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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE BELAS ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS
A PAIXÃO DE CRISTO E OS MILAGRES DO BONFIM
SEGUNDO FRANCO VALASCO
ROBSON SANTANA
Dissertação apresentada ao programa de
Pós-Graduação em Artes Visuais da
Universidade Federal da Bahia, Área de
concentração: Teoria Tradição e
Contemporaneidade, como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre
em Artes Visuais.
Orientadora: Profª Drª Maria Helena O. Flexor
Salvador
2005
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Capa - Composição Gráfica: Aníbal Gondim Silva
- Foto: Robson Santana (Detalhe da pintura do teto da Igreja
do Bonfim)
_________________________________________________________________________
.......................
............ Barbosa, Robson L. S.
A Paixão de Cristo e os Milagres do Bonfim segundo Franco
Velasco / Robson L. S. Barbosa. Salvador: UFBA, 2005
000 p. : il
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em
Artes Visuais da Universidade Federal da Bahia como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Artes
Visuais. Área de Concentração: Teoria Tradição e
Contemporaneidade.
1. Pintura sacra História Salvador. 2. Artistas baianos. 3
Religião.
_________________________________________________________________
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A
Eutália, mãe dedicada e companheira, que me ensinou o caminho da dignidade.
Climério, companheiro, amigo e parceiro em todos os momentos.
André, filho amado, que me ensina a ser pai.
Agradecimentos
O maior prazer de realizar uma pesquisa está, de fato, no seu desenrolar. É
durante o processo de busca que descobertas, muitas vezes inusitadas, nos
deixam cada vez mais, entusiasmados e envolvidos com o próprio trabalho. E
chegar a ao momento de dar por concluída o trabalho, é quase sempre um
desafio. Talvez tão grande quanto a própria pesquisa.
Posso afirmar que meu caminho até aqui, apesar dos percalços, valeu muito,
sobretudo quando reconheço o apoio e carinho que recebidos até aqui. Me
considero sim, uma pessoa afortunada, pois neste estágio, posso afirmar que em
todos os lugares onde passei e as pessoas que conheci durante a pesquisa, me
trouxeram valiosas contribuições. E nada mais justo que agradecer a todos
reconhecendo aqui o valor de cada um.
À Professora Maria Helena O. Flexor um agradecimento especial, pela paciência,
apoio e generosidade com que conduziu a orientação de minha pesquisa, por
todos esclarecimentos que me forneceu, com seu grande conhecimento de
pesquisadora.
Às professoras Maria da Conceição Costa e Silva e Maria de Fátima Hanaque
Campos, por aceitarem participar de minha banca de avaliação e sobretudo pelas
valiosas sugestões dadas na pré-banca, que contribuíram muito para o
encaminhamento da pesquisa.
Aos professores do programa, Luiz Alberto Ribeiro Freire, Eugênio Lins e Cid
Ávila pelas dicas e contribuições fornecidas em seus cursos.
À professora Mariely Cabral de Santana, pelos esclarecimentos sobre a história
da Igreja do Bonfim e a trajetória da Irmandade.
Ao Irmão da devoção e amigo Luciano Diniz Borges (in memorian), que tanto me
incentivou no desenvolvimento dessa pesquisa, da qual partilhava do mesmo
entusiasmo.
À Devoção do Senhor do Bonfim, na pessoa do Dr. Luis Geraldo Urpia Freire de
Carvalho, pelo acesso às dependências da Igreja e pelos esclarecimentos sobre a
irmandade.
Da biblioteca da Escola de Belas Artes, destaco as funcionárias Jeanete,
Madalena e Regina, pela atenção, apoio e sobretudo o carinho com que se
dedicam ao seu ofício.
Ao Mosteiro de São Bento, onde usufruí do magnífico acervo e do espaço para
escrever. Foi no mosteiro também, que encontrei nos Irmãos José e Felipe os
esclarecimentos necessários sobre liturgia, Bíblia e simbologia cristã.
Na Santa Casa de Misericórdia, fiz grandes descobertas com a ajuda de Neusa
Esteves, sempre atenciosa e paciente em minhas dúvidas e questionamentos.
Aos funcionários das instituições a que tive acesso para pesquisa, pelo auxílio e
atenção que me dispensaram: Às funcionárias Gilma e Ivani da Casa Pia e
Orfanato o Joaquim; Venerável Ordem de São Francisco, os funcionários
Tânia e Paulo; Igreja Santíssimo Sacramento e Santana, Mosenhor Luna e Pe.
Érico Pitágoras; no Arquivo Público da Bahia, Edite da sala de leitura, Marlene do
microfilme e Maria Helena de arquivos privados; Arquivo da Cúria Metropolitana
de Salvador, Renata; Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, através de sua
diretora, Consuelo Ponde Sena, e dos funcionários Dona Maria Augusta e
Lindijane da Biblioteca e Dona Zita do Arquivo; Associação Comercial da Bahia;
Aos amigos e colegas Ana Rita Sultz, Wilson Silva de Souza, Disalda Leite e Eriel
de Araújo, pelas dicas na pesquisa e pelas palavras de incentivo e carinho.
Dedico aqui os meus mais sinceros agradecimentos a todos que direta ou
indiretamente contribuíram para a realização desta pesquisa e que deixaram
impressas em meu processo suas valiosas contribuições.
Resumo
Considerado um dos melhores pintores baianos do período colonial, Antônio
Joaquim Franco Velasco, nascido em 1780, em Salvador, e falecido na mesma
cidade, no século XIX, é autor de pinturas que ornamentam as Igrejas de Nosso
Senhor do Senhor do Bonfim, Ordem Terceira de São Francisco e Santíssimo
Sacramento e Santana. Buscou-se neste trabalho realizar uma análise
iconográfica e iconológica das pinturas do forro na nave e dos seis retábulos
laterais, realizadas na Igreja do Bonfim, onde foram representados seis passos da
Via-Sacra nos altares e cenas tradicionais da iconografia cristã e de devoção
popular no teto. Esta investigação foi desenvolvida através da observação
sistemática das obras citadas, recorrendo-se à Bíblia Sagrada e a hagiografia
como principais fontes de explicação das imagens. Para melhor entender a
especificidade da obra de Franco Velasco, foi realizado um levantamento de sua
vida particular e profissional, através de arquivos públicos e particulares, bem
como de suas pinturas de cavalete e para Igrejas. O conjunto de pinturas na
Igreja do Bonfim foi objeto desta pesquisa, não só pela inexistência de uma
análise completa e criteriosa da obra, mas também pelo fato de possuir um
detalhe inovador para a arte sacra do século XIX na Bahia, que é a
representação, com destaque, de cenas de caráter votivo no forro da nave. O
trabalho apresenta ainda obras dos pintores JoTeófilo de Jesus, Tito Nicolau
Capinam e Bento Rufino Capinam, que fazem parte também, do acervo artístico
da Igreja do Bonfim. entusiasmados
Abstract
Considering one of the best bahian painters of the colonial period, Antonio
Joaquim Franco Velasco was Born in 1780, in Salvador, and died in the same city,
in the 19
th
century, is painting author that decorates Nosso Senhor do Bonfim,
Ordem Terceira de São Francisco and Santíssimo Sacramento e Santana
Churches. In this work, he searched himself, to achieve an iconographic analysis
of paintings of the lining in the nave and of six lateral retables, realized in bonfim
Church, where six Passos da Via-Sacra were represented, in the altars, and
traditional scenes of Christian Iconography and popular devotion in the ceilig. This
inquiry was developed through the systematic observation of the mentioned
workmanships, resorting to Bible and the hagiography, as main sources of
explanation of the images. It was realized a survey of his particular and
professional life to attend better the especificity of Franco Velasco’s workmanship,
in the public and particular archives, as well as in others paintings of easel and
Churches of his autorship.
Sumário
Introdução
Capítulo I
Igreja do Bonfim: história e acervo artístico
1.1 Devoção do Senhor do Bonfim da Bahia 23
1.1.1 Início da devoção 23
1.2 Construção e decoração da igreja 26
1.3 Outros pintores que trabalharam no Bonfim 36
1.3.1 José Teófilo de Jesus 36
1.3.2 Tito Nicolau Capinan 39
1.3.3 Bento Rufino Capinan 40
Capítulo II
Vida e Obra de Franco Velasco
2.1 Franco Velasco: o homem 43
2.1.1 Origem e família de Franco Velasco 43
2.1.2 Participação na Santa Casa 46
2.2 Franco Velasco: o artista 48
2.2.1 Aprendizado e ofício 48
2.2.2 O professor de desenho 51
2.2.3 A morte. 1833 ou 1866? 54
2.2.4 A “Via-Crucis” de Feliciana Delfina Sanches Velasco 61
2.3 A obra de Franco Velasco 62
2.3.1 Pintura de cavalete 63
2.3.2 Pintura sacra 68
2.3.2.1 Igreja do Santíssimo Sacramento e Santana 68
2.3.2.2 Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco 75
2.3.2.3 Igreja de Nosso Senhor do Bonfim
87
Capítulo III
Programa Iconográfico
3.1 As pinturas dos retábulos 90
3.1.1 A Via-Sacra 91
3.1.2 Os “Passos”, por Franco Velasco 92
3.1.3 Particularidades do conjunto 106
3.1.4 Comparações 108
3.2 A pintura do teto da nave 110
3.2.1 Iconografia do teto 110
3.2.2 Inter-relação dos elementos do teto 141
Conclusões
148
Anexos
160
Lista de Ilustrações
FOTOGRAFIAS
Foto 1 - Retrato de Dom José Botelho de Matos 24
Foto 2 - Igreja de Nossa Senhora da Penha 24
Foro 3 - Igreja do Bonfim vista da Baía de Todos os Santos 27
Foto 4 - Imagem do Senhor do Bonfim no altar-mor 28
Foto 5 - Imagem de Nossa Senhora da Guia no altar-mor 28
Foto 6 - Lápide do Capitão Theodózio Rodrigues de Faria 29
Foto 7 - Detalhe da inscrição na lápide do Capitão Theodózio R. Faria 29
Foto 8 - Frontispício da Igreja do Bonfim 30
Foto 9 - Baixa do Bonfim sem a urbanização 31
Foto 10 - Ladeira e Baixa do Bonfim já urbanizados 31
Foto 11 - Igreja com a antiga iluminação com lâmpadas presas nas
paredes
32
Foto 12 - Igreja com a atual iluminação cênica 32
Foto 13 - As 14 estações da Via-Sacra da Igreja do Senhor do Bonfim 33
Foto 14 - Ex-votos da Igreja do Senhor do Bonfim 36
Foto 15 - Ex-votos da Igreja do Senhor do Bonfim 36
Foto 16 - Ex-votos da Igreja do Senhor do Bonfim 36
Foto 17 - A natividade 37
Foto 18 - O Batismo de Cristo 37
Foto 19
- A Última Ceia 38
Foto 20 - Encontro de Cristo com a Adúltera 38
Foto 21 - Cristo cura um homem enfermo 38
Foto 22 - Decapitação de João Batista 38
Foto 23 - Jesus acalma a tempestade 38
Foto 24 - A morte do pecador 39
Foto 25 - A morte do justo 40
Foto 26 - Assinatura de Franco Velasco na sessão da Mesa – abril
1831
60
Foto 27 - Assinatura de Franco Velasco na eleição da Santa Casa –
julho 1830
60
Foto 28 - Assinatura de Franco Velasco no Termo de Irmão – abril
1831
60
Foto 29 - Assinatura de Franco Velasco no Inventário de Feliciana
Delfina – agosto de 1864
60
Foto 30 - Retrato de Franco Velasco 61
Foto 31 - Detalhe do quadro de Franco Velasco 61
Foto 32 - Retrato de Pe. Antonio Vieira 64
Foto 33 - Retrato do 8º Conde dos Arcos 64
Foto 34 - Retrato de D. Pdero I 64
Foto 35 - São Lucas 65
Foto 36 - São Mateus 65
Foto 37 - Jesus no Horto das Oliveiras 66
Foto 38 - A Flagelação 66
Foto 39 - A Coroação de Espinhos 66
Foto 40 - A Caminho do Calvário 66
Foto 41 - O Salvador e Precursor 67
Foro 42 - Retrato de Menino com Cachorro 67
Foro 43 - Retrato de uma Senhora 67
Foto 44 - Vista geral do batistério 71
Foro 45 - Batismo de Cristo 71
Foto 46 - Senhora Sant’Ana, Maria e José 72
Foto 47 - José recebe a visita do anjo 72
Foto 48 - Virgem Maria com o Menino Jesus 73
Foro 49 - São José com o Menino Jesus 73
Foto 50 - Apóstolos São João e São Lucas 73
Foto 51 - Apóstolos São Mateus e São Marcos 73
Foto 52 - São Jerônimo 74
Foto 53 - São Paulo 74
Foto 54 - São Pedro 74
Foto 55 - Santo Ambrósio 74
Foto 56 - São Gregório 74
Foto 57 - Santo Agostinho 74
Foto 58 - Vista panorâmica do teto da Igreja da O. T. São Francisco 76
Foto 59 - Vista parcial do teto da Ig. O.T. São Francisco e parte do coro
76
Foto 60 - Vista parcial do teto da Ig. O.T. São Francisco 76
Foto 61 - Detalhe do teto da Ig. O.T. São Francisco 76
Foto 62 - Detalhe do teto da Ig. O.T. São Francisco 76
Foto 63 - Imaculada Conceição 77
Foto 64 - Santo Ivo 77
Foto 65 - São Luís 77
Foto 66 - São Francisco de Assis 79
Foto 67 - Santa Isabel 79
Foto 68 - Santa Rosa 79
Foto 69 - Cristo Rei 80
Foto 70 - Santo Antonio 80
Foto 71 - São Boaventura 80
Foto 72 - São Francisco acompanhado de um arcanjo e querubins 82
Foto 73 - Padres Franciscanos amparando um desvalido 82
Foto 74 - Arcanjo incensando o ambiente com turíbulo 83
Foto 75 - Arcanjo segura medalhão com efígie de São Francisco 83
Foto 76 - São João Crisóstomo 83
Foto 77 - Santo Atanásio 83
Foto 78 - São Basílio 83
Foto 79 - São Gregório de Nazianzo 83
Foto 80 - Querubins sustentam o trigo e as uvas 84
Foto 81 - Detalhe de um dos cantos do teto da Ig. O.T. São Francisco 84
Foto 82 - Querubins sustentam o cordeiro místico 84
Foto 83 - Jesus no Horto das Oliveiras 94
Foto 84 - Jesus é traído e preso 94
Foto 85 - A flagelação de Jesus 94
Foto 86 - Jesus coroado de espinhos 94
Foto 87 - Ecce Homo 94
Foto 88 - Jesus rumo ao calvário 94
Foto 89 - Verônica 106
Foto 90 - Verônica 106
Foto 91 - Jesus no Horto das Oliveiras 108
Foto 92 - Jesus é traído por Judas e preso 108
Foto 93 - A flagelação de Jesus 108
Foto 94 - Ecce Homo 108
Foto 95 - Jesus rumo ao Calvário 108
Foto 96 - Jesus no Horto das Oliveiras 109
Foto 97 - A flagelação de Jesus 109
Foto 98 - Ecce Homo 109
Foto 99 - Jesus rumo ao Calvário 109
Foto 100 - Panorama do teto da igreja do Bonfim em vista plana 112
Foto 101 - Panorama do teto da Igreja do Bonfim em perspectiva 112
Foto 102 - Panorama do teto da Igreja do Bonfim em perspectiva, com
detalhes dos altares laterais
112
Foto 103 - Busto de Cristo com coroa de espinhos 113
Foto 104 - Busto da Virgem Maria com uma espada transpassada no
peito
113
Foto 105 - Detalhe dos anjos que ladeiam as imagens de Cristo e d
Virgem Maria
113
Foto 106 - Querubins carregam bandeira de Nossa Senhora da Guia 115
Foto 107 - O Salvador e Precursor 115
Foto 108 - São Pedro 117
Foto 109 - São Paulo 117
Foto 110 - São Mateus 120
Foto 111 - São Marcos 120
Foto 112 - São Lucas 120
Foto 113 - São João 120
Foto 114 - Doutor da Igreja 120
Foto 115 - Doutor da Igreja 123
Foto 116 - Doutor da Igreja 123
Foto 117 - Doutor da Igreja 123
Foto 118 - Detalhe de um dos cantos do teto da Igreja do Bonfim 124
Foto 119 - Querubins que ladeiam as figuras dos quatros doutores 124
Foto 120 - Arcanjo segurando uma âmbula 125
Foto 121 - Arcanjo com um turíbulo 125
Foto 122 - Querubins carregam um medalhão com a efígie de Cristo e
símbolos de sua Paixão e Morte
127
Foto 123 - Querubins revelam o cálice com hóstia sagrada na borda 128
Foto 124 - Querubins carregam um medalhão com a efígie da Virgem
Maria
129
Foto 125 - Querubins carregam um medalhão com a efígie de um
homem
129
Foto 126 - Medalhão no centro do teto da Igreja do Bonfim em destaque 131
Foto 127 - Medalhão do teto da Igreja do Bonfim 131
Foto 128 - Arcanjo segurando a esfera armilar 132
Foto 129 - Querubim segurando uma placa com inscrição em latim 132
Foto 130 - A Vingança e a Justiça Divina perseguindo o crime 133
Foto 131 - Grupo de homens carregam a vela de um barco e um quadro 134
Foto 132 - Destaque do homem carregando um quadro 134
Foto 133 - Grupo de Mulheres em preces 137
Foto 134 - Fachada da Igreja de São Roque em Paris 138
Foto 135 - Interior da igreja de São Roque em Paris 138
Foto 136 - Pintura do retábulo de Santa Genoveva 138
Foto 137 - Detalhe do retábulo de Santa Genoveva 139
Foto 138 - Detalhe da pintura do teto da Igreja do Bonfim 139
Foto 139 - Pintura do teto da igreja do Bonfim com projeção dos eixos
ortogonais e linhas diagonais
143
Foto 140 - Medalhão do teto da Igreja do Bonfim com projeção das
linhas de construção da elipse
144
IILUSTRAÇOES
Figura 1 Panorama da Bahia – aquerela 27
Figura 2 Desenho esquemático com a disposição dos retábulos na
planta baixa e o sentido de leitura da seqüência dos passos
93
Figura 3 Desenho esquemático da pintura do teto 111
Figura 4 Planta baixa da Igreja do Bonfim com esquema da pintura 111
Figura 5 Ex-voto de marinheiros salvo de um naufrágio 135
Figura 6 Planta Baixa da Igreja de São Roque em Paris 138
Figura 7 Desenho esquemático da pintura com projeções dos eixos e
linhas diagonais
143
Figura 8 Esquema de construção da elipse 144
Lista de Abreviaturas e siglas
APEB – Arquivo Público da Bahia
AFIFB – Arquivo da Fundação Instituto Feminino da Bahia
ASCM – Arquivo da Santa Casa de Misericórdia
AIB – Arquivo da Igreja do Bonfim
AIGHB – Arquivo Instituto Geográfico e Histórico da Bahia
INTRODUÇÃO
A devoção ao Senhor do Bonfim, em Salvador foi alvo de estudos nos
mais variados aspectos. A arquitetura, decoração e acervo artístico da igreja, a
a própria festa do Senhor do Bonfim, motivaram pesquisas tem revelado as
particularidades desse monumento e devoção, atuantes na construção da história
sócio-cultural e artística da Bahia. Além dos estudos desenvolvidos por
pesquisadores da historiografia baiana, a exemplo de Marieta Alves (ALVES,
1951), Manoel Querino (QUERINO, 1913), Clarival do Prado Valladares
(VALLADARES, 1967) e Carlos Ott (OTT, 1979), recentemente doi nosvos
trabalhos foram desenvolvidos, um tratando da decoração interna e, outro sobre a
evolução da festa do Bonfim,
1
Apesar dos estudos realizados sobre a Igreja ou a devoção do Senhor do
Bonfim, não se encontrou referência a qualquer estudo que abordasse o acervo
de pinturas desse templo, com o compromisso de uma análise iconográfica
dessas obras.
O que tanto chamou a atenção na Pintura de Franco Velasco para os
autores citados, motivou a realização da presente pesquisa que, a princípio, tinha
como foco o próprio medalhão do centro do teto da Igreja do Bonfim. Surgiu
então, a proposta se realizar uma leitura de toda obra de Franco Velasco nesse
1
Em 2001, Luiz Alberto Ribeiro Filho apresentou a tese de doutorado sobre A talha neoclássica na
Bahia, onde inclui a Igreja do Bonfim como estudo de caso. Em 2002, Mariely Cabral de Santana
apresentou a dissertação Alma e festa de uma cidade: Devoção e construção da colina sagrada
do Bonfim, um estudo sobre a evolução da Festa do Bonfim e suas conseqüências culturais,
religiosas e urbanísticas para a cidade.
templo e tentar identificar a motivação e o referencial iconográfico, usado na
realização deste detalhe, cuja característica difere do conjunto do teto.
Analisar uma obra artística implica em conhecer e entender,
antecipadamente, seu autor. Assim, a pesquisa pretende também, revolver a
própria história da arte na Bahia, em busca de maiores dados desse artista.
Vida e obra de Franco Velasco se tornaram prioridade na investigação, que
tratou de vasculhar em arquivos públicos e privados, além da bibliografia existente
sobre a pintura na Bahia do século XIX e o mercado consumidor de arte dessa
época. A pesquisa teve início então, a partir de dados e conceitos utilizados por
alguns autores, buscando conhecer no universo em que o artista viveu.
Inicialmente para se ter uma noção das informações básicas, serão
consultados os estudos desenvolvidos por Marieta Alves. Em Dicionário de
artistas e artífices na Bahia (ALVES, 1976), que mostra o primeiros passos da
vida e do trabalho do artista, com indicação das fontes documentais que
sustentam suas anotações. Esse dicionário também possui informações sobre os
artistas contemporâneos de Franco Velasco, que trabalharam junto a ele na Igreja
do Bonfim. Da mesma autora, será observada a História da Venerável Ordem
Terceira da Penitência do Seráfico Padre São Francisco da Congregação da
Bahia (1948), que trata, entre outras coisas, da obra realizada por Franco Velasco
nessa Igreja, e os pequenos guias das igrejas da Bahia: igrejas de Santana
(ALVES,1952), e do Bonfim (ALVES, 1951), Onde a autora apresenta,
resumidamente, o histórico da Igreja e seus mantenedores, detalhes da
decoração e acervo artístico.
De Manoel Querino
serão consultados, As artes na Bahia (QUERINO,
1913) e Artistas baianos (QUERINO, 1909). Nessas obras o autor reúne os
aspectos da atividade artística na Bahia e dados dos mais diversos artistas que
atuaram no Estado, naturais ou não.
Da bibliografia disponível de Carlos Ott, se utilizará os seguintes títulos:
Evolução das artes nas Igrejas do Bonfim Boqueirão e Saúde (OTT, 1979), A
Escola bahiana de pintura (OTT,1982). Atividade artística nas igrejas do Pilar e
de Sant’ Ana da cidade do Salvador. (OTT, 1979). História das artes plásticas da
Bahia.1550 1900 (OTT, 1993). Nas quatro obras, o historiador faz uma rápida
explanação, sobre as obras e o estilo de Franco Velasco. A exceção acontece
apenas em Evolução das artes ns Igrejas...
Serão utilizados ainda, nesta investigação duas obras de Clarival do Prado
Valladares: Memória do Brasil um estudo da epigrafia erudita e popular
(VALLADARES, 1975) e Riscadores de milagres (VALLADARES, 1967). Na
primeira, apesar do autor fazer alguns comentários com base em dados
fornecidos por Carlos Ott, seu texto traz à luz, elementos novos sobre a devoção
do Senhor do Bonfim e, ainda indica a fonte iconográfica utilizada por Franco
Velasco para um dos detalhes da pintura do forro da nave. na segunda obra,
Valladares discorre minuciosamente sobre o ex-voto, abordando e a questão fé
popular, a atividade profissional dos fabricantes, além de analisar alguns
exemplares.
Para entender as questões que influenciaram a cultura e a arte, no século
XIX, se utilizará dados de outros textos como suporte, a exemplo dos trabalhos da
professora Maria Helena Ochi Flexor: As Constituições primeiras do arcebispado
da Bahia: intercessões na arte. (FLEXOR, 2003), As devoções religiosas na Bahia
do século XVIII. (FLEXOR, 1996) e Oficiais mecânicos na Cidade do Salvador.
(FLEXOR,1974). Kátia Mattoso (1978), Acácio França (1944), entre outros.
O estudo também será desenvolvido através de análise e sistematização
da documentação disponível nos seguintes arquivos: Arquivo blico do Estado
da Bahia, Cúria Metropolitana da Cidade de São Salvador, Instituto Histórico e
Geográfico da Bahia; e os arquivos das seguintes igrejas: Senhor do Bonfim,
Ordem Terceira de São Francisco, Santa Casa de Misericórdia e da Casa Pia e
Colégio dos Órfãos de o Joaquim; das seguintes bibliotecas: Mosteiro de São
Bento, Pública do Estado, Central da UFBA e Escola de Belas Artes.
Buscar-se-á também, através da observação sistemática das obras,
realizar uma análise do programa iconográfico que Franco Velasco realizou na
Igreja do Bonfim, estabelecendo ainda um comparativo com obras de
contemporâneos seus, baseando as deduções nos conceitos de Erwin Panofsky
(PANOFSKY, 1991). Para dar embasamento às interpretações dos símbolos
usados nas pinturas, será consultada a Bíblia de Jerusalém (BÍBLIA, 2002),
Antigo e Novo Testamentos, que traz comentários adicionais sobre as Escrituras
complementando a interpretação do significado das imagens.
Para melhor compreensão das especificidades artísticas e técnicas do
pintor em questão, será traçado um parâmetro comparativo de suas obras com as
de outros artistas da mesma época, numa tentativa de elucidação de
semelhanças e/ou diferenças.
Serão utilizadas também, concepções da História Nova, sobretudo a
História das Mentalidades (LE GOFF, 1998), para compreensão da época e a
obra de Franco Velasco, além da observação dos conceitos de Pierre Francastel
(FRANCASTEL, 1993), para melhor entendimento da atividade artística e da
própria obra de arte,.
O presente trabalho está organizado em três partes: Igreja do Bonfim:
história e acervo artístico, Franco Velasco e sua obra e Programa iconográfico.
No primeiro capítulo, serão tratados temas referentes à devoção ao Senhor do
Bonfim e o início dessa prática na Bahia, a construção e decoração da igreja,
suas fases e transformações, o processo de decoração interna e, finalmente, os
pintores e suas obras, quando serão relacionamos os artistas acompanhado de
um pequeno histórico e, as pinturas realizadas por eles na Igreja.
Nessa pesquisa têm-se a pretensão de se buscar fatos relevantes sobre a
vida e formação dopintor, sua atuação no mercado e, por último, um levantamento
de suas obras, fazendo um breve comentário
Na terceira parte, será realizada uma análise iconográfica das pinturas dos
retábulos e do teto da Igreja. Através de uma observação sistemática, será feita
uma análise formal da imagem, buscando descrever cada elemento e, em
seguida, para tentar estabelecer a base iconográfica das pinturas, contando com
subsídios da hagiografia, quando for possível. Com esse procedimento, se tentará
estabelecer uma relação direta das imagens com o tema.
Por último, a análise tenta esclarecer a significação de cada imagem e sua
relação com o conjunto, atentando para o fato de que a iconografia é uma
descrição e classificação das imagens e, sobretudo, é um auxílio incalculável para
o estabelecimento de datas, origens e, as vezes autenticidade (PANOFSKY,
1991,p.53)
A análise da obra de Franco Velasco no Bonfim não pode deixar de levar
em conta que a pintura realizada, ainda no século XIX, era um prouto da fé
religiosa, transplantada do velho mundo (FRANÇA, 1944, p.39)
A pintura sacra no século XIX herdou do século anterior, a subordinação
aos ditames do concílio tridentino, que Bahia, foi traduzido e estabelecido através
das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia.
Escrita e Instalada em 1707, pelo então arcebispo da Bahia, Dom
Sebastião Monteiro da Vide, as Constituições regulavam toda a vida da sociedade
nos mais variados assuntos, de normas de conduta, construção de edifícios
religiosos e, principalmente do culto às figuras sagradas. (FLEXOR, 2003, p. 15)
As Constituições também impõem regras para as representações artísticas.
Essas leis vigoraram até quase o início do século XX.
As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia orientavam os fiéis
para adorar a Deus, venerar à Maria e aos santos. Os santos eram exemplos de
perfeição e reinavam com Deus Nosso Senhor.
A pintura atendia, quase na totalidade, a uma clientela formada por Igrejas
e Conventos. Era uma arte usada a serviço da fé, para exaltação do Divino e
ensinar os fiéis por meio da arte e da forma sensível (SANTOS, 2003, p. 53).
As imagens se converteram na principal fonte de inspiração para o
mundo artístico, em especial o religioso, dentro e fora dos
templos. A representação de Deus, santos, mártires,beatos, anjos
e tudo mais relacionado ao celestial, apesar de debatido se
configuram como uma necessidade prática a ida à Igreja ou até
mesmo a religião concebida nos lares. (CAMPOS, 2003, p.387)
O aprendizado para o ofício de pintor se dava em oficinas dirigidas por
mestres pintores. Era um sistema de trabalho corporativo. O mestre era que
concebia o desenho e finaliza, sendo também, encarregado de detalhes como
mãos e rosto da figura a ser pintada. Os aprendizes exercitavam o preparo das
tintas e participavam da pintura (IDEM, p. 70). Esse sistema de aprendizado
perdurou até o início do século XIX.
Embora a Aula pública de Desenho tenha sido criada em 1813, as aulas de
fato, só serão praticadas devidamente, em 1821, quando Franco Velasco assume
a cadeira. acontece de fato, na segunda metade do século XIX, em 1872,
quando é criado o Liceu de Artes e Ofícios e, em 1877, a Escola de Belas Artes.
A relação entre pintores e os clientes mais comuns (Irmandades e Igrejas)
era por meio de contratos, onde ficavam acertados o compromisso entre as
partes, e especificado o serviço a ser executado. Nessa relação, o pintor deveria
atender ao gosto do cliente, realizando o serviço com lhe era determinado. Se
consolidava aí, uma pratica de controle que o encomendante exercia sobre o
pintor. (SANTOS, p. 61) O que deixa explícito que neste momento a Arte refletia
sobretudo, o gosto daqueles que detinham o poder. Embora as instruções sobre o
tema não chegassem geralmente a grandes detalhes, o compromisso com um
desenho ou gravura era o mais habitual e o mais eficaz. (SALDANHA, 1995,
p.100)
O processo de aprendizagem incluía a prática da cópia. O meio para
produção de cópias era fundamentalmente a gravura e, raras vezes, o original.
Essa prática utilizada pelos mestres, consistia em se utilizar estampas
importadas da Europa, adaptando as imagens nos serviços em que se trabalhava,
mas sempre atendendo ao gosto dos encomendantes.
A pintura do Barroco adquire uma prática que vinha desde o Gótico, em
que um artista não partia do nada nas suas criações, mas reinventava as
imagens. Até o século XIX um artista como Constable iniciou-se copiando
gravuras de Rafael, Rubens, Teniers, etc. A mentalidade criada no Barroco
mantinha os mestres renascentistas como exemplos de perfeição artística. Ainda
segundo SALDANHA (IDEM), em Portugal, os modelos nacionais eram
desprezados, em detrimento dos modelos europeus, que agradavam mais aos
gostos tanto dos produtores, quanto encomendantes, além do fácil acesso por
meio de gravuras.
O conceito de cópia começa a mudar, no século XIX. A prática passa a ser
observada como exercício acadêmico, onde as academias prescreviam
obrigatoriamente, o exercício de cópias de originais de pintores consagrados.
A cópia deixa de ser uma representação dependente do gosto do
encomendador, para se tornar um exercício acadêmico
dependente da vontade dos artistas e professores das academias
(SALDANHA, 1995, p.282).
Um exemplo que se pode citar, na Bahia, dessa nova mentalidade, é o
Prêmio Viagem à Europa, criado em 1895, na Escola de Belas Artes, seguindo o
modelo que existia no Rio de Janeiro. Após concurso interno entre os alunos, o
primeiro colocado viajava para a capital francesa, para três anos de estudos
artísticos em um atelier particular e, em seguida, deveria ingressar na Escola de
Belas artes de Paris. Uma vez na França, competia ao aluno, fazer estudos
acadêmicos e cópias de quadros de pintores consagrados nos museus do Louvre
ou de Luxembourg. Essa era uma exigência da Escola, prevista nas clásulas co
compromisso firmado entre a Instituição e o aluno, antes desse viajar.(BARBOSA,
2003, p.7)
No século XVIII, na Bahia, quando nasceu a devoção do Senhor do Bonfim,
As Irmandades se multiplicavam, estimuladas pela Coroa e as Câmaras locais.
Havia duas razões predominantes para este estímulo: em primeiro lugar, a
construção de Igrejas, cujas construções foram reconhecidas oficialmente pela
Coroa na doação de uma mercê fornecendo às Irmandades construtoras os
direitos civis de posse de suas igrejas; em segundo lugar, o alto nível de
assistência social oferecida pelas Irmandades aos seus irmãos, tal como
assintência financeira, dotes para moças desamparadas, hospitalização, visita
aos indigentes e enfermos, e um enterro decente. RUSSELL-WOOD, 1971, p.149
Com o título “Devoção do Senhor Bom Jesus do Bonfim” um grupo de fiéis
fundaram uma confraria. As confrarias são associações religiosas nas quais se
reuniam leigos, do catolicismo tradicional. dois tipos principais de confrarias:
as Irmandades e as Ordens Terceiras. Ambas tiveram origem na Idade Média.
Essas confrarias tiveram o seu período áureo no Brasil colonial e perduram fortes
ainda na época imperial. Durante a fase republicana esse tipo de associação
religiosa passou a ser marginalizado pela Igreja Oficial
A finalidade específica da confraria é a promoção da devoção a um santo.
São grupos de pessoas, ocupadas em manter o culto de um santo e, ue no caso
do Bonfim, se trata do Cristo Crucificado. Não obstante, em geral se mantém uma
certa distinção de cor na organização das confrarias, havendo irmandades de
“homens brancos”, de “pardos”e de “pretos”. AZZI, P.91
A administração de cada confraria ficava a cargo de uma mesa presidida
por juízes, presidentes, provedores ou priores a denominação variava , e
composta por escrivães, tesoureiros, procuradores, consultores, mordomos, que
desenvolviam diversas tarefas: convocação e direção de reuniões, associação de
fundos, guarda dos livros e bens da confraria, visita de assistência aos irmãos
necessitados, organização de funerais, festas e outras atividades. A cada ano se
renovavam, por meio de votação, os integrantes da mesa, e as Constituições
primeiras proibiam expressamente a reeleição, proibição nem sempre respeitada.
Acontecia de algumas irmandades tinham mais recursos e poder que as
outras, pelo fato de contar no quadro de irmãos com pessoas da alta sociedade. A
Santa Casa de Misericórdia era um desses casos. Geralmente estava sobre sua
administração hospitais, orfanatos e até cemitários. Na Bahia, até meados do
século XIX, era a Santa Casa, a responsável pelos sepultamentos na cidade.
A fé cristã é sustentada por uma revelação histórica: é a manifestação de
Deus no Tempo que assegura, aos olhos do cristão, a validades das Imagens e
dos símbolos (ELÍADE, 1996, p.161)
Capítulo I
IGREJA DO BONFIM:
HISTÓRIA E ACERVO ARTÍSTICO
Quando Eu for levantado acima da terra,
atrairei todos a mim.
Jo 12,13
1.1 Devoção do Senhor do Bonfim
A devoção ao Cristo Crucificado remonta da Idade Média e foi vulgarizada
durante a Contra-Reforma. Alguns setores durante o Concílio de Trento
condenaram as devoções da Boa Morte, mas a devoção ao Senhor do Bonfim
não foi excluída pela Igreja de Roma. (SANTANA, 202, p. 63).
As imagens de Cristo Crucificado são apresentadas em diversos tamanhos
e sua aparência tem uma variação de dois tipos: expirante, quando estiver com os
olhos em direção ao céu; moribundo, com a cabeça caída para o lado (geralmente
o direito) e para baixo. (FLEXOR, 1996, p. 147) Esse último é o tipo da imagem
Senhor do Bonfim da Bahia.
1.1.1 Início da devoção na Bahia
Apesar de ser encontrada em algumas cidades, a exemplo de Porto,
Valença, Vila Real e Setúbal, não se têm notícia sobre o início da devoção ao
Senhor do Bonfim em Portugal. (SANTANA, 2002, p. 65) o capitão português,
pela grande devoção que tinha ao Senhor do Bonfim, através da imagem que se
venera em Setúbal, trouxe de Lisboa semelhante àquela esculpida em pinho,
medindo 1,6m de altura. Analisando essa mesma imagem, Clarival do Prado
Valladares(1975, p. 30), faz o seguinte comentário,
Em verdade trouxe um belo crucificado do exaltado barroco da
data, bem diferente daquele outro que é da igreja do primitivo
Convento de Jesus de Setúbal... O Crucificado de Setúbal é do
gótico manuelino, majestoso, hierático, tendo de comum como o
do Bonfim da Bahia apenas a origem devocional de Theodózio
Rodrigues de Faria.
Durante na Páscoa de 1745, a imagem foi colocada para veneração dos
fiéis, na Capela de Nossa Senhora da Penha de França (Foto 2), em Itapagipe
2
,
com a permissão do arcebispo D. José Botelho de Matos
3
(foto1). Começando, de
fato, a devoção ao Senhor do Bonfim. (ALVES, 1951, p.6)
Ainda em 1745, no dia 18 de abril, é fundada uma irmandade de devotos
leigos, autorizada D. José Botelho de Matos, presente ao ato. Após eleição, a
irmandade passou a denominar-se “Devoção do Senhor do Bonfim e, cuja
prioridade, era zelar e manter o culto ao Senhor do Bonfim”.
Irmandades e ordens terceiras eram confrarias, que existiam em Portugal
desde o século XIII, pelo menos, dedicando-se a obras de caridade voltadas para
2
Itapagipe, nome de origem indígena, outrora dito TABAGIPE, que se decompõe em TABA-GY-
PE e que quer dizer rio de Aldeia, aplicado à Ribeira que ali perto faz barra no lagamar.
(SAMPAIO, Apud SANTANA, 2003, p. 77).
3
8º Arcebispo da Bahia, nasceu em Lisboa, na paróquia de São Sebastião da pedreira, foi
ordenado sacerdote em seis de agosto de 1703. Apresentado pelo Rei para Arcebispo da Bahia,
foi confirmado pelo Papa Bento XIV a 2 de novembro de 1741, logo vindo tomara posse na
arquidiocese aos 63 anos de idade. Preencheu as vagas do Cabido da Sé. Lançou em 1745 a
pedra fundamental da Igreja do Bonfim e em 18 de outubro de 1746 a da Igreja do Santíssimo
Sacramento e Santana, em Salvador. Durante sua gestão, foram criados, com a ajuda de padres
jesuítas, os conventos das Mercês e da Soledade, “destinados à vida de perfeição e à educação
da juventude”. Enfrentou a ira do Marquês de pombal, por se recusar a publicar uma carta pastoral
para denegrir a imagem dos jesuítas. Teve Dom Botelho ainda um cuidado especial com a
formação do clero, estudando os seminaristas no Seminário de Belém, em Cachoeira, fundado
pelo jesuíta Padre Alexandre Gusmão. Com mais de 80 anos, apresentou em 12 de novembro de
1759 sua renúncia ao Rei, renovada em janeiro do ano seguinte, para que fosse enviada a Roma.
Aos 89 anos, a 22 de novembro de 1767, faleceu e foi sepultado na Igreja da Penha.
(MAGALHÃES, 2001, p. 45)
Foto 1: Retrato de D. José Botelho
de Matos.
Óleo s/ tela - 40X35cm
Igreja Bonfim – Salvador
Foto 2: Igreja de Nossa Senhora da Penha
Fonte: Rosa Alice França, 2003
seus próprios membros ou para pessoas carentes não associadas. Tanto as
irmandades quanto as ordens terceiras, embora recebessem religiosos, eram
formadas, sobretudo por leigos, mas as últimas se associavam às ordens
religiosas conventuais (franciscana, dominicana, carmelita), daí se originando seu
maior prestígio. As irmandades comuns foram mais numerosas. (REIS, 1991, p
49)
O culto a Jesus Crucificado, Senhor do Bonfim, propagou-se a tal ponto
que a Igreja da Penha tornou-se insuficiente para acolher os fiéis que a ela se
dirigiam, e grandes romarias, desde então, sucederam-se com freqüência e as
notícias de graças e milagres alcançados, corriam por todo Brasil (DEVOÇÃO,
1995, p. 3). Romarias começaram a ocorrer em busca dos milagres do Senhor do
Bonfim.
As romagens ou romarias constituem uma tradição constante na prática
religiosa do povo brasileiro. De origem medieval, as romarias chegaram ao Brasil
através da cultura lusitana. A romaria tem a finalidade de exprimir a e
homenagear o santo cultuado. Como muita freqüência, essa expressão de se
manifesta pelo fato de vir pedir uma graça ou cumprir uma promessa. Deste
modo, visita-se o santo tanto para pedir favores como para agradece os favores
recebidos do céu. (AZZI, 1978, p. 73)
As romarias foram tão numerosas e constantes no Bonfim, que se fez
necessárias a construção de inúmeras casas para os romeiros, situadas no
entorno do largo do Bonfim, em frente e ao lado da Igreja.
O único registro que se tem sobre a chegada da devoção ao Senhor do
Bonfim, na Bahia, é o registro feito por José Eduardo Freire de Carvalho Filho, em
seu livro, “A Devoção do Senhor J do Bom Fim e sua História”, de 1923. Mas,
recentemente, o Historiador baiano Cid Teixeira, escreveu um texto onde afirma
ter descoberto a real motivação do Capitão trazer a devoção para terras baianas.
Em artigo publicado na Revista da Associação Baiana de Letras
4
. O
historiador conta que teve acesso a um livro, impresso em 1743, no qual dois
4
O artigo do historiador Cid Teixeira, publicado na Revista da Academia Baiana de Letras, 44,
de novembro de 2000, sob o título: Nosso Senhor do Bonfim da Bahia: um culto em dois tempos,
havia sido parcialmente divulgado em matéria publicada no Jornal A Tarde de 21 de janeiro de
1998, à página sete, sob o título: Senhor do Bonfim da Bahia De como nasceu a Devoção. O
texto tem a pretensão de revelar a origem devoção ao Senhor do Bonfim na Bahia, inclusive
ingleses, relatam como foi sua estada na nau capitaneada por Theodózio
Rodrigues de Farias e o momento em quase naufragaram próximo da costa
portuguesa.
Segundo TEIXEIRA, os ingleses começam narrando com detalhes que,
após sofrerem naufrágio na Costa do Chile, chegaram ao Brasil via o Rio da
Prata, e no Rio de Janeiro, embarcaram no navio “Setúbal” com destino à Europa.
Cid Teixeira chama a atenção para a descrição que os autores fizeram, da reação
da tripulação da nau, diante a eminência do desastre, quando estavam chgando
na costa portuguesa. Os ingleses de formação protestante afirmaram ficar
surpresos pelo fato de os marinheiros, em vez de cuidarem para evitar que o
navio adernasse ou mesmo colidisse com as pedras, ajoelharam-se
desesperados, e começaram a fazer preces ao Senhor do Bonfim, rogando auxílio
a todos os santos para não naufragarem. Os ingleses continuam o relato
afirmando que, assim que conseguiram chegar ao porto, em Lisboa,
todos que viajaram no navio (exceto eu, o carpinteiro e tanoeiro)
oficiais, passageiros, o cavalheiro espanhol e toda a tripulação,
homens e crianças, prosseguiram descalços, em procissão,
levando a vela do traquete para a Igreja de Nosso Senhor da Boa
Morte. (TEIXEIRA, 2000, p. 108)
O historiador usa esse trecho, para justificar um dos detalhes a pintura no
teto do Bonfim, onde o motivo é uma romaria da vela. E considera a pintura como
ex-voto do Capitão Theodózio, pelo milagre de ter seu navio salvo de um
naufrágio: “Irmandade do Senhor do Bonfim” fez registrar “pelo pincel de Antonio
Joaquim Franco Velasco, a iconografia do milagre assistido pelos ingleses.”
(IDEM, p. 109)
1.1.2 Construção e decoração da igreja
Com o crescimento do culto ao Cristo Crucificado, Senhor do Bonfim, a
Igreja da Penha tornou-se pequena, para o grande fluxo de fiéis. É a partir da
afirmando que a pintura do teto contém o registro visual de um fato verídico ocorrido com o
fundador de sua devoção. Porém, apesar de citar o livro-diário que consultou para tirar suas
deduções, o historiador não revela como o conseguiu nem mesmo o seu paradeiro. O que implica
na impossibilidade de qualquer outra pessoa venha a consulta-lo.
iniciativa do próprio Capitão Theodózio, juntamente com outros companheiros da
Devoção e suas famílias, nasce a idéia de construção de uma igreja própria.
Em 1746 se iniciaram as obras da capela, com arquitetura que seguia o
modelo das igrejas portuguesas do século XVIII. O lugar escolhido para a
construção a única colina existente na península de Itapagipe, (Ilustração 1) a
caminho do cabo de Monte Serrat. Voltada para a barra da Baía de Todos os
Santos, (Foto 3) é vista desde muitas milhas marítimas por quem se aproxima de
barco da cidade do Salvador. (DEVOÇÃO, 1995, p. 3)
A elevação na península itapagipana, atendia às exigências determinadas
nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, a começar pela
autorização do arcebispado para a construção do edifício, o qual teve o próprio
arcebispo da Bahia, na época, Dom JoBotelho de Matos, que lançou em 1745
a pedra fundamental da Igreja. O local atendia ainda à determinação onde a Igreja
deveria ser edificada
Em lugares descentes, bem acomodados e, a partir do Sínodo,
recomendava-se que se construíssem, especialmente as igrejas
paroquiais, em sítio mais alto, livre da umidade e longe de lugares
immundos, e sórdidos, e de casas particulares, e de outras
paredes, em distancia que possão andar as Procissões ao redor
dellas, porém em lugar povoado. (FLEXOR, 2003, p. 15)
Figura 1: Panorama von Bahia – Eduard Hildebrandt (A seta indica o local da Igreja do Bonfim)
Aquarela 13x73,2 cm
Staatliche Museen zu Berlin, Alemanha
Foto 3: Igreja do Bonfim vista da Baía
de todos os Santos
Fonte: Rosa Alice França, 2003
A participação da população, através do grande número de esmolas e
doações realizadas nos cofres da Igreja da Penha, é o que tornou possível a
construção da Igreja. O local para construção foi doado por Joanna Thereza de
Oliveira. No documento constava que a área cedida deveria ser o bastante para
construir a Igreja, a casa do capelão e, ainda, as casas dos romeiros o que
corresponde hoje, à casa no fundo da Igreja e todo o largo na frente com suas
construções. Como condição para a oferta, a doadora fez uma única exigência:
uma sepultura para ela e seus parentes de sangue, “abaixo dos degraus da
Capella mor”. (SANTANA, 2002, p, 86)
Após nove anos é que se inaugura o que seria o embrião da igreja, a
“capela de uma única porta e de um frontão sem torres, pronta na colina em
1754”. (VALADADES, 1975, p. 31). E em 25 de junho deste ano, a imagem do
senhor do Bonfim
5
é levada em procissão concorrida, da Igreja da Penha para a
nova Capela, onde foi se realizou uma missa solene. Após a solenidade a
imagem foi entronizada em um nicho, assim como a de Nossa senhora da Guia,
também ofertada pelo Capitão Theodózio Rodrigues de Faria, (Fotos 4 e 5)
seguindo o estabelecido nas Constituições Primeiras, quanto a preferência que as
imagens tinham no altar, sendo colocado no “lugar mais alto, as imagens de
Cristo Nosso Senhor (o Crucificado)”. E mais abaixo, em segundo lugar “a
imagem da Virgem Nossa Senhora”. (FLEXOR, 2003, p, 21)
5
Segundo Marieta Alves, a imagem que se venera no alto do retábulo é a mesma da primitiva
devoção. A cruz, porém, foi substituída em 1853, pela atual, ricamente guarnecida de prata.
(ALVES, FIFB)
Foto 4: Imagem do Senhor do
Bonfim no altar-mor
Foto 5: Imagem de N. S. da
Guia no altar-mor
A construção do edifício foi a realização do sonho de um homem, que
outrora trouxera uma nova devoção para as terras baianas. Mas o Capitão não
chegaria a presenciar a evolução da construção, que tempos mais tarde se
tornaria um dos ícones da fé dos baianos. Ao falecer o Capitão Theodózio
Rodrigues de Faria é sepultado no corpo da Capela, (Foto 6 e 7) Onde ainda hoje
se lê, a inscrição gravada na lápide: “Aqui jaz o Cap. De Mar e Guerra Theodózio
Roiz de Faria, primeiro benfeitor desta Igreja – faleceu em 22 de janeiro de 1757.”
(DEVOÇÃO, 1995, p. 6)
A construção da Igreja foi longamente aprimorada, sofrendo alterações
tanto na fachada quanto no interior. Em 1773, as torres estavam concluídas, com
seus campanários e terminações em forma de bulbos, recobertas de azulejos
amarelos. A abertura de duas portas, ladeando a principal, correu entre 1804 e
1805. Essa obra foi encomendada ao carpinteiro Miguel Vicente de Jesus, e que
foram abertas onde antes eram apenas janelas. Entre 1806 e 1807, foi feita a
substituição do piso antigo pelo atual, cuja pedra, comprada bruta, foi lavrada pelo
canteiro Miguel dos Anjos Polycarpo. (ALVES, 1951, p.6)
A reforma interna da igreja do Bonfim, teve início em 1814, 60 anos
depois de sua inauguração, começando pelo retábulo do altar-mor a ser
construído, mediante um contrato entre a Irmandade e o entalhador Antonio
Joaquim dos Santos. Grandes transformações continuaram a ocorrer em toda a
Igreja a apartir de 1816, quando foi a Berto o óculo do frontão, e assentada uma
Fotos: 6 e 7: Lápide do túmulo do CapiTão Theodózio
Rodrigues de Faria. Ao lado, detalhe da inscrição da lápide.
cruz de pedra no alto desse. É nesse período que a Igreja passa a ter a ter sua
aparência definitiva. (Foto8)
Foi assentado o piso de mármore da capela mor, em cujas paredes foram
abertas 4 lunetas, para melhorar a iluminação. Nesse tempo, o forro da capela
começou a ser confeccionado pelo entalhador Alferes Antonio de Souza Santa
Rosa,que também foi incumbido de executar quatro tribunas para o mesmo
espaço, arco-cruzeiro e dois altares colaterais. Outros artistas trabalhavam no
mesmo período, fazendo a elevação dos consistórios e 6 tribunas da nave,
originalmente muito baixas, fechando os corredores laterais e colocando grades
de ferro, feitas pelo serralheiro Domingos Corrêa Neves (IDEM)
Entre 1818 e 1819, “ultimaram-se as grandes obras com o assentamento
dos altares da nave”. A confecção de toda a talha foram rapidamente terminados
devido o número de artistas contratados. (IDEM) Marieta Alves cita ainda, vários
nomes que são relacionados em um “Livro de Receita e Despesa”, como sendo
encarregados de executar as mais diversas obras de talha na nave da Igreja.
Concluídos os trabalhos no interior da Igreja, Antonio de Santa Rosa, entre 1820
e 1821, executou a obra de talha da sacristia, onde foram colocados dois
espelhos com moldura dourada.
Em 1848, foi colocado um grande relógio na torre a direita da Igreja (dos
sinos), fabricado pelo baiano José Francisco da Rocha Tavares. O adro da Igreja
foi totalmente fechado com a colocação de um gradil, oferecido pelo comendador
Foto 8: Frontispício da Igreja do Bonfim.
Foto: Benjamin Mullock, 1860.
José Pinto Rodrigues da Costa. A execução desse gradil coube a Feliciano José
Torres.
A Igreja do Bonfim já nasce como um Santuário. O período áureo de
santuários, que se tornaram grandes centros de devoção e romaria, vai de
meados do século XVII a meados do século XVIII. Coincide esse período com a
época das bandeiras e do ciclo do ouro. É um período de desenvolvimento
econômico, riqueza e bem-estar na colônia. Dessa época datam os principais
centros de romaria de São Paulo, de Minas, da Bahia e do Nordeste. O elemento
comum no início do culto de todas essas devoções é sua origem secular. Exceção
feita dos santuários franciscanos do Nordeste são pessoas leigas que iniciam o
culto, e apenas posteriormente se nota a presença clerical.
A partir do século XIX, porém, como o movimento dos bispos reformadores,
progressivamente a autoridade eclesiástica passa a assumir o controle financeiro
e a administração espiritual dos santuários. A Devoção ao Senhor do Bonfim na
Bahia constitui mais um exemplo característico da iniciativa leiga na promoção da
religiosidade popular. (AZZI, 1978 p. 52)
A Igreja do Bonfim que ficava no extremo norte da cidade, tinha as vias de
acesso terrestres muito difíceis, inclusive com locais alagadiços, como a calçada,
que muitas vezes levava o transeunte a ficar “a mercê da maré para conseguir
Chegar até a península” Outro meio de acesso era o marítimo, com dois locais de
desembarque: o por de Mont Serrat ou no porto dos pescadores, no sopé da
colina, (SANTANA, 2002, p. 96) esse último é ligado a parte alta da colina por
uma ladeira íngreme.
Foto 9: Baixa do Bonfim sem a urbanização
Cartão postal S/d
Foto 10: Ladeira e Baixa do Bonfim já
urbanizados
Cartão postal S/d
A irmandade do Senhor do Bonfim contribuiu no melhoramento urbanístico
da colina e seu entorno, visando tornar mais fácil o acesso dos fiéis. Assim, além
da Igreja, da praça e das casas, construiu também a ladeira que proporciona a
subida da colina mais suave. Essa obra necessitou de aterro e contenção em
alvenaria de pedra. (Fotos 9 e 10) aos poucos a área próxima da Igreja foi-se
desenvolvendo e adquirindo aparência mais urbana.
Uma característica marcante da Igreja do Bonfim desde 1902, era sua
iluminação decorativa, que todo ano, no mês de janeiro, ficava acesa com várias
cores, se destacando à noite na colina, podendo ser observada de toda a cidade
baixa e de alguns lugares da cidade alta. A decoração praticamente ficava
durante todo o ano fixada e, era acesa, durante as festividades do Bonfim:
novenas do Senhor do Bonfim e de Nossa Senhora da Guia e o tríduo de São
Gonçalo do Amarantre.
Com a restauração promovida em 1998, pelo Instituto do Patrimônio
Artístico da Bahia IPAC, a iluminação foi substituída, seguindo os novos
padrões de preservação do patrimônio histórico. O projeto realizou a substituição
das antigas armações de madeira e lâmpadas coloridas, (Foto 11) que eram
parafusadas nas paredes, por uma iluminação embutida, de efeito cênico, de
modo a valorizar as formas arquitetônicas e preservar o bem cultural. (Foto 12)
Essa nova iluminação permanece acesa durante todo o ano, valorizando as
formas da Igreja que também, é um ponto turístico.
Foto 11: Igreja com a antiga iluminação
com lâmpadas presas nas paredes
.
Foto 12: Igreja com a atual iluminação cênica.
A sagração da Capela e do altar-mor ocorreu em 24 de junho 1923, quando
se completavam 169 anos da entronização da imagem do Bonfim. A cerimônia foi
presidida pelo arcebispo de Olinda, D. Miguel de lima Valverde, baiano, nascido
em Santo Amaro. Na cerimônia foram afixadas nas paredes, 12 cruzes de
mármore, atendendo a exigência do ato litúrgico para a sagração, oferecidas pelo
coronel Francisco Amado da Silva Bahia. As cruzes simbolizando os doze
apóstolos, foram colocadas ao longo da nave e mais duas nas ombreiras da porta
principal. (DEVOÇÃO, 1995p. 33)
Em janeiro de 1927, é divulgado oficialmente o Breve papal de S.S. Pio XI,
elevando à dignidade de Basílica Menor, a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim.
Neste mesmo ano foram colocados ao longo de toda a nave da Igreja, sete de
cada lado, os quadros da Via-Sacra, confeccionadas em madeira, vindos de
Milão. (Foto 13)
Até meados do século XVIII, a Igreja do Bonfim pertencia à forania da
paróquia de Santo Antônio Além do Carmo. Com a reformulação promovida por
D. José Botelho de Matos, desmembrando a região de Itapagipe dessa freguesia,
a Igreja do Bonfim passou a obedecer juridicamente à paróquia da Penha. Já com
o título de Basílica, e para melhor desempenhar o trabalho pastoral, foi então
solicitado a D. Avelar em 1981, uma solução para essa dependência jurídica em
relação ao pároco da Penha. Assim, após ouvir o Cabido Metropolitano, por
determinação do Direito Canônico, que vigia na época, foi criado e instalado em
Foto 13: As 14 estações da Via-Sacra da Igreja do Senhor Bonfim
12 de outubro de 1981, pelo mesmo D. Avelar, o Vicariato Perpétuo do Senhor do
Bonfim, dando ao santuário dignidade jurídica idêntica à de uma paróquia.
Alguns fatos que fizeram parte do desenvolvimento da devoção ao Senhor
do Bonfim e que contribuíram para o fortalecimento da fé do povo baiano:
1773 Autorização do arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide
para que a festa do Bonfim possa ser celebrada no segundo
domingo da Epifania (2º domingo de janeiro).
1792 Início da festa de Nossa Senhora da Guia na segunda-feira
após o encerramento da festa do Bonfim.
1804 O Papa pio VII, por Breve Apostólico, confirma a festa a ser
celebrada no segundo domingo de janeiro. na mesma data é
aprovada pela Mesa a entronização da imagem de São Gonçalo do
Amarante.
1809 É introduzido o uso de “medidas” (fitinhas), registros e
estampas do Senhor do Bonfim e de Nossa Senhora da Guia.
1823 Pela primeira vez sai do nicho e deixa o altar a imagem do
Senhor do Bonfim.
1839 – O musicista, Damião Barbosa de Araújo, compõe as músicas
para as novenas.
1862 – Colocação do serviço de iluminação a gás carbônico.
1863 Inauguração do chafariz na praça e colocação do gradil de
ferro que contorna a Igreja.
1890 – O arcebispo, como apoio da Força Pública, proíbe a lavagem
dentro da igreja.
1923 – No dia 16 de maio é aprovado o Hino Oficial por D. Jerônimo
Thomé da Silva, neste mesmo ano, no dia 24 de junho, acontece a
sagração da Igreja por D. Miguel de Lima Valverde, baiano,
arcebispo de Olinda.
Em 1980, o papa João Paulo II se encontrou pela primeira vez com
o Senhor do Bonfim no Centro Administrativo. Em visita pela
segunda vez à Bahia, em 1991, Sua Santidade resolveu ir à própria
Igreja do Bonfim e, lá se ajoelhou diante do altar e fez sua oração.
Fazem parte também, do acervo da Igreja do Bonfim, os ex-votos
6
, que são
oferecidos, por alguma graça alcançada, ou milagre. Todo tipo de oferta é
colocada na sala dos milagres, ao lado esquerdo da nave, de uma foto 3x4, como
centenas que nas paredes, a desenhos pinturas, e até objetos ligados ao
próprio milagre.
Até o século XIX, haviam oficinas especializadas nesse ofício. Profissionais
produziam os mais diversos tipos de ex-votos, que podiam ser em diversos
matérias, inclusive existiam ex-votos em metais preciosos. Mas a forma mais
comum eram as pinturas, onde era comum a representação da situação pela qual
o devoto passou.
Os riscadores de milagres foram vários. Mas nenhum entretanto
atingiu a importância de João Duarte da Silva, sua oficina Tillete
de Flora, na ladeira do Taboão, junto a santeiros e douradores,
que tanto conservaram e transmitiram o saber e a beleza da
Bahia. O autor desses desenhos e pinturas há de ser descritivo no
detalhe e expressionista na representação. Todos os objetos
figurados adquirem intenção de narrativa. As cores valem em
nome das emoções. Um saveiro em um naufrágio é um ente que
necessita ser salvo. (VALLADARES, 1967, p. 88)
Foram tantos e tão significativos, os ex-votos depositados na Igreja do
Bonfim, que a Irmandade resolveu criar um museu dedicado a essas doações.
Peças mais representativas e com valor artístico, além de peças em metais
preciosos, além de pinturas de valor artístico, como no caso de uma tela pintada
por Miguel Cañizares, fundador da Escola de Belas Artes da Bahia, estão
expostos nesse museu, que funciona no corredor do andar superior à esquerda
da nave, logo acima da sala dos milagres.
Antropológica e socialmente, os ex-votos correspondem a documentos de
relevante importância para compreensão do comportamento coletivo, da idade
6
Os ex-votos são testemunhos público das graças alcançadas, e ao mesmo tempo das
promessas cumpridas. Todo conceito antigo de religião fundamentava-se numa espécie de aliança
entre o homem e a divindade. Nessa aliança Deus faz a sua parte atendendo às súplicas dos
devotos, e estes por sua vez manifestam sua gratidão cumprindo as promessas feitas e deixando
junto dos lugares de culto seus ex-votos. A tradição de ex-votos no Brasil vem desde o período
colonial e nos principais santuários do Brasil em que romarias, encontra-se anexa a casa dos
milagres, onde se recolhem os ex-votos dos fiéis. Na realidade, esse tipo de culto aos santos nem
sempre era vinculado à prática sacramental. Seguindo ainda a mentalidade medieval, a prática de
promessas foi geralmente considerada mais importante na devoção popular do que a mesma
recepção dos sacramentos. (AZZI, 1971, p. 40-41) indícios de ex-votos desde o século XIV,
como uma Madona de Paolo (produzida em Veneza entre 1333 e 1453). Vários retábulos foram
construídos durante a Idade Média, evocativos de graças. No século XV aparecem os ex-votos a
Jesus Crucificado. (VALLADARES, 1967, p. 97)
cultural e da atitude estética, assim como caráter de uma sociedade.
(VALLADARES, 1967, p.97)
Para se ter uma idéia do alcance da significação dos ex-votos no contexto
da Basílica do Bonfim, a pintura realizada por Franco Velasco, no forro da igreja,
registra uma cena de entrega de ex-voto. Das pinturas existentes no museu da
Igreja do Bonfim, retratando as mais diversas situações, a presença da imagem
do Senhor do Bonfim é inserida na tela com destaque, muitas vezes sobreposta
na tela. (Fotos 14, 15 e 16)
1.3 Outros pintores que trabalharam no Bonfim
Os mais afamados artistas baianos do século XIX, pintores escultores,
entalhadores, douradores, músicos, compositores e poetas fizeram obras para
sua decoração, festas e novenas, (VALADADES, 1975, p. 32). Foram no total
quatro pintores que deixaram impressa sua arte nas paredes e teto da Igreja,
contribuindo para a decoração de um templo que despontava como centro de
peregrinação no século XIX. Em quase toda parte, pinturas não
complementavam a ornamentação, mas sobretudo, serviam como catequese
ilustrada, pois nas igrejas os temas mais pintados eram os que se referiam às
histórias sacras, servindo para os iletrados que não podiam apreender a Escritura,
ensinando-o por meio das figuras. (BARDI, 1981, p.91)
Fotos 14, 15, e 16: Ex-votos da Igreja do
Senhor do Bonfim
1.3.1 José Teófilo de Jesus
Autor da maior quantidade de pinturas pertencentes ao acervo da Igreja do
Bonfim, José Teófilo de Jesus era filho de Antonio Feliciano Borges e Josefa de
Santana. São desconhecidos o local e a data de seu nascimento, apenas se sabe
que nasceu no século XVIII e que faleceu em 19 de julho de 1847, mas sem
registro do local. Viveu em Salvador, e foi casado com Maria Rosa de Jesus.
Segundo ALVES (1976, 89), chegou a trabalhar em outros locais fora de
Salvador, como Itaparica e Sergipe.
De sua produção artística, os mais antigos que se tem notícia são quatro
painéis executados para as paredes laterais da Capela do SS. Sacramento da Sé.
Pintou para a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, em duas épocas,
primeiro em 1802, e depois, por volta de 1844. Na capela do SS. Sacramento da
antiga Igreja-Matriz de São Pedro, demolida, executou obras de douramento e
pintura, em 1812, e em 1816, foi contratado pela Ordem Terceira do Carmo para
realizar, o douramento de toda talha da Igreja e a pintura o teto da nave. Na Igreja
de São Domingos, em 1822, pintou dois retratos de Irmãos instalados no
consistório. Em Itaparica, é de sua autoria o altar do Senhor dos Milagres,
realizado em 1823. (IDEM)
O conjunto de pinturas realizado para a igreja do Bonfim, inclui seis painéis
para a sacristia – realizados entre 1836-1837 – e mais 34 quadros para os
corredores laterais
7
pintados no período entre 1838 e 1839. (ALVES, 1976, p. 89)
Todas as pinturas são óleo sobre tela e estão emolduradas com talha em estilo
neoclássico, acompanhado o mesmo desenho adotado em toda a Igreja. Tanto os
painéis da sacristia quanto os quadros menores, apresentam episódios da vida de
Cristo.
7
Atualmente, só é possível apreciar essas telas pagando. Pois estão instaladas no museu da
Igreja situado no pavimento superior do templo. A última restauração se deu em 1982.
Foram selecionados como exemplos do conjunto pintado por José Teófilo
de Jesus quatro painéis da sacristia e três quadros dos corredores. Logo à
entrada da sacristia, um dos painéis apresenta a imagem do nascimento de Jesus
e a adoração dos pastores (foto 17), em frente a esse, o painel tem a imagem de
Jesus adulto e João Batista, é uma representação de O Batismo de Cristo (foto
18). Ainda na sacristia, os painéis com as representações de A Última Ceia
(Foto19) e Encontro de Cristo com a Adúltera (foto 20).
Do conjunto de 34 telas, foram selecionadas três pinturas pela
particularidade que apresentam. São “quadros de cantos”, com uma dobra que
forma 90º, Uma forma incomum de apresentação de pinturas (Fotos 21, 22 e 23).
Não se tem notícia de outros exemplares de quadros com essa tipologia, na
história da pintura na Bahia. São desconhecidos os motivos para essa façanha,
bem como a modalidade que José Theófilo usou para conseguir realizá-la.
Foto 18: O Batismo de Cristo
Foto 17: A Natividade
Foto 19: A Última Ceia
Foto 20: Encontro de Cristo com a Adúltera
Nas duas primeiras telas foram pintados dois milagres de Cristo. Na
primeira, a ressurreição de Lázaro (Foto 21) e na segunda a passagem em que
Jesus acalma uma tempestade (Foto 22). Na terceira tela a representação do
momento da decapitação de João Batista (Foto 23).
1.3.2 Bento Rufino Capinan
Bento José Rufino da Silva, outro pintor que também fez parte da
decoração da Igreja do Bonfim. São desconhecidas suas datas de nascimento e
morte. Apenas que faleceu na Bahia, no século XIX. Produziu um número
significativo de obras, encomendadas por igrejas e particulares. Realizou pinturas
para a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco em 1849 e no ano seguinte,
recebeu nova encomenda da a mesma Ordem Terceira. Pintou a transfiguração
de Cristo no Monte Tabor para a Capela do SS. Sacramento da demolida Sé
Primacial do Brasil. Em 1830, pintou um retrato do Imperador D. Pedro I. Embora
Marieta Alves afirme que o mesmo tinha poucos dons para retratista. (ALVES,
1976, p. 44)
Na Igreja do Bonfim, é de sua autoria, apenas uma tela, localizada na
entrada da Igreja, sob o coro, à esquerda. A cena pintada se chama “A Morte do
Pecador”. (Foto 24)
Foto 21: Jesus cura um
homem enfermo
Foto 23: Jesus acalma a
Tempestade
Foto 22: Decapitação de João
Batista
1.3.3 Tito Nicolau Capinan
Filho de Bento Rufino Capinam, também não se tem conhecimento de suas
datas de nascimento e morte, apenas se sabe que viveu e morreu na Bahia, no
século XIX. onde faleceu. Exerceu como seu pai, grande atividade na Bahia.
Elaborou várias telas, entre 1862 e 1867, para o claustro da Igreja da Ordem
Terceira de São Francisco.
A exemplo do pai, Tito realizou apenas uma pintura, para a Igreja do
Bonfim. É de sua autoria a grande tela fixada na parede junto à entrada da Igreja,
em frente à de Bento Rufino Capinam. A tela tem a representação de “A Morte do
Justo”. (Foto 25) Essa pintura junto com a de seu pai, formam uma narrativa, que
mostra os momentos finais de um cristão, de acordo com sua conduta durante a
vida. A inspiração para essa iconografia está no Evangelho de São Lucas capítulo
16, versículos 19 a 31, onde é narrada a “parábola do rico e de Lázaro”.
Foto 25: A Morte do Justo
Foto 24: A Morte do pecador
O empenho da Irmandade em construir uma Igreja própria para devoção ao
Senhor do Bonfim, se concretizou num santuário que acolhe até hoje, milhares de
devotos. O próprio acervo artístico singular, da Igreja, documenta duas vertentes
complementares: a religiosidade local embasada no culto ao Senhor do Bonfim; a
evolução das artes, especialmente no que tange às artes plásticas. Trata-se de
um registro fiel da origem e desenvolvimento de uma devoção que se mantêm
viva até os dias atuais. Uma história traduzida em imagens.
A instalação da devoção ao Cristo Crucificado em Salvador, foi um marco
para história religiosa e social de Salvado, ao ponto da Igreja do Bonfim virar
referência de peregrinação e turística do Estado. Essa invocação tomou
proporções tão grandes, que hoje é venerada apor quem mora fora da Bahia.
Senhor do Bonfim e Bahia hoje, são quase que sinônimos um do outro: não se
vem à Bahia sem ir ao Bonfim; o se fala em Senhor do Bonfim sem lembrar da
Bahia.
Capítulo II
VIDA E OBRA DE
FRANCO VELASCO
E que vem a ser o homem, qualquer homem,
visto que é apenas homem?
Santo Agostinho
2.1 FRANCO VELASCO: O HOMEM
2.1.1 Origem e família de Franco Velasco
Antonio Joaquim Franco Velasco nasceu, a 3 de setembro de 1780, em
Salvador e era filho de Mateus Franco da Silva e Maria Francisca de Molina
Velasco. Em 15 de Dezembro desse mesmo ano, foi batizado na Igreja Matriz de
São Pedro, tendo como padrinhos José Pinto Pereira, casado e D. Candida Maria
de Encarnação, ambos desta Freguesia.. (ALVES, FIBI).
Para se descobrir mais algum fato sobre a origem de Franco Velasco,
recorreu-se a fontes especializadas em genealogia, a exemplo do Dicionário
Bibliográfico Brasileiro (BLAKE, 1883) e o Dicionário das Famílias Brasileiras
(BARATA, 1999), mas o foram encontrados quaisquer indícios dos sobrenome
do pai nem da mãe a ascendência dos pais de Franco Velasco continua
desconhecida.
Embora o se saiba as circunstâncias em que se conheceram, Franco
Velasco casou com Feliciana Delfina Sanches. Sobre essa união, foram
descobertos mais detalhes, com base em um ensaio biográfico
8
sobre o pintor
existente no arquivo do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia – IHGB, da
8
O documento manuscrito não possui data, mas a julgar pela caligrafia, indica que foi do final do
século XIX. Além disso, a presença de uma letra “V”, na parte superior da folha, ao centro e do
número 6”, no canto superior esquerdo, leva a crer que o registro deveria fazer parte de um
documento maior.
autoria de José Álvares do Amaral
9
. No texto o cronista afirma que Franco
Velasco,
Casou-se com D. Feliciana Delfina Ribeiro Sanches; desse
consórcio nasceu 7 filhos, os quais, com todo esmero, e
inteligência, educou na carreira da sciencia e da virtude,
fallecendo, quando o mais velho se achava na Faculdade de
Direito de Pernambuco. (ANEXO 2).
Consultando os inventários de Franco Velasco de 1866, e o de sua esposa,
de 1864, se verificou que os detalhes da sua vida familiar, apresentados por
Álvares do Amaral são equivocados. Nos dois inventários há apenas os nomes de
três filhos como herdeiros, a saber: Clotildes Augusta Velasco Carneiro, Cândida
Velasco de Brito e Augusto Franco Velasco. Além disso, em nenhum documento
indicação de que algum dos filhos tenha estudado em Pernambuco, como
afirma o cronista. O único filho de Franco Velasco que estudou em outro Estado,
foi Augusto Franco Velasco.
Duas anotações no Inventário de Feliciana Delfina Velasco, revela que o
filho estudou no Rio de Janeiro, tendo formação militar. Na relação de
abatimentos, entre outros, manda-se descontar 276$160, (Duzentos e setenta e
seis mil e cento e sessenta réis) paga ao negociante Brandão... da despeza feita
no Rio de Janeiro, quando menor o herdeiro Augusto Franco Velasco na
Academia de marinha. (ANEXO F) No mesmo inventário, essa referência é
repetida no “Auto de partilha” na descrição do “quinhão” da filha Cândida Velasco
Correa de Brito. Na relação dos descontos está a educação do herdeiro Augusto,
quando menor no Rio de Janeiro, na Eschola de Marinha (ANEXO G)..Depois de
concluídos os estudos, o filho de Franco Velasco prestou serviço militar. Como
está no inventário de 1866, que diz que o capitão Augusto Franco Vellasco
auzente no exército do sul do Império... (ANEXO B)
9
Segundo anotações de Marieta Alves, José Álvares do Amaral era Cronista por vocação. Nasceu
em 17 de outubro de 1822, no Engenho Cagí, situado no distrito de Abrantes, filho de Antonio
Joaquim Álvares do Amaral e Ana Figueiredo Melo Amaral. Concluídos os estudos preliminares na
Bahia, viajou para Portugal, matriculando-se na universidade de Coimbra. Cursava o 3
o
ano de
engenharia, quando foi nomeado escriturário* do governo, regressando para Salvador afim de
assumir o cargo, em cujo desempenho se houve com dignidade, aposentando-se como Oficial
Maior da mesma secretaria. Militou na imprensa, era polemista temido e foi um dos fundadores da
sociedade patriótica “Dois de Julho”. Deu-lhe notoriedade seu trabalho Resumo Cronológico e
Noticioso da Província da Bahia, desde o seu descobrimento em 1500”, que a Revista do instituto
Geográfico e Histórico da Bahia, No 47, publicou na íntegra, com anotações de J. Teixeira Barros,
que lhe traçou ligeira biografia. José Álvares do Amaral faleceu em 3 de Novembro de 1882.
(ALVES, Arq. Pés. APEB, Pasta 27)
Nos inventários de Feliciana Delfina Velasco e de Franco Velasco,
mostram que ambas possuíam o último sobrenome diferente dos pais, o que
indica que eram casadas, na época. Na documentação consultada foi
comprovada a situação de uma delas, no caso, Clotildes que tinha seu nome,
associado ao do marido.
Na relação de herdeiros do inventário de Franco Velasco, primeira folha,
“Coronel Nicolau Carneiro Filho
10
, como por cabeça de sua mulher, D. Clotildes
Augusta Velasco Carneiro (ANEXO X). Esse nome consta da mesma forma, nas
demais folhas do masso, onde se faz referência aos herdeiros.
O inventário de Clotildes Augusta Velasco Carneiro, de 1877, confirma o
nome de Nicolau Caneiro da Rocha como seu marido, e lista os nomes dos filhos
do casal, Dr. José Rodrigues de Figueiredo
11
e D. Maria José de Figueiredo
Serva
12
. (ANEXO 9)
Em relação à outra filha do casal Velasco, Cândida Velasco Correa de
Brito, pela falta de maiores dados nos inventários de Franco Velasco e de
Feliciana Delfina, e como também, não se encontrou qualquer outro documento a
seu respeito, não foi possível descobrir se a mesma era casada, ou qual sua
condição social. Tampouco se teve filhos.
O casal Velasco possuíam uma vida modesta, com poucos bens. É o que
fica claro na relação de bens no inventários de Felicia Delfina Velasco, apenas
um casal de escravos africanos, que serviam para o serviço
doméstico, um “conhecimento da Sociedade do Comércio da
Bahia de trezentos mil reis, uma caza de morada de um andar,
dita ao Portão da Piedade, Freguesia de S. Pedro Velho, com
todas suas lojas, cedida por vontade dos herdeiros, a herdeira D.
Candida Augusta Velasco de Brito. (ANEXO 7)
10
Embora na relação de herdeiros o nome apareça como Nicolau Carneiro Filho, em um outro
documento, do mesmo inventário, consta Nicolau Carneiro da Rocha. Era descendente de uma
antiga e nobre família, de origem portuguesa estabelecida na Bahia, procedente de Antonio
Carneiro, senhor da Ilha do Príncipe. O major, e depois Coronel, Nicolau Carneiro da Rocha, foi
Juiz de Paz, em 1881, da Freguesia da Sé e Escrivão da Recebedoria Provincial da Bahia.
(BARATA, Carlos Eduardo de Almeida; BUENO, Antonio Henrique da Cunha. Dicionário das
famílias brasileiras. São Paulo: Ibero América,1999. V1, p. 656
11
No documento aparece entre parênteses a observação: Doutor em Medicina pela Faculdade da
Bahia
12
Da mesma forma que a citação anterior: viúva de Dr. José Antonio da Silva Serva
O endereço da família, como está descrito na relação acima, pode ser
confirmado através a notação feita no testamento do filho Augusto, de 1891, que
também confirma sua filiação
Declaro que sou filho legítimo do capitão Antonio Joaquim Franco
Velasco e sua mulher D. Feliciana Delfina Sanches Velasco
ambos falecidos. Nasci na Freguesia de S. Pedro d’esta cidade
aos 23 de janeiro de 1832 (ANEXO 10)
A partir do estudo desenvolvido por Ana Amélia Vieira Nascimento, pode se
ter idéia da valorização da residência dos Velasco. No texto, a pesquisadora faz
uma comparação com as freguesias de Santo Antonio Além do Carmo e a de
Santana, que apresentavam uma grande maioria de casas térreas, e mostra que,
na freguesia de São Pedro Velho, havia um número reduzido de casas térreas,
em relação à edifícios de um, dois e três andares e, até mesmo, de quatro
pavimentos. (NASCIMENTO, 1986, p. 42).
No mesmo texto há uma análise do mercado imobiliário, no século XIX, e
deduz que havia uma variação de valores conforme a freguesia onde os imóveis
estavam situados. Conclui sua análise afirmando: As casas mais valorizadas
eram as que estavam na freguesia de São Pedro, as de menor valor as da Sé,
que estavam sendo vendidas para renda. (IDEM, p. 44) Essa freguesia reunia o
maior número de profissionais liberais e funcionários públicos. Além de ser local
escolhido por senhores de engenho, para residência sasonal quando em suas
temporadas pela Cidade. E completa a descrição desta freguesia com a seguinte
observação:
Tornava-se evidente que, nessa época (séc. XIX), a freguesia de
São Pedro abrigava grande parte da elite intelectual e social da
cidade. Seus sobrados ainda não eram tão subdivididos em fogos
como já estavam os da Sé (IDEM p. 81).
Sob esse aspecto, pode-se verificar que Franco Velasco e sua família,
além de morar em local de boa vizinhança, possuíam um imóvel valorizado,
dentro dos padrões da época, levando em consideração o tamanho e a
localização do mesmo.
2.1.2 Participação na Santa Casa de Misericórdia
Franco Velasco foi eleito em 1830, tendo seu nome registrado no Livro de
Eleições do período de 1790 1860. Na folha 100 deste livro, foi registrado o
“Termo de Eleição do Provedor e Mesários que hão de servir nesta Casa de
Santa Misericórdia no presente ano de 1830 para 1831”. Datado de dois de julho
de 1830 o texto traz os nomes dos irmãos eleitos e os respectivos cargos que
assumiriam. Nessa nova formação da mesa da Santa Casa, Franco Velasco, é
eleito para 2º Mordomo.
Em 19 de abril de 1831, Franco Velasco obtém o registro de seu ingresso
na Santa Casa de Misericórdia da Bahia. (ALVES, 1976, p. 187) No Livro de
Termos de Irmãos nº 6, está registrado,
...”apareceu presente Antonio Joaquim Franco Velasco casado
com D. Feliciana moradores da Rua do Bispo, e por elle me foi
dito, que sendo elleito para servir na Mesa ellegida este presente
anno se tinha obrigado as obrigações de seu cargo como
despoem o compromisso”... na conformidade da deliberação da
Mesa e Junta lançado no Lº 5º de accordãos af 17 (ANEXO 16).
A respeito deste documento, duas observações são relevantes: em
primeiro lugar, é citado no texto, que o casal, na época, morava na Rua do Bispo,
que segundo, essa rua ficava no “Curato da ”. Durante a presente pesquisa,
não se encontrou qualquer referência a esse endereço, seja em documentação
manuscrita ou impressa. A residência da família, pelo que consta nos inventários
citados, era na Rua do Portão da Piedade, situada na freguesia de São Pedro
Velho NASCIMENTO (1986, p. 51). A confirmação desse endereço, está no
testamento do filho Augusto Franco Velasco, onde o mesmo, atesta que em 1832
a família Velasco morava na freguesia citada.(ANEXO I)
Em segundo lugar, o texto registra que Franco Velasco fora eleito para
servir na mesa e que a deliberação estava lançada no Livro de Accordãos à
folha 17. Analisando o referido livro verificou-se que na citada página, o termo de
compromisso registrado se refere a uma outra pessoa e assunto diferente. O texto
registra: “Termo de Obrigação, que fez José de Souza Vieira de pagar a esta Sta
Caza mais dez mil anualmente, a bem dos cento e vinte mil reis, que pagava de
aluguel da caza 27 sita ao Cais Novo, como abaixo se declara”. (Liv ,
Accordãos, fl. 17). O nome Franco Velasco, aparece, pela primeira vez, na
folha 196, do mesmo livro, no “Termo da Sessão da Mesa de 11 de julho de
1830”:
“Aos onze dias do mez de julho de mil oitocentos e trinta anos
nesta Cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos e
Consistório da Casa da Santa Misericórdia em acto de Mesa
reunidos o Irmão Provedor o Capitão Manoel José Ricardo comigo
Escrivão Manoel Ferreira de Araújo, o Irmão Thesoureiro da
Consignação da Casa Manoel Joaquim Ferreira da Matta, o Irmão
Mordomo de Prezos Paulo José de Mello, e o Antonio
Joaquim Franco Velasco”(...) (IDEM, fl. 196).
2.2 FRANCO VELASCO: O ARTISTA
2.2.1 Aprendizado e ofício
Até o início do século XIX, antes que fosse criada a aula pública de
Desenho na Bahia, o aprendizado se dava através dos mestres, que aceitavam
quem executasse com eles, o trabalho artístico em pintura, através de oficinas.
Era uma espécie de fábrica e escola onde um mestre controlava tudo, um sistema
de trabalho corporativo. O dirigente dessa escola oficina era sempre o mestre-
pintor, designação profissional dada e utilizada para aqueles que melhor
praticavam um ofício. (SANTOS, 2002, p. 54)
A esses mestres cabia a concepção do trabalho e os arremates, de alguns
detalhes específicos como os desenhos de mãos e rostos. Ficavam os oficiais
auxiliares, encarregados do resto da composição. Os aprendizes começavam a
aprendendo a preparar as tintas e os desenhos, e participavam das pinturas.
(IDEM)
Segundo Manoel Querino (1909, p.64), a formação de Franco Velasco teve
início com o mestre José Joaquim da Rocha. O historiador afirma que Velasco
fora,
entregue ao pintor José Joaquim da Rocha
13
, que o recebeu de
bom grado; e, conhecendo o natural pendor do discípulo, facilitou-
13
José Joaquim da Rocha nasceu em 1837 e faleceu em 1807, naturalidade e filiação são
igoradas. Segundo Marieta Alves, o pintor realizou diversas obras para a Santa Casa de
Misericórdia ao longo de dez anos, entre douramentos e pinturas. Realizou ainda os mesmos tipos
de serviços para outras igrejas, a exemplo da Ordem Terceira do Carmo, (desaparecida no
lhe os meios de estudar a arte que mais tarde soube honrar,
distinguindo-se entre os mais notáveis.
Manoel Querino tomou como base para seu texto, no referido ensaio
biográfico de Álvares do Amaral, citado anteriormente e, cuja semelhança dos
textos confirma essa afirmativa. O autor do ensaio afirma que, José Joaquim da
Rocha, pintor e autor de diversas obras sacras, conhecia a família Velasco e, sem
dar maiores detalhes, revela que, em contato com a mãe de Franco Velasco teria
dito que
conheceu nelle, pela attenção que prestava as produções d’arte e
indagações a propósito, que o moço Velasco era amador da
arte e fez disto sciente de sua juduciosa Mãe, que, consultando a
vontade do filho, respondeu muito a desejava seguir debaixo da
direção do dito pintor. (ANEXO A)
O documento manuscrito não possui data, mas a julgar pela caligrafia,
indica que foi do final do século XIX. Além disso, a presença de uma letra “v”, no
centro e do número “6”, do lado esquerdo superior da página, leva a crer que o
registro deveria fazer parte de um documento maior.
A ligação de Franco Velasco e José Joaquim da Rocha, como mestre e
discípulo, que tanto Álvares do Amaral como Manoel Querino afirmam, é
questionada por Carlos Ott, que deduz ser pouco provável que Franco Velasco
tivesse desenvolvido seu aprendizado com tal mestre. Em seu livro A Escola
Bahiana de Pintura, Carlos Ott (1982, p. 125), diz que,
os cronistas afirmam ter sido ele discípulo de José Joaquim da
Rocha. Entretanto a última encomenda executada pelo último foi,
em 1796, quando Franco Velasco tinha apenas 16 anos de idade.
Se conheceu o mestre, foi tudo; mas não creio que trabalhou com
ele.
Apesar dessa afirmação, o próprio Carlos Ott, em a Evolução da Artes
Plásticas nas Igrejas do Bonfim, Boqueirão e Saúde, admitiu a condição de
Franco Velasco como discípulo de José Joaquim da Rocha. Ao comentar sobre
as pinturas da Igreja do Bonfim, após breve descrição da temática da pintura do
teto, o autor comentou que JoJoaquim da Rocha, o mestre do pintor do teto do
Bonfim, tratou do mesmo tema, uma geração antes apenas (OTT, 1979, p. 97). O
incêndio de 1788) entre outras. A pintura que o consagra é a realizada na Igreja de Nossa
Senhora da Conceição da Senhora da Conceição da Praia. Obra monumental, que segundo a
historiadora, prova o talento e o arrojo da imaginação do artista. (Alves, 1976 p. 150).
fato que, em nenhuma outra obra consultada, foram encontrados dados sobre o
processo de aprendizagem de Franco Velasco nas artes e, tampouco de algum
outro mestre que possivelmente lhe tenha ensinado.
Consta do texto de Álvares do Amaral, uma descrição de Franco Velasco
como um homem que não se contentava com o aprendizado na prática com um
mestre, traçando um perfil de homem em busca de informações de outras fontes,
e que, sendo estimado dos homens instruídos daquella época, os quais lhe
franqueavam suas livrarias, e
tendo elle familiarizado com diversas línguas, lia nas livrarias do
Padre Francisco Agostinho Gomes, Alexandre Gomes Ferrão e
Andrades; estudara a história das artes, a vida dos pintores
celebres, suas diversas escolas e os quadros capitaes que nella
existiam, tanto pela expressão, como pelo relevo e effeito do
claro-escuro, dando-se também no estudo da perspectiva e
arquitetura. (ANEXO A).
Essa é uma referência aos acervos particulares, e também da Biblioteca
Pública que,
proposta por Pedro Gomes Ferrão, que por si e por seu parente
Alexandre Gomes Ferrão, e o padre Francisco Agostinho Gomes
offereceram os primeiros livros, assim como o próprio governador.
A biblioteca foi aberta com 3.000 volumes, (...) (BOCCANERA
JUNIOR, 1926, pp. 130/131). ...fundada em 13 de maio de 1811,
por D. marcos de Noronha e Brito (8. Conde dos arcos), e
solenemente inaugurada em 4 de agosto do mesmo ano, sob a
denominação Livraria Publica da Bahia, no vastíssimo salão do
andar superior da antiga Cathedral (hoje basílica do Salvador),
onde outrora fora instalada a Biblioteca dos jesuítas.
(BOCCANERA JUNIOR, 1928, p. 95)
O Jornal Idade D’Ouro do Brasil de maio de 1811, publicou as primeiras
iniciativas da abertura desse estabelecimento, Sábio também o Plano para o
estabelecimento da Biblioteca Pública pelo Coronel Pedro Gomes Ferrão Castelo
Branco (Idade, 17 mai 1811, p. 6). Em agosto do mesmo ano, o periódico relatou
a inauguração, que teve a presença do Conde dos Arcos, Governador da Bahia
na época, além de “pessoas de todas as ordens”:
Domingo 4 do corrente se fez a abertura solene da Livraria desta
cidade na mesma cas, que foi Livraria do Collegio dos proscritos
Jesuítas.
Nesta ocasião recitou o Coronel Pedro Gomes Ferrão Catelo
Branco huma elegantíssima oração, em que se notava erudição
escolhida, e literatura vasta com profundas reflexões adequadas
ás circunstancias, e actual situação política do mundo...
Todos os dias a excepção das Quartas feiras estará a Livraria
patente a todas as pessoas de qualquer condição.
(Idem, 2 de ago 1811 p. 6)
Ainda, para registro, vale apresentar os dados do Alamanaque de 1812,
que entre outras coisas, confirma os nomes do Padre Francisco Agostinho Gomes
e Alexandre Gomes Ferrão, também citados por Àlvares do Amaral, além de
apresentar a função das pessoas citadas na instituição,
Livraria Publica
Tendo sido benignamente acolhido, e poderosa, e eficazmente
auxiliado pela Sabedoria de S. Excellencia o Senhor Conde
General , mereceu também a Augusta, e graciosa aprovação de
S. A. R. Diretores e administradores das subscrições Voluntárias
que se distinão para fundo da Biblioteca Publica. Pedro Gomes
Ferrão. Ao Maciel 8. José Avelino Barboza. Rua dos Capitães
52. São eleitos anualmente a pluralidade de votos do
subscriptores. Secretário. O Padre Francisco Agostinho Gomês.
Beco das Marôas 8. Thesoureiro. Manoel José de Mello. Rua
de Baixo N. 18. (ALMANACH, 1812)
2.2.2 O professor de desenho
O governo de D. Marcos de Noronha e Brito, Conde dos Arcos (1810 -
1818), é apresentado como um dos mais prósperos para Bahia, entre outras
coisas, é chamada a atenção para o desenvolvimento que tomaram a instituição
pública e as letras. Não menos que vinte e quatro cadeiras de primeiras letras,
latim, agricultura, desenho, chimica, musica, pharmacia, etc. (BOCCANERA 1926,
p, 130).
Por indicação do Conde dos Arcos, o Príncipe Regente institui “sob a data
de 8 de agosto de 1812, a Aula de Desenho de Figura da Cidade do Salvador”
(CAVALCANTI, 1974. p, 505). Inaugurada em 20 de maio de 1813, foi nomeado
“Antonio da Silva Lopes, artista português, ex-primeiro substituto da Academia do
Nu, de Lisboa”, como professor e primeiro diretor, da “Aula blica de Desenho
da cidade do Salvador”. “Cinco anos depois de fundada, a aula passaria a ser de
Desenho e Figura”. (IDEM)
Insatisfeito com o salário, o professor, que foi nomeado “com o ordenado
de quatrocentos mil réis” (ANEXO 17), solicita diretamente ao governo no Rio de
Janeiro, aumento de salário, e obtém resposta positiva em Carta Régia de 1819,
enviada do Palácio do Rio de Janeiro para o Conde de Palma, aqui na Bahia,
autorizando o reajuste.
Sobre Antonio da Silva Lopes, Querino diz que, o professor parecia não ter
methodo de ensino ou vocação para o cargo em que fora investido. Completa
afirmando que, os alunos levavam até meses para desenhar uma cabeça em
tamanho natural, fato que deveria desestimular o alunato. Finaliza afirmando que
durante a sua regência, a escola não deu um só pintor. (QUERINO, 1909, p. 47)
Essa questão levantada por Querino é confirmada no Livro de Termo de
Juramento e Posse de Cargos, onde consta a nomeação de Franco Velasco para
a Cadeira de Desenho. Na introdução do texto é evidenciado que, o ocupante
anterior não cumpria com suas obrigações. Ao que parece, além de não estimular
os alunos, abandonou o cargo sem comunicar ao Governo:
Constando, que ate o prezente esta sem exercício a Cadeira de
Desenho desta cidade, ou por negligencia do Proprietario, que ate
hoje se não tem appresentado a este Governo, depois da feliz
restauração da Cidade, ou por indesposição absoluta, dos
alunnos, e convindo que a mencionada Cadeira pres-/ta ao
Publico as atividades correspondentes ao fim para que/ foi criada.
(ANEXO N).
Franco Velasco tentou ingressar como professor da aula de Desenho em
1816. Sobre isso Marieta Alves (1976, p. 187) faz o seguinte comentário: ... foi,
também, lente-substituto da Aula de Desenho, nomeado em 1816 por D. João VI.
Em suas anotações pessoais, a historiadora mostra que tinha conhecimento de
um documento em que Franco Velasco solicitava sua nomeação:
Em 1816, desejando transmitir os conhecimentos adquiridos a
seus conterrâneos, Franco Velasco requereu a D. João VI sua
nomeação para lente substituto da Aula de Desenho, recém-
criada na Bahia. (ALVES. APEB, pasta 33).
Essa anotação é confirmada pelo ofício, de 17 de maio de 1816, dirigido ao
Conde dos Arcos, solicitando recomendações para o parecer no seguinte
requerimento de Velasco:
Diz Antonio Joaquim Franco Velasco, Proffessor de Pintura em a
Cidade da Bahia, que tendo applicado desde tenros annos aquella
Nobre Arte de Pintura e Desenho, e está de prezente exercitando
de geral louvor, e reputação. Mas porque o Supplicante dezeja
ardentemente ser útil ao Estado, e a seus compatriotas, e no
mesmo paço ellevar-se, quanto possivel seja, àquele grão de
perfeição que constitui os Mestres da Arte (...) recorre por isso o
Supplicante a V. A. R. para que seja servido de Fazer-lhe a Graça,
e mercê de Nomear Lente Substituto da referida Aula, para
substituir o actual Lente nos seus legítimos impedimentos sem
vencimento de honorário, ou estipendo algum, ficando unicamente
o Supplicante com immediata e futura sucessão ao lugar de Lente,
todas as vezes que este venha a vagar por qualquer motivo que
seja. (ANEXO M).
O texto deixa claro que Franco Velasco desejava tanto o cargo, a ponto de
se colocar à disposição para do Governo, mesmo sem receber pagamento.
Ao contrário do que Marieta Alves declarou, o pedido de Franco Velasco
não foi atendido, sua nomeação de fato, ocorre cinco anos depois. Em 1821
Franco Velasco foi nomeado lente-substituto da cadeira publica de Desenho desta
cidade, como comentou (QUERINO, 1909, p. 44), que ainda informou: Em 1825,
obteve a nomeação effectiva para a referida cadeira..
O próprio documento de nomeação traz o registro, que em Carta Régia de
1821, o pintor já estava apto a assumir a cadeira de Desenho,
Que entre na effectividade della Antonio Joaquim Fran-/ co
Velasco, o qual tem a substituição, e espectativa que/ lhe foi
conferida por Carta Regia de vinte hum de Novembro de mil
oitocentos e vinte, visto concorrerem naquelle substituto/ todos os
requisitos necessários para o bom desempenho de suas/
obrigações, e grande habilidade, que menciona naquella/ cita
Carta Regia (ANEXO N)
Apesar de ter apresentado os requisitos para o cargo, Franco Velasco não
foi nomeado de imediato. Sua efetivação aconteceu em 13 de agosto de 1823,
período em que Antonio da Silva Lopes retirou-se para Portugal, acompanhando
as tropas do Gen. Madeira. (CAVALCANTI, 1974, p. 505). Finalmente, em 5 de
março de 1825, que Franco Velasco foi nomeado prof. efetivo da Cadeira de
Desenho da Bahia. (IDEM). Permaneceu no cargo até 1833, ano em que é
registrado seu falecimento.
O sucessor de Franco Velasco na Cadeira de Desenho, foi José Rodrigues
Nunes
14
, .discípulo predileto de Velasco... (QUERINO, 1909. p.52). Segundo o
historiador, o discípulo fez concurso para a cadeira, em 1827, e foi promovido a
lente substituto. Tornou-se efetivo da cadeira em 1833, por falecimento do seu
dito mestre. Consultando o mesmo “Livro de Juramento e Posse de Cargos”, o
nome de José Rodrigues Nunes não foi encontrado.
É desconhecido o local em que as aulas de desenho foram ministradas
desde o início. O registro que se tem, é que em ... em 28 de março de 1828,
inaugurou-se a aula de desenho no Convento de S. Francisco... (QUERINO, p.
52) informação que não foi comprovada em documentos ou em publicações de
outros autores. Porém, um fragmento do texto “Corografia, ou abreviada história
geográfica do Império do Brasil”, informa que, Existem nesta Freguezia as
Cadeiras seguintes pagas pela Nação: Rethórica, Philosofia, Geometria, Grego,
Desenho, cuja aula se acha estabelecida em hum dos Salões do Convento de S.
Francisco ... (Rev IGHB Nº 55, 1929, p. 153).
Outro documento atesta que o Governo mantinha a aula de Desenho em
São Francisco e que continuou a custear pelo menos até 1853 as aulas no
mesmo local. No registro da “Falla”, da Assembléia Legislativa da Bahia, de 1854,
há uma de lista com o título: “Relação das despesas feitas até o último de
dezembro de 1853 pela cifra de §16 Artigo 1 da Lei Provincial n. 454, votada para
Obras Públicas.” (...), que traz o ítem: (...) “Aula de Desenho em São Francisco....
88$660” (...) (FALLA, 1854).
Em outro discurso da mesma Assembléia Legislativa, em 1851, o Desenho
é oficialmente incluído dentre “as matérias que se ensinarão nas escolas de
primeiras letras da Província, o ensino nas escolas primárias se limitasse a ler,
escrever, as quatro operações de Aritimética prática, de quabrados, decimais e
proporções, elementos de gramática Portuguesa, princípios do Desenho Linear e
Doutrina Cristã. (FALLA, 1851, p. 4) Apesar disso, na havia ainda, uma escola
voltada à uma educação artística, com aulas nas diversas modalidades como
pintura, escultura, gravura, etc.
14
Nasceu a 11 de abril de 1800 e faleceu em 27 de novembro de 1881. Trabalhou
(comprovadamente) com Franco Velasco, pelo menos na obra da Ordem Terceira de São
Francisco, onde executou a pintura do teto da Igreja, que Franco Velasco faleceu quando
apenas tinha feito os desenhos. Segundo Marieta Alves, a continuidade da obra se deu por
indicação da Viúva Velasco, à Irmandade da Ordem Terceira.
A primeira iniciativa de criação de uma escola de artes e ofícios, é rejeitada
em 1864. Apenas depois de uma conversa do Imperador Dom Pedro II, quando
de sua passagem na Bahia, em 1872, com o presidente da Província Cons.
Freitas Henrique, sobre a idéia de “uma escola para educação dos artistas”. E em
outubro de 1872 é inaugurado o Liceu de Artes e Ofícios, com a nomeação do
espanhol Miguel Cañizares, como professor de pintura. Após cinco anos, uma
desavença de Cañizares com a diretoria, fê-lo retirar-se do Liceu, em 1877. Em
dezembro desse mesmo ano, Cañizares, junto com discípulos entusiastas,
fundam a Escola de Belas Artes. (FRANÇA, 1944, p. 43)
2.2.3 A morte. 1833 ou 1866?
Oficialmente, Franco Velasco é dado como falecido em 1833, como registra no
Livro de Óbitos da Freguesia da Sé. Mas o documento apresenta um erro na
idade: “Aos três de março de mil oitocentos e trinta e três faleceu com o
Sacramento da Santa Unção Antonio Joaquim Franco Velasco, idade sessenta
anos, casado com D. Feliciana Delfina Velasco”....(ALVES, APEB, Pasta 33) Na
verdade, a idade era 53 anos.
Essa data de falecimento corresponde à mesma que foi registrada em
documentos da Santa Casa de Misericórdia, como as anotações nos livros de
“Termos de Ingresso dos Irmãos”, (ASCM, Lv. Termos, 6, fl. 363) e no de
“Registro de Irmãos falecidos”,(ASCM, Lv. 1829) em ambos foi escrita a palavra
“Faleceu” ao lado do nome de Franco Velasco.
Analisando ainda, os registros do Livro de Termos de Ingresso de Irmãos,
verificou-se que o procedimento era registrar nessa mesma folha, ao lado do
nome do irmão, dados como data e local de sepultamento, quando ocorria o óbito.
No caso de Franco Velasco, aparece apenas a palavra: “falleceu”. Em relação à
Feliciana Delfina Velasco, o procedimento costumeiro foi aplicado. Foram
anotados, na parte inferior da folha, da seguinte forma: “Faleceu a irmã D.
Feliciana Delfina Vellasco aos dias de abril de 1864 mandou-se que lhe
fossem feitos os sufrágios” ... (ASCM, Liv. Termos, nº 6, fl. 363).
No “Livro de Irmãos”, da Santa Casa, onde constam os nomes dos
componentes da Irmandade, pode ser observado que ao lado dos nomes, a
indicação do número da folha correspondente ao registro no Livro de Termos de
Ingresso e, numa terceira coluna, as anotações do falecimento da pessoa, com o
dia, mês e ano. Novamente, no caso de Franco Velasco, esses dados não fora
anotados, e apenas a palavra “faleceu” aparece.
Recorrendo novamente à uma comparação em relação à as anotações
sobre Feliciana Delfina, o Livro de Registro de Irmãos falecidos tem anotado, na
lateral esquerda da folha: ”D. Feliciana Delfina Velasco viúva de Antonio Joaquim
Franco Velasco”, e na coluna central registra: “Falleceu esta Irmã no dia de
Abril de 1864 sepultou-se no Campo Santo tem assento no Livro à folha
363.” (ASCM, Liv. Reg Falec. fl.23)
No Livro de Carneiros, da Santa Casa, confirma, “em cujo Cemitério, então
situado sob a Sacristia da Igreja, no carneiro nº 32, foi sepultado”. (ALVES. APEB,
pasta 33).
A data da morte de Franco Velasco se torna enigmática, na medida em que
se comparam as informações dos documentos citados com os dados de um
inventário datado de 1866, em nome de “Antonio Joaquim Franco Velasco”,
existente no Arquivo blico da Bahia.(ANEXO) O maço que forma o processo,
apresenta uma série de documentos que atestam a morte e sepultamento de
Franco Velasco, com uma diferença de 33 anos em relação à data oficial,
registrada no Livro de Óbitos da Freguesia da Sé. (ALVES, APEB, Pasta 33)
A princípio, a hipótese que se pode levantar, é de que poderia se tratar de
um homônimo, pois supõe-se ser pouco provável um registro equivocado em
documento oficial da Igreja. Contudo, a possibilidade de o “Antonio Joaquim
Franco Velasco” de 1866, possa se tratar de outra pessoa, é descartada ao se
comparar os dados encontrados no Inventário de Feliciana Delfina Velasco,
elaborado em 1864. Analisando os dados, contidos nesse documento, pode-se
verificar, que logo na capa, constam os nomes dos herdeiros, na seguinte ordem:
“Dr. Antonio Joaquim Franco Velasco, D. Clotildes Augusta Velasco Carneiro, D.
Candida Velasco Correia de Brito e Augusto Franco Velasco”. (ANEXO Y).
No mesmo maço, o nome de Franco Velasco é sempre citado em todos os
documentos em que se trate dos herdeiros. O documento que traz a descrição,
por extenso dos bens para cada herdeiro, tem o parágrafo iniciado com nome
completo do beneficiado e é finalizado com a assinatura do mesmo. O nome de
Franco Velasco segue logo após ao da filha Candida: “Quinhão do herdeiro
Doutor Antonio Joaquim Franco Velasco” (ANEXO G) contendo a relação dos
bens e finaliza com o valor total, “ficando assim preenchido o seu quinhão de
dous contos duzentos e cincoenta e sete mil quatro centos e cincoenta reis
2.257$450” (ANEXO 8).
Franco Velasco foi até o cartório para formalizar o recebimento do quinhão
a que tinha direito, como revela o “Termo de Cumprimento das Partes e
Aprovação da Partilha Amigável”, de 16 de agosto de 1864: ... em meu cartório
comparecerão o Doutor Antonio Franco Velasco..., seguindo a relação de todos
os outros herdeiros (ANEXO H), ao final a assinatura de Franco Velasco é a
segunda na seqüência.Em nenhuma parte do documento Feliciana Delfina
Velasco foi tratada como “viúva”.
Fazendo parte do processo, um pedido de homologação do inventário,
de 16 de agosto de 1864, dirigido ao Juiz Municipal da 3ª Vara, onde,
Dizem o Dr. Antonio Joaquim Franco Velasco, D. Clotildes
Augusta Velasco Carneiro, D. Candida Velasco Correa de Brito e
Augusto Franco Velasco, que havendo amigavelmemte feito o
inventário dos bens deixados por sua finada mãe D. Feliciana
Delfina Sanches Velasco (Inventário, 1864, fl. 2).
No final do documento, assinam, na seguinte ordem, Franco Velasco,
Clotildes Augusta, Augusto Franco Velasco e Candida Velasco. Esse texto mostra
a possibilidade de se tratar de um quarto filho do casal, com nome idêntico ao do
pai.
O Inventário de 1866, com o nome de “Antonio Joaquim Franco Velasco”,
contém informações que confirmam se tratar da mesma pessoa citada no
Inventário de 1864. Logo na capa, os nomes dos herdeiros são idênticos aos que
aparecem no documento de Feliciana Delfina Velasco, à exceção do nome
“Coronel Nicolau Carneiro Filho”, citado como cabeça do casal com Clotildes
Augusta Velasco.
Nicolau Carneiro não consta na lista dos herdeiros no inventário de
Feliciana Delfina Velasco, mas aparece agora nos documentos do maço, como
marido de Clotildes Augusta, como no Termo de Cumprimento das Partes e na
Aprovação da Partilha Amigável, na fl. 6 e na Quitação do quinhão, na fl. 9.
(APEB, Inventário, 1864)
Foi Nicolau Carneiro Filho que deu princípio ao Inventário de Franco
Velasco. Em toda documentação de cartório, exceto a procuração deixada pelo
Augusto, e os recibos de pagamentos pelos serviços no funeral de Franco
Velasco, foram encaminhados ou estão em nome de Nicolau Carneiro Filho. A
abertura do processo se deu em 26 de setembro e foi encerrado em 26 de
outubro de 1866, com a publicação da sentença.
O primeiro documento, apresentado por Nicolau Carneiro Filho, foi um
requerimento ao Juiz Municipal da 3ª Vara, no dia 26 de setembro, onde solicitava
para se proceder a inventário dos bens deixados por Franco Velasco. Na relação
dos herdeiros consta que o Capitão Augusto Franco Velasco auzente no exercito
do sul do Império, seria representado por um procurador. (ANEXO B)
Em 27 de setembro de 1866, foi encaminhado ao mesmo Juiz, com o
seguinte teor: Diz o Coronel Nicolau Carneiro Filho, que tendo de se proceder á
inventário do que deixou seu Cunhado o Dr. Antonio Joaquim Franco Vellasco, e
achando se auzente Capitão Augusto Franco Vellasco... (ANEXO E). O pedido é
de exatamente 33 anos, 6 meses e 24 dias, após a data do falecimento de Franco
Velasco, registrada na freguesia da Sé.
Um outro documento, na folha 13 do maço, com data de 5 de outubro de
1866, apresenta o valor do montante, deixado pelo falecido, além das despesas
com o funeral e com o Inventário. No início desse documento há uma referência à
morte de Franco Velasco,
Diz o Coronel Nicolau Carneiro que sendo procedido á descrição
dos poucos bens deixados por seu cunhado Bacharel Antonio
Joaquim Franco Velasco fallecido em companhia do suplicante
onde vivia muitos annos, em consequencia de seu estado de
moléstia que o impossibilitava para qualquer trabalho... (ANEXO
C).
Esta declaração indica que Antonio Joaquim Franco Velasco, viveu algum
tempo sob os cuidados de Clotildes e seu marido Nicolau Carneiro, na companhia
dos quais faleceu.
O processo contém, inúmeros recibos de materiais comprados, a exemplo
de velas, e serviços prestados para o sepultamento e missa de timo dia de
Franco Velasco. Dentre a documentação, um recibo da Santa Casa de
Misericórdia, liberando para Nicolau Carneiro Filho, a quantia de cinquenta mil
réis para o enterramento do Cadaver do seu Cunhado Antonio Joaquim Franco
Velasco... Bahia 10 de setembro de 1866 (APEB, Inventário, 1866, fl, 23). A missa
de timo dia foi realizada na Igreja da Santa Casa, como mostra o comprovante
de pagamento da música encomendada,
Recebi Ilmo Sr. Coronel Nicolau Carneiro Filho, cento e noventa
mil reis, importancia da musica que appresentei no funeral de seu
cunhado, o Dr. Antonio Joaquim Franco Velasco, no Campo
Santo, bem assim Momento no dia na Misericórdia, tendo lugar
aquelle no dia 10, e este no dia 15 ... (IDEM, fl,18).
Na missa de corpo presente no Campo Santo, foi cantado um Benedictus,
na missa de dia, na Igreja da Misericórdia, foi executado um Réquien no dia
17 de setembro de 1866, como prova um outro recibo do mesmo dia.
Fazem parte também do maço os seguintes recibos: “Conta dos direitos
parochiaes, para enterramento sollene, com acompanhamento para o Campo
Santo.” Neste recibo, foram pagos a “encomendação do cadáver, missa de corpo
presente, esmola ad libtum, sacristão e fábrica da Matriz”, um total de 50$000
(ciquenta mil réis), que foram pagos ao vigário José Teles Pereira d’Araujo, em 17
de setembro (APEB, Inventário, 1866, fl, 17); Recibo da “Monteiro, Carneiro e
Azevêdo”, referente aluguel dos veículos para o funeral. Foi no total, 1 carro
fúnebre de classe, 7 carros e 6 carroças para o vigário e acompanhantes e
mais 2 cavalos e um cocheiro para o carro do Barão do Rio Vermelho
15
. O custo
foi de 410$000 (quatrocentos e dez mil réis), pagos em 12 de setembro (IDEM, fl.
14); também encomenda de uma “pedra para o carneiro no Campo Santo com
a inscrição gravada na mesma do Bacharel Antonio Joaquim Franco Velasco”, de
19 de setembro, a um custo de 35$000 (trinta e cinco mil réis) (IDEM, fl, 21);
Um anúncio foi publicado no Jornal da Bahia, de 17 de outubro, para
convite para missa por alma do finado Sr. Dr. Antonio Joaquim Franco Velasco
(APEB, Inventário, 1866, fl. 22), a um custo de 2$400 (dois mil e quatrocentos
réis). O recibo está em nome de Coronel Nicolau Carneiro da “Rocha”
16
.
Observou-se que, no Inventário de Feliciana Delfina Velsaco, 1864, não há
documentos de materiais comprados e/ou serviços contrado, como ocorreu no
caso de Antonio Joaquim Franco Velasco.
Pela análise feita dos inventários de D. Feliciana Delfina Velasco, de
Franco Velasco e do Testamento de Augusto Franco Velasco, pode-se concluir
que os documentos remetem a indivíduos da mesma família. Além de D. Feliciana
e Franco Velasco, a relação de filhos também é confirmada nos dois inventários.
Além do testamento de Augusto, com a declaração de sua filiação e endereço,
ratificando os dados dos inventários.
Finalmente, um novo registro indica a data de morte de Franco Velasco.
Existe na Santa Casa de Misericórdia, um Livro de Registros de Sepultamento do
período de 1853 a 1872. Os nomes dos falecidos eram anotados em colunas, na
seguinte ordem: Carneiros, Sepultados, Datas (subdivididas em sepultamento e
exumação), Observações, organizados em cinco colunas. Na fl. 4 desse livro, o
15
Não se sabe o tipo de vínculo do Barão com o falecido ou com Nicolau Carneiro Filho. José
Felix da Cunha Meneses, Fidalgo brasileiro (+ Bahia 1870) Barão por decreto de 2 de dezembro
de 1854. Casado com Joaquina Navarro da Cunha Meneses. (BLAKE, 1883,v.4, p. 419).
16
Este é o único documento do inventário de Franco Velasco em que o sobrenome de Nicolau
Carneiro está diferente. O sobrenome “Rocha” aparece novamente, no inventário de Clotildes
Augusta, em 1897, quando Nicolau Carneiro da Rocha aparece como seu marido. A identificação
de Nicolau Carneiro Filho (ou da Rocha), ficou sem solução, pois a documentação consultada não
apresentou maiores pistas. Porém, consultando duas publicações encontrou-se as seguintes
alusões: Antonio Loureiro de Sousa, faz referência a um Nicolau Carneiro da Rocha, casado com
Ana Soares Carneiro da Rocha.” SOUSA, Antonio Loureiro de, - Baianos ilustres 3ed. São Paulo:
IBRASA; Brasília: INL, 1979, p. 143. Já no Dicionário das Famílias Brasileiras, o seguinte
registro: O major, e depois Coronel Nicolau Carneiro da Rocha, Juiz de Paz, em 1881, da
Freguesia da e Escrivão da Recebedoria Provincial da Bahia. Residente na Ladeira da Praça,
Salvador em 1881. deixou geração do seu cas. com Ana Soares. BARATA, Carlos Eduardo de
Almeida; BUENO, Antonio Henrique da Cunha. Dicionário das famílias brasileiras. São Paulo:
Ibero América,1999, v1, p. 656.
12º nome da lista, indicado na linha do “carneiro 84”, é Antonio Joaquim Franco
Velasco, sepultado em “10 de setembro de 66” e exumado “em 27 de julho de
1871”. No campo de observações, nada foi anotado. Data que coincide com a do
enterro de Antonio Joaquim Franco Velasco, do Inventário de 1866.
Para efeito de comparação, o apresentadas aqui quatro assinaturas do
nome Antonio Joaquim Franco Velasco de documentos e épocas diferentes. Três
pertencem aos seguintes documentos da Santa Casa de Misericórdia: Eleições do
Provedor e Mesários, de dois de Julho de 1830 (Foto 26); Sessão da Mesa, de
três de abril de 1831 (Foto 27) e Termo do Irmão, de 19 de abril de 1831(Foto 28).
A quarta, e mais diferente das assinaturas, pertence à folha 6 do Inventário de
Feliciana Delfina Sanches Velasco, de 1864.(Foto 29)
Foto 26: Assinatura sessão da Mesa da Santa Casa de 3 de abril
de 1831
Foto 29: Assinatura na folha 2 do Inventário de Feliciana Delfina
Velasco em 16 de agosto de 1864
Foto 28: Assinatura na folha 363 do “Termo do Irmão” da Santa
Casa em 19 de abril de 1831
Foto 27: Assinatura na Eleição da Santa Casa em 2 de julho de 1830
Apesar de qualquer suposição que se possa fazer diante dos dados
levantados, seria imprudente afirmar que Franco Velasco faleceu aos 86 e não
aos 33 anos. No entanto, fica evidente porém, a existência de algum equívoco
que merece, sem dúvida, um estudo mais apurado, para que se possa elucidar
esse desencontro de informações dos documentos.
José Rodrigues Nunes pintou um retrato de Franco Velasco Dois anos
após a morte. (Foto 30), Na tela, o pintor representou a imagem do mestre, com o
momento em que Velasco esboçava a pintura do medalhão do teto da Igreja do
Bonfim. No canto inferior direito da tela, Nunes escreveu o seguinte texto: A.J.F.
Velasco. Fundador da Escola de pintura na Bahia, Professor blico de desenho;
fallecido em 1833, com 53 anos de idade e assinou J.R.Nunes fez em 1853.(Foto
31)
2.2.4 A “Via-Crucis” de Feliciana Delfina Sanches Velasco
Com a morte do marido, Feliciana Delfina Velasco assumiu junto a
Irmandade da Ordem Terceira de o Francisco, o compromisso administrar a
Foto 30: Retrato de Franco Velsco
(1853)
Óleo s/ tela - 32x40cm
José Rodrigues Nunes
IHGB - Salvador
Foto 31: Detalhe do
quadro com texto
assinatura e data do
pintor.
continuidade das obras iniciadas por seu marido de pintura e douramento da talha
da Igreja (incluindo a pintura do teto). Coube ao pintor José Rodrigues Nunes, que
se encontrava trabalhando na mesma obra e conhecia o projeto, terminar a
pintura do teto,.
Feliciana Delfina não imaginava o transtorno que sofreria para continuar a
obra, pois a falta de repasses de verbas, por parte da Irmandade trouxe, como
conseqüência, várias dificuldades para que os trabalhos fossem finalizados,
acarretando várias da viúva com o operários e os fornecedores de matéria-prima.
No entanto, em dezembro de 1834, o trabalho é concluído.
Os transtornos de Feliciana Delfina mal tinham começados, pois mesmo
tendo entregue a obra dentro do prazo, o contrato não foi liquidado pela Ordem
Terceira. Em julho de 1835, a viúva encaminhou um requerimento à Mesa
Administrativa, relatando as dificuldades que passara para continuar a obra
fazendo um apelo dramático para que recebesse o saldo do contrato. (Anexo 22)
Ainda em 1835, Feliciana Delfina, se reportou novamente à ordem dos
terceiros franciscanos, em outro ofício solicitando uma revisão dos valores do
contrato entre a Irmandade e seu falecido marido ainda pendentes, e ao final,
estabelece que o saldo seja quitado num “praso de três meses e em três
pagamentos iguaes”. (anexo 23) Mas a viúva Velasco ainda amargaria uma longa
espera, até 1837, quando foi pago a última parcela da dívida, registrado no recibo
de 21 de maio do citado ano. (Anexo 24)
O drama pelo qual passou Felicina Delfina, (viúva e com um filho de
apenas três anos para criar)
17
, fez parte do universo de “conflitos entre os artistas
e seus clientes”
18
, comuns no século XIX, durante a movimentação de reforma na
ornamentação de várias igrejas na Bahia, que substituíam a talha de estilo
barrroco-rococó por neoclássica. (FREIRE, 2003, p. 34)
17
Augusto Franco Velasco, filho do casal Velasco, em seu testamento, de 1888, declara ter
nascido em 1832. Portanto tinha três anos, nessa época. (Anexo 25)
18
Em seu artigo: Os conflitos entre os artistas e seus clientes na Bahia oitocentista, Luiz Freire faz
um apanhado de casos envolvendo, entalhadores, pintores e douradores, e seus contratadores,
onde era comum os conflitos decorrentes da falta de cumprimento de entrega do serviço pelos
artistas ou pagamento do mesmo, pelos contratantes. O caso de Feliciana Delfina Velasco é um
dos exemplos citados desse universo.
2.3 A OBRA DE FRANCO VELASCO
A relação das obras apresentadas nesse estudo, baseia-se em registros de
autores como Manoel Querino (QUERINO, 1909), Álvares do Amaral (ANEXO) e
Marieta Alves (ALVES, 1976). Desses, os dois primeiros atribuem a Franco
Velasco, um número maior de obras, contudo não registraram as datas de
produção, nem a localização das mesmas. Tampouco indicavam quaisquer
documentos que comprovassem a existência das mesmas. Marieta Alves (1976) é
a única autora que cita algumas pinturas, indicando o local onde estão, ou
estiveram, data de execução e, ainda a documentação consultada que garante a
autoria do pintor.
Segundo os registros dos autores citados acima, a maior parte da produção
artística de Franco Velasco é constituída de retratos. Mas, também houve
encomendas para igrejas, de quadros, painéis e forros dos tetos. Somam-se a
essas, outros serviços, como pintura e douramento de talhas e portas, prática
comum da época.
Aqui são relacionados apenas as pinturas, divididas em dois grupos: as
encomendas de caráter civil particulares ou de instituições –, e as de caráter
religioso, para igrejas a pedido de irmandades.
Além dos trabalhos de cavalete que, pela quantidade, indica ter sido a sua
especialidade, Franco Velasco realizou ainda, pinturas em três igrejas de
Salvador: Santana (1810 – 1814), Bonfim (1818 – 1820) e Ordem Terceira de São
Francisco (1831 1833). Na Igreja de Santana realizou pinturas para a nave e
batistério; na do Bonfim pintou o forro e os seis painéis para os altares laterais da
nave e, na Igreja da Ordem 3
a
de São Francisco, elaborou o projeto e iniciou a
pintura do forro que, segundo consta dos registros oficiais da própria Ordem, foi
terminada por José Rodrigues Nunes, pintor indicado na época, pela esposa de
Franco Velasco.
2.3.1 Pintura de cavalete
Dentre o grande número de retratos que Franco Velasco produziu, Álvares
do Amaral (ANEXO A) cita os dos arcebispos D. Damazio e D. Romualdo
19
; de
um comandante chamado, Jeronymo y Bonaparte, quando aqui aportou a
esquadra francesa. O autor também cita, a elaboração de um retrato de ...Pedro
Gomes Ferrão
20
, fallecido em Coimbra....
Bem mais significativa é a lista de obras apresentadas por Manoel Querino
(1909), atribuídas a Franco Velasco. No entanto, não indicações de datas de
produção ou mesmo o paradeiro de tais pinturas. A relação de retratos que
Manoel Querino apresenta começa pelo de padre Francisco Agostinho Gomes,
Alexandre Gomes de Argollo Ferrão
21
, Borges de Barros, P. J. de Mello e “outros
literatos”. Coronel Ladislau de Figueiredo e Mello e os painéis de S. João, Santa
Joana, Santa Rosa e Sant’Ana, no oratório do antigo engenho Campina Grande,
de propriedade do mesmo coronel. Querino ainda afirma que Franco Velasco
produzira pinturas para fora de Salvador, como ...incumbiu-se de pinturas e
retratos para este e outros Estados, e também para o estrangeiro, principalmente
Portugal. E ainda pintou o retrato de D. Romualdo, arcebispo da Bahia, com
destino ao Pará. (1909, p. 64, 66 e 67).
Por fim, Querino relata uma exposição póstuma, ocorrida no final do século
XIX, onde foram expostas diversas pinturas de autoria de Franco Velasco. Dessa
mostra não se tem notícia de seu caráter ou mesmo quais os outros artistas
participantes.
(...) na Exposição do Lyceu de Artes e Offícios, em 1889,
figuraram os seguinte trabalhos: o notável retrato do Conego Dr.
Lino, benfeitor da Santa Casa de Misericórdia; idem do padre
Antonio Vieira (Foto 32), o mais antigo que se conhece; esboço de
quatro painéis que figuram na capela dos altares da capella do
Senhor do Bonfim; S. Marcos, S. Matheus, S. Lucas e S. João;
David (estudo); retrato do Conde dos Arcos (Foto 33); Quadro de
costumes; (scenas do lar); retrato de D. Pedro I (Foto 34); a
19
Arcebispos da Bahia no século XIX.
20
Um dos fundadores da Biblioteca pública da Bahia, que foi inaugurada em 1811, no andar
superior da Catedral Basílica, antiga Biblioteca dos Jesuítas. (Ver BOCCANERA JUNIOR, 1926,
pp. 130/131)
21
Irmão de Pedro Gomes Ferrão (fundado da Biblioteca Puública da Bahia), proprietário de uma
das bibliotecas que Franco Velasco Frequentava (Ver BOCCANERA JUNIOR, 1926, pp.
130/131)
literata; retrato do Dr. Paiva; idem do Dr. Amaral; Samuel e Elias;
a Ceia do Senhor, em pequenos painéis. (IDEM, p. 67,68)
Da relação apresentada por Querino, Marieta Alves confirma que pelo
menos oito trabalhos fazem parte do acervo do Museu de Arte do Estado da
Bahia, e
figuram no catálogo como da autoria de Franco Velasco: Retrato
do Conde dos Arcos; Retrato do Imperador D. Pedro I; 4 estudos
para os painéis dos altares da Igreja do Bonfim (fotos 37, 38, 39 e
40), a saber: A Coroação de Espinho, A Flagelação, A Caminho
do Calvário e Jesus no Monte das Oliveiras, e mais S. Mateus e S.
Lucas (Fotos 35 e 36). Todas óleo sobre tela”. (ALVES, APEB,
pasta 33).
Foto 33: Oitavo Conde dos
Arcos s/d
Óleo s tela - 77,5x57,5cm
Museu de Arte da Bahia
Salvador
Foto 34 :
Dom Pedro I, 1826
Óleo sobre tela - 90X12
Museu de Arte da Bahia
Salvador
Foto 32 :
Pe. Ant
ônio Vieira
s/d
Óleo sobre tela - 93X74,5
Museu de Arte da Bahia Salvador
Foto 36: São Mateus, 1814
Óleo s tela - 30x50cm
Museu de Arte da Bahia
Salvador
Foto 35: São Lucas 1814
Óleo s tela - 30x50cm
Museu de Arte da Bahia
Salvador
Das obras listadas anteriormente, o retrato de D. Pedro I, em particular, é
citado por Querino(1909, p. 66), num episódio, no mínimo peculiar, em que
Franco Velasco teria pintado o retrato com a presença do Imperador. Conta o
historiador que: Quando D. Pedro I visitou esta cidade, em 1826, esteve na aula
de desenho e ahi se deixou retratar pelo artista, em duas sessões.
Embora falte documentação que ateste a veracidade da afirmação, sabe-se
no entanto, que realmente D. Pedro I, esteve nessa época em terras baianas.
Segundo Brás do Amaral (1923, p. 19),
D. Pedro I com a imperatriz e as princesas aportaram em Salvador em
27 de fevereiro de 1826. O Imperador desembarcou às 4 horas da tarde
e descansou, assim como sua família, no largo da casa da ópera (hoje
praça Castro Alves)
22
, onde haviam levantado uma barraca muito bem
decorada., realizou vista por toda cidade, foi à cidade de Cachoeira e
retornou à Salvador. (...) o imperador aqui permaneceu até o dia 19 de
março, em que embarcou de volta para o Rio de janeiro”.
Não se encontrou nenhum relato sobre a origem do retrato do Conde dos
Arcos, também citado na lista da exposição de 1889,. No entanto, Álvares do
22
A praça Castro Alves está localizada entre a Ladeira de São Bento e a Rua Chile, na parte alta
da Cidade do Salvador.
Foto 37: Jesus no Horto
das Oliveiras
Óleo s tela - 63X24cm
Museu de Arte da Bahia
Salvador
Foto 38:A flagelação
Óleo s tela - 63X24cm
Museu de Arte da Bahia
Salvador
Foto 39: A Coroação de
Espinhos
Óleo s tela - 63X24cm
Museu de Arte da Bahia
Salvador
Foto 40: A Caminho do
Calvário
Óleo s tela - 63X24cm
Museu de Arte da Bahia
Salvador
Amaral comenta sobre uma outra pintura com o mesmo tema, foi executada
anteriormente por Franco Velasco, sob encomenda da Associação Comercial da
Bahia,
Foi encarregado pela Diretoria da Praça do Comércio, em sua
abertura, de pintar, em tamanho natural, o retrato do Conde dos
Arcos, para ser colocado no grande salão. Infelizmente esse bello
quadro foi despedaçado por uma facção política, que reputava o
mencionado Conde antagonista de idéias liberais ou da
Constituição proclamada em Portugal. (ANEXO).
Sobre a mesma obra Manoel Querino(1909, p. 66), escreveu que Franco
Velasco foi autor do retrato histórico do Conde dos Arcos, que foi queimado em
praça pública, depois de retirado da Associação Comercial .... Relato que coincide
com a afirmação de Marieta Alves (1976, p.187) de que
Não chegou até nós a grande tela em que o pintor bahiano,
prematuramente falecido, fixou o vulto de D. Marcos de Noronha e
Brito, Conde dos Arcos... O retrato, inaugurado em 6 de
Setembro de 1817, foi queimado em Junho de 1821, quando as
altas intrigas da Corte conseguiram anular o prestígio do Conde
dos Arcos, que deixou o Brasil, como um vencido, rumo de
Portugal.
Atualmente, as únicas obras de cavalete existentes na Bahia, da autoria de
Franco Velasco, pertencem ao acervo do Museu do Estado da Bahia, que são:
retrato de Dom Pedro I, e do Conde dos Arcos; os estudos de São Lucas e São
Mateus e dos quatro painéis para a Igreja do Bonfim, citados anteriormente.
Tembém paertece ao acervo do Museu, o estudo “O Salvador e o Precursor”
(Foto 41), para o teto da Igreja do Bonfim. Não foi encontrado qualquer
comentário a respeito dessa pintura, nem mesmo por parte de Manoel Querino ou
Marieta Alves.
Foto 41: O Salvador e o Precurssor s/d
Óleo sobre tela - 61,5X76,2
Museu de Arte da Bahia - Salvador
Fora do Estado da Bahia, há pelo menos dois retratos, também atribuídos a
Franco Velasco, que são de: Menino com Cachorro (Foto 42) e Retrato de uma
Senhora (Foto 43), produzidos em 1817, e que atualmente fazem parte do acervo
da Fundação Raimundo Ottoni de Castro Maia
23
, no Rio de Janeiro. Segundo
consta, foram apresentados na “Exposição Retrospectiva da Pintura no Brasil
(Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro) em 1948”. (Grande, 1970, v.12,
p. 6955). Sabe-se também que, no Pará encontra-se um retrato de D. Romualdo
Antonio de Seixas
24
, trabalho excelente de Velasco,(ALVES, FIFB, 1942, cad.5,
p.5) pertencente ao Museu de Arte Sacra do Pará.
2.3.2 Pintura sacra
Foi comum na Bahia, durante todo o século XIX, as reformas internas nas
igrejas, visando a substituição principalmente da talha barroca e rococó por uma
23
Raymundo Ottoni de Castro Maya (1894 - 1968), empresário bem sucedido e homem de cultura,
dedicou ao Rio de Janeiro grande parte de suas atividades como industrial, mecenas,
colecionador e defensor do patrimônio cultural e natural. Participou da fundação de museus e de
instituições culturais, coordenou os trabalhos de remodelação da Floresta da Tijuca e também
editou importantes livros ilustrados de literatura brasileira e sobre a cidade. A Fundação Castro
Maya administra dois museus, que trabalham de forma integrada: o Museu do Açude, na Floresta
da Tijuca, como museu natureza e de artes decorativas, e a Chácara do Céu, em Santa Teresa,
como museu de arte e iconografia brasileira. (Site do Museu Castro Maya – apresentação)
24
Arcebispo da Bahia, por decreto Imperial de Dom Pedro I de 12 de outubro de 1826, confirmado
canonicamente em 30 de maio de 1827 pelo Papa Leão XII, sendo sagrado Bispo a 28 de outubro
do mesmo ano, na capela imperial. (MAGALHÃES, 2001, P.63)
Foto 43: Retrato de uma senhora
1817
Óleo sobre tela - 76,4X59
Museus Castro Maya –
IPHAN/MINC Rio de Janeiro
Foto 42: Menino com Cão
1817
Óleo sobre tela - 70X59
Museus Castro Maya –
IPHAN/MINC Rio de Janeiro
nova, mais condizente com a estética do estilo neoclássico. Trabalho que
movimentou muitas oficinas lideradas por mestres entalhadores, pintores e
douradores, cujo serviço era contratado pelas Mesas administrativas das
Irmandades e Ordens Terceiras religiosas através de atas ou contratos.
(FREIRE, 2003, p. 34)
As três Igrejas em que Franco Velasco trabalhou foram fruto dessa época,
e as encomendas de pintura que foram feitas eram voltadas a atender esse novo
gosto estético, onde muitas vezes completamente as pinturas antigas, como no
caso da Igreja de Santana.
2.3.2.1 Igreja do Santíssimo Sacramento e Santana
A primeira encomenda de pintura religiosa de Franco Velasco, que se tem
notícia, foi um conjunto de painéis para a Igreja do Santíssimo Sacramento e
Santana. Dentre essas obras a pintura, o painel para o batistério, datada de 1814,
tendo feito os painéis do corpo da igreja (ALVES, 1976, p. 187). O que leva a
crer que as outras eram anteriores a essa data.
O conjunto de pinturas realizado na Igreja de Santana, compreende quatro
painéis e seis quadros menores, de forma circular, para a nave da Igreja e, ainda,
um painel para batistério. Embora Carlos Ott (1982, p. 126; 1993, p, 34) atribua à
Franco Velasco, a pintura do forro da nave, não há documento que comprove esta
autoria.
A igreja de Santana situa-se na segunda linha de colinas do sítio da cidade
do salvador, “a cavaleiro” da antiga Rua da Vala
25
, conhecida como Baixa dos
Sapateiros. A construção está situada no eixo de uma ladeira, aberta em meados
do século XIX (Tombada pelo IPHAN em 25.09.1941).
A Igreja de Santana sofreu diversas modificações ao longo de sua história.
Com a reforma interna século XIX, houve a substituição de toda a talha e, por
falta de documentos, o foi possível esclarecer qual foi o mestre entalhador do
novo conjunto da talha da Igreja, cuja obra se executou entre 1810 e 1828.
(ALVES, 1952, p.14). Acompanhando o início das reformas, Velasco executou as
25
Atual, Rua J. J. Seabra.
primeiras pinturas, as da nave, no período entre 1810 e 1813. O último painel da
série, a pintura para o batistério, foi contratado em 1814.
Com relação à pintura do forro, não se encontrou documentação da
contratação dessa obra, nem se tem indícios que comprovem que tenha sido
Franco Velasco que a executou. O que se sabe é que em 1855, a Irmandade
resolveu reformar o forro, que se encontrava estragado:
a mesa cogitou da ‘renovação da estragada pintura de seu forro, e
do respectivo deteriorado douramento e outras obras, para o que
apresentaram orçamentos Macário José da Rocha, Benjamim
Vieira Dortas e José Rodrigues Nunes, confiando-se ao último o
trabalho pela importância de 5:950$000. (ALVES, 1952, p. 14).
Carlos Ott(1979, p. 259), em sua publicação “Atividade artística nas igrejas
do Pilar e de Sant’Ana da cidade do Salvador”, discorre minuciosamente sobre
todos os detalhes da Igreja de Santana, desde a arquitetura até as alfaias. No
entanto, o espaço reservado para comentar sobre as pinturas foi mínimo, em
relação aos outros temas abordados. Ott alega o seguinte: A Igreja de Sant’ana,
não possui pinturas muito valiosas e muito prejudicadas por várias restaurações,
e isso até os tempos mais recentes. Em meio aos seus comentários, Ott faz uma
tentativa de atribuir a autoria da pintura do teto a Franco Velasco ao comentar
sobre a mesma restauração de 1855,
acresce que algumas pinturas, como as do teto da nave, ficaram
tão prejudicadas por goteiras que não se sabe se foram
renovadas taboas inteiras, e isso já em 1855, sendo a restauração
executada por José Rodrigues Nunes. que ele se considerou
discípulo do pintor deste teto, Antonio Joaquim Franco Velasco
(...) podemos imaginar que ele procedeu sem escrúpulos nesta
restauração da pintura do teto da nave da igreja de Sant’Ana.
(IDEM).
No entanto, o historiador não indica nenhuma base documental para a
afirmação. Mas, aproveita a oportunidade, para criticar (negativamente) José
Rodrigues Nunes, atribuindo-lhe falta de ética profissional e habilidade cnica,
para o projeto. A base para tal crítica, talvez tenha sido o episódio ocorrido em
1839 16 anos antes da obra de Santana quando José Rodrigues Nunes, foi
contratado, para a executar o douramento dos altares laterais, púlpitos e coro e
limpeza do forro da Igreja de São Pedro. O fato é que, após a conclusão das
obras, foi registrado durante uma sessão da mesa que: “o mesmo irmão não
havia limpado o forro, mas sim pintado de novo” (ALVES, FIFB, 1961, cx 6).
Mais adiante no texto, o historiador aproveita a oportunidade para reforçar
suas críticas, afirmando que, Além disso devemos lembrar-nos que Franco
Velasco foi apenas um bom pintor, de retratos mas o cenas bíblicas (OTT,
1979, p. 1979). Carlos Ott deixa claro aqui, que considera Franco Velasco, bem
abaixo do nível de José Joaquim da Rocha e JoTeófilo de Jesus, quanto à sua
capacidade para pinturas religiosas.
em a Escola Bahiana de Pintura (1982, p. 125), o historiador mudou sua
concepção em ralação ao pintor. Pelo menos não mantém as críticas feitas na
publicação anterior. Dessa vez além atribuir, novamente, a pintura do forro a
Franco Velasco, chegou a fazer um pequeno elogio:
Produziu porém excelentes quadros de Evangelistas existentes na
matriz de Sant’Ana, na qual (na nave) também pintou bons painéis
...
É também de sua autoria a pintura do teto da Matriz de Sant’Ana
que porém, devido a goteiras não fechadas a tempo, está
praticamente inutilizada. Deixou ainda quadros bíblicos de sua
autoria nas paredes superiores da mesma nave; e são pinturas
bem conservadas...
O batistério, onde está a pintura representando o batismo de Cristo, fica
junto à entrada da Igreja, do lado esquerdo de quem entra lado do Evangelho.
Trata-se de uma saleta, apenas com a pia batismal, em mármore (foto 42), tendo
como único adorno, o quadro pintado por Franco Velasco (Foto 43). A pintura é
guarnecida por moldura trabalhada com talha em estilo neoclássico, com pintura
branca e douramento.
A cena representada trata do momento em que Cristo se dirige até o rio
Jordão, onde está João Batista, para que seja batizado como uma pessoa
comum.
Na pintura, Cristo aparece ajoelhado à beira do rio, diante de João, com as
mãos postas em oração, cabeça baixa e olhos semicerrados e veste apenas um
perizônio. Sobre seu ombro esquerdo cai um manto azul, que cobre parcialmente
suas costas, até o chão, porém, deixando todo seu corpo à mostra. Sua posição
determina o eixo vertical, dividindo a composição ao meio. Do lado esquerdo, está
a figura de João, de , diante de Cristo, vestindo uma túnica que lhe cobre
parcialmente o corpo. Com a mão esquerda segura um cajado e com a direita
uma espécie de concha, com a qual está derramando água sobre a cabeça de
Cristo.
A cena toda é acompanhada por quatro outras figuras do lado direito que
são: no primeiro plano está uma mulher com um vestido que lhe cobre todo o
corpo, ajoelhada e que, olha diretamente para Cristo, enquanto segura uma
criança nua que a abraça. A criança, está de costas para Cristo, olhando para o
observador. Atrás da mulher, em segundo plano, dois homens adultos, vestidos
com túnicas, olhando atentos a cena do batismo. Ao fundo da composição pode-
se ver planícies e um céu com nuvens. No canto superior direito, algumas das
nuvens se abrem, permitindo a saída de raios de luz em direção dos
Foto 45: Batismo de Cristo
Foto 44: Vista geral do batistério
protagonistas da cena, representando o momento em que o Espírito Santo desce
para abençoar o batismo.
O Evangelho de Mateus descreve a cena da seguinte forma:
Da Galiléia veio Jesus ao Jordão ter com João para ser batizado
por ele. ...Depois de batizado Jesus saiu logo da água. E eis que
se lhe abriram os céus. E viu o Espírito Santo de Deus, descer
como uma pomba e pousar sobre ele. E do céu baixou uma voz
que dizia: Este é meu filho amado em quem ponho minha afeição.
(Mt. 3, 13. 16-17).
Quatro painéis estão distribuídos nas paredes laterais da nave acima do
nível das portas, ao lado das tribunas, dois de cada lado, trazem cenas da
Sagrada Família, onde aparecem a figura de José, Maria, Jesus Menino e
Senhora Santana. os quadros menores, redondos, estão nas mesmas
paredes, abaixo dos painéis, ao nível dos altares laterais, neles estão
representadas figuras de homens a meio corpo.
Em um dos painéis, estão reunidos Maria, José, Jesus Menino e Senhora
Sant’Ana (Foto 46). A pintura seguinte apresenta, em primeiro plano, a figura de
José na cama e um arcanjo sobrevoando-o, ao fundo está Maria ajoelhada no
chão, diante do Menino Jesus. (Foto 47) Esta é a representação do sonho de
José teve com um anjo que lhe disse: Levanta, toma o menino e a mãe, foge para
o Egito e fica lá até que te avise (Mt 2,13).
Os dois painéis seguintes, apresentam, no primeiro Jesus Menino com
Nossa Senhora e outras crianças. (Foto 48) No outro painel, Cristo aparece
Foto 46: Senhora Sant’Ana, Maria e
José
Foto 47: José recebe a visita do anjo
acompanhado do pai(Foto 49), São José, segurando um ramo com lírio branco
26
.
No canto inferior um arcanjo o observa.
Dos 10 quadro em forma circularar, quatro representam os evangelistas
São João e São Lucas (Foto 50) e São Mateus e São Marcos (Foto 51),
distribuídos dois de cada lado da Igreja. o quarteto é representado seguindo os
padrões da iconografia Cristã: vestidos de túnicas e cada um com o atributo que o
identifica.
As duas pinturas, representando São Lucas e São Mateus, pertencentes ao
acervo do Museu de Arte da Bahia mostradas anteriormente, são estudos para
os quadros aqui apresentados. (Fotos 35 e 36)
Completam a série, seis outras figuras, cujas representações não o de
fácil identificação devido ao escurecimento, provocado pela oxidação de verniz de
alguma restauração anterior, que dificulta visualizar os maiores detalhes. Pode-se
apenas especular a possibilidade de se tratar de patriarcas ou profetas do Antigo
26
Na Iconografia cristã, entre outras formas, São José aparece como pai de Jesus, quer
segurando um ramo com um lírio branco ou então o Menino Jesus. (TAVARES, 2001, p. 88)
Foto 49: São José com o Menino
Jesus
Foto 48: Virgem Maria com o menino
Jesus
Foto 50: Apóstolos São João e São Lucas Foto 51: Apóstolos São Mateus e São
Marcos
Testamento, devido a presença da pena e livro
27
, como atributo que algumas
figuras portam. (ver fotos 52, 53, 54, 55, 56, e 57)
2.3.2.2 Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco
A última obra em Igreja que se sabe, foi a da Ordem Terceira de São
Francisco que a exemplo da Igreja de Santana, passou, no culo XIX, por uma
reforma interna. Franco Velasco foi contratado para executar a pintura e
douramento, cuja obra iniciou, em 1831, mas não chegou a terminá-la. A
conclusão foi feita por José Rodrigues Nunes (ALVES, 1976, p. 187).
A fundação da Venerável Ordem de S. Francisco da Bahia ocorreu em
1635, que inicialmente, teve sede no Convento de S. Francisco. Em janeiro de
1702, começaram as obras da sede própria, em terreno cedido pelos
27
O livro é tido como um atributo dos Evangelistas e Doutores da Igreja latina, mas também dos
Santos diáconos (Santo estevão, S. Lourenço e S. Vicente), encarregados de guardar os livros
litúrgicos. Além de vários outros santos. (TAVARES, 2001, p. 197)
Foto 55: S. Ambrósio
Foto 56: S. Gregório Foto 57: S. agostinho
Foto 52: S. Jerônimo Foto 53: S. Paulo Foto 54: S. Pedro
franciscanos, anexo à Igreja e Convento de São Francisco. Finalmente em “22 de
junho de 1703, inaugurou-se a Igreja da Ordem 3 ª, cuja planta se deve ao mestre
Gabriel Ribeiro.” (ALVES, 1949, p. 5)
A igreja foi decorada internamente em estilo barroco, como estava em vigor
e, no séc. XIX, sofreu reformas internas adotando o estilo neoclássico.
Durante esse período de reforma é que a Irmandade contratou Franco
Velasco para a pintura do teto. No Termo de Acórdão de 31 de maio de 1831
constava que artista deveria entregar toda a pintura pronta, pelo preço e quantia
de dezoito contos de reis pagos metade em metal e metade em papel (ALVES,
1948, p. 58). A obra de pintura do teto foi concluída pelo pintor José Rodrigues
Nunes, em virtude do falecimento de Franco Velasco. O mesmo teria deixado
principiada a pintura do teto da Igreja da Ordem 3ª, como se aprova pelo
requerimento da viúva Velasco, dirigido à Mesa em 1835 (ALVES, 1948, p. 61).
Em 5 de julho de 1835, após oito anos de reformas, a Igreja foi reaberta ao
público, com “solenidade memorável nos anaes da história religiosa da Bahia”.
(ALVES, 1949, p.6)
O teto da igreja da Ordem Terceira de São Francisco tem forma
completamente diferente das pinturas das igrejas de Santana e do Bonfim. Se
assemelha ao da Igreja do Convento franciscano, com divisões em caixotões, nos
quais foram pintados os motivos da iconografia cristã. Na composição dessa
Igreja Franco Velasco usou essencialmente imagens de santos, anjos e outros
elementos que remetem à simbologia da igreja.
A composição do teto é dividida em trinta e sete espaços de base
poligonal, separados por molduras, onde estão representadas figuras da
iconografia cristã, diretamente ligadas à ordem franciscana. Tanto a forma, quanto
as representações, se assemelham ao modelo já experimentado no teto da Igreja
do Bonfim.
Entrando na Igreja pode-se perceber que, de maneira didática, a
composição apresenta, do centro para as extremidades, a seguinte ordem: a
imagem do orago do templo, São Francisco, precedido pela Virgem Maria e em
seguida Jesus, cercado pelos quatro evangelistas, e ladeado por seis santos da
ordem franciscana: Santa Rosa, Santa Isabel, Santo Ivo, São Luís, Santo Antonio
e São Boaventura. Completam a composição, anjos e arcanjos, duas efígies (sem
identificação) e, por último, os quatro doutores da Igreja latina (Fotos 58, 59, 60,
61 e 62).
Foto 58: Vista panorâmica do teto da Igreja da O.T. São
Francisco
Foto 59: Vista parcial do teto da Ig. da O. T.
São Francisco e parte do coro
Foto 60: Vista parcial do teto da Ig. O.T.
São Francisco
Foto 61: Detalhes do teto
Foto 62: Detalhe do teto
A seqüência de análise dessa obra segue a ordem que foi pintada, ou seja,
no sentido que o observador percebe as imagens ao entrar no templo. Três
retângulos se distinguem no centro do teto, perfilados no sentido longitudinal,
formando um eixo que divide o teto em dois lados: esquerda e direita. Ao lado
desses, outros paralelogramos e outros retângulos. A leitura toma como partida
os retângulos centrais e as figuras que os ladeiam.
O primeiro retângulo, próximo à entrada principal do templo, a
representação é da Imaculada Conceição. A imagem de Maria aparece em
assunção, vestida com um manto azul. Sob seus pés, a presença de vários
querubins e a representação da lua crescente. Outros anjos estão em volta da
Virgem e, sobre sua cabeça, mais dois querubins seguram uma coroa de flores.
(Foto 63)
Foto 63: Imaculada Conceição
Foto 64: Santo Ivo
Foto 65: São Luís
Do lado direito, um paralelogramo traz a representação de Santo Ivo (Foto
64). A representação é composta de seis querubins, dois na parte inferior,
seguram uma guirlanda, no centro mais dois, um de cada lado, seguram um
medalhão, onde está pintado o busto do santo. E logo acima do medalhão, outros
dois querubins seguram uma guirlanda e flor de lis. Na parte superior, uma
circunferência resplandecente, como um sol, traz a inscrição “S. Ivo”
28
e um maço
de papel amarrado, que parece ser a representação de um “processo”, um dos
atributos do santo.
Ao lado esquerdo da Virgem, outro paralelogramo, apresenta uma
composição com os mesmos elementos, seis querubins, um medalhão e a
circunferência resplandecente. Os querubins também estão distribuídos da
mesma forma que a representação anterior, dois na parte inferior, dois seguram o
medalhão e os dois restantes que estão sobre o medalhão, um segura uma
guirlanda, junto a pintura do busto no medalhão, e o outro tem na mão direita uma
coroa. Na circunferência, na parte superior da pintura, está escrito: “S. Luís”
29
; e
abaixo da palavra, um símbolo da realeza. (Foto 65).
O próximo conjunto de pinturas começa pelo retângulo que está localizado
no centro geométrico do forro, dividindo-o simetricamente, em dois eixos opostos,
no sentido vertical e horizontal. Nesse espaço foi representada da imagem de São
Francisco sobre nuvens, rodeado de querubins. O santo segura, à sua frente, um
crucifixo com a imagem de Cristo um pouco mais alto que ele. São Francisco
30
28
Ivo de Tréguier, era bretão
28
e nasceu em 1263, próximo de Tréguier, Espanha. Estudou Direito
em Paris e Orleans e praticou advocacia em Rennes. Era o defensor dos pobres, a quem não
cobrava honorários. Foi ordenado padre pelo bispo de Tréguier. Morreu com 50 anos de idade. É
padroeiro dos professores de Direito, juízes, notários, advogados, e todos os funcionários judiciais.
Iconograficamente aparece togado, ocasionalmente com as vestes salpicadas de caudas de
arminho, um barrete quadrado na cabeça e um processo enrolado na mão. Como atributo uma
balança, símbolo alusivo à justiça. (TAVARES, 2001, p. 79)
29
Luís, Rei de França, nasceu em 1215 em Pissy e subiu ao trono em 1226, como Luís IX, sendo
confiada a regência a sua mãe Branca de Castela. Envolvido duas vezes em Cruzadas, acabou
por ser preso em Damieta
29
e morrer de peste frente a Tunes. A sua vida, piedosa, compensa
seus fracassos em Cruzada. É padroeiro dos barbeiros, cabeleireiros e fabricantes de perucas, por
raspar a barba antes de ir para Cruzada e andar sempre bem penteado. É padroeiro também de
dos fabricantes de paramentos, devido à construção da Saint-Chapelle, e contribuiu largamente
com donativos para várias igrejas. Iconograficamente é representado vestido como rei. Os seus
atributos são as disciplinas.
29
(TAVARES, op cit, p.98)
30
Francisco de Assis foi o fundador dos franciscanos. Nasceu em 1182 em Assis e é uma das
maiores figuras da Igreja. Uma juventude desafogada, pródiga e até dissipada foi seguida por uma
conversão completa ao ideal de vida de Cristo, ideal que o levou a fundar uma Ordem chamada,
por humildade, de Ordem dos Frades Menores OFM, mendicantes, devotados aos apostolado e a
uma vida de alegre renúncia. Foi no Monte Alverno que teve uma visão de Cristo Crucificado.
não está olhando para o Cristo, mas para o observador. (Foto 66). Nessa pintura
Franco Velasco não seguiu totalmente essa iconografia comum a esta cena, pois
o S. Francisco pintado não está diante do Cristo feito homem, mas de uma
imagem de pequenas proporções.
Duas santas franciscanas foram representadas, uma de cada lado de São
Francisco, à direita, Santa Isabel e, à esquerda, Santa Rosa. No painel de Santa
Isabel (Foto 67), a composição segue o mesmo padrão descrito nos
paralelogramos anteriores, ou seja, dois anjos sustentam um medalhão com a
imagem da santa no centro, vestindo hábito, e outros querubins acima e abaixo
Desta visão ficaram os estigmas que o acompanham até a morte. Morreu em 1226, no Convento
da Porcinúncula
30
. Iconograficamente é representado vestido de franciscano, crucifixo nas mãos,
estigmas nas mãos e nos pés e, ocasionalmente, um rasgão no hábito mostra a chaga do lado do
coração. Por vezes, aparece com barba, outras imberbe. Umas vezes loiro, outras de cabelos
escuros. Outras vezes ainda aparece vestido de capuchinho, com uma caveira ao lado ou, então,
recebendo o Menino Jesus das mãos de Maria. Também aparece recebendo nos seus braços
Cristo meio despregado da Cruz. (TAVARES, 2001, p. 60).
Foto 67: Santa Isabel
Foto 68: Santa Rosa
Foto 66:São Francisco de Assis
do medalhão, completando a cena. Nessa pintura, um sétimo querubim, aparece
na parte superior, segurando uma guirlanda que cai parcialmente sobre a imagem
da Santa. Os outros dois mais, acima, sustentam uma coroa. A circunferência na
parte superior, contêm a inscrição: “S. Izabel”
31
, além de um cálice e uma
pequena cruz..
do lado esquerdo de S. Francisco, Franco Velasco pintou Santa Rosa
32
.
(Foto 68) A santa aparece vestida com o hábito da ordem e, novamente, o padrão
de seis querubins é repetido na mesma posição dos anteriores descritos. A
diferença nesta imagem é que quatro dos querubins seguram guirlandas de flores,
enquanto que um só, segura o medalhão e outro, na parte inferior, segura um livro
aberto. Outro detalhe particular, é que, na circunferência na parte superior, onde
se lê: “S. ROZA”, não foi pintado nenhum objeto como atributo.
O terceiro retângulo que forma como os outros dois um trio com os
painéis dos lados, fica próximo ao altar mor, na extremidade oposta à
representação de Imaculada Conceição. Nesse espaço, aparece a figura de
Cristo sobre nuvens. Esta imagem representa Cristo Rei, o Salvador do Mundo, o
Cristo que ressuscitou dos mortos e subiu aos céus. Vestindo túnica branca e
olhando para baixo, Jesus está rodeado de querubins e segura com a mão direita
uma cruz, símbolo de seu de seu sacrifício pela humanidade. (ver foto 69)
31
Isabel da Hungria ou da Turíngia era Filha do rei André II da Hungria, terá nascido em
Presburgo, em 1207, e casou-se aos 14 anos com o filho do margrave
31
da Turíngia.
Impressionada com a vida ascética de S. Francisco de Assis mandou construir um hospital em
Wartburg e dedicou-se aos pobres, aos doentes, aos leprosos. O marido morreu em Otranto, em
1227, quando se preparava pra partir em Cruzada. Retirou-se então para Marburgo, no Hesse, e
tomou o hábito da Ordem franciscana. Morreu com 24 anos. É-lhe atribuído o milagre das rosas,
característico de Santa Isabel de Portugal. Apresenta-se com dois aspectos com o rainha com
coroa na cabeça, rosas numa aba do manto e duas coroas pousadas sobre um livro, símbolos do
seu nascimento real, da sua piedade e da sua continência matrimonial, ou como franciscana.
Neste último caso, os atributos são um pão ou um peixe e uma bilha de estanho com que de
beber a um mendigo acocorado. (TAVARES, 2001, p.78)
32
Santa Rosa de Viterbo, Irmã terceira franciscana, nasceu em 1235 e morreu com 18 anos. Fez
vários milagres, entre eles transformar pão em rosas. Tem por atributo rosas que apresenta numa
cesta ou numa aba do manto. (TAVARES, 2001, p.131)
A imagem do Cristo Ressuscitado remete à passagem em que, durante o
interrogatório no Sinédrio, o sumo sacerdote pergunta a Jesus se ele é o Messias,
o filho de Deus, Jesus responde que sim e completa afirmando: E vereis o Filho
do Homem sentado à direita do Poderoso e vindo com as nuvens do céu (Mc14,
62). NO Evangelho de São Mateus, a citação do mesmo episódio é um pouco
mais completa: Então aparecerá no céu o sinal do filho do Homem e todas as
tribos da terra baterão no peito e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens
do céu com poder e grande glória (Mt 24,30).
Ao lado dessa imagem, mais dois paralelogramos, um em cada lado, com
as imagens de mais dois santos franciscanos: Santo Antonio e São Boaventura,
que, conforme a hagiologia, são os franciscanos mais importantes, depois do
próprio São Francisco.
Santo Antonio
33
está no espaço à direita e sua representação também,
segue o mesmo padrão: dois querubim ocupam o espaço inferior, dois outros
33
Santo Antonio de Lisboa, ou de Pádua, é o único Santo português e, depois de S. Francisco de
Assis, o franciscano de maior relevo. Nasceu em 1191 em Lisboa, e foi criado, junto à
Catedral, onde teria feito seus primeiros estudos. Passou depois a Coimbra, onde professou nos
Cônegos Regentes de Santo Agostinho do Convento de Santa Cruz. Revelou-se grande pregador
e teólogo. Morreu em 1231, perto de 40 anos, em Pádua. Um ano depois foi canonizado. É
considerado doutor da igreja. Iconograficamente é representado como franciscano. Os seus
atributos são uma flor-de-lis, um crucifixo florido, os peixes escutando seu famoso sermão e um
burro ajoelhado perante a hóstia, alusão a um de seus milagres. Ordinariamente é representado
Foto 70: Santo Antonio Foto 71: São Boaventura
Foto 69: Cristo Rei
seguram o medalhão e mais uma dupla está acima da imagem do Santo, desses
um segura uma guirlanda e o outro segura uma ponta de tecido com a mão
esquerda e, com a direita, uma flor-de-lis. (Foto 72) Na circunferência no canto
superior aparece um livro fechado com um crucifixo por cima. O nome do Santo
não aparece escrito, junto ao atributo. Veste túnica franciscana e segura nos
braços um menino, uma das formas iconográficas de Santo Antonio.
O outro santo que ladeia o Cristo nas nuvens, é São Boaventura
34
. Neste
último paralelogramo o conjunto tem uma diferença: não seis querubins mas,
apenas cinco. (Foto 73) Na parte inferior, um querubim e um cachorro que traz um
objeto. Dois outros querubins seguram o medalhão e outros dois estão acima,
segurando as guirlandas. Na circunferência na parte superior, não foi escrito o
nome, apenas um terço aberto, formando um circulo, foi pintado.
Com esse último, completa-se a representação de seis santos
franciscanos, que formam com o patrono, sete santos da ordem.
Nas laterais do teto, dois arcanjos com símbolos litúrgicos e, nas laterais do
retângulo do centro, duas cenas com religiosos franciscanos: do lado esquerdo,
São Francisco sentado no chão e recostado em uma pedra, tendo em volta do
braço direito uma cruz.(Foto 70) Com a mão esquerda segura um papel com um
texto, que é também sustentado por dois anjos à sua frente. Também à frente de
São Francisco um arcanjo com as asas abertas. A pintura, apresenta ainda uma
caveira
35
no chão, junto ao braço que segura a cruz.
Na extremidade oposta, três frades franciscanos, atendendo um desvalido.
A imagem passa a idéia de caridade, assistência aos mais necessitados.(Foto 71)
com um livro na mão, sobre o qual está colocado o Menino Jesus, que lhe terá aparecido várias
vezes. (TAVARES, 2001, p.22)
34
Boaventura ou Bonaventura foi um grande teólogo franciscano, Doutor Seráfico
34
, e segundo
fundador da Ordem Franciscana. Nasceu em 1221 próximo de Viterbo, na Toscana. Com 17 anos
se fez franciscano, foi estudar em Paris e ensinou depois em Sorbonne. Eleito geral de sua
Ordem, foi cardeal, morreu em 1274. Deixou uma obra: Memórias de São Francisco. É
representado ás vezes com barba, outras vezes sem ela, vestido de franciscano, com uma “capa
magna” de cardeal por cima, já que foi ambas as coisas. Os seus atributos são a mitra episcopal e
o chapéu cardinalício (suspenso duma arvore, alusão a simples e humilde como recebeu essa
dignidade). Tem também o crucifixo que o Santo considerava ser toda sua biblioteca. (TAVARES,
2001, p.33)
35
Ás vezes São Francisco aparece vestido de capuchinho, com uma caveira do lado (TAVARES,
2001, p. 60)
Outras representações no teto da Igreja da Ordem Terceira de São
Francisco, intercaladas com as descritas, são constituídas de efígies de. Cristo
e Maria, entre os retângulos principais; S. Pedro e S. Paulo, também junto aos
retângulos, nas extremidades do teto, próximo à entrada e o outro, junto ao altar
mor; os quatro evangelistas Mateus e Lucas ao lado do retângulo com a
representação dos franciscanos dando assistência ao desvalido; Marcos e João,
ao lado da representação de São Francisco sentado lendo.
Franco Velasco pintou dois arcanjos guarnecendo as duas cabeceiras do
teto, um logo na entrada da Igreja e outro na entrada do altar mor. Na entrada da
Igreja o anjo incensando o ambiente com um turíbulo (Foto 74). É lamentável
porém, que o órgão colocado no coro, esconde não essa figura, como o
restante do teto que finaliza nesse local. O outro anjo, sobre a entrada da capela
mor, está de asas abertas, sentado no chão e segura com as duas mãos um
medalhão com a efígie de S. Francisco (Foto 75).
Foto 74: Arcanjo incensando com turíbulo
Pintura sobre o coro, atrás do órgão
Foto 75: Arcanjo segura medalhão com
efígie de São Francisco
Pintura sobre a entrada do altar mor
Foto 72: São Francisco acompanhado de um
arcan
jo e querubins
Foto 73: Padres franciscanos amparando um
desvalido
Para completar a representação dos homens que guardaram e difundiram
as palavras de Cristo, assim como os apóstolos e discípulos, Franco Velasco
pintou a imagem de padres nos quatro cantos do teto (Fotos 76, 77, 78 e 79). São
bustos de quatro homens adultos, vestindo túnicas sacerdotais e crucifixo no
peito. Representados entre nuvens, os quatro sacerdotes recebem uma
iluminação que vem de cima, a inspiração de sua sabedoria, como está
representado no primeiro quadro abaixo(Foto 76), onde o Santo olha para o alto,
em direção à luz.
Franco Velasco representou acima de um dos padres, um triângulo em
meio à luz no céu.(Foto 77) Este é Atanásio, o Grande
36
, um dos doutores da
Igreja Grega. Isso permite supor que as imagens representam os doutores da
Igreja Grega (S.Atanásio, S. João Crisóstomo, S. Basílio e S. Gregório de
Nazianzo), é o fato de que S. Atanásio, é um dos quatro. E, segundo Tavares, “S.
João Crisóstomo, um dos quatro doutores ... Aparece por norma agrupado com
dois outros doutores da Igreja Grega: S. Basílio e S. Gregório de Nazianzo. Os
doutores da Igreja, situam-se entre o divino e o terreno, entre a sabedoria e
inspiração de Deus e o povo, a quem devem passar os ensinamentos. Ensinaram
em vida, através de suas pregações e pós-mortem, através de seus escritos.
36
Santo Atanásio, terá nascido na Alexandria cerca do fim do século III. Diácono do patriarca de
Alexandria, acompanho-o ao Concílio de Nicéia, onde desempenhou papel importante contra o
arianismo.morreu em 372. Iconograficamente é representado como bispo grego sem mitra. Um de
seus atributos é um triângulo luminoso, alusão à SS. Trindade que defendeu contra os Arianos.
(TAVARES, 2001, p.25).
Foto 77: Santo Atanásio Foto 76: São João Crisóstomo Foto 78: São Basílio Foto 79: São Gregório
de Nazianzo
Franco Velasco representou, em espaços isolados, figuras de anjos
acompanhados de símbolos da igreja, ladeando as figuras dos doutores da Igreja,
nos cantos do teto. (ver fotos 80, 81 e 82)
Em um dos quadros, dois querubins seminus, sobre um capitel com flores e
folhas de acando
37
estilizadas. Entre os dois, uma pequena coluna, onde se
enrama uma videira e da qual pende, na frente, um grande cacho de uvas. Por
trás das uvas, ramos de trigo espalham-se para os lados e, acima das uvas,
folhas da videira e do trigo. Atrás desponta uma cruz com um triângulo sobreposto
no eixo da travessa e com uma coroa de espinhos encaixada. (Foto 80)
O simbolismo desses elementos remete ao sacrifício de Cristo e a
presença da Trindade Santa. A cruz e a coroa de espinhos lembram a Paixão e
Morte de Cristo. O triângulo eqüilátero representa a Santíssima Trindade: Pai,
Filho e Espírito Santo e também o Divino, a harmonia e a proporção
37
Gênero de subarbustos e ervas perenes, de folhas longas muito recortadas notáveis pela
beleza; nativas da região do Mediterrâneo, algumas espécies o cultivadas como ornamentais
desde a Antiguidade. Na arquitetura, trata-se de ornamento que imita as folhas dessa planta,
usado principalmente no capitel da coluna coríntia e da compósita. (Larousse Cultural, 1998, v.1,
p, 36)
Foto 80: Querubins sustentam o
trigo e as uvas
Foto 82: Querubins sustentam o
cordeiro místico
Foto 81: Detalhe de um dos
cantos do teto da Igreja da
O.T de São Francisco
(CHEVALIER, GHEERBRANT, 1982, p. 968). O trigo e as uvas, representam o
pão e vinho, que na última ceia, Cristo institui como a Eucaristia
38
.
No outro quadro, três pequenos querubins, semelhantes aos do quadro
anterior, sustentam uma espécie de bandeja ou andor redondo. Um pouco acima
desse suporte, um outro anteparo, onde um cordeiro está deitado. Decoram a
borda desse anteparo, sete pingentes redondos. Acima do cordeiro, a mesma
cruz com uma coroa de espinhos encaixada, semelhante a que aparece no outro
quadro. A diferença em relação ao anterior é a ausência do triângulo (Foto 82).
O cordeiro é outro símbolo de Cristo, criado nas palavras de João Batista
que, quando viu Jesus aproximar-se disse: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o
pecado do mundo” (Jo 1,29). É conhecido também, como Agnus Dei (Cordeiro de
Deus). Vale citar essa imagem também remete Cordeiro Pascal (a instituição da
Páscoa) símbolo da redenção de Israel, registrado no Livro do Êxodo capítulo 12.
Na pintura de Franco Velasco, o cordeiro e os sete pingentes é uma
referência ao capítulo cinco do Apocalipse
39
(O Livro selado e o cordeiro), que
relata: ...um livro escrito por dentro e por fora, selado de sete selos. ...e vi no meio
do trono e dos quatro seres vivos e no meio dos anciãos um Cordeiro(Ap 5,1.6).
Ainda no mesmo texto há uma referência clara da representação de Cristo pela
figura do Cordeiro:
Digno és de tomar o livro e abrir os selos, porque fostes imolado e
com teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo,
língua, povo e nação. ...Àquele que está sentado no trono e ao
Cordeiro, a bênção, a honra, a glória e o império pelos séculos
dos séculos. (Ap. 5,9.13).
O Apocalipse tem a forma de cartas dirigidas às sete igrejas da Ásia.
Segundo a análise de Mullins(1969, p.172), o livro se divide em partes que são
38
Um dos sete sacramentos da Igreja Católica (o batismo, a confirmação, a eucaristia, a
penitencia, a unção dos enfermos, a ordem e o matrimônio), no qual, segundo a doutrina católica,
contém real e consubstancialmente o corpo, o sangue, a alma e a divindade de Jesus Cristo sob
as espécies do pão e de vinho. (Larousse Cultural, 1998, v. 21, p, 5177)
39
O Apocalipse ou Livro das Revelações é uma revelação feita por Deus a um visionário, a ser
transmitida aos homens para lhes comunicar coisas ocultas. O gênero literário apocalíptico, muito
em voga no judaísmo entre os anos 200 aC e 200 dC, caracteriza-se pela linguagem misteriosa,
cheia de símbolos, visões e aparições celestes. Neste gênero, estranho para nós, os detalhes
concretos de uma descrição, as cores e os números, assumem dimensões simbólicas que devem
ser traduzidas intelectualmente. (Bíblia Sagrada, 1982, p. 1451)
indicadas pelo número sete
40
, ao qual a estrutura da obra se presta facilmente.
Ainda segundo autor, pode-se verificar que a estrutura do texto está dividida em
sete setenários
41
.
No primeiro Setenário: Sete cartas às cidades de Éfeso, Esmirna,
Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia. Segundo Setenário: sete selos.
Terceiro Setenário: sete trombetas. Quarto Setenário: sete sinais. Quinto
Setenário: Sete taças. Sexto setenário: a destruição de Babilônia. Sétimo
Setenário: sete visões, a consumação.
Pode-se notar que no projeto de pintura para o teto da Igreja da Ordem
Terceira de S. Francisco, o pintor usou de vários recursos do simbolismo cristão
42
,
criando uma narrativa rica em significados.
40
Sete é expressão da totalidade querida por Deus. A unidade perfeita de tempo divide-se em
sete dias; os dias da criação terminam e se coroam no sétimo dia (Gen 2,2). Como símbolo da
oniciência, Javé tem sete olhos (Zc 4,10)o candelabro sagrado (menorá) tem sete braços providos
de lâmpadas (Ex25,37). Na segunda vez que Cristo multiplicou os alimentos, Jesus saciou com
sete pães a multidão faminta; ”Dos pedaços que sobraram recolheram sete cestos (Mc 8, 5-8). O
Pai-Nosso contém sete pedidos.Santo agostinho via no número sete tanto onúmero do pecado
quanto o numero da salvação: sete sacramentos e os sete pecados capitais.
41
Expressão que indica sete unidades; que contém sete unidades. (Larousse Cultural, 1998, v 22,
p. 5347)
42
Durante os três primeiros séculos da Igreja Cristã, quando os fiéis eram muitas vezes
perseguidos, era necessário ocultar as crenças sob tipos e figuras. Nenhuma representação da
Crucificação era considerada segura, e mesmo a representação de uma cruz simples não era
comum. Cristo normalmente era mostrado como o Bom Pastor, levando uma ovelha nos ombros.
As cenas de banquete com peixe e pão lembravam ao povo a Sagrada Comunhão, e a ceia de
casamento também trazia a idéia dos bem aventurados no céu. A âncora era o símbolo cristão
ainda mais popular nos primeiros séculos. Ela expressava a idéia da esperança, confiança e
segurança. O peixe era a expressão exterior da crença na divindade de Cristo. Este símbolo se
originava de um acróstico, no qual as primeiras letras das palavras gregas que significam “Jesus
Cristo, Filho e Deus, Salvador”, formam a palavra ikhthys (peixe). O antigo monograma de Cristo,
às vezes denominado KHI-RHO, é uma combinação das duas letras X e P (chamadas em
português, respectivamente, “qui”e “rô”) as duas letras da palavra Cristo em grego. Durante a
Idade Média as pessoas davam simbolismos especiais a tudo que usavam no culto religioso. O
simbolismo cristão perdeu seu atrativo quando a arquitetura da Renascença substituiu a gótica.
Poucos símbolos novos tem sido inventados desde o século XVI, um dos últimos, que vale ser
mencionado, é o monograma I.H.S., cercado por um resplendor. Ele representa o nome Jesus
escrito numa forma grega abreviada, e originariamente nada tinha que ver com as palavras latinas
Jesus Hominum Salvator (Jesus, Salvador dos Homens), que agora às vezes lhe são ligadas. O
I.H.S. foi popularizado pela primeira vez por São Bernadino de Siena, no começo do século XV e,
mais tarde, adotado pelos jesuítas. A necessidade de símbolos na arte religiosa ainda persiste
pelo fato de a idéia de Deus não poder se expressar plenamente através de um quadro ou mesmo
palavras; o símbolo é um meio de transmitir uma idéia demasiado tremenda para a expressão
humana. (CONLAY, ANSON, 1969, p, 1101)
2.3.2.3 Igreja de Nosso Senhor do Bonfim
Cronologicamente, a segunda encomenda de pinturas religiosas
executadas por Franco Velasco, foi a da Igreja do Bonfim. Situada no Largo do
Bonfim, s/n, a igreja foi edificada sobre a única colina existente na península de
Itapagipe. Isolada pelos quatro lados, a Igreja tem sua fachada voltada para a
entrada da barra da Baía de Todos os Santos.
A primeira restauração que se sabe, ocorreu em 1915, quando o pintor
baiano Manoel Lopes Rodrigues foi encarregado de limpar e retocar as pinturas
do Bonfim (ALVES, FIFB Cad.5). Em seguida, em 1942, para caiação e
iluminação externa; em 1944, pintura geral, instalação elétrica, restauração do
altar mor. A restauração mais importante ocorreu em 1998, realizada pelo IPAC
43
.
Com a obra foi orçada em U$ 1 milhão, a Igreja passou por serviços de
recuperação total, inclusive do telhado, com a inserção de um sobre-forro de fibra
de vidro, com aditivo anti-chama, instalação elétrica, hidráulica, bem como dos
bens móveis e integrados. Durante as obras se decobriu a pintura original da
cimalha da nave , escondida sob camadas de tinta azul.
Os trabalhos de Franco Velasco começou em 1818, num trabalho que,
além de pintura e douramentos das talhas e portas, incluía a elaboração de seis
painéis para os altares laterais da nave, além da pintura do forro. Dos os painéis
dos retábulos Franco Velasco trabalhou como temática, a Via-Sacra ou Passos da
Paixão de Cristo. no teto, a composição com formas de base poligonal,
circunscrevem figuras da iconografia cristã e, uma grande elipse no meio, em
forma um medalhão, que se destaca do entorno, não pela posição centralizada
na composição, mas sobretudo, pelo fato de, além da representação do orago,
apresentar uma cena civil com figuras humanas.
O contrato entre o pintor e a Irmandade, firmado no dia 27 de fevereiro de
1818, estabelecia que estava incluso no trabalho a pintura e douramento da
igreja, das seguintes partes: retábulo da capela mor, os seis retábulos dos altares
laterais da nave, dois pulpitos, todas as tribunas e grades do coro, portas de azul
43
Instituto do Patrimônio Artístico e Cultura da Bahia, órgão ligado à Secretaria da Cultura e
Turismo da Bahia.
com filetes dourados e as de fora de verde sem ouro. Um detalhe no texto chama
a atenção. No que se refere à pintura do forro da dita igreja pintada a eles no
gosto mais moderno ... e ainda obrigando-se elle dito pintor a dar todo ouro,
tintas, oleo e mais despezas a ellas necesárias a sua custa ... (OTT, 1979, p.149).
O contrato ainda estabelecia que a entrega do serviço deveria ser no terceiro
domingo de janeiro de 1819. O pagamento pelo trabalho foi registrado do “Livro
de Receitas e Despesas” de 1818 e, conta que Franco Velasco recebeu
7.355#840 (Sete contos, trezentos e cinqüenta e cinco mil, oitocentos e quarenta
réis) (Liv Rec nº 6)
As imagens referentes aos painéis e a pintura do forro, estão no próximo
capítulo, onde será feita a análise.
A vida e obra de Franco Velasco, objeto desse capítulo, revelou-se num
universo rico em detalhes. Sua vida familiar e profissonal, contém fatos que
revelam um homem compromissado com sua família e seu ofício. Elucida
também, o caráter nato de ser mestre, ao fazer ao insistir em acumular as funções
de professor e pintor, dividindo seu tempo entre o serviço público e as
encomendas de suas obras.
Através do levantamento do acervo e análise de suas obras, pode-se ter
uma noção do empenho desse artista, no aprimoramento técnico e contínuo de
sua arte; no desenho e na percepção das formas, imprimindo caráter nas figuras
pintadas e estabelecendo um estilo próprio. Das pinturas da Igreja de Santana no
início do século XIX, ao projeto executado para a Ordem Terceira de São
Francisco, a obra de Franco Velasco revela olhar experimentado e a segurança
na definição das formas.
Capítulo III
PROGRAMA ICONOGRÁFICO
Se a arte pode seduzir a alma, perturbá-la e encantá-la,
emocioná-la nas profundezas não percebidas pela razão,
que isso se faça em benefício da fé!
René Huyghe – L’arte et l’homme.
A descrição e análise das pinturas de Franco Velasco, na Igreja do
Bonfim, se inicia pelos passos da Via-Sacra, representados nos altares laterais.
Onde o conjunto constitui-se de menor quantidade de imagens e pelo fato de ser
uma seqüência de uma única temática. Em seguida a análise passa para a
pintura do teto, onde a composição é dividida em várias partes diferentes e que,
embora na sua maioria seja constituída de elementos da iconografia cristã, possui
também, representações de caráter civil.
3.1 AS PINTURAS DOS RETÁBULOS
Os altares laterais surgiram nas igrejas durante a Idade Média e perderam sua
função litúrgica, durante o Concílio Vaticano II
44
, quando são estimuladas as
missas comunitárias. A resolução visava uma revalorização do aspecto
comunitário e hierárquico da missa, que muitas vezes ficara reduzida a um ato de
devoção quase privada, favorecendo assim, a exasperada multiplicidade das
celebrações individuais e por vezes, simultâneas em uma mesma Igreja. O
Concílio apresenta na constituição sobre a liturgia, “que se deve preferir a
concelebração comunitária à individual e quase privada (SC 27;41). Este princípio
44
Assembléia dos bispos, aos quais se juntam os superiores maiores das ordens religiosas,
unidos ao Papa, onde se decide soberanamente das coisas mais importantes em matéria de e
de vida da Igreja. (BOROBIO, 1990, p. 185). O Concílio Vaticano II foi reunido entre 1962 1965,
para uma “atualização” da Igreja, publicou entre os anos de 1963 e 1965, vários documentos.
Entre eles, o Sacrossanctum Concilium, específico sobre liturgia. (IDEM)
geral válido para toda celebração litúrgica, ‘vale sobretudo para celebração da
missa’ (SC 27).” (SARTORE, 1992, p. 212). Assim, é abolida a prática de missas
nos altares laterais e a missa passa a ser realizada única e exclusivamente no
altar da capela-mor e sendo desde então, comunitária.
45
A Igreja do Bonfim possui, além do altar-mor, seis altares distribuídos nas
laterais da nave, sendo três de cada lado. Cada altar é composto de mesa com
retábulo anexo, onde está emoldurada uma pintura com a representação de
cenas da Paixão. A Via-Sacra da Igreja do Bonfim é então formada pelos “passos”
pintados por Velsco e se completa com a crucificação, esse último representado
pela imagem no altar-mor. Desse modo, são formados sete passos da Paixão.
Para entender as pinturas existentes nos retábulos, é imprescindível saber o que
vem a ser a Via-Sacra e o motivo de sua representação.
3.1.1 A Via-Sacra
Segundo a tradição, o discípulo amado de Jesus, São João Evangelista,
seguiu o seu Divino Mestre durante todo o percurso, e após o sepultamento este,
conduziu Maria Santíssima, e as outras mulheres, e aos demais discípulos pelo
mesmo caminho, mostrando-lhes os lugares onde, conforme marcara em sua
memória, Jesus dissera alguma palavra, praticara alguma ação, ou cedera mais
vivamente aos sofrimentos. (Caminho a Cruz ou Via-Sacra, 1936, p. 5)
As gerações cristãs que se sucediam, transmitiam umas as outras esse
piedoso costume, e com razão: se Cristo é a figura principal da religião cristã, a
sua crucificação é o acontecimento mais importante da sua vida. Para a maior
parte dos cristãos, entretanto, era impossível fazer essa, não arriscada, como
também demorada e dispendiosa viagem a Jerusalém e assim praticar o exercício
tão louvado e tão edificante da Via-Sacra.
45
Missas onde são apresentadas diversas intenções. É admitido que ao mesmo tempo, a
celebração seja em ação de graças, em honra de algum santo, pelo aniversário de alguém e até
por falecimento de uma pessoa.
Os franciscanos, porém, que desde 1312 haviam sidos nomeados pela
Igreja os guardas oficiais dos lugares santos, acharam meios de resolver tal
dificuldade e de estender a todos os cristãos os benefícios espirituais do caminho
da cruz. O meio por eles adotado foi obter da Santa a licença necessária para
reproduzir em imagem, fora de Jerusalém, as estações do Caminho da Cruz,
assim, não tardaram essas pias da Via-Sacra a serem erigidas em todos os
países cristãos, levando a todo o mundo católico, o benefício da extraordinária
devoção. (IIDEM, p. 6) Atualmente, poucas são as igrejas que não tenham o
conjunto de 14 Estações da Via-Sacra nas paredes.
A tradicional Via-Sacra inclui cenas extraídas tanto das tradições pias como
das passagens dos evangelhos. Por exemplo, as três quedas de Jesus e a cena
em que Verônica enxuga-lhe a face o pertencem aos quatro evangelhos da
Bíblia. Em 1991, o papa João Paulo II reformulou a Via-Sacra, de modo que todas
as estações passaram a ser baseadas nas Escrituras. (O’MALLEY, 2003. p. 7)
A Via-Sacra é dividida em quatorze passagens que são: Jesus no Horto
das Oliveiras; Jesus é traído por Judas e preso; Jesus é condenado pelo Sinédrio;
Pedro nega Jesus; Jesus é julgado por Pilatos; Jesus é coroado com espinhos e
flagelado; Jesus carrega a Cruz; Simão Cireneu ajuda Jesus; Jesus encontra as
mulheres de Jerusalém; Jesus é crucificado; Jesus Promete seu Reino ao bom
ladrão; Jesus fala à sua mãe e ao discípulo; Jesus morre na cruz; Jesus é
colocado no túmulo. Esses passos são extraídos dos quatro Evangelhos
46
canônicos.
3.1.2 Os “Passos” por Franco Velasco
Com base na iconografia da Paixão, Franco Velasco realizou na Igreja do
Bonfim, uma representação que não segue exatamente, as estações
estabelecidas na Via-Sacra. Do conjunto, dois painéis, possuem uma leitura
46
Segundo a versão apresentada por O’Malley, as passagens foram extraídas dos Evangelhos na
seguinte proporção: uma de S. João; uma de S. Mateus; duas de S. Lucas e 10 de S. Marcos.
particular: Em A Caminho do Calvário, uniu em uma tela, três cenas distintas:
Jesus carrega a cruz, Simão Cireneu ajuda Jesus e Verônica se aproxima de
Jesus. Em outro painel, criou uma cena, talvez sem precedentes, que pode ser
chamada de: Jesus é levado pelos soldados. Nessa tela o pintor não utilizou
símbolos comuns da iconografia para indicar a que Estação a cena pertence. Nos
painéis restantes Cristo no Horto das oliveiras, a flagelação, a coroação de
espinhos e Ecce Homo Franco Velasco seguiu a iconografia usada desde o
Renascimento.
As telas foram dispostas de forma que a leitura seqüencial dos passos se
no sentido anti-horário. A série começa pelo altar à direita, próximo à entrada
da igreja, e termina no altar na mesma posição, do lado oposto (Ilustração 2). A
disposição desses altares, em relação ao altar-mor, está da seguinte forma:
quatro em posição perpendicular (dois de cada lado da nave), e dois em
diagonal, junto ao arco do cruzeiro.
As seis pinturas possuem a mesma forma retangular com acabamento na
parte superior em arco romano, e as mesmas dimensões: 2,60m de altura por
2,10m de largura, todas, na técnica óleo sobre tela. Essas obras estão fixadas em
uma moldura, de talha que segue o desenho do retábulo, e estão a 1m de altura
do chão altura correspondente do altar. Os seis retábulos, que abrigam as
Ilustração 2: Desenho esquemático com a
disposição de cada pintura em ralação a
cada retábulo na planta baixa da Igreja.
1
2
3
4
4
6
6
5
1
2
3
4
4
6
6
5
pinturas seguem um mesmo desenho de estilo neoclássico, e medem 6,80m de
altura, por 2,60m de largura, que corresponde da mesa do altar até sua
extremidade superior. (Fotos 83, 84, 85, 86, 87, e 88)
Foto 83: Jesus no Horto das
Oliveiras
Foto:Elias Santos
Foto 85: A flagelação de Jesus
Foto:Elias Santos
Foto 87: Ecce Homo
Foto:Elias Santos
Foto 88: Jesus rumo ao
calvário
Foto:Elias Santos
Foto 86: Jesus coroado de
espinhos
Foto:Elias Santos
Foto 84: Jesus é traído e
preso
Foto:Elias Santos
As análises das pinturas dos retábulos seguem a seqüência da Via-Sacra,
e conseqüentemente, a ordem em que estão dispostas nos altares, iniciando em
Cristo no Horto das Oliveiras e finalizando em Jesus a caminho do Calvário.
No primeiro painel está a imagem de Jesus no Horto das Oliveiras, cuja
composição é formada por duas figuras masculinas em primeiro plano. A cena é
complementada com formações de voas e nuvens
47
que envolvem as duas
figuras, e emolduram toda a composição, deixando apenas parte do chão e do
céu, à mostra. (Foto 83)
Dois focos de luz podem ser observados: o primeiro, surge do canto
superior esquerdo, iluminando as duas figuras no sentido direito para esquerda;
outro, parte da paisagem ao fundo representando a luminosidade da lua –,
delineando a formação das nuvens. A iluminação delineia uma divisão imaginária
no sentido vertical, clareando o lado direito, enquanto que o lado oposto
permanece quase que totalmente, na penumbra.
A luz projetada ilumina as vestes do arcanjo e a face e parte da roupa de
Cristo, contrastando com o lado direito do painel, preenchido por nuvens negras.
O eixo vertical é percebido a partir da figura do Cristo e as nuvens na parte
superior que dividem simetricamente a pintura. em ralação às duas figuras (o
arcanjo e Cristo), pode-se perceber uma diagonal descendente.
O anjo é um jovem branco de cabelos louros e encaracolados, pairando
acima do solo à frente de Cristo, para quem dirige o olhar. Vestindo túnica branca,
está com a mão esquerda aberta sobre o peito, e o braço direito estendido,
trazendo na mão, um cálice em um gesto de oferecimento.
Cristo aparece como um homem adulto, ajoelhado no chão em local aberto
e sem nenhum tipo de construção à vista. Veste túnica azul que lhe cobre todo o
corpo, deixando à mostra apenas parte do torso. Os cabelos castanhos, com
ondulações nas pontas que lhe caem sobre os ombros. A figura traz junto ao peito
e o queixo, as mãos unidas com os dedos entrelaçados, e mantém olhar
direcionado ao chão, sugerindo estar em oração.
47
Em muitas religiões as nuvens pertencem à esfera do divino. Na Bíblia, tanto no Antigo quanto
no Novo Testamentos, a nuvem é um fenômeno relacionado com teofanias (Em grego, aparição
de Deus. Qualquer manifestação de Deus, perceptível aos sentidos) (ZILES, 2001, p. 67). É em
forma de nuvens ou coluna de nuvens que Deus manifesta sua presença ou seu poder, em
diversas passagens. Durante a transfiguração de Cristo (Mc 9,7) e também na sua ascensão (At
1,9) a nuvem está presente.
O tema iconográfico Jesus no Horto das Oliveiras representa o momento
em que Cristo, sabendo de seu destino, vai até um local chamado Getsêmani
acompanhado dos discípulos, e chegando, recolhe-se em oração. Segundo o
Evangelho de Marcos:
“Chegaram a um sítio chamado Getsêmani e Jesus disse aos
seus discípulos: sentai-vos aqui enquanto vou orar. Levou consigo
Pedro, Tiago e João, e começou a sentir medo e angústia e lhes
dizia: Triste está minha alma até a morte; ficai aqui e vigiai.
Adiantando-se, caiu por terra e pedia que, se fosse possível,
passasse dele aquela hora. Dizia “Abba Pai, tudo te é possível,
afasta de mim este cálice, mas não seja o que eu quero senão o
que tu queres. (Mc 14, 32-36)
No Evangelho de Lucas é narrada claramente a presença do anjo em
frente a Cristo, na parte da prece que se segue: Pai, se queres afasta de mim
este cálice; contudo não se faça a minha vontade mas a tua. Apareceu-lhe um
anjo do céu que o confortava. E cheio de angústia orava com maior instância. (Lc
22, 40-44).
Nesse momento, Jesus consciente do que ocorreria, se resigna do final
de sua missão, e dos sofrimentos que viria a passar. É nessa hora que pronuncia
as palavras que serão a chave para a interpretação da dor do mundo: Mas então
como vão se cumprir-se as Escrituras de que assim é que deve acontecer? (Mt
26,54). O mandato do Pai é julgar o mundo com o sacrifício do Filho. E não é
possível opor-se a esse mar transbordando de sofrimento. (AZNAR, 1949, p.23)
A iconografia da paixão apresenta como seqüência desse momento a
representação da prisão de Cristo, ainda no Horto das oliveiras, com a figura de
Judas beijando a face do mestre, acompanhado dos soldados. Contudo, o painel
seguinte revela que não foi essa, a opção de Franco Velasco.
O segundo retábulo apresenta o painel com a imagem de Cristo preso e
sendo conduzido por soldados. A representação traz uma composição com seis
figuras masculinas, sendo quatro em primeiro plano e mais duas ao fundo, das
quais apenas do tórax para cima é mostrado. No primeiro plano, dois homens do
lado esquerdo: o primeiro, a frente de todos, está totalmente de costas para o
observador; o segundo, apesar de ter apenas o rosto e parte do tórax mostrados,
torna-se mais marcante na composição, pela expressão rude da face. (Foto 84)
Da composição, o que ganha mais o destaque é Cristo. Com a cabeça
inclinada e olhar direcionado para o chão, é sobre ele que incide o foco de luz
revelando suas formas e cores. O quarto elemento é percebido apenas pela
cabeça, logo atrás de Cristo, e que pode ser identificado como soldado pelo elmo
que usa, igual dos outros soldados à frente.
Duas outras figuras ao fundo, estão posicionadas sobre a parede de vão
aberto. Trata-se de dois elementos que observam a cena que se passa. Um dos
elementos aparece de meio corpo e sobre seu ombro esquerdo, a cabeça do
outro. Pela posição em que se encontram, e quase sem iluminação sobre eles, as
figuras adquirem um ar sinistro. Para indicar essa presença, as lanças dos
soldados aparecem apontando diretamente para o local. Geralmente essa arma é
representada repousando sobre o ombro de quem a segura, como no caso do
soldado à esquerda. No entanto outros soldados que não aparecem na cena
trazem suas lanças apontando para no sentido inverso do primeiro. As lanças
transformam-se, simbolicamente, em setas que indicam um detalhe que pode
passar despercebido.
Como fundo, a cena apresenta uma estrutura arquitetônica, que indica um
recinto fechado. As linhas determinam duas paredes: uma frontal, ao fundo, sem
detalhes. A outra parede, ao lado direito, em diagonal, indicando perspectiva, e
apresenta uma abertura com arco romano. Em uma parte da arcada pende uma
lamparina ou algo semelhante, destinada à iluminação. As paredes chegam até
certa altura e no encontro das duas, pode se perceber um pilar que se ergue,
dando continuidade à edificação. Através da abertura sobre as paredes, é
possível visualizar um céu escuro com a silhueta de uma lua cheia, encoberta por
nuvens.
Neste painel Cristo aparece com as cores realçadas em relação ao
restante da composição. O foco de luz que parte da esquerda para direita, parece
direcionada apenas para um personagem, pois apenas o Cristo tem a cor da pele
e da roupa realçadas.
Essa composição é intrigante, pois atende à seqüência das “Estações”,
mas não segue a iconografia da paixão, que geralmente apresenta o momento
em que Judas, acompanhado dos soldados, se aproxima de Cristo e o trai com
um beijo, ainda no Horto das Oliveiras (dando um valor significativo à traição,
personificada no apóstolo). É após esse instante é que os soldados levam Cristo
consigo. Franco Velasco tenha optou em representar a figura do Cristo no
momento em que é levado para o Sinédrio (ou mesmo à presença de Pilatos).
Fato que justifica a ausência da figura de Judas e a representação de um
ambiente fechado.
Em matéria publicada no Jornal A Tarde em 1958, Marieta Alves, nomeia
essa passagem como sendo Jesus conduzido a presença de Pilatos, (...) (ALVES,
Arq. pessoais, FIFB). Essa designação porém, é equivocada, pois não na
pintura, qualquer símbolo que remeta à figura de Pilatos ou de sua residência. O
mais indicado seria: “Jesus conduzido à presença do Sinédrio ou à casa de
Caifás”. Esse momento sim, ocorreu à noite, logo após a prisão de Jesus no
horto. E é nessa passagem que “Jesus é condenado pelo Sinédrio”, como dita a
terceira estação da Via-Sacra.
Quanto a “Jesus é julgado por Pilatos” (que corresponde à quinta Estação),
ocorreu durante o dia, na manhã seguinte à prisão e condenação pelo Sinédrio:
Chegada a manhã, todos os sumos sacerdotes e os anciãos do povo reuniram-se
em conselho contra Jesus para fazê-lo morrer. E amarrado, o levaram e o
entregaram ao governador Pilatos (Mt 27, 1). Os outros três Evangelhos também
apresentam essa passagem (Mc 15, 1; Lc 22,66 e Jo 18,28). Nesta pintura nota-
se que é noite, o que indica se tratar de uma transição entre a traição e a
condenação pelo Sinédrio. Velasco concebe nesta cena, uma nova leitura da
referida Estação.
O terceiro Painel, onde Cristo aparece sendo flagelado, quatro figuras
compõem o ambiente: três estão de pé, sendo Jesus logo à frente e dois soldados
um pouco atrás. A quarta figura, aparece curvada, bem à frente das outras, no
canto inferior esquerdo. Cristo ao centro da composição, aparece vestindo um
perizônio (faixa que lhe cobre a região pubiana) Está com o tronco e joelhos
flexionados, abdome contraído e parece estar com as mãos atadas atrás do
corpo. Os cabelos, castanhos e com ondulações, lhe caem sobre o ombro direito.
Olhos semicerrados e direcionados para o chão. A figura mantém uma placidez
facial, como se estivesse resignado pela dor. O contraste fica mais evidente,
quando comparada à expressão rude dos soldados. (Foto 85)
Os dois personagens logo atrás, vestem um traje composto de um tecido
que é preso à cintura e na parte superior, cobre apenas um lado do tórax sendo
atado em um dos ombros, como trajes romanos ou gregos. Ambos com os braços
arqueados e chicotes à mão, posicionam-se para surrar Cristo. A expressão facial
desses soldados dá uma idéia da violência que seguirá.
O quarto personagem curvado, que seria mais um soldado, trás um
turbante na cabeça e apresenta também, uma expressão rude. Com o olhar
direcionado para baixo, tem nas mãos uma corda ou correia. O que indica que
está prestes a amarar os tornozelos de Cristo.
Ao fundo da composição, paredes com vigas e pilares aparentes são
representadas em perspectiva, através das linhas diagonais paralelas. Esse
detalhe, porém não amplia o ambiente, mas a impressão de local estreito. A
sensação de claustrofobia é reforçada pela utilização de cores em tons escuros
nas paredes. O único detalhe que quebra a impressão do ambiente é um óculo,
na parte superior da parede ao fundo, por onde se tem uma pequena visão do
ambiente externo que no caso, parece ser dia.
Neste painel a luz parte de fora para dentro da pintura, incide diretamente
em Cristo, realçando sua forma e cor em relação ao restante da pintura. Nem
mesmo a figura que se encontra à frente de Cristo, recebe a mesma intensidade
de luminosidade.
Apesar de cena representar a flagelação de Cristo, parece que Franco
Velasco registrou o ato antes mesmo do seu início, pois os instrumentos de
tortura sequer tocam a pele do condenado. E o mais importante: nenhum vestígio
de sangue ou hematomas foi representado.
O motivo iconográfico representado neste painel faz parte da estação em
que Jesus é coroado de espinhos e flagelado, lembrando que esta passagem
sucederia três outras Jesus condenado pelo Sinédrio, Pedro nega Jesus e
Jesus é julgado por Pilatos – que não estão representadas no Bonfim. Seguindo a
iconografia da paixão, Franco Velasco aqui e nos outros dois painéis que seguem,
fragmentou uma Estação, pintando-a em três cenas: Jesus é flagelado, Jesus é
coroado de espinhos, e finalmente, Ecce Homo ou Jesus atado com a cana verde.
A cena retrata todo o sofrimento que Jesus passou antes de ser
crucificado, numa tentativa de Pilatos para que os judeus, vendo-o castigado,
desistissem de sua condenação à morte. Lucas relata que, “Pela terceira vez
Pilatos lhes disse: Mas que mal fez ele? Não encontro nada que lhe merece a
morte. Vou mandar castiga-lo, e depois o soltarei”. (Lc 23, 22). Já o Evangelho de
Marcos revela que, “querendo dar satisfação à plebe, Pilatos soltou-lhes
Barrabás; e Jesus, depois de havê-lo açoitado, entregou para que o
crucificassem”. (Mc 15,15).
O fato de Jesus admitir sua origem divina Todos disseram: Logo és o
filho de Deus? E Jesus lhes respondeu: Vós o dizeis, eu sou. (Lc 22,70) , foi o
motivo que encontraram para finalmente mandar matá-lo, após várias tentativas
de encontrar em Jesus palavras que demonstrasse subversão às autoridades
religiosa e do Estado.
O próximo painel se refere ao momento em que, após flagelar Cristo, os
soldados romanos, cobrem-no com um manto vermelho, tecem uma coroa com
galhos cheios de espinhos para sua cabeça. (Foto 86)
Cinco figuras estão em cena. Cristo está ladeado por dois soldados à
esquerda e outros dois do seu lado direito. Jesus se encontra sentado, cabeça
voltada para o lado direito e levemente inclinada para baixo. Com os olhos semi-
serrados, e com sobrancelhas arqueadas demonstrando sofrimento, olha para o
sujeito à sua direita. As mãos estão atadas à frente, sobre o colo e tem o manto
vermelho lhe cobrindo totalmente as pernas até a cintura, e envolvendo os braços
por trás. O tórax e a frente dos braços, antebraços e mãos, permanecem à
mostra.
No canto inferior direito um dos homens se encontra de perfil, agachado ao
lado de Cristo, para quem dirige um olhar ameaçador. Tem o braço direito
arqueado e apoiado sobre o joelho direito, e com a mão esquerda oferece a cana
à Cristo. Do mesmo lado, logo atrás dessa figura e do próprio Cristo, está um dos
soldados de e devidamente fardado, que tem no olhar a mesma expressão de
raiva. Ele tem nas mãos a coroa de espinhos, posicionada bem acima da cabeça
de Cristo onde está prestes a encaixa-la. ao lado direito, um pouco atrás de
Jesus, um homem de e vestido com traje civil, está com o corpo inclinado, de
forma a ficar bem próximo do rosto de Cristo. Pode-se ver que com o braço direito
por trás da cabeça de Cristo, estica parte do cabelo deste, para posicionar a
cabeça que será coroada, e com a mão esquerda segura a outra parte do manto
que cobre Cristo. A quinta figura presente, apenas assiste a cena. Pode-se ver
apenas sua cabeça na lateral esquerda, por trás da figura que segura o cabelo de
Cristo. A expressão deste é mais atenuada em relação aos outros.
O fundo revela uma arquitetura formada por colunas enfileiradas em
diagonal (três ao todo) que partem do meio da composição para o lado esquerdo.
De capitel simples, sustentam arcos e abóbadas. Apesar desses elementos o
ambiente não é fechado por paredes, permitindo que o céu azul, seja revelado ao
fundo e, em um pequeno espaço à esquerda, entre as colunas. também, um
pouco atrás das figuras, uma cortina, que se estende desse recinto para fora dele
passando entre as duas colunas mais próximas.
O Evangelho de São Mateus se refere ao episódio da seguinte forma: (..)e
tecendo uma coroa de espinhos puseram-lhe na cabeça e na mão direita uma
cana. E dobrando o joelho diante dele, zombavam e diziam: salve o rei dos
judeus. (Mt 27,29). Em João, capítulo 19, a cena ganha mais detalhes: os
soldados teceram uma coroa de espinhos e puseram-na sobre a cabeça,
cobriram-no com um manto de púrpura e, se aproximando, diziam: salve o rei dos
judeus e lhe davam bofetadas. (Jo 19, 1-3). Nos Evangelhos de Marcos (Mc 15,
16-19) e de Mateus (Mt 27, 27-30), os relatos são semelhantes.
A cena do próximo painel, ainda pertence à sexta estação da Via-Sacra. É
denominado, na iconografia da paixão como Ecce Homo
48
, e no Brasil, ganha a
denominação de Jesus com a cana verde. Trata-se do momento em que Jesus,
após a flagelação, é apresentado ao povo, coroado de espinhos e coberto com o
manto púrpura. Foi mais uma tentativa de Pilatos para salvar Cristo da morte por
crucificação, mostrando que o mesmo havia sofrido mais que o suficiente. (Foto
87)
A composição formada por três figuras: Cristo e mais dois homens. Seria
impróprio afirmar que as figuras nas laterais são soldados que o surraram, pois os
mesmos não estão vestidos com trajes militares, mas com roupas comuns. As
três figuras formam uma composição linear horizontal. A simetria fica determinada
48
A origem do título atribuído a essa representação em algumas pinturas, vem do Evangelho de
São João, capítulo 19. É exclusividade de João o único relato desse acontecimento, antes da
condenação de Cristo. Ecce Homo (lat. Eis o Homem). Palavras de Pilatos aos judeus ao
apresentar-lhes Jesus coroado de espinhos e vestido de púrpura. (Larousse Cultural. v. 9, p.
2010.)
pela figura de Cristo, centralizada, e pela presença do mesmo número de
coadjuvantes de cada lado.
Cristo está de mãos atadas na frente e entre elas a cana como um cetro. O
manto vermelho cobre parcialmente seu corpo e uma das pontas cai sobre
balaustrada em frente.
O homem a direita segura parte do manto com a mão esquerda para cima e,
com a mão direita, a parte de baixo, juntamente com a ponta da corda que amarra
os pulsos de Cristo. Este aparece com uma expressão facial que revela escárnio
e gozação ao mesmo tempo. a figura à esquerda, aparece com uma das mãos
aberta, estendida para frente, como que apresentando “o Homem”, para o
observador.
A imagem apresenta o momento em que, após a sessão tortura, Cristo é
conduzido para fora, a fim ser apresentado à multidão:
E deste balcão do pretório, Jesus se expõe a todos os tempos,
que hão de adorá-lo pela eficácia de seu poder, sinal de seu amor,
que pode se manifestar abrindo sua pele em feridas. Eis o
homem. É a hora em que o homem verdadeiro é criado. Agora sim
que é Alfa e Omega
49
das representações românicas, o sumo
poder encarnado na última infâmia.(AZNAR, 1949, p.32)
É neste instante que Pilatos usa a expressão “Ecce Homo”, na esperança
de que, ao vê-lo tão castigado, seus algozes desistissem de sua morte. O
evangelho de João relata que,
“Outra vez Pilatos saiu fora e lhes disse: eis que vo-lo trago para
que saibais que não acho nele nenhum crime. Apareceu, pois,
Jesus trazendo a coroa de espinhos e o manto de púrpura. Pilatos
disse ‘Eis o Homem’. Quando o viram os sumos sacerdotes e os
guardas exclamaram dizendo: crucifica-o, crucifica-o. Disse-lhes
Pilatos: Tomai-o vós e o crucificai, pois não acho nele crime” (Jo
19, 4-6)
49
A e Ô(MEGA) α .Começo e fim constituem marcas de espaço e tempo e, em conseqüência, de
tudo que é criado. Quando se superam começo e fim, superou-se o limite terreno, atingiu-se a
perfeição. Já no início do Gênese Deus se apresenta como quem tudo abrange, como quem fez o
céu e a terra e, com isso, espaço e tempo (Gn 1,1). Ver também Is 41,4; 44,6; 48,12s. No
Apocalipse (1,8), “o Senhor Deus, aquele-que-é, aquele-que-era e aquele-que-vem, o todo
Poderoso ”refere-se a si mesmo como “O alfa e o Omega; a primeira e a última letra do alfabeto
grego torna-se, pois, símbolo do senhorio que tudo abarca e tudo determina. O fim dos tempos
dará lugar a novo começo sem fim, dará lugar à consumação. Com sua onipotência, que pode
fazer continuar e fazer parar o começo e fim, o Senhor criará “novo céu e nova terra”(Ap 21,1) que
se identifica com a eternidade divina; pois ele é “o Alfa e o Omega, o Primeiro e o Último, o
princípio e o fim. (Ap 22,13). (LURKER, 1993, p ).
O momento em que Cristo é exibido bastante machucado, foi profetizado
por Isaías, no Velho Testamento. O profeta escreveu que, “Assim como muitos se
sentiram horrorizados à vista dele, tão desfigurado que não parecia homem e
seu aspecto o era o de seres mortais.” (Is. 52,14). Se a representação dessa
passagem fosse seguir a descrição do Evangelho ou da profecia, a imagem
deveria ser completamente diferente da pintada por Franco Velasco. Contudo,
não deveria ser esse o propósito do pintor ou mesmo dos encomendantes
O sexto e último painel apresenta Cristo carregando a cruz. A composição
que justapõe a sétima e oitava estações da Via-Sacra, e ainda, a uma passagem
de um texto apócrifo. São três cenas distintas, em uma representação: Jesus
carrega sua cruz (sétima estação), Simão Cireneu ajuda Cristo (oitava estação), e
o momento em que Verônica se aproxima para enxugar a face de Cristo (texto
apócrifo). (Foto 88)
A composição é formada por três figuras em primeiro plano e que, a
exemplo dos outros painéis, Cristo aparece ao centro ladeado pelos outros. Com
o corpo curvado ao peso da cruz, Jesus aparece com a perna esquerda
flexionada e o joelho direito colocado no chão. Ao mesmo tempo, se apóia com a
mão direita sobre uma pedra à sua frente e com a mão esquerda, segura a cruz.
Com a cabeça voltada para trás, observa com feição serena, a mulher que se
aproxima.
À direita uma mulher com o corpo levemente inclinado em direção de
Cristo, segura com as duas mãos um lenço branco. Tem sobre a cabeça, um véu
que pende pelo ombro esquerdo, deixando seu lado direito à mostra, revelando
sua face e o cabelo.
Do lado oposto, um homem de expressões rudes, está de um pouco
atrás de Cristo e o ajuda a sustentar a cruz, segurando-a pela travessa. Esse
exercício revela os músculos retesados do braço esquerdo do homem, que fica à
mostra ao abraçar pela frente a madeira. Sua outra mão fica à mostra acima da
cabeça da mulher. Esta figura, a exemplo da outra, também olha fixamente para
Cristo, com feições de preocupação.
Em meio ao cenário, aparecem pouco adiante três soldados, dos quais
apenas pode-se ver as cabeças com elmos e as lanças apontando para cima.
Desses apenas dois rostos são visíveis. Essas figuras aparecem junto a uma
estrutura de pedra. A construção é formada por três pilares em perspectiva um
logo à frente e outros dois mais ao fundo sustentando arcos romanos,
concentrada do lado esquerdo. Do outro lado, o céu azul completa a paisagem.
Como as figuras principais, estão voltados para o lado oposto à construção, o
movimento indica a saída de Cristo do ambiente onde estava seguindo agora para
o calvário.
A luz projetada nesta composição segue o mesmo esquema dos outros
painéis, iluminando Cristo e as figuras que o acompanham. O raio de luz surge do
lado direito, destacando o rosto dos três personagens, como focos direcionados,
deixando restante da composição com pouca luminosidade. O destaque aqui fica
por conta da figura de Verônica, que tem o rosto, pescoço e parte do busto, assim
como o tecido que traz às mãos, valorizados pela luz.
Como nesta composição Franco Velasco uniu três temas iconográficos,
faz-se necessária uma análise individual de cada momento. Seguindo a
seqüência das estações da Via-Sacra, a primeira cena a ser tratada é a estação
sob o título: “Jesus carrega a cruz”.
Após os momentos em que Cristo é flagelado e coroado com espinhos,
Pilatos o apresenta à multidão. Era costume durante a scoa, que o governante
soltasse o prisioneiro que lhe pedissem. Nesse tempo, um homem chamado
Barrabás estava preso junto com outros rebeldes, que tinham cometido um
assassinato durante a revolta. (O’Malley, 2003, p. 24). Perguntando à multidão se
eles, desejavam que soltasse o rei dos judeus, ouviu como resposta incitada
pelos chefes dos sacerdotes – o pedido para que soltasse a Barrabás.
Pilatos perguntou então: “Que quereis, pois, que faça deste a quem
chamais de rei dos judeus?. Eles tornaram a gritar: crucifica-o!” (Mc 15,12). No
Evangelho de São Lucas diz: “Soltou aquele que por motim e assassinato tinha
sido preso, conforme pediam, e entregou Jesus à vontade deles.” (Lc 23,25).
São Mateus afirma que, “Depois de se terem divertido, arrancaram-lhe o manto,
puseram as vestes e o levaram para crucificar.”(Mt 27,31). Mas é no Evangelho
de São João que mais detalhes são apresentados: “E carregando a cruz saiu para
o lugar chamado Caveira, em hebraico Gólgota, onde o crucificara, juntamente
com outros dois, um de cada lado e Jesus no meio.”(Jo 19,17-18).
Na oitava estação da Via-Sacra, é apresentado o momento em que um
homem chamado Simão Cireneu, ajuda Jesus a carregar a cruz. Dos quatro
evangelhos o de São João é o único que não faz qualquer referência a este
personagem. O painel apresenta o exato momento em que Simão Cireneu
sustenta a cruz, enquanto Cristo tropeça.
No Evangelho de São Mateus, após a descrição da flagelação, o relato
começa afirmando que: “Ao saírem, encontraram um homem de Cirene, de nome
Simão, ao qual obrigaram a levar a cruz.” (Mt 27,32). São Marcos ilustra esse
momento com o seguinte trecho: “Conduziram-no para fora afim de o
crucificarem. Requisitaram um transeunte, um tal de Simão de Cirene, que vinha
do campo para que carregasse a cruz. era pai de Alexandre e de Rufo. (Mc 15,21)
Quanto à cena da mulher, tradicionalmente chamada de Verônica, pertence
à iconografia cristã, mas não aos textos canônicos
50
. A única referência a essa
mulher só é encontrada em um livro Apócrifo,
51
chamado Evangelho de
Nicodemos
52
. No texto, essa é a única vez em que Verônica é citada, mesmo
50
Os livros canônicos da Bíblia Sagrada escritura, Livros Santos, compõem-se de 73 livros. São
chamados canônicos, porque formam o cânon ou lista oficial dos livros que a Igreja considera
como inspirados e que servem, portanto, de norma para a fé e para a prática religiosa. Dividem-se
em dois grupos, tradicionalmente intitulados Testamentos ou alianças.(RAMOS, 1990, p. 9).
51
Ao lado dos livros canônicos, existem outras obras que versam sobre os mesmos assuntos de
alguns escritos bíblicos, mas que não são tidos como inspirados e, portanto, não estão incluídos
no cânon oficial. Apócrifo é a palavra grega (apócryphos) que significa escondido, secreto, oculto.
Foram assim chamados porque não eram de uso público, isto é, não eram usados oficialmente na
liturgia e no ensino. Alguns são de origem judaica e relacionam-se com fatos ou escritos do
Antigo Testamento. Por exemplo, O Livro de Henoc, Os Salmos de Salomão. Não eram lidos nas
sinagogas.Outrros de caráter cristão , relacionam-se com o Novo Testamento: Evangelho de
Pedro, Atos de Paulo. Não eram lidos nas igrejas. (IDEMp.11)
52
Por Evangelho de Nicodemos compreendem-se duas obras literárias, independentes uma da
outra, mas complementares: Atas de Pilatos e a Descida de Cristo ao Inferno. Depois do século X,
ambos esses escritos levaram o nome de evangelho de Nicodemos em alguns manuscritos
latinos. Entretanto, no prólogo o autor se identifica como Ananias. O Evangelho de Nicodemos
exerceu grande influência na iconografia cristã, influência que se fez sentir a partir do século V. Na
arte figurativa aparece o episódio de Longinos (Acta Pilati c.16) e a descida de Jesus aos infernos.
Esse último, o inferno, é figurado como uma caverna tenebrosa, sepultada debaixo das
montanhas. A primeira parte do atual Evangelho de Nicodemos (Acta Pilati) compõe-se de 16
capítulos. Recorre-se ao testemunho de Pilatos e dos próprios judeus em favor da inocência e da
divindade de Jesus. Os primeiros 11 capítulos descrevem a prisão e crucificação de Jesus. Os 5
capítulos restantes expõem os debates havidos no sinédrio sobre a ressurreição de Jesus.
Apresenta grande semelhança com os evangelhos canônicos, acrescentando pormenores com
destaque para a participação de Nicodemos e de José de Arimatéia.(Evang. apócrifos, 2001,
p.181/182)
assim esse nome é discutível. No capítulo VII intitulado, “Testemunho de uma
hemorroísa”
53
, há a seguinte citação:
E uma mulher chamada Berenice (Verônica), começou a gritar de
longe, dizendo: “encontrando-me enferma com fluxo de sangue,
toquei a orla de seu manto e cessou a hemorragia que eu tinha
por doze anos consecutivos”. Os judeus disseram: “De acordo
com nossa lei, uma mulher não pode testemunhar”. (Evangelhos
apócrifos EDIPUCRS, 2001, p. 194)
Ainda sobre Verônica, conta-se que fora uma piedosa mulher que fez
impressão da face de Cristo em um pano, representando as feições angustiantes
do Salvador, impressas por gotas de suor e de sangue dando uma expressão
peculiar de padecimento. (Religion Católica. 1956. tomo VII, p,602). José Aznar
se refere a essa passagem da seguinte forma:
A verônica, limpa seu rosto com um lenço tão puro, que todos os
traços do Salvador são transferidos para o tecido. É a primeira
representação de Jesus. Seu rosto é entregue para adoração dos
homens. É a partir daí que a arte consistirá na reprodução desta
face, cuja contemplação nos comunica com a essência do
Universo. (1949, p. 48)
Na iconografia cristã, geralmente a figura de Verônica é representada
isoladamente, como nos exemplos tanto através de uma ilustração do século XV
(Foto 90), ou na pintura de El Greco, já no século XVII (Foto 89)
3.1.3 Particularidades do conjunto
O ˝Passos˝ possuem dosi aspectos peculiares quanto ao estilo: priemeiro,
a presença de um Cristo de aperência física saudável e cabelos bem arrumados,
53
Segundo o Evangelho, mulher que tinha fluxo de sangue constante e se curou ao tocar a túnica
de Cristo. (Os evangelhos falam da cura da hemorroíssa, mas não citam seu nome. Cf. Mt 9,20-
22; Mc 5, 25-34; Lc 8, 43-48. Segundo uma tradição, chamava-se Verônica ou Berenice).
Foto 90: Verônica
Miniatura do livro de Ouro
Escrito por Luigi di Laval (1480)
Biblioteca Nacional - Itália
Foto 89: Verônica, 1577-1580
El Greco
Óleo sobre tela
105X108cm
Coleção particular (Madri)
como pode sernotado em três, dos passos onde Cristo parece seminu, mostrando
uma musculatura desenvolvida. O segundo aspecto é a ausência de sangue ou
hematomas no corpo de Jesus, conseqüências da agressão sofrida. O que indica
o cuidado do pintor em não dramatizar as cenas com detalhes explícitos, o que
caracteriza um erto distanciamanto do artista do estilo barroco. O pintor preferiu
dar ênfase à expressão feroz dos algozes (Fotos 85, 86 e 87).
Em quatro, das composições realizadas, a cena se passa dentro de um
ambiente fechado, revelando como fundo, uma arquitetura com vigas e colunas
aparentes, trabalhadas em perspectiva, não muito bem resolvida. O modelo não
se repete nos diferentes painéis, que aparentam ambientes representados em
diferentes dimensões. A característica comum em todos ambientes é presença do
arco romano nas aberturas.
Em cada representação, as estruturas arquitetônicas aparecem com algum
detalheque permite ver o céu. Mesmo dentro dos ambientes fechados, um
pequeno detalhe do firmamento é mostrado, de forma ao espectador identificar se
é noite ou dia. Frencoi Velasco segiu exatamente como as passagens são
descritas nos evangelhos. Assim, em dois dos painéis o céu é mostrado à noite,
nos restantes, a cena se passa de dia.
Em Jesus é preso pelos soldados, a parede ao fundo não fecha com o teto.
Para mostrar que a escuridão ao fundo é o céu, uma lua cheia parcialmente
encoberta de nuvens, é revelada logo acima das figuras sinistras no muro; em a
flagelação, apesar do ambiente ser completamente fechado, um óculo na parede
ao fundo, revela um céu azul; na coroação de espinhos, pode-se ver o céu por
cima de uma cortina que se fecha atrás das figuras em primeiro plano; em Ecce
Homo, supõem-se que Jesus está do lado de fora do pretório, pelo fato de estar
em frente a uma balaustrada. Apesar disso, o céu é mostrado através da
construção que se ao fundo; finalmente Cristo Rumao ao Calvário, aparece ao
fundo uma construção, concentrada ao lado direito e, no lado oposto, o céu.
Outro detalhe semelhante em todos o painéis, é que o eixo vertical que
divide a composição, está sobre a figura de Cristo. Um foco de luz incide
deliberadamente sobre Cristo também é o ponto mais iluminado em todos os
painéis. A projeção de luz criada nas composições se assemelha à iluminação
cenográfica, enquanto o restante permanece numa luz ambiente. Apenas em dois
painéis no primeiro e no último, a iluminação privilegia outro personagem além
de Cristo: no primeiro, o arcanjo; no último, Verônica.
Também coincide em todos os painéis, a presença de elementos que
determinam uma diagonal descendente, que dirige o olhar para o canto inferior
esquerdo. No primeiro painel, a posição do anjo em relação à Cristo; no segundo,
parte da lamparina em relação ao soldado ao fundo e a Cristo, acompanhados do
facho de luz que os ilumina; no terceiro painel, o olhar de Jesus na direção do
soldado que lhe amarra os pés, no canto inferior direito; no quarto o soldado
empunhando a coroa de espinhos em relação à Cristo sentado; no quinto painel o
olhar de Jesus e a cana verde no meio de suas mãos, apontam na mesma
direção; no último painel, a posição de Verônica, em relação à Cristo, reforçada
pela travessa da cruz.
Em quatro painéis as colunas estão perfiladas em perspectiva, na direção
da mesma diagonal descendente: Jesus preso pelos soldados, a flagelação, Ecce
Homo e A caminho do Calvário.
3.1.4 Comparações
Para efeito de comparação, buscaram-se dois exemplos de Via-Sacra,
realizadas antes e depois dos “passos” pintados por Franco Velasco. Primeiro a
produção de José Joaquim da Rocha do século XVIII (Fotos 91, 92, 93, 94 e 95 )
e, em seguida o conjunto pintado por José Rodrigues Nunes, de meados do
século XIX. Das duas produções, no entanto, são apresentados apenas os
passos, cujas cenas coincidem com as pintadas por Franco Velasco na Igreja do
Bonfim.
José Joaquim da Rocha recebeu em 1786, a encomenda da Santa Casa
de Misericórdia de Salvador, para pintar os Passos da Paixão, em forma de
estandartes, para serem usados na Procissão dos Fogaréus. (ALVES, 1976, p.
150) O pintor representou nos painéis os passos da paixão na frente, e um anjo
correspondente à passagem, no verso.
Embora a encomenda tenha sido de oito estandartes, apenas sete existem
atualmente no Museu de Arte da Bahia. Os painéis possuem dimensões
semelhantes e medem 103,5 cm de altura e 94,5cm de largura.
Segundo Luiz Freire, esta produção é uma “pequena produção no contexto
de trabalho da oficina do pintor”, e que provavelmente, não tenha sido pintada
pelo próprio José Joaquim da Rocha, mas por discípulos ou mesmo oficiais de
sua equipe, sob sua supervisão (FREIRE, 2003).
O primeiro detalhe que chama a atenção, em relação à produção de
Velasco, é em relação ao desenho das figuras humanas. Nessa produção de José
Joaquim da Rocha, é visível a estilização e de erros anatômicos das figuras.
na produção da Igreja do Bomfim, isso é bem resolvido. Esse detalhe reforça a
hipóitese de que Franco Velasco tenha, de fato, usado modelos vivos, para
construção pictórica de seus painéis, embora não se possa comprovar com
documentos.
Outra diferença é quanto à disposição das figuras no espaço, pois parece
que os personagens estão encenando um ato, ou seja, além da forma mal
resolvida, falta às figuras naturalidade nos gestos. Outro aspecto é a ausência de
expressividade diferenciada em cada cena, o que faz com que todos os
personagens pareçam apáticos. nos painéis de Velasco, as cenas transcorrem
Fotos 91, 92, 93, 94 e 95: Painéis com representações da paixão de Cristo. Na seqüência, Jesus
no Horto das Oliveiras, Jesus é traído por Judas e preso, A flagelação, Ecce Homo e a Caminho
do calvário.
José Joaquim da Rocha – 1786
Museu de Arte da Bahia – Salvador
em ritmo diferente uma das outras, e os personagens demonstram, com muita
expressividade, os sentimentos relativos à cada momento.
Outro exemplo para efeito de comparação é a produção de sete Passos da
Paixão, pintados em 1855, por José Rodrigues Nunes. As pinturas foram
confeccionadas para se fixar nas paradas das estações da Via-Sacra, durante a
procissão do Senhor dos passos, da Ajuda. (FLEXOR, 2003, p. 30) Em 1993 o
conjunto foi doado ao Museu de Arte da Bahia, em. (fotos96, 97, 98 e 99)
Das pinturas aqui apresentadas, duas mostram diferenças em relação às
executadas por seu mestre na Igreja do Bonfim: Jesus no horto das Oliveiras e a
flagelação. Porém nas outras duas, é visível a cópia realizada por José Rodrigues
Nunes. As únicas diferenças é que inverteu a posição de alguns personagens e
que seu desenho de figura humana contém erros de anatomia. A aparência dos
personagens lembram os de José Joaquim da Rocha, inclusive na cena da
flagelação, as pernas de Cristo lembram os de José Joaquim da Rocha, inclusive
na cena da flagelação, prinicpalmente as pernas de Cristo, na mesma poseda
figura pintada para a Santa Casa.
Em Ecce Homo e em Jesus a caminho do Calvário, a cópia chega ser
quase que total, como um decalque. Nota-se que o detalhe da balaustrada e o
manto de Jesus sobre o mesmo, são muito parecidos, senão iguais. A
composição com três figuras em destaque permanece, mudando apenas as
figuras que ladeiam Cristo e inserindo duas outras, uma de cada lado. A mão do
personagem que faz a apresentação aponta para Cristo, enquanto que na versão
Fotos 96, 97, 98, e 99: Passos da Paixão de Cristo. Na Seqüência: Cristo no Horto das Oliveiras, a
Flagelação, Ecce Homo e Jesus à caminho do Calvário.
José Rodrigues Nunes – 1855
Óleo sobre tela - 166x153cm (cada)
Museu de Arte da Bahia – Salvador
de Velasco, a palma da mão está aberta em direção ao espectador. Outra
mudança é a substituição do cenário ao fundo, a arquitetura foi substituída por
pessoas portando cartazes (S.I.), que talvez tenha sido pela falta de destreza com
a perspectiva.
Em Jesus a caminho do Calvário, Cristo aparece na mesma posição,
ajoelhado e segurando a cruz com uma das mãos. Aqui também, Simão Cireneu
segura a cruz do mesmo lado. Nessa, a diferença é a criação de uma espécie de
suporte na travessa, no qual Simão Cireneu segura, e a roupa que o mesmo
veste. O traje preto, com mangas longas, é totalmente diferente da elaborada por
Velasco.
Compõem ainda a cena a figura de Verônica e um quarto sujeito, que
também ajuda a carregar a cruz. José Rodrigues Nunes inverteu a posição de
Verônica, colocando-a à frente de Cristo e mudou o cenário ao fundo, substituindo
a paisagem por edificações.
3.2 A PINTURA DO TETO DA NAVE
3.2.1 Iconografia do teto
A pintura ocupa todo o forro em forma de abóbada de cantos
arredondados, numa área de aproximadamente 203,59m
2
, na técnica óleo sobre
madeira. O desenho é formado de espaços de base poligonal retilínea e curva,
com bordas pintadas imitando molduras. A composição é semelhante a “tetos
formados por grandes caixotões sobrepostos ao madeiramento da cobertura” do
tipo aplicado em Igrejas da segunda metade do século XVIII, na Bahia, a exemplo
da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco. (AGUIAR, 1971, p. 255) Os
espaços de formas geométricas, distribuídos no plano, formam uma composição
bem ordenada e simétrica, distribuída por toda a nave da Igreja (Ilustrações 3 e 4)
Franco Velasco não elaborou para essa Igreja, uma pintura em perspectiva
executadas nos forros desde o Cinquecento e que ganhou grandes dimensões
durante o século XVIII, com as representações de uma falsa arquitetura, onde
espaços abertos com vistas panorâmicas. (MELLO, 1998, p. 76). Na pintura de
quadratura (de falsa arquitetura), as figuras também, seguiam a projeção ilusória,
em escorço, que nas palavras desse autor, é um método utilizado para reduzir as
partes de um “objeto ou de uma figura para que pareçam mais curtas e estreitas”
ao ser observada a certa distância. Esse tipo de pintura apresentava um
rasgamento do teto para o céu, por onde podiam ser vistas as figuras dos santos
ou da Virgem em glória. (IDEM, p. 74)
Na Igreja do Bonfim foi utilizada uma forma utilizada desde o
renascimento, que é a pintura em compartimentos, como as pinturas da Capela
Cistina, por Michelangelo ou na Galeria de Psique, de Rafael. À moda desses
exemplos, Franco Velasco utilizou a técnica do quadro recolocado, onde, segundo
MELLO (1995, 83), as figuras não são representadas em escorço, mas se
apresentam num campo de visão frontal.
Todos os espaços onde foram representadas as imagens, possuem bordas
que imitam molduras, imitando a aparência dos tetos em caixotões. Utilizando o
jogo de luz e sombra, essas molduras pintadas com uma sombra projetada
seguindo a direção da iluminação natural, que entra pelas janelas do coro. O
Pav. térreo Pav. superior
Ilustração 3: Desenho
esquemático da
pintura do teto.
Ilustração 4: Planta baixa da Igreja com esquema da pintura
efeito cria a ilusão de alto-relevo, dando a impressão ao observador que se trata
de elementos sobrepostos na superfície do forro. Aqui a pintura embora não seja
em perspectiva, característica do Barroco, todos os espaços (exceto os quatro
cantos) onde são representadas efígies, imitam janelas vazadas, onde pode-se
ver o céu azul por trás das figuras.
A composição geométrica é formada por dois losangos, nove retângulos,
10 circunferências, um grande elipse, mais dois espaços duas nas laterais da
elipse cuja forma o tem uma definição exata. Completa o conjunto, uma grande
elipse situada no centro geométrico do teto, na qual Franco Velasco representou
um medalhão. A grande destaca na composição o apenas pela dimensão e
posição centralizada, mas, sobretudo, por sua diferença estilística e temática.
(Fotos 100, 101, e 102)
Foto 100: Panorama do teto da Igreja do Bonfim em
vista plana
Foto 101: Panoramas do teto da
Igreja do Bonfim em perspectiva
Foto 102: Panoramas do teto da Igreja do
Bonfim em perspectiva, com detalhes
dos altares laterais
A composição do teto apresenta nas laterais do medalhão no sentido
transversal os bustos de Cristo e da Virgem Maria. Efígies dos quatro
evangelistas circunscrevem a mesma elipse. Nas extremidades, no sentido
longitudinal, anjos, e acima destes, as efígies de Pedro e Paulo. Entre os
apóstolos e o medalhão, dois losangos tem a representação de o “Salvador e o
Precursor” e no outro, emblema da Virgem. E nas quatro extremidades do teto,
as efígies dos quatro doutores da igreja.
Começando a análise do teto pelas figuras isoladas, pode-se verificar que
as duas imagens nas laterais do medalhão, representam, do lado direito, a
imagem de Cristo com a coroa de espinhos. A imagem apresentando
expressão de sofrimento, é um busto simbolizando o sofrimento do filho. (Foto
103)
Do lado esquerdo (do coração), o busto de Nossa Senhora com uma
espada transpassada no peito(Foto 104). A imagem refere-se especialmente as
Foto 104: Busto de Maria com uma espada
transpassada no peito
Foto 103: Busto de Cristo com coroa de
espinhos
Foto 105: Detalhe dos anjos que
ladeiam as imagens de Cristo e
Maria
dores que a Virgem teve durante a vida, paixão e morte de Jesus. (MEGALE,
1986, p. 146) A espada, é uma alusão à profecia de Simeão, que segundo o
Evangelho de o Lucas, na ocasião em que Maria e Jo foram apresentar
Jesus no templo, encontraram com um sujeito chamado Simeão, homem justo e
piedoso, que tivera uma “revelação pelo Espírito Santo, que não veria a morte
antes de ver o Cristo do Senhor.” (Lc 2,26). Na ocasião, após abençoar os pais de
Cristo, o profeta disse à Maria:
Eis que este menino foi posto para a queda e o soerguimento de
muitos em Israel e, como um sinal de contradição e a ti, uma
espada transpassará tua alma! para que se revelem os
pensamentos íntimos de muitos corações. (Lc 2, 34.35)
Na devoção mariana, essa imagem representa Nossa Senhora das Dores,
para quem se celebra duas festas: a primeira, na sexta-feira da semana da
paixão, e a outra, no dia 15 de setembro. A primeira festa é celebrada em toda
Igreja desde o ano de 1727, por ordem do papa Bento XIII. É provável que esta
festividade tenha sido instituída, ou pelo menos propagada, em 1413, para “(...)
refrear a audácia dos hereges hussitas
54
, que com sacrílego furor desfiguravam
as imagens de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Virgem Dolorosa“ (ADUCCI,
1998, p. 23).
Iconograficamente é representada com a fisionomia angustiada, vestida
geralmente de roxo e envolvida por um manto que lhe cobre a cabeça e vai até os
pés. (MEGALE, 1986 p. 148) A representação também pode trazer a Virgem com
o peito atravessado por sete punhais, que representam as Sete Dores de Maria,
que são: a profecia de Simeão, a fuga para o Egito, a perda de Jesus no Templo,
a subida ao Calvário, a crucificação, a descida da cruz e a sepultura. (LA
BROSSE, 1989, p. 151)
Essa representação, é uma herança que vem desde o século XVIII, quando
era grande a devoção aos “Cristos Crucificados, isoladamente, ou formando
conjunto com Nossa Senhora da Dores” (FLEXOR, 1996, p. 147), como é o caso.
54
Hussitas eram os partidários de João Huss, padre originário da Boêmia que ensinou as
disciplinas filosóficas e teológicas na Universidade de Praga.. Adepto do reformismo evangélico
checo. Seus excessos de linguagem provocaram a hostilidade da hierarquia, cuja corrupção
denunciava. Convocado perante o Concílio de Constança (1414-1418), aí foi acusado, condenado,
e em seguida, foi queimado como herege. (LA BROSSE, 1989, p. 373)
O espaço reservados à essas imagens, difere visualmente de todos os
outros. Além do fato de ter cortinas vermelhas que são recolhidas para as laterais
por querubins (Foto 105), o fundo não é aberto, permitindo uma vista do céu, mas
fechado, conferindo aparência de um sacrário, onde as imagens permanecem
resguardadas e só são reveladas em comemorações solenes. Outro aspecto
singular destes espaços é que são os únicos com ligação física à elipse. A origem
das cortinas, é uma abertura na moldura do próprio medalhão.
No sentido contrário às imagens de Cristo e Maria, dois losangos possuem
a representação de um emblema de N. Senhora da Guia, do lado da entrada da
Igreja, e à entrada da capela-mor, o outro losango traz a representação do
Salvador e o precursor.
No que se refere à Nossa Senhora da Guia (Foto 106), a composição é
formada por seis pequenos anjos que seguram uma espécie de placa ou bandeira
azul marinho (cor do manto de Nossa Senhora). Tomando toda extensão do
suporte, duas letras sobrepostas, A e V de Ave Maria têm, no vértice da letra
A, uma estrela de dez pontas(cinco maiores, com vértice para baixo e cinco
menores intercaladas).
Foto 107: O Salvador e o precursor
Foto 106: Anjos carregam placa com
emblema alusivo à Nossa Senhora da Guia
O título de Nossa Senhora da Guia faz parte de uma antiga tradição
católica. Na Igreja ortodoxa Nossa Senhora é venerada sob o nome de Odigitria,
que significa condutora, guia. Na Igreja romana Nossa Senhora era apresentada
como a orientadora e a guia de Jesus em sua infância e meninice. (AZZI, 2001, p.
66) Essa estrela também remete à que guiou os magos, até Maria que tinha
acabado de dar à luz. Pois ”eis que uns magos chegaram do oriente,
perguntando:onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos sua estrela
no oriente e viemos adorá-lo.” (Mt 2,2)
No segundo losango, cinco anjos ladeiam as figuras de duas crianças: uma
deitada dormindo de barriga para cima, com um grande crucifixo sobre o peito, e
outra ajoelhada diante da primeira, vestindo uma roupa de couro de ovelha e
segurando um cajado, cuja terminação em cima, é em forma de cruz (Foto 107).
A cena trata-se da representação iconográfica de O Salvador e o
Precursor, respectivamente, Jesus e João Batista. A base para essa iconografia
está na explicação do próprio Jesus aos discípulos:
Perguntaram-lhe os discípulos: ‘Como então, os escribas dizem
que tem de vir primeiro Elias?’ ele respondeu: Elias de fato deve
voltar e restabelecer tudo. Mas eu vos digo: Elias já veio e não o
reconheceram. Ao contrário, fizeram com ele o que quiseram. Do
mesmo modo o filho do homem vai sofrer nas mãos deles. Os
discípulos compreenderam então que lhes falava de João Batista.
(Mt 17, 9-13)
Elias segundo o profeta Malaquias (3,23) Elias é o precursor do Messias.
Se Jesus é o Messias, a profecia deve estar cumprida com João Batista. Este
então foi precursor, aquele que anunciou a vinda de Cristo como o Salvador do
mundo. Iconograficamente João batista também é representado como criança,
geralmente associado a Jesus também menino e vestindo túnica de pele de
carneiro ou camelo, com cinto de couro e tem como atributos um cordeiro e um
estandarte (TAVARES, 2001, p. 84)
Jesus aparece como criança deitado e dormindo. Dois querubins ao lado
de sua cabeça, olham fixamente para ele velando por seu sono. ao lado de
João Batista, dois querubins seguram a coroa de espinhos. Em segundo plano
(simbolizando o estado inconsciente), aparecem a coluna da flagelação, e
apoiado nesta, a lança com a esponja que o soldado romano ofereceu o vinagre
com fel, quando Cristo estava crucificado. Mais atrás, o chicote de três pontas,
com o qual os soldados realizaram a flagelação, e mais adiante, um quinto
querubim sobrevoa a cena, tendo nas mãos uma guirlanda de flores vermelhas,
que “representam o pai-nosso dos rosários e os Dolorosos Mistérios da Paixão”.
(Grandes Artistas, 1986, p.301) No lugar do sol, uma forma circular, branca e
resplandescente que lembra uma hóstia, tem a inscrição IHS
55
, abreviação do
nome Jesus. No contexto, este elemento significa o prenúncio da gloria, Cristo é a
luz do mundo. Os elementos que remetem à sua Paixão e morte, presentes na
cena em segundo plano, fazem parte de um sonho, uma previsão do futuro.
Seis circunferências estão próximas à grande elipse. Quatro circunscrevem
o medalhão e duas outras, estão posicionadas nas extremidades da composição
no sentido longitudinal, após os losangos. Essas circunferências representam
aberturas no teto como se fossem óculos, por onde se pode ver um céu azul com
nuvens esparsas. Dentro desses óculos, figuras de homens adultos em forma de
bustos, parecem estar assentadas, tendo, logo abaixo, placas com a simbologia
de seus atributos.
Nos espaços juntos aos losangos, estão representadas duas figuras
masculinas: à entrada da Igreja, São Paulo (Foto 108), que olha fixamente para o
observador, tem logo abaixo, um livro aberto repousando sobre uma adaga (no
lugar de uma espada), símbolo do seu martírio; Na extremidade oposta, junto à
entrada da capela-mor, o Pedro (Foto 109), olha em direção ao medalhão e
logo abaixo do busto, duas chaves cruzadas em diagonais com atributo do
apóstolo.
A localização das duas figuras no teto pode ser interpretada da seguinte
forma: à entrada, aquele que anuncia a palavra do Senhor, e junto ao altar-mor,
onde se encontra o crucificado, o grande fundador da Igreja, aquele a quem o
próprio Cristo confiou essa tarefa.
55
O monograma I. H. S., cercado por um resplendor, representa o nome de Jesu escrito em numa
forma grega abreviada, e originariamente nada tinha que ver com as palavras latinas Jesus
Hominum Salvator (Jesus Salvador dos Homens), que agora ás vezes lhe são ligadas. (CONLAY,
ANSON, 1969, p. 1101)
A palavra e o sangue são a semente com as quais São Pedro e São Paulo
geraram a Roma cristã e com ela a Igreja inteira. Os dois apóstolos depois da
Bem-aventurada Virgem Maria, são os santos comemorados com maior
solenidade litúrgica, ao lado de São João Batista. (SGARBOSSA, 2003, p. 367). A
liturgia romana sempre reuniu os dois apóstolos Pedro e Paulo numa
solenidade, por considerá-los fundadores da Igreja de Roma. Pedro e Paulo são
de fato os pilares
56
da Igreja primitiva. (CONTI, 1999, p.280).
Sempre citado em primeiro lugar na lista dos Doze Apóstolos (Mc 3, 16),
São Pedro fora contudo, o terceiro a ser chamado por Jesus, que lhe deu
imediatamente o nome de Cefas, rocha, em grego Petrus (Jo 1,42). Este título foi
a base do jogo de palavras com que Jesus, em Cesareia de Felipe, estabeleceu
como Fundamento de Sua Igreja (Mt 16,18), ainda nesse mesmo local, Jesus diz
solenemente a Pedro:
“Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha igreja e as
portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves
do reino dos céus, e tudo o que ligares sobre a terra, será ligado
também no céu, e tudo o que desligares na terra, será desligado
também no céu”. (Mt 16, 18-19)
Nestas palavras Jesus anuncia, entre outras coisas, que Pedro é a “rocha
inabalável que serve de fundamento à Igreja, na mesma recebe o supremo poder,
e a ele são entregues as chaves do Céu.” (CONTI, 1999, p. 280)
Depois da Ressurreição, na praia do lago de Genesaré, Jesus dirigiu-se
novamente a Pedro, perguntando-lhe: “Simão, filho de Jonas, amas-me mais que
56
Pilares ou colunas da Igreja é uma expressão paulina que designa os Apóstolos: “Se tardar,
porém quero que saibas como proceder na casa de Deus vivo, coluna e fundamento da verdade”.
(1Tm 3,15)
Desenho esquemático com a
indicação da efígies em azul
Foto !08: São Pedro
estes?” Ele respondeu: “Sim, Senhor, sabeis que vos amo”. Jesus acrescentou:
“Apascenta meus cordeiros”. Por três vezes Jesus fez esta pergunta e deu-lhe
ordem de tomar conta de seu rebanho. Era a investidura oficial a Pedro
57
de ser
Vigário de Cristo, Pastor Supremo no único rebanho do Mestre (Jo 21,15s).
Na outra circunferência aparece a imagem de Paulo, que usava também o
nome Saulo. Nasceu provavelmente nos primeiros anos da era cristã, em Tarso
da Cicília, hoje ocupada pela Turquia. De Tarso foi para Jerusalém onde recebeu
sólida formação nas Sagradas Escrituras e nos todos da tradição dos rabinos.
Ele se diz da tribo de Benjamim, pertencendo à seita fanática dos fariseus. Teve
por mestre o célebre fariseu Gamaliel e tornou-se ele mesmo fervoroso fariseu e
defensor da lei antiga e da tradição dos antepassados e durante muito tempo foi
perseguidor dos membros da comunidade cristã.
A conversão de Paulo se durante uma vigem à caminho de Damasco,
onde iria prender cristãos, quando foi derrubado do cavalo por uma intensa luz.
Caído a chão, “ouviu uma voz que lhe dizia: Saul, Saul
58
, porque me persegues?”
e ao perguntar de quem se tratava, ouviu a resposta: “Eu sou Jesus a quem
persegues”. E Saulo foi conduzido à cidade de Damasco, para a casa do
sacerdote Ananias, que o preparou para o batismo. (At 9, 4-19) Depois disso
Paulo foi para o deserto da Arábia, onde ficou três anos, só em orações e
penitência. Após esse período, foi apresentado aos apóstolos por barnabé e
assumiu a missão de divulgar o cristianismo em três grandes expedições
missionárias que tiveram a duração de 25 anos.
O papel de Paulo na Igreja primitiva foi de transcendental relevo. Além de
ter fundado as melhores comunidades cristãs do mundo helênico, que foram o
esteio da expansão do Cristianismo na Ásia Menor, Paulo
59
em suas 14 cartas
57
A tradição atesta que Pedro, saindo de Jerusalém, foi para Antioquia, dirigindo aquela Igreja por
sete anos, depois rumou para Roma, onde ficou até a morte, que se deu aos 29 de junho de 67.
foi crucificaxdo comoo o próprio mestre, mas pediu que sua posição fosse de cabeça para baixol,
coomo gesto de humildade. (CONTI, 1999, p. 282). A figura de Pedro é representada como um
homem vestindo túnica, trazendo em uma das mãos uma ou duas chaves, que simbolizam as
chaves do reino dos céus, entregues por Jesus. Na imagem pintada por Franco Velasco, duas
chaves estão cruzadas em diagonal,, abaixo do busto de Pedro.
58
Forma aramaica do nome Saulo (Bíblia, NT, 2002, p. 1916).
59
Iconograficamente, Paulo é representado como homem vestido de túnica, barba grande como
Pedro e traz como atributos, um livro e uma espada, símbolo de seu martírio, pois estando em
Roma, foi preso pelo imperador Nero, condenado porque seguia uma religião ilegal. Não foi
crucificado, como queria, a exemplo do mestre e para a salvação dos irmãos. Cidadão romano
não podia sofrer a humilhação da cruz. É decapitado em 67, na via Ostiense. (SGARBOSA, 2003,
escritas às comunidades cristãs por ele fundadas, foi o grande teólogo que tentou
elaborar uma síntese doutrinária do mistério de Cristo para todos os séculos de
valor inestimável. (WILLIAMSON, 1943, p. 52)
(...) se Cristo fundara a Cristandade, Paulo havia criado a Igreja, e
que fora ele quem, aprisionando-se de material de “mistérios”
pagãos, tinha “sacramentalizado” as singelas primícias da nova
Fé. (IDEM)
Os espaços redondos que circunscrevem a elipse contêm, cada uma,
bustos de homens representando os quatro evangelistas: São Mateus, São
Marcos, São Lucas e São João (Fotos 110, 111, 112 e 113). Todos olham para
baixo, exceto a figura de João (sempre representado como um jovem imberbe),
que olha em direção ao medalhão, onde está o Cristo Crucificado. Com esse
detalhe, Franco Velasco - a exemplo d e Pedro, destaca a figura de João dos
demais evangelistas.
p. 368) Na representação do Bonfim, um livro aberto sobre uma adaga, no lugar de uma
espada, que não deve ter sido representada em virtude do espaço disponível.
Foto 110: São Mateus Foto 111: São Marcos
Foto 112: São Lucas Foto 113: São João
à
Desde os fins do século II, os autores (Mateus, Marcos, Lucas e João) dos
quatro evangelhos canônicos são objetos de representação artística. (Zilles, 2001,
p.117) Segundo esse autor, tudo indica que os artistas buscaram os símbolos que
representam os evangelistas nas palavras do profeta Ezequiel:
No centro, algo com forma semelhante a quatro seres vivos, cuja
aparência fazia lembrar uma forma humana. Cada qual tinha
quatro faces e quatro asas. Quanto às pernas, tinham pernas
retas e patas como as de bezerro reluziam, lembrando o brilho do
latão polido. Sob suas asas havia mãos humanas voltadas para as
quatro direções, como as faces e as asas dos quatro. As asas se
tocavam entre si; eles não se voltavam ao caminharem; antes,
todos caminhavam para a frente; quanto às suas faces, tinham
forma semelhante a de um homem, mas os quatro apresentavam
face de leão do lado direito e todos os quatro apresentavam face
de touro do lado esquerdo. Ademais, todos os quatro tinham face
de águia. (Ez 1, 5-10)
A inspiração pode também, ter sido buscada no Livro do Apocalipse, que
termina por fornecer as seguintes referências:
À frente do trono, havia como que um mar vítreo, semelhante ao
cristal. No meio do trono e ao seu redor estavam quatro seres
vivos, cheios de olhos pela frente e por trás. O primeiro ser vivo é
semelhante a um leão; o segundo ser vivo, a um touro; o terceiro
tem a face como de um homem; o quarto ser vivo é semelhante a
uma águia em vôo. (Ap 4, 6-7)
Pode-se dizer que a difusão desses símbolos se a partir de São
Jerônimo.
60
As figuras dos animais receberam os evangelistas de acordo com o
conteúdo do seu evangelho. Mateus começa com a apresentação da origem
humana do Senhor, e por isso seu símbolo tem a face do homem. O Evangelho
de Marcos começa com João Batista, o “arauto no deserto”, e por isso Marcos
recebeu como atributo o Leão. Lucas fala logo de início do sacrifício de Zacarias,
onde existe um touro do sacrifício; outra explicação refere o atributo de Lucas ao
60
São Jerônimo é contado entre os maiores Doutores da Igreja dos primeiros séculos. Jerônimo,
em 382, então monge, empreendeu uma revisão dos Evangelhos a pedido do papa Damaso,
devido seus dons literários e pelo conhecimentos de línguas. O papa desejava uma tradução,mais
fiel em tudo aos textos originais, traduzida e apresentada em latim mais coreto, que pudesse servir
de texto único e uniforme na liturgia. O trabalho de São Jerônimo começado em Roma durou
praticamente toda sua vida. O conjunto de sua tradução da Bíblia em latim chamou-se “Vulgata” e
foi o texto usado largamente no séculos posteriores, tornando-se oficial com o Concílio de Trento e
cedeu o lugar ultimamente às novas traduções, pelos estudos lingüístico-exegéticos dos
nossos dias. (CONTI, 1999, p.430)
filho João enviado por Deus, embora Zacarias e sua mulher fossem muito velhos
(touro=símbolo da fertilidade). Pelo Evangelho de João o Espírito falou sua
palavra com o maior vigor, suas palavras elevaram-se à altura, da qual desceu o
Verbo eterno, que se simboliza da melhor forma, pela águia. Nas figuras de
homem, touro, leão e águia, viraram referências à encarnação, à morte como
sacrifício, à ressurreição e ascensão de Cristo.
Seguindo a ordem que os evangelhos se apresentam no Bíblia, o quarteto
se inicia com Mateus, que se chamava Levi e era cobrador de impostos em
Jerusalém. Foi elegido apóstolo e escreveu o primeiro Evangelho. Morreu por
volta do ano 70. Iconograficamente se apresenta vestindo túnica como os demais
apóstolos e traz como atributos: pluma, livro e um homem alado (anjo). No livro
pode se ler o começo do seu Evangelho: livro da geração de Jesus Cristo.
Algumas vezes traz uma bolsa com moedas, aludindo a sua antiga profissão de
cobrador. ( ROIG, 1950, p. 195)
O segundo evangelista é o Marcos, discípulo de São Pedro e
companheiro de São Paulo em uma viajem apostólica. Redigiu o segundo
Evangelho. Foi martirizado em Alexandria no ano de 62. Geralmente veste túnica
e manto com o os apóstolos. Excepcionalmente é representado vestido de bispo
(se supõe ter sido de Alexandria). O leão alado é o seu atributo como evangelista.
Em um livro se as vezes a frase: Vox Clamantis in deserto..., que é o início de
seu evangelho. Como patrono dos sapateiros leva algum atributo relacionado com
esta profissão. Popularmente é representado com relâmpagos, por ser invocado
contra as tempestades. (ROIG, 1950, p.187 )
Médico e um dos quatro Evangelistas, São Lucas era secretário de São
Paulo. A tradição lhe trata também como pintor, atribuindo-lhe no século VI, uma
imagem da Virgem que estava em Constantinopla. Quanto a esse detalhe, vale
lembrar a imagem pintada por Franco Velasco, para a nave da Igreja de Santana,
cujo estudo, está no Museu de Arte da Bahia (Foto 35). Iconograficamente, veste
túnica e palio dos apóstolos. Como atributos a figura de São Lucas o responde a
tripla personalidade: como Evangelista tem um touro alado. Como médico, se vê a
partir do culo XV, com instrumentos de medicina e cirurgia. Como pintor, no
Renascimento é substituída a pluma dos evangelistas por um pincel, ilustrando
com o seu próprio Evangelho, ou tem uma bua com a imagem da Virgem.
(ROIG, 1950 p. 172)
O boi (touro) e o jumento encontram-se em velhas representações do
presépio, embora não mencionados pelos evangelistas. Esta idéia deve remontar
ao profeta Isaías: “O boi (toruro) conhece seu dono, e o jumento, a manjedoura de
seu senhor, mas Israel é incapaz de conhecer, o meu povo não pode entender”(Is
1,3). Assim o boi e o jumento são testemunhas do nascimento de Cristo no
estábulo de Belém. (ZILLES, 2001, p. 118)
João foi Apóstolo predileto de Jesus, em cujo peito reclinou a cabeça na
última ceia e o acompanhou até o calvário. Escreveu o quarto Evangelho e o
Apocalipse, morreu bem velho em Éfeso, com 100 anos. Iconograficamente, veste
talar e manto dos demais apóstolos. Algumas vezes é representado de casula
sacerdotal. Geralmente imberbe e jovem por haver sido o mais jovem dos
apóstolos. Nos calvários medievais está numa atitude muito característica que
consiste em apoiar a face na palma da mão (Foto 50) em sinal de tristeza ou com
um pano na mão para enxugar-lhe as lágrimas. Em gravuras do século XVIII tem
um pássaro na mão. Como Evangelista é acompanhado da águia e tem objetos
de escrever. (ROIG, 1950, p.154 ).
A simbologia dos quatro evangelistas segundo S. Jerônimo, a
representação do anjo (ou homem) é devido a insistência de S. Mateus na
humanidade de Cristo. O touro (ou novilho), porque Lucas tratou do sacerdócio de
Cristo. O leão, porque Marcos descreveu a Ressurreição, e os filhos desse
animal, pelo que se diz, ficam mortos por três dias depois do nascimento até
serem ressuscitados no terceiro dia pelos rugidos do leão, além do que Marcos
começa seu escrito com João Batista e o rugido de sua pregação. A figura da
águia, é porque João se eleva mais alto que os outros, que trata da Divindade
de Cristo.
Ademais, Cristo, cuja vida foi escrita pelos evangelistas, também teve as
propriedades desses quatro animais: foi homem na natividade, novilho na Paixão,
leão na Ressurreição, águia na Ascenção. (VARAZZE, 2003, p. 872)
Nas representações das quatro figuras que estão nos quatro cantos
extremos do teto, estão representados quatro bustos de homens maduros e de
feições sérias. Ambos estão inscritos numa forma circular que simula um óculo. A
diferença é que nesse caso, o espaço é escuro atrás das figuras e não visão
para o céu, como foi feito nos outros casos. (ver fotos 114, 115, 116 e 117)
As quatros figuras não possuem nenhum atributo visível que possa
distingui-las individualmente. Porém a roupa que trajam (dois deles usam casula),
o solidéu que trazem na cabeça e presença do crucifixo que dois deles trazem no
peito, permite a identificação destes, como representações de padres da Igreja. O
comum, segundo exemplo de outras igrejas também do século XIX, seria que as
representações fossem dos quatro doutores da Igreja. os quatro doutores da
Igreja Latina, São Gregório, Santo Agostinho, Santo Ambrósio e São Jerônimo,
assim como os apóstolos, faziam parte do hagiológo luso-baiano. Sendo que
“quase a maioria fazia parte do programa da Contra-Reforma” (FLEXOR, 1996, p.
148)
Os padres estão acompanhados por dois querubins, um de cada lado, que
abrem cortinas nas laterais, (ver fotos ) revelando os bustos, numa representação
similar aos bustos de Maria e Cristo nas laterais do medalhão. Como
Fotos 114, 115, 116 e 117: Os quatro
Doutores da Igreja Latina
complemento, acima dos bustos se encontra uma pira circular que se estende até
a parte superior, invadindo o teto pintado, no qual uma abertura para o céu e
de onde se pode perceber as chamas flamejantes da pira acesa. (ver foto 118)
Os santos padres Doutores da Igreja são os escritores eclesiásticos cujas
obras, por sua excelência eminente, ortodoxia e santidade, são tidas como fontes
especialmente autorizadas em matérias religiosas. (TAVARES, 2001, p. 48) O
fogo que emana da pira sobre os padres nos cantos do teto, chegando a alcançar
a abertura para o u, simboliza a chama que fomenta do povo cristão nos
quatro cantos mundo, e ao mesmo tempo, a luz que ilumina os caminhos da
própria Igreja.
Nos retângulos localizados nas extremidades do teto, no sentido
longitudinal, dois arcanjos que trazem os elementos básicos da liturgia: o óleo e o
incenso. Ambos aparecem de corpo inteiro na posição horizontal, em pleno vôo.
O primeiro, à entrada da Igreja, traz nas mãos uma âmbula ou ampola, vaso
utilizado para transportar os óleos sagrados. Na outra cabeceira, à entrada da
Foto 118: Detalhe de um dos
quatro cantos do teto onde
está um dos quatro
Doutores
Foto 119: Anjos que ladeiam as figuras dos
quatro Doutores
capela-mor, outro arcanjo carrega um turíbulo, utensílio no qual se coloca as
brasas e o incenso.
O primeiro, junto a entrada da Igreja, está de perfil, com as duas asas
emparelhadas e olha fixamente para o vaso que traz nas mãos (Foto 120). Um
longo tecido azul pende entre suas mãos e o vasilhame, caindo uma parte para
baixo, enquanto que o restante lhe cobre todo o lado corpo, deixando à mostra
parte da perna direita.
O segundo arcanjo aparece voando com as asas abertas de frente para o
observador, e veste um traje esvoaçante. Com a mão esquerda sustenta o
turíbulo e com a outra, segura o restante da corrente, mantendo o olhar fixo para
a fumaça que sai, enquanto balança o objeto (121).
O óleo e o incenso, são símbolos da consagração do espaço litúrgico.
Através desses elementos, o espaço narrativo ganha maior conotação do
sagrado, pois a cristã é sustentada por uma relação histórica: é a manifestação
de Deus no Tempo que assegura, aos olhos do cristão, a validade das imagens e
dos símboos (ELÍADE, 1996, p. 161).
Foto120: Arcanjo segurando uma âmbula
Foto 121: Arcanjo com um turíbulo
incensando
O óleo é referência simbólica à graça e ao seu dispensador, o Espírito
Santo. A Igreja usa o óleo para ungir as pessoas consagrando-as, ou seja,
marcando-as para Deus e enviando-as a uma missão. Usa-o de modo especial
nos sacramentos. (ZILLES, 2001, p. 99) O óleo que representa a consagração,
serve para unção desde altares, reis, sacerdotes e até o crisma, que é um rito
para exprimir o dom do Espírito Santo e, ainda a unção dos enfermos.
A primeira referência ao uso do óleo para sagrar um local está no Livro
Gênesis: Após seu sonho com a escada que ligava a terra ao céu, e que do alto
Deus havia falado contigo, Jacó: “Ao despertar disse consigo: ‘Sem dúvida o
Senhor está nesse lugar e eu não sabia’. Jacó levantou-se bem cedo e tomou a
pedra que lhe servira de travesseiro, e a erigiu em estela
61
, derramando óleo por
cima”. (Gn 28, 16.18)
O próprio Senhor é que recomenda a unção, e fornece a receita para
fabricação do óleo a Moisés, ordenando:
Farás disto um óleo para unção sagrada. Ungirás a tenda de
reunião, a arca da aliança, a mesa com todos os apetrechos, o
candelabro com os utensílios, o altar do incenso, o altar dos
holocaustos com os utensílios, bem como a bacia com o suporte.
Assim os consagrarás e serão santíssimos; tudo o que os tocar
será santo. Ungirás também Aarão e os filhos, consagrando-os
para me servirem como sacerdotes. (Ex 30, 25-30)
Cristo recebendo o Espírito sem o rito da unção, é ungido pelo espírito:
“Depois de batizado, Jesus saiu logo da água. E eis que se abriram os céus. E viu
o Espírito de Deus, descer como uma pomba e pousar sobre ele”. (Mt 3, 16) Essa
unção pelo Espírito é confirmada no discurso de Pedro em Cesaréia, quando
afirma: “Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judéia, começando pela Galiléia,
depois do batismo pregado por João. Como Deus ungiu Jesus de Nazaré com o
Espírito Santo e com poder. (At 10, 37.38)
O uso de incenso nos cultos pagãos teve de imediato como conseqüência
a versão nos tempos primitivos cristãos em usar o incenso na liturgia. Desde o
século IV, puseram-se turíbulos diante dos altares e dos túmulos dos mártires,
61
Estela ou Coluna da Sagrada, de origem cananéia, era uma pedra colocada de pé com
finalidade religiosa; aqui serve para localizar a presença divina. Mais tarde, para combater os
costumes pagãos, o seu uso foi condenado (Ver Ex 23, 34; Lv 26,1; Dt 7,5; 12,3; 16,22). (BÍBLIA,
1982, p. 57)
primeiramente da igreja do santo sepulcro em Jerusalém, e depois também nas
grandes basílicas do Ocidente. (LURKER, 1993, p.120/121)
Com a sublimação das idéias religiosas, o incenso tornou-se símbolo da
prece que subia ao alto. Ele se torna sacramental e tem significado de purificação;
O hebraico lebonah (incenso) deriva da mesma palavra que significa “branco
brilhante”. (IDEM) O incenso era parte integrante da incensação sagrada, que
competia unicamente a Deus:
O Senhor disse a Moisés: arranja essências aromáticas: resina,
âmbar, galbano, substâncias aromáticas e incenso puro em partes
iguais. Prepararás um incenso perfumado, composto segundo a
arte da perfumaria bem dosado, puro e santo. Haveis de
considera-lo como algo santo e consagrado. Não haveis de fazer
para vós outro incenso da mesma composição. Deverás
considera-lo como consagrado ao Senhor. (Ex 30, 34-37)
O arcanjo junto à capela-mor, aparece com turíbulo nas mãos, como se o
mesmo estivesse a incensar o altar-mor. Essa figura é uma referência ao anjo do
Apocalipse, encarregado de incensar o altar do senhor, que segundo as
escrituras,
(...) se pôs em junto do altar com um turíbulo de ouro. Foram-
lhe dados muitos perfumes para oferece-los com as orações de
todos os santos no altar de ouro que está diante do trono. A
fumaça dos perfumes subiu da mão do anjo junto com as orações
dos santos para a presença de Deus. (Ap 8, 3.4)
Completam a composição da pintura do teto, espaços de base retangular
nas laterais duas de cada lado com imagens que remetem à liturgia e ao
próprio cristo. Os quatro retângulos estão diretamente ligados às imagens dos
evangelistas cujos símbolos: leão, do touro, da águia e do anjo, em forma de
placa, estão fixados à moldura dos retângulos e à borda aos óculos onde estão os
bustos dos evangelistas.
Em três desses espaços, a representação de efígies com inúmeros
querubins pajeando-as. No quarto retângulo, querubins apresentam um cálice
com a hóstia sagrada sobre a borda.
O primeiro retângulo (seguindo a mesma ordem de leitura dos altares), está
à direita, acima do altar de Cristo no Horto das Oliveiras e abaixo do evangelista
S. Marcos. A cena se passa no céu, entre nuvens e é formada por 10 querubins, a
efígie de Cristo e vários símbolos da paixão e morte do Senhor. Ocupando a
posição central, a efígie de Jesus é carregada por três querubins(Foto 122). Ao
lado esquerdo dois outros querubins carregam um tecido que é ligado diretamente
à efígie e um terceiro vou entre as nuvens na extremidade do mesmo lado. Do
lado direito mais quatro querubins carregam cada, um martelo, um chicote, uma
coluna e uma cana. Atrás da efígie, aparecem a cruz e uma escada juntas, em
diagonal.
A cena apresenta especificamente a face de Cristo e os símbolos de sua
Paixão e morte. À direita, se concentra a maior parte dos querubins, e estes
trazem nas mãos os seguintes objetos: a coluna em que Cristo foi amarrado e o
chicote com três pontas, outro querubim segura com uma mão a coroa de
espinhos e com a outra, um martelo, (com o qual Jesus teria sido pregado na
cruz). Um pouco atrás pode-se ver ainda, a ponta de uma vara de cana,
lembrando aquela que foi colocada entre as mãos de Cristo. Formando uma
diagonal descendente, uma grande cruz e uma escada de mesma dimensão,
atravessam por trás, o espaço onde estão aglomerados os querubins. A cruz é o
símbolo da morte de Jesus; a escada, o meio para desprender e descer o corpo
de Cristo da cruz.
Esse conjunto é uma alusão ao Cristo ressuscitado, que está no céu em
glória. A presença em cena dos objetos de seu martírio trazidos pelos anjos,
mostra a superação de todo o sofrimento que se deixou passar, para remissão
dos pecados dos homens.
Foto 122: Querubins carregam um medalhão com a efígie de Cristo e
símbolos de sua Paixão e Morte
Um detalhe que vale chamar a atenção é o posicionamento da efígie de
Cristo. A figura, de perfil, está de frente para o retângulo seguinte e,
conseqüentemente de frente para o altar-mor, olhando respectivamente, para os
símbolos da eucaristia o cálice e a hóstia e para a imagem pregada na cruz.
Uma estratégia para dirigir a atenção do observador e reforçar o elo de ligação
entre os elementos isolados.
O segundo retângulo, está sobre o altar com a imagem de Cristo sendo
levado pelos soldados e abaixo do evangelista João. A cena é contida de oito
anjos querubins e a imagem de um cálice com uma hóstia sagrada na borda (Foto
123). Ao centro, três desses anjos sustentam e abrem um tecido para revelar a
imagem do lice. À esquerda três outros querubins seguram guirlandas de flores
e cachos de uvas. O cálice expressa a bênção de Deus.
O cálice é o principal dos vasos sagrados do culto cristão, no qual é
consagrado o vinho da celebração da Eucaristia
62
. Na última ceia Jesus tomou um
cálice que passou aos discípulos com as palavras: “Bebei dele todos, pois isto é o
meu sangue, o sangue da Aliança, que é derramado por muitos para a remissão
dos pecados” (Mt 26,27s; Mc14,23s). Paulo escreve aos coríntios: “Toda vez que
comeis desse pão e bebeis desse cálice, anunciais a morte do Senhor até que ele
62
Em grego (eucharistia), significa ação de graças. Em sentido estrito, a Eucaristia significa tanto
a celebração do sacramento instituído na Quinta-Feira Santa (a missa), como o que é oferecido,
consagrado e comunicado nesta celebração (o Corpo e o Sangue sacramentais de Cristo. (LA
BROSSE, 1989, p. 293)
Foto 123: Querubins revelam o cálice com hóstia sagrada na borda
venha”. (Cor 11,26) Na iconografia cristã, o cálice é símbolo do sacrifício de Cristo
e sobretudo da Eucaristia. Em muitos casos aparece, encimado pela hóstia,
símbolo da fé.
Os sinais mais sagrados, para o cristão, são o pão e o vinho. A
representação de uvas e espigas de trigo, é uma alusão à última ceia preparada
por Jesus, ou seja, das espigas dos cereais faz-se o o e da uva vinho, que são
oferecidos no altar. (ZILLES, 2001, p. 106)
O próprio Jesus utiliza-se do grão de trigo como símbolo da vida nova: “Em
verdade eu vos digo: se o grão de trigo que cai na terra o morrer, permanecerá
só; mas se morrer, produzirá muito fruto.”(Jo 12,24) Com isso, Jesus indica o
sentido de sua própria morte. Quanto às uvas, Jesus em suas parábolas, afirma
aos seus discípulos: “Eu sou a videira e vós os ramos” (Jo 15,5). Assim, como a
uva amadurece para o lagar, o Salvador ofereceu seu próprio sangue para redimir
os pecados dos homens (IDEM)
O terceiro retângulo acima do altar com a representação de Ecce Homo, e
abaixo do evangelista S. Lucas, apresenta uma efígie de mulher de perfil,
sustentada por três querubins (Foto 124).
À esquerda, três outros querubins seguram, descontraidamente, flores, e
do lado oposto um querubim se aproxima da imagem carregando uma vasilhame,
em quanto que outros dois carregam guirlandas e uma bandeja com flores. Trata-
se então, da representação de Nossa Senhora. Pois o fato de todas as flores que
Foto 124: Querubins carregam um medalhão com a efígie da Virgem Maria
os querubins enfeitam a efígie serem brancas, indicam as ave-marias e os
jubilosos Mistérios da Virgem. (Grandes Artistas, 1986, p. 301)
Essa cena mostra a glória de Nossa Senhora, que simbolicamente é
coroada pelos anjos. Um discreto sorriso mostra seu bem estar, agora na
companhia do filho ressuscitado, após ter cumprido sua missão na terra.
O quarto retângulo, está sobre o altar com a imagem de Cristo Rumo ao
Cavário e na parte de cima, é ligado ao touro, símbolo do Evangelista Mateus.
Aqui a cena apresenta oito querubins e uma efígie de homem de perfil (Foto 125).
A efígie que é sustentada por dois querubins é de um homem maduro com
barba e bigode. Veste um traje em estilo romano, com tecido caindo-lhe pelo
ombro. Um grande tecido, que passa por trás da efígie, é sustentado por dois
querubins nas extremidades, um à esquerda e outro à direita. Outros quatro
dois de cada lado –, sobrevoam juntos aos outros, sendo que um deles (do lado
direito) tem na mão esquerda uma vara florida em uma das pontas.
Nessa imagem, o único elemento que pode identificar a representação é
uma espécie de arca aberta, junto aos querubins do lado direito, contendo
diversos objetos. Contudo, a falta de nitidez, prejudica uma leitura exata de cada
objeto contido na arca. Esta representação remete à figua do rei Davi e a Arca da
Aliança.
A arca foi contruída para abrigar as tábuas da Lei e mandamentos que
Deus fornece para Moisés, para que ele possa instruir seu povo. A ordem para a
Foto 125: Querubins carregam um medalhão com a efígie de um homem
confecção, como também o modelo e dimensões foram dadas pelo próprio Deus
a Moisés, como se pode constatar no livro do Êxodo capítulo 25, versículos de 10
ao 22. Já a vara com a ponta florida que um dos querubins segura é uma alusão à
vara de Aarão, irmão de Moisés. Consta no livro do Números (Antigo
Testamento), capítulo 17, versículo 16 ao 26, que tendo o povo se rebelado
contra Moisés e Aarão, Deus mandara colocar as 12 varas de cada família
patriarcal, junto à arca da alinaça durante uma noite. No dia seguinte apenas a de
Aarão havia florecido. Isso comprovaria o desejo de Deus em que Moisés e Aarão
continuasse à frente de seu povo. Após mostrar as varas aos chefes das famílias,
a de Aarão, única que floresceu, foi guardada na arca como mais um sinal da
aliança.
Por fim, a figura que aparece ladeada pelos querubins provavelmente se
trata do rei Davi. Este, além de ter sido um modelo de um rei justo e santo, foi o
primeiro a receonhecer que, sendo abençoado por Deus e tendo seu próprio
palácio e riquezas, não era justo que a arca, símbolo da aliança, não tivesse uma
morada fixa, ou seja, um templo. E é Davi que que vai ter o mérito pelo templo de
Jerusalém, Embora não o tenha construído (Salomão, seu filho o faz ), mandou
fazer o projeto nos mínimos detalhes e juntou material e dinheiro, além de muitas
preciosidades para a ornamentação (BÍBLIA, 1982, p. 441).
Após observação e análise das imagens e seus símblos, fica evidente a
relação entre cada painel lateral e os evangelistas pintados logo à frente. Os
painéis, refletem um aspecto peculiar de cada evangelho, revelando a
preocupação de cada autor. Logo, a composição organizada por Velasco não foi
aleatória.
Seguido no sentido anti-horário, o primeiro retângulo, onde está a face de
Cristo, o evangelista correspondente é São Marcos. No evangelho desse autor,
todo o ministério de Jesus parece voltado para o fato da crucificação. A narrativa
culmina com as palavras do centurião romano, ao da cruz: “Vendo que havia
expirado desse modo, disse: ‘Verdadeiramente este homem era filho de Deus!’”.
(Mc 15,39) Para Marcos, Deus se revela aos homens na morte de Jesus. Um
Deus marcado pela morte. (VARAZZE, 2003, p. 371) A concentração do texto de
São Marcos nesse aspecto, justifica a representação de Jesus e todos os objetos
de sua Paixão e morte, trazidos pelos querubins.
No segundo retângulo, ligado à figura de S. João, são representados o
cálice e a stia, símbolos da eucaristia, além do trigo e as uvas. A imagem se
justifica pelo fato de S. João ser considerado o apóstolo da Eucaristia. o
somente por ter sido junto com S. Pedro mandado para preparar o cenáculo
63
(Lc
22,8) mas, porque mais profundamente do que nos outros, ele compreendeu o
amor de Jesus que ficava sendo o alimento da humanidade. O discurso de
Cafarnaum em que Jesus prometeu a Eucaristia, e os discursos da última ceia
como são referidos no seu evangelho, são testemunha disso. (COLOMBO, 1960,
p. 1011)
São Lucas é o evangelista cujo símbolo, está ligado ao terceiro retângulo,
onde se encontra a efígie de Nossa Senhora. São Lucas era Médico de profissão
e depois torno-se secretário de São Paulo. A tradição lhe trata também como
pintor, atribuindo-lhe no século VI, uma imagem da Virgem que estava em
Constantinopla. São Lucas ao escrever o Evangelho, foi informado pela própria
Virgem. A bem-aventurada Virgem guardava cuidadosamente em seu coração
todas as coisas ocorridas a ela e a seu filho, a fim de pode transmiti-las aos
escritores, como está dito em Lucas capítulo 2: “Tudo o que ela sabia das ações e
das palavras do Senhor recolhia na sua memória para que, no momento de
pregar e escrever sobre a Encarnação, pudesse explicar de maneira satisfatória a
quem pedisse tudo o que se passara”. (VARAZZE, 2003, p. 878)
Mateus é o evangelista presente à frente do quarto e último painel. A
relação pode ser desvendada logo no início do evangelho. Mateus começa pela
árvore genealógica de Cristo, descendente direto de Davi.
A pintura do teto da Igreja do Bonfim se completa com o grande medalhão,
no centro. Esse detalhe é o que chama mais a atenção do espectador, não
pela dimensão e posicionamento no teto, como também pelos elementos contidos
em sua composição. (Fotos: 126 e 127)
63
Em linguagem cristã, indica a sala onde Jesus celebrou a última ceia pascal e instituiu a
Sagrada Eucaristia, momento em que se manifestou o Espírito Santo. Esta sala chamada pelos
evangelistas (Mc14,15 e Lc 12,12) “anoogeon” ou “anoogaion méga” estava situada, na parte
superior de uma casa. De sua descrição se sabe que era ampla, mobiliada e bem arejada, de
maneira adequada para as circunstâncias. (Enc de la religion, T2, p.628)
A cena divide-se em dois planos fundamentais: o superior, correspondente
ao âmbito celestial e na parte inferior encontra-se a esfera terrenal, formada por
dois grupos humanos distintos. A transição de um plano ao outro, não se produz
bruscamente, com um tratamento matizado do colorido parece fundir-se um ao
outro.
No primeiro, há uma representação do céu com nuvens e uma profusão de
anjos
64
e no canto superior esquerdo, a imagem do Cristo Crucificado. No mesmo
64
A figura do anjo como conhecemos hoje passou pela influência da cultura grega, que cultuava
figuras humanas e divina. “A cultura do Império Persa também colaborou, pois trouxe a idéia de
Foto 127: medalhão ampliado Foto 126: medalhão no centro
do teto com destaque
plano, ao lado direito, um arcanjo
65
(Foto 128) de asas abertas, apóia sua mão
esquerda numa esfera armilar
66
“com suas vinte estrelas da representação das
províncias brasileiras no emblema patriótico do país naquela época”. (ALVES,
1951, p.19) O dedo indicador direito aponta para o crucificado, enquanto olha
para baixo em direção ao grupo de mulheres. A esfera também é sustentada por
um querubim que aparece discretamente no canto direito.
Quase ao centro geométrico do medalhão, logo abaixo do arcanjo, um
outro querubim olha diretamente para um grupo de mulheres à esquerda, e
mostra-lhes uma placa com a inscrição em latim: Ego egoipse consolabor vos
67
que significa, Eu só Eu vos conforto. (Foto 129)
que Deus estava muito distante. Isso fez com que houvesse a necessidade de intermediários entre
o céu e a terra”, afirma o teólogo Milton Schwantes, da Universidade Metodista de São Paulo.
(Rev Religiões, 2004, p.17)
65
O Cristianismo, em especial a doutrina católica, fez uma releitura do conceito judaico de anjos.
Propôs inclusive uma hierarquia angelical dividida em três esferas e nove coros. Os da primeira
esfera, formada pelos serafins, querubins e tronos, são os guardiões que estão em contato direto
com Deus e possuem conhecimentos dos mistérios divinos. Na segunda esfera, estão os
domínios, virtudes e protestades, que transmitem aos inferiores as ordens de Deus e garantem
que sejam cumpridas. Os anjos da última esfera principados, arcanjos e anjos estão mais
próximos aos humanos, ajudando nas dificuldades e guiando pelo bom caminho. (GIRARD, 1997,
p. 235)
66
Instrumento de astronomia constituído de círculos de metal, madeira ou cartolina que
representam o horizonte, os meridianos, o equador, a eclíptica, e cujo conjunto tem o aspecto de
uma esfera oca com a Terra por centro. (Enc. Larousse Cultural, 1998, 2v, p. 264). A esfera
armilar conjugada a outros elementos, fez parte de vários esboços para a bandeira do Brasil
Império.
67
A inscrição em latim Ego, Egoipse consolabor vos, é retirada do capítulo 51, versículo 12, do
Livro do profeta Isaías do Antigo Testamento. O referido capítulo é um grande poema que exorta o
povo a ouvir e despertar para as promessas feitas da Terra Prometida, desde Abraão. O versículo
12, trata do início da resposta de Deus às súplicas feitas pelos homens nos versículos 9, 10 e 11.
Foto 128: Arcanjo segurando a esfera armilar Foto 129: Querubim segurando uma placa
com inscrição em latim
Tanto o arcanjo quanto o querubim representados em destaque no
medalhão, fazem parte do seleto grupo que partilha dos mistérios do Criador. São
seres que atuam como intermediários entre os homens e Deus, promovendo a
ligação entre o céu e a terra, simbolizando a relação matéria espírito. (Rev.
Religiões, 2005, p. 16) A atenção desses dois anjos na composição, está voltada
para um grupo de mulheres no canto inferior direito. O arcanjo mostra para elas, a
direção do Senhor do Bonfim, Aquele que conduz e protege a nação, cujo símbolo
ele segura na esquerda. Já o querubim, cuja função é de consolação essas
mesmas mulheres em prece, traz seu desígnio verbalmente registrado na placa
que sustenta.
O arcanjo pintado no medalhão se assemelha muito às figuras da tela a
Justiça e a Vingança Divina perseguindo o Crime, de Pierre-Paul Prud’hon
68
. A
pintura com uma cena cheia de movimento e a energia e contrastes fortes de
claro e escuro, possui dois arcanjos, que pela posição dos corpos e asas,
lembram o arcanjo segurando a esfera armilar, pintado por Franco Velasco.
No plano terreno da composição do medalhão, ou seja, na parte inferior, do
lado esquerdo, um grupo de cinco homens descalços em procissão. Três deles,
logo à frente, carregam no ombro um grande volume de tecido enrolado e
68
Pintor francês (Cluny, 1758 - Paris, 1823). Prud’hon executou esta obra por volta de 1805-1808,
trata-se de um estudo para uma pintura monumental, destinada a ficar atrás do banco dos juizes,
no Salão da Corte Criminal do Palácio da Justiça de Paris. Em 1826, foi adquirido pelo Museu do
Louvre, onde se encontra atualmente.
Foto 130: A Vingança e a Justiça Divina
perseguindo o crime
Pierre-Paul Prud’homm
Óleo s/ tela – 55x75
Museu do Louvre - Paris
amarrado, sendo que o primeiro da fila, demonstra maior esforço com seu corpo
curvado sob o peso nos ombros, além de uma expressão carrancuda. O homem
logo em seguida veste traje de marinheiro. (Fotos 131 e 132 )
Dois outros homens ao fundo, olham para o céu: um com a mão esquerda
sobre o peito em pose de oração; o outro ergue com as duas os, um quadro
em direção do Cristo, num gesto de oferecimento ao santo. Essa tela que é
elevada para o alto é a pintura de uma nau adernando em meio a rochedos, sob o
efeito de uma enorme onda. Esse detalhe remete a uma prática comum entre os
fiés que recorrem a um santuário para oferecer ex-votos
69
como registro material
de uma graça alcançada.
A presença do quadro retratando uma tragédia caracteriza-se como uma
janela para outra dimensão, torna-se uma narrativa visual dentro de outra. Esse
pequeno detalhe da composição instiga ao observador a interpretar uma outra
situação, inserida na primeira. A leitura visual, que teve início na procissão dos
69
Quadro ou objeto simbólico colocado em uma Igreja, ou lugar de veneração, para cumprir uma
promessa ou em agradecimento a uma graça obtida. (Enc. Larousse, 1998, 10v p. 2330)
Os ex-votos são o testemunho público das graças alcançadas, e ao mesmo tempo das promessas
cumpridas. (...) nos principais santuários do Brasil em que romarias, encontra-se anexa a casa
dos milagres, onde se recolhem os ex-votos dos fiéis. Na realidade, esse tipo de culto aos santos
nem sempre era vinculado à prática sacramental, . seguindo ainda a mentalidade medieval, a
prática de promessas foi geralmente considerada mais importante na devoção popular do que a
mesma recepção dos sacramentos. (AZZI, 1971, p. 40-41)
Fotos 131 e 132: Grupo de homens carregam a vela de um barco
salvo de naufrágio. Ao lado destaque da figura que carrega um
quadro
marinheiros, agora é remetida para a motivação da romaria: a situação de perigo
em que estiveram e que foram salvos, graças às orações.
Os elementos agrupados nesse detalhe são característicos de uma romaria
da vela. A procissão consistia no ato de levar a vela principal da embarcação
que esteve na iminência de naufrágio para ser depositado no altar de uma
Igreja, assim que desembarcassem seguros em terra firme. Uma dessas
procissões, foi registrada por Jean Debret, no Rio de Janeiro do início do século
XIX. (ver figura 5)
Segundo registro de Jean Debret
70
, era comum presenciar-se essa cena de
devota gratidão dos marinheiros salvos de naufrágios. A aquarela mostra uma
fileira de homens entrando numa Igreja, que o autor afirma ser de Santa Luzia,
onde se encontra a Capela de Nossa Senhora dos Navegantes. (DEBRET, 1989,
p.34) Em um breve relato, o autor descreve com detalhes, a cena que presenciou:
Vi esses marinheiros, desembarcados na Prainha, atravessarem a
cidade inteira para ir, descalços, depositar na Igreja de Santa
Luzia a vela que os salvara do naufrágio
71
. A vela, colocada aos
pés de Nossa Senhora dos Navegantes, é primeiramente benzida,
e, após algumas preces e uma oblata pecuniária à soberana
protetora, levam-na com a mesma solenidade. A tripulação desse
pequeno navio de cabotagem compunha-se do capitão, de seu
70
Jean Baptiste Debret, desenhista e pintor francês (Paris 1768 id. 1848). Integrou a missão
artística francesa que veio ao Brasil em 1816 e tornou-se catedrático de Pintura Histórica na
Academia Imperial de Belas-Artes, criada no Rio de Janeiro em 1820. Aqui permaneceu por 15
anos, exercendo grande atividade didática além de realizar diversos trabalhos artísticos para a
família imperial. Também promoveu dois Salões de Belas-Artes (1829 e 1830). De volta à França,
escreveu e ilustrou Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, em três volumes, onde documentou a
natureza, o homem e a sociedade fluminense do princípio do século XIX. (Arte no Brasil, 1986, p.
150)
71
A redação do texto original não permite saber-se se trata da vela da embarcação salva do
naufrágio ou por meio da qual se salvaram os marinheiros (N. do T). (DEBRET, , p. )
Ilustração 5: Ex-voto de marinheiros salvos de um naufrágio
Jean Baptiste Debret – 18-
Aquarela
Fonte: Viagem pitoresca e histórica ao Brasil
segundo e seu chefe de equipagem, todos brancos, e de dois
marinheiros negros. As botas penduradas na frente diferenciam
bem ostensivamente o calçado do capitão; as outras botinas
pertencem às duas personagens brancas. (IDEM)
Esse tipo de romaria também ocorria em Salvador, como se pode constatar
através do registro de Carvalho Filho (1923, p. 29), em seu livro A devoção do
Senhor Bom Jesus do Bonfim e sua história. Segundo o autor, a Igreja do Bonfim
foi palco da mesma crença e procedimento de marinheiros:
(...) partindo do caes da cidade, carregavam o panno de sua
embarcação, e entoando cânticos religiosos e tirando
esmolas pelas ruas que atravessavam iam até a capella.
Essas romarias eram realizadas em cumprimento de votos
feitos em momentos de tribulação, por motivos de temporaes
ou riscos de naufrágio, nas longas quanto penosas viagens
ao atravessar os mares.
O tema abordado por Franco Velasco nesse detalhe havia sido tratado
antes. A pintura do teto Igreja de Nosso Senhor dos Aflitos, de 1780, atribuída a
José Joaquim da Rocha por Carlos Ott, que a considera “uma espécie de ex-
voto”, (OTT, 1979, p.97) apresenta também, uma composição como a imagem do
Cristo Crucificado e vários devotos aos seus pés.
A diferença entre essa obra e a pintura da Igreja do Bonfim, é que Franco
Velasco constrói um discurso simbólico com dois momentos de da população
devota ao Senhor do Bonfim: de um lado, alguns agradecem um milagre; do
outro, pessoas rogando em preces por um milagre também. De semelhança entre
as duas obras, só presença do Cristo Crucificado.
A cena se justifica, também, pelo fato de Naufrágio ser um tipo tragédia
comum em águas baianas. Vários navios, seja de comércio ou de alguma
armada, foram parar no fundo do mar, vítimas de acidentes provocados por
intempéries ou pela presença de arrecifes da costa baiana, entre os séculos XVI e
XIX (Memórias da Bahia, 2002, p. 50).
Do lado oposto ao conjunto masculino, um outro grupo, formado por quatro
mulheres, dois homens e duas crianças. Desses, a figura dominante é uma
mulher de braços abertos, em posição de súplica. À exceção dos dois homens e
do bebê, todos olham em direção ao Senhor do Bonfim. (Foto 134)
A figura principal se encontra sentada de frente para o observador, mas
com o rosto de perfil. Seu corpo inclinado para trás, é amparado pelas costas, por
um senhor que se encontra de pé. Esse enquanto a segura pelos braços, olha
atento para a expressão de desespero da mulher. Ao lado direito, uma outra
figura feminina, carrega uma criança no colo enquanto olha diretamente para o
querubim logo acima. Do mesmo lado, ajoelhado junto à mulher, um adolescente
de mãos postas em oração olhando, também, para o u. À esquerda, três outras
pessoas: uma senhora em oração, uma jovem e um homem sentado no chão.
Esse último tem a mão direita sobre o peito, e no rosto, expressão de dor e
sofrimento. Uma jovem que o segura pelas axilas, sustentando seu tronco em pé.
A cena retrata um momento de desespero de uma família, que se junta em
oração pela recuperação da saúde do homem enfermo. A postura dramática da
mulher ao centro, indica que o homem caído é o chefe da família, seu esposo, e
pelo qual roga fervorosamente ao Senhor do Bonfim, a recuperação da saúde.
Pelo que se pode observar, a família foi acordada durante a noite ou se
preparava para dormir, quando o doente chegou (ou foi trazido). Note que à
exceção das duas figuras masculinas, todos estão em trajes de dormir. Figura
principal, a mulher, veste uma espécie de camisola com botões e amarrada à
cintura. Sobre esta, um robe (de outra cor) aberto e do qual se as laterais.
Outro detalhe que reforça essa idéia é que a mulher que carrega a criança, o
próprio bebê e a senhora no canto direito, estão de touca própria para dormir. Em
oposição, os homens aparecem vestidos normalmente, com trajes de passeio,
Foto 134: Grupo de mulheres em
preces pela saúde de um homem
sendo que o enfermo ainda tem um casaco (tipo sobretudo) sobre os ombros,
acessório usado à noite e em dias frios. O que reforça a idéia de que os dois
estavam fora de casa, e muito provavelmente era noite.
Para criar esse detalhe, protagonizado pela figura feminina ao centro, e os
demais coadjuvantes, Clarival do Prado Valadares afirma que Franco Velasco
deve ter se valido do exemplo do painel de Gabriel-Fraçois Doyen
72
, realizado
para a capela de Santa Genoveva da Igreja de São Roque, em Paris, no ano de
1767, intitulado Le Miracle des ardents
73
(1975, p.31).
A pintura à qual Valladares se refere fica na Igreja de São Roque, em
Paris, França(Fotos 135 e 136). A igreja possui em seu transepto duas capelas
laterais, sendo uma delas dedicada a Santa Genoveva (Ilustração 6), É nesse
localque está a imagem o painel que foi pintado na técnica óleo sobre tela,
medindo 108X65 cm e está fixado no retábulo. (Foto 137)
72
Pintor francês (Paris 1726 id.1806). Foi aluno do pintor Baptist de Jonh Vanloo (1684 1745)
e com grande progresso, conseguiu o grande prêmio em um concurso de pintura em 1748. Foi
para Roma e estudou os trabalhos de Annibale Caracci, Cartona e Michelagelo, em seguida foi
para Nápoles, Veneza, Bolonha e outras cidades italianas, e em 1755 voltou a Paris. (www.
aart.online.fr)
73
Em 1129, sobre o regime de Luiz VI, uma epidemia da peste ou “mal dos ardentes” assolou a
vila de Paris, levando à morte muitos dos seus habitantes. A população fez então pedidos de
intercessão à Santa Genoveva (http/insecula.com)
Fotos 135 e 136: Fachada e interior
da Igreja de São Roque em Paris
Ilustração 6: Planta baixa da
Igreja de São Roque com a
localização da Capela de
Santa Genoveva
Foto 137: Pintura do Retábulo
do altar de Santa Genoveva
Gabriel-François Doyen
Igreja de São Roque - Paris
Comparando o painel de Santa Genoveva com o detalhe do teto da Igreja
do Bonfim, pode-se perceber que a semelhança é tamanha, que demonstra que
Franco Velasco deve ter usado a técnica tradicional do quadriculado
74
, para
eleborar a pia a partir de alguma gravura ou ilustração em livro. Esse detalhe
aparece no medalhão com o mesmo esquema compositivo do painel de Doyen:
uma figura principal de braços abertos, corpo em posição frontal e rosto de perfil,
olhando para o céu. Logo atrás, outra figura ampara seu corpo e olha para seu
rosto. Uma terceira mulher ao lado, carrega uma criança no colo e a uma
adolescente se encontra ajoelhada, junto a essas.
O Cristo Crucificado também, obedece a mesma disposição e proporção
que o original francês. (Fotos 136 e 137). Comparando os outros elementos
visuais em cena, pode-se verificar que Franco Velasco omitiu os diversos corpos
de enfermos, espalhados ao redor da figura principal, subistiuindo por apenas um
o homem à dirita da mulher. As inserções originais de Velas ficam por conta de
uma jovem que o segura o homem por trás e a figura de uma senhora de touca,
orando, no canto direito.
74
Segundo uma publicação de 1615, chamada “Modo fácil para copiar huã cidade ou qualquer
cousa” de Filipe Nunes, a técnica do quadriculado é um modo de se fazer cópias, inclusive
utilizada para ampliação ou redução de uma imagem. Consiste em dividir original em pequenos
quadrados, ou aplicar sobre ele uma rede de linhas de modo a formar espaços proporcionais. Em
seguida construir uma malha com a mesma quantidade de quadriculados no suporte onde se vai
desenhar, copiando em seguida, cada detalhes do original. (SALDANHA, 1995, p. 272)
Foto 139: Detalhe da pintura do teto
da Igreja do Bonfim
Foto 138: Detalhe do retábulo da
capela de Santa Genoveva
Igreja de São Roque - Paris
Desse empréstimo visual feito por Franco Velasco, é possível afirmar que
até o significado da cena foi copiado. Pois, nas duas versões, as imagens passam
a mesma idéia: o pedido de intercessão do santo para combater uma doença. É
também nesse ponto que reside à diferença entre as duas obras. Na versão
francesa, Santa Genoveva é invocada para livrar uma população inteira, daí a
representação de vários corpos caídos; na versão baiana, o pedido ao Senhor do
Bonfim é por uma pessoa apenas uma pessoa, o homem enfermo à direita.
O uso da cópia para um detalhe da pintura do teto da Igreja do Bonfim, não
diminui ou invalida a criatividade de Franco Velasco nessa obra, pois como
observa Valladares, não será, todavia, por esse achado de modelo que se há de
julgar o trabalho de Franco Velasco, porém pela cena que ele inventou, repleta de
figurantes, difícil e muito hábil (1975, p. 31).
Além disso, a cópia sempre foi uma prática entre artistas em todos os
períodos históricos. E, em se tratando de um artista que nunca saiu de sua terra
nem havia estudado em nenhuma escola de artes, esse procedimento seria no
mínimo normal,
Afinal, na colônia foi assim, pois tudo estava por fazer, e tudo servia para
copiar, de modo muito particular as ilustrações de algum ‘Missale Romanum’ para
reproduzir nas paredes ou para armar tetos, pintando em tábuas encostadas.
(BARDI, 1981, p. 98)
A imagem central do teto, situada na grande elipse, passa a idéia de que
se trata de duas cenas terrenas, distintas, interligadas pela presença da presença
do santo, que aparece em glória, no céu. Vale ressaltar que, a pintura exibe uma
separação sutil, porém visível, entre os ambientes: céu e terra se confundem na
ausência da delimitação da linha do horizonte.
Dois eixos, no sentido horizontal e vertical, dividem o medalhão em partes
iguais. Horizontalmente, o eixo atravessa o corpo da aia (na altura do busto) e a
pintura da nau. No sentido vertical, o eixo separa com perfeição, as duas cenas
terrenas: tangencia o braço do homem em primeiro plano – que carrega o tecido –
, toca no braço direito do querubim, ao centro da pintura, e atravessa a mão e asa
direita do arcanjo. O referencial para o sentido dos eixos é a presença de detalhes
nas bordas do medalhão em alto relevo.
As diagonais também são visivelmente percebidas na composição. A
diagonal ascendente vai do terceiro marinheiro que carrega o tecido, passa pela
figura que carrega o quadro, e atravessa o querubim e o arcanjo, tocando na
ponta da asa desse último. a diagonal oposta descendente começa no
querubim à direita da cruz, passa pelas pernas de Cristo, e interliga a cabeça do
querubim ao centro da pintura, da mulher com a criança ao colo, da figura de
braços abertos e finaliza na senhora no canto inferior direito. Uma outra diagonal
descendente, liga o pulso esquerdo, da principal figura feminina, com o indicador
do arcanjo e a face de Cristo.
A presença da perspectiva na composição é percebida por um detalhe
arquitetônico sob o conjunto das mulheres, uma espécie de batente. Esse detalhe
é corrobora com a idéia de planos diferentes desse grupo, em relação ao conjunto
de homens. Fica claro, que os marinheiros estão em primeiro plano e as mulheres
em segundo.
O céu com os anjos, participam como figura e fundo ao mesmo tempo. Eles
são o elo que une a cena divina e a terrena, simbolicamente consolidam a
mediação entre os homens e Deus.
Sobre esse detalhe Acácio França diz que o assunto é quase banal, mas
foi tratado por quem conhecia esse segrêdo, que a arte possue tirar
grandeza da simplicidade. (1944, p. 38)
3.2.2 Inter-relação dos elementos do teto
A pintura do teto da Igreja do Bonfim, apresenta uma composição formada
de elementos referentes à Paixão e morte de Cristo, além de cenas de devoção
popular. Apesar dos espaços estarem isolados uns dos outros, todos mantém
uma relação direta entre si e com o medalhão, onde está representado o Senhbor
do Bonfim. A pintura do forro é uma grande simbolização da existência física e
divina de Deus feito homem, e também, daqueles que testemunharam e
divulgaram essa verdade.
A elipse, ao centro da composição, além de despertar maior atenção do
observador por sua dimensão e temática, é o epicentro de uma narrativa
iconográfica, cujos elementos, espalhados por todo o teto, são referenciais do
elemento principal do medalhão que é o Cristo Crucificado. A iconografia utilizada
em toda a pintura do forro lembram a origem, o sofrimento e a glória Daquele que
é reverenciado ao centro.
As representações com relação imediata com as imagens ao centro, são as
quatro que estão junto à elipse, no sentido longitudinal e transversal, e cujos eixos
ortogonais formam uma cruz sobre a mesma. São imagens e símbolos de Jesus
Cristo e da Virgem Maria.
Nas laterais, as figuras de Cristo e Nossa Senhora, expressam que mãe e
filho, estiveram juntos por um mesmo sentimento, a dor. O sofrimento de ambos é
demonstrado através da coroa de espinhos em Jesus e da espada que atravessa
o peito da Virgem. É a representação da dor física e espiritual de ambos. Nos dois
losangos que ladeiam o medalhão, no sentido longitudinal, estão representados
em cada um, o Salvador e o Precursor, e um emblema de Nossa Senhora da
Guia, novamente a presença da Mãe e do filho. De um lado Jesus ainda criança,
acompanhado de seu primo e anunciador, João Batista; do outro o símbolo
daquela que guiou o filho em toda sua vida e que se tornou a grande guia da
humanidade.
Figuras masculinas em forma de bustos 10 ao todo estão
representadas nas circunferências espalhadas no teto, sendo quatro mais
próximas da elipse, duas nas cabeceiras, entre os losangos e os arcanjos e
quatro nos cantos do teto. Essa distância relativa de cada elemento em relação
ao centro, demonstra uma composição hierarquicamente organizada,
estabelecida mediante o grau de importância de cada indivíduo na construção e
propagação da fé cristã.
Circunscrevendo a grande elipse, estão os evangelistas Mateus, Marcos,
Lucas e João, homens que revelaram e sistematizaram a base do cristianismo
através dos seus Evangelhos. Eles dão as testemunho da existência do Deus
vivo, através do mistério da encarnação entre os homens e de suas palavras. Em
seguida, os apóstolos Pedro e Paulo, considerados os dois pilares da Igreja.
Ambos deram início à pregação do cristianismo, convertendo povos e fundando
de fato, a Igreja de Cristo. Por fim, os santos padres da Igreja, reconhecidamente
estudiosos dos mais profundos e diversos temas da fé cristã. Homens de grande
sapiência e considerados santos, que deixaram seu exemplo de vida e legado
para humanidade. O que os torna mediadores entre o divino e o terreno, sendo
assim, intercessores dos homens junto à Deus.
Mais distantes do medalhão estão as cenas representadas nas laterais do
teto, que em forma de retângulos dois de cada lado –, apresentam imagens e
símbolos referentes à Cristo. Mas, contrário às outras representações, as laterais
trazem as imagens em forma de efígies estampadas em medalhas. Jesus e
Nossa Senhora não têm mais a aparência de sofrimento, como nas laterais do
medalhão.
A representação do cálice e a hóstia em um dos retângulos, são
referências à Eucaristia e, ao representar o corpo e o sangue de Jesus, remetem
à simbologia da nova e eterna Aliança entre Deus e os homens, anunciada pelo
próprio Cristo, mesmo antes de sua morte.
Por fim, nas cabeceiras do teto estão os arcanjos com o óleo e o incenso,
para consagrar e purificar, tudo o que está descrito na composição, bem como o
próprio ambiente. É o elo que finalmente interliga todos os espaços e as
mensagens contidas. Como são figuras divinas, os anjos representam o aval
celeste para a narrativa.
Outra característica que ratifica essa interligação entre as partes é que
todas as cenas, distribuídas pelo teto, obedecem a uma linearidade a partir de um
ponto de fuga comum, localizado no centro da elipse. Contudo, essas retas
imaginárias que ligam as partes ao ponto central, se rebatidas, ou melhor,
estendendo-as para mais adiante, no sentido oposto, encontram outro espaço
semelhante, porém com cena ou figura diferentes (Foto 139 e Ilustração 7). Todo
o elemento no teto possui uma espécie de par correspondente no lado e sentido
opostos que são interligadas por um mesmo eixo que atravessa o forro,
caracterizando uma espécie de espelho ou rebatimento.
No esquadrinhamento com linhas sobre a foto, assim como o desenho
esquemático, pode-se observar que a geometricidade da composição utilizada por
Franco Velasco, vai além das formas visíveis onde estão as figuras. A malha de
retas que cruzam no mesmo centro, determina também, polígonos invisíveis.
As figuras são ligadas por diagonais que atravessam o peito ou a região
dos olhos das figuras espalhadas pelo teto, e a partir desses pontos comuns, é
possível se determinar três retângulos: o maior, externo à elipse e dois na parte
interna. O quadrilátero maior, que circunscreve toda a elipse, tem como vértices,
os corações dos quatro evangelistas. Esses pontos foram determinados pelas
semi-retas (linhas azuis) de origem nos pontos A e B, do eixo menor.
Os outros dois retângulos são construídos dentro da elipse, nos quais
estão praticamente contidas as figuras da cena do medalhão. O polígono mais
largo, engloba as figuras das duas cenas terrenas, além do arcanjo, do querubim
e parte do corpo de Cristo (da cintura para baixo). Esse tem os vértices formados
pelas linhas que passam nos olhos das efígies nas laterais do teto. Note que as
três figuras, a quarta imagem é do cálice, estão voltadas para direção do centro,
insinuando estarem se observando mutuamente, ao mesmo tempo em que
contemplam o medalhão.
Foto 140: Pintura do teto com
projeção dos eixos ortogonais e
linhas diagonais
Ilustração 7: Desenho esquemático
da pintura com projeções dos eixos
linhas diagonais
A partir da demonstração de uma das formas de construção da elipse, é
possível verificar que outros dois outros polígonos, uma circunferência e um
quadrado, podem ser construídos dentro da elipse. (Foto 140)
O quadrado é resultado da projeção das semi-retas que partem dos dois
pontos (A e B), do eixo menor da elipse e se cruzam em dois pontos comuns (E e
F) no eixo maior. A circunferência a partir do centro determinado pelo cruzamento
dos eixos e abertura com raio no ponto A ou B. É nessa circunferência que
praticamente estão concentrados todos os elementos da cena.
Todo esse esquema baseado na geometria imprime ao conjunto uma
organização espacial harmônico e simétrica. O desenho esquemático revela ainda
que Franco Velasco além da qualidade da pintura e do desenho artístico possuía,
também, relevantes conhecimentos de geometria.
O programa iconográfico realizado por Franco Velasco na Igreja do Bonfim
exalta a devoção ao Bom Jesus, aqui representado como Senhor do Bonfim. As
imagens provam que o pintor não só conhecia bem a iconografia da Paixão, como
também soube usar, como domínio, vários símbolos que conferem ao conjunto
uma enorme cara de significação. O resultado foi uma grande cartilha visual, com
o sentido da devoção à Paixão de Cristo, observando os padrões estabelecidos
pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia.
A
B
C
D
E
F
Ilustração 8: Medalhão com as linhas de
construção da elipse. Ao lado, o esquema de
projeção a partir dos
dois
eixos maior e menor
.
Quando Carlos Ott (1979, p. 99) afirmou que, .Franco Velasco, na
decoração do teto da nave, sob a influência da mentalidade neopagã do
neoclassicismo, criou antes de tudo uma decoração, digna para um teatro,
demonstrou não ter observado e analisado com o devido cuidado, a composição.
O olhar superficial sobre a obra fica nítido num trecho adiante, quando completa a
descrição afirmando que, (...) o quadro do teto não prende a atenção de quem
contempla o painel, pois observa uma cena esparsa(...)(IDEM).
Essa declaração denota um prejulgamento com base talvez, no gosto
pessoal. A capacidade criativa que Franco Velasco teve nesse trabalho,
explorando e congregando, com detalhes, a simbologia e a iconografia da Paixão,
revelam seu caráter de pesquisa. Toda a composição demonstra que o artista não
seguiu apenas o que estava em voga, mas sentiu-se no direito de inovar.
Explorou os novos padrões estéticos. As cenas esparsas, como Ott denomina,
nada mais era, e é, que o registro do cotidiano dos devotos que recorrem àquele
templo.
existia um Cristo Crucificado no altar, diante do qual todos se
ajoelhavam. Então, no lugar de se representar, novamente o Senhor do Bonfim na
pintura, preferiu-se registrar, a participação do povo na divulgação da fé no Cristo
Crucificado. E assim, através da grande elipse aberta para o céu,
torna-se possível a comunicação como os deuses;
conseqüentemente deve existir uma “porta”para o alto, por onde
os deuses podem descer à Terra e o homem pode subir
simbolicamente ao céu. (ELÍADE, 2001, p. 29)
O medalhão era um grande espelho, no qual todos podiam ver o próprio
reflexo, na hora da súplica ou do agradecimento. E é possível afirmar que essa foi
uma das inovações na pintura sacra da Bahia do Século XIX. A pintura de Franco
Velasco na Igreja do Bonfim, pode ser vista como uma obra como características
de transição entre o barroco-rococó e o neoclássico, pois elementos dos dois
estilos estão presentes nas imagens.
A ausência de uma pintura ilusionista, como o teto e as figuras em
perspectiva, a sobriedade como que os personagens foram representados,
principalmente nos retábulos, como também a exaltação às medalhas como
imagens de santos e a grande quantidade de bustos (pintados), quase isola o
conjunto num neoclassicismo. as imagens exaltando um tema próprio da
Contra-Reforma (e não podia ser diferente numa igreja da época) e a profusão de
anjos rechonchudos, dominantes na pintura do teto, são características do
barroco.
Franco Velasco não foi apenas um pintor que seguia padrões de estilos e o
gosto do cliente, mas um artista que, no mínimo que lhe foi permitido, soube
ousar e, sobretudo, imprimir um estilo próprio nessa obra. o propósito aqui, não é
exaltar a imagem do artista, mas reconhecer, através de sua obra, sua
capacidade de pesquisa e interpretação de imagem. Esse é o grande diferencial
em relação á prática artística de sua época.
CONCLUSÕES
A devoção do Senhor do Bonfim da Bahia, é o resultado da ação do
Capitão portugês Theodózio Rodrigues de Faria, que teve a iniciativa de trazer
consigo uma réplica do Senhor do Bonfim. É com a chegada da imagem do Cristo
Crucificado trazida de Portugal e, instalada provisoriamente na Igreja de Nossa
Senhora da Penha, que essa invocação.
A imagem do Cristo Crucificado não era novidade para uma sociedade, que
convivia com essa representação em todos altares das Igrejas e oratórios, por
recomendação eclesiástica. Mas a imagem vinda de Portugal, fortificou essa
invocação, e se tornou alvo de inúmeras romarias. Foi então, edificado um templo
próprio para o Senhor do Bonfim, em local de destaque, que podia ser vista por
terra e mar.
A construção da capela, iniciada no século XVIII, foi uma conseqüência
dessa crescente devoção, que a partir da Igreja de Nossa Senhora da Penha,
ganhou fama, com os milagres atribuídos ao santo e que eram divulgados
amplamente, pela população.
A Igreja teve inúmeros profissionais envolvidos na sua construção e
decoração interna. Durante esse processo, pintores também foram contratados,
para realizar inúmeras obras, para preencher todos os espaços, dos retábulos dos
altares e forro da nave, aos corredores laterais.
Sem dúvida o acervo de pinturas da Igreja do Bonfim constitui seu maior
acervo artístico. O conjunto de telas pintadas por José Teófilo de Jesus e as
pinturas de Bento Rufino Capinam e Tito Nicolau Capinam, somam-se aos painéis
dos retábulos e o forro da nave, de autoria de Franco Velasco. Esse conjunto
permanece completo e bem conservado até a atualidade e retratam um período
de prosperidade dessa Igreja.
A pesquisa que se propôs a realizar uma análise das pinturas de Franco
Velasco na Igreja do Bonfim, revelou um universo rico em detalhes que foram
surgindo a medida em que, a observação era feita. Olhar mais de uma vez para
determinada cena, significava descobrir mais elementos e mais significados.
Quando Franco Velasco realizou suas pinturas nessa Igreja, no século XIX,
o contexto religioso prezava pelo ensino cristão através das representações
religiosas. Esse era também, um meio de propaganda da e uma forma de
sedução dos fiéis, para que eles pudessem render graças à Deus, à Virgem Maria
e aos santos, por meio da imaginária e da pintura.
O conjunto de pinturas realizada por Franco Velasco na Igreja do Bonfim,
mostra de um trabalho de aperfeiçoamento em obras desse gênero. O pintor não
mais seguiu a técnica de pintura de quadratura e conseqüentemente, com as
figuras em escorço, características marcantes do estilo Barroco. Mas optou em
desenvolver um trabalho como uma nova linguagem, onde prevaleceu o esforço
nas definições mais apuradas da figura humana.
A pesquisa permitiu identificar que seu desenho de anatomia era bem
definido nas obras da Igreja de Santana. A definição anatômica é bem resolvida e
em nada se assemelha às figuras idealizadas, comum entre outros artistas da
época, cujo desenho denunciam a falta de percepção visual apurada e estudo na
área.
A composição de Franco Velasco não pode ser classificada de uma obra
neoclássica ou barroca, mas de transição. A narrativa criada, exaltando a paixão,
morte e ressurreição de Cristo, seguem ainda padrões estabelecidos na Contra-
Reforma e a própria estética de alguns elementos, a exemplo do anjos, conserva
o características do antigo estilo. Mas observando o tratamento dado às figuras
pintadas nos retábulos, que parecem congeladas no meio de um ato e, ainda a
ausência do apelo visual no sofrimento de Cristo, nota-se a presença de uma
nova estética.
A Bíblia e os vários livros sobre liturgia e simbologia cristã, foram
imprescindíveis durante essa pesquisa, tornando possível conhecer e entender os
símbolos litúrgicos e suas representações na iconografia cristã. Esses
conhecimentos faciliataram a compreensão das imagens e, conseqüentemente a
interpretação das pinturas, repletas desses signos, que Franco Velasco utilizou,
tanto na Igreja do Bonfim quanto na Igreja da Ordem Terceira de São Francisco.
A observação sistemática do conjunto de pinturas também revelou o
caráter detalhista do pintor e seu conhecimento e domínio no uso da simbologia
cristã, demonstrando uma habilidade para ir além das gravuras que disponível
para cópia. Exemplo claro dessas iniciativas é o retábulo com a passagem de
Jesus à Caminho do Calvário, quando juntou três passagens em uma cena,
criando uma narrativa continuada de três momentos distintos, segundo os
Evangelhos. Esse tipo de iniciativa não foi notada entre os outros artistas
contemporâneos de Velasco, observados nessa pesquisa.
Nas pesquisas de arquivos pode-se conhecer um pouco mais sobre a
personalidade do homem, a partir de iniciativas tomadas durante sua vida,
registradas nos documentos. Assim também, se conheceram como era sua
família, detalhes dos filhos e da esposa.
O programa iconográfico elaborado por Franco Velasco na Igreja do
Bonfim, exalta a Paixão de Cristo, mas também a sua glória. É uma lição litúrgica
da do sacrifício do Filho do Homem, e também uma lembrança aos fiéis da
presença viva de Cristo, que está prestes a socorrer a todos que recorrerem a
Ele, como no exemplo estampado no centro do teto.
A investigação aqui apresentada não se esgota enquanto análise da obra
de Franco Velasco. Um estudo mais detalhada das pinturas realizadas nas outras
igrejas, certamente contribuirá para um entendimento mais profundo sobre o estilo
e a evolução artística desse pintor.
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ANEXOS
ANEXO A – Ensaio Biográfico de Antonio Joaquim Franco Velasco
- V - -
Antônio Joaquim Franco Velasco, filho legítimo de Matheus Franco da Silva e
Dona Maria Francisca de Melina Velasco, nasceu na cidade da Bahia, freguesia
de S. Pedro, onde foi batizado, em 3 de outubro de 1780: perdendo seu pai em
tenra idade, sua mãe, senhora de espírito e bastante dada à leitura da Bíblia e
livros moraes, cuidou seriamente da educação do filho, que, desde as primeiras
lições, sua queda para as letras e bem assim a sua boa índole foram pouco a
pouco fazendo conhecido e sentimento das pessoas importantes da capital.
Nesse tempo existia na Bahia o pintor José Joaquim da Rocha, natural da
Província de Minas Garais, e que, em Portugal, se havia adiantado no estudo da
pintura. encarregado da decoração do teto de diversas igrejas, criou uma escola
para a qual acorrera grande números de discípulos, ajudando-o em seus
trabalhos; comunicando-se com a família do jovem Velasco, conheceu nelle, pela
attenção que prestava as produções d’arte e indagações a propósito, que o moço
Velasco já era amador da arte e fez disto sciente de sua juduciosa Mãe, que,
consultando a vontade do filho, respondeu muito a desejava seguir debaixo da
direção do dito pintor. Assim aconteceu, e, em pouco tempo, o novo alluno foi-se
desenvolvendo, com distinção dentre os outros discípulos. A amizade que o ligara
ao moço Pedro Gomes Ferrão, fallecido em Coimbra, victima do seu
extraordijnário talento, fez com que ele exercesse os seus pincéis, tirando-lhe o
retrato. Esta produção que, pela semelhança, surpreendeu o mestre, e a todos
que viram, valeu-lhe reputação neste gênero de pintura, e bem assim meios para
a subsistência, e de sua mãe a quem muito amava e de quem era amado. O
homem de gênio não se contentava em ver-se inscrito em um pequeno círculo:
assim é que o pintor Velasco, que era já estimado dos homens instruídos daquella
época, os quais lhe franqueavam suas livrarias e, tendo elle familiarizado com
diversas línguas, lia nas livrarias do Padre Francisco Agostinho Gomes,
Alexandre Gomes Ferrão e Andrades; estudara a história das artes, a vida dos
pintores celebres, suas diversas escolas e os quadros capitaes que nella existiam,
tanto pela expressão, como pelo relevo e effeito do claro-escuro, dando-se
também no estudo da perspectiva e arquitetura. Então o pintor Velasco conheceu
a necessidade mudar (?) de carreira.
Entre as descripções que havia lido, das diversas escolas, foi a flamenga que
mais o entusiasmou. Procurou criar um novo estilo mais rigoroso, e, deixando a
rotina, que até esse tempo havia, de copiar em tempos, e não estudar a natureza,
levou esta paixão a ponto de, nos passeios de campo, no centro da família,
armado do seu lápis e papel, um grupo qualquer, uma bella manhã, e tudo quanto
se lhe offerecia nada haver que não copiasse. Dahi a expressão e o relevo unidos
a um toque atrevido, que apresentam todas as suas produções. Já gozava de não
pequeno nome entre os seus concidadãos quando foi encarregado de pintar o
teto da igreja da freguesia de Sant’Anna do Sacramento e a decoração dos
quadros do mesmo templo. Pouco tempo depois foi o teto da capella da igreja da
freguesia da Villa de Itaparica.
Foi encarregado pela Diretoria da Praça do Comércio, em sua abertura, de pintar,
em tamanho natural, o retrato do Conde dos Arcos, para ser colocado no grande
salão. Infelizmente esse bello quadro foi despedaçado por uma facção política,
que reputava o mensionado Conde antagonista de idéias liberais ou da
Constituição proclamada em Portugal, o quadro, com que mandaram substituir,
depois, o destruído, não é do pintor Velasco.
Quando S. M. o Sr. D. Pedro I honrou esta província com sua visita, coube ao
pintor Velasco a honra de ser o escolhido para retratá-lo; deve existir no Rio de
Janeiro esse quadro que era fiel na semelhança e pintado com estylo muito
vigoroso; nessa ocasião offereceu elle alguns estudos de arte de sua produção,
que S. M. Imperial se dignou a aceitar.
Entre o grande número de retratos de sua produção conta-se os dos arcebispos
D. Damazio e D. Romualdo; e quando aqui aportou a esquadra francesa
comandada por Jeroymo (?) Bonaparte, foi também o pintor, Velasco o
encarregado de tirar-lhe o retrato; esses quadros merecem especial menção
como primores d’arte, alem de muito outros de pessoas notáveis.
Em 1816, foi encarregado das pinturas e mais obras da capella do Senhor do
Bonfim e bem assim dos quadros que ornam os nichos dos altares laterais; então
esta elle no vigor de todo seu talento, o que bem se deixa ver pela decoração e
arabescos que decoram o mesmo tecto, mormente o grande quadro do centro,
cujos grupos são inteira mente de sua produção e estudadas pelo natural. O dito
quadro representa uma família entregue a diversos movimentos que indicam a
aflição de que estão possuídas e imploram pelo Senhor do Bonfim, pela saúde de
seu chefe, que se vê abatido, no primeiro plano, recostado sobre a filha, no
segundo, a mulher pede, no transporte mais expressivo, pela vida do marido, e
faz ver, pegando na mão do filhinho carregado pela ama, o desamparo que este
fica, faltando-lhe o pae.
No centro do quadro, o protetor da nação que sustenta as armas nacionais, e
aponta para o Senhor do Bonfim, que, em sua glória e rodeado de anjos, espalha
consolação por entre aquelles que recorrem à sua misericórdia.
Em 1832 foi também o pintor Velasco encarregado de todas as obras de pintura
da Ordem de S. Francisco, inclusive o respectivo tecto, mas, quando tinha o
esboço dos quadros que deviam ser pintados com todos os ornamentos para a
belleza da igreja, uma moléstia, que zombou dos esforços da medicina, o(?)
roubou a sua inconsolável família, e aos seus numerosos amigos, em 20 de
março de 1833, com 53 anos de idade.
Conhecendo que não se restabelecia da enfermidade, pediu a seu discípulo e
amigo José Rodrigues Nunes, que era seu substituto na cadeira pública de
Desenho, para dellas encarregar-se, segundo os estudos por elle dirigidos, o que
elle lhe prometeu e cumpriu.
Em virtude de um quadro oferecido a D. João VI, foi Antonio Joaquim nomeado
substituto da Cadeira de Desenho, em 1815, e depois da emigração portuguesa,
em 1822(?), em virtude dos acontecimentos que fizeram entrar na Capital da
Bahia o exército pacificador, foi nomeado effetivo da mesma cadeira.
Foi comemorado entre homens ilustres da sua patria em uma das galerias do
palacête erigido pela ocasião da coroação, sob a direção do Comendador Manoel
de Araújo Porto-Alegre, apontando-o também a História do Brasil, ultimamente
publicada.
Casou-se com D. Feliciana D(?) Ribeiro Sanches; desse consórcio nasceu 7
filhos, os quais, com todo esmero, e inteligência, educou na carreira da sciencia e
da virtude, fallecendo, quando o mais velho se achava na Faculdade de Direito
de Pernambuco.
Gozou sempre da estima de seus provincianos e das autoridades e ocupou
diversos cargos civis.
No tempo em que a emigração se Pronunciou para o Reconcavo, elle emigrou e
prestou relevantíssimos serviços.
De muito escreveu a favor da ordem pública e a bem da causa da
Independencia, porquanto, alem de seu merecimento artístico, era homem de
letras.
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia / Arquivo / FRANCO VELASCO – Dados
Biográficos s/nº, s/d.
ANEXO B – Inventário de Antonio Joaquim Franco Velasco
Folha 2
Ilustríssimo Sr. Dr. Juiz Municipal da 3
a
Vara
A ..........N 26>>>
1866
F. C. em 26 de junho de 1866
Diz o coronel Nicolau Carneiro Filho que havendo fallecido em sua companhia o
seu Cunhado Dr. Antonio Joaquim Franco Velasco, quer proceder a inventário
dos bens deixados para o mesmo p i por requer á .marcar dia, a ora, citados, o
Dr. Promotor Fiscal da .., e os herdeiros, que serão o supra citado por cabeça de
sua mulher D. Clotildes Augusta Vellasco Caneiro, D. Cândida Velasco Correia de
Brito, e o Capitão Augusto Franco Vellasco, auzente no exército do Sul do
Império, representado por seu procurador Dr José Rodrigues de Figueiredo, e
neste sentido, .
D. citem se..... o dia 27 ao
meio dia. Bahia 2 de
setembro de 1866
Arquivo Público da Bahia – Doc. 03/1249/1718/07 – 1866 – Série Inventário –
Seção Judiciária
ANEXO C – Inventário de Antonio Joaquim Franco Velasco
Folha 13
Ilustríssimo Senhor Dr Juiz Municipal da 3
a
Vara
Dê-se vista ao Dr. Procurador Fiscal e aos interessados Bahia 5 de outubro de
1866
Diz o Coronel Nicolau Carneiro que sendo procedido á descrição dos poucos
bens ,deixados por seu cunhado Br Antonio Joaquim Franco Velasco fallecido em
companhia do suplicante onde vivia há muitos anos, em conseqüência de seu
estado de molétia que o impossibilitava para qualquer trabalho, vem offerecer as
seguintes declarações para encerramento.
Montam os bens deixados a (1:300$) um conto e trezentos mil réis; sendo
quinhentos mil réis (500$) em dinheiro; trezentos mil réis (300$) em acções da
sociedade do Comércio; e quinhentos mil réis (500$) em acções da companhia de
veículos.
Despendeu-se com o enterro e suffragios por alma do fallecido um conto cento e
noventa mil réis (1:190$) segundo se vê nos documentos juntos de nº 1á menos
dôze mil reis (12$) de despezas miúdas que não podem ser documentadas.
Inventário quarenta mil réis (40$) somando todas as despezas em um conto
duzentos e trinta mil réis (1:230$), havendo por tanto um remanescente de
setenta mil reis (70$)
O suplicante pede pois .que, somando o termo de encerramento do presente
inventário, e acceito as presentes declarações, se sirva mandados das vista ao
Dr. Procurador Fiscal, e deliberar a postilha, mandando lançar ao suplicante os
bens deixados para o pagamento das despezas referidas.
............................deferimento
assinatura
Arquivo Público da Bahia – Doc. 03/1249/1718/07 – 1866 – Série Inventário –
Seção Judiciária
ANEXO D – Inventário de Antonio Joaquim Franco Velasco
Folha 28
Auto de Partilha
Anno de nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oito centos sessenta e
seis, aos vinte quatro dias do mês de Outubro nesta Leal e Valorosa Cidade de
São Salvador da Bahia de Todos os Santos, e escripturario dos despachos do
Doutor Francisco Antonio Filgueiras Sobrinho Juiz Municipal da Terceira Vara,
onde eu tabelião interino no impedimento do tabelião Manoel Lopes da Costa fui
vindo, ahi prezentes o mesmo juiz e os Partidores Joaquim Coimbra de Andrade e
Jos’’e Diniz Gonçalves a revelia dos herdeiros citados o Coronel Nicolau Carneiro
por cabeça de sua mulher D. Clotildes Augusta Velasco Carneiro, D. Cândida
Velasco Corrêa de Britto, e o capitão Augusto Franco Velasco, ordenou o juiz aos
Partidores que viessem, ou assinassem, somassem e partilhassem os bens
deixados pelo finado Bacharel Antonio Joaquim Franco Velasco, deduzindo do
montante mor das despezas attendidas, e o restante fizessem a divisão com
igualdade recomendada em direito, a isto sem dolo, sem malícia, ódio ou affeição
ás partes interessadas, e debaixo do juramento de seus officios. E cumprindo os
partidores passarão a examinar os autos e declararão os bens do dinheiro achado
a folhas doze e treze no total de quinhentos mil reis – No dinheiro da Sociedade
Commercio a folhas doze no total de trezentos mil reis, e no dinheiro em fundos
na empreza vehiculos a folhas dose no total de quinhentos mil reisprfefazendo
todas estas quantia o monte de um conto e trezentos mil reis. E se a bote do
monte a despeza de enterro folhas trese, no valor de um conto cento e noventa
mil reis – a despeza deste Inventário a folhas trese verso, no total de quarenta mil
reis, e como a presente partilha e seo julgamento a quantia de dezesei mil reis,
cujas addições prefazem a de um conto duzentos e quarenta liquido pratichavel a
quantia de cincoenta e quatro mil reis, que dividida pelos trez irmãos e herdeiros
já declarados no princípio do acerto, loca a cada um a quantia de dezoito mil reis,
sujeita ao sello de dez por cento, no valor de mil e oito centos reis. E por esta
forma, não havendo mais a partilhar, mandou o juiz lavrar o presente acertoem
que assigurou com os Partidores. Seu João Américo Gomes, Escrivão interino o
subscrevi.
Assinatura assinatura
Quinhão e pagamento que sefaz ao herdeiro Coronel Nicolau Carneiro por
cabeça de sua mulher D. Clotildes Augusta Vellasco Carneiro, o qual tem de
herança sujeita ao sello de dez por cento a quantia de dezoito mil reis; de
despezas attendidas um conto duzentos quarenta e seis mil reis, que perfazem
ototal de um conto e trezento mil reis, digo, um conto duzentos sessenta e quatro
mil reis e se faz o seguinte pagamento.
Haverá o dinheiro achado e Inventariado a folhas doze e treze, no valor de
quinhentos mil reis.
Haverá o dinheiro da sociedade Commercio a folhas doze, no valor de trezentos
mil reis.
Haverá o dinheiro em fundo na empresa vehiculos a folhas doze no valor de
quinhentos mil reis.
E por esta forma ficou preenchido este quinhão, levando de mais a quantia de
trinta e seis reis da qual tornará a herdeira D. Cândida dezoito mil reis, e ao
herdeiro Augusto dezoito mil reis. E assim houve o juiz este qunião preenchido,
firme e valioso, e mandou lavrar o prezente termo em o qual assignou como os
Partidoresdepois de lido por mim. Eu João Américo Gomes, Escrivão inerino o
escreveu.
Assinatura
Quinhão e pagamento que se faz á herdeira D. Cândida Velasco Carneiro de
Britto, que tem de herança sujeita ao sello de dez por cento a quantia de dezoito
mil reis e se lhe preenche pela forma seguinte.
Haverá por tornado herdeiro e Inventariante Coronel Nicolau Carneiro a quantia
de dezoito mil reis.
E por esta forma houve o juiz este quinhão por feito, firme valioso, e mandoui
lavrar este termo que assignou como os Partidores depois de lido por mim. Eu
João Américo Gomes Escrivão interino e subscrevi.
Assinatura
Quinhão e pagamento que se faz ao herdeiro Capitão Augusto Franco Velasco, o
qual tem de herança sujeita ao sello de dez por cento a quantia de dezoito mil
reis, e se lhe preenche pela forma seguinte.
Haverá o herdeiro e Inventariante o Coronel Nicolau Carneiro a quantia de dezoito
mil reis que de mais levou em seu quainhão.
E por esta forma este quinhão perfeito, firme e valiozo, e mando fazer este termo
que assignou com os partidores depois de lida. Eu João Américo Gomes Escrivão
interino o sobscrevi.
Assinatura
Encerramento
E no mesmo dia mez e anno......... declarados leva o juiz esta partilha por feita e
encerrada, e mandou lavrar este termo em o qual assignou com os partidores
depois de lido. Eu João Américo Gomes Escrivão interino o subscrevi
Assinatura.
Arquivo Público da Bahia. Doc. 03/1249/1718/07. Inventário de Antonio Joaquim
Franco Velasco. 1866
ANEXO E – Inventário de Antonio Joaquim Franco Velasco
Fl. 9
Ilustíssimo Senhor. Dr. Juiz Jorge dos Reis que terá juramento. Bahia 27 de
setembro de 1866
Assinatura
Diz o Coronel Nicolau Carneiro da Filho, que tendo se proceder á inventário do
que deixou seu cunhado o Dr. Antonio Joaquim Franco Vellasco e achando se
auzente Capitão Augusto Franco Vellasco, que foi citado na pessoa de seu
procurador o Dr. Jorge Rodrigues de Fiqueiredo Sr. Os outros do mesmo
inventário; o suplicente vem pedir a nomeação um Curª ás auzente que vossa
Senhoria se_______ nomear neste sentido, requer, e
P. á Vossa Sehoria se digne
Deferir, pelo que
O procurador
assinatura
Arquivo Público da Bahia. Doc. 03/1249/1718/07. Inventário de Antonio Joaquim
Franco Velasco. 1866
ANEXO F – Inventário de Feliciana Delfina Sanches Velasco
Fl. 3
Inventário amigável do casal da finada D. Feliciana Delfina Sanches Velasco,
fellecida a 31 de março de mil oitocentos e sessenta e quatro.
Escravos –
Narcisa, africana, do serviço domestico, sem moléstia, avaliada em um conto de
reis.
Ivo, africano do mesmo serviço, sem moléstia, avaliado em um conto de reis.
Casa
Uma casa de morada de um andar, dita ao Portão da Piedade freguesia de S.
Pedro Velho, como todas as suas lojas, cedida por vontade dos herdeiros, a
herdeira D. Cândida Augusta Velasco de Brito, por oito contos de reis.
Capital de Estabelecimento
Um conhecimento da Sociedade Commercio da Bahia, de trezentos mil reis.
Monte-mor
Abate-se
A importância do enterro da mesma finda conforme os
documentos apresentados 796$900
Importância do concerto mandado fazer pela
mesma finada, na dita sua casa, como da conta
apresentada, e sua declaração nela constante 276$160
Idem paga ao negociante Brandão sucessor de Pias,
da despesa feita no Rio de Janeiro, quando menor o herdeiro
Augusto Franco Velasco na Academia de Marinha,
como conta, carta de ordens, e receitas apresentadas. 197$140
1:270$200
Assinaturas
Antonio Joaquim Franco Velasco
D. clotildes Augusta Velasco Carneiro
D. Cândida Velasco de Brito
Augusto Franco Velasco
Arquivo Público da Bahia. Doc. 2993/0/10. Partilha Amigável de Feliciana Delfina
Velasco. 1864
ANEXO G – Inventário de Feliciana Delfina Sanches Velasco
Fl. 4
Quinhão da herdeira D. Cândida Velasco de Brito
Haverá a propriedade a rua Portão da piedade Freguesia d S. Pedro
pagamento de seu quinhão de reis dois contos duzentos e cinqüenta
e sete mil quatrocento e e cinqüenta, e torna aos mais herdeiros
5:742$550
pela forma descrita nos quinhões abaixo descritos.
D. Cândida Velasco de Brito
Quinhão do herdeiro Dr. Anotonio Joaquim Franco Velasco.
Haverá da herdeira D. Cândida Velasco de Brito, Reis 1:957$450,
que se obrigou a tornar aos demais herdeiros,
e mais o Conhecimento da Sociedade Comercio de 300$000, ficando assim
reenchido o seu quinhão de dois contos duzentos e cinqüenta e sete mil
quatrocentos e cinqüenta reis
2.257$450
Antonio Joaquim Franco Velasco
Quinhão da herdeira D. Clotildes Augusta Velasco Carneiro.
Haverá da herdeira Dona Cândida Velasco de Brito,
dos 5:742$550, que se obrigou a tornar aos demais herdeiros 2.257$450
4:514$900
de seu quinhão e mais 1:270$200, que se mostrou credora
do casal pelas contas apresentadas, documentos,
e aceitas pelas herdeiras com o enterro da mesma
finada mãe, conserto d casa do Portão da Piedade e
educação do herdeiro Augusto, quando menor no
Rio de Janeiro, na Escola de Marinha, fazendo ambas
estas ___ a totalidade de três contos quinhentos e
vinte e sete mil reis cento e cinqüenta reis.
Clotildes Augusta Velasco Carneiro
Quinhão do herdeiro Augusto Fraco Velaco
Haverá o escravo Ivo, avaliado em 1:000$000, e mais
a escrava Narciza avaliada em 1:000$000 e da
herdeira D. Cândida Velasco de Brito, da ______que
ficou obrigada de 5:742$550, duzentos e cinqüenta e sete mil,
quatrocentos e cinqüenta reis ficando assim reenchido o seu
quinhão na importância de ois contos duzentos e cinqüenta e
sete mil quatrocentos e cinqüenta reis.
Augusto Franco Velasco
E como amigavelmente fizemos a presente partilha e inventário dos bens
deixados pelo falecimento de nossa prezada mãe D. Feliciana Delfina Sanches
Velasco, fazem a presentes declaração pedem as justiça donosso País a sanção
legítima, indo a presente por nos todos assinada nesta Cidade de São Salvador
Bahia de todos Santos, aos doze dias do mês de Agosto de mil oitocentos e
sessenta e quatro.
Assinam
D. cândida Velasco de Brito
Antonio Joaquim Franco Velasco
D. Clotildes Augusta Velasco Carneiro
Augusto F. Velasco
Arquivo Público da Bahia. Doc. 2993/0/10. Partilha Amigável de Feliciana Delfina
Velasco. 1864
ANEXO H – Inventário de Feliciana Delfina Sanches Velasco
Fl. 6
Termo de cumprimento das partes e aprovação da Partilha Amigável
Aos dezesseis do mês de agosto de mil oitocentos e sessenta e quatro, n’esta
Cidade da Bahia, em meu cartório comparecerão o Doutor Antonio Joaquim
Franco Velasco, Dona Clotildes Augusta Velasco Carneiro e seu marido o
Tenente Coronel Nicolau Carneiro Filho, dona Cândida Velas Correa de Brito e
Augusto Francisco Velasco, todos reconhecidos de mim Tabelião, do que dou fé,
e por elles foi dito, que elles em qualidade de filhos da finada Dona Feliciana
Delfina Sanches Velasco, todos maiorez e únicos herdeiros, aprovalo, como de
fato aprovarão tem por este termo apartilha que firmarão amigável, que se acha af
3, por estarem ____comaes __ e quinhões feitos, á fim de ser ella ________ e,
produza todos os seus effeitos como as _____ o inventário da dita finada feito
___ , por citarem assim____; e de como assimm o ____ abaixo assignarão,
offerecendo como parte integrante n’este termo o auto f3. eu Manoel Lopes da
Costa Tabellião, escrevi.
Assinam
D. Cândida Velasco de Brito
Antonio Joaquim Franco Velasco
D. Clotildes Augusta Velasco Carneiro
Augusto F. Velasco
Arquivo Público da Bahia. Doc. 2993/0/10. Partilha Amigável de Feliciana Delfina
Velasco. 1864
ANEXO I – Testamento de Augusto Franco Velasco
Fl. 2
Em nome de Deus amen
Eu Augusto Franco Velasco , christão / catholico, em cuja baptiseime, tenho
vivi-/ do e protesto morrer; estando em meu per/ feito juiso mas, tendo por certa a
morte, reso/ vi fazer este meu testamento e desposições/ da minha ultima
vontade, que, desejo, sejam/ cumpridas e fielmente executadas depois do/ meu
passamento.
Declaro, que sou filho, legitimo do capitão/ Antonio Joaquim Franco Velasco e
sua/ mulher D. Feliciana Delfira Sanches/ Velasco ambos fallecidos. Nasci na/
freguesia de S.Pedro d’esta cidade aos 23 de/
2ª janeiro de 1832. = Declaro que nunca fui, ca/ sado nem tenho herdeiros
legitimos forçados./ Por fraqueza humana tive e tenho vivos qua/ tro (4) filhos
naturaes que sam Maria Augus-/ta nascida em 3 de abril de 1881(freguesia/ da
Penha); José Augusto nascido em 18 de no-/vembro de 1881 = baptisado na
freguesia de stª/ Anna no dia 9 de julho de 1882 Pedro, Au =/gusto nascido em
11 de maio de 1886 e bapti-/sado na freguesia da Madre de Deus com li =cença
do vigario da Freguesia de stª Anna,/ onde se fez o respectivo assentamento.
Declaro que por escriptura publica em no =/ ta do tabelião Alvaro Lopes n’esta
cida =/de em 6 de junho de 1881 reconheci como taes/ meus filho Maria Augusta
e Antonio Augusto e por escriptura publica lavrada em nota do mesmo tabelião
em 4 de outubro de/ 1890 igualmente reconheci meus filhos naturaes =/ José
Augusto e Pedro Augusto reconheci =/ mento que rafico no presente testamento,/
pelo qual hei por legitimados os ditos meus fi =/lhos para todos os effeitos de
direitos especi-/almente para poderem receber as pensões do Monte pio dos
servidores do Estado e do Monte pio obrigatorio dos funcionarios/ publicos;-
______ expresamente instituo os ditos/ meus filhos por meus unicos e universaes/
herdeiros = Declaro que economisando pe =/nas offertas pecuniarias feitas aos
ditos/ meus filhos por seus padrinhos e pessoas ou =/ tras que lhes mostravam
por esse meio sua/ affeição, depositei em nome de cada um na/ caixa Economica
do Estado essas economias/ como cosnta das cardenêtas abertas em/ seus
respectivos nome. Decalro mais que/ para satisfaser á precisões minhas in
=/gentes tenho feito retirada d’esses deposi=/tos, como consta das partidas
lançadas nas/ mesmas cardenêtas; e como em consciencia me repirto devedor
das quantias retiradas/ quero que sejam ellas integralmente pagas,/ como é de
justica.
Nomeio meus testamenteiros em primeiro lugar/ meu amigo Dr. Severino dos
Santos Vieyra/ em segundo lugar ao meu sobrinho e amigo/ Luiz Correia de Britto
e em terceiro lugar/ á meu amigo capitão Francisco Pires de/ Carvalho e Aragão
para servirem comu/ lativamente ou em substituição um dos outros com-/ forme
entre si resolveram; e a cada um delles/ peço e rogo + que por espirito de
caridade me faça/ a mercê de acceitar o encargo de minha tes =/ mentaria. =
Recommnendo aos meus testamen/ teiros que como o maior benefícios e
caridade á meu/ dispensados acautelem a sorte de meus innocentes filhinhos. =
Egual recomendação faço a todos os/ meus parentes, que me julgarem digno de
sua cari/ dosa lembrança, e em particular invoco para/ os meus filhos a proteccão
de meo sobrinho,/ engenheiro Luiz Correia de Britto, que pelas de-/ monstrações
de acusolada amisade que me/ tem dado- e pelo conhecimento que tenho de/
seus nobres e aprimorados sentimento impura/ me a consoladora esperança de
confiar que não/ faço em vão, em momento tão solenne, este appe=/ lo. 8ª
Nomeio Autores de meus filhos em 1º lugar/ a meu sobrinho e amigo Luis Correia/
de Britto em lugar á meu amigo Dr./ Severino dos Santos Vieyra e em lugar/
ao meo amigo e comprade R mo Conego Manoel Theodolino Ferreira substi =/
tuindo uns aos outros conforme entre si/ resolverem, aos quaes hei por abonados
e/ dispensados de qualquer canção para exercerem este encargo, para cuja
acceitação con/ to somente com o seu espirito de caridade./ Peço portanto as
justiças competentes que sejam/ servidos de confirmar esta nomeação./ Declaro
que nunca fiz testamento algum/ antes d’este, =/ Peço a Deus perdão dos meus/
erros, e aos meus semelhantes que me perdoe/ em quaesquer offensa que
tenham de mim/ recebido, como eu n’este momento perdôo á/ todos os que me
offenderam./ E por esta forma e maneira tenho feito/ este meu testamento e
desposições de mi=/ nha vontade para serem executados de=/ pois de minha
morte, e rogoá todas as/ autoridades competentes que façam cum=/ prir como tal,
e na melhor forma de direi=/ to tudo quanto no mesmo testamento côn=/ tem e
declara;
Feito e escripto de meu punho n’esta ci=/ dade de São Salvador capital do
Es=/tado ferderado da Bahia aos 17 dias do/ mez de abril de 1891_e assigno
depois/ de revêl=o e achal=o conforme.
Augusto Franco Velasco
Arquivo Público da Bahia. Doc. 4/1799/2269/8. Seção Judiciário. 1896
ANEXO J – Requerimento de Feliciana Delfina Velasco à Ordem 3ª de São
Francisco
Reverendo Senhor. Padre Vice Comissário, Ilustríssimos Senhor Ministro e mais
Mezarios da Venerável Ordem 3ª de S. Francisco
Tendo D. Feliciana Delfina Velasco, mandado acabar a pintura e douramento da
Venerável Ordem 3ª de S. Francisco, principiada e contratada por seo falecido
Marido Antonio Joaquim Franco Velasco, apesar da falta de meios que sofreo,
pelos diminutos pagamentos que das tranzactas Mesa recebeo, a ponto de ver-se
por muitas vezes, nas circunstancias de não ter officiaes para o trabalho por falta
de dinheiro para fazer-lhes as competentes férias, assim como de lhe não
quererem os droguistas confiar tintas e mais misteres para andamento da referida
pintura, a suplicante com todos os sacrifícios e prejuízos inherentes a tais
demoras a tais demoras, pode conseguir como de fato conseguio, apresentar
desde de Dezembro do anno passado a Igreja prompta, faltando unicamente as
pinturas das portas que em bem pouco tempo ficou acabada. E quando Senhores
a Suplicante depois de tantos sofrimentos, tendo-se-lhe faltado a todas as
condições marcadas na Escriptura, esperava o seu pagamento, para poder assim
remir dividas que se achaonerada por causa da mensionada obra, pelo contrário
aconteceo, pois até hoje se acha no desembolço danãopequena quantia que esta
respeitável Ordem lhe é devedora. I isto Senhores ainda não é tudo, dezejando a
suplicante saber o estado de sua conta, tendo requerido a tranzacta meza
mandado por muitas vezes pedir, para que a vista dos recibos do seo finado
marido, e dos que quando lhe substituio depois de sua morte, já mais isso foi
concidido, e tal conta nunca lhe foi dada! Parace Senhores que tendo a suplicante
preenchido o tracto da Escriptura, tendo a obra sido acabada a ponto de merecer
geral aplauso, não merecia a suplicante ser tratada por huma igual maneira. He
por todas estas razões, que a suplicante vem por meio desta representação
chamar a atenção de V. V. C. C. , para que, primeiro, lhe mandem pagar o saldo
de sua conta, a qual deve ser tirada e conferida a vista dos recibos, a cuja
conferencia deve ser ouvida pessoa de sua confiança, para responder a qualquer
duvida que por ventura se possa offerecer. A suplicante tendo esgotado toda a
sua paciência e ainda dá este passo contando com a benevolência de V. V. C. C.
, para que não se veja na necessidade de lançar mão de maior que não sejão os
da concórdia e boa fé. Pro tanto. P. a A V. V. C. C.que attendendo as
ponderozas, e justas razões expendidas pela suplicante e mais ao seo estado,
hejão de defferir-lhes com aqulla justiçaque deve caracterizar hua tão respeitável
corporação. E. R. M.
ce
ALVES, Marieta - História da Venerável Ordem Terceira da Penitência do Seráfico
Padre São Francisco da Congregação da Bahia. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1948. pp. 61,62.
ANEXO K – Requerimento de Feliciana Delfina Velasco à Ordem 3ª de São
Francisco
Reverendo Senhor. Padre Vice Commissário, Ilustríssimos Senhor Ministro e mais
Mezarios da Venerável Ordem 3ª de S. Francisco
Tendo D. Feliciana Delfina Velasco examinado a conta corrente da Pintura e
douramento que seo falecido Marido com esta venerável ordem tratou, e que se
acha finalisada segundo o ajuste por huma escritura pública; é do seu dever
significar a V. V. C. C. que está pela mencionada conta, menos dos dous
seguintes artigos: e vem a ser – Primeiro no recibo de des mil reis incluindo
individamente, em hum recibo do Administador que concluio a pintura, José
Rodriguez Nunes, e segundo, no de vinte milheiros d’ouro que aparece em um
reciboque se dis passado por seu filho; no primeiro, por si mesmo se acha
devolvido e quanto ao segundo pende da presença de seu filho, ou resposta pela
qual se conheça definitivamente a verdade.
Ora como o ajuste da sobreda pintura, foi feito metade em cobre e metade em
papel, e so tinha recebido 3:481$794, em cobre, ou no equivalente a este, com
seu comprovante premio como é de Justiça e razão, a vista da condição da
Escritura e do deverde tão compicuos Mesários; além de que se espera da honra
de suas caridades huma indenização a seu alcance pelo prejuízo que sofreu em
vinte milheiros d’ouro de Lisboa devendo ser o Porto, e que deve, ser-lhe
abonado pelo respectivo preço.
Assim como, a suplicante em razão de sue estado para com os seus credores, e
mais pela demora que trem sofrido no seu pagamento, requer que o saldo de sua
conta lhe seja satisfeito no prazo de três meses, e em pagamentos iguais, na falta
dos quais a Suplicante perceberá o prêmio da Praça, cujo deve correr desde a
falta do primeiro pagamento, e será de 1... e ½ p Cº, pelo que protesta.
Prot.º a V. V. C. C. atentar as justas rasoes expendidas,
Hajão por bem deferir-lhes como é de justiça
E. R. M.
ALVES, Marieta - História da Venerável Ordem Terceira da Penitência do Seráfico
Padre São Francisco da Congregação da Bahia. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1948. pp. 62, 63
ANEXO L – Recibo de pagamento de quitação da Ordem 3ª de São Francisco
com Feliciana Delfina Velsaco
Perante mim Secretário atual recebeu a Senhora D. Feliciana Delfina Velasco, do
Irmão Síndico José Antonio de Carvalho e Araújo, a quantia de Reis quinhentos e
oitenta e dois mil seicentos e dez, por saldo de ajuste de contas da pintura e
douramento da Igreja desta Ordem, tratada com seu falecido marido o Capitão
Antonio Joaquim Franco Velasco. e de como recebeu a mencionada quantia e
ficar justa de contas, assinou comigo, a presente quitação. Ba. E Secretaria da
Ordem 21 de Maio de 1837.
ALVES, Marieta - História da Venerável Ordem Terceira da Penitência do Seráfico
Padre São Francisco da Congregação da Bahia. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1948. pp. 63
ANEXO M – Pedido de Franco Velasco para ser nomeado de lente substituto da
cadeira de Desenho
“SENHOR,
Diz Antonio Joaquim Franco Velasco, Proffessor de Pintura em a Cidade da
Bahia, que tendo applicado desde tenros annos aquella Nobre Arte de Pintura e
Desenho, e está de prezente exercitando de geral louvor, e reputação . Mas
porque o Supplicante dezeja ardentemente ser útil ao Estado, e a seus
compatriotas, e no mesmo paço ellevar-se, quanto possivel seja, àquele grão de
perfeição que constitui os Mestres da Arte, pura o que concorre em muito na
commum openião o habito regular, e constante do exercício cathedratico na
theoria, e na pratica, portanto Havendo a Real Munificencia de V. A. R. creando
na dita Cidade da Bahiahuma Cadeira, e Aula de Dezenho, recorre por isso o
Supplicante a V. A. R. para que seja servido de Fazer-lhe a Graça, e mercê de
Nomear Lente Substituto da referida Aula, para substituir o actual Lente nos seus
legítimos impedimentos sem vencimento de honorário, ou estipendo algum,
ficando unocamente o Supplicante com immediata e futura sucessão ao lugar de
Lente, todas as vezes que este venha a vagar por qualquer motivo que seja.
Prostado aos pés
P. a V. A. R. que seja servido de Agraciar ao Supplicante com a Mercê que
supplica; não pelos motivos da publica utilidade, como por animar, e estimular
o gênio do Supplicante no exercício da sua profissão.
E R Mce” –
Arquivo Público da Bahia. Doc. 118. Ordens Régias de 1816 – 1817.
ANEXO N – Nomeação de Antonio Joaquim Franco Velasco para Lente Substituto
da Cadeira de Desenho
Fl. “A”
“Provimento a Antonio Joaquim/ Franco Velasco para lente de Desenho.
Constando, que ate o prezente esta sem exercício a Cadeira/ de Desenho desta
cidade, ou por negligencia do Proprietario,/ que ate hoje se não tem appresentado
a este Governo, depois/ da feliz restauração da Cidade, ou por indesposição
absolu-/ta, dos alunnos, e convindo que a mencionada Cadeira pres-/ta ao
Publico as atividades correspondentes ao fim para que/ foi criada. O Governo
Provisório desta Província --- por bem,/ Que entre na effectividade della Antonio
Joaquim Fran-/ co Velasco, o qual tem a substituição, e espectativa que/ lhe foi
conferida por Carta Regia de vinte hum de Novembro de mil oitocentos e vinte,
visto concorrerem na quelle substituto/ todos os requisitos necessários para o
bom desempenho de suas/ obrigações, e grande habilidade, que menciona
naquella/ cita Carta Regia; e haverá da Fasenda Pública o ordenado/ que lhe
compete, ---------- na Secretaria deste Governo/ o --------- do Estado. Este se
registrará nos Livros da Secre-/ taria do Governo, nos da junta da Fazenda e onde
mais/ tocar. Palácio do Governo da Bahia treze de Agosto de mil oitocentos e
vinte três. Albuquerque Previdente = primeiro Secretario, Bulcão, Moacir, Ailva,
Bitencourt, Cadeira, Nu// Numero três mil trezentos e oitenta e nove,, Pagou mil/
seiscentos reis Bahia quatorze de Agosto de mil oito-/ centos e vinte e três,
Araújo Tavares.”
Arquivo Público da Bahia – Doc. 1055 – 1823 – Licenças, nomeações, cartas –
Seção Judiciária
ANEXO O – Termo de Ingresso de Franco Velasco
Fl. 363
Termo do Srº Antonio Joaq
m
Franco Velasco
Aos dezenove dias do mês de Abril de mil oito centos e trinta e hum nesta Cidade
do Salvador Bahia de Todos os Santos e Secretaria da Casa
da Santa Misericórdia onde eu Escrivão actual da Mesa me achava apparece
presente Antonio Joaq
m
Franco Velasco Casado com D. Feliciana mora-
Dores a rua do Bispo, e por elle me foi dito, que sendo elleito para servir na Mesa
ellegida este pre-
sente anno se tinha obrigado as obrigações de seu
cargo como despoem o compromisso, e requereo
se lhe ficasse o seo Termo de Srº na conformidade
da deliberação ma Mesa e Junta lacado no Lº
5º de accordos af 17 af ao que satisfis
com o pres
te
em que assegurou comigo
Escr
m
da Mesa
Manoel Ferr
a
de Ar
o
Antonio Joaq
m
Franco Velasco
Santa Casa de Misericórdia / Arqivo / Livro de Termos de Irmãos nº 06
ANEXO P – Pedido de aumento de salário de Antonio da S. Lopes
Ilmo. e Exmo Snr
Il Rei Nosso Senhor manda remeter a Vossa Exa. o Requerimento incluso de
Antonio da Silva Lopes, Professor e Diretor da Real Aula de Desenho Civil dessa
Cidade. E He servido que Vexa informe interpondo o seu parecer a cerca do
augmento de ordenado que pretende.
Deus Guarde Vexa. Palácio do Rio de Janeiro em 15 de Dezembro de 1819.
Thomaz Ant. de Villanova Portugal
Ilmo. Conde de Palma
APEB – Doc. 288 - Ordens Régias. 1819. Seção Colonial. Nº 120
ANEXO Q – Biblioteca Pública
(...) “Sábio também o Plano para o estabelecimento da Biblioteca Pública pelo
Coronel Pedro Gomes Ferrão Castelo Branco 160 reis (...)
p. 06
Terça-feira, 02 de agosto 1811
“Domingo 4 do corrente se fez a abertura solene da Livraria desta cidade na
mesma cas, que foi Livraria do Collegio dos proscritos Jesuítas.
A presença do Excellentíssimo Senhor Conde dos Arcos nosso amado
Governador deu o maior lustre a este acto brilhantismo pela deliciosa situação da
sala, que elevada na eminenecia da Cidade, e do edifício do Collegio domina esta
Bahia; pelo concurso de pessoas de todas as Ordens; e pelas doces esperanças
de melhoramento, que prognostica a diffusão das luzes. Conhecimento de todos
os gêneros postos ao alcance de todos os curiosos hão de excitar os talentos
atégora amorrecidos, e a Bahia no Zênite de sua gloria abençoará perpetuamente
os dias verdadeiramente d’ouro desta não-pensada geração.
Nesta ocasião recitou o Coronel Pedro Gomes Ferrão Catelo Branco huma
elegantíssima oração, em que se notava erudição escolhida, e literatura vasta
com profundas reflexões adequadas ás circunstancias, e actual situação política
do mundo.
Todos os dias a excepção das Quartas feiras estará a Livraria patente a todas as
pessoas de qualquer condição.”
Arquivo Público da Bahia. Seção Microfilme. JORNAL IDADE D’OURO. Filme 1-1
- 17 mai. 1811. p. 06
ANEXO R – Capa do Inventário de Antonio Joaquim Franco Velasco
Arquivo Público da Bahia – Doc. 03/1249/1718/07 – 1866 – Série Inventário –
Seção Judiciária
ANEXO S – Capa do Inventário de Feliciana Delfina Sanches Velasco
Arquivo Público da Bahia – Doc. 2993/0/10 – 1866 – Série Inventário – Seção
Judiciária
ANEXO T – Capa do Testamento de Augusto Franco Velasco
Arquivo Público da Bahia – Doc. 4/1799/2269/8 – 1866 – Série Inventário – Seção
Judiciária
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