabela 11 - Exemplo de acréscimo do número de unidades habitacionais - remembramento dos
lotes 2, 4 e 6 do conjunto 8 da Quadra 301, Alameda Gravatá.
Lote Tipo
lote
Coeficiente
aproveitamento
existente (básico)
Coeficiente
aproveitamento proposto
(máximo): aprovado
mediante pagamento da
ODIR
QTDE
domicílios
(PDL)
QTDE
domicílios
encontrada
Excesso
02 L0 1,0 (560m2**) 2,0 (1.120 m2) 2
04 L0 1,0 (408 m2) 2,0 (816 m2) 2
1,0 (408 m2) 2,0 (816 m2) 2 06 L0
Tot.: 1.376 m2 Tot.: 2.752 m2 Tot.: 6
56
50
Dados extraídos do projeto de parcelamento da Quadra 301 e do PDL de Taguatinga/Águas Claras
(LC n. 90/1998).** Dimensão aproximada.
113
PARTE IV – ANÁLISE
1 Estrutura e ação na produção dos espaços
A configuração dos lugares está sujeita a uma diversidade de fatores,
exógenos e endógenos, que uniformizam práticas ao mesmo tempo em que conferem
características particulares. Resulta que os núcleos urbanos, e desse modo o
planejamento e a gestão urbana, estão condicionados não somente por forças políticas,
econômicas e sociais próprias de uma cidade, mas, ainda, por processos desencadeados
em escalas mais amplas, relativas ao país e ao mundo.
Brasília foi criada no período de acumulação intensiva de capital
94
, que se
instalou na economia mundial a partir das primeiras décadas do século XX. Fruto da
idéia de interiorização do desenvolvimento, a construção da cidade coincidiu com o
período de expansão para os países periféricos da industrialização em massa, que tem
por característica a intensificação de atividades econômicas e a criação de mercados
internos, por meio da potica de substituição de importações. A farta demanda por o-
de-obra assalariada, necessária à produção industrial, tornou-se uma resposta para
superar o grau de atraso desses países e torná-los modernos, motivo pelo qual seria
indispensável a ativa participação do Estado.
No caso brasileiro, para que o desenvolvimento fosse atingido seria
necessário ampliar o território, retirar do atraso a região centro-oeste, marcada por
atividades do setor primário, integrar o país e ampliar a malha vria de forma a criar e
desenvolver novos mercados consumidores. Brasília, portanto, surgiu como fruto da
necessidade de se criar um Estado forte, capaz de conduzir esse processo e contribuir
para o desenvolvimento industrial do país.
Ainda na década de 1960, entretanto, o planejamento da nova capital teria
que se adaptar a fatores externos, devido ao intenso fluxo migratório que fluía de outras
partes do país para o DF, como resultado do modelo de subdesenvolvimento brasileiro,
94
O regime de acumulação intensiva se manifestou por meio do fordismo, tendo como base a produção e
o consumo em larga escala, tornando-se necessário, do mesmo modo, uma intensa mão-de-obra
assalariada. O fordismo é caracterizado pela produção industrial padronizada, baseada na produção e no
consumo de massa, além da forte intervenção do Estado, necessária, inclusive, para criar e manter
condições favoráveis de acumulação (infra-estrutura, renúncias fiscais, incremento da demanda, bens de
consumo coletivo, etc.). Nos países latino-americanos (fordismo periférico), manifestou-se na
industrialização por substituição de importações. CONY, Lúcia, p. 227.
114
marcado pela concentração de oportunidades no eixo sul-sudeste, e da falta de
oportunidades nas demais regiões.
Espacialmente, o fordismo manifestou um padrão de diferenciação espacial,
típico do capitalismo, produtor de desigualdades sociais, fato que se refletiu na
formação do preço do solo e na ocupação do terririo do DF. Como as atividades de
comando e as melhores remunerações tendem a se localizar nos núcleos de maior nível
hierárquico, onde se concentram os maiores investimentos públicos, o Plano Piloto
tornou-se o centro da região que abrange, atualmente, as cidades satélites e os
munipios do Entorno.
Após a derrocada do fordismo, surge um novo modelo de acumulação,
baseado na flexibilidade
95
econômica e social, tendo como manifestação principal a
globalização. As inovações tecnológicas facilitaram a mobilidade financeira
internacional e tornaram desnecessário o emprego de mão-de-obra intensiva, como no
modelo anterior. Surgiram novos métodos de organização do trabalho (flexibilização
das relações de trabalho, mobilidade geográfica de empregos) e de administração.
A economia passou a depender, ainda mais, da competitividade e de
qualificações específicas, o que acentuou as desigualdades entre países ricos e pobres.
Novas tecnologias e novos métodos de trabalho exigiram uma alteração na estrutura de
empregos, com a mudança no perfil de muitas funções e o corte de postos de trabalho,
tendo o desemprego como resultado. Do ponto de vista espacial, o novo regime
acentuou padrões de seletividade socioespacial encontrados nas cidades, os quais se
manifestam sobre a forma de segregação. A perda de postos de trabalho e a diminuição
de custos das empresas, do mesmo modo, apresentaram-se na forma de desemprego,
empobrecimento, refletindo-se numa ocupação urbana segregatória. O planejamento
urbano, por sua vez, procura inserir-se na competição entre cidades, para atrair
investimentos internacionais por meio da constrão do “marketing urbano”, como visto
anteriormente
96
.
95
O regime de acumulação flexível (pós-fordismo) caracteriza-se, resumidamente, por quatro aspectos
principais: flexibilidade da produção (redução do número de empregados e novas necessidades de
qualificação); flexibilidade na organização do trabalho (a produção deixa de ser despersonalizada –
produção em massa – para atender critérios específicos da demanda, variável não somente em quantidade,
mas ainda em qualidade); flexibilidade ligada à macroeconomia (os estabelecimentos flexíveis e os não
flexíveis, que operam de forma especializada e em grande escala, tornam-se complementares); e a
flexibilidade na criação de empregos (as empresas passaram a dispor de facilidades em sua gestão fiscal
e social, além da defesa do Estado mínimo, cuja racionalidade nos gastos contribuiria para a dinamização
da economia e aumento dos postos de trabalho). BENKO, 1996, in: CONY, 1999, pp.233-234.
96
O planejamento estratégico, ou mercadológico, Parte I.
115
Criada para abrigar a administração do país, Brasília manifestou uma forte
concentração de atividades e de funções melhor remuneradas (funções de decisão e de
maior nível de qualificação), além das sedes de empresas, como ocorre nas cidades de
maior nível hierárquico articuladas ao regime de acumulação flexível. Embora a
intenção manifesta de Lucio Costa tenha sido a de não segregar, a opção do Estado foi a
de criar núcleos urbanos fora da Bacia do Paranoá, a dezenas de quilômetros. Projetada
para abrigar 500.000 habitantes, após o qual seriam criados novos núcleos urbanos, o
Distrito Federal conhece sua primeira cidade-satélite ainda antes da inauguração da
nova capital, o que somado às condições macroeconômicas reforçou uma estrutura
urbana dispersa e segregada.
O diferencial do DF em relão a outras cidades foi, marcadamente, a
propriedade estatal das terras, que em tese permitiria que o planejamento e a gestão
conduzissem poticas de caráter inclusivo, evitassem a especulação e a favelização,
muito embora subsistam conflitos acerca da propriedade fundiária até os dias atuais
97
.
Entretanto, a concentração de grande parte das terras nas mãos do Estado, mais
especificamente de uma companhia imobiliária criada para a administração desse
recurso estratégico
98
,o resultou em uma estrutura urbana menos dispersa ou
segregatória, lógica semelhante à encontrada em outras partes do país onde esse recurso
se encontrava sob controle privado. Em outras palavras, a propriedade estatal, por si só,
não foi capaz de possibilitar poticas públicas que reduzissem as desigualdades sócio-
espaciais
99
, considerando a articulação com processos ecomicos mais amplos e a
opção por assentar as populações mais pobres em zonas distantes.
Mesmo diante de um quadro em que a concentração de terras se encontrava,
em sua maior parte, sob o domínio do Estado, houve um aquecimento nos preços do
solo, com reflexos diretos no mercado de terras de todo o DF e, consequentemente, na
configuração territorial, inclusive no processo de ocupação dos municípios que
compõem o Entorno do DF
100
.
97
A situação fundiária do DF compreende: terras devolutas (de domínio público); terras públicas (por
desapropriação ou doação); terras particulares registradas e terras públicas e particulares em comum
(adquiridas pela Terracap, porém não submetidas ao processo legal ou amigável de divisão). GOVERNO
DO DISTRITO FEDERAL. Documento Técnico do PDOT, PLC 46/2007, p. 104.
98
A Companhia Imobiliária do Distrito Federal - TERRACAP.
99
ABRAMO, 1998, p. 1.
100
Dados da população urbana por naturalidade, mostram que o Distrito Federal fica atrás apenas do
Estado de Goiás no incremento populacional dos municípios do Entorno. Em regra, a população do DF
migra para os municípios vizinhos para fugir dos elevados preços, tanto para aquisição quanto para
aluguel de imóveis no DF, segundo dados da Codeplan (Distrito Federal, 2003, p. 14).
116
A partir dessas condições estruturais, torna-se importante analisar as
condições em que se dá a ação dos atores locais na configuração do território. Vimos
que a alteração de uso, bem como os demais instrumentos previstos no Estatuto da
Cidade, é uma ferramenta urbanística voltada para a gestão social da cidade, aplicado
com vistas ao interesse coletivo (restaurações de espaços públicos, arrecadação de mais-
valias, etc.), na forma do moderno planejamento politizado, com vistas à promoção da
função social da propriedade e da cidade. Vimos, do mesmo modo, que o instrumento
possui potencial para gerar valorização imobiliária e, por essa razão, é objeto de
interesse especial por parte dos agentes modeladores do espaço.
1.1 A atuação dos agentes políticos na configuração dos espaços
A atuação dos agentes poticos é bastante influenciada, no âmbito
municipal, pelo reconhecimento coletivo, que se traduz em apoio político, prática
comum, sobretudo entre os membros do Poder Legislativo. Há uma tendência de que
instrumentos urbanísticos que gerem valorização imobiliária sejam outorgados de forma
graciosa, considerando ser antipática e impopular a cobrança de valorizações
imobiliárias ou de contrapartidas formais. Do mesmo modo, existe uma forte tendência
dirigida à produção de normas de interesse de grupos específicos, voltadas para a
materialização de interesses particulares, sobretudo regularizações corretivas (muda-se a
lei e não a situação material) ou, ainda, redução de incidência tributária ou concessão de
vantagens específicas para grupos econômicos. Enfim, os instrumentos urbanísticos são
uma poderosa moeda, utilizada frequentemente na troca por apoio potico-eleitoral.
É comum a aprovação de iniciativas urbanísticas para tais finalidades.
Projetos de lei voltados para a desafetação de áreas públicas e sua destinação a setores
específicos, a ampliação de lotes sobre áreas públicas, a elevação de potenciais
construtivos para agraciar setores específicos (sobretudo o comércio), a permissão de
uso individualizado de áreas públicas e as já citadas iniciativas com caráter
regularizador.
Como visto no capítulo anterior, foram comuns as alterações de uso por
meio de iniciativas parlamentares, sobretudo para permitir a mudança de destinação de
lotes comerciais para abrigar postos de abastecimento de combustíveis. Nesse caso, a
alteração possuía o único fim de potencializar o valor de mercado do imóvel, por meio
da imposição de um uso mais valorizado pelo mercado.
117
Por meio de projetos de lei, propostos tanto pelo Legislativo quanto pelo
Executivo, foi produzido um conjunto de normas responsáveis por mudanças de
destinação de uso de áreas urbanas em todo o Distrito Federal. Diversos julgados do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Terririos – TJDFT, atendendo a ações diretas
de inconstitucionalidade – ADI propostas pelo Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios - MPDFT suspenderam a eficácia de leis de iniciativa parlamentar, as quais
mudaram a destinação de áreas no DF, vigendo, entretanto, outras alterações pontuais
de iniciativa do Executivo
101
.
As alterações de uso por meio de leis avulsas têm como alvo pontos
específicos da cidade, fragmentos do espaço onde se vislumbra a possibilidade de gerar
novos incrementos imobiliários ou atender a grupos sociais com peso potico
específico. Não contempla o espaço urbano como um todo, tampouco se insere em
programas de intervenção urbana de caráter coletivo, a partir de regras de mensuração
dos impactos e de captação de mais-valias para o financiamento das intervenções e
indução do desenvolvimento urbano.
Ao alterar o uso e demais índices urbanísticos de forma isolada, a lei passou
a tratar proprietários, que se encontram em idêntica situação, de forma diferenciada. Em
outras palavras, por meio de uma lei, agentes políticos promovem a valorização de
imóveis isolados (na medida em que atribuem usos mais valorizados pelo mercado),
embora haja outros em situação idêntica, não beneficiados com o mesmo tratamento
102
.
No Distrito Federal, a outorga onerosa de alteração de uso somente foi
regulamentada em 2000, por meio da Lei Complementar n. 294, portanto em data
anterior ao Estatuto da Cidade. A lei em questão estabeleceu a cobrança de outorga nos
casos de alteração ou extensão dos usos atribuídos aos imóveis urbanos, caso estivessem
inseridos em áreas delimitadas pelo plano diretor local.
A tentativa de vincular as alterações de uso a um instrumento que
contemplasse o planejamento geral de cidade (Box 1) e os interesses voltados para a
101
A Lei Orgânica reserva ao Poder Executivo a iniciativa de leis que tratem de uso e ocupação do solo,
por se tratarem de matérias sujeitas ao plano diretor, cuja iniciativa também é reservada ao executivo por
força ainda do Estatuto da Cidade (artigo 52, VII da LODF c/c o artigo 50 do Estatuto da Cidade). A
análise do tribunal tem sido limitada aos aspectos formais, por uma questão de admissibilidade, portanto,
sem adentrar nas especificidades do novo marco jurídico, que assegura o direito à gestão participativa, a
avaliação dos impactos gerados na vizinhança e a delimitação das áreas sujeitas a alteração no plano
diretor (artigos 2º, II, VI, IX, XI, XIII; 29; 36 a 38 e 43 a 45 do Estatuto da Cidade).
102
Desconhecemos, até o presente momento, ações judiciais por parte de proprietários que se encontram
em situação similar e que se sentiram discriminados. Em tese, poderiam reclamar judicialmente
tratamento isonômico com outros proprietários beneficiados com regras de uso e ocupação do solo.
118
flexibilização da aplicação das alterações de uso, desde o Plano Diretor de 1997
delimitaram a “queda de braço” travada em torno da matéria. Enquanto ocorriam
inclusões e exclusões nos instrumentos legais, motivadas pela possibilidade de
aprovação de alterações de uso de forma menos restritiva, houve uma considerável
produção de leis pontuais (lotes específicos), desvinculadas do planejamento urbano.
Box 1 – síntese de normas distritais que vincularam e desvincularam a aplicação de alterações de
uso a instrumentos de planejamento.
LC 17/97 (PDOT):
Art. 52. Os Planos Diretores Locais ou leis específicas determinarão os usos permitidos e as
áreas nas quais será aplicado o instrumento da outorga onerosa da alteração de uso;
Art. 78. Até a aprovação do Plano Diretor Local somente será permitido o aumento de
potencial construtivo e alteração de uso por meio de lei complementar (artigo inserido pela
CLDF, vetado pelo governador e rejeitado o veto pela CLDF).
§1º. Só será admitida lei complementar que respeite a disponibilidade e capacidade dos
equipamentos públicos urbanos e comunitários, do sistema viário e que atenda às
condicionantes ambientais (parágrafo inserido pela CLDF, vetado pelo governador e rejeitado
o veto pela CLDF).
§2º. Aos projetos de lei em curso na Câmara Legislativa do Distrito Federal, até a data de
publicação desta Lei, será admitida a tramitação na forma de lei ordinária e exigida maioria
absoluta para sua aprovação (parágrafo inserido pela CLDF, vetado pelo governador e
rejeitado o veto pela CLDF).
LC 294/2000:
Art. 3° Nas Regiões Administrativas que não possuem Plano Diretor Local, qualquer
modificação ou extensão de uso ou tipo de atividade ficará condicionada a estudo prévio de
viabilidadecnica, nos termos do art. 78 da Lei Complementar n. 17, de 28 de janeiro de
1997.
LC 676/2002:
Art. 1° Fica revogado o art. 78 da Lei Complementar n° 017, de 28 de janeiro de 1997.
Art. 2º. A a aprovação do Plano Diretor Local, não serão permitidos o aumento de potencial
construtivo e a alterão de uso.
Ato das Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Distrito Federal:
Art. 56. Até a aprovação do Plano Diretor local do respectivo núcleo urbano não serão
permitidos o aumento do potencial construtivo, a alteração de uso ou a desafetação (Emenda à
Lei Orgânica n. 40 de 30/12/2002).
Parágrafo único. Excetuam-se do disposto neste artigo o aumento de potencial construtivo, a
alteração de uso e a desafetação que sejam feitas por lei específica de iniciativa do Governador
do Distrito Federal, motivada por situações de relevante interesse público, precedida de
estudos técnicos que avaliem o impacto das alterações, considerando os usos e parâmetros de
ocupação propostos, devidamente aprovados pelo órgão técnico competente do Poder
Executivo.
(Emenda à Lei Orgânica n. 43, 10 de novembro de 2005).
Art. 57. Ficam suspensos, no quadriênio de 2003-2006, a desafetação de que trata o art. 51, §§
1° e 2°, e o disposto no art. 320 da Lei Orgânica do Distrito Federal.
(Emenda à Lei Orgânica nº 40, de 30 de dezembro de 2002)
§ Excetua-se do disposto neste artigo a desafetação prevista em Plano Diretor Local.
(Emenda à Lei Orgânica n. 40, de 30 de dezembro de 2002)
§ 2° A desafetação de que trata o parágrafo anterior será feita por lei espefica de iniciativa
do Governador do Distrito Federal, observado o disposto no art. 51, § 2°, desta Lei Orgânica
(Emenda à Lei Orgânica n. 40, de 30 de dezembro de 2002).
119
Nos termos do planejamento urbano defendido pelo Estatuto da Cidade (Box
2), as áreas passíveis de aplicação do instrumento deveriam ser delimitadas no plano
diretor, numa tentativa de impedir intervenções especulativas como, tradicionalmente,
ocorre nas cidades. Entretanto, a possibilidade de editar leis avulsas resultou em
situações materiais consolidadas. Mesmo diante da suspensão de eficácia por parte do
Poder Judiciário, diversas atividades permanecem em pleno funcionamento
103
.
Box 2 – síntese de normas definidas pelo Estatuto da Cidade que tratam de alteração de uso de
imóveis urbanos.
Art. 29. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida alteração de uso do
solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.
Art. 30. Lei municipal específica estabelecerá as condições a serem observadas para a outorga
onerosa do direito de construir e de alteração de uso, determinando:
I – a fórmula de cálculo para a cobrança;
II – os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga;
III – a contrapartida do beneficiário.
Art. 31. Os recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa do direito de construir e de
alteração de uso serão aplicados com as finalidades previstas nos incisos I a IX do art. 26 desta
Lei.
...
Art. 26. O direito de preempção será exercido sempre que o Poder Público necessitar de áreas
para:
I – regularização fundiária;
II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;
III – constituição de reserva fundiária;
IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana;
V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
VIcriação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;
VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental;
VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico;
IX – (VETADO).
A definição da forma de cálculo da outorga ficou a cargo da Companhia
Imobiliária de Brasília – TERRACAP, sendo as contrapartidas previstas apenas de
ordem financeira, ficando ausentes, portanto, formas alternativas de pagamento, como a
oferta de imóveis ou a execução de obras e serviços ao Poder Público. Tampouco, a lei
em questão permite a cobrança de ofício para os casos em que o proprietário modifica
unilateralmente os usos, sem prévia alise e permissão do Poder Público. A medida
ainda não resulta em sanções, considerando que há normas que protegem os particulares
103
Parte II, postos de abastecimento em Águas Claras, uma faculdade no Park Way, por exemplo.
120
e até incentivam as alterações informais de uso por meio da redução do imposto predial,
como ocorreu com a LC n. 377/2001
104
.
A concessão de reduções fiscais se, por um lado, reconhece uma realidade
concreta, por outro resulta num estímulo ainda maior à alteração de imóveis comerciais
para fins residenciais. Desse modo, a norma fortalece um mercado lucrativo, que vem se
desenvolvendo por iniciativa de construtoras e incorporadoras que disponibilizam
imóveis comerciais como residenciais em zonas onde existe uma demanda disposta a
pagar os preços e correr os riscos.
Um aspecto marcante da LC 294/2000 é o fato de que a mesma veio a ser
regulamentada após a edição do Estatuto da Cidade, ocasião em que não somente seus
problemas originais foram mantidos como agravados. O artigo 24 do Decreto n.
23.776/2003
105
, permitiu a expedição de licenciamento para as atividades o
contempladas pelas regras de uso e ocupação do solo, sem que essa permissão
caracterizasse mudança de destinação dos imóveis, o que resulta na ausência de
imposição de outorgas pelo desenvolvimento de atividades não permitidas.
A aprovação de atividades fora do zoneamento específico, em imóveis cujas
regras de uso do solo não contemplam as atividades propostas pelos interessados é,
inclusive, algo previsto e expresso na legislação local. A Lei n. 1.171/1996
106
, que
definiu as regras para obtenção da licença de funcionamento no âmbito do Distrito
Federal, criou a figura do “alvará precário”. Essa figura permite o funcionamento de
atividades de qualquer sorte (comerciais, institucionais e até industriais) em imóveis
urbanos, independentemente da regra de uso e ocupação do solo, por prazo que pode
chegar a dois anos, passível de renovação por novos prazos, de forma indeterminada.
104
A LC 377/2001 reduziu os percentuais do Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU para os imóveis
comerciais utilizados para fins residenciais: Art. 1° O art. 19, IV, do Decreto–Lei n° 82, de 26 de
dezembro de 1966, com as alterações posteriores, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 19...
IV – 0,30% (trinta centésimos por cento) quanto:
a) aos imóveis edificados exclusivamente para fins residenciais;
b) aos pavimentos superiores dos imóveis com utilização residencial, especialmente nos Setores
Comerciais Locais Sul e Norte, no Setor de Edifícios de Utilidadeblica e no Setor de Utilidade
Pública, e dos imóveis situados no comércio local do Setor de Habitação Coletiva Sudoeste – SHCW
comprovadamente usados para fins residenciais, conforme dispuser o regulamento.
105
Artigo 24 - A emissão de alvará de funcionamento a título precário não caracteriza a mudança de
destinação de uso do lote ou lotes afetados.
106
A eficácia da Lei n. 1171/1996, que dispõe sobre o alvará de funcionamento para estabelecimentos
comerciais, industriais e institucionais, foi suspensa por decisão do TJDFT em ADI. Em seguida,
dezembro de 2008, foram definidas novamente regras semelhantes por meio das leis 4.201/2008 e
4.151/2008. A primeira criou a figura do “alva de transição”, com proposta similar ao do “alvará
precário”. Emendas aprovadas pelo Legislativo voltaram a autorizar atividades comerciais em lotes
unifamiliares nas quadras 700 da W3 sul, entretanto foram vetadas pelo Executivo.
121
Na prática, ocorreram sucessivas renovações das licenças, que resultam
numa estabilidade “por vias tortas”, ou seja, a única diferença perceptível entre
atividades que funcionam em zoneamento específico e atividade desconforme é o fato
de que a segunda necessita renovar a licença de funcionamento, o que não ocorre com a
primeira.
Portanto, as atividades, que não atendem as regras de uso e ocupação do solo
no Distrito Federal, recebem uma licença que, na prática, produz efeitos similares às
atividades instaladas segundo as normas urbanísticas.
Na prática, a legislação em questão parece estar mais fundamentada em
motivações políticas que propriamente urbanísticas. O alvará precário é um instrumento
que confere especiais poderes a parlamentares, que são constantemente procurados para
interceder junto a interessados em obter licenciamento, e aos Administradores
Regionais, que podem negar-se a licenciar atividades ou permitir outras, com base nas
prerrogativas asseguradas pela lei.
A paisagem urbana é bastante marcada por essa legislação. Todo o Distrito
Federal e, inclusive, o perímetro da área tombada de Brasília, tem sofrido
transformações a partir da implantação de atividades comerciais e serviços em áreas
residenciais, moradia em salas comerciais, instituições religiosas em áreas industriais,
etc.
Por outro lado, as normas de uso e ocupação do solo (NGB’s) mostram-se
contraditórias em alguns casos, considerando que vedam atividades com menor
potencial de incomodidade em setores industriais, como ocorre no S.I.A e no S.I.G,
razão pela qual a liberação de alvarás precários tornou-se importante para evitar
impactos indesejados sobre as atividades produtivas, que seriam obrigadas a encerrar
bruscamente as atividades se não houvesse essa alternativa. Importante ressaltar que o
próprio urbanista Lucio Costa
107
recomendou que fosse evitada a segregação em
excesso no Plano Piloto, onde deixou claro que seu projeto previa a predominância e
não a exclusividade de usos, como de fato ocorreu.
Atividades não incompatíveis, como o comércio (bares, boates, restaurantes,
etc.) e institucionais (educação, etc.) ficam impossibilitadas de se instalarem nesses
setores, o que fortaleceu a ”lei do alvará precário” como uma alternativa para o
107
COSTA, Lucio. Brasília Revisitada, Brasília, 1993.
122
enfrentamento do problema
108
. Os setores industriais estão pontuados por atividades não
reconhecidas pelas regras de uso e ocupação do solo, mas que gozam do
reconhecimento da legislação de licenciamento.
As alterões existentes nesses dois setores são informais, portanto não
contam com o reconhecimento do Estado. Desse modo não foram objeto de um
planejamento prévio tampouco foram arrecadadas parte da valorização possibilitada
pela concessão de novos usos, mesmo em caráter temporário.
A NGB 73/88 (anexo I) do S.I.A, do mesmo modo, impede que atividades
institucionais funcionem no setor, o que torna a própria Administração Regional, a
Secretaria de Segurança Pública e a Defesa Civil, instaladas ali, descumpridoras das
regras de uso do solo.
Na oportunidade de revio do plano diretor ou da definição de um plano
específico para as regiões em questão, tais regras podem ser reavaliadas, uma vez que as
necessidades sociais são dinâmicas e essas normas já se mostram descontextualizadas.
Significa dizer que os imóveis passam a cumprir melhor sua função social diante de
uma reordenação das regras de uso e ocupação do solo, as quais podem refletir uma
melhor utilização e aproveitamento dos espaços e da estrutura instalada. Além disso, a
readequação de usos teria o escopo de superar as dificuldades que mantêm a
necessidade de utilização de licenciamentos precários e emergenciais.
A abertura das regras de uso e ocupação do solo para atividades não-
incompatíveis, a partir de projetos que contemplem os impactos e os recursos
necessários para adaptar a estrutura urbana aos novos usos, pode possibilitar um melhor
aproveitamento dos setores, inclusive no período noturno, onde se encontram
subutilizados. Além disso, novas possibilidades de usos alçam o valor das propriedades
para cima, o que, por meio de um processo de negociação com os interessados, pode
resultar na apropriação de parte dessa valorização para os cofres públicos, de modo a
custear as intervenções necessárias e atingir o interesse público.
Entretanto, é possível observar que a potica do “alvará precário” ou “alvará
de transição” vincula os interessados anualmente à burocracia local, agregando
artificialmente poder político aos Administradores Regionais e aos políticos locais.
108
O grau de incompatibilidade deve levar em conta, ainda, o “porte” das atividades. A depender do
porte, mesmo usos/atividades tidos como compatíveis pela norma deixam de sê-lo. Imóveis destinados ao
uso comercial, por exemplo, podem abrigar uma mercearia ou um supermercado, entretanto o impacto
produzido por ambos, certamente, seria distinto em um Estudo de Impacto de Vizinhança - EIV.
123
Essa rigidez, que inviabiliza atividades compatíveis de se instalarem em
certos setores, aliada às brechas na legislação de licenciamento, como dito
anteriormente, subverte o caráter do processo (que passa a ser cada vez mais poítico e
menos técnico), o torna sujeito à troca de favores, à corrupção e a dividendos poticos,
utilizados para destravar a burocracia criada pelo próprio Estado.
Desse modo, a alteração de uso, em suas várias formas de manifestação,
mostra-se importante para os agentes políticos locais (Legislativo e Executivo), que
costumeiramente a utilizam como um instrumento de poder, desvinculado dos seus
importantes efeitos coletivos.
Judiciário e Ministério Público, por sua vez, exercem seu papel
constitucional ao afastar do mundo jurídico regras que contrariam a ordem urbanística,
muito embora as discussões estejam presas a aspectos formais (iniciativa do processo
legislativo), sem adentrar com profundidade no conteúdo das propostas. Esse fato tem
favorecido a manutenção de leis de iniciativa do Poder Executivo, descontextualizadas
de instrumentos de planejamento urbano e que não se prestam a arrecadar parte da
valorização para a coletividade.
1.2 A ação dos agentes econômicos
A relação entre mercado imobiliário, proprietários e Estado é mediada pela
propriedade urbana e pelas regras de uso e ocupação do solo, que possuem significado
especial para o alcance de estratégias e interesses ecomicos.
Como vimos anteriormente
109
, havendo demanda por usos economicamente
mais rentáveis, a regra de uso e ocupação do solo representa um empecilho para o
mercado, que tende a ser superado. A liberação de novos usos representa também a
liberação de rendas represadas, o que resulta na elevação do valor de mercado dos
imóveis, que, em muitos casos, não encontram demanda para os usos atuais. Isso pode
ser visto nas alterações de uso de salas comerciais para moradia (quitinetes), tão comuns
no Distrito Federal, mas que ainda não se incorporaram oficialmente às regras de uso e
ocupação do solo, que costumam destinar os pavimentos superiores dos prédios dos
comércios locais para prestação de serviços.
Por um lado, compete ao Poder Público a prerrogativa de fixar as regras de
uso e ocupação do solo e afastar ou manter impedimentos para o uso da propriedade
109
Teoria da renda fundria, Parte I.
124
urbana, o que o configura como um alvo potencial dos atores econômicos. Entretanto,
sua atuação não se limita apenas a romper as barreiras impostas pela legislação
urbanística e favorecer atividades produtivas.
Em muitos casos, o Poder Público flexibiliza regras urbanísticas e promove
interpretações condizentes com interesses mercadológicos, em outros, dissimula as
intenções do mercado ou, ainda, omite-se no papel de controle (fiscalização
urbanística).
Nesse sentido, o mercado imobiliário abre novas oportunidades de oferta de
habitações coletivas onde as normas de uso e ocupação do solo não as permitiam, como
tudo indica tratar-se do caso do SHTN e da Quadra 301 em Águas Claras.
A oferta de imóveis residenciais no SHTN, como narrado anteriormente, foi
objeto de uma queda de braços no CONPLAN, com vitória do setor imobiliário, o qual
defendia a tese de que se tratava de empreendimentos hoteleiros (hotéis-residência,
apart-hoteis) e não imóveis residenciais, como afirmavam alguns urbanistas.
O fato é que na época da concepção da cidade a iia de estabelecimentos
hoteleiros era diferente da que encontramos hoje, o que tornou muito difícil a
diferenciação entre esses e os residenciais com serviços, como ocorre em Águas Claras,
por exemplo, em lotes destinados à habitação coletiva. O mercado imobiliário passou a
oferecer serviços, opções de lazer e diversão nos condonios residenciais desse núcleo
urbano, de modo a garantir que o morador, que cada vez se sente mais inseguro em
ambientes públicos, tenha serviços exclusivos e a comodidade necessária para depender
cada vez menos dos espaços externos (da rua e dos perigos e incômodos que oferece).
São encontrados em Águas Claras condomínios residenciais com salas de projeção,
lavanderia, buffet, serviços de entrega de refeições, que não se diferenciam daqueles
encontrados no SHTN, em imóveis destinados a atividades comerciais/ hotelaria (anexo
VI).
Os empreendimentos do SHTN, dessa forma, não são reconhecidos como
alteração de uso pelo órgão de planejamento urbano, muito embora a observação mais
cuidadosa demonstre tratar-se de uma opção de moradia aberta aos moradores e
investidores de Brasília, para quem a publicidade foi fortemente dirigida.
Por sua vez, na quadra 301 em Águas Claras, o PDL de Taguatinga permitiu
que fossem remembrados lotes unifamiliares, hipótese em que se somavam o número de
moradias permitidas (até duas por lote). Em caráter excepcional, mais de duas moradias
poderiam ser permitidas por lote, desde que houvesse anuência das concessionárias de
125
serviços públicos. O que se viu foi a transformação da exceção em regra, com a
edificação de condomínios edilícios com mais de 50 apartamentos em lotes unidos,
onde seriam autorizadas até seis habitações. Em nenhum momento a norma alterou os
usos para permitir habitação coletiva, tampouco se pode entender que a
excepcionalidade prevista possuía o escopo de transformar a destinação dos imóveis,
hipótese em que seria aplicada a outorga onerosa de alteração de uso. O valor do metro
quadrado dos imóveis transita entre R$ 2.500 e R$ 3.000/m2 nessa área, que se encontra
em franco processo de alteração
110
sem contrapartidas à coletividade que, certamente,
arcará com possíveis investimentos futuros, necessários à ampliação das redes, do
sistema viário, etc.
No SMAS e SCEES, o PDL do Guará elaborou um projeto especial
integrador – PEI
111
para complementar a ocupação urbana dos setores, porém não foram
cobradas outorgas pela alteração que permitiu a edificação de condonios de luxo onde
outrora existia um estádio de futebol abandonado. Certamente, a nova regra permitiu
que o imóvel passasse a cumprir uma função social, entretanto, parece inquestionável o
fato de que a liberação de novos usos, demandados pelo mercado, proporciona a
valorização de imóveis abandonados, como o do antigo estádio Pelezão. Atualmente
estão sendo ofertados aproximadamente 1.100 apartamentos, com preços variando entre
R$ 7.000 e R$ 8.000/m2.
Quanto aos projetos comerciais no CA e no Sudoeste, a propaganda das
próprias construtoras indicavam tratar-se de imóveis destinados à moradia, entretanto a
Administração optou por prosseguir licenciando as obras para as finalidades permitidas
pela regra de uso e ocupação do solo, o que a eximiria de futuras apurações de
responsabilidade. As quitinetes, nessas áreas, são comercializadas por valores que
superam R$ 5.000 por m2.
110
Fotografias na Parte III.
111
LC 733/2006, art. 27: V- PEI 5 - elaboração e implementação de projeto para complementação da
ocupação urbana do Setor de Clubes Esportivos e Estádios Sul - SCEE/Sul e do Setor de Múltiplas
Atividades Sul - SMAS - trechos 1 e 2, conforme indicado no Anexo IV - Mapa 4C, com as seguintes
diretrizes:
a) elaborar projeto de reabilitação urbana e parcelamento da área ocupada por comércio na via de acesso
ao SCEE/Sul e SMAS, com o objetivo de disciplinar as ocupações existentes e constituir área de
qualificação econômica;
b) aplicar o nível máximo de restrição até R4;
c) adotar o coeficiente de aproveitamento máximo igual a 2 (dois);
d) adotar a altura máxima igual a 26,00m (vinte e seis metros);
e) aplicar os instrumentos urbanísticos da outorga onerosa de alteração de uso, outorga onerosa do direito
de construir, transferência do direito de construir, parceria público-privada, IPTU progressivo e conceso
do direito real de uso.
126
Do mesmo modo, o Estado parece ignorar que processos imobiliários em
plena construção, marketing e venda vem ocorrendo na Asa Norte (Quadras 900), os
quais disponibilizam centenas de moradias, com valores que superam a R$ 5.000 o m2.
A utilização dos imóveis destinados ao uso institucional das quadras 900 (sul
e norte) denota que há uma forte demanda reprimida por moradia nas áreas centrais e
próximas ao Plano Piloto e, em contrapartida, uma baixa procura por usos institucionais.
Como se trata de uma alteração de uso informal, não está inserida em programas
urbanos ou recolhe quaisquer valores a título de valorização dos imóveis.
Por outro lado, a utilização residencial desses imóveis atende às
necessidades de um perfil de consumidor não contemplado pelos padrões morfológicos
existentes no Plano Piloto (apartamentos de 2, 3 ou 4 quartos das superquadras ou
habitações individuais das quadras 700), informação que, entretanto, é captada pelo
mercado imobilrio. As questões atinentes ao tombamento da cidade dificultam a
aprovação de alterações de uso, porém valorizam os espaços, o que motiva o mercado
imobiliário a superá-las por meio da aprovação de edificações para as finalidades
previstas e a comercialização para fins de moradia.
O preço por metro quadrado desses imóveis, em regra salas adaptadas (os
populares quitinetes), como dito, chega a superar a cifra de R$ 5.000/m2, o que indica
que muito se perde em termos de arrecadação, ao contrário do que ocorreria se o Estado
fosse o protagonista dessas ações, por meio de programas bem orientados para o
interesse público.
Em um único imóvel na Asa Sul, foi possível identificar mais de cem
unidades ocupadas por quitinetes entre 29m2 e 35 m2. Pela dimensão média de 30m2 e
com valores em torno de R$ 4.500 o m2, estaríamos falando em imóveis com valores
individuais em torno de R$ 135.000,00. Certamente, os valores seriam ainda maiores se
as alterações fossem inseridas em ações de Estado, mediante a mudança formal nos
usos.
Em um simples exercio, onde uma negociação com o Estado rendesse uma
apropriação de 10%
112
do valor de mercado dos imóveis, chegaríamos a R$
1.350.000,00 de ingresso nos cofres públicos em apenas um dos prédios onde
identificamos a prática (TAB. 12).
112
Nos anexos XIV e XV (pp. 166 e 167) é possível observar dois laudos de avaliação para fins de
cobrança de outorga onerosa de alteração de uso. Em um dos casos, o valor de mercado do imóvel passa
de R$ 2.046.900,00 para R$ 3.652,800, 00, portanto, R$ 1.605.900,00 de valorização. Nesse caso, o valor
da outorga equivale a mais de 40% do valor de mercado possibilitado pelas novas regras de uso.
127
Tabela 12 - Projeção de arrecadação para imóvel na Asa Sul.
Quantidade
de quitinetes
Vr. médio de
mercado (R$)
Mais valia (negociada) Valor total
arrecadado
100 135.000 10% 1.350.000,00
Nesses casos, a valorização gerada no processo de alteração de usos, que
deveria ser compartilhada com a sociedade por meio de ingressos ao FUNDURB, vai
parar exclusivamente nas empresas imobiliárias, construtoras e incorporadoras
envolvidas no processo.
No STN a prática de transformar imóveis destinados ao uso comercial e
institucional em moradia também é comum, a exemplo da Asa Norte, da Asa Sul, do
CA, etc.
Nesse setor ocorreu ainda a mudança de destinação de um imóvel reservado
à construção de um terminal rodoviário para permitir a implantação de atividades
comerciais, graças à Lei n. 3.719/2005, proposta pelo Poder Executivo. O hipermercado
Carrefour instalou-se em frente ao seu concorrente direto (o hipermercado Extra) e já se
prepara para explorar o imóvel com a inauguração de um shopping-center. A lei em
questão, proposta pelo Executivo, permanece produzindo efeitos, a despeito de diversas
outras que tiveram sua eficácia suspensa por ADI proposta pelo MPDFT.
Do mesmo modo, a Lei Complementar n. 731/2006 alterou o uso de lotes no
Setor deltiplas Atividades Sul – SMAS, em Brasília (de “centro de treinamento
para atividades comerciais), o que ensejou valorização imobiliária supostamente
superior a 200%. Empresários do ramo imobiliário, investidores e o próprio Governador
do DF foram apontados como os agentes envolvidos na alteração das destinações, sem
que se tenha revertido ao patrimônio público nenhum recurso (anexo X), o que
demonstra a estreita relação existente entre Estado e mercado imobiliário. Atualmente,
inclusive, o governo mostra-se representado fortemente pelo setor imobiliário, na figura
do vice-governador do DF (ex-presidente da Associão de Dirigentes de Empresas do
Mercado Imobiliário – ADEMI de 1997 a 2003) e do Secretário de Obras (ex-presidente
do Sindicato da Indústria da Construção Civil - SINDUSCON entre 1999 e 2003).
128
1.3 A ação da sociedade (des) organizada
Setores organizados passaram a entender os mecanismos de obtenção de
riqueza por meio de regras urbanísticas, a aprender o jogo político e a empreender ações
voltadas ao desenvolvimento artificial da propriedade.
O “desenvolvimento artificial, para fins do presente trabalho, é a
atratividade provocada em imóveis individuais por fatores alheios aos esforços dos
proprietários, como ocorreria, por exemplo, se realizassem investimentos diretos na
melhoria das edificações. Essa “atratividade” é proporcionada por alterações individuais
e informais nos usos abrigados pelos imóveis, mesmo que essa prática resulte numa
agressão aos interesses coletivos.
Trata-se de uma lógica bem conhecida no Distrito Federal. O
descumprimento das regras de uso e ocupação do solo favorece a apropriação privada
de valores proporcionados por índices urbanísticos (potenciais construtivos e usos) e
beneficia unilateralmente os proprietários, transferindo o custo de adaptação da
estrutura urbana à sociedade. A aposta é na regularização posterior, o que se dá por
meio de pressões exercidas sobre o Poder Legislativo, em regra mais acessível e
suscetível aos apelos da sociedade por razões de ordem político-eleitoral.
No Guará, por exemplo, grande parte do Setor Industrial Pólo de Modas,
criado para estimular o desenvolvimento de micro-empresas por meio de um programa
de governo (PRÓ-DF) foi descaracterizado pela transformação dos prédios comerciais e
industriais em residenciais. A exemplo de outros setores abordados no presente trabalho
(Centro de Atividades do Lago Norte, Quadra 301 em Águas Claras, Quadras 700 e 900
sul e norte, etc.), a cidade conta com valores diferenciais em termos de localização
(proximidade com shopping-center, infra-estrutura e serviços públicos).
Em diversos lotes desse setor industrial foram erguidas edificações
residenciais, compostas de quatro, cinco pavimentos, utilizados para produção de
unidades habitacionais (quitinetes e apartamentos) pelos próprios beneficiários do
programa e por terceiros que adquiriram os imóveis.
Um lucrativo mercado se instalou a partir de então, com a aquisição de
imóveis dos beneficiários dos programas e a transformação dos mesmos em novas
opções de moradia.
Foram empreendidas, dessa forma, ações para alterar os coeficientes de
aproveitamento de vários imóveis, transformados em quitinetes e apartamentos.
129
Diversas iniciativas poticas se voltaram para a regularização
113
, todas sem nenhum
embasamento em estudos urbanísticos que contemplassem a arrecadação de parte da
valorização para custear as adaptações urbanas necessárias ou imputar parte dos custos
aos responsáveis.
O Legislativo possui competência institucional para emendar projetos de lei
encaminhados pelo Executivo e, assim, atender aos apelos dos setores sedentos por uma
onda de regularização”. Já o Executivo propõe, ele próprio, leis que possuem o único
escopo de retirar da clandestinidade situações que contrariam as regras de uso e
ocupação do solo
114
. A preocupação com a gestão social da valorização é substituída
pelo argumento do “fato consumado”, o que estimula a retroalimentação de práticas que
visam a extrair rendas de condições urbanísticas proporcionadas por investimentos
públicos (que tornam determinados núcleos urbanos mais valorizados que outros) ou
por regramentos urbanísticos mais favoráveis.
Por outro lado, as alterações de uso promovidas por proprietários de imóveis
unifamiliares nas quadras 700 foram feitas com base na legislação distrital que permitiu
a expedição de alvarás de funcionamento precários. Portanto, as alterações não estão
inseridas em programas urbanos, tampouco foram objeto de leis formais para permitir a
extensão dos usos. Trata-se, em regra, de uma prática adotada pelos proprietários para
agregar atividades comerciais de pequeno porte, sobretudo serviços, compartilhadas
com a moradia própria.
Essas alterações ocorrem em duas fases: promovidas pelos moradores de
imóveis unifamiliares, num primeiro momento, os quais compartilham moradia e
atividade produtiva (comercio de bens e serviço ou até pequenas atividades industriais)
e por emprerios, num segundo, os quais passam a utilizar os imóveis exclusivamente
para atividades produtivas ou erguem pavimentos extras para abrigar apartamentos. À
medida que as alterações se consolidam e que os imóveis passam a agregar a qualidade
de “ponto comercial”, os proprietários originais comercializam os imóveis por preços
que contam com esse valor diferencial e são substituídos por empresas de porte mais
elevado, que deixam de utilizar os imóveis para fins exclusivamente residenciais.
113
Projetos de lei e, mais recentemente, emenda ao Projeto de Lei Complementar 46/2007 de revio do
Plano Diretor de Ordenamento Territorial - PDOT. Embora não pudesse alterar o uso, apenas delimitar as
áreas para que leis específicas o fizessem, o plano promove uma série de mudanças de destinação.
114
Trata-se de um entendimento pacificado a partir da Emenda à Lei Orgânica n. 49, que deixou claro a
reserva de iniciativa ao Poder Executivo depois de sucessivas decisões desfavoráveis a leis de iniciativa
de parlamentares.
130
Nas habitações unifamiliares da Asa Norte ocorre um processo semelhante à
Asa Sul e à Vila Planalto, onde se observa a utilização de imóveis unifamiliares com
atividades comerciais, processo bastante comum também em praticamente todas as
cidades do Distrito Federal.
A utilização de imóveis unifamiliares com atividades comerciais, inclusive, é
uma prática reconhecida e admitida por alguns planos diretores locais, para atividades
de baixo nível de incomodidade e que contam com anuência dos moradores próximos,
e, ainda, pela legislação do alvará de funcionamento precário. A concessão de novos
usos, mesmo em caráter temporário, confere valores diferenciais aos imóveis,
possibilitados por concessões urbanísticas.
O imposto predial configura-se num instrumento importante, nesse caso,
para capturar parte das vantagens apropriadas de forma unilateral pelos proprietários. A
criação de uma alíquota intermediária entre a residencial (0.3%) e a não residencial
(1%), por exemplo, talvez cumprisse o prosito de captar parte desses valores para que
fossem revertidos à coletividade. Recentemente, o governo local tentou algo parecido
(cobrar alíquota de 1%) sem êxito, sobretudo devido à falta de ressonância potica para
tanto (anexo XIII).
Os pavimentos superiores dos blocos da SCLN, destinados à prestação de
serviços, foram adaptados e abrigam moradia, numa lógica inversa. Nesse caso, a
legislação distrital (LC n. 377/2001) confere descontos aos moradores, que deixam de
recolher a alíquota de IPTU de 1% (não residencial) e passam a pagar 0.3%
(residencial), em tais circunstâncias.
O imposto predial com finalidade urbanística deve ser utilizado para
desestimular práticas não condizentes com o princípio da função social da propriedade.
A redução do IPTU torna os imóveis mais atrativos, o que por um lado estimula o
melhor aproveitamento dos espaços, mas, por outro, transfere recursos da coletividade
para os proprietários. Do mesmo modo, a redução do IPTU não retira da informalidade
os ocupantes dos referidos imóveis, tampouco proporciona melhores condições de
moradia aos que se aventuram a residir nesses imóveis.
Mais uma vez, trata-se de alterações de uso informais, não planejadas, que
geram vantagens diferenciais aos proprietários e investidores, não compartilhadas com a
coletividade. Por outro lado, as “quitinetes” favorecem um melhor aproveitamento dos
imóveis e a integração de famílias com um perfil de renda inferior, que passam a
compartilhar das condições urbanas diferenciadas de Brasília.
131
Esse tipo de alteração de uso é bastante comum no Distrito Federal, podendo
ser encontrado em praticamente todas as Regiões Administrativas, onde a baixa
demanda por salas destinadas a atividades comerciais, a alta demanda por moradia e as
condições diferenciais de localização dos imóveis motivam tal alteração.
Dessa forma, a sociedade (para além do simples valor de troca da
propriedade) tem vislumbrado as “quitinetes” como uma opção acessível de moradia
(valor de uso), sobretudo pelo valor dos imóveis
115
que permitem que compradores com
perfis de renda inferiores tenham acesso à moradia em localizações centrais.
Por outro lado, setores sociais têm atuado cada vez mais para influenciar
decisões urbanísticas, porém em sentido contrário, para impedir intervenções que
contrariam o interesse coletivo (anexo XI). Sobretudo a partir da exigibilidade de
realização de audiências públicas para alterações de uso de imóveis urbanos inserida na
Lei Orgânica do Distrito Federal, regra que embora transitória
116
submete os interesses
individuais aos coletivos ou, pelo menos, compatibiliza direitos, de forma a distribuir de
maneira mais adequada o ônus e o bônus do processo de urbanização.
Importante ressaltar, entretanto, que a participação social no Distrito Federal
é ainda tímida, não havendo uma cultura participativa do nível de cidades como Porto
Alegre e Recife. Colaboram para essa baixa adesão o desinteresse das autoridades em
incentivar a participação espontânea, a dificuldade de entendimento do dialeto técnico, a
camuflagem dos efeitos negativos das alterões de uso e o direcionamento das
discussões para os benefícios das intervenções, o baixo nível de publicidade e a
interpretação das audiências como meros empecilhos burocráticos, que retardam a
execução de decisões já tomadas.
Entretanto, em que pese a baixa adesão às práticas participativas, a sociedade
tem reconhecido e enfrentado algumas tentativas de alteração de uso, muito embora
mais preocupada com efeitos sobre o trânsito que, propriamente dito, com relação à
apropriação individual de valorizações provocadas pelo esforço coletivo. Recentemente,
o Poder Executivo tentou alterar a destinação de um imóvel de 2,5 mil metros
quadrados, localizado no Setor Sudoeste (anexo 2), para permitir a instalação de
atividades comerciais em imóvel destinado à construção de uma escola. O fato
115
Na verdade, o preço do m2 das quitinetes é igual ou até superior aos dos imóveis tradicionais.
Entretanto, o preço final é proporcional a sua dimensão.
116
A inserção da exigibilidade de realização de audncias públicas prévias à realização de alterações de
uso fez parte do processo político de aprovação da Emenda à Lei Orgânica n. 40, que extinguiu os Planos
Diretores Locais (para cada uma das 29 Regiões Administrativas) e criou os Planos de Desenvolvimento
Local (para cada uma das 7 Unidades de Planejamento Territorial).
132
provocou protestos da comunidade e motivou a intervenção do Ministério Público, que
requereu ao Executivo, com sucesso, a retirada do projeto de lei.
2 Alterações de uso - conceituações e classificação
A partir das discussões levadas a termo até então, é possível conceituar as
alterações de uso de maneiras distintas, segundo os interesses, atores e práticas
envolvidas, para, a seguir classificá-las.
Para os fins do presente trabalho, alteração de uso unilateral, ou
desconformidade, é aquela em que o proprietário ou possuidor faz uso do imóvel de
forma diversa ou extensiva à permitida pelas regras de uso e ocupação do solo, de
maneira a desarmonizar-se com os instrumentos jurídico-urbanísticos. Trata-se de
alterações em que, por sua característica informal, não são mensurados os efeitos
econômicos das mudanças nos usos dos imóveis, tampouco apropriados para fins
coletivos parte dos benefícios ecomicos gerados a partir dos novos usos.
Unilateral 1: Incluem-se um tipo específico de alterações espontâneas,
pautada no valor de uso da propriedade, voltadas para a adaptação de salas e prédios
comerciais para fins de moradia, p.ex., a utilização do SCLN e dos pavimentos
superiores de prédios comerciais, observada em praticamente todo o DF. A utilização de
padrões edilícios distintos pode significar a incluo de categorias de renda mais
modestas em espaços “centrais”, dotados de infra-estrutura, o que parece ocorrer nesses
espaços. Muito embora não sejam projetadas para o uso residencial, na prática vemos
que é possível adaptá-los para tais fins e, inclusive, é esse o uso que a experiência
prática nos mostra que é conferido aos imóveis. A valorização capturada pelos
proprietários (diferença entre o preço de prédios com lojas e salas para prédios com
lojas e apartamentos), nesses casos, seria compartilhada com a sociedade por meio da
imposição de alíquotas diferenciadas de imposto predial. Ao contrário, o que ocorreu foi
a tributação pelos percentuais mais baixos de incidência do imposto, o que se reflete
num incentivo a tais práticas.
Unilateral 2: Desta feita, incluem-se as alterações que imprimem, de maneira
organizada pelo mercado, finalidades distintas aos atos de licenciamento, com vistas ao
valor de troca da propriedade. Ex. Quadras 700/900 Sul, 900 Sul, 900 Norte, Centro de
Atividades, Sudoeste e Pólo de Modas, onde usos institucionais, comerciais e até
industriais são substituídos por habitação. Nesses casos, a Administração Regional
133
aprova os projetos e licencia as obras para os usos previstos, o empreendedor efetiva as
adaptações necessárias (no caso de adaptação de salas para residência, batizados de
“quitinetes”) e passa a comercializar as unidades e a se apropriar da valorização
provocada pelas vantagens diferenciais encontradas nesses núcleos urbanos, sobretudo
pela proximidade com o Plano Piloto.
Alteração de uso vertical, por sua vez, é a mudança nas regras de uso de
imóveis associada a instrumentos legais, pretensamente voltados ao desenvolvimento
urbano. São alterões que reúnem uma ou mais das seguintes condições: (1) são
desvinculadas de projetos de intervenção urbana, com finalidade coletiva, (2) não
contam com o lastro de estudos de impacto, (3) não compartilham, salvo raras exceções,
parte dos recursos gerados nas intervenções com a coletividade.
Vertical 1: São as alterações de uso promovidas por iniciativa de autoridades
poticas (Legislativo ou Executivo), por meio de normas legais descontextualizadas,
fora de programas de intervenção urbana, no âmbito de instrumentos de planejamento e
sem estudos que mensurassem os impactos das alterações. Veremos que pouco se
ingressou no FUNDURB por conta de outorgas por alteração de usos, o que nos sugere
que foram restritos os casos em que houve compartilhamento da valorização gerada com
a sociedade. Ex. a alteração de uso promovida no lote “J do STN, as alterações de uso
para permitir a instalão de postos de abastecimento de combustíveis, etc.
Vertical 2: São as alterações de uso promovidas com base em leis de
licenciamento precário. As atividades comerciais e institucionais no S.I.G e no S.I.A,
além de diversos outros setores encontrado no DF se enquadram nessa modalidade,
potencialmente geradora de valorização pelo emprego temporário ou permanente de
usos diversos ao imóvel. Essas alterações sugerem a necessidade de mudanças na
concepção do zoneamento exclusivo, de forma a integrar atividades não-incompatíveis e
possibilitar um melhor consumo desses espaços. A readequação das regras de uso do
solo, para abrigar atividades comerciais (bares, restaurantes, boates, casas de espetáculo,
etc.) e institucionais (escolas, faculdades, templos religiosos, etc.) pode ser financiada
pelo próprio instrumento, sob a forma de concessão onerosa das novas possibilidades de
uso. Pelas suas características próprias, portanto, não fazem parte de um planejamento
urbano com caráter coletivo ou compartilham valorizações possibilitadas pelos usos
concedidos.
Vertical 3 – São alterações promovidas, do mesmo modo, a partir das leis de
licenciamento precário, pom em setores de habitação unifamiliar, onde são
134
potencializadas as vantagens diferenciais de vias de maior acessibilidade ou
proximidade com zonas comerciais. São alterações que sugerem, desde que haja adesão
dos demais moradores envolvidos, a necessidade de adoção de formas alternativas de
tributação (alíquotas intermediárias de imposto predial) e, na segunda fase
117
, a extensão
dos usos ou mudança de destinação definitiva dos imóveis, a partir de estudos
urbanísticos e programas de intervenção urbana que indiquem a viabilidade técnica e a
parcela de valorização a ser compatilhada. Como exemplo, temos as quadras
unifamiliares 700/Sul e a Vila Planalto, entretanto, trata-se de uma realidade encontrada
em todo o Distrito Federal.
Vertical 4: São as alterações que contrariam os regramentos de uso e
ocupação do solo, mas que contam com a aprovação expressa do Poder Público.
Vemos que na Quadra 301 em Águas Claras o PDL não alterou diretamente os usos dos
imóveis unifamiliares para permitir habitação coletiva, como vem ocorrendo. Se o
fizesse seria pautado em estudos de impacto e mediante a previsão de arrecadação de
parte da considerável valorização experimentada pelos imóveis nesse processo. Vimos
que os órgãos urbanísticos, sobretudo a Administração Regional, fizeram uma
interpretação do PDL voltada meramente aos interesses do mercado imobiliário, de
forma que não se sabe quais serão os impactos provocados na estrutura urbana, os
volume de recursos públicos necessários para minimizá-los, tampouco se contabiliza e
arrecada parte da valorização gerada no processo. No SHTN, vimos que, em vários
casos, foram erguidos prédios destinados à moradia, enquanto que a norma permite
apenas estabelecimentos hoteleiros e clubes recreativos. Do mesmo modo, houve uma
interpretação favorável aos interesses do mercado por parte dos órgãos urbanísticos.
A alteração de uso com finalidade social, por sua vez, é o instrumento
voltado para o alcance da função social da propriedade e da cidade, com finalidade
coletiva, inserido em instrumentos de planejamento urbano. Portanto, trata-se de uma
ferramenta que, além de induzir o melhor aproveitamento ou de possibilitar a
reintegração de espaços degradados à cidade, possibilita a captação de parte dos
recursos oriundos das intervenções para financiamento das próprias intervenções ou
aplicação em programas urbanos.
Os projetos de complementação urbana do SMAS/SCEES, para permitir a
implantação de novos empreendimentos habitacionais, foram previstos no Plano Diretor
117
Na segunda fase de ocupação, em que ocorre a substituição definitiva das moradias por atividades
lucrativas, como discutimos na p. 129.
135
Local do Guará. Entretanto, em pelo menos um caso, uma interpretação do plano diretor
inviabilizou a cobrança de outorga, como vimos. Se o mercado imobiliário (construtoras
e incorporadoras) está disposto a alterar o uso dos imóveis e investir em
empreendimentos habitacionais no setor, então é possível concluir que esse uso é o que
mais assegura lucratividade aos investidores. Parece-nos possível concluir que o Poder
Público abriu mão de arrecadar parte da valorização gerada nesse processo, como a
lógica de planejamento defendida pelo Estatuto da Cidade determina.
O quadro abaixo procura sintetizar o conjunto das alterações de uso
abordadas no presente trabalho.
Agentes Locais Alterações de
Uso
Mercado
imobiliário
Sociedade Políticos
Vertical
(apropriação
individual ou
gestão social
parcial)
.Apropriação da
renda gerada por
meio dos novos
usos (compra,
venda e aluguel);
.Apropriação de
vantagens
urbanísticas,
integração e
acessibilidade.
nfase nas
condições
urbanísticas
favoráveis.
(valor de troca)
.Busca por
regularizações
corretivas.
.Novas opções
de moradia.
.Rendimento
proporcionado
por atividades
produtivas em
imóveis
unifamiliares.
(valor de troca e
valor de uso)
.Redução do
imposto predial;
.Licenciamento
por meio de
alvará precário;
.Baixa incidência
de arrecadação.
.Interveões
desvinculadas do
planejamento
urbano.
Leis gerais de
alteração de uso:
.Postos de
combustíveis;
.Faculdade no
SMPW;
.Shopping-center
no STN;
.Centro comercial
no SMAS, etc.
.Alvarás precários
(SIG, SIA, W3 Sul
e Norte, V.
Planalto, etc.).
Unilateral
(apropriação
individual)
Idem. .Novas opções
de moradia em
imóveis
comerciais;
próximos às
localizações
centrais.
.Investimento;
.Ênfase em
vantagens
urbanísticas,
integração e
acessibilidade.
.Promove
regularizações
corretivas;
.Ignora rendas
geradas;
.Formula
entendimentos
favoráveis aos
interesses
individuais.
C.A, Sudoeste, 900
norte/sul, STN,
SHTN, Águas
Claras, Pólo de
Modas.
136
Social
(gestão social
parcial ou plena)
.Proporciona a
oferta de novos
espaços,
demandados pelo
mercado e pela
sociedade.
.Parceria com o
Poder Público.
.Dispõe de novos
espaços, serviços
e atividades de
que necessita.
.Planeja, licencia
e controla;
.Busca de um
melhor equibrio
entre as funções
urbanas;
.Apropria-se de
parte da
valorização
gerada.
SCEES, SMAS
(parcial)
Quadro-síntese de alterações de uso, segundo agentes e interesses envolvidos.
Por fim, é importante ressaltar, a título de conclusão do presente capítulo,
algumas particularidades gerais a partir das observações de campo.
A busca por um lugar na cidade tem apresentado novos contornos, como a
utilização de salas comerciais para moradia em locais dotados de infra-estrutura, de
condições de acesso a serviços e próximos aos locais de trabalho, que os tornam,
portanto, mais atrativos que imóveis com melhores padrões arquitetônicas, porém
situados na periferia. Esses imóveis atendem a um perfil que muitas vezes não encontra
acolhida nas formas edilícias disponíveis, como os apartamentos das superquadras ou os
imóveis unifamiliares. São muitos os jovens solteiros e casais sem filhos que optam por
esse tipo edilício no Plano Piloto, o que pode ser constatado na formação de pequenas
repúblicas nas “quitinetes” próximas à Universidade de Brasília – UnB e do Centro
Universitário de Brasília – Uniceub e na considerável oferta de imóveis encontrada nos
classificados.
A alteração de uso promovida pelo mercado imobiliário, para fins de
moradia, é uma prática responsável por uma alteração visível na paisagem de Brasília.
Esse lucrativo “mercado” atrai cada vez mais um público disposto a habitar salas
comerciais, eufemicamente chamadas de “quitinetes”, porém com muitos atrativos
agregados, proporcionados pela concentração de vantagens urbanísticas no Plano Piloto
e nos núcleos urbanos mais próximos. Atrai, ainda, investidores, que, lucram com
aluguéis e com a valorização desses imóveis.
O mercado promove apropriações substanciais de mais valias urbanas,
geradas por meio de alterações de uso unilaterais, sendo de difícil mensuração os
valores de que o Estado vem abrindo mão nesse processo. Nas alterações de uso
institucionais - inseridas nos instrumentos legais - e, ainda, naquelas com caráter
coletivo – que fazem parte de instrumentos de planejamento - depreende-se, a partir dos
recursos ingressados no FUNDURB, que muito pouco é apropriado pela coletividade.
137
Depreende-se, ainda, que estritamente para os casos pesquisados, não aconteceram
alterações com finalidade estritamente coletiva, pautadas no planejamento urbano e
mediante a arrecadação de parte da valorização gerada pelo Poder Público.
A tabela de valores arrecadados pelo FUNDURB (TAB. 14), fundo que
concentrava 95% dos valores pagos a título de outorga de alteração de uso – ONALT
não demonstra com precisão quanto se arrecadou a título de alteração de uso. Embora a
norma que criou o fundo seja de 1997, ainda não há a individualização das fontes que o
comem por códigos de receita, o que impede a devida transparência.
Tabela 14 - Valores diretamente arrecadados pelo Fundurb – 2005-2008.
Exercício Total empenhado Crédito disponível Total
2005 - 492.000,00 492.000,00
2006 - 180.000,00 180.000,00
2007 - 51.000,00 51.000,00
2008 49.100,00 1.145.900,00 1.195.000,00
Fonte: consulta direta da execução orçamentária ao Sistema Integrado de Gestão
Governamental do Distrito Federal – SIGGO.
Por outro lado, é possível afirmar que no ano de 2007 apenas R$ 51.000,00
ingressaram no fundo, considerando todas as fontes de ingressos que o comem (Box
3), muito embora se trate de um instrumento com potencial significativo para geração de
valorização imobiliária (anexo XIII). A título de exemplo, a extensão do uso comercial
em um único lote destinado ao uso institucional no Centro de Atividades (CA 8)
resultou numa avaliação de R$ 433.000,00, tendo como referência o mês de junho de
2008. Em março/2009, outro imóvel, em Taguatinga (Setor H Norte), destinado ao uso
institucional (atividades de ensino não seriado, beneficentes e assistência social) foi
avaliado em R$ 1.605.900,00 para que pudesse acumular o uso comercial de bens e
serviços, industrial e residencial - lote de média restrição, vetado atividade de média e
de alta incomodidade (anexos XIV e XV).
Box 3 – notas sobre o Fundo de Desenvolvimento Urbano do Distrito Federal – FUNDURB.
Art. 7º da LC 294/2000: “Os recursos auferidos com a aplicação da outorga onerosa da
alteração de uso integrarão em 95% (noventa a cinco por cento) o Fundo de
Desenvolvimento Urbano do Distrito Federal - FUNDURB e em 5% (cinco por cento) o
Fundo do Meio Ambiente do Distrito Federal”.
O artigo 7º foi alterado somente em janeiro de 2009, pela LC 762/2008, passando aos
percentuais de 90% (noventa por cento) para o Fundo de Desenvolvimento Urbano do
Distrito Federal – FUNDURB, em 5% (cinco por cento) para o Fundo de Meio Ambiente do
Distrito Federal e em 5% (cinco por cento) para o Fundo Distrital de Habitação de Interesse
138
Social – FUNDHIS.
A Lei Complementar n. 36/1997, revogada em janeiro de 2009 pela LC 800/2009, que criou o
FUNDURB, definiu em seu artigo 2º os seguintes ingressos:
Art. 2º Constituem fontes de recursos do FUNDURB:
I - recursos oriundos da aplicação pelo Distrito Federal, dos seguintes instrumentos de
ordenamento territorial e de desenvolvimento urbano, além de outros previstos em leis
específicas:
a) concessão de uso;
b) concessão de direito real de uso;
c) arrendamento;
d) retrovenda;
e) locação;
f) alienação;
g) solo criado;
h) outorga onerosa;
II - contribuições e subvenções de instituições financeiras oficiais;
III - recursos provenientes de convênios com organismos e entidades nacionais ou
internacionais, governamentais e não governamentais;
IV - doações e contribuições de pessoas físicas e judicas;
V - retorno das aplicações nos projetos e programas;
VI - receitas diversas.
Como visto anteriormente, há uma disparidade muito grande entre habitantes
e empregos no Plano Piloto, entretanto existe certa resistência em alterar usos não
demandados
118
e criar, após estudos criteriosos e por iniciativa do Poder Público, novas
áreas habitacionais, sobretudo para integrar perfis de renda distintos. Os dados
empíricos realçam, por sua vez, que todo um movimento de reconstrução lenta dos
espaços urbanos vem sendo promovido. Os imóveis urbanos são comercializados por
preços extremamente elevados, o que sugere que há recursos que poderiam ser
apropriados pelo Poder Público e utilizados tanto em programas urbanos, para retirar da
informalidade esses espaços, quanto em áreas carentes, caso as medidas fossem
executadas como os pressupostos do novo planejamento urbano estabelecem.
118
O Setor de Autarquias Norte é um enorme vazio, exemplo de destinação de uso que perdeu sentido ao
longo do tempo com o encolhimento do Estado. HOLANDA, 2006. Segundo dados de 2003, Brasília
dispõe de um pouco menos de 70% dos empregos formais, embora abrigue apenas 9.6% da população do
DF (dados 2004). Ver gráfico 1 e tabela 2, pp. 76 e 77.
139
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um primeiro aspecto, que deve ser consignado, é o fato de que as condições
estruturais de formação do território do DF, que concentraram oportunidades e
vantagens diferenciais no Plano Piloto, com reflexos positivos nos núcleos urbanos mais
próximos, resultaram na definição de um espaço seletivo. O planejamento regulatório,
vinculado aos preceitos modernistas e centrado na figura do Estado, acentuou esses
efeitos, ao centralizar as oportunidades e segregar para áreas distantes grandes massas
populacionais. As alterações de uso de imóveis urbanos, por sua vez, se traduzem em
estratégias de inserção ou permanência em espaços com condições diferenciais,
estratégias essas pensadas e executadas segundo interesses próprios dos agentes sociais
(valor de uso ou valor de troca da propriedade).
Conclui-se da sistematização de dados normativos e das observações e dados
empíricos que há mais de um tipo de alteração de uso, pois há mais de uma motivação
envolvida. Por essa razão, as causas também não podem ser apenas uma. Dependendo
do ponto de vista analisado, as alterações de uso podem significar o emprego de usos
mais vantajosos e rentáveis aos imóveis (valor de troca da propriedade) ou
simplesmente o desejo de inserção em espaços dotados de maiores oportunidades (valor
de uso).
O estudo sobre mercado de terras no Distrito Federal demonstrou que o valor
do solo é mais elevado quanto maior a aproximação com o Plano Piloto, onde se
concentram empregos, equipamentos públicos, coletivos, etc. Resulta que os preços de
alguns imóveis, que sofreram alterações de uso, acompanham essa dinâmica,
configurando-se em opções atrativas, não somente para moradia como também para
investimento, onde se manifestam rendas diferenciais de moradia, ou, simplesmente,
rendas diferenciais por localização, produzidas pelo esforço coletivo (investimentos
em urbanização, concentração espacial de oportunidades, etc.).
No DF, considerando os indicadores utilizados para avaliação - apropriação
coletiva de parte dos valores gerados no processo e inserção das alterações de uso no
planejamento urbano -, é possível concluir que o instrumento tem sido pouco
compreendido e precariamente aplicado. Por um lado, as valorizações geradas pelo
processo, informal em grande medida, são ignoradas; por outro, ocorrem diminuição de
impostos, que transferem recursos públicos para particulares, e licenciamentos de
140
atividades localizadas fora do zoneamento de forma graciosa. O Poder Púbico não
desconhece, de forma absoluta, as apropriações privadas, que ocorrem a partir de
alterações efetivamente praticadas pelo mercado, entretanto, ao se eximir de aplicar o
instrumento passa a fortalecer tais apropriações. Tais fatos reforçam o caráter
individualista da propriedade urbana e, em contrapartida, enfraquecem o cumprimento
da função social da propriedade.
A rigidez das normas de uso e ocupação do solo, vinculada aos preceitos do
urbanismo modernista (de raiz progressista, como vimos), não tem impedido que os
espaços sejam destinados a atividades alheias. A suposta eficácia do modelo, a partir da
ordem rigorosa dos espaços, em que as partes do tecido urbano possuem funções
específicas (separação entre zonas de trabalho, de moradia, de locais de lazer, de centros
cívicos, etc.) parece contestada pela realidade empírica.
A orientação dos usos, por meio de modelos ideais de ocupação do solo
urbano, esbarra no “mundo real”, onde ocorre uma “produção social dos espaços
urbanos. A ação social, fruto da dinâmica de forças políticas, ecomicas e sociais,
sob certas condições estruturais (polinucleação, horizontalidade, concentração espacial
de empregos e oportunidades, etc.), reproduz o espaço, ao promover, sob a lógica do
valor de troca ou do valor de uso da propriedade, transformações nas regras de uso e
ocupação do solo. O planejamento e a gestão urbanos, ainda bastante vinculados aos
preceitos da separação de usos, não consegue se antecipar e assumir as “rédeas” desse
processo, o que seria possível se o Poder Público reordenasse os usos dos espaços por
meio de projetos de intervenção urbana que fossem capazes de capturar parte do bônus
gerado no processo. As alterações informais de uso, inclusive, podem dar uma idéia de
quais são as atividades e os usos que estão carentes de espaços na cidade e, desse modo,
auxiliar na formulação de estratégias de intervenção com finalidade coletiva.
A regulação dos usos constitui-se num instrumento importante para o Estado
na busca de uma maior eficiência, coerência e equidade nos espaços urbanos, de modo
que a propriedade urbana cumpra uma função social e o direito de propriedade não seja
exercido segundo interesse exclusivo dos proprietários. Por outro lado, existe uma
concepção equivocada da regulação urbanística em especializar o espaço urbano em
distintas atividades, em muitos casos não incompatíveis, o que resulta na subutilização
de determinados setores (como o S.I.A e o S.I.G), que somente possuem vitalidade em
horários determinados, na perda de urbanidade e no subaproveitamento da infra-
estrutura instalada.
141
Entretanto, ocorreram mutações na estrutura urbana, provocadas pela
expansão da mancha, que permitiram que setores como o S.I.A, o S.I.G, o Lago Norte,
etc. passassem a fazer parte integrante do “Plano Piloto”. Essa proximidade estimula
mudanças no uso de determinados terrenos para outros de hierarquia superior, passando
a suportar rendas de natureza distinta, o que incrementa seus preços. A alteração de uso
de um lote industrial para comercial (a depender da demanda, o contrário), bem como
de imóveis institucionais e salas comerciais para moradia, possibilitada pelas novas
demandas surgidas a partir da expansão da mancha urbana, faz com que esses imóveis
passem a suportar rendas que antes não possuíam, de hierarquia superior.
As normas de licenciamento, por sua vez, permitem o funcionamento de
atividades que contrariam as regras de uso e ocupação do solo, e as tributárias reduzem
a incidência para as “quitinetes”, o que demonstra que a “queda de braços” entre o
“coletivo e oindividual” ocorre sem que o problema seja enfrentado em sua origem:
adoção de práticas de planejamento e gestão orientadas por valores coletivos.
O instrumento jurídico-urbanístico da outorga “onerosa” de alteração de uso,
desse modo, não tem sido adequadamente empregado. Poucas regiões administrativas
dispõem de Plano Diretor Local, onde as áreas sujeitas ao emprego do instrumento
deveriam ser delimitadas, os impactos mensurados e as rendas produzidas por novos
usos compartilhadas com a coletividade. Nos dois núcleos urbanos inseridos no presente
trabalho, que dispõem de PDL, observamos que não houve a captura de contrapartidas
para os casos indicados. Os recursos ingressados no fundo de desenvolvimento
urbano
119
levam-nos a concluir, do mesmo modo, que se trata de uma lógica que se
aplica não somente às áreas de estudo, mas a todo o Distrito Federal.
Nesses e nos demais casos tratados no presente trabalho, podemos concluir
que a intenção dos proprietários e investidores é a de provocarem movimentos no preço
do solomovimentos estruturais particulares – por meio de alteração nos usos,
prática que agrega valor ao imóvel e se traduz no preço. Por meio de uma especulação
indutiva, produzida a partir da influência que exercem proprietários, investidores e o
mercado imobiliário sobre as decisões do Poder Público, os imóveis passam a dispor de
rendas de maior magnitude e o pro se eleva diante das novas regras de uso.
Ainda nesse contexto, observamos que parlamentares - em maior nível - e o
Executivo utilizaram costumeiramente leis isoladas do contexto urbano geral para
119
Tabela 14, p. 137. O total de recursos indicados na tabela refere-se a todas as fontes de ingresso e não
apenas à ONALT.
142
permitirem a mudança de destinação de imóveis, mesmo em núcleos urbanos que não
dispunham de PDL, como mostram os dados da produção normativa no DF,
apresentados na Parte III, item 3 do trabalho. A prática vem desacompanhada de estudos
urbanos, com viés coletivo, e de justa distribuição dos recursos proporcionados por
conceses de novos usos, como se supõe a partir da contraposição entre o potencial do
instrumento e os recursos ingressados no fundo (tabelas 12, p. 127 e 14, p. 137). A
especulação indutiva exercida por proprietários, mercado imobiliário, comerciantes,
etc., junto aos agentes poticos, resulta na transferência de recursos do “coletivo” para o
“particular” e impede que haja uma gestão social da valorização imobiliária. Desse
modo, experimentam valorizações patrimoniais mesmo sem nenhum investimento ou
risco pessoal.
As decisões judiciais suspensivas de eficácia, da mesma forma, ainda não
abordaram com profundidade a questão. O Judiciário, por questões de admissibilidade,
não tem ultrapassado os aspectos formais nos julgamentos de inconstitucionalidade, ao
suspender a eficácia de leis oriundas do Legislativo por raes de reserva de iniciativa
para propositura dos projetos de lei. Por outro lado, diversas leis continuam em vigor
(tabela-síntese 1, p. 93), embora contrárias aos novos pressupostos jurídico-urbanísticos,
sobretudo no que tange à necessidade de delimitação dos espaços sujeitos a alteração de
uso no plano diretor, ao levantamento prévio dos impactos urbanísticos provocados
pelas alterações e, sobretudo, o compartilhamento de parte da valorização gerada no
processo com a coletividade.
O planejamento e a gestão urbanos, ainda, não têm se mostrado aptos a se
anteciparem às alterações informais de uso praticadas pelo mercado, o que poderia
ocorrer se fosse o Estado o protagonista de ações que elevam as possibilidades de uso
dos espaços e permitem a integração de perfis de consumo distintos. A legislação local,
como dito, define usos exclusivos para os imóveis, que impedem a integração de outros
não incompatíveis. Como há uma dinâmica econômica que torna atrativos certos usos,
sobretudo para moradia, em áreas próximas ao Plano Piloto, o mercado rompe as
barreiras que impedem usos mais rentáveis por meio de estratégias que envolvem a
informalidade, a imposição vertical de leis, ligações com o Estado que permitem
interpretações permissivas, etc.
A oferta de imóveis residenciais no Plano Piloto e nos núcleos mais
próximos, em particular, vem sendo ampliada por meio da oferta de unidades
habitacionais em lotes destinados ao uso comercial e institucional, resultando em
143
rendas diferenciais de moradia. A oferta de quitinetes – na verdade salas comerciais
adaptadas – atrai uma demanda não contemplada com os padrões tradicionais da cidade
(apartamentos nas superquadras ou habitações individuais), o que tem motivado o
mercado imobiliário a investir pesadamente nesse produto. O mercado captura, ainda, o
interesse de uma demanda disposta a pagar preços mais elevados para não abrir mão de
ocupar espaços com condições diferenciais de localização e, dessa forma, rompe com as
barreiras impostas pelo planejamento racionalista e pelas normas do tombamento ao
ampliarem a oferta de imóveis residenciais. O processo envolve a geração, a
apropriação privada da valorização imobiliária e a socialização dos custos de ampliação
da infra-estrutura e serviços, necessários à permanência dos novos usos, que passam a
ser assumidos pela coletividade.
Em regra, tratam-se de estratégias que reforçam apropriações individuais,
mas que ampliam as possibilidades de uso e integram, até certo ponto, consumidores
com necessidades e perfis de renda distintos, em um espaço dotado de oportunidades.
O Estado possui uma importante função nas cidades, que é a de regular o uso
dos imóveis urbanos, considerando que o protagonismo do mercado pode gerar muitas
atividades e efeitos indesejados, como a aproximação de usos incompatíveis ou a
densificação exagerada, a obsolescência ecomica de edificações e setores, a
segregaçãocio-espacial, a proliferação de lotes sem edificação para fins
especulativos, etc. (anexo VIII).
Depreende-se que o mercado imobiliário pode se antecipar ao planejamento
urbano, assumindo o ordenamento da ocupação do solo (segundo interesses próprios) e
a hegemonia sobre a estruturação do espaço. Trata-se de uma subordinação do
planejamento urbano “aos imperativos da valorização capitalista”. Esse capital assume
importante papel na estruturação da cidade, ao afetar o padrão de uso do solo e,
consequentemente os investimentos públicos que virão da pressão social futuramente.
Os reflexos sociais dessa estruturação criada por interesses econômicos são descritos
por Milton Santos (apud VILLAÇA, 1998, p. 75):
Cada homem vale pelo lugar onde está; o seu valor como produtor,
consumidor, cidao depende de sua localização no território. Seu valor vai
mudando incessantemente, para melhor ou para pior, em fuão das
diferenças de acessibilidade (tempo, freqüência, preço) independentes de
sua própria condão. Pessoas com as mesmas virtualidades, a mesma
144
formação, até mesmo o mesmo sario, têm valor diferente segundo o lugar
em que vivem: as oportunidadeso são as mesmas. Por isso, a
possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção,
do ponto do território onde se está (1987, p. 81).
Desse modo, o desafio deve ser o de assumir, com viés coletivo, o
protagonismo das demandas sociais, na forma dos novos pressupostos de planejamento
(politizado), destinando espaços degradados ou pouco utilizados para novos usos,
reconhecendo e se antecipando aos interesses sociais, o que favoreceria a organização
da cidade e a justa distribuição de bônus e ônus do processo de urbanização.
Se a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade, pressupõe-se que essas exigências
devem ser as que conferem maior e melhor aproveitamento aos espaços e aos
investimentos executados nele, de forma que sejam gerados benefícios coletivos. As
alterações de uso questionam as regras de uso do solo atuais e nos trazem os seguintes
questionamentos: os imóveis urbanos atendem melhor uma função social ao cumprirem
as regras atuais ou as regras informais? As salas comerciais utilizadas para fins
residenciais atendem melhor uma função social permanecendo como estão ou sendo
utilizadas, de fato, como novas opções de moradia? E os lotes industriais, atendem uma
função social pelas regras de exclusividade atuais ou o interesse coletivo sugere que
seriam mais bem aproveitados se abrigassem, também, atividades institucionais e
comerciais, que permitissem o consumo do setor nos fins de semana e no período
noturno?
Por todo o exposto, mostram-se necessárias novas abordagens que procurem
analisar com maior acuidade o potencial do instrumento para a geração e captura, pelo
Poder Público, de valorizações imobiliárias. Novas abordagens devem apontar, ainda,
maneiras alternativas de promover essa captura, sobretudo quando gerada por alterações
informais no uso de imóveis. A avaliação de instrumentos como o IPTU, para tais fins,
assim como a simplificação dos cálculos de contrapartidas devem ser estudadas com
maior profundidade.
Talvez, uma contribuição imbricada no presente trabalho seja a de procurar,
de certa forma, somar-se a outros que procuram discutir a função social da
propriedade e avaliar a aplicação prática de instrumentos urbanísticos, disciplinados
pelo Estatuto da Cidade, de modo que as modernas concepções de planejamento e
145
gestão social ultrapassem a dimensão jurídica para alcançar o “mundo real”. Em alguns
casos, a função social da propriedade pode deixar de ser atingida não por iniciativa dos
proprietários, mas por exigências de ordenação que não conferem o melhor
aproveitamento dos espos e dos investimentosblicos.
A melhoria das condições de vida urbana, desejada por todos, depende do
aprimoramento do trabalho de planejamento e gestão e da apropriação coletiva dos
instrumentos de política urbana. Esperamos ter contribuído com essas discussões e
desafios.
146
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1.pdf. Acesso em 02 de março de 2007.
152
ANEXO I - NGB
153
ANEXO II - NGB
154
ANEXO III - NGB
155
ANEXO IV – NGB
156
ANEXO V – NGB
157
ANEXO VI – hotéis-residência (uso comercial) ou condomínios
edilícios (uso residencial)?
158
ANEXO VII - Matéria extraída do Jornal Correio Braziliense. Caderno
Cidades, 11/09/2008.
159
ANEXO VIII - Matéria extraída do Jornal Correio Braziliense. Caderno
Cidades, 23/06/2007, pg. 29.
160
ANEXO IX - Matéria extraída do Jornal Correio Braziliense. Caderno Cidades,
05/06/2008, p. 33
161
ANEXO X - Matéria extraída do Jornal Correio Braziliense. Disponível em:
http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=365136
Negócio milionário sob investigação
Fernanda Odilla e Ana Maria Campos
Correio Braziliense
30/6/2007
MP e Polícia Civil apuram transação de empresa de Vigão, que vendeu terreno com preço
210% maior graças a uma mudança de uso do lote. Envolvidos no caso têm relações com
personagens do empréstimo de Roriz
Durante investigações da Operação Aquarela, o Ministério Público e a Polícia Civil do Distrito
Federal esbarraram em um negócio suspeito envolvendo aliados próximos do senador Joaquim
Roriz (PMDB). Um terreno de 80 mil metros quadrados no Setor de Áreas Isoladas Sudoeste,
em frente ao Carrefour Sul, foi comprado por R$ 15,2 milhões em agosto do ano passado e
vendido por R$ 47,1 milhões na última quinta-feira. Uma valorização de 210% em menos de um
ano, graças a uma lei de autoria do governo do DF, aprovada pela Câmara Legislativa, no final
de 2006, que alterou o uso do lote.
De centro de treinamento, a área passou a ser destinada a todo e qualquer tipo de
comércio varejista, um negócio que rendeu um lucro de mais de R$ 31 miles. Quem
oficialmente faturou foi a empresa Alphaville Marketing Imobiliário, do ex-deputado distrital
Wigberto Tartuce, o Vigão (PMDB), ex-secretário de Trabalho e de Relações Parlamentares do
governo Roriz. Nesse episódio, Vigão teria agido como empresário, lobista e parlamentar.
Distritais contam que ele defendeu a aprovação da mudaa de destinação da área, comprada
de fundos de pensão de estatais do DF, e justificou que uma outra lei, de autoria de Roriz, já
alterava a finalidade de terrenos vizinhos. A matéria foi aprovada por unanimidade na Câmara
Legislativa, no dia 28 de novembro. Por recomendação de aliados, Vigão não votou.
A ex-governadora Maria de Lourdes Abadia (PSDB) garante que sancionou a lei assim
como fez com outras centenas de projetos de alterão de gabarito e uso de área no DF. “Fazia
tudo com orientação dos secretários”, justificou. A tucana sempre submetia suas decisões ao
então secretário de Governo, Benjamin Roriz, que aparece no grampo da polícia como um dos
beneficiários da partilha de R$ 2,2 milhões de um cheque da Agrícola Xingu, nominal ao
empresário Ne Constantino.
Ligações
O administrador da empresa de Vigão, Gilson Machado, garante que nada de ilícito foi feito.
Quem disse que não poderia mudar o uso?”, questionou. Machado revelou que ofereceu o
terreno para “a cidade inteira”. Quem topou fechar o negócio foi a Aldebaram Investimentos
Imobiliários, de Hegel Roberto Mohry. Ele é sócio de outras duas empresas, a Antares
Engenharia e a Suprema Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda.
A princípio, a venda do terreno aparenta ser mais uma negociação que contou com uma
colaboração da Câmara Legislativa e do Executivo. Contudo, os personagens ligados aos
protagonistas estão relacionados ao escândalo recente que tem tumultuado a vida de Roriz. O
negócio já está sendo investigado pelo MP do DF que acompanha o caso e deve encaminha
r
informações à Procuradoria-Geral da República.
Parceiro de Roriz em pelo menos dois negócios de gado, Valter Egídio da Costa que
figurou como sócio de Vigão em duas empresas — é acionista da Dan-Hebert Participações.
Conforme admitiu ao Correio o advogado da Dan-Hebert, Paulo Roque Cury, a empresa foi
proprietária junto com a Agrícola Xingu de parte da fazenda Tabuleiro, cuja venda teria
resultado na emissão do cheque de R$ 2,2 milhões apontado como objeto da partilha feita entre
Joaquim Roriz, Benjamin Roriz e o ex-presidente do Banco de Brasília Tarcísio Franklim de
Moura. Outro personagem da crise em torno de Roriz, Nenê Constantino, demonstrou interesse
em comprar o terreno de Vigão. Mas o negócio acabou sendo fechado pelo dono da construtora
Á
162
Antares, com quem Nenê tem investimentos no Guará e em
Á
guas Claras. A assessoria de Roriz
diz que o ex-governador não tem responsabilidade pela aprovação da lei que alterou a
destinão do terreno.
Diálogo
Conversa gravada no dia 9 de março, entre o empresário Nilson Lacerda Wanderlei, preso na
Operação Aquarela, e Deodomiro Alves Silva, que representa a empresa Alphaville, do ex-
deputado distrital Wigberto Tartuce:
Deodemiro: Pior que aqui só tem peso pesado. Se a Polícia Federal baixar aqui agora, leva todo
mundo. Tá eu, Gim Argello, Nenê Constantino. Se passar aqui leva todo mundo. (risos)
Nilson: Não tem nenhum santo aí não.
Deodemiro: Hein?
Nilson: Não tem nem um santo aí não.
Deodemiro: Eu sei, só eu, só o Miro, só o Miro que salva.
Encontro descoberto
Diálogo interceptado durante a Operação Aquarela mostra um encontro entre o
empresário Nenê Constantino, o ex-deputado distrital Gim Argello (PTB), primeiro suplente do
senador Joaquim Roriz (PMDB), e Deodomiro Alves Silva, que recebeu procuração da Alphaville
Marketing Imobiliário para vender um terreno no Setor de
Á
reas Isoladas Sudoeste. Segundo
Gim, o encontro ocorreu no escritório da Antares Engenharia, de propriedade de Hegel Morhy,
sócio da empresa que comprou o lote.
Monitorado pela Polícia Civil e pelo MP, o empresário Nilson Lacerda Wanderlei — preso
na Operação Aquarela — conversa por telefone com Deodomiro, a quem chama de Miro, no dia
9 de março, sobre um encontro para discutir algo de interesse de ambos. Nilson foi preso sob a
acusação de efetuar saques de até R$ 250 mil com cartões corporativos da ONG Caminhar. Na
conversa, Deodomiro diz que se a Polícia Federal fizesse uma operação no escritório prenderia
todo mundo porque ali só “tinha bandido”. Gim disse que se encontrou com Constantino porque
é amigo dele, mas não se envolveu no negócio. O advogado de Morhy, Marcelo Bessa, afirma
que vai cancelar a venda do terreno se provarem que se trata de uma transação ilícita.
163
ANEXO XI - Matéria extraída do Jornal Correio Braziliense. Caderno Cidades,
29/11/2006, pg. 25.
164
ANEXO XII -
Matéria extraída do Jornal Correio Braziliense. Caderno
Cidades, 17/08/2008, pg. 29.
165
ANEXO XIII -
Matéria extraída do Jornal Correio Braziliense. Caderno
Cidades, 06/02/2007, pg. 28.
166
ANEXO XIV – Avaliação Outorga Onerosa Alteração de Uso –
ONALT
167
ANEXO XV – Avaliação da Outorga Onerosa Alteração de Uso –
ONALT
168
ANEXO XVI – NGB
169
ANEXO XVII – NGB
Livros Grátis
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Milhares de Livros para Download:
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