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Um pouco sobre a “questão de Taiwan”
Na República Popular da China, bem como em Taiwan, para designar o dilema da independência ou
não da ilha, usa-se a expressão em mandarim Taiwan wenti. Wenti pode ser traduzido como assunto,
questão ou problema. Segundo Cooper (2003), o fato de a ilha ser conhecida por diferentes nomes –
Taiwan, Formosa, China Nacionalista, República da China (nome adotado pelo movimento
separatista para designar a nação) – já indica que se trata de uma questão não-resolvida, questão esta
que pode ser sintetizada no título de sua obra: Estado-nação ou província?. Vários referendos e pesquisas
de opinião têm apontado que a própria população da ilha está dividida. A aceitação ou não da
independência está relacionada, por exemplo, às trajetórias dos indivíduos e à intensidade de seu elo
com a República Popular da China.
A complexidade da questão, que vai culminar na opinião pública taiwanesa (que vive na ilha
ou fora dela) dividida entre os prós e os contras, tem sua gênese na própria história de Taiwan, cujo
território teve idas e vindas de pertencimento à China. Nos seus primórdios, foi povoado pelos
chamados “aborígines”, oriundos do sudeste asiático e chinês. De 1624 até 1661, os holandeses
ocuparam Taiwan. Posteriormente, sucederam-se dois séculos de controle chinês até 1895, quando o
Japão invadiu o território. A partir de 1945, a China retoma o controle da ilha, que, desde então,
adota o regime nacionalista.
Sob o ponto de vista étnico, especialmente de ancestralidade, Taiwan é primordialmente
chinesa. A população atual é composta por 2% de aborígines, 84% de “taiwaneses” (hakkas e fukiens)
e 14% de mainlanders. Os chamados “taiwaneses” são aqueles que chegaram à ilha no século XVII,
graças ao comércio marítimo. Eles são oriundos do sudeste chinês (hakkas da província de
Guangdong e fukiens de Fujian, província do continente de frente para a ilha). Os mainlanders são os
migrantes que se estabeleceram lá após 1949, quando se instaurou o regime comunista na China
(Cooper, 2003). Hakkas, fukiens e mainlanders são majoritariamente Han, etnia majoritária da China.
A linguagem de Taiwan é o Mandarim. Após a Revolução Cultural, a RPC adotou os
caracteres simplificados, enquanto que Taiwan seguiu com os tradicionais. No entanto, na fala, não
há diferenciações significantes. As principais manifestações culturais da ilha (costumes, alimentação,
festas, calendário) também são similares.
As questões identitárias, referentes à etnia e à cultura, são centrais na “questão de Taiwan” e
possuem uso político e ideológico para ambos os lados. A República Popular da China, que não
aceita autonomia da ilha, tem como princípio a idéia de que no mundo existe apenas yi ge Zhongguo
(uma China). Ela admite, entretanto, a democracia taiwanesa, a pluralidade partidária e a condição de
província autônoma ligada à China. Defende que é parte de seu território por uma questão histórica e
cultural e que o movimento separatista infringe a integridade territorial da China. Devido a tal
posicionamento, lançou a “Lei anti-separação” que dá direitos à invasão armada frente aos
movimentos separatistas.
O fato de Taiwan ser majoritariamente composta pela etnia Han (e que a mesma ser
caracterizada por um legado de 5000 anos de história) é usado ideologicamente para justificar a
unificação por parte das autoridades da RPC (Brown, 2003). Dados de campo apontaram que os
imigrantes taiwaneses que não endossam o separatismo, também se utilizarão desse discurso a fim de
justificar sua posição oposta. Assim, a cultura pode ser manipulada por ambas as posições para fins
políticos, constituindo-se enquanto capital étnico.
O governo taiwanês repudia a lei anti-separação, alegando ter o direito de decidir seu rumo
através de caminhos democráticos. Alega também que 90% da população taiwanesa concorda que
somente Taiwan pode decidir seu caminho. Na luta política pela independência, conforme pontuou
Brown, a presença aborígine, a experiência democrática e as influências do ocidente são usadas
politicamente como sinais de uma identidade singular, de uma nação própria, que não possui apenas a
China como referência (Ibidem).