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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
ANTÔNIO SÉRGIO SARAIVA SILVA JÚNIOR
REDES TÉCNICAS, TURISMO E DESENVOLVIMENTO
SOCIO-ESPACIAL NA ILHA DE MOSQUEIRO, BELÉM-PA.
Belém-Pa
2007
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ANTÔNIO SÉRGIO SARAIVA SILVA JÚNIOR
REDES TÉCNICAS, TURISMO E DESENVOLVIMENTO
SOCIO-ESPACIAL NA ILHA DE MOSQUEIRO, BELÉM-PA.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Geografia da Universidade Federal do Pará
PPGEO-UFPa para a obtenção do grau de Mestre em
Geografia. Orientada pela Prof
a.
Dra. Maria Goretti da
Costa Tavares.
Belém-Pa
2007
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca de Pós-Graduação do IFCH/UFPA, Belém-PA)
Silva Júnior, Antônio Sérgio Saraiva.
Redes técnicas, turismo e desenvolvimento sócio-espacial na Ilha do Mosqueiro - Belém-
PA / Antônio Sérgio Saraiva Silva Júnior; orientadora, Maria Goretti da Costa Tavares. -
Belém, 2007
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Belém, 2007.
1. Turismo e planejamento urbano - Mosqueiro, Ilha do (PA). 2. Infra-estrutura
(Economia) - Mosqueiro, Ilha do. 3. Qualidade de vida - Mosqueiro, Ilha do. I. Título.
CDD - 22. ed.338.4791098115
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ANTÔNIO SÉRGIO SARAIVA SILVA JÚNIOR
REDES TÉCNICAS, TURISMO E DESENVOLVIMENTO
SOCIO-ESPACIAL NA ILHA DE MOSQUEIRO, BELÉM-PA.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Geografia da Universidade Federal do Pará
PPGEO-UFPa para a obtenção do grau de Mestre em
Geografia.
Data de aprovação: ____ / ____ / ______.
Banca Examinadora:
_____________________________________________ - Orientador
Profª. Drª. Maria Goretti da Costa Tavares-
PPGEO-UFPa.
_____________________________________________
Profª. Pós Dra. Janete Gentil Coimbra de Oliveira
PPGEO-UFPa.
_____________________________________________
Profª.Drª. Maria das Graças da Silva
Mestrado em Educação – UEPa.
5
Para meus pais,
Antônio Sérgio Saraiva Silva e
Cleonice Oliveira Silva
Minha segurança e fortaleza,
Meu refúgio e consolo.
6
AGRADECIMENTOS
À Deus, pelo dom da vida e pela perseverança à mim concedida;
À Professora Drª. Maria Goretti da Costa Tavares, pelos conhecimentos
partilhados, pela paciência e compreensão durante a realização deste trabalho;
Às professoras, Profª. Pós Dra. Janete Marília Gentil Coimbra de Oliveira e a
Profª. Drª. Maria das Graças da Silva, pelas contribuições de grande valia para o
desenvolvimento deste trabalho;
Ao Departamento de Turismo da Agência Distrital de Mosqueiro, na pessoa do Sr.
Antônio Joaquim Tavares Ferreira, pelas informações prestadas;
À meus pais e irmã, por todo amor, dedicação e carinho sem os quais não teria
forças para seguir em frente;
À minha esposa, Mislene Lima, pela inspiração, amor e força fundamentais para a
conclusão deste trabalho;
À todos os amigos que contribuíram direta ou indiretamente para concretização
desta dissertação.
7
Viver significa conhecer o espaço circundante e
produzir interpretações a partir das mais simples
experiências.
Sandra Lencioni, 2003.
8
RESUMO
Este trabalho é um estudo do espaço urbano na ilha de Mosqueiro em Belém-Pa. Ele
buscou analisar as correlações entre a introdução de redes de infra-estrutura, a ampliação do
turismo, e o desenvolvimento sócio-espacial. São centrais nesta discussão conceitos e
categorias como: Território, Redes, Turismo, Desenvolvimento Sócio-espacial e Qualidade
de Vida. Os bairros do Caranamduba, Farol, Murubira e Vila foram selecionados como
recortes empíricos desta pesquisa, pois juntos, agregam 38,6% da população urbana da ilha
de Mosqueiro. Neles, foram aplicados um total de 800 questionários, distribuídos
igualmente. Entrevistas com a população local e com representantes do Poder Público
Municipal, bem como, a análise da paisagem a partir de levantamentos fotográficos,
somaram na composição da base de informações necessárias ao desenvolvimento desta
pesquisa. Foram de fundamental importância as informações cartográficas de uso do solo,
obtidas junto à Companhia de Desenvolvimento e Administração da Região Metropolitana
de Belém - CODEM e as informações disponibilizadas pela Agência Distrital de
Mosqueiro ADMO/PMB através do seu Departamento de turismo DETUR/ADMO. A
análise do processo histórico de produção do espaço, além de dados primários e
secundários, norteou resultados que apontam Mosqueiro como uma área sem “autonomia”,
com cerca de 90% de sua população vivendo direta ou indiretamente do setor terciário, em
geral informal, que se tornara dependente economicamente, em função da produção de um
espaço voltado para o turismo. A análise de indicadores objetivos (aqueles que dizem
respeito à disponibilidade de recursos, à forma de uso destes e aos resíduos gerados no seu
consumo) e subjetivos (satisfação quanto ao domicílio, às facilidades existentes no bairro e
às economias e deseconomias da vida do município) mostra a insatisfação da população
local quanto à atuação do Poder Público e à concentração de infra-estrutura nas áreas mais
diretamente associadas aos fluxos turísticos, fato este que reflete na qualidade de vida e
aponta, a partir de dados sobre a taxa de analfabetismo, que se mostra elevada entre as
crianças; renda, entre as mais baixas da Região Metropolitana de Belém RMB;
abastecimento de água e energia, que o turismo, não tem sido promotor do
desenvolvimento sócio-espacial para a ilha.
Palavras-chave: Território. Redes. Turismo. Desenvolvimento Sócio-espacial. Qualidade
de vida.
9
ABSTRACT
This work is a study of the urban space in the island of Mosqueiro in Belém-Pará. It
searched to analyze the correlations between the introduction of infrastructure nets, the
enlargement of the tourism, and the partner-space development. They are central offices in
this quarrel concepts and categories as: Territory, Nets, Tourism, Partner-space
Development and Quality of Life. The quarters of the Carananduba, Farol, Murubira and
Vila had been selected as empirical clippings of this research, therefore together, they add
38.6% of the urban population of the island of Mosqueiro. In them, they had been applied a
total of 800 questionnaires, distributed equally. Interviews with the local population and
representatives of the Municipal Public Power, as well as, the analysis of the landscape
from photographic surveys, had added in the composition of the base of necessary
information to the development of this research. They had been of basic importance the
cartographic information of use of the ground, gotten next to the Company de Development
and Administration of the Region Metropolitan of Belém - CODEM and the information
available for the District Agency of Mosqueiro - ADMO/PMB through its Department of
tourism - DETUR/ADMO. The analysis of the historical process of production of the space,
beyond primary and secondary data, guided resulted that they point Mosqueiro as an area
without “autonomy”, with about 90% of its population living directly or indirectly of the
tertiary sector, in general informal, that if becomes dependent economically, in function of
the production of a space directed toward the tourism. The analysis of objective pointers
(those that say respect to the availability of resources, the form of use of these and to the
residues generated in its consumption) and subjective (satisfaction how much to the
domicile, the existing easiness in the quarter and to the economies and deseconomias of the
life of the city) shows to the unpleasantness of the population place how much the
performance of the Power Public and the infrastructure concentration in the areas more
directly associates the tourist flows, fact this that it reflects in the quality of life and points,
from giving on the illiteracy tax, that if it shows high between children; income, enters the
lowest of the Region Metropolitan of Belém - RMB; water supply and energy, that the
tourism, has not been promotional of the partner-space development for the island.
keywords: Territory. Nets. Tourism. Partner-space development. Quality of life
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01 - Belém / Distritos Administrativos. ........................................................
61
Foto 01 -
Ônibus da empresa Beiradão, veículo utilizado no transporte de
passageiros – 2006. ...............................................................................
70
Foto 02 -
Tipo de veículo introduzido para a redução dos custos com o
transporte de passageiros .......................................................................
71
Foto 03 - Veículo utilizado pela cooperativa para o transporte de passageiros ....
75
Quadro 01- Parâmetros para definição de qualidade de vida....................................
83
Tabela 01- Mosqueiro - População urbana e rural. ................................................. 84
Tabela 02-
Mosqueiro - População total, população por bairros selecionados e
percentual por bairros selecionados. .....................................................
85
Tabela 04 -
Os distritos de Belém -Valor do rendimento nominal médio e mediano
mensal das pessoas com rendimento. ..............................................................
87
Foto 04 -
Placa de indicação das obras do Sistema de abastecimento de água do
Carananduba. .........................................................................................
88
Foto 05 - 0bras de construção do Residencial Portal da Ilha. ...............................
89
Foto 06 - Rede de Energia no Bairro do Carananduba. ........................................
91
Foto 07 -
Surgimento de uma área de ocupação às margens da Estrada do
Carananduba. .........................................................................................
93
Foto 08 - Acúmulo de lixo nas ruas de Mosqueiro / bairro da Vila. .....................
95
Foto 09 - Praça da Igreja de Nossa Senhora do Ó. ...............................................
96
Foto 10 - Orla da praia do Farol. ...........................................................................
97
Foto 11 -
Tubulação que leva a drenagem pluvial e o esgoto e despeja nas
praias. Praia do Farol. ............................................................................
98
Foto 12 - Rua transversal à estrada do Caranandúba. ...........................................
99
Gráfico 01 - Número de pessoas insatisfeitas quanto à vizinhança ou bairro. .......... 100
Gráfico 02 -
Percentual do número de pessoas insatisfeita quanto à vizinhança ou
bairro no Carananduba. .........................................................................
101
Gráfico 03 - Percentual de pessoas insatisfeita quanto à moradia. Farol/Murubira. 102
11
LISTA DE SIGLAS
CODEM Companhia de Desenvolvimento Metropolitano de Belém
COOPETPAN Cooperativa de Transportes de Passageiros do Norte
CTBEL Companhia de Transportes de Belém
DAMOS Distrito Administrativo de Mosqueiro
DETUR/ADMO
Departamento de Turismo da Ancia Distrital do Mosqueiro
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
PIB Produto Interno Bruto
PNUD Programa das Nações Unidas Para o desenvolvimento
RMB Região Metropolitana de Belém
SETRANSBEL
Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Belém
UFPA Universidade Federal do Pará
12
SUMÁRIO
RESUMO........................................................................................................................
8
ABSTRACT....................................................................................................................
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES.........................................................................................
10
LISTA DE SIGLAS.......................................................................................................
11
INTRODUÇÃO..............................................................................................................
13
1. REDES, TERRITÓRIO, TURISMO E DESENVOLVIMENTO SÓCIO-
ESPACIAL...............................................................................................................
20
1.1 REDES, TERRITÓRIO E SOCIEDADE E SUAS INTERFACES NA
PRODUÇÃO DO ESPAÇO...................................................................................
20
1.1.1 TÉCNICA, REDES- TÉCNICAS E TERRITÓRIO...........................................
26
1.1.2 REDES, PODER, TERRITÓRIO E DESENVOLVIMENTO............................
33
1.1.3 TURISMO: O LAZER A SERVIÇO DO DESENVOLVIMENTO!?................
53
2. O PROCESSO HISTÓRICO DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO EM
MOSQUEIRO..........................................................................................................
60
2.1 A RODOVIA E A PONTE: A POPULARIZAÇÃO DO ACESSO À ILHA...........
68
3. UMA VARIÁVEL DO DESENVOLVIMENTO: A QUALIDADE DE
VIDA.........................................................................................................................
77
3.1 ELEGENDO OS INDICADORES DA QUALIDADE DE VIDA .........................
81
3.2 A CONSTRUÇÃO DE INDICADORES DA QUALIDADE DE VIDA A
PARTIR DOS DADOS SECUNDÁRIOS................................................................
84
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................
104
REFERÊNCIAS.............................................................................................................
107
APÊNDICES
ANEXOS
13
INTRODUÇÃO
A Ilha do Mosqueiro localiza-se na costa do rio Pará, braço sul do rio Amazonas,
de quem recebe a influência dos fluxos das marés, os quais incidem ao Norte pela Baía do
Sol, ao Leste pelo Furo das Marinhas, a Oeste pela Baía de Santo Antônio e ao Sul pela
Baía do Guajará e Furo do Maguari.
A partir do Ciclo da Borracha, Belém, notadamente passa por mudanças trazidas
pelos lucros da borracha. A infra-estrutura e as grandes companhias estrangeiras que
chegaram a Belém a partir de 1839 contribuem nesse processo, é a chamada Bélle Èpoque.
Neste período, o crescimento do comércio e das exportações, e o próprio crescimento
urbano da cidade demandavam a implantação de infra-estrutura, marcados pela construção
do Cais do Porto, do trabalho da Pará Eletric Railwais Company, da Companhia das Águas
do Grão-Pará, os serviços de esgotos, a usina de gás, a Pará Telefones, a Amazon River, a
Port of Pará, o Matadouro Público, a usina de lixo e outras.
A implantação e o funcionamento de toda essa infra-estrutura trouxeram consigo
muitos estrangeiros, notadamente ingleses, franceses, americanos e alemães, e junto com
eles, seus hábitos e costumes, dentre os quais, o descanso nos fins-de-semana, o que fez de
Mosqueiro ponto de referência para o descanso após a semana de trabalho. Fato este
facilitado pela frota de barcos novos da Companhia inglesa, que permitiam melhor trajeto
entre a ilha e a capital. Assim começa o estreitamento da relação Belém/Mosqueiro, pois, a
elite local passa a assumir a postura estrangeira fazendo da ilha um local de descanso.
Contudo, por muito tempo as dificuldades de transporte limitaram o acesso à ilha a
um pequeno grupo de elite que dispunha de embarcações próprias e de condições
financeiras para a construção das casas de veraneio. Ao longo dos anos os fluxos em
direção à Ilha de Mosqueiro intensificaram-se, e a produção daquele espaço começa a se
moldar em função desta demanda.
Já no primeiro decênio do século XX, as inovações refletiam o nível sócio-
econômico e cultural dos freqüentadores da ilha, tais como: a construção de trapiches em
frente às casas de praia para a atracação de pequenas embarcações; a construção de dois
hotéis; a criação de uma linha regular dos navios da Port of Pará, construindo em função
disso, um armazém especial, em Belém, conhecido até hoje como Galpão Mosqueiro-Soure
14
e, um trapiche na Vila, em Mosqueiro, inaugurado em 06 de Setembro de 1908, destinado à
atracação dos vapores. É dessa época também a construção do Mercado Municipal, da
Delegacia de Polícia, da Sede da Agência Distrital, Correios, e algumas lojas de comércio
para atender a população nativa e a flutuante que passou a crescer, oriunda de Belém.
A década de 60 marca um novo recorte na influência de Belém sobre Mosqueiro, a
era rodoviária, marcada pela construção da Rodovia “Augusto Meira”, em 1965. A partir de
então a ligação rodoviária entre a ilha e o continente foi facilitada à classe média, apesar
das dificuldades decorrentes do precário serviço de balsas na travessia do “Furo das
Marinhas”.
Em 1976, no contexto da política nacional dirigida à construção e/ou ampliação da
malha rodoviária, foi inaugurada a ponte “Sebastião R. de Oliveira”, facilitando ainda mais
a comunicação com a ilha, ampliando o mero de visitantes. Observa-se, porém, que essa
alteração, não se deu apenas na parte numérica, atingindo também a composição sócio-
econômica de seus freqüentadores. Assim, a estrada e a ponte são consideradas fatores
determinantes da popularização da ilha (CARDOSO, 2000).
Em função de todo esse processo de estruturação da ilha, outras mudanças se
fariam presentes. A pesca, principal ocupação dos nativos, aos poucos, foi sendo substituída
por atividades de comércio, formal e informal, e prestação de serviços. No setor comercial
formal, houve a ampliação no número de hotéis, churrascarias, restaurantes, mercearias e
lojas de material de construção civil, postos de gasolina, lojas de tecido e de confecções e
outros. E no comércio informal, aumentou o número de vendedores de frutas, peixes,
camarão, verduras e legumes, tapioca, picolé, sorvetes, sanduíches, doces, salgadinhos,
plantas ornamentais, carvão vegetal, jornal, guardadores de carro e muitos outros.
No que diz respeito à prestação de serviços, constata-se que algumas ocupações se
consolidaram, como a de caseiro, e novas surgiram, como as oficinas de aparelhos eletro-
eletrônicos, assistência técnica diversificada, agências bancárias, etc. Quanto aos serviços
públicos, também se registraram inovações, a exemplo da criação da rede telefônica,
ampliação dos serviços de correio, construção do hospital e de vários postos de saúde,
aumento do número de escolas, ampliação da rede de água potável, de iluminação pública e
pavimentação das principais ruas e logradouros públicos. Com a melhoria da infra-estrutura
urbana ampliou-se consideravelmente o número de veículos do serviço interno de
15
transporte coletivo. Essas características revelam a extensa relação entre a dinâmica sócio-
econômica e espacial da Ilha de Mosqueiro e o Município de Belém. Restava apenas
compreender se esta influência teve de fato reflexos positivos para a população local.
A escolha dessa temática é reflexo dos conhecimentos adquiridos durante o curso
de Graduação em Geografia na Universidade Federal do Pará - UFPA, e da participação em
projetos de pesquisa do Departamento de Geografia que, dentre outros aspectos, discutiam
questões relacionadas ao espaço urbano. Esta formação possibilitou um outro olhar sobre os
elementos naturais e artificiais que compõem o espaço geográfico, e sobre as relações que
são produtos e condicionantes destes elementos. Sendo assim, situações antes
despercebidas passaram a despertar interesse, como as relações presentes na organização do
espaço de Mosqueiro.
No ano de 2002, idas freqüentes à ilha e conversas com vendedores ambulantes
nos possibilitaram perceber a insatisfação dos moradores locais. Ressentiam-se, dentre
outros aspectos, da redução dos rendimentos decorrentes das vendas, e do abandono,
segundo eles, por parte do Poder Público Municipal. Estes argumentos chamaram a
atenção, pois pareciam incoerentes com a paisagem à volta, isto é, um local cheio de
visitantes e de placas de obras que indicavam a atuação do Poder Público.
Os questionamentos foram inevitáveis. Se aparentemente o Poder Público está
atuando, se o mero de visitantes é grande, por que a reclamação, por parte dos
vendedores, da redução das vendas? As obras que estavam sendo implantadas eram
inadequadas às necessidades da população local? Mosqueiro estava se tornando um local
desvalorizado, justamente em função da ampliação do mero de visitantes? Por que a
insistência, por parte do Poder Público, em investir no turismo? O turismo é suficiente para
manter as demandas da população local?
A partir destes pontos se desenvolveu a intenção desta pesquisa: analisar a relação
entre a introdução de redes-técnicas, a dinamização do turismo e a promoção do
desenvolvimento sócio-espacial dessa área.
Diante da impossibilidade de abranger toda a amplitude territorial do espaço da
ilha, buscou-se identificar áreas nas quais se manifestassem de forma mais intensa as
relações presentes na dinâmica de produção e organização daquele espaço, entendidas neste
16
momento, como conseqüência dos fluxos de pessoas vindas do Município de Belém, e toda
a infra-estrutura construída para atendê-los.
Desta forma, e de posse dos dados secundários, foram selecionados 4 bairros, dos
19 que compõem a parte urbana da Ilha, a saber: Carananduba, Farol, Murubira e Vila. Esta
escolha foi direcionada por dois aspectos fundamentais: o contingente populacional e os
fluxos turísticos.
A soma da população das áreas selecionadas corresponde a 38,6 % das 27.896
pessoas que compõem a população urbana de Mosqueiro. Carananduba e Vila, por serem as
áreas de maior contingente populacional, e Farol e Murubira, por serem áreas de intensa
movimentação ligada ao turismo. A correlação dos usos da infra-estrutura disponível nessas
áreas permitiu, portanto, uma interpretação que nos levou a entender de que forma o
turismo influenciou e influencia na dinâmica de produção e organização do espaço urbano
de Mosqueiro e de que forma estes processos têm contribuído para a promoção do
desenvolvimento sócio-espacial.
As formulações iniciais apontavam para a possibilidade da proposta econômica e
organizacional de infra-estrutura, implantada na Ilha do Mosqueiro, a partir da cada de
1960, não se apresentar eficiente, para a promoção do desenvolvimento sócio-espacial, em
função: a) da idéia de desenvolvimento estar associada ao aumento dos indicadores
econômicos e à implantação de infra-estrutura; b) estar condicionada aos fluxos turísticos;
c) a possibilidade da intensificação dos fluxos em direção à ilha estar apresentando um
efeito contrário ao esperado, isto é uma desvalorização.
A análise do processo histórico de produção do espaço revela que a Ilha de
Mosqueiro tem sua dinâmica sócio-espacial e econômica permeada pela influência do
município de Belém. As características que hoje emergem em sua configuração cio-
espacial, portanto, seriam frutos dessa dinâmica. Isto é, as alterações da rede de infra-
estrutura urbana e de transportes ao longo do tempo, potencializaram-na como um espaço
de lazer.
A pesca, principal ocupação dos nativos, aos poucos, fora sendo substituída por
atividades de comércio, formal e informal, em função da estrutura montada para atender ao
veraneio. Atualmente, cerca de 90% da população local está envolvida em atividades
ligadas direta ou indiretamente com o turismo.
17
Verifica-se hoje, uma alteração no público freqüentador da ilha não mais a elite
1
– o que se apresenta contemporâneo à popularização do acesso à ilha. É importante
compreender então, dentre outros fatores, qual a representatividade objetiva da introdução
de infra-estrutura para a dinâmica sócio-espacial da Ilha do Mosqueiro? A provável
intensificação do fluxo de pessoas (turistas), ocasionada pela introdução desta infra-
estrutura contribui de fato para o desenvolvimento?
Neste trabalho, a idéia de desenvolvimento está relacionada às demandas e
necessidades da população local, pensadas a partir da noção de qualidade de vida e
enquanto um reflexo da autonomia dos lugares. Sendo assim, a influencia dos fluxos
turísticos, historicamente ampliados, é positiva, ou mesmo se constitui em uma necessidade
da população local?
Certamente, os meros associados a atividade turísticas sugerem um potencial.
Contudo, cabe entender de que forma a contextualização do turismo no cenário das relações
sociais capitalistas implica na vida econômica, social, política, cultural e nos ecossistemas
dos lugares, nos quais essa atividade é desenvolvida com maior intensidade.
Mendonça (2001) destaca que o distanciamento e o descompromisso do homem
moderno em relação à natureza não se expressam apenas sobre o meio natural, mas sobre
outras naturezas, a das relações socioculturais e a das relações individuais. Como poderia
então o turismo, enquanto atividade econômica, estar relacionado a esse contexto?
A partir dessa perspectiva, o resgate histórico do processo de produção deste
espaço ganha importância, tendo em face, a pequena produção acadêmica de conhecimento
sobre esta temática e a possibilidade da construção/sistematização de um estudo que aponte
no sentido da extrapolação da concepção de que a Ilha do Mosqueiro é apenas uma área de
lazer, descanso e entretenimento. Desta forma, caminha ao encontro dos interesses das
organizações e instituições que se preocupam com a promoção do desenvolvimento cio-
espacial na ilha, e em especial, a própria população local. Contribui, ainda, de forma direta
e/ou indireta, à produção do conhecimento no campo da Geografia, da Sociologia, da
Economia e do Turismo.
Na fase inicial desta pesquisa buscou-se um referencial teórico-conceitual que
abarcasse a amplitude das dinâmicas em questão. Sendo assim, nesta etapa, ganharam
1
População de elevado poder aquisitivo.
18
destaque conceitos e categorias como: Redes, Espaço, Território e Desenvolvimento Sócio-
espacial.
Um segundo momento esteve relacionado ao levantamento dos dados secundários
que auxiliassem no estabelecimento do recorte espacial, e na definição de um universo
amostral. Para tanto, foram de fundamental importância as informações obtidas junto ao
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e a Companhia de Desenvolvimento
Metropolitano de Belém – CODEM, que contribuíram com informações estatísticas e
cartográficas. Além disso, a realização de entrevistas com representantes do Poder Público
Municipal, através da Agência Distrital de Mosqueiro ADMO/PMB e seu Departamento
de Turismo DETUR/ADMO, de estudiosos envolvidos em outras pesquisas na área em
questão, bem como, conversas com a população local, também serviram direta ou
indiretamente como fontes para o desenvolvimento deste trabalho.
Além das entrevistas realizadas com a população local, foram aplicados 200
questionários em cada um dos 4 bairros selecionados para a pesquisa. A margem numérica
dos questionários, elevada se observada percentualmente no número total de habitantes por
bairro, foi a busca por uma base consistente, de informações ainda não sistematizadas em
outras pesquisas realizadas na área em questão. A análise destas informações e a
observação e a análise da paisagem, obtidas através de registros fotográficos produzidos em
campo, foram importantes para a formulação das considerações acerca da temática em
questão distribuídas em 3 capítulos.
O primeiro capítulo: Redes, Território, Turismo e Desenvolvimento Sócio-
espacial, fora direcionado para o tratamento teórico. O esforço nele contido caminha no
sentido de consubstanciar o entendimento do processo de produção do espaço, enquanto
produto e meio das relações sociais (relações de poder), materializado na implantação de
infra-estrutura (redes), que por sua vez, podem (ou não) demarcar territórios, influenciar na
qualidade de vida e no desenvolvimento sócio-espacial, quando pensado a partir de
demandas e fluxos externos ao local.
O referido capítulo aponta também, para o tratamento do Turismo enquanto um
fenômeno social, uma atividade que requer planejamento, e que deriva dos interesses dos
mais variados grupos, podendo manifestar seus aspectos positivos e negativos, em maior ou
menor grau, a depender da forma como o processo foi ou é conduzido.
19
O resgate do processo histórico de produção do espaço de Mosqueiro é trabalhado
no segundo capítulo. Para tanto, foram de fundamental importância as contribuições de
Meira Filho (1978) e Maria da Paz Cardoso (2000) que apresentam este processo a partir de
três momentos, a saber: a influência dos navios; a abertura da rodovia e a construção da
ponte. Vale destacar, para o contexto deste trabalho, as duas últimas fases. Estas etapas
mostram, de forma mais intensa, a influência da dinâmica dos fluxos de Belém na produção
do espaço de Mosqueiro.
O terceiro capítulo fora destinado à apresentação dos dados da pesquisa. Nele
estão expressas variáveis referentes à alfabetização, renda, abastecimento de água e energia,
bem como, fotografias dos locais alvos desta pesquisa e conteúdos de entrevistas com o
Poder Público Municipal e moradores locais, que contribuíram para a impressão quanto aos
indicadores ambientais da qualidade de vida. Por fim, são apresentadas algumas
considerações com base no referencial teórico e nos dados trabalhados, a cerca da
problemática apresentada.
Vale destacar aqui, que este estudo não tem a pretensão de esgotar a amplitude das
questões iniciais e das questões que emergiram durante o transcorrer desta pesquisa, mas
contribuir para suscitar o interesse de outros pesquisadores, por discussões que envolvam
desenvolvimento e população local, em especial da ilha de Mosqueiro.
20
1. REDES, TERRITÓRIO, TURISMO E DESENVOLVIMENTO SOCIO-
ESPACIAL.
1.1 Redes, território e sociedade e suas interfaces na produção do espaço.
Compreender as interrelações entre redes, território
2
e sociedade é percorrer um
caminho que perpassa pelos campos da política, da economia, das relações de poder, etc.
Estes fatores, contudo, se manifestam em um substrato espacial do qual são reflexos e
condicionantes. Portanto, quaisquer discussões acerca das referidas temáticas, são
precedidas de uma análise espacial. Vale, contudo, destacar que não é pretensão esgotar
aqui as discussões no que se refere aos elementos integrantes de uma análise espacial, mas
destacar a importância de alguns deles no processo de produção e organização do espaço,
bem como as interrelações entre os elementos mencionados anteriormente.
As formulações de Trindade Jr. (1997) sobre a produção do espaço urbano em
Belém reforçam a importância da análise espacial, na medida em que apontam para as
relações sociais como fruto de interesses dominantes que pressupõem as alterações no
espaço, concebido assim, como produto e meio das relações sociais.
Neste sentido, o entendimento da produção do espaço e suas características
perpassam pelo conjunto de objetos e de ações que se realizam sobre esses objetos; não
entre eles especificamente, mas para as quais servem de intermediários.
Depreende-se, portanto, que o espaço é o resultado da ação dos homens sobre o
próprio espaço, intermediados por objetos naturais e artificiais. O espaço é também
formado de fixos e de fluxos. Os fixos representam o processo imediato do trabalho, são os
próprios instrumentos de trabalho e as forças produtivas em geral, incluindo o homem. Os
fluxos são os movimentos, a circulação, que explicam os fenômenos da distribuição e do
2
Embora ainda seja muitas vezes empregado, tanto no discurso do senso comum quanto mesmo em textos
científicos, como sendo um mero sinônimo de espaço, cada vez mais pode ser observado um esforço para
entender o território como um "espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder" (SOUZA,
1995, p.78) ou, mais precisamente ainda, como "relações de poder espacialmente delimitadas e operando (...)
sobre um substrato referencial" (SOUZA, 1995, p.97). Esta última definição, aponta, adicionalmente, para a
característica do território como sendo não a materialidade do espaço ou substrato espacial em si, mas sim
uma espécie de "campo de força" articulado com uma porção específica do substrato material, apropriada ou
controlada por um grupo social. Ou seja, o território, em si mesmo, no fundo, sequer é "físico" ou tangível.
21
consumo. Desse modo, categorias como produção, circulação, distribuição e o consumo
podem ser estudados. (SANTOS, 1997).
Assim, o espaço se apresenta nas palavras de Santos:
(...) como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de sistemas
de ações. Os sistemas de objetos não funcionam e não têm realidade
filosófica, isto é, não nos permitem conhecimentos, se os vemos separados
dos sistemas de ações. Os sistemas de ações também não se dão sem os
sistemas de objetos. O espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais
artificiais, povoados por sistemas de ações igualmente imbuídos de
artificialidade, e cada vez mais tendentes a fins estranhos, ao lugar e a
seus habitantes. (...) Os objetos não são as coisas, dados naturais; eles são
fabricados pelo homem para serem a fábrica da ação. (...) As ações, por
sua vez, aparecem como ações racionais, movidas por uma racionalidade
conforme aos fins ou aos meios, obedientes à razão do instrumento, à
razão formalizada, ação deliberada por outros, informada por outros. E
uma ação insuflada, e por isso mesmo recusando debate; e ao mesmo
tempo, uma ação não explicada a todos e apenas ensinada aos agentes
(1994, p.90).
O processo histórico da evolução da dinâmica de produção do espaço, a partir da
análise das transformações estruturais, está relacionado à discussão sobre valor e trabalho,
pois são essas categorias, o seu nódulo explicativo central. Assim, a relação
sociedade/espaço é, desde logo, uma relação valor - espaço, pois substantivada pelo
trabalho humano. Por isso, a apropriação dos recursos próprios do espaço, a construção de
formas humanizadas sobre o espaço, a perenização desses construtos, as modificações, quer
do substrato natural, quer das obras humanas, representa criação de valor (MORAES &
COSTA, 1994).
Portanto, o processo de produção e valorização do espaço, a implementação de
novos fixos e fluxos, ou mesmo a renovação/reorganização de fluxos antigos, pressupõe um
arrefecimento, ou mesmo um redirecionamento, nas relações e na dinâmica de
funcionamento deste espaço na medida em que este é produto e condicionante das relações
sociais.
A valorização do espaço é verificada a partir da introdução/dinamização de fluxos
e fixos. A existência de fluxos (mercadorias, pessoas, informações, energia, etc.) pressupõe
a existência de redes. A rede é inacabada, e é dessa falta de acabamento que ela tira sua
22
força no espaço e no tempo, se adapta as variações do espaço e às mudanças que advêm no
tempo. (...) A rede faz e desfaz as prisões do espaço tornado território: tanto libera como
aprisiona. É porque ela é um ‘instrumento’ por excelência do poder (...). (RAFFESTIN,
1980 e 1993).
A rede é retratada como “(...) toda infra-estrutura, permitindo o transporte de
matéria, de energia ou de informação, e que se inscreve sobre um território onde se
caracteriza pela topologia dos seus pontos de acesso ou pontos terminal, seu arco de
transmissão seus nós de bifurcação ou de comunicação (CURRIEN apud SANTOS, 1999,p.
209). Para Santos a rede “(...) é também social e política, pelas pessoas, mensagens, valores
que a freqüentam. Sem isso, e a despeito da materialidade com que se impõe aos nossos
sentidos, a rede é, na verdade, uma mera abstração”(1999, p. 209).
Dias (1995, p.149) adverte:
(...) a questão das redes reapareceu de outra forma, renovada pelas
grandes mudanças deste final de século, renovada pelas descobertas e
avanços em outros campos disciplinares e na própria Geografia. Neste
novo contexto histórico, a análise das redes implica abordagem que, no
lugar de tratá-la isoladamente, procure suas relações com a urbanização,
com a divisão territorial do trabalho e com a diferenciação crescente que
esta introduziu entre as cidades (...)”. A densificação das redes internas
a uma organização ou compartilhadas entre diferentes parceiros
regionais, nacionais ou internacionais, surge como condição que se impõe
à circulação crescente de tecnologia, de capitais e de matérias-primas. Em
outras palavras, a rede aparece como um instrumento que viabiliza
exatamente essas duas estratégias: circular e comunicar (...).
Uma das características do mundo atual é a exigência da fluidez para a circulação
de idéias, mensagens, produtos ou dinheiro, interessando aos atores hegemônicos. A fluidez
é baseada nas redes técnicas que são um dos suportes da competitividade (SANTOS, 1999,
p. 218).
A intensificação dos fluxos na Ilha do Mosqueiro, em função das alterações na
rede de infra-estrutura urbana e no sistema de transporte, demandou o crescimento
populacional na ilha. Contudo, crescimento não pode ser confundido com desenvolvimento.
Sobre a importância dos fluxos, Santos (1999, p. 191) afirma:
23
(...) Ao mesmo tempo em que aumenta a importância dos capitais fixos
(estradas, pontes, silos, terra arada, etc.) e dos capitais constantes
(maquinário, veículos, sementes especializadas, fertilizantes, pesticidas,
etc.) aumenta também a necessidade de movimento, crescendo o numero e
a importância dos fluxos, também financeiros, e dando um relevo especial
à vida de relações (...) O processo de difusão dos fluxos está relacionado à
criação e difusão do meio técnico-científico-informacional que provoca
grandes transformações: rompem-se os equilíbrios preexistentes e novos
equilíbrios mais fugazes se impõem: do ponto de vista da quantidade e da
qualidade da população e do emprego, dos capitais utilizados, das formas
de organização, das relações sociais.
Por um longo período, a idéia de desenvolvimento estava restrita à idéia de
crescimento econômico e tecnológico, medido pela taxa do Produto Interno Bruto (PIB),
renda per capita e outros indicadores. Crescimento econômico e modernização que não
sejam acompanhados por distribuição da riqueza e atendimento de necessidades materiais e
não materiais elementares, não podem ser considerados como indicadores de
desenvolvimento (SOUZA, 1994, 1995).
Segundo Souza (1994 e 1995), a década de 90 foi marcada pela emergência desta
temática e, ao se analisar as experiências mais significativas, pode-se identificar três
modalidades de ação local, considerando alguns aspectos básicos que os diferenciavam: a
primeira modalidade representa um desdobramento modernizador de formas de atuação
mais tradicionais na área urbanística ou político-administrativa; a segunda modalidade
refere-se àquelas experiências que vêm ancoradas em ações locais de geração de trabalho e
renda; uma terceira modalidade são experiências de constituição de pactos territoriais e de
redes de desenvolvimento econômico local.
Entretanto, o foco estratégico no desenvolvimento econômico local tem uma
especificidade e uma intencionalidade. Uma especificidade na medida em que o
desenvolvimento econômico sempre foi pensado a partir de uma ão macro, centrada em
políticas econômicas da esfera federal. Colocar a constituição de uma ambiência
econômica local significa repensar toda a teoria de desenvolvimento e relacioná-la com sua
dimensão territorial.
Partindo de uma concepção integral e integradora de desenvolvimento, afirmando
o singular e as singularidades estruturais num cenário de intensa fragmentação territorial, a
promoção do desenvolvimento fica entregue ao esforço dos atores locais.
24
Assim, o binômio poder/rede tem implicações diretas no debate sobre
desenvolvimento uma vez que desenvolvimento sugere uma horizontalidade no processo e
a participação efetiva dos atores responsáveis por conduzi-lo. Certamente, de nada adianta
– para fins de desenvolvimento humano e social, de caráter includente e emancipatório – se
essa capacidade estiver concentrada nas mãos de um só agente. Para ser includente e
emancipatório, um processo de desenvolvimento necessita democratizar a política e o
poder. É preciso, assim, ampliar a base dos agentes decisores.
Por outro lado, para promover a coordenação das ações desses diferentes atores
sociais, e potencializar sua capacidade de intervenção, será preciso, então, fazer deles uma
rede. As redes parecem tornar-se, assim, o padrão organizacional mais compatível com as
necessidades dos processos de desenvolvimento emancipatório e includente. Ao contrário
dos tipos tradicionais de organização social (cujo organograma é sempre uma variação da
forma da pirâmide), nos quais o poder está sempre concentrado em apenas um ou em
alguns poucos pontos, a rede opera por meio de um processo de radical desconcentração de
poder. A morfologia da rede é uma fonte de drástica reorganização das relações de poder.
(CASTELLS, 2000).
A compreensão desse aspecto torna mais clara a idéia do que vem a ser um padrão
horizontal de organização e ajuda a separar aquilo que é rede daquilo que é pirâmide
disfarçada. Muito do que hoje se chama de rede (como as cadeias de lojas, unidades fabris,
emissoras de TV) não passam de sistemas hierárquicos verticais de base estendida, uma vez
que um controle central de onde emanam as regras a que os demais elementos devem se
sujeitar. A autonomia dos nós desse tipo de “rede” é restrita aos limites estabelecidos pelo
controle central. Se for verdade que a capilaridade e a extensividade dessa arquitetura
organizacional aumenta a capacidade de ação da estrutura, é também certo que, isolado o
comando central, o “cérebro” do sistema, tal capacidade esvai-se de um golpe. Tal
estrutura pode ser tentacular, mas não é rede. Onde há concentração de poder não há rede.
Por isso, programas de indução ao desenvolvimento, de orientação vertical, que se
mantêm pela imposição de regras e condutas de cima para baixo, estariam fadados ao
fracasso.
As redes é que dão conta de articular e de organizar, com métodos e metas
atores sociais autônomos, diferentes e que não admitem subordinação (o fundamento da
25
estrutura hierárquica vertical), mas tão-somente co-operação e co-ordenação. Por outro
lado, para promover a coordenação das ações desses diferentes atores sociais, e
potencializar sua capacidade de intervenção, será preciso, então, fazer deles uma rede.
Porém, é importante reiterar uma diferença fundamental entre a estrutura
tentacular (mencionada acima) e a rede. A rede não é apenas uma composição formal, um
jeito de dispor os elementos de maneira horizontal num plano, como se fôsse bastante
(como pensa certa tecnocracia do planejamento) “diagramar” um sistema para fazê-lo
funcionar. Estar dispostos em rede, não é operar em rede. A crença contemporânea de que a
sociedade já se estrutura em rede parece ser vítima de uma espécie de “ilusão morfológica”.
O fato, especialmente com a ubiqüidade dos aparatos tecnológicos de comunicação e
informação, de estar “conectados” uns aos outros não é garantia de uma operação-em-rede,
de uma co-operação policoordenada (CASTELLS, 2000).
Deste modo, o desenvolvimento econômico local se mostra como a constituição de
uma ambiência produtiva inovadora, na qual se desenvolvem e se institucionalizam formas
de cooperação e integração das cadeias produtivas e das redes econômicas e sociais, de tal
modo que amplie as oportunidades locais, gere trabalho e renda, atraia novos negócios e
crie condições para um desenvolvimento humano (COELHO, 2000).
A organização do território que objetiva o desenvolvimento local deve ter como
ponto de partida o pacto territorial que viabilize a associação de interesses promovida entre
os diversos atores regionais, que se conservam independentes, com vista à obtenção de
determinados objetivos. Isto pressupõe a indicação de uma estrutura organizacional que
conta da constituição de um espaço de interação dos diversos atores e da construção de uma
entidade responsável pelo encaminhamento e implementação das diversas ações propostas.
As experiências mais recentes de desenvolvimento local têm trabalhado com
metodologias de planejamento estratégico, mas nem sempre incorporando a visão
processual que integra lugares
3
e fluxos de acumulação de processos sociais, que não
podem ser trabalhados com bases de dados apenas quantitativos e com informações
defasadas no tempo, produzindo desta forma, uma visão errônea do território. Conhecer o
3
A referência, aqui, é à idéia de lugar enquanto um espaço vivido e dotado de significado, uma realidade
intersubjetivamente construída com base na experiência concreta de indivíduos e grupos. Nesta acepção, mais
específica, lugar não é, simplesmente, sinônimo de local ou um espaço qualquer, delimitado segundo critérios
puramente "objetivos" (TUAN, 1983).
26
território significa analisar historicamente o jogo social dos atores, sua interatividade, a
cultura empreendedora, em síntese, o lugar e os fluxos materiais e imateriais que produzem
socialmente o território. Os processos de desenvolvimento local mostram que a identidade
territorial, assim como a sinergia social, não deve ser entendida como algo que
simplesmente existe devido a uma determinada conjugação de fatores geográficos e
circunstâncias, mas sim como algo que é construído historicamente.
A construção de um território pode ser verificada a partir da correlação de fatores
endógenos e de fatores exógenos. Um território é instituído por ação exógena quando seu
desenho é definido por elementos de identidade escolhidos por agentes externos ao
território, numa relação heterônoma (quando as normas vêm de fora) e, na maior parte dos
casos, autoritária. É o caso das divisões territoriais impostas “de cima para baixo” pelos
planos estatais de desenvolvimento. Nesses casos, a população local nem sempre se
reconhece como integrada num mesmo território, posto que não participou do processo de
instituição territorial. Um território é instituído por ão endógena quando seu desenho é
definido por elementos de identidade escolhidos por agentes locais, ou seja, do próprio
território, numa relação autônoma (quando as normas vêm de dentro) e, na maior parte dos
casos, democrática. É o caso das divisões territoriais construídas “de baixo para cima”, de
forma participativa. Nesses casos, pode-se falar num processo de auto-instituição territorial,
onde é a população local o sujeito ativo que desenha o território a partir do reconhecimento
de suas identidades.
1.1.1 Técnica, Redes- técnicas e Território.
As correlações entre os fatores endógenos e exógenos são estabelecidas através de
técnicas, que de maneira geral, podem ser compreendidas como todo o conjunto de regras
aptas a dirigir eficazmente uma atividade qualquer, ou ainda, como um processo qualquer,
regulado por normas e munido de certa eficiência.
De acordo com Corrêa (1997, p. 250) a tecnologia é definida genericamente,
“como um conjunto de conhecimentos e informações organizados, provenientes de fontes
diversas como descobertas científicas e invenções, obtidos através de diferentes métodos e
utilizados na produção de bens e serviços”.
27
Muitas vezes, as noções de “técnica” e “tecnologia” têm sido utilizadas para
designar o mesmo significado. Todavia, entende-se que, enquanto a técnica explicita regras
do modo de ação prática do como fazer, a tecnologia representa uma espécie de teorização
das técnicas, no sentido de constituir um procedimento lógico que possibilite compreender
a ordem e a racionalidade presente em uma, ou na articulação de mais técnicas.
Tendo isso presente, vale fazer referência à contribuição de Santos quando,
destaca a técnica como o mais importante modo de relação entre homem e natureza, entre
homem e o espaço geográfico. Nesse sentido, seriam as técnicas “um conjunto de meios
instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo,
cria espaço” (1996, p. 25).
Todavia, é importante ter presente que, a técnica e a tecnologia, como produtos da
ação humana, devem ser pensadas no contexto das relações sociais e no âmbito de seu
desenvolvimento histórico. Assim, na sociedade capitalista, a tecnologia exprime um tipo
particular de conhecimento, cujas propriedades o tornam capaz, quando aplicado ao capital,
de estabelecer um determinado ritmo à sua valorização.
Desta forma, a cnica é um elemento chave na explicação da sociedade e dos
lugares quando considerada em relação a uma dada temporalidade e espacialidade. Tomada
à parte, de forma isolada ela não explica nada (SANTOS, 1996).
As técnicas expressam, por meio dos objetos técnicos, seu conteúdo histórico, e
em cada momento de sua existência, da sua criação à sua instalação e operação, revelam a
combinação, em cada lugar, das condições políticas, econômicas, sociais, culturais e
geográficas que permitem seu aproveitamento. A partir daí pode-se inferir que um desses
objetos técnicos é a rede.
Em relação ao conceito de rede, Santos (1996) sugere defini-lo a partir de duas
dimensões complementares. Uma primeira se refere a sua forma, a sua materialidade. Nesse
aspecto, a rede é toda infra-estrutura, que permitindo o transporte de matéria, de energia ou
de informação, se inscreve sobre um território onde se caracteriza pela topologia dos seus
pontos de acesso ou pontos terminais, seus arcos de transmissão, seus nós de bifurcação ou
de comunicação.
Por sua vez, a segunda dimensão trata de seu conteúdo, de sua essência. Assim, a
rede “é também social e política, pelas pessoas, mensagens, valores que a freqüentam. Sem
28
isso, e a despeito da materialidade com que se impõe aos nossos sentidos, a rede é, na
verdade, uma mera abstração” (SANTOS, 1996, p. 209).
Nessa perspectiva, Dias (1995, p. 147) complementa que a rede apresenta a
propriedade de conexidade, isto é, através da conexão de seus s ela, simultaneamente,
tem a potencialidade de solidarizar ou de excluir, de promover a ordem e a desordem. Além
disso, ela destaca que a rede é uma forma particular de organização, e no âmbito dos
processos de integração, de desintegração e de exclusão espacial ela “aparece como
instrumento que viabiliza (...) duas estratégias: circular e comunicar”.
As redes são animadas por fluxos. São dinâmicas e ativas, mas não trazem em si
mesmas seu princípio dinâmico, que é o movimento social. Este é animado, tanto por
dinâmicas locais, quanto globais, notadamente demandadas pelas grandes organizações.
(SANTOS, 1996).
As redes estruturam a sua maneira, o campo de forças das relações de cooperação
e de antagonismo que estão presentes na sociedade humana. As redes são, de fato,
instrumentos de poder e de rivalidades para seu controle. Elas são suscetíveis de funcionar
como instrumentos de integração e de exclusão, na linha direta dos processos de
diferenciação. Além disso, as redes técnicas, em sua relação com o território, evidenciam
que essa relação é ambígua: ora a rede é fator de coesão, ela solidariza, ela homogeneíza,
ora ela transgride os territórios, opondo às malhas institucionais suas gicas funcionais.
Nesse aspecto, a análise da evolução das redes, distinguindo sua infra-estrutura, seus
serviços e seu comando, permite superar esta contradição evidenciando que sua
participação é essencial para a construção de novas escalas territoriais, ainda que seu papel
não seja determinante, mas de acompanhamento, na estruturação dos territórios.
Em relação à discussão sobre territórios e territorialidades, Santos (2002, p. 10)
aponta no sentido do entendimento de que:
O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de
coisas superpostas. O território tem que ser entendido como o território
usado, o o território em si. O território usado é o chão mais a
identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos
pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência,
das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida.
29
Esse entendimento pode ser complementado com a proposição de Souza (1995, p.
78-79) de que o território deva ser apreendido como “um espaço definido e delimitado por
e a partir de relações de poder”, ou seja, ele é “essencialmente um instrumento de exercício
de poder: quem domina ou influencia quem nesse espaço, e como?”.
Nessa concepção evidencia-se que o espaço antecede o território. Como destaca
Raffestin (1993, p. 143-144):
Ao se apropriar de um espaço concreta ou abstratamente (por exemplo,
pela representação), o ator ‘territorializa’ o espaço. [Henri] Lefébvre
mostra muito bem como é o mecanismo para passar do espaço ao
território: “A produção de um espaço, o território nacional, espaço físico,
balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos e fluxos que
se instalam”. (...) O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se
projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência,
revela relações marcadas pelo poder.
Embora mais difundida, a idéia de território não se restringe apenas àquela da
escala nacional, associada com o Estado enquanto instância gestora. Territórios existem e
podem ser construídos e desconstruídos nas mais diversas escalas, tanto espaciais, como
temporais. Assim, podemos identificá-lo desde uma dada rua a uma dada configuração
regional, ou ainda a partir de um dado recorte temporal de dias até séculos (SOUZA, 1995).
Além disso, na medida em que as noções de controle, de ordenamento e de gestão
espacial, fundamentais no debate sobre o território, não se restringem apenas ao Estado,
mas igualmente se vinculam às estratégias de distintos grupos sociais e das grandes
corporações econômicas e financeiras, o território deve ser apreendido como resultado da
interação entre múltiplas dimensões sociais (HAESBAERT, 2002).
Assim, esse sentido relacional presente na definição do território traduz a
incorporação, simultânea, do conjunto das relações sociais e de poder, e da relação
complexa entre processos sociais e espaço geográfico, este entendido como ambiente
natural e ambiente socialmente produzido. Além disso, esse sentido relacional implica que
consideremos que o significado do território não apenas se vincula às idéias de
enraizamento, estabilidade, limite, fronteira, fixidez, mas também às idéias de movimento,
de fluidez, de conexão (HAESBAERT, 2002).
30
Por fim, durante o processo de produção do território, ele é reapropriado, praticado
e vivenciado distintamente pela sua população, o que permite também designar sua
territorialidade. Ela reflete as múltiplas dimensões desse vivido territorial em que os atores
sociais vivenciam, simultaneamente, o processo territorial e o produto territorial através de
um sistema de relações produtivas (ligadas ao recurso) ou existenciais (relevando a
construção idenditária, portanto da memória coletiva e da representação).
Como lembra Dias (1995), a história das redes técnicas é também a história das
inovações tecnológicas em resposta às demandas sociais que surgem em determinados
locais e em determinados momentos. Esse é o sentido do surgimento, por exemplo, das
redes de transporte como a ferrovia e a rodovia, das redes de comunicação, como a
telegrafia, a telefonia e a teleinformática; ou ainda das redes de energia, como energia
elétrica, os gasodutos, os oleodutos.
Pensando, portanto, que essas redes apresentam um nítido conteúdo técnico,
resultado do processo de inovação tecnológica, pode-se então aproximar o debate sobre a
relação tecnologia e sociedade, refletindo sobre qual é o poder das redes técnicas em
relação ao desenvolvimento sócioespacial, ou sobre o possível papel estruturante dessas
redes no território.
Isso remete, inicialmente, à análise da noção de impacto tecnológico, bastante
difundida no atual estágio capitalista, especialmente por conta de uma presença cada vez
maior da tecnologia no desenvolvimento das relações sociais e econômicas.
Benakouche (1999), chama atenção que no âmbito da Sociologia, especialmente
na chamada Sociologia da Técnica, tem se realizado a crítica do conceito de impacto,
notadamente em relação à idéia de determinismo tecnológico, informada pelos pretensos
impactos sociais contemporâneos da técnica. Nessa perspectiva, critica-se a idéia de
autonomia ou de externalidade social da técnica, como se houvesse uma efetiva dicotomia
entre a tecnologia que promoveria os ditos impactos, e a sociedade, que os sofreria.
No entanto, não razão para a existência desses limites, dessa separação, uma
vez que a técnica possui sempre um conteúdo social, ao passo que, simultaneamente, a
sociedade contemporânea possui um conteúdo essencialmente tecnológico. As críticas
caminham no sentido da responsabilidade pela definição das tecnologias que acabam
31
determinando impactos; sobre o seu controle; sobre o comportamento dos impactos em
relação às diversas sociedades.
Nesse sentido, Benakouche (1999, p. 2) destaca que a busca do entendimento do
significado da técnica “é uma tarefa essencialmente política, na medida em que uma clareza
sobre a questão é fundamental tanto na tomada de decisões a respeito do seu
desenvolvimento, como no planejamento da sua adoção ou uso, seja por indivíduos,
unidades familiares ou organizações”. Ao responsabilizar-se a cnica por seus eventuais
“impactos sociais”, sejam negativos ou positivos, acaba-se manifestando o
desconhecimento de “quanto objetiva e subjetivamente – ela é construída por atores
sociais, ou seja, no contexto da própria sociedade”.
Nesse aspecto, e de acordo com essa concepção, o que se torna relevante no estudo
das relações entre tecnologia e sociedade é a análise do processo de produção e de difusão
dos objetos técnicos.
No âmbito das redes técnicas, especialmente em relação ao significado e à
dinâmica das redes de telecomunicações, a tecnologia não é tudo, a apropriação social
permanece determinante. Todavia, a tecnologia não é neutra, ela baliza o campo das
possíveis interfaces entre redes e território.
Dupuy (1982) assinala contrariamente à idéia de impacto, que informa que as
redes técnicas são exógenas à sociedade. A imagem de uma relação dialética da técnica e
sociedade é certamente mais conveniente que aquela que coloca somente a técnica na
origem das mudanças sociais.
A idéia de efeito estruturante presente no desenvolvimento das infra-estruturas de
transporte trata-se da constituição de uma mistificação científica e de um mito político. Os
numerosos estudos empíricos realizados sobre o tema colocam em dúvida essa
causalidade linear entre o desenvolvimento de uma dada oferta nova de transporte e as
transformações espaciais, sociais ou econômicas. Assim, ao invés de se considerar a noção
de efeito estruturante ou de impacto, informados através da idéia de determinismo
tecnológico, dever-se-ia adotar a noção de potencialidade para se buscar apreender a real
complexidade da relação entre rede e território. Não se trata de negar esses efeitos, mas de
não concordar com a causalidade direta entre a presença de uma infra-estrutura nova e o
desenvolvimento do espaço sobre o qual ela é instalada.
32
Pensar a relação entre rede e território implica considerar que a rede é uma
estrutura de interconexão instável, composta de elementos em interação, e cuja
variabilidade obedece a alguma regra de funcionamento. Essa instabilidade se deve ao fato
das variações no fluxo induzirem novas conexões à cada etapa extensão, redução ou um
novo tecer da rede mas também adaptação do organismo reticular às novas condições do
ambiente, e o acréscimo de nós, ao conteúdo e à dinâmica do território.
Nesse sentido, as redes técnicas, especialmente as de transporte, não engendram
automaticamente atividades, elas mostram, contudo, ter um papel amplificador das
tendências existentes, na medida em que aceleram tanto o declínio, quanto o crescimento de
um dado território. Assim, o movimento migratório, positivo ou negativo, se acelera, a
vitalidade ou o declínio industrial igualmente. Esta aceleração pode ser explicada se
consideram as redes de transportes simultaneamente como produto e suporte da atividade
social.
A análise da relação entre espaço e novas tecnologias, deve efetivamente ser
pensada a partir de duas perspectivas. Se por um lado, as novas tecnologias, e aqui se
enquadram as redes técnicas, exercem visível influência sobre o território, por outro lado,
este se apresenta como um condicionante ao desenvolvimento dessas novas tecnologias, em
função tanto das suas características físico-ambientais, como também, enquanto espaço
social e historicamente produzido.
Assim, é pertinente pensar a rede técnica como um elemento que abre um
horizonte de possibilidades em relação ao desenvolvimento de um dado território. A
instalação e o aproveitamento das redes cnicas, engendrados por uma dada dinâmica
social e econômica, e expressão de relações de poder existentes no lugar, torna aparente,
tanto as potencialidades como os constrangimentos ao desenvolvimento social e espacial do
território.
Neste sentido, analisar as transformações na dinâmica de produção do espaço em
Mosqueiro, na perspectiva da organização, distribuição, e potencialidades das atividades
econômicas ali desenvolvidas, na tentativa da sistematização dos conceitos e categorias
mencionados, a fim de verificar, a relação dessas transformações com a promoção do
desenvolvimento socio-espacial, constitui um esforço singular, contribuindo para a
33
produção de conhecimentos sobre a área em questão e para a análise desses conceitos e
categorias imbuídos na realidade amazônica.
1.1.2 - Redes, Poder, Território e Desenvolvimento.
Ao contrário dos tipos tradicionais de organização social (cujo organograma é
sempre uma variação da forma da pirâmide), nos quais o poder está sempre concentrado em
apenas um ou em alguns poucos pontos, a rede opera por meio de um processo de radical
desconcentração de poder. A morfologia da rede é uma fonte de drástica reorganização das
relações de poder (CASTELLS, 2000).
A situação do poder na rede talvez seja o seu principal caráter distintivo em
relação aos demais modelos de organização. A rede é um conjunto dinâmico de elementos
por definição empoderados e que mantêm entre si relações isonômicas. Todos partilham
o mesmo grau de poder e é isso o que confere natureza de rede à rede. Ou seja, existe
rede com o poder diluído. Esse conceito (da diluição do poder, das responsabilidades ou das
operações estratégicas) está na origem da Arpanet, a rede criada pelo Departamento de
Defesa dos Estados Unidos para impedir a destruição do sistema de comunicação do país
em caso de conflito nuclear e que resultou na Internet tal como hoje a conhecemos. O
princípio era o de distribuir numa miríade de pontos, a capacidade de ação do sistema de
maneira a manter perene ou ampliar essa capacidade de ação.
A compreensão desse aspecto torna mais clara a idéia do que vem a ser um padrão
horizontal de organização e ajuda a separar aquilo que é rede daquilo que é pirâmide
disfarçada. Muito do que hoje é tratado como rede (como as cadeias de lojas, unidades
fabris, emissoras de TV) não passa de sistemas hierárquicos verticais de base estendida,
uma vez que um controle central de onde emanam as regras a que os demais elementos
devem se sujeitar. A autonomia dos nós desse tipo de “rede” é restrita aos limites
estabelecidos pelo controle central. Se for verdade que a capilaridade e a extensividade
dessa arquitetura organizacional aumenta a capacidade de ação da estrutura, é também certo
que, isolado o comando central, o “cérebro” do sistema, tal capacidade esvai-se de um
golpe. Tal estrutura pode ser tentacular, mas não é rede. Onde concentração de poder
não há rede.
34
O binômio desconcentração de poder/rede tem implicações diretas no debate sobre
desenvolvimento local uma vez que não desenvolvimento sem uma horizontalidade no
processo e a participação efetiva dos atores responsáveis por conduzi-lo. Certamente, de
nada adianta para fins de desenvolvimento humano e social, de caráter includente e
emancipatório – se essa capacidade estiver concentrada nas mãos de um agente. Para ser
includente e emancipatório, um processo de desenvolvimento necessita disseminar a
capacidade de fazer política, quer dizer, precisa democratizar a política e o poder. É
preciso, assim, ampliar a base dos agentes decisores, multiplicar o número de agentes
capazes de poder e manter essa base em ritmo contínuo de expansão.
Por isso, programas de indução ao desenvolvimento, de orientação vertical, que se
mantêm pela imposição de regras e condutas de cima para baixo, estão fadados ao fracasso.
A horizontalidade é uma espécie de exigência de um sistema com alto grau de participação
dos atores e é, também, o resultado necessário de um sistema desse tipo. As redes é que dão
conta de articular e de organizar, com métodos e metas atores sociais autônomos,
diferentes e que não admitem subordinação (o fundamento da estrutura hierárquica
vertical), mas tão-somente co-operação e co-ordenação. Por outro lado, para promover a
coordenação das ações desses diferentes atores sociais, e potencializar sua capacidade de
intervenção, será preciso, então, fazer deles uma rede.
As redes parecem tornar-se, assim, o padrão organizacional mais compatível com
as necessidades dos processos de desenvolvimento emancipatórios e includentes. Porém, é
importante reiterar uma diferença fundamental entre a estrutura tentacular (mencionada
acima) e a rede. A rede não é apenas uma composição formal, um jeito de dispor os
elementos de maneira horizontal num plano, como se fôsse bastante (como pensa certa
tecnocracia do planejamento) “diagramar” um sistema para fazê-lo funcionar. Estar
dispostos em rede, não necessariamente significa operar em rede. A crença contemporânea
de que a sociedade se estrutura em rede parece ser vítima de uma espécie de “ilusão
morfológica”. O fato, especialmente com a ubiqüidade dos aparatos tecnológicos de
comunicação e informação, de estar “conectados” uns aos outros não é garantia de uma
operação-em-rede, de uma co-operação policoordenada.
O que faz da arquitetura de rede uma rede é seu modo de funcionamento. No caso
que importa aqui: um modo de operar que contemple, pressuponha e atualize a autonomia
35
dos membros da rede; que faça da horizontalidade, da descentralização, da participação e
da democracia uma ética de operação. A existência de redes econômicas, formas de
integração horizontal e vertical de cadeias produtivas, parcerias entre atores públicos e
privados, serviços especializados para microempreendedores e a institucionalidade desta
ambiência produtiva.
Deste modo, o desenvolvimento econômico local se mostra como a constituição de
uma ambiência produtiva inovadora, na qual se desenvolvem e se institucionalizam formas
de cooperação e integração das cadeias produtivas e das redes econômicas e sociais, de tal
modo que amplie as oportunidades locais, gere trabalho e renda, atraia novos negócios e
crie condições para um desenvolvimento humano sustentável (COELHO, 2000).
A intensidade com que as experiências de desenvolvimento econômico local se
desenvolvem no Brasil sugere uma reflexão sobre seus caminhos. A década de 90 foi
marcada pela emergência desta temática e, a análise das experiências mais significativas,
leva a identificar três modalidades de ação local, considerando alguns aspectos básicos que
os diferenciavam: a primeira modalidade representa um desdobramento modernizador de
formas de atuação mais tradicionais na área urbanística ou político-administrativa; a
segunda modalidade refere-se àquelas experiências que vêm ancoradas em ações locais de
geração de trabalho e renda; uma terceira modalidade são experiências de constituição de
pactos territoriais e de redes de desenvolvimento econômico local.
O foco em termos de desenvolvimento local marcou a visão crítica às ações locais
pontuais, delimitadas no tempo e no espaço, com perfil de atendimentos a carências da
população, sem a dimensão de um desenvolvimento mais integrado e sustentável. Esta
dimensão, de integração e sustentabilidade, significou um diálogo das experiências de
desenvolvimento econômico local com outros olhares - ambiental, social, ético-político
permitindo pensar uma nova institucionalidade do local.
Entretanto, o foco estratégico no desenvolvimento econômico local tem uma
especificidade e uma intencionalidade. Uma especificidade na medida em que o
desenvolvimento econômico sempre foi pensado a partir de uma ão macro, centrada em
políticas econômicas da esfera federal. Colocar a constituição de uma ambiência
econômica local significa repensar toda a teoria de desenvolvimento e relacioná-la com sua
dimensão territorial.
36
Intencionalidade, em segundo lugar, porque o desenvolvimento local aparece neste
debate como uma noção relativa em relação ao global, como uma resposta da sociedade a
estas mudanças intensas e como a constituição de sujeitos sociais locais com capacidade de
intervenção. Partindo de uma concepção integral e integradora de desenvolvimento,
afirmando o singular e as singularidades estruturais num cenário de intensa fragmentação
territorial, a promoção do desenvolvimento fica entregue ao esforço dos atores locais.
Nesta medida, a análise destas experiências deve ser feita numa visão sistêmica,
para que não remeter a um debate pendular entre o local e o global, ou ainda, entre os
fatores endógenos e exógenos. Ao trabalhar os dilemas de desenvolvimento local - pensado
como desenho, construção e processo é necessário pensar o cenário externo no qual se
insere determinado território.
Assim, a compreensão mais precisa de cenários-macro, nos quais se pode pensar
também focos estratégicos em que a construção de desenvolvimento territorial se integra a
um processo de democratização da economia, constitui um aspecto central a ser debatido
sobre caminhos alternativos de um processo menos perverso e mais humano de
globalização. Em primeiro lugar, deve-se qualificar o que tem significado uma estratégia
desenvolvida pelos grandes grupos econômicos de inserção dos Estados-nação no mundo
globalizado e em que sentido o desenvolvimento local e a economia solidária constituem
caminhos alternativos.
A globalização, permeada por tensões, corresponde a uma nova fase de expansão
do capital, não sendo processo homogêneo e sequer inexorável, como se quer fazer crer.
Nesse processo, a hegemonia do capital financeiro influencia o comportamento de
empresas e governos, favorecendo o curto prazo e o combate à inflação, em detrimento do
progresso econômico-social e das políticas de longo prazo. Nesse contexto, o mercado
único do dinheiro é operado não somente por bancos e empresas, mas, sobretudo por
investidores institucionais. O trabalho, que não acompanha esse ritmo, sofre as dramáticas
conseqüências da mobilidade dos investimentos e da internacionalização do capital, isto é,
para novos objetos e funções, novos significados nos quais os agentes sociais representaram
as múltiplas faces da transformação que faria inaugurar uma nova etapa do homem,
marcada pelas aceleradas e ininterruptas alterações dos padrões de comportamento,
organização e funcionamento da sociedade. Santos (1997) corrobora com este pensamento
37
quando relata que a atual velocidade das transformações exige uma adaptação simultânea
por parte da sociedade, o não acompanhar este processo faz dos homens diariamente
ignorantes.
Segundo Cardoso (2000), nos dias atuais tem se vivenciado um período
semelhante, no qual esta dupla mudança está em curso e a compreensão deste cenário pode
ser entendida em três vertentes de periodização: uma primeira identifica uma ruptura com a
modernidade, na qual a pós-modernidade institui a diversidade e o pluralismo - em claro
confronto com o modelo cultural previamente dominante; uma segunda que a compreende
como ápice do processo de internacionalização do sistema capitalista; uma terceira corrente
procura identificar as interdependências entre uma nova fase de reestruturação tecnológica
e organizativa, que afeta formas de produção e gestão empresarial, e as condições
crescentes de globalização, configurando um período de transição que tem seu início na
década de 70, com o esgotamento do regime de acumulação fordista.
Estas três formas de compreensão deste momento, que alguns identificam como
pós-moderno, outros como ápice do movimento de internacionalização do capital ou ainda
como momento de transição da acumulação fordista para uma acumulação flexível,
expressam correntes de pensamento nos quais se identificam distintas formas de rupturas e
descontinuidades.
De um lado, uma nova fase de reestruturação tecnológica e organizativa que afeta
as formas de produção e gestão produtiva, com introdução da microeletrônica,
flexibilização da produção, transição para novas formas mais eficientes de produção,
mudanças radicais na gestão empresarial, renovação incessante e rápida dos produtos e
processos produtivos, identificação precisa do processo da segmentação da demanda e a
existência de nichos de mercado nos quais se trabalha a diferenciação de produtos numa
estratégia dinâmica. A estas mudanças estruturais se juntam as condições de crescente
globalização, com seu contexto caracterizado por: desregulação financeira, maior abertura
externa das economias e emergência de blocos econômicos como resposta às maiores
exigências de mercado, além das dimensões culturais do maior fluxo de informações
através da Internet e seu impacto econômico e social.
38
Estes dois movimentos - elementos materiais de inovação, de um lado, e elementos
culturais e de regulação política, de outro, identificam um novo cenário que não se reduz
apenas a uma dimensão de ápice de internacionalização do capital.
É evidenciada então uma transformação – material e cultural - que dá continuidade
ao processo de internacionalização do capital, mas que vai além de uma evolução histórica
do processo de concentração e centralização do capital, uma nova fase de acumulação,
cujos impactos em sua dimensão material e simbólica identificam distintos campos de ação
política, para além de uma política de Welfare State ou de estratégias de desenvolvimento
de capitalismo autônomo frente às relações de dependência.
O desenvolvimento deixa de ser desigual e combinado para se transformar em
fragmentado, no qual os fluxos econômicos passam por redes de competitividade que
excluem social e territorialmente. A perda de contigüidades territoriais e os movimentos de
desterritorialização colocam um campo de ação de integração e inclusão que é tanto social
quanto territorial. Para se contrapor a esta mobilidade territorial dos grandes grupos
econômicos é necessária uma ação integrada, capaz de articular territórios e grupos sociais
excluídos numa grande rede de solidariedade e cooperação.
O movimento em direção a uma economia global e o esgotamento do regime de
acumulação fordista caracteriza este período de transição. O neoliberalismo se constitui,
neste cenário, no ideário de um Estado mínimo que fragmenta, flexibiliza, desregulamenta
e precariza o mundo do trabalho, como se esta fosse a única forma de inserção dos Estados-
nação no mundo globalizado.
Para além do mercado e do Estado, as experiências de movimentos sociais e
governos populares têm reafirmado o caminho de construção de uma esfera pública
democrática. Esta ação de radicalização da democracia e de construção de uma esfera
pública democrática esteve nos anos de 1980 e 1990 diretamente ligada aos processos de
descentralização política.
No Brasil, os dois caminhos se contrapuseram. O projeto do governo federal que
desconcentrava e descentralizava administrativamente para os municípios a
responsabilidade pela ação na área social, mas não descentralizava recursos. Ao contrário,
trabalha até hoje um projeto de reforma tributária que concentra recursos nas mãos do
39
governo federal, se contrapondo a uma tendência de aumento de receitas estaduais e
municipais.
Um outro caminho de descentralização nasceu de movimentos sociais e se
consolida nas experiências de governos populares no plano municipal e estadual. As formas
de gestão participativa, com controle social e construção de uma esfera pública cidadã,
foram legitimadas e institucionalizadas a partir de experiências como o orçamento
participativo, a bolsa-escola, os centros de cidadania e as redes de acesso aos serviços
públicos. Mas os caminhos alternativos construídos na década de 1990 mostram que a
experiência não pode ficar restrita a modelos de gestão. O mundo do trabalho passa ser o
centro de atuação e ponto nodal na construção de qualquer caminho alternativo
(CARDOSO, 2000).
Em termos territoriais, o processo de globalização da economia se caracteriza pela
constituição de fluxos econômicos que excluem territórios a partir de: movimentos de
desestruturação e reestruturação do tecido produtivo e empresarial preexistente; mudanças
na direção de novas formas de produção mais eficientes, que concretizam a atual revolução
tecnológica e organizacional; alta volatilidade e mobilidade da produção, ciclos produtivos
cada vez mais curtos, que aumentam a vulnerabilidade das formas de produção tradicionais;
integração de grandes mercados; fortalecimento do setor das pequenas e médias empresas
vinculadas à grande empresa num esquema de terceirização, etc.
Como um contra-movimento à fragmentação territorial, renascem as identidades
culturais e políticas aos níveis regional e local. O território se configura em espaço e sujeito
dessa ação integrada de organizações econômicas de base popular. A análise de cenários e a
necessidade de políticas públicas nacionais que se oponham a este processo perverso de
globalização é o mesmo que nos leva a pensar o desenvolvimento de um território como
resultado de esforços endógenos, no qual a globalização não aparece apenas como uma
leitura ameaçante, mas como oportunidade de surgimento de novos sujeitos sociais, na qual
o território organizado se constitui num objeto de construção social e política que se
transforma em sujeito.
40
A organização do território que objetiva o desenvolvimento local deve ter como
ponto de partida o pacto territorial
4
que viabilize a associação de interesses promovida entre
os diversos atores, que se conservam independentes, com vista à obtenção de determinados
objetivos. Isto pressupõe a indicação de uma estrutura organizacional que conta da
constituição de um espaço de interação dos diversos atores e da construção de uma entidade
responsável pelo encaminhamento e implementação das diversas ações propostas.
Diversos formatos institucionais consórcios, câmaras, fóruns, agências - geraram
campos básicos de ação que exigem um conhecimento do território e de sua especificidade.
Uma ação de planejamento, integrando projetos corporativos e públicos e construindo ações
integradas territorialmente. No campo da democratização do acesso a oportunidades
econômicas e de mercado, abriram-se possibilidades para os estudos das cadeias produtivas
e das potencialidades de recursos locais.
Esta dimensão de conhecimento exige trabalhar a diferença entre a constituição de
bases de dados, a elaboração de informações e a produção do conhecimento sobre a
realidade local. A constituição das bases de dados territoriais tem uma referência em
análises de potenciais de atração de investimentos privados. Concentradas nos recursos
naturais, populacionais, econômicos, sociais e político-administrativos, procuram difundir
vantagens comparativas de determinado local. Estas bases de dados eram constituídas de
forma que o território fosse visto como objeto e não como sujeito do processo de
desenvolvimento. Tendo como referência a constituição de pólos de desenvolvimento e a
imposição de vocações, as informações eram selecionadas com base nas potencialidades de
concentração territorial e econômica de determinado local.
As experiências mais recentes de desenvolvimento local têm trabalhado com
metodologias de planejamento estratégico, mas nem sempre incorporando a visão
processual que integra lugares e fluxos de acumulação de processos sociais, que não podem
ser trabalhados com bases de dados apenas quantitativas e com informações defasadas no
tempo, produzindo desta forma, uma visão errônea do território. Assim, conhecer o
território significa analisar historicamente o jogo social dos atores, sua interatividade, a
4
Aqui a idéia de pacto territorial está associada ao processo de organização do espaço e às dinâmicas
estabelecidas pelas relações sociais, materializadas nesse espaço, como conseqüência de territorialidades
distintas e historicamente construídas.
41
cultura empreendedora, em síntese, o lugar e os fluxos materiais e imateriais que produzem
socialmente o território.
O debate em torno de políticas públicas frente aos impactos do processo recente de
globalização tem apresentado dois caminhos alternativos, que devem ser trabalhados de
forma integrada: o desenvolvimento local e a economia solidária. Ao lado das experiências
de desenvolvimento local têm ocorrido, nos últimos anos, uma renovação e uma
intensificação de ações econômicas alternativas, orientadas para introduzir relações de
cooperação e solidariedade no cenário de intensa fragmentação social e territorial.
A construção desta economia alternativa envolve não só as redes de economia
solidária que têm se constituído nestes últimos anos, mas também atividades e processos
que vão além do especificamente organizacional, acolhendo a noção de solidariedade e
distinguindo-se de um debate especificamente econômico.
O surgimento e o desenvolvimento destas organizações e experiências colocam
alguns dilemas cruciais: como pensar uma efetiva transformação democrática da economia
e quais as possibilidades de consolidação de uma economia solidária fundada em valores do
trabalho e cooperação?
Afirmar que desenvolvimento local é uma noção relativa se consolida na medida
em que uma intencionalidade de alteração de relações de poder no interior da economia
local. O desenvolvimento local se constitui numa estratégia territorial que se contrapõe as
visões de crescimento econômico mais tradicionais, centradas principalmente em setores
econômicos de ponta e nos lugares que são definidos como capazes de uma integração
competitiva aos mercados globais. Como centro de uma estratégia alternativa de
desenvolvimento e como noção relativa ao global, o local engloba distintas
territorialidades, ou seja, distintas ambiências produtivas e institucionais que exigirão
processos específicos de articulação de atores e de construção de identidades.
O desenvolvimento local expressa uma estratégia territorial diante do impacto de
fragmentação econômica e socioespacial gerada pelas novas redes e fluxos econômicos que
surgem nesta transição para um regime de acumulação flexível. Esta dimensão territorial se
expressa num caminho de construção social nos quais se desenvolvem formas distintas de
cooperação.
42
Os processos de desenvolvimento local mostram que a identidade territorial, assim
como a sinergia social, não deve ser entendida como algo que simplesmente existe devido a
uma determinada conjugação de fatores geográficos e circunstâncias, mas sim como algo
que é construído historicamente. Esta identidade surge como resultado de processos
políticos, sociais e culturais, que fazem com que os habitantes de um determinado território
consolidem a percepção do fato de que, apesar das diferenças e divergências que possam
ter, também têm fortes afinidades e muitos interesses em comum.
Assim, entende-se o local como qualquer porção territorial que se distingue a
partir de determinados elementos de identidade. Tais elementos de identidade podem ser,
por exemplo, físico-geográficos (uma bacia, um vale, uma chapada, uma cordilheira, o
entorno de um lago etc.); podem ser étnico-culturais (uma área habitada por imigrantes, por
populações indígenas, por remanescentes de quilombos, por nações sem autonomia política
etc.); podem ser sócio-econômicos (uma área definida pela existência de uma cadeia
produtiva), podem ser políticos (blocos de países, regiões, províncias etc.). Enfim, tais
elementos de identidade são elegíveis, quer dizer, dependem do critério de escolha do
“sujeito” que desenha o território. Todo desenho territorial é uma construção subjetiva, ou
seja, depende da ação de um “sujeito” que institui o território. Essa construção subjetiva
pode ser exógena (feita a partir de agentes externos) ou pode ser endógena (feita a partir
dos agentes locais).
Não se pode, todavia, tomar essa classificação de forma absoluta. Um território
pode ter seu processo de instituição iniciado de forma exógena, mas ter o seu “desenho”
legitimado pela população local, que dele se apropria e nele se reconhece. Por outro lado,
agentes locais despossuídos de representatividade e legitimidade, podem iniciar um
processo de instituição territorial supostamente endógeno, sem que consigam o
reconhecimento da população local.
Compreende-se, portanto, que a chave para a construção de um desenho territorial
que se traduza efetivamente numa unidade de desenvolvimento é o protagonismo local.
De Paula
5
(2005), em seu artigo “Território, redes e desenvolvimento” aponta para
O desenvolvimento como “um fenômeno que resulta das relações humanas. São as pessoas
5
Sociólogo, Gerente da Unidade de Desenvolvimento Local do SEBRAE Nacional.
43
que fazem o desenvolvimento. O desenvolvimento depende do sonho, do desejo, da
vontade, da adesão, das decisões e das escolhas das pessoas”
6
.
Portanto, pode-se até induzir um processo de desenvolvimento de modo exógeno,
mas ele se realiza de modo endógeno. Dizendo de outro modo, pode-se até mobilizar e
convencer as pessoas em torno de um projeto de desenvolvimento que foi concebido “de
fora para dentro” e “de cima para baixo”. Todavia, para realizá-lo, é necessária a adesão e a
participação das pessoas, quer dizer, elas vão precisar se apropriar desse projeto como se
fosse “seu”, como se fosse um produto construído “de baixo para cima” e “de dentro para
fora”.
Mas, se é assim, por que não ocorre desse modo desde sempre? Porque, na maior
parte dos casos, os planejadores e os tomadores de decisões não acreditam na capacidade
dos agentes locais de planejarem e gerenciarem seu próprio desenvolvimento. Por outro
lado, as pessoas, imersas em seu cotidiano, também não se reconhecem como protagonistas
de um processo autônomo de produção coletiva do seu próprio desenvolvimento.
No mesmo artigo citado o autor destaca, enfaticamente, a importância do
protagonismo local como um dos fatores responsáveis pela promoção de desenvolvimento:
Não há como promover o desenvolvimento sem estimular o protagonismo
local. Isso implica em alterar as condições que possibilitaram a
concentração do conhecimento, do poder e da riqueza, gerando, como
conseqüência, pobreza e exclusão social. Portanto, promover o
desenvolvimento significa promover mudanças: políticas, econômicas e
sociais (DE PAULA, 2005, sem paginação).
Neste sentido, desenvolvimento é também um processo de empoderamento
7
, de
ampliação da esfera pública, de transformação nas relações entre Sociedade, Mercado e
Estado.
6
DE PAULA, J.Território, redes e desenvolvimento. Disponível em: http://www.rededlis.org.br Acesso em:
14/06/2005.
7
O conceito de empoderamento vem associado na literatura à criação de estruturas independentes e auto-
geridas. De modo geral, o termo pode ser definido como a capacidade de determinado grupo ou indivíduo
controlar seu próprio ambiente, envolvendo não apenas o acesso a recursos materiais e o controle sobre as
decisões relevantes, mas também uma disposição psicológica compatível com o auto-governo (HANDLER,
apud BORGES, 2005).
44
Parceria entre Estado Mercado Sociedade, planejamento participativo, gestão
compartilhada, são modos diversos de dizer o mesmo: o desenvolvimento é um tema que
transcende todas as esferas de relacionamento humano e depende do conjunto das relações
sociais, não podendo ser determinado apenas pelos interesses específicos e particulares de
um ou outro grupo social isoladamente, por mais organizado e “empoderado” que seja.
Essencialmente, o desenvolvimento depende da radicalização e do
aprofundamento da democracia. A democracia não se esgota na escolha eleitoral dos
governantes. A equação da democracia não se resolve apenas pela resposta a respeito de
quantos participam das decisões (quem decide), mas também a respeito dos assuntos sobre
os quais se decide (o que se decide), as ocasiões em que se decide (quando se decide) e as
instâncias de poder (onde se decide).
Promover o desenvolvimento diz respeito a fazer escolhas e decidir sobre o futuro
das pessoas. Quem possui autoridade, representatividade e legitimidade para decidir sobre
isso? Os governantes? Os empresários? Os representantes da Sociedade Civil organizada?
Os liberais vão responder que são “os agentes do Mercado”. Os estadistas vão responder
que se trata de “um dever inalienável do Estado”. Os democratas devem ter uma só
resposta: desenvolvimento é uma tarefa de todos, pois o sentido do desenvolvimento é a
qualidade de vida das pessoas.
Convém considerar, entretanto, que a qualidade de vida das pessoas depende,
intrinsecamente, da capacidade de potencializar as competências que geram ganhos de
produtividade. Sem o incremento da produtividade, seja nas instituições públicas ou
privadas, não o crescimento da riqueza como um bem social capaz de gerar
desenvolvimento e prover o bem-estar coletivo.
O desenvolvimento é produto das relações sociais, portanto, depende da qualidade
dessas relações. Pode-se, portanto, pensar em relações sociais de dominação política, de
exploração econômica, de exclusão social, baseadas em estruturas verticais de poder, e
também pensar, em contraponto, em relações sociais de eqüidade política, de solidariedade
econômica, de inclusão social, baseadas em estruturas horizontais de poder.
O mundo contemporâneo tem testemunhado o surgimento e multiplicação das
redes como um novo fenômeno organizacional. “Redes” pensando em um tipo de
45
organização não-vertical e não-centralizada, na qual não há um centro de comando, mas, ao
contrário, cada núcleo participante é autônomo e capaz de tomar iniciativas.
No âmbito da economia, as redes de empresas facilitam fenômenos de interação,
articulação, cooperação e aprendizagem. O conhecimento tácito, aquele que não está
codificado e que consegue ser replicado pela convivência e pela troca de experiências, é
o responsável, em muitos casos, pelas inovações. Assim, muitas vezes, a inovação é
possível pelas relações de aprendizagem possibilitadas pelas redes. Além disso, infere-se
que a inovação é o principal fator de agregação de valor e de aumento da produtividade.
O desenvolvimento do território depende da construção e multiplicação das redes
de atores locais, redes de cidadãos, redes de protagonistas das mudanças políticas,
econômicas e sociais. As redes locais devem buscar conectar os atores mais importantes
para o planejamento e a gestão do desenvolvimento territorial: empresários, líderes
comunitários, líderes das organizações da sociedade civil; representantes políticos em todos
os níveis, representantes de instituições públicas e privadas que interferem nas políticas de
desenvolvimento.
Todo desenvolvimento acontece num determinado território, mas os territórios não
são iguais. Portanto, para cada território é necessário um modelo próprio de
desenvolvimento. Será sempre imprescindível considerar: as redes de atores locais; as
dotações naturais (recursos naturais renováveis ou não-renováveis); a infra-estrutura
existente; o capital humano (conhecimentos, habilidades e competências das pessoas); a
cultura empreendedora (níveis de auto-estima, autoconfiança, capacidade de iniciativa); a
capacidade de atrair investimentos; as potencialidades, vocações e oportunidades; as
vantagens comparativas e competitivas; dentre vários outros fatores. Para De Paula:
A combinação entre esses fatores, as heranças culturais, o ritmo das
mudanças, as dificuldades e obstáculos a serem enfrentados, o entusiasmo
e a adesão dos agentes locais, tudo vai variar, definindo uma configuração
única, singular, inimitável. Essa é outra razão pela qual podemos afirmar
que todo desenvolvimento é local, pois depende da relação entre múltiplos
determinantes, que não podem ser replicados ou reproduzidos em outra
circunstância (2005, sem paginação).
46
Assim, um olhar geográfico para esse debate, implica em não partir da idéia de
negação das transformações do trabalho no âmbito da organização espacial, mas acima de
tudo buscar ir além dos mitos recorrentes das relações deterministas entre redes e
sociedade, e entre redes e territórios. Ou seja, evitar o determinismo tecnológico presente
na maior parte das reflexões sobre sistemas técnicos existentes; o determinismo econômico,
revivido pela real ameaça que a globalização da economia coloca para os diferentes modos
de governo; e o determinismo sociológico presente, muitas vezes, na “tirania dos costumes
como explicação final para o desenvolvimento do mercado.
Assim, ao invés de priorizar a idéia de que a rede, em sua relação com o território,
desempenha um papel estruturante e determinista, vale pensar a rede como sugere Dias
(1996, p. 5) "como um sistema, como uma forma de organização e, no lugar de considerá-la
isoladamente, procurar sua relação com a urbanização, com a divisão territorial do trabalho
e com a diferenciação crescente que essa divisão introduziu entre nações, regiões e
cidades".
Além disso, nesse debate, espaço não deve ser concebido como um conjunto de
fluxos homogêneos, mas a partir da idéia da diversidade da dinâmica espacial estimulada
pela combinação ou confrontação da racionalidade econômica e das estratégias de atores
com muitos e distintos interesses territoriais.
Estes fatos denotam um momento, na atual dinâmica de desenvolvimento
capitalista, em que as redes técnicas são percebidas, afirmando crescentemente seu o caráter
essencialmente universal, na media em que elas provêm o mesmo serviço em todos os
pontos do território, homogeneizando-o quanto ao seu conteúdo cnico? Essa idéia
permite, então, identificar as redes como instrumento de desterritorialização. Uma outra
compreensão do papel das redes técnicas é aquela que atribui a elas um efeito estruturante
em relação ao território no que se refere à localização das atividades econômicas. Nessa
perspectiva, as redes constituem seletores territoriais, criando um espaço dual: territórios
com ou sem um serviço, conectados ou não pelas redes.
O movimento da sociedade, isto é, o movimento da totalidade (e do espaço)
modifica a significação de todas as variáveis constitutivas, também a do mbolo (...). Por
isso mesmo, a cada nova divisão do trabalho, a cada nova transformação social, há,
paralelamente, para os fabricantes de significados, uma exigência de renovação das
47
ideologias e dos universos simbólicos, ao mesmo tempo em que, aos outros, tornam-se
possíveis o entendimento do processo e a busca de um sentido (SANTOS, 1999, p. 103).
Assim, a realidade da interação entre redes e territórios contradiz os mitos da
desterritorialização e de um espaço dual, bem como aquele dos possíveis efeitos
estruturantes que as redes têm sobre os territórios. Todavia, as redes não o neutras quanto
à dinâmica territorial, elas tornam possível a criação ou o reforço da interdependência entre
os lugares, formando um sistema. A despeito do discurso quanto à universalidade das redes,
os mesmos serviços não existem em todos os lugares. As redes também não criam um
espaço dual, mas podem contribuir para a produção de desigualdades territoriais.
Neste sentido, a ilha do Mosqueiro, se apresenta como um espaço produzido a
partir de interesses, até certo ponto, alheios à realidade efetiva daquele local,
principalmente levando em conta, a produção de seu espaço e a relação desse processo com
o momento histórico-econômico de Belém, sem perder de vista o momento atual no qual
tem se revelado um distanciamento dessa relação de proximidade - socioeconômica - entre
Belém e Mosqueiro o que reflete na dinâmica do desenvolvimento socioespacial da ilha.
Resta, contudo, verificar em que medida essa relação de proximidade e determinação, um
processo histórico, tem se mostrado favorável ou não.
Não se pretende tratar de qualquer tipo de desenvolvimento, mas de um
desenvolvimento humano, social, que coloque no centro de suas preocupações a qualidade
de vida das pessoas, das que estão vivas hoje e daquelas que viverão no futuro.
Quem pode promover este tipo de desenvolvimento? As pessoas. O
desenvolvimento não é um resultado automático do crescimento econômico, é o resultado
das relações humanas, do desejo e da vontade das pessoas de alcançarem uma melhor
qualidade de vida para todos. Portanto, o desenvolvimento depende da adesão das pessoas,
da decisão de se colocarem como sujeitos sociais.
O desenvolvimento requer o crescimento dos conhecimentos, habilidades e
competências das pessoas. Não é possível existir desenvolvimento sem que as pessoas
desenvolvam suas potencialidades.
Hoje em dia fala-se muito em valores intangíveis, em formas de riqueza imaterial.
Não se compra apenas produtos. Na verdade, conceitos. Não apenas uma roupa. Um modo
de vestir, um estilo, uma atitude. Tudo isso depende diretamente da criatividade humana, da
48
capacidade de atribuir valor simbólico e subjetivo às coisas, de atribuir-lhes um novo
sentido, que vai além da sua simples representação material.
Também se fala muito do capital humano como principal fonte do valor. O valor
não está apenas nos bens físicos, mas, sobretudo nos bens intelectuais, nas tecnologias, no
conhecimento aplicado, nos softwares, no design, no marketing, etc. Portanto, a qualidade
do desenvolvimento depende da qualidade das pessoas.
Não é possível existir desenvolvimento sem organização, participação e
empoderamento das pessoas. Mas isso não vai acontecer se não houver confiança e
cooperação, se não se construírem redes de solidariedade e de ajuda mútua.
Hoje em dia fala-se muito em competição e competitividade, na sociedade e no
mercado, tudo se resolve e se explica pelo paradigma da competição. Fala-se em "lei da
selva", nas "leis do mercado", na "lei do mais forte". Não se trata de uma mentira, mas é
apenas uma meia verdade. Seja na natureza, na sociedade ou no mercado, aonde
aparentemente somente competição, pode-se descobrir que também existe muita
cooperação.
Trata-se de olhar a natureza, a sociedade e o mercado como são de fato: sistemas
complexos e dinâmicos. Todo sistema complexo e dinâmico é tanto mais sustentável
quanto maior for sua capacidade autocriativa, de auto-regulação e de adaptação às
mudanças. Diversidade, flexibilidade, interdependência, cooperação e parceria, são
condições de sustentabilidade dos sistemas complexos. Basta olhar com uma "visão
sistêmica", ou seja, olhar o todo, na sua complexidade e no dinamismo da relação entre as
partes, e constatar que nada está isolado, tudo faz parte de uma densa teia de relações, uma
grande rede.
Portanto, é essa trama, essa teia, esse tecido, essa rede de conexões, que quanto
mais forte, mais capaz será de gerar desenvolvimento.
Isso se torna ainda mais grave nos pequenos municípios. Faz-se necessário uma
verdadeira revolução cultural. Na maioria dos casos, ainda prevalece uma cultura de
dependência, submissão e subserviência que alimenta fenômenos como o coronelismo
secular.
As primeiras riquezas que os pequenos municípios perdem, quando uma rede não
é estabelecida de fato, são seus talentos, porque a falta de perspectiva futura leva as pessoas
49
mais empreendedoras a migrarem para outros centros urbanos, em busca de melhores
oportunidades, o que acaba privando os pequenos municípios das lideranças que poderiam
ajudar a reverter sua situação de estagnação.
Martins (2002, p. 52) alerta para a importância de haver um distanciamento da
idéia de desenvolvimento relacionada à “sedução do progresso” restrita a seus aspectos
materiais:
O termo desenvolvimento tem sido associado à noção de progresso
material e de modernização tecnológica. Sua promoção, mediante o
desrespeito e a desconsideração das diferenças culturais, da existência de
outros valores e concepções, teria funcionado como “Cavalo de Tróia”,
que, vestido da sedução do progresso, teria carregado em seu interior o
domínio e a imposição culturais que desequilibram e abalam as
sociedades.
Desenvolvimento associado a progresso material decorre de uma visão
positivista que só enxerga desenvolvimento no crescimento de taxas e indicadores
econômicos. “Também encontramos [sic] a crença do progresso linear e tecnicista,
características, aliás, do próprio modernismo" (HARVEY apud MARTINS, 2002,
p.52).
O verdadeiro diferencial do desenvolvimento local, ainda segundo Martins
(2002, p.52), “não se encontra em seus objetivos (bem-estar, qualidade de vida,
endogenia, sinergias etc.), mas na postura que atribui e assegura à comunidade o papel
de agente e não apenas de beneficiária do desenvolvimento. Isto implica rever a questão
da participação”. “Não se trata, contudo, de buscar tão somente o atendimento às
carências materiais, mas a identificação e a promoção das qualidades, capacidades e
competências existentes na comunidade e no lugar” (ROZAS apud MARTINS, 2002, p.
53).
Tal como Capra (1982, p. 410), aqui se acredita que um paradigma voltado
para valorização humana, está em andamento apesar das aparências. Contudo, “Não se
pode solucionar o problema da pobreza com o mesmo “marco teórico” que permitiu ou
ajudou na sua criação” (YUNUS apud MARTINS 2OO2, p. 53), isso requer uma visão
mais dinâmica da própria pobreza, a ser entendida como fato historicamente
50
determinado e como realidade sustentada por um conjunto de relações socioeconômicas
e políticas.
Neste ponto cabe então uma ampliação das variáveis a serem levadas em
consideração, quando os argumentos forem direcionados ao “desenvolvimento”.
Souza (2002) destaca que historicamente a idéia de “desenvolvimento” esteve
associada a aspectos econômicos, negligenciando fatores sociais e problemas
ecológicos:
As discussões sobre "desenvolvimento" têm se apresentado como
extremamente viciadas: vícios como economicismo, etnocentrismo,
teleologismo (etapismo, historicismo) e conservadorismo têm flagelado,
em combinações e com pesos variáveis, quase toda a literatura teórica
sobre o tema, que despontou após a Segunda Guerra Mundial. O usual, no
tocante ao assunto, ainda é tomar "desenvolvimento" como sinónimo de
desenvolvimento econômico, e mesmo a maioria das tentativas de
amenizar o economicismo (inclusive da parte de um ou outro economista)
não consegue ultrapassar o seguinte ponto: no limite, a modernização da
sociedade, em sentido capitalista e ocidental, é o que se entende por
desenvolvimento. Considerações sobre problemas ecológicos e sociais,
via de regra, não têm servido para outra coisa que meramente relativizar
ou suavizar o primado da ideologia modernizadora capitalista, sem
destroná-la e mesmo sem tentar questioná-la radicalmente (2002, p. 60;
grifos do autor).
“Desenvolvimento é mudança, decerto: uma mudança para melhor. Um
“desenvolvimento” que traga efeitos colaterais sérios não é legitimo e, portanto, não merece
ser chamado como tal” (SOUZA 2002, p. 61).
Não se pode sugerir que a concretização da mudança social, e, por conseguinte o
desenvolvimento cio-espacial, pela simples inserção de indivíduos no mercado de
trabalho. Muito pelo contrário, isto pode limitar as reflexões sobre as ações sociais. O que
se sugere é que a integração sócio-espacial pode/deve ser um dos muitos caminhos
existentes no processo de mudança social.
É para enfatizar a necessidade de se evitar a negligência que o autor citado tem
usado a expressão “desenvolvimento sócio-espacial”, em vez de simplesmente
desenvolvimento social. O desenvolvimento sócio-espacial reveste-se de uma mudança
social positiva, como um processo de superação de problemas e conquista de condições
51
(culturais, técnico-tecnológicas, político-institucionais, espaço-temporais) proporcionadoras
de maior felicidade individual e coletiva [exigindo] a consideração simultânea das diversas
dimensões constituintes das relações sociais (cultura, economia, política) e, também do
espaço natural e social (SOUZA, 2000).
É evidente que desse ângulo de abordagem, o crescimento econômico e o
progresso técnico são totalmente insuficientes como parâmetros definitórios (podendo, até
mesmo, ser antes parte do problema que da solução), pense-se, por exemplo, no
crescimento que se dá à custas de taxas ascendentes de degradação ambiental ou no
progresso técnico que se faz acompanhar pelo desemprego tecnológico e exclusão. Não se
está aqui, portanto descartando a importância dos aspectos econômicos e sua relação o
desenvolvimento, mas, sugerindo outras variáveis que, de acordo com Souza (2002),
compõem a complexidade do desenvolvimento:
Cabe, agora, salientar que, embora não se descure, aqui, a preocupação
com a viabilidade e a eficiência econômicas, a eficiência que já havia sido
mencionada como um objetivo meramente instrumental do planejamento
e da gestão urbanos, não se deve nunca ser considerada como um fim em
si mesma. Ela deve ser considerada simplesmente como um meio a
serviço da melhoria da justiça social e da qualidade de vida e somente
no caso de contribuir realmente para esses fins é que a eficiência
econômica poderá ser, a partir de uma perspectiva autonomista
8
,
considerada como moralmente legítima (SOUZA, 2002, p. 70-71, grifos
do autor).
Então, neste sentido, quaisquer avaliações sobre incrementos nos “níveis de
desenvolvimento” deveriam incorporar um processo de autonomia, apontando um caminho
que sugere reformular as avaliações e projetos implementados que se proponham a um
desenvolvimento de fato.
8
A idéia de autonomia, já fora citada anteriormente, contudo, cabe aqui de forma mais pertinente, a
explicitação de seu significado em função da associação feita de maneira direta à relação que esta tem com o
desenvolvimento, e principalmente o desenvolvimento sócio-espacial. Autonomia é apresentada por (SOUZA,
2002) como um processo de caráter individual e/ou coletivo, implementado a partir de aspectos como
qualidade de vida e justiça social concebidos em planos de relações diferentes: “a justiça social pode ser vista
como derivada da própria autonomia, ou como uma instância dela (...) a qualidade de vida [se mostra
diferente], uma vez que a liberdade em que se acha eventualmente embebido um processo decisório não é, por
si só, garantia alguma da que essas decisões serão acertadas e se traduzirão em melhor qualidade de vida”
(idem, p.66).
52
A pergunta inicial que se deve formular, diante da tarefa de avaliar os
impactos de uma intervenção realizada ou em curso ou de estimar os
prováveis efeitos da implementação de uma estratégia de
desenvolvimento, é, portanto, a seguinte: como e em que extensão a
intervenção ou estratégia em questão contribuiu, tem contribuído ou
contribuiria para maiores autonomia individual e coletiva? As demais
indagações, tais como de que modo e em que extensão a intervenção ou
estratégia em questão contribuiu, tem contribuído ou contribuiria para
maior justiça social? e como e em que extensão a intervenção ou
estratégia em questão contribuiu, tem contribuído ou contribuiria para
uma melhor qualidade de vida? devem ser vistas como estreitamente
associadas à primeira, e não pode, de maneira alguma, haver contradição
entre elas (SOUZA, 2002,p. 67; grifos do autor).
Segundo o mesmo autor, as respostas à essas indagações não devem estar
dissociadas de um caráter substantivo que lhes é próprio, isto é, o um construto, e como
tal abstratos, e devem estar subordinados a parâmetros gerais e particulares. Nas palavras
do autor:
Acresce que, uma vez que justiça social e qualidade de vida acham-se
vinculadas a diferentes esferas (a justiça social está relacionada com a
esfera pública, ao passo que a qualidade de vida remete, inicialmente, à
esfera privada), é preciso identificar duas classes de parâmetros
subordinados particulares. Exemplos de parâmetros subordinados
particulares associados à justiça social podem ser o nível de segregação
residencial, o grau de desigualdade sócio-econômica e o grau de
oportunidade para participação cidadã direta em processos decisórios
relevantes. Exemplos de parâmetros subordinados particulares associados
à qualidade de vida são aqueles relativos à satisfação individual no que se
refere à educação, à saúde e à moradia (SOUZA, 2002, p. 67; grifos do
autor).
As proposições feitas até aqui sugerem formas diferenciais de interpretação, e
consequente formulação, do que possa vir a ser desenvolvimento, tratadas a partir dos
referidos termos, como desenvolvimento socio-espacial. Estes encaminhametos reforçam a
importância da relação entre justiça social e qualidade de vida para se falar de
desenvolvimento efetivamente autônomo. A partir deste prisma, como pensar então, a ilha
do Mosqueiro, que historicamente fora organizada para ser um espaço de lazer?
53
1.1.3. TURISMO: o lazer a serviço do desenvolvimento!?
Historicamente, a ilha do Mosqueiro esteve associada ao lazer. Este fato
influenciou e influencia, sobremaneira, sua organização socioespacial. Nos dias atuais, o
poder público municipal tem desenvolvido projetos no sentido de potencializar os fluxos
turísticos em direção à ilha, com o objetivo de dinamizar, entre outros aspectos, os fluxos
econômicos que serviriam de suporte para uma população, que ao longo do processo
histórico se direcionou para a prática de atividades (principalmente o comércio) voltadas à
atender os interesses dos visitantes da ilha. Esta população atinge hoje aproximadamente
30 mil habitantes, dos quais cerca de 90%, dependem direta ou indiretamente de atividades
ligadas ao setor terciário
9
.
O turismo “corresponde a um conjunto de necessidades do ser humano relacionado
à fuga da cotidianidade, constitui uma tentativa de sair da rotina, de conhecer novos
prazeres, descobrir novos horizontes” (CARDOSO, 2000, p.41). Contudo, nos dias atuais o
turismo tem se apresentado não mais como uma necessidade individual. Inserido nas
relações de produção adquire novas dimenções. Segundo Ruschmann (1991), este novo
momento no turismo reside, em sua extensão, na multiplicidade de viagens, no lugar que
ocupa na vida das pessoas, na expressão de necessidades coletivas dos novos modos de
vida social e não apenas de necessidades individuais.
Esta expansão se faz sentir nos números divulgados em relação às atividades
turísticas ao redor do mundo. Segundo Mendonça esses números têm chamado a atenção
dos adeptos do turismo, mas as análises devem ir além dos números. Já que, o turismo tem
sido, em função dos próprios números, considerado uma indústria e assim como os demais
setores da economia moderna, depende da apropriação e exploração da natureza e das
sociedades locais.
9
Informações obtidas durante entrevista realizada em Dezembro de 2005, em conjunto com a equipe do
Projeto de pesquisa Redes de infra-estrutura, Turismo e Desenvolvimento Sócio-espacial: uma análise da
formação histórico-territorial da ilha do Mosqueiro, do Departamento de Geografia da UFPa DEGEO, com
a Atual Agente Distrital de Mosqueiro, a Senhora Maria da Glória. Naquele momento estariam sendo
efetuados, por parte da Prefeitura Municipal de Belém, levantamentos para a sistematização dos números
referentes aos aspectos populacionais e socioeconômicos da ilha.
54
Estas reflexões são muito importantes, pois se contrapõem aos entusiastas
do turismo que estão fascinados com a idéia de que hoje esta atividade
movimenta, no mundo, 3,4 trilhões de dólares por ano, empregando cerca
de 212 milhões pessoas. (...) As projeções o ainda mais alentadoras,
pois se espera para a próxima década a criação de 338 milhões de
empregos movimentando 7,2 trilhões de dólares (MENDONÇA 2001, p.
19).
Certamente, os meros associados a atividade turísticas sugerem um potencial.
Contudo, cabe entender de que forma a contextualização do turismo no cenário das relações
sociais capitalistas implica na vida econômica, social, política, cultural e nos ecossistemas
dos lugares, nos quais essa atividade é desenvolvida com maior intensidade.
Mendonça (2001) destaca que o distanciamento e o descompromisso do homem
moderno em relação à natureza não se expressam apenas sobre o meio natural, mas sobre
outras naturezas, a das relações socioculturais e a das relações individuais. Como poderia
então o turismo, enquanto atividade econômica, estar relacionado a esse contexto?
Souza (2002) destaca que a literatura científica tem negligenciado a importância
do turismo. Isto poderia ser explicado pelo significado diferenciado que esta atividade
assume em cada país, região, cidade, etc. Mas, esta complexidade, deveria garantir ao
turismo muito mais que uma posição subalterna na reflexão teórica do desenvolvimento.
que:
(...) o turismo de massa possui não apenas um grande significado
econômico em muitos casos (fonte de renda e divisas), mas também
exerce impactos outros igualmente relevantes, notadamente sobre a
cultura e o espaço (natural e, ou, social) da área receptora dos turistas.
Atividade complexa, de importância crescente e de significativo potencial
de impacto (positivo e negativo) sobre as relações sociais e o ambiente
(...) (SOUZA, 2002, p. 17).
O mesmo autor sugere que qualquer análise no sentido de mensurar a relação entre
desenvolvimento e turismo deve levar em conta a complexidade dessa atividade e ser
reticente a qualquer generalização, isto é, “cada situação concreta acarretará uma situação e
um julgamento diferentes” (SOUZA, 2002, p. 19).
55
Tendo em vista a complexidade das atividades turísticas, o referido autor aponta
algumas indagações necessárias para evitar imprecisões nas análises das correlações entre o
turismo e o desenvolvimento:
No que concerne aos elementos metodológicos relevantes para a reflexão
sobre o significado do turismo para o desenvolvimento, um aspecto
fundamental é o que se expressa através da seguinte pergunta: quem
ganha (ou tende a ganhar) e quem perde (ou tende a perder) com essa
atividade? A população da área de origem dos turistas? Os turistas? A
população de área de destino dos turistas? (SOUZA, 2002, p.19).
Quando se trata da população de origem dos turistas, percebe-se que não se
manifesta de maneira clara a relação entre perdas e ganhos em função da heterogeneidade
nela presente, isto é, não é a “população” de forma geral quem ganha, mas, sobretudo
alguns grupos de seu interior. Se por um lado, ela perde o dinheiro que os turistas deixam
de lá gastar, por outro ela pode “ganhar” com o fato dos turistas realizarem certos impactos
negativos como a exploração sexual de menores e a degradação ambiental, em outros
lugares.
Quem se desloca, os turistas, obviamente são beneficiados, caso contrário a análise
custo/benefício embutida em sua decisão não estimularia este deslocamento, ao menos do
ponto de vista físico.
Quando se trata da área de destino dos fluxos turísticos a relação de quem perde e
quem ganha torna-se novamente complexa dada às diversidades sociais, econômicas e
culturais internas, potencializadas pela presença do “outro”, do turista.
“População” e seus derivados, como “população local”, são categorias muito
pouco operacionais, pois sugerem uma homogeneidade objetiva e de interesses onde não há
homogeneidade. Com efeito, certos grupos ou segmentos podem lucrar até mesmo com o
turismo predatório (ou, às vezes, justamente graças a ele: é o caso, não raro, do capital
imobiliário, assim como de agenciadores de menores prostituídas). Enquanto outros grupos
podem ver-se seriamente prejudicados e ter suas estratégias de sobrevivência e acesso aos
recursos vitais seriamente ameaçados.
Precisamente a consideração da escala local (sem esquecer, é claro, a contribuição
de agentes e processos que operam em outros níveis) é, a esse respeito, esclarecedora, pois
56
quanto mais frágil (socioeconômica e politicamente) é um grupo, maior tende a ser sua
dependência das relações e dos recursos de base local.
Em contraste, os grupos de interesses mais poderosos podem ser mais facilmente
indiferentes aos impactos negativos locais de um turismo predatório – seja por disporem de
maior mobilidade espacial e capacidade de relocalização, seja por sua facilidade de se
associarem aos interesses exógenos operando em nível regional, nacional ou mesmo global
(SOUZA, 2002).
A tentativa de compreender a relação entre quem ganha e quem perde com o
turismo, sugere uma análise que perpassa pelas relações diferenciadas do “todo” envolvido
no processo turístico. Dessa forma, verificar em que medida o lazer está a serviço do
desenvolvimento (sócio-espacial), é mensurar as relações entre os agentes envolvidos no
processo, isto é, o Poder Público, a população local, os empreendedores turísticos e o
próprio turista.
O desenvolvimento cio-espacial pressupõe que uma coletividade tenha
autonomia para gerir os seus destinos (ou seja, eleger, ela própria e conscientemente as suas
prioridades e os meios para concretizá-las). Até mesmo para disciplinar o turismo conforme
seus interesses e suas necessidades. Contudo, vale repetir, a população é heterogênea, e
existe uma disparidade enorme nas relações de poder. Autonomia então de quem? Se a
maioria da população não puder participar livremente da gestão dos recursos sócio-
espaciais de seu município, o turismo (e outras atividades) dificilmente corresponderá às
suas expectativas. Portanto, o turismo sem autonomia, dificilmente tenderá a trazer um
desenvolvimento sócio-espacial duradouro (SOUZA, 2002).
Os argumentos expostos até aqui mostram, dentre outros fatores, que não é
suficiente para o bom êxito de qualquer atividade, no plano econômico ou social, apenas a
existência de um fluxo ou de uma demanda. A potencialização desses fatores está associada
à organização de uma série de variáveis, isto é, requer certo planejamento.
Nas ciências humanas em geral, não definições precisas como as que existem
nas ciências exatas. As leis da física ou da química só têm uma forma e sair delas é correr o
risco de mudar o conteúdo. Ao trabalhar com conceitos que refletem as dinâmicas sociais, o
conteúdo pode ser transmitido de muitas formas.
57
A literatura trás diversos conceitos do que venha a ser planejamento. Conceitos
equivalentes e/ou complementares que trazem em comum a idéia de complexidade e de
ações voltadas para o futuro:
Sistema de idéias organizado racionalmente para determinar o que fazer
depois de examinadas as circunstâncias concorrentes; Processo de
determinação de objetivos e meios para a sua consecução; Modelos
normativos de teorias operacionais; Mecanismo orientado para o futuro;
Projeto de um futuro desejado e dos meios efetivos para torná-lo
realidade; Processo contínuo de pensamento sobre o futuro, de
determinação de estados futuros desejados e de cursos de ão para que
tais estados sejam alcançados (BARRETO, 2003, p. 13; grifos do autor).
Segundo Barreto (2003), o planejamento é uma atividade, não é algo estático, é um
devir, um acontecer de muitos fatores concomitantes, que têm que ser coordenados para
alcançar um objetivo que está em outro tempo. Sendo um processo dinâmico, é lícita a
permanente revisão, a correção de rumo, pois exige um repensar constante, mesmo após a
concretização dos objetivos.
Com base em uma abordagem mais economicista, o planejamento parece
simplificar-se. Seria a administração racional, isto é, o “processo de distribuição ótima dos
recursos e dos meios tendo em vista objetivos dados” (CARDOSO apud LAFER, 1973, p.
161).
Pensar estratégias de planejamento para o turismo implica não apenas em garantir
a circulação de dinheiro, a construção de infra-estrutura e a implantação de serviços de
apoio sendo administrados. Um bom planejamento de turismo requer uma profunda
pesquisa social (BARRETO, 2003 p. 13).
O termo planejar é utilizado cotidianamente como sinônimo de pretensão: “o que
você planeja fazer no fim-de-semana?” O planejamento científico, contudo, assume outra
conotação em função da utilização de métodos que permeiam e orientam a coordenação das
variáveis envolvidas no processo (BARRETO, 2003, p.14).
Quando se trata de planejar ações derivadas de agrupamentos humanos, deve-se
compreender toda a complexidade dessa abordagem, e aceitar que o planejamento deve
corresponder às expectativas da sociedade como um todo. E isto se aplica ao turismo.
58
As formas de ingerência do Estado, o intervencionismo e o dirigismo, podem
causar alguma confusão sobre a existência ou não de planejamento (KAPLAN apud DIAS,
2003, p.89).
Dias (2003), argumenta que intervencionismo e dirigismo interferem, pois:
O dirigismo fundamenta-se e atua segundo idéias e procedimentos gerais
e articula-se numa política econômica unificada. Estabelece intensa
regulamentação, impedindo quaisquer modificações estruturais. E a
ingerência do Estado é sistemática e orientadora. (...).
O intervencionismo, por sua vez, não age sobre as causas, mas sobre
algumas conseqüências do processo socioeconômico. A ingerência do
Estado não é sistemática, nem orientadora (2003, p. 89).
Todo e qualquer tipo de planejamento é um instrumento de poder significativo.
Pois, a escolha de um dos cenários futuros, pode estar ligada a interesses pessoais ou de um
grupo de pessoas (DIAS, 2003).
Pode-se afirmar que o fenômeno do poder é indissociável do conceito de
planejamento, pois toda a elaboração de um plano envolve um contínuo processo de tomada
de decisões que afetarão em maior ou menor grau um conjunto de pessoas (CINTRA,
1978).
Segundo Weber (1991, p.33) o poder é caracterizado como “toda a probabilidade
de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o
fundamento dessa probabilidade”. A essência da atividade do planejamento é justamente
impor determinada opção de desenvolvimento ao conjunto de uma sociedade.
A técnica do planejamento legitima um poder, pois aquele que a utiliza
impõe a sua vontade ao inferir na vida das pessoas e direcionar as suas
atividades, entre outras possibilidades (DIAS, 2003, p.89).
O referido “poder” está manifesto na organização do espaço e na dinâmica
socioeconômica da ilha, refletidas na paisagem, e emana historicamente de outras partes da
Região Metropolitana de Belém - RMB, atuante no sentido de construir um espaço voltado
para o lazer, para o direcionamento dos fluxos turísticos.
59
A paisagem como uma construção do olhar do observador é um mosaico de
representações refletindo o aspecto cultural e simbólico do espaço. Portanto, a paisagem é
fragmento de uma totalidade do espaço e um bem cultural, sendo desde logo, uma
concepção híbrida e construída socialmente devendo então refletir a realidade local.
No turismo o valor simbólico e as representações de tal ou qual grupo, passam a
possuir um valor econômico, pois na configuração atual da sociedade, a relação com o
mercado permeia a existência de pessoas e objetos. Santos analisa os aspectos sociais destas
relações mercadológicas, quando escreve que em lugar do cidadão formou-se um
consumidor, que aceita ser chamado de usuário (SANTOS, 2000, p.126).
Pode-se inferir então que o aparecimento do fenômeno turístico reorganiza o lugar,
redimensionando as esferas econômicas, políticas e socioculturais e afetando sobremaneira
a sua organização espacial. Contudo, mesmo com uma intensificação dos fluxos, a
identificação continuará. Isto é, tal espaço sempre vai ser um lugar. Porém, sob a análise
dos de fora, dos visitantes, a paisagem e as relações sociais, que foram decodificadas ali,
por não terem estes a vivência e a identificação afetiva, que caracterizaria como um lugar
este local faz dele território.
Segundo Raffestin, o território é fruto do espaço, ou seja, gerado a partir do
espaço, “como resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático seja a que nível
for. Apropriando-se concretamente ou abstratamente de um espaço, o ator “territorializa” o
espaço” (RAFFESTIN 1993, p. 129).
Para Tuan (1983), o espaço configura-se como porções de ambientes terrestres
passíveis de serem transformados em lugar mediante ao trabalho do homem, o uso, a
ocupação e a significação social. Isto significa dizer que os espaços que vão sendo
ocupados por um grupo social são decodificados e recebem qualificadores e significados
advindos de sua cultura.
Desta forma, uma análise da paisagem do espaço urbano da ilha do Mosqueiro
mostra que o lugar dos índios Tupinambá, dos pescadores, da prática do moqueio, foi sendo
delimitado pelo território dos moradores da RMB, tornando-se o lugar dos pequenos
comerciantes da beira da praia, dos caseiros, jardineiros, das vendedoras de tapioca e etc.
Teria então esta estruturação contribuído para a promoção do desenvolvimento sócio-
espacial da ilha?
60
2. O PROCESSO HISTÓRICO DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO EM MOSQUEIRO
A ilha do Mosqueiro localiza-se na costa do rio Pará, braço sul do rio Amazonas,
de quem recebe a influência dos fluxos das marés, os quais incidem ao norte pela Baía do
Sol, à leste pelo Furo das Marinhas, à oeste pela Baía de Santo Antônio e ao sul pela Baía
do Guajará e Furo do Maguari. Discutir a produção e organização do espaço de Mosqueiro
é sem dúvida procurar entender em que medida este processo foi influenciado pelo
Município de Belém. Contudo, esta formulação sugere uma indagação, o Arquipélago de
Mosqueiro não é parte integrante do município de Belém? De direito sim, isto é, desde 26
de Fevereiro de 1901, pela Lei nº. 753, Mosqueiro é parte integrante de Belém enquanto um
Distrito Administrativo (ver figura 01 p. 62).
Contudo, parte da população local não comunga da mesma formulação, fato que
pode ser verificado a partir de um simples diálogo com um morador do local, no qual se
percebe que as referências feitas à Belém remetem a algo que lhe é exterior, distante, não só
fisicamente, mas cultural e economicamente, ou seja, este morador não se identifica como
integrante do Município de Belém
10
.
Por repetidas vezes a referência feita, por parte dos moradores locais aos turistas
era “esse pessoal que vem de Belém pra cá”; ou “nossa renda depende do número de
pessoas que vem de Belém”; reforça a idéia de que Belém é algo exterior, ou uma realidade
da qual ele não faz parte.
O resgate histórico feito por Meira Filho (1978) permite compreender bem a
organização política e econômica no processo de produção do espaço de Mosqueiro,
quando através da recuperação de documentos e cartas, que datam do período colonial, vem
mostrar que os fluxos daquele período influenciaram práticas que estão relacionadas, dentre
outros fatores, com a origem do próprio nome do lugar.
Os levantamentos cartográficos feitos por ele identificam que as primeiras
referências feitas à ilha, que hoje se convencionou chamar de ilha do Mosqueiro, datam de
1666. “Na cartografia doPará até o rio Tury”, João Teixeira Albernaz especifica os
lugares de: Maracana, Cauritaba, Separara, Província dos Tupinambás (é nessa região que
10
Essa impressão foi construída a partir de conversas informais com moradores locais, durante o transcorrer
da pesquisa no período de férias escolares e/ou fins-de-semana prolongados.
61
48º 32’ 00’’W
48º 18’ 00’’W
1:182125
0
3643 m
1º 31’ 00’’S
Fonte: Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém - CODEM
FIGURA 01 – Belém/ Distritos Administrativos
1º 03’ 00’’S
48º 32’ 00’’W
48º 18’ 00’’W
62
se inclui ilha do Sol e a ilha do Mosqueiro), Ponta do Mel, cidade de Belém, (R: Guamá,
etc.)” (idem p. 25).
Ainda segundo Meira Filho, as referências mais antigas que se tem em relação à
denominação “Mosqueiro” datam de 1680 e estão associadas ao ponto extremo ocidental da
ilha, a “Ponta do Mosqueiro” (1978, p. 26-27).
Não é fato novo a importância das populações nativas no processo de colonização
do território brasileiro, e vem daí, segundo Meira Filho (1978), a origem do nome
“Mosqueiro”, das práticas indígenas da conservação de alimentos, o “moqueio”, que a
partir de um processo de linguagem, a corruptela que modificaria, através dos tempos, a
expressão de “moqueio” para “Mosqueiro”:
É muito claro entender-se que, para a remessa do peixe ou da caça para
consumo da sede da Colônia, na época, somente um processo "de
conservação se conhecía e de origem indígena: o moqueio. Costumavam
os nativos conservar os animais putrecíveis por um processo primitivo,
colocando a carne da caça ou o peixe sem as entranhas, em fumeiro
próprio, de calor brando, sobre o moquém, espécie de grade ou trempe
própria para essa curiosa operação. Sob o calor do fogo que sobe e atinge
o produto a moquear, aos poucos, ele finda por tostar o material,
conservando-o perfeito por longo tempo, sem qualquer perigo de
putrefação. (...) Foi dessa operação curiosa e por todos os títulos
admissível, que o lugar, a ilha paralela e irmã da “do Sol” passaria a ser
“ilha do Moqueio”, destinada ao moqueio do peixe, transportado para
negócio na colônia. (...) O habito singular de os pescadores e lavradores
residentes em sua circunvizinhança, sobretudo, na "Ilha do Sol", de
denominá-la "Ilha-do-Moqueio", o correr dos anos, talvez, dos culos,
faria com que esse nome sofresse um processo de linguagem, a
corruptela que modificaria, através dos tempos, a expressão de moqueio
de moquear, em Mosqueiro. E a velha ilha dos tupinambás que
permaneceria "do Sol", depois "Colares", testemunha de grandes fastos
de nossa história, teria em sua vizinha ao poente, a base fundamental de
seu negócio no mosqueio do peixe colhido nas águas revoltas da baía do
Marajó que, ao lado da baía do Guajará, compõe o abrigo desse renque
de ilhas que fazem do nosso estuário, um dos mais belos do mundo, não
fosse ele já o maior em suas coordenadas(1978 p. 31-32; grifos do autor).
As mais antigas referências acerca de seus primeiros habitantes apontam os índios
Tupinambás da Ilha do Sol, e os índios Morobira da aldeia de Mortiguara, que assim como
as demais tribos do resto do país foram explorados pela penetração dos portugueses,
63
prestando serviço na exploração das drogas do sertão, edificações urbanas, caça, pesca,
trasnsporte fluvial e outros. (CARDOSO, 2000, p.75).
Nos dias atuais não seria correto falar de Belém sem ao mesmo tempo se estar
falando do arquipélago do Mosqueiro, já que, o que fora antes parte da Freguesia de
Benfica, hoje é um Distrito Administrativo do município de Belém.
Primitivamente, as terras da Ilha do Mosqueiro pertenceram à Freguesia
de Benfica e, como "distrito dessa freguesia, abrangiam em seus, limites
terras da Ilha, da costa e da ilha de Caratateua ou Caratatuba". Esta última,
nesse tempo, era parte do Mosqueiro, daí sua integração nabárea dirigida
pela freguesia de Benfica.
Os registros daquela época que fixavam as concessões dadas no Império
datam de 1855 todos efetuados em Benfica, de acordo com a Lei 601
de 18 de setembro de 1850 e nos termos do Regulamento que baixou com
o Decreto 1318 de 30 de janeiro de 1854. As terras da Província eram
concedidas, como devolutas, em função dessa determinação legal, razão
por que, nesse ponto, teremos que encarar os domínios propriamente ditos
do Mosqueiro, como parte integrante da antiga freguesia de Benfica. a
partir da vigência do Decreto nº 410, de 8 de outubro do 1891 e da Lei
82, de 15 de setembro de 1892, já no período republicano, os Registros de
Terras passaram a ser promovidos no Mosqueiro.
Esse novo processo nas concessões das terras devolutas, agora, do Estado,
foi uma decorrência da Lei 753 de 26 de fevereiro de 1901, baixada
pelo Governador Augusto Montenegro.
Nesse ato, passou a llha do Mosqueiro, a ser um Distrito da Capital, o
que Belém nesse tempo, ganharia nos primeiros dias da República (grifo
nosso). Assim, a Intendência em mãos do notável António José de Lemos,
incorporaria todo esse patrimônio e mais o do "Pinheiro" constante da Lei
nº 712 de 2 de abril de 1900. Em decorrência desse ato governamental, foi
baixado o Decreto 1.109 de 14 de janeiro de 1902, determinando que
fossem recolhidos ao arquivo municipal todos os livros e documentos
referentes aos terrenos ocupados pelo Distrito do Mosqueiro (MEIRA
FILHO, 1978, p. 37-38).
Belém tem uma paisagem diferenciada em relação a muitas cidades do território
nacional em função da importância das ilhas na definição de suas configurações espaciais
(MOREIRA apud CARDOSO, 2000).
Nenhuma cidade brasileira apresenta tão grande número de ilhas, como Belém.
São cinqüenta e cinco, das quais, apenas vinte e cinco são identificadas nominalmente e
configuram a Belém insular, abrangendo dois terços do território jurisdicionado ao referido
município (CARDOSO, 2000 p.68).
64
No geral, a importância das ilhas não se restringe apenas ao fato de configurarem
e delimitarem a cidade, como também por constituírem fontes de suprimento da cidade. As
práticas econômicas e a regulamentação das terras enquanto partes integrantes do
Município de Belém começariam a dar uma formatação à ilha do Mosqueiro.
A paisagem de Mosqueiro em 1885 era composta por: “40 casas de telhas,
algumas de palha, dispostas em uma larga praça e duas ruas; igreja, pequena, cemitério e 3
casas de negocio, 2 escolas públicas, 2 padarias, uma foguetaria, 500 habitantes na
povoação, pouco mais ou menos, 1 engenho de cana movido a vapor, 4 olarias” (BAENA
apud MEIRA FILHO, 1978, p.40).
O primeiro transporte oficial que aproximaria a Vila das praias do Chapéu-Virado
fora um ferro-carril que data de 10 de janeiro de 1904, este fato fazia com que os visitantes
vindos de Belém em seus momentos de lazer, passassem pela Vila, direto em direção às
praias.
O caminho fluvial entre a capital e a Vila crescia durante os anos. Inicialmente
seria privilégio dos próprios moradores da Vila e de pescadores, bem como, de
embarcações que atendiam aos interessados em conhecer o “repousar” nas distantes
localidades da ilha sem disciplina de horários ou de seleção dos meios mais práticos para se
chegar a Vila.
O Mosqueiro tornar-se-ia, durante um longo período, abrigo de raras
personalidades estrangeiras que procuravam, ali, respirar melhor e
deleitar-se com as belezas do lugar. Poucos nacionais, paraenses, mesmo,
deixariam Belém em busca das praias da Ilha (...) Somente mais tarde,
influenciados pela preferência dos técnicos ingleses, franceses e alemães
que, pelos hábitos europeus, escolhiam o Mosqueiro para seus “week-
end”, a nossa gente seguiria os seus passos, conquistando e descobrindo
suas maravilhas (MEIRA FILHO, 1978).
As obras de eletricidade, e de transportes internos, contratados com os ingleses da
"Pará Electric Railways Company"; a construção do cais do Porto, também, pelos
britânicos; o trabalho da Companhia das Águas do Grão-Pará, empresa da Inglaterra; os
serviços de esgotos, a usina de gás, a "Pará Telefone", a "Amazon River" junto à "Port of
Pará", aliados às atividades oficiais construindo o novo matadouro público, no Maguari, a
65
usina de lixo, seriam investimentos públicos que meio estava exigindo para o
desenvolvimento do Estado (MEIRA FILHO, 1978).
Meira Filho alerta que vem desse momento, de construção de grandes obras, a
“descoberta” de Mosqueiro como balneário:
Da presença alienígena, ganharia a llha do Mosqueiro seus mais fortes
frequentadores. Alemães, ingleses, franceses, americanos, servindo nessas
instituições, necessariamente, procurariam nos momentos de lazer, lugares
sadios e pitorescos nos arredores da capital, para o merecido repouso
semanal.
Paralelamente, a sociedade belemense, pela sua elite, haveria uma natural
adesão a esse movimento. Comerciantes portugueses, libanezes e
hebraicos, igualmente caminhariam no mesmo sentido.
Vem desse movimento a "descoberta" do Mosqueiro como balneário. Os
barcos novos da Companhia Inglesa permitiriam acesso mais eficiente
entre a Ilha e a capital. Muitos dos possuidores de belas residências no
Chapéu-Virado, estariam mais frequentemente gozando das delícias de
praias silenciosas, que o Mosqueiro ostentava, galhardamente e, em certo
sentido, as mais próximas de Belém. Houve época em que os ricos
industriais e comerciantes davam-se ao cuidado e ao luxo, até certo ponto
justos, de construir trapiches em frente às suas mansões e, disso, guarda
historicamente, o Mosqueiro, aquilo que denominavam de "porto",
próprio e especial para a atracação de lanchas velozes, então, surgindo na
cidade e que se destinavam a levar nossos primeiros veranistas, às praias
da Vila e as do Chapéu-Virado, preferencialmente (1978, p. 45-46; grifos
do autor).
Pode-se deduzir, a partir das escassas informações, que essa situação se manteria
sem alterações significativas, até porque, a derrocada do ciclo da borracha deixou a região
num marasmo em que o máximo observado era a manutenção do que havia sido construído
na bellé époque (CARDOSO, 2000, p.79).
A partir deste ponto pretende-se deixar clara essa relação Belém/Mosqueiro, como
partes integrantes de um todo político-territorial, mas com diferenças que desqualificam
esta determinação.
As formulações de Santos (1996) sugerem que espaço pode ser concebido como
sinônimo de espaço produzido, natureza transformada pelo homem, fruto das relações
sociais, influenciadas por um sistema de objetos e um sistema de ações. Para Souza (1995),
espaço é produto e meio das relações sociais mediadas pelo trabalho. Engendrar uma
66
discussão relacionada ao espaço é também falar das relações territoriais, de poder, e remete
à idéia de um poder simbólico.
Bourdieu (1989, p.112) distingue as representações mentais das representações
objetais – estas externalizadas em coisas: emblemas, bandeiras, insígnias; ou em atos:
estratégias interessadas de manipulação simbólica. É necessário, pois, esclarecer que a ação
dos grupos investidos de poder, isto é, capazes de exercer a dominação, não é o efeito
direto e simples da ação protagonizada por aquela categoria a que a teoria marxista chama
de “classe dominante”, detentora do poder de coerção; mas a “dominação é o efeito indireto
de um conjunto complexo de ações que se engendram na rede cruzada de limitações que
cada um dos dominantes, dominado pela estrutura do campo através do qual se exerce a
dominação, sofre da parte de todos os outros”.
Desta forma, os elementos que constituem a identidade do lugar e, por conseguinte
do símbolo, em se tratando dos espaços mencionados até aqui, parecem bastante diferentes.
Santos (1994, p.20) afirma que “é pelo lugar que revemos o mundo e ajustamos nossa
interpretação, pois nele o recôndito, o permanente, o real, triunfam afinal sobre o
movimento, o passageiro, o imposto de fora”, definindo o “lugar” como a extensão do
acontecer homogêneo ou do acontecer solidário e que se caracteriza por dois gêneros de
constituição: uma é a própria configuração territorial; outra é a norma, a organização, os
regimes de regulação”. O lugar, portanto, contraria a "globalização doentia”, pois, afirma
Santos (2000), é no lugar que o mundo se torna veraz e proporcionador de esperança,
enquanto o mundo global, através de uma organização perversa”, torna-se “o lugar da
falsidade e do engodo. Se o lugar nos engana, é por conta do mundo”.
Os fixos e fluxos que marcam a paisagem de Mosqueiro, em sua maioria, diferem
dos de Belém. Quando uma aproximação, esta é demandada pelos fluxos de Belém, a
saber, os fluxos de “turistas” ou moradores de segunda residência que aos fins-de-semana
e/ou feriados prolongados dirigem-se àquele espaço em busca de lazer. Parte considerável
daquele arquipélago ainda vivencia outros fluxos, alterados nos momentos de
determinação dos fluxos belenenses e pela relação de dependência estabelecida ao longo do
processo histórico.
Santos (1996, p.50), afirma:
67
(...) dissemos que a geografia poderia ser construída a partir da
consideração do espaço como um conjunto de fixos e fluxos... os
elementos fixos, fixados em cada lugar, permitem ações que modificam o
próprio lugar, fluxos novos ou renovados que recriam as condições e as
condições sociais, e redefinem cada lugar. Os fluxos são um resultado
direto ou indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos,
modificando a sua significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que,
também, se modificam. É, pois, a interação de fixos e fluxos juntos, que
expressa a realidade geográfica. [Segundo Santos, foi assim em todos os
tempos], que hoje os fixos são cada vez mais artificiais e mais fixados
ao solo; os fluxos são cada vez mais diversos, mais amplos, mais
numerosos, mais rápidos.
Estes fatos recrudescem a idéia de não-pertencimento na mentalidade dos
moradores de Mosqueiro. Estes argumentos podem ser constatados em uma visita a uma
das 35 ilhas que compõem aquele arquipélago, estas se apresentam bem mais diferenciadas
em relação à Belém. Os moradores das ilhas menores do arquipélago chegam a nem mesmo
se identificar enquanto moradores de Mosqueiro, Distrito Administrativo de Belém, dada às
diferenças existentes entre esses lugares. Frases do tipo: “meu esposo foi pra Mosqueiro
comprar comida”, ou “se nossas crianças quiserem estudar tem que ir pra Mosqueiro ou
pra Belém”, reforçam a idéia
11
.
A referida diferença pode ser observada a partir da paisagem e constatada a partir
dos fixos e fluxos ali existentes. Este espaço, como referido em outros momentos, foi
organizado a partir dos fluxos relacionados à produção do espaço belenense.
Todavia, constata-se certo desconhecimento acerca desse espaço de Belém, e que
se reflete na ausência de levantamentos precisos quanto à denominação e posição das ilhas,
a falta de uma definição patrimonial consistente e de um diagnóstico sócio-econômico-
cultural (CARDOSO, 2000, p.70).
Assim, que, próximas a Belém, essas ilhas constituem um mundo à parte da
cidade. É outra Belém, de contornos tipicamente rurais e fluviais. É a Belém insular de
população escassa, algumas com áreas virgens de abordagem humana, apresentando um
cenário de relações sociais, produto de uma organização social, fundada em práticas de
11
Em trabalho de campo realizado em conjunto com a equipe do Projeto Redes de infra-estrutura, Turismo e
Desenvolvimento cio-espacial, em Dezembro de 2005 houve a oportunidade de conhecer comunidades
localizadas em ilhas menores do Arquipélago do Mosqueiro e perceber na fala dos moradores destas ilhas o
referido distanciamento.
68
produção comunal, ainda que submetidas ao processo de produção capitalista. (CARDOSO,
2000 p.71).
2.1. A rodovia e a ponte: a popularização do acesso à ilha.
A construção da rede de infra-estrutura viária, que fez a interligação da ilha à parte
continental do município de Belém, data da década de 1960
12
. Este período não pode ser
dissociado de um contexto mais amplo que ocorria em escala nacional, a consolidação das
rodovias como principal forma de transporte.
Neste contexto, foram construídas a Rodovia Augusto Meira, em 1965, e a ponte
São Sebastião, em janeiro de 1976. A ponte substituiu a travessia do Furo das Marinhas
que era feito por balsa.
Segundo Meira Filho (1978, p.330-331), a construção da ponte sobre o Furo das
Marinhas foi considerada uma das mais importantes obras do gênero no país. As dimensões
estruturais e de investimentos reforçam a idéia:
A Ponte na Rodovia Belém-Mosqueiro construída pelo Estado do Pará
sob a responsabilidade da empresa META (Mosqueiro, empreendimentos
e Turismo S/A) é uma das mais importantes obras do País, no gênero.
Possui um comprimento total de 1,457,35 m, dividida em 44 vãos
modulados de 30 m e um vão para navegação de 120 m, e dois encontros.
A largura do tabuleiro é de 9,00 m; a largura da pista de rolamento é de
7,20 m; a altura livre do vão navegável em relação à maré máxima é de
10,50 m; a altura máxima em relação à maré mímima é de 15 m; o
comprimento total de estacas de aço cravadas (perfil tipo H-30 x 30 e H-
35 x 35) é de 19.136 m; o peso das estacas cravadas é da ordem de 1.995
toneladas; o volume total de concreto foi de 11.846,25 m
3
; o peso total do
aço doce foi de 919,20 ton; e o peso total do aço duro CP-160/180 foi de
12
O processo histórico de ampliação da atividade turística na ilha de Mosqueiro se confunde com a própria
produção e organização desse espaço. Autores como MEIRA FILHO (1978) e CARDOSO (2000) propõem
em seus trabalhos um resgate histórico da organização do espaço de Mosqueiro. Eles o fizeram subdividindo-
o em três momentos: a influência dos navios; a abertura da rodovia “Augusto Meira” e a construção da ponte
“São Sebastião”. Contudo, sem a pretensão de negligenciar a importância de outros momentos e suas
contribuições para a produção e organização do espaço de Mosqueiro, tomamos como ponto de partida o a
abertura da rodovia e a construção da ponte, dentre outros aspectos, pela contemporaneidade das variáveis
desencadeadas, a partir daí, na ampliação dos fluxos em direção à ilha, e pelo reflexo dessas variáveis, ou
seja, os freqüentes embates entre o Poder Público, os empresários dos transportes e a população local,
amplamente divulgado pela mídia, e que também serviu de motivação para essa pesquisa.
69
162,71 toneladas. (...) Pelo relatório da Presidência da META S/A datado
de 14/1/76 e o Ofício nº. 05/76 dirigido á Secretaria de Estado de
Administração, a META recebeu de diversas fontes o total geral de : Cr$
88.742.508,62 e empregou nas obras da ponte: Cr$ 86.921.472,67 tendo
ficado com uma disponibilidade em 31 de dezembro de 1975, no valor de:
Cr$ 1.821.035,95
Cardoso (2000, p.81), reforça a importância da ponte “Sebastião R. de Oliveira”,
que facilitou ainda mais a comunicação com a ilha e, ampliou o número de visitantes.
“Observa-se, porém, que essa alteração, não se deu apenas na parte numérica, atingindo,
sobremaneira, a composição sócio-econômica de seus freqüentadores. Daí, porque, a
estrada e a ponte, são consideradas fatores determinantes da popularização da ilha”.
Em função do processo de estruturação da ilha outras mudanças se fariam
presentes. A pesca, principal ocupação dos nativos, aos poucos, foi sendo substituída por
atividades de comércio, formal e informal, e prestação de serviços. No setor comercial
formal, houve a proliferação de hotéis, churrascarias, restaurantes, mercearias e lojas de
material de construção civil, postos de gasolina, lojas de tecido e de confecções e outros. E
no comércio informal aumentou o número de vendedores de frutas, peixes, camarão,
verduras e legumes, tapioca, picolé, sorvetes, sanduíches, doces, salgadinhos, plantas
ornamentais, carvão vegetal, jornal, guardadores de carro e muitos outros (CARDOSO,
2000).
O acesso à ilha por terra-firme passou a ser feito pela frota de ônibus da Empresa
de Transportes Beiradão (ver foto 01, p.71), que motivada pelo empreendimento, passou a
dar certa regularidade aos horários de saída de ônibus de Belém em direção a Mosqueiro.
Nos períodos regulares, isto é, durante a semana, o intervalo de saída era de uma hora. Nos
períodos de maior fluxo, aos fins de semana, os intervalos de partida eram reduzidos para
quinze minutos.
Atualmente, a empresa trabalha com uma frota de 21 ônibus, sendo que
10 são microônibus, com capacidade de transportar 29 passageiros
sentados e com ar refrigerado, e 10 são carros grandes, que tem 49
lugares, transportando aproximadamente 23 mil pessoas durante a
semana. Nos períodos de fins de semana, férias ou feriados prolongados
70
estes números aumentam, chegando a aproximadamente 50 mil pessoas
(informação verbal).
13
A introdução de outro tipo de veículo menor (ver foto 02, p. 72), para atender o
fluxo de passageiros em direção à ilha, se explica pela tentativa de redução dos custos por
parte da empresa Beiradão. Segundo o Sr. Manoel, funcionário da referida empresa de
transportes, “um veículo menor, tem custos de manutenção menores, um menor consumo
de combustível e pode oferecer certo conforto aos passageiros por possuir ar condicionado
e ainda possibilita a cobrança de uma tarifa maior”.
A introdução da linha de ônibus urbanos, que atendem à Região Metropolitana de
Belém – RMB, fato ocorrido no ano de 1999, implicou na redução do preço dos transportes
rodoviários que dão acesso à ilha, se comparados aos preços oferecidos pela Beiradão, de
R$ 4,00 para os microônibus e de R$ 3,00 para os ônibus que atendem o transporte
intermunicipal, indo ao encontro de um dos anseios da população local, que necessita se
deslocar para trabalhar e estudar.
Segundo Duciomar Costa
14
, para minimizar os problemas, durante o mês de agosto
de 2006, a prefeitura disponibilizou mais quatro ônibus para Mosqueiro. Agora, doze
13
Informações obtidas em entrevista com o Sr. Manoel, funcionário da Empresa Beiradão responsável pelo
controle e manutenção dos veículos, em dezembro de 2006.
FOTO 01 – Ônibus da empresa Beiradão, veículo utilizado no transporte
de passageiros – 2006.
Fonte: Trabalho de campo – Outubro 2006.
Antônio Sérgio Saraiva
71
coletivos formam a frota do Distrito, sendo quatro da empresa Beira Alta, dois da empresa
Perpétuo Socorro, dois da Nova Marambaia, dois da Monte Cristo, um da Guajará e um da
Transurb.
Para Sílvio Carvalho, 54 anos, morador da ilha, a primeira medida a ser tomada
deveria ser a diminuição do valor da tarifa da viagem para Mosqueiro. Segundo ele: “é
muito alto para quem ganha só um salário mínimo. Se a mesma linha também circulasse
pelo Centro de Belém, o usuário poderia economizar algum trocado”.
15
De fato, sempre houve uma controvérsia entre o número de veículos, a qualidade e
o preço dos serviços de transporte coletivo oferecidos para atender a demanda de
Mosqueiro.
O promotor de Defesa do Consumidor, Gilson Abbade, rebateu as
declarações do presidente do Sindicato das Empresas de Transportes
Urbanos de Belém (Setransbel), Mário Martins, que avisou que a redução
do valor da tarifa do ônibus para Mosqueiro vai prejudicar o sistema de
transportes para ilha, acrescentando que 'vai voltar aquele inferno que era
antes, com poucos ônibus e desorganizado'. Segundo Abbade, em tempo
14
Prefeito de Belém, em entrevista concedida a O liberal. “Jornal O Liberal on line” em www.orm.com.br
acesso em: 10/09/2006
15
Informações extraídas de “Jornal O Liberal on line” em www.orm.com.br acesso em: 10/09/2006.
FOTO 02 – Tipo de veículo introduzido para a redução dos
custos com o transporte de passageiros – 2006.
Fonte: Trabalho de campo
Outubro 2006.
Antônio Sérgio Saraiva
72
algum o transporte coletivo para Mosqueiro foi considerado bom, nem
quando a tarifa era alta, muito menos durante o período em que o preço
foi subsidiado pelo município de Belém. 'Mesmo neste período em que
vigorou o aumento da tarifa, qual foi a melhoria que as empresas
investiram nos ônibus?', desafia o promotor. Ele diz que a linha continuou
'esculhambada' e não é a redução do preço que vai causar mais
desorganização (BRELAZ, 2006).
Toda a polêmica foi causada pela liminar à ação civil pública impetrada pelo
Ministério Público Estadual, concedida pelo juiz da 14ª Vara Cível da capital, Lúcio
Barreto Guerreiro, suspendendo o reajuste da tarifa de R$ 2,20 (64%), que entrou em vigor
em 31 de julho de 2006. O aumento foi aprovado pelo Conselho Municipal de Transportes
de Belém e homologado pelo prefeito Duciomar Costa, sob a justificativa de que as
empresas que operam as linhas para Mosqueiro têm prejuízo ao operarem com o valor de
R$ 1,35.
Quem precisa usar duas conduções diárias para Mosqueiro com o preço a R$ 2,20
passa a gastar R$ 105,60, um impacto de 30,17% no salário mínimo. com a tarifa de R$
1,35, este impacto é de cerca de 18,51% (valores de agosto de 2006).
A prefeitura municipal prevê o aumento da frota para Mosqueiro dos atuais 12
coletivos para 20, durante a semana, e 35 aos fins de semana. As medidas da prefeitura têm
o objetivo de reduzir os problemas apresentados pelos serviços oferecidos. Problemas que
vão desde o preço, passando por questões de segurança e regularidade dos transportes.
Cerca de 60 moradores de Mosqueiro interditaram a Avenida Almirante
Barroso, ontem à noite, em protesto por causa da falta de ônibus para o
distrito, apesar do aumento da passagem novamente autorizado pela
Justiça. A volta aconteceu por volta das 22h, depois de quatro horas de
espera e muita reclamação direcionada às empresas e à Companhia de
Transportes de Belém (Ctbel). O protesto acabou chegando ao terminal
rodoviário, para pressionar a empresa Beiradão. (...) Segundo o grupo,
estudantes e trabalhadores que moram na ilha precisam madrugar para
apanhar o primeiro ônibus com saída de Mosqueiro, por volta das 4h30.
Com essa rotina, concluem, o trabalho fica comprometido. Kleiton
adiciona que um problema a mais é o custo pós-aumento para quem, como
a mãe dele, é empregada doméstica assalariada (O LIBERAL, 2006).
73
Segundo usuários
16
, mesmo após o aumento das passagens, as empresas diminuem
o número de veículos para o retorno à ilha após as 18h. Os intervalos entre as viagens são
pequenos de dia e grandes à noite, afirmam eles, que dizem não haver fiscalização
suficiente.
Durante os finais de semana, além dos problemas destacados até aqui, soma-se o
excesso de demanda, isto é, cresce o mero de pessoas que se deslocam em direção à ilha,
deixando os serviços ainda mais precários. A Companhia de Transportes de Belém - Ctbel
tem apreendido várias vans e microônibus clandestinos, com destino a Mosqueiro. O preço
cobrado pelas passagens neste tipo de transporte varia entre R$ 4,00 e R$ 5,00 (valores de
outubro de 2006). Sugere-se então, que a ineficiência dos serviços oferecidos, em termos de
quantidade e qualidade, abra precedentes para o desenvolvimento deste tipo de atividade.
Para tentar reduzir o impacto da ampliação dos fluxos na qualidade dos serviços, a
prefeitura está tentando restabelecer uma linha regular de transporte fluvial em direção à
ilha:
O prefeito Duciomar Costa informou ontem que a administração
municipal espera inaugurar a linha fluvial de Belém para a Ilha de
Mosqueiro na próxima quinta-feira (05/10/2006). A primeira viagem está
marcada para as 14 horas e sairá do cais do porto da capital paraense.
“Outras tentativas de se instalar o serviço foram realizadas, mas foram
feitas de forma equivocada. As empresas acabaram desistindo por causa
do baixo valor da tarifa e a prefeitura era obrigar a subsidiar o serviço.
Não é justo que o município tenha que fazer isso”.(...) O navio utilizado
terá capacidade de transporte de 360 pessoas sentadas e 900 em pé.
Segundo a diretora da Ctbel (Companhia de Transportes do Município de
Belém), Jane Lima, as empresas Henvil Navegação e Belma Transporte e
Locação, foram as únicas que se inscreveram no processo de licitação.
Destacou ainda, que a tarifa para a linha fluvial está definida. Será de
R$ 2,20, o mesmo valor cobrado pelos ônibus urbanos. (0 LIBERAL,
2006).
Em princípio, o navio faria duas viagens diárias. A primeira delas saindo no início
da manhã e retornando para a capital por volta do meio-dia. A segunda, parte do cais do
porto de Belém, às 15 horas e volta de Mosqueiro no início da noite. Com possibilidade de
16
Entrevistas realizadas próximo ao Terminal Rodoviário de Belém com pessoas que aguardavam o ônibus
em direção à ilha em novembro de 2006
74
ampliação nos períodos de finais de semana e férias. O grande impasse continua sendo o
valor da tarifa, que dificulta o interesse de outras empresas, e a viabilização do projeto.
O projeto da prefeitura prevê o valor da passagem do transporte fluvial com o
preço equivalente ao preço dos ônibus, R$ 2,20. Contudo, esta tarifa tem dificultado a
implantação efetiva da linha fluvial, pois, não atrai empresas interessadas em assumir esse
serviço, sob pena de terem prejuízos.
Estes impasses têm dificultado a vida dos moradores da ilha, que precisam se
deslocar para outras áreas da RMB, e revelado a dificuldade do Poder Público em conciliar
os interesses da população local e dos empresários do setor de transportes.
Um fator interessante a ser destacado está relacionado ao papel contraditório que
os fluxos (neste caso de pessoas) estão desempenhando. Para o setor empresarial,
desempenham um papel positivo, na medida em que, a ampliação do número de pessoas
representa a ampliação dos rendimentos. Para a população local esta ampliação representa
uma queda maior na qualidade dos serviços oferecidos, na medida em que, a superlotação,
a falta de higiene e de segurança, se apresenta de forma mais intensa nos meios de
transporte.
A ineficiência dos serviços de transporte oferecidos para atender o fluxo de
pessoas que se direcionam à Mosqueiro, principalmente aos fins de semana prolongados e
feriados, bem como, a população local que necessita se deslocar para Belém, dentre outros
aspectos, possibilitou o surgimento de cooperativas. “Essas cooperativas são importantes
porque ajudam a reduzir os problemas do transporte e da geração de emprego em
Mosqueiro (informação verbal)”.
17
Segundo os Srs. Nélio e Beto, funcionários da Cooperativa de Transportes de
Passageiros do Norte - COOPETPAN, “somados os carros de todas as empresas que
prestam serviço em mosqueiro ainda não é o suficiente para atender o número de pessoas.
Quando isso aqui está lotado de gente, nós temos que contratar “freteiros”
18
para dar conta
do serviço” (idem).
17
Entrevista, realizada no mês de outubro de 2006, com funcionários da cooperativa que funciona no
Terminal Rodoviário de Mosqueiro.
18
Proprietários de microônibus e vans que não são associados à COOPETPAN, mas prestam serviço nos
períodos de pico.
75
A COOPETPAN funciona a quatro anos, nas instalações do terminal rodoviário de
Mosqueiro, e possui uma frota de 10 microônibus (ver foto 03, p. 72), que fazem viagens de
trinta em trinta minutos, durante a semana, nos períodos normais, e de quinze em quinze
minutos nos períodos de pico, feriados prolongados e férias de julho.
Segundo o Sr. Nélio, que trabalha na venda de passagens da referida cooperativa,
nos períodos de pico o preço da passagem chegou à R$ 10,00. Hoje, para atender a uma
solicitação da população local, as passagens variam entre R$ 3,00 e R$ 4,00 (valores de
outubro de 2006).
As informações, referentes a números de veículos e preços de passagens, das
empresas de transporte que atendem Mosqueiro, mostram que uma relação direta e
contraditória, entre a qualidade e a quantidade dos serviços oferecidos, e que estes estão
relacionados aos fluxos de pessoas em determinados períodos. No bojo dessa relação está a
população da ilha, que precisa se deslocar para Belém diariamente, e tem que pagar preços
elevados, em função da demanda, e/ou enfrentar superlotação ou mesmo passar longas
horas esperando.
FOTO 03 – Veículo utilizado pela cooperativa para o transporte de
passageiros – 2006.
Fonte: Trabalho de campo – Outubro 2006.
Antônio Sérgio Saraiva
76
As transformações do espaço de Mosqueiro são conseqüências da ampliação da
infra-estrutura e do acesso à ilha. Contudo, a ampliação da infra-estrutura e do acesso,
como sugerido em capítulo anterior, não são fatores suficientes para indicar
desenvolvimento sócio-espacial, revelado enquanto uma noção complexa e variada.
Ao longo dos anos, houve por parte do poder blico, a tentativa de solucionar o
problema do transporte. Contudo, esta atuação esbarrou nas “exigências” das empresas para
efetuar a prestação dos serviços de transporte, marítimo ou terrestre. Exigências essas,
ligadas diretamente à margem de lucro por elas obtido, e que terminaram por dificultar a
situação para a população da ilha que frequentemente necessita se deslocar para Belém,
para trabalhar ou estudar, na medida em que a entrada das empresas e a suposta melhoria na
qualidade dos serviços implicam também na elevação dos preços, e em um impacto maior
na renda dos trabalhadores. Ora, se um impacto maior na renda dos trabalhadores com
os gastos com o transporte, sobra menos para ser investido em outras áreas como educação,
saúde e lazer. Portanto, em que medida a ampliação dos transportes gera desenvolvimento?
O capítulo seguinte propõe algumas reflexões, a respeito da complexidade
evidente, desde a teorização à sistematização de indicadores, que possam mensurar o
desenvolvimento.
77
3. UMA VARIÁVEL DO DESENVOLVIMENTO: A QUALIDADE DE VIDA.
A relatividade da noção de qualidade de vida, que em última instância remete ao
plano individual, tem pelo menos três runs de referência. O primeiro é histórico. Ou seja,
em determinado tempo de seu desenvolvimento econômico, social e tecnológico, uma
sociedade específica tem um parâmetro de qualidade de vida diferente da mesma sociedade
em outra etapa histórica. O segundo é cultural. Certamente, valores e necessidades são
construídos e hierarquizados diferentemente pelos povos, revelando suas tradições. O
terceiro aspecto se refere às estratificações ou classes sociais (MINAYO, et al., 2000).
Os estudiosos que analisam as sociedades em que as desigualdades e
heterogeneidades são muito fortes mostram que os padrões e as concepções de bem-estar
são também estratificados: a idéia de qualidade de vida está relacionada ao bem-estar das
camadas superiores e à passagem de um limiar a outro (MINAYO, op.cit. 2000).
O relativismo cultural, no entanto, não impede de perceber que um modelo
hegemônico está a um passo de adquirir significado planetário. É o preconizado pelo
mundo ocidental, urbanizado, rico, polarizado por certo mero de valores, que poderiam
ser assim resumidos: conforto, prazer, boa mesa, moda, utilidades domésticas, viagens,
carro, televisão, telefone, computador, uso de tecnologias que diminuem o trabalho manual,
consumo de arte e cultura, entre outras comodidades e riquezas.
Por fim, é importante observar também que, em todas as sondagens feitas sobre
qualidade de vida, valores não materiais, como amor, liberdade, solidariedade e inserção
social, realização pessoal e felicidade, compõem sua concepção (MINAYO, id. ibid 2000 p.
8).
Como lembra Witier (1997 apud MINAYO, 2000, p.9), “para o ser humano, o
apetite da vida está estreitamente ligado ao menu que lhe é oferecido”. Seria, portanto,
qualidade de vida uma mera representação social? Sim e não. Sim, pelos elementos de
subjetividade e de incorporação cultural que contém. Não, porque existem alguns
parâmetros materiais na construção desta noção que a tornam também passível de
apreciação universal, como veremos a seguir.
O patamar material mínimo e universal para se falar em qualidade de vida diz
respeito à satisfação das necessidades mais elementares da vida humana: alimentação,
78
acesso à água potável, habitação, trabalho, educação, saúde e lazer, elementos materiais que
têm como referência noções relativas de conforto, bem-estar e realização individual e
coletiva (idem, p.10).
No mundo ocidental atual, por exemplo, é possível dizer também que,
desemprego, exclusão social e violência, são de forma objetiva, reconhecidos como a
negação da qualidade de vida. Trata-se, portanto, de componentes passíveis de mensuração
e comparação, mesmo levando-se em conta a necessidade permanente de relativizá-los
culturalmente no tempo e no espaço.
Em resumo, a noção de qualidade de vida transita em um campo semântico
polissêmico: de um lado, está relacionada a modo, condições e estilos de vida
(CASTELLANOS, 1997, apud MINAYO, 2000). De outro, inclui as idéias de
desenvolvimento sustentável e ecologia humana. E, por fim, relaciona-se ao campo da
democracia, do desenvolvimento e dos direitos humanos e sociais.
Tentando sintetizar a complexidade da noção de qualidade de vida e de sua
relatividade em função das diferentes culturas e realidades sociais, diversos instrumentos
têm sido construídos. Entre os primeiros, talvez o mais conhecido e difundido seja o Índice
de
Desenvolvimento Humano (IDH), elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD). O IDH foi criado com a intenção de deslocar o debate sobre
desenvolvimento de aspectos puramente econômicos como nível de renda, produto
interno bruto e nível de emprego para aspectos de natureza social e também cultural.
Embutida nesse indicador encontra-se a concepção de que renda, saúde e educação são três
elementos fundamentais da qualidade de vida de uma população.
O IDH é um indicador sintético de qualidade de vida que, de forma simplificada,
soma e divide por três os níveis de renda, saúde e educação de determinada população. A
renda é avaliada pelo PIB real per capita; a saúde, pela esperança de vida ao nascer e a
educação, pela taxa de alfabetização de adultos e taxas de matrículas nos níveis primário,
secundário e terciário combinados. Renda, educação e saúde seriam atributos com igual
importância como expressão das capacidades humanas.
O IDH se baseia na noção de capacidades, isto é, tudo aquilo que uma pessoa está
apta a realizar ou fazer. Nesse sentido, o desenvolvimento humano teria, como significado
mais amplo, a expansão não apenas da riqueza, mas da potencialidade dos indivíduos de
79
serem responsáveis por atividades e processos mais valiosos e valorizados. Assim, a saúde
e a educação são estados ou habilidades que permitem uma expansão das capacidades.
Inversamente, limitações na saúde e na educação seriam obstáculos à plena realização das
potencialidades humanas (PNUD, 1990).
Murta (2005), lançou mão de vários autores para tentar sintetizar a idéia de
qualidade de vida, admitindo que se trata de uma categoria ampla e subjetiva.
Ao refletir sobre as dificuldades para se fazer uma avaliação da qualidade de vida,
Schwartzman (1974, apud MURTA, 2005 p. 1) aponta alguns critérios possíveis: liberdade
de escolha, satisfação de necessidades psicológicas fundamentais e a extensão do conceito
de participação. O mesmo autor considera que qualidade de vida tem a ver com expansão e
consolidação dos direitos civis, políticos e sociais. Para ele o problema da qualidade de vida
não é prioritariamente de consumo e implica em uma noção clara e explícita de uma
política de desenvolvimento social.
São relevantes neste contexto as observações de Jannuzzi (2004 apud MURTA,
2005 p. 1) sobre o conceito de “Condições de Vida”. Segundo ele, tal conceito “poderia ser
operacionalmente traduzido como o nível de atendimento das necessidades materiais
básicas para sobrevivência e reprodução social da comunidade”. Nesse caso, as dimensões
operacionais de interesse seriam as condições de saúde, habitação, trabalho e educação dos
indivíduos da comunidade. Dimensões para as quais existiriam estatísticas públicas
disponíveis que possam ser combinadas em um sistema de indicadores sociais que
represente, aproximada e operacionalmente, o conceito de condições de vida inicialmente
idealizado (JANNUZZI, 2004 apud MURTA, 2005 p. 1).
Lefebvre discutiu a questão do optimum urbano criado por teóricos soviéticos em
1925 para mensurar, em termos de superfície e de número de habitantes, o tamanho ideal de
uma cidade para se ter qualidade de vida. O autor apontou as objeções a esse tipo de
medida dada a dificuldade de definição de critérios para esse optimum. Ele também chamou
a atenção para o fato de que o optimum desejável na verdade, é o optimum administrável,
ou seja, exeqüível em determinado local e contexto (LEFEBVRE, 2002, p.90). Tal
discussão remete a questões de difícil resposta. Quais seriam as referências para criação de
critérios de qualidade de vida: biológicas, tecnológicas, físicas ou filosóficas? Ou tais
referências se encontrariam em um somatório de todas as outras citadas?
80
Refletindo sobre qualidade de vida, Lefebvre (2002, p. 146) aponta, dentre outros
problemas, a manipulação das demandas como parte integrante do duplo fetichismo em
relação ao urbanismo: o fetichismo da satisfação e o fetichismo do espaço. Estes interferem
na medida em que se associam à demandas mais “controláveis”, isto é, deve-se permitir que
a população se adapte à realidade modificando suas necessidades. No questionamento do
controle de demandas, vale considerar o pensamento de Souza (2002), que além de apontar
a relação entre qualidade de vida e satisfação de necessidades de uma parcela cada vez
maior da população, faz uma importante vinculação entre qualidade de vida, justiça social e
autonomia:
Uma vez que o caminho democraticamente mais legítimo para se
alcançarem mais justiça social e melhor qualidade de vida é quando os
próprios indivíduos e grupos específicos definem os conteúdos concretos
e estabelecem as prioridades com relação a isso, podem-se considerar
justiça social e qualidade de vida como subordinados à autonomia
individual e coletiva enquanto princípio e parâmetro. Daí as duas faces da
autonomia, a individual e a coletiva deverem ser entendidas como
parâmetros subordinadores [...]. Mais justiça social e uma melhor
qualidade de vida são, de um ponto de vista operacional, parâmetros
subordinados àquele que é o parâmetro essencial do desenvolvimento
sócio-espacial, que é a autonomia (SOUZA, 2002, p.66).
Sabe-se da dificuldade em avaliar objetivamente um conceito abstrato e complexo como
qualidade de vida. É possível, então, se medir tal qualidade? Concorda-se com Souza (2002
p.82), quando afirma que:
No plano dos parâmetros subordinados particulares ou das adaptações
singularizantes. Esses parâmetros darão lugar a indicadores, elaborados
para fazerem face a objetivos bem determinados. Não se trata de todo
modo, de uma construção apriorística de indicadores pretensamente
universais; [...] a construção de indicadores deverá, bem ao contrário, se
dar tão próxima quanto possível da realidade dos contextos valorativos
dos grupos sociais específicos envolvidos.
As formulações do autor supracitado trazem mais um desafio, na medida em que
sugerem a identificação dos contextos valorativos, dos grupos sociais envolvidos, como
81
fator importante na elaboração de parâmetros em relação à qualidade de vida. Neste
sentido, que valores seriam importantes para a população de Mosqueiro?
3.1. Elegendo os indicadores da qualidade de vida
A Comissão de Estatística das Nações Unidas, na sessão de 29 de fevereiro de
1997, aprovou a adoção de um conjunto de indicadores sociais para compor uma base de
dados nacionais mínima, que tem como um de seus objetivos, permitir o acompanhamento
estatístico dos programas nacionais de cunho social, recomendados pelas diversas
conferências internacionais promovidas pelas Nações Unidas, a saber: conferências sobre
população e desenvolvimento (Cairo, 1994), sobre desenvolvimento social (Copenhagen,
1995), sobre a mulher (Beijing, 1995) e sobre assentamentos humanos (Cairo, 1996).
O conjunto de indicadores sociais compreende dados gerais sobre distribuição da
população por sexo, idade, cor ou raça, sobre população e desenvolvimento, pobreza,
emprego e desemprego, educação e condições de vida, temas identificados como
prioritários na agenda das conferências internacionais.
O sistema de dados nacionais mínimos resultou de uma ampla consulta técnica a
inúmeros países e organismos internacionais, e tem como algumas de suas principais
recomendações a de se utilizar tão-somente dados provenientes de fontes estatísticas
regulares e confiáveis e a de desagregar os dados por gênero e outros grupos específicos
observando sempre, entretanto, as peculiaridades e prioridades nacionais.
Parece mais pertinente, portanto, dentro da linha de raciocínio desenvolvida até
aqui, em se tratando da tentativa de agrupar elementos que mensurem a qualidade de vida
enquanto parte integrante do desenvolvimento sócio-espacial, elencar elementos a partir de
uma realidade mais específica relacionada ao local.
Jannuzzi (2004 apud MURTA, 2005, p. 5-6) classifica os indicadores de qualidade
de vida em:
1- Indicadores subjetivos: são construídos a partir do levantamento de um
conjunto amplo de impressões, opiniões e avaliações sobre diferentes
aspectos do ambiente sócio-espacial da população, abordando a satisfação
quanto ao domicílio, às facilidades existentes no bairro e às economias e
deseconomias da vida do município, das condições materiais às aspirações
82
pessoais. Ex: satisfação com a moradia, satisfação com o bairro,
vizinhança ou cidade, intenção de mudar-se de domicílio, de cidade.
2- Indicadores objetivos:
a) Indicadores de criminalidade e homicídios: vel de segurança pessoal
calculado a partir dos registros administrativos das Secretarias de
Segurança Pública;
b) Indicadores de alocação de tempo: controle individual do tempo diário,
em especial para atividades de convívio familiar e social, lazer, esporte e
cultura a partir do indicador de tempo gasto com transporte de casa para o
trabalho ou escola;
c) Indicadores Ambientais: aqueles que dizem respeito à disponibilidade
de recursos naturais, à forma de uso destes e aos resíduos gerados no seu
consumo. Derivam-se de informações censitárias sobre infra-estrutura
urbana, mortalidade por causas específicas, além de pesquisas
institucionais com prefeituras ou concessionárias de serviços públicos
sobre o destino final e tratamento de dejetos e de coleta de lixo.
Vale observar que a confiabilidade de vários indicadores é questionável em função
de que no Brasil o padrão de difusão de banco de dados públicos é caracterizado por “pouca
transparência na produção e disseminação de dados e apropriação de informações públicas
por consultores de instituições” (MELO 1999 apud MURTA 2005, p. 6). Tal fato
possibilita a homogeneização e a manipulação de demandas.
Para a definição de parâmetros e construção de indicadores para qualidade de vida
é bastante útil o quadro sinótico apresentado por Souza (2002, p.78) (ver Quadro 01 p. 84).
Ao comentar a elaboração deste quadro, Souza chama a atenção para o fato de que
“tanto os parâmetros particulares e, sobretudo, as adaptações singularizantes, não deverão
ser especificados à revelia dos sentimentos, dos valores e das expectativas dos cidadãos”
(idem). Observa-se que o autor reforça a idéia de se planejar a partir das demandas da
população, e não apenas das suas necessidades
19
.
Tendo como referência as contribuições acima descritas, bem como, os dados
secundários disponíveis, buscou-se estabelecer uma linha de interpretação em relação às
variáveis apresentadas, a partir da idéia de demanda e/ou necessidades, correlacionando-as
aos fluxos (turísticos) existentes na área alvo desta pesquisa, e a visão da população local.
19
A necessidade, definida no dicionário como carência ou precisão, é conhecida intelectualmente, analisada
tecnicamente e identificada profissionalmente. Já a demanda, definida no dicionário como procura ou busca, é
conhecida por experiência, é vivenciada situacionalmente e é identificada pelo cidadão que vive a situação
que se pretende mudar.
83
QUADRO 01: Parâmetros para definição de qualidade de vida
Fonte: SOUZA, Marcelo. Mudar a Cidade. Uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio
de Janeiro, Bertrand Brasil, 2002, p.78.
A partir das postulações de Jannuzzi (2004 apud MURTA, 2005), Souza (2002) e
Castellanos (1997 apud MINAYO, 2000), pode-se depreender que a necessidade de
relativizar os indicadores para a avaliação da qualidade de vida. Estes devem ser pensados a
partir do modo, das condições e estilos de vida, mas extraídos das relações entre os grupos
sociais envolvidos, em termos de democracia, do desenvolvimento, e dos direitos humanos
e sociais.
Nesta perspectiva, buscou-se trabalhar com elementos que derivem de informações
censitárias sobre infra-estrutura urbana, que segundo Jannuzzi (2004 apud MURTA, 2005)
se constituem em indicadores objetivos da qualidade de vida e podem ser chamados de
indicadores ambientais, bem como, com os chamados indicadores subjetivos, isto é,
conjunto de impressões, opiniões e avaliações sobre diferentes aspectos do ambiente sócio-
espacial da população, abordando a satisfação com a moradia, satisfação com o bairro,
vizinhança ou cidade, intenção de mudar-se de domicílio ou de cidade.
Necessidades
Aspectos particulares
Possíveis conseqüências da não-
satisfação
1- Regeneração Insolação, luz do dia, aeração, proteção
contra barulho, espaços para atividades
corporais, locais para a prática de esportes e
brincadeiras
Esgotamento físico e psicoquímico,
vulnerabilidade face a doenças,
insônia, estresse, depressão
2- Privacidade
3- Segurança
Proteção da esfera privada, proteção contra
roubos e assaltos
Raiva, medo, estresse, agressão.
Isolamento, atritos com vizinhos,
fraca topofilia.
4- Funcionalidade
5- Ordem
Necessidade de espaço, conforto, senso de
orientação
Raiva, desperdício de tempo e
dinheiro, desorientação,
insatisfação com a moradia e a
vida, fraca topofilia
6- Comunicação
7- Apropriação
8- Participação
Conversas, ajuda dos vizinhos, participação e
engajamento
Preconceitos e conflitos sociais,
insatisfação com a
moradia,vandalismo,
segregação
9- Estética
10- Criatividade
Aspectos dos prédios e fachadas, arruamento,
presença de praças e parques
Fraca topofilia, insatisfação com a
moradia, mudança de local,
vandalismo.
84
3.2. A construção de indicadores da qualidade de vida a partir dos dados secundários
A partir dos recortes mencionados na introdução deste trabalho, buscou-se uma
interpretação que contemplasse os anseios iniciais, isto é, verificar em que medida a
introdução e a utilização das redes de infra-estrutura implantadas no Mosqueiro, ao longo
dos anos, tem contribuído para a intensificação dos fluxos turísticos em direção a essa área
e para a promoção do desenvolvimento sócio-espacial.
Os dados mostraram que para o censo de 2000, cerca de 93,3% da população
residente na ilha de Mosqueiro vive na árera urbana, isto é, 27.846 pessoas (Ver tabela 01).
Desse percentual, 50,5% são do sexo masculino, o que equivale a 13. 197 pessoas; e 12.
942 pessoas do sexo femenino, o que corresponde a 49,5% da população urbana. Observou-
se, portanto, que houve um crescimento populacional na área em questão.
TABELA 01 - Mosqueiro população urbana e rural -2000
Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2000 resultados do universo Características da população e dos
Domicílios – VOL. 2.
A população dos bairros selecionados para a pesquisa corresponde a 38,6% da
população urbana de Mosqueiro (ver tabela 02, p. 86), distribuída da seguinte forma: a
população do bairro de Carananduba, atinge 18,5% da população de Mosqueiro, sendo que
51% são homes, 2.473 pessoas, e o restante 2.367 são mulheres; com 4,3% da população; o
bairro do Farol possui 50,2% de homens; as mulheres correspondem a 45,9% da população
residente no bairro do Murubira, que acrescido do percentual de homens chega a 970
pessoas, isto é, apenas 3,7% do total da população urbana da ilha; apresentando cerca de
12% da população urbana, o bairro Vila, diferente dos demais, exibe um número maior de
mulheres, 1.663, atingindo 52,7% da população do bairro. De posse dessas informações
restava verificar de que forma pode-se proceder a avaliação da qualidade de vida dessa
população?
POPULAÇÃO URBANA RURAL
TOTAL: 27.896 26.139 1.757
85
TABELA 02 Mosqueiro - População total, população por bairros selecionados e
percentual por bairros selecionados.
MOSQUEIRO CARANANDUBA MURUBIRA FAROL VILA
Nº de
habitantres
27896 4840 970 1113 3157
% do total
100 18, 5 3,7 4,3 12,0
Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2000 (adaptado)
Como exposto no capítulo anterior, esta análise pode ser feita a partir de variáveis
objetivas e subjetivas. Em se tratando de uma análise objetiva, foram selecionados infra-
estruturas e serviços implantados nos referidos bairros tais como: alfabetização, renda, rede
de abastecimento de água e rede de distribuição de energia.
Em termos de alfabetização
20
da população, verificou-se que das 26.139 pessoas
residentes na área urbana, 93,8% são alfabetizadas, isto é, 22.850 pessoas, segundo o IBGE.
Quando esta análise passa a ser feita na realidade dos bairros selecionados, os resultados
continuam apontando para altos índices de alfabetização. No Carananduba, cerca de 80,1%
da popualação é alfabetizada. No Farol este percentual é de 87,5%, enquanto que no
Murubira e na Vila os níveis correspondem a 77,6% e 89,7% respectivamente.
Quando analisados a partir da faixa etária, os dados educacionais revelam que
cerca de 19% da população urbana, acima de 40 anos, não possui alfabetização, e que na
população de 5 a 14 anos esse percentual é maior, 34,9%. Por outro lado, na população que
se encontra entre 15 e 39 anos, esse índice é de apenas 5,7% (Ver tabela 03, anexo 02).
Deduz-se então, dois desafios para o Poder Público: a ampliação do ensino fundamental,
atingindo a faixa etária entre 5 e 14 anos; e a geração de emprego e renda aingindo a faixa
de 15 a 39 anos.
Os dados populacionais de Mosqueiro revelam que a maior parte da população
está concentrada na faixa de idade que se estende de 0 a 24 anos, isto corresponde a 56% da
população urbana ou 14. 642 pessoas. Os percentuais que indicam a faixa de idade mais
20
Segundo o IBGE, Taxa de analfabetismo corresponde à percentagem das pessoas analfabetas (*) de um
grupo etário, em relação ao total de pessoas do mesmo grupo etário. (*) Analfabeta - pessoa que não sabe ler
e escrever um bilhete simples no idioma que conhece.
86
atingida pelo analfabetismo, entre 5 e 14 anos, devem ser entendidos, portanto, como uma
parte do universo que contempla a maior parte da população de Mosqueiro. Tendo em vista
que a população não ra de crescer, caso não haja uma intervenção nesta realidade, é
provável que os índices de analfabetismo continuem aumentando.
Percebe-se que em uma outra faixa etária, o índice de analfabetismo não é tão
elevado, por exemplo entre 15 e 39 anos, fato que pode ser entendido pela possibilidade de
deslocamento para outras localidades em função da idade.
Neste contexto, pode-se inferir que esta problemática seja reflexo da necessidade
de ampliação do número de escolas em Mosqueiro, ou de questões sócio-econômicas da
população local. Segundo a Agente Distrital de Mosqueiro, Srª. Maria da Glória, cerca de
90% da população de Mosqueiro retira sua renda de atividades desenvolvidas no setor
terciário, em grande parte informal, e depende do fluxo de pessoas nos fins-de-semana,
feriados prolongados e férias escolares
21
. Supõe-se, então, que possa não haver um
excedente de renda disponível para investimentos em educação ou quaisquer meios para
este fim, por parte da população local.
Segundo o IBGE (2000), o rendimento mensal
22
médio das pessoas responsáveis
pelos domicílios permanentes em Mosqueiro varia entre R$ 457,48 e R$ 240,00. Em se
tratando dos bairros selecionados este montante apresentou variações. O bairro do
Carananduba, por exemplo, apresenta rendimentos que variam de R$ 220,00 a R$ 412,10.
No Murubira, o rendimento mensal apresentado está entre R$ 250,00 e R$ 399,00, a menor
variação apresentada dentre os bairros selecionados. Farol e Vila apresentam as maiores
variações, de R$ 300,00 a R$ 578,00 e de R$ 302,00 a R$ 583,00 (ver tabela 04, p.89).
Acredita-se que a própria dinâmica interna desses bairros pode auxiliar a entender
os valores expressos. Por exemplo, a Vila concentra o centro comercial que atende à
população de Mosqueiro, mesmo em períodos de redução dos fluxos de turístas, além de ser
um ponto de atração turística em razão das comidas típicas lá comercializadas, como:
“tapioquinha”, tacacá, vatapá, mingau de milho, doces e etc.
21
Informação obtida durante entrevista realizada em Dezembro de 2005.
22
Rendimento mensal - soma do rendimento mensal de trabalho com o rendimento proveniente de outras
fontes
87
Contudo, os moradores desta área reclamam de uma redução na renda. “Dona
Noca”, 65 anos, trabalha vendendo tapioca mais de 25 anos na Vila, uma das atividades
de comércio mais tradicionais de Mosqueiro. Segundo ela:
houve época em que se tirava R$ 100,00 por dia, hoje o negócio está
devagar, tem muita gente, mas as pessoas que vem para Mosqueiro não
tem mais dinheiro como antes, e também o número de pessoas vendendo
tapioca em outrtas áreas aumentou. Durante a semana isso aqui fica
abandonado (informação verbal).
23
TABELA 04 Os distritos de Belém -Valor do rendimento nominal médio e mediano mensal das
pessoas com rendimento.
Municipios, Distritos,
Subdistritos e Bairros
Valor do rendimento
nominal médio mensal
(R$)
Valor do rendimento nominal
mediano mensal
(R$)
Belém 859,89 360,00
Belém 2 476,95 1 500,00
Benguí 562,63 302,00
Entroncamento 930,77 500,00
Guamá 565,53 300,00
Icoaraci 494,09 300,00
Mosqueiro 457,48 240,00
Outeiro 403,69 240,00
Sacramenta 689,19 340,00
Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2000 resultados do universo Características da população e
dos Domicílios – VOL. 2 (Adaptada).
o bairro do Farol, atrai um maior mero de banhistas. Supõe-se que, pelo fato
de possuir um maior número de quiosques e bares, da venda de produtos com preços mais
acessíveis ou mesmo em função da extensa dimensão da praia, que oportuna abrigar um
número maior de pessoas.
Como entender os rendimentos apresentados pelo Murubira que é considerado um
bairro de “elite”? Talvez esteja nesta indagação a própria resposta. Historicamente, a elite
freqüentava Mosqueiro aos fins-de-semana, feriados e/ou férias escolares. Os elementos
23
Informação obtida em diálogo estabelecido durante o mês de outubro de 2006.
88
apresentados no parágrafo anterior, como argumentos na explicação do nível de renda do
bairro do Farol, podem muito bem ser usados aqui, contudo de uma forma diferenciada, isto
é, o referido bairro não dispõe de tantos quiosques, o preço das mercadorias não é dos
menores e a extensão da praia é menor, se comparada ao bairro do Farol.
O bairro do Carananduba está relativamente distante dos fluxos turísticos e tem
assumido a função de um sub-centro comercial, com destaque para os gêneros alimentícios,
dentre eles, frutas, peixe,etc. Fato que ainda não tem se mostrado suficiente para ampliar o
nível de renda de sua população, mesmo em relação aos recortes aqui definidos.
Em trabalho de campo constatou-se a “atuação” do Poder blico. A implantação
do “Sistema Público de Abastecimento de Água do Carananduba-Mosqueiro”. Com um
valor orçado em R$ 867.138,46 e que prevê o atendimento de 400 famílias, obra necessária
àquele bairro (ver foto 04). Contudo, um outro empreendimento às proximidades chama
atenção, a implantação de um conjunto residencal. O “Portal da Ilha”. Resta saber, se a
valorização do espaço e a especulação imobiliária não reproduzirão a história, isto é,
empurrarão a população mais carente para longe da infra-estrutura.
FOTO 04 – Placa de indicação das obras do Sistema de abastecimento
de água do Carananduba
Fonte: Trabalho de campo – Outubro de 2006
Antônio Sérgio Saraiva
89
A amplitude da área utilizada para a construção do residncial, sugere a
implantação de grande infra-estrutura, fato que pode provocar a valorização e a
intensificação dos fluxos na área (ver foto 05).
De posse de informações cartográficas, disponibilizadas pela Companhia de
Desnvolvimento Metropolitano de Belém CODEM, relacionadas às infra-estruturas e aos
usos do solo dos bairros de Mosqueiro, buscou-se a sistemaização de uma linha de
interpretação que mostrasse a relação do acesso a esta infra-estrutura, seus usos, bem como,
a relação destes com os fluxos turísticos. Constatou-se, então, que no bairro do
Carananduba a maior parte dos lotes que tem acesso à água encanada estão próximos às
praias ou a rodovias e avenidas de grande circulação que dão acesso às mesmas, como: a
Rodovia Engenheiro Augusto Meira Filho, a Estrada da Baía do Sol e a Estrada de
Carananduba (ver figura 02, anexo 01).
Nos bairros Farol e Vila verificou-se que mais de 90% dos lotes possuem água
encanada. Uma provável explicação para esse índice pode ser encontrada nas formulações
de Meira Filho (1978) sobre o processo histórico de produção do espaço de Mosqueiro, que
apontam as referidas áreas como ponto de referência dos fluxos em direção à ilha ou
mesmo dos investimentos direcionados à atender ao anseio de turistas, em geral
FOTO 05 – 0bras de construção do Residencial Portal da Ilha –
2006.
Fonte: Trabalho de Campo – 02 e 03 de Setembro de 2006
Maria Goretti Tavares
90
estrangeiros, que se deslocavam em busca de descanso. Acredita-se que este contexto se
repetiu durante os anos. Notadamente, próximo às vias de circulação mais movimentadas,
em termos de fluxos turístico, esse índice chega a 100%, como observado ao longo da
Avenida Beira-Mar e da Avenida 16 e Novembro (ver figura 03 e 04, anexo 01).
Da mesma forma, no bairro do Murubira, cerca de 90% ou mais dos lotes têm
acesso à água encanada, exceto as áreas mais distantes da orla, como aquelas situadas a
partir da Avenida Futura no sentido contrário a praia (ver figura 05, anexo 01).
Em relação à rede de abastecimento de energia elétrica, percebeu-se que, na Vila,
apenas um trecho da passagem Fagundes, localizado entre a travessa Teixeira Mendes e a
Passagem Santo Antônio, não possue energia. No bairro do Carananduba nos lotes
encontrados no perímetro que envolve as ruas Coronel Juvêncio Sarmento e a travessa
Fabiano Maciel, bem como, um trecho da rua São João não possuem rede de
abastecimento.
No Farol, a rua Alacid Nunes, no trecho entre a rua Rodrigo Apinae Lindomar
Baia, e um trecho da rua Francelina Santos, também não tem energia elétrica. No bairro
Murubira, não dispõe de rede de abastecimento de energia a alameda Tapajós (próximo à
rua da Cosampa), a rua Leão de Aguiar (entre a alameda Praiana e a travessa C), e 4 lotes
localizados próximo a avenida Futura, no sentido contrário a praia ( ver figuras 06, 07, 08 e
09, anexo 1).
Em linhas gerais, percebe-se que a carência das infra-estruturas aqui analisadas,
pode ser associada a áreas distantes dos principais pontos de circulação e convergência dos
fluxos turísticos. Assim, o bairro do Carananduba ganha destaque, em termos
comparativos, pois, mesmo apresentando um grande contingemte populacional apresenta
também parcelas significativas de sua área desprovidas dos equipamentos em questão.
A foto ilustra alternativas da população local para suprir a necessidade de energia.
As frágeis estruturas de madeira, inclinadas pela ação do tempo, e pela tensão dos cabos
que levam a energia, podem romper a qualquer momento e causar danos maiores aos
moradores, como incêndios e a destruição dos telhados das casas (ver foto 06, p. 92).
De posse das informações expostas até aqui, foi estabelecido um diálogo
24
com o
Coordenador do Departamento de Turismo da Agência Distrital do Mosqueiro
24
Entrevista aberta realizada no dia 16 de outubro de 2006.
91
DETUR/ADMO, Sr. Antônio Joaquim Tavares Ferreira, cujo tema foi importância do
turismo para Mosqueiro, e o objetivo, o de perceber qual a visão do Poder Público a
respeito das problemáticas que envolvem a população local e o turismo.
Além de coordenador do DETUR/ADMO, o Sr. Antônio Joaquim Tavares Ferreira
é também morador da ilha e tem “uma relação antiga de amor com Mosqueiro” que foi
construída desde a sua infância. Seus pais, de origem portuguesa se estabeleceram na ilha
mais de 50 anos atrás, fato que possibilitou que ele acompanhasse as transformações
ocorridas ao longo do processo histórico de organização daquele espaço. Segundo ele, seu
conhecimento e envolvimento com as questões referentes à ilha e à população local o
levaram até a coordenação do DETUR/ADMO.
Durante a conversa foram abordados temas como: o turismo, o fluxo de turistas, o
desenvolvimento de outras atividades econômicas em Mosqueiro, o posicionamento do
Poder Público, o transporte, a segurança pública, a distribuição da população e o lixo. Com
perguntas simples e diretas foram extraídas informações importantes a respeito das
temáticas propostas.
FOTO 06 – Rede de Energia no Bairro do Carananduba – 2006
Fonte: Trabalho de campo – Outubro de 2006.
Antônio Sérgio Saraiva
92
Em relação ao turísmo, por exemplo. Quando indagado sobre o que o turismo
representa para Mosqueiro? Toninho
25
, foi enfático: “turismo é tudo. Mosqueiro vive do
turismo. A maior parte da população sobrevive com os rendimentos que retira das suas
pequenas vendas”.
De acordo com informações obtidas junto à Seção de Fiscalização e ordenamento,
da Agência Distrital de Mosqueiro
26
, existem 237 estabelecimentos comerciais, formais e
infomais, distribuidos nos bairros de Mosqueiro (ver lista, anexo 02), estabelecimentos
esses que são influenciados pelos fluxos turísticos.
A partir desse posicionamento, foi sugerido o investimento, por parte do Governo,
em uma outra atividade econômica, diferente do turismo, que pudesse absorver as
damandas da população local, em especial no que tange à geração de emprego e renda, isto
é, por que historicamente o Poder Público tem insistido em investimentos no campo do
turismo?
A resposta a esta indagação caminhou no sentido de ratificar a importância do
turismo para a dinâmica econômica de Mosqueiro, nas palavras de Toninho:
A implantação de outras atividades inviabiliza o turismo. Além do mais, a
ilha não tem muito potencial, os solos não são apropriados para a
agricultura, o que encarece a produção. A implantação de indústrias
invariávelmente traria danos ao meio ambiente e comprometeria o
desenvolvimento do turismo. A fábrica Bitar, uma das primeiras, ou a
primeira, fábrica de beneficiamento do látex, hoje poderia muito bem ser
usada para o turismo, mas está abandonada.
Percebendo a importância atribuída ao turismo, o tema que passou a fazer parte do
diálogo foi o fluxo de pessoas em direção à ilha: aumentou? Diminuiu? A população,
principalmente os comerciantes têm reclamado na redução no volume de vendas. Qual é a
relação entre essas variáveis?
Segundo o coordenedor do DETUR/ADMO o Poder Público, principalmente a
Prefeitura, tem buscado ampliar os fluxos de pessoas em direção à ilha, isto pode ser
verificado com a implantação da linha de transportes urbanos, que junto com a empresa
intermunicipal, a Beiradão, passou a fazer o transporte de passageiros para a ilha. O
25
É assim que o Sr. Antônio Joaquim Tavares Ferreira gosta e prefere ser chamado.
26
Informação obtida em trabalho de campo realizado no dia 16 de outubro de 2006.
93
importante é refletir como essa ampliação pode gerar benefícios. O que eu percebo, disse
ele, é que:
Houve um aumento quantitativo e não qualitativo nos
frequentadores da ilha. Hoje, grande parte das pessoas que
frequentam a ilha são de poder aquisitivo baixo. Algumas dessas
pessoas saem de casa com a passagem para vir para Mosqueiro e
voltam com os bolsos cheios: é celular, carteiras, relógios. São os
chamados “loirinhos” e “loirinhas”. Na verdade a ampliação do
transporte facilitou a vida das pessoas que trabalham ou estudam
em Belém.
Um outro aspecto abordado foi a segurança. Mosqueiro é segura? A chegada dos
“loirinhos” e “loirinhas” representou um aumento na violência e na criminalidade na ilha?
Nesse ponto, a argumentação do coordenador foi construída buscando dividir com outras
variáveis a responsabilidade pelo aumento desses indicadores.
Foram apontados como fatores de ampliação da violência e da criminalidade além
da chegada dos “loirinhos” o aumento das áreas de ocupação em todos os bairros de
Mosqueiro. Segundo Toninho, parte dessas ocupações teve a conivência do próprio Poder
Público, facilitando ou se omitindo no trato direto dessas questões. Vale destacar aqui que a
referência à inoperância por parte do poder público foi feita a gestões anteriores e do
Partido dos Trabalhadores – PT.
FOTO 07 – Surgimento de uma área de ocupação às margens da Estrada
do Carananduba – 2006.
Fonte: Trabalho de campo – Outubro de 2006.
Antônio Sérgio Saraiva
94
A estrutura das casas à beira da estrada revela que os ocupantes não pretendem se
esconder ou estão pouco preocupados com a ação do Poder Público no sentido de impedir
a ocupação da área, fato que talvez tenha sido influenciado pela “conivência do Poder
Público” em gestões anteriores, como destacou o coordenador do DETUR/ADMO.
Ainda segundo ele, no final do ano de 2004, início do ano de 2005, estava sendo
articulada uma ocupação dos domicílios vazios de Mosqueiro, ou seja, das casas que são
utilizadas somente aos finais de semana ou férias, e estão localizadas nas áreas centrais de
Mosqueiro. “Nos dias de hoje não se pode mais ficar em frente das casas como
antigamente. Tem assalto e gangues atuando na ilha”, frizou Toninho ainda fazendo
referência aos aspectos da violência.
A partir da correlação entre o crescimento da violência e o surgimento de áreas de
ocupação, ficou evidente a necessidade de saber: de onde vêm essas pessoas que estão
ocupando algumas áreas em Mosqueiro? “Apesar de não ter um levantamento que possa
identificar mais claramente, o que se é que essas pessoas vêm de municipios do interior
do Estado e mesmo de áreas periféricas de Belém”, disse o coordenador do DETUR.
Quando indagado a respeito do que a prefeitura tem feito para evitar o surgimento
de novas áreas de ocupação, Toninho destacou:
O turismo trabalha com a paisagem. Por isso precisamos cuidar da
aparência de Mosqueiro. Essas áreas de ocupação além de contribuírem
para o aumento da violência ainda “enfeiama cidade. A prefeitura tem
trabalhado intensamente para tentar evitar essa situação.
Aproveitando o nexo feito aos aspectos da paisagem, passaram a fazer parte do
diálogo as questões associadas ao saneamento e ao lixo, sem perder o enfoque na temática
central, o turismo. Neste sentido, a arguição encaminhada foi a seguinte: muitas pessoas
têm reclamado do acúmulo de lixo e da falta de pavimentação em Mosqueiro, como a
prefeitura tem tratado essas questões?
A resposta a essa indagação foi ao encontro de uma argumentação proposta no
primeiro capítulo deste trabalho, a de que Mosqueiro e Belém são realidades simbólicas e
político-econômicas e sociais distintas, e que a sobreposição de interesses político-
95
econômicos, históricamente constituída, de Belém sobre Mosqueiro que não tem
contribuído para o desenvolvimento da ilha. Nas palavras de Toninho:
Mosqueiro não é Belém. Isso é facilmente observado na questão do lixo,
por exemplo. Belém produz mais lixo durante a semana, portanto, o
sistema de coleta implantado pela prefeitura dá certo em Belém. Em
Mosqueiro a produção de lixo é maior nos fins-de-semana e a coleta
deveria ser feita de forma diferente, mas não é, e isso contribui para o
acúmulo de lixo.
A fotografia ilustra os aspectos discutidos, ou seja, o acúmulo de lixo nas ruas de
Mosqueiro. Contudo, vale destacar que esse acúmulo de lixo é mais facilmente verificado
em áreas distantes da movimentação de pessoas, isto é, nas áreas periféricas. A fala dos
moradores ratifica esse argumento.
Ao perceber a fotografia que estava sendo feita em frente a sua casa, D. Elizabeth
Santos, 54 anos, moradora da Vila há mais de 30 anos, relatou:
“Dá uma olhada na praça da matriz, da igraja de Nossa Senhora do Ó, e vê
se você encontra lixo acumulado? Duvido! É porque tem muita gente,
FOTO 08 – Acúmulo de lixo nas ruas de Mosqueiro / bairro da Vila – 2006
Fonte: Trabalho de campo – Outubro de 2006.
Antônio Sérgio Saraiva
96
passam muitas pessoas, o pessoal que vem de Belém, que compra tapioca.
Pois é, lá não pode ter lixo. Mas aqui na frente da casa da D. Beth pode,
não passa quase ninguém por aqui” (informação verbal)
27
.
De fato, a paisagem das áreas centrais de Mosqueiro não se apresenta tão suja. Não
a da praça da igreja de Nossa Senhoa do Ó, conforme sugerido por D. Elizabeth, mas de
outros pontos associados com a presença de um grande fluxo de pessoas.
O meio-fio pintado de branco, os postes de iluminação da praça pintados, a grama
aparada, o coreto cuidadosamente pintado desde o telhado e a ausência de quaisquer
veistigios de lixo na rua, nas calçadas ou no gramado da praça, respondem a pergunta de D.
Elizabeth.
Na avenida Beira Mar, a distribuição de lixeiras por quase toda a orla ajuda a
manter os aspectos da limpeza, enquanto que na periferia, ou mesmo em áreas centrais, mas
distantes do fluxo de pessoas, esses equipamentos praticamente não existem (ver foto 10).
27
Entrevista realizada no dia 16 de outubro de 2006.
FOTO 09 – Praça da Igreja de Nossa Senhora do Ó – 2006
Fonte: Trabalho de campo – Outubro de 2006.
Antônio S
érgio Saraiva
97
Quanto ao saneamento e à pavimentação. O questionamento teve como ponto de
partida a implantação da estação de tratamento de água e esgoto, proposta na gestão
anterior a atual, a do Prefeito Edmilson Rodrigues do Partido dos Trabalhadores – PT, que
esteve no poder por oito anos, de 1996 até 2004.
A implantação do sistema de tratamento de esgôto, na segunda gestão do PT, de
2000 – 2004, tido na época como importante, principalmente no que diz respeito ao cuidado
com as praias, teve sua impotância questionada, pois ficou incompleta, e destruiu as ruas
para a colocação da tubulação que iria captar o esgôto, evitando que os mesmos fossem
despejados in natura nas praias, contribuindo assim para a contaminação e para o
afastamento dos turistas. Como a prefeitura tem tratado essa questão?
Respondeu o coordenador do DETUR/ADMO:
Quanto à questão das ruas, a recuperação tem sido feita e isso depende
não de verba, mas de questões de tempo, do período das chuvas . o
sistema de tratamento de esgôto, essa obra vai se perder, por vários
motivos. Porque ela não era necessária, porque ela foi mal administrada.
Não era necessária porque a maior parte das casas aqui tem as chamadas
fossas biológicas, no fundo das casas. Além do mais, a ligação das casas
com a tubulação central era feita pelos moradores.
FOTO 10 – Orla da praia do Farol – 2006
Fonte: Trabalho de campo – Outubro de 2006.
Antônio Sérgio Saraiva
98
A paisagem expressa na foto, revela que o esgôto continua a ser despejado nas
praias da ilha, mas, segundo o coordenador do DETUR/ADMO, a maior parte das casas
possui fossas biológicas e essas águas escuras advem da drenagem pluvial. O difícil é
persuadir o grupo de pessoas, cada vez maior, que se afasta das prais por se deparar com
essa realidade.
A intenção aqui não foi a de avaliar a eficiência ou não da referida obra, mas a de
perceber como o poder público e a população vislumbravam a implantação do sistema de
tratamento de esgôto.
Neste sentido, a atuação da prefeitura, na atual gestão, a do prefeito Duciomar
Costa, deixou claro que não pretende retomar as obras de implantação do sistema de
tratamento de esgôto, pois priorizou a conclusão da revitalização da orla das praias. Quando
perguntado o porquê da prioridade para a revitlização da orla das praias? O coordenador do
DETUR argumentou: “é o principal foco dos visitantes e precisa ser bem cuidado”.
Francisco Alcantara, 21 anos, nascido no bairro do Caranamduba, quando
abordado sobre esses pontos foi claro ao dizer que essas obras são importantes, mas
deveriam ser feitas também em outros lugares.
FOTO 11 – Tubulação que leva a drenagem pluvial
e o esgoto e despeja nas praias. Praia do Farol - 2006
Fonte: Trabalho de campo – Outubro de 2006.
Antônio Sérgio Saraiva
99
Essas obras são importantes, mas deveriam ser feitas em outros lugares de
Mosqueiro também. Aqui por exemplo, no nosso bairro, é bem difícil
essas obras chegarem. Asfalto, na principal. Água se for de poço.
Mas lá no centro toda hora tá tendo reforma (informação verbal)
28
.
Nas ruas transversais à estrada do Caranandúba, uma das principais vias de acesso
às praias, pode-se verificar a inexistência de pavimentação e o acúmulo de mato e lixo, o
que mostra que a atuação do poder público, como frizou Frasncisco, aí é menos intensa (ver
foto 12 p. 96).
Em se tratando dos aspectos ambientais da qualidade de vida, pode-se perceber,
pelas análises dos dados secundários ou na fala dos moradores entrevistados, que sobre
serviços públicos, sobre o destino final e tratamento de dejetos e de coleta de lixo, uma
centralização. Mesmo nos bairros mais relacionados aos fluxos turísticos, como Farol, Vila
e Murubira, a atuação do poder público no provimento desses serviços tem sido restrita às
áreas maior concentração de pessoas, ou seja, em praças, como é o caso da praça em frente
a igreja de Nossa Senhora do Ó, na vila, e a praça do Caranandúba, em Caranandúba; ou na
28
Entrevista realizada no dia 17 de outubro de 2006.
FOTO 12 – Rua transversal à estrada do Caranandúba – 2006
Fonte: Trabalho de campo
Outubro de 2006.
Antônio Sérgio Saraiva
100
orla das praias, como por exemplo a do Murubira, Farol e Chapéu Virado, que receberam
reformas.
Nos bairros estudados, em áreas mais distantes aos fluxos de pessoas, a atuação do
poder público no provimento dos referidos serviços é menor. A fala dos moradores, em
especial as de D. Elisabeth Santos e de Sr. Francisco Alcantara, moradores dos bairros da
Vila e do Caranandúba, respectivamente, denotam o descontentamento com a situação de
abandono verificada a partir da paisagem desses locais.
A avaliação dos aspectos subjetivos da qualidade de vida, derivaram das análises
dos dados obtidos a partir da aplicação de 200 questionários à moradores dos 4 bairros
selecionados para a pesquisa, perfazendo um total de 800 questionários
29
. Nele foram
tratados aspectos quanto à satisfação com a moradia, satisfação com o bairro, vizinhança ou
cidade, intenção de mudar-se de domicílio ou de cidade (ver questionário em anexo).
A análise dessas informações mostrou que a insatisfação por parte dos moradores
está diretamente ligada ao que Jannuzzi (2004 apud MURTA, 2005) chama de indicadores
objetivos e/ou ambientais, isto é, ligados à infra-estrutura.
GRÁFICO 01 - MERO DE PESSOAS INSATISFEITAS
QUANTO À VIZINHANÇA OU BAIRRO
800
544
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
Nº de moradores
entrevistados nos
bairros selecionados
Nº de pessoas
insatisfeitas quanto ao
bairro ou vizinhança
Fonte: Trabalho de campo – Outubro de 2006.
29
Os questionários foram aplicados no período de 17 a 20 de outubro de 2006. O número de questionários
aplicados não obedeceu a um critério específico. A preocupação foi a de construir uma base consistente de
informações, que ao mesmo tempo fosse (um mero) executável do ponto de vista operacional de sua
aplicação, que, se consistiu em um trabalho individual. Na oportunidade também foram realizadas
entrevistas com alguns dos moradores consultados.
101
Cerca de 68% dos moradores entrevistados, ou 544 pessoas, mostraram a sua
insatisfação quanto ao bairro ou vizinhança. Esta negativa veio acompanhada de
justificativas que íam desde a violência, até a falta de escolas ou hospitais.
Os maiores percentuais de insatisfação quanto à vizinhança ou bairro se
concentraram no Caranandúba, 167 pessoas, o equivalente a 83,5% do total de
questionários aplicados no bairro.
Do número de pessoas insatisfeitas no Caranandúba, ganhou destaque a
justificativa associada aos aspectos da falta de infra-estrutura: saneamento com 34%, ou 57
pessoas; escolas com 29% ou 48 pessoas e hospital com 32 pessoas ou 19% do total de
insatisfações. Esses três elementos de infra-estrutura juntos correspondem a 73,5% do total
de insatisfações.
GRÁFICO 02 - PERCENTUAL DO Nº DE PESSOAS
INSATISFEITAS QUANTO A VIZINHANÇA OU
BAIRRO NO CARANANDÚBA
83,5%
34%
29%
19%
0
50
100
150
200
1
Total da pessoas
insatisfeitas no
Caranandúba
Saneamento
Escolas
Hospital
Fonte: Trabalho de campo – Outubro de 2006.
Os dados expressos no gráfico não influenciam nos aspectos de satisfação quanto à
casa. Ou seja, nos bairros consultados, mesmo estando em áreas desprovidas de infra-
estrutura, como ficou explícito no bairro do Caranandúba, o fato da casa ter sido “fruto do
esforço” ou o “fruto do trabalho”, respostas recorrentes durante as justificativas, ilustraram
o sentimento de conquista dos moradores em relação à moradia.
Sobre este questionamento tiveram destaque os índices de respostas negativas
verificados nos bairros do Murubira e do Farol. Fator quem sabe explicado pelo padrão
diferenciado das casas (casas maiores e mais luxuosas) que levam a população a querer
102
seguir o padrão, logo os que não conseguem se mostram insatisfeitos. Nesses bairros, o
número correspondente de pessoas insatisfeitas, foi de 107 pessoas o equivalente a 53,5 %
no Murubira e 87 pessoas no bairro do Farol o equivalente a 43,5 % (ver gráfico 03, p.101).
Contudo, a insatisfação em relação à casa não se traduz na vontade de sair do
local. Apenas 8 % das pessoas que responderam ao questionário no bairro do Murubira
manifestou o desejo de mudar-se de bairro ou de cidade, ou seja, 16 pessoas ; no Farol esse
percentual foi de 14% ou 28 pessoas. Os argumentos que justificam as escolhas, neste caso,
estão associados a questões como: a falta de segurança ou a busca pelo sossego e
tranquilidade. Fatores em grande parte justificados pelo intenso fluxo de pessoas nessas
áreas.
Fonte: Trabalho de campo – Outubro de 2006.
O número de pessoas que não manifestou o interesse de sair de seu bairro foi alto
em todos os bairros selecionados, exceto no Caranandúba. No Murubira, 92% ou 184
pessoas não gostariam de mudar-se; no Farol, 172 pessoas ou 86% também não; na Vila
esse percentual cai para 72% ou 144 pessoas; no Caranandúba foi verificado o percentual
mais baixo, isto é, apenas 37% das pessoas que responderam ao questionário e vivem,
não gostariam de deixar o local, o equivalente a 74 pessoas.
Esses dados podem indicar, que as pessoas entrevistadas, acreditam na
possibilidade de mudança para melhor de seus bairros e que esta mudança está diretamente
associada à introdução de infra-estrutura, com destaque para saneamento, escolas e
GRÁFICO 03 - PERCENTUAL DE PESSOAS
INSATISFEITAS QUANTO À MORADIA- FAROL/
MURUBIRA - 2006
0
20
40
60
80
100
120
1
BAIRRO DO MURUBIRA
BAIRRO DO FAROL
53,5%
43,5%
103
hospitais, estando portanto, condicionada à atuação do Poder Público e/ou empresas
privadas.
Estando o Poder público empenhado em desenvolver o turismo, como destacado
anteriormente, importantíssimo para a dinâmica econômica da ilha; turismo que por sua
vez, não atinge a ilha como um todo, verá essa população seus anseios alcançados? Os fatos
e os dados mostraram que a realidade a ser reproduzida é a de valorização de algumas
áreas, enquanto a população local ocupa áreas periféricas nos termos da dinâmica central da
ilha, a dinâmica do turismo.
104
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa se propôs a identificar de que forma a introdução de infra-estrutura e
a ampliação da atividade turística, inplementadas ao longo dos anos na ilha do Mosqueiro,
foram fatores de promoção do desenvolvimento sócio-espacial. Sem, contudo, ter a
pretensão de esgotar toda a transversalidade e amplitude de discussão que este tema sugere.
Acredita-se, porém, que as elaborações aqui apresentadas são pertinentes ao que se
destinam.
Nestes termos, a discussão sobre Mosqueiro, em função da necessidade de
apreender o processo histórico de produção daquele espaço, remontou à identificação da
origem do nome da ilha. Derivado de uma prática da população nativa, neste momento
ainda os índios, o “moqueio”, está associado ao nome do lugar. Esta informação, contudo,
poderia parecer pouco pertinente em termos da discussão sobre o “desenvolvimento”.
Porém, pode-se dizer que as transformações ocorridas naquele espaço, daí por diante,
seriam muito mais influenciadas pelas demandas externas que pela população nativa, isto é,
para além da nomenclatura da ilha, as práticas da população local não mais tem
influenciado, mas sido influenciadas.
Teoricamente, o “desenvolvimento” seria construído a partir das iniciativas da
população local, que de forma “autônoma”, deveria empoderar-se em beneficio de seus
anseios ou necessidades. Contudo, foram os fluxos advindos de Belém, que aconpanhados
da prática estrangeira, de descanso aos fins-de-semana, demandaram a iniciativa de dotar de
infra-estrutura a ilha do Mosqueiro.
As transformações mais significativas foram verificadas, a partir da construção da
rodovia “Augusto Meira Filho” e da ponte “São Sabastião”. O aumento do fluxo de pessoas
em direção à ilha influenciou o crescimento do setor terciário. No entanto, supõe-se que
uma intensa relação de dependência passa a ser instalada a partir daí. Cabe então lembrar,
que desenvolvimento é também autonomia e não dependência.
Mosqueiro estaria tornando-se um lugar para o desenvolvimento do turismo? É, de
fato, as características naturais são potencialmente atraentes para esse fim. Porém, um
turista, um pouco mais atento vai perceber que uma concentração da infra-estrutura nas
áreas próximas às praias, ou nas áreas que dão acesso às mesmas. Vale comentar aqui, um
105
outro aspecto relevante, que turísta estaria preocupado em fazer tal observação? Pergunta
interessante e de difícil resposta. Em outros termos, pode-se pensar, que turista está de fato
perocupado com o desenvolvimento sócio-espacial?
As discussões a respeito do turismo têm crescido nos últimos anos. As mesmas
têm apontado que o turismo possui aspectos positivos e negativos e que a maior incidência
de um ou outro, depende de um planejamento comprometido e à longo prazo. Portanto,
seria necessário um estudo à parte para identificar mais a fundo esta questão. Vale destacar,
que a dimensão econômica do turismo não pode prescindir de sua dimensão social. A
sobreposição de um desses aspectos produziria conseqüências negativas em ambos os
casos.
Em Mosqueiro, a necessidade do poder público em gerar renda para a população
local, contraditoriamente, tem tornado essa população marginal. Na medida em que, no
processo de (re)organização do espaço, a necessidade de atrair fluxos turísticos, para a
sustentação econômica da própria população local, tem levado a prioridade de
investimentos para as áreas centrais, isto é, com maior incidência dos fluxos turísticos e de
menor contingente de habitantes deste distrito.
O poder público tem trabalhado, no sentido de recuperar e manter a intensidade do
fluxo de pessoas em direção à Mosqueiro, fato representado na preocupação de
implementar um projeto de recuperação da orla das principais praias. Entretanto, O que
seria mais importante para a população, um projeto paisagístico para a orla, ou um sistema
de tratamanto de água e esgôto? A população local se recente da excessiva concentração da
atuação do Poder Público nas áreas mais diretamente ligadas ao turismo, o que segundo
essa população relegaria à segundo plano as demais áreas.
Pode-se dizer então, que a população vem sendo históricamente carreada para um
circuito de relações de dominação desproporcionais, na medida em que estas são
conduzidas pelo viés econômico (geração de renda para a população local). É necessário,
pois, esclarecer que a ação dos grupos investidos de poder, isto é, capazes de exercer a
dominação, não é o efeito direto e simples da ação protagonizada por aquela categoria a que
a teoria marxista chama de “classe dominante”, detentora do poder de coerção. Mas a
dominação é o efeito indireto de um conjunto complexo de ações que se engendra na rede
106
cruzada de limitações que cada um dos dominantes, dominado pela estrutura do campo
através do qual se exerce a dominação, sofre da parte de todos os outros.
A extrema dependência, que foi construída historicamente, contribuiu para inverter
as prioridades. Tecnicamente 90% da população que vive do comércio e da prestação de
serviços, depende do fluxo de turistas. Estes por sua vez, não se importam com questões
ambientais, apenas lhes basta uma paisagem agradável. A população local e os turístas não
percebem que este “modelo” tende a fracassar.
O carro, um ícone que representa a classe social que atualmente freqüenta a ilha,
como outrora fora o papel das lanchas e pequenas embarcações, tende a ser
sistematicamente substituido, justamente em função da popularização do acesso à ilha (fato
tão notado durante o processo histórico de produção deste espaço). A entrada da frota de
ônibus urbanos que atende à RMB, ampliou o acesso à uma classe de menor poder
aquisitivo, fator que dentre outros aspectos, tem contribuído para o aumento dos índices de
furtos e da violência, o distanciamento de turistas com maior poder aquisitivo e
consequentemente a redução do volume de vendas.
Esta transição pode ser sentida nas falas dos comerciantes locais quando se
referem à redução do percentual dos lucros ou na quantidade de vendas. Este fato influencia
no nível de renda da população, e por conseguinte, no acesso a outros equipamentos e
serviços. Em termos educacionais, por exemplo, percebe-se que entre as crianças está o
maior índice de analfabetismo. Seria este um reflexo do nível de renda, da falta de escolas
ou dos dois? Essa é uma outra problemática.
Nestes termos, parece evidente o poder de inclusão e/ou exclusão das redes. Isto
é, a introdução de infra-estrutura foi uma “exigência” para a ampliação dos fluxos turísticos
na ilha. Mas, parte da população local, e principalmente, da população localizada em áreas
distantes aos “territórios turísticos” se recente desta distância, ou seja, o processo de
ampliação da introdução de redes de infra-estrutura na ilha, (re)ordenou o espaço do ponto
de vista político-econômico e/ou simbólico-cultural.
A fala dos moradores, e os números apontados pela pesquisa, mostram um
descontentamento em relação aos aspectos infra-estruturais, principalmente no que se refere
ao saneamento, às escolas e hospitais. Isso sugere que a precáriedade desses serviços deixa
na população local um sentimento de exclusão. Sentimento este, ampliado quando os
107
mesmos percebem a atuação do Poder Público em outras áreas, nas áreas centrais e/ou de
maior fluxo turístico.
Desta forma, pode-se inferir que o processo de produção do espaço de Mosqueiro
esteve intrinsecamente ligado aos fluxos turísticos. A população local, adaptou-se a este
processo. Fato que reflete uma economia dependente, de uma área com população de baixa
renda e com dificuldades de obter acesso à serviços, o que afeta diretamente os aspectos
objetivos e subjetivos de qualidade de vida de seus moradores, que expostos aos contrastes
que a centralização da atuação do Poder Público hitóricamente produziram, vêem suas
vidas, de certa forma, condicionadas pelos fluxos turísticos.
A qualidade de vida é uma variável subjetiva, histórica, cultural e econômica, ou
seja, em determinado tempo de seu desenvolvimento econômico, social e tecnológico, uma
sociedade específica tem um parâmetro de qualidade de vida diferente da mesma sociedade
em outra etapa histórica. Valores e necessidades são construídos e hierarquizados
diferentemente pelos povos, revelando suas tradições estratificações ou classes sociais.
O recorte político-econômico e simbólico-cultural, revelado na paisagem de
Mosqueiro e atribuído historicamente, impulsiona a população local a buscar estratégias
para apropriar-se dos mesmos. O crescimento do setor terciário, formal e informal é uma
dessas estratégias, mas não a única. O aumento da violência, e a luta pela implantação de
um sistema de transportes eficaz, também constituem sintomas da tentativa de inclusão, por
parte da população local, nesse espaço que se pretende fazer um “espaço turístico”.
108
REFERÊNCIAS
BARRETO, M. Planejamento e organização em turismo. edição - Campinas, SP:
Papirus, 2003.
BENAKOUCHE, T. Tecnologia é sociedade: contra a noção de impacto tecnológico. In:
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TUAN, Y. Espaço & lugar. A perspectiva da experiência. São Paulo: DIFEL, 1983.
111
TABELA 03 – Mosqueiro - População residente de 5 anos ou mais de idade, por grupos de idade, total e alfabetizada.
Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2000 – resultados do universo – Características da população e dos Domicílios – VOL. 2 (Adaptada).
População residente de 5 anos ou mais de idade
Grupos de idade
5 anos 6 anos 7 anos 8 anos 9 anos
Total Alfabetizada Total Alfabetizada Total Alfabetizada Total Alfabetizada Total Alfabetizada
633 56 660 172 641 280 641 392 534 404
10 anos
11 anos 12 anos 13 anos 14 anos
Total Alfabetizada
Total Alfabetizada Total Alfabetizada Total Alfabetizada Total Alfabetizada
585 490
610 528 548 501 550 521 567 542
15 anos 16 e 17 anos 18 e 19 anos 20 a 24 anos 25 a 29 anos
Total
Alfabetizada Total Alfabetizada Total Alfabetizada Total Alfabetizada Total Alfabetizada
598 575 1.135 1.093 1.093 1.059 2.558 2.424 2.324 2.193
30 a 34 anos 35 a 39 anos 40 a 49 anos 50 a 59 anos 60 anos ou mais
Total Alfabetizada
Total
Alfabetizada Total Alfabetizada Total Alfabetizada Total Alfabetizada Total Alfabetizada
POPULAÇÃO URBANA
Mosqueiro
22.850 19.057 1.910
1.778 1.617 1.472 2.269 1.983 1.586 1.294 1.800 1.300
112
APÊNDICES
113
APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO
QUESTIONÁRIO
NOME: _________________________________________________________________
IDADE: _________________________________________________________________
SEXO: ( ) Masculino ( ) Feminino
1. A respeito de sua casa. Você está satisfeito com ela?
( ) SIM ( ) NÃO
Por quê?
____________________________________________________________________________________________________________
______________________________________
114
2. Em relação ao seu bairro. Você está satisfeito com ele?
( ) SIM ( ) NÃO
O que você mudaria?
____________________________________________________________________________________________________________
______________________________________
3. Se você pudesse escolher se mudaria para um outro lugar?
( ) SIM ( ) NÃO
Por quê?
____________________________________________________________________________________________________________
______________________________________
115
ANEXOS
116
117
ANEXO 1
118
ANEXO O2
119
Área: Carananduba (Orla/Mercado)
Nome Atividade
01
Maria Raquel Fernandes Amador
Lanche (Mercado)
02
Pedro Gilberto de Moraes Botelho Peixe/Camarão (Mercado)
03 Alírio dos Santos Barbosa Bombom
04 Susi Sueli Ramos Nascimento Barraca Point Susy
05
Waldenice da Silva de Araújo
Barraca Amor de Verão
06
Walmira CoutinhoAmador Barraca Caçulinha Drinks
07 Waldinéia Maria Lobato Barros Barraca Só para Contrariar
08 Raimunda Marques Abadessa Barraca Abadessa
09
Waldirene do Socorro Lobato
Barros
Barraca Encontro dos Amigos
10 Regina Celi Abadessa Peralta Barraca Brebruna
11 Maria do Carmo Farias Macedo Tapioca
12
Benedito Mirunei de Assunção
Bastos
Nara Drinks
13 Maria Celeste Pinheiro Ferreira Barraca Vôo Livre
14 Suzana Raimunda da Silva Pereira Barraca Suzana
15 Jacira Soeiro Pinheiro Barraca Sonho de Amor
16 Maria Helena Santos da Silva Lanche
17 Maria José Ribeiro Nunes Tapioca
Área: Carananduba (Praça)
01 Cleus Maria dos Santos Abadessa Comidas Típicas
02 Maria Alba Sousa dos Santos Batata Frita
03 Ananias da Silva Cardoso Bombom
04 Raimunda Roseli Senna Lima Carro de Lanche
05 Rosiane dos Santos Maia Trailler de Lanche
06
Márcia do Socorro Coimbra
Cordeiro
Batata Frita
07 Andréia Jardim Magalhães Trailler de Lanche
08 Raimunda Francisca R. de Souza
Bombom
09 Manoel Luís Martins Batista Guaraná
10 Deusa da Silva Costa Hot Dog
120
11 Maria de Nazaré Batista Campos Batata Frita
12 Rosa de Fátima Mota Bombom
13 Manoel Alves de Souza Bombom
14 José Roberto Moraes dos Santos Bombom
15 Sandra Sueli Ramos Comidas Típicas
16 Maria Helena Bentes Monteiro Banca de Revista
17
Dilma Jandira Campelo do
Nascimento
Churros
18 Maria Darcila Neves Lanche/Bicicleta Cargueira
19 João Coutinho dos Santos Refeição
20 Joana Amador Teixeira Bombom
Área: Orla do Farol
01
Rosângela do Socorro Lima
Macedo
Barraca Tambatajá
02 Fátima de Nazareth S. Glestas Barraca Lanche Bom
03 Gleyde da Silva Dantas Barraca Brazeiro
04
Francisco Carlos Santos
Rodrigues
Barraca Tutubarão
05 Raimundo Dorival Souza Ferrera Barraca Ponte de Encontro
06 Adriano Robalo Barraca Cavalcante
07 Antônio Brito Silva Lima Barraca Zacarias
08 João Moraes da Silva Barraca Sofia
09 Maria Genilda Costa de Carvalho Barraca o Azulão
10 Rosa Conceição Rodrigues Venda de Côco
11 Odenilson Cezar Barros Pires Barraca Nativa
12
Maria Dionísia do Nascimento
Oliveira
Barraca a Maré
13 Manoel Cândido da Rocha Filho Barraca La Paloma
14 Antônio Rita Rodrigues Barraca dos Taxistas
15 Benedito Rodrigues Almeida Barraca Perpétuo Socorro
16 André Luís de Souza Barraca Samambaia
17 José Raimundo Rodrigues Paiva Barraca Cíntia
18 Antônio Carlos Cabral Barraca Balaço do Mar
19 Maria das Graças Corrêa Cunha Barraca a Baiana
20
Esmeraldo Nazareno Chaves
Moraes
Barraca o Recanto
21 Hilda de Souza Negrão Macedo Barraca oComilão
22
Maria Helena Silva dos Anjos
Barraca Chega Mais II
121
Área: Orla do Chapéu Virado
01 Maria dos Reis da Paz Barraca Play Toc-Toc
02 Fátima da Silva Costa Barraca Chalé da Ilha
03 Wanderley Dias Cabral Segundo Barraca Asmin
04 Maria Marlene Raiol Cabral Barraca Chapéu Virado
05 Maria Eunice de Souza Maia Barraca K-Tispero
06 Maria do Rosário da Costa Barraca Claudinha
07 Vera Lúcia de Souza Pinho Barraca Paricho
08 Wilson Rodrigues Gonçalves Barraca Pingui
09 Iracema Leila Brito de Oliveira Barraca Céu e Mar
10 Maria das Graças G. dos Santos Barraca Lanche Bem
Área: Orla do PortoArthur
01 Edílson L. Barata Barraca Companheiro
Área: Mercado do Chapéu Virado
01 Isaac Miranda de Freitas Açougue
02 Maria Elielza de Souza dos Santos Frango Assado
03 Jackson Corrêa Souza Marisco
04 Ivanéia Pamplona Cardoso Hortifrutigranjeiro
05 Catarino de Souza Barbosa Caranguejo
06 José Maria de Jesus Moraes Filho Peixe
07
Maria Auxiliadora Bentes da
Costa
Polpa de Frutas
08 Maria do Socorro da Costa Duarte Farinha
09 Miguel Monteiro Lagoia Molduras
10
Maria do Socorro Silva
Araújo
Hortifrutigranjeiro
11 Sidele Ferreira Torres Hortifrutigranjeiro
12 Raimunda Elza Leal da Costa Roupas e Bijuterias
13 Ana Maria Pereira de Lima Hortifrutigranjeiro
14 Lucialdo dos Santos Monteiro Mercearia
15 Maria Lia dos Santos Conceição Hortifrutigranjeiro
16 Sebastião Correa Açougueiro
17
Antônio Carlos Oliveira de
Araújo
Peixe
18 Geraldo da Luz Cardoso Peixe
19 Maria Elizia Souza Santos Hortifrutigranjeiro
20
Raimundo Maués Furtado
Mercearia
122
22 Lucimar da Conceição I. Monteiro Lanche
23
Goreth do Socorro Marquês
Cardoso
Hortifrutigranjeiro
24
Raimundo Garcia Marquês
Cardoso
Frango
25 Guilherme Almeida Duarte Farinha
26 Guilherme Almeida Duarte Hortifrutigranjeiro
27 Manoel Orlando de S. dos Santos Açougue
28 Joana Alice Marquês Cardoso Açaí
29 Miguel Ângelo Cearense Raiol Refeições
Área: Anexo ao Mercado do Chapéu Virado
01
Lucimar da Conceição Santos
Monteiro
Tapioca
02 Ermita Souza Nunes Tapioca
03 Cirene Dutra Barbosa Tapioca
04 Luciene Monteiro Amaral Tapioca
05 Iranilce Lima da Silva Tapioca
06 Dinair Barbosa de Oliveira Tapioca
07 Sandra Maria Barbosa da Silva Tapioca
08 Nair Oliveira Soeiro Tapioca
Área: Maracajá
01 Cristiane de Oliveira Nelsidio Guaraná
Área: Vila – Feira I
01 Orlando Vasconcelos Monteiro Sapateiro
02 Natanael Lima da Silva Relojoeiro/chaveiro
03
Carmem do Socorro Soares
Félix
Armarinho
04 Hilda Bentes Tavares Armarinho
05 Narciso Pastana Açaí
06
João Batista Favacho de
Bar
123
Sousa
07 Eliana Ferreira Gomes Confecções
08
Heitor Bentes da
Costa Filho
Confecções
09 Edmilson Lima Prates Fotógrafo
10 José Ribamar Costa Oliveira Mercearia
11 Maria Raimunda Barata Gerhardt -
Área: Vila – Feira II
01 Vivian Cristina da Silva Sousa Refeições
02 José Maria Vulcão Moraes Refeições
03 José Gomes Cabral Mercearia
04 Benedito Santos da Silva Armarinho
Área: Murubira
01 Elbano Pereira paixão Côco / água
02
Josiane Michele Coutinho de
Araújo
Tapioca
03
Delcy de Fátima Santos
Guimarães
Carro de Lanche
04 Raimunda Soares Ferreira Bombom
05 Alex Fernandes de Souza Água e refrigerante
06 Ana Paula Brito da Silva de Lima Comidas Típicas
07 José Ribeiro dos Anjos Bombom
08 Ismael de Oliveira Gonçalves Côco e água
09 Maria dos Santos Reis Carro de Lanche
10 Max Milman dos Santos Polga Água e refrigerante
11 Jocaf da Silva Santos Côco e água
12 Leônidas David Feitosa Côco e água
13 Ana Claudia da Silva Bombom
14 Maria Izabel Pereira da Silva Côco e água
15
Maria das Graças Santos
Assunção
Côco e água
124
16 Doralice da Silva Côco e água
17 Maria de Fátima Monteiro Lopes Côco e água
18 Antônio Nevez Raspa-raspa
19 Maria Estela Bitencourt Raiol Carro de Lanche
Área: Baia do Sol
01 Rildo Sebastião P. dos Santos Peixe
02 José Ribamar Cruz de Souza Peixe
03 Adalberto da Silva Rodrigues Carne
04 Maria Irene Vilaça Pereira Frango
05 Nelson Silva Santos Lanche e bombom
Área: Recanto dos Tamarindos
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