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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PAULO SÉRGIO FERNANDES COGO
DEMISSÃO: UMA RUPTURA NA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL DE
PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR PRIVADO
TESE DE DOUTORADO
PORTO ALEGRE
2008
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PAULO SÉRGIO FERNANDES COGO
DEMISSÃO: UMA RUPTURA NA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL DE
PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR PRIVADO
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia, do Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas, da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), como requisito para
a obtenção do título de Doutor em Sociologia, sob
a orientação da Prof
a
Dr
a
LORENA HOLZMANN.
PORTO ALEGRE
2008
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PAULO SÉRGIO FERNANDES COGO
DEMISSÃO: UMA RUPTURA NA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL DE
PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR PRIVADO
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia, do Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas, da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), como requisito para
a obtenção do título de Doutor em Sociologia.
Tese aprovada em 24 de novembro de 2008.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
Profa. Dra. LORENA HOLZMANN
(Orientadora)
_________________________________________________________
Profa. Dra. ARABELA CAMPOS OLIVEN
(PPGEDU / UFRGS)
_________________________________________________________
Prof. Dr. EMIL ALBERT SOBOTTKA
(PUCRS)
_________________________________________________________
Prof. Dr. ENNO DAGOBERTO LIEDKE FILHO
(PPGS / UFRGS)
_________________________________________________________
Prof. Dr. JOSÉ CARLOS DOS ANJOS
(PPGS / UFRGS)
Aos meus pais, Avelino Ivo Cogo e Maria
Alice Fernandes Cogo, irmãos e sobrinhos,
pelo amor e confiança incondicionais.
AGRADECIMENTOS
- À Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pela oportunidade de
realização deste doutorado.
- Ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia, pelo curso realizado.
- À minha orientadora, Professora Doutora Lorena Holzmann, pelo acurado
trabalho de orientação.
- Aos demais professores deste Programa de Pós-Graduação em Sociologia,
pelos ensinamentos recebidos.
- À Assistente em Administração Regiane Juchen Machado Accorsi, pelo
auxílio administrativo prestado.
- Ao Centro Universitário Ritter dos Reis, pelo auxílio recebido.
- Ao Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul (SINPRO-RS), pelo
apoio recebido e colaboração prestada.
- Aos Professores que compuseram a amostra, pelos depoimentos prestados
que viabilizaram a pesquisa de campo.
- Ao amigo Vladimir Alves, pelo companheirismo, incentivo e reconhecimento
incondicionais ao longo de tantos anos de convivência e trocas.
- À Professora Maria Luiza Silveira Braghirolli, pelo apoio e contribuições
inestimáveis no decorrer desta Tese.
- Aos amigos Rosa Quitéria Calheiros de Novais, Márcia Kanashiro, Mauro
Luiz Pozatti, Rodolfo Thedy e Dona Maria Luiza Silveira Braghirolli, pelo carinho.
“Todos nós estamos, a contragosto, por
desígnio ou à revelia, em movimento.
Estamos em movimento mesmo que
fisicamente estejamos imóveis: a imobilidade
não é uma opção realista num mundo em
permanente mudança.”
Zygmunt Bauman
“Há um tempo em que é preciso abandonar as
roupas usadas, que têm a forma do nosso
corpo, e esquecer os nossos caminhos, que
nos levam sempre aos mesmos lugares. É o
tempo da travessia. E, se não ousarmos fazê-
la, teremos ficado, para sempre, à margem de
nós mesmos.”
Fernando Pessoa
COGO, P.S.F. Demissão: uma ruptura na trajetória profissional de
professores do ensino superior privado. 2008. 226f. Tese (Doutorado em
Sociologia). UFRGS, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Porto Alegre, 2008.
RESUMO
Essa tese reconstitui e analisa as trajetórias profissionais dos professores
universitários do ensino superior privado de Porto Alegre e Região Metropolitana
que passaram pela experiência da demissão nas suas carreiras acadêmicas. Trata-
se de um estudo explicativo cuja amostra, não probabilística intencional, é
constituída de 16 docentes que atuaram em instituições de ensino superior privado.
A análise dos dados mostra que: o desenvolvimento da carreira acadêmica
influencia de maneira positiva as trajetórias profissionais; a alta titulação, doutorado
ou mestrado, aliada ao tempo de experiência acadêmica, mostrou-se essencial
para o destino virtuoso das trajetórias profissionais dentro e fora do setor
acadêmico; os professores demitidos, com menor experiência e sem alternativas de
emprego ou trabalho, apresentaram destinos menos virtuosos que aqueles com
maior grau de empregabilidade; os processos demissionais são similares quanto à
forma e razões alegadas, predominando motivos econômicos e critérios políticos; a
busca da permanência nas instituições leva os docentes à formação de guetos
institucionais que são movidos por interesses políticos; redes de contatos
profissionais auxiliaram os professores demitidos a se reinserirem mais
rapidamente no mercado de trabalho; a família atuou como o principal suporte
afetivo, social e econômico. A análise dos dados sugere que a demissão nas
trajetórias profissionais dos professores ocasiona uma ruptura nos laços de
confiança e no significado da carreira acadêmica, influenciando a virtuosidade do
seu destino. Indica também que estas são impactadas por fatores,
predominantemente, de ordem conjuntural, estrutural e política e que a ação dos
docentes não é uma resposta suficiente às transformações e entraves que passam
a encontrar na sua atuação profissional.
Palavras-chave: Trajetórias profissionais. Carreira acadêmica. Demissão.
Instituições de ensino superior privado. Destinos profissionais.
COGO, P.S.F. Resignation: a break in professional trajectory of university
teachers of private higher education. 2008. 226p. Tese (Doutorado em
Sociologia). UFRGS, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Porto Alegre, 2008.
ABSTRACT
This thesis reconstructs and analyzes the professional trajectories of
university teachers of private higher education in Porto Alegre and the metropolitan
area that lived the demission experience on yours academic careers. It is an
explanatory study whose sample, no probabilistic and intentional, consists of 16
teachers who worked in private institutions of higher education. The data analysis
shows that: the development of the academic career of a positive influence the
professional trajectories; at high titration, doctoral or master's degree, combined
time of the academic experience, was essential for the fate of the virtuous path
professionals within and outside the industry academic, the teachers dismissed,
with less experience and no alternative employment or work, had less righteous
destinations for those with a higher degree of employability, resigned resemble the
processes are similar in shape and reasons, mainly economic reasons and political
criteria, the search for permanent teachers in institutions leads to the formation of
ghettos institutions that are driven by political interests, networks of professional
contacts helped the teachers dismissed to reintegrate more quickly in the labor
market, the family served as the main emotional, social and economic. Data
analysis suggests that the dismissal of teachers in professional trajectories cause a
rupture in ties of trust and the meaning of the academic career, influencing the
virtuosity of its destination. It also indicates that they are affected by factors,
primarily, of a conjunctural, structural and politic and that the action of teachers is
not a sufficient response to change and begin to find that barriers in their
professional performance.
Key words: Professional trajectories. Academic career. Resignation. Private higher
education instituions; Professional destinations.
COGO, P.S.F. Démission: Une atteinte à la trajectoire de formation des
enseignants de l’enseignement supérieur prive. 2008. 226p. Tese (Doutorado
em Sociologia). UFRGS, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Porto Alegre,
2008.
SUMÉ
Cette thèse reconstruit et analysent les trajectoires professionnelles des
professeurs d'université de l'enseignement supérieur privé à Porto Alegre et de la
région métropolitaine qui ont connu la démission de leur carrière universitaire. Il
s'agit d'une étude explicative dont l'échantillon, pas probabilistes et intentionnel, se
compose de 16 enseignants qui ont travaillé dans des établissements privés
d'enseignement supérieur. Les données montre que: le développement de la
carrière académique de l'influence positive des trajectoires professionnelles; à haute
titrage, de doctorat ou une maîtrise, le temps combiné de l'expérience universitaire,
a été essentiel pour le sort des professionnels de chemin vertueux à l'intérieur et en
dehors de l'industrie universitaires, les enseignants licenciés, avec moins
d'expérience et pas un autre emploi ou de travail, a moins bien les destinations pour
ceux qui ont un degré plus élevé de l'employabilité, a démissionné de ressembler à
eux-mêmes les processus dans la forme et les motifs, essentiellement des raisons
économiques et politiques, la recherche de professeurs permanents dans des
établissements conduit à la formation de ghettos institutions qui sont mus par des
intérêts politiques, des réseaux de contacts professionnels aidé les enseignants
licenciés à se réinsérer plus rapidement sur le marché du travail, la famille a servi
de principal affectif, social et économique. Data analysis suggère que le
licenciement des enseignants dans les trajectoires professionnelles provoquer une
rupture dans les liens de confiance et le sens de la carrière académique, qui influent
sur la virtuosité de sa destination. Il indique aussi qu'elles sont affectées par des
facteurs, principalement, d'une cycliques, structurels et politiques et que l'action des
enseignants n'est pas une réponse suffisante pour changer et commencer à trouver
que les obstacles à leur performance professionnelle
Mots clés: Trajectoires professionnelles. Carrière universitaire. Démission.
Institutions privées d‟enseignement supérieur. Destinations professionalles
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
Relação entre o número de matrículas nas instituições
públicas e privadas do ensino superior e o número de
funções docentes em exercício no Brasil, Região Sul e Rio
Grande do Sul (2006).....................................................................
59
Figura 2
Evolução da relação entre o número de matrículas nas
instituições públicas e privadas do ensino superior e o
número de funções docentes em exercício no Rio Grande do
Sul (1991-2006)..............................................................................
60
Figura 3
Relação entre o número de matrículas nas instituições de
ensino superior e o número de funções docentes em
exercício no Brasil, Região Sul e Rio Grande do Sul,
segundo a organização acadêmica (2006).................................
61
Figura 4
Participação dos professores do ensino privado do Rio
Grande do Sul, por área de atuação (2005).................................
62
Figura 5
Participação (%) dos professores do ensino privado do Rio
Grande do Sul, por faixa salarial ao mês (2005).........................
63
Figura 6
Distribuição dos professores do ensino superior do Rio
Grande do Sul, por gênero (2006)...............................................
64
LISTA DE QUADROS
Quadro 1
Distribuição geográfica do campi universitário das
instituições de ensino superior privado do Rio Grande do
Sul (2008)....................................................................................
46
Quadro 2
Valor médio da hora-aula dos professores universitários
praticados nas instituições do ensino superior privado do
Rio Grande do Sul (2008)..........................................................
63
Quadro 3
Efeitos da demissão nos demitidos mais citados na
literatura.....................................................................................
124
Quadro 4
Moderadores dos efeitos nos demitidos mais citados na
literatura.....................................................................................
126
Quadro 5
Perfil sócio-econômico da amostra pesquisada....................
135
Quadro 6
Perfil profissional da amostra pesquisada.............................
136
Quadro 7
Perfil acadêmico da amostra pesquisada no momento da
demissão....................................................................................
138
Quadro 8
Efeitos da demissão nas trajetórias profissionais.................
150
Quadro 9
Motivos alegados e percebidos no processo demissional
pelos docentes pesquisados....................................................
158
Quadro 10
Moderadores dos efeitos da demissão identificados nos
processos demissionais dos docentes pesquisados............
163
Quadro 11
Extensão dos efeitos da demissão identificados nos
processos demissionais dos docentes pesquisados............
172
Quadro 12
Significados dos efeitos da demissão identificados nos
processos demissionais dos docentes pesquisados............
177
Quadro 13
Destinos das trajetórias profissionais dos docentes
pesquisados...............................................................................
185
Quadro 14
Cenário das principais oportunidades do ambiente externo.
188
Quadro 15
Cenário das principais ameaças do ambiente externo..........
191
Quadro 16
Cenário dos principais pontos fortes do ambiente interno...
193
Quadro 17
Cenário dos principais pontos fracos do ambiente interno..
196
LISTA DE TABELAS
Número de instituições de ensino superior no Brasil, Região
Sul e Rio Grande do Sul, segundo a categoria administrativa
(2006)................................................................................................
41
Evolução do número de instituições de ensino superior, por
categoria administrativa no Brasil, Região Sul e Rio Grande
do Sul (1991, 1996, 2005, 2006)......................................................
42
Evolução do número e instituições de ensino superior, por
organização acadêmica no Brasil, Região Sul e Rio Grande do
Sul (1991, 1996, 2005 e 2006).........................................................
44
Número de instituições de ensino superior no Rio Grande do
Sul, por categoria administrativa, segundo a organização
acadêmica e a localização (2006)...................................................
45
Evolução do número de cursos de graduação presenciais nas
instituições de ensino superior do Brasil, Região Sul e Rio
Grande do Sul, públicas e privadas (2005-2006)..........................
48
Número de cursos de graduação presenciais nas instituições
de ensino superior no Rio Grande do Sul, por categoria
administrativa, segundo a organização acadêmica e a
localização (2006)............................................................................
49
Evolução do número de matrículas em cursos de graduação
presenciais nas instituições de ensino superior do Brasil,
Região Sul e Rio Grande do Sul, públicas e privadas (2005-
2006).................................................................................................
50
Número de matrículas em cursos e graduação presenciais
nas instituições de ensino superior no Rio Grande do Sul, por
categoria administrativa, segundo a organização acadêmica e
a localização (2006)........................................................................
51
Evolução do número de funções docentes (exercício e
afastados) em instituições de ensino superior do Brasil,
Região Sul e Rio Grande do Sul, públicas e privadas (2005-
2006).................................................................................................
52
Número de funções docentes (exercício e afastados) em
instituições de ensino superior do Brasil, Região Sul e Rio
Grande do Sul, públicas e privadas (2006)...................................
53
Número de funções docentes (exercício e afastados) em
instituições de ensino superior do Brasil, Região Sul e Rio
Grande do Sul, públicas e privadas, segundo a titulação
(2006)................................................................................................
54
Número de funções docentes (exercício e afastados) em
instituições de ensino superior no Rio Grande do Sul, por
categoria administrativa, segundo a organização e titulação
(2006)................................................................................................
55
Número de funções docentes (exercício e afastados) em
instituições de ensino superior do Brasil, Região Sul e Rio
Grande do Sul, públicas e privadas, segundo o regime de
trabalho (2006).................................................................................
57
Número de funções docentes (exercício e afastados) em
instituições de ensino superior no Rio Grande do Sul, por
categoria administrativa, segundo a organização e regime de
trabalho (2006).................................................................................
58
Instituições de ensino superior no Brasil e as relações entre
carreira institucional e titulação nos anos de 1992 e 2003.........
113
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CASTELLI Escola Superior de Hotelaria
CET Centro de Educação Tecnológica
CESF Centro de Ensino Superior Cenecista de Farroupilha
CESUCA Complexo de Ensino Superior de Cachoeirinha
EAD Ensino à Distância
ESPM Escola Superior de Propaganda e Marketing
EST Escola Superior de Teologia
FACCAT Faculdades de Taquara
FACCCA Faculdade Camaqüense de Ciências Contábeis e Administrativas
FACENP Faculdade Cenecista de Nova Petrópolis
FDA Faculdade Dom Alberto
FADISMA Faculdade de Direito de Santa Maria
FAE Faculdades Equipe
FAHOR Faculdade de Horizontina
FAFOPEE Faculdade de Formação de Professores Especialistas em Educação
FAPA Faculdades Porto-Alegrenses
FAPAS Faculdade Palotina
FAPLAN Faculdades Planalto
FARGS Faculdades Riograndenses
FAT Faculdades de Tecnologia
FEMA Fundação Educacional Machado de Assis
FEEVALE Centro Universitário Feevale
FEMARGS Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS
FFFCMPA Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre
FTEC Faculdades de Tecnologia
IBGEN Instituto Brasileiro de Gestão de Negócios
IES Instituições de Ensino Superior
IESA Instituto de Ensino Superior de Santo Ângelo
IESP Instituições de Ensino Superior Privado
IFES Instituições Federais de Ensino Superior
IFIBE Instituto de Filosofia Berthier
IMEC Instituto Metodista de Educação e Cultura
INESCO Instituto de Ensino Superior do Cone Sul S/C
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira
IPA Instituto Porto Alegre da Igreja Metodista
MEC Ministério da Educação e Cultura
PUCRS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SETREM Faculdade Três de Maio
SINAES Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior
SINPRO Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul
UCPEL Universidade Católica de Pelotas
UCS Universidade de Caxias do Sul
UFCSPA Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
UERGS Universidade Estadual do rio Grande do Sul
ULBRA Universidade Luterana do Brasil
UNICRUZ Universidade de Cruz Alta
UNIFIN União das Faculdades Integradas de Negócios
UNIFRA Centro Universitário Fransciscano
UNIJUÍ Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS
UNILASALLE Centro Universitário La Salle
UNIRITTER Centro Universitário Ritter dos Reis
UNISC Universidade de Santa Cruz do Sul
UNISINOS Universidade do Vale do Rio dos Sinos
UNIPAMPA Universidade Federal do Pampa
UNIVATES Centro Universitário Univates
UPF Universidade de Passo Fundo
URCAMP Universidade da Região da Campanha
URI Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................
16
1
METODOLOGIA......................................................................................
22
2
PROFESSOR UNIVERSITÁRIO NO ENSINO SUPERIOR PRIVADO...
30
2.1
NATUREZA DO TRABALHO DOCENTE................................................
30
2.2
REALIDADE DO TRABALHO DOCENTE...............................................
38
2.3
CENÁRIO DO TRABALHO DOCENTE NO BRASIL E NO RIO
GRANDE DO SUL...................................................................................
40
3
TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS..........................................................
66
4
CARREIRA..............................................................................................
87
4.1
CARREIRA ACADÊMICA NO BRASIL....................................................
99
5
DEMISSÃO NA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL....................................
117
6
DESTINOS DAS TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS...............................
129
7
TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS DOS DOCENTES DO ENSINO
SUPERIOR PRIVADO DE PORTO ALEGRE E REGIÃO
METROPOLITANA FRENTE À DEMISSÃO..........................................
134
7.1
TRABALHO DOCENTE E SEU CONTEXTO..........................................
139
7.2
EFEITOS DA DEMISSÃO.......................................................................
146
7.3
MODERADORES DOS EFEITOS DA DEMISSÃO.................................
162
7.4
EXTENSÃO E SIGNIFICADOS DOS EFEITOS DA DEMISSÃO............
170
7.5
DESTINOS DAS TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS...............................
184
CONCLUSÕES.................................................................................................
197
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................
210
16
INTRODUÇÃO
O atual contexto da educação universitária, tanto no Brasil quanto no Rio
Grande do Sul, aponta para um aumento do acesso das camadas menos
favorecidas da população ao ensino superior, especialmente na rede privada,
constituindo-se em um novo cenário. O crescimento do número de matrículas e da
oferta de cursos, em diferentes modalidades, sugere uma descentralização de
cursos e de instituições de ensino superior, que tendem a competir intensamente
pelo mesmo público-alvo, em especial no ensino privado.
O ensino superior privado, nesse novo contexto, busca atender aos
imperativos do mercado e manter um equilíbrio entre uma maior oferta de cursos e a
demanda crescente de alunos. A fim de atingir esse objetivo, tem minimizado, cada
vez mais, as formas de ingresso dos alunos que passaram a assumir uma dimensão
de cliente, tornando, muitas vezes, predatória a relação ensino-aprendizagem. O
professor do ensino privado, por sua vez, fica submetido à lógica das relações
capital-trabalho, na qual a maximização do lucro predomina. Nesse cenário
emergente, o ensino assume uma dimensão de mercadoria, ou seja, de um produto
a ser ofertado dentro de um mercado consumidor.
No Brasil, as dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos estudantes no
ensino superior, que têm origem na sua formação fundamental e média, limitam o
fazer pedagógico do professor, para o qual fica designada a tarefa de resgatar e
elaborar saberes mínimos necessários ao bom desempenho acadêmico. Nesse
contexto, a busca pela qualidade do ensino superior fica em segundo plano, uma
vez que passa a fazer parte do círculo vicioso das lacunas do sistema de educação
no Brasil.
Nesse contexto econômico em que o conhecimento, a ciência e a tecnologia
são tratados como mercadorias a serem apropriadas pelas grandes corporações
globalizadas, a universidade é cada vez mais pensada como parte dessa realidade.
A idéia de uma universidade organizada e gerida nos moldes empresariais, tratando
o ensino e a educação como mercadoria está cada vez mais presente no discurso e
17
nas práticas oficiais das políticas públicas de educação superior (SGUISSARDI,
2005).
A partir de 1994, no Brasil, inicia-se um processo significativo de redução de
recursos para o conjunto das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES),
desencadeando a retomada da expansão desse nível de ensino pela via das
instituições privadas, de uma forma muito mais aprofundada do que na década de
1970, sob a ditadura militar.
Verifica-se um acentuado crescimento de um modelo de instituição
universitária voltada para o mercado, em detrimento da instituição de pesquisa,
restrita a um pequeno número, que, com apoio do fundo público, foi consolidando a
pós-graduação. O processo de passagem de uma instituição autônoma para uma
instituição heterônoma, como demonstra Schugurenski (2002), adquire, no caso do
Brasil, características singulares, porque, com exceção das instituições estaduais
paulistas, as instituições públicas federais e municipais jamais gozaram de efetiva
autonomia administrativa e financeira.
A reorganização econômica atinge também o ensino e particularmente as
instituições privadas, onde a lógica do lucro se faz presente e o enxugamento é uma
extensão desta lógica. A crise financeira crescente das instituições universitárias
privadas tem reduzido a contratação de novos profissionais e restringido os
investimentos na adequada qualificação dos antigos. Verifica-se, também, a
progressiva adoção pelas reitorias de uma visão voltada ao mercado, consagrando a
idéia de que a atividade intelectual se mede pela produção acadêmica e na
multiplicação de turmas e disciplinas. Isso transforma os professores em meros
buscadores de resultados e ministrantes de aulas para classes cada vez mais
numerosas (SANTOS, 2000).
Os professores do ensino superior privado diferenciam-se dos do ensino
público em razão de que sua atuação ocorre em cenários econômicos instáveis
marcados pela intensificação dos conflitos entre capital e trabalho. As flutuações na
relação entre a oferta de cursos e a demanda de alunos nestas instituições
precarizam as condições de trabalho, agravando, ainda mais, essa situação. A
necessidade de ajustes a cada semestre no número de professores em relação ao
número de alunos, a fim de manter a lucratividade, reforça a instabilidade desses
cenários.
18
O ensino superior constitui-se por docentes que, na sua quase totalidade, não
possuem formação pedagógica universitária, mas qualificada formação profissional
em suas áreas específicas de conhecimento. Dessa forma, acompanhar as
demandas de mercado do ensino superior frente ao precário cenário derivado do
ensino médio, no que concerne ao aluno ingressante, constitui-se num grande
desafio a ser vencido pelas instituições de ensino superior.
O trabalho do professor universitário no ensino privado brasileiro insere-se
num contexto paradoxal entre a exigência de uma elevada qualificação e a
precariedade da identidade profissional da classe. Essa realidade contrapõe-se a
aspectos como baixo reconhecimento profissional, salários, benefícios e planos de
carreira incipientes, o aumento de profissionais no mercado de trabalho e a falta de
estabilidade na carreira.
Marcelo Garcia (1999) diz que falar da carreira docente é reconhecer que os
professores, do ponto de vista do aprender a ensinar, passam por diferentes etapas,
as quais representam exigências pessoais, profissionais, organizacionais,
contextuais e psicológicas, específicas e diferenciadas. Nesse sentido, a evolução
do ciclo vital do professor deve ser entendida em duas grandes dimensões
interdependentes: a pessoal e a organizacional (institucional).
Nono (2006) afirma que a formação de professores é um processo contínuo
que tem que ser adaptado às necessidades de cada momento da carreira
profissional. Ao estudar a formação de professores no início da carreira docente,
sugere que existe a necessidade do desenvolvimento de programas permanentes de
iniciação ao ensino, uma vez que nessa fase, grande parte dos docentes não possui
experiência de sala de aula e enfrenta dificuldades de adaptação a esse tipo de
trabalho.
Belei et al. (2006) destacam aspectos importantes da profissionalização dos
professores universitários no Brasil. A carreira docente do ensino superior
desenvolve-se em um cenário de deterioração salarial, desprestígio profissional e
precariedade da formação docente. Muitos profissionais liberais tentam passar suas
habilidades profissionais para a carreira de professor e esbarram nas limitações do
processo ensino-aprendizagem.
Ramos Júnior (1992) destaca, ainda, aspectos importantes geradores de
impactos negativos no trabalho do professor, tais como o acúmulo de
19
responsabilidades, o despreparo humanístico, vocacional e psicológico de muitos
docentes, a desproporção entre o número de docentes e o de estudantes, o
despreparo dos recursos humanos e a falta de pessoal técnico para suporte. O autor
destaca, ainda, a supervalorização da pós-graduação em detrimento da graduação,
repassando para o futuro aspectos importantes da formação profissional que tende a
ficar incompleta com a graduação.
Esse autor destaca as raízes históricas dos problemas atuais da ação docente
no ensino superior no Brasil. Ressalta a importância de uma pedagogia universitária
diferenciada que valorize todos os protagonistas do processo, privilegie a formação
do cidadão e a construção de competências. Alerta, também, para o surgimento de
um novo padrão exigido ao professor universitário baseado em demandas do
mercado que, além do mestrado e doutorado, passa pela necessidade de
conhecimentos psicológicos, além dos pedagógicos e curriculares.
Nesse contexto, segundo Wiener (2000), a estabilidade no emprego tornou-se
obsoleta e a academia deve submeter-se à lógica do mercado. Para atingir essa
finalidade, os administradores das instituições universitárias precisam obter a melhor
relação custo-benefício no emprego dos recursos educacionais, como, por exemplo,
a substituição de professores veteranos por docentes mais novos, com salários mais
baixos.
Segundo Sevcenko (2000), na atualidade, o que prevalece nas instituições
universitárias privadas é a adoção de um modelo de administração eficiente, capaz
de gerar seus próprios recursos estabelecendo nexos cada vez mais profundos com
o mercado. A eficácia do desempenho acadêmico passa a ser medida em termos de
sucessos estatísticos e de produtividade, todos conversíveis em valores de
marketing, no intuito de atingir novos investimentos, dotações e parcerias.
Um dos sintomas reveladores dessa nova realidade é a inclusão nas
avaliações de desempenho acadêmico do professor de indicadores relacionados a
atividades de caráter administrativo, configurando um novo espírito de racionalidade
gerencial, segundo o qual o docente ideal passa a ser uma mistura de cientista e
administrador, pois grande parte de seu tempo deve ser dedicado a preencher
relatórios, alimentar estatísticas, levantar verbas e promover visibilidade para si e
seu departamento.
20
É no campo da educação, segundo Gaulejac (2007), que a presença da
ideologia e das estratégias gerenciais é mais evidente. Transformar os alunos em
clientes do sistema educativo acelera a privatização do ensino, colocando-o como
um serviço prestado ao mundo econômico. Assim, o professor deve ser adaptável e
flexível a fim de integrar permanentemente as novas competências necessárias para
a evolução dos novos modos de produção exigidos pelo mercado.
Nesse cenário, inserido no contexto mais amplo da reorganização econômica
mundial, as instituições de ensino privadas são vistas como empresas que devem
operar sob a lógica do lucro, a fim de sobreviverem. Essa mudança tem precarizado
as condições de trabalho dos docentes e gerado demissões.
A ausência de estudos sociológicos sobre o tema gera um impacto positivo
sobre esta pesquisa. Avaliar mudanças nas trajetórias profissionais dos docentes
assume importância cada vez maior para o estudo da educação superior privada no
Brasil. A realidade mercadológica desse segmento de serviços traz uma realidade
adversa para o professor universitário que, muitas vezes, tem na demissão o maior
agente de ruptura da sua trajetória profissional.
As trajetórias profissionais dos professores universitários do ensino privado no
RS, objeto de estudo desse trabalho, constitui-se num conjunto seqüencial objetivo
de posições ocupadas pelos professores ao longo da carreira e por um conjunto de
identidades sociais formadas a partir dos processos biográficos particulares.
Observa-se, ainda, que o professor universitário do ensino privado pertence a
uma categoria de profissionais altamente qualificados que vivem numa situação de
insegurança frente à ameaça e à possibilidade efetiva de demissão e conseqüente
impacto sobre a sua trajetória profissional. O medo do desemprego, da redução do
salário e da perda das condições de vida torna-se, cada vez mais, presente e
ameaçador.
A demissão como fator de mudança de uma trajetória profissional traz novos
conhecimentos acerca de processos sociais pouco estudados e que o de grande
importância no entendimento do atual contexto do ensino superior privado, cuja
participação vem crescendo significativamente no Brasil e no RS. O processo de
demissão na carreira do professor constitui-se num marco divisório, gerando
impactos significativos na sua trajetória, promovendo mudanças expressivas na vida
profissional e pessoal.
21
O desencadeamento de ações subseqüentes ao impacto desse evento
conduz a estratégias de busca pela permanência no mercado de trabalho e escolhas
que se refletem nas ações que irão nortear a nova fase da trajetória profissional do
professor. Analisar as ações dos docentes frente a esse evento e os impactos no
destino das suas carreiras são aspectos relevantes que foram considerados neste
estudo.
Seu problema de pesquisa constitui-se na análise das trajetórias profissionais
dos professores universitários do ensino superior privado de Porto Alegre e Região
Metropolitana frente ao processo de demissão. Este evento provoca mudanças
objetivas e subjetivas no destino dessas trajetórias. Busca-se, com isso, explicar o
fenômeno sociológico emergente. O estudo também contribui para avaliar as
principais ameaças e desafios enfrentados pelos professores em relação a sua
carreira e ao mercado de trabalho.
A experiência da demissão na trajetória do professor universitário do ensino
superior privado demanda uma postura diferente sobre a carreira e a profissão
acadêmica. Nesse processo, tornam-se decisivos a existência ou não de um projeto
profissional e pessoal, seu nível de empregabilidade e as estratégias de inserção
profissional que são desenvolvidas para enfrentar a perda do emprego.
A experiência da demissão a alguns professores a dimensão da
vulnerabilidade das suas próprias trajetórias e acaba orientando-os a mudar a
direção que estavam dando às suas carreiras. Essa experiência informa sobre a
pertinência de continuar ou mudar de rumo, demandando iniciativa, pois,
geralmente, é percebido como um fracasso ou perda, diminuindo a sua auto-estima
e impactando as suas escolhas.
Entretanto, a mudança surge como conseqüência do processo de
aprendizagem vivenciado. Os cenários impostos pelo mercado, ao qual a trajetória
da carreira profissional está submetida, impõem uma série de condicionantes que
definem as características individuais da trajetória profissional subseqüente à
ruptura. A continuidade da trajetória, objetiva e subjetiva, associa-se a aspectos
sociológicos e mercadológicos que se destacam como forte demanda gerencial
tendo em vista os aspectos institucionais envolvidos.
22
O objetivo geral do trabalho foi estudar sociologicamente as trajetórias
profissionais dos professores universitários de instituições de ensino superior
privado em Porto Alegre e Região Metropolitana frente à demissão e seus efeitos.
Para atingir o objetivo geral, a pesquisa foi orientada para os seguintes
objetivos específicos:
Analisar as trajetórias profissionais acadêmicas de professores
universitários de instituições de ensino superior privado em Porto Alegre e região
metropolitana, antes e depois do evento da demissão;
Analisar a demissão e seus efeitos, bem como sua extensão e
significados, para professores universitários de instituições de ensino superior
privado em Porto Alegre e região metropolitana;
Identificar e analisar os tipos de moderadores dos efeitos da demissão de
professores universitários de instituições de ensino superior privado em Porto Alegre
e região metropolitana;
Analisar o processo de reconstrução da trajetória profissional dos
professores universitários de instituições de ensino superior privado em Porto Alegre
e Região Metropolitana;
Avaliar as oportunidades e ameaças, bem como os destinos profissionais
dos professores universitários de instituições de ensino superior privado em Porto
Alegre e Região Metropolitana, decorrentes das mudanças e impactos gerados pelo
evento da demissão.
1 METODOLOGIA
Este trabalho é um estudo qualitativo explicativo. A principal técnica
empregada na coleta de dados foi a realização de entrevistas em profundidade. Para
a análise e interpretação dos dados empíricos foram utilizados os métodos da
história oral e da análise de conteúdo. Buscando complementar a análise dos dados
coletados, foi realizada a análise de cenários SWOT que contribuiu para elucidar os
destinos das trajetórias profissionais dos docentes.
23
O método da história oral visou o estudo das histórias de vida dos
professores, a partir de seus depoimentos, a fim de reconstituir acontecimentos
recentes das suas trajetórias profissionais. A história de vida, que consiste num
conjunto organizado de depoimentos, foi a principal técnica da história oral utilizada
para se conhecer os processos sociais investigados, sob a ótica dos docentes que
estavam imersos nesses mesmos processos (VERGARA, 2005).
As trajetórias profissionais participaram do instrumental analítico utilizado,
assinalando o universo social do qual provieram e no qual se situavam os
professores. Ao mesmo tempo em que os entrevistados narraram as suas histórias
de vida, através das suas lembranças, reconstruíram os eventos que foram
ordenados a fim de conferir um sentido a essas vivências. Analisar as trajetórias
profissionais não significou elaborar as biografias dos entrevistados, mas entrar em
contato com as práticas e relações sociais destes, permitindo entender sua
mobilidade social e espacial.
Os relatos produzidos pelos depoimentos dos professores submetidos ao
trabalho de análise, trouxeram, ao mesmo tempo, a experiência direta dos
informantes, bem como o resultado do trabalho que a memória deles fez com essa
experiência, uma vez que além da identificação de fatos objetivos do fenômeno
pesquisado, recuperou parte do vivido a partir da percepção subjetiva dos próprios
docentes.
O conjunto de depoimentos possibilitou a obtenção de declarações sobre
acontecimentos dos quais os docentes tomaram parte ou testemunharam. Tratou-se,
ao mesmo tempo, de uma construção e de uma reconstrução que cada professor
elaborou a partir de uma realidade conhecida e vivenciada. Os depoimentos
permitiram o acesso a uma realidade demarcada pelas vivências pessoais de cada
entrevistado. Tal situação manifestou-se na seletividade das experiências e dos
espaços envolvidos nas lembranças narradas, que puderam ser interpretadas
relacionadas à trajetória objetiva dos mesmos.
Ao darem seus depoimentos, os professores entrevistados foram levados à
rememoração, passando a lembrar de acontecimentos, pessoas e fatos ligados a
sua carreira profissional, situados predominantemente no passado. Rememorar foi
um exercício que exigiu dos entrevistados a capacidade de ir e voltar no tempo, pois
cada lembrança ancorava-se sempre no presente. Desse modo, cada lembrança
24
trazida à tona pelos entrevistados associou-se a outra que foi reconstruída,
imprimindo um novo sentido a sua trajetória profissional.
A essência dos depoimentos consistiu de lembranças do passado
reconstruídas com a ajuda de dados do presente, na medida em que precisaram
desse tempo para serem projetadas e ancoradas na busca de um sentido. Também
jamais se apresentaram isoladas, pois eram de ordem relacional e envolveram
outras lembranças. Assim, apesar das memórias terem sido construídas a partir das
vivências individuais que os professores experimentaram no curso de suas
trajetórias, integram a memória coletiva desta categoria profissional (HALBWACHS,
1990).
Como método de interpretação dos dados coletados foi utilizado a análise de
conteúdo que consistiu na classificação de diferentes elementos segundo critérios
específicos, capazes de fazerem surgir um sentido e uma ordem no conjunto de
informações obtido, permitindo levantar inferências válidas a partir dos depoimentos.
Os discursos dos professores foram submetidos a uma análise temática,
operacionalizada pelo recorte das falas oriundas dos depoimentos e por
reagrupamentos, baseados em uma analogia semântica.
O processo de análise do material coletado seguiu os três passos da
metodologia proposta por Bardin (1979). A p-análise que foi a fase na qual foram
realizadas as transcrições das entrevistas gravadas e as leituras e explorações
gerais de todo o material coletado. Foi nessa etapa que surgiram os primeiros
julgamentos e as passagens significativas foram sublinhadas.
A partir deste momento o texto completo, composto por todas as entrevistas
realizadas, foi dividido em unidades de discurso centradas em temas dominantes.
Posteriormente a essa classificação foram determinadas as categorias da
análise de conteúdo. Palavras, frases ou parágrafos foram reunidos em razão de
caracteres comuns, sob uma titulação genérica. Buscando identificar as principais
relações existentes entre estas, procedeu-se ao agrupamento sucessivo das
categorias iniciais para criação das intermediárias e, destas, para as finais. Após
essa etapa, foram feitas as inferências a respeito dos significados dos temas de
cada uma das categorias (BARDIN, 1979).
Os discursos foram considerados, ao mesmo tempo, de forma individual e
coletiva, levando em consideração a complementaridade dos diferentes
25
depoimentos, bem como os aspectos diferenciadores do fenômeno estudado. A
análise e interpretação do conjunto de depoimentos, através dos métodos da história
oral e da análise de conteúdo, permitiram a reconstituição e a compreensão das
trajetórias e destinos profissionais dos docentes diante do fenômeno da demissão e
dos seus efeitos, bem como de seus moderadores, extensão e significados. Estas
foram as principais categorias de análise utilizadas nesta tese.
Foram realizadas 17 entrevistas, das quais 16 com professores do ensino
superior privado da cidade de Porto Alegre e da Região Metropolitana, e uma com a
psicóloga do SINPRO/RS, no período entre outubro de 2007 a maio de 2008. A
amostra foi constituída de professores oriundos dos principais tipos de instituições
de ensino superior (Universidades, Centros Universitários e Faculdades), de ambos
os sexos, com diferentes idades, estados civis, formações, áreas de atuação e
tempos de experiência acadêmica.
Neste estudo, compuseram a amostra professores que vivenciaram ao menos
um processo de demissão nos últimos quinze anos. Esse critério foi estabelecido a
fim de contemplar os possíveis impactos de fatores conjunturais nas trajetórias
profissionais dos docentes.
O tipo de amostra utilizada foi a não probabilística intencional (por tipicidade
ou julgamento). A amostragem permitiu a escolha dos casos que foram incluídos no
estudo e, assim, chegou-se a um grupo que atendeu as necessidades da pesquisa.
Foram escolhidos docentes representativos do perfil estabelecido. O número de
casos considerado suficiente para que a amostra representasse as características
do universo pesquisado ocorreu a partir da consistência dos dados, obtida pelo
conjunto significativo de informações similares ou num mesmo sentido.
Para obter essa amostra, foram utilizadas duas estratégias de pesquisa: a
intermediação da direção do SINPRO/RS na identificação e localização dos
professores que haviam sido demitidos, constituindo a maior parte dos
entrevistados; e a localização de docentes pelo próprio pesquisador, a partir de
contatos pessoais ou indicações de terceiros.
A mediação do primeiro contato com os docentes no SINPRO/RS, foi
realizada pela psicóloga do órgão. Por ocasião do trabalho de apoio psicológico
prestado aos professores demitidos, esta comunicava a existência da pesquisa e
consultava os docentes sobre a disposição de colaborar com o estudo. Com a
26
concordância dos mesmos, os contatos pessoais eram repassados ao pesquisador e
as entrevistas agendadas e realizadas.
Também foi realizada uma entrevista adicional com a psicóloga do
SINPRO/RS. Esta decisão ocorreu em virtude da singularidade do trabalho de apoio
emocional que esta realiza junto aos docentes demitidos. O ineditismo desse tipo de
ação sindical e as relevantes informações que essa profissional possui, devido a sua
experiência, contribuíram de forma significativa para ampliar a compreensão dos
diferentes aspectos envolvidos nos processos demissionais da categoria dos
professores universitários.
Cabe destacar que uma parte significativa dos docentes que fez parte da
amostra atuou ou ainda atua em cargos de gestão administrativa e acadêmica, tais
como direção e coordenação, o que permitiu captar e considerar a perspectiva da
gestão acadêmica e institucional na análise das trajetórias profissionais dos
entrevistados.
O número final de professores que compuseram a amostra foi definido a partir
dos critérios da saturação e consistência dos dados. Estes foram identificados por
dois indicadores: a congruência, que ocorreu no momento em que as informações,
oriundas dos depoimentos dos entrevistados, começaram a apresentar uma
crescente convergência, ou seja, estavam chegando aos mesmos resultados; e a
complementaridade, isto é, no momento em que as informações puderam ser
integradas sob uma mesma premissa teórica, possibilitando a obtenção de um
quadro mais completo do fenômeno investigado.
A análise dos depoimentos constituiu-se das seguintes etapas:
a) transcrição literal de todos os depoimentos constantes das entrevistas
realizadas;
b) realização de uma primeira leitura para a análise dos depoimentos dos
entrevistados;
c) delimitação dos principais temas desenvolvidos que conferiam uma relativa
unidade às narrativas individuais;
d) realização de novas leituras que demarcaram episódios, referências e
motivos delimitadores presentes nos depoimentos.
e) organização de cada depoimento e comparação entre eles.
27
f) definição das categorias de análise, a partir dos principais temas
enunciados pelos entrevistados, em relação ao problema de pesquisa e aos
objetivos do estudo;
g) identificação das particularidades, semelhanças e diferenças de cada
depoimento em relação às categorias de análise construídas.
Ao analisar o conjunto de depoimentos dos professores buscou-se identificar
referências comuns, tais como nomes, datas e eventos, por exemplo, que auxiliaram
na organização e no entendimento de temas para os quais convergiam muitas
narrativas. Alguns marcos cronológicos comuns serviram de base para delimitações
mais precisas de determinados episódios, o que possibilitou elaborar uma
compreensão mais abrangente da realidade pesquisada.
A citação de datas, locais, acontecimentos de domínio blico e
personalidades públicas presentes em muitos depoimentos permitiram uma análise
mais aprofundada das informações e a reconstrução dos contextos nos quais
transitaram os entrevistados durante suas trajetórias. Enfim, essas referências
auxiliaram a situar alguns episódios importantes e os próprios entrevistados em um
quadro mais amplo dos acontecimentos sociais, econômicos e políticos do país e do
mundo.
A fim de preservar a identidade dos professores entrevistados que
compuseram a amostra, bem como o nome das instituições de ensino superior
privado citadas por estes ao narrarem suas trajetórias profissionais, optou-se por
identificá-los genericamente por docente e as instituições pela sua sigla, ou seja,
IESP.
As trajetórias profissionais acadêmicas, depois de reconstruídas e analisadas,
através de seus ambientes internos e externos, permitiram que fossem identificadas
as estratégias adotadas que interferiram no destino profissional dos docentes. A
identificação de fatores internos (pontos fortes e fracos) e de fatores externos
(oportunidades e ameaças) constituiu um importante elemento de análise que
elucidou o posicionamento atual do professor frente a sua trajetória profissional
acadêmica.
Os ambientes interno e externo consistem no conjunto das circunstâncias ou
condições em que ocorrem as trajetórias profissionais dos professores e que
determinam suas ações. Incluem tudo o que afeta diretamente suas carreiras
28
profissionais, tais como as ameaças, desafios e oportunidades profissionais, bem
como suas estratégias para lidar com a realidade em que atuam.
Também inclui o ambiente social em que o professor vive e no qual foi
educado, bem como o conjunto das pessoas e instituições que com ele interagiram
ao longo da sua trajetória profissional. É a soma total das influências que afetam e
modificam o desenvolvimento da sua vida, da sua carreira e do seu caráter.
Refere-se igualmente ao ambiente de trabalho que consiste no conjunto das
condições sociais, organizacionais e psicológicas que afetam a atuação profissional
do professor. Inclui o ambiente físico em que ocorrem as relações de trabalho que é
o conjunto dos elementos do espaço físico de trabalho que afetam o bem-estar e a
eficiência dos seus ocupantes, incluindo as dimensões e arranjo dos espaços, a
organização, o layout, os móveis e outros objetos de uso, bem como a iluminação, a
ventilação, ruídos, etc.
Para realizar o objetivo proposto, utilizou-se a técnica de análise de cenários
SWOT que se insere no campo de análise de ambientes sociais e organizacionais,
internos e externos. Originária das ciências da administração, em que é comumente
empregada em processos de planejamento estratégico, para avaliação do
posicionamento da organização e de sua capacidade de competição num
determinado mercado, tem sido cada vez mais empregada no campo das ciências
sociais para identificar o posicionamento de diferentes atores sociais frente a
realidades em permanente mutação.
Esta análise de cenário se divide em ambiente interno (forças e fraquezas) e
ambiente externo (oportunidades e ameaças). As forças e fraquezas foram
determinadas pela posição do docente frente a sua trajetória profissional. as
oportunidades e ameaças estavam relacionadas a fatores externos. A matriz SWOT
possibilitou a construção de um diagnóstico situacional dos docentes que permitiu a
identificação das estratégias adotadas por estes frente à experiência da demissão.
A primeira etapa da análise SWOT consistiu em listar os pontos fortes e
fracos, bem como as oportunidades e as ameaças, segundo a percepção dos
entrevistados. A segunda etapa consistiu em ordenar os fatores citados para cada
dimensão analisada, do mais importante ao menos importante, a partir de uma
pontuação de zero a dez, dada pelos professores. O resultado foi a construção de
29
um cenário dos principais fatores que impactam a capacidade de ação dos
professores diante das principais pressões do ambiente externo.
Oportunidades e ameaças, assim como pontos fortes e fracos, não foram
consideradas em termos absolutos, pois, muitas vezes, eram enunciados com os
dois significados e, até mesmo, em seu sentido contrário, dependendo do docente e
das instituições envolvidas.
De acordo com Silveira (2001), a utilização da técnica SWOT justifica-se na
necessidade permanente de indivíduos e instituições disporem de análises sobre
seu posicionamento em ambientes cada vez mais turbulentos. As informações
obtidas por esse instrumento, ao mesmo tempo em que identificaram as diferentes
percepções dos professores sobre as suas trajetórias profissionais, apontaram as
principais ações que estes desenvolvem para continuar atuando na profissão
acadêmica.
Esta Tese está dividida em oito capítulos.
No Capítulo 1, são apresentados os principais aspectos relacionados aos
pressupostos que embasam este estudo, bem como a metodologia utilizada.
No Capítulo 2, abordam-se a natureza e a realidade do trabalho docente, bem
como o cenário do ensino superior privado no que se refere ao trabalho acadêmico e
os principais indicadores da educação superior no Brasil.
No Capítulo 3, por sua vez, aborda os pressupostos teóricos sobre as
trajetórias profissionais nas suas dimensões objetiva e subjetiva.
No Capítulo 4, são apresentados os aspectos relacionados à carreira,
destacando a carreira acadêmica no Brasil e seus indicadores de produtividade.
No Capítulo 5, abordam-se os principais fatores associados aos processos de
demissão.
No Capítulo 6, é tratada e discutida a temática dos destinos das trajetórias
profissionais.
No Capítulo 7, são apresentados e discutidos os resultados da análise das
trajetórias profissionais dos professores universitários do ensino superior privado,
pesquisados neste estudo.
No Capítulo 8, são apresentadas as conclusões da análise realizada neste
estudo.
30
2 TRABALHO DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO NO ENSINO SUPERIOR
PRIVADO
vários séculos, a atividade social de instruir vem-se constituindo numa
dimensão integrante da cultura da modernidade, sem falar de seus importantes
impactos sobre a economia e os demais aspectos da vida coletiva, sobretudo
políticos, tanto que o conceito moderno de cidadania é impensável sem o de
instrução. Dificilmente pode-se compreender o mundo social, no qual se vive hoje,
se não se reconhece que a grande maioria de seus membros são escolarizados em
diferentes graus e sob diferentes formas.
Deste ponto de vista, pode-se afirmar que o ensino, especialmente em
ambiente acadêmico, representa, da mesma forma que a pesquisa científica, o
trabalho, a tecnologia, a criação artística e a prática política, uma das esferas
fundamentais de ação nas sociedades contemporâneas. Traduz uma das dimensões
em que o social, através de seus atores, seus movimentos sociais, suas políticas e
suas organizações, volta-se reflexivamente a si mesmo para assumir-se como objeto
de atividades, projetos de ação e, finalmente, de transformações.
Neste trabalho utiliza-se a expressão docência universitária compreendida
como uma forma particular de trabalho sobre o humano, ou seja, uma atividade em
que o trabalhador se dedica ao seu objeto de trabalho, que é justamente um outro
ser humano, no modo fundamental da interação humana.
2.1 NATUREZA DO TRABALHO DOCENTE
De acordo com Tardif (2005), a importância do trabalho sobre a matéria
inerte, como, por exemplo, matérias-primas, produtos derivados, artefatos técnicos,
utensílios, máquinas e dispositivos materiais, e a matéria viva, tais como animais e
vegetais, é considerável, já que ele está na base das sociedades industriais
31
modernas. Nessas sociedades, até um passado recente, o trabalho material foi
considerado o arquétipo do trabalho humano, definido de acordo com as orientações
teóricas, como práxis ou atividade produtiva. Tanto os marxistas como os
funcionalistas e os liberais, passando pelos psicólogos, os engenheiros do trabalho e
os ergônomos, construíram os modelos teóricos do trabalho a partir da esfera das
atividades humanas sobre a matéria e sobre os artefatos técnicos.
Segundo as abordagens marxistas e as abordagens críticas a sociologia do
trabalho tentou definir a identidade e a ação dos atores sociais pelo status que estes
gozavam no sistema produtivo de bens materiais, caracterizado por critérios como a
modernização, a divisão do trabalho, a especialização, a racionalização, entre
outros. Era, portanto, o fato de estar envolvido por relações sociais de produção que
definia o trabalhador e, mais que isso, o cidadão.
Essas relações sociais de produção eram vistas como o centro da sociedade,
e o trabalho produtivo, como o setor social mais essencial, aquele pelo qual se
garantiam, ao mesmo tempo, a produção econômica da sociedade e seu
desenvolvimento material. Na verdade, é ainda a mesma visão que está por trás,
hoje, das ideologias desenvolvimentistas e neoliberais.
De acordo com Touraine (1998), esses modelos clássicos de trabalho
procedem substancialmente dos seguintes postulados: o trabalho industrial produtor
de bens materiais é o paradigma do trabalho; esse paradigma estende sua
hegemonia teórica e prática às demais atividades humanas; os agentes sociais se
definem por suas posições no sistema produtivo; as posições centrais são ocupadas
pelos detentores (capitalistas) e os produtores (operários) de riquezas materiais.
Esses postulados, ao mesmo tempo em que refletem as idéias dos teóricos,
sociólogos e economistas, estão de acordo com a ideologia dominante na sociedade
industrial e com o ethos calvinista analisado por Weber (1967) em A ética
protestante e o espírito do capitalismo. A ética protestante é uma ética religiosa que
enfatiza o comportamento rigorosamente controlado, o planejamento metódico, o
trabalho árduo, a abnegação, a dedicação à vocação e o sucesso, promovendo um
estilo de vida que ajudaram a criar um ambiente cultural que legitimou e promoveu
todos os tipos de práticas e valores que permitiram ao capitalismo florescer.
Essa ética remete a uma moral do trabalho que reaparece no modelo fordista
de produção, no qual o trabalhador é definido como um ser do dever, em referência
32
ao trabalho produtor de bens materiais. Assim, a realização do indivíduo consiste em
encontrar seu lugar na sociedade através da incorporação de uma função e de
papéis precisos ligados ao trabalho. Esse ethos tornou-se um modelo de produção,
baseado em inovações técnicas e organizacionais que se articulam tendo em vista a
produção e o consumo em massa.
Nos anos 70, ocorreram mudanças importantes nas formas de produção
fordista devido a pressões competitivas, causadas, principalmente, pela
concorrência japonesa. Novas formas de produção passaram a ser difundidas e
implantadas em um contexto de intensificação dos processos de inovação
tecnológica, com a utilização de tecnologias de base microeletrônica, e de
competição em nível global.
Tais mudanças representaram, ao mesmo tempo, uma ruptura e uma
continuidade em relação ao modelo fordista, e produziram um novo ethos onde o
trabalhador deve ser mais qualificado, flexível e envolvido com a produção. A
introdução de novas tecnologias, flexibilidade dos processos e dos mercados de
trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo, entretanto, não rompeu com os
princípios básicos do fordismo, uma vez que permaneceu o monopólio gerencial em
termos do controle do processo.
O novo paradigma de organização e gestão do trabalho, organizado em torno
das tecnologias da informação e baseado na flexibilidade dos processos possibilitou
o surgimento de modos sutis de controle associados à noção de trabalho imaterial.
O trabalho imaterial, no modelo de acumulação flexível, mobiliza aspectos das
relações intelectuais e afetivas dos trabalhadores. Embora também produza bens e
produtos de consumo, é assim considerado por produzir bens imateriais, tais como
informação, necessidades, valores, cuidado, conforto, tranqüilidade, sentimentos de
bem-estar e interação humana. Estes novos modelos de gestão demandam aos
trabalhadores uma mobilização subjetiva sem precedentes (LAZZARATO e NEGRI,
2001).
Para Lazzarato e Negri (2001) o trabalho imaterial encontra-se na interface
desta nova relação de produção e consumo, passando a ativar e a organizar essas
novas relações. Entende-se por trabalho imaterial o conjunto de atividades
corporais, intelectuais, criativas, afetivas e comunicativas inerentes ao trabalhador,
atualmente valorizadas e demandadas como condição indispensável à produção. Do
33
trabalho imaterial resultam, além de produtos materiais, produtos intangíveis como
sentimentos de confiança, segurança e conforto aos clientes numa nova relação
produção e consumo, em que o trabalho precisa ser reorganizado a fim de dar conta
da idéia de que trabalhar consiste em criar um serviço para um destinatário
específico.
De acordo com Lazzarato e Negri (2001), o trabalho imaterial é visto como o
mais adequado para dar conta das dimensões contemporâneas do trabalho.
Caracteriza uma nova relação entre produção e consumo, anunciando liberdades
ampliadas através da diminuição da alienação do trabalho, das barreiras e dos
meios de confinamento. Passa a solicitar novas características como iniciativa,
cooperação, domínio do processo, tomada de decisão, envolvimento afetivo e
mobilidade.
Ao mesmo tempo, cria novas formas de controle e servidão no trabalho que
trazem conseqüências perversas como a desvalorização profissional decorrente da
lógica organizacional dos atuais modelos de gestão Trata-se de mobilizar a
inteligência dos trabalhadores visando responder às exigências de flexibilidade,
qualidade e inovação. Entre os principais meios utilizados para o controle
encontram-se a integração de tarefas de concepção e execução, a auto-organização
e o autocontrole.
A atual valorização do trabalho imaterial decorre de dois aspectos: o
abandono dos rígidos padrões de organização e controle do modelo de produção
fordista aliado às possibilidades oriundas das novas tecnologias da informação e
comunicação; e a instalação de modos sutis de controle, visíveis nos processos de
reestruturação produtiva e de gestão do trabalho.
Estes novos aspectos intensificam o tempo de trabalho e moldam a
subjetividade, uma vez que a organização do trabalho empenha-se em maximizar
não a força física, mas também a criatividade. As capacidades de iniciativa e de
decisão, bem como a mobilização pessoal na tarefa e nas relações passam a ser
cada vez mais valorizadas e exigidas como um dos fatores de competitividade para
as empresas na nova relação que se estabelece entre produção e consumo.
Nesse novo contexto do trabalho, Tardif (2005) questiona qual é o lugar da
docência e qual o significado do trabalho dos professores em relação a esses
34
postulados e ao ethos que eles impõem. Para o autor, freqüentemente, o ensino é
visto como uma ocupação secundária ou periférica, muitas vezes invisível.
A docência e seus agentes ficam subordinados à esfera da produção, porque
sua missão primeira é preparar os filhos dos trabalhadores para o mercado de
trabalho. O tempo de aprender é considerado como não tendo valor em si mesmo,
uma vez que é tratado apenas como uma etapa de preparação para o trabalho
produtivo. A educação, nessa perspectiva, é vista como dispendiosa, improdutiva e
reprodutiva.
A sociologia da educação, em relação a esse aspecto, adotando as ideologias
sociais, interiorizou essas representações trazendo essas categorias para dentro do
campo de análise do ensino. Desse modo, os agentes escolares têm sido vistos
como trabalhadores improdutivos (BRAVERMAN, 1976; HARRIS, 1982), seja como
agentes de reprodução da força de trabalho necessária à manutenção e ao
desenvolvimento do capitalismo (BOWLES e GINTIS, 1977), seja como agentes de
reprodução sociocultural (BOURDIEU e PASSERON, 1970).
Apesar de a docência ser uma das mais antigas ocupações modernas, tão
antiga quanto a medicina e o direito, ainda hoje é interpretada por muitos como uma
profissão invisível. Porém, quando se situa dentro da organização socioeconômica
do trabalho e nas transformações do mundo do trabalho contemporâneo, ela
representa atualmente um setor estratégico sob todos os pontos de vista.
Longe de serem grupos economicamente marginais, profissões periféricas ou
secundárias em relação à economia da produção material, os agentes escolares
constituem hoje, em razão de seu grande número e de seu papel, uma das
principais peças da economia das sociedades modernas avançadas. Nessas
sociedades, a educação representa, assim como os sistemas de saúde, a principal
carga orçamentária dos estados nacionais. Portanto, não é possível entender as
transformações socioeconômicas atuais sem considerar diretamente os fenômenos
relacionados ao mundo do trabalho docente.
O impacto do ensino sobre a sociedade não se limita a variáveis econômicas,
na medida em que a educação, em todos os seus níveis, encontra-se no centro do
processo de desenvolvimento das funções sociotécnicas, como também na
construção dos conhecimentos e competências dos membros da sociedade. A
importância econômica do ensino caminha a par de sua centralidade política e
35
cultural. O ensino no contexto escolar representa quase quatro séculos o modo
dominante de socialização e de formação nas sociedades modernas.
A partir dos séculos XVI e XVII, juntamente com a emergência de novas
formas de poder do estado, com a industrialização e a urbanização, o ensino em
ambiente escolar impõe-se como uma nova prática social institucionalizada que irá
substituir progressivamente as outras formas de socialização e de educação
(tradicionais, familiares, locais, comunitárias, informais). Constata-se que esse modo
de socialização e formação continua a se expandir, ultrapassando até mesmo a
instituição que lhe serviu historicamente de suporte, ou seja, a escola.
Assim, a escolarização supõe, historicamente, o desenvolvimento e a
institucionalização de um novo campo de trabalho que é a docência, no qual os
modos de socialização primária e de educação anteriores são remodelados,
abolidos, adaptados ou transformados em função dos dispositivos do trabalho dos
professores. Neste sentido, as interações cotidianas entre professores e alunos
constituem o fundamento das relações sociais na escola, uma vez que essas
relações são, antes de tudo, relações de trabalho. A docência consiste nas relações
entre os trabalhadores da educação e seu objeto de trabalho que são os alunos.
Contudo, o estudo do trabalho docente entendido como um trabalho singular
continua negligenciado. As instituições universitárias e suas transformações no
mundo do trabalho contemporâneo, enquanto organizações do trabalho,
normalmente, servem apenas como referências implícitas ou parciais dentro da
discussão acadêmica sobre o trabalho docente de nível universitário.
A desconsideração de fatores como o tempo de trabalho dos professores, o
mero de alunos, as condições de trabalho e de salário, os recursos disponíveis, a
relação com os colegas de trabalho, com os demais agentes escolares, o controle
da administração, a burocracia, a divisão e a especialização do trabalho, todas
diretamente relacionadas à organização e gestão do trabalho docente, fazem com
que o foco das atenções se centre mais em questões relacionadas ao processo de
ensino e aprendizagem do que ao trabalho específico do professor e suas ameaças
e desafios dentro de um mercado de trabalho cada vez mais competitivo.
As instituições universitárias são organizações do trabalho compostas por
grupos de agentes escolares, especialmente por docentes qualificados, que são
impactados pelos mais variados tipos de pressões oriundas de uma realidade
36
socioeconômica permeada de problemas. Para que possam sobreviver necessitam
que seus professores se qualifiquem permanentemente, a fim de que esses,
servindo-se de diversos conhecimentos e habilidades profissionais e apoiando-se
em uma gama abrangente de recursos materiais e simbólicos, cumpram tarefas
cada vez mais complexas, realizadas em função de obrigações e objetivos impostos
pelas instituições em que atuam.
A organização do trabalho universitário tem sido concebida e relacionada,
tanto nos seus diferentes tipos quanto no seu conteúdo, aos modelos
organizacionais do trabalho produtivo e à regulamentação dos comportamentos e
atitudes que sustentam a racionalização das sociedades modernas. Dessa forma,
ela constitui-se em uma organização central da sociedade industrial e dos estados-
nação (COMPÈRE, 1997; FOUCAULT, 1975; HAMILTON, 1989; VINCENTE, 1980;
1994).
A instituição universitária contemporânea reproduz, no plano de sua
organização e gestão, um grande número de características oriundas do mundo
industrial e militar. Trata uma grande massa de indivíduos de acordo com padrões
uniformes por um longo período de tempo, a fim de obter e reproduzir resultados
semelhantes. Submete professores e alunos a regras impessoais, gerais e
abstratas, fixadas por leis e regulamentos. Estabelece um sistema de vigilância, de
punições e recompensas que não se limita aos conteúdos de aprendizagem, mas
que busca controlar comportamentos, posturas corporais, formas de expressão e de
se relacionar.
Dentro das instituições acadêmicas, o trabalho docente, ou seja, o conjunto
de tarefas cumpridas pelos professores, é normalmente padronizado, dividido,
planificado e controlado. Os docentes encontram-se integrados a uma estrutura
celular do trabalho (LORTIE, 1975) sobre a qual se sobrepõe uma burocracia
impositiva (JOHNSON, 1990).
Contribuem para essa realidade, a incorporação de tarefas administrativas
que não possuem uma relação direta com o fazer do professor, a burocracia
institucional e a obrigatoriedade do cumprimento de um grande número de controles
para a realização das tarefas, em virtude do crescimento da informatização do
trabalho acadêmico.
37
Nesse sentido, como analisam Darling-Hammond e Sclan (1996) e
Hargreaves (1994), a evolução do ensino é caracterizada, sobretudo no Canadá,
nos Estados Unidos, no Brasil e na Grã-Bretanha, pela introdução de controles
burocráticos na gestão do trabalho docente. Os responsáveis por essa gestão
adotam uma atitude prescritiva quanto às tarefas e aos conteúdos escolares,
introduzindo permanentemente medidas de eficiência e controles autoritários do
tempo escolar.
Os dirigentes dos estabelecimentos de ensino, pressionados por contextos
conjunturais instáveis, passam cada vez mais a tratar o ensino superior como um
investimento que deve ser rentável. Essa realidade reflete-se no crescimento da
racionalização das organizações universitárias, gerando enxugamentos substanciais
nos orçamentos e adoção de programas de reestruturação organizacional que
acarretam, normalmente, demissões. Essas iniciativas visam a aumentar a eficácia e
a flexibilidade organizacionais, através de práticas e normas de gestão e
organização do trabalho provenientes do ambiente industrial e administrativo.
A introdução de novas tecnologias da informação e da comunicação nas
instituições universitárias (Internet, multimídias, computadores) tem levado à
implantação de novos modelos de trabalho acadêmico, tais como o ensino à
distância, sem, ainda, ter avaliado, de forma consistente, seus impactos sobre o
fazer do professor, bem como em relação à aprendizagem dos alunos.
O mesmo acontece com as novas abordagens, metodologias e formas de
organização do trabalho acadêmico, baseadas em valores como flexibilidade,
competência, qualidade, eficácia e busca de resultados, que estão sendo
implantados de forma crescente nas instituições acadêmicas, e que também provêm
do contexto do trabalho industrial e, mais amplamente, das organizações
empresariais.
Dessa forma, buscar compreender a natureza e a realidade do trabalho
docente de nível superior no contexto dos atuais modelos de organização e gestão
do trabalho universitário que condicionam esse fazer, torna-se fundamental para
analisar as trajetórias profissionais desse ator social.
38
2.2 REALIDADE DO TRABALHO DOCENTE
Segundo Wiener (2000), no mundo acadêmico privado contemporâneo no
Brasil, a estabilidade no emprego tornou-se obsoleta, uma vez que a academia está,
cada vez mais, submetendo-se à lógica do mercado. Os administradores das
instituições universitárias, ao buscarem flexibilidade, buscam também o menor
custo/benefício para o emprego de recursos educacionais, utilizando estratégias,
como, por exemplo, substituir professores veteranos por professores novos,
pagando salários mais baixos.
O autor, analisando a realidade do ensino superior privado nos EUA,
constatou que a alternativa à estabilidade tem sido a formalização de contratos por
prazo limitado, com duração de três a cinco anos, sem promessa de renovação, ou
ainda, para trabalho sem prazo definido, de sênior, sob indicações anuais, enquanto
o gestor estiver satisfeito com o educador. Outra forma encontrada pelas
universidades americanas é a contratação de professores em tempo parcial, uma
vez que esses o gozam dos benefícios concedidos aos estáveis em tempo
integral, ainda considerando que somente um quarto dos professores das
universidades americanas é estável.
Nas instituições universitárias privadas brasileiras, a realidade da
flexibilização tem emergido através da crescente adoção de modelos de gestão e
organização do trabalho oriundos da administração empresarial que buscam
eficiência e capacidade de geração de recursos próprios, estabelecendo nexos e
uma dependência cada vez maior com o mercado e com os avanços tecnológicos.
A busca da eficácia do desempenho tem sido a medida mais utilizada na
avaliação da carreira profissional acadêmica. Um dos sintomas reveladores desse
novo quadro é a freqüência com que a avaliação do desempenho acadêmico
incorpora indicadores que buscam mensurar o envolvimento do docente em
atividades administrativas.
Para Sevcenko (2000), essa perspectiva acaba enquadrando os professores
em uma nova lógica de racionalidade gerencial que busca resultados e envolvimento
permanente. O professor ideal, nessa perspectiva, passa a ser uma mistura de
pesquisador e gestor, dedicando grande parte de seu tempo a preencher relatórios,
39
alimentar estatísticas, captar verbas através de projetos e cursos, além de promover
visibilidade para si e seu departamento. O campus, nesse novo contexto, vai se
configurando num imenso cenário de trocas e parcerias com o setor empresarial e o
gerenciamento dos meios acaba se tornando um fim nas instituições universitárias.
De acordo com Santos (2000), com o salário que recebe hoje nas instituições
universitárias privadas, mesmo trabalhando em regime de tempo integral, o
professor não tem mais condições de exercer a sua função com dignidade e
competência. Falta-lhe dinheiro para comprar livros e recursos tecnológicos e tempo
para acompanhar a discussão cultural e artística e se informar das transformações
que afetam toda a produção de conhecimento. Na busca de adaptação a esta
realidade o professor é levado a buscar alternativas de trabalho em troca de
sobrevivência ou complementação de renda. A proletarização do trabalho docente
manifesta-se no desgaste físico, no aumento dos níveis de estresse e no
envelhecimento precoce de muitos docentes.
Segundo Lima (2000), o apoio à pesquisa nas instituições universitárias
privadas praticamente inexiste e, quando existe, caracteriza-se muito mais pelo
acúmulo de obrigações burocráticas do que por verbas para conservação e
atualização das bibliotecas, para publicação de revistas de periodicidade constante e
para o contato com colegas nacionais e estrangeiros.
De acordo com Chauí (1999) as avaliações têm sido utilizadas como forma de
controle, definindo se o professor é produtivo ou improdutivo. A produtividade
passou a ser medida pelo número de publicações, pelo número de orientandos,
especialmente na pós-graduação e pelo número de cursos de extensão oferecidos
que podem captar recursos ou alunos Essa classificação acaba determinando a
distribuição de bolsas, de aulios para colóquios, congressos e publicações, e para
questões de infra-estrutura de pesquisa.
Dejours (1999), ao criticar as formas modernas de avaliação, afirma que
essas só trazem maior sofrimento no trabalho, uma vez que o objetivo oculto delas é
provocar medo nos professores. Hoje, frente ao risco do desemprego, os principais
elementos estruturantes do trabalho passaram a ser o medo, a ameaça das
demissões e da precarização das condições de trabalho. A essas ameaças
combina-se a insegurança de não conseguir manter o desempenho e alcançar os
40
objetivos, o ritmo do trabalho e de não ser capaz de acompanhar as mudanças
tecnológicas e de cenário.
No caso do ensino superior privado no Brasil e no Estado do Rio Grande do
Sul, o aumento da competição entre as instituições universitárias privadas, resultado
do crescimento do número dessas instituições de todos os tipos, demonstrado pelos
dados das fontes oficiais de pesquisa sobre a educação universitária no país
(constantes da seção seguinte), gerou um clima de insegurança permanente,
aumentando a percepção das ameaças por parte dos professores universitários.
2.3 CENÁRIO DO TRABALHO DOCENTE NO BRASIL E NO RIO GRANDE DO
SUL
O ensino superior no Brasil, segundo os últimos dados oficiais do Censo da
Educação Superior 2006, conta com 2.270 instituições de ensino superior (IES), das
quais 2.022 (89,1%) são privadas, a maior parte delas particulares (69,8%). Entre as
públicas, a maioria são instituições federais com 4,6% do total nacional (INEP,
2008).
No Rio Grande do Sul, predominam as IES privadas com 90,2% do total, das
quais 49,0% são particulares. No caso das IES públicas (9,8%), a maior parte é
Federal (8,8%), com apenas uma Estadual, representando 1% do total das
instituições do Estado (Tabela 1).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN n
0
9.394/96)
define Instituições de Educação Superior (IES) como sendo aquelas que ministram
educação superior, tais como universidades, faculdades, escolas, institutos, etc.
Segundo as categorias administrativas elas podem ser públicas e privadas.
As instituições públicas podem ser federais, estaduais e municipais, sendo
que as municipais integram o sistema estadual de educação. No caso das
instituições privadas, estas podem ser particulares, com fins lucrativos, ou
comunitárias, confessionais ou filantrópicas, sem fins lucrativos.
41
Tabela 1 - Número de instituições de ensino superior no Brasil, Região Sul e
Rio Grande do Sul, segundo a categoria administrativa (2006)
IES
BRASIL
SUL
RS
Categoria
n
o
%
n
o
%
n
o
%
Pública
248
10,9
40
10,3
10
9,8
Federal
105
4,6
14
3,6
9
8,8
Estadual
83
3,7
19
4,9
1
1,0
Municipal
60
2,6
7
1,8
-
-
Privada
2.022
89,1
347
89,7
92
90,2
Particular
1.583
69,8
260
67,2
50
49,0
Comunitária,
Confessional
Filantrópica
439
19,3
87
22,5
42
41,2
Total
2.270
100,00
387
100,0
102
100,0
Fonte: INEP (2008).
No Rio Grande do Sul, duas novas Universidades Públicas foram criadas a
partir dessa data: a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e
(UFCSPA), a partir da Fundação Faculdade Federal de Ciências da Saúde de Porto
Alegre, e a Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), criada a partir de
instituições existentes, com unidades sediadas nos municípios de Bagé,
Jaguarão, São Gabriel, Santana do Livramento, Uruguaiana, Alegrete, São Borja,
Itaqui, Caçapava do Sul e Dom Pedrito (BARRYERO, 2008).
A Tabela 2 apresenta a evolução do número de IES, segundo a categoria
administrativa. Pode-se verificar que havia uma desaceleração do crescimento do
sistema educacional superior no período entre 1991 e 1996, anterior ao surgimento
da LDBEN. Os dados mostram que houve um significativo crescimento do número
de IES nos 10 últimos anos, com a superioridade da rede privada. No que se refere
ao crescimento das IES no Rio Grande do Sul, observa-se que o número de
instituições privadas cresceu 148,6% no período entre 1996 e 2006 e no Brasil e na
Região Sul cresceu 184,4% e 328,4%, respectivamente, no mesmo período. Deve-
se considerar que até o ano de 1996, as instituições privadas comunitárias estavam
classificadas na categoria particular (MOROSINI E ROSSATO, 2006; INEP, 2007 e
2008).
42
Tabela 2 - Evolução do número de instituições de ensino superior, por
categoria administrativa no Brasil, Região Sul e Rio Grande do Sul
(1991, 1996, 2005, 2006)
IES
BRASIL
SUL
RS
Pública
Privada
Pública
Privada
Pública
Privada
Número
1991
222
671
44
87
5
44
1996
211
711
41
81
6
37
2005
231
1.934
39
331
10
89
2006
248
2.022
40
347
10
92
Variação no Período (Δ%)
1991/1996
-4,9
6,0
-6,8
-6,9
20,0
-15,9
2005/2006
7,4
4,6
2,6
4,8
0,0
3,4
1996/2006
17,5
184,4
-2,4
328,4
66,7
148,6
Fonte: Morosini e Rossato, (2006); Barreyro, (2008); INEP (2007, 2008).
No período de 1996 a 2006, o número de IES públicas cresceu 66,7%, sendo
que entre 2005 e 2006 o crescimento de IESPs foi de 3,4%. Em 1996, eram, ao
todo, 43 IES no Estado do RS e, em 2006, passaram a 102 IES, representando um
crescimento de 137,2% (MOROSINI e ROSSATO, 2006; INEP, 2007, 2008).
Conforme a LDBEN, as instituições de ensino superior são classificadas em
cinco tipos distintos. As Universidades são instituições pluridisciplinares de ensino,
pesquisa e extensão caracterizadas por terem produção intelectual institucionalizada
e das quais se requer um terço do corpo docente com titulação de mestrado ou
doutorado; um terço do corpo docente com regime de trabalho de tempo integral;
autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e
submetem-se ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Os Centros Universitários são instituições superiores pluricurriculares e com
autonomia para criar, organizar, extinguir em sua sede, cursos e programas de
educação superior, assim como ampliar e remanejar vagas nos cursos existentes. É
vedada a criação de cursos fora da sua sede. Estes são criados por credenciamento
de IES legitimadas e em funcionamento regular, com qualidade comprovada em
avaliações coordenadas pelo MEC.
43
As Faculdades Integradas são instituições de ensino superior com mais de
uma área de conhecimento para atuarem em regimento comum e comando
unificado. A criação de cursos superiores depende de autorização prévia do poder
executivo.
As Faculdades, as Escolas e os Institutos são alternativas institucionais para
a formação de professores de educação básica. Entre as atribuições dos Institutos
Superiores de Educação (ISEs) estão a formação de profissionais para a educação
básica, incluindo o normal; programas de formação pedagógica para diplomados na
educação superior que queiram se dedicar à educação básica e programas de
educação continuada para profissionais da educação de diferentes níveis. São
organizados como institutos superiores ou no interior de faculdades integradas de
escolas superiores, ou, ainda, como unidades de uma Universidade ou de um
Centro Universitário. Não contemplam atividades de pesquisa e extensão.
Os Centros de Educação Tecnológica e Faculdades de Tecnologia, também
conhecidos por CEFETs, são autarquias federais que oferecem cursos de nível
básico, técnico e tecnológico de ensino médio e formação pedagógica em nível
superior para professores e especialistas. Nestes centros, são oferecidos cursos de
licenciatura em física, química, biologia, matemática, geografia e informática.
Também ofertam cursos superiores de tecnologia para atender às demandas do
setor produtivo e podem ter estrutura modular.
Na Tabela 3 é apresentada a evolução do número de IES por organização
acadêmica. Verifica-se que no último ano o crescimento do número de IES está
focado especialmente, nos Centros Universitários e nos Centros de Educação
Tecnológica (CETs) e Faculdades de Tecnologia (FATs) em todo o território
nacional, na Região Sul e, em particular, no Rio Grande do Sul. Destaca-se que a
queda no crescimento do número de Faculdades Integradas é, na maioria dos
casos, atribuída ao fato de que estas, após as referidas avaliações do MEC,
conquistam o patamar de Centros Universitários, da mesma forma que as
Faculdades, Escolas e Institutos, também chamadas de Faculdades Isoladas,
passam a Faculdades Integradas, na medida em que diversificam suas áreas de
conhecimento.
44
Tabela 3 - Evolução do número e instituições de ensino superior, por
organização acadêmica no Brasil, Região Sul e Rio Grande do Sul
(1991, 1996, 2005 e 2006)
IES
Organização Acadêmica
1991
1996
2005
2006
1991/1996
2005/2006
1996/2006
Número
Δ%
BRASIL
Universidades
99
136
176
178
37,4
1,1
30,9
Centros Universitários
-
-
114
119
-
4,4
-
Faculdades Integradas
7
143
117
116
1.942,9
-0,9
-18,9
Faculdades, Escolas e
Institutos
787
643
1.574
1.649
-0,2
4,8
156,5
Centros de Educação
Tecnológica e
Faculdades de
Tecnologia
-
-
184
208
-
13,0
-
SUL
Universidades
23
29
39
39
26,1
0,0
34,5
Centros Universitários
-
-
16
17
-
6,3
-
Faculdades Integradas
1
10
10
10
900,0
0,0
0,0
Faculdades, Escolas e
Institutos
107
83
254
264
-22,4
3,9
218,1
Centros de Educação
Tecnológica e
Faculdades de
Tecnologia
-
-
51
57
-
11,8
-
RS
Universidades
13
15
16
16
15,4
0,0
6,7
Centros Universitários
-
-
6
6
-
0,0
-
Faculdades Integradas
1
6
1
1
500,0
0,0
-83,3
Faculdades, Escolas e
Institutos
35
22
63
66
-37,1
4,8
200,0
Centros de Educação
Tecnológica e
Faculdades de
Tecnologia
-
-
13
13
-
0,0
-
Fonte: INEP (2008).
A Tabela 4 mostra a localização geográfica das IES no Rio Grande do Sul no
ano de 2006. Das 92 IES da rede privada, 67 estão no interior e 25 na capital. Em
Porto Alegre, existem duas IES federais e 20 particulares. No interior, as de base
comunitária, confessional e filantrópica totalizam 37.
45
Tabela 4 - mero de instituições de ensino superior no Rio Grande do Sul,
por categoria administrativa, segundo a organização acadêmica e a localização
(2006)
IES
PÚBLICA
PRIVADA
Federal
Estadual
Municipal
Particular
Comunitária
Confessional
Filantrópica
Capital
Interior
Capital
Interior
Capital
Interior
Capital
Interior
Capital
Interior
Universidades
1
3
1
-
-
-
-
-
1
10
Centros
Universitários
-
-
-
-
-
-
1
-
1
4
Faculdades
Integradas
-
-
-
-
-
-
-
1
-
-
Faculdades,
Escolas e
Institutos
1
-
-
-
-
-
16
23
3
23
Centros de
Educação
Tecnológica e
Faculdades de
Tecnologia
-
4
-
-
-
-
3
6
-
-
Total
2
7
1
-
-
-
20
30
5
37
9
1
-
50
42
10
92
Fonte: INEP (2008).
No Quadro 1 é apresentada a distribuição dos campi das IES privadas do Rio
Grande do Sul, conforme as regiões geográficas. Pode-se observar que a Região
Metropolitana, Região da Produção, Serra e Região Central concentram a maior
parte dos campi com 45,0% do total. Algumas regiões contam apenas com um
campus universitário como Alto Jacuí, Litoral, Norte e Paranhama. É importante
salientar que esse cenário favorece a diminuição do êxodo estudantil para a Região
Metropolitana.
Apesar de quase todas as IES serem particulares, a diversificação de opções
acadêmicas no interior do RS advém, também, da demanda por formas mais
econômicas de custeio dos estudos dos alunos do ensino superior, que por estarem
mais próximos dos locais de origem tendem a diminuir o custo fixo dos estudos por
semestre acadêmico. Também cabe lembrar o incentivo do governo para a
instalação de IES em regiões que fazem fronteira com outros países, a fim de
favorecer a integração no MERCOSUL.
46
Quadro1 - Distribuição geográfica dos campi universitários das instituições de
ensino superior privado do Rio Grande do Sul (2008)
Número %
Alto Jacuí
1 0,8
Cruz Alta
UNICRUZ
Bagé URCAMP, UERGS
Caçapava do Sul
Dom Pedrito
Cachoeira do Sul ULBRA, UERGS
Santiago URI
Camaquã FACCCA; FAFOPEE
São Jerônimo ULBRA
Tapes UERGS
Horizontina FAHOR
UNIJUÍ; UERGS
Machado de Assis
Três de Maio SETREM
Alegrete URCAMP; UERGS
Itaqui URCAMP
Santana do Livramento
São Borja
São Gabriel URCAMP
Uruguaiana PUCRS
Canela CASTELLI; UCS
Nova Petrópolis FACENP
São Francisco de Paula UERGS
Litoral
1 0,8 Torres ULBRA
Alvorada São Marcos
Cachoeirinha CESUCA
Gravataí ULBRA
Guaíba UERGS
Cerro Largo URI
Santo Ângelo URI; IESA
São Luiz Gonzaga URI; UERGS
Lagoa Vermelha UPF
Vacaria UCS; UERGS
UERGS; URI
ULBRA; UNIRITTER:
UNILASALLE
ULBRA; UNIFRA;
FADISMA; FAPAS
URCAMP; UERGS
Nordeste
3
2,5
PUCRS, UERGS,
UNIRITTER, IPA, ESPM,
FAPA, FARGS, FEMARGS,
FTEC BRASIL, IBGEN,
UNIFIN, São Judas Tadeu,
Sevigné, Saint Pastous,
SENAC
Missões
5
4,2
Metropolitana
22
18,3
Canoas
Porto Alegre
Médio Alto Uruguai
2
1,7
Frederico Westphalen
Hortências
4
3,3
Fronteira Oeste
9
7,5
Fronteira Noroeste
5
4,2
Santa Rosa
Centro-Sul
4
3,3
URCAMP
Central
7
5,8
Santa Maria
Campanha
4
Instituições
3,3
Região Geográfica
Campi
Cidades
Fonte: SINPRO-RS (2008).
47
Quadro1 (continuação) - Distribuição geografia dos campi universitários das
instituições de ensino superior privado do Rio Grande do Sul (2008)
Número %
Bom Progresso
Panambi
Santo Augusto
Tenente Portela
Três Passos
Norte
1 0,8 Erechim URI
Paranhama
1 0,8 Taquara FACCAT
Carazinho UPF; ULBRA
Casca
Palmeira das Missões
Ronda Alta UERGS
Sarandi
Soledade
Farroupilha UCS; CESF
Garibaldi INESCO
Guaporé UCS
Veranópolis UCS; UERGS
UCPEL
Atlântico Sul Faculdades
SENAC
Rio Grande Atlântico Sul - Faculdades
Montenegro UERGS
São Sebastião do Caí UCS
Venâncio Aires
Sobradinho
Ivoti Inst. Sup. Educ. Ivoti
Novo Hamburgo UERGS; FEEVALE
Sapucaia do Sul EQUIPE
São Leopoldo UNISINOS; TEOLOGIA
Encantado UERGS; UNIVATES
Lajeado
Taquari
120 100,0
UNISC; UERGS; Dom
Alberto
UCS; UERGS; FTEC
BRASIL
UPF; UERGS; SENAC;
FAPLAN-GARRA; IFIBE;
IMED; PORTAL
UPF
UNIVATES
Vale do Taquari
4
3,3
Santa Cruz do Sul
UNISC
Vale do Sinos
7
5,9
Vale do Caí
2
1,7
Vale do Rio Pardo
5
4,2
Sul
5
4,2
Pelotas
Passo Fundo
UPF
Serra
9
7,5
Bento Gonçalves
Produção
14
11,7
Noroeste Colonial
5
4,2
UERGS
UNIJUÍ
Instituições
Região Geográfica
Campi
Cidades
Fonte: SINPRO-RS (2008).
Dados do INEP (2007, 2008) mostrados na Tabela 5, indicam que entre 2005
e 2006 houve um crescimento de 8,3% dos cursos de graduação presencial no
Brasil; na Região Sul esse crescimento foi de 6,4%, e que no RS foi de 6,1%. A rede
pública de ensino superior ofereceu 291 cursos em 2006, representando um
48
crescimento de 16,4% na participação no estado. O Rio Grande do Sul, em 2006,
totalizou 1.432 cursos de graduação presenciais, correspondendo a 6,5% do total
nacional e a 34,6% dos cursos presenciais da Região Sul do país.
Tabela 5 - Evolução do número de cursos de graduação presenciais nas
instituições de ensino superior do Brasil, Região Sul e Rio Grande do Sul,
públicas e privadas (2005-2006)
CURSOS
Brasil
Sul
RS
Total
Pública
Privada
Total
Pública
Privada
Total
Pública
Privada
Número
2005
20.407
6.191
14.216
3.893
1.049
2.844
1.350
250
1.100
2006
22.101
6.549
15.552
4.141
1.097
3.044
1.432
291
1.141
Variação no Período (Δ%)
2005/2006
8,3
5,8
9,4
6,4
4,6
7,0
6,1
16,4
3,7
Fonte: INEP (2007 e 2008).
A Tabela 6 mostra a distribuição dos cursos de graduação presenciais no Rio
Grande do Sul em 2006, segundo a categoria administrativa, a organização
acadêmica e sua localização (capital e interior). Observa-se que dos 1.141 cursos
oferecidos na rede privada de ensino superior, 1.007 são oferecidos no interior do
estado. Os cursos são oferecidos, na sua maior parte, nas universidades privadas
(70,2%), nos centros universitários (14,1%) e faculdades integradas (13,8%).
O Censo de 2006 do Ensino Superior indica um significativo aumento na
participação do Ensino a Distância (EAD), com um crescimento de 571% no número
de cursos e de 315% no número de matrículas entre 2003 e 2006. Em 2005, por
exemplo, os alunos do EAD representavam 2,6% do universo dos estudantes e em
2006 essa participação passou para 4,4%. As demais modalidades também
apresentaram crescimento, mas com taxas menores como um crescimento de 8,3%
no número de cursos de graduação e 5% no número de matrículas no período de
2003 à 2006. Destaca-se que os cursos tecnológicos obtiveram um crescimento de
34,3% (INEP - Notícias, 2007).
49
Tabela 6 - Número de cursos de graduação presenciais nas instituições de
ensino superior no Rio Grande do Sul, por categoria administrativa, segundo a
organização acadêmica e a localização (2006)
CURSOS
PÚBLICA
PRIVADA
Federal
Estadual
Municipal
Particular
Comunitária
Confessional
Filantrópica
Capital
Interior
Capital
Interior
Capital
Interior
Capital
Interior
Capital
Interior
Universidades
66
143
1
64
-
-
-
-
49
752
Centros
Universitários
-
-
-
-
-
-
7
1
31
122
Faculdades
Integradas
-
-
-
-
-
-
-
4
-
-
Faculdades,
Escolas e
Institutos
3
-
-
-
-
-
37
49
3
68
Centros de
Educação
Tecnológica e
Faculdades de
Tecnologia
-
14
-
-
-
-
7
11
-
-
Total
69
157
1
64
-
-
51
65
83
942
226
65
-
116
1.025
291
1.141
Fonte: INEP (2008).
O Programa Universidade para Todos (ProUni), criado em 2005, concede
bolsas de estudos parciais e integrais a estudantes de baixa renda em instituições
privadas de ensino superior, com isenção de impostos para aquelas que aderirem ao
programa. Em 2005, foram concedidas 112.275 vagas no Brasil, com crescimento
de 23,5% dessa oferta em 2006. No RS, foram ofertadas 8.138 bolsas em 2005,
passando a 11.360 bolsas em 2006, equivalente a um crescimento de 39,7%. Em
2006, a participação das bolsas parciais financiadas no Brasil foi de 28,8% e 71,2%
as integrais. A oferta no RS foi de 16,0% de bolsas parciais e 84,0% de bolsas
integrais. Isso correspondeu a uma variação entre 2005 e 2006 de 37,3% na oferta
de bolsas integrais no Brasil e 49,6% no RS (WINCKLER, 2007).
Embora se verifique que a expansão das matrículas no ensino superior tenha
apresentado um crescimento, esse ainda é inferior ao previsto pelo Plano Nacional
de Educação de 2001. A meta era atingir 30% da população entre 18 e 24 anos, em
10 anos. Em 2004, apenas 10,4% dessa faixa etária estava no ensino superior,
50
indicando a inferioridade das taxas quando comparadas à América Latina
(WINCKLER, 2006).
Na Tabela 7 apresentam-se os dados relativos aos números de matrículas
efetuadas nos cursos de graduação presenciais no Brasil, Região Sul e Rio Grande
do Sul. No Brasil, o predomínio da rede privada de ensino superior com um
crescimento de 6,3% em relação ao total de matrículas efetuadas, ao contrário da
Região Sul e do Rio Grande do Sul, onde esse crescimento foi 0,7% e 0,3%,
respectivamente.
Tabela 7 - Evolução do número de matrículas em cursos de graduação
presenciais nas instituições de ensino superior do Brasil, Região Sul e Rio
Grande do Sul, públicas e privadas (2005-2006)
MATRÍCULAS
BRASIL
SUL
RS
Total
Pública
Privada
Total
Pública
Privada
Total
Pública
Privada
Número
2005
4.453.156
1.192.189
3.260.967
845.341
223.378
621.963
338.913
49.647
289.266
2006
4.676.646
1.209.304
3.467.342
854.831
228.585
626.246
340.107
49.935
290.172
Variação no Período (Δ%)
2005/2006
5,0
1,4
6,3
1,1
2,3
0,7
0,4
0,6
0,3
Fonte: INEP (2007 e 2008).
O número de matrículas nas IESPs no Rio Grande do Sul cresceu 129,0%
entre 1996 e 2006, passando de 126.706 matrículas, em cursos de graduação
presenciais, para 290.172 (MOROSINI e ROSSATO, 2006; INEP, 2007, 2008).
Em 2006, conforme os dados mostrados na Tabela 8, observa-se que foram
efetuadas 340.107 matrículas no ensino superior. Destas, 85,3% foram efetuadas na
rede privada. No que se refere exclusivamente à rede privada, pode-se dizer, a partir
dos dados, que 82,4% foram realizadas no interior do estado, entre todas as
instituições privadas. em relação às matrículas efetuadas na rede privada,
realizadas na capital, destaca-se que 6,4% foram realizadas em IES particulares e
11,3% em IES comunitárias, confessionais e filantrópicas.
51
Tabela 8 - Número de matrículas em cursos de graduação presenciais nas
instituições de ensino superior no Rio Grande do Sul, por categoria
administrativa, segundo a organização acadêmica e a localização (2006)
MATRÍCULAS
PÚBLICA
PRIVADA
Federal
Estadual
Municipal
Particular
Comunitária
Confessional
Filantrópica
Capital
Interior
Capital
Interior
Capital
Interior
Capital
Interior
Capital
Interior
Universidades
21.173
24.027
149
3.079
-
-
-
-
24.732
175.923
Centros
Universitários
-
-
-
-
-
-
3.750
2.735
7.631
34.014
Faculdades
Integradas
-
-
-
-
-
-
-
948
-
-
Faculdades,
Escolas e
Institutos
688
-
-
-
-
-
13.586
11.128
283
13.316
Centros de
Educação
Tecnológica e
Faculdades de
Tecnologia
-
819
-
-
-
-
1.202
924
-
-
Total
21.861
24.846
149
3.079
-
-
18.538
15.735
32.646
223.253
46.707
3.228
-
34.273
255.899
49.935
290.172
Fonte: INEP (2008).
Na Tabela 9, aborda-se o número de funções docentes (afastadas e em
exercício). Observa-se que o Rio Grande do Sul participa com 6,6% das funções
docentes existentes no Brasil. Entre 2005 e 2006, verifica-se um crescimento no
número de funções docentes na rede pública de 2,8% e uma redução de -1,6% na
rede privada, podendo estar relacionado ao desenvolvimento da universidade
estadual no estado.
Comparando-se os dados das Tabelas 7 e 9, observou-se no Rio Grande do
Sul um crescimento de 0,4% no número de matrículas, entre 2005 e 2006. A rede
pública cresceu 0,6% e a privada 0,3%, indicando o ingresso de um maior número
de alunos no ensino superior. Porém, o mesmo não aconteceu com o número de
funções docentes no Rio Grande do Sul, uma vez que, no mesmo período, verificou-
se uma redução de -0,5%, evidenciando a presença de enxugamento docente.
Destaca-se que na rede privada, a redução do número de professores foi ainda
52
maior, na ordem de -1,6%. Na rede pública, foi verificado um crescimento de 2,8%
neste período, atribuído, predominantemente, à contratação de professores pela
UERGS.
Tabela 9 - Evolução do número de funções docentes (exercício e afastados) em
instituições de ensino superior do Brasil, Região Sul e Rio Grande do Sul,
públicas e privadas (2005-2006)
FUNÇÕES
DOCENTES
BRASIL
SUL
RS
Total
Pública
Privada
Total
Pública
Privada
Total
Pública
Privada
Número
2005
305.960
104.119
201.841
62.161
22.324
39.837
21.085
5.645
15.440
2006
316.882
106.999
209.883
61.724
21.959
39.765
20.989
5.803
15.186
Variação no Período (Δ%)
2005/2006
3,6
2,7
4,0
-0,7
-1,6
-0,2
-0,5
2,8
-1,6
Fonte: INEP (2007 e 2008).
O número de funções docentes, em exercício e afastados, no ano de 1996, no
Rio Grande do Sul, nas IESPs, era de 10.795 e passaram para 15.186 em 2006,
indicando um crescimento de 40,7% no período. Para as IES públicas, este número
que, em 1996, era de 5.210, passou para 5.803 em 2006, representando um
crescimento de 11,4%. Considerando o número total de funções docentes que em
1996 totalizavam 16.005 e passam a 20.989 em 2006, com um crescimento de
31,1% nos postos de trabalho (MOROSINI e ROSSATO, 2006; INEP, 2007, 2008).
Na Tabela 10 é mostrado o número de funções docentes do ensino superior,
públicas e privadas, com o respectivo número de afastamentos. No Rio Grande do
Sul, este afastamento correspondeu a 6,1% do total de funções na rede pública,
4,9% na rede privada. No Brasil, os afastamentos da rede pública foram de 2,0% e
na rede privada 2,7%. Ao serem analisados os dados da Região Sul, observa-se que
os afastamentos foram de 2,1% do total na rede pública e de 3,3% na rede privada.
Verifica-se que o número de professores afastados é pequeno em relação ao total
de funções docentes. Cabe destacar que os afastamentos não significam redução
do número de funções docentes.
53
Tabela 10 - Número de funções docentes (exercício e afastados) em
instituições de ensino superior do Brasil, Região Sul e Rio Grande do Sul,
públicas e privadas (2006)
SITUAÇÃO DAS FUNÇÕES
DOCENTES
BRASIL
SUL
RS
Exercício
Afastado
Exercício
Afastado
Exercício
Afastado
Total
316.882
61.724
20.989
Pública
100.726
6.273
20.688
1.271
5.540
1.282
Federal
54.560
3.518
10.366
592
5.269
263
Estadual
38.454
2.553
7.386
618
271
-
Municipal
7.712
202
2.936
61
-
-
Privada
201.280
8.603
37.719
2.046
14.167
1.019
Particular
114.481
4.258
16.946
703
1.940
70
Comunitária, Confessional, Filantrópica
86.799
4.345
20.773
1.343
12.227
949
Fonte: INEP (2008).
Segundo dados do Censo de 2006 para o ensino superior, foram registradas
20.989 funções docentes. Foram observados três casos no Rio Grande do Sul de
docentes que atuam no ensino superior privado, mas não possuem graduação
(Tabela 11). Destes casos, dois são instituições privadas e um em pública. No que
se refere aos docentes graduados, são 767 (3,7%) no ensino superior público e
1.300 (6,2%) no ensino superior privado.
O número de especialistas no Brasil é de 94.296, correspondendo a 29,8% do
total das funções docentes brasileiras. Destaca-se que 17.042 (27,6%) estão na
Região Sul e 3.969 (18,9%), no Rio Grande do Sul.
O Rio Grande do Sul registrou a existência de 9.055 mestres, o equivalente a
43,1% das funções docentes do estado no ano de 2006. Destas, 7,0% estão
alocadas nas IES públicas e 36,1%, nas privadas. No Brasil, essa distribuição é de
9,9% e 26,4%, respectivamente, de um total de 115.136 mestres brasileiros (36,3%).
Já, na Região Sul, são registradas 25.481 funções docentes com titulação de mestre
(41,3%), sendo 11,9% nas IES públicas e 29,4% nas IES privadas.
No que se refere ao número de doutores nas funções acadêmicas, o Brasil
apresentou em 2006, a existência de 70.616 profissionais, o equivalente a 22,3% do
total brasileiro. Destes, 13.840 (4,4%) estão na Região Sul, sendo 5.895 (1,9%) no
Rio Grande do Sul. Estes últimos distribuem-se 51,9% nas IES públicas e 48,1% nas
IES privadas.
54
Tabela 11 - Número de funções docentes (exercício e afastados) em
instituições de ensino superior do Brasil, Região Sul e Rio Grande do Sul,
públicas e privadas, segundo a titulação (2006)
FUNÇÔES
DOCENTES
PÚBLICA
PRIVADA
Federal
Estadual
Municipal
Particular
Comunitária
Confessional
Filantrópica
BRASIL
Total
58.078
41.007
7.914
118.739
91.144
Sem Graduação
4
14
-
20
14
Graduação
8.229
3.450
584
13.155
11.364
Especialização
6.387
9.179
2.987
48.203
27.540
Mestrado
16.336
11.937
3.127
46.228
37.508
Doutorado
27.122
16.427
1.216
11.133
14.718
SUL
Total
10.958
8.004
2.997
17.649
22.116
Sem Graduação
4
-
-
2
2
Graduação
1.219
708
241
1.447
1.738
Especialização
1.067
1.560
1.105
7.417
5.893
Mestrado
3.053
3.065
1.243
7.556
10.564
Doutorado
5.615
2.671
408
1.227
3.919
RS
Total
5.532
271
-
2.010
13.176
Sem Graduação
1
-
-
-
2
Graduação
764
3
-
157
1.143
Especialização
488
15
-
623
2.843
Mestrado
1.351
120
-
1.095
6.489
Doutorado
2.928
133
-
135
2.699
Fonte: INEP (2007 e 2008).
Conforme dados observados na Tabela 11, tem-se que 27,6% dos 20.989
docentes existentes no Rio Grande do Sul estão nas IES públicas e que o restante,
72,4%, nas privadas. Cabe ressaltar que dos 5.803 docentes da rede pública, a
maior parte tem título de doutor, o equivalente a 3.061 docentes, 52,8% desse total.
No que se refere à rede privada, dos 15.186 docentes, tem-se que 49,9%,
representando 7.584 docentes, têm título de mestre.
Isso significa dizer que a titulação principal nas instituições públicas é de
doutor, uma vez que a participação destes nas privadas e de 18,7%. A titulação de
mestre predomina nas instituições privadas, visto que nas públicas representa
55
25,3% do total. Em ambos os casos, mestres e doutores representam a maior
qualificação do quadro docente, o equivalente a 78,1% nas públicas e a 68,6% nas
privadas, indicando o elevado grau de qualificação desses profissionais.
A Tabela 12 mostra a distribuição das funções docentes por categoria
administrativa, segundo a organização e a titulação. Tem-se que 5.225 (88,6%) dos
doutores do Rio Grande do Sul estão nas Universidades, sendo 2.937 (49,8%) nas
IES públicas e 2.288 (38,8%) nas privadas.
Tabela 12 - Número de funções docentes (exercício e afastados) em
instituições de ensino superior no Rio Grande do Sul, por categoria
administrativa, segundo a organização e a titulação (2006)
FUNÇÕES DOCENTES
PÚBLICA
PRIVADA
Federal
Estadual
Municipal
Particular
Comunitária
Confessional
Filantrópica
Universidades
5.155
271
-
-
10.275
Até Graduação
736
3
-
-
950
Especialização
405
15
-
-
2.303
Mestrado
1.210
120
-
-
4.734
Doutorado
2.804
133
-
-
2.288
Centros Universitários
-
-
-
254
1.937
Até Graduação
-
-
-
29
122
Especialização
-
-
-
36
328
Mestrado
-
-
-
159
1.206
Doutorado
-
-
-
30
281
Faculdades Integradas
-
-
-
58
-
Até Graduação
-
-
-
1
-
Especialização
-
-
-
40
-
Mestrado
-
-
-
17
-
Doutorado
-
-
-
-
-
Faculdades, Escolas e Institutos
175
-
-
1.508
964
Até Graduação
7
-
-
120
73
Especialização
36
-
-
458
212
Mestrado
40
-
-
832
549
Doutorado
92
-
-
98
130
Centros de Educação Tecnológica e
Faculdades de Tecnologia
202
-
-
190
-
Até Graduação
22
-
-
7
-
Especialização
47
-
-
89
-
Mestrado
101
-
-
87
-
Doutorado
32
-
-
7
-
Fonte: INEP (2008).
56
Considerando os mestres, o equivalente a 9.055 das funções docentes
nacionais (2,9%), verifica-se que 6.064 (67,0%) destas estão nas universidades,
sendo que 14,7% nas públicas e 52,3% nas privadas. A segunda maior participação
está nas faculdades integradas, escolas e institutos com 1.421 (15,7%) do total
estadual, destacando-se que 40 (0,4%) estão na rede pública e 1.381 (15,3%) na
rede privada. Em terceiro lugar, os centros universitários com 1.365 (15,1%) de
funções docentes com títulos de mestre, sendo que todas em IES privadas.
Os dados da Tabela 12 mostram que dos 5.155 docentes das universidades
públicas federais 23,5% são mestres e 54,4% o doutores, representando 77,9%
dos profissionais desta tipologia no Estado do Rio Grande do Sul. Nas universidades
privadas 46,1% são mestres e 22,3% são doutores, num total de 68,4% dos 10.275
docentes para esta mesma tipologia na rede privada, indicando uma predominância
de mestres e doutores em ambos os casos.
Em 1996, o Estado do RS tinha 14.683 funções docentes (em exercício e
afastadas). Destas, 2.956 (20,2%) tinham até a graduação; 5.834 (39,7%) com
especialização; 3.821 (26,0%) com mestrado e 2.072 (14,1%) com doutorado. Esse
cenário altera-se em 2006, passando a 20.989 funções docentes, das quais os
docentes com no ximo a graduação representam 2.070 (9,9%); os especialistas
são em número de 3.969 (18,9%); os mestres são 9.055 (43,1%) e os doutores em
5.895 (28,1%) (MOROSINI e ROSSATO, 2006; INEP, 2007, 2008).
A Tabela 13 apresenta os dados dos números de funções docentes segundo
o regime de trabalho em 2006. Pode-se observar que os docentes de tempo integral
estão mais concentrados nas IES públicas, quando comparados às IES privadas. No
Rio Grande do Sul, são 8.343 docentes com tempo integral, o equivalente a 39,7%
dos professores do Estado, sendo que 4.928 (23,5%) se encontram nas IES públicas
e 3.415 (16,3%) nas IES privadas.
Foi verificado, através dos dados da Tabela 13, que dos 5.803 docentes da
rede pública, 84,9% trabalham em regime de tempo integral, 9,9% em regime de
tempo parcial e 5,2% são horistas. Na rede privada, os 15.186 docentes dividem-se
em 22,5% em regime de tempo integral, 29,0% em regime de tempo parcial e 48,5%
são horistas. Observa-se, dessa forma, que nas IES públicas os professores
apresentam carga horária superior às horas de sala de aula, conseqüência do
regime de tempo integral. Os professores de regime horista, que na rede privada
57
representam 48,5% do total, desenvolvem suas atividades voltadas,
predominantemente, ao cumprimento da sua carga horária em sala de aula.
Tabela 13 - Número de funções docentes (exercício e afastados) em
instituições de ensino superior do Brasil, Região Sul e Rio Grande do Sul,
públicas e privadas, segundo o regime de trabalho (2006)
FUNÇÔES
DOCENTES
PÚBLICA
PRIVADA
Federal
Estadual
Municipal
Particular
Comunitária
Confessional
Filantrópica
BRASIL
Total
58.078
41.007
7.914
118.739
91.144
Tempo Integral
48.580
30.013
1.501
16.214
17.540
Tempo Parcial
7.483
8.091
1.391
23.919
24.030
Horista
2.016
2.903
5.022
78.606
49.574
SUL
Total
10.958
8.004
2.997
17.649
22.116
Tempo Integral
8.980
6.043
802
2.367
5.384
Tempo Parcial
1.246
1.280
507
3.277
6.279
Horista
681
681
1.688
12.005
10.453
RS
Total
5.532
271
-
2.010
13.176
Tempo Integral
4.756
172
-
164
3.251
Tempo Parcial
475
99
-
307
4.091
Horista
301
-
-
1.539
5.834
Fonte: INEP (2007e 2008).
A Tabela 14 mostra que 7.192 docentes em regime de tempo integral, 86,2%
dos existentes no Rio Grande do Sul, estão nas Universidades, sendo que 4.619
(55,4%) nas públicas e 2.573 (30,8%) nas privadas.
Os docentes de tempo parcial são em número de 4.972 (23,7%), onde 4.398
(21,0%) trabalham nas IES privadas e 574 (2,7%) nas IES públicas, conforme os
dados apresentados na Tabela 13. No que se refere à organização acadêmica
(Tabela 14), 17,8% dos docentes de tempo parcial trabalham nas universidades,
4,1% nos centros universitários, 2,6% nas faculdades isoladas, 0,04% nos centros
de educação tecnológica e faculdades de tecnologia e 0,03% nas faculdades
integradas.
58
Tabela 14 - Número de funções docentes (exercício e afastados) em
instituições de ensino superior no Rio Grande do Sul, por categoria
administrativa, segundo a organização e regime de trabalho (2006)
FUNÇÕES DOCENTES
PÚBLICA
PRIVADA
Federal
Estadual
Municipal
Particular
Comunitária
Confessional
Filantrópica
Universidades
5.155
271
-
-
10.275
Tempo Integral
4.447
172
-
-
2.573
Tempo Parcial
420
99
-
-
3.225
Horista
288
-
-
-
4.477
Centros Universitários
-
-
-
254
1.937
Tempo Integral
-
-
-
48
588
Tempo Parcial
-
-
-
77
789
Horista
-
-
-
129
560
Faculdades Integradas
-
-
-
58
-
Tempo Integral
-
-
-
-
-
Tempo Parcial
-
-
-
7
-
Horista
-
-
-
51
-
Faculdades, Escolas e Institutos
175
-
-
1.508
964
Tempo Integral
124
-
-
110
90
Tempo Parcial
51
-
-
218
77
Horista
-
-
-
1.180
797
Centros de Educação Tecnológica
e Faculdades de Tecnologia
202
-
-
190
-
Tempo Integral
185
-
-
6
-
Tempo Parcial
4
-
-
5
-
Horista
13
-
-
179
-
Fonte: INEP (2008).
As funções docentes com regime de trabalho horista são em número de 7.674
e correspondem a 36,6% do total do estado do Rio Grande do Sul, sendo que na
rede privada estão 21,0% e 35,1%, respectivamente. Destes, 4.765 (22,7%) estão
nas universidades, sendo que 1,4% em públicas; 1.977 (9,4%) em faculdades,
escolas e institutos privados; 689 (3,3%) em centros universitários; 192 (0,9%) em
centros de educação tecnológica e faculdades de tecnologia.
O gráfico apresentado na Figura 1 mostra a relação entre o número de
matrículas em curso superior presencial e o número de funções docentes em
exercício, ou seja, a relação do número de alunos por professor universitário. No
59
conjunto das IES do ensino superior, o Rio Grande do Sul apresenta a maior relação
(17,3), quando comparado à Região Sul (14,6) e Brasil (15,5). Entretanto, apresenta
a menor relação para as IES blicas (9,0) e a maior para as IES privadas (20,5),
indicando situações e contextos de trabalho docente diferenciados.
Figura 1 - Relação entre o número de matrículas nas instituições públicas e
privadas do ensino superior e o número de funções docentes em exercício no
Brasil, Região Sul e Rio Grande do Sul (2006)
15,5
12,0
17,2
14,6
11,0
16,6
17,3
9,0
20,5
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
No. Matríulas / No. Função Docente em
Exercício (2006)
BRASIL SUL RS
Total Pública Privada
Fonte: INEP (2008).
O gráfico apresentado na Figura 2 mostra a evolução da relação entre
matrículas e número de docentes no ensino superior, entre o período de 1991 e
2006. Observa-se que o ensino superior privado, ao longo de todo o período,
apresentou a maior relação, bem como a do público, a menor, ficando a média do
Estado em valores intermediários. Foi verificado que, neste período, a relação entre
o número de matrículas nas IESPs, por função docente, passou de 12,8, em 1996,
para 20,5 em 2006, representando um crescimento de 60,2%. nas IES públicas,
essa relação passou de 8,1, em 1996, para 9,0 em 2006, indicando um crescimento
de 11,1%. No Rio Grande do Sul, este índice passou de 10,9, em 1996, para 17,3
em 2006, indicando um crescimento de 58,7%.
60
Figura 2 - Evolução da relação entre o número de matrículas nas instituições
públicas e privadas do ensino superior e o número de funções docentes em
exercício no Rio Grande do Sul (1991-2006)
17,3
17,3
11,3
10,9
9,0
9,6
7,3
8,1
13,6
12,8
20,5
20,1
0,0
2,5
5,0
7,5
10,0
12,5
15,0
17,5
20,0
22,5
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
No. Matríulas / No. Função Docente em Exercício
RS RS Pública RS Privada
Fonte: Morosini e Rossato, (2006); INEP, (2007e 2008).
Os dados apresentados na Figura 2 evidenciam a intensificação do trabalho
docente no Rio Grande do Sul, no período entre 1991 e 2006, na medida em que
aumentou significativamente o número de alunos matriculados por função docente.
Este novo contexto ampliou a carga de trabalho extra-classe, sem uma contrapartida
financeira, uma vez que as tarefas inerentes ao fazer pedagógico aumentaram,
diminuindo o tempo livre do professor para atividades pessoais.
Na Figura 3 é mostrada a razão entre matrículas por número de docentes em
IES com diferentes organizações em 2006, no Brasil, Região Sul e Rio Grande do
Sul. Observa-se que as universidades seguem a respectiva relação geral, as
faculdades integradas ficam ligeiramente acima (exceto no Brasil) e as faculdades
isoladas um pouco abaixo da relação geral. Os extremos são observados nos
centros de educação tecnológica e faculdades de tecnologia que tem uma relação
de matrículas por docente bem inferior ao praticado na situação geral, bem como
nos centros universitários, onde a concentração do número de alunos por professor
chega a ser 37,0% superior ao índice geral, no caso do Brasil. No caso da Região
61
Sul, essa superioridade é de 32,9% e no Rio Grande do Sul, 35,5% a mais que o
geral do Estado.
Figura 3 - Relação entre o número de matrículas nas instituições de ensino
superior e o número de funções docentes em exercício no Brasil, Região Sul e
Rio Grande do Sul, segundo a organização acadêmica (2006)
21,0
16,3
15,1
17,3
14,6
15,5
17,0
14,7
15,8
23,7
19,4
16,5
16,2
13,6
13,3
9,5
7,7
7,6
0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0
BRASIL
SUL
RS
No. Matrículas / No. Função Docente em Exercício (2006)
IES (Geral) Universidades
Centros Unversitários Faculdades Integradas
Faculdades, Escolas, Institutos CET, FAT
Fonte: INEP (2008).
Em um estudo realizado pelo Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul
(SINPRO-RS), em 2005, foi elaborado o perfil dos professores do ensino privado do
Rio Grande do Sul. Os docentes que atuavam no ensino superior correspondiam a
45,9% do sistema de ensino privado do Rio Grande do Sul (Figura 4). Dessa forma,
pode-se dizer que a participação desses profissionais é significativa dentro desse
setor de serviços.
62
Figura 4 - Participação dos professores do ensino privado do Rio Grande do
Sul, por área de atuação (2005)
Médio
25,9
Fundamental
37,1
Infantil
5,5
Línguas
2,3
Profissional
2,1
Superior
45,9
Fonte: SINPRO-RS (2006).
Na Figura 5, pode-se constatar a participação dos professores do ensino
superior privado, segundo a faixa salarial. Quase a metade recebia, em 2005, na
faixa de R$2.500,00 a R$5.000,00 ao mês. Considerando o dólar médio de 2,44 no
ano de 2005, equivale a dizer que esses profissionais ganhavam em média
U$1.024,60 a U$2.049,20 ao mês (FGV, 2006). O estudo não esclarece a carga
horária dos professores, mas indica que maior concentração nas faixas salariais
intermediárias, mostrando condições precarizadas de trabalho para essa parcela de
docentes.
No Quadro 2, é apresentado o valor médio da hora-aula dos professores
universitários praticado pelas IES privados no Rio Grande do Sul, segundo o ranking
salarial de 2008 (SINPRO-RS, 2008). O piso salarial é de R$18,48 a hora-aula.
Algumas instituições praticam o valor único de R$25,11 a hora-aula. Mas, casos
em que a média da hora-aula do professor doutor é de R$29,24, quando a média da
hora-aula do professor titular apenas com graduação pode ser de R$30,91.
63
Figura 5 - Participação (%) dos professores do ensino privado do Rio Grande
do Sul, por faixa salarial ao mês (2005)
de R$1.001,00
até
R$2.500,00
22,0
de R$2.501,00
até
R$5.000,00
47,3
de R$5.001,00
até
R$7.500,00
13,1
mais de
R$7.500,00
14,1
até R$1.000
3,5
Fonte: SINPRO-RS (2006).
Quadro 2 - Valor médio da hora-aula dos professores universitários praticados
nas instituições do ensino superior privado do Rio Grande do Sul (2008)
R$ Instituições
18,48
Auxiliar de Ensino 24,22
Assistente 27,95
Assistente com Mestrado 21,68
Assistente com Doutorado 24,93
Adjunto 31,55
Adjunto com Especialização 25,30
Adjunto com Mestrado 31,77
Adjunto com Doutorado 35,72
Titular 35,99
Titular com Graduação 30,91
Titular com Mestrado 37,78
Titular com Doutorado 44,12
Graduado 22,74
Especialista 23,49
Mestre 26,80
Doutor 29,24
Visitante 28,50
Substituto Emergencial 18,53
Iniciante 18,53
25,11
Valor Médio da Hora-Aula 2008
Único
Função
Piso Salarial
Titulação
Outros
Fac. Atlântico Sul, CASTELLI,
CESF, CESUCA, Dom Alberto,
EQUIPE, ESPM, FACCAT,
FACCCA, FACENP, FADISMA,
FAFOPPE, FAHOR, FAPA,
FAPAS, FAPLAN-GARRA,
FARGS, FEEVALE, FEMARGS,
FTEC BRASIL, IBGEN, IESA,
IFIBE, IMED, INESCO, Inst. Sup.
Educ. Ivoti, IPA, Machado de
Assis, PORTAL, PUCRS, Saint
Pastous, São Judas Tadeu, São
Marcos, SENAC, SETREM,
Sevigné, TEOLOGIA, UCPEL,
UCS, UERGS, ULBRA, UNICRUZ,
UNIFIN, INIFRA, UNIJUÍ,
UNILASALLE, UNIRITTER,
UNISC, UNISINOS, UNIVATES,
UPF, URCAMP, URI
Fonte: SINPRO (2008).
64
Na Figura 6, é mostrada a distribuição dos professores do ensino superior
privado por gênero, segundo o Censo da Educação Superior de 2006. No Brasil, são
55,5% de docentes homens e 44,5% de docentes mulheres. Observa-se que na
Região Sul os docentes homens são 54,9% e as docentes mulheres em 45,1%.
no Rio Grande do Sul, essa proporção é de 53,3% de homens e 46,7% de mulheres
na docência universitária. A relação entre o número de docentes mulheres e o de
homens é de 0,80 no Brasil; 0,84 na Região Sul e 0,87 no Rio Grande do Sul,
indicando uma maior participação do gênero masculino na docência universitária.
Figura 6 - Distribuição dos professores do ensino superior do Rio Grande do
Sul, por gênero (2006)
316.882
175.879
141.003
61.724
33.864
27.860
20.989
11.184
9.805
0
50.000
100.000
150.000
200.000
250.000
300.000
350.000
No. de Funções Docentes (2006)
BRASIL SUL RS
Total Homens Mulheres
Fonte: INEP (2008).
O cenário do trabalho docente no Brasil e no Rio Grande do Sul,
apresentados nesse capítulo, constitui-se no campo onde os professores
universitários atuam e desenvolvem suas carreiras acadêmicas. A apresentação
dessa complexa realidade foi essencial para buscar compreender as trajetórias dos
docentes do ensino superior privado de Porto Alegre e Região Metropolitana
65
desenvolvidas nos principais tipos de IES privadas, objeto de análise do próximo
capítulo. Para este fim, foram apresentadas as principais perspectivas teóricas e
autores que tratam do tema.
66
3 TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS
A expressão trajetórias profissionais é empregada nos trabalhos acadêmicos
com diferentes sinônimos, especialmente, trajetórias ocupacionais, trajetórias sócio-
ocupacionais, trajetórias sócio-profissionais, trajetórias sociais objetivas e subjetivas
e trajetórias de vida. Porém, todas têm a mesma conotação de base que se
relaciona com a dinâmica da movimentação dos trabalhadores no mercado de
trabalho.
As trajetórias profissionais estão vinculadas às possibilidades efetivas de
mobilidade do trabalhador no mercado de trabalho, e podem assumir características
diversas, em função das formas diferenciadas que a gestão da força de trabalho
assume nas organizações (CABANES, 1986).
É a partir da metade da década de 90, que a sociologia do trabalho passou a
incorporar o tema em seus estudos. Os trabalhos sobre trajetórias ocupacionais
tornaram-se relevantes devido ao crescente desemprego, naquele período, em
setores importantes da economia. Essa situação levou muitos pesquisadores a se
interrogarem sobre a possibilidade dos trabalhadores demitidos encontrarem outra
atividade compatível com as expectativas de vida e o status profissional
anteriormente adquirido.
Cardoso (2000) afirma que nessa década surgiram muitos trabalhos
buscando verificar se o trabalhador demitido poderia continuar a exercer suas
atividades profissionais de acordo com a ocupação anterior ou se teria que redefini-
las. Essas pesquisas buscavam analisar qual o tipo de trabalhador que teria mais
chances de realizar migrações virtuosas, ou seja, movimentações que preservassem
de alguma forma sua qualificação ou, no mínimo, sua renda, e, ainda, que tipo de
trabalhador perderia a qualidade do emprego no processo de migração ocupacional
provocada por uma eventual demissão.
Objetivando responder essas questões, pesquisadores como Nadya Castro
Guimarães, Adalberto Moreira Cardoso, Luiz Antônio Cruz Caruso, entre outros,
desenvolveram uma metodologia específica para a reconstituição das trajetórias
67
ocupacionais dos trabalhadores do setor formal da economia, utilizando os dados
fornecidos pela RAIS como elemento central para o entendimento das oportunidades
de reinserção profissional dos trabalhadores em um mercado de trabalho cada vez
mais competitivo.
Caruso (1996) foi um dos primeiros pesquisadores a evidenciar a influência
das trajetórias ocupacionais no destino dos trabalhadores. Seu trabalho mostrou que
as trajetórias pregressas condicionam fortemente as trajetórias futuras. Segundo o
autor, pode-se afirmar que o estudo da reinserção profissional supõe o
conhecimento dos processos sociais de construção e reprodução de trajetórias
ocupacionais no mercado de trabalho.
A partir dessa nova perspectiva de análise do mercado de trabalho, que
privilegia a reconstituição das trajetórias ocupacionais dos trabalhadores ao longo de
um determinado espaço de tempo, como forma de entender suas chances de
reinserção profissional, a sociologia do trabalho foi além da análise sociológica
clássica. Esta tratava, principalmente, do perfil da força de trabalho e da influência
do mesmo na obtenção de um novo posto de trabalho. Passou-se a incorporar na
análise o fator tempo, que se tornou um elemento central, possibilitando
acompanhar as experiências anteriores dos trabalhadores, ou seja, suas vivências
dentro e fora do mercado de trabalho, e a influência destas nos seus destinos
ocupacionais.
Para Guimarães (2002a), a probabilidade de obtenção de emprego passa a
depender não apenas das medidas sociológicas clássicas de posição que
documentam o perfil de características do desempregado que se habilita no
mercado de trabalho (como sexo, idade, escolaridade, etc.). Ela passa a requerer
uma análise longitudinal, ou seja, o conhecimento das trajetórias ocupacionais
empreendidas, posto que as chances de reinserção profissional resultarão, em
grande medida, das experiências anteriores de emprego e desemprego. Mais ainda,
as estratégias de busca do emprego têm nas redes sociais constituídas, seja nas
experiências de trabalho, seja nos momentos de desemprego, a partir notadamente
do grupo familiar, um outro importante fator de explicação do êxito na obtenção de
um novo posto de trabalho.
Contudo, a possibilidade de uma reinserção profissional bem sucedida
através da ação individual do trabalhador possui limites, os quais se constituem em
68
barreiras que vão além da sua vontade e de seu empenho individual em buscar uma
recolocação laboral. O novo momento vivenciado pelas empresas, marcado pelo
acirramento da competição na colocação de seus produtos e serviços e pelo
processo de reestruturação produtiva, tecnológica e organizacional, também acaba
por influenciar as trajetórias ocupacionais dos trabalhadores, em relação as suas
chances de reinserção profissional.
A reinserção profissional bem sucedida, segundo Guimarães (2002b),
significa que o trabalhador retornou ao mercado formal de trabalho com o
aproveitamento de seu capital de qualificação, expresso em experiência e identidade
profissional. Essa situação configuraria uma trajetória ocupacional de preservação,
pois aproveita a qualificação do trabalhador e o insere, através do vínculo formal, no
mundo dos empregos, preservando os requisitos mínimos de cidadania ao
trabalhador.
Assim, a trajetória ocupacional passaria a ser determinada não somente pelas
estratégias de ação do trabalhador ou por sua qualificação profissional, mas também
pela apreciação conjuntural e socialmente variável de atributos individuais (sexo,
idade, condição racial), de redes de contato eficazes, da forma como o desemprego
influência a estrutura familiar e das estratégias das empresas em relação à criação e
extinção de postos de trabalho e ao preenchimento das vagas existentes.
Castro et al. (1997) acreditam que as trajetórias ocupacionais são
efetivamente desenhadas no curso da vida de um determinado sujeito e que
resultam do cruzamento de suas próprias estratégias de emprego, construídas nas
negociações entre as identidades individuais com toda a sua carga biográfica e os
constrangimentos sociais, combinadas às estratégias de preenchimento de postos
de trabalho em ação pelos empregadores.
Assim, as trajetórias ocupacionais dos indivíduos podem ser entendidas como
a cristalização do resultado de estratégias de obtenção de postos de trabalho e
características ligadas aos trabalhadores (tipo de atividade laboral desejada;
investimento em qualificação profissional e em escolaridade; competência; rede de
contatos profissionais; papel de provedor da família, sexo e idade).
Estas são articuladas com as estratégias de abertura ou fechamento de
postos de trabalho, de preenchimento de vagas e das condições de trabalho
oferecidas por parte do empregador (formas de recrutamento; perfil desejado em
69
termos de sexo, idade, escolaridade, qualificação profissional e competência, de
acordo com a natureza das atividades do posto de trabalho e a tecnologia utilizada),
ambas socialmente determinadas por fatores econômicos e culturais.
Para Castro (1998), no momento do preenchimento de um posto de trabalho,
os empregadores têm uma grande possibilidade de escolha, devido à existência de
um excedente significativo da força de trabalho brasileira. Nesse contexto, o estudo
das trajetórias ocupacionais possibilita uma boa aproximação às estratégias de
reestruturação colocadas em prática pelas empresas, no que se refere aos critérios
de seleção de seus trabalhadores.
Dessa forma, afastam-se as concepções de trajetórias ocupacionais de
caráter liberal ou subjetivo que centram a análise nas ações dos indivíduos e deixam
de lado o aspecto da dinâmica estrutural do mercado de trabalho, a qual, em última
análise, é a responsável pelas possibilidades concretas de inserção profissional e de
condições de trabalho passíveis de serem escolhidas pelos trabalhadores.
São poucos os trabalhos sobre trajetórias ocupacionais realizados fora do
setor industrial, constituindo-se o estudo realizado por Segnini (2001) uma
importante referência para o entendimento das trajetórias desenhadas no setor de
serviços. Em seu estudo sobre as trajetórias ocupacionais dos trabalhadores de um
banco estatal, a pesquisadora trata as práticas sociais de homens e mulheres que,
após anos de estabilidade no emprego, aderem a um programa de enxugamento do
quadro funcional denominado Plano de Demissão Voluntária (PDV), implantado pela
empresa em um contexto de privatização e reestruturação.
A autora afirma que os trabalhadores bancários que aderiram ao PDV,
apresentavam uma dupla relação com o trabalho que era visto simultaneamente
como garantia de direitos, portanto, de segurança, e como fonte de insatisfação, em
que o conteúdo do mesmo era visto como rotineiro e monótono. O endividamento,
aliado à insatisfação com o trabalho, foi outro fator apresentado como motivo da
adesão ao PDV. Na análise da pesquisadora, o tempo de permanência como
desempregado também se fez presente como um fator importante nas trajetórias
ocupacionais, influenciando nas decisões dos indivíduos sobre a forma de
reinserção profissional no mercado de trabalho.
Também Tolfo, Philipi e Picinin (2006) realizaram uma pesquisa que
investigou e comparou os reflexos do processo de privatização sobre os
70
empregados remanescentes e demitidos de uma empresa de telecomunicações do
sul do Brasil. Os pesquisadores verificaram que as tendências de sofrimento e medo
provenientes de um processo de mudança radical foram plenamente identificadas
entre os profissionais da empresa pesquisada e que havia uma percepção comum,
tanto dos remanescentes quanto dos demitidos, que identificaram o medo do
desemprego e as mudanças na vida pessoal e profissional como os principais
aspectos que decorreram da privatização.
Os estudos sobre trajetórias profissionais, segundo Castro (1998), centraram-
se, historicamente, nas representações e simbologias derivadas da experiência
individual de trabalho e possuíam uma perspectiva metodológica interdisciplinar de
cunho sócio-antropológico que englobava os estudos de casos e as histórias de
vida, buscando, com tal metodologia, generalizações.
Esse é o caso da pesquisa realizada por Malagutti (2000), que, por meio das
trajetórias profissionais, analisou a relação existente entre o trabalho formal e o
trabalho informal, demonstrando que a formalidade pode conter a informalidade e
que as representações sociais o forjadas a partir das múltiplas experiências de
trabalho. De modo semelhante, Demazière e Dubar (2000) estudaram trajetórias
profissionais de diferentes segmentos de trabalhadores (assalariados,
desempregados e jovens), com o intuito de apreender as representações sociais
dos mesmos.
De acordo com Dubar (1997), a partir dos anos 1960-1970, o fenômeno do
desemprego fez com que a atenção dos sociólogos se deslocasse da análise do
trabalho e das profissões para a análise do funcionamento dos mercados de
trabalho, a fim de compreender as transformações do acesso aos empregos e às
reestruturações das etapas profissionais que estavam implicando em exclusões
duradouras de uma série de atividades reconhecidas.
Nesse mesmo sentido, Sainsaulieu (2001) afirma que a figura social que
passa a ser anunciada é a do excluído do emprego, da inovação, da mobilidade e do
trabalho criador. A fratura social passa a se sobrepor à coesão social e os
pesquisadores fazem conjecturas sobre o trabalho e sua substituição por uma série
de atividades voluntárias e associativas como fonte futura de identidade profissional.
Como assinala Dejours (1993), os desempregados tornam-se cada vez mais
perplexos diante do fato de não poderem mais se identificar a uma posição social
71
que não é mais a de um emprego, agora inatingível. Assim como também não
contam mais com os sindicatos para se opor às demissões. Nesse novo contexto
das relações de trabalho, as trajetórias profissionais se transformam em mobilidades
erráticas, dependentes das políticas de flexibilidade das organizações.
Ainda, conforme Sainsaulieu (2001), herdeiros de uma sociedade salarial de
quase pleno emprego durante duas ou três gerações, os trabalhadores de todos os
níveis não conseguiam nem imaginar uma substituição total dos parâmetros
identitários do trabalho por outro parâmetro. Em contrapartida, eles passam agora a
se esforçar para fundar suas dinâmicas de reconhecimento social sobre novos
investimentos diversificados. Desta forma, a gestão das competências começa a
substituir a gestão do emprego e do futuro profissional.
Várias o as investigações que procuram dar conta das trajetórias de
indivíduos submetidos a esse novo perfil do mercado. Dubar (1997), referindo-se a
uma pesquisa realizada com jovens desempregados, chama a atenção para o fato
de que os tipos de empregos e os tipos de formação a que eles se referem
distanciam-se bastante dos que são requeridos nas grandes empresas e no
mercado de trabalho em geral.
Castro, Cardoso e Caruso (1997) estudando a migração dos egressos do
setor industrial para outros setores, lançam como hipóteses de trabalho que as
transformações em curso na ordem industrial se constituem hoje em um desafio às
chances de empregabilidade do trabalhador individual, instabilizando e precarizando
o capital profissional que o mesmo acumulou. Nesse sentido, a lógica da
acumulação e da negociação do uso das competências profissionais torna-se oposta
àquela que sustentou, no passado, o uso do trabalho concebido como ofício.
Segundo as hipóteses dos autores, as trajetórias profissionais tendem a se
tornar erráticas face ao capital de profissionalização que foi acumulado, deslocando
os trabalhadores demitidos para fora dos setores onde forjaram sua experiência
profissional, gerando a obsolescência das suas qualificações e chegando-se ao
ponto limite da impossibilidade de exercitar habilidades e qualificações adquiridas na
pedagogia do processo de trabalho, com reflexos para a própria identidade sócio-
profissional do trabalhador.
Paiva (1997) afirma que está em curso um processo que assola hoje quase
todo o mundo e se assenta em um profundo reordenamento social das profissões,
72
revisão de valores e da estrutura de emprego que tiveram vigência até o presente.
Ao mesmo tempo em que crescentes dúvidas vêm sendo levantadas a respeito da
capacidade de sobrevivência de profissões tradicionais, cada vez menos se crê na
possibilidade do trabalhador sustentar uma biografia profissional linear do ponto de
vista do conteúdo e ascendente do ponto de vista da renda e da mobilidade social.
Para Paiva (1997), a desmistificação das profissões passa pelo atual
desvelamento das diferentes situações negativas associadas ao trabalho, suas
transformações e perdas: Muito do que antes era do conhecimento exclusivamente
profissional passou ao plano do conhecimento social, difundido entre a população
pelos diferentes meios de comunicação de massa, tais como os sofrimentos ligados
às dificuldades de conquistar ou perder um emprego ou profissão, a manutenção do
status sócio-profissional, as profundas mudanças na vida profissional, os riscos
associados ao desemprego, bem como ao subemprego, que hoje são bastante
conhecidos e amplamente estudados.
Para Gaulejac (1983), as trajetórias sociais devem ser estudadas através da
análise das histórias de vida. Para o autor, a análise biográfica representa para a
sociologia o que a psicanálise representou para a psicologia, ou seja, uma ruptura
radical na maneira de conceber a realidade, de entendê-la e de analisá-la. A
biografia tem a tarefa de atuar como mediação entre a história individual e a história
social, suprimindo a ruptura que divide o campo psicológico do campo social.
Gaulejac sustenta a idéia de uma sociologia das histórias de vida, definindo o
objeto da sociologia dentro da concepção de Marcel Mauss, ou seja, da busca de
captar a personalidade total através dos relatos que os sujeitos elaboram sobre suas
próprias vidas; de captar a dialética entre o singular e o universal por meio do estudo
concreto de vidas humanas; de entender no que os indivíduos são o produto de
histórias das quais tentam converterem-se em protagonistas; de estudar a relação
entre história e historicidade, cruzando a análise dos diferentes determinismos que
contribuem para produzir o indivíduo e a análise da relação do indivíduo com essas
determinações, bem como do trabalho que empreende para a construção de sua
própria existência.
A proposta teórico-metodológica criada por Gaulejac tem como base
conceitual a perspectiva de Bertaux (1980) que contrapõe as investigações que têm
como objeto as estruturas e os processos objetivos (estruturas de produção,
73
formação das classes sociais, modos de vida segundo o meio social), ao que ele
chama de objetos de tipo sócio-estruturais, ou seja, as investigações que elegem
como tema estruturas e processos subjetivos (complexo de valores e de
representações coletivas), que ele define como objetos socio-simbólicos.
Bertaux demonstra que estes dois âmbitos não são outra coisa que os dois
lados de uma mesma realidade, o social, e que a sociologia deveria esforçar-se por
reunificar o pensamento do estrutural e do simbólico para chegar a um pensamento
da praxis, a fim de captar as contradições que a ordem instituída engendra e as
transformações estruturais que dali resultam.
Para Bertaux (1980), é o que emerge quando se trabalha a partir de relatos e
histórias de vida. Para o autor, na medida em que o funcionamento das estruturas
psíquicas e das estruturas mentais forma parte integrante do social, o método
biográfico deve permitir, progressivamente, a construção de uma nova maneira de
fazer sociologia, reconciliando observação e reflexão, objetividade e subjetividade. O
que se busca é uma compreensão das articulações entre o funcionamento social e o
funcionamento psíquico, uma vez que os registros sócio-estruturais, sócio-simbólicos
e sócio-psíquicos estão continuamente imbricados.
Nesse sentido, o relato de vida é utilizado para entender um indivíduo como a
expressão de um determinado grupo em que a identidade social foi construída
através do cruzamento de três dimensões: as relações do indivíduo com seu
inconsciente, com seu meio social e cultural e com ele mesmo, no trabalho que
efetua para produzir sua individualidade.
Para Gaulejac (1983) a história ou relato de vida é a manifestação de
dimensões essenciais da identidade. É, ao mesmo tempo, a expressão dos desejos
e das angústias inconscientes da sociedade a qual pertence seu autor, e da
dinâmica existencial que o caracteriza. Todo relato implica uma reconstrução. Sobre
este ponto, psicanalistas e sociólogos concordam que a história de vida é o tempo
recomposto pela memória, obedecendo a outras lógicas que não a da verdade da
ciência. Assim, muitas vezes, esquece, deforma, transforma, reconstruindo o
passado em função das exigências do inconsciente, de pressões circundantes, das
condições de produção do relato, de estratégias de poder do locutor e do
entrevistador.
74
O relato de vida apresenta uma dupla dimensão. É um testemunho no qual as
palavras narram o que passou como realidade e, ao mesmo tempo, a transformação
desta realidade, uma vez que, ao falar de sua história, o indivíduo a redescobre,
realizando um trabalho sobre ele mesmo que modifica sua relação com essa história
narrada.
A história de vida contém duas dimensões essenciais e interdependentes:
designa o que ocorreu durante a trajetória de um indivíduo ou de um grupo, ou seja,
o conjunto de acontecimentos, dos elementos concretos que caracterizaram e
influenciaram a vida deste indivíduo, de sua família e de seu meio, bem como
designa a história que se conta sobre a vida desse indivíduo ou grupo. É o conjunto
de relatos produzidos por ele mesmo e por outros sobre sua biografia.
O primeiro aspecto pertence ao terreno da análise histórica e da sociologia,
ou seja, é uma busca de reconstrução objetiva dos determinismos, a partir dos quais
se constrói uma vida. O segundo aspecto é a análise do vivido, no qual se visa
compreender a maneira como o indivíduo vivencia esta história nos planos afetivo,
emocional, cultural, familiar e social, em suas dimensões conscientes e
inconscientes. Os dois aspectos estão continuamente imbricados, uma vez que o
relato de vida é construído no espaço entre o subjetivo e a realidade social, ambos
igualmente verdadeiros.
É o que demonstra Doubrovsky (1989) quando assinala o paradoxo, sempre
presente nos relatos autobiográficos, da disposição do indivíduo de contar muitos
acontecimentos da sua trajetória em um sentido diferente do que foram realmente
produzidos, ou seja, segundo um sentido não linear. É isso que faz a sociologia tão
imprescindível para entender o estatuto de um relato de vida, no sentido de tornar
claro o conjunto de fatores em jogo que determinam em grande parte o que é
narrado pelo indivíduo. É o que Bourdieu (1986) denomina de ilusão biográfica que
faz com que dificilmente o sujeito admita que sua existência seja parcialmente
pensada através dele, quando ele gostaria tanto de ser seu criador.
O indivíduo, ao narrar a sua trajetória de vida, conta de forma concomitante a
história de duas vidas, ambas suas, diferentes e complementares, por vezes
contraditórias, no entanto tão verdadeiras uma como a outra. Aquela que ele
construiu subjetivamente e a que resulta de seu pertencimento aos diferentes grupos
sociais dos quais fez parte ao longo da sua vida. O sujeito que conta a sua história
75
de vida encontra-se na intersecção dessas duas histórias que nunca se sobrepõem.
A análise científica dos relatos de vida deve dar conta desta intersecção, situando-se
em dois níveis: o dos fatos socialmente verificáveis, bem como da sua expressão
subjetiva.
A análise da dimensão social dos relatos de vida identifica os aspectos
presentes no ambiente social que determinam as condutas humanas e as
representações que o indivíduo tem dele. É o reconhecimento da existência da
realidade social, que pré-existe ao sujeito, condicionando em grande parte sua
existência, e influenciando o sentido de seus atos. O relato permite aceder a esta
realidade revelando a encarnação social do indivíduo.
a análise da dimensão psicológica das histórias de vida revela o sentido
subjetivo do que foi vivido pelo indivíduo Nessa dimensão de análise, o mais
importante não é saber se o relato corresponde ao que realmente aconteceu, na
medida em que o que é produzido pelo sujeito que fala deve ser considerado
verdadeiro pelo pesquisador. O mais importante é entender que esta verdade
subjetiva tem como referente o trabalho de reconstrução que o sujeito efetua na
relação com a sua própria história.
A realidade subjetiva é atuante no sentido de que produz efeitos sobre os
comportamentos sociais. O indivíduo, como ator de sua própria vida, busca
permanentemente compreender de que modo influencia nos elementos que a
compõem. A subjetividade é um registro da realidade que intervém na vida de uma
pessoa da mesma forma que os acontecimentos objetivos e exteriores. As
oposições entre subjetividade e objetividade o fundamentalmente relativas. Uma
história de vida constrói-se numa interação dinâmica entre a influência das
estruturas sociais e as estruturas psíquicas que absorvem estas influências.
Através de uma história de vida podem ser identificados os vínculos e as
articulações que formam a trama de uma vida humana. Não basta para essa
finalidade apenas recolher e narrar um relato de vida, pois para descobrir o seu
significado dentro de uma trajetória o pesquisador precisa captar as articulações
entre os diferentes registros da identidade pessoal e social.
São estas articulações, que se encontram no limite do subjetivo e do objetivo,
do psíquico e do social, do concreto e do abstrato, do poder e do desejo, que se
trata de apreender na análise de uma trajetória social, combinando a análise objetiva
76
e a que considera a subjetividade dos atores. Existe uma complementaridade
fundamental entre a subjetividade individual e as estruturas sociais, exigindo que o
pesquisador deixe de lado as separações e as oposições entre o individual e o
coletivo, sujeito e objeto, campo social e afetivo, se quer compreender a realidade
social de forma mais abrangente.
Para entender esta dinâmica complexa dos processos que regem as relações
entre o psíquico e o social, Gaulejac (1994) desenvolveu um enfoque que é, ao
mesmo tempo, socio-psicológico, buscando analisar como determinados fatores e
transformações socio-estruturais condicionam as atitudes e os comportamentos dos
indivíduos, e psico-sociológico, analisando a maneira como um sujeito intervém
como ator e cria práticas para enfrentar os conflitos e as situações sociais com que
se depara diariamente, sem reduzir uma dimensão à outra.
A análise do vivido permite ao pesquisador identificar as representações
sociais e explicitar a relação imaginária que mantém cada indivíduo em suas
condições concretas de existência, sendo essencial para o entendimento de uma
trajetória de vida. Porém, analisar as trajetórias sociais exclusivamente em relação
ao vivido, à experiência pessoal do indivíduo, como se esta dimensão isoladamente
pudesse encontrar sentido em si mesma, constitui um grande equívoco.
Uma trajetória pessoal o possui autonomia em relação às condições que a
produzem, nem em relação ao sistema de relações em que se inscreve. Acreditar
que o sentido de uma trajetória individual pode surgir unicamente do interior de sua
vivência é cair na ilusão biográfica que atribui o sentido dos atos do sujeito apenas à
consciência do ator, reduzindo o real à percepção subjetiva desta. O contrário
também é verdadeiro. A exclusão do vivido da análise das trajetórias de vida reduz a
pesquisa do social às determinações sociais, às regularidades objetivas que se
impõem à ação do indivíduo na sociedade.
Segundo Léomant (1992), a metodologia dos relatos de vida é um meio
privilegiado para resolver estes diferentes problemas, com a condição de encontrar
dispositivos que permitem trabalhar em sincronia, pondo em perspectiva a história
individual no contexto social na qual se inscreve; bem como em diacronia,
considerando o indivíduo como o produto de uma história pessoal, familiar e social.
Adota, para esse fim, uma perspectiva dinâmica que o indivíduo como o
produto de uma história e, igualmente, como um agente de historicidade produtor
77
desta mesma história da qual faz parte, na condição de um protagonista capaz de
influir em seu desenvolvimento. Também articula o individual e o coletivo
construindo dispositivos que permitem, ao mesmo tempo, aprofundar o vivido
individualmente e alinhar, na perspectiva de cada relato individual, outros relatos
produzidos por pessoas que compartilham as mesmas condições sociais de
existência.
A pesquisa sobre trajetória social visa explorar de que modo a história
individual está socialmente determinada, bem como identificar os elementos
subjetivos que reconstroem e imprimem significado a essa trajetória. Permite
entender o indivíduo como o produto de uma história na qual busca ser o
protagonista, explorando os diferentes elementos sociais que contribuíram para dar
forma a esse percurso de vida.
Lévi-Strauss (1968) afirma que o fato da sociologia estudar os fenômenos
sociais em sua dimensão objetiva, não deve levá-la a esquecer que a compreensão
subjetiva faz parte das coisas estudadas como tais; e que não se pode aceder a
realidade fora de uma experiência concreta, ainda que subjetiva, de um indivíduo
concreto.
Não se pode entender o sentido e a função de um fato humano senão através
de uma experiência vivida, de sua incidência sobre uma consciência individual e do
depoimento que permite dar conta dele, uma vez que toda interpretação
cientificamente válida deve fazer coincidir a objetividade da análise histórica ou
comparativa com a subjetividade da experiência vivida.
Para Gaulejac (1983), a sociologia precisa incorporar e reconhecer a
legitimidade da dimensão do vivido pelos sujeitos em sua análise, sob o risco de
perder a oportunidade de obter uma compreensão mais abrangente do social. Na
opinião do autor, é somente através da capacidade da sociologia contemplar o
existencial, o afetivo e o pessoal na sua análise, que esta poderá operar um trabalho
de reconstrução, fundamental para entender a complexidade das relações sociais
contemporâneas.
Para grande parte dos cientistas sociais, e em particular para os historiadores,
a história de vida é apenas um desdobramento da história oral. Alguns sociólogos,
porém, em especial Marre (1991), afirmam que a história de vida deve tornar-se
78
parte essencial de um método biográfico, para que não seja considerada uma
simples técnica de investigação empírica.
O método biográfico para Marre, permite reconstruir, em cada história de vida,
a presença de relações básicas e complexas que dizem respeito às categorias
sociedade, grupo e indivíduo, expressas na fala do entrevistado. São relações
ligadas à estrutura social e grupal e, ainda, a idéia de rearranjo e reapropriação do
social, que o indivíduo faz como unidade singular de seu relato.
De acordo com o referido autor, o método biográfico, constituído pelas
modalidades história de vida, trajetória de vida e narrativas, no seu desenvolver
dinâmico, traz a possibilidade concreta de reconstrução do passado a partir de
relatos, levando em conta a descontinuidade e as rupturas ocorridas tanto no nível
da vida individual como coletiva. A singularidade das histórias de vida é ressaltada
pelo autor, ao considerar que não se consegue chegar ao geral, através de uma
diversidade de histórias de vida singulares, sem dar a elas uma totalidade sintética,
que por sua vez se forma a partir da singularidade de cada uma delas.
Quando o indivíduo vivencia e relata sua trajetória, se identifica com um grupo
social do qual ele é elemento constitutivo. Para Marre, a história de vida sempre
deve tornar-se parte de um todo biográfico. O que interessa é a vida das
pessoas, seja a trajetória total, ou as fases desta vida. Pesquisadores que trabalham
com relatos orais na Europa e mais especificamente na Alemanha, utilizam as
categorias biografia e trajetória de vida.
Born, Krüger e Lorenz-Meyer (1996) afirmam que a pesquisa relacionada com
trajetórias de vida é uma área relativamente nova na sociologia tendo como ponto de
partida a mobilidade social na trajetória dos trabalhadores dentro de uma carreira
profissional e a mudança de posição social que este evento pode acarretar em suas
vidas. As pesquisadoras estabelecem uma diferença entre biografias e trajetórias de
vida. A trajetória de vida é considerada uma categoria científica, definida por uma
perspectiva metodológica adotada, podendo utilizar dados quantitativamente
analisáveis que possuem relação direta com a seqüência cronológica da vida dos
indivíduos, enquanto a biografia é um relato pessoal e subjetivo do indivíduo sobre si
mesmo (DAUSIEN, 1996).
Para Gonçalves e Lisboa (2007), a trajetória de vida é denominada de
transcurso, pois analisa mudanças sociais, passagens de status, de situação
79
econômica, de atividades profissionais, utilizando-se de datas significativas,
períodos, números, enfim, de aspectos quantitativos e qualitativos relacionados
numa mesma abordagem. Nesta perspectiva, a trajetória de vida é considerada uma
instituição social, um sistema de regras que rege e conduz as relações do indivíduo
na modernidade.
a biografia é a história individual, pessoal e subjetiva da vida de uma
pessoa, na qual a perspectiva do qualitativo é enfatizada. Toda a vida humana é
constituída biograficamente e isto implica que toda a história de vida contém uma
dimensão biográfica profunda, porém não se reduz a ela (DAUSIEN, 1996; BORN,
KRÜGER e LORENZ-MEYER ,1996).
Arango (1998) utiliza o termo trajetória com ênfase na trajetória social como
um ciclo da vida, como uma etapa da vida. Do ponto de vista sociológico, ciclo da
vida aparece como uma construção de atributos e papéis sociais dos indivíduos em
função de sua idade, como forma de regulação do acesso ao saber, às posições
sociais e a um reconhecimento de um status de adulto e de cidadão mediante um
duplo processo de incorporação de papéis e socialização. É o encadeamento
temporal das posições que os indivíduos ocupam sucessivamente nos diferentes
campos do espaço social. Em cada momento de sua existência, os indivíduos
ocupam simultaneamente várias posições, que resultam, predominantemente, do
entrelaçamento entre os campos profissionais e familiares.
A noção de trajetória para Bourdieu (1996) consiste em uma série de
posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente ou mesmo grupo, em um
espaço, ele próprio em devir, submetido a transformações incessantes, que
permitem deslocamentos do sujeito, situando os acontecimentos biográficos em
diferentes alocações no espaço social.
Para Kofes (2001), o nome próprio que designa um agente específico ou uma
personalidade teria que ser vinculado ao conjunto de outros agentes no campo
considerado. Para ele, a trajetória de vida é comparada a um itinerário no qual são
privilegiados o caminho e o percurso. É considerada como parte de uma história de
vida e de uma biografia, ou seja, de um determinado percurso, itinerário ou ciclo de
vida.
Como categorias teórico-metodológicas, histórias de vida, biografias ou
trajetórias de vida não são realidades ontológicas nem possíveis abstrações; são
80
construções sócio-históricas que se produzem e reproduzem a partir das relações
conflituosas entre estrutura e ação. Estruturas são tecidas pelas e nas relações
sociais. São, conforme Giddens (1991), desenvolvidas sistematicamente, e
produzidas mediante um complexo processo de estruturação por indivíduos e pelas
coletividades que fazem parte da mesma.
Nessa perspectiva, considera-se que estas categorias são construções de
ação comunicativa entre sujeitos cognitivos, que atuam no cotidiano mediante
determinada identificação, e que podem ser adequadamente reconstruídas através
do método biográfico. Como nos mostra Giddens (1991), trajetórias de vida não
surgem de estruturas abstratas, mas sim de ações produzidas e reproduzidas por
sujeitos que cruzam velhas fronteiras e abrem novas perspectivas.
Dubar (1997) classifica as trajetórias sociais em dois tipos. As trajetórias
objetivas e as trajetórias subjetivas. As trajetórias objetivas estão associadas às
posições ocupadas na carreira ao longo de uma trajetória. As trajetórias subjetivas
estão associadas aos processos identitários individuais que traduzem a lógica da
mobilidade do indivíduo ao longo do seu próprio percurso.
A análise dessas trajetórias defronta-se com a questão da articulação de dois
aspectos do processo biográfico: a trajetória objetiva, que é definida como a
seqüência das posições sociais ocupadas durante a vida, medida por categorias
estatísticas e condensada numa tendência geral (ascendente, descendente e
estável); e a trajetória subjetiva, que é expressa em relatos biográficos, por meio de
categorias inerentes remetendo a realidades sociais condensáveis em formas
identitárias heterogêneas. Ambas as análises tomam toda sua importância ao se
tentar apreender identidades sociais como processos ao mesmo tempo biográficos e
institucionais.
Assim, qualquer trajetória individual deve ser vista objetivamente, como uma
seqüência de posições num ou mais campos da prática social, e subjetivamente,
como uma história pessoal, cujo relato atualiza visões de si e do mundo. Não raro,
ambos os pontos de vista interferem nos usos ltiplos da noção de identidade.
Esclarecer os diversos sentidos deste termo está diretamente relacionado à
explicitação dos métodos de análise subjacentes aos usos empíricos da noção de
identidade. Isso resulta em duas maneiras muito diferentes de se analisar trajetórias
individuais, em função do que se entende por este termo.
81
O ponto de vista defendido por Dubar defende que igual importância seja
dada às categorias institucionais, determinando posições objetivas (escolares,
profissionais, etc.) e às categorias de linguagem utilizadas por indivíduos em
situação de entrevista de pesquisa.
Já Bourdieu (1993) entende que, para o sociólogo tomar a sério as falas sobre
si mesmo, vindo de um sujeito incitado a se narrar e entrando num diálogo particular,
com um pesquisador capacitado para escutar, constitui uma condição indispensável
para o uso sociológico da noção de identidade.
Segundo Kaufmann (1994), os processos identitários possuem duas faces.
Esta é uma questão central em qualquer análise sociológica de trajetórias individuais
e que está relacionada à distinção entre dois universos de sentido vinculados à
palavra identidade nas ciências sociais.
O primeiro, que Kaufman chama de processo identitário individual, é
apreendido a partir de produções de linguagem do tipo biográfico e diz respeito às
diversas maneiras pelas quais os indivíduos tentam dar conta de suas trajetórias
(familiares, escolares, profissionais, etc.), por meio de uma história, no intuito, por
exemplo, de justificar sua posição em dado momento e, às vezes, antecipar seus
possíveis futuros. O que está em jogo aqui é a reconstrução subjetiva de uma
definição de si, ou seja, de uma identidade biográfica ou, ainda, de uma identidade
para si.
O segundo diz respeito ao que Kaufman chama de quadros sociais da
identificação ou quadros de socialização, que envolvem as categorias utilizadas para
identificar um indivíduo num dado espaço social (chamadas por Dubar de identidade
estrutural ou identidade para outrem), ou seja, são as categorias do discurso do
indivíduo definidas do ponto de vista de outrem (quer este outrem seja significativo e
personalizado, quer seja generalizado e institucional). Na linha de Mead (1993),
Kaufman propõe que se utilize o termo papel para designar este aspecto da
identidade.
O modo de pensar e tornar operacional esta distinção entre identidade
pessoal (o que sou e gostaria de ser) e identidade social (como sou definido e o que
dizem que sou) margem a múltiplos desdobramentos e permite caracterizar, de
modo bastante amplo, não apenas as grandes teorias da socialização das ciências
sociais (Dubar, 1992), como também as concepções correntes, subjacentes aos
82
discursos comuns, que, às vezes, constituem uma espécie de vulgarização das
primeiras.
Duas orientações opõem-se: uma chamada por alguns de psicologizante ou
essencialista, fundada no postulado da realidade de um self (ou de um ego ou eu)
como realidade substancialista, permanente e autônoma, construindo sua unidade
(ABRAMOWSKI, 1987). E a outra, inversa, às vezes chamada de sociologista ou
relativista, que reduz o self e, portanto, a identidade biográfica a uma ilusão,
ocultando a pluralidade dos papéis sociais e sua dependência para com a posição
ocupada em cada campo social em particular, e no sistema das classes sociais em
geral (BOURDIEU, 1986). Não é simplesmente o estatuto da individualidade que
está em jogo nesta polarização entre esses dois modos de se abordar a questão da
identidade. É também, e talvez acima de tudo, a concepção do social e a relação
estabelecida entre categorização e identificação.
Para os autores que consideram a identidade como vinculada a uma essência
individual, quer se trate de caráter, personalidade ou qualquer outro traço
permanente, a identificação psíquica precede e orienta a categorização social, ou
seja, é o self, constituído de maneira precoce no jogo das identificações da primeira
infância, que condiciona e norteia uma biografia vivenciada ou interpretada como
destino. O social emerge, então, como uma espécie de superestrutura, um exterior
ou um ambiente do sujeito, quer este seja o do inconsciente ou o das condutas
socializadas, o pólo passivo do ego ou o pólo ativo do eu, na terminologia meadiana.
Para os que consideram a identidade biográfica uma ilusão, as
categorizações sociais determinam as identificações coletivas que constituem uma
matriz de disposições (o habitus em Bourdieu), condicionando o acesso a posições
sociais e o cumprimento de papéis sociais. As categorias sociais, interiorizadas no
decorrer do ciclo de vida (níveis escolares, categorias profissionais, posições
culturais, etc.), constituem o material a partir do qual os indivíduos inventam para si
identidades singulares, a fim de unificar suas existências e tentar fazer valer sua
pretensão em um ou outro campo da prática social. Nesse sentido, é a trajetória
social objetiva, categorizada pelas instituições, que determina as identificações
subjetivas e, conseqüentemente, o indivíduoo existe de fato fora de seus quadros
sociais (ELIAS, 1991).
83
Diante de ambas as posturas, aparentemente inconciliáveis quanto à questão
da identidade, a história das ciências sociais oferece várias tentativas conceituais,
buscando ultrapassar a oposição entre o essencialismo de uma identidade pessoal
preestabelecida e o relativismo das categorizações sociais diversas, estruturando
identidades biográficas ilusórias. Abordam-se aqui as que tentaram tal
ultrapassagem a partir da vertente sociológica, isto é, tomando os processos de
categorização social na construção das identidades individuais.
Considerar a identidade de alguém como um processo e não como uma
espécie de estado inicial e, a posteriori, como um destino, não implica que a
subjetividade das elaborações biográficas deva ser considerada como ilusória nem
mesmo secundária em face das determinações sociais objetivas. Inversamente,
tomar muito a sério os modos subjetivos pelo quais indivíduos se narram não
significa, necessariamente, menosprezar o lugar das categorizações objetivas nas
construções identitárias pessoais.
Entre o ponto de vista essencialista das entidades como unidades psíquicas
coerentes e permanentes (DOUGLAS, 1990) e o ponto de vista relativista das
fórmulas mutáveis destinadas a se engendrar através dos acontecimentos
(GOFFMAN 1968), um ponto de vista relacional a respeito dos processos identitários
encontra-se em tradições de pesquisas o diferentes como a abordagem genética
de Piaget, a fenomenologia de Schütz, a escola de Chicago ou a etnometodologia.
Esse ponto de vista será, também, encontrado em certas tentativas mais recentes
de desenvolver abordagens longitudinais de diversos tipos de populações, que
procuram integrar as relações entre a subjetividade dos relatos de vida e a
imposição das categorizações institucionais.
Mais recentemente, o fato de levar em conta trajetórias, itinerários e percursos
individuais traduziu-se, na França, por um conjunto de trabalhos empíricos que,
embora não unificados teoricamente, privilegiam as abordagens longitudinais e se
recusam a favorecer uma das duas posições acima definidas (COUTROT e DUBAR,
1992).
Esses trabalhos, na sua grande maioria, almejam reconstruir indutivamente
classes de percursos, principalmente no mercado de trabalho, para aproximá-las das
categorias consideradas como mais ou menos objetivas (classes de idades, níveis
escolares, categorias profissionais, setores de atividade e tipo de empresas). Esses
84
estudos também buscam interpretar relatos biográficos de maneira compreensiva,
recorrendo a categorias subjetivas, não raro, buscando relacionar políticas
institucionais com práticas de emprego, de formação e de mobilidade.
Algumas destas pesquisas procuram contrapor classes de trajetórias
biográficas, delimitadas por meio de calendários de atividade, com relatos
biográficos, reconstruídos a partir de dados de entrevistas (DEMAZIÈRE, 1997 e
DUBAR, 1997). Recorrem também à noção de identidade, embora de forma
específica, articulando a análise das categorizações mais ou menos oficiais ou mais
informais com a das trajetórias interpretadas subjetivamente (DEMAZIÈRE, 1992;
POTTIER, 1992). Essas pesquisas procuram relacionar trajetórias subjetivas com
mundos vividos, organizados em torno de categorias específicas e oriundos da
análise de relatos biográficos, além de proporem a noção de formas identitárias
(DUBAR, 1992; DEMAZIÈRE, 1992; DEMAZIÈRE e DUBAR, 2000).
Trata-se de uma análise objetivista das trajetórias, na medida em que não se
leva em conta o sentido subjetivo que os indivíduos atribuem ao próprio percurso.
Trata-se, também, de uma análise necessariamente redutora, uma vez que a
posição, num dado momento, é medida numa escala apenas. É a relação entre as
posições sucessivas que importa no modelo e não cada posição isolada.
Para Bourdieu, cada grande tipo de trajetória é, às vezes, associado a um
habitus de classe levando em conta, ao mesmo tempo, a inclinação e o nível de
chegada da trajetória social. Por exemplo, um operário filho e neto de operário não
tem o mesmo habitus que um alto executivo, filho e neto de empresário. Pode-se,
contudo, avançar a hipótese de que a ancoragem de cada um em sua classe induz a
certas disposições homólogas.
O modelo, em Bourdieu, é essencialmente hipotético-dedutivo, e os traços
interpretados em termos do habitus são associados tanto a trajetórias quanto a
posições. No entanto, o habitus de classe, expresso principalmente em termos de
qualidades, é empiricamente relacionado antes com posições do que com trajetórias
estatisticamente medidas, o que torna seu modelo, na opinião de alguns
pesquisadores, ambíguo (DUBAR 1992).
Em contraste com a primeira abordagem, que privilegia os quadros sociais da
identificação, esta se apóia, antes, nos processos identitários individuais, no sentido
de que seu ponto de partida está no relato do próprio percurso pelo indivíduo. A
85
hipótese principal que norteia a análise é a de que a colocação desse percurso em
palavras, numa situação de entrevista considerada como um diálogo focando o
sujeito permite a construção lingüística de uma ordem categorial que organiza o
discurso biográfico e lhe confere um significado social (SACKS 1992).
Chama-se de trajetória subjetiva o enredo posto em palavras pela entrevista
biográfica e formalizado por um esquema lógico, reconstruído pelo pesquisador por
meio da análise semântica. Trata-se, também, de uma forma de resumo da
argumentação, extraído da análise do relato e da descoberta de um ou mais
enredos, e dos motivos pelos quais o sujeito está numa situação em que ele mesmo
se define, a partir de acontecimentos passados, aberto para um determinado campo
de possibilidades, mais ou menos desejáveis e acessíveis.
Nas sociedades contemporâneas, a formação, o emprego e o trabalho são os
mais estruturantes espaços-tempos individuais e, portanto, as formas privilegiadas
segundo as quais as pessoas narram as suas vidas, categorizando as sucessivas
situações vividas quando assim solicitadas para fins de pesquisa.
Um dos problemas mais árduos é o da dupla passagem da trajetória objetiva,
num campo determinado (profissional, educativo, familiar), para a trajetória social
global e da forma identitária, à qual se pode vincular um relato especializado
(profissional, educativo, familiar), para uma forma identitária geral, que diz respeito a
todos os campos.
Assim apresentada, a análise das trajetórias aproxima-se do trabalho dos
historiadores. A sua confrontação necessária com as várias temporalidades, com a
ajuda de conceitos tipológicos (PASSERON, 1991), dizem respeito tanto a figuras
individuais (o empresário protestante ou o perito de Weber), quanto a tipos de
funcionamentos e de categorias institucionais (a burocracia weberiana). A ciência de
tornar compreensíveis as relações entre essas diferentes temporalidades é um
recurso que os sociólogos não ignoram.
Os estudos sobre as trajetórias profissionais mostram que estas podem
conduzir os trabalhadores a diferentes tipos de inserção no mercado de trabalho e,
de forma mais ampla, na própria sociedade. A discussão sobre as trajetórias
profissionais contribuiu para identificar neste estudo o que de comum entre as
trajetórias dos docentes entrevistados e compreender os fatores capazes de
influenciar de forma positiva ou negativa o destino das mesmas, bem como as
86
formas específicas de ação dos professores frente à experiência da perda do
emprego.
No mundo do trabalho acadêmico, as trajetórias objetivas passam,
necessariamente, por uma formação superior rigorosa e, principalmente, pela
postulação e ocupação de diferentes postos e cargos de trabalho que se sucedem,
configurando o que se denomina de carreira acadêmica. O próximo capítulo trata da
questão da carreira e da sua importância dentro da trajetória profissional.
87
4 CARREIRA
As mudanças que estão ocorrendo hoje no ambiente das organizações e
instituições, resultado do processo de globalização da economia, têm gerado
inúmeras transformações nas práticas de gestão das carreiras. Verifica-se um
deslocamento das concepções tradicionais de carreira, voltadas para a busca da
estabilidade e administradas pelos empregadores, para concepções mais flexíveis,
em que as pessoas são estimuladas a fazer escolhas, assumindo decisões sobre o
destino das suas carreiras. Este capítulo apresenta uma perspectiva histórica das
principais mudanças no conceito de carreira, dando um especial destaque à carreira
acadêmica, que é o tipo de carreira desenvolvida pelos professores dentro das
instituições universitárias.
Chanlat (1995) relata a existência de dois grandes modelos de carreiras a
partir das sociedades industrializadas: o modelo tradicional e o modelo moderno. O
modelo tradicional, que vigorou até os anos 70, era marcado pela estabilidade,
enriquecimento do cargo, progressões sucessivas e divisão sexual e social do
trabalho, em que apenas os homens trabalhavam, ou seja, a possibilidade de
ascensão pertencia apenas aos grupos socialmente dominantes.
A progressão na carreira era linear e vertical, e os trabalhadores possuíam
maior estabilidade no emprego. o modelo moderno, caracteriza-se por
oportunidades para os profissionais, tanto do sexo masculino como do sexo
feminino, pertencentes a grupos sociais variados. A progressão na carreira é
descontínua, mais horizontal do que vertical, e apresenta uma maior instabilidade.
De acordo com Martins (2001), a palavra carreira origina-se do latim via
carraria, estrada para carros. Somente a partir do Século XIX, passou-se a utilizar o
termo para definir a trajetória de vida profissional. Até recentemente, o conceito de
carreira permaneceu circunscrito a essa analogia, como uma propriedade estrutural
das organizações ou das ocupações. O trabalhador, nessa concepção, entrava em
uma dessas carreiras sabendo, desde o início, o que esperar do percurso.
88
A carreira, numa perspectiva tradicional, é vista, em primeiro lugar, como um
ajustamento do indivíduo a uma ocupação escolhida ou à imagem que dela possui.
Esse processo de ajustamento implica critérios dos quais nasce a noção de
hierarquia ou de seqüência de papéis com maiores responsabilidades dentro de uma
ocupação (LANDAU E HAMMER, 1986; BASTOS, 1997). O segundo aspecto é a
associação da carreira a uma profissão. Um médico, um militar ou um sacerdote,
segundo essa concepção, teriam uma carreira, enquanto que um funcionário de
escritório ou um operário de indústria não as teriam.
O terceiro é a pressuposição de uma estabilidade ocupacional, em que o
indivíduo sempre exerceria atividades relacionadas a sua profissão até a
aposentadoria. Assim sendo, tal conceito não incluiria a trajetória de uma pessoa
que fosse, concomitantemente, professor de inglês e micrompresário comercial. A
carreira, dentro dessa perspectiva, encontra-se mais relacionada ao trabalho
assalariado e aos ocupantes de cargos existentes nessas organizações.
De acordo com Chanlat (1995), as principais causas das mudanças que estão
ocorrendo nas carreiras tradicionais, assim como da ampliação desse conceito,
estão relacionadas aos seguintes fatores: o crescimento da participação das
mulheres no mercado de trabalho; a elevação dos graus de instrução; a
cosmopolitização do tecido social; a afirmação dos direitos dos indivíduos; a
globalização da economia, a competitividade e a turbulência ambiental; a
necessidade de mudança nas organizações; e o crescimento da flexibilização do
trabalho.
De acordo com Robert (1989), com todas essas mudanças que vêm
ocorrendo no mundo do trabalho contemporâneo, a idéia de carreira atualmente
mais aceita pelas pessoas relaciona-se com o exercício de uma ocupação ou
profissão representada por diferentes etapas e possivelmente por uma progressão.
Greenhaus (apud MARTINS, 2001), defende a perspectiva de um conceito de
carreira sem as amarras da abordagem tradicional, na qual a carreira é considerada
um padrão de experiências relacionadas ao trabalho que abrange o curso da vida de
uma pessoa.
Na abordagem tradicional, destacam-se aspectos que limitam o conceito de
carreira, especialmente, a noção de avanço, com a expectativa de progressão
89
vertical na hierarquia de uma organização, à qual se associa a metáfora de escada,
que é acompanhado de sinais de crescente status e de ganhos financeiros.
No contexto atual, dado o seu dinamismo e complexidade, outros aspectos
tornam-se cada vez mais relevantes, tais como a trajetória de carreira, ou seqüência
de experiências de trabalho de uma pessoa ao longo do tempo, tanto na condição
de assalariado como de autônomo, e as transições profissionais, equivalendo às
diferentes etapas do desenvolvimento vocacional que são suscitadas pelas perdas
de emprego e que se revelam ser igualmente transições sócio-profissionais
(Kiliminik, 2000).
Embora a idéia de carreira tenha surgido com a sociedade industrial, é
apenas no século XX que ela vai encontrar seu pleno desenvolvimento. McDaniels e
Gysbers (1992) fazem uma sistematização dos estudos teóricos sobre carreira a
partir de 1900, apresentando uma escala evolutiva de suas concepções em direção
a uma definição ampliada.
Segundo os autores, com o passar do tempo, o conceito de carreira foi
ganhando outros elementos, além do sentido meramente de trabalho ou ocupação
que lhe era atribuído no início. Dessa forma, falar em carreira atualmente significa
-la de forma interligada a essas outras dimensões. Significa também que a
carreira não é determinada a priori, mas é algo a ser construído, sugerindo um papel
mais ativo do trabalhador no decorrer do processo.
Além disso, diversos aspectos da interação dos ciclos da vida, do lazer e dos
estilos de vida com a ocupação passaram a ser cada vez mais evidenciados. Schein
(1978), por exemplo, conceituando o que chamou de perspectiva de
desenvolvimento de carreira, menciona a necessidade de se estabelecer uma
relação entre auto-desenvolvimento, desenvolvimento de carreira e desenvolvimento
da vida pessoal e familiar. Para refletir sobre a carreira das pessoas, seria preciso,
conforme o autor, entender as suas necessidades e características, as quais não
estão ligadas apenas à vida no trabalho, mas são fruto da interação da pessoa com
todos os espaços de sua vida.
Nos anos 1990, as definições ampliadas tornaram-se cada vez mais
utilizadas. Expressões como espaço de vida e projeto de vida aparecem
constantemente nas conceituações. O conceito de espaço de vida engloba
diferentes aspectos, tais como necessidades, desejos, ansiedade, capacidades,
90
potencialidades pessoais e também as pressões e condicionantes ambientais. Além
de incluir as responsabilidades assumidas no campo estritamente familiar, fizeram
convergir as idéias de desenvolvimento de carreira para o próprio desenvolvimento
pessoal (OLIVEIRA e BASTOS, 2000).
Como conseqüência do movimento de descentralização empreendido pelas
organizações e instituições, o planejamento de carreira é uma das funções que
ganham autonomia passando a ser entendido como um processo que deve ser
elaborado, a priori, pelos próprios empregados. Hall (1996) afirma que cada vez
mais esses empregados estão sendo vistos como semi-autônomos, profissionais
auto-administrados, e que a gestão da carreira não está mais centrada nas
organizações e instituições, mas em suas próprias competências.
De acordo com Oliveira e Bastos (2000), durante muito tempo, as
organizações acreditavam que a carreira era de responsabilidade do empregado, o
que, na maioria das vezes, era uma forma destas ocultarem o fato de não
promoverem nenhum tipo de ação que oferecesse perspectivas de crescimento aos
empregados dos veis mais baixos na hierarquia. Esses autores, entretanto,
consideram que a situação se modificou. Atualmente, grande parte das
organizações já admite que realmente não tem como fazer o planejamento individual
das carreiras, e os trabalhadores, por outro lado, não acreditam em promessas
dessa natureza.
Para Greenhaus (apud MARTINS, 2001) carreira é um padrão de
experiências relacionadas ao trabalho que abrange o curso da vida de uma pessoa.
Nessa perspectiva, surge um novo tipo de profissional, denominado pelo autor de
proteano, que é a descrição do tipo de indivíduo que mais facilmente se adapta ao
novo contrato psicológico e às demandas da sociedade do conhecimento. O
profissional proteano tende a combinar as características relacionais, baseadas no
desempenho, e as transacionais, baseadas na capacidade da organização favorecer
o alcance de sucesso psicológico.
A expressão proteana deriva de Proteu, o deus que na mitologia grega
possuía a habilidade de mudar de forma ao comando de sua vontade. A carreira
proteana é gerenciada pelo próprio trabalhador, não mais pela organização. É vista
como um processo que consiste de todas as experiências do indivíduo em
educação, treinamento, trabalho e mudanças no campo ocupacional.
91
A carreira proteana consiste de uma série de experiências, habilidades,
aprendizagens, transições e mudanças na identidade do profissional adquiridas ao
longo da sua trajetória profissional, onde o desenvolvimento profissional é
considerado como uma capacidade de aprendizado contínuo, auto-dirigido e
relacional, encontrado em novos desafios de trabalho.
É desenhada mais pelo indivíduo do que pela organização e redirecionada,
de tempos em tempos, a fim de atender às necessidades do profissional, sendo
marcada por escolhas pessoais e pela busca por auto-realização. O critério de
sucesso profissional passa a ser interno, ou seja, a busca de sucesso psicológico.
Também o desenvolvimento profissional não é necessariamente sinônimo de
treinamento formal ou mobilidade vertical. Mudam os requisitos da carreira, do saber
como (know-how) para o aprender como (learn-how), da segurança no emprego
para a empregabilidade, das carreiras organizacionais para as proteanas e da
identidade profissional (work self) para a identidade integral (whole self). Nessa
perspectiva, as organizações provêem atribuições desafiadoras, promotoras de
desenvolvimento e informações e outros recursos para o desenvolvimento; no qual a
meta passa a ser o sucesso psicológico, subjetivo e interno.
Hall (apud MARTINS, 2001) entende a carreira como uma série de
experiências e de aprendizados pessoais, relacionados ao trabalho ao longo da vida.
Observa que, no passado, os estudos de carreira enfocavam os cargos e ocupações
do indivíduo, enquanto que na atualidade se dirigem às percepções do indivíduo
sobre a própria carreira. O autor considera que a carreira interna e seu planejamento
pessoal estariam recebendo maior atenção do que a carreira externa planejada pela
empresa.
Assim, a carreira proteana é desenhada mais pelo indivíduo do que pela
organização, e pode ser redirecionada, de tempos em tempos para atender às
necessidades da pessoa (CALDAS e TONELLI, 2000; CARVALHO e GRISCI, 2002).
Atualmente, em termos de desenvolvimento profissional, as pessoas não seguem
apenas uma única carreira, mas várias carreiras diferentes durante o curso de suas
vidas e, às vezes, até de forma simultânea. Essas mudanças, no entanto, provocam
novas dificuldades, trazendo à tona questões tais como saber administrar a tensão
entre a vida profissional e a vida pessoal.
92
Evans (1996) aponta para o fato de que as carreiras estão adotando uma
configuração espiralada em substituição ao formato de uma escada. Uma trajetória
de carreira em espiral estaria muito mais alinhada, mais em sintonia com as
necessidades e desafios do mundo contemporâneo, pois possibilitaria o
desenvolvimento de pessoas que têm profundidade e amplitude de habilidades.
Esses profissionais precisariam apresentar tanto a expertise de especialistas, quanto
uma visão mais ampla, do generalista.
De acordo com Handy (1997), a verdadeira revolução social é a mudança de
uma vida amplamente organizada, em direção a um mundo no qual somos todos
forçados a estar no comando do nosso próprio destino. Nesse mesmo sentido,
Drucker (1999) afirma que um número crescente de pessoas tem a possibilidade de
fazer escolhas. Pela primeira vez, as pessoas teriam a oportunidade de administrar
as próprias carreiras. Porém, segundo o autor, elas estariam despreparadas para
isso, uma vez que necessitariam enquadrar-se a uma série de exigências do
contexto organizacional e possuir uma ampla gama de competências.
Lacombe (2002) sugere que o atual contexto de flexibilização estrutural
favorece a participação e a integração do trabalhador através do trabalho em
grupos, conferindo uma maior autonomia no processo decisório e no ato do trabalho
em si. Sennett (1999) chama a atenção, porém, para o fato de que, na produção
flexível, o trabalho organizado em grupos reforça muitas vezes a dominação da
organização sobre os trabalhadores, em nome da participação e comprometimento.
Para Robert (1989), a noção tradicional de carreira, vista como um caminho a
ser trilhado, uma ocupação ou profissão representada por etapas e, possivelmente,
por uma progressão, perde-se nessa nova forma de organização flexível baseada
nos grupos de trabalho.
Decorre daí, a necessidade de pesquisas sobre trajetórias de carreira,
segundo as percepções dos próprios trabalhadores envolvidos, o que pode revelar
como estes estão reagindo diante das atuais formas de organização e gestão do
trabalho que têm os grupos como as unidades básicas de trabalho. Dentro do
conjunto de estudos existentes sobre carreira, aqueles relacionados à investigação
das competências profissionais que são exigidas durante a formação e na relação
do indivíduo com o desenvolvimento do seu trabalho ganham cada vez mais
importância.
93
Nos últimos anos, o tema competência tornou-se uma constante na pauta das
discussões acadêmicas e empresariais. No âmbito das empresas e instituições
universitárias, essa discussão justifica-se pela crescente modificação contextual que
vem ocorrendo diante dos processos de globalização e competição acirrada.
Os autores que discutem o tema competência, a exemplo de Zarifian (2001),
Fleury e Fleury (2001), Vergara e Branco (1995), consideram que a lógica da
competência vem acompanhar as transformações em curso na organização do
trabalho, particularmente no que se refere ao crescente uso dos trabalhos em grupo,
das redes e das novas tecnologias de informação e comunicação.
No que se refere à competência, não há ainda uma unanimidade sobre sua
definição, pois o termo é utilizado em diferentes contextos e com vários sentidos.
Barato (1998) menciona duas linhas principais: a Escola Francesa que enfatiza a
vinculação entre trabalho e educação, considerando as competências como o
resultado da educação sistemática e valorizando o modo como as escolas
enriquecem o repertório de habilidades dos alunos, e a Escola Britânica, que define
competências a partir do mercado de trabalho, enfatizando fatores ou aspectos
ligados aos descritores de desempenhos requeridos pelas organizações produtivas,
privilegiando os comportamentos observáveis.
Apesar dessas diferenças, ambas consideram competência como a
capacidade pessoal de articular saberes com fazeres característicos de situações
concretas de trabalho. De acordo com Luz (2001), o conceito de competência
envolve os saberes ou conhecimentos formais, que podem ser traduzidos em fatos e
regras. Englobam, o saber fazer, que pertence à esfera dos conhecimentos
empíricos e que se desenvolvem na prática cotidiana de uma profissão ou
ocupação; e o saber ser, compreendido como o saber social ou do senso comum,
que mobiliza estratégias e raciocínios complexos, interpretações e visões de mundo.
Para Luz (2001), ser competente é saber transferir, saber combinar e integrar,
o que supõe a capacidade de aprender e adaptar-se, ou seja, as formas de
obtenção da competência exigem uma capacidade de transferência, de
aprendizagem e de adaptação. A autora destaca que a competência é um atributo
do sujeito que não se confunde com os saberes.
Le Boterf (1995) observa que a competência não é um estado nem um
conhecimento que se possui; uma vez que as pessoas podem aplicá-la ou não nas
94
situações de trabalho. A competência, nesse sentido, realiza-se na ação. Não
reside, portanto, em recursos como habilidades e conhecimentos em si mesmos,
mas sim na mobilização destes em situações concretas de trabalho. Além disso, o
autor considera que a essência da competência é um saber agir, que difere do saber
fazer por sua finalidade, pois a ação distingue-se do comportamento por ter uma
significação para o sujeito. Muitas vezes, o saber agir pode significar não agir.
Ropé e Tanguy (1997) também consideram que a competência é inseparável
da ação e os conhecimentos teóricos ou técnicos são utilizados de acordo com a
capacidade de executar as decisões que a ação sugere. A competência é a
capacidade de resolver um problema em uma dada situação.
Sant‟Anna (2002) compreende competência como a resultante da
combinação de múltiplos saberes: o saber fazer, o saber agir e o saber ser. Para o
autor, o desenvolvimento destas competências propicia aos trabalhadores os meios
de responder aos desafios advindos dos atuais processos de reestruturação e
flexibilização produtiva presentes nas organizações e instituições.
A competência é considerada por Le Boterf (1995) como uma capacidade
contingencial, o que significa que é sempre exercida em um contexto particular,
sendo mediada por limitações e recursos, e que é impactada diretamente pelas
interferências de uma determinada situação.
Além de ser contingencial, a competência está ligada à cultura da
organização, sofrendo interferências da mesma. Os valores, as informações, as
funções e os papéis existentes podem favorecer ou dificultar o desenvolvimento de
determinadas competências. Além disso, a competência depende da rede de
relações pessoais e profissionais do indivíduo. Ela não se reduz ao saber fazer
individual, uma vez que o sujeito extrai conhecimentos da relação com o seu grupo,
ou seja, a competência é sempre criada nas trocas comunicacionais dentro dos
grupos, no momento em que o saber fazer dos indivíduos são confrontados.
A fim de responder a todo esse contexto de mudanças, as organizações e
instituições estão direcionando seus investimentos em desenvolvimento humano
para ações que buscam desenvolver as competências dos seus trabalhadores.
Assim, um movimento crescente para o desenvolvimento de sistemas de gestão
que possam assegurar esses resultados.
95
Esses sistemas, baseados na valorização do conjunto de saberes tácitos e
explícitos, construídos e consolidados na trajetória de carreira dos trabalhadores,
diferem substancialmente dos modelos tradicionais que tinham sua ênfase na noção
de qualificação, refletida, principalmente, na formação adquirida por estes através do
sistema formal de educação,
Os modelos baseados em competências valorizam os conhecimentos citos
dos trabalhadores em oposição às qualificações formais. m como suporte a
capacidade cognitiva pessoal e social destes para se desenvolverem
profissionalmente. A ênfase é dada a essa capacidade de responderem a situações
profissionais específicas, e não na qualificação formal prévia que eles possuem para
um determinado emprego.
O desenvolvimento de sistemas de gestão baseados em competências,
resultado das mudanças em curso nos padrões de produção, de consumo e de
sociabilidade que começaram a ser processadas ao final do século XX, trouxe
implicações também para o pensamento educacional. Nesse novo contexto, a noção
de competência emerge como o novo ordenador das relações de trabalho e
educativas no âmbito da sociedade contemporânea.
Um conjunto de novos conceitos foi criado pela emergente cultura de
trabalho, desempenhando um papel específico na representação da sociedade,
quanto aos processos de formação dos trabalhadores. Dentre esses, a noção de
competência é exemplar, conformando uma nova pedagogia que promove uma
supervalorização do processo educacional como construtor de personalidades
flexíveis e adaptáveis. No âmbito da gestão do trabalho, essa noção passou a
orientar o envolvimento dos trabalhadores com a cultura das empresas.
No caso da educação no Brasil, a noção de competências tem respaldo em
importantes documentos do Conselho Nacional de Educação. Dentre esses,
destaca-se o Parecer 15/98 da Câmara de Educação Básica, que trata das
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Este documento,
considerado o marco referencial do tema, apresenta os princípios axiológicos e
pedagógicos que orientam as condutas dos professores e gestores escolares na
construção de projetos educacionais nos sistemas e instituições de ensino.
Esses princípios baseiam-se numa forma de ver a sociedade e suas relações
na contemporaneidade, demonstrando uma confiança no atual estágio de avanço da
96
tecnologia e na capacidade da escola de preparar cidadãos e trabalhadores
intelectual e psicologicamente adequados aos novos modelos de organização do
trabalho. Do processo educacional, então, solicita-se o desenvolvimento de
competências que orientem os jovens em suas condutas de acordo com os valores
atuais, visando à realização de seu projeto de vida com base nas capacidades
próprias e nos recursos que o meio oferece.
Nesse cenário, as instituições universitárias são convocadas a contribuir para
o desenvolvimento de competências gerais, visando à constituição de pessoas mais
aptas a assimilar mudanças, mais autônomas em suas escolhas, que respeitem as
diferenças e, ainda, que constituam identidades capazes de suportar a inquietação
de conviver com a incerteza, o imprevisível e o diferente.
A incorporação dos valores sociais contemporâneos na educação, em seus
diferentes níveis, coloca para as instituições a função de desenvolver as
competências dos alunos que possibilitem sua adaptação às instabilidades da vida,
particularmente ao atual contexto flexível do mundo do trabalho.
Sabe-se, entretanto, que as trajetórias educacionais e profissionais das
pessoas o, no plano concreto, em grande parte, socialmente determinadas pela
origem de classe, e não exclusivamente pelo resultado de escolhas, subjetivamente
realizadas, de acordo com os projetos próprios de vida. É por isso que se deve
problematizar o conceito de trabalho que tem orientado a pedagogia das
competências, assim como a própria noção de competência.
No sistema organizacional de base taylorista-fordista, a unidade de análise é
o posto de trabalho, ao qual os trabalhadores se vinculam por suas funções,
descritas principalmente em termos de procedimentos. No sistema integrado e
flexível, a relação se inverte; isto é, a importância é conferida ao perfil dos
trabalhadores e não aos papéis que eles exercem.
As funções são descritas em termos de resultados, que podem ser atingidos
por procedimentos diversos, desde que o equilíbrio organizacional seja
permanentemente mantido ou recomposto. O tipo de trabalhador que interessa é o
trabalhador flexível ou multifuncional que é capaz de mobilizar seus atributos
cognitivos e sócio-afetivos, a fim de obter os melhores resultados para a
organização.
97
Assim, nessa nova lógica, a unidade mínima da análise funcional desloca-se
do posto de trabalho para a competência dos trabalhadores. Essa mudança de
enfoque concebe a organização como um sistema aberto, no qual intervêm variáveis
organizacionais, interpessoais e de personalidade. Os atributos psicológicos dos
indivíduos tornam-se essenciais para o funcionamento integrado e flexível das
organizações.
O que se considerava como disfunções no funcionalismo clássico, é chamado
agora de eventos e, ao invés de serem considerados indesejáveis ou anormais,
passaram a compor o funcionamento dos sistemas. A recomposição do equilíbrio,
como necessidade provocada pelos eventos, assume a forma de melhoria
permanente dos processos produtivos, bem como de oportunidade para o
desenvolvimento de novas competências para os trabalhadores. É este o contexto
do trabalho que passa a orientar as finalidades educacionais.
Conforme analisa Dubar (1998b), no auge do taylorismo-fordismo, os
conhecimentos adquiridos no sistema educativo representavam um dos principais
recursos dos egressos para a sua entrada no mercado de trabalho. A articulação
entre o sistema educativo e o sistema produtivo dependia, em grande parte, da
gestão desses conhecimentos. Essa relação era construída principalmente em
função dos conhecimentos transmitidos e adquiridos pelos agentes escolares. Nesse
contexto, a inserção profissional era vista como o momento em que o indivíduo ia
negociar os conhecimentos adquiridos a fim de obter um emprego. Atualmente, o
foco mudou, e os trabalhadores passaram a negociar as suas competências,
entendidas como uma síntese de diferentes saberes.
Bernstein (1996), analisando a atual pedagogia que tem por base as
competências, entende que o campo da produção estaria se simplificando, enquanto
o campo do controle simbólico estaria ampliando suas funções de vigilância, em
decorrência do enfraquecimento da disciplina e da nova ética do trabalho.
Para o autor, o nculo entre a educação e a produção estaria enfraquecendo,
enquanto o nculo entre a educação e o controle simbólico estaria sendo
fortalecido, generalizando-se em todos os níveis. Essa visão ratifica o papel da
educação muito mais na conformação da personalidade e da consciência do que
dos conhecimentos técnicos e científicos.
98
Para Bernstein (1996), a pedagogia das competências orienta-se para o
mercado de trabalho, preocupa-se com a eficácia do sistema e com a aquisição de
um conjunto de competências genéricas exigidas pelo mundo do trabalho
contemporâneo, confere ênfase aos aspectos subjetivos dos alunos, em especial
àqueles relacionados à aprendizagem, sem considerar o conjunto das
determinações históricas e sociais que incidem sobre a educação, promovendo uma
despolitização de todo o processo educacional.
Nessa nova racionalidade, a educação deve abandonar a suposição da
existência de saberes socialmente construídos e universalmente aceitos a serem
transmitidos. O compromisso da educação passa a ser com a geração de
oportunidades aos alunos, a fim de que estes possam se defrontar com elas e, a
partir delas, localizarem-se diante de uma realidade objetiva, reconstruindo-a
subjetivamente em benefício de seus projetos pessoais e a serviço de suas
competências.
Para os autores que analisam criticamente a atual lógica das competências,
tais como Bernstein (1996), a pedagogia das competências no contexto da cultura
educacional contemporânea, é a forma privilegiada através da qual se efetiva o
discurso regulativo, no qual a conformação das personalidades dos alunos adquire
ênfase em detrimento das formas tradicionais de transmissão e construção dos
conhecimentos.
Atualmente, a formação dos trabalhadores também obedece a essa nova
lógica, transcendendo as práticas educativas formais que se dão na escola e nas
instituições de formação, para envolver a construção de uma nova racionalidade em
que as relações de trabalho são pautadas pela busca de autonomia, pelo
empreendedorismo e pela valorização das competências individuais.
No ambiente das organizações e instituições educacionais públicas e privadas
de nível superior, de forma crescente, concretizam-se políticas e práticas que
buscam implantar essa nova forma de racionalidade no trabalho. Estas passam a
direcionar a formação e a carreira acadêmica dos professores para o
desenvolvimento de um conjunto de competências específicas essenciais, visando à
garantia da empregabilidade. Essa busca tem impacto sobre o destino das
trajetórias profissionais destes docentes. Na Seção seguinte, busca-se analisar essa
nova realidade em relação à carreira acadêmica.
99
4.1 CARREIRA ACADÊMICA NO BRASIL
As mudanças pelas quais vem passando o ensino superior brasileiro nas
últimas décadas produziram uma série de impactos nas condições de trabalho e de
desenvolvimento profissional dos docentes acadêmicos no Brasil. A análise da
carreira acadêmica dos professores do ensino superior, no contexto dos diferentes
tipos de instituição em que atuam, constitui-se hoje em um conhecimento essencial
para a compreensão dos limites e da eficácia das políticas adotadas no interior do
sistema de educação no país.
De acordo com Enders (2001), o ensino superior diferencia-se dos outros
setores de produção e serviço da sociedade ocidental por apresentar um conjunto
mais aberto e flexível de metas, um alto nível de fragmentação, uma baixa presença
de coerções verticais e uma forte influência dos profissionais que o constituem,
especialmente os docentes, na determinação de seus objetivos, formas de
funcionamento, avaliação e rotinas.
Como assinala Perkins (1969), em um estudo clássico sobre o trabalho
docente, os profissionais ligados à academia constituem um dos grupos mais
influentes na formação da opinião da sociedade, uma profissão chave (key
profession), de acordo com o autor, que tem um forte impacto na organização dos
demais setores sociais.
Nas últimas décadas, o ensino superior, bem como a profissão e a carreira
acadêmica, têm experimentado em todo o mundo significativas mudanças. Segundo
Siqueira (2005) verifica-se hoje uma expansão do ensino superior em todo o mundo.
Com o aval de importantes documentos oficiais de governos e de organismos
internacionais como a UNESCO, sobre o valor da disseminação da educação de
terceiro grau como condição para o desenvolvimento sustentado de qualquer país, o
modelo americano, descentralizado e mais permeável à influência do ambiente
externo, estimulou um crescimento impressionante do sistema no fim do último
milênio.
Os impactos desse modelo no país têm repercutido no aumento do número
de instituições e tipos de titulação; na oferta de cursos de licenciatura plena, curta
seqüenciais, intensivos, diurnos e noturnos; no incremento do ensino à distância e
100
na ampliação da cobertura geográfica. E tudo indica que esse cenário persistirá nos
próximos anos. Acompanhando a tendência internacional, o Brasil aumentou a sua
oferta de ensino superior nos últimos anos, expressa no número de vagas, de
cursos e de estabelecimentos, atingindo de 8 a 10% de crescimento anual desde o
ano 2000.
Os dados associados a esse novo cenário (Capítulo 2) mostram que essas
mudanças são fortemente perceptíveis em toda a sociedade através de uma série
de fatores: o significativo crescimento da população estudantil, que permanece em
descompasso com o crescimento mais lento das instituições e da comunidade
acadêmica; as limitações orçamentárias, freqüentemente associadas a pressões
para ampliar o controle e burocratizar os sistemas de avaliação a que estão
submetidos instituições e profissionais que nela trabalham; e as novas tecnologias
que ampliam as possibilidades de ensino à distância e de internacionalização do
ensino superior (ENDERS, 2005).
Na literatura internacional (ALTBACH, 1996, ENDERS e TEICHLER, 1997,
ENDERS, 2001), essas mudanças são associadas as seguintes tendências: o
declínio do status social da profissão acadêmica. Os dados que dão suporte a essa
constatação mostram um visível decréscimo da renda recebida pelo trabalho
acadêmico e um aumento do número de profissionais mais jovens que são
pressionados a aceitar postos de trabalho com menor horizonte profissional; as
limitações de recursos e investimentos no ensino superior, especialmente no setor
público, que se traduz no aumento da proporção de alunos por professor e em
menos recursos públicos para o financiamento de pesquisas acadêmicas; a
diminuição da autoridade das instâncias colegiadas dentro das instituições de
ensino superior, acompanhada por uma crescente relevância das instâncias
administrativas no interior destas instituições; e o aumento da crítica, por parte do
governo e da sociedade, em relação aos resultados alcançados pelas instituições
acadêmicas. Essas críticas questionam a qualidade e a inadequação do ensino
oferecido por essas instituições e a baixa relevância econômica e social do
conhecimento produzido por seus profissionais.
De acordo com a literatura recente, essas pressões têm alterado a realidade
do ensino superior em todo o mundo. Os principais fatores que impulsionam essas
mudanças são: o aumento da heterogeneidade, com a multiplicação e diversificação
das instituições; a forte descentralização, com o aumento da autonomia das
101
instituições e a presença de outras instâncias locais e regionais; e a aproximação do
ensino superior com o mercado, através de um conjunto de políticas que buscam
criar um ambiente mais competitivo, tanto entre as instituições de ensino superior
como em seu interior.
Em outra perspectiva teórica, as mudanças atuais pelas quais passam o
ensino superior foram analisadas em escala internacional por Etzkowitz e
Leydesdorff (2000), a partir de um modelo de análise denominado pelos
pesquisadores de hélice tripla. Este modelo propõe que o ensino superior está
passando por uma quebra de paradigmas, na medida em que vem incorporando
uma nova perspectiva em sua agenda, ou seja, o papel de instituição de suporte e
de indução do desenvolvimento econômico. E, dessa forma, disponibilizando para a
sociedade os conhecimentos e as competências necessárias ao novo ambiente
criado pelos processos associados à globalização econômica e tecnológica.
O modelo apresentado por esses autores ressalta mudanças importantes na
interação entre os sistemas acadêmicos e o seu entorno, especialmente o Estado e
as empresas privadas, bem como em relação às novas expectativas que se
desenvolvem em relação ao papel das instituições acadêmicas na sociedade
contemporânea. Um aspecto central desses estudos é a análise das mudanças que
se verificam hoje no interior das universidades e as tensões que estas mudanças
impõem sobre os profissionais da academia.
Essas mudanças também tiveram importantes reflexos no Brasil. Os anos
noventa do século passado foram anos de grandes mudanças nas instâncias que
regulam, acompanham e avaliam o sistema nacional de educação superior. Entre
1995 e 2003, o Ministério da Educação criou o Exame Nacional de Cursos, que
buscava avaliar a formação oferecida pelas instituições mediante uma prova
específica para cada curso, aplicada aos formandos de todas as instituições
brasileiras que ofereciam aquele curso. Ainda que essa avaliação tenha
permanecido circunscrita a um número limitado de áreas de conhecimento, seu
impacto se fez sentir em todo o sistema de ensino superior brasileiro.
Mais recentemente, o governo buscou substituir o Exame Nacional de Cursos
pelo Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES), que passou a
fazer a avaliação dos cursos através de provas aplicadas em amostras de alunos
ingressantes e concluintes dos cursos. A adoção do Exame Nacional de Cursos
102
representou um marco na história do ensino superior brasileiro, na medida em que
foi a primeira vez que o desempenho de todas as instituições de ensino superior foi
avaliado por um mesmo parâmetro e em uma avaliação publica de escopo nacional.
Seus efeitos começaram a ser percebidos no ano de 1995, quando uma onda
de preocupação com a qualidade dos cursos se estendeu por todo o sistema. Desde
então, medidas voltadas para a melhoria do ensino puderam ser detectadas em
quase todas as instituições. Esses resultados foram reforçados por uma pressão
sistemática do Ministério da Educação no sentido de avaliar as instituições que têm
baixo desempenho nesse exame.
Por outro lado, a diversificação do sistema foi reconhecida pela primeira vez
na lei brasileira em 1996, com a promulgação da LDBEN, reafirmando o princípio de
que a vocação do ensino superior é a pesquisa, o ensino e a extensão. A nova lei
reconheceu explicitamente a existência de um formato institucional prioritariamente
voltado para o ensino. Além disso, o pressuposto clássico do currículo mínimo foi
substituído pela noção mais flexível das diretrizes curriculares. Essa nova
concepção abriu maior espaço de experimentação para as instituições com vocação
inovadora. A nova legislação também permitiu às instituições o fornecimento de
certificações intermediárias, que podem ser outorgadas aos estudantes que
completam os dois primeiros anos do curso acadêmico.
Finalmente, a nova legislação conferiu maior autonomia para as
Universidades e criou um patamar mais exigente de perfil acadêmico para o
credenciamento e, pela primeira vez, para o recredenciamento destas instituições.
Pela LDBEN, todas as Universidades precisam ter ao menos 1/3 de seu corpo
docente com titulação mínima de mestre; uma carreira institucional que incorpore
em seus critérios de promoção a titulação acadêmica e a obrigatoriedade de
titulação mínima de Doutor para o profissional que ocupe o cargo de Reitor.
Concomitante a essas iniciativas, houve um aumento do dinamismo dos
órgãos normativos, como é o caso do Conselho Nacional da Educação e das
instâncias de acompanhamento e avaliação, tais como o Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Atualmente, o governo
federal prepara uma nova proposta de reforma do ensino superior que já começou a
ser discutida, mas cujas alternativas de mudança ainda são pouco conhecidas.
103
Todas essas reformas produziram impactos agregados importantes sobre o
sistema de ensino superior no Brasil, especialmente em relação ao perfil dos seus
docentes e suas carreiras acadêmicas.
O objetivo deste capítulo é, portanto, analisar os principais efeitos dessas
mudanças na profissão e carreira acadêmica dos professores das instituições de
ensino superior brasileiras, assinalando as suas principais características dentro do
sistema de ensino superior no Brasil.
A partir de dois estudos de referência sobre a carreira acadêmica no Brasil
(SCHWARTZMAN 1997; BALBACHEVSKY, 2007), foi desenvolvida esta análise da
profissão docente no Brasil. As perspectivas apresentadas por esses autores
ressaltam mudanças e avanços importantes ocorridos nas últimas décadas no país,
ao mesmo tempo em que questionam sobre as reais possibilidades da constituição
de uma profissão acadêmica em seu sentido estrito.
Para Schwartzman (1997), a partir da reforma de 1968, o sistema de ensino
superior brasileiro tem sido objeto de muitos estudos, que destacam, entre outros
aspectos, as mudanças nas estruturas organizacionais das universidades, com a
criação dos institutos e departamentos, o estabelecimento da pós-graduação e da
pesquisa, os contrastes entre os modelos de ensino e pesquisa das universidades e
a proliferação das instituições isoladas. Pom, um dos aspectos menos estudados
dos efeitos da reforma diz respeito à criação da carreira e profissão acadêmica no
Brasil.
Segundo esse autor, se no início dos anos 60 existiam apenas algumas
centenas de professores no Brasil que tinham no ensino superior sua identidade
profissional, hoje este número alcança dezenas de milhares, constituindo um ator
social essencial no destino do sistema educacional do país como um todo e, mais
especificamente, das instituições de ensino superior público e privado.
A profissão e a carreira acadêmica são relativamente novas no Brasil. Na
universidade brasileira, até recentemente, os professores se identificavam mais com
suas profissões de origem, tais como a medicina, a advocacia, a engenharia e a
arquitetura, do que com a função específica de professor que significava apenas um
título adicional ou de status dentro de outra carreira profissional bem sucedida.
O significativo crescimento do ensino superior nas últimas décadas do século
passado no Brasil fez com que surgissem três tipos predominantes de professores.
104
O primeiro, denominado de acadêmico, que faz parte do grupo minoritário,
representa os ideais das instituições acadêmicas reformadas e progressistas. É o
professor pesquisador e cientista, intelectualmente bem formado, gerador de
conhecimentos novos, capacitado para transmitir aos estudantes os segredos do
conhecimento criativo, independente e crítico.
Para este grupo, a identidade profissional passa por suas áreas específicas
de competência e especialização, e, sobretudo, pela identificação com uma ética de
trabalho baseada na competência individual e na liberdade de escolha de seus
temas de ensino, pesquisa e reflexão. Geralmente trabalha em grandes instituições
acadêmicas, dependendo de recursos públicos para suas atividades.
O segundo tipo derivou do antigo professor do ensino médio. Nos sistemas
europeus que o Brasil procurou imitar, essa etapa era responsável pela formação
básica e humanística, através da transmissão da língua, da cultura e das
habilidades da inteligência, com a qual os jovens depois se dirigiriam para a
formação prática e profissional das escolas superiores.
A profissão de professor vinha muitas vezes imbuída destes valores
educacionais e culturais, que estiveram presentes nos principais colégios públicos e
privados, confessionais ou leigos, das grandes cidades brasileiras até os anos 50 e
60, e que ainda sobrevivem em algumas localidades. Ao expandirem e aumentarem
de prestígio, no entanto, as instituições acadêmicas, especialmente as
universidades, retiraram do ensino médio seus melhores talentos, deixando nele a
velha geração, que não fez a transição para o novo sistema, ou aqueles que ficaram
à sua margem.
Este professor é pouco valorizado e motivado, obrigado a multiplicar suas
aulas para garantir um salário razoável ao final do mês, ocupando a periferia do
ensino superior e trabalhando, normalmente, nas instituições isoladas privadas, na
maioria noturna, muitas delas resultado de transformações e expansões de antigas
escolas secundárias.
É difícil falar nesse tipo de professor como fazendo parte da profissão
acadêmica, a o ser no sentido estatístico do termo, uma vez que para esse grupo
não existem padrões profissionais definidos, identidades sociais claramente
construídas, conhecimentos específicos e estilos de trabalho próprios.
105
O terceiro grupo é formado pelo professor universitário que conseguiu um
lugar estável e de tempo integral em instituições públicas, mas não tem as
condições de formação e desempenho profissional do primeiro grupo. Sua
subsistência e identidade profissional não passam necessariamente pelo trabalho
em sua área de especialização, nem pela atuação como intelectual ou pesquisador
individual e autônomo, mas sim como membro da instituição ou categoria a que
pertence.
Uma pesquisa sobre a profissão acadêmica no Brasil, realizada em 1992,
como parte de um estudo internacional comparado coordenado pela Carnegie
Foundation for the Advancement of Teaching, Princeton, New Jersey, que teve a
participação de cerca de 15 países, entre os quais México, Chile, Alemanha, Israel,
Rússia, Egito e Estados Unidos, mostrou que esta ainda se encontra limitada a um
setor pequeno e diferenciado (SCHWARTZMAN, 1997).
Esse estudo mostrou que a distribuição dos docentes do ensino superior no
Brasil, por região e tipo de instituição, indica a existência de grandes diferenças
regionais e institucionais. A estas correspondem significativas diferenças nas
condições de trabalho e na qualificação dos professores. Ao mesmo tempo em que
existe um pequeno grupo de professores que trabalha em tempo integral, é bem
qualificado, tem possibilidades de aperfeiçoamento acadêmico e carga didática
relativamente leve, existe um grande grupo com baixa qualificação, sem apoio
institucional para se desenvolver, trabalhando em tempo parcial e com grande carga
didática.
Entre esses dois contextos, encontram-se as mais variadas e contraditórias
situações institucionais, como, por exemplo, as instituições que têm muitos
professores de tempo integral, mas com pouca qualificação. Ao se analisar essa
variedade de situações, a partir de indicadores como o tipo de dependência
administrativa, região e instituição, verifica-se que as universidades federais e
estaduais, que concentram um número relativamente pequeno de instituições e
alunos, são as que possuem mais professores de tempo integral, menos estudantes
por professor, mais funcionários por professor, e mais oportunidades de
aperfeiçoamento.
Estas diferenças ocorrem também quando se comparam as universidades e
as instituições não universitárias, que incluem escolas isoladas e federações de
106
estabelecimentos, em sua grande maioria privadas. Não existem, no entanto,
grandes diferenças regionais, a não ser em relação ao regime de tempo integral,
que predomina mais no Norte e no Nordeste do que no resto do país, devido ao
número relativamente menor de estabelecimentos particulares naquelas regiões.
Os dados mostram que, nas universidades brasileiras, o emprego em tempo
integral (regime de tempo integral ou de dedicação exclusiva) e a titulação dos
professores são características relativamente independentes. Ainda que as
instituições com menos professores em tempo integral tendam a ter também
professores menos titulados, a recíproca não é verdadeira.
Um número bastante significativo de professores trabalha em instituições em
que há um grande número de docentes em tempo integral, mas poucos qualificados.
Combinando estas duas dimensões, pode-se construir uma tipologia bastante
representativa das instituições de ensino superior no Brasil, quanto ao seu corpo
docente.
Em um extremo situam-se os docentes que trabalham em instituições em que
quase não existem professores de tempo integral, nem com mestrado ou doutorado,
mostrando que a profissão acadêmica não apresenta dois de seus principais
atributos, que são a formação de alto nível e uma carreira estável que está
vinculada as suas qualificações.
No outro extremo, encontram-se os professores que atuam em instituições
nas quais o regime de dedicação integral é a regra e cujo corpo docente, além de
apresentar uma qualificação razoável, está voltado para as atividades de pesquisa.
Aqui se encontra a profissão acadêmica no seu sentido estrito.
Um terceiro tipo é formado pelos docentes que trabalham nas instituições que
combinam regime de dedicação integral e baixa ou média qualificação acadêmica.
Nestas instituições, a carreira acadêmica não apresenta uma de suas
características fundamentais, ou seja, o caráter de mérito, mantendo, no entanto, a
da estabilidade no trabalho. Ela assemelha-se às carreiras funcionais ou
administrativas, nas quais a ascensão é determinada por outros critérios que não os
de desempenho acadêmico.
A relação entre titulação e carreira é o principal critério da institucionalização
da carreira acadêmica. Porém, os dados estatísticos do Ministério da Educação
mostram que esta relação nem sempre existe.
107
Schwartzman (1997), analisando a relação entre qualificação e posição
acadêmica, verificou que ela é bastante significativa, uma vez que a maioria dos
doutores é constituída de professores titulares ou adjuntos, comparados com grande
parte dos mestres e da pequena parcela dos que só têm graduação.
O autor verificou a existência de um grande número de docentes com alta
posição institucional e baixa qualificação acadêmica, mostrando que o princípio do
mérito não funciona plenamente no ensino superior brasileiro. Também constatou a
existência de metade dos professores nas duas posições mais altas da carreira
universitária, indicando que o sistema atingiu um nível bastante alto de saturação
nas possibilidades de promoção funcional, que se deu antes que a qualificação dos
professores se completasse.
Em relação ao tempo de dedicação ao trabalho, Schwartzman demonstrou
que a grande maioria dos doutores e mestres trabalha em regime de tempo integral.
No entanto, pequenas parcelas dos que têm graduação e especialização,
também atuam em tempo integral. O estudo mostrou, ainda, que, apesar da
existência de um significativo mero de doutorados nas universidades brasileiras,
cerca de 30% dos títulos de doutor são obtidos em outros países, especialmente
nos Estados Unidos, França e Inglaterra.
Os dados apresentados por Schwartzman (1997) em seu estudo mostram
que o maior número de professores com estabilidade no trabalho no Brasil, por tipo
de instituição e nível acadêmico, se encontra nas universidades públicas. O autor
também verificou que nos estabelecimentos privados, ao mesmo tempo em que
existe uma relação significativa entre estabilidade funcional e qualificação, existe
uma proporção significativa de pessoas estáveis com baixa titulação.
Apesar da frágil relação entre posição funcional, tempo integral e qualificação
acadêmica dos diferentes tipos de docentes, o autor verificou que houve uma
evolução relativa no sentido da institucionalização da profissão acadêmica no Brasil,
mas esta parece ter se dado de forma distorcida e incompleta. O grau extraordinário
de estabilidade alcançada pelos professores do sistema federal, quando associado
ao nível relativamente baixo de qualificação de seus professores, indicaria para o
pesquisador uma falta de alinhamento do sistema.
O surgimento e a institucionalização das profissões estão associados a
processos de mobilidade e ascensão de determinados grupos na sociedade, e isto
108
vale também para a profissão acadêmica no Brasil. Os dados apresentados por
Schwartzman a esse respeito indicam que cerca de 40% dos professores no país
são mulheres. Essa é uma mudança de cenário importante, uma vez que, até a
década de 60, era pequeno o número de mulheres que seguiam cursos superiores.
Em relação à proporção de professores que se dedica a outros trabalhos que
não o acadêmico, a pesquisa verificou que a maior parte dos professores trabalhou
alguma vez fora da universidade. A proporção entre os anos de trabalho acadêmico
e não acadêmico, exceto para algumas poucas categorias, mostrou que a atividade
não acadêmica tende a superar a dedicação à vida universitária.
Em relação ao rendimento anual dos professores universitários, o estudo
indicou que metade ganha mais do que 10 mil dólares anuais, o que, para a
América Latina, é considerado um salário bastante elevado se comparado com
outras atividades profissionais de nível superior. Os níveis salariais mais altos o
os dos docentes com maior titulação e dedicação parcial ao trabalho universitário. O
típico professor doutor, com dedicação exclusiva, tem rendimentos numa faixa entre
10 e 25 mil dólares anuais.
Schwartzman mostrou que em 1992 a distribuição da carga didática era
inversamente proporcional à qualificação acadêmica dos professores, e também ao
regime de trabalho. Os horistas ensinavam significativamente mais do que os
professores de tempo integral. o tempo gasto em orientação individual a alunos,
uma característica do ensino de pós-graduação, seguia um padrão inverso. O autor
não identificou diferenças importantes por região geográfica ou área de
conhecimento.
O estudo também mostrou que mais da metade dos docentes possuía
contratos de trabalho que exigiam a realização de pesquisas. A percentagem de
professores em cada categoria que estava envolvida em alguma atividade de
pesquisa tendia a ser maior do que a dos submetidos somente a obrigações
contratuais. Para o autor, isto se explica pelo fato de que muitos professores que
trabalhavam em instituições privadas, e sem atividade de pesquisa, também
atuavam em outras instituições, nas quais desenvolviam suas pesquisas.
Schwartzman verificou que, em termos de produção acadêmica, os dados
quantitativos disponíveis em 1992, relacionados aos produtos considerados como
produtos qualificados, indicavam que essa era pequena, uma vez que mais da
109
metade dos docentes não tinha publicado nenhum artigo científico ou acadêmico
nos três anos anteriores à realização da pesquisa. A maior atividade verificada pelo
pesquisador foi a produção de trabalhos para seminários e congressos acadêmicos.
Estes dados mostram que, apesar das definições legais, o regime de tempo integral
nem sempre inclui conteúdo de pesquisa efetivo.
Em relação às atividades de extensão acadêmica, o autor verificou que a
grande maioria dos professores realizou algum tipo de atividade dessa natureza e
que os maiores beneficiários eram as instituições governamentais brasileiras. As
universidades públicas eram as que mais prestavam serviços para o governo e as
privadas as que mais prestavam serviços às empresas. Em termos de carreira, os
professores mais titulados eram os que mais se envolviam em atividades de
extensão, e o regime de trabalho não parecia fazer muita diferença, apesar dos
contratos de dedicação exclusiva.
Os dados gerais apresentados por Schwartzman (1997) indicam que a
carreira e a profissão acadêmica no Brasil, no sentido estrito, vão continuar
limitadas a um setor pequeno e diferenciado nas próximas décadas. A situação do
ensino superior no Brasil, considerada pelo pesquisador como de profissionalização
imperfeita, teria gerado um grande número de distorções funcionais, que vão das
tentativas frustradas do professor em manter uma atividade de pesquisa que não se
materializa, ao isolamento a que, de fato, muitos docentes são levados, ao
perderem os vínculos com as suas profissões de origem, sem conseguirem
efetivamente se incorporarem à nova profissão acadêmica.
A partir desse estudo, o autor considera que o que existe, de fato, no
contexto do ensino superior no Brasil é uma espécie de proletariado acadêmico,
constituído, predominantemente, por um grande contingente de professores horistas
do sistema privado que não possuem perspectivas claras de profissionalização.
Esta condição retrataria a realidade dos docentes desse sistema, levando o
pesquisador a questionar-se sobre a possibilidade real de profissionalização desse
setor.
para Balbachevsky (2007), a análise da carreira dos professores do
sistema de ensino superior brasileiro precisaria levar em consideração a
heterogeneidade das condições institucionais de inserção na profissão, uma vez
que, segundo a autora, a classificação oficial, que parte da distinção entre público e
110
privado, não é suficiente do ponto de vista analítico, na medida em que ela separa
em categorias diferentes instituições que partilham características semelhantes e
classifica na mesma categoria instituições díspares.
A partir de um estudo comparativo sobre as condições de inserção
profissional do professor de ensino superior brasileiro em dois momentos
representativos, o início da década de 1990 e o início da década de 2000, a
pesquisadora desenvolveu uma detalhada análise da carreira acadêmica no Brasil.
Para isso, Balbachevsky (2000) construiu uma tipologia de contextos institucionais
que utilizou como referência duas variáveis centrais para a caracterização das
instituições de ensino superior.
A primeira variável é a proporção de doutores no corpo docente, importante
indicador da relevância e institucionalização da atividade de pesquisa no interior das
instituições, que o título de doutor é a exigência mínima para que um pesquisador
obtenha apoio de fundos públicos de auxílio à pesquisa. A segunda variável é a
proporção de professores da instituição que mantêm um vínculo estável e
permanente com esta, trabalhando em regime de dedicação integral ou exclusiva
que mede a centralidade da instituição para a construção da identidade profissional
do professor.
Essa tipologia permitiu identificar três contextos institucionais predominantes:
aqueles nos quais se encontram, simultaneamente, uma pequena proporção de
doutores e de professores com contrato de tempo integral (instituições de mercado);
aqueles que se caracterizam por apresentar menos de 50% de doutores em seu
quadro acadêmico, mas que oferecem contratos de dedicação integral para mais de
70% de seus professores (instituições regionais); e aqueles que possuem mais de
50% de doutores em seu quadro docente e mais de 70% de professores em
contrato de tempo integral ou dedicação exclusiva (instituições de pesquisa).
Esta denominação acompanha a literatura internacional, que diferencia as
instituições nas quais a atividade de pesquisa é central, daquelas em que a
pesquisa, mesmo sendo freqüente, é secundária em relação a outras que são
percebidas como prioritárias no ambiente interno da instituição. Essas
denominações não são aleatórias. Elas descrevem a orientação predominante
encontrada no ambiente interno dessas instituições. Assim, as instituições que são
classificadas na tipologia como sendo de mercado incluem a maior parte das
111
universidades e escolas privadas, orientadas basicamente para o provimento de
serviços educacionais no nível da graduação.
Por isso, essas instituições dão preferência a professores que possuam o
título de mestre para compor o seu corpo docente, através de contratos de tempo
parcial ou em regime de contrato com pagamento por hora-aula. Embora a maioria
dessas instituições seja privada, nesta categoria também se encontram algumas
instituições públicas, mais comumente aquelas sob a administração municipal e
pequenas instituições estaduais.
as instituições classificadas como sendo de pesquisa, valorizam mais a
pós-graduação e, dentro desta, o doutorado. Apesar de seu pequeno número, essas
instituições respondem por mais de 50% das matrículas de doutorado no Brasil. A
grande concentração de doutores em contratos de tempo integral em seu corpo
docente fortalece a orientação acadêmica e valoriza particularmente a atividade de
pesquisa. Estas captam a maior parte dos recursos públicos disponíveis para o
fomento desta atividade. Este contexto inclui as grandes universidades públicas
brasileiras, algumas federais, outras estaduais e algumas universidades privadas.
Por sua vez, as instituições classificadas como regionais são aquelas em que
predomina uma forte orientação regional. Os problemas e questões percebidos
como sendo de relevância para a região onde se localiza a instituição são os mais
valorizados pelos pesquisadores, quando elaboram suas agendas de pesquisa, o
que não acontece com os pesquisadores ligados às grandes instituições de
pesquisa. Neste último ambiente, a agenda do pesquisador organiza-se para
responder às questões colocadas na comunidade de seus pares, no país e no
exterior (COUTINHO et al. 2003).
Essas instituições combinam uma grande proporção de contratos em tempo
integral, com um corpo docente caracterizado por uma titulação média. Nestes
casos, a orientação básica da instituição é o ensino de graduação. Nessas
instituições, a proporção de doutores é menor, e estes se concentram em algumas
unidades menores, que se destacam das demais por sua atividade de pesquisa e
pós-graduação, formando o que a literatura brasileira classifica como ilhas de
excelência (OLIVEIRA, 1984). Entretanto, na maior parte do tempo, essa atividade
de pós-graduação permanece restrita ao mestrado, uma vez que o número de
112
doutores em condições de compor a pós-graduação o é suficiente para sustentar
um programa de doutorado.
De acordo com Balbachevsky (2000), a caracterização do ambiente
institucional interno de cada um dos tipos de instituições deve considerar duas
dimensões: a estrutura de titulação dos profissionais e a carreira institucional.
Utilizando e cruzando estas duas variáveis é possível distinguir as instituições de
ensino superior brasileiras, de acordo com o maior ou menor obstáculo que a falta
de titulação, especialmente o doutorado, cria para a ascensão do docente na
carreira institucional.
No início dos anos 90, o título de doutor era bastante raro, até mesmo em
instituições situadas nas regiões mais ricas do país. Naquela ocasião, analisando-se
a relação das variáveis titulação e carreira era possível identificar três situações
bastante distintas: instituições onde a falta de titulação criava um obstáculo quase
absoluto para a ascensão do profissional na carreira; outras onde era possível
contornar esse obstáculo mediante a manipulação de recursos oferecidos pela
própria instituição; e algumas, em que essa questão simplesmente não se colocava.
Um dos recursos mais comuns era a prática da realização do concurso de
livre-docência em substituição ao doutorado. O concurso de livre-docência é um
concurso de ordem institucional e, portanto, não guarda vínculos necessários com a
pós-graduação. Os estudos revelam que essa prática caiu em desuso.
Balbachevsky (2007), analisando comparativamente os dados do sistema de
ensino superior brasileiro, nos anos de 1992 e 2003, relativos à posição na carreira,
verificou que, embora diferentes instituições utilizem variações nas denominações
da carreira, estas não são significativas a ponto de inviabilizar o uso dessas grandes
categorias.
Os dados apresentados na Tabela 15 mostram que houve um aumento na
proporção de professores com doutorado em todos os ambientes institucionais
analisados. Considerando-se o número total de postos ocupados, verifica-se, que
entre as instituições de pesquisa, houve um crescimento de 39,5% no período.
Entre as instituições regionais, esse crescimento foi de 22,6%, e nas instituições de
mercado, o número de doutores cresceu 420,0%.
113
Tabela 15 - Instituições de ensino superior no Brasil e as relações entre
carreira institucional e titulação nos anos de 1992 e 2003
N
o
. Total
75 129 204 26 180 206
% Assistente 90,6 52,7 66,7 65,4 27,8 36,4
% Adjunto 6,7 35,7 25,0 34,6 62,2 56,6
% Titular 2,7 11,6 8,3 - 10,0 7,0
% Total
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
N
o
. Total
401 133 534 179 163 342
% Assistente 53,9 6,0 41,9 65,4 24,5 46,2
% Adjunto 41,6 77,5 50,6 27,4 63,2 44,2
% Titular 4,5 16,5 7,5 7,2 12,3 9,6
% Total
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
N
o
. Total
190 20 210 348 104 452
% Assistente 56,3 15 52,4 53,2 27,9 47,3
% Adjunto 15,8 5 14,8 20,7 31,7 23,2
% Titular 27,9 80 32,8 26,1 40,4 29,5
% Total
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Instituições
de Pesquisa
Instituições
Regionais
Instituições
de Mercado
Doutorado
e mais
Total
1992
2003
Doutorado
e mais
Total
Mestrado e
menos
Mestrado
e menos
Fonte: Balbachevsky, 2007.
A autora atribui esse crescimento da proporção de doutores no corpo docente
a dois processos simultâneos: a ampliação do sistema de pós-graduação, refletindo
o interesse das instituições na obtenção de prestígio associado à oferta desse nível
de educação, as pressões oriundas das instâncias reguladoras do sistema,
especialmente com relação às universidades, o interesse dos próprios acadêmicos;
e a política de apoio à pós-graduação, implantada pelo governo federal. E ao
resultado da ação das instâncias reguladoras do sistema que, desde o início da
década de 90, passaram a dar ênfase à questão da titulação do corpo docente em
todos os procedimentos de avaliação.
No caso das instituições regionais, a pesquisadora verificou que os
mecanismos para a retenção dos profissionais de baixa titulação demonstravam ser
menos eficazes. Por outro lado, essas instituições pareciam bastante promissoras
com seus doutores devido à escassez desta titulação em seu ambiente interno,
fazendo com que o acesso desses profissionais ao patamar de professor associado
fosse imediato.
114
A autora verificou também que, no início dos anos 90, o sistema de carreira
nas instituições de contexto regional, ao mesmo tempo em que reconhecia e
premiava a dedicação à carreira acadêmica, expressa na conquista do título de
doutor, por outro lado, comportava outros critérios que tornavam relativamente
freqüentes avanços na carreira, independentemente do desempenho acadêmico do
profissional. Situação semelhante podia ser observada, ainda que de forma
atenuada, no caso das instituições de mercado.
Em relação às condições criadas pela titulação acadêmica para o avanço da
carreira docente nas instituições, Balbachevsky (2000) mostrou que, no caso das
instituições de pesquisa, as barreiras que retêm os profissionais com titulação
menor nos postos mais baixos tornaram-se mais flexíveis. A pesquisadora entende
que esta mudança deve-se ao fato de que os poucos mestres e especialistas que se
encontravam nessas instituições eram, em geral, significativamente mais velhos do
que os doutores. Assim, a explicação decorre da antiguidade desses profissionais,
remanescentes de um perfil profissional que não é mais o recrutado por essas
instituições.
No contexto regional, os profissionais de baixa titulação, que ocupavam
postos hierarquicamente mais altos, apresentavam um perfil semelhante ao
observado nas instituições de ensino e pesquisa. Eles eram, em média, mais
velhos, em contraposição aos professores de baixa titulação, contratados como
assistentes. Como, nessas instituições, a associação entre baixa titulação e níveis
mais baixos da hierarquia aumentou significativamente na década analisada pela
pesquisadora, esta concluiu que, nessas instituições, os caminhos que permitiam o
acesso de profissionais com baixa titulação aos postos mais altos da carreira eram
mais estreitos no presente do que eram no início da década.
No caso das instituições ligadas ao contexto de mercado, a autora verificou
que o quadro de oportunidades existente para os profissionais de baixa titulação
permaneceu, em geral, inalterado.
Analisando a associação entre a alta titulação e o acesso aos postos
hierarquicamente superiores da carreira, a pesquisadora observou uma diminuição
nessa relação em todos os tipos de instituições do sistema de ensino superior
brasileiro. Duas explicações sobre o tema esclarecem esse cenário da educação
superior no Brasil.
115
A primeira é a de que no intervalo dos 10 anos analisados pela autora, as
exigências das instituições sobre o desempenho acadêmico dos profissionais se
acentuaram, criando um círculo virtuoso em que a exigência de um desempenho
mínimo permaneceu mesmo após a obtenção do título de doutor. Isso criou perfis
diferenciados de produtividade acadêmica associados a diferentes níveis da
carreira. A segunda é a de que a carreira oferecida pelas instituições está
gradativamente perdendo seu efeito discriminador, que a principal referência a
partir da qual foi construída, ou seja, a titulação tem se homogeneizado nas últimas
décadas.
A centralidade da instituição na vida e na identidade profissional do professor
tem sido o principal indicador utilizado para analisar o desenvolvimento da carreira
acadêmica nas instituições de ensino superior. A literatura latino-americana
grande ênfase para esta variável nos modelos explicativos que buscam dar conta da
qualidade dos vínculos do profissional com sua instituição (GIL-ANTON et al., 1994,
GIL-ANTON, 2003, GREDIAGA KURI, 2000 e GREDIAGA KURI et al., 2004).
No caso das instituições de ensino e pesquisa, Balbachevsky identificou que
três fatores encontram-se relacionados ao acesso a postos mais elevados na
hierarquia acadêmica: primeiro, a antiguidade do profissional na instituição, uma vez
que o maior tempo na instituição aumenta as chances do professor ocupar um posto
de associado ou titular. O segundo fator é a centralidade da instituição para a
sobrevivência do profissional, medida pela importância relativa do salário pago pela
instituição, com relação à sua renda mensal. O terceiro fator associa-se à carreira
institucional e a participação do professor em concursos de livre-docência. A
associação entre essas duas variáveis indica que o título de livre-docente é uma
condição suficiente, mas não necessária, em todas as instituições deste contexto,
para a promoção aos últimos degraus da carreira.
No caso das instituições de contexto regional, três variáveis independentes
mostraram ser significativas na pesquisa da autora: o tempo do professor na
instituição, a centralidade da instituição para a composição da sua renda mensal e
ser ele doutor.
Nas instituições de mercado, a pesquisadora, ao contrário do que constatou
nas demais instituições, verificou que a maior ou menor antiguidade do professor na
instituição não afetava significativamente a sua mobilidade. Por outro lado, a
116
titulação do professor mostrou-se significativa e o valor positivo associado a esta
variável indicou que a titulação mais elevada aumentava a probabilidade de que o
professor ocupasse posições mais destacadas na hierarquia da carreira
institucional.
Porém, nessas instituições, a autora constatou que, de forma isolada, o título
de especialização estava associado negativamente à carreira acadêmica,
diminuindo a probabilidade de que o professor ocupasse uma posição mais elevada
na hierarquia, mantidas as outras variáveis constantes. A centralidade da instituição
na composição da renda mensal indicou que, quanto mais significativos eram os
recursos provenientes de seu trabalho, maior a probabilidade de que o docente
ocupasse uma posição mais destacada na hierarquia.
A análise dos dados dos diferentes contextos institucionais mostrou que,
apesar do aumento da proporção de doutores, as instituições de ensino superior
brasileiras não criaram parâmetros mais exigentes para a promoção na carreira. Em
todos os contextos, as chances de que um professor ocupe posições mais altas na
hierarquia institucional não é afetada pelo seu maior ou menor desempenho em
indicadores associados à produtividade do trabalho acadêmico. Apesar disso, no
setor onde a presença de professores com doutorado ainda é relativamente
escassa, ou seja, o contexto de mercado, a titulação ainda preserva um potencial de
diferenciação nas chances relativas de promoção para seus professores.
As considerações apresentadas são relevantes para este estudo, na medida
em que mostram que o cenário do sistema de ensino superior no Brasil, ambiente
no qual é desenvolvida a carreira acadêmica dos professores que atuam nas
instituições de ensino superior privado, é cada vez mais competitivo. Os dados
mostram que esse sistema é amplo, heterogêneo e complexo em relação aos
critérios de admissão, reconhecimento e promoção, criando uma série de
desigualdades, obstáculos e desafios para o desenvolvimento da trajetória
profissional dos docentes que dele fazem parte.
117
5 DEMISSÃO NA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
O entendimento das atuais mudanças no mundo do trabalho envolve a
compreensão do novo contexto econômico e social, as modificações nos processos
de organização e gestão do trabalho no sistema capitalista, a globalização e seus
efeitos mundiais, a atual crise do capitalismo, a questão do emprego, do
desemprego e da precarização do trabalho, e, especialmente, a extensão e os
significados dos efeitos das demissões (CALDAS, 2000).
Esses processos de mudanças acarretam impactos no significado do trabalho
e na relação de emprego, na medida em que se sabe que o trabalho se caracteriza
como uma atividade central na vida do ser humano. No capitalismo, o trabalho
incorpora duas forças essenciais que movem o indivíduo: a luta pela sobrevivência e
a necessidade de inserção social e reconhecimento, apresentando-se como uma
forma de identidade do ser humano (ANTUNES, 1995; GORZ, 1995; SINGER,
1996).
A categoria trabalho vem sofrendo uma série de mutações ao longo das
últimas décadas, alterando a sua configuração histórica no capitalismo. O trabalho
assalariado ou emprego estável, vitalício e em tempo integral, para alguns
estudiosos do tema, encontra-se em crise e, para outros, apenas em transformação
(BALTAR e HENRIQUE, 1994; CHANLAT, 1993; DEDECCA, 1997; MATTOSO,
1995; MOTTA, 1996; OFFE, 1989).
O emprego, diferentemente da idéia de trabalho, deve ser entendido como
uma relação entre alguém que emprega e alguém que é empregado. Neste sentido,
ter um emprego significa ter um cargo e exercer uma função pré-definida, ou ocupar
um posto de trabalho, que envolve um determinado trabalho a ser realizado, e que
também pressupõe uma relação de subordinação com quem emprega, bem como
uma remuneração e outros direitos pertinentes à categoria de empregados.
Segundo Singer (1996) o emprego resulta de um contrato pelo qual o
empregador compra a força de trabalho ou a capacidade de produzir do empregado.
Rodrigues (1997) diz que o emprego formal deve ser entendido como um vínculo
118
empregatício, com carteira assinada e com todos os direitos trabalhistas
assegurados pela legislação, e que se encontra em rápido processo de
transformação, gerando incerteza no mercado de trabalho.
Esse quadro geral de transformação do emprego parece apontar para
condições de trabalho mais precárias, com ausência de perspectivas e um
sentimento de exclusão para muitos trabalhadores frente às dificuldades crescentes
de sobrevivência. A situação agrava-se, na medida em que o crescimento dos níveis
de desemprego em alguns segmentos tradicionais da economia tende a crescer,
aumentando as desigualdades sociais e econômicas e formando grandes grupos de
desempregados, sem perspectivas de uma nova incorporação a um mercado de
trabalho cada vez mais restrito, precário e seletivo.
No Brasil, de acordo com Baltar et al. (1996), a adoção de algumas políticas
econômicas adotadas a partir do Governo Collor, tais como a desregulamentação
dos mercados, a liberalização financeira e comercial fez com que surgissem novas
formas de organização e gestão do trabalho que se concretizaram em duas ações
fundamentais: reestruturação produtiva e flexibilização do trabalho. As principais
conseqüências dessas políticas foram o aumento das taxas de desemprego e da
precariedade na estrutura ocupacional do país.
Para Dedecca (1997), a realidade do desemprego e da precarização, ocorrida
a partir da abertura econômica, não se restringiu ao setor industrial, uma vez que
todos os demais setores vêm passando por uma realidade semelhante de
reestruturação produtiva e flexibilização das relações de trabalho. Desde então, até
o momento presente, as demissões têm sido uma realidade no cotidiano dos
trabalhadores de diferentes áreas, que têm presenciado uma redução nos postos de
trabalho. Isto tem ocorrido face às inovações tecnológicas e organizacionais,
somadas aos efeitos das sucessivas políticas econômicas, sob o argumento de que
as empresas e as instituições precisam estar preparadas para enfrentar a política de
abertura comercial e financeira da economia.
Caldas (2000) destaca que os processos de demissão no Brasil tiveram
proporções e características extraordinárias no contexto das organizações a partir
dos anos 80 do século passado, com efeitos agregados, principalmente o aumento
das condições negativas de trabalho. Para o autor, os efeitos dos enxugamentos na
119
organização afetam o ambiente de trabalho, deteriorando o clima e a eficiência
internos, através da perda de empregados e dificultando as atividades empresariais.
Também afetam a eficácia organizacional, as relações de trabalho e a
imagem externa da organização, antes vista como estável. Em relação aos
trabalhadores, aponta um conjunto de efeitos emocionais que vão da angústia à
ansiedade e à frustração; psicológicos, tais como a diminuição da auto-estima;
físicos, através de vários tipos de doenças; comportamentais; familiares;
econômicos, como a queda nos padrões de renda; profissionais e sociais.
Do ponto de vista da saúde física e mental, os impactos das demissões para
os trabalhadores indicam o aumento dos níveis de estresse ocupacional, a
diminuição da qualidade de vida, o desenvolvimento de situações patológicas, o
incremento das doenças ocupacionais e, até mesmo, a desagregação familiar e
social (BASTOS, 1993; LIMA, 1997; SELIGMANN, 1997; ALBUQUERQUE e
FRANÇA,1998; KILIMNIK, 1998; COUTO e MORAIS, 1999; NASCIMENTO e
BULGACOV, 1999; SANTANA e MORAES, 1999).
Este capítulo discute a questão da demissão no contexto das trajetórias
profissionais. Nesse sentido, enfoca em maior profundidade a perda do emprego e
seus efeitos, bem como os fatores presentes que fazem com que esse evento seja
mais agravado ou atenuado, e seus significados para os trabalhadores demitidos.
O termo demissão refere-se a um dos eventos mais significativos na trajetória
profissional de um trabalhador que é a perda do emprego remunerado, contra sua
vontade. Nesse sentido, a perda do emprego, que é um evento, não pode ser
igualada ao desemprego, que é um estado ou condição temporária, ou seja, uma
provável conseqüência da perda do emprego para uma grande parcela dos
trabalhadores demitidos.
O conceito de desemprego está ligado à idéia de duração, isto é, a não ser
que o trabalhador demitido possua um outro emprego, ou consiga imediatamente
uma recolocação no mercado formal de trabalho, a perda de emprego leva a um
período variável de desemprego e esse profissional entra na condição de
desempregado. Portanto, o desemprego, curto, prolongado ou crônico deve ser visto
como o desdobramento do evento da perda de emprego (LATACK, KINICKI e
PRUSSIA, 1995).
120
Outra distinção importante diz respeito à diferença entre os conceitos de
perda de emprego e de desligamento voluntário, que estão relacionados à natureza
da demissão. O primeiro refere-se à maior parte dos casos de demissão, ou seja, às
demissões involuntárias que, em geral, os trabalhadores não desejam e não
controlam, e o segundo às demissões voluntárias que são desejadas ou provocadas
por estes (LATACK e DOZIER, 1986).
Também cabe destacar que as demissões involuntárias, em relação aos seus
motivos, no que diz respeito aos trabalhadores, podem estar associadas ao fator
desempenho ou a outros fatores que estes, em tese, deveriam ter sob seu controle.
Em relação às organizações e instituições, estão ligadas predominantemente a
fatores conjunturais e estruturais.
As demissões voluntárias, por sua vez, são normalmente motivadas pelo
surgimento de melhores oportunidades de emprego ou carreira no mercado formal
de trabalho, insatisfação profissional com o local de trabalho, programas de
demissão voluntária ou acordos realizados pelos trabalhadores.
Estudos que buscaram identificar as principais motivações das demissões nas
organizações e instituiçõesmostram que a maior parte dos cortes de pessoal
pesquisada advém de enxugamentos e reestruturações organizacionais e não de
fatores que, direta ou indiretamente, possam estar ligados a questões de falta de
qualificação dos trabalhadores. Os reais fatores identificados também apresentam
pouca ou nenhuma relação com o desempenho dos profissionais demitidos (MORIN
e YORKS, 1990; e CROSS, 1994).
Estes autores também verificaram que, assim como muitas organizações e
instituições omitem ou não divulgam os reais motivos pelos quais desligaram seus
trabalhadores, é bastante freqüente que trabalhadores demitidos involuntariamente
afirmem ter solicitado o desligamento ou, simplesmente, omitam que perderam o
emprego.
Jahoda (1981) afirma que a explicação em relação aos falsos motivos
alegados pelos trabalhadores demitidos, reside no receio destes em manchar a
própria imagem profissional (vergonha pública) ou diminuir as chances de obter uma
nova oportunidade de emprego, bem como na dificuldade de muitos em aceitar o
processo psicológico de luto que a demissão provoca, entrando numa negação ou
121
fuga temporária da realidade, mecanismo de defesa que protela o desenvolvimento
de estratégias de superação voltadas à resolução dos problemas reais vivenciados.
Apesar da maioria das pessoas não estar preparada para perder o seu
emprego, as possibilidades reais da demissão podem ser ainda mais sérias e
duradouras do que se imagina, na medida em que as carreiras estão ficando mais
curtas e os conhecimentos e habilidades estão tornando-se ultrapassados em um
ritmo muito rápido. Aqueles profissionais que trabalhavam com base na expectativa
de uma carreira de longo prazo vêem ser sucessivamente cortadas suas
possibilidades de ascensão, pois a estabilidade no emprego está tornando-se cada
vez mais rara.
Nesse sentido, estudos estatísticos como o de McCune et al. (1988),
retratando a realidade norte-americana, afirmam que um trabalhador altamente
qualificado que ingressa atualmente no mercado formal de trabalho tenderá a trocar,
em média, oito vezes de emprego até a sua aposentadoria, e que, dessas trocas,
provavelmente em quatro delas ele será demitido, e em quatro pedirá demissão.
Outros estudos desenvolvidos a partir dessa perspectiva apontam que os
trabalhadores, em geral, tenderão a viver, num futuro próximo, de três a cinco
carreiras diferentes (carreiras em barra), contra uma ou duas hoje, em razão das
profundas mudanças que estão ocorrendo nas formas de organização e gestão do
trabalho que tornam suas competências rapidamente obsoletas.
Atualmente, as organizações e instituições estão tornando-se ambientes de
trabalho cada vez mais instáveis e trabalhar por muitos anos em um mesmo lugar ou
ocupar cargos de confiança já não é mais garantia de estabilidade no emprego.
A pesquisa sistemática sobre os efeitos individuais e sociais das demissões
tem sido freqüente por muitas décadas nas ciências sociais. No âmbito
organizacional ou institucional, a literatura existente sobre esse tema tem se
multiplicado desde meados da década de 80 até o presente, em especial nos EUA e
na Europa. Esses estudos mostram que os efeitos da perda de emprego nas
trajetórias profissionais dos trabalhadores demitidos têm uma determinação
complexa, em que concorrem fatores de natureza diversa.
Os estudos sobre a demissão e suas conseqüências são tão antigos quanto
àqueles associados ao trabalho de forma geral. Contudo, o interesse por esse tema
não foi constante ao longo do tempo. É consenso entre os pesquisadores que o
122
interesse teórico na questão da demissão e de seus efeitos tem variado de acordo
com o aumento ou a diminuição dos índices e das tendências do desemprego no
mundo (PLATT, 1984; FEATHER, 1990).
Os teóricos desse campo concordam que os estudos sobre os impactos das
demissões nos trabalhadores atingiram o seu auge durante a depressão americana
nos anos 30 do século passado, passando, em seguida, por um longo período de
esquecimento, e começando a crescer novamente nos anos 80, quando o mundo
passou a viver um período de desemprego ascendente (PILGRIM TRUST, 1938;
EISENBERG e LAZARSFELD, 1938; SWINBURNE, 1981; JAHODA, 1982;
FEATHER, 1990).
A partir desses estudos aas sofisticadas pesquisas em anos recentes, a
literatura a respeito mostra-se convergente em um importante aspecto, evidenciando
que, para a maior parte dos trabalhadores demitidos, a perda do emprego traz
reflexos negativos em diversas dimensões da vida dessas pessoas, mesmo que
possam existir fatores atenuantes.
Os efeitos das demissões são analisados pelos pesquisadores em quatro
dimensões. Na primeira, a análise concentra-se nos efeitos agregados, tanto no que
diz respeito à questão do desemprego, quanto aos problemas sociais, econômicos e
políticos gerados na sociedade. Na segunda, são enfocados nas organizações e
instituições. A terceira, enfatiza esses impactos nos trabalhadores remanescentes.
Por fim, na quarta são estudados em relação aos trabalhadores demitidos e o seu
ambiente imediato. A análise da quarta dimensão foi contemplada na presente tese.
A primeira dessas instâncias relaciona-se aos efeitos das demissões na
sociedade. Os pesquisadores do tema têm mostrado como, desde os anos 80, tem-
se vivido uma onda de demissões no mundo do trabalho formal. Muitos
observadores e especialistas têm concordado que essas demissões apresentam
proporções e características singulares, no sentido de que não se trata apenas de
mais uma oscilação de mão-de-obra típica do capitalismo.
A literatura acadêmica sobre demissões em massa, até a década de 1980,
era quase inexistente Depois de uma rie de estudos iniciais ligados ao declínio
organizacional, um novo fluxo de pesquisa passou a relacionar a temática com a
questão da reestruturação organizacional, quando muitas empresas de grande porte
e de renome mundial passaram a demitir grandes contingentes de trabalhadores de
123
forma quase permanente, principalmente nos Estados Unidos (FREEMAN e
CAMERON, 1983; SUTTON et al., 1986; GREENHALGH et al., 1988; TOMASKO,
1987, 1992).
A segunda dessas instâncias relaciona-se aos efeitos das demissões na
própria organização ou instituição como um todo, incluindo variáveis de seu
funcionamento interno, tais como o ambiente de trabalho, a eficiência interna, a
eficácia organizacional, as relações com empregados e seus representantes, bem
como sua imagem externa (SONNENFELD, 1989).
A terceira dimensão, relacionada aos efeitos nos trabalhadores
remanescentes, compreende uma série de reflexos que as demissões dos colegas
produzem em cada trabalhador que permanece na organização ou instituição após
os cortes, bem como o agregado desses efeitos em todos os demais. Uma vez que
pessoas e organização se influenciam mutuamente, e geralmente de forma
paradoxal e ambivalente, a separação entre essas duas instâncias tem propósito
unicamente analítico. Nesse recorte de pesquisa, estudiosos encontraram tantos
efeitos negativos de cortes de pessoal entre os remanescentes, que hoje se
denomina esse conjunto de características de síndrome dos sobreviventes ou dos
remanescentes (BROCKNER, DAVY e CARTER, 1985; BROCKNER et al, 1994;
CURTIS, 1989; CASCIO, 1993).
É importante lembrar que todas essas variáveis organizacionais afetam e são
afetadas pela forma como os trabalhadores que permanecem empregados nas
empresas ou nas instituições percebem e respondem ao evento (CAMERON et al.,
1993; MISHRA e MISHRA, 1994; CASCIO, 1993; COLE, 1993).
Na quarta instância, as pesquisas demonstram que os efeitos dos
enxugamentos nos trabalhadores demitidos devem ser vistos como a conjugação de
diversas variáveis interligadas e interdependentes (EISENBERG e LAZARSFELD,
1938; JAHODA, 1981, 1982).
A literatura a respeito desses impactos indica que eles resultam do somatório
de diversos fatores interligados, que são divididos didaticamente em oito tipos de
efeitos: emocionais, psicológicos, físicos, comportamentais, familiares, econômicos,
profissionais e sociais, conforme o Quadro 3 (FRYER e PAYNE, 1986; LEANA e
FELDMAN, 1988, 1992; FINEMAN, 1983; DEFRANK e IVANCEVICH, 1986;
FEATHER, 1990).
124
Quadro 3 - Efeitos da demissão nos demitidos mais citados na literatura
EFEITOS DA DEMISSÃO NOS TRABALHADORES DEMITIDOS
TIPOS
PRINCIPAIS EFEITOS
Emocionais
Dificuldade cognitiva
Instabilidade emocional e vulnerabilidade
Ansiedade e angústia
Estresse e tensão
Depressão, amargura e perda da esperança
Distúrbio psiquiátrico
Suicídio
Psicológicos
Insegurança
Queda na auto-estima e no auto-respeito
Queda no nível de alegria e de satisfação com a própria vida
Perda da noção de identidade
Físicos
Deterioração da saúde física e alterações nos sistemas cardiovascular,
imunológico, gastrointestinal e bioquímico
Comportamentais
Problema de estruturação do tempo
Desorganização da vida diária
Apatia, inércia e falta de motivação
Mudança nos hábitos alimentares, sexuais e de sono
Abuso de álcool, drogas e outras substâncias
Familiares
Deterioração da vida familiar (divórcio, abandono do lar e violência doméstica)
Impacto nos filhos
Econômicos
Queda de renda e privação econômica
Profissionais
Dificuldade de recolocação no mercado de trabalho
Quebra da confiança em futuros empregos
Diminuição do envolvimento e do comprometimento
Queda na satisfação com a carreira
Instabilidade em futuros empregos
Menor salário no futuro
Propensão à sabotagem e à violência
Sociais
Deterioração das relações pessoais e isolamento
Aumento da propensão a anomalias sociais
Fonte: Caldas, 2000
Esses estudos pioneiros que investigaram o tema da perda do emprego,
também constataram a presença de fatores que atuavam como mediadores nesses
processos, muitas vezes facilitando ou dificultando a demissão dos trabalhadores,
bem como a situação dos empregadores e das organizações ou instituições
envolvidas.
125
Essas variáveis atenuantes ou agravantes das demissões, denominadas hoje
de moderadores, representam as alternativas ou os obstáculos que empregadores e
trabalhadores possuem para lidar de forma ética e, principalmente, humana com
esses difíceis processos. Entretanto, as pesquisas existentes raramente enfatizam
esses fatores e como estes influenciam os significados e a extensão das demissões.
De acordo com as pesquisas citadas, os efeitos das demissões não são
homogêneos para todas as situações, tipos de organizações, instituições ou
trabalhadores. A literatura desse campo demonstra a existência de algumas
variáveis moderadoras que mediam todas essas relações e conseqüências dos
processos de demissão, e que precisam ser consideradas e entendidas, uma vez
que são elas que determinam a extensão e a gravidade desses efeitos.
O conjunto de moderadores varia de trabalhador para trabalhador, bem como
em cada situação específica de demissão. Dessa forma, pessoas com
características pessoais diferentes (personalidade e perfil profissional) e trajetórias
profissionais singulares, demitidas em circunstâncias distintas, apesar de sofrerem
efeitos, em maior ou menor grau, em todas as dimensões mencionadas na literatura,
experimentam em intensidades distintas esses impactos ocasionados pela perda do
emprego.
DeFrank e Ivancevich (1986) organizaram as principais categorias de efeitos
e de tipos de moderadores, a partir de uma profunda e detalhada revisão das
principais pesquisas e da literatura existente, desde a descoberta desses
mediadores, em um dos trabalhos mais citados sobre o assunto, que serve de
referência para a maior parte das pesquisas realizadas sobre o tema hoje.
Conforme o Quadro 4, os moderadores mais citados na literatura, em relação
aos demitidos, o divididos didaticamente em oito tipos, mostrando que os efeitos
da perda do emprego podem ser atenuados ou agravados por uma conjugação de
fatores relacionados ao próprio trabalhador: pessoais, cognitivos, profissionais,
econômicos, sociais e ambientais, organizacionais (do processo de demissão), e da
transição e da superação (após a demissão).
Alguns desses moderadores são chamados de mediadores passivos, pois são
associados a condições favoráveis ou desfavoráveis dadas pelas circunstâncias ou
história da organização ou instituição, sendo que não ação organizacional
possível sobre tais fatores. um outro conjunto de moderadores denominados de
126
mediadores ativos diz respeito àqueles que as organizações e instituições dispõem
quando de fato não possuem outra opção além da de desligar pessoal, podendo agir
de uma forma mais pensada, respeitosa e justa possível, antes, durante e depois
dos cortes realizados.
Quadro 4 - Moderadores dos efeitos nos demitidos mais citados na literatura
MODERADORES DOS EFEITOS NOS TRABALHADORES DEMITIDOS
TIPOS
PRINCIPAIS..FATORES
Pessoais
Personalidade
Idade, sexo e etnia
Reserva financeira e classe social
Condição familiar pré-existente
Nível de centralidade do emprego na vida do indivíduo
Cognitivos
Percepção de que a demissão foi ou não seletiva
Percepção de reversibilidade do desemprego
Percepção de tratamento justo e digno no desligamento
Profissionais
Experiência anterior com a perda do emprego
Nível hierárquico e fase da carreira
Nível de ligação com o emprego perdido
Amplitude de habilidades e aptidões (nível de empregabilidade)
Econômicos
Conjuntura econômica e nível de desemprego
Sociais e Ambientais
Apoio social e familiar
Valor cultural e socialmente atribuído ao emprego e a sua perda
Organizacionais
(do Processo de
Demissão)
Tipo de desligamento ou corte
Aviso antecipado
Informação das razões do desligamento e feedback (retorno)
Indenização, treinamento e outplacement (recolocação)
Da Transição
(Após a Demissão)
Duração do desemprego
Ocupação do tempo durante a transição
Da Superação
(Após a Demissão)
Expressão e resolução de sentimentos e emoções
Estratégias de superação ativas x paliativas
Fonte: Caldas, 2000
127
As pesquisas têm demonstrado que todos esses cuidados e procedimentos
que podem ser realizados pelas organizações e instituições, através dos mediadores
ativos, não eliminam a violência que representam os processos de demissão. Assim
como não eliminam os efeitos negativos nos trabalhadores demitidos e não
garantem nenhuma forma de gratidão ou alívio duradouro para aqueles que
permanecem empregados (HARDY, 1987, 1990; LEANA e FELDMAN, 1992).
Apesar das evidências demonstradas pelas pesquisas existentes sobre os
moderadores, ainda são poucas as organizações e instituições que agem de forma
mais planejada e, principalmente, humana, antes, durante e após os processos de
demissão, a fim de minimizar os efeitos negativos desses processos junto aos
trabalhadores remanescentes e, principalmente, junto aos demitidos e suas famílias.
As pesquisas nesse campo sugerem que, apesar de pouco adotadas, existem
várias políticas e práticas que as organizações e instituições poderiam e deveriam
utilizar a fim de minimizar os impactos negativos sobre os demitidos, maximizando
suas chances de obtenção de uma nova colocação no mercado de trabalho. Além
disso, os pesquisadores demonstram que, se inevitáveis, grande parte dos cortes de
pessoal poderia ser realizada de forma mais planejada e cuidadosa, minimizando o
número de pessoas demitidas, e principalmente, aumentando as chances de
reinserção profissional dos trabalhadores.
A literatura sobre os moderadores dos efeitos de cortes nas organizações e
instituições é bastante rara; a discussão sobre os moderadores existentes junto
aos trabalhadores remanescentes, apesar de ser a mais abundante, tem sido pouco
explorada. Ambos não foram enfatizados nesse estudo que procurou aprofundar a
pesquisa sobre os moderadores presentes nos profissionais demitidos, dimensão
ainda mais rara e menos explorada que as duas anteriores.
De acordo com Vince e Broussine (1996) a divisão e organização didática dos
efeitos e dos moderadores em dimensões e tipos específicos para fins de
compreensão não eliminam o fato de que, na realidade dos processos demissionais,
todos esses planos se influenciam mutuamente e são marcados pela ambivalência.
Na realidade das demissões, a ocorrência desses efeitos e a influência,
positiva ou negativa, dos moderadores, nem sempre ocorre de forma direta, imediata
ou linear, uma vez que a relação entre essas variáveis costuma ser complexa e,
128
freqüentemente, paradoxal. Análises simplistas e generalizantes tendem a
desconsiderar as possíveis superposições existentes entre esses fatores.
Apesar das diferenças nas percepções individuais dos trabalhadores,
resultado da avaliação subjetiva que estes fazem do processo de demissão e das
formas distintas de adaptação que realizam, a partir de condições particulares
variadas e complexas, estudos indicam que categorias específicas de profissionais
tendem a experimentar de forma semelhante muitos dos efeitos da perda do
emprego.
Essa constatação das pesquisas demonstra que a busca de uma
compreensão global do fenômeno da demissão no contexto das trajetórias
profissionais dos trabalhadores, bem como dos fatores e ações que atenuam ou
agravam os efeitos da perda do emprego, exige que o pesquisador entenda que
todas essas variáveis interagem em dimensões, ao mesmo tempo, objetivas e
subjetivas, complementares e ambivalentes.
Assim, pode-se afirmar que as circunstâncias particulares de cada trabalhador
e a forma como cada um interage com as variáveis, sob e fora de seu controle,
mediam os efeitos da perda de emprego. Esses efeitos dependem das
circunstâncias particulares da sua trajetória profissional no momento da demissão,
sendo influenciados pela presença ou ausência de um conjunto de mediadores e,
principalmente, pelo significado que este atribui ao emprego que perdeu.
No entanto, apesar da significativa literatura estrangeira disponível sobre o
tema, no meio acadêmico brasileiro são raros os estudos sociológicos que buscam
integrar as diferentes dimensões envolvidas nos processos de demissão, analisando
desde a sua lógica, seus condicionantes e seus efeitos junto aos trabalhadores
demitidos, bem como os impactos no destino das trajetórias desses profissionais. O
presente estudo buscou contribuir para o preenchimento dessa lacuna. O próximo
capítulo buscou delinear esses possíveis destinos.
129
6 DESTINOS DAS TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS
As trajetórias ocupacionais dos trabalhadores frente a eventos geradores de
rupturas, tais como a demissão, independente do setor de atuação profissional de
origem, conduzem a diferentes tipos de manutenção ou reinserção no mercado de
trabalho, denominados pelos pesquisadores do tema de destinos profissionais.
(CARDOSO, 2000). A idéia de destino remete aos rumos que os percursos laborais
tomam após uma mudança significativa não prevista pelo trabalhador.
Cardoso (2000), ao analisar os destinos profissionais dos demitidos da
indústria automobilística, ou seja, os percursos dos trabalhadores que perderam ou
estavam prestes a perder seus empregos, a partir de 1989, constatou que, desde
então, o setor automotivo foi um dos que mais demitiu com a adoção das novas
tecnologias.
O autor avaliou também as oportunidades de trabalho neste setor em um
momento de transformação do mercado e as dificuldades que enfrentaram até
mesmo os profissionais mais qualificados. Discutiu ainda a geração de empregos,
principalmente para os menos qualificados e questionou a qualidade dos empregos
no segmento de autopeças, chamando a ateão para a necessidade da ampliação
das oportunidades de trabalho, através da criação de empregos e do crescimento da
economia.
A partir de estudos pioneiros sobre o tema como o de Cardoso, os
pesquisadores verificaram que, dependendo do tipo de trajetória profissional que
vinha sendo desenvolvida pelo trabalhador a o surgimento de um evento
inesperado ou imprevisível, que rompe de forma abrupta o seu percurso, a
continuidade dessa trajetória toma diferentes rumos que vão da exclusão total a
novas formas de inclusão ocupacional.
Guimarães (2002a), nesse mesmo sentido, afirma que a exclusão do mundo
estruturado dos direitos do trabalho e a inclusão no mercado informal de trabalho,
invisível do ponto de vista do Estado e de suas instituições, normalmente culmina
130
em trajetórias ocupacionais caracterizadas por uma mobilidade social marcada pela
instabilidade e precariedade.
Para a autora, as trajetórias ocupacionais sob o impacto de um evento
gerador de mudança conduzem os trabalhadores a três tipos predominantes de
destinos profissionais de inserção no mundo do trabalho que vão, em alguns casos,
da preservação dos direitos trabalhistas anteriormente adquiridos, à precarização
desses mesmos direitos através de subcontratações, ou à total exclusão dos
empregos protegidos por lei, levando-os a exercer atividades no setor informal da
economia.
Comentando a respeito dos trabalhadores que são demitidos e não possuem
outra forma de inserção profissional, a autora destaca que, ao perder o emprego, o
indivíduo tem grandes chances de perder a identidade de trabalhador com direitos,
algo que o vínculo formal de trabalho garante. Este ainda é o principal meio de
inserção no mercado formal de trabalho no Brasil, pois propicia a representação
sindical e assegura que as relações de trabalho sejam regidas por convenções
coletivas e não apenas por contratos individuais entre patrões e empregados.
É o vínculo formal de trabalho que traz o trabalhador à cena social
possibilitando que ele se torne protagonista do seu próprio destino, dando-lhe
visibilidade pública e conferindo estabilidade à sua relação com o Estado via acesso
regulado à legalidade em termos de remuneração e direitos.
A preservação ou não da qualificação profissional no decorrer das trajetórias
ocupacionais representa o elemento central na caracterização do destino das
mesmas. Segundo Guimarães (2002a), os trabalhadores, ao se reinserirem no
mercado de trabalho, podem ter sua qualificação profissional totalmente preservada,
ao continuarem exercendo as mesmas atividades anteriormente desempenhadas,
semi-preservada, ao transferirem parte de sua qualificação profissional para o
desempenho de uma nova atividade, dentro ou fora do seu setor de origem, ou
descartada, quando não conseguem transferir sua qualificação profissional no
desempenho de novas atividades, tendo que se requalificarem ou assumirem postos
de trabalho com baixos níveis de exigência e fora do seu setor de origem.
Para Guimarães (2002a) o destino de uma trajetória profissional pode ser
virtuoso ou não. A virtuosidade da trajetória profissional depende do quanto a
reinserção ocupacional consegue preservar o capital de qualificação acumulado pelo
131
trabalhador até a ocorrência do evento que modificou esse percurso, mantendo-o no
mesmo circuito do mercado de trabalho onde estivera antes de ser demitido e
preservando as condições de emprego anteriormente vivenciadas (renda e
condições de trabalho relacionadas ao último vínculo de trabalho).
As diferentes formas e critérios existentes na literatura especializada sobre a
classificação das inserções ocupacionais dos trabalhadores no mercado de trabalho
levaram os pesquisadores do tema à construção de diferentes tipologias que visam
contemplar os possíveis destinos das trajetórias profissionais. Esses são entendidos
como os resultados prováveis de um processo de escolhas profissionais, ou de uma
seqüência de acontecimentos laborais, que afetam de forma objetiva a vida dos
trabalhadores e a sua inserção na sociedade.
Franzoi (2006), nesse sentido, analisando as trajetórias profissionais dos
egressos do Plano Estadual de Qualificação (PEQ-RS), desenvolveu uma tipologia
que indica dois destinos possíveis para os trabalhadores ou futuros trabalhadores:
trajetórias mais contínuas e trajetórias fragmentadas ou em constante mutação.
As trajetórias mais contínuas dizem respeito aos percursos profissionais que
se desenvolvem em uma mesma área de atividade ou em uma mesma organização
ou instituição, mesmo que, na maior parte das vezes, sejam marcadas por relações
de trabalho precárias, ou ainda que alternem períodos sem trabalho com os de
ocupação. Uma trajetória mais contínua não é necessariamente equivalente a uma
inserção estável Por isso é utilizado o advérbio mais. Algumas variações podem ser
verificadas neste tipo de trajetórias: são mais contínuas, mas, às vezes, podem ser
interrompidas, podem ser ascendentes ou encontrar-se em declínio.
As trajetórias formativas desses profissionais são razoavelmente cumulativas,
ou seja, são desenvolvidas, em geral, na mesma área da trajetória ocupacional ou
acompanham as mudanças de organização ou instituição. É possível verificar uma
relação entre o tipo de trajetória e ter ou não ter uma profissão, uma vez que as
trajetórias dos profissionais que revelam possuir uma profissão bastante
consolidada são norteadas por um conhecimento ou uma ocupação adquirida, ao
longo da vida ou a partir de determinado momento, dando maior continuidade às
trajetórias. O conhecimento sobre o trabalho pode ter sido adquirido de diferentes
formas: através de instituições formais de ensino, em cursos pontuais ou através da
experiência prática.
132
As trajetórias fragmentadas ou em constante mutação designam os percursos
profissionais que, quanto à ocupação, são considerados erráticos, ou seja, que não
possuem continuidade em um mesmo local de trabalho ou, sequer, em uma mesma
área de atividade. A expressão em constante mutação é utilizada em analogia à
atual situação do mercado de trabalho.
As trajetórias formativas desses trabalhadores são condizentes com esse tipo
de trajetória ocupacional, pois o indivíduo não realiza qualquer curso ou, quando os
realiza, estes ocorrem em diferentes áreas, não acumulando saber em nenhuma
área específica. Como nada é permanente em sua trajetória, nem local, nem área de
inserção, o aprendizado na prática das diferentes ocupações também não possibilita
nenhum acúmulo. Assim, esses profissionais não possuem profissão, estando em
busca de uma, ou, em alguns casos mais raros, em busca de qualquer ocupação.
A tipologia de Guimarães (2002a), utilizada nesse estudo para classificar e
analisar o rumo das trajetórias profissionais dos professores no mercado de trabalho
acadêmico ou fora dele, contempla três destinos predominantes: destino virtuoso,
destino pouco virtuoso e destino não virtuoso.
Nas trajetórias profissionais com destinos virtuosos os trabalhadores seguem
desfrutando uma inserção padrão no mercado de trabalho. As condições sócio-
econômicas são preservadas, mantendo os trabalhadores com renda, condições de
moradia e posição social aproximados, igual ou superior ao vivenciado antes da
presença do evento gerador de ruptura do percurso profissional analisado. Tais
trajetórias têm uma continuidade no mercado de trabalho, caracterizando uma
situação de filiação social.
Nas trajetórias profissionais com destinos pouco virtuosos as condições sócio-
econômicas são parcialmente preservadas, ocorrendo algumas perdas em termos
de renda, condições de moradia e posição social em relação à condição
anteriormente vivenciada. Os trabalhadores normalmente inserem-se no mercado de
trabalho através de contratações flexibilizadas. São trajetórias que apresentam
períodos de descontinuidade com o mercado formal de trabalho, caracterizando,
muitas vezes, situações de vulnerabilidade social.
nas trajetórias profissionais com destinos não virtuosos as condições
sócio-econômicas são marcadas pela precariedade, com perdas drásticas das
condições de moradia e posição social vivenciadas anteriormente, e os
133
trabalhadores apresentam dificuldades para obter renda para a sua sobrevivência.
Em geral, os trabalhadores inserem-se no mercado de trabalho na condição de
informais. Estas trajetórias são normalmente marcadas por longos períodos de
afastamento do mercado formal de trabalho, caracterizando situações de desfiliação
social.
A tipologia apresentada serviu de referência para analisar os rumos que
tomaram as trajetórias profissionais dos docentes universitários do ensino superior
privado que fizeram parte da amostra. Auxiliou na identificação da continuidade ou
não da carreira acadêmica e no desdobramento da trajetória profissional, após o
evento da demissão. Também serviu de base para a análise das formas de
manutenção e reinserção profissional que estes trabalhadores trilharam e na
identificação das modificações das condições sócio-econômicas e de posição social
ocupadas pelos mesmos ao longo do espaço de tempo investigado. A articulação da
análise das transformações ocorridas e das percepções dessa categoria profissional
sobre seus destinos, justifica-se, diante do problema de pesquisa proposto, e integra
a conclusão desta tese.
134
7 TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS DOS DOCENTES DO ENSINO SUPERIOR
PRIVADO DE PORTO ALEGRE E REGIÃO METROPOLITANA FRENTE À
DEMISSÃO
Neste capítulo, são apresentadas as análises das trajetórias profissionais dos
professores do ensino superior privado de Porto Alegre e Região Metropolitana que
fizeram parte deste estudo. Inicialmente é analisado o perfil sócio-econômico dos
docentes que caracterizou a dimensão demográfica da amostra.
A amostra utilizada foi constituída por sujeitos que apresentaram os seguintes
requisitos: docentes ou ex-docentes do ensino superior privado de Porto Alegre e
Região Metropolitana, de ambos os sexos, com idades e tempo de serviço variado,
que vivenciaram, ao menos, uma demissão dentro das suas trajetórias profissionais
acadêmicas nos últimos 15 anos. Estes requisitos foram considerados essenciais
para entender as transformações das relações de trabalho ocorridas nas últimas
décadas no ensino superior privado e os respectivos impactos nas trajetórias
profissionais dos trabalhadores desse sistema frente à experiência da demissão.
Em relação ao perfil sócio-econômico da amostra (Quadro 5), foi possível
verificar que os docentes, na sua maioria, pertencem ao sexo feminino, são casados
e têm, em média, 50 anos de idade. Dos entrevistados, apenas cinco não têm filhos.
Considerando o número de dependentes por docente, verificou-se que em cinco
casos, o número de dependentes é inferior ao número de filhos, indicando a
independência econômica dos mesmos. Não foram observados casos em que
houvesse outro tipo de dependentes por docente. A renda média mensal dos casos
pesquisados é de R$6.233,33. Um dos docentes entrevistados não informou seu
rendimento.
Em relação ao perfil profissional dos entrevistados (Quadro 6), verificou-se
que a maior parte tem, em média, 20 anos de atuação no magistério superior
ocorridos predominantemente em universidades, bem como 27 anos de atuação no
mercado, em diferentes áreas e sob diversas formas. Dez atuam em consultoria,
seis como profissionais liberais autônomos, cinco na condição de empresários, três
135
no serviço público federal, um em assessoria especializada, um como funcionário de
autarquia e um que se encontra aposentado.
Quadro 5 - Perfil sócio-econômico da amostra pesquisada
PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO
Entrevistado
Sexo
Estado Civil
Idade
(anos)
Filhos
Dependentes
Casa
Própria
Renda Média
Mensal
Docente 01
Fem
Solteira
42
-
-
sim
R$5.500,00
Docente 02
Masc
Casado
49
3
3
sim
R$12.000,00
Docente 03
Fem
Casada
33
1
1
sim
R$5.000,00
Docente 04
Masc
Casado
56
2
1
sim
R$8.000,00
Docente 05
Fem
Solteira
42
-
-
não
R$3.000,00
Docente 06
Fem
Viúva
54
3
-
sim
R$4.500,00
Docente 07
Fem
Casada
48
2
2
sim
R$5.000,00
Docente 08
Masc
Casado
46
1
1
sim
R$4.500,00
Docente 09
Fem
Viúva
73
3
-
sim
Não
Informado
Docente 10
Fem
Solteira
68
-
-
sim
R$10.000,00
Docente 11
Fem
Separada
47
2
2
sim
R$10.000,00
Docente 12
Fem
Casada
53
-
-
sim
R$6.500,00
Docente 13
Fem
Casada
42
-
-
sim
R$4.000,00
Docente 14
Fem
Casada
53
1
-
sim
R$8.000,00
Docente 15
Fem
Divorciada
50
2
1
sim
R$4.000,00
Docente 16
Fem
Divorciada
48
1
1
sim
R$3.500,00
Fonte: Dados da pesquisa de campo.
Quanto às áreas de conhecimento, oito têm formação em Ciências Sociais
Aplicadas, oito em Ciências Humanas, três em Engenharias e um em Ciências
Biológicas. A tabela utilizada para o enquadramento das áreas citadas foi a do
CNPq, CAPES, FINEP (2005). É importante destacar que foram consideradas para a
classificação as áreas de formação da graduação e pós-graduação strictu sensu dos
docentes. Cabe destacar que a maior parte dos professores, durante sua vida de
trabalho, acumulou mais de uma formação acadêmica, bem como desenvolveu mais
136
de uma atividade ou área profissional, encontrando-se, por essa razão,
normalmente, enquadrado em mais de um segmento profissional e área de
conhecimento.
Quadro 6 - Perfil profissional da amostra pesquisada
PERFIL PROFISSIONAL
Entrevistado
Tempo de
Atuação no
Magistério
Superior
Tipos de IES de Atuação
Tempo de
Atuação
no
Mercado
Outras
Atividades
Profissionais
Área de
Conhecimento
Docente 01
10
Universidade e Centro
Universitário
23
Profissional
Liberal
Autônomo
Consultoria e
Empresa
Própria
Engenharias e
Ciências Sociais
Aplicadas
Docente 02
22
Universidade, Centro
Universitário e
Faculdades Integradas
27
Consultoria e
Empresa
Própria
Ciências
Humanas
Docente 03
15
Universidade e Centro
Universitário
10
Consultoria
Ciências Sociais
Aplicadas
Docente 04
19
Universidade, Centro
Universitário e
Faculdades Integradas
e Escola
36
Consultoria
Ciências Sociais
Aplicadas e
Engenharias
Docente 05
2
Universidade
14
Profissional
Liberal
Autônomo
Ciências
Humanas e
Ciências Médicas
e da Saúde
Docente 06
24
Universidade
31
Profissional
Liberal
Autônomo
Consultoria
Ciências
Humanas
Docente 07
16
Universidade
20
Profissional
Liberal
Autônoma
Ciências
Humanas
Docente 08
9
Universidade
24
Consultoria
Ciências Sociais
Aplicadas
Docente 09
30
Universidade
50
Assessoria
Consultoria e
Empresa
Própria
Ciências
Humanas
Docente 10
39
Universidade e Centro
Universitário
50
Aposentada
Ciências Sociais
Aplicadas
Fonte: Dados da pesquisa de campo
137
Quadro 6 (continuação) - Perfil profissional da amostra pesquisada
PERFIL PROFISSIONAL
Entrevistado
Tempo de
Atuação no
Magistério
Superior
Tipos de IES de Atuação
Tempo de
Atuação
no
Mercado
Outras
Atividades
Profissionais
Área de
Conhecimento
Docente 11
25
Universidade,
Faculdades
Integradas, Faculdade
Isolada e Escola
25
Consultoria
Ciências
Humanas e
Ciências Sociais
Aplicadas
Docente 12
27
Universidade
29
Profissional
Liberal
Autônomo e
Servidora
Pública
Federal
Ciências
Humanas e
Ciências Sociais
Aplicadas
Docente 13
10
Universidade,
Faculdades Integradas
e Faculdade Isolada
20
Consultoria e
Empresa
Própria
Ciências
Humanas e
Ciências Sociais
Aplicadas
Docente 14
23
Universidade
31
Servidora
Pública
Federal e
Consultoria
Ciências
Humanas e
Ciências Sociais
Aplicadas
Docente 15
23
Universidade e
Faculdades Integradas
24
Profissional
Liberal
Autônoma
Ciências
Humanas
Docente 16
24
Universidade
24
Funcionária
de Autarquia
e Empresa
Própria
Engenharias e
Ciências
Biológicas
Fonte: Dados da pesquisa de campo.
Estes dados demonstraram que, em sua maioria, os docentes entrevistados
são profissionais experientes que dedicaram muitos anos de trabalho às instituições
em que atuaram, possuindo conhecimentos que ultrapassam o saber e o fazer
estritamente acadêmico, o que lhes confere uma diferenciação na atuação
acadêmica.
Quanto ao perfil acadêmico dos docentes por ocasião da demissão (Quadro
7), dez possuíam o título de mestre. Dos demais, cinco eram doutores e apenas um
especialista. Os dados indicam uma alta qualificação acadêmica dos professores do
ensino superior privado, na medida em que, do grupo de docentes mestres, um
deles possui título de doutor realizado no exterior, porém ainda não reconhecido no
138
Brasil, um tem dois títulos de mestrado reconhecidos e dois encontram-se em fase
final do doutorado.
Quadro 7 - Perfil acadêmico da amostra pesquisada no momento da demissão
PERFIL ACADÊMICO NA DEMISSÃO
Entrevistado
Atuação
na IES
(anos)
Ano da
Demissão
Tipo da IES
Demissória
Título na
Demissão
Experiência Administrativa
Docente 01
7
2000
Universidade
Mestre
Coordenação de Pós-Graduação
Docente 02
18
2005
Universidade
Doutor
Coordenação de Pós-Graduação
Docente 03
2
2004
Universidade
Mestre
-
Docente 04
5
2002
Universidade
Mestre
Coordenação de Curso
Docente 05
2
2007
Universidade
Doutora
-
Docente 06
24
2006
Universidade
Mestre
Supervisão Acadêmica e
Coordenação de Serviço
Docente 07
16
2007
Universidade
Mestre
Supervisão Acadêmica e
Coordenação de Serviço
Docente 08
8
2007
Universidade
Doutor
-
Docente 09
29
2007
Universidade
Especiali
sta
Pró-Reitoria de Graduação,
Direção, Supervisão Acadêmica
Docente 10
5
2005
Centro
Universitário
Doutora
Coordenação de Pesquisa e
Vice-Direção
Docente 11
24
2007
Universidade
Mestre
Direção e Coordenação de
Ensino, Pesquisa e Extensão
Docente 12
27
2007
Universidade
Mestre
Coordenação de Pós-Graduação
Docente 13
11
2005
Universidade
Mestre
-
Docente 14
23
2005
Universidade
Mestre
Supervisão Acadêmica
Docente 15
23
2007
Universidade
Doutora
Coordenação de Departamento
Docente 16
6
1992
Universidade
Mestre
Coordenação de Pós-Graduação
Fonte: Dados da pesquisa de campo.
Os processos de demissão analisados que fizeram parte das trajetórias
profissionais dos docentes entrevistados ocorreram de 1992 a 2007. Com exceção
de um professor que foi demitido de um Centro Universitário, todos os outros 15
139
foram demitidos de Universidades. Na época da demissão, a média de tempo de
serviço nas instituições era de 14 anos, o que representa um tempo de dedicação
profissional significativo, ainda mais quando se considera que dos 16 entrevistados,
seis deles tinham mais de 20 anos na instituição e que, um deles, o docente n. 9,
quando foi demitido, possuía 29 anos de atuação na mesma IES demissória.
Em relação à ocupação de funções gerenciais ou administrativas, verificou-se
que a maior parte dos professores ocupou cargos dessa natureza que vão da
supervisão acadêmica, passando pela coordenação de pós-graduação e de curso,
indo até a direção e pró-reitoria, demonstrando que estes docentes possuíam
experiência de administração e gestão nas suas carreiras acadêmicas.
Os depoimentos, analisados e interpretados por meio dos métodos da história
oral e da análise de conteúdo, permitiram identificar os conteúdos mais significativos
do discurso de cada professor universitário que compuseram as principais
categorias de análise e a compreensão da situação investigada.
A seguir, são apresentadas as análises das categorias mais representativas
dos conteúdos expressos pelos entrevistados que são: trabalho docente e seu
contexto, efeitos da demissão, moderadores dos efeitos da demissão, extensão e
significados dos efeitos da demissão e destinos das trajetórias profissionais.
7.1 TRABALHO DOCENTE E SEU CONTEXTO
Com o aumento da complexidade nos ambientes das instituições de ensino
superior privado, o grau de previsibilidade das relações de trabalho tem diminuído,
provocando instabilidade na carreira acadêmica e um clima de incerteza junto aos
docentes. As mudanças que estão ocorrendo nas principais atividades acadêmicas
de nível superior: ensino, pesquisa, extensão, orientação e administração têm
modificado o ambiente de trabalho do professor e exercido uma série de pressões
sobre esta atividade. Estas modificações, no contexto em que o trabalho docente
ocorre, têm produzido uma série de impactos sobre as experiências de trabalho
desses profissionais e seus significados.
140
O desenvolvimento da carreira acadêmica está diretamente vinculado às
demandas da vida pessoal e profissional do docente, envolvendo o relacionamento
com alunos, colegas, direção e, principalmente, com o contexto institucional em que
ele está inserido. Somam-se a isto os impactos sobre a vida pessoal e familiar.
A realidade da docência traz conseqüências para o trabalho do professor e o
modo como se constitui profissionalmente ao longo de sua trajetória formativa. A
sua identidade profissional é formada por um contínuo que vai desde a fase de
opção pela profissão, passando pela formação inicial, até a atuação nos diferentes
espaços institucionais em que a profissão acadêmica de fato se desenvolve,
compreendendo o espaço e o tempo em que cada um define a sua maneira de ser
professor.
Em relação aos motivos relacionados ao início da carreira docente de nível
superior, dos 16 professores entrevistados, 12 nunca tinham pensado em se tornar
professor universitário. Para estes, que representam a maioria, a entrada na vida
acadêmica se deu através de convites de colegas ou pessoas conhecidas ligadas às
IES, principalmente para substituírem professores que estavam se afastando para
realizar mestrado ou doutorado no exterior, ou ainda, que entraram em licença, por
diferentes motivos. Somente quatro professores planejaram, de alguma forma, o
ingresso na carreira acadêmica.
Eu nunca tinha pensado em ser professor. Naquela época se alguém me
dissesse que eu iria ser professor eu ia achar que essa pessoa estava
louca. Um professor me recomendou para fazer carreira acadêmica e eu
dei risada na cara dele. Eu disse que ele estava brincando comigo, porque
eu não iria fazer carreira acadêmica. que eu acabei entrando numa IES
privada e foram seis anos que eu fiquei como professor nessa instituição.
Hoje eu sou professor concursado de uma IES federal e a minha carreira
principal é a acadêmica. (docente 08)
Era um sonho meu entrar em uma universidade como professora, porque
eu achava o máximo a carreira acadêmica, a possibilidade de ser um
catedrático, um professor universitário. (docente 10)
Quando eu comecei na vida acadêmica eu era executivo financeiro de um
banco que estava numa fase ruim. Não estava acontecendo nada na minha
carreira. Eu estava na mesma função muito tempo e não sabia mais
se eu era bom ou não, se eu tinha valor ou não. Um amigo meu que
lecionava numa IES me sugeriu lecionar. Eu nunca tinha pensado nisso.
Como ele estava saindo, porque ele tinha que viajar e ficar um semestre
fora, eu acabei substituindo ele. (docente 04)
141
Estes dados confirmam o lugar que a docência acadêmica historicamente
ocupou no Brasil, ou seja, de uma profissão complementar. É o que sustenta
Schwartzman (1997) ao afirmar que a carreira de professor universitário significa,
muitas vezes, apenas um título adicional ou de status dentro de outra carreira
profissional bem sucedida. Ristoff (2006), nesse mesmo sentido, afirma que a
função do professor na educação superior brasileira é, ainda, em grande parte, uma
função ocupada por profissionais de outras áreas do conhecimento que acabam se
tornando, por acaso, docentes, muitas vezes, sem uma adequada formação e,
principalmente, sem nenhuma vocação.
Eu fiz magistério no segundo grau, mas nunca pensei em ser professora.
Eu me formei em 1985 e entrei direto na pós-graduação na minha área,
tudo na mesma instituição, Eu era casada e tinha um filho. Paralelo,
comecei a trabalhar como profissional liberal em 1987. Em 1991, depois
que eu terminei a pós-graduação, eu recebi um convite de uma colega para
dar aula na mesma universidade, substituindo um professor que foi meu
orientador na especialização, que se afastou para fazer doutorado. Ela me
convidou e eu levei um susto na hora, porque a vida acadêmica não me
interessava. Eu nunca tinha pensado em trabalhar numa IES. Foi a
primeira vez que eu assumi uma classe e para mim foi ameaçador. Eram
sessenta e seis alunos adultos e eu não estava nem um pouco
acostumada. Era uma faixa etária que eu não estava acostumada, mas
encarei e o que aconteceu. O meu primeiro semestre como professora foi
bem difícil, no sentido de que eu tive que vencer essa barreira de dar aula
para uma turma muito grande de adolescentes e adultos. Não no sentido
do conteúdo, porque eu dominava o conteúdo. A matéria era algo que eu
conhecia e gostava muito, mas eu não dominava a situação de ser um
professor. Até que um determinado dia a turma fez um silêncio, eu senti
que tinha alguma coisa errada, e uma aluna conseguiu, de um jeito muito
respeitoso, eu nunca esqueci disso, me dizer que eles não gostavam da
minha aula, que era muito chato aquele jeito que eu dava aula. foi
interessante, porque eu conversei com eles, falei dos meus temores e, de
um jeito gradativo, eu mudei o meu jeito de dar aula e construí uma
trajetória como professora. Hoje eu vejo que eu era uma péssima
professora. Eu não vou te dizer que agora eu sou uma excelente
professora, mas eu me sinto muito tranqüila para entrar numa sala de aula,
seja com trinta ou com quinhentas pessoas. Eu não tenho mais medo de
dar aula. Eu superei todos esses temores de falar em público. (docente 07)
Os professores não atuam e nem se formam no vazio, uma vez que as
possibilidades de desenvolvimento ou estagnação da carreira acadêmica dependem
do ambiente institucional em que trabalham. As instituições, por sua vez, não são
entidades abstratas, na medida em que possuem objetivos pré-determinados e
encontram-se situadas num contexto sócio-econômico mais amplo. Nesse sentido,
para que possam sobreviver em um mercado cada vez mais competitivo, dependem
142
do preparo e do bom relacionamento de seus professores, de seus alunos, e,
principalmente, da competência dos seus gestores.
Em relação à construção de uma identidade comum aos professores que
permita um bom relacionamento e facilite a obtenção dos objetivos institucionais,
verificou-se que isso é cada vez mais raro nas IESPs, na medida em que existe uma
competição muito negativa nesses ambientes que vai da disputa por hora de aula,
disciplinas, cargos e verbas de pesquisa.
A alteração constante, em termos de horas aula, é uma coisa muito
violenta nas IESPs, porque instiga a competição entre os professores, a
delação, a puxada de tapete do colega. Porque o professor precisa de mais
horas aula, tem que sustentar uma família, tem mulher, filhos e outros
compromissos. É uma coisa que angustia muito. Aquilo começou a me
angustiar muito. Aquilo era uma coisa que eu desconhecia totalmente. É
muito ruim tu não ter um salário determinado, e depender da tua
coordenação para ter mais horas de aula. Nas instituições particulares tu
trabalhas de acordo com a demanda de alunos. Se entrarem mais alunos
no vestibular, abrem mais turmas e tu tens mais horas aula, se não
acontece isso a tua carga é reduzida. Essa coisa de pagar por hora aula e
não ter um salário fixo e as chefias determinarem o que tu tem que fazer,
isso assim mata qualquer relacionamento em grupo. Isso eu acho muito
importante ressaltar, porque uma instituição funciona bem em equipe.
Não é um professor que resolve as coisas é o conjunto de professores. E o
curso fica muito prejudicado com essa disputa por hora aula a cada
semestre. Não tem filosofia de ensino, não tem plano de ensino, não tem
projeto de carreira que resista a um começo de semestre onde cada
professor fica tentando garantir mais horas aula para si, tenha ou o
competência para determinadas disciplinas. Então, isso acaba gerando
absurdos. Eu vi absurdos. Por exemplo, professores que têm uma vocação
para determinadas áreas fazendo questão de dar aulas em áreas que não
são as deles para garantir mais carga horária. Esse sistema realmente
acaba gerando distorções. (docente 10)
Cada momento de transição, cada ano, cada final de semestre, um
terrorismo por conta de todos esses enxugamentos. As universidades
particulares não estão bem do ponto de vista financeiro, fecham turmas e
demitem um monte de professores, e todo mundo, para querer ficar,
fica puxando o saco, quando os critérios para definir quem deveria ficar
deveria ser quem tem um melhor desempenho, quem tem mais produção
científica ou outros critérios que sejam definidos, claros e transparentes e
que os gestores possam trabalhar com eles de maneira clara e
transparente também. (docente 11)
Em relação aos alunos, a grande maioria dos docentes apontou que o nível
de formação piorou drasticamente nas últimas décadas fazendo com que os
professores tenham que trabalhar muito mais para despertar o interesse deles.
Porém, devido à mudança de papel do aluno de nível superior nas IESPs, que
passou de aluno a cliente, os professores se sentem cada vez mais pressionados a
143
ter que atendê-los em reivindicações que nem sempre têm relação com o ensino,
prejudicando o objetivo maior da educação, que é o processo de ensino e
aprendizagem.
Na IESP o aluno que quiser reclamar de um professor, a hora que ele
quiser ele é atendido, porque a IESP tem que ouvir o cliente. Então, o que
existe hoje é uma ditadura do cliente. Eu acho importante que o aluno seja
ouvido, que tenha acesso a uma ouvidoria, mas não pode ser isso,
porque se um aluno não gosta do professor e ele tem alguma influência
isso pode levar até a demissão de um professor. (docente 11)
Eu vejo colegas que cansaram de cobrar dos alunos, porque têm medo das
reclamações deles e de serem demitidos sem motivos, e acabam
aceitando muitas coisas erradas. Antes eram cinqüenta alunos por aula,
agora são sessenta e amanhã vão ser setenta. Essas são preocupações
que passam pela minha cabeça em relação a minha carreira. Tem vezes
que eu penso que vai chegar um dia em que eu não vou querer mais dar
aula, porque eu não vou agüentar tantos problemas. É muito complicado
você ouvir dos alunos afirmações do tipo “sou eu que pago o teu salário” e
ser obrigado a ficar quieta, ou, depois de falar para um aluno procurar um
livro, ele te dizer que se tivesse que ler um livro inteiro não precisaria vir
pra sala de aula pra assistir, porque, pra ele, eu estou ali pra suprir as
necessidades dele. Estes são dois exemplos de barbaridades que os
alunos dizem e eu tenho um pouco de medo disso. E isso ocorre porque na
atual estrutura do ensino superior privado os alunos sabem que eles estão
com a faca e o queijo na mão. Eu acho que eles dão muito espaço pro
aluno, e acaba existindo muita pressão pra agradar aluno. (docente 03)
Os alunos das instituições privadas são muito complicados, porque eles
têm um poder muito grande que é dado a eles. Eles adoram dizer que
quem paga o nosso salário são eles e que nós estamos ali para dar aula
pra eles. Hoje a gente é refém de aluno. E o pior é que a coordenação
respaldo para esses alunos. E isso acontece em todas as IES. (docente 05)
Para Ristoff (2006), as crescentes mudanças no ambiente acadêmico estão
transformando as relações de trabalho do professor universitário e substituindo os
valores clássicos da academia, por uma fria relação monetária e salarial entre
instituições e docentes. Para o autor, essas mudanças de status estão
transformando o papel dos professores e gestores e têm produzido uma série de
impactos sobre o fazer docente dentro das instituições. Ristoff sustenta a idéia de
que o ensino superior no Brasil encontra-se diante de uma crescente e dramática
dessacralização dos valores acadêmicos clássicos.
No atual contexto acadêmico-institucional privado, os professores
desempenham um conjunto de funções que ultrapassam as tarefas de ministrar
aulas, exigindo desses uma ampliação da atuação em outras atividades. Grande
parte dos entrevistados se referiu a essa realidade.
144
Tu é contratado para uma determinada carga horária que tu sabes que,
na prática, tu sempre trabalhas muito mais horas. que,
estrategicamente, fica ruim tu não fazeres o que é pedido. Mas ao fazer tu
sabes que tu vais fazer sempre com mais horas do que tu foste contratado.
Então, essa flexibilidade que é exigida do professor para muitas atividades
acaba virando exploração. Isso tem que ser revisto. Hoje eu procuro não
repetir mais aquilo que eu vivi na IES que me demitiu. Foi muita doação e
depois veio a demissão no final. Hoje eu não faço mais aquela loucura.
Hoje eu tenho uma outra visão do sistema acadêmico. Eu acho que isso é
muito importante, porque isso é um amadurecimento da minha carreira.
(docente 01)
Nesse contexto, os professores são permanentemente pressionados a
responder às mais variadas demandas de trabalho, através de uma série de
atividades que extrapolam o que é previsto para o seu fazer específico.
O saber, no passado, era adquirido basicamente no ambiente familiar, razão
pela qual ainda hoje as instituições educacionais são, muitas vezes, vistas e
tratadas como extensões das famílias. Essa origem determinou o marcante perfil
informal dos ambientes educacionais, onde nasceram e se desenvolveram um
conjunto de ordens sutis, silenciosas, invisíveis e, até mesmo, constrangedoras. Na
forma de demandas informais os empregadores, através de seus gestores,
designam tarefas para os docentes, disfarçadas muitas vezes de convites para a
participação nas mais variadas atividades, sem remuneração.
Como os limites da intervenção direta desses diferentes públicos na dinâmica
institucional não possuem uma regulação e padrões uniformes, portanto, regem-se
ao sabor das demandas, das características de cada gestor e instituição. É o
professor quem, normalmente, a partir da sua capacidade de estabelecer limites,
trata dessas questões, a fim de não incorporar ao seu trabalho demandas que não
lhe dizem respeito e que se não forem adequadamente conduzidas poderão
acarretar situações embaraçosas ou sobrecarregá-lo.
Verificou-se que as IESPs instituíram informalmente uma jornada de trabalho
invisível, através do aumento do trabalho docente extra-classe que é realizado para
avaliação, correção de provas, preparação de aulas e elaboração de projetos.
Muitos professores se sentiam coagidos a participar de atividades extraclasse. As
situações narradas foram as mais variadas, indo do envolvimento excessivo em
programações vinculadas às instituições onde atuam, até o trabalho em horários
extraordinários não contratados.
145
Eu gosto de ser professora e é algo que eu não penso em encerrar na
minha vida. Não é porque eu fui demitida agora que eu penso que não
mais para fazer isso. Eu me estressei muito, não como professora, não foi
o meu contato com o aluno, não foi a docência que me estressou. O que
me estressou demais e me deu sérios prejuízos à saúde foi o clima de
trabalho nesses últimos anos, o clima organizacional. Não foi o fato de eu
ter que entrar em sala, de eu ter que enfrentar os alunos, de eu ter que
corrigir provas, de eu ter que fazer quarenta horas e trazer tudo para
casa por que as quarenta horas que eles não me davam não eram
suficientes para corrigir provas, eu tinha trezentos alunos, entre alunos e
estagiários, eu tinha que trazer tudo pra casa, não tinha tempo pra planejar
as minhas aulas, tudo. Eram quarenta horas e o restante em casa. Eu
trazia as coisas pra casa e perdia os meus fins de semana. Eram as
minhas horas pessoais que eu usava pra isso, o que hoje eu sei que não
deveria ter feito. Era isso que na verdade me estressava e o não
reconhecimento disso pelo corpo diretivo. (docente 07)
Nos depoimentos dos professores, ficou constatada a existência dessas
práticas, que são bastante comuns nas IESPs. Referem-se a um conjunto de
atividades não previstas legalmente no contrato de trabalho, tais como participação
em eventos, reuniões administrativas e pedagógicas, atividades sociais e culturais,
palestras, entre outras. São atividades criadas pelas instituições que ocorrem em
virtude do crescimento das demandas em relação ao trabalho do professor e que
emergem inesperadamente ou não foram adequadamente previstas.
A IESP era uma parte importante da minha vida. Eu trabalhava, às vezes,
de manhã, às vezes, de noite. Dava aula em Viamão à noite. E eu tinha
que pagar do meu bolso a condução pra me levar e pra me trazer, porque
era muito longe. Eu sacrificava a minha família, deixava, muitas vezes, meu
marido em casa e ia pra Viamão à noite. Voltava onze horas da noite, mas
eu cumpria com muito prazer, por que eu gostava. Eu acho que não é
assim que tu tiras uma parte importante da vida de uma pessoa sem uma
justificativa clara. Eu acho que se tu trabalhas numa empresa privada isso
pode acontecer, mas tem que ser explicitado. (docente 12)
Do ponto de vista profissional eu não tive na IESP que me demitiu os
incentivos que eu precisava para fazer o doutorado. Eu não usei quando eu
recebi, porque eu estava sobrecarregada de atividades e não tinha como
fazer, mas quando eu podia fazer e pedi eu não obtive. Eu me magoei,
porque eu não obtive. Tu és altamente qualificado e é demitido. E no
mercado quando tu tens que pagar é muito caro. Hoje eu não faço um
doutorado porque eu não tenho dinheiro para pagar. (docente 11)
Esse trabalho informal dos professores gera uma sobrecarga de trabalho que
foi claramente identificada pelos depoimentos, demonstrando um excesso de
dedicação às necessidades das IES, inclusive em detrimento da família, das
atividades sociais e de lazer, e até mesmo do desenvolvimento cobrado pelas IESP.
146
7.2 EFEITOS DA DEMISSÃO
Conforme a literatura sobre o tema, apresentada anteriormente, os efeitos das
demissões nas trajetórias profissionais dos trabalhadores devem ser vistos como o
somatório de diversos fatores interligados e interdependentes. Eles resultam da
perda involuntária do emprego e incidem sobre oito dimensões da vida do
profissional demitido: emocional, psicológica, física, comportamental, familiar,
econômica, profissional e social.
Os efeitos emocionais e psicológicos aparecem nos depoimentos de forma
clara, apontando um aumento da insegurança e do medo com a existência de um
mercado mais seletivo em comparação com anos anteriores. Os professores
sentem-se inseguros e preocupados ao perceberem a instabilidade das suas
carreiras nas IES.
Durante os depoimentos dos professores que compuseram a amostra desse
estudo, um grande número de efeitos das demissões foi enunciado. Verificou-se que
a maioria foi composta por impactos negativos. Dos principais efeitos apontados, a
maioria deles pode ser englobada nos tipos emocionais e psicológicos, se
considerados em conjunto. Destacaram-se nesse grupo crises emocionais
(especialmente crise de identidade), ressentimento, ansiedade, raiva, depressão
emocional, tristeza e não aceitação da situação.
Eu fiquei revoltado, eu sde extremamente revoltado, muito revoltado.
Porque não tinham me avisado. Eles poderiam ter me avisado no semestre
anterior. Nós estávamos no meio do semestre e eu fiquei sabendo que eu
estava demitido, eu sei que isso acontece, mas eu saí extremamente
revoltado de lá, eu saí com muita raiva. (docente 02)
Eles me demitiram no dia 20 de dezembro, logo vinha o Natal. Eu ia viajar
6ª. feira pro Natal. Eu acho que eles podiam ter me avisado antes. Eu saí
muito chateada, porque eu não aceitava a demissão e achava que elas não
deviam ter feito isso comigo. Eu não precisava ter passado por aquilo. No
dia seguinte, eu fui na IESP para recolher todo o meu material. Recolhi
tudo e fui embora e nunca mais eu pisei lá. E o quero nunca mais pisar
lá. E se me convidarem para qualquer banca eu vou se for de um aluno
que eu goste muito. Mas se não for, não tenho a menor vontade de pisar lá.
(docente 05)
147
A quebra de confiança após a demissão foi refletida numa quebra também na
identificação do professor com a IESP demissória forjando uma visão crítica sobre a
realidade do trabalho e carreira docente.
Hoje eu não tenho mais nenhum compromisso formal com a universidade e
eu estou dando graças a Deus de não ter mais aquele compromisso diário
de ter que dar aula todo dia, de ter aquele horário fixo, de entrar nessa
briga por disciplinas e carga horária todos os semestres. Pagam aquela
miséria por hora aula Eu sei que em qualquer instituição é a mesma coisa,
a cada fim de semestre aquela corrida para manter a mesma carga horária.
Isso eu não agüento mais, isso eu não quero mais, não quero. (docente 10)
No grupo de efeitos negativos relacionado aos problemas físicos os impactos
mais citados foram estresse, problemas gerais de saúde e depressão. É importante
destacar que ficou evidenciada uma relação direta entre os problemas físicos
desenvolvidos pelos professores e as causas emocionais geradas pelo ambiente
negativo de trabalho.
Esse último ano foi muito estressante. Eu trabalhei muito e vivi uma tensão
muito grande, porque foi o ano que eu senti que o meu trabalho não estava
sendo valorizado. O clima dentro da faculdade, principalmente onde eu
trabalhava, estava muito ruim. No início do ano eu desmaiei no trabalho. Eu
tive um problema sério de labirinto. Eu sde ambulância, de sirene aberta
de dentro da faculdade. A sorte é que era de manhã e eu não estava no
meu horário de aula. Como eu tinha quarenta horas eu trabalhava pela
manhã também. Eu entrei na emergência desmaiada. Tudo por stress. Eu
tive um problema sério de labirintite, uma disfunção no labirinto. Levei seis
meses pra me curar daquilo. Tive várias entradas na emergência. Todo o
mês eu entrava por contratura muscular e dores de cabeça horríveis. Eu
tive um problema também na coluna cervical. Então, foi horrível o nível de
stress que eu vivi esse ano. Foi pavoroso. (docente 07)
Isoladamente, o grupo de impactos negativos que mais foi citado pelos
entrevistados refere-se aos aspectos profissionais. Em relação a esse tipo de efeitos
os que foram mais lembrados estavam ligados principalmente à quebra da confiança
e da lealdade na relação profissional (contrato psicológico), a sentimentos de
injustiça em relação à carreira e a falta de consideração e reconhecimento
profissional. Muitas vezes, esses sentimentos aparecem associados a efeitos
emocionais, mostrando como esses impactos, na realidade da experiência pessoal
do demitido, encontram-se agregados.
148
Era um clima muito ruim na faculdade. Eu não confiava mais nas pessoas
que faziam parte da direção e eu não tinha também mais admiração pelo
trabalho que estava sendo realizado. E isso estava me fazendo muito mal.
Eu sempre fui uma pessoa saudável, mas desenvolvi um problema de
tireóide, que examinado não tinha nenhuma causa orgânica. Era um
problema de origem emocional causado pela ansiedade e pelo estresse.
Depois que eu saí de lá eu fui ao médico, tratei e resolvi. (docente 06)
Ainda, dentro dos efeitos profissionais, se destacaram nos depoimentos a
presença de dúvidas, incertezas e, até mesmo, algumas dificuldades de recolocação
no mercado de trabalho, especialmente o acadêmico, que apareceram associadas,
com freqüência, ao atual momento do sistema de ensino superior privado e às
características específicas da carreira docente no Brasil.
O que eu vivi depois da demissão da IESP foi bem complicado. Eu coloquei
o meu currículo no mercado e ouvi que eu era sênior e eu tive dificuldade
de conseguir uma colocação maior do que quando eu me formei. Eu vi que
o mercado está mais aberto pra profissionais recém formados do que pra
profissionais sênior. As pessoas me diziam, olha a tua experiência é muito
grande, mas não pra me desvalorizar. Isso é a realidade, coisa que as
empresas privadas fazem. Elas trocam um diretor que esmuito caro por
três novinhos. A universidade é uma empresa privada e que também faz
isso. (docente 11)
A vida acadêmica é meio engraçada, porque eu fiquei todo o ano passado
numa expectativa de conseguir uma recolocação como professora e com
muito medo de não conseguir mais retornar a dar aulas. Eu tinha uma
fantasia de que talvez eu não conseguisse mais. Como eu tenho
cinqüenta anos, eu pensava, eu estou velha, porque coisa é realmente
complicada. O mercado está difícil, eu sou cara, eu tenho titulação. Mas
agora isso passou. Fiz algumas seleções, eu fui numa IESP
pessoalmente, eu fiz o concurso da UERGS e passei, mas não me
chamaram, não adiantou. Foi o primeiro concurso que eu fiz na minha vida.
Nunca tinha feito um concurso desse tipo. Enfim, eu fiz algumas tentativas
ao longo desse tempo e nenhuma delas engrenou, não foi bem sucedida.
Eu cheguei a fazer uma listinha uma vez. Eu mandei o meu currículo para
uns quatro ou cinco lugares que não me deram nenhum retorno. Mas,
agora, nesse ano, foi diferente. Uma colega ficou sabendo que eu tinha
sido demitida. Eu fui demitida num dia e no dia seguinte ela me ligou e
perguntou se eu não queria trabalhar numa IESP com ela e me convidou
para fazer o projeto de um curso. Depois ela me ligou de novo e me
convidou para ser a coordenadora desse mesmo curso e eu aceitei Agora
eu estou em um outro momento, estou num tempo de trabalho novo onde
eu estou sendo desafiada pra tocar uma coisa diferente. (docente 15)
O último tipo de efeitos encontrado foi o relacionado aos impactos
econômicos. Verificou-se que os principais problemas enfrentados pelos professores
estavam associados à queda da renda familiar e lesão financeira. Também foram
identificados impactos familiares e sociais, tais como repercussão nos estudos dos
149
filhos e afastamento temporário da convivência social, porém o número de exemplos
relacionados a esse tipo foi bastante pequeno.
O primeiro impacto foi o de administrar o dinheiro, as despesas, e ver como
é que as coisas iam ficar e como eu ia fazer. Perdi o desconto que eu tinha
no curso do meu filho menor que estuda na IES. Passada essa etapa eu
decidi arrumar a minha casa, porque parecia que a minha casa era lá. Eu
resolvi investir parte do dinheiro da rescisão pra ter um ambiente melhor
dentro da minha casa. (docente 15)
Com a demissão, de uma hora para outra eu tive que sustentar as minhas
filhas e não tinha como. Eu ficava me perguntando e agora? Então, essa
demissão, nesse ano, que ocorreu de surpresa, e da forma como ocorreu,
naquela situação específica, me fez repensar o meu papel como
professora. Eu sobrevivi em termos econômicos, porque eu comecei a
trabalhar em outras IESPs. Eu peguei uma disciplina atrás da outra no
semestre passado, até me recolocar bem no mercado. Agora eu continuo
professora. (docente 11)
A família dos professores também sofreu os efeitos dos processos de
demissão, principalmente no que se refere às questões financeiras e na convivência
com companheiros e filhos. Foi significativo o destaque ao papel de provedor
exercido pelos profissionais demitidos entrevistados em que a segurança e
estabilidade anterior ao evento, por terem um alto valor relacionado à
responsabilidade com a família, acabaram sendo momentaneamente abaladas.
A análise dos efeitos das demissões junto aos professores demitidos
proporcionou um maior entendimento dos fatores que afetavam o desempenho e o
crescimento na carreira acadêmica destes profissionais no interior das IES, após a
instauração do ciclo de instabilidade, a partir das demissões e mudanças. Apesar do
grande número de efeitos negativos constatado, decorrentes das demissões nas
trajetórias profissionais dos docentes entrevistados, também foram identificados
alguns importantes impactos positivos (Quadro 8).
Dos 16 professores entrevistados, somente quatro deles destacaram
enfaticamente que, apesar dos processos demissionais serem extremamente difíceis
acabaram auxiliando na carreira profissional no mercado fora do ambiente
acadêmico. E para os docentes que permaneceram atuando no ambiente acadêmico
ocorreu uma mudança de percepção significativa. Estes passaram a encarar a
carreira e profissão acadêmica de uma forma mais realista, pragmática e fria, citando
algumas expressões enunciadas nas entrevistas.
150
Uma coisa que eu me dei conta foi que se não tivessem me demitido eu
não teria saído, ou seja, eu ainda estaria até hoje, porque eu não iria
pedir demissão, eu me adaptei, fui aprendendo a gostar e fui ficando. Uma
coisa foi levando a outra. (docente 14)
Depois da demissão houve uma grande mudança na minha vida. Eu
retomei o meu trabalho como profissional liberal e as coisas começaram a
acontecer. Aquelas coisas que antes passavam batidas tomaram outro
rumo pra mim. Porque, ao mesmo tempo, que foi muito difícil, foi também
um mal necessário, porque eu tive que olhar para a minha vida de uma
outra maneira, mais direta e objetiva. Foi uma coisa muito bonita o que
aconteceu comigo nesse ano. Foi muito emocionante. (docente 15)
Quadro 8 - Efeitos da demissão nas trajetórias profissionais
EFEITOS DA DEMISSÃO
Entrevistado
Positivos
Negativos
Docente 01
alavancagem profissional;
choque emocional, sentimento de injustiça
Docente 02
autonomia
raiva e revolta; queda de renda familiar; lesão
financeira
Docente 03
-
desconsideração profissional
Docente 04
-
indignação; surpresa
Docente 05
-
choque emocional; crise de identidade;
problemas de saúde
Docente 06
liberdade; assinatura da Lei Áurea;
prazer; alívio
quebra de confiança e de respeito; problemas
de saúde; ansiedade e estresse; revolta;
mágoa; a IES ainda ocupa muito espaço na
minha vida; quebra do contrato psicológico;
nojo da IES (revolta)
Docente 07
-
estresse; fragilidade emocional; indignação;
problemas de saúde; sentimento de mágoa
Docente 08
concretização do ingresso na carreira
acadêmica pública
estresse
Docente 09
-
mágoa
Docente 10
-
choque emocional; depressão emocional
Docente 11
-
mágoa; quebra da lealdade
Docente 12
-
tristeza; não aceitação
Docente 13
-
desconsideração profissional; angustia;
sentimento de injustiça; depressão; dificuldade
de enfrentamento da realidade; depressão
emocional
Docente 14
-
sentimento de perda
Docente 15
-
doenças clínicas; muita raiva; problemas
psicológicos
Docente 16
-
ansiedade
Fonte: Dados da pesquisa de campo.
151
O clima negativo de trabalho nas IESPs, no período anterior à demissão,
produziu uma série de indignações, desconfortos, dúvidas e inseguranças junto aos
professores que os levou a pensar na possibilidade de serem demitidos. Esse
contexto de incertezas constituiu-se como o cenário no qual ocorreram os
desligamentos, produzindo uma série de efeitos agregados sobre os docentes e
suas carreiras. Quanto aos efeitos nos docentes desligados, verificou-se que existe
uma grande semelhança em todas as trajetórias analisadas.
Quando eu fui comunicada eu já estava prevendo. Não me pegou de
surpresa. Naquele ano eu comecei a sentir, porque eles me deram
disciplinas em extinção. Eu percebi que eles queriam me queimar com os
alunos, mas não conseguiram. Eles tentaram várias coisas comigo, mas
não funcionava. Eu sentia que a situação estava piorando pro meu lado.
Numa sexta-feira, à tarde, eles me chamaram. Era perto do Natal. Naquele
fim de semana eu passei mal. Foi a única vez que eu fiquei bem mal nesse
período. Eu fiquei apreensiva e pensava, estou na rua, vão me demitir. Na
segunda-feira, às dez da manhã, elas estavam lépidas e faceiras pra me
comunicar que estavam dispensando os meus serviços. Foi uma coisa
assim rápida. Em dois minutos eu estava dispensada. (docente 15)
Uma coisa que eu percebia também antes de eu ser demitida era que
outros professores também começaram a perder carga horária para outros
e ninguém conseguia entender o motivo. O grupo estava com a moral bem
baixa em função das várias demissões que tinham ocorrido. O clima não
andava muito bom. Era um desânimo total. (docente 03)
Houve uma troca de direção, um outro grupo assumiu, e a faculdade que, a
partir de então, foi tomada de assalto passou a ser gerenciada por uma
quadrilha. Essa era a percepção corrente, a de que existia uma
administração temerária, fraudulenta. Era um clima muito ruim na
faculdade. Existia toda uma expectativa de demissões e a própria direção
já estava avisando a gente nas reuniões que iria haver um enxugamento do
quadro. se instalou um clima de terrorismo na faculdade. Todo mundo
ficou apavorado e preocupado, porque ninguém sabia quem iria ser
chamado e o que iria acontecer. Elas faziam reuniões só com pequenos
grupos ou, quando faziam reuniões com todos os professores, existia uma
pauta com uma série de assuntos que elas só nos comunicavam e não se
falava ou se discutia absolutamente nada. Eu me dei conta que eu não
tinha mais confiança e respeito pela faculdade. Eu não confiava nas
pessoas que faziam parte da direção, eu não tinha mais respeito, porque
eu via que aquilo ali estava uma bagunça, que as coisas estavam sendo
feitas por outros interesses que não objetivando se construir uma faculdade
forte e eu não tinha também mais admiração pelo trabalho que estava
sendo realizado. E isso estava me fazendo muito mal. (docente 06)
Eu fui demitida em julho de 2007. No final do ano de 2006 saíram seis
professores colegas da faculdade e a maioria deles, como eu, era horista.
Eu percebia que havia um clima de demissão no ar, porque estavam
demitindo professores horistas mais antigos e contratando professores
mais jovens. Como eu tinha 27 anos de casa e uma série de gratificações o
que eu percebia é que esse era um critério que estava pesando. Eu via que
152
a maioria dos demitidos eram professores mais antigos e horistas. Eu tinha
pedido uma pré-aposentadoria que terminou em julho de 2006. Quando
terminou essa minha estabilidade eu fui demitida. Eu estava receosa que
isso acontecesse. (docente 12)
Quando uma colega de regime de quarenta horas foi demitida, eu pensei a
próxima sou eu, porque a diretora está botando os desafetos dela na rua.
Isso era o que nós tínhamos de consenso, que ela estava limpando a casa
para uma outra professora assumir a direção em 2009, porque vai haver
troca em 2009. Por isso é que vem havendo demissões de professores
durante esse período, e uma das coisas que espalharam e que nos
aterrorizou na época é que existiria uma lista de professores para serem
demitidos. Eu pensei quem deve estar com essa lista demitindo vários
professores é a que entrou. Então, quando saiu a minha colega, eu pensei,
bom agora eu sou a próxima e não deu outra. (docente 07)
As opiniões demonstram ansiedade e estresse no que tange às
transformações da carreira acadêmica e do trabalho docente em geral. Alguns
docentes chegaram num nível de tensão tão elevado que passaram a ter problemas
de saúde, porque na maior parte das IES demissórias nada é dito antes e depois
dos processos, tanto aos docentes remanescentes e, principalmente, aos demitidos,
bem como não existe um apoio das coordenações ou direções de cursos para
amenizar esses processos. Existem diferentes posturas dos gestores frente às
demissões, porém nenhuma delas traz certezas nem apoio durante os processos
aos docentes.
O professor vive sob pressão e não tem nenhum respaldo da instituição. Eu
não sentia que esse respaldo existia. (docente 5)
Eu nunca recebi nenhum apoio da coordenação, nenhuma forma de
reconhecimento. A gente sabe quando os alunos gostam da aula da gente,
mas a gente não tem respaldo. As IESPs não deixam claro o que elas
esperam do professor para que o professor possa ter alguma segurança de
que está fazendo tudo certo e ter a garantia de que vai ter continuidade na
instituição, isso não fica claro. Hoje tem muita gente querendo dar aula.
Dessa forma, vai cansando dar aula, com stress, alunos reclamando,
ofendendo, essas coisas assim. (docente 03)
Todas essas transformações de cenário que os professores assistem nas
IES, mostram a presença de estratégias que pressupõem principalmente
enxugamento, a fim de reduzir custos. Para este fim, as IES, normalmente, reduzem
cargas horárias, enxugam currículos de cursos e extinguem disciplinas, acarretando
mais demissões.
153
A redução de carga horária e de disciplinas parece fazer parte de uma
estratégia de redesenho nas IES para tornar mais enxutas as estruturas e buscar
produzir mais com um número menor de professores. Nesse clima de incertezas
sobre a lógica das demissões, muitas vezes, os professores acabam caindo em
contradição, devido às dúvidas sobre esses processos, e demonstram uma aparente
justificativa das ações das IES em relação a esses eventos.
Hoje eu concordo com a minha demissão. Acho que ela foi justa, foi porque
eu era muito infeliz como professor. Naquela situação de sala de aula
ensinando o que eu ensinava eu realmente era muito infeliz, porque eu
tinha certeza que aquilo não agregava o que eu acho que deveria agregar
pros alunos e a mim também não. Eu não conseguia falar dos aspectos
práticos daquilo, até porque não era a área que eu gostava. Era um fardo
falar daquele assunto e era um fardo estar ali também. Eu entendo que
isso se revelou na prática da sala de aula. Aquilo que pra mim antes era
interno, que era a dificuldade que eu tinha de não poder passar uma prática
que eu gostaria e que eu não tinha. Por mais que eu lesse, me esforçasse
e por mais que eu soubesse, não era a vivência e aquilo me incomodava
muito, me deixava muito ansiosa. Então, eu acho que foi certo e foi bom,
porque eu tive a chance de buscar realmente aquilo que eu queria
profissionalmente (docente 16).
Esses depoimentos confirmam a existência de estratégias institucionais que
visam deliberadamente criar um clima de confusão e dúvida que deixa os docentes
distantes de um entendimento transparente. Trata-se de um falso paradoxo, uma
vez que alguns professores, como o depoente anterior, racionalizam positivamente a
perda do emprego, como forma de aceitação desse desligamento, ao mesmo tempo
em que fica evidenciado a incerteza sobre o real sentido de justiça do ato
demissional praticado pela IESP demissória.
É possível entender essa situação paradoxal a partir dos depoimentos dos
docentes que ocuparam cargos de gestão e que assumiram a existência de razões
pessoais nos processos de demissão que não são, evidentemente, repassadas aos
docentes desligados.
O que eu vi como diretora é que qualquer professor fica à disposição da
IESP de acordo com o jogo de poder vigente e de acordo com a rede de
influências que existe, incluindo gestores e alunos. Se um diretor ou se o
amigo de alguém que tem algum poder não gostar de alguém, não existem
critérios objetivos, como na maioria das empresas decentes existe. Porque
nas empresas, como regra, as demissões têm que ser motivadas, tem que
existir fatos comprovados, porque tu o podes brincar com a vida das
pessoas. E o que ocorre nas IESPs é o contrário, porque dependendo de
quem gosta de quem e de quem é desafeto de quem, independente da
154
competência desse profissional, tu pode fazer o que tu quiser com a vida
dessa pessoa. Isso eu vi muito como diretora. (docente 11)
Alguns depoimentos mostraram, ainda, uma grande dúvida, surpresa ou
frustração quanto à saída repentina e inesperada da IES. Houve casos de
profissionais altamente qualificados que tinham sido recentemente promovidos ou
que tinham acabado de retornar de cursos no exterior pagos pela IESPs.
Eu era um professor que publicava e escrevia. Eu tinha publicado a minha
Tese e um livro na minha área de formação. Eu escrevia artigos, dava
palestras. Eu era um professor requisitado. Eu era um professor que os
alunos falavam extremamente bem da minha pessoa como docente, ou
seja, gostavam do meu trabalho. Esse fato gera dentro das instituições um
processo estranho de inveja pelo reconhecimento e certas opções. E como
eles não sabiam muito bem para que lado eu ia, eles tinham um pouco de
medo da minha pessoa e do meu conhecimento. Eu acho que eles tinham
inveja. E, além disso, antes da demissão, eu tinha acabado de ser
promovido. (docente 02)
Dentre os efeitos apontados por Caldas (2000a), os efeitos organizacionais ou
institucionais relacionados à condução dos processos de demissão também foram
enfaticamente lembrados e identificados pelos docentes, demonstrando uma série
de contradições no que diz respeito à forma como as IESPs, através dos seus
administradores e gestores conduzem esses processos.
É sempre assim que eles fazem o processo de demissão. Eles marcam um
dia pra tu ir a IES pra fazer uma reunião que é a demissão. Comigo foi a
mesma coisa. Elas começaram com uma conversa fiada assim de que por
todos os anos que eu tinha trabalhado lá. Me elogiaram. Claro, elas não
tinham nada pra dizer contra mim mesmo, não podiam dizer absolutamente
nada sobre o meu trabalho. Uma delas me dizia que pra ela tava sendo
muito difícil. Claro, aem função de que ela tinha sido minha colega na
coordenação. Mas que em função do que eu vinha acompanhando em
relação à dificuldade das horas, da pouca procura. Foi isso que elas
alegaram, a pouca procura de estagiários. Disseram que não tinham como
absorver as minhas horas e que eu devia estar esperando por isso. Eu
olhei pra elas e disse, olha, até umas duas semanas atrás eu estava, mas
como eu participei de reuniões, vocês me deram a minha grade de
horários, eu estava certa que isso não ia ocorrer mais. Os estagiários
novos entraram, eu fiz reunião com eles, passei os horários, comecei a
dar supervisão pros estagiários novos. Eu realmente comecei a achar que
isso não ia acontecer. Elas nem me olharam e uma delas me disse eu vou
ler aqui pra ti, eu tenho que ler pra ti. Leu a folha da demissão tão
aguardada e me disse pra assinar. Eu disse tudo bem. Aí eu assinei.
Peguei a caneta dela não dei um tremido na caneta e assinei e fui embora.
(docente 07)
Quem me ligou foi a secretária da reitoria que me disse que eu teria uma
reunião com o reitor. Eu chego lá e a reunião não era com o reitor, era com
155
os meus colegas do próprio curso. Eles vieram com aquela conversinha pra
boi dormir. Isso me deixou mais ofendida. Eu pensei, eu não vou ouvir as
coisas que eles têm pra me dizer não de colegas que eram do mesmo nível
que eu. Se eu tivesse que ouvir alguma coisa seriam os argumentos do
reitor, porque ele tem a reitoria, tem os interesses da empresa que é uma
coisa maior, que é uma coisa mais abrangente que eu poderia entender.
Não nego que ele possa ter as suas razões entende, até financeiras,
porque não? É uma empresa. Eu assinei na hora a demissão e se esgotou
ali. Então, acho que é muita grosseria na forma de demitir um professor.
Muito pouca clareza e transparência nisso. (docente 10)
No que diz respeito à percepção do processo de demissão e sua condução,
se verificou que a grande maioria dos docentes considerou mal conduzido e injusto,
devido à ausência de critérios objetivos e transparentes. Também, a maioria dos
docentes entrevistados expressou conteúdos que apontam para práticas de
administração e gestão inadequadas, muitas vezes perversas, ou amesmo para a
ausência de qualquer prática nesse sentido.
Eu fui demitida em julho de 2000. A formatura dos alunos tinha sido no
sábado. Eu tinha até preparado os planos de ensino para o segundo
semestre. Qual não foi a minha surpresa que, na segunda-feira, eu recebo
um telefonema da instituição falando que na terça-feira às 10 horas teria
uma reunião para falar do curso de graduação à distância. Eu estranhei
porque não tinha uma pauta e a reunião era comigo. E foi assim que eu
fui comunicada. Eu fui no dia e hora marcados para a suposta reunião da
graduação à distância, foi para isso que eu tinha sido chamada. Eu cheguei
e o coordenador estava com a minha carta de demissão. Ele falou que o
meu trabalho não interessava mais, que eu tinha rompido a confiança dele
e que não havia condições de eu trabalhar mais ali. Que existiam
reclamações de alunos sobre mim. que essas supostas reclamações
nunca se confirmaram. Nem pelos alunos que ele disse terem reclamado.
Não existia nenhum documento comprovando nada. Não havia nada, nada,
nada. Nenhuma situação de aula que explicasse isso. Nenhum tipo de
conflito. Nada. (docente 01)
Teve uma reunião de professores em julho e eu não fui comunicado. Em
agosto o meu chefe me ligou e disse, professor o senhor poderia passar na
minha sala pra fazer uma reunião? Quando eu recebi o telefonema, eu
sabia que estava demitido. Eu disse pra ele, o senhor me demitiu? Não,
ele falou, nós precisamos conversar. Ele disse não professor. Mas eu
tinha certeza. Fui pra reunião e o meu diretor da faculdade fez todo um
teatro, uma cerimônia, chorou na minha frente, chorou muito, de lenço, de
secar as lágrimas, dizendo que, infelizmente, estava demitindo o melhor
professor do centro dele. Eu disse o senhor não precisa nem chorar, o
senhor me demita, faça o seu papel, porque vocês estavam me
comunicando a cada semestre que iam me demitir. Não tem novidade
nenhuma. Ele disse, nós chegamos num momento tão crítico, que nós
estamos escolhendo quem pode sobreviver melhor sem a instituição. E o
senhor é um dos professores que tem mais condições de sobreviver melhor
sem a instituição, porque o resto dos professores que eu tenho aqui tem
uns que vão passar fome, porque nós estamos repartindo as migalhas, não
é nem mais o pão, em termos de carga horária. Eu disse pra ele, eu,
definitivamente, não nasci pra comer migalhas. Se o senhor ta repartindo
migalhas, faça uma boa distribuição das suas migalhas, porque eu o
156
nasci pra comer migalhas. A essa altura a minha arrogância tinha ido lá pra
escala mil. Ele começou a citar um professor que só tinha oito horas, que
era casado, tinha dois filhos na escola, que o único emprego que ele tinha
era aquele, e que se ele fosse demitido ia passar fome. Eu olhei pra ele e
disse meu querido, se o senhor ta querendo me demitir porque eu tenho
mais condições pra sobreviver, esse não é um critério justo. Se o senhor
quer demitir alguém, o senhor deveria demitir os incompetentes. Se esse é
o seu critério, eu aceito, mas não concordo. não chore não se
emocione, porque, eu vou sobreviver tranqüilamente. O senhor não precisa
se preocupar, porque vai ser muito bom. (docente 02)
Durante os processos de demissão vivenciados nas IES, segundo os
entrevistados, estes começaram a ver a instituição com mais cautela e menos
segurança, porque estavam mais apreensivos e menos satisfeitos. Com relação à
percepção após a demissão, ficou bastante evidenciada uma mudança de posição,
após o choque da perda do emprego. Os professores começaram a perceber melhor
que não existe estabilidade nas IES privadas, bem como a existência de motivos
ocultos nos processos de demissão. Os docentes perceberam que as decisões
relativas às relações de trabalho na academia o norteadas também por critérios
políticos.
Critérios ocultos ou políticos são as razões de caráter pessoal que não estão
baseadas em dados concretos sobre a competência do docente, ou seja, que não se
sustentam em evidências que possam ser justificadas de forma coerente ao
professor desligado. Estes encontram-se no livre arbítrio do gestor que está
demitindo, a partir das suas relações de poder no grupo ao qual pertence. Motivado,
inicialmente, por uma demanda institucional, normalmente de natureza econômica, o
gestor, a partir daí, escolhe, de forma arbitrária e planejada, os professores
passíveis de demissão, a partir de motivos pessoais.
Começaram a acontecer todas essas coisas desagradáveis que levaram a
minha demissão. Claro que uma vida inteira em junto com outras pessoas
faz com que certas coisas vão se desgastando. E aí, por questões
políticas, mudou a filosofia da IESP e começou toda uma disputa, todo um
questionamento sobre quem ia assumir a coordenação da faculdade. A
instituição é um ambiente muito poderoso, um ambiente onde o poder é
uma coisa muito sombria e muito mal trabalhada. E aconteceu a minha
demissão. (docente 15)
Uma coisa que eu me dei conta é que as demissões são preparadas. Eu
nunca tinha sentido isso na pele antes. Eu achava que as pessoas que
diziam isso eram paranóicas. Quando é com os outros, não é? Nada como
tu viver pra saber. Antes de falar com a diretora e a vice eu pensei, se
essas mulheres me demitirem eu não vou dar um gostinho pra elas de me
verem sofrer. Elas só vão me ver bem. Eu não vou ficar mal. Fiz um acordo
comigo mesma. Não vou me rebaixar. Elas me deram todas aquelas
157
justificativas e eu disse então o que eu tenho que fazer? Eu assinei o
documento e disse, é isso? E fui embora. (docente 15)
Eu me dei conta que existem muito mais coisas entre o céu e a terra na
instituição do que tu pensas que está lidando. Eu fui demitida no meio de
um projeto que eu estava coordenando. Eu identifiquei que existiam sinais.
Eles começaram a passar por cima do meu trabalho. Eles não estavam
mais considerando o meu trabalho como tinha que ser considerado e
estavam envolvendo outras pessoas. A mensagem que eu recebia era
dupla, até o dia em que marcaram uma reunião desse projeto, num horário
que eu não podia participar, sem me avisar E era uma reunião com todos
os professores. Depois de eu ter usado a influência que eu tinha na época
junto ao MEC, ou seja, depois de eu ter feito tudo. (docente 11)
Em relação aos motivos do processo de demissão, verificou-se que nenhuma
das razões alegadas aos docentes, segundo os depoimentos destes, coincide com
as razões percebidas pelos mesmos, demonstrando uma grande incoerência na
forma como esses processos são conduzidos no que diz respeito aos
esclarecimentos que eticamente deveriam ser fornecidos a estes (Quadro 9).
Um dos principais impactos identificado em quase todos os depoimentos
relaciona-se com a insatisfação dos docentes de não conseguirem compreender os
verdadeiros motivos de sua demissão da IESP, levando-os a questionamentos
sistemáticos sobre as reais razões, conforme os depoimentos abaixo:
Os critérios de demissão são sempre muito vagos. Eles realmente não são
bem definidos pela IESP (docente 12).
Eles disseram que não era nada contra mim, que era uma questão
administrativa, que eu tinha poucas horas. Eu tinha ficado só com oito
horas, pela redução da carga horária que fui diminuindo, diminuindo. As
disciplinas foram desaparecendo pelas mudanças e eu acabei não
recebendo novas. Eu senti muito a demissão, eu fiquei bem chateada no
início, porque é muito ruim. Foi muito ruim, mas depois eu fui preenchendo
com outras coisas (docente 14).
Na hora em que me demitiram eu, realmente, não entendi, porque desde o
momento em que tu trabalha e agrega valor para um departamento e
alavanca determinadas coisas fica difícil entender o motivo. Eu achava que
não era hora para eu ser demitida. Aquilo foi um conflito, um choque na
minha cabeça. Eu estava criando, trazendo coisas novas, buscando
convênios com empresas, fazendo um trabalho aplicado. Eu trabalhava
muito próximo com as empresas e, até hoje no mercado, vários
profissionais que me conhecem colocam que não entendem como que
alguém que estava fazendo tudo, buscando até fundos monetários para o
departamento não servia para aquele trabalho. Então eu ficava me
perguntando, mas o que serve para a academia? O que é passa pela
cabeça deles (docente 01).
158
Quadro 9 - Motivos alegados e percebidos no processo demissional pelos
docentes pesquisados
MOTIVOS DO PROCESSO DE DEMISSÃO
Entrevistado
Tempo
Decorrido da
Demissão
(anos)
Motivos Alegados
Motivos Percebidos
Docente 01
8
quebra de confiança
perseguição
Docente 02
3
crise financeira e professor com
melhor condição de sobrevivência
inveja e postura crítica
Docente 03
4
enxugamento de disciplinas do
currículo; alocação de doutores na
graduação
postura crítica; perda da
disciplina para outro professor
Docente 04
6
troca da direção e perfil
inadequado para a coordenação
incompatibilidade pessoal e
postura crítica
Docente 05
1
falta de alunos na pós-graduação;
redução do número de alunos e
do quadro
grau de exigência com os alunos
e inveja de colega
Docente 06
2
redução do quadro e de custos
manipulação para troca de poder
(articulação política) e professora
cara
Docente 07
1
redução de estagiários; Lattes
desatualizado; poucas
publicações; desatualização e
redução de carga horária
incompatibilidade pessoal e
manipulação para troca de poder
(articulação política)
Docente 08
1
acordo
incompatibilidade de interesses
Docente 09
1
mudança de Direção
manipulação para troca de poder
(articulação política)
Docente 10
3
redução de custos
incompatibilidade pessoal com a
coordenação e postura crítica
Docente 11
1
mudança de Direção
incompatibilidade pessoal
Docente 12
1
política de renovação dos quadros
antigüidade e salário alto
(professora cara)
Docente 13
3
redução do quadro; professor com
menor tempo de casa
articulação política
(escolha política)
Docente 14
3
carga horária pequena; questão
administrativa e enxugamento de
disciplinas do currículo
troca de Direção e enxugamento
de professores (eu era a única
que tinha outro emprego)
Docente 15
1
redução do quadro
articulação política
Docente 16
15
avaliações negativas
incompatibilidade pessoal
Fonte: Dados da pesquisa de campo.
Os principais motivos alegados pelas IESPs demissórias foram de ordem
econômica. Em dez casos encontrou-se esse tipo de justificativa com destaque para
159
a alegação da redução ou enxugamento do quadro de professores. Em quatro casos
foram alegados razões ligadas ao perfil do professor: quebra de confiança, perfil
inadequado, desatualização acadêmica e avaliações negativas.
Hoje me envergonha ver como uma pessoa pode ter o poder de demitir
alguém injustamente, porque, concretamente, eles o tinham motivos pra
me demitir. Eu tinha uma boa relação com os alunos, um bom desempenho
junto aos alunos. E eu não tive acesso a minha avaliação. Eles não me
deixaram ver. E ainda me disseram que estavam me afastando por
questões de contenção de gastos. Essa foi a justificativa que me deram.
(docente 15)
Quando houve uma mudança de direção, eu fui afastado da coordenação.
Eu fui chamado pelo diretor que era um professor que me conhecia muito
bem e ele me disse que o meu perfil não era o perfil que eles estavam
querendo pra coordenação do curso. Eu entendi, mas ele não falou qual
era o perfil que eles queriam. Eu sabia que ele o aceitava o meu perfil
pessoal. Eu não tinha o perfil pessoal que ele queria, porque quando eu era
coordenador do curso e ele era professor adjunto do curso nós
constantemente tivemos diferenças profissionais que ele tomou em nível
pessoal. Eu tinha certeza que eu não ia ficar com a posse dele, porque ele
não gostava de mim, do meu jeito de ser e não do meu trabalho, porque o
meu trabalho era bom, tinha um bom resultado e ele sabia disso. (docente
04)
Pra tentar escamotear porque ela estava me demitindo ela resolveu pegar
em cima de mim. Ela se queixou que foi ver o meu Lattes e que ele estava
desatualizado. Falou que era um absurdo, que como uma pessoa como eu
tinha o Lattes desatualizado. Porque pra os alunos procurarem estágio isso
era uma coisa que eles também consideravam. Mentira. Imagina se aluno
sabe o que é um currículo Lattes. E se sabe a última coisa que eles vão
olhar é o Lattes de um professor. Todo mundo me conhecia dentro. É o
próprio aluno que nos procurava. Também alegou que eu não tinha
publicação. Eu falei que eu o era paga pra publicar. Que o pessoal do
doutorado é que tinha que publicar, mas que eu publicava sim. Falei pra ela
olhar o meu Lattes e ver como eu publicava. Em 2006 eu tive três livros
publicados. E falou também que eu não ia a eventos. Eu disse, olha, de
tudo isso que tu ta me dizendo eu realmente concordo que eu deveria ter o
meu Lattes mais atualizado, eu realmente me passei, mas quanto ao resto
nada disso tem fundamento. (docente 07)
Em relação aos motivos percebidos pelos professores, 14 relataram que as
verdadeiras causas das suas demissões foram de caráter pessoal e apontaram
motivos que foram da incompatibilidade de interesses à perseguição. Cabe destacar
que, em quatro casos, as causas atribuídas à demissão foram relacionadas à
postura crítica dos professores, três, à presença de articulações políticas no curso,
departamento ou na própria IESP, e três a incompatibilidades pessoais da
coordenação ou de colegas com os docentes demitidos.
160
Eu não era um professor que ninguém sabia o que eu pensava. Todo
mundo sabia o que eu pensava. A minha visão era uma visão
extremamente crítica dentro da educação e do ensino. A minha atitude
sempre foi essa. Eu não consigo ensinar para o conformismo. Não tenho
essa visão, não faz parte da minha vida. E isso custou o meu emprego.
Uma das causas da minha demissão foi essa. (docente 02)
O meu entendimento é que eles colocaram pra rua os professores que
não baixavam a cabeça pra tudo o que eles queriam. E eu não era uma
professora que baixava a cabeça, porque eu sempre dizia o que eu achava
que não era correto. (docente 11)
Na medida em que tu começa a querer mudar uma forma de pensar
dominante tu começa a entrar em conflito, principalmente com as pessoas
que estão na instituição muito tempo. Eu até entendo a posição da
reitoria, porque entre botar pra rua uma pessoa que ta incomodando, mas
que só tem cinco anos de casa ou botar pra rua uma pessoa que ta
incomodando, mas tem trinta anos de casa, é claro que eles optam pela
que tem só cinco anos. (docente 10)
O que eu mais aprendi é que o professor pra sobreviver na instituição tem
que se articular, tem que participar, tem que se envolver um pouco mais
nas questões políticas. Não que eu concorde com isso. Eu o acho que a
gente tenha que fazer politicagem, mas eu aprendi que a gente tem que se
relacionar com as pessoas, tem que circular, as pessoas têm que te
conhecer, porque, numa hora dessas, não adianta competência, é o
relacionamento que conta. Isso ficou muito claro pra mim naquele
momento, que não era uma questão de competência. Eu não estava sendo
demitida porque eu era incompetente, eu sabia disso, e eles me disseram
isso, mas eu estava sendo demitida porque eu o tinha me articulado
politicamente. Eu não fazia parte da panela, eu não era nem contra e nem
a favor de ninguém. Então acho que foi isso. Eu aprendi muito nesse
sentido. Eu acho que a gente tem que mexer os pauzinhos de vez em
quando. Isso é chato? É. Mas todo mundo faz e se tu não fizer tu não
sobrevive nos lugares, tu não fica e tu não vai pros lugares também,
porque, na verdade, as pessoas se protegem. Eu acho que no meio
acadêmico é isso que funciona. O mundo acadêmico é político. Tu tem que
ser da turma, porque se tu não for da turma tu ta fora. (docente 13)
Ficou bastante evidenciado pelos depoimentos destacados, o acirramento da
competição entre os professores pelos postos de trabalho, existente hoje nas IESPs.
Esse contexto acadêmico-institucional pressiona os docentes a se articularem
politicamente na busca da manutenção de seus postos de trabalho, ao mesmo
tempo em que penaliza aqueles que têm uma atitude mais crítica sobre essa
realidade e que acabam sendo punidos por manifestarem esse tipo de
comportamento.
Foi constatado, também, que o tempo decorrido da demissão influenciou a
aceitação e a compreensão dos motivos do processo da demissão, independente da
concordância com as razões alegadas. O tempo médio decorrido da demissão foi de
três anos, indicando que a maior parte dos docentes foi demitido recentemente pelas
161
IESPs, tendo, assim, pouco tempo de processamento desse evento dentro das suas
trajetórias profissionais. Foi possível verificar que quanto menor o tempo de
demissão, mais sofrido era o processo e menos elaborado o entendimento e a
aceitação de suas razões.
A demissão foi muito ruim no momento em que aconteceu, mas foi um mal
necessário, porque eu estava muito acomodada. Se não tivesse havido a
demissão, eu teria ficado estagnada. O momento, depois do processo, foi
maravilhoso, porque eu obtive um entendimento que me jogou pra frente.
Eu comecei a entender um monte de coisas que eu não entendia antes. Eu
me dei conta que eu estava só começando. Nesse momento ficou muito
claro que a melhor coisa que poderia ter me acontecido foi a demissão,
porque a minha carreira deslanchou. O salto na minha carreira foi
considerável. (docente 01)
Eu levei um semestre pra tentar entender tudo isso, tentar aceitar a forma
como foi feita a minha demissão. Eu aprendi como não fazer, como não
lidar com as pessoas, porque eu acho que a instituição pode ter os motivos
dela, eu não sei exatamente quais foram. Eu não participava das reuniões
da direção. Pode ser que houvesse uma filosofia da IESP de afastar
professores horistas mais antigos, mas, independente disso, eu acho que
as coisas têm que ficar claras, uma instituição tem que trabalhar em cima
da verdade. Pela IESP foi alegado que a minha demissão fazia parte de um
plano de renovação, sim, mas e quantos professores antigos
permaneceram? Então, isso pra mim não é critério. Então, eu estou sendo
punida pela minha antigüidade, pelo tempo que eu me dediquei a
instituição? E me dediquei bem. Eu aprendi como não fazer, porque eu
acho que tu pode demitir as pessoas, tu pode tomar a atitude que tu quiser,
mas tu tem que ser muito claro, porque tu está lidando com sentimentos e
com a vida das pessoas. (docente 12)
Por outro lado, também foi possível constatar que quanto maior o tempo de
demissão, mais elaborado era o entendimento de suas razões. Nesse sentido,
constatou-se que o professor demitido mais tempo (docente 16), com 15 anos de
distância do evento, foi o docente que demonstrou a maior objetividade e clareza no
entendimento do processo, conforme seu depoimento já citado na página 153.
Além de o fator tempo ter sido identificado como uma variável importante na
compreensão e aceitação dos reais motivos da demissão ficou evidenciado que
mais dois fatores contribuem significativamente para esse entendimento: o nível de
empregabilidade e a condição econômica do docente no momento da perda do
emprego.
Aqueles professores que, na época da demissão, tinham outros empregos de
professor em outras IES ou trabalhavam como empresários, profissionais liberais,
consultores ou em outras atividades, processaram mais rapidamente o evento. O
162
fator econômico, diretamente ligado à empregabilidade do profissional demitido,
também pesou na elaboração do processo, pois constatou-se que os docentes que
tiveram algum tipo de impacto financeiro levaram mais tempo para aceitar a ruptura
nas suas trajetórias.
Os dados analisados convergem com a perspectiva sustentada por Caldas
(2000 a e b) de que hoje os processos de demissão tornaram-se práticas tão
comuns nas organizações e instituições que deixaram de lado a preocupação com a
explicitação clara dos motivos dos desligamentos e, principalmente, com a dimensão
humana envolvida na perda do emprego.
Os conteúdos enunciados pelos entrevistados relativos aos efeitos e
moderadores, bem como aos motivos das demissões, demonstram a centralidade do
trabalho associado ao emprego, como uma categoria de grande importância para os
docentes demitidos. Esse entendimento do trabalho como uma necessidade
fundamental para as pessoas vai ao encontro da visão de autores como Ciampa
(1985), Bernardes (1994), Antunes (2001).
7.3 MODERADORES DOS EFEITOS DAS DEMISSÕES
Moderadores são os fatores, sob ou fora do controle dos docentes, que
atuaram como mediadores nos processos de demissão nas trajetórias profissionais
dos professores entrevistados, muitas vezes dificultando ou facilitando esses
processos, bem como a sua condução. Constatou-se que essas variáveis, na maior
parte dos casos, agravaram os efeitos das demissões, representando obstáculos e
desafios que os docentes precisaram enfrentar durante e após o evento. Também foi
identificado que esses fatores influenciaram a extensão e os significados das
demissões.
Verificou-se, nesse estudo, que esses impactos nunca foram homogêneos
para todos os professores, situações e tipos de instituições nas quais estes
atuavam, na medida em que sempre esteve presente um conjunto de variáveis
moderadoras diferentes, normalmente agravadoras, que mediaram esses processos
de demissão, ampliando a extensão e a gravidade desses efeitos (Quadro 10).
163
Quadro 10 - Moderadores dos efeitos da demissão identificados nos processos
demissionais dos docentes pesquisados
MODERADORES DA DEMISSÃO
Entrevistado
Atenuantes
Agravantes
Docente 01
qualificação profissional; contato
profissional; empregabilidade;
reconhecimento profissional; baixa
resistência à mudança; apoio
familiar
forma e razões inadequadas; competência e
reconhecimento profissional; incerteza do
desconhecido; crise de referências
Docente 02
estilo próprio de dar aula
reconhecimento profissional; postura ingênua;
postura crítica; competência acadêmica; inveja;
motivos alegados; má condução do processo;
cálculos da rescisão errados; falta de aviso; abalo
da imagem profissional; incompetência e falta de
transparência administrativa
Docente 03
competência profissional
reconhecimento profissional; dúvidas sobre reais
motivos da demissão; discriminação profissional;
postura crítica; falta de apoio da coordenação
Docente 04
identificação positiva com a
docência; rede de contatos
discordância dos motivos alegados; postura crítica;
incompatibilidade pessoal; exorbitação de poder;
competência profissional
Docente 05
-
ambiente acadêmico permissivo; má condução do
processo; discordância e contestação dos motivos
alegados; falta de aviso; falta de política de apoio
institucional
Docente 06
-
postura crítica; ambiente acadêmico tenso; regime
de tempo integral; falta de espaço para opinar; má
condução do processo; conhecimento diferenciado
Docente 07
conhecimento prévio da forma de
condução do processo
competência acadêmica; regime de tempo integral;
qualificação profissional; dúvidas sobre critérios
demissionais
Docente 08
demissão negociada; emprego
público
falta de apoio da Coordenação e Direção;
comportamento inadequado dos alunos; ausência
do poder de negociação
Docente 09
empregabilidade; regime de
dedicação parcial; empresa própria
assédio moral; má condução do processo; cinismo;
subestimação
Docente 10
conhecimento da lógica institucional;
condição financeira favorável
ausência de avaliação docente no curso;
corporativismo; competição predatória docente;
ótimo relacionamento com a cúpula; cinismo; falta
de respeito; hipocrisia; competência e qualificação
acadêmica; postura contestadora; má condução do
processo; surpresa
Docente 11
conhecimento da lógica institucional
perversão e jogo institucional; uso institucional
indevido do trânsito e influência profissional;
postura crítica; reconhecimento internacional;
competição predatória; critérios de avaliação não
objetivos
Docente 12
Emprego público; empregabilidade;
reconhecimento acadêmico institucional; má
condução do processo; dissimulação; frieza no
desligamento; critérios vagos
Fonte: Dados da pesquisa de campo.
164
Quadro 10 (continuação) - Moderadores dos efeitos da demissão identificados
nos processos demissionais dos docentes pesquisados
MODERADORES DA DEMISSÃO
Entrevistado
Atenuantes
Agravantes
Docente 13
-
má condução do processo; não aceitação dos
motivos alegados; competência acadêmica;
ausência de alternativas
Docente 14
emprego público; empregabilidade;
aceitação dos motivos alegados
má condução do processo; instabilidade do clima
institucional; má distribuição das disciplinas; baixa
carga horária
Docente 15
conhecimento da lógica institucional
má condução do processo; competência
acadêmica; acesso negado à avaliação docente;
perversão e jogo institucional; frieza no
desligamento
Docente 16
empregabilidade; rede de contatos;
concordância com os motivos
alegados
avaliação docente negativa
Fonte: Dados da pesquisa de campo.
Foi possível identificar também que o conjunto de moderadores variou de
professor para professor, bem como em cada situação específica de demissão.
Dessa forma, docentes com características pessoais diferentes (personalidade e
perfil profissional) e trajetórias profissionais singulares, demitidos em circunstâncias
distintas, apesar de sofrerem os mesmos efeitos, mencionados na literatura,
experimentaram grupos diferentes de moderadores que se manifestaram em
intensidades distintas dependendo dos impactos ocasionados pela perda do
emprego.
Os moderadores mais citados pelos docentes foram em ordem de
importância: os do processo de demissão, os da transição e os da superação (que
ocorreram após a demissão), os profissionais, os pessoais, os econômicos e os
sociais e ambientais.
Analisando os depoimentos dos docentes verificou-se que estes enunciaram
um grande número de fatores que mediaram os processos de demissão e que se
encontraram presentes antes, durante e após o evento da perda do emprego. O
maior grupo de moderadores citados está diretamente relacionado ao processo de
demissão. Aparecem no discurso dos docentes em torno de 25 vezes citados de
forma direta.
165
Nesse tipo de moderadores, destacam-se os do processo de demissão.
Aparecem 11 vezes, de forma direta, expressões relacionadas à má condução do
processo, quatro vezes expressões associadas a idéias de discordância ou dúvidas
sobre os motivos alegados pelas IESPs demissórias e também quatro vezes
relacionadas a idéias de inadequação na forma e nas razões ou motivos alegados.
Eu acho que a minha demissão foi muito mal manejada. Eu acho que
precisaria ter sido melhor explicado o motivo porque me demitiram. Eu
acho que foi por eu ser uma professora mais cara, mas, ao mesmo tempo,
foi uma coisa muito desumana, porque faltava só um ano e meio pra eu me
aposentar. O meu sonho era poder sair dali bem, sair com uma festinha. Eu
queria ter podido me despedir das minhas colegas daqui um ano e meio,
afinal de contas foi o local onde eu investi 27 anos da minha vida. Eu dei
um bom retorno pra instituição, então é difícil. Pra mim foi muito chato, eu
fiquei muito triste na saída. Não esperava que fosse manejado dessa
maneira, ainda mais por pessoas que a princípio tinham um bom preparo
em Recursos Humanos, em relações interpessoais. Eu acho que não é
assim que tu afasta uma pessoa depois de 27 anos. Então essa foi a
justificativa que me deram. Depois me pagaram tudo o que tinham pra
pagar e tchau nunca mais retornei à instituição. (docente 12)
É importante, ainda, destacar que, em relação aos moderadores do processo
de demissão, a falta de apoio das coordenações e direções dos cursos nas etapas
que antecederam as demissões, bem como durante os processos, foi citada muitas
vezes pelos professores como fatores que agravaram a perda do emprego, bem
como ampliaram a extensão dos efeitos, principalmente os profissionais.
Porque quando os professores reclamam, geralmente não acontece nada,
eles não são ouvidos, mas quando um aluno reclama ele é ouvido na
mesma hora e a reitoria quer saber o que ocorreu. Então, não existe uma
política de respaldo administrativo aos gestores e aos professores. Os
gestores fazem o que querem até a hora que o que eles estão fazendo vai
contra os interesses de alguém que tem mais poder de influência do que
eles. O que faz com que eles possam perseguir quem eles quiserem e
demitir quem eles quiserem. Eu, quando fui diretora, poderia demitir quem
eu quisesse, porque quando um professor era demitido nunca se
perguntava o motivo. Eu não fiz isso, mas se eu tivesse demitido alguém
ninguém iria me perguntar os motivos. Então, em geral,
administrativamente, existe uma falta total de critérios para demitir um
professor. (docente 11)
Destacaram-se nos depoimentos os moderadores profissionais.
Paradoxalmente, o fator competência profissional acadêmica que, nos discursos das
instituições, é preconizado como essencial para o desenvolvimento da carreira
acadêmica docente, foi enunciado em torno de 13 vezes, sob diferentes expressões,
166
como obstáculo e como uma das principais variáveis que contribuíram para a
demissão dentro das suas trajetórias profissionais.
O que eu vejo é que a maioria das IESPs são gerenciadas por pessoas que
não têm uma formação em gestão e isso faz uma diferença fantástica. Eu
tinha quase trinta anos de executivo quando eu assumi a coordenação e
tu consegues ver decisões administrativas, decisões estratégicas, sendo
tomadas de forma equivocada. Tu procuras ver as coisas de uma maneira
que o prejudique a instituição, que como quem normalmente decide
não conhece esse teu conhecimento atrapalha. E isto eu acho
extremamente desgastante, é uma coisa frustrante que acaba te
prejudicando. (docente 04)
O tipo de moderadores mais citado foi o de natureza pessoal. Destacou-se
entre esses mediadores a postura crítica ou contestadora dos docentes. Seis
professores, dos 16 entrevistados, citaram de forma bastante ampla e enfática esses
moderadores, demonstrando como os professores que possuem posicionamentos
críticos e assertivos sobre a realidade acadêmica e institucional sofrem, conforme
afirmou o docente 03, diferentes formas de discriminação profissional por colegas,
superiores e pela própria instituição.
Eu percebi que as IES o contraditórias, porque elas têm um discurso de
querer doutores, mas na prática não querem doutores, querem
especialistas. Então, as IES são complexas, porque têm uma dificuldade
enorme de reconhecer os bons docentes e, curiosamente, elas privilegiam
os incompetentes. Elas não querem um professor crítico, porque o crítico
tem competência. Claro que ele se ferra um monte, porque ele abraça as
coisas e acaba sendo mal visto, porque na IES tem muita gente que vai
falar mal de ti. Em qualquer outro lugar ter senso crítico é o ideal, menos
dentro da instituição. Na Instituição eles o gostam muito, porque você
acaba se destacando e o destaque parece que faz mal. As pessoas se
sentem mal, não sei, mas isso ficou muito claro, ficou muito evidente para
mim. (docente 02)
Na época que eu estava na IES eles davam muitos incentivos. Eu fiquei
conhecida no mundo inteiro, fiz um nome pessoal, fiz o nome da IES no
Brasil e no exterior, presidi comissões, fui coordenadora, fui condecorada,
tive vários prêmios, ganhei um monte de troféus, que eu sei que não foram
pela minha bela cara, mas pelo trabalho que eu fiz na instituição. Não fui
muito acadêmica no sentido estrito de fazer muitas pesquisas, mas de
publicações sim. No entanto, como existe todo esse jogo de come come,
nada disso é valorizado e tu acaba sendo demitido e não fica sabendo
direito o motivo. (docente 11)
Os outros tipos referenciados na literatura, os moderadores econômicos e
sociais e ambientais, tiveram um importante destaque na fala de alguns
167
entrevistados, especialmente aqueles relacionados ao ambiente acadêmico,
considerado por estes, cada vez mais competitivo, instável e permissivo.
Todas as IES têm os seus expoentes, tem também os que o são tão
expoentes, tem as invejas, as puxadas de tapete, é um serpentário, porque
é uma coisa impressionante a competição desenfreada entre os
professores. Isso existe em qualquer lugar, a gente sabe disso, mas eu
achava que nas IES não deveria ser assim, mas é. É tanto nas públicas
como nas privadas. Isso aí não existe dúvida nenhuma. A competição entre
intelectuais é uma coisa mais sutil, mais tapeada, mas ela é violenta
também. Ela é muito violenta. Conforme a situação, às vezes, têm coisas
bem graves que acontecem. (docente 10)
Em relação aos moderadores durante o processo de demissão destaca-se
que, na maior parte dos casos, não houve nenhuma forma de aviso antecipado aos
demitidos. Para a maioria dos docentes não houve justiça nos desligamentos, bem
como não ficaram claros os critérios de corte para os professores envolvidos. Ficou
bastante evidenciado que os reais motivos do processo não foram identificados
As demissões, ainda que pudessem ser pressentidas, não foram aceitas por
todos os docentes desligados. Apesar de intuitivamente os profissionais perceberem
a ameaça de cortes, em função do tenso ambiente institucional e dos sinais que
apontavam para a necessidade de adequação financeira das IES, fruto das pressões
do mercado, vários tiveram dificuldades para absorver o evento da perda do
emprego nas suas trajetórias.
Eu percebia que eu ia ser demitida, quer dizer, ter certeza eu o tinha,
mas eu estava com a impressão, porque existia uma pressão muito grande
no sentido de que eu ficasse mais tempo e eu não tinha como. Era um
clima muito tenso e dava pra imaginar que não ia acabar bem. Tinha uma
disciplina que eu dava que deixou de existir e outra que passaram para um
outro professor. Com a mudança do currículo muitas coisas mudaram e
sobraram muitos professores. Depois teve um enxugamento de
professores e, então, eu percebi que era certo que alguns iriam sobrar.
Então, a situação estava tipo o gato subiu no telhado. A impressão que eu
tinha era que alguém teria que sair e como eu era a única que tinha outro
emprego, era lógico que fosse eu, tu entende? Eu tinha a minha atividade
como profissional liberal e um outro emprego, mas os outros colegas só
tinham aquele trabalho. Se bem que, pensando bem, algumas dessas
pessoas também foram demitidas depois. Eu tinha quase certeza que eu
iria ser demitida, porque existia uma cobrança muito grande sobre a
questão das horas. E, então, eles fizeram um enxugamento e eu fui
demitida. (docente 14)
Sob esse aspecto, a visão passada durante as demissões pelos gestores foi
quase sempre atribuída à necessidade de redução de custos, a fim de possibilitar a
168
sobrevivência da IESP. Porém, a partir dos depoimentos dos docentes que tinham
ocupado cargos de administração ou gestão nas IESP, evidenciou-se uma visão
diferente, na qual ficou constatado que determinados gestores possuem uma
margem de influência sobre esses processos muito maior do que revelam.
As IESPs são super falhas na parte humana. Faltam processos que
assegurem às pessoas canais em que elas possam se manifestar e que
assegurem o contraditório. Falta uma avaliação correta pra os professores
poderem saber como está o seu desempenho, para se saber o que é
esperado e serem avaliados de acordo com o que é esperado pela
instituição. Isso realmente não existe. Hoje quem tem cargo diretivo, se é
uma pessoa correta, nem sempre pode fazer o que deve ser feito e é
importante que seja feito. Porque manter um professor que é para ser
demitido é impossível, demitir não tem problema. Eu poderia demitir quem
eu quisesse sem precisar dar nenhuma explicação. Existe uma situação de
muita vulnerabilidade para o professor. O professor está muito vulnerável
atualmente, porque ele pode investir toda a vida dele numa carreira, pode
ser altamente competente e fazer um trabalho de altíssima qualidade, mas
se alguém implicar com ele e tiver poder de influência ele poderá ser
demitido sem nenhuma explicação. (docente 11)
Quanto aos moderadores após o corte não houve formas de compensação ou
indenização aos demitidos além dos previstos na legislação trabalhista, como a
extensão da validade de diversos benefícios após a saída da IES, inclusive para a
família. Também não foi oferecida a oferta de serviços de recolocação pelas IES,
que segundo os demitidos amenizaria os impactos da demissão. Também os
gestores não deram nenhum tipo de apoio pessoal ou profissional frente às
dificuldades do momento vivido. Algumas vezes, além de não receber nenhum
apoio, os docentes, ainda, se sentiram lesados financeiramente.
No dia da rescisão do contrato, eu vi que os meus pagamentos estavam
errados. Eles me pagaram a menos, me sonegaram vinte mil reais na cara
dura, e fizeram de conta que não sabiam. O sindicato teve que intervir pra
eles pagarem. Eu acho isso uma relação de trabalho nojenta, porque eram
os meus direitos. Eles não estavam me fazendo um favor, eles tinham que
pagar os meus direitos. Eu me senti aviltado nos meus direitos. E isso me
magoou muito. A demissão em si não, mas ter sido aviltado nos meus
direitos sagrados de trabalhador, isso me deixou humilhado, isso me
deixou muito mal. Eu acho que isso para mim foi o aspecto mais perverso
da demissão. (docente 02)
Uma constatação importante deste estudo, que amplia os recortes existentes
nas pesquisas sobre o tema da perda do emprego nas trajetórias ocupacionais
refere-se à descoberta de um conjunto significativo de moderadores atenuantes que,
169
apesar de quantitativamente menores, são qualitativamente significativos nos
processos de demissão junto à categoria dos docentes universitários.
O estudo constatou a existência de quatro tipos predominantes de
mediadores que interferiram positivamente nos processos de demissão investigados,
atenuando os efeitos da perda do emprego: os profissionais, os do processo, os
pessoais e os sociais e ambientais (Quadro 10).
O maior grupo de moderadores atenuantes foi o profissional. Entre os fatores
mais citados pelos professores destacam-se aqueles relacionados ao nível de
empregabilidade, ocupação de um cargo blico, competência e reconhecimento
profissional. Os atenuantes do processo referiam-se predominantemente ao
conhecimento prévio da lógica institucional e da forma de condução dos processos
demissionais e à concordância ou aceitação dos motivos alegados.
Eu acho que faz muita diferença tu seres demitido quando tu tens um
emprego, porque é como numa empresa qualquer. Se tu é demitido e não
tem um outro emprego tu fica na mão. Eu sempre me preocupei com isso e
desenvolvi alternativas. Eu tinha um emprego público federal e também o
trabalho como profissional liberal. Se um não desse certo eu tinha o outro.
Eu acho que os professores que foram demitidos e se dedicavam para a
instituição estão sentindo mais, porque a perda não é do lugar, e do
trabalho, mas de própria identidade. E aí tu sentes muito mais. A gente tem
que ter várias coisas pra poder contar, pra não ficar na mão, porque se
falha uma coisa tem outra. Eu sempre pensei assim, porque isso te dá mais
garantia. Imagina quem foi demitido e tinha aquele emprego, perdeu a
instituição, o trabalho e a questão financeira também. Abala muito tu ficar
sem nada. É um luto muito mais pesado nesse caso. É muito mais
complicado. (docente 14)
Os moderadores atenuantes pessoais mais destacados foram: a rede de
contatos que os professores possuíam por ocasião da perda do emprego, a baixa
resistência à mudança e a condição financeira favorável. Em relação aos
mediadores sociais e ambientais foi citado, principalmente, o apoio da família.
Ampliei a minha rede de contatos em diferentes áreas em que eu posso
atuar. Passei a ter como critério fazer cursos de formação ou
especialização ou outro tipo de qualificação que me capacitem mais e
contemplem outras áreas do saber que eu preciso ampliar. Não me
restrinjo mais a minha área principal de formação. Eu procuro
sistematicamente outros conhecimentos para ampliar a minha atuação no
mercado. (docente 01)
Analisando o perfil sócio-econômico e profissional dos professores demitidos
foi possível entender a razão da predominância de fatores moderadores de natureza
170
profissional. Como se trata de uma categoria de trabalhadores altamente
especializada, e por apresentarem um perfil diferenciado em termos de qualificação,
inserção e rede de contatos profissional, em um tempo relativamente pequeno,
retornaram ao padrão econômico e social anterior à demissão, muitas vezes indo
além do nível pré-existente.
Esses fatores, após a perda do emprego, atuaram como amenizadores dos
impactos da perda do emprego e permitiram aos profissionais demitidos uma rápida
estabilização no mercado de trabalho. Dessa forma, verificou-se que as
circunstâncias particulares da carreira e trajetória profissional de cada professor,
bem como as formas pelas quais cada um interagiu com essas variáveis, fora ou no
seu controle, mediaram os efeitos da perda do emprego.
7.4 EXTENSÃO E SIGNIFICADOS DOS EFEITOS DA DEMISSÃO
Os efeitos da demissão estão diretamente relacionados às circunstâncias
pessoais de cada trabalhador, que são agravados ou atenuados não pelos
mediadores presentes no processo, mas especialmente pelos significados que cada
profissional demitido atribuía ao emprego que perdeu.
Os pesquisadores do tema concordam que o trabalho é central para a
identidade dos trabalhadores. Porém cada indivíduo atribui diferentes significados ao
trabalho específico em que atua, bem como à carreira e profissão que desenvolve.
Assim, a forma pela qual a perda de um emprego os afeta é também distinta e
particular, uma vez que, enquanto para a maioria, o emprego é uma dimensão
essencial em suas vidas, para outros não o é.
Para buscar compreender de forma mais abrangente os reflexos da demissão
nas trajetórias profissionais dos professores foi fundamental analisar os diferentes
significados que estes atribuíram à perda do seu emprego. Nesse sentido, vários
pesquisadores sustentam que quanto mais identificado ao emprego é o trabalhador,
mais sérias tendem a ser as conseqüências de perdê-lo (GREENHALGH e
ROSENBLATT, 1984; FRYER e PAYNE, 1986; LAFARGE e NURICK, 1993).
171
A maior parte dos estudos sobre os efeitos das demissões nas trajetórias
profissionais investigou como variáveis externas ao indivíduo, tais como a
dependência econômica e o tipo de percepção do processo formal de desligamento,
influenciam as suas reações e comportamentos futuros. Porém, poucas pesquisas
têm considerado devidamente a dimensão subjetiva desses eventos, através da
análise das percepções do demitido sobre o processo de desligamento, bem como
de suas emoções, medos, angústias e mecanismos de identificação com a
organização ou instituição demissória.
A extensão dos efeitos da demissão refere-se ao alcance do conjunto
agregado de impactos da perda do emprego na trajetória profissional do trabalhador
demitido. Está relacionada à dimensão, ao tamanho, à importância e, especialmente,
à duração desses efeitos no percurso profissional, na vida pessoal e no ambiente
imediato do sujeito que vivenciou esse processo.
A análise da extensão dos impactos da perda do emprego na vida e carreira
dos trabalhadores, apesar de considerado pelos pesquisadores do tema, é, ainda,
muito pouco investigado. Esse estudo deu uma ênfase especial a essa dimensão, na
medida em que o prolongamento destes tem uma relação direta com os significados
que o profissional demitido atribui à demissão. Esta seção trata, inicialmente, das
principais extensões dos efeitos da demissão nas trajetórias dos professores para,
depois, ampliar a compreensão dos significados que estiveram presentes nesses
processos.
Foi possível identificar cinco tipos de reflexos nas trajetórias dos docentes que
vivenciaram uma demissão nas suas carreiras: profissionais, pessoais, econômicas,
familiares e psicológicas (Quadro 11). É importante destacar que a maior parte das
extensões citadas pelos professores consistiu de repercussões positivas nas suas
vidas pessoais e profissionais (oito das 13 referências diretas), porém um grupo
significativo consistiu de repercussões negativas (cinco referências diretas).
Os prolongamentos profissionais favoráveis, com exceção de duas
referências diretas à carreira acadêmica, que foram a mudança de foco na
qualificação acadêmica e a busca de diversificação na atuação docente, estavam
todos relacionados a novas perspectivas de inserção e ressignificação das
atividades profissionais no mercado de trabalho fora do meio acadêmico, indicando
que a experiência da demissão faz com que o professor passe a buscar ampliar a
sua participação em outras atividades profissionais além da docência.
172
Quadro 11 - Extensão dos efeitos da demissão identificados nos processos
demissionais dos docentes pesquisados
EXTENSÃO DA DEMISSÃO
Entrevistado
Extensões
Docente 01
desenvolvimento da carreira; indignação familiar; mudança de foco na qualificação
acadêmica; ampliação da leitura do sistema acadêmico; ampliação da rede de contatos em
diferentes áreas
Docente 02
processo judicial contra a IES; perda do desconto nas mensalidades da graduação dos
filhos; amadurecimento pessoal e profissional; ampliação da visão da realidade; redução da
carga de trabalho; maior dedicação à família
Docente 03
inviabilidade econômica para doutorado
Docente 04
incerteza sobre o futuro como docente; busca de diversificação na atuação docente;
dúvidas sobre o valor do doutorado para a carreira
Docente 05
perda de concursos públicos e vaga em IES
Docente 06
dar outro rumo na vida
Docente 07
perda do desconto nas mensalidades da graduação dos filhos
Docente 08
-
Docente 09
aprendizado para vida pessoal e profissional; mais tempo de dedicação à família
Docente 10
-
Docente 11
visão mais pragmática; aumento das dificuldades de qualificação (ex.:doutorado); quebra do
comprometimento;redução do padrão econômico; visão da carreira acadêmica como
profissão
Docente 12
perda do desconto da mensalidade do doutorado
Docente 13
articulação política e formação de rede de contatos
Docente 14
-
Docente 15
perda do desconto nas mensalidades da graduação dos filhos; problemas psicológicos
monitorados; reforma do ambiente doméstico; foco no momento presente (não pensa no
futuro)
Docente 16
fazer só o que gosta
Fonte: Dados da pesquisa de campo.
Os prolongamentos mais citados foram: ampliação da rede de contatos em
diferentes áreas, desenvolvimento da carreira, redução da carga de trabalho,
amadurecimento pessoal e profissional, articulação política e formação de rede de
contatos e aprendizado para vida pessoal e profissional.
173
Eu tenho um projeto para o ano que vem de estudar chinês. A minha
atuação no mercado já esme indicando que eu vou precisar usar essa
língua. está se formando um a coisa para negociar com chineses que é
um caminho que está sendo construído e está se fortalecendo. Estou
buscando ampliar a minha capacitação e a horizontalidade da minha
carreira, porque eu percebi que hoje não basta ela ser vertical ela tem que
ser horizontal. (docente 01)
Na minha trajetória como professora eu conheci uma pessoa que
trabalhava no sistema S e que me convidou para trabalhar com ela para
montar um curso. Eu fui demitida da IES e fui para o sistema S.
Paralelamente, constituí uma empresa e comecei a fabricar um produto
durante um período de quatro anos, inclusive durante o período que eu
estava no sistema S. Eu queria trabalhar na minha área de interesse e
voltei a trabalhar no sistema S, convidada pela mesma pessoa que me
contratou da primeira vez e estou aqui trabalhando até hoje na área que eu
queria que e buscava. E agora eu não pretendo mais investir na carreira
acadêmica. (docente 16)
As extensões negativas mais citadas na dimensão profissional dos docentes
tinham uma relação entre si e enfatizaram uma grande preocupação em relação ao
futuro da carreira acadêmica. As principais foram: incerteza sobre o futuro como
docente, dúvidas sobre o valor do doutorado para a carreira, quebra do
comprometimento na relação profissional, visão da carreira acadêmica como uma
profissão qualquer e perda de concursos públicos e vagas em IES.
Agora eu fiz todo um outro planejamento de vida pra ver se eu termino o
doutorado, mas eu tenho dúvidas, eu acho que o vai mudar muito a
minha vida profissional em função disso. Eu tenho 56 anos e não sei o que
isso vai mudar na minha vida, mas, pelo menos, é uma coisa que eu gosto.
Estudar é uma coisa que me agrada e já que eu comecei quero terminar.
Eu não gosto de não terminar alguma coisa que eu estou fazendo, mas, às
vezes, eu fico me questionando porque eu estou fazendo isso, porque, em
termos profissionais, eu não sei se eu vou colher algum fruto disso. Se o
doutorado fosse pago eu não teria feito. (docente 04)
Todas as extensões pessoais foram enunciadas como repercussões positivas
dentro das trajetórias profissionais dos docentes. As mais lembradas foram:
ampliação da leitura do sistema acadêmico e da visão da realidade em geral,
amadurecimento pessoal, busca de fazer o que traz realização pessoal, foco no
momento presente, desenvolvimento de uma visão mais pragmática da realidade,
aprendizado para vida pessoal e definição de um outro rumo na vida.
Ter trabalhado nesse mesmo lugar durante tantos anos, me embotou de
alguma maneira. Eu estava lá confortável naquilo. Eu pensava que eu
174
estava disponível pra algumas coisas, mas, na verdade, eu o estava. E
eu estava habituada a olhar as coisas de certo modo. Eu achava que eu
era muito criativa. Não que eu achasse, as pessoas diziam que eu era e eu
acreditava, mas eu não era. E eu pensava que estava tudo muito bem.
Eu tinha um belo salário. Hoje eu vejo que eu estava acostumada a olhar
sempre daquela maneira pras coisas. (docente 15)
Ao contrário das extensões pessoais, todas as de natureza econômica foram
consideradas negativas pelos entrevistados. Tiveram especial destaque na fala dos
docentes a perda do desconto nas mensalidades da graduação dos filhos (três
indicações diretas) e a perda do desconto da mensalidade do doutorado, que
representava 80% das mensalidades, em ambos os casos. As demais repercussões
estavam relacionadas aos seguintes fatores: aumento das dificuldades de
qualificação, especialmente o curso de doutorado pago, para alguns docentes tendo
sido citado como inviabilizando economicamente a realização do mesmo, a redução
do padrão econômico e a abertura de processo judicial contra a IESP demissória.
Porque o único momento da minha vida profissional que eu poderia usar da
instituição era aquele momento. Naquele momento eu estava com dois
filhos meu fazendo graduação, e eu estava usufruindo um benefício da
faculdade que eram os oitenta por cento de desconto nas mensalidades.
Era o primeiro semestre que eles estavam estudando lá, então, eu estava,
finalmente, conseguindo usufruir um pouco daquilo que eu tanto dei pra
IES. Eu estava colhendo um pouco, além daquilo que eu recebia como
salário. Eu entendia que isso era uma coisa importante para os meus filhos,
era importante, porque foram dezoito anos de IESP e significava
exatamente a idade dos meus filhos, ou seja, meus filhos ouviram falar a
vida inteira um nome só IESP. Foi isso que eles ouviram falar a vida inteira.
Então, eles iam estudar onde? Na UFRGS? o, eles nem fizeram
vestibular lá. Eles foram estudar na IESP que me demitiu e foi isso que me
revoltou mais. (docente 02)
Como eu tinha um desconto de 80% nas mensalidades dos meus dois
filhos que estavam na faculdade na IESP que me demitiu eu fui ao setor de
Recursos Humanos porque já tinham vindo os documentos para a minha
casa e eu já tinha pago a matrícula com os 80% de desconto e eu sei que
isso a gente perde. Aí me orientaram que eu deveria ir ao setor financeiro.
Eu fui e disse que era professora, que eu tinha sido dispensada da
instituição e queria saber agora como eu deveria proceder. Eles me
disseram que eu não precisaria me preocupar, porque quando viessem os
próximos documentos em fevereiro eles viriam com a complementação. Eu
tinha sido muito clara e tinha dito para eles que o queria, em hipótese
alguma, que os meus filhos sofressem algum tipo de constrangimento na
matrícula, porque eu não estava me negando a pagar. Eu só não tinha os
documentos, porque eles já tinham sido pagos. Eles me garantiram que eu
não precisaria me preocupar porque que eles iriam poder fazer a matrícula.
Quando um dos meus filhos foi fazer a matrícula aqui na minha casa pela
Internet, a sorte foi que a gente tava aqui, por que eles cansaram de fazer
a matrícula fora de casa, fizeram a matrícula até em Santa Catarina.
Então, ele tava fazendo a matrícula pelo computador e teve a matrícula
negada por pendência financeira. O guri ficou enlouquecido, porque ele faz
175
um curso super disputado onde existe uma disputa pelas vagas, e ele
conseguiu esse semestre, como ele foi muito bem o semestre passado, ele
conseguiu fazer a matrícula na primeira hora. E aí ele consegue os horários
e as turmas que ele quer. O curso dele tem essa coisa difícil, eles abrem
várias turmas e se tu não és dos primeiros a fazer a matrícula, às vezes tu
nem consegues. Tem turmas que nem abrem, porque são muitos alunos
concorrendo a determinadas disciplinas. Então, é uma corrida para fazer
isso. E ele teve o acesso negado. eu liguei para na mesma hora e
botei a boca. Eu disse escuta aqui, eu tive aí, eu expliquei a minha
situação, vocês me garantiram que isso não iria acontecer. Eles falaram
professora não podemos fazer nada, quem lhe deu essa informação? Eu
disse vocês me deram. A senhora deveria ter vindo na sala tal. Mas eu fui
aí e foi isso que vocês me disseram. Ah sinto muito. Mas tem algum
superior que eu possa falar? o é conosco mesmo. Não tem ninguém
que vai lhe liberar isso. O seu filho tem que vir aqui. era passado de
quatro horas, o horário bancário não tinha mais. Ele tem que vir aqui e
efetuar o pagamento para ser liberada a matrícula dele e como não é
mais horário bancário ele vai ter que vir aqui agora. Eu moro longe, o guri
saiu correndo, eu dei para ele o cartão do banco, ele sacou o dinheiro no
caixa de um banco com o meu cartão, pegou o dinheiro, atravessou toda a
IESP, foi no financeiro, pagou em dinheiro, e eles liberaram. Como não
dava mais tempo, ele ligou para casa para o irmão entrar no computador e
fazer a matrícula para ele, porque senão ele não iria conseguir fazer a
matrícula. Ele saiu daqui dizendo que se a gente não conseguisse, nós
deveríamos entrar com um processo e processar eles. Mas o irmão entrou
e ainda deu tempo dele fazer a matrícula. Como o meu outro filho também
faz o mesmo curso, só que a matrícula dele era na terça-feira, na segunda-
feira ele fez a mesma coisa que o irmão, foi num banco, passou na IESP e
pagou. Ele foi com o meu cartão, porque não veio o documento para
casa. Teve que tirar o dinheiro no caixa do banco, pagar no financeiro para
eles liberarem e na terça-feira ele poder conseguir fazer a matrícula pela
Internet. Esse foi um outro constrangimento meio difícil. Essa é a mágoa
que eu tenho com a instituição, porque eles deveriam ter me orientado
melhor. (docente 07)
As duas últimas extensões mais citadas foram as familiares e as psicológicas.
Nas familiares as mais referidas diretamente foram positivas e enfatizavam o
aumento do tempo de dedicação à família e a busca de melhorar o ambiente
doméstico. A repercussão negativa citada referiu-se à indignação familiar pela
demissão, percebida como injusta. Em relação às extensões de natureza emocional
constatou-se que ocorreram alguns problemas psicológicos após as demissões, tais
como depressão e queda na auto-estima.
A maior parte da literatura que trata da demissão, utilizada nessa tese,
converge no sentido de que a perda do emprego traz um conjunto de efeitos
negativos agregados para os trabalhadores demitidos e que estes influenciam de
forma significativa o rumo das suas trajetórias profissionais. A experiência objetiva
de uma demissão na trajetória de um profissional acarreta, ao mesmo, tempo, uma
vivência de ordem subjetiva que possui diferentes significados, de acordo com a
176
natureza, a profundidade e a extensão desse processo e, principalmente com o perfil
do profissional demitido.
A partir da experiência interior e subjetiva dos professores demitidos, ou seja,
das suas vivências antes, durante e após a demissão, foi possível identificar uma
série de significados desse evento. Foi possível verificar que os docentes utilizaram
uma série de imagens metafóricas para referirem-se aos significados da perda do
emprego. Essas imagens, apesar de variadas, convergiam, mostrando uma ênfase
na violência desse processo.
Analisando-se os depoimentos dos docentes demitidos, verificou-se que as
metáforas mais comuns da perda de emprego estavam relacionadas a idéias de
traição, abandono, vácuo, morte e estigma. Ao analisar essas imagens que os
docentes projetaram ao perder o emprego, foi possível compreender ainda mais as
complexas e ambivalentes relações que estes desenvolviam com as IES em que
atuavam (Quadro 12).
Trata-se de considerar e buscar entender a experiência interior dos
trabalhadores demitidos, através das suas vivências pessoais do processo. A
principal forma de considerar esta dimensão é através da análise dos conteúdos
metafóricos enunciados pelo entrevistado que traduzem essas vivências subjetivas.
A análise das principais representações metafóricas permitiu identificar a presença
de conteúdos comuns a todos os professores relacionados a uma experiência
interna paradoxal, ou seja, que foi, ao mesmo tempo, extremamente negativa e difícil
de ser ultrapassada, porém modificadora.
Depois que eu fui demitida, o que eu passei a sentir foi simplesmente uma
sensação de liberdade. Foi a assinatura da lei Áurea. Eu me senti livre. Foi
um alívio muito grande. Eu não sei o que vai acontecer agora, como é que
as coisas vão ser, mas a sensação de prazer é muito grande. Quando eu
trouxe o meu material da IESP para a minha casa foi que eu percebi a
quantidade de coisas que a gente acumula e que não consegue colocar
fora. eu decidi que esse ano eu vou me livrar dessas coisas todas, até
porque eu me dei conta de que a IESP está ocupando muito espaço na
minha casa e, conseqüentemente, ainda ocupa muito espaço na minha
vida. E eu tenho que ir tirando essas coisas da minha vida. (docente 06)
A sensação no início foi de alívio, vou ser bem sincera. Logo depois da
demissão foi de torpor, porque eu não estava acreditando que aquilo fosse
acontecer mais. Mas no final de semana depois da demissão foi de alívio.
Acabou a pressão, acabou a tortura, acabou o terrorismo. Depois é que eu
comecei a me dar conta de toda a articulação que tinha sido feita contra
mim. A minha demissão estava decretada há muito tempo. Elas já
vinham com essa articulação desde o início do ano manipulando as minhas
horas. (docente 07)
177
Quadro 12 - Significados dos efeitos da demissão identificados nos processos
demissionais dos docentes pesquisados
SIGNIFICADOS DA DEMISSÃO
Entrevistado
Significados
Docente 01
desmonte; injustiça; erro; mal necessário; não ter as fichas todas no mesmo pote;
vulnerabilidade
Docente 02
autonomia; independência; agressão e falta de respeito ao ser humano; exploração do
trabalho docente; quebra do contrato psicológico; morte; não colocar todos os ovos no
mesmo ninho; ameaça
Docente 03
mentira; político; orgulho ferido; não vou ficar nunca mais trabalhando numa só
instituição; as coisas não são bem como parecem;
Docente 04
repressão; dor; ser humano não veio para isso; profissional descartável
Docente 05
traição
Docente 06
luto; ruptura; vergonha; incapacidade; impotência; manipulação; sufoco; sentimento de
incompetência; retirada do tapete; desvalorização; descrédito; mancha
Docente 07
constrangimento; expulsão; terrorismo, tortura, pressão; articulação; torpor; alívio;
Docente 08
-
Docente 09
alívio; dei Graças a Deus; esvaziamento; perversidade
Docente 10
ofensa; exploração; grosseria; surpresa; violência inominável; hipocrisia
Docente 11
laranja podre; invisibilidade; teatro; hipocrisia; não é vestir a camiseta como um
sacerdócio, como eu acreditava; ruptura do casamento; ruptura do ideal para toda a vida;
surpresa; inesperado
Docente 12
punição; desrespeito
Docente 13
desmantelamento; falta de articulação política; não fazia parte da panela
Docente 14
vazio; engrenagem; a IES é uma empresa que visa lucro; separação; luto pesado; a gente
tem que ter vários cartuchos pra não ficar na mão
Docente 15
vergonha; armação; eu parecia um bicho pesteado; processar foi um horror; perda de
identidade; embotamento
Docente 16
-
Fonte: Dados da pesquisa de campo.
Essas imagens metafóricas presentes no discurso dos professores demitidos
parecem que visam dar sentido a essas experiências traumáticas de demissão,
auxiliando-os a elaborar esse processo. Metáforas relacionadas a assassinato,
morte, luto, doença, renascimento, foram utilizadas por quase todos os docentes
para descrever seus sentimentos. As pesquisas sobre a perda do emprego que
178
enfatizam esse recorte confirmam a presença dessas imagens que aparecem
freqüentemente em depoimentos de indivíduos demitidos.
Eu acho que ainda vou levar muito tempo processando o que aconteceu,
porque isso ainda não terminou pra mim. É um processo de elaboração, é
um luto, mas é também um teste em que eu estou me dando conta que eu
estou além disso. Eu não sou a IES que eu trabalhei tantos anos da minha
vida. Antes algumas pessoas me diziam isso, mas eu não entendia. Agora
eu entendo que eu não era a IES, eu estava trabalhando lá. Eu entendi
qual é o sentido que isso teve na minha vida. Eu estive durante vinte e
três anos, mas eu não sei onde é que eu vou estar daqui pra frente. Eu não
sei o que vai acontecer. Então, tudo começa a ter uma outra dimensão.
Tudo tem uma outra cor, um outro olhar, uma outra intensidade. Eu tenho
uma outra intensidade. Esse ano foi uma coisa estúpida, porque o que eu
não vivi durante muitos anos, eu vivi agora tudo ao mesmo tempo. Isso foi
mais forte do que me divorciar. Divorciar foi fichinha perto disso. O que eu
quero dizer é que o vel de consciência que eu tenho hoje é outro. Eu me
dei conta que eu suportaria essa experiência hoje também de uma outra
maneira. (docente 15)
Agora que já faz um tempo que eu fui demitida, eu acho que a gente vai
aprendendo e essa experiência vai te dando uma bagagem, até porque a
coisa vai mexendo dentro de ti. É uma questão de tempo. A gente leva um
tempo pra entender e aceitar. É como um luto qualquer. A gente fica
baqueado no início, mas vai elaborando aos poucos e vai entendendo
outras coisas. (docente 14)
quando tu és demitido é que tu vais perceber que o teu trabalho estava
certo, porque eu sei que ninguém nasce e morre no mesmo lugar. Isso eu
tenho muito claro. Nós somos passageiros na instituição, porque enquanto
você serve você fica. Daqui a pouco você não serve mais e te mandam
embora. Até tudo normal. Esse é o ciclo da vida e eu entendo isso muito
bem. Agora, você ser demitido de qualquer forma, sem diálogo? Eu acho
imperdoável. (docente 02)
As diferentes metáforas utilizadas pelos docentes para significar a sua
demissão permitiram entender melhor os impactos da perda do emprego dentro das
suas trajetórias e mostraram que grande parte dos professores, após um complexo
processo de elaboração dessa perda, percebeu que, antes da demissão, davam ao
seu emprego um significado maior do que ele muitas vezes deveria ter.
Instituição é tudo a mesma coisa. Muda o lugar, o cenário, mas a dinâmica
é muito parecida. É sempre a mesma preocupação com dinheiro, com ter
alunos. É a mesma hipocrisia, a mesma falta de coerência, isso tu vê
direto. Só que agora eu não estou nem aí. Eu estou calma. Eu estou
olhando pra essa realidade, constatando e sendo prática, ou seja, fazendo
o que tem que ser feito e deu. Eu não tenho mais aquele romantismo,
aquele ideal que eu tinha. Eu agora estou com os pés no chão. Tem dias
que eu me sinto realista demais e, aí, eu sinto saudades de mim quando eu
era mais idealista, quando eu sonhava mais com algumas coisas. Eu estou
179
muito realista e isso até me assusta às vezes. Eu estou com uma
consciência das coisas que às vezes é tão crua que me assusta. Antes, eu
não queria ver certas coisas, mas elas estão aí, não mais para negar,
não consigo mais tapar o sol com a peneira. Eu o consigo mais pensar
num futuro de vinte e tantos anos. Eu penso, talvez, daqui uns dois ou
três meses. Claro, eu tenho medo que essas coisas não dêem certo. Fico
preocupada. Por outro lado, ao mesmo tempo, no fundo, eu tenho uma
tranqüilidade, que é como se fosse uma certeza que vai dar tudo certo,
sabe? Eu não sei te dizer qual é a lógica disso, mas é uma sensação.
(docente 15)
Alguns relatos projetaram a imagem da demissão como uma quebra de
confiança entre o docente e a IES demissória. Essas imagens vão ao encontro do
que sugerem alguns teóricos do tema, como Cascio (1993), que afirma representar
essa metáfora uma forma clássica de ver as relações entre empregador e
empregado, na qual, além do contrato legal de trabalho, existe um contrato implícito
ou psicológico baseado na confiança recíproca. Enquanto o trabalhador espera do
empregador especialmente proteção, segurança, carreira, um trabalho interessante
e com significado, oportunidades de desenvolvimento e desafio e, principalmente,
reconhecimento, a organização ou instituição espera dele dedicação, conformidade
e comprometimento.
Assim, verificou-se que a maior parte dos professores, ao longo da sua
trajetória acadêmica, antes da demissão, acreditava que lealdade, comprometimento
e a busca de um desempenho adequado garantiriam a eles segurança no emprego,
ou seja, que eles teriam contratos implícitos de estabilidade no emprego. Até que a
experiência da perda do emprego quebrou essa perspectiva.
Os estudos sobre esse impacto apontam um crescimento na queda do nível
de lealdade dos trabalhadores em relação aos locais em que atuam e a migração
para formas de compromisso mais instrumentais, e, também, para uma mudança no
discurso dos empregadores, que cada vez menos prometem estabilidade (HEENAN,
1991; CASCIO, 1993).
A intensidade do envolvimento e do investimento de um trabalhador com o
seu local de trabalho pode, muitas vezes, igualar ou, a mesmo, ultrapassar o
relacionamento com suas famílias. Neste estudo, é o caso dos professores de tempo
integral que, antes da demissão, passavam a maior parte do seu tempo útil na IES
em que trabalhavam mais do que em suas próprias casas.
180
Eu senti bastante, porque, imagina vinte e três anos trabalhando num
mesmo lugar. Eu pensei e agora? A instituição já fazia parte da minha vida.
Levou um bom tempo até eu me reestruturar. No início deu um vazio. Hoje,
eu me dou conta que no fundo a instituição é uma engrenagem. É um
contexto todo complicado, aquelas coisas de empresa, porque é uma
empresa. É uma empresa como qualquer outra que admite e demite. A IES
privada não é como uma universidade ou uma empresa pública ou como o
Hospital que eu trabalho. E como eu tive as duas experiências, eu sei que
é muito diferente. A IES é uma empresa que quer lucro e pra isso eles têm
que enxugar os gastos. Eu estava muitos anos lá, eu tinha uma série
de adicionais. Eu me tornei uma professora cara pra eles e eles queriam
professores mais novos e que eles pudessem pagar menos. Eu entendo
que é isso. Pra mim é bem linear. Eles tiram os antigos, porque quem
estava bastante tempo ganhava bem. Eu recebia um salário bem
razoável. (docente 14)
Nesse sentido, verificou-se que esse pertencimento exagerado acarretava
situações semelhantes as que ocorrem na maioria das famílias, ou seja, de cuidado,
frustração, liberdade, segredo ou opressão. Nesse sentido, Hirschhorn (1988) afirma
que indivíduos que se associam fortemente aos seus locais de trabalho comumente
acabam controlando a ansiedade do ambiente através da criação de coalizões
veladas em que as relações imitam o caráter da vida familiar.
Nas IESPs as coisas são sempre assim. Existem coisas queo são ditas,
mas, no fundo, são as que movem as instituições. Aqueles segredos de
Instituição. Eles não dizem, mas são essas coisas que fazem mover o
sistema. É como segredo em família. Todo mundo sabe, mas ninguém
sabe que sabe. Ninguém diz que sabe. Mas todo mundo sabe que existe
um segredo e todo mundo cobre ele. Então, lá funcionava assim, nos
corredores os professores falavam que certas coisas eram um absurdo,
mas nas reuniões com a coordenação era diferente. Então, qual é a
mensagem que passa? Temos que passar uma imagem que não é
verdadeira. Mas e a postura ética do professor? (docente 05)
Nessa mesma perspectiva, LaFarge e Nurick (1993) afirmam que muitos
trabalhadores acabam agindo como se fossem parentes e a instituição passa a
equivaler a uma grande família ou a um tipo simbólico de pai ou mãe. Em troca de
lealdade e bom comportamento, os trabalhadores acabam esperando que essa
grande família, ou pai ou mãe simbólicos os proteja e os nutra. Alguns professores
demonstraram consciência de como a IES estava se tornando um substituto ou um
apêndice da sua família. Na maioria dos casos, entretanto, esse fenômeno pareceu
bastante inconsciente.
Ainda, na análise de Pagès (1987), a organização ou instituição pode assumir
a figura de uma mãe que é vista pelos trabalhadores, por um lado, como uma fonte
181
de amor, afeto e cuidado, e por outro, como fonte de medo, devido à angústia que
causa no indivíduo o temor de perder essa proteção. Nesse tipo de relação entre o
indivíduo e a organização, a demissão é extremamente traumática, pois significa a
expulsão simbólica de um local nutridor e protetor e a perda do referencial familiar.
Apesar dos depoimentos não explicitarem esse tipo de significado, a
representação social das empresas e instituições como uma grande família ou
extensão das famílias dos trabalhadores, é largamente conhecida nas pesquisas da
antropologia das organizações. Dessa forma, essa conotação integra o imaginário
institucional e os professores acabam, muitas vezes, projetando em seus colegas,
superiores ou na própria IES a idéia de uma mãe ou pai provedor que deveria cuidar
e proteger sua carreira. Quando isso não ocorre o docente tende a se sentir
abandonado.
Ao longo da minha história na IES tiveram, com certeza, pessoas muito
importantes que me enxergaram, cuidaram, promoveram e respeitaram.
Teve um colega importante. A gente começou junto. Depois esse colega foi
crescendo, crescendo virou diretor da faculdade durante doze anos. Então,
nesses anos que ele foi diretor eu me mantive sempre numa boa e fui
promovida para quarenta horas. Virei professora adjunta, em função de
todas as coisas que eu já tinha feito e do tempo de trabalho, mas as
indicações vieram por ele. Sempre houve um reconhecimento do meu
trabalho. Depois teve uma outra colega querida importante que foi a
diretora seguinte, após esse meu amigo, que abriu mais algumas portas
para mim e que me olhou de uma outra maneira, me aproveitou mais um
pouco. Essas foram coisas bem importantes que aconteceram dentro
desse ciclo. Foram histórias e pessoas importantes. E o final dessa história
dos vinte e três anos de instituição foi também através de algumas
pessoas. que dessa vez as pessoas me viram de outra maneira e eu
não tive mais as pessoas que me cuidavam, só que eu não tinha deixado
de ser quem eu era. (docente 15)
Vários descreveram o processo de separação física e psicológica das IES
com metáforas associadas à idéia de família. Desses relatos, imagens de ligações
familiares, infância e crescimento foram as mais usadas para explicar as reações
dos docentes à separação física e psicológica de suas instituições, a fim de fazer
entender o sentimento de perda que acompanhava tal separação. Alguns
expressaram terem sido abandonados pela IES, apresentando em geral sentimentos
de raiva e medo tipicamente associados à expulsão do lar.
Em outros depoimentos, verificou-se que a perda do emprego expressava a
idéia de perda ou dissolução da identidade. Essa constatação mostrou como nos
dias de hoje boa parte dos significados que os trabalhadores constroem sobre si
182
mesmos e sobre a realidade têm o seu local de trabalho como referencial. Isso é
comumente verificado quando o trabalhador, perguntado sobre o seu nome,
responde com o nome da instituição em que trabalhava.
Quando eu saí da IES eu não sabia mais dizer o meu nome sem associar o
nome da IES. Eu tinha me transformado na docente 15 da IES. Essa coisa
do sobrenome institucional. Eu tinha orgulho de dizer que eu era a docente
15 da IES. Antes eu pensava que a IES era tudo pra mim. que agora
não é mais. Eu acho que o bacana nisso tudo é que eu, talvez, esteja
aprendendo a equilibrar um pouco mais razão e emoção, e, assim, a
encerrar as coisas. Porque é necessário saber encerrar as coisas. (docente
15)
Estudos clássicos da psicologia mostram que quando um trabalhador é
traumática e involuntariamente destituído de seu papel de trabalho, sua noção de
identidade pode ser drasticamente afetada e que, quanto mais centrais forem os
atributos que a pessoa perceba estar perdendo, maiores serão os impactos sentidos
(WINNICOTT, 1988).
Eu te confesso que os primeiros meses depois da demissão não foram
nada fáceis pra mim. Eu me sentia muito mal. Acho que eu entrei numa
depressão mesmo. Eu me sentia mal mesmo assim de ficar pensando
onde é que eu tinha errado, o que eu tinha feito de errado, que coisa
horrorosa tinham feito pra mim, porque vinha de tudo ao mesmo tempo na
minha cabeça. Eu acho que a demissão é uma coisa muito violenta, sabe?
Eu acho que é uma violência inominável. A minha impressão é que é uma
coisa violentíssima. Eu acho que isso é uma coisa que tem que mudar. Os
estatutos das instituições de alguma forma teriam que mudar para proteger
mais o professor (docente 10).
A perda do emprego, através de uma demissão percebida como injusta, é
sempre traumática e pode levar o trabalhador a diversos níveis de sofrimento,
fragmentação e, até mesmo, desintegração da sua identidade. Oito dos
entrevistados manifestaram algum tipo de sofrimento, após a saída da IESP.
Quando eu fiquei sabendo que eu estava demitida eu tive um choque. Eu
não consegui dizer quase nada na hora. Eu disse pra ele que era uma
injustiça. Aquilo realmente foi um choque, um desmonte. Eu só consegui
dizer que o tempo iria trazer a resposta. Perguntei onde estava o papel que
eu teria que assinar e não questionei. Eu me lembro muito bem que
rolaram lágrimas dos meus olhos. (docente 01)
Eu fiquei super mal, super deprimida. Na época eu estava fazendo terapia
e fui correndo pro meu terapeuta. Até hoje ele fala que achava que naquele
momento eu fosse me desmantelar de vez, porque eu estava com muita
dificuldade pra enfrentar o que tinha acontecido. Ele achava que naquele
183
momento eu fosse me afundar de vez, porque eu tinha um vínculo muito
forte com a IESP. (docente 13)
A perda de emprego torna, em geral, o trabalhador demitido muito mal visto
pelos outros e mais dependente de como esses o vêem também, trazendo à tona a
questão clássica do estigma tratado por Goffman (1968). Essa linha de análise
destaca a grande vulnerabilidade sócio-psicológica que a demissão provoca nas
pessoas. De fato, foi possível verificar nesse estudo que a maior parte dos docentes
demitidos não apenas tiveram a sensação de perder o status positivo de estarem
empregados nas IESPs, mas tal como os desempregados de longa duração ou os
aposentados ganharam temporariamente um status negativo, que a sociedade
normalmente associa às pessoas inativas (FRYER e PAYNE, 1986; LEANA e
FELDMAN, 1988, 1992)
Depois que elas me demitiram eu fui pra minha sala e não tinha ninguém
ainda. Era uma sala grande. Era uma sala de professores que nós
tínhamos colocado todas as nossas coisas ali. Estava tudo aglomerado.
Quando eu cheguei ali não tinha ninguém. Cheguei e comecei a arrumar
as minhas coisas. Na medida em que as pessoas iam chegando, todo
mundo fugia de mim como se eu fosse um bicho pesteado. Parece que
bate um medo nelas. Eu senti que eu parecia um bicho pesteado. E era
aquela coisa de me evitar, porque as pessoas não sabem o que vão te
dizer também. (docente 15)
A utilização dessa perspectiva de análise ajudou a entender os impactos das
demissões e seus moderadores nas trajetórias profissionais dos docentes e a avaliar
como esses profissionais usam referenciais de sua experiência passada para lidar
com crises e mudanças no presente.
A análise das imagens e metáforas representativas das vivências subjetivas
da perda do emprego auxiliou a entender a experiência da demissão nas trajetórias
dos professores entrevistados, bem como a compreender os mecanismos
psicológicos utilizados por estes para elaborar, conviver, aceitar e superar a
presença desse evento no curso das suas carreiras acadêmicas. Essa perspectiva
acrescentou novas informações ampliando as conclusões desse estudo e confirmou
a importância do trabalho como uma categoria formadora da identidade pessoal e
profissional dos docentes.
184
7.5 DESTINOS DAS TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS
Este estudo verificou que a maior parte das trajetórias profissionais dos
docentes do ensino superior privado frente ao evento da demissão sofreu uma
ruptura que gerou modificações importantes nos destinos das mesmas.
Independente da área de formação, titulação ou tempo de experiência acadêmica, a
grande maioria dos docentes entrevistados manteve alguma forma de inserção no
ambiente acadêmico ou pretende, num futuro próximo, buscar uma nova inserção
(Quadro 13).
Da amostra pesquisada, 50% dos docentes entrevistados continuaram
atuando na área acadêmica após o evento da demissão. Cabe destacar que dos oito
professores que seguiram trabalhando como docentes cinco possuíam outro
emprego na área acadêmica e três levaram até cinco anos para retomar esta
carreira. Um dos professores, nesse período, foi aprovado e contratado por uma IES
federal.
Em função de várias demissões que tinham acontecido na outra IESP que
eu trabalho o clima não andava muito bom. Mas na IESP que me demitiu
era um desânimo total. Você ia pra sala de aula pra ser desrespeitado
pelos alunos. O coordenador não te dava nenhum respaldo, nenhum
mesmo. Eu comecei cada vez mais a perder o interesse em dar aulas e
isso que eu moro pertinho da IESP, mas eu prefiro dar aula na outra IESP
que eu trabalho. Eu estava doida pra ir embora. Eu sempre pensava em
pedir as minhas contas que, ao mesmo tempo, eu ficava pensando que
eram duas noites, mas enquanto eu não completasse a minha carga
horária na outra IESP era melhor eu ir ficando. Não tinha coragem de pedir
demissão. E quando foi em julho de 2005 eles me demitiram. (docente 03)
Dos entrevistados, três não pretendem mais seguir na carreira acadêmica,
cada um deles por motivos diferentes: sentimento de dever cumprido, pouco tempo
para se dedicar a essa área e falta de identificação com essa atividade. Um docente
quer retomar a carreira, porém na área pública, dois estão em fase de busca de
novas oportunidades nas IESPs e um não está buscando, mas encontra-se aberto
ao surgimento de uma nova oportunidade nesse mercado.
185
Quadro 13 - Destinos das trajetórias profissionais dos docentes pesquisados
DESTINOS DAS TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS
Entrevistado
Continuidade
na Carreira
Acadêmica
Desdobramento da Trajetória Profissional
Tipo de Destino
Docente 01
sim
docente em IES privada, profissional liberal
autônoma, empresária e consultora
virtuoso
Docente 02
sim
docente em IES privadas, consultor e
empresário
Virtuoso
Docente 03
sim
docente em IES privadas e consultora
Virtuoso
Docente 04
sim
docente em IES privadas, consultor; doutorando;
em preparação para aposentadoria
Virtuoso
Docente 05
não
Profissional liberal autônoma; em preparação
para concurso em IES federal
pouco virtuoso
Docente 06
não
consultora, profissional liberal autônoma;
em preparação para aposentadoria
Virtuoso
Docente 07
não
profissional liberal autônoma;
em prospecção de IES
Virtuoso
Docente 08
sim
professor federal
Virtuoso
Docente 09
não
assessora, consultora e empresária
Virtuoso
Docente 10
não
aposentada
Virtuoso
Docente 11
sim
docente em IES privada e consultora
Virtuoso
Docente 12
não
profissional liberal autônoma e funcionária
pública federal
Virtuoso
Docente 13
sim
docente em IES privadas, consultora e
empresária
Virtuoso
Docente 14
não
consultora e funcionária pública federal
Virtuoso
Docente 15
sim
docente em IES privadas e profissional liberal
autônoma
Virtuoso
Docente 16
não
empresária e funcionária de autarquia
Virtuoso
Fonte: Dados da pesquisa de campo.
Eu o pretendo voltar a lecionar em outra instituição acadêmica. Pra mim
instituição acadêmica deu, deu pra minha bolinha. Agora eu não quero
mais me vincular a outra instituição acadêmica. As instituições que eu me
vinculo hoje são instituições em que eu faço assessoria. E esse trabalho já
me absorve um monte de tempo. (docente 09)
Eu recebi um convite pra dar aula em um centro de formação, mas eu não
busquei. E, atualmente, eu não penso em ampliar essas aulas, porque eu
estou satisfeita com o trabalho que eu estou fazendo e não tenho mais
tempo também. (docente 14)
Não pretendo mais investir na carreira acadêmica. Na época que eu fiz o
mestrado o meu orientador queria que eu fizesse o doutorado, mas eu
disse que não. Eu queria ir trabalhar, eu queria ir ver como era o mundo
186
real. Eu não pretendo retornar e me dedicar mais ao mundo acadêmico e a
vida acadêmica. (docente 16)
Eu não desisti da carreia de professora e não vou ficar com as críticas dos
alunos no sentido de destruir assim essa imagem. (docente 05)
Eu pretendo continuar na carreira acadêmica, mas não quero mais fazer
quarenta horas em nenhuma outra IES. Isso eu aprendi com a demissão,
mas pretendo mandar currículos pras IES. São raras as que têm interesse
na minha área de formação, mas se tiverem interesse, eu gostaria de
continuar como docente, porque eu gosto. Foi uma experiência que eu
gostei e não vai ser essa demissão que vai me manchar. (docente 07)
Eu gostaria de continuar dando aula. Eu mandei o meu currículo pra outras
IESP, mas o que eu recebi de resposta até agora é que o meu currículo é
muito bom, e eu acredito que ele é mesmo, mas que nesse momento o
tem vaga. Então, o meu currículo está nas IESP, porque eu gosto de dar
aula e pretendo continuar. (docente 12)
A primeira coisa que eu pensei depois que eu fui demitida foi eu não quero
mais voltar a ser professora, eu não quero mais trabalhar com isso. Eu
recebi um convite de uma IESP para compor um grupo que estava
organizando um curso superior, mas eu não gostei, porque o que ficou
muito claro pra mim é que eles precisavam da minha titulação pra
demonstrar pro MEC. Aí eu não aceitei o convite. Eu comecei a organizar a
minha aposentadoria. que falta um ano e meio ainda que eu precisaria
trabalhar ligada a uma instituição universitária, mas eu te confesso que
essa idéia não me interessa e não me atrai. Eu não fui buscar nenhuma
oportunidade no mercado. Eu nunca precisei pedir emprego e eu não vou ir
atrás de emprego. A única coisa que eu pensava depois da demissão é
que eu agora estava livre da IESP e poderia fazer um monte de coisas que
eu sempre quis fazer, como viajar, por exemplo. (docente 06)
A continuidade desses profissionais pesquisados dentro do setor de atuação
acadêmica e em outras áreas profissionais conduziu a grande maioria dos docentes
entrevistados a destinos profissionais virtuosos. (CARDOSO, 2000). A identificação
desse caminho predominante se deu pelos rumos que os percursos laborais destes
tomaram após a perda do emprega nas IESPs, não prevista pelos professores.
A virtuosidade das trajetórias profissionais dos docentes foi identificada pelo
fato destes terem conseguido preservar o capital de qualificação acumulado após a
ocorrência da demissão que modificou esse percurso. Esses profissionais
conseguiram se manter no mesmo circuito do mercado de trabalho onde estavam
atuando antes de serem demitidos e preservaram condições semelhantes de renda
e condições de trabalho relacionadas ao último vínculo de trabalho. Alguns,
inclusive, ampliaram essa condição.
A minha inserção no mercado de consultoria foi instantânea. Eu vinha
negociando um projeto desde o início de 2000. Quando ocorreu a
187
demissão eu entrei de cabeça no projeto. Depois foi um projeto atrás do
outro. O trabalho foi se desenvolvendo Eu fui avançando e o trabalho foi
crescendo. Nesse momento ficou muito claro pra mim que a melhor coisa
que poderia ter me acontecido foi a demissão, porque a minha carreira
deslanchou. Eu comecei a entender um monte de coisas que eu não
entendia direito. Foi um salto na minha carreira. Eu acho que eu fiz uns dez
projetos. Eu não parava mais de trabalhar. Era um projeto atrás do outro.
Eu passei a trabalhar muito mais que no tempo que eu era professora e
com muito mais prazer, porque era muito mais gostoso o que eu estava
fazendo. (docente 01)
Eu não trabalho mais quarenta horas. Eu aprendi que não se põe todos os
ovos no mesmo ninho e eu não coloco nunca mais. Eu trabalho em outros
lugares e, definitivamente, se mais cedo ou mais tarde, as IESP
continuarem esse negócio de ameaça eu saio totalmente fora do ensino e
vou me dedicar cem por cento a minha empresa. Eu tenho uma empresa
de pesquisa, treinamento e formação humana que atua na área de
recursos humanos vinte e poucos anos. E hoje eu sei que, na verdade,
as instituições precisam de profissionais que tenham experiência fora na
área da administração. Eles precisam de profissionais com esse
conhecimento. (docente 02)
Somente um docente teve sua trajetória profissional com destino pouco
virtuoso verificada pelas condições sócio-econômicas desse profissional que foram
parcialmente preservadas. Também se constatou que ocorreram algumas perdas
em termos de renda e posição social em relação à condição anteriormente existente.
Esse professor passou a inserir-se no mercado de trabalho através de um trabalho
flexível e sua trajetória passou a apresentar períodos de descontinuidade com o
mercado formal de trabalho, caracterizando uma situação de vulnerabilidade social.
Eu recebi de rescisão um valor que pra ficar um período estudando. Por
um lado eu agradeço de ter saído da IESP. Eu me orgulho de saber que eu
não faço mais parte de um local que ensina mediocridade. Não quero mais
isso pra mim. Não quero mais ter o meu nome envolvido nesse tipo de
instituição. Graças a Deus os meus títulos de mestrado e doutorado não
são de lá, porque eu teria vergonha. Por todas as coisas que eu vi lá dentro
eu agradeço de ter saído de . Eu fiz uma poupança. Eles tiveram que
pagar a rescisão. Pagaram fundo de garantia. Pagaram férias até o final de
fevereiro e depositaram. Está tudo acertado. O que eu fiz foi um cálculo
matemático de quantos meses eu posso ficar sem emprego. E que margem
eu tenho nesse período para me preparar para um concurso numa IESF e
passar. Pode ser fora de Porto Alegre que, agora, eu to indo. Antes eu
tinha muita resistência de sair daqui, porque eu queria muito ficar, mas eu
preciso trabalhar pra viver e vou embora se for o caso. Vou pra Rio
Grande, Londrina, São Paulo, Rio de Janeiro, pra qualquer lado. (docente
05)
Assim foi possível verificar que a maior parte dos docentes conseguiu
preservar a sua qualificação profissional no decorrer das trajetórias profissionais.
Esse foi o elemento central na caracterização do destino das mesmas. Estes
188
professores, pelo seu alto nível de empregabilidade, ou seja, pela condição favorável
de emprego e trabalho desenvolvida antes, durante e depois da perda do emprego
não tiveram muitas dificuldades para se manterem ou se reinserirem no mercado de
trabalho.
No intuito de complementar a análise das trajetórias profissionais dos
entrevistados, foi utilizada a análise de cenários SWOT. Os resultados permitiram
identificar um conjunto de informações similares que reforçaram as constatações
demonstradas. As respostas dos professores sobre as principais dimensões
percebidas tanto no ambiente externo como no interno são apresentadas a seguir.
As oportunidades percebidas pelos docentes demonstraram a existência de
um conjunto significativo de possibilidades de inserção e desenvolvimento da
profissão e carreira acadêmica nos ambientes das IESPs e fora deles (Quadro 14).
Quadro 14 - Cenário das principais oportunidades do ambiente externo
Dimensões Principais Oportunidades
Interdisciplinaridade
possibilidades de atuação interdisciplinar no ambiente acadêmico e fora dele
status da profissão acadêmica na sociedade
distinções acadêmicas
rede de relacionamentos
intercâmbio com outras instituições de ensino
possibilidade de aplicação dos conhecimentos acadêmicos no mercado
assessorias institucionais públicas e privadas
formação de opinião
convivência com públicos diversos
desafios permanentes
intercâmbio internacional
desenvolvimento de atividades focadas na responsabilidade social
possibilidade de oucupação de cargos administrativos e de gestão acadêmica
desenvolvimento de atividades de pesquisa e publicação acadêmica
atualização contínua do conhecimento
desenvolvimento profissional diferenciado (mestrado e doutorado)
segurança e desenvoltura para falar em público
empregabilidade
estrutura
flexibilidade de horários
identidade institucional
benefícios para estudo
Atuação
Visibilidade
Desenvolvimento
Profissional
ALISE SWOT
Ambiente Externo
Infraestrutura
Institucional
Fonte: Dados da pesquisa de campo.
189
Cinco dimensões foram mencionadas: interdisciplinaridade, visibilidade,
atuação, desenvolvimento profissional e infraestrutura institucional. Em relação à
interdisciplinaridade, a principal oportunidade referida foi a grande possibilidade que
os docentes possuem, dependendo da sua formação e experiência, de atuação em
diferentes áreas dentro e fora das instituições de ensino superior privado.
Os entrevistados afirmaram que, em relação à visibilidade da profissão
acadêmica, essa se encontra diretamente relacionada ao status da profissão
acadêmica, que ainda permanece forte na sociedade, ao número de distinções
acadêmicas que o docente possui e divulgou publicamente e, especialmente, à rede
de contatos desenvolvida ao longo da sua trajetória profissional que amplia a sua
possibilidade de ação.
Os fatores percebidos como facilitadores da atuação profissional docentes
referem-se à possibilidade de intercâmbio com outras instituições de ensino
superior, de aplicação dos conhecimentos acadêmicos no mercado, de realização de
intercâmbios internacionais, do desenvolvimento de atividades com foco na
responsabilidade social, de atividades de pesquisa e publicação acadêmica.
Também foram referidos como positivos a presença de desafios permanentes, a
chance de ocupação de cargos administrativos e gerenciais na carreira, a
possibilidade de prestação de assessorias institucionais públicas e privadas, a
convivência com públicos diversificados e o fato do professor ser um formador de
opinião.
Em relação ao desenvolvimento profissional, a percepção de oportunidades
pelos professores encontra-se na busca por uma contínua atualização do
conhecimento que possuem, no desenvolvimento profissional diferenciado obtido
através de cursos de mestrado e doutorado e o alto nível de empregabilidade
referido como a capacidade que estes desenvolveram nas suas trajetórias empregar
os seus conhecimentos, habilidades e experiências profissionais para obter trabalho
ou emprego em situações de crise ou ameaça profissional. A segurança e
desenvoltura para falar em público, também foi mencionada pela maioria como um
diferencial para a carreira.
A última dimensão destacada, a infraestrutura institucional, foi mencionada
associada à boa estrutura física que as IESPs normalmente possuem, à existência
de alguns benefícios para o estudo, à flexibilidade de horários que o professor tem
190
na organização da sua agenda profissional, permitindo o desenvolvimento de outras
atividades profissionais paralelas ou realizadas em horários em que este não se
encontra na IES. Também a identidade institucional foi referida como uma
oportunidade, na medida em que esta, muitas vezes, facilita o trânsito do docente
em outros setores da sociedade.
As principais ameaças (Quadro 15) enumeradas pelos docentes foram
divididas em quatro dimensões: trabalho e emprego, condições de trabalho,
profissão e carreira acadêmica e ambiente institucional. Foi possível constatar que a
maior parte dos fatores mencionados refere-se ao atual ambiente interno das
instituições de ensino superior privado, confirmando os dados analisados constantes
dos depoimentos que mostraram uma estreita relação entre os problemas
enfrentados na profissão docente e as condições acadêmico-institucionais existentes
que têm se tornado cada vez mais instáveis e, até mesmo, precárias, quanto se
considera a questão da remuneração e das possibilidades de demissões sem
motivos claros e justos.
Foram mencionadas como ameaças na dimensão do trabalho e emprego as
constantes reduções e distribuição inadequada de carga horária, a instabilidade
crescente no emprego, a proliferação de novos cursos, especialmente em algumas
áreas, tais como administração, direito e psicologia, gerando uma competição
predatória entre algumas IESPs. A falta de oportunidades em algumas áreas
específicas de formação também foi lembrada por grande parte dos entrevistados.
Em relação às condições de trabalho, os exemplos enumerados estavam
todos relacionados às mudanças que estão ocorrendo hoje nas IESPs e que
impactam a atuação do professor. Nesse sentido, foram mencionadas as pressões
para produzir mais e ensinar de forma homogeneizada, a baixa qualidade do ensino,
a superficialidade das pesquisas acadêmicas, o baixo investimento em pesquisa
aplicada, a descontinuidade de alguns projetos estratégicos que deveriam ser
mantidos de forma permanente, a expansão do ensino a distância e o crescimento
dos problemas de saúde ocupacional.
Sobre a profissão e a carreira acadêmica, os docentes perceberam como
ameaças a pressão constante por qualificação, a baixa remuneração da hora-aula, o
baixo nível de empregabilidade, o medo de se tornar obsoleto em razão da exigência
permanente de atualização, o pequeno investimento das IESPs na qualificação
191
docente que, em geral, se restringem a cumprir o que é exigido pelo MEC, a baixa
mobilidade interna existente nas instituições, a falta de reconhecimento profissional
e de critérios claros de seleção, promoção e demissão, além da falta de indicadores
técnicos nos processos de avaliação docente.
Quadro 15 - Cenário das principais ameaças do ambiente externo
Dimensões Principais Ameaças
redução de carga horária
distribuição inadequada da carga horária
instabilidade no emprego
proliferação de novos cursos na mesma área
perder o emprego
competição predatória entre as IESP por preço
não ter trabalho na área
ensino massificado
ensino a distância
problemas de saúde
excesso de dedicação à vida acadêmica
baixa qualidade do ensino
excesso de carga horária em sala de aula
pouca carga horária para pesquisa
pressão por produção acadêmica
superficialidade das pesquisas acadêmicas
pouco investimento em pesquisa aplicada
descontinuidade de projetos
pressão por qualificação
baixa remuneração
baixo nível de empregabilidade
medo da obsolescência
falta de critérios técnicos nos processos de avaliação docente
falta de reconhecimento profissional
falta de critérios claros de seleção, promoção e demissão
baixa mobilidade interna
pouco investimento na qualificação docente
ambiente instável
competição negativa entre colegas
busca incessante por reconhecimento e prestígio
paternalismo
gestão autoritária baseada em critérios políticos
falta de transparência na gestão
comunicação deficiente
guetos institucionais
falta de apoio das coordenações e direção
jogo de poder institucional
falta de credibilidade nas políticas institucionais do MEC
burocracia nos processos administrativos
Profissão e Carreira
Acadêmica
Ambiente Institucional
Trabalho e Emprego
Condições de trabalho
ALISE SWOT
Ambiente Externo
Fonte: Dados da pesquisa de campo.
192
Por fim, a dimensão relacionada ao ambiente institucional, foi percebida como
ameaçadora por apresentar-se cada vez mais instável, possuir modelos autoritários
de organização e gestão acadêmica e comunicação deficiente na divulgação do que
é essencial para as atividades dos professores. Também foram mencionados o
acirramento da competição negativa entre os professores, alimentado pela busca
incessante de reconhecimento e prestígio, gerando guetos institucionais, a
burocracia presente nos processos administrativos, a falta de credibilidade de
algumas políticas do MEC, a falta de apoio das coordenações e direções, os jogos
de poder e o paternalismo nas relações de trabalho e a falta de um sistema de
gestão transparente que possibilite aos docentes acesso às razões de decisões que
interferem diretamente no fazer acadêmico.
Através da análise SWOT foi possível verificar que existem duas dimensões
predominantes em relação aos pontos fortes e fracos percebidos pelos professores
acerca das suas trajetórias profissionais: comportamentais e profissionais. Em
relação aos principais pontos fortes (Quadro 16) de natureza comportamental, ficou
evidenciado que estes estão relacionados à capacidade pessoal dos docentes de
realizar atividades específicas relacionadas à prática docente, tais como inovação de
métodos, superação de obstáculos, comprometimento, transparência, dedicação,
motivação, ética, postura empreendedora, iniciativa, maturidade pessoal e
emocional, respeito pelos alunos, curiosidade e gosto pelo estudo. Também foram
mencionados: a capacidade de influenciar positivamente alunos e colegas, facilidade
de comunicação, bom relacionamento interpessoal, saber ouvir, flexibilidade, alto
nível de empregabilidade, interesse, aceitação e enfrentamento de desafios e
liderança.
Esses fatores mencionados reforçaram o que foi identificado nos conteúdos
dos depoimentos, ou seja, de que essa categoria profissional, por ser altamente
qualificada uma ênfase especial ao comportamento social e preocupa-se em
preservar e divulgar uma imagem positiva perante os diferentes públicos
institucionais. Além disso, confirmaram a constatação de que é uma classe que
busca de forma permanente a mudança comportamental, a fim de equilibrar vida
pessoal e profissional.
193
Quadro 16 - Cenário dos principais pontos fortes do ambiente interno
Dimensões Principais Pontos Fortes
capacidade de inovar
capacidade de superação
comprometimento
transparência
dedicação
motivação
ética
empreendedorismo
iniciativa
maturidade pessoal
respeito pelo aluno
curiosidade
disponibilidade
gosto pelo estudo
capacidade de influenciar positivamente
facilidade de comunicação
bom relacionamento interpessoal
saber ouvir
flexibilidade
empregabilidade
interesse
aceitar e enfrentar desafios
liderança
horizontalidade e verticalidade da carreira
experiência profissional
trabalho em equipe
formação e qualificação docente
atuação profissional diversificada
pesquisador
expertise diferenciada
cumprimento de metas
busca de aperfeiçoamento profissional
estabelecer regras claras
capacidade de organizão
reconhecimento no mercado
domínio de sala de aula
trânsito profissional nas empresas e órgãos públicos
ANÁLISE SWOT
Ambiente Interno
Comportamentais
Profissionais
Fonte: Dados da pesquisa de campo.
Em relação à dimensão estritamente profissional, foram destacados fatores
ligados à diferenciação que os professores foram obtendo ao longo das suas
trajetórias, assim como aspectos relacionados ao desenvolvimento da profissão e da
carreira acadêmica. Foram destacados pelos docentes: as possibilidades de
desenvolvimento horizontal e vertical da carreira acadêmica, a experiência
194
profissional, a facilidade de trabalhar em equipes multiprofissionais, a formação e
qualificação docente, a atuação profissional diversificada e a busca constante de
aperfeiçoamento profissional. Ainda foram mencionados a experiência em pesquisa
de ponta, o domínio de conhecimentos específicos valorizados pelo mercado, a
capacidade cumprir metas e de estabelecer regras claras, o reconhecimento no
mercado, o domínio de sala de aula, o trânsito profissional em empresas e órgãos
públicos e a capacidade de organização.
Os principais pontos fracos (Quadro 17) percebidos pelos docentes nas suas
trajetórias profissionais também foram divididos em comportamentais e profissionais.
Os dados levantados e analisados demonstraram que esses profissionais possuem
uma grande capacidade de auto-análise, postura crítica diante da sua carreira e da
realidade, além de uma grande vontade de mudar fatores que têm interferido
negativamente no seu progresso profissional, especialmente no ambiente da IES
onde estes exercem a profissão acadêmica. Também há uma preocupação em rever
determinadas atitudes que pouco acrescentou à permanência deles nas IES, tais
como a postura crítica e o perfeccionismo.
Os principais fatores comportamentais destacadas foram a resistência interna
à mudança, falta de confiança em si mesmo, baixa auto-estima, impulsividade,
ansiedade, angústia e medo, insegurança pessoal, dificuldades para ser competitivo,
especialmente com colegas, excessiva auto-crítica, falta de disciplina para a
realização de algumas tarefas, visão idealizada e romântica da carreira acadêmica,
excesso de crença nas pessoas, falta de habilidade política e perda da esperança
nas mudanças. Ainda foram lembrados o perfeccionismo, a postura demasiado
crítica diante da realidade, baixa tolerância à frustração e atitude ingênua diante de
certos fatos institucionais.
em relação aos aspectos profissionais, verificou-se uma grande
preocupação com o pouco tempo para atualizar aulas e para a atualização
profissional somado sobrecarga de trabalho extra-classe. Foram muito lembrados o
constante desgaste físico e emocional gerador de estresse profissional, as
dificuldades para enfrentar os entraves burocráticos institucionais, a baixa carga
horária, a falta de cuidado com os direitos legais contratuais e a falta de
reconhecimento profissional por parte da instituição. A baixa remuneração salarial
associada as dificuldades para motivar os alunos e para lidar politicamente com
determinadas situações profissionais demonstraram agravar esse cenário. Por fim, a
195
incapacidade para a autopromoção no ambiente institucional tornando o professor
pouco visível foi destacada como um ponto fraco no desenvolvimento da carreira
acadêmica.
Quadro 17 - Cenário dos principais pontos fracos do ambiente interno
Dimensões Principais Pontos Fracos
resistência interna à mudança
falta de confiança em si mesmo
baixa auto-estima
impulsividade
ansiedade, angústia e medo
insegurança pessoal
dificuldades para competir
excesso de auto-crítica
falta de disciplina
idealizão e mistificação do papel do professor
excesso de confiança nas pessoas
inabilidade política
perda de esperança na mudança
perfeccionismo
postura crítica excessiva
baixa tolerância à frustração
ingenuidade
cansaço, desânimo e estresse
pouco tempo para atualizar as aulas
dificuldades com aspectos burocráticos
baixa carga horária
pouca experiência profissional acadêmica
pouco tempo para atualização profissional
falta de cuidado com os direitos legais
falta de reconhecimento profissional
sobrecarga de trabalho extra-classe
baixa remuneração salarial
dificuldade para motivar os alunos
dificuldade para lidar politicamente com as situações profissionais
falta de organização
incapacidade de autopromoção
ANÁLISE SWOT
Ambiente Interno
Profissionais
Comportamentais
Fonte: Dados da pesquisa de campo.
Estas percepções sobre os cenários vão ao encontro das constatações
resultantes da análise dos depoimentos, demonstrando que as mudanças que estão
196
ocorrendo na atualidade no ambiente das IESPs, associadas à experiência da
demissão, ocasionam um conjunto de efeitos negativos e positivos sobre a trajetória
profissional dos professores, modificando seus destinos. Também acabam
impulsionando os docentes a uma profunda reflexão que redireciona as suas
escolhas profissionais, com impactos significativos sobre a manutenção e o
desenvolvimento futuro da carreira acadêmica.
197
CONCLUSÕES
A busca por competitividade, por meio de maior agilidade e menores custos,
tem se tornado, crescentemente, um imperativo para a sobrevivência das empresas
e instituições. A fim de atingir estes objetivos passam pelas mais variadas mudanças
que vão da venda de unidades até a compra de outras empresas ou instituições,
incluindo a terceirização de funções, alianças com concorrentes, enxugamentos de
estruturas internas, reestruturações organizacionais e downsizing, para citar apenas
algumas das principais práticas que estão ocorrendo hoje.
Na década de 1980, quando ocorreu um crescimento de reestruturações no
mundo, elas estavam ainda bastante restritas a alguns setores da economia,
especialmente o industrial e o bancário, hoje esses processos se expandiram e têm
atingido todas as áreas, incluindo as dos serviços e do ensino em seus diferentes
níveis. Se esse fenômeno apresenta as mesmas características de manifestação
independente do setor em que ocorre, essa é uma questão central que diversas
ciências e, em especial, a sociologia do trabalho tem procurado responder.
A reestruturação produtiva no Brasil se deu em resposta à necessidade de
ajustamento frente aos padrões internacionais de produtividade e de qualidade,
elemento básico de competitividade nesse novo cenário. Trouxe em seu núcleo e
difundiu novos conceitos como os da automação, flexibilidade, produção enxuta,
qualidade total e descentralização produtiva, a maioria derivados dos todos de
gestão da indústria japonesa.
A adoção de novas formas de organização e gestão da produção nos
diferentes setores produtivos, com a implantação de novas tecnologias de
automação e gestão do trabalho, tem gerado significativas mudanças no perfil dos
trabalhadores. A perda do emprego constitui uma das conseqüências mais comuns
presentes nesse novo contexto mundial do mundo do trabalho, assumindo
características singulares no setor da educação superior privada.
Ao longo das últimas décadas, principalmente a partir dos anos de 1990,
período de maior expansão das políticas neoliberais no país, vive-se nas IES um
processo gradual de incorporação da lógica empresarial, tanto em sua estrutura de
198
poder como na organização do trabalho docente, incluindo-se os processos
avaliativos institucionais e externos. As mudanças e as transformações no mundo da
produção e do trabalho oriundas do processo de globalização econômica, aliadas
aos grandes avanços da ciência e da tecnologia, completam o cenário em que se
dão as relações de trabalho dos docentes hoje.
Em face das múltiplas determinações de ordem social, política, econômica e
institucional que impactam as IES na atualidade, crescem os desafios ao trabalho
docente. O entendimento dessas determinações é indispensável para compreender
qual é o papel do docente universitário, como ele se constitui nesse complexo
contexto, quais são suas repercussões na qualidade do ensino e na própria
constituição da profissão docente no ensino superior.
Nesse sentido, é importante destacar que o desenvolvimento da carreira dos
professores não é um processo unívoco, mas que deve ser compreendido em duas
dimensões interdependentes: profissional e institucional. A profissão e a carreira
docente devem ser analisadas de acordo com o momento histórico e com a
realidade social atual, ou seja, precisam ser entendidas a partir de sua
contextualização e determinações.
Assim, é necessária a compreensão de que a atividade docente é um
conjunto de práticas sociais complexas, historicamente situadas, que ocorrem no
âmbito de uma forma particular de organização da sociedade e da instituição
escolar, no presente caso, as instituições de ensino superior. As IESPs expressam,
portanto, a estrutura e o modo de funcionamento da sociedade como um todo, das
quais são partes.
Analisando-se os dados oficiais constantes dos dois últimos censos da
educação superior no Brasil, relativo aos anos de 2005 e 2006, amplamente
referidos neste estudo, verificou-se que o número de matrículas, cursos e
instituições aumentaram significativamente, assim como o número de alunos por
professor. No entanto, as demissões continuam ocorrendo de forma significativa.
Também ao ser analisado o período entre 1996 e 2006, observa-se um
crescimento significativo do número de IES, de matrículas e do número de funções
docentes. Entretanto, verificou-se que o crescimento do número de docentes foi
inferior ao das IES e matrículas. No entanto, a relação entre o número de matrículas
e o número de funções docentes cresceu no mesmo período, revelando uma maior
concentração de alunos por professor, sugerindo a existência de substituições e
199
demissões de professores e, portanto, um crescimento relativo do número de
funções docentes. Observou-se, também, que, enquanto o número de docentes com
menor titulação diminuiu, o de mestres e doutores cresceu.
Contribuiu para essa nova realidade, a LDBEN que obrigou as IES contratar
um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou
doutorado e um terço do corpo docente em regime de tempo integral.
Os docentes que trabalham em regime de tempo integral nas IESPs
correspondem à menor parcela, predominando os professores de tempo parcial e
horistas. Isto significa dizer que, na maior parte dos casos, esses são remunerados
apenas pelas atividades de sala de aula, uma vez que o raras as atividades de
pesquisa e extensão nessas instituições.
Esta realidade precariza as condições de trabalho nas IESPs, obrigando os
docentes buscar outras fontes de renda para incrementar a renda familiar. No
momento da demissão esta renda complementar acaba atenuando os impactos
negativos sobre o status econômico dos professores, que tendem a ser menores,
preservando parcialmente o padrão de vida anterior à perda do emprego.
A nova realidade no ensino superior privado no Brasil é a da crescente busca
de lucro pela via da redução de custos. Para este fim são contratados professores
mais jovens, aos quais são pagos salários mais baixos, em substituição aos mais
antigos e mais caros que são demitidos. É a reprodução da lógica do capital no setor
produtivo, baseado na redução de custos em cima da força de trabalho que passou
a se expandir para outros setores da economia, entre eles o da educação privada.
Ficou evidenciado que as IESPs estão atravessando profundas
transformações que trouxeram novos problemas e desafios para a tarefa de ensinar.
Uma das principais dificuldades enfrentadas pelos docentes relaciona-se à gradativa
mudança no perfil dos alunos que, além de ingressarem cada vez menos
preparados, passaram a assumir a condição de clientes que exigem satisfação
imediata de suas necessidades, deteriorando ainda mais as condições de trabalho
dos professores que se tornaram, nessa relação, meros prestadores de serviço.
Verificou-se que, aos poucos, o setor do ensino superior privado no Rio
Grande do Sul começa a adotar práticas de organização e gestão do trabalho
originárias das organizações privadas. O resultado tem sido uma mudança nos
papéis de professores e alunos, onde os primeiros passaram a ser tratados como
200
clientes e os segundos como meros prestadores de serviço. Além disso, o
ajustamento permanente do número de docentes às demandas tem gerado
instabilidade e precariedade das condições de trabalho.
Ao confrontar sua formação e experiência adquirida ao longo da sua trajetória
profissional os professores se deparam com esse novo contexto e obrigam-se a
rever suas teorias e práticas, a fim de responder a essa nova realidade. Assim, as
transformações na carreira docente vão se efetivando na medida em que o professor
vai ampliando a sua consciência sobre a sua trajetória profissional, o que pressupõe
o desenvolvimento de um maior senso crítico sobre a realidade docente.
Verificou-se que não a profissão acadêmica, mas o sistema de ensino
superior privado no Brasil se encontra, ao mesmo tempo e, paradoxalmente, em
uma situação de mudança, expansão e crise de identidade, exprimindo as
contradições da própria sociedade na qual está inserido. De um lado aumentam as
pressões que visam à adaptação das IES às premissas do modelo mercantil de
docência e pesquisa. De outro, cresce a compreensão por parte dos professores de
que, para exercer a profissão no ensino superior, não é mais suficiente o domínio
técnico da sua área de conhecimento específico, sendo exigido uma rie de
conhecimentos vinculados ao relacionamento com os alunos e às instituições,
especialmente as relacionadas à gestão escolar.
Por meio deste estudo, foi possível concluir que, na atualidade, é impossível
separar o desenvolvimento da carreira acadêmica de aspectos mais amplos da vida
dos professores e, principalmente, do ambiente social e institucional onde ocorrem
as relações acadêmicas.
Do ponto de vista pessoal, foi identificado que diversos fatores influenciam
essa trajetória: as relações familiares, as crises pessoais, econômicas, e de
identidade foram os principais. Profissionalmente, o perfil dos professores, em
termos de qualificação, titulação e experiência, exerce impactos diretos sobre o
desenvolvimento da carreira acadêmica.
Os dados levantados permitiram mostrar que, em sua maioria, os professores
demitidos eram profissionais experientes que investiram muitos anos de trabalho nas
instituições em que trabalharam e que esses profissionais possuíam conhecimentos
que ultrapassavam o saber necessário ao seu fazer, conferindo a eles diferenciação
na atuação acadêmica.
201
O ambiente institucional, no entanto, influencia a carreira profissional por meio
das regulamentações da profissão, dos estilos de gestão e das expectativas sociais
que em torno dela se constroem. Em cada etapa da trajetória profissional, esses
problemas agravam-se ou atenuam-se, conforme o momento da vida pessoal e
profissional do docente e as características das instituições em que estes estão
atuando.
O estudo revelou e reforçou a necessidade de ampliação da análise de
processos de demissão e dos seus impactos junto à categoria dos docentes de nível
superior nas IES privadas. As transformações enfrentadas pelas IESPs e pelos
profissionais, quando dos cortes, devem ser contextualizadas na avaliação do macro
ambiente e dos sistemas onde se encontram inseridos. A crescente necessidade
das instituições de adequação a esse cenário de mudanças, turbulento e complexo,
acarreta a adoção de estratégias que resultam freqüentemente em desligamentos.
A análise dos conteúdos expressos pelos entrevistados permitiu identificar um
conjunto de impactos e de vivências subjetivas comuns a todos os professores nas
suas trajetórias profissionais, especialmente na carreira acadêmica, bem como uma
simetria nas formas de demissão nas diferentes instituições.
Uma das constatações deste estudo refere-se às determinações oriundas do
atual contexto e como estas vêm influenciando a atividade docente. Foi reafirmado
pela maioria dos entrevistados que a intensificação do trabalho está afetando
diretamente o exercício da atividade acadêmica, chegando, em alguns casos, a
níveis insuportáveis.
Verificou-se que a excessiva intensificação do trabalho acadêmico está
relacionada aos critérios baseados na busca da produtividade que passaram a reger
as relações entre os docentes e as instituições em que estes atuam, fruto das atuais
políticas de avaliação externa do MEC e da adoção de métodos empresariais de
gestão e controle das atividades nas IESPs. A busca crescente por eficácia e
racionalidade traduz-se em aumento de trabalho e na redução de verbas e
contratações. Por outro lado, aumentou o controle sobre o trabalho dos professores
e houve uma redução da autonomia.
Apareceram muitas queixas nos depoimentos dos professores sobre as
dificuldades existentes hoje para realizar o trabalho docente; e o quanto a realização
de atividades o articuladas ao fazer científico-pedagógico subtrai tempo das
atividades essenciais, gerando intensos processos de estresse.
202
Nos depoimentos dos docentes, ficou evidenciado que é bastante comum a
existência dessas práticas nas IESPs. Constituem-se de um conjunto de atividades
não previstas formalmente no contrato de trabalho, tais como participação em
eventos, reuniões administrativas e pedagógicas, atividades sociais e culturais,
palestras, entre outras. Foi verificado que são atividades criadas pelas instituições a
fim de que essas consigam atender crescentes e variadas demandas em relação ao
trabalho institucional.
Essas tarefas não previstas ou informais geram uma sobrecarga de trabalho
que foi identificada de forma enfática pelos docentes. Estes afirmaram se dedicarem
em excesso às necessidades das instituições, em detrimento das suas famílias,
atividades culturais e de lazer, e, principalmente, para a atualização profissional que
é bastante exigida pelas IESPs.
Os docentes reclamaram também da excessiva fragmentação do tempo em
múltiplas tarefas, nem sempre articuladas ao fazer docente. Percebem, com pesar, a
solidão das ações individuais e a perda do sentido coletivo do trabalho. Reconhecem
ter falta de tempo para se qualificarem e para preparar aulas; aceitam como
inevitável, embora lhes incomode, a desvinculação entre pesquisa e ensino de
graduação, bem como a pressão dos processos avaliativos.
Verificou-se que o trabalho do professor é bastante solitário em função da
pouca convivência com seus colegas, da ausência de respeito recíproco e da falta
de confiança entre os pares. Os dados analisados demonstraram que o vínculo entre
os professores e as instituições em que atuam é cada vez mais frágil. Verificou-se
que dentro destas existe uma realidade paradoxal. Ao mesmo tempo em que é
incentivado o trabalho em equipe, também o criadas condições para respostas
isoladas, devido ao modelo existente hoje para a progressão na carreira acadêmica,
baseado no esforço individual e na capacidade do docente se articular politicamente
com pessoas chave na IES que possam indicá-lo para determinadas posições.
Dessa forma, na ausência de políticas e práticas institucionais que assegurem
a organização coletiva dos docentes, através de espaços que incentivem a
convivência e o respeito recíproco, foi verificado que os professores acabam se
associando por interesses ligados a sua sobrevivência, ou seja, destinados a manter
a sua atual posição e status nas IESPs.
203
Nesse sentido, tudo que é percebido como ameaçador a essa posição
adquirida acaba sendo rejeitado, muitas vezes, de forma bastante violenta. A
demissão é uma dessas formas e foi identificada neste estudo através de vários
casos analisados nos quais o professor acabou sendo demitido por motivos políticos
e interesses de determinados grupos que estavam no poder. O que acaba ocorrendo
é a formação de guetos institucionais movidos por interesses particulares desses
grupos que visam manter o poder adquirido e controlar determinadas orientações
acadêmico-institucionais.
A maioria dos efeitos das demissões foi composta por impactos negativos,
principalmente dos tipos emocionais e psicológicos, tais como crises emocionais,
crises de identidade, ressentimentos, ansiedade, raiva, depressão emocional,
tristeza e dificuldades para aceitar a perda do emprego.
Os efeitos que mais se destacaram foram: o ressentimento com as
instituições demissórias e a incompreensão com relação a sua demissão, um
sentimento de queda na auto-estima aliada a culpa por não ter percebido que as
transformações no mercado acadêmico exigiam a busca por maior qualificação e
ansiedade com relação às incertezas profissionais e financeiras no futuro.
Outros impactos destacados pelos professores se referiam à existência de
dúvidas e incertezas com relação ao seu futuro nas instituições acadêmicas e no
mercado, a constatação de sobrecarga de trabalho para os que permanecem
atuando nas IESPs, os possíveis prejuízos ao convívio familiar, o aumento da
competitividade interna, além da percepção da quebra de uma cultura de
estabilidade nas instituições de ensino superior privado.
Verificou-se que, apesar de significativamente menores, também existem
alguns efeitos positivos dos processos de demissão nas trajetórias docentes,
especialmente a mudança de atitude do professor em relação a si mesmo e a sua
carreira acadêmica. Após um complexo processo de elaboração e entendimento da
perda do emprego, a maioria dos docentes conseguiu atribuir um significado positivo
à demissão e mudou radicalmente a forma como até então estava conduzindo a sua
trajetória profissional.
Em relação aos fatores moderadores de corte, os depoimentos obtidos
possibilitaram identificar a incapacidade das instituições de ensino superior privado
em adotar mediadores que amenizassem esse traumático processo. Verificou-se
204
que essas não possuem práticas sistematizadas e éticas de demissão, bem como
não prestam nenhum tipo de acompanhamento profissional ao demitido. Sob a ótica
dos docentes seria importante a existência dessas práticas, a fim de minimizar um
pouco essa ruptura, normalmente, abrupta e inesperada, em relações de trabalho
que foram construídas, muitas vezes, ao longo de muitos anos nas instituições em
que os professores atuaram.
A presença de moderadores antes, durante e após esses processos de
demissão, agravam, na maior parte dos casos analisados, essa experiência,
tornando a compreensão do evento para os professores mais difícil e demorada.
O entendimento do processo e de suas verdadeiras causas e, principalmente,
a capacidade de responder a ele, exercem uma grande influência na maior ou menor
virtuosidade no destino das trajetórias destes profissionais.
Em relação ao modus operandi das demissões nas IESPs, ficou evidenciado
um conjunto de práticas comuns a todos os processos que ocorrem antes e durante
os mesmos, visando descaracterizar os reais motivos da demissão. As principais
estratégias utilizadas pelas IESPs o: práticas administrativas ou gerenciais de
desvalorização dos professores, redução de carga horária, trocas de horários, falta
de informações, de reconhecimento, extinção de disciplinas, oferecimento de
disciplinas em extinção, designação dos docentes para atividades secundárias ou
em outras unidades nas quais não se encontram lotados, e, principalmente, a falta
ou ausência de apoio da coordenação do curso em que estes atuam.
A percepção de uma total falta de clareza e de critérios nos processos de
demissão foi destacada pela maioria dos entrevistados. Apesar da constatação de
que o grande fator gerador das demissões é econômico, também se verificou que o
critério de decisão de quem é demitido tem um caráter político. O gestor, a partir de
uma necessidade da IESP de reduzir custos, decide, muitas vezes arbitrariamente e
sem critérios objetivos e justos, qual dos professores demissíveis deverá ser
cortado. Esse entendimento foi corroborado por uma parte significativa dos
entrevistados. Não foi identificado nenhum tipo de apoio psicológico prestado pelas
instituições aos professores demitidos, havendo casos de completa ausência de
suporte.
No que diz respeito à percepção da condução do processo de demissão
verificou-se que a grande maioria dos docentes considerou mal conduzido e injusto,
205
devido à ausência de procedimentos formais adequados e de critérios objetivos e
transparentes. Também, a maioria dos docentes entrevistados expressou conteúdos
que apontam para práticas de administração e gestão inadequadas, muitas vezes
perversas, ou até mesmo para a ausência de qualquer prática nesse sentido.
Uma importante constatação desta pesquisa foi a identificação da existência
de critérios ocultos ou políticos na avaliação da carreira acadêmica, bem como nos
processos demissionais realizados pelos gestores. Uma parte significativa dos
professores referiu a presença de jogos de poder e de critérios políticos na
determinação de decisões administrativas e acadêmicas que iam do aumento ou
diminuição da carga horária até a própria definição de quem deveria ser demitido.
Assim, ficou bastante caracterizado que os critérios de qualificação e competência
acadêmica, baseados no mérito docente, muitas vezes, são colocados em segundo
plano pelos gestores ou, até mesmo, totalmente desconsiderados em algumas
IESPs.
Verificou-se que a maior parte dos docentes ocupou cargos relevantes de
natureza administrativa ou gerencial, tais como coordenação de curso, direção e
pró-reitoria, indicando que estes tinham experiência de administração acadêmica e a
perspectiva do gestor nas suas trajetórias profissionais.
Porém, foi verificado que, paradoxalmente, quando o professor passa a
ocupar o papel de administrador ou gestor, acaba interiorizando fortemente uma
ideologia gerencialista que expressa as contradições entre o capital e o trabalho. No
caso dos professores que ocuparam algum tipo de função gerencial ao longo das
suas trajetórias, isso ficou evidenciado.
Nas suas falas como gestores aparece uma forte identificação com os
interesses das instituições e uma interiorização da lógica do lucro, através da
adesão às normas e aos valores capitalistas, ao mesmo tempo em que, como
docentes, foi constatada uma insatisfação relacionada a uma condição salarial
submetida às imprevisibilidades da carreira, ao risco de dispensa, às pressões do
trabalho e a uma competição cada vez mais acirrada.
A maior parte dos docentes, apesar da traumática experiência da perda do
emprego, segue investindo e desenvolvendo a carreira acadêmica,
predominantemente em IES privadas, porém com uma importante mudança de
postura como professor. Os que permanecem na carreira acadêmica passaram a
206
administrar a profissão docente da mesma forma como outros profissionais
administram suas carreiras, ou seja, como uma relação de troca mercantil, na qual
uma das partes, que é o professor, detém um conhecimento que tem um valor de
mercado e que deve ser trocado por uma remuneração adequada.
Constatou-se que esses professores modificaram a sua postura frente à
realidade acadêmica, passando a encarar ou desenvolver a profissão e a carreira
dentro de uma perspectiva mais objetiva, pragmática e instrumental, ou menos
romântica e idealista, como afirmaram alguns. Essa mudança de atitude é uma
ruptura com a concepção tradicional de docência, segunda a qual o magistério era
tratado como uma espécie de “sacerdócio”, passando a ser visto como um emprego
qualquer, com todas as suas incertezas, instabilidades e precariedades. As
demissões também rompem a carreira acadêmica, porque constituem-se em
quebras do contrato psicológico ou de confiança e lealdade, corroendo a relação a
então existente entre o docente e a instituição empregadora.
Verificou-se que o emprego formal e a carreira acadêmica têm uma grande
importância para a maioria dos professores entrevistados, significando muito mais
do que a possibilidade de sustento e de realização de outras necessidades
essenciais. Essa importância foi reafirmada pelas manifestações no sentido oposto
nas quais foi revelado que a experiência da perda do emprego ou a possibilidade de
perdê-lo é fonte constante de ansiedade, medo e sentimento de morte.
A experiência e a vivência de um processo demissional no exercício da
profissão docente ocasionam uma ruptura na carreira acadêmica desses
profissionais, com profundos impactos nos destinos das suas trajetórias.
Em relação à manutenção do padrão de vida anterior à demissão, verificou-se
que a maioria dos docentes manteve o mesmo status econômico devido ao fato de
possuírem outros empregos ou fontes de renda alternativas, tais como empresa
própria ou trabalho como profissional liberal.
Constatou-se que, assim como as IESPs estão enfrentando mudanças, a
carreira dos docentes que nelas atuam também está sendo impactada e modificada
por esses cenários em transformação. As incertezas que afligem hoje as IESPs
atingem diretamente os docentes universitários que se encontram numa crise de
identidade, sendo tomados por incertezas a respeito de quem são, de como devem
207
ensinar, a serviço de quem trabalham ou deveriam trabalhar e, principalmente, em
relação ao futuro da profissão acadêmica.
Nesse contexto, a educação vem perdendo seu caráter civilizador e
reduzindo-se a um mero expediente de oportunidade, e mesmo de oportunismo
social na competição desenfreada pelas vagas do mercado. A produção da ciência,
da tecnologia e, sobretudo da inovação, está sendo posta como o centro da
dinâmica para o crescimento econômico, e todo o sistema educacional está ficando
subordinado à economia por mediação das respectivas políticas, enquanto a cultura
e a educação, como elementos civilizadores, são colocadas em segundo plano.
Dentro de uma lógica institucional de busca crescente de adaptação ao
mercado, na qual os alunos são vistos como clientes, esse papel funcional de gestor
coloca o professor no centro de uma tensão permanente entre as exigências de
lucro trazidas pelos reitores e proprietários das instituições universitárias privadas e
as necessidades de melhorias das condições do trabalho docente.
A adoção de princípios e práticas características da iniciativa privada na
educação superior foi percebida pelos entrevistados como uma forma de
flexibilização das relações trabalhistas que aumentou a carga de trabalho e a
cobrança por resultados, através da produtividade acadêmica, como acontece nas
empresas.
A maioria dos professores aceita que em uma empresa é bastante comum a
adoção de práticas, tais como a avaliação de um empregado de acordo com a sua
produtividade, porém, no setor de ensino consideram que esse tipo de medida
comprometeria a qualidade de ensino. Além disso, afirmaram que conceber e tratar
o aluno como um cliente que precisa ser satisfeito a qualquer preço, o transforma
em um receptor passivo de um serviço, e o tira de condição de parte ativa do
processo de aprendizagem.
No ambiente cada vez mais competitivo em que as IESPs operam hoje, foi
verificado que a cobrança de respostas imediatas dos professores passou a
constituir-se em uma regra quase absoluta. O encurtamento permanente dos
prazos, a aceleração contínua dos ritmos, a simultaneidade, flexibilidade,
adaptabilidade e reatividade tornaram-se as palavras de ordem na gestão dos
docentes nessas instituições.
208
Nesse contexto, foi constatado que o desempenho dos professores passou a
ser medido em prazos cada vez mais curtos, pondo o conjunto da organização do
trabalho docente em uma tensão permanente: zero de atraso, tempo exato, fluxos
tensos e gerenciamento imediato. Trata-se de pressionar os docentes a fazer
sempre mais, com melhor qualidade e mais rapidamente, muitas vezes com os
mesmos meios e, até mesmo, com menos recursos e efetivos, a fim de obter maior
produtividade acadêmica, seguindo o modelo da lógica empresarial.
Assim, nesse modelo de gestão docente, em que a lógica financeira se
sobrepõe à lógica humana, os professores são reduzidos à condição de efetivos e
considerados um custo que as IESPs buscam reduzir de todas as formas, ou seja,
uma espécie de variável de ajustamento, que é preciso flexibilizar ao máximo, a fim
de se adaptar às exigências do mercado.
Essa lógica de busca de resultados imediatos das instituições tem múltiplas
conseqüências sobre o trabalho docente: aumento da competição externa por
postos de trabalho e da competição interna por horas de aula, pressão do número e
dos instrumentos de medida em detrimento de uma reflexão contínua sobre os
processos, os modos de organização, os problemas de aprendizagem e os
problemas humanos. Nesse contexto, o estrategista substitui o professor, o curto
prazo substitui o longo prazo, a necessidade de mostrar um desempenho positivo
imediato substitui a preocupação com a oferta de um ensino de qualidade.
A exigência de obter informações permanentes dos mercados em que atuam
impregna as instituições universitárias privadas de uma lógica financeira, abalando
os modos de organização e de gestão construídos outrora sobre lógicas do saber,
levando estas a reviravoltas estratégicas e a ajustamentos brutais, que não são
mais decididos em função de considerações humanas e sim para responder às
instabilidades dos mercados.
Dessa forma, ficou evidenciado que as trajetórias profissionais dos
professores não possuem autonomia em relação às condições que a produzem,
nem em relação ao sistema de relações institucionais em que são desenvolvidas. A
ação individual da maioria dos docentes, frente à experiência da perda do emprego,
apesar de importante para amenizar os impactos emocionais e econômicos do
evento, mostrou-se irrelevante como mediadora dos impactos do processo formal de
demissão, uma vez que as determinações institucionais e as regularidades objetivas
209
do sistema de ensino superior se impuseram ao espaço de ação do professor,
tornando ainda mais difícil a sua resolução.
Nesse contexto, o papel do sindicato dos professores, apesar de importante
do ponto de vista emocional, através da prestação de apoio psicológico, e,
principalmente, legal, uma vez que acompanha e assegura ao docente sindicalizado
demitido o correto cumprimento dos deveres jurídicos por parte da instituição
demissória, também é incapaz de fazer frente às determinações institucionais.
Assim, as atuais mutações no mundo do trabalho acadêmico no Rio Grande
do Sul, apontadas pelos docentes entrevistados, revelaram uma busca crescente
das instituições de ensino superior privado de adequação às demandas do mercado.
Nesse contexto institucional, verificou-se que os professores que atuam a
mais tempo na carreira acadêmica, mesmo sob a ameaça permanente da demissão,
ainda oscilam entre a recordação de uma época de estabilidade vivida na relação
com as instituições, e a consciência de que os cortes e a ruptura na sua ligação com
estas são, cada vez mais, um reflexo desta nova realidade, além de uma
permanente ameaça.
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