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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO TECNOLÓGICO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM URBANISMO, HISTÓRIA E
ARQUITETURA DA CIDADE, PGAU-CIDADE
SÃO FRANCISCO DO SUL: O PATRIMÔNIO QUE SE
ESTABELECE E A PAISAGEM QUE SE CONSTRÓI
VANESSA MARIA PEREIRA
FLORIANÓPOLIS
2007
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VANESSA MARIA PEREIRA
SÃO FRANCISCO DO SUL: O PATRIMÔNIO QUE SE
ESTABELECE E A PAISAGEM QUE SE CONSTRÓI
Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, PGAU-
CIDADE da UFSC como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da
Cidade, Área de concentração em Urbanismo, História e
Arquitetura da Cidade, Linha de Pesquisa em Urbanismo,
cultura e história da cidade.
Orientador Prof. Dr. Arq-Urb Gilberto Sarkis Yunes.
FLORIANÓPOLIS
2007
ii
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A dissertação, intitulada São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a
paisagem que se constrói, de autoria de Vanessa Maria Pereira, foi submetida a processo de
avaliação conduzido pela Banca Examinadora instituída pela Portaria 031/PGAU-Cidade/07,
para a obtenção do título de Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, tendo sido
aprovada sua versão final em 30 de novembro de 2007, em cumprimento às normas da
Universidade Federal de Santa Catarina e do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo,
História e Arquitetura da Cidade, PGAU-CIDADE.
Prof. Dr. Gilberto Sarkis Yunes
Presidente
Profª. Drª. Gilcéia Pesce do Amaral e Silva
Membro- UFSC
Profª. Drª. Lisete Assen de Oliveira
Membro - UFSC
Profª. Drª. Maria da Conceição Alves de Guimaraens
Membro Externo- UFRJ
Profª. Drª. Gilcéia Pesce do Amaral e Silva
Coordenadora do PGAU- Cidade
I iii
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
São Francisco do Sul:
O patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói
I iv
AGRADECIMENTOS
Para realizar este trabalho foi de grande importância a colaboração e a contribuição
de muitos colegas de profissão, professores, família e amigos. Aos abaixo nomeados gostaria de
manifestar meus sinceros agradecimentos.
Ao meu orientador Prof. Dr. Gilberto Sarkis Yunes por acreditar nas minhas
indagações, por me auxiliar a encontrar um método pessoal de pesquisa e de trabalho, pelas
leituras orientadas e principalmente pelo incentivo dado nos momentos mais difíceis deste
percurso.
Às Professoras Dra. Gilcéia Pesce do Amaral e Silve e Dra. Lisete Assen de Oliveira
pela dedicação com que trabalharam em prol de minha formação como arquiteta e urbanista,
desde a graduação, pelas disciplinas ministradas no curso de mestrado, que me fizeram interessar
pela questão da paisagem urbana. Assim como por suas valiosas contribuições na banca de
qualificação desta dissertação.
Ao arquiteto e professor Dalmo Vieira Filho pela oportunidade a mim concedida de
trabalhar com o patrimônio histórico nacional, dentro do IPHAN, e que fez despertar em mim a
paixão por este tema.
Aos colegas da Superintendência Regional do IPHAN - SC, do Escritório Técnico do
IPHAN em São Francisco do Sul e do Museu Nacional do Mar, pela colaboração dada na
obtenção de dados, pelo apoio moral e institucional recebido e pela amizade.
À Prof. Dra. Thêmis Fagundes pelo suporte dado a minha carreira como docente,
recorrentemente me apoiando e facilitando meu trabalho para que eu pudesse concluir minha
dissertação.
Aos colegas de curso pelo apoio e incentivo, pelas leituras e contribuições
conceituais, em especial ao arquiteto Marcelo Cabral Vaz pelas imagens cedidas.
Por fim, gostaria de agradecer aos familiares, amigos e pessoas especiais que sempre
acreditaram no meu trabalho, me incentivaram, me cobraram frente a cada etapa que era
necessário vencer.
I iv
RESUMO
O presente estudo relaciona a paisagem e o patrimônio do Centro Histórico de São Francisco do
Sul, Santa Catarina, e tem por objetivo compreender a paisagem atual do lugar como resultante do
processo de preservação desencadeado em 1981 com a preservação municipal e em 1987 com a
federal. Para tanto, se pretende conhecer o patrimônio que se estabeleceu com o tombamento, as
justificativas que permitiram a escolha deste como um exemplar da cultura nacional e os
elementos que compõe ma estrutura morfológica do lugar. O texto foi elaborado em três partes
principais: a discussão dos conceitos paisagem e do patrimônio; a contextualização histórica da
área; e os fatos que tornam o Centro Histórico de São Francisco do Sul digno de cuidados
municipais e federais. Busca-se, assim, conhecer as variáveis morfológicas que são a base do
conjunto e que caracterizam sua feição atual. A paisagem foi analisada sob duas escalas diferentes
e complementares: a do todo grande conjunto e a do pequeno conjunto. Percebe-se que a escala
do todo é a predominante nas preocupações quanto à preservação, e que existe um ponto fixo de
observação da imagem/paisagem do conjunto nesta escala, considerada clássica, a partir do mar.
O desenho da poligonal de tombamento, em razão de suas características formais, parece ratificar
esta imagem. Assim, os elementos estruturais que não têm relação direta com a paisagem tornam-
se menos relevantes para a preservação do bem tombado. Os considerados como os mais
importantes para o conjunto são aqueles que têm participação direta na chamada fachada
marítima da cidade e que são possíveis de serem apreciados à distância, os estruturadores do
tecido urbano. Assim, os elementos da linguagem arquitetônica, perceptíveis na escala do
pequeno conjunto edificado, não o são na configuração da paisagem. O efeito do tombamento se
manifesta sobre a escala do todo, sendo possível compreender que, de acordo com o que se
pretendia conservar em São Francisco do Sul, as ações empreendidas pelos órgãos de
preservação, IPHAN e Prefeitura Municipal, cumprem com propriedade o papel que lhes foi
atribuído. O que se mostra necessário rever são os conceitos que justificam o tombamento e que
definem as ações que se efetivam sobre o que deve ser preservado. Conclui-se que o patrimônio
que se estabelece determina a paisagem que se constrói.
Palavras-chave: Patrimônio, paisagem cultural, São Francisco do Sul, poligonais de
tombamento.
I ivi
ABSTRACT
This paper stablishes the relationship between the landscape of the city of São Francisco do Sul,
Santa Catarina, Brazil, and the city architectural heritage, located in the historical down town. It
aims to study the resulting transformation on its present landscape, regarding the managemnent
of the historical preservation process that has been taking place since 1981, stressing its
relationship with the municipal preservation planning strategy and, from 1987, with the federal
one. In order to achieve this goal, we study the heritage set that was established under the
governmental protection´s law, as well as the reasons that made this set an example of Brazilian
culture, and the elements that compose its morphological structure, as an historical place. This
dissertation is structured in three main parts: the first presents the concepts concerning landscape
and heritage; the second draws the historical context; and the third discusses the facts that
legitimate the municipal and federal planning management of this historical place. It aims to find
out the main morfological characteristics that contribute to compose the urban form of this
particular historical place at present time. The landscape is analyzed considering two different
and complementary scales of perception: the first one deals with the totality - large scale set - and
the second one deals with the small scale set. It is noticed that the large scale set is the
predominant in relation with the site preservation. There is a fix point of observation of the
image/landscape set within this scale, wich is considered a classical view from the sea. The
specific shape of the preservation polygonal line, due to its formal characteristics, seems to
reinforce this view point. Hence, the structural elements that are not directly concerned to the
landscape seems less relevant to the preservation management of the place under governmental
trust. The elements that are consider more relevant are those that strongly participate of the sea
frontispiece, and that can be appreciated from a far distance, which compose the large scale set.
These are also the elements that structure the urban form. Therefore, the architectural elements,
which are very important to the small scale set, are not so important in the landscape
configuration. The consequences of the governmental trust policies over the landscape are more
visible within the large scale set. As a result, it can be said that the government preservation
policies, from IPHAN as well as the City Hall of São Francisco do Sul, are efectively serving
their purpose. It seems that it would be important to review the concepts that justify putting a
place under government trust and how we draw the guidelines that define the policies and the
actions over what it is really important to be preserved. It is possible to conclude that the
established heritage plays an important role in the built landscape.
Key words: Heritage, cultural landscape, São Francisco do Sul, protection lines.
I ivii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 01
CAPÍTULO 01:
1 PAISAGEM E PATRIMÔNIO .................................................................................... 08
1.1 P P ................................................................. 18
1.1.1 ................................................... 19
1.1.2 .............................................. 26
CAPÍTULO 02:
2 O PATRIMÔNIO QUE SE ESTABELECE ............................................................. 31
2.1 .................................... 33
2.1.1 .......................... 37
2.2 ...................................................... 42
CAPÍTULO 03:
3 A PAISAGEM QUE SE CONSTRÓI ....................................................................... 50
3.1 ................................................................................ 53
3.2 ................................................................................... 58
3.3 ........................................................................................ 65
3.3.1 ............... 79
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 90
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 95
.................................................................................................... 99
APÊNDICE - Quadro de datas....................................................................................... 101
ANEXO A - Caderno de documentos nº02 - Estudos de Tombamento ................... 102
ANEXO B - Carta de Bagé ............................................................................................. 128
aisagem e atrimônio no Brasil
A institucionalização da Proteção
A preservação de Centros Históricos
São Francisco do Sul: Contextualização Histórica
A atividade portuária e sua relação com a cidade
O tombamento de São Francisco do Sul
A definição do território
Traçados estabelecidos
Dinâmica do tecido
O tecido urbano e as percepções na escala do pedestre
OBRAS CONSULTADAS
viii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CIDASC
CNRC
DPHAN
EPAGRI
ETEC SFS
FNpM
IBPC
INSS
IPHAE
IPHAN
ONU
PCH
PHSFS
SFS
SPHAN
UNESCO
Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina
Centro Nacional de Referência Cultural
Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina
Escritório Técnico de São Francisco do Sul
Fundação Nacional pró-Memória
Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural
Instituto Nacional de Seguridade Social
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado - Rio Grande do Sul
Instituto do patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Organização das Nações Unidas
Patrimônio Histórico de São Francisco do Sul
São Francisco do Sul
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Programa de Reconstrução de Cidades Históricas
Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura.
I ix
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01:
FIGURA 02:
FIGURA 03:
FIGURA 04:
FIGURA 05:
FIGURA 06:
FIGURA 07:
FIGURA 08:
FIGURA 09:
FIGURA 10:
FIGURA 11:
FIGURA 12:
FIGURA 13:
FIGURA 14:
FIGURA 15:
FIGURA 16:
Mapa do Estado de Santa Catarina
Foto de satélite da cidade de São Francisco do Sul
Mapa do município de São Francisco do Sul, com demarcação das
principais vias de conexão com municípios vizinho e das vias internas........
Localização dos Morros da área central da Ilha...........................................
Planta atual do Centro Histórico com destaque para a localização do Antigo
Porto e da Igreja ...........................................................................................
Vista panorâmica de São Francisco do Sul, de autoria do pintor italiano
Bazilio Ferrari, datada de 1911.....................................................................
Vista Parcial de São Francisco do Sul - início do século XX..........................
Vista Parcial de São Francisco do Sul - meados do século XX......................
Vista atual do Centro de São Francisco do Sul: à direita o Centro Histórico e
à esquerda a região do novo Porto.................................................................
Vista atual do Centro Histórico a partir do Morro da Rádio...........................
Vista atual do Centro Histórico a partir do Morro da Rádio...........................
Poligonal de tombamento do Centro Histórico de São Francisco do Sul
traçada pelo IPHAN....................................................................................
Croqui da proposta de qualificação urbana no IPHAN para São Francisco
do Sul...........................................................................................................
Foto-montagem de São Francisco do Sul, retratando a fachada marítima do
centro Histórico ...........................................................................................
Vista da Rua Fernandes Dias em direção ao Porto .........................................
Vista da Rua Rafael Pardinho .......................................................................
...............................................................
.......................................
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33
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37
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40
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47
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I ix
FIGURA 17:
FIGURA 18:
FIGURA 19:
FIGURA 20:
FIGURA 21:
FIGURA 22:
FIGURA 23:
FIGURA 24:
FIGURA 25:
FIGURA 26:
FIGURA 27:
FIGURA 28:
FIGURA 29:
FIGURA 30:
FIGURA 31:
FIGURA 32:
Croqui da ocupação inicial de São Francisco do Sul 1850, destacada com
um círculo vermelho a localização da igreja..................................................
Vista aérea do Centro Histórico de São Francisco do Sul...............................
Ocupação do núcleo em 1850........
Ocupação do núcleo aproximadamente no ano de 1900
Ocupação do núcleo, aproximadamente no ano de 1950 ...............................
O traçado dos caminhos para o interior da Ilha de São Francisco do Sul em
1750. ...........................................................................................................
Expansão dos caminhos em direção ao interior da Ilha em 1950...................
Expansão dos caminhos em direção ao interior da Ilha em 1980..................
Croqui com os principais eixos de circulação, baseado no mapa de evolução
urbana de 1850.............................................................................................
Croqui com os principais eixos de circulação, baseado no mapa de evolução
urbana de 1900. ............................................................................................
Caminhos em direção ao interior da Ilha com a demarcação da linha
ferroviária e com os prinipais trajetos das linhas de transporte coletivo
atuais ...........................................................................................................
Mapa de São Francisco do Sul com a demarcação e nomeação das ruas
atuais............................................................................................................
Croqui do macro parcelamento com especificação de uso por
quadras.........................................................................................................
Croqui do macro-parcelamento....................................................................
Estrutura de parcelamento do solo................................................................
Mapa de cheios e vazios - análise da ocupação do solo .................................
...............................................................
. ..............................
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63
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66
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FIGURA 33:
FIGURA 34:
FIGURA 35:
FIGURA 36:
FIGURA 37:
FIGURA 38:
FIGURA 39:
FIGURA 40:
FIGURA 41:
FIGURA 42:
FIGURA 43:
FIGURA 44:
FIGURA 45:
FIGURA 46:
FIGURA 47:
FIGURA 48:
Mapa de delimitação das áreas para o estudo da paisagem clássica de São
Francisco do Sul...........................................................................................
Croqui do frontispício do Centro Histórico, evidenciando o primeiro plano
Croqui da fachada marítima de São Francisco do Sul ...................................
Gráfico da relação entre vedações e aberturas do plano vertical fachada do
frontispício de São Francisco do Sul ..........................................................
Gráfico da relação entre vedações e aberturas, e simetria de composição do
plano vertical das edificações do frontispício...............................................
Mapa de São Francisco do Sul com níveis de proteção das edificações..........
Foto atual da fachada marítima do Centro Histórico.....................................
Vista aérea de São Francisco do Su
Croqui do frontispício do Centro Histórico, evidenciando o segundo plano .
Croqui do frontispício do Centro Histórico, evidenciando o terceiro
plano............................................................................................................
Foto da esquina das ruas Fernandes Dias e Rafael Pardinho - área 04. ...........
Antigo sobrado luso-brasileiro do início do século XIX demolido para a
construção de uma residência na década de 1970...........................................
Vista da residência edificada na década de 1970 no lugar do sobrado da
imagem 38. ...................................................................................................
Casa luso-brasileira, cuja construção remete aproximadamente a 1850, na
esquina da Rua Reinaldo Tavares com Praça Getúlio Vargas.........................
Agência da Caixa Econômica Federal...........................................................
Vista da Rua Fernandes Dias a partir da Rua Babitonga ................................
l ..............................................................
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I xii
Feição original do sobrado edificado, no início do século XIX, junto a
Praça Getúlio Vargas, esquina da Rua Lages com a Rua Reinaldo Tavares....
Foto atual do sobrado edificado junto a Praça Getúlio Vargas, esquina da
Rua Lages com a Rua Reinaldo Tavares, após a reforma da década de 1970.
Vista da Rua Babitonga ................................................................................
Foto atual do tradicional Bar do Bolacha reformado em 2006 para tomar
feições ecléticas. ..........................................................................................
Agência do Banco do Brasil edificada antes do tombamento.........................
Prédio comercial reformado antes do tombamento.......................................
FIGURA 49:
FIGURA 50:
FIGURA51:
FIGURA 52:
FIGURA53:
FIGURA54:
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87
87
xiii
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
01
INTRODUÇÃO
O interesse em estudar o patrimônio histórico nacional foi um dos motivos que me
fez escolher a arquitetura como profissão. No ano de 2003, ainda como acadêmica de arquitetura,
recebi um convite do então Superintendente da 11ª Superintendência Regional do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e professor da Universidade Federal de Santa
Catarina, Dalmo Vieira Filho, para trabalhar numa pesquisa que vinha sendo realizada pelo
IPHAN mais de vinte anos, sobre os imigrantes europeus em Santa Catarina.
Prontamente atendi ao convite e passei a trabalhar nesta instituição, estudando as
cidades, arquiteturas, tradições e culturas européias, que séculos vêm constituindo a paisagem
catarinense.
Reconhecer cada canto do Estado, as culturas e formas de expressão de cada povo me
fez compreender que Santa Catarina era um grande mosaico cultural. Este mosaico tinha suas
peças tão bem encaixadas que a mistura de tradições conseguia fazer que suas arquiteturas, suas
paisagens e suas cidades se tornassem singulares, nas quais eram perceptíveis a importância e a
contribuição de cada cultura.
Um ano mais tarde, em 2004, fui convidada a assumir a chefia do Escritório Técnico
do IPHAN em São Francisco do Sul, cidade litorânea, fundada por bandeirantes no século XVII,
tombada como patrimônio nacional no ano de 1987. Tratava-se da cidade mais antiga do Estado,
cujos processos de desenvolvimento urbano estavam intimamente ligados ao mar e às atividades
portuárias.
O trabalho em São Francisco do Sul me fez compreender que as influências das
diversas culturas existentes no Estado extrapolavam os limites físicos das mais tradicionais
cidades de colonização européia, como Blumenau, Pomerode, Joinville, Urussanga, entre outras.
Por ser uma cidade portuária, São Francisco do Sul transformou-se numa das portas de entrada do
Estado, recebendo imigrantes e influências culturais das mais variadas partes do mundo. A
cultura portuária é ainda muito forte na cidade e muito presente em sua paisagem.
Todavia, embora carregada de história e com fortes expressões dos diferentes
períodos socioeconômicos pelos quais havia passado, São Francisco do Sul parecia não
conseguir lidar com a sua atual condição histórica. Quase vinte anos após o tombamento, a partir
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
02
da experiência profissional dentro do IPHAN, pude perceber que grande parte dos moradores
que procuravam a instituição não conseguiam compreender o que significava ter a região central,
mais antiga, de sua cidade preservada. A preservação era vista quase como um castigo, o simples
fato de morador ter que procurar a instituição era encarado por eles como um pesar, e isto sempre
fôra exposto claramente pela população aos representantes da instituição. Os poucos moradores
que viam o tombamento como uma forma de preservar sua história, não sabiam efetivamente
como se processava esta preservação, o que implicava ter o Centro Histórico tombado como um
bem histórico e paisagístico, como a sua casa e/ou o seu comércio participava dessa história ou
dessa paisagem.
Neste período em que em que trabalhei no Escritório Técnico do IPHAN, pude
acompanhar o processo de crescimento econômico, com a instalação de grandes indústrias na
cidade, assim, o porto ampliava rapidamente suas atividades, modernizando-se e exigindo da
cidade mudanças estruturais. Dentre essas mudanças estava a necessidade da constituição de
áreas de suporte e serviços prestados às atividades portuárias .
A proximidade do Centro Histórico e a existente infra-estrutura faziam deste uma
área ideal para a implantação de equipamentos necessários ao funcionamento do porto, todavia o
processo de substituição de tecidos urbanos em São Francisco do Sul estava limitado, de certa
maneira, pelo tombamento, ou seja, a cidade não poderia se desenvolver como uma cidade
qualquer. Afinal, o conjunto urbano do seu Centro Histórico estava sob proteção federal e deveria
ser preservado.
Como responsável técnico por esta preservação em São Francisco do Sul, me deparei
diversas vezes com situações nas quais os moradores e usuários da região não compreendiam a
real relevância da preservação, ou o que esta significava para a cidade.
Constantemente eram apresentados projetos de reformas e de novas arquiteturas, que
preenchiam os vazios existentes no tecido urbano, todavia havia uma questão levantada pelos
autores dos projetos e até mesmo pelos próprios técnicos responsáveis pelas aprovações destes:
quais devem ser os critérios para a elaboração destes projetos? Quais seriam os padrões
recomendados ? Volumetria, linguagem, taxas de ocupação, gabarito?
Mais do que uma pergunta que buscava uma reposta técnica, relativa a tipologias
construtivas e linguagens arquitetônicas, que poderiam, eventualmente, ser encontradas em
manuais, cartas de recomendação e resoluções internacionais, tratava-se de uma pergunta que
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
03
remetia a reflexões mais profundas. Reflexões sobre o real significado patrimonial daquele lugar,
sobre a dinâmica socioeconômic e cultural que, até 1987, decidia sobre a paisagem que se
construía, mas que, naquele momento, era regulada por agentes externos. O que se pode ou não
construir, o que se deve ou não preservar, são questões envolvidas neste processo que
influenciaram diretamente a constituição da paisagem da São Francisco do Sul de hoje.
O ato do tombamento, embora muitas vezes seja externo à comunidade envolvida,
não é uma ação gratuita. Para que seja tombado um monumento ou um conjunto é preciso que
estes tenham alguma relevância para a cidade, estado ou país. Dessa maneira, não se pretende
aqui desqualificar a ação de tombamento, em defesa da preservação da dinâmica urbana
descomprometida de seu passado e de sua história.
Por esta razão, este estudo tem por objetivo discorrer sobre o patrimônio que, em
1987, foi foco de uma ação de tombamento, explicar quais as justificativas que permitiram a
escolha deste como um exemplar da cultura nacional a ser preservado, bem como conhecer os
elementos que compõem a estrutura deste lugar, a fim de verificar sobre quais desses elementos a
preservação se efetiva e, dessa maneira, compreender o resultado atual de sua paisagem urbana.
Assim sendo, versar sobre o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se
constrói, busca fazer um paralelo entre o processo de preservação do patrimônio visto, em
determinado período, como relevante à história nacional e a sua dinâmica atual de transformação
paisagística.
A metodologia de trabalho utilizada para o desenvolvimento da presente pesquisa
baseou-se na análise aprofundada dos estudos para a instrução do tombamento federal. Foi a
partir deste documento que foi possível conhecer o que foi considerado relevante para o
patrimônio nacional que culminou, em 1987, com o tombamento do Centro Histórico de São
Francisco do Sul.
Os questionamentos levantados no período que atuava profissionalmente no
Escritório Técnico do IPHAN em São Francisco do Sul são, em parte, respondidos por este
documento, que nele consta o que realmente era importante preservar no conjunto e quais
flexibilidades poderiam ser permitidas.
A constatação da predileção pela preservação de uma determinada área, claramente
definida nos estudos, a fachada marítima do conjunto do Centro Histórico, permitiu compreender
que existia um foco na ação de tombamento, ou seja, que se estabelecia o patrimônio a ser
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
04
preservado.
Nas pesquisas que se seguiram em bibliografias existentes sobre a cidade de São
Francisco do Sul, seu patrimônio e seu Centro Histórico, percebeu-se o estabelecimento de uma
imagem característica daquele lugar, baseada na fachada marítima, o que tinha, em 1987, se
estabelecido como o patrimônio a ser preservado era a imagem que se reproduzia do Centro
Histórico de São Francisco do Sul. Esta imagem partia, recorrentemente, de um mesmo ponto de
observação localizado na Baía da Babitonga. Por essa razão, a imagem da fachada marítima foi
estabelecido, a imagem que se reproduz é descrita e interpretada e passa a ser tratada como
“paisagem clássica”, termo consagrado por mim para este estudo específico.
A instruções de tombamento foram realizadas a pedido IPHAN, e faziam parte de
uma nova postura do órgão frente à preservação. Dessa forma, foi extremamente necessário
conhecer a trajetória da preservação do patrimônio no Brasil e no mundo, para poder
compreender o porquê de São Francisco do Sul, fundada em 1658, ter sido reconhecida como
patrimônio nacional somente em 1987, 50 anos após a criação do Decreto Lei 25/1937, que
institui a criação do IPHAN e estabelece a legislação em relação à preservação do patrimônio
histórico cultural no Brasil.
A história do IPHAN que, ao longo dos anos tinha passado pelas mais divergentes
condições políticas que assolaram o Brasil desde 1937 e que acarretaram grandes mudanças no
foco de trabalho da instituição, precisava ser conhecida para que as razões que levaram ao
tombamento do Centro Histórico de São Francisco do Sul pudessem ser compreendidas.
A partir do momento em que se conhecia o que se pretendia tombar e porque esse
tombamento se justificava na instância nacional, foi preciso reconhecer como os elementos
tombados contribuíam na paisagem construída desde então, ou seja, como a ação do tombamento
colaborou para a consolidação da paisagem atual do Centro Histórico.
Para isso, foi adotada uma metodologia de análise morfológica do espaço: sítio,
traçado, tecido, parcelamento do solo, relação cheios e vazios e análise de planos verticais Essa
metodologia busca, através de mapas, croquis e fotografias, espacializar as informações obtidas
nos textos históricos e atuais sobre desenho urbano de São Francisco do Sul, bem como cruzar
estas informações com dados atuais existentes na Prefeitura de no Escritório Técnico do IPHAN,
para possibilitar a análise de quais elementos morfológicos se mantinham ou se ausentava da
paisagem preservada.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
05
Com base nessa linha de raciocínio desenvolvida ao longo dos dois anos dedicados a
elaboração dessa dissertação de mestrado, os assuntos anteriormente colocados foram
organizados em três partes principais, seguidas de um capítulo destinado às considerações finais
resultantes das questões abordadas ao longo de todo o estudo.
A primeira parte traz a fundamentação teórica do trabalho e aborda o conceito de
patrimônio histórico e paisagem, que servem de base para toda a discussão a ser travada
posteriormente. Nesta etapa busca-se recuperar o termo “paisagem” ao longo da história,
deixando claro sob que ponto de vista e sob que aspectos a paisagem é abordada.
Entre os principais autores estudados para a definição do conceito de paisagem estão
Leonardo Benévolo, que traz algumas breves reflexões sobre a importância das paisagens na
formação histórica das cidades, e Vittorio Gregotti que, além de debater questões conceituais
sobre a paisagem, analisa-a sob o ponto de vista das suas diferentes escalas de percepção e
trabalho.
O conceito de patrimônio e suas evoluções ao longo da história também são tratados
nesta parte do trabalho. Alguns autores clássicos das questões patrimoniais, como Viollet-Le-
Duc, John Ruskin e Camillo Boito, são debatidos à luz do que suas contribuições possam elucidar
as questões abordadas neste estudo. Isto significa que as proposições destes autores não são
minuciosamente estudadas, todavia os aspectos mais relevantes destas, que influenciaram uma
série de documentos e conceitos mais modernos explicitados nas questões abordadas, serão
recuperados e debatidos.
Entre os documentos estudados destacam-se a Carta de Veneza, de 1964, e
asresoluções e recomendações da UNESCO, definidas no “World Heritage Convention”, em
1992. Tais documentos trazem para o debate os conceitos de patrimônio e paisagem como
complementares e indissociáveis.
Aproximando a parte conceitual mais teórica para a realidade do objeto de estudo, foi
feito um apanhado geral sobre a história da preservação no Brasil e suas instituições, com base
numa série de legislações específicas e textos bastante atuais de autores como Maria Cecília
Londres Fonseca e Ceça Guimaraens. Esta revisão bibliográfica tem por objetivo específico
conhecer o contexto nacional das ações de preservação, no qual se encaixa o tombamento de São
Francisco do Sul, bem como de que forma foi definida a poligonal de tombamento responsável
pela delimitação física da área a ser preservada.
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O segundo capítulo parte da definição do que foi considerado pertinente no ponto de
vista da preservação, buscando contextualizar historicamente São Francisco do Sul e trazer de
maneira breve os principais fatos que contribuíram para a formação do núcleo urbano da cidade.
Exploram-se também, neste capítulo, as relações da cidade com a sua condição portuária, ou seja,
de que maneira o porto se faz presente nesta história, tanto no passado quanto no presente.
Para a elaboração deste panorama histórico foram considerados alguns documentos
elaborados na ocasião do estudo para o tombamento da cidade, existentes nos arquivos do
IPHAN, Escritório Técnico de São Francisco do Sul e 11ª Superintendência Regional em
Florianópolis, bem como o Guia de Bens Tombados de Santa Catarina, de Alcídio Mafra de
Souza.
O encerramento deste capítulo traz dados sobre o processo de tombamento de São
Francisco do Sul, referenciando trechos do dossiê elaborado para o IPHAN, com a finalidade de
se definir a área a ser tombada. A partir deste capítulo inicia-se a explanação sobre os motivos que
levaram ao tombamento da cidade. É importante destacar que, seguindo o estudo do dossiê de
tombamento é realizada uma análise sobre a forma como a bibliografia atual existente sobre São
Francisco do Sul, aborda a questão de seu patrimônio tombado, destacando-se o acervo
iconográfico existente nesta literatura.
Para tanto, foram utilizados três livros: São Francisco do Sul: muito além da viagem
de Gonneville, de Anelise Nacke, Maria José Reis e Silvio Coelhos dos Santos; São Francisco do
Sul - Construções Históricas, do Instituto Binot Paulmier de Gonneville; e o volume II dos
Cadernos Técnicos do Programa Monumenta dedicado aos Sítios Históricos e Conjuntos
Urbanos de Monumentos Nacionais do Sul e Sudeste.
No terceiro capítulo busca-se conhecer as variáveis morfológicas que estruturam e
dão suporte para a paisagem de São Francisco do Sul, e também as relações entre estas variáveis,
de modo a tentar compreender a participação de cada uma delas na caracterização desta
paisagem. A leitura do espaço urbano, dos elementos de composição da chamada “arquitetura da
cidade” e de suas paisagens constituídas é um tema abordado por diversos autores, alguns muito
considerados na literatura arquitetônica, como Kevin Lynch, Aldo Rossi e a dupla Trieb e
Schmidt, traduzidos para o português pela arquiteta Maria Elaine Kohlsdorf. Para a realização
das análises pretendidas para o capítulo III, foram utilizados alguns dos conceitos elaborados por
estes autores.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
07
Com este foco, busca-se abordar a paisagem que se constrói, por meio de estudos
realizados sobre a forma de ocupação do território, o estabelecimento dos traçados e a dinâmica
do tecido urbano e de seus percursos e fluxos. A partir da análise das relações entre os elementos,
citados passou-se a verificar qual a contribuição destes na paisagem de São Francisco do Sul.
Assim, embora tenham sido realizadas as análises destas paisagens em duas escalas
distintas, isto se procedeu apenas como forma de facilitar o estudo, sendo que as mesmas são
estudadas paralelamente . A primeira escala abordou a questão da paisagem do conjunto. Nesta
etapa, a área do Centro Histórico foi dividida em quatro trechos de acordo com a participação ou
omissão dos mesmos na paisagem tombada. Na segunda etapa o foco se na escala do pedestre,
abordando elementos de constituição da paisagem que não foram perceptíveis na escala do
conjunto. Vale salientar que a inter-relação dos elementos estruturadores da paisagem permeiam
as análises realizadas nas duas escalas trabalhadas.
A partir dos três diferentes momentos: reconhecimento do tema, reconhecimento do
objeto, levantamento e análises do objeto, foram elaboradas algumas considerações sobre o
debate. É importante destacar que estas considerações tiveram como base os dados técnicos
levantados ao longo da pesquisa, bem como algumas hipóteses prévias sobre o patrimônio em
São Francisco do Sul, que foram verificadas ao longo do estudo.
Por fim, são elaborados alguns questionamentos conceituais que visam introduzir o
debate sobre o patrimônio de São Francisco do Sul, após seus vinte anos de tombamento, para que
o mesmo possa ser repensado à luz de uma discussão profunda, sobre o significado patrimonial
daquele lugar.
CAPÍTULO 01
PAISAGEM E PATRIMÔNIO
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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CAPÍTULO 01:
PAISAGEM E PATRIMÔNIO
O termo paisagem pode ser considerado um conceito bastante antigo, que preocupa
arquitetos e planejadores urbanos desde a construção das cidades da antiguidade clássica.
Benévolo (1972), analisando a arquitetura grega relata que a cidade, ou a acrópole, para os
gregos, é considerada parte de uma paisagem infinita, dentro da qual os edifícios eram
implantados livremente, tendo em conta as preexistências naturais e construídas, a natureza é
parte do cenário urbano envolvente (1972, p.31).
no período helenístico, no qual a “conquista macedônica não é apenas um
acontecimento militar, mas origina a paragem da evolução social da polis e a dispersão daquela
parte dos valores que está associada aos princípios democráticos” (BENÉVOLO, 1972, p.35), as
relações entre a arquitetura e o cenário natural que eram extremamente livres, são profundamente
alteradas:
De um modo esquemático, pode-se dizer que as obras arquitectónicas adquirem um
caráter paisagístico deixam de ser blocos opostos à paisagem, mas passam quase a
fazer parte da própria paisagem e a natureza, por seu lado, é apresentada de uma
maneira artificial, fixada num determinado plano, tal como num quadro ou num cenário
pintado (BENÉVOLO, 1972, p. 44)
Benévolo pondera de maneira bastante sintética sobre duas formas diferentes do
homem agir sobre o sítio existente, adaptando-se a ele ou adaptando-o as suas necessidades e
vontades. Comparando dois períodos históricos responsáveis pela contrução de diversas cidades
correspondentes à base dos valores estéticos e artísticos da sociedade ocidental, o autor ressalta o
importante processo pelo qual a questão da paisagem é abordada na construção das cidades,
estando sempre atrelada às condições do sítio existente e à forma com que o homem opera neste
local.
1
Para Assunto , citada por Gregotti (1975, p.65) a percepção que se tem da paisagem é
sempre historicamente construída. Mesmo que as paisagens ainda não tenham sofrido ações
1 -
Urbino.
ASSUNTO, Rosário. Introduzione allá critica del paessaggio. In: Do Homine, n. 5-6, 1962, Universidade de
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
10
antrópicas, sua mera escolha enquanto um objeto a ser admirado as torna resultado de um filtro
deste olhar:
Uma primeira distinção faz-se, a esta altura, necessário: a distinção entre as paisagens
cuja existência material é resultado de um processo operativo humano e, ao mesmo
tempo, de seu ser estético, e as paisagens cuja existência estética resulta não de um
processo produtivo, mas daquilo que se poderia chamar de outorga de sentido com
relação ao qual sua existência material era preexistente: resultado de uma descoberta
como se costuma dizer, graças a qual se convertem em objetos estético os que antes
eram pura e simplesmente coisas da natureza. (ASSUNTO apud GREGOTTI, 1975,
p.65)
Este trecho é bastante ilustrativo quando se estuda uma ocupação territorial ocorrida
em uma determinada paisagem selecionada para acolher uma ocupação urbana. Ou seja, a
descoberta de um lugar onde se pretende localizar uma nova ocupação urbana, jamais é fruto
exclusivamente do acaso. As características do sítio escolhido são as primeiras diretrizes da
forma de ocupação do território que, em geral, segue alguma normatização ou recomendação de
assentamento, especialmente nas cidades coloniais. A proximidade com o mar, com fontes de
água doce, a direção dos ventos, a insolação, a qualidade do solo, são alguns dos fatores mais
determinantes da forma de ocupação de determinado sítio e muitas vezes são estes elementos que
servem de base para a definição de normas de ocupação.
Ao colocar que as paisagens, tendo ou não sofrido as ações do homem, são
observadas sempre sob um olhar historicamente construído, os leitores do citado trabalho de
Gregotti podem elaborar uma outra questão: se a história que constrói este olhar é comum a
determinado grupo, não existiria também uma homogeneidade na forma de observar esta
paisagem? Existiria então apenas um ponto a partir do qual esta deva ser observada?
Mas é o próprio G que nos primeiros parágrafos do capítulo “A Forma do
Território” salienta a importância de se observar a escala da paisagem para que sua
compreensão seja a mais completa possível. Para o autor a atividade dos arquitetos urbanistas se
dá sempre sobre conjuntos ambientais, paisagísticos, independente da escala dimensional
trabalhada. A relação entre a escala geográfica, de grandes conjuntos, ou a escala mais localizada,
de pequenos conjuntos, é sempre dialética e complementar, como esclarece :
regotti
² s s
,
Gregotti
2 - GREGOTTI, V. Território da arquitetura. São Paulo: Perspectiva: Ed. da Universidade de São Paulo, 1975.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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Empregamos aqui a noção de paisagem em concordância com uma ambigüidade de
significado perfeitamente calculada, pois ainda que tratemos essencialmente da
dimensão da paisagem em grande escala geográfica, este tratamento será apenas um
dos possíveis exemplos de nossa idéia de paisagem como conjunto; um exemplo
particularmente significativo e pleno de uma modalidade talvez nova de conduzir o
discurso em torno ao problema da estrutura formal, em arquitetura, a todas as escalas
dimensionais. (1975, p. 62)
O que fica claro, então, é que embora se opte por trabalhar em apenas uma escala
observação da paisagem, a partir de uma distância específica, ou de um ponto fixo, este é apenas
um dos possíveis recortes desta paisagem, pois são nas diferentes escalas observadas que se
constituem os mais variados olhares sobre a cidade e sobre a arquitetura, e que gera leituras
diversas do espaço urbano.
A forma como a escala é abordada e trabalhada nos estudos urbanos é essencial tanto
para a compreensão da paisagem, quanto para diversas outras questões que envolvem o estudo
das cidades. Entre estas questões, pode-se destacar o significado patrimonial de cada lugar que,
dependendo da escala adotada, pode enveredar-se pelas mais diferentes análises.
As diferentes escalas de observação e estudo da paisagem são geradas a partir da
distância de cada ponto de observação do conjunto, ou lugares de interesse. Esta distância é
bastante relevante uma vez que os aspectos dimensionais - grandes e pequenos conjuntos, ou até
mesmo elementos isolados configuram-se como diferentes elementos de estudo na cidade.
Para a preservação patrimonial, essa aproximação e/ou afastamento do ponto de
observação e a consequente abrangência do olhar é fundamental para o desenvolvimento de
conceitos e teorias sobre a importância da preservação e sobre o que deve ou não ser preservado..
É justamente a noção da escala de abordagem a responsável pela maior alteração no conceito de
patrimônio em toda a história da preservação.
Esta grande transformação no conceito de patrimônio diz respeito ao fato que,
durante muitas décadas, focou-se na escala dos monumentos, ou seja, dos edifícios isolados, e
devido a uma série de fatores históricos e sociais, passa por uma considerável revisão no século
XX, abarcando, a partir de então, os conjuntos urbanos e ambientais, mudando a escala de
observação do patrimônio.
Desta maneira, a modificação na forma de trabalhar com as questões patrimoniais é
bastante recente. A noção de Patrimônio Histórico, tal como se concebe atualmente, foi se
definindo, principalmente, em razão de um conjunto de situações pelas quais a Europa passou no
de
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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século XVIII, que foram: o desenvolvimento do pensamento Iluminista, a Revolução Francesa,
mas principalmente, a Revolução Industrial. Estes fatores contribuíram para o fortalecimento de
uma série de nações, que viam na preservação do patrimônio uma forma de buscar sua identidade
nacional. Para Fonseca (2005, p. 51) o patrimônio se constitui como uma marca do “tempo no
passado”, e afirma que somente no final do século XVIII, quando “o Estado assumiu, em nome do
interesse público, a proteção legal de determinados bens a que foi atribuída a capacidade de
simbolizarem a nação, que se definiu o conceito de patrimônio histórico e artístico nacional.”
(2005, p. 51)
A compreensão do que a Revolução Industrial significou para a preservação é
bastante relevante, uma vez que esta desenvolveu técnicas construtivas, incrementou os
transportes e permitiu uma série de avanços nos mais variados meios de produção, apresentando à
humanidade alternativas e velocidades até então nunca experimentadas. A Revolução
desencadeou um processo massivo de alteração das paisagens, principalmente as urbanas,
causando uma ruptura no modo de produzir, de viver.
Essas alterações urbanas são provocadas por um processo que incentiva que se
instale nas cidades, pela disponibilidade de habitação para seus trabalhadores e as facilidades de
abastecimento, as grandes indústrias. Dessa forma, a cidade passa a ter uma série de problemas
urbanos em decorrência das altas concentrações populacionais que passam a habitar, tornando-
se insalubres e congestionadas.
A Revolução Industrial permite uma aceleração nos processo de remodelação
urbana, com a finalidade de solucionar os problemas por ela mesma ocasionados, tais como
demolições de áreas, ditas insalubres, bem como abertura de vias. Nesse momento, a noção de
ruptura entre o passado e o presente torna-se muito forte. Ruptura esta que até então não era
sentida pela lenta velocidade das transformações que assolavam as cidades. Sendo assim, um
forte sentimento de proteção a edifícios e ambientes históricos inicia-se na Europa.
Foi, a partir de então, com as grandes transformações sociais e econômicas ocorridas
na Europa, que se passou a ter uma relação diferenciada com o que foi identificado como sendo
patrimônio de determinado lugar ou povo, ou seja, algo que representa uma cultura que, embora
superada, deve manter seus símbolos, sua história.
Diante de um mundo que cada vez mais se encaminhava para a industrialização, a
padronização e a repetição, as obras do passado passam a ser vistas como algo único, que
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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individualizavam os povos, uma vez que estão muito ligadas às histórias dos lugares.
A cultura, que até o séc. XIX alterava de forma constante a paisagem, passou a ser
controlada em suas ações. A partir do momento em que a sociedade começou a ver a sua história
como parte do passado, com o risco iminente da perda dos monumentos e relíquias, o debate
acerca da preservação se intensificou.
Diversos estudos teóricos elaborados por arquitetos, artistas e estudiosos como
Eugenè Emanuel Viollet-Le-Duc, Juhn Ruskin, Camillo Boito, Camillo Sitte, Cesare Brandi,
Giulio Carlo Argan, entre outros, desenvolvem conceitos durante os séculos XIX e XX que
levaram ao desenvolvimento de normas e documentos de recomendações vigentes até os dias
atuais, no que diz respeito à preservação do patrimônio.
No século XIX, embora os debates sobre preservação estivessem focados
nomonumento, na obra isolada, abordavam conceitos até hoje muito relevantes para as reflexões
acerca da preservação. Os embates mais diretos entre as idéias de Eugenè Emanuell Viollet-Le-
Duc e Juhn Ruskin, além de terem desencadeado todo um processo de discussão sobre as
questões patrimoniais, podem ser facilmente transportados para os debates mais recentes sobre
preservação de conjuntos.
O francês Viollet-Le-Duc defendia o chamado restauro estilístico, o qual tratava de
pensar a recuperação da edificação em função da pureza de seu estilo, por razões estéticas, muitas
vezes não respeitando as modificações posteriores. Caso fosse detectada na obra a existência de
um anexo posterior ou a falta de algum trecho da mesma, Viollet-Le-Duc defendia que o
arquiteto, em razão de seus conhecimentos de arte e história, ficaria encarregado de satisfazer as
necessidades imprevistas, ou seja, teria autonomia para intervir na obra primando pela qualidade
estética e estilística, mesmo que isto a desse uma feição que não correspondesse a nenhuma
anteriormente existente. Segundo ele: “A palavra e o assunto são modernos. Restaurar um
edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo em um estado completo que pode
não ter existido nunca em um dado momento”. (2000, p. 29)
Esta postura estilística adotada por Viollet-le-Duc foi muito criticada no século XX,
todavia quando a questão patrimonial extrapola a edificação e espalha-se por todo o conjunto, ou
seja, quando a busca por um estilo deixa de ser utilizada apenas para completar partes faltantes de
um edificação e passa a construir arquiteturas novas inteiras como forma de completar as lacunas
do tecido urbano, pode-se dizer que ela reaparece sob uma nova denominação: a mimese.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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A chamada arquitetura mimética, tal como as obras de restauração de Viollet-le-Duc,
é descomprometida com sua realidade contemporânea, não reflete o universo sócio-cultural em
que foi construída. Tem como única preocupação não destoar do todo, omitir-se enquanto
arquitetura de seu tempo, buscando ocultar-se frente ao conjunto considerado
arquitetonicamente relevante.
Embora no campo da restauração e intervenções arquitetônicas este conceito tenha
sido superado, nas inserções em conjuntos urbanos ainda é uma realidade bastante recorrente, e
que pode ser facilmente observada nas cidades brasileiras, até mesmo na paisagem de São
Francisco do Sul.
Esta recorrência, segundo Bicca (1981), deve-se ao fato de que projetar um pastiche é
mais fácil do que projetar uma obra contemporânea bem relacionada a seu contexto, justamente
por se tratar de uma cópia, além de que a arquitetura mimética é uma solução geralmente acolhida
com simpatia pela população, que a enxerga como a afirmação do valor cultural local.
Na arquitetura, a contraposição ferrenha aos princípios de Viollet-le-Duc foi
fruto,principalmente, das reflexões do inglês John Ruskin, que defendia a chamada restauração
romântica ou de abandono rústico. Pregava Ruskin o respeito absoluto ao monumento e defendia
uma postura totalmente anti-intervencionista, considerando a ação do restaurador como a mais
brutal violência a um edifício. Para ele, a edificação possui um tempo de vida e que o que está
perdido é impossível de ser recuperado, acreditava também na conservação dos bens como forma
de mantê-los no estado em que se encontravam, jamais buscando recuperar feições passadas.
Para De Fusco (1984), a alternativa de Ruskin era destituída de valor prático, concentrava-se
muito mais na concepção da paisagem como uma cena pictórica do que como ambiente
arquitetônico urbanístico histórico em si.
Por esse motivo, embora as contribuições de Ruskin não tenham aplicabilidade direta
sobre a forma de pensar os conjuntos em si, estas foram de grande valia para que um terceiro
teórico, Camillo Boito, elaborasse uma série de princípios estabelecendo uma posição moderada
entre as mesmas e os conceitos trabalhados por Viollet-Le-Duc, a quem seguiu durante um
tempo.
Boito postula a prioridade do presente em relação ao passado e afirma a legitimidade
e a importância da restauração, como defendia Viollet-Le-Duc, contra os preceitos de Ruskin,
3 -Essas teorias podem ser encontradas em: BOITO, C. Os restauradores. Cotia: Atelie, 2002.
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entretanto, coloca que esta deve ser praticada em casos extremos, quando todos os outros
meios de salvaguarda - manutenção, consolidação, consertos imperceptíveis - tiverem
fracassado, o que de certa maneira não vai totalmente de encontro ao que defendia Ruskin.
Seus conceitos são elaborados a partir da extração de que cada uma das teorias
anteriormente mencionadas apresentava de melhor em sua opinião, fazendo uma síntese em seus
escritos. Seus conceitos dão origem à chamada restauração filológica que ênfase ao valor
documental da obra. Dentre seus princípios destacam-se: a mínima intervenção, a
distinguibilidade e a reversibilidade.
As teorias de Boito são extremamente relevantes para o desenvolvimento do
pensamento preservacionista no século XX, seus princípios reaparecem na Carta de Atenas, de
1931, e na Carta de Veneza, de 1964, documento este responsável pela grande alteração no
conceito de patrimônio, que será comentado posteriormente.
Esta alteração, como mencionado, diz respeito à ampliação do conceito de
monumento histórico, inicialmente restrito às edificações isoladas, que passa a abranger também
os sítios urbanos, o que influencia diretamente o processo de transformação da paisagem, que
passará em alguns casos, a ser regulada por normatizações específicas, muito mais restritivas do
que as legislações vigentes em cidades não consideradas como patrimônio cultural.
Portanto, esta modificação no conceito, ou seja, as razões pelas quais o conjunto
urbano passa a ser encarado pela sociedade como a verdadeira forma de expressão da história e
como patrimônio coletivo, é explicada por Argan (2005, p.77) de forma bastante clara e concisa:
Se hoje não mais consideramos significativos de valores histórico-ideológicos apenas o
monumento, mas também a casa de moradia ou a oficina artesanal e, em geral, mais o
tecido do que o núcleo representativo, isso se deve sem dúvida ao fato de que o tipo de
sociedade coletivista de nosso tempo se recusa a reconhecer como expressão da história
apenas as formas expressivas das grandes instituições. Naturalmente, toda a
intervenção urbanística e de construção na cidade implica, junto da necessidade de
responder a uma exigência atual, uma atitude, uma obrigação de intervenção e,
portanto, uma avaliação da condição objetiva e presente da cidade. O que determina tal
atitude não é mais, como outrora um critério puramente estético, segundo o qual apenas
a obra de arte absoluta, o monumento, tinha de ser conservada. A atribuição do valor
histórico e artístico não apenas aos monumentos, mas também as partes remanescentes
de tecidos urbanos antigos, ainda depende certamente de um juízo acerca da
historicidade destes. Contudo, esse juízo aplica-se a um campo muito dilatado pelas
tendências atuais da historigrafia artística com a adoção de metodologias sociológicas
ou antropológicas.
³
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16
Outro ponto relevante a ser considerado é que no século XX um fato histórico
contribui sobremaneira para a revisão dos conceitos relativos à preservação do patrimônio
histórico: a Segunda Guerra Mundial. Após anos de combate e a destruição massiva de cidades
européias, uma série de questões como a reconstrução e a modernização das cidades, renovações
e busca da afirmação de identidade, entre outras, colocam a preservação, novamente, na pauta de
discussão dos intelectuais europeus. O que culminou em 1964 com a elaboração da Carta de
Veneza oriunda do Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos
Históricos, realizado na cidade de Veneza Itália.
É justamente quando a cidade passa a ser encarada como um patrimônio a ser
preservado, sendo que todas as arquiteturas são importantes para sua constituição, é que os
conflitos na continuação da construção da paisagem urbana começam a se acirrar. Isto porque,
mesmo em conjuntos protegidos, existe a possibilidade de realizarem-se novas edificações, ou
em razão de vazios existentes, ou por meio de substituição de arquiteturas mais recentes
consideradas de pouco valor para o todo. O conjunto passa a ser constituído por edificações e
espaços pertencentes a culturas ou formas de viver já extintas e por novas edificações e novos
espaços, que tendem a considerar a cultura vigente. Esta relação que sempre se deu de forma
gradual e muitas vezes substitutiva, passa a ser regida por leis externas à cultura local, que
determinarão, ou deverão determinar, o desenho do novo conjunto que resultará na nova
paisagem.
É importante destacar que, a partir de 1964, a preocupação com os conjuntos urbanos
ainda não se estende ao que atualmente se refere como paisagem cultural. Este termo passa a fazer
parte das discussões patrimoniais somente a partir de 1992, quando a UNESCO, através do World
Heritage Convention, estabelece o primeiro instrumento legal internacional para o
reconhecimento e proteção das paisagens culturais. (UNESCO 2007). Aliás, a participação de
organizações como a UNESCO e a ONU é fundamental para a discussão acerca das alterações
conceituais na área de preservação patrimonial, conforme observa Fonseca (2005, p. 65):
A criação, após a Segunda Guerra Mundial, de organismo internacionais
especificamente voltados para a cultura e a incorporação, pela ONU, da figura de
4-Tradução da autora da expressão: "combined works of nature and of man". Definição apresentada no site
www.unesco.org, no trecho que trata da “História e Terminologia” referentes às paisagens culturais.
5- Texto extraído do site oficial da UNESCO, referente ao documento da 1º da Convenção para a Proteção do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural.
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direitos culturais, e, pela Unesco, da figura de Patrimônio Cultural da Humanidade
junta, nas mesmas expressões, as noções difusas de humanidade e de cultura universal,
e a noção cada vez mais precisa de uma cidadania fundada em direitos diversificados,
para legitimar a atividade de preservação.
A adoção, em 1992, pela UNESCO do conceito de paisagem cultural, se refere ao
conceito de paisagem anteriormente apresentado, tratando-se de “ações combinadas da natureza
e do homem” , fazendo referência ao Artigo da Convenção para a Proteção do Patrimônio
Mundial, Cultural e Natural de 1972, que embora ainda não trate especificamente de paisagens
culturais, traz uma definição bastante próxima quando esclarece o conceito de “Locais de
Interesse: Obras do homem, ou obras conjugadas do homem e da natureza, e as zonas, incluindo
os locais de interesse arqueológico, com um valor universal excepcional do ponto de vista
histórico, estético, etnológico ou antropológico.” (UNESCO, 2007).
cultural, constante no site oficial da UNESCO, este termo é ainda mais especificado:
They [the cultural landscape] are illustrative of the evolution of human society and
settlement over time, under the influence of the physical constraints and/or
opportunities presented by their natural environment and of successive social,
economic and cultural forces, both external and internal.
The term "cultural landscape" embraces a diversity of manifestations of the interaction
between humankind and its natural environment. Cultural landscapes often reflect
specific techniques of sustainable land-use, considering the characteristics and limits of
the natural environment they are established in, and a specific spiritual relation to
nature. Protection of cultural landscapes can contribute to modern techniques of
sustainable land-use and can maintain or enhance natural values in the landscape. The
continued existence of traditional forms of land-use supports biological diversity in
many regions of the world. The protection of traditional cultural landscapes is therefore
helpful in maintaining biological diversity.
Sendo a paisagem uma associação distinta de formas, ao mesmo tempo físicas e
culturais aqui entendida no seu aspecto mais amplo e que é justamente a cultura o agente
modificador da mesma, percebe-se a importância de se conhecer o ambiente onde se implanta a
ocupação humana, bem como o contexto social, econômico e cultural que possibilitaram o
surgimento da paisagem.
4
5
No trecho que trata da “História e terminologia (UNESCO, 2007) de
paisagem
6
6 -Tradução da autora: “Elas [as paisagens culturais] são ilustrativas da evolução da sociedade humana e de seus
assentamentos ao longo do tempo, sob a influência das condições físicas e/ou pelas oportunidades apresentadas
pelo ambiente natural, e por sucessivas forças sociais, econômicas e culturais, externas ou internas.O termo
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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1.1 Paisagem e patrimônio no Brasil
No Brasil, a exemplo do que acontece em vários países do mundo, a identificação e
preservação do patrimônio são vistas como forma de reforçar uma identidade coletiva, e buscar
uma legitimação para uma idéia de nação, da nação brasileira, levando em conta as várias
características culturais, gerando uma noção coletiva de pertencimento. Contudo, no caso
específico do Brasil, existia uma conjuntura social, política e cultural que acelerou este processo
de criação de uma nacionalidade unificadora.
Dentre os fatores que contribuíram para o processo pode-se destacar a ascensão do
movimento modernista e de seus mentores, artistas e intelectuais, e a “instauração do Estado
Novo, em 1937, corolário da Revolução de 30.” (FONSECA, 2005, p.82)
O início do século XX é marcado, no Brasil, por várias tentativas de identificação e
valorização do patrimônio nacional. Algumas questões haviam sido debatidas mesmo em
séculos anteriores, mas ainda não havia um pensamento definido de como atuar frente a este
patrimônio. Em 1933, o Governo Federal toma a iniciativa de elevar à categoria de Monumento
Nacional a cidade de Ouro Preto em Minas Gerais, mas esta atitude se de maneira isolada,
através de um decreto, o que juridicamente inviabilizaria a proteção sistemática dos bens de
relevância nacional.
A primeira menção efetiva ao patrimônio histórico nacional dá-se na constituição de
1934. Neste documento, consta como sendo de competência na União e dos Estados a proteção
das “belezas naturais” e dos “monumentos de valor histórico ou artístico” (Artigo 10, alínea III).
Os grandes museus nacionais existiam, todavia a proteção de bens que não pertencessem a
esses museus não tinha como ser efetivada.
Também em 1934 é criada a Inspetoria dos Monumentos Nacionais e, logo em
seguida, em 1937, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), pela Lei 378
de 13 de janeiro de 1937, que funcionava de forma experimental desde 1936, quando começou
meioNatural. Paisagens culturais frequentemente refletem técnicas específicas de uso sustentável da terra,
considerando as características e limites do ambiente natural elas se estabelecem, e uma relação espiritual
específica com a natureza. A proteção de paisagens culturais pode contribuir para modernas técnicas de uso
sustentável da terra e para manter ou aumentar o valor natural na paisagem. A existência contínua das formas
tradicionais de uso da terra suporta a diversidade biológica em muitas regiões do mundo. A proteção das
tradicionais paisagens culturais contribui, além de tudo, com a manutenção da diversidade biológica.”
paisagem cultural abarca uma diversidade de manifestações das interações entre a humanidade e seu
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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A ser desenvolvido, por Mário de Andrade a pedido do então ministro Gustavo Capanema, o
anteprojeto de lei para a regulamentação da proteção patrimonial no Brasil. A criação do SPHAN
acaba por acarretar a extinção da Inspetoria.
A elaboração do Decreto-Lei 25/1937 vem materializar a tentativa, iniciada da
década de 1920, de criar um instrumento legal que permitisse a proteção do patrimônio no Brasil.
1.1.1 A institucionalização da Proteção
Criado em 1936 por um grupo de intelectuais e artistas liderados por Rodrigo Melo
Franco de Andrade, o Iphan, com a denominação primeira de Serviço, teve suas
diretrizes iniciais estabelecidas por Mário de Andrade e institucionalizadas no decreto-
lei 25/37, e com o apoio de Gustavo Capanema, à época Ministro da Educação.
(GUIMARAENS, 2002, p.59)
O Decreto Lei 25/1937 regulamenta a organização e a proteção do patrimônio
histórico e artístico nacional do, então, Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -
SPHAN, que após um processo historicamente bastante conturbado, o que lhe valeu variadas
denominações, passou a chamar-se Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IPHAN.
Atualmente o IPHAN é uma autarquia do Governo Federal, vinculada ao Ministério
da Cultura, e possui uma estrutura operacional cujas decisões mais importantes concentram-se
em Brasília, junto à presidência e departamentos específicos. Na linha de ação prática da
instituição encontram-se as Superintendências Regionais, Sub-Regionais e Escritórios Técnicos
entre outros agentes operacionais como museus.
O SPHAN nasceu numa conjuntura cultural e política peculiar. A busca pela
definição de uma identidade nacional é o anseio de artistas e políticos, com diferentes
motivações. Nesse sentido, o SPHAN foi recoberto de responsabilidades, dentre as quais se
destaca o ato do tombamento, ou seja, a definição de elementos culturais que façam referência à
identidade cultural da nação e suas memórias. Esta decisão, que durante anos foi apenas dos
técnicos da instituição, passou a ser questionada na segunda metade do século XX, quando as tais
conjunturas culturais e políticas não corresponderam mais a esta visão técnica do patrimônio.
A responsabilidade da criação do órgão de preservação era do então Ministro da
Educação e Saúde, Gustavo Capanema, que além de ser uma figura politicamente forte no
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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governo de Getúlio Vargas, tinha uma relação bastante próxima com os artistas e intelectuais do
Movimento Modernista. Dessa maneira, estruturou-se mais um aspecto relevante da história da
preservação no Brasil, que é justamente o fato desta não ter sido pensada e elaborada por
estudiosos e intelectuais conservadores e passadistas, mas vanguardistas.
Gustavo Capanema solicitou a Mário de Andrade o anteprojeto de Lei para
regulamentar a proteção patrimonial brasileira, que foi formulado definitivamente por Rodrigo
Melo Franco de Andrade, que veio a ser o primeiro diretor-geral da instituição. Rodrigo M. F. de
Andrade que, além de ser uma figura carismática e pertencer a uma família de intelectuais
brasileiros, era dotado de grande experiência jurídica, demonstrou habilidade para lidar com as
questões de preservação, instituindo como instrumento de proteção, o tombamento e,
consequentemente, abordando questões que eram muito delicadas no Brasil na época, e ainda o
são: as questões de propriedade privada.
O projeto então elaborado para o decreto Lei era ousado em algumas posturas,
principalmente se comparado às experiências européias, nele, por exemplo, o foco da
preservação não se dava apenas sobre o monumento isolado, mas era considerada sua ambiência.
Outro aspecto característico é que os intelectuais que se identificavam com a preservação tinham
posturas inovadoras, o que acabava por se refletir na proposta elaborada, como pontua Fonseca
(2005, p.99):
Sem dúvida, no seu anteprojeto (1981, p.39-54) desenvolveu [Mário de Andrade] uma
concepção de patrimônio extremamente avançada para seu tempo, que em alguns
pontos antecipa, inclusive, os preceitos da Carta de Veneza, de 1964. Ao reunir num
mesmo conceito arte manifestações eruditas e populares, Mário de Andrade afirma o
caráter ao mesmo tempo particular/nacional e universal da arte autêntica, ou seja, a que
merece proteção.
As primeiras ações de preservação do SPHAN concentraram-se nos monumentos
arquitetônicos, principalmente na arquitetura religiosa e também em alguns exemplares da
arquitetura militar, particularmente dos séculos XVII e XVIII. O foco dessas ações voltado de
sobremaneira para as arquiteturas institucionais explicava-se por algumas razões, dentre elas a
busca de uma aceitação popular e uma postura extremamente técnica dos funcionários da
instituição, voltada aos critérios históricos e artísticos / estéticos. Segundo Fonseca (2005,
p.113), até 1969 foram tombadas 368 exemplares de arquiteturas religiosas e 43 de militares,
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enquanto todos os outros tombamentos de arquitetura civil, conjuntos, bens móveis,
arqueológicos e naturais - somavam 392 exemplares.
Essas primeiras décadas de trabalho do SPHAN foram consideradas a fase heróica,
na qual se processou uma série de tombamentos numericamente superior à fase seguinte,
propostos quase que integralmente pelos técnicos da instituição, com base nos conceitos
históricos e artísticos / estéticos mencionados. Mas, a partir da década de 1970, uma mudança
lenta começa a se processar na conjuntura política, a crise do governo militar, e o questionamento
dos preceitos modernistas, iniciam uma nova fase de trabalho para o SPHAN. Esta nova fase,
chamada de fase moderna, nasce de um novo conceito de patrimônio no país, a exemplo de um
processo similar no mundo como um todo. O patrimônio das elites passa a ser questionado como
sendo o definidor do caráter nacional; sendo assim, uma nova proposta é apresentada. O IPHAN,
a fim de democratizar a preservação, busca construir uma identidade nacional mais ampla, passa
a ter uma relação mais direta com as culturas em geral, vinculadas às minorias étnicas e grupos
sociais marginalizados.
A emergência de uma mudança nas ações de preservação do país é marcada pela
realização dos encontros de governadores, prefeitos e representantes de instituições culturais,
realizados em 1970, em Brasília, e em 1971, em Salvador. Esses encontros eram promovidos pelo
Ministério da Educação e Cultura e tinham como finalidade “a complementação das medidas
necessárias à defesa do patrimônio histórico e artístico nacional” (MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO E CULTURA, 1970, p.1). Dentre as medidas sugeridas pelo chamado
Compromisso de Brasília estava à difusão da importância da preservação do patrimônio histórico
nos currículos escolares, já que, como consta no documento, o culto ao passado é um elemento
básico para a formação da consciência nacional.
Essa difusão da importância da preservação também era incentivada entre os
órgãos públicos, sendo firmemente incentivada a criação de órgãos estaduais e municipais de
preservação. No anexo do Compromisso de Brasília, assinado pelo arquiteto Lúcio Costa, a
relevância dos órgãos estaduais e municipais se dava pelo fato de que “[...]no acervo de cada
região obras significativas e valiosas cuja preservação escapa à alçada federal
[...]”(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 1970, p.5), portanto os estado e
municípios deveriam se responsabilizar por seus acervo e participar da “[...] obra penosa e
benemérita de preservar os últimos testemunhos desse passado que é a raiz do que somos e
seremos.” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 1970, p.5).
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no Compromisso de Salvador de 1971, a necessidades de mudanças foca-se também no
governo federal, recomendando-se a criação do Ministério da Cultura, desvinculado do
Ministério da Educação, o que ocorre na década no ano de 1985, bem como a reorganização do
SPHAN, melhorando suas condições financeiras e humanas, para que o órgão pudesse atender,
com plenitude, aos seus objetivos.
As dificuldades pelas quais o SPHAN vinha passando e as críticas aos trabalhos
até então realizados, oportunizam a criação de outros órgãos culturais, visando ampliar o
conceito de patrimônio. Guimaraens (2002, p.63) relata que:
Em 1979, sob a hegemonia da idéia de renovação dos conceitos e das metodologias de
ação, necessárias às formas de agilizar a administração do setor público, o designer
Aluísio Magalhães teve a oportunidade de organizar a Fundação Nacional pró-
Memória (FNpM), criada, segundo Magalhães para '... revitalizar o Iphan e
operacionalizar o CNRC...' .
Tanto a Fundação Nacional pró-Memória - FNpM , quanto o Centro Nacional de
Referência Cultural - CNRC - foram instituições criadas como forma de concretizar ações em
curso no Ministério da Educação e Cultura que possibilitaram ampliações dos conceitos adotados
pelo SPHAN, abrangendo suas atuações, respectivamente, a uma valorização do, atualmente
chamado patrimônio imaterial - saberes e fazeres, e incentivando a pesquisa das referências
culturais. Trabalho de pesquisa mais denso não era até então realizado pelo SPHAN, que a
instrução do processo de tombamento, partindo dos técnicos da própria instituição, não exigia
justificativas tão bem elaboradas.
No final da década de 1970, mais precisamente em 1979, Aloísio Magalhães, da
FNpM foi nomeado diretor do IPHAN, ocorrendo uma fusão com o PCH e com o CNRC. Assim,
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7 - A Fundação Nacional Pró-Memória foi criada em novembro de 1979 quando aprovada pelo Congresso
Nacional.
8 - “A criação do CNRC foi fruto de conversas de um grupo de intelectuais que se reuniam em Brasília a
vislumbravam a necessidade de expandir o conceito de patrimônio para além das fronteiras dos registros elitistas.
A princípio não se pretendia que o CNRC, fundado em 1975 por meio de um convênio entre Governos do
Distrito Federal, através da Secretaria de Eduacação e Cultura, e o Ministério da Indústria e Comércio, através da
Secretaria de tecnologia Industrial, fosse uma alternativa crítica ao IPHAN. Todavia sua autonomia de atuação,
desvinculada de qualquer estrutura pública fixa, permitia que este se transformasse em um espaço de
experimentação.” (FONSECA, 2005)
9 - Programa de Reconstrução de Cidades Históricas, criado em 1973 por interesse dos Ministérios da Educação
e Cultura, do Planejamento e da Indústria e Comércio. O PCH cria alternativas econômicas com base nas
atividades turísticas e de utilização dos bens culturais. Inicialmente suas ações estavam focadas para as regiões
norte e nordeste, sendo posteriormente estendido até o sudeste.
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O IPHAN passou a ter uma imagem mais moderna, em função da absorção de funcionários destas
instituições, sem perder sua conquistada credibilidade. A FNpM passou a ser o órgão executivo
do IPHAN, enquanto foi criado o normativo: a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional.
na década de 1980, um fato foi bastante relevante para a cultural nacional: a
criação de um ministério exclusivo, o Ministério da Cultura, pelo Decreto 91.144 de 15 de março
de 1985. Criado pelo governo de Tancredo Neves, este órgão teve vida curta, sendo extinto
em1990, pelo governo de Fernando Collor de Mello, através da Lei 8.028 de 12 de abril daquele
ano, que transformou o Ministério da Cultura em Secretaria da Cultura, diretamente vinculada à
Presidência da República. A criação do Ministério, segundo Fonseca (2005) deu-se mais em
razão de arranjos políticos do que de anseios sociais, sendo assim, sua extinção não gerou grandes
polêmicas no país. Dois anos mais tarde, por meio da Lei 8.490, de 19 de novembro de 1992, a
Secretaria de Cultura volta a ser Ministério.
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Na chamada fase moderna de atuação do, agora denominado IPHAN , a atuação do
órgão passou a ter uma participação mais direta da sociedade, que começa, por si, a fazer algumas
propostas de tombamento. Mas foi também neste período que o órgão passou por suas maiores
dificuldades políticas, sendo transformado, também pelo governo Collor, no Instituto Brasileiro
de Patrimônio Cultural -IBPC, o que acabou, de certa maneira, por enfraquecer a força
institucional que o SPHAN/IPHAN haviam desenvolvido ao longo de seus mais de 50 anos de
história.
O conturbado percurso das instituições culturais no início da década de 1990 dura
pouco, dois anos após o restabelecimento do Ministério da Cultura em 1992, o Instituto Brasileiro
do Patrimônio Cultural voltou a denominar-se IPHAN. Acerca da estrutura de funcionamento
do IPHAN no final da década de 1990, Guimaraens (2002, p. 69) relata:
Em fins de 1998 o Iphan possuía cerca de sessenta unidades autônomas
(superintendências regionais e escritórios técnicos), organizados sob a administração
10 - O atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, durante sua história passou por várias
reformulações estruturais, que acarretaram mudanças em sua denominação. A seguir uma breve cronologia
dessas alterações: 1946 O SPHAN transforma-se em Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional DPHAN. 1970 O DPHAN passa a se chamar IPHAN. 1979 O IPHAN se divide em um órgão
normativo - o SPHAN, e outro executivo - a Fundação Nacional Pró-memória, FNpM. 1990 Criação do Instituto
Brasileiro do Patrimônio Cultural, IBPC, e a extinção do SPHAN e da FNpM. 1994 O IBPC volta a denominar-
se Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
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central, composta de presidência e quatro diretorias, além de um conselho consultivo.
As atividades de identificação e valorização, treinamento e transferência de
metodologias e de rotinas técnicas, organização e desenvolvimento de acervos,
promoção e dinamização dos bens culturais inscritos nos livros do Tombo, inventários,
obras, exposições e publicações constituíram o espectro mais reconhecido da ação do
Iphan. Entretanto as enormes diferenças em natureza e volume e as grandes
desigualdades detectadas desde muito nas condições de tratamento dos bens
tombados em todo território nacional sempre revelaram a carência de recursos e, a
partir de certo momento, tornaram prioritária as revisões conceituais. Nessa
perspectiva, observa-se que o 'espírito do Iphan' pretendeu, desde 1970, alargar e dar
mais conhecer aos cidadãos o imenso e amplo acervo que deveria preservar.
Em razão destas importantes alterações conceituais no trabalho do IPHAN, foi
tomada uma nova postura do órgão frente às questões de preservação cultural, principalmente
voltadas para o patrimônio imaterial, já que a preservação do patrimônio material vinha sendo
exercida com propriedade desde 1937. Nesse sentido, é criado no ano de 2000 o Decreto
3.551, que instituiu o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio
cultural brasileiro, criou o programa nacional do patrimônio imaterial e deu outras providências.
Com a regulamentação do patrimônio cultural imaterial foram criados quatro livros
de registros: I - Livro de Registro dos Saberes, em que serão inscritos conhecimentos e modos de
fazer enraizados no cotidiano das comunidades; II - Livro de Registro das Celebrações, no qual
serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do
entretenimento e de outras práticas da vida social; III - Livro de Registro das Formas de
Expressão, em que serão inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;
IV - Livro de Registro dos Lugares, no qual serão inscritos mercados, feiras, santuários, praças e
demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.
Atualmente existem registrados nos livros do patrimônio cultural imaterial os
seguintes bens: Arte Kusiwa dos Índios Wajãpi; Ofício das Paneleiras de Goiabeiras; Samba de
Roda no Recôncavo Baiano; Círio de Nossa Senhora de Nazaré; Ofício das Baianas de Acarajé;
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11- Em pesquisa realizada em 2007 no site oficial do IPHAN, constatou-se a seguinte estrutura administrativa: 1)
Conselho Consultivo/ Presidência / Colegiado; 2) Coordenação Geral de Patrimônio/ Departamento de
Patrimônio Imaterial/ Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização/ Departamento de Planejamento e
Administração/ Departamento de Museus e Centros Culturais/ Coordenação Geral de Pesquisa, Documentação e
Referência; 3) Centro Nacional de Cultura Popula (1)/ Superintendências Regionais (21)/ Museus (9)/ Centros
Culturais (2); 4) Sub-regionais (6)/ Escritórios Técnicos I (8)/ Esc. Técnicos II (19)/ Unidade Museológica I (5)/
Unidade Museológia II (14). Constam nos livros os seguintes tombamentos: Livro arqueológico, etnográfico e
paisagístico : 119 unidades; Livro Histórico: 557 unidades; Livros das Belas Artes: 682unidades; Livro das Artes
Aplicadas: 4unidades.
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Viola-de-cocho e o Jongo. Existem ainda cerca de 15 processos de Registro em andamento.
Ao longo deste processo de institucionalização do patrimônio no Brasil, as questões
relativas à paisagem ora se ausentam ora se fazem presentes nas discussões. O debate sobre a
paisagem urbana engloba muitos aspectos que não os patrimoniais, dessa forma é foco da
discussão de geógrafos, arquitetos e urbanistas, historiadores, preocupados com a cidade que
vinha se construindo no Brasil no período da aceleração de seu crescimento urbano,
principalmente entre as décadas de 1950 e 1970.
O caráter vanguardista das leis brasileiras de preservação, que foi comentado, faz
com que desde a concepção, estas já abordem a questão da paisagem, prova disso é a criação de
um livro de tombamento dedicado ao patrimônio etnográfico e paisagístico. Todavia, o conceito
de paisagem é, neste momento, bastante atrelado à imagem dos lugares, ou seja, quando os
conjuntos urbanos, ou centros históricos são tombados como bens paisagísticos, estes o são por
sua imagem pictórica. Entenda-se por pictórica uma imagem congelada do lugar, que de tão bela
deveria ser preservada e repetidamente vista, tal qual uma bela tela pintada à mão.
Mas as cidades e os conjunto extrapolavam a imagem pictórica, congelada, e com o
desenvolvimento dos conceitos de paisagem cultural apresentados pela UNESCO no final do
século XX e com a valorização dada pelo IPHAN para o patrimônio imaterial - saberes, tradições,
etc -, a paisagem passa a ter um apelo muito mais voltado para a cultura que a constitui, ou seja, ao
que está por trás da imagem física/visual. A referência que até então é visual, passa a ser cultural.
Sendo assim, o debate sobre paisagem cultural no Brasil é bastante recente, não havendo grande
produção de documentos ou publicações acerca do tema.
Neste contexto, vale ressaltar a recente Carta de Bagé, também chamada de Carta de
Paisagem Cultural, de 18 de agosto de 2007, como uma tentativa de ampliar a discussão sobre o
tema no país. A Carta é fruto do Seminário Semana do Patrimônio Cultura, Memória na
Fronteira, organizado por instituições municipais de Bagé, Ministério da Cultura, IPHAN,
IPHAE - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul e duas
universidades da região. Nela destaca-se a preocupação com as paisagens culturais, mais
especificamente a dos Pampas, levantando questões que extrapolam os aspectos visuais; fica
registrado na Carta a importância da manutenção desta paisagem para a garantia da
biodiversidade e do pluralismo cultural.
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Segundo a Carta, o conceito de paisagem cultural fundamenta-se na Constituição
Brasileira de 1988 e define-se como:
A paisagem cultural é o meio natural ao qual o ser humano imprime as marcas de suas
ações e formas de expressão, resultando em uma soma de todos os testemunhos
resultantes da interação do homem com a natureza e reciprocamente, da natureza com o
homem, passíveis de leituras espaciais e temporais.
Embora traga definições claras e estabeleça que a paisagem cultural deve ser passível
de preservação como todos os demais patrimônios culturais brasileiros, a Carta não chega a
abranger quais seriam as ferramentas especificas para se delimitar a mesma. Isto significa dizer
que, embora o conceito tenha se ampliado, a metodologia de trabalho ainda permanece a mesma
inventário, registros, etc. A poligonal, embora não mencionada na Carta, continua sendo utilizada
pelos profissionais do IPHAN para definir as áreas de interesse. A mesma ferramenta que
serviaàa definição dos Centros Históricos tombados por suas imagens pictóricas, como será visto
a seguir, passa a servir à definição de áreas cujo interesse se pelas paisagens culturais.
1.1.2 A preservação de Centros Históricos
No processo histórico da institucionalização da preservação no Brasil visto até o
momento, é possível perceber que a questão das cidades e centros históricos parece sempre ter
preocupado àqueles interessados no patrimônio nacional. Prova disso é o tombamento da cidade
mineira de Ouro Preto, em 1933, mesmo antes da criação do SPHAN. Esta postura, de certa
maneira, ultrapassou conceitualmente a questão patrimonial desenvolvida na Europa, que até
aquele período preocupava-se muito mais com os monumentos isolados em si, o que pode ser
percebido facilmente ao comparar-se o projeto para o Decreto-Lei 25/1937, aos documentos
patrimoniais, como a Carta de Atemas de 1931.
A incorporação dos conjuntos urbanos aos bens tombados exigiu do órgão de
preservação o desenvolvimento de uma metodologia, uma ferramenta que permitisse a
delimitação das áreas de interesse, salvaguardando o que lhes fosse mais peculiar: a paisagem do
todo, um conjunto arquitetônico valioso por suas características históricas ou artísticas. Com esse
Intuito, o IPHAN passa a trabalhar com a definição de poligonais de tombamento - limitação
física da área tombada delineada em planta baixa por uma figura geométrica, o que permitia a
demarcação da área de interesse e possibilitava a sistematização de tombamentos.
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Esta ferramenta fez-se importante, pois o método aplicado para Ouro Preto, por meio
de decreto, não possibilitava a realização dos tombamentos de uma forma institucionalizada e
independente. A existência de regras claras para a definição das poligonais não foi identificada na
pesquisa realizada para o caso de São Francisco do Sul, acredita-se que, para o IPHAN, cada caso
de tombamento configure-se num estudo particular para definição da poligonal.
Esta preocupação do SPHAN quanto aos centros históricos ficou clara na colocação
de Rodrigo Melo Franco de Andrade, ressaltada por Guimaraens (2002, p.86):
O sítio, para Rodrigo, mais do que a forma geográfica de 'povoação ou aldeia' ou 'lugar
para construção', é o 'lugar assinalado por um acontecimento notável'. Entendo por isso
que a expressão indicativa do 'acontecimento notável' pode traduzir a dimensão
mutante do espaço, pois culturalmente, o lugar é o palco de fatos e acontecimentos
históricos. Nesse sentido, observo também que, além do sítio, os termos cenário e
relicário têm em comum o fato de serem utilizados na condição designativa de lugar ou
local da cena e, especialmente, da cena de valor.
O destaque dados aos “cenários” onde ocorreram notáveis fatos da história, talvez se
deva ao fato de que as cidades brasileiras, que até a primeira metade do século XX vinham
crescendo muito lentamente em função da economia pouco produtiva, estavam começando a
passar por um processo acelerado de desenvolvimento urbano. Neste sentido, as velhas cidades
poderiam ter seu tecido totalmente substituído em função das novas necessidades urbanas,
geradas por mudanças tecnológicas, socioeconômicas e culturais, bem como poderiam ser
abandonadas e muitas delas o foram pela população que se deslocava em busca de novas
oportunidades econômicas.
Outra questão preocupante para este período é o fascínio dos países colonizados
pelas culturas e tecnologias dos ditos países centrais. Para a autora argentina Marina Waisman
(1990) existe uma dificuldade inerente às cidades latino-americanas de dar continuidade
histórica a seus tecidos urbanos, uma vez que a população, em geral formada por povos
colonizados e imigrantes, muitas vezes prefere não recordar seu passado e sim buscar um “futuro
melhor”. Como ainda não havia uma idéia de nação, ou de pertencimento cultural, os
“cenários”referenciados por Rodrigo M. F. de Andrade no trecho anteriormente citado,
poderiam, facilmente, serem abandonados ou terem seus tecidos substituídos.
Este conceito de “centro histórico” enquanto cenário físico pode expandir seus
limites para além do chamado núcleo original, onde se constituíram as primeiras ruas de uma
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Determinada localidade, em muitas cidades são estes centros que abrigam as novas atividades
advindas da dinâmica urbana. Dessa forma, muito mais do que registros do passado, estes lugares
são registros do presente, de uma realidade constantemente em construção.
De toda maneira, mesmo abrigando essa dinâmica urbana da vida atual, os centros
históricos com suas características iniciais são grandes definidores, morfológica e culturalmente,
da paisagem que se constrói. Em um texto de apoio didático que trata sobre “Os centros históricos
na configuração das cidades brasileiras”, Yunes (2002, p.01) pontua estas características como
formas, inclusive, de se gerar as leituras sobre estes lugares:
O traçado ou organização espacial, o estilo construtivo, o conceito urbanístico, a
volumetria, a etnia, os hábitos e quadros de vida podem ser vertentes possíveis para a
leitura e configuração de um espaço, consagrando-o como um exemplar a ser
preservado. Ao mesmo tempo, as situações territoriais nas quais os Centros Históricos
estão localizados permitem definir diferentes "tipologias" face aos específicos
desenvolvimentos urbanos e sociais de cada contexto.
O que Yunes considera como um “exemplar a ser preservado” decorre, então, das
características morfológicas do centro histórico, seu traçado, organização espacial, estilos
construtivos, volumetria, e de características culturais etnias, hábitos. Assim sendo, o centro
histórico deixa de ser um “cenário” que historicamente tenha servido de palco para um
determinado “acontecimento notável” como definia Andrade, já que isto remete unicamente ao
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passado deste lugar e abrange suas manifestações culturais ainda existentes, o que faz do
presente um aspecto bastante relevante dos elementos a serem preservados.
A partir do momento que os centros históricos passam a ser foco das ações de
tombamento dos órgãos de preservação, mesmo que estes os abordem ainda como cenários
materiais, as limitações formais e de uso passam a ser aplicadas em todo o conjunto, não mais
ficando limitada ao monumento ou seu entorno imediato. Neste sentido, as conseqüências do
tombamento são muitas vezes indesejáveis por vários segmentos das classes médias e altas,
principalmente interessadas nas questões de valorização e renda da terra.
Assim, nem sempre os tombamentos de áreas centrais implicam na preservação de
uma área homogênea delimitada. No caso do centro de grandes cidades como Rio de Janeiro, São
Paulo e Porto Alegre, a mescla de tecidos urbanos históricos e contemporâneos se dá de forma
12- Entenda-se pelo termo “cultural” utilizados neste parágrafo, todos os aspectos não materiais que configuram
o lugar, tais como: aspecto sociais, econômicos, religiosos, etc.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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Bastante recorrente. Guimaraens (2002) ao estudar o caso do Rio de Janeiro aborda a questão de
como se esta relação entre “as torres para o futuro” e a “tradição nacional” nestes centros, cujos
tecidos não são homogeneamente constituídos e que apresentam paisagens urbanas bastantes
peculiares.
Nos centros dessas grandes cidades, bem como nos conjuntos homogêneos de muitas
cidades de menor porte, a justificativa primeira para o tombamento considerava a existência de
um grande número de monumentos excepcionais, que se encontravam organizados em forma de
conjunto. Essa postura foi revista no final da década de 1960 e início de 1970, quando, mais do
que os monumentos isoladamente analisados, passou-se a considerar a “criação notável e
representativa da vida da organização social de um povo” como elemento suficiente para
justificar um ato de tombamento, mesmo que nesse momento ainda não entrasse em debate as
características culturais do presente como item relevante à preservação. Essa revisão conceitual é
feita por Rodrigo M. F. de Andrade, como observa Fonseca (2005, p.198):
Mas, em texto publicado em 1970, Rodrigo M. F. de Andrade dizia que “justifica-se a
conservação de um sítio urbano quando este constitui criação notável e representativa
da vida da organização social de um povo, em determinada fase de sua evolução” (1987,
p. 81). Foi dentro desse espírito que foram tombados os centros históricos de Laguna,
Natividade, São Francisco do Sul, Pirenópolis e Antônio Prado, entre outros.
Pirenópolis, por exemplo, foi tombado por constitui “cidade representativa de certa
forma urbana, certo modo de ser nacional” (Francisco Iglésias, relator do processo no
Conselho Consultivo).
Este novo conceito que valoriza a forma representativa de uma organização social de
determinado local vai ao encontro de outros conceitos, existentes no IPHAN desde sua
regulamentação com o Decreto-Lei 25/37: a relação entre a forma de assentamento humano em
relação às características físicas e naturais do sítio. Embora o Decreto-Lei não explicite
textualmente esta relação, ela é perceptível quando se constata a existência de um Livro Tombo
específico para o patrimônio arqueológico, etnográfico e paisagístico (FONSECA, 2005, p. 199).
Esta relação do assentamento humano versus o sítio, também se expressa quando tratando os
monumentos naturais passíveis de tombamento, no parágrafo do artigo 1º, o Decreto-Lei 25/37
prevê que:
Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a
tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotas pela natureza ou
agenciados pela indústria humana.
O Centro Histórico de São Francisco do Sul foi tombado em 1987 pelo IPHAN,
sendo registrado nos Livros Arqueológico, etnográfico e paisagístico e histórico, não só por se
tratar de uma “criação notável e representativa da vida da organização social de um povo”, mas
também por sua particular forma de assentamento no sítio físico, mantida de maneira bastante
íntegra durante toda sua história.
CAPÍTULO 2
O PATRIMÔNIO QUE SE ESTABELECE
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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CAPÍTULO 02:
O PATRIMÔNIO QUE SE ESTABELECE
Figura 01 - Mapa do Estado de Santa Catarina. A cidade de
São Francisco do Sul localiza-se no litoral norte - marcada
pelo círculo vermelho - sendo constituída por uma porção
insular e uma pequena parte continental. Fonte:
www.cepa.epagri.sc.org.br
Figura 02 - Foto de satélite da
cidade de São Francisco do Sul.
Destacado com o círculo
vermelho a área do Centro
Histórico tombado. Fonte:
SEIBEL, 2004
Os aspectos políticos e culturais que
possibilitaram as definições conceituais
acerca do patrimônio, vistos no capítulo 01,
apenas situam o ato de tombamento da do
Centro Histórico da cidade de São Francisco
do Sul no contexto nacional de preservação.
Os processos históricos e culturais que
fizeram deste lugar um exemplar a ser
preservado requerem um estudo específico
da região, que permita compreender de que
forma se estabelece este patrimônio,
considerado a partir de um momento como
de relevância nacional.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
Figura 03 - Mapa do município de São
Francisco do Sul, com demarcação das
principais vias de coneo com
municípios vizinho e das vias internas.
Fonte: IPHAN - ETEC São Francisco
do Sul (mapa editado pela autora),
2007.
Linha ferrovria
BR 280
Principais vias municipais
que ligam o centro de SFS
aos Balneários.
Divisas do Município
Área do Centro Histórico
Área do Porto atual
Área do detalhe da
figura 04
2.1 São Francisco do Sul: Contextualização Histórica
São Francisco do Sul é considerada a cidade mais antiga do Estado de Santa Catarina.
O processo de ocupação de seu território data oficialmente de 1658 e sua fundação é atribuída a
Manoel Lourenço de Andrade. Entretanto, Alcídio Mafra de Souza, no Guia dos Bens Tombados
13,
de Santa Catarina coloca que: “na 'suma de geografia' impressa em Sevilha em 1519
referência a Ilha de São Francisco, localizada na baía de mesmo nome, denominação que lhe teria
sido dada por João Dias Solis” (SOUZA, 1992, p.129). Souza observa que a Ilha também teria
sido visitada anteriormente por Binot Palmier de Goneville, navegador normando, em princípios
de 1504.
33
13- SOUZA, Alcídio Mafrade. Guia dos bens tombados - Santa Catarina. Rio de janeiro: Expressão e Cultura,
1992.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
34
A suposta visita realizada por Goneville é bastante controversa entre historiadores,
não havendo a confirmação do episódio. Todavia tal fato não se mostra relevante para o presente
estudo, uma vez que não acarretou em conseqüências formais ou culturais para a cidade.
Apenas em meados do século XVII, ocorreu uma efetiva ocupação do território de
São Francisco do Sul, em razão das disputas entre potências européias que, com base em uma
economia colonialista, lançaram-se ao mar e provocaram a “ocupação de largas faixas no
14
continente americano” (Plano de Preservação do PHSFS) . Em 1641, Manoel Lourenço de
Andrade chega à Ilha por meio das bandeiras paulistas de colonização, empreendidas
principalmente em direção ao sul do Brasil. Em 1658 estabeleceu-se na Ilha o fundador
“juntamente com a família, um grande número de casais portugueses, vicentistas e paulistas”
(Plano de Preservação do PHSFS) que instalaram no local a economia agrícola, contando com o
,
trabalho escravo, essencialmente doméstico e fundaram definitivamente o povoamento de São
Francisco. A ocupação do território neste período é ainda bastante incipiente, não tendo sido
encontrados documentos oficiais que registrem a localização destes primeiros moradores.
Em 1660 o povoamento foi elevado à categoria de Vila e, em 1665, à de Paróquia. No
século XVIII a economia tem sua base, principalmente, na agricultura e na atividade portuária
exportadora de produtos como madeira, peixe seco, farinha de mandioca e cordas de imbé. O
primeiro porto da cidade localizava-se às margens da atual Rua Babitonga (ver figura 03), bem
próximo à Igreja, que desde as suas primeiras instalações localiza-se na mesma região.
14- Prefeitura Municipal de São Francisco do Sul. Plano de Preservação do Patrimônio Histórico de São
Francisco do Sul. Fonte: arquivo do IPHAN.
2
1
3
4
5
6
7
8
1- Morro do Paulas
2- Morro da Praia do Inglês
3- Morro do Pão de Açúcar
4- Morro do Hospício
5- Morro da Caixa D’água
6- Morro do Hospital
7- Morro do Cemitério
8- Morro da Água Branca
Figura 04 - Localização dos Morros da área central da Ilha. Fonte:
IPHAN - ETEC SFS.
Figura 05 - Planta atual do Centro Histórico com destaque para
a localização do Antigo Porto e da Igreja. Fonte: IPHAN ETEC
SFS editado pela autora.
Região de implantação do Antigo Porto;
Região de implantação da Igreja e do Largo.
Legenda:
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
35
A Vila encontrava-se
encrustada entre as margens da Baía da
Babitonga e os Morros localizados à sua
porção sul. Suas primeiras ruas
localizadas nesta área decorrem
justamente da proximidade ao porto, à
Igreja, bem como da ligação entre estas
duas regiões.
São Francisco é o primeiro
povoamento estável do litoral
catarinense e, em 1720, passou por uma
mudança considerável em sua
organização administrativa e judiciária,
quando da chegada do Ouvidor Rafael
Pires Pardinho que, além de determinar
parâmetros acerca das organizações
acima mencionadas, demarca as terras
fixando os limites da Vila. Estes limites
não são muito claros e não foram
encontrados registros oficiais dos
mesmos.
Os relatos de Saint Hilaire
(citados por SOUZA, 1992, p.130),
datados de 1820, descrevem a Vila como um lugar pobre, cuja maioria dos habitantes se dedicava
à lavoura e à pesca de subsistência. Quanto às arquiteturas e estrutura urbana existentes, Saint
Hilaire, segundo Souza, relata:
‘A maioria delas [casas] é coberta de telhas, quase todas de alvenaria em pedra e bem
conservadas. Poucos sobrados, as ruas são retas e largas e as que descem do largo do
Matriz para a praia são calçadas’. O que não é de se estranhar, pois consoante à
influência medieval sofrida pelos assentamentos de origem portuguesa na maioria das
povoações litorâneas, a igreja e a praça se constituíam em importantes elementos
geradores do espaço urbano, cuja expansão se efetuou através da orla praiana.
Praça Getúlio Vargas
uR a Fernandes Dias
11.27
2.04
2.05
Legenda:
Morro do
Hospício
Morro da Caixa
D’água
Baía da
Babitonga
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
36
Em 1847, a Vila é elevada à categoria de cidade, contudo seus aspectos econômicos e
morfológicos parecem não ter sido muito alterados, pois segundo Robert Ave-Lallemant (1858),
a cidade é “um lugar insignificante”, “com algumas ruas, mas muitas casas grandes e
aprazíveis” (LA LLEMANT apud Plano de Preservação do PHSFS).
No ano de 1858 iniciou-se a abertura da estrada Dona Francisca que parte do Porto da
cidade e que, por volta de 1873, atinge o planalto catarinense passando a escoar a produção do
norte de Santa Catarina e sul do Paraná. Começou nesta fase a prosperidade na cidade, com a
implantação, no final do séc. XIX início do séc. XX, de uma série de companhias importadoras e
exportadoras e armazéns de estocagem, com destaque aos da Cia. Carl Hopeck. Neste período, o
Porto principal já não se localizava mais às margens da Rua Babitonga, mas junto aos galpões
desta Companhia.
Em 1905, inicia-se a construção da estrada de ferro São Paulo- Rio Grande,
pertencente à Brazil Railways Co., com um ramal para São Francisco, abrindo novas
perspectivas para o comércio, principalmente de erva-mate e madeira vindos do Planalto de
Canoinhas. A Companhia da Estrada de Ferro foi autorizada, em 1912, por decreto
governamental a instalar uma estação marítima na Baía da Babitonga, visando a melhoria e a
ampliação das condições de operação portuárias. (LINS, 2004, p. 167)
Nas duas primeiras décadas do século XX também é marcante a diversificação nas
atividades produtivas e comerciais na cidade, com a abertura de engenhos, olarias, curtumes e
pequenas fábricas, entre outras. Esta série de mudanças nas atividades econômicas e o
conseqüente aumento do poder aquisitivo da população local têm reflexos diretos na sociedade,
que em contato com influências estrangeiras vai adquirindo hábitos refinados de comportamento
e uma tendência a copiar os modelos europeus. A vida cultural da cidade se agita com uma série de
apresentações teatrais e uma importante produção de jornais e revistas. Estas transformações
também são percebidas na arquitetura local com a valorização financeira dos imóveis e, uma série
de novas construções, erguidas ao gosto arquitetônico europeu.
O conjunto, que até então era constituído principalmente de arquiteturas coloniais
portuguesas vai, aos poucos, sendo substituído pelo estilo eclético que passa a predominar.
Quanto aos elementos arquitetônicos que melhor descrevem estas construções, SOUZA destaca
“o surgimento de eventuais características particulares em que se destacam os requadros já em
relevo de reboco e não em cantaria ou madeira, existência freqüente de balcões metálicos,os
beirais em cimalha, embora ainda haja beira seveira” (1992, p.131)
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
37
no século XX a cultura, os gostos e saberes dos colonos alemães vindos para o
Estado passam a ser incorporados aos costumes francisquenses, na arquitetura estas
contribuições estão presentes nas “grandes inclinações dos telhados de sobrados, nos chalés, nas
residências em madeira e em exemplares da arquitetura residencial de meados do nosso século
que contém referências a um gosto nórdico”.(CHUVA; PESSÔA, 1995, p. 64)
Embora tenha passado por todo este processo de modificação de seu tecido, com
substituição das arquiteturas, o núcleo urbano onde a cidade se implantou, permanece muito bem
delimitado, continuou se construindo no baixio entre os morros, buscando a praia e a Igreja. A
malha, ou melhor, o traçado urbano foi preservado. A imagem da cidade enquanto conjunto
manteve-se muito próxima do que era antes das transformações do início do século XX, se
considerar-se a observação deste conjunto, a partir de pontos longínquos de observação da
paisagem, ainda que numa escala mais próxima - do ponto de vista do pedestre, por exemplo -
essas alterações foram significativas.
Diferente de muitos centros históricos brasileiros, a observação do conjunto de São
Francisco do Sul, não parte de uma visão de sua fachada superior, apreendida em razão da
topografia acidentada, como é o caso de Ouro Preto, Olinda, entre outras, onde a ocupação se dá,
inclusive, sobre as áreas mais elevadas, possibilitando uma visão superior. No Centro Histórico
de São Francisco do Sul, em função de sua condição litorânea e da baixa ocupação das suas áreas
de morro, tem como seu ponto principal de observação o mar, como é o caso de centros com
Paraty e Laguna.
Figura 06 - Vista panorâmica de São Francisco do Sul, de autoria do pintor italiano Bazilio Ferrari, datada de
1911. Nesta imagem vê-se cidade de São Francisco a partir do mar. Na porção direita da imagem é possível
perceber a aglomeração urbana identificada pelas edificações da fachada marítima e pelo perfil da Igreja, ainda
com apenas uma torre. Fonte: NACKE, REIS e SANTOS, 2004.
Com isso, é possível delinear o que se considera a paisagem clássica do Centro
Histórico de São Francisco do Sul, que parte de uma visão marítima em direção à parte alta da
cidade. Sua escala de observação de conjunto não permite que as alterações de tecido, ou seja, as
arquiteturas substituídas ao longo da histórica, sejam tão perceptíveis frente ao todo. Esta
imagem do conjunto a partir do mar, a fachada marítima, será retratada por diversos pintores e
fotógrafos (ver figura 04) ao longo da história da cidade e será esta, também, que justificará o
tombamento nacional em 1987, como será visto adiante.
2.1.1 A atividade portuária e sua relação com a cidade
A cidade de São Francisco do Sul desde sua fundação mantém uma relação muito
próxima com o mar e com as atividades a ele relacionadas. Na economia, o Porto sempre
desempenhou importante papel dinamizando a sociedade e ditando os ritmos do crescimento
urbano. Mais recentemente, o turismo também vem apresentando um papel relevante na
economia local, principalmente o turismo dos balneários da porção norte da ilha, tais como
Enseada, Ubatuba, Prainha, entre outros.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
38
O Porto e suas atividades correlatas são das mais fortes razões da consolidação e do
crescimento da cidade. Contudo em meados do século XX, aproximadamente na década de 1950,
com o declínio das exportações de madeira e erva-mate, e sendo que a atividade graneleira ainda
não estava consolidada “a estagnação econômica [...] impediu que houvesse um grande
crescimento da cidade, evitando uma descaracterização completa, com processo de
verticalização. Neste ponto é importante salientar a importância das leis municipais de
preservação de 1981 e, posteriormente, do IPHAN, a partir de 1987, com o Tombamento
Federal . (BRASIL, 2005, p.376)
É justamente a partir deste período de crise, que se a criação da Autarquia da
Administração do Porto de São Francisco do Sul e com a inauguração do novo, mas ainda
pequeno porto, é que esta atividade tem o impulso inicial que fará com que este se torne um porto
de grande importância comercial em Santa Catarina, apartir da última década do século XX.
Na década de 1970, com a instalação de dois novos terminais, um destinado a
Petrobrás, para distribuição de petróleo, e outro para a CIDASC (Companhia Integrada de
Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina), responsável pela distribuição e armazenamento
de grãos e óleos vegetais, é que o Porto começa a ampliar suas atividades. Em fins dos anos 1970 e
início dos 1980 instalam-se na cidade mais duas grandes empresas: a Bunge Alimentos S.A.,
fábrica de farelo e óleo e estrutura de armazenagem, e a Terlogs, armazenagem e escorada de
grãos e fertilizantes. A cidade de São Francisco do Sul passou algumas décadas a partir da criação
da Autarquia, na década de 1950, investindo pesados recursos para o crescimento do Porto.
O próximo grande salto do Porto vem a ocorrer apenas nos anos 2000, com a
implementação de uma série de empresas privadas, tais como: Vega do Sul, Cargo Link, Rocha
Top, Terminal Babitonga, atual Terminal Santa Catarina, que somadas a Bunge e Terlogs
investiram em São Francisco do Sul aproximadamente R$ 1,5 bilhões entre 2001 e 2003. (LINS,
2004, p. 172)
Atualmente existe um projeto em vias de execução para ampliação do Porto, com
aprevisão de construção de mais dois berços de atracação, além do aumento da área retro-
portuária, com a ampliação dos pátios de contêineres. Prevê-se também uma alteração no trajeto
da linha férrea, para que deixe de cruzar a cidade, otimizando, assim, seu funcionamento.
A área correspondente ao núcleo da ocupação inicial de São Francisco do Sul, o
Centro Histórico, se encontra, hoje, com a função de dar suporte às atividades portuárias,
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
39
oferecendo espaço para os agenciadores marítimos, despachantes, cartórios, serviços, hotéis e
restaurantes, sem, contudo, perder de vista a manutenção de uma de suas características mais
marcantes: a multifuncionalidade e a presença ainda bastante numerosa de residências.
Estas mudanças funcionais, apesar de não terem tido grande impacto na imagem do
conjunto urbano, são facilmente perceptíveis quando se parte para uma escala mais próxima de
observação. As novas exigências técnicas como climatização de ambientes, aumento de área útil,
adaptações às condições sanitárias, implementação de novos sistemas de cabeamentos de
energia, comunicação e lógica, que acompanham estes usos mais contemporâneos vão
desconfigurando tipologias mais comuns da cidade: casas térreas e pequenos sobrados de dois
pavimentos, cobertos por telhados de duas ou quatro águas. As mudanças mais consideráveis se
dão nas inclinações de telhados, colocação de aparelhos de ar condicionado, aberturas de portas
de garagens, entre outras, que de alguma forma acabam por comprometer estas paisagens de
pequena escala.
se for considerado o conjunto, na chamada paisagem clássica da cidade, é a
própria estrutura de funcionamento do Porto que passa a desenhar uma nova paisagem, não de
uma forma direta, uma vez que em sua nova localização (ver figuras 08 e 09) os grandes galpões e
Figura 07 - Vista Parcial de São Francisco do Sul - início do século XX. O Porto ainda se localizava na área hoje
considerada como Centro Histórico. Fonte: acervo digital IPHAN.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
40
silos localizam-se todos atrás dos morros que envolvem, mas cidade e que servem de pano de
fundo para esta paisagem.
Figura 08 - Vista Parcial de São Francisco do Sul - meados do século XX. Ao fundo é possível perceber a construção
do novo Porto. Fonte: acervo digital IPHAN.
Figura09 - Vista atual do Centro de São Francisco do Sul: à direita o Centro Histórico e à esquerda a região do novo
Porto, nesta imagem fica clara a proximidade do Novo Porto em relação ao Centro Histórico. Fonte: SEIBEL, 2004.
Todavia, pela imponência do Porto e pelo papel importante que ele desempenha na
sociedade local seu afastamento não foi total, sendo que o mesmo ainda é parte da paisagem do
núcleo central de São Francisco do Sul, quando se parte para outros pontos de observação da
paisagem. O Porto se faz perceptível tendo em vista que os silos, que podem ser vistos, e os
próprios navios, quando atracados, são maiores do que qualquer arquitetura do conjunto, e
também em razão da altura dos guindastes que, em operação, superam por vezes a altura das
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
41
Figura 10 - Vista atual do
Centro Histórico a partir do
Morro da Rádio, ao fundo é
possível perceber um
galpão de armazenagem de
grãos, localizado na área
portuária. Fonte: acervo da
autora.
Figura 11 - Vista atual do
Centro H1stórico a partir do
Morro da Rádio, em
primeiro plano o Centro
Histórico com as torres da
Igreja, ao fundo guindastes
do Porto em operação.
Fonte: acervo da autora.
torres da Igreja, um dos elementos mais fortes da paisagem tratada aqui como clássica. (Ver
figuras 10 e 11).
Cabe salientar que quando de referencia a paisagem clássica do Centro Histórico de
São Francisco do Sul, esta se falando de uma observação externa do mesmo, ou seja, a visão de
quem está fora em direção à area tombada. os elementos anteriormente destacados, como
guindastes, navios e silo, podem ser observados a partir de pontos internos de observação, de
dentro do Centro Histórico em direção às áreas externas.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
42
2.2 O tombamento de São Francisco do Sul - a preservação de uma paisagem clássica
Os dados colocados anteriormente sobre o contexto histórico da ocupação urbana de
São Francisco do Sul explicam de forma sucinta o porquê de algumas características urbanas e
arquitetônicas da cidade, que resultam de uma convergência cultural que faz de São Francisco do
Sul um exemplar sui generes da ocupação do litoral catarinense. Souza explica esta questão:
Inexiste, é certo, obras monumentais, tampouco unidade no acervo, mas o valor do sítio
está, justamente, na sua composição urbana, com conjuntos com características
coloniais, como foi dito, e outros ora ecléticos, ora art-noveau, convivendo em íntima
harmonia de estilos, harmonia facilitada que é pela própria forma assentamento. (1992
p. 131)
O assentamento mencionado por Souza refere-se ao traçado até hoje mantido de
forma bastante íntegra no trecho do baixio entre morros que fazia a ligação entre o Porto e a
Igreja, e que se espalhava pelos arredores, adaptando-se à topografia local em direção ao interior
da Ilha. E é justamente esta composição urbanística que justifica o tombamento do Centro
15
Histórico de São Francisco do Sul, como observa o relatório de estudo elaborado para dar início
a este processo:
Nossa análise se deterá no trecho delimitado pelos morros da Caixa d'água e do Rádio e
pela orla da baía da Babitonga, em cujo tecido urbano encontramos as referências que
contam a história do assentamento mais do que nos monumentos. Estes constituem o
cenário, a parte da narrativa do documento urbano através do qual tem início a
percepção de caráter sensível que antecede a compreensão da cidade [este grifo não
consta no original]. Dentre as referências de tecido identificamos dois pontos
significativos: a praça com a respectiva Igreja, onde anteriormente localizava-se
também a Casa de Câmara e Cadeira e a rua da Praia. Os dois elementos espaciais, a
praça e a rua litorânea, junto com a fonte d'água, determinam, durante a lenta construção
da cidade, a forma geral que irá assumir o centro histórico de São Francisco do Sul e que
se materializa com as ligações entre esses espaços e do conjunto com o interior da ilha.”
(CHUVA; PESSÔA, 1995, p. 60)
Este trecho destacado do relatório elaborado para instruir o tombamento nacional,
deixa claro quais foram os critérios utilizados para a escolha deste lugar como um “exemplar a ser
preservado” como um patrimônio nacional. Ele é um “cenário”, geograficamente bastante
15 - Estudo realizado para o tombamento de São Francisco do Sul pela Historiadora Márcia Regina Romeiro
Chuva e pelo arquiteto José Simões de Belmont Pessôa.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
43
marcado e com bordas bem definidas: a orla é o local da platéia, de onde este belo espetáculo
deve ser observado, os morros funcionam como fundo deste cenário, atrás dos quais, o que
acontece - leia-se aqui, o que se constrói ou o que se modifica - não compromete a cena.
A expressão paisagem clássica de São Francisco do Sul utilizada até o momento,
refere-se à cena anteriormente descrita. E, considerando-se que foi a partir da elaboração do
citado relatório que foi dado início ao processo de tombamento do Centro Histórico, fica claro
que a relevância é o conjunto urbano, ou seja, a condição de paisagem vista a partir de um
determinado ponto, constituindo sua fachada frontal. Já as características particulares das
arquiteturas que o constituem, bem como os trechos urbanos observados de outros ângulos
parecem não se mostrar tão interessantes do ponto de vista da preservação.
Quanto à arquitetura, analisada individualmente, os autores não verificam uma
relevância comparável a que o conjunto da mesma representa, isto fica claro no trecho a seguir:
Em São Francisco do Sul, onde não se tem a predominância da arquitetura de
determinado período sobre outro, é norma a diversidade arquitetônica. A fragilidade da
maquiagem arquitetônica deve informar a leitura do documento construído, para não
induzir ao erro de aferir o período de construção de determinado edifício diretamente de
seu aspecto formal. No entanto, a classificação do repertório estilístico serve para que
se entenda o processo paralelo, embora mais rápido, de transformação dos códigos mais
visuais do que arquitetônicos de que o homem reveste, como uma roupagem, o corpo
espacial do seu habitat. (CHUVA; PESSÔA, 1995, p. 64-65)
As informações existentes no estudo elaborado para o tombamento são muito
coerentes com a idéia de Centro Histórico e de preservação vigentes no período histórico em que
este estava sendo realizado. Ou seja, mesmo não possuindo grandes monumentos arquitetônicos
que justificassem o tombamento de conjunto no início da atuação do IPHAN, a particular forma
de assentamento e a relação desta com o sítio, além da representatividade por questões
econômicas e culturais deste povoamento para o Estado de Santa Catarina e para o Brasil
justificaram seu tombamento.
As tipologias arquitetônicas que compõem este conjunto, embora possuam
diferentes linguagens representando os variados períodos de desenvolvimento da cidade,
mantém uma coerência formal que permite a percepção da ocupação como um conjunto bem
delimitado. Sendo assim o tombamento dá-se nos livros federais “Arqueológico, etnográfico e
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
45
Figura 12 - Poligonal de tombamento do Centro Histórico de São Francisco do Sul traçada pelo IPHAN. Nesta
imagem é possível perceber que a linha da poligonal ao mesmo tempo que avança sobre o mar, delimita-se pela
cumeada dos morros, chegando, em alguns casos, a recortar lotes. Fonte: acervo do ETEC SFS IPHAN.
Morro do
Hospício
Morro da Caixa
D’água
Baía da
Babitonga
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
44
O processo de tombamento teve início no final da década de 1970, culminando com
otombamento municipal em 1981, por meio da Lei 756 de 18 de março de 1981, sendo o
responsável administrativo o então Prefeito Municipal, Flávio Gameiro de Camargo. Tal lei
criou uma zona especial de proteção, estabeleceu benefícios e incentivos fiscais e deu atribuições
ao Departamento de Educação, Cultura e Turismo e ao Conselho Municipal de Cultura. O
tombamento do Centro Histórico pelo município foi, na verdade, um passo para alcançar a
proteção federal pelo IPHAN, em 1987.
16
A área tombada pelo IPHAN abrangeu o núcleo central da cidade - abarcando cerca
de quatrocentos imóveis. A definição da poligonal de tombamento fez-se a partir do conjunto que
compõe a paisagem clássica do Centro Histórico. Esta poligonal (ver figura 10) engloba a área do
baixio entre morros, a fachada dos morros voltadas para este baixio, além de uma faixa de
proteção marítima, visando o controle de aterros, a construção de edificações e qualquer ação que
possa comprometer a ambiência e paisagem da área quando vista do mar. É importante salientar
que o Morro do Hospício é integralmente incorporado pela poligonal que chega a abranger-se até
a área do Rio Pedreira.
A preocupação dos profissionais que elaboraram o estudo concentrava-se na
preservação justamente desta fachada marítima, que é a mesma, em sua composição de conjunto,
que esclarece a “evolução do processo antrópico de construção da cidade”, como fica claro no
seguinte trecho do relatório:
Mais do que as peculiaridades arquitetônicas, o cuidado com o frontispício da cidade
deve estar presente nas intervenções futuras. Neste momento devemos ter em mente,
também em função da referida diversidade de seus elementos arquitetônicos,
tratamentos diferenciados, reportando-se sempre àquilo que os caracteriza enquanto
elementos explicativos e esclarecedores da evolução do processo antrópico de
construção da cidade. (CHUVA; PESSÔA, 199, p. 66-67)
16 - Segundo Dalmo Vieira Filho, representante do IPHAN em Santa Catarina, durante o processo de
tombamento de São Francisco do Sul, a proteção municipal seis anos antes foi fundamental para que o processo
federal ocorresse de forma tranqüila e sem grandes perturbações.
Alguns cidadãos, a princípio não concordavam com o tombamento, vendo nesta ação uma possibilidade de
congelamento da cidade, mas mesmo assim, não houve impugnações dentre os mais de quatrocentos proprietários
notificados, sendo assim o tombamento foi considerado voluntário.
DADOS DO TOMBAMENTO FEDERAL
Denominação: Centro Histórico e Paisagístico de São Francisco do Sul.
Ano de tombamento municipal: 1981
Ano de tombamento federal: 1987
Tombamento: Processo 1.163-T-85
Inscrição: 101 Livro arqueológico, etnográfico e paisagístico, fls 50 a 55.
Inscrição: 518 Livro histórico, vol. II, fls 2 a 5.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
46
Esta paisagem protegida pela poligonal de tombamento e caracterizada como a
imagem de identificação do conjunto, seu forntispício, teria sua relevância ratificada se a
abordagem de alguns autores contemporâneos for observada, principalmente se forem
considerados os trabalhos daqueles que fazem do Centro Histórico de São Francisco do Sul, seja
por seu patrimônio, seja por sua paisagem, o foco de suas análises.
O mais expressivo exemplo é o caso do livro organizado por Silvio Coelho dos
Santos, Anelise Nacke e Maria José Reis (2004), publicado pela editora da UFSC, que trás
importante acervo iconográfico de São Francisco do Sul. Maior parte deste acervo, do início do
século XX, é composta por cartões postais, além de fotos antigas e atuais, croquis e pinturas
artísticas. As imagens presentes no livro quase sempre representam a mesma fachada marítim; é
lógico que existem outros ângulos e outras paisagens entre as imagens selecionadas para integrar
a publicação, mas os visuais a partir do mar são, sem dúvida, os mais significativos e mais
numerosos do que qualquer outro ponto de vista.
Além das imagens antigas, o livro traz ainda um artigo intitulado “Passado e futuro:
uma cidade e seu patrimônio” de Dalmo Vieira Filho, cuja folha de abertura é um croqui da
proposta de revitalização do Centro Histórico de São Francisco do Sul, do arquiteto Marcelo
Cabral Vaz, (ver figura 13) e traz novamente a mesma imagem da orla. ainda uma foto-
montagem atual, logo no início deste artigo, que reforça o ponto de vista marítimo. (Ver figura 14)
A importância desta paisagem também aparece em outras publicações sobre a cidade.
No livro “São Francisco do Sul - Construções Históricas” (2004) organizado por Nelci Terezinha
Seibel, dedicado às construções arquitetônicas mais especificamente, traz em uma de suas
páginas iniciais uma imagem muito similar à presente no artigo de Vieira Filho, citado.
E para complementar esta rápida leitura acerca da bibliografia produzida sobre São
Francisco do Sul, vale destacar que no volume II dos Cadernos Técnicos do Programa
Monumenta dedicado aos “Sítios Históricos e Conjuntos Urbanos de Monumentos Nacionais”
do Sul e Sudeste (2005), traz apenas três pequenas imagens da cidade, sendo que uma delas
retrata exatamente a mesma paisagem descrita até o momento.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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Figura 13 - Croqui da proposta de qualificação urbana no IPHAN para São Francisco do Sul, em primeiro plano um trapiche, mas ao fundo é possível perceber que o croqui retrata a chamada paisagem clássica. Autoria: Arq. Marcelo Cabral Vaz. Fonte: VIEIRA FILHO,
2004
Figura 14 - Foto-montagem de São Francisco do Sul, retratando a fachada marítima do Centro Histórico. Fonte: VIEIRA FILHO , 2004.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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Existe um pequeno trecho da área tombada, atrás do Morro do Hospício que não fica
evidente nas imagens relatadas, trata-se de uma área na qual muitas arquiteturas se encontram
alteradas, não em sua linguagem, mas mesmo em sua tipologia. Surgem edificações de 3 ou 4
pavimentos sem o tradicional volume da cobertura, muitas edificações rompem os alinhamentos
originais, criando dentes na paisagem do local (ver figuras 15 e 16). Essa mudança maior da
paisagem deve-se, além do fato de estar de certa maneira longe dos olhos dos interessados na
preservação, à proximidade com o Porto. Esta relação mais direta da cidade com o Porto, ou seja,
o local onde tecido urbano e atividades portuárias se misturam, existe uma maior demanda de
prestação de serviços e comércios, que acabam por tornar este local uma centralidade focalizada
nas funções portuárias.
Figura 15 - Vista da Rua Fernandes Dias em direção ao Porto. É possível perceber o rompimento do tecido em razão
da existência de um posto de combustíveis, além de tipologias arquitetônicas diversas das recorrentes no Centro
Histórico. Fonte: acervo da autora, 2007.
Figura 16 - Vista da Rua Rafael Pardinho. Além da edificação arruinada à esquerda da imagem, nota-se, à direita, a
existência de edificações fora do alinhamento tradicional. Fonte: acervo da autora, 2007.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
49
Enfim, analisando o estudo realizado para o tombamento de São Francisco do Sul é
perceptível que existia uma idéia prévia do que seria a paisagem a ser preservada, que desde seu
princípio até suas páginas finais, o trecho pesquisado é o mesmo, os autores do estudo de
instrução para o tombamento deixam isto claro quando colocam que suas análises se deteriam no
trecho delimitado pelos morros da Caixa d´água e da Rádio e pela Orla da baía da Babitonga
(Chuva e Pessôa, 1995, p.60).
Talvez esta paisagem constituísse uma imagem de identidade local e por isso
mesmo merecesse ser preservada. A poligonal de tombamento apenas ratifica os limites físicos e
visuais desta imagem, bastante estabelecida pelo sítio e pela forma de ocupação.
CAPÍTULO3
A PAISAGEM QUE SE CONSTRÓI
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
51
17 - No caso do artigo das autoras, a importância do reconhecimento das paisagens urbanas e seus elementos
eraressaltada para a realização de estudos de impacto de vizinhança - EIV - ferramenta instituída de forma
sistemática pelo Estatuto da Cidade, todavia, os conceitos abordados e trabalhados pelas autoras são
perfeitamente transportáveis para a questão da paisagem tombada que, teoricamente, não deveria sofrer grandes
impactos visuais.
CAPÍTULO 03:
A PAISAGEM QUE SE CONSTRÓI
Como visto no capítulo anterior, o tombamento de São Francisco do Sul é feito a
partir de uma paisagem bastante clara, definida e consolidade de seu Centro Histórico - sua
fachada marítima, a poligonal vem apenas delimitar fisicamente a mesma. Isto significa que,
paisagisticamente, este espaço já estava formado e apresentava características suficientemente
interessantes a ponto de justificar sua preservação enquanto patrimônio nacional.
Esta paisagem não é configurada apenas por suas características visuais, embora no
caso de São Francisco do Sul, a imagem, o cenário tombado tenha fortes referências visuais. Para
Assen de Oliveira e do Amaral e Silva (2005) em artigo apresentado no seminário sobre
paisagem, em Córdoba na Argentina, a Paisagem Urbana é recorrentemente considerada apenas
como variável visual, sem que as relações que estruturam a mesma sejam discutidas. Para as
autoras, as variáveis que estruturam a paisagem e a inter-relação entre elas devem ser
17
investigadas para a melhor compreensão do contexto . Sobre a estrutura da paisagem as autoras
ressaltam:
A idéia de estrutura pode ser útil no que aqui tratamos; estrutura entendida no sentido de
suporte, onde um certo número de elementos está relacionado entre si segundo alguma
lógica e que apresenta alto grau de estabilidade num certo período de tempo. Pode-se
falar em estrutura familiar, estrutura social, estrutura econômica, etc., e na estrutura da
paisagem, a qual está muito próxima ou superposta à estrutura urbana da cidade. [...]A
estrutura é portanto uma organização de elementos os quais mantêm entre si relações
solidárias, estáveis e dinâmicas, que podem ser identificadas e onde a mudança em
elementos e/ou nas suas relações tendem a alterar a estrutura como um todo. A estrutura
deste modo, pode ser entendida como base ou fundamento de uma rede complexa
regida por uma coesão interna que articula diferentes sistemas estruturados segundo
suas próprias lógicas criando 'lugares'. Estes lugares, pontos específicos da cidade,
serão tão ou mais importantes na paisagem urbana quanto mais significativos forem e
responderem a seus papéis na estrutura da cidade e nas diversas articulações que
estabelecem em diferentes escalas. (2005, p.6-7).
Buscar conhecer quais são as variáveis que estruturam e que servem de suporte para a
paisagem preservada, bem com a inter-relação entre essas variáveis pode facilitar a compreensão
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
52
quanto à estabilidade e à dinâmica destas variáveis no conjunto, permitindo a análise da forma de
articulação destes elementos e a conseqüente caracterização desta paisagem.
A representação destas articulações é sempre formal; é através da forma que se pode
compreender as dinâmicas urbanas passadas e presentes, e quais as lógicas e relações formavam
as estruturas da paisagem da cidade em diferentes períodos. Além das características
morfológicas desta paisagem - dentre as quais se pode citar o sítio físico e a forma como este é
apropriado, a malha e o parcelamento do solo, as tipologias e linguagens arquitetônicas, entre
outras; pode-se alertar quanto à importância das características culturais próprias do lugar.
A abordagem cultural será aqui focada no sentido de compreender as implicações
formais destas características na paisagem, ou seja, sendo a construção da paisagem parte de um
processo histórico de ocupação, as ações que se processam sobre a mesma, tanto por suas
características materiais quanto culturais são expressadas formalmente, como parte do processo
histórico que a tenha gerado. As diferentes formas de apropriação e uso dos lugares, bem como a
maneira em que se processam as relações entre os diferentes elementos materiais de
configuração do espaço são características atribuídas por cada cultura individualmente, neste
sentido, mesmo que os elementos formais de caracterização sejam muito similares, as diferenças
entre os processos culturais que os articulam geram paisagens totalmente diversas.
Nesse sentido, é extremamente relevante abordar a paisagem por um viés voltado
para suas características morfológicas - mais importantes. Esta abordagem visa analisar, de
forma integrada, elementos que compõem osítio urbano do Centro Histórico, assim como as
características do tecido urbano de São Francisco do Sul, buscando compreender a participação
de cada um desses elementos na constituição da paisagem tombada, bem como na preservação ou
modificação da mesma, tanto na sua escala geográfica, do grande conjunto do Centro Histórico,
quanto na escala mais localizada, do pequeno conjunto à escala possível de ser apreendida pelo
pedestre.
Isto significa dizer que, se o tombamento de São Francisco do Sul se deu a partir de
um cenário pré-estabelecido, que prioriza a chamada paisagem clássica vista a partir do mar, e se
esta paisagem é o foco de preservação das instituições responsáveis na cidade, é importante
conhecer que elementos morfológicos a compõem e a estruturam, bem como quais são suas
características principais e formas de articulação.
A partir do momento em que se sabe sobre quais elementos a preservação se aplica
pode-se compreender o resultado visual desta paisagem, já que em muitos casos há preservação
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
53
3.1 A definição do território:
A ação antrópica, assim, através de modificações que se fazem necessárias na
incorporação dos acidentes geográficos, submete a paisagem natural a um modelo
próprio de projeto espacial, que propicia a atividade humana. O homem superpõe ao
objeto natural sua representação material. O arbítrio da representação é apenas
aparente, pois ela é conseqüência tanto das características do sítio como dos modelos
disponíveis a que recorrer o pioneiro em sua ação. O processo de intercâmbio com a
natureza não condiciona apenas a forma pela qual o sítio é transformado, ela
condicionava a escolha do próprio sítio. (CHUVA; PESSÔA, 1995, p. 61)
As relações de troca entre o homem e a natureza têm início antes da ação efetiva de
ocupação da terra. A ação e o projeto urbanístico existe na simples escolha do sítio, que é a base
material da ocupação, e suas características se impõem às decisões humanas, definindo as formas
como é adaptado às necessidades de cada cultura. Essas condições prévias do sítio são, como
citado no trecho acima, submetidas, na medida do possível, a um modelo espacial de ocupação
historicamente constituído.
Portanto, esta relação das características do sítio x forma de ocupação, deriva da
escolha do local e da cultura que dele se apropria, definindo o que se trata aqui como paisagem
cultural, “agenciada pela indústria humana” como cita o parágrafo do Artigo do Decreto-Lei
25/1937. É importante destacar que dentre as características deste sítio escolhido deve-se ter em
conta que, além dos aspectos ambientais, topografia, vegetação, recursos hídricos, insolação e
aeração, características como localização, acessibilidade, disponibilidade para o
desenvolvimento de atividades econômicas são fundamentais para uma possível fixação da
ocupação inicial.
No caso de São Francisco do Sul, a área escolhida para a implantação do
povoamento localiza-se na porção noroeste da ilha costeira muita próxima ao continente, região
esta banhada por uma baía de águas calmas e profundidade bastante propícia para a aproximação
de barcos que necessitem de grande calado. É cercada por pequenas elevações em sua porção sul -
morros da Caixa D'água e do Rádio, os quais protegem o local dos ventos vindos do sul; e ao
norte, pelo Morro do Hospício.
A topografia se acentua a partir da baía em direção aos Morros de forma gradual. É
possível perceber que a primeira curva de nível é praticamente paralela à orla e é justamente nesta
área entre os morros, um pouco mais elevada , que se dá a ocupação inicial da localidade, com a
implantação da Igreja e do Porto (como mostra a figura 17).
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
54
Figura 17- Croqui da ocupação inicial de São Francisco do Sul em 1850, destacada com um círculo vermelho a
localização da igreja. A ocupação do território dá-se a partir da localização do Porto e da igreja, e vai ocupando o
baixio entre morros na linha da primeira curva de nível do sítio. A ocupação das áreas de encosta é pouco
significativa.
Figura 18 - Vista aérea do
Centro Histórico de São
Francisco do Sul. A
topografia dos morros, à
direita da imagem, como
limite de ocupação e
fund o d a p a i s a g e m
clássica.Fonte: acervo do
IPHAN.
Os morros serviam como proteção e limite da ocupação do território. A partir da
análise de três mapas elaborados para o IPHAN na ocasião da montagem do dossiê de
tombamento do Centro Histórico, que representam a evolução urbana da região nos períodos de
1850, 1900 e 1950, é perceptível que somente após a ocupação mais efetiva deste miolo protegido
é que se efetivou a real ocupação das áreas mais periféricas, principalmente na direção dos
caminhos que levavam ao interior da ilha.
Morro do Hospício
Morro da Caixa D’água
Morro do Hospício
Morro da Caixa D’água
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
55
Alguns elementos que facilitaram a ocupação do território e contribuíram para a
fixação do povoamento nesta área mais central foram: a existência de uma fonte de água doce,
localizada aos pés do morro da Caixa D'água, que ainda hoje serve ao abastecimento de boa parte
da população, e do Rio da Pedreira - e a existência da baía navegável protegida de ventos e das
turbulências do mar. Sobre a importância da proximidade com as fontes de água doce, Assen de
18
Oliveira (2004) salienta um trecho de Lemos , no qual este explicita a relevância da fonte na vida
cotidiana antes da popularização do sistema de água encanada:
A proximidade às fontes de água, como elemento organizador do espaço físico e social,
aparece noutros contextos, como o de São Paulo, referido por Lemos, onde os 'serviços
domésticos careciam de um elemento que não podia ser obtido, na maioria das vezes,
dentro do limite restrito da moradia. Era inevitável que a parte referente a lavagem de
roupa fosse resolvida executando-se o serviço nas margens dos rios, ou em tanques
públicos, dado o grande volume de água pedido. A lei do mínimo esforço fazia, e ainda
faz, com que se transportasse para a casa a água estritamente precisa às pequenas
limpezas, à cozinha e aos raros banhos de gamela [...].' (LEMOS, C. Cozinhas ..., p.
34). (ASSEN DE OLIVEIRA, 2004, p. 818)
Neste sentido, identificam-se assim alguns elementos do sítio que, por razões
estratégicas,contribuíram na definição da forma de ocupação do território: a baía, acessível em
um período no qual os transportes de longas distâncias eram feitos por vias marítimas; os morros,
que contribuiam para a proteção militar e climática, protegendo o povoamento dos ventos; a fonte
de água doce muito próxima e de Rio, que que facilitava o deslocamento em direção ao interior
da ilha.
Outros elementos facilitaram a fixação da ocupação no território, tais como a
construção do Porto e da Igreja, no entanto, a importância destes para a configuração da paisagem
foi abordada mais detalhadamente no capítulo 02. O que deve aqui ficar registrado é a
relevância destes equipamentos para a constituição do tecido urbano do Centro Histórico, que é
a partir deles que se dão as conexões, os lotes e até mesmo a configuração das tipologias
arquitetônicas.
Nos mapas de evolução urbana do IPHAN, apresentados a seguir, é possível
perceber que a ocupação se concentra, em 1850, no baixio entre os morros e na região da orla
18 - LEMOS, Carlos A. C. Cozinhas, etc. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1978.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
56
morros e da área de contorno do Morro do Hospício, além da criação de pequenos aterros na orla,
próximos à região do Porto para a construção de equipamentos de suporte do mesmo, como o
Mercado Público.
Figura 19 - Ocupação do núcleo em 1850. Neste mapa é possível perceber uma maior ocupação da orla e da área de
entorno da Igreja. Fonte: IPHAN - ETEC São Francisco do Sul (mapa editado pela autora), 2007.
Legenda
Igreja;
Casa de Câmara e Cadeia;
Ocupação desenvolvida entre a área do Porto e da Igreja;
Ocupação desenvolvida ao redor da área da Igreja;
Ocupação desenvolvida ao longo da orla;
Ocupação desenvolvida nas encostas dos Morros;
Ocupação desenvolvida em direção ao interior da Ilha.
Praças
Prefeitura Municipal
Figura 20 - Ocupação do núcleo aproximadamente no ano de 1900. Neste mapa percebe-se a formação de quadras
mais bem delimitadas, bem como o incremento de alguns aterros. Fonte: Plano de preservação do patrimônio
histórico de São Francisco do Sul- arquivo do IPHAN - ETEC São Francisco do Sul (mapa editado pela autora),
2007.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
57
No mapa referente a 1950, as mudanças são ainda mais sutis. O mais marcante é a
construção de outros aterros, visando a colocação de equipamentos públicos como o INSS, por
exemplo, a construção da Prefeitura Municipal e uma maior definição da malha urbana da região
próxima ao novo Porto, instalado em meados do século XX.
Figura 21 - Ocupação do núcleo, aproximadamente no ano de 1950. Neste mapa percebe-se a abertura de novas ruas,
bem como a ampliação dos aterros e a construção de uma série se edifícios sobre o mesmo (edifícios públicos).Fonte:
Plano de preservação do patrimônio histórico de São Francisco do Sul- arquivo do IPHAN - ETEC São Francisco do
Sul(mapa editado pela autora), 2007.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
58
Os dois aterros realizados foram as maiores alterações na configuração paisagística
do Centro Histórico de São Francisco do Sul. Isto porque se deram justamente no frontispício o
elemento mais característico da paisagem do lugar, segundo os estudos de tombamento. As
edificações, tanto do Mercado Público, quanto o INSS, existiam na época em que se efetivou o
tombamento, mas nem por isso o relatório deixa de fazer a recomendação de cuidado com futuras
intervenções nesta localidade, que esta é a representativa da “evolução do processo antrópico
de construção da cidade”. (CHUVA; PESSÔA, 1995, p.66-67).
3.2 Traçados estabelecidos:
A ocupação do território de São Francisco do Sul concentrava-se basicamente na
localidade onde hoje encontra-se o Centro Histórico, contudo, existia uma séria de pequenas
comunidades espalhas pela ilha, que se responsabilizavam pela produção agrícola e pela Pesca.
O acesso a essas comunidades ocorria, na maioria dos casos, a partir da região
central, que oferecia mais comércios e serviços, entre eles a igreja e o porto.
Figura 22 -O traçado dos caminhos para o interior da Ilha de São Francisco do Sul em 1750. Nesta
representação é possível perceber que grande parte dos acessos às áreas partem da região onde hoje se localiza o
Centro Histórico. Fonte: Plano de preservação do patrimônio histórico de São Francisco do Sul- arquivo do
IPHAN - ETEC São Francisco do Sul
1
2
3
4
5
6
1- Caminho do Mato Alto
2- Caminho do Morro Grande
3- Estrada do Acaraí
4- Caminho da Olaria
5- Caminho do Mato Dentro
6- Estrada Geral
Área do Centro Histórico atual
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
59
Figura 23 - Expansão dos caminhos em direção
ao interior da Ilha em 1950, antes da tranferência
definitiva do Porto para a área ao norte do
Centro Histórico.Fonte: Plano de preservação do
patrimônio histórico de São Francisco do Sul-
arquivo do IPHAN - ETEC São Francisco do Sul
A articulação dos condicionantes do sítio aos equipamentos de grande porte
construídos na cidade - Porto e Igreja - determinou claramente a forma de assentamento do tecido
urbano. Num primeiro momento, como mostra a figura 25, as arquiteturas se organizavam as
margens da Baía da Babitonga, onde se localizava o Porto e ao redor do pátio da Igreja, gerando
alguns eixos principais de circulação:
1- Eixo de contorno da orla;
2- Pátio da Igreja e eixos de circulação de garantiam o acesso às casas do entorno do
mesmo;
3- Eixos perpendiculares à orla, que faziam a conexão do Porto com o pátio da Igreja.
Figura 24 -
ao interior da Ilha em 1980,percebe-se um
aumento considerável de caminhos na porção
norte, em razão da localização e
desenvolvimentos do Porto.Fonte: Plano de
preservação do patrimônio histórico de São
Francisco do Sul- arquivo do IPHAN - ETEC
São Francisco do Sul
Expansão dos caminhos em direção
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
60
Figura 25 - Croqui com os principais eixos de circulação, baseado no mapa de evolução urbana de 1850. Destacada
com um círculo vermelho tem-se a localização da igreja, que junto com a orla determinavam os principais eixos de
circulação. As conexões se davam principalmente no nível do baixio entre morros, sem muitas interligações com as
demais áreas da ilha. Fonte: acervo da autora.
Morro do Hospício
Morro da Caixa D’água
Por se tratar de uma ocupação ainda com poucas unidades arquitetônicas, estes eixos
não tinham uma marcação muito definida, na verdade, era a massa construída que se destacava no
conjunto. Numa relação fundo-figura, os espaços livres - o espaço de circular - configuravam o
fundo e as arquiteturas as figuras.
no início do século XX, com o adensamento da ocupação, os eixos de
circulação se tornam mais claros e definidos. O pátio da Igreja torna-se um ente separado da
circulação lindeira. Tanto o eixo que margeava a orla ao longo do Porto, quanto os que
conectavam a mesma área a Igreja passam a ter uma maior definição. Ocupam-se as bases dos
morros e, como conseqüência, são abertos novos eixos de circulação por trás das edificações
iniciais, que ocupavam, praticamente, apenas a orla.
Somente com o aumento da densidade de ocupação horizontal do solo na cidade é
possível identificar mais claramente os eixos de circulação já que, como afirma Nestor Goulart
Reis Filho:
Numa época na qual as ruas, com raras exceções, ainda não tinham calçamento, nem
eram conhecidos passeios recurso desenvolvido em épocas mais recentes, como
meio de seleção e aperfeiçoamento do tráfego - não seria possível pensar em ruas sem
prédios (2004, p. 22)
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
61
Figura 26- Croqui com os principais eixos de circulação, baseado no mapa de evolução urbana de 1900. Os eixos de
circulação se expandem, aproximando-se dos morros; é possível perceber também um aumento de conexões da área
do Centro Histórico com as demais regiões da ilha. Fonte: acervo da autora, 2007.
Morro do Hospício
Morro da Caixa D’água
No caso de São Francisco do Sul, o período descrito corresponde ao incremento nas
atividades portuárias que, além de permitir, financeiramente, a expansão da cidade, fez com que
as arquiteturas presentes na ocupação mais inicial, dos séculos XVIII e XIX, fossem sendo
substituídas pelas arquiteturas do final do século XIX, início do século XX.
Na segunda metade do século XX, a única alteração significativa na malha urbana do
que hoje corresponde ao Centro Histórico, foi a sua ampliação no sentido nordeste, em razão do
deslocamento das novas atividades portuárias para aquela região.
O desenvolvimento da malha urbana evidencia as mudanças ocorridas em função da
implantação, crescimento e deslocamento do Porto, elemento que, como colocam Chuva e
Pessôa nos estudos para o tombamento, justifica a própria existência do núcleo. Dessa forma, a
malha, seu desenho e suas conexões configuram um significativo elemento de preservação do
sítio:
Embora realizada de modo incipiente até o século XIX, a vocação portuária do sítio não
justifica a existência do núcleo e as transformações do suporte natural inerentes à sua
existência, como determina também a eleição da orla como fator preponderante de sua
ordenação. A Rua da Praia, juntamente com a praça e os caminhos para o interior, que
tangenciam o relevo envolvente, formam a estrutura-matriz, representação sincrônica
de um projeto de habitat. (CHUVA; PESSÔA, 1995, p.61)
Atualmente, a estrutura de caminhos existente no Centro Histórico segue uma
hierarquia muito semelhante à originalmente implantada. A rua que margeia a orla - antiga Rua da
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
62
Praia e atual Rua Babitonga - continua sendo o principal eixo de circulação da área, juntamente
com a rua lateral à Igreja- atuais Praça Getúlio Vargas e Rua Hercílio Luz.
Vale destacar que são justamente nestas localidades que, hoje, se encontram os
pontos finais do transporte coletivo da cidade. Nos trapiches junto à Rua Babitonga atracam os
barcos de pescadores, alguns barcos de turismo, como escunas e os que, cotidianamente, fazem a
ligação da área central com a comunidade da Vila da Glória, porção continental da cidade . Nesta
mesma região, ou seja, junto à Rua Babitonga, encontram-se também um Clube Náutico e um
Terminal Marítimo do Governo do Estado, em preparação da estrutura física para recepcionar
navios de turismo de grande porte, o que vai reforçar a imagem da paisagem clássica.
O transporte público terrestre é feito por ônibus procedentes de bairros vizinhos e até
mesmo dos balneários mais distantes, tendo como seu ponto final a Praça Getúlio Vargas,
localizada à frente da Igreja.
A conexão da área central com os bairros adjacentes continua sendo feita,
principalmente, por meio das vias que “tangenciam o relevo envolvente”. Na porção sul, essa
ligação é feita pela via que se localiza entre a orla e o Morro da Rádio - atuais Ruas Marechal
Floriano Peixoto e Comandante Cabo. Na porção norte pela atual Rua Fernandes Dias, localizada
entre os Morros do Hospício e da Caixa D'água, que faz a ligação mais direta da região central
com a área portuária.
1- Porto
2- Igreja Matriz
3- Hopital
Ferrovia
Trajeto das principais linhas de
transporte coletivo.
Figura 27 - Caminhos em direção ao interior da Ilha com a demarcação da linha ferroviária e com os prinipais
trajetos das linhas de transporte coletivo atuais, a área central ainda permanece como ponto de origem e destino
desse transporte. Fonte: Plano de preservação do patrimônio histórico de São Francisco do Sul- arquivo do IPHAN -
ETEC São Francisco do Sul.
1
3
2
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
63
Figura 28- Mapa de São Francisco do Sul com a demarcação e nomeação das ruas atuais. Fonte: acervo IPHAN.
Mapa editado pela autora, 2007.
Morro do
Hospício
Morro da Caixa
D’água
Baía da
Babitonga
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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Esses dois eixos principais de ligação chegam à Rua Babitonga, ou seja, têm uma
relação direta com a orla. Na porção sul, as ruas tangenciam o mar e na porção norte, ele é o ponto
focal da Rua Fernandes Dias.
Por ser uma área de fácil acessibilidade por mar e terra, esta região mais central
passou a concentrar atividades comerciais e de serviços, principalmente na primeira linha de
quadras em relação ao mar, utilizadas pelos moradores de toda a cidade. nas regiões de morro,
concentram-se as áreas residenciais, sendo que nas áreas intermediárias entre a orla e os morros
existem atividades mais variadas, configurando usos mistos.
Figura 29 - Croqui do macro parcelamento com especificação de uso por quadras. As quadras marcadas com a cor
vermelha são as que concentram principalmente comércios e serviços, sendo pequeno o número de residências,
quando estas ocorrem são geralmente nos pavimentos superiores. As áreas em amarelo, as pés dos morros da Caixa
D'água e da Rádio concentram o uso residencial. nas áreas laranja estes usos são bastante mesclados. É possível
perceber uma grande concentração de usos comércios e serviços ao longo da orla. Fonte: acervo da autora.
Esta relação da distribuição das atividades no sítio urbano do “local de ocupação” x
“atividades predominantes” apresentam conseqüências formais na configuração do tecido,
perceptíveis não na escala do conjunto, mas na escala do pedestre, que muitas atividades mais
contemporâneas exigem alterações tipológicas significativas nas arquiteturas existentes ou
construídas.
Morro do Hospício
Morro da Caixa D’água
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
65
3.3 Dinâmica do tecido:
Como visto até o momento, a malha urbana, bem como a forma de apropriação do
sítio no Centro Histórico de São Francisco do Sul, ainda se mantém muito similar ao encontrado
no início do século XX, período de maior prosperidade econômica com maiores alterações
urbanasno Centro Histórico na história da cidade até seu tombamento municipal.
As alterações então ocorridas tiveram conseqüências diretas no tecido urbano, que
costuma refletir as condições e alterações sócio-econômicas dos lugares. Reis Filho, que defende
a relação direta e dinâmica entre o lote e a arquitetura, reconhece também que antes de uma
alteração estrutural do tecido, a primeira etapa de renovação é na arquitetura, a qual materializa
uma série de outros elementos definidores do tecido urbano, tais sejam, a forma de parcelamento
do solo e até mesmo a malha urbana:
Um traço característico da arquitetura urbana é a relação que a prende ao tipo de lote em
que está implantada [...]. Ao mesmo tempo, não é difícil constatar que os lotes urbanos
têm correspondido, em princípio, ao tipo de arquitetura que irão receber [...]. As
mudanças ocorridas em ambos os setores, através da História, são de molde a indicar a
persistência de um conjunto de inter-relações, cujo conhecimento é sempre da maior
importância, seja para o estudo da arquitetura, seja para o estudo dos aspectos
urbanísticos. Como ressalva, apenas será de notar que a arquitetura é mais facilmente
adaptável ãs modificações do plano econômico-social do que o lote urbano, pois as
modificações destes exigem, em geral, uma alteração do próprio traçado urbano. Em
decorrência, os sinais da evolução podem ser reconhecidos quase sempre- senão
sempre- em primeiro lugar no plano arquitetônico e depois no urbanístico, onde são
fruto de uma adaptação mais lenta. (2004, p. 16)
Em São Francisco do Sul, esta dinâmica do tecido é bem característica; como
colocado no capítulo 02, as arquiteturas não seguem uma única linguagem arquitetônica. Pelo
contrário, representam uma composição de vários estilos que convivem sobre uma mesma forma
de ocupação, leia-se aqui, malha e parcelamento do solo, em alguns trechos ainda muito
característicos da forma de ocupação inicial.
A manutenção relativa do parcelamento do solo e a relação íntima entre este e as
arquiteturas garantem que, embora a linguagem arquitetônica das edificações seja muito variada,
o tecido torne-se bastante homogêneo, no que diz respeito às suas características tipológicas, que,
por fim, compõem o conjunto paisagístico.
O parcelamento do solo na região analisada é muito característico em razão da
natureza do sítio e a forma de apropriação deste. Nos estudos feitos para o tombamento, essas
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
66
características são referenciadas:
Identificada a praia como geradora da ocupação, teremos por gemação, os lotes
voltados para a praça. Os lotes neste trecho do tecido urbano desenvolvem-se em torno
de um eixo paralelo à praia, divisor dos dois elementos espaciais significativos
(praia/praça). A ordenação dos lotes define a 'direcionalidade' das quadras 1,2 e 3 (mapa
2). São quadras retangulares e homogêneas, quase que um único corpo, onde pequenas
falhas no tecido originam os canais de comunicação entre as áreas de interesse
(porto/igreja), não mais do que estreitos becos. (CHUVA; PESSÔA, 1995, p. 61)
A três quadras citadas pelos autores são as que correspondem à fachada marítima do
Centro Histórico, sendo que estas apresentam-se bem delimitadas deste o século XIX. A
localização estratégica entre o Porto e a Igreja fez destas quadras as mais intensamente ocupadas
ao longo de toda história de São Francisco do Sul.
Figura 30 - Croqui do macro-parcelamento. Nesta imagem, com a demarcação das quadras do Centro Histórico fica
visível a ocupação na área da planície entre morros compostas por quadras pequenas, com forma geralmente
retangular. Os três morros do Hospício, da Caixa D'água e da Rádio configuram cada um, uma quadra, com
dimensões bem maiores que as anteriormente citadas e cujos desenhos devem-se à topografia. Fonte: acervo da
autora, 2007.
As demais quadras surgem em razão das ocupações do entorno do pátio da Igreja, da
orla e das bases dos morros. Os três morros presentes na área, da Rádio, da Caixa D'água e do
Hospício, podem ser vistos como configurando, cada um isoladamente, uma quadra.
Do que se pode perceber desta breve explanação sobre o macro-parcelamento e a
delimitação das quadras é que este, provavelmente, não é delimitado apenas como um ente
individual e pré-concebido da estrutura morfológica. Configura-se quase como uma
conseqüência da estrutura de micro parcelamento - definição dos lotes - que no período de
consolidação do tecido correspondiam às arquiteturas no alinhamento - bloco perímetro
edificado. Ou seja, a estrutura de macro-parcelamento hoje estabelecida na região parece
decorrer, principalmente, da forma de implantação das arquiteturas no micro-parcelamento.
Morro do Hospício
Morro da Caixa D’água
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
67
As características tipológicas da arquitetura do período colonial, quando se
implantou a ocupação inicial de São Francisco do Sul, geraram uma divisão fundiária, na qual os
lotes apresentam uma testada bastante estreita, voltadas para o mar ou para a Igreja, como
colocado por Chuva e Pessôa (1995). Esta divisão característica dos lotes - decorrente da
arquitetura daquele período - vai ditar um ritmo miúdoe bastante cadenciado à paisagem do
Centro Histórico, mesmo com a implantação de arquiteturas de períodos posteriores, que estas
se adaptam à estrutura fundiária existente. Esta característica de lotes estreitos e longos se repete
em outras quadras do Centro Histórico, todavia é neste trecho que o micro-parcelamento se
mostra ainda íntegro.
Morro do
Hospício
Morro da
Caixa
D’água
Baía da
Babitonga
Legenda
Quadras de ocupação inicial, ainda com micro parcelamento bem característico da forma de
ocupação;
Quadras de ocupação inicial, com micro parcelamento bastante descaracterizado;
Áreas da orla- conformadas desde o início da ocupação;
Áreas de morro;
Área de expansão em direção ao Rio Pedreira;
Áreas total ou parcialmente aterradas.
Quadras de ocupação inicial, ainda com micro
parcelamento bem característico da forma de
ocupação;
Quadras de ocupação inicial, com micro
parcelamento bastante descaracterizado;
Área de orla - conformadas desde o início da
ocupação;
Áreas de morro;
Área de expansão em direção ao Rio Pedreira;
Áreas total ou parcialmente aterradas.
Figura 31 - Estrutura de micro-parcelamento do solo do Centro Histórico. Mapa de análise no qual é possível
identificar os seis tipos de parcelamento encontrados na região tombada. Fonte: acervo da autora, 2007.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
68
Dentre os tipos de micro-parcelamento do solo encontrados no núcleo tombado,
podem-se destacar seis regiões de diferentes características, de acordo com as dimensões e
disposições dos lotes, bem como pelo grau de integridade ou alterações -desmembramentos e
remembramentos - que apresentam. Estas características têm um reflexo direto na composição do
tecido urbano, que cada tipo de parcelamento corresponde, na maioria dos casos, a uma
tipologia arquitetônica específica.
O primeiro deles corresponde à área mais central, bem próxima à orla,
compreendendo as três quadras anteriormente comentadas, bem como mais duas quadras ao sul
(ver figura 25). As características deste tipo de parcelamento são lotes longos e estreitos que ainda
se mantém bastante íntegros. É certo que algumas alterações devem ter ocorrido ao longo dos
séculos, mas a estrutura básica se mantém. Este tipo de parcelamento proporciona uma grande
concentração de imóveis em uma pequena área de terra, somando-se a isso uma articulação de
fluxos eficientes ocasionada pela malha reticular, a facilidade de acesso e a proximidade com o
mar, elucidam as razões pelas quais existe uma predominância de usos comerciais e de serviço
nesta área.
O segundo tipo de parcelamento também corresponde às ocupações iniciais do
território, localizadas no entorno do pátio da Igreja. Muitos dos lotes ainda apresentam as
mesmas características dos lotes do tipo anterior, ou seja, estreitos e compridos, todavia, existe
grande número de lotes remembrados, o que descaracteriza muito o tecido urbano que se
configura a partir deste re-parcelamento.
As áreas de orla localizadas nas porções mais periféricas do Centro, também
apresentam características bastante peculiares. Além da divisão em lotes estreitos e compridos,
estes possuem frente para duas ruas, ou para o mar e para rua. Esta característica é muito
interessante, pois a existência de uma rua de fundos permite concluir que as encostas dos morros
localizados próximos à orla, foram ocupadas após as primeiras estarem estabelecidas e
configuradas.
Outra forma de parcelamento da região é a da ocupação das encostas, caracterizada
por lotes que partem da rua em direção à cumeada dos morros. Esta forma de parcelamento não
pode ser modificada, sendo proibida a construção de novas ruas, uma vez que após o tombamento
da paisagem, qualquer alteração na configuração dos morros foi proibida.
O parcelamento correspondente ao quinto tipo identificado, diz respeito às áreas de
expansão do Centro Histórico em direção ao Rio Pedreira e ao Porto atual. Nesta região existe
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
69
uma multiplicidade de tipos de lote, podendo ainda ser percebidos remanescentes de
lotescoloniais. Esta variedade de formas do micro parcelamento, não permite a caracterização de
um conjunto tipologicamente homogêneo.
Por fim, o último tipo estabelecido diz respeito ás áreas total ou parcialmente
aterradas, ocupadas geralmente com edificações públicas. Estas áreas não apresentam um
parcelamento característico, pois as edificações que ocupam esse tipo de lote são geralmente de
grande porte e isoladas.
C o m o v i s t o
anteriormente, a relação entre
o parcelamento e a ocupação
sica do solo é bastante
estreita, dessa maneira é
possível compreender que
cada uma das formas de
micro-parcelamento do solo -
d i v i s ã o e m l o t e -
corresponderá a um tipo
diferente de ocupação. Na
figura 26, percebe-se que esta
relação torna-se bastante
perceptível, a medida que nele
é possível analisar a projeção
da ocupação das arquiteturas
no solo, possibilitando uma
comparação com o mapa de
micro-parcelamento.
Figura 32 - Mapa de cheios e vazios - análise da ocupação do solo.
Neste mapa percebe-se a diferença no grau de ocupação do solo da
região da orla mais densa, em direção à área dos morros. Fonte:
acervo da autora.
Morro do
Hospício
Morro da
Caixa
D’água
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
70
Ao retratar a projeção das edificações no solo e as manchas das massas vegetais
existentes, este mapa permite observar de que forma se configura, hoje, a ocupação do solo no
Centro Histórico de São Francisco do Sul, que a elaboração dos mapas apresentados foram
feitas com base nos levantamentos cadastrais atuais.
No mapa de cheios e vazios é possível observar que algumas quadras se apresentam
se perfeitamente delimitadas pelas arquiteturas, inclusive as quadras mais centrais próximas à
orla, formando densas massas de ocupação. Entretanto, mesmo nas quadras mais bem
delimitadas é possível perceber algumas rupturas de continuidade do conjunto, com a presença
de grãos - projeção das edificações - soltos do todo.
Outro aspecto bastante interessante a ser observado é a diminuição do tamanho dos
grãos da orla em direção às áreas de morro, assim como o aumento do espaçamento da ocupação
nestas áreas mais afastadas.
Figura 33- Mapa de delimitação das áreas que
formam diferentes planos para o estudo da
paisagem clássica de São Francisco do Sul.
Área 01: fachada frontal voltada para o mar;
Área 02: plano intermediário cujo skyline
participa da paisagem; Área 03: pano de
fundo, limite visual da paisagem; Área 04:
trecho que não se faz presente na paisagem
clássica.
A análise da forma neste mapa, reafirma a categorização realizada pelo mapa de micro-
parcelamento, sendo que cada área estabelecida proporciona uma forma de ocupação diversa do
solo. Paisagisticamente, estas constatações são muito relevantes por vários aspectos, que se
observada a relação entre os elementos estudados, percebe-se a formação de uma paisagem bastante
peculiar.
Para efeito de estudo, o Centro Histórico será dividido em quatros áreas principais, que
participam de diferentes maneiras do cenário tombado. Três destas áreas correspondem a diferentes
planos de observação da paisagem. O primeiro diz respeito à fachada frontal voltada para o mar; o
segundo corresponde a um plano intermediário no qual apenas o skyline participa da paisagem; e o
terceiro é o fundo desta paisagem, ou seja, a área de morros que funciona como limite visual do
conjunto.
A quarta área não faz parte da paisagem clássica, mas nem por isso deve deixar de ser
abordada nas análises de paisagem, que esta configura uma realidade bastante diversa das demais
e, como visto, onde a implantação dos equipamentos do Porto afetam a estrutura urbana.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
71
ÁREA 01
O tecido urbano que se configurava nas cidades coloniais era de natureza compacta,
ou seja, a cidade era composta por suas arquiteturas ditas menores: casas, oficinas, dispostas no
perímetro da quadra, e por seus grandes monumentos, principalmente igrejas, casas de câmara;
estes apresentavam uma disposição isolada no lote, mais especificamente, no território
ocupado, sendo que a paisagem destas ocupações era, geralmente, constituída por grandes blocos
de pequenas edificações agrupadas, que por si caracterizavam o tecido.
Na escala de conjunto são estas massas arquitetônicas que caracterizam a paisagem,
ou seja, é o conjunto de arquitetura, o todo, que não necessariamente corresponde à simples soma
das partes. Isto significa dizer que embora as arquiteturas, enquanto elementos isolados não se
caracterizem por esta ou aquela linguagem arquitetônica, o que é extremamente perceptível na
escala do pedestre, se estas integram-se volumetricamente ao conjunto, sua diferença não é
notável na escala do todo.
No caso de São Francisco do Sul, percebe-se que o trecho mais coeso é justamente a
fachada marítima das quadras da orla, como se pode perceber na figura 34, este trecho
corresponde à área mais íntegra da ocupação no que se refere à ocupação do solo e,
conseqüentemente, do tecido urbano.
Para uma edificação para se destacar na escala do conjunto precisa apresentar
características tipológicas muito diversas do todo, principalmente no que tange aos atributos
arquitetônicos, tais como: recuos e afastamentos, alturas, e proporções.
Figura 34 - Croqui do frontispício do Centro Histórico, evidenciando o primeiro plano - correspondente a área 01 - em preto. Neste croqui fica clara a força da imagem do primeiro plano nesta paisagem clássica da área tombada. Desenho: Arq. Marcelo Cabral Vaz,
editado pela autora.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
72
Figura 35- Croqui da fachada marítima de São Francisco do Sul - imagem base para as análises tipológicas das arquiteturas deste primeiro plano. Desenho: Arq. Marcelo Cabral Vaz.
Figura 36 - Relação entre vedações e aberturas do plano vertical da fachada do frontispício de São Francisco do Sul - configurado pelas três quadras localizadas entre a praia e a igreja e a quadra que contorna o Morro do Hospício no trecho voltado para a Rua
Babitonga. É possível perceber que o ritmo e a proporção das aberturas em relação às vedações são bastante homogêneos, salvo algumas poucas exceções que serão analisadas na figura 31. Desenho: Arq. Marcelo Cabral Vaz, editado pela autora.
Figura 37- Relação entre vedações e aberturas, e simetria de composição do plano vertical das edificações do frontispício. Analisa-se a proporção das aberturas mesmas em relação áreas vedadas. Para tanto foi criada uma classificação dos edifícios em função
da dimensão das aberturas em relação às suas áreas vedadas. Os edifícios verdes correspondem às edificações cujos vãos são pequenos em relação à área vedada; os laranjas correspondem a vãos médios; e os azuis, à vãos que se apresentam muito pequenos ou
muito grandes em relação à área vedadas. Esta última classe é a responsável pelos maiores impactos visuais na paisagem, e como é possível perceber na análise, estas correspondem ao menor número de incidências, o que caracteriza a regularidade dos ritmos e
proporções das aberturas. No item simetria, foram marcados com um eixo central pontilhado todas as edificações que apresentavam simetria bilateral na composição de fachada. A grande maioria das edificações conta com essa característica, o que é bastante
perceptível na paisagem deste conjunto. Desenho: Arq. Marcelo Cabral Vaz, editado pela autora.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
73
Ao observar-se a fachada correspondente às três quadras já mencionadas que
correspondem à fachada marítima, identificadas como as mais coesas do conjunto
correspondente à paisagem clássica, sem serem considerados os edifícios localizados nos
aterros, os rompimentos do tecido são pouco expressivos. Alturas, recuos, proporções e ritmos
são bastante homogêneos.
Figura 38 - Mapa de São Francisco do Sul com níveis de proteção das edificações. É importante destacar que as
edificações em laranja P4- são considerados imóveis sem relevância para o conjunto, passíveis de substituição,
enquanto os imóveis em verde, P5, são considerados inadequados ao conjunto tombado, sendo recomendada sua
substituição. Fonte: ETEC São Francisco do Sul - IPHAN
P1- Proteção rigorosa - imóveis de
grande importância histórica e/ou
arquitetônica, que mantém a
maioria das características
originais.
P2- Proteção Rigorosa - imóveis
de relevância histórica e/ou
arquitetônica, que sofreram
alterações ao longo do tempo,
passíveis de restauração.
P3 - Proteção intermediária -
imóveis importantes ao conjunto
tombado cuja volumetria deve ser
preservada.
P4 - Imóveis sem relevância
histórica ou arquitetônica, que
podem ser substituídos
integralmente.
P5 - Imóveis inadequados ao
conjunto tombado, que podem ser
substituídos integralmente.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
74
É praticamente impossível, por meio destas análises realizadas, identificar, neste
trecho da cidade, as edificaçõespós-tombamento, ou mesmo aquelas indicadas pelo próprio
IPHAN como inexpressivas ou inadequadas ao Centro Histórico (ver figura 38).
A não percepção destas edificações consideradas pelo IPHAN como inadequadas ao
conjunto deve-se ao fato de que estas estão, de alguma maneira, integradas ao conjunto. Nesse
sentido, é preciso ter-se em conta os riscos que esta suposta integração pode significar ao
conjunto, ou seja, a busca por uma adaptação pode tornar a nova arquitetura uma imitação das
arquiteturas antigas. Dessa forma o cenário preservado, pode vir a se transformar em um cenário
banalizado, onde as arquiteturas novas e antigas não podem ser identificadas, negando a
historicidade do lugar.
No entanto, se forem considerados os edifícios da área aterrada, que participam
fortemente da paisagem, mas que são posteriores à formação do conjunto, a relação da cidade
com o mar fica bastante alterada. Essas alterações de paisagem se dão em três aspectos:
- Ritmos de composição de fachada das edificações;
- Volumetrias dos objetos implantados;
- Relação frente/fundos com o mar.
Relativamente aos ritmos de composição, o Mercado Público, que data do início do
século XX, mantém de forma bastante característica a linguagem das arquiteturas existentes na
região, até mesmo em função da época e do estilo arquitetônico - eclético - em que foi edificado.
Janelas e portas estreitas e altas com repetições proporcionais, presença de platibanda ocultando
o telhado, entre outros elementos de fachada, são algumas características que integram o
Mercado ao conjunto.
Quanto à volumetria, este edifício caracteriza-se por ser uma construção térrea, mas
por possuir um considerável pé-direito, regulando, em altura com o conjunto, bem a cobertura em
sistema quatro águas, feita de telhas cerâmicas. O maior impacto dessa edificação no conjunto diz
respeito às suas proporções enquanto um objeto único, ou seja, grandes dimensões em planta
baixa - largura e comprimento - todavia, os ritmos das aberturas proporcionados pela linguagem
arquitetônica adotada minimizam a sensação do grande equipamento no todo.
A relação do Mercado Público com o mar é direta, até mesmo por exigência de seu
programa arquitetônico. As quatro fachadas da edificação são tratadas como frentes e todas
possuem generosas aberturas.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
75
Figura 39 - Foto atual da fachada marítima do Centro Histórico - à direita encontra-se o mercado, é possível
perceber a relação do mesmo com o mar, por meio de suas aberturas. No fundo à direita - atrás do Mercado,
encontra-se o edifício do INSS. Fonte: Programa Monumenta, S.F.S.
no edifício do INSS, do início da segunda metade do século XX, essas relações
com o todo são bastantes conturbadas. O ritmo de composição de fachada é totalmente diverso do
costumeiramente adotado, privilegiando aberturas - feitas com elementos vazados - com
dimensões horizontais muito maiores que as verticais. A tipologia caracterizada pelo pavimento
térreo, dimensionalmente muito maior do que os dois pavimentos superiores, tipologia base e
torre, a inexistência de volumes aparentes de telhado, as proporções dimensionais muito
superiores às existentes no local, acentuadas pelas aberturas horizontais, além da altura da
edificação, são alguns dos elementos que fazem com que esta construção seja extremamente
destacada na paisagem do frontispício do Centro Histórico. Existem ainda duas residências, um
clube náutico e o edifício da Delegacia da Capitania dos Portos de São Francisco do Sul, na área
de aterro. (Ver figura 40).
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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Figura 40 - Vista aérea de São Francisco do Sul. Destaca-se nesta imagem as edificações localizadas na área de aterro
e a falta de integração de várias delas com o mar. Fonte: Programa Monumenta, S.F.S.
As duas residências apresentam linguagem arquitetônica própria do estilo eclético,
o Clube Náutico Cruzeiro do Sul, embora originalmente tenha sido edificado com linguagem
eclética, sofreu muitas reformas, que o descaracterizaram completamente. O edifício principal da
Delegacia da Capitania dos Portos se mantém tal qual foi edificado, também com linguagem
eclética, mas a construção de anexos acabou por gerar certo impacto na paisagem. Estas quatro
edificações, além de serem bastante visíveis na paisagem, não se relacionam diretamente com o
mar, com exceção feita ao Clube Náutico e da Delegacia da Capitania, que por seu programa
necessita de uma relação direta, porém esta existe no âmbito de realização de serviços, não
apresentando preocupações com a relação visual.
ÁREA 02
Figura 41 - Croqui do frontispício do Centro Histórico, evidenciando o segundo plano - correspondente à área 02 - em preto. Neste croqui é possível perceber a pouca expressividade dos elementos deste plano. Apenas as torres da Igreja são marcantes na
paisagem. Desenho: Arq. Marcelo Cabral Vaz, editado pela autora. Fonte: acervo da autora.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
77
ÁREA 03
Figura 42 - Croqui do frontispício do Centro Histórico, evidenciando o terceiro plano - correspondente a área 03 - em preto. Esta imagem marca claramente a topografia como pano de fundo do cenário tombado, os únicos elementos de destaque são as duas
antenas de celular. Desenho: Arq. Marcelo Cabral Vaz, editado pela autora. Fonte: acervo da autora.
Outro ponto bastante relevante da paisagem são os morros que caracterizam o fundo
do cenário - tecido urbano - da paisagem em estudo. Como colocado anteriormente, mais do que
limites naturais de ocupação, eles são responsáveis pelos limites visuais do conjunto. Dessa
forma a sua preservação é de extrema relevância para que a paisagem seja mantida, que a
diagonal de tombamento engloba a face marítima dos morros, em cujas cumeadas passa a linha de
demarcação da mesma. Sendo assim, qualquer uso que exigisse uma tipologia arquitetônica de
grande porte fica inviabilizado nas áreas de morro, que o impacto paisagístico seria
relativamente grande.
A ocupação nos morros, como fica claro no mapa de cheios e vazios, dá-se de forma
dispersa. Sua percepção não é possível enquanto conjunto. Na verdade trata-se de uma série de
pequenas unidades residenciais que, por existirem quando o tombamento foi realizado,
permaneceram na área.
No segundo plano de composição da paisagem, do ponto de observação estabelecido
a partir do mar, existe uma linha intermediária entre a fachada marítima principal e a face dos
morros, que fazem o limite visual de fundos do cenário. Trata-se dos elementos perceptíveis no
plano vertical do tecido urbano, localizado na área mais elevada do baixio entre morros. O tema
base desta linha intermediária, ou seja, os elementos recorrentes são os telhados das edificações
localizadas nesta área. Como destaque deste cenário encontram-se as torres da Igreja Matriz, que
desde o tombamento e, ainda hoje, são os elementos mais altos e mais perceptíveis na paisagem
clássica de São Francisco do Sul. Ver figura 42.
Edificar junto aos morros da região é possível se esta nova edificação não
comprometer visualmente a paisagem. As residências que hoje se encontram nessas localidades
seguem as mesmas regras vigentes para as edificações ditas históricas do núcleo. São
regulamentadas a fim de que suas alterações não comprometam a paisagem cenário do
conjunto. Portanto pode-se concluir que a preocupação do tombamento não é focada nas questões
ambientais naturais, mas sim, paisagísticas, enquanto cenário.
A exceção da interferência na paisagem urbana dos elementos presentes nessas áreas
de morros faz-se às antenas de celulares, localizadas no limite da poligonal de tombamento. Estas
derivam de uma nova necessidade urbana, da qual a cidade não quis se privar e sobre a qual o
órgão de preservação não se manifestou contrário. Como hipótese, pode-se levantar a
possibilidade do caráter temporário das mesmas, que a velocidade de alterações das
tecnologias poderiam brevemente tornar obsoletas tais antenas, suprimindo-as da paisagem. O
trabalho do IPHAN em relação às antenas de celular restringe-se, hoje, a não permitir que novas
operadoras instalem novas antenas. A participação destes elementos de telecomunicação -
antenas de celulares, rádios, televisões, etc- é motivo de debate constante na questão das
paisagens urbanas em geral e não somente nas tombadas.
Vale destacar que segundo a tradição oral do local, o Morro da Caixa D'Água foi
ocupado inicialmente por escravos que viviam em São Francisco do Sul; no entanto, este dado
não aparece de forma expressiva nos estudos elaborados pelo tombamento.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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ÁREA 04
Figura 43- Foto da esquina das ruas Fernandes Dias e Rafael Pardinho área 04. Nesta imagem fica em
evidência o abandono da região em relação a área da orla.
Esta área refere-se ao trecho localizado atrás do Morro do Hospício que, como
visto no capítulo 02, configura-se como a região com maior descaracterização tipológica da área
tombada.
A sua relação com a paisagem clássica é negada. Este trecho só é visível a partir de
outros pontos de visualização do Centro Histórico. Ele não faz parte do cenário recorrentemente
retratado por pintores ou fotógrafos, tanto é assim que existe uma grande dificuldade de serem
encontradas imagens antigas dessa área; normalmente ela é observada em fotos aéreas.
Se a imagem da cidade estava pré-concebida quando foi efetivado o tombamento,
esta região realmente se encontrava deslocada do todo. Todavia, a proximidade com o Porto
poderia ser uma importante conexão da cidade com a área tombada, que os demais limites da
poligonal são verdadeiras barreiras geográficas: os morros e o mar.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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3.3.1 O tecido urbano e as percepções na escala do pedestre
As diferentes áreas trabalhadas são apenas uma forma de estudar o conjunto a partir
de suas características de conjunto, ou seja, na escala do todo. Mas o estudo do tecido urbano e
seus elementos cujas configurações, permanências e dinâmicas são de fundamental importância
para se abordar as alterações de paisagem em outra escala - a escala do pedestre - é essencial para
complementar a leitura realizada até o momento.
Neste sentido, desfaz-se a divisão do centro em áreas, que na escala do pedestre
que pode percorrê-lo, indiferentemente da localização, as relações do observador com os objetos
observados são sempre próximas, não havendo configuração de planos fixos de observação. A
relação do pedestre com a paisagem é sempre dinâmica.
Os novos programas arquitetônicos, a popularização do automóvel e as novas
posturas arquitetônicas em relação às demandas de maior salubridade e conforto ambiental,
proporcionaram uma série de alterações tipológicas no tecido urbano. Assim sendo, as alterações
do tecido urbano de São Francisco do Sul, excetuando-se a região da fachada marítima,
analisada, são observadas ao longo dos anos, o que por vezes ocasionaram rupturas perceptíveis
no mapa de cheios e vazios. Estas alterações ocorreram principalmente na segunda metade do
século XX, nas décadas de 1950/60 e 70.
As novas arquiteturas propunham, em razão da possibilidade e mesmo incentivo
legal, novos recuos e afastamentos visando a ampliação das ruas e a possibilidade de construir
aberturas nas quatro fachadas da edificação. Datam deste período, além de residências, agências
bancárias, sedes de instituições públicas entre outras atividades. Uma série de edificações luso-
brasileiras e ecléticas são substituídas por essas novas arquiteturas, que tinham o discurso da
busca de modernidade dentro das possibilidades financeiras da cidade.
no final da década de 1970, início da década de 1980, quando começaram a ser
realizados os estudos para o tombamento municipal e federal, uma outra forma de produção
arquitetônica começou a se implantar na cidade: a construção historicista, baseada nos estilos
passados. Esta tendência acaba por se confirmar nas obras realizadas após o tombamento federal
em 1987.
Um exemplo deste tipo de arquitetura historicista é o Hotel Zibamba (1978), cujo
projeto, segundo depoimento do próprio arquiteto, existente num material produzido para uma
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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Figura 44 - Antigo sobrado luso-brasileiro do início do século XIX demolido para a construção de
uma residência na década de 1970. Fonte: BROOS, 2006, p. 92.
Figura 45 - Vista da residência edificada na década de 1970 no lugar do sobrado da figura38.
Percebe-se o recuo frontal da edificação, característica da época da intervenção, que busca
modernização da cidade. Fonte: acervo da autora.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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Figura 46 - Casa luso-brasileira, cuja construção remete aproximadamente a 1850, na esquina da Rua
Reinaldo Tavares com Praça Getúlio Vargas, demolida com mais uma série de outras pequenas casas
para a construção da agência da Caixa Econômica Federal em meados da década de 1970. Fonte:
BROOS, 2006, p.165.
Figura 47 - Agência da Caixa Econômica Federal, que segundo depoimento de funcionários foi
construída em meados da década de 1970, com recuos frontais e laterais.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
83
revista nacional especializada em hotéis, tinha a intenção de fazer uma arquitetura com
19
“características do 'açoriano' na sua mais pura linha de comando” . O que se percebe, no entanto,
é que o projeto utiliza apenas alguns elementos da linguagem da arquitetura luso-brasileira, como
os beirais à mostra, requadros, entre outros, enquanto a tipologia é bastante alterada.
19 -URRESTA, Jorge. Hotel Zibamba: São Francisco do Sul, p. 68-71. Fotocópia de artigo de revista
especializada em hotéis de 1978. Cedido pelo autor, sem mais referências.
Figura 48 - Vista da Rua Fernandes Dias a partir da Rua Babitonga. À esquerda o Hotel Zibamba de 1978- de
cor azul e branca - e à direita a padaria Binnot de Goneville de 1999. Ambas arquiteturas que imitam as
arquiteturas antigas da cidade. Fonte: acervo da autora.
A existência de um terceiro pavimento, que não ocorre nas arquiteturas luso-
brasileira de São Francisco do Sul, recuado em relação aos dois primeiros, é a maior divergência
na tipologia, além de um considerável afastamento lateral para possibilitar a entrada de carros.
Incorpora-se no projeto os elementos de composição de fachada decorrentes dos novos usos e
conceitos de habitar, como janelas de banheiros, portão de garagem e espaços para aparelhos de
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
84
ar condicionado, o que faz com que este edifício não se afirme enquanto arquitetura de seu tempo
e, também, não imite de forma pura, como pretendia, as arquiteturas luso-brasileiras.
Embora o edifício do Hotel Zibamba, para especialistas, seja bastante diverso das
arquiteturas originais as quais pretende se referir, causa ao público uma estranheza, não
reconhecendo-o como uma obra contemporânea. Esta situação acontece também na reforma do
casarão da Praça Getúlio Vargas e em outras obras do período pós-tombamento.
Tanto as arquiteturas que propõem um rompimento com o tecido, quanto às que se
moldam tipologicamente ao mesmo, e mais do que isso, repetem a linguagem arquitetônica, as
chamadas arquiteturas miméticas, podem não comprometer a paisagem do conjunto, todavia, na
escala do pedestre estas são perceptíveis.
Figura 49 - Feição original do sobrado edificado , junto a Praça Getúlio Vargas, esquina da
Rua Lages com a Rua Reinaldo Tavares. Reformado no final da década de 1970. Fonte: BROOS, 2000, p. 167.
, no início do século XIX
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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Figura 50 - Foto atual do sobrado edificado junto a Praça Getúlio Vargas, esquina da Rua Lages com a Rua Reinaldo
Tavares, após a reforma da década de 1970. É possível perceber que o casarão praticamente dobrou de tamanho, o
trecho ampliado seguiu a mesma linguagem do edifício original, sendo impossível identificar o trechooriginal e o
novo. Foram, ainda, acrescidos alguns elementos na fachada, dando um ar eclético ao casarão. Fonte: acervo da
autora.
Essas arquiteturas ditas miméticas, em São Francisco do Sul, se caracterizam por
edificações que são muito similares, tipologicamente, às arquiteturas luso-brasileiras e ecléticas,
ou seja, mantêm geralmente, os mesmos recuos e afastamento e gabaritos. Os projetos recorrem a
elementos de linguagem ecléticos, repetindo o ritmo de aberturas, platibandas e balcões.
A ocorrência da arquitetura mimética se acentua principalmente após o tombamento
federal em 1987. Isto porque um incentivo do órgão federal à complementação do tecido, ou
seja, o incentivo à recuperação tipológica. Contudo a imitação da linguagem arquitetônica surge
das decisões de projeto por parte dos arquitetos e engenheiros que buscam a aceitação da
coletividade e encontram nos órgãos responsáveis pela aprovação dos projetos, a oficialização da
reprodução de tais modelos.
Em São Francisco do Sul existem alguns exemplos deste tipo de arquitetura. A mais
expressiva delas é a padaria Binnot de Goneville, de 1999, localizada a Rua Babitonga que, em um
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Figura 51 - Vista da Rua Babitonga. Em primeiro plano a padaria Binnot de Goneville, cujo projeto
arquitetônico foi aprovado pelo IPHAN em 1999, exemplo de arquitetura mimética, com referências ecléticas.
Ao fundo vê-se as edificações ecléticas originais, grande parte delas edificadas no início do século XX. Fonte:
acervo da autora.
Algumas reformas realizadas também no período pós-tombamento buscam essa
integração estética com o conjunto - ver figura 52 - fato que não ocorria com tanta frequência
antes do tombamento, quando a maioria das reformas buscava uma suposta modernidade na sua
linguagem, bem como adaptações a novos programas arquitetônicos. Nestas reformas
recorrentes alterações tipológicas como construções de novos pavimentos - embutidos nos
telhados, o que acaba acarretando abertura de mansardas - aberturas de garagens, colocação de
aparelhos de ar condicionado, mudanças de materiais de revestimentos - como a colocação de
pedras e avanços do pavimento superior sobre a calçada. Ver figuras53 e 54.
vídeo institucional da Prefeitura Municipal com vistas à divulgação turística do município,
ilustra o discurso sobre o patrimônio do Centro Histórico.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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Figura 54 - Prédio comercial reformado
antes do tombamento. Neste imóvel é
possível perceber grandes alterações na
tipologia existente: avanço do
pavimento superior sobre o passeio e
adição do terceiro pavimento.Fonte:
acervo da autora.
Figura 52 - Foto atual do tradicional Bar do Bolacha reformado em 2006
para tomar feições ecléticas. Fonte: acervo da autora.
Figura 53 - Agência do Banco do Brasil
edificada antes do tombamento.
Apresenta linguagem modernizante
institucional do banco. Fonte: acervo da
autora.
88
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
Tais alterações o pouco perceptíveis na escala do conjunto, já que
volumetricamente não oferecem grandes rupturas com o tecido. Entretanto, na escala dos
pedestres estas alterações são muito significativas e perceptíveis.
A partir do exposto, uma divergência na forma com que a alteração dos elementos
que estruturam a paisagem se reflete nas diferentes escalas de percepção da mesma. Ou seja,
algumas interferências que se focam na arquiteturas - especialmente na linguagem - são
extremamante perceptíveis na escala do pedestre, embora na escala do todo não tenham muito
eco. Por outro lado, as alterações nas tipologias e no parcelamento do solo - que acabam por se
refletir tridimensionamente - além de serem perceptíveis na escala do pedestre, influenciam
também na percepção do conjunto.
Por conseguinte, se quando o Centro Histórico foi delimitado e tombado pelo
IPHAN, havia algumas arquiteturas de rompimento com o conjunto sejam as edificações que
comprometem a visão da fachada marítima, seja as tipologias diferenciadas que geravam atritos
formais - e mesmo assim este foi tombado, com especial atenção voltada para seu frontispício,
significa que essas interferências não chegavam a ser comprometedoras. Isto porque, na escala de
conjunto, estas interferências, com exceção das edificações da área de aterro, ocorrem
geralmente na parte do tecido voltado para o fundo do cenário, não o comprometendo.
20
Para alguns autores como Gutiérrez , citado por Guimaraens, as questões referentes
à paisagem estão, geralmente, ligadas às tipologias arquitetônicas e de ocupação do solo e ao sítio
em si, como visto até o momento. Assim sendo, existem alguns elementos que são mais ou menos
caracterizadores desta paisagem:
Dever-se-á, portanto, prestar a devida atenção aos problemas da paisagem urbana e à
conservação das tipologias arquitetônicas que evidenciam a evolução da cidade. Isso
implica um controle estrito sobre o gabarito das edificações, linhas de construção, usos
do solo e fatores de ocupação. (GUTIÉRREZ apud GUIMARAENS, 2002, p. 23)
No caso de uma paisagem, cuja justificativa de preservação é uma fachada, os
elementos perceptíveis neste nível - gabaritos e o skyline - são, então, os mais relevantes.
20 - GUITÉRREZ, R. Testemonios de uma identidad cultural. In: JUNTA da Andalucía, Universidad de los
Andes. Centros históricos: América Latina. Bogotá: JUNTA da Andalucía, Universidad de los Andes, 1990.
89
As modificações efetuadas no plano horizontal, que não tenham reflexos diretos no plano
vertical, não são visualizadas.
As arquiteturas construídas de forma mimética também não são passíveis de
reconhecimento, que a adaptação tipológica é condição deste tipo de arquitetura. A imitação ou
submissão da linguagem arquitetônica mais do que não permitir o reconhecimento da
temporalidade, pode, inclusive, criar falsos cenários.
Se mantidas as características do plano vertical, é pouco provável que se perceba as
alterações no tecido, no caso de São Francisco do Sul. Se o skyline de uma cidade é sempre muito
representativo da sua forma de organização, tanto material quanto cultural, como observa
Guimaraens, a preservação do mesmo é o que, muitas vezes, guarda a identidade cultural de um
lugar.
Como já discutido nos capítulos anteriores, o skyline tombado de São Francisco do
Sul é composto por uma linha de fundo que contorna o cume dos Morros e uma linha frontal
marcada pelos edifícios da fachada marítima e o conjunto de telhados e as torres da Igreja, que
formam o conjunto intermediário. Apenas a incorporação das antenas de celulares no topo do
Morro da Caixa rompe com este skyline tombado, tornando-se os marcos mais visíveis inserido
na paisagem pós-tombamento.
Considerando-se que o tombamento tenha partido de uma cena cujo ponto de
observação está previamente estabelecido, os elementos como os guindastes do Porto não
chegam a comprometer a paisagem, que estes são perceptíveis a partir de outros pontos de
visualização. A tipologia arquitetônica, principalmente no que tange às alturas e volumes pouco
se alterou nestes vinte anos de tombamento.
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao estudar São Francisco do Sul foi possível perceber que o ato de tombamento de
um bem, seja ele material ou imaterial, móvel, imóvel, monumento ou conjunto urbano, é sempre
pautado em características que os tornam relevantes para determinada cultura, povo ou nação.
Também ficou claro que, para compreender as razões que justificam o tombamento de conjuntos
urbanos ou sítios históricos, preservados por seus aspectos paisagísticos, é importante conhecer
os elementos morfológicos que estruturam suas paisagens e a forma com que se articulam, para
que seja possível verificar sobre quais destes elementos a preservação se aplica e, assim,
conhecer as características que os tornaram importantes.
No caso do Centro Histórico de São Francisco do Sul, em 1987 foi identificada uma
área considerada significativa para a identidade nacional, e de acordo com o apresentado no
capítulo 02, pode-se perceber que a justificativa da preservação estava atrelada à imagem daquele
lugar. Neste sentido, todo o trabalho de pesquisa realizado para o tombamento se focava nesta
paisagem/imagem que parecia representar o que merecia ser preservado.
A partir da leitura dos documentos dos estudos de tombamento foi possível perceber
que a poligonal parecia vir apenas ratificar uma imagem já conhecida até mesmo em razão da
condição litorânea do sítio. Dessa forma, esta paisagem passou a ser o foco da preservação e dos
cuidados recomendados nos estudos de tombamentos e em todos os trabalhos realizados pelos
órgãos responsáveis, principalmente pelo IPHAN.
A compreensão do que se pretendia preservar em São Francisco do Sul e a
manutenção de um objetivo específico de preservação - a paisagem - foi um dos possíveis fatores
que permitiu que esta se realizasse de maneira bastante eficaz. A razão para que estes objetivos
não tenham se perdido nestes 20 anos, pode ter relação com o fato da equipe de profissionais do
IPHAN ter se mantida a mesma ao longo deste período, devido a coordenação do Arquiteto
Dalmo Vieira Filho que dedicou anos de sua carreira profissional à Superintendência do órgão,
em Santa Catarina.
O processo de tombamento pelo qual passou o Centro Histórico de São Francisco do
Sul, como se pode verificar na documentação estudada no capítulo 01, se deu num contexto
nacional, no qual a preocupação com o patrimônio já havia ultrapassado o conceito de
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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monumento, ou seja, passava a focar os conjuntos urbanos que representassem a organização
social de um povo. No entanto, os territórios ainda não eram vistos como paisagens culturais,
termo aqui adotado em seu sentido mais amplo, que engloba o processo cultural, social e
econômico de um lugar.
O tombamento de São Francisco do Sul, até onde se pode verificar, dá sinais de ter
sido delimitado e configurado com base em um cenário, cujo valor estava no conjunto visual e no
que este representava para a história da Cidade, do Estado e do País. Os aspectos econômicos e
sociais que caracterizavam a cidade no período do tombamento, mas que ainda não
representavam grandes conseqüências visuais, não foram incorporados pela poligonal, como por
exemplo, o novo Porto.
Este cenário pictórico é definido, então, pela poligonal desenhada em um de seus
lados por cima dos morros e, em outro, pelo mar, o que evidencia a existência de um ponto
preferencial de visualização fixo - a partir do mar - tendo como fundo os morros, os telhados e as
torres da igreja, o que neste estudo se considera a paisagem clássica.
A partir dos itens analisados no capítulo 03, foi possível perceber que a grande
preocupação com os aspectos visíveis desta paisagem clássica principalmente com os elementos
observados nos planos verticais, faz com que o trecho tombado localizado atrás do Morro do
Hospício - no sentido de observação do cenário - configure-se como menos coeso no que tange a
manutenção das tipologias arquitetônicas e parcelamento de solo, além de ser a área com maior
número de edificações abandonadas e arruinadas. Este trecho, cuja ocupação é mais recente do
que a área da fachada marítima, parece ter entrado na poligonal de tombamento apenas pela
presença de algumas arquiteturas importantes para a cidade - caso dos antigos galpões de
armazenagem da Cia. Hoepcke, e do porto desta empresa, que representam condideráveis fatos
na história da cidade, bem como do Rio Pedreira, que limita a região.
Aspectos culturais importantes para a cidade, como o novo Porto, não entram na
poligonal, mas a existência de um porto sempre foi um importante elemento de composição
urbana. Desde sua fundação, São Francisco do Sul vive em razão do mesmo. É ele que justifica a
implantação, os traçados e até mesmo a definição dos tecidos, que em razão de sua prosperidade
ou estagnação, se mantém ou se substituem.
Considerando que o tombamento foi realizado com o objetivo de preservar o cenário,
o Porto, localizado atrás do Morro do Hospício, não configurava grandes contribuições na
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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paisagem. No entanto, como foi possível perceber em algumas fotografias realizadas de pontos
distintos do considerado ponto fixo de observação da paisagem, os silos, guindastes e até mesmo
os navios, são sim elementos importantes da paisagem atual de São Francisco do Sul. Mas o
impacto visual não se diretamente no frontispício do Centro Histórico.
A não incorporação do Porto à área tombada fez com que o ato institucionalizado da
preservação não considerasse, em seus estudos, o processo econômico pelo qual a cidade estava
passando naquele momento. Atualmente a área do Porto exige muitas adaptações urbanas, como
explicitado no capítulo 01. A sua ampliação começa a impor ao Centro Histórico situações que
tendem a um estrangulamento, que a tendência é que o Porto se espalhe via marítima, com
novos berços, e via terrestre, com os pátios de contêineres.
O IPHAN vem, nos últimos anos, tratando a área do Porto como área de entorno de
patrimônio tombado, o que faz com que ainda seja possível discutir alternativas de integração da
malha e tecidos preservados às áreas de expansão portuária, sem criar barreiras de rupturas que
muitas vezes são propostas como forma de ampliar a área portuária.
É possível perceber, a partir das análises realizadas no capítulo 03, que os elementos
estruturais que não têm conseqüências no frontispício, não foram tratados com o mesmo esmero
no que tange a preservação por parte dos órgãos responsáveis. Esta preocupação, assinalada nos
anos 1980 é ratificada no final do século XX, início do século XXI, quando a implantação de um
outro programa de preservação o Programa Monumenta do Ministério da Cultura focou-se em
ações pontuais, localizadas em trechos urbanos e edificações localizadas na área da orla, e na
igreja, que embora não esteja no primeiro plano de observação da paisagem, é um importante
elemento de caracterização do frontispício.
A segunda etapa de intervenções do Programa priorizaria, segundo anseios das
autoridades locais, as áreas que não correspondiam à orla, todavia a aprovação dos projetos
apresentados para esta etapa passou por grandes dificuldades no Ministério da Cultura. A
situação exemplificada pelas obras do Programa Monumenta apenas reafirma a preferência pela
preservação e valorização do cenário, estabelecido da cidade.
Outra questão bastante relevante para a preservação, identificada neste estudo e
abordado no capítulo 03, é a pouca participação dos elementos arquitetônicos em si
nacomposição da paisagem na escala do todo, embora sejam extremamente significativas na
escala do pedestre. A identificação de tendência à produção da arquitetura mimética, que na
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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escala do conjunto torna-se pouco perceptível, pode acarretar perdas significativas para o
conjunto não no seu aspecto visual, mas enquanto documento histórico.
Esta tendência acentuada após o tombamento federal e que é ratificada pelas
aprovações institucionais e da coletividade, deve-se a uma dificuldade tanto dos autores dos
projetos, quanto dos técnicos responsáveis pelas aprovações em encontrar alternativas
arquitetônicas que permitam a produção contemporânea, sem destoar do conjunto da paisagem
preservada.
Nesse sentido, a questão sobre os critérios para elaboração de projetos na área
tombada fica restrita aos objetivos que nortearam este ato de preservação. No caso de São
Francisco do Sul, onde foco é a paisagem, os projetos aprovados costumam levar em
consideração os elementos que caracterizam o todo: a configuração do sítio, parcelamento do
solo e tipologia arquitetônica adotada, em detrimento das linguagens atuais. Ou seja, São
Francisco do Sul, por suas importantes contribuições à história nacional tem dificuldades de
expressar seu atual momento histórico. Isto faz com que uma pergunta muito recorrente entre os
estudiosos de patrimônio seja aqui apresentada: qual a contribuição da arquitetura
contemporânea para as cidades e centros históricos preservados?
As decisões sobre o que se deve preservar influenciam diretamente no que se pode
construir e nas decisões projetuais. Se a partir do momento que se estabelece o que tem valor, e se
trabalha para que aquilo se mantenha, muitos outros aspectos podem se perder. Em São Francisco
do Sul, após o tombamento, o que parece se perder é a dinâmica urbana e a historicidade do lugar,
é permitido construir objetos arquitetônicos que reafirmem os elementos de composição da
paisagem, mesmo que isto signifique um desvio temporal. As obras que se pretendem mais
contemporâneas, bem contextualizadas em sua época, por outro lado, não parecem compreender
que o contexto histórico é uma condicionante de projeto, e o negam, inviabilizando as aprovações
pelos órgãos responsáveis.
Nesse embate nota-se que o efeito do tombamento se efetiva sobre a paisagem e não
sobre os elementos arquitetônicos em si. As novas arquiteturas poderiam tirar partido desta
condição para fazerem suas contribuições, o que aconteceu até a primeira metade do século
XX,antes do tombamento, quando diferentes estilos arquitetônicos coloniais, ecléticos, art-
deco, entre outros - conviviam na mesma estrutura urbana.
Por fim, após o reconhecimento do contexto cultural no qual São Francisco do Sul é
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
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tombado e sob qual discurso se a preservação, é possível compreender que para atender ao que
pretendia a delimitação da poligonal, as ações de preservação vêm cumprindo seu papel.Ou seja,
o frontispício continua tal qual se apresentava quando realizado o tombamento, a paisagem foi
muito pouco alterada, apenas as antenas de celular e os pequenos aterros e trapiches construídos
pelo Programa Monumenta agregaram-no novas formas.
Os questionamentos aqui levantados sobre a pertinência ou não da arquitetura
produzida atualmente, o abandono da área localizada atrás no Morro do Hospício, e a não
inclusão do Porto atual na poligonal de tombamento, prescindiriam uma revisão conceitual do
próprio ato de tombamento. Mais do que a revisão da delimitação física do sítio, seria necessário
englobar outros aspectos, que não apenas visuais ao conjunto de bens tombados.
O que se pode perceber é que, mesmo passando pelas diversas dificuldades
político-econômicas, o IPHAN, responsável maior pela preservação de São Francisco do Sul,
vem exercendo de forma satisfatória seu objetivo a manutenção da paisagem. Diante do
exposto, nota-se a importância de se repensar o foco do tombamento, o que poderia ampliar os
objetivos do IPHAN e o leque de suas ações. Nada mais pertinente para um momento como o
atual, que não o IPHAN e o Decreto-Lei 25/1937, cumpram seus 70 anos de existência, mas a
própria cidade de São Francisco do Sul completa 20 anos de seu tombamento.
Todos os pontos levantados e trabalhados neste estudo suscitam uma série de
outras questões que poderiam ser estudadas posteriormente. Entre as mais intrigantes estão: Qual
a relação dos os elementos que justificam o tombamento com a definição do traçado da
poligonal? O que efetivamente se preservou e o que se pretendia preservar em cada Centro
Histórico tombado? Qual é o papel das equipes técnicas de preservação na definição das
dinâmicas urbanas desses lugares?
Enfim, trazer para o debate todas estas questões pode ser uma atitude de grande
valor para se repensar o tombamento, seus critérios, razões e conseqüências para a vida cotidiana
das cidades brasileiras.
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NO BRASIL E NO MUNDO
1660
EM SÃO FRANCISCO DO SUL
Fundação de São Francisco do Sul
O povoamento foi elevado à Vila
A Vila foi elevada à Paróquia.
Mudanças na organização administrativa e judiciária de São
Francisco do Sul.
Revolução industrial na europa e início das
preocupações com o patrimônio histórico.
A Vila é elevada à categoria de cidade
Configuração urbana: SFS é ocupada apenas na área do baixio
entre morros ena região da orla, pouca ocupação na área dos
morros e próxima ao Rio Pedreira
Relato de Robert Ave-Lallemant : cidade insignificante com
algumas ruas e muitas casas grandes
Início da abertura da Estrada D. Francisca
1658
1720
1665
2ª metade
Séc. XX
1820
Relatos de Sain Hilaire: vila - lugar pobre com poucas casas
1847
1858
1850
1858
O Porto passa a escoar mercadorias do Planalto catarinense
1873
Configuração urbana: aumenta a ocupação na base dos morros e
entorno do Morro do Hospício. Criação de aterro na orla na região
do Porto da Cia. Carl Hoepeck e para a construção do Mercado
Público.
1900
Início da construção da estrada de ferro São Paula- Rio Grande.
1905
Instalação da estação marítima da estrada de ferro na Baía da
Babitonga. Aumento da atividade portuária..
1912
Carta de Atenas - ESCRITÓRIO INTERNACIONAL DE
MUSEUS DAS NAÇÕES
1931
Carta de Atenas - CIAM
1933
Ouro Preto, MG, passa a ser Monumento Nacional.
1933
Primeira menção efetiva sobre o patrimônio nacional na
constituição brasileira
1934
Criação da Inspetoria de Monumentos Nacionais no Brasil.
1934
Criação do SPHAN.
1936
Decreto Lei 25 e institucionalização do SPHAN
1937
SPHAN passa a ser DPHAN
1946
Configuração urbana: construção de mais aterros para colocação
de equipamentos públicos como o INSS. Maior definição da
malha urbana, na região próxima a onde seria instalado o novo
porto..
Déc.
1950
Criação da Autarquia da Administração do Porto de São
Francisco do Sul.
Déc.
1950
Publicação Carta de Venaza - CONSELHO
INTERNACIONAL DE MONUMENTOS E SÍTIOS
1946
Instalação da Bunge Alimentos S.A. e Terlogs em SFS
Déc.
1980
Encontro dos Governadores em Brasília
1970
DPHAN passa a se chamar IPHAN
1970
Encontro dos Governadores em Salvador
1971
Convenção para a proteção do patrimônio mundial
cultural e natural. UNESCO
1972
Cração do Programa de Reconstrução da Cidades
Históricas do Ministério da Educação e Cultura
1972
Fundação do CNRC
1975
O IPHAN é transformado em órgão normativo e é
criada a Fundação Pró- Memória, órgão executivo.
1979
Instalação da Transpetro (Petrobrás) e CIDASC em SFS..
Déc.
1970
Tombamento Municipal do Centro Histórico de São Francisco do
Sul.
1981
Criação do Ministério da Cultura
1985
Tombamento Federal do Centro Histórico de São
Francisco do Sul
1987
Tombamento Federal do Centro Histórico de São Francisco do
Sul
1987
Extinção do Ministério da Cultura, passando a ser
Secretaria de Cultura
1990
Extinção do IPHAN e da FNpM, e criação do IBPC
1990
Criação do Museu Nacional do Mar: embarcações brasileiras
1991
World Heritage Connetion. UNESCO
1992
O IBPC volta a denominar-se IPHAN
1994
A Secretaria de Cultura volta a ser Ministério.
1992
Instalação da Vega do Sul em SFS.
2000
Carta de Bagé - paisagem cultural - SEMINÁRIO
SEMANA DO PATRIMÔNIO CULTURAL,
MEMÓRIA NA FRONTEIRA
2007
Início das obras do Progama Monumenta - MinC em SFS
2003
Decreto nº 3.551 - registro de bens imateriais
2000
101
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
APÊNDICE I
Quadro de datas
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
102
ANEXO A
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
103
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
104
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ANEXO B
Carta de Bagé ou Carta da Paisagem Cultural
[18 de agosto de 2007]
Apresentação
Nos dias 13 a 18 de agosto de 2007 realizou-se em Bagé, RS, o Seminário Semana do
Patrimônio Cultura e Memória na Fronteira. O evento foi organizado por:
Governo de Bagé;
Secretaria Municipal de Cultura de Bagé;
Ministério da Cultura MinC;
Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN;
Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul IPHAE;
Universidade Regional da Campanha URCAMP;
Universidade Federal de Pelotas UFPEL.
Abordou-se de forma pioneira uma nova questão, a paisagem cultural, em um painel que contou
com a contribuição de diversos especialistas proferindo palestras sobre o tema.
Decidiu-se pela elaboração de uma Carta à qual se conferiu o nome da cidade gaúcha onde se
realizou o vanguardista encontro. Esta Carta, denominada Carta de Bagé ou Carta da
Paisagem Cultural, tem por objetivo a defesa das paisagens culturais em geral e, mais
especificamente, do território dos Pampas e das paisagens culturais de fronteira.
Os Pampas acham-se ameaçados por novas formas de uso altamente predatórias. Esse
ecossistema é responsável pela proteção dos mananciais do Aqüífero Guarani, a maior reserva
disponível para o futuro do planeta de água potável. A água doce é o bem mais precioso para o
futuro da Humanidade. Dois terços de sua extensão encontram-se em território brasileiro. O
reflorestamento proposto para quase todo esse território irá destruir também a rica
biodiversidade e a identidade cultural dos Pampas. Biodiversidade e pluralismo cultural são os
dois fatores mais importantes para a sobrevivência humana no planeta.
As fronteiras de países vizinhos com paisagens análogas apresentam manifestações culturais
similares. Tais paisagens devem ser consideradas como pontos de união e não de separação
de povos vizinhos e, portanto, irmãos. O exemplo do passado registrado em territórios como o
das Missões deve ser preservado e valorizado de forma integrada com nossos vizinhos.
Carta de Bagé ou Carta da Paisagem Cultural
Artigo 1 A definição de paisagem cultural brasileira fundamenta-se na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1980, segundo a qual o patrimônio cultural é formado por
bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, as
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129
Artigo 2 A paisagem cultural é o meio natural ao qual o ser humano imprimiu as marcas de
suas ações e formas de expressão, resultando em uma soma de todas os testemunhos
resultantes da interação do homem com a natureza e, reciprocamente, da natureza com
homem, passíveis de leituras espaciais e temporais;
Artigo 2 A paisagem cultural é um bem cultural, o mais amplo, completo e abrangente de
todos, que pode apresentar todos os bens indicados pela Constituição, sendo o resultado de
múltiplas e diferentes formas de apropriação, uso e transformação do homem sobre o meio
natural.
Artigo 3 A paisagem cultural é, por isto, objeto das mesmas operações de intervenção e
preservação que recaem sobre todos os bens culturais. Operações como as de identificação,
proteção, inventário, registro, documentação, manutenção, conservação, restauração,
recuperação, renovação, revitalização, restituição, valorização, divulgação, administração,
uso, planejamento e outros;
Artigo 4 A preservação da paisagem cultural brasileira deve ser reconhecida mediante
certificação concedida pelos órgãos de patrimônio cultural e aprovada por seus conselhos
consultivos, de forma conjunta com outros órgãos públicos, organismos internacionais,
organizações não governamentais e a sociedade civil, sob a forma de um termo de
compromisso e de cooperação para gestão compartilhada de sítios de significado cultural;
Artigo 5 Tal certificado deve ter valor de proteção legal, por incluir toda a legislação incidente
sobre cada paisagem declarada como paisagem cultural e por envolver todos os órgãos
públicos que sobre ela detenham responsabilidade e dos quais será exigido rigoroso
cumprimento de suas atribuições;
Artigo 6 – Será implantado um sistema de avaliação da qualidade da paisagem que monitore
todas as fases de modificação ou evolução da paisagem por meio de procedimentos, normas e
critérios, assegurando que produtos não conformes aos requisitos especificados sejam
impedidos de serem certificados;
Artigo 7 Cada paisagem receberá um selo de chancela de sua qualidade, sendo designados
órgãos responsáveis pelo patrimônio cultural que, conjuntamente com Prefeituras, Estados e a
União, a depender de cada caso e as comunidades residentes em sua abrangência territorial,
serão responsáveis por coordenar e controlar o sistema da qualidade, que deve ser
documentado na forma de um manual e implementado, considerando as formas de uso e
ocupação existentes;
Artigo 8 Deverão ser adotados procedimentos para garantir assistência a usuários da
paisagem como turistas e visitantes, bem como a assegurar às populações que nela existam de
forma equilibrada, condições de sustentabilidade, oferecendo alternativas econômicas para
novas ou tradicionais formas de utilização dos recursos econômicos e dos modos de produção;
Artigo 9 – Sem o cumprimento desses procedimentos, o certificado, emitido por um órgão de
patrimônio cultural, poderá ser cancelado;
São Francisco do Sul: o patrimônio que se estabelece e a paisagem que se constrói Vanessa Maria Pereira
130
Artigo 10 A paisagem cultural inclui, dentre outros, sítios de valor histórico, pré-histórico,
étnico, geológico, paleontológico, científico, artístico, literário, mítico, esotérico, legendário,
industrial, simbólico, pareidólico, turístico, econômico, religioso, de migração e de fronteira,
bem como áreas contíguas, envoltórias ou associadas a um meio urbano;
Artigo 11 – A paisagem cultural deve contar com a participação deliberativa das comunidades
residentes em sua abrangência territorial . Não deve discriminar espécies nativas ou exóticas
usadas como matéria prima na formação cultural;
Artigo 12 Um conselho local, constituído pelo órgão de patrimônio cultural e por
representantes de órgãos públicos, organizações da sociedade civil, proprietários de terras e
populações tradicionais residentes cuidará da paisagem cultural que deverá ser tratado e
divulgada como exemplo de respeito à natureza, ao meio ambiente, à cultura, à obra do homem
e aos seres humanos, incluindo nossos antepassados e nossos sucessores, induzindo a todos
a uma nova postura de respeito e amor onímodo.
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